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Cinderela Triste Anne Mather
Parecia um conto de fadas: professorinha do interior da Inglaterra vai estagiar nos Estados Unidos e descobre por acaso que é filha da falecida estrela de cinema Elizabeth Steel. Foi assim que Deborah se sentiu - uma verdadeira Cinderela quando soube a verdade sobre sua origem. Mas logo acordou do sonho ao fazer
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outra descoberta chocante: Estava apaixonada por Domingos McGill, dramaturgo de sucesso, perseguido pelas mulheres e... ex-amante de sua mãe! De que adiantava viver no mundo mágico do cinema e ser milionária, se Deborah teria que fugir para sempre daquele homem que só desejava por ser uma cópia perfeita da linda Elizabeth? Copyright: Anne Mather Título original: "Tangled Tapestry" Publicado originalmente em 1969 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Tradução: Clara Laniado Copyright para a língua portuguesa: 1982 Abril S.A. Cultural e Industrial — São Paulo Composto e impresso em oficinas próprias Foto da capa: Apla
Digitalização – Valéria O. Revisão – Cris Paiva CAPÍTULO I
Débora saiu do prédio para o calor daquele dia primaveril. A névoa que cobria o porto logo desapareceria e, então, teria diante dela uma maravilhosa vista panorâmica. No princípio, quando soube que iria para São Francisco, na costa oeste dos Estados Unidos, tinha ficado desapontada. Gostaria de conhecer Nova York e Washington, além de todas as outras cidades famosas da costa leste, mas agora estava feliz por ter vindo. Durante anos, poetas e escritores tentaram descrever a beleza das baías e pontes de São Francisco, e podia entender por quê. Apesar de só ter chegado há três meses, já aprendera a amar cada esquina e ladeira da cidade e a beleza da península. Só pensar em voltar para casa na Inglaterra e para tia Júlia a enchia de tristeza. Sorrindo para o carteiro amistoso que passava, a moça seguiu lentamente para a Escola Filbert, onde era professora. Tinha vindo de Valleydown, em Sussex, fazer aquele estágio, muito a contragosto de Júlia, sua única parente. Por alguma razão desconhecida, a tia desgostava de tudo que se referia à América, além de ter sempre tolhido a liberdade de Débora. Para não contrariá-la, a moça costumava obedecer. O que não representava nenhum sacrifício, pois não gostava mesmo de sair muito. Preferia ler e ouvir música clássica, as colegas até a achavam um tanto antiquada.
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Mas quando a chance de conhecer algo do mundo bateu à sua porta, Débora decidiu agarrá-la com unhas e dentes. Afinal, tinha vinte e dois anos, era perfeitamente capaz de se cuidar e, com certeza, nunca mais teria uma oportunidade de viajar com tudo pago. Aliás, duvidava de que pudesse viajar novamente. O que ela e a tia ganhavam mal dava para se manterem. Isso significava que tinha que fazer quase toda sua roupa, além de não poder gastar quase nada com supérfluos. Felizmente Débora era bonita naturalmente; não precisava de artifícios. Tinha uma pele macia e sedosa, olhos verdes ligeiramente puxados, sombreados por cílios espessos e cabelos longos, loiros e naturalmente ondulados. Com um mínimo de maquilagem e cuidados, poderia ser realmente linda. Mas Débora preferia mergulhar em seu pequeno mundo de livros e música, indiferente a qualquer vaidade. Virou a esquina de Maple Vine e entrou pelos altos portões da escola. Seu jeito juvenil dava-lhe o ar de estudante e não de professora, o que às vezes causava problemas com alguns alunos mais atrevidos. Mas, de maneira geral, seu relacionamento com eles era de camaradagem e, sempre que podia, ela os levava para passear pela cidade. Naquela manhã, por exemplo, tinha conseguido autorização para visitarem um estúdio de televisão, onde filmavam uma nova série policial. O Estúdio Ômega ficava na rua Market, perto do cais. Débora amava aquela região. Às vezes, aos domingos, levava sanduíches e passava o dia perambulando pelas lojinhas que fervilhavam de turistas, admirando os enormes navios e pesqueiros coloridos. Costumava também sair de barco pela baía, como se quisesse gravar na memória todos os detalhes da cidade, para quando tivesse que voltar para casa novamente. A Escola Filbert era enorme e imponente. Depois da aula, Débora reuniu a classe de dezoito alunos e disse: — Arranjei condução para irmos ao estúdio. Alguém quer fazer alguma pergunta, antes de sairmos para lá? Uma jovem sardenta, de jeans e suéter branco com um "F" enorme impresso, levantou-se. — Vamos encontrar algum artista, srta. Warren? Débora deu de ombros.
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— Quem sabe? Mas duvido. Somos um grupo pequeno, e já tivemos muita sorte de nos darem passes. Uma menina de rabo-de-cavalo fez uma careta. — Ora, eu pensei que íamos aparecer na tevê. Será que Ross Madison estará lá? Ele é um sonho, srta. Warren. — Oh, Shirley! — Débora teve que rir. — Essa é uma visita educativa, para demonstrar as técnicas do cinema e do video-tape. Não é a visita anual dos fãs de Ross Madison! Houve uma gargalhada geral e Débora relaxou. Sentiria falta deles, quando voltasse para a Inglaterra. O Estúdio Ômega era grande e, por fora, parecia um galpão. Só quando entraram na recepção é que o impacto se fez sentir: tudo era suntuoso. Débora aproximou-se da mesa da recepção e apresentou-se à srta. Powell, a moça encarregada de mostrar os estúdios ao grupo. Os alunos olhavam tudo com interesse e curiosidade, na esperança de ver algum ator ou atriz conhecidos. Um elevador levou-os até o décimo andar, onde a Srta. Powell conduziu-os até um dos estúdios maiores. — O diretor aqui é Emmet Morley. Já ouviu falar nele? — Acho que não. — Morley já dirigiu uma infinidade de filmes, mas você é inglesa e não tem obrigação de conhecê-lo. Daqui a pouco, ele vai chegar e verá que é uma ótima pessoa. Débora sorriu e continuaram a visita olhando câmeras, equipamentos de gravação, a máquina de video-tape, toda a parafernália eletrônica existente em um estúdio. Os estudantes estavam fascinados de se verem nos circuitos internos de tevê e davam risadas cada vez que um rosto familiar aparecia no vídeo. Só as meninas ficaram desapontadas, porque Ross Madison, o galã das séries policiais, não estava, mas Márcia Wayne, a estrela de filmes para a juventude, apareceu e distribuiu autógrafos. A srta. Powell sugeriu que fossem até o restaurante. Foi nesse momento que Débora percebeu como chamava a atenção. Alguns dos câmeras não paravam de encará-la e ela estava ficando embaraçada. Perguntou à srta. Powell:
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— Será que estou imaginando coisas ou essas pessoas estão mesmo me encarando? A srta. Powell olhou ao redor. — Não tenho certeza. Por quê? — Sinto muito, não quero parecer ridícula, é apenas uma impressão. Talvez eles não estejam acostumados com grupos de adolescentes e professores visitando o estúdio... — Nós temos visitas freqüentes por aqui. Acho que não passa de imaginação sua. — Olhou para Débora. — Você é bastante atraente. Nunca lhe falaram isso? — Oh, não. — Débora sentiu-se ainda pior. — Não existem homens na Inglaterra, ou você mora num convento? Débora fez figa. — Nem uma coisa nem outra. Apenas não tenho muito tempo... para essas coisas. — Eu pensei que Londres fosse a cidade mais livre do mundo... — Eu moro em Valleydown, que fica a trinta quilômetros de Londres. De qualquer forma, acho que esse não é bem o tipo de conversa que deveríamos estar tendo. Vamos voltar ao estúdio? — Sim, eu prometi ao sr. Morley que vocês veriam uma filmagem de perto. Dirigiram-se ao estúdio sete, onde Emmet Morley estava dando instruções ao seu elenco. Quando o barulho do grupo chegou a seus ouvidos, ele se apresentou, sorrindo com um enorme charuto pendurado na boca. Débora olhou-o com interesse. Era o primeiro diretor que via e parecia muito importante. Tinha estatura mediana e um físico volumoso, mas o sorriso era encantador. — Oi, Lucy! — dirigiu-se à srta. Powell e depois olhou para Débora. Imediatamente sua expressão se alterou. A aproximação amistosa foi substituída por um olhar incrédulo onde havia algo de um estranho reconhecimento. Tirou o charuto da boca, apertou os olhos e depois passou a mão pela testa até a linha dos cabelos. Então, falou: — O seu nome? Qual é o seu nome? — Débora Warren, sr. Morley.
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Ele estudou-a com atenção, recolocou o charuto na boca e mordeu-o distraidamente. Débora sentia-se incomodada. No restaurante, percebeu que estava sendo observada... mas essa situação era muito pior. Por que ele não falava logo alguma coisa para acabar com o constrangimento? Todo o estúdio parecia acompanhar a cena como se fosse parte de um filme. Lucy Powell quebrou o silêncio: — Esta é a professora da Escola Filbert, sr. Morley, a garota inglesa que veio fazer um estágio aqui nos Estados Unidos. — É verdade, a professora inglesa! Lucy, você me faz um favor? Tome conta desses jovens por cinco minutos. Me dê um momentinho para falar com a srta... hã... Warren, em particular. — Sr. Morley, eu tenho que atender outros grupos essa tarde. — Lucy parecia chocada, mas ficou falando sozinha, pois Emmet Morley já tinha levado Débora até um pequeno escritório nos fundos do estúdio. Débora tentou protestar, mas o diretor insistiu: — Relaxe, criança, relaxe! Ninguém está querendo assustar você. Quero só ter uma pequena conversa em particular, certo? — Acho que sim. — Não podia recusar sem causar embaraços. Além do mais, o que poderia lhe acontecer? A sala era envidraçada e todos os olhares estariam sobre eles, enquanto durasse a conversa. No escritório havia duas poltronas confortáveis, uma escrivaninha baixa e vários telefones. Emmet Morley sentou-se atrás da escrivaninha e indicou uma das poltronas. — Sente-se, pelo amor de Deus. Não vou morder você! Parece petrificada! — Bem, falando francamente, você me deixou nervosa. — Não há nenhum motivo para sentir-se assim. Débora enrijeceu os ombros. — É claro que não, mas está fora da minha vontade. Além disso, não consigo imaginar o que tem a me dizer. E, para completar, todos estão me olhando como se eu fosse uma "pinta brava" ou algo do tipo! Será que pareço isso? O rosto de Morley se abriu num sorriso.
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— Imagine! Você é uma moça muito atraente. Certamente já sabe disso, não precisava que eu dissesse. — Isso é tudo? — Mais ou menos. — Morley hesitou. — Agora quer sentar-se? Débora sentou-se e aceitou um cigarro da caixa que ele abriu diante dela. — De que parte da Inglaterra você é, srta. Warren? — Acho que não ouviu falar de lá! Ê um lugar chamado Valleydown, em Sussex. Fica mais ou menos a trinta quilômetros de Londres. — E seus pais? Você mora com eles? — Não. Meus pais já morreram. Emmet Morley inclinou-se, interessado. — Morreram? Como? — Não vejo o que isso tem a ver... — Apenas responda à minha pergunta, srta. Warren. — Morley estava impaciente. Débora apertou os lábios, aborrecida. Que direito tinha ele de lhe fazer perguntas nesse tom autoritário? — Eles morreram num acidente de trem, quando eu ainda era um bebê. — Continue. Quem criou você? — O senhor quer a minha biografia, sr. Morley? — Mais ou menos, srta. Warren. Vamos... prossiga. — Fui criada pela minha tia Júlia. — Diga-me, o que você sabe sobre Elizabeth Steel? — Elizabeth Steel? Quase nada. Sei que ela foi uma atriz muito famosa e que morreu num acidente de avião. Por quê? — Ela era famosa, muito famosa como você disse. E muito popular também, apesar de um pouco vaidosa às vezes. Sua morte foi uma tragédia para todos nós. Elizabeth tinha apenas quarenta e três anos e estava no auge da carreira. — Ele suspirou. — Isso aconteceu há dez anos atrás, quando você tinha... quantos anos?
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— Doze, eu acho. — Muito interessante... — Os olhos de Morley eram incômodos e intensos. — Sr. Morley, o que pretende com tudo isto? O senhor me convida para vir até aqui, para saber sobre a minha vida e agora começa a perguntar sobre uma atriz que morreu há dez anos! Não consigo entender aonde quer chegar. — Tudo bem, srta. Warren. Não fique zangada. Vamos deixar isso de lado. Apenas por curiosidade, você se lembra de seus pais? — Não. Por quê? — Tenho minhas razões, acredite, para este interrogatório. Mas não seria justo agora mencioná-las. Débora ficou de pé e foi até a porta. — Posso ir agora? — Sim. Ele a acompanhou até o estúdio onde Lucy Powell estava esperando com os alunos. Parecia ter realmente perdido o interesse por Débora. Mas quando ela sugeriu que já estava na hora de irem embora, Emmet Morley propôs: — Ei, crianças, vocês gostariam de ver a srta. Warren fazer um teste? Débora virou-se para ele, nervosa, comprimindo os lábios. — Francamente... — É claro que gostaríamos! — Pete Lindsay respondeu, entusiasmado. — É claro que queremos! — responderam, em coro, os outros. — Você vai se tornar uma atriz de televisão! — Shirley exclamou, sonhadora. — Oh, srta. Warren, imagine que está trabalhando com Ross Madison! Débora sabia que Emmet Morley apelara para os alunos para que ela não pudesse recusar. Se fizesse isso, pareceria mesquinha. Mesmo assim, tentou: — Sr. Morley, acho realmente que já estamos em cima da hora. Sinto muito, mas... — Bobagem! De que tem medo? — Não... não estou com medo! — Então, o que tem a perder? Faça o teste!
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— O senhor está tornando a situação insustentável para mim. Sabe muito bem que se eu me recusar vai parecer criancice. — Exatamente. Então, o que estamos esperando? — Muito bem, mas acho tudo isto ridículo! Lucy Powell, que estava por perto, olhou minuciosamente para Débora e perguntou, surpresa: — Por acaso você é parente dele? — É claro que não. Não tenho a mínima idéia do que está acontecendo. As pessoas em geral fazem testes? — Não tão rapidamente. Há centenas de pessoas, homens e mulheres, todos pendurados por aí esperando para serem "descobertos". Você pode ter a satisfação de saber que está vivendo uma experiência única no gênero. — Mas, por quê? — Isso é o que eu gostaria de saber. Nunca vi Morley interessado dessa forma em desconhecidos. Só quando espera que eles sejam uma mina de ouro. — É fantástico! Espero que isto acabe logo. — Você tem idéia do que poderia ganhar como atriz de televisão? — O dinheiro não me interessa. Não tenho aspirações de grandeza. Rapidamente, o estúdio foi esvaziado e Morley tomou conta dele. Débora surpreendeu-se de como ele se transformou num verdadeiro tigre e de como suas vontades eram executadas imediatamente. A moça sentia-se cada vez pior naquela situação. Não era possível que Emmet Morley fizesse tudo aquilo apenas porque gostara do seu tipo físico. O que havia por trás daquela história estava começando a incomodá-la. Mas quando começaram o teste, ela sentiu os nervos relaxarem. Seguiu as instruções de Morley rigidamente diante das câmeras e percebeu-se ligada de uma forma muito íntima com aquele cenário. Sempre se dera bem em arte dramática, mas só representara em peças da escola. Agora, no fim de sua fala, quando todo o estúdio ressoou num aplauso uníssono, se deu conta de que realmente tinha talento. Corada, Débora jogou o roteiro de volta para Morley!
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— Por favor, posso ir agora? Ele estava ausente e apenas mexeu com a cabeça. A moça aproveitou para escapar. Queria urgentemente desaparecer dali, e suspirou, aliviada, quando viu as portas do estúdio fecharem-se atrás deles. Tinha sido uma experiência estranha. Débora suspeitava que Emmet Morley não a deixaria fugir facilmente. Seria muito simples para ele descobrir seu telefone, se quisesse. Mas decidiu que não se deixaria empurrar para nada que não gostasse ou não quisesse. Na cama, à noite, não conseguia dormir. Quando Emmet jogou o roteiro em suas mãos, tinha ficado muito emocionada para entender direito que texto era aquele. Agora lembrava: era Avenida, e tinha interpretado o papel de Laura, o mesmo que fez de Elizabeth Steel uma atriz conhecida. O que haveria por trás de tudo aquilo? O que Emmet Morley tentara lhe dizer com aquele estranho comportamento?
CAPÍTULO II
Débora serviu-se de uma xícara de café e levou-a até a janela da sala de seu pequeno apartamento. Dali tinha uma magnífica vista das águas do porto, que nessa hora da tarde era incrivelmente bonito. Passava horas sentada ali, às vezes desenhando preguiçosamente, às vezes apenas sonhando ou lembrando que em doze semanas estaria de volta a Valleydown. O projeto de voltar para a casa da tia não parecia convidativo. Tia Júlia não era uma pessoa comunicativa e não gostava da companhia de ninguém. Ficava contente em tricotar horas seguidas, assistindo à televisão, lidava um pouco no jardim, queixava-se dos vizinhos e do preço dos alimentos. Esse era o mundo dela. Na verdade, Débora tinha começado a acreditar que era seu próprio mundo também. Mas essa viagem lhe revelou muitas coisas novas. Tinha conhecido pessoas ótimas que se interessaram muito por ela. Sabia que, de volta para a Inglaterra, teria que abrir mão novamente de qualquer amizade, por causa de tia Júlia.
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Débora nunca teve um namorado. Costumava freqüentar conferências com colegas professores, alguns dos quais homens, mas acabava aí seu contato com o sexo oposto. Agora, na América, tudo era diferente. Não havia tia Júlia para evitar que fizesse amizades. Ainda era muito tímida e sentia dificuldade em responder naturalmente à exuberância de seus colegas. Mas sabia também que, se tivesse mais tempo, venceria a timidez. Precisava apenas de maiores oportunidades. Suspirou e acendeu um cigarro. Imaginava o que poderia ter sido sua vida, se os pais estivessem vivos. Não sabia muito a respeito deles. Tudo que se lembrava, até então, era de tia Júlia e de Valleydown. Podia recordar vagamente de ter morado em outro lugar, nos arredores de Londres, mas sempre com tia Júlia. Quando perguntava sobre os pais, recebia respostas vagas e insatisfatórias. A tia parecia acreditar que era suficiente contar a uma criança solitária que seus pais tinham morrido num acidente de trem. Não podia compreender que Débora adoraria saber qualquer coisa a respeito deles, qualquer detalhe a mais sobre a vida dos pais. Tentou esquecer esses pensamentos, sentindo-se desleal para com a tia. Se não fosse por ela, Débora estaria num orfanato e deveria estar agradecida por isso. Eram apenas sete e meia e a noite estendia-se diante dela. Pensava no que poderia fazer. Não gostava de sair sozinha e não tinha combinado nenhum passeio com alguma das meninas da escola naquela tarde. De repente, o telefone tocou. Débora quase pulou da cadeira. Atendeu, imaginando quem poderia estar chamando àquela hora. — Alô. É Débora Warren. Uma voz estranha chegou até ela. — Srta. Warren? Como vai? Sei que levou um grupo de adolescentes ao Estúdio Ômega há dois dias. Débora passou a mão pela cabeça, agitada. Ainda não tinha se recuperado da sensação desagradável de ser minuciosamente avaliada, e fizera tudo para esquecer a visita ao estúdio. Agora, as palavras ao telefone traziam de volta os acontecimentos daquela tarde. — Sim — tentou parecer calma. — Mas quero preveni-lo de que não tenho o menor interesse em nenhum teste ou prova de voz ou qualquer coisa do gênero. Sou professora e não quero ser atriz!
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O homem soltou uma risada abafada e Débora agarrou o aparelho com força. — Não sei quem está falando, mas vou desligar! — Espere, espere. Meu nome e Domingos McGill e quero vê-la. Domingos McGill! Conhecia esse nome! Quem era mesmo? Um ator? Não! Onde tinha visto esse nome? — Sou dramaturgo — ele falou, como se tivesse lido seus pensamentos. É claro! Lembrou imediatamente: Domingos McGill, o dramaturgo! Tinha visto o nome dele... no roteiro que Emmet Morley lhe dera para ler. Domingos McGill era o autor de Avenida, a peça que deu a Elizabeth Steel o papel de maior sucesso no cinema. — Não consigo imaginar por que está ligando, sr. McGill. — Não consegue? Bem, talvez não, mesmo. De qualquer forma, isso não muda nada. Insisto: quero vê-la. — Mas já expliquei que não desejo continuar os testes. Aliás, não quero nem me lembrar deles. O que o senhor tiver para me dizer não vai me interessar nem um pouco! — Então, é assim? — Ele parecia menos amistoso, agora. — Escute aqui, srta. Warren, não tenho nenhuma intenção de discutir esse assunto pelo telefone. Quando será mais conveniente que eu apareça por aí? — Aparecer por aqui? Acho que já fui bem clara. Não quero nada com isso! — Srta. Warren. — Sua voz agora era fria. — Preciso vê-la. Diga-me quando, como uma boa menina! — Não me dê ordens! Devia haver leis contra esse tipo de coisa. Vou desligar agora, sr. McGill. E, por favor, não ligue novamente! Desligou, com satisfação, acendeu um cigarro e tentou ver tevê. Ficou com raiva ao notar que tremia. Por que sentia essa apreensão súbita? O fato de um produtor ter se encantado com ela e tê-la submetido a um teste, não significava que ela não controlaria mais o próprio destino. Um telefonema de Domingos McGill! Tudo era tão fantástico, quase enlouquecedor! Foi até o espelho e estudou-se por uns minutos. O que havia em seu rosto para atrair tanto interesse? Não era uma beldade! Desde que chegara a São Francisco
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tinha visto dúzias de lindas mulheres. Além disso, o fato de não estar interessada nos testes era suficiente para desanimar qualquer produtor. Fez uma careta zombeteira para sua imagem no espelho e deitou-se no sofá para ler, completamente esquecida de que a televisão estava ligada. Aproximadamente uma hora depois, a campainha tocou. Intrigada, Débora pôs de lado o livro e olhou para o relógio. Eram quase nove horas. Sentiu-se apreensiva novamente. Quem poderia aparecer a essa hora? Foi até a porta e entreabriu-a, sem tirar a corrente de segurança. Havia um homem do lado de fora: alto, cabelos castanho-avermelhados, magro e bronzeado, como se passasse horas ao ar livre. Não era bonito. Tinha traços duros, mas os olhos eram muito azuis, emoldurados por cílios escuros. — Sim? — falou, conservando-se atrás da porta. — Sou Domingos McGill. Posso entrar? Os dedos de Débora apertaram a maçaneta. — Não. — Tentou manter-se calma. — Nós... nós já falamos tudo que interessava pelo telefone. — Não, ainda não. Agora, abra essa porta. Sua voz era calma, mas os olhos azuis tinham uma expressão decidida, e Débora sentiu-se assustada. Afinal, quem a conhecia em São Francisco, além de alguns professores da escola e do senhorio? Quem sentiria sua falta, se alguma coisa lhe acontecesse? — Por favor, vá embora. Eu... eu não quero nada com vocês. Sinto muito se perdeu sua viagem até aqui. — Abra a porta — ele repetiu, ignorando sua resposta. — E se eu não abrir? — Abra. Ela olhou para o telefone. — Posso chamar a polícia. — Você poderá estar morta antes que eles cheguem. — Oh! — Débora tampou a boca com a mão.
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— Pelo amor de Deus, abra essa porta! Não há nada a temer! Débora retirou a corrente, incapaz de resistir por mais tempo. Ele entrou e, exatamente como tinha acontecido com Emmet Morley, ela notou em seu rosto um súbito choque de reconhecimento. Agora percebia que ele tinha uns trinta anos. Estava vestido com sobriedade e elegância: usava um pulôver cinza e uma calça quase no mesmo tom. Achou-o muito atraente, e notou um estranho magnetismo em seu olhar. Não era do tipo preguiçoso, malandrão, e isso fazia parte de seu charme. De qualquer maneira, não era um homem com quem se podia brincar. — Então... você é Débora Warren. Não conseguiu responder. Ficou parada, os braços cruzados, esfregando os cotovelos com as palmas das mãos, num gesto nervoso, e sentindo-se absurdamente tola. — Emmet me disse que você fez um ótimo teste e que leu o papel de "Laura". Débora concordou, abaixando a cabeça. — Diga-me: seus pais ainda vivem? — Não. — Quem eram eles? — Nunca conheci meus pais. Suponho que... meu pai era irmão de minha tia. Eles têm o mesmo sobrenome. — Você nunca conheceu Elizabeth Steel? — Ah, de novo? Como é que eu poderia conhecer Elizabeth Steel? Ele ignorou a pergunta. — Onde mora? — O sr. Morley não lhe disse? — Disse. Mas quero ouvir de você. Débora explodiu, irritada. — Valleydown, em Sussex. Não me diga que já ouviu falar... — Que idade tinha, quando seus pais morreram? — Não sei. — Vamos, fale. Quantos anos? Livros Florzinha
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— Olhe, você veio até aqui, forçou a entrada, fez uma série de perguntas e recebeu respostas. Agora, ponto final! Será que dá para entender? Seus olhos verdes faiscavam, e ele pareceu meio perdido, mas a perplexidade durou pouco. Retomando o tom agressivo, continuou: — Agora, escute. É verdade que vim até aqui sem convite, também é verdade que lhe fiz perguntas, mas você nem desconfia do que estou falando? — Nem desconfio! — Débora sentiu algo semelhante a lágrimas nos olhos, ardendo e incomodando. — Se eu soubesse o que significa este interrogatório, talvez pudesse contar o que quer saber. — Está certa. Acho que nem desconfia mesmo. — Pelo amor de Deus, fale de uma vez! — Muito bem, srta. Warren, já vai saber: Elizabeth Steel pode ter sido sua mãe! Durante um instante, houve um silêncio profundo; depois Débora soltou uma gargalhada. — Deve estar brincando comigo... McGill sorriu e, como se sua frase anterior tivesse sido absolutamente corriqueira, pediu: — Será que tem algo para beber? — Só refrigerante. Débora não conseguia afastar os olhos dele. Depois, sacudiu os ombros e olhou em direção à cozinha. — Prefere um café? Ele fez um ar indiferente e foi até a televisão, desligando-a. — Agora, vamos conversar. O que você sabe realmente sobre seus pais? — Antes que comece a me fazer perguntas, deixe que primeiro eu lhe faça uma: por que esta tão certo de que eu possa ser filha de Elizabeth Steel? McGill retirou uma carteira do bolso e, de dentro dela, uma foto que entregou a Débora, que não conseguiu acreditar no que via. Era como se olhasse para a própria foto. Apenas o rosto da mulher do retrato parecia mais maduro. O resto — os cabelos, os olhos, a boca — era praticamente idêntico.
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— Entendo. Agora entendo — falou, trêmula. — Mas eu poderia ser uma sósia dela, não? Isso acontece. Ele acendeu outro cigarro, antes de responder: — Claro. Por isso, Emmet quis testá-la. Achou que, se havia algum parentesco com Steel, isso se manifestaria de alguma forma. — E... — Bem, a semelhança foi suficiente para encorajar futuras investigações. Débora afastou o cabelo dos olhos, sentindo-se atrapalhada. Era como se estivesse vivendo um sonho louco. Seus pais eram ingleses e tinham morrido num acidente de trem quando ela ainda era um bebê. Não podia ser filha de Elizabeth Steel. — Isso é ridículo. Meus pais morreram num acidente de trem há muitos anos. Se eu fosse filha de Elizabeth Steel, por que seria criada na Inglaterra? E tia Júlia, como entraria nessa história? — Elizabeth Steel era inglesa, apesar de ter feito carreira nos Estados Unidos. É possível que sua tia seja irmã de Elizabeth... — Isso não parece provável. — Concordo. É pouco provável, mas as coisas menos prováveis acontecem. — Olhou para ela, pensativo. — O que está pensando? Que era melhor nunca ter pisado no Estúdio Ômega? — Como adivinhou? — Débora tentou sorrir por um instante, mas logo voltou a ficar séria. — Se fosse verdade tudo isso, por que Elizabeth Steel não procuraria um contato comigo? Por que não me criaria ela mesma? Por que nunca ouvi falar dela por tia Júlia? — Não posso responder. Pelo menos, por enquanto. O produtor de Elizabeth, Aaron Johannson, conheceu-a por mais tempo do que eu. Ele deve saber. Infelizmente, está fora do país agora, filmando na Espanha. Mas quando voltar... — Sr. McGill, mesmo que eu seja filha de Elizabeth Steel, o que adiantaria saber isso? Aonde chegaríamos? — Srta.Warren, quando Steel morreu, deixou uma pequena fortuna. E aparentemente não tinha parentes próximos. O dinheiro está sob custódia.
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— Não quero o dinheiro. Se esse é o objetivo de todo esse inquérito, podemos esquecer. Tenho o suficiente para as minhas necessidades. Domingos McGill parecia irritado. — Ora, não me venha com essa agora. Concordo que não seja nada agradável saber que foi abandonada por sua mãe ao nascer, mas pelo menos tenha o senso de admitir que, se existe algum dinheiro, ele é seu e deve ser usado como você quiser. — Tragou profundamente seu cigarro. — E isso não é tudo. Aaron vai refazer Avenida. Você pode imaginar o impacto que causaria no papel que foi de Elizabeth? — Eu? — Débora estava apavorada. — Não sei representar! — Qualquer pessoa pode representar. Nem todos nascem dotados, sabia? — Será que não lhe ocorre que sou feliz como sou? — Você é realmente incrível! A única mulher que conheci, desprovida da mais elementar curiosidade! Quer me dizer que pretende voltar para... como se chama... Valleydown, e esquecer tudo? Será que a inquietação de conhecer a verdade nunca a perturbaria? É insuportável, pensou Débora. Não podia ser filha de Elizabeth Steel. Apenas não podia. Mas enquanto pensava, algumas coisas voltavam-lhe à mente: a recusa constante da tia em falar sobre seus pais; o pouco que sabia sobre eles e, principalmente, a aversão que tia Júlia tinha pelos Estados Unidos e por coisas americanas. Virou-se para McGill. — Então, se eu aceitar tudo o que você me contou, o que virá depois? —- Bem, agora acho que devemos esperar Aaron voltar. Depois é com você. Débora sentia lágrimas quentes nos olhos. — Eu era feliz, eu era... Pode não me acreditar, mas não sou uma pessoa feita para essas coisas. Nunca quis ser algo diferente do que sou. — Uma professora! — Não fale dessa maneira. Gosto de trabalhar com crianças. — Você não parece mais do que isso. — Tenho vinte e dois anos! — respondeu, indignada. Livros Florzinha
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— Muita idade, realmente! — ele observou, com ironia. — Que bom ter vinte e dois! — Tenho certeza de que você não fala sério. — Está absolutamente certa. Mas, mesmo com vinte e dois anos, eu não tinha esse ar inocente que você tem. Meu Deus, se Steel era sua mãe, você tem muito que aprender! — Ele foi até a porta. — Amanhã é sábado e aposto que não trabalha. — Eu... eu tenho um jogo de vôlei à tarde. — Que beleza! Tudo bem, deixemos para domingo. Pelo menos, você tem tempo para esfriar. Venho pegá-la às onze da manhã, certo? — Por quê? — Tenho uma coisa para lhe mostrar. Não se preocupe, queridinha, vai achar divertido. McGill fechou a porta e Débora ficou sozinha com seus pensamentos. Teve vontade de chamá-lo novamente, mas percebeu que não adiantaria. O problema era dela e de ninguém mais. Que espécie de pessoa era Elizabeth Steel, para abandonar a própria filha? Será que nunca teve nenhuma curiosidade a respeito da criança? Nenhum desejo de vê-la, acompanhar seu desenvolvimento? Esses pensamentos trouxeram-lhe outro: se Elizabeth Steel era sua mãe, quem seria seu pai? Poderia ser filha ilegítima, talvez? Isso explicaria o pouco interesse por ela? — Não pode ser verdade! — falou em voz alta, como se assim conseguisse apagar os fatos. Mas eles se ligavam, de alguma forma. Havia perguntas, há longo tempo, sem resposta e uma delas era o comportamento de sua tia, sempre calada em relação à história de seus pais. Quando foi para a cama naquela noite, seus pensamentos eram um turbilhão. Domingos McGill a perturbara como ninguém até então. Tinha brutalmente destruído sua paz de espírito. Mas Débora não conseguia odiá-lo, estranhamente. Ele era rude e frio, mas quando sorria, tinha o charme de um garotinho. Um homem como nunca conhecera e que estava totalmente fora da sua capacidade de compreensão. Ela rolava na cama, arrumando o travesseiro nervosamente. Estava certa apenas de uma coisa: Domingos McGill estava interessado nela como a possível filha de
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Elizabeth Steel e, como tal, uma potencial substituta para a refilmagem de seu famoso Avenida. Não devia absolutamente pensar nele como um amigo.
CAPÍTULO III No sábado à tarde, durante o jogo de vôlei, Débora ficou contente quando viu David Hollister, o diretor da escola, caminhar em sua direção. Hollister era um homem de quase quarenta anos, solteirão, e tinha se interessado pela carreira de Débora desde sua chegada a Filbert. Ele a fizera sentir-se à vontade desde o primeiro dia na escola e estava sempre disposto a ouvir qualquer problema que ela tivesse. Sorrindo, cumprimentou-a: — Acho que está começando a gostar de esporte. — Isso mesmo, principalmente, quando o time está ganhando. — Claro. Mas... diga-me uma coisa, Débora: o que está havendo com o Estúdio Ômega e com Domingos McGill? Débora sentiu-se apanhada de surpresa. — Você... sabe? — Evidentemente. Como acha que conseguiram o seu telefone.? — Quer dizer que eles lhe pediram? — Sim. Mas o que eles queriam com você? Ou será que é particular e não devo me meter? — Oh, não... isto é... bem, o que foi que lhe disseram? — Domingos McGill me telefonou. Disse que queria entrar em contato com você. Algo sobre um teste no estúdio. A propósito, o assunto era esse? — É claro que não. — Débora corou de raiva. — Você me imaginou como uma adolescente em cena? David Hollister deu um sorriso curto e franco. — Dificilmente, minha querida, mas confesso que fiquei confuso, quando soube que um membro do meu corpo docente tinha feito um teste para ator. — Fui praticamente forçada. O sr. Morley, Emmet Morley, um dos diretores...
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— Já ouvi falar em Emmet Morley. — Hollister respondeu secamente. — Bem... o sr. Morley me pediu para fazer um teste, na frente dos alunos. Naturalmente, eles ficariam desapontados se eu recusasse. — É verdade, posso entender. E isso foi tudo? O teste? Débora sentiu o rosto pegando fogo. Não gostaria de entrar em detalhes com Hollister, pelo menos por enquanto. Não tinha nada a ver com ele, apesar do interesse amistoso que lhe dedicava. — Bem, acho que sim. David Hollister estudou a expressão confusa de Débora. — Domingos McGill... um homem com inúmeras peças e filmes em sua carreira; um homem que vive uma vida completamente diferente da de qualquer pessoa que você conhece; esse homem se dá ao trabalho de descobrir o seu telefone com o diretor da escola apenas por causa de um teste bem-sucedido? Minha querida Débora, você me deixa perplexo! — Por favor, sr. Hollister... não faça outras perguntas agora. Há algo mais, confesso, mas por enquanto não posso dizer mais nada. — Não quero forçá-la, é claro. Mas, se fosse você, pensaria bastante, antes de me envolver com um homem como McGill. — Mas... — Sei que vai dizer que sabe cuidar de si mesma, mas o mundo dos artistas é uma selva fervilhante de animais selvagens. É matar ou ser morto, e, francamente, não acho que você tenha exatamente as qualidades de uma domadora. Débora achou o comentário divertido, mas não disse nada. Hollister ofereceu-lhe um cigarro e completou: — Gostaria que me considerasse alguém a quem procuraria em caso de necessidade. — Obrigada. — Sentia-se imensamente grata. — Bem, tenha cuidado. Não importa quanto eles a elogiem e adulem, não se deixe desencaminhar. — Eu... eu não vou... — Gostaria de mudar de assunto, mas, ele insistia.
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— Diga-me uma coisa: o que sabe a respeito de McGill? — Praticamente nada. — Então, lembre-se: não há ninguém mais perigoso naquela selva. Sei do que estou falando. Ele não tem escrúpulos, nem morais nem financeiros. A imprensa não o deixa em paz. Ele é a própria notícia! — Sua expressão era de um desprezo veemente, e Débora imaginou, de repente, se David Hollister não invejava, por pouco que fosse, a vida que Domingos McGill levava. — Se acha que ele está interessado em mim, não há nada mais errado. Não se trata... de nada pessoal. David Hollister ficou ainda mais intrigado, mas Débora resolveu pôr um fim à discussão e habilidosamente encaminhou a conversa para outros assuntos até a hora de ir embora. À noite, foi ao cinema com Margaret Stevens, a professora de música e arte dramática. O filme era um policial excelente e conseguiu ocupar por completo seus pensamentos. Depois, foram a uma lanchonete tomar café, comer sanduíches e conversar um pouco. Quando Débora voltou para casa, sentia-se agradavelmente cansada e pensou que dormiria sem dificuldade. Mas, uma vez na cama, os mesmos pensamentos voltaram a torturá-la. Só de madrugada, o cansaço acabou trazendo o sono, e dormiu profundamente até às dez da manhã. Acordou sobressaltada e lembrou que McGill viria buscá-la às onze. Saltou da cama, tomou um banho rápido e vestiu uma roupa colorida, que realçava seus cabelos loiros e a pele clara. Estava bastante atraente. Quando tomava uma xícara de café, a campainha tocou. Engoliu a bebida rapidamente e foi até a porta, lembrando no caminho que não havia se maquilado. Domingos McGill estava esperando lá fora, a imagem da elegância: terno creme, camisa em tom mais claro e gravata marrom de crochê. O cabelo muito curto tinha sido ligeiramente despenteado pelo vento. Ele tentou arrumá-lo para trás com a mão e disse: — Está pronta? Pensei que ia desistir na última hora. Débora ficou sem graça. — Espere só um minuto. Quero passar um pouco de batom. Ele levantou os ombros indolentemente.
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— Tudo bem, mas ande depressa! Pegou sua bolsinha de maquilagem e tirou o batom cor-de-rosa, aplicando-o rapidamente nos lábios. Depois colocou-o na bolsa e avisou: —' Estou pronta. Na escada, ele gentilmente deixou que ela descesse na frente e Débora se sentiu desajeitada, sabendo que a observava. Lá fora, estava estacionado um enorme carro verde-escuro. McGill abriu a porta do lado oposto ao do motorista, e, ao entrar, ela arrumou a saia, um pouco preocupada por ser tão curta. Mas ele nem mesmo olhou para seus joelhos, pondo o carro rapidamente em movimento. Ele corria, mas dirigia muito bem e, mesmo nas ladeiras íngremes que levavam até o cais, ela não se assustou. Observava as mãos magras e bronzeadas de Domingos McGill na direção. Eram ao mesmo tempo longas e elegantes, e tinha certeza que também deviam ser fortes. Não havia nada suave nele, e Débora imaginava que, para muitas mulheres, ele seria francamente irresistível. Mulheres que gostavam de homens brutos que as tratassem como escravas. Surpreendeu-se com o tipo de pensamento que lhe passava pela cabeça e sorriu para si mesma. Ele percebeu o sorriso e perguntou: — O que há de engraçado? — Nada... — Ficou sem graça de novo e mudou de assunto: — Que... que carro é este? Ele fez uma curva pronunciada e pegou a avenida principal, que levava para fora da cidade, antes de responder: — Uma Ferrari. Já ouviu falar? — É claro. — Débora engoliu com dificuldade. Nada menos que uma Ferrari! No mínimo, ela teria algo para lembrar, quando tudo aquilo tivesse terminado. — Faz mais de duzentos por hora? — Por aí. Quer ver? — Oh, não, por favor! Isto é... não obrigada. — Débora olhava pela janela. Estava interessada em saber para onde iam. Nunca tinha saído da cidade e aquele caminho era totalmente desconhecido para ela. Estavam numa avenida que acompanhava o mar e a paisagem era fantástica. As janelas abertas do carro traziam uma brisa fresca. Pôs o braço para fora e sentiu uma onda de bem-estar Livros Florzinha
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invadi-la. Era um dia tão maravilhoso, que, de repente, esqueceu a preocupação de não saber para onde ele a levava e deixou que a alegria e a exuberância que sentia tomassem conta dela. Uma hora depois de terem saído de São Francisco, Domingos abandonou a estrada principal e dirigiu-se a um caminho secundário, cheio de árvores e sombras. Parecia uma estrada particular. Débora olhou-o, intrigada. — Para onde estamos indo? — Pensei que você fosse o tipo de garota que não gostasse de saber. Não me diga que, finalmente, consegui despertar seu interesse! Ela sorriu timidamente. — Sinceramente, conseguiu. Para onde está me levando? — Espere mais alguns minutos e vai descobrir — ele respondeu novamente com aquele sorriso infantil e maroto. Ela desviou o olhar; não queria parecer uma tola. Céus, mal o conhecia! Devia se controlar. Era tão suscetível ao charme desse homem como qualquer adolescente. A estradinha corria entre arbustos floridos e ciprestes, através de largos portões de ferro. Devia ter sido um lugar lindo em épocas passadas: havia evidências de antigos jardins projetados e uma piscina vazia, coberta de lama, mas revestida de azulejos sofisticados. No fim do caminho, apareceu a casa; uma velha construção tipo casa de fazenda, com uma fonte no pátio em frente à varanda. Domingos parou o carro, desceu e abriu a porta para que Débora também descesse. — E agora? Posso saber onde estamos? Ele subiu até a varanda e empurrou a porta que dava num hall enorme. Depois acenou para que ela o seguisse, com um sorriso irônico nos lábios. — Bem-vinda à Fazenda Elizabetta! — falou, zombeteiro. — Fazenda Elizabetta? — Sim. Costumava ser o esconderijo dela. Débora ficou arrepiada, apesar do calor. Hesitou momentaneamente, até entrar no hall meio escuro. As janelas estavam fechadas, mas McGill abriu-as uma a uma, deixando que o sol penetrasse e varresse todas as sombras do passado.
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— Eu... eu sempre pensei que as atrizes morassem em Hollywood... Beverly Hills, lugares assim. — Elas moram por lá. Mesmo Elizabeth tinha uma casa em Wilshire Boulevard. Mas esta era a casa para onde ela fugia quando queria privacidade absoluta. Poucas pessoas conheciam este endereço. Venha cá. Vou lhe mostrar por que ela gostava tanto daqui. Abriu completamente as portas duplas de um enorme living mobiliado de branco e coberto de poeira e teias de aranha. Abriu também as portas largas que davam para a varanda no lado oeste. Dali, Débora apreciou o panorama; percebeu que a casa ficava no alto, de onde se tinha uma vista magnífica do Pacífico. Algumas cadeiras velhas de junco lembravam que há algum tempo atrás as pessoas tinham se sentado ali para apreciar aquela paisagem gloriosa. Ã tardinha, com o pôr-dosol no oceano, devia ser ainda mais bonito do que naquela hora. Era uma sensação estranha pensar que a mulher que costumava descansar naquela varanda podia ser sua mãe. Domingos McGill também parecia perdido em seus pensamentos, como se recordasse um tempo em que as coisas eram bem diferentes. De repente, passou pela cabeça de Débora que ele podia ter sido mais íntimo de Elizabeth Steel do que imaginava. Ela era bem mais velha do que ele, quinze anos, no mínimo. Talvez fossem apenas conhecidos ou ligados pela mesma profissão. De qualquer forma, era um dos poucos que conheciam aquele endereço particular de Elizabeth Steel. Ele percebeu a tensão que havia no rosto de Débora. — Isso aborrece você? Quero dizer, vir até aqui? — Por quê? Deveria aborrecer? Afinal, se ela era mesmo minha mãe, o que duvido, e nunca se importou comigo, por que deveria me importar com ela? — Por que duvida tanto? Quanto mais olho para você, mais convencido fico de que Morley tinha razão. É exatamente igual a ela. É incrível a semelhança. — Como sabe como sou? Domingos pareceu aborrecido. — Ora, não sei como você é... como pessoa. No entanto, existem coisas que se percebe: a maneira como olha quando está zangada, a maneira como torce os dedos, o modo como anda e mexe com a cabeça. Não adianta, Débora: você lembra Elizabeth em cada gesto.
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Ela apertou os lábios, contrariada. Foi até o hall novamente e olhou para a escadaria que levava ao primeiro andar. Ele seguiu-a. — Quer conhecer o quarto de sua mãe? — Ela não era minha mãe! E não quero conhecer mais nada. Acho que já vi o bastante. Por que me trouxe aqui? É um lugar terrivelmente sombrio. — Não costumava ser — ele observou, fechando as portas do living. Depois fechou as portas do hall e saíram à luz do sol. — Quando Elizabeth vivia, não costumava ser sombrio. — Por que não foi vendida? Domingos trancava as portas. — Quem a venderia? Ela não tinha herdeiros. Tudo foi deixado como estava, principalmente porque Aaron é bastante sentimental. — Diga-me uma coisa: se Elizabeth Steel era minha mãe, quem era então meu pai? Sou filha ilegítima? McGill soltou uma baforada preguiçosa do cigarro e depois sorriu. — Ilegítima? Que palavra horrível! Você se importaria muito se fosse? — É claro. Bastante. — Por quê? Não tem culpa de nada. — Sei disso... mas existe uma dúvida ainda, de qualquer maneira. — Imaginação sua. — Não sabe de nada sobre isso. Parece que acha que pode me dizer qualquer coisa e que eu devo aceitar tudo... com a maior naturalidade! Sempre pensei que meus pais tinham morrido num acidente de trem. Gostaria que isso fosse verdade. — Ora, Débora, cresça! — Bem, de qualquer maneira, se essa mulher tinha um filho, as pessoas saberiam! — Esse é justamente o único ponto obscuro dessa história. Isso lembra que Elizabeth sempre trabalhou sem interrupção, até que, uma única vez, tirou uma licença de seis meses por ordens médicas. Foi para as Filipinas, para Fiji. — Sorriu, como se lembrasse. Débora olhou-o intrigada. — Que idade tem, sr. McGill?
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— Quarenta. Por quê? — Curiosidade apenas. — Respondeu, atravessando o caminho de pedras ao lado da casa. Ele a seguiu, e Débora olhou-o por um momento, encontrando de novo aqueles olhos profundos e azuis diante dela. Desviou o olhar, sentindo-se acanhada e estranha. — Estava no início de carreira? Ele deu de ombros. — Começava... — Olhou o relógio — Vamos. Almoçaremos em San José, passando pelo vale Santa Clara no caminho. As árvores frutíferas estão repletas nessa época do ano. É uma paisagem maravilhosa. Débora foi até o carro e entrou. É incrível, pensou, como a gente se adapta rapidamente às circunstâncias. Não acreditaria, uma semana atrás, que tantas coisas pudessem lhe acontecer em tão pouco tempo. E imaginar o que tia Júlia pensaria desse passeio pelo campo em companhia de Domingos McGill... Ficaria escandalizada! Quando ele sentou ao lado dela, Débora perguntou: — Não vai me dizer por que me trouxe aqui? McGill deu a partida, antes de responder: — Acho que gostaria de ver você por aqui. Além disso, essa casa é apenas uma parte do que herdará, se realmente for filha de Elizabeth Steel. Ainda tem a casa de Wilshire Boulevard que, aliás, está impecavelmente conservada. Os empregados de Elizabeth ainda trabalham lá. Aaron paga o salário deles. A casa nunca ficou fechada. A morte dela foi tão inesperada... — Não sei o que dizer — Débora falou, procurando um cigarro na bolsa. — O que quer? — Um cigarro. Ele puxou uma cigarreira elegante do bolso, abriu-a, e ela pegou um dos cigarros longos que lhe oferecia e que gentilmente acendeu para ela. — Agora, conte-me sobre sua vida na Inglaterra. — Há tão pouco para contar! Minha vida tem sido insípida. — Sorriu, quando percebeu uma expressão divertida no rosto dele. — Eu leciono em Valleydown, na escola secundária, e moro com minha tia Júlia. Isso já diz tudo.
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— E está contente com essa vida? — Acho que sim. Gosto de ler, de ouvir música clássica... Como vê, não preciso de muito para me divertir. Deu uma gargalhada sonora. — Meu Deus, que vidão! Débora fumava em silêncio, feliz diante da paisagem encantadora que via. A viagem para San José foi linda. Comeram num restaurante simpático nos arredores da cidade. O lugar era enorme, com chalés ao redor de uma piscina. O restaurante tinha um piso de vidro através do qual se via um gigantesco aquário. Débora olhou para aquilo com encantamento, enquanto seguia Domingos e um garçom até uma mesa do canto. Havia plantas em vasos enormes que desciam sobre as treliças que separavam as mesas. Um conjunto de músicos mexicanos tocava num tablado perto do bar. Domingos McGill pediu aperitivos, enquanto estudavam o cardápio. Débora não conseguia escolher entre tantos pratos sofisticados. Timidamente, falou: — Será que... você... não gostaria de fazer o pedido para nós? — Tudo bem. Que tal uma salada russa, vitela assada e, como sobremesa, mousse de limão? Parece razoável! — Parece maravilhoso! — Aceitou outro cigarro e comentou: — Este lugar é lindo, não? — É bonito, sim. — Ele parecia divertir-se outra vez. — Você se satisfaz com pouco. Débora corou e ele se arrependeu do que tinha dito. — Desculpe. Acho que fui indelicado. Ela não respondeu, mas seu rosto continuava ardendo. Ele devia achá-la tremendamente antiquada. Provavelmente as mulheres que costumava encontrar eram muito mais sofisticadas do que ela. Tudo que conseguia era agir como uma pobre adolescente que tivesse sido convidada para ir a um restaurante pela primeira vez. Domingos estudou sua expressão. Achava-a muito bonita, com aqueles cabelos sedosos que lhe emolduravam o rosto com suavidade.
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A comida era deliciosa, mas Débora refreou o impulso de fazer qualquer comentário. Em vez disso, concentrou-se em apreciar o prato junto com o vinho tinto que o acompanhava. Tinha a vaga impressão de ter bebido um pouco a mais, culpa de sua falta de hábito com o álcool. Para não fazer feio, havia tomado o aperitivo, três copos de vinho e depois provara um pouco do conhaque servido com o café. Sua cabeça girava um pouco, quando fumava o último cigarro, mas estava determinada a não deixar aquela sensação tomar conta dela. Tentou desviar a atenção e interessar-se pela música que o quarteto mexicano executava. Não tinham conversado muito durante o almoço, mas agora ele a olhava atentamente. — Gostou? Débora arregalou os olhos para focalizar melhor. — Muito — falou com um meneio tão forte de cabeça, que ficou tonta. Parou para evitar o mal-estar. — Que bom. — Domingos olhou para o relógio. — Já são três e meia. Vamos? Débora observou à sua volta. A distância entre a mesa e a porta parecia terrivelmente longa, e sentiu medo de ficar em pé. E se não pudesse chegar até a porta? Suas pernas estavam trêmulas e a cabeça dava voltas. Seria terrível se fizesse papel de boba. Com dificuldade, empurrou a cadeira e ficou em pé. A sala parecia flutuar à sua volta. Agarrou a mesa como um náufrago agarrando-se a uma bóia. Não percebeu que McGill tinha se aproximado, até sentir que segurava seu braço com firmeza. — Vamos, criança. Não vai desmaiar aqui, vai? Débora olhou-o nos olhos. — Es... estou bem. — Oh, é claro! Será que consegue chegar até a porta? — Mas é lógico! Ele sacudiu a cabeça e, sem lhe dar tempo de protestar, empurrou-a firmemente até a porta giratória do restaurante. Lá fora, no calor do sol, ela cambaleou, mas reuniu forças e se controlou para chegar até o carro.
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Recostou-se sobre o capo, indiferente à poeira que havia sobre ele. McGill observou-a atentamente por alguns minutos, depois deu a volta, abriu a porta e entrou. Débora olhava para ele, como um espectador que observa algo em que não toma parte. Sentia-se terrivelmente mal, e isso só conseguia -enfurecê-la mais. Deveria poder tomar um mínimo de álcool sem ficar assim, pensou, furiosa. Ele tinha saído do carro novamente e dirigia-se para ela. Abriu sua mão e nela colocou duas pílulas minúsculas. — Tome isso. Vai se sentir melhor. — Eu... eu já me sinto melhor. — Você é o que se pode chamar de "franguinha". Agora, seja uma boa menina e tome isso. Débora pegou o remédio, engoliu sem dificuldade e entrou no carro. Ele também entrou e passou o braço por trás do assento de Débora. — Interessante... O que você me contou parece ser verdade. — O que quer dizer com isso? — Sua vida na Inglaterra... Pensei que estivesse exagerando. Me intriga pensar por que sua tia... se é isso que ela é, de fato, escondeu tantas coisas importantes de você. Ela deve ser uma pessoa extremamente amarga. — Por quê? — Só pode me ocorrer que ela a tenha privado do que é seu por direito por um incrível ciúme. Se for mesmo irmã de Elizabeth, tem razões de sobra para ser ciumenta. — Você conhecia muito bem Elizabeth Steel? — Muito bem — falou, lacônico. — Vamos? Ele a deixou em seu apartamento, em São Francisco, quando as sombras da tarde começavam a cair. O som trepidante das guitarras no apartamento de cima era apenas um pano de fundo para o turbilhão que lhe ia na cabeça. Sentia-se deprimida e infeliz... uma sensação que não estava acostumada a sentir antes. Será que não encontraria mais aquela paz monótona, mas segura, de sua vidinha de sempre?
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CAPÍTULO IV
Durante quase uma semana, Débora não ouviu falar mais em Domingos McGill e começava a acreditar que tinha imaginado história toda. Que tudo aquilo não passava de um sonho. Mas simples lembrança dele perturbava seu equilíbrio emocional. Na sexta-feira de manhã, na escola, David Hollister mando chamá-la. Começou a imaginar o que ele teria para lhe dizer. Esperava que não começasse de novo aquele discurso sobre o teste no estúdios e que não lhe relembrasse os acontecimentos da ultima semana. David recebeu-a em sua sala com uma expressão bastante preocupada. Um homem alto e forte estava de pé perto da janela que dava para o pátio. Era muito moreno e os cabelos, que deviam ter sido totalmente negros, estavam começando a ficar grisalhos. Um homem atraente, alto, na casa dos sessenta, mais ou menos. Ele olhou desconcertado para Débora e balançou a cabeça, incrédulo. — Dom tinha razão — murmurou, quase para si mesmo. Meu Deus! É fantástico. David Hollister olhou para Débora. — Este é o sr. Aaron Johannson. Ele me disse que acredita que você seja filha de Elizabeth Steel. — Ah, é? Imagino que ele também tenha dito que foi por isso que houve tanto reboliço na nossa visita ao estúdio. — É verdade, ele disse. — David Hollister parecia desaprovar. Débora, por que não me contou, quando perguntei? Poderia ter Confiado em mim, não acha? — Oh, David... — ela começou, mas Aaron Johannson aproximou se e pegou sua mão, ignorando por completo que havia mais alguém na sala. — Débora, minha querida. Você avalia a satisfação que tenho em vê-la? Elizabeth era... bem, não havia ninguém igual a ela, e ver você agora... me deixa extremamente emocionado. Há tantas que precisamos falar...
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Sr. Johannson, certamente o senhor percebe que se trata de pura especulação, não? O sr. McGill deve ter lhe contado os fatos. Não sei nada sobre Elizabeth Steel. Fui criada por uma tia, e meus pais morreram num acidente de trem quando eu era ainda muito criança. As pessoas têm sósias, o senhor sabe. — Minha querida, há tanta coisa mais do que simples semelhança entre vocês... Domingos contou-me tudo; está convencido de que você é parecida com ela em muitas outras coisas. E ele conheceu Elizabeth tão bem... Estou inclinado a aceitar a opinião dele, até prova em contrário. Débora suspirou profundamente. — Sinceramente, é enlouquecedor para mim! Não posso ser filha dessa mulher. Apenas, não posso. Além disso, mesmo que seja, o que importaria? Aaron Johannson levantou a mão, em sinal de protesto. — Acalme-se! É claro que há muito mais a ser dito e feito. Olhe, quero que venha comigo agora mesmo. Tenho um almoço no Hotel Royal Bay. Não posso faltar a esse compromisso, mas podemos conversar enquanto comemos. Preciso saber mais a seu respeito. Sr. Hollister, vai deixá-la ir, não vai? — Mas... — Débora tentou falar, mas foi silenciada por Hollister. — É claro. Pode ser até que a srta. Warren não queira voltar a assumir seu cargo de professora aqui. Se for assim, terei que informar aos diretores... — Sr. Hollister! Por favor, não faça isso! Me dê um tempo. Tenho certeza de que tudo isso é uma loucura! — E quanto a essa tarde? Estará de volta para dar suas aulas? — Sim... — Não. — A resposta vinha de Aaron. — Não, ela não vai estar de volta hoje. Conserve o emprego em aberto, se quiser, mas, se a srta. Warren for a filha de Elizabeth Steel, há muito a ser feito. Débora olhou para Johannson, desesperada. — É a minha vida que o senhor está desarrumando. — Eu sei. E vai me agradecer por isso. — Sem esperar os protestos de Débora, ele a conduziu até a porta. — Vai nos desculpar, sr. Hollister, mas estamos atrasados. — Sinto muito, David, mas o que é que eu posso fazer?
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— Nada. Absolutamente nada. Tudo bem, Débora. Vejo você na segunda-feira de manhã. Aaron Johannson tinha um motorista lá fora, e Débora apenas teve o tempo necessário de apanhar o casaco, antes de ser colocada dentro do carro, enquanto Aaron sentava a seu lado. Inclinou-se, deu o endereço dela ao motorista e depois recostou-se no assento. — Vai se mudar, é claro. — Tenho outra escolha? Sr. Johannson, não gosto de me sentir manipulada. Sou um ser humano, não uma máquina. O produtor olhou-a, firmemente. — Essa é a data de seu nascimento? — Ele estendeu-lhe um papel. Débora confirmou com a cabeça. — Eu sei que nessa época Elizabeth sofreu um esgotamento nervoso. A história foi abafada, naturalmente, e ela voou para a Inglaterra para se recuperar numa clínica, lá. Com dor, filmei o que tínhamos prontos, pudemos esperar durante o período que ela esteve ausente, sem que a imprensa ficasse sabendo. — Oh, Deus! — E isso não é tudo. — O que mais poderia haver? Johannson respirou fundo, e durante um certo tempo pareceu mais velho. — Algo que não ficou muito conhecido... e que agora vou lhe contar, porque acho que deve saber. Elizabeth e eu fomos casados. — O quê? — Débora comprimiu o rosto com as palmas das mãos. — Domingos McGill sabe disso? — Que eu era marido dela? Não. Ela nunca quis anunciar o fato, antes que fosse conveniente. — O que quer dizer? Não entendi. Ele sorriu, complacente.
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— Isso quer dizer, minha querida, que Elizabeth Steel casou comigo para conseguir o que sempre quis: fama e fortuna, além da oportunidade de usar seu enorme talento em filmes dignos dele. — Oh, sr. Johannson! — Débora estava chocada. — Não sinta pena de mim. Eu sabia o que estava fazendo. E quando outro homem apareceu, um homem mais jovem do que eu, fechei os olhos à infidelidade dela. O talento de Elizabeth era tão grande, que produzir um filme com ela era uma emoção rara. Ela era um sonho, e eu a adorava. Olhou para Débora, atentamente. — Se você for filha dela, então é minha filha também, e isso não poderei perdoar em Elizabeth: o fato de ter escondido uma coisa tão importante apenas para ela... — Sua voz falhava. — Posso até entender, é claro. As crianças, não importa quanto sejam adoráveis, são o testemunho implacável da nossa maturidade. Assim foi com Elizabeth... sua beleza e sua juventude significavam tudo para ela. Precisamos descobrir a verdade, é claro, mas estou convencido de que você é minha filha, a filha de Elizabeth. Débora queria chorar. Aquela semana de incertezas misturada a essa revelação perturbadora eram demais para ela. Sentiu enorme compaixão por aquele homem, que tanto havia amado Elizabeth, a ponto de não se importar com as humilhações sofridas. Johannson olhou para ela, com carinho. — Então, como vê, acho que tenho alguns direitos nessa história. Quero saber a verdade tanto quanto você. — Sorriu para Débora. — Agora que estamos aqui no seu apartamento, não vai me convidar para entrar? — É claro, sr. Johannson. — Me chame apenas de Aaron — ele pediu, enquanto subiam a escada. — Pode até me chamar de outra maneira, mas sr. Johannson é muito frio... muito formal. — Tudo bem... Aaron. Durante o resto daquele dia tempestuoso, Débora conversou muito com ele. Parecia que se conheciam há anos. Em poucas horas, ela percebeu que tinha contado toda a sua vida a Aaron. Em compensação, ele também lhe contou muito sobre si mesmo, sobre seu trabalho e sobre o enigma que Elizabeth Steel havia
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sido. Falou também de Domingos McGill, e Débora percebeu o grande carinho que Aaron tinha pelo amigo. Para ela, era difícil falar de Domingos; ainda estava perturbada pelo papelão que tinha feito naquele dia com ele. O que teria pensado dela? Quando o almoço terminou, Aaron levou-a a seu apartamento, uma cobertura em Telegraph Hill com uma vista maravilhosa. O prédio era completamente diferente de tudo que tinha visto até então. As portas corriam automaticamente e o luxo era inacreditável: sofás e almofadas revestidos de pele de leopardo; imensas poltronas de couro. Apesar de estar ainda nervosa, Débora sentiu-se em casa. Não sabia se isso vinha de um possível laço com aquele homem, mas tinha gostado imensamente dele. Aaron pôs uma música na vitrola, enquanto providenciava café para eles. Débora tirou os sapatos e encolheu-se no sofá. Tinha tomado um aperitivo e um conhaque no almoço e sentia-se confortavelmente relaxada. Acendeu um cigarro. Quando Aaron voltou, sorriu ao vê-la. — Oh, Débora, você não imagina como tenho esperança de que seja mesmo minha filha, a filha de Elizabeth! — Por quê? — Eu amava Elizabeth mais do que tudo no mundo. Não havia ninguém que pudesse jamais substituí-la... agora... se for realmente filha dela... as coisas mudarão. Será maravilhoso! — E... se eu for a filha de Elizabeth, o que espera que eu faça? — Não entendo você. O que quer dizer? — Aaron, parece que esqueceu tia Júlia. Ela é a única parente que conheci. E depois, há tudo isso... — acenou em direção ao ambiente luxuoso daquele apartamento — acho maravilhoso, fantástico, mas não é o meu mundo, o mundo a que estive habituada, o mundo em que cresci. Gosto de lecionar. Acho que deve soar estranho para você, mas gosto mesmo, e muito! Aaron sentou do lado oposto, franzindo a testa, enquanto ouvia. — Débora, se você for minha filha, é claro que espero que fique aqui, nos Estados Unidos, que é a sua pátria.
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Ela balançou a cabeça, tentando afastar a imagem de Domingos que a assaltou de repente. Era terrível como se sentia perturbada emocionalmente por aquele homem. Sabia que não estava interessado nela como mulher, apenas como réplica de alguém que tinha conhecido no passado. — Eu não poderia fazer isso. Você não vê, Aaron, que refez sua vida sem Elizabeth? E que eu não poderia abandonar tia Júlia? — Sua tia poderia viver nos Estados Unidos também. Esse lugar é apenas temporário para mim. Minha casa é mais ao sul, em Los Angeles. Poderíamos todos morar lá... — Minha tia detesta a América. Ela não queria que eu viesse para cá. É muito possessiva. Mas já estou acostumada com isso. Não poderia magoá-la. — Já lhe ocorreu quanto ela magoou você? — Aaron perguntou, com,o olhar preocupado. — Se é filha de Elizabeth, essa é apenas a metade da história. Por que sua tia escondeu a verdade é a outra face da moeda. Será que não percebe? Débora refletiu. Até agora, não tinha pensado dessa forma no assunto. — Domingos não lhe perguntou sobre isso? — Pode ser que tenha perguntado, não me lembro. O sr. McGill também mora aqui nesse prédio? — Domingos? Não! Ele mora em Santa Mônica, fora de Los Angeles. Não lhe disse? — Mas ele foi até o meu apartamento para conversar sobre o teste e tudo mais. Pensei que morasse aqui mesmo em São Francisco. — Quando conhecer melhor Dom, vai descobrir que é fanático por velocidade. Certamente, o estúdio entrou em contato com ele... aliás, Emmet Morley... e Dom voou de Los Angeles para ver você. — Voou? — Claro. Tem um jatinho, que ele mesmo pilota. — Então, no domingo, quando me levou para conhecer a casa de Elizabeth Steel perto de San José, ele tinha voado de Los Angeles naquela manhã mesmo? — Acho que sim. Não leva muito tempo. Além disso ele tem a Ferrari... O que a fez pensar em Domingos? É claro que já tinha ouvido falar nele, não?
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— Sim, ouvi falar de suas peças. — Olhou para as unhas. — David Hollister diz que ele atrai notícia. Aaron riu. — Isso é para não dizer nada pior. É claro que ele atrai notícia. É forçado a isso. As mulheres o adoram e a imprensa gosta de fotografá-lo ao lado de algumas damas glamourosas. Mas não é mais nenhuma criança, e não chegou aos quarenta sem aprender algo sobre a vida. Débora sentia o rosto queimar sem razão. — Ele é casado? — Não. Nunca foi casado. Houve umas duas garotas com quem saiu mais do que com outras, mas nada de realmente sério. Ele não acha o casamento necessário. — Estudou a expressão da moça. — Não faça essa carinha... Você não é tão ingênua a ponto de acreditar que um homem como Domingos pudesse viver completamente só. — Não é isso. Acho que ninguém até agora colocou isso para mim dessa forma. Aaron pareceu aborrecido. — Débora, desculpe. Acho que me habituei aos libertinos do estúdio, com quem trabalho. Sinto muito. Ela sorriu, mas estava mais perturbada do que poderia imaginar, com um sentimento imenso de desgosto pelo tipo de vida que Domingos McGill levava. De repente, ouviram o barulho da chave sendo girada na porta do apartamento, de alguém sendo recebido no hall, para depois entrar na sala imensa onde estavam. Aaron ficou de pé e começou a fazer uma careta engraçada: — Vamos entrando, Dom! Falando do diabo... Domingos McGill caminhou preguiçosamente ao redor do sofá para poder apreciar o rosto embaraçado de Débora. Sorriu, zombeteiro, e disse: — O que esteve falando a meu respeito, srta. Warren? — Ora, chame-a de Débora — Aaron falou, antes que ela abrisse a boca. — Estávamos discutindo a questão da sua popularidade com a imprensa! — Péssimo. Por quê? Livros Florzinha
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— Sabe perfeitamente bem, Dom, que aonde quer que vá, tem sempre alguém pronto para fazer a propaganda por você. Há pessoas que adoram um escândalo. Suponho que este seja um comentário justo sobre a sua vida, não? — Acho que sim. E agora... o que você manda? Quando ligou, eu estava superocupado. Aaron sorriu. — Ah, estava mesmo? Não vou perguntar com o quê. Ainda não... cheguei a discutir essas coisas com Débora. — Discutir o quê? — Ela olhava para os dois homens, confusa. Virou-se então para Aaron. — Do que se trata? — Débora, querida, pensei muito em você, desde que recebi o telefonema de Dom em Madri. — Certo. Como é que eu saberia que você estava aqui? — Mas eu pensei... quer dizer... o sr. McGill me disse que você estava filmando e que provavelmente entraria em contato comigo depois que voltasse. — Eu estava, mas Dom sabia que não voltaria nos próximos dois meses e que, então, você já teria partido para a Inglaterra. Por isso, ele me ligou. Acredite-me, foi maravilhoso! Débora baixou a cabeça. Apartamentos luxuosos, carros velozes, atrizes e chamadas telefônicas para o exterior era lugar-comum para aquela gente. Aaron continuou: — Então, como dizia, depois de ter recebido o telefonema de Dom, percebi que a única maneira de chegar ao fundo da questão era ir até Londres conhecer sua tão falada tia Júlia! — Ir até a Inglaterra? — Sim, Inglaterra. Você não quer saber a verdade? — Bem, quero. Acho que quero. Mas estou trabalhando aqui e não posso voltar para casa nos próximos três meses. — Escute, meu bem, isso não vai lhe custar um centavo. Essa viagem é minha. Tome-a como um presente, se quiser. Pelo menos é uma maneira de estar com
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você, conhecer um pouco de você, por apenas duas semanas. Poderia me recusar isso? — Oh, Aaron... não posso deixar a escola sem perder o emprego! E não quero perder o meu emprego. Gosto dele, e dele depende minha liberdade... — Você não tinha liberdade nenhuma na Inglaterra, não é? — McGill perguntou, atento. Débora mexeu-se, desajeitada, para evitar aquele olhar. — Minha... tia é um tanto rígida. Além disso, nossa situação financeira não ia muito bem... Aaron apertou sua mão. — Débora, minha querida, não há nenhum motivo para você não ir à Inglaterra. Se perder o emprego, arranjo-lhe outro. Se você for... a filha de Elizabeth, então, esta poderá ser a sua casa. — Aaron, você é um amor, um amor de homem, mas não poderia permitir que me sustentasse, mesmo que temporariamente. — Por que não? — Domingos estava interessado. — Porque, honestamente, não acredito que seja filha de Elizabeth Steel... ou qualquer coisa do gênero! Sou apenas a simples e comum Débora Warren, de Valleydown, em Sussex. — Ninguém poderia julgá-la simples e comum — Aaron disse, com firmeza. — Débora, isso significa tudo para mim. Por favor, prometo que aceitarei o que você decidir depois, mas deixe que eu saiba primeiro se você é mesmo a filha de Elizabeth! Débora baixou a cabeça. Era extremamente difícil recusar. Além do mais, pensou, esse homem pode ser meu pai! A perspectiva de encarar a verdade a assustava um pouco, mas era complicado resistir. — Não sei... Tem o meu trabalho... — Isso não é problema — McGill observou. — É só você decidir, que tudo se arruma... — Aaron, por favor, preciso de tempo. — Suspirou. — Tudo isso aconteceu muito rapidamente. É como um sonho louco.
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— Tudo bem, vou lhe dar tempo — ele falou, levantando-se, desanimado. — Mas só até segunda-feira. Dois dias para pôr as idéias em ordem. Durante os dois dias que se seguiram, Débora teve plena condição de pensar. Percebeu que Aaron estava sendo leal com ela, recusando-se a usar sua fortuna e posição para intimidá-la. Ela passou o sábado no Jardim Zoológico e, mais tarde, tomou banho de sol na enorme piscina do lugar. Era estranho que, numa cidade tão grande, não tivesse ainda se envolvido em nenhuma situação embaraçosa com os homens. Parecia que eles respeitavam seu isolamento. Gostava de São Francisco e de seus recantos bonitos. Sentiria pena de voltar para a Inglaterra. No domingo, passou o dia no apartamento e, depois do almoço, foi dar um passeio no teleférico. Voltou para casa às seis horas, sentindo-se agradavelmente cansada. Estava no banho, quando ouviu a campainha tocar. Enrolou-se numa enorme toalha e foi até a porta, abrindo-a sem destravar a corrente de segurança. Domingos McGill estava no lado de fora, encostado indolente-mente à parede. — Você? — ela falou, escondendo-se rapidamente atrás da porta. Ele colocou a mão entre a corrente e a porta. — Abra para conversarmos. — Não posso. Não... estou vestida. — Estou vendo; mas não precisa ficar preocupada. Não sei se sabe, mas conheço como são feitas as mulheres, e você está mais coberta do que estaria numa praia. Débora hesitou, mas acabou destravando a corrente e deu um passo para trás. — Espere até que eu volte para o banheiro — falou, correndo para dentro. Mas ele ignorou o pedido e entrou, fechando a porta com as costas e encostando-se nela. Débora chegou até o banheiro e trancou a porta. Secou-se rapidamente, colocou a roupa de baixo e depois vestiu o robe lilás, a única peça que havia no banheiro. Não poderia ir até o quarto sem passar pela sala, e isso não faria. Apareceu diante dele com o rosto quente e os cabelos despenteados sobre os ombros. Não tinha consciência da imagem atraente que oferecia a um homem acostumado com mulheres sempre dispostas a usar de artifícios. — Muito bonito — ele murmurou, com um olhar de aprovação. — Por que veio?
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Domingos usava um terno grafite, que contrastava com a cor castanha de seus cabelos e com o bronzeado da pele. Certamente, ia a algum lugar... — Vim buscá-la para uma festa. — Mas... — Não comece a protestar. Aaron também vai estar lá, mais tarde. Foi idéia dele que você fosse. — Que... que espécie de festa é essa? Não sei o que vestir. Não tenho roupa apropriada. — Qualquer roupa estará bem. Bonita como é, ninguém vai notar o que usa. Débora sentiu-se confusa. — Espero que não seja algo no gênero de todos virem me dizer como pareço surpreendentemente com Elizabeth Steel! Quero ser "eu mesma", não a "cópia" de uma atriz! Ele acendeu um cigarro e colocou a mão no bolso. Parecia divertir-se. — Não, garanto que isso não vai acontecer... — Sinto muito se Aaron... o sr. Johannson, jogou... essa responsabilidade sobre você. — Pode ser que eu goste desse tipo de responsabilidade. — Não se sinta obrigado a dizer isso. — Quando me conhecer melhor, vai perceber que nunca digo nada que não sinto. — Olhou para ela, detidamente, por algum tempo. Débora tinha consciência da palpitação intensa que sentia. Nunca tinha estado tão perto de um homem antes, e Domingos McGill era muito atraente. Ele afastou os cabelos do rosto de Débora. Ela percebeu o anel que usava no dedo anular direito. Um aro de ouro largo com um rubi enorme. Sua mão percorreu o comprimento do seu cabelo e ela sentiu-se trêmula. — Vá se vestir — murmurou, rouco —, ou farei algo de que me arrependerei mais tarde. Você é tentadora, sabia? — Tentadora? — repetiu, incrédula.
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— Sim, mas não está preparada para o meu tipo de jogo. Eles não ensinam essas coisas em Valleydown. Débora apertou os lábios, quase zangada. — Não sei se sabe, mas não sou uma das alunas. Eu leciono em Valleydown. — Ainda tem muito que aprender. Vamos, vista-se depressa! Débora retirou-se, relutante, detestando-se por ter sido tão boba. Ele pensaria que ela não passava de uma fedelha como qualquer aluna. Foi até o quarto e bateu a porta. Depois recostou-se nela para se recompor. Abriu o armário. Não tinha trazido quase nada da Inglaterra e podia escolher apenas entre dois vestidos: um azul-noite de crochê e outro, preto de musseline, que nunca tinha usado. Tia Júlia achava esse vestido muito adulto para ela. Tinha mangas compridas com punhos bordados e gola também bordada que descia num decote profundo nas costas. Resolveu optar pelo preto. Domingos McGill veria que não era nenhuma adolescente! Maquilou-se e depois estudou os cabelos. Resolveu deixá-los soltos, caindo nos ombros. Com o salto mais alto que tinha, realmente aparentava ser mais velha. Satisfeita com o resultado, pegou uma echarpe de seda branca e abriu a porta do quarto. McGill, que estava sentado confortavelmente numa das poltronas, estudou-a com minuciosa atenção, antes de levantar. Débora sentiu-se terrivelmente mal, quando ele disse: — Bem, ninguém poderia confundi-la agora com uma das alunas! Ela deu de ombros, para esconder a timidez. — Então, vamos? — Como quiser... — Ele abriu a porta com floreios. — As damas primeiro. Débora caminhou na frente, desceu a escada e saiu do prédio. Procurou pela Ferrari verde, mas viu apenas um Cadilac bege, impecavelmente polido. — Vamos, entre. Senão, vamos nos atrasar. — É seu? — Não, eu roubei. — Ajudou-a a subir e depois deu a volta. Vou mandar pintálo amanhã.
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Saíram de São Francisco em direção a Sacramento. Já passava das oito horas e estava completamente escuro. Débora sentia-se calma, enquanto ele dirigia, contente em observar suas mãos na direção e, de vez em quando olhava o velocímetro. O carro disparava nas auto-estradas. Depois, ele tomou uma estrada secundária, andando mais devagar. — Onde é essa festa? — Permitiu-se perguntar, finalmente. — Na casa de um homem chamado Martin Bellman. Ele e a esposa têm uma pequena propriedade fora da cidade. Acredito que você esteja com fome. Ainda não comeu, não é? — Não, não estou com fome. E você, está? — Não. — Sorriu. — Não sou um bom garfo; para mim, a comida é apenas algo necessário à sobrevivência. Há pessoas que se consideram conhecedoras da boa comida e do bom vinho, e passam a vida experimentando. Por isso, têm pressão alta e excesso de peso. Acho que não quero terminar dessa maneira. Umas costeletas e cerveja são suficientes para mim. Também, nem sempre tive dinheiro para comer em grande estilo. — Conte-me sobre sua vida. Como começou a escrever? Ele virou para entrar nos portões da casa e depois respondeu: — Quase chegamos, e além disso é uma história muito comprida. Conto-lhe em outra ocasião. Débora não conseguiu esconder uma expressão de aborrecimento. Era sempre assim. Quanto tentava saber algo sobre sua vida, ele mudava imediatamente de assunto. A casa enorme dos Bellman estava inteiramente iluminada, e havia muitos carros estacionados no pátio. Domingos ajudou Débora a saltar do carro, e subiram os degraus até a porta dupla que ficava na frente da casa. Uma empregada uniformizada pegou o echarpe de Débora e mostrou-lhe o vestiário do hall, onde poderia se arrumar antes de entrar. Olhava tudo com muito interesse. A casa evidenciava o dinheiro que os Bellman provavelmente tinham. Havia muitas mulheres e todas pareciam se conhecer. Débora sentiu-se repentinamente muito só. Saiu do vestiário e viu, com alegria, que Domingos estava lá fora, esperando por ela, acompanhado de um homem e duas mulheres. Elas eram jovens, loiras e muito elegantes. Brilhavam com jóias
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nos braços e no pescoço e suas roupas, sem dúvida, eram modelos exclusivos. O homem, moreno e bonitão, falou algo em voz baixa para Domingos, quando ela se aproximou. — Débora, quero que você conheça uns amigos: Elaine Gregory, Valerie Hunter e Maxwell Bernstein. Cumprimentou-os timidamente, sabendo que estava sendo avaliada de cima a baixo. Nunca se sentiria à vontade com pessoas como aquelas. Eram muito seguras e confiantes. Tinham certeza do sucesso. — Está gostando daqui? — Maxwell Bernstein perguntou. — Soube que é... professora. — É verdade. Estavam num enorme hall acarpetado, de paredes brancas, com vasos de flores colocados sobre pedestais, nos cantos. À direita, um arco levava até um living comprido e repleto de pessoas. Fotógrafos estavam agrupados perto da porta e observavam Domingos com flagrante interesse. O som da música era insinuante e convidava a uma intimidade suave. Um garçom passou uma bandeja com taças de champanhe. Domingos pegou duas, entregando uma para Débora. Ela provou e olhou para ele, que lhe fez uma careta. — Não fique tão preocupada — falou, para que apenas ela ouvisse. — Não vou envenená-la. — Não estou preocupada, estava apenas provando para ver se gostava ou não. — E gostou? — Acho que sim. — Vou oferecer-lhe um coquetel de champanhe mais tarde. É uma delícia! Ela não respondeu. Pensava por que sentia aquela sensação estimulante em companhia dele. Homens muito mais bonitos do que ele não a tinham perturbado daquela maneira. — Lá está Marsha, Domingos — Valerie Hunter disse, de repente, com uma ponta de malícia. — Achei que ela apareceria a qualquer momento, mesmo...
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Débora virou-se e viu uma loira alta e elegante que se aproximava deles. Era uma das mulheres mais bonitas que tinha visto na vida. Os cabelos caiam nos ombros, ligeiramente ondulados nas pontas; os olhos eram azuis e os cílios, escuros. Um vestido também azul revelava o corpo bem-feito e acentuava a cor dos olhos. Domingos recebeu a moça com a maior naturalidade. — Oi! — Está atrasado, querido — ela falou, passando o braço, possessivamente, no dele. — Estava esperando por você. Domingos não se desculpou. — Débora, essa é Marsha Mathews. Marsha, Débora Warren. — Como vai? — Mas a outra não ofereceu a mão para cumprimentar. — Alô — Marsha respondeu, friamente. — Você é a protegida de Aaron, ao que parece. — Dirigiu-se a Domingos: — Querido, vamos! Tem alguém que quero que conheça. Débora sentiu-se mal. Toda aquela sensação de bem-estar tinha sido dissipada pela chegada de Marsha Mathews. Que idade teria? Talvez, uns vinte e sete anos mais ou menos. E parecia considerar McGill propriedade sua. Gentilmente, ele se desvencilhou das mãos de Marsha. Ela olhou para ele, furiosa, e depois suplicou: — Domingos, por favor! As mulheres que estavam com eles se divertiam com a cena. Era óbvio que não gostavam de Marsha. Deve ser terrível, pensou Débora, querer alguém dessa maneira e receber uma indiferença tão grande. Resolveu que jamais se deixaria levar por sentimentos dessa natureza. Não valia a pena. — Vão nos desculpar um momento. — Pegando no braço de Débora, Domingos arrastou-a pelo hall, até o salão onde as pessoas dançavam. Imediatamente os fotógrafos começaram a acionar suas máquinas. Débora piscava diante dos flashes. — Relaxe — Domingos cochichou em seu ouvido. — Sorria e tente aparentar que está se divertindo muito.
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— Eu estava me divertindo — respondeu, zangada. — Só não gostei de ser usada por você para afastar presenças indesejáveis! Ele pareceu encantado com aquela explosão. — Ah, vamos andando. Não acha que preciso de você para afastar Marsha, não é? — Parece que foi exatamente o que fez! — Filhinha, você ainda não me conhece. Vamos dançar. Depois, eu apresento você por aí. Há pessoas muito influentes aqui, esta noite. Um bando de estrelinhas daria o braço direito por uma noitada destas. Débora não respondeu, consciente da força daqueles dedos que a seguravam e a empurravam para a pista de dança. O conjunto tocava um ritmo animado que ela conhecia apenas de shows que tinha visto na televisão. Sentiu-se petrificada. Como é que se dançaria aquilo? Mas o ritmo era gostoso e esqueceu a inibição, deixando-se levar. Era, ao mesmo tempo, excitante e hipnótico. Notou que Domingos a observava com uma expressão divertida, enquanto tentava segui-la. Era evidente que estava acostumado a esse tipo de dança, pois se movimentava muito bem, sem sofisticação alguma. E não estava ofegante como ela, quando a dança terminou. — Você está fora de forma. Que tipo de exercício costuma fazer? — Eu ando. E às vezes jogo tênis. E você, o que faz, além de dirigir carros de corrida? — Jogo golfe e nado bastante. Aposto que você não nada, lá em Valleydown. — Não, mesmo. Há apenas uma piscina na cidade, que está sempre repleta de crianças na época em que posso freqüentá-la. Domingos pegou seu braço e caminhou com ela até um grupo parado perto da pista. — A casa de Elizabeth Steel em Wilshire tem piscina. A maioria das casas daqui também têm, você sabe. Eu tenho duas, uma interna e a outra externa. Deve vir algum dia nadar comigo. — Obrigada. Vou lembrar disso. Aaron destacou-se do grupo do qual se aproximavam, abrindo os braços numa antecipação carinhosa. Livros Florzinha
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— Minha querida Débora! Está maravilhosa! Não está, Dom? Domingos mexeu os ombros ligeiramente, e Débora ficou absolutamente sem graça, mas permitiu que Aaron pegasse suas mãos e a beijasse no rosto. Depois conheceu tantos rostos e nomes que ficou tonta por algum tempo e perdeu Domingos de vista. Enquanto provava uma bebida que Martin Bellman tinha providenciado, aproveitava para olhar por cima da borda do copo. Mas, não conseguiu localizar McGill imediatamente. Alguns momentos depois, o viu. Ele estava num grupo de moças e rapazes bem jovens, debruçado sobre o bar que havia no extremo oposto da sala. Marsha Mathews inclinava-se sobre ele, com uma bebida numa das mãos e acariciando seu pescoço com a outra. Débora sentiu-se imediatamente mal e derramou a bebida que tomava. Aaron olhou-a e ficou preocupado com sua palidez. — Querida, você ainda não comeu nada. Vamos, vou arranjar algo. Vão nos desculpar, não é Lydia, Martin? Ela o seguiu até outra sala, que não estava tão quente nem tão cheia. Mesas imensas estavam abarrotadas dos mais variados pratos. Havia salmão defumado, lagosta, saladas, presunto, sopas geladas, ensopados, sanduíches, queijos, frutas e doces, além do café americano. Comeu um pouco de salada e presunto e tomou duas xícaras de café. Sentiu-se melhor. Talvez fosse a presença de Aaron que a reconfortasse. Era tão bom e gentil, que ela se tornava cada vez mais ligada a ele. — Bem, Débora, já é quase segunda-feira. Chegou a uma conclusão? Ou será que estou me apressando? — Oh, Aaron, eu... eu não posso lhe negar o direito de saber a verdade e também não posso esconder minha própria curiosidade a respeito. Pensei que não me importasse, não queria me importar, mas... importa. Sou humana, e quero saber a verdade. Aaron abraçou-a, efusivamente. — Muito obrigado por isso! Não tem idéia de como me senti nesses dois últimos dias. Não consegui me concentrar em nada. Queria convencê-la e tive certeza de que conseguiria. Mas também queria que você decidisse por si. Era muito importante que quisesse saber a verdade tanto quanto eu. Espere até eu contar a Domingos! Ele não vai ficar surpreso. Tinha certeza de que você concordaria. — Oh! Ele tinha? — Sentiu-se tensa novamente. Livros Florzinha
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— Sim. É um perfeito juiz da personalidade humana. E está interessado e curioso em saber qual vai ser a reação de sua tia Júlia. — Minha tia Júlia! Mas como é que ele vai conhecer minha tia? — Muito simples: ele vai com a gente. — Para a Inglaterra? — É claro. Não pensou que fôssemos sozinhos, não é? — Bem, eu... acho que sim. — Veja, eu preciso de alguém para servir de testemunha para o que essa sua "tia" disser. Pode não ser tão simples como estamos pensando. — Até agora, não consigo acreditar nessa história toda. — Eu sei, deve ser mais difícil ainda para você. Mas, querida, sabe que não pode continuar vivendo uma mentira. Tem direito a tudo que é meu, se for minha filha. E preciso de você, Débora; acredite! Essa sua tia não pode precisar de você mais do que eu! Débora suspirou, emocionada. Era muito difícil o que estava vivendo. Tinha se comprometido, ia descobrir a verdade e depois... O que viria depois? Na realidade, talvez seus problemas maiores ainda estivessem por vir. No fundo de sua mente conturbada, havia espaço também para Domingos McGill. Pensou que ficaria livre dele, uma vez que estivesse em seu ambiente, mas... ele iria junto para a Inglaterra, para os lugares que ela sempre conheceu. E, se nada fosse verdade, se ele e Aaron voltassem sozinhos para os Estados Unidos e jamais o visse novamente? Sabia agora que, mesmo assim, não seria capaz de apagar a imagem dele de sua mente...
CAPÍTULO V
David Hollister resistiu muito à idéia de Débora sair da escola. — Acho que está cometendo um grave erro, Débora. Está jogando tudo fora, na expectativa de ser a filha dessa mulher. Sabe que abandonando o curso agora, não permitirão que volte para cá ou para qualquer outra escola nesse esquema? Livros Florzinha
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— Sei, David. Mas a decisão não é apenas minha. E se eu for realmente a filha de Elizabeth Steel? — O que quer dizer é que... vai ganhar muito dinheiro. Sinceramente, nunca pensei que fosse interesseira. Pelo menos, não era assim. — Oh, David, está cansado de saber que não sou assim. Só que não posso ignorar o fato de que o sr. Johannson amou minha mãe... isto é, Elizabeth. — Está vendo? Está começando a acreditar nessa história! Meu Deus, Débora, isso tudo pode não passar de uma grande brincadeira, um embuste! Já pensou nessa hipótese? — Uma brincadeira? O que quer dizer com isso? — O que quero dizer é que é claro que você se parece com essa mulher. Pode ser que tudo isso não passe de um golpe publicitário! Pode ser que eles se livrem de você, assim que tiver dado uma boa publicidade ao filme que eles pretendem lançar. — Que coisa horrível, David! — Você é uma criança ingênua e inexperiente, e eles são gangsters sofisticados. Como é que sabe do que são capazes? Como é que pode ter alguma certeza? — Oh, não, David! — Débora sacudia a cabeça. — Você está errado! Inteiramente errado! Eu sei, eu sinto que Aaron não é nada disso. — E McGill? — Não sei. Mas não importa. Domingos McGill não tem nada a ver com tudo isso. — Não tem? Será que não, mesmo? Ele deve ser bastante capaz de julgar se você é mesmo a filha de Elizabeth Steel. Ele a conhecia o suficiente! — O que quer dizer com isso? Hollister não teve coragem de dizer o que pensava. — Nada. Quando é que você vai para a Inglaterra? Débora ficou aliviada, quando saiu da escola. Todos os professores ficaram contra ela, menos Margaret Stevens que até brincou sobre toda a história. — Cinderela — disse ela, rindo — Com uma mãe perversa em vez de duas irmãs.
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— Não fale assim, Margaret. Como David diz, tudo pode não passar de especulação. — Se Elizabeth Steel era sua mãe, quem, então, era seu pai? — Isso eu não sei. Talvez descubra, se a verdade vier à tona. — Já entrou em contato com sua tia para contar o que está acontecendo? — Eu... não! Oh, Margaret, eu não poderia sugerir nada disso numa simples carta, ou num telegrama. Tenho que estar lá para contar; tenho que ver sua expressão para saber a verdade. — Para ver se ela está mentindo — Margaret corrigiu, com cinismo. Oh, Débora, gostaria que nada disso tivesse acontecido com você. Sempre foi uma moça tão calma, tão gentil. Não gostaria que mudasse. Mas isso vai acontecer; você se verá forçada, se continuar com essa história... — Por que acha que vou ser forçada a mudar? Saiba que não pretendo deixar que isso aconteça. — É que não depende muito de você, Débora. De repente, está se misturando com pessoas de quem não sabe absolutamente nada, e pode sair extremamente machucada de tudo isso, a menos que faça o jogo deles. — A que exatamente está se referindo? Homens? — Sim, eles mesmo. Homens como McGill, por exemplo. Não venha me dizer que não o notou até agora, porque eu não acreditaria. — É claro que notei. Mas ele não é o primeiro homem que acho atraente. — Admite, então, que ele é atraente? — Pare de me provocar, Margaret. Tudo isso é tão ridículo! Às vezes penso que gostaria, de todo coração, de jamais ter feito aquela excursão até o Estúdio Ômega. Mas eu fui, Emmet Morley me viu, e agora... não tem mais jeito. É um assunto que afeta outras pessoas também, e não posso negar a elas o direito de conhecerem a verdade. Margaret suspirou e segurou o braço de Débora com carinho. — Bem, querida, espero que saiba o que está fazendo. Não dou conselhos maternais, sabe disso; mas, por favor, cuide-se bem! Não banque a boba com McGill.
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— Não vou. Estou perfeitamente ciente de que ele me vê apenas como uma boa proposta de trabalho. — Pode ser que sim. Mas você é uma pessoa rara entre todas as mulheres que McGill conhece, e ele pode achar divertido descobrir seus mistérios. — Ora, Margaret, não sou tão ingênua como imagina. Mas obrigada por se preocupar comigo, de qualquer maneira. Não acredito que ninguém mais o faça. Débora esteve bastante com Aaron Johannson antes de viajar para a Inglaterra. Ele insistiu em pagar a viagem dela, e também fez todas as reservas. Parariam em Nova York por dois dias para que Domingos resolvesse uns assuntos de trabalho e Aaron aproveitaria para mostrar a cidade a Débora. Estava emocionada com essa perspectiva. Morria de vontade de conhecer Nova York, mas, a caminho de São Francisco, passou apenas umas horas no aeroporto e não viu nada da cidade. Tinha se contentado em comprar uma série de cartõespostais. A viagem foi ótima. Débora tinha ficado preocupada por causa de McGill, mas sem razão. Steve Lanni, o assistente pessoal de Aaron, e Victor Ross, secretário e amigo íntimo de Domingos, também foram. Débora sentou-se com Aaron e Steve e quase não teve oportunidade de ver McGill. Nunca imaginou que ia viajar de primeira classe um dia, e ficou observando cada detalhe daquele vôo de luxo. Mas depois começou a pensar em tia Júlia e na reação que ela teria. Tia Júlia detestava surpresas. Uma coisa, especialmente, angustiava Débora: se Elizabeth Steel era mesmo sua mãe, por que a tia nunca tinha lhe dito nada? Que segredos teria guardado todos esses anos? E por quê? Débora sentiu-se perdida e confusa no meio da multidão e do barulho de Nova York. Estava acostumada com Londres, aconchegante e familiar. Subiu até o alto do Empire State Building, observou os patos do Central Park, e passeou com Aaron pela Madison Avenue. Ele insistiu em comprar-lhe um blazer de veludo, que ela admirou numa vitrine. Quando o vestiu Aaron sorriu, satisfeito. — Querida, você precisa se acostumar a comprar muitas coisas novas. Eu gostaria de lhe dar tudo que sonhar. Débora deu um sorriso afetuoso para aquele homem que já tinha conquistado seu coração. Livros Florzinha
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— Ora, Aaron, você me deixa tão protegida e segura, que até tenho medo. — Medo de quê? — Não sei. Talvez, de que a gente descubra que tudo isso não passou de um sonho. E depois... Aaron olhou dentro dos olhos dela. — Me parece que você fica tensa ou triste, sempre que pensa em sua tia. Tem medo de que ela destrua nosso sonho, não é? — De certa forma, sim. Mas não quero que pense mal dela. Afinal, não deve ter sido nada fácil me criar sozinha. Ela sempre fez o melhor que pôde por mim. — Fez mesmo? Tenho minhas dúvidas. — Pelo menos, ela não me abandonou ao nascer, como fez Elizabeth Steel, se é que ela é mesmo minha mãe. — Vamos saber logo isso. O céu de Londres estava coberto de nuvens, quando o avião pousou, à meianoite. As formalidades da alfândega terminaram com a maior rapidez, e logo os carregadores levavam a bagagem até o carro que os aguardava, um Mercedes luxuoso dirigido por um homem pequeno e alegre de mais ou menos uns cinqüenta anos, que saudou Aaron e Domingos com prazer. Débora ficou atrás, entre Aaron e Steve Lanni. Victor Ross e Domingos sentaram na frente, com Potter, o motorista. Eles se hospedaram no Hilton. Débora estava tão cansada que nem pensou em desfazer as malas. Pegou apenas uma camisola, foi até o banheiro e enfiou-se na cama. Estava exausta, o que era muito bom, pois removia as ansiedades da viagem e de sua vinda. Na manhã seguinte, quando acordou, não lembrava onde estava. As cortinas pesadas nas janelas, o carpete macio e alto, a colcha de cetim sobre a cama, tudo era estranho. De repente, lembrou de tudo, rolou sobre a cama e olhou o relógio que tinha deixado sobre o criado-mudo. Não podia estar certo: meio-dia e quinze! Saiu da cama e foi até a janela. Viu o Hyde Park à direita, e percebeu, pelo congestionamento na rua, que devia ser mesmo meio-dia. Imaginou o que os outros estariam fazendo, e se teriam saído sem ela.
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Tomou um banho rápido e desceu. Encontrou Victor Ross no salão, lendo o jornal. — Oi! Então você apareceu, finalmente. Comecei a ficar preocupado. Débora corou e sorriu para ele. — Dormi demais. O que será que Aaron está pensando de mim? — Aaron, Domingos e Steve saíram há duas horas. Devem voltar dentro de uma hora mais ou menos. Enquanto esperamos, que tal almoçar? — Estou vendo que minha babá de plantão hoje é você, não é, Victor? Aaron está preocupado demais. Conheço Londres bastante bem e podia perfeitamente sair para almoçar sozinha. — Pois se acha que levar você para almoçar comigo é uma desagradável obrigação, engana-se. — Está sendo muito educado, mas... — Mas nada! Ora, Débora, você é uma mulher agradável e atraente. Por que motivo eu não ia querer almoçar com você? — disse Victor, pegando-a pelo braço, amigavelmente. — Está bem, Victor. Você ganhou. — Ela devolveu o sorriso. Almoçaram no restaurante do hotel, e Débora sentiu que podia conversar livremente com Victor. A companhia dele era relaxante e suas histórias, sobre o trabalho com Domingos, muito interessantes. — Conheço Domingos desde menino. Crescemos juntos na mesma vizinhança. — E onde era isso? — Débora perguntou, aceitando um cigarro que ele oferecia. — Brooklyn. Era uma vida dura. Nossas famílias eram muito pobres, É difícil você acreditar nisso agora, vendo tudo que ele conseguiu. Foi sua tremenda ambição que lhe trouxe tanto sucesso. — E os pais dele, ainda vivem? — Não. A mãe morreu dois ou três anos atrás. O pai... acho que ele nunca conheceu. — Entendo. — Débora abaixou a cabeça e pensou em Elizabeth Steel, uma possível mãe que jamais conhecera.
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— O que houve? Ficou chocada? — Ele parecia preocupado. — Na nossa vizinhança, havia crianças que não tinham nenhum dos dois. Nós nos considerávamos felizes por termos um lar, mesmo que fosse em lugares horríveis. — Não estou chocada. Estava apenas pensando. Conte-me como foi que Domingos ficou famoso. — Ele não lhe contou ainda? — Se ele tivesse contado, eu não perguntaria. — É verdade. — Victor olhava atentamente para a ponta do cigarro. — Bem, acho que foi graças a Elizabeth Steel. — Como assim? — Ouvi dizer que ela convenceu Aaron a ler a peça de Dom. — Victor parou. — Mas esse não é assunto que me diga respeito. Seria... seria melhor se você perguntasse a Dom. — Por quê? O que é tão proibido? Já sei que Domingos conheceu Elizabeth muitíssimo bem. Aaron já tinha me contado. Victor, ficou visivelmente constrangido, sem saber o que dizer. Mas, nesse instante, viu Domingos chegando. — Bem, acredito que agora não temos mais tempo. Dom está aí... Débora sentiu uma grande frustração. Estava começando a ficar muito interessada no assunto McGill, e não queria interromper o papo. Domingos parou na mesa deles. Estava muito atraente e metade, do restaurante olhava em sua direção. — Aposto que dormiu bem, Débora. — Sim, muito bem, obrigada. — Vocês já almoçaram? — Terminamos agora. E você? — Comemos um sanduíche no estúdio. Acho que sobrevivo até o jantar. Aceitam outra bebida? — Não, obrigada — Débora respondeu.
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— Agora não — disse Victor. — Onde estão Aaron e Steve? — Esperando no bar. Se vocês acabaram, podemos ir. — Nós... vamos para Valleydown agora? — Débora perguntou, receosa. — É claro. — Então, vou pegar minhas coisas. — Por quê? — Domingos franziu a testa. — Não vai ficar por lá... — Eu... eu... é claro que vou. Mesmo que seja verdade, Valleydown é a minha casa. — Instruções de Aaron, não minhas. Vamos, então. Débora levantou, zangada. — Vou pegar minha mala. — Tudo bem, tudo bem, pegue a mala — Domingos murmurou, irritado. — Se insiste em se comportar como uma criança, o problema é seu. Victor também levantou, tentando evitar uma discussão dos dois em pleno restaurante. — Vamos, Dom, vamos tomar algo no bar. Mudei de idéia. Resolvi tomar um drinque, agora. Domingos saiu sem nem olhar para Débora. Quando suas coisas estavam prontas e arrumadas, ela abriu a porta do quarto e achou um carregador esperando. Presumiu que um dos dois o tinha mandado até lá. Aaron estava esperando na recepção e fez um ar preocupado, quando viu as malas. — Débora, não confia em mim? Não poderia voltar para Londres comigo e passar uns dias aqui, mesmo que Elizabeth não seja sua mãe? Eu teria um prazer enorme na sua companhia. — Sinto muito, Aaron, mas, seja lá o que aconteça, devo ficar com a tia Júlia. — Tudo bem, tudo bem. Vamos ver o que acontece. Mas você tem que me prometer que, se algo sair errado em Valleydown, vai deixar que eu a ajude no que for possível.
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— Aaron — Débora pegou seu braço —, o problema é que quero ficar com você, gosto de ficar com você, e isso me assusta. Não posso me deixar envolver tanto assim. — Querida, você está envolvida. — Aaron dirigia-se para o Mercedes. — Aconteça o que acontecer agora, não poderei esquecê-la, e duvido que você consiga. — Sei disso, e é justamente o que me dá angústia. — Ficou tensa, quando percebeu que McGill estava lá fora, esperando. Mas, para sua surpresa, descobriu que ele não os acompanharia. Ela iria apenas com Aaron e Steve Lanni. Valleydown ficava entre duas colinas. Era uma cidadezinha monótona, sem atrativos especiais, mas Débora tinha um carinho especial por ela. Mas não era em Valleydown que pensava agora, e sim, em sua tia Júlia. — Eu... eu gostaria de falar com minha tia a sós, primeiro. — Não concordo com isso, Débora — disse Aaron. — Quero ir com você. — Aaron, eu e ela vamos ter uma conversa íntima e difícil. Não é justo que eu imponha sua presença. Ela nunca viu você. — Está bem, não posso forçar você, é claro. Só quero que fique prevenida. É possível que sua tia decida manter o silêncio e o segredo de todos esses anos. É até possível que para você. — Ela é minha tia, e não quero feri-la. — Tudo bem, Potter, pare no centro da cidade. Vamos nos encontrar com Domingos lá. — Sim, sr. Johannson. Logo viram o carro de Domingos em frente a um bar. Victor e ele estavam encostados no capo, fumando. — Bem — Aaron falou —, ficaremos aqui durante um tempo e depois vamos pegar você. Tem certeza de que é isso mesmo que quer? — É o que eu quero. Você sabe o endereço, não sabe? — Rua River Walk, 17. Deve ser fácil encontrar. — Qualquer pessoa lhe indica o lugar. Quero apenas meia hora a sós com ela. Domingos se aproximou. Livros Florzinha
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— Então, o que vamos fazer? Aaron saltou do carro. — Débora quer ver a tia primeiro sozinha. Depois nós iremos. — É longe daqui? — Não muito — Débora respondeu, desviando o olhar do dele. — Vou levá-la até lá. — Não é necessário. — Pelo amor de Deus, Débora, pare de dizer não a tudo! — Aaron pediu. — Deixe que Dom a leve até a esquina da sua rua, pelo menos. — Tudo bem, mas não é nada longe. O carro de Domingos era macio e confortável. Ele olhou para ela e perguntou: — Está assustada? — Um pouco. No íntimo, Débora desejava que Domingos ficasse com ela durante a conversa com tia Júlia. Não sabia por quê, mas se sentia mais segura com ele do que com Aaron. Como se percebesse sua insegurança, ele perguntou: — Tem certeza de que quer enfrentar isso sozinha? Eu gostaria muito de estar com você. — Eu... eu gostaria de aceitar, mas não posso. Esse problema é apenas meu. — Ok. Está bom aqui? — Parou o carro. — Ótimo. — Débora abriu a porta e saltou. — Obrigada por ter me trazido. O olhar de Domingos, pela primeira vez, era suave e doce. Teve vontade de lhe pedir que fosse com ela, mas resistiu, virou-se e começou a andar. Tocou a campainha antes de girar a chave na fechadura. Queria prevenir a tia de que alguém estava lá. Se entrasse sem avisar, tia Júlia se assustaria ao vê-la de volta, tão repentinamente. Fechou a porta e encostou-se nela, adiando o momento do encontro. Tinha um nó na garganta, e resolveu procurar um cigarro na bolsa. Naquele exato momento, Júlia Warren saiu da cozinha para atender a porta. Quando a viu, sua expressão foi de enorme espanto.
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— Débora! Como pode ser? Não faz nem uma semana que recebi sua última carta, e você não dizia que ia voltar para casa... — Eu... eu vim porque aconteceu algo... Algo que tenho que conversar com você. O rosto de Júlia Warren ficou tenso e preocupado. — Então é isso? — É, sim. — Aproximou-se da tia. — Podemos ir até a sala? Não dá para falar aqui. Júlia abriu a porta da sala, observando atentamente a sobrinha. Débora sentiu-se muito frágil. Como é que poderia perguntar à tia uma coisa tão difícil? Na sala, ficou de costas para a lareira, que estava vazia agora, apesar do frio. Acendeu um cigarro, esperando os protestos de tia Júlia, mas ela não fez nenhum comentário. Apenas ficou com os braços cruzados sobre o peito. Débora estudou suas feições duras, os cabelos grisalhos presos num coque, procurando desesperadamente encontrar uma semelhança entre Júlia e a foto que tinha visto de Elizabeth Steel. Pensou em começar a falar, mas não conseguiu. Sentiu as lágrimas descerem e em seguida ouviu Júlia Warren falando: — Você descobriu, não é? Ou, pelo menos, suspeita! Encarou a tia, incrédula. — O que... o que você acha que descobri? — Que é filha de Elizabeth Steel — ela respondeu, com os olhos cheios de amargura. — Eu sabia que nunca deveria ter deixado você ir para a América. Mas, Deus do céu, achei que as chances que tinha de descobrir eram mínimas, quase inexistentes. Como foi que isso aconteceu? — Eu... eu sou filha de Elizabeth Steel? — Sim, é. — Mas... mas... Oh, meu Deus! — Começou a chorar. Júlia Warren observava, indiferente. Débora sentiu-se tonta e enjoada. Sentou, tentando se controlar. — Acalme-se — Júlia falou, sem fazer nenhum gesto para confortar a sobrinha. — Quanto sabe da história?
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Débora secou os olhos e tentou ficar calma. — Eu... eu não sei. Encontrei... Aaron... Aaron Johannson. Ele... ele me disse que você poderia ser a irmã de Elizabeth. Você é? — Infelizmente, sou, sim! — E por que você não me contou nada? — O que eu devia ter contado? Que sua mãe era pouco mais do que uma prostituta... — Oh, isso não! — O que quer, Débora? Gostaria de saber quem era seu pai? É isso? — Tia Júlia... — Fique quieta! Tudo bem, vou contar. Tudo! Toda a história nojenta de sua mãe! — Por favor, tia Júlia, não fale assim. Por que odeia tanto minha mãe? Júlia andou nervosamente pela sala e depois olhou para Débora, com frieza. — Vou lhe dizer por que detesto sua mãe. Ela roubou o meu marido! Isso surpreende você, não é? Nunca soube que eu tinha um marido, não é? Débora balançou a cabeça, negando. — Não. Pois bem, eu tinha, sim. Quando Elizabeth fugiu para a América, para fazer nome, eu fiquei em casa e casei com um homem decente. Pelo menos, eu pensava que era. Depois que Elizabeth ficou famosa, veio nos visitar, mas preferiu vir sozinha. Deixou o marido em casa. Ela era casada também, ou você já sabe disso? Débora confirmou. — Deve saber também que ela casou com o pobre indefeso Aaron apenas para usá-lo. Nunca se importava com ninguém que não fosse útil aos propósitos dela. Isso deixa você chocada, não? Mas é a verdade e deve enfrentá-la. Bem, como dizia, ela veio nos ver. Não estávamos casados há muito tempo, e Arnold era um homem muito atraente. — Júlia deu uma risada. — Elizabeth não podia deixar um homem atraente em paz. Vou deixar você adivinhar o que aconteceu... como não poderia fazer nada na América, sem que Aaron descobrisse, ela resolveu se distrair um pouco por aqui. Eu não acreditei no começo, mas depois, Arnold... Deus! Foi horrível! — Oh, não! — Débora estava chorando, com as mãos nos ouvidos.
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— Essa era sua querida mãe. Ela nem ligou para o que aconteceu entre Arnold e eu. No início, recusei a me envolver, mas depois Elizabeth ameaçou tornar a história pública. Eu não acreditei que ela o fizesse, porque seria pior para ela do que para mim, mas não podia me arriscar. Não sou jogadora. Então, eu lhe disse que ela podia ficar até que o bebê nascesse, desde que o deixasse comigo. Depois, ela deveria ir embora para nunca mais voltar. Débora levantou o rosto. — E ela fez isso! — Fez. Depois que você nasceu, Elizabeth voltou para os Estados Unidos. — Júlia baixou a cabeça, e Débora pensou que estivesse chorando, mas havia apenas uma expressão frustrada em seu rosto. — Você poderia pensar que, depois disso, nada pior ia acontecer. Eu também pensei, mas me enganei. Enquanto Elizabeth viveu conosco, Arnold parecia possuído pelo demônio. Ninguém podia se aproximar dele, e eu achava mesmo que ele a odiava tanto quanto eu. Mas depois que o bebê nasceu, e Elizabeth foi embora, ele caiu numa depressão tão profunda, que nunca mais foi o mesmo comigo. Percebi que ele tinha amado sua mãe o tempo todo. Dois meses depois da partida dela, Arnold atravessou distraído na frente de um ônibus na estrada e nunca mais se recuperou. Morreu pouco depois. — Não! Não é possível! — Quando soube da morte dele, Elizabeth voltou. Tinha mudado também e queria você de volta. Você, a única coisa que Arnold tinha deixado para mim! — E o que aconteceu? — Eu não permiti que ela a levasse, depois de já ter me roubado Arnold. Disse que, se ela voltasse para ver você novamente, contaria a história. Na sua certidão de nascimento, estava o nome verdadeiro dela, Elizabeth Morrison. Warren era o nome do seu pai. — Mas ela me queria... — Débora murmurou. — Ela queria você, sim. Percebeu o que tinha feito. Até disse que contaria a Aaron a verdade. Mas Aaron nunca tinha sido o problema. Se a verdade fosse publicada da maneira que eu ameacei, a carreira dela estaria arruinada. Você pode imaginar a repercussão da manchete: Atriz Famosa Tem um Caso com o Cunhado! — Pare com isso! É terrível, detestável!
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— Então, vê por que eu escondi a verdade? Foi mais por você do que por mim. — Isso é demais! Não consigo mais ouvir! Não posso acreditar. — Por quê? Em que foi que você acreditou, então? Provavelmente, Aaron pensa que é filha dele, não? Isso é unia mentira! — Não seja tão má. Aaron é um homem maravilhoso, e tem sido muito bom comigo. — Um homem maravilhoso! Imagino que não será tão maravilhoso, depois que souber a verdade! — Chega! Basta! — gritou uma voz de homem. As duas mulheres pararam, espantadas. Júlia Warren virou-se e depois olhou para a sobrinha. — Quem é esse homem? Como ele ousa entrar na minha casa dessa maneira? Pensei que tivesse vindo sozinha! — Ela veio — Domingos respondeu, antes que Débora abrisse a boca —, mas eu não podia deixar que enfrentasse tudo isso sozinha e, por Deus, fico bastante contente de ter tido essa idéia. Conhecendo Débora como acho que conheço, ela nunca teria revelado essa história a Aaron. — Há... há quanto tempo você está aí? — Débora perguntou. — Faz bastante tempo, mas eu não podia interromper antes. Precisava conhecer toda a história. Júlia Warren agarrou a sobrinha pelos ombros. — Ele... ele é Domingos McGill, escritor e dramaturgo. Júlia soltou a moça e virou-se para Domingos. — Oh, sim, já ouvi falar no senhor. Sem dúvida, é um dos ex-amantes de Elizabeth. — Pode chamar assim, se quiser — Domingos observou, com a voz gelada. Olhou para Débora. — Acho que percebe que ouviu apenas uma versão de toda essa história, não? Débora tremia incontrolavelmente. Domingos atravessou a sala e puxou-a para seus braços. Ela sentiu que as lágrimas molhavam o terno de Domingos, mas, quando tentou se afastar, ele disse:
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— Relaxe, garota, você já ouviu bastante por hoje. — Olhou para Júlia Warren. — Acredito que esteja satisfeita com sua vingança, não é? Devia estar esperando por ela há muito tempo! — Como ousa falar comigo dessa maneira? Você é tão cafajeste como Elizabeth, apenas preocupado com seus desejos egoístas! — Elizabeth pode ter sido tudo, menos egoísta. Pode ter sido ambiciosa, nós todos somos, à nossa maneira. E acredito mesmo que o que ela fez com a senhora não foi correto, mas lembre que um caso de amor precisa de duas pessoas para acontecer. Logo, seu santo marido não era melhor do que ela. Nem pior! — Cale a boca! Você não sabe de nada. — Conheci Elizabeth, e garanto que era basicamente uma criatura generosa e adorável. Aaron sabia o que estava fazendo, quando casou. Não tinha ilusões sobre o amor dela por ele. Débora relutou um pouco, mas depois falou: . — Aaron me disse que você não sabia que eles eram casados. — É claro que eu sabia. Elizabeth me disse. A verdade é que ela amou esse Arnold Warren por um certo período de sua vida, e ele também a amou. Você é o resultado desse amor, não a tragédia sórdida que essa sua tia está tentando lhe mostrar. E, conhecendo Elizabeth como eu conhecia, ela não abandonaria você sem saber que seria muito bem cuidada. Lembre que ela pensou que estava deixando você com o pai e que, quando ele morreu e ela voltou imediatamente para buscar você, sua tia negou-lhe esse direito. Débora afastou-se dele. Sentia-se confusa e fraca e precisava de tempo para refletir; tempo para assimilar os acontecimentos dos últimos minutos. — Então, aonde tudo isso me leva? — Isso a leva à conclusão de que foi uma criança indesejada de uma ligação ilícita! — Júlia falou, com azedume. Domingos olhou-a, com ódio. — Jamais fale isso novamente, ou vou me esquecer que sou um cavalheiro. Nunca machuquei uma mulher antes, mas existe sempre a primeira vez. — Para você, tudo não passa de uma história, mas, para mim, foi minha própria vida que Elizabeth arruinou — disse Júlia, com ódio. Livros Florzinha
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— É verdade, Domingos. Isso é verdade! — E daí? Débora, esse tipo de coisa acontece todo dia. Se sua tia não foi capaz de se recuperar e refazer a própria vida, não é você que tem que pagar por isso. Não é justo, nem tem sentido. — Não sei, não sei, mesmo! — Débora demonstrava um evidente desespero. — Olhe, acho que leva tempo para entender uma coisa dessas. Não pode aceitar tudo isso assim, de repente — disse Domingos, tentando acalmá-la. Júlia olhou para ele, perguntando: — Então, o que sugere que ela faça? — Sugiro que ela venha para Londres conosco. Ah, é verdade, Aaron deve ter chegado, mas não acredito que haja algo a acrescentar, depois de tudo que foi dito. Eu mesmo posso contar a Aaron o que houve. — Essa é a casa de Débora. Não vou deixá-la sair. — Não pode impedi-la. E não vou sair sem ela. — Não, Domingos, por favor... vou ficar. — Nem brincando... — Essa é a casa de Débora. Se ela for embora com o senhor, nunca mais a aceitarei de volta. Nunca mais! — Oh, tia Júlia, não seja assim! Por favor! — Se ficar aqui vai ser como eu quero. Lembre-se que nós vivemos juntas durante vinte e dois anos. Não vamos mudar tudo em trinta minutos. — Tia Júlia... — Fique quieta. — Preciso de tempo. Tempo, tia Júlia! — Bem, eu não vou lhe dar tempo algum. Na realidade, não me importo com o que você fizer. Já não é a mesma moça que saiu daqui. — Oh, tia Júlia. Você não acha isso. Não pode achar! — Não? Não quer acreditar? Você já está mudando. Vá com esse homem, e que lhe seja de bom uso. Mas não corra de volta para mim, quando o seu mundinho maravilhoso começar a desmoronar!
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Débora estava horrorizada. Pensava que conhecia a tia, mas estava redondamente enganada. Essa mulher amarga e despeitada não podia pensar em nada, além do ódio que cultivava pela irmã. Domingos não quis esperar mais. Pegou Débora pelo braço e empurrou-a para a porta. A moça olhou para trás, como se esperasse um milagre acontecer, algo que apagasse toda a dor que a tia tinha provocado, mas Júlia Warren virou-se, e tudo que Débora viu dela foi a rigidez inabalável de suas costas. Débora estava deitada, apática, na cama de hotel em Londres. Sentia-se vazia, sem qualquer emoção e inteiramente incapaz de decidir o que faria de sua vida. Recusava-se a pensar naquela cena horrível da casa de River Walk. Preferia pensar que tudo não tinha passado de um enorme pesadelo. Aaron Johannson ia sair do carro, quando viu Débora e Domingos deixarem a casa de Júlia, mas obedeceu ao gesto rápido do amigo e apenas pediu que Potter os seguisse. Débora sentia-se agradecida a Domingos, não apenas por livrá-la de uma situação tão difícil, como também por estar lá, ao lado dela, por compartilhar o momento e por se dispor a contar a verdade a Aaron. No hotel, Domingos levou-a até o quarto e se despediu. Agora ela se sentia completamente só, pela primeira vez na vida. Acendeu um cigarro e tentou pensar coerentemente. O que seria dela agora? .Não tinha mais a casa, nem emprego, pelo menos, durante algum tempo. Gostaria de chorar muito, mas resolveu não ceder. Já tinha chorado o suficiente, e suas lágrimas não iam resolver nada. Pensou se Domingos já teria contado a verdade a Aaron. E, quando contasse, o que Aaron faria? Talvez, a odiasse agora, como sua tia. Afinal, tinha sido tão traído quanto ela. Rolou na cama novamente, apertando os lábios para que não tremessem. Oh, Deus, não suportaria outra cena como aquela! Ouviu uma batida na porta. — Entre. Sentou, assustada, ao ver Domingos. Passou a mão pelos cabelos e calçou os sapatos que estavam ao lado. Ele fechou a porta e encostou-se nela. — Relaxe — falou, acendendo um cigarro. — Como se sente?
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— Mui... muito bem, obrigada. Devo estar parecendo um espantalho. — Nem um pouco. Apenas despenteada, é tudo. Gosto assim. Parece uma estudante. Débora corou. — Pareço? Será que isso é um elogio? — Tentava agir com naturalidade, mas não devia estar convencendo ninguém. Domingos sentou ao lado dela na cama, com as pernas separadas e as mãos pendentes entre elas. — Foi um dia duro, não foi? Débora concordou, sem responder. — Não importa. Acabou, agora. As coisas só podem melhorar; não podem piorar mais. — Não estou tão certa. Você já... contou ao Aaron? — Já. — E o que ele disse? Ele estava zangado? — Estava. — Oh! — Os olhos de Débora se encheram de lágrimas. — Não do jeito que você está pensando, Débora! Ficou louco por causa de sua tia. Louco pela maneira como tratou você! — Mas... quero dizer... e o meu pai? Ele pensava... que eu... você sabe o que quero dizer. — É claro que sei. Mas Aaron não tem uma mente estreita. Para ele, você é a reencarnação de Elizabeth Steel. Saber que é filha dela é uma bênção, um prêmio. Gosta muito de você, Débora, e como Elizabeth teve você quando estava casada com ele, Aaron a considera como filha, do mesmo jeito. Débora levantou e foi até a janela. — Você não está me enganando, não é? — Por que faria isso? Não, meu bem, falo sério. Aaron acredita que seja como Elizabeth em vários aspectos. E agora ficou provado que tem o talento dela, além da aparência.
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— Não, pelo amor de Deus! Não sou nenhuma atriz! Domingos caminhou até ela, perto da janela, e estudou-a num profundo dose. Débora perdeu o fôlego. Ele estava tão próximo, que podia perceber todos os traços de seu rosto; o comprimento dos cílios, a brancura dos dentes e, principalmente, o perfume másculo. Queria se aninhar nos braços dele, acariciar sua nuca, beijá-lo e prendêlo ali para sempre. — Como sabe que não serve? — perguntou, obrigando-a a esquecer aquelas idéias loucas. — Seu teste foi ótimo. Emmet ficou encantado. Já fez curso de arte dramática, não fez? — Só... na escola. — Então, Aaron pode transformá-la numa estrela. É o que quer fazer. Deixe-o fazer isso! Você não tem nada a perder. — Não! Eu... eu não posso voltar para os Estados Unidos. Sou inglesa, minha casa é aqui! — Agora não tem mais casa. Débora, escute, ouça o que tenho a dizer! Pelo amor de Deus, não jogue tudo fora, agora. De que você tem medo? Qual é o perigo? Aaron não vai machucá-la, isso eu posso garantir. Ele não é mais um garoto. Você lhe daria uma satisfação enorme, nem pode calcular. Será que pode negar a ele e a você a chance de uma felicidade? — Eu... não sei, mesmo. Não entendo mais nada, não sei mais nada. Eu me sinto... perdida e sozinha. — Não há motivo para se sentir assim — falou suavemente. — De volta à Califórnia, você terá bastante tempo! Meu bem, ainda nem começou a viver! E os homens todos vão cair a seus pés! — Ora, Domingos! Você fala como se fosse fácil. — Mas é fácil. Aonde está a dificuldade? Aaron pode lhe arrumar tudo, todos os detalhes; só o que tem a fazer é concordar. — Mas não quero ser atriz. — Como é que sabe? Débora suspirou, desanimada. — Não sei bem ainda, mas não sou muito indicada para esse tipo de vida; fotos para a imprensa, fofocas de colunistas e todos os compromissos de uma estrela. Eu nunca teria tempo para as coisas de que gosto.
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E de que você gosta? Bem... ler, ouvir música e várias outras coisas. Você é realmente única no gênero, meu bem. Estão lhe oferecendo a Terra, e você pede uma das ilhas do Pacífico! Débora sorriu. Sou assim. Mas você tem razão sobre uma coisa: Não tenho mais ninguém no mundo. Pare de sentir pena de si mesma. Relaxe e goze a vida um pouco. Verá que, quando tiver uma dúzia de namorados na fila, não vai ter tempo de fazer essas considerações. Será que pode parar de me tratar como uma adolescente? Assim está melhor. Agora é mais a Débora Warren que conheço. Quanto a parar de tratá-la como adolescente, vou parar quando deixar de se comportar como uma! — Por que acha que ajo como uma adolescente? Só porque não respondo a seus óbvios apelos sexuais? Acha que sou muito ingênua ou inexperiente para conhecer os homens? Uma pobre professorinha do interior! — Eu não disse isso. Não entendo esse tom agressivo. O que foi que lhe fiz? Débora corou violentamente. Domingos não merecia tamanha irritação. E o pior é que agora ia considerá-la ainda mais criança do que antes. — Bem, está falando de namorados como se eu nunca tivesse tido um até agora. — E teve? — perguntou ele, frio. Débora baixou a cabeça, antes de responder. — É claro que tive. — Verdade? — Ele parecia não acreditar. — Verdade. — Então, acha que sabe tudo a respeito, não é? — Não há muito a conhecer, há? — Isso varia de pessoa para pessoa — disse, irônico. Débora virou-se de repente, incapaz de prolongar esse tipo de conversa por mais tempo. Domingos endireitou-se, colocou as mãos nos bolsos e foi até a porta.
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— A propósito, Aaron pediu para dizer-lhe que espera você para jantar. — Olhou as horas. — Já são sete e quinze e o jantar é às oito. Seria melhor você se apressar, meu bem. E saiu do quarto. Débora tomou banho e se vestiu, mas sem nenhum entusiasmo. Escolheu um vestido azul e deixou os cabelos soltos. Temia encontrar Domingos novamente. Achou que tinha se comportado como uma perfeita idiota. Não sabia o que havia acontecido com ela; não costumava agir dessa maneira. Desceu até o salão e encontrou Aaron esperando-a sozinho. Olhou ao redor, como se quisesse saber onde estavam os outros. Ele explicou: — Só nós dois vamos jantar. Domingos e Victor jantaram com amigos e Steve vai trabalhar. — Tudo bem. Vamos, então? — É claro. Tomei a liberdade de reservar uma mesa para nós no Mandini. É um restaurante pequeno que freqüento quando estou em Londres. A comida é excelente. Aaron também parecia um pouco tenso e Débora seguiu-o sem nenhum comentário. Apesar de pequeno, o Mandini era evidentemente um restaurante caro. Pela maneira como se dirigia aos garçons, Aaron, sem dúvida, era um freguês constante. Deram-lhe uma mesa perto da pista em que um grupo de três pessoas tocava. A música era suave e não perturbava. Aaron pediu aperitivos e se encarregou do cardápio, depois que Débora pediu que escolhesse por ela. Não conversaram muito durante o jantar. Começou a imaginar que Domingos tinha feito um julgamento precipitado sobre os sentimentos de Aaron. Talvez ele tivesse mudado de idéia a seu respeito, exatamente como a tia. Depois que o café foi servido, ele disse: — Agora, vamos falar sobre você e sobre seu futuro. — O que há sobre o meu futuro? — Domingos não lhe explicou? — Não sei bem, ainda. Acho que ele tentou, mas não acredito que me queira por mim. Acho que deseja uma cópia de Elizabeth Steel, e não quero ser cópia de
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ninguém. Quero ser eu mesma, Débora Warren! Desculpe — falou, olhando para o cigarro —, parece que estou desapontando você em todos os sentidos. Aaron segurou suas mãos. — Não fale assim, Débora. Nunca mais diga isso! Quero você por ser você mesma, pela pessoa doce que é. Sempre estive só, desde que Elizabeth morreu. Nunca houve quem tomasse o lugar dela. Mas não quero que faça nada que não tiver vontade, nada que não queira lazer. É verdade que eu e Domingos fizemos planos de refilmar Avenida, depois de conhecer você. Nós somos pessoas de cinema, só pensamos nisso. Mas não significa que faremos uma tragédia, se recusar. Como filha de Elizabeth, você seria uma sensação, não nego. Mas, K não quiser tentar, se não quiser experimentar, nada a obriga. Faça o que quiser, qualquer coisa que quiser, contanto que concorde em voltar para a Califórnia comigo e em deixar que tome conta de você. — Ainda quer fazer isso? Depois... depois do que aconteceu esta tarde? Acho que Domingos não lhe contou tudo... — Contou. E antes que alguma coisa mais seja dita, quero dizer ligo em defesa de Elizabeth. Veja, Débora, eu sabia que ela não me amava. Quando lhe disse que não a perdoava por ter tido você sem me avisar, foi porque pensei... esperei... que fosse minha filha. Mas se não é, fica mais fácil entender por que ela guardou segredo. Além disso, ficou claro que ela queria trazê-la de volta para os Estados Unidos, quando Arnold morreu. Se sua tia Júlia tivesse permitido isso... Elizabeth teria me contado tudo. Às vezes, ela era impulsiva e tola, mas sempre inspirava amor e, não, ódio. Seja o que for que sua tia tenha dito, posso jurar que Elizabeth não era a criatura perversa que ela descreveu. Nem era a mulher que saía por aí, roubando maridos. Pelo contrário. Como Domingos lhe disse, era uma criatura generosa e incapaz de destruir a felicidade de quem quer que fosse. — Mas... ela ficou com o marido da irmã. — Será? Ou será que foi ele que ficou com ela? Há sempre dois lados para qualquer argumento. Ninguém jamais saberá a verdade, mas me parece claro e óbvio que seu pai a amava e como resultado dessa união veio esse amor de pessoa que você é. — Não acredito!
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— Querida, não se torne amarga como sua tia. Você tem uma vida inteira pela frente. Estou lhe oferecendo a oportunidade de ser livre, de ser você mesma. Por que não quer aceitar? — Eu não poderia permitir que você me sustentasse. — Mas sua mãe tinha uma fortuna imensa... . — Não quero esse dinheiro! Eu... eu não poderia aceitar. Não agora, pelo menos. — Então, aceite o papel principal na refilmagem de Avenida. Vou transformá-la numa grande estrela, como fiz com Elizabeth. Dessa maneira, você será inteiramente independente e ganhará bastante para viver com conforto e luxo. — Eu jamais conseguiria um papel como esse por mim mesma. Isso até parece caridade. — Meu Deus! — Aaron passou a mão pela testa. — Débora, você é a filha da minha esposa; pelo menos, me deixe fazer isso por você. Por mim, se não for por você. Não seja tão estupidamente orgulhosa! Deixe-me ajudá-la, por favor! Débora olhou para ele, com lágrimas nos olhos. — Você é muito bom. — Eu? Não sou bom, sou um homem de negócios! — Depois sorriu. — Querida, minha querida filha, eu ainda penso assim de você. Venha para a Califórnia comigo, deixe que me preocupe com você. Débora sentiu um nó na garganta. — Oh, Aaron, você me deixa sem jeito. Sou tão ingrata. Tudo bem, irei com você. — Obrigado, muito obrigado. — Ele estalou os dedos. — Isso merece uma comemoração. Garçom! Traga champanhe! Mais tarde, deitada confortavelmente na cama, Débora percebeu que tinha aceito a proposta de Aaron, não apenas por se sentir totalmente só nem por querer colaborar com o destino, que lhe dava a oportunidade de ser atriz, mas também por Domingos McGill. Por mais que tentasse, não conseguia esquecê-lo.
CAPÍTULO VI
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Débora analisou-se detalhadamente no espelho do armário. Estava usando um vestido verde-claro, decotado e de mangas compridas que terminavam em ponta. A saia era curta e deixava os joelhos à mostra, revelando as pernas elegantes. Nunca tinha usado um vestido tão caro, nem se arrumado de modo tão sofisticado. E tudo porque naquela noite jantariam na casa de Domingos McGill. Afastou-se do espelho e foi até a mesinha de centro pegar um cigarro. Depois, dirigiu-se até a varanda que dava para o gramado dos jardins da casa, enorme. Respirou fundo e tentou relaxar. Há seis semanas tinha voltado para os Estados Unidos com Aaron. Viajaram sozinhos. Domingos McGill e Victor Ross já tinham voltado. Débora não viu Domingos a sós desde aquela noite no hotel em Londres, e nos encontros casuais, com outras pessoas por perto, ele foi educado e atencioso, nada mais do que isso. Olhou as horas e virou-se novamente para o quarto. A casa de Aaron em Los Angeles era o lugar mais bonito do mundo, com quartos enormes, e havia quadros e peças de arte que nunca tinha imaginado ver, a não ser em museus. Mas o mais importante era que a casa de Aaron tinha o aconchego de um lar e uma atmosfera de calor que faltava na maioria das casas que Débora tinha visitado na Califórnia. Eles eram o assunto do momento, e a imprensa tinha explorado ao máximo a história da filha de Elizabeth Steel. Naturalmente Aaron omitiu os detalhes particulares, e manteve o tempo todo a versão de que Débora era sua filha. Se a imprensa e o público acreditaram era outro assunto, mas Débora era suficientemente parecida com a mãe para dar crédito à versão de Aaron. Débora não custou muito a se adaptar à nova situação. Agora tinha um guardaroupa milionário, carro, jóias e até uma secretária pessoal, Estelle, que cuidava de tudo para ela, desde o controle de sua agenda — agora repleta — até de fazer sua maquilagem nas ocasiões especiais, como aquele jantar na casa de Domingos. Surpreendente! Como, num curto espaço de tempo, era possível acostumar-se a uma completa mudança de hábitos e valores e se comportar de acordo. Tinha conhecido os amigos mais íntimos de Aaron e suas esposas e sido muito bem aceita por eles. Também tinha aprendido as boas maneiras daquele mundo fantástico e era capaz de conversar sobre nulo nas festas que freqüentava. Podia
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sorrir e ser uma perfeita anfitriã e até mesmo flertar um pouco, como era de bomtom. Apenas Domingos causava-lhe enorme ansiedade. Quando ele estava por perto, sua recém-adquirida sofisticação a abandonava de Vez. Ainda não sabia por que se sentia tão perturbada, mas como já tinha ouvido as mulheres se referirem à irresistível atração dele, começou a acreditar que era exatamente como as outras. Estava um pouco tensa, imaginando o que aconteceria naquela noite. Olhou novamente as horas. Já passava das oito. Aaron já devia estar esperando por ela. Largou o cigarro e saiu do quarto. — Querida, você está maravilhosa! Eu ainda não conhecia esse vestido, não é? — Não, mas aposto que gostou. — É lindo. Você devia usar sempre veludo. Combina com sua pele. Deu o braço a ele e foram até a sala de estar. — Aaron, você já gastou bastante comigo até agora. Eu mi sinto uma fraude. Não faço nada o dia inteiro, e, quando você volta à noite, pergunta se estou cansada. Aaron agarrou sua mão com força. — Não está chateada, está? — Chateada? Com essa biblioteca à minha disposição, com aquela coleção maravilhosa de discos; com um carro incrível e amigos me visitando e me telefonando? É claro que não poderia estar. Ele suspirou. — Às vezes, me preocupo com isso, minha querida. Mas, por favor, não tenha receio de dizer se você se sentir infeliz. Quero que seja muito feliz aqui e que nunca pense em ir embora. — Estou feliz. Mas ainda me sinto um fracasso. Gostaria de fazer algo. — Já leu o roteiro que eu lhe trouxe? Débora afastou-se dele. — Já. — E? — O papel de Laura é maravilhoso para qualquer atriz, mas não para mim! — Por que não?
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— Eu faria um fiasco. — Pelo menos, tente. Por mim. — Isso é chantagem, Aaron. — Bem, e se for? Você fará? — Não posso recusar, se é o que quer realmente. Mas lembre-se: não sou mais nenhuma criança. Se eu estiver muito mal, me fale. Não me deixe continuar bancando a tola. — Feito. Isso é maravilhoso! Vamos contar logo a Domingos, não é? — Domingos? — É claro. Não sabia que a peça é dele? — Sabia. — Bem, naturalmente ele tem a responsabilidade da distribuição dos papéis. — Ah, é claro. — Débora corou ao falar nele. — Débora, o que há? Notei que quando menciono Dom você se fecha. Tiveram alguma briga ou coisa parecida? — Claro que não. — Pegou o casaco. — Querido, está ficando tarde. Vamos? — Vamos, sim. A casa de Domingos em Santa Mônica dava para o Pacífico. No caminho, Aaron aproveitou para contar-lhe sobre a localização. — Tem praia particular. E as praias de Santa Mônica são fantásticas! Dá para fazer surfe também, se quiser tentar. — Não, não sei fazer surfe. — Não importa, vai aprender logo. Dom dá festas tipo surfe às vezes, mas é claro que não sou convidado. Meus cabelos grisalhos não permitem esse tipo de aventura. A casa de Domingos era inteiramente branca, cercada por um muro alto. O portão estava trancado e vigiado por um homem uniformizado. Depois que se identificaram, pegaram a estradinha curva que os levaria até a casa, onde foram recebidos por outro porteiro uniformizado.
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— Meu Deus, isso é necessário? — Débora comentou ao sair do carro. — Você não tem toda essa segurança. Aaron acariciou o braço dela. — Não. Mas eu não sou constantemente assediado pela imprensa, nem um tipo que impressiona as mulheres. Além disso, Domingos tem uma coleção principesca de prata e jade. Ele precisa de um sistema de alarme contra roubo só para isso. Débora apertou os lábios, como se tentasse abafar as batidas do coração. Era impressionante como Domingos a perturbava! Entraram num pátio de arcos que dava num outro pátio com uma fonte no centro. A iluminação dava ao lugar uma aparência mágica. Se tinha ficado impressionada com a casa de Aaron, era porque ainda não conhecia a de Domingos. Suspirou. Deveria saber que tudo que Domingos McGill possuísse seria único no gênero. Aaron cumprimentou várias pessoas e apresentou Débora a alguns amigos. Logo, Domingos apareceu e foi até eles. Vestia um paletó escuro e estava lindo. Sua pele tinha um bronzeado saudável, contrastante com o azul intenso dos olhos. Débora sentiu-se ridícula, de repente. Que mulher o interessaria o bastante para que sacrificasse sua liberdade? Nenhuma, que Débora imaginasse. Talvez só a ardente Marsha Mathews pudesse domá-lo. Domingos cumprimentou Aaron efusivamente. Depois olhou para ela, frio e distante. — Alô. Como vai? — Muito bem, obrigada. E você? — Sem queixas. — Virou-se para Aaron novamente. — Vejo você depois. Precisamos conversar sobre Degraus. — Bom, muito bom. — Aaron ficou preocupado, enquanto observava os dois. — Quando comemos? — Quando você quiser. Há um bufê no salão. Sirvam-se à vontade. Vejo vocês mais tarde, está bem? — Certo. Vamos, querida. Colocaremos seu casaco em algum lugar e depois vamos tomar uns aperitivos... e comer!
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Victor Ross juntou-se a eles na sala, enquanto comiam canapés e bebiam champanhe. — Oi, Dom me disse que encontraria você por aqui. — Virou-se para Aaron. — Importa-se se eu roubar seu par por algum tempo? A sala de danças é um lugar muito melhor para uma jovem linda como ela. — É claro, Vic. Divirtam-se. Débora hesitou. Teve a impressão de que McGill tinha mandado Victor tirá-la para dançar. Mas resolveu aceitar. Victor tomou a mão dela e, como se tivesse lido seus pensamentos, ele disse: — Pensou que vim porque Dom me pediu, não foi? — E não foi isso? — Não. Eu perguntei a Dom onde você estava. Vi quando chegou, mas depois desapareceu, antes que eu tivesse chance de falar com você. Essa é a verdade. — Desculpe, Victor. Só não quero ser uma carga para ninguém. — É a segunda vez que me diz isso. Não repita. Gosto muito de você e aprecio sua companhia. E não tem nada a ver com sua mãe. — Acho que estou ficando comovida. — Então, vamos acabar com isso! As pessoas gostam de você pelo que é. Agora, conhece esse passo? — Acho que conheço. — Débora sorriu, sentindo-se melhor. Foi divertido. Ele não exigia nada e, por algum tempo, ela conseguiu esquecer Domingos. A sala era enorme, com paredes de espelho e lustres de cristal. Dançaram bastante e pararam para beber alguma coisa. — Você não acreditaria que existe uma piscina aqui embaixo, não é? — disse Victor. — Uma piscina? — Claro. Dom mandou fazer uma piscina lá embaixo. O lugar é repleto de trepadeiras e palmeiras; é algo que merece ser visto, pode acreditar. — Acredito.
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— É ... mas hoje o jantar é sóbrio; nada de piscinas. Alguns convidados são gente muito importante. Tem o senador William Manucring. Ele pretende ser governador do Estado. Depois tem Laurence Golphense, um manda-chuva no mundo da TV. Correm rumores de que tem ligações com a Máfia, mas acho que isso não passa de fofoca. — Máfia? Victor riu da expressão de espanto de Débora. — Continuando, temos Dolores Rio Alto, George Vansing, Sean Dennis, Jim Jason; dúzias deles. Acho que já ouviu falar. — Domingos conhece toda essa gente? — É claro. Não se chega ao ponto em que ele chegou sem conhecer praticamente todas as pessoas de importância, ou de alguma utilidade. — Ele teve muita sorte. Afinal, como você mesmo disse, vocês vieram... bem, de famílias pobres. Victor virou quase toda a sua vodca. — Sim, isso é verdade. Você tem muita curiosidade sobre a vida de Dom. Por quê? Débora ficou vermelha. — Acho que é uma curiosidade normal. — Ora, não seja tão suscetível. De qualquer maneira, você não é diferente de um milhão de outras mulheres que conheço. — Se quer dizer com isso que venero o chão que ele pisa, está redondamente enganado — falou, irritada, e depois fechou-se em silêncio. Quando levantou a cabeça, viu Domingos diante dela. Não estava sozinho. Havia uma moça com ele, e devia ter a idade de Débora. Era pequena, com um corpo de curvas bem marcadas pelo vestido vermelho justo. Estava bem próxima dela. Débora recusava-se a olhar para eles, bebericando seu aperitivo com olhos baixos. — Oi, Dom. Oi, Teresa! — disse Victor, descontraído. — Alô, Vic querido. — A voz da garota era infantil e arrastada. — Faz tempo que não o vejo!
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Débora apertou os lábios e pegou a bolsa para procurar um cigarro, mas, antes que o fizesse, Domingos oferecia-lhe um, forçando-a a olhar para ele enquanto acendia. — Obrigada — falou, virando-se para a pista de dança. Não ouvia o que os outros diziam. Sabia que estava sendo extremamente mal-educada, mas não podia evitar. Ele não devia ter aparecido com aquela garota. De repente, Domingos falou com ela, e viu que estavam sozinhos. Victor tinha levado Teresa para dançar. — Você quer dançar? — Não, obrigada. — Por quê? — Porque não. — Pare de se .comportar como uma idiota. Olhe, há pessoas olhando com interesse para nós. Pelo amor de Deus, vamos dançar e acabar com isso. — Não pedi que você falasse comigo. Os dedos de Domingos apertaram os pulsos de Débora. — O que pensa que está fazendo? — perguntou, assustada. — Fazendo você dançar comigo. Vai lutar e fazer ceninhas agora? Se fizer; devo avisá-la de que vai parecer ridícula. — Como é que se atreve? — ela protestou, mas ele ignorou completamente, arrastando-a até a pista. A música era lenta e romântica, e a maioria dos casais dançava bem juntinho. Ela também estava bem próxima dele, que a segurava friamente, com o rosto contra seus cabelos. — Isso não é tão ruim, ou é? — murmurou no ouvido dela. Débora não disse nada, mas começou a se sentir perigosamente perturbada. A música, as luzes, o perfume e o calor da presença de Domingos lhe despertavam sensações loucas. Quase sem perceber, ela deslizou o braço ao redor do pescoço dele e começou a brincar com os cabelos da nuca, fazendo cachos com a ponta dos dedos. Gostaria que ele a beijasse violentamente, até que perdesse o fôlego. Livros Florzinha
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Ele entendeu o que estava sentindo, porque se afastou de repente. — O que está tentando fazer? — disse, transtornado. — Eu... eu não sei do que está falando... — É claro que sabe, meu bem. Não brinque assim comigo. — Não sou nenhuma criança. — Tem certeza? — É claro que tenho. Não procure me deixar sem jeito. Sinto muito pelo que fiz no hotel em Londres. Foi imperdoável o que eu disse. Na verdade, eu... eu queria agradecer o que... fez por mim. — Os olhos de Débora estavam úmidos, quando olhou para ele. — Não... não seja assim... comigo, por favor. Dom tinha uma expressão suave, agora, e o coração de Débora bateu descompassado. — Vamos, vamos conseguir uma bebida. Vou precisar de uma, com urgência — ele falou. Débora concordou e ele a levou pela mão por entre aquela multidão. De repente, alguém agarrou seu braço. — Dom! Aonde tem andado? — Era Marsha Mathews, num vestido longo e muito colorido. Débora ameaçou afastar-se, mas ele a puxou com força. — Olá, Marsha, está se divertindo? — Não, Dom. Aonde você vai? — Pegar uma bebida. Conhece Débora Warren, não conhece? Os olhos frios de Marsha examinaram cuidadosamente a moça. — Conheço, é claro. Então, você é a filha de Elizabeth Steel. Que interessante! Domingos arranjou uma desculpa, livrou-se de Marsha e arrastou Débora por salas e corredores até a biblioteca. Puxou-a para dentro e fechou a porta. Encostou-se nela, com um suspiro de alívio. — Deus do céu! Imagine, não poder encontrar paz na própria casa! Débora sorriu e sentou numa poltrona grande e fofa. Domingos foi até uma mesinha cheia de garrafas e copos. Serviu-se de uísque com gelo, depois ofereceu à Débora um copo com um líquido efervescente que ela não reconheceu.
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— O que é isto? — Um coquetel de champanhe. Colocou um disco na vitrola do canto. Ela relaxou. Era muito agradável estar ali. As paredes eram cobertas por estantes repletas de livros. No centro, uma escrivaninha com uma máquina de escrever e vários telefones. — É aqui que você trabalha? — Um dos lugares. É aqui que trabalho quando eu mesmo datilografo. Em geral, eu dito e Vic redige. — Ah, Vic. Gosto dele. — Gosta? Você acha que ele é o tipo de pessoa fácil de se relacionar, é isso? — Acho que sim. Talvez seja porque ele é o tipo de pessoa com o qual estou acostumada a lidar: tem que trabalhar para se manter... — E você não acha que eu trabalho para me manter? — Não. Não, como Victor trabalha. Como disse, Victor escreve e você apenas tem as idéias. — Apenas — Domingos concordou, irônico. — E você? Vai tentar Avenida? — Aaron quer que eu tente. Não sei ainda. Terei que tentar, mas acho que farei um tremendo papelão. — Não vejo por quê. Elizabeth ensaiou um pouco antes da tomada original e o resultado foi super-satisfatório. O papel cresce dentro de você. Pode acreditar. — Terminou a bebida e serviu-se de outra. — Avenida foi sua primeira peça? Domingos ofereceu-lhe um cigarro, antes de responder: — Sim, foi. Pelo menos, a primeira que pôde ser produzida e montada. Antes, escrevi muito lixo. — Você teve sorte em ter sua peça aceita, não foi? Domingos levantou os ombros, indolente. — Eu não chamaria exatamente de sorte. — De quê, então?
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— Que criatura estranha você é, Débora! O que quer saber, exatamente? Sobre a peça, ou sobre quanto eu conhecia sua mãe? — Aaron tem me falado bastante sobre minha mãe. É claro que estou interessada em pessoas que a conheceram bem. — Então, é isso. Ok. O que quer saber? Débora sentiu-se muito mal. — Nada em particular. Você... hã... você a conhecia bastante bem, não é? — Eu diria que sim. — Bem... há quanto tempo mais ou menos? — Aproximadamente seis ou sete anos. — Ela era muito bonita? — Era. — E eu sou muito parecida com ela? — Fisicamente, sim. Extraordinariamente parecida. Mas como pessoa, não se parece. Ela tinha um temperamento diferente do seu. Não sei se sempre foi daquele jeito ou se ela se tornou assim para sobreviver na selva do cinema. — Menos vulnerável, mais dura, você quer dizer? — É, acho que é isso. E também mais experiente, mais ousada. — Está falando de sexo, não é? — Sim, sexo. Mesmo assim, era romântica e se machucava com facilidade. — Infelizmente. — É verdade. — Ele bebeu o que restava no copo. — Que inferno, Débora, o que mais você quer que eu diga? Elizabeth está morta! — Você sempre age como se eu fosse uma garotinha que não deve saber que Papai Noel não existe. Domingos encarou-a com aqueles olhos azuis muito penetrantes e frios. — E você age todo o tempo como se eu tivesse um cadáver escondido no armário! Débora levantou, trêmula. — Oh, é sempre assim! Por que tem que falar sempre assim comigo? Tão selvagem?
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Domingos foi até ela. — Talvez porque você me faça sentir dessa maneira. Você é tão... inocente e ao mesmo tempo fica tentando entender algo que... Deus meu! — Suspirou e passou a mão na testa. Depois, aproximou-se de Débora, colocou a mão nos cabelos dela, tirou a fivela que prendia o coque, deixando-os soltos em volta do rosto. Ela tremia e olhava para aquele rosto tão próximo e sensual. De repente, ele a agarrou e começou a beijá-la quase com violência, apaixonadamente. Ele não conseguia se controlar e parecia sugar toda a força de seu corpo. Débora o abraçou por baixo do paletó, adivinhando, sobre o tecido fino da camisa, aquela pele macia e sensual. Ele beijou seus olhos, orelha, pescoço, para depois procurar novamente a boca. Débora queimava de paixão. Domingos acariciava suas costas, despertando sensações que ela jamais suspeitou que existissem. Houve apenas um beijo em seu passado, quando um colega de escola, no segundo encontro que tiveram, deu-lhe um desajeitado e inexperiente beijo. Domingos, não. Ele sabia deixar uma mulher louca, incapaz de oferecer qualquer resistência. Mas o sonho foi interrompido por uma batida na porta da biblioteca. Sem esperar resposta, Aaron Johannson entrou. — Oi, Dom, vi que você... — Parou bruscamente olhando para a moça. — Sinto muito! Domingos soltou Débora com relutância. Nervosa, ela tentou arrumar os cabelos, enquanto Domingos abotoava o paletó. Olhou para Aaron quase que agressivo e disse: — Não tema. Não houve nenhum dano ou prejuízo. — Olhou para Débora. — De forma alguma. Ela viu o espanto no rosto de Aaron, foi até ele, pegou seu braço e disse: — Ficou preocupado em saber aonde eu estava? — Não, exatamente. Pensei que estivesse com Vic. Domingos foi até a mesa de bebidas. — Acho que preciso de uma. E você, Aaron? Acho que precisa mais do que eu. Aaron concordou e olhou estranhamente para a moça.
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— Eu... eu vim procurá-lo, Dom. Como você tinha dito, sobre as tomadas na América do Sul, acho que nunca pensei... — Esqueça — Domingos cortou, frio. Débora sentiu-se corar com o tom da voz dele. Será que tinha sido fácil demais? Colocou o braço no de Aaron; queria sair dali. Percebeu que o que mais temia tinha acontecido: amava Domingos! Amava um homem que não ligava mais para ela do que para qualquer outra mulher. Será que sé tornaria como as outras, pendurando-se nele e implorando sua atenção? Não! — Acho... acho que vou procurar Victor. Domingos olhou para ela. — Não é necessário. O que tenho a dizer a Aaron não vai levar muito tempo. — Sua expressão era enigmática. — Mesmo assim, eu vou. — Saiu da sala, fechando a porta. Débora ficou longe de Domingos, até voltarem para casa. Não era difícil ficar escondida entre os convidados, especialmente porque havia sempre muita gente querendo falar com ele. Aaron achou-a às onze e meia. — Você está pálida, querida. Sente-se bem? — Tenho só uma dorzinha de cabeça. Será que podíamos ir para casa? — Casa? — Ele sorriu. — Gosto de ouvir você falar assim da nossa casa. É claro que podemos. Onde está Dom? — Não o vi mais. Temos de falar com ele? Não podemos telefonar depois? Aaron estudou-a, pensativo. — Tudo bem, vamos. Débora suspirou ao subir na limusine. Aaron era sempre tão bom, tão compreensivo. Ele não fazia perguntas desnecessárias. No entanto, em casa, mostrou-se um pouco curioso: — Quer falar sobre o assunto? Débora acendeu um cigarro com dedos trêmulos. — Se você quiser.
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— Não é o que eu quero, é o que "você" quer. — Esparramou-se numa poltrona baixa desabotoando o colarinho. — Sirva-me uma bebida, querida, e pense a respeito. Débora estendeu-lhe um copo. — O que há para ser dito? Acho que me comportei como uma boba. Ele vai me considerar mais uma conquista! — Quem? Domingos? Duvido. Ele não é desses. — Não espera que eu acredite nisso! — Por que não? — As mulheres devem se atracar para disputar a atenção dele. — E daí? Ele não é culpado pelo que as mulheres fazem. — Eu sei, mas... Tem aquela Marsha Mathews, por exemplo, e uma outra chamada Teresa. Parecem conhecê-lo muito bem. — Ela caminhava pela sala, nervosa. — Você mesmo me disse que ele não era um santo! — Eu sei. E não é. Mas não pense que sai por aí amando qualquer mulher que encontra. Simplesmente não acontece assim. Ele conhece muitas mulheres, mas eu não diria que muitas mulheres o conhecem. — O que está tentando me dizer? — Bem, querida, estou tentando fazer você relaxar um pouco. Não quero que pense que Domingos é um porco. Por outro lado, não quero que se apaixone por ele. O rosto de Débora queimava. — Seria ridículo, não é? — Seria, sim. Olhe, Débora, eu trouxe você para cá para que se divertisse; não para que se ligasse a um homem que já conhece as mulheres desde que você brincava de bonecas no jardim de infância. — Deu um murro na mesa. — O diabo é que você vai trabalhar com ele dentro de duas semanas, e vai ter de aprender a lidar com ele nos seus termos; não nos dele. — Trabalhar com ele? Como? Não entendo.
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— O papel de Laura em Avenida. Você não esqueceu, não é? — Parecia ansioso, e ela teve pena. — Não, é claro que não. — Conseguiu sorrir. — Acho que, se ele pode trabalhar comigo, também posso trabalhar com ele. — E o incidente dessa noite? — Aaron perguntou, sem graça. — Querida, não deixe que isso aconteça novamente. — Não vou. Mas, por quê? Aaron levantou e foi até ela, agarrando-a pelos ombros, com firmeza. — Querida, Domingos é um grande sujeito, eu faria qualquer coisa por ele, e ele sabe disso, mas... Diabos! Como direi? Ele não é o tipo de homem que ficaria satisfeito apenas beijando você! Débora baixou a cabeça, embaraçada. — Débora, minha querida, pense nisso. Para me agradar. — Pode deixar, Aaron, vou pensar. Débora não viu Domingos durante vários dias, apesar de ele ter ido à casa de Aaron numa hora em que ela estava. De propósito, tentou evitá-lo, ficando no quarto até ele sair. Mas Aaron percebeu essa manobra, e, mais uma vez, aconselhou-a. — Não pode se comportar como se ele tivesse cometido um crime contra você, querida. Além disso, ele sabia que você estava por aqui. — Como? — Fácil. Estelle trouxe café para nós e perguntou se você não gostaria também. Ela pensou que estivesse conosco e tinha apenas saído por um instante. — Oh, meu Deus! O que foi que ele disse? — Nada. Domingos não é bobo. Sabe muito bem por que você o evita, mas acho que assim você está tornando as coisas mais difíceis. Cedo ou tarde, vai ter que enfrentá-lo. — Eu sei, mas o que devo dizer, quando me encontrar com ele? Posso tratá-lo da mesma maneira de antes, ou não? — Por que não?
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— Nunca pensei que você fosse falar isso! — Por quê? Olhe, querida, isso aqui não é a Inglaterra, nem Domingos é um sujeito limitado. Débora sentiu-se ferida e virou-se, desapontada. — Pensei que entenderia. Aaron foi até ela, abraçando-a gentilmente. — Tudo bem. Eu entendo. Mas lembre-se de que Domingos é meu amigo. Sei que não foi culpada pelo que houve entre vocês, mas ele também não foi. Você é uma garota superatraente, meu bem, e essas coisas acontecem, sabe disso! — Sei bem disso! — Então, vamos esquecer. De agora em diante, se Domingos aparecer, aja com naturalidade. — Tudo bem, vou tentar. — Boa menina. — Aaron sorriu, compreensivo, e Débora também. Mas depois, no quarto, ela pensou como faria para se comportar como se nada tivesse acontecido entre eles. Afinal, simplesmente tinha se apaixonado. Que loucura! Apaixonar-se por alguém que jamais casaria. E que, se o fizesse, seria com alguma moça de passado e origem importante, com pilhas de dólares e posição de destaque na sociedade, para combinar com aquela casa cinematográfica de Santa Mônica, carros de corrida, aviões e coleções incalculáveis de prataria e antigüidades. Débora testaria sua capacidade de controle poucos dias depois, quando Aaron apareceu com um convite para uma festa na praia particular da casa de Domingos. — Uma festa na praia de Domingos! Por que eu? — Olhe, é Victor quem faz os convites, e, naturalmente, seu nome estava na lista. A menos que queira provocar comentários entre os amigos e o pessoal da imprensa, acho que deveria ir. — Compreendo. É assustador não poder fazer simplesmente aquilo que se quer, não é?
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— Quando for tão famosa como Domingos, poderá fazer apenas o que deseja — Aaron falou, com um sorriso nos lábios. — Mas, por enquanto, não... — Mas não me importo a mínima em ser famosa, um dia! — Mas eu me importo. — Você estará lá? — Não. — O quê? — Meu bem, já sou muito velho para esse tipo de festa. Débora suspirou. — Pelo menos, espero que Victor esteja. — É claro que estará. Se quiser, peço para ele vir buscá-la. — Você faria isso? Seria bem melhor; eu me sentiria mais à vontade chegando com Victor. — Ok. Está combinado, então! — Aaron acariciou-lhe o rosto, gentilmente. — Só não se meta em nenhuma situação complicada, porque não vou estar por lá para salvá-la. — Vou precisar levar um biquíni? — É claro que sim. Pode pôr uma saída ou camisa por cima, se quiser. Mas isso é tudo que se usa numa festa dessas. — Tudo bem. Ela percorreu o guarda-roupa e achou que um roupão atoalhado seria adequado para usar sobre o biquíni. Provavelmente ficaria com ele o tempo todo, pois não teria coragem de andar com aquela peça diminuta. Enquanto se vestia para a festa, admirava-se no espelho. O biquíni era preto. Estudou-se atentamente. Sabia que tinha um corpo ótimo e tremeu ao pensar em Domingos, vendo-a vestida daquele jeito. Devia parar de pensar nele! Não era nada bom ir à sua casa sentindo-se tão perturbada. Devia se esforçar por ter um comportamento frio e distante. Quando desceu a escada, com o roupão ligeiramente aberto, Aaron a olhou, preocupado. — Deixe ver o maio. — Débora abriu o roupão. — Querida, você está linda!
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Ela corou. — Não diga isso. — Por quê? É verdade. Você é maravilhosa. Mas, pelo amor de Deus, tenha cuidado! Promete? — Prometo. Mas não é necessário. Não tenho a mínima intenção em ficar a sós com Dom, fique tranqüilo. — Tudo bem. O biquíni está ótimo. Você vai se divertir. Á água é excelente na baía. Acho que vão praticar surfe, tenha cuidado. — Vou ter, pode deixar. Victor chegou minutos depois num Cadillac azul-metálico, muito confortável. Usava short e camisa berrante, e estava bronzeado e atraente. Com Victor, ela se sentia segura e relaxada, mas quando o olhar dele parou em suas pernas, ela fechou o roupão. — Ei, você está realmente fantástica, meu bem. Esse bronzeado que está pegando é sensacional! — Obrigada. — Entrou no carro. — Tchau, Aaron. — Tchau, garota. Vejo você mais tarde. A viagem até Santa Mônica foi curtíssima, ou pelo menos assim pareceu a Débora. Ela observava, fascinada, como ele dirigia. — Meu bem, tire os olhos de cima de mim. Está me deixando nervoso. — Não acredito. Você é um motorista bastante experiente. Fico intrigada como alguém pode aprender a dirigir aqui. Eu, que dirijo nas estradas comuns, não ousaria dirigir numa auto-estrada. Ao se aproximarem da casa de Domingos, ouviram a música que vinha da praia e sentiram o cheiro penetrante de churrasco. Pelo som de risos e vozes, Débora concluiu que havia bastante gente e que Domingos teria pouco tempo para se importar com ela. Desceram para a praia por uma escada de pedra, e Débora tirou as sandálias para pisar na areia. Uma brisa suave soprava do mar, refrescando a tarde. Havia gente por toda parte, falando e rindo, e algumas até dançando, na areia mesmo.
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Havia bastante comida em travessas baixas, mas a carne estava sendo feita nos espetos, e galinhas inteiras viravam na brasa. Os garçons passavam com bandejas de bebidas, enquanto as garrafas de refrigerante e suco de limão estavam dentro de barricas com gelo, espalhadas pela areia. Débora notou que ninguém usava nada além de maio. Apesar disso, agarrou-se ao roupão, quando Victor tentou ajudá-la a tirá-lo. Um casal aproximou-se. Victor apresentou-os como Elisa e Ben Shawcross. Depois que foram dançar, Victor explicou que Ben era um técnico do estúdio e Elisa, sua esposa. Débora gostou deles, e o tempo foi passando agradavelmente. Um pouco mais tarde, enquanto dançavam, Victor perguntou: — Não vai tirar esse roupão? Está agindo como se fosse vergonhoso usar maio, ou como se todos estivessem usando roupa de baile, menos você. Débora sorriu, envergonhada. — Desculpe, mas é apenas porque nunca usei um biquíni numa festa, antes. — É mesmo? Escute, vamos fazer surfe depois. Quer experimentar? — Não sei ainda. Você vai? — Olhou para a onda que batia na praia. — É claro. Nós todos vamos. Mas, se está nervosa, fique no raso. — Tudo bem. Acho que Domingos deve ser o campeão mundial, ou qualquer coisa parecida. Victor deu uma gargalhada. — Deve estar brincando! A dança acabou, e Ben e Elisa se aproximaram de novo. — E Domingos, onde está? — Ben perguntou. — Ainda não o vimos também. Deve estar com Lindsay Harrigan, nós os vimos há pouco. Harrigan está interessado nessa peça de Dom. Quer produzi-la para a New York Theatre Company. Ben sacudiu a cabeça e Elisa sorriu para Débora. — Está gostando de morar em Los Angeles? — Adorando. As pessoas são calorosas e amigas, e o clima é maravilhoso. — É verdade. Também adoro isso. Você se dá bem com Aaron? Ele é um ótimo homem.
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— Ele é simplesmente a pessoa mais doce, generosa e compreensiva do mundo. Quase pulou, quando sentiu um braço pesado em seus ombros e Domingos cochichou baixinho, em seu ouvido. — Será que você está falando de mim? Se for, já é um progresso. Débora olhou para aquele rosto risonho e sentiu que o coração saltava. Elisa ficou surpresa com a maneira familiar dele. — Alô, Dom. Finalmente apareceu. — Oi, Liz! — Ele parecia mais relaxado do que nunca. Continuou falando com os outros com o braço sobre os ombros de Débora. Usava camisa e short azul-marinho, deixando à mostra as pernas musculosas e bronzeadas. Conversava com todos com a maior naturalidade, coisa que Débora achava fascinante nele. De repente, aproveitando uma pausa na conversa, Domingos disse, olhando dentro de seus olhos: — Venha, quero falar com você... a sós. — Não — respondeu, perdendo o fôlego. — Sim — ele falou, com os dedos enterrados nos ombros dela. Sorriu, percebendo o olhar dos outros e simplesmente a empurrou pela areia, dizendo: — Pelo amor de Deus, Débora! O que acha que vou fazer? Nem vou tocá-la, se é isso que teme! — Tirou o braço de seus ombros. — O que quer falar comigo? — Você sabe. Quero me desculpar. — Não é necessário. — Sei que não. Mesmo assim, eu quero. — Colocou as mãos nos bolsos do short. — É por isso que tem me evitado? — Talvez. — Você quer dizer "sim". Tudo bem, agora que já me desculpei, não precisa me evitar mais. Débora sentia-se furiosa. Ele não tinha a menor consciência do que provocava nela. Ou talvez tivesse e se divertisse vendo sua reação.
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— Gostaria que me deixasse sozinha. Estava muito bem com Victor e seus amigos. Não sei por que me arrastou para cá. — Sua... — Ele engoliu o que pretendia dizer. Suspirou fundo e depois falou: — Tudo bem, faça como quiser. — Virou-se e deixou-a sozinha. Assim que foi embora, Débora pensou que gostaria de não se comportar tão infantilmente. Mas se deixasse aquela situação progredir, seria um desastre. Não havia outro jeito: deveria cortar o mal pela raiz. Sabiam a atração física que existia entre eles, e Domingos estava acostumado a conseguir qualquer mulher que quisesse. Mas não comigo, pensou, desesperada. Débora juntou-se novamente a Victor, que agora era o centro de um grupo de jovens. Estavam comentando com humor as habilidades aquáticas de cada um, e Débora achou que se sentiria deslocada ali. Ela nem ao menos sabia nadar. De repente, eles resolveram ir todos para a água. Foi forçada a tirar o roupão. Felizmente, ninguém prestou atenção especial nem a consideraram fora do comum. Foi empurrada na água, mas conseguiu ficar no raso, confiante, até que Victor sugeriu: — Vamos, vou apostar uma corrida com você, ida e volta. Débora ia confessar que não sabia nadar, quando Ben apareceu com uma prancha. — Ei, Vic, há muito tempo para apostas. Todo mundo vê que ela é uma boneca, mas isso é uma festa e não um encontro a dois! — Você está com ciúme, homem. Débora imaginou se era possível usar uma prancha sem saber nadar. Se deitasse nela, e, dando braçadas, fosse para longe e depois permitisse que a maré a trouxesse, não correria perigo. Ou talvez, fosse uma grande loucura, mas tudo era melhor do que dizer a toda aquela gente que não sabia nadar. Levou a prancha para a água e deitou nela. Levantou, ofegante, sem conseguir seguir Victor. Sem dúvida, pensou que ela estivesse atrás dele, Foi derrubada por uma onda forte e ficou furiosa, ao perceber que Domingos a observava, divertido, em pé na praia, a alguns metros de distância.
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— O que há? Parece ter dificuldade. Ou será que essa é uma nova modalidade de mergulho? — Acabei de criar essa modalidade! — Débora deu-lhe as costas e tentou novamente. Mas novamente caiu, só que dessa vez engoliu bastante água e ficou tossindo sem parar. Sentiu como se não tivesse mais fôlego, largou a prancha e caminhou cambaleante pela areia, com náuseas. Domingos correu e bateu-lhe com força nas costas, fazendo-a tossir ainda mais. Levantou os olhos para ele e falou, com a voz rouca: — Obrigada. — Tudo bem. Deu de ombros e ia embora quando ela perguntou: — Você não vai nadar? — Eu nado na piscina. Nunca faço surfe. — Por quê? — Isso é assunto meu. Débora suspirou, arrumou os cabelos e observou que Domingos se dirigia até o grupo de pessoas sentadas ao lado da churrasqueira. Ela se sentia terrivelmente só e infeliz. Depois, caminhou para longe da confusão e da música, e sentou numa pedra no canto da praia. Pensou se Victor estaria procurando por ela e por que Domingos não fazia surfe. Ele parecia gostar de esportes. A música agora era romântica, e ela se sentiu muito infeliz. Será que teria sempre aquela angústia, toda vez que o visse? Olhou ao longe para o Pacífico, tão repousante; para a lua que iluminava o céu, tornando as nuvens prateadas. Devia sentir-se feliz e agradecida aos céus pela sorte que teve. No entanto, só pensava em fugir, em escapar de tudo aquilo. Foi então que percebeu um objeto escuro empurrado sem piedade pela prancha de surfe, enquanto as ondas batiam na praia. Levantou, tentando distinguir o que seria. Não era pequeno, na realidade parecia um corpo. Débora não parou para pensar. Correu para o mar. Agora podia ver que se tratava realmente de um corpo. De uma moça. Com as pernas trêmulas, entrou na água, sem tempo para pensar no que fazia.
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As ondas batiam furiosas contra o corpo inerte e os cabelos da moça estavam espalhados como alga na escuridão. Débora tremia, horrorizada: era terrível retirar um corpo do mar. Há quanto tempo ela estaria lá? Será que estava morta? Há quanto tempo, então? Estava quase que inteiramente dentro da água, quando as ondas jogaram o corpo da moça contra o dela. Vencendo o temor, agarrou-se a ele, quase perdendo o equilíbrio e soltando um grito de pavor. Depois, com esforço sobre-humano, conseguiu virar-se, puxando o corpo. Era muito pesado, mas finalmente conseguiu arrastá-lo até a areia seca. Ajoelhou-se para ouvir seu coração, que batia fraco. As feições da moça ainda estavam perfeitas; não devia estar há muito tempo na água. Débora tinha uma vaga idéia sobre o que era necessário fazer num caso como esse e não perdeu tempo. Virou a moça de costas, com os braços para trás, pressionando seu diafragma. A água saía pela boca, e Débora repetia o exercício de olhos fechados, rezando para estar fazendo a coisa correta. Depois ouviu vozes e passos pela areia. Um jovem levantou-a, dizendo: — Ouvimos você gritar. Deixe que eu continuo, você deve estar exausta. Em pouco tempo havia uma dúzia de pessoas em volta. Algumas corriam à procura de socorro, enquanto outras providenciavam cobertores para aquecer a moça. Ela tinha sido arrastada na prancha de surfe, e eles estavam procurando por ela desde então. Débora afastou-se. Gostaria de beber algo para se esquecer. Estava a ponto de explodir com a tensão de tudo que havia acontecido. Toda a força que tinha reunido para retirar o corpo da jovem da água desapareceu de repente. Sentou na areia, longe do círculo de pessoas, e apoiou a cabeça nos joelhos. Ouviu a voz de Domingos, pedindo que se afastassem um pouco da moça, que, finalmente, reagia ao tratamento. Ele parecia desesperado. Será que era outra de suas mulheres?, pensou Débora, abaixando a cabeça novamente e deixando que lágrimas quentes caíssem. De repente, foi sacudida por mãos fortes que a levantavam da areia. — É você! — disse Domingos, transtornado. — Graças a Deus! — Segurou o rosto de Débora. Está bem? Foi você que tirou Annabel da água? Débora confirmou, tremendo de frio. Livros Florzinha
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— Céus, está congelando! Venha, vou levá-la para casa! Sem lhe dar tempo para protestar, abraçou-a e caminhou com ela pela praia. Débora percebeu que muitos olhares os seguiam, mas não se importava com o que pensassem. Sentia-se quente e protegida nos braços de Domingos. Entraram no hall e foram recebidos por um empregado que.parecia.ansioso por saber o que tinha acontecido. — Essa é a moça que quase se afogou, sr. Domingos? — Não. Já providenciou uma ambulância? — Já, senhor. — Ótimo. Encarregue-se disso, então. Peça a Joseph para levar toalhas e um robe ao meu estúdio, imediatamente. — Sim, senhor. Quando chegaram ao estúdio, Domingos friccionou com força os músculos das costas de Débora. Era a primeira vez que ela via aquela expressão tensa no rosto dele. Logo, Joseph chegou com duas toalhas grandes e um robe branco. — Era isso que queria, senhor? — Obrigado, Joseph. — Domingos pegou as coisas com um sorriso de agradecimento, depois fechou a porta. Eles ficaram a sós. Jogou as toalhas para ela e apontou uma porta: — Vá se secar. Ali tem um banheiro. Tire esse maio molhado, ou pegará uma pneumonia. — Entregou-lhe o robe. — Coloque isso, depois volte para tomar uma bebida. Você está precisando. Débora dirigiu-se ao banheiro, trancou a porta e, minutos depois, saiu, sentindose aquecida e seca. Domingos estava sentado num sofá baixo, com os olhos fechados. Quando percebeu a presença dela, levantou e foi providenciar as bebidas. — Beba. É conhaque. Vai deixá-la reanimada rapidamente. Débora bebeu o primeiro gole, percebendo que havia algo de errado com Domingos. Ele havia deitado no sofá, como se ela não estivesse lá. Depois levantou, e Débora olhou-o, ansiosa.
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— Há algo de errado com você. O que é? — Nada que lhe diga respeito. Agora, fale: o que está tentando fazer comigo? Débora esvaziou o copo. — Não sei o que quer dizer. Ele se aproximou devagar, com uma estranha expressão. Brincou com uma mecha dos cabelos dela e disse: — Não sabia que era você que tinha quase se afogado? — Apertou e puxou os cabelos de Débora. — Você desapareceu, ninguém sabia onde estava. Quando ouvi a notícia de que uma garota tinha se perdido no mar, o que é que eu podia ter pensado? — Sinto muito — suspirou. — Parece que sempre devo me desculpar com você. A moça... será que ela está bem? — Está. Você salvou a vida dela. Se não estivesse por lá, ela seria arrastada pela maré. A propósito, por que estava lá, longe dos outros? — Estava sentada, apenas. — Sozinha? — É claro. Débora puxou o robe ao redor dela. Seu coração disparava e ela se sentia muito quente. Será que era o conhaque? — Seria melhor ir embora. Victor deve estar preocupado comigo. — E isso incomoda você? — Não particularmente. Deveria? — Depende... — E Domingos se aproximou, perigosamente. — Oh, Domingos... — ela suspirou, consciente do clima tenso — não me toque! — Sou tão repulsivo? — Pelo... contrário. Por favor, peça a Victor para me levar para casa, — Tudo bem, tudo bem! — Afastou-se dela. — Diga-me uma coisa, Débora: você não sabe nadar, não é? — Por que pergunta isso?
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— Fiquei transtornado. Você nem sabe quanto se arriscou! Eu 104 não queria ter a responsabilidade de sua morte nas minhas costas... — Que coisa horrível. Sinto muito se causei toda essa preocupação. No futuro, ficarei longe do mar para que isso não aconteça mais... — Débora! — Puxou-a, procurando sua boca com uma emoção selvagem. Ela colocou os braços ao redor do pescoço de Domingos, correspondendo ao beijo com toda a paixão e calor que ele desejava. O envolvimento durou pouco. Débora lembrou de Aaron e se afastou, certa de que, um segundo depois seria tarde demais. Sufocando um gemido, correu para fora do estúdio, esbarrando no corredor com uma moça que vinha na direção oposta. Reconheceu Marsha Mathews. Marsha segurou seu braço olhando, intrigada, para os cabelos de Débora e seus trajes. — Você esteve com Dom? Onde ele está? — Ela quase cuspiu as palavras. Débora lutou e se libertou. — Ele... ele está no estúdio. — Você já vai? — Já. — O rosto de Débora ardia. — Ótimo. Acho que entendeu, finalmente. Débora não respondeu.
CAPÍTULO VII
Débora passou o dia seguinte vagando pela casa, incapaz de fazer alguma coisa, esperando, no fundo, que Domingos aparecesse. Olhou as horas. Eram quatro e meia. Aaron logo estaria de volta. Acendeu um cigarro e foi até a varanda. O barulho de um carro que se aproximava deixou-a nervosa. Era um Cadillac azul dirigido por uma mulher com uma echarpe branca em volta dos cabelos. Débora foi até ao topo da escada e o carro parou. Só faltava isso: Marsha Mathews, em pessoa! Marsha saltou, bateu a porta do carro e foi até ela, com uma expressão irônica.
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Débora controlou-se e falou: — Alô, srta. Mathews. Quer ver Aaron? Infelizmente, ele não está em casa agora. — Não, querida. Quero ver você mesma. — Eu? Por quê? Não temos nada a dizer uma à outra. — Naturalmente, aqui na porta nós não temos, queridinha, mas se você for educada e me convidar para entrar verá que temos, e muito! — Não penso assim. Em todo caso... — Está com medo? — Do que deveria ter medo? — Isso é com você, queridinha. Vamos, não vai me convidar para entrar? Está quente aqui fora. — Pare de me chamar de "queridinha" e retire-se, por favor. Já disse que não temos coisa alguma para conversar. Marsha estava perdendo a paciência. — Escute, já que não vai me convidar a entrar, quer saber o que tenho a dizer? Para começar, que tal o relacionamento de sua mãe com Domingos McGill? — O que você sabe sobre minha mãe? — disse Débora, sentindo o rosto ficar vermelho. — Convide-me a entrar, e eu direi. — Marsha deu uma risada. — Tenho certeza de que não gostaria que os empregados ouvissem. Débora hesitou, mas a curiosidade era maior que o bom senso. Marsha percebeu sua indecisão e resolveu atacar: — Vamos, Débora. Você quer saber a verdade, não quer? Afinal de contas, ela era sua "mãe", não era? — Então, entre de uma vez! — falou, caminhando à frente de Marsha. Na sala, a outra sentou-se confortavelmente no sofá e pediu: — Gostaria de um Martini, se não der muito trabalho. Débora foi até o bar e preparou o coquetel, com mãos trêmulas. Depois de provar, Marsha falou:
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— Muito bem, Débora. Acho que já é tempo de você saber das coisas., Isso que sente por Dom, não... como direi... não é nada sério. Afinal, todas nós nos sentimos atraídas por ele. Mas não quero deixar que continue a ser... usada! — Usada? — Sim, querida. O que sabe sobre Dom e sua mãe? — E o que há para saber? — Débora sentia náuseas. — Muito! Minha querida e inocente Débora! Sua mãe e Dom foram mais do que simples amigos! — Não! — Ela tremia. — Por que está me contando essas coisas? — Porque é verdade e porque alguém tinha que quebrar essa grande redoma de vidro em que você está vivendo e contar a verdade! Meu Deus, você deve ter pelo menos desconfiado de que ele a conhecia muito bem! — É claro... eram amigos. — Percebeu que essas palavras eram tolas e sem sentido. — "Amigos!" Pergunte a Dom quem pagou a viagem dele às Filipinas, duas semanas depois que Aaron Johannson leu sua primeira peça. Pergunte a ele! A querida Elizabeth o levou. Ela precisava descansar por ordens médicas e levou McGill. — Pare com isso! Não acredito em você! Nem vou acreditar! — Por que não? Domingos não é santo. Nunca fingiu ser. E faz ele muito bem. Mas você, com esse seu jeitinho de santa, achando que o interesse dele por você é algo muito especial... Isso é o que me deixa louca! Ele a está usando, queridinha. Você é a reencarnação de Elizabeth, e, quando a beija, é nela que ele pensa! — Não! Débora virou-se. Não podia ouvir mais nada. Era o que sempre tivera medo de ouvir. Domingos sabia que Elizabeth era casada com Aaron e... mesmo assim... Não conseguia mais pensar no assunto. Machucava muito. Marsha decididamente não pretendia poupar Débora. — Como vê, garota, tínhamos muito a dizer uma à outra. — Colocou o copo sobre a mesa. — Acho que é tudo. Vou indo. Não gostaria de estar aqui, quando o velho Aaron chegar em casa. Não me dou com ele. Até logo, queridinha.
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Foi embora, deixando Débora no mais completo desespero. Nem no dia em que tia Júlia contou-lhe tudo sobre sua mãe e tio Arnold tinha se sentido tão mal. Marsha soube exatamente como tocar em seu ponto fraco. Cobriu o rosto com as mãos e deixou que as lágrimas caíssem. Como poderia trabalhar com Dom, agora, sabendo que ele a tinha tratado com substituta da mãe? Era nauseante, de qualquer forma. Se Elizabeth fosse viva, teria cinqüenta e quatro anos, uma mulher de meia-idade, que dificilmente se encaixaria no tipo de vida que Domingos levava. Suspirou e subiu para o quarto. Não queria que Aaron percebesse que estava tão perturbada. Ele gostava de Domingos e o tratava como um verdadeiro amigo. Era óbvio que não sabia o que tinha se passado entre a esposa e o escritor. Sentou-se na frente do espelho. Estava com olheiras. Precisava pensar com calma no que faria. Não podia magoar Aaron. Ele não merecia. Aaron voltou para casa às seis e meia, e ela foi até capaz de recebê-lo com calma. Tinha tomado banho e trocado de roupa. Estava arrumada, como Aaron gostava, e se sentia preparada para comunicar-lhe a decisão que havia tomado. — Você está maravilhosa. Vai sair? — Não. Você tem compromisso? — Até agora, não. Débora, sabia que Dom está doente? — Não. O que tem ele? — Seu coração disparou. — Bem, doente não é bem o termo. Ele distendeu os músculos das costas. Parece que fez um esforço enorme e aquele antigo problema voltou. — Que problema antigo? Você sabe o que foi? — Não exatamente. Parece que ele fez surfe ontem à noite, apesar de saber que está proibido. Anos atrás, ele teve um acidente com seu Porsche. — Aaron tinha um copo de uísque na mão. — É claro que você não pode saber, mas ele teve um sério problema nas costas. A princípio, parecia que não voltaria a andar, mas depois... Acho que ele teve uma força de vontade incrível. — Engoliu o que restava no copo. — Mas ele nada... e dança. Isso não o incomoda? — Não. Apenas as atividades que exigem mais esforço. Assim, mesmo, fez surfe, o maluco. Livros Florzinha
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Débora engoliu com dificuldade. Se contasse a Aaron como Dom havia deslocado as costas, teria que contar a história toda sobre a festa da véspera. — E agora, como é que ele está? — Melhor de saúde do que de humor. — Aaron respondeu, com um sorriso. — Vai levantar dentro de um ou dois dias, mas, até lá, lamento pelos pobres empregados dele. — Você o tem visto? — Claro. Ele me ligou hoje de manhã, e almoçamos juntos. Por quê? Você quer vê-lo? — Não! — Tudo bem, não precisa ficar zangada! Ainda não superou aquilo tudo? Pensei que estivesse convencida de que precisa desistir de qualquer fantasia romântica em relação a Dom. Mas sei que conseguirá. Ele deveria ir para São Francisco amanhã. Há uma conferência e um de nós tem de ir. Acho que Dom não vai poder. Irei eu, não há outro remédio! — Você vai para São Francisco? — Vou. Quer me fazer companhia? — Não. Isto é... bem... É que prometi almoçar com os Blair, amanhã — gaguejou Débora. — Está ótimo. Não precisa se desculpar, querida. Sei como se sente. Por aqui há uma infinidade de jovens, e se for para São Francisco comigo, irá se chatear com velhos como eu. — Aaron, você me deixa mal — Débora respondeu, corada. — Que bobagem, eu entendo. Estou feliz que tenha se adaptado, finalmente. Quero que seja muito feliz aqui. Débora, sabe que farei qualquer coisa por sua felicidade, não sabe? Exceto a única coisa necessária para devolver minha paz de espírito, Débora pensou, com amargura. Sentiu-se egoísta e desprezível, imaginando o que faria, mas não tinha outro jeito. A ida de Aaron para São Francisco tornaria tudo mais fácil. — Quanto tempo. . . você espera ficar por lá?
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— Dois ou três dias. Por quê? Temos algum compromisso? — Não creio, Aaron. — Ótimo. Agora vou subir para trocar de roupa para o jantar. Estou me sentindo pegajoso com o calor. Preciso de um banho! Aaron subiu e Débora ficou na varanda. Ele ia viajar, e ela teria quarenta e oito horas para executar seu plano. Aaron saiu na manhã seguinte, às dez horas. Depois que partiu, Débora subiu e pegou a mala que tinha arrumado na noite anterior. Nela estavam suas coisas; coisas que tinha trazido para os Estados Unidos quando deixou a Inglaterra. Reservou uma passagem no vôo do meio-dia para Nova York e chamou um táxi para levá-la até o aeroporto. Estelle aproximou-se, surpresa. — Vai embora, srta. Débora? O sr. Johannson não disse que a srta. ia viajar. — Eu... vou... apenas passar a noite na casa de amigos. O sr. Johannson deve ter esquecido de falar sobre isso. A viagem dele foi tão inesperada, acho que estava preocupado. — Ê verdade. Como podemos fazer para encontrá-la, se precisarmos? — Bem, isso não será necessário, Estelle. Volto amanhã à noite, antes de o sr. Johannson estar em casa. Estelle cruzou os braços, aborrecida. — Acho que deve deixar um número de telefone, senhorita. — E eu acho que você está passando dos limites, Estelle! — Odiou ser tão indelicada. — Sinto muito, senhorita. — A empregada virou-se e foi para a cozinha, magoada. Em Nova York, Débora pretendia pegar um avião que a levasse até Londres. Só conseguiu passagem para o dia seguinte e precisou passar a noite num hotel. Ficou com medo de que esse atraso estragasse seus planos. Mas tudo correu bem. Suspirou, aliviada, quando o trem de aterrissagem entrou em contato com a pista do aeroporto de Heathrow, em Londres. Estava de volta à Inglaterra. De volta aos lugares e às pessoas que sempre conheceu.
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Cinderela triste (Tangled Tapestry) Bianca no. 127
Anne Mather
Pensou em dormir num hotelzinho naquela noite. No dia seguinte, iria até Valleydown para saber se sua escola ainda a queria. Não via por que não recomeçar seu trabalho como se nada daquilo tivesse acontecido. Mas assim que desembarcou, percebeu que havia algo errado. Um funcionário da empresa aérea pela qual viajou dirigiu-se a ela: — Srta. Warren? — Sim? — Quer me acompanhar, por favor? Há um problema quanto à sua entrada no país. — O quê? Não posso entender! — Venha comigo, srta. Warren: — O funcionário parecia querer desculpar-se, enquanto os outros passageiros observavam, curiosos. Débora foi conduzida até um escritório. O funcionário fechou a porta e deixou-a sozinha, ou quase... A cadeira alta de couro estava virada para a parede girou. Ela soltou um grito abafado. — Você! Mas... não pode estar aqui. Domingos sorriu. — É claro que posso!
CAPÍTULO VIII
As pernas de Débora não a agüentaram. Ela desabou na cadeira em frente a Domingos McGill. Sentia-se fraca e indefesa, completamente incapaz de manter qualquer conversa inteligente com ele. — Não fique tão arrasada. Você devia saber que um de nós viria atrás de você. Felizmente, fui eu. Aaron teria tido um choque terrível. — Não entendo. — Ah, não? — Como sabia que eu viria para a Inglaterra? — Por vários motivos, e o principal foi o nosso último encontro.
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— Por quê? — Você deve ter percebido que eu não a deixaria em paz. — Parece que eu estava certa. — Certíssima. — Pen... pensei que estivesse de cama. Suas... costas! — Minhas costas é o que menos importa, a esta altura... — Não é bem assim. Eu soube que você estava quase sem poder se mover. — E você se importou tanto, que, em vez de ir me ver, fugiu. Se dependesse de você, estaria morto. — Você não precisava de mim. — Será que foi por isso que correu de mim daquela maneira, na noite da festa? — Sabe muito bem por quê. — Não, exatamente. Senão, o que estaria fazendo aqui? Eu preferia estar na minha cama, como você pode imaginar — falou friamente. — E gostaria de terminar logo com isso e voltar para Los Angeles o mais depressa possível. Vamos? — Eu... eu não volto. — E estava determinada. — Só quero que me deixem em paz. Sinto muito por Aaron. É claro que escreverei para ele, mas já decidi: fico em Londres. Irrevogavelmente. Domingos deu um murro na mesa. — Você é uma garota egoísta e mimada. Que diabo quer dizer com vai escrever para Aaron e explicar? Explicar o quê? Que motivos pode dar para destruir o coração de um homem como ele? — Justo você falando de corações destruídos? — Que significa isso? — Seu tom era ameaçador. — Exatamente o que está pensando. — Coração de quem eu destruí? Acho que foi isso que você quis dizer. — De certo modo, foi. — Ora, vamos, Débora, desabafe. Pare de se esquivar, senão, juro que perco a paciência! Livros Florzinha
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Débora levantou. — Tudo bem, sr. McGill, vou lhe contar tudo. Os meus atos foram precipitados por... algo mais do que o que houve entre nós. Tudo bem, eu não queria ser tratada como você trata todas as outras; mas isso é uma longa história... Pense no que houve, sr. McGill, dez anos atrás, com minha mãe... — Continue. — Marsha Mathews foi me procurar. Ela me contou o que houve realmente entre vocês. Disse que você foi amante de Elizabeth Steel! Amante de minha mãe! — Marsha lhe disse isso? — Seus olhos azuis soltavam faíscas. — Disse. E não foi só isso. Contou também que Elizabeth Steel foi quem convenceu Aaron a produzir suas peças! E horrível, é revoltante! — Marsha lhe falou isso? — Domingos fez uma pausa. — E você acreditou? — É claro que acreditei. Domingos não disse mais nada. Simplesmente, foi embora. Débora ficou sozinha e intrigada. Mas acabou respirando, aliviada. Melhor assim, ficou pensando. Houve uma batida na porta e o conferente entrou. — Está tudo certo, agora. Venha comigo. Receberá seu passaporte imediatamente. Valleydown estava exatamente a mesma que há oito semanas. Mas as ruas e casas pareciam antiquadas e descuidadas, comparadas com as da Califórnia. Débora deixou a bagagem na estação e depois foi até a escola. A sra. Gantry recebeu-a carinhosamente. — Imagino que tenha desistido de seu posto nos Estados Unidos por razões pessoais. — Ê. verdade. Será que preciso lhe contar os detalhes, sra. Gantry? — Não, absolutamente, apesar de confessar que a situação me intriga. Afinal, você estava tão ansiosa para ir para a América. Não posso entender o que a fez mudar de idéia tão depressa. — É uma história muito comprida. Talvez um dia eu lhe conte, sra. Gantry. Gostaria de saber se me aceita de volta. A diretora sorriu, compreensiva. Livros Florzinha
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— Claro, minha querida. Quero que saiba de uma coisa, Débora: pode confiar em mim, se estiver em dificuldades. — Obrigada. Preciso de uma indicação sua: conhece alguma república de estudantes ou um bom pensionato por aqui, na cidade? — República, pensionato? Mas sua tia... — Minha tia e eu nos separamos. E preciso encontrar um lugar para ficar. — Entendo. A sra. Harrison, em Queen Street, aluga quartos para moças. Se não tiver vaga, deve conhecer outro lugar. Vou ligar para ela, avisando que você vai lá. — Obrigada. E o meu emprego aqui? Meu cargo de professora? — Naturalmente o cargo é seu. Pode continuar depois das férias de verão, como sempre. — Oh, muito obrigada, muito obrigada! A sra. Harrison era uma mulher de mais ou menos cinqüenta anos, alta e forte, com cabelos grisalhos e olhos verdes. E um dos quartos estava vago. — Duas semanas adiantadas. Forneço o café e o jantar; você providencia seu almoço, exceto aos domingos. — Parece perfeito, e o quarto, ótimo. E era mesmo. Com colcha e cortina de chintz, e um tapete de lã de carneiro. A vista não era das melhores; dava para os fundos de algumas lojas, mas isso não importava. O principal era ter voltado e conseguido de novo seu trabalho, sem ajuda de ninguém. Tinha pouquíssimo dinheiro, mas, se vivesse com simplicidade, sem nenhum luxo e sem cigarros, agüentaria até setembro, quando receberia o primeiro salário. O tempo tinha firmado naquele final de mês. O céu estava sempre azul e o sol brilhava todos os dias. Débora fez amizade com Nicholas, o filho adolescente da sra. Harrison. Ele tinha quinze anos. iam juntos até a margem do rio, pescavam e ficavam ouvindo rádio. A ambição secreta de Nicholas era ser escritor. Já tinha escrito algo e Débora adorava ler seus contos ao som de alguma música suave. Uma semana depois de chegar a Valleydown, resolveu passar de longe pela casa da tia. Estava tudo fechado, como se Júlia tivesse viajado. Ficou intrigada,
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aproximou-se e estava quase tocando a campainha quando a sra. Mannering, a vizinha do lado, chegou no jardim. Cumprimentou Débora com curiosidade. — Se estiver procurando sua tia, ela não está. — Não está? E a senhora sabe para onde foi? — Então, não sabe? Bem, ela foi embora. Para a Itália. — Itália? — Itália, sim. Para umas férias. Pelo menos, vai começar por lá. — Mas... quero dizer... bem... Não podia dizer que a tia não tinha dinheiro para isso, mas a sra. Mannering adivinhou o que estava pensando. — Ela ganhou a viagem num concurso. — Concurso? — Débora sentiu-se ridícula, mas tudo aquilo era tão absurdo. — É verdade. Ganhou milhões. — A senhora sabe quando ela volta? — Não. Mas sei que não volta tão cedo. Deixou a chave da casa comigo. — Com a senhora? — Estranho! Tia Júlia não deixava a chave com ninguém. — Você quer entrar? — A senhora não se importa, não é? — É claro que não. É sua casa também. — A mulher não devia saber da briga entre ela e a tia, nem o que tinha acontecido no passado. — Pensei que estivesse na América... — É verdade, estive, sim. Pode... pegar a chave, sra. Mannering? — Tudo bem. Quer entrar para tomar uma xícara de chá? — Não, obrigada. Quero apenas pegar alguns livros... — Muito bem. — Ela a olhou atentamente e foi buscar a chave. Débora entrou na casa que tinha sido dela e fechou a porta, sentindo-se uma intrusa. Devia fazer muito tempo que a tia tinha viajado. Uma poeira grossa cobria os móveis.
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Subiu até seu antigo quarto e começou a recolher uns livros, cartas de colegas, enfeites, relatórios de aula, cadernos e alguns álbuns de fotos. Antes de descer, com uma mala cheia, passou pelo quarto severo da tia e viu um pedaço de papel caído no chão. Era um envelope com um selo americano. Tinha sido mandado de Los Angeles, fazia alguns anos. Débora sentiu o coração pesado. Trêmula, tirou o papel de dentro do envelope. Era uma conta corrente do banco em nome de sua tia, e o balanço acusava uma soma de quinhentos mil dólares. Devia estar havendo algum engano. Ela não podia ter economizado todo esse dinheiro. Tentou analisar friamente aquele pedaço de papel. Estava tudo ali. As retiradas mínimas nos anos anteriores e a enorme quantia de juros acumulados. Abriu o envelope de novo e viu que havia um papel fino, dobrado. Era um bilhete de Elizabeth Steel para a irmã. "Querida Júlia, está seguindo o cheque para você. Como vai o meu anjinho? Só o que me consola é saber que ela está bem, com você. Escrevo mais, outro dia. Faça um carinho em Débora por mim. Sua irmã, Elizabeth." Débora estava tonta. Então, sua mãe mandava dinheiro para tia Júlia mantê-la. Não a abandonou, afinal, e demonstrava claramente, naquele bilhete, que não estava feliz em deixá-la, como a tia tinha dito. Débora estava revoltada com a atitude da tia. Sentia-se muito mal. Não havia nenhum concurso na história. A tia tinha viajado com as economias do passado, com o dinheiro que sua mãe mandava. Mas isso não era o mais grave. Terrível foi ter escondido o tempo todo o interesse que Elizabeth tinha por ela. Débora entrou no banheiro e molhou o rosto, para ver se acordava daquele pesadelo. Ouviu a campainha da porta. Enxugou o rosto com uma toalha. Como ia encarar a sra. Mannering, daquela maneira? Mas não podia deixar de atender. A mulher sabia que ela estava lá. Desceu a escada com pernas trêmulas. Destrancou a porta e abriu. Afastou-se, assustada, quando viu Aaron parado à sua frente. Ele notou a palidez de Débora e seus olhos atormentados. Fechou a porta e abraçou-a. Foi como sentir-se em casa novamente. Débora agarrou-se a ele com força. Aaron não disse uma palavra. Não era o momento.
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CAPÍTULO IX
Aaron e Débora estavam sentados no salão do hotel Crown, em Valleydown. Ela contou tudo que tinha lhe acontecido naquela tarde acidentada. Aaron ouviu sem interromper. — Finalmente, não sinto nenhum rancor em relação a ela, por ter tomado conta de mim a vida toda. Aaron, por que será que ela fez isso? Como pôde ser tão desumana? Ele sorriu, acendendo um charuto e acariciando-lhe a mão. — Agora temos muito que conversar sobre nós. Por que fugiu de mim? Por que fez isso? — Domingos não lhe contou? — Na verdade, contou. — O quê, exatamente? — Uma história que Marsha resolveu lhe dar de presente. — Ele lhe contou? — Débora estava surpresa. — Por que não? Somos amigos, Domingos e eu. Não costumamos mentir um para o outro. — E você acredita que ele e minha mãe... O rosto de Aaron estava crispado de raiva. — Débora, como é que pode ter levado em consideração as palavras de uma mulher como Marsha Mathews, antes de me perguntar a verdade? — Não entendo. — O rosto dela queimava de vergonha. — Acho que não entende mesmo. Oh, Débora, minha querida, você já teve o suficiente por hoje. Não quero culpá-la pelo que houve. Mas parece que já é hora de saber tudo sobre Domingos e sua mãe. — Você sabia sobre eles?
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— Sabia, mas não o que você imagina. Débora, por que sempre acredita no pior sobre Domingos? Ele alguma vez magoou você? — Não. Mas... é verdade que ele foi para as Filipinas com Elizabeth, duas semanas antes de a peça dele ser aceita? — Sim, é verdade. Mas eles não estavam sozinhos. Eu também fui. — Você? — Ê claro. Em férias. Só que levei os operadores, e filmamos umas externas de uma nova produção. Nada cansativo. — Entendo. — Ela baixou a cabeça. — Continue. — Vou começar do início. O que você conhece sobre a vida de Dom? — Conheço pouco. Só o que Victor me contou. — Bem, quando ele escreveu Avenida, eu estava em Nova York. Elizabeth trabalhava numa peça da Broadway, e já tinha certo sucesso. Domingos já havia percorrido muitas agências com a peça, mas sem sorte. Ele era garçom na época e praticamente sem dinheiro; portanto, sem chance, você sabe disso. Conhecia Elizabeth e eu de vista. Então, uma noite, já quase desesperado, ele foi até o teatro na hora do encerramento da peça de Elizabeth, e praticamente jogou a peça na minha cara. Dom sabia que eu estaria lá, porque eu a esperava todas as noites. Fiquei furioso. Eu estava acostumado às cenas temperamentais de escritores famosos, mas Dom era um desconhecido. Acontece que Elizabeth gostou dele. Por que não? Ele era atraente e mostrou que tinha força e personalidade e também que acreditava em sua peça. Ela ficou interessada e eu entendi isso imediatamente. — Você não ligava? — Por que ligaria? Estava cansado de saber que Elizabeth gostava de ter os homens ao redor dela, numa espécie de eterna corte. Sei que você não consegue entender isso, Débora, mas deve tentar, O importante é que Elizabeth jamais me enganou sobre seus sentimentos. Bem, o fato é que sua mãe me convenceu a ler a peça dele. Percebi que Dom tinha um raro talento e que Avenida seria um sucesso. Especialmente porque o papel de Laura era perfeito para Elizabeth. Nós lhe dissemos que gostamos da peça e eu lhe dei um adiantamento, que Dom rapidamente investiu num carro esporte. Logo depois, terminaria a temporada da peça em que Elizabeth trabalhava, e planejamos umas férias. Ela sugeriu que Livros Florzinha
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Domingos fosse conosco. Ele não queria, mas ela insistiu, dizendo que poderíamos discutir todos os detalhes da montagem da peça e fazer as primeiras leituras da parte dela. Compreensivamente, Dom acabou aceitando. — Ah, então foi nessa viagem que... — Não se precipite, Débora. Em Fiji, não aconteceu nada. Devo admitir que o interesse de Elizabeth em relação a Dom aumentou muito, Eu sabia que ela passara a querer dele mais do que uma corte gentil ou mesmo uma forte amizade. Elizabeth jamais escondeu isso. Mas Dom não estava interessado. Ele nunca se ligou a uma mulher sem realmente gostar dela, e admirava demais Elizabeth para ter com ela um casinho sem conseqüência. E a essa altura, também gostava muito de mim. — Mas Marsha Mathews garantiu... — Você acreditou nela porque sua tia a convenceu de que sua mãe era uma mulher fatal, devoradora de homens, matando em você qualquer afeto que pudesse ter por ela. — Oh, Aaron! — É verdade. Desde o início, você estava predisposta a acreditar no pior sobre sua mãe. Quando Domingos mostrou interesse por você, imediatamente pensou que ele estava querendo uma substituta para Elizabeth. Não foi assim? — Acho que sim. — Débora, eu juro que Domingos jamais foi amante de sua mãe. — Conte-me sobre esse acidente que ele teve. Quando foi? — Aconteceu exatamente vinte e quatro horas depois que sua mãe morreu no acidente. — Aaron tinha mudado de expressão. — Domingos insistiu que ela fosse para um festival em Nova York. Ela não queria ir, mas foi por causa da insistência dele, e o acidente ocorreu no vôo entre Los Angeles e Nova York. Não houve sobreviventes. Domingos, naturalmente, culpou-se por ela estar naquele vôo. Ele mesmo levou-a até o aeroporto. Assim que soube, partiu para Nova York de carro, a quase duzentos por hora. Ele obviamente queria ser acidentado, e foi. É bastante claro. — Aaron soltou um longo suspiro. — Felizmente, não morreu, e nós nos ajudamos mutuamente naquela crise. — Entendo. Você me faz sentir uma completa idiota.
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— Apenas muito jovem e inexperiente. O que pretende fazer agora? — Como me encontrou? — Fácil. Sabia que, se tinha fugido de mim, não iria para nenhum outro lugar, a não ser para cá. Mas você não respondeu à minha pergunta. O que vai fazer agora? — Não sei mais. Realmente, não sei. — Não sabe? Não quer mesmo voltar para a América, para ver Domingos? Pelo amor de Deus, Débora, seja honesta com você uma vez. Não é o que quer realmente? Olhou-o, com lágrimas nos olhos. — E se for? — Então, volte comigo. — Mas eu... eu não poderia trabalhar com ele. Sentindo o que sinto seria desastroso! Não conseguiria resistir, se ele me quisesse. Sinto muito, Aaron. Você me pediu para ser sincera. — Tudo bem: não trabalhe com ele. Não faça o filme. — Mas você queria que eu fizesse. — Não é um caso de vida ou morte. A sua felicidade é mais importante para mim do que o filme. — É mesmo? De verdade? — Débora sorriu, com carinho. — Aaron, nem sei o que dizer. — Diga que vem comigo — ele pediu, com humildade. — Por favor. Débora. Não me decepcione. — Acabei de combinar com a sra. Gantry e vou voltar ao meu antigo emprego na escola. — Se é esse o problema, eu mesmo falo com ela. Está bem? — Está bem. Eu irei com você. — Dessa vez, é para sempre. Não vou deixar você escapar novamente.
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Débora acordou confusa, piscando por causa da luz do sol que tinha entrado pela janela semi-aberta. Não sabia onde estava a princípio, mas depois lembrou. Estava em seu quarto na casa de Aaron, bem no coração de Los Angeles. Saiu da cama, vestiu-se e desceu para tomar café com ele. — Senti muito sua falta aqui nesta casa, querida. Você alegra a mesa do café. Débora sorriu, feliz. — O que vai fazer hoje? — Tenho que ir ao estúdio de manhã e, de tarde, a uma conferência. E você, o que vai fazer? — Não sei. Posso ir ao estúdio com você? — Por mim, pode, mas acho que Domingos vai estar lá. — Está... está tudo sob controle. Tenho que encontrá-lo, mais cedo ou mais tarde. É melhor acabar logo com isso. — Certíssimo. Então, vamos sair dentro de meia hora. O Estúdio Alpha ocupava um grande terreno fora da cidade. Não era tão fascinante quanto um estúdio interno, apesar de ter cenários de cidades, bares e teatros. Aaron deixou-a com uma jovem, Millie McAndrew, que lhe mostrou tudo, explicando alguns truques e técnicas de filmagem. Débora ficou incrivelmente interessada. Havia galerias acima do nível do chão para que os escritores trabalhassem, além de laboratórios fotográficos e mais equipamento para corte e montagem. Mais tarde, reencontrou Aaron, e tomaram café juntos no escritório dele. Enquanto bebiam, Domingos entrou, acompanhado, por uma loira elegante. Débora achou que ia desmaiar quando os viu, e fez um esforço terrível para levantar os olhos e retribuir os cumprimentos. Aaron apresentou a secretária de Domingos, Diana. — Está se adaptando bem aqui? — Diana perguntou. — Afinal, você tem os dois homens mais importantes de Hollywood atrás de você... e isso é realmente fantástico. Domingos conversava com Aaron e depois chamou Diana para o trabalho.
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— Vamos, escrava, temos muito o que fazer! Quando saíram, Aaron olhou para Débora: — Então, o que esperava? Domingos não vai correr atrás de você, depois do que fez com ele. — Acho que gostaria de ir para casa. Não quero me encontrar com Dom novamente. Passou-se uma semana e eles se encontraram várias vezes, mas Domingos a tratava com a mesma indiferença. Débora sofria, sabendo que ele a desprezava, e decidiu procurá-lo para se desculpar e dizer que estava completamente errada em seu julgamento. Telefonou para Domingos, na casa dele, e foi informada de que estava fechado no escritório e não podia ser interrompido no momento. Decidiu ir até lá pessoalmente, então. Vestiu-se depressa e pediu o carro. Notou que o motorista estranhou, quando deu o endereço de Domingos. Mas, se não aproveitasse aquele impulso de coragem, jamais se aventuraria novamente. O mar estava calmo e límpido. Quando saiu do carro, ficou minutos parada, lembrando de tudo que tinha acontecido naquela praia e naquela casa. Caminhou pelo pátio, ao redor da fonte, sem saber para onde ir. Tudo era tão grande, que se sentia perdida. Encaminhou-se para o portão principal, tocou a campainha e foi recebida por Joseph, o empregado que tinha visto no dia da festa. Joseph disse que ia chamar Domingos, mas não foi preciso. Nesse momento, ele apareceu no alto da escada. — Tudo bem, Joseph. — E olhando para Débora: — O que você quer? .— E desceu a escada, dirigindo-se para uma saleta logo ao lado do hall de entrada. Débora o seguiu. Estava completamente perdida, sem saber como começar. — Gostaria de falar com você. — Trouxe algum recado de Aaron? — Não. Vim para pedir desculpas. Sinto muito, Domingos. Por favor, tente entender... — Por que devo desculpar você? Acho que passou dos limites!
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— Eu sei que fui boba, ingênua e precipitada, mas tente entender. Sei muito pouco a respeito de minha mãe. Apenas que ela foi uma mulher bonita e charmosa por quem qualquer homem se apaixonaria... — Mas eu, não! — ele interrompeu. — Era impossível acreditar nisso. Tente entender! — E por que está tão preocupada com o fato de eu entender ou não? — Você não vê? Fui uma idiota, julguei você sem ouvi-lo, acreditando numa pessoa estranha. Podia, pelo menos, ter conversado com Aaron. Mas não... — Tudo bem, aceito suas desculpas. Agora, vá. Pode ir! — Suas costas... como estão, agora? Parece que se esforçou quando me carregou no colo da praia até lá em cima, no dia da festa. Sinto muito. E agora, como se sente? — Perfeitamente bem. — Sua voz ainda soava gelada. — Por que foi até Londres? Foi por Aaron? — Ela o olhou bem dentro dos olhos. . — Isso não tinha preocupado você antes. Por quê, agora? — Você não entende que... — Eu entendo e você também, mas você se diverte em brincar com as emoções de um homem. — Sinceramente, Domingos, não sei o que quer dizer. — Não me venha com essa! Não queira me convencer de que não sabe os sentimentos que provoca em mim. O tempo todo, você jogou comigo: se aproximava e fugia. Chega! Não estou disposto a ser seu brinquedinho! — Domingos! Você sempre teve as mulheres que quis. Eu não sabia que significava algo para você! — Ah, não? Meu Deus! Pergunte a quem quiser. Eu nunca fui atrás de mulher alguma. Elas sempre me perseguiram. Mas você... foi diferente. Primeiro, pensei que fosse a semelhança com Elizabeth, mas depois... — ele saiu da saleta, e foi andando até o salão de baile. Débora hesitou um instante e depois foi atrás dele. Domingos parou no meio da pista de dança, olhando-a fixamente. Débora também parou, muito nervosa. Livros Florzinha
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— O seu carro está esperando — ele falou, com voz rouca. — Eu sei. — Então, vá para casa. — E se eu não quiser? — Débora, não brinque comigo. Ela sorriu, rodopiando na pista. — Isto aqui é mágico, mesmo durante o dia! — Olhe, estou em pé desde a madrugada, trabalhando. Não tenho tempo para as suas criancices. Débora aproximou-se, com o olhar fixo no dele. — Você está louca. Sabe o que está fazendo? — Sei muito bem. Você está mesmo cansado! — Delineou os traços do rosto de Domingos com a ponta dos dedos. Ele agarrou a mão dela e começou a beijá-la, dedo por dedo, fazendo-a tremer. Em segundos, estavam nos braços um do outro. Domingos foi o primeiro a falar: — Débora, não cometa erros desta vez! Se ficar comigo, tem que ser por toda a vida. Sei que sou muito mais velho do que você, mas... Ela o beijava no pescoço, no peito, no queixo, enquanto ele falava. — O que você quer dizer com "ficar comigo"? — Você sabe. Quero casar com você. — Domingos! Por quê? Diga, por quê? — Porque amo você, preciso de você e não posso mais viver sem você. Foi para pedir que casasse comigo que eu a segui até Londres... Quase perdi a cabeça, quando me disse que tinha acreditado naquela louca história de Marsha. Oh, Débora, case logo comigo. Mas tem que ser logo. Quero você! O beijo de Débora respondeu por ela.
FIM
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