FELDMAN R -Epistemology 6

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Ceticismo (I)

FELDMAN, Richard. Epistemology. Upper Saddle River, New Jersey: Prentice-Hall, 2003. 197 p. Traduzido por: Eduardo Alcides Peter

Capítulo 6: Ceticismo (I)

Direcionamo-nos agora para a primeira das alternativas à Perspectiva Standard (The Standard View) descritas no Capítulo 1: A Perspectiva Cética (The Skeptical View). Voltando cronologicamente, até pelo menos o tempo dos antigos gregos, os filósofos têm dedicado uma grande parte do pensamento aos argumentos sobre o ceticismo, a perspectiva que diz que não temos, ou que não podemos, ter conhecimento. Enquanto isso não é desejável que a maioria dos filósofos aceite os argumentos do ceticismo geral, muitos acham os argumentos fascinantes. Alguns não-céticos acham os argumentos, no mínimo, preocupantes, duvidando seriamente da afirmação para o conhecimento encontrada na Perspectiva Standard (The Standard View). Outros não-céticos têm confiança que podemos conhecer, de fato, sobre muitas das coisas que a Perspectiva Standard nos diz que podemos conhecer, mas ainda assim acham os argumentos do ceticismo desafiadores. Para esse segundo grupo, é claro que você conhece tais coisas assim como que você está lendo um livro, que você jantou recentemente, que você viu um filme noite passada, e que existe uma árvore bordo (maple tree) fora da sua janela. Entretanto, quando eles examinam alguns dos argumentos do ceticismo, eles acham que não é tarefa fácil responder o que há de errado com eles. Para eles, o desafio cético é identificar as falhas nos argumentos. Examinando esses argumentos, estaremos tentando responder (Q4) do Capítulo I, a qual perguntou se existiram boas respostas para os argumentos dos céticos. O problema levantado pelos céticos é, amplamente, sobre se as razões que temos para nossas crenças ordinárias são boas o suficiente para produzir conhecimento. Essa questão pode ser mais convincente para filósofos que aceitam teorias evidencialistas da justificação do que para aqueles que aceitam teorias não-evidencialistas. Se conhecimento e justificação exigem (require) conexões causais (causal connections), ou rastreamento da verdade (truth tracking), ou confiabilismo (realibility), função própria (proper function) em preferência a evidências ou boas razões, então podemos ter conhecimento e justificação ainda se nossas razões para nossas crenças não sejam tão boas. Os argumentos dos céticos considerados aqui serão, largamente (apesar de, talvez, não inteiramente), rejeitados pelos defensores dessas teorias não-evidencialistas com base na sua dependência de (o que eles consideram como) concepções erradas sobre o que é exigido para o conhecimento. Alguns defensores das teorias não-evidencialistas podem pensar que essa é uma virtude da sua teoria, que ela, desta forma, evita o problema do ceticismo. Por outro lado, críticos dessas teorias são capazes de pensar que elas são defeituosas (defective) porque elas fogem, mais do que resolvem, o problema do ceticismo.1 Em qualquer caso, ainda aqueles que aceitam as teorias não-evidencialistas podem, todavia, ter razão para pensar sobre os méritos dos argumentos céticos. Apesar de tudo, os argumentos levantam questões difíceis sobre a qualidade das nossas razões para nossas crenças ordinárias. Isso é em si mesmo interessante, sem levar em conta as implicações que a 1

Para a discussão dessa crítica do confiabilismo, veja Richard Fumerton, Metaepistemology and Skepticism (Lanham, MD: Rowman and Littlefield, 1995), Capítulo 6.

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resposta tem com respeito ao conhecimento. Seria perturbante descobrir que nossas razões não são tão boas, ainda se boas razões não fossem necessárias para o conhecimento.

I. VARIEDADES DO CETICISMO A. Ceticismo Global vs. Ceticismo Limitado Versões do ceticismo diferem no escopo ou abrangência das coisas sobre as quais elas negam o conhecimento. O Ceticismo global (global skepticism) sustenta que ninguém sabe nada de forma alguma. É universal em escopo. Em contraste, o Ceticismo limitado (limited skepticism) nega o conhecimento em certas áreas ou tópicos. Deste modo, alguém que é um cético com respeito ao conhecimento do futuro acredita que ninguém jamais saberá nada sobre o futuro. Alguém que é um cético com respeito à religião acredita que ninguém jamais saberá nada sobre qualquer matéria religiosa. Virtualmente todas as pessoas fazem parte de algum tipo de ceticismo limitado. Isso é, cada um de nós acha que existe alguma classe de proposições tal que ninguém sabe a verdade sobre as proposições nessa classe. Considere, por exemplo, proposições descrevendo, para cada grande deserto na Terra, o número exato de grãos de areia nele. Uma dessas proposições tem a forma ‘o Saara tem exatamente n grãos de areia,’ outra tem a forma ‘o deserto de Mojave2 tem exatamente x grãos de areia,’ e assim por diante. Quase todas as pessoas concordariam que ninguém sabe se alguma dessas proposições é verdadeira. Assim, quase todas as pessoas são ‘céticas do deserto’ (‘desert skeptic’). Existem numerosas outras classes de proposições em que podemos concordar na não existência de membros passíveis de se conhecer a sua verdade. Portanto, todos nós concordamos que algumas formas do ceticismo limitado são verdadeiras. Outras versões do ceticismo limitado levantam problemas mais difíceis. Alguns filósofos argumentaram que nós não sabemos sobre a verdade de nenhuma proposição perceptual ou que não conhecemos nada com base na memória. Esses tipos de ceticismo limitado desafiam a Perspectiva Standard (The Standard View) de uma maneira significante. Voltaremos a elas em seguida.

B. A Força das Afirmações Céticas Versões do ceticismo diferem na força das afirmações que elas fazem. Nós nos aproveitaremos do ceticismo sobre o futuro para ilustrar esse ponto. O ceticismo sobre o futuro nega o conhecimento do futuro. Em sua forma mais forte, o ceticismo sobre o futuro é a tese que conhecimento do futuro é impossível: SF1. É impossível para qualquer pessoa conhecer qualquer coisa sobre o futuro. (SF1) é análoga a afirmações tais como 1. É impossível para qualquer pessoa construir uma caixa cúbica com nove lados. 2

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*Parte mais elevada do Deserto da Califórnia, nos Estados Unidos da América*

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2. É impossível para qualquer pessoa ser um solteirão casado. A razão (1) é verdadeira porque é impossível haver uma caixa cúbica e com nove lados, simultaneamente. Não é como se um carpinteiro mais inteligente e possuidor de mais recursos (resourceful) do que qualquer pessoa atual pudesse fazer tal caixa. Tais caixas não estão, por elas mesmas, entre as coisas que se possam fazer. Por conseguinte, ninguém pode construí-la. Similarmente, a razão (2) é verdadeira porque é impossível existir alguém casado e solteirão. Não é como se uma pessoa pudesse ser um solteirão casado simplesmente tentando mais firmemente ou possuindo mais recursos. Um solteiro é, por definição, não casado. Não existe nada que alguém possa fazer sobre isso. A afirmação análoga sobre o conhecimento é que o conhecimento sobre o futuro é de certo modo um conceito contraditório e então, não pode haver tal conhecimento. Mas, nessa alternativa, não existe nenhuma fraqueza das pessoas. Não é como se algum tipo mais inteligente de ser pudesse ter conhecimento sobre o futuro.3 Uma segunda forma de ceticismo sobre o futuro é a visão sobre as capacidades das pessoas nos dias de hoje: SF2. Ninguém é apto para saber algo sobre o futuro. (SF2) é comparável a afirmações tais como 3. Ninguém é apto para correr uma milha4 em 2 minutos. (3) é verdadeira, mas não porque existe uma contradição envolvida no conceito de pessoas correndo uma milha tão rapidamente. É apenas que como uma matéria de fato (matter of fact), as pessoas não têm essa capacidade e nenhuma quantia de treinos irá fazer com que alguém faça isso. Isso é além da capacidade das pessoas. Similarmente (SF2) diz que conhecimento sobre o futuro é além das nossas capacidades. A última forma extrema de ceticismo diz meramente que nós carecemos de conhecimento, deixando de abrir a possibilidade de que podemos ter conhecimento. Aplicada ao conhecimento do futuro, é a tese de que SF3. Ninguém conhece nada sobre o futuro. A maioria dos argumentos sobre o ceticismo é mais bem interpretada como argumentos sobre nossas capacidades, e deste modo sobre versões do ceticismo como (SF2). As questões mais difíceis se preocupam com argumentos sobre alguns tipos de ceticismos locais relacionados com nossas capacidades. Assim como veremos em breve, não é tão difícil encontrar razões para pensar que as pessoas não são capazes de saber coisas, ou, ao menos, não aptas para conhecer muito sobre o mundo ao redor delas.

II. O QUE OS CÉTICOS AFIRMAM Essa seção irá rever duas possíveis más compreensões da Perspectiva Cética (The Skeptical View). 3

Se ‘alguém’ em (SF1) é restringido aos meros humanos, então alguém pode defender (SF1) com base em que é impossível para um mero humano ter conhecimento ainda que seja possível para um ser superior, e.g., um deus infinito, em ter conhecimento. A idéia é a que conhecimento, ele mesmo, não é impossível, mas ele é incompatível com algumas coisas essenciais aos seres humanos 4 *Uma milha corresponde a, aproximadamente, 1.6 quilômetro*

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A. Verdades que Não Conhecemos As pessoas dizem ser, algumas vezes, céticas sobre a existência de vida em outros planetas, mas o ceticismo desse tipo tem pouco a fazer com o ceticismo epistemológico discutido aqui. As pessoas que são céticas sobre a existência de vida em outros planetas duvidam que exista vida em outros planetas. Então, com certeza, elas duvidam que alguém saiba que exista vida em outro planeta. A sua afirmação fundamental, no entanto, não é sobre nossa falta de conhecimento. Sua afirmação fundamental é sobre o que existe no universo. Eles podem ainda pensar que se existiu vida em outros planetas, nós poderíamos saber ou saberíamos disso. O mesmo tipo de ponto pode aparecer em um caso mais surpreendente. Suponha que você pense que nós não podemos ter conhecimento sobre assuntos éticos (ethical matters): Nós não podemos saber o que é certo e errado. Isso seria um tipo de ceticismo ético. Existem duas versões muito distintas de ceticismo ético. ES1. Existem verdades éticas, mas nós não podemos conhecer quais são. De acordo com (ES1), existem fatos sobre o que certo e o que é errado, mas eles estão além dos limites dos nossos modestos poderes cognitivos. Você pode pensar que conhecer o que é certo ou errado exige conhecer a mente de Deus e as pessoas não podem conhecê-la. Ou você pode pensar que para realmente saber o que é certo e errado você teria que saber as conseqüências das ações em um futuro indefinido, alguma coisa também além das nossas capacidades limitadas. Um segundo tipo de ceticismo ético sustenta que ES2. Não existem verdades éticas, então não podemos conhecer nenhum fato sobre a ética. Você pode acreditar em (ES2) porque você pensa que assuntos éticos (ethical matters) são assuntos de gosto ou preferência. Quando falamos que alguma coisa é certa ou boa, não estamos asserindo que algo tem alguma qualidade particular. Em vez disso, estamos expressando nossa aprovação daquela coisa. Dizer, ‘foi bom que ela doou seus móveis velhos para a caridade’, é dizer algo como ‘Hurra para ela. Ela doou seus móveis velhos para a caridade’. E dizer, ‘foi errado, por parte dele, roubar os móveis da caridade’, é outro modo de dizer ‘Bu (expressão de desprezo) para ele. Ele roubou os móveis da caridade’. Nessa perspectiva, uma conversa ética é simplesmente uma expressão de atitudes. Compare os aplausos e as vaias em um jogo de baseball. Existem fatos sobre o jogo que alguém pode conhecer ou não. Mas quando seu time vence e você aplaude, aplaudir (cheering itself) não se reporta a algum fato. O fato apenas expressa sua atitude sobre o que aconteceu. (ES2) pode ser descrita como ceticismo (ou dúvida) sobre a existência de verdades éticas. É análoga ao ‘ceticismo’ sobre a existência de vida em outros planetas. Não é uma perspectiva sobre qualquer problema epistemológico. Se não existirem fatos de um certo tipo, então, obviamente, não podemos conhecer fatos desse tipo. O debate sobre isso não é fundamentalmente um debate sobre um assunto epistemológico (epistemological matter). Em contraste, (ES1) realmente é uma tese epistemológica. Ela sustenta que nossos meios de formar crenças sobre assuntos éticos (ethical matters) não podem produzir conhecimento. Podemos argumentar, parcialmente com base epistemológica, que esses céticos estão errados sobre aquilo que tomam por conhecimento ou sobre os méritos da nossa 4

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razão para julgamentos éticos. O ponto chave para entender é que os defensores de (ES1) pensam que existem fatos os quais somos ignorantes. Esse é o tipo de ceticismo em discussão aqui. Estamos principalmente interessados em perspectivas céticas análogas a (ES1). Essas são perspectivas (views) que acreditam que existem verdades em algum domínio, mas não podemos conhecer ou não conhecemos quais são elas. Estamos interessados em céticos que afirmam que existem fatos sobre o passado, ou o futuro, ou o mundo ao nosso redor, mas, por uma razão ou outra, não podemos conhecer quais são esses fatos. Se você deseja, você pode dizer que céticos são céticos sobre a existência do conhecimento. Mas eles não são céticos sobre a existência de fatos sobre o mundo. Eles afirmam que nós não sabemos ou não podemos conhecer quais são esses fatos. Então, A Perspectiva Cética (The Skeptical View) é que existem verdades, mas nós não somos aptos para saber quais são elas.

B. Ceticismo, Verdade e Justificação Céticos pensam que não podemos ter conhecimento (sobre algum tópico ou outro). Se eles estão certos, então deve haver alguma condição para o conhecimento que não é satisfeita nos casos relevantes. É fácil se tornar confuso sobre quais condições são essas. Nessa seção, iremos tornar claro esse problema examinando um argumento simples para o ceticismo. Ainda que esse argumento para o ceticismo falhe, a discussão sobre ele tornará claro o que há, precisamente, com o conhecimento que os céticos estão falando (ou deveriam estar falando). As pessoas, às vezes, falam coisas como: Se você fala que os antigos não sabem que a Terra era plana porque elas estavam erradas sobre isso, então você precisa também dizer que não sabemos que a Terra é (aproximadamente) redonda, porque podemos estar errados sobre isso. Esse é um argumento sobre argumentos. A idéia é que se um argumento – sobre os antigos – é um bom argumento, então um outro é também um bom argumento – sobre nós. O argumento sobre os antigos é como a seguir: Argumento 6.1: Os Antigos e o Formato da Terra 1-1. A crença dos antigos de que a Terra era plana era falsa.

1-2. Então, os antigos não sabiam que a Terra era plana (1-1). O argumento supostamente análogo sobre nós é: Argumento 6.2: Os Modernos e a Forma da Terra 2-1. Nossa crença que a Terra é redonda pode ser falsa.

2-2. Então, não sabemos que a Terra é redonda. (2-1) O argumento sobre esses dois argumentos pode ser descrito dessa forma: 5

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Argumento 6.3: Os antigos e Nós 3-1. Se o Argumento 6.1 é forte, então o argumento 6.2 é forte. 3-2. O Argumento 6.1 é forte. 3-3. Então, o Argumento 6.2 é forte. (3-1), (3-2) A idéia por trás de (3-1) é, precisamente, que os dois argumentos estão nas mesmas condições: Se um é um bom argumento, então o outro será também. E (3-2) parece claramente correto – os antigos estavam errados, logo, certamente não possuíam conhecimento. Mas o Argumento 6-3 não é forte. (3-1) é falso. Os dois argumentos não estão nas mesmas condições. Para ver o porquê, repare que a hipótese negada no Argumento 6.1 é: 1-1¹/2. Se a crença de S em p é falsa, então S não sabe que p. Essa premissa depende do fato de que uma das condições é a verdade. Se conhecimento não exigisse verdade, como certamente exige, então (1-1¹/2) seria verdadeira. Dado isso, e o fato que os antigos estavam errados sobre a forma da Terra, o Argumento 6.1 é um bom argumento. Agora considere o Argumento 6.2. Repare que (2-1) não diz que nós estamos errados sobre a forma da Terra. Particularmente, ele diz que nós podemos estar errados. Para ter de (2-1) a conclusão do Argumento 6.2, precisamos de uma diferente suposição, ou seja: 2-1¹/2. Se a crença de S em p pode ser falsa, então S não sabe que p. Repare a diferença entre as duas premissas 1-1¹/2. Se a crença de S em p é falsa, então S não sabe que p. 2-1¹/2. Se a crença de S em p pode ser falsa, então S não sabe que p. Essas suposições diferem significativamente. A premissa (2-1¹/2) não diz que não existe conhecimento quando a condição de verdade não é satisfeita. Ela diz que não existe conhecimento quando a condição de verdade pode não ser satisfeita. Isso é suficiente para nos permitir ver que o Argumento 6.2 não está nas mesmas condições do Argumento 6.1. Podemos rejeitar (3-1) do argumento principal. Você pode pensar que o Argumento 6.2 é ainda um bom argumento. Você pode pensar que ainda que (2-1¹/2) seja diferente de (1-1¹/2), ela é ainda uma premissa razoável. A idéia de que você não possui conhecimento se você pode estar errado tem certa plausibilidade. Mas ela precisaria fazer você ver que o ceticismo não é sobre quando as condições de verdade para o conhecimento são satisfeitas. Os céticos não estão dizendo que nossas crenças ordinárias são falsas. Se os céticos queriam dizer que falhamos em satisfazer a condição de verdade, eles teriam de fazer afirmações sobre o que é a verdade, de fato. Por exemplo, se quiséssemos argumentar que não temos conhecimento que a Terra é aproximadamente redonda com base em uma crença nossa que é falsa, teríamos de dizer que a Terra não é aproximadamente redonda. Mas os céticos tipicamente querem escapar de fazer afirmações como essa. Eles gostariam de falar que eles apenas não sabem qual é o seu formato. Isso nos leva a muito importante conclusão: Céticos não estão dizendo que não temos conhecimento porque nossas crenças são uniformemente falsas. Em vez disso, o que eles 6

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estão dizendo é que nossas crenças podem ser falsas, e isso mostra que não somos bem justificados o suficiente em nossas crenças para termos conhecimento. Na próxima seção examinaremos em detalhes vários argumentos intencionados a apoiar o ceticismo.5

III. QUATRO ARGUMENTOS PARA O CETICISMO Quase todos os argumentos para o ceticismo fazem referência a possibilidades aparentemente ridículas – estamos sendo ludibriados por um demônio maligno, a vida é apenas um sonho, somos cérebros dentro de tonéis. Você pode propor análises psíquicas, mais do que uma reflexão filosófica, para qualquer um que se preocupa com tais possibilidades. Entretanto, advogados da Perspectiva Cética (The Skeptical View) não sofrem com ilusões paranóicas. Eles pensam que essas possibilidades nos ajudam a ver algo sobre a natureza das nossas evidências e fornecem bases para razões fortes para pensar que a Perspectiva Standard (The Standard View) é errônea. Formularemos quatro desses argumentos nessa seção.

A. O Argumento da Possibilidade do Erro Considere a seguinte passagem das Meditações de Descartes. Ao mesmo tempo em que eu preciso me lembrar que sou um ser humano, e que conseqüentemente eu tenho o hábito de dormir, e nos meus sonhos que representam para eu mesmo as mesmas coisas ou algumas vezes ainda coisas menos prováveis, do que para aquelas pessoas que são insanas em seus momentos acordadas... Nesse momento realmente parece para mim que é isso com meus olhos acordados e que estou olhando para esse papel; que essa cabeça a qual eu mexo não está adormecida, que isso é de forma deliberada e ainda suponha que eu estenda minha mão e perceba isso; o que acontece no sonho não parece nem tão claro nem tão distinto do que parece tudo isso. Mas pensando sobre isso eu lembro que em várias ocasiões eu fui enganado no sonho por ilusões similares, e insistindo cuidadosamente nessa reflexão eu vejo então, notoriamente, que não existem indicações certeiras sobre como podemos claramente distinguir vivacidade6 de sonho que eu estou perdido em espanto.7

Nessa passagem, Descartes levanta a possibilidade que ele está sonhando. Em outro lugar ele menciona a possibilidade de ser iludido por um gênio maligno que faz com que ele tenha as experiências sensórias que ele tem. O análogo contemporâneo disso é a possibilidade de ser um mero cérebro dentro de um tonel com líquido – um tanque cético – conectado a um computador que envia pulsos elétricos que causam impressões assim como se existisse um mundo em volta de você. O mundo que você pensa viver pode ser inteiramente artificial. Para quase tudo sobre o mundo que você acredita, é possível que você esteja errado porque você é vitima de alguma ilusão ou engano. Isso fornece base para o Argumento da Possibilidade do Erro. Argumento 6.4: O Argumento da Possibilidade do Erro 4-1. Para (quase) qualquer crença que qualquer pessoa possui sobre o mundo externo, essa crença poderia ser errada.

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Argumentos adicionais para o ceticismo serão considerados nos capítulos 7 e 8 *Vigilância, não estar com sono e em sonho* 7 The Philosophical Works of Descartes, traduzido para o inglês por Elizabeth S. Haldane e G. R. T. Ross (Cambridge, U.K.: Cambridge University Press, 1973), pp. 145-6. 6

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4-2. Se uma crença pode ser errada, então não é um caso de conhecimento.

4-3. Então, (quase) qualquer crença que qualquer pessoa possui sobre o mundo externo não é conhecimento (i.e, ninguém sabe nada, ou quase nada, sobre o mundo externo). (4-1), (4-2) Esse argumento é sobre ‘quase’ qualquer crença, não exatamente sobre todas as crenças. A razão para isso é que algumas crenças são isentas da possibilidade de ilusão ou engano. ‘Eu existo’ é o mais famoso exemplo, e ele aparece na famosa citação de Descartes, ‘Cogito ergo sum’ (‘Penso, logo existo’). A idéia é que se Descartes, ou você, estão envoltos por coisas pensadas de forma errada – sonhar, ser enganado por um gênio ou computador – então Descartes, ou você, devem, pelo menos, existir. Coisas não existentes não podem sonhar ou cometer erros. Então sua crença que você existe não poderia ser um erro. Algumas pessoas pensam que ainda mais coisas são isentas da possibilidade de erro. Talvez crenças sobre matemática simples sejam isentas desse tipo de erro. Fundacionistas cartesianos pensam que crenças sobre afirmações da própria mente de alguém sejam isentas de preocupações céticas sobre esse argumento. Seja o que for exatamente é omitido por ‘quase’ em (4-1), muitas são incluídas. A falta de ‘indicações certas’ para distinguir sonhos da realidade, ou enganações de um gênio maligno da realidade, mostram que podemos estar errados sobre muitas, incluindo bastante do que a Perspectiva Standard (The Standard View) diz que conhecemos. Parece, então, que (4-1) é claramente verdadeira, ainda que existam algumas questões sobre o que exatamente recai sobre isso. Todas as crenças sobre o mundo externo são incluídas nesse ‘quase’. Então, esse argumento é planejado para apoiar o ceticismo do mundo externo. E que é ceticismo suficiente para se preocupar. A premissa chave do argumento é (4-2). A idéia por trás parece ser que se pudéssemos estar errados sobre alguma coisa, então você não estaria justificado em crer nesse algo e, portanto, não teria conhecimento. Discutiremos essa premissa após expressar os outros argumentos.

B. O Argumento da Indistinguibilidade Os cenários céticos envolvendo sonhos, gênios malignos, cérebros em tonéis, e do parecido, revelam a possibilidade de que as coisas possam parecer justamente como elas de fato são enquanto coisas externas variam de forma gigantesca. Em outras palavras, o mundo pareceria com um cérebro em um tonel apenas como parece para uma pessoa ordinária no mundo ordinário (um cérebro em uma cabeça). Alguns exemplos mais mundanos e realísticos revelam possibilidades similares. Exemplo 6.1: A Investigação8 A detetive Jones está investigando um crime. Ela tem evidências perfeitamente similares que duas pessoas, Black e White, são inocentes do crime. São muito convincentes as evidências, do tipo de evidências que a Perspectiva Standard (The Standard View) diz que são adequadas para o conhecimento. Mas não 8

John Tienson discute um exemplo similar a esse em ‘On Analyzing Knowledge’, Philosophical Studies 25 (1974): 289-293

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são evidências absolutamente conclusivas – existe a possibilidade do erro. Apesar dessas evidências, White é, de fato, culpado. White pagou uma testemunha para mentir em seu favor e fabricou com isso uma evidência adicional para indicar sua inocência. Considere: a.

Black é inocente.

b.

White é inocente.

Na perspectiva de Jones, (a) e (b) estão perfeitamente equiparadas. Cada uma parece muito claramente verdade, e não por causa de uma inclinação ou erro da sua parte. Ela tem excelentes razões para pensar que elas são verdadeiras. (Se isso ajuda, suponha que ela tem boas razões para pensar que alguma terceira pessoa é culpada.) De acordo com um princípio de indistinguibilidade, seria absurdo dizer que ela tem conhecimento de um caso e não do outro. A idéia é que esses casos de conhecimento necessitam parecer diferentes de casos de falta de conhecimento. Em outras palavras, um caso no qual você sabe alguma coisa não pode ser ‘introspectivamente indistinguível’ de um caso no qual você não sabe alguma coisa. Esse princípio implica que ou Jones conhece (a) e (b) ou ela não sabe nem (a) nem (b). Mas desde que (b) não seja verdadeira, ela definitivamente não conhece (b), então ela não pode conhecer (a). Duas idéias principais são usadas nesse argumento. Uma é a idéia de evidência falível (fallible evidence). Evidência falível para p é uma evidência que é logicamente compatível com a falsidade de p. No exemplo, porque é possível para White ser o culpado apesar da evidência de Jones, segue que sua evidência é uma evidência falível para (b). Porque sua evidência para (a) é equiparável a sua evidência para (b), ela também é uma evidência falível. A segunda idéia usada no argumento dessa seção é a idéia dos casos introspectivamente indistinguíveis (introspectively indistinguishable). Esses são casos que parecem ser exatamente parecidos do ponto de vista do sujeito. Existem duas variações dessa idéia. Podemos imaginar dois casos possíveis nos quais Jones acredita que (a) com exatamente a mesma base, mas em um caso (a) é verdadeira e em outro é falsa. Esses são casos introspectivamente indistinguíveis nos quais sua crença tem diferentes valores de verdade. Outra aplicação da idéia refere-se a suas crenças sobre White e Black como no exemplo originalmente descrito. Ainda que exista uma diferença entre essas crenças – elas são sobre pessoas diferentes – assumimos que não existe nenhum motivo interno para favorecer uma crença sobre a outra. Da sua perspectiva, elas estão perfeitamente equiparadas. Tais casos são também introspectivamente indistinguíveis. Assim como vimos nos capítulos anteriores, nossa evidência para quase todas as coisas é falível. Os cenários céticos (skeptical scenarios) mostram como podemos estar errados sobre quase todas as coisas, apesar de nossas razões. E isso também mostra que existem possíveis casos nos quais existem crenças falsas que são introspectivamente indistinguíveis de casos normais nos quais nossas crenças são verdadeiras. O caso normal no qual temos coisas certas serão introspectivamente indistinguíveis para um caso possível no qual somos enganados de uma forma ou outra. Esses são as ferramentas (materials) para o próximo argumento cético: Argumento 6.5: O Argumento da Indistinguibilidade Introspectiva 9

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5-1. Se uma pessoa pode ter conhecimento com base em uma evidência falível, então pode haver casos de conhecimento que são ‘introspectivamente indistinguíveis’ de casos de falta de conhecimento. 5-2. Mas não pode haver casos de conhecimento que são introspectivamente indistinguíveis de casos de falta de conhecimento. 5-3. Uma pessoa não pode ter conhecimento com base em evidências falíveis. (5-1), (5-2) 5-4. Mas todas as evidências que temos para alguma proposição sobre o mundo externo são falíveis.

5-5. Não podemos ter qualquer conhecimento sobre o mundo externo. (5-3), (5-4) É importante ver que (5-1) é certamente verdadeira. (5-2) é o princípio de indistinguibilidade. (5-3) segue de (5-1) e (5-2). (5-4) é certamente verdadeira. E a conclusão segue de (5-3) e (5-4). (5-2), então, é a premissa chave desse argumento.

C. O Argumento da Certeza Talvez o mais simples de todos os argumentos do ceticismo é o argumento da certeza. Argumento 6.6: O Argumento da Certeza 6-1. Se S sabe que p, então S é absolutamente certo de que p. 6-2. Ninguém jamais está absolutamente certo sobre nenhuma coisa sobre o mundo externo.

6-3. Ninguém sabe nenhuma coisa sobre o mundo externo. (6-1), (6-2) Pensando sobre esse argumento é de grande ajuda distinguir certeza psicológica de certeza epistemológica (psychological and epistemic certainty). Certeza psicológica relaciona-se com como alguém se sente, a força da convicção de alguém. Certeza psicológica absoluta é se sentir o mais seguro possível de que algo é verdade. Certeza epistemológica relaciona-se com a força da razão de alguém. Certeza epistemológica absoluta é ter razões maximamente fortes. O argumento é sobre a última. Se o argumento fosse sobre certeza psicológica, a primeira premissa diria que se uma pessoa sabe algo, então a pessoa se sente absolutamente certa disso. E a segunda premissa diria que ninguém se sente absolutamente certo de coisa alguma sobre o mundo externo. Mas talvez alguma pessoa se sinta certa sobre algumas coisas. Esse fato dificilmente questiona o argumento cético planejado. O ponto do argumento é que esse sentimento de certeza não é assegurado (warranted) ou justificado. Ninguém é absolutamente certo epistemologicamente de coisa alguma sobre o mundo externo.9 9

Uma variante do Argumento da Certeza é desenvolvida por Peter Unger em Ignorance: A Case For Skepticism (Oxford: Oxford University Press, 1975), Chapter 3

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Como estamos entendendo esse argumento, então, (6-2) diz que ninguém é absolutamente certo epistemologicamente de coisa alguma sobre o mundo externo. Os cenários céticos parecem mostrar que isso é verdade. Eles introduzem algumas bases para dúvida sobre proposições sobre o mundo externo. Isso é suficiente para mostrar que (6-2) é verdadeira. Isso deixa (6-1) como a premissa chave desse argumento. Conhecimento exige certeza epistemológica absoluta?

D. O Argumento da Transmissibilidade Ainda outro argumento do ceticismo atraiu recentemente atenção considerável dos filósofos.10 Esse argumento conta com a premissa inteiramente plausível que se você sabe uma coisa, e você sabe que alguma coisa secundária definitivamente se segue da primeira, então você pode saber essa segunda coisa. Esse princípio junto com os cenários céticos proporciona bases para um quarto argumento do ceticismo. O ponto principal do argumento é esse: As coisas que ordinariamente acreditamos implicam que os cenários céticos são falsos. Então, dado o princípio recém mencionado, se percebemos isso, e temos conhecimento nos casos ordinários, então podemos, portanto, deduzir, e dessa forma saber, que os cenários céticos são falsos. Mas, de acordo com o argumento, não sabemos que os cenários céticos são falsos. Você sabe que você não é um cérebro em um tonel, etc.? Como você poderia saber qualquer coisa como essa? Se não, então você não sabe as coisas ordinárias que você julga conhecer. Aqui é como essa linha de pensamento refere-se a um exemplo específico. Recorde de Brian do Exemplo 5.8, O Cérebro em um Tonel. Suponha que Brian é (ou pelo menos parece, a ele mesmo, ser) uma pessoa ordinária no mundo. Considere algumas hipóteses céticas: BIV. Brian é um mero cérebro em um tonel conectado por uma máquina de vida artificial. A palavra ‘mera’ em (BIV) é intencionada a significar que Brian é apenas um cérebro, não um corpo completo. Se Brian é um mero cérebro, então ele não possui braços. Agora, considere uma proposição ordinária, tal como BA. Brian possui braços. Se Brian sabe (BA), ele sabe com base nos casos ordinários da experiência que todos nós temos. Suponha que ele sabia (BA). Suponha que Brian conhece o suficiente de lógica para perceber que (BA) implica que ele não um mero cérebro no tonel. Em outras palavras, isso implica que (BIV) é falsa. Brian pode então usar seu conhecimento sobre seus braços, mais seu conhecimento de lógica, para deduzir que (BIV) é falsa. Mas, um cético dirá que ele não pode saber que (BIV) é falsa, pelo menos não dessa forma. Precisa ser, logo, que ele não sabe (BA) depois de tudo. A linha de pensamento recém apresentada pode ser generalizada. Deixe (O) ser uma proposição ordinária sobre o mundo externo que a Perspectiva Standard diz que conhecemos. Deixe (SK) ser uma hipótese cética inconsistente com (O). (O) então, implicará que (SK) é falsa. Deixe S ser uma pessoa qualquer que sabe que (O) implica que (SK) seja falsa. 10

Uma fonte principal para esse argumento é Fred Dretske, ‘Epistemic Operators’, Journal of Philosophy 67 (1970): 1007-23.

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Argumento 6.7: O Argumento da Transmissibilidade 7-1. S não pode saber que (SK) é falsa. 7-2. (O) implica que (SK) é falsa, e S sabe disso. 7-3. Se S sabe que (O) é verdadeira, e que (O) implica que (SK) seja falsa, então S pode saber que (SK) é falsa.

7-4. S não sabe (O). (7-1)-(7-3) A premissa (7-2) é claramente verdadeira, dada a maneira como montamos o exemplo. É importante entender que mesmo que se S é um mero cérebro em um tonel, ele pode ainda saber sobre as conexões lógicas entre as proposições. Então o conhecimento lógico atribuído a S em (7-2) não é ameaçado pela possibilidade dele ser um cérebro em um tonel. A premissa (7-3) é um princípio de transmissibilidade.11 Ele diz que conhecimento pode ser transmitido através de implicações lógicas conhecidas. Embora existam detalhes sobre esse princípio que podem ser um tanto questionáveis, a idéia básica parece certa. Se você sabe alguma coisa, e você sabe que ela implica em alguma outra coisa, então você pode saber essa última coisa inferindo ela da formadora. A premissa (7-1) parece correta, ao menos para muitos epistemológos. Discutiremos isso mais cuidadosamente depois.

IV. RESPONDENDO AO CETICISMO Cada um dos quatro argumentos do ceticismo tem a conclusão que radicalmente mina a Perspectiva Standard. Se algum deles é forte, então a Perspectiva Standard é errada e sabemos muito menos do que estávamos inclinados a pensar que sabíamos. Voltar-nos-emos agora para as respostas a esses argumentos.

A. A Perspectiva Cética é Auto-Refutante Uma tentativa de linha de resposta para a Perspectiva Cética começa em tomando nota de uma vantagem não usual da posição completa do cético. A vantagem pode ser mais bem trazida ao construir um diálogo entre um cético e um anticético. Anticético: Você sabe que as premissas do seu argumento cético são verdadeiras? Você sabe, por exemplo, que quase todas as suas crenças podem ser erradas? Você sabe que suas evidências para quase todas as suas crenças são falíveis? Cético: Sim, eu sei que minhas premissas são verdadeiras. 11

É algumas vezes chamado de princípio de ‘fechamento’ (closure principle). A idéia é que o conjunto de coisas que você sabe é ‘fechado’ sujeito à implicação. Isso significa que se o conjunto inclui uma proposição, ele também inclui aquelas que são implicadas pela proposição. Embora alguns filósofos tenham questionado (7-3), não faremos isso aqui.

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Anticético: Você diz que você sabe desses fatos sobre suas crenças. Mas esses são fatos sobre o mundo. Você afirma que nos falta conhecimento sobre todos os fatos desse tipo. Portanto, ao defender seu argumento você mostra que você não acredita consistentemente nas conseqüências da sua própria conclusão. Sua asserção de ceticismo é uma enganação. Cético: Eu acho que você está certo. Meus próprios argumentos mostram que eu não sei se minhas premissas são verdadeiras. Eu garanto que você não as conhece. Anticético: Você não pode estabelecer a verdade de algo com base em premissas que você não sabe se são verdadeiras. Assim, se você não sabe se suas premissas são verdadeiras, então você não sabe nada com base nas suas premissas. Em particular, você não sabe que sua conclusão cética é verdadeira. Assim você não provou que o ceticismo é correto. Esse diálogo levanta várias questões, mas nos focaremos em apenas uma delas aqui. Suponha que nós garantimos ao anticético as afirmações feitas nessa discussão. É seguramente verdadeiro que céticos não podem afirmar consistentemente que sabem que ninguém conhece nada sobre o mundo externo. Compare: 4. Eu sei que ninguém sabe de coisa alguma. Não existe maneira de (4) ser verdadeira. Para que isso fosse verdade, portanto, dado o que (4) diz, eu sei de alguma coisa, ou seja, que ninguém sabe de coisa alguma. Mas se eu soubesse que, então a proposição (4) que diz que eu conheço seria falsa, porque eu saberia de algo. Céticos que defendem argumentos como aqueles apresentados na seção III podem mostrar-se estarem em similar situação desagradável. Eles afirmam que ninguém sabe nada sobre o mundo externo, apesar disso eles parecer fazer isso com base em afirmações sobre o mundo externo. Essas considerações mostram que existe alguma coisa ímpar sobre o ceticismo. Ao asserir seus argumentos, os céticos parecem implicitamente afirmar saber que suas premissas são verdadeiras. Mas isso é inconsistente com sua conclusão. Além do mais, ao viver suas vidas, eles estão provavelmente fazendo todos os tipos de coisas que sugerem que eles devam pensar que sabem de coisas. Por exemplo, eles conversarão com outras pessoas. Ao fazer isso parece pressupor que eles pensam que sabem que existem outras pessoas presentes e que eles sabem que aquelas outras pessoas estão falando. Outro exemplo, eles sairão do caminho de caminhões em aproximação, sugerindo que eles sabem que caminhar em frente a um caminhão em movimento é perigoso. Existem razões para duvidar que os céticos, realmente, precisam pensar que sabem de coisas. Relembre que os céticos não estão afirmando que suas crenças ordinárias são falsas. Eles estão afirmando que não sabemos se elas são verdadeiras. Deste modo, eles podem acreditar que caminhões em movimento são perigosos, mas negar o conhecimento de coisas tais como essa. Assim, talvez se eles são muito cuidadosos, os céticos poderiam sobreviver sem jamais afirmar que conhecem alguma coisa ou fazer algo que implique que eles pensem que sabem de algo. 13

Ceticismo (I)

Mas suponha que os críticos do ceticismo estejam corretos em declarar que os céticos sempre se contradizem, implicitamente ou explicitamente. Suponha que seja verdade que eles asserem que ninguém conhece nada, mas em outros momentos, eles dizem, pense, ou pressuponha que eles mesmos conhecem coisas. Isso nos diz algo sobre a estabilidade ou consistência geral do ceticismo, dos céticos. Pode-ser que ninguém possa, realmente, consistentemente defender a Perspectiva Cética. Mas isso deixa uma questão embaraçosa não respondida: O que está errado com os argumentos céticos? Eles são argumentos válidos. Isso significa que se suas premissas são verdadeiras, então sua conclusão é verdadeira. E suas premissas parece ser todas certas. Mostrando que os céticos se contradizem de alguma forma não ajuda a compreender onde esses argumentos desafiantes erram, ou ainda se eles são errados de alguma forma. E isso, ao menos concordando com muitos, é o problema filosófico central posto pelo ceticismo. Uma maneira de clarificar o ponto recém comentado é distinguir dois objetivos (goals) que alguém pode ter ao pensar sobre o ceticismo. Um dos objetivos é mais retórico ou dialético. Ele tenta convencer os céticos que eles estão errados ou mostrar que eles não acreditam realmente naquilo que eles dizem ou mostrando que eles se contradizem. O outro objetivo não é tanto sobre os céticos e mais sobre seus argumentos. Ele tenta descrever o que, se algo, está errado com as premissas dos argumentos do ceticismo. Nosso foco aqui é o segundo objetivo. Isso não é dizer que existe algo errado com o primeiro objetivo. No entanto, completando esse objetivo – mostrando que os céticos se contradizem – se falharia em resolver uma questão central: A conclusão dos argumentos céticos é verdadeira? Evitar o desafio dialético de refutar ou convencer os céticos tem outra vantagem. Suponha alguém que estava enfrentando, com o objetivo de tentar convencer, um cético intransigente que conhecemos coisas. Não importa o que você faça, um cético inteligente resistirá. Sua prova-tentativa (attempted proof) sempre fará uso de uma premissa ou outra. Um cético inteligente negará conhecer que a premissa é verdadeira. Se você tentar voltar atrás, você apenas apelará para uma premissa adicional. Como uma criança que pergunta indefinidamente ‘por quê?’, um cético inteligente nunca concederá a você uma premissa que estabelecerá sua conclusão anticética. É uma boa idéia para fugir desse tipo de batalhar com o cético em primeiro lugar (como vencedor). Todos esses problemas dialéticos deixam em aberto questões com as quais nós começamos: O que deveríamos dizer sobre os argumentos céticos? Suas premissas são razoáveis?

B. A Resposta de Moore G. E. Moore foi um filósofo influente na primeira metade do século XX. Seus escritos filosóficos freqüentemente incluíam defesas do senso comum para complicadas objeções filosóficas. Sua resposta para o ceticismo foi característica. Após um enunciado (statement) detalhado de um argumento similar a um dos argumentos recém enunciados, Moore escreveu: É, de fato, como certo que todas essas quatro suposições (assumptions) [as premissas do argumento em consideração] são verdadeiras, assim como que eu sei que isso é um lápis e que você é consciente? Eu não posso ajudar respondendo: Parece para mim mais certo que eu saiba

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que isso é um lápis e que você é consciente, do que, que qualquer uma (apenas) dessas quatro suposições seja verdadeira, para não citar todas as quatro.12

Aplicado aos quatro argumentos céticos, a resposta de Moore é que é mais certo – mais razoável para crer – que temos conhecimento do mundo externo do que a força de qualquer desses argumentos céticos. Porque o argumento é válido, cada um precisa ter uma premissa falsa. Assim o razoável é concluir que cada um deles tem uma ou mais premissas falsas. Mesmo que se você concorda que Moore esteja certo sobre isso, é claro que suas respostas falha em explicar o que há de errado com os argumentos. Não nos ajuda ver onde os argumentos estão errados ou o que o erro no fundamento deles pode ser. A resposta de Moore ao ceticismo, pelo menos como apresentada aqui, simplesmente diz que é mais razoável pensar que uma ou outra coisa está errada com os argumentos céticos. Não nos falando o que. Em outra palestra mais discutida, Moore tentou provar que existia um mundo externo. Ele estendeu uma de suas mãos e disse, ‘Isso é uma mão’ e, estendendo a outra mão, ele disse, ‘Essa é outra mão’. E dessas premissas ele concluiu que existe um mundo externo.13 Existe alguma coisa atraente sobre a prova de Moore. Suas premissas parecem claramente verdadeiras. Sua conclusão segue de suas premissas. É difícil identificar um defeito em seu argumento. Apesar disso, muitos leitores se desapontaram com a resposta de Moore. Alguns pensam que, de uma maneira ou outra, a reposta falha ao empregar o argumento ao ceticismo. Talvez a melhor forma de colocar a reclamação sobre a resposta de Moore é dizer que ele não explica o que há de errado com os argumentos céticos. 14 Sua perspectiva implica, de forma absolutamente plausível, que existe algo errado com eles. É desejável ter uma explicação do que justamente há de errado com eles.

C. Falibilismo Uma resposta proeminente aos argumentos céticos é que eles todos pressupõem altos padrões (Standards) não razoáveis para o conhecimento. A acusação é a de que os argumentos contam, seja implicitamente ou explicitamente, com a suposição (assumption) que conhecimento exige certeza absoluta, enquanto que, em fato, conhecimento requer meramente razões muito boas (mais crença verdadeira, e alguma outra condição é necessária para lidar com os exemplos de Gettier). Essa perspectiva é o falibilismo (falibilism). Os detalhes do falibilismo emergirão da consideração das respostas falibilistas para cada um dos argumentos céticos. C1. Conhecimento e Certeza Absoluta A resposta falibilista ao ceticismo é mais facilmente apreciada em conexão com o Argumento da Certeza. Falibilistas negam o que foi anteriormente identificado como a premissa chave desse argumento: 6-1. Se S sabe que p, então S está absolutamente certo de que p.

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G. E. Moore, ‘Four Forms of Skepticism’ (‘Quatro Formas de Ceticismo’), Philosophical Papers (New York: Collier Books, 1959), pp. 193-222. A citação é da p. 222. 13 Veja G. E. Moore, ‘Proof of an External World’ (‘A Prova de um Mundo Externo’), Philosophical Papers, pp. 126-149. A ‘prova’ aparece na p. 145. 14 É também possível que exista uma diferença entre dar um argumento forte para uma conclusão, como Moore pode ter feito, e dar uma ‘prova’ (proof) dessa conclusão. Talvez uma prova, no contexto do debate sobre o ceticismo, precise ter premissas que contenham uma condição especial, tal como ser aceitas por todas as partes no debate. As premissas de Moore não contêm essa condição especial.

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Estamos absolutamente certos de muito poucas proposições. Mas, de acordo com os falibilistas, esse não é um problema porque conhecimento não exige certeza absoluta. Por exemplo, quando existe uma mesa em frente a você, a iluminação é boa, seu sistema visual está funcionando apropriadamente, e você acredita como resultado da sua impressão visual e sua informação de fundo (background information) que existe uma mesa em frente a você, então você pode ter conhecimento de que há uma mesa lá. Enquanto existe, da sua perspectiva, alguma chance remota de erro, não existe razão para pensar que você está cometendo um erro, e sim excelente razão para pensar que você não está cometendo um erro. Se sua crença é verdadeira, então você tem conhecimento. Perceba que falibilistas não estão dizendo que você pode conhecer algo que é falso. Se não existisse mesa em frente a você, então você não saberia que existe uma mesa lá. Mas se existe uma mesa lá, e você acredita por excelentes, mas não perfeitas logicamente, razões que existe uma mesa lá, então você possui conhecimento. Falibilistas pensam que céticos conseguem nos fazer ficar preocupados sobre o ceticismo aplicando altos padrões ao conhecimento. Existem algumas evidências lingüísticas que apóiam a perspectiva dos falibilistas de que existe diferença entre conhecimento e certeza absoluta. Considere um exemplo no qual duas pessoas estão dirigindo para longe de sua casa. Um deles pergunta ao outro se ele sabe se trancou a porta quando saíram. Ele responde que sim, que a trancou. O primeiro então pergunta se ele está ‘absolutamente certo’ que a trancou, tão certo que nada poderia ser mais certo. Ele poderia inteligentemente responder que ele não está. Ele não estaria, através disso, voltando para sua primeira resposta. Se isso é certo, é porque a segunda questão – aquela sobre a certeza absoluta – foi uma nova questão, levantando um problema não levantado pela questão original sobre o conhecimento. Se for assim, então o conhecimento não exige certeza absoluta. Similarmente, nos parece dizer algo diferente, e mais forte, quando afirmamos ‘saber com completa certeza’ do que quando afirmamos meramente ‘conhecer’ algo. Existem também algumas considerações práticas que fornecem apoio modesto para a percepção (outlook) falibilista. Suponha que concordamos que conhecimento exige certeza absoluta. Nesse caso, teríamos que conceder que não sabemos muito e que a Perspectiva Padrão é radicalmente errada. Mas agora considere a lista de coisas que a Perspectiva Padrão diz que sabemos. Ter concordado com os céticos que conhecimento exige certeza absoluta e que não estamos absolutamente certos para muitas das coisas da nossa lista original, nos obriga a admitir que não sabemos se aquelas coisas são verdadeiras. Mas não deveríamos através disso conceder que nossa posição com respeito àqueles itens seja como nossa posição com respeito às coisas as quais apenas temos razões modestamente boas. Poderíamos dizer que ‘quase conhecemos’ as coisas nessa lista, enquanto que ‘não quase’ conhecemos o resultado do World Series15 do próximo ano ou ainda as eleições do próximo mês. Deveríamos também dizer que não ‘quase conhecemos’ em exemplos tais como aqueles que Gettier tornou famosos. Poderíamos então perguntar qual a diferença entre os casos de Gettier e os casos que são casos de ‘quase’ conhecimento. Poderíamos ainda desenvolver uma disciplina – ‘quase epistemologia’ – na qual estudaríamos exatamente as coisas estudadas aqui. Em outras palavras, se concordamos com os céticos que ‘saber’ se aplica somente em casos de certeza absoluta, poderíamos introduzir a expressão (phrase) ‘quase conhecer’ que se aplicaria no limite dos casos que não chegam até a certeza absoluta, mas que são regularmente classificados como conhecimento. Falibilistas pensam que ‘conhecer’ é apenas usado nessa 15

*Provavelmente Feldman está falando do campeonato norte-americano de basebol. O termo ‘World Series’ é designado para várias outras competições esportivas no mundo inteiro.*

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forma em primeiro lugar, então que não existe necessidade de conceder essa palavra aos céticos e introduzir a expressão ‘quase conhecer’ para fazer o trabalho (da expressão ‘conhecer’). Fazer isso é apenas causar confusão sem necessidade. Existem, assim, persuasivas, mas talvez não conclusivas razões para aceitar o falibilismo. Será útil ver o que os falibilistas dizem sobre os outros argumentos céticos. C2. Conhecimento e a Possibilidade do Erro O Argumento da Possibilidade do Erro tem como premissa chave: 5-2. Se uma crença poderia estar errada, então não é um caso de conhecimento. Falibilistas rejeitam isso. Eles pensam que conhecimento é compatível com a possibilidade do erro. É importante que seja claro sobre o que eles estão falando. Falibilistas não estão dizendo que conhecimento é compatível com erro, de fato. Eles não estão dizendo que você pode conhecer algo que não é verdadeiro. Nem estão dizendo que você pode ter conhecimento quando você tem uma razão positiva para pensar que você está cometendo um erro. Eles estão dizendo que conhecimento exige justificação forte e verdade. Assim, se você acredita em algo com base em excelentes razões, e é verdade, e se não existe nada suspeito como nos casos do tipo Gettier, então você tem conhecimento. Se você acredita em algo com base naquelas excelentes razões, e esse algo vem a ser falso porque você foi vítima de algum tipo de trote ou alucinação, então você não possui conhecimento. Rejeitar (5-2) é quase conectado a rejeitar a perspectiva de que conhecimento exige certeza absoluta. A hipótese que conhecimento exige certeza é equivalente a hipótese que se você não está certo de algo, então você não sabe desse algo. E essa hipótese é central para a melhor razão para pensar que (5-2) é verdadeira. A defesa de (5-2) é próxima a isso: se você pode estar errado sobre a certeza de algo, então você não está absolutamente certo sobre ele. Se você não está absolutamente certo sobre algo, então você não conhece esse algo. Assim, se você pode estar errado sobre algo, então você não o conheceria. Uma vez que a hipótese que conhecimento exige certeza é rejeitada, como os falibilistas dizem que deve ser, essa defesa de (5-2) falha. Uma coisa que pode causar confusão aqui é que (5-2) é difícil de interpretar. Sentenças do tipo ‘se-então’ são geralmente problemáticas, e quanto elas têm palavras como poderia nelas, elas são ainda mais problemáticas. Uma fonte potencial da confusão pode ser exposta ao considerar algumas sentenças do tipo. Primeiro, perceba que (5-2) é equivalente a 5-2a. Se S sabe que p, então S não poderia estar errado sobre p. Agora considere uma sentença do tipo ‘se-então’ similar em estrutura à (5-2a.): 5. Se S é um solteirão, então S não poderia estar casado. (5) pode parecer correta para você, mas existe algo intrigante sobre ela. Isso pode ser trazido à tona através das seguintes considerações. Suponha que você esteja dividindo pessoas em dois grupos: aqueles que poderia estar casados e aqueles que não poderiam estar casados. Você poderia dizer a um bebê de três semanas que ele não poderia estar casado. Nessa idade, ele não poderia legalmente participar de uma cerimônia de casamento e ele não poderia fazer ou dizer as coisas necessárias para se casar. Em contraste, um homem comum de trinta anos que escolheu não casar está nesse grupo de pessoas que poderiam estar casadas, ainda que ele não esteja casado. Isso deve fazer você ver que existe diferença entre 17

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5. Se S é um solteirão, então S não poderia estar casado. 5a. Se S é um solteirão, então S não é casado. (5a) é verdadeira. Sem dúvida, ela é necessariamente verdadeira. Não é alguma verdade contingente ou reversível. É verdadeira de certa forma como resultado do que a palavra ‘solteirão’ significa. Mas (5) não é verdadeira. Não é o caso que se uma pessoa é solteira, então a pessoa está no grupo de pessoas que não poderiam estar casadas. Muitos dos solteiros são pessoas que poderiam estar casadas; eles apenas não estão casados. Analogamente, compare: 5-2a. Se S sabe que p, então S não poderia estar errado sobre p. 5-2b. Se S sabe que p, então S não está errado sobre p. (5-2b) é verdadeira. Além disso, é uma verdade necessária, porque se segue em parte do significado de ‘conhecer’. Mas seria um erro pensar que isso sustenta (5-2a). Assim, falibilistas aceitam (5-2b). Eles ainda concordam que não existem circunstâncias possíveis nas quais (5-2b) seja falsa. Mas eles rejeitam (5-2a), e com isso (5-2) do Argumento da Possibilidade do Erro. Aceitar (5-2a) é dizer que conhecer algo exige que esse algo esteja entre o tipo de coisas que você não poderia estar errado sobre. (Comparável a dizer, como em (5a), que ser um solteiro é estar no tipo de coisas que não poderiam estar casadas). Poucas proposições recebem esse alto padrão. As poucas que recebem não são usuais. Por exemplo, ninguém pode acreditar erradamente que existem crenças. Ninguém pode acreditar erradamente o que ele ou ela expressariam com sentenças como ‘Eu existo’ ou ‘Eu tenho uma crença.’16 C3. O Argumento da Indistinguibilidade Introspectiva A premissa chave desse argumento era 6-2. Não pode haver casos de conhecimento que são introspectivamente indistinguíveis de casos de falta de conhecimento. Falibilistas rejeitam isso. Eles afirmam que conhecimento não é um puro ‘estado mental’ (mental state). Se uma pessoa sabe ou não depende de como é sua mente – o que ela acredita e porque – e de como o mundo é. Se conhecimento exige meramente razões extremamente boas, e não razões perfeitas, então (6-2) é falsa. Pegue um caso no qual alguém tem razões extremamente boas, e um o qual alguém possui crença verdadeira e não possui conhecimento. Porque as razões são extremamente boas, mas não perfeitas, se segue que existirá outros possíveis casos nos quais alguém possui aquelas mesmas razões, apesar disso a crença de alguém é falsa e esse alguém não possui conhecimento. Uma maneira de pensar coisas é como a seguir: Na perspectiva falibilista, conhecimento resulta de um tipo de cooperação entre o mundo e o sujeito que crê (believer). Quando o sujeito que crê faz sua parte acreditando de uma forma apropriada, ele fez tudo o que pôde para ter conhecimento. Quando o mundo coopera, fazendo com que esse não seja 16

O Argumento aqui assume que uma pessoa não poderia estar errada sobre uma proposição fornecida, a pessoa não pode acreditar nela e estar errada. As proposições listas recebem aquela condição. É consistente com isso, no entanto, que uma pessoa possa desacreditar erradamente em uma daquelas proposições. Alguém poderia reagir de forma exagerada aos argumentos céticos e passar a crer, erradamente, que ele não existe. De certa forma, então, é possível que uma pessoa esteja errada sobre se ela existe.

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um caso de crença falsa justificada ou um caso do tipo Gettier (Gettier-like case), então é conhecimento. Quando o mundo não coopera, não é conhecimento. Porque conhecimento depende do tipo de cooperação, pode haver casos nos quais a pessoa faça sua parte e o mundo não coopera. Tais casos são introspectivamente indistinguíveis de casos nos quais o mundo coopera. Portanto, (6-2) é falsa. Se conhecimento exige certeza absoluta, deveria haver um bom caso para a premissa (6-2). Certeza absoluta é um tipo de estado mental interno que garante verdade. Crenças as quais estamos certos são introspectivamente distinguíveis de crenças que não são certas. Assim, se conhecimento exigisse certeza, seguiria que conhecimento exige um estado mental que assegura a verdade, esse é um tipo de estado mental introspectivamente distinguível de crença falsa. Porque, de acordo com o falibilismo, conhecimento não exige certeza absoluta, essa linha de apoio para (6-2) falha. Perceba que seja o que for que dizemos sobre o conhecimento, pode haver casos de ‘crença verdadeira’ (believing truly) e ‘crença falsa’ (believing falsely) que são introspectivamente indistinguíveis. Crenças verdadeiras não têm um ‘brilho’ mais luminoso do que crenças falsas. Não existe um piscar de olho especial (blinking ‘T’) na presença do olho da sua mente quando você tem uma crença verdadeira. Não existe uma função interna (internal feature) que se associa a todas e apenas crenças verdadeiras. Assim, pode haver um caso no qual você acredita em algo e sua crença é verdadeira, e existem outros possíveis casos que parecem exatamente iguais, mas a crença é falsa. Crenças verdadeiras não são introspectivamente distinguíveis de crenças falsas. Isso não é dizer que você não pode dizer quando você tem boas razões para crer em algo e quando você não tem. Você usualmente pode dizer isso. Talvez você sempre possa. Assim talvez crenças justificadas sejam introspectivamente distinguíveis de crenças não justificadas. Isto é, nenhuma crença justificada é introspectivamente indistinguível de uma crença não justificada.17 Alguém poderia pensar que essa discussão falha em fazer justiça ao pensamento por trás do Argumento de Indistinguibilidade. Para ver esse ponto, considere uma analogia. Suponha que você não possa perceber a diferença entre dois tipos de árvores, cipreste e cedro. Ver um e o outro é, ao menos tão longe quanto você possa perceber, introspectivamente indistinguível. Você poderia concluir disso que você não pode jamais saber que você está olhando para um cedro e não para um cipreste. Analogamente, poderia ser afirmado que você jamais pode saber que você está vendo uma árvore real e não uma mera imagem de árvore, porque esses últimos estados são introspectivamente indistinguíveis de ver uma árvore real. Deste modo, você não pode saber que está vendo uma árvore real. Mas, ao menos de acordo com os falibilistas, esse pensamento é errado. Ainda se ver um cedro ou um cipreste são introspectivamente indistinguíveis para você, você pode saber que você está vendo um em lugar do outro. Você poderia saber porque um perito em árvores lhe falou. Ou você poderia saber porque você tem evidências independentes convincentes que nenhum cedro cresce na sua região. Existe algum número de boas razões que você poderia ter para crer que você vê uma e não a outra. Se conhecimento exige certeza absoluta, então nenhuma dessas razões é boa o suficiente para o conhecimento. No entanto, como vimos, os falibilistas têm algumas boas razões para rejeitar essa hipótese. Similarmente, portanto, você pode ter boa razão para pensar que você está vendo uma árvore e não está sendo enganado por 17

Claro, defensores de teorias não-evidencialistas da justificação discutidos no capítulo 5 rejeitariam isso.

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um gênio maligno, ainda se as duas experiências fossem introspectivamente indistinguíveis. (Mais adiante a discussão desse ponto aparecerá na subseção C4 do capítulo 7). As pessoas às vezes dizem que se o falibilismo é correto, então você nunca poderá dizer se você conhece alguma coisa.18 Isso é, elas argumentam que: Argumento 6.8: O Argumento do Saber que Você Sabe 8-1. Se o falibilismo é verdade, então uma pessoa nunca pode perceber se ela possui ou não conhecimento (i.e., ela nunca sabe que ela tem conhecimento). 8-2. O falibilismo é verdade.

8-3. Então uma pessoa nunca sabe que ela possui conhecimento. (8-1), (8-2) Falibilistas aceitam (8-2). Enquanto (8-3) não é impossível ou auto-contraditória, seria uma coisa muito estranha para os falibilistas aceitarem: Por que você seria capaz de saber todos os tipos de coisa, mas não que você sabe de alguma coisa? Entre as idéias falibilistas se dirá que se alguém pode saber é porque alguma pessoa mais sabe algo. Como poderia ser que você pudesse saber que outros têm conhecimento, mas não que você mesmo possui? Deste modo, os falibilistas gostarão de encontrar uma boa base para rejeitar (8-1). Felizmente, os falibilistas podem inteligentemente (com lógica) rejeitar (8-1). Entendendo porque tornaremos o falibilismo mais claro e mais atraente. A perspectiva falibilista é que o conhecimento sobre conhecimento é relevantemente como o conhecimento sobre outras coisas. Uma pessoa pode saber que as luzes estão ligadas através da posse de uma crença verdadeira justificada que as luzes estão ligadas e em não sendo um caso do tipo Gettier. Similarmente, uma pessoa pode ter conhecimento de que ela sabe desse fato tendo uma crença verdadeira justificada que ela sabe que as luzes estão ligadas. E ela tem excelentes razões para pensar que ela sabe disso: Ela acredita nisso com base na sua observação da luz e não em uma loucura (whim), ela está geralmente certa sobre esse tipo de coisa, e mais. O ponto chave é que seu conhecimento que ela sabe de coisas é, como todo conhecimento, falível. Ela não está absolutamente certa de que tem conhecimento. Suas razões para pensar que possui conhecimento não são logicamente perfeitas. Elas são meramente extremamente boas. E isso é tudo que se pode saber. A idéia chave é que se você é um falibilista sobre o conhecimento de proposições ordinárias, então você deveria também ser um falibilista sobre conhecimento de conhecimento.19 C4. O Argumento da Transmissibilidade Um enunciado mais geral da premissa chave do Argumento da Transmissibilidade é 7-1. As pessoas não sabem que as hipóteses céticas são falsas. Aqui falibilistas dizem que sabemos que as hipóteses céticas são falsas. Suas razões para pensar em coisas ordinárias tais como, que você possui braços, também lhe fornecem excelentes razões para rejeitar as hipóteses céticas tais como, que você é um cérebro em um 18

Algumas das idéias presentes nos próximos parágrafos apareceram primeiramente em ‘Fallibilism and Knowing That One Knows’ (Falibilismo e Conhecimento que Alguém Sabe), Philosophical Review 90 (1981): 77-93 19 Sou agradecido a Bruce Russell pelos comentários úteis nessa seção.

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tonel. Não existe razão para pensar que existem cérebros em tonéis, nem que você é um deles. Essa é uma hipótese que você tem excelentes razões para rejeitar. Verdade, aquelas razões não são logicamente perfeitas, mas você não mais precisa de razões perfeitas nesse caso do que você precisa em qualquer outro caso. O mesmo serve para as outras hipóteses céticas. Se conhecimento exigisse certeza absoluta, então talvez houvessem melhores razões para aceitar o Argumento da Transmissibilidade. Não podemos estar absolutamente certos de que não somos cérebros em tonéis ou de que as outras hipóteses céticas são falsas. Mas, de acordo com o falibilismo, conhecimento não exige certeza, e essa defesa da premissa chave do Argumento da Transmissibilidade falha. Céticos, com certeza, podem negar o que falibilistas dizem aqui. (Consideraremos no capítulo 7 uma razão que os céticos poderiam dar para negar). Mas, diferentemente dos outros argumentos do ceticismo considerados nesse capítulo, o Argumento da Transmissibilidade se utiliza da sua falta de conhecimento como uma premissa. O argumento, por si, não fornece razões para pensar que não saibamos que as hipóteses céticas são falsas. Em contraste, os outros argumentos considerados nessa seção fornecem razões para pensar que não temos conhecimento, razões que não tem nada a ver com a possibilidade de erro ou parecido. Então, enquanto céticos podem não gostar disso, é difícil de ver porque os falibilistas não estão em boa posição para rejeitar o Argumento da Transmissibilidade.

V. CONCLUSÃO TEMPORÁRIA Um tipo de ceticismo é ‘o ceticismo dos altos padrões’ (high standards skepticism) – ceticismo que conta com a premissa que conhecimento exige certeza, ou a impossibilidade de erro. Os argumentos céticos considerados aqui fazem essa suposição. A suposição é explícita no caso do Argumento da Possibilidade do Erro e do Argumento da Certeza, e é implícita no Argumento da Indistinguibilidade Introspectiva e no Argumento da Transmissibilidade. A resposta de Moore ao ceticismo afirma que é mais razoável pensar que temos conhecimento do que pensar que algum desses argumentos é forte. Essa resposta é consideravelmente atrativa, mas falha ao explicar apenas onde é que os argumentos estão errados. O falibilismo fornece uma resposta mais completa aos argumentos céticos. De acordo com o falibilismo, conhecimento exige razões muito boas (mais crença verdadeira e que não seja um caso do tipo Gettier). Mas conhecimento não exige certeza. Somos capazes de satisfazer as condições falibilistas para o conhecimento. Considerações em favor do falibilismo são significantes e poderosas, mas não decisivas. Eles incluem considerações lingüísticas, simplicidade, o fato que algumas das afirmações dos argumentos do ceticismo se tornam erradas (por exemplo, a confusão sobre o ‘se-então’ e ‘dever’ [must]), e o fato que o falibilismo não tem a conclusão errada com respeito ao conhecimento de que você conhece que foi recém discutido. O falibilismo então parece ser uma perspectiva inteligente. E se o falibilismo é correto, então cada um dos argumentos do ceticismo contém (pelo menos) uma premissa errada. Uma forma de resumir o falibilismo é a seguinte: Nossas experiências nos fornecem muito boa evidência, mas não absolutamente conclusiva evidência, para proposições tais como a proposição que realmente 21

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vemos um livro (e destemo modo não estamos sonhando, ou alucinados, ou que somos meros cérebros em tonéis, etc.). Essa evidência é boa o suficiente para justificar nossas crenças ordinárias e assim satisfazer as condições de justificação para o conhecimento. Todos os argumentos do ceticismo contam com suposições erradas que justificação, e assim conhecimento, exigem evidências conclusivas. Logo, todos esses argumentos falham. Essa é uma perspectiva amplamente aceita e aparentemente inteligente. Ela se ajusta bem com a perspectiva fundacionista modesta descrita no capítulo 4. Infelizmente, os problemas céticos permanecem. Voltaremos a eles no capítulo 7.

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FELDMAN R -Epistemology 6

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