Heranca Familiar - Pry Olivier

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Herança Familiar Pry Oliver 1ª. Edição 2019

Cpyright © 2018 Pry Oliver Todos os direitos reservados. Criado no Brasil. Capa: Diagramação: Criativa TI Revisão: Criativa TI Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora. Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

SUMÁRIO PRÓLOGO PRIMEIRA FASE UM DOIS TRÊS QUATRO CINCO SEIS SETE OITO NOVE DEZ ONZE DOZE TREZE QUATORZE QUINZE DEZESSEIS DEZESSETE DEZOITO

DEZENOVE VINTE VINTE E UM VINTE E DOIS VINTE E TRÊS VINTE E QUATRO VINTE E CINCO VINTE E SEIS VINTE E SETE VINTE E OITO VINTE E NOVE TRINTA TRINTA E UM TRINTA E DOIS TRINTA E TRÊS TRINTA E QUATRO TRINTA E CINCO TRINTA E SEIS TRINTA E SETE TRANSIÇÃO TRINTA E OITO TRINTA E NOVE QUARENTA QUARENTA E UM

QUARENTA E DOIS QUARENTA E TRÊS QUARENTA E QUATRO QUARENTA E CINCO QUARENTA E SEIS QUARENTA E SETE QUARENTA E OITO QUARENTA E NOVE CINQUENTA CINQUENTA E UM CINQUENTA E DOIS CINQUENTA E TRÊS CINQUENTA E QUATRO CINQUENTA E CINCO CINQUENTA E SEIS CINQUENTA E SETE CINQUENTA E OITO CINQUENTA E NOVE SESSENTA SESSENTA E UM SESSENTA E DOIS SESSENTA E TRÊS SESSENTA E QUATRO SESSENTA E CINCO

SESSENTA E SEIS SESSENTA E OITO SESSENTA E SETE SESSENTA E NOVE SETENTA SETENTA E UM FIM EPÍLOGO LUIZ MIGUEL FIM ALÍCIA Spin-off de Herança Familiar Outras Obras

PRÓLOGO Naquele final de tarde a chuva castigava o Estado do Paraná. Rajadas de ventos e sonoros trovões ecoavam no céu atormentando os moradores de Paranaguá. No entanto, para o jovem Luiz Miguel, de quinze anos, o temporal que desabava em suas costas era pequeno diante do ódio e sede de retaliação que gritava em seu interior. O homem que o criou estava sepultado sob o mesmo túmulo que agora ele chorava. Alfredo Junior tinha sido assassinado dentro do presídio onde cumpria pena por tentativa de assassinato (Artigo 121 da Lei 2848/40 do código penal), violação do sigilo bancário (Artigo 10 da Lei Complementar 105 /2001) e formação de quadrilha (Artigo 288 do Código Penal). Luiz Miguel tinha ciência do erro do pai, mas o amava muito para condená-lo. Durante os três anos que Alfredo Junior esteve preso, ele foi o homem da casa e auxiliou a mãe na criação dos dois irmãos menores. O jovem cresceu ouvindo barbaridades sobre o patriarca da família inimiga e culpava Eduardo Moedeiros pelas constantes agressões que sua mãe sofria. Até então sua aversão pela família Moedeiros não tinha gigantescas proporções, mas agora, com a notícia de que o homem era o mandante do crime, a sede de vingança queimava feito ferro em brasa contra a sua pele. Eduardo Moedeiros sentiria a dor da perda, não de maneira fúnebre,

o jovem queria o homem vivo para sentir a dor de perder quem ele mais amava. A frase Never Forget Revenge[1] estava gravada na lápide de Junior Alvares Azevedo e nas costas do filho mais velho.

PRIMEIRA FASE "Duvide do brilho das estrelas, duvide do perfume de uma flor, duvide de todas as verdades, mas nunca duvide do meu amor." — William Shakespeare.

UM A pequena Dudinha de sete anos estava em uma roda de crianças e espontaneamente tentava se enturmar. — Tenho três papas e uma maman, isso é uma grande sorte para uma criança pequena. Muitos não têm um papa para trazer carinho ou brigar com a nossa maman. — disse ela, tentando puxar assunto. — E sua perna, ficou assim por quê? Seus três “papas” — Fez aspas com os dedos — estavam ocupados e te deixaram cair da cama? — falou Alicia Alvares Azevedo. A ruiva tinha a mesma idade de Dudinha, mas o contraste no tamanho era notável, a outra criança aparentava ter cinco anos por consequência de graves complicações depois do nascimento. — Minha perninha é assim, pois eu fui escolhida para ser especial — Dudinha respondeu cheia de segurança. A mãe tinha falado aquilo para ela. — Você foi escolhida para ser esquisita, garota. — A menina tirou o sorriso dos lábios da pequena. — Uma aberração de três papas, isso é o que você é — Gargalhou. — Crianças brincam e não fazem as outras se entristecerem. — Dudinha continuou tentando, mas os olhinhos azuis brilharam com um vestígio de choro. Ela nunca tinha enfrentado o bullying antes. — Vamos brincar um pouco? — Sorriu passando o dorso da mão nos olhos. — Tenho um amiguinho aqui comigo. — Levantou o fecho da bolsinha Chanel e ouviu

as meninas gritarem, apavoradas. — Isso é um rato de esgoto! — A ruiva falou histérica. — O Julien não vivia no esgoto, apenas morou alguns dias no lixo da minha escola. — Dudinha defendeu o bicho, que tinha uma gravata borboleta no pescoço. — De onde apareceu essa garota esquisita, Alicia? — perguntou a loirinha de cabelos longos. — Ela deve ser filha de três empregados, Andressinha. — Alicia! — Um garoto de aproximadamente doze anos chegou no momento exato em que Julien pulou no chão e Dudinha saiu por entre as pessoas para recuperá-lo. — Aquela garota manca trouxe um rato de esgoto para a festa do nosso pai, Luiz Miguel. O menino de olhos castanhos viu de longe a criança gordinha, de joelhos, passando por entre as pernas das pessoas e mostrando o shortinho de pompom que ficava sob o vestido. — Você viu a bolsa dela, Alicia? — perguntou a outra menina. — Não deve ser filha de empregados. Luiz Miguel olhou para a irmã e, em seguida, seguiu os passos da pequena. — Désolé, excuse-moi[2]! — Dudinha tentava seguir os passos rápidos do bicho. Julien subiu na escadinha que fazia parte de uma maquete e

entrou na miniatura de parque. Dudinha levantou e arrumou o vestido. — Julien, desce daí. Elas não vão te levar para os esgotos da cidade. — Dudinha apontou o dedo para o rato, que subiu em uma pequena roda gigante. — Eu não sou tão grande para te pegar. — Ela levantou os pezinhos, mas a mão que segurou o bicho foi outra. — Esse rato é seu? — perguntou Luiz Miguel. — Salut[3]... — Ela estendeu a mão para alcançar o bicho. — Ele se assustou com as meninas maiores. — Dudinha estendeu a bolsinha e o rato entrou. Naquele momento, o menino visualizou os olhos azuis de Dudinha e ficou encantado. — Seus olhos são tão diferentes. — Ele ainda a olhava nos olhos. — Pessoas têm olhos coloridos, é assim mesmo. — Mas os seus são idênticos às águas cristalinas do mar de Weddell. — Mar de onde? — Dudinha quis mais informações. — Mar de Weddell, meu pai me levou para conhecer nas férias. Faz parte do oceano Antártico. Ele tem as águas mais claras do que qualquer outro do mundo. — Minha perna também é diferente. As crianças maiores me chamaram de aberração de três papas. O que é aberração? Não é uma coisa tão legal, senti lágrimas nos meus olhos. — Dudinha colocou uma mecha dos cabelos para trás da orelha, descobrindo as bochechas gordinhas.

Luiz Miguel estendeu a mão e passou os polegares nas pestanas molhadas de Dudinha. — A temperatura do Mar Weddell também é diferente, as águas ficam geladas permanentemente, esse é o defeito dele para nós seres humanos. Não podemos tirar as roupas e dar um mergulho. Mas ele é tão lindo e puro, que a frieza se perde nesses detalhes, é um paraíso visual muito bonito e admirado. — Ele alisou a bochecha gordinha. — Não chore, Mar. — Não vou chorar. Podemos brincar? — Dudinha sorriu. — Eu não sou mais criança, sou adolescente. Mas podemos olhar o parque que meu pai vai construir. — Luiz Miguel tocou uma das árvores internas da maquete. — Uau... esse parque de papel foi o seu papa que fez? — Dudinha ficou novamente na ponta do pé. — Meu nome é Luiz Miguel, qual o seu Mar? — Maria Eduarda e Dudinha. — Dudinha! — Eduardo Moedeiros gritou de longe. — Olha, Dudu, o papa do Luiz Miguel que fez essa construção de papel. — O pai viu que o garoto segurava a mão de sua filha. — Mas o quê? — Eduardo fez Dudinha se separar do menino. — Um pai não pode mais virar as costas que os gaviões mirins começam a rondar. Essa aqui é proibida, moleque. — O que é isso, Eduardo? — Maria Fernanda tinha visto o homem

saindo furioso de onde estava e acompanhou-o. — O pai desse menino é o Junior, Maria Fernanda. Não quero nenhum deles perto do meu bem mais precioso. Eu não deveria ter trazido a minha filha. — O que essa criança pode fazer a Dudinha? Controle-se. — repreendeu a mulher. — Não gosto de você. — O garoto falou olhando diretamente nos olhos de Eduardo e os punhos foram cerrados. — Você não é melhor do que o meu pai em nada. E se você chegar perto da minha mãe outra vez, vou resolver. — Você está vendo, Maria Fernanda? Isso já é a cópia perfeita do pai. Por que você não foi puxar ao seu avô? Pivete! — Eduardo! — Maria Fernanda o estapeou e segurou a mão da filha. — Você não pode ser ranzinza com o Dudu, Luiz Miguel. Ele é o meu papa. — Dudinha tomou partido. — Meu pai disse que vai acabar com você — O menino tornou a enfrentar Eduardo. — Ele pode até tentar ser melhor do que eu, mas ele nunca vai conseguir! — Eduardo passou a mão nos cabelos. — Agora você vai discutir com uma criança? — Maria Fernanda indagou medindo se tinha algum jornalista por perto. — Ele estava chegando junto da Dudinha, sou homem, conheço

essas coisas. Tenho certeza que falou dos olhos... Moleque, nunca mais se aproxime de minha filha. Não olhe para ela, não pense nela, muito menos respire perto dela. — Eu não vou ser adolescente o tempo todo. Nos encontraremos em breve. NOVE ANOS DEPOIS Eduardo entrou sorrateiramente na sala de sua mansão e estava a quase um minuto admirando a loira sentada sobre um dos sofás da sala. Maria Fernanda já tinha sentido às notas aquáticas do perfume do marido, mas continuou folheando o álbum de fotografia. — Por que não vem aqui? — ela perguntou sem levantar os olhos. — Eu estava te namorando de longe. — O marido se aproximou e beijou-a nos cabelos. — O que está fazendo? — Sentou-se ao lado dela. — Olhando as fotografias do nosso casamento. — Ela alisou o rosto do marido e observou o belo sorriso na curva do rosto. Ela amava aquele sorriso. — Esse foi um dos dias mais felizes de nossas vidas, mulher. Ela sentiu o carinho gostoso que sempre recebia nos cabelos. — A Duda com nossas alianças. — Maria Fernanda deslizou os dedos sobre a imagem da criança bochechuda, de cabelos longos e loiros. — Cresceu rápido a nossa menininha. — Bem... — Eduardo limpou a garganta — É sobre isso que eu

quero falar com você. — Ele andou pela sala. Maria Fernanda se preparou para ouvir mais uma tentativa do marido em querer superproteger a filha. — A Duda está crescendo muito rápido, não de altura, mas ela já é projeto baixinho de mulher e, você sabe como são as coisas. — O que foi Eduardo? — Maria Fernanda fechou o álbum. — Observe, ela fez dezesseis, talvez agora seja o melhor momento para contratarmos aquele professor particular e cancelar a matrícula dela na escola. — Ele afogou a gravata do pescoço. — Novamente isso, Eduardo? — Duda está se desenvolvendo rápido demais, eu não quero minha filha nas vistas dos aproveitadores. Temo que queiram se aproveitar dela e ela esteja vulnerável e acredite em qualquer conversa. — A resposta continua sendo a mesma Eduardo. Não vamos criar nossa menina dentro de uma bolha. A Duda sempre teve desenvoltura para lidar com as pessoas. Limitá-la é o mesmo que assumir sua incapacidade diante a deficiência. Ela nunca aceitaria isso. — Eu sei mulher, mas quem sabe, ela não me entenda. Dá uma força, vai? — Eu já disse não, Eduardo! — Tudo bem. Não vamos brigar. Dá um beijinho aqui... — Ele selou os lábios da mulher antes que ela se alterasse. — Coisa linda da minha vida. Eu vou lá em cima dar uma olhada nela. — Ela está com Nicole, escolhendo a roupa para a festinha.

— Não me olha torto. Mais tarde já sabe, não é? — Ele piscou os olhos para a mulher e tropeçou no primeiro degrau da escada. Estava insatisfeito, mas não era tolo ao ponto de contrariar a esposa. No primeiro andar da casa Duda e a amiga Nicole — Filha adotiva de Sérgio e Suelen, conversavam, sentadas sobre a cama. O papo era sobre a paixonite que Duda nutria desde os treze anos, por seu primo Felipe. — Muitos primos casam e têm filhos normais, Nik. Hoje vou beijar o meu loirinho. Vamos começar escondidos e quando chegar o momento, toda a família saberá. — Hoje e aqui? O príncipe sapo não teme pela vida? — perguntou Nicole. — Enfrentaremos tudo. Mas agora, preciso controlar a ansiedade do Felipe. Ele é muito corajoso e já quer contar ao meu pai. Ele não está preparado para aguentar uma possível surra. — Aqui na sua casa, as chances de o tio Edu ver é mil na escala de cem. — Ele não vai saber. — Duda começou tirar algumas roupas do closet e jogar sobre a cama. — O Dudu não precisa saber de nada agora. — O que eu não vou saber Duda? — Eduardo abriu a porta e espantou as duas. Ele tinha se tornado um pai extremamente ciumento, mas no fundo era medo que a filha passasse pela mesma situação que a mãe havia passado nas mãos ele. — Por que você está em casa tão cedo? — Assustada, Duda voltou a

se sentar na cama. — Minha filha está fazendo dezesseis... — Eduardo analisou minuciosamente as duas. — Vim ajudar sua mãe com a pequena comemoração. O que eu não preciso saber? Duda sabia com quem estava lidando, ela tinha herdado toda a sagacidade do pai, ele não desistiria na primeira pergunta. — Poxa! — Nicole se antecipou. — Estávamos tão animadas organizando uma surpresa para você tio Edu, agora acabou a graça. As duas eram cúmplices em tudo. — Surpresa para mim? — Eduardo estreitou os olhos. — Sim, tio. O seu aniversário, não está perto? — Não. — Eita! — A morena olhou para a amiga. — Mas... a gente começa organizar festas antecipadamente, meu tio. Assim não precisa de correria, quando chegar o dia. — Certo... Então vamos fazer assim, eu vou fingir que não sei de nada e vocês organizam tudo. Pode ser? — Assim não tem graça meu tio! Você já estragou tudo. — Nicole levou uma cotovelada. — Mas vamos dá um jeito. Finge que esqueceu e fica tudo certo. — Não me lembro de mais nada. Vou lá à cozinha comer alguma coisa. — Eduardo caminhou até a porta.

— Vá sim, meu tio, os docinhos da festa estão todas sobre a mesa. Eduardo saiu do quarto e Nicole respirou aliviada. — Ele não acreditou nisso Nik. — Mas é claro que acreditou, fui convincente, sou boa nisso. Vamos nos preparar para a noite. Quero você deslumbrante. Ainda no corredor do quarto, Eduardo verificou se estava sozinho, puxou o aparelho celular do bolso e então selecionou um número. — Sérgio, sua filha acabou de mentir para mim. Ela e a Duda estão aprontando e vamos descobrir o que é. "Minha filha não faz isso, Edu. Nicole é uma anja". — Por favor, Sérgio, não vem com essa! São adolescentes e meu sonho acabou quando a Dudinha pediu para ser chamada de Duda. Nicole mentiu para acobertar a amiga, estão nos enganando. A coisa é grave. "Vou sondar a Nicole. Você acha que são os aproveitadores de filhas alheias?" — Se for, depeno pena por pena. A Suelen deixou tirar Nicole da escola? "Não" — Maria Fernanda também não. Mas vamos vigiar redobrado de agora em diante. Até a noite. *** — Você está ainda mais linda hoje. — Felipe sussurrou ao ouvido da

prima estava sentada sobre um dos bancos do jardim. Ela tinha fugido da festa de aniversário e Nicole ajustou aquele encontro. — Você demorou, precisamos ser rápidos Felipe. — Trouxe um presente para você minha bonequinha — Ele retirou do bolso da jaqueta um saquinho vermelho e começou puxar o cordão da borda. — O que é isso? — como sempre, ela estava curiosa. — Uma coisinha que mandei fazer para os seus cabelos. — Ele retirou do saquinho uma presilha. Duda percebeu que a joia era de ouro e pedras preciosas. — É muito linda, Lipe. — Ela segurou a joia frente aos olhos. — Mas é muito cara, gastou a mesada de dois anos aqui, não foi? — Você merece tudo — Ele alisou o comprimento dos cabelos loiros. — Vou colocar em você. — Felipe prendeu um dos lados do cabelo de Duda e deslizou a mão para fazer um carinho nas bochechas dela. Duda estava prestes a vivenciar um momento único e importante, teria o seu primeiro beijo com seu primeiro e único amor. Felipe, apesar de ser um ano mais novo que ela, já tinha namorado duas meninas mais velhas, antes de assumir o amor pela prima. — Te amo, Felipe. — Ela fechou os olhos, sentindo o primo muito perto. — Quero te assumir para todos.

— Vamos esperar até você fazer dezesseis. Já sabemos que todos ficarão contra nós, mas assim teremos mais segurança. — Se for para enfrentar tudo, vamos começar agora. — Felipe roçou os lábios nos de Duda. — Não! — Nicole se jogou no meio deles antes mesmo que o beijo fosse concretizado. — O que foi Nik?! — Duda se contrariou e afastou os cabelos do rosto. — Meu pai e o tio Edu —, Nicole colocou a mão no peito e tentou recuperar o fôlego que perdeu na pequena corrida. — eles estão no jardim. — Apontou com o polegar. — Duda se ajeitou rapidamente e Nicole simulou uma conversa paralela: — Pois é Felipe, aquela pessoa ganhou mesmo a presidência da turma. Eu não sei como isso foi acontecer, com certeza teve roubo de votos. Vou te contar, a corrupção está tomando... hã... a esfera mundial. Eduardo e Sérgio sorriram para os três e seguiram para outro lado do jardim. — Eu queria que ele visse. — Felipe falou enfezado. — Te amo, Duda. O tio Edu tem que aceitar isso. — Não seja tão corajoso. — Duda achou lindo o jovem nervosinho, mas precisava contê-lo. — Meu pai acabaria com você e sobraria até para a Nik. — Eu não! Sou uma menina obediente, minha mãe me daria

cobertura. – Nicole gargalhou. — Aqueles dois estão procurando um jeito de nos prender dentro de casa. — Nicole apontou com um biquinho nos lábios. — Felipe querido, que dificuldade em virar o príncipe? Melhor se contar com sua condição de sapo colega. — Vamos entrar. Não faltará oportunidade. — Felipe segurou a mão das duas. — Estou quase abandonando minha condição de cupido. A coisa aqui, não anda nem desanda. — Nicole entrelaçou o braço nos dois. *** Na manhã do dia seguinte, Duda chegou correndo à cozinha. Por mais que ela tentasse, não conseguia acordar cedo e vivia atrasada. — Por que você não programa o despertador? — O pai estava bebericando uma xícara de café. Ele sorriu ao ver a filha atrapalhada em mais um atraso. — Eu preciso acostumar meu relógio biológico, meu pai. — Foi o seu tio Thiago que mandou essa joia? — Eduardo tocou a presilha presa nos cabelos loiros da filha. — Não. Ele vai trazer meu presente de Taiwan. Foi o Felipe. — Seu primo, Luiz Felipe? — Eduardo parou a xícara, antes de dar o gole. — Ele sabe que eu não tenho medo do pai dele, não é? — Foi só um presente de aniversário Dudu, as pessoas ganham presentes, isso é normal. Eu tenho direito de ganhar um presente do meu

primo. — De agora em diante vou analisar essa relação de primo. Tome logo seu café, vou te deixar na escola. *** Eduardo estava com a filha no carro. Uma movimentação estranha no parque vizinho ao colégio chamou à atenção de Duda. — O que está acontecendo no jardim dos animais? — Ela perguntou curiosa. — Soube que vão limpar o local, para construir uma casa de jogos. Estão querendo prender os alunos da faculdade e escola depois das aulas. – Eduardo explicou enquanto estacionava seu carro. — Quem são os loucos? — Duda retirou a mochila do carro e fechou a porta. — Uma empresa de engenharia muito pequena e nova assumiu o projeto. Poderia ser coerente, se bem programado, mas parece que os investidores não estão preocupados com o impacto ambiental. — Eles não vão levar esse projeto adiante. Vou dar um jeito de expulsá-los e acabar com essa palhaçada! — Ela observou os homens de longe. — Não vá se meter em problemas. Você sabe como sua mãe é preocupada. Mas sei que você não vai desistir, então me informe tudo. — Duda! — Nicole apertou as bochechas da amiga, fazendo-a virar

o rosto de um lado a outro. — Bom dia, meu tio. — Felipe apertou a mão de Eduardo e recebeu o olhar desconfiado. — Bom dia garotão. — O tio apertou a mão do sobrinho com intensidade. — Vou indo, mas estou com os olhos bem abertos. Quando eu não estiver presente, pense o que eu faria se estivesse. — Olhou firme para o sobrinho que sorriu nervoso. — Você não está atrasado Dudu? — Duda puxou a mão de Felipe do aperto do pai. — Volto às doze. Eduardo beijou os cabelos de Duda ainda fitando o sobrinho. Em seguida entrou em seu carro e seguiu para a Moedeiros Engenharia, empresa que ele e a mulher tinham levantado do zero. — Estou muito atrasada, vou entrar. — Nicole olhou para o relógio que não existia no pulso. — Vocês ainda têm oito minutos de conversa antes da aula. — Nicole praticamente correu para dentro do colégio. A ruiva Alicia e sua melhor amiga se aproximaram do casal. A jovem era a líder organizadora dos constantes ataques zombeteiros que Duda sofria desde que foi matriculada naquela escola. — Bom dia, Lipe. — Alicia olhou para Duda, sorriu falsamente e beijou próximo aos lábios de Felipe. Aquilo fez Duda ficar vermelha de raiva.

— Me dê licença Alicia, Vamos Duda, estamos atrasados para a aula. — Felipe entrelaçou a mão com a prima e a puxou em direção à entrada do colégio. — É uma ridícula mesmo! Olha só como manca, Andressinha. — Mas ela é muito bonita, você sabe disso — a amiga falou despreocupada, mas logo consertou a postura. — Ela é manca, uma manca ridícula que se acha a rainha da beleza! — Alicia gritou próximo ao rosto da amiga, fazendo-a se encolher. — Eu sei, eu sei... ela é manca, não fique nervosa. — Vou acabar com esse namoro deles ainda essa semana. — Eu te ajudo, se você me ajudar com seu irmão. — Andressa recebeu o olhar debochado da amiga. — Por favor, Andressinha, o Luiz Miguel nunca olharia para você. De onde está tirando isso? — Mas ele estava me olhando. — Onde? Em seus sonhos? — Alicia riu debochadamente. — Não. Agora mesmo, do outro lado da rua. Antes de a manca entrar com o Felipe. — Andressinha, bobinha, pode ter certeza que não era para você que ele olhava. Luiz Miguel estava me vigiando, por estar perto daquela gente. — O Felipe também é um deles. — A amiga confrontou desapontada.

— Famílias inimigas, isso é um convite para uma avassaladora história de amor. Eu e Lipe seremos muito felizes juntos. — A ruiva idealizou. — Me ajude com Luiz Miguel e eu te ajudar com o Felipe. — A amiga tentou outra vez. — Por favor, não me faça rir. Luiz Miguel não olharia para você. Ele fez vinte e um, só gosta de mulheres experientes. Não se iluda, nunca vai rolar. — Ele é tão lindo... — Andressa suspirou. — Mas não é para você, então trate de olhar para outro. — Você é muito má, amiga. — Não querida, eu serei má, se você não tirar seus olhos de cima do meu irmão. *** — Que dó dos macaquinhos que vivem roubando nossos lanches... O que será deles? Aonde vão morar? Precisamos dá um jeito nisso Duda. — Nicole se deu conta, de que estava conversando sozinha quando presenciou sua amiga prestando atenção em algo do outro lado da rua. Duda analisava o homem alto e musculoso que acariciava as bochechas de Alicia. — O que está olhando? — Nicole sussurrou no ouvido da amiga, fazendo-a se assustar.

— Por que você faz isso Nik? Quer me matar do coração? — O irmão da azeda é um gato, não acha? — Não sei, nunca observei por esse ângulo. — Ele está olhando para cá daquele jeito estranho de sempre — Nicole disfarçou e começou ajeitar o cabelo da amiga. — Vamos! — Duda puxou a morena. — Meu pai está chegando eu não quero que eles se encontrem. — Você deveria contar o que a Alicia e as amigas dela fazem com você. — Só se eu quiser o Dudu sentado em uma das cadeiras da minha sala. A Alicia é a filha daquele homem. Você sabe a confusão que aconteceu anos atrás. Eu não quero causar mais problemas. — Tudo bem, tudo bem! Mas qualquer dia desses, eu juro que vou arrancar fios de cabelos ruivos na unha. — Nicole gargalhou. — Isso é muito infantil, mas eu queria ver, me julgue. — Duda também gargalhou. — Do que minhas princesas estão rindo? — Uma voz rouca e firme foi ouvida e logo as duas abraçaram o homem de terno. — Onde está meu pai? — perguntou Nicole. — Foi levar a Suelen para o ultrassom. Ele agora está chocando o ovo, não desgruda da sua mãe. — E quando ele desgrudou? — Nicole sorriu e Eduardo pensou mais

uma vez o quanto Nicole e Suelen eram exageradamente parecidas, sem precisar possuir vínculos sanguíneos. Era como se elas já existissem uma para a outra e só esperava o encontro. — Vamos, meu pai! — Duda puxou Eduardo no momento que viu Luiz Miguel ligar a moto. — O que foi Duda? — Estou faminta, Dudu. “E querendo evitar um confronto.” Ela acrescentou em pensamento. Luiz Miguel fez questão de passar devagar e rente ao carro de Eduardo. O ódio que ele sentia pelo chefe dos Moedeiros consumia seu coração e chegava arder em sua garganta. A responsabilidade pela desgraça em sua família sempre cairia sobre as costas daquele homem. Ele estava relutando para cobrar a dívida, pois ainda via seu objeto de vingança pouco atraente. Mas logo sugaria a presa e a levaria com ele para fazer a vida de todos os Moedeiros um verdadeiro inferno. Eduardo abraçou Duda e Nicole em instinto de proteção e esperou a moto potente sumir na esquina. — Vamos para casa. – Duda puxou Eduardo pelo terno. Ela não gostava de ver o pai com aquele olhar. *** — Hoje eu vi o filho do Junior. — Eduardo alisava os cabelos de Maria Fernanda, ambos estavam deitados no sofá da sala.

— Aconteceu algum conflito entre vocês? — Ela levantou o rosto para encarar o marido. — Não. Mas estou preocupado com minha filha tão perto dele. Aquele jovem carrega muito ódio de nossa família, eu posso sentir. — Duda estuda ali há dois anos, ele nunca tocou nela. Nada vai acontecer a nossa menina. Assim como não aconteceu em todas as tentativas de assassinato que o pai dele planejou contra você. Os filhos são diferentes do bandido do pai. — Vou ao shopping me encontrar com a Nik. — Duda desceu as escadas toda pomposa. — Vou chamar o motorista para te levar, agora estou namorando a sua mãe. — Ele já está me esperando. E não precisa se preocupar em me buscar, o tio Sérgio fará isso. Ela saiu deixando Eduardo sem palavras para debater. — Nossa filha tem juízo. Fique tranquilo. — Isso é o que me conforta. — Ele deitou a cabeça no ombro da esposa e tentou acalmar o coração. *** O motorista deixou a jovem no estacionamento externo e voltou para a casa. Duda seguiu caminhando na direção da entrada do shopping. Luiz Miguel estava de passagem quando a viu.

Ele já tinha esperado muito tempo. Apesar de a herdeira ser de baixa estatura, já não era tão criança, os seios fartos era a prova do seu desenvolvimento. Ali estava uma oportunidade ideal para dar início ao seu plano de vingança.

DOIS Luiz Miguel observou a jovem manipulando o celular. Os cabelos dourados e longos estavam muito lisos naquele dia. O vestido azul de corpinho justo e saia volante possuía finas alças e decote de modelo princesa valorizava o tamanho dos seios. A pele branca parecia ser muito macia, aveludada e certamente cheirosa. Duda não o atraía, mas ele não podia negar o quanto ela era bela. Os centímetros a menos de uma das pernas se perdiam diante de sua graciosidade e delicadeza. Cada pedacinho daquele corpo sentiria os seus toques em breve. Ele estava disposto a oferecer loucuras, antes de feri-la com seus propósitos de vingança. Mas agora, era a fase da conquista. Ele deu a volta para se aproximar dela, mas parou. Um carro de luxo estacionou ao lado da jovem baixinha e três homens fortes saíram do veículo. — Oi, gracinha... Duda olhou para os dois lados, guardou o celular e foi encurralada por um dos homens. — Vamos a uma festa particular? Eu, você e meus amigos. — O homem não estava disposto a ouvir "não" e usaria a força se fosse possível. — É melhor ficarem longe. E não pense que tenho medo de vocês! — Ela se desvencilhou com as pernas trêmulas. — Meu tio já está chegando.

É melhor saírem daqui. — O titio? Eu posso ser seu titio se você quiser gracinha... — o homem agarrou a cintura dela e tentou beijá-la. — Me solte! Ela chutou o meio das pernas dele e aproveitou a distração dos outros para correr o mais rápido possível. Seguiu para a rua, pois foi à rota de fuga mais fácil. Já na segunda rua atrás do shopping, ela sentou no paralelepípedo, pois estava exausta. — Não consigo mais... — falou sôfrega e iniciou uma massageando no tornozelo. Seu coração acelerou mais rápido no momento que sentiu o calor do motor perto de sua perna. — Suba! — Duda piscou duas vezes para assimilar se era Luiz Miguel. —Venha menina, suba! — estendeu a mão. Duda não sabia o que era pior, seguir com Luiz Miguel ou ficar a mercê dos desconhecidos que dobravam a esquina. Sem paciência, Luiz Miguel desceu da moto a puxou pelo braço e levantou com certa brutalidade. — Ei, amigo, chegamos primeiro, a gatinha é nossa. — reivindicou um dos homens. Insatisfeito com a reivindicação, Luiz Miguel virou-se para encarálo.

— Vão desperdiçar a chance de saírem inteiros?— perguntou. — Somos três, acho que alguém está em desvantagem. Os três riram e Luiz Miguel respirou frustrado, pois percebeu quão fraco eram seus adversários. — Vamos! — ele puxou outra vez o braço de Duda. — Cara, você me ouviu dizer que a loirinha tem dono parceiro?! Luiz Miguel largou Duda, caminhou até o homem e o derrubou com um único golpe. Os outros dois o enfrentou, mas não demoraram muito tempo acordados. Duda olhou tudo assustada. Ela não gritou, apenas tentou controlar a respiração. — Venha. — Ele subiu na moto e jogou no neutro. — Eu não tenho todo tempo do mundo. Suba agora menina. — Eu... eu agradeço... — Duda estava tentando controlar o tremor que tomou conta do corpo. — Muito obrigada pela gentileza, mas não vou com você. — Ela olhou para os homens e sorriu amedrontada. Luiz Miguel odiava sua família e tinha atacado três homens enquanto ela piscou os olhos. O que faria com ela? — Você quer ser violentada no meio da rua? — Você teria esse sangue frio? — Ela se abraçou. — Suba, menina. — ele falou sem paciência. — Obrigada pelo convite, mas preciso sair rápido daqui. — Ela deu

alguns passos, abraçada a bolsa e movendo os lábios em uma prece. — Você está em uma rua deserta, sobe na porra da moto! — ele gritou. Ela sentiu o medo dar uma trégua e inflou as narinas antes de voltar com os punhos cerrados e gritou: — Já disse! Não vou subir na sua porra! Ele se divertiu com o segundo sentido da frase, colocou o capacete, ligou a moto e saiu em alta velocidade. — Grosso, insuportável, vingativo! — Ela olhou para os homens no chão e tiritou, mas ouviu o barulho de carro e respirou aliviada quando percebeu ser a caminhonete de Sérgio. Ele e Nicole saíram do carro e correram até ela. — Tio Sérgio! — apertou a cintura do tio. Estava trêmula. — O que está fazendo aqui? Quem são esses homens? — Eles tentaram me levar, mas eu corri... Estou tremendo e com uma leve dor de barriga. — Sérgio procurou por evidências de violência no corpo dela, mas não encontrou. — Eles não fizeram nada comigo. — Quem fez isso com eles? — perguntou Sérgio. — Foi o Luiz Miguel! O filho daquele homem que o Dudu colocou na prisão. — O gato vingativo? — Nicole abraçou amiga. Sérgio foi até os homens, mexeu no bolso de um, olhou os

documentos, ligou para a emergência, depois colocou as meninas no carro. — Nunca mais vão sair sozinhas. — falou enquanto dirigia. — Agora o meu pai vai me trancar pelo resto de minha existência. — Duda começou uma pequena crise de choro, baseado na futura prisão em seu quarto, ameaça que Eduardo alternava com o colégio interno no Japão. — E eu vou revezar com ele a segurança de sua porta, pode ter certeza. *** Duda abraçou a mãe assim que a porta da casa foi aberta. — O que aconteceu? — Eduardo se assustou. — Três homens tentaram me levar para uma festa e tinham interesses, meu pai. — Te feriram, tocaram em seu corpo? — Eduardo verificou os braços da filha a procura de algum hematoma. — Estou bem Dudu. O Luiz Miguel bateu em todos eles. Eduardo olhou para Sérgio. — Ele mesmo! — Sérgio respondeu ao olhar. — Ele estava envolvido filha? — perguntou a mãe ao beijá-la. — Não sei. Ele espancou aquele homem muito rápido. — Ela apertou o abdômen. — Estou com dor de barriga. Preciso subir ou vou fazer coisas fora do lugar.

— Já passou minha princesa. Vai se ajeitar. — Eduardo liberou a filha que subiu as escadas correndo. — Onde está a Nicole? — Já deixei em casa. Quando eu cheguei, Duda estava sozinha e tinha três caras jogados no chão. Se apenas uma pessoa fez aquilo, é um profissional. — Talvez ele seja uma boa pessoa. — Maria Fernanda optou por acreditar na solidariedade do homem em proteger alguém em perigo. — Não meu amor, ele era um moleque quando me jurou vingança, no dia do julgamento do pai. Eu nunca vou esquecer aqueles olhos tão pequenos, mas carregados de ódio. "Pode demorar o tempo que for, mas eu vou vingar o meu pai! Serei o homem da casa de agora em diante e vou crescer para cobrar tudo o que fez a minha família." *** No dia seguinte, entre uma aula, Luiz Miguel recebeu um panfleto de um dos seus amigos. Eram informativas sobre um boicote contra as obras de construção da casa de jogos. Ele estava envolvido diretamente com o projeto. — Onde conseguiu isso, Marcos? — Luiz Miguel perguntou ao melhor amigo que estudava direito na mesma faculdade. — Uma aluna do colégio aí de frente está com um macaco enganchado na cintura, distribuindo.

— Besteira. — Luiz Miguel embolou o papel. — A menina parece uma dessas ambientalistas, e está sendo bastante convincente no discurso. — Uma pequena pedrinha. Não me preocupa. — Luiz Miguel sorriu sem humor. — A pedrinha é de uma família muito conhecida sua... Uma minazinha com cara de princesa, olho azul, peitos fartos e pegáveis, cabelos sedoso... Luiz Miguel largou o amigo, jogou o bolo de papel em uma lata de lixo e seguiu na direção da cantina. Ele ficou observando a cena de longe. Duda realmente carregava um filhote de macaco aranha. Em pouco mais de um minuto ela apressou os passos para voltar antes que começasse a próxima aula e se deparou com Luiz Miguel no meio do caminho. — Bom dia. — falou ao passar por ele. — Você está promovendo um boicote? —perguntou com os braços cruzados acentuando os músculos que estavam por baixo da camiseta preta. — Já organizei. — Ela estendeu um panfleto. Luiz Miguel se aproximou dela, olhou dentro dos olhos azuis e ignorou o informativo. — O que foi? — ela perguntou, pois ele se prolongou na imensidão de seus olhos.

— Não se intrometa no trabalho de gente grande menina, pode não ser saudável. —É uma ameaça? — Duda também o encarou. — Sou homem de agir, pequena. — Igual meu pai agiu ao prender o seu? — Duda se arrependeu das palavras, mas já era tarde. Os pensamentos saíam sem que ela os percebesse. Sua mãe tentou corrigir a falta de filtro na infância, mas nunca conseguiu a façanha. Luiz Miguel deu uma olhada aos arredores do jardim onde estavam, segurou no braço de Duda e a arrastou em direção à saída da faculdade. O macaco foi esperto, pulou do colo dela e correu na velocidade de um foguete.

TRÊS — Você está apertando o meu braço! — Duda tentou se soltar, mas a mão dele estava fechada com muita força. — Apenas saiu verdades da minha boca. — Tentou empurrá-lo outra vez. — Eu não sei como você está acostumado tratar as mulheres, mas comigo é diferente rapaz! — Ele continuou puxando-a — Ai! Espera, espera... — Ela sentiu uma fisgada no tornozelo. — Socorro! — Gritou quando foi encurralada contra a parede externa do muro. — Calada, Moedeiros. — ele falou entre os dentes e segurou a mão frente à boca de Duda. — Fazer o certo é muito lindo quando você pode enfeitar o cabelo com ouro e diamantes. — Ele visualizou a presilha no cabelo dela. — Você sabe quanto custa à mensalidade de sua escola?! — ele gritou. — E duas mensalidades?! Plano de saúde, comida, livros, roupas! Você sabe o valor mensal para isso?! Duda estava assustada e com os olhos elevados para consegui ver todas as reações faciais do homem. — Você está me apertando. — ela murmurou com a boca abafada. Luiz Miguel retirou a mão dela e virou as costas. — Não me julgue pelo dinheiro da minha família. Você também tinha dinheiro antes de seu pai... Ai, socorro! — gritou, pois ele voltou encostar o corpo nela. — Continue... — Luiz Miguel estava lutando contra o ódio e

execução do plano de sedução. — Você pode chegar só um pouquinho para lá? Sou uma anja purinha e não é certo você me fazer sentir saliências que lhe pertence no alto do meu estômago. — Ela tentou empurrá-lo, sem sucesso. — Não entendo a sua raiva. O meu pai vai ficar sabendo que me encurralou na parede. Luiz Miguel arranhou os dedos na garganta dela. Não usou força, apenas pressionou o suficiente para ameaçá-la. — Você acha que eu tenho medo do seu pai? — Agora ele esfregava a ponta dos dedos em busca de sentir a pele aveludada. O cheiro de Duda era tão errado e convidativo que ele trincou os dentes para não xingá-la pelos motivos errados. — Vai me asfixiar? — ela perguntou com o pescoço elevado e os dedos dele na garganta. — Estou sentindo dor no meu tornozelo. Sai da minha frente e não pense em apertar meu pescoço. O meu pai não tem culpa do seu ser um ladrão, você precisa entender isso. O problema era que Duda não segurava as palavras e o peso delas alimentava o ódio do homem. Ele tirou as mãos dela e se afastou, para conter a fúria e não fazer algo impensável. — Quero você e suas ideias conscientes longe do meu trabalho. — A casa de jogos é seu trabalho? — Ela sentou e esfregou o tornozelo. — Você ainda não terminou o curso, isso é ilegal. Está tudo errado... — A última frase saiu com um gemido de dor. — Você deve ser um mau caráter igual seu pai, só assim para entrar em um projeto tão errado.

Luiz Miguel respirou bem fundo. Ou ela gostava de provocar, ou era mais ingênua do que ele pensava. Quando ele virou Duda estava massageando o tornozelo. — Consegue andar? — ele perguntou assustado com a rapidez do inchaço. Avistou também a marca vermelha herdada com seu puxão, percebeu ter feito besteira. Aquilo não fazia parte do plano. — Isso não podia acontecer. — Os olhos dela encheram-se de lágrimas, pois sentiu muita dor. — Venha. — Luiz Miguel quis ajudá-la, mas Duda rejeitou. — Nunca mais toque um dedo sequer em mim, nunca te dei esse direito. — Ela se esforçou até consegui levantar. — Eu não vou contar ao meu pai, pois não quero vê-lo perder a cabeça e fazer uma besteira. Mas você merece levar uma surra. — Caminhou com dificuldades. — Agora eu faço questão de acabar com aquela obra. — Saiu deixando Luiz Miguel olhando-a até entrar no portão da escola. — O que foi aquilo Luiz Miguel? — Alicia, a irmã, presenciou parte do acontecimento, mas só deu às caras quando Duda passou pelo portão. *** Duda estava deitada em sua cama e sua tia Luíza aplicava injeção analgésica em seu braço. — Você precisa ter mais cuidado moça. Agora vai ter que usar a bota ortopédica por alguns dias. — Eu já falei tanto, mas ela prefere me desobedecer. — Eduardo

ajeitou o lençol que envolvia a filha. — Vou ter mais cuidado meu pai... — Ela fechou os olhos, em busca de alívio para a dor. — Isso nunca mais vai acontecer. — Está com frio? — perguntou o pai estranhando a blusa de mangas compridas que ela usava. — Acho que estou com febre. — Duda tinha colocado aquela blusa quando chegou do colégio. A intenção era esconder o hematoma, que certamente não passaria despercebido pelo pai. — Não é febre, o frio pode ser psicológico. — Luíza guardou seus equipamentos médicos. — Trouxe uma sopa — Maria Fernanda colocou a bandeja aos pés da cama e sentou ao lado da filha. — Eu pensei que quando você crescesse as coisas seriam mais fáceis Dudinha. Mas à medida que aumentou a idade, a teimosia também ficou maior. Você sabe das suas limitações, precisa parar de tanta correria. — Vou ter mais cuidado maman. Por favor, não me trate como um bebezinho. Já cresci bastante. — Cresceu? — Eduardo sorriu inconformado. O pai tinha ficado preocupado e largou a empresa para ir ver a filha em casa. — Você não é um bebê, mas é minha filha, e você só vai para escola na segunda-feira, vai ficar essa semana descansando em casa já conversei com a coordenação.

— Não mesmo. Marquei o boicote para sexta. E quero sua ajuda para fornecer o contato daquela sua cliente que trabalha no jornal matutino. *** Já era sexta feira, antes das oito da manhã e uma multidão de alunos estavam com cartazes e faixas, frente à entrada do parque verde, conhecido por todos como jardim dos animais. — Vamos fazer uma chamada ao vivo e vocês duas serão entrevistadas. — A jornalista instruiu Duda e a Alicia. Uma falaria os prós e a outra os contras. Nicole incentivou os alunos a começarem o grito de ordem, Felipe e companhia estavam a frente com tambores e caras pintadas. — Estamos aqui próximo à escola particular Adam Carmim e a faculdade de tecnologia e ciência Sam Argutos, onde boas partes dos alunos se organizaram contra o projeto de construção de casas de jogos. Essa turma está pensando além de capitalismo ou diversão, eles estão lutando a favor da proteção dos animais. Aqui vive esquilos, macacos, periquitos e uma diversidade de plantas. Vamos conversar com Maria Eduarda, uma das organizadoras do boicote. — O microfone foi direcionado a Duda. — Maria Eduarda, qual a sua posição em relação ao projeto? — O jardim dos animais já existia antes mesmo da faculdade e do colégio. Tudo isso aqui fazia parte do habitat natural deles. O jardim já foi reduzido com os dois prédios, mas o cantinho deles ainda abrigam essas espécies. Agora surgiu uma gangue que deseja acabar com o que sobrou. O

objetivo do boicote é acabar com essa ideia criminosa e proteger os seres indefesos. — Então você afirma: quem lidera o projeto é um criminoso? — Movida por sua natureza sensacionalista, a jornalista quis tornar aquela entrevista mais excitante. — Colocar todos esses animais fora de seu meio, é sim, um crime gravíssimo contra a vida. — Duda afirmou. — Espera aí! Eu quero falar! — Alicia se colocou frente às câmaras. — Alicia Azevedo, outra aluna da escola, contrapõe a ideia da maioria. Vamos ouvir a opinião dela sobre o assunto. — O microfone foi estendido para Alicia. — Quero dizer a todos, que meu irmão não é criminoso. Ele é um promissor engenheiro e a empresa dele está fazendo um projeto consciente. — Então, o seu irmão é o responsável pela obra de destruição do parque? — perguntou a jornalista. — Uma equipe de investidores iniciou um grande projeto, que vai trazer renda para a cidade, ele não vai destruir, e sim beneficiar. Meu irmão é dono da empreiteira e está à frente do projeto. A jornalista deu o direito de resposta para Duda. — A vida desses animais vale mais que qualquer capitalismo desmedido. Eu quero perguntar a vocês que estão em casa, se é o desejo de todos, terem filhos viciados, que deixam as tarefas e os compromissos acadêmicos para se enfiar em salas de jogos ao lado da escola?

— Uns macacos ladrões, que só servem para roubar nossas merendas! — Alicia completou. — Defende sua tese melhor. — Nicole gritou e promoveu gritos dos demais. — Acabei de ganhar mais cinco minutinhos ao vivo. — A jornalista estava afoita, pois foi avisada que a audiência estava subindo. — Eles roubam sim! — Duda esclareceu. — Roubam mesmo! Fazem isso, pois esse é o habitat deles. Nós somos os invasores. Pensem, meditem e entrem nessa luta conosco pela vida e liberdade desses animais. — Duda levantou uma das mãos com o punho cerrado. Todos os alunos intensificaram o grito de ordem e foi impossível continuar a chamada ao vivo. — Arrasou! — Nicole abraçou a amiga e juntas comemoram a vitória. — O Luiz Miguel não vai gostar nada disso queridinha. — Alicia tentou intimidar Duda. — Ah, não? E onde está ele? Ficou com medo do meu pessoal? — Duda falou ácida e bateu a uma mão contra a outra. — Ele tem motivos para não está aqui! Mas não pense que vai ficar barato. Pelo visto, além de manca, foi burra quando se meteu no caminho do Mimo. — Mimo? — Duda desacreditou que aquele apelido fosse para Luiz Miguel.

— Cala a boca, manca, doente! — Alicia empurrou Duda. — Você falou o quê Alicia? — Felipe pegou a conversa no fim. — Ela me provocou Lipe, ela vive me provocando. — Alicia choramingou. — Não sei qual o motivo para ser tão mesquinha Alicia. — Felipe segurou a mão de Duda. — Sempre tentando confrontar, intimidar, humilhar. Essa foi à última vez, que você fez isso com a Duda. Você deveria estudar ou se ocupar com qualquer outra coisa para deixar de ser tão vil. Os olhos de Alicia encheram-se de lágrimas. Ela amava Felipe, amava muito. Toda vez que ele defendia Duda, sentia uma bofetada na face. Foi com o loiro que ela compartilhou os primeiros beijos, aos dez anos. Depois de alguns anos de paixão adolescente, ela descobriu que Felipe estava interessado na prima e seus sonhos de infância foram quebrados. A ruiva saiu em direção ao colégio. Foi rápida para não chorar ali, na frente de quem julgava ser sua maior rival. — Você tem ganhado muitos pontinhos comigo Sapinho. — Nicole entrelaçou o braço em Felipe. — Você está bem Duda? Não quero que dê ouvido às ofensas da Alicia. — Felipe fez um carinho acolhedor no rosto da prima. — Ela só falou a verdade, mas vamos esquecer isso. — A jovem disfarçou seu sentimento de insegurança. Ouvir as ofensas de Alicia a deprimia, mas ninguém precisava saber.

— Vamos comemorar minha gente! Um ponto para os macaquinhos. — Nicole gritou puxando os colegas para uma algazarra. Duda salvou o número de contato da empreiteira que estava na placa frente à construção. *** Na volta para casa, Eduardo pegou Duda dentro do ônibus escolar. Ele estava preocupado com o pé machucado da filha. Fazia questão de buscála por aqueles dias. — O que está aprontando agora? – o pai perguntou ao ver o sorriso satisfeito da filha. — Estou contente com o resultado do primeiro boicote. — Estive pesquisando, a Águia engenharia acabou de ser montada. O filho do Junior é realmente o dono, mas ele não vai assinar a planta. Contratou um engenheiro, certamente de fachada. Foi uma sorte pegar um projeto tão grande, sem conhecimento nenhum no mercado. Eu, se não tivesse com o dinheiro que eu e sua mãe herdamos de minha tia, não teria começado tão bem. — Vocês já vão fazer nove anos de casados. Bodas de cerâmica. Precisamos ver a festa, Dudu. — Dezenove. Eu conto desde que vi minha ferinha pela primeira vez. Cabelos longos, olho esbugalhado... Vestido que cabia ela e eu dentro. — E ela era bonita? — Duda já sabia a resposta, mas achava linda a maneira em que o pai elogiava sua mãe. — O quê? É uma beleza absurda. Até hoje, eu juro que não consigo

achar um defeito nela. Só quando ela fica naqueles dias e às vezes, se irrita e quer me colocar naquele sofá, eu tenho um ódio mortal daquele sofá do quarto. — Eu não entendo porque ela se irrita tanto. — Sou insistente, faço propostas em cima da hora e... é melhor esquecermos esse assunto. — Hoje é dia de sopão nas comunidades. Meu pé não está legal, mas eu não quero faltar. — Vamos sair mais cedo, filha. Quero voltar antes das dez para casa. Sua mãe anda muito sobrecarregada na loja, com sua tia de licença. Vou dedicar mais tempo a ela. Há alguns anos, Eduardo havia assumido um projeto de assistência social. Ele e sua equipe de voluntários, faziam aquele trabalho todas as quartas e sextas-feiras. Levavam cobertores, vestes e servia alimentos os moradores de ruas Sua família e a do amigo Sérgio, eram responsáveis por boa parte da produção do café da meia noite. Duda digitou uma mensagem no celular e enviou para o número que pegou na placa. Sorriu satisfeita com o recado. *** Luiz Miguel saiu do banho e pegou o celular para conferir as mensagens. Naquele dia, ele tinha faltado a aula, pois passou o dia resolvendo problemas burocráticos, correspondentes aos funcionários contratados para sua empreiteira.

Hoje foi apenas o começo!!! By: Maria Eduarda Moedeiros. — Droga! O tal boicote. Alicia! — ele gritou pela irmã. Alicia entrou no quarto do irmão mais velho, acompanhado por Heitor o irmão caçula, de nove anos. — Vai sair Mimo? — Quando não? Mas o que aconteceu quando estive fora? — A manca fez o boicote e chamou o pessoal do jornal. Posicionouse contra o seu projeto na frente de toda a cidade e ainda teve ajuda de todos da escola. — E mais o quê? — Luiz Miguel colocou uma camisa. — Ela conseguiu o apoio de vários estudantes de sua faculdade! Onde você estava que deixou isso acontecer? — Isso não é preocupante. A sociedade não vai preferir um parque inútil a uma fonte de renda para a cidade. Essas ideias são boas no papel, mas na prática não vale de nada. A população é movida pelo capitalismo. No fundo, o que todo mundo quer é dinheiro, independente se vai ferir o meio ambiente ou não. — Eu te defendi ao vivo e fui muito bem. — Obrigada. — Luiz Miguel beijou a testa da irmã — mas quero você longe dos meus assuntos. Vá ajudar a mamãe. Vou sair e volto antes do amanhecer.

Luiz Miguel pegou a jaqueta, o capacete e as chaves.

QUATRO Duda estava ao lado da mãe, distribuindo quentinhas em um bairro carente da cidade. Aquele já era o terceiro bairro só aquela noite. Eduardo e alguns moradores de rua escutavam Sérgio tocar seu violão, enquanto tomavam caldo, para aquecer a noite fria. A jovem já tinha percebido movimentação em um dos prédios antigos daquela praça. Várias pessoas entravam ali, na sua maioria homens. — Maman, não é curioso tantas pessoas entrando e demorando lá dentro daquele prédio? — Apontou para a construção. — O que você acha que funciona lá dentro? Se fosse uma festa, teria música alta. — Não sei, mas não fique olhando. Os moradores vão achar que estamos vigiando. — Eu não estou aguentando de curiosidade maman. Não sabe como isso é difícil. Eu posso ir até lá? A mãe também fixou os olhos no prédio. Ficou curiosa, mas precisava ser sensata. — Você acredita mesmo que eu permitiria isso Duda? — Não. Mesmo assim eu quis tentar. — Fique com seu pai. Vou ficar de olho em você. De olho nos dois. Duda deixou a mesa das comidas e se juntou ao pai. Eduardo estava

sentado no chão, sobre cobertores. O olhar dela seguiu na direção do mesmo prédio e levou um choque, quando viu a Ninja H2R estacionar na frente do edifício. Duda se agitou. Olhou para o mosquitinho que tentava tocar o seu nariz e desejou ser ele, só para espiar lá dentro. Ela observou Luiz Miguel descer da moto, travar o alarme e entrar no prédio. Antes do portão de aço ser fechado, ela viu um homem, negro e forte, que parecia guardar a entrada de intrusos. — Meu pai, o que acha que funciona do outro lado da rua? — Pela quantidade de homens que entraram lá... talvez uma dessas casas de prostituição. — Prostitutas? Tem certeza Dudu? — Não filha. Só estou supondo. — Então, se sua... hã... Suposição estiver certa e aquela for uma dessas casas de mulheres fáceis. Por que um homem de bela aparência pagaria por mulher, se ele tem capacidade de conseguir sem dinheiro? — Essa conversa está estranha Duda. — Só quero uma observação pela visão masculina. — Bem... nem sempre eles têm a paciência de esperar chegar à mulher certa. E vai vivendo clandestinamente. Nem todo mundo tem a sorte de encontrar uma mulher igual sua mãe, direita e boa de ca... que... saiba ser igual ela. Eu não sei outro exemplo melhor. Só sei o motivo para eu não

aprontar, isso eu não posso esquecer. — Você tem medo até de um pensamento onde a maman não esteja presente. Ela fez um bom trabalho. — Já aprontei nessa vida, Duda. É uma honra tê-la ao meu lado. Sou um homem de sorte. — Eu vou colocar meu futuro namorado logo na linha. Vou começar de cedo. — Que conversa é essa? — Eduardo encarou a filha. — Eu não estou preparado para isso. — É só um pensamento, meu pai. — Já tem alguém em vista? — Eduardo fechou os olhos e pensou alto. — Por favor, não tenha. — Esquece isso Dudu. Foi só um pensamento. Vou ajudar a maman, ela está muito cansada. — Duda levantou, olhou novamente para o prédio e voltou à mesa dos alimentos. *** Era manhã de sábado, Luiz Miguel tinha chegado atrasado à reunião extraordinária, marcada pelos investidores da casa de jogos. — Devido a grande repercussão negativa que o nosso projeto está tendo na cidade, teremos que fazer alguns ajustes e incluir a casa de jogos dentro do parque sem precisar acabar com ele. — Um dos investidores pronunciou.

— Não haverá espaço suficiente para todas as salas. — Luiz Miguel esclareceu a situação. — O que não podemos é comprar briga com os órgãos ambientais, três deles me ligaram ontem querendo parecer do projeto. — O projeto está todo correto. Poderíamos deslocar esses animais para outro lugar. — Luiz Miguel buscou a solução. Ele perderia para refazer. — Aqueles moleques jogaram pesados quando chamaram o jornal de mais audiência. Estamos sendo pressionados e sem saída. — Podemos convidar a mocinha que estava na linha de frente para fazer parte do projeto. — Outro investidor deu a ideia. Luiz Miguel sorriu com tamanho absurdo. — Sim. Vamos usá-la de fachada diante a mídia e conseguir credibilidade com a população. Ela pode trabalhar sendo estagiária. Inserimos um ou dois jardins no meio da planta e tudo vai se acalmar. Depois damos um jeito de matar os macacos, sem que percebam. — Dois coelhos com uma cajadada só. — Luiz Miguel falou alto. A ideia não era de tudo ruim. Ele ficaria próximo a Duda ainda pegaria o primeiro projeto de sua empreiteira. — Vou providenciar isso agora mesmo. *** Duda estava no shopping da cidade, dentro da loja de moda feminina da sua mãe e tia. Quando as atividades escolares não estavam tão corridas, ela ajudava como vendedora.

Ela terminou de atender uma cliente, pegou o celular no bolso, pois tinha sentido a vibração e viu a mensagem do mesmo número que ela mandou a mensagem afrontosa. Luiz Miguel: Estou te esperando no estacionamento do shopping. Luiz Miguel. Ela começou roer as unhas com a chegada da curiosidade. Duda: Não vou. Luiz Miguel: Preciso te ver e falar com você. “Que afronta! Posso morrer de curiosidade, mas não vou.” Pensou ao morder as unhas. — Maman, eu vou ali na praça comer alguma coisa, volto depois do almoço, beijo. — Saiu da loja sem olhar para trás. Ela caminhou devagar, pois ainda estava com a bota ortopédica, antes de entrar no estacionamento, mandou uma mensagem avisando sua loucura para a curiosa Nicole. Ela só ia espiar de longe, nada de encontrá-lo. Luiz Miguel viu a jovem abaixada, andando atrás de alguns carros. Ele ligou a moto e seguiu devagar até chegar por trás. Buzinou atrás dela. E ouviu o grito agudo. Ele tirou o capacete, travou a moto e desceu. — Não estou aqui por sua mensagem. — Ela deixou claro.

O olhar de Luiz Miguel estava em qualquer ponto menos no rosto de Duda, naquele momento, ele estava se esforçando para seguir seu plano. — Vamos! — puxou-a pelo braço. — É o quê?! Não vou a lugar nenhum! — Duda tentou se soltar, mas de nada adiantou. — Precisamos conversar menina, e não quero que seja aqui. Vamos dar uma volta de moto. — Não vou subir aí! Me solta! Duda queria muito andar naquela moto, mas ele não precisava saber. — Você falou o quê para sua mãe? — Não importa. Eu vou gritar. — Te trago antes do almoço. — Não! Meu pai vai saber e não vai gostar nada. Me solta. — Quantos anos você tem! Está na hora de assumir suas responsabilidades sem precisar do papai! — Você vai marcar meu braço outra vez. Luiz Miguel respirou fundo, tirou a mão do braço dela e segurou na mão. — Me desculpe, não vou mais apertar sua pele transparente. Agora, vamos conversar em outro lugar. Eu tenho novidades sobre o Parque dos animais.

— Se o Dudu descobrir isso, ele vai me prender por dois anos dentro do quarto. Não vale a pena. — Pois, então não conte. Agora venha. — Ele montou em sua Ninja. Duda observou a moto e mordeu o lábio. Estava perdida entre a curiosidade e o medo. — O quê? Nunca subiu em uma moto? — Luiz Miguel sorriu sem paciência. — Não consigo subir com a bota. Tampouco sem, eu acho. Duda abaixou os olhos, lutando para afastar o sentimento de inutilidade que às vezes apontava em seus pensamentos. Luiz Miguel se deu conta do que estava acontecendo. Ele sentiu fragilidade na maneira que ela olhou para o chão, no modo que enrolou os cabelos e jogou para trás, querendo disfarçar o incômodo das palavras. Aquele simples gesto o fez entender que ela era mais frágil que ele imaginava. — Tudo bem, eu te ajudo. — Desceu da moto — Se apoie em mim. Só não vou te colocar de lado, pois sou amante da velocidade e não quero te derrubar. — Você não quer? — Por que eu derrubaria você da moto, menina? Acha que sou sádico ao ponto de me satisfazer com sua dor. — Para o seu bem, é bom você não ser essa palavra feia. Estou louca

por aceitar subir na sua moto. — Segure no meu ombro, isso vai facilitar. — Duda ficou olhando para a moto criando coragem para se apoiar nele. — Venha! — Pegou a mão de Duda e sentiu a maciez no toque. Suspendeu a mão da jovem e colocou em seu ombro — Coloque força na outra perna. — Duda se esforçou e conseguiu subir na Ninja. Luiz Miguel pegou seu capacete, virou o tronco e prendeu na cabeça dela. Evitou olhá-la nos olhos, mas Duda não se importou de fazer o oposto. — Não tem um para você? —Vamos cortar caminho por onde não tenha radares. — Se nunca andou em uma moto e melhor se segurar. — Pegou as mãos dela e deu a volta em sua cintura. — Aperte, eu gosto de correr. — Saiu pilotando em alta velocidade. Duda ficou todo o percurso segurando firme na cintura de Luiz Miguel. Ela sentia uma leve emoção pela aventura que estava vivendo. Ao mesmo tempo sentia um aperto no peito, um medo doloroso pelo desconhecido.

CINCO Luiz Miguel estava pilotando muito rápido, aquilo era a forma de descontar a raiva e o ódio que há muitos anos estavam entranhadas em seu coração. Ter a herdeira dos Moedeiros tão perto, conflagrava a sua sede de vingança. Ele tinha provas que responsabilizava Eduardo Moedeiros como o mandante do assassinato de seu pai na cadeia. Sem tardar, todos eles pagariam pela desgraça em sua família. Quando era mais jovem, a consciência de Luiz se confrontava com seu ódio, pois tinha muito pena da fragilidade da herdeira miúda. Mas agora, a pequena Moedeiros já não era tão criança. Ela estava saindo sem os pais e se tornando independente. Era o momento ideal, ele só precisava controlar sua cólera, a fim de iludir o frágil coração que pulsava desgovernado agarrado às suas costas. A moto parou dentro do parque, no meio das árvores. Luiz Miguel auxiliou a descida de Duda e manteve seu olhar sempre fora do campo de visão dela. — Por que estamos aqui? — Foi a primeira pergunta dela. — Foi aqui que tudo começou, não foi? — Ele se referiu ao protesto. — Não. Tudo começou ano atrás, quando alguém cometeu alguns delitos, munido de inveja e despeito. — Duda o entregou o capacete.

Luiz Miguel rangeu os dentes e buscou controle mais uma vez. Poderia não ser provocação e sim ingenuidade. Se relevasse, o coração dela estaria em seu comando mais rápido. — Com esse olhar de ódio, até parece que vai me enterrar debaixo de alguma dessas árvores. Fale logo o que quer e abandone qualquer pensamento em querer me espancar. — Duda prendeu o cabelo em um nó no alto da cabeça. Aquele movimento despercebido acabou chamando a atenção de Luiz Miguel. De cabelo preso ela aparentava ser mais velha. — Eu nunca bati em uma mulher. — Ele desviou olhar para as árvores. — Por que eu faria isso com uma criança? — Se a criança sou eu, isso aqui em meu tornozelo se enquadra em agressão física. — Não sou o culpado disso. — Ele olhou na direção do pé dela. — Você já era assim. — Sou frágil fisicamente, Luiz Miguel, mas meu tornozelo inflamou por sua culpa. Você me puxou com violência. Duda sentiu um nó se formar em sua garganta, mas o empurrou. Ela não deixava transparecer, mas não era fácil lidar com o preconceito. Luiz Miguel tinha acabado de usar um tom grosseiro ao falar de sua perna. — Suas ideias são boas, quero que trabalhe comigo no projeto do Parque verde. — Como? Você quer acabar com o parque, eu quero proteger. Qual

a lógica? — Vou reabrir a planta, quero sua supervisão para não extinguir o parque. Duda estreitou os olhos desconfiados. — O que pretende com isso? — perguntou fazendo suas análises. Ele quer alguma coisa a mais. — Continuar meu trabalho, mas de uma maneira consciente. O que essa menina está pensando? Pensou. — Vou querer me meter em tudo, você vai aceitar isso? — Começa segunda. — Luiz Miguel sorriu internamente, aquela era à aproximação que ele queria. — Se o Dudu permitir... ele vai ficar muito orgulhoso de mim. — Esse é o seu pai? — O meu pai, o Dudu. — Por que chama ele assim? — Dudu, meu pai... Acostumei a chamá-lo assim. Ele gosta dos dois jeitos. Luiz Miguel se lembrou do pai. Já tinha passado muitos anos sem ele e não suportava aquela falta. Mas precisava evitar aqueles pensamentos, pois precisava ser frio. — Você não precisa contar a ele. Não de imediato. — Luiz Miguel

sabia que Eduardo não permitiria. — Eu vou contar sim! — Duda falou desaforada. — Se não for assim, eu prefiro ficar contra seu projeto e de qualquer maneira a favor dos animais. Onde já se viu, acha que tem condições de me pedir para mentir? Você está começando errado grandão. Luiz Miguel observou o desaforo da baixinha e contrariou-se por dentro. Duda sentou em uma das pedras, seu intuito era aliviar a dor que já tinha começado a pingar em seu tornozelo. Ela abriu a bota para descansar o pé. — Você não quer trabalhar para defender o espaço dos animais? — Ele não poderia desistir. — Sempre vou defender. E posso conseguir mais rápido ficando contra o seu projeto. Luiz Miguel trancou os dentes, irado. A menina aparentemente fraca era cheia astúcia e não seria fácil persuadi-la. Ele tinha que pensar rápido, precisava virar o jogo. Sua cartada estava pronta em todos os detalhes, mas ali vendo Duda com opinião formada teve suas estratégias frustradas. Pensou em uma maneiro rápida de manobrar aquela situação. Então, caminhou até ela, abaixou em sua frente e terminou de tirar a bota ortopédica. — Ei, o que pensa que está fazendo? — Duda o questionou. — Tenho um jeito melhor de resolver isso. — Ele se ajoelhou ali no meio das folhas secas e começou massagear o tornozelo da jovem.

Duda sentiu o toque dele e se calou, ele parecia ter experiência no que estava fazendo. A massagem que ela ganhava estava mesclando entre a dor e o alívio. Ficou ali, o analisando, olhando suas feições. Ele estava sério, parecia não ter sentimento algum. O que tinha acontecido com Luiz Miguel para carregar tanto ódio e rancor? — O que tem de mal-educado, tem de bonito. Essa massagem é tão boa... Se o Dudu me perguntar, eu não vou conseguir esconder... hum, mas está tão boa... Luiz Miguel deixou um sorriso escapar e Duda percebeu que não estava pensando e sim falando. Ela pigarreou e olhou para cima. — Assim está melhor? — Luiz Miguel olhou o nariz dela empinado e seus olhos sorriram. — Não é grande coisa. — ela desdenhou. — Onde aprendeu a fazer isso? — Com a vida. Tudo que eu aprendi foi com a vida. — E para quê precisava fazer massagem? — Ela desceu os olhos e o questionou. Luiz Miguel respirou fundo, aquela menina tinha muitas peculiaridades contraditórias a sua aparência. Impertinente faladeira e atrevida. A cota de Duda já estava extrapolada. — Você já nasceu assim? — Ele decidiu mudar o rumo da conversa. Ainda estava massageando o tornozelo dela.

— Foi uma infecção no osso, quando eu era um bebê. — Você já está com quantos anos? — Ele quebrou o contato visual e perguntou algo que ele já sabia. — Acabei de fazer dezesseis. — Você é da idade da Alicia, mas a Alicia parece ter dezesseis, você não. — Minha maman teve um parto prematuro, meu desenvolvimento foi em uma incubadora. — Maman? — Eu nasci na França e vivi até os sete anos. — Uma francesinha... Duda identificou um pequeno sorriso nos lábios dele, mas logo o rosto tornou duro e tenso como antes. — Eu lembro quando você ainda não era tão rancoroso, Luiz Miguel. Por que mudou tanto? Luiz Miguel também se lembrava de Duda pequena, em uma das festas do mundo empresarial de seus pais. A menina gordinha de bochechas avantajadas, andando de quatro, com sua calcinha de babado, seguindo atrás de uma ratazana doméstica. Anos depois ele continuou espiando Duda, de longe, pois seu coração vingativo maquinou aquela vingança desde os quinze anos. — Não pense que você vai me comprar com uma massagem. —

Duda trouxe Luiz Miguel à realidade. — Você já foi gentil comigo no passado, é bom continuar. Vamos relevar essa coisa do seu pai ter sido um criminoso que tentou contra a vida do meu pai. Somos a segunda geração. Os erros do passado devem ficar lá. — Cala a boca... — Ele fechou os olhos e respirou fundo. — É o quê? — Cala a porra da sua boca! — Ele largou o pé de Duda de qualquer jeito, levantou e ouviu o grito fino. — Você é louco! Agora eu tenho certeza. — Ela encolheu a perna e colocou a mão sobre o inflamado. — Meu pai estava pagando os erros, quando lhe tiraram a vida. — Luiz Miguel pegou o capacete e subiu na moto. — Ah, pronto! Não me diga que você acusar o meu pai por isso. — Duda levantou e caminhou com um pé descalço. — Vai... vai me deixar aqui? Luiz Miguel nem a olhou. Ele ligou a moto e partiu em alta velocidade. — Não! Isso não está acontecendo. Ele não fez isso. — Duda expulsou o ar de dentro dos pulmões com um assopro. — Sim, ele fez e eu mereço. Ela puxou o celular e viu que apenas um ponto anunciava o fim da bateria. Rapidamente digitou uma mensagem para Nicole, mas não teve certeza se foi enviada, pois as luzes azuis do celular se apagaram antes mesmo de uma verificação.

Duda entrou em desespero. E quem não entraria, por ser abandonada no meio de um parque fechado e deserto? Vinte minutos depois, ela já estava fora do parque e caminhava na rua de seu colégio, quando um táxi parou ao seu lado. — Moça, foi você que pediu um táxi? – perguntou o motorista em uma jogada para conseguir passageiros. — Graças a Deus! Você pode me levar na rua das palmeiras? — Entre. — O homem saiu e abriu a porta do passageiro. — Obrigada. Não sei o que seria de mim, se não tivesse aparecido. — Ela esticou a perna sobre o banco. — Aconteceu alguma coisa moça? — o taxista perguntou já dirigindo o veículo. — Só estou com dor em minha perna, preciso chegar logo em casa e tomar meus remédios. O choro de Duda estava preso na garganta, ela esperaria chegar a seu quarto para desabar sobre a cama. *** Luís Miguel estava no terraço de sua casa, que ficava em um bairro periférico da cidade. Ele descontava a raiva em um saco de boxe. Não deveria tê-la abandonado, mas o descontrole no momento o dominou. Tinha falhado. — Eu preciso controlar esse ódio — Vários socos eram deflagrados — Ou vou acabar colocando tudo a perder.

Samanta, mãe de Luiz Miguel estava no início da escada e estranhou a fúria do primogênito. — Filho... — Mãe... — Ele suavizou o rosto diante da mãe. — Por que não dormiu em casa ontem? — Eu tinha umas coisas para resolver. — Luiz Miguel coçou a cabeça, envergonhado. — Quanto vou ver meu filho criando juízo? Você está se protegendo? Eu sou muito nova para ser vovó, Mimo. — Eu não sou irresponsável a esse ponto mãe, fica tranquila que não vou engravidar qualquer uma. — falou de costas, envergonhado pela conversa. — Que corte é esse Mimo? — Samanta tocou as costas do filho. — Foi um dia desses. Estava distraído e acabei vacilando. — Já falei que não quero você fazendo isso! — Eu preciso mãe, como vamos pagar as despesas? Eu não me importo em me machucar, sou forte e sempre estou pronto para outra. Não se preocupe comigo, já sou homem. Por favor, cuida da Alicia e do Heitor, não se preocupe comigo, eu me viro. — Não me peça isso filho, eu nunca daria mais cuidado a um e menos ao outro. — Só não se preocupe comigo. Eu estou resolvendo as coisas da

melhor maneira. *** Na manhã do dia seguinte já era domingo. Duda estava deitada na cama e Eduardo sentado ao lado. O pai estava muito preocupado. — O inchaço aumentou Duda. Sua mãe tem razão, não vamos deixar você sair, até se recuperar. — Eu vou ficar bem, meu pai. Só preciso descansar. — Vou à reunião da ONG com a sua mãe, não saia dessa cama. — Para onde eu iria? — Aqui está tudo que você precisa filha. — Maria Fernanda entrou no quarto carregando uma bandeja com alimentos e água. — Vão logo, não quero que cheguem atrasados por minha culpa. —Vou ligar a cada meia hora. — A mãe beijou a filha e arrastou o marido para fora do quarto. Meia hora depois, Duda estava muito distraída, olhando suas redes sociais, quando seu coração acelerou ao ver a figura de Luiz Miguel na porta de seu quarto. — Como entrou aqui? — Pela porta. Ela pegou o celular, selecionou o número da mãe e ligou, mas Luiz Miguel tomou o celular e encerrou a ligação.

— Quietinha! Ninguém precisa saber que estou aqui.

SEIS — Socorro! – Ela se esperneou e tentou se desvencilhar dele. — Calada! — Luiz Miguel pressionou a mão sobre a boca dela. Mas Duda continuou se debatendo e o empurrou da cama. — O que faz em minha casa?! Alguém me ajude! Ele levantou ligeiramente e a viu se encolher próximo a cabeceira da cama. — Não tem ninguém neste andar, já me certifiquei. Mas olha o que eu trouxe... — Ele tirou uma fita adesiva do bolso do casaco — Um presentinho para deixar você do jeito que eu gosto. — Não! Não chegue perto de mim! Socorro! — Duda continuou gritando, mas Luiz Miguel avançou e a conteve. — Quietinha! — passou a fita na boca dela. Ela continuou lutando, mas logo as mãos foram unidas e mobilizadas pela fita adesiva. Ele passou o olhar sobre o corpo de Duda. Ela usava apenas em um conjunto baby-doll de estampas de ursinhos. O pescoço de Luiz Miguel pendeu para um lado, enquanto observava as coxas redondinhas e os pelinhos finos e loiros das pernas da baixinha. — Não me olhe, seu pervertido. Eu vou furar seus olhos se continuar me olhando! — Só saia barulhos abafados, mas eram essas as

palavras que ela tentava dizer. — Seu pé está mais inchado. —Luiz Miguel tocou no pé doente e levou um pontapé com o são. — Não piore as coisas, patricinha. — Ele sentou ao pé da cama e continuou analisando a jovem. Estava na hora dele começar jogar corretamente, pois não era medo que ele queria dela. — Vou te deixar sem a fita se você ficar quieta. Vai me obedecer? — Ele sentou ao lado dela e Duda revirou os olhos. — Não grite ou vou ter que colocar a fita novamente. — Ele puxou a fita e abafou a boca de Duda para conter o grito de dor ocasionado. — Quietinha, já passou. Duda se apavorou e começou a chorar baixo, e soluçou no sufoco da mão dele. Luiz Miguel pegou o rosto dela e encostou-a em seu peito. — Eu não posso pagar por um erro do seu pai. Você me deixou lá sozinha. Eu fiquei com muita dor... — Ela realmente estava com medo. Luiz Miguel acariciava o cabelo dela e de sua boca saia um chiado baixo. — Calma... boa menina... Já passou. — Com a outra mão ele a segurava com possessão. — Psicopata. — Ela ainda estava sendo acariciada. Seu corpo estava trêmulo, mas ela não via jeito de conter a própria boca desaforada. — Seu pai tentou enfraquecer o Dudu, mas ele ficou ainda mais forte. Bandido pai, bandido filho... Luiz Miguel levantou e soltou Duda no centro da cama de casal. Ela buscou o ar com força para os pulmões. Seu gemido saiu arranhado, pois seu

pé acabou batendo no calcanhar do outro e a dor foi profunda. O rosto dele tornou-se enrijecido ao observá-la sofrer. Por que aquilo o incomodou tanto? Depois de alguns segundos assistindo a dor, ele se abaixou e sentou outra vez perto dela. — Desculpa. — A palavra saiu com um gosto amargo. — Não... não encoste em mim! — Duda gritou. — Vou cuidar do seu pé. — Ele pegou Duda nos braços e elevou sem nenhuma dificuldade. — Eu não vim aqui te machucar... — colocou-a sentada com as costas na cabeceira acolchoada. — O inchaço alterou de ontem para hoje. — Você me fez andar com ele ainda inflamado, seu sádico doente. Cínico! – Ela buscou engolir o choro ocasionado pela dor. — Vou amenizar isso. — Ele sentou e colocou o pé machucado obre o colo. — Não! — Ela se afastou. — Se eu fiz isso... — Segurou o pé outra vez. — A responsabilidade de remediar é minha. — Eu quero que você evapore do meu quarto! O Dudu vai ficar sabendo que você entrou aqui! — Se eu estivesse cuidando disso aqui antes, ele não estaria assim. — Luiz Miguel a ignorou e começou massagear o pé. — Todos os tratamentos que eu fiz fora do país foram poucos

comparado a sua massagem. Como entrou aqui, sem soar o alarme? Meu pai deixa tudo ativo. Vai me sequestrar? Eu não sei o que você quer comigo bandidão. Se me odeia é só não olhar na minha cara. Nunca te obriguei a isso. Finja que eu não existo, trabalhe isso em sua mente criminosa. Você viveu anos me ignorando, o que está acontecendo agora? Não me explique é uma pergunta retórica. Saia logo daqui, estou sem paciência. Nervoso, ele pensou em colocar a fita adesiva outra vez na boca de Duda. — O seu problema é conversar demais, menina. — Sou mulher! Não me julgue pelo meu tamanho. Por que você está massageando meu pé, se me odeia? Sobre isso eu quero a resposta. Fale logo. — Outro problema: você pergunta demais. Ele observou que ela tinha parado de chorar, o pé estava relaxando e a boca ficando nervosa. — Esquisito! Psicopata! Esdrúxulo! Ela já sentia as dores evaporando. Aquelas mãos grandes e cheia de calos, realmente sabia massagear com perfeição. — Esdrúxulo? Você é uma bocuda. Mas eu vou dar um jeito de manter sua boca bem ocupada. — Agressivo! Você tem tudo o que eu acho horrendo em um homem. — Bem-vinda à incompatibilidade. — Ele tentou ignorar os

chiliques adolescentes. — Sou uma princesa. O Felipe também me acha uma princesa. Nossa compatibilidade é o que importa. — Quem é esse? — Luiz Miguel parou a massagem e se concentrou apenas no rosto dela. — O futuro pai dos meus filhos. O homem que sempre alimenta minha vaidade, que me elogia e nunca me olhou com indiferença por eu ter uma perna defeituosa. O homem quem nunca vai me machucar, pois me ama de verdade e é recíproco. Meu loirinho corajoso, que vai me pedir em namoro e enfrentar bravamente o braço do meu pai. O amor da minha vida. — Esqueça isso. — Luiz Miguel a interrompeu enquanto analisava as palavras. — Eu nunca vou esquecer o Felipe. — Você não sabe nada da vida, menina. Mas vai aparecer um homem de verdade, te pegar de jeito e fazer você esquecer esses namoricos infantis. — Ele levantou do lugar de onde estava e puxou um travesseiro para colocar nas costas dela. — Assim está mais confortável. — Minha cabeceira já é acolchoada. Não sei o que ainda está fazendo aqui. — Ela aproveitou e descansou as costas ereta, realmente foi uma cortesia. — Você já comeu hoje? Precisa se alimentar, pegar um pouco de massa, tentar esticar um pouco. Parece mais uma criança de treze anos. — Você usa drogas? — Duda perguntou séria, mas Luiz Miguel

ignorou a pergunta. — Seu comportamento não é de uma pessoa normal. — Vamos começar do zero. Eu quero ser seu amigo de agora em diante. — Ele teve certeza que aquela ladainha convenceria uma adolescente da idade dela. — Ah, você quer? Tudo bem, vamos ser amigos. — Ela ironizou. — Mau caráter! Luiz Miguel xingou em pensamento. A menina era dissimulada. — Eu quero você forte para assumir o projeto comigo. — Tentou mudar o assunto e aproveitar para alimentar o seu projeto profissional. — Você é mais que esquisito. Você é louco! Doido de pedra! Quer me ver forte... Está em algum surto psicótico? — Ela continuou, desaforada. Ele pegou um lençol ao lado da cama e cobriu o corpo de Duda. O short curto do traje que ela usava já estava beirando o proibido. No momento, ele achou por bem protegê-la de seus olhos. — Estou cuidando de você. Eu provoquei isso e agora quero consertar. Em três dias você vai estar melhor e pronta para trabalhar comigo. — Voltou a massageá-la com mais leveza. Duda voltou a encará-lo. Em sua mente estava passando algumas teorias. — Te mandaram me convencer, não foi? Alguém maior que você, me quer no projeto. — Agora ela afirmou. — Eles gostaram das suas propostas. E de fato, suas ideias são boas.

— Tentou convencê-la. — Sim, isso você já me falou, agora me fale a verdade. — O intimou. — A verdade é que... — gaguejou. — Eu quero reparar meu erro. — O que acontece se eu não aceitar? — Duda o lançou um olhar, que apenas os pais sabiam decifrar. Ela tramava algo. — Você vai aceitar. — Luís Miguel afirmou. — Você perde o projeto, não é? — O canto do lábio dela curvou em um curto sorriso. Luiz Miguel respirou frustrado. — Essa você já perdeu grandão. — Ela decretou. — Se a minha empresa sair do projeto, entra outra. Sua luta será a mesma, então se junte a mim e ganhamos os dois. — Vou assumir o risco. — Eu posso te convencer de outra forma. Ele levantou de onde estava e tocou o rosto de Duda com as costas da mão. — Está me assediando? — Duda perguntou ali tão perto dele. — Estou te convencendo. — Ele colocou os cabelos de Duda para trás da orelha e continuou alisando o rosto dela. — Você tem mais de vinte anos... — Vinte e um, embora o meu corpo beira os trinta... — Assoprou as palavras no ouvido dela.

— Isso não me diz nada. Vinte e um anos, com o corpo beirando os trinta e visita casas de mulheres fáceis. Acha que vou cair na sua possível sedução? — Mulheres fácies? — Luiz Miguel sorriu, sua respiração estava arranhando a pele dela. — Eu vou voltar aqui todos os dias, até você aceitar. — Continuou deslizando os dedos, agora na pele rosada do pescoço. Estava tentado pelo perfume dela. — Meu pai nunca deixaria. — ela falou tensa. — Como eu não pretendo esconder nada dele, sinta-se fora do projeto. — Eu posso fazer massagem nos seus pés todos os dias, te levar para dar um passeio de moto... — Ele inspirou o cheiro dela sonoramente. Duda já estava constrangida. — Continua sendo não. E... se afaste um pouco por gentileza. Você está parecendo um drogado e meu perfume não é pó. — Ela estava achando aquilo uma loucura. — Farei massagem em seus pés todos os dias...— Luiz Miguel estava lutando cinicamente para convencê-la. Aquilo era algo novo para ele. — Não negue, você gostou do meu toque.

SETE — Se a minha presença é tão importante para você, peça ao meu pai. — Duda o desafiou, já sabendo a resposta. Luiz Miguel observou os traços da pele sedosa, ali, quase tocando o rosto dela com o seu. — Você vai aceitar, vai tirar uma maldita foto com os investidores, vai dar dois palpites e cair fora. — Ele estava com os olhos nos lábios dela. — Nunca vou fazer nada, sem o Dudu... "nada com você" sem que o meu pai saiba. Luiz Miguel firmou o rosto de Duda com as mãos o e grudou os lábios nos dela, quebrando o sentido daquelas palavras. Estreitou e sorveu, não usou a língua, mas experimentou o gosto dela. Era a boca de uma jovem de dezesseis anos, mas a maciez e aquosidade eram deliciosas. Ele segurou-a mais firme para aprofundar o contato, porém o estado inerte dela o afastou. Foi um beijo incompleto, porém impactante para Duda, que ainda não tinha vivenciado aquele momento. — Você... — Ela tocou os lábios levemente molhados. — Você... Eu não acredito que fez isso. Você beijou minha boca... — Luiz Miguel tentou outro beijo para dá certeza, mas ela espalhou a mão no rosto dele e empurrou sem usar força. O olhar dela tornou-se distante. Ele se deixou ser levado,

abriu a boca e arranhou os dentes no punho clarinho que o afastava... — Vem cá. — Ele pegou a cintura dela e a direcionou sobre ele, mas sentiu as unhas compridas cravadas em seu pescoço, com fúria. — Era do Felipe meu primeiro beijo! — Ela gritou com os olhos azuis maiores que o de costume. Ele saiu da cama, passou a mão no pescoço e sentiu o ardor. Linhas de expressão surgiram em sua testa. “Ela não deveria ser tão esperta.” Analisou. — Você vai sair da minha casa, agora! — Duda atirou um dos travesseiros nele, estava tomada pela raiva e no momento era o máximo que podia fazer. — Você não tinha esse direito! Fora da minha casa, bandido usurpador. — Ajoelhou na cama e gritou ainda mais alto. — Então foi seu primeiro beijo? — Uma sensação de posse visitou o ego dele. Aquilo era totalmente errado visto que seu plano era racional. — Fora! — Se acalme menina, foi um beijo, isso não é tão importante. — Um beijo pode não ser importante para você, pois anda com prostitutas! Eu não podia ter desperdiçado meu primeiro dessa maneira. Isso foi... Nojento! — Nojento? — ele arquejou. Aquela cena era inusitada e fora da sua realidade. Realmente, estava lidando com uma jovem inocente. — É só você não contar a verdade para seu namoradinho brocha. Eu

só arranhei sua boca. Ainda não te peguei de jeito, não considere a porra do beijo. — Ele sorriu contra vontade, aquele era um momento surreal. — Eu vou fazer de tudo para você perder esse projeto! Agora sai da minha casa, quero chorar e só faço isso na sua frente se for de dor. Saia! Ela levantou da cama e arriscou alguns passos. — Não precisa levantar. Eu vou. Mas eu vou voltar para a gente conversa. — Vou mandar meu pai comprar um cachorro bem valente, um, não, dois! — Mas tarde eu te mando uma mensagem, tente se acalmar. — Vou te bloquear agora mesmo! — Ela pegou o celular na cama e bloqueou o contato. — Que infantilidade é essa menina? — Sai agora! Bandido! Usou mel para limpar o gosto de droga da boca? — Porra de adolescente! — Ele abriu a porta. — Traga a droga pelo nariz?! Luiz Miguel bateu a porta do quarto com toda sua força, seguiu pelo corredor e desceu as escadas com pressa. Já do lado de fora da propriedade, distanciou do muro verde, mirou a janela do quarto que tinha acabado de sair, então seguiu para o ponto estratégico, onde tinha deixado sua Ninja. Precisava desligar aquela menina

estranha da mente, aliviar a tensão do corpo e recuperar a grana que deixou passar, quando desmarcou os compromissos, para ver a Herdeira Moedeiros. *** Era tarde, Duda estava em sua cama com o celular na mão. Seus olhos espreitavam Maria Fernanda que lia um romance histórico na poltrona ao lado. — O que foi Duda? — Maria Fernanda passou uma página e manteve os olhos no livro. — O quê? A jovem estava precisando desabafar de alguma maneira, mas lutava para selecionar as palavras certas e não assustar a mãe. — Pode falar. — Maria Fernanda fechou o livro. — Quero falar sobre primeiros beijos. Qual a sua lembrança? Foi boa? — Seu pai não era esse homem, que ele é hoje. Não quero ficar contando essas coisas para você. — Só me conte e depois eu prometo que não falo mais no assunto. — Não foi bom. — Maria Fernanda levantou e sentou ao lado da filha. — Seu pai me beijou com brutalidade, no mesmo dia do nosso casamento. Queria me mostrar quem mandava desde o início. Tolo. Eu tinha quase sua idade e estava em um momento delicado. Minha madrinha tinha me criado para acreditar na existência da bondade. Ela não teve tempo de me

ensinar sobre a vida entre um casal e as coisas não eram claras, igual a nossa relação mãe e filha. Aprendi tudo na raça e nos livros. Não existia em mim a força que eu te ensinei. — A mãe se deu conta de que a filha encarava às mãos. Ela conhecia Duda o suficiente para saber que algo errado estava acontecendo. — Duda? – levantou o rosto da filha. — Que olhar triste é esse? O que aconteceu? — Talvez eu não seja forte. Na hora que as coisas acontecem a gente fica perdida. Não dá para ser forte o tempo todo, maman. A mente de Maria Fernanda deu sinal de alerta. A preocupação foi inevitável. — O que aconteceu minha filha? — Maria Fernanda segurou o rosto da filha entre as mãos. — Há alguns dias eu entrei em uma confusão com o Luiz Miguel. — Quem é Luiz Miguel, Duda? — A preocupação tinha ganhado um tamanho gigantesco na mente da mãe, ao lembrar o nome. — O filho daquele homem, que roubou o Dudu no passado, foi preso e morreu na cadeia. — Por que você foi se meter com ele? Aquele rapaz jurou cobrar vingança do seu pai. Por que fez isso filha? — Ele quer acabar com o jardim dos animais e eu estou na frente do protesto. É uma peleja necessária. Eu estava com ele, quando torci meu pé e há influências dele sobre a minha lesão. — Por que não me contou isso antes? Por que não contou ao seu

pai? Tanto que eu te aviso para ficar longe do perigo, minha filha. — Ele me beijou. — Ele o quê? — Foi rápido, ele disse que não foi beijo de verdade, mas ele me beijou. — Isso não pode acontecer! — Maria Fernanda entrou em choque com o bombardeio de informações. — Eu não permito que você sofra com um homem bruto e vingativo. — A mãe falou autoritária, com o dedo no rosto da filha. — Você não vai se iludir com ele. Não vai! — Aconteceu mais alguma coisa? Ele tentou mais alguma coisa? — Não. — Você vai ficar longe desse rapaz. Se ele estiver em uma rua, corte caminho. Se ele chegar perto de você mais uma vez, me avise. Eu vou conversar com seu pai com calma. O Junior tentou acabar com a vida dele muitas vezes e com a sua também. — Mas eu não tenho medo dele. — Não seja tão corajosa! — Maria Fernanda gritou. — Não o enfrente, saia de perto, passe por longe! — Se a sua preocupação é que aconteça o mesmo que o Dudu fez com você, não vai acontecer comigo. Eu não vou me apaixonar por um homem truculento. O problema era que Duda não selecionava as suas palavras e o olhar

que recebeu de Maria Fernanda denunciou que mais uma vez ela tinha falado coisas sem pensar. — Você acredita nisso? — Maria Fernanda se ofendeu e seus olhos marejaram de lágrimas. — Você pensa que eu fui irresponsável ou só está me confrontado por me mostrar contra esse rapaz? Duda moveu o rosto de um lado a outro, abraçou a mãe e chorou arrependida das palavras. — Eu não pretendia falar dessa forma. Eu sei que o amor verdadeiro é a sua base com o Dudu. Me perdoa, às vezes eu não controlo minha boca e falo coisas estupidas, sem sentido. — Foi a primeira vez que pensou sobre isso? O que mais você vem interpretando ao longo dos anos? — Que meus pais são o símbolo de amor genuíno. Eu nunca pensei diferente, me perdoe por minhas palavras. — Deu certo comigo, mas foi desgastante é doloroso. Você vai começar diferente. Será amada por um homem generoso, desde o início. As pessoas detestam sentir dor, mas ela atrai. Não seja atraída pelo perigo não podemos adivinhar o final. Eu odiava o modo de vida que o seu pai me oferecia, por isso fugi, levando você para a França. Eu nunca aceitei viver daquela maneira. Só voltamos quando ele mudou a postura e reconheceu os erros. Mesmo que você se apaixone, nunca aceite viver em uma relação abusiva. — Eu não me apaixonei. — Duda olhou nos olhos da mãe. — Ele é

psicopata e eu desconfio que ele use drogas. — Drogas Duda?! — Sim, drogas. Ele tem o comportamento estranho. — Qual foi à conversa entre vocês? — Ele me fez uma massagem. Maria Fernanda acabou se engasgando com a própria saliva. — Já tiveram esse tipo de aproximação? — Eu poderia até dizer que a massagem... — O que tem a massagem Duda? — Maria Fernanda a interrompeu, os olhos estavam arregalados. — Ele realmente sabe fazer. É muito boa. Ele suavizou minhas dores. Ele tem mãos e dedos habilidosos. — Não! — a mãe gritou, retirando a filha dos pensamentos. — Pelo amor de Deus, fique longe desse homem. — Maria Fernanda segurou no queixo da filha. — Não fala a meu pai. — Duda pediu cumplicidade. — Eu não vou mais me aproximar do Luiz Miguel, então evite uma viagem desnecessária de sua filha amada para o Japão. — Saia de problemas e não enfrente o perigo. — Por favor, não conta maman. — Vou ficar de olho e você vai continuar me contando tudo. E, se

não quiser ser deportada para um colégio interno, vai ficar longe desse homem. Você vai ficar longe dele? — Não tenho motivos para me aproximar. — Se acontecer algo de agora em diante, a responsabilidade é toda minha e talvez seu pai não me perdoe por esconder, então fique bem longe dele. Estou confiando em você. — Não tenho a intenção de dar meu coração para um psicopata massacrar. Pode ficar tranquila. — Estou ainda mais preocupada, mas vou confiar em tudo que te ensinei. — A mãe beijou o rosto da filha. Mas eu vou matar ele de raiva e acertar minhas contas antes de tudo. — Duda pensou e sorriu, mostrando os dentes para a mãe.

OITO Na segunda-feira, Duda e Nicole estavam caminhando na rua que dividia a escola e faculdade de tecnologia e ciência. O assunto entre elas era o beijo do dia anterior. — Pensa por um lado, agora você não é tão inexperiente. — Nicole tentou tranquilizar a amiga. — Só consigo ver o lado ruim. E, eu não sei uma maneira fácil de falar isso ao Felipe. Luiz Miguel atravessou a rua com o semblante frio. Nicole segurou a mão de Duda com firmeza, pois se assustou. — Bom dia, Maria Eduarda. A jovem virou as costas e caminhou carregando Nicole. — Precisamos acertar umas coisas! — ele gritou vendo a garota se distanciar. — Sua amiga pode participar da conversa. — Tornou insistir. Luiz Miguel olhou para os lados e viu pequenos grupos de alunos, que estavam dispersos no intervalo. Sem paciência, ele apressou os passos até ficar frente a ela. Ele a olhou dentro dos azul intenso. Aquelas íris enormes pareciam redemoinhos, lhe dando a impressão de estar sendo sugado para um campo magnético.

— Temos uma reunião marcada para esse exato momento. Quero você lá, agora. Duda permaneceu calada, o encarando nos olhos. — Siga seu caminho e permaneça querendo o que não poderá obter. — Foram as palavras ditas por ela, no momento que quebrou o contato. A menina sabia ditar. Ele fez ideia de outra personalidade, durante aqueles anos que a vigiava de longe. Frágil, carente, baixo autoestima... onde estava aquelas características? Luiz Miguel odiou e amou aquela petulância. — Você vai deixar acontecer? — ele a questionou. Antes de qualquer coisa, ele precisava dela naquele projeto. — Duda, Vamos entrar. — Nicole filou em um sussurro, antes seguia como telespectadora dos dois. — Se foi algo relacionado ao quase beijo... — Não quero diálogo com você. E, sim, eu vou assumir o convite para o projeto. — Ela olhou para Nicole e sentiu o conforto do incentivo da amiga. — Tenho minhas condições, onde será essa reunião? — Agora mesmo, lá no parque. Todos estão lá, só está faltando você e eu. — Vamos Nik, temos um assunto importante a resolver. — Ela virou na direção do parque e andou apoiada na amiga. — Seu pé precisa de repouso. Eu te levo na minha moto, vou lá buscar.

— Eu me machuco menos longe de você. — Duda continuou andando. Atrevida! Ele pensou sem muita paciência. — Se não quer subir na moto, eu posso te levar no colo. — Ele se aproximou. — Eu não sou inútil. — Ela o repreendeu. Ele seguiu na frente, estava contrariado. Já na porta de entrada do parque, parou próximo aos homens de ternos. Não demorou muito, Duda chegou com Nicole. — É ela. A loira. — Foi dessa forma que Luiz Miguel apresentou Duda aos investidores. — Então, você é a jovem de mente brilhante? — Um dos investidores estendeu a mão para Duda. — Maria Eduarda, essa é Nicole minha prima. — Duda apertou a mão do senhor roliço que usava roupa social. — Somos investidores e idealizadores do projeto. Queremos você trabalhando conosco, suponho que já saiba... — o homem falou ainda apertando a mão de Duda. — Estou sabendo. — E então, já tem uma res... — Aceito. — ela falou antes do homem terminar a fala. — Com a condição, que ele saia do projeto! — apontou para Luiz Miguel.

O homem sorriu achando ser uma brincadeira. — Está propondo uma mudança e tanto garota. — o homem falou, ainda sorrindo. — Você pode aceitar ou não, não te obrigo a nada. — Ela foi firme. — Onde aprendeu negociar tão bem? — O homem sorriu nervoso. — Tenho um bom professor em casa. — O que andou aprontando para a garota Luiz? — o homem perguntou entre dentes. — Vocês nunca encontrarão um preço igual ao meu. — Luiz Miguel também colocou o homem contra a parede. — Eu não trabalho no mesmo ambiente que ele. Então você escolhe. — Duda persistiu. — Garotinha, vamos entrar em um acordo. Você só vai tirar uma foto com o projeto. É tudo fachada. Pagamos um salário de estagiária e também soltamos umas verdinhas para seus pais. — Um dos homens começou negociar. — Não é sobre dinheiro, meu senhor. Tudo gira em torno dos animais. Só estou aqui por eles. E, não preciso do seu dinheiro. — Não podemos dispensar o contrato com a empreiteira do Luiz, por economia de custos. — Estamos fora! — Nicole decretou e se encolheu ao lado da amiga, pois Luiz Miguel a encarou.

— Isso Nik. Estamos totalmente fora. — Duda afirmou. — Tudo bem. Vamos encontrar outro caminho. Trabalhar com adolescentes não poderia dar certo. — O investidor mediu os pesos e percebeu que o financeiro seria o mais atingido. — Não tenho mais o que fazer aqui! — Duda olhou firme para Luiz Miguel, ele estava com o semblante tenso. — Espero não encontrar você por aí. — Nicole temeu o olhar de Luiz Miguel. — Ninguém é obrigado a nada. — Vamos Nik. — Duda puxou a amiga. Elas já estavam atrasadas para o segundo período de aulas. Um primeiro confronto tinha se iniciado, mas nem se comparava ao que eles iam enfrentar unidos ou separados. Dali em diante, alguns fios seriam desencapados e aquela velha herança, passaria por percursos totalmente desconhecidos. *** Era noite, Luiz Miguel estava no shopping, no intuito de comprar um presente para sua irmã Alicia. Ele já tinha rodado algumas lojas, mas não encontrava nada do agrado da irmã mimada. Já estava pronto para voltar sem presente. Ele caminhava no corredor central, com seu capacete na mão, quando avistou Duda, com muita intimidade, segurando a mão de Felipe. Luiz Miguel observou aquilo e por alguma razão não se agradou.

Duda estava sorrindo, aos olhos dele, parecia feliz. Ele permaneceu por ali, vendo uma coisa qualquer de pretexto para acompanhá-la com os olhos a cada passo. Foram exatamente quarenta minutos de conversa entre Duda e Felipe e durante esse tempo Luiz Miguel já tinha olhado todos os DVDs que vendia na exposição do shopping. O jovem casal parecia ter um nível de intimidade alto. A risada de Duda era livre no meio da conversa e Felipe a olhava apaixonadamente. Luiz Miguel observou a relutância dela, em não permitir ser beijada. Ele pensou algumas possibilidades, mas todas foram quebradas, quando Felipe venceu a resistência. Luiz Miguel cerrou os punhos, se descuidou e derrubou o capacete no chão. Ele foi rápido, pegou o capacete de volta e se escondeu atrás de um estande. De lá, viu o momento que Felipe se despediu e seguiu na direção da saída. Um dos homens que, outra noite, tinha assediado Duda na rua do shopping, passou por Felipe. Ele estava chegando e bateria de frente com ela. Mesmo com um braço na tipoia seria perigoso para a jovem enfrentá-lo. Luiz Miguel não pensou muito, apenas caminhou apressado. Quando a alcançou, apertou os braços ao redor dos ombros dela e inclinou a cabeça. — Só estou te protegendo. — sussurrou. Duda se assustou e tentou se soltar. — O que você... o que está fazendo? — Tentou se soltar mais uma

vez. — Um dos caras que te atacou naquele dia está vindo aí. — Duda afastou o rosto para o lado, pois o tamanho de Luiz Miguel impediu sua visão. Ela viu o homem distraído com o celular, mais uma vez tentou se desvencilhar. — Você vai ficar me abraçando até quando? — Até ele saber que estamos juntos. Se ele não quiser, perder o movimento do outro braço vai ficar longe de minha garota. — Sua garota? — Duda cravou as unhas no braço dele. Tentou empurrar, mas ele não se moveu do lugar. — Shii, fica quietinha que eu vou te beijar. — Você está louco! — Tudo bem, tudo bem... — Ele desprendeu um braço e fez um carinho no rosto de dela, seu olhar estava indecifrável. — Você derrubou três dele, agora é apenas um, e ferido. Você está se aproveitado. — Não solte minha mão. — Ele entrelaçou os dedos nos dela. — Vem. Duda revirou os olhos, mas o seguiu. Eles caminharam e Luiz Miguel fez questão de passar frente ao homem. Seu olhar deu um recado: fiquem bem longe dela. — Eu não tenho medo deles. — Duda olhou para trás.

— Você não tem força para ir contra aquele homem, ainda mais com o pé machucado. Mas agora ele sabe que estamos juntos, não vão se aproximar de você. — Juntos? — Duda encerrou a caminhada. — Sim. Comigo você vai estar segura. — Hoje é um daqueles dias que você usa drogas? — ela perguntou. As mãos ainda estavam unidas. — Não brinque com isso. — Eu não estou brincando. Você se drogou hoje? — Sem drogas, Maria Eduarda. Vamos começar outra vez e passar uma borracha em tudo. — Está me pedindo perdão? — Duda o encarou, esperando a justificativa. — Se você prefere usar essa palavra... — Tudo bem, pode se ajoelhar. — ela falou seriamente. — O quê? — Ele pensou não ter ouvido direito. — Joelhinho no piso. — Ela insinuou a ação com os olhos. — Eu nunca faria isso. — Luiz Miguel sorriu desdenhoso, mas sua mente o pressionou. O plano. Ele estava indo bem, não custava nada dar uma simples ajoelhada, na frente de todos os andarilhos da ala B do shopping. Ele olhou para os lados e por incrível que pareça muitas pessoas olharam naquela direção.

Vencido, ele entregou os pontos e aos poucos se ajoelhou frente a Duda. — Satisfeita? — Ele transparecia desonra. — Não. Agora diga as palavras. — Duda falou de braços cruzados. — Desculpa? — Ele tentou ignorar as pessoas que pararam, pensando ser um pedido de casamento. — Desculpa não, quero a outra palavra! — Ela continuou determinada. — Perdão? Você me perdoa? — Ele já estava no limite da humilhação. — Por quê? — Duda exigiu mais. — Porque eu influenciei em sua lesão. Porque entrei na sua casa sem permissão. — respondeu derrotado. — Eu posso levantar agora? — Ainda falta. — É o beijo? — Ela afirmou apenas com um gesto. — Me descu... — Ele apertou os olhos, morto de raiva. — Me perdoe por ter te beijado sem a sua permissão. Duda achou aquilo merecido, se ele queria reparar o erro, ela não aceitaria menos, mas assim que ele pronunciou as últimas palavras, ela não aguentou segurar a gargalhada. Sob os aplausos das pessoas, Luiz Miguel levantou, e, mesmo envergonhado, segurou outra vez a mão de Duda e arrastou a dali. — Para onde está me levando? — ela perguntou ainda sorrindo.

— Você vai compensar a humilhação que me fez passar hoje. — Vai me bater? — Não vou mais ajoelhar aos seus pés... em público. Então, tire essa ideia de sua cabeça. — E eu não quero ser acusada de dolo eventual. — Culpa consentida? Andou estudando direito, Maria Eduarda? — Talvez um dia eu me torne uma boa advogada e siga a carreira do meu avô. — Por que não quer ser engenheira? — ele perguntou. — Esse é o sonho do meu pai, eu quero viver o meu. — Seu sonho não era ser modelo? — Luiz Miguel percebeu ter falado demais. Ele teve aquela informação há alguns anos, quando viu Duda desfilando com a marca de roupas da mãe. No dia, ele ouviu Eduardo Moedeiros muito orgulhoso, falando do sonho da filha. — Onde teve essa informação? — Ela o olhou desconfiado. — Vi você desfilando em um evento quando tinha treze anos. — Sua memória é boa, eu não lembrava mais. Aquele era um sonho de infância, que não se sustentou. E, uma modelo manca não é muito comum nas passarelas. — Sorriu sem humor, e apertou os olhos, escondendo o desconforto que sentia ao tocar no assunto. — Eu também nunca vi, mas outro dia, passou a reportagem de uma

modelo que não tinha uma das pernas e desfilava com prótese, acho que você já tem uma vantagem. — Aquilo foi rápido, ele realmente tinha visto aquela reportagem um dos programas da TV fechada, sabia que Duda falava de sua condição com desconforto, jogou para tentar ganhar alguns pontos com ela. Ele não soube, mas aquilo deu muito certo e deu o brio que ela precisava no momento. — Eu tenho ordens para ficar longe de você Luiz Miguel. Duda observou a figuras dos dois de mãos unidas através do reflexo das vitrines. — Eu te pedi perdão de joelhos, talvez isso pague o preço e faça valer a pena. — Se o meu pai ver isso... — Duda levantou as mãos unidas. — Eu não quero nem imaginar a proporção da desgraça. — Agora somos amigos, mas ele não precisa ficar sabendo disso. — Se você aprontar novamente, não precisar nem pedir perdão de joelhos. Eu não vou perdoar o mesmo erro. — Me ajuda a escolher um presente para Alicia? — Luiz Miguel sentiu necessidade de mudar o assunto. — Que tal uma bomba? — Duda pensou em Nicole e então sorriu. — O quê? — Luiz Miguel teve certeza que entendeu errado. Ele ainda não sabia que Alicia bombardeava Duda com piadinhas preconceituosas e tentativas de humilhações verbais.

— Acredito que sua irmã não vai gostar se eu escolher esse presente. — Só preciso de uma opinião feminina, não sou muito bom nisso e a Alicia é muito exigente. — Minha mãe já está me esperando, a loja já está fechando, eu preciso ir. — O aniversário dela é amanhã à noite, você não quer ir comigo? — Definitivamente não. — Eu já pedi perdão de joelhos, mereço um voto de confiança. — Eu preciso ir agora. — Ela soltou a mão de Luiz Miguel e sentiu falta do calor, mas jamais iria demonstrar. — Vou te acompanhar até a loja. — Não precisa, ela já está ali. — Ela desviou o olhar dele, pois admirou o curto sorriso e não quis ser percebida. — Então vai, eu te olho daqui. Duda se afastou e quando chegou frente à vitrine da loja, olhou para trás e constatou que ele ainda estava lá. Finalmente, comecei do jeito certo. Ele sorriu. *** Luiz Miguel chegou em casa por volta de três horas da madrugada. Estava muito cansado. Depois de um banho rápido, se jogou na cama. — Cadê você? — Selecionou o número que precisava.

No outro lado da cidade, um pai descia as escadas de sua mansão e escutava o roncar do aparelho celular sobre o móvel. Ele percebeu ser o celular de sua filha e depois de analisar o número desconhecido, deslizou o dedo e atendeu. Queria saber quem era o corajoso. — Quem é? — Eduardo perguntou e apenas ouviu a respiração de alguém do outro lado. — Quem está aí? Você ligou para minha filha, eu exijo saber quem está aí! Luiz Miguel sentiu seu sangue ferver ao ouvir a voz. Poderia passar décadas, ele jamais perdoaria aquele homem. Mas seu plano estava indo muito bem, e esfriaria o sangue para seguir adiante. Ele desligou o celular, cobriu o rosto com o braço e respirou pesado tentando tranquilizar a mente. Mas não deu muito certo, então vestiu uma jaqueta, pegou seu capacete e saiu mais uma vez de casa. Se ele queria anestesiar a mente, tranquilizar o corpo e esquecer o mundo a sua volta, não faria na casa de sua mãe, sobre o mesmo teto de seus irmãos.

NOVE Duda desceu as escadas com dificuldade, pois ainda usava a bota. Ela estava uniformizada e atrasada. Eduardo já estava sentado no sofá da sala, esperando-a. Maria Fernanda segurava a mão do marido. O clima não estava amistoso e Duda percebeu isso quando encarou os dois. Ela colocou a mochila frente ao rosto e seguiu na direção da cozinha, quem sabe, por um milagre, eles não tivessem a notando. — O café vai demorar um pouco. — Ela ouviu a voz do pai, encerrou os passos, virou lentamente e sorriu para eles. — Não tem problema, estou sem fome e atrasada. Eu só vou procurar meu celular. — Ele está aqui. — Eduardo levantou o aparelho. — Obrigada paizinho. — Ela andou até ele. — Agora, se não se importa, vou indo de ônibus. — Eu me importo! — Eduardo sustentou o celular quando ela segurou. — Senta aqui um pouco filha, seu pai quer conversar um pouco com você. –Duda atendeu ao pedido. Ela começou vasculhar possíveis motivos na sua mente que os levaram até ali. Poderia ser alguma coisa relacionada aos

negócios, mas pelo que sabia, Eduardo crescia a cada dia, sua mãe igualmente. – Tante – mente buzinou. Ela sentiu um gelo transpassar seu coração. Sua tia Suelen assumia uma gravidez de risco, consequências herdadas de vários abortos. Era preocupante. — Foi a tante, maman? — Suelen está muito bem. A conversa aqui, é outra Duda. Tome seu celular. — Eduardo soltou o aparelho na mão dela. — Eu procurei tanto por ele. —Ele estava logo ali. Encontrei essa madrugada, quando alguém te ligou, mas não quis falar comigo. Talvez ele quisesse ouvir sua voz e não a minha. – Eduardo estava se esforçando para manter a voz branda. Duda ligou o visor do celular e correu os olhos até á última chamada, não precisou de muito para saber que a ligação era de Luiz Miguel. — Pode ter sido qualquer pessoa meu pai. Engano... trote... — Tentou contornar a situação. — Era um homem! Eu ouvir a respiração de um homem. Um filho da... — Maria Fernanda apertou o braço do marido. — A respiração? Como conseguiu distinguir a respiração? — Eu sinto o odor de gaviões a léguas de distância. Por que tinha um homem te ligando durante a madrugada, Maria Eduarda? Quero saber quem ele é, pois vou ter uma conversa amigável. Duda sabia o sentido de "amigável" na linguagem do pai, e não era

um aperto de mão, tampouco um: "fique longe de minha filha". Ela não queria ver o pai nervoso, e (ainda) não tinha razões para mentir. Ela olhou para sua mãe e constatou a preocupação dobrada, então, sem pestanejar abriu o jogo. — Foi ele mesmo, maman. Foi o Luiz Miguel, meu pai. — Minha filha. — Maria Fernanda abraçou Duda, até ali, ela torcia para ser um engano. — Eu sempre soube que aquele moleque me daria trabalho. Ele está tentando seduzir minha filha! — Eduardo levantou do sofá. Preocupação era a palavra que o definia naquele momento. — Ele não está fazendo isso, meu pai. Apenas vamos tentar uma convivência amigável. Eu não sou tola. — Convivência amigável?! — Eduardo se alterou. — Convivência? Ele te propôs isso? Esse homem quer você! Eu não acredito que estou passando por isso. Eu vou ter um ataque fulminante e cair duro nesse chão. – Ele arrancou a gravata do pescoço e jogou com ignorância sobre o sofá. — Depois de anos, aparece mais um para tirar minha paz. — Eduardo! — Maria Fernanda gritou. — Se acalme, vamos resolver isso na conversa. — Ela sabia que as preocupações de Eduardo estavam certas, mas precisava conter a situação. — Por qual o motivo para ele te ligaria em uma madrugada? Me conte antes que eu morra! Até onde já chegou essa convivência amigável? – Sim, Eduardo já tinha começado a imaginar muitas coisas. Ele tinha um

passado comprometedor que o oferecia medo. — Não aconteceu nada, Dudu. – Duda não se agradou das insinuações do pai. — Eduardo pare com isso, agora! – Maria Fernanda o repreendeu. —Você está conversando com sua filha, sente aí e não grite! Eduardo obedeceu, ele tinha a mente lúcida, para não contrariar sua esposa. — Isso só pode ser um castigo, mas eu já me arrependi de tudo, por que isso agora? – Ele colocou a cabeça entre as mãos — Isso é um castigo Maria Fernanda, depois de anos, estou sendo castigado no meu ponto fraco. Duda estendeu a mão para tocar no pai, mas a mãe gesticulou para que ela ficasse quietinha. — Não chore meu amor. – Maria Fernanda consolou o marido. — A nossa vida entrou nos eixos e não vai acontecer nada com nossa menina. — Meu pai, você não pode traçar meu destino pelo seu. Eu não tenho interesse nenhum no Luiz Miguel, apenas conversamos, ele me pediu perdão por algumas coisas e... — Não se apaixone por ele Duda. – Eduardo cortou a fala da filha — Não acredite em nada do que ele disser, é tudo mentira dele. Ele é mau e perigoso. Capaz de cometer barbaridades, inclusive, roubar você de mim e da sua mãe. — Eduardo... – Maria Fernanda detectou uma gotícula de drama.

— Eu não tenho envolvimento com ele, acredita em mim, Dudu. — Você é minha filha, minha princesinha. Não vai ser um objeto de vingança. — Não vai acontecer Dudu. Eu não tenho motivos para me aproximar dele, tampouco assumir um risco desses. — Me responda uma coisa muito séria Duda, não me esconda, por favor. Ele, aquele desgraçado, já falou do seu cabelo? – Eduardo segurou as mãos da filha e fechou os olhos com medo da resposta. — O quê? — Ele já elogiou seu cabelo? – O pai insistiu. — Não. – Duda olhou para a mãe e viu o rosto claro muito enrubescido. — Ele nunca falou nada do meu cabelo. Isso é importante? — É coisa do seu pai, filha. – Maria Fernanda enrolou uma mecha do cabelo e olhou com certa timidez para o marido. — Mas o que... — Duda achou a troca de olhar deles fora do contexto daquela bronca. — Prenda seu cabelo assim – Eduardo suspendeu os cabelos da filha em um coque desalinhado. — Pronto, está linda dessa maneira. — Você vai conversar com ele Dudu? — Vou te levar à escola e provavelmente o encontre por lá. Não se preocupe, não vou brigar, só quero ter uma conversa de homem para homem. ***

Duda desceu do carro e seus olhos correram em busca de Luiz Miguel. Estava preocupada com aquela conversa. Luiz Miguel tinha demonstrado ser uma pessoa mais tranquila na última conversa, mas mesmo assim, ela estava preocupada. Luiz Miguel já estava lá, encostado a sua Ninja. Ele esperava por ela. Tinha uma meta e nada o faria se afastar do ideal. Eduardo desceu de sua caminhonete, fechou o botão do blazer e não demorou muito para visualizar Luiz Miguel. Eduardo beijou a testa de sua filha, sob o olhar do homem. — Entra Duda, você já está atrasada. — Não fique nervoso, não quero te ver em encrencas. – Duda abraçou a cintura do pai e olhou para Luiz Miguel. — Estou tranquilo. Agora entra, o portão já vai fechar. Duda soltou o pai e caminhou, segurando nas alças da mochila. Eduardo só esperou o grande portão de ferro fechar e seguiu de encontro a Luiz Miguel. — Quero falar com você, rapaz. Luiz Miguel subiu na moto, mas Eduardo insistiu: — É uma conversa séria, não fuja. — Eu não tenho papo com você! — Mas com minha filha tem, não é isso? — O que você quer, cara? — Luiz Miguel o encarou.

— Quero que você tire essa ideia da cabeça. Esqueça isso! Ela não vai cair na sua. — Você está me subestimando ou tentando se convencer disso? — Luiz Miguel sorriu sem humor. — Estou te dando uma alerta, não pense, que vou deixar isso acontecer. — Estou esperando você mandar me matar, da mesma maneira que fez ao meu pai?! – Luiz Miguel acabou com a atmosfera de paz armada. — Eu não fiz isso. Não tive envolvimento nenhum na morte do Junior. Pelo o que sei, ele estava tentando fugir no meio daquela rebelião. — Você sabia que ele não deixaria barato, por isso comprou aqueles malditos policiais. Você tinha medo do contra-ataque e mandou fazer seu serviço sujo antes! — Eu não quero discutir isso. Você deve saber o pai que tinha, aliás, a Samanta já te contou que você não é filho do Junior? — Cale a porra da sua boca! Você não tem o direito de tocar em assuntos da minha família! – A fúria do grito de Luiz Miguel chamou atenção de alguns alunos. — Se fosse antes, não mandaria, faria com minhas próprias mãos, mas naquela época eu já era um novo homem e não me sujaria com o sangue de ninguém. Luiz Miguel cerrou o punho e planejou socar o rosto de Eduardo com toda sua força, mas seu lado racional o alertou.

Ele colocou o capacete e acelerou o mais rápido que a moto suportava. Eduardo não perdeu tempo, entrou em sua caminhonete e seguiu o mesmo caminho dele. Os dois estavam mantendo um tipo de corrida na pista deserta. Eduardo ainda não estava convicto que Luiz Miguel ficaria longe de Duda, então, seguia em busca da convicção olho no olho. Luiz Miguel estava pilotando na direção a serra, sorte deles, que a estrada era vazia, fora de feriados e final de semanas. Eduardo estava no encalço da moto, a potência do motor da sua caminhonete permitia, e, experiência com alta velocidade era um assunto que ele dominava, embora estivesse um pouco enferrujado, desde que assumiu o papel de chefe de família, nove anos antes. Luiz Miguel analisou as possibilidades. Ele estava com a faca e o queijo na mão. Aquela pista e o precipício que os seguia, era um cenário ideal para tragédias em grande estilo e sem testemunhas. Mas, qual a vantagem em ter Eduardo Moedeiros morto? Eduardo morto, tudo acabaria e ele não se sentiria vingado. O que ele queria era Eduardo sofrendo gradativamente para no final receber um golpe desestabilizador. Ele queria seu rival vivo para sofrer a perda da filha e depois as humilhações que ele já tinha planejado para ela. Tendo esse pensamento formulado, ele diminuiu a velocidade e parou no acostamento. Luiz Miguel desceu da moto apressado e bateu no vidro do carro de Eduardo, que também estacionou o carro.

— Quero você longe da minha filha. — Eduardo determinou e recebeu um soco na boca. — Não se esforce em querer me dar o troco, Eduardo Moedeiros. Você não conseguiria me afetar! Pelo o que sei, está enferrujado e minha intenção não é te deixar em coma. Preciso de você bem vivo. Luiz Miguel voltou para sua moto e ganhou no retorno. Eduardo sentou no banco do carro e enquanto se recuperava da tontura, cogitou voltar para a academia.

DEZ Naquele dia, Sérgio ficou responsável por buscar Duda na escola. Depois de deixar Nicole com a mãe, ele seguiu com a sobrinha. — Seu pai tem aquele jeito tosco, mas ele te ama e só quer seu bem. – Sérgio estava aconselhando Duda. — Eu sei disso, tio. — No passado, Eduardo era o motivo do medo, Duda. — Ele mesmo já me contou. Mas eu só quero que ele entenda, que a minha história é outra. Ele pensando dessa maneira, me faz carregar um legado que eu não quero. Eu não tenho interesse nenhum no Luiz Miguel. Somos totalmente diferentes. E, eu nunca olharia para outro homem. — Outro homem? Se o filho do Junior é outro, antes do outro vem um, estou certo? — Você é mais amigo do Dudu, vai contar a ele. — Sou amigo do seu pai, mas também sou seu. Se você me contar um segredo eu não vou contar esse segredo para ninguém. Segredo de dois lembra? Duda sorriu, lembrando-se da cumplicidade dos dois anos atrás, tramando para conquistar Suelen. — Só a Nik sabe, tio Sérgio. É um segredo meu.

— E você conseguiu guardar isso das pessoas? — Sérgio fingiu um espanto. — Se é um segredo eu não conto, ainda mais se for sobre meus sentimentos. — Sentimentos? — Sérgio sorriu — E, o que a pequena Duda entende por sentimentos? — Eu amo do Felipe. — O Felipe Moedeiros? – Sérgio ficou sério por um tempo, mas logo gargalhou, esmurrando levemente o volante — E o Eduardo nunca desconfiou disso? — Continuou sorrindo — Enganado dentro da própria casa e pelo sobrinho. É cruel desejar ver o rosto dele ao descobrir? — Não estamos enganando o Dudu. Não aconteceu nada, só nos amamos. — Amam? — Sim tio, é amor. — Eu até que gostava do sacana do Lipe, pena que ele não vai sobreviver por muito tempo. Edu foi enganado debaixo dos olhos. — Para tio! – Duda estapeou o braço de Sérgio, pois ele continuava sorrindo — O Dudu vai acabar aceitando. Eu só vou esperar o Felipe fazer dezesseis. Essa história com o Luiz Miguel veio a calhar... Quando meu loirinho for conversar com meu pai, ele vai ficar feliz por não ser quem ele teme, então, vai aceitar mais rápido.

— Lipe, quem diria? Comendo pelas beiradas e roubando a filha do Edu, bem feito para ele. Eu nunca vou me enganar, ainda bem que minha Nicole nem pensa em namoro. — A Nik é uma menina muito boa meu tio, nunca falou comigo sobre o assunto, ela até andou me aconselhado a esquecer dessa história com o Felipe. Minha amiga é uma menina muito centrada. – Duda segurou a risada. — Eu sempre soube que ela puxaria a valentia da mãe. Sua tia me batia muito antes de nos casar. Ele voltou da França com uma valentia que dava medo. Melhorou com o tempo, mas volta e meia eu ainda levo uns cascudos, mas é por causa da gravidez, ela anda muito emotiva. — Minha mãe já me contou as peripécias de Tante. — Minha Anja me bateu no dia que eu a pedi em casamento. Foi lindo. — Não se preocupe com a Nik meu tio, ela herdou essa coisa de bater e não vai deixar ninguém chegar perto dela. – Duda abafou o riso assim que desceu do carro, frente ao muro de sua casa. — Fale a seu pai, que eu desejo melhoras. — Sérgio gritou, já com o carro em movimento. — O que ele tem? — Ganhou um carinho no rosto mais cedo. Duda correu para saber se o pai tinha confrontado Luiz Miguel com porrada.

— Auu! — Ela ouviu o grito de Eduardo assim que entrou na sala. — O que aconteceu? — Se aproximou da mãe limpava a pomada do lábio do marido e colocava outro medicamento. — Não foi nada! — Eduardo estava mal-humorado. — Ele estava se achando o adolescente e fazendo pega na estrada. Não satisfeito, resolveu brincar de gato e rato com aquele rapaz. — A mãe esclareceu. — O Luiz Miguel te bateu? Ele fez isso com você? — Ele me pegou desprevenido, estou fora de forma, mas eu vou dar o troco nele. — Ai, mulher! — Eduardo gritou, sentindo o beliscão de Maria Fernanda. — Você vai se aquietar! Vai virar um moleque inconsequente aos quarenta e dois anos?! — Eu o mandei ficar longe da minha filha. Mas ele deixou claro, que não vai desistir fácil. Me acusou outra vez, de estar envolvido na morte do pai dele. Mas eu vou ficar tranquilo, pois sei que você vai manter distância dele. Não vai Duda? – O pai buscou certezas. — Não se preocupe com isso, meu pai – Ela levantou do chão, onde estava ajoelhada. — Vou tomar banho. Esqueça essa história e fique longe daquele homem. Minutos depois Duda estava sentada em sua cama, enxugando os

cabelos, e tentando assimilar o que estava acontecendo. Se ele odeia minha família, por que me pediu perdão de joelhos? Talvez ele não seja tão ruim... ou está querendo realmente uma aproximação, com propósitos vingativos? Terminando suas análises, ela procurou o seu celular e discou o número de Luiz Miguel. — Se seu plano é me fazer cair de amores por você, desista! Ela gritou antes de Luiz Miguel se pronunciar. "Quem está falando?" Era uma voz feminina do outro lado da linha. — Onde está o mau caráter do Luiz Miguel? — Duda perguntou. "Trabalhando. Quem está falando?" A mulher que estava no outro lado da linha, também alterou a voz. — Eu quero conversar com seu irmão, Alicia. "Não é Alicia. Sou Vanessa, a namorada dele. Eu posso saber o que você quer com o Luiz?" — Ah, então aquele mau caráter tem uma namorada? Pois, fale a seu namorado, que eu o quero bem longe de mim. Não vou cair na conversinha dele nunca mais, mesmo que ele se ajoelhe mil vezes aos meus pés. Duda desligou o telefone e jogou o aparelho sobre a cama. ***

À noite, Duda ficou sozinha em casa. Seus pais estavam em um jantar de negócios e as duas funcionárias fixas já tinham saído. Ela estava no sofá da sala quando recebeu uma ligação do número de Luiz Miguel. Ignorou, e continuou assistindo um seriado. Dois minutos depois, o celular já tinha recebido sete ligações, Duda continuava olhando para ele e apertando os botões do controle remoto, ganhando tempo e lutando contra a curiosidade. Na décima ligação ela pegou o celular do sofá. — Sua namorada informou o recado? — ela falou calma. "Eu não tenho namorada. A Vanessa é uma parceira." — Não me importa, só quero saber se recebeu o recado. "Quero conversar. Posso ir aí?" — Você está tentando me fazer de idiota ou você é um idiota? "Se foi pelo soco que seu pai levou, saiba que eu não coloquei força. Eu só não o deixaria com a última palavra." — Eu já sei todo seu plano, Luiz Miguel! "Não tem plano nenhum, apenas quero ser seu amigo." — Você quer se aproximar, me seduzir, então confrontar meu pai. Não diga que é mentira, pois não sou tola para cair na sua conversa. "Abre a porta". — O quê? — Duda levantou do sofá e andou na sala. As pernas tremeram, e seus olhos procuraram um objeto pesado.

"Abre, ou vou entrar de qualquer jeito." — Psicopata! — ela falou com o celular frente a boca e abriu a porta. Ele realmente estava lá do outro. — Como faz isso? Você também é ladrão? – Duda estava com o celular e o controle na mão. Luiz Miguel tentou entrar na casa, mas recebeu uma pequena ameaça — Não tente pisar aqui dentro. – Ela usou o objeto mais ameaçador que estava por perto, no caso, o controle remoto da TV. — Vai me atacar com um controle? — Não entre na minha casa! Luiz Miguel a olhou de cima abaixo e cerrou os olhos com a visão do curto baby-doll, marronzinho com um urso enorme na frente da camiseta. — Tudo bem, venha aqui fora então. Eu sei que você está sozinha, vi a hora que ele saiu. Prefere vir conversar comigo ou que eu sente no seu sofá? — Luiz Miguel não disfarçou a falta de paciência. — Se afaste primeiro, depois eu saio. Ele fez o que ela mandou e quando já estava alguns metros a incentivou a sair. — Como entrou aqui sem soar o alarme? Você também domina a matéria da família? Luiz Miguel a olhou seriamente e ignorou a pergunta. — É, que seu pai gostava da arte, então... Luiz Miguel saiu de onde estava e segurou Duda pelo braço, mas

com o grito agudo que ela deu, ele afrouxou a mão e forçou um sorriso. — Eu não vou fazer isso. Não vou te machucar, fique tranquila. Vim conversar, vamos sentar. — Apontou para um dos bancos do jardim e seguiu na frente. — Você entra pelo muro? — Duda sentou bem na ponta do banco, mergulhou a mão na gola da camiseta e enterrou o celular dentro do sutiã. — Eu não sou imune à eletricidade — Luiz Miguel observou as formas redondinhas dos seios a sua frente. — Eu não vou me apaixonar por você! Nada que você me disser vai me atingir. Eu quero que saiba disso. Nada... – Ela balançou o rosto de um lado a outro. — Nadinha... Luiz Miguel perdeu a fala por alguns segundos, pois estudava a criatura sutil a sua frente. — Quando foi... — Ele sacudiu a cabeça para recobrar o raciocínio. — Quando eu te propus isso? Não é nada contra sua fisionomia, mas não curto novinhas. Se elas forem loiras, então... a coisa não anda mesmo. — Não? — Duda ainda estava desconfiada. — Então, o que você quer? — Ser seu amigo, você é uma menina bacana... Formidável. — Bem, isso sou mesmo. — Duda aceitou a gentileza. — O que você acha de colocar uma roupa e ir comigo até o churrasco da Alicia?

Duda se olhou e se deu conta que apenas usava um conjuntinho de roupa de dormir. Com os olhos arregalados, ela sentiu a pele de seu rosto esquentar mais que o normal. — Se levantar daí eu vou te olhar por outro ângulo. — Luiz Miguel se aproveitou do constrangimento para não a deixar fugir. — Seu... tarado! — Ela jogou o controle na direção dele, mas ele desviou. — Tudo bem, vá se trocar, eu te espero aqui fora. — Luiz Miguel continuou sorrindo, mas virou o rosto para o lado oposto. Duda levantou, mortificada e apressou os passos em direção a casa, mas sua bota ortopédica dificultou a rapidez desejada. Luiz Miguel virou na direção dela e viu o pomponzinho marrom atrás do shortinho de malha. Sorriu e pegou o controle da grama. Duda subiu as escadas correndo e afundou o rosto no travesseiro. Depois de alguns minutos, abriu seu guarda roupa e puxou um conjunto de moletom. Antes de sair de casa pegou um vaso de porcelana e levou com ela. Ela voltou para o mesmo banco do jardim e estava sendo seguida pelo olhar de Luiz Miguel. — Vai de pijama? — ele perguntou. — Eu não vou a lugar nenhum. — Você vai gostar, está cheio de adolescentes da sua idade. — Sua irmã me ama de uma maneira, que não me receberia com

flores. — Qual o seu problema com a Alicia, Maria Eduarda? — Qual o problema dela? — Duda zangou. — Sua irmã vive tentando me humilhar no colégio. — Eu entendo que vocês não se entendam. A Alicia pode ser manhosa, mas essas coisas ela não faz. — Tudo bem, sua irmã é um amor de pessoa. Agora vá, antes dos parabéns dela. — Duda tentou ignorar a aversão que surgiu em seu interior. — Ainda não terminamos nossa conversa. — Ele se aproximou e seu olhar seguiu para o vaso que ela abraçava, ele quase sorriu, mas se conteve. — Seu cabelo fica bonito preso, dessa maneira. — Ele colocou as mechas desarrumadas de Duda no lugar — Gostei do penteado, assim, você parece mais adulta. Gosto muito. — É? O meu pai também prefere assim. — Ele é bastante ciumento, não é? — Luiz Miguel inalou o cheiro do perfume dela, mas fez disfarçadamente. — Talvez ele seja o ciúme em pessoa. — Aquele cara, que você falou naquele dia, seu pai sabe sobre ele? — O Felipe? Não. Mas o Meu pai gosta muito dele. Somos primos, ele está sempre aqui comigo, o Dudu vai acabar aceitando. Meu pai não vai impedir dois corações que se amam. — Eu, na condição de seu amigo, te aconselho a ficar bem longe

desse seu primo. — Conselho rejeitado com sucesso. Eu amo aquele loirinho com toda a força do meu coração. — Não, você não ama. — Sim, eu amo. Vamos nos casar em alguns anos e teremos filhos loirinhos. — Casamento? Você acredita nisso? — Luiz Miguel não estava gostando daquela conversa. — Claro, acredito muito. — Esqueça isso. Esqueça tudo isso! Você não vai casar com ele, garotinha. — E por que não? Meu pai vai aceitar, tenho certeza disso. Luiz Miguel já estava próximo dela, então apenas diminuiu o espaço e possuiu os lábios entreabertos da boca atrevida. Fez para afastar aquele pensamento. Não se sabe, se da cabeça dela ou da dele.

ONZE Luiz Miguel intensificou o beijo e estranhou Duda não o ter empurrado, tampouco o abrigado em sua boca. Mesmo sem a reação, ele insistiu. Preferiu agir lentamente, mordiscando e testando os lábios carnudos. Queria encorajá-la a reagir. Essa dissimulada está de pirraça. Pensou e continuou em busca de reação, passando a ponta da língua entre os lábios dela, esperando que ela o sugasse, mas ela permaneceu sem demonstrar ânimo. Duda até levantou as mãos para segurar nos braços dele, mas recuou. Ele se afastou para o centro do banco e encarou a grama baixa do jardim. Manteve sua pose durona, mas aquilo o atingiu. Já era a segunda tentativa de beijo fracassada. — Tire isso da mente, Luiz Miguel. Não vai funcionar comigo. Luiz Miguel estava tentando encontrar equilíbrio e entender o que estava acontecendo. Ele era um homem bastante seguro quando se tratava de mulheres. Sedução já era algo natural. Ele não tinha o ego inflado, não era convencido, nem precisava viver cercado de mulheres para demonstrar que domava o assunto com maestria, porém naquele momento, pintou um leve desconforto em não obter a reação desejada com uma adolescente inexperiente. — Eu sei que vai doer, mas eu vou fazer mesmo assim.

Luiz Miguel não precisou compreender o que Duda estava falando, pois logo sentiu uma pancada aguda na cabeça e conferiu o resultado. — Mas que porra é essa?! Isso pode levar alguém a morte, Maria Eduarda. — Ele conferiu a mão e viu sangue. — Vasinho resistente, não é mesmo? — Ela mostrou os dentes em um sorriso de pânico e abraçou o pivô da pancada, o vaso de porcelana de sua mãe. — Eu pensei que fosse menos forte. Luiz Miguel levantou e caminhou pelo jardim na direção da porta de madeira, na lateral do muro. — Ei! — Ela abandonou o vaso e seguiu na mesma direção. — Você ficou tonto? Eu não imaginei que seria uma pancada tão forte. — Ela continuou seguindo, ele permaneceu calado — Ei! — Ela entrou na frente quando alcançou a porta. — O que é? — ele perguntou sem paciência. — Está doendo muito? — Já levei pancadas piores, agora entre. Estou de saída. — Você tem certeza que está bem? Eu vi sangue. — Duda continuou frente a ele, impedindo a passagem. — Qualquer dia eu te ensino bater como gente grande. Agora entre! — Mas eu já sei fazer isso. Olha só... — Duda cerrou o punho e socou o peito de Luiz Miguel. Ele não se moveu e depois de soltar o ar pela boca, pegou os dois pulsos dela e segurou frente a seu corpo.

— Entre, Maria Eduarda. — Quero ver como você vai sair daqui. Luiz Miguel soltou os pulsos dela, colocou a mão no bolso, puxou uma penca de chaves e balançou. — Por que você tem a chave de minha casa? — Duda tentou pegar, mas ele suspendeu em uma altura superior ao alcance dela. — Estou atrasado para os parabéns da Alicia. — Ele rodou a chave na porta e saiu da divisa do muro, que era coberto por plantas trepadeiras. — Como fez para conseguir as chaves da minha casa? — Duda também saiu. Os dois estavam na rua deserta do condomínio de luxo. — Entre, vou virar a câmera. Duda observou a câmera que pegava aquela área do muro, realmente estava virada para o alto. — Como o Dudu ainda não descobriu isso? — ela perguntou retoricamente. — A câmera do jardim pegou você, lá dentro. — Entre. — Era um trabalho fácil para ele resolver. — Meu pai tem que conseguir um cachorro. Luiz Miguel guiou Duda pelo ombro até que ela estivesse no lado de dentro. — Entre. — Tornou mandar. — O que é? Já estou no jardim de minha casa.

— Vá para dentro da casa, lá estará mais segura. — Luiz Miguel ativou o alarme no lado de dentro do muro. — E não receba outra pessoa. Foi irresponsável. — Fechou a porta e trancou por fora. — Ele tem a chave e a senha do alarme... esse cara é muito perigoso. — Duda pegou o vaso o controle e voltou para a casa. Aquela noite, ela rolou sobre a cama sem conseguir dormir. Em seus pensamentos martelava a decisão de contar ou não ao pai. O peso de sua viagem ao Japão foi maior. Contornaria a situação e afastaria Luiz Miguel, sozinha. *** Era manhã e Luiz Miguel estava na casa de Marcos, seu único amigo e ex-colega de curso na faculdade. Luiz Miguel tinha abandonado a faculdade de direito, quando passou em engenharia. Marcos morava sozinho com a irmã Vanessa, no mesmo bairro periférico. — Vai passar o dia comigo, Lú? — Vanessa, distribuiu o café para os três presentes na mesa. — Meu dia está corrido, Nessa. Só vim, pois quero trocar uma ideia com seu irmão. É um papo de homem. — Luiz Miguel olhou para Marcos, que sabia todos os planos dele. — Então vão trocar essa ideia lá fora. Não quero saber das safadezas dos dois. — Vanessa levantou da mesa e seguiu até a geladeira. Vanessa e Luiz Miguel mantinham uma espécie de rolo amoroso. Ela era forte, corajosa, não queria assumir compromissos, sabia onde queria

estar e assim os dois se entendiam. Parceria era o nome que eles davam a relação. Já no lado de fora, Luiz Miguel caminhou com o amigo. — Não está dando certo Marcos. A patricinha não está se apaixonando. Marcos e Luiz Miguel tinham confiança mútua desde que eram adolescentes. Eles se ajudavam em tudo. — As novinhas se apegam rápido, Luiz. Uma pegada forte vai amolecer essa resistência dela. — Ela é ardilosa, a coisa não anda. Para cada ação minha, uma reação desconhecida dela. Não é do tipo que vai se apegar na grosseria. Cheguei a pensar que ela finge, e se for isso, a nanica é perigosa. — Você vai entrar na onda de vingança, logo com uma novinha dura na queda... Aí fica difícil. — Ontem, tentei envolvê-la, mas ela pareceu uma pedra de gelo. Fui deixado na vontade por uma menina de dezesseis anos e ainda ganhei um corte na cabeça. — Você já esteve em dias melhores, campeão – Os dois amigos sorriram e Luiz Miguel conferiu o corte dentro de seus cabelos. — Tem outro cara em cima, pode ter certeza. — Tem. Descobri que ela está com uma paixonite boba. Dessas que não dura muito tempo, mas causa um estrago danado. Ela já está de cabeça e corpo virado. É a única explicação. Rejeitou um beijo meu, cara. Isso nunca

aconteceu antes. Os dois riram daquela frustração. — Estude a relação deles e seja clichê. As mulheres nessa idade se encantam facilmente por bobagens. — Paparicar a pirralha? — Luiz Miguel já estava encostado em sua moto. — Presentinhos bobos, pequenas gentilezas... essas coisas que mulher gosta. Até a Vanessa que é durona se amarra nisso. No fundo, todas elas gostam de bajulação. — Alicia tem a mesma idade dela e também gosta dessas coisas. — Deve ser chato tentar seduzir uma mulher que não se instiga, eu não conseguiria fazer. Boa sorte outra vez. — É muito difícil... eu não tenho atração nenhuma por ela. A menina é loira, riquinha e fresca. Ela é lindinha, tem rosto de princesa, mas não é... ela não é sexy... — Mas te deixou na vontade de um beijo. Quem sabe, a nanica não faça você esquecer essa fixação por morenas. Mulher é tudo igual. — Mulher? – Luiz Miguel riu. — É como se eu estivesse com uma amiga da Alicia. — Aquelas amigas de sua irmã são bastante adultas. Eu só não peguei aquela loira ontem, por respeito a sua irmã, mas ela implorou para sair de lá comigo.

— Por que Maria Eduarda não é assim? Seria mais fácil executar meu plano se ela fosse fácil. Mas vou dar um jeito de dobrar aquela novinha. — Ele colocou o capacete e subiu na moto. — Não vai falar com a Nessa? — Depois eu passo aí, tenho que resolver logo isso. Luiz Miguel pilotou rápido como sempre fazia, antes de chegar à faculdade, resolveu entrar em uma loja de conveniência do posto de combustível, ia procurar alguma coisa para Duda.

DOZE Eduardo foi levar Duda e só saiu da porta do colégio quando o portão já tinha sido fechado. Ele iria fazer aquilo todos os dias, no intuito de não abrir espaço para Luiz Miguel. Naquele momento, as duas amigas estavam sentadas no pátio da escola. As duas esperavam o início das aulas. — Sua vida anda bem movimentada, hein? Um bonitão querendo você, o tio Edu proibindo esse grande amor... Isso tem tudo para terminar em romance. Me faz lembrar Romeu e Julieta. Capuletos contra Montecchios. — Que grande amor? Luiz Miguel está fazendo tudo pensado. Quer me seduzir para atingir minha família. Mas ele não vai conseguir. — Ainda sobre Romeu e Julieta... — Deus me livre! — Duda interrompeu Nicole. — Aquilo foi uma tragédia. E isso, é o que pode acontecer comigo se eu não ficar bem longe do mau-caráter do Luiz Miguel. — Um mau-caráter beijoqueiro. — Nicole deu uma gargalhada, chamando atenção de alguns alunos que estava ali por perto. — Eu não deixo o Felipe conversar com as espevitadas, se ele souber que tem outro me beijando por aí, eu vou acabar perdendo meu loirinho. Eu não consigo imaginar minha má sorte.

— Sua história e do Luiz Miguel parece muito com Romeu e Julieta. — Para com essa conversa Nicole. — É sério, Duda. Olha só, vocês se conheceram em uma festa, seus pais já eram inimigos e agora tudo aumentou porque teve a morte do pai de Luiz Miguel. O amigo de Romeu foi morto pelo primo de Julieta. Mesma trama da família. — Romeu mata o primo de Julieta para vingar o amigo. Nesse caso, o primo que Romeu matou é a princesa aqui. Ele quer me atingir para cobrar uma vingança do meu pai. Só que meu pai não matou o pai dele. Tragédia sobre tragédia. Quero isso bem longe. — Os finais podem ser mudados Duda. Romeu pode cair na real e acabar com toda a tragédia. — Julieta era tonta. Onde já se viu, tomar um soro desconhecido para simular morte. Romeu era outro idiota. — Duda tentou encerrar a conversa. — Credo. Você é muito insensível Maria Eduarda. — Pare com essa conversa de tragédia. Não gosto disso. — Duda amarrou o cabelo em um rabo de cavalo. — O pior de tudo foi aquele frei... – Nicole continuou. — Ele foi o culpado de tudo. O plano infeliz veio dele. Engraçado... ele saiu ileso na história. Uma história de amor tão linda, acabar daquela maneira por uma atitude do frei irresponsável. Ele poderia tomar o remédio que deu para a pobre da Julieta e não fazer o casamento. Tadinha de Julieta.

Duda já estava assustada com Nicole, pois no momento, ela estava com a mão no coração e lamentava a morte do casal da história. — Foi uma história elaborada Nik, seja menos louca. Você não está me ajudando muito. Vou ver uma maneira para contar tudo ao meu loirinho. — É melhor que ele saiba por você. Já pensou se ele pegar vocês no flagra, tipo novela mexicana? — Não vai existir esse flagra. Eu não vou perder o amor de minha vida, por uma confusão com esse homem. *** Luiz Miguel sabia que agora, Eduardo marcaria em cima. Antes de terminar a aula de Duda, ele foi para a porta do colégio. Eduardo chegaria às doze horas, as aulas acabava às onze e quarenta e cinco, não era muito, mas ele teria que se virar com aqueles quinze minutos. — Maria Eduarda! – Ele chegou rápido. — Meu pai já está chegando e não quero você por perto. — Oi Romeu. – Nicole acenou para Luiz Miguel. Ele não entendeu o motivo do nome, mas ignorou. — Vamos ali um minuto Maria Eduarda, seu pai chega às doze. Ainda temos mais de dez minutos. — Não! Vamos Nik. — Duda segurou a mão da amiga. — Para onde? Esperamos aqui todo dia Duda. — Vai ser rápido. Comprei uma parada para você. — Ele insistiu.

— Não quero sua parada. — Parada é presente? Se for não pode rejeitar. – Nicole deu sua opinião. — Onde está à parada Romeu? Luiz Miguel colocou a mão no bolso e retirou um chaveiro com um pequeno urso de pelúcia. — Observei que você gosta de ursos. — Estendeu a mão e a entregou. — Que fofo. – Nicole deu sua opinião. — Eu não posso aceitar isso. – Duda quis devolver. — É um chaveiro. Somos amigos Maria Eduarda. Aceite. — Nesse coração está escrito amo. Por que está escrito amo? – Duda questionou. — Tinha um par. Você pode tirar esse coração. Só não tinha outro lá. — Amiga, decide rápido. O tio Edu, está virando a esquina. Ai, meu Deus, não vai precisar nem de veneno do frei, decide logo Duda. — Sim, sim, pode ir agora. Vou ficar com ele. Urso não se rejeita. Luiz Miguel avistou Alicia e seguiu até ela, precisava evitar um choque de frente com Eduardo. *** À noite, toda a família de Eduardo e outros membros voluntários estavam nas ruas entregando do sopão aos moradores carentes. Duda

reconhecia o bairro e prédio no outro lado da rua. Tinha visto Luiz Miguel entrando ali na primeira vez que o visitou com a equipe. — Nik, o Dudu falou outro dia, que aquele prédio é uma casa de prostituição. — Misericórdia. Por isso, tantos homens entram lá. — Eu vi o Luiz Miguel entrando lá, no dia que você não veio. — E ele está entrando lá outra vez. – Nicole cutucou Duda. Duda só viu as costas de Luiz Miguel e a moto estacionada. — Eu vou lá! — Duda falou com convicção. — Não Duda! Você não vai! – Nicole segurou o braço da amiga. — Vai ser rápido, só vou observar lá dentro. — Duda soltou do braço da amiga e seguiu sorrateiramente em direção ao prédio. — Isso é perigoso Duda. – Nicole assustou a amiga. — O que você está fazendo? Volte Nik. – Duda já estava próximo ao prédio quando percebeu a amiga. — Não vou deixar você entrar sozinha em uma casa de prostituição. — Eu só vou dar uma olhada e volto, volte agora! — Só volto se você vir comigo... — Tudo bem, vamos logo então. – Duda puxou a amiga e juntas se posicionaram na porta do prédio. Duda bateu devagar na porta de aço, mas ninguém apareceu. Nicole

bateu mais forte e imediatamente um homem negro, forte e alto e careca abriu a porta. O homem mirou as meninas de cima abaixo e cruzou os braços. — Com licença senhor, poderia nos dizer o que funciona aí dentro? – Nicole foi a primeira a perguntar, mas Duda viu que aquele caminho não era o mais fácil. — O senhor é segurança? – Duda forçou um sorriso simpático. — Sou. — O homem continuou com os braços cruzados e a pose ereta. — O senhor faz a segurança de quê? – Duda também cruzou os braços e assumiu a mesma posição do homem. — Esse lugar não é para vocês, então é melhor as belezinhas saírem daqui. Façam isso rápido. — Ouviu Duda? Obrigado pelo aviso. O senhor é muito simpático. Vamos Duda! – Nicole começou a puxar a amiga pela mão. — Me deixa dar uma olhada moço, vai ser rápido. – Duda insistiu. — Vanessa venha aqui! – O homem chamou a mulher que estava próximo a porta, por dentro. Ela saiu, olhou para o homem e em seguida estudou as meninas. — O que as patricinhas fazem aqui, Rex? — Elas querem espiar lá dentro. — Eu não tenho nada contra seu modo de ganhar dinheiro moça,

mas eu preciso encontrar argumentos para jogar na cara de alguém que anda aí dentro. Se você me ajudar, eu ficarei imensamente grata. Eu faço parte da equipe de voluntários que distribui alimentos toda semana aqui frente ao... ao seu trabalho. — Vamos sair daqui Duda. – Nicole insistiu. A morena olhou para o homem e ambos sorriram, pareciam falar em códigos. — Então as patricinhas querem ver nosso trabalho de perto? – Vanessa colocou um braço sobre o ombro do negro e deu uma piscadela, parecendo se insinuar para as meninas. — Se entrar, vai ter que participar, não é Rex? — Está repreendido! – Nicole se apavorou e tornou puxar amiga, que permaneceu resistente. — Eu só quero uma foto comprometedora de uma pessoa. Vou sair rápido... senhorita. – Duda continuou tentando. — Saiam, antes que arrumem problemas. Esqueçam que existe esse prédio. Vocês ficarão bem, se seguirem o meu conselho. – O homem alertou as duas. — Eu já estava me divertindo com a ideia Rex. – Vanessa seguiu rebolando até Nicole e alisou o cabelo da jovem. Nicole deu a volta e puxou a amiga ainda mais forte, dessa vez Duda não mostrou resistência e se deixou ser levada. — Aquele homem não parecia ser tão ruim, Nik.

As duas já estavam voltando para a roda de voluntários. — Como não? O nome dele é Rex, quem tem o nome de cão de guarda e é bonzinho? Nunca mais faça isso Maria Eduarda Moedeiros! Meu coração está sambando dentro do meu peito. — Aja naturalmente e tudo ficará bem. Desculpa, eu só estava curiosa. – Duda abriu um sorriso forçado quando entrou no campo de visão de Sérgio e Eduardo. — Tente ser discreta Nik, você é péssima em segredos. — Eu? – Nicole ainda tentou reclamar, mas já estava muito próxima do pai. — Eu vou ajudar minha maman com as marmitas. Você vem Nik? — Vou ficar perto do meu paizinho, essas ruas são muito perigosas. – Nicole sentou ao lado do pai. Sérgio logo abraçou a filha. Duda jogou um beijo para o pai e seguiu até onde as mulheres distribuía alimentos. — Você sumiu Duda. Estava com seu pai? – perguntou Maria Fernanda. — Esse bairro é perigoso não se afaste. — Estou aqui, maman, estou bem. Não se preocupe. – Ela beijou o rosto da mãe e seguiu até a ponta da mesa, onde uma fila de moradores estava na espera. — Obrigada. – Um velhinho maltratado pela vida, carregando um cobertor nas costas, agradeceu, assim que recebeu uma marmita das mãos de Duda.

— Senhor... você pode me dar uma informação? O homem assustado, mirou o chão e pensou em fugir da conversa. — Qual o seu nome senhor? Vejo que está faminto. – Ela insistiu. — Me chamam de Pão do lixo, eu não sei nada sobre as pessoas do bairro. — Senhor Pão do Lixo, desculpa te chamar assim, foi o senhor mesmo que falou. Não se preocupe, não é nada de mais, só quero saber se as atividades daquele prédio funcionam durante o dia. – Ela entregou mais uma marmita para o homem que abriu um sorriso mostrando seus dois e únicos dentes. — Às vezes. – Ele se aproximou e falou baixo. — Mas o movimento é durante as noites, quando vêm os magnatas. Eles chegam de táxi, pois os carros bacanas ficam na entrada do bairro, em um galpão. — O senhor não sabe quase nada, hein? — Bem... às vezes, tenho uma melhora em minha cabeça e ela volta a funcionar. – Ele sorriu mais uma vez. — E, o senhor sabe me dizer... Luiz Miguel trabalha aí ou é apenas um cliente? — Luiz Miguel? – O velho pareceu confuso. — Para ajudar na sua memória. – Duda colocou mais uma marmita nas mãos do homem. — Bem... assim fica mais fácil lembrar. Comida é um bom remédio

para a memória. — Então, tente lembrar. É um alto e forte... um bonitão que pilota uma moto grande. — O anjo da noite? – o velho perguntou. — O quê? — O anjo da noite. O que deixa qualquer outro no chão. Ele é muito famoso aí dentro. Dizem que a renda maior é dele. — Anjo da noite... Então o nome de guerra dele é anjo da noite? — Ele é o mais requi... requiji... — Requisitado? — Isso. Todos querem escolher o anjo da noite. — Ele beijou minha... — O quê senhorita? — Tome, pegue mais uma marmita. O senhor é muito gente boa. Da próxima vez, vou trazer roupas novas e uma escova de dente. O senhor não pode perder esses dois. — Ganhei três marmitas. — O homem falou com a voz atrapalhada pela falta de dentes na boca. — Obrigada senhorita. – Caminhou, mas acabou voltando novamente — Fique longe daquele prédio. – Depois do alerta ele se afastou.

TREZE Era quase uma da manhã quando a família Moedeiros retornou para casa. Duda tinha percebido o pai calado na estrada, mas quando ele subiu as escadas e não esperou a mulher, teve certeza que tinha algo errado. — O que o Dudu tem? — Seu tio ligou hoje cedo. Ele vem ao Brasil. — Papa! — Duda gritou eufórica — Shiii! Seu tio! Você quer piorar as coisas? — Meu pai não ouviu. Quando ele chega? —Não tem data, mas vem por esses meses. Está negociando, se der certo, vem fechar um negócio para a joalheria. — Então, em alguns meses, essa casa será um barril de pólvoras. Socorro. — Eduardo não me falou nada, mas está assim, zangado pelos cantos. Ele sabe da minha forte amizade com o Thiago. Já era para ele ter superado o passado. — É só a gente ter cuidado para não demonstrar amor demais na frente dele, assim ele não vai ter ciúmes. — Duda cochichou. — Seu pai me ignorou durante o dia. Já estou morrendo de saudades

do meu ogrinho. Ele me ouviu dizendo ao Thiago que sentia saudades. Desde então ficou calado. — Vai lá e faz as pazes então. — Eu não fiz nada, Duda. Logo hoje... eu tinha planos. — Pare de safadeza na minha frente, maman. E vai logo, o orgulhoso aqui é ele. O Dudu só está calado, por medo de falar alguma besteira. Vai lá ganhar ele, como sempre fez. — Eu vou, mas se ele me ignorar eu vou dormir com você. Estou sensível hoje, não tenho forças para deixá-lo no sofá. Ele está fofo chateado. — Então vai resolver logo. — Duda empurrou a mãe. As duas começaram subir as escadas. — Onde já se viu, ciúmes do Thiago, depois de anos casado comigo. — Calada! Entra logo. — Duda empurrou a mãe para dentro do quarto e deu um tchau acompanhado de risos. Depois ela seguiu até o final do corredor, entrou em seu quarto e fechou a porta. Ainda estava sorrindo, quando ficou estática ao ver Luiz Miguel deitado sobre sua cama, girando um de seus ursos pela orelha. — O quê? Você... como entrou aqui de novo? Ah, isso já está ultrapassando até mesmo meus limites. — Quieta! – Luiz Miguel levantou e pressionou o dedo sobre o lábio, pedindo silêncio. — Você não estava lá? Eu vi... Por que está dentro do meu quarto?

Eu vou falar com o Dudu de uma vez por todas! — Não, espera. — Ele se aproximou dela. — Eu só vim saber se você gostou do chaveiro. — Não posso desdenhar um ursinho, mas é com dor no coração que digo: não gostei. Ela pegou o chaveiro que estava na mesinha de cabeceira, levantou na ponta dos dedos e direcionou a ele. — É simples e foi barato. É por isso? – Ele perguntou enquanto olhava a coleção de Duda. — Seu cabelo está molhado. Por que seu cabelo está molhado? — Eu estava suado e você é toda fresca... — Por favor, não me responda. Eu não quero saber. Pode voltar para aquele lugar. E não se aproxime outra vez. Você usou que dinheiro para comprar esse chaveiro? Deus do céu! Saia daqui Luiz Miguel! E leve esse fruto do seu trabalho de volta. – Continuou oferecendo o chaveiro. — Eu não sou ladrão, não fique pensando isso. Às coisas não são fáceis, mas nunca roubei nada de ninguém. — Eu já sei. Você não é ladrão, mas porque não procurou ganhar dinheiro de outra maneira? Você tem os braços fortes, está na faculdade e montando uma empreiteira... Por que escolheu esse caminho e permanece nele até hoje? — Dou um duro danado desde os quinze anos Maria Eduarda. Isso

me deixa exausto... Duda colocou as mãos no ouvido e começou a cantarolar uma música. As mãos no ouvido era para não o ouvir, a música cantarolada era para afastar de seus pensamentos o que levava Luiz Miguel a exaustão. — O que está acontecendo. Por que você está desse jeito? —ele perguntou. — Você não me conhece, como sabe meu jeito? — Ela deu uma olhada dele de cima abaixo e apertou os olhos rapidamente. — Venha aqui loirinha. Me conta o que está acontecendo. – Ele se aproximou dela e tocou nos braços branquinhos. — Pelo amor das coisas sagradas, fica longe de mim. – Ela desviou. — Eu não acredito que fui beijada por um... Ahh! Eu preciso esquecer. Vou limpar minha mente da sujeira. Luiz Miguel sentou novamente na cama, ela continuou andando no quarto. — O que deu em você Maria Eduarda? — Levante-se da minha cama! – Ela o puxou pelos braços. — Seus pais vão acabar entrando aqui, daí a coisa vai ser feia. – Luiz Miguel levantou e ficou frente a frente com ela. — Seria meu fim. Toda uma reputação... Você quer acabar com meu nome? Pare de fazer isso. Me entregue as chaves agora! — E como vou fazer para te ver? Quinze minutos depois das aulas é

muito pouco. — Não me veja e tudo voltará ao normal. – Duda sentou na cama desanimada. — Você está tomando meu espaço. Estou a ponto de ser deportada por sua culpa. – Ela choramingou, vendo que ele não sairia. — Vou sentar aqui no chão. Pode trocar sua roupa, não se acanhe comigo. – Ele se abaixou e se encostou na parede. — Trocar a minha roupinha na sua frente? Como ousa? — Eu pensei que ia fazer no seu banheiro, mas se você quiser não me importo. Luiz Miguel viu Duda afundar o rosto em um travesseiro. Ou ela é maluca ou está em crise de TPM — pensou. — Vou ser despachada para o Japão, por sua culpa. Meu pai vai me colocar em um colégio interno e eu vou ficar longe de minha querida maman. — Não seja tão dramática... Ele só vai saber se você contar. — Eu não quero ser sua amiga, entenda isso. Não tenho nada contra você, mas a vida que você leva é muito diferente de tudo que eu aprendi. E ter você longe, vai livrar meu coro do perigo que me espera. — Vou deixar você descansar, Maria Eduarda. Você não está falando coisa com coisa, deve ser sono. Durma e amanhã eu te espero depois da sua aula. – Ele levantou. — Você ganhou uma beleza rara... é um tipão. Mas não deveria desperdiçar assim... Sua vida está sendo perdida. Você corre um sério risco

de contrair doenças. É uma vida difícil, precisa aceitar mulheres, homens, meio termo... — Que conversa é essa menina? Alguém te ofereceu bebida ou outra coisa e você usou? — Por que não esquece essa vida? Você tem capacidade de conseguir algo melhor, Luiz Miguel. Luiz Miguel sabia que não tinha como Duda descobrir nada de sua vida sem que ele permitisse, por isso continuou observando-a. Os alertas lembraram sua mãe Samanta. Era ela que dava conselhos daquela maneira, calma e protetora. Ele estava perdendo aos poucos o controle de seus planos e aquilo já estava o afetando de alguma maneira. — Eu já vou. Está tarde e você já está bêbada de sono. — Você ouviu o que eu falei? Vai se afastar dessa vida? Eu sei que é difícil, mas vai melhorar. Você acabou ficando com o projeto da casa de jogos, se reverem a planta eu posso aliviar na marcação. Aquilo vai trazer dinheiro para você, não vai precisar se envolver com essas coisas. E por favor esqueça a minha existência. — Não adianta pedir para eu ficar longe de você, isso não é mais possível. E não fique com paranoia de pensar que eu quero você, porque isso tudo é verdade. Duda arregalou os olhos azuis ao ouvir aquilo e logo sentiu a respiração de Luiz Miguel Muito próximo. — Não vai funcionar comigo, eu já falei... — Sentiu os toques dele

em seus cabelos. Ele abaixou o rosto para alcançar o dela é mesmo assim teve dificuldade. — Ainda mais depois de hoje. — E o que teve de especial, hoje? — Luiz Miguel já tinha perdido o controle total da respiração. Sua mão foi até a cintura de Duda e a puxou para sobre seu corpo. — O que está fazendo? — Duda deu um forte beliscão no braço dele. Luiz Miguel a desceu novamente, mas continuou com a mão na cintura dela. — Há certo limite aqui. Não tocar em mim é o que vai te manter sendo amigo. Se você tentar mais uma vez fazer isso... acabou amizade. — Ele continuou friccionando os dedos sobre o tecido do vestido dela. — Você é desorientado. Eu apenas quis te dar um conselho, mas eu não tenho responsabilidades nenhuma com você. Eu estou assumindo um risco grave tendo você aqui no meu quarto, querendo colocar minhas pernas em volta de sua cintura. Eu posso ser mandada para fora do país por sua culpa. Não vou mais assumir esse risco. — Tudo bem. Agora pare de falar um pouco! Vá descansar. Te encontro amanhã na porta do colégio. — Ele alisou o comprimento dos braços dela. — Eu não vou te encontrar amanhã. — Vou ficar te esperando para os conselhos. Sou desorientado e preciso de sua ajuda. — Ele colocou as mãos para trás e beijou a testa dela.

Ele riu, se afastou, foi até a porta, mas antes de sair, sentiu o leve impacto do urso de pelúcia em suas costas. Luiz Miguel passou pelo longo corredor e desceu as escadas. Na porta do muro, fez o ritual de desativar o alarme, abrir a porta ativar o alarme, trancar a porta e virar a câmera. Fez os três últimos processos antes dos dez segundos estabelecidos pelo sistema de segurança. Depois, seguiu até o ponto estratégico do condomínio, onde tinha deixado sua moto.

QUATORZE No dia seguinte, era o primeiro dia das obras da casa de jogos. Luiz Miguel estava confiante. O projeto levantaria sua pequena empreiteira. O dinheiro seria pouco no começo, pois já tinha gastado muito com ferramentas e burocracias dos funcionários, mas certamente diminuiria seu cansaço diário para ajudar no sustento da família. Naquele dia, ele faltou sua aula na faculdade. Faltavam três meses para concluir o quarto semestre do curso de engenharia. Ele estava negociando uma troca de horário. Quando ganhou aquela bolsa de estudo, não teve a opção de horário. Se conseguisse mudar o turno para a noite, teria mais tempo para se dedicar ao seu projeto de vingança. A morte de seu pai e as evidências que Eduardo tinha dado ordens diretas para matá-lo dentro da cadeia, assombrava sua mente todos os dias. Seu plano estava indo por um caminho razoavelmente bem. Ele ainda não tinha sentido nenhum vestígio de paixão em Duda, mas se ela se calou, sobre suas visitas sorrateiras, era sinal que alguma coisa estava funcionando. Duda saiu da escola grudada no braço de Felipe. Durante a noite, ela tinha decidido não abrir espaço para uma aproximação de Luiz Miguel. — Hoje é um bom dia para falar com o tio Eduardo. O que você acha Duda? – perguntou Felipe. Ela olhou na direção da faculdade e não viu a moto de Luiz Miguel.

Alicia já tinha seguido para o ônibus escolar, sinal que ele realmente não estava por perto. — Duda? Estou falando com você. – Felipe chamou a atenção dela. — Eu não sei... não sei mais de nada... – Ela continuou procurando. — Desistiu da gente? — Não, não meu loirinho. Eu estava pensando outra coisa. Eu ouvi tudo. Sim, talvez, seja hora de arriscar. Não vamos abrir espaço para outras pessoas se nos amamos. Felipe observou as reações desconexas de Duda, mas não tinha como identificar o motivo da distração. — O meu tio está chegando. Vamos! – O loiro carregou Duda alguns passos, mas ela parou no caminho. — Espera Lipe. – Ela soltou a mão dele abruptamente, pois no fundo o medo reinava. — O que foi? – Felipe entrelaçou novamente os dedos nos dela e aproveitou para beijar a mão. — Ele vai permitir. Não se preocupe. — Felipe! – O olhar de Eduardo estava nas mãos unidas dos primos. — Oi, tio. — Estendeu a mão. Eduardo olhou a mão do sobrinho e estreitou os olhos. — Tudo bem garotão? – Eduardo firmou o cumprimento, olhando diretamente nos olhos do sobrinho. — Vamos Dudu, estou faminta. – Duda sabia todos os códigos

distribuídos através do olhar de Eduardo. Teve medo da precipitação. — Hoje à noite, vou conversar com você tio Eduardo. — Você é corajoso moleque. Não nega o sangue que tem. Hoje à noite então... prepare sua armadura. — Estarei lá. – Felipe sorriu para Duda. Ela retribuiu, mas estava em pânico. Minutos depois, Eduardo estava dirigindo seu carro e a mente estava anestesiada com o possível acontecimento. Seu sobrinho estava querendo sua filha, ele percebeu no olhar dele que era para valer. Sabia que aquele dia chegaria, Duda assumiria sua vida adulta e consequentemente os romances viriam, mas estar preparado já era pedir demais. Duda estava ao lado, apreensiva. — Eu quero um cachorro Dudu, você consegue um para mim? – Tentou afastar os pensamentos errados do pai. — Depois que o Thor se foi, você sabe, decidi nunca mais adotar um cão. — O Thor estava velhinho e doente, ele precisava descansar, mas já tem tanto tempo... Por que não adotamos outro? — A morte do Thor me deixou muito abatido, ele era meu parceiro, um amigo, aquilo me afetou você sabe disso. Não quero outro. — Podemos colocar o mesmo nome. Quem sabe, você se apega novamente...

— Não vou me apegar. Melhor esquecer isso filha. *** Eduardo chegou a Moedeiros e foi direto para a sala da vicepresidência. — Já está acontecendo! – Afrouxou a gravata e andou de um lado a outro, dentro da sala. — O que foi agora? – Sérgio desviou o olhar do computador e notou a aflição do amigo. — O Felipe quer roubar minha filha, ele me iludiu todos esses anos. Como eu pude me enganar tanto? — Calma, Edu. Senta aí e me conta isso direito. – Sérgio tinha prometido a sobrinha, então fingiria não saber de nada. — Ele vai me falar hoje à noite, eu não estou preparado para isso Sérgio! É minha filhinha. Ela não devia estar pensando nisso agora. Esperasse eu morrer de velhice, mas isso não podia acontecer agora. — Pensa por um lado. O Lipe é seu sobrinho, daí fica tudo em família. — Eu não sei o que é pior. É evidente que Felipe herdou meu rosto de galã, mas ele pode ter herdado outras coisas também. Eu já fui um canalha. Você lembra? — Quase nada. — Sérgio foi irônico. — Tenho muito medo que minha filha sofra o que eu fiz a mãe dela

passar. — Não vai acontecer, Duda é esperta e bocuda. Se a coisa apertar ela solta tudo. — Ele é mais novo que ela, Sérgio. – Eduardo sentou na poltrona de couro e tirou sua gravata. — Maria Fernanda é mais nova que você seis anos, não use essa desculpa. — Ele é primo dela. — Eduardo continuou enumerando seus motivos para não dá certo. — Você e a mãe dela não são uma espécie de primos emprestados? – Sérgio rebateu. — Ela é muito nova para namorar. — Na idade dela a Maria Fernanda estava quase se casando com você. — O que você quer?! Eu não tenho um histórico exemplar, mas não esqueça que sou o pai! Não estou preparado, para ter minha filhinha roubada por um adolescente metido a corajoso. — Vá para casa Edu. É melhor, você precisa se preparar para a visita do seu genro. – Sérgio sorriu, imaginando Eduardo colocando Felipe para fora da sua casa. — Você está rindo, mas a Nicole pode aparecer amanhã com um sacana do lado.

— Não, Edu. Ela só pensa em estudar. — O tempo passa e você continua sendo, Sérgio o idiota. Eu não vejo à hora de te ver passando por essa aflição. Não pense que você vai escapar! — A Nicole vai namorar aos vinte, eu vou preparar o casamento dela em um ano. Não vou ter trabalho nenhum com isso. Agora volte para casa e me deixe trabalhar. Tenho muita coisa para fazer ainda hoje. — Não vou para casa na hora do experiente, sem motivos. Você está analisando o quê? – Eduardo tentou observar o computador de Sérgio. — É o projeto do parque aquático? — Não, mas é outro grande projeto. — Sérgio virou o monitor e viu os olhos de Eduardo brilhar. — Vídeos de bebê? – perguntou Eduardo. — Eu não tenho experiência nenhuma com crianças, quero aprender tudo para quando a Julinha nascer. — É o primeiro banho? — Eduardo tirou a pausa do Vídeo. — Sim, quero aprender tudo. Não vivemos isso, por consequência de nossos próprios erros. Não quero perder os momentos da Julinha. — Foi uma felicidade quando a onça da Suelen conseguiu segurar a gravidez. Fico muito feliz por você. – Eduardo ficou pensativo e Sérgio quase identificou uma tristeza no olhar do amigo. — Por que não leva e Maria Fernanda em uma viagem? Quem sabe,

alguns remédios sejam esquecidos... você ser muito competente para aproveitar a situação... — Maria Fernanda teme outra gravidez, devido ao risco da última. — Desistimos depois da terceira perda da Suelen e quando não esperávamos, surgiu a nossa Julinha. Vocês deveriam deixar acontecer. — Ela não desgruda daqueles benditos remédios. Até planejei uma viagem, em comemoração aos nossos dezenove anos juntos, mas não posso deixar a Duda sozinha, com os gaviões a rondando. — Ela fica em minha casa, com a Nicole. Não se preocupe com isso. — Eu vou conversar com ela e ver uma data para sequestrar minha ferinha. Mas, primeiro, vou colocar um ponto definitivo nessa história da Duda com o Felipe. *** — Ele está muito sério maman. Você conversou com ele? Duda estava sentada em um dos sofás da sala, observando Eduardo olhar através da parede de vidro da sala. — Conversei, mas ele é imprevisível, vamos esperar a conversa. Você tem certeza que quer isso filha? — Sim, tudo o que mais quero e vou lutar por meu amor. Maria Fernanda beijou a testa da filha e seu olhar continuou em Eduardo. Em dez minutos a campainha tocou e Eduardo passou frente a

funcionária. A mulher quase tombou na parede. Ele mesmo quis abrir a porta externa. Eduardo olhou para o carro estacionado frente ao portão e cruzou os braços frente ao sobrinho. — Veio dirigindo, moleque? — Vim. – Felipe entrou no jardim. — E você se acha responsável para dirigir um veículo aos quinze anos? Já começou muito bem. — Sou homem tio. Você me ensinou dirigir aos treze, já esqueceu? — Não jogue na minha cara coisas do meu passado, moleque. – Eduardo cruzou os braços. — Você está em uma situação desfavorável. Sua malandragem eu conheço de cor. — Vim, pois quero conversar tio. — Claro, Vamos entrar. Quero ouvir suas palavras de homem. Eduardo fechou a porta de madeira e apressou os passos na direção da casa. — Duda... – O loiro caminhou até a prima, que levantou rápido do sofá. — Temos uma conversa de homem para homem, não é isso? Então vamos tratar no escritório. – Eduardo interrompeu a alegria do casal. Felipe seguiu direto, sabendo que Eduardo já estava armado para dar um possível não. Duda sentou no mesmo lugar e recebeu um abraço da mãe.

Maria Fernanda já tinha ideia da conversa, mas Duda mantinha esperança na reviravolta. Passaram-se exatamente quarenta minutos e nenhum grito foi ouvido dentro do escritório. — Ele pode ter asfixiado o Lipe lá dentro... — Ou pode ter dado tudo certo. Não sofra antes da hora. A porta do escritório foi aberta e as duas levantaram de onde estavam. Felipe foi até Duda, beijou-a rapidamente nos lábios e selou a testa. O coração dela saltou de alegria. Aquele era um sinal, de que Eduardo tinha concedido à permissão? — Eu te amo – Felipe falou olhando dentro dos olhos dela. — Eu também te amo, eu nem acredito que está acontecendo. – Duda voltou a beijar Felipe. — Ele disse não – Felipe sussurrou no ouvido dela, fazendo Duda parar a dança da vitória. — Ele disse não? Você disse não Dudu? Por que disse não? – ela perguntou ao pai que saia do escritório naquele momento. — Não agora. Mas dei a permissão quando os dois atingirem a maioridade. — O quê?! São quase três anos a frente. Por que está fazendo isso comigo, meu pai? Não sou uma filha merecedora de sua confiança? – Duda questionou com a voz embargada.

— Estou fazendo a coisa certa. Agindo assim, evito muitos problemas e dores de cabeça. — Eu não vou desistir de você, deixei bem claro para ele. – Felipe segurou o rosto de Duda entre as mãos e a beijou outra vez. Agora, para confrontar Eduardo. — O que é isso?! – o pai se enfureceu. — E a conversa de homem para homem, que tivemos lá dentro? – Eduardo separou os dois. — Que isso não se repita Felipe. Sua prima não está preparada para beijos. E se eu sonhar que andam se pegando as escondidas... — Eduardo! – Maria Fernanda interrompeu o marido. — Menos. — Se não se comportarem até lá, o Japão a espera Duda. – falou com a voz calma. — Por que está sendo tão mau Dudu? É importante para mim! – A voz de Duda estava trêmula. — Não me pinte de vilão, que quer acabar com o amor de dois jovens apaixonados. Sou um pai e quero proteger minha filha. Esse tempo será suficiente para vocês terminarem o colegiado e iniciar a Faculdade. — Eu te amo Duda e não vou desistir disso. Principalmente agora. – Felipe deu a volta em Eduardo e abraçou a prima. — Fique tranquilo – olhou para o tio — Não pretendo namorar às escondidas com a Duda, mas não pense que vou ficar parado. Vou te mostrar que sou homem para sua filha e não um moleque como pensa. — Isso é um desaforo. Um pai cuida tão bem de uma filha, para ter

que ouvir uma miséria dessas! – Eduardo reclamou. — Tudo vai se resolver minha filha. Vamos esperar uns dias e quem sabe as coisas mudem. – Maria Fernanda consolou a filha. — Até lá, fiquem sempre juntos, conversem sobre tudo e se conheçam. — Meu pai não confia em mim. — Duda estava com indício de choro. — Duda, não chore. Estou agindo corretamente, pode acreditar. – Eduardo se explicou. — Vai ficar tudo bem. — Felipe fez um carinho no rosto dela. — Mas tarde eu te ligo. Maria Fernanda não suportava ver a filha chorar. Seus olhos também estavam lacrimejando. — Eduardo, eu me responsabilizo. – Ela tentou contornar a situação. Mas no fundo ela sabia que a decisão do marido era a melhor no momento. Ela sentia que havia amor entre o casal, mas não era algo duradouro. — Vamos deixá-los decidirem se é futuro ou não. — Mulher, minha palavra é a mesma. Já conversamos e você sabe... — Obrigada pelo apoio Tia. – Felipe interrompeu o tio. Sabia que o apelo não daria em nada. — Cuida dela, por favor. — Vou te levar em casa. – Eduardo se apressou em chegar até a porta. — Estou de carro. – Felipe estava sério.

— Estou de carro... Você vai comigo. Vou conversar com seus pais sobre esse carro. Não sei a quem você puxou. Felipe saiu sem olhar no rosto do tio. Eduardo seguiu atrás. Duda largou a mãe e subiu as escadas, tentando ser rápida. A mãe conhecia a filha e sabia que ela desejaria chorar sozinha. Então não interferiu em sua privacidade. A jovem chorou sobre a cama e depois adormeceu em um sono pesado. *** Depois dos compromissos noturnos, Luiz Miguel seguiu para a casa dos Moedeiros. Ele já estava observando Duda dormindo há algum tempo. Quando ela virou de lado na cama, ainda dormindo, ele caminhou até ela, deslizou o dorso da mão bem lentamente por toda extensão da pele macia e desnuda do braço. Repetiu o carinho por diversas vezes e quando a viu se mexer, tampou a boca dela com a mão. — Eu não fui hoje à aula, não queria dormir sem te ver. Ela esperneou sobre a cama e o esmurrou. — Vou tirar a mão. Se seu pai entrar aqui o problema será seu e dele. Eu não tenho medo. Ela respirou irregular, mas se acalmou, não queria aquele confronto. Luiz Miguel a soltou, ela sentou rápido na cama. — O que está fazendo aqui?! — A voz dela saiu alta, Luiz tentou

interditar a boca dela outra vez, mas ganhou um sopapo. — Quero que você falte às aulas todos os dias, se isso te impedir de me ver, psicopata! — Você chorou? — Luiz Miguel conseguiu ver os olhos inchados e vermelhos, mesmo com a pouca iluminação do abajur. — Estava dormindo, por isso estão assim. — Está sentindo alguma coisa? — Raiva de você. — Isso não é inchaço de sono, você dormiu chorando. Por que fez isso? — Não te devo satisfação dos meus problemas. — Ela se endireitou na cama. — Vou ficar a madrugada toda aqui, até você me contar. — Não tem outra coisa para fazer, não? Não quero você, não vai acontecer, desiste disso! Seu plano já era. — Nunca desistir de nada nessa vida, patricinha. — Bela filosofia, agora saia da minha casa. Vou ganhar um cachorro, daí eu quero ver você entrar aqui. — Comecei as obras do parque hoje. — Não tenho interesse na sua rotina. — Duda virou o rosto. — Você está triste, me fala o que aconteceu. – Luiz Miguel tocou a mão dela, que estava sobre o lençol. — Somos amigos. Eu posso te ajudar?

— Você vai entrar na mente do meu pai e fazê-lo permitir meu namoro com o Felipe? Não vai. Então, não pode me ajudar em nada. – A informação saiu da boca de Duda, sem que ela percebesse. — Foi isso? Você chorou por ele? Gosta mesmo desse primo? Duda estreitou os olhos, pois identificou um leve desapontamento nele. — O Felipe me beijou na frente do meu pai e correu riscos. Você acha que ele vai desistir de mim? — Ela alfinetou. Ali Luiz Miguel soube que Felipe poderia não ser tão mole, visto que tinha enfrentando Eduardo. Ele estava claramente em desvantagem, um amor impossível tomava grandes proporções em curto prazo, se o impedimento fosse os pais, a coisa ficava séria. Aquela ideia de amor impossível era seu propósito com Duda. Seu plano corria risco, precisava agir rápido. Na penumbra do quarto se aproximou de Duda e antes que ela o empurrasse, tomou os lábios dela com certa urgência. Suas mãos se perderam dentro dos cabelos loiros com possessão. Duda o esmurrou, mas o ataque não o impediu de largar a boca que reivindicava. Ela se valia do que tinha, então apertou a unha afiada na pele do braço musculoso. Ele sentiu a dor aguda na pele e intensificou o beijo. Duda lutou mais uma vez, puxando os cabelos dele com muita força e arranhando os braços, mas embora Duda estivesse usando a força para autodefesa, Luiz Miguel entendeu como paixão.

— Loirinha... — Ele sussurrou com a respiração custosa — Se você continuar assim, eu não consigo parar. — Os lábios alucinados roçavam aos dela, querendo mais do gosto doce e bravio. Ele firmou a cintura dela e puxou com força sobre ele. — Você não pode me pegar assim... — Presa dentro do braço forte, ela perdeu a vontade de se afastar. — Tente relaxar... — Luiz Miguel beijou a bochecha, o queixo de Duda e a ponta do nariz — Estou te guiando... — Voltou aos lábios com sutis mordidinhas. Aos poucos ela diminuiu a resistência e deixou o beijo acontecer, ele não perdeu tempo e tornou tudo mais prazeroso. Duda estava sentindo algo novo naquele momento. Luiz Miguel se assustou, pois teve necessidade de não deixar o contato terminar. Ele quis mais. Aquele era o momento. Ela estava entregue aos seus toques e correspondia aos seu beijo. Estavam em uma sincronia perfeita. Aquilo era assustador diante dos seus frios interesses. Quando ele sentiu que Duda precisava respirar, segurou os ânimos e seguiu uma trilha de beijos em direção ao rosto. — Respire, respire com calma — sussurrou antes de descansar a cabeça dela em seu ombro.

— Isso...

— Eu sei... — Ele a interrompeu. — Se chama desejo. Você acabou de descobrir. — Eu... — Ela não conseguiu terminar a fala, pois a respiração estava longe de se normalizar. — Só respire pequena. Da próxima vez tenha mais cuidado. — Beijou o rosto dela. — Foi imprudente, me marcando com as unhas. Não queira provocar um furacão, Mar.

QUINZE — Não... — Ela lutou para sair dos braços dele. Ele permitiu. — Eu não te arranhei, não no sentido da sua interpretação. O que deu em mim? — A pergunta foi retórica. — Hoje está quente. — Ela pegou o controle do ar condicionado sobre o criado mudo e ligou. — Muito quente. Luiz Miguel se aproximou dela outra vez, mas Duda puxou o lençol e jogou sobre a cabeça. — O que foi, Mar? — Ele levantou as mãos e moldou o contorno da cabeça e braços por cima do lençol. — Ninguém vai saber, é coisa nossa. — Anjo da noite. — O que disse? — Se você me deu um apelido, eu também posso... — Duda estava sentada na cama. O lençol ainda cobria sua cabeça. — Como ficou sabendo disso? — Ele afastou as mãos. — Não esconda nada de mim, eu sempre descubro. — Sai do lençol, que te explico. — Eu já sei de tudo. Você não se sente mal em fazer isso? — É o que me dá dinheiro. Sou o homem da casa desde os quinze. Tenho responsabilidades é preciso levar dinheiro.

Duda levantou as mãos só para constatar a proximidade dele. Recuou quando suas mãos tocou o peito duro. — Está constrangida? Relaxa, com um tempo você se acostuma. O que é bom a gente pega rápido. – Ele beijou o lençol sobre os lábios dela. Duda puxou o pano abruptamente e o empurrou. De cara viu o arranhão no comprimento do antebraço esquerdo dele. Ela colocou a mão na testa, desejando limitar a visão do estrago. — Eu posso conseguir um emprego para você. Se eu falar com o Dudu, ele consegue algo em sua área lá na Moedeiros. Luiz Miguel riu. — Trabalhar para Eduardo Moedeiros? — Então tente outra coisa, mas vender o seu corpo em uma casa de prostituição é cruel, eu tenho certeza que sua mãe não aprova. As coisas podem não ser fáceis, mas a Alicia já é desorientada... tem o seu outro irmão. Se é o homem da casa, queira fazer diferente por eles. É só um conselho, não temos vínculo e eu não me preocupo com você. Luiz Miguel a olhou por curtos segundos, entendeu do que ela falava, juntou os pontos e sorriu outra vez. Duda estava com a mão sobre a testa, mas o olhava por baixo da palma. — Você não acha que meu corpo vale uma boa grana? Não pagaria por uma noite inteirinha comigo, loirinha? Faço tudo o que desejar e encerro com uma cortesia.

— Seu... Depravado! — Ela o estapeou. — Calma. — Segurou nos braços dela. — Calma. — Você é um prostituto, me beijou e... e ainda debocha da minha cara! Eu acabei de beijar um prostituto... estou perdida... — Lamentou e seus lábios tremeram. — Você é muito mimada. Não precisa chorar. — Sou, sou mimada. Qual o seu problema com isso? Eu não tenho culpa se as pessoas que eu amo me oferecem tudo. — A voz dela saiu embargada. — Eu não queria ter te beijado. Tenho compromisso e choro por ele. Tem um prostituto na minha cama e isso me atormenta. Por que o meu calor não passa? — É um clube de luta. — Ele a interrompeu. — Não tente me enganar, eu fui lá e conversei com o Rex. — Com o Rex? Foi ele que te falou sobre isso? – A informação não era o ponto crucial. Duda tinha ido até o prédio, o fato era preocupante. — Você sabe o quanto é perigoso entrar em um lugar daquele? — Eu não entrei, o Rex não deixou. — E se não fosse o turno do Rex? Definitivamente, você precisa de disciplina Maria Eduarda. — Luiz Miguel usava um tom baixo, não queria acordar Eduardo no primeiro quarto do longo corredor. — Não tenho medo de nada. — Você é corajosa ou suicida?

— Você é prostituto ou engenheiro? Não te vejo em condição para oferecer lição de moral. — Luta clandestina. Eu ganho a grana lutando em um ringue clandestino de apostas. Não sou garoto de programa. Tire isso de sua cabeça. — Foi até ela e alisou a mecha dos fios que estava caída sobre o rosto. — Você deve ter enlouquecido muito a sua mãe por esses anos. Duda desmanchou a cara emburrada aos poucos e quando percebeu que talvez ele estivesse falando a verdade. Voltou cobrir o rosto com o lençol. — Pare com isso Mar, você me ouviu? Eu nunca fiz por dinheiro. Apesar, que no ringue meu corpo é vendido, mas com minha luta, não em troca de sexo. — Não vou pedir desculpas. Sou orgulhosa. — Confessou e Luiz Miguel sorriu. — Além de orgulhosa, autêntica e atrevida. — Não levante falso contra minha personalidade, Luiz Miguel. — Lá no ringue, sou Miguel o "Anjo da noite". Dificilmente um adversário me atinge. — Eu não quero saber. De prostituto a valentão, grande melhora. — Tudo bem, preciso voltar para casa agora. Faz dois dias que eu não durmo direito. As obras começaram. Agora não posso te ver com tanta frequência. Vou precisar trancar a faculdade se eu não consegui mudar o horário. — Beijou o lençol sobre a testa dela e levantou da cama.

— Eu traí meu loirinho. — Ela murmurou sobre a cama e descobriu o rosto. Luiz Miguel já estava de saída, mas voltou. — Traição sem namoro? — Sentimentos. Você não conhece, mas eles existem. Acabo de comprovar a minha má índole. Sou uma traidora sem coração. Estou me tornando o que meu pai foi no passado. Amo um e permito que outro... um anjo do mal me beije a boca. — Sou o único responsável pelo tesão que acabou de sentir, tenho certeza que você nunca fez isso com ele durante um beijo. — Luiz Miguel mostrou o arranhão. Para ele estava sendo um troféu. — Foi gostoso. Você desejou mais e não se preocupe, de onde saiu o beijo tem tudo. — Eu não estou sentindo nada. Estou leve, muito leve. Não... não quero nada. Fique com suas coisas. — Desculpa loirinha, mas você foi bastante participativa sobre essa cama. — Você é ardiloso. — Eu? — Odiei seu beijo, foi estranho. Estranho partindo para ruim. Você não sabe fazer isso. — Assim, eu fico com vontade de calar sua boca Mar. Não me provoque.

Duda estava estranhando aquele apelido. Mesmo combinando com Maria, seu primeiro nome, ser chamada de Duda era algo natural. — Não se atreva chegar perto de minha boca, Anjo da escuridão. Você não sabe beijar. Não quero seus beijos ruins, precisa me respeitar. — Tchau Mar, tente dormir, já está muito tarde pequenina. — Sai logo. — Duda arremessou o travesseiro. Luiz Miguel saiu do quarto de Duda, fez todo o ritual de costume e seguiu para sua casa. Estava com um sorriso vitorioso no rosto e a certeza de que agora, ninguém impediria seu plano. *** Era início de noite, Duda estava brigando com questões internas, mas suas curiosidades precisavam ser saciadas, então decidiu sondar a mãe. Maria Fernanda estava sentada no sofá tomando chá e lendo um de seus romances da "Lisa kleypas". — Maman. – Sentou ao lado — O que você sente quando é beijada com intensidade? Duda soltou a pergunta de vez. A mãe quase se engasgou com o chá. — Como? – Maria Fernanda tentou se recuperar. — Eu sei, você não beijou muitos caras por aí, mas testou meu tio e o Dudu, danadinha. Me fale a diferença. — Melhor depois, seu pai está chegando, você sabe que ele... Não costumo tocar mais nesse assunto Dudinha.

— Duda, maman, Duda. Mas tudo bem, vou conversar com a tante. — Não! Eu te explico. O que exatamente você quer saber? — O que sentia, quando beijava o Dudu e o meu tio. A diferença entre eles. — Essa história com o Thiago já faz tanto tempo... — O que sentia, maman? Preciso de sua resposta. — Com o Thiago era bom... eu não consigo Duda, não consigo falar de outro homem que não seja seu pai. — Qual te deixava sem ar e fazia surgir calores em partes secretas? — Dudinha... O que andou aprontando? — Só me fale maman. Sou uma Anja. — O seu pai. Ele sempre me deixou desorientada. Eduardo me atraía, mesmo sendo um ogro cruel e ardiloso. Mas eu fugia... algumas vezes eu fugia. Mas quando aqueles braços fortes me pegavam de jeito, as chamas do meu corpo se acendiam de imediato, me fazia ter vontades... — Chega, maman. Não me dê tantos detalhes. — Desculpa, me empolguei. Falar do seu pai sempre me tira o chão. – Maria Fernanda ventilou-se com o livro. — Qual o propósito do questionamento filha? — Pesquisa de campo. Um trabalho sobre... hã... a... a lei da atração. É isso. — O que está aprontando? Viu o Lipe hoje? Sentiu isso com ele? Me

conte. — É uma pesquisa profunda que exige entrevistas e investigação. Não tire outras conclusões. Você não deveria ver as coisas com duplo sentido. Vou precisar colocar seus dados em uma ficha, tudo bem? O Lipe não foi hoje. Me ligou e conversamos por telefone. — Vai me contar tudo filha? Me preocupo com você, sempre fomos abertas... — Pare de preocupação. Estou bem, curiosa, porém bem. — Seu pai avisou mais cedo, está trazendo um cachorro. Quer fazer as pazes com você. — Cachorro? — Duda sorriu animada. Seria uma segurança para quando Luiz Miguel resolvesse retornar a casa. — Ele me disse para esquecer a ideia... É grande, igual o Thor? Pitbull, Rottweiler? — Ele não me falou a raça, mas certamente procurou uma cópia perfeita do Thor. — Que seja bem valente! – Duda cerrou o punho. O novo cachorro da família ficaria com ela. Precisava afastar Luiz Miguel e todas as loucuras que ele trazia consigo. Assim que ouviu o barulho do carro no jardim, Duda deu um pulo do sofá onde estava. Quando Eduardo entrou na sala, encontrou às duas observando a porta. — Sua mãe te contou?

— Sim, cadê ele? — Está vindo. Venha aqui, Teodoro. — Eduardo chamou. Um cachorro vira lata, franzino, de pelo branco muito escasso, entrou trocando as pernas na sala, Duda automaticamente parou as palmas de alegria, mas o sorriso continuou no rosto, só que forçado. — Então, não é uma beleza o Teodoro? — perguntou o pai. — Ele está bem? — Duda estava uma parte desapontada e a outra com dó do ser desnutrido parado na sala. — Está ótimo. Balança o rabo para ela ver, Teodoro. — Empolgado, Eduardo tentou chamar a atenção do cachorro. O bicho olhou para Duda com o olhar pidão e tentou levantar o rabo encolhido dentro das pernas, mas só conseguiu descer o corpo e deitar sobre o confortável tapete da sala. — Onde o conseguiu, amor? — Maria Fernanda estava forçando um sorriso de empolgação, mas ela também estava preocupada com a situação do cachorro. — Esse sacana estava andando na pista, nos meios dos carros. Você acredita? — E o atropelou? — A mulher lembrou da história de vida de Thor e a maneira que ele chegou até Eduardo. — Coitado do Teodoro, mulher, ele não sobreviveria. — Ele parece simpático. — Duda se abaixou e pegou o bolo de

ossos no colo. Ele estava fedido, mas ela não viu problema. — Vou cuidar dele. Muito prazer Teodoro. Sou a Duda. Ainda existe esperança para sua quase morte, não fique triste. Não era um pitbull valentão, mas ela já queria cuidar muito do bicho sofrido. — É Melhor levar ele direto para... — O cemitério? – Eduardo interrompeu o raciocínio da mulher. — Não, ele aguenta muita coisa ainda. — Estava falando para um veterinário, Eduardo. — Vou tirar a primeira sujeira dele lá no quintal, depois vou preparar a banheira. – Duda seguiu na direção da cozinha. — Dê alguma coisa para ele comer! – Eduardo gritou quando a filha já estava longe. — Não parece, mas está ele faminto. — Então, você é o cachorro que vai me defender de um lutador de um metro e oitenta? O cachorro encostou a cabeça no peito de Duda e os olhos vazios e maltratados já estavam cheios de esperança. — Não se preocupe Teodoro, vou cuidar de você. *** Marcos esmurrou o peito de Luiz Miguel que sorriu convencido. Eles estavam no segundo piso do prédio de luta, onde funcionava uma espécie de bar.

— Vou ficar alguns dias sem vê-la. Ela vai sentir falta e vai me ligar. — Não abusa campeão, não esqueça que tem outro cara marcando território. — Quer me ensinar pilotar uma moto, Marcos? — Você que sabe. A menina é novinha e tudo pode acontecer. Luiz Miguel estava pensando no beijo quando Vanessa se aproximou e beijou seu ombro desnudo. — Treina comigo hoje campeão? — Pegou o copo de bebida das mãos de Luiz Miguel e ingeriu. Luiz Miguel sabia que o "treinar" entre eles ia além de um simples exercício no ringue. Então, puxou a morena pela cintura e a beijou. — Tudo bem. Já estou de saída. — Marcos levantou do banco e deixou os dois sozinhos. — Vamos lá para casa. Estou cansado, preciso que cuide de mim, Nessa. — Não sei... pensei que estivesse treinando com outra pessoa, está cheio de segredos com o Marcos... — Seu irmão está me ajudando resolver uma parada aí. Vanessa sentiu a mão de Luiz Miguel fazendo carinho em seu rosto. Ela e o irmão também eram lutadores, todos começaram praticamente juntos e aquela relação de cumplicidade entre os três já durava mais de cinco anos. — Quem fez isso? – Vanessa sentiu o calombo quando alisou o

braço de Luiz Miguel. Ela conhecia a pele dele, os hematomas que a luta trazia e também era uma mulher muito vivida para saber a origem da recente cicatriz — Arranhei. — Na unha de quem? Foi natural, Luiz Miguel riu ao lembrar a "empolgação" de Duda na noite passada. — Que sorriso é esse? Além de marcas, a fulana deixou lembranças? — Ciúmes? — Luiz Miguel estreitou os olhos questionando Vanessa. Ela nunca tinha dado sinal de ciúmes. Talvez, até Vanessa com toda sua segurança estivesse prevendo a revolução que estava prestes a acontecer. — Apenas curiosidade. É alguma das lutadoras novas? — Esquece isso Vanessa. Estou cansado e preciso de sua massagem. — Talvez a dona da unha queira fazer. — Vanessa se afastou, disfarçando o ciúme. — É... talvez ela queira mesmo, mas hoje eu preciso da sua. — Ele beijou a morena, tentando apagar qualquer vestígio de ciúme que ela pudesse estar sentindo. O problema era ser o dono da ação, ele beijava a parceira para fazêla segura, mas nos pensamentos quem estava presente era certa loira, de um metro e cinquenta e cinco, com intensos olhos azuis feito o mar.

— Mar...

DEZESSEIS Vanessa estranhou aquele grunhido saindo da boca dele, mas pensou ter entendido errado. — Mar. — Inebriado por seus pensamentos, ele falou mais uma vez o apelido que tinha dado ao seu objeto de vingança. — Espera, espera... — Vanessa encerrou o beijo e o encarou — O que é isso Luiz? Está me chamando de Mar? — Ela assumiu uma postura rígida e o olhar pesado — Ou é a fulana? — Se separou dele. — Eu bebi demais, foi isso. — Ele puxou a cintura dela novamente. Queria tirar o mal-entendido de dentro de sua mente. — Eu sei que a nossa relação nunca nos prendeu, mas não queira me usar enquanto deseja outra. — Ela saiu dos braços dele outra vez e Luiz Miguel suspirou fundo. — Mar é o nome da piranha que você dormiu? — Vanessa até tentou disfarçar o incômodo ao fazer a pergunta, mas os ciúmes estavam transbordando feito vapor por suas narinas. Luiz Miguel levou a mão até os cabelos, tentando recuperar a sanidade. Sim, ele tinha beijado Vanessa pensando em Duda e estava com raiva por ter feito aquilo. — Vanessa, eu vou deixar nosso treino para outro dia. Lembrei que preciso passar em um lugar.

— Então é mais sério do que eu pensava. Você está envolvido? — Não seja igual às outras, não me pressione, tampouco peça explicações. Nossa parceria existe há mais de cinco anos exatamente por eu te diferenciar das demais. Escolhemos assim. Você propôs dessa maneira. — Acontece que eu nunca estive com você pensando em outro. — A morena estava com os punhos cerrados tentando ao máximo não ser fraca diante dos ciúmes. Ela odiava aquele tipo de cena. — Desculpa, Nessa, mas preciso ir. — Ele saiu, deixando-a possessa de raiva ao lado do balcão. Luiz Miguel subiu em sua moto e respirou fundo. "Eu não posso perder o controle." Mentalizou antes de colocar o capacete e seguir para o lugar fúnebre e silencioso, onde sempre carregava às energias. Ele sabia como entrar nos lugares sem ser notado, tinha adquirido várias habilidades desde que arquitetou o plano de vingança contra os Moedeiros. Foram anos aprendendo técnicas profissionais para manipular os sistemas de segurança. Ele já possuía todos os dados da empresa, projetos inéditos, senhas bancárias, senha dos cofres... poderia dar um golpe a qualquer momento se isso fosse sua linha de pensamento. Diferente de Junior — seu pai de criação — Luiz Miguel planejava tudo nos mínimos detalhes. Seu ódio não era por questões pequenas como inveja e ambição. Ele queria vingança de sangue, não de poder. Para montar aquele propósito, Luiz Miguel analisou primeiramente

onde o pai tinha falhado. O plano do seu pai foi roubar tudo o que Eduardo possuía e em suas análises Junior tinha pecado exatamente nesse ponto. O gatilho deveria ser apontado diretamente para o peito de Eduardo e não para as coisas em volta dele. Luiz Miguel queria dar um golpe certeiro na estrutura emocional do inimigo, queria vê-lo sofrendo e desestabilizado. O seu objetivo era o elo fraco da corrente. Se Eduardo Moedeiros possuía um coração, seria ali que um hacker profissional, invencível no ringue e moldado friamente para um plano de vingança atingiria. Com sua vingança executada, Eduardo enfraqueceria em tudo. Seria necessário fazer poucos movimentos para ver as ações da Moedeiros despencar. O golpe financeiro seria só uma consequência, uma feliz consequência que ele entregaria como prêmio em memória do pai. Uma hora depois, Luiz Miguel estava sentado sobre o jazigo de mármore. Foi ali que há seis anos ele formalizou sua vingança. Seu olhar frio permanecia fixo na frase escrita logo abaixo da fotografia em preto e branco. Just do not forget revenge[4]. Foi ele que mandou fazer aquela placa e deu um jeito de colocar no dia do sepultamento. Assim, toda vez que ele visitasse o lugar acenderia a chama da revanche. — Eu não vou esquecer pai. — Seus olhos estavam turvos pelas lágrimas, porém seu rosto permanecia estático e frio. — EU NUNCA VOU ESQUECER! NUNCA! – Seu grito ecoou por entre as tumbas do cemitério. O seu ódio estava restaurado e quaisquer vestígios contrários foram

renovados pela força do seu desejo de vingança. *** Mais de uma semana se passou desde que Luiz Miguel foi à casa dos Moedeiros. Ele estava trabalhando durante o dia. Tinha conseguido mudar as aulas para o turno da noite. Da faculdade seguia para o ringue clandestino. Estava com o tempo corrido. Naquele dia, aproveitou a hora do almoço para fazer uma visita surpresa a Duda na porta do colégio. Tinha esperado por uma ligação, notificação, qualquer coisa que denunciasse que seu plano estava seguindo o curso correto, mas nada aconteceu. Aparentemente ela não tinha sentido falta. Luiz Miguel estacionou a moto e analisou com cuidado o casal de adolescentes encostado em uma das árvores. Estavam muito próximos e a conversa parecia muito íntima. Duda e Felipe estavam sorrindo, os toques entre eles demonstravam confiança. Aquele grau de proximidade ainda era distante para ele. Luiz Miguel ficou balançado. Chegou a puxar na memória se ela já tinha oferecido aquele sorriso nos momentos em que estiveram juntos, mas não encontrou vestígio de lembrança. Nicole — que estava vigiando a estrada, onde em dez minutos o carro de Eduardo atravessaria — arregalou os olhos e mediu a distância entre o ponto onde estava Luiz Miguel ao casal. — Isso não vai prestar. Isso definitivamente não vai prestar. — Ela apertou as alças da mochila e tremeu.

Luiz Miguel viu o momento em que Felipe beijou os lábios de Duda. Ele apenas estreitou os olhos, olhou para Nicole, voltou a ligar a moto e saiu de lá. — Duda! — Nicole estava ofegante pela pequena corrida. — É o Dudu? — Duda empurrou Felipe e consertou a postura. — Me dê licença, Lipe querido. Conversa particular. — Nicole fingiu um sorriso e arrastou a amiga pelo braço. — O que foi? — Duda olhou para trás e continuou sendo puxada. — Ele esteve aqui. Ele viu aquele beijo e me ameaçou. — A morena atropelou as palavras — O Romeu prostituto que agora é bad boy. Ele me ameaçou amiga, ele olhou para mim com muito ódio — choramingou. — Eu pensei que ele tinha sumido do mapa. — E se ele me bater por eu te ajudar com o Lipe? Eu estou nervosa, Duda. Não sei lidar com ameaças, não quero morrer apanhando! — Nik! Se acalma! O que ele te falou? — NADA! Mas pensou! Ele idealizou apertar meu pescoço... Eu gosto do meu pescocinho Duda. — Nicole fechou as duas mãos em volta do pescoço. — Acalme-se, Nik! Ele não vai te fazer nada, antes vai precisar fazer comigo. — O pior é que sim, ele também vai querer apertar seu lindo pescoço pálido.

— Ele deve ter vindo atrás da Alicia, você entendeu errado. Então esqueça isso! — Por que o Romeu bad boy tinha que ser tão ameaçador? — Olha lá, eu que me livrei de uma boa. — Duda apontou para o carro do pai. ***

— Volte aqui Teodoro, seu cachorrinho sem vergonha! Duda estava com uma coleira nas mãos e procurava pelo cachorro que escapuliu durante um passeio dentro do condomínio. Ela até ouviu o roncar de moto, mais estava tão focada em encontrar o fujão, que só percebeu o perigo quando ele já estava em cima. Luiz Miguel desceu da moto e Duda não perdeu tempo, avançou sobre ele enfurecida. — POR QUE VOCÊ AMEAÇOU A NIK?! Se o seu problema é comigo, me confronte, não tente ameaçar minha melhor amiga outra vez! Luiz Miguel continuou parado, tentando lembrar quando aquilo tinha acontecido. Ele foi ali naquele final de tarde, querendo pegá-la pela cintura e fazê-la lembrar do que tinha sentido na última noite em que estiveram juntos. Mas estava começando a compreender que, se tratando de Duda, a ordem das ações poderia ser mudada. — O que é? Perdeu a voz, valentão! – Duda o questionou. — Estou aqui, me enfrente, eu não tenho medo de você!

— Esperei você me ligar. Por que não me ligou durante a semana? — E por que eu te ligaria? Eu agora tenho um cachorro. Não tente entrar na minha casa outra vez! — O dedo indicador foi direto ao rosto de Luiz Miguel. Ele esboçou um curto sorriso com tamanha presunção. — Estava indo te ver no seu quarto, mas já que está aqui, venha comigo, vamos dar uma volta. Duda virou as costas e achou melhor fingir não ter entendido aquelas palavras. — Teodoro! – Tornou caçar o cachorro. — Teodoro é o cachorro? — Luiz Miguel a seguiu. Os dois saíram do caminho de asfalto e entraram em uma espécie renque de árvores. — Pare de me seguir! — Ela virou na direção dele e apontou a coleira. — Vou achar seu cachorro. Qual a raça? Cor? — Não mexa seus pés daí! — Eu deveria estar indo para casa, me preparar para uma prova cabeça, mas vim te ver. — Caminhou até ela e em um único impulso segurou em sua cintura. — Não vou perder essa viagem. — Mas o que... o que está fazendo! Me solte! — Duda se debateu, mas só se cansou e não saiu do lugar.

— Você quer me beijar Mar. Não negue. — Os lábios dele se esticaram em um curto sorriso. — O quê, seu mau-caráter?! — Ela deflagrou alguns tapas no peito dele — me solte! — Tudo bem. — Luiz Miguel a soltou — Me bata! – Os dedos dele a chamou. — Não, eu não vou fazer isso! — Duda cruzou os braços e virou as costas. — Vamos Mar, Me bata! — Você é muito estranho. — Estou espe... — Luiz Miguel não terminou a fala, pois quase foi atingido por um soco desajeitado. — Você quase me pegou, me bata novamente. — Tornou incentivála com as mãos. — Mire em um ponto qualquer. Vamos, estou te desafiando. — Mais uma vez aquele curto sorriso estava brincando nos lábios dele. Duda só pensou, mesmo de braços cruzados marcou o chute e o atacou. Se Luiz Miguel não fosse tão bom de reflexo teria sido atingido em cheio no meio das pernas. — Não. Nesse momento tente pensar em outra parte do meu corpo. — O sorriso dele chegou aos olhos. — Eu não penso em suas coisas seu... pervertido! — Ela fechou o punho e deflagrou vários socos, mas todos acertaram o ar.

— Já chega! Feche as mãos e mire no meu peito. Você nunca vai conseguir acertar um adversário tão alto no rosto. Não tem altura suficiente, tampouco braços longos. — E se eu quiser te acertar no rosto, você se ajoelha para mim? — Sua frase cairia bem, se fosse o contrário. — O quê? — Esquece. — Ele sorriu e deu um passo à frente. — Um adversário sempre vai conseguir desviar o rosto de um golpe seu. Mas o peito é largo e a velocidade do desvio é menor. Se acertá-lo aqui. — Espalmou a mão no tórax — pode desequilibrá-lo e atacar na sequência. — Então, eu vou tentar. — Duda cerrou os pulsos como ele ordenou e socou uma, duas e na terceira vez conseguiu acertá-lo. O sorriso foi se formando lentamente no rosto dela, então começou a fazer uma dança de comemoração. Luiz Miguel fingiu estar sentindo dor, até tossiu simulando uma falta de ar. Só não deixou que ela acertasse de primeira, para tornar o golpe convincente. — Você não é tão fraca como eu imaginava. — Tossiu mais um pouco. — Isso aí, não se meta comigo grandão — Duda deflagrou socos no ar e continuou em sua dança. — Me pegou de jeito Mar. — Teodoro! — Ela gritou, vendo o cachorro se achegando com

semblante vergonhoso — Você está muito danadinho. Agora vai passear preso na coleira. – Abaixou para olhá-lo de perto — Não, não me olhe assim, você que me tapeou e fugiu. — Ele é o Teodoro? — Luiz Miguel zombou. — O que é? Nunca se aproxime dele. Ele é valente e acaba com você em segundos. — Oi Teodoro. — Luiz Miguel dobrou os joelhos e levantou a pata do cachorro. — Muito prazer. — Os pelos uniformes da cabeça do cão ganharam um afago e o cachorro pouco acostumado com carinho se jogou em Luiz Miguel com lambidas e choramingo. — Teodoro, não seja um traidor! Teodoro pare com isso! — Duda tentou impedi-lo. — Ele é perigoso, use seus sentidos. Luiz Miguel correu, excitando o cachorro que pulava e latia na brincadeira. — Teodoro... — Duda ficou inconformada com a cena a sua frente, Luiz Miguel tinha ganhado a confiança do seu cachorro em apenas trinta segundos. Desanimada, ela sentou-se na grama baixa e observou o jorrar da água na fonte. Depois de Minutos de corrida Luiz Miguel se aproximou e sentou ao lado dela. Teodoro sentou-se à frente, a língua para fora demonstrava cansaço e alegria. — O Teodoro é muito ameaçador, Mar. Duda estava emburrada e pegou impulso para levantar, mas foi

impedida. — Quero dar uma volta com você, hoje à noite. — Deslizou a mão na extensão do braço dela. — Vamos a um lugar secreto. — Não vou! — Eu te pego depois da meia noite, ninguém vai precisar saber. — Pare! Não sou mulher perdida! Quando começou pensar isso de mim. Dei sinais? Me deixou preocupada agora. — É só um passeio loirinha, estou com saudades de nosso beijo. — Luiz Miguel mirou diretamente nos lábios dela. Foi inevitável, ela não se deu conta, mas também olhou para os dele e a mordida despercebida o empolgou. — Mar, eu quero você e, por favor, não fuja de mim — Beijou o rosto dela. — Eu vou te beijar, tudo bem? — Acariciou a mecha de cabelo caída sobre os ombros delicados. — Não, nada está bem. Não se atreva. — Eu vou te beijar mesmo assim. — Luiz Miguel se aproximou forte, mas os lábios seguiram calmos. — Abre a boquinha... — Passou a língua nos lábios dela. Quando Duda aceitou, ambos tomaram o ritmo adequado e as mãos dele se perderam mais uma vez entre os fios loiros. Duda manteve as unhas bem longes dele, mas a grama sentiu a força de suas sensações. A sincronia era perfeita, mas Luiz Miguel respeitava as barreiras da menina. Ele a moldaria aos poucos.

— Maria Eduarda! — Eduardo gritou de longe e Duda sentiu o sangue fugir do corpo.

DEZESSETE As mãos de Eduardo estavam fechadas com força e a mandíbula contraída. Seus pés se moviam com muita rapidez, Sérgio o seguia no mesmo ritmo. — MARIA EDUARDA! Luiz Miguel levantou preparado para o ataque. Duda não conseguiu levantar, pois as pernas travaram. — Vem. — Luiz Miguel estendeu a mão para auxiliá-la. — Eu vou... — Ela olhou para o arvoredo — vou fugir por ali. Não bata no meu papa. Deixe-o te espancar, Dudu está com a razão. Socorro! — Viu o pai já próximo e tentou correr, mas Luiz Miguel prendeu a mão dela. — Vamos enfrentá-lo. — Enfrentar o quê?! Eu não vou para o Japão, me soltaaa! — Puxou a mão, mas Luiz Miguel não soltou. — SOLTE MINHA FILHA, DESGRAÇADO! — Eduardo socou o rosto de Luiz Miguel com muita força. Só então ele liberou Duda. Luiz Miguel permitiu aquele soco. — Venha Duda! — Sérgio abraçou a sobrinha e percebeu o pânico estampado nos olhos graúdos.

— Tio Sérgio, fala com meu pai, por favor... — EU SEI O QUE VOCÊ QUER! — Eduardo gritou enfurecido. — MAS NUNCA VOU PERMITIR! VOCÊ NÃO VAI USAR MINHA FILHA, MENOR DE IDADE PARA ALCANÇAR SUA MALDITA VINGANÇA SEM CAUSA! — Meu pai... — Duda murmurou, mas Sérgio sugeriu que ela se calasse. Luiz Miguel deu um passo à frente e levou outro soco. — Chega Edu! — Sérgio interveio. — O seu pai foi para cadeia, por roubo, eu te coloco lá por assédio desgraçado, aproveitador de menores! — Eduardo ameaçou. — Vai precisar se conformar. — Luiz Miguel estava com um sorriso raivoso no rosto. — O moleque cresceu e, agora eu quero sua filha. É recíproco — Foi até onde Duda estava com Sérgio e a pegou pela mão. Sérgio o empurrou, mas foi sensato ao ponto de não o golpear. O amigo já estava muito alterado, o seu papel era evitar uma tragédia. — Duda? — Eduardo olhou as mãos unidas e sentiu algo semelhante a um punhal afiado perfurando seu coração. — O que você está fazendo da sua vida, filha? Quando começou se envolver com esse homem? Usou o Felipe para me enganar?! O pai ficou desorientado, ele levou a mão até a cabeça e olhou para todos os lados. Sua estratégia naquele momento era conter a enorme vontade de chorar. O coração estava angustiado e sua mente recordou lembranças

antigas. Por mais que os anos tivessem passado e o perdão da mulher alcançado, quem ele foi um dia o assombrava. Duda lutou com Luiz Miguel pela posse de sua mão e foi até Eduardo. Ele estava de costas reprimindo a fúria e o choro. O coração da filha doeu ao vê-lo daquela maneira. — Meu pai... — Ela o abraçou por trás — estou com muita vergonha. — A voz estava embargada. — Por favor, não chore, eu não quero isso... não quero esse homem. Ela sabia do medo de Eduardo e não queria vê-lo se culpando por erros do passado. — Sérgio, leve a Duda para casa. Minha conversa é com esse sujeito. – Eduardo tirou as mãos da filha de sua cintura. — Luiz Miguel fale para ele... — Duda pediu. — Não temos nada. — E não vou desistir de você Mar! — Luiz Miguel falou seriamente. — Cala a boca! — Duda foi até ele, o empurrou, mas ele não saiu do lugar. — Eu nunca vou me apaixonar por você! Para de mentir e conta a verdade ao meu pai! — Eu te forcei? — Luiz Miguel questionou, com os olhos fixos nela. Duda não respondeu e voltou para abraçar o pai. — Dudu, por favor, não acredite naquele beijo... eu não sei... não sei o que foi aquilo, mas não tenho sentimentos nenhum por ele e nunca vou ter! — Vamos para casa Duda! – Eduardo segurou a mão dela. — Essa

foi à última vez que eu te vejo perto da minha filha. Você não tem ideia onde está se metendo. — O pai deu um último recado e carregou a filha dali. Luiz Miguel observou os passos dos dois e viu o momento que Eduardo parou no meio do caminho conversou algo com a filha, acariciou o rosto dela e a beijou na testa. Naquele momento, Luiz Miguel ele sentiu um aperto diferente em seu coração e buscou entender o significado. Desejou ir até lá, levá-la para longe e então secar as lágrimas teimosas e mimadas. — Eduardo não vai facilitar as coisas para você — Sérgio encarou o homem à sua frente. Luiz Miguel chegou a zombar a contra gosto. — Não vou desistir da pequena, tampouco tenho medo do pai dela. — Deixou claro. — Eu também não serei piedoso. Ela é como se fosse uma filha. Então, para evitar confusão dos dois lados, sugiro que tire isso de sua mente e fique bem longe da Dudinha. — E você acha que eu tenho medo de você? Eu não vou ficar longe dela por caralho nenhum desse mundo! — Observe o seu tamanho, rapaz. Ela é uma criança. Por que não vai procurar uma mulher da sua idade? Evite transtorno nessa família. Já não basta o que aconteceu no passado? Mantenha distância dela... Luiz Miguel caminhou na direção da moto e abandonou Sérgio que ainda estava argumentando.

— Você está avisado. — Sérgio seguiu na direção da casa do amigo. Luiz Miguel o observou se distanciar e sorriu. Mesmo Duda não ficando do seu lado, sua esperança estava acesa. Eles se conectavam durante os contatos. Agora era questão de tempo, pouco tempo. — Volto logo Mar. — murmurou e ouviu o chorinho por perto. Teodoro estava todo cabisbaixo e triste por ter sido deixado. O cachorro coube perfeitamente dentro da mochila de Luiz Miguel e minutos depois estava com a língua para fora, em uma animação só, percorrendo as ruas da cidade em alta velocidade. *** Maria Fernanda e Duda estavam em um dos sofás da sala. De lá era possível ver Eduardo, olhando através da parede de vidro. Aquele era o lugar onde o homem ficava quando estava preocupado. Ele já tinha conversado com a filha. Duda o prometeu que não queria Luiz Miguel e aquele tinha sido o último beijo entre eles. — O que realmente você sente por ele Duda? — A mãe perguntou. — Amo o Felipe, mas ele... o Luiz Miguel... — Sim, filha? Ele... — O beijo... Ele costuma me deixar sem ar, antes mesmo de chegar perto, depois então... — Santo Deus! Quanta vez já aconteceu? — Para com tanta pergunta maman.

— Quantas vezes? – A mãe insistiu e viu a filha prender os dentes dos lábios. — Quantas vezes Duda? — Humm... — Lutou contra a resposta. — Três. — Soltou — Mas eu só vim perceber no segundo. Fora isso, não há nada. — Você não é mais uma criança, então me responda filha, você sente desejo por ele? É isso? Maria Fernanda estava com as bochechas vermelhas. Mas seguia firme no papel de mãe. — Você acha que estou me tornando o que o Dudu foi? Amando um e vadiando na rua? Eu não quero ser assim. O Dudu sofreu tanto para recuperar a gente. — Os olhos de Duda se encheram de lágrimas. — Esse é um fardo que você não vai carregar. Agora responda a minha pergunta. Está atraída fisicamente por esse rapaz? — Eu ainda não sei definir essas coisas. — Secou os olhos. — Até poucos dias eu não tinha beijado. E... o Luiz Miguel é meio louco — Fez uma careta. — Ele sempre entende tudo errado, deve ser as dro... as coisas que ele anda fazendo. — Ele te forçou a fazer alguma coisa? — Fui surpreendida, mas não posso dizer forçada. — Ela falou rápido. Não conseguia segurar a língua quando ouvia as perguntas. — Vamos esquecer isso maman, por favor. Não me pergunte mais nada. Minha garganta está doendo, preciso descansar a voz. — Eu quero que me passe tudo de agora em diante. Cada toque, cada

olhar, cada conversa, tudo! Não esconda nada. — Eu só quero distância daquele anjo do mau. Não gosto dele. O beijo me pegou desprevenida. Eu não tenho experiência, então, tudo se torna bom. Não o quero maman. Acredite em mim. "Tampouco quero saber do Japão". Mentalizou a última frase. — Então ainda tem jeito. O problema seria, você não se contentar com o beijo. Mas como não o deseja fica mais fácil, não é? — A mãe observou as reações da filha. — Ele quer desafiar meu pai e não tem interesse em mim. Eu não quero que meu pai fique atormentado, sem necessidade. — Se ele realmente estiver planejando vingança através de você, só vai funcionar se colaborar. — Não tenho motivos para colaborar com ele. Nunca mais se preocupe com isso... TEODORO! — Duda se lembrou do cachorro. — Meu cachorrinho está perdido! DUDU, o Teodoro. — Seguiu até o pai. — Ele ficou lá, tadinho. — Vamos procurá-lo. — Eduardo abriu a porta de casa. *** Já era madrugada, Luiz Miguel estava sentado em sua escrivaninha. Seu projeto estava indo bem, o pessoal que ele encontrou era competente e as obras já estavam no curso certo. Precisava entregar tudo de si. Minutos depois ele abandonou os cálculos do projeto, fechou o notebook e se jogou na cama, estava exausto, mas o repouso durou pouco

tempo, pois se lembrou de Teodoro no terraço da casa. Ele foi até a cozinha, pegou um bocado de ração e água, depois subiu as escadas. O pequeno animal estava encolhido em um canto, com os olhos arregalados e o choro baixo. O cachorro tinha alguns traumas e possivelmente seu medo era o abandono. — Venha aqui Teodoro. — Luiz Miguel ajoelhou próximo a ele. O Cachorro aproximou o focinho, ainda choramingando. — Então, o valentão estava com medo do escuro? — Acariciou os pelos da cabeça do cachorro, que se assanhou, interessado no cheiro bom que vinha da tigela. — Você não parece cachorro de madame? Como aquela baixinha, nariz empinado se interessou por você? Poderia me contar? — Ele sorriu das próprias palavras. Teodoro já estava se assanhado e pulou sobre ele, dando-lhe lambidas. — Eu já tentei isso Téo, e apesar dela ter gostado, não é suficiente para fazê-la se apaixonar. A Mar é tinhosa. Teodoro foi até a tigela, segurou em sua boca e colocou mais próximo de Luiz Miguel. — Eu sei, posso te conquistar fácil com uma boa tigela de comida, mas ela é riquinha, tem tudo, nunca vai cair de amores através do meu Cheeseburger caseiro... Vamos descer. Vou te deixar dormir na área de serviço. Mas amanhã você vai aprender lidar com o medo.

*** — Alicia venha aqui na sala. — Luiz Miguel chamou a irmã que estava tomando o café da manhã para em seguida ir à escola. — O que foi Mimo? — Alicia sentou ao seu lado. — Me fala uma coisa que você gostaria de ganhar. Algo que impactasse. –Queria uma ideia, já que Alicia tinha a mesma idade de Duda. — Qualquer coisa? — A irmã sorriu e começou a enrolar as mechas de seu cabelo ruivo. — Sim. O que você desejar. — Quero uma viagem a Paris, incluindo um passeio de limusine e um cartão de crédito ilimitado para gastar na Avenida Montaigne e na Rue de Rivoli. – Alicia suspirou deslumbrada com os próprios pensamentos. — Menos Alicia. Não temos dinheiro para isso há muito tempo. Pense em algo mais em conta, contudo, finja que é bem rica e tem tudo nas mãos. Se uma coisa te deixaria feliz e apaixonada, isso é...? — Um anel de diamantes acompanhado da pulseira e colar. Ah, não se esqueça dos brincos. — Você continua pensando grande minha irmã, pense em algo mais barato, que eu possa te dar. — Sua moto. — O quê?! Eu nunca daria minha moto. Luiz Miguel tinha idealizado ter um veículo potente desde a

infância. Quando ele completou quinze anos sua família já vivia com muito pouco, então ele comprou uma muito inferior. Ao longo do tempo foi avançando para outros modelos, mas seu sonho era uma "ninja" e a velocidade que ela alcançava. Ele lutou literalmente durante um ano para conseguir aquisição de uma tão potente e cara. Era nova, tinha comprado há um ano. — Me daria sua moto Mimo? — Esqueça minha moto, pense em algo menor. — O problema é esse. Eu nasci para ser rica, não sei pensar pequeno. — Tudo bem, Alicia. — Beijou a testa da irmã. — Pode ir terminar seu café. — Não se preocupa Mimo, um dia você vai poder me dar um bom presente. — Vou. Agora vai se cuidar. Ele precisava encontrar uma maneira de agradar Duda, mas estava difícil de chegar a algum lugar. "Como agradar uma garota rica, mimada e com uma veia ligada à loucura?" "O que ela não tem, mas gostaria?" Depois de algumas análises, aquele sorriso brincalhão se formou no canto de seus lábios.

"Minha moto eu não posso dar loirinha, mas quem sabe, uma dose de adrenalina e emoção não seja o que você esteja precisando... para deixar de ser tão durona comigo." *** — Está tudo bem? Você está fugindo de mim tem dois dias e agora se esquiva do meu beijo. Felipe e Duda estavam sentados ao pé de uma árvore, na rua que dividia o colégio da faculdade. Duda estava criando coragem para contar os últimos acontecimentos. Beijar Luiz Miguel não tinha sido algo tão relevante quando os seus "sentimentos" pelo primo, mas ela conhecia o gênio dos homens da família. — Te amo. — Ela encostou a cabeça no ombro de Felipe e tentou espantar a confusão dos pensamentos. — Eu sei que as coisas não estão sendo fáceis, mas vamos conseguir meu amor. — Felipe acariciou os cabelos dela. — Eu não estou gostando dessa clandestinidade. Não me sinto bem sabendo que a qualquer momento meu pai vai perder a confiança em mim. – Ela pensou alto. — Está propondo seguir o que ele falou? Esperar três anos? — Eu queria que ele mudasse de ideia, mas ele não vai mudar... Você esperaria? – Quis saber. — Três anos é muito tempo Duda, a gente pode se perder um do

outro. Está querendo fugir? Eu pensei que íamos lutar juntos. — Eu não quero enfrentar meu pai, tampouco viver com as desconfianças dele. Nossa relação está estremecida – A voz dela estava embargada. — Sou muito amiga do Dudu. — Você está falando da gente? — Felipe estranhou o desencontro de pensamentos. — Também. — Então, eu sou o culpado da sua relação com meu tio está estremecida? — Felipe respirou fundo tentando manter o controle da voz. Duda identificou nele os mesmos trejeitos do pai. — Você não é o culpado de nada Lipe. A culpa é minha, eu sou a única responsável com tudo que está acontecendo. Só estou procurando um jeito de amenizar tudo isso. — E pretende se afastando? Largando tudo o que é nosso? Esquecendo-se de tudo que planejamos? — Felipe levantou ainda estava sem conseguir compreender as razões de Duda. — Eu não te propus isso. Não quero que se afaste de mim, mas preciso de um pequeno tempo para ganhar a confiança do Dudu. — De três anos? — Felipe já estava vendo seus planos estremecidos. — Se há amor entre nós, o certo é enfrentarmos tudo! Inclusive o seu pai! — É tão difícil para você entender que eu não quero desapontar o Dudu, Felipe?

— O que está acontecendo com você Maria Eduarda?! — Umas coisas estranhas que eu tenho receio de te contar, assim enfurecido. — O que aconteceu? — Ele questionou e a viu prender os lábios nos dentes. — O que foi? Conta. — Não tenho coragem agora... – Ela virou de costas. — Preciso ir, conversamos depois, quando você estiver calmo. — Tudo tem que ser do seu jeito, no seu tempo, quando você acha adequado... Quer saber, estou fora! — Felipe pegou a mochila no chão. — O quê?! – Ela virou e segurou nos braços dele. — Estou de cabeça quente, preciso ir Maria Eduarda. — Felipe! Está terminando? É isso? — Duda sentiu um grande impacto no coração. Felipe manteve a pose forte, mas não estava bem em tomar aquela decisão. — Sim, é isso Duda. Não estamos no mesmo propósito, assim, é melhor acabar logo isso. Eu não estou disposto, esperar três anos e correr o risco de quando chegar lá está tudo modificado aqui dentro. Vou voltar, a aula já está para começar. — A deixou e seguiu na direção do colégio. Duda sentou no mesmo lugar onde estava antes da discussão e chorou. — Duda olha só, o que eu tenho aqui... — Nicole se aproximou, mas logo percebeu o choro da amiga. — O que foi? — Sentou ao lado dela.

— Felipe terminou tudo. Eu deveria ter contado do Luiz Miguel, ele terminou comigo de qualquer jeito. Perdi meu namorado, perdi tudo. — Que situação difícil amiga. Mas não chora, por favor. — Nicole acariciou os cabelos loiros. Duda colocou a cabeça sobre os joelhos e começou a chorar alto. — Ele disse que eu só faço o que eu quero. — falou no meio do choro. — Bem, às vezes, só às vezes... você... Duda levantou a cabeça e esperou a amiga concordar para alimentar seu choro. Mas viu um papel dobrado na altura de seu rosto. — O que é isso Nik? — Passou o dorso de uma das mãos sobre os olhos. — Um bilhete do Romeu bad boy. Duda não perdeu tempo e rasgou o papel em minúsculos pedacinhos. — Não que eu seja bisbilhoteira, mas por precaução li esse bilhete. Falava sobre o Teodoro. — Foi ele que roubou meu cachorro, Nik? — Disse que vai ficar te esperando na porta de sua casa, meia noite, com o cachorro. — Psicopata, ladrão de cachorros. Eu vou colocar o Dudu para esperá-lo. Ele vai me pagar por ter colocado meu namoro a perder!

DEZOITO Duda já tinha dormido e acordado. Agora estava sentada sobre a cama, vestida em um pijama de algodão. Suas pernas balançavam impacientes e os pés roçavam as plumas da pantufa sobre o tapete. Os olhos estavam ardendo, pois tinha se esvaído em lágrimas. Ela não se conformava com o fim de seu promissor romance juvenil. Ao contrário do planejado, não tinha falado nada ao pai. Decidiu que deveria cobrar satisfações pessoalmente, o rapto de seu cachorro jamais ficaria impune. Ela olhou para o visor do aparelho celular ao lado e constatou que passava da meia noite e meia. Precisava recuperar o cachorro, mas o medo das consequências de ir lá fora a consumia. Não suportando a grande peleja interna, ela desceu da cama, calçou as pantufas, foi até a janela do quarto e espiou. Não viu nenhum sinal do causador de seus problemas. Roeu as unhas, enrolou mechas dos cabelos, suspirou alto, afundou o rosto no travesseiro, mas não suportou... saiu sorrateiramente pelo corredor e desceu as escadas na ponta do pé. Já frente ao muro, ela abriu a tampa do painel digital do sistema de segurança e constatou que o alarme da porta de acesso já estava desativado. "Sou mais psicopata do que você, vindo aqui fora." Se acusou, enquanto rodava sua chave na porta.

— Cadê você, ladrão de cachorro? — chamou em um sussurro quando estava no lado de fora. — Teodoro... Teodoro... — Percorreu todo o caminho frente ao muro. Quando ela estava perto do arvoredo do condomínio, Luiz Miguel a surpreendeu por trás e abafou sua boca, no intuito de impedir o possível escândalo. — Por que demorou tanto Mar? — A soltou e esperou que ela recuperasse o fôlego. — Onde está meu cachorro? — Ele não veio. — O quê?! Vai cobrar resgate? — Fala baixo. Está muito tarde. Vamos dar uma volta. — Eu quero o meu cachorro, agora! — Você vai acordar o condomínio inteiro e me dar um trabalhão para mexer em mais imagens que o necessário. — Bandido! — Se sairmos agora, você terá mais tempo na pista. — Estou sem paciência, com frio e em dias de luta feminina, fala logo o valor. — Balançou a mão impaciente. — Quanto?! — O Teodoro está dormindo na área da minha casa, totalmente despreocupado. Só vou devolvê-lo se você der uma volta comigo. Vem comigo pequena.

— Eu nunca sairia em plena madrugada, com um homem vingativo, que deseja usar a sedução e beijos descarados para chegar até o meu corpo intocável. "Seduzir essa linguaruda não vai ser fácil." Luiz Miguel sufocou o sorriso internamente, por fora continuou sério. — Não estou te fazendo uma proposta indecente, só quero te levar para dar uma volta de moto, comprei até um capacete rosa para você. — Apontou na direção de uma motocicleta que estava estacionada no escuro da estrada. — Onde está sua moto? — Ela percebeu ser outra. — Em casa, um amigo me emprestou a dele. A minha é muito pesada e alta para você aprender. Duda amarrou os cabelos em um coque alto e assimilou a proposta. — Posso ter me enganado, mas talvez eu tenha ouvido uma proposta indecente. — Você já pilotou uma moto? — Não tenho interesse. — Ela fixou o olhar no veículo. Luiz Miguel sacudiu as chaves frente ao rosto dela, pois notou a queda pela tentação. — Eu mereço uma surra pesada do meu pai, depois ser colocada em uma banheira cheia de sal grosso. Não tenho direito de exigir clemência, tampouco de escutar o choro da minha mãe.

— É um sim? — Ele arqueou o lábio em um meio sorriso. — Seu plano é me deixar cair e depois me responsabilizar por ter aceitado? – Ela continuava olhando a moto, muito tentada e curiosa. — Não deixarei isso acontecer. — Eu... não vou. Que confiança eu tenho em você, para sair na garupa de sua moto? Você está me chantageando. Traga meu cachorro. — Você tem razão. Esquece a proposta. Volte. Amanhã eu trago seu cachorro e solto em frente a porta de sua... — Onde pretende me ensinar? — Duda o interrompeu. — Seria na BR. Essa hora não tem carro algum passando por lá e a pista seria só nossa, mas você não aceitou, pode voltar para casa. Duda o abandonou, caminhou na direção da moto, pegou o capacete com tribal rosa e colocou na cabeça. Depois de alguns segundos observando ela toda atrapalhada com o capacete, ele seguiu até ela. — Como cabe tanta coragem em um ser tão pequeno? — Ele terminou de fechar o capacete. — Que sorriso é esse? Menos conversa e mais ação. Não pense que estou te dando liberdade. — Mais ação? — Ele zombou. — Como está sua perna? — Estou bem. Tirei a bota, agora preciso ter cuidado. — Ótimo, agora venha — Ele subiu na moto — Segure bem forte, a pista está limpinha e não vou desperdiçar. — Consegue subir sozinha?

— Não sou inválida Luiz Miguel. — Então suba. Ele viu os braços cobertos pelo algodão do pijama rodear sua cintura. Duda não se incomodou, segurou nele com força e precisão. — Prenda as pernas no meu corpo — Ele apertou os joelhos dela na lateral de seus quadris. — O que é isso?! — Ela se afastou outra vez. — Você quer voar na pista? — Ele apertou outra vez. Fique mais perto, se agarre em mim. Você vai sentir o prazer da velocidade bem segura ao meu corpo. Ele sorriu, ligou a moto e saiu em velocidade baixa. Assim que os limites do condomínio foram ultrapassados, ganhou muita velocidade e Duda grudou nele. Quando estavam próximos ao ponto certo da BR, Luiz Miguel diminuiu a velocidade e percebeu que Duda tremia. Ele parou a moto, mas ela não desgrudou do corpo dele. — Vamos ficar aqui. — Ele tocou as mãos presas em seu corpo e constatou o quanto estavam gélidas. — Vamos descer. — A ajudou. — E-estamos na d-divisa da cidade? — Amanhã venha prevenida. — Ele abriu o zíper da jaqueta, retirou do corpo e ajeitou o dela — Tênis, calça, casaco e touca. — E-eu sabia, que vinha parar em uma BR no meio da mmadrugada. — Duda tentou ironizar, mas sua voz estava muito trêmula para

causar efeito. — Agora sou obrigado te passar calor humano. — Luiz Miguel sorriu. — F-fique longe de mim. — Você é bastante corajosa para ter esse nariz tão empinado. — Ele tocou a ponta do nariz dela. — Minha coragem veio do meu pai e acredito que a sua veio da mãe? Porque seu pai era o rei dos covardes, isso eu sei. Luiz Miguel encarou os lábios atrevidos que tremiam. — Evite essa conversa, estamos indo bem. — Ele pegou as mãos dela e começou esfregar entre as suas. — Se não existisse essa confusão do passado, como será que estaríamos Luiz Miguel? — Eu, bem longe daqui, fazendo minha graduação fora. E nesse exato momento, dirigindo um conversível esportivo com uma morena bem gostosa do lado. — Eu... — Duda inflou as narinas — eu estaria exatamente como estou. Nada mudaria. O Dudu e a maman continuariam superprotetores, eu com a mesma limitação na perna e moraria na mesma casa... nada mudaria em minha vida e estaria tudo lindo. — Não Mar, você não estaria nessa BR, ainda não teria sentindo a adrenalina de percorrer uma pista em alta velocidade, não teria minhas mãos

te aquecendo, tampouco experimentado um beijo com vontade... talvez o destino tenha conspirado ao nosso favor. Duda estava encostada a moto e Luiz Miguel tinha o rosto a centímetros de distância do dela. — Ou contra. Você estaria em uma boa condição financeira, com seu conversível esportivo, sua morena, sua graduação fora do país, sua morena do lado... — Você falou morena, duas vezes Mar. — Ele sorriu, abaixou a cabeça e aproximou os lábios dos dela. — Não falei. Você está delirando. — Duda sentiu a respiração dele na pele de seu rosto. Imediatamente veio uma sensação de euforia que a obrigou fechar os olhos para não ver as próprias mãos segurar a blusa dele com força. Luiz Miguel observou aquele gesto e sorriu. — O que você quer fazer agora Mar? — Ele sussurrou próximo ao ouvido dela. — Pilotar. uma. moto. em. alta. velocidade. — ela respondeu pausadamente. — Apenas isso, nada mais. — Seus olhos estavam fechados, mas sentia o toque de Luiz Miguel alisando suas bochechas. Luiz Miguel estava disposto a explorar outros tipos de sentimentos em Duda, ele queria além de uma simples paixão. O plano era atingir com impacto. Muito em breve Duda aceitaria viver com ele. Só então trataria daquela vingança. Decepções profundas exigiam apegos proporcionais.

— Tem certeza que deseja só isso? — Beijou a bochecha dela. — Absoluta e... total certeza. — Você está trêmula. — Ele uniu os lábios superficialmente nos dela, sentiu a textura macia e afastou a boca na distância de cinco centímetros. — Vou te aquecer pequena. — Estou sofrendo, Luiz Miguel, por favor, não teste meus limites. Assim, me sinto pior. — O que você tem? — Estou em um luto profundo. — Luto? Quem morreu? — Questões pessoais. — Seja o que for, sempre passa. — Ele levantou o rosto dela o suficiente para ser possível beijar os dois olhos que lacrimejavam. — Ele não quis saber o motivo, mas desejou acabar com o possível sofrimento. Aquilo era tão errado é contraditório. — Vamos aprender pilotar? — Não me trouxe aqui para isso? — Duda não perdeu a brecha da ironia. "Não. O propósito era te dar uns amassos." Ele sorriu, se afastou e deu a volta na moto. — Hoje você só vai observar, pegue todos os detalhes — Ele voltou assumir o lugar de piloto. — Venha. — Estendeu a mão e segurou a dela. — Aprendo tudo rápido. — Apoiou o peso nos ombros dele e se

acomodou na garupa. — Não julgue a minha inteligência por meu tamanho. — Você não me deu oportunidade para esse tipo de julgamento, mas pilotar uma moto é muito complicado.

DEZENOVE — Antes de tudo, você precisa se acostumar com o peso — Luiz Miguel deixou um dos pés no chão e balançou a frente da moto para os dois lados. — Não é tão pesada, quando se acostumar vai perceber. — Seu braço é forte, dá quatro do meu... — Duda estava olhando pela lateral, pois não alcançava a curva do pescoço dele. — Não tenho tanta força. — Já vai desistir? — Só estou pensando alto, continue. — Aprenda equilibrar o peso, assim a sua força não vai fazer diferença. — Entendi tudo. Agora me deixa aprender na prática. — Ela estava animada. — Não sou louco de te jogar numa pista de primeira. Você vai me observar e, quando eu achar que está pronta, passo a direção. — Eu saí de casa durante a madrugada e estou em uma BR, então levanta daí, quero tentar. – Duda bateu nas costas dele o incentivando a descer. — Não. Hoje você vai observar. Em umas cinco noites você vai ficar pronta.

Contrariada por ter ouvido não, Duda desceu da moto e começou andar no meio da pista. Luiz Miguel largou o veículo e seguiu atrás dela. — O que foi Maria Eduarda?! É perigoso você assumir a direção sem nunca ter pegado em uma moto. — Eu sei o que é perigoso! Estar aqui com você é perigoso! Eu desobedeci a meus pais, eu fugir de casa enquanto eles dormiam. Estou no meio de uma TPM emocional, eu posso pegar uma pneumonia ou ter uma hipotermia instantaneamente... Estou correndo risco de vida aqui com você. Isso é perigoso! — Você ouviu o que eu falei? Primeiro deve observar, depois assumir o controle. Precisa saber todos os detalhes para curtir uma moto ou então ela vira uma arma mortal. — Eu sair de casa com você, já estou correndo risco, pilotar vai fazer isso valer à pena. "Menina mimada, incompreensível da porra". Luiz Miguel seguiu de volta para a moto e Duda sorriu, percebendo que ele tinha cedido. Ainda virada de costa, comemorou sua pequena conquista e correu de volta até ele. — Não me deixe cair. É assim mesmo? – Ela tentou passar a perna. Luiz Miguel evidentemente contrariado segurou a moto para que ela subisse. Ainda sustentando o peso, ele assumiu a garupa. — Pode começar falar, vou aprender tudo.

— Essa aqui é a porra da embreagem... — Está bravo comigo? — Ela o interrompeu e Luiz Miguel suspirou fundo — Assim eu tenho medo que me deixe cair. — Essa aqui é a embreagem. — Ele diminuiu o tom da voz — É o que vai manter a moto ligada, pressione até o final. — Assim? – Duda apertou a alavanca de metal no braço do guidão. — Antes de sair você tem que colocar a moto no neutro. Continue apertando a embreagem. Está vendo esse câmbio aqui em baixo? Consegue pressionar ele com o pé? Duda olhou para baixo e estendeu a perna. — Tire minhas pantufas. Luiz Miguel tirou as duas pantufas de urso e jogou com força no chão. Duda ignorou o gesto e se sacudiu animada. Luiz Miguel sustentou rápido o peso para que não caíssem juntos. — Estou descendo. — Ela desceu a marcha de vez. — Agora suba outra vez! — Ele estava inconformado por ela assumir sua posição. — Essa luz verde aqui, indica que a moto já está no ponto morto. Vai impedir que morra em movimento. — Quem morrer? — A moto, Maria Eduarda. — Certo, eu não vou deixar a moto morrer. Quero sair daqui. — Vou te guiar, não faça movimento além do que eu estiver

fazendo. Luiz Miguel ligou o botão, pressionou uma mão dela na embreagem e guiou a outra. Foram acelerando e aos poucos a moto ganhou movimento. Ele sustentou a moto durante dez voltas e depois disso já não sustentava, pois Duda guiava praticamente sozinha. Ela estava calada e concentrada na estrada. Luiz Miguel não gostou de ter cedido aos caprichos dela. Era ele que controlava aquela situação, se fosse para ceder, faria dentro do planejado, mas Duda era corajosa e aquilo também estava mexendo com ele. Mulheres fortes e determinadas o atraia. Os seus relacionamentos sempre vieram do ringue, no entanto, a pequena mulher, totalmente fora da sua realidade e interesse, testava os seus limites. — Eu quero mais. Por que paramos? — Ela questionou quando ele fez a moto parar. — Chegou a hora de te levar para casa. — Tudo bem, realmente está tarde. Ahh! Eu pilotei uma moto! Ahh! — Ela voltou a mão para trás e puxou a camisa dele. — Amanhã eu quero ganhar bastante velocidade na pista. Sou uma piloto de fuga. — Não vou te trazer amanhã. — Luiz Miguel desceu da moto e a tirou de lá. — Não faço nada fora do planejado e hoje você me fez quebrar as regras. — Mas eu aprendi. Você não viu? — Duda percebeu o rosto dele tenso e não gostou do olhar sombrio. — O que foi? Você precisa se

acostumar. Se eu acho que posso, vou lá e faço. Sempre foi assim, você está estranhando, pois não me conhece. — Vamos! — Luiz Miguel, eu pilotei. Você não queria me ensinar? Eu aprendi. Qual o seu problema? — Sobe na moto. — Ele assumiu o lugar do piloto e a esperou. — Você é estranho. Se é assim sóbrio, você é naturalmente esquisito. — VAI FICAR AÍ OU VAI SUBIR NA PORRA DA MOTO? Duda se assustou com o grito repentino. Ele estava incomodado com a própria cobiça. Quando ela dominou a direção da sem ajuda, foi impossível não deslumbrá-la. Tentou associar o deslumbre a sensação de quando se atraiu pela coragem de Vanessa, mas continuou sendo diferente. Duda estava mexendo com sua sanidade e aquela brecha não fazia parte do plano. — Eu posso pegar essa moto agora e andar com ela, sem você na garupa. Não tenho medo! — Ela afirmou, não sabendo que suas palavras alimentava a raiva de Luiz Miguel. — Sobe da moto. — Ele pressionou o acelerador, sem sair do lugar. — Me deixa dar a última volta? Luiz Miguel desceu do veículo e antes que qualquer palavra fosse dita, grudou os lábios nos dela, calando-a com furor. Não liberou chances de participação. Ele queria e reivindicava as sensações que ela poderia oferecer.

O fato de Duda não ter experiência estava permitindo o crescimento desse desejo. Prendeu uma das mãos no quadril dela e puxou para cima. Não tinha planos de terminar aquele beijo tão cedo, mas esqueceu do cuidado ao morder o lábio inferior dela com a força de sua intensidade. A consequência foi outra mordida, muito forte que o fez sentir gosto de sangue. Ele a soltou e virou de costas. Tinha se excedido e se acusou intimamente. Aquilo poderia assustá-la e consequentemente afetar seus planos. — Você é um grosso! Eu sou uma idiota por aceitar sair com você! Ele conferiu o sangue no lábio, subiu na moto e estendeu o capacete dela. Estava atordoado. — Sua última chance de não ficar aí. Duda pegou as pantufas, calçou e subiu rápido na moto, mas fez questão de não segurar nele. Ele esperou alguns segundos e quando percebeu a relutância, acelerou a ninja na velocidade máxima. Ela segurou na alça de apoio da garupa, mas seu corpo já estava ao ponto de tombar recebendo a velocidade do vento. Luiz Miguel percebendo que acelerar não adiantaria, então cedeu e diminuiu a velocidade. Manteve o mesmo ritmo até chegar ao condomínio. — Sua jaqueta. — Ela abriu o zíper e jogou sobre ele, ainda sentado na moto. — Nunca mais apareça em minha casa, e trate de devolver meu cachorro ou eu coloco a polícia atrás de você. — Caminhou em direção a

casa. — Vou te acompanhar até lá. — Ele desceu da moto e seguiu os passos dela. — Fique exatamente onde você está! Se você vier atrás de mim, eu faço um escândalo e acordo todo o condomínio. — Então eu vou olhar daqui. Não sou louco de te deixar sozinha uma hora dessas. — Não ofenda os loucos, psicopata! — Continuou andando. — Você me trata bem, chega a ser gentil e depois grita comigo sem eu ter feito nada. Me beija daquela maneira bruta em um lugar deserto, me assusta... — VOCÊ ME MORDEU! — Ele gritou de onde estava. — Nunca mais grite comigo! — Duda demonstrou indícios de choro. Ela odiava o fato ter alguém gritando com ela, acuando ou limitando-a. Tinha traumas dos bullyings que sofria desde a infância. Fingia não se importar quando acontecia, mas odiava aquele tipo de sensação. — OLHE PARA MIM! — Ele tornou a gritar. — Me deixa ver, se está chorando. Posso ir aí? — Saia da minha frente, da minha vida. — Então ande até lá e feche o portão e ative o alarme. Eu não vou sair daqui até que você esteja em segurança. Boa madrugada Mar. — Nunca mais me chame assim. Meu nome é Maria Eduarda Moedeiros!

— Não vou te chamar igual os outros. É uma coisa nossa. Você também devia arranjar um apelido para mim. — Que tal psi? — Ela testou uma amarga ironia. — Psi... o que significa isso? — A abreviatura da sua principal característica. — Ela seguiu para casa e não olhou para trás, mas sabia que ele permaneceu lá até o portão ser fechado. "O que você está fazendo comigo loirinha? Já tenho todas as respostas e você está me fazendo criar mais perguntas." Ele argumentou intimamente quando voltou para moto. "Eu tenho um plano a seguir, não mexa onde não deve."

VINTE Na manhã seguinte, Duda estava sentada aos pés da árvore que sempre se encontrava com Felipe. Seus olhos estavam cansados pela noite perdida. De longe ela via Felipe conversando com algumas garotas. Naquela manhã ela tentou se aproximar dele, mas ele deu uma desculpa qualquer e se afastou. — E aí danadinha. Como foi à noite? – Nicole sentou ao lado da amiga. Duda a olhou e deixou uma única lágrima escorrer. Nicole desmanchou o sorriso. — Está tudo bagunçado. O Lipe está se afastando, eu estou em uma fase de vagabundagem duvidosa... Minha vida está virando de pernas para o ar. — Tenta conversar com o príncipe sapo novamente. – Nicole aconselhou. — Felipe já está com uma fila atrás dele. — Tenho certeza, se você falar com ele, muda tudo. — Ontem eu subi na garupa de um homem vingativo. Sair com ele durante a madrugada. Estou seguindo por um caminho errado e perigoso. — Por que eu não estou vivendo essas aventuras? – Nicole lamentou. — O que eu faço de errado para não merecer um bad boy?

— Não fale besteira. – Duda secou os vestígios de lágrimas dos olhos. — Eu nunca vou me relacionar com aquele homem grosso, estúpido e fingido. Ele odeia toda minha família. Eu preciso me lembrar disso. — Ao contrário da irmã. Olha a cínica da Alicia se insinuando para o Felipe. – Nicole deu uma cotovelada em Duda. — Hoje eu arranco alguns cabelos ruivos! – Duda levantou decidida e Nicole seguiu atrás. — Felipe! – gritou do meio da estrada. — Duda! – Ela viu os lábios de Felipe pronunciar o seu nome em um espanto. — Felipe, eu quero conversar. Agora! Não tente fugir. – Duda estava com as narinas infladas. — Como vai fofinha? – Alicia balançou todos os dedos em um aceno de desdém. — Sai! Pois minha mão fofinha está desejando correr violentamente no seu rosto. – Duda passou o recado e Felipe segurou a mão dela. — Você está vendo o que eu tenho enfrentado Lipe? – Alicia lamuriou. — Eu não sei que mal eu fiz para essa garota. — Vamos Duda. — Felipe quis tirá-la do conflito. Mas Duda largou a mão dele e encarou Alicia. — Deve complexo de inferioridade. — Alicia continuou. — Ela não aceita o fato de ser manca e sente inveja das pessoas perfeitas. Mas eu não tenho culpa dela ser doente.

Duda foi para cima da ruiva, mas Felipe a interceptou. — Para com isso Duda. — Ele segurou as duas mãos o rosto dela e falou baixo. — Eu vou resolver isso. Me espera lá dentro. — Eu sei que terminamos, mas você não deveria estar com ela. — A voz de Duda saiu embargada, estava angustiada por ser atacada em sua deficiência. — Logo ela, Felipe? — Só estávamos conversando. Não chore aqui. — Felipe beijou a bochecha dela, tentando acalmá-la. — Vai com a Nik. — É bom ela está aqui, Lipe. Assim eu aproveito para desmascarar essa sonsa de uma vez. — É o quê?! — Nicole também se alterou e Felipe soltou Duda para segurá-la. — Não se meta com minha amiga, Alicia! Você não sabe com quem está lidando. Eu já morei na rua e conheço as artes! – Nicole segurou as mãos no cabelo de Alicia. — TROMBADINHA! — Alicia gritou com o tronco curvado e os cabelos presos nos dedos de Nicole. — Essa aí vive te jurando amores, mas nas suas costas se encontra com meu irmão mais velho. — Alicia revelou. — Cala sua boca! — Duda se descontrolou. — Eu conheço meu irmão o suficiente para saber que acontece de tudo nesses encontros! — Eu vou acabar com você! — Duda deu um sopapo em Felipe e atacou Alicia.

Em segundos as duas já estavam rolando no chão de asfalto. As duas de posse do cabelo uma da outra. — Nicole entrou no meio, mas Filipe que estava tentando conter a briga conseguiu tirá-la primeiro. — Duda! — Felipe puxou a prima, mas ela insistiu e mais uma vez atacou Alicia. Vários alunos já estavam na roda de telespectadores. Uns incentivavam, outros tentavam desapertar as feras raivosas. Quando Felipe conseguiu conter a fúria de Duda, ela já estava em um estado vergonhoso. Seus braços e rosto tinham arranhões o cabelo lembrava uma fera selvagem, Alicia estava sentada no chão, em situação semelhante e chorava. — Você não vai se meter com meu irmão. — Alicia gritou no meio dos soluços. — Felipe, eu vou te contar o que está acontecendo. Ela está mentindo. – Duda tentou se explicar. — Você ainda insiste em desmentir, sua doente! — Vamos entrar Duda. — Felipe não estava com o melhor olhar. — Todo mundo para sala! — Um grupo de professores chegou, dispersando os alunos. — Vamos! Acabou o intervalo não ouviram?! — Vocês duas, na sala da direção agora! — Uma das coordenadoras ordenou. *** — Estou de olho. Vou ficar aqui, no pé da escada. — Eduardo

tentou intimidar o sobrinho, que subia as escadas rumo ao quarto de Duda. — Eles precisam conversar e você não vai pisar naquele corredor. — Maria Fernanda puxou o marido para um dos sofás. — Eu de olho ela apronta, agora com impedimento a coisa vai andar solta. Eduardo reclamou. — Minha filha está toda arranhada porque brigou pelo garanhão na escola. — Felipe é nosso sobrinho. Se ele foi homem para vir conversar com você, não vai agir por nossas costas. — Fico até mais tranquilo depois dessa briguinha de amor entre eles. Mas dou meia hora para ele, em meia hora eu subo. No andar de cima, Duda já estava explicando os últimos acontecimentos. — Aconteceu algumas vezes. Eu queria te contar, mas tive medo de te perder. Ele quer atingir meu pai, tenho ciência disso. — Duda fitava o travesseiro sobre as pernas. Estava envergonhada. — Você está colaborando com ele. — Eu não queria aqueles beijos. — Então ele te forçou? — Tudo bem! Eu sou uma traidora! — Ela encarou Felipe. Os olhos azuis estavam miúdos. — Ele não me forçou, mas foi muito difícil afastá-lo. — Que droga Maria Eduarda! Você quis e depois ainda se joga com a Alicia no meio da rua, negando! — Felipe se alterou e levantou da cama.

— Briguei com ela por você, Felipe! Ela fez intriga, sempre quis uma brecha para nos desestabilizar e pelo jeito conseguiu. — O tio Edu sabe dessa merda?! — Não! — Duda até tentou conter a língua. — Mas ele já nos pegou aos beijos lá fora. — Ela cobriu o rosto com as mãos. — Ele proibiu nosso namoro, veio com aquele papo de três anos, sabe que você anda se encontrando com um cara mais velho e simplesmente não faz nada! O que está acontecendo aqui?! — Meia hora Lipe. — Eduardo entrou no quarto e Maria Fernanda estava do lado. Ele ouviu as vozes alteradas e subiu para conferir o rumo da conversa. — Não faz dez minutos que estou aqui dentro! VOCÊ É UM TRAIDOR! – O sobrinho apontou o dedo no rosto do tio. — Abaixe o tom de voz! — Eduardo falou calmamente. — EU SOU O PERIGO PARA ELA?! — Moleque, você fala baixo comigo! — Dudu, eu sou a errada. Ele está certo. – Duda levantou da cama trêmula e parou frente ao pai. — Felipe, venha conversar comigo. — Maria Fernanda segurou a mão do sobrinho. — Vamos conversar no escritório. — Eduardo continuou tentando ser tolerante.

— VOCÊ ME CONHECE, ANTES DE SABER DA EXISTÊNCIA DELA. SABE QUE EU NUNCA IRIA BAGUNÇAR, MESMO ASSIM NÃO CONFIOU EM MIM! — Se você não abaixar o seu tom de voz, eu vou te levar para dentro daquele escritório e ensinar a não me tirar do sério. — VOCÊ ESTÁ EMPURRANDO-A PARA UM PERIGO! — Felipe se aproximou da porta. — Eu pensei e vou rever os três anos. Se você se acalmar podemos ter uma nova conversa. — Pode ficar tranquilo, meu tio. Eu não sou o cafajeste que você foi. Mas sua filha está se interessando por um. Estou caindo fora disso! Eduardo desceu as escadas atrás do sobrinho e Maria Fernanda seguiu logo atrás. A tia impediu o conflito e levou o jovem para casa. *** Os responsáveis de Duda e Alicia foram convocados a comparecer na escola antes das aulas começarem. Maria Fernanda e a filha entraram na sala da direção. Alicia e Luiz Miguel já estavam lá dentro. —

Como

vai?



Maria

Fernanda

observou

o

homem

disfarçadamente e recebeu um aceno. Há muitos anos ela não o encontrava, ele tinha mudado muito. Luiz Miguel estava forte e com postura de homem. Ela tentou afastar a ideia, mas sua mente romântica mediu a possibilidade dele ser o seu genro, se não houvesse tantas mágoas passadas.

Rapidamente tentou mudar os devaneios. — Já que todos chegaram, vamos começar tratar sobre o assunto. — Só lembrando, foi ela que me agrediu primeiro. — A ruiva se defendeu. Luiz Miguel impediu que a irmã continuasse. — Nossa metodologia de ensino é focada em respeito. Ensinamos que tudo se resolve no diálogo e não em insultos e brigas. Eu chamei vocês aqui para resolvermos esse problema juntos. — Eu já conversei com minha irmã. Ela está disposta a pedir desculpa. – Luiz Miguel tentou buscar o olhar de Duda, mas Alicia impediu sua visão. — Agora ela é a vítima, que pede desculpa. – Duda reclamou. A mãe deu um sorriso nervoso e a diretora a olhou por baixo dos óculos. — Duda também vai pedir desculpas, não é filha? – A mãe incentivou com um sorriso. Duda fixou o olhar em um porta caneta sobre a mesa de madeira e nada respondeu. — Nessa fase qualquer gota d'água se torna um oceano – a diretora continuou. — Eu proponho que de agora em diante, as atividades em grupo do terceiro ano sejam feitas pelas duas em parceria. Vão aprender a se ajudar para alcançar as notas e construir o respeito. — Eu me recuso. – Duda encarou a diretora. — Eu não vou trocar a

Nik pela Alicia! — Eu não aceito trabalhar com ela! — Alicia também se pronunciou. — Os responsáveis estão de acordo? — A diretora ignorou a opinião das duas. — Por mim tudo bem. – Por alguma razão, Luiz Miguel gostou da ideia. Duda encarou a mãe dentro dos olhos e durante alguns segundos conversaram sem pronunciar uma única palavra. — Senhora Maria Fernanda sua posição? — Estamos de acordo. — Não vou pedir um abraço, pois de agora em diante, terão tempo de sobra para fazer isso. — A velha sorriu, tentando passar tranquilidade. Minutos depois mãe e filha saíram da sala e encontraram Luiz Miguel conversando com a irmã no corredor central. Alicia, como sempre, estava dengosa e recebia carinho. Ela respeitava a autoridade do irmão mais velho. Depois que o pai foi preso e distanciado, Luiz Miguel assumiu o papel de homem da casa e o carinho de pai foi passado para ele. Luiz Miguel observou cuidadosamente todos os hematomas de Duda, mas ela virou o rosto e passou por ele, sem demonstrar vestígio de desconforto.

*** — Mesmo toda arranhada, continua com o nariz empinado. — O que está fazendo Mimo? — Alicia chamou a atenção do irmão. — Vá para sua aula, eu tenho que voltar ao trabalho. — Me conte o seu plano, eu te ajudo. — Alicia, não se envolva em meus assuntos. E nunca mais faça aquilo nela, está me ouvindo? — Segurou o rosto da irmã exigindo compreensão. — Eu faço pior, o pai dela matou o meu. Estou toda acabada, não está vendo? Ela já se acha sua dona e me bateu por conta disso. — Alicia choramingou e recebeu um abraço do irmão. — Estou resolvendo tudo, agora vá para a aula. Luiz Miguel descia a rampa da escola. Nicole caminhava distraída e só o percebeu quando estava frente a ele. Ela pegou seu celular e passou direto, fingindo estar envolvida com algo na tela. — Ei! — Luiz Miguel a interceptou. Ela arregalou os olhos. — Fale a Maria Eduarda que vou buscá-la no mesmo horário. — Nicole balançou o rosto em aprovação. Luiz Miguel analisou o pequeno pânico da jovem e quase sorriu — Agora vá para sua aula. Não deveria estar aqui fora. Nicole andou o mais rápido possível e antes de cruzar o portão olhou para trás. Ele ainda estava no mesmo lugar. Luiz Miguel Já estava em sua moto quando viu Maria Fernanda

retirando o carro importado da vaga. Observou e procurou semelhança entre ela e a filha, só encontrou os olhos, a cor de cabelo e o ar de riqueza.

VINTE E UM Duda caminhou até o arvoredo do condomínio e de longe viu Luiz Miguel encostado à ninja. Ela colocou as mãos dentro do casaco moletom apressou os passos. Quando chegou onde ele estava, pegou o capacete no guidão e encaixou na cabeça sem pronunciar nenhuma palavra. — Oi? – Luiz Miguel crispou a testa. — Você está atrasada. Eu quero que seja pontual de agora em diante. — É muito querer para pouco poder. — Ela respondeu sem encarálo. — Se está assim pela briga, entenda que a Alicia é muito ciumenta. Eu não faço ideia de como ela descobriu dos nossos encontros. — Você está pensando que eu briguei por você? — Duda já estava com o capacete na cabeça. — Ela me contou. Não precisa negar. Eu não alimento meu ego com isso, mas fiquei preocupado com as duas. Compreenda o lado dela Mar, e nunca mais a deixe perceber nada. Eu não vou fazer a Alicia sofrer por nada nesse mundo. — Sua irmã é uma escrota e você um iludido. – Duda desviou o olhar para o lado e deixou uma lágrima cair. — Eu só vim aqui, pois preciso de uma dose de adrenalina. Sintam-se sendo usado.

— Vamos conversar. – Ele segurou nos ombros dela — A Alicia não é má pessoa. Ela só está com ciúmes. Mas agora vocês vão fazer as atividades juntas, vão se entender. — Onde está outra moto? — Ela ignorou o assunto. — O Marcos saiu cedo e me deixou na mão. — Suba na moto — Ela ordenou. — Eu quero esquecer meus problemas na pista. — Tudo bem, vamos sair daqui. Como na última noite, que estiveram juntos, ela também não segurou nele. Por conta disso Luiz Miguel pilotou devagar. Já tinham tomado à rodovia, quando Duda passou as duas mãos na cintura dele e apoiou a cabeça em suas costas. Ele estranhou o gesto e quando percebeu que ela chorava mudou a rota e seguiu para outra estrada. Ela estava em um período emotivo e as lembranças da última conversa com Felipe e a certeza de tê-lo perdido mexia com ela. Suas vistas estavam turvas de lágrimas, ela só percebeu que estavam em outra estrada quando a moto parou. — Onde estamos? — Enxugou o rosto com a manga do moletom e observou inúmeros pontos de luzes no meio da escuridão. — Na estrada da serra. É uma bela visão não acha? — É a nossa cidade? — Ela caminhou curiosa, mas Luiz Miguel segurou em sua mão e impediu que se aproximasse do penhasco.

— Vamos ficar perto da moto, hoje está fazendo muito frio, o motor vai te aquecer. – Caminharam de volta e ambos sentaram no chão. — Não quer me contar real o motivo do choro? — É coisa minha e não quero dividir com ninguém, tampouco com você. — Eu já tinha esquecido que você também era frágil. Você é durona o tempo todo, cheia de coragem e determinação... — Eu tenho dezesseis anos, Luiz Miguel, tenho o direito de ser frágil. — Ela o encarou e uma lágrima despencou do canto dos olhos azuis. Ele observou o caminho que a lágrima percorreu, até se perder nos pequenos arranhões da bochecha avermelhada. — Quando eu era pequeno, a minha mãe curava as minhas feridas. — Luiz Miguel sorriu com a pequena lembrança. — Uma vez eu caí de uma árvore e abriu um corte enorme na minha perna. Aquilo doeu muito e pegou onze pontos. Mesmo eu tomando os remédios, só ficava tranquilo quando a minha mãe curava. Ela me dava todas as garantias de que aquele corte fecharia e a dor passaria rápido. — Sua mãe é enfermeira? — Não, mas ela tinha um jeitinho de fazer a dor passar. — Luiz Miguel levantou a mão e deslizou os dedos nas mechas loiras até se certificar de que estivessem bem presas atrás da orelha. — Eu posso tentar? Duda desceu os olhos até a mão que segurava seus cabelos e Luiz Miguel entendeu como um sim. Ele aproximou o rosto do dela e sentiu as

notas do perfume doce e sedutor invadir suas narinas, chegou mais um pouco e tocou os lábios no rosto dela, precisamente sobre as marcas deixadas pela briga. Luiz Miguel beijou o rosto de Duda e não estava com pressa, se ela reclamasse, usaria a desculpa de fazer parte do ritual. — Luiz Miguel... — Oi? — A Alicia não arranhou a minha boca. — Ela interferiu quando teve os lábios dele sobre os dela. — Ah, eu pensei que tinha... Duda se afastou, voltou a encostar-se na moto e olhou para os pontos de luzes a sua frente. Luiz Miguel fez o mesmo. Ambos deram um curto sorriso. Ele voltou a olhá-la e em seus pensamentos, media a capacidade dela mexer com seus sentidos e razões sem precisar de esforços. Aquela sintonia estava ficando perigosa para seus planos. Teria que ser mais racional para não se envolver com ela. — Por que você é tão diferente da Alicia fisicamente? — Duda ainda encarava as luzes da cidade. — A Alicia é ruiva e você moreno de olhos castanhos. — Somos irmãos, mas eu não sou filho do mesmo pai que a Alicia e o Heitor.

— Não? — Duda voltou olhá-lo, ela não sabia que ele não era filho do homem que roubou o Dudu. — Ele não é meu pai biológico. Eu não sou filho do Junior Álvares Azevedo. — Depois de tudo, você não é filho dele? — Não sou filho biológico, mas isso nunca fez diferença entre nós. Ele é o meu pai, o único pai. — O que aconteceu com o outro? O de verdade. — Não sei. Nunca quis saber dele. — Todos sabem que você é adotado? — Eu não sou adotado. Sou filho biológico da minha mãe Samanta e apesar de ser um assunto que evitamos dentro de casa, isso nunca foi segredo para ninguém. — E não tem curiosidade sobre ele? Sua mãe não te conta? Eu conheci o Dudu aos sete anos. Minha mãe não queria me aproximar dele, mas me contou que ele existia e estava em algum lugar. Você tem direito de saber essas coisas. — Não é importante. Eu não quero saber. Agora esquece isso. Hoje está fazendo muito frio. Eu quero te aquecer um pouquinho, vem cá. — Não! Estou bem agasalhada e não sinto frio. Você é um safado, aproveitador. Luiz Miguel sorriu e se aproximou um tanto dela.

— Você não parece com sua mãe, Mar. Só os olhos e esse nariz empinado. Ela tem pose de modelo estrangeira e você é toda pequena. — Eu nasci prematura e com problemas de saúde, já te contei. E não me importo em ser pequena. — ela falou emburrada. — É pequena, mas até que é bonitinha. — Luiz Miguel sorrindo e puxou uma mecha do cabelo dela até o limite em provocação. Duda esmurrou, depois continuou olhando fixamente para a visão de luzes. Luiz Miguel continuou desenhando o contorno do rosto dela com os olhos. Naquele jogo de conquista ele estava em desvantagem. A temperatura estava fria, e o vento parecia dosar a medida certa para proporcionar movimentos aos cabelos dela e circulação do perfume na circunferência onde estavam. — Eu não sei o que eu estou fazendo. – Ela suspendeu os joelhos e cobriu o rosto com as mãos — Acabo de perder o amor da minha vida. Agora estou aqui fugindo durante a madrugada para tentar esquecê-lo. Onde eu estava com a cabeça para acreditar que funcionaria? Luiz Miguel ouviu aquilo e não encontrou uma palavra para maldizer o suficiente. Seus olhos que antes estavam fixos nela, agora fixaram os próprios punhos cerrados. "Estou sendo usado por uma adolescente ao invés de tomar o controle da situação." Pensou enquanto levantou de onde estava e caminhou até o limite do precipício. Sua mandíbula estava contraída e as mãos fechadas. Ela estava logo

atrás, soluçando por outro homem e aquilo não deveria influenciá-lo tanto. Aquele era o momento ideal para virar o jogo ao seu favor. Ela estava frágil e facilmente cairia em uma investida. Era o momento ideal para persuadi-la com artimanhas sedutoras, então daria um jeito para levá-la de casa por livre vontade. Isso tudo seria possível se ele não estivesse louco de raiva. E por que não dizer ciúmes? Ele esperou tempo suficiente para que Duda terminasse de chorar, quando voltou, ela estava com os olhos vazios. — Terminou o drama adolescente? Agora Vamos! — Não! Estou mal, você deveria ficar aqui, do meu lado, me dizendo que tudo vai ficar bem. Não quer ser meu amigo? Então seja agora. — Você não é tão ingênua. – Luiz Miguel sorriu sem humor. — Acredita mesmo, que desejo ser seu amigo? Amigo beija do jeito que eu faço? Te deixa com tesão? Me fala Maria Eduarda. Onde eu demonstrei que quero ser seu amigo? — Você também vai jogar na minha cara o quanto eu sou descarada?

VINTE E DOIS — Vamos para casa. Levanta! Eu ainda vou passar em um lugar. — Ele respirou fundo, sem paciência. — Aonde vai a uma hora dessas? – Ela perguntou com a voz firme, levantou e tomou o capacete dele. — Não vai! Luiz Miguel ouviu aquelas palavras e sorriu desacreditado. Era muita pretensão dela exigir algo e naquele tom desaforado. — Me devolva o capacete e suba na moto. — Você não vai a lugar nenhum. Vai me deixar em casa e depois vai para a sua! — Duda determinou, mas Luiz Miguel puxou o capacete das mãos dela e subiu na moto. — O que está fazendo?! Vai me deixar aqui, sozinha?! Luiz Miguel desligou a moto no limite da paciência, desceu e segurou forte nos dois braços dela. — Pode parar! Eu não tenho saco para aturar crise de mulher! Eu deixei minha morena no meio da noite para sair com você e estou atrasado para reparar meu erro. — Você tem uma namorada? — Duda procurou a resposta nos olhos castanhos, mas ele desviou o olhar. — Ela é pouco além, mas você não entende nada disso, pois não

passa de uma adolescente cheia de marra, mas de pouca atitude. — Você é apaixonado por ela? — Por que isso é importante agora, Maria Eduarda? — É a mesma que atendeu seu telefone quando eu te liguei? Você disse que não era namorada, por que mentiu? — A Vanessa é minha parceira em tudo e nunca precisou usar esse adjetivo para definir o que temos. — Canalha! — Duda cruzou os braços e olhou para o lado oposto. — Você é um cafajeste! Ela é bonita? Eu exijo explicações. — Uma gata, dessas de parar qualquer pega na pista para ela desfilar. Duda mudou a feição do rosto de confusa para raiva. — Se é assim, por que me beija sempre que pode? — Não se sinta a única Maria Eduarda, você não tem o direito de imaginar isso. Duda tentou um contra-ataque, mas estava emotiva e ouvir aquelas palavras piorou sua situação. Quando percebeu, seus lábios já estavam tremendo em um choro contido. — Você não pode... não me trate assim. Posso ter errado muito, mas tenho princípios. Não sou uma mulher à toa. Sou única sim. Luiz Miguel observou o choro e mesmo confuso entre verdade e chantagem, foi se comovendo aos poucos.

— Também não precisa chorar. — Ele tentou tocá-la, mas ela se esquivou. — Se não parar com isso, eu te deixo aí. Sua última chance. Duda sentou no chão, o incentivando a cumprir a ameaça. — Maria Eduarda... Já estou no meu limite, nem com a Alicia eu tenho tanta paciência. Ou sobe naquela moto agora ou eu vou te deixar passar a madrugada aqui, sozinha. — Ele ajoelhou ao lado dela. — Vamos, sobe na moto. – agora falou paciente. — Por que você não está me chamando de Mar? Você disse que era uma coisa nossa. Luiz Miguel ouviu aquilo e sorriu, Duda estava sendo responsável por sua constante mudança de humor em intervalos curtos de tempo. "Você é maluca e quer me enlouquecer, menina." Pensou. — Podemos ir agora Mar? — Você vai direto para casa e não vai passar em outro lugar? — Você quer ir para minha casa ou está tentando impedir meu encontro? – Ele sussurrou próximo ao rosto dela. — Você entende tudo errado! Luiz Miguel sentou novamente. Sua mão esquerda escorregou pelas costas dela e abraçou a cintura. Ela apoiou a cabeça no ombro dele e aceitou o abraço. — Eu nunca senti nada parecido com isso, mas tenho certeza que vai passar. –Ele a aconselhou. — Você é nova, é só um namorico bobo, não é o

fim do mundo. — Não vai passar, é muito forte e doloroso. Estou sofrendo de amor. Ele quase zombou. — Daqui a um tempo você vai ter certeza do que eu estou dizendo. Não vai lembrar. — Dizem que o tempo cura tudo, mas eu não acredito muito nisso. O perdão e o amor podem curar, mas o tempo não. — Duda tinha certeza do que dizia. — Uou, de onde tirou isso? — Eu já presenciei com os meus pais. Se o sentimento for superficial morre com o passar do tempo, mas se verdadeiro permanece e dá frutos. — Você é esperta. Cada dia eu descubro uma coisa nova sobre você. – Luiz Miguel passou o polegar sobre os olhos inchados de Duda e enxugou o resto de lágrima que ainda estava ali. — Onde quer estar daqui a alguns anos Luiz Miguel? — ela perguntou e se achegou mais, fugindo da corrente fria. Luiz Miguel sabia que em alguns anos Duda passaria longe dele. Mas naquele momento, não havia outro lugar que ele quisesse estar diferente daquele, inalando o mesmo cheiro, tocando a mesma cintura, sentindo o frio que os aproximavam e a noite que entregava a convidativa iluminação. — Talvez aqui neste mesmo lugar, o que você acha? — ele

perguntou. — Está marcando um encontro comigo para o futuro distante? – Duda o encarou. — Sim. Um encontro. Quer estabelecer uma data? — Ele sorriu. — O futuro não pode ser tão distante ou vamos estar velhinhos e sem forças para subir a serra. — Então marca para um futuro próximo. Não estou a fim de te ver caduca, tomando tanto vento frio. — Ele ainda sorria, entrando na brincadeira, para alegrá-la. — Vamos marcar para daqui a sete anos. O que você acha? — Ela ainda olhava nos olhos dele. — Por que sete tão precisamente? — Foi o tanto de anos que fiquei longe do meu pai, quando a maman foi morar em Paris. Sempre que eu ouço a palavra distância, associo a esse período de tempo. — Maman... — Luiz Miguel a imitou — É tão bonito te ouvir falando francês. — Son sourire est beau.[5] — Duda sorriu apenas com os olhos. — Não tenho ideia do que você falou, só estudei inglês. — Só estou falando que a noite está fria – Ela abaixou os olhos e disfarçou o sorriso. Luiz Miguel voltou a abraçá-la para afastar o frio.

— Mesmo se você estiver com muito ódio e eu ser a última pessoa que queira ver, você vem? — Um encontro marcado com tanta antecedência vai ser difícil atrasar. E se eu estiver com raiva de você, venho para te dar um soco bem forte. Em sete anos eu serei profissional. — Profissional de quê? – Ele achou graça. — Luta. Vou te bater. Serei forte. Muito forte. Luiz Miguel continuou sorrindo e afundou a bochecha dela com um beijo repentino. Achou muita fofa e não resistiu. — Então está combinado. Contando de hoje, daqui a sete anos, depois da meia noite, nesse mesmo lugar. E por favor, chegue deslumbrante, da mesma maneira que a sua mãe deve ter aparecido depois desses sete anos. — Isso eu já não posso te garanti. Você sabe que eu não sou tão alta e bonita quanto ela. Eu só posso garantir vim. Nada mais que isso. — Então, só venha. Eu vou ficar te esperando. Sua mãe é uma gata, mas eu prefiro você, seu meio metro e nariz empinado alcançável. — Você está me ofendendo. Não sou alcançável. — Ela tocou a ponta do próprio nariz. — A alcanço com joelhos no chão. — Ele levantou. — Vamos voltar agora. Está esfriando e não quero te ver doente. — Você vai a algum lugar depois que me deixar no condomínio? — Dormir e se eu tiver sorte ainda sonho com você.

— Você não pode sonhar comigo. Tem uma parceira de parar o trânsito – ela sussurrou. — Eu não posso mandar em meus sonhos – ele também sussurrou. Sua mão estava unida a dela. — Vai me dar um beijo agora? — Você só pensa em beijos. — É o máximo que eu posso esperar no momento. Então vem. – Ele segurou a cintura dela e a colocou em seu corpo. — Você é sagaz. — Eu seria, se te colocasse em volta da minha cintura, toda vez que desejasse te beijar. É a única maneira de evitar um problema na coluna. Ele segurou no quadril dela e acariciou, quis testar um novo contato. — Respeite meu momento de dor, Luiz Miguel. Estou sofrendo. — Tudo bem, vamos voltar. — Ele a soltou. — Quando você chegar em casa, me liga, só para confirmar que não foi a outro lugar. Duda não ficou desconfortável ao exigir aquilo, muito pelo contrário, ela estava falando o que realmente queria. Luiz Miguel odiava qualquer forma de controle, mas naquele momento sentiu uma pequena euforia com a exigência. — Minha noite já foi suficiente. Vamos pegar estrada? *** No dia seguinte, a secretária de Eduardo deixou uma carta sobre a

mesa do patrão. Eduardo sabia que o envelope anônimo tinha sido deixado na recepção da empresa, pois a secretária relatou toda a trajetória. O dia tinha sido bastante corrido, ele só se deu conta de abrir no final da tarde. Ao ler o início do bilhete com letras digitadas e maiúscula, ele foi tomado por uma preocupação que há muito tempo não sentia.

VINTE E TRÊS Era noite, Luiz Miguel estava sentado frente à escrivaninha de seu quarto. Alguns livros, caderno de anotação e o notebook estava aberto. Vanessa estava dormindo na cama logo atrás. A morena tinha chegado ao anoitecer, mas o encontrou concentrado nos projetos. Sem atenção ela acabou adormecendo. Teodoro estava dormindo aos pés de Luiz Miguel. Os cafunés e a tigela de ração que recebia eram suficientes para fazê-lo entender que o novo dono o protegeria dos perigos da rua. Luiz Miguel desviou o olhar do notebook assim que ouviu seu celular vibrar sobre a cama. O som da chamada foi intensificado e Vanessa — que estava cochilando — despertou. Ela pegou o aparelho, olhou a tela e reconheceu o nome que já tinha ouvido na boca dele. — Toma. — Ela estendeu o aparelho na direção dele. Disfarçou o quanto pode, mas quando Luiz Miguel saiu do quarto e fechou à porta, ela cerrou os punhos e socou um travesseiro com força. — Mar? – Luiz Miguel subiu a escada do terraço. "Não venha aqui. Mas eu preciso que deixe meu cachorro em um lugar seguro. Vou dar um jeito de buscá-lo." — O que aconteceu?

"Ontem eu acreditei na sua sincera aproximação. Mas você só estava o tramando vingança!" — Eu não estou entendendo nada. Que voz é essa, Mar? Vou te pegar aí agora e você me conta o que está acontecendo. "Não venha. Onde pode deixar o Teodoro? Rápido, eu vou desligar..." — Espera, espera! Você está em casa? "Estou em casa, olhando por minha janela e vendo seguranças no meu jardim. Não tente entrar aqui, o sistema da casa já foi mudado. Droga! Eu não deveria ter te falado isso." Luiz Miguel andou de um lado a outro no terraço. Estava aflito. — Mar, me escuta. Estou longe de você, então eu preciso que me conte exatamente o que está acontecendo. "Não confio em você. Só quero meu cachorro." Luiz Miguel ficou nervoso, ele odiava ter as coisas fora do seu controle. — Tudo bem, não confie em mim, mas se tiver acontecendo alguma coisa com você eu preciso saber. Por favor, me conte o que aconteceu Maria Eduarda. –implorou. — Estou indo até você. "Não venha! Os homens do meu pai vão te pegar!" — Um caralho para os homens do seu pai, Maria Eduarda! "Então venha! Assim, isso acaba hoje!"

Luiz Miguel fazia ideia do acontecendo. Ele sentiu um desconforto estranho no peito e aquilo superou qualquer ódio ou vingança planejada. — Mar, tranque seu quarto. Por favor, não confia em ninguém. Eu não confio nos homens que estão no seu jardim. Não saia daí até eu chegar. "Fique longe de mim e da minha família. Eu quero meu cachorro." — Para de tirar suas conclusões e me fala o que está acontecendo menina! — Não vou passar informações. Ficarei com dois seguranças até o dia da minha viagem, eles vão te manter longe. Minha mãe passou mal, hoje cedo. Não se atreva tocar nela. Não temos culpa do que aconteceu... Luiz Miguel não terminou de ouvir. Ele desligou o aparelho celular e guardou o aparelho no bolso e deflagrou vários socos no saco de boxe, queria descarregar parte da raiva e preocupação. Mas não deu certo. Ele pegou novamente o celular e procurou o número desejado. Precisava ganhar tempo. Esperou chamar várias vezes. A ligação não foi atendida. Ele arremessou o celular na direção do sofá. A raiva e preocupação foram intensificadas. — O que está acontecendo Lú? — Vanessa abraçou suas costas e depositou um beijo em seu pescoço. — Qual o motivo do descontrole? Luiz Miguel fechou os olhos e tentou se ligar nas carícias de Vanessa. — Preciso que me acalme parceira. Dê o seu melhor.

Ele girou Vanessa e a beijou. Vanessa sentiu que a urgência não vinha da atração que os unia. — Pegue suas luvas, vamos lutar. — Ela se afastou. — Eu preciso de você, Nessa. A luta não vai me ajudar no que eu preciso esquecer. — Mar... Mar de que? Marcela, Márcia... — Estou envolvido em algo e não posso te contar. Mas ela é a peça chave de tudo. — É um jogo? – Vanessa alisou o rosto dele. — Sim. Eu deveria pensar somente na recompensa, mas estou me envolvendo com a jogada e perdendo foco no resultado. Luiz Miguel sentou no sofá do terraço, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. — Se perdeu o desejo pelo prêmio, suponho que a jogada seja bastante sedutora. – Vanessa sentou ao lado dele e passou a observá-lo. — Meu adversário me desarma sem habilidades. Já estou prestes a... — Se render? – Vanessa se aproximou. — Eu ia dizer perder o controle. — Não perca — A morena começou distribuir beijos no rosto dele. — Devemos usar a franqueza do adversário ao nosso favor. Esqueceu? Tudo a seu favor, não contra você. — sussurrou no ouvido dele e o montou. — Deixe-me te fortalecer campeão. Eu já estava com saudades – Ela desceu o

zíper da calça dele e começou estimulá-lo com uma massagem lenta e sensual. Luiz Miguel a virou em um só impulso, fazendo-a deitar-se no sofá. Olhou para ela e deslizou os dedos sobre a pele morena. Ele tinha um vínculo forte com Vanessa. Paixão, desejo, amizade, cumplicidade... o que existia entre eles tinha vários nomes. E por mais que fosse forte, não era suficiente para fazê-lo esquecer os olhos azuis que se assemelhava ao mar no início da tarde e os cabelos que pareciam ter uma forte ligação com a luz solar. A teimosia que o tirava do sério, a boca irritante que não parava de conversar e a coragem em corpo pequeno. Ele estava longe para sentir o cheiro, mas já tinha gravado as sensações doces e sedutoras do aroma que se assemelhava ao da orquídea chocolate. — Hum... quer fazer amorzinho romântico? – Vanessa estava com os olhos fechados, sentindo o carinho no rosto. Luiz Miguel despertou dos seus pensamentos e saiu de cima dela. — Estou cansado. Vou te levar para casa. *** Passaram-se quinze dias, Duda já estava se acostumando com a nova rotina de ter seguranças armados ao lado. A menina não perdeu o costume de o procurar quando saia no portão da escola, mas nunca avistava a figura de Luiz Miguel. Seus pais também seguia a mesma rotina. A mãe decidiu que deveria esperar os dois meses que faltava para

finalizar o colegiado da filha, mas depois Duda seguiria para uma boa faculdade fora do país. — Duda, aconteceu um problema com o seu segurança e a partir de hoje o Rosinaldo vai assumir o lugar dele. — Eduardo estava descendo as escadas com a filha. — É aquele. — Apontou para o homem de terno preto, que estava de costas. — Ele tem três metros? – Duda sussurrou. — Rosinaldo, essa é a Duda, minha filha. — Eduardo chamou atenção do homem o fazendo virar para eles. — Rex! – Duda reconheceu o rosto do homem. — O quê filha? — Eu... eu lembrei do meu cachorro que algum psicopata perigoso sequestrou. — O Rosinaldo tem um currículo exemplar. Ele já fez a segurança de um lutador famoso. Qual era mesmo o nome Rosinaldo? — perguntou Eduardo. — Anderson Silva — O homem tinha a voz grossa e bastante convincente. — Isso estava no currículo dele, Dudu? Duda tentou intimidar o homem com o olhar, mas ele permaneceu com a postura ereta e sem mover o pescoço. — A agência dele é muito confiável. Puxei tudo no sistema. O

Rosinaldo é muito bom. — O outro segurança pediu demissão? — Duda ainda encarava o homem. — Ele se meteu em uma briga ontem à noite, parece que quebrou algumas costelas. — E o nariz também — o segurança completou. — Eduardo o olhou surpreso por saber os detalhes. — É a mesma agência, sabe como é né? A notícia corre rápido. — Rosinaldo tentou consertar. — Você vai levar a Duda para a loja. Tenho uma reunião agora. Pegue um carro na garagem, todos são blindados, as chaves ficam no painel. — Sim senhor. — Vamos! Estou atrasado. Duda sentou no banco de trás da caminhonete de luxo e esperou que o carro tomasse o caminho contrário do pai. Então soltou o que estava segurando. — Você está mesmo na agência? Seu nome é Rosinaldo? Você nunca trabalhou para o Anderson silva. Mentiu e tirou a barba para não ser reconhecido. Fique sabendo que eu já mandei mensagem para uma amiga, não vou te falar o nome dela. Se algo acontecer comigo ela vai jogar tudo no ventilador. Você sabe que o carro e o meu celular têm rastreador, não sabe? Por que você não responde?! – Bateu nas costas do banco do motorista. Mas ele permaneceu calado. — Você não é mudo, eu já ouvir sua voz. Duda fez todas as perguntas que estava em sua mente e não obteve

respostas. Emburrada cruzou os braços e fixou o olhar no o brilho da careca a sua frente. — Não estou te julgando. Esse pode ser seu trabalho, mas eu já te vi na porta de um prédio onde um perigoso inimigo faz coisas contra a lei. Você tem um irmão gêmeo? Ele usa barba e trabalha em um lugar clandestino? Sua mãe pode não saber, mas seu irmão anda com pessoas perigosas. Se você escolheu o lado oposto dele, precisa aconselhar. Ele é amigo íntimo de um homem alto e forte, um homem perigoso. Bem, sendo você ou não, já estou resguardada. O homem continuou calado. Ela permaneceu se comunicando com Nicole por mensagem. Quase uma hora depois, Duda estava cochilando, quando sentiu o vento fresco no rosto. O segurança tinha aberto os vidros escuros e blindados. — Onde estamos? Ela olhou os dois lados da janela. O carro estava passando por um largo portão de madeira. — Onde estou? Meu pai não vai deixar barato. Vou falar agora com minha amiga. O homem desceu do carro travou a porta e caminhou rápido até sumir das vistas de Duda. — Eu já não estava suportando mais. Minha cabeça está latejando. Vou precisar trabalhar com fones no ouvido. Você tem certeza? Não se enganou de mulher?

— É ela. – Luiz Miguel sorriu e aparou as chaves do carro. — Boa sorte, campeão. – O homem encorajou o amigo. Luiz Miguel seguiu até o carro, destravou e tomou o celular das mãos de Duda.

VINTE E QUATRO — Vai cumprir as ameaças? – Duda se encolheu no canto e viu Luiz Miguel mergulhar seu celular dentro do cós da calça. — Vamos conversar lá dentro. — Ele deu a volta e assumiu o volante. Duda sabia que as portas estavam travadas, mesmo assim forçou as duas. — Minha mãe vai sofrer muito – Ela estava com a voz de choro — Para esse carro! Eu não quero morrer! — No pânico ela puxou os cabelos dele. — PARA ESSE CARRO! – Puxou tão forte que Luiz Miguel arqueou o pescoço, mas conseguiu frear o carro antes de perder a direção. — Você quer se matar?! – Virou o corpo e imobilizou os braços dela. — Você quer me matar! Luiz Miguel pegou o celular dela, destravou a tela e abriu a agenda. — É Nicole o nome daquela sua amiga, não é? Duda tinha começado chorar, mas assim que ouviu o nome "Nicole" voltou a puxar o cabelo dele e balançou a cabeça de um lado a outro. — VOCÊ NÃO VAI ACABAR COM A MINHA FAMÍLIA!

— Para com isso Maria Eduarda! – Luiz Miguel conseguiu se soltar. Ele deu a volta e entrou pela porta traseira. Duda enxugou o rosto e se encolheu longe dele. — Nicole, é o Luiz Miguel. – Ele já estava com o telefone no ouvido. "Romeu bad boy? Me diz que é tudo um plano de amor." — É assim que me chamam? – Luiz Miguel curvou o lábio em um curto sorriso. — A Mar... a Maria Eduarda vai passar o dia na sua casa. — NIK! Ele vai me matar, avisa ao Dudu! Manda minhas mensagens! – Duda saiu do canto e tentou tomar o telefone. "Você vai machucá-la? Romeu ou psicopata?" — Não vou fazer nada de ruim com sua amiga. Você entendeu Nicole? Ela está aí, agora mesmo. Acha que pode esconder isso dos seus pais? "O cupido que a Julieta não teve. Awn... Você tem um amigo, pouco bad boy, pouco bobo da corte, que não tenha medo de pais fortes e lindo de morrer? É para me auxiliar no papel de cupido." — O que está acontecendo com vocês? – Luiz Miguel perguntou a Duda. — NIK NÃO ACREDITE NELE. FALE COM O TIO SÉRGIO! – Duda gritou. "Cuide bem dela Romeu. Fique longe de qualquer frei assassino,

não ouça os conselhos maléficos dele. Essa história não será como antes." — O quê? Tudo bem! Vou cuidar dela. Gostei de você Nicole. Até logo... cupido. – Ele preferiu ignorar as loucuras e encerrou a ligação. — Você não manipulou minha amiga! A Nik é esperta, te enganou. — Mande uma mensagem para sua mãe relatando que resolveu passar o dia com a Nicole — Entregou o celular a Duda. — Me obrigue. — Tudo bem. Então ligue e fale que fugiu comigo e não vai voltar mais para casa. – Ele sugeriu a segunda opção. — Seu... bandido sequestrador! O que vai fazer comigo? VAI ESCONDER O MEU CORPO AQUI?! — De onde você está tirando essas paranoias? Eu ainda não matei. Deixar cinco ou seis caras em coma não conta como assassinato. E não ia começar com uma bonequinha igual você. — Ele segurou na ponta do queixo de Duda, mas logo foi empurrado. — Por que mandou aquela carta para o Dudu? Por que nos ameaçou de morte? Luiz Miguel tinha quase certeza de quem estava por trás, mas durante aqueles quinze dias ele buscou respostas e não encontrou. Poderia ser outro inimigo de Eduardo. Sabia que ele tinha feito muitos no passado. — O seu pai aprontou com mais alguém? — ele perguntou. — Você deixou claro que queria vingança. Meu pai é um homem de

bem. — Ele é o mocinho da história que sofre injustiças! ELE É MANDANTE DE UM ASSASSINATO CARALHO! Duda se assustou com o grito e Luiz Miguel se arrependeu ao ver a feição chorosa. — NÃO GRITE COMIGO! NUNCA MAIS FAÇA ISSO! — Desculpa. Não quero te assustar mais do que já está. Te trouxe aqui para conversarmos. E também porque faz tanto tempo que estamos longe. — Seu pai era um bandido e existem consequências para quem pratica crimes. Você não pode criar uma teoria errada e sair matando pessoas por conta disso. Não me deixaram ler a carta, mas eu fiz isso escondida. Li a parte que você fala em acabar com a anjinha Moedeiros. O que vai fazer comigo? — Eu não mandaria uma carta. Precisa ser um otário para avisar antes de atacar. — Está dizendo que além de você tem outra pessoa odiando minha família? — Alguém descontrolado o suficiente para ser uma grande ameaça. Descontroles traz os piores desastres. Eu agir na hora certa colocando o Rex com você. – O olhar de Luiz Miguel estava longe, analisando possibilidades. — Não foi você?

— Não faço essas babaquices. Manda a mensagem para sua mãe ou vou te levar para bem longe, de verdade. Ela digitou uma mensagem, Luiz Miguel tomou o celular, apagou todas as informações, escreveu novamente e enviou. Ele voltou assumir o volante. Duda o observou massageando a cabeça. Certamente os puxões tinham causado desconforto no couro cabeludo dele. — O que é esse lugar? — Duda avistou um lago com patos nadando e a grama baixa. — É uma estância. — Por que me trouxe? Cavalos? Tem cavalos aqui? — Olhou curiosa através do vidro e Luiz Miguel o abriu para melhorar a visão dela. — Você está invadindo esse lugar? — É de alguém da minha família. Ele estacionou o carro na beira do lago. A casa típica de fazenda estava logo à frente. Duda saiu do carro e curiosa olhou cada canto do ambiente onde estava. — Eu não mandei a carta. Mas vou descobrir o mandante e quebrar todos os dentes para ensinar a não mexer no que é meu. — Eu prefiro acreditar que você seja o autor da ameaça. Assim fica mais fácil de manter distância. — Eu não vou ficar longe. Você ainda duvida disso Maria Eduarda? Não vou confiar nos seguranças contratados por seu pai, sabendo que você está ameaçada. Tira da sua mente que sou autor dessa merda de carta.

Ela se envolveu com os próprios braços. No fundo tinha aquela esperança, mas isso também a fazia temer. Se não fosse ele, precisava ficar longe de qualquer maneira ou ele pagaria com a culpa. — Seu parente, o proprietário, é rico? — perguntou. — Não de dinheiro. A propriedade foi tudo que restou. — Ele andou mais alguns passos e sentou na grama baixa da beira do lago. Ela o olhou por alguns minutos e também se sentou. — O Rex bateu no meu segurança. Ele não deveria ter feito isso. O coitado não tem culpa de nada. — Não foi o Rex. Eu não confiava naquele cara andando com você. Por que me disse que eram dois seguranças? — Porque assim, você ficaria longe. Luiz Miguel sorriu e encarou os olhos azuis. — Poderiam ser dez seguranças Mar, eles não me manteriam longe de você. — Descobriu os cabelos loiros que impediam a visão do rosto dela. — Vem cá me dá um beijo. Já estou em abstinência de você. Duda virou para o lago e sentiu a pele do rosto esquentar. Luiz Miguel se aproximou e não resistiu vendo o pescoço claro descoberto. A surpreendeu. — O que está fazendo? – Ela fechou os olhos ao sentir os beijos sensuais na pele. — Para Luiz Miguel. Eu não quero isso. — A voz estava muito fraca. — Não podemos...

Luiz Miguel se endireitou e fixou os olhos no lago. Poderia insistir e facilmente fazê-la implorar por mais, mas Duda não tinha experiência o suficiente para levar aquilo adiante sem arrependimentos depois. Naquele momento ele estava fora dos planos de vingança. — Não quero manipular sua vontade, mas quando quiser vou estar aqui. — Você desiste fácil grandão. — Duda murmurou. Luís Miguel voltou olhá-la desacreditado. Duda se envergonhou, quando percebeu as palavras já tinham escapados. — Você é uma pimentinha Mar. E está me manipulando fácil. — Ele não perdeu tempo e a beijou com paixão, reivindicando a boca rosada da mulher que ele deveria odiar. — Luiz Miguel... para. — Ela tentou respirar, mas ele sorriu, entendendo o jogo inverso. — Estou com raiva... muita... raiva... — Respira. — Ele desceu os lábios e agradou a pele do rosto, pescoço e ombro dela. A fina alça do vestido despencou com o movimento. — Não... não consigo assim... — Te dou oxigênio na sua boca, minha pequena — Ele mergulhou a língua para explorá-la mais intensamente. — Te dou tudo. O beijo já estava fora do controle dos dois quando Duda ouviu um pigarreio por perto. Ela abriu os olhos e foi a primeira a ver a senhorinha sorrindo.

— Luiz Miguel... – Bateu no ombro para que ele encerrasse o beijo — LUIZ MIGUEL! — Ele a encarou. Duda fez sinal e Luiz Miguel deu um pulo de onde estava. — Vó Alice! — Eu sabia que estaria viva para conhecer meus bisnetinhos. A senhora de sorriso espontâneo abraçou Luiz Miguel. O neto estava evidentemente constrangido com o flagra. — Vó Alice, eu não avisei que viria, decidi de última hora. — Desde quando um neto precisa avisar sobre uma visita? E você minha filha? — A senhora também abraçou Duda que estava muito envergonhada. — Vó essa é a Maria Eduarda. — Ela é tão novinha... Você parece comigo quando casei com o Alfredo. – A senhora de olhos azuis claros, alisou os cabelos de Duda. A jovem sorriu, ainda sem graça. —Você é muito esperto Mimo, ela é muito bonita. — Não. Nós, não somos... — Duda não terminou a fala, pois Alice começou alisar sua barriga. — Já está grávida? — Vó. Não. Ela não... Vamos entrar, estou com saudades do Vô Alfredo. Ela não está grávida — Luiz Miguel tirou as mãos enrugadas do abdômen de Duda e beijou a testa da velhinha.

— Mas do jeito que eu vi aqui, não vai demorar. — Alice continuou sorrindo naturalmente. Duda desejou ser o ganso que estava mergulhando a cabeça na água do lago, com a única diferença, que ela não levantaria a cabeça depois. Alice caminhou em direção a casa, Luiz Miguel olhou Duda por alguns segundos e constatou que ela estava muito constrangida. — A Vó Alice é a mãe do meu pai. — Por que me trouxe aqui? Sua avó viu aquele beijo e a sua língua passeando no meu pescoço. Estou morta de vergonha. — Ela passou por ele e seguiu na direção da casa. — Só fui eu que estava beijando. — Ele reclamou e seguiu atrás dela. — Não fique tão perto de mim. — Duda o empurrou quando sua mão foi entrelaçada. — Não somos um casal.

VINTE E CINCO Duda parou ao lado do sofá e observou os móveis rústicos e elegantes. Não demorou, Alice chegou na sala empurrando uma cadeira de rodas com um senhorzinho de sorriso muito simpático. Suas marcas de expressão facial traçava um sorriso permanente, indicando que ele tinha sido muito feliz. — Olha quem veio nos ver, Bem. Luiz Miguel se abaixou e beijou o rosto do avô. Duda não conhecia aquele lado e o admirou. Ele estava conversando com o avô e ajeitando a coberta que cobria as pernas enfermas. Fazia tudo com cuidado. — Ele trouxe a noiva. — Alice sussurrou próximo ao ouvido do marido. Duda se aproximou e abraçou o velhinho. — Seu rosto é muito familiar, de onde eu conheço você, filha? — Alfredo perguntou. Dezenove anos antes, aquele velhinho tinha ensinado tudo sobre engenharia a Eduardo. Era o seu melhor estagiário e Alfredo tinha muito apreço pelo aluno. — Eu não me lembro de ter visto o senhor antes. — Duda respondeu.

— Você estava na TV. — Alice lembrou a ocasião — Ela apareceu no Jornal da manhã. Você está lembrado, Bem? Um sorriso mais acentuado se formou no rosto de Alfredo. Duda retribuiu. — Não me lembro disso. — Ele continuou sorrindo. Alfredo sofria de Mal de Alzheimer e apenas recordava de fatos antigos. — Você separou da Samanta, Junior? — O velho olhou para Luiz Miguel. — Sou seu neto Vô. Luiz Miguel, filho do Junior. — explicou calmamente e acariciou os cabelos do avô. Duda se emocionou e sentiu lágrimas umedecer os seus olhos. — Você não era menor? Por que cresceu tão rápido? Essa é aquela sua namoradinha da festa? — Sim, é ela Vô. Viemos passar o dia aqui, com vocês. — Você não é meu neto, eu não tenho um neto tão alto. O Mimo é deste tamanho aqui – Mediu a altura de uma criança. — O senhor lembra quando eu caí da árvore que ficava no seu jardim e fiquei com a perna imobilizada? O senhor ia toda noite fazer aviãozinho de comida para mim. Lembra quando me chamava de menino e eu repetia "mimo" e acabou pegando? Duda saiu em direção a varanda da casa assim que sentiu lágrimas

escapar. — Tem certeza que ela não está grávida, Mimo? — Alice tinha observado Duda enxugando os olhos. — Eu vou lá falar com ela Vó. Ela não está grávida. Deve ser coisa de mulher. Luiz Miguel observou de longe. Duda estava no meio da grande varanda que cercava a casa. O vento do final da manhã estava fraco, porém, tinha uma corrente de ar propositalmente onde ela estava, e movia os fios soltos de seus cabelos. — O que foi Mar? — Ele a abraçou. — Até mais cedo eu achava que me mataria e agora vejo você tão dedicado com seu avô e... eu não sabia que fosse tão humano e... fofo. Sou uma boba mesmo. — Eu não consigo mais fazer isso. Ele se afastou e puxou a camisa pelo pescoço. Duda arregalou os olhos assim que viu o peito definido de Luiz Miguel. — O que está fazendo? – Ela não tirou os olhos um só segundo. — Eu tatuei isso no dia que meu pai foi enterrado. – Virou as costas. — Just do not forget the revenge, você sabe o que significa? — Só. Não. Esqueça. A. Vingança. – Duda tocou cada letra da frase tatuada nas costas dele. — Esse foi o juramento que fiz a meu pai. Jurei nunca esquecer a

dor que foi vê-lo partindo daquela maneira tão cruel. — Não foi o Dudu, Luiz Miguel. Meu pai nunca faria isso. — Eu tenho algumas provas que foi ele, Mar. Não entraria nessa, sem ter certeza. As informações não são aceitas pela justiça, mas são suficientes para eu condená-lo. — Você foi muito enganado. Alguém colocou isso na sua mente, tenho certeza. Meu pai jamais faria isso com ninguém. — Não vou tirar a culpa das costas dele. Ainda não consigo ser tão divino. Mas as coisas andaram desandando e voltando contra mim. Eu tinha um plano de sedução em mente, mas renasceu algo aqui dentro e quem acabou seduzido fui eu. Não estou suportando a ideia de te ver em perigo — Abraçou Duda mais forte. — Não posso te perder Mar. Se for preciso você vai para longe, mas eu não vou permitir você correndo perigo. — Luiz Miguel... Você acabou de me confirmar seu plano. – Também fechou as mãos em volta dele. — Você realmente me faria mal? — Não existe mais plano, não farei nada para te ferir. Você é só uma pequena conversadeira que me afetou ao ponto de mudar tudo. – Luiz Miguel deu um curto sorriso. — Eu não te seduzi de propósito. Não foi minha intenção ser irresistível. – Duda permaneceu abraçada a ele. Estava muito confusa, mas preferiu não soltá-lo. — Você é perigosa, ardilosa e linda. Você era mais baixinha, mas eu fiquei todo empolgado quando te vi naquela festa, aquele vestidinho todo

rodadinho. Seus olhos lindos e bochechas gordinhas. Falei de você muitas vezes para meu avô. — Você já estava de olho em mim? Eu era só uma criança — Duda acariciou o abdômen nu e sentiu-o contrair os músculos — Desculpa. É melhor você vestir sua camisa. – Ela colocou a mão para trás. — Vem! Vamos a um lugar agora. – Segurou na mão dela e começou a caminhar. — Aonde vai me levar? – Duda parou no meio da varanda. Seu rosto estava enrubescido. — Calma! Não vou te induzir a fazer algo que não deseja. Vem comigo. Seguiram pelos arredores da casa até chegar ao destino. Uma estufa com diversas orquídeas. — É um orquidário. – Ela admirou. — A vó Alice sempre o manteve, mesmo quando morávamos no condomínio. Venha ver essa. – Seguiu entre as diversidades de mudas e parou frente a uma específica. — Essa me faz lembrar você. Orquídea chocolate. Sua pele tem o mesmo cheiro delicioso. Delicado, marcante e sedutor. Duda se aproximou, tocou a flor de pigmento marrom avermelhado e inalou o perfume bom e inconfundível. Luiz Miguel abraçou as costas de Duda, inalou o cheiro do pescoço.

— O cheiro que dissipa da flor fica intenso pela manhã, isso me faz ter ideias. — Como vamos ficar de agora em diante Luiz Miguel? — Ela acariciou as mãos que estava em seu abdômen. — Juntos. Não importa o que aconteça vamos ficar juntos. — É impossível. — Já estou acostumado a desafiá-lo. – Beijou os cabelos dela. — Sei que você não tem sentimento por mim, mas eu posso te ajudar com isso de agora em diante. — Estou bem confusa. Não sei de mais nada. — Então, lá no fundo, minha pequena gosta de meus beijos? — Beijou os arredores dos lábios dela. — Você é um manipulador. — Depois do almoço vamos sair, lá em cima tem uma cachoeira. — MIMO! Venha ver quem chegou! — Eles ouviram Alice gritar. — Depois a gente continua. — Ele alisou o rosto de Duda com o polegar. — Vamos ver a vó. Saíram da estufa e quando Luiz Miguel avistou os dois carros sentiu a angústia tomar conta do peito. Abraçou Duda com possessão e continuou indo na direção da varanda. A mulher responsável por excitar o seu plano de vingança, estava na varanda da casa com as mãos sobre os ombros do pai. — Tia Irene.

Ela estava com os lábios vermelho intenso e vestia um traje elegante de e salto fino. Luiz Miguel poderia correr e abraçá-la, mas sua primeira opção foi trazer Duda para mais perto. Era hora de lutar contra o próprio sangue, para defender uma Moedeiros. — Lu, meu amor. — O que está fazendo aqui, tia? Eu não sabia que estava no Brasil. Te liguei e não me atendeu. Duda estranhou o aperto e o tom preocupado. — Troquei de número. — Irene desviou os olhos para Duda e Luiz Miguel deu um passo à frente para impedir sua visão. — Não vai me dar um abraço? — Eu já estava de saída. Volto mais tarde. — Venha me dar um abraço. Estou com saudade do meu menino. Luiz Miguel suspirou angustiado, soltou a mão de Duda e abraçou a mulher. Irene acariciou seu rosto em admiração. Ele era muito apegado a tia. — Estou a um passo de concretizar o que falhei anos atrás, meu amor. – Aproximou os lábios do ouvido dele. — Vejo que você está indo bem sem a minha ajuda – sussurrou. — Se quiser se juntar aos meus métodos, faremos isso mais rápido.

VINTE E SEIS Luiz Miguel estava com a sensação de ter o próprio coração destroçado. Queria vingança desde muito cedo, agora a possibilidade de perdê-la o machucava. — Precisamos conversar tia. Me espera no galpão. Luiz Miguel deixou Irene e voltou para onde Duda estava. Identificou nela um grau altíssimo de curiosidade. — Ela não é muito nova para ser sua tia? — Duda sussurrou para ele. — Eu vou ali conversar com ela, fica com minha vó e não sai de perto dela. Eu já volto. — Eu quero ir com você. — Não seja curiosa, por favor, faça o que eu estou pedindo. — Selou a testa com a dela. Duda percebeu as mãos trêmulas em contado a sua pele de seu rosto. — Me espera aqui. Ela teve a certeza de que algo estava o desestabilizando. Aquela era a primeira vez que ele transparecia vulnerabilidade. — Estou preocupada, você está tremendo. Irene passou por eles e desceu os poucos degraus da curta escada da varanda.

— Eu já volto para você. — Ele tocou os lábios dela com os seus e então desceu a escada. — Luiz Miguel... — ela o chamou. — Veste a camisa. Ele passou o tecido pela cabeça e vestiu enquanto caminhava. Duda viu os dois se distanciar, desceu um degrau e olhou até que eles desaparecessem. Três homens ruivos cercavam os dois carros esportivos. Duda não deixou de perceber os pontos de comunicação nos ouvidos deles e a postura ereta de seguranças profissionais. "Ela parece ser muito importante" Duda ainda observava os homens. — Ela é filha de uma escapulida do Alfredo. Irene é um amor de pessoa. – Alice estava sorrindo ao lado. — Vamos entrar filha. Minutos depois Duda estava na sala com os avós de Luiz Miguel. A televisão estava ligada no noticiário e o velhinho estava com os olhos fixos na tela. Duda queria fazer algumas perguntas e já estava quase sufocado de ansiedade pelas respostas. — Essa mulher trabalha com o quê, dona Alice? — Fez à primeira. — Ela é muito inteligente, a Irene desenvolve aplicativos e programas de computador fora do país. O Junior sempre falava que ela tinha a mente de um computador. O Mimo aprendeu muito com ela. — Ela parece gostar muito do Luiz Miguel.

— Ela é grudada nele desde cedo. Quando soubemos da Irene o Mimo era muito pequeno. A aproximação deles foi natural. Aproximaram-se ainda mais depois que meu Junior se foi. — Alice falou a última frase em um sussurro, parecia não querer lembrar o acontecido na frente do marido. — A senhora acha que tem algum problema eu ir atrás deles? — Nessa fase, eu também não queria desgrudar do meu Alfredo. Minutos viram horas de saudades. – Alice sorriu e pegou sua linha de tricô. — Eu sei a saudade que está nesse coração. — Então eu vou. Com licença. Duda desceu a escada o mais rápido possível e seguiu o caminho que tia e sobrinho tinham ido minutos antes. Ela não estava sendo movida pela saudade como Alice presumiu, seus pés eram movidos em busca de saciar a curiosidade. Ela entrou sorrateiramente no galpão e começou observar a conversa. —... Você não pode esquecer o que ele fez? – Irene segurava o rosto de Luiz Miguel com as duas mãos. — Ele o matou. A família dele merece sofrer. — Vou tirar ela disso. — Esqueça essa fagulha insignificante de paixão. Ela não pode sustentar o seu desejo. — Isso só eu posso dizer, tia.

— Então se aproveite, mas termine o que começou. Luiz Miguel sentiu o cheiro do perfume de Duda e virou o rosto, vendo-a próximo à porta. Ele seguiu em passos largos, passou por ela, segurou-a pela mão a puxou para fora do galpão. — Descobri um segredo? – perguntou, mas ele permaneceu calado e continuou puxando-a pela mão. — Você vai acabar deslocando meu braço! – Ele parou e a olhou, Duda percebeu os olhos dele molhado. — Você está chorando? — Continue andando. – Voltou a puxá-la. — Não vai se despedir de suas avós? — Vou voltar mais tarde. Entra no carro. – Abriu a porta do passageiro e esperou que ela sentasse. — Não precisa disso! O que deu em você! – Ela o empurrou. Ele estava nervoso e apertou o cinto de segurança além do limite. — Essa mulher não é sua tia de sangue. O que estava acontecendo ali? — Raiva, nada mais que isso. — Está com raiva de mim porque fui atrás de vocês? Você entra na minha casa, rouba a senha do alarme, tem minhas chaves e está com raiva porque eu fui escutar a sua conversa com a titia professora do crime?! — Calada, Maria Eduarda! Quando você vai aprender a ficar calada? — Vai dizer que o que eu estou pensando aqui é mentira? Ela te ensinou a fazer isso com os alarmes e senhas. O que mais ela te ensinou?

— Por que é tão difícil você fechar sua boca?! Eu preciso pensar e você não está me ajudando! — Você está gritando comigo. O que está acontecendo? Por que mudou tanto em minutos? Nesse instante, estava me tratando bem e agora me trata desse jeito. O que aquela mulher te falou para te deixar assim! Luiz Miguel respirou fundo e ligou o carro, mas Duda não estava conformada sem as explicações então puxou a mão dele do comando e tirou o cinto de segurança. — Você vai me falar o que está acontecendo agora! Você não pode entrar na minha vida desse jeito e mudar a cada meia hora! — Maria Eduarda, não é momento para cobranças! — Tudo bem. Eu vou atrás da resposta. — Duda abriu a porta do carro e praticamente correu até Irene que já estava frente à casa. — O que você falou para ele?! — Duda enfrentou a mulher de perto. Os três seguranças se aproximaram mais, a mulher deu um comando com a mão para que eles ficassem onde estavam. — Sou a tia e o amo como filho. — Estendeu a mão, mas Duda ignorou. — Você estava o encorajando contra meu pai?! Irene zombou elegantemente. Luiz Miguel chegou por trás de Duda e segurou a cintura dela. — Você sempre foi atraído pela coragem baby. Estou vendo por que

está confuso. – Irene olhou para Luiz Miguel. — Mas coragem demais e prudência de menos é um passo para a autodestruição. O papai não te ensinou isso lindinha? – Ela olhou as mãos presas a cintura de Duda. — Você está me ameaçando? Quem você pensa que é para me ameaçar e falar do meu pai?! — Duda não se importou com seu tamanho e desafiou a mulher. — Vamos. – Luiz Miguel beijou os cabelos dela e a puxou contra a vontade. — Eu não tenho medo de você! – Duda gritou no meio do caminho e viu Irene com o olhar sombrio. — Entra. – Luiz Miguel a esperou sentar ao lado do motorista. — Eu mereço tudo isso que está acontecendo aqui. Você não vale nada e mesmo assim eu cogitei confiar em você. – Duda curvou a cabeça — Você faz da minha vida essa loucura e não me oferece estabilidade nenhuma. Eu não sei quem você é. Uma hora está todo carinhoso e depois perde a paciência com a minha voz. — Deixe-me te ver Mar. — Não! — Ela permaneceu de cabeça baixa e os cabelos cobriam seu rosto. — As coisas vão se ajeitar. — Ele tirou os cabelos dela do rosto. Vamos até a praia. Eu te levo de volta antes do final do dia. Precisamos desse tempo sem mais interferências. — Não me sinto bem mentindo para meus pais.

— Vamos encontrar um caminho. Estou assumindo você e vou precisar enfrentar muito por conta disso, mas vou fazer de tudo para te proteger. — Tocou o rosto dela encorajando-a. Em menos de um minuto Luiz Miguel já estava estacionando o carro perto da entrada da estância. Ele desceu segurando a mão de Duda e jogou a chave para o amigo. — Vou sair com ela de moto. Vamos te esperar antes do entardecer próximo ao farol da praia do Norte. — Beleza. Vou voltar para a casa e ficar de olho em tudo. — Eu peço desculpas por ter acusado seu irmão que é você mesmo de ser fora da lei, Rex. – Duda sentiu necessidade de fazer aquilo. — Não gosto de julgar as pessoas. — Não... — Rosinaldo tentou interromper Duda. — Eu ainda não tenho absoluta certeza que você não seja bandido. Você tem cara de bandido. Mas estou mais tranquila e me vejo na obrigação de me desculpar por ter tirado conclusões. Isso foi errado da minha parte e, se necessário, peço desculpas... O segurança abandonou o casal e andou o mais rápido possível na direção do carro. — Seu amigo não gosta de mim. Você também sentiu? Eu tentei dialogar durante a viagem, mas ele me ignorou o tempo todo. — Confie nele. — Luiz Miguel sorriu e colocou seu capacete na cabeça dela. — O Rex é profissional e não gosta de conversa. — Subiu na

moto e esperou ela fazer o mesmo. *** Luiz Miguel estacionou a moto em um lado deserto da praia. Os dois caminharam descalços na areia e sentaram na sobra de um coqueiro. — Vai ficar calado o tempo todo? — ela perguntou. — O que está pensando? Os olhos dele estavam fixos nas águas do mar. — Sua viagem foi marcada para quando? — Para o final do ano, dois meses à frente. — Eu quero que fale com aquele cara e peça para adiantar a data. — Eu não quero sair antes de terminar meus estudos. E agora tem você... Ele olhou para ela e levou parte do cabelo dela para trás dos ombros. — Vamos encontrar um caminho. — Penteou os fios loiros com os dedos. — Estou no meio de uma tempestade. — Por que não procura um lugar seguro? — Ela o encarou com os olhos cheios de lágrimas. — Sou um furacão e você o lugar seguro, como haverá tranquilidade entre nós? Estou sem saber o que fazer. — Ele enxugou os olhos dela com os polegares. — Ainda é estranho, mas estou querendo decidir por você. — Duda beijou a mão que estava acariciando seu rosto o rosto em seguida seus lábios

invadiram a boca de Luiz Miguel. — Nem pense — Beijo — em voltar atrás — Beijo — depois de ter causado essa tempestade toda — O beijou novamente. Ele sorriu ainda com os olhos fechados, enrolou os cabelos dela em uma só mexa e o coloco para trás. — Se não houver furação, qual o sentido em existir um lugar seguro? A sobrevivência de um, é a existência do outro. — Ela declarou enquanto beijava o queixo dele. Luiz Miguel a beijou com muita vontade e fechou os braços em volta dela e a trouxe para seu colo, sentindo o coração dela no mesmo ritmo do seu. A raiva pelas lembranças passadas fora esquecida, naquele momento e só queria tê-la. — Um abrigo pequeno, seguro e corajoso suficiente para abrigar um velho furacão. — falou sugando levemente os lábios dela. — Não posso mais ficar longe de você. — Foi muito de repente. Ainda sinto que estou errada. — Descansou a cabeça no peito dele. — Talvez você esteja certa. Mas agora que estamos ligados, não dá para voltar atrás. — Se eu não tivesse com uma peça íntima tão pequena e rendada, daria um mergulho. — Ela deixou escapar e apertou os olhos na sequência. — Acho que falei demais. — Pequena e rendada? — Ele observou os olhos dela apertados. —

Me deixou curioso, menina. Tem possibilidades de rolar um mergulho no Mar, hoje? — Deslizou o dorso da mão nas bochechas dela. — Eu não vou cair na sua sedução tão rápido, senhor furacão. Sou grande o suficiente para segurar minhas as vontades. — Você não passa de minha cintura. — Divertiu-se. — Não tenho culpa se você tem cinco metros de altura. — Então, você pode me seduzir, e eu não? — Luiz Miguel acariciou os cabelos dela enquanto sorria. — Cadê os direitos iguais? — Não me responsabilize se você não consegue resistir aos meus encantos. — Você vai me levar à loucura menina. — Ele afundou os lábios na bochecha dela. — Melhor levantar. Ou quer continuar sentindo o seu efeito sobre mim? — Sou ingênua. — Duda levantou do colo dele e caiu de joelhos na areia. — Eu não estava gostando de sentir volumes que lhe pertence, juro. — Machucou? — Luiz Miguel se ajeitou disfarçadamente e foi ajudá-la. — Minha nossa! Tudo isso? Socorro! — Ela colocou a mão frente aos olhos e levantou. — Permaneço ingênua. — Eu nunca experimentei uma relação moderada. — Ele tirou a camisa. — Mas você é novinha e as coisas mudaram. Vamos ver como me saio de primeira. Tira o vestido e coloca a minha camisa. — Entregou a peça

a ela e virou de costas. — Vamos entrar na água.

VINTE E SETE Duda estava sentada no banco da moto e Luiz Miguel de pé, sem camisa, frente a ela. Aproveitavam os últimos momentos do encontro para trocar carícias e beijos. — O Rex chegou. — Ela tentou encerrar o beijo depois de ouvir o som da buzina, mas Luiz Miguel se negou a soltá-la. — O Rex, Luiz Miguel! — Ela o afastou e ajeitou o cabelo. — Merda! Eu vou lá, falar com ele. — Luiz Miguel puxou uma mecha do cabelo dela em seguida caminhou até o carro. — Não acha a menina muito novinha? — O segurança comentou. — Sim. Mas quero. — Luiz Miguel sorriu. — Tenha o máximo de cuidado, de agora em diante, Rex. Não deixe nada, nem ninguém chegar perto dela. — Tem certeza mesmo que vai levar isso adiante? — Rosinaldo observou Duda. — Você está duvidando pela dismetria, Rex? — Luiz Miguel cruzou os braços. — Isso nunca foi importante para mim. Ela é maravilhosa. — O que é isso, Luiz? Por que eu teria preconceito com isso? Eu só a acho minúscula e aparentemente frágil demais para você. — Não Rex. — Luiz Miguel apertou o ombro do amigo. — Eu, que

sou frágil perto dessa pequena. Você não conhece a mente ardilosa que ela tem, meu amigo. Duda chegou perto dos dois e deu um meio sorriso para o motorista. — Eu vou passar em casa para tirar o sal do corpo, depois você me leva para a loja da minha mãe. — Ela informou ao motorista. — Vamos. — Rosinaldo abriu a porta traseira do carro. Luiz Miguel se aproximou dela outra vez e Duda abaixou o rosto, ainda não estava acostumada com aquele olhar cheio de promessas, desejos e confusões. — Boa tarde. — ela falou enquanto chutava uma pedrinha no chão. — Eu te ligo mais tarde. — Ele levantou o rosto dela e beijou as duas maçãs do rosto. — Não atormente o Rex. Ele não pode abandonar esse emprego. Preciso dele e você também. — Eu nunca atormentei ninguém, sou amável demais para isso. Meu rosto está vermelho? — Ela apontou para a própria face. — Acho que os seus pais vão desconfiar. Sua pele alvinha está muito bronzeada. Se a coisa pegar, você me liga que eu vou te buscar. Minha casa é simples, mas tem espaço para você. — Não fale besteiras. — Ela entrou no carro com o rosto muito avermelhado e um sorriso bobo nos lábios. Lá dentro deu um tchauzinho. Luiz Miguel subiu na moto e seguiu para casa. Tinha compromissos aquela noite

****

Duda estava na loja de sua mãe, mas os pensamentos viajavam para os momentos em que ela e Luiz Miguel deitaram na areia, com os lábios unidos e o calor dos corpos se misturando com a temperatura fria da água do mar. — Posso saber o motivo de estar sorrindo para os vestidos? – Maria Fernanda perguntou, despertando a filha. — Eles são muito bonitos. Olha esse caimento. — Duda levantou a saia de um dos vestidos na arara de roupas. — Pegou sol na piscina com a Nicole? Está coradinha... — Olha o acabamento, não é perfeito? — Tentou desviar rápido da conversa. Seu propósito era controlar a própria boca. A mãe abraçou a cintura dela e depositou um beijo na bochecha. — Minha felicidade é ver você sorrindo Dudinha. Estou preocupada. Pensei que a tormenta de anos atrás já tivesse passado, mas daí vem tudo novamente para abalar nossas estruturas. — Maman, eu era nova naquela época, sei que aquele homem roubou o Dudu, mas vocês nunca me deram detalhes do que aconteceu... agora eu quero saber. — O Junior tinha uma rixa antiga com o Eduardo. O seu pai também

não era boa coisa, seduzia todas as mulheres da cidade, uma delas foi Samanta, uma paixão adolescente do Junior. — Então, o Dudu e a mãe do Luiz Miguel já namoraram? — Não foi namoro. Ele não sentia nada por ela. — A mãe deixou transparecer o desconforto em tocar no assunto. — Seu pai só teve compromisso sério comigo. — Eu sei maman, a única que tocou o coração do Dudu e amoleceu o gelo foi você. A mãe sorriu tímida um tanto vaidosa. — Anos depois a empresa do seu pai cresceu rápido. Quando o dono da J.A sofreu um acidente e ficou na cadeira de roda, a Moedeiros engoliu a empresa dele. Junior assumiu o lugar do pai, e tentou de tudo para recuperar a liderança no mercado. Eu tinha acabado de voltar com você da Europa. Vivia em pé de guerra com o seu pai. Eduardo descobriu sobre você e tentou me atacar. Só tentou, pois logo o coloquei no lugar. Enfim, quando seu tio Sérgio me pediu ajuda com um problema financeiro da Moedeiros, percebi que o estrago já tinha sido feito, a empresa já estava basicamente falida. Alguém de confiança estava desviando dinheiro. Essa pessoa era a secretária de confiança do seu pai, espiã e meia irmã do Junior. Foi ela uma das responsáveis por falir a Moedeiros naquela época. — Ela não foi presa? Por que ela não está presa? — Ela fugiu no indulto de natal, três anos depois. Duda estava tentando ficar calada, mas a tentação estava gritante.

— Maman, eu vi essa mulher, hoje, na casa dos avós do Luiz Miguel. — Como?! Na casa de quem? — A mãe se assombrou. — Dos avós do Luiz Miguel Álvares Azevedo. Ele me levou lá, eu menti. Ele me beijou, eu o beijei, também o vi sem camisa e achei um peitoral lindo. Uma coisa forte, loucura. Ele me confessou que queria cobrar vingança, mas não iria conseguir mais. Depois fomos à praia, eu estava de lingerie rendada, mas não mostrei, eu juro. Ele me deu a camisa, a mesma que ele tirou lá na casa dos avós. São senhores muitos simpáticos... Almoçamos frutos do mar e a comida não me fez mal, comi pouco por conta do refluxo... Eu falei que o vi sem camisa? Maria Fernanda já tinha assumido uma cor pálida e, quando Duda terminou de soltar as últimas informações, ela viu tudo escurecer e acabou despencando em um desmaio. — Maman! Ai, meu Deus. Maman! Por favor, maman. Ai, meu Deus, ai, meu Deus! Matei a minha mãe! Socorro clientes! Ela pegou o celular sobre a mesa e discou o número do pai. Seu corpo estava trêmulo.

***

— Eu sei que você já explicou antes do meu desmaio, mas repita, doutor. Eu acho que não ouvir perfeitamente bem.

— Sim, você será papai. — O médico repetiu. — Duda, eu preciso de água, estou sentindo que vou desmaiar outra vez. – Eduardo segurou no ombro do médico — Está sendo vergonhoso com tantas pessoas olhando. — Tudo bem, Dudu, pode desmaiar é um direito que você tem. Todo mundo aqui vai entender. A filha o entregou o copo com água que estava nas mãos. — Eu não falei, seu sacana? — Sérgio chegou à recepção do hospital e agarrou o pescoço do amigo. — O garotão já está a caminho. Nem precisou de viagem de lua de mel. Você está ficando velho, mas ainda faz filho, salafrário. — Ela estava usando aqueles malditos remédios Sérgio, como isso foi acontecer? — Eduardo estava sorrindo bobamente — Um filho, cara. — Encostou-se ao ombro do amigo e começou chorar. — Eu vou ser pai outra vez. – Fungou. — Foi no tempo certo, Edu. — Será que vai ser homem? Meu engenheirozinho. — Se for, o mantenha longe da minha filha. — Sérgio deu dois tapinha no rosto do amigo. — Não quero o seu bebê descarado no berço da Julinha. — É o meu filho, cara. Ele não vai bagunçar com sua filha. Dou minha palavra. Cadê a confiança de anos? — Eduardo reclamou com a voz chorosa.

— Não quero saber de filha minha de intimidade com filho seu. Vai ser um bebê perigoso, tenho certeza. Vamos voltar a brigar novamente, se você continuar com essa conversa. Esqueça isso. — Sérgio alertou. Duda deixou a recepção sorrindo e seguiu para o quarto onde a mãe estava repousando. — Nem pense em fazer isso, maman! — gritou da porta. Maria Fernanda estava tocando a agulha presa na veia. — Eu só estava arrumando o esparadrapo. Que susto, Duda! A filha sentou próxima a cama hospitalar e beijou várias vezes toda a extensão do rosto da mãe. — Estou muito feliz com o meu irmãozinho. Muito, muito, muito. — Ainda não sabemos se é ele, são apenas algumas semanas. Onde está o seu pai? — Brigando com o tio Sérgio, lá fora. Maman, você me perdoa? Eu quase machuquei o bebê. Não queria que você desmaiasse, não foi a minha intenção. — Vamos precisar contar ao seu pai. Ele precisa saber da Irene. E não vou esconder o seu encontro com o filho do Junior. — Maman, eu posso estar gostando dele. — E o Felipe? Por que ficou tão volúvel, em um mês? — Sou um pouco descarada. — A filha abaixou o rosto, envergonhada.

— Aquele rapaz é mais velho e odeia o seu pai. Eduardo tem o corpo perfurado por balas, quase morreu anos atrás. Não sabemos o propósito, mas ele pode querer o seu mal. Eu te criei para ser feliz, filha. Eu não vou suportar ver você sofrendo de amor, por um homem que deseja o seu mal e o da sua família. Duda ouviu as palavras da mãe e lembrou-se das vezes que Luiz Miguel demonstrou ter um caráter duvidoso. Mas o carinho e cuidado que ela tinha recebido durante aquela tarde derrotou as incertezas. — Ele não me odeia. Está preocupado com a minha segurança. Aquela tia dele é perigosa, mas ele não me faria mal. Não seria tão... Fingido. A semente da dúvida foi plantada. Eduardo entrou no quarto, chorando igual uma criança e Duda levantou da cama para dar espaço aos pais. — Você vai me dar um filho, ferinha. – Ajoelhou no chão e abraçou a cintura da mulher. — Eu desmaiei lá fora, as pessoas viram. — Agora, terei um filhinho. O meu mais velho terá que me aliviar um pouquinho. – Maria Fernanda acariciou os cabelos do marido. — Não chore. — Te dou tudo, mulher. – Beijou a barriga de Maria Fernanda. — Filhinho, aqui é o seu pai. Já briguei defendendo sua honra. Ninguém fala do meu filho e fica por isso mesmo. Esperei muito por você. — Ainda não sabemos se é menino, Eduardo — Os olhos de Maria Fernanda se encheram de lágrimas. Ela beijou os cabelos do marido.

— Já que todos estão bem... eu vou ali fora resolver uma questão. – Duda saiu do quarto e deixou a mãe tentando acalmar a emoção do marido. Duda andou de um lado a outro no corredor do hospital, estava com as palavras de sua mãe na cabeça. Precisava ouvir a voz de Luiz Miguel reafirmando o que ela tinha ouvido naquela tarde. Decidida pegou o celular, selecionou o número dele e ligou. — Estou com algumas dúvidas, Luiz Miguel. Preciso de confirmação. "O Luiz Miguel está no banho, mas você pode me perguntar, eu esclareço suas dúvidas". A voz feminina do outro lado da linha fez Duda sentir o impacto no peito. Automaticamente ela desligou o aparelho celular. Era a voz de Vanessa do outro lado. — Ele não fez isso comigo. Eu não sou tão burra assim. — Ela prendeu os dedos no couro cabeludo. — Não, ele não fez isso... O celular tocou, ela olhou para o número e atendeu a ligação. "Mar, esqueça esses pensamentos. Eu só estava...” — No banho. — Ela completou. — Por que você está tomando banho perto dessa aí?! "O Marcos, irmão da Nessa é meu amigo. Os dois são meus amigos. É comum eu tomar banho aqui na casa deles. Mas não imagine coisas, Mar.”

— Por que você não foi para sua casa?! Lá não tem um chuveiro ou está com falta de água?! – Ela continuou andando de um lado a outro. "Eu vim conversar com o Marcos e acabei ficando." Duda apertou a mão até sentir as unhas incomodar a carne. — Eu queria ter o seu pescoço aqui agora, para eu apertar, Luiz Miguel. – Ela falou entre os dentes. " Ei, pode parar! Eu vou logo te esclarecer algumas coisas e uma delas é que eu odeio ciúmes." — Continue esclarecendo. O que mais o senhor odeia? " Mar, para com isso, mulher." Luiz Miguel sussurrou em um tom baixo, pois Vanessa se aproximou dele. Ele nunca tinha passado por situação semelhante e quis ser discreto. — Você está sussurrando por quê?! Sua parceira não pode ouvir você conversando comigo? Eu só te liguei, pois surgiram dúvidas em minha mente, mas eu não vou te atrapalhar pode continuar o que estava fazendo aí. "Não faça isso! Não me cobre nada, não estou acostumado com cobranças é nem pretendo." — Perfeito, sem cobranças. Desculpe-me, se atrapalhei o seu banho. Duda desligou o telefone e encostou a testa da parede do corredor. Naquele momento ela estava colocando sua vida e os riscos de não dar certo na balança. A medida não equilibrava.

— Eu me recuso a chorar, me recuso. — Lutou contra uma lágrima e conseguiu vencer. O ciúme exagerado era algo herdado do pai e só estava aflorando com mais intensidade naquele momento.

VINTE E OITO Vanessa se aproximou assim que viu Luiz Miguel guardou o celular no bolso. — Você está tenso. — Iniciou uma massagem nos ombros dele. — Precisa descansar. Não há mente que trabalhe bem em um corpo cansado. — Eu nunca tive tempo para descansar, já estou acostumado, Nessa. – Luiz Miguel parou as mãos dela. — Eu preciso ir. Tenho que voltar na casa dos meus avós ainda hoje. — Mas vai dar tempo de assistir minha luta? – perguntou. — Não vai dar, desculpa. — No telefone, era a misteriosa que você chama de Mar? — Estou muito envolvido com ela e acredito que não tenho mais volta. As palavras de Luiz Miguel pegaram Vanessa despreparada. Ela nunca quis definir o que sentia por ele, mas ali, vendo-o possivelmente apaixonado, sentiu o peso. — Você está apaixonado? –pergunto temendo a resposta. — Eu nunca fui ligado nisso, você sabe. Sempre vivemos soltos. Mas hoje me vejo querendo cuidar dela o tempo todo. Agora mesmo, tivemos uma discussão boba, mas sei que ela está pegando o ritmo ainda, preciso caminhar aos passos da pequena. Tenho pensado nela antes de mim. Não é só

tesão, ela veio com algo a mais... é forte e não é tão ruim como eu temia. — Eu pensei que nunca ouviria isso vindo de você. Pequena, jura? – Muitas coisas estavam passando na mente de Vanessa, mas a principal vinha do coração: medo de perdê-lo. — Eu vou ter que me acostumar com ela ou vamos acabar a parceria? Vanessa sentiu vergonha da própria pergunta. Estava estremecida. — Está chateada? – Luiz Miguel perguntou. — Não, claro que não. – Vanessa estava desmoronando por dentro. — Estou querendo e desejando muito ser o homem dela. Vou assumi-la. — Uau... — Os olhos de Vanessa lacrimejaram. — Parabéns então. Seja feliz nesse novo momento. A relação deles sempre foi aberta e Vanessa desde início deixou claro que não queria se prender a ninguém. Luiz Miguel acreditava profundamente que ela não daria importância, mas diante daquela reação ele não teve tanta certeza. — Desculpa ter falado tão abertamente, eu pensei que para você não tinha importância. Ela virou de costas, respirou fundo, mas voltou olhá-lo no mesmo instante, sorrindo. — Eu estava acostumada, é isso. Vou perder meu parceiro de loucura. Mas está tranquilo.

— Vem cá. – Ele a puxou pela mão e a abraçou. — Amanhã vou te levar para jantar no melhor restaurante da cidade. Vamos comemorar sua vitória. — Eu queria você assistindo minha luta. Mas agora tem a sua pequena serei... Mar, sei lá – Ela afastou o rosto dele. — Estou quase acreditando que você está com ciúmes. – Luiz Miguel sorriu ainda sem acreditar. — Isso é estranho, você nunca deu sinal antes. — Não me ofenda. Sou vacinada contra esse mal. — Ela também sorriu, mas foi de fachada. — Agora vai. Eu preciso me preparar. — Vença. – Beijou a testa dela. — Vou preparar um vestido bem provocante para usar amanhã. Quem sabe um último teste. – Ela seguiu na direção da porta e a abriu. — Não jogue baixo comigo. – Ele caminhou até a porta. — Até amanhã Luiz. – Beijou o rosto dele e o empurrou para fora. *** Antes de sair do quarto Duda tornou olhar o celular na esperança de um sinal de Luiz Miguel. O esperou durante a noite, mas ele não apareceu para tentar se explicar. O ciúme tinha chegado de repente e se misturado com o orgulho. Ela não estava sabendo lidar com os excessos. Quando desceu as escadas encontrou o pai beijando a mulher em um dos sofás da sala. Tossiu algumas vezes até ser percebida.

— Então, de agora em diante ninguém mais trabalha nessa casa? – Foi de encontro a eles e sentou no sofá da frente. — É feriado e vou ser pai em breve. — Eduardo beijou os cabelos de Maria Fernanda que estava com a cabeça em seu colo. — O Sérgio que está com a filha maior, vai segurar as pontas lá até o meio dia. Acredito que ele não é capaz de afundar a Moedeiros em uma manhã. Vou cuidar de sua mãe hoje. Ferinha precisa de atenção. — Sim, eu preciso. – A mãe fechou os olhos e sorriu dengosa. A mulher jogava firme no casamento, mas acabava se sentindo uma menina perto do marido. O namoro que não existiu entre eles durante o primeiro casamento, agora estava sempre presente. — Com licença senhor. – Um dos seguranças abriu a porta da sala e se aproximou do sofá onde a família estava. — Algum problema? – Eduardo se ajeitou no sofá e Maria Fernanda fez o mesmo. — Tem dois homens no portão. Dizem que são amigos da família, talvez seja melhor o senhor nos acompanhar até lá, pois não tivemos como identificá-los. Duda engoliu em seco e automaticamente veio à figura de Luiz Miguel em sua mente. Se ele tivesse ido se explicar durante o dia, seria um grande problema. — Onde está o Rex? – Ela levantou. — Não chame o homem assim filha, isso é falta de respeito. — A

mãe orientou. — Onde está o Rosinaldo? — Corrigiu. — Interceptando a porta de entrada. — Explicou o segurança. Duda se acalmou, certamente não era Luiz Miguel. — Eu vou lá. Vocês duas fiquem aqui. — Eduardo seguiu com o segurança. — Hoje vamos conversar com seu pai. Não pense que eu esqueci aquela conversa que envolvia um homem sem camisa. — Esqueça. Tudo indica que não vamos dar certo. — Eu tenho medo por você ser tão inconstante e ao mesmo tempo tão persistente filha, mas dessa vez é o melhor. Vou precisar falar com seu pai sobre a volta da Irene. Ela está envolvida naquela carta que nos ameaçava. Seu pai está tão feliz com o bebê, sinto ter que atormentá-lo com isso. — Maria Fernanda... — Eduardo entrou na sala com o rosto aparentemente decepcionado. — Ele está aí. Já tinha até esquecido. — Seguiu para ficar ao lado dela, mas a mulher escapou de seus braços e sorriu caminhando até a porta. — Thiago! — Ela abraçou o amigo e teve o corpo suspenso do chão. A cena acontecia sob o olhar enciumado do marido. — Você não envelhece Fernanda? Deixe-me te ver... — Thiago a colocou no chão e deu um passo para trás. — Incrível.

Eduardo cerrou um dos punhos e agoniou-se. Duda também passou por ele e correu para abraçar Thiago. Os olhos de Eduardo ficaram dramáticos. — Como conseguiu crescer tanto em dois anos? — Thiago analisou o rosto de Duda e constatou que a cada dia ela parecia mais com Eduardo. — Os olhos lindos iguais os da sua mãe. Eduardo segurou a mão da mulher e a afastou do ex-namorado. — Você continua o mesmo. — Thiago estendeu a mão e Eduardo demorou a apertar. — Espero que resolva tudo rapidamente. Já comprou a passagem de volta? – perguntou ao apertar a mão do ex-concorrente. — Por que não avisou que chegaria hoje? — Maria Fernanda emendou e deu uma cotovelada no marido. — Não vê que estou impossibilitada de tomar sustos... – Ela empinou a barriga, ainda sem volume, alisando-a em um gesto sugestivo — Não me diga que... — Thiago olhou para Eduardo. — É isso aí. Eu agora sou pai duas vezes. Eduardo sorriu confiante. Dois filhos. – repetiu. — Pensei que você não fizesse mais filho. — Eduardo sorriu com a provocação. — Vai ser um bebê lindo igual a você Fernanda. Com brilho nos olhos pela felicidade da amiga, Thiago beijou as mãos dela. Duda olhou curiosa para o jovem oriental, de corte de cabelo

despojado, e roupa estilo esporte fino. Ele tinha entrado com Thiago. — Quem é esse mesmo? — Eduardo indagou com os olhos estreitos. O Rapaz tinha notado Duda desde que entrou na sala. — Kamon, meu irmão. Meus pais o adotaram ano passado. Duda sorriu receptiva. O jovem fixou o olhar estreito diretamente nos olhos dela. Ele nunca tinha visto outro no tom azul tão intenso. Eduardo não gostou daquela curiosidade. — Oi. – Kamon estendeu a mão para a mulher mais velha. — Oi... – Maria Fernanda sentiu o aperto muito firme e sorriu para esconder o desconforto. — Tudo bom? Eduardo cruzou os braços. Depois de soltar a mão de Maria Fernanda, Kamon estendeu para Duda. — Sou a Duda. — Ela ignorou a mão e beijou os dois lados do rosto dele, o pegando de surpresa. — Por que demorou tanto tempo para conseguir uma família? – Ficou curiosa. — Qual a sua idade? Kamon olhou para o irmão quando se afastou de Duda. Ele já tinha sido orientado a ficar longe dela. — Vinte. – respondeu à pergunta. — O Kamon era um jovem rebelde. — Thiago entregou o irmão. — Um órfão que vivia perambulando pelo mundo. Meu pai o tirou de uma furada e acolheu na casa da família. — Drogas? — Essa fala foi de Duda.

— Filha, o que é isso? — A mãe repreendeu a curiosidade. Kamon sorriu. Já encantado pela ousadia. — Ei! Eu vi isso. — Eduardo segurou a mão da filha e encarou Kamon. — Os meus olhos também são azuis, pode olhar dentro dos meus. Thiago, você já viu que eu continuo cuidando delas. Acredito que estão cansados da viagem, melhor irem descansar... longe daqui. — Eduardo, eu não estou entendendo. — Maria Fernanda não viu outro jeito, então chamou atenção do marido na frente de todos. — Chegamos ontem. Estamos instalados em nossa casa. Vim matar a saudade de minha filha e da Fernanda antes de cuidar de negócios. — Minha filha. Fez nove anos que eu assumi tudo. Nome, afeto, proteção, ensinamento... — Thiago, Kamon podem sentar, o Eduardo vai fazer companhia a vocês. – Maria Fernanda encarou o marido. — Vamos almoçar todos juntos. Eu mesma vou preparar. Não apronte nada. — ela sussurrou no ouvido do marido. — Pense que as consequências sempre vêm à noite. — Ele fica me provocando... — Eduardo se explicou. — Agora, trouxe outro. — Eu sei que você vai se comportar – a mulher falou entre os dentes e sorriu para as visitas. — Para de me fazer passar vergonha. A conversa do casal estava sendo em sussurros, mas todos ouviam. Eduardo olhou para Kamon que estava totalmente encantado com a beleza da loira espontaneamente a sua frente.

— Leve a Duda com você. Eu não gostei nenhum pouco desse sujeito. — Vou levar, do jeito que ela anda volúvel... — O quê? — Thiago, eu vou preparar o nosso almoço. O Eduardo vai te fazer companhia por algumas horas. — Horas? Não temos assunto para horas — Eduardo reclamou abertamente. — Hoje você vai saber o gosto da melhor comida brasileira Kamon. A Fernanda cozinha muito bem. — Ele está me provocando, só você que não ver isso. — Eduardo resmungou. Maria Fernanda ignorou, segurou a mão de Duda e deixou os três homens na sala. — Eu tenho porte de arma e sei usar uma arma. — Eduardo falou olhando para Kamon.— Esse é um bom assunto para horas, não acha?

VINTE E NOVE Enquanto almoçavam, Duda conferia o celular na esperança de que Luiz Miguel desse algum sinal. Kamon estava ao lado dela e já tinha observado a inquietação. Curioso, ele esticou o corpo para dar uma conferida do aparelho, mas Duda o pegou no pulo. — Você estava bisbilhotando? — ela perguntou em voz alta. — Eu não tive essa intenção. — Ele tentou se explicar com o português carregado de sotaque. — O que foi Duda? — Eduardo perguntou. Kamon olhou para o irmão e recebeu uma repreensão através do olhar. — Não foi nada. — Duda levantou encarando Kamon. — Estou satisfeita, vou precisar sair agora. Com licença. — Saiu da mesa antes de ser contestada. Enquanto subia a escada ela ligou para Nicole e pediu ajuda. Precisava escapar de casa sem que os pais soubessem o destino. Em quarenta minutos ela desceu. Estava bem arrumada e usava joias. — Dudu? O tio Sérgio já te ligou? – perguntou com a celular na mão. — Já. O Rosinaldo vai te levar lá. Não volte muito tarde. Sua mãe

inventou de jantar fora com as visitas. — Nos encontramos mais tarde, tio. — Ela beijou o rosto de Thiago. — Tenha cuidado, meu amor — Thiago estava admirado com a evolução dela. — Beijo, beijo. — Jogou para os pais. — Você não. – falou com Kamon. Ela seguiu até o carro que estava no jardim e sentou ao lado do motorista. — Vamos Rex! Rosinaldo manipulou o GPS, inserindo o endereço cedido por Eduardo, mas ela fez o homem parar. — Vamos até a casa do Luiz Miguel. Acredito que você saiba chegar lá sem ajuda. Rosinaldo pegou o celular imediatamente. — Nem pense em fazer isso! — Ela puxou o aparelho das mãos do motorista. — Seu amigo está acostumado entrar aqui sem ninguém perceber. Vou fazer o mesmo. — Eu preciso avisá-lo que estou saindo com você. — Rex, você não vai avisar! Só dirija até lá. — ela ordenou. — Onde eu fui me meter? — Rosinaldo ligou o carro e saiu das dependências da casa. Quase uma hora depois o carro parou em uma das ruas do bairro

periférico da cidade. Duda saiu do carro e observou tudo com curiosidade. — Essa é a residência dele. — Rosinaldo apontou. Era um prédio de dois andares com o designer diferente das demais casas. Aquela era a melhor moradia da rua. Duda sorriu encantada, pois teve certeza de que ele tinha feito aquele capricho. Rosinaldo se aproximou da porta lateral, tocou a campainha e se identificou. O olhar de Duda permaneceu na fachada com revestimento de pastilhas e vidraças. Em alguns minutos a porta de madeira foi aberta. Um menino de aproximadamente dez anos estava com a chave nas mãos. Era Heitor, o irmão mais novo de Luiz Miguel. Os dois tinham os mesmos olhos. — Você é o que do Rex? — perguntou o menino, olhando para Duda. — Somos amigos do Luiz Miguel. — Ela olhou para o alto da escada. — Ele está aí? — Está, podem subir. — O menino deu passagem e ganhou um beijo no rosto. — O Mimo nunca trouxe uma amiga tão bonita para nossa casa. Tenho dez anos e você? — Olha que lindo esse nenê, Rex... — Duda apertou a bochecha do menino. — Tenho dezesseis. — Ela sorriu se sentindo mais adulta. — Que pena. Até treze eu investiria. Ainda não sei lidar com uma mulher mais velha. Vamos subir.

Samanta, a mãe de Luiz Miguel assistia uma série de TV e levantou do sofá quando percebeu que Rosinaldo não estava sozinho. Ela e o segurança estavam começando a se relacionar, mas os filhos ainda não sabiam. — Oi! – Ela arrumou as almofadas do sofá. — Ela é amiga do Mimo, minha mãe. Duda sorriu assim que ouviu a palavra "mãe". Ela estava se apaixonando por Luiz Miguel e não desperdiçaria a chance de ser agradável com a futura sogra. — Você é muito bonita e jovem. — Foi verdadeira. — Aparenta ser irmã do seu filho. – Duda diz ao observar a mulher. Samanta se aproximou de Duda para um cumprimento mais adequado. — Sou mãe de três crianças — Beijou o rosto da jovem — Você não parece com as amigas do meu filho. A mulher sabia reconhecer um bom perfume e joias originais, soube que Duda era de família rica e teve impressão de que a conhecia de algum lugar. — Nos aproximamos há pouco tempo. Mas o seu filho já me levou para conhecer a Dona Alice e o Senhor Alfredo. — Foi? – Samanta estranhou ser a última saber. — Então é sério. Você foi a única a ser levada lá. Ele está descansando no quarto. Meu filho está trabalhando demais e quase não dorme as noites. Eu o obriguei

descansar. — O Mimo já chegou hoje de manhã. — Heitor deixou escapar e levou uma olhada da mãe. — Ele saiu ontem e chegou hoje? — Duda perguntou. — Ele foi assistir uma luta e parece que terminou tarde. — Samanta tentou consertar. — Vá vê-lo. É o segundo quarto do corredor. — Vai ser rápido e vou deixar a porta aberta. — Tudo bem, pode fechar se quiser. — Samanta mostrou o caminho. Quando Duda chegou ao quarto indicado, empurrou levemente a porta e a primeira coisa que viu foi Luiz Miguel deitado, exibindo as costas largas com a grande tatuagem. Aproximou-se, sentou ao lado dele na cama e sorriu, olhando-o dormir com um biquinho charmoso que ela ainda não tinha percebido. — Onde você aprendeu a ser tão charmoso? — Ela sussurrou e arriscou um carinho nos cabelos dele. — Eu tinha alguma coisa para acertar com você. Já esqueci, mas vou lembrar assim que eu deixar de te olhar. Deveria ser proibida uma beleza dessas em uma só pessoa. Ela desceu os olhos até os músculos definidos do glúteo masculino e não resistiu, apertou a ponta do indicador ali. Luiz Miguel já tinha sentido o cheiro dela e percebido a presença ao seu lado, mas continuou de olhos fechados, de bruços na cama. — Isso é tão errado. — Ela deu mais duas cutucadas e voltou os

olhos para o rosto dele. Foi quando viu um meio sorriso na curva dos lábios. Ela tentou levantar, mas ele a puxou e a fez deitar sobre ele. — Os meus sonhos costumam demorar mais tempo para serem realizados — Ele fechou os braços, impedindo-a de fazer qualquer outro movimento que não fosse olhá-lo. — Estou com falta de ar. Você precisa me soltar. — A voz dela saiu arrastada. — No meu sonho você estava exatamente onde está agora. Mas esse rostinho não estava vermelho. — O que estava sonhando? Não me responda. — Ela o sentiu excitado. — Estou deitada sobre um homem de um metro e oitenta, isso é um tanto estranho. Devolva minha inocência, por favor. — Um metro e oitenta e dois — Ele sorriu. — Isso só piora minha situação. Estou imobilizada e meu vestido de jacquard bordados a fios de ouro está amassando. — Para de falar e mata logo a minha saudade, menina linda. — Você está sem camisa e posso imaginar meu pai sofrendo um ataque do coração neste momento. — Ela se debateu, mas não conseguiu sair do lugar. — Estou sem camisa, você está de vestido — Ele deu uma olhada por cima dos ombros dela — Está em grande desvantagem, melhor tirar os fios de ouros. Quero te ver só com esses... — Ele cheirou os cabelos dela.

— Olha a porta! Luiz Miguel virou Duda e sentou na cama, assim que ouviu a voz da mãe, mas apenas viu o vulto e a porta sendo fechada. — O que ela vai pensar de mim? — Duda começou desmanchar os vincos do caimento godê. Luiz Miguel observou-a. Os cabelos estavam bem modelados e uma pequena presilha de strass estava presa ao lado. As singelas joias que ela usava não tirava sua naturalidade. Ele acariciou a pele macia do rosto só para sentir se realmente ela estava sem maquiagem. — O que foi? — ela perguntou. — Seus traços femininos são lindos. — O sorriso dele foi evidenciado pelos olhos. — E, você tem pose de primeira classe. Mulher que não precisa mostrar a carteira para demonstrar o quanto é rica. — Roupas, joias e gloss... Continuo sendo a mesma sem essas coisas no corpo. O que está sobre minha pele não me define. — Não acredito em você. Preciso de provas. — Você é um safado... — Ela sentiu beijos sutis na pele do rosto. — Eu só fiquei. Um dia. Sem te ver. Mas. Já. Parece. Uma eternidade. — Ele dividiu beijos com palavras. Duda recobrou a verdadeira razão de ter ido ali apertou os dedos nos cabelos dele puxando o rosto para trás. — Lembrei!

— O que é isso Mar? — Ele reclamou, ainda com os dedos dela enfiados em seu couro cabeludo. — Vamos ter uma conversa séria, grandão. Eu exijo e quero você longe daquela mulher que para o trânsito. — ordenou fechando ainda mais os dedos. — Sua intenção é me deixar careca? — Você vai ficar longe dela?! – Não soltou os dedos. — Trabalhamos juntos desde cedo. Você não pode interferir nisso. — Ótimo. Então voltamos a ser inimigos. Duda o soltou e tentou levantar, mas ele a impediu. — Está existindo uma parada forte aqui, Mar. Não desejo beijar outra boca que não seja a sua. Mas tenta não querer me controlar ou vai acabar nos desgastando. — Você já é homem experiente e tem uma vida ativa. Sou nova e acabei de saber o que é beijo na boca. — Por que toda essa insegurança? Eu abandonei um plano de vingança, eu quis me relacionar com uma mulher mais jovem e estou renunciando os meus costumes mais loucos por você. Não queira me controlar, eu já sei o que eu quero. Ela começou brincar com os dedos entre os cabelos dele e Luiz Miguel voltou a distribuir beijos no ombro, onde apenas passava uma alça do vestido.

— Eu quero te amar. — Ele mordiscou a orelha dela. — O que... — Duda se atrapalhou com a própria saliva. — Eu quero amar a Mar. Ele desceu da cama, foi até a porta, rodou a chave e voltou. Duda observou a cena aparentemente sem reação. A realidade era que ela não estava observando a cena e sim quem a promoveu. Ele sentou novamente e manteve os olhos conectados nos dela. — Amo a cor dos seus olhos. Eles me lembram do mar. Tive essa sensação na primeira vez que te vi naquela festa nove anos atrás. O seu cabelo é sexy e esse seu nariz empinado é o orgulho de qualquer bad boy. Luiz Miguel beijou a ponta do nariz dela. Duda tentou alcançar a garganta dele com os lábios. Suas duas mãos estavam na lateral do pescoço dele. — Eu deveria te elogiar agora, mas não consigo falar só dos seus olhos, pois sinto que sua boca ficará com ciúmes. E se eu falar de sua boca, outras coisas ficarão chateadas comigo... — Eu já entendi princesa... Ele prendeu os dentes nos lábios dela e em seguida a beijou a boca. Duda sabia seus limites, então deslizou as mãos pelas costas dele. Desejava aproveitar o momento para senti-lo. Luiz Miguel sentiu as unhas roçar em suas costas e se empolgou.

TRINTA Em pouco mais de um minuto compartilhavam amasso e beijos intensos. Duda estava em uma seção de descoberta nas costas e peitoral dele. Mas quando ela percebeu que estava brincando com fogo e que Luiz Miguel já era lenha acesa, afastou os lábios e tentou encerrar o contato. — Luiz Miguel... — Ela colocou os dedos entre os lábios Ele ignorou e voltou a beijá-la. Ela fechou os olhos e lembrou-se de uma conversa antiga entre ela a mãe e a tia. Ela tinha sete anos na época. — Eu quero que me prometa uma coisa Dudinha. Me prometa que não irá se iludir com nenhum homem deste mundo... Nem de outro. Me prometa que só vai cair nas garras de um homem, quando estiver com um anel bem grosso e cravado de diamantes em seu dedo. — Suelen levantou o dedo mindinho. — Iludir tendo um anel de diamantes pode, tante? — Não, Dudinha, também não pode se iludir só porque recebeu um anel. Você tem que amá-lo e saber que é correspondida, com respeito e carinho. — Suelen explicou. — Me prometa que só vai se entregar a um homem que te respeite, ame e proteja. E... depois de casada com um anel que sustente uma pedra de diamantes em seu dedo. Promete? — Diamante é caro, tante. E se ele for pobre, sem dinheiro... Eu fico

sem casar igual você? — Estou me sentindo fofamente ofendida. — Suelen continuou com o mindinho suspenso. — Se ele for pobre, vai dar um jeito. Dá para dividir em cinco anos de prestação, fazer alguns serviços por fora. Mas seu anel é sagrado e o amor vem antes dele. — Eu prometo, tante! — Dudinha passou o mindinho por entre o dedo da tia e depois beijou para selar um acordo. — Deliciosamente lindos. Já estou salivando. "O quê?" — Tão redondinhos, minha menina... ainda quero entrar aqui, no meio deles. Ela abriu os olhos e percebeu que já estava deitada sobre a cama, Luiz Miguel sobre ela e seus seios sendo espremidos por mãos grandes e fortes. A primeira reação dela foi atacá-lo com uma bofetada. Luiz Miguel sentou ao lado e a encarou. — Você me bateu? — Ele indagou, com a mão no rosto. — Bati? — Ela ficou assustada com a própria ação — Tem uma coisa importante que você ainda não sabe. — Ela sentou na cama, se aproximou dele e beijou o local atingido. — Eu sei. — Ele acariciou os cabelos dela. — Sinto sua inexperiência. Não se assuste, farei tudo com muito carinho. — Eu quero que seja com você, mas fiz uma promessa e sou fiel a

ela. Eu prometi a minha tante que só me entregaria a um homem com uma aliança bem grossa e cravada de diamantes nesse dedo aqui. — Mostrou o quarto dedo da mão esquerda. Luiz Miguel absorveu as palavras de Duda e sua seriedade durou apenas cinco segundos. Ele gargalhou, deitou na cama e cobriu os olhos com um dos braços, rindo de nervoso por medir o peso daquela exigência. Foi a primeira vez que Duda o viu sorrindo daquela maneira. — Isso não é tão estranho assim... — Ela se ofendeu. — Está rindo de mim? Vou voltar para minha casa. — Nem pense nisso. — Ele ainda estava se recuperando da crise de riso. — Desculpa, é que eu nunca cogitei a ideia de um namoro. Aliança no dedo já é uma coisa bastante pesada, não acha? — Sabe que não. — Duda foi irônica. — Por que você fez esse tipo de promessa? Agora ferrou tudo. — Ele só pensava no valor do anel. — Minha tia tinha motivos para se preocupar. Acredito que era uma maneira de não facilitar as coisas. — Certo... — Ele perdeu o riso e encarou o teto do quarto. — Então, não vai rolar mesmo? — Ele colocou os braços atrás do pescoço deixando o peitoral totalmente visível. — Sabe quanto custa sua exigência, princesa? — Ah, por favor, vista logo uma camisa. Não seja tão exibido, estou tentando ser forte aqui. — Você tem muito autodomínio — Ainda deitado na cama, ele

passou a mão de propósito pelos cabelos e desceu para o restante do corpo. — Para com isso, seu gosto... oferecido! Não confunda minha mente, Luiz Miguel! Estou perdendo minha inocência dia após dia e tenho uma promessa a cumprir. — Você sabe que existem outras possibilidades, não é? Possibilidades deliciosas e nem tão comprometedoras. — É... O que está propondo? — Ela temeu que ele exigisse, afinal, ele era um homem com vida sexual ativa. Não aceitaria aquela condição por muito tempo. Ele sentiu que ela também desejava testar os limites, mas ao mesmo tempo carregava o peso da promessa que considerava importante. Luiz Miguel admirou a força da lealdade que ela carregava enquanto resistia ao desejo. Aquilo era uma loucura sem sentido, mas parecia ser importante, então respeitaria. "O jeito é trabalhar muito para conseguir dinheiro rápido." – Ele divagou. — Não se preocupe, Mar. Fica tranquila. Não sou nenhum pervertido e ainda está muito cedo. Você acabou de fazer dezesseis. — Obrigada. – Ela agradeceu muito surpresa com a atitude e ainda mais apaixonada. — Mas você pode fazer outra coisa. — Ele emendou — A verdade é que estou trabalhando muito nos últimos meses e ainda surgiu um novo trabalho de segurança particular da namorada. Meu corpo está quebrado.

Talvez eu esteja precisando de uma boa massagem. Pode fazer isso por mim, pequena? — Eu não sei fazer massagem, Luiz Miguel. Desculpe, mas continuo não te ajudando. Luiz Miguel sentou no colchão e virou as costas para ela. — Coloque seus dedos em mim e siga o contorno dos meus músculos. Sem medo, é apenas uma massagem. — Claro, muito fácil... é apenas uma massagem. – Ela correu os olhos na pele do namorado. — Por favor, me lembre da promessa se por um momento eu esquecê-la. — Sim, vou te fazer lembrar. – Ele sorriu preguiçoso. — Pode usar toda a sua força, estou precisando de uma coisa mais agressiva. — Você está tranquilo mesmo, com a minha exigência? – ela perguntou e começou dedilhar sobre a tatuagem das costas de Luiz Miguel. — É uma exigência cara. — Me perdoe por isso, Luiz Miguel. Não precisa ser um anel de diamante, eu não me importo com o valor, só o compromisso é importante. — Foi uma promessa, não foi? – Ele sentiu a magia de tê-la tocando em sua pele e olhou sobre o ombro. — Eu ainda não sei como, mas vou fazer esse momento ser muito especial. Você será minha e depois minha outra vez, sempre minha. Só quero você. Duda sorriu orgulhosa e desceu o rosto para beijar as costas dele

algumas vezes. Luiz Miguel tencionou os músculos, era perigoso naquele momento, mas compreendeu que ela estava sendo apenas carinhosa e não interrompeu. — Você trabalha muito e eu quero sempre aliviar o seu cansaço. — Duda beijou a nuca dele. — Obrigada por ser compreensível. Eu já estou te admirando muito. — Um amigo meu está me devendo uma grana e se vencer a próxima luta vai me pagar. Eu também vou buscar uma luta grande. Minha mãe segura algumas contas, vai ficar tudo certo. Fica tranquila. — Sua mãe trabalha? — Ela faz marmitas e distribui nas empresas, já faz há muitos anos. Ela mesma dirige a van das entregas. — Uma guerreira. A sua irmã ajuda? — Alicia não tem talento para cozinha. — Se ela infernizasse menos as pessoas sobraria tempo para aprender uma coisa útil. — O que você tem contra a Alicia? – Luiz Miguel perguntou. — Melhor você fazer essa pergunta a ela. — Ela é minha irmã e você minha garota, as duas precisam se dar bem. A Alicia é uma boa menina, não gosto de saber que você está implicando com ela. Duda parou os movimentos que fazia nas costas dele e respirou

fundo e silenciosamente. — Sua irmã tem a personalidade ruim Luiz Miguel e eu prefiro mudar de assunto. Não vou me vitimar, esse papel é dela. — A voz de Duda deu uma estremecida. — O que está acontecendo? — Luiz Miguel perguntou. — Tenho enfrentado o preconceito desde a infância. Fui bem instruída por meus pais e sei que os três centímetros a menos numa perna não limita a minha capacidade de lutar por meus objetivos. Mas quem enfrenta o ódio é quem sente. Afeta silenciosamente. Quando você pensa que é forte tentam te empurrar para baixo. Luiz Miguel virou para olhá-la e viu os olhos azuis levemente úmidos. — Senta aqui. – Ele ofereceu os braços e Duda se aninhou ali. — Você acredita que eu até esqueço. Você é tão altruísta, linda e toda espontânea... eu não imaginava que enfrentasse esse tipo de coisa. – Beijou os cabelos dela. — Seus pais te amam, a sua família e amigos também. Leve em consideração o que é verdadeiro, esqueça o resto. Quem não gosta de você não deve influenciar a sua vida. Eu te quero muito e te desejo do jeitinho que você é. A única coisa que me preocupa no momento é te ver longe de mim e conseguir grana para sustentar você. — Obrigada por ser tão cuidadoso. – Ela beijou o bíceps dele. — Você me faz bem. — A Alicia já te ofendeu? Porque se isso estiver acontecendo, eu

preciso saber. Duda preferia não acabar com a harmonia entre eles. Seria complicado conviver com Alicia e pretendia evitar os desentendimentos. — Vamos mudar de assunto. — Ela propôs. — Me fale se isso acontecer, não esconda. Eu quero saber de tudo, só assim eu posso resolver. — Sua mãe é muito bonita e nova. — Duda entrou em outra conversa. — Vou continuar sua massagem. — Saiu do colo dele, ficou de joelhos sobre a cama e retornou a massageá-lo. — Quando a minha mãe foi iludida, tinha acabado de entrar na faculdade. Era novinha, teve que desistir do curso de arquitetura por causa da gravidez. — Você deveria procurar seu verdadeiro pai. Pergunta o nome a ela. Eu te ajudo a procurá-lo. — Ela já quis me contar muitas vezes, eu sempre recusei ouvir. Não tenho nada contra ele, mas não quero saber. — Por quê? Você ganharia um novo pai, talvez irmãos. — Ele nunca me fez falta e eu já tenho irmãos. Meu pai foi o Junior. Foi ele que sempre cuidou de mim, mesmo sabendo que eu não tinha o seu sangue. — Eu tenho três pais e cada um tem seu espaço. — Três? — Luiz Miguel perguntou de olhos fechados. A massagem

de Duda estava sendo desajeitada, mas ter as mãos dela por perto e os lábios em tempos em suas costas o fazia desejá-la ainda mais. — Meu tio Giovane me registrou, mas meu tio Thiago foi meu pai até os sete anos, quando eu conheci o Dudu. — Sua massagem é gostosa, pequena. — Eu nem sei o que eu estou fazendo. Mais tarde você pode ficar é pior. — Acho melhor parar –, Ele virou para olhá-la — ter suas mãos por muito tempo sobre a minha pele, não vai me ajudar a te ajudar a manter aquela promessa que envolve diamantes, aliança, dedo... — Você me disse uma vez que precisou aprender fazer massagem... — Esqueça isso. A gente não se dava bem naquela época. É coisa de luta. — Então você faz massagem em outros lutadores? — Por que você não esquece isso? – Ele arriscou mais um beijo. — Conte-me agora! — Duda rejeitou o beijo. — Depois das lutas o corpo fica todo quebrado e... — Luiz Miguel viu o olhar de Duda se estreitar. — A Nessa sempre cuidou de mim nessa parte. Eu não poderia negá-la o mesmo tratamento. Mas você pode fazer isso de agora em diante. — Luiz Miguel, defina o que estamos vivendo. Preciso de garantias de que não é apenas um vento passageiro. O que você espera da gente?

— A Vanessa está no lugar de amiga... — Fale de nós. – O interrompeu. — Você me odiou por muito tempo e tem aquela sua tia ameaçando minha família. A maman já me contou o que ela fez com a nossa empresa. Eu não tenho base estabelecida com você e preciso saber o que pretende. — Eu quero você Mar. — As mãos dele sustentaram o rosto dela. — Você vai passar por cima da raiva do Dudu? Vai me apresentar a sua família como uma Moedeiros? Eu preciso que me fale, porque só assim eu vou poder lutar por nós. — É um pedido formal que você deseja? — Ele segurou as duas mãos dela e as beijou. — Você quer ser a namorada de um sujeito vingativo, que fracassou ao se apaixonar pelo alvo? Quer namorar comigo?

TRINTA E UM Duda abaixou o rosto e tentou lidar com a emoção. — Você está chorando? — Luiz Miguel beijou as mãos dela. — Estou vivendo aquele momento mágico que eu só tinha visto nos filmes. – ela sussurrou. — Te quero menina. — Ele sorriu encantado e afagou os polegares nas bochechas dela. — Minha Mar. — Namorado... homem... nenê? Não, soaria estranho com esse tamanho. Grandão... gostoso? Ainda é muito cedo. Pensa rápido, garota. — O que está fazendo? — ele perguntou, vendo-a de olhos fechados. Ela abriu um dos olhos, quando percebeu que escolhia o apelido em voz alta. — Nada, namorado. — Só Luiz Miguel. Sinto uma parada forte toda vez que ouço o meu nome na sua voz. — Luiz Miguel... — ela sussurrou com a voz levemente sensual. — Você quer me enlouquecer, Mar? — Ele sugou um dos lábios dela e iniciou um beijo lento e apaixonado. — Eu quero muito que o nosso sentimento cresça. — Ela tentou

falar entre o beijo. — Você me faz bem. Estou amadurecendo com você. — Você é forte, não tenha dúvida. Lembra quando me enfrentou no projeto? Ainda não estávamos nos encontrando. Espera aqui. — Ele selou a boca na dela e foi até a escrivaninha do quarto. Só então Duda observou a grande quantidade de livros que tinha ali. — Código penal, Direito constitucional brasileiro, Linguagem e argumentação jurídica... Tributário. Por que você tem tantos livros de Direito? — ela perguntou curiosa. — Quem hoje em dia não tem a constituição em casa? – Ele abriu um canudo e tirou uma planta baixa. — Sim, mas aqui tem muitos livros específicos para um estudante de engenharia, você não acha? — Eu estava na metade do ensino médio quando o meu pai morreu. — Ele espalhou o papel sobre a cama. — Fiquei revoltado e arrumei muita confusão na escola. Eu não queria mais ir às aulas, então minha mãe me matriculou no vestibular de uma universidade pública. Passei e fiz seis semestres de direito. Mas meu sonho era outro. Quando eu consegui a bolsa integral de engenharia na faculdade particular, larguei tudo para seguir meu sonho. — Uau... — Ela ficou impressionada com a informação. — Um encrenqueiro com objetivos, isso é muito sexy. — Sexy é a nanica de olhos azuis que está na minha cama. — Ele segurou o maxilar da namorada. — Presta atenção aqui. — Colou a boca na

dela e voltou o olhar para a planta baixa sobre a cama. — Você fez? — Sim. Primeiro eu faço tudo a lápis. Essa a planta da casa de jogos com as novas alterações. Projetei outra estrutura. Com mais três andares será possível reduzir 40% da área verde. Já foi previamente aprovado, mas ainda estão analisando os custos. — Isso é importante para os animais, por isso eu fiz toda aquela confusão. Eles não falam, só sente, e sente muito. — Duda analisou a planta. — O progresso não pode parar, não é mesmo? Você tem suas contas, meu pai tem as deles. Mas se tudo for feito conscientemente, respeitando o espaço dos animais, dá para todo mundo crescer. Meu pai é muito cuidadoso e o crescimento da Moedeiros não para. — Se eu tivesse condições, compraria esse terreno e manteria tudo intacto, não tenha dúvida. — Ele deslumbrou — Mas preciso desse projeto para levantar minha empreiteira. Quem sabe, um dia eu compre tudo isso e te encha de orgulho. — Continue sonhando alto e trabalhando por isso. Você vai conseguir crescer. – Ela moldou os lábios nos dele em um beijo calmo e maduro. Acariciou o rosto do namorado, enquanto provava da felicidade que ele a oferecia. Alguém forçou a porta e a voz feminina do outro lado fez Luiz Miguel dar um sobressalto da cama e olhar apreensivo para a namorada. — Luiz Miguel, está acordado?

— Quem é? — Duda apenas moveu os lábios. Ele passou as mãos pelos cabelos e aquilo fez transparecer o seu nervosismo. — Fica aqui, — Beijou seus lábios rapidamente — por favor, fica quietinha, não abre a boca. — Mimo, sou eu. Antes de destrancar a porta ele olhou novamente para a namorada, estava apreensivo. — Tia Irene, me espera lá na sala. A mulher viu Duda sentada sobre a cama do sobrinho e invadiu o quarto. — Trouxe um presentinho para você baby. – Irene abriu a bolsa e retirou um revólver Taurus modelo 85 com cabo revestido por borracha. — Guarda isso tia. — Eu não preciso te ensinar usar, não é? Você ganhou aulas bastante precisas desde os dezesseis. — Tia, sai daqui! Duda levantou da cama e Luiz Miguel tentou mantê-la atrás dele. — Você está cometendo um erro grave, meu sobrinho. — Irene falou ácida e o seu olhar seguiu carregado de amargura. — Você não foi o único a cair no feitiço sedutor dos Moedeiros. — A mulher emendou. — Do que você está falando? — perguntou Luiz Miguel.

— Uma velha história baby. — Irene alisou a arma com a ponta dos dedos. — Fui visitar o túmulo do seu pai agora a pouco — os olhos dela percorreram o caminho que seus dedos faziam no cano do revólver. — "Just do not forget the revenge". — Encarou o sobrinho. — Você fez uma promessa sobre o túmulo dele. A lembrança da promessa veio com tudo nos pensamentos de Luiz Miguel. — Ele não vai fazer isso, estamos juntos agora. — Duda reagiu e encarou Irene — Não ameace a minha família! A mulher ignorou as palavras de Duda. — Você optou por vingança, dolorosa e gradativa, Luiz Miguel. Olha só no que deu, acabou caindo em uma artimanha inocente e tão sem gracinha. — Irene subestimou. — Não tenho medo de você, tampouco da sua arma! – Era uma grande mentira. Duda estava tremendo por dentro, mas estava se saindo bem no disfarce. — Desaforada! – Irene mirou na direção do peito de Duda. — Típica filha de Eduardo Moedeiros, ousadia de mais e medo de menos. Luiz Miguel segurou firme no punho da tia e o virou. Irene perdeu a firmeza e soltou a arma de fogo na mão do sobrinho. Ela tomou um choque de realidade com aquela atitude. Seus olhos chegaram lacrimejar de ódio. — Sai daqui! – Luiz Miguel ordenou. Irene segurou o punho dolorido e uma lágrima grossa desceu de seu

olho esquerdo. Estava possessa. — Você fez seu juramento eu fiz o meu. Não serei covarde e ingrata igual você. Vou acertar minhas contas, sei por onde começar. — A mulher fitou Duda e saiu. Quando Irene passou na divisa da porta, Luiz Miguel correu para trancá-la e permaneceu escorado na base de madeira, tentando controlar a perturbação de seus pensamentos. Duda respirou com dificuldade, seu coração estava acelerado, ainda assimilava o que tinha acabado de acontecer. — Tudo em minha volta aponta para um dano contra a sua vida, Mar. — Te quero mesmo assim. — ela declarou. — Não posso te ver em perigo. Tampouco me odiando pelo o que eu posso fazer ao seu pai. Duda o abraçou e apertou com toda a sua força. — Você não vai fazer isso. Eu não vou permitir. Esqueça a semente de ódio que ela trouxe. Volte a ser meu o homem. — Vou descer com você até o carro. — Beijou o cabelo dela — Quando você chegar em casa, eu quero que avise ao seu pai sobre a minha tia e peça a ele para te tirar do país. — Você vai comigo? — Ela continuou o apertando. — Vamos encontrar um caminho seguro.

Duda o encarou, sentiu uma dor aguda no peito, seus lábios tremeram. Era cedo para denominar o sentimento, mas ela nunca tinha sentido algo tão maduro e forte por um homem. Piscou, liberando as lágrimas que desfocava a visão e disse: — O amor pode ser um antídoto para a vingança. Por favor, não planeje nada contra o meu pai. Eu acho que te amo. Ele a abraçou mantendo a arma de fogo longe do corpo dela. — Eu não serei um homem digno de você, se algum dia eu te decepcionar e colocar em perigo. Há alguns meses eu não hesitaria em sair daqui e usar essa arma. Hoje, o meu peito sangra só de imaginar cometer esse crime e vê-la quebrada. Duda beijou o peito dele algumas vezes e o namorado sorriu recebendo aquele carinho doce. — Eu te achava um sujeitinho vingativo, inconsequente, mas nunca pensei que chegaria tão longe. Você tinha planos terríveis, ainda bem que eu dei um fim nisso. — Eu tenho provas que o seu pai foi o mandante do assassinado do meu. – Luiz Miguel revelou — O colega de cela do meu pai e um policial estava na jogada, o papel do corrupto foi matar o presidiário depois do crime, para queimar arquivo. Eu quebrei os braços do policial antes dele revelar. Só não o matei, pois a mulher dele estava grávida na época. Na mesma semana ele largou tudo e fugiu da cidade. — Foi um plano muito bem elaborado para virar sua cabeça em um

momento de fraqueza e dor. Isso não condiz com a índole do Dudu. O meu pai é um homem de valor. "Você é boa e prefiro que acredite nisso". Ele pensou ao beijar a testa dela. — Eu preciso ir. Vou passar na casa do meu tio Sérgio, ver a minha tante e falar com a minha melhor amiga sobre você. — Vou sair hoje à noite. Amanhã dou um jeito de te ver. Por favor, tenha cuidado. O Rex não vai sair de perto de você. — Hoje tem luta? – ela perguntou. — Não. Vou sair com uns amigos, já tinha marcado. Mas te ligo antes de dormir. — Onde está o Teodoro. Vou levá-lo. — Ele viajou com a Alicia para a casa de praia da Andreza, amiga dela. — Ela vai torturar o meu cachorrinho até a morte. Você é irresponsável Luiz Miguel. Por que permitiu isso? — Que conversa é essa, Mar? Amanhã eu te devolvo ele. O Téo está bem cuidado e saudável. – Pegou o celular dela sobre a cama e abriu a porta. — Vamos. Ele chegou à sala segurando a mão de Duda e sua mãe se ajeitou no sofá apresentavelmente e arrumou as almofadas. — Sua tia não demorou. O que vocês conversaram? – perguntou

Samanta. — Mãe essa é a Mar, minha namorada. – Ele mudou o rumo da conversa. Duda sentiu suas bochechas quentes. — Isso é maravilhoso. – Samanta alisou o rosto do filho. — Esse grandão é meu orgulho Mar. — Mar é uma coisa interna nossa, minha mãe. — Que fofo. – Os olhos de Samanta brilharam. — Me chame de Duda. Todo mundo me chama assim. Menos o Luiz Miguel. – Duda sorriu bobamente. — Seja bem-vinda à família Duda. Minha casa é a sua casa. – Samanta se animou. — Eu vou descer agora, mãe. Ela precisa voltar cedo para casa. — Hora certa de voltar para casa? – A mãe arqueou uma das sobrancelhas. — Agora você toma jeito. — Foi um prazer. – Duda beijou o rosto da sogra. Assim que o filho desceu a escada com a namorada, a mãe comemorou, pulando sobre o sofá. Os olhos dela estavam brilhando, teve esperança de que Duda tirasse o filho do ringue de luta clandestina.

TRINTA E DOIS — Estou na-mo-ran-do o Luiz Miguel. Duda soletrou convencida e caiu da cama com o tombo que Nicole deu. — Vocês são loucos! – A amiga gritou. — Isso é tão, tão lindo! – Colocou a mão no coração e piscou os olhos. — Mas como vai ser com o tio Edu? Duda levantou do chão e voltou para a cama. — Provavelmente ele vai conversar com o Dudu. — E vai ter a terceira guerra Mundial. – Nicole iniciou uma crise de pânico andando de um lado a outro do quarto. — Vão se matar! Precisamos pensar em algo. Já cogitou fugir? Burrice! Vamos pensar em outra coisa. — Nicole, Para. Vai dar tudo certo! — Duda pegou nos ombros da amiga e tentou acalmá-la. — Seu pai é o tio Edu! Você está esquecendo esse minúsculo detalhe? Já estou vendo a desgraça! Preciso de uma ideia... — A amiga continuou andando de um lado a outro. — Tudo bem, isso pode acontecer. — Duda perdeu o otimismo. — O Luiz Miguel tem uma tia bandida que está ameaçando minha família. O Dudu vai me trancar naquele colégio interno e me afastar do meu grandão.

— Se acalma, vamos pensar em algo. Você e o seu Romeu não vão ter um final trágico. Precisamos de um plano infalível, que não envolva uma maldita porção. Não temos aquele frei assassino, isso já é uma vantagem. — Luiz Miguel me mandou contar tudo para o Dudu. Vou fazer isso assim que voltarmos do jantar. A maman está muito feliz e não quero afetar sua alegria. — Vão jantar fora? — Nicole perguntou. — Meu tio chegou de Taiwan. Venha conosco. — Não posso, vou ficar com minha mãe. Ela está cansadinha com aquele barrigão. Eu e meu pai ficamos o tempo todo com ela. O médico a proibiu de sair da cama. — Então, vamos deixar para a próxima. Eu já vou indo. Só passei para dar um beijo. Vou ver a tante no quarto dela. — Estou feliz por você Duda. Mesmo tudo dizendo não, vai ficar tudo bem. – Nicole abraçou a amiga. Duda deu dois toques na porta do quarto de Suelen e abriu. — Tante? — Meu amor, entre. — Suelen estava sentada em uma cadeira de balanço, lendo um livro sobre cuidado com os bebês. — Sua barriga está enorme. — Duda beijou a bochecha da tia. — Como você está? — Gorda e muito feliz. Tem coisa melhor? — Suelen deu uma de

suas típicas gargalhadas. — Ajude-me levantar. Vou para cama. Duda colocou muita força e auxiliou a tia. — Tenho uma novidade para você. Eu estou meio que... namorando. – Duda falou sem demonstrar emoção, pois teve medo de assustar a tia. — Dudinha... esses dias eu estava te dando aula de como colocar absorvente na calcinha. O tempo está passando rápido demais. É namoradinho da escola? Você deveria me apresentar antes de tudo. Tenho detector de fi da peste, saberia te orientar melhor. — Ele não é um... fi da peste, tante. — Duda colocou as pernas da tia sobre a cama. — É um homem mais velho. Ele já está no segundo curso da faculdade. – Duda falou orgulhosa. Suelen arqueou uma das sobrancelhas. — Quando conheci o Sérgio ele já era formado e não valia o que o gato enterra. Faculdade não forma caráter. Minha nossa, estou tão séria com o passar dos anos. – A morena gargalhou outra vez e Duda a acompanhou. — O Luiz Miguel é um pouco estourado e outras coisas consideráveis, mas é um homem que me enche de orgulho. Suelen viu os olhos da sobrinha brilharem e achou lindo. A menininha bochechuda que ouvia suas loucas histórias antes de dormir estava crescendo e virando mulher. Sentiu os olhos lacrimejar com aquela descoberta. — É gato? — perguntou a tia.

— Forte, alto, musculoso, olhos castanhos, boca carnuda e cabelos crespos. – Duda sorriu de felicidade. — Hum... Já estou visualizando um homão. — Ele tem um metro e oitenta e dois de altura. — Duda revelou. — Um metro e oitenta e dois? Ele já passou a mão na sua xota?

— Tante... — Duda a repreendeu e sentiu a pele queimar. — Passou ou não? — Suelen insistiu. — Não. Começamos namorar hoje. — Duda abaixou os olhos encabulada. — Você lembra a nossa promessa de dedinho? — Suelen perguntou e Duda confirmou. — Já passei maus bocados por agir por impulso. Eu e seu tio éramos dois jovens sem juízo, engravidei de primeira e você sabe todo o sofrimento que veio depois. É um fogo gostoso, mas perigoso se não existir estabilidade. Continue sendo cuidadosa. Quero minhas três meninas felizes desde o início. Sem perda, sem dor ou desilusão. — Ele vai comprar o anel, mas vou precisar quebrar a regra do diamante. Meu namorado ainda está começando a vida e não é rico igual a nossa família. — Se ele te ama, respeita como mulher e não é preconceituoso com suas limitações, não deixe passar. Mas segure o fogo. Sua carinha não nega, você está querendo. Lembre-se que promessa de dedinho não se quebra. O

seu pai deveria beijar os meus pés por eu ter feito esse trato com você. Vou jogar isso na cara dele. — Luiz Miguel é muito compreensível. Mesmo tendo uma vida ativa, foi muito fofo ao respeitar algo que é importante para mim. Eu pensei que ele rejeitaria a imposição do compromisso, mas sua única preocupação foi o valor do anel. — O valor do anel é o compromisso. Se ele aceitou, já tinha visão de futuro com você. Estou achando-o maravilhoso, começando pelo nome... "Luiz Miguel" nome dos galãs fortões das novelas mexicanas. — A tia gargalhou espontaneamente. — Hoje ele... — Duda limpou a garganta. Seu rosto estava avermelhado. — Você sabe, os homens costumam crescer em certos momentos... — Luiz Miguel safadão. — Suelen interrompeu a sobrinha. — Homem é caçador e eu tenho certeza que ele vai vender as próprias calças para colocar um anel em seu dedo. Quem não iria querer alguém como você? É uma princesa. Você vai ter um homão nas mãos. — Que vergonha, tante. — Duda cobriu os olhos com a mão. — A minha menina tem vergonha agora, depois só vai querer viver de pernas abertas. — Que absurdo. — O que é absurdo? — Sérgio entrou no quarto e perguntou. — Coisas femininas, marido. — Suelen despistou cinicamente.

— Eu já vou. Vamos jantar fora. — Duda beijou o rosto da tia. — Por enquanto, mantenha fechadinha. — Suelen deu o último recado. Duda saiu de perto dela e beijou o rosto do tio. — Preciso ir. Cuida dela tio. — Do jeito que eu queria está difícil nos últimos dias. Não está dando para aguentar. — Suelen lamentou. — Mas o que... — Sérgio ficou curioso. — Duda? Que tipo de conversa estavam tendo aqui? — Apontou o dedo para as duas. — Tchau tia. — Duda não olhou na cara do tio e saiu do quarto. *** Luiz Miguel, Vanessa, Marcos e outra mulher estavam sentados na mesa do restaurante. Juntos comemoravam a vitória dos irmãos na noite anterior. Marcos e Vanessa tinham recebidos aproximadamente quinze mil reais com a vitória. Luiz Miguel também comemorava, pois Marcos tinha depositado em sua conta um montante que havia pedido emprestado meses antes, quando passou sufoco financeiro. Eduardo entrou no restaurante segurando a mão da mulher. Duda estava ao lado. — Pensei que você tinha as trancado dentro de casa, Eduardo. – Thiago, que já estava em uma das mesas com o irmão, provocou. — Como você é espirituoso taiwanês. – Eduardo falou ácido.

— O atraso fica por minha conta e da maman. – Duda beijou o rosto do tio e sorriu para Kamon. O jovem de olhos puxados olhou-a por completo. Ela estava com um vestido preto de modelo princesa, muito gracioso e caríssimo. — Você vai sentar entre a sua mãe e eu, filha. — Eduardo encarou Kamon. Maria Fernanda se aproximou de Thiago para cumprimentá-lo, mas Eduardo entrou na frente disfarçadamente. — Sente meu amor. — O marido a direcionou até a cadeira. — Eu não quero você cansada com o peso do nosso bebê. Ele deu ênfase no "nosso" e olhou para Thiago. A Barriga ainda era de poucas semanas. Maria Fernanda sorriu simpática e sussurrou para o marido: — O sofá espera você e seu travesseiro se não se comportar. — Atrasos perdoados. As duas estão lindas. Fernanda, seu vestido destacou a cor dos seus olhos. Thiago provocou. Seu amor pelas duas era fraternal, mas não podia desperdiçar a oportunidade de irritar Eduardo por ser tão possessivo. — Aproveita e olha agora. Amanhã você pode amanhecer sem esse privilégio. – Eduardo pegou a taça com água e estendeu cinicamente. — Gostei da joia no seu cabelo. — Kamon iniciou um diálogo com Duda e Eduardo o olhou atravessado.

— Eu ganhei de uma pessoa muito especial. Você também trabalha na joalheria da família? — perguntou Duda, sorrindo cordialmente. — Estou aprendendo gerenciar. Brevemente serei o subgerente da Império em Taiwan. — Parabéns. Foi uma grande mudança de destino. Você morava no orfanato? – Duda continuou curiosa. — Nas ruas, desde os quinze. — Kamon revelou. — Duda, fique longe desse sujeito. – Eduardo falou abertamente. — Ele tem me ajudado. — Thiago mudou o rumo da conversa. — As clientes costumam fazer filas quando ele resolve passar o dia como vendedor. — Uau, que bela cena de dorama. — Duda sorriu abertamente e quando mudou o olhar, flagrou uma cena que a fez apertar o tecido de seu vestido com força sobre as coxas. Luiz Miguel já tinha visto a namorada e também não tinha gostado de ver Kamon com a família de sua menina. Vanessa colocou a mão sobre o ombro de Luiz Miguel e sussurrou uma coisa qualquer no ouvido, antes de se afastar deu uma e mordida na orelha dele o pegando desprevenido. Duda desceu os olhos para a mesa e soltou o ar forte pela boca. — Está tudo bem filha? — A mãe perguntou. — Nada relevante maman. Lembrei que esqueci o meu celular. Vou

ao carro, talvez esteja lá. Preciso da chave papai. Eduardo suspendeu a chave, estranhou ser chamado daquela maneira, mas lembrou de que Thiago estava ouvindo, então sorriu. — Vá com cuidado, minha filha. — Deu sinal para Rosinaldo acompanhá-la. Duda andou rápido, entrou na caminhonete e debruçou o rosto sobre as mãos. Rosinaldo permaneceu de guarda no lado de fora do veículo. — Mar, abre o carro! Ela ouviu as batidas no vidro e o abaixou. — Jantar com amigos? — questionou. — Estou muito decepcionada. Se você me namora, isso te faz meu. Por que tinha outra mulher se esfregando em você? Luiz Miguel tomou as chaves da mão dela, deu a volta e sentou no banco ao lado. — Por favor, não começa com os ataques possessivos. Aqueles sentados à mesa são meus amigos de uma vida. Eu não vou me afastar deles, Maria Eduarda. Controle seus ciúmes. Luiz Miguel levantou o rosto dela e tentou beijá-la. — Me deixa sozinha. Não estou conseguindo lidar com isso. — Ela cobriu o rosto com uma das mãos. — A Vanessa já sabe de você. Não tenho mais nada com ela. — Não quero discutir. Estou quase sufocando. Se eu sair de lá foi

para respirar sozinha. — Você está sendo imatura, Maria Eduarda. Tivemos um papo bacana hoje mais cedo. Eu falei que te quero, te pedi em namoro e agora isso? — Aquela é sua morena de parar o trânsito? — interrogou. — Ela é realmente muito bonita e parece gostar de te morder. — Para de paranoia. Foi uma besteira. — Esse tipo de besteira vai continuar se repetindo e eu não tolero. Quero você bem longe dela. — Estamos namorando, eu não estou mais com a Vanessa, caramba! Estou com você! — Eu não quero sua “ex” o tempo todo grudada no seu pescoço. Aquela mulher não quer apenas amizade. — Se você não tiver cuidado, essa merda vai crescer e engolir o nosso relacionamento, que começou hoje. Em pouco mais de cinco horas já estamos brigando. — Vou conversar com o meu pai, depois do jantar. Vai ser bom ficar longe. Assim eu não vejo essa palhaçada. E quem sabe, te esqueço. – Ela não estava sabendo lidar. Luiz Miguel sorriu contrariado e passou as mãos nos cabelos. — Eu não vou alimentar essa infantilidade, Maria Eduarda. Você está namorando um homem e não um moleque! De onde você conhece aquele

cara? — Não tem nada a ver. Ele é amigo da família e não estava mordendo minha orelha. — Eu vou deixar você respirar. – Ele entregou a chave do carro, saiu e bateu com força. — Rex, fique de olho nela. – Avisou ao amigo. Duda se indignou e esmurrou o volante. Ela sabia que precisava se controlar, mas seu sangue ferveu no corpo ao ver a bela morena debruçada sobre o namorado. "Eu não vou ficar me lamentando" Respirou fundo, decidida a entrar no restaurante de cabeça erguida. Ela saiu do carro e assim que fechou a porta viu a mesma morena se encontrando com Luiz Miguel na entrada do restaurante. Rosinaldo estava ao lado dela e seu faro aguçado desconfiou da movimentação de carros do outro lado da rua. — Entra no carro, Maria Eduarda. — O segurança ordenou. — É o quê? Vocês se protegem nas vagabundagens?! Que decepção Rex. — ENTRA NO CARRO! — Rosinaldo gritou. Luiz Miguel ouviu e olhou para trás. Rosinaldo levantou sua pistola e Duda sentiu um aperto no peito. Não teve de reagir, viu o momento exato que a bala saiu da pistola do motorista e atingiu algo atrás dela. Luiz Miguel correu na direção da namorada. Trêmula, Duda deixou a chave do carro escorregar dos dedos e se

abaixou para procurar.

TRINTA E TRÊS — Mar! — Luiz Miguel segurou nos ombros da namorada. Vanessa estava abaixada ao lado dele. — Você está ferida? — Não esperou a resposta, conferiu cada canto do corpo dela. — Ela é a Mar? – Vanessa indagou, encarando a concorrente. — Alguém está atirando. – Duda continuou procurando a chave. Seus olhos pareciam mais graúdos que o normal. — Vá com a Vanessa! Eu vou dar cobertura a vocês. Vanessa, a leve daqui. – Ele olhou aos arredores — Vieram atrás dela. — O quê?! – Duda levantou e foi puxada novamente. — Vieram atrás de mim? Eu quero minha mãe. — Vai com ela minha pequena. – Luiz Miguel a beijou na testa. — Preciso contê-los, confie na Nessa. – Beijou a boca dela duas vezes. — Venha comigo, por favor. – Duda segurou firme na mão dele. — Estão armados. Luiz Miguel a soltou quando flagrou um dos homens armados espreitando atrás de um dos carros. Vanessa viu aquilo e sentiu seu ego ferido, contudo segurou a mão da rival e a puxou entre os carros. — Meu namorado não pode ficar lá. — Duda olhou para trás. — Só ande. – A morena quis jogar na cara de Duda que ela era a

culpada, mas se controlou. — Eu o amo. – A namorada viu a melhor hora para usar a visão de futuro. — Eu também. As duas foram encurraladas por um homem loiro. Vanessa o enfrentou com um golpe gancho utilizado no boxe. A pistola que estava sob a posse dele caiu no chão e ambos entraram em luta corporal. A lutadora deflagrou um uppercut no queixo do homem e torceu o braço. Quando Duda ouviu o barulho de osso trincado, sofreu uma queda de pressão e viu tudo girar ao seu redor. O sujeito acabou desmaiando. — Pegue a arma. – Vanessa ordenou, desafivelado as sandálias de saltos finos. Trêmula, Duda segurou a pistola e apertou o gatilho acidentalmente, atingindo a perna do homem que gemeu mesmo desacordado. — Eu o matei... Eu atirei em uma pessoa. – Se achegou até o homem e estapeou o rosto dele. — Acorda moço. Não foi a minha intenção. – Balançou a cabeça do homem de um lado a outro. — Me siga! – Vanessa segurou a arma. — Desculpa moço, eu espero que você saia dessa. – Duda segurou a mão do homem e lamentou. Era a mão do braço quebrado. — Onde você foi se meter meu parceiro. – Vanessa murmurou. — Preciso ligar para a polícia... – Duda olhou para trás quando

ouviu uma sequência de tiros — Luiz Miguel! – gritou ao vê-lo cambaleando frente aos homens. — Espera! – Vanessa a segurou pela cintura. A morena também sentiu o chão desmoronar abaixo dos pés. — Ele está sangrando! Me solta! – Duda gritou, com o rosto banhado por lágrimas. — Luiz Miguel! Vanessa a empurrou para o lado e correu na direção de Luiz Miguel. Duda tentou fazer o mesmo, mas Eduardo a apertou em um abraço. Ele e Kamon saíram para procurá-la assim que ouviu o barulho dos últimos tiros. — Que porra é essa?! – O Taiwanês avistou o conflito no outro lado da rua. — Meu namorado está ferido, Dudu. Me solta, por favor. — Vamos entrar, a sua mãe está aflita. Tem uma base da polícia aqui ao lado. Estão chegando. — Ele se feriu por mim. Faça alguma coisa, meu pai! — Vamos. – Eduardo a puxou contra vontade. — Kamon, o ajude! – Duda gritou. — O ajude, por favor! Kamon seguiu para o meio do conflito e com sua prática profissional em kung fu, derrubou o primeiro homem que atravessou seu caminho. — O que faz no Brasil? – Luiz Miguel perguntou, quando o taiwanês o defendeu de um golpe inimigo. — Negócios. — O oriental fitou a camisa branca de Luiz Miguel

sendo tomada pelo sangue. — Se você se ferrar, eu fico com a sua garota. – O ajudou sair do meio da rua e encostar ao lado de um carro. — Merda... — Luiz Miguel tirou a mão do lugar atingido e o sangue espirrou. — Fique longe da minha namorada. — Ele estava perdendo os sentidos. — É uma bela garota. — Kamon retirou a camisa e entregou ao ferido. — Desgraçado... — Luiz Miguel balançou a cabeça, tentando se recuperar da tontura. — Luiz! — Vanessa pegou a camisa cedida por Kamon e pressionou sobre ferimento. — Em que desgraça você se meteu?! — Onde minha pequena está? — ele perguntou completamente grogue. — Cadê ela. — Puxou o ar com dificuldade e saiu sangue por seus lábios. Duda escapou do restaurante e quando chegou à porta a polícia já estava encurralando o único dos sequestradores que estava acordado. Ela correu trêmula e aflita a procura do namorado. — Luiz Miguel olha para mim, por favor. — Afastou Vanessa e segurou o rosto do namorado. — Não dorme, não fecha os olhos. — Ela não sabia se aquilo funcionava, mas já tinha ouvido em um filme. Deveria fazer algum sentido. — Fique longe desse cara. — Luiz Miguel encostou a cabeça no ombro dela.

— Não dorme meu amor, alguém já chamou uma ambulância?! — gritou desesperada. — Socorro, alguém me ajude aqui! — Luiz, acorda Luiz. — Vanessa deu tapinhas no rosto dele. — Não bata nele! — Duda segurou o rosto de Luiz Miguel em seu peito. — Liga para a ambulância. — Duda! — Eduardo gritou desesperado, procurando pela filha no meio da multidão que estava ao redor do ferido. — Venha Filha. — A encontrou e sentiu um grande alívio no peito. — Meu namorado está ferido, ele levou um tiro me protegendo. O ajude papai, por favor. Eduardo recebeu aquela impactante informação, mas não teve a crueldade de espancar um sujeito ferido. Luiz Miguel, de olhos fechados, ergueu um curto sorriso. — Você vai viver para cair na porrada. — O sogro abaixou, apoiou o braço de Luiz Miguel no ombro e o levantou. Independente dos desentendimentos, ele sabia que os segundos eram cruciais para a vida. — Filho da... mãe, porque eu respeito a sua! Rosinaldo foi rápido para encontrar as chaves da caminhonete de Eduardo e com rapidez já tinha levado o carro para o centro da rua no intuito de salvar o amigo. Maria Fernanda estava com Thiago e viu a cena de longe. Avistou o homem ferido e procurou pela filha. A mãe já tinha cogitado muitas coisas desagradáveis. Ela estava abalada, Duda e o pequeno bebê em seu ventre era a sua fraqueza.

— Minha Dudinha... — A voz dela falhou. O coração da mãe foi aliviado e o choro chegou de vez. — Você está bem, meu amor? — Beijou o rosto da filha e fiscalizou o corpo. — O meu namorado maman. — Duda agarrou a cintura de Maria Fernanda. — Atiraram nele. Vanessa pressionou o pano na ferida enquanto Eduardo o levava para o carro. — Eu tive tanto medo... – Maria Fernanda apertou a filha nos braços e não conseguiu controlar o choro. Ela tremia muito. — Thiago, as proteja. Ligue para a minha irmã ver o estado de saúde delas e do bebê. – Eduardo pediu depois de colocar Luiz Miguel no banco detrás da caminhonete. — Eu vou com ele. – Duda soltou a mãe, contudo Thiago a segurou. — Seu pai vai cuidar dele até chegar ao pronto socorro. — A mãe beijou o rosto da filha. — Cuide delas. – Eduardo gritou e entrou no carro. Vanessa foi com ele. — Ele não pode morrer! – Duda entrou em crise de pânico. — Isso não pode acontecer. Eu preciso ir ao hospital, ficar ao lado dele. — Sentiu o ar faltar entre os soluços. — Vamos para casa, Dudinha. — Thiago beijou os cabelos dela. — Vou cuidar de vocês.

Duda sabia o jeito certo de dobrar Eduardo, e tentou usar a mesma tática com Thiago. — Papa, por favor, me leva para o pronto socorro. — Implorou olhando nos olhos puxados do tio. — Por favor, papa. — Vamos para casa. – O homem falou firme. Thiago recordou os velhos tempos, quando ele era o único pai da pequena Dudinha. Era uma linda lembrança, mas não para colocar a vida dela em perigo. Quarenta minutos depois Duda entrou correndo na recepção do principal hospital particular da cidade. O que era mais próximo ao restaurante. Estavam todos dentro do carro, seguindo o caminho de casa, quando ela iniciou um choro escandaloso e só acalmou depois que Thiago mudou a rota. — Moça meu namorado, Luiz Miguel... ele veio para cá agora a pouco – Passou o dorso da mão no rosto. — Como ele está? A recepcionista já tinha visto a mesma cena inúmera vezes. Ela desceu os olhos para o monitor, mas antes de entrar nos registros de ocorrência, voltou o olhar para Duda e analisou as joias e o vestido caro que estava ensanguentado. Ficou curiosa. Depois de olhar para a mulher alta e loira ao lado voltou ao trabalho. — Qual o sobrenome? — Luiz Miguel Alvares Azevedo. Ele é um forte bonitão, que está

ferido no abdômen. Ele levou um tiro para me defender dos capangas da tia dele que odeia a minha família. — Calma Duda, ela vai procurar. — A mãe alisou os cabelos da filha. — Ele está sangrando. Meu grandão lutou mesmo ferido. – Soluçou — Nos conhecemos ainda criança. — Duda colocou o cotovelo sobre o balcão e cobriu a testas com a mão e chorou sonoramente. — Sim, só um minuto eu vou... — Ele elogiou meus olhos quando eu tinha sete anos e me pediu em namoro hoje... Ele não pode morrer. Ainda não conversamos com o meu pai... – Deitou os braços no balcão e debruçou a cabeça, tentando controlar o choro que já a impedia de falar. — Ela fica assim quando está nervosa. – Maria Fernanda explicou e acariciou os cabelos da filha. Diante de todos os relatos, a recepcionista acabou se envolvendo emocionalmente na história e como já tinha encontrado o paciente em questão nos registros, deu a volta no balcão. — Eu mesma vou lá verificar e já volto. — Obrigada. – Maria Fernanda agradeceu. Kamon estava sentado num sofá logo atrás, Thiago tinha ficado no estacionamento procurando vaga. — Eu não devia ter brigado com ele. — Duda abraçou a mãe. — Ele

não pode morrer maman. — Desde quando isso está acontecendo Dudinha? Namorado, filha? — Ele ia conversar com o Dudu. — Ele te falou isso? — Não, mas não é assim que funciona os namoros? — Um namoro cheio de conflitos Duda. Olha o perigo que os dois estão enfrentando. — Eu o amo, minha mãe. — Oi. Senhora. — A atendente voltou. — Sim, você o encontrou? — Duda saiu dos braços da mãe por um momento. — Busquei informações com a colega. Seu namorado está no centro cirúrgico. Foi atendido imediatamente pela gravidade do caso. Está com um rim afetado. Mas tranquiliza o seu coração, acredito que está tudo bem lá dentro. — A mulher passou otimismo, sabia que era importante no momento. — Obrigada. Vou orar por ele. — Duda seguiu na direção do sofá. — Obrigada. — Maria Fernanda agradeceu. A mãe deixou a filha com Kamon e seguiu para buscar água. Duda juntou as mãos e iniciou uma silenciosa prece. Kamon a observou. — Não fique tão preocupada, o anjo da noite já aguentou coisa pior. — Tentou tranquilizá-la.

— Anjo da noite... Quem é você? – Duda abriu os olhos e recuou o tronco. O sotaque oriental era forte, mas ela conseguia entendê-lo. — O conheci em um evento nos Estados Unidos, alguns anos atrás – Duda continuou com a mesma postura. — Eu nunca peguei uma luta grande, mas frequentava os eventos. Era empreendedor, tinha meu próprio negócio. — O que vendia? — Duda secou os olhos, curiosa. — Mercadorias de primeira qualidade. Fornecedor forte, direto da China. — Muambas? — Branquinha. E com efeitos duradouros. — Você vendia drogas?

TRINTA E QUATRO Maria Fernanda sentou no sofá e distraiu a filha. Kamon respirou, aliviado, tinha se excedido na explicação. — Seu pai foi para casa e acabamos nos desencontrando. Já está vindo, certamente em alta velocidade. – Maria Fernanda bebeu o conteúdo do copo. — Eu não sei se eu me preocupo mais com você ou com ele. Vanessa chegou à recepção, Duda levantou do sofá e caminhou na direção dela. — Você estava com o meu namorado? — perguntou com a voz chorosa — Como ele estava quando chegou aqui? Ele estava acordado? — Eu ainda não sei como você conseguiu despertar... – Vanessa terminou a frase apenas no pensamento. — Interesse? – Duda indagou. — Eu também não sei. Mas deve ser o meu beijo gostoso. Não precisei passar disso para ele ser fisgado. – Vanessa soltou uma risada abafada, zombando silenciosamente da baixinha. — Ele estava acordado quando chegou? – Duda perguntou outra vez. Naquele momento Luiz Miguel era mais importante. — Fica com a sua mãe garotinha. Eu também estou nervosa e sem paciência. — É tão difícil assim ouvir uma pergunta e abrir a boca? – Duda

pegou no braço de Vanessa. — Sou a mulher dele, estou aflita e tenho direito de saber. — Ele está na cirurgia, meu parceiro é forte e vai sair dessa. – Vanessa puxou o braço bruscamente. "Mulher?" Questionou intimamente, olhando a concorrente de cima abaixo. — Essa palhaçada de parceria da vagabundagem acabou! Estamos juntos e não vou abrir brechas para você. Acabou a farra! O homem é meu, aceite e mantenha distância. – Duda falou ao emaranhar o cabelo no alto da cabeça. "Só quero ver até quando você vai suportar essa pirralha, parceiro" Vanessa puxou o ar sem paciência. Duda mordeu o lábio, olhou para o lado, apertou os olhos e brigou bravamente contra o orgulho, pois a sua cordialidade quis sobressair. Vanessa viu os resmungos, revirou os olhos e olhou para o lado oposto. — Hã... – Vencida, Duda chamou a atenção da concorrente outra vez. — Obrigada por ter me ajudado com aquele moço, que você, unicamente você, deixou desacordado. Vanessa virou as costas e abandonou Duda no meio da recepção. Maria Fernanda avistou as duas mulheres entrando na recepção e recordou dos rostos. Uma delas estava em completo desespero a outra parecia indignada em uma ligação telefônica. Ela reconheceu Irene e deduziu que a

outra fosse à ex-mulher do Junior. Tinha visto Samanta poucas vezes e o luxo que a cobria no passado passava longe depois de nove anos. — Samanta! – Vanessa correu e abraçou a mulher. Duda também ia de encontro a mulher, mas Maria Fernanda a levou na direção do sofá. — Ela é minha sogra, maman. Precisa do meu abraço. — Seu pai não pode bater de frente com a Irene. Então se quiser ficar aqui esperando notícias, vamos aguardar longe delas. – Olhou para o taiwanês. — Kamon, fique na porta esperando o seu irmão e leve Eduardo para a sala de espera quando ele chegar. Vou ligar para a polícia. Irene não demorou muito tempo no hospital. Ela avistou policiais que estava chegando para averiguar o ocorrido e fugiu, abandonando Samanta com Vanessa. Três horas depois a recepcionista do hospital chamou Duda num canto. — Já terminou a cirurgia, ele está sedado. A hemorragia foi contida com a retirada do órgão. O pior já passou. — Muito obrigada moça. – Duda abraçou a mulher. — Estou muito aliviada. Ele é o homem da minha vida. Eu sei que é cedo, mas já estamos fazendo planos, sabe? Ele vai precisar se recuperar e eu vou cuidar dele com todo o meu amor. — Eu preciso ir. Vou avisar a família dele. Boa sorte. – A mulher se recompôs e saiu da sala, pois percebeu que Duda gostava de alongar a conversa.

A baixinha chegou até o sofá sorrindo e enxugando os olhos. — Ele está bem agora, maman. — Ótimo! – Eduardo levantou, fechou o terno e estendeu a mão para a mulher levantar. — Que ele fique bem logo para voltar na sequência! — Eduardo! Isso não é coisa para falar em um momento tão delicado para a Dudinha. – Thiago o repreendeu e abraçou Duda. — Ele está ferido, meu pai – As lágrimas ainda desciam dos olhos de Duda, agora de medo da separação. — Não queira me deixar mais triste nesse momento. – Ela soluçou no peito de Thiago. — Papa, ele quer o mal do meu namorado. Thiago balançou a cabeça de um lado a outro, reprovando a atitude de Eduardo. — Então agora eu não presto? – O pai questionou o outro. — Não me pintem de vilão, quando eu quero proteger os meus. Meu coração está sangrando aqui minha filha. Desde quando você chora nos braços de outro pai? – Uma lágrima escorreu de verdade do olho de Eduardo. — Está todo mundo exaltado. Vamos para casa pensar na melhor solução. – Maria Fernanda passou o braço por entre o do marido. — Você está abalada, filha. – Eduardo segurou a mão de Duda. — Mas é duro saber que um cafajeste que dá dois do seu tamanho andou judiando de você. — Ele me respeita Dudu.

— Vamos para casa ou eu entro naquele quarto e tiro satisfação. Duda reconheceu que o pai já tinha feito muito ajudando salvar Luiz Miguel. Não iria abusar da sorte. O pior já tinha passado. Agora era torcer pela recuperação do namorado ferido. *** Com três dias Luiz Miguel saiu da unidade de tratamento intensiva. Ele perguntou por Duda assim que acordou, mas era Vanessa quem estava ao seu lado, que alisando o rosto dele e ignorou a pergunta. Nenhuns dos homens presos entregaram o propósito do ataque. O caso ainda estava sem solução e Irene fugida. Duda passou a ser vigiada com mais rigidez. Além de Rosinaldo outros três homens andavam com ela nas poucas vezes que precisava sair de casa. Com três semanas Luiz Miguel voltou para casa. Ele tentou ligar no celular de Duda diversas vezes, mas o aparelho já estava desativado. O pai tinha confiscado. Rosinaldo lhe passava as informações sobre Duda. O Namorado se sentia inútil por não poder pegar a moto e ir atrás dela. Naquele final de tarde, Alicia estava trocando os curativos do irmão e respondia as mesmas perguntas. — E a Nicole, você viu? – ele perguntou na esperança de algum recado. — Não vejo a trombadinha já faz um tempo. – Alicia demonstrou impaciência.

— Nicole, Alicia. Quando você virou tão preconceituosa e mesquinha? — Não gosto daquela gente, Mimo. Pior eles já fizeram a nossa família. Estão montados na grana, enquanto nós estamos vivendo com o básico. Você não deveria ter perdido a aversão a ela. — Preciso sair dessa cama. — Ouvi uma conversa que os pais delas estão pagando o dobro da mensalidade à escola para as filhas finalizar o semestre em casa. Luiz Miguel jogou a cabeça para trás e encarou o teto esperando que Alicia terminasse. — Onde está você minha pequena? – sussurrou assim que Alicia saiu do quarto. Ele levantou com dificuldade, foi até a gaveta de sua escrivaninha, puxou a sacola de papel e voltou para a cama. Sentado no colchão, ele desamarrou o laço da alça e buscou algo lá dentro. Com um pouco de esforço, abriu a caixa que o amigo Marcos tinha lhe entregado no dia anterior. Sorriu. Ali dentro estava uma importante prova de que acreditava no futuro ao lado da baixinha de olhos graúdos da cor do mar. *** Luiz Miguel sentiu os lábios pousando na pele de seu rosto e permaneceu de olhos fechados. Preferiu sentir a deliciosa sensação de ter Duda pertinho dele. — Fugiu de casa para me ver, minha pequena? – Sentiu o aconchego

gostoso no pescoço. — Eu senti tanto a sua falta. Ele abriu os olhos e surpreendeu Duda com um beijo. Estranhou não sentir dor e depois de abandonar os lábios dela levou a mão até o local. Não encontrou nada. A fitou outra vez e a viu mover os lábios com um "eu te amo". Os olhos azuis estavam turvos de lágrimas. O namorado estendeu a mão e deslizou o polegar abaixo dos olhos azuis, desejando acalentá-la. Foi naquele momento de carinho protetor que a imagem dela foi apagada aos poucos até sumir completamente frente aos seus olhos. — Mar! Ele acordou gritando e logo encarou a realidade. O seu ferimento foi contraído com o movimento brusco e tinha manchado o curativo de sangue. Teodoro que estava deitado aos pés da cama, cobriu os olhos com as patinhas e chorou assustado. Luiz Miguel pegou o celular debaixo do travesseiro e discou para o amigo Rosinaldo. Precisava vê-la, pois algo lhe angustiava. — Rex. "Ela está bem" – Rosinaldo respondeu já sabendo a pergunta. — Onde ela está agora? "Em casa, Luiz." — Em que parte da casa? "No quarto. Ela não sai de lá há muito tempo." — Passa seu celular para ela, Rex.

"Eu não posso entrar no quarto dela. O patrão é esperto, vai desconfiar e eu vou ficar impossibilitado de fazer a segurança da sua menina." Luiz Miguel sabia que Rosinaldo estava pensando certo, ele não podia em hipótese nenhuma ter Rosinaldo longe de Duda com ele debilitado e sem poder protegê-la. — Tenta dar um recado. — Pode falar. — Fala que eu estou com dores e os beijos dela poderiam me aliviar... — Melhor você falar isso pessoalmente Luiz. – Rex o interrompeu o amigo. — Fale para ela que eu não quero vê-la chorando e que vou melhorar para visitá-la. — Mais alguma coisa? — Que eu não esqueço por nenhum momento os olhos lindos cor do mar e o calor do abraço aquecendo meu corpo... — Poxa, Luiz, vai ser estranho eu passar esse recado. — Eu não posso recorrer a mais ninguém Rex. Fala que eu estou com saudades, que ela está segura dentro de casa e vou visitá-la quando eu conseguir pegar a moto. — Vou ter que desligar agora, O patrão me chamou aqui. –

Rosinaldo falou rápido. Luiz Miguel ouviu o som da chamada sendo encerrada. — Eu preciso me recuperar logo Teo. Preciso proteger minha loirinha. *** — Filha... Duda enxugou os olhos, levantou da cadeira frente à janela de seu quarto, onde ficava na esperança de ver Luiz Miguel, e seguiu para a cama. — Oi maman? — Seu tio está aí com o Kamon. Desce para falar com eles. – A mãe alisou os cabelos da filha e observou os sinais de noites mal dormidas evidentes debaixo dos olhos. — Manda o Kamon subir aqui maman. — Seu pai nunca o permitiria. — Eu só quero um homem e esse está longe daqui. — Filha, eu não queria te ver sofrendo. – Maria Fernanda deixou a emoção tomar conta e se entregou ao choro de desespero. — Sua dor é minha dor. — Não. Por favor, maman não faça isso. O bebê vai sentir. Eu até já estou sorrindo, olha só. – A filha forçou um sorriso e a mãe continuou chorando. — Eu não queria que isso estivesse acontecendo Duda.

— Mas eu estou bem. Muito bem. Vou até descer com você. Vamos, meu tio está lá embaixo. Duda desceu da cama e segurou a mão da mãe, ainda forçando um sorriso. — Não finja para sua mãe, eu te conheço. — Estou morrendo por dentro maman, mas é um sentimento só meu. Você não pode abalar o seu emocional. Já foi difícil na primeira gravidez, por favor, esqueça meus problemas e cuida da sua gestação. – Duda abraçou a mãe, em seguida beijou o ventre. — A Irene está solta, nos odiando. Esse rapaz levou um tiro. Um tiro Duda. Tente esquecê-lo, filha. Assim os dois sofrerão menos. — Você fez isso com o Dudu? – A filha indagou. — O esqueceu? Aguentou muito tempo quando ele te pediu perdão? Ou você esqueceu a história que a tante me contou? — Sua tia é uma linguaruda. – Maria Fernanda secou os olhos, mais recuperada. — Meu sentimento não pode ser esquecido. Já o amo. E quando o sujeito que a gente ama é um cara forte, lindo e tem uma pegada maravilhosa a saudade complica. — Tenta só dar um tempo as suas emoções. Ele vai se recuperar e quem sabe depois de alguns anos... — Anos maman? – Duda perguntou com um tom ligeiramente desaforado. — Você não aguentou chegar em casa, quando terminou com o

meu tio, nove anos atrás. Ficou fazendo “coisinhas” com o Dudu dentro do carro dele, a manhã inteira! — Tudo bem, filha, já chega. – A mãe enrubesceu. — Estou gestante, posso me abalar. – A mãe quis fugir da conversa. — Não fique dando ouvido ao que sua tia fala. — A tante só fala a verdade, me desculpe pelo desaforo – Duda sentou novamente na cama. — O Luiz Miguel tinha planos terríveis, mas depois que ele conheceu meus encantos eu fiz aquele grandão massagear os meus pés. É triste saber que nosso amor é proibido. —Troque de roupa e desça. E... não chore. Seu pai está fazendo isso para proteger a sua vida. Eu vou te esperar lá na sala. – A mãe saiu rápido do quarto. Duda desceu as escadas, sentou no sofá e jogou cabeça para o lado ao encarar Kamon. Ele estreitou os olhos e a viu repetir o gesto seguidamente. Era um convite. Mas como sair sorrateiramente na frente de Eduardo? Duda arfou sem paciência e levantou do sofá. — Por que é tão difícil me entenderem? Eu estou te chamando para uma conversa particular – Repetiu o mesmo sinal, não se importando com todos os olhares sobre ela. Ela suspirou chateada e seguiu para o meio da escada. — Estou te esperando! — gritou e Kamon caminhou em sua direção rapidamente. Maria Fernanda sorriu sem graça. Eduardo se espantou com a

autoridade da filha e o seu olhar passou a ser dividido entre a escada e o sofá. Thiago gargalhou da obediência do irmão. — Você não deveria falar assim comigo. – Kamon sentou no degrau ao lado dela. — Pelo o que entendi, você é amigo do Luiz Miguel, então preciso... — Uou! – Ele a interrompeu — Apenas nos conhecemos em uma luta, saímos, bebemos, fumamos algumas ervas e escolhemos mulheres. Nada de amizade. — Eu deveria te assassinar por me fazer ouvir essas palavras. Quero você longe dele! Filhote de mau caminho. Kamon achou graça. — Acha que está se relacionando com um santo? Você deveria sair dessa. O anjo da noite não é boa companhia para uma jovem tão inocente. Kamon olhou na direção da boca de Duda. Ela percebeu e levou os dedos até os lábios na tentativa de escondê-los, o que fez Kamon sorrir. Ele estava muito intrigado com a personalidade de Duda. — Tenho namorado, não tente se apaixonar por mim. – Duda esclareceu e Kamon gargalhou. — Você é uma pequena mulher de personalidade rara. Está querendo que eu faça o quê? — Vá visitar o Luiz Miguel e me leve junto. — Não! Esqueça isso. Você vai comigo para Taiwan. Lá eu vou te

fazer esquecer essa história por completo. — Você é um psicopata? Usa algum tipo de medicamento contraindicado? – Duda levantou e o encarou de cima. — Seu pai já acertou tudo com meu irmão. Você vai conosco. — DUDU! – Duda gritou furiosa e desceu a escadas. — DESDE QUANDO VOCÊ AGE POR MINHAS COSTAS! POR QUE ESTOU SENDO A ÚLTIMA A SABER? — Duda, se acalme. – A mãe tentou contê-la. — Eu só quero o melhor para você filha. – O semblante de Eduardo decaiu. Duda endureceu a feição, cerrou os punhos, deu a volta na mãe e subiu as escadas correndo. Ela Sabia que o pai só queria protegê-la e confiava em Thiago para ter tomado aquela decisão. Mas o problema era que o seu coração doía só de pensar em ficar longe de Luiz Miguel. — Eu vou dar um jeito. – Andou de um lado a outro dentro do quarto. — Eu tenho que sair daqui. – Foi até a janela e viu os homens de terno andando no jardim. — O Rex! Saiu do quarto e desceu as escadas correndo. — Duda! – Eduardo gritou ao vê-la esbaforida. — Assim vocês me sufocam! Vou ao jardim! Ninguém vai entrar aqui com toda essa fortaleza que você montou. – Gesticulou com as mãos e saiu antes que o pai protestasse.

Ela olhou para Rosinaldo e seguiu para um dos bancos do jardim. O segurança encostou ao lado dela no mesmo instante. — Eu quero vê-lo, Rex. – Duda não olhou para o homem. — Ele mandou um recado, mas talvez seja melhor, vocês conversarem. — Como? Estou enclausurada dentro da minha própria casa. Duda ouviu o pequeno choque na grama e viu o aparelho celular caído no chão. Rosinaldo se afastou sem olhar para trás. Ela se abaixou devagar, sentou na grama e procurou o número de Luiz Miguel no aparelho. "Oi Rex. Você falou com ela?" — Luiz Miguel, meu amor sou eu. "Mar, como você está? Está se cuidando? Sinto sua falta pequena." — Vou falar rápido. Meu pai não vai me levar para o Japão no final do ano. Eu sei que isso tudo é para me proteger, como se eu fosse uma criatura indefesa. Tudo bem, sou indefesa fisicamente e não quero te ver correndo risco por minha causa, mas a notícia que eu vou para Taiwan me pegou desprevenida. Se o meu tio só está fechando um negócio é sinal que eu vou por esses dias e... Duda enfim respirou, mas só se calou porque o nó se formou em sua garganta à medida que as lágrimas gotejavam de seus olhos. "Não chora, Mar... eu vou dar um jeito de me mudar para lá. Onde você for eu também vou."

— Estou com tanta saudade. Você veio tão rápido e mudou tudo dentro de mim... – Ela se engasgou com o choro. — Eu queria cuidar de você. "Eu vou mandar meu amigo Marcos te pegar aí depois da meia noite, tudo bem? Cadê o Rex?" — Nos dando privacidade. "Não chora. Vou com você a qualquer lugar do mundo." — Eu vou arrumar minha mochila para a nossa fuga. "Que fuga Mar? Eu não estou em condições de fazer isso agora, mal consigo levantar da cama." — Eu vou cuidar de você a noite toda e amanhã você vai amanhecer bem. "Estou precisando muito desses cuidados." — Eu vou passar para o Rex. Acerta tudo com ele. "Mesmo longe sou bom nisso, fica tranquila. veste uma roupa bem quentinha. Está fazendo muito frio durante as madrugadas." — O Rex está voltando aqui. Beijo meu amor. Duda desligou o telefone, o colocou sobre a grama e voltou para casa.

TRINTA E CINCO Rosinaldo tinha seguido todas as ordens de Luiz Miguel e Duda já estava na garupa da moto de Marcos. O veículo parou na esquina da casa e Marcos caminhou com ela a pé até o prédio. Heitor, o irmão mais novo já a esperava no pé da escada. — Pode entrar moça bonita, ele está lá te esperando. – O pequeno Heitor estava de pijama e meias, esperava desde cedo para ajudar o casal. — Obrigada, cunhado. – Duda beijou o rosto de Heitor e passou o braço sobre o ombro dele. — O Mimo tirou a sorte grande. — Amanhã bem cedo eu volto para te pegar. – Marcos se despediu. — Obrigada, Marcos. Marcos caminhou de volta para sua moto e Heitor trancou a porta. — Não faça barulho, isso aqui é altamente sigiloso. – O menino sussurrou quando chegaram no topo da escada. — E não vai deixar de ser. – Duda retirou o tênis e entrou descalça. Ela parou frente a porta do quarto de Luiz Miguel e viu Heitor dar um tchauzinho antes de entrar por uma porta que julgou ser o quarto do menino.

— Meu amor? – sussurrou quando abriu a porta. Foi recebida pelo sorriso de Luiz Miguel que estava deitado na cama. — Tranca a porta e vem aqui. Duda rodou todas as voltas da chave, abandonou o tênis e correu na ponta do pé até ele. — Que saudade desse calor. – Encostou a cabeça no peito dele e sua mão alisou os cabelos castanhos. — Isso foi muito arriscado. – Beijou os cabelos dela. — Você correu risco pior me protegendo – Tocou as ataduras que circulava a cintura dele. — Está doendo muito? — Já está cicatrizando, mas agora eu tenho um rim a menos. Luiz Miguel começou um cafuné gostoso nos cabelos dela. — Eu não queria que perdesse o seu rim. — Olha para mim. Que olheiras são essas? — O corretivo informava que apagava qualquer imperfeição. – Duda reclamou para si mesma em voz alta. — Vai ser a nossa primeira vez. – ele sussurrou e observou os pelos do pescoço dela ouriçar. — Eu não vim preparada e você está ferido. E... o esforço pode abrir os pontos. Você acha que não vai perder mais sangue que eu? Luiz Miguel gargalhou baixinho.

— Calma, vamos dormir juntos. Não estou em condições de te satisfazer como merece. — Apaga a luz e deita. — Ah, eu não estava pensando safadeza. Eu juro. — Ela levantou levemente envergonhada, apagou a Luz e voltou para a cama. — Você está acabando com a minha inocência. — Deitou devagar e se posicionou virada para o lado oposto. — Mas um pouquinho para cá. — Ela se aproximou ainda com as costas virada. — Agora olha para mim. Talvez esse seja o nosso último momento assim antes da viagem — se entreolharam. — Eu tenho total consciência de que nunca vou sentir essa conexão com outro homem além de você. — Sou o homem mais feliz, ouvindo isso. — Tenho medo da saudade. Não permita que isso aconteça conosco. Por favor, assim que estiver melhor vá viver comigo. Meu tio vai te arrumar uma colocação na joalheria. Se eu pedir ele atende. — Não vou aguentar ficar longe de você muito tempo. Me dá um beijo de boa noite, eu estou sem conseguir levantar o tronco para fazer isso. Duda se inclinou sobre ele e o beijou com carinho e ansiedade. — Você está ficando boa nisso Mar. — Luiz Miguel sussurrou quando ela apoiou o rosto no braço dele. — Tive um ótimo professor. — Agora só falta eu te ensinar outras matérias. — Acariciou o couro

cabeludo dela e fechou os olhos. Desejou tê-la enroscada ao seu corpo pelo resto da vida. Seu coração palpitava eufórico com aquela possibilidade. Imaginou filhos loirinhos espalhados na mesma cama. Seria uma linda família. Quando poderia imaginar que faria planos com a herdeira Moedeiros? — Você está com muito sono? — Ela perguntou observando-o. — Já estava sonhando. Os remédios me deixam sonolento. — Boa noite. — Duda o abraçou com cuidado e o esperou dormir. Antes das cinco da manhã ela levantou e se arrumou no banheiro do quarto. Luiz Miguel a esperou ainda deitado na cama. — Eu não queria, mas já está na hora de voltar. — Ela saiu do banheiro chorando. — Eu já falei que não quero te ver chorando. Vem aqui. — Ele sentou com dificuldade. — Estou com medo de não te ver mais. — Eu vou te encontrar. Sua viagem é sensata no momento. Eu vou te encontrar. Eu vou dar um jeito. Luiz Miguel a abraçou apertado e não se importou com a dor física. Aquele abraço tinha que ficar guardado em sua memória. — Luiz Miguel você se importa de me dizer... "eu te amo"? — ela pediu, pois, seu coração desejou. — Tudo bem se você não quiser falar, estamos a tão pouco tempo nos conhecendo de verdade... Como você me

amaria em tão pouco tempo? Por que está tão calado? Esquece isso. Ele desmanchou o abraço e se esticou com dificuldade para puxar seu travesseiro. — Não faça isso, você está ferido. — Ela o ajudou e prendeu a visão na caixa metalizada. — O que é isso Luiz Miguel? — Duda nem percebeu, mas despencou uma lágrima dos seus olhos quando viu a caixa aberta. — O meu "eu te amo". — Ele segurou o anel entre os dedos e fitou os olhos azuis. — Foi caríssimo — sussurrou e segurou a mão dela —, mas é muito além de um anel de ouro branco... Você observou as pedrinhas de diamante? — Vi, é lindo. — Ela secou as lágrimas. — Aqui está o símbolo do nosso sentimento. Ele vai servir de lembrança para a nossa memória quando estivermos separados. — Luiz Miguel deslizou o anel no dedo anelar da mão direita dela e em seguida o beijou. — Está um pouquinho grande... — Ela sorriu e não conseguiu segurar as lágrimas. — É para quando você ganhar outras formas. — Está me chamando de gorda antecipadamente? — Não é o acontece com as mulheres com o passar do tempo? — Sorriu. — Te amo de qualquer maneira. — Ele encostou a testa na dela e

apertou os olhos deixando lágrimas despencar dos olhos. — Eu sei que o amor é lindo e tudo, mas tente não crescer tanto a barriga. — Ela sugeriu. — É apenas uma ideia, mas seria legal se continuasse musculoso. Não que seja tão importante... É um pouco importante... por favor não fique barrigudo. — Duda juntou as duas mãos e Luiz Miguel a beijou sorrindo. — É a sua vez. — Ele a entregou o anel masculino. Duda posicionou no dedo dele e também selou o símbolo com um beijo. — Como conseguiu o dinheiro sem lutar? — O Marcos me devia uma grana e recebeu uma bolada na última luta. Veio na hora certa. — Não deveria ter comprado um original. Você vai ficar muito tempo sem conseguir trabalhar, por conta da recuperação. — Eu vou dar um jeito, pequena. Vou te encher de joias um dia. Coloca outro anel na frente dele até estar apertado. — Duda o abraçou novamente e chorou. — Fique bom logo para me encontrar antes da viagem. Quero uma visita sorrateira como antes. Surpreenda-me sempre com suas visitas inesperadas. — Eu vou ficar bem para você. — Vou descer antes que sua mãe acorde. — Duda beijou os dois lados do rosto do namorado e voltou a abraçá-lo.

— Minha mãe precisou fazer uma viagem às pressas para a Argentina. — O quê? Ela te deixou aqui ferido? — Minha avó materna pegou uma infecção e está internada. Ela ficou sem saber o que fazer, eu insisti que ela fosse. — Eu não sabia que você tinha outra avó. — Sim, os pais da minha mãe moram na Argentina. São empregados em uma fazenda. — Que tudo fique bem. Eu queria visitar a Vó Alice antes de viajar. Eu gostei muito dela, do seu avô esquecido também. — Quem sabe dê tempo. Ela já está com os casaquinhos para te entregar. — Você quer ter filhos Luiz Miguel? — Quero começar tentar assim que eu me recuperar. — Eu não sei se é o momento. Seria muito triste ver o nosso bebezinho no meio dessa guerra. E, eu não tenho capacidade no momento para educar uma criança. O que eu ensinaria a ele? Eu nem sei filtrar aas palavras. — Duda ficou séria e o seu pensamento estava em um bebê moreno de olhos azuis, carregando uma mamadeira e falando verdades para todos os coleguinhas da creche. — Eu não vou saber educar meu próprio filho. Ele vai ser um marrentinho sem filtro. Sou uma péssima mãe. — Talvez seja cedo. Vamos adiar um pouco.

— Eu não queria, mais sou obrigada a te deixar agora. Por favor, não me deixe por nada. Agora temos um anel de compromisso. — Vou te encontrar antes da viagem, em seguida vou me mudar para lá. — Eu te amo. Aquele beijo foi doloroso, e enquanto se tocavam o coração de ambos queimava no peito. As mãos foram separadas lentamente e à medida que isso acontecia à dor intensificava ainda mais. — Por favor, nunca se esqueça de mim. — Duda falou a última frase segurando a porta. Ela pegou a chave na bancada e desceu as escadas segurando nas paredes e tentando sustentar os soluços. Marcos já estava esperando. Rosinaldo estava apreensivo na mansão da família. Só ficou aliviado quando a viu entrando na casa e em seguida acenando da varanda de seu quarto. *** Irene tinha planejado um plano cruel, onde envolvia a execução de Eduardo e o sequestro de Maria Fernanda. A mulher precisava do ódio e da revolta de Luiz Miguel para que o seu plano fizesse sentido. Ele revoltado não a impediria de agir. — Mimo. — Irene bateu na porta do quarto do sobrinho e entrou. — O que faz aqui? — Ele se ajeitou na cama logo após um pequeno

gemido de dor. — Eu não queria te ver ferido por defender a praguinha Moedeiros. Eles vão pagar pela morte do seu pai. — Fique longe da Mar, volte para a Rússia e me deixe em paz. — Agora vai defender Eduardo Moedeiros? Eu sabia! São os laços de sangue, essa maldita herança familiar que corre em suas veias. — Sai tia, minha mãe está viajando e eu preciso descansar. — Sempre tivemos cumplicidade nessa vingança. Foi tudo planejado, eu deixei você seguir com seu plano, mas nunca imaginei que você se envolveria em um relacionamento imoral. — Você está louca?! — Luiz Miguel levantou da cama segurando as ataduras que circulava sua cintura — Saia daqui! Eu não sou nenhum moleque, sei o que eu faço e não vou deixar você tocar na minha mulher! Irene tremeu amargurada. Ela tinha devoção doentia por Luiz Miguel e odiou ser tratada com tanta indiferença. — Vocês são irmãos! Eduardo Moedeiros é um antigo caso da Samanta. Você acha mesmo que o Junior odiava aquele homem à toa? Você é filho daquele desgraçado e irmã da praguinha atrevida. Luiz Miguel estava com muita dor e não controlou o abalo nas pernas, caiu inerte, sentado na cama. — Saia daqui! — Ele sentiu a tontura intensificar e as vistas escurecerem. — Alicia! — gritou.

— Mimo? — Alicia entrou correndo e verificou a ferida do irmão. — Você não pode gritar, tampouco se levantar da cama. — Alisou o rosto do irmão. — Alicia, tira essa mulher daqui! — É nossa tia. O que está acontecendo? — Tira essa desgraçada daqui, Alicia! Irene estava tremendo e derramava lágrimas de ódio e ressentimento. — Tia, vai. Ele não está bem. — Alicia pediu. — Saia daqui! — Luiz Miguel não estava suportando a dor no peito que já sobressaia a física. — Um compromisso imoral! São irmão, você é filho de Eduardo Moedeiros! — Eu vou matar você, sua desgraçada! — Luiz levantou, segurou o braço de Irene e a puxou na direção da porta. O curativo já estava sujo de sangue. Alicia entendeu as palavras da tia e entrou em desespero. — Isso não é verdade Mimo. Tia para com isso, não fale uma besteira dessas. — Eu tenho provas. — A mulher mexeu na bolsa e retirou o envelope. — Mandei fazer quando descobrir que vocês estavam se relacionando. Precisava ter certeza. Fiz a coleta do material genético no copo que ela bebeu água na casa do meu pai. — Luiz Miguel puxou o envelope e a

empurrou contra a porta. Ela ajustou a bolsa e abriu a porta abruptamente — Depois eu volto para ouvir as suas desculpas. — Saiu deixando Luiz Miguel destroçado. — Mimo, escuta, é mentira. Ela está mentindo. Isso não pode ser verdade. Luiz Miguel voltou para a cama, abriu o envelope e leu o conteúdo onde provava as palavras de Irene. Ele entrou em desespero. Alicia chorou ao ver o descontrole do irmão. A ruiva pegou o celular e discou o número da mãe. Aquilo não podia ser verdade. — Toma. Fala com a mamãe. Já está chamando. — Colocou o celular na mão do irmão. — Você deveria ter insistido! Deveria ter me forçado a ouvir que eu era filho daquele homem! — ele gritou a mãe quando ela atendeu a ligação. — Meu filho. Eu insistir tanto. Como soube? Por que esse desespero todo? — A desgraçada da minha tia me contou tudo. — Eu vou voltar em dois dias, vamos conversar direito. Eu insisti o suficiente, mas não era importante para você, então eu parei. — Eu me apaixonei por minha própria... pela minha própria irmã! Você sabia que eu o odiava. Caí em desgraça e coloquei a pequena em pecado! — A Duda...

Luiz Miguel abandonou o celular na cama. — Mimo! — Alicia o sustentou. — Só a morte pode resolver isso. — Por favor, não fale isso, meu irmão. — A irmã pegou o celular — Mamãe volte logo, o Mimo precisa de você. — Sua avó está internada. Eu não posso deixá-la sozinha. — Samanta também chorou impotente por estar longe. — Cuida dele, minha filha. — Eu vou cuidar mamãe, a vovó vai ficar boa logo para você vir. Alicia desligou o telefone e abraçou o irmão que chorava igual uma criança.

TRINTA E SEIS — Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ahhhhhh! Você está noiva! — Nicole estava pulando na cama de Duda. — Nik! — Duda tentou calar a amiga. — Você está noiva. Vamos comemorar! — Nicole pegou os ursos de Duda e jogou para o alto. — Isso é um segredo Nik! — Eu não consigo me controlar. Precisamos acertar tudo, vocês casam antes da viagem. Mas como? Já sei, vamos colocar os papéis no meio dos documentos no escritório. Tio Edu vai assinar e não vai perceber. Isso! Já está tudo certo, agora é só ver um vestido. Quando o tio Edu descobrir você já estará casadinha. — É um plano muito bom, amiga. Mas o Dudu não é tão tapeável. — Vai funcionar. Somos trambiqueiras. — Nicole foi otimista. — Você acha? — Não muito, mas vamos tentar mesmo assim. Será que o seu tio e o irmão fumacinha vai permanecer no Brasil por mais um mês? Os proclames precisam correr. — Eu acho que sim. Vou ser otimista. Preciso voltar e avisar tudo ao Luiz Miguel. Me ajude a escolher um vestido bem arrumado — Duda abriu

as portas do closet. — Nunca imaginei que eu casaria sem um vestido de noiva. — Depois que o tio Edu se acalmar, ele vai fazer uma festa para você. Tenho certeza. — Já estou ciente de que não terei a benção do meu pai, isso machuca o meu coração. — Um amor impossível, marcado pelo ódio e o medo. Que tudo funcione corretamente dessa vez. "Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar". — De onde tirou isso? — perguntou Duda, segurando cinco vestidos nos braços. — É Shakespeare. — respondeu Nicole. — Estou usando-o contra ele mesmo. — Não vamos nos separar Nik. Ele vai me encontrar lá em Taiwan. Já vamos nos encontrar casados e ninguém poderá fazer nada contra. — Duda... — Era Maria Fernanda batendo na porta do quarto. — Pode entrar maman. — Ela tirou o anel e escondeu debaixo do tapete felpudo. — Seu pai ligou. Já comprou as passagens para Taiwan. — Maria Fernanda falou com lágrimas nos olhos. — Já? Eu não posso ir agora. O Luiz Miguel ainda não se recuperou,

não posso deixá-lo assim. E, não quero ficar longe de você. Preciso te ajudar com o bebê — Duda abaixou a cabeça e tentou recuperar o fôlego entre o choro. Nicole sentou ao lado da amiga e a abraçou. — O bebê vai precisar de mim. — Eu também vou com você. Seu pai acredita que é mais seguro ter o bebê longe daqui. Ele vai nos levar e volta. Quando eu estiver prestes a dar à luz ele vai novamente. — Eu queria muito que aquela mulher fosse presa. — Nicole murmurou segurando a mão da amiga. — Eduardo foi à polícia. Enquanto nada acontece, vamos ficar fora por um tempo. — Vai fechar a loja? A tante já está quase ganhando o bebê não pode ficar sozinha. — Promovi duas das meninas mais antigas. Elas são bastante competentes e eu vou cuidar de tudo de Taiwan. A Su vai ficar com a sua avó, Nicole. Vocês vão continuar com os seguranças. Eu vou adiantar as malas. — Beijou os cabelos da filha e em seguida fez o mesmo com Nicole. — No momento é o mais seguro, depois as coisas se ajeitam. Eu volto logo para te ajudar com as malas. Conversa com ela Nicole. — Vou fazer isso tia. — Preciso ver o Luiz Miguel — Duda levantou enxugando os olhos. — Nik dê um jeito de trazer o Kamon aqui amanhã. Ligue e fale que eu quero conversar urgente. Vou te passar o número dele.

— Quando o tio Edu devolver o meu celular eu ligo. Eduardo tinha confiscado o aparelho celular de Nicole quando ela subiu as escadas. O pai estava amedrontado. Temia que Duda tentasse fugir e corresse ainda mais riscos com Irene na cidade. *** Alicia não quis deixar o irmão sozinho aquela noite. Ela, Heitor e Teodoro dormiram em um colchão no quarto de Luiz Miguel. Ela levantou na madrugada para se certificar que o irmão tomaria o remédio. — Como você está? — perguntou ao irmão, segurando o copo com água. — Desejando a morte. — Não fala isso meu irmão. Você precisa tomar o remédio. Eu preciso de você, o Heitor e a mamãe também. Até o Téo precisa de você. Toma por favor. — Alicia estendeu mais uma vez o copo e a cápsula. — Volta a dormir Alicia. — Você está ferido, ferido por causa dela. É cruel, mas se você não tivesse se metido com aquela... — Viu as lágrimas descer dos olhos do irmão e refreou as palavras — Desculpa. Toma o remédio. — Estendeu mais uma vez e Luiz Miguel rejeitou. Alicia voltou para o colchão ele fechou os olhos bem apertados. Logo veio a imagem dos beijos de Duda e o desejo que ele sentia quando a tocava. Uma mistura de pânico, medo, pavor e repulsa invadiu sua alma. Luiz Miguel abafou o rosto com seu travesseiro e chorou. À medida que chorava

sua angústia aumentava. Temeu acordar os irmãos, então levantou devagar, foi até seu banheiro e no desespero vomitou toda a repulsa que sentia no vaso sanitário. Sem forças, amanheceu ali mesmo, sentado no canto do banheiro. *** Vanessa chegou antes das nove e assumiu o lugar de Alicia nos cuidados do curativo. — Não vai me contar o que aconteceu? — A morena perguntou, enquanto fechava o curativo. — Não. — Foi tão grave assim? Eu nunca te vi chorando antes. — Não Vanessa! Não insista. — Tudo bem, mas quando tiver mais calmo eu vou estar aqui para te ajudar. O celular de Luiz Miguel tocou. Vanessa correu o olho no visor antes de entregá-lo. — Oi Rex? — Luiz Miguel atendeu. "Sua menina está subindo as escadas e veio acompanhada." — Por que não me avisou?! — O corpo de Luiz Miguel tremeu por inteiro. Vê-la seria naquele momento seria doloroso. "Ela me persuadiu, ela sempre faz isso...”

Rosinaldo tentou se explicar e Luiz Miguel jogou seu telefone contra a parede. A dor em seu ferimento se intensificou com o movimento brusco. Na sala, Duda ao lado de Kamon estava em uma peleja com Alicia. — Eu vou entrar e você não vai me impedir! — Duda falou desaforada. — Eu quero ver você passar por aquele corredor! — A ruiva bloqueou a passagem. — Sai da minha frente Alicia... Eu não tenho medo de você e vou entrar te atropelando — Duda a alertou com a paciência esgotada. — A última pessoa que o Mimo precisa ver nesse momento é você! Nunca deveria ter se envolvido com ele, a culpa é toda sua! Você acabou com a nossa paz. Manca infeliz! — Você está pegando pesado. — Kamon se posicionou na frente de Duda, mas ela o puxou e encarou Alicia outra vez. — Você não vai me afetar com isso! Seu irmão me ama e não está se importando se falta alguma coisa em mim. — Você não vai entrar! — Tente me impedir — Duda a empurrou e entrou com tudo pelo corredor. Quando ela invadiu o quarto sentiu abalo no corpo inteiro. Vanessa estava inclinada sobre Luiz Miguel. Ele a beijava aparentemente com paixão. — O que é isso? — Ela indagou com a voz trêmula. Luiz Miguel

olhou para o lado e limpou os vestígios do batom dos lábios. — Você estava segurando a cintura... Ontem me deu o nosso anel, estava me traindo? — Melhor você... sair — Vanessa tentou entender o motivo para ele querer afastar Duda. Luiz Miguel permaneceu olhando para o lado oposto, não conseguia encará-la. Ele desmoronaria em alguns minutos, mas por hora, preferiu Duda o odiando a ter que sentir a dor cruel que ele estava vivenciando. — Você se aproveitou da doença dele? — Duda questionou Vanessa e com uma pequena fúria se aproximou da morena com o punho cerrado. — Segura a onda pirralha, estávamos juntos quando você apareceu. — Eu não gosto de você, mas não faltaria com respeito dessa maneira. Estamos juntos, ele me deu um anel e está doente, por que você veio se esfregar no meu homem?! — Duda apertou a mão do braço de Vanessa e foi empurrada sem esforço algum, sobre Luiz Miguel. Foi inevitável não olhá-la. Ele amava e desejava aquela menina, mesmo sendo sua irmã. Era um desejo sujo e indecente. A dor feria o seu corpo e alma como ferro em brasa, marcando o pecado impudico e incestuoso. Ele não permitiria que ela passasse por aquela flagelação. — Você foi muito ingênua Maria Eduarda. — As palavras saíram amargas da boca de Luiz Miguel. — Ela se esfregou e você não conseguiu empurrar, eu já entendi. Não se preocupe, eu entendo por tudo que vivemos, por todas as promessas e juras de amor... — Kamon já tinha chegado à porta do quarto — Mas eu vou

ensiná-la não mexer com o meu homem. Duda tentou atacar Vanessa, mas Kamon a segurou antes que caísse outra vez. — O que aconteceu aqui? — perguntou Kamon. Duda avançou outra vez nos cabelos de Vanessa. — Eu não vou permitir isso não, viu?! — Vanessa a empurrou outra vez sobre a cama. Kamon a levantou. — Essa mulher estava se esfregando no meu homem. Me solta Kamon! — Que homem? Eu não sou o seu homem, menina — Luiz Miguel tentou ser irônico, mas só saiu amargura — Eu nunca trocaria um mulherão por menina inexperiente. Você foi ingênua por acreditar nisso. Kamon segurou a mão de Duda e Luiz Miguel viu aquilo pelo reflexo. — O que está acontecendo aqui, Luiz Miguel?! — Duda enxugou o rosto com o dorso da mão. — Já superamos essa fase. Você se encantou comigo, me ama e não vive longe dos meus olhos... Me explique o que está acontecendo! — Eu queria brincar um pouco com a garotinha inocente, mas por mais que eu me esforce não está funcionando. Não tenho mais saco para aturar uma pirralha sem experiência, fugindo toda hora da minha cama. Duda sentiu seu coração ser comprimido dentro do peito e o choro veio violento.

— Vou viajar depois de amanhã, não me fale isso depois de prometer que ficaríamos juntos. Você não pode me dar esperanças e em seguida... Você levou um tiro por mim Luiz Miguel — Duda se aproximou dele na cama e segurou o rosto em suas mãos. — O que está acontecendo? — Tentou beijá-lo. — Não faça mais isso. — Ele segurou no pulso dela. — Nunca mais faça isso! — Você está me magoando Luiz Miguel, não fale essas coisas — A voz dela estava embargada. Ele sentiu o desejo de abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, mas a repulsa pelo incesto fez ele endureceu a feição do rosto. — Vanessa, tire essa menina daqui. — Olhou para Duda, mas evitou os olhos. — Já brinquei o suficiente. O que eu queria você não consegue suprir. Pare de se enganar. — Não, eu não posso acreditar. — Duda moveu o rosto de um lado a outro, mas continuou olhando fixamente para ele. — Você queria continuar sendo enganada? Queria que eu beijasse a sua boca e dormisse com outra? Agradeça por ter descoberto antes menina. Tira ela daqui Vanessa. Duda não teve ação para acertá-lo com uma bofetada. Ela simplesmente ficou em choque. — Ele precisa descansar, vamos... — Vanessa chegou perto de Duda.

— Não toque em mim! — Duda se livrou das mãos de Vanessa. — Eu só não te devolvo a droga do seu anel, pois o deixei em casa. Mas vou dar um jeito de fazê-lo voltar para suas mãos. — Duda seguiu até Kamon. — Jogue fora, não preciso dessa lembrança, assim é melhor. — A voz dele tremeu. — Você está acabando com o meu coração, Luiz Miguel. — Quem não tem coração faz isso. — ele afirmou. Kamon estava com muita pena da baixinha. Pelo pouco que conheceu Luiz Miguel não achou que o namoro fosse vingar. Já tinha visto o lutador sair com duas mulheres ao mesmo tempo quando o conheceu nos EUA. Duda certamente era um passatempo que não serviu por muito tempo. — Vamos para casa Duda. — Ele segurou a mão dela. — Nunca mais caia na mesma enrascada. — Luiz Miguel viu a aproximação de Kamon e aquela fala foi uma alerta. "Não se engane com ele nem com homem nenhum" ele desejou intimamente. Duda saiu do quarto com os olhos vermelhos e o coração ferido. Encontrou Alicia sentada no sofá, chorando e tampando os ouvidos com as mãos. — Obrigada pela alerta... Seu irmão é um ordinário sem coração. Todos vocês não valem nada! Ela olhou para Heitor encolhido no canto do outro sofá e chegou a se

arrepender de ter generalizado. Heitor não sabia o motivo de tanto desespero, mas supôs ser algo muito grave. Duda desceu as escadas correndo, queria sair dali o mais rápido possível. — Me dê as chaves! — gritou frente a Rosinaldo. — Me dê as chaves! — O que foi agora? — Não quero nada ligado a ele próximo da minha família. As chaves! — Exigiu. — Eu vou conversar com o Luiz... — Rosinaldo fez menção de caminhar até o prédio, mas foi interceptado por Kamon. — As chaves. — Foi a vez de Kamon pedir. — Eu não vou dar as chaves até saber o que está acontecendo! — O segurança não cedeu. — Kamon me dê seu celular. Vou ligar para a polícia. Alguém roubou as chaves do meu carro e eu não sei qual a intenção. — Duda ameaçou. Rosinaldo entregou as chaves a Kamon e o observou assumir o volante. Duda encolheu os joelhos sobre o assento e escondeu o rosto.

TRINTA E SETE — Por que você fez isso? Por que feriu a menina, se está evidente que não queria fazer isso? O que está acontecendo com você Luiz? — Vanessa perguntou um tanto assustada. Luiz Miguel estava curvado sobre a cama, chorando em completo desespero. Alicia entrou no quarto e abraçou o irmão. Ele colocou a cabeça no colo dela e continuou chorando. — Vai passar meu irmão. — A ruiva tentou acalentar a dor. — Provavelmente é algo muito grave, eu nunca pensei que te veria nesse estado, Luiz. — Vanessa você pode voltar outra hora? — Alicia sugeriu. — Somos amigos Alicia, quero ajudá-lo. — É um assunto particular da nossa família. Volte em outro momento. — Luiz, por que me beijou? — Vanessa insistiu, preocupada. Luiz Miguel nada respondeu. Seu pensamento estava muito longe dali. — Eu volto amanhã. Espero que não seja nada grave. — Vanessa levantou da cama e saiu do quarto, ressentida pela falta de confiança.

— Por que não contou tudo a Maria Eduarda? Ela saiu daqui te achando um canalha, você não pode sofrer sozinho. — perguntou a irmã. — Prefiro não valer nada a vê-la sentir essa dor... Ela não pode saber. Nunca conte nada, não conte a ninguém. A pequena não pode sentir isso. — Aquele homem é o seu pai Mimo. Luiz Miguel cobriu o rosto com o braço tentando inutilmente esconder o sofrimento. Lembrou-se do dia em que socou o rosto de Eduardo e das vezes que desejou sua morte. — Desse jeito você não vai se recuperar. — Alicia observou que a mão dele segurava o lado ferido. — Levanta, vamos trocar esse curativo. — Eu deveria ter morrido para pagar o meu erro. — Não fale mais isso. Ela já vai embora, vai ser melhor assim. — Alicia não tinha palavras mais sábias para confortá-lo. Ela também estava se esforçando para não entrar no mesmo desespero. *** — O que foi Duda? Maria Fernanda entrou no quarto da filha quando percebeu uma movimentação diferente lá dentro. — Eu preciso pegar tudo. Não quero deixar nada. Eu não volto mais aqui. — Ela estava revoltada tirando tudo do closet e jogando sobre a cama. — Me ajude maman, eu preciso de muitas malas. Não quero deixar nada para

trás. — O que aconteceu? — A mãe pegou algumas roupas do chão e observou a filha. — Nada... — Não conseguiu segurar as lágrimas. — Absolutamente nada. Eu não fui nada para ele... — Você saiu dessa casa Duda? Foi se encontrar com o rapaz? — Maria Fernanda desconfiou do desespero. — Ele está melhor? — Saí com o Kamon e fui até a casa dele, lá o encontrei beijando a boca de outra mulher. Eu não fui absolutamente nada! — Ela continuou retirando os pertences das prateleiras e jogando sobre a cama. — Durante esse tempo ele jogou comigo e... me humilhou. Ele acabou com o meu coração... — Ela se engasgou no soluço, mas continuou pegando as roupas. Maria Fernanda a fez parar em uma das idas ao closet e a abraçou calorosamente. — Isso vai passar minha filha. Eu sei o quanto é doloroso, mas você é forte e corajosa. — Não está passando... o meu coração está... destroçado. — Duda falou entre o soluço. — Você vai amadurecer mais rápido, vai saber enfrentar o mundo com mais facilidade. Eu queria ter a sua força quando passei por isso grávida de você. — Eu não vou conseguir.

— Vai. — A mãe segurou no rosto dela. — Você sobreviveu a um nascimento prematuro, três paradas cardíacas e uma osteomielite antes de completar seis meses de vida. Mesmo sendo um bebezinho miúdo você não deixou a sua mãe permanecer na depressão. — Maria Fernanda não conseguiu segurar o choro. — Você pode tudo minha filha. — Mas está me machucando. Enfrentar os problemas estando consciente deles é diferente. — Você não vai se trancar por meses como eu fiz, não vai comprometer a sua saúde, tampouco perder a juventude. Enxuga essas lágrimas. — Duda passou a mão no rosto e encarou a mãe. — Isso. Você vai superar tudo, vai cuidar de sua vida e do seu futuro. — Eu preciso ir para longe. Me ajuda arrumar tudo? — Duda brigou contra as lágrimas. — O nosso voou e amanhã antes do meio dia. Vou cuidar de você e das suas malas. — A mãe abraçou a filha outra vez. *** Na manhã do dia seguinte Luiz Miguel estava na cozinha preparando algo para Teodoro. Alicia tinha ficado acordada a noite toda e ainda dormia. Ele ouviu o barulho e antes mesmo de virar para conferir foi abraçado pelas costas. — Mãe — Ele reconheceria aquele abraço mesmo se estivesse inconsciente. — Consegui um voo. Vim o mais rápido que consegui. Me perdoe

meu amor, eu não tinha como saber que a Duda fosse filha do Sérgio. Sou a única culpada de tudo isso que está acontecendo. — Que Sérgio, minha mãe? — Luiz Miguel viu o corpo e encarou a mulher. — Que Sérgio minha mãe?! — Insistiu. — O seu pai. Eu não o vejo há anos. Não sabia que tivesse outros filhos. Ele não queria filhos. — Mãe, por favor, que conversa é essa? Minha tia me contou... ela me contou que meu pai é aquele homem, o Eduardo Moedeiros. O que está acontecendo mãe? Me conte a verdade. Quem é esse Sérgio? — ele perguntou calmamente tentando absorver as informações. — Eu era jovem, virgem e muito apaixonada. Me entreguei sem reservas. Não éramos namorados, não tínhamos compromisso, mas ele era carinhoso e cuidava de mim. Quando me falaram que ele era um canalha enrustido eu já estava grávida, não acreditei. Na época eu já morava com os meus padrinhos e ganhei deles uma festa de aniversário. Meus dezenove anos. Escolhi aquela noite para revelar que dentro de mim batia um segundo coração. Naquele dia passei uma das piores decepções da minha vida. Peguei o Sérgio sobre a minha cama com outra mulher. Fugi machucada e desesperada. Ele me procurou no dia seguinte e confessou que estava apaixonado por ela. Eu escondi que estava grávida por orgulho. Alguns meses depois eu soube que a mulher também engravidou dele e foi obrigada a tirar a criança. Me senti aliviada por não ter passado pela mesma coisa e assumi você sozinha. Meu filho nunca seria um fardo na vida de ninguém. — Mãe... — A mente de Luiz Miguel estava uma bagunça naquele

momento. Eu vi o laudo do exame, ele constava positivo para o meu DNA com o da Mar. — Segurou nos ombros da mãe. — Conte-me só a verdade e não me confunda ainda mais. — Que exame? — Samanta estranhou e imaginou que algo estivesse errado. — A Duda não é filha do Sérgio? — Eu não sei, eu sempre soube que ela era filha daquele cara. — Se ela não é filha do Sérgio não tem como vocês serem irmãos. Eu só me envolvi com o Eduardo três anos depois, em uma festa, fiquei com ele alguns dias, pois estava machucada e o Sérgio estava me cercando novamente. — Você acabou de me dizer que eu sou filho de outro cara. E essa é a única verdade. — Luiz Miguel resumiu as palavras da mãe e tentou absorvê-las definitivamente. — A Irene sabe que você é filho de um amigo do Eduardo. Eu contei assim que o Junior faleceu. Que confusão é essa? Não tive nenhum homem entre o Sérgio e Junior. Não passei de beijos com o Eduardo. Estava muito ferida e desacreditada... Luiz Miguel caminhou até cadeira e sentou, pois o corpo estava trêmulo. Em sua mente veio à lembrança de um amigo de Eduardo, o mesmo que estava com ele quando aconteceu o flagra do beijo no condomínio. — Não sou irmão da Mar. Aquela desgraçada fez de propósito! — Sua tia sempre cuidou de você, isso deve ser algum malentendido. — Samanta analisou.

— Justamente por isso não duvidei do maldito exame. Uma relação incestuosa é muito leviana e no fundo ela estaria me protegendo da sujeira. Ela me fez acreditar... eu vou matá-la. — Com que propósito sua tia inventou isso? Ela não faz bem a essa família. Seu Alfredo que me perdoe, mas não a quero mais em minha casa. — Samanta conferiu o rosto e o corpo de Luiz Miguel, queria ver se tudo estava do jeito que ela havia deixado. — Tomou seus remédios? Luiz Miguel levantou e foi para o quarto. Juntou as partes do celular, colocou na tomada e ligou. Assim que a luz azul foi acesa, ele procurou o número de Nicole na agenda e selecionou a chamada. — Nicole onde está sua amiga? — No aeroporto. O voo para Taiwan sai em quarenta minutos. Eu fiquei com minha mãe. O papai foi levá-los. Luiz Miguel jogou o telefone sobre a cama ainda ligado. Vestiu uma camisa, pegou o capacete, as chaves da moto e saiu do quarto. Não se importou quando a dor protestou, era o que menos importava no momento. — Você não vai sair assim, não vai pegar aquela moto. — Samanta puxou as chaves das mãos do filho. — Eu não posso deixar a minha Mar viajar ferida. Devolva-me a chave mãe. — Não, meu filho.

Luiz Miguel voltou para o quarto pegou a chave reserva e passou por Samanta. — Eu te amo mãe. — Você não pode fazer isso. Não vai conseguir sustentar o peso da moto. — Samanta puxou o corpo dele pele braço. — Não faça isso meu filho. Não vai, por favor, não vai, estou aflita. Obedeça a sua mãe. — Eu preciso do perdão da minha menina. Eu fui escroto com ela. Vou reparar meu erro e já volto. — Ele beijou a testa da mãe. — Não vai... — Samanta implorou. — Eu te amo minha mãe. Ele terminou de descer as escadas sem olhar para trás. Foi para a garagem e com muito esforço tirou a moto, ajeitou o capacete e saiu disparado. Seus olhos estavam turvos de lágrimas. A ansiedade o atormentava. Duda estava com olhos inchados e abraçava a mãe no salão de embarque. Ela quis esperar até última chamada. Seu olhar permanecia na direção das portas de entradas. Luiz Miguel pilotava o mais rápido possível, ele pegou um atalho mais curto até o aeroporto e com a velocidade da ninja já estava próximo ao destino. Desejava curar a ferida feita de modo inconsequente. Em seus pensamentos estava o sorriso largo e os olhos azuis, feito o mar. — É a última chamada meu amor, precisamos ir — Maria Fernanda sussurrou no ouvido da filha. Duda piscou os olhos e as lágrimas percorreram

por todo o comprimento do rosto. Ela abraçou Sérgio e chorou nos braços do tio. Algo em seu coração incomodou. Ela olhou mais uma vez para as entradas do salão e sem esperança seguiu com a família para o avião. Seguia machucada e ferida, contudo, o amor avassalador que conheceu naqueles últimos meses já estava entranhado em seu peito. Mas o manteria adormecido, não por muito tempo, pois o furacão já conhecia o caminho daquelas águas e faria um rebuliço quando a encontrasse. Quando aquele caminhão cruzou a frente da moto de Luiz Miguel, ele ainda pensava no sorriso de Duda. Aquela foi à última memória, antes de seus olhos serem fechados e sua mente apagada. "A longa distância apenas serve para unir o nosso amor. A saudade serve para me dar a absoluta certeza de que ficaremos para sempre unidos... E nesse momento de saudade, quando penso em você, quando tudo está machucando o meu coração e acho que não tenho mais forças para continuar; eis que surge tua doce presença, com o esplendor de um anjo; e me envolvendo como uma suave brisa aconchegante... Tudo isso acontece porque amo e penso em você..." William Shakespeare

TRANSIÇÃO Três semanas depois A luz no fim do túnel me atraía. Era uma luz magnífica. Os meus pés estavam descalços sobre um tapete natural e seguiam devagar, indo de encontro à claridade. Eu queria estar ali, era tranquilo e me fazia bem, no entanto, quando pensei que veria além do clarão fui empurrado de volta para a realidade. Senti um solavanco e puxei o ar fortemente para o pulmão. Sofri formigamentos, dores e espasmos em cada partícula do meu corpo. Eu tinha voltado da fronteira entre a vida e morte. Acordei ontem à noite depois de vinte e dois dias em coma profundo. Meu corpo está completamente detonado por escoriações, algumas costelas foram quebradas, tive fratura exposta no braço direito e minha cabeça permanece enfaixada. A lesão cerebral não foi grave, mas deixou sequelas. No meu último pensamento, eu estava em uma grande luta que aconteceu três meses atrás. Todos os eventos e informações recentes foram perdidos em uma amnésia retrógrada. Não perdi momentos relevantes. Perguntei a minha mãe como aconteceu, pois eu sempre corri, mas nunca tinha me envolvido em um acidente. Talvez eu estivesse chapado,

cheguei a pensar. Mas, segundo ela, eu estava me relacionando com a filha de Eduardo Moedeiros e no momento do acidente eu seguia para encontrá-la no aeroporto, antes de uma viagem. Minha mãe não sabia, mas fazia parte de um plano de vingança que só eu, o Marcos e parcialmente o Rex conhecia. Minha tia, certamente para me proteger, elaborou um falso exame onde eu era apontado como filho do assassino do homem que me criou. Ficou claro que o intuito era me afastar de Maria Eduarda. Tia Irene nunca concordou com os meus métodos. Presumi que o meu desespero para encontrar a menina no aeroporto fosse tirar o peso do incesto de suas costas, da mesma maneira que a minha mãe tirou da minha. Era muito cruel para qualquer pessoa conviver com tal martírio. No entanto, Alicia me garantiu que ela não soube do exame. Um problema a menos. Se essa merda fosse verdade seria uma desgraça, um tiro em meu próprio pé. Com toda certeza transei muito com a loirinha, nariz empinado. É uma pena não lembrar. Não fazia o meu tipo, mas eu já tinha me deslumbrado em usufruir das suas inocentes reações ao se perder em meus braços. A última lembrança que tenho da pirralha é abraçada ao pai, frente ao portão da escola. Minha mãe tinha me esclarecido algumas dúvidas, só faltava alguém me explicar o motivo para eu ter levado um tiro e perdido um rim anteriormente ao acidente. Quem me esclareceu foi o Rex. Era uma grande ironia, mas tudo indicava que eu realmente tinha me apegado a menina e fui atingido ao protegê-la de um possível sequestro.

Eu estava apaixonado pela garotinha herdeira dos Moedeiros. Grande ironia. Estou todo desgraçado fisicamente, mas esquecer desses últimos meses foi uma libertação para os próprios fracassos. Tentei sentar na cama, mas não consegui mover o meu tronco. Suspirei, frustrado. Eu precisava retomar minha vida ou perderia meu trabalho. — Está com dores? — Vou mandar o médico rever a dosagem dos medicamento. — Minha mãe sentou ao meu lado e observou os curativos. — Preciso sair daqui mãe. Por que não me levou para um hospital público? Nosso plano não cobre esse quarto. Vou sair daqui com um mês, isso vai passar dos cinquenta mil. — Olha Mimo, eu estava pensando e, acredito que seja bom falar com o Sérgio... — Não é importante. — A interrompi. — Esqueça isso. Alicia me contou mais cedo, sobre o meu verdadeiro pai. Não interferiu em nada na minha vida. Eu não me lembro de ter visto o cara em algum lugar e não quero envolvimento. — Eu fui até a mansão onde ele mora. Eu estava muito desesperada e precisando de dinheiro para cuidar de você. Não o encontrei, soube pelos empregados da casa, que a mulher dele tinha acabado de dar à luz em uma gravidez muito complicada e ainda estava entubada. Resolvi deixar para outro momento e tomei um empréstimo no banco para cobrir os gastos do hospital. Dividi em quase cinco anos de prestação, mas seu mês de

internamento foi pago. — Vou sair daqui, me recuperar e dar um jeito de levantar grana. Eu não quero me envolver na vida dele. Sempre me virei e vou continuar fazendo isso por nossa família. — E a Duda? Você estava tão fofo com ela. Tão ligados e apaixona... — Tudo o que precisamos nesse momento é de dinheiro. — Cortei as suas palavras. — Esse acidente me trouxe outros pensamentos. No final das contas, ela se livrou de uma bela cilada e eu de uma maior ainda. Meus amigos, mãe e irmãos podem contar o que viram, mas os sentimentos e sensações que eu tive com ela nunca serão recuperados. A herdeira Moedeiros é uma estranha. A mesma garota indiferente que eu via uma vez ou outra e media se já estava com capacidade de aguentar minhas investidas.

TRINTA E OITO APROXIMADAMENTE SETE ANOS DEPOIS...

Uma denúncia anônima no início daquela manhã alegrou os guerreiros e representantes da Interpol no Brasil. O helicóptero da Polícia Federal dava uma visão privilegiada da operação de emergência. Um traficante de drogas muito procurado no Brasil estaria num prédio dentro daquela comunidade carente no Estado do Paraná. Em terra firme, o comboio de vinte viaturas já estava dentro da comunidade e franco-atiradores seguiam ordens em lugares estratégicos. O delegado federal estava no cume de um dos prédios de paredes cruas e frágeis e era o único responsável pela equipe que, mesmo recebendo coordenadas de ultima hora, estava pronta e agiam com frieza e responsabilidade. — Bom dia rapaziada. — Um agente alto, de pele negra, jovem e experiente falou no megafone. — Já tomaram o café da manhã? Faço questão de ver todo mundo morrendo de barriga cheia. Mas… o negão aqui acordou bondoso hoje e tenho uma ótima proposta. O que vocês acham de uma nova chance? — Imitou o barulho da sirene do carro de polícia e algum dos policiais, que estavam detrás das viaturas, se olharam. — E aí, vão se entregar antes de tudo ou comer bala? — perguntou sério.

Sobre o prédio, o delegado que estava com uma metralhadora a ponto de disparo, sorriu da abordagem do subordinado. — Qual é? As mães de vocês não ensinaram cordialidade com as visitas? — o agente continuou sua abordagem e um funk muito alto estrondou por toda a comunidade. — Que porra é essa? — indagou uma agente federal, que estava de cócoras e ostentava o fardamento preto, carregava uma pistola na mão e mantinha uma enorme trança embutida no casco cabeludo. — Querem nos confundir com a música alta, vão atacar e não saberemos de onde? — O delegado falou baixo com o dedo no gatilho da arma potente. — Filhos da puta! — gritou quando uma rajada de tiros de fuzis saiu de dentro do prédio cercado. Foi o estopim do conflito. A operação policial estava bem equipada e os traficantes sem saída. Muitos disparos foram ouvidos e alguns policiais foram feridos até que um atirador especial da polícia explodiu parte do terraço do prédio e permitiu a invasão. — Quem vai trair o chefe e sobreviver por isso? — perguntou o delegado, pendendo o pescoço para o lado e olhando para os seis homens ajoelhados e algemados dentro do prédio. Cinco meliantes estavam mortos no terraço. — Pegue algumas armas, te daremos também verdinhas. Quatrocentos mil. Saímos ganhando dos dois lados — propôs um dos bandidos.

O delegado gargalhou com os braços abertos e os outros policiais acompanharam. — Já temos as armas e o dinheiro também. Você vai querer viver ou morrer? — Apontou uma pistola na testa do homem de joelho. — E-ele fugiu o-ontem à noite. — Um dos homens que estava na ponta da corrente humana entregou e os outros o xingaram. — Você não tem vergonha de trair o próprio chefe? — O delegado foi para frente do homem. — Onde? — Pará. Lá é a sede da porra toda. — O homem medroso entregou. — Ele vai te matar de qualquer jeito, filho da puta — um dos traficantes gritou com o amigo traidor. — Silêncio! — A agente deu um soco no rosto do homem. — Coloque esses merdinhas na viatura. Você... — o delegado levantou o rosto do homem com a pistola. — O-oi, meu irmão. — Obrigada pela colaboração. — Socou o rosto do homem. — Não vai apanhar mais que isso. Duda se graduou em Direito na National Chiao Tung University e em três meses iniciaria a pós-graduação. Estava prestes a completar vinte e três anos, era uma jovem e estudiosa e com visão de futuro, no entanto, o seu jeito menina/mulher era uma marca própria que o tempo não corrompeu. Nos seus primeiros meses na ilha de Taiwan, ela desenvolveu uma

convulsividade agressiva por açúcar. Um vício passageiro que trazia conforto para o seu emocional abalado, contudo, aumentava as crises de refluxos que enfrentava desde a infância. Na época, ela estava em um relacionamento tóxico e secreto com um vizinho da família Taiwanês que a abrigava. O namoro foi outra louca tentativa de esquecer o inesperado fim do relacionamento no Brasil. Foi Kamon que deu um jeito nada adequado para afasta-la do homem abusivo. Aos poucos, o Taiwanês ganhou a confiança de Duda e apresentou uma alternativa para burlar a compulsão. Levou-a em uma aula experimental na academia de luta que ele frequentava três vezes por semana. Foi uma porta de escape e superação. Em dois anos, ela já estava recebendo a faixa marrom na graduação de Krav Maga. A sua limitação física não foi impedimento para se adaptar aos movimentos que consistia em autodefesa. O tempo foi passando, novas pessoas entraram e saíram de sua vida, inevitavelmente o sentimento por Luiz Miguel foi adormecido. Ela só não conseguiu esquecer a fisionomia, pois nos últimos dois anos, Nicole passou a enviar prints de eventos que frequentava e encontrava o mais novo empresário, dono de uma empreiteira em ascensão no estado do Paraná. Depois de anos longe, recebendo visita dos pais anualmente, ela estava voltando ao Brasil. Kamon estava se saindo bem nos negócios e por consequência, seu pai lhe presenteou com a filial brasileira. Começaria se adaptar ao novo país e pediu auxílio de Duda, sua amiga e ex-namorada. Ela aceitou acompanhá-lo,

mas passaria apenas três meses longe da ilha. Sua passagem de volta já estava comprada. Definitivamente ela não pretendia sair de Taiwan. *** — A Duda vai chegar que horas mamãe? — perguntou o menino loirinho de quase seis anos. Maria Fernanda estava enxugando os cabelos de Olavinho, depois do banho matutino. — Daqui a pouco filho. E estaremos lá para uma surpresa gostosa de boas-vindas. — Minha filha vem com aquele taiwanês, Maria Fernanda. — Eduardo encostou a porta do quarto do filho mais novo. O homem estava sem camisa e agoniado. — Eu sei. Você já me falou isso umas dez vezes hoje. — Não é justo! Por que só os pais têm ciúmes? Vocês mães fazem isso de propósito, só para nos colocar no papel de controlador. É um martírio ser pai de mulher. A preocupação dobra de tamanho. Ainda mais quando fizemos algumas besteiras no passado. — Já faz um bom tempo que ela e Kamon terminaram o namoro incerto que mantinham. São amigos e foi ele o responsável por trazê-la ao Brasil, depois de anos longe. Você deveria agradecê-lo e parar de cisma. Eduardo cerrou os punhos e andou de um lado a outro. — Olavo, meu filho — O pai se abaixou próximo ao menino. —

Quando a sua irmã chegar, sempre que ela sair para qualquer lugar, vá com ela. Você será uma boa companhia, principalmente se ela estiver com aquele taiwanês. — Maria Fernanda olhou séria para o marido, recriminando a ideia. — O que foi mulher? Ela pode ter esquecido os lugares, é bom ter meus olhos, digo, uma companhia para orientá-la. — Emendou uma desculpa qualquer. — Você está vendo esse homem Olavinho? — O papai, mamãe? — Ele mesmo. Esse homem vai tentar te ensinar a ser controlador e possessivo, mas isso não faz bem. No dia a dia é feio. — A mãe aconselhou a criança loirinha. — Ela tinha dado um fim nesse namoro e me encheu de felicidade. Não gosto daquele sujeito. Algo me diz que ele nunca prestou. Você sabe que eu conheço. — Maria Fernanda preferiu não falar nada, apenas o olhou com desaprovação. — Eu já falei que você é bonita hoje? Ele beijou os cabelos dela e fez um chamego gostoso e precavido. Aproveitou para desmanchar a trança lateral que o incomodava desde o início do dia. — O papai não gosta de ver o seu cabelo preso mamãe. Ele me falou que o cabelo da mulher enlouquece os homens. — Olavinho confessou um dos segredos que mantinha com o pai. — Eu sei filho, é por isso que hoje amanheceu preso. Seu pai me atormentou tanto durante a madrugada com esse mesmo assunto, que decidir

deixar tudo preso por uma semana. — Essas coisas são de homem para homem Olavinho. Não podemos revelar ao sexo oposto; ou elas nos enfraquecem. Eu já te falei. — Igual à mamãe faz com você papai? — Olavinho passou o braço pela manga do casaco e voltou a encarar o pai. — Se elas tiverem os dentes afiados, você está perdido. Vai comer na mão e agradecer quando chegar o final de semana. — Vai vestir uma camisa, desce e me espera no carro. — Maria Fernanda sorriu vaidosa. — Já está quase na hora do desembarque e ainda estamos dentro de casa. — Começou pentear os cabelos do filho e recebeu outro beijo nos cabelos. — Eu vou providenciar um celular para você Olavinho — Eduardo falou já saindo do quarto. — Seus olhos, são os do seu pai. Mas eu não vejo alternativa, preciso arrumar um bom casamento para sua irmã. Só assim terei tranquilidade.

*** A família Moedeiros e Sampaio estavam esperando a chegada de Duda, próximo ao portão de desembarque que traria os passageiros de Taiwan. Suelen já comia a segunda coxinha. Sérgio segurava uma sacolinha com outras opções em uma das mãos e na outra prendia Julinha, a filha mais nova.

— Duda! — Nicole gritou, tentando chamar a atenção da amiga que saía do portão de desembarque. — A Duda, mamãe! — Olavinho se alegrou. — E o filhote de joalheiro — Eduardo resmungou ao lado, mas os olhos do pai lacrimejaram de emoção. Nicole correu e se chocou com a amiga em um abraço escandaloso. Gritaram e giraram como se só existissem elas no espaço. — Veio todo mundo Nik, pensei que pegaria um táxi e encontraria vocês em casa. — Duda falou no meio do sufoco em seu pescoço. — Temos uma pequena festa de boas vindas para você, mas é segredo. — Nicole sussurrou, olhou para o lado e viu o Taiwanês. — Oi, oriental. — Oi, Nicole. Você mudou. — Ele deu uma breve observada. — Convenci sua amiga ficar por três meses no Brasil. Vou precisar da sua ajuda para induzi-la a ficar definitivamente. — Mas gente, desde quando temos intimidade para tramar contra a minha melhor amiga? — Nicole deu uma longa olhada em Kamon — Vocês ainda estão no chove não molha? — Não. Eu jamais apresentaria esse encrenqueiro disfarçado de homem de negócios aos meus pais. — Duda estava segurando a mão da amiga. Sorriu ao percebê-la fiscalizar o amigo. — Isso não inclui as recaídas. — Kamon beijou próximo a boca de Duda.

Nicole se recompôs do pequeno deslumbre. — Dudaaa! — O irmão mais novo pulou e se enganchou nas pernas da mais velha. — Meu pequeno galã? — Ela suspendeu o menino e sustentou frente à cintura. — O papai quer que eu te vigie dia e noite — Olavinho cochichou em seu tom infantil. — Mas podemos negociar, estou precisando de grana. Duda pressionou a bochecha do pequeno com os lábios e o esmagou em um abraço. — Dudu! — A filha abraçou o pai, ainda sustentando o irmão no colo — Você está tão charmoso papai, o que aconteceu com você nesse último ano? — São os grisalhos, depois que eles apareceram fiquei ainda mais matador. — Eduardo beijou a testa da filha e encarou Kamon. — Isso tem duplo sentido. — Seu pai continua modesto — Foi a vez de Maria Fernanda abraçar a filha. — Você está gata, maman. Muito poderosa. — E irresistível — Eduardo completou com o peito estufado em uma incrível pose de protetor animal. Duda avistou Suelen e desceu os olhos para o corpo da tia. Fazia anos que não se viam pessoalmente. A morena estava com curvas maiores

distribuídas no corpo. — Tante você está... — Gorda? — Suelen completou e soltou uma de suas gargalhadas. — Linda. Você está linda tante. Como conseguiu ficar mais bonita? — Seu tio também fala isso, mas acho que vou começar uma dieta. — Sérgio sussurrou vantagens secretas no ouvido da mulher, fazendo-a gargalhar outra vez. — Esse marido safado só me traz orgulho. — Continuou gargalhando. — Acho melhor os dois pararem com a libertinagens em público. — Eduardo chamou atenção do amigo. — Eu só estava elogiando minha mulher — Sérgio tentou se explicar. — Por favor, Sérgio, tudo tem limites. Temos quatro crianças aqui, sem contar com o lobo faminto e aproveitador de filhas. Ele vai cogitar a possibilidade de sermos pais depravados — O taiwanês sorriu preguiçoso. — Guarde as suas safadezas para quando estiver sozinho com a sua onça em casa. Tudo tem limite. — Você está ficando muito rabugento. — Sérgio reclamou. — Se continuar assim, em alguns anos nem a Maria Fernanda vai te suportar. Você está ficando velho e irritante. Cuidado sacana, quando você menos esperar pode parecer um garotão mais novo e... — Tenta repetir o que acabou de falar. — Eduardo apertou as mãos no pescoço de Sérgio. — Já faz alguns anos que eu te dei uma coça, Sérgio.

Acho que você já esqueceu e está perdendo o respeito. Olavinho e Julinha gritaram, torcendo cada um por seus respectivos pais. — Eduardo! — Maria Fernanda, um tanto desacreditada com a cena, puxou o marido pelos cabelos. — O que é isso? — O questionou quando ele soltou o pescoço de Sérgio. — Perdi a cabeça, a culpa foi dele. — O homem dobrou a manga da camisa social. — Espero tudo, menos um agravo contra o nossa união familiar. O tinhoso é sujo. Agora fiquei inseguro, ferinha. Você acha que eu estou muito velho para você? Fala. Pode falar, vai ser doloroso, mas eu aguento. — Desculpa Maria Fernanda, não foi a minha intenção. — Sérgio falou, no intervalo da tosse. Suelen ventilava o marido com as mãos. — Agora é tarde, já ofendeu diretamente o caráter dela. Ela jamais pensaria em algo do tipo. Não é? — Eduardo olhou dentro dos olhos da mulher. Eu vou com você para a academia, de agora em diante. Temos um filho pequeno... eu vou melhorar. — Para de paranoia. — A mulher falou entre os dentes e jogou a cabeça para onde a filha estava. — Vai iniciar uma discussão sem sentido, aqui? — Eu estava com tanta Saudade dessa confusão. — Duda sorriu, quebrando o clima tenso feito pelo pai. — Se não for para ser recebida assim, eu não atravesso os continentes. — Ela ainda abraçava o irmão no colo. —

Mas, por favor, vamos fazer confusão em casa, estou muito cansada e preciso deitar um pouco. — Eu tenho novidades sobre o LM — Nicole apenas moveu os lábios.

TRINTA E NOVE Nicole estava sentada sobre a cama de Duda e esvaziava as malas à procura de novidades. — Sobre o LM... — Não quero saber. — Duda interrompeu a amiga. — Estamos sozinhas, não vejo problemas em fuxicarmos um pouco. — Não tenho motivos para lembrar, esse é o problema. — Ele sumiu por um tempo. Eu fui investigar... — Nicole! Eu não quero saber. — Duda interrompeu outra vez. — É meu trabalho de campo, você sabe, quero ser a melhor jornalista investigativa no estado do Paraná. Além do mais, as pessoas estão curiosas. O público leitor está dividido. De um lado querem reencontro; do outro desejam jogo duro. E eu? Só desejo experiência profissional. — Eu preciso descansar Nicole. — Duda jogou o corpo para trás e deitou a cabeça no travesseiro. — Tudo bem... — A morena abriu a própria bolsa e retirou um caderno de capa preta, toda trabalhada no couro. — Vou continuar minhas investigações sozinhas. É uma pena, eu já reuni tanta coisa sobre a vida do gatão, que virou uma charada...

— Charada? — Duda indagou. — Você sabe como ele conseguiu grana para levantar a empreiteira? — Há coisas que nunca mudam, uma delas é a curiosidade de Maria Eduarda Moedeiros. — Nicole gargalhou e abriu o caderno que tinha as páginas marcadas por abas coloridas. — Eu só quero ajudar no seu trabalho, nada mais que isso. — Duda esclareceu. — Página 25. Vamos ver... Segundo o senhor Getúlio, porteiro da empreiteira Eagle e vendedor de Hinode, o patrão Luiz Miguel Álvares Azevedo conquistou recursos para iniciar a empreiteira depois de muito trabalho braçal em obras pequenas. Fonte: um vídeo mostrado durante a modesta festa de lançamento da empresa. Me dei por vencida? Claro que não. Tenho quase certeza que entrou algum dinheiro por fora, mas ainda não descobrir a possível origem. Essa página está em aberto. — Ele tinha visão de futuro. — Duda meditou. — Eu não duvido que tenha conseguido. — Recentemente, eu fui ao aniversário do filho de um amigo do meu pai, lá descobrir algo interessante. — Interessante? — Duda sentou na cama e começou retirar roupas da mala. Ela era curiosa, não conseguiu controlar. — Alguns contatos que conhecem a azeda da Alicia, contaram para um conhecido da prima de uma conhecida minha... — Ponto principal, Nik. — Duda deixou transparecer ansiedade, foi

inevitável. — Quando você foi para Taiwan, ele simplesmente sumiu, desapareceu... como diria minha mãe: escafedeu-se. Uns contatos que conhecem a Alicia, contou para um conhecido da prima de uma conhecida minha que ele estava se recuperando de um acidente de moto. — Acidente? De moto? Impossível! Ele corria muito, mas era um bom piloto. Eu não tinha medo quando andava com ele... Numa época que eu não recordo mais. — Eu já sei de tudo. — Nicole se aproximou da amiga. — Ele entrou na contramão e um caminhão o pegou de frente. — Como foi isso Nicole? — Os olhos de Duda, que já eram graúdos, aumentaram. — Por que eu não soube? Ele está bem? — Eu te mandei fotos recente amiga, não surta. Ele está forte e gozando de muita saúde, sem contar a beleza. Ô homem bonito. Não se preocupe, eu não olho com interesse para ex de amiga minha. É apenas o meu trabalho. Sou profissional. — Foi um acidente muito grave? — Eu vou querer essas peças, depois eu vou mexer nas outras malas. Com certeza encontrarei mais coisas interessantes. — Nicole pegou algumas blusinhas que estava sobre a mala e separou ao lado. — Leve tudo, mas me conte isso direito. Você me deixou curiosa. — Os sapatos também? — Nicole abraçou um luxuoso tênis Nike air max.

— Sim, pode levar. — Ele estava se recuperando do tal acidente, que aconteceu próximo a um aeroporto, onde certo voo sairia rumo a Taiwan, seis anos e meio atrás. — Não. Você não está iludida, achando que no momento ele seguia para me ver, não é mesmo? — Duda sorriu um tanto ácida. — Por que não me contou isso antes? — Fiquei sabendo há alguns dias. Achei melhor te contar pessoalmente. — Provavelmente ele foi conferir se eu estava embarcando naquele avião. — Duda analisou. — Além de um Romeu bad boy, o filho da mãe se tornou um dos maiores empresário do nosso estado. — Separa o que você vai levar depois me ajuda ajeitar o que sobrar. — Duda se levantou e abriu as portas do closet. — Quero sair. Acho que vou levar o Kamon para comer pratos tropeiros, também estou com saudades. — Disfarçar o assunto só te denuncia amiga — Nicole gargalhou. — Outro dia o encontrei em um restaurante. Eu estava sem a minha carteira e já tinha comido horrores. Ele viu a confusão, pagou a minha conta e me defendeu do gerente autoritário. Eu nunca mais volto naquele restaurante, foi uma péssima noite. Me lembrei de quando eu passava fome na infância e era escorraçada das padarias da vida. — Eu não estou criando teorias Nik, tampouco me iludindo, mas se por um acaso ele foi ao aeroporto aliviar a consciência pesada, que seja, por

que não me procurou depois da recuperação? — Só ele para te responder isso amiga. — Não quero saber. Foi uma pergunta retórica. Preciso descansar. Acho que vou deixar as malas feitas, assim não perco tempo na volta. Isso, vou fazer isso. Ele mora no mesmo lugar? — perguntou. — Pergunta retórica? — Nicole gargalhou outra vez. — Pobreza nunca mais. Alicia anda esbanjando dinheiro. Ela está na vida que sempre quis. A família mora na mesma casa que era dos avós. Luiz Miguel comprou a casa de volta. Ele mora sozinho em um apartamento no centro da cidade. Aqui, na página 70 do meu pequeno dossier tem o endereço completo. — Você está mais louca, Nicole. — Jornalistas investigativos precisam ser loucos. Você já viu os jornais das seis? O meu sonho é que alguma emissora aceite o meu currículo. Ando até pendurada nos helicópteros da vida. Coloquei isso nos rodapés. — Eu tenho certeza que você vai conseguir. — Duda sentou ao lado da amiga e a abraçou. — Tenho orgulho de você. Você é maravilhosa. — Meu ombro está tão dolorido... — Nicole reclamou e gemeu baixinho. — Desculpa. — Duda a soltou e iniciou uma leve massagem — Já foi ao médico? — Não é nada grave, logo vai passar. Eu só preciso deixar alguns objetos pesados aqui com você. — Nicole colocou o caderno de capa preta sobre o criado mudo. — Agora consigo caminhar com essa bolsa. — Nicole

levantou da cama e suspendeu a bolsa. — Está leve. — Você não vale nada, Nicole Sampaio. Eu não vou abrir esse caderno. Não me interesso por nada que está aí dentro. — Duda, o Kamon vai me ensinar a lutar. — Olavinho entrou no quarto da irmã. O taiwanês estava ao lado. — Já está conquistando o cunhadinho, hein danado? — Nicole empurrou o peito de Kamon. — Mas gente... — pressionou o indicador no mesmo lugar, testando a dureza. Quando levantou o rosto, os olhos apertados a observava com certa estranheza. — Tinha uma sujeirinha aqui. Juro. — Disfarçou, deflagrando tapinhas no mesmo local. — Pronto. Agora está limpo. Deve ter sido o bolo. — Eu já vou Duda. — Kamon beijou o rosto e a testa da amiga. — O seu pai me chamou no canto e emprestou um dos carros. A única condição era eu sair o mais rápido possível da casa dele. — O Dudu estava brincando com você. Acredite. — Duda mostrou os dentes em um sorriso forçado. — Vou precisar de sua ajuda em uma concessionária. Hoje preciso descansar. Começo amanhã na empresa. — Kamon apertou a mão de Olavinho. — Descansa, eu vou fazer o mesmo. O taiwanês virou e se chocou com Nicole. Tentou desviar, mas os dois acabaram indo na mesma direção e continuaram se batendo. — Tchau, você também. — Kamon segurou os ombros da

atrapalhada e conseguiu pará-la no lugar. — Eu vou com você Kamon, aqui só vai sair conversa de mulherzinha. — Olavinho seguiu na frente do novo amigo. — Esse pequeno está cada vez mais atrevido. — Nicole soltou o ar pela boca e limpou a garganta. — É a versão original do Dudu. — Eu também já vou. Tenho um milhão de coisas para fazer do meu TCC. Vou levar minhas blusinhas e meu tênis luxuoso — Juntou as peças, beijou a amiga e saiu do quarto. Duda puxou as malas e as colocou dentro do closet. Descansou a mão na cintura e observou o ambiente do antigo quarto. Seguiu até sua coleção de ursos e cheirou os pelos sintéticos do velho conhecido, Rudolf. — Maman cuidou de vocês, estão todos limpinhos e perfumados... Olhou para o caderno sobre o criado mudo e abraçou o urso que o pai tinha lhe dado na infância. Sentou na cama sem desviar o olhar, cheirou o urso outra vez, levantou rápido e abriu o caderno. Ela correu os olhos pelas páginas com fotos, recortes de reportagens e impressão em A4 dobradas. Parou de virar as páginas quando encontrou uma foto de Luiz Miguel. Ele estava bem arrumado, muito charmoso e sorria espontaneamente. Um tanto impactada com o sorriso do homem, ela deslizou a ponta dos dedos sobre a foto, sentindo a inevitável gastura surgir no estômago, subindo aos poucos, percorrendo os caminhos e indo de encontro ao seu...

— Um gato, não? — Nicole falou, atrás da amiga. Duda colocou a mão no peito e o caderno foi parar no chão. — Você não tinha... Quer me matar de susto? O seu caderno até caiu do criado mudo. Nicole abaixou e pegou o caderno. — Esqueci a minha bolsa. — Aproveite e pegue o seu caderno, leve nas mãos. Vai aliviar o peso. — Você não acha esse homem um gato? — Nicole estendeu o caderno aberto na mesma página. — Vou tomar banho e dormir. Vou jantar com o Kamon, já decidi. — Sim, mas acha ele bonito ou não? — Acho que ouvi a voz do tio Sérgio... — É gato ou não?! — É, caramba! O rei dos gatos, o dono do beco, o gato rei. — Duda se alterou e Nicole gargalhou. — Não há problema em admirar uma pessoa, Nicole. Você não acha o Kamon bonito? — Não é de se jogar fora, mas já vi melhores. — Nicole pegou a bolsa e colocou o caderno sobre a cama. — O endereço está na última página. — Bandida! — Sou fichinha, comparada a minha melhor amiga. — A morena

saiu do quarto sorrindo. *** Era final de tarde, quando Duda deu um salto da cama e separou um vestido com estampas claras, longo, de pano muito fino e costa trançada por finas linhas de pano. Depois de pronta, ela desceu as escadas e pegou um dos carros da garagem. O escolhido foi um Toyota GT na cor vermelha. Adotaria aquele veículo para usar enquanto estivesse no Brasil. Seguiu na direção da casa de Kamon. Durante o percurso lembrou momentos da adolescência. Foi na cidade de Paranaguá que ela viu sua família evoluir e a empresa de seu pai se reerguer. Ela voltou do pequeno momento de distração entre as lembranças, quando ouviu um grito agudo. Freou o carro rápido e percebeu que uma senhorinha estava praticamente congelada, frente ao carro. A velhinha não conseguiu mover os pés do lugar. — A senhora está bem? — Ela saiu do carro e conferiu o corpo da pobrezinha que só sabia tremer. — Pensei que veria Deus. — As pernas trincaram uma na outra. — Eu não te vi, me perdoe. — Duda pegou as sacolas de compras do chão. — Eu estava indo até a praça de táxi. Minha visão não me permite dirigir um automóvel. Pelo jeito, a sua não está melhor. — Entra no carro, eu te levo. Qual o seu nome?

— Judite Bitencourt. Você não me conhece? — Vagamente. — Duda nunca tinha visto na vida. — Estou morando no centro. Vou te atrasar, mas você quase me mandou pra Jesus e não custa nada me fazer esse pequeno agrado, não é mesmo? — Não me incomoda. Entra no carro. Duda ajudou a senhorinha sentar ao lado do motorista, arrumou as sacolas plásticas e seguiu na direção informada. Quando parou frente ao prédio da passageira, Duda já sabia a vida completa da velhinha. Era ex-atriz, morava sozinha em um apartamento e recebia a visita dos filhos uma vez no mês. A velhinha fez questão de chamar Duda para um chá. Depois de muita insistência e na esperança de receber alguns biscoitos, bolo ou algo do tipo, ela entrou no apartamento. — A senhora não tem empregados? Esse apartamento é enorme. — Duda bebericou o chá de maracujá. Estava sentada à mesa da cozinha. Faminta, aguardava na esperança dos biscoitos. — Duas mocinhas vêm segunda, quarta e sábado. — A velha estava manipulando a torneira da pia que jorrava água sem controle. — Essa torneira está com um sério problema. Já chamei o encanador e até hoje ele não apareceu. Ninguém se importa com velhos. Velhos não têm voz. — Ela reclamou. — Fique aqui, vou ver se o meu vizinho está em casa. Ele me ajudou com o chuveiro outro dia. Vai ser uma sorte se eu encontrar, ele viaja muito.

— Eu preciso ir agora, senhora Judite. Foi um prazer te conhecer e mil perdões por minha irresponsabilidade no trânsito. — Não saia daqui. Você ainda me deve algo. Volto rápido, com o vizinho. — A proprietária abandonou a cozinha. Duda levantou, treinando sair sorrateiramente do apartamento. Judite certamente cobraria uma pequena quantia para compensar o incidente. Era horrível pensar daquela maneira, mas ser advogada tinha muitas vantagens, conhecer a verdade nua e crua da sociedade era uma delas. Ela voltaria depois para saber notícias, mas naquele momento, precisava de comida. O seu estômago roncava alto. Judite certamente não ouvia direito. Seguiu até a sala, temendo ser pega no flagra. Já estava próximo ao sofá quando a porta foi aberta e precisou correr de volta. Ela entrou em um lavabo e espiou a velhinha passar com um homem alto e forte. Respirou pausadamente, esperou um curto tempo e caminhou devagarzinho, no corredor da sala. Quando estava com a mão na maçaneta, lembrou que tinha deixado a chave do carro sobre a mesa. Esperneou silenciosamente. Sem saída para a própria confusão, ela firmou a postura, estufou o peito e voltou com a cara mais cínica possível. Estava no meio do corredor quando reconheceu a voz masculina. — Se a chave do carro dela ficou, ela volta. — falou o homem, depois de um breve relato da velhinha. Duda sentiu o corpo todo tremer em espanto e outras coisas que ela

negaria até a morte. Sentiu que deveria voltar para o banheiro naquele exato momento, no entanto, a sua curiosidade e orgulho já estavam entre socos e pontapés. Não teve jeito, precisava de certezas. Aquela voz era única. Era ele? Por que era importante saber? Ela espiou encostada na parede e visualizou o homem vestido em uma camiseta branca e jeans detonado. O sujeito estava parcialmente molhado e rodava uma chave de grifo na torneira da pia. — Pronto, dona Jud. Não estava espanada, só folgada. Se o problema voltar, me avisa. Eu compro uma nova e coloco no lugar. Duda tombou o corpo na parede. Sentiu até fraqueza nas pernas. Precisava sair dali. Mas quem disse que as pernas a obedecia. — Se eu te encontrasse na minha época de juventude, vizinho... eu dava... casa, comida e roupa lavada. — A velha atriz brincou. Duda olhou para o corredor, trancou as narinas e andou rápido até a porta de saída. Ouviu passos, mas continuou caminhando. Saiu do apartamento, apertou o botão do elevador e desanimou quando viu o bendito no térreo. Continuou andando, virou a esquina do corredor e se escondeu entre duas colunas de gesso. Ficou ali com as duas mãos frente ao corpo e os olhos fechados. Ela realmente não queria aquele encontro. Passou anos longe, vivendo novas oportunidades, para não lembrar do passado turbulento que a colocou precocemente em uma degradante

depressão e compulsão. Xingou Kamon em pensamento, por ter insistido na viagem. Sua vontade era que a parede a engolisse, feito os desenhos de espiãs que assistia na adolescência. "Se ao menos eu tivesse com o spray de pimenta, poderia cegá-lo temporariamente". — Pensou. "Por favor, não venha." — Essa chave é sua, princesa? Luiz Miguel a Surpreendeu abruptamente, com uma mão na coluna de gesso, o corpo molhado frente ao dela e a chave estendida.

QUARENTA Era uma visão maravilhosa. — É sua, a chave? — Ele tornou a perguntar e abaixou o rosto buscando os olhos azuis que tinha visto de relance. — Pequena, a chave é sua? — O ventre de Duda estremeceu. Luiz Miguel sacudiu a chave e virou o rosto tentando acompanhar o olhar que, ela tentava a todo custo desviar. Sufocada pelas lembranças e o turbilhão de sensações, ela arrebatou o instrumento de metal e empurrou o peito largo contra a parede do hall. — Uou! — Luiz Miguel sorriu entusiasmado, mas murchou quando ela seguiu de volta na direção do elevador. Duda pressionou o dedo no botão sucessivamente. Precisava sair dali rápido, pois sentiu o choro querer tomar conta. Jamais iria derramar uma gota de lágrima na frente dele. — Foi agradável. — Luiz Miguel falou muito próximo as costas dela, fazendo-a fechar os olhos e lutar bravamente para afastar as sensações adormecidas. — Gostei muito de você, pequei em não te ligar no dia seguinte, mas podemos reverter isso. O que você acha de sair comigo hoje? — Ele tentou se explicar. Os olhos castanhos desenharam uma linha vertical na pele

branquinha, coberta apenas por duas tranças estreitas que iniciava na frente do vestido e terminava no final da coluna vertebral. "Ela não é estranha. Provavelmente ficamos em algum evento. Como pude me esquecer de ligar para uma mulher dessas?" Duda esmurrou a porta do elevador e suspendeu o olhar para não dar abertura às insistentes lágrimas. A voz do homem parado às suas costas estava mais firme, de modo igual aos músculos. "Mau-caráter, vil, psicopata, cafajeste, cretino... molhado...". — Ordinário. — Ela falou tão baixo, que quase não ouviu a própria voz. — Vamos até o meu apartamento. — Ele parou a mão sobre o ombro desnudo e eriçou os pelos do corpo feminino. Duda travou os lábios e lutou contra a feição chorosa. Ele desejava atormentar a sua sanidade. Mas, não! Ela não desmoronaria outra vez. Lembrou que tinha algo guardado e naquele momento era propício para tirar a onda de emoção que a enfraquecia. O elevador abriu, ela deu um passo à frente e ficou na divisa da porta, impedindo-a de ser fechada. Virou para ele com os punhos cerrados, suspendeu os pés duas vezes medindo a altura quase inalcançável. Na terceira vez que ficou na ponta da sandália, que a deixava ainda mais baixa, arriscou e conseguiu. Ela marcou um dos lados do rosto de Luiz Miguel com a força da palma da mão. — Ah, filha da mãe! — Ele segurou o lado atingido. — A sua sorte é

que eu só bato em uma mulher se for no fundo do útero. Suponho que você não queira. Duda ainda tinha outra bofetada guardada, mas recuou, pois, sentiu uma pontada frenética nos confins da cérvix uterina. Luiz Miguel nunca foi tão ousado na frente dela. Ver aquela armadura de músculo insinuando tais movimentos causou um reboliço em seu interior. Imaginou quantas mulheres já tinha usufruído daquele tipo de surra. — Estupido! Foi tomada por uma sensação, que segundo ela não tinha relação nenhuma com ciúmes, e acertou o meio das pernas dele para que aprendesse a nunca mais se gabar de benefícios alheios. — Eu não te conheço... — Ele gemeu, segurando os genitais e sentindo a dor paralisar o corpo. Teve certeza que estava sendo confundido. — Tampouco eu, e foi exatamente por isso que fui vítima da sua canalhice! Luiz Miguel a segurou pelo punho direito e começou carregá-la na direção do apartamento. Duda se deixou ser levada, pois sabia que a força do homem era maior que a dela. Não mostrou resistência nas pernas, mas virou o punho para cima e golpeou o cotovelo dele com a lateral da mão direita. Luiz Miguel perdeu a força e foi empurrado para baixo com o braço dobrado. Seu pescoço foi elevado e a chave que ela carregava empurrou a pele de sua garganta. Ele poderia lutar e se desvencilhar, mas perdeu tempo, pois ficou

muito impressionado com a imobilização rápida da loira. — Você é masoquista ou gladiadora? — perguntou com certa dificuldade e um sorriso ardil nos lábios. — Que seja o nosso último encontro. — Ela o empurrou e seguiu de volta para o elevador. O vestido forrava o chão por onde ela passava, mas a distância fez Luiz Miguel perceber o andar diferente. Ela estaria ferida por debaixo da grande metragem do tecido fino? Ferida ou não, ela não sai daqui antes de explicar o motivo de tanta aversão. Duda apertou o bendito botão outra vez e grudou a visão no pequeno painel que marcava a diferença de um andar para onde ela estava. Quando ela entrou no elevador ele invadiu e a encurralou contra a parede espelhada. — O que você quer? — Ela colocou a mão no peito dele e afastou. Ele se encostou à parede e começou analisar o perfil feminino. O nariz era empinado e o desenho do lábio superior acompanhava a charmosa elevação. A boca em si era marcante e estava delineada por um batom bordô extremamente sexy, mas que provocaria a maior bagunça se outra boca encostasse ali. O pômulo facial quase se perdia na proeminência das bochechas. A beleza era nobre, natural e tinha tons indomáveis. O perfume delicioso não era estranho. De onde ele conhecia aquela mulher? Desejou olhá-la nos olhos. — O seu cheiro é muito gostoso. — Ele foi verdadeiro e tentou chamar a atenção.

— Por favor, cale-se! — A voz dela deu uma estremecida. — Sobe comigo e vamos desfazer esse mal-entendido. — O que você quer Luiz Miguel?! — Ela o encarou. — A ilusão morreu há seis anos e meio. Não entre no meu caminho ou vou precisar te afastar. É melhor você ficar com a primeira opção. A íris azul atraia feito um redemoinho. Teve ainda mais certeza que conhecia a dona daqueles olhos fascinantes. O elevador abriu e Duda agradeceu aos céus por sair de perto dele. Luiz Miguel observou outra vez o desvio corporal. "Seis anos e meio atrás?" Ele analisou. Ela passou pela recepção, saiu das dependências do prédio e seguiu para o outro lado da rua. — Espera! — Luiz Miguel a impediu que entrasse no carro. — Maria Eduarda Moedeiros. Estou certo? — Ele respirou irregular — Eu não me lembrei de você, desculpa. Aquela frase entrou como um punhal no coração de Duda. Negava, mas estava atormentada com aquele reencontro. Sabia que tinha sido irrelevante na vida dele, mas ouvir com todas as letras trouxe de volta a ferida feita na adolescência. Não conseguiu encará-lo mais. Até o seu fiel orgulho zombou dela naquele momento. — Só estou no Brasil a passeio, você é assunto enterrado. Suma da minha frente. — Ela se desvencilhou, entrou no carro e saiu rápido dali. — Caralho! É ela. — Luiz Miguel apertou os dedos nos cabelos.

QUARENTA E UM Já passava das dez horas quando Duda estacionou o carro na frente da mansão da família de Kamon, a mesma casa que Thiago morou durante toda a infância. Ela tinha ido a uma das praias da cidade e permaneceu na areia, até passar um casal e lembrá-la do perigo. Kamon estava preocupado com a demora. Já tinha ligado muitas vezes, mas não foi atendido. — Está um pouco tarde, não acha? — Ele reclamou quando abriu o portão, mas logo percebeu o rosto dela com sinais de choro. — O que aconteceu? — Duda entrou, ele a seguiu. — Duda, espera! — Segurou a mão dela. — Desculpa ter atrasado para o nosso jantar. — Eu fiquei preocupado. O que aconteceu? — Estive com o Luiz Miguel mais cedo. Kamon viu lágrimas escorrer pelo rosto dela e a puxou imediatamente para seus braços. — Foi muito rápida. Por que fez isso? — Eu não tinha intenção de encontrá-lo. Foi um acaso. — Ela apertou as mãos na cintura do amigo. — Vamos entrar. Eu vou cuidar de você. — Beijou a testa dela. — Seu pai sabe que está aqui?

— Liguei para a maman, ela vai me dar cobertura. Não queria ser vista chorando. — Te ofereço chocolate quente, bolo e uma cama macia. — Kamon levantou as duas sobrancelhas repetidas vezes. Duda sempre sorria quando ele tentava fazer aquilo, pois nunca funcionava e os olhos puxados não saiam do lugar. — Só vou entrar pelo bolo. Você tem chocolate puríssimo? — Tenho. Vou liberar só hoje. Você está precisando. Vamos. — A puxou para dentro. *** Duda estava vestida numa camisa de Kamon e se lambuzava com a quinta fatia de torta gelada de chocolate. Os dois estavam no sofá da sala. Ela tinha lavado o rosto, mas sem o demaquilante por perto, as áreas ao redor dos olhos estavam escuras com restos de rímel. — Então ele disse que não se lembrava de mim... Você acredita que ele falou isso na minha cara Kamon? — Um absurdo. — Kamon fingiu indignação. Já tinha ouvido a mesma fase cinco vezes. — Ele está mais forte. Os braços poderiam me quebrar no meio facilmente. A camiseta molhada me permitiu ver os gominhos... — Melhor contar essa parte para a sua amiga Nicole. — Kamon a interrompeu.

— Eu lembrei tudo que já estava nos confins do meu esquecimento. Minha alegria foi não ter chorado na frente dele. Estou orgulhosa de mim mesma. — Ela sorriu. — Está tarde, não quer dormir agora? — Kamon tentou livrar os ouvidos das mesmas palavras. — Não me expulse da sua sala. Estou sensível, quase tive uma recaída — Degustou um pedaço generoso de torta. — Isso aqui é fome, não tem relação com a compunção, você sabe, não é? — falou com a bochecha cheia. — Precisamos encontrar uma academia. — Ele se levantou do sofá. — Você vai dormir comigo? — Vou. — Beleza. Vamos subir. Vou te fazer esquecer esse desgraçado em dois minutos. Duda estapeou a mão dele. — O que está pensando? — Eu imaginei que quisesse esquecer essa merda nos meus braços. — Não vou te usar, só porque tive um conflito com o Luiz Miguel. — Mas eu não me importo. Se quiser me usar, tudo bem, eu deixo — Ele soltou uma leve gargalhada. — Vou dormir com a mão na sua bunda. É pegar ou largar. — E eu com o pé chutando o seu nariz. — Ela levantou e seguiu na

direção da cozinha com o prato na mão. O tecido xadrez tampava pouco abaixo da polpa das nádegas, possibilitando uma visão completa das pernas roliças. Era uma camisa de quando Kamon esteve pela primeira vez no Brasil. Ele tinha encontrado todas as suas antigas roupas limpas e passadas. Estava descobrindo naquele momento a serventia delas. — A camisa ficou ótima em você. — Achei curta. — Ela gritou de longe. — Nada. Tamanho certinho. — Vagabundo! — Ela gritou novamente. *** — Por que vai assim, tão cedo? — Kamon estava sentado na cama, abraçado ao travesseiro, Duda penteava os cabelos frente ao espelho. — Dormir demais, a intenção era chegar antes das cinco, são quase sete. Se o Dudu ainda não descobriu que dormir fora, foi a maman que controlou o mundo dele durante a madrugada. — Não está com fome? — Kamon se esforçou para abrir os olhos. — Ainda não me acostumei com esse fuso horário, vou me atrasar no meu primeiro dia na joalheria. — É um ótimo exemplo para os seus funcionários. — A rainha do atraso, jogando atrasos na minha cara. — Ele despencou o corpo na cama e fechou os olhos.

— Boa sorte no seu primeiro dia. — Ela pegou a chave do carro, beijou o rosto dele e saiu do quarto. Duda já estava próximo à saída do condomínio, quando se distraiu com um gato mourisco que corria atrás de uma borboleta azul. Ainda na distração, sentiu um leve solavanco. Depois de levantar a cabeça e respirar aliviada, viu Luiz Miguel através do vidro frontal de em um conversível de cor negra. Os dois tinham batido de frente. — Agora o destino resolveu brincar com a minha cara. — Ela reclamou, desligou o veículo e saiu do carro. — Você está bêbada?! — Ele também saiu. — Claro, ainda está com a mesma roupa de ontem. — Ele balançou o rosto indignado e conferiu o estrago no carro. Aquilo fez Duda lembrar da adolescência, quando ele temia deixá-la pegar a moto para não se machucar. Até aquilo era ilusão. — Estou bem, não me machuquei. Cada minuto que passa você se torna mais cretino. — É o quê? — Ele deixou de inspecionar o carro e a encarou. — Cretino, sabe? Homem vagabundo que não presta. Conheci muitos e estou na frente do pior deles. — Mulher, você está passando um pouco dos limites. — Nunca conheci. Mas tenho classe para lidar com a falta. "Que mulherzinha

mais

impertinente." Ele resmungou

em

pensamento e mediu o tamanho dela com os olhos. — Por que voltou ao Brasil, Maria Eduarda? — Não foi por você, basta saber disso. "Essa mulher é rancorosa ou imprudente?" Ele continuou analisando e cruzou os braços. — Ótimo sinal. — Luiz Miguel se atreveu a falar. — Assim, não vou precisar afastar uma chave de cadeia de meio metro. — Chave de cadeia é um soco no pau... do seu nariz! Repete para você ver! — Ela andou um passo à frente. — Sou advogada de inocentes e tenho 1,56. Luiz apertou o polegar e o indicador nos olhos e sorriu, balançando o rosto de um lado a outro. — Advogada? Tudo bem, não importa. Eu só quero deixar uma coisa bem clara: não vou perder outro rim por você! Então, se quiser viver suas loucuras mantenha distância. — Eu nunca te obriguei a perder esse rim. Não tenho controle sobre rins alheios. Não tente jogar isso na minha cara, Luiz Miguel. — Tira o carro da minha frente, Maria Eduarda, estou com pressa. — Ele continuou sorrindo. — A rua é enorme! — Ela abriu os braços o incentivando. — Saia você da minha frente. — Diminuiu o espaço até ele. "Não me provoque ou eu calo a sua boca, mulher atrevida."

— Você entrou no meu caminho... — Ele desviou os olhos rapidamente, pois a profundidade daquele azul o atormentou. — Você está na entrada do portão, precisa sair. Seja rápida. — O que foi? Está fugindo dos meus olhos, bonitão? — ela perguntou atrevida. — Me contaram sobre você. — Te contaram? Quem te contou? Por que precisou que alguém te contasse? — Eu não lembrei depois do acidente. — Não? — As mãos de Duda pararam nos braços dele e começou inconscientemente acariciar os músculos. O olhar seguia firme tentando prender a atenção dos olhos fujões. Luiz Miguel olhou para as mãos dela e aceitou a cortesia. — A última imagem que tenho sua é na porta da escola. Depois disso, mais nada. Dizem que nos apaixonamos. Isso é indiferente para mim. A única certeza que eu tenho é de ter ferrado tudo quando me aproximei de você. — Você bateu a cabeça no acidente? — Ela tocou o rosto dele, mas Luiz Miguel se afastou e entrou no carro. Duda não deixaria aquela conversa pela metade. Ela abriu a porta do carona e o encarou. — Você está sem memória de mim? — Ela assimilou as palavras e tentou organizando as informações. — Você não lembra de ter feito aquela palhaçada na última vez que estive na sua casa, depois de me dar um anel de compromisso?

— Olha, é muito estranho saber que um dia me envolvi com você, te olhar e não sentir nada. — Ele pausou a fala — Eu não sei como você fez para virar a minha cabeça naquela época. Mas com total certeza jogou baixo e o sexo era gostoso. — Sexo? — Duda perguntou, mas ainda assimilava as informações. — Sim, gostoso. — Ele repetiu. — Não lembro, mas é a única explicação, para virar minha cabeça é fugir de um propósito planejado por anos. — Luiz Miguel sorriu, mas não tinha nenhum sinal de humor. — A vingança tatuada nas suas costas... — Ela ainda estava com o olhar distante. — De qualquer forma, foi um péssimo momento para você ter voltado ao Brasil. — De quantos anos você esqueceu? — Duda perguntou com a voz embargada, desta vez olhava para ele. — Você não vai chorar, não é? — ele perguntou, pois, lágrimas de mulher eram o seu ponto fraco. — Acho que merecíamos essa conversa para encerrarmos o assunto. — Ali tão claro e perto, ele percebeu que, além do tecido do vestido ser muito fino, o forro que deveria proteger o busto transparecia que tinha seios livres ali por baixo. — Eu... — Tentou não olhar tanto. — Esqueci alguns meses e não fui canalha com você, eu acho. Agora é melhor você sair do carro. — Ele ligou o motor. Ele não revelou o mal-entendido do exame, pois não desejava mexer no assunto da paternidade.

— Você esqueceu os meses que me enganou? Onde foi parar a tia bandida? Você lembra quando ela apontou uma arma na direção do meu peito e você me prometendo proteção? — Sai do carro mulher, não se meta mais nisso. — Estou tentando entender se essa amnésia é verdade ou outra enganação. Canalha você é, até que me prove o contrário. — Vamos encerrar esse assunto. E, mantenha distância. Vai ser melhor para você. Mesmo não fazendo ideia do que aconteceu, eu tenho consideração pelo que dizem que vivemos. — Falso. Ainda pretende se vingar do meu pai? Vai usar quem? A Nik? Fiquei sabendo que você está frequentando as mesmas festas que ela. Eu não vou permitir! Não se meta com a minha família, Luiz Miguel. — Espero que você saia rápido do Brasil. — Ele passou sobre ela e abriu a porta. — O mais rápido possível. E... veste algo menos transparente quando sair por aí, as coisas tudo soltas. — Ele estava olhando na direção vidro frontal. — É muito atrevimento! — Duda cruzou as mãos frente ao corpo. — De repente me deu uma vontade louca de continuar no Brasil. Acho que não volto tão cedo a Taiwan. — Já percebi que você é osso duro de roer, Maria Eduarda. A verdadeira carne de pescoço. Mas você não vai interferir nos meus planos. Eu não tenho responsabilidade nenhuma com você. Por favor, para de me perseguir. O que fazia no condomínio da minha mãe?

— Vim tomar chá com biscoitos e ver o paraíso de dez mil metros que ela adquiriu. São o quê, vinte casas que pertence a sua família? Luiz Miguel sorriu, sem conseguir definir a irritação e o humor. — O nome problema está escrito na sua testa mulher. Você já me deu muito prejuízo na vida. Vai agora. Duda soltou o ar pelas narinas, levantou o nariz, saiu do conversível dele e entrou no carro dela. — Então você não quer problema, não é mesmo, caro grandão? — Ela mordeu o lábio arteiramente, ligou o carro, deu ré e bateu outra vez do conversível de Luiz Miguel. — Desculpa, me atrapalhei aqui com os meus problemas. — gritou quando passou por ele. — Você é uma advogada Maria Eduarda, isso foi tão errado. — Sorriu satisfeita e buzinou se despedindo.

QUARENTA E DOIS — Como conseguiu detonar o carro tão cedo? — Rosinaldo estava avaliando o estrago no conversível de Luiz Miguel. O segurança esteve presente durante a recuperação do amigo e depois de alguns meses, ele e Samanta já estavam morando juntos. Rosinaldo se associou a Luiz Miguel em uma empresa paralela. A academia de luta "Anjos da noite" vinha ganhando destaques na cidade e consequentemente rendendo muito dinheiro. — Uma louca jogou o carro na minha frente, aqui, na entrada do condomínio. — Uma louca que vai sair com você hoje à noite. — Rosinaldo ironizou, sabendo a facilidade do amigo em contornar a situação quando se tratava de mulheres. O olhar de Luiz Miguel embora estivesse no estrago de seu carro parecia longe. Ele não conseguia lembrar os momentos que viveu com Duda, mesmo assim percebia sentimentos impetuosos ao vê-la. — Ela não me afeta — Acabou falando em voz alta. — Ainda é a maluca? — Rosinaldo perguntou sem muito interesse, ainda analisava o carro. — É só uma pessoa irritante. Você consegue ver isso para mim?

— Vou levar no conserto, em dois dias eles devolvem. *** Luiz Miguel estava jogado no sofá da sala, rodando as chaves de seu carro entre os dedos. Pensava nas pancadas que levou em dois momentos que reencontrou Maria Eduarda Medeiros. Definitivamente, a mulher era uma nitroglicerina ambulante. Alicia desceu as escadas com os pés descalços, usando um short jeans de cintura alta destroyed e uma camiseta Chanel. — Mimo. — Oi Alicia, não te vi aí. — Por que está aqui tão cedo? — perguntou a irmã. Luiz Miguel com toda a correria em administrar vários negócios, só aparecia na casa da mãe aos domingos, contudo tinha entrado de férias de um dos trabalhos, teve alguns sonhos conturbados naquela madrugada e foi ver se estava tudo bem em casa. No momento que encontrou Duda, teve certeza que ela era o motivo da conturbação. — Vou ficar por aqui o dia todo, preciso descansar um pouco. — Você está estranho. Foi se encontrar mais uma vez com a insuportável da Nicole? — Não, Alicia. Não vejo a minha irmã já tem um tempo. Eu já avisei que não quero você falando dela com indiferença. — Sua irmã... — Os olhos de Alicia encheram-se de lágrimas — Sua

irmã sou eu. Eu não gosto, você deveria respeitar a minha posição de irmã legítima. — A ruiva esguia é extremamente mimada chorou, pois aquele era o mundo dela e não aceitava nenhum tipo de concorrência. Alicia possuía sentimentos de posse com tudo o que estava próximo, até o irmão caçula com quem ela vivia brigando, sofria a pressão quando estava de namorada nova. — Já conversamos sobre isso, você está com vinte e três e não é mais uma criança com dificuldade de entender as coisas. — Preciso viajar para um bom spa. — Alicia ponderou o tom de voz. — Estou sensível e gorda. — Gorda Alicia? Eu achei que você emagreceu. Está com o quê? Quarenta quilos? — Quarenta e oito e oitenta e cinco gramas. Preciso fazer alguma coisa. — Está indo ao psicólogo? — perguntou o irmão. — Todas às sextas. Só preciso viajar agora e respirar ar puro. — De quanto precisa? — Não sei, talvez uns dez mil. Vou levar o Teozinho e cobram uma taxa maior por animal. Se eu precisar de mais dinheiro, não se preocupe, eu te mando uma mensagem. — Transfiro daqui a pouco, vá arrumar suas malas. — Você definitivamente é o melhor irmão do mundo. Que o Heitor

não me ouça. — A ruiva falou em um tom baixo, depois de beijar o rosto do mais velho. — Ouvi e não faço questão. — Heitor entrou na sala com os olhos fixos no celular e se jogou ao lado irmã. — Deu quanto para Maria interesseira dessa vez? — Garoto insuportável. É por isso que o Mimo é o meu preferido — Alicia empurrou o tronco do irmão, mas ele não retirou os olhos do celular. — A grana que você já extorquiu dele, seria suficiente para abrir algum negócio e parar de se encostar. — Ei, vamos parar os dois?! — Luiz Miguel interferiu. — Eu vou reconsiderar isso, Heitor — Alicia respirou fundo. — O Mimo me oferece as coisas, eu jamais vou rejeitar algo que vem do coração. — Está certo, você não é interesseira. — Heitor fez pouco caso é continuou envolvido na tela. — Só porque criou uma droga de aplicativo, se acha o gênio da família! — Alicia olhou para Luiz Miguel em busca de um aliado, contudo ele estava olhando para o forro de gesso da sala e parecia muito distante. — Mimo! — Alicia, vá arrumar suas coisas. — Luiz Miguel se levantou do sofá. — Heitor, vamos lá fora ver uma coisa no meu carro. Luiz Miguel caminhou até a porta, Heitor o acompanhou. Alicia ficou contrariada pela falta de defesa.

— Que merda foi essa? — Heitor cutucou com o tênis a lâmpada quebrada. — Bateram nele. — Você estava parado e alguém veio e bateu no seu carro? — Eu estava em movimento, veio alguém e bateu no meu carro. — Por que tanto rodeio? O que aconteceu com esse carro afinal? — indagou o mais novo. — Não é tão importante, mas é bom conversar com uma pessoa de confiança. — Luiz Miguel tragou o ar com força. — Engravidou alguém? — Maria Eduarda Moedeiros voltou. — A sua namorada? — Maria Eduarda, Heitor. — Ela voltou logo agora, cara. Mas que azar da porra que essa menina tem. — A coisa vai ficar complicada, definitivamente ela fez um péssimo negócio voltando ao Brasil. — Game Over para uma cacetada de coisas, meu irmão. — Tudo vai continuar como o planejado. Ela não vai aparecer mais na minha frente, tampouco serei babá de mulher gran... não tão grande, mas adulta o suficiente.

— Conta aí, está gata? — O mais novo bateu o dorso da mão no peito do mais velho. — Não reparei muito. Está normal, mesmo tamanho, olho azul, perturbada... Isso eu presumia, para eu ter quase me ferrado por ela. Conseguiu os códigos? — Você já foi louco por ela, cara. — Heitor insistiu na conversa. — Deveria conversar com ela direito? — Já conversamos e encerramos o assunto, mas antes ela meteu a mão na minha cara, me atacou, deu um chute no meio das pernas e detonou meu conversível novo. Isso somando vinte minutos dos dois encontros. — Você está ferrado. — Os códigos, Heitor. Conseguiu? — Consegui. Estamos no poder novamente. — Ótimo, estou quase lá, agora falta pouco. — Ela já mudou a sua cabeça uma vez, Mimo. Não se esqueça disso. — Sem chances, Heitor. *** — Luiz Miguel estava em um jantar de negócios no restaurante mais requisitado da cidade. Vanessa estava ao seu lado, como sempre fazia naquelas ocasiões. Ela e Luiz Miguel seguiam amigos, mas às vezes, quase sempre, viviam um na cama do outro. Ele já tinha proposto que morassem juntos, mas ela recusou. A morena queria apenas trabalhar, ser independente

e namorar o melhor amigo quando sentisse vontade. Ainda não tinha aparecido ameaças para sua comodidade. Luiz Miguel estava animado, pois a empreiteira Eagle tinha fechado um grande contrato. Sua nova empresa estava subindo rápido, mais rápido do que ele imaginava. Ainda sorria com as piadas de um dos clientes metido a comediante quando viu Duda entrando no restaurante com Nicole e Kamon. Perdeu o riso no mesmo momento e ingeriu uma dose de vinho. Vanessa demorou alguns minutos para perceber que ele olhava um tanto irritado para o outro lado do salão, mas logo percebeu a loira sorridente que jogava os cabelos, sem dá a mínima para ele. — Isso não está acontecendo. — A morena deixou escapar. — É ela? — perguntou no ouvido dele, sem conseguir esconder o desconforto. Luiz Miguel mexeu a mão esquerda, que estava abaixo da de Vanessa, e naquele momento teve os olhos azuis penetrando os seus. — Sim, é ela. — ele respondeu, olhando fixamente para a loira. — Já tinham se encontrado? —Vanessa continuou sussurrando, mas ele continuou com o Duelo de olhar e não respondeu. — Luiz Miguel! — Vanessa o surpreendeu com um grito. — Vanessa, o que está fazendo? — perguntou um tanto assustado, pois a amiga nunca tinha mostrado insegurança, tampouco ciúmes. — Ela voltou e você já... Tudo bem — Vanessa respirou fundo. — Não foi nada. — Com licença senhores. — Luiz Miguel levantou e seguiu para o

banheiro masculino. Frente ao espelho, ele olhou o próprio reflexo confuso. A sua mente projetava o olhar que recebeu um minuto antes e aquilo não estava em seus planos. — Isso não pode acontecer. — Sentiu dificuldade para respirar. — Ela é só uma mulher, como outra qualquer... — Tentou convencer a imagem no espelho. — Luiz abre a porta. — Vanessa forçou a fechadura pelo lado de fora. — Vanessa, volte para a mesa. — falou autoritário, ainda com os olhos vidrados no espelho. — Estarei em cinco minutos. — Os clientes são seus, não meus. — Vanessa não insistiu. Saiu possessa de raiva. Luiz Miguel abriu a torneira e com um bocado de água no rosto tentou recuperar a sanidade. Bateram novamente na porta, ele secou o rosto com papel toalha e abriu para outro possível cliente usar o banheiro. — Nicole! — gritou assim que viu a morena com o punho fechado, pronta para bater novamente. — Oi Romeu. — Esse é o banheiro masculino. — Qual o problema? — Nicole tentou espiar lá dentro, mas foi impedida.

— Poderia ter homens aqui dentro Nicole. — Tem um homem agora mesmo aí dentro — Ela apontou para ele e continuou tentando bisbilhotar. — Eu não te faria mal, outro desgraçado sim. — Saiu da divisa da porta e afastou a irmã. — O que você quer? — Que você bata a cabeça e conserte a linda cachola. Coisa simples. Posso te ajudar com isso. — Volte à sua mesa e fique longe daquele sujeito. Está me ouvindo? — O Kamon? Ele é um gatinho, mas é a da Duda. — Nicole fez beicinho, mas logo o olhou atravessado. — Por que está me alertando? — o questionou. — Você está bem? — Ele tentou desviar das perguntas. — Estou... — Nicole estreitou os olhos tentando decifrar o que estava acontecendo, os encontros deles eram sempre estranhos. "Será que ele desconfia do meu trabalho de campo?" — Eu preciso ir, se cuide e não bata em um banheiro masculino. — Luiz Miguel fechou a porta do banheiro e caminhou em direção ao segundo corredor. — E se eu me confundir e bater sem saber? — Nicole interrompeu os passos dele. — Isso pode acontecer, não é mesmo? — Ela ainda estava criando teses. — Vá ao banheiro antes de sair de casa. — Ele sugeriu antes de

continuar caminhando. Quando ele chegou ao segundo corredor se bateu com Duda. Tentou passar direto, mas ela segurou bem forte em seu braço, em seguida apertou a mão contar a dele. O toque dela fez o corpo masculino estremecer por inteiro. Era uma sensação nova, ele não se lembrava de ter sentido algo parecido antes. Tentou fugir da íris azul, no entanto o olhar de Duda era como um imã que o capturava com uma força descomunal. — Sua... sua amiga está lá, tentando entrar no banheiro masculino, vá ajudá-la. — A voz grossa demonstrou indiferença, diferente da confusão dos pensamentos. — Aceitei você entrando em meu quarto durante muitas madrugadas. Eu posso não ter juízo igual ela. — O que disse? — ele perguntou. Era desconcertante não ter nenhuma informação. — Hoje, é muito estranho saber que me relacionei com uma adolescente mais que o necessário. Peço até desculpas por esse absurdo. — Você me beijou pela primeira vez em meu quarto e eu nem sabia o que era aquilo. Me pegava as madrugadas para passeios de moto. Me ensinou a pilotar, depois ficou irritado quando eu aprendi rápido demais. — Duda sorriu ácida, contendo a vontade de chorar. — Era tudo enganação. — falou com lágrimas nos olhos. — Preciso voltar para o jantar. — Ele quis encerrar a conversa e principalmente sair antes que aquelas lágrimas rolassem. — Tenho um jantar com clientes — Olhou para a mão que o segurava — Não tenho tempo a

perder. — Puxou a mão abruptamente. — Você está armado? — Ela viu o cabo da pistola preso à cintura dele depois do movimento abrupto que ele que fez. — Por que está com uma pistola? — Duda se aproximou e tentou pegar a arma, pois sua curiosidade gritou. — Nunca mais se aproxime de uma pessoa armada, não seja imprudente doutora. — Ele segurou firme nos braços dela e acabou inalando o aroma inebriante da orquídea chocolate. Luiz Miguel fechou os olhos, pois teve um lapso de imagens desconexas e várias conversas uma sobre a outra. Aquilo durou apenas dez segundos. Quando ele abriu os olhos Duda o encarava e transparecia preocupação. — Você ficará saudável se manter distância de mim. — Abotoou o blazer. — Vamos evitar aproximação. Não me lembro de você e tenho muito trabalho a fazer. — Eu nunca corri atrás de você antes, tampouco vou fazer agora. Foi você que invadiu a minha vida. Com licença. — Ela o deixou e seguiu na direção do banheiro feminino. Luiz Miguel permaneceu no mesmo lugar, observando-a até sumir no corredor.

QUARENTA E TRÊS — Você está bem? — Nicole abanou o rosto da amiga. As duas estavam dentro do banheiro. Duda soprou o ar lentamente, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair. — Ele tinha uma arma na cintura. — Arma? — Nicole abanou o próprio rosto. — Você acha que ele descobriu sobre as minhas investigações? — Acredito que não, você é a melhor. Mas agora quero saber mais. Se ele tiver tramando contra a minha família, vou colocá-lo atrás das grades. Preciso ser rápida. — O único lugar que não obtive resultados foi na academia. Ele aparece lá de vez e nunca, mas os funcionários podem saber de algo do patrão. — Ele abriu uma academia? — Duda ainda não tinha aquela informação. — Anjos da noite. Bastante famosa aqui na cidade. Fiz matrícula, mas precisei abandonar. Não suportei apanhar de uma brutamonte que se dizia instrutora. A mulher parecia a Srta. Agatha Trunchbull, a diretora do filme Matilda. Eu tinha pesadelos todas as noites com ela. Fiquei apenas dois

dias. — Tudo bem, você não precisa fazer isso, deixa essa parte comigo. Vamos comer e voltar para casa. Preciso encontrar um caminho para vigiá-lo de perto. — Duda entrelaçou o braço ao de Nicole e saiu do banheiro. Elas voltaram para a mesa e Luiz Miguel acompanhou os passos com o olhar. Ele já tinha finalizando o assunto de trabalho e contava os minutos para encerrar o jantar. — Dorme comigo, hoje? — perguntou no ouvido de Vanessa. — Era o meu plano, mas não vou ser a sua segunda opção. — Vanessa também sussurrou. — Você está doido para ir lá, pegar a loira e colocar de volta na sua vida. Vá atrás dela ou passe a noite chupando dedo. Luiz Miguel sorriu. — Confesso que estou surpreso com os seus ciúmes, Vanessa — Ele batucou os dedos na taça de vinho sobre a mesa e olhou outra vezes na direção das meninas. — Aquilo não te incomoda, Luiz? Por alguma razão, Duda distribuía vários beijinhos no rosto e testa de Kamon. — Me importa ver a minha irmã ali. Não tenho qualquer envolvimento com a outra mulher. Vou buscar a Nicole e volto para te pegar, com licença senhores, volto em um minuto. — Ele saiu da mesa. — Boa noite. — A voz rouca de Luiz Miguel fez Duda levantar a

cabeça. — Encontrei você anos atrás, em um evento nos Estados Unidos. Vendia cocaína, estou certo? — Luiz Miguel perguntou sem pudor. Há quem diga que ele quis sujar a imagem de Kamon. — Era uma mercadoria de primeira. — O taiwanês seguiu o jogo. — Eu me lembro de você. Um cliente assíduo durante os cinco dias que durou o evento. Hoje sou empresário do ramo de pedras preciosas. — Kamon levantou e estendeu a mão. — Continua usando? O maxilar de Luiz Miguel trincou. Ele sentiu o olhar de Duda queimar a sua pele. Também quis olhá-la e descobrir os traços faciais ao receber aquela informação, sim, ele se preocupou e aquilo foi tão contraditório. Ele se limitou a apertar a mão estendida. — A adrenalina da luta ilegal exigia uma dose de irresponsabilidade. — Sua explicação foi direcionada. — Hoje sou dono de uma empreiteira, entre outros trabalhos legalizados. — Segurou a mão da irmã, fazendo-a levantar da mesa. — Vamos Nicole. — O quê? — Nicole arregalou os olhos. — Como assim? Duda ele descobriu tudo e quer me sequestrar, liga para o meu pai, polícia ou tio Edu. Socorro! — Solta, agora! — Kamon segurou a cintura de Nicole. Luiz Miguel empurrou o peito do taiwanês, que se bateu com um garçom. As taças que o homem carregava se espalharam no chão. — Você quer brigar? Beleza, vamos lá fora, mas a Nicole não sai

daqui com você. — Kamon segurou firme na mão da morena. — Eu não sei de quase nada. — Nicole sorriu de puro medo. Duda permaneceu sentada, fitando o ex-namorado e tentando descobrir o que realmente estava acontecendo. — Vamos Nicole, eu te deixo em casa. — Luiz Miguel ponderou o tom de voz. — O casal quer privacidade e você está atrapalhando. Duda cruzou os braços, sem tirar o olhar de sobre ele. — Obrigada pelo convite. — Nicole puxou a mão com força. — Me solta! Eu não posso andar com desconhecidos e perigosos. — Estapeou Luiz Miguel. — Senhores, estão causando transtorno. — Um garçom falou discretamente. — Fique longe dela. — Luiz Miguel ameaçou antes de sair. Ele precisava evitar escândalos na frente dos novos clientes. — Isso foi estranho. — Nicole sentou devagar, pegou uma das taças sobre a mesa e bebericou um gole de água. — Obrigado oriental. — Ele te machucou? — Kamon perguntou. — Um pouco, olha. — Nicole mostrou o braço. Luiz Miguel tinha segurado apenas na mão. — Sabe fazer massagem? — Depende... Duda continuou observando. Luiz Miguel se despediu dos clientes na mesa e saiu do restaurante ao lado de Vanessa.

— Fiquem aqui, vou ali fora e já volto. — Duda saiu da mesa e seguiu o casal. Já no lado de fora, ela viu Luiz Miguel entrando numa caminhonete estacionada a pouco mais de cinquenta metros. Parou no centro da pista e esperou o veículo se aproximar. Vanessa apoiou o braço no vidro da janela e sorriu insatisfeita. Luiz Miguel retirou o cinto bruscamente e saiu do carro. — Você quer causar um acidente? — ele indagou e bateu à porta do carro. — Você está forjando algo contra a família Moedeiros e Sampaio, senhor Luiz Miguel?! — Duda perguntou formalmente. — Não tente usar seu autoritarismo sobre mim, doutora. Seja menos problemática e saia da estrada. — Ainda não tenho provas, mas acredito que a sua amnésia não passa de um grande fingimento. Aonde foi parar a titia bandida? — Duda cruzou os braços. — Por que tão de repente estamos em lugares semelhantes? Perseguição é crime, lei 83 do Artigo 154. — Ele tentou enfraquecer a fortaleza de Duda, pois ela o desconcertou totalmente. — Vai mandar me prender, sabido? — Duda achou um desaforo. — Você é louca, mulher? — Mas louco é perder um rim dentro de uma farsa. Ou será que você já foi louco por uma louca? — Ela improvisou a ironia de última hora. Melhor provocar a ter que mostrar fraqueza.

— Maria Eduarda, volta para o seu namorado e libera a pista. — Ele diminuiu três passos de distância que os separava. — Não vai rolar reconciliação, se é isso o que a doutora deseja. As palavras dele fez Duda sorrir. — Sabe, outro dia eu estava lembrando as nossas madrugadas. — Ela desceu o indicador sobre o blazer grafite e viu exatamente o momento que ele engoliu em seco, demonstrando o nervosismo. — Você foi... tão quente naquele inverno — Ela fitou os olhos castanhos e foi correspondida. — Eu jurava que estávamos envolvidos em uma conexão real — sussurrou e desejou ser mais alta para provocar próximo aos lábios dele. Ela só queria tirá-lo do sério, contudo se surpreendeu quando ele tocou a sua cintura e friccionou os dedos na curva. — Estou com uma amiga no carro, mas eu volto logo. Os olhos de Duda se acentuaram, seu corpo estremeceu e os olhos lacrimejaram. Teve certeza que era perigoso mexer no passado, ele acordava muito rápido e trazia dores. — Boa noite, senhor furacão. — Ela colocou a mão sobre a dele e afastou a cintura. "O que está errado?" questionou surpresa com o resultado do seu improviso. Estava caminhando na direção do restaurante. — Por que "senhor furacão"? — Ele seguiu atrás dela. — Você me deixou curioso, me chamava assim na intimidade? — Ele quis continuar a conversa. — Eu vou levar a minha amiga e volto para te pegar, tudo bem?

Duda tentando controlar o surto imprudente que surgiu dentro de seu interior. Era um passado errado, ela precisava lembrar. Quando virou o corpo para olhá-lo viu Vanessa abrir a porta do carro e observá-los. — Sua parceira está te esperando. Pelo que vejo, a relação de vocês era muito real. Não faça com ela o que você fez comigo. Mulher nenhuma merece passar por isso. — Eu não estou namorando a Vanessa. O que aconteceu no passado tem uma explicação coerente. — Tente se explicar. — Duda odiou por não conseguir controlar a lágrima que escorreu de seu olho esquerdo. — Não chora. Me dá uma angústia da porra ver mulher chorando. — Não estou, são apenas dias de fraqueza. Sou forte. — Você está de carro? Eu deixo o meu com a Vanessa e vou com você. Amanhã seguimos a nossa vida, longe um do outro. Só uma noite e nada mais. Duda tentou atacá-lo no rosto, mas Luiz Miguel segurou o punho dela. — Ódio de um dia ter acreditado em suas mentiras. — Você é violenta com todos ou sou o privilegiado? — É horrível propor esse tipo de coisa para uma mulher que você fez sofrer ainda menina... — A voz de Duda saiu embargada. — Eu não vivo de momentos. Ela puxou a mão abruptamente e continuou andando.

— Eu entendo que existe uma ferida aberta, mas eu não te propus um absurdo... — A vagabundagem cauteriza o senso do canalha. — Duda o interrompeu. — Fique longe da minha família. — Subiu na rampa e entrou no restaurante. — Eu não deveria ter feito a proposta. Errei... — Luiz Miguel explicou, sozinho. — Foi o caralho da vontade de dar um beijo na sua boca, mulher problemática!

QUARENTA E QUATRO Dois dias depois... — Eduardo implantou um sistema de segurança moderno, desde então as tentativas não são bem-sucedidas. Mas ainda sofremos ameaças silenciosas. A cada tentativa é a certeza de que estamos sendo vigiados. Mãe e filha estavam sentadas à mesa da cozinha. Maria Fernanda relatava os acontecimentos dos últimos meses. — Transferiram quanto, maman? — perguntou Duda. — Apenas um pequeno sinal. Um detetive particular está auxiliando nas investigações. O Eduardo achou melhor não envolver a polícia por enquanto, assim evitamos um novo escândalo. — Esse detetive é de confiança? — Duda se interessou pela ajuda extra. — Segundo o seu pai, é dos melhores da cidade. Trabalha com o seu avô. — Falar nisso, marquei uma visita no escritório do vovô. — Duda bebeu boa quantidade de suco e se levantou da cadeira — Estou atrasada, preciso fazer muita coisa hoje. — Ei... Aonde pensa que vai? — Eduardo a interceptou no meio do caminho.

— Visitar o escritório do vovô Olavo. — Ela deu um beijo estralado no rosto do pai. — Vou observar o Olavinho desde cedo, alguém precisa me ajudar com a Moedeiros. — Você terá netos, Dudu. Logo chega o seu sucessor. — Mesmo você seguindo o oposto do que planejei, tenho muito orgulho de você, filha. Eu fico emocionado, minha Dudinha é quase uma doutora. Duda viu os olhos de Eduardo umedecer. — Dudu não me faça chorar logo cedo. Estou de TPM. — Ela passou as pontas dos dedos debaixo dos olhos de Eduardo e abraçou o pai chorão. — Aquele escritório um dia será seu. E você será a melhor, tenho certeza. — Eu serei, papai. Só não chora. Preciso ver o vovô agora. — Ela jogou um beijo e saiu da cozinha. *** Duda estava em uma das salas do maior escritório de advocacia da cidade. Um homem alto, de meia idade, trajando terno cinza, estava sentado à sua frente. Antônio Guimarães era um detetive particular com fama de ser competente. Ela estava o contratando para seguir os passos de Luiz Miguel. Ela tinha relatado o necessário e naquele momento tentava afastar a

ânsia que sentia ao ser devorada pelos olhos do homem. — Qual o seu interesse no empresário, digo, onde espera chegar ao final das investigações. — perguntou Antônio Guimarães. — A senhorita também desconfia do envolvimento dele nas invasões da empresa da sua família? — É um tanto óbvio. — Duda estava muito incomodada e tentava ser mais fria possível. — Mas trate como um trabalho distinto ao contratado pelo meu pai. — Tudo bem, o doutor Eduardo não saberá de nada. Posso te ajudar em mais alguma coisa senhorita? O homem estava hipnotizado com a beleza da mulher a sua frente e não conseguia disfarçar. — Doutora. — Duda o corrigiu. — Eu tenho muito trabalho a fazer agora, se puder adiantar o seu... — Claro, já estou de saída — O homem se levantou, abotoou o terno e deu uma última olhada indiscreta em Duda. — Tenha um bom dia, doutora. Assim que o homem fechou a porta, Duda levantou, andou de um lado a outro na sala e decidiu procurar o avô mais uma vez. — Dudinha... — Olavo estava despejando café numa xícara quando a porta de sua sala foi aberta. — Estou atrapalhando, vovô? — Não, entre. Isso aqui é tudo seu.

— Vovô, o senhor confia no detetive Antônio Guimarães? — Ela sentou na poltrona de couro marrom. — Ele é um bom profissional, um dos melhores. Teve uma má impressão? — Sim. Algo nele não me faz bem. O observe, por favor. — Farei isso. Aceita um café cremoso? — O velho preparou outra xícara. — Não sou muito fã de café, mas aceito. — Seu primo Felipe volta em uma semana do congresso, o que você acha de estagiar com ele? Assim vai adquirindo prática na profissão. — O velho entregou a xícara. — Aceito. Venho uma vez por semana, se o senhor permitir. — Uma vez por semana está ótimo. Assim você não perde as suas férias. Será um bom momento para os meus herdeiros superar uma briga que tiveram na adolescência. — O senhor sabe o gênio forte do seu neto. Eu já tentei comunicação muitas vezes, mas ele não me dá abertura. O Lipe é rancoroso. — Vocês ainda me darão muito orgulho juntos. Seja bem-vinda Dudinha... Doutora Maria Eduarda — O velho consertou e beijou a mão da neta em exaltação. — A melhor advogada no estado do Paraná. — Futura, Vovô. Terminei o bacharelado agora. ***

No final da tarde, Kamon passou no escritório para pegar Duda. Eles estavam em carros separados, mas andavam lado a lado na pista, algo que irritou alguns motoristas. Quando chegaram ao lugar desejado, ambos disputaram uma única vaga existente. Duda ganhou a disputa por encaixar seu carro segundos antes. Kamon deixou seu carro no acostamento da estrada, sujeito a multas. — Ele realmente conseguiu muito dinheiro — Duda estava frente à academia de luta. — É uma bela arquitetura. — Admirou o prédio de três andares composto com frente de blindex. De fora era possível ver diversos treinos de artes marciais. — Estou começando a gostar. — Kamon parou ao lado dela. — Ele preservou boa parte da área verde. — Duda olhou ao redor e constatou muitas árvores que cercavam o imóvel. — Aqui seria uma casa de jogos, Kamon. Estou muito curiosa para saber sobre a mudança no projeto. — Quando você não está curiosa? — Kamon empurrou a porta de vidro e foi recebida pelo sorriso de uma funcionária com o fardamento esportivo. — Boa noite. — O sotaque de Kamon levou a jovem soltar um suspiro. — Larissa... você é... desculpe... — A moça tentou organizar as palavras. — Boa noite, sou a Larissa, posso ajudá-los? — Boa noite, Lary, sou Kamon. Queremos fazer matrícula. Você já está de saída?

— Não, eu só tinha uma aulinha na faculdade, mas descobrir que foi adiada. Vamos até o atendimento. — A moça seguiu até o balcão e ligou o computador. — Oi Lary, sou o Kamon — Duda sussurrou no caminho até o balcão. — É uma gata. — O taiwanês se explicou. — Praticam alguma arte marcial específica? — Eu todas. A Duda quer desafios. Pode ser em qualquer uma, contudo que seja no horário da noite. — Kamon pensou na gestão da joalheria. — Não há mais vaga no horário noturno. — A atendente lamentou. — A academia está lotada. — Mas você vai conseguir duas vagas não é, linda? — A voz de Kamon saiu extremamente sexy. Duda controlou o sorriso. — Bem... — A moça mexeu em seu computador — Deixe-me ver as possibilidades... Olha só, acaba de aparecer duas vagas... oito horas da noite, que sorte, hein? — Você que é um anjo muito competente Lary. Seus olhos são lindos. — Kamon continuou flertando. Duda deu uma cotovelada nele. — Ah, obrigada. — A jovem de cabelos longos suspirou. — Os exames cardíacos e hemograma estão em dias? Preciso de exames válidos.

Tragam RG amanhã, estamos sem sistema, não consigo fazer a matrícula hoje. Era mentira, simplesmente não tinha surgido às vagas. — Traremos tudo amanhã Lary. — Duda respondeu. — Desejam conhecer a academia? — perguntou a moça. — Muito. — Duda respondeu de imediato. — Eu vou ali e volto em um minuto. — A atendente permaneceu olhando para Kamon — Não vou demorar. — Obrigada anjo. Os seus olhos são lindos. — Kamon deu o seu melhor sorriso e arriscou uma piscadela. A moça enrubesceu e entrou em uma das salas. — Seus olhos são lindos — Duda resmungou. — São olhos verdes naturais. Isso chama a minha atenção, você sabe disso. Não me diga que está com ciúmes? — Kamon segurou o rosto da amiga — Ciúmes, Duda? Vamos casar e ter filhos? — Ele cutucou os dois lados da cintura dela. — Não tenho ciúmes de você — Ela estava sendo induzida a sorrir com as cócegas inconvenientes que recebia — Para Kamon! Estão nos olhando. Somos adultos. Kamon apertou as bochechas dela entre o indicador e o polegar e beijou a boquinha de peixe. — Ciúmes ou não, Maria Eduarda? — Um pouco, quase nada. Você é insuportável.

Duda virou o corpo, ainda controlando o riso e deu de cara com o olhar frio de Luiz Miguel que os observava de perto. Ela estava diante de uma bela é perturbadora visão. Seu corpo entrou em choque, o alívio foi apertar as unhas nos braços de Kamon. Luiz Miguel usava um calção de flanela esportivo que deixava visível o tamanho das coxas e a camiseta de malha fina permitia uma visão completa dos braços musculosos e peitoral muito definido. — Boa noite. — Ele cumprimentou e passou ao lado dos dois. Quando Luiz Miguel subiu a escada, o pescoço de Duda tombou para o lado em admiração. — Vai ficar admirando a bunda do cara na minha frente? — Kamon reclamou, totalmente insatisfeito. — Eu não estou olhando. — Ela continuou seguindo os movimentos que as pernas dele fazia. — Esse homem sabe ser ridículo. — Voltei. — Larissa chegou, toda risonha. Vamos subir. Vou apresentar um dos patrões a vocês. *** Luiz Miguel entrou em uma das salas de Muay thai e observou o amigo e colega de profissão treinar alguns adolescentes. — Marcos! — Ele chamou o amigo. — Que surpresa é essa, irmão? — Preciso treinar. Minha intenção era aproveitar as férias, mas tem

uma louca me perseguindo por toda a parte — Ele emendou o assunto. — Louca de respeito ou de jogar pedra? — perguntou Marcos. — É a filha de Eduardo Moedeiros, ela voltou. — A sua menina? — Minha não, Marcos. Não temos nenhuma ligação, apenas um passado esquecido. — Ela já está te tirando do sério outra vez? — Marcos sorriu. — Você lembra de um traficante que vendia na porta do evento nos Estados Unidos, oito anos atrás? — O Japa? — indagou Marcos, recordando vagamente. — Não sei, talvez seja coreano, não importa. Acontece que Maria Eduarda Moedeiros está de caso com ele. E não vejo química nenhuma naquele casal. Marcos gargalhou e espancou de leve o peito do amigo. — Que porra é essa, Luiz? Química? Explica isso melhor. Não seria ciúme? — Continuou gargalhando. — Eles não parecem um casal de verdade. Tenho certeza que vivem de fachada. — O amigo continuou rindo. — Vou dá um soco na sua boca se não parar com essa porra. — Luiz Miguel ameaçou. — Fala aí, continua gata? — perguntou o amigo. — Ela não tem mais aqueles traços infantis. — Luiz Miguel também sorriu e se defendeu do soco do amigo zombeteiro. — É uma mulherzinha

irritante. — E os peitinhos continuam... — Qual é Marcos? — Luiz Miguel empurrou o peito do amigo — Eu já fui apaixonado pela galega. Está maluco? Estou de férias, mas não esqueça que você é meu subordinado, vá treinar os moleques. Falta de respeito do caralho. — Desculpa, parceiro. Foi apenas curiosidade. — Marcos tentou controlar o riso — Você está balançado cara. — Não estou. É muito pessoal, preciso evitar contato. Maria Eduarda não deveria ter voltado, não agora. Luiz Miguel friccionou as pestanas, pois surgiu uma vaga imagem dele andando de mãos dadas com Duda. Aquilo durou apenas três segundos e trouxe uma leve tortura. — O que foi irmão? — Marcos perguntou, preocupado. — Uma tontura, talvez seja fome. Vou à cantina e volto logo. Luiz Miguel seguiu na direção da escada, estava totalmente zonzo. Duda, Kamon e Larissa o encontraram no caminho. — Luiz Miguel, esses são os novos... — Venha comigo Larissa. Não está na hora da sua faculdade? — Ele interrompeu a mulher, segurou no corrimão da escada e começou descer. — Larissa! — Tornou a chamar. — O homem hoje está com a macaca. — Larissa reclamou baixinho,

mas Duda ouviu e observou os passos lentos de Luiz Miguel. — Vai Lary. Amanhã você nos mostra a academia. — Duda sugeriu ao ver Luiz Miguel parado no meio da recepção, nitidamente tonto. — O que você acha? — Larissa olhou para Kamon. — Vai Lary, voltamos amanhã. Vamos Kamon. — Duda insistiu e puxou a mão do amigo. Quando ela chegou ao térreo Luiz Miguel entrou em outra porta. *** No dia seguinte Duda Kamon e Nicole estavam almoçando em um dos restaurantes da cidade. — Você poderia me ajudar, sondando a Alicia, Kamon. — Tem olhos claros? — Cozidos. — Nicole respondeu e mastigou uma batatinha frita. — Qual é a rotina dela? — Kamon perguntou. — Sombra e água fresca. Ela não estuda, não tem amigos e não trabalha. É uma encostada que vive gastando o dinheiro do irmão. Nada muito interessante. — Nicole sugou suco de melancia pelo canudo. — Qual o seu problema com ela Nicole? — O taiwanês não deixou de perguntar. — Não sei, mas ele existe em algum lugar. — A Alicia é muito difícil de lidar. Já rolamos no meio do asfalto,

quando estudávamos juntas. — Duda mordiscou uma batata palito. — Espero que ela esteja menos mesquinha e preconceituosa. — Lembra Duda? Você estava morrendo de ciúmes do príncipe sapo. Quem diria que vocês não ficariam juntos? Eram tão cute cute . Eu apoiava e tudo. — Nicole gargalhou — A vida nos prega cada peça. Os caminhos escaparam do nosso controle. — É o Filipe? — Kamon sabia da história, pois Duda contou uma das vezes que precisou de colo, mas quis ter certeza. — O meu primeiro amor. Não nos falamos mais. Ele é mais orgulhoso que eu. Lipe trabalha no escritório desde os dezessete e agora está prestes a finalizar o bacharelado, certamente está ousado e muito experiente. Agora mesmo ele está em um congresso internacional. Vamos trabalhar juntos por três meses. Eu quero ver até quando ele vai manter esse gelo. — A azeda da Alicia gostava dele, o certo é ele te ajudar Duda, não o Kamon. Ela vai se apaixonar, eu tenho certeza. — Nicole sugeriu. — Você acha? — Kamon sorriu apenas com os olhos. — Não faça isso, é estranho, eles ficam ainda mais miúdos. — Nicole gargalhou de nervoso. — Eu vou indo, preciso fazer alguma coisa, em algum lugar, tenho certeza. — Ela pegou a bolsa e saiu às pressas, sendo observada pelo taiwanês. — Ela é linda. — Duda sorriu. — Você não acha Kamon? — Sim, é muito gata e louca também. É como se fosse você, só que morena.

— Mas tem uma coisa que eu faço e ela não sabe fazer. — Duda passou a ponta dos dedos na lapela da blusa que ele usava. — Se fosse uma coisa que você não faz eu adivinharia. — Palhaço! — Duda empurrou o rosto dele e perdeu o riso. — O que você faz e ela não? — Kamon à bajulou, enrolando uma mecha dos cabelos loiros. — Ela não sabe lutar e você poderia ser o professor. Nik é a pessoa ideal, aquela para quem eu te guardei esse tempo todo. — Nicolete? — Kamon sorriu e analisou a possibilidade. — Combinam em exatamente tudo. — Duda incentivou. — É linda, espontânea, divertida, vieram das ruas e encontraram uma família feliz... — Você sabe se ela fez algum tipo de promessa na infância? — Kamon! — Duda se ofendeu — Estou falando algo importante e sem relação nenhuma com as minhas intimidades. Estou de TPM emocional, você não deveria tocar em meus assuntos secretos. — Gosto quando chega o período do seu dengo, branquela. — Ele tentou beijar o rosto dela, mas levou um sopapo. — Vamos mudar de assunto, então? — Vou ver um jeito de entrar no apartamento do Luiz Miguel. — Duda revelou. — Até porque eu sou dono de uma joalheria e cumpriria a promessa rapidamente.

— Seu vagabundo! — Duda levantou da mesa. — Odeio você, isso é definitivo. Fique longe da minha amiga — Pegou a bolsa — Nunca mais olhe na minha cara. — O deixou sozinho na mesa. — Duda...! *** Oito horas da noite Kamon entrou na academia de mãos com a amiga. A briga foi resolvida com bombons e beijinhos carinhosos. Larissa, que tinha faltado aula outra vez, levantou da cadeira e caminhou até eles. — Sejam bem-vindos. Oito horas certinho, não que eu tivesse contando os... Vamos sentar, me acompanhem — A atendente limpou a garganta e mostrou o caminho. — Obrigada, anjo. Sempre gentil. — Kamon beijou o rosto da atendente e a moça soltou um suspiro adolescente. — Estamos com os documentos, Lary. — Duda apertou os lábios para controlar o riso quando Larissa tropeçou na própria cadeira. — Ele ainda está aí... — A atendente abaixou o rosto e sussurrou surpresa. Luiz Miguel estava atrás do grande corrimão de inox e vidro que cercava o segundo piso ao redor da grande recepção. — Vou levar outra bronca. — Larissa começou a digitar rapidamente. Duda não suportou a curiosidade e olhou na direção. — Luiz Miguel... Ele te daria uma bronca por me atender? — Duda achou um absurdo.

— Não, não foi isso o que eu quis dizer. O meu patrão tem suas particularidades e não gosta que descumpram as suas ordens. Eu descumprir esse é o problema. — Olha só... — Duda achou interessante. — Troquei o horário sem consultá-lo. Ele só vem treinar pela manhã e uma vez por semana, nunca às noites, mas veio ontem e hoje... Agora preciso arrumar uma boa desculpa, ele não vai aceitar os meus motivos. — Larissa olhou para Kamon. — Ele soube que eu vinha com o Kamon? — perguntou Duda, com o olhar fixo no homem de fisionomia séria. — Ele me perguntou ontem quando eu busquei o analgésico. As matrículas foram feitas e os novos alunos encaminhados à sala de Muay thai. Luiz Miguel viu a proximidade de Duda pelo reflexo e respirou irregular. Seu peito queimou de ansiedade. Tinha surgido outra lembrança, muito vaga, durante aquela madrugada e várias lacunas circulavam em seus pensamentos. Era angustiante não encontrar as respostas. O perfume da orquídea chocolate chegou às suas narinas no momento que ela parou atrás de suas costas. Ele precisou fechar os olhos e segurar a respiração para não demonstrar o descontrole. Ainda não conseguia lembrar daquele sentimento, mas já sentia o estrago que ele poderia causar. Ele debruçado sobre o corrimão e esperou Duda entrar na sala. Se aquela força devastadora voltasse, certamente ele perderia o foco do

planejado e protegê-la seria a sua nova prioridade. "Você não deveria ter voltado agora, pequena" pensou antes de entrar na sala.

QUARENTA E CINCO Duda viu pelo reflexo o momento que Luiz Miguel entrou na sala e sentou em um banco de descanso. — Se ficar distraída eu vou te acertar. — Kamon simulou um soco no peito dela. — Relaxa, ele não está te olhando. — Eu não estava... — Ela inspirou com intensidade e alongou os braços. —Vamos começar. Luiz Miguel pegou o celular no bolso da calça e mexeu no aparelho, mas o seu olhar estava preso na loira de roupas esportiva e cabelo preso desleixadamente no alto da cabeça. Percebeu que gostava daquele jeito natural e despreocupado dela. Ele analisou a desenvoltura dos movimentos de Duda e sentiu vontade de ir lá direcioná-la como sair da imobilização de Kamon. Onde estava a agilidade da mulher que o imobilizou no primeiro encontro? Certo que ele tinha facilitado, contudo deu para perceber que a velocidade e perspicácia dela se assemelhava a grande petulância. "Você pode mais garota." Torceu de longe. Marcos observou ele semicerrar os olhos enquanto olhava na direção da loira, desejando fortalecer os movimentos dela, mesmo à distância. Duda estava em um período frágil e ter Luiz Miguel assistindo o treino a

desorientou. Ela já estava desejando socar os dois olhos dele para que parasse de interferir em seu momento. — Pensei que só estivesse de passagem. — Marcos parou ao lado do amigo. — A academia é minha, durmo aqui se for o caso. — Luiz Miguel desceu o olhar para seu aparelho celular e mexeu em alguns e-mails sem importância. — Não? — Marcos dividiu o olhar entre ele e o centro da sala — Aquela gata ali, a loira... Sim, é ela... — Ele associou ao desvio corporal de Duda. — Meu irmão, até o meu coração acelerou por você. Olha aqui — Estendeu o braço. — Arrepiei. Coisa de filme. Marcos deu um golpe brincalhão no ombro do amigo que mantinha a cabeça baixa e os olhos fixos nos e-mails. — Uma aluna está se saindo mal porque o professor, que deveria, não está orientando-a. — Luiz Miguel viu Duda mais uma vez sendo imobilizada. — Você não quer orientar a aluna? — perguntou Marcos. — A turma está bem grande hoje, venha me ajudar. — Marcos andou para o meio dos alunos. Luiz Miguel permaneceu no mesmo lugar. — Vou facilitar para você. — Kamon sussurrou no ouvido de Duda. — Não faça isso, vou me sentir pior.

— Deixa de orgulho, Duda. Você não precisa ser forte o tempo todo. Acho até fofo quando você está emotiva. Cadê o beicinho dengoso? — Kamon apertou um das bochechas dela. — Para! — Ela sorriu e estapeou a mão dele. — Me derruba, vai. Vou até fingir que quebrei uma costela. Golpeia a flutuante para ficar mais convincente. — Hoje estou um desastre... Que raiva, Kamon. Até cólica que nunca tenho me deu agora. — A voz dela saiu embargada. — Você está fazendo errado, aluna. — Luiz Miguel falou atrás dela. Duda sentiu a voz pesada a suas costas e precisou segurar em Kamon para se recuperar do susto. Quando virou, o pegou no flagra, olhando na direção de suas nádegas. Ela puxou a camiseta. Como se aquilo fizesse aumentar o tamanho do tecido. — É a sua primeira vez em uma aula de Muay thai? — ele perguntou e Duda revirou os olhos, irônica — Vem comigo, eu te ensino como se faz. — Ele pegou no pulso dela e caminhou para o canto da sala. Naquele momento Duda atacou o ombro dele. Ela usou aquele golpe apenas para imobilizá-lo por segundos e conseguiu com louvor. Não usou força, apenas atingiu no lugar certo. Todos pararam o treino e focaram no anjo da noite sendo imobilizado por uma aluna. Duda olhou diretamente nos olhos castanhos, se afastou, pegou a bolsinha sobre um dos bancos de descanso e abandonou a sala. Quando percebeu já estava descendo as escadas correndo. Ela caminhou até o carro

abriu a porta e não entrou. Só queria se acalmar um pouco antes de pegar no volante. Ali, ela fechou os olhos e tentou interromper o nó angustiante que se formou em sua garganta. Não estava sendo fácil. Duda era naturalmente orgulhosa e tinha ciência de tudo que passou quando se envolveu com Luiz Miguel no passado. Mesmo convencida de seus propósitos, reconhecia a existência de uma força atrativa assustadora entre eles. Ela ouviu passos perto e virou para receber o abraço que precisava do amigo. Não era Kamon. Próximo ao seu carro estava o moreno de olhos castanho com o olhar muito enigmático. Luiz Miguel se aproximou a passos curtos e parou na frente dela. Estava muito sério. — Oi... — Por que veio atrás de mim? — Duda perguntou séria e um tanto atormentada. — Você precisa parar de me atacar. Ela identificou um quase sorriso na expressão facial masculina. — Tenho guardado socos e pontapés para você, já faz alguns anos. Não posso perder as oportunidades. Luiz Miguel sorriu, colocou as mãos nos bolsos da calça moletom e se aproximou mais um pouco. — Saíamos muito no passado? — ele perguntou, pois tinha lembrado na noite anterior de um momento deles, de mãos dadas, próximo ao que parecia ser lojas. — O suficiente para você quebrar a minha resistência e fazer

acreditar nas suas falsas promessas. — Eu entendo a sua raiva e quero pedir desculpas, pela proposta de uma noite casual. Não foi para te desmerecer. Eu tinha bebido além do limite e... — Você estava sóbrio. — Duda o interrompeu. — Não importa. Pode voltar. Estou em dias de luta feminina, minha paciência está no limite. "Que mulherzinha respondona da porra" — Você tem bastante técnica em Krav Maga — Ele insistiu, pois estava curioso desde que começou ter lapsos de memórias com ela. — Conhece todas as artes... — Sim, principalmente a de não ser trouxa. — Tornou interrompêlo. "Está difícil." Ele pensou e tentou relaxar, pois estava curioso sobre ela e precisava quebrar o gelo. A aproximação ia contra a execução de seus planos, mas a instiga estava grande para renunciar. — Seu cabelo fica bem assim. — Ele levantou a mão e enrolou a ponta dos fios loiros que escapava do coque. Duda tragou o ar em doses fracionadas, pois o cheiro do corpo masculino fez suas pernas titubear. Apesar de conseguir camuflar as sensações plenamente era impossível deixar de sentir. — O que você quer Luiz Miguel? — Ela afastou a mão dele. — Não aceitamos alunos indisciplinados. Você não pode sair no

meio da aula, precisa voltar. Sem nenhuma cerimônia, ele encostou o rosto no ombro que passava apenas a alça da camiseta branca e inalou o perfume que naquele momento parecia o mais raro e alucinante eflúvio. Ele queria lembrar. — Você quer o nome do meu perfume? — A voz dela saiu em um sopro. — Está difícil, não é? — Eu só desci para pedir desculpas — Ele colou as testas e seguiu controlando a respiração. — Temos um erro lá no passado que não se compara a sua proposta idiota. — Te devo uma explicação, mas compromete muita coisa. O máximo que posso dizer é que, você precisa sair do Brasil. — Como sou uma mulher muito obediente, vou atender ao seu pedido, senhor. — Ela seguiu firme na ironia, mas o corpo começou formigar em lugares específicos — Você não vai levar seus planos adiante, sei do que você é capaz e não vou facilitar. — Volta para a China, por favor. — O pedido dele pareceu uma súplica. — Por que minha presença te incomoda tanto? — Ela fechou as mãos nas costas dele e também tentou se aproveitar de alguma maneira. E quem jogaria a primeira pedra? — Luiz Miguel... — Duda sussurrou o nome. Fez propósito. Luiz Miguel fechou os olhos e começou respirar pela boca. Ele

queria entender como tinha começado aquela força poderosa, capaz de dominar o seu corpo tão rapidamente. Duda continuou de olhos abertos observando o homem totalmente entregue a sua frente. A sensação de vê-lo quase gemendo, ali, pertinho dela era fascinante. — Não vale nada, mas fica lindinho assim. Vagabundo, cretino, cafajeste... — Duda pensou alto e nem ela se deu conta de que tinha falado fora dos pensamentos. Luiz Miguel voltou a sorrir. — Posso te propor algo? — Ele não tocou os lábios dela, embora estivesse com poucos centímetros de distância. Duda já o sentia além do necessário, era momento de afastá-lo, porque começou suar frio e sentir o desejo abraçar cada partícula de seu corpo. A vontade de afastá-lo era tamanha, que ela tentou empurrar o peito dele usando a força da ponta do indicador. — Luiz Miguel. — Ela ouviu um suspiro escapar dos lábios dele. — O que é isso tão consistente em você? Luiz Miguel não segurou e deu uma curta gargalhada. — Gosto do seu senso de humor, Maria Eduarda. Se adivinhar o que é, ganha um doce. — Ele também arriscou fazer graça, mas tomou um choque de realidade quando sentiu seu corpo se chocar contra a porta do carro. A arma que estava presa na parte detrás do cós de sua calça encontrava-se nas mãos de Duda. — Você é louca... — Ele tentou recuperava o ritmo certo da respiração.

— Por que você anda com essa arma? — Duda segurou a pistola com tanta precisão que fez Luiz Miguel levantar as mãos, embora não fosse o pavor em seus olhos e sim o constrangimento por ser desarmado tão facilmente. Nos dois sentidos. — Me dê a arma. — Ele ousou pedir. — Você precisa me explicar muita coisa, comece por seus planos maquiavélicos. — Isso não é um brinquedo, Maria Eduarda. — Ele olhou para a arma e deu um passo à frente pretendendo tomá-la, mas Duda balançou a pistola o fazendo voltar à posição defensiva. — Me dê a arma mulher. — Não dou. — Duda desceu o corpo entrou em seu carro e continuou apontando a arma na direção dele. — Ela ficará comigo — Travou as portas. Ela fitou a arma e jogou no banco ao lado. Não tinha a mínima ideia de como manipulá-la, mas se Luiz Miguel pretendia usá-la contra alguém de sua família, o melhor era confiscar. Ele precisava saber com quem estava lidando. Os gritos e baques no vidro blindado não a intimidaram. Ela ignorou o descontrole no lado de fora e arrastou o carro. Ele afastou o corpo rápido para não ser atingido e correu na direção do próprio carro. A perseguição no meio da rodovia movimentada durou alguns minutos até que Duda decidiu assumir outro caminho. — Você não vai me alcançar — Ela virou o carro bruscamente na

direção menos movimentada, contudo velocidade parecia não ser problema para Luiz Miguel. — Não me subestime galega, eu vou te pegar! — Ele meteu o pé no acelerador, conseguiu parear o carro ao lado do dela e bateu na lateral. Duda levou um pequeno solavanco, mas não diminuiu a velocidade. No segundo tombo, ela precisou frear o carro para não perder o controle na pista. Luiz Miguel desceu do conversível e espancou o vidro até ele ser aberto. Duda passou para o outro lado e saiu pela porta do carona. Estava enfurecida.

QUARENTA E SEIS — Você poderia me matar! — Duda empurrou o tronco dele. Luiz Miguel sorriu desgostoso. — Sim, eu poderia! O que você tem na cabeça?! — ele gritou próximo ao rosto dela. Duda se encolheu um pouco, mas logo virou de costas e fitou a porta de seu carro amassada. Ela pensou rápido em um contra-ataque, voltou para o veículo, se debruçou e buscou algo lá dentro. Luiz Miguel correu para impedi-la, pois a loucura estava estampada nos olhos azuis. Cogitou a possibilidade de ela usar a arma carregada. Próximo ao carro ele perdeu o foco, pois observou a lycra marcava o corpo dela, com mais precisão na posição em que ela estava, com o tronco dentro do carro e a forma retesada do bumbum para fora. Ele seguia curioso, mas deu sobressalto quando ela virou o corpo com um canivete na mão. — Isso não vai ficar assim, senhor furacão — Duda caminhou na direção do carro dele, se abaixou e deu vários furos em um dos pneus. — Que loucura é essa?! — Luiz Miguel elevou uma das mãos até a cabeça e sorriu desacreditado. Depois que terminou o serviço ela deu uma boa respirada e sorriu. — Você está vendo aquela porta? Vai pagar o conserto! — Apontou o dedo perto do rosto dele. — Eu não acredito que um dia pude sentir algo por uma maluca

igual você! — ele gritou ao vê-la caminhando satisfeita. — Olha, ele sentiu algo... — Ela virou — Eu deveria dar um murrão no meio da sua testa para você recuperar a memória. — Voltou andar e Luiz Miguel seguiu atrás — Mas não se finja de desentendido. — Virou apontando o canivete. Ele deu um passo atrás. — Tenho certeza que durante esses anos clarearam sua mente. Está tudo fresquinho aí dentro, principalmente o que não presta. — Você está merecendo uns tapas, Maria Eduarda. Eu sei exatamente onde. — Eu tenho uma arma branca — Ela levantou o canivete em ameaça. Luiz Miguel olhou para o carro dela e pensou em buscar a pistola naquele momento. Duda percebeu e se adiantou. — Mulher encapetada! — Você não vai pegar... — Ela colocou o corpo na frente da porta. — Me dê a arma. — Luiz Miguel a encurralou contra a abertura da porta. — Não dou. — Duda olhou para o canivete na própria mão. — Me fure, Maria Eduarda — Ele passou o braço em torno dela, deu um passo para o lado e a colocou contra a porta traseira que estava fechada. — Você tem duas opções: me furar ou deixar eu domar a sua insolência. Luiz Miguel desceu a mão, segurou um pouco abaixo das nádegas de

Duda e ouviu um gritinho quando a suspendeu pelas pernas para que ficasse na altura de seu corpo. — É melhor você me descer... — Duda o ameaçou, sentido a pressão que ele fazia contra ela. — Siga a primeira opção, se a segunda não estiver do seu agrado. — Ele não foi direto aos lábios, chupou o queixo dela e o massageou com a língua. — O que é isso agora? — A voz de Duda saiu falha e seu ventre estremeceu. — Que graça tem em lamber os queixos alheios? Que apetite... Socorro! — Já estou descendo. — Luiz Miguel desceu na direção da garganta. — Seu ridículo... — Eu só vou parar se você usar a primeira opção. — Ele continuou degustando a pele clara. Duda fechou os olhos e tentou raciocinar algo. Estava um pouco impossível no momento. — A primeira opção tem sangue, a segunda também tem sangue... — Ela meditou em voz alta. Luiz Miguel levantou o rosto e a encarou. Duda sentiu falta, abriu primeiro um dos olhos e o espiou. — Você vê problema? — ele perguntou. — O quê?

— Eu não me importo. Vamos lá para casa, a gente resolve tudo debaixo do chuveiro. — Estamos falando do que mesmo? — Duda tornou a perguntar. — Você está no período e se não tiver problema para você, tampouco há para mim. — Luiz Miguel estava aceitando tudo. — Que horror, bandidão! — Louca! — Luiz Miguel sorriu e beijou a ponta do nariz dela. — Me desce. Pensei em algo. — Ela afastou o rosto dele. Luiz Miguel a desceu, pois certamente estavam se acertando. — E que eu prefiro a terceira opção, sabe? — Duda deu uma joelhada precisa no meio das pernas dele. Luiz Miguel se curvou em busca de alívio, ela aproveitou para pegar a pistola e atirar dentro do matagal ao lado. — Eu ainda quero ter... filhos. — A voz dele saiu sofrida. — Lembre-se que você está lidando com uma legítima Moedeiros, nego. Não tente usar o mesmo jogo comigo. — falou, vendo-o curvado. — Você não vai me enfraquecer novamente. E não exagere, eu não te atingir de baixo para cima. Tenho amor aos meus futuros filhos. Falei demais? — Analisou. — Acho que não. Fui. Ela entrou no carro, respirou fundo e tirou o carro do lugar. Estava eufórica, com as sensações que ele tinha despertado. — Bandido, gostoso, depravado! — gritou no volante — Ui, ele é

sanguinário. Essa é nova, gente. O mundo está perdido. *** — Isso foi um assalto? — perguntou Alicia quando parou o carro. O guincho já estava levando o conversível do irmão. — Eu dirijo. — Luiz Miguel abriu a porta do motorista. — Eram quantos? Por que não levaram o carro? Foi emboscada? — Estou estressado Alicia e não quero ser grosso com você, fique calada. — Só quero entender. Você não estava armado? — Vá para casa. Eu vou ligar para o Marcos! — Tudo bem. Entra. Não vou te deixar nesse fim de mundo sozinho. — Ela abriu a porta do carona. — Me leve para casa de mãe, lá eu pego um carro. Cinco minutos depois Alicia insistiu: — Me conta o que aconteceu, Mimo. Estou preocupada. — A ruiva dividiu o olhar entre a pista e o irmão. — Você está indo bem, continue calada. — Ele olhou para o vidro ao lado e fechou os olhos. Em sua mente estava o rosto da tresloucada e o desejo que existia entre eles. — Louca... — Não precisa me ofender, estou calada. — Continue assim Alicia. — Ele permaneceu de olhos fechados.

*** Passaram-se quatro dias. Duda recebeu uma ligação do detetive e foi até o escritório do avô para encontrá-lo e assim receber as informações. — Quem são elas? Quando conheceram o investigado e de onde exatamente vieram? — Duda queria todas às informações. — Ainda tenho poucas notícias, mas... — Antônio Guimarães entregou mais fotos a ela. — Essas fotografias foram tiradas há dois dias. Duda viu o que parecia ser a recepção de um hotel. Nela estava Luiz Miguel e as mesmas mulheres das outras fotos, uma loira e uma negra. Os três estavam de óculos escuros e roupas neutras. — Parecem íntimos. — Duda analisou a foto que Luiz Miguel sorria abertamente. — Eles nunca se hospedaram no hotel, apenas serviu como ponto de encontro. — Faça o impossível para descobrir, Antônio. — As investigações estão sendo dificultadas. Tudo indica que há hackers entre eles. As imagens das câmeras de segurança do hotel foram apagadas, do mesmo modo as do estacionamento. Podem monitorar qualquer câmera da cidade, entrar em qualquer lugar, apagar qualquer sistema. Vai demorar um bom tempo até eu conseguir reunir todas as informações que preciso. — Irene. Você sabe algo sobre esse nome? — Duda perguntou.

— A ex-secretária do seu pai. Ela está presente na investigação que venho fazendo. A mulher simplesmente evaporou. Não há registro constando o nome dela em nenhuma parte dentro da América do Sul. Duda colocou as fotografias sobre a mesa e descansou o corpo na cadeira. — Estou perdida em um labirinto. Ele conhece o caminho e o destino. Preciso desvendar esse mistério. — Analisou. — Serei a sua bússola. Em qualquer momento que a doutora precisar. — O homem falou convicto. — Vou deixar o meu número pessoal contigo. Duda consertou a postura e observou um sorriso estranho no rosto do detetive. Era apenas má impressão ou sinais? — Obrigada pelo primeiro trabalho executado. — Ela levantou da cadeira. — Contratei o seu profissional, continue realizando o seu trabalho. — Ela o direcionou até a porta da sala. — Estou empenhado nesse caso. Em pouco tempo a doutora terá tudo o que precisa em suas mãos. — Antônio Guimarães falou já no lado de fora da sala. — Obrigada. Duda fechou a porta e sentiu os pelos do corpo eriçados com um arrepio. — Pode ser apenas cisma. — Ela pegou a bolsa e saiu da sala.

QUARENTA E SETE — O Felipe está chegando. Quando puder, veja a sala dele, deve está uma zona de papéis. Duda estava passando pela recepção do escritório quando ouviu o avô coordenando uma das mulheres que trabalhavam na limpeza noturna. — Ele chega quando mesmo, vovô? — Ela perguntou curiosa. — Amanhã, mas só volta para o escritório na próxima semana. Lipe está merecendo uns dias de folga. Precisei insistir. — Ele vai ficar com você e a vovó Suzy? — Lá é a casa dele, desde que seus tios foram morar fora do país. — Eu espero que ele releve as nossas divergências do passado. — Sim, os dois precisam se perdoar. — O velho se aproximou da neta e acariciou as bochechas. — Eu gosto muito do Lipe, vovô, muito mesmo, mas ele não nos permite uma reconciliação. Vou tentar outra vez, ao menos para manter a harmonia da família. — Duda beijou a mão de Olavo. — Preciso resolver outros assuntos agora. Volto na semana que vem. — Não se meta em problemas, menina. — Vou fazer de tudo para resolvê-los, vovô Olavo. — Ela falou

próxima a porta de saída. Cinco minutos depois, ela caminhava no estacionamento e já estava próximo ao carro quando percebeu algo estranho. Ela parou frente ao veículo, olhou para todos os lados e apesar de não ver nada suspeito, teve certeza que estava sendo observada. Entrou no carro e saiu dali o mais rápido possível. Seguiu para a casa de Kamon, tinha dois dias que não o via e já estava com saudades. O Taiwanês estava trabalhando muito na fase de adaptação. — Boa noite. Sou Maria Eduarda Moedeiros, vir visitar um morador. — Ela se identificou para o porteiro do condomínio que estava na guarita da frente. O conhecia vagamente de quando visitava Thiago anos antes, mas era a primeira vez que via o velhinho depois da viagem. — Fique à vontade, sua entrada é liberada desde que o senhor Thiago Fernandes Gao Lin morava na mansão. Lembrei-me do sobrenome e de você pequenininha também. — Passaram-se tantos anos e não te encontrei quando estive aqui, o senhor poderia não lembrar. — Ela sorriu simpática. — Como anda a família? — Duda não fazia ideia, mas talvez ele tivesse filhos e certamente netos. Não custava perguntar. — Meus filhos todos criados e tenho dois netinhos. Duda ouviu o barulho de carro próximo, mas o velhinho estava tão empolgado falando da família, que ela daria só mais um pouco de atenção e tiraria o carro em seguida.

— O meu caçula já está na universidade. — O velho olhou para o carro que estava parado atrás. — Ah, isso, tinha um caçula. Qual é mesmo o nome dele? — Diego. Vai ser médico. O incessante som de buzina desestabilizou o porteiro e atingiu a paciência de Duda. — O que é agora? A pessoa não pode conversar com o porteiro, não?! — Ela gritou de dentro do carro. O som de buzina continuou sem trégua. — É melhor a senhorita passar. Esse é um dos carros do senhor Azevedo. Ele está sempre com pressa... — Senhor Azevedo é, moço? Deixe-me ver. — Duda saiu do veículo e parou ao lado do Journey de pintura negra. Já estava escurecendo e o vidro fumê dificultava a visão do condutor do veículo, mas ela não deixaria de dizer alguns desaforos. — Ei, apressadinho, vem tentar me tirar da sua frente, aqui fora. — Apoiou a mão nos quadris. Luiz Miguel parou de buzinar e curvou a cabeça sobre o volante. — De onde essa mulher saiu? — Quem é essa, Mimo? — perguntou Alicia no banco ao lado. Ela estava com Teodoro no colo. Luiz Miguel tinha passado no veterinário depois do expediente para buscar o bicho e a irmã. — Vai ficar se escondendo, apressadinho? Vem aqui fora para a

gente conversar. Aproveita e trás a buzina, assim você aperta na minha frente. Luiz Miguel retirou o cinto abruptamente e saiu do carro. Estava exaltado. — Olha, que mundo pequeno. Você por aqui? — Duda forçou uma surpresa. — Isso já é perseguição! Duda o fitou de cima a baixo. Precisou se controlar para não demonstrar admiração ao vê-lo em uma camisa social branca slim fit, bem alinhada nos músculos e dobrada acima do punho. A calça escura de alfaiataria em risca de giz parecia ter sido feita sob medida e na intenção de enlouquecer, sem esforços, os olhos alheios. —

Veio

atrás

de

mim?



ele

perguntou,

ajeitando

desnecessariamente o cinto de couro negro. Ela passou por cima da admiração e em passos lentos diminuiu ainda mais o espaço entre eles. Viu confusão nos olhos castanhos quando o encarou de perto. — Vamos parar de palhaçada? Quem sempre me perseguiu foi você. — Ela espetou o dedo no peitoral dele — Não corri atrás quando tinha dezesseis, por que vou correr agora? — Espetou o dedo outra vez. — O que foi? Perdeu a língua? Luiz Miguel afastou o olhar dos lábios desaforados e disse: — Se não tirar o carro daí agora, eu passo por cima dele.

— Estou doida para ver isso acontecer. — Ela observou as roupas dele outra vez. — Gostei da calça, ficou diferente. — Mimo, eu estou com pressa. — Alicia saiu do carro. — Alicia... — Duda cruzou os braços e semicerrou os olhos. — Quem é você? — Alicia segurou o braço do irmão, puxando-o para ela. — Quem é ela Mimo? Teodoro saiu do carro, olhou para o lado esquerdo por alguns segundos em seguida adiantou os passinhos até Alicia. Os olhos de Duda encheram-se de lágrimas. Luiz Miguel olhou para o cachorro e para ela, depois repetiu o mesmo processo. — Teodoro... — Duda se abaixou, tirou o boné do cachorro e acariciou os pelos da cabeça branquinha e peluda. — O que fizeram com você...? — Ela começou tirar a roupinha do cão. — Que judiação... — Fungou o nariz, estava emocionada. — Deixa o meu cachorro! Mimo! Quem é ela? — Alicia olhou para o irmão. — Você conhece o Teodoro? — Luiz Miguel perguntou. Teodoro era receptivo com todos, mas era curioso que Duda soubesse o nome do cão. — Ele pertence a minha família. — Duda levantou segurando o cãozinho. — Ele está velhinho e não pode viver sufocado com essas roupas. Alicia fiscalizou o corpo de Duda que estava de calça jeans skinny,

camiseta marfim, casaco esporte e tênis. Não era possível perceber a deficiência, pois ela descansava um dos pés, mas a ruiva reconheceu os traços do rosto e principalmente a pose de elegância dentro da naturalidade. — Você é a manca? — Alicia perguntou em um tom de aversão — A manca voltou, Mimo? — Que porra é essa Alicia?! — O irmão gritou. — Você está em perfeito juízo? Um filme passou na mente de Duda. Lembrou-se de quando ela era menorzinha e sofria com chacotas e acusações promovidas pela ruiva. Há muito tempo ela não lembrava aqueles episódios da infância, quando precisava sofrer sozinha para não demonstrar aos pais e ser vista como uma criança indefesa. Ela era indefesa, mas já sentia necessidade de superar dentro das crises. — Ela é manca, não tem como negar. Uma infeliz que voltou para atormentar a sua e a minha vida! — Alicia estava com lágrimas nos olhos. — Você já está com ela outra vez? — Vá para casa, Alicia. Já estou indo conversar com você. — Ela está com o meu cachorro! — VÁ PARA CASA, ALICIA! — o irmão gritou. A mais nova encolheu os ombros ofendida e se sentindo desamparada tentou pegar Teodoro dos braços de Duda. — Me dá o meu cachorro.

— Ele faz parte da minha família. Teodoro foi um presente do meu pai. — Duda olhou para Luiz Miguel. — Você o roubou de mim. Ele vai comigo. — Afastou Alicia. — Eu não posso ficar sem o Teo. Ela quer meu cachorro, Mimo. — A ruiva soluçou no meio do choro. — Você precisa se cuidar Alicia. Isso não é normal. — Duda alisou os pelinhos de Teodoro. — Pensei que você tivesse evoluído, mas desandou. — Minha cabeça está estourando. — Alicia segurou a testa. Era verdade. — Vou ter outra recaída... — Alicia... — O irmão segurou os ombros dela. — Me fala, isso é verdade? O Teo é da Maria Eduarda? — Eu não sei. Você o levou para nossa casa. Eu sempre cuidei dele. Ele sempre esteve comigo, é meu. Duda acariciou o cachorro que, de fato, estava bem cuidado. Luiz Miguel olhou para Duda tentando encontrar uma melhor solução. Visivelmente ela era forte e entenderia que Alicia estava fazendo tratamentos e a companhia do cão a ajudava. Precisava resolver aquela situação de conflito que ele provavelmente tinha construído. Uma sairia magoada. — Você pode... — Ele pausou a fala. — Ela precisa do Teo. — Tentou buscar a compreensão de Duda. — Devolve. Ela está chorando. — Sua irmã não é uma criança. Não deveria tratá-la dessa maneira. — Duda abraçou o cachorro e permaneceu observando o desespero de Alicia. — O que aconteceu com você? — perguntou um tanto assustada.

— Devolve o meu cachorro. Me devolve... — A ruiva estendeu os braços. — A manca não vai me devolver Mimo. — Alicia enterrou o rosto no peito do irmão. Duda ficou emocionada ao ver aquele descontrole e principalmente sentiu angústia pela forma ofensiva que estava sendo chamada. — Teodoro pertence a minha família. O meu pai o achou nas ruas e levou para a nossa casa. — Ela insistiu, se sentindo uma garotinha indefesa. — Coloca o Teo no chão. — Luiz Miguel pediu. Duda se negou. — Deixa que ele faça a escolha. Duda negou outra vez. — Por favor, ele está há muitos anos com a Alicia. — insistiu. Duda olhou para o cachorro quando ouviu um chorinho baixo. Ela beijou os pelos cheirosos da cabeça do bicho e colocou o cachorro no chão. Teodoro fitou o rosto de Duda com seus olhinhos brilhantes e tristes, baixou o focinho como se estivesse pedindo desculpas e correu para os pés de Alicia. — Vem Teo... — Alicia se abaixou, brincou com Teodoro e recebeu lambidas felizes — A sonsa queria tirar você de mim... eu não vou deixar. — Vá para casa Alicia. — Luiz Miguel pediu. Duda se abraçou, olhou para o lado oposto e uniu os lábios trêmulos. Foi atingida por uma mistura de sentimentos e desejou os braços da mãe. Por hora servia o calor do melhor amigo. Ela seguiu para o carro, colocou a bolsa tiracolo 'Jamie' de couro no ombro esquerdo e travou o veículo, deixando-o no mesmo lugar. Passou pelo portão e andou cem metros até Alicia acompanhá-la e passar na frente com

Teodoro nos braços. — Não vai tirar seu carro da entrada? — Duda fingiu não ouvir a voz de Luiz Miguel e continuou andando. — Espera. — Ele segurou o braço dela, mas Duda se libertou. — Por que não levou a sua irmã no colo? —indagou e continuou andando. — Alicia tem vinte e três anos, mas enfrenta sérios problemas de distúrbios alimentares e precisa de muita atenção. O Teo a ajuda de alguma maneira. Duda parou e o encarou. — Você esqueceu a parte do preconceito. Eu ainda não fiz vinte e três anos, tenho minhas limitações físicas, já estive em um longo período com emocional abalado e nunca escolhi ser preconceituosa, mau-caráter ou exaltei as minhas dificuldades! — Eu te admiro por isso. — É nítido que ela está com problemas, mas a falta de caráter não tem relação nenhuma com os distúrbios ou qualquer outro descontrole emocional! Proteção demais sufoca e oprime, isso é o que você faz. Por isso ela sempre foi essa ordinária. Sai da minha frente! — Ela voltou a caminhar e secou os olhos no caminho, sentindo a angústia se transformar em raiva. — Mas que droga! — Luiz Miguel virou de costas e apoiou as mãos atrás da cabeça. Ele olhou novamente para a estrada e a viu se afastando sem muito ânimo ou pressa. — Maria Eduarda! — gritou e correu até ela, espera

mulher.

QUARENTA E OITO Duda seguiu sem olhar para trás. Estava triste e ferida. Era contra a qualquer tipo de injustiça e por mais que fosse forte, quando vinha contra ela, sofria internamente, sofria muito. Alicia usava o termo pejorativo muito naturalmente. A maldade jamais poderia ser justificada pelas dificuldades. Luiz Miguel caminhava atrás dela e procurava uma maneira decente de contornar a situação, pois tinha ciência que o assunto era delicado. — Maria Eduarda... — Ele entrelaçou os dedos aos dela. Um simples gesto que fez o ritmo de seu próprio coração acelerar. — Me perdoe por toda essa confusão e descontrole da minha irmã. Você é inteligente o suficiente para não se importar com esse tipo de comentário. Eu te vejo tão forte... — Você acha que não me fere?! — Duda gritou inconformada com a situação. — Se acalma, estou tentando contornar e talvez não sejam as melhores palavras... — Segurou o rosto dela com a mão livre — Você é linda em todas as formas. Não permita que palavras negativas influencie a sua vida. Se eu roubei o Teo, me desculpa por isso também, mas hoje ele é importante para a Alicia. Você... tem olhos lindos, ficam mais bonitos sorrindo. Caramba, eu vou te beijar agora... Luiz Miguel tomou os lábios dela tão de repente que Duda levou

alguns segundos para reagir. Ele reivindicou o beijo independente da agilidade da parceira. Queria fazê-la sentir diferente, pois doeu ver aqueles olhos tristes. — Ei... — Duda afastou os lábios dele e com os olhos fechados deslizou a mão sobre a pele do rosto masculino. Ela estava ganhando alguns segundos para degustar todas as sensações que o momento trazia. Foram anos sem sentir aquele beijo, ouvir aquele som descompensado da respiração e sentir o cheiro do contato direto. Recebeu uma carga enorme de sentimento, não apenas o carnal, aquele era o mesmo de anos atrás, completo e arrebatador. Era como se o elo quebrado de uma corrente estivesse iniciando a restauração e restabelecendo a conexão entre eles. Luiz Miguel não tinha recordações dela, mas poderia passar cem anos e várias perdas de memórias, aquele amor seria reconhecido pelo cheiro, toque e olhar. Antes de Duda dar uma boa respirada ele a beijou novamente. Pela intensidade usada, parecia querer matar uma saudade que, ele inconscientemente não sabia onde tinha começado. Duda suportou o quanto pode, mas quando viu que ficaria roxa a qualquer momento por falta de ar nos pulmões, usou os dedos para puxar os cabelos dele, levando a cabeça para trás. — Seu plano. Dessa vez. É me matar asfixiada? — ela perguntou pausadamente, tentando inspirar e sentindo os beijos dele tocar toda a extensão de seu rosto — Você está desenvolvendo o seu plano muito bem...

Luiz Miguel beijou a boca dela outra vez, fazendo-a ter a certeza de que por mais que tentasse respirar normalmente não conseguiria. Ele não tinha nenhuma informação dos momentos a sós. Rosinaldo e Marcos contaram apenas à parte que presenciaram. Detalhes e sensações eram algo que só eles sabiam a proporção. Luiz Miguel estava conhecendo como se fosse a primeira vez. — Era assim antes? — ele perguntou, roçando a língua nos lábios dela. — Talvez... — Duda não terminou a frase, pois foi interrompida com outro beijo e um forte abraço que à moeu todinha. — Vamos sair daqui... — Ele encerrou o beijo da mesma maneira, inesperada, mas continuou dando selinhos nos lábios dela. — Vem comigo. — Segurou a mão dela e a direcionou até a saída. O porteiro sorriu vendo a cena e até pensou em se oferecer para desobstruir a passagem, tirando o carro dela da entrada, mas preferiu não interferir no momento e deixá-los ir. Que importância tinha um carro na passagem do condomínio, às sete horas da noite, perto da chegada e saída dos moradores? O velho era romântico demais para medir as consequências fora do coração. Duda encostou a cabeça no ombro dele e ficou ali, pertinho, vendo-o dirigir com o olhar vidrado na estrada. Ela admirou a concentração dele na direção, o jeito que batucava os dedos no volante, o olhar que dava em tempos no retrovisor para ver o movimento da pista, a respiração ritmada e principalmente o sorriso quando percebeu que estava sendo observado.

— Para onde está me levando? — ela perguntou, roçando os dedos sobre a pele do pomo-de-adão masculino. — Precisamos de sossego. Já estamos chegando. Duda se encostou novamente no ombro dele e sentiu uma lágrima escapar dos olhos. Não enxugou, depois da primeira desceram várias. Ela tinha muitos motivos para ter dúvidas e sofria por antecipação com a possibilidade daquele momento ser quebrado outra vez. — Te devo explicações. — Luiz Miguel percebeu o choro. — Mas ainda não é o momento. Só peço que confie em mim. — Ele beijou os cabelos dela. *** Duda parou assim que a porta do apartamento de Luiz Miguel foi aberta. — Vem... — Ele a incentivou, puxando-a de leve pelos dedos entrelaçados. Ela entrou um tanto receosa e a porta foi trancada. Duda olhou a decoração requintada e neutra do apartamento. A sala era espaçosa e apenas os móveis necessários ornamentava o ambiente. — Você quer alguma coisa? — ele perguntou. — Quero alguma coisa para comer. Desculpa, estou faminta. — Ela sorriu, lamentando não pedir apenas água. — Sim... — Ele também sorriu — Eu vou ver o que posso fazer. Eu... vou lá... — Luiz Miguel estava nervoso, tanto que errou o corredor da

cozinha e voltou sem graça. — Eu vou lá dentro e já volto. — Entrou no corredor certo e desapareceu. Duda esperou ele sumir do campo de visão e seguiu para bisbilhotar o móvel com objetos de decoração. Tinha alguns porta-retratos com fotos da família Álvares Azevedo e o mais curioso foi encontrar uma foto de Nicole entre as outras. — Nik? — Apenas moveu os lábios. — O que você faz aqui amiga? — falou ao ver a foto da amiga. — Eu vou preparar um hambúrguer caseiro. — Duda tomou um susto com a voz masculina e virou rápido. — Você vem para cozinha ou quer ficar...? — Eu vou com você, mas só vou te olhar. Minhas unhas foram feitas hoje. Isso não é uma desculpa para te ver preparar a minha comida, juro. — Você come integral ou tanto faz? — Luiz Miguel sorriu ligeiramente tímido, talvez nervoso. — Vem. — Voltou para o corredor. — O tanto faz é sempre melhor. — Ela o acompanhou. — Seu apartamento é lindo. — Seguiu curiosa e a procura de possíveis fontes de pesquisas. Na cozinha Luiz Miguel pegou um avental de cintura e amarrou nas costas. Duda só esperou ele se virar para surtar em silêncio com a visão a sua frente. A camisa branca sujaria a qualquer momento, por ora a visão da parte traseira da calça com um desajeitado nó do avental era bastante. "Não é sexy". Ela comentou em pensamento enquanto mordia o

cantinho do lábio inferior. "Como ele consegue ser tão ridículo?" — Não vou demorar, mas você pode comer uma fruta se não conseguir segurar a fome. — Ele falou de costas, separando uma frigideira. — Vou esperar. — Duda sentou sobre uma das banquetas do balcão e apoiou o braço debaixo do queixo. — Use o tempo que for preciso. Passaram-se dez minutos de admiração, digo, de tempo para que os hambúrgueres ficassem prontos. — Aqui... — Ele colocou dois pratos quadrados sobre o balcão, ambos com um hambúrguer médio, e voltou para a pia, onde estava a jarra de suco de laranja fresquinho. — Não conhecia esse seu lado. Por que você nunca cozinhou para mim? — Ela deu a primeira bocada no hambúrguer. Luiz Miguel voltou com suco e ficou paralisado vendo o movimento da mastigação — O que foi? — Duda perguntou. — Nada. — Ele despejou suco nos copos e sentou ao lado. Tem guardanapos aqui, se quiser. — Colocou próximo a ela. — Minha boca está suja, não é? A pergunta o fez sorrir e diminuir o espaço entre eles. — Não está mais. — Luiz Miguel limpou a boca dela e sentiu o gosto do ketchup. — Espera só um minutinho, eu já termino aqui. Está muito bom. Posso comer esse outro ou você vai querer? — Ela apontou para o segundo

prato, que obviamente seria para ele. — Fiz para você, pode se alimentar. Duda terminou de mastigar olhando para o prato e voltou olhá-lo na sequência. — Quais são os seus pensamentos, neste exato momento? — ela perguntou com seriedade. — Estou incondicionado a pensar em algo que não seja o momento. — Pois eu estou condicionada e quero saber o motivo de ter me traído com a Vanessa. Também quero saber de todo o resto. — Quando te vi aqui no corredor, antes de saber quem era você, pensei que fosse uma modelo famosa. — Luiz Miguel fugiu da conversa. — Te achei tão linda... — Mulheres bonitas só podem ser modelos? — Duda pegou o segundo prato. — Era isso que você queria ser na infância. Pode ter sido coisa do meu inconsciente. Eu me lembro de alguns desfiles que você fazia no shopping. — Não sabia que você me espiava na pré-adolescência. — Eu não observava, ficava sabendo por pura coincidência. — Ele crispou a testa e despejou mais suco no copo dela. — Era para as amigas da maman. Anos depois tivemos uma conversa onde eu te falei que queria estudar em uma faculdade e seguir a

carreira do meu avô Olavo. Terminei o bacharelado agora. Mas ainda preciso estudar muito. Quero atuar na área penal. — Advogada criminalista? — Luiz Miguel sorriu apenas com os olhos e Duda achou lindo. — Vai defender bandido? — Eu sei, escolhi um ramo que sofre preconceito entre os colegas e até por pessoas de fora como você. Mas vejo muita injustiça sendo feita e penso de outra maneira. Se eu defender um réu inocente, a justiça será feita e assim vou colaborar para a paz social. É muita gente inocente sendo condenada, enquanto os culpados estão cometendo crimes nas ruas. Quero preservar a integridade física e dignidade dos acusados inocentes. Quero poder fazer algo grandioso um dia. — Ótimo. Já tenho uma defensora, caso eu precise. — Ele brincou. Duda semicerrou os olhos. "Não pense que eu vou desperdiçar o momento, Nego. Estou em solo fértil". Ela pensou enquanto bebia o conteúdo do copo, analisando os trejeitos dele para ter certeza de que não tinha falado em voz alta. Aparentemente estava tudo certo. Luiz Miguel pegou o copo de suco e também bebeu. — Você nem cogitou a possibilidade de seguir com a empresa do seu pai? — Ele bebeu mais um pouco. — Nossos filhos levarão aquilo adiante. O sangue do avô com o do pai certamente sairá um bom engenheiro. Luiz Miguel acabou se engasgando com o próprio suco.

— Levanta os braços... — Duda tentou ajudar. — Ô gente, molhou a camisa social, tão branquinha... — Ela esfregou a mão no suco sobre o torcido branco. — Eu vou tomar um banho, enquanto você termina aí — Ele tirou o avental. — Eu já volto. — Saiu um pouco apressado da cozinha. Duda deu a última bocada no alimento, limpou a boca e também saiu da cozinha. Precisava explorar aquele apartamento e tentar desvendar os mistérios que cercavam aquele homem.

QUARENTA E NOVE Duda se jogou preguiçosamente no sofá marrom de cinco lugares e testou o espaço do estofado. Suspirou fundo e sentiu lágrimas atravessar os olhos. Estava testando o certo é o errado pela segunda vez. Temia e ansiava na mesma proporção. A sensação de estar sob o mesmo teto que Luiz Miguel depois de tanto tempo, deixava o seu coração desassossegado. Mas não era bom planejar além do momento. Não, sem saber exatamente onde estava pisando. Ainda deitada visualizou o grande aquário sobre um mármore no canto da sala. Levantou curiosa para observar peixinhos dourados que nadavam lado a lado. Achou lindo ter um tantinho do oceano ali. Ela deixou o tênis sobre o tapete, e amarrou o casaco na cintura. Precisava aproveitar aquele tempo para investigar. Seguiu com os pés descalços na direção do segundo corredor, sentindo o coração ganhar um ritmo mais acelerado a cada passo. Não deixou de notar o ar extremamente gelado saindo por baixo de uma das portas. O sistema de segurança preso acima da trava de aço indicava que um segredo poderoso se escondia ali. Sua curiosidade atingiu o nível máximo. — O que você esconde aqui? — Depois de constatar que estava trancada, ela colocou o ouvido rente à porta e escutou barulho de aparelhos ligados. Olhou mais uma vez para a caixa de botões, mas não se deteve ali.

A terceira porta estava apenas encostada, teve certeza que era o quarto dele. Quando entrou no espaço sentiu o cheiro bom e masculino que exalava dos poros de Luiz Miguel, uma mistura de patchouli, limão sfumatrice e musk. O quarto seguia o mesmo padrão do apartamento, móveis essenciais em um grande espaço. A decoração era escura e apesar do quarto ser alinhado, tinha roupas ainda presa nos cabides sobre a cama. Ela segurou uma das peças perto do corpo e inspirou a essência dos tecidos. A ansiedade fazia o seu interior estremecer. Eram os mesmo sintomas que sentiu anos atrás quando estava nos braços dele. Ainda amava aquele homem que chegou feito um furacão, deixou a bagunça e saiu inesperadamente. Sobre o criado mudo estava a carteira, uma pistola calibre 40 de ação dupla e o cinto de couro. Ouviu barulho de água vindo da segunda porta e arfou extremamente tentada a vê-lo quando deveria investigar. Primeiramente abriu a carteira. Dentro tinha algumas notas de cinquenta, cartões de débitos, habilitação e dois cartões da empresa Eagle Engenharia. Nada muito interessante. Ela escorregou a ponta dos dedos sobre a pistola e se perguntou o motivo para ele andar sempre armado. Estaria sendo ameaçado igual Eduardo era no início da carreira ou estava envolvido com algo sujo? As duas alternativas eram assustadoras. Duda começou abrir as portas do guarda roupa em busca de algo suspeito, mas só encontrou roupas, sapatos e pertences pessoais. Quando passou a mão sobre uma das prateleiras mais altas sentiu o atrito de um corpo

estranho. Era um revólver Calibre 38 de seis tiros. Suas esperanças regrediram, mas já estava preparada para aqueles achados. Se apressou em abrir as gavetas, precisava encontrar algo que limpasse ou sujasse a imagem dele ante os ataques contra a sua família. Precisava saber o que ele escondia. A angústia dentro dela estava crescendo, precisava resolver aquela agonia. Abriu algumas gavetas e encontrou uma com peças íntimas e dois vestidos femininos. Engoliu a repulsa, olhou para os quatros cantos do quarto e seguiu na direção das cortinas para afastá-las e procurar indícios de compartimentos secretos. Não achou nada suspeito. Depois de remexer no quarto, voltou para o corredor e analisou os botões da senha de perto. O segredo estava ali. — O que está fazendo? — Luiz Miguel a pegou no flagra com os dedos apertando os botões. — Que susto! — Duda colocou a mão no coração. — O que faz aí? — Luiz Miguel saiu da divisa da porta do quarto. Ele tinha certeza que ela aproveitaria a situação, mas o alívio era saber que todas as informações que ela procurava estavam bem guardadas. — Eu não consigo ver botões que meus dedos vão direto até eles. É uma coisa que eu não consigo... — Duda desceu olhos, fitando os músculos expostos e perdeu o sentido — controlar quando vejo... Luiz Miguel andou até ela e encurralou contra a parede do hall. Ele estava apenas de calça e pés no chão. Duda sentiu dentes prender seu lábio de maneira bruta e necessitada e não segurou o suspiro prazeroso que brotou em

sua garganta. — O que você tem em mente? — ela perguntou na ponta do pé, tentando alcançá-lo. — Para começar, tirar os seus pés do chão frio — Ele prendeu as pernas dela em torno do quadril e sem parar de beijá-la caminhou até a sala. — Depois a gente vai para o quarto. — Quarto? — Duda indagou entre os beijos. — A sala é tão confortável... — Preciso conversar com você um pouco. Você espera? — falou ao entrar com ela na sala. — É a matéria que eu mais domino, eu acho... — Duda nunca esteve tão assustada. Seu medo era esquecer o principal. — Alicia já tinha te ofendido antes? Qual a frequência? — ele perguntou ao deitá-la sobre o sofá. — Não quero falar sobre isso. — Preciso saber. — falou, sentando e segurando os pés dela para uma massagem. — Sua irmã precisa de um choque de realidade para aprender a ser humana. Eu pensei que ela amadurecesse com os anos, mas só ficou mais estragada. Pelo que presenciei hoje, tenho certeza que você tem uma grande parcela de culpa. — Duda foi verdadeira. — Não aprovo a maneira como ela te tratou.

— Mas sufoca e não a deixa viver com os próprios pés. — Criei os dois desde novinhos e Alicia sempre foi sensível. Não sabe se virar sozinha, agora então... — Ele justificou a proteção. — Dudu é igual você nessa parte, mas ele aprendeu a lidar comigo em relação à dismetria. Quando eu entrei na pré-adolescência, decidi que só me queixaria aos meus pais se a coisa ficasse pesada. Eu não queria ser vista como uma garota fraca, mesmo sendo. Queria ser além da diferença de comprimento dos membros inferiores. Eu tinha lutado pela vida no nascimento, sofrido várias paradas cardíacas e vencido uma grave infecção no osso. Eu podia ser o que eu quisesse. Por isso eu nunca te contei que sofri durante anos com os ataques da sua irmã. Você me veria como a vítima, coitadinha que não possuía forças para construir a própria segurança. — E mesmo fraca, se fez de forte para vencer os próprios desafios pessoais. — Ele beijou os pés que massageava. — Vai ser difícil aprender agora, está tarde, mas tente ajudá-la da maneira correta. — Duda orientou, sentindo os peles do corpo eriçados. — Vou resolver a situação da Alicia. Peço desculpa mais uma vez por não ter visto antes. Você sente dores nos pés? — Não mais. — Só você sabe os detalhes. Estou tateando e sem saber como foi, mas posso falar por hoje... Você é uma princesa, mas o que está chamando a minha atenção é o que sinto quando estou perto de você, desde raiva, impaciência, humor, quase sempre dor — Ele sorriu — e essa atração

insanamente doce que me puxa cada vez mais para perto de você. — Você está com a Vanessa? — Duda perguntou levemente emocionada, sentindo a massagem gostosa. — Estou com você. — Ele se inclinou e deitou o corpo sobre o dela. — Uma louca, impertinente que voltou para me tirar do sério. — O que eu menos queria era te reencontrar. Só estou de férias, volto logo para fazer minha especialização e viver em Taiwan. — Veremos. — Ele sorriu, completamos fissurando nos lábios de Duda. — Precisa me esclarecer muita coisa. — Não é o momento, mas acredite em mim. — Você ficou mais forte. — Duda estava com os olhos graúdos e aquilo era favorável para Luiz Miguel. A atração que ele sentia era absurda. Estava ansioso para descobrir os trejeitos faciais dela enquanto se entregava. Já tinha imaginado e chegado à conclusão de que seria uma visão perfeita. Não queria ter esquecido aqueles detalhes. Com a respiração muito ofegante ele roçou os lábios nos dela. — Vou te levar para meu quarto. — Ele sustentou o peso do corpo com o braço e alisou os cabelos dela com a mão livre. Duda parecia assustada. — Meu pai me mataria se soubesse disso. — Sério? Vai lembrar do seu pai, agora? — Ele sorriu e acariciou o

comprimento do braço de Duda, ansioso para avançar as carícias — Está nervosa? — perguntou entre o beijo, mas não ouviu a resposta. — Não fique. — Desceu o rosto no momento exato que mergulhou a mão dentro do tecido fino e elástico da camiseta marfim que ela usava. — Luiz Miguel... Duda fechou os olhos, totalmente entregue aos sentimentos e sensações. Suspirou alto e seu corpo todo tremeu quando sentiu a mão dele sobre um dos seus seios. — Eu queria muito dizer estava com saudade, mas estou testando como na primeira vez... — Eu sempre tive uma boa memória, principalmente da infância... — ela sussurrou com dificuldade. — Que inveja... — Luiz Miguel brincou antes de mergulhar os lábios contra o tecido e prová-la sobre a malha lisa. Duda arregalou os olhos e fitou o que ele fazia. A visão era perfeita e muito sensual. Um homem musculoso, enorme e extremamente bonito estava sobre ela sugando sua carne sobre o tecido e dando o mesmo tratamento por baixo do pano. Fechou os olhos, totalmente bêbada pelo ardor, mas abriu rápido, pois teve certeza que se entregaria logo se não tomasse cuidado. Luiz Miguel subiu o tecido aos poucos e desceu ainda mais o corpo para beijá-la do umbigo até o bolo da camiseta sobre os seios. Duda continuou paralisada, ora fechava os olhos, ora abria. — Sete anos... — ela falou entre um suspiro agonizante — Com sete

anos fiz uma promessa. — Fechou os olhos tentando se concentrar, pois ele estava irredutível. — Você é maravilhosa... — Luiz Miguel contemplou os seios fartos totalmente expostos e Duda se perguntou como ele tinha arrancado a camiseta dela sem que ela percebesse. — Preciso de ajuda... — Ela inclinou o corpo, sentindo-o sugar a pele nua. — Poderia ser ruim... Eu deveria ter deixado um hambúrguer para você... — falou coisas desconexas. — Agora estou com fome... — Luiz Miguel sorriu, pois o humor natural dela o contagiava. — Prometi só fazer sexo depois do casamento. — falou depressa em completo desespero. — O quê? — Luiz Miguel se afastou para olhá-la. — Foi promessa de dedinho. — Ela levantou o mindinho, continuou de olhos fechados e escondeu os seios com as mãos. — Daí resolveu quebrar a promessa comigo aos dezesseis anos? Vai mesmo me contar essa história agora, pequena? — Luiz Miguel beijou os lábios dela e desceu para o pescoço. — Pequena, Nêgo? — Duda se derreteu todinha, mas as mãos continuaram bem seguras frente ao busto. — Vou tirar a prova agora. — Ele desceu uma das mãos. — Até hoje a promessa está intacta! — ela gritou antes que ele

avançasse. Luiz Miguel seguiu torturando o pescoço dela com beijos, mas as palavras estavam sendo avaliadas em sua mente. — Porra! — Ele levantou do sofá com a respiração descompensada. — Você ainda é virgem? — Que coisa, não é? — Duda sentou e mostrou os dentes, acanhada. — Maria Eduarda... — Luiz Miguel sorriu e ficou sério. — Caralho, eu te amava, mesmo mulher! — Ele apertou os cabelos e fitou Duda se cobrindo com as mãos e o tom de pele muito avermelhado. Ela fechou os olhos desejando abrir e estar em outro lugar, mas quando testou viu Luiz Miguel ainda mais próximo. — Por que você não me avisou antes? — Ele pegou o casaco dela que estava no chão, ajoelhou e a cobriu. — Não tivemos nada, nadinha? — Ele alisou os cabelos dela tentando afastar o constrangimento que estava visível. — Por que fez essa promessa, menina? — Minha tante Suelen viveu uma história traumatizante com o meu tio Sérgio. — Sérgio? — Ela temia que algo parecido acontecesse comigo, pois ela também era esperta na época. — Essa sua tia, também... Ela sofreu com esse homem? — Ele tentou não demonstrar muito interesse na pergunta.

— A família do tio Sérgio não gostava da tante, porque ela era copeira da casa dos meus avós e tinha traços negros herdados do pai. Eram preconceituosos. Minha tante sofreu muito e foi induzida a abortar o bebê deles. Duda desceu as vistas para o tronco de Luiz Miguel e percebeu uma nova tatuagem na lateral da costela. Ela não resistiu e desenhou o contorno da cicatriz camuflada pela tatuagem. Achou o desenho curioso. — Ele a obrigou tirar a criança? — Luiz Miguel estava curioso. — Foi o que ela pensou durante anos, mas fazia parte de um plano para afastá-los. Quando se casaram sete anos depois, ela não conseguia mais segurar uma criança no ventre. Sofreram muito por consequências da maldade. — Por isso eles adotaram a Nicole. — Luiz Miguel pensou alto e Duda semicerrou os olhos, lembrando-se da fotografia sobre o móvel. Precisava descobrir muita coisa. — Eu acho melhor você parar por aí... — Ele segurou a mão curiosa e beijou os nós dos dedos. — Veste o casaco. — Luiz Miguel se sentou ao lado dela e a ajudou, sem saber se olhava para o lado oposto ou fingia não vêla. — Fez outra tatuagem? — ela perguntou quando fechou o zíper do casaco. Ignorou o pedido dele e tocou novamente nas três miniaturas de ondas quebradas. — O que significa? — Gosto do mar. Não encontrei outra coisa para representá-lo, então

desenhei as ondas. — Ele estava visivelmente desconcertado com a situação. Não era algo natural, mas a descoberta da virgindade gritava dentro dele. Duda sempre tinha sido uma exceção, aquilo a tornava muito especial. — E por que gosta do mar? — Ela encostou a cabeça no peito dele. — Gosto do azul que ele assume quando o sol está se pondo. Gosto do barulho violento que faz quando está agitado, e como aquece o meu corpo em um mergulho na noite fria. Uma lágrima despencou dos olhos de Duda e pingou no tórax dele. — Não faça isso. Vem cá no meu colo. — Ele a ajeitou sobre as pernas, mas Duda abraçou os quadris dele e colocou o peito na curva do pescoço. — Vamos combinar uma coisa. Você não vai chorar por nada. É uma regra, mesmo se estiver longe. Mulher chorando mexe comigo. E sentindo que já te amei isso aumenta o tamanho. — Acho que está chovendo lá fora. — Duda sorriu e agarrou o pescoço dele enquanto um trovão ecoava. — Você tem medo de trovão? — Tampouco de furacões. Mas você precisa me levar antes que o meu pai coloque a polícia atrás de você. Se o Kamon viu o meu carro abandonado já ligou para ele, que ameaçou o porteiro, que entregou você... — Você quer ir? — Ele puxou o rosto dela e mergulhou a língua dentro dos lábios carnudos. — Não, mas preciso.

— Acho que a sua promessa me estragou de vez. Estou egoísta e necessitado. Deve ser um gosto doce... Precisa sair do meu colo agora. Duda entendeu e sentiu a situação, então se sentou ereta no sofá com a pele do rosto abrasada. — Eu vou pegar uma camisa. Vou te levar em casa. É a atitude mais sensata no momento. — Ele se levantou. — Desculpa, Nêgo. — Ela segurou a mão dele — Isso pode não ser normal para você. — A pele clara de Duda estava muito corada. — Saber disso me deu uma satisfação do caralho. — Ele beijou os lábios dela. — Não peça desculpas. Você será minha. — Encostou os lábios nos dela e saiu da sala. — Você sabe a condição... — Duda falou depois que ele saiu da sala e ouviu a campainha tocar.

CINQUENTA Duda levantou para atender a porta, contudo foi interrompida por Luiz Miguel. Ele voltou quando ouviu o som da campainha. — Eu atendendo, calça os seus pés. Ela fez o que ele pediu, mas ficou de olho na porta. Luiz Miguel se posicionou na estreita abertura tentando de alguma brecar a visão dela. — Nessa... Eu já ia te ligar. — Eu aceito. — O quê? — Luiz Miguel saiu e encostou a porta. — Seu convite. Venho morar com você. — Agora, Nessa? — Pensei bem, e não será um grande sacrifício ter um maridinho igual você. Trouxe o nosso vinho preferido para a comemoração — Vanessa arranhou as unhas negras no peitoral masculino e estranhou estar sendo interceptada. — Vou sair agora. Eu te ligo mais tarde. Em uma hora eu te ligo. — Ele estava apreensivo com a situação. — Mais tarde o quê, gostoso? Desmarquei uma festa depois que você me ligou. Quero você agora. — Vanessa apertou o polegar e o indicador

na lateral do rosto dele e beijou os lábios em um estalo. — Estou acompanhado... — Com licença. — Duda puxou a porta e passou por eles. Vanessa ajeitou o batom borrado com a ponta dos dedos. Não negou que ficou surpresa. Luiz Miguel tragou o ar com força e semicerrou os olhos, pois recebeu outras cenas curtas e desconexas da memória. — Eu não tinha como saber... — A morena deu passagem para ele, que saiu atrás de Duda. Luiz Miguel correu na direção da escada, pois ela tinha descido no elevador e o outro estava no térreo. — Espera! — Ele segurou no braço de Duda antes que ela saísse da recepção. — Estou com pressa, meus pais certamente estão preocupados. — Ela se desvencilhou e saiu do prédio. — Eu quero explicar... Eu não sabia que tudo mudaria essa noite. — Ele tentou outra aproximação. — Eu entendo. — Ela afastou o peito dele com a palma da mão. — Eu não estou ofendida... Só me sentindo uma vadia pela primeira vez na vida. — Não temos uma relação fixa. — Ele a interrompeu. — Eu quis, mas a Nessa nunca nos permitiu oficializar. — Talvez a "Nessa" tenha receio de entrar numa barca furada. — Duda ironizou, decepcionada.

— Agora eu sou o canalha? — E eu, pareço uma vadia? — Duda usou um tom de voz calmo, pois sabia que a culpa maior era dela por ter aceitado chegar ali. — Por que me trouxe, se pretende morar com a Vanessa? — Nem eu, tampouco você premeditou essa noite. Aconteceu e foi maravilhosa. Vou resolver tudo... — Ele tentou tocar nela outra vez, mas foi desvencilhado. — Você sempre foi atraído pela Vanessa. É a segunda vez que você me faz passar por isso. Eu quase me entreguei a você essa noite — Duda enfiou os dedos em seus próprios cabelos e olhou para os dois lados analisando os últimos acontecimentos. — Foi um erro. — Ela deu um passo atrás e apontou o dedo na direção dele — Segue a sua vida, a minha está maravilhosa sem você. — Eu vou chamar um táxi para você. Esfria a cabeça, depois eu te procuro. Duda pensou em mostrar o dedo do meio para ele, mas precisou andar rápido na direção de um táxi que estava parado do outro lado da rua. Se fosse rápida chegaria antes de outro passageiro. — Duda! — Eduardo gritou quando viu a filha ser atingida por uma motocicleta. Foi muito rápido ela já caiu inconsciente. Eduardo deixou o carro no meio da rua com as portas abertas e saiu correndo. Sérgio que estava com ele fez o mesmo. O pai foi comunicado que o carro da família estava causando

transtorno na entrada do condomínio e pediu "amigavelmente" que o porteiro relatasse o acontecimento. — Dudinha! — Eduardo ajoelhou no asfalto e tocou na filha. Temeu causar um dano maior. — Sérgio, mata esse desgraçado! — gritou quando viu o motoqueiro tentando ligar a moto. Sérgio pegou o celular e discou o número do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Alguns pedestres impediram que o motoqueiro fugisse. O homem não teve culpa, Duda atravessou sem olhar e se ele não tivesse freado, pulado e deixado a moto capotar, seria pior. Luiz Miguel ignorou a proximidade de Eduardo, testou um ponto no pescoço dela e se levantou agitado. Ele pegou o celular do bolso e ligou para uma médica conhecida, que trabalhava no atendimento móvel. — Vai ficar tudo bem, filha. Estou aqui. — Eduardo passou a mão no rosto de Duda enquanto pressionava o casaco para estancar o sangue que jorrava da lesão exposta no braço esquerdo. — Vou levá-la no meu carro. — Luiz Miguel tentou pegá-la no colo, mas Sérgio o afastou. — Vão chegar aqui em quarentena minutos, ela precisa ir agora para o hospital. — Ele tentou outra vez. — Não encoste um dedo sequer nela. Não queira despertar o meu pior. — Eduardo só não atacou Luiz Miguel, pois a filha era a sua prioridade. — Fique longe da minha família, rapaz! — Sérgio ameaçou. — Eu também... estou preocupado. — Luiz Miguel mudou o final da frase de última hora. — Você precisa levá-la agora. — Ele apertou os dedos

contra a camisa de Sérgio e olhou dentro dos olhos do pai pela primeira vez depois de ciente da paternidade. Foi estranho, mas não era o momento. — Agora! — ordenou exaltado. Sérgio segurou firme no punho dele, o afastou e ajeitou Duda nos braços, pois Eduardo estava trêmulo e atordoado. — Eu vou precisar de notícias! — Luiz Miguel gritou quando os dois se distanciaram. Eduardo voltou e deflagrou um soco no rosto de Luiz Miguel, que preferiu não revidar. — Se acontecer alguma coisa mais grave com a minha filha, eu volto. Você vai me pagar de qualquer jeito. Com um forte peso na consciência, Luiz Miguel saiu do meio da rua e se sentou sobre um dos degraus da larga escada que dava acesso ao prédio. Quando Vanessa se aproximou ele estava com as duas mãos apoiando a cabeça. A morena deslizou os dedos na tatuagem gravada nas costas dele e se sentou ao seu lado. — Conseguiu alcançar a sua patricinha? Eu não fazia ideia de que você estava saindo com ela novamente. — Vanessa focou o olhar em um coqueiro à frente. Estava desapontada, pois tentou criar um vínculo seguro, mas talvez fosse tarde demais. — Desconsidera o que disse. — Eu a ensinei beijar aos dezesseis anos. As lembranças estão vindo como um borrão. — Ele continuou de olhos fechados e cabeça baixa. Estava com uma forte dor de cabeça e as lembranças dançavam em sua mente.

— Vamos subir. Você não parece bem, Luiz. — Preciso saber da pequena. A porta estava entreaberta, o silêncio da madrugada era propício. Luiz Miguel observou Nicole encolhida com apenas a cabeça fora do lençol e sorriu, aquele sofá-cama parecia confortável. Ele se aproximou da cama hospitalar e observou a dimensão do curativo no antebraço esquerdo de Duda. Ele estava com um enorme peso na consciência. Doía ter ficado tanto tempo longe dela. Ainda não lembrava todos os momentos, mas julgava ter recordado os principais, pois foram suficientes para saber o quanto era bom estar com ela. Mesmo sem a intenção de acordá-la, seus dedos se arriscaram a retirar as mechas do cabelo de Duda que o impedia de visualizar o rosto adormecido. Ele observou as três linhas entre as sobrancelhas e acreditou ser sinal de fortes dores. Ela não estava bem. Com cuidado ele buscou um banco acolchoado que estava próximo ao sofá-cama onde a irmã dormia e colocou ao lado da cama. Assistiu o sono dela por alguns segundos e deslizou superficialmente os dedos sobre os cabelos dourados. As pálpebras de Duda se movimentaram. Foi como se ela reconhecesse o cheiro, mesmo debilitada. — Shii... — Ele sibilou baixo, com o indicador frente aos lábios. — Ainda sente dores? — Ele cochichou, friccionando o couro cabeludo dela com uma massagem fraca e circular. Ela continuou quieta. A visão estava turva devido ao sono induzido

pelos medicamentos. O soro enviado por agulhas ao dorso da mão direita já estava no fim e havia um tanto de sangue voltando à mangueira. Certamente a pressão estava sendo inversa. De imediato ele pegou o prontuário ao lado da cama, trocou a bolsa para o próximo soro e dosou as gotas. Duda observou a ação, acreditando estar sonhando. Tinha tomado remédio pesados para conter as fortes dores. A lesão maior foi corrigida e a hemorragia contida. Ela estava com quarenta e três pontos cirúrgicos e uma tala gessada no antebraço esquerdo. As escoriações na coxa foram superficiais comparadas a principal. Nicole resmungou alguma coisa, mas o susto foi apenas momentâneo. Ela sorriu ainda no meio do sonho e voltou a se aconchegar no edredom. — Vai ficar tudo bem, pequena. — Luiz Miguel beijou a testa de Duda, feliz por vê-la reagir. Os olhos castanhos umedeceram e uma gota caiu no rosto dela. — A coisa está pesada lá fora, eu preciso ficar do seu lado. — Você... está no meu sonho? — ela perguntou baixinho. — Sim. — Não quero você. — Duda sussurrou com a voz grogue. — Quero sonhar... com outro macho. O médico é bonito... vou sonhar com ele. Você... — Sim? — Luiz Miguel aproximou o rosto dela. — Quero o meu urso... Você é... um cachorrão. — Dorme. Te doparam para não sentir dor. Fecha os olhos. — Ele beijou a testa dela outra vez. Estarei sempre te olhando.

— Estou dodói... quero o médico bonito... Você me deixou triste. — Dorme. Vou ficar aqui te olhando. — Luiz Miguel fez cafuné nos cabelos loiros até ela parar de resmungar e se entregasse ao sono profundo. Ele não a deixaria. Temia que alguém fosse atrás dela naquele momento frágil. Tendo Nicole no mesmo quarto a sua preocupação dobrou. Os Moedeiros estavam sendo observados e agora ele tinha motivos pessoais para se preocupar. Durante a madrugada ele foi ao corredor pelo menos oito vezes e até ganhou a confiança da enfermeira que visitou o quarto duas vezes. Nicole por nenhum momento despertou. *** Era bem cedinho quando Maria Fernanda abriu a porta do quarto, bem devagar. Ela tinha saído do hospital no início da madrugada, depois que Duda saiu da cirurgia e foi para o quarto. O caçula estava com febre emocional e chamava pela mãe. A figura do homem sentado na poltrona, com a cabeça debruçada sobre a cama hospitalar a assustou de início, mas também a levou para o passado, quando Eduardo passou a noite na poltrona de um hospital depois de uma de suas crises ocasionadas pela anemia. — Eu já estou saindo — Luiz Miguel ajeitou a arma no cós da calça e passou sonolento por Maria Fernanda. O salto fino dela fazia barulho no corredor vazio e Luiz Miguel encerrou os passos vendo que ela não deixaria de segui-lo. Maria Fernanda parou na frente dele e o encarou de cima a baixo. Não fazia muito sentido no

momento, mas ela pensou nos prós e, inicialmente, contras em um possível relacionamento entre Luiz Miguel e sua filha. Ela lia muito romance e às vezes imaginava além das páginas. "É uma bela espécie masculina, não mais que o meu marido, mas ele é um tipão. Céus, Duda é menor que eu..." — Algum problema senhora? — Luiz Miguel perguntou, achando estranha a maneira que ela media os seus ângulos nitidamente com os olhos. — Você passou a noite aqui? — Maria Fernanda emendou a pergunta e trocou a bolsa de braço para disfarçar. — Eu fiquei preocupado. Ela estava comigo antes do acidente. — Luiz Miguel continuou andando. — Quais as garantias de que você não vai feri-la? — Maria Fernanda tocou o braço dele o impedindo a caminhar. Luiz Miguel fitou os dedos cobertos de anéis de ouro que pressionava o seu braço, se afastou e continuou andando. — Não tenho garantias senhora. A segurança da sua família é penetrável. Providencie reforços. — ele falou enquanto se afastava. *** Eduardo e Maria Fernanda estavam ao lado da filha na cama hospitalar. Passava das dez horas da manhã, Duda tinha acordado naquele momento. — Ele te obrigou ir até lá? — interrogou o pai.

— Não Dudu. — Os olhos de Duda estavam minguados, ela ainda não estava bem. Era cedo para perguntas, mas Eduardo não se importava. — Então você foi atrás dele? — Eduardo olhou para o grande curativo no antebraço de Duda e rangeu os dentes. — Chega de perguntas. — A mãe alisou os cabelos da filha. Ela também queria saber, mas perguntaria depois. — Duda precisa descansar. — Não sei uma maneira menos invasiva de perguntar isso, mas... e o lacrezinho continua firme e forte, como é que é? — Eduardo, por favor! — Maria Fernanda o advertiu. — Você também quer saber a mesma coisa, mulher, então colabora. — Eu quero dormir. — Duda fechou os olhos, pois não tinha uma melhor opção. — Duda acorda, me conta esse baba... — Nicole encostou a porta do quarto e viu Eduardo. — Oi, tio, tudo bem? Fui ali tomar um cafezinho com leite em pó. Duda está bem. Isso é o que importa. Acordou, danada? — A morena sorriu forçado. — Vamos lá acertar as contas do hospital. — Maria Fernanda levantou e chamou o marido. — Filha, você vai ficar aqui uma semana. A lesão pode infeccionar e o médico aconselhou assim. — Tudo bem, maman. Preciso me recuperar rápido. — Isso. Vão lá pagar as contas do hospital. — Nicole incentivou a saída dos tios.

— Vai contar para ela, não vai? — Eduardo perguntou a filha. — Seu pai não merece mesmo. Já estou velho, não sirvo para saber os segredos dos filhos. As amigas merecem mais consideração. — Dudu, deixa de drama. Não aconteceu. Agora vai acertar as coisas. — Duda não olhou no rosto do pai. — Isso! — Eduardo comemorou e beijou a testa da filha. — É só preocupação filha. Vou ajeitar um bom casamento para você. — Também beijou o cabelo de Nicole. — Para você também. — Volto já. — A mãe tocou o rosto da filha. — Vou despistar o seu pai — sussurrou. Ela contaria a filha sobre a visita de mais cedo. — Acho saudável abortar essa conversa de casamento arranjado imediatamente, Eduardo. — Maria Fernanda levou o marido para fora da sala. — O Kamon está aí fora. Ele vai entrar quando eu sair. — Nicole falou quando estavam sozinhas no quarto. — Me encontrei com Luiz Miguel ontem à noite. Fui parar no apartamento dele e quase me entreguei de corpo e alma. Foi tão bom senti-lo depois de anos. — Duda suspirou, pois, seu coração queimou dentro do peito. — Depois apareceu à namorada do cachorro e eu fiquei com a cara no chão. — Que vexame, Duda. Romeu cafajeste. — Nicole demonstrou uma indignação desmotivadora, pois torcia de maneira camuflada pelo casal. — Eu ia me arrepender tanto, Nik. Você não sabe o alívio que estou sentindo. O cheiro dele parece impregnado aqui, até sonhei com o cafajeste. Nicole abraçou a amiga.

— Fiquei tão preocupada. Ontem você estava gritando de dor e depois entrou aqui desacordada. — Agora estou bem. Quebrada, mas bem. — Nunca mais eu tenho esperanças no Romeu. Preciso concluir meu trabalho de campo. — Nicole choramingou. — Tinha uma foto sua entre as coisas do Luiz Miguel. Achei estranho. — Tinha farofa? Velas? — Nicole soltou à amiga e roeu as unhas. — O quê?! — Um bonequinho de pano com agulhas espetadas? — O que você está pensando, Nik, está louca? — Ele pode ter descoberto sobre as minhas investigações. Se ele estiver envolvido com coisa suja, pode ter certeza, sou a próxima vítima. — Não fala mais isso. Vamos descobrir logo esse mistério e passar na frente. Tem um quarto trancado e secreto dentro do apartamento dele. — Talvez ele torture as vítimas neste lugar. — Nicole segurou o próprio pescoço. — O Romeuzinho pode ser um Jason Voorhees. Se eu sair viva, essa investigação vai me render uma boa colocação. Acho que posso ousar e sonhar com a Record TV. Jornal das seis, meu sonho. — Nik, não me faça acreditar que um assassino tocou em meus seios. — Tocou?

— Não só tocou, mas isso não importa. Eu vou voltar naquele apartamento assim que tiver condições e você vai comigo. *** UMA SEMANA DEPOIS Era início de noite e ventava na charmosa e elegante estância dos avós de Luiz Miguel. O velhinho estava deitado, esperando Alice voltar com um chazinho de camomila, pois tinha acabado de tomar banho e pediu o líquido quente. O senhor Alfredo ouviu o ranger da porta e virou para ver a mulher que ele mais amava entrar no quarto. Quando levantou os olhos estava com as mesmas linhas de expressão que salientava um sorriso permanente no rosto. Mas a imagem da pessoa caminhando até ele fez o brilho dos olhos clarinhos tornarem-se assustados. — Alice... — O velhinho chamou baixinho. — A... Alice... — Shii... — A voz masculina pediu silêncio. — Eu estava com saudade.

CINQUENTA E UM — Com licença, eu posso entrar? — O homem loiro de olhos azuis abriu uma fresta da porta do quarto de Duda. Duda sorriu surpresa. Nicole, que estava na escrivaninha com o notebook aberto olhou para a amiga e aguardou ansiosa a cena daquele reencontro. — Você está bem, Maria Eduarda? — Felipe perguntou muito sério, olhando o relógio do pulso. — Teve sorte de me encontrar viva. — A acidez de Duda saiu melancólica. Aquele era o primeiro encontro pessoalmente depois de muitos anos. — Precisei ver algumas coisas quando cheguei de viagem, só pude vir hoje. — Ele se aproximou da cama de Duda. — Estou voltando do almoço, não posso demorar. Está melhor? — Com mais de quarenta pontos no braço, mas bem. — Duda queria um abraço, mas não pediu. — Não vai rolar nem um beijinho na ex-namorada? — Nicole perguntou e Duda sorriu. — Soube que você vai trabalhar comigo. — Felipe se sentou na ponta da cama, ele estava desconfortável com o reencontro e tentava ser

superficial. — O vovô me convidou. Vou uma vez por semana quando estiver com condições de segurar uma caneta. Mas vai ser rápido, volto logo para Taiwan. — Quando estiver bem, eu quero uma reunião em minha sala. Não dou moleza para estagiários. Duda gargalhou, encontrando uma ponte para aliviar a tensão que tomou conta do quarto. — Ui, ele é rancoroso, Duda. — Nicole colocou as mãos no ombro de Felipe e iniciou uma massagem. — Cheiroso — aproximou o nariz da blusa do loiro — Você precisa sentir esse perfume. — Nicole ajeitou o colarinho da camisa social. — O sapo virou príncipe sem o beijo. Arrasou! Felipe raramente se encontrava com Nicole, mas tinha muito carinho pela amiga. — Eu estava com saudade de você Nicole. Poderíamos marcar alguma coisa qualquer dia desses. — O olhar estava na prima. — Não saio com ex de amiga. De loiro a oriental, sigo a mesma regra. Mas como eu sei que foi uma indireta, a Duda aceita, assim que melhorar. Felipe e Duda sorriram e Nicole conseguiu acalmar o clima tenso. — Você mudou muito Felipe. — Duda admirou a beleza masculina. O homem de olho azul continuava muito belo, mas o tamanho não era o mesmo, certamente frequentava a academia regularmente.

— Você continua linda. — Felipe levantou — Preciso ir agora. Te aguardo. Tenho muitos relatórios para você separar por ordem alfabética. — Ele se aproximou de Duda e a surpreendeu com um beijo na testa e saiu do quarto da mesma maneira que entrou. — Isso foi estranho... — Nicole fez uma careta. — Ele parecia nervoso e você também. O que sentiu? — Eu gosto muito do Felipe, queria um abraço. Ele foi frio. — Acho que príncipe sapo ainda gosta de você, por isso o climão. — Nicole recolheu o notebook. — Vou terminar meu trabalho em casa. Volto amanhã na hora do almoço. Beijo. — A morena jogou uma bitoca e saiu do quarto. — Duda, me ajuda passar dessa fase. — Olavinho entrou no quarto da irmã segurando um tablet. — Dá um beijo aqui, que eu te ajudo — Duda curvou o corpo e ofereceu a bochecha, lugar onde o irmão deixou uma mordida. — Olavinho, cuidado. Sua irmã está em observação. — Maria Fernanda entrou no quarto, curiosa para saber do reencontro. — A Duda vive se metendo em encrenca, mamãe. Nunca vi uma mulher dar tanto trabalho. — O pequeno se jogou ao lado da irmã. — Onde estava meu irmão, que não me protegeu? — Duda bagunçou os cachinhos do mais novo e deu um beijo estralado na bochecha roliça. — Já vai? — Maria Fernanda perguntou ao sentir os braços do

marido em volta de sua cintura. — Sérgio me ligou agora. Temos um velório para ir essa tarde. — De quem? — A mulher conhecia o marido e percebeu o tom de voz dele sentimental. — Meu mestre. O senhor Alfredo sofreu um AVC ontem à noite e não resistiu. — Eduardo abraçava as costas da mulher e o seu rosto estava sobre o ombro dela. — O visitamos no mês retrasado. Ele estava tão saudável e carismático. Eu vou ligar para a Su. Não vou voltar à loja hoje. — O Sérgio também vai com a Suelen. Aprendemos muito com o seu Alfredo. Lembro o dia em que ele me escolheu no meio de todos os estagiários da J.A. Naquele mesmo dia eu o convenci que o Sérgio também era um bom profissional. Ele era de uma bondade ímpar. Meu melhor professor. — O vô Alfredo morreu? — Duda lembrou a figura do idoso, em uma cadeira de rodas. — Eu também vou Dudu. Quero abraçar a vozinha. Duda pensou na dor de Luiz Miguel. Pelo pouco que presenciou, ele era apegado aos avós. — Nunca fui a um velório de pessoas mortas. Eu também vou. — Olavinho determinou. — Não é lugar para crianças, Olavo. Vou te deixar com a sua avó. — Maria Fernanda acariciou os cabelos do marido que estava abalado.

— Por que ainda me trata como criança, se eu já tenho quase seis anos mamãe? — O menino rebateu. — Meu menino é corajoso, vamos levá-lo. — O pai defendeu a tese — Depois a Duda volta com ele e nós seguimos até o sepultamento. — falou com o pensamento longe. Era muito grato ao velhinho e seu coração estava desolado com a perda. *** — Eu não sei por que eu tenho que usar gravata. — O menino loirinho resmungou e Maria Fernanda continuou fechando o botão da gravata borboleta no pescoço do filho. — O papai não está de gravata. — Se comporte meu amorzinho. Você está lindo. — Ela beijou o rosto de Olavinho e segurou a pequena mão. Toda a família entrou no salão da funerária que estava movimentado. O velhinho conhecia muita gente, entre velhos clientes, amigos e empresários. — Você veio. Eu pensei que não viria. — Nicole encontrou com Duda na entrada. A morena estava com um tubinho preto no corpo, sapato scarpin altíssimo na mesma cor e um chapéu com uma pequena aba de tule negro frente ao rosto. — Soube pelo papai quando cheguei, é só troquei de roupa. — Você tinha esse chapéu em casa? — Duda perguntou, estranhando o exagero. — Peguei nas coisas da minha mãe. Eu sempre vi nos filmes. Além

de elegante dá para investigar muito e não ser notada. — Você viu o Luiz Miguel? — Duda perguntou, observando as pessoas desconhecidas. — Ele estava chorando quando cheguei. Chorou mais quando eu o abracei. Vai lá. Eu vou sondar um pouco. Duda caminhou na direção que a família Azevedo estava. Ela estava com o braço imobilizado em uma tipoia funcional. O braço direito apoiava o peso do esquerdo, por isso não tocou o ombro de Luiz Miguel que estava com o rosto curvado em uma das cadeiras ao lado da família. Uma das mãos estava entrelaçada a de Vanessa. Duda tentou relevar o quanto aquela cena foi desconfortável. Vanessa sempre estava ao lado dele para tudo, talvez esse fosse um dos motivos para tanto apego, enfim, não era o momento para ciúmes ou egoísmo. A senhorinha que secava os olhos com um lenço de pano precisava de um abraço. Luiz Miguel sentiu o perfume inconfundível e suspendeu a cabeça. Seus olhos estavam vermelhos e turvos quando viu Duda em um vestido muito longo, abaixada e conversando com sua avó. — Vim chorar com a senhora, mas agora prefiro te ver calma. — Duda estava com o joelho no chão e alisava os cabelos alvinhos da senhorinha sentada na cadeira. — Ele estava tão bem ontem à tarde. Lembramos da nossa juventude e dos passeios de bicicleta. No início da noite ele resolveu me deixar. —

Alice enxugar os olhos novamente. — A senhora precisa ser forte — Duda engoliu o próprio choro para consolar. — O amor que viveram foi importante. Olha quantos frutos o vô te deixou. — Você é a noiva do Heitor? — Alice perguntou, segurando a mão de Duda. — Vão me dar um bisneto para alegrar o meu coração? Heitor que estava ao lado da avó olhou para o irmão mais velho que espiava a cena. — Você não deveria chorar na frente das mulheres, elas descobrem as nossas fraquezas — Olavinho tocou o ombro de Luiz Miguel. — Ele está triste, Olavo. Por isso está chorando. — Julinha tocou a mão de Luiz Miguel, expressando um singelo e inconsciente consolo. Era tudo que o irmão mais velho precisava. — Me dar um abraço Júlia? — Luiz Miguel abriu os braços, ainda sentado sobre cadeira. Quando os bracinhos da caçula o tocaram ele perdeu o controle sobre as lágrimas. — Agora fiquei feliz. Alicia enxugou o rosto e se afastou. Estava muito abalada e não queria se exaltar. Duda estendeu a mão e alisou os cabelos de Luiz Miguel. Sentiu receio. Não tinha digerido a notícia de que ele moraria com outra. A outra em questão estava ao lado, fitando-a cautelosamente. — Oi... — Luiz Miguel passou o dorso da mão no rosto. — Você já conhecia a Julinha? — Ela perguntou retirando a mão dos cabelos dele. Percebeu que estava sendo evasiva com a mulher ao lado.

Talvez o título de outra estivesse sendo atribuído a ela. Não queria ser assim. — Eu estava precisando do abraço. Obrigado Júlia. — Luiz Miguel enrolou os longos cachos crespos da pequena entre os dedos. — Duda, eu posso ver o morto? — Olavinho encostou às pernas da irmã e falou em um tom baixo. — Melhor não Olavo. Já estamos de saída. — A irmã respondeu no mesmo tom. — Mas eu quero ver. Deixa. — O menino insistiu. — Eu te levo até ele. — Luiz Miguel levantou e segurou Olavinho no colo, levando na direção que estava o caixão. — Agora entendi, ele é muito velho. — Olavinho observou o rosto através do vidro. — Os velhos precisam morrer para descansar. Todo mundo chorando, porque queria o coitado cansado. Duda se aproximou e observou a feição de Luiz Miguel torna-se serena, ao ouvir as palavras do menino. — Ele estava muito cansado, mas era muito amado e vamos sentir falta. Por isso todos estão chorando — Luiz Miguel trocou um olhar com Duda no meio daquela frase. — Mas o velho acabou de morrer, dá um tempo a ele. — Olavinho continuou. — Não é assim Olavo, as pessoas estão tristes. — A irmã mais velha tentou explicar.

— Você está melhor? — Luiz Miguel olhou para a tipoia no braço de Duda e a maneira que ela apoiava o braço enfermo com o sadio. — Poderia estar melhor, se eu não tivesse aceitado ir ao apartamento de um homem casado. — A resposta saiu um tanto sarcástica, mas era o natural de Duda. — O papai vai saber disso. — Olavinho deixou escapar e Luiz Miguel o colocou no chão de imediato. — Vocês não deveriam ter vindo. — Luiz Miguel viu Eduardo, Sérgio e as esposas falando com Samanta naquele momento. — Não é hora para ressentimentos Luiz Miguel. — Você pode me dar um abraço? — Ele pediu e abaixou os olhos tentando disfarçar a voz atravancada. — Não me sinto confortável na frente da sua mulher. Essa situação é desconfortante. — Não existe esse rótulo entre mim e Vanessa. Tudo bem, sem abraço. Obrigada por ter vindo. — Luiz Miguel tragou o ar com intensidade e olhou para o lado oposto. — A notícia pegou todos nós de surpresa. Eu amava o meu velho, você não sabe o quanto está sendo doloroso. — Um abraço de carinho. — Duda tocou o braço dele e deitou a cabeça no peito largo, sentindo as batidas do coração e a respiração misturada com lágrimas que ele não conseguia controlar. Luiz Miguel abraçou a cintura dela e deixou um beijo nos cabelos. — Tente pensar nos momentos bons. Vou ficar calada aqui, só te ouvindo.

— Você precisa pegar as crianças agora é sair daqui com a sua família — Luiz Miguel ficou tenso de repente. Ele ainda abraçava Duda quando viu a negra e a loira entrando no salão.

CINQUENTA E DOIS — O que foi Luiz Miguel? — Duda perguntou, pois sentiu o homem tenso. — Você vai sair daqui imediatamente. — Ele a tirou as mãos dela. — Pega os meninos e sai. — Por quê? — Duda tocou no peito dele e seus olhos umedeceram quando ele se esquivou. — Não me toque... Você não deveria ter vindo. Nenhum de vocês. Vai ferrar com tudo. Droga! — Grosso! Estou aqui por sua avó, meus pais pelo mesmo carinho. Não por você. — Sai agora, Maria Eduarda! — Ele virou de costas, deixando-a sozinha com um bolo angustiante na garganta. Duda sorriu de raiva, sem entender o que tinha acontecido. Luiz Miguel sentou e enterrou o rosto no pescoço de Vanessa. — Babaca — ela murmurou e saiu segurando o braço, se sentindo muito pequena diante da situação. Um pouco mais distante, a loira de cabelo curtíssimo observava Eduardo pelas costas e diminuía o espaço até ele. — Você ficou ainda mais gostoso com o passar dos anos. — Viviane

sussurrou muito próxima a nuca de Eduardo. Eduardo virou, achando inusitado ser paquerado em um velório e ao fitar a mulher reconheceu de imediato à ex-namorada. A loira estava com um vestido vermelho justíssimo e casaco até a base do joelho no mesmo tom rubro. A negra alta, de vestido marfim e chapéu estava ao lado. Eduardo não deu muita importância à desconhecida, mas ela pareceu furiosa em tê-lo por perto, pois os punhos foram fechados com intensidade. — Viviane? — Eduardo crispou a testa. — Em carne, osso e o que você mais gostava: traseiro. — Você voltou do inferno?! O que faz aqui? — Eduardo procurou a esposa entre as pessoas e a viu de olho na cena, esperando a oferecida avançar um sinal para seguir até ele. — Como anda a galinha caipira... Sorry. A galinha dos ovos de ouro? — O que você quer Viviane? — Eduardo perguntou sem paciência, afastando as mãos da loira de seu colarinho. — Saber se você continuaria com a insossa, se ela ficasse sem os dentes e os sedosos cabelos? Eu sei que é horrível, mas eu posso ser rancorosa gato. — Tente ameaçar minha mulher outra vez. — Eduardo falou devagar, pressionando o indicador e o polegar na base da traqueia de Viviane por cinco segundos, antes de se distanciar e interceptar Maria Fernanda no meio do caminho.

— Quem é a oferecida? — Maria Fernanda foi levada contra a vontade. — Por que ela estava tocando em você? — Ei, calma. — Eduardo firmou as mãos no rosto da mulher e beijou-lhe os lábios. — Vamos pegar as crianças e sair daqui. — Quem era Eduardo?! — A mulher se excedeu. — Viviane. — Viviane?! — Maria Fernanda olhou para trás, mas continuou sendo levada. — Se ela está aqui é porque tem relação com esta família. Infelizmente, ela não voltou à toa. Eduardo pegou o filho mais novo no colo e Maria Fernanda segurou a mão de Julinha. — Precisamos ir Duda. — A mãe abraçou a cintura da filha. — O que está acontecendo maman? — Só ande filha. Vamos chamar o Sérgio e sair daqui. Eduardo deu sinal para o amigo e de imediato ele, Suelen e Nicole caminharam até a porta. — Viviane voltou. E tudo me diz que não superou o passado. — Eduardo avisou ao amigo e todos saíram do salão funerário. A preocupação de Eduardo foi a família. Viviane odiava Maria Fernanda. Ele morreria antes de deixar algo acontecer a ela. — A piranha voltou? — Suelen perguntou antes de entrar no carro

do marido. — Das profundezas do inferno, Suelen. — Eduardo respondeu ao fechar a porta do seu próprio carro e assumir o lugar do motorista. Cada família entrou em um carro diferente e seguiram para suas respectivas casas. No caminho Eduardo estava muito exaltado e já tinha deflagrado vários socos no volante. Há muitos anos Maria Fernanda não o via daquela maneira. Estavam em uma rodovia pouco movimentada quando o pai percebeu que algo muito errado aconteceria. Ele fez uma manobra na pista e desviou do carro que estava ao seu lado. Foi rápido, mas os homens estavam ali para dar um recado e passaria. — Tiros papai, onde está sua arma agora? — questionou Olavinho, com o corpo próximo ao banco do motorista. Maria Fernanda já estava em completo desespero e com os olhos fechados fazia uma oração silenciosa. — Se abaixe Olavo. O carro é blindado, mas não sabemos o tipo de arma que estão usando. — Eduardo acelerou o veículo. — Vem Olavo. — Duda agarrou o irmão e deitou a cabeça dele em seu colo. Ela estava assustada e o coração pulsava em um ritmo muito acelerado. Lembrou-se de momentos difíceis da infância onde quase perdeu o pai. — Não estou tão enferrujado — Eduardo falou satisfeito, quando despistou dos inimigos, não sabendo ele, que tudo estava articulado. — Não

se preocupe mulher, vem cá. — Sem desviar os olhos da pista, ele colocou a cabeça de Maria Fernanda em seu ombro. — Ninguém vai ferir vocês. Eu prometo. — Se a Irene também voltou, não vamos ter sossego. — Maria Fernanda tentou inibir os soluços, mas foi impossível. — Já conseguimos vencer momentos difíceis antes, vamos superar quantas vezes for necessário. — Ele segurou a mão da mulher e beijou. — Fica calma, amor. Os meninos estão bem. *** DUAS SEMANAS DEPOIS A família Moedeiros não tinha sofrido outro atentado durante aquelas semanas, mas Eduardo cuidou de fortalecer a segurança. Duda ainda estava se recuperando. Depois do rompimento de três centímetros no lugar da cirurgia, o avô achou melhor suspender a proposta de estágio até o final da recuperação. Naquele momento ela estava em um café muito movimentado, a quarenta minutos de distância da mansão dos pais. Tinha sido chamada pelo detetive e saiu sozinha em seu carro para saber notícias. — Trouxe algo para você. — O detetive abriu a maleta e colocou alguns relatórios sobre a mesa. — Há dois anos o senhor Luiz Miguel comprou de volta a casa que pertencia ao avô. Eles tinham vendido à mansão quando se afundou em dívidas... — Eu sei toda a história Antônio. Você descobriu de onde veio o

dinheiro? — Duda cortou a fala do homem. Ela estava com pressa e não se sentia bem diante do sorriso estranho que não saia dos lábios finos do detetive. — A academia Anjos da Noite foi fundada há cinco anos. Começou pequena e na periferia da cidade. Três anos depois ele comprou o prédio atual. As informações batem. Ele começou do zero. — Aquelas duas mulheres da fotografia estavam no velório do seu Alfredo. Uma é ex-namorada do meu pai. Você descobriu mais alguma coisa sobre elas? — A loira, Viviane Ferraz, viveu entre alguns países da américa do sul durante os últimos quinze anos. É a única herdeira de várias propriedades no Brasil e Argentina. A outra mulher atende pelo nome de Brigitte González, mas não existe nada registrado com esse nome em nenhuma parte. Estou investigando, tenho certeza que o nome é falso. Elas tornaram a se encontrar com o senhor Luiz Miguel logo após o sepultamento do avô. — Essa história está mais confusa a cada dia. — Duda pensou alto. — Logo você estará com todas as respostas, senhorita Maria Eduarda. — Você sabe como desarmar um sistema de segurança sem a senha? — perguntou Duda, certamente o detetive entenderia do assunto. — Sei alguns macetes. Tem relação com as investigações? Posso ajudar pessoalmente. — Antônio Guimarães fixou os olhos nos lábios de Duda e aquilo a enojou.

— Não. É particular. Se você puder me passar os truques ainda hoje, ficarei grata. — Estará tudo em seu e-mail no final da noite. — Antônio retirou uma caixa aveludada da maleta. — Trouxe um presente para a minha melhor cliente. — Ele escorregou a caixa na mesa até chegar próximo a Duda. Duda abriu e fitou uma pulseira cravada de diamantes. — Antônio, você enlouqueceu? — Ela empurrou a caixa de volta para perto do homem. — Não gostou? — ele perguntou desapontado e segurou a pequena caixa entre os dedos. — Eu não posso aceitar. Obrigada pelas notícias. Continue exercendo o seu trabalho. — Duda pegou a bolsa e saiu do café. Antônio pegou a pulseira e aproximou dos olhos. — Você vai usá-la, senhorita. Vai usar a pulseira e nada mais. *** Duda estava dirigindo muito devagar quando ouviu um barulho estranho no carro. Ela parou em um acostamento e desceu para verificar. Olhou para os dois lados da rua e não viu movimentação. A sensação de estar sendo vigiada a atingiu. — Isso tinha que acontecer logo agora? — murmurou ao visualizar o pneu do carro completamos murcho. Se não estivesse devagar o pior poderia ter acontecido.

Ela se inclinou para dentro do carro, apertou o botão do controle e abriu o porta malas, onde estava as ferramentas e o estepe. Fechou à porta do veículo com o quadril, retirou o estepe com muita dificuldade, pois usava apenas o braço sadio e se abaixou próximo ao pneu. — Acho melhor ligar para o Dudu. — Chegou à conclusão depois de sentir uma fisgada no antebraço esquerdo. — Não, eu não fiz isso. — Ela cobriu a testa com a palma da mão quando constatou que a porta estava fechada e as chaves no painel de dentro — Eu não acredito que fiz isso. — Levantou e estapeou o vidro blindado. Não demorou muito para pingar uma gota grossa de água em sua testa, em seguida caíram várias. Ela começou puxar à porta, mesmo sabendo que era inútil. O temporal desabou e em menos de um minuto ela já estava toda encharcada. — O que mais falta acontecer? — Ela passou a mão no rosto para tirar os cabelos grudados e descansou as costas na porta do carro. Os olhos estavam fechados e a chuva não dava trégua. — Maria Eduarda, você é louca Mulher?! — É o quê?! — gritou irritada. — Eu posso ficar presa pelo lado de fora do meu próprio carro em paz! Ela abriu os olhos quando foi puxada. Os abraços de Luiz Miguel estavam em volta de seu corpo. — O que você está fazendo aqui, no meio da chuva? — Ele a abraçou com uma intensidade grosseira que a fez gemer de dor.

— Pode parar! — Ela o empurrou e se encostou novamente no carro. — Já estou liberada para tocar em você? Me poupe das suas vagabundagens. — Meu carro está logo ali, eu te levo até a sua casa. — Estou esperando o meu pai, ele já está chegando. Duda olhou para a água que corria e cobria suas sandálias baixíssimas. Ela sabia que Eduardo não mandaria rastrear o carro, até perceber que ela não estava descansando no quarto. — Você vai esperar aí? — Luiz Miguel assumiu uma feição nervosa. — Não vejo problema? — Duda levantou o rosto e começou analisar a pintura violeta das unhas. Luiz Miguel passou a mãos nos cabelos e retirou inutilmente o excesso de água. — O céu está desabando sobre sua cabeça, e você vai ficar olhando as unhas, Maria Eduarda?! — É proibido chover? Volte para seu carro e me deixe em paz. — Ela enrolou a ponta dos cabelos molhados, fingindo falta de preocupação. Luiz Miguel fechou os olhos para se controlar. Mas não deu certo e rapidamente agarrou as pernas de Duda e a jogou nas costas.

CINQUENTA E TRÊS — Me solta! — Duda puxou os cabelos dele forte e lentamente. Luiz Miguel teve a sensação de ter o couro cabeludo sendo levemente deslocado, mas isso não o impediu de carregá-la para o outro lado da rua. — Você tem quase vinte e três anos, é advogada e herdeira de um império. Por que coloca a sua vida em perigo tão naturalmente? Que porra você estava fazendo sozinha fora de casa?! Você consegue deixar de ser louca por quarenta e oito horas que eu estou longe?! — Ele a imprensou contra a porta do carro. — Você sabe que eu posso te atacar agora mesmo, não sabe?! — ela gritou, tentando alcançar o barulho da chuva. — Grosso! Insuportável! Cafajeste, mau-caráter e vingativo! Você está envolvido em jogo sujo e tentando contra a minha família, mas não vai conseguir nos atingir! — Terminou? — Ele tirou as mãos do corpo dela, mas não afastou o corpo. — O que você quer de mim, Luiz Miguel?! — Ela o empurrou e caminhou de volta para o carro do outro lado da rua. — Maria Eduarda! — O que está fazendo na direção da minha casa? Não venha atrás de

mim! — Ela se inclinou e olhou através do vidro do carro. — Se eu tivesse um fio, poderia passar pela borracha e destravar... — Olhou para trás e encarou Luiz Miguel por alguns segundos. — Você consegue arrombar essa porta? Eu sei que você entende do assunto com perfeição. Posso pagar, não precisa ser um favor. — Você vai ficar doente, para de teimosia e venha comigo. — Ele segurou o braço de Duda e ouviu o grito fino, pois ela sentiu uma dor aguda na sensibilidade da cicatriz. — Mar, eu te machuquei? — Ele segurou o braço dela com cuidado e analisou a cicatriz. — Me perdoa. — Beijou sobre as marcas de pontos cirúrgicos. Parecia consciente do que fazia. Duda o encarou, tentando entender se ele tinha recuperado a memória, era apenas um momento ou nunca tinha se esquecido. — Fique longe de mim. — Ela se desvencilhou dele colocou o braço direito sobre o carro e curvou a cabeça, permitindo que as lágrimas se misturassem com a chuva. — Estou desgastada. — Tudo o que eu tenho feito para te proteger. — Ele descansou a mão nas costas dela. — Vamos para o carro. Não vou te deixar aqui fora, sozinha e no meio da tempestade. — Eu vou morrer aqui fora, mas não entro no seu carro. — A voz dela saiu abafada, mas Luiz Miguel estava perto e ouviu. — Então eu vou morrer com você. — Ele acariciou na nuca dela. — Não faz muito sentido, se você não estiver aqui. — Beijou-a no ombro e

ganhou um sopapo. — Odeio você. — Ela permaneceu na mesma posição. — Eu sei que ainda temos uma ligação — ele continuou tentando — Eu sei que ainda existimos um para o outro. Duda virou de frente passou a mão no rosto e segurou o braço. Estava trêmula e soluçava e sentia dor. — Eu n-não quero olhar n-na sua cara. — Ela se abraçou e abaixou a cabeça. — Se eu disser que te amo, você vem? — Tentou abraçá-la, mas Duda sacudiu o corpo se desvencilhando. — Eu te amo. — Estou cansada de suas... mentiras. — Ela não cedeu. — Era a minha frase mais importante, pensei que atingiria o seu coração. — Meu coração e-está ca-lejado por suas me-mentiras. — Eu não vou desistir. — Luiz Miguel colocou os joelhos no chão e beijou a mão trêmula e muito pálida. — Me perdoa. Estou com um peso enorme nas mãos e temo não sustentar. Preciso que você colabore, ficando longe do perigo. Duda chorou entre os soluços. Estava cansada e não acreditaria em mais nada. Já tinha se decepcionado o suficiente. — I-sso acaba a-aqui. — Ela puxou a mão que ele segurava. — Não. — Ele levantou e firmou o rosto dela entre as mãos. — Eu

não vou aceitar. — Prendeu as pernas dela entre as dele. Estava evitando uma possível joelhada. — Não aceito. — Respirou pela boca e tentou beijá-la nos lábios. Duda firmou os dedos nos cabelos castanhos e puxou com força. Luiz Miguel continuou tentando vencer a resistência, contudo a mágoa e o orgulho de Duda não permitiam. — Acredita em mim. — Ele pediu com os lábios colados aos dela. — Por favor, pequena. Duda deixou o corpo relaxar e tombou a cabeça para trás. — Eu quero co-colo. — Ela soluçou, fechou os olhos e Luiz Miguel a sustentou nos braços, levando-a rapidamente para o outro lado da rua. Ele a colocou no banco do carona e deu a volta para assumir o lugar do motorista. Duda abriu um cantinho do olho esquerdo e fechou novamente. — Vou tirar sua roupa molhada e te deixar bem quentinha. — Luiz Miguel se inclinou para o banco de trás e puxou uma mochila. Estava nervoso por vê-la doente e esperançoso com a possível reconciliação. P-por quê você tem uma mo-mochila de roupas n-no carro? — ela perguntou segurando o braço dolorido. — Estou chegando de viagem. — Ele abriu o zíper da mochila e procurou algo entre as peças de roupas. — V-vagabundo. — Ela já estava com os dentes tilintando de tanto frio.

— Eu posso tirar a sua roupa? — ele perguntou fitando a maneira que ela apoiava o braço. — Deixe-me ver seu braço? — Estou bem. — Tira a roupa e coloca isso. — Entregou um blusão moletom e ligou o aquecedor do carro. Duda virou de costas para ele e tirou a blusinha de guipir com muita dificuldade, pois estava encharcada. — Vou tirar o seu sutiã. Ela sentiu um beijo quente sobre a pele do ombro e arqueou as costas. — Não quero ho-homem casado to-tocando no meu sutiã. — Eu não sou casado. — Luiz Miguel sorriu quando desabotoou o fecho de lacinho dourado. Achou a peça fofa diante das atitudes espinhentas da mulher impertinente. — Agora tira a saia. — A mão correu sobre a pele da coluna vertebral. — Não vou fazer isso. — Agora, Maria Eduarda! — Agora é um murro no meio da sua cara. Eu vou furar seus olhos se não virar para o outro lado, seu safado. Va-vagabundo. — O calor do aquecedor já estava aquecendo o corpo dela. — Eu vou virar. — Não olhe até eu vestir. Vo-você não vale nada. — ela resmungou.

Luiz Miguel se afastou, mas permaneceu olhando. Duda abriu a saia envelope de couro marrom e ficou apenas com a calcinha de algodão, repleta de ursinhos e singelos babadinhos na linha das borda. Luiz Miguel achou a peça muito sexy. Ele retirou a camisa molhada, jogou no banco de trás e continuou observando Duda toda atrapalhada, tentando passar a gola do casaco pelo pescoço enquanto as mangas continuavam grudadas nos braços molhados. — Quer ajuda? — Eu não preciso da sua ajuda para vestir um casaco. — ela falou com a cabeça enterrada no tecido. — O que fazia n-na cidade vizinha? — perguntou quando conseguiu vestir a peça que cobriu até a metade das coxas. — Trabalho. — Ele retirou a arma da cintura e tentou esconder, mas isso era algo impossível com Duda ao lado. — Quantas armas você tem? — Ela subiu as pernas para o banco do carro e cobriu os joelhos com o casaco. — Por que você precisa andar armado? Está fazendo bicos de assaltante? Ele colocou a pistola no banco e começou tirar a calça molhada. — Como está o seu braço? — Ele desceu jeans grudado no corpo e ficou apenas de cueca azul marinho. Duda percorreu o corpo masculino com os olhos e não se importou em esconder que fazia aquilo. Luiz Miguel estava sentado, com todos os músculos do corpo visíveis, apenas de cueca e retirava a munição molhada da pistola 9mm. Duda olhou mais uma vez para as coxas grossas, ligeiramente

para a cueca slip, abraçou os joelhos e olhos para o lado oposto. — Me leve para casa. — ela pediu, sentindo lágrimas atravessar os olhos outra vez. — Você estragou absolutamente tudo. Desde o início você foi um babaca. — E pela ordem das coisas você não deveria ter contato nenhum comigo. — Ele guardou a pistola no compartimento do carro e começou vestir uma calça de flanela. — Não vou voltar para a chuva. Espere lá fora, se não quiser ter contato comigo. — Ela fungou o nariz e passou o punho coberto nos olhos. — Me desculpa por ter machucado o seu braço. — Sempre achei essa palavra fraca demais. — Me perdoe por ter machucado o seu braço ferido e o seu coração. — Com uma peça de roupa ele começou a enxugar os fios loiros. — Ou vai querer me ver de joelhos outra vez? Duda pensou em buscar a verdade nos olhos, mas sentiu beijos na região do pescoço e seus movimentos foram limitados a reconhecer as sensações. — Luiz Miguel... — A voz dela quase não saiu. — Eu estava com tanta saudade. — Ele elevou o tronco e cobriu a bochecha dela de beijos. — Vamos matar essa saudade longe daqui. Eu, você e o inverno. Vem comigo, minha pequena. — Você lembrou? — Duda levantou a cabeça e fitou o rosto do

homem bonito. — Me promete que vai se esforçar para guardar esse segredo. — Por que eu preciso esconder? — Ela controlou a emoção. Lembrar não fazia muito sentido, diante das incógnitas, contudo parecia um bom momento para arrancar algo dele. Começaria por uma parte física.

CINQUENTA E QUATRO Sem aviso, Duda grudou os dentes no lábio de Luiz Miguel e usou força. — Mar, você está me mordendo. — Ele tentou afastá-la. — Mar! — Duda passou as pernas e se acomodou no colo dele. — O que pretende com isso? — perguntou impaciente, sentindo a mordida no lábio inferior. — Não pode arrancar parte de minha boca. — Ele já sentia o lábio dormente. — Você vai me contar exatamente o que aconteceu. — ela falou com os dentes presos a ele. — Eu quero saber de tudo. Comece pela palhaçada antes da minha viagem. — Então para de me morder. — Ela o libertou e viu a marca de seus dentes na parte mais carnuda da boca de Luiz Miguel. — Você está mais louca do que antes. —Ele olhou sobre os ombros dela e conferiu a boca no espelho frontal. Tinha um pouco de sangue. — Por que me traiu se já tinha me contado o seu plano? Ou me contar fazia parte? — Envolve a vida de muitas pessoas e eu não quero minhas irmãs em perigo tampouco você. — Você está falando de quê? — Ela descansou o bumbum nos joelhos dele e guardou aquela frase.

— Depois da sua viagem muita coisa aconteceu. Algumas que você não vai se orgulhar e outras eu não sei se vai aceitar muito bem. — Eu vou descobrir tudo de qualquer maneira. Agora, poupe o meu tempo e me conte sobre aquele momento antes da viagem. Luiz Miguel jogou a cabeça para trás, fechou os olhos e sugou o próprio lábio ferido. Permaneceu daquela maneira por um tempo, selecionando exatamente o que falaria. Precisava deixá-la por perto. Assim era melhor. Se Duda ficasse longe ele não teria muita paz. Duda continuou esperando por palavras esclarecedoras. — Eu não lembro, mas minha mãe me contou que trouxeram um falso exame de DNA, comprovando que eu e você éramos irmãos. — Ele revelou, sabendo que não era o momento e que Duda não sabia lidar com segredos. — Eu e você? Quem inventou um absurdo desses? — Ela buscou o rosto dele para fixar nos olhos, queria analisar as palavras e as reações. — Se você pensar bem, isso não é tão absurdo. — Ele crispou a testa quando ela colocou os dedos contra os lábios dele pedindo silêncio para meditar na informação. — Eu me lembro dessa história, a maman me contou que a sua mãe caiu nas garras do Dudu em algum momento do passado. — Eu também sabia, foi por isso que acreditei na possibilidade. — Mas não tem condições, não é? — Duda perguntou e seu corpo tremeu com a probabilidade.

— Eu nunca fui filho do seu pai. Foi um grande mal-entendido. — Quem criou o mal-entendido? — Ela quis saber. — Não importa, ele foi feito de qualquer maneira. — Quem te deu o falso exame Luiz Miguel? — Ela insistiu. — A titia professora do crime? Eu não preciso pensar muito para saber que foi ela. — Está parando de chover. — Ele acreditou que fugiria do assunto. — Quem liga para chuva, Luiz Miguel?! — Como você acha que ficaria a cabeça de um homem, sabendo que estava louco por sua própria irmã? Foi cruel e te desejo muito para aceitar isso. Duda fitou a chuva que escorria no vidro da janela. Ficou calada por alguns segundos, depois virou para ele e deu uma bofetada no rosto. — Como você fica sabendo de uma coisa dessas e me trai?! E se fôssemos irmãos? Queria o meu ódio para sempre?! — Não fala uma coisa dessas... — Ele ainda se livrava de tapas e tinha cuidado para não a machucar no braço que estava imóvel — Não fala nem de brincadeira. Sinto repulsa só de pensar na possibilidade. — Eu vou acabar com você! Vou retirar seu último rim com as minhas próprias mãos! — Eu só queria te proteger. — Você bateu a cabeça antes de ter se recuperado de uma grave cirurgia. — Duda segurou firme nos cabelos dele e o obrigou a olhá-la —

Você poderia ter morrido. Irresponsável! — Luiz Miguel a abraçou antes que visse lágrimas escorrer dos olhos azuis — Seria tão mais fácil se tivesse me contado. Eu daria um jeito de descobrir a verdade. — Ela se engasgou entre o choro e as palavras. Odeio você, isso é definido. — Por favor, não chora Mar. — Como descobriu que o exame era falso? E porque não descobriu antes? — Ela firmou as unhas próximas à glote dele, mas não fez pressão. — Minha mãe me contou a verdade quando ela voltou de viagem, por isso eu fui atrás de você e aconteceu a desgraça do acidente. — Todos vocês erraram! — Ela afastou o rosto do peito dele. — Sua mãe deveria ter te descido a mão e contado toda a verdade antes que você fechasse os ouvidos e saísse correndo feito uma criança birrenta que não quer conhecer o verdadeiro pai?! — Eu nunca me interessei sobre o assunto. Eu quis te poupar da dor que seria essa sujeira. — ele falou com o rosto baixo. — Quantas coisas poderiam ter sido evitadas Luiz Miguel. As consequências vieram para você, mas também me atingiu. — O choro chegou mais violento e Duda se engasgou com as palavras. — Eu entrei em uma crise grave de ansiedade, comecei a me cortar e entupir de doces. Isso por conta de um babaca que tinha estragado a minha autoestima e ferido o meu coração na adolescência! — Os remédios pós-cirúrgico eram fortes e mesmo assim me deixava cheio de dores. Aquilo tudo atingiu o meu psicológico em um

momento de fraqueza. Eu lembro o momento que te deixei ir. Não te traí. Foi o que eu conseguir inventar de última hora. Fiz para você não sentir o que estava comigo. Um incesto é mais cruel que traição. — Ele continuou com o rosto baixo e Duda viu uma lágrima pingando sobre os gominhos do abdômen. — E você já encontrou o seu verdadeiro pai? Têm irmãos e avós? — Ela colocou os dedos nos cabelos dele e acariciou gentilmente. Não era todo dia que via um homem grande envergonhado e escondendo o choro. — O encontrei. Ele é sozinho, sem filhos, sem mãe ou pai. Somos amigos. — Quero conhecê-lo. — Sim... eu vou dar um jeito quando ele voltar de viagem. — Ele levantou o rosto e desenhou os lábios dela com a ponta dos dedos. — Me perdoa por tudo isso. Eu não sabia que tinha te atingido com essa proporção. Você está bem hoje? Duda desviou os olhos do rosto dele. Sabia que tinha muita coisa escondida, mas ao menos estava com uma desculpa aceitável sobre a traição. — Eu odeio que escondam as coisas de mim, Luiz Miguel. Onde está o seu celular? Vou ligar para o Kamon me pegar aqui. — Não vou fazer isso. — Tudo bem. Eu vou encontrar alguém com um celular na rua. — Ela se inclinou para abrir a porta, mas ele a segurou pela cintura. — Eu te quero menina.

— Você quer a Vanessa. Já estão juntos há quantos anos? Por que não se casaram se a atração é tão forte? — Atração forte é a que eu sinto por você, vestida com essa calçola de babado. — Luiz Miguel acariciou o queixo dela. — Estou com uma linha fofa da Victoria's Secret. — Ela segurou o braço doente — Não vi você de cueca boxer. Ninguém aqui se preparou para imprevistos. — Eu gostei. Parece confortável. Victoria's Secret é uma marca de calçolas? — Não seja cínico. — Eu e Vanessa éramos livres e gostávamos da companhia um do outro. — Eu sei qual era a companhia que vocês gostavam. — Eu já conversei com ela. A Vanessa é uma mulher maravilhosa e... — Eu não duvido. — Duda o interrompeu e se ajeitou para levantarse, mas foi impedida. — Vem cá mulher. Não podemos ir do quente ao frio tão rápido. — A beijou nos cabelos. — Estou com saudade da minha patricinha. — Luiz Miguel deslizou as mãos dos joelhos até as coxas nuas que estavam esparramadas em cada lado de seu quadril. — Eu só tenho algumas lembranças da gente, mas se eu não tivesse nenhuma, te amaria outra vez e quantas fosse preciso.

— Nunca seja fofo durante uma briga. — ela falou com os lábios dele percorrendo seu rosto. — Sou muito orgulhosa, Nêgo. — Me aceita de volta — Luiz Miguel beijou a pontinha do nariz empinado e saiu cobrindo cada pedacinho de pele com os lábios. — Ainda não me lembro de quando te dei o anel, mas o Marcos me contou sobre ele. Vou começar usar o meu. — Ele cobriu a boca de Duda com a dele e comandou um beijo sensual enquanto apertava o bumbum dela com as duas mãos. Os corações batiam descompensado no peito. A conexão entre eles estava restabelecida, e a chama que começou anos atrás tinha alcançado grandes proporções. — Está esquentando... — Duda falou no meio do beijo. — Você tem uma segunda arma ou é impressão minha? — Uma metralhadora, calibre 24. — Duda gargalhou, ele também sorriu. — Você está ainda mais linda Mar. — Ele continuou alisando as coxas dela até chegar à costura com babadinhos. — Você ficou mais forte e agora eu diminuí perto de você. — Sim, você é muito pequena. — Ele continuou com os lábios na boca dela. — Quero te ver com o nosso anel. — Er... Ahn... o anel... — Ela abriu os olhos um pouco desesperada. — O quero no seu dedo de agora em diante. Mas vamos precisar ficar juntos em segredo. Não me pergunte o motivo, só confie em mim. — Segredo? — Ela continuou recebendo beijos. — Não posso sair

com um anel com tantos diamantes, é perigoso. — Para você é perigoso de qualquer maneira então pode usar. — Ainda bem que ele está guardado e eu não o perdi em algum lugar no meu quarto anos atrás. — Não poderia perder um anel que custou quase o meu fígado. — Seu corpo também está quente? Acho que adoeci lá fora. — Duda sentiu necessidade de mudar o rumo da conversa. — Você não está com febre. É tesão. — Luiz Miguel estava começando se embebedar de prazer. — O que está fazendo? — Duda deitou o rosto no peito dele. — Você gosta? — Ele a acariciou sobre o tecido que protegia o entrepernas. — Ooh, sim. — Duda deixou um ruído escapar por entre seus lábios. — Deixe-me te dar isso. — Ele beijou o ombro dela e acariciou sobre pontinho que sensível de Duda. — Ah, me abraça Nêgo — Ela pediu e Luiz Miguel passou o braço livre pelas costas dela sem parar de circular o polegar no ponto que bastava no momento. — Abraço com as duas mãos. — Você não quer que eu te toque? — Quero muito. Mas será assim, até eu descobrir se não estou lidando com um assaltante de bancos ou traficante de armas. Não quero ser mulher de bandido. De dark já basta as minhas antigas crises. Para.

Luiz Miguel fechou os dois braços ao redor dela. — Assim está melhor? — ele perguntou e Duda reconheceu a voz contrariada. — Eu te amo viu. Aceito suas escolhas, não concordo, mas aceito. Ela colou o corpo bem junto ao dele e distribuiu beijinhos no rosto bonito. — Não fica assim. — Duda respirou nos lábios dele — Existe muita confusão na sua história, mas eu sei que você também sofreu muito e eu sinto muito por todos os seus incidentes. — Eu vou te proteger com tudo o que tenho. Vou resolver o que precisa ser feito e desfrutar de todas as etapas da nossa vida.

CINQUENTA E CINCO A chuva estava bem fraquinha. O carro de Kamon já estava estacionado ao lado do carro de Duda. Luiz Miguel fez questão de carregá-la no colo. — Não gosto desse cara. Você é minha, ele precisa saber disso. — Duda gargalhou com a frase do homem descalço e sem camisa que a carregava nos braços. — Vou acabar me acostumando com isso. — sussurrou ao ouvido dele no meio do riso. — Essa é a minha intenção, moça bonita. — Que homão, Duda? — Nicole estava no banco do carona e com o corpo debruçado sobre o de Kamon observava o casal. — Nik, danada, você estava aprontando longe de mim? — Duda perguntou ainda gargalhando com as mãos ao redor do pescoço do namorado. — Oi Kamonzinho. — falou com o amigo que, enciumado não respondeu. — Seca o cabelo e veste uma roupa quente. — Duda ganhou um beijo de despedida. — Cuidado com esse sujeito. — Luiz Miguel abriu a porta e a colocou no banco traseiro do carro. — Nicole, sente com sua amiga. Nicole desceu do carro afoita e se jogou sobre Duda. Ela estava curiosa para saber as novidades. Luiz Miguel olhou seriamente para Kamon e

sem dizer nenhuma palavra seguiu de volta para o carro do outro lado da rua. — Safadona! — Nicole cutucou os lados da barriga da amiga. — O que você fez para deixá-lo com aquele sorriso nos olhos? Espera, não me conte agora, tem um oriental no carro. — Kamon? — Duda tentou se livrar das cócegas e chamou a atenção do amigo. — Kamonzinho... — passou as mãos sobre o banco do motorista e beijou os cabelos do taiwanês que tinha começado dirigir o carro. — Estou dirigindo, não quero conversa no trânsito. Essa merda ia acontecer de qualquer jeito. Sente-se aí. — Preciso descobrir uma maneira de entrar em um quarto secreto dele. — Duda acariciou o cabelo do amigo. — Você tem alguma ideia? — Você já está envolvida e nem sabe se esse cara é um louco praticante de coisas macabras ou... — Quarto vermelho da dor? — Nicole interrompeu o taiwanês. — Que porra é essa? Eu só encontro maluca. — Kamon balançou a cabeça de um lado a outro. — Preciso muito descobrir o que ele faz ou planeja. Preciso de ajuda. — Duda continuou acariciando os fios do taiwanês para não o deixar bravo. — Você acabou de sair de um carro fechado, em uma rua deserta, sorrindo, nos braços de um homem e vestindo uma roupa provavelmente dele. Pensei que estivesse iludida. — Kamon sorriu contrariado.

— Tomei chuva e peguei uma blusa emprestada. — Duda voltou para o assento. — E aquele filho da mãe está mentindo. Preciso caçar todos os podres que ele esconde. — O que está pensando Duda? — perguntou Nicole. — Ele deixou escapar que tem irmãs e depois me disse que o pai verdadeiro não tem filhos. Mas desconfio que, saber se ele tem irmãs além da Alicia, não é nada comparado aos podres que ele está escondendo. É grave. Ele precisa andar armado por conta de eventuais retaliações. Cogitei tráfico de armas, drogas e assalto a bancos. — Você é louca. — Kamon mostrou indignação. — Vai mesmo colocar a sua vida em risco? — Preciso firmar meus dois pés antes de entregar o meu coração. Não vou repetir o mesmo erro. Vamos para casa. Preciso chegar antes que percebam a minha falta. *** Duda foi recebida por um dos empregados que tentou olhar discretamente para as condições da patroa. Ela respirou aliviada quando entrou em seu quarto, não tinha encontrado ninguém no caminho. — Preciso encontrar o meu anel. — Ela parou na frente da coleção de urso e esparramou todos no chão. Aquele era o lugar intocável, se algo precioso foi guardado na adolescência, estaria ali. Depois de revirar tudo ela se jogou na cama abraçada a dois ursos. — Onde eu coloquei esse anel, Rudolf? — Ela colocou os dois ursos

frente ao rosto. — Você também não sabe, não é pimpão? — Mamãe a Duda está louca! — Olavinho gritou, olhando pela brecha da porta. — Shii! Venha aqui, menino. — A mais velha correu, agarrou o irmão no corredor, o levou para o quarto e jogou sobre sua cama. — Estou prestes a te fazer uma tortura de cócegas se não me ajudar com uma coisa importante. — Onde conseguiu essa blusa de homem? E por que subiu a escada silenciosamente? — A voz do menino era infantil, porém as palavras e observações eram certeiras. — O que você me propõe para uma troca justa de silêncio? — Duda tentou negociar. — Dinheiro. Preciso de muito dinheiro. — O menino respondeu. — Dinheiro Olavinho? — Duda o liberou e começou a arrumar os ursos. — Eu estava contando minhas economias e observei que falta muito para o valor de duas passagens, para um lugar frio de inverno rigoroso. — Hum... e o que pretende fazer em um lugar frio? — Duda iniciou a arrumação dos ursos por cores. — A Júlia quer conhecer a neve. — A Julinha, danadinho? Está preparando um encontrinho na neve? — Ela falou um dia desses. Estou querendo levá-la no próximo

natal, se eu conseguir o dinheiro. Pensei em vender minha torre de carros. Não quero pedir ao papai. — E como vai fazer para o tio Sérgio liberar? — Pensei em levá-la sem ele saber. — Eu posso te ajudar com as passagens — Duda sorriu escondido. — Mas, meu irmão preferido vai precisar me ajudar a procurar um anel com pedrinhas de diamantes. — Moleza. Aonde o viu pela última vez? — O menino jogou um urso para cima e o agarrou antes que chegasse ao chão. — Eu estava chorando Olavinho. Estava triste, chorando e sentada no... O tapete! — Duda correu para a tapeçaria felpuda frente à cama e o levantou. — Eu coloquei aqui, mas não está mais. — Desanimada, ela se sentou no chão. — Por que não compra outro? Sua mesada é maior que a minha. — Olavinho deu a mão para ajudá-la a levantar. — Vou gastar muito com a universidade. E preciso encontrar o mesmo anel, ele é muito importante. — Duda sentou na cama e beijou o rosto do irmão. — Vai dormir. Amanhã você inicia às buscas. — Ainda vai me ajudar com a viagem, não vai? — Vou providenciar tudo. Será o seu presente de aniversário antecipado. Agora vai dormir e não se esqueça de que tudo é um segredo de irmãos.

— Negócios, Duda. Estamos fazendo negócios. Duda bagunçou os cabelos do irmão e o acompanhou até a porta. — Em que negócio sujo você andou se metendo Nêgo? — Ela indagou ao puxar o blusão pelo pescoço, abraçá-lo e seguir para o banheiro. *** — Família, a festa e amanhã, não esqueçam. Vamos começar passar os batons cedo para evitar atrasos. — Eduardo sentou-se à mesa do café da manhã e beijou os cabelos da esposa. — Que festa é essa Dudu? — Duda perguntou antes de beber um pouco de suco de laranja. — A festa anual no Hotel Paraíso. Este ano, estaremos expondo cinco grandes projetos. Preparem os melhores vestidos. Essa será a primeira, com minha família completa depois do Olavinho. — Duda, passa na loja para escolher um vestido, sua tia preparou muita novidade. — Maria Fernanda fechou a mamadeira com mingau de milho e entregou ao caçula de quase seis anos. — Não se preocupe maman, trouxe comigo vestidos exclusivos. — Bom dia. — Felipe se aproximou da mesa e abaixou a cabeça para beijar os cabelos de Maria Fernanda. — Bom dia tio Edu. — Olhou para a prima. — Duda, eu quero falar com você. — Vamos até o jardim. — Duda sorriu. Aproveitaria o momento para semear a harmonia.

— Felipe, você ainda gosta da Duda? — Eduardo perguntou sem rodeios deixando o loiro desconcertado. — Se sim, traga uma aliança. Vou fazer o noivado. Duda se engasgou com a salada de fruta. Felipe pensou em ajudar desentalar a prima, mas ela começou se recuperar. — Eu... só passei para ver se a Duda já estava apta para o estágio... Mas eu volto outra hora. Descansa Duda. — Dudu... — A filha tossiu e bebeu um gole da água que a mãe entregou. — Para de inventar. — Olhou para o primo e o viu aparentemente constrangido. — Ainda não estou bem para o trabalho Felipe, mas quero conversar com você. — Ela se levantou da mesa, segurou a mão do primo e levou dali. — Seu braço não está melhor? — Felipe perguntou quando chegaram ao jardim. As mãos estavam unidas. — Alguns pontos cirúrgicos romperam e inflamou. Já foram corrigidos, mas ainda dói muito. — Ela parou frente a ele e questionou: — Lipe, vamos ficar bem? — Ficar bem? — Um sorriso indeciso brincou nos lábios do loiro. — Gosto muito de você e sofro com as suas cortadas. — Duda fechou as mãos na cintura do primo. — Você é meu único primo. Eu te amo. Por favor, vamos voltar como era antes. Amigos que se apoiavam em tudo. Felipe abriu a boca algumas vezes, mas não conseguiu pronunciar nada de imediato. Sem saber quais palavras deveria usar, ele levantou a mão

e segurou gentilmente a cabeça de Duda contra o seu peito. — Sentir sua falta. — ele murmurou de olhos fechados e beijou os cabelos dela. — Minha bonequinha. — Duda sorriu e deixou uma lágrima escapar. — Você me chamava assim na infância. — Te chamei assim todos os dias que olhava para a nossa fotografia. — Ele revelou se separando dela e secando os olhos de Duda. — Sempre um príncipe. — Ela beijou a mão dele. — Por que sempre rejeitou as minhas chamadas, nunca respondeu e-mails ou curtiu meus comentários em suas fotos? — Estava sempre muito ocupado. A faculdade e o trabalho exigem muito e quero ser um excelente advogado. Entro pouco nas redes. — Você me bloqueou da sua vida por completo, não me entregue essa desculpa Felipe. Você nunca me perdoou pelo rompimento, eu sei. — Não foi questão de não perdoar, eu só me ocupei com outras coisas. Com o tempo acabei esquecendo e assim foi melhor. — Não foi melhor Lipe. Éramos unidos em tudo, o relacionamento não vingou, mas somos uma família. — Existem dores que duelam com a saudade e infelizmente são mais dolorosas. Foi melhor tentar esquecer. — Eu espero que você tenha sido feliz, porque para mim, uma boa parte do tempo foi deprimente. Você namorou muito? — ela perguntou e o

levou para um dos bancos no meio do jardim. — Muito, mas nada me prendeu. Ah, fui sapo a maior parte do tempo. Dizem que para virar príncipe é preciso um beijo compatível, já experimentei, mas perdi há muito tempo. — Ou ainda não encontrou. Você é lindo e ficou tão atlético. — Duda cutucou o peito dele com o indicador. — Você poderia ser menos bonito, talvez isso esteja espantando as princesas. — Ou eu posso ter vivido um amor que me estragou para outras. — Duda ficou vermelha e colocou o cabelo para trás da orelha. Felipe se lembrou daquele gesto. Algumas coisas não mudavam. Em algum lugar ainda estava a mesma menina. — E você? Soube do taiwanês. — Foram poucos caras, mas namorei muito um só. Primeiro foi um vizinho do meu tio, mas eu não considero aquilo como relação. Depois veio o meu taiwanês preferido. Kamon foi tudo e continua sendo muito. Terminamos o namoro, mas a nossa amizade é tão forte que nos tornamos ainda mais cúmplices. Felipe sorriu completamente encantado com a mulher ao lado. Ele ainda a amava muito. Teriam uma nova chance depois de anos? — O que você acha da gente viajar no próximo feriado? — Ele propôs fitando-a nos olhos. — Será prolongado. — Sim, podemos ver. — Ela gostou da ideia. — Eu quero levar o Kamon e a Nicole. Acredito que eles estão se conhecendo com outros olhos. — Ótimo, vamos os quatros. Vou ver se consigo reserva para algum

lugar paradisíaco. Posso fechar diárias de casal? — Felipe perguntou e sorriu da própria empolgação. — Desculpa, não quero atropelar as coisas. Duda mordeu a bochecha custando a tocar no assunto e temendo afetar a relação deles outra vez. — Estou reatando com o Luiz Miguel. — Ela sentiu os olhos encherem de lágrimas, mas precisava falar. O sorriso que estava no rosto de Felipe sumiu aos poucos, mas ele continuou ali, com as mãos segurando a dela. — Então voltou a encontrá-lo? — Sim, estamos namorando. — Duda fez aspas com a mão livre. — Ele usa drogas. — As palavras saíram rápidas da boca de Felipe. Foi o primeiro motivo que encontrou para fazer Duda se afastar de Luiz Miguel. Mas logo se arrependeu da estupidez. — O quê? — Duda piscou para limpar a visão embaçada. — Está inventando isso Felipe? — Não. — Felipe apertou a mão dela. O coração já estava angustiado. Ele tinha aversão ao homem que ocupou o seu lugar no coração de Duda. — Então me conta essa história direito. Eu sabia que ele usava, mas hoje ele aparenta ser equilibrado. — A voz de Duda saiu trêmula. — Frequentei duas ou três festas de amigos que o conhecia. Festas onde acontece de tudo. Ele estava cheirando com um grupo. Na última festa a

polícia baixou e levou um cara que andava com ele. — Agora isso? — Duda apertou o dedo nos olhos. — Quando foi isso Lipe? — Há alguns anos, não lembro exatamente. Tenha cuidado. — Você acha que ele é viciado? — perguntou Duda sentido o corpo tremer com a possibilidade. — Deve usar socialmente. — Felipe levantou. — Eu preciso ir. — Espera, não vai agora. — Tenho muito trabalho me esperando no escritório. — Beijou os cabelos dela outra vez. — Espero que ele cuide de você igual eu cuidaria. E não se iluda achando que vai mudar um filho da puta, se for o caso. — Agora fiquei preocupada Lipe. — Só se cuida e continue sendo esperta. — Não quero ficar muito tempo distante de você. Por favor, lembra de mim e vem me dá um oi. — Você vai à festa do hotel amanhã? — Duda perguntou vendo-o se preparar para caminhar. — Talvez eu apareça por lá. Felipe virou e seguiu na direção do carro. Estava certo de que nunca amaria outra mulher na proporção que amava Duda. Tinha vetado todos os contatos com ela no intuito de deixar o amor platônico adormecer, mas naquele momento teve certeza de que nem o tempo e tinha diminuído a proporção daquele sentimento.

Duda voltou rapidamente para a casa. Precisava saber o que ele escondia no quarto secreto antes do final do dia.

CINQUENTA E SEIS — Boa tarde, benzinho. — Nicole puxou conversa com o porteiro do prédio. Ela e Duda só sairiam dali depois de descobrir os segredos de Luiz Miguel. — Boa tarde. — O homem limpou a boca e escondeu a marmita com a mão. — Desculpa interromper o seu lanche. — Duda olhou para Nicole. — Mas precisamos da liberação para visitar uma moradora. — Só um minuto. — O homem escondeu a marmita na prateleira do balcão. — Troquei de turno agora e não tive tempo de almoçar. — Qual apartamento? — Não lembro exatamente o número, mas vimos visitar a Judite Bitencourt. Somos atrizes amigas. — disse Duda com um sorriso simpático nos lábios. — Atrizes? — O homem pareceu surpreso. — Vocês me desculpem, eu não sou muito de assistir televisão. — O homem puxou o aparelho celular do bolso e deu a volta no balcão. — Poderiam tirar uma fotografia comigo? — Não é uma boa ideia. — Nicole falou dentre os dentes e sorriso forçado. O homem ficou no meio das duas e registrou a selfie. — Minha mulher não vai acreditar. É da novela das nove? — O

porteiro voltou para o balcão. — Na verdade... — Das onze. — respondeu Nicole rapidamente, pois temeu que a amiga estragasse o próprio teatro. — Mas menina, já tem novela das onze? — O homem pegou o aparelho e discou no ramal. — Vou informar da visita ilustre. — Fale que sou a moça que a ajudou com as compras depois de um quase atropelamento. — Foi uma cena da novela. — Nicole acrescentou e beliscou a amiga. — Você sabe se o senhor Luiz Miguel Álvares Azevedo está no apartamento dele? — Duda perguntou forçando naturalidade. — O engenheiro dono da academia? Certamente não. — respondeu o homem com o telefone no ouvido. —Ele viaja muito e quando está na cidade só volta à noite. — Ah, obrigada. Voltamos para visitá-lo depois. — Ela não está atendendo, mas podem subir. A Dona Judite nunca escuta minhas chamadas. As duas subiram de elevador e foram direto para o destino. Alguns minutos depois elas estavam com luvas nas mãos e tentavam violar a fechadura do apartamento de Luiz Miguel. — Deveríamos ter chamado um chaveiro. — Nicole olhou para os

dois lados do corredor. — Não poderíamos envolver ninguém. — Duda continuou manipulando um conjunto de pinças na fechadura. — Se o Romeu te ama, nunca faria mal a nossa família. — Ele continua mentindo e eu sinto que vai ser difícil superar uma segunda decepção. Preciso descobrir tudo agora. — Duda abriu a porta e segurou a maçaneta incentivando a entrada da amiga. — Você já pode começar a assaltar casas colega. — Nicole olhou cada canto do luxuoso apartamento. — Advogada bandidona. — Aqui. — Duda seguiu para um dos móveis — Tinha uma foto sua aqui. — Ela mexeu em todas os porta-retratos e certificou que a foto de Nicole não estava lá. — Estava aqui eu não sou louca. — Você é louca amiga, não fale isso em voz alta, estou aqui para te desmentir. — Vamos ao quarto. — Duda segurou a mão de Nicole e a direcionou no corredor. — Isso é resfriamento máster. Pode ter corpos conservados aí dentro. — Nicole ajoelhou e sentiu o gelo seco que saia pela estreita abertura — Esse gelo está saindo dos corpos, é o mais provável. — Não piora as coisas... — Duda puxou a amiga. As duas ficaram assustadas com a possibilidade. — Por que estamos sussurrando? — Nicole perguntou baixinho.

— É melhor assim. — Duda respondeu no mesmo tom. — Geralmente são cinco tentativas. — Duda pegou o celular no bolso e abriu nas anotações. Ela tinha pesquisado em uma rede social as datas de aniversário da mãe e irmãos de Luiz Miguel. — Amiga, está aberta. — Nicole forçou a abertura da porta de aço com o indicador. — Se não somos a loira e morena mais sortuda, eu não sei quem é. — Duda sorriu travessa. — Depende do ponto de vista. Estou estranhando, nós e a sorte no mesmo metro quadrado. Pode ser uma armadilha. Não vou entrar aí não. — Fica aqui então. — Duda empurrou a porta. — Então... ele está envolvido com... juro que não entendi — Ela andou dentro do quarto. — Ele monitora as pessoas? — disse Nicole quando seguiu os passos da amiga. As paredes do quarto eram impermeabilizadas e na cor cinza. Não tinha nada ali além de uma poltrona de couro negro, uma enorme mesa com vários computadores que refletiam imagens e uma lousa presa na parede esquerda com um roteiro traçado com códigos e símbolos. — Isso aqui é uma pistola? — Nicole levou a mão até a arma largada sobre a poltrona. — Não toque nisso. — Duda sussurrou ligeiramente alterada e começou analisar as imagens — Ele monitora tudo. A entrada da cidade, o salão principal do aeroporto, a rodoviária... — Duda apontou para um dos

computadores — as rodovias, todo o quarteirão do prédio. — A Moedeiros... — Nicole completou apontando. — O jardim da sua casa... — O quê? — Duda se aproximou para visualizar com mais precisão. — Esse aqui é o meu pai. — A morena apontou para a imagem de Sérgio com outros acionistas na mesa de reuniões. — Ele invadiu o sistema de segurança da Moedeiros para monitorar tudo de perto, mas por quê? — Duda tentou chegar a uma conclusão. — Ele pode querer nos matar como queima de arquivo. — Nicole apontou o dedo para o monitor que mostrava a imagem delas dentro do quarto e selecionou a câmera do celular para fazer alguns registros. Duda fez o mesmo e registrou a lousa com códigos e recortes de bolas coloridas em papel cartão. — Precisamos danificar tudo e ganhar tempo Nik. — Duda abandonou o celular sobre a mesa e começou mexer nos botões. — Ela não fazia a mínima ideia se danificaria. — E se jogarmos água Duda? — Nicole tentou mudar a conexão para encontrar arquivos nas máquinas, mas pedia um código de acesso que elas não tinham. — Consiga água, enquanto isso eu vou tirar tudo da tomada. — Duda instruiu. — Seja o que for, vamos atrasar os planos dele. Nicole saiu do quarto e em poucos segundos estava de volta com uma frigideira vazia na mão e olhos assustados.

— O que foi? Cadê a água? — Duda estava mexendo sem sucesso na última máquina ligada. — Tem uma lasanha de frango no forno e cascas de laranjas sobre a pia. — Nicole tremia apavorada. — Socorro. — Ela simulou um grito. — Ele está no apartamento, vamos sair agora. — Duda segurou o braço de Nicole e a levou para fora do quarto. — E agora? Vamos à polícia? — perguntou Nicole enquanto desciam as escadas do prédio. — É o melhor a fazer. — A voz de Duda estava muito trêmula. — Vai entregar o Romeu? — Só ande Nik. Continuaram descendo rápido e só respiraram com mais tranquilidade quando entraram no carro. Duda se debruçou sobre o volante e soltou o choro sonoro que estava encolhido dentro da garganta. Já tinha cogitado as piores possibilidades e o seu coração estava sendo esmigalhado pela decepção. Qual o motivo dele monitorar a empresa e a casa de sua família? A resposta apontava para a vingança. — Amiga... — Nicole fez um carinho reconfortante nos cabelos de Duda. — Vamos nos acalmar e pensar friamente. — Ele mentiu outra vez. Mentiu desde o início. Ele sempre quis a maldita vingança. Se eu não voltasse ao Brasil só saberíamos o resultado das artimanhas criminosas.

— Agora ele sabe que não te resta dúvidas. — Eu preciso fazer alguma coisa. — Duda levantou a cabeça e enxugou o rosto. — Ele vai se arrepender de tentar contra a minha família. — Ela enfatizou, ligou o carro e saiu daquela rua. — O que vimos não prova muita coisa. — Nicole falou apreensiva. — Você vai denunciá-lo? — Ele está armando contra a minha família eu preciso resolver essa situação. — Assim sem conversar, sem uma explicação? Você deveria conversar com ele antes de colocá-lo em uma cadeia. Duda se calou. Estava sofrendo e se mutilando internamente. Por mais que fosse a única alternativa, precisava saber exatamente o motivo do monitoramento. ***

Na noite do dia seguinte à família Moedeiros chegou cedo à festa anual promovida por construtores, engenheiros, arquitetos, empreiteiros e empresários daquele Estado. — Já sabem, não quero ninguém longe do meu campo de visão. — Eduardo avisou enquanto a família posava para a primeira sessão de fotos. — Fique tranquilo, não vão aprontar nada na frente das câmeras. — Maria Fernanda ajeitou a gravata do marido

— Precisamos ter cuidado. Não sabemos o que exatamente a Viviane quer. — Por que você está tão calada? — perguntou Olavinho enquanto ajeitava a calda do vestido max sereia com fenda frontal que a irmã usava. — Não quero bagunçar minha make, é só isso Olavo. — respondeu Duda antes de avistar Luiz Miguel. Os olhos de Luiz Miguel percorreram o corpo de Duda. Ele a esperava desde o início da festa e ficou a aliviado por vê-la. Duda percebeu que duas mulheres se insinuavam descaradamente o tocando e olhando sedutoramente, mas naquele momento o seu ciúme se mostrou anestesiado. Maria Fernanda viu o olhar de Luiz Miguel e puxou o marido e Olavinho para o lado oposto, decidiu promover o encontro. Sua mente romântica projetou a imagem de Luiz Miguel cuidando de Duda no hospital e desejou ver se a história de amor vingaria. — Vão ficar trocando olhares de longe, ou vão se encontrar nos corredores? — perguntou Felipe quando se aproximou da prima. — Você veio Lipe. — Duda abraçou o primo. — Tudo bem? — Felipe percebeu que ela estava melancólica. — O que está acontecendo? — Felipe segurou o rosto dela e percebeu a ameaça de choro. — Eu preciso ser forte. Fique ao meu lado essa noite e me ajude. — Me conta, eu te ajudo.

— Ainda não posso. Só fique comigo. — Evite o choro. — Felipe a abraçou apertado e ela descansou a cabeça em seu peito. — Sorria e quando não aguentar mais, eu te levo para casa e você chora escondido. — O loiro beijou a testa dela ligeiramente e teve certeza de quem era a responsabilidade, pois Luiz Miguel observava tudo com os punhos cingidos. — Duda, fala para seu amigo oriental que não precisa mais cercar a "coral ruiva". — disse Nicole agarrada ao braço de Kamon. Eles tinham chegado juntos à festa. — Ele está me chantageando com isso. — Eu vi a ruiva e pretendo seguir o plano. — Kamon deixou claro. — Não gosto de você, isso é definitivo. — Nicole o encarou. — Eu sou louco por olhos claros. Se Nicolete não me deixa encarar seu pai, vou aproveitar a noite com a ruiva. — Kamon piscou o olho para Duda que sorriu ainda abraçada ao primo. — Você não entende. Eu não deveria ter vindo com um oriental tão incompreensível. — Nicole soltou o braço de Kamon — Duda, vamos ao banheiro preciso desabafar sobre isso. — Não demore lá dentro, vou estar aqui te esperando. — Felipe beijou a testa de Duda, antes de ela sair com Nicole. — Sou capaz de casar-me com essa morena atrapalhada. — Kamon admirou Nicole que usava um vestido justo de comprimento até as coxas esguias. — Por que continua sendo amigo da Duda depois do rompimento do

namoro? — Felipe perguntou, analisando a diferença entre ele e Kamon diante da situação. — Eu sempre vou amar essa pequena linguaruda e cuidá-la com o mesmo carinho. Não deu certa a relação íntima, mas nossa amizade foi mais forte. — Bom argumento, mas você não a amava com a sua alma. — Felipe tentou defender seus motivos. — Amo tanto que passei sobre os pensamentos mesquinhos e não permiti que morresse uma amizade linda que só me fez bem. — Esclareceu Kamon se dando conta com quem estava conversando. — Ela não é perfeita cara, dá muito trabalho e tem problemas com a língua solta, mas é a mulher mais forte, persistente e verdadeira que eu conheci. Eu só quero que minha branquela seja feliz. — Eu vou beber alguma coisa. Fica de olho nelas. — Felipe se afastou. Não acreditava que Kamon amasse Duda com a mesma intensidade que ele. — Oi? — Alicia se aproximou do taiwanês e sorriu tentando ser sedutora. Os olhos estavam chorosos, pois tinha encontrado com Felipe mais cedo e um velho problema entre eles foi relembrado. — Oi... — Agora de perto, ele percebeu que a ruiva de vestido muito curto, batom rubro e salto alto não estava bem. — Sou Alicia. — Ela estendeu a mão e Kamon aproveitou para beijar o dorso.

— Kamon. É um prazer conhecê-la Alicia. — Seu sotaque é encantador. Você conhece a trombadinha bastarda de onde? — Oi? — Kamon estranhou o tom de voz ser elevado e não entendeu a pergunta. — Você entrou acompanhado de uma morena, nada bonita e muito escandalosa. De onde a conhece? — Está falando da Nikolete? — Nicolete? — Alicia analisou, talvez fosse o sotaque. — Ela mesma. Eu posso te dar muitas razões para você se afastar dela. Luiz Miguel largou os clientes e seguiu na direção do banheiro feminino.

CINQUENTA E SETE — Estou cansada dos homens dessa história. O tio Edu gostava de cabelos longos, o Luiz Miguel de fios escuros, agora o Kamon de olhos claros... — Nicole desabafou. Ela estava debruçada sobre a pia limpando um deslize do rímel frente ao espelho. — Queria um crossover só de homens. Duda ouvia o desabafo enquanto aliviava a bexiga com a porta da cabine aberta. — Nicole sai um minuto, por favor. — Luiz Miguel entrou no banheiro e fitou Duda sentada no vaso sanitário. — Desculpa entrar sem avisar... — A porta bateu com força. — A Duda não está aí. — A voz de Nicole saiu trêmula. — Eu também não estou aqui. É tudo fruto da sua imaginação perturbada. — Vai dar uma volta Nicole, preciso ficar sozinho com ela. — Luiz Miguel bateu na porta da cabine. — Mar! — Eu só queria um emprego de jornalista, por isso comecei a investigar. A culpa não é dela. — Nicole segurou o braço de Luiz Miguel. — Foi um grande prazer colaborar com o seu trabalho. — Ele esmurrou a porta. — Sai ou eu vou arrombar! Por que não facilita as coisas? — Não, não sai Duda. — Nicole agarrou Luiz Miguel pela cintura e tentou retirá-lo de onde estava.

— Venha me confrontar aqui fora Maria Eduarda, você tem muitas perguntas. Por que está calada? Duda respirou fundo, destravou a porta e passou direto por ele. — Vamos Nicole. — Não fuja de mim, mulher! — Luiz Miguel segurou no braço dela e Duda ressaltou os olhos vendo a cena acontecer nos fundos. Nicole o atacou com um vaso de porcelana que estava sobre a pia do banheiro. — Nicole! — Ele friccionou a mão nos cabelos e retirou com vestígios de sangue. — Vixe, não desmaiou. — A jovem o empurrou com um indicador. — Vai lá fora minha irmã. Eu quero falar com a Maria Eduarda. — Isso funciona tão bem nos filmes. — Nicole entrou em pânico. — Eu vou chamar o meu tio Edu, daí eu quero ver. — a jovem saiu apressada do banheiro. — Irmã? — perguntou ela, mas foi surpreendida. — Eu quero você longe dele. — Luiz Miguel, segurou o rosto de Duda e a beijou enciumado. Duda se debateu, mas ele segurou os braços dela e não permitiu que o beijo terminasse. Ele só se afastou quando sentiu a forte mordida no lábio inferior. — Nossa conversa no carro não valeu de nada?! — Luiz Miguel demonstrou frustração e fúria na mesma medida. — Estou colocando o meu

trabalho em risco, colocando sua vida e a de muitas pessoas em perigo, tudo para ficar com você... — Ele apertou os dedos nos olhos e buscou autocontrole. — O que você estava fazendo agarrada a aquele cara, Maria Eduarda? Onde foi parar o nosso compromisso?! — Você está me acusando do quê exatamente? Aquele "cara" é o meu único primo e namorado de infância. Ele voltou a beijá-la com uma intensidade que beirava a paixão. Duda sentiu o desespero nos movimentos que ele fazia ao apertá-la contra a parede. — Você é minha namorada — ele sussurrou no meio do beijo. — Minha mulher. — Você mentiu... — Shii! — Ele tocou os dedos nos lábios dela. — Eu quero beijo, depois a gente briga. Duda passou a mão no traseiro dele e procurou a arma que estava um pouco acima. Sabia que ele carregava na naquela parte do cós. Precisava se afastar ou seu pai sofreria um ataque fulminante quando chegasse à porta. — Que fetiche é esse por minhas pistolas? — Ele tirou a boca da pele dela, mas continuou no mesmo lugar. — Me fala a verdade. — ela pediu com lágrimas nos olhos. — Eu só preciso disso. — Você precisa confiar em mim Mar.

— E quando você confiou em mim? — Você entrou no meu apartamento e mexeu em coisas de extrema importância, eu deveria estar te cobrando explicações. — O que você quer? — Duda tirou a mão dele de dentro do vestido — Quer me levar para a sua cama e assim seguir aquele plano ridículo de perturbar o meu pai? Você acredita mesmo que eu sou ingênua a tal ponto?! — Você continua a mesma adolescente inconsequente e está louca para viver a maior aventura de sua vida nos braços do perigo. Por que não me denunciou? Quer fugir? — Os lábios de Duda tremeram — Vinte e dois anos... estou exigindo muito de uma garotinha mimada que só tem valentia, arrogância e pose. — Você tem razão. Eu deveria ter aproveitado mais a minha liberdade fora do país. — Ela virou o rosto, estava ofendida. — Mas eu fiquei depressiva, entrei num relacionamento extremamente tóxico e desenvolvi crises de ansiedades ao ponto de me cortar para sentir alívio. — Desculpa, Mar. Você é nova, eu não posso exigir muito, essa não foi a minha intenção. Me conta, conversa comigo. Quero saber sobre você. — Me dediquei a academia e universidade para ocupar a mente e afastar o desequilíbrio. Sou uma garotinha mimada e ingênua que luta pela sobrevivência, você está certo. Sempre foi assim. — Perdão minha vida. Não chora. — Ele colou a boca na dela, sentindo-a prender a queixa entre os lábios. — Tudo bem, pode chorar. — Enquanto eu nadava para chegar à superfície, você comia vadias

adultas e fortes que aceitam viver da sua maneira. Eu não vou bagunçar o meu psicológico outra vez. Chega de mentiras e enganação. Enquanto a garotinha tiver vida, vai lutar pela família. Vou à polícia. — Ela se desvencilhou dos braços dele. — Duda! — Sérgio entrou no banheiro sendo puxado pela filha. — Tio Sérgio. — Duda enterrou o rosto no peito do tio. Sérgio fitou aquela situação enquanto fazia um carinho alentador nos cabelos de Duda. — Estou conversando com a minha mulher. — Luiz Miguel encarou Sérgio e presumiu o ataque. Quando o soco foi concretizado Luiz Miguel não reagiu, tampouco se defendeu. Ele ouviu um zumbido muito forte no ouvido e a visão ficou turva instantaneamente. Já tinha idealizado conversas esclarecedoras, mas todas as vezes que encontrava o pai, ficava extremamente desmotivado pela maneira indiferente que era tratado. Aquele estava sendo o pior encontro. Agora tinha levado um soco do homem que pela ordem natural deveria ser um amigo. — Eu já avisei para você não mexer com a minha família! — Sérgio o empurrou contra a pia e voltou para a sobrinha. — Ele estava te importunando? — Tio, ele já teve um traumatismo craniano, você exagerou no soco — Duda observou Luiz Miguel com as duas mãos no mármore da pia. — Liga para uma ambulância. — Ela foi até Luiz Miguel. — O que está

sentindo? Sérgio saiu do banheiro e Nicole também ficou ao lado de Luiz Miguel. — E se ele morrer? — A morena empurrou a cabeça de Luiz Miguel debaixo da torneira. Samanta entrou no banheiro feminino e deparou com o filho naquela situação. Aflita, ela deixou a bolsa escorregar para o chão e foi ampará-lo. — Mimo! — Ela afastou Duda e puxou o rosto do filho. — O que aconteceu? — Estou bem mãe, só não consigo enxergar direito. Me ajude sair daqui. — Esses desmaios já tinham parado. — Samanta segurou a mão contra a cabeça de Luiz Miguel e quando tirou viu o vermelho vivo. — Eu já mandei chamar uma ambulância. — Sérgio entrou no banheiro e observou Samanta lutando para manter o filho de olhos abertos. — Me ajude levá-lo até o carro. — A mulher ignorou o passado e suplicou. — Não fecha o olho filho, por favor, não faça isso com sua mãe outra vez. Age Sérgio! O seu filho precisa de ajuda! — Samanta gritou. — Não preciso... — Luiz Miguel recusou. — Filho, tio? — Duda olhou para Sérgio e o viu tão assustado quanto ela. — Filho, Samanta? — perguntou Sérgio.

— Vamos Mimo, consegue andar? — A mãe percebeu que não teria o que suplicava. O seu filho era mais importante do que qualquer outra coisa no momento. Duda observou a cena e colocou a mão sobre a boca para conter o choro. Algumas coisas se encaixam... o abraço tão caloroso em Julinha, a foto de Nicole... Ele sabia a verdade, sabia de quem era filho e também mentiu sobre aquilo. Nicole ficou com a consciência pesada e segurou as mãos frente ao corpo. Ninguém conseguiu reagir diante da informação. Samanta já tinha presenciado pequenos desmaios no início da recuperação, mas o sangue e os cacos no chão evidenciaram a violência. — Quem fez essa covardia? — perguntou Samanta. — Fui eu que dei o soco. — Sérgio saiu do lugar e quis ajudar. — Filho, Samanta? — perguntou outra vez, pois já estava se condenando intimamente. — Você bateu no meu filho? — Samanta esbofeteou o peito dele. — Por que fez isso com meu menino, seu irresponsável?! — Ela largou Luiz Miguel e acertou murros com mais firmeza. — Samanta, eu não sei o que está acontecendo. — Sérgio tentou desviar da mãe furiosa e pensou nas probabilidades da informação ser verdadeira. Lembrou o período que saia com Samanta na faculdade e de quando ela apareceu com um filho depois de ter desaparecido por meses. — Não precisa fazer isso mãe. Eu não me importo, você sabe disso.

— Luiz Miguel esfregou os olhos. Já se sentia melhor. — Ele parece com o vovô, pai. — Nicole abraçou Sérgio. — Você sumiu alguns meses e apareceu com um filho de colo. Isso tem mais ou menos vinte e oito anos. — Sérgio olhou novamente para Luiz Miguel. — Ele é meu filho. — Sérgio afirmou. — Você mantinha outros relacionamentos quando estava comigo. Eu estava grávida e apaixonada quando descobri quem era você. Me preparei para te contar sobre o bebê naquela festa que te flagrei com a sua mulher, sobre a minha cama. Tive o Luiz Miguel na Argentina. Voltei quando ele já estava grandinho, então eu conheci o Junior. — Somos irmãos? — Nicole enxugou os olhos, saiu dos braços do pai e colocou a cabeça no peito de Luiz Miguel. — Vou te ajudar sair dessa vida. — Depois eu converso com você Nicole. — Pode ser lá em casa? Eu quero te apresentar a minha mãe. — Eu te procuro amanhã. — Beijou a testa da irmã. — Não demore aqui minha mãe. — Você também vai apresentar um projeto? — Sérgio forçou um diálogo. — Podemos conversar depois... Luiz Miguel abriu a porta e deixou o banheiro sem olhar para trás. Duda foi atrás e o alcançou quando ele chamou o elevador. — Você quer que eu te leve? — ela perguntou alisando as costas

dele. — Ele balançou a cabeça confirmando. — Vamos ao pronto-socorro então. — Não foi pelo soco, já fiquei assim outras vezes, é normal. — respondeu ele, sem olhá-la. — O seu pai é o melhor. O tio Sérgio é muito protetor. Eu não preciso da proteção dele. — Precisam conversar sozinhos e se entenderem. Se você tivesse me contado, eu teria feito um encontro menos tumultuoso entre os dois. — Isso já não importa. — O que eu posso fazer para te ajudar? — Um beijo — ele respondeu. — Preciso muito que você me abrace. Vou pegar uma chave na recepção. — Para isso você está bem, não é? — Preciso me retratar da grosseria que eu te disse. — Duda! — Maria Fernanda chegou ao lado de Felipe. — Levaram o meu menino. — A mãe soluçou desesperada.

CINQUENTA E OITO A família Moedeiros e amigos estavam em uma sala reservada e relatava o ocorrido aos policiais. — A última vez que eu o vi, ele estava perto dos doces, eu só mudei o olhar por um instante. — Maria Fernanda estava abraçada a filha. — Vão encontrar o nosso bebê, maman. Ele vai voltar. — Duda beijou a mão da mãe. Ela estava sofrendo, mas via a necessidade de ser forte diante daquela situação. — Vamos verificar as imagens das câmeras de segurança e filmagens dos cinegrafistas da festa. — O policial avisou. — Eu vou dar outra volta no prédio. — falou Eduardo. O homem estava no meio da sala e olhava para a mulher totalmente desolada nos braços da filha. — De agora em diante, assumimos. Neste momento é bom que a família fique unida e em segurança. Qualquer coisa avisaremos de imediato. — Aconselhou o policial. — É o meu filho! Eu não vou ficar sentado esperando por notícias! — Eduardo se alterou. — Fica calmo Edu. — Sérgio segurou no ombro do amigo. — O meu pessoal vai fazer a escolta de vocês até a casa da família e

preparar os equipamentos para rastrear o pedido de resgate. Fiquem por perto, vou dividir meus homens e já volto. — falou o comandante da operação. — Eu vou procurar nas ruas vizinhas. — Eduardo determinou assim que os policiais se afastaram. — Dudu, eu vou com você. — A filha se prontificou. — Tio Sérgio leva a maman para sua casa, foi bom a tante não ter vindo com a Julinha. Os dois pequenos estariam juntos agora. — Eu também vou. — Kamon chegou, depois de ter feito buscas nos corredores. — Não encontrei nenhum sinal do Olavinho. — Felipe também apareceu. — Meu amor. — Eduardo ajoelhou frente ao sofá que a mulher estava. — Você vai ficar com a Suelen e o Sérgio. Os policiais vão escoltar vocês, depois vão para a nossa casa. — Eduardo segurou o rosto da mulher entre as mãos e tentou passar tranquilidade. Ele sabia que a sensibilidade da esposa era os filhos. — Eu não vou aguentar sem o meu menino. — Maria Fernanda soluçou destruída. — Ele vai voltar meu amor. — Eduardo não conseguiu mais lutar contra o choro desesperador e abaixou a cabeça, não queria piorar a situação da esposa. — Ele não quis usar o terninho e a noite está fria... Eu quero meu menininho, Eduardo.

— Eu vou sair pelas ruas vizinhas e vou encontrá-lo. Vou trazer nosso filho e vamos tirar férias na fazenda. Lembra que você queria? Vamos marcar. — O marido beijou os cabelos da mulher. — Vamos agora, os policiais já estão nos esperando. — Sérgio avisou. — Sérgio, me ligue a cada cinco minutos e observe o sistema de segurança da sua casa. — Eduardo beijou a testa da mulher e se levantou — Eu vou trazer nosso filho, meu amor. — Vamos encontrá-lo. Eu prometo maman. — Duda enfatizou a promessa do pai. — Fica comigo filha, não vai. Eu não vou suportar ficar sem os dois. — A mãe implorou. — Não se preocupe comigo. Eu sei me defender e estarei na casa do tio em poucas horas. Eu te prometo que vou encontrar o Olavinho — Duda segurou a mão da mãe e a levantou. — Vamos maman, precisamos acreditar. Quando Duda saiu da sala viu Luiz Miguel na recepção do hotel. Ele estava de costas e sustentava o celular no ouvido. Pelo modo que ele gesticulava aparentava estar irritado com alguém do outro lado da linha. Ele tinha sumido depois que levou mãe e filha para a sala reservada do hotel. Luiz Miguel não viu o momento que ela saiu do prédio e quando voltou para a sala reservada só encontrou funcionários. *** A polícia fez buscas nas dependências do hotel e áreas vizinhas.

Eduardo e Felipe procuraram no bairro; Duda e Kamon nos bairros vizinhos. Já passava das três da manhã quando eles chegaram à casa de Sérgio, sem nenhuma informação sobre a criança. Maria Fernanda estava deitada no sofá da sala com a cabeça no colo de Suelen. Sérgio tinha sido vencido pelo sono e estava cochilando na poltrona ao lado. — Eduardo! — Maria Fernanda despertou quando sentiu as mãos do marido em seus cabelos — Não o encontrou, não foi? Cadê a minha filha? — A mãe já estava em pranto. Eduardo se sentou no sofá, aconchegou a mulher no colo e abraçou. — Duda está na escada com o Kamon e Felipe. Me perdoa amor, mas não encontrei o nosso menino. — Ele não dorme bem sem o gagau... sem a caminha. Ele nunca dormiu uma noite longe de mim. Meu filho não está bem eu sinto. — Leva ela para deitar-se um pouco, Edu. Ela chorou até agora a pouco — falou Sérgio, sentindo a dor daquela família. — Eu vou precisar que você esteja bem para quando o Olavo voltar. — Eduardo beijou as mãos da esposa. — Amanhã você passa a noite olhando para ele, mas agora precisa descansar um pouco. — Vamos Anja. — Sérgio fez a esposa levantar do sofá. — Eu também vou colocar você para dormir. Eu te amo, saiba que pode vir o que vier ficaremos fortes, unidos e dispostos a nos perdoar. — O que deu em você, marido? — Suelen estranhou a frase fora de

tempo — Isso não é hora para ficar de declaração. — Só estou aflito e preocupado com os eventos de hoje. Vamos subir. Amanhã eu vou acordar cedo para sair com o Edu. No lado de fora da casa, Duda estava sentada com o primo e Kamon. Encontrava-se cansada, com sono, fome e dor de cabeça. — Ainda não pediram o resgate... Isso é estranho. — falou Kamon, segurando uma das mãos da amiga. — Talvez não queiram dinheiro. — Felipe concluiu o pensamento. — Querem nos ver sofrer... — Duda confirmou. — Aquele cara, filho do Junior... — Ele não é filho do Junior. — Duda interrompeu Felipe e colocou a cabeça no ombro de Kamon. — Ele estava agitado. Sou o único aqui pensando na possibilidade do envolvimento dele? — Felipe olhou para Duda. — Tem essa história de conflitos no passado... Duda levantou antes que Felipe terminasse a frase e entrou na casa. *** Passaram-se vinte quatro horas desde o desaparecimento de Olavinho e não houve pedido de resgate. Maria Fernanda precisou tomar remédios para conter o desespero. Durante o dia Duda ligou para a academia e conseguiu o número do celular de Luiz Miguel, mas ele não atendeu nenhuma das ligações. Ligou no próprio celular que tinha deixado no

apartamento dele, mas também não teve retorno. Ela estava confusa e muito cansada. Agora eles tinham uma ligação familiar e acreditou que Luiz Miguel não seria capaz de fazer o mal ao pequeno Olavinho. Contudo, o modo que ele a deixava no escuro evidenciava que Luiz Miguel escondia algo grave capaz de decidir tudo entre eles. Ela desejou os braços dele durante as crises daquele dia, mas não teve nenhuma notícia. Seria sempre assim? Ele entraria e sairia de sua vida sem explicações? *** Era quase oito horas da noite quando Luiz Miguel saiu do elevador do prédio com uma mochila nas costas. Ao passar pela recepção ele foi surpreendido por Duda que sorria forçadamente para o flash do celular do porteiro. — Por que você está fora de casa? — perguntou ele, não escondendo a contrariedade. — O que você sabe? Por que não me atendeu no telefone? — Vem, vou te levar de volta. — Ele pegou a mão dela e a levou na direção da garagem do prédio. — Minha mãe está dopada em casa e meu pai desesperado pelas ruas. Se você sabe de algo que possa diminuir a nossa dor, me conte. — Ela continuou sendo levada. — Você estava nas fotos com a ex-namorada do Dudu... Por que você precisa esconder tudo? Eu nunca vou conseguir confiar em você dessa maneira... Estou muito aflita, você não vê o meu desespero?

Luiz Miguel parou e observou a aparência dela com mais dedicação. Os olhos estavam inchados e a pele muito vermelha em consequência do choro recente. Ele a abraçou rapidamente e beijou as bochechas molhadas de lágrimas. — Você não deveria sair, mas não adianta eu tentar colocar isso na sua mente agora. — A segurou outra vez e continuou andando — Eu vou buscar o seu irmão, mas antes vou te deixar em casa. — Ele abriu a porta do carro. — Entra. — Você sabe onde ele está? Você está mesmo envolvido Luiz Miguel? Somos praticamente da mesma família agora. Indiretamente somos primos... — Entra no carro Maria Eduarda. Por favor, para de colocar sua vida em perigo. Eu não posso ficar te olhando em tempo integral. — Por que você não confia em mim? — Ela soltou a mão dele e cruzou os braços esfregando-os com as mãos. — Seria tão mais fácil se você fosse compreensiva Maria Eduarda. — Se coloque no meu lugar e peça compreensão. — Tudo bem. Eu tenho olhos na cidade, deu muito trabalho, mas descobri a localização do cativeiro. — Você viu nas câmeras? — Duda sorriu entre as lágrimas. — Obrigada, muito obrigada. Eu sei das suas inverdades, mas agradeço por fazer isso por minha família. Eu vou com você. — Ela passou o dorso da mão nos olhos.

— Não vai. — Vou. — Não vai Maria Eduarda. Não vou te colocar dentro de cativeiro. — Dois é mais que um. É o meu irmãozinho que está lá. Eu já te imobilizei por alguns segundos e te desarmei, a garotinha só aparece quando a imunidade sentimental está baixa e você acabou de me dar esperanças. Luiz Miguel tragou o ar com força e o eliminou da mesma maneira. Evidentemente contrariado, ele bateu a porta do carro, foi para o porta malas e tirou um capacete de lá. — Coloca. — A entregou e travou o carro. — Vamos de moto. — Luiz Miguel andou entre os carros e a esperou frente a bmw s1000rr — Vem cá. — Eu quero muito acreditar que você não vende drogas ou armas, mas está difícil. — Duda contemplou a máquina moderna. — Você tem dois carros e uma moto... como fez para ficar rico em seis anos? Espera, só responde quando voltarmos. Deixe-me me enganar só algumas horas. — Ela colocou o capacete na cabeça e se preparou para subir no lugar do piloto. — Espera mulher — Ele segurou nos quadris dela. — Você não sairia do lugar, provavelmente está enferrujada e essa máquina ainda não foi homologada para andar nas ruas. — Ele tentou beijar a boca dela, mas a mão de Duda o afastou. — Meu irmãozinho está desaparecido, não quero namorar hoje. Você é compreensivo com essas coisas, não é?

— Sim, eu me empolguei com a sua coragem. — Estive tão desmotivada que dormi sem tomar banho ontem. Só entrei na água agora a pouco, pois decidi te encontrar. Meu plano era dormir outra vez sem ver a água. Eu já estava encardida. — Tudo bem, não precisa me contar essas coisas se não quiser, mas que bom que você tomou o seu banho. — Luiz Miguel a colocou sobre a moto e fechou o capacete na cabeça dela. — Segura firme na minha mochila — Ele também subiu no veículo e aproximou os joelhos dela em volta dele. — Meus pais pensam que estou no quarto. Deixei tudo pronto, se eventualmente eles entrarem lá na madrugada. — Ela encostou a cabeça na mochila cheia que estava nas costas dele. — Me deixa adivinhar, você colocou travesseiros debaixo da coberta? — Ele sorriu enquanto empurrava a moto para fora da vaga com os pés no chão. — Coloquei. Isso é tão óbvio que o Dudu nunca desconfiaria que eu fosse fazer. Por isso eu fiz. — Talvez ele me aceite como genro quando eu voltar com o filho dele. — Luiz Miguel ligou o motor e sorriu com o grito de Duda. — Não me solte. — falou quando saiu devagar. Quando o veículo saiu na pista ele aumentou a velocidade. Duda não temeu as curvas da estrada, a força do vento, tampouco a ansiedade borbulhante que parecia rodopiar no interior do seu estômago. Aquele homem estava prestes a provar que merecia a sua confiança. Se voltassem em

três, ela daria uma chance e estaria segura de que, independente do mistério, não seria para o dano de sua família.

CINQUENTA E NOVE Algumas horas depois a moto parou numa estradinha de chão da cidade vizinha. — O esconderijo é aqui, no meio do mato? — perguntou Duda quando desceu do veículo. O vento forte balançava as árvores e uivava nos ouvidos. O farol da moto era a única iluminação do ambiente frio. — É um barraco um pouco mais a frente. Vamos deixar a moto aqui para evitar o barulho. Só há dois babacas lá dentro. Será rápido. Duda pensou em perguntar se tinha câmeras no casebre, mas como não teria as respostas guardou consigo. Estava certa que ele sabia além de informações encontradas em câmeras de segurança das rodovias, mas no momento ela só precisava salvar o irmão. — Você andou me investigando, Mar? — Luiz Miguel perguntou quando abriu a mochila. — Como conseguiu tirar a tal fotografia? — Se você fosse verdadeiro, eu não teria essa necessidade. — A Nicole também andou fazendo isso. — Ele fugiu da acusação. — Confesso que colaborei com o necessário. — Sorriu de canto. — Você é muito cínico. Desde quando sabia disso? — Da Nicole? Desde o início. O seu celular está comigo, me lembre

de te entregar quando voltarmos. — Você não tem medo da polícia? — ela perguntou e viu que o sorriso continuou no rosto dele. — Não deveria ficar tão despreocupado. — É o que acontece quando o profissional invade o pessoal, mas já limpei toda a bagunça. Estou pensando em fazer uma biblioteca no lugar. O que você acha? — O desespero me colocou no matagal com um criminoso profissional. Depois desse encontro eu vou rever os meus conceitos e trabalhar mais na ética profissional. — Eu jamais faria mal a você, pequena corajosa. — Eu era só uma menina e já fugia com você nas madrugadas. Estava me treinando para ser a senhora traficante de armas? — Os criminosos também amam e precisam de uma advogada particular. — Ele continuou exibindo o riso enquanto procurava algo dentro da mochila. — Me trouxeram as fotos. Uma é ex-namorada do meu pai, a negra eu não conheço. Luiz Miguel fechou a mochila e fitou o rosto dela. — Você contratou um profissional? O que exatamente ele te passou? — as perguntas demonstraram insegurança e Duda guardou aquele momento. — Nada relevante. — Ela semicerrou os olhos. — Ele não é um bom profissional, infelizmente.

— Me responde uma coisa, Mar. Esse detetive é o mesmo que trabalha para o seu pai? — Eu não sabia que o Dudu tinha contratado um detetive. — Duda foi sonsa. — Fique longe daquele filho da puta! Está entendendo? Talvez eu te sequestre e deixe trancada por uns dias. É o único jeito. — Luiz Miguel desceu da moto e colocou a mochila no chão. — Você conhece o detetive? — Ela tentou colher mais informações. — Não conheço, mas sei que é um desgraçado. Você vai precisar usar isso. — Ele mostrou um capuz preto e acendeu a pequena lanterna. — Capuz de bandido? — Capuz para proteger a sua identidade, pense assim. — Luiz Miguel levantou os cabelos loiros, fez um nó no alto da cabeça e cobriu o rosto com o tecido preto que deixava descoberto apenas os olhos azuis. — O que foi? — ela perguntou quando viu um sorriso sacana nos lábios dele. — Em breve, quando a gente não estiver em uma situação tão perigosa, eu vou te pedir para usar algo parecido. — Não pense em safadezas comigo, acabaram-se as nossas chances de ser um casal. Não vou embarcar na pele de mulher de bandido, já te avisei isso. — Já te escolhi Mar. Não é sobre tirar a sua roupa durante uma

noite. É desejar ver os seus olhos a cada nascer do sol. — Olhos que estariam no seu corpo nu, bandido fofo e gostoso... — Duda pensou em voz alta e Luiz Miguel sorriu — Acho melhor você parar de gracinha. Estamos aqui pelo meu irmão — Ela virou as costas e caminhou na estradinha dentro do mato. — Você está no caminho errado Maria Eduarda. — Eu sabia, só queria ver as possibilidades. — Não faça nenhuma loucura lá dentro. São idiotas, mas estão armados. — Ele entrelaçou os dedos nos dela. — Sou faixa marrom em defesa pessoal. — falou vaidosa e Luiz Miguel afundou os lábios sobre o tecido que cobria suas bochechas. Dez minutos depois eles estavam frente ao casebre de taipa e de iluminação precária. Luiz Miguel estava de camiseta regata e com o segundo casaquinho de Duda amarrado no rosto. Ela vestia o casaco dele, que cobria até o meio das coxas forradas pela calça jeans. — A noite está fria. Provavelmente os imbecis estão dormindo. — Luiz Miguel soltou a mão de Duda e guardou a lanterna no bolso — Eu vou dar um jeito neles e você solta o moleque. — Retirou um canivete do bolso e a entregou. — Use se tiver cordas. Eles rodearam pelos fundos da casa e ouviram o barulho de rádio ligado em baixo volume. Observaram pelas aberturas da madeira e viram dois sujeitos deitados sobre um colchão, cada um enrolado com o seu próprio cobertor xadrez.

Luiz Miguel parou frente à porta e quando Duda pensou que ele usaria alguma de suas técnicas para entrar à surdina, o homem meteu o pé colocando a madeira velha no chão. Os homens levantaram atordoados. Um deles que, provavelmente estava dormindo com um revólver, apontou a arma na direção de Luiz Miguel, mas Duda tão de repente entrou em luta corporal pela posse da arma. Luiz Miguel avançou para tirá-la do apuro, mas antes que ele a alcançasse, sentiu a dor fina e aguda no músculo superior do braço. O segundo sujeito tinha rasgado a sua pele com um canivete e a recompensa foi um uppercut[6] no queixo. — Ei, chega! — Duda estava imobilizando o pescoço do homem — Chega Luiz Miguel! Você vai matá-lo. Ele deixou o sujeito desacordado, levantou e chutou as partes íntimas do que estava sendo imobilizado. — Você não deveria ter falado o meu nome. — Retirou a munição da pistola, guardou no bolso e descartou a arma no canto. — Quebrei as regras, porra! — Duda xingou e Luiz Miguel largou o homem para encará-la. — Porra, Mar? — Sim, caralho! — Não, não faça mais isso. Abra aquela porta — Ele apontou para a trava improvisada na madeira. — Eu vou amarrá-los.

Duda retirou a tábua que atravessava a porta e entrou no quartinho escuro na esperança de acalmar o coração. — Olavinho? Olavo? Sou eu, a Duda. — Ela mexeu nos panos que estava sobre uma cama velha. — O encontrou? — Luiz Miguel gritou do outro cômodo. — Ele não está aqui! O Olavinho não está aqui! — Duda revirou os panos. — Ele não está aqui Luiz Miguel! — Ele tem que está aí. — Luiz Miguel pegou o candeeiro a gás que estava sobre uma mesa e levou até o quarto. — Mas ele não está. Você tem certeza que foi aqui? — Ela andou pelo quarto. — O que fizeram com meu irmão... — Ela colocou as mãos na cabeça. — Ele está aqui! — Luiz Miguel arrastou a cama, mas não encontrou o que desejava. — Esses homens não estão aqui à toa, tem o porão. — Ele arrastou o móvel velho com gavetas que estava no canto do quarto e descobriu uma portinhola de madeira. — Olavo? — Chamou quando puxou o fecho de ferro. — Olavo, a sua irmã está aqui. — Ele iluminou o buraco e viu um bolinho humano no canto do porão. — Olavinho, sou eu, a Duda. Venha meu amor. — Duda retirou o capuz. Luiz Miguel pulou no baixo porão e se aproximou do menino assustado.

— Vamos moleque, a sua irmã está com saudade — Abraçou o menino e o levantou para que Duda o recebesse. — Olavinho... — Duda puxou o menino com dificuldade e o abraçou quando conseguiu retirá-lo do minúsculo porão. — Vamos sair daqui. — falou Luiz Miguel depois de sair do buraco. — Tem ratos lá embaixo. — Olavinho sussurrou no ouvido da irmã. — Vamos te levar para casa, vai ficar tudo bem agora, meu amor. — Ela fiscalizou o rosto e corpo do menino e o sustentou frente ao corpo. — Onde está o canivete que eu te dei? Deixou cair? — Luiz Miguel a guiou para fora do quarto. — No meu bolso. Mas eu não vou deixar você fazer isso. — Não vou matar ninguém, mulher. Mas podemos precisar dele mais tarde. — Ele pegou cordas no chão e começou amarrar os homens. Depois do trabalho feito pegou Olavinho do colo da irmã e segurou a mão dela. — Isso foi por ter colocado o meu irmão naquele porão imundo! — Duda chutou um dos homens antes de ser levada. Quando alcançaram a moto, Luiz Miguel abriu a mochila, tirou uma cobertor e envolveu o corpo do menino. — E aí amigão, já andou de moto? — perguntou ele e o menino negou com a cabeça. — Depois dessa noite você não vai querer parar mais. — Devolveu o casaco a Duda e esperou ela trocar para segurar o irmão.

Luiz Miguel pilotou em baixíssima velocidade para não assustar a criança que estava entre ele e a irmã. Ele perdia sangue, o braço do casaco estava ensopado, mas precisava levar os dois seguros para casa. Quase uma hora depois a moto parou na encosta da BR. A visão dele estava turva e temeu perder a direção do veículo. — Você não está conseguindo, vamos esperar amanhecer e pedir ajuda. — Eu vou voltar. Passamos por uma clareira minutos atrás. Não se preocupe, vou cuidar dos dois e amanhã eu levo vocês para casa. — Ele deu a volta e entrou numa estrada de terra. Quinze minutos depois ele chegou ao local e curvou a cabeça sobre o guidão da moto. Duda desceu e retirou Olavinho. Ela muito preocupada com ele sentindo dor calado. — Estou com tanta fome... — Olavinho se queixou com a voz trêmula. — Mas eu aguento até amanhã, porque sou homem. — Desce Luiz Miguel, vem... — Duda o incentivou. Ele levantou a cabeça e abriu a mochila que estava na frente do corpo. Retirou de lá um vaso de 500ml com água mineral e entregou a Duda. — Dê ao moleque até eu acender o fogo.

SESSENTA Duda estava sentada próximo à pequena montanha de gravetos com o irmão no colo. Luiz Miguel assoprava a primeira chama da promissora fogueira que os aqueceria e manteria os animais peçonhentos distantes. — Duda... — Os dedos de Olavinho enrolaram uma mecha do cabelo da irmã. — Oi, meu amor? — A mamãe chorou muito? Estou pensando nela agora. — Ela está muito triste, mas o Dudu está cuidando dela e amanhã você poderá enchê-la de beijos — A irmã mais velha beijou a cabeça do pequeno e ajeitou o cobertor em volta dele. — Estou com os olhos fechados, imaginando que você é a mamãe. Até o cheiro de fruta dos cabelos dela eu estou sentindo. Eu amo a nossa mamãe. — Sonha, meu pequeno — As lágrimas inundaram os olhos de da irmã. — Bebe a água imaginando ser o seu gagau. — Ela passou os olhos no tecido que cobria os ombros. — O gagau delicioso, com gostinho de milho e leite em pó... — A criança passou a língua nos lábios saboreando o imaginário. — Sim, e na sua mamadeirinha.

— Já está na hora de largar a mamadeira garotão. — Luiz Miguel sentou, guardou o isqueiro e jogou o canivete sobre a mochila. Olavinho saiu do colo da irmã e escorregou de joelhos para perto do fogo. — A Duda que fica lembrando de quando eu era um bebê. — O pequeno se explicou. — Eu já não sei o gosto do gagau há um bom tempo. — Bebeu um grande gole de água. — Eu gosto é de mimidi... comidi.... comida. Qualquer comida de gente grande. — Jogou um graveto para dentro do fogo. — Ele toma até hoje — Duda sussurrou com o rosto choroso. Luiz Miguel sorriu e deixou evidenciar a dor que sentia no braço ferido. — Não chora, já estamos com ele. — Ele passou o polegar abaixo dos olhos dela. — Você não está bem. Tira o casaco. Vou cuidar de você. — Não se preocupe comigo — Ele abriu a mochila, buscou um aparelho celular, procurou sinal de rede, mas não encontrou. — Me mostra o braço, Luiz Miguel. Não seja teimoso. Luiz Miguel guardou o celular e puxou o casaco pelo pescoço, deixando escapar um gemido quando tirou o braço do tecido. Duda afastou as partes abertas do próprio casaco, e rasgou a peça que usava por baixo, deixando apenas uma parte na altura do busto.

— Deveríamos ter parado antes, é um corte profundo... — Ela usou o canivete para dividir o retalho em dois e dobrou um pedaço para abafar o corte. — Isso deve aguentar até amanhã. — Amarrou a segunda parte para estancar a ferida. — Estou apertando muito? — Não. — Ele disfarçou a careta de dor e subiu o indicador no meio do tecido que restou na frente dos seios dela. — Outro sutiã de ursinhos, doutora? — É proibido? — Ela deu o último nó na atadura improvisada. — Eu gosto do coisas doces. Acho que sempre fui ligado em novinhas, uma baixinha em especial. — Ele beijou a ponta no nariz empinado quando ela sorriu convencida. — Não sou doutora ainda. Por enquanto sou uma humilde estudante que sonha com um lugar ao sol. — Hum, pensei que eu estivesse diante da doutora de um metro e sessenta e quatro. — Você esqueceu o meio centímetro, tem o meio. E um dia terminarei todos os meus cursos. O bacharelado já foi. Quando saí daqui estudei direto, só parei o ano da deprê. Estou de férias, mas vou começar a especialização. Conseguir a minha licença e começar advogar. — Você será uma doutora linda. — Luiz Miguel colocou a mão por baixo do pequeno tecido sobre o busto dela. — Tenho tantos planos para você. — sussurrou. — O Olavinho... — Duda avisou.

— Tem alguma coisa se mexendo ali. — A criança apontou para frente e olhou para trás. — Você estava com a mão no tetê da Duda? — Eu só estava afastando um mosquito safado... — Luiz Miguel começou fechar os botões do casaquinho e Duda abafou o riso. — Tem algo ali no mato — Olavinho se levantou. — Fica com a sua irmã. Eu vou ver o que é. — Luiz Miguel também levantou e foi na direção do mato que se movia. Duda trouxe o menino para perto. — O seu namorado é legal, o papai vai gostar dele, pode ter certeza... — Será um grande amor entre sogro e genro, Olavinho. — Duda tentou imaginar possíveis cenas, mas desistiu quando apareceu socos e pontapés. — Alguém está com fome? — Luiz Miguel mostrou um preá de pelo cinza. — Legal! — Olavinho comemorou. — Você não vai matá-lo. — Duda acabou com a alegria dos dois. — Como não? É o nosso delicioso jantar. — Luiz Miguel se aproximou alisando a cabeça do bicho. — Assado deve ser delicioso. — Sentou-se ao lado de Olavinho. — Olha essa barriguinha carnuda... — Olavinho fez cócega no abdômen polpudo do bicho, que tremia as patinhas sobre os dedos de Luiz

Miguel. — E os olhinhos melancólicos... — Duda se compadeceu do bicho que a olhou dentro dos olhos. — Solta ele agora, coitadinho. Ele já é um senhor com família. — Só solto esse sacana dentro do fogo. — Luiz Miguel estendeu a mão para a fogueira e os pezinhos do preá sambaram no calor das labaredas. — Ele está amedrontado. Não faz isso com ele. — ela pediu. — Mas e a minha fome? — Olavinho também olhou nos olhos da irmã. Duda olhou para o irmão em seguida para o preá e viu o bicho abaixar a cabeça. — Toma. — Ela estendeu o canivete. — Não mata na minha frente. — Duda, olha para mim. — Olavinho parou na frente da irmã e segurou o rosto dela. — Vai ser rápido. A alma dele vai para o céu dos animais e o corpo para a minha barriga. A irmã pegou as mãos do irmão e colocou nos ouvidos. Luiz Miguel colocou o bicho na frente do rosto e deu uma sacolejada nas pequeninas pernas. — Você escapou de uma boa, em parceiro? Agradeça a minha namorada e diga a sua família que ela mandou um abraço — Ele soltou o bicho, que correu velozmente para dentro do mato — Tenho duas barras de cereal na mochila.

— Por que não avisou antes? — Duda procurou pelo alimento. — Nós homens não devemos colocar a vida de nossas amadas em perigo. Por que você trouxe a Duda? — perguntou Olavinho antes de dar uma dentada no pacotinho de cereal. — Nem todo homem tem uma mulher tão teimosa igual a sua irmã. Comam e tentem dormir, assim a noite será rápida. *** Duda estava dormindo com a cabeça sobre a mochila de Luiz Miguel e agarrada ao irmão. A frieza da noite foi quebrada pelo calor do fogo, que já tinha sido alimentado três vezes. Ela abriu os olhos e viu Luiz Miguel com o capuz do casaco sobre a cabeça e os olhos fechados. Levantou-se com cuidado para não acordar o irmão e foi chamá-lo. — Vem deitar-se com a gente. — Acariciou as costas de Luiz Miguel. — Estou vigiando — Ele falou sonolento. — Eu já dormi bastante, é a minha vez. Luiz Miguel sorriu e a chamou para o colo. — Obrigada por hoje. — Ela encostou a cabeça no ombro dele e sentiu o abraço caloroso. — Eu estava te observando com o moleque. Acho que você já está pronta para me ajudar educar uma criança morena de olhos azuis.

— Eu não posso me empolgar muito, coisas ruins acontecem quando eu planejo. Foi assim da última vez. — Não tenho todos os nossos momentos guardados, mas o que sinto é suficiente para fortalecer a certeza de que eu não vou sair do seu lado. Fica tranquila, pode sonhar. Me dá um beijo. Duda levantou a cabeça, segurou a mão no rosto dele e aproximou os lábios. O beijo começou calmo, mas os movimentos correram à medida que o ritmo propício foi alcançado e a força atrativa entre eles assumiram o curso das mãos. — Cheiro bom é o da minha menina. — Ele abandonou os lábios e roçou o nariz no pescoço dela. — Vamos construir essa história? — Seja lá o que você esteja fazendo de errado, pretende largar por nós? — ela perguntou de olhos fechados enquanto recebia um chamego molhado no pescoço. — Só se você aceitar ser a minha namorada e confiar no seu homem. — Você vai precisar conversar com o meu pai, como nunca fez? — Sim. — E também vai dá uma chance ao tio Sérgio. — Pode ser. — E me deixar dar uma surra na sua irmã uma vez por semana? — Você não vai fazer isso com ela. — Uma vez no mês, então?

— Vão precisar conviver, sem surras. Eu já estou cuidando da situação da Alicia. Ela será voluntária num orfanato. — Você a obrigou? — Não. Só a deixei escolher entre trocar fraldas de cocô ou andar de ônibus. Advinha o que ela escolheu? — Espero que dê tudo certo. Vamos descartar a surra, então. Mas você vai... — Largar a vida de crime, falar com o sogrão e conversar com o pai da Nicole. — Ele completou. — O seu pai, Luiz Miguel. O tio Sérgio é o seu pai — Ela acariciou o rosto dele. — Todos nós temos defeitos e existem situações que criamos e muda toda uma história, não é mesmo? Se o tio Sérgio fosse menos galinha e não aprontasse com a sua mãe na noite que ela contaria da gravidez, você não seria criado pelo Junior, tampouco seguiria o mesmo caminho dele. — Ou a minha mãe teria feito um aborto. Foi melhor ele ter traído a minha mãe, mesmo. — Vocês vão conversar e se entender. Eu tenho fé. Luiz Miguel beijou a testa dela e preferiu interferir aquele assunto com o silêncio. — Sua moto nova é muito linda. — Ela quebrou o silêncio. — Eu gosto de motos, sempre gostei. E não sobrou muita coisa da outra.

— Você já perdeu um rim, a memória e uma moto por mim... Perdão, amor — Ela beijou o peito dele. — Eu vou confiar em você. — Obrigado. — Ele soltou o ar devagar pela boca e sentiu os olhos úmidos. — Eu gosto dos planos que eu faço quando estou com você, Mar. Me faça sentir assim pelo resto vida. — Beijou a mão dela. — Vamos deitar e esperar o sol nascer. *** Eduardo estava atordoado dentro da sala de sua casa, Maria Fernanda, abatida no sofá, chorava sem nenhuma força. A dor de estar longe dos dois filhos a consumia. Sérgio e Suelen foram cedo para confortar o casal de amigos. A porta da sala foi aberta por uma funcionária que estava no jardim. Maria Fernanda correu, para abraçar a filha que atravessou a entrada da porta. — Duda... Eu não suportaria mais um dia sem você e o seu irmão. — Luiz Miguel entrou logo atrás, segurando a mão de Olavinho. — Olavinho... — A mãe caiu de joelhos no chão e se engasgou no choro quando sentiu os bracinhos do menino em torno do seu pescoço. — Mamãe sentiu tanto a sua falta. — A Duda e o namorado dela me salvou de um lugar cheio de ratos e quase comemos um bicho do mato. A Duda disse que o bicho tinha família... — Eu já vou indo. — Luiz Miguel falou baixo, sem querer atrapalhar o reencontro. Duda estava nos braços do pai.

— Espera, Luiz Miguel. — A namorada segurou a mão dele — Dudu... foi ele quem salvou o Olavinho. Fomos até um barraco na cidade vizinha e o tiramos de lá. — E você já sabia o caminho... — Eduardo questionou Luiz Miguel — Colocou a vida da minha filha em perigo, mesmo sabendo que a sua tia sequestrou o meu filho? Sérgio atravessou na frente de Eduardo. Sabia que o amigo estava muito nervoso e preocupado.

SESSENTA E UM — Não, Edu. — Sérgio segurou Eduardo. — Agora mudou tudo. — falou baixo. — O quê? Agora é bom moço que sequestra e depois resgata? Eu conheço gente como você! — Eduardo apontou o indicado próximo ao rosto de Luiz Miguel. — Não vou cair na sua jogada e você não vai se aproximar da minha filha! — Eduardo se livrou de Sérgio e abraçou Olavinho. Duda foi tomada pela emoção e sentiu lágrimas escorrer dos olhos. A filha acreditou que diante da situação o pai agradeceria. — Dudu... ele salvou o Olavinho. Não vai agradecer? — Ela enxugou os olhos e encostou a testa no peito de Luiz Miguel. — Se cuida Mar. Preciso passar em casa antes da empresa. — Você não vai trabalhar. Precisa descansar e cuidar da ferida. O meu pai está nervoso... — Ela tentou explicar a atitude de Eduardo — Tio Sérgio, você leva o Luiz Miguel para casa? Ele está com um corte no braço e vai precisar passar no hospital primeiro. — Estou bem. — Luiz Miguel beijou a testa da namorada. — Eu volto. — Eu vou te levar. — Sérgio se ofereceu. — Você salvou o filho do Edu, não vou deixar você sair de qualquer maneira. — Olhou para Suelen e

recebeu um sorriso incentivador. A mulher admirou a sensibilidade do marido diante daquela situação. — Vai com ele, Nêgo, vai ser bom para vocês... — Duda incentivou. — Está tudo bem, ele só vai te ajudar. Tudo vai acontecer no tempo certo. — Será uma exigência a menos. — Luiz Miguel colou sua boca na dela e aceitou a sugestão. — Obrigada, muito obrigada por ter liberado o meu filho. — Maria Fernanda segurou a mão de Luiz Miguel antes que ele saísse da sala. — Eu não o levei senhora. — Ele se explicou. — Me perdoe. Eu fiquei desesperada... Obrigado por ter ido pegar o Olavinho. Eu acredito que você, provavelmente, não está envolvido com a sua tia e a rameira da Viviane. Não faria isso para conquistar a Duda, não é? — Maman? — Duda segurou a mão da mãe que largou a de Luiz Miguel. — Eu peço perdão novamente, eu não sei o que estou falando, mas muito obrigada. Estou nervosa. Tudo vai se resolver. — Maria Fernanda sorria e chorava ao mesmo tempo. Ela queria muito que Luiz Miguel fosse o bom homem que ela imaginava ser. — Leve o menino ao médico. Ele está saudável, mas teve contatos com ratos. — Luiz Miguel alertou. — Ratos? — A mãe conferiu outra vez o corpo do filho. — Sim, mamãe. Uns grandes e alguns pequenos e sem pelos.

— Oh, meu Deus. — A mãe abraçou o filho mais uma vez. Luiz Miguel olhou uma última vez para Duda e saiu da sala, Sérgio seguiu logo atrás. — Você deveria tê-lo agradecido, meu pai. Era o mínimo, por ele ter livrado o Olavinho de um cativeiro e pilotado horas com o braço ferido. — As câmeras do prédio vizinho registraram a Irene dentro do carro que levou o Olavinho desacordado. Estão aprontando com a minha família, preciso afastar qualquer ameaça, filha. Eu sei do que eles são capazes. — O Luiz Miguel foi capaz de perder um rim para proteger sua filha e levar uma punhalada para salvar o seu filho. Você nunca o agradeceu por nada, mas gostou quando recebeu uma segunda chance. Eduardo abriu a boca duas vezes antes de deixar a filha com a razão e se sentar ao lado da mulher, no sofá. Maria Fernanda conhecia o marido suficientemente para saber que agora ele lutava com o próprio orgulho. Mas ela daria um jeito naquela situação. Ainda sentado ereto no sofá o pai viu a filha subir as escadas correndo. — Eu sou pai, só quero o bem da minha filha. — Por que você não apertou a mão do rapaz? — perguntou a mulher. — Ele é suspeito, você sabe ferinha. — falou ele depois de beijar os cabelos da mulher. — A Duda está chateada comigo, fala com ela.

— Conheço a minha filha e o rapaz trouxe o Olavinho, é o que importa. Você vai se retratar com ele. — Eu jamais faria isso. — Eduardo sorriu presunçoso. — Você vai. — A mulher afirmou. — Não vou, não. — Eduardo olhou para Suelen que já zombava. — Eu posso dormir com o Olavinho por alguns dias até você decidir. Não é meu nenê? — A mãe começou tirar a roupa suja do filho. — A Suelen está ouvindo, você não pode mandar em mim na frente dos outros. Já conversamos sobre isso. — Ele sussurrou entre os dentes. Suelen pegou a mamadeira da mão de uma das empregadas, pingou uma amostra do líquido no dorso da mão e provou. — A criança aqui é o Olavinho. — A morena disse e colocou o menino no colo. — O papai obedece à mamãe, tia Su — Olavinho revelou. — Coisas de macho. As amadas sempre agradecem com um doce, não é papai? Eduardo conversava muito com o filho desde o ventre da mãe. Quando a mulher estava grávida, acordou muitas vezes durante a madrugada com o marido contando histórias para o bebê. Consequentemente, desde que aprendeu formular as frases, o menino perguntava de tudo e às vezes o pai precisava improvisar para sair de enrascadas. — E a tia faz tudo por você, meu amor... — Suelen colocou a mamadeira entre os lábios do menino e olhou para Eduardo — até levar você

e sua mãe para passar algumas semanas lá em casa. — Onça, intrometida! — Eduardo se manifestou. — Legal! Posso acampar no quintal com a Júlia? — Olavinho perguntou enquanto sugava o bico de borracha. — Todos os dias, meu amor. — Tudo bem. Eu vou mandar mensagem "com uma palavra" para o salafrário. — Eduardo entregou os pontos. — Sou o chefe dessa família e quando eu decido fazer uma coisa eu só descanso quando eu faço. — Ótimo. — Maria Fernanda beijou a bochecha do marido. — Aproveite e o convide para um jantar. — Aí você já quer quebrar as minhas pernas, mulher. — Posso oferecer a minha linda casa no final de semana. — Suelen jogou um beijo para Eduardo que fez uma careta de desgosto. — O amigo taiwanês da Nicole vai jantar conosco e podemos aproveitar e fazer uma boa festa em família. Sem quebra pau, somos civilizados. — A gente cria uma filha com tanto prazer, para ter o desgosto de entregar nas mãos de um pilantra. — Eduardo reclamou enquanto discava o número da médica que cuidaria do filho. *** O silêncio era o companheiro de Sérgio e Luiz Miguel desde que saíram da casa dos Moedeiros. Sérgio já tinha elaborado várias maneiras para começar o diálogo, mas cancelava as palavras por não achar ser a melhor

introdução. — Está frio, não é? — Enfim, ele se manifestou. — É. — Você está bem? — A voz de Sérgio saiu alta demais. — Só perdi sangue, já aconteceu outras vezes. — Luiz Miguel permaneceu olhando pela abertura do vidro da janela. Ele preferia que Sérgio não puxasse conversa antes de deixá-lo no hospital. — Uma vez o Edu me atropelou com a bicicleta e tive uma fratura exposta. Tínhamos uns treze anos, se eu não me engano. Perdi tanto sangue que precisei de transfusão. Teve outra vez que eu briguei com uns caras no ensino médio. Apanhei tanto que fui parar no pronto socorro. No outro dia o Edu fez os caras ir para o mesmo hospital. Sérgio batucou os dedos no volante e sorriu sem graça quando viu Luiz Miguel de olhos fechados. Imaginou ter começando do jeito errado. Talvez ele não quisesse saber de coisas de seu passado. Ficaria calado, não era bom forçar. — No meu ensino médio eu seria os caras que bateu em você — falou Luiz Miguel quebrando o silêncio de dois minutos. — Era? — Sérgio sorriu por ouvir a voz dele. — Isso é muito legal. — Pensou não ter errado tanto no assunto. — Isso é legal? — Luiz Miguel perguntou tão sério que Sérgio

murchou? — Não, né? É muito errado um adolescente bater em pessoas. — O pai apertou os dedos no volante e bateria no próprio rosto se não fosse piorar sua situação. — Eu vou marcar o nosso exame de DNA, assim eu posso te incluir na herança. — Não precisa disso, cara. Eu não quero nada seu. Por mim, você nem precisava saber. — Mas é importante. Eu estava pensando sobre te registrar. Caramba, agora eu tenho três filhos, mais que o Edu, fora os netos que você e, provavelmente, a Duda vão me dar. Sou um cara muito sortudo. O Edu ainda não pensou nesse detalhe. — Você contou a ele? — Luiz Miguel apoiou o braço na janela do carro e sorriu daquele momento incomum. — Contei, mas ele duvidou. — Sérgio falou a frase rapidamente. — Eu só quero ter esse DNA para deixar tudo certo. Agora que sei da história, não tenho dúvidas. O Edu que é cabeça dura. Você acredita que ele não pensou ser o pai da Duda? Até eu, quando botei o olho na menina, soube que era dele. Logo de cara ela me deu uma aula sobre os benefícios do açúcar e tentou me persuadir para convencer a Maria Fernanda. Entrava na mente da pessoa em coisa de segundos. Muito atrevida, fofa e conversadeira. — Ela continua atrevida. — Luiz Miguel comentou e Sérgio achou ter encontrado o caminho. — Fui eu que abri a cobertura da Maria Fernanda para pegar uma

escovinha de cabelo, o Edu queria arrombar a porta... — O hospital está demorando, não é? — Luiz Miguel se endireitou no banco. — Já estamos chegando. Eu peguei o caminho do hospital que fica no início da cidade. — Sérgio só queria um pouco mais de tempo com o filho no carro. — Eu sou um imbecil mesmo, você ferido e agora está longe para voltar. Que droga! Eu só faço merda. — Você se importa se eu for visitar a Nicole e a Júlia de agora em diante? — perguntou Luiz Miguel, tentando tranquilizar o homem que se acusava. — Será bem-vindo. Na minha casa tem um quarto enorme e vazio, vou mandar mobiliar para você. — Sérgio se animou. — Que quarto, parceiro? Eu já tenho um apartamento. — Droga! — Sérgio fez uma ultrapassagem errada na frente do radar de trânsito. — Posso parecer um idiota, mas não é sempre assim. Só não estou sabendo lidar com a ideia de ganhar um filho de quase vinte e oito anos. É como sair de uma maternidade, você entende? O cara fica bobo e tem que se conter ao mesmo tempo. — Tudo bem, só esquece essa ideia. E a sua mulher, o que ela disse sobre isso? — Ainda não contei. Ela é um pouco agitada, braba mesmo. Uma anja maravilhosa, mas gosta de bater, uma vez ou outra. — Ela e a Mar se dão bem, não é? Até promessa andaram fazendo.

— Mar é Duda? Como é isso? — Sérgio já sorria mais relaxado. — É uma coisa íntima nossa. — Ah, igual a minha Suelen ser uma anja. Você não está se aproveitando da minha sobrinha, não é? — Eu queria que estivéssemos nos aproveitando um do outro, agora mesmo. — Se o Edu te ouve falando isso, eu não vou poder te defender. Eu sei que é difícil segurar, mas vamos ter que conversar com mais calma. Eu entendo bastante de relacionamento e vou te orientar. Luiz Miguel achou graça e sorriu subestimando Sérgio. — Tudo o que eu mais desejo nesse momento, é a Mar. — Luiz Miguel segurou o braço que latejava. — Isso aqui é uma conversa de pai para filho, mas não esqueça que está falando da minha sobrinha. Existe algumas restrições quanto a isso. — Continuo a querendo, agora com mais intensidade. — Assim você me coloca numa sinuca de bico. — Sérgio sorriu orgulhoso. — Como eu estava dizendo, vai precisar segurar a onda até um compromisso. Eu e o Edu temos um trato para proteger as meninas de lobos. Preciso ver como vou fazer agora. A situação é complicada. — Lobos? — Luiz Miguel arqueou o canto do lábio. — Lobos comem ovelhas, certo? — Isso, come. Não, não comem. Isso está complicado.

Luiz Miguel estava pouco à vontade, mas de repente quis continuar provocando. Ele pensou que seria uma aproximação mais traumática. Talvez, o fato de nunca criar expectativas afastava o clima tão pesado.

SESSENTA E DOIS — Ele é filho do tio Sérgio, seu irmão Nik, isso me fez perder o medo. Ele me pediu um voto de confiança e uma chance para vivermos o que nos foi arrancado. E te digo mais uma coisa, se o Luiz Miguel for preso eu vou estar lá, de mãos dadas, em todos os dias de visita. — Duda desabafava com Nicole sobre a cama. — O papai também está feliz, mas teme a reação da mamãe. O primeiro bebê que eles perderam teria a mesma idade do Luiz Miguel. É tudo tão doloroso. — Ela vai lembrar, sim. O Luiz Miguel foi o quarto bebê negligenciado e o único a sobreviver. Não sei como será a reação da tante, mas vai mexer muito com o emocional dela. — O Kamon vai jantar lá em casa amanhã, ela está feliz organizando tudo. — Ele me falou. — Duda sorriu de canto. — O meu amigo anda tão homem de negócios, quase não nos vemos mais. Passou aqui na hora do almoço, me abraçou e voltou para a joalheria. — Sabe, acho errado ter algo com ex-namorado de amiga. — Nicole olhou atravessado para a Duda esperando a resposta, pois aquilo realmente não parecia bem aos seus olhos.

— E eu jamais me apaixonaria pelo irmão de uma amiga. — Duda lançou um olhar cúmplice para Nicole. — Vocês são os meus melhores amigos e par ideal. Não poderia encontrar um namorado melhor. — Nicole sorriu devagarinho. — O que você está fazendo para deixá-lo louco por você? — Eu elogiei os olhos dele outro dia... Apertadinhos — Nicole puxou os olhos. — Decorei e cantei "parabéns pra você" em taiwanês, mesmo não sendo o aniversário dele. — Sorriu vaidosa. — Eu também fiz um doce tradicional de Taiwan, bolinhos de ananás. Peguei a receita na internet. — Doce? A família do Kamon é psicopata por culinária refinada, eu tinha medo da avó materna dele. Ela é muito tradicional. Você pode até conquistá-la pela barriga, mas vai continuar vendo o nariz torto. A velhinha é osso duríssimo de roer e não gosta de ocidentais. Ela também bate no Kamon e no meu tio Tiago quando fazem qualquer coisa fora da tradição. Ele gostou do doce? — Ficou horrível e ele comeu enquanto ria e falava Jīngcǎi[7]. Duda gargalhou. Ela sabia que Kamon estava encantado justamente pelas trapalhadas da morena. — Você está indo muito bem. Peça a ele que te ensine a lutar, Kamon é fascinado por artes marciais — Duda beijou o rosto da amiga. — Eu não quero saber lutar. Tenho trauma das brutamontes que treinam na academia do meu irmão. Fiquei toda roxa. Vou me matricular no curso de comida taiwanesa. Pelo estômago é mais fácil. ***

Era noite quando Eduardo chegou da empresa e subiu para falar com a filha. — Duda... — O pai abriu uma fresta da porta e a fitou sobre o tapete do quarto. — Pode entrar. — A filha olhava para a tela do notebook. — O que está fazendo? — perguntou ele, entrando e parando na frente dela. — Estudando. — A resposta saiu seca. — Você ainda está chateada comigo, só porque eu sou o seu pai e quero o seu bem? — Estou triste porque você esqueceu o significado da palavra gratidão. — A filha fechou o notebook e levantou para sentar na cama. — Não precisava aceitá-lo, mas deveria agradecê-lo por tudo. — É medo. Eu me preocupo com você entrando em uma relação amorosa incerta. — Eduardo abaixou os olhos. — Não quero ver você sofrendo filha. O mundo lá fora é cruel, eu sei o que é ser cruel. — Sim, o mundo não está para brincadeira Dudu, devemos desconfiar, mas jamais perder a fé na humanidade. Ele me magoou muito no passado, mas agora o mal-entendido foi esclarecido. Falaram ao meu namorado que você era o pai biológico dele. — Isso é mais grave do que eu ter que ouvir "meu namorado" — Eduardo se sentou na cama. — Não tem condições filha — Olhou para a porta que estava aberta e diminuiu o tom da voz — Eu tive só um negocinho

com a Samanta, mas nunca chegamos à "terceira" parte, você entende? Antes ela já gostava do seu tio e depois da criança ela simplesmente não quis ir até o fim. — Levaram um exame falso de DNA e assim o fizeram acreditar na paternidade. Ele quis me poupar e seguiu o caminho que julgou ser menos doloroso. — A voz de Duda estremeceu, pois se lembrou dos momentos difíceis que os dois passaram naquele intervalo de anos. — Você lembra de quando ele se feriu e perdeu um rim? Ele merece uma segunda chance e estou disposta a agradecê-lo todos os dias. — Seu tio está alucinado com a ideia de ter um filho homem. Ele nem apurou a veracidade dos fatos ainda, depois não é, ele fica frustrado e arruma problemas com a onça cangaceira. — A mãe do meu namorado já esclareceu tudo, o tio Sérgio é o pai do Luiz Miguel. — Bem... vamos resolver nossa vida cá. A Sua mãe me obrigou a conversar com aquele aproveitador de filhas alheias. A alcoviteira da sua tia ofereceu a casa dela para um jantar, fiquei de mandar uma mensagem, mas esqueci. — Então você vai conversar com ele? — Duda sorriu. — Sim, amanhã. Ele está aí na porta. Veio buscar a moto. Você tem meia hora e lembre-se que eu vou estar na janela o tempo todo. Duda correu para frente do espelho e ajeitou o cabelo. — Essa roupa está muito largada, Dudu? — Ela segurou a ponta do

vestido acinzentado de malha que cobria os pés e deixava as costas toda nua. Eduardo revirou os olhos. — Coloque um pano nas costas e ficará ótimo. Mantenha o pescoço, as mãos e também os pés longe dele. Beijos só depois da conversa de amanhã. Vou passar a noite analisando tudo. — Eduardo falou antes de deixar o quarto. Duda desceu as escadas, cutucou a cintura da mãe sorridente e abriu a porta da casa. No jardim, ela passou pelos seguranças e abriu a porta estreita do muro. Sorriu quando viu Luiz Miguel encostado numa picape. O coração dela acelerou e a famosa sensação de bolinhas no estômago se fez presente. O homem estava vestido com uma camiseta escura, bermuda de flanela e chinelos. — Amei a visita. — Ela deu um beijinho sobre o curativo no braço de Luiz Miguel. — Preciso me acostumar com isso. — Segurou o rosto dele entre as mãos e como se nada mais existisse ao redor o beijou intensamente, provando o gosto dos lábios do namorado. Enquanto brincava com a língua dele entre os dentes, Duda se deu conta do pigarreio descontrolado por perto. Ela não percebeu, mas tinha um homem sentado no banco do motorista olhando para o lado oposto. — Quem é, Nêgo? — O homem a olhou e esboçou um sorriso refreado. — Rex? — Opa! — O motorista do carro levantou a mão. — Oh, meu Deus! É o Rex! — Duda abriu a porta do carro e forçou

a saída do homem. — Eu pensei que tivesse sumido. — Ela abraçou o homem que continuou com o sorriso forçado nos lábios. — O seu cabelo não cresceu. — Ela tentou alcançar a careca brilhante do segurança de 1,95. — Continua sendo segurança? Você está muito charmoso. Olha essa barba bemfeita — fungou perto do homem — Perfume caro... Pegou muitos serviços de segurança? Você não pode gastar todo o seu dinheiro com perfumes e roupas caras. — Analisou a blusa que o homem usava. —Eu posso te ajudar com um planejamento. E sua família como está? Você nunca me falou sobre eles. — Er... Ahn ... Foi bom rever você. Mas agora eu vou esperar no carro, do outro lado da rua e com o som ligado. — O homem voltou para o veículo. — Vamos comer um bolinho lá dentro e conversar um pouco. Sou advogada e faixa marrom em Krav maga, Luiz Miguel te contou? — Vou arrastar. — Rosinaldo avisou e Luiz Miguel se afastou. Os vidros das janelas foram fechados e o homem ligou a picape que carregava a moto, levando-a para o outro lado da rua. — Da última vez eu gritei com ele. O Rex lembra e guardou essa mágoa. — Duda se lamentou e recebeu o abraço de Luiz Miguel por trás. — Ele nunca deu corda para meus diálogos. — Ele só está cansado, o trabalho está puxado— Luiz Miguel sorriu abafado, com o nariz nos cabelos dela — Rex é o meu sócio na academia, cuida praticamente de tudo. Hoje eu só tenho tempo para a parte burocrática. Ele também casou com a minha mãe.

— Não brinca? Que safado. De olho na mãe gata do amigo. — Ele é um cara legal. Faz a minha mãe feliz. Agora ela é feliz. — Fala isso por causa do tio Sérgio? — Minha mãe nunca foi feliz, Mar. Não foi só a história com o Sérgio. Quando eu era pequeno ouvia discussões dentro do quarto e acreditava que o único culpado era o seu pai, pois o nome dele estava sempre presente. Minha mãe nunca contou de quem eu era filho, mas o Junior acreditava ser de Eduardo Moedeiros. Eu não sabia o motivo, mas aquela situação me angustiava. — Por isso você criou tanta raiva do meu pai. — A história era outra e só soube de todos os pontos depois do meu acidente. Minha mãe não queria manchar a ideia que tínhamos do nosso pai, mas o homem que me criou da melhor maneira possível a machucava. Ela sofria torturas psicológicas e físicas dentro da nossa casa e eu não sabia. — Esse homem foi um verdadeiro monstro. — Duda virou para acariciar o rosto triste do namorado. — Me sinto culpado por não ter feito nada, mas sou feliz, pois hoje ela é muito amada por aquele negão ali. — Ele segurou uma das mãos de Duda e beijou — Agora vamos aproveitar porque já nos tiraram tempo demais. — Não quero namorar aqui, com o Rex do outro lado da rua. — Seu pai vai querer nos vigiar se entrarmos, prefiro o Rex. — Luiz Miguel tentou beijá-la, mas foi interrompido.

— Vamos para um cantinho do jardim, que visão de nenhuma janela alcança. — Ela segurou a mão dele e arrastou para dentro da porta de madeira envernizada. Entraram no jardim de mãos dadas e logo avistaram Eduardo atrás da grande parede de vidro da sala, com as mãos nos bolsos e peito estufado. Duda sorriu com o rosto no peito do namorado e o levou para o ponto morto. — Como foi com o tio Sérgio? — ela perguntou quando se sentaram no banco de cimento. — Conversamos um pouco. — Luiz Miguel beijou o pescoço de dela. — Mas o momento agora é nosso. — Você é um safado tão fofo. — Duda fechou os olhos. — Fofo? Não, não sou. Olha minhas mãos, são grotescas — Ele mostrou os traços dos calos de muitos anos. — Você ainda vai me ver gritando e xingando alguns filhos da puta, batendo em alguém ou calado para te poupar. — Está tentando me fazer desistir Luiz Miguel? — Duda questionou. — As mãos grotescas eu já quero. O restante, precisamos conversar. — Só estou me apresentando. — Subiu com a trilha de beijos até os lábios dela. — Em contrapartida, os anos estão me trazendo disciplina e sempre soube tratar uma mulher. Principalmente a minha. — Ele colocou a mão nas costas dela e sentiu a pele nua. — Gosto das suas roupas. São tão certas e erradas ao mesmo tempo.

— E você fica perfeito assim, despojado, com essa camiseta linda e chinelos. Homem de negócios ou bad boy dono de academia? Não consigo definir qual das duas faces do meu namorado enchem mais os meus olhos. — Quem sabe meu terceiro lado não seja mais convidativo. — O crime definitivamente não me atrai. — falou ela arrancando um sorriso do namorado antes de levantar-se e parar na frente dele. — Esse estilo de roupa é o que mais gosto. — Ela deu uma volta completa ao redor dele. — Sem muito decote frontal, pois acho os meus seios um tanto graúdos. — Eu acho mais que perfeitos. Duda fingiu não ter ouvido, virou de costas e afastou os cabelos. — Sempre decotado nas costas porque eu amo minha parte de trás. — Eu também amo o seu traseiro, amo tudo na verdade. — Ele deixou uma observação. A frase a deixou ligeiramente avermelhada e Luiz Miguel amou o sorriso tímido nos lábios dela. Eles estavam ligados novamente e Duda começava a não se privar de expressar os sentimentos que ele a trazia. — Não uso salto, pois... além de me machucar, tudo ficaria mais destacado. — Linda até com pés no chão. — O namorado continuou comentando. — Sou apaixonada nos vestidos longos. Eles são a maioria no meu

closet. Além de vestir bem, camufla e evita o: "Linda, mas que pena." — É um absurdo, você ter que passar por isso. — Ele estendeu uma mão e a trouxe para o colo. — Promete para mim que você nunca vai abaixar a sua cabeça diante dos preconceitos, se limitar ou achar que é incapaz de realizar tudo o que você quiser. — pediu olhando dentro dos olhos dela. — Obrigada. — Ela manteve o contato — Sim, o meu namorado é muito fofo e nada vai provar o contrário. — Ela desenhou o contorno do rosto dele com a ponta dos dedos. — Como está seu braço? — Uma besteira, só dez pontos cirúrgicos. Você foi costurada mais vezes. — Ele fechou a mão no punho dela e analisou a marca do acidente que por fora já estava fechada — Vai ficar a uma senhora cicatriz na sua pele. — Quase uma tatuagem de casal. Ela brincou, colocando a cicatriz próxima ao curativo do braço dele. — Falar em tatuagem — Ele mergulhou a mão por entre os cabelos dela — As ondas em minha costela é você. — Colocou a boca na dela. — Incrível... Você estava aqui esse tempo todo, mesmo sem eu ter memórias do nosso amor. Amo você. — Ele procurou a língua dela e ditou o ritmo do beijo, lento, sensual e apaixonado. — Boa noite! — A voz de Eduardo fez Luiz Miguel se assustar e Duda se atrapalhar e cair sentada na grama. — Você, já pegou a sua moto, agora vá. Amanhã conversaremos — O pai olhou para a filha no chão. — Falou sobre o jantar? — A minha tante está preparando um jantar amanhã e você é um

convidado, Nêgo. — Nêgo... — Eduardo a imitou transparecendo falta de paciência. — Na casa do Sérgio? — Luiz Miguel estendeu a mão para a namorada e depois de um leve impasse com o sogro, a levantou. — Isso, na casa do Sérgio. Agora já pode ir. Amanhã teremos uma longa conversa. Hoje vocês ainda não estão namorando. — Eduardo tomou a mão de Duda, mas antes de ser levada ela colou a boca na do namorado pelo menos cinco vezes. Luiz Miguel coçou a cabeça e sorriu se sentindo um adolescente. Pela primeira vez conversaria com um homem sobre querer a filha dele. Era incomum, mas ele estava disposto atravessar todas as fases e isso levaria no máximo um mês ou o tempo necessário para correr os papéis da habilitação para o casamento civil. Estava certo daquela decisão.

SESSENTA E TRÊS Luiz Miguel ganhou alguns minutos de diferença e o seu carro chegou primeiro no jardim da casa de Sérgio. Ele e Duda aproveitaram o tempo para namorar encostado na lateral do veículo. — É muito atrevimento, quem ele pensa que é?! — Eduardo inflou as narinas e ficou inconformado quando saiu do próprio carro. — Não se esqueça de agradecê-lo direitinho por ter salvado o nosso Olavinho. — Maria Fernanda ajeitou a blusa do marido e apertou o colarinho mais do que deveria. — Ele não pode fazer isso com a filha das pessoas e ficar impune. — O marido tentou se explicar no meio da leve asfixia. — Tudo indica que ele será o seu genro, então ele pode sim. — A mulher se afastou para segurar a mão do filho. — A sorte dele é que eu tenho um filho menor e não posso me meter em brigas. — O homem dobrou a manga da blusa e ajeitou a postura, assumindo uma autoconfiança que não existia no momento. — Vamos acompanhá-los. — Maria Fernanda seguiu com o menino. Duda e Luiz Miguel entraram na frente. — Onde está seu pai Nicole? — Eduardo perguntou quando entrou na casa.

— Lá no escritório com a minha mãe. Ele enrolou o dia todo com o assunto, mas agora foi. — Nicole recebeu um beijo do irmão, a menor teve o mesmo agrado. — Teve gritos e o papai chorou. Ouvimos encostada à porta. — Julinha confessou. — Agora eu tenho um irmão homem Olavo. — Não esquenta, somos amigos. — Olavinho segurou a mão da menina e foram para o sofá da sala. — Ele nem fez o exame e já foi contar. Sérgio é impulsivo, foi assim a vida toda. — Eduardo falou olhando para Luiz Miguel. — O silêncio é sinal de que o coro dele já foi arrancado. Eu vou lá. — Eduardo seguiu na direção do escritório e todos foram atrás. Luiz Miguel foi o único a se sentar no sofá e observar as crianças fazendo cócegas uma na outra. Eduardo entrou no escritório sem aviso, e a cena que viu lá dentro o fez fechar a porta na cara de todos que vinha atrás. — Edu, amigo. O que faz aqui? — Sérgio levantou abruptamente e começou abotoar a camisa. — Então, o Sérgio arruma um filho de vinte e tantos anos e tudo se resolve assim? — Eduardo cruzou os braços e Suelen começou ajeitar os cabelos. — Espera lá fora, as coisas estão dando certo aqui. — Sérgio falou baixo próximo ao amigo. — Meu coro já estava saindo do risco da peixeira. — Sempre o inconveniente. — Suelen levantou do sofá e ajeitou o vestido.

— Vocês não têm vergonha, seus depravados? Suas filhas estavam ouvindo atrás daquela porta. — Depois da briga ficamos caladinhos. — Sérgio empurrou o amigo na direção da saída. — Meia hora, vai distrair a família lá fora. — Su? — Maria Fernanda abriu a porta e todos entraram atrás. — Como você está minha amiga. — Abraçou Suelen que carregava sinais de choro. — Eu estava sendo consolada antes do Eduardo aparecer na minha frente. — Seu possível enteado está na sala, Suelen — Eduardo continuou com os braços cruzados. — Não vai cumprimentá-lo? — Vou fazer qualquer coisa, que não seja olhar para a sua cara. — Suelen respondeu aborrecida. Sérgio estava domando a angústia dela quando foram atrapalhados. Ela sofria. — Vou ver o rapaz. — A morena colocou os sapatos nos pés — É hora de guardar a minha dor e ser feliz pelo meu marido. — Estendeu a mão para Sérgio que deu vários beijinhos carregados de medo — Vamos! Quando as duas famílias saíram do escritório Luiz Miguel se levantou do sofá para cumprimentar os donos da casa. Seu coração disparou e nem ele soube o motivo da inquietação. — Boa noite — Suelen estendeu a mão na direção dele. — Boa noite... — Luiz Miguel aceitou a mão e observou que o sorriso da mulher contestava com os olhos chorosos. — Tudo bom, tia da

Mar? — Foi inevitável não pensar na promessa. — Eu já ouvir falar muito de você. — Eu preciso me desculpar. Naquela época eu não sabia que o Sérgio enganava a sua mãe. Seria tudo diferente se o meu marido não fosse um fi da peste de um cabra safado na juventude. — Anja... — Sérgio fez um chamego nos cabelos da mulher para se resguardar. O marido estava apreensivo. — Eu não estava falando sobre isso, mas não precisa se desculpar. Você é tão inocente quanto a minha mãe. Sérgio olhou para Eduardo e se sentou cabisbaixo. Suelen viu aquilo e sentou ao lado do marido, então todos fizeram o mesmo e o silêncio foi constrangedor. — Sérgio, mande o seu filho tirar as mãos das pernas de minha filha, porque eu tenho um filho pequeno e não posso ir para a cadeia. — Eduardo quebrou o silêncio, quando viu a mão de Luiz Miguel na fenda do tecido fino e longo de Duda. — Vamos conversar — Luiz Miguel se levantou do sofá. — Eu dito as regras aqui. — Eduardo declarou. — A conversa será depois do jantar. — O coração do pai comprimiu no peito, seria inevitável. — Estou disposto agora, vou esperar lá fora. — Luiz Miguel foi até a porta, abriu e seguiu para o jardim. — Vai com calma e respira. — Maria Fernanda incentivou o marido.

— O Kamon vai chegar, qualquer coisa ele separa a briga. — falou Nicole, se antecipando para conquistar um espaço privilegiado na janela. No lado de fora Luiz Miguel se sentou no banco de madeira e admirou a arquitetura rústica e elegante da casa de Sérgio. Era um belo trabalho. Quem sabe um dia eles não pudessem trocar experiências. — Por que você não esquece essa história com minha filha? — Eduardo sentou-se no banco ao lado. — Sua filha até saiu da minha cabeça, mas sempre esteve sempre no meu coração. — disse o genro sem olhar no rosto do sogro. — Já usei essa frase antes. — Eduardo também evitou o contato direto e olhou para o céu coberto por nuvens dispersas. — E você, conseguiu fazer o que está me pedindo? — Precisei afastar a mulher que amo para findar o sofrimento ao meu lado — Eduardo confessou. — Então essa é a nossa diferença. Quero a minha mulher no meu abraço, sendo feliz todos os dias, horas e segundos. — Vai com calma, você que está falando da minha menina. — E minha namorada. — Você tem tempo para ouvir uma velha história? — perguntou Eduardo. — Estou aqui para isso, mas nada que me diga vai mudar. — Eu era mais novo que você quando conheci a mãe da Duda.

Minha tia fez a proposta do acordo de casamento e aceitei pela minha parte da herança. Maria Fernanda era uma menina linda, novinha e inocente. Eu a amei desde o momento que coloquei os olhos nela. — Eduardo sorriu um pouco triste — Mas eu não sabia amar e meti os pés pelas mãos. Baguncei a saúde física e emocional dela e quase perco a minha filha. — Luiz Miguel observou Eduardo secando os olhos. — Fui o pior marido e construí uma sucessão de erros que causou impacto degradante na vida delas duas. — Você a agredia? — A pergunta de Luiz Miguel saiu amarga. — Eu não buscaria o perdão se eu chegasse a esse ponto. Minhas palavras e ações a machucava na alma. Eu tinha uma namorada e permaneci na vida dupla. Fui grosseiro, ciumento ao extremo, um verdadeiro desgraçado. — Eduardo parou para equilibrar o tom da voz. — Queria ter cuidado dela quando precisou. Deveria ter dado prazer todos os dias, feito carinho na barriga e revezado dias no hospital para cuidar da Dudinha... A Minha mulher é tudo, eu não conseguiria fazer o que ela fez por mim. — Estou querendo socar a sua cara, agora mesmo. — Era da natureza de Luiz Miguel lutar contra o que sua mãe sofreu. — Eu alcancei o perdão da mulher mais maravilhosa do mundo, cheia de bondade e fé no futuro. Mas os meus erros do passado me atormentam até hoje. Eu tenho uma família linda que me ajudou a conquistar tudo o que perdi. Fui absorvido, mas eu não merecia nada disso e temo que os meus filhos paguem por meus erros. Não quero ver a minha filha sofrendo, tampouco que o Olavinho seja o que eu fui. Minha filha não vai sofrer nas mãos de um homem truculento. — Eduardo enxugou os olhos outra vez. —

Não vou permitir. — Eu amo a sua filha. — Eu também amava a Maria Fernanda! — Eduardo alterou a voz. — Eu fui um canalha mesmo sabendo que a queria de uma forma que nunca quis outra mulher. Eu a afundei numa depressão, ela sofreu dores físicas em um parto complicado. — Eduardo se engasgou com as últimas palavras e se calou. — Eu nunca faria nada parecido com uma mulher. Minha sogra tem pai? Por que ele não acabou com você? — Eu era tudo que ela tinha de família. Não pense que é fácil falar sobre isso, estou me abrindo para você entender os meus motivos. Hoje eu largo tudo e saio correndo quando sinto falta ou eles precisam de algo, mas não era assim. Nada me garante que você vai fazê-la feliz e não a deixar chorar com um egoísmo desgraçado ou falta de atenção? Eduardo se calou e Luiz Miguel fixou o olhar na grama enquanto absorvia as informações. Entendia os motivos do pai, mas precisava comprovar que faria diferente. — É melhor você se conformar comigo e agradecer por eu ter aparecido na vida da sua filha. Ela poderia pagar por seus malditos erros. Você não tem ideia de como eu respeito a sua filha e as vontades dela. — Me recuso ouvir isso. — Eduardo abaixou a cabeça quase convencido pelas palavras de Luiz Miguel. Se fosse realmente verdade, ele teria que entregar a filha. Não seria

mais o medo e sim o ciúme. — Vou olhar para a mãe da Mar com outros olhos de agora em diante. Ela tem o maior coração desse mundo por ter te aceitado de volta. — Se um dia alguém apontar um errinho nela vai brigar feio comigo. A minha mulher é a mais perfeita do mundo. Isso não é exagero, tenho provas. E outra, até hoje ela só foi minha. Depois de tudo ainda fui sortudo. — A sua filha me disse que tinha outros pais, então você pode está enganado em alguns pontos. — Agora vai falar o que não sabe?! — Eduardo não gostou do comentário. — Ela só foi minha. O Tiago e o Giovane foram dois caras legais que cuidou das minhas meninas quando eu estava sendo um idiota. Não vai falar isso para ninguém. Não se elogia ex de nossa mulher, é um crime grave. — Estou querendo sua filha, como vamos fazer? — Não dou e pronto. Luiz Miguel sorriu nervoso e balançou a cabeça. — Ela também me quer, parceiro. Filhos crescem e formam outra família — O genro esclareceu. — Eu soube que você a roubaria de mim quando ainda era um moleque topetudo. Ela só tinha sete anos. Você não tem vergonha disso? — perguntou o pai. — Era carinho. A paixão e amor nasceram há quase sete anos — Luiz Miguel estreitou os olhos vendo nitidamente alguns fragmentos do

passado. Lembrou-se do vento frio, de Duda chorando e encolhida ao lado da moto, dos cabelos ao vento e do perfume feminino na circunferência onde eles estavam... — Temos um encontro. — falou alto. — Eu tenho um encontro marcado com a sua filha. Acabei de lembrar, ela deve ter esquecido. Certamente ela esqueceu. Temos um mês e alguns dias. Foi bom ter lembrado, farei ser especial. — Que encontro é esse? — Eduardo perguntou curioso. — Marcamos um encontro para o último dia do próximo mês, depois da meia noite na estrada da Serra. Faltam quarenta e um dias. — Você não vai se aproveitar da minha filha no meio do mato. — Você precisa confiar em mim. Vou fazê-la feliz em todas as áreas do nosso relacionamento. Sua filha já está gravada aqui e ninguém tira. — Olhe para mim rapaz — Eduardo fixou os olhos em Luiz Miguel. — O quê? — perguntou o genro. — Vamos, olhe para mim, é uma coisa séria. — Você não vai querer que eu olhe nos seus olhos, não é? — Luiz Miguel olhou para Eduardo. — Sim, é exatamente isso que eu quero. — É desnecessário. — Mesmo constrangido Luiz Miguel fez o que Eduardo pediu. — Agora pode começar. Se esforce para me convencer. Até hoje nenhum conseguiu.

— Isso é ridículo. — Luiz Miguel protestou. — Um dia você vai ter uma filha e não vai achar tão ridículo. Comece. — Eu prometo cuidar da sua filha e fazer dela a mulher mais feliz, amada e desejada. Não vou deixá-la chorar, nem sentir a minha falta física por mais de vinte e quatro ou quarenta e oito horas. Vou cuidar de nossos filhos e ajudar na educação. Continuarei trabalhando pesado para proporcionar a tranquilidade e o conforto que ela já está acostumada desde a infância. Vou incentivar nos estudos e profissão e jamais voltaria atrás nas minhas promessas. Amo a sua filha e quero amar todos os dias, quero envelhecer ao lado dela e permanecer de mãos dadas pelo resto de nossas vidas. — Luiz Miguel se calou e esperou a reação do sogro. — Eu quase me apaixono por você agora. — Eduardo falou sério. — Já chega dessa porra de olho no olho. — Luiz Miguel desviou o olhar novamente para a grama. — O que aconteceu com o ódio que você sentia por mim? — perguntou o sogro. — Nesses últimos anos, muita coisa aconteceu. O importante é que a sua filha será a senhora Álvares Azevedo em um mês. — Um mês?! — Eduardo sorriu insatisfeito. — Antigamente os aproveitadores chegavam para pedir a filha em namoro, agora já chega querendo levar para casa. A cada dia nossas filhas são roubadas debaixo dos nossos olhos. E somos obrigados a compactuar com isso. Esse mundo está

perdido. — A sua filha tem algumas restrições que eu respeito muito, mas a coisa está ficando complicado para meu lado. Você é homem e entende. Mais respeitador que eu você não vai achar. — Se todos eles não estivessem na janela agora, eu dava um fim em você. Ninguém nunca saberia. — Eduardo resmungou. — Por enquanto vamos para meu apartamento, mas não sei como vai ficar as coisas, vai surgir uma promoção no meu trabalho em uma área que estou gostando de exercer. — Sim, você é esforçado, isso eu sempre soube. Eu teria orgulho da minha filha carregar o sobrenome do seu avô, mas lembro do Junior e Irene. Por isso, o Sérgio vai ter que te registrar, mesmo não sendo filho dele. Eu nunca tive raiva de você rapaz, mas você foi criado pelo Junior e isso me preocupava. — É melhor entrarmos, estão nos esperando. — Luiz Miguel desviou a conversa. — Senti verdade em você, e quero te pedir uma coisa importante. Quero que faça o mesmo pela Maria Fernanda e o Olavinho. Que cuide deles por mim, se algo me acontecer. — Você não está tão velho. Ainda tem muitos anos pela frente, e logo vêm os netos. — Netos... — Eduardo se emocionou. — Você precisa me prometer que cuidará deles na minha falta. Se entrar para a família vai precisar assumir

responsabilidades. — Eu sempre cuido de minha família. — Luiz Miguel estendeu a mão para o sogro, mas foi Eduardo que o puxou para um abraço.

SESSENTA E QUATRO — Que seja fácil comigo também — Kamon chegou ao lado dois homens no jardim. — O que faz aqui? — Luiz Miguel o questionou. — Fui convidado pela mãe da Nicolete. — Está com planos de ser genro do Sérgio? — Eduardo perguntou sem rodeios. — Não, ele não está. — Luiz Miguel respondeu por Kamon. — Ele não ousaria, tendo um passado tão duvidoso. — Vamos medir o pior passado? — Indagou Kamon. — Nicole já me falou, cunhado. — Kamon provocou. — Já se conheciam? — Eduardo se interessou. Ele só sabia que Kamon morou anos nas ruas e após trabalhar na limpeza de uma das joalherias da família Taiwanesa, conquistou os patrões ao ponto de receber o sobrenome deles. Alguns detalhes da história estavam guardados, mas não por muito tempo, logo o passado do taiwanês tocaria a porta, e restava torcer para ele achar-se preparado e assim proteger quem atendesse a inesperada visita. — Nos conhecemos dos velhos tempos. — Luiz Miguel usou o braço sadio para bater forte no ombro de Kamon.

— Somos amigos. — Kamon espancou as costas de Luiz Miguel e recebeu a ameaça de um soco. — Estou querendo uma vaga na família, vou conversar com pai da Nicolete e o meu amigão vai me ajudar com necessário. — Bem... eu já resolvi a minha situação. Sua conta é com o Sérgio. Vou jantar agora. — Eduardo seguiu na frente e os dois foram atrás. Quando Eduardo se afastou Luiz Miguel se desvencilhou de Kamon e propôs: — Você pode até dobrar o pai da Nicole, mas vai precisar me vencer no ringue, valendo tudo. — Desafio aceito. Mas se eu te vencer, a sua irmã vai passar uma semana inteira comigo em Taiwan. — Kamon estendeu a mão. — Beleza. — Luiz Miguel sorriu vitorioso e ignorou o aperto de mão. Quando eles entraram na sala encontrou todos agindo naturalmente no sofá. — Seu convidado acabou de chegar Suelen. — Eduardo falou muito tranquilo e todos suspiraram aliviados. — Vamos para a mesa. *** — É bom ver a nossa família reunida. — Os olhos de Maria Fernanda brilharam de emoção. Três gerações estavam ali, brevemente chegariam os netos. — Só tem um forasteiro em nosso meio — Sérgio abriu o

guardanapo de tecido fazendo um barulho desnecessário. Ele já sabia o propósito do jantar. — O que faz aqui meu jovem? — Kamon bebia água e sofreu um leve engasgo. — Ele veio visitar o sogrão. — Eduardo estava ao lado e bateu nas costas do taiwanês. — Respira, levanta os braços — Nicole se levantou para ajudá-lo. — Deixa morrer. — Sérgio falou enquanto degustava o alimento. — Você quer parar com isso?! — Kamon repreendeu Eduardo que já tinha pegando gosto em espancar suas costas. — As coisas por aqui não serão diferentes. — Duda sorriu vendo a amiga alisar as costas do namorado. — Eu vou logo adiantar as coisas, pois tenho um filho pequeno que precisa terminar de se alimentar. — Os olhares foram na direção de Eduardo. — Eduardo, não se intrometa, a filha não é sua. — Maria Fernanda sussurrou perto do marido, mas ele prosseguiu o discurso. — Ele quer a sua filha e está aqui por isso, você sabe de tudo e tenta intimidá-lo. — Eduardo continuou degustando o alimento despreocupado. — Ah, por favor, Sérgio, ele é irmão do Thiago, o sujeito que cuidou das minhas meninas. Você quer mais o quê? Bem-vindo à família rapaz, ficaremos de olho. — Você tem um ano para o casamento. — Sérgio ordenou. — Tempo suficiente para a Nicole descobrir seus podres e, se for o caso, desistir. — Kamon expeliu boa parte da água que ingeria no intuito de limpar

a garganta. — O que foi? Existem segredos obscuros? — Hoje não é um bom dia para beber água, só isso. — O taiwanês justificou. — Eu já conversei com ele e disse que aqui em casa, filho de rapariga se acerta na ponta da peixeira. — Suelen estava feliz pela filha. — Ele tem boas intenções. — E quem não teria? — perguntou Kamon enquanto secava a água da mesa. — A Mamãe é uma fofa. — Nicole sentou e secou a camisa do namorado com o guardanapo. — Vamos comer em paz, já que tudo se resolveu. — Maria Fernanda propôs e todos se calaram para degustar os alimentos. — A Nicole é uma anja pura, é bom que ela continue assim nesse período — Sérgio quebrou o silêncio. — Depois vocês conversam sem ninguém por perto, marido — Suelen chamou atenção. — Vai deixar a sua filha constrangida. — Eu tenho um namorado oriental! — A morena dançou na cadeira — Depois de anos a minha vida ganha a emoção que todo mundo merece. Não desistam meninas, o sol brilha para todas. — Jogou um beijinho para Kamon. Olavinho bateu com o garfo no copo de cristal, chamando a atenção para ele.

— Vou aproveitar e pedir a Júlia em namoro. — falou o menino. — É o quê?! — Sérgio deixou a comida cair de volta no prato. — Ainda não é hora para isso, meu homenzinho. — Maria Fernanda achou fofo, mas tentou conter a iniciativa do filho. — Agora querem depenar as minhas filhas. — Sérgio se alterou. — Edu, eu vou logo te avisando, não quero o seu filho engravidando a minha filha na adolescência. — É o Olavinho, marido. — Suelen interveio em favor da criança emburrada e de braços cruzados. — Daqui a pouco ele faz quinze anos e começa fazer filhos, não tente me enganar com esses olhos miúdos Olavo. Eu sei de quem você é filho. — Não fica assim não garotão, o papai conversa com você depois. — Eduardo confortou o menino. — O filho do tio Sérgio pode namorar a Duda e eu não posso namorar a filha dele. — É uma boa justificativa, mas guarde para daqui a alguns anos. — O pai sorriu orgulhoso. Era tudo muito movimentado e Luiz Miguel sorria assistindo as discussões na mesa. Talvez não fosse tão ruim escolher em qual lugar passar a ceia de natal e ano novo. ***

— A Duda vai dormir comigo, tio Edu. — Ótimo, a Duda fica. Os restantes vão pegando o caminho de casa. Tenho um filho pequeno, ele precisa dormir antes da meia noite. — Amanhã, vou fazer uma pequena viagem de trabalho, mas volto segunda, antes do meio dia e eu vou te ver. — Luiz Miguel beijou os lábios de Duda. — Você trabalha no domingo? — Duda questionou o namorado. — Trabalho a qualquer hora, Mar. Você vai precisar se acostumar. — Eu posso viajar com você? — Sem condições. — Que horas é aqui, Duda — Eduardo mostrou o relógio do pulso. — Eu esqueci os óculos. — Onze horas, Dudu. — Hora de pegar a estrada. Sérgio, o seu filho está se despedindo. Você também taiwanês. Acabou a farra por hoje. — Me adiantei e mandei limpar o seu quarto, se quiser voltar e ficar por um tempo, será bem-vindo. — Sérgio apertou a mão de Luiz Miguel. Queria um abraço, mas temeu ser precipitado. — Eu vou voltar para ver as minhas irmãs. Você tem uma bela família. — Luiz Miguel encerrou o longo aperto de mão. Suelen passou o braço por entre o do marido e sorriu para Luiz Miguel. — Está chegando o dia de o anel entrar no dedo da sua sobrinha, tia da Mar.

— Tenho certeza que o anel está ansioso, mas espero que ele entre com bastante calma. O dedinho é delicado. — Suelen piscou um dos olhos e viu Luiz Miguel sorrir. — Do que vocês estão falando? — indagou Sérgio. — Nada marido, são coisas da Duda. — O seu quarto é no final do corredor. Eu e o papai compramos cuecas e colocamos lá. — Julinha revelou e recebendo um beijo nas bochechas. — Foi um grande prazer jantar com vocês. — Luiz Miguel estendeu a mão para Maria Fernanda. — Sua filha é linda, por dentro e por fora. Entendo o motivo quando olho para você. — Ah, obrigada pela gentileza. — Maria Fernanda ficou surpresa com o elogio tão convicto. — Eu fico feliz que pense assim, sogras são sempre malquistas. — A minha é um exemplo de amor, sabedoria, força. A melhor sogra que eu poderia ter. — Luiz Miguel beijou a mão que segurava. — Continue com o pulso firme, se necessário leve até o queixo de quem merecer. Sempre de baixo para cima. Maria Fernanda quis saber onde ela tinha acertado para ganhar o posto de melhor sogra do mundo. Eduardo juntou as duas mãos na frente do corpo e beijou os cabelos da mulher. *** — Ai, que felicidade! — Duda se jogou sobre a cama com o baby

doll emprestado. — Vou dormir e sonhar com o meu príncipe taiwanês. — Nicole se cobriu, com o cobertor. — Apaga a Luz. — Está chovendo Nik? — Duda ouviu barulhos finos trincando na janela. — Que delícia, dormir com o barulhinho da chuva e sonhar com olhinhos puxados. Noite perfeita — Nicole se aninhou no edredom. Duda fechou os olhos, despreocupada, porém o barulho trincou mais forte. Curiosa, ela se levantou, afastou as cortina da janela e viu Luiz Miguel com um sorriso levado dentro do jardim da casa. — Ah, Romeu... — Nicole suspirou atrás. — Como e por que chegaste aqui? Os muros do pomar são altos, e, sendo tu quem és, o destino é a morte, se algum dos meus parentes o encontrarem. Duda tentou conter a gargalhada e abriu devagar a janela de madeira com vidro. — Eu vou subir. — Luiz Miguel sussurrou, sufocando o som com a mão. — Vem. Cuidado. — Duda o incentivou com as mãos. Luiz Miguel escalou o suporte das plantas trepadeiras e recebeu um beijo de Duda no topo da janela. — Sentir vontade de te dar um beijo, acho que já é a saudade. — Que fofo. Dorme aqui. — Nicole puxou alguns edredons do

armário. — Eu posso? — Luiz Miguel perguntou a namorada que já sorria animada. — Meu tio vai desconfiar se pegarmos um colchão tendo uma cama de casal no quarto. Só se a gente dormir no chão. — Podem ficar com a cama. — Nicole jogou o edredom para cima e deixou forrar o chão. — Nunca seja alcoviteira igual a Nicole, Mar. — Jamais. — Duda forçou seriedade. — É bom ser vela de casal, fora da condição de vela. Ah, tenho um namorado. — Nicole se cobriu, fechou os olhos e aninhou a cabeça no travesseiro. — Posso tomar um banho no seu banheiro Nicole? — Vai — Nicole respondeu de olhos fechados. — Eu queria te olhar. — Duda mordeu o cantinho do lábio e olhou para as mãos. — É melhor não, Mar. — Luiz Miguel segurou a mão dela e olhou para a irmã. — Eu volto rápido para a gente dormir de conchinha. Duda se sentou devagar na cama e abraçou um travesseiro. O olhar permaneceu na porta por onde Luiz Miguel entrou.

SESSENTA E CINCO Quando Luiz Miguel saiu do banheiro Duda levantou o tronco e sentou na cama. Ele olhou para a irmã embrulhada na cama improvisada e sorriu voltando para a namorada. — O seu celular. — Estendeu o aparelho para a namorada. — Estava no meu bolso, só voltei por isso, me esqueci de entregar. — Você me frustrou agora, pensei que o motivo fosse querer um beijo meu. — Duda mordeu o cantinho do lábio e suas bochechas ficaram vermelhas. Luiz Miguel sorriu. Gostava dela em sua real essência, sentindo e demonstrando as sensibilidades. — Eu também precisava te entregar o aparelho. Eu não consigo dormir com a camisa social, você se importa? — Ele perguntou com a voz baixa. Em seu corpo estava apenas a calça social. O cinto, a camisa e o sapato estavam no banheiro. — E com a calça, você consegue? — ela perguntou e Luiz Miguel gostou da mistura de menina levada e embaraçada na mesma pessoa. — Em breve será diferente, meu amor — Ele se sentou perto dela. O olhar estava fiscalizando a irmã ao lado. — Suas pernas são fortes... — Duda colocou a mão sobre uma das coxas dele para friccionar os dedos, fazendo movimentos circulares. O modo

que ela fez, obrigou Luiz Miguel colocar a mão sobre a dela imediatamente. Era um toque totalmente errado naquele momento. — Tenho medo — Ela falou, sem deixar de olhá-lo. — De quê? — Ele segurou a mão no rosto dela e demonstrou preocupação. — Você está sensível a um simples toque... Temo não dar conta ou quem sabe, não consegui andar no dia seguinte. — Luiz Miguel percebeu uma preocupação sincera nos olhos dela e não conseguiu controlar a risada que precisou ser abafada. — É desenvolvido e consistente, eu já senti, não ri, precisamos conversar. — O que eu faço com você Maria Eduarda? — Ele colocou a mão na nuca dela e deixou os dedos adentrar os cabelos. — Você é minha exceção em tudo, sempre foi. — Beijou a testa dela. — No mesmo momento que eu quero te beijar — beijou a boca dela e depois descansou os lábios no queixo — Eu desejo te morder. — Deixou uma mordida leve ali. — Estou cochilando, mas ainda estou aqui, safados. — A voz de Nicole saiu grogue pelo sono. — Apaguem a luz, por favor, e o fogo também. — Deita. — Luiz Miguel apagou a luz que restava acesa e se acomodou deitado ao lado da namorada. Os dois sorriram. — Não tenha medo. — Ele beijou a bochecha dela e colocou a cabeça sobre o mesmo travesseiro. — Cuidarei de cada cantinho do seu corpo com carinho. Sua primeira vez será especial. — Os dedos dele se perderam nos fios loiros que cobriam a bochecha de Duda. — Não quero perder mais

tempo longe de você. Quero construir tudo com você ao meu lado. Segunda, quando eu voltar, a gente conversa melhor sobre isso. — Beijou os lábios dela bem devagar para evitar ruídos. — Te quero tanto. — Roçou o nariz no dela para depois beijar a pontinha. — Amo o seu nariz. Eu te achava metida antes de tudo. Uma patricinha mimada de nariz empinado. Espiava você sempre que podia. — Paixão encubada. — Duda sussurrou no mesmo tom que ele usou. — Não, era vingança mesmo. Na sua festa de dez anos eu estava muito revoltado. A tatuagem estava fresca em minhas costas. Eu seguia destruído e você sorrindo, sendo paparicada pelos convidados e correndo com um cachorro. Aquele seu primo não saía de perto. Você estava com um vestido azul e o cabelo solto, sem nenhum dos enfeites costumeiros. Tinha uma argola em sua orelha, acho que você desejava deixar de ser uma garotinha. — O cachorro era o Thor. Ele estava doente, mas só nos deixou quando ficou velhinho. — Ele parecia ser um fiel escudeiro. Não saía de perto de você. — Para quem tinha um objetivo, você reparou bastante no objeto de vingança. Confessa logo, você me queria desde aquela época. — Naquele momento existia qualquer merda, menos bem-querer. Te quero hoje. — Eu também te quero. — ela declarou enquanto recebia o carinho. — Muito.

— Agora eu vou te colocar para dormir, fecha os olhos. — Você vai sair muito cedo? — Duda perguntou enquanto fazia um carinho nos cabelos dele. — Cedinho. Vou pegar a estrada de moto, assim volto mais rápido. — Você está machucado, por que não descansa esse final de semana? É alguma reunião importante? — ela perguntou baixinho, com o rosto bem perto do dele. — As minhas férias acabaram e o atestado médico cobriu a minha folga. — Atestado médico? Você não é o patrão? É sobre a academia. — Dorme, já está tarde. — Me explica o motivo de você não pegar folga da própria empresa? — É disciplina, Mar. Já estou bem. Vou resolver trabalhos burocráticos e volto segunda pela manhã. Dorme agora — Ele beijou a boca dela. — Vamos namorar só um pouco. — Ela sugeriu. — Minha irmã está aqui ao lado. — Ele sorriu e fechou os próprios olhos. — Quero apressar o nosso casamento. — A voz dela fez o namorado abrir os olhos novamente. — Não que eu queira apenas me aproveitar de você, longe disso. Desejo assumir a posição de sua esposa e cuidar da sua

disciplina, bem de perto. — Ela virou as costas e foi abraçada por ele. — Será uma rotina maravilhosa, pequena. Nós dois, conversando assuntos aleatórios na nossa cama, depois de muito amor... — Ele acariciou o abdômen dela e beijou-a nos cabelos. — É tudo por você. Não vejo a hora de ter um bolinho aqui.[RS1] Antes de o dia clarear, Luiz Miguel beijou a testa de Duda com cuidado para não acordá-la, olhou com ternura para a irmã na segunda cama e saiu pela porta da frente da casa do pai. *** — Bom dia maman. — Duda beijou o rosto da mãe sentada à mesa da cozinha e pegou um pedaço de queijo no recipiente para colocar na boca. — Alguém acordou transbordando alegria. Qual será o motivo? — Maria Fernanda brincou. — Fui dormir tarde estudando e depois meu namorado me ligou. Não me lembro de ter desligado o celular, acho que adormeci com a voz dele. Estou morrendo de saudade, e feliz por já ser segunda. — Duda sorriu apaixonada. — Ele vem me ver antes do almoço. Quero preparar algo apetitoso. — Meu genro é uma pessoa centrada e isso me faz feliz. O seu pai me contou coisas fofas sobre ele. — O Dudu? Inacreditável, e isso também me enche de felicidade. — Ele elogiou o rapaz e me falou sobre possível proposta de fundir às empresas. Se a empreiteira trabalhar com a Moedeiros, crescerá dobrado e

em curto prazo. O seu pai tem planos, é ambicioso, você sabe. Agora ele quer ajudar o genro no novo empreendimento. — Luiz Miguel conseguiu algo que eu nunca imaginei. Mas é difícil alguém não se encantar por ele. Eu só espero que o meu pai permaneça pensando assim quando descobrir alguns planos, já abortados, que o meu namorado desenvolvia. — Planos? — A mãe perguntou curiosa. — Eu escolhi confiar que tudo dará certo, mas temo o que pode acontecer. — O seu pai saiu cedo, o Olavinho está com a garganta inflamada e deixei dormir mais um pouco, estamos sós aqui. Conte-me tudo filha. — Eu não tenho certezas, maman, mas desconfiei que o meu namorado estivesse envolvido com coisas não dignas. Entrei no apartamento dele outro dia e vi um forte sistema de monitoramento. Ele também anda armado, sempre. Meu namorado precisa se defender de algo, lembra quando o Dudu precisava andar armado? — Ele parece ser tão honesto e decente, apesar de ter sido criado pelo Junior — Maria Fernanda demonstrou estar decepcionada. A sogra lembrou-se do carinho que o genro a dedicou na noite do sábado. Gostava dele para desconstruir a imagem. — Ele me deu explicações vazias, mas me garantiu que estava resolvendo essa situação. Eu o amo maman, quero construir uma história, mas estou no escuro e temo por ele, por mim, por nós. O Luiz Miguel invade

qualquer sistema de segurança, ele é profissional nessas coisas. Eu descobri que ele também monitora a Moedeiros e o nosso jardim. — Ele enganou o Eduardo. Como o seu pai não percebeu tudo isso? — Maria Fernanda levantou da mesa, apreensiva. — Preciso ouvir a voz do seu pai. Estou angustiada. — Ela tocou a palma da mão no lado esquerdo do peito. — O meu namorado garantiu que não queria o nosso mal, já está fora de tudo. Vou conversar com ele e se possível vamos à polícia. Tudo vai se resolver. — Eu... eu vou ligar para seu pai. — Maria Fernanda foi até o aparelho telefônico, mas próximo e discou o número do celular do marido. — Maman, calma, eu não deveria ter te contado, mas somos amigas e eu precisava me abrir sobre esse assunto em algum momento. — Eduardo... meu amor... Você está bem? "Que voz é essa, aconteceu alguma coisa? Quem está aí com você." — A Duda — A mãe olhou para a filha e colocou a mão na cabeça. — Eu queria ouvir sua voz, meu amor. "Estou ficando preocupado, mulher. O que foi? Deixe-me falar com a Duda." — Eu te amo. Muito e sempre. — Maria Fernanda recebeu o abraço da filha enquanto falava com o marido. — Tem como você vir para casa agora? Eu não vou à loja, quero te ver.

"Estou no trânsito, indo visitar uma obra, depois eu vou para casa. Não chora, não suporto ver isso, meu coração já está doendo." — Vem para casa. Deixa tudo e vem. Estou angustiada. "Não vou conseguir fazer nada preocupado com você. Chego aí em poucos minutos. Te amo." — Eu também, minha vida. Vem com cuidado. — Não chora, estou me sentindo culpada, por ter te contado. Tudo vai se resolver. — Não, não é sobre isso... Estou sentindo que algo não está certo. Vou esperar o seu pai, ele está vindo para casa. Daqui a pouco ele chega. — A mulher pareceu aérea — Vamos esperar lá na sala. — Vou banhar o Olavinho e descer com ele. *** Três horas se passou e Eduardo ainda não tinha chegado. Maria Fernanda estava com o filho no colo e o olhar na direção da porta da sala. — Caiu na caixa, outra vez. — Duda estava andando de um lado a outro na sala. — O tio Sérgio também não atende, já saiu de casa e não chegou na Moedeiros — Duda se esforçava para não se desesperar na frente da mãe e piorar as coisas. — Por que vocês estão preocupadas com o papai? Cadê ele mamãe? — perguntou Olavinho com a voz arranhada pelo resfriado. — Ele está chegando, filho. — Maria Fernanda tentava manter um

pensamento positivo no meio do desespero. — Vou percorrer o caminho da Moedeiros, maman. Não fique preocupada, o Kamon já está chegando lá e vou levar seguranças comigo. Liga para o vô Olavo e avisa. — Você tentou falar com o seu namorado? Ele deve saber de alguma coisa... — Liguei, mas ele não atendeu. — Quero o meu marido. — A mulher já não conseguia esconder a aflição e o seu pequeno filho começou secar os seus olhos. — Maman! Calma, vai ficar tudo bem. — Duda segurou o rosto da mãe. — Não aconteceu nada. O Dudu está no trânsito e vai chegar daqui a pouco. Eu vou lá, não sai daqui. Vou avisar os seguranças para ficar de olho na casa. — Não vai filha. Serão dois fora de casa. — Maria Fernanda agarrou o menino que estava sentado em suas pernas e sufocou o choro angustiante nos cabelos do pequeno. Duda pegou o celular, a chave do carro e saiu da sala. No jardim sinalizou dois seguranças para acompanhá-la. *** Duda estava fora do condomínio e seguia por entre a estrada cercada de árvores, que dava acesso a pista aberta. No exato momento que ela virou a esquina surgiu um carro preto e pelo vidro frontal ela viu o momento que seus seguranças foram interceptados poucos metros atrás.

Com uma mão no volante e o pensamento na família, ela pegou o telefone para avisar a polícia, pois percebeu que estava acontecendo algo sério, não era apenas suposição. Antes de discar o número, a foto de Luiz Miguel apareceu anunciando uma nova chamada. Ela não tinha gravado o número, tampouco colocado àquela foto. — Mar, já estou chegando, você me ligou? Parei aqui na estrada para te retornar. Duda ativou a função viva-voz e fez uma manobra arriscada na estrada, tentando ganhar espaço entre o carro que a perseguia. — O que está acontecendo? Você está no volante, que barulho é esse? — O Dudu saiu da Moedeiros há três horas e ainda não apareceu em casa. Saí para procurá-lo, mas interceptaram os meus seguranças e agora estão me perseguindo. — Droga! Você não deveria ter saído, Maria Eduarda! — Luiz Miguel se alterou do outro lado da linha e abriu a mochila. — O meu pai está desaparecido, meu tio não estava atendendo, eu precisava fazer alguma coisa. — Aquelas porras agiram por minhas costas! Me dê o máximo de descrição do carro. Seja rápida! — É um blazer executive preto, com películas escuras e rodas prateadas. — Duda olhou pelo retrovisor. — A placa é... — Não, não olhe a porra da placa, você vai acabar batendo esse

carro. Estou procurando você. — Estavam próximos a minha casa. A minha mãe e o meu irmão estão lá, Luiz Miguel. — O chevrolet blazer bateu na lateral do carro de Duda, fazendo-a perder o controle e o carro sofrer uma leve derrapada. — Mar! — Estou aqui! — Puxa a capa do seu celular e retirar o rastreador. Duda dividiu o olhar entre a pista e o aparelho em seu colo. O pegou, abriu a proteção de silicone com a ajuda dos dentes e viu um botão de rosa achatado. — É uma flor de aço? — Isso, coloca em algum lugar visível. Vou ouvir e ver onde você estiver. Colocou? — Estou colocando na minha blusa. — Escuta, meu amor... Eu quero que você mantenha a calma, mas eles vão te pegar. — Não, eles não vão me pegar. Eu vou conseguir levá-los para longe. Vou desligar aqui e ligar para a polícia. — São violentos, mas eu prometo que vou chegar antes de te machucarem. Duda sentiu as primeiras lágrimas atravessarem os olhos e deixar a sua visão turva. Luiz Miguel também sentiu as lágrimas enquanto manipulava

o notebook e segurava o celular entre o ombro e o ouvido. — Mar! Para esse carro! — pediu depois de ouvir outro choque entre os carros. — Eu não vou parar. — Para a porra desse carro, Maria Eduarda! Para, antes que você morra e eu não possa fazer nada! Luiz Miguel ouviu um forte barulho, guardou o notebook e o celular, colocou a mochila nas costas e pilotou na velocidade máxima. O peso daquela responsabilidade era maior, pessoas que ele amava estavam envolvidos.

SESSENTA E SEIS Duda não seguiu as ordens de Luiz Miguel e tentou fugir a pé quando o outro carro atravessou a frente do seu. Desvencilhou-se dos três homens por quase cem metros, mas foi inevitável fugir quando ouviu o estopim da arma de fogo. Uma hora depois a jogaram num quarto de iluminação precária. Um capuz cobria a sua cabeça e as mãos estavam amarradas nas costas. Depois de ouviu o barulho da porta de ferro, ela levantou os quadris do chão e passou as mãos atadas por baixo dos pés para colocá-las na frente e conseguir puxar o capuz da cabeça. — Dudu! — ela gritou, quando viu Eduardo no canto do quarto, com a blusa social coberta de sangue. — Dudu... — Engatinhou até o pai, afogou a gravata e levantou o rosto dele. — Papai... — Sentiu o pulso do pai e constatou que tinha vida nele. — Dudu, sou eu... — Du... Duda... — A voz de Eduardo saiu ondulada, os olhos estavam semicerrados e tinha muito sangue onde ele estava. — O Luiz Miguel está vindo nos buscar, papai. Ele já está chegando. — Ele... — Eduardo tossiu muito fraco e sangue foi expelido de sua boca. — Ai, meu Deus... O que fizeram com você, papai?

— Ele... está vivo. — Quem... Dudu? Quem está vivo Dudu? — Junior... — Olá família, estão bem acomodados? — O homem ruivo entrou no cativeiro acompanhado da mulher loira. — Eduardo Moedeiros, por que não me disse que aquele lindo anjinho tinha se tornado uma bela mulher? — Você é o Junior? — Duda apoiou a cabeça do pai no colo e o segurou próximo ao corpo. — Você é o pai do Luiz Miguel, que deveria estar morto? — Cale a boca! — A loira com um tubinho vermelho e florido, ordenou. — Onde está a caipira? Por que ela ainda não chegou aqui? — perguntou olhando para Junior. — Calma Viviane, em breve a família Moedeiros estará toda reunida em minhas mãos. Espera só mais um pouquinho, você esperou tanto. — Junior alisou o rosto de Viviane. — Enquanto a caipira não chega, vou cuidar da filhinha dela, o que você acha? — falou a mulher alta, de meia idade e voz infantilizada. Viviane caminhou com o salto agulha batendo no gasto piso, juntou os cabelos de Duda entre os dedos e suspendeu com força. — Lembra-se de mim, pirralha? Eu desejei tanto a sua morte quando a caipira foi sangrando para o hospital... Duda jogou Viviane no chão e a mobilizou. Aproveitou para apertar

o pescoço da mulher, mesmo tento os pulsos unidos pela corda. — Você não vai colocar suas mãos imundas na minha mãe. O rosto de Viviane começou avermelhar com a falta de ar, ela tentou balbuciar palavras, mas não conseguiu. Junior estava de pé, vendo tudo e só se moveu quando viu os olhos da mulher ir de encontro aos dele em um pedido silencioso de socorro. O ruivo deu uma passada e liberou a eletricidade de uma arma tazer no braço de Duda fazendo-a perder as forças. Duda sentiu os dardos do dispositivo perfurar sua pele, espalhando a descarga elétrica no corpo até chegar ao cérebro. Ela caiu de lado, paralisada, mas permaneceu consciente. Viviane tossiu bastante, e quando levantou chutou o abdômen de Duda, que tremia sobre o chão envelhecido. — Sua piranha, eu vou acabar com você. — gritou, enquanto chutava e tossia para recuperar o fôlego. — Vou apertar o seu pescoço até a morte, vermezinho! — Não é o momento Viviane. Vou ligar para o meu guerreiro e informar a nossa localização. — Junior segurou no braço de Viviane e a fez parar os chutes. — Vou matá-la, depois acabo com a caipira. — Viviane deu o último chute. — Você não vai ligar para ele, até eu ter matado a caipira. Eu já não confiava antes, depois dele ter nos traído e tirado o filhotinho do cativeiro, eu tive certeza. Ele está comendo essa piranha e gostando. Se tivéssemos contado sobre o sequestro, ela não estaria aqui. Seu filho te traiu e trocou por ela. Acho melhor você parar de fanatismo exacerbado!

— O meu filho sabe o que faz Viviane. Ele precisava se infiltrar para ganhar confiança da família. — Junior pegou o braço de Duda violentamente e a suspendeu. — Vamos visitar outra parte da casa gracinha. Preciso ferir o seu coraçãozinho. Duda não conseguiu mover um dedo, o efeito dos volts ainda agia em seu corpo. — Duda...— Eduardo sussurrou, com o rosto encostado no piso de cimento. Ele queria muito levantar e defender a filha. Sentiu-se um inútil, sua angústia foi maior que a dor no corpo. — Duda... Continuou chamando o nome da filha, enquanto ouvia os xingamentos de Viviane fora da sala. Chamá-la era o máximo que ele conseguia fazer no momento. Continuou balbuciando enquanto o sangue escapava de sua boca. *** — Vadiazinha, você acha mesmo que eu vou deixar barato? — Viviane segurou firme no cabelo de Duda e a jogou dentro de uma sala iluminada. Duda manteve os olhos vidrados na mulher sentada numa cadeira de escritório na frente de monitores. A aparência estava diferente, usava um vestido casual, rabo de cavalo, sandálias baixas e não existia maquiagem, mas ela reconheceu. Era a tia de Luiz Miguel. — Chegou a segunda convidada? — Irene virou a cadeira com rodinhas de um lado a outro e fitou Duda, imobilizada no chão.

— Os meus homens foram à casa da família e encontrou a belezinha no caminho. — Ótimo. Basta ela e o pai. — Irene colocou a mão sobre o abdômen e alisou. — Não, está faltando dois. A caipira e o filhotinho. — Viviane caminhou até a mesa com monitores, colocou uma das mãos no móvel empoeirado e olhou para Junior. — Não vamos pegar a mãe e criança, os dois já bastam. — Irene levantou a voz. — Que se dane todo mundo, eu só quero a caipirinha desgraçada! — Viviane falou olhando para Junior. Viviane nunca se conformou com o casamento de Eduardo. A mulher era muito apaixonada pelo homem que tinha sido o seu primeiro. Um dia acabaria com aquela que chegou e roubou tudo dela por duas vezes. Optou por ajudar os aliados na construção de um empreendimento corrompido, mas o desejo de retaliação permanecia vivo, o dia da vingança chegaria. — Vamos aproveitar a nossa visita ao Brasil e acabar com eles, minha irmã. Não vamos deixar herança familiar dos Moedeiros para trás. — Junior deu um meio sorriso. — Podemos ficar com o menino. — Irene sugeriu. — Vamos treinálo do nosso jeito. Ele vai nos ajudar no futuro. Certamente é inteligente, sendo filho do Eduardo Moedeiros, vamos moldá-lo.

— Irene, querida irmã, não é porque você está grávida que vai criar doçura em seu coração e esquecer o nosso trabalho. — Junior iniciou uma massagem nos ombros de Irene. — Somos traficantes de armas, e já matamos antes, não se esqueça disso. — Beijou os cabelos da irmã. — Eu sei de todo o plano, mas não faz sentido ferir o menino. Vamos ficar com ele e levar conosco para a Bolívia. — O que está acontecendo com você, Irene?! — Junior se exaltou. — Não grite comigo! — Irene gritou mais alto que o irmão e levantou para se igualar a ele. — Se hoje estamos no rumo certo é porque eu guiei esse barco. Cuidei de tudo! Não levante a voz para mim! — ela gritou com um dedo apontado e a mão na barriga. — Eu não vou gritar e você vai fixar no plano inicial. Ele tirou tudo nosso, nos colocou numa maldita prisão e tomou o lugar do nosso pai! Ele fez o papai perder tudo o que tínhamos e o matou de desgosto sobre uma cadeira de rodas, porra! — Você matou o nosso pai, Junior! Você, seu irresponsável — Irene sentou na cadeira e continuou segurando o abdômen que destacava a gravidez de cinco meses. — Você foi até a estância naquela noite, você provocou a morte do papai! — Calma Irene. — Junior se ajoelhou na frente da irmã. — Desejamos isso há anos, não perca o foco. Você está precisando de férias. Quando sairmos do Brasil, você vai viajar para descansar até o bebê nascer. — Junior alisou o rosto choroso da irmã — Agora mostre às imagens, preciso

ver a reação da linda herdeira ao constatar que foi usada. Irene virou a cadeira e manipulou o teclado. O olhar de Duda foi em direção a tela maior, mas todas as outras projetavam a mesma imagem. Na tela Luiz Miguel estava sentado sobre um sofá enquanto brindava alguma bebida com Irene, Viviane e uma outra mulher, a mesma que ela já tinha visto nas fotos fornecidas pelo detetive. — Decepção, querida? — Viviane zombou, quando viu as lágrimas descerem pelo rosto inerte de Duda. Duda viu o momento em que a mulher negra arrancou a peruca e se jogou ao lado de Luiz Miguel, que sorria. Quando a máscara humana foi arrancada a face de Junior foi revelada e o "filho" foi beijado na face. — Meu guerreiro cuidou de tudo. — Junior sorriu satisfeito. — Se eu já não soubesse a verdade, não imaginaria que ele fosse fruto do babaca do Sérgio. O meu filho mais velho sempre foi o meu orgulho. Os outros eram problemáticos igual a sonsa da mãe. Com o rosto no chão, corpo imobilizado e coração doído, Duda perdeu as esperanças na promessa de Luiz Miguel. Agora era ela e o pai debilitado. Já tinha observado a porta aberta, precisava tentar quando os movimentos do corpo voltassem. Sentiria a dor da decepção por último e em um lugar seguro. — Pensando em fugir bonequinha? — Viviane tomou o dispositivo eletrônico da mão de Junior e outra vez Duda sentiu os dardos elétricos rasgar a pele de seu braço.

*** — Está mais calma, senhora? — Rosinaldo perguntou enquanto dirigia uma caminhonete com Maria Fernanda e Olavinho no banco de trás. — A Júlia já está segura mamãe? — perguntou o menino, assustado. — Sim. — Maria Fernanda respondeu agarrada ao menino. — Rosinaldo. — Ela passou a mão nos olhos. — Tente ligar novamente para os seus amigos. — O sócio do seu marido e a família dele já estão indo para um lugar seguro. Fique calma. — Você sumiu e apareceu de repente... Você é mesmo de confiança Rosinaldo? — Acredite, nesse momento é a melhor coisa a fazer. *** — Duda... Acorda filha. — Eduardo se arrastado com muita dificuldade até alcançar a filha que tinha sido jogada perto da porta. — Meu corpo dói... — Ela abriu os olhos com muita dificuldade e fitou o rosto do pai. — Você precisa sair daqui filha. Reage... Duda pensou nas promessas de amor, nos poucos e importantes momentos juntos com Luiz Miguel e se acusou por ter colocado toda sua família em perigo. Com lágrimas dolorosas escorrendo dos olhos, ela deslizou a mão amarrada no chão e tocou o rosto ensanguentado do pai.

"Ele sabia de tudo, ele sempre soube de tudo" — Me perdoa, me perdoa papai. — Você não tem culpa de nada, filha. — Eduardo abriu um dos olhos. — Eu preciso que você reaja, Duda — descansou um pouco a voz, ele estava sem forças. — Está vendo aquelas madeiras no canto? — Não consigo olhar Dudu... — Precisa... Você precisa levantar e atacar quem entrar por aquela porta, e depois sair correndo daqui. Meu genro vem te pegar. — Eduardo estava confinado nas primeiras palavras de Duda dentro do cativeiro. — Não Dudu, ele não vem... Eu sinto tanto. — Vem, gracinha... — Junior abriu a porta e entrou no quarto. Trouxe um fã para te venerar. O detetive Antônio Guimarães entrou logo atrás de Junior e abaixou o corpo para ver Duda de perto. — Você me garantiu que não tocaria nela. — Antônio alisou os cabelos de Duda com devoção. — Quando abandonei o meu trabalho para entrar nessa merda, deixei bem claro que ninguém tocaria nela. — Você a quer, Antônio? Então, fique à vontade. — Junior gargalhou. — Te dou algumas horas, mas depois a devolva. Ela precisa morrer até o final do dia. — Você está muito ferida, senhorita. — Antônio segurou o rosto de Duda. — Vou levá-la para outro lugar. — A sustentou nos braços. — Resolve aqui, na frente do fracassado do pai dela. Quero vê-lo

sofrendo sem poder fazer nada. — Junior sorriu. — Não vou fazer isso. É um momento nosso. — O homem andou olhando fixamente no rosto de Duda. Eduardo buscou todas as suas forças para proteger a filha, mas a único impulso que conseguiu foi segurar, sem ação, a barra da calça de Antônio. Recebeu chutes de Junior como recompensa do esforço.

SESSENTA E OITO — Luiz — Vanessa encontrou Luiz Miguel na sala da casa. Ela usava uniforme negro, colete tático, coldres nas duas pernas e na mão esquerda uma taurus PT 92 a ponto de disparo. — O bicho pegou lá fora. Alguns dos meliantes resistiram e ingressaram na mata. Nove óbitos. — As ambulâncias já chegaram? — Estão a caminho. — Vanessa fitou Duda desacordada no colo de Luiz Miguel e se aproximou para testar a respiração com os dois dedos encostados ao nariz. — Ela não está bem. Fique com ela. — Luiz Miguel se abaixou e colocou a namorada no chão. Vanessa ajoelhou ao lado dela e segurou a cabeça de Duda de lado. — Toma! — A morena retirou uma semiautomática do coldre e o entregou. — Cuide da minha mulher. — ele falou já de costas, voltando para onde estava os três foragidos. Quando chegou ao corredor, precisou se proteger, pois, ouviu tiros. Para dar fuga ao irmão, Irene arriscou a própria vida e atirou contra os policiais. — É a polícia porra! Vocês estão cercados! Abaixem as armas! —

Luiz Miguel caminhou pronto para tudo e encontrou Irene dentro do quarto com as mãos suspensas. — Coloque a arma no chão. Irene fez o que Luiz Miguel pediu, e levantou segurou o ventre com uma das mãos. — Os outros dois deram o pinote e levaram um parceiro nosso. — Informou um dos policiais que juntou as mãos de Irene para algemar — A porra da casa é cheia de passagem oculta. Luiz Miguel fitou a tia e sentiu por presenciar aquela cena. Lembrou-se do amor e cuidado que recebeu dela da infância até adolescência. Ela não só ensinou o caminho do crime, mas proporcionou bons momentos de alegria, foi presente. — Eu te ensinei, cuidei, protegi... — Irene olhou para o peito de Luiz Miguel coberto pela regata branca e fixou os olhos no distintivo preso a corrente. — Fiz de você essa máquina e te abracei nos piores momentos... Por que me apunhalou pelas costas? — ela questionou com os olhos banhados por lágrimas. Luiz Miguel deixou de lado qualquer resquício de intimidade e foi profissional ao encarar a tia com frieza. — Coloque-a numa viatura, tenha cuidado para não a machucar. Veja uma ambulância, se preciso. — Eu fiz tudo por você, é assim que você me paga? — Irene cobrou, muito desapontada. — Eu não posso ter a minha filha numa cadeia, o que será da minha menina? — O policial incentivou que ela caminhasse. —

Ingrato! Luiz Miguel! Pense na minha filha, seu ingrato! Luiz Miguel saiu do quarto e não olhou para trás. — Tem um verme naquele quarto. Veja se ainda está vivo e o coloque-o na viatura. — Apontou para onde Antônio estava e dois policiais seguiram suas ordens. Ele seguia na direção dos fundos quando viu um policial ferido no ombro arrastando Eduardo para fora do quarto. — Ele ainda está vivo? — perguntou ao homem. — Continua respirando. — E você? — Luiz Miguel sustentou o peso do sogro. — Pronto para outra. — O homem sorriu dentro da dor enquanto recebia a ajuda do superior. Quando Luiz Miguel saiu da casa carregando Eduardo e ao lado do policial ferido, três viaturas do departamento da Polícia Federal recolhiam os homens algemados. Os que estavam no chão não tinha mais vida. Eduardo foi colocado no banco traseiro de um dos veículos e Luiz Miguel constatou que o estado do sogro era muito grave. Ele ordenou que o levasse até a ambulância no meio do caminho e que fossem rápidos. — Onde está a agente Costa? — perguntou, se referindo a Vanessa. — Vanessa! — gritou procurando nas viaturas. — Vanessa! — Ela está com a equipe, seguindo os dois foragidos numa Mitsubishi vermelha. — Um dos policiais avisou e apontou para a estrada — Eles estão com um dos nossos.

— Minha mulher, uma loira, estava com a agente Costa? Alguém viu a minha mulher? — gritou enquanto pegava o rádio de comunicação em uma das viaturas. — Vi quando colocaram uma moça na viatura — respondeu outro homem. — QAP, agente Costa. Agente Costa, na escuta? — Luiz Miguel perguntou no rádio. — QSL. Agente Costa está no volante. — Outro policial respondeu. — Qual o QTH? — Estrada leste, na direção da pedreira. Luiz Miguel correu até a moto, colocou o capacete e saiu em alta velocidade. *** Quatro viaturas perseguia o carro vermelho onde Junior e Viviane estava em fuga. Junior mudou a rota, entrou na estrada curta ao lado da grande pedreira e iniciou uma discussão com Viviane que segurava a pistola na cabeça de um agente federal. A Loira queria ter ido pelo caminho oposto, Junior levou o carro para o lado do despenhadeiro e a decisão gerou conflito. Sem saída e sendo encurralado por trás, a mitsubishi vermelha parou na beira do penhasco e Viviane saiu pela porta traseira com a arma na cabeça do policial. Junior ficou detrás da porta do carro, na tentativa de proteger a própria vida que nunca esteve tão perto do fim.

Um helicóptero fez um voo raso e os policiais dentro dele estavam com fuzis apontados para a beira do penhasco. Quando Luiz Miguel chegou ao local, os policiais tentavam negociar pela vida do colega. Ele deixou a moto logo atrás e seguiu, sem nenhuma proteção, só a arma em punho. Precisava resolver aquela situação que já estava fora do controle. — Coloque a arma no chão, agora! — ele ordenou, caminhando na frente das viaturas. — Coloque a porra da arma no chão, caralho! — Luiz Miguel atirou na perna do policial e apontou para Viviane que deixou o homem cair e se protegeu atrás da mesma porta que Junior estava. — Os dois, deitem agora, no chão! Estou mandando, porra! — Eu cuidei de você quando o outro desprezou a sonsa da sua mãe. — No chão! — Luiz Miguel tornou gritar e deu outro passo à frente. — Quando você me chamou de pai, encheu o meu coração de alegria! — Junior gritou de onde estava. — Te aceitei como filho e amei além do meu próprio sangue. Por que está se voltando contra mim, Luiz Miguel?! Luiz Miguel sentiu um terrível nó na garganta e até tentou controlar as lembranças, mas elas insistiram e vieram com ameaça de lágrimas. Viviane viu aquele sentimento e de imediato colocou a pistola na cabeça de Junior. — Se não me liberar, eu estouro os miolos do seu pai. — A loira olhou para os dois lados medindo uma rota de fuga e deu um passo ao lado levando Junior com ela.

— Você fugiu deixando o peso nas costas de um adolescente — Luiz Miguel deu outro passo à frente. — Eu fiz coisas terríveis para levar dinheiro para casa! Você nunca se preocupou em saber dos problemas da Alicia ou o crescimento do Heitor. Segurei tudo nas costas e sim, decidi tomar um rumo totalmente diferente do que você tinha planejado. Agora, largue a porra da arma, Viviane! — gritou. — Sai da minha frente! Você não sabe com quem está lidando! — Viviane gritou e apontou a arma para Luiz Miguel, antes dela apertar o gatilho um dos policiais acertou o seu peito. No impacto ela atirou contra Junior que gritou o nome do filho. Luiz Miguel viu aquele momento passar em câmera lenta diante dos olhos. Viu o corpo de Junior cair sobre o chão e levantar a poeira do cascalho enquanto gritava por ele no último suspiro de vida. Viviane ficou de pé e parecia querer fulminar Luiz Miguel com os olhos, mas a sede de retaliação só durou alguns segundos, pois, ela também caiu, já sem vida ao lado do comparsa. Luiz Miguel encostou ao lado da viatura e enxugou as lágrimas que desceram silenciosamente. Ele investigava o bando há quatro anos e há dois tinha se infiltrado no meio da organização, foi quando descobriu sobre a falsa morte de Junior e que ele era um dos líderes da quadrilha. Ele e equipe eram representantes da Interpol no Brasil e em todo o momento foi profissional, agindo com frieza na espera do momento certo para desarticular os traficantes que agia de fora para dentro do Brasil. Os sequestros fizeram o plano sair do controle, precisaram agir antes de o

previsto. — Não foi como o planejado, mas os pegamos, delegado. — Vanessa parou na frente de Luiz Miguel. — Está tudo bem com você? — Não foi como deveria ser. A quadrilha não foi completamente desarticulada. Eles sempre deixam sucessores. O plano era pegar todos. Vão continuar trazendo essas porras ilegais para o Brasil. — Enquanto carregarmos os nossos distintivos, lutaremos. Não vamos desistir — Vanessa estendeu a mão coberta por uma luva preta. — Bom trabalho. — Luiz Miguel apertou a mão da morena — Onde está a minha mulher, Vanessa? — Está com o Marcos, a caminho do hospital. Ela teve convulsão, achei melhor não perder tanto tempo. Ou agi errado? — Você nunca age errado. Obrigado. — Pegou pesado, parceiro. — O policial que recebeu um tiro de Luiz Miguel reclamou quando passou por ele, sendo levado por outros dois. — Precisei agir rápido. — Ele caminhou ao lado dos homens. — Não esquenta. É melhor um raspão do que a vida. — falou o homem ferido quando entrou na viatura. — Chame o IML, Vanessa. Vou ver a minha mulher. — Luiz Miguel caminhou até a moto e Vanessa seguiu ao lado. — A imprensa está chegando, vão querer falar com você. — Meu trabalho já foi feito. Agora é a minha família.

— Como vai ser? Uma casa de jardim, um casal de gêmeos e um cachorrinho poodle? — Vanessa ironizou, sentindo o peso decepcionante por aqueles planos não ser ao lado dela. — Na verdade, eu quero sete filhos, mas preciso conversar com ela sobre isso. — Você vai se acostumar viver sem adrenalina nas veias? Um delegado com uma patricinha de vinte e dois anos... hum? a vida será emocionante, em parceiro. — Todo mar sabe produzir ondas altas. — Luiz Miguel colocou o capacete. — Não vai faltar adrenalina e agitação nesse barco aqui, disso eu tenho total certeza. — Ligou a moto. — Não esqueça de colocar o capuz na frente das câmeras. — Seja feliz, parceiro. — Vanessa falou sozinha quando a moto de Luiz Miguel já estava longe deixando um rastro de poeira por onde passava.

SESSENTA E SETE Antônio Guimarães colocou os joelhos no chão e sorriu, olhando Duda com devoção. Algo de errado tinha acontecido com ele, pois, um dos olhos estava roxo e inchado e a sua fala enrolada. — Descobri que a senhora Irene fazia parte de uma rede de traficantes que exportava armas da Bolívia e Colômbia para o solo brasileiro. Eu já estava com muitas provas contra eles, inclusive sobre a morte forjada do Junior, um dos líderes do tráfico. Quando eles me pegaram não puderam fazer nada ou a merda ia para o ventilador. A grana que me ofereceram cobria todos os meus anos de serviços prestados, me deixando em dúvida entre o certo e o errado. Foi nesse momento que você chegou e desestabilizou a minha vida por completo. — Antônio beijou os cabelos de Duda. — Você é minha. Quem mandou me deixar insano desde o primeiro momento... Agora é minha para sempre. — Perturbado... — Duda murmurou deitada e muito fraca sobre um sofá de couro envelhecido. Poupava cada gota de força para somar e sair dali na primeira brecha. — Seremos eu e você de agora em diante. — Antônio alisou o rosto de Duda e passou a mão no comprimento da coxa coberta pela saia de crepe. — Me deixa tirar essa saia... — Ele abriu os dois últimos botões da fileira, que começava na altura da cintura e terminava na base da coxa.

— Porco... imundo! — Duda derrubou Antônio no chão e começou asfixiá-lo. — O Luiz Miguel sabia dos seus interesses sujos? — Aquela pergunta saiu rasgando a alma. A voz dela estava trêmula, o coração muito machucado e as forças esgotadas pelo efeito recente da arma de eletrochoque. — Eu tenho nojo de todos vocês! — Cuspiu no rosto do homem. Antônio percebeu a falta de força, e sem piedade apertou o polegar o indicador contra a costela de Duda. Ela se contorceu de dor, teve certeza que algo aconteceu naquele local de seu corpo, depois dos chutes de Viviane. — Eu não tinha contato direto com ele. Fora as duas vezes que eu consegui segui-lo para tirar as fotografias, vi apenas em uma reunião, e ele não deu conta da minha existência. O nosso primeiro contato foi há dias, quando ele me atacou, a ponto de me deixar sem um dente e não deu nenhuma explicação. — Antônio fitou Duda se arrastando com a mão na lateral do corpo. O rosto dela estava molhado de suor e sujo com a terra do chão batido. Tentava lutar, mesmo com as fortes dores e o peso da desilusão. Precisava salvar o pai e levá-lo dali. Aquele era um dos momentos únicos na vida. Agir com o risco de morrer ou morrer sem tentar? — Você não vai fugir. — Antônio jogou Duda sobre o sofá de couro e deflagrou um tapa no rosto dela. — Perdoe-me, mas a senhorita me provocou. — Alisou a bochecha avermelhada de Duda. — Agora me deixa ver o seu corpo — Rasgou a blusa dela. — Vou ter você, não se preocupe, agirei com cautela — Rasgou o que restava a deixando de sutiã. Desesperada, vendo a morte e um terrível trauma na frente dos

olhos, ela não desistiu, lutou mais um pouco, colocando os dedos na garganta de Antônio. Mas a batalha não durou por muito tempo. Ele sabia onde doía e apertou a região dela mais uma vez. — Então você quer com violência, não é, minha vadia? — O homem deflagrou uma forte bofetada no rosto dela. — Vai apanhar muito primeiro. — Deflagrou vários tapas na sequência.

*** — Esperei pacientemente por esse momento, Eduardo Moedeiros. — Junior gargalhou, assistindo o homem agonizando sobre a poça do próprio sangue. — Você era o queridinho do papai! — Chutou o abdômen de Eduardo que não tinha mais forças para reagir — Me mandou para a cadeia por anos e construiu uma família feliz. Que direito você tinha de ser feliz?! — pisou nos dedos de Eduardo e comprimiu o bico de ferro da bota. Só parou quando viu o homem manifestar um quase grito. Junior se sentou numa velha cadeira de bar e puxou um cigarro e isqueiro do bolso. Gargalhou da dor do ferido enquanto acendia o cilindro de tabaco. — Conheci um pessoal na cadeia — Tragou a fumaça para em seguida expulsar pela boca — Eles me apresentaram ao mercado ilegal de armas. Mergulhei de cabeça. Sabe a Viviane? — Junior gargalhou — Ela nunca te traiu, otário. Não antes de você tê-la humilhado, deixado a sua mulher expulsá-la da empresa e nunca ter dado uma explicação sobre o fim do caso de vocês. A Viviane foi e continua sendo a amante mais fiel. — O

ruivo foi até Eduardo e colocou a ponta do cigarro na pele do braço ferido — Fique acordado. — Voltou para a cadeira e fumou o cigarro sujo de sangue. — Passei muitos anos comandando o tráfico de dentro da prisão, e forjei a minha própria morte, pois não era justo um traficante tão importante permanecer preso numa maldita prisão de segurança máxima. A Irene cuidou para que o meu filho acreditasse no seu envolvimento. Eu não queria que ele virasse a cabeça e se aproximasse de você... No final das contas, você nem era o pai. A puta da Samanta dava para qualquer um. Meu guerreiro é muito esperto e não merecia ser filho do babaca do Sérgio. Há dois anos ele descobriu sobre a minha falsa morte, desde então permanece por perto. Me orgulho desse filho. — Duda... — Eduardo pronunciou o nome da filha. — Quer a sua filhinha? — Junior gargalhou. — Ela está sendo violada, agora mesmo. — Duda... — Eduardo perdeu a única esperança. Luiz Miguel não buscaria a sua filha. — Duda... Junior tornou a chutá-lo na costela e só parou quando ele perdeu a consciência. — Já o matou? — Viviane entrou na sala e beijou a boca de Junior. — O Antônio já terminou com a vadia? — O ruivo perguntou, expulsando a fumaça do cigarro. — Deixe-o se divertir um pouco, depois o matamos também. — Vou ligar para o meu filho e passar a nossa localização. Relaxa,

ele está conosco. — Junior colou a boca na de Viviane. — Ele não tem o meu sangue, mas carrega a minha índole. — Se não fosse a Irene, não saberíamos que ele estava comendo a vadia outra vez. Não podemos ter furos, tampouco perder a linha. O nosso trabalho está no meio disso tudo, é preciso ter cautela Junior. Não fala com ele ainda. Vamos esperar terminar o serviço aqui. *** A moto de Luiz Miguel passou pela primeira equipe de seguranças na entrada da chácara. Os homens permitiram, pois o reconheceram. Ele pilotou mais alguns metros até chegar na frente da casa grande e bonita, de pintura velha e telha de argila. Jogou a moto no chão, puxou a pistola com silenciador e atirou nos cinco homens que guardava a porta. Ele estava com fúria nos olhos e aquilo não interferiu na sua perspicácia. Empurrou a porta com um pontapé e andou de peito aberto. Os seus olhos estavam turvos de lágrimas, a angústia o consumia na mesma proporção que a hostilidade. Ele abriu todas as portas por onde passou e o grito agudo não saía de sua garganta. — Mar! — Chutou outra porta e encontrou o que parecia ser um depósito de armas. — Luiz Miguel? — Junior saiu do quarto no final do corredor e viu o homem armado. — Onde ela está?! — Luiz Miguel caminhou até Junior. — Onde ela

está?! — apontou a arma. — Meu filho, o que está fazendo? Luiz Miguel empurrou Junior violentamente contra a parede e engatilhou a arma na mira da cabeça dele. — Onde ela está?! Fala, antes que eu estoure os seus miolos, porra! — O que... Sou o seu pai. Você está apontando uma arma para seu pai... — Junior sustentou o colarinho da blusa de Luiz Miguel, sem dar importância para a mira da pistola. Não acreditou que fosse capaz. — Sou o seu... — Você não é o meu pai! — O grito fez Junior se encolher. Irene abriu a porta atrás deles e os olhos esbugalharam de pânico. Ela temeu pela vida da menina em seu ventre e daria um jeito de livrar Duda do estupro. — Eu volto para pegar vocês! — Luiz Miguel empurrou Junior para dentro do quarto e apontou a arma na direção dos dois irmãos e trancou a porta por fora. Quando entrou na sala que Junior tinha saído viu Eduardo gemendo e balbuciando sangue. — Duda... — O pai gemeu o nome da filha. Era um pedido desesperado e urgente de socorro. Luiz Miguel seguiu os gritos e encontrou Viviane com uma pequena sacola de viagem, na frente da porta do último quarto. — Chegou sem nos comunicar querido... — A loira falou

amedrontada e forçando tranquilidade. Ela ouviu a fúria de Luiz Miguel e já estava de saída. — Você não bateria em uma mulher, não é? Luiz Miguel ouviu os gritos de Duda e empurrou Viviane para abrir a porta de ferro. Virou novamente, pois, viu pelo reflexo o momento exato que a loira pegou um revólver da bolsa. Ele segurou no cano duplo da semiautomática e deu uma coronhada na cabeça de Viviane, fazendo-a cair para o lado. Quando invadiu o quarto, ele puxou o homem de cima de Duda e o jogou no chão com violência. Viu Antônio perder os sentidos no primeiro soco, mas continuou espancando até ver o sangue espirrar. Duda

estava

parcialmente

nua,

traumatizada

e

destruída

emocionalmente. O rosto seguia paralisado e os olhos vidrados pelo medo. Luiz Miguel limpou o sangue da mão e a olhou, pedindo perdão por algo que ele não teve controle, mas assumia a responsabilidade. — Não, não, não... — Ela ficou desorientada quando ele começou desabotoar a camisa do corpo. As imagens para estavam distorcidas, via Antônio nele. — Sou eu, Mar. — Abraçou o corpo dela. — Estou aqui. Me perdoa por não ter chegado antes. Ele desmanchou o abraço, retirou a camisa para cobri-la enquanto lutava com as próprias lágrimas. — Não, não faça isso... — Duda tentou o afastar. — Estou aqui, minha vida. Vou cuidar de você. — Colocou os

braços dela na camisa, abotoou e verificou se a larga calcinha tinha saído do lugar. Não tinha sangue, a conjugação carnal não aconteceu, agora precisava cuidar da mulher amada e apagar aquelas memórias dolorosas. — Você nunca mais vai passar por isso. — Verificou o rosto dela muito avermelhado e parcialmente inchado. Duda permaneceu desorientada e sem forças, empurrou o corpo de Luiz Miguel. — Vamos pegar o seu pai e sair daqui. Guardou a pistola e sustentou o corpo dela. — Luiz Miguel passou pelo corredor e viu policiais armados entrando na casa. — Tem um homem desacordado naquele quarto. — Fez sinal com a cabeça para onde Eduardo estava. — A ambulância já chegou? — Não, senhor. — O coloque na viatura e leve o mais rápido possível. — Sim, senhor. — respondeu um dos policiais antes de entrar no quarto para socorrer Eduardo. Duda estava deitada nos braços de Luiz Miguel quando suspendeu a mão e sustentou a corrente de aço que circulava o pescoço dele. Quando escorregou os dedos eles seguraram firme no distintivo. A sua visão estava turva, mas ela conseguiu ler "Delegado" e "Federal" antes de fechar os olhos e ter certeza que estava dentro de braços seguros.

SESSENTA E NOVE Luiz Miguel estava sentado ao lado da cama hospitalar onde Duda dormia sob os efeitos do remédio. Ela estava com duas costelas quebradas, algumas escoriações pelo corpo e o braço recém-operado, depois do último acidente, imobilizado. Ele segurava uma das mãos dela e fazia promessas silenciosas com os olhos fechados. — Vossa senhoria... — Duda falou o pronome de tratamento baixo e de olhos fechados. — Minha vida. — Luiz Miguel beijou a mão dela muitas vezes. — Estou aqui. — Não consigo mover a cabeça, o que me deram? — Você dormiu por cinco horas. Te colocaram para dormir, sente dor? — Ele perguntou baixinho, acariciando o rosto dela. — Nada. Me chaparam legal — Ela o fitou com olhos abatidos. — Obrigada por ter chegado antes. Eu já passei por momentos difíceis, mas não sei como seria carregar esse tipo de trauma. — As palavras saíram sem forças. — Eu te amo. Chegarei sempre a tempo. Aquele desgraçado teve o fim merecido. — Não quero falar nisso. Onde está o seu distintivo?

— Aqui. — Luiz Miguel tirou a identificação de dentro da camiseta e sem tirá-lo do pescoço colocou na palma da mão da namorada. — O seu homem é um delegado federal, tudo bem? — Não sei, preciso te ver apenas com esse distintivo para decidir. — Luiz Miguel sorriu e permaneceu acariciando os cabelos dela. Quis fazer promessas secretas e íntimas, mas não achou o momento apropriado. — Por que não me contou, Luiz Miguel? — Somos representantes exclusivos da Interpol no Brasil. Era um trabalho sigiloso e muito arriscado, o meu trabalho, em geral, é sigiloso. E... — Luiz Miguel tentou selecionar as melhores palavras — Você, às vezes, só quando está agitada, não gosta muito de guardar segredos. Não que seja sempre, quase nunca. — Você é tão profissional... é uma pena eu estar anestesiada agora e não poder beijar a sua boca. Não vejo a hora de dormir pelo resto da vida sobre uma metralhadora. — Menina, você está debilitada. Se aquieta. — Luiz Miguel beijou a boca dela. — É tudo culpa dos remédios. Não sou assim. — Te amo, pequena. — Ele beijou a pontinha do nariz dela. — Eu não sei o que faria se perdesse você. — Deixou uma lágrima cair no rosto dela. — Eu guardaria o seu segredo, tenho quase certeza disso. Agora eu vou precisar guardar de qualquer jeito, não é Nêgo? Meu gostoso.

— Sim. E provavelmente nunca me verá de farda. — Não me tire as melhores vantagens, por favor. Ou melhor, tire na minha frente. — Ela falou descansando os olhos por alguns segundos e Luiz Miguel sorriu outra vez — Você riu internamente, quando me exaltei na pele de doutora em direito penal? — Não. Achei fofo e fiquei orgulhoso. Agora eu posso estudar com você durante as madrugadas de folga. — Tenho outros planos para as madrugadas de folga, mas aceito, se me oferecer um bom incentivo. — E você não para, Mar. Fica boa logo, por favor. Estou precisando de você. — Você tem dois cursos superiores, é delegado, engenheiro e sócio de uma academia. Não sei como você consegue trabalhar tanto, mas já pode sustentar bebês. — E só Deus sabe como eu quero a mãe destes bebês. — Colou sua boca na dela. — Eu sei que não é momento, mas estou olhando uma casa grande para a nossa família. — Mas o seu apartamento? Sou apenas estudante e meus pais ainda paga a minha pós-graduação. Você está com tanto dinheiro assim? — Ela arrancou outra risada do namorado. — Ah! eu tinha esquecido, o meu namorado tem três empregos. — Sim, e trabalha pra caramba! — Ele continuou sorrindo com as tiradas dela, mesmo debilitada — Mar, a casa é em outro Estado. Vou ser

promovido na minha profissão. O curso começa esse mês, lá no Norte. Eu sei que vamos precisar conversar muito sobre a decisão. Eu gosto da minha carreira. Tentei de tudo para ganhar dinheiro e as coisas foram acontecendo ao mesmo tempo. Realizei o meu sonho recentemente, tenho uma empreiteira e contratei bons profissionais para me ajudar no negócio e o Rex está com a academia. Mas vejo que o meu plano de emergência me traz mais prazer. Fiz o concurso, pois, eu precisava tentar de tudo para levar grana para casa, foi por precisão, mas foi maravilhoso. Gosto de ter um cargo importante e comandar grandes operações. É bom servir a sociedade e lutar contra o que é errado. — Eu só preciso saber se lá tem uma universidade para eu estudar. Onde você estiver, também estarei. Se esse é o seu sonho, vamos construir juntos. Sou nova, preciso aprender muita coisa ainda, mas morei muitos anos longe de casa, sei me virar e vou cuidar de você também — Ela deu um meio sorriso enquanto recebia carinho nas bochechas. — Obrigado, minha vida. — Ele não escondeu a alegria. Precisava e desejava da aprovação dela para continuar aquele projeto. — Eu vou fazer de tudo para você também realizar os seus sonhos. — Os meus bebês vão herdar o QI do pai. Bebês lindos e de muita sorte. O Dudu vai ficar louco de amor, vai brigar com o tio Sérgio por atenção. Vovô Dudu, que lindo. — Serão lindos e espertos, iguais a mãe. Quem sabe, um deles eles não sigam uma das minhas carreiras profissionais. Serão tudo deles. Poderão escolher.

— O meu tio disse que o meu pai estava bem. Você sabe, se ele já está no quarto? — Ele vai ficar bem. O seu pai parece ser um sujeito forte. — Luiz Miguel beijou a namorada e acariciou o rosto dela. — Ele não está no quarto? — No momento ele está recebendo cuidados no tratamento intensivo. Ele saiu da cirurgia, vai melhorar. Fica calma. — Com licença... — Duas enfermeiras simpáticas entraram no quarto. — Hora de banhar a paciente. Em quinze minutos, o senhor namorado, pode ficar o tempo que desejar com ela. — Eu vou lá fora. — Luiz Miguel beijou a testa de Duda. — Vou ver o seu pai e trago notícia boa. — Saiu do quarto. Ele encontrou Sérgio sozinho na recepção do hospital e se sentou ao lado dele. — E aí, parceiro? — A voz de Luiz Miguel fez Sérgio levantar a cabeça. — Oi, filho. — Sérgio passou as costas das mãos nos olhos para secá-los. — É difícil ver o meu amigo assim outra vez. Conheço esse cara desde criança. Ele foi meu amigo, pai e mãe desde cedo. Eu consegui saí do lugar e me formar na faculdade porque ele me empurrava. Às vezes fazia os trabalhos e colocava o meu nome para não me deixar sem notas. Eu ouvia sermões sobre vencer na vida e apanhava dele quando perdia tempo. Desculpa te falar essas coisas, faz parecer que fui um idiota, fui, mas não

queria que você soubesse tão rápido, eu sempre solto as coisas que não deveria. Fico nervoso. — Estarei sempre aqui, se precisar. Eu já cuidei de dois irmãos, se quiser, posso ser o seu pai quando precisar. — Luiz Miguel colocou a mão na cabeça de Sérgio e o trouxe para um abraço. — Meu filho... — Sérgio apertou os braços em volta Luiz Miguel e libertou mais lágrimas. — Vou estar sempre ao lado da minha família. Seja pessoalmente ou por telefone, sempre vou ficar por perto. — Você não sabe o tamanho do meu orgulho. — Sérgio segurou o rosto de Luiz Miguel — Eu queria ter tido a oportunidade de ver você crescer e te ajudar quando precisou. De agora em diante serei presente na sua vida. Você parece tanto com o seu avô. Mandei uma fotografia para o Canadá. Ele vem ao Brasil, só para te ver. Sua avó Margaret não vem, mas ela também ficou feliz... eu espero. — O Santiago vem do Canadá, só me conhecer? Mas ele nunca vem ao Brasil. — Luiz Miguel não conteve a alegria. — Como sabia que ele... Claro, você é da polícia e aposto que já investigou tudo sobre mim. — Sim, sei tudo, espero que não se importe. — Eu tenho um filho homem e policial. — Sérgio abaixou a cabeça e chorou de orgulho. — Delegado, sou delegado federal, quase primeira classe. — Luiz

Miguel retirou o distintivo e entregou ao pai. — Delegado. Isso, o meu filho é um delegado. — Sérgio analisou o distintivo — Isso aqui é muita responsabilidade e não é para qualquer um. — Mostrou a um casal que estava ao lado. — Ele é meu filho. — Passei em primeiro lugar no concurso. — Luiz Miguel se entusiasmou. — Também sou engenheiro, temos algo em comum. — Que orgulho do caramba! O meu aniversário está chegando, quero algo caro, hein... — Sérgio brincou. — Olhou novamente para o homem ao lado. — Ele é meu filho, cara. Você acredita? — Vou te dar um neto, isso te faria feliz? — Netinhos, cara? — Sérgio apertou os dedos nos olhos, chorando outra vez. — Vou ser o melhor avô do mundo, para esses moleques. Eu nunca imaginei que seria avô dos netos do Edu. Ele precisa sair dessa para eu jogar na cara dele. — Vai sair. — Luiz Miguel deu três tapinhas nas costas do pai. — Estou mais confiante. Você está me dando esperança. Ele é o Edu, vai lutar outra vez e vai conseguir. Vou animar a Maria Fernanda. Venha comigo. Quando os dois chegaram à porta do quarto, viu Maria Fernanda olhando pela janelinha transparente da porta, Suelen estava ao lado abraçada a melhor amiga, que esteve na mesma situação dezesseis anos atrás.

SETENTA Um mês e alguns dias depois... Duda parou o carro na estrada da serra e olhou a paisagem através do vidro frontal. Ali, sete anos atrás, ela e Luiz Miguel marcaram um encontro para aquela noite. Já passava das oito horas, ela decidiu ir mais cedo, porque estava sozinha. O curso para a promoção e transferência de Luiz Miguel era de aproximadamente seis meses, ele já estava há um, no norte do Brasil. De agora em diante combateria o tráfico na fronteira do país. Durante a madrugada Duda cogitou em propor que o encontro acontecesse ao menos pelo telefone, mas quando ele ligou pela manhã e não demonstrou ter lembrado, ela não comentou. Teriam muitos encontros quando passasse os três meses de curso teórico. Pensou assim para se conformar. Ela saiu do escritório, onde estava estagiando, e foi direto para o local marcado. Estava lá pelos dois, pois, por mais que ele não lembrasse e estivesse longe, o encontro era importante para a história do casal. Recordaria e depois voltaria para casa. Duda saiu do carro e caminhou até a grama da encosta, tentando controlar os cabelos, que o vento espalhava para todo lado. Sorriu e o seu coração quis dar um salto do peito no momento em que viu o homem de costas, sentado na grama e admirando as luzes da cidade. Ele tinha a

enganado perfeitamente. O surpreenderia com a mão nos olhos. Nada seria mais romântico. Ela deu mais alguns passos e estreitou os olhos quando percebeu que o homem vestido em um terno de microfibra era conhecido, mas não era o namorado. — Quem te autorizou? — Ela andou rápido, pronta para um sermão. — Ele fugiu do hospital e nos obrigou a dar cobertura. — O fazendeiro Giovane, irmão de criação de Maria Fernanda e o primeiro homem a registrar Duda, saiu de um lugar mais escuro da encosta. Thiago estava com ele e foi o primeiro a abraçar Duda. — Estava tudo combinado, vocês ficariam no mato, eu a receberia. Qual o problema de entenderem que esse momento é do pai legítimo? — Eduardo tentou levantar, mas não conseguiu. — Venham, me ajude aqui, não consigo me levantar, não estão vendo? — resmungou. — Ainda temos que ouvir desaforo. — Giovane reclamou enquanto ajudava Thiago levantar Eduardo. — Os meus três pais estão juntos! — Duda deu um abraço desajeitado nos três homens. — Não vou mais soltar vocês. — Estou com falta de ar. Não aguento mais essas aventuras. — Eduardo continuou reclamando. — Não que eu esteja velho. — O que fazem aqui? A maman sabe que você fugiu do hospital? Por que é tão teimoso, meu pai? — Eu precisava sair de lá. Foi só eles saberem que eu estava em uma

cama, que já vieram consolar a sua mãe. Esse aqui veio do outro lado do país, o outro largou os cavalos. Eu não posso ficar num hospital, enquanto eles cercam a minha mulher. — Eu trouxe a minha mulher. — Thiago sustentou o peso de Eduardo e o fez caminhar. — A minha e as crianças também estão lá na serra. — Giovane segurou o chapéu de peão e ajudou Thiago levar Eduardo em direção ao asfalto. Duda os acompanhou sem entender a presença dos três. — O único homem amigo da minha mulher é o Sérgio. Vocês já quiseram tomar ela de mim, não pense que eu esqueço. — Alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui? — Duda gritou atrás deles. Continuaram levando Eduardo até o carro a cem metros à frente e quando chegou o colocaram sentado no banco do carro, mas os pés continuaram no asfalto. — Filha, estamos aqui... — Thiago começou a se explicar. — Eu sou o pai de sangue. O direito é meu. — Eduardo cortou a frase do homem. — Um velho resmungão, isso é o que você é, Eduardo. — Por que estão bem vestidos? — perguntou Duda ajeitando a gravata de Eduardo. — Cadê a flor de mentira? — Eduardo estendeu a mão e recebeu um

pequeno buquê de pérolas azul e minúsculas flores brilhantes. — Gente, o que é isso? Diamante? O que está acontecendo aqui? — Mandei fazer para você filha, é único. Você vai poder guardá-lo para sempre. — Thiago sorriu e demonstrou o quanto estava emocionado. — Sim. E o que significa? — Duda já estava sorrindo. — Viemos casar a nossa a princesa. — Giovane tentou tomar o buquê de Eduardo, mas ele se esquivou e o protegeu com os braços. Gemeu de dor depois do movimento. — Dudu, você precisa sair do sereno da noite. — Ela testou a temperatura do pai com o dorso da mão e olhou o arranjo, ligeiramente emocionada. — Ainda não acredito que vou casar a minha filha... — Eduardo iniciou uma pequena crise de choro. — Pensei que morreria e não veria esse momento. — Calma Dudu, você ainda está fraco. Não deveria ter fugido do hospital. Deixasse para me entregar o buquê amanhã. Eu já estava voltando para casa. — O médico não me liberou, mas Deus sabe como eu queria entregar você de noiva. Eles vieram de longe para te casar, eu também precisava fazer os meus sacrifícios. — Vocês vieram me casar? — Duda olhou para Thiago e Giovane, tentando entender a loucura.

— Sim. — Thiago sorriu. — Então, tá! Mas vão esperar, tudo bem? O meu namorado está fazendo curso fora e ainda vamos colocar os papéis em ordem, papa. — Tio. Ele é o seu tio, não se esqueça disso. — Eduardo ainda chorava abraçado ao buquê valioso. — Estamos aqui para te levar, Dudinha. O casamento vai acontecer em duas horas. Só falta você colocar o vestido e o Eduardo soltar o seu buquê. — Mas eu quero casar de verdade. Diante do juiz e um líder da igreja. — Duda estava aturdida. — O Dudu não deixaria eu me casar assim, de qualquer jeito. Não é Dudu? — Claro que não! Mas eu já conferi os papéis. O meu genro cuidou de tudo. — Ele brigou com o rapaz mais cedo, quando pensou se tratar de documentos falsos. — Thiago revelou e beijou os cabelos de Duda para depois abraçá-la — Você demora mais de uma hora para colocar o vestido e entrar na cerimônia? — É real? — Duda perguntou com os olhos brilhando. — Não estou preparada. Não peguei roupas para a viagem e nem fiz compras necessárias. — Ela pensava em novas lingeries. — Não se preocupe, a sua tia do cangaço já cuidou de tudo. — Eduardo falou, alisando as pedrinhas do buquê. — Vou arrancar todos os fios de cabelo do Luiz Miguel — Duda

sorriu eufórica e preocupada ao mesmo tempo. — Ele já está te esperando, de terno e gravata e gel no cabelo. — Eduardo comentou. — Terno e gravata? — Duda deslumbrou a imagem. — E gel no cabelo, foi isso mesmo que eu falei. — Estou horrível. Não trouxe nada, nem as unhas estão feitas. — Duda pegou o buquê e beijou, sentindo lágrimas atravessar os olhos. — Eu não posso chorar ou ficarei pior. — Quanto mais cedo chegarmos, mas tempo você vai ter para se preparar. — Eduardo levantou a mão e segurou a dela. — Não estou preparada, Dudu... — Ela derramou uma lágrima e os dedos de Eduardo se entrelaçaram aos dela. — Vai ser feliz filha. Está tudo tão lindo com ornamentação azul... — Como eu vou me casar com essa cara, Dudu? — Duda sorria e chorava ao mesmo tempo. — Se você ama aquele homem, que está andando de um lado a sua espera, entra logo nesse carro. Você quer casar com ele? — Eduardo beijou a mão da filha. Ela travou os lábios e confirmou com o rosto. — Eu vou. Vou me casar. — Duda se abaixou e abraçou o pai. — Não se preocupe filha. Ele já provou que te ama. — Eduardo sorriu afetado pela emoção. — Então vamos pessoal. — Giovane bateu uma mão na outra. —

Daqui a pouco o juiz e o líder da igreja vão embora, daí sim, não haverá casamento. *** — E como anda as coisas lá, na delegacia mais movimentada do Brasil? — perguntou Luiz Miguel ao amigo, que tinha saído de uma cidadezinha do sul do país para participar da cerimônia de seu casamento. — Na semana passada registramos uma ocorrência. — respondeu o amigo Mikhael. — Não brinca? — Luiz Miguel zombou. — Eu estava fazendo a ronda na cooperativa de jacas quando fui chamado. Larguei tudo e peguei a viatura. Quando cheguei lá, a metade da cidade estava na frente da delegacia, o que me fez acreditar que se tratava de um crime grave. — Eu imagino. Cidade pequena tudo se espalha rapidamente. — Sim. É coisa de segundos. Até o meu amigo Hick, médico da cidade já tinham chamado. Uma senhora estava passando mal. — E qual foi o crime bárbaro? — perguntou Luiz Miguel. — O mercadinho da cidade tinha subido 30% do preço do feijão. — Os dois policiais gargalharam. — Abriram um B.O contra o dono do estabelecimento. Só não quebraram tudo no comércio, porque é o nosso único mercado. — Mikhael, assim não há vantagem em ser policial e filho de xerife.

— Butantim é aquele tipo de cidade que não acontece nada, meu amigo. O velho Joaquim gosta da calmaria, mas eu já pedi transferência para a capital. Quero trabalhar de verdade, correr atrás de bandido e exercer a minha profissão militar. — E a sua namorada, por que não veio? — Estamos separados há seis meses. Acredito que não tem mais volta. Gosto da Talita, mas o seu ciúme doentio acabou com a nossa relação, que era perfeita. Tudo começou depois que eu conquistei a farda militar, a mulher surtou. Outro dia ela falou coisas absurdas porque eu ajudei uma moça carregar as compras. Quero sair de Butantim e focar na profissão. Lá está tudo morno, quero ação, adrenalina nas veias, correr risco e ter uma costelinha quente para eu fazer um chameguinho gostoso no final da noite. — Pode desejar, logo chega. — Luiz Miguel abraçou o amigo e juntos caminharam para outro cômodo da casa grande — Só não deseja muita ação, porque pode chegar dobrado. — Eu já estou preparado. *** — Maman, você sabia de tudo e não me falou. — Duda abraçou Maria Fernanda quando entrou numa casa, ao lado da casa grande da propriedade alugada — Todos vocês me enganaram. — Desculpa filha, mas o seu namorado pediu. Quis segurar a surpresa, achei tão romântico. — A mãe suspirou. — Eu não trouxe nada maman, até o meu carro ficou no meio da

estrada. Olha só essa pele, tem condições de uma noiva casar assim? Sou um desastre. — Vai dar tudo certo, a sua tia está comandando as coisas. — Maria Fernanda alisou o rosto de Duda e lutou com as lágrimas. — Não posso chorar e atrasar a cerimônia. Essa já é a segunda maquiagem. Passei raiva com a teimosia do seu pai, mais cedo. Mas vamos apressar as coisas. Tem uma equipe te esperando no final do corredor. — Cadê a Nik traidora? — Olha eu aqui, amiga. — Nicole entrou no cômodo, trajando um vestido longo e carregando uma caixa grande nas mãos — Olha só. — Balançou o rosto de um lado a outro, movimentando os brincos pesados. — Presentinho lindo do meu namorado oriental. — Uau, Kamon se superou. — Duda admirou o designer e brilhantes do brinco. — Eu mereço amiga — Nicole colocou a caixa nas mãos de Maria Fernanda para poder abrir e retirar um corpete todo trabalhado em rendas brancas. — Gosta disso? — Fez uma dancinha sensual com a peça rente ao corpo. Duda tomou a peça das mãos da amiga, alisou e cheirou o tecido e na sequência as duas se abraçaram para dançar juntas em comemoração. — Só a lingerie basta ou vai querer ver o seu vestido de noiva? — Maria Fernanda interrompeu a euforia das duas. — Ahh! — Duda gritou e deu pulinhos entusiasmados — Eu tenho

um vestido de noiva! Cadê ele, maman? — Vamos. — Nicole empurrou a amiga para fora do cômodo. — O quarto da noiva é logo ali, mas antes você precisa de uma banheira. Traga a caixa, minha tia.

SETENTA E UM — Já é meia-noite? — Duda perguntou, enquanto um maquiador deslizava um pincel de batom em seus lábios. — Falta quase uma hora e o meu irmão Romeu delegato, está louquinho a sua espera. — Meu Nêgo deve estar um gato. — Sim, meu irmão é muito gato. — Pronto. Você está linda, meu amor. — Suelen ajeitou o véu médio e muito transparente nas costas da sobrinha. — Depois de hoje, a nossa promessa vai fazer sentido, tante. — Estou feliz pelo seu compromisso de amor verdadeiro. — Suelen a ajudou levantar. — A promessa foi só um desabafo, quando desejei te afastar da terrível dor da desilusão. Mas você foi uma criança segura, adolescente forte e mulher decidida, tão decidida que permaneceu fiel a si mesma e acreditou que valeria a pena. — Obrigada, tante. Agora não me faça chorar e atrasar ainda mais o meu momento. — Duda sorriu e seus olhos encheram de lágrimas. — Também não posso estragar a minha nova maquiagem. — Maria Fernanda entregou o buquê à filha. — Vamos, minha princesa. Já é quase meia-noite e o seu noivo pediu para te levar antes disso.

*** — Dudinha... — Eduardo estendeu os braços quando a filha se aproximou do arco de flores, fora do campo de visão do local de cerimônia. — Não sou mais a Dudinha, meu pai. Daqui a pouco serei uma mulher casada, uma senhora, quase mãe de família. — Será sempre a minha Dudinha conversadeira — O pai ajeitou o véu da filha e derramou algumas lágrimas. — Você está muito linda... — Parou, pois sentiu a voz falhar. — Dudu, não chora, meu pai — Ela passou o polegar abaixo dos olhos dele. — Você vai esquecer o seu velho pai, tenho certeza — A voz de Eduardo saiu dramática. — Vou te ligar todos os dias. — Não por agora, porque ele vai estar se aproveitando de você e com toda a liberdade. — Dudu... — Duda suplicou compreensão. — Eu sei, eu sei. Ele vai ser o seu marido e também é engenheiro... Só estou emotivo, mas estou feliz com o seu casamento. Aquele sujeito é engenheiro e vai te fazer feliz. Vou dar um bote nele em breve. Antes de tudo ele é engenheiro e precisa trabalhar comigo na Moedeiros. — A vida dele é muita corrida, Dudu. O Luiz Miguel vai comandar os outros empreendimentos de longe para se dedicar à principal carreira.

— Só ele largar a polícia e fica certo. A principal carreira é a engenharia e nenhuma outra... — Eduardo. — Maria Fernanda interrompeu o vislumbre do marido — Você não vai se interferir no trabalho de seu genro. Não é hora para isso. — Eu sei ferinha, mas estou tentando impedir a viagem. Seu marido está precisando de carinho. — Depois eu resolvo isso, mas agora, se controla, meu ogrinho. — Maria Fernanda deu um beijinho no marido. — Você acabou conseguindo o que queria. — Alicia falou quando se aproximou, trajando um vestido vermelho curto e saltos da mesma cor, que deixava suas longas pernas nuas e destacadas. Ao lado estava a senhorinha sorridente, que a neta carregava com muito cuidado. — Alicia, você por aqui, cunhada? — Duda sorriu e bateu os cílios. — Eu não queria, só estou aqui pelo Mimo. — A ruiva olhou para Maria Fernanda e esboçou um sorriso forçado. — Dona Alice, como vai? — Eduardo estendeu a mão para a velhinha. — Bem e convivendo com a saudade, filho. Aconteceu alguma coisa com a sua saúde. Estou te achando mais magro. — Passei por um probleminha de saúde, mas já estou firme e forte. — Vamos Vovó. — Alicia se antecipou. Temeu que o assunto da verdadeira morte do pai chegasse aos ouvidos da avó.

Duda deu seu buquê para a mãe e beijou a mão da velhinha antes que ela fosse levada. — A senhora está tão bonita com esse vestido. — Duda elogiou a senhorinha. — Você que está muito linda minha neta. — Alice fiscalizou o abdômen de Duda por alguns segundos. — O vestido não está apertando o meu bisneto? — O quê? — Eduardo passou a mão na barriga de Duda. — Não Dudu, para. — Eu acredito que rolou um golpe da barriga — Alicia provocou. — Não fale isso da sua cunhada, filha. — Alice repreendeu a neta. — Vó Alice, não se preocupe, não vou demorar em providenciar o seu bisneto. Quero muito que ele tenha os seus olhos clarinhos. — A senhora precisa descansar as pernas agora, Vovó. — Alicia torceu o nariz e levou a velhinha pelo tapete de rosas. *** — Eu vou ficar sempre de olho. — Felipe estendeu a mão para Luiz Miguel. — E verá muita felicidade. — Luiz Miguel apertou a mão do loiro. Alicia passou por eles e quando Felipe sentiu o cheiro já conhecido da ruiva, mudou a direção do olhar. — Fique longe da minha irmã. — Luiz Miguel declarou quando

percebeu os olhos de cobiça. — De todas as mulheres do mundo, a sua irmã Alicia é a única que não desperta o meu interesse. — Felipe falou antes de sair e caminhar para perto dos avós. — Mãe, fique de olho na Alicia. Não confiei no olhar daquele sujeito. — pediu Luiz Miguel. — A Alicia já tem muitos problemas para resolver. — Eu vou ficar. — Heitor bateu nas costas do irmão e o abraçou. — Vai casar irmão, esquece a Alicia por hoje. Segunda-feira ela já começa visitar o orfanato. Vou vigiá-la de perto. — Deixe-me ver você, Mimo. — Samanta endireitou a gravata do filho. — A mulher do Sérgio veio falar comigo mais cedo. Ela é bastante espevitada. — Ela é gente boa, mãe. Não implique com a mulher. — Não, não é nada disso. Só recordei de quando a peguei com o Sérgio, anos atrás, na noite de meu aniversário. Besteira... — Mãe... — Só foi uma lembrança, filho, é inevitável. Mas hoje sou bem casada e fico feliz por ela também ser. Vai para seu lugar, a sua noiva já vai entrar. — A mãe beijou o rosto do filho e limpou a pequena marca de batom deixado por seus lábios. Luiz Miguel beijou as mãos da mãe e caminhou para o altar para ficar ao lado dos homens da família.

— Filho, como se sente? — Sérgio o abraçou. — Ansioso, cadê a minha mulher que não chega? — Agora falta pouco. Não vejo à hora de ver o rosto de meu primeiro neto. O Edu disso que vai parecer com ele, mas a grande chance é minha. Os netos puxam mais para os avós paternos, li isso em algum lugar. — Sérgio falou orgulhoso e fez Luiz Miguel sorrir. — Olha só... — Olavinho deu uma leve puxada na barra do terno de Luiz Miguel. — É o anel da Duda. — Mostrou a enorme pedra de diamante presa ao anel. — Ele esteve na minha torre de carros por anos. Eu mesmo o coloquei quando era um bebê... faz tanto tempo que eu não lembrava. Precisei fazer dinheiro e quando fui entregar a torre para o meu amigo vi o anel. — Ela tinha perdido, eu sabia... — Luiz Miguel segurou o anel entre os dedos e o analisou cuidadosamente, depois olhou para Olavinho vestido em seu terninho e sorriu. — A Julia vai entrar agora. — Os olhos do menino brilharam ao ver a filha mais nova de Sérgio no final do longo tapete. — Ela está tão linda com os cachinhos. Sua irmã é uma princesa. — Olha só amigão... — Luiz Miguel se abaixou para ficar na altura do menino. — Comprei outro anel para sua irmã. Você não quer ficar com esse? Quando você crescer vai precisar de um, para dar a uma garota bacana. — E se essa garota for sua irmãzinha, tudo bem? — Olavinho parecia ter a pergunta pronta, pela rapidez que soltou.

— Vamos conversar daqui a alguns anos e se você merecer, eu deixo a Julia ser a sua garota. — Legal... — Olavinho pegou o anel e colocou no bolso. — Valeu cara. Vou guardá-lo no cofre da mamãe. Ele ainda não cabe no dedo da Júlia. Ela ainda é menina. — sussurrou em segredo. — Olha a minha garota e a sua garota. — Apontou para frente. Luiz Miguel perdeu literalmente o ar e sentiu uma agonia boa no peito. As cenas a sua volta perderam o destaque. Era como se tivesse um refletor iluminando os curtos passos dela até ele. A melodia da música que tocava no fundo, movia suas sensações e aumentavam as lágrimas. O noivo se emocionou ao contemplar a noiva em sua gloriosa beleza e essência. Duda viu Vanessa e Marcos com os outros convidados e sorriu para a morena e foi retribuída. Quando se conectou com o olhar do noivo soube que ele chorava e sorrindo ao mesmo tempo. Achou lindo. Quando Eduardo, que também chorava, entregou Duda a Luiz Miguel, foi difícil discernir quais dos três tremia mais. — Oi... — Duda sorriu timidamente, sentindo seu corpo inteiro sofrer um abalo. — Oi, linda. — Luiz Miguel piscou os olhos e deixou escapar mais uma lágrima. — Você aprontou comigo e não foi ao nosso encontro, marcado com tanta antecedência. — Marcamos, para depois da meia-noite, você que chegou cedo. —

Luiz Miguel beijou a testa dela e seguiu distribuindo beijos sobre o rosto e lábios. — Estamos aqui para celebrar a união... — O líder religioso praticamente gritou depois de um tempinho. Os noivos sorriram e seguiram até a beira do altar. O casamento foi celebrado com todas as honrarias merecidas. E Eduardo chorou a maior parte do tempo. Por exigência do noivo, foi uma cerimônia rápida, tanto, que para abreviar o momento dos votos, eles apenas se beijaram. Aquele foi o voto mais convicto que Duda poderia receber. *** Duda e Luiz Miguel estavam na pista de dança e dançavam abraçados no embalo lento da música. Eles já estavam ali há algum tempo, esperando o melhor momento de escapar. — Como vamos fazer? — Duda sussurrou no ouvido do marido. — Eles já sabem que vamos sair sorrateiramente, só estão disfarçando. Vamos agora. — Luiz Miguel segurou a mão da mulher e caminhou para fora do salão interno da casa. Duda segurou no braço dele e escondeu o rosto, envergonhada. Ouviu uma piada de Kamon e sorriu com o rosto abafado. No jardim, Luiz Miguel a levou na direção da caminhonete. — Não vamos pegar as malas? — ela perguntou enquanto era levada. Ele estava evidentemente com pressa. — Já está tudo no carro, Mar. Vamos.

— Mas... — Ela apontou para a segunda casa da propriedade — Ainda têm coisas minhas lá. — Já está tarde, ainda vamos descer a serra. É importante? — Eu acho que é. — Tudo bem, mas precisamos ser rápidos. — Ele a levou na direção da casa e lá dentro passou por cima da enorme quantidade de sapatos femininos espalhados no corredor e entrou no quarto que a mulher o direcionou. — O que tem aí, minha vida? — perguntou curioso quando ela segurou a caixa grande nas mãos. — Coisas importantes que a Nik comprou. — Duda desviou a caixa dele. — Me deixa ver. — Ele sorriu, destampou a caixa e levantou a primeira peça entre os dedos. — Eu, definitivamente, amo a minha irmã. — Ele sorriu sedutor e Duda sentiu o rosto esquentar. — Você é um safado, Luiz Miguel. — Serei o seu eterno safado, Mar. — Ele a surpreendeu com um beijo deixando a caixa escorregar pelo volumoso vestido e cair no chão. — Melhor você tirar esse vestido. —Ele desceu o zíper que ficava na parte detrás do traje de noiva. — Vai ser aqui, em um quarto todo bagunçado e sem espaço sobre a cama? — ela sussurrou, arfando entre os beijos que recebia no pescoço.

— Vamos viajar de carro e depois de helicóptero. Esse vestido vai te incomodar. — Ele terminou de descer o zíper e esperou o vestido cair do corpo dela para se afastar e observar o corpete branco, rendado e retesado com os seios fartos de Duda. — Não há outra noiva mais linda. — Ele afastou o véu médio para as costas da mulher. — Você já pode me tocar... — Ela sugeriu, mesmo nervosa. — Trancamos a porta? — Ele perguntou enquanto descia os olhos e dava uma volta ao redor dela, olhando-a em todas as partes. — Ficou aberta. — Duda saiu de dentro do arco do vestido e se abaixou para pegar a caixa no chão. — Para onde você vai me levar? — A loucura. — Luiz Miguel analisou a posição sugestiva da mulher e sentiu o desejo correndo nas veias. — Não, seu safado, antes disso. Para onde vamos de helicóptero? — Ilha do Mel. Duda se levantou da maneira mais provocante possível, passou por ele e foi presa por braços fortes e teve a boca do marido sobre a dela. Poucos minutos depois, ele já estava sem o blazer e a camisa social estava com todos os botões abertos. As mãos estavam cravadas nas nádegas da mulher e a trazia cada vez mais para ele. — O que foi, Mar? — Luz Miguel estranhou quando ela se afastou e olhou para os lados. — Não sei... uma sensação estranha de que tem pessoas nos olhando.

— Para de besteira e vem aqui. — Ele passou o braço em volta do corpo dela. — É como se estivéssemos num livro e tivesse pessoas nos lendo há muitos capítulos e agora nos incentivando a continuar. Isso é estranho, estou quase ouvindo vozes, muito assanhadas, pedindo hot. Você não está sentindo e percebendo isso? — Eu só sinto vontades... e todas elas envolvem você. — Ele a beijou novamente e levantando o corpo dela centímetros do chão para colocála em sua cintura. — Por tudo o que é mais sagrado pequena, vamos sair logo daqui. — Êta lelê! — Nicole gargalhou e Kamon assoviou. Os dois estavam procurando um cantinho para namorar longe dos membros da família. — Nik, você por aqui? — Duda procurou o vestido de mais cedo sobre a cama e gargalhou. — Já estamos de saída, a Mar só estava trocando de roupa. — Luiz Miguel recolheu o terno do chão e ajudou a mulher se vestir. Kamon se abaixou e pegou uma lingerie com a ponta dos dedos, fazendo Luiz Miguel deixar o que fazia para pegar a peça de volta e devolver a caixa. — Quero saber depois — Nicole entregou o casaco para a amiga. — Safada. — As duas se abraçaram e gargalharam ao mesmo tempo. — Fala para a maman e o Dudu que eu ligo amanhã. — Duda

segurou a mão de Luiz Miguel — Agora preciso ir — piscou para a amiga. — O meu pai vai ficar de olho em vocês. — Luiz Miguel avisou já fora do quarto. — Quando eu voltar de viagem, acerto minhas pendências com você Kamon — mirou o homem de cima a baixo, mas o taiwanês apenas cruzou os braços e zombou da situação. — Não vai levar a sua preciosa caixa, cunhado? Luiz Miguel voltou para o quarto, pegou a caixa de lingerie e carregou Duda dali. *** O carro de Luz Miguel parou próximo ao carro de Duda, que estava no acostamento da estrada. — Chegamos juntos ao nosso encontro — Duda beijou Luiz Miguel na saída do carro. — Juntos e casados, Mar. Vamos. O vento está frio igual aquele dia. — Você vai me aquecer, marido? — Todos os dias, todas as horas que você me solicitar. — Você trouxe aquele capuz de bandido e o seu distintivo, senhor delegado? — Você tem a carinha de que vai me dar trabalho, mulher... — Luiz Miguel a beijou carinhosamente. — Vem... sobe aqui. — Virou as costas e Duda pegou impulso para subir. — Isso não é nada romântico. — Ela passou os braços em volta do

ombro dele. — Estamos juntos e no nosso lugar. Sim, isso é muito romântico. — Vai bem devagar, estou de olhos fechados e flutuando nas suas costas, daqui a pouco farei o mesmo na frente — Duda abriu os braços e sentiu o forte vento gelado. — Quer dar uma volta? — ele perguntou sorrindo. — Porque já chegamos ao nosso lugar. — Duda abriu os olhos e avistou os pontos brilhantes da cidade que ficava no baixo despenhadeiro. — Está tudo tão diferente, sete anos atrás não tinha aquele prédio maior — Ela desceu das costas dele. — Tudo se modifica com o tempo Mar. Aquela árvore não estava ali anos atrás, não era o meu carro estacionado ao lado do seu. Eu não tinha dinheiro para sustentar outra família, não conhecia um pai bacana como o Sérgio, nem uma irmã espoleta igual a Nicole e um brigadeirinho doce como a Julinha. E o meu coração estava cheio de rancor por sua família e não de gratidão por ter me dado você. — Só o nosso amor, ele continua o mesmo. — Duda se sentou na grama e Luiz Miguel fez o mesmo. — Não, agora eu te amo mais, daqui a sete anos vou te amar ainda mais e quando fizermos catorze anos de casados vamos precisar saber lidar com a fartura de amor. — E vamos ter o nosso próprio herdeiro familiar.

— Eu pensei em uma coisa — Ele juntos as mãos dela com as dele. — Eu quero muito, mas você é quem decide. Pode ser sete? — Sete filhos, Luiz Miguel? — Você acha que é exagero? — Se vier tudo de uma vez, tudo bem. Mas é um pouco fora da realidade. — É... então vamos nos contentar com nosso bebê moreno. E por Deus, que ele tenha os seus olhos. Amo os seus olhos, amo você na realidade, minha mulher. — Amo você, marido e estou sonhando acordada com a nossa convivência. Vou te abraçar todos os dias, quando chegar cansado, depois de correr atrás de bandidos. — Vai se contentar só com um abraço, Mar? Vou te procurar querendo mais — Ele tentou organizar os cabelos dela, que já saia da tiara, com a velocidade do vento. — Pensando bem, é bom você não chegar tão cansado. — Duda tirou a tiara da cabeça e o véu que ainda enfeitava seus cabelos — Que os bandidos da cidade diminuam para o meu marido dar conta de tudo quando chegar em casa. — Eu te amo. — Luiz Miguel levou a mulher para o colo e a beijou na boca, tendo a lua como testemunha — Preparada para viver ao meu lado, pequena? — Por toda a minha vida.

FIM A vingança dar a volta no outro, a remissão da à volta por cima. Pry Olivier

EPÍLOGO LUIZ MIGUEL Fiz o projeto daquela casa praiana de três andares a pedido de um cliente estrangeiro. Ele queria uma boa casa de veraneio há poucos metros do mar. Naquela época eu não discernia o motivo de sentir toda aquela euforia quando pensava ou me aproximava das ondas do mar. Em minha memória não estava os olhos encantadores e o temperamento nada comum da minha loirinha, mas ela sempre foi o meu próprio Mar, e a casa foi inspirada nela. Levei o cliente pessoalmente para entregar a propriedade de aproximadamente 404m de área construída. Naquele mesmo dia paguei uma grande fortuna, dividida suavemente, mas tive o "Recanto do Mar" em meu nome. — Você fez essa casa pensando em mim? — Cada cantinho. Tudo lembra você. É o meu presente de casamento para você. — Muito linda, perfeita. Você é um pouco louquinho também. Não deveria ter gastado tanto, Luiz Miguel. Mas podemos alugá-la durante o verão, assim renderá um bom dinheiro o ano todo.

— Sim, filha de economista. — brinquei, lembrando a profissão da minha sogra. — Aqui mora o caseiro e a mulher dele. Não vou colocar a casa na mão de terceiros. É o meu primeiro patrimônio em seu nome. E um recanto só nosso. — Deveria ser errado um homem ser tão maravilhoso. — Minha mulher começou admirar o enorme aquário embutido na escada, que ia da base do térreo até o primeiro andar. — E todos esses peixes são reais? — Sim, e não são nada baratos — sussurrei no seu ouvido. — Você fez muita fortuna... — Fiz, trabalhando pesado e em três empregos. Agora vou fazer o que gosto, não pelo dinheiro, pois, não se compara aos rendimentos dos meus outros empreendimentos. Eu gosto de trabalhar no Departamento da Polícia Federal, (DPF). — Te admiro, marido... — Ela tocou o aquário iluminado e um Yellow Tang encostou o biquinho fino e gracioso na ponta do seu dedo, no outro lado do vidro. — Ele parece comigo, você não acha? — Sim, amarelo e elegante igual a você. Olha só esse biquinho empinado... é a sua cópia Mar. — Abracei suas costas e cheirei seus cabelos macios, que caía em uma cascata ondulada — Vamos subir? — A incentivei, não queria perder mais tempo sem amá-la. — Com licença, peixinhos baratinhos, amanhã eu volto para admirar vocês. Ela continuou subindo sem prestar atenção nos degraus e eu a guiei

pela escada de madeira nobre. Seus olhos brilhavam, ela estava encantada com o requinte da casa na ilha. A minha loirinha teve a sorte de crescer cercada de bom gosto, mas eu consigo enxergar nela muita simplicidade e pé no chão. Ela carrega a mesma modéstia que vejo entre a elegância e gentileza da minha sogra. A Mar se apaixonou por mim quando eu era só um trabalhador que dava o próprio sangue nas obras e no ringue para sustentar a família. Ela ficou comigo até quando pensou ser a futura senhora traficante de armas. Tenho certeza que estaria ao meu lado se eu não tivesse um tostão no bolso. — O que achou? — perguntei no topo da escada, ainda abraçado às suas costas e virando-a para a visão panorâmica da sala. — A minha casa cheira a oceano... — Ela inspirou com mais intensidade e colocou as mãos sobre as minhas — Ainda não tenho um presente para você. Sou uma péssima mulher por não ter pensado nisso, mas não me culpe, eu não sabia que casaríamos hoje... ontem... que horas são mesmo? — Ela bocejou. — Umas três da manhã... — A virei e contemplei o momento em que ela abriu os olhos azuis que sempre me hipnotizava. Os olhos da Mar me encantaram desde a primeira vez que eu a vi. Lembro exatamente daquele dia. Presenciei uma briga do Junior com a minha mãe e outra vez o nome "Eduardo Moedeiros" estava entre os insultos. Fui à festa com ódio no peito, eu odiava aquele homem por estar sempre presente nas brigas de meus pais e por fazer a minha mãe chorar trancada no banheiro.

Eu estava angustiado e não conseguia prestar atenção nas meninas maiores que se aproximavam com suas jogadas de conquistas sem mirins. Aos doze anos eu já tinha beijado cinco bocas, por isso gostava das festas com os amigos do Junior, eles tinham filhas. Mas naquela noite nada me prendia e no meio de todas, eu ouvi uma vozinha dengosa, carregada de sotaque estrangeiro. Era a minha pequena Mar. Tão doce, linda e segura. No momento em que ela colocou os fios de ouro para trás da orelha e me apresentou os seus olhos azuis, tudo em minha volta desapareceu. Pela primeira vez eu sentir euforia no peito e as palavras sumiram de minha boca e junto com elas, foi momentaneamente o ar dos meus pulmões. Eu a beijaria ali mesmo, se o seu pai não chegasse me insultando. Pensando bem, eu seria um irresponsável se beijasse a boquinha da Mar aos sete anos de idade. — O que foi, Luiz Miguel? Por que estás rindo? — Minha mulher me fez voltar à realidade. Ela estava tímida e ansiosa ao mesmo tempo. Assim era a Mar, ela sentia tudo e não escondia nada de ninguém. — Sempre te amei. — Os meus dedos fizeram um carinho em suas bochechas — E sempre vou te amar. Obrigado por fazer de mim um homem melhor. — Fitei a sua boca bem desenhada. — Não sei qual foi minha contribuição. — Ela segurou o meu rosto com uma das mãos. — Esse homem foi formado quando eu estive fora. Você é o motivo da sua própria mudança, meu marido — Tocou a boca da minha.

— Não sei como consegui ficar sem você aqui. — Colei a minha testa na dela. — O que me confortou, mesmo inconsciente, foi ter você aqui — Peguei sua mão esquerda e levei até meu peito. — Eu te desejei tanto aos dezesseis, Mar. Toda atraente, com os seios grandinhos e as pernas grossinhas. Você sempre me enlouqueceu apenas com beijos inexperientes. — E agora eu vou te enlouquecer de outra maneira. — Suas mãos encontraram os botões de minha camisa — Ficaremos quanto tempo na ilha? — perguntou enquanto me livrava dos botões. Ela estava trêmula, mas não parecia ser impedimento para o que ela desejava. — Uma semana. Desculpa oferecer poucos dias, mas precisamos viajar para o Norte na sequência — respondi sentindo suas mãos descerem para o meu abdômen. — Só peguei cinco dias de folga atrasadas, além da licença do casamento. — Vou te proibir de usar roupas até lá, gostosão. — Mar beijou o meu peito. — Temos vizinhos. — Sorri — A casa tem vidraça por todo o lado. Não posso andar pelado por aí, meu amor. — Você fica na cama, eu preparo a sua comida e trago até você. — Deu uma solução. — Podemos ficar assim durante os oito dias. — Tentou encontrar a boca no meu ouvido, mas a altura dela não permitiu. — Por que ainda estamos conversando quando eu deveria estar gritando de prazer? Sua voz saiu tão gostosa quanto a sua intenção. Deus, como aquela pequena conseguia fazer aquele reboliço em

mim? Eu era completamente, loucamente apaixonado pela minha esposa. — Você não quer se alimentar primeiro? — perguntei quase sem voz, o prazer já começava fazer seus efeitos. Minha mulher estava me enlouquecendo com beijos no músculo do meu peito. Era muito gostoso, mas antes de tudo eu precisava alimentá-la para aguentar tudo o que estava guardado. A pequena estava atrevida, mas muito sonolenta. E não tinha comido nada na festa. — Já me alimentei durante quase vinte e três anos. Estou precisando de outro tipo de alimento, meu delegado. — falou com a voz dengosa e rebolou a cintura, se esfregando em mim. — Venha logo mulher. — Puxou-a até a última porta do corredor, abrir o quarto e visualizei a decoração romântica e a iluminação convidativa. O pessoal que eu contratei atendeu ao meu desejo. Tinha quatro luminárias de cor branca, poucas pétalas de rosas azuis sobre o lençol e um caminho mais denso da mesma pétala que levava até a nossa cama. A luz do aquário embutido na parede estava ligada e os peixes de água salgada dançavam parecendo ter ensaiado uma apresentação para o momento. — Sou a mulher mais feliz do mundo. — Caminhou até a cama e passou a mão nas elegantes pétalas sobre o lençol. — Os peixes... — Caminhou até o aquário iluminado e se distraiu com os peixes. — Me sinto honrado, por te fazer a mulher mais feliz do mundo. — Beijei o seu pescoço e desci o casaco de seu corpo, deixando-o cair entre nós. — Vou te amar tanto mulher.

— Vou improvisar um presente. — Ela puxou a minha mão e levou para a cama. — E o que vai fazer mulher? — perguntei curioso, observando o seu sorriso levado. — Dançar para o meu marido, ao som das águas do mar. — Senteime ansioso pela apresentação — Você quer, delegado? — Colocou as mãos sobre as minhas coxas e me beijou lentamente, alternando com mordidinhas em meus lábios. A minha mulher era ousada. Foi bom esperar por aquele momento. Enquanto puxava o meu lábio entre os dentes uma de suas mãos escorregou para a minha ereção e eu arfei, com a boca perto da dela. — É... é a dança... — a minha voz saiu falha. A mão da minha esposa me estimulou de cima abaixo, levando o volume, já teso, para o lado. Seus olhos estavam nas expressões do meu rosto. Ela contemplava o seu efeito sobre mim. — Está gostando da dança? — A Mar segurou os meus cabelos e levou a minha cabeça para trás. Os seus lábios carnudos lambiscaram a minha garganta, marcando a minha pele e me deixando à mercê de seus desejos. Será que ela já teve preliminares com o taiwanês? O meu instinto possessivo gritou dentro de mim. Não! Não vou pensar nisso agora. Abortei o maldito pensamento. Ela era só minha, minha e de mais ninguém. — Você é minha ... — declarei, completamente fisgado pela sedução da minha atraente mulher.

— Quietinho, marido. — Ela tirou a pressão dos dedos que puxava os meus cabelos. — Agora abre esses olhinhos lindos. — Se afastou me fazendo sentir a falta de seus toques. A Mar me deixou duro e parou na frente do grande aquário. Tocou primeiro nos cabelos ondulados pelo penteado desfeito e em seguida desceu as mãos para o pescoço, seios e cintura. Os graciosos quadris seguiam o ritmo do barulho vindo de fora, e sua expressão facial tomava um banho da mais excitante sensualidade. Ela se tocava em tocavam em todas as partes, me fazendo ansiar fazer a mesma coisa. Sem tirar os olhos dela, puxei o cinto da minha calça, abrir e desci o zíper. A Mar mordeu o cantinho da boca e tentou abaixar a alça do vestido sensualmente, mas tudo se tornou embaraçador quando a alça não passou do ombro, ela tentou puxar o vestido pelo pescoço e precisou dar pulinhos com a cabeça presa no tecido. — Calma... — Levantei-me rápido e fui ajudá-la. Impossível não sorrir de suas atrapalhadas, mas consegui controlar. Fiz o vestido descer novamente e liberei a sua cabeça. — Eu não ensaiei isso, me dê... um desconto — Ela puxou o ar com necessidade. — Maravilhosa. Você foi incrível — Beijei a sua bochecha, para espantar os vestígios de constrangimento e a deixei recuperar o fôlego

perdido com o quase sufocamento. — Deixa que eu faço isso. — Levei a mão até o zíper lateral do vestido e desci até o final. — Foi isso. Esqueci o zíper... — Justificou acanhada, mas no mesmo instante agarrou o meu pescoço o puxando para a sua altura e colocou a língua para dentro de minha boca. — Quero te ver, agora — Ela exigiu com a mão em volta do volume dente da minha cueca. — Chega princesa. — Segurei a sua mão. — Hoje eu cuido de você. — É... e o que pretende fazer primeiro? — perguntou curiosa e com a pele do rosto avermelhada. — Vou admirar a minha mulher, nua sobre a cama. — Sem que ela esperasse a peguei no colo e levei para o nosso ninho. Com ela deitada no centro da cama, comecei desatar as fitas brancas que trançava a frente do corpete. Quando enfim consegui desatar aquela imensidão de fita, abri as abas do tecido contemplei as duas maravilhas fartas e redondas que exigia o contato dos meus lábios. Ela sorriu e sua pele avermelhou. — Você é linda... — Acariciei seus lábios com o indicador, e vi desejo e ansiedade retida em seus olhos. — Sente medo, Mar? — Ousei perguntar e levei a outra mão para acariciar os seios atraentes. — Ainda não vi o tamanho da pistola a olho nu. Por enquanto, só estou ansiosa. Eu ri e afundei a sua bochecha com um beijo. — O seu homem cuidará de você, antes de tudo, relaxa — A beijei

gentilmente e desci para colocar o máximo de seis seios em minha boca. Ela ergueu o tronco, oferecendo-se da maneira mais receptiva possível. Ela estava ansiosa pela descoberta. Foram anos esperando por esse momento. Era difícil descobrir quem mais estava necessitado. — Estou descobrindo você, então me avise, caso eu perca o controle ou se alguma coisa não te agradar. — Eu vou pedir para você não parar. É a única certeza. Você não vai tirar a sua calça? — Acariciou os meus cabelos. Tirei o seio branquinho da boca e puxei a calça e a cueca de uma só vez. Não olhei para a Mar, mas sabia a direção do seu olhar curioso. Sorri esperando mais uma de suas tiradas e enquanto eu removia as mangas da camisa social, a pequena virou, e para o meu desespero, fechou os lábios na metade da cabeça do meu pau. — Porra, Mar. — Segurei em seus cabelos, lutando entre aceitar e oferecer. Ela desceu a língua por todo o comprimento e fui obrigado deitá-la novamente sobre o travesseiro. — Agora não. — Eu não resisti... — falou dengosa— Não é fácil ser virgem e safada ao mesmo tempo. — Vi receio em seus olhos, mas desconfiei na sequência — O meu dente pegou em você, meu marido? — Shii... Hoje é você, pequena, só você. — A interrompi com o beijo a boca e desci para acariciar a sua pele branquinha com os meus lábios. Beijei os dois mamilos rosinhas e continuei descendo. Quando a minha boca tocou o seu umbigo, eu pude sentir o seu ventre estremecer. Levantei a cabeça para contemplá-la e vi o seu rosto deitado de lado sobre o

travesseiro. Os olhos estavam fechados, a boca ligeiramente aberta e os braços sobre os travesseiros ao lado. Aquela mulher era minha. Depois de tanto tempo, eu realmente podia dizer isso. Os meus olhos inundaram de lágrimas e o meu coração queimou dentro do peito. Eu, Luiz Miguel Álvares Azevedo... futuro Sampaio, era o homem mais feliz do mundo. Sentir o cheiro da minha mulher sobre o minúsculo tecido rendado e logo o afastei para o lado e contemplei o meu pequeno e intocável objeto de desejo. Linda. A minha mulher era muito linda. — Eu amo você... — falei antes de colocar a cabeça entre suas pernas e testar a língua na pele levemente molhada. Ela arqueou o corpo e suas pernas se fecharam em volta do meu pescoço, mas segurei suas coxas e afastei novamente para os lados. — Mais... Por favor, mais... — pediu eufórica quando eu parei. Ajoelhei na cama e coloquei três travesseiros abaixo de sua cabeça. Queria ver suas reações inéditas. Eu tinha direito. — Olhe nos meus olhos, querida. — pedi voltando para a antiga posição e rolei o minúsculo tecido branco por suas pernas e o joguei em qualquer lugar. Beijei o seu pé com dedicação. Circulei beijos no tornozelo e massageei sua panturrilha. A Mar era forte diante de todas as adversidades. Segura e vaidosa é bem resolvida com o corpo. Eu a admirava tanto... Desci por sua perna, acariciando a pele macia com os lábios. Eu

estava nervoso, toda a minha segurança perdia o sentido diante daquela mulher e dos meus cuidados com ela. Eu estava provando doce importado pela primeira vez. Beijei gentilmente o "V" gordinho que escondia o meu tesouro. Ela custaria alcançar o primeiro prazer e eu cederia todas as etapas que ela precisava. Segurei as duas mãos em sua cintura e usei a língua para abrir suas carnes suavemente. Senti o pequeno pontinho inchado e terminei de explorála. A Mar ergueu a anca e começou se mover suavemente contra mim. A minha mulher estava ansiosa e a sua receptividade me surpreendia. Continuei olhando em seus olhos, mas chegou um momento que foi impossível me concentrar em qualquer outro lugar que não fosse o seu sexo pulsante. Eu fiz de tudo ali, lambi, chupei, acariciei, toquei, provei e testei o seu ritmo. Desejei saber tudo sobre ela e qual era a melhor maneira de agradá-la. Eu não tive pressa, fiquei muito tempo ali, provando-a e levando o seu corpo até próximo ao limite. As suas coxas, joelhos, ventre e seus seios tremiam tão insuportavelmente tensos, que ela não conseguia fazer nada além de se contorcer contra minha boca. — Isso, pequena... — Senti os seus primeiros espasmos. Levantei os olhos e vi a cabeça da minha mulher voltada para o teto. A boca aberta soltava gemidos e chamava o meu nome. Não existia outra visão mais linda. E nenhum outro som agradava tanto os meus ouvidos.

Maria Eduarda era um sonho sendo idealizado. Não importava se a sua estatura fosse pequena diante da minha, eu perdia todas as forças perto dela. A minha princesa proibida, que eu desejava de longe, mesmo sem memória. Voltei para ela e deslizei a língua sobre a carne úmida e me concentrei no seu pontinho pulsante e grandinho. A minha menina já se contorcia e soluçava freneticamente. — Você gosta assim? — perguntei antes de penetrá-la com a língua. Ela respondeu com um gemido acusadoramente alto e naquele momento eu presenciei e recebi seu fluxo de prazer. Foi o primeiro orgasmo digno que eu lhe dei, e pelos céus, seria muita sorte se fosse o primeiro da vida. — Luiz Miguel... — Mar sussurrou o meu nome enquanto se derramava e eu a sugava para aproveitar o resultado magnífico do meu trabalho — Eu vou morrer... tenho quase certeza... — Não parei, ela aguentava mais. Abri mais as suas pernas e afundei língua mais fundo. Repeti muitas vezes, até vê-la estremecer outra vez. Ouvi muitas palavras desconexas enquanto a secava e só saí dali quando não restava mais nenhuma gota. — Pronto... pronto, já passou, minha menina. — Beijei os seus lábios e esperei ela abrir os olhos. — Eu não... estava pronta... vou desmaiar... — choramingou e eu senti seu ventre tremer outra vez, agora com menos intensidade. — Você é

um marido mau... muito mau... Ela deu uma leve cochilada enquanto eu acariciava o seu rosto bonito. O soninho foi digno de Maria Eduarda e eu ri um pouco orgulhoso. Ela não aguentava mais nada aquela noite, estava mole e eu não a possuiria sem ter ação. O certo era esperar até o próximo dia. Peguei minha mulher, totalmente fraca nos braços e levei para o banheiro. Ela estava muito sonolenta e não protestou. Liguei o chuveiro com água morna e fiquei abraçado a ela enquanto a água corria em nossos corpos e a felicidade corria por minhas veias. Eu tinha feito aquilo com ela. Nem na minha adolescência, quando descobri o sexo, me sentir tão vaidoso. — Eu não sou fraca. — Ela se justificou. — Sou muito novinha e você acabou comigo. Faltou consideração com uma pobre esposa inexperiente. — Sem que eu esperasse, ela apertou os dedos em volta da fortaleza do meu sexo e eu sorvi um pouco de água, o que provocou um leve engasgo. — Você não usou... A vontade de encostá-la na parede e perder o controle foi grande, mas eu não faria nada se ela não estivesse ativa. Mar estava quase dormindo no chuveiro. — Temos a vida toda pela frente. — Beijei o seu ombro e afastei a mão dela — Sou louco por você. — Peguei o sabonete e comecei lavar o seu corpo, me sentindo o homem mais importante do mundo por fazer aquilo. — Eu quero fazer amor... — cantarolou um pouco grogue.

— Não vou me aproveitar de você. — Continuei lavando-a. — Por que não. Se aproveita de mim, vai. — Encosta aqui. — Coloquei a cabeça dela em meu peito. — Fica quietinha enquanto eu termino. Beijei os seus cabelos e terminei de banhá-la. Fui rápido e depois de envolvê-la em um roupão voltei com ela para a cama. — Eu juro que não sou fraca. — Ela justificou outra vez. — Apertou os dedos na minha boca e deu uma sacolejada. — Você é ... uma boca perversa. Tira o meu sono, delegado. — Vou buscar algo para você comer. E depois você vai dormir. A noite de hoje foi muito agitada. Logo o sol nasce e a gente continua — Beijei o seu rosto e a abracei por trás, ostentando uma firme ereção. — Volto rápido. A cobri com um lençol e desci para providenciar alguma comida. Dormiríamos abraçados e nus. Seria a primeira vez de muitas. *** DUDA Acordei com o canto de algum passarinho e o barulho do mar. Me movi na cama e senti o meu corpo todo relaxado, e quando olhei para o lado, o homem da minha vida estava em sua gloriosa forma, nu, com traseiro firme de fora e mergulhado em um sono profundo. A paixão queimava em minhas veias e o meu coração doía de tanto

que eu o amava. Era possível sentir uma dor suave entre minhas pernas, uma marca das maravilhas que o meu marido, só meu, tinha provocado usando apenas a agilidade da sua língua perversa. Com a minha cabeça sobre o segundo travesseiro observei o rosto lindo do Luiz Miguel. Sou a mulher mais feliz, desejada e realizada do mundo. Amo esse homem com todas as forças da minha alma. Deixei de olhar a sua boca, muito linda e prestativa, para admirar seu corpo forte de ex-lutador. O meu marido pode me esmagar facilmente durante o sono. Preciso ter cuidado. Seguindo a minha curiosidade, desci mais os olhos e fechei por alguns segundos, com um pouco de receio ou sem acreditar no que os meu olhos viam. Mas, como a tendência para a safadeza gritava dentro de mim, abri um olho e depois o outro e comecei contemplá-lo por completo. O traseiro firme de academia era maravilhoso, mas o músculo de espessura larga, que agora estava esmagado debaixo de seu corpo, superou todas as minhas expectativas. Era uma tentação feita, não muito sob medida, para eu poder usufruir. Eu sempre fui ingênua, não existem provas nenhuma que prove o contrário, mas aquele homem me fazia criar os mais loucos planos. Ele se mexeu na cama e eu fechei os olhos rapidamente. Meu plano era levantar-me antes para escovar os dentes, pentear os cabelos e jogar uma água nos lugares principais do corpo. Ficar apresentável ao menos na primeira manhã. Senti quando ele saiu do meu lado e espiei por uma estreita abertura

de um único olho. Ele se levantou e entrou no banheiro exibindo aquela bunda máscula e maravilhosa. Quando escutei o barulho de águas, eu abri os dois olhos e lamentei não ter os meus pertences dentro do quarto. Eu poderia me cuidar rapidinho, ali mesmo. Cinco minutos depois o chuveiro foi desligado e eu fechei os olhos rapidamente. Ele ainda demorou um pouco lá dentro e quando veio, eu recebi um beijo na testa e o seu cheiro de homem limpinho me deu várias ideias. Quando se afastou, voltei a espiá-lo. Tinha "cinco" metros de homem desfilando dentro do quarto, esfregando os cabelos com uma toalha felpuda e exibindo o meu próximo teste de resistência. Só de olhá-lo eu já sentia uma corrente de desejo vibrar o meu corpo. Eu temia e ansiava na mesma proporção. Uma combinação louca que não fazia parte de uma moça tão doce e inocente quanto eu. Ele amarrou a toalha na cintura e deixou o quarto. Eu, me levantei da cama e corri na velocidade de um foguete para o banheiro. Liguei o chuveiro, coloquei o sabonete líquido nas mãos e esfreguei em meu corpo, enxaguei na mesma velocidade e me sequei com uma toalha que decorava a borda da banheira. Peguei a escova de dente que estava ao meu alcance, provavelmente ele tinha usado ela, pois a embalagem estava por perto. Depois de cinco minutos de beleza, eu me deitei na minha enorme cama e fingi que nada tinha acontecido.

Toda limpinha para o meu maridão. Era só esperar o grande momento. Mas o momento demorou mais do que deveria e voltei a me entregar ao sono. *** Uma intensa corrente de prazer percorreu por meu corpo e eu senti contração ritmada entre as minhas coxas. Com certa dificuldade, eu abri os olhos e vi a cabeça do meu marido se movendo, me dando o mesmo banho de língua da noite passada, mas agora por outro ângulo. Eu estava deitada de lado, com uma perna sobre a outra e ele se aproveitada daquela posição para me atacar por baixo com a sua boca deliciosa. — Oh, mon dieu. — Até um francês saiu da minha boca. — Sim... — Apertei a minha unha no travesseiro e continuei na mesma posição, gemendo e chamando o nome do meu marido. A felicidade era eu estar limpinha. — Hora de acordar, dorminhoca. — Ele me virou de frente e subiu até os meus seios onde deu apenas beijinhos. — Bom dia... — Colou seus lábios aos meus lábios. — Se você não me acordar assim todos os dias, eu juro que peço o divórcio delegado. — Vi que o distintivo estava em seu pescoço e no mesmo instante comecei me esfregar na perna dele. — Coloquei, achei que você fosse gostar. — Ele sorriu convencido e

uniu os nossos lábios. Imobilizei uma de suas pernas com a minha e forcei o seu corpo para lado, sentando-me nua em sua cintura. — E agora, o que eu faço com você, delegado? — Você é muito forte. — Ele fingiu não ter facilitado o meu movimento. Todas as vezes ele facilitava os golpes, eu tinha quase certeza. Evitando perder tempo, desci o meu corpo, abri a toalha e coloquei as duas mãos no membro másculo e consistente. — Mar... — O seu tom de voz soou uma advertência. Ignorei e distribui beijos no final de seu abdômen. Luiz Miguel se mexeu na cama imediatamente. O olhei e vi sua boca carnuda aberta, liberando alguns ruídos. Continuei correndo minhas mãos por toda aquela extensão magnífica e quando a minha língua testou o calor da pele mais íntima do meu marido, suas mãos avançaram para meus cabelos. — Mar, não. — Ele se inclinou e levantou o meu queixo. Eu o ignorei, e antes que eu fosse impedida outra vez, desci minha cabeça e coloquei aquele início lisinho dentro da minha boca. Luiz Miguel deixou o corpo pender para trás e soltou um grito abafado. — Para, Mar — pediu entre suspiros. — Eu juro que vou pedir o contrário depois, mas agora... não torture seu homem antes da hora. Eu tentei, mas nem forçando consegui colocar mais dele na boca. Na prática é bem diferente, mas eu vou aprender. Uma leve insegurança quis me atormentar, mas no mesmo instante tive outra ideiazinha. Aquela parecia

inalcançável para uma iniciante curiosa. Sentei-me em sua cintura, desci o tronco e colei a boca na sua, uma, duas, três vezes. Ele retribuiu o beijo e segurou as mãos em minhas costas. — Qual o problema? Por qual razão eu não posso fazer o mesmo por você? — perguntei. — Porque eu estou duro desde ontem e não posso perder o controle antes da hora. — Oh, que judiação. — Distribui beijos em sua boca linda. — Desculpa ter dormido na madrugada. A sua boca faz milagres em meu corpo — Meu homem levantou uma das mãos e apertou os dedos nos meus fios de cabelo. — Gostoso. — Beijei sua boca e desci o rosto desejando marcar o seu peitoral com meus lábios. — Trouxe o seu café da manhã. Você precisa comer. — Eu só queria um leitinho... — Minha voz saiu muito dengosa. Ele sorriu da minha provocação. — Sou apenas uma garota inocente, queria tanto... Ele sorriu do meu beicinho dengoso. — Eu vou te ensinar tudo. Estou diante de uma mulher maravilhosa — Alisou minhas coxas. — Preparei alguns passeios, você quer andar de lancha hoje ou prefere tirolesa? — perguntou e eu me sentei novamente. — Os dois, mas não hoje. Hoje não pretendo sair de casa — Escorreguei mais um pouco e me posicionei sobre o local exato para que o nosso contato fizesse mais sentido.

— Maria Eduarda... — Advertiu outra vez. O meu marido estava muito enganado se pensasse que eu desperdiçaria todos as minhas ideiazinhas. — Você também sabe pilotar lanchas? — Coloquei as duas mãos em seu peito e ondulei meu quadril, montada sobre ele. — Já pilotei, clandestinamente. — Segurou as mãos na minha cintura, fitou meus seios e os olhos castanhos brilharam. Eu amava ser admirada por ele. — Quanta irresponsabilidade, senhor delegado. — Seus olhos de cobiça espiaram o nosso contato. Eu caprichei. Me escorreguei e quando cheguei naquela ponta tentadora voltei para repetir o processo. Luiz Miguel urrou no mesmo instante. — Assim eu não vou aguentar. — Ele passou o polegar entre minhas coxas e me fez estremecer com o contato íntimo. Já existia umidade entre nós, mas eu queria mais. Estava muito gostoso. — Eu gostei da ilha. — Continuei a nossa conversa matinal com as mãos apoiadas nele e aumentei o ritmo da minha dança. — Quero voltar em todas as férias. Luiz Miguel parou de me tocar por um momento e apertou os olhos. Senti o seu ventre estremecer, mas ele travou imediatamente, parecia se controlar. Permaneci serpenteando meu quadril sobre a rocha abaixo de meu corpo, mas logo ele segurou as mãos em minhas costas e trouxe o meu tronco para deitar-se sobre ele.

Coloquei a minha cabeça em seu peito e sem sair do movimento contínuo beijando seu peitoral. Ele estava feito uma pedra e eu queria aliviálo daquele desconforto. — Vem cá, Maria Eduarda. — Ele me virou bruscamente na cama, escorregou o corpo, passou a língua de cima a baixo no vão entre as minhas coxas e depois de algumas sucções certeiras, subiu para beijar a minha testa. — Estou a ponto de explodir... — Então não perca mais tempo marido, já estou preocupada com tantas veias acentuadas. — Brinquei do seu estado. Coisa mais linda e excitante. — Se eu exagerar você me interrompe, ok? — pediu depois de acariciar meus cabelos. — O que está fazendo? — Senti ele se mover e levantei a cabeça para olhar. Meu maridinho já estava vermelho com tanto desejo acomunado. — Sim! — Eu senti o meu prazer pingar quando ele bateu o sexo duro no meu clitóris. — Deite-se, mulher — Ele beijou a minha boca e me forçou descer a cabeça para o travesseiro. — Eles estão se beijando antes de tudo? — Senti a mágica gostosa que ele fazia ao pincelar aquela maravilha em mim. O meu corpo era uma completa combustão. — Fica quietinha e tente não fazer graça agora. — Beijou a minha boca e continuou roçando o membro, levemente molhado, no meu ponto

sensível. A minha respiração já estava muito irregular e a umidade corria entre minhas pernas. Luiz Miguel deixou um beijo no meu ombro e desceu os lábios, parando sobre o meu coração. — Eu não sei qual é o meu lugar preferido em você. Que os seus olhos me perdoem. — falou antes de sugar gentilmente um dos meus mamilos. Eu coloquei a mão em seu cabelo e acariciei carinhosamente. Aquele era o meu homem. Ele fazia o meu coração bater com todas as forças da alma e me amava sem muitas exigências. Luiz Miguel aceitava as minhas escolhas e admirava o meu corpo, mesmo com seus defeitos. Senti meus olhos lacrimejando fora de hora e funguei o nariz o mais baixo possível. Éramos um do outro, desde sempre. — Eu amo você. Tudo em mim ama o meu marido. — Declarei e quando uma lágrima escorreu do meu olho, ele secou com um beijo. — Não chore agora amor, assim você me cobre de remorso. Traga as suas pernas para mim e me abrace com elas. Eu fiz o que pediu, escorregando meus tornozelos por suas coxas e abracei o seu quadril na sequência. Senti que ele já estava na minha entrada e me preparei para agir naturalmente. Seria apenas uma pontada. Eu estava muito excitada e seria tranquilo. — Minha princesa... — Ele me beijou nos lábios e impulsionou devagar para dentro de mim e eu pude sentir um leve desconforto. — É

perfeito quando existe amor, e eu te amo com a minha própria vida — Ele parou e respirou forte, parecendo buscar autocontrole. — Vai doer, minha vida. Daria tudo para você não sentir, mas é preciso. — Estou pronta — falei desejosa. Eu e ele estávamos excitados o suficiente. — Está gostoso. — O incentivei. — Eu amo você... — O tom de voz dele pareceu uma desculpa. Ele continuou abrindo seu espaço e apesar do incômodo, não era uma dor assustadora. — Vem para mim, marido — pedi com as mãos fechadas em seu pescoço. — Vem. Eu quero você, por inteiro — Senti os seus músculos estremecerem ao meu chamado. Ele atendeu e me invadiu, rasgando tudo dentro de mim. Eu gritei alto e lágrimas atravessaram os meus olhos. Senti raiva das mocinhas dos livros da mamãe, que jurava não ser doloroso. Não, elas não tinham culpa, ódio mortal das autoras que me iludiram na adolescência. — Luiz Miguel... — Tentei fugir da queimação, mas ele segurou no meu traseiro e impulsionou mais forte até eu estar toda preenchida. — Perdão, mas nem uma arma contra a minha cabeça pode me fazer sair de você agora — Ele ficou parado e rugiu na curva do meu pescoço. Estava se controlando, era visível. O meu homem também sofria. — Me morde Mar — Ele me ofereceu o braço e traçou um caminho de fogo com a língua até chegar ao bico do meu seio, onde me agradou. — Eu vou fazer parar, minha pequena. — A dor cortante estremeceu tudo por dentro e o meu

marido ficou parado, degustando os meus seios para acelerar o meu desejo. O Luiz Miguel fazia mágica com a boca, e poucos minutos depois, outra dor, também dolorosa e muito agradável, começou substituir a anterior. E quando o meu marido colocou a mão entre nós para me acariciar, a terrível queimação foi substituída por faíscas de prazer. — Nêgo... — Acariciei suas costas e vi a marca dos meus dentes no braço do meu bichinho. Que judiação — Vem, Nego, já passou. — Me movimentei contra ele e o apertei internamente para testar a dor. Ele arfou e soltou um "caralho" — Você pode ir mais rápido agora. — Luiz Miguel também precisava se perder naquele desejo todo que me oferecia. — Eu não aguentaria mais — Ele beijou minhas pálpebras e saiu um pouco de dente de mim para iniciar um vai e vem com muita leveza. O seu carinho durou até a sexta investida, logo ele começou me invadir como se quisesse exigir o direito. Seus dentes correram no meu pescoço e sua respiração aqueceu a minha pele. Ele estava rápido e necessitado. Movimentei-me contra ele, tentando acompanhar sua sincronia gananciosa. Os seus movimentos duros traziam labaredas poderosas para o meu ventre. Luiz Miguel provou que me desejava há muito tempo, estava insaciável dentro de mim e eu puxei a sua boca e ofereci o mesmo ardor. Naquele momento era apenas eu, ele e todos os sentimentos que compartilhamos juntos. Amor, desejo, cumplicidade, união... Vi o corpo do meu homem encontrar o prazer e os meus olhos perderam o foco com o gozo incrível que ele me posicionou.

— Luiz Miguel! — gritei seu nome com os olhos cravados. Meu ventre tremia incontrolavelmente contra o dele eu senti que sua respiração estava tão difícil quanto a minha. Quando os nossos corpos se estabilizaram ele me abraçou e beijou com ternura. Era só o início de nossas vidas. Uma vida maravilhosa e de felicidade completa. Foram oito dias naquela ilha de poucos moradores e abundâncias naturais. No segundo dia o meu marido precisou me jogar nas costas para sair de casa. Eu estava morta de cansaço e não queria saber de mais nada, só dele. Fiz uma proposta tentadora de alimentá-lo em duas horas, se ele aceitasse ficar nu na cama o dia inteiro, mas o meu marido me ameaçou, dizendo que me devolveria aos meus pais se eu não o deixasse recuperar as forças. Quando voltamos da viagem, a nossa mudança já estava pronta. De agora em diante formaríamos a nossa própria família, eu precisava desapegar do aconchego dos meus pais. Alicia tinha aprontado em uma festa, onde bebeu até cair, se envolveu com vários homens e chegou a se oferecer para o Kamon quando ele e Nik a levaram para casa. Luiz Miguel foi conversar com ela no mesmo dia em que voltamos. O meu marido saiu muito calmo do nosso apartamento e quando voltou chorou em meus braços, pois, tinha se excedido com as provocações da irmã e deu-lhe algumas cintadas. Na mesma noite, ele e o Kamon se enfrentaram em um ringue da

academia. Foi divertido e reuniu toda a família. Meu marido estava triste e abalado pela briga com a irmã e com isso Kamon saiu vitorioso. Quem não gostou foi o tio Sérgio, porque com a vitória, a Nik recebeu autorização para visitar a família do meu amigo em Taiwan. No dia da minha viagem o Dudu chorou muito, fez chantagem, ficou o dia inteiro sem comer e deitado na cama, abraçado ao meu urso. Cortou o meu coração ver meu pai sofrendo tanto. Foi difícil deixá-los outra vez, mas agora eu estava muito segura. Eu alcançaria a mesma felicidade deles. *** Luiz Miguel Dois anos depois O sol estava quase entrando pela janela e eu permanecia acordado. O culpado estava entre mim e a Mar. Um pequeno menino de olhos azuis, pele morena e os cabelinhos espetados para o alto. Eu já estava o admirando há um bom tempo, e continuaria, se a sua boquinha não tivesse trêmula, anunciando o início de mais um choro. E lá vamos nós outra vez. — Cadê? Ele está com fome — Antes de o choro agudo e fino ecoar dentro do nosso quarto, a minha rainha acordou. Ela tinha uma ligação muito forte com o Pedrinho, pressentia tudo e eu achava aquilo incrível. — Não se atreva. — Impedi que ela o pegasse. Minha mulher estava

muito dolorida depois da cesariana de última hora. No dia do parto os meus sogros foram os primeiros a chegar. O pai da Mar ficou o dia inteiro abraçado a sacolinha de maternidade do bebê. Só comeu e bebeu depois que o neto nasceu. O velho chorou tanto que precisou ser retirado da neonatal. — Então você está com fome novamente, não é rapazinho? — Aninhei meu pequeno escandaloso nos braços. Ele já dividia o choro com pequenas sugadas nos próprios lábios. — Me dá logo, Luiz Miguel. — Mar se ajeitou na frente dos travesseiros e se inclinou, quase sentada. — Shii... — Aproximei o meu rosto dos cabelinhos espetados e sentir o cheiro bom de colônia infantil. Não existia outro pai de família mais completo. Ajeitei os travesseiros nas costas da Mar, enquanto o meu pequeno guerreiro gritava demonstrando que não podia esperar. Desabotoei os primeiros botões de sua camisola e o Pedrinho chupou novamente os próprios lábios. — Vamos seu safadinho, chupador de peitos — O aproximei do seio da mãe e ele mesmo abocanhou desajeitadamente. — Você é um safadinho... — Não sou um chupador de peitos, sou o príncipe da mamãe. — ela falou em um tom infantilizado. Pedrinho só tinha cinco dias de vida. A Minha pequena ainda estava um pouco inchada, e o tom escuro abaixo de seus olhos demonstravam como

estava sendo difícil dormir nas primeiras noites. Os seus fios de ouro tinham ganhado um corte charmoso na altura dos ombros e brilhavam na pouca iluminação do quarto. Minha mulher abriu uma fundação que acolhe animais domésticos e de ruas, ou que sofre maus-tratos. Ela ama esses animais maltratados com tanta propriedade que os bichos choram de alegria quando o carro dela entra no portão do canil. A ONG atua por meio da ação direta, da educação e conscientização e também da ação em conjunto com órgãos governamentais. Tenho orgulho do caramba, da minha mulher. Agora eu estava sorrindo bobamente ao observar a felicidade nos olhos dela enquanto beija a minúscula mão do nosso Pedrinho. — Quem te ligou mais cedo? — Levantou os olhos do Pedrinho e fitou os meus. — Um amigo meu, do Sul. O Mikhael. Ele foi ao nosso casamento, mas saímos antes das apresentações. Ele também é da polícia. — Federal? — Não. Um papa mike (Militar). Ele e o pai são os únicos policiais de uma cidadezinha, muito pacata, no sul do país. O máximo que acontecia por lá era roubo nos preços do único mercadinho. Mas, na semana passada um borracheiro apareceu morto com uma marca misteriosa no braço e ontem uma senhora sofreu uma tentativa de assassinato. — Parece que não está nada fácil para seu amigo? — O Mikhael é novo, mas é inteligente. Já tem suspeitos. Segundo

ele, dois forasteiros chegaram à cidade e no mesmo dia começou o rebuliço. Ele vai saber resolver tudo... ou talvez, só talvez, eu precise ir até lá nas minhas férias. — Apenas testei e vi o seu olhar pesar sobre mim. — Nem pense. Está me ouvindo? — Ela levantou um dedo. — Você não vai me deixar de resguardo, com o seu filho no peito, para se enfiar numa cidade com assassinos. Seja delegado perto de mim e não longe de sua família. Eu vou te entregar para o Dudu e vou conversar com o tio Sérgio. Eu não posso ficar nervosa, vou quebrar o resguardo. — Calma, minha vida. — Segurei seu rosto entre as mãos e colei a boca na sua. — Se você for, Luiz Miguel, eu pego a sacola de roupa do seu filho e vou atrás de você. Sei que você não permitiria. Vou usar as armas que eu tenho. Estou de resguardo e existem muitos policiais nesse mundo. — Calma Mar. — Beijei sua testa. — Respira e se acalma. Não vou. Eu não vou sair de perto de você. Não vou, minha vida. Vou ficar aqui. — Seu amigo é casado? — Tem uma namorada de anos, que vai e volta... — Da próxima vez eu atendo o telefone e pergunto se ele deixaria a mulher recém-casada com um bebê no peito, para correr atrás dos bandidos do Pará com você. Eu já conhecia o seu drama carregado de chantagem desde a adolescência, mas ela estava dengosa por aqueles dias. Meu papel era paparicá-la.

— Os seus pais estão na mesa do café. Quer que eu te desça no colo? — Tentei desviar o assunto. — Mais tarde, agora eu quero ficar aqui. Nós três, juntinhos. Você me deixou carente — Desceu o nariz até os cabelos do Pedrinho e os beijou. — Agora é a vez do papai beijar a sua Mamãe, filhinho. — Ela fez um biquinho charmoso e aquilo era uma ordem. Beijei a minha Mar, sentindo a felicidade real percorrer por minhas veias. Aquela era minha menina, mãe e mulher, desejada e amada por toda a minha vida.

FIM

ALÍCIA (EM BREVE NA AMAZON) Spin-off de Herança Familiar — O endereço é esse. E aquela é a casa. — Julia apontou para o outro lado da rua. A casa era cercada por portões de ferros e tinha um pátio por dentro. Uma caminhonete com cabine dupla estava parada na frente do portão e um homem mexia em algo na carroceria. Desci do meu carro e a Julia me acompanhou, segurando o meu braço e me ajudando caminhar com os saltos sobre os paralelepípedos. — Bom dia. Senhor Humberto? — Julia cumprimentou, chamando a atenção do homem, que virou na nossa direção. Era o pai adotivo da Milena. — Eu conheço vocês? — perguntou ao observar a rua. Parecia apreensivo. Eu definitivamente não gostava daquele cara. — Somos voluntárias no orfanato que a Milena morava. — Informei e observei que tinha duas malas sobre a carroceria. — Vai viajar? — Vou. E já estou atrasado. Me deem licença. — respondeu

grosseiro e passou entre nós. — Lúcia Maria! — gritou do pátio interno. — Se você demorar eu vou te largar aí! — Eu quero ver a Milena. — Também entrei pelo portão, mas ele me empurrou para fora e eu quase cair. — Você me empurrou, filho da puta! — Me excedi e avancei nervosa, mas a Julia me segurou. — Entra no carro! — gritou quando a mulher apareceu, segurando a mão de um menino que vestia um pijama verde. — É a minha tia bonita! — A criança se soltou da mulher, correu e abraçou as minhas pernas. Senti uma angústia tão forte queimar o meu peito quando os bracinhos me circularam. Eu não reconheci a criança, mas era a Milena e estava sem a sua principal marca. Minha mãe tinha cortado os cabelos dela um pouco acima da cintura, mas agora estava rente ao couro cabeludo. Tinham passado máquina no cabelo da menina. — Quem cortou o seu cabelo? — Desci para ficar na altura dela e passei a mão em volta de onde deveria ter uma cabeleira. — Está tudo bem, minha tia. Assim também é bonito. — Milena sorriu, iludida diante daquela violência. Vi um corte quase cicatrizado em sua testa e comecei fiscalizar o restante do corpo infantil, sob os gritos do homem. Levantei uma manga comprida do pijama que ela usava e vi manchas vermelhas e recentes no braço. Pareciam ter sido feitas de cinta.

— Como foi isso Milena? — A minha voz saiu furiosa. — Caí e bati a testa, depois caí novamente — Ela mentiu, pude ver medo estampado nos olhos miúdos. Não tinha certeza, mas acreditei ser uma fala ensaiada. — Pegue a menina e coloque no carro, Lúcia! — O cretino do homem gritou e a mulher veio e segurou um dos braços de Milena. — Foram vocês. Sua desgraçada! — Levantei enfurecida e apertei a mão no pescoço dela. — Isso é bom? Você gosta de sentir dor, safada? — Eu caí. Eu caí, minha tia. — Milena gritou e puxou a barra da saia jeans que eu usava. A mulher gritou e eu vi medo estampado nos olhos dela, e também estranhei o cachecol em um dia ensolarado. — Julia, liga para a polícia. — falei, antes de começar desenrolar o cachecol da mulher e ver o pescoço muito machucado, com marcas roxas e algumas partes bastante esfoladas e com pomadas. — Esse desgraçado fez isso com você? — Eu tenho alergia. — justificou e olhou para o homem. — Eu tenho alergia, minha senhora! — gritei, alterada. — Você foi sufocada e também queimaram a sua pele. Foi esse homem. Ele fez isso com você e bateu na menina. — afirmei. — Não! — Ela puxou o pano da minha mão e enrolou de volta no pescoço. — A Milena caiu e se ralou. E eu tenho Alergia. — Tornou afirmar, mas eu não pude dar ouvido as suas mentiras, pois o homem pegou o celular

das mãos de Julia, atirou no chão e xingou-a dos piores nomes. — Não se atreva! — gritei, quando ele apertou o punho da minha amiga, depois que ela meteu a mão na cara dele. — Não foi ele. — A mulher do homem o abraçou e segurou pela cintura. Ela estava protegendo a peste do agressor. — Vamos para o carro Julia. — Segurei a mão dela. Estávamos em desvantagem. Eu só queria tirar a menina dali. — Venha Milena — Olhei para a mulher — E você também. — Entra no carro, Lúcia! — ouvi o grito do desgraçado, mas eu já estava atravessando a rua, segurando a mão da menina e com Julia do meu lado. — Vou tirar você daqui, Milena. — Abri a porta traseira do meu carro e coloquei a menina, contudo, o homem veio por trás e puxou os meu cabelo. — Entra no carro Milena! — gritei quando ela saiu e segurou na perna do homem. — Põe ela no carro, Julia! — Eu não vou parar numa cadeia, por sua culpa! — O homem tentou me arrastar, mas eu mordi o braço dele e corri. Empurrei Julia para dentro da porta traseira e entrei no mesmo lugar. Era a única aberta. — Trava o carro, Julia! — gritei, sem forças para suportar a pressão contrária que ele usava por fora. Julia se espremeu entre os bancos e conseguiu travar as portas do meu carro antes que ele invadisse as da frente. — Você vai para cadeia, desgraçado! — Julia gritou e se afastou

para eu passar entre os bancos e me sentar no banco do motorista. — Covarde! O meu carro nem sonhava em ser blindados. O vidro ficou todo rachado e a porta amassada com seus chutes. Mas eu consegui sair dali. E levei a Milena. — Covarde! Espancador de mulheres! — Julia continuou gritando. — Vamos à delegacia. Minhas carnes tremiam descontroladamente e o ar passou com dificuldade por minha traqueia. A sensação de impotência trouxe cenas tristes e eu escutei nitidamente os murmúrios sufocados da mamãe quando ela sofria no quarto dos fundos. Fechei os olhos, lutando para sair daquele caos do passado, contudo outra imagem foi projetada em minha mente: Eu estava caminhando descalça, em um corredor estreito e muito frio. Os meus pés deixavam rastros de sangue no piso muito alvo e... —... Alicia! — Julia gritou e sacudiu o meu corpo. Abri os olhos, tão rápido, e traguei o ar com tanta força, que meu peito doeu. — São podres, todos eles são. — murmurei, anestesiada pelo lapso doloroso daquelas lembranças. Eu precisava reagir. Não era hora de surtar. — Precisamos falar com a Joana e fazer um boletim de ocorrência. — Como ela está? — Olhei pelo retrovisor e vi a Milena encolhida no canto do banco.

— Traumatizada. Eu também estou. E com muito ódio daquele miserável. Nunca vi isso pessoalmente em toda a vida. Aquela mulher... — Ela se calou. Estávamos exaltadas, mas tinha uma criança abalada no carro. — Eu vou deixar vocês no orfanato. Você vai com a Joana até a polícia e me mantém informada. Eu preciso tentar resolver outra situação. Também é urgente. Antes eu não pensava daquela maneira. Estaria pouco me importando para aquela menina. Eu nem teria ido ali. Eu estava passando por situações que exigiam a minha presença e ação. Meu medo naquele momento era só um: ver a Anninha passando por algo parecido. *** Saí do elevador, no sexto andar do escritório de advocacia da Família Moedeiros. O meu corpo estava estranho e eu senti vontade de tirar as sandálias dos meus pés, mas me contive. Eu já estava bastante perturbada para me apresentar de qualquer maneira. — Felipe Moedeiros, por favor. — Foi a primeira coisa que eu falei quando cheguei perto da secretária daquele andar. — Ele está de saída para uma audiência. — A mulher de trajes sociais comunicou, ao observar o meu rosto. — Passou por aqui, agora a pouco. Acredito que esteja na cantina. — Eu preciso falar com ele. É urgente. — expliquei. — Sou cunhada

da Maria Eduarda Moedeiros. Veja se ele pode sair de lá agora. — pedi, apertando a alça da minha bolsa. Eu estava um pouco aérea. Acredito que o desespero estava estampado na minha face. — Eu volto num instante. — A moça levantou da cadeira e se enfiou num corredor. Era uma mulher de uns trinta e poucos anos. Pareceu ser muito prestativa. Sentei-me no sofá de couro que ficava ali mesmo e abracei os meus braços. O ar-condicionado deveria estar ligado na menor temperatura. Senti mais frio que o normal. Talvez fosse o medo, a raiva pelo ocorrido, ou a bagunça natural que morava em minha cabeça. Um senhor de cabelos brancos e olhos azuis, que vestia um terno de cor grafite e carregava uma maleta na mão, apareceu no ambiente. Ele observou tudo, inclusive atrás da mesa. Era Olavo Moedeiros, o avô de Felipe. Abaixei a cabeça, temendo que ele se lembrasse de mim e dos escândalos que aprontei ao longo da vida. Um deles envolvendo o seu escritório. Eu tinha esquecido aquele detalhe, mas não tinha outro lugar para correr no momento. Pedi socorro ali foi a primeira coisa que passou na minha mente confusa. — Bom dia. Você viu uma moça... já foi atendida? — O velho perguntou, me obrigando levantar a cabeça.

— E-estou aguardando o seu neto, senhor. A secretária foi chamá-lo — mordi o interior da minha bochecha depois daquela frase. Não olhei nos olhos dele. — Você e o Felipe estão se relacionando? — Meus olhos se arregalaram com a pergunta e a aflição aumentou. O velho, definitivamente, me odiava e tinha motivos para isso. Minhas chances de socorro eram cada vez mais nulas. — Não, senhor. — respondi, nervosa e sem conseguir olhar no rosto dele. — Só quero resolver uma situação. — Então... Eu vou... — apontou para o mesmo lugar de onde tinha saído. — Vou voltar e esperá-lo mais um pouco. Ele foi e antes de sumir das minhas vistas, balançou o rosto de um lado a outro. Não sei se me reconheceu, mas algo lhe desagradou. — O que faz aqui? — Felipe perguntou, quando saiu do corredor, trajando uma calça social escura, camisa slim fit azul, gravata skinny. O blazer no mesmo tom da calça estava na mão esquerda e uma mochila nas costas. Ok, observei demais e na hora errada. — Preciso conversar com você, Felipe. — Não tenho tempo. Mas se você veio aqui, acredito que seja algo importante. Consegue falar em um minuto? — disse ele, olhando o relógio de ouro que estava na base do punho da camisa — É o máximo que posso te oferecer. — Preciso de você. Mas do que nunca eu preciso — falei sem

rodeios. Os olhos turquesa se acentuaram, a boca abriu alguns centímetros e a testa retesou três linhas de expressão que não existia. Li perfeitamente o seu espanto. Até eu estava assustada. — Olha, eu preciso acompanhar uma audiência importante agora, não tenho tempo para brincadeiras. — Ele me deixou, mas eu fui atrás e atravessei na frente dele. — Por favor, por favor, por favor... — Eu estava desesperada e o meu orgulho não era mais tão importante. Descansei os joelhos no chão e deixei o peso do meu corpo cair sobre eles. Felipe precisava me ajudar. Era a única chance da Anninha ficar comigo. — Preciso de você. Me ajude. — pedi com a voz trêmula. De cabeça baixa, ouvi o Felipe expulsar uma lufada de ar. Impaciente. Desconfortável. Aturdido. — Certo! O que está acontecendo? — Ele segurou o meu braço e me fez levantar. — fala. — insistiu. — Lá no orfanato onde estou sendo voluntária, tem uma bebezinha com Down. Ela é muito linda e acabou de completar seis meses. Anna Flor, o nome dela. Ela gosta de ouvir música e que façam carinho nos cabelos dela, mas precisa ser um movimento circular e com a ponta dos dedos. E... Ela é forte e muito esperta. Já está se alimentando sem a sonda. — Sorri, procurei as reações do rosto dele, mas nada estava acontecendo. O meu desespero só aumentou — Eu a amo, Felipe. Amo muito. Isso veio do nada e está

mudando algumas coisas na minha vida... — Parei um pouco e respirei. — Agora apareceu um casal querendo adotá-la. Vão levar a Anninha para sempre do orfanato, Felipe. — Isso é ótimo. — Ele segurou nos meus ombros e deu uma sacudida — Agora preciso ir. — Me deixou, como se não tivesse ouvido nada importante. Mas eu estava sofrendo e com medo de perder a Anninha, por isso dei a volta e parei na frente dele. — Você me ouviu dizer que a amo? — Isso é maravilhoso! — Ele abriu os braços e sorriu superficialmente. —Não apronte nada por aqui. — Eu quero adotá-la. — falei, quando ele deu as costas e foi o suficiente para o loiro virar na minha direção. — Sério? — Sim. Quero muito. Mas sou nova, solteira e não tenho profissão, tampouco dinheiro. O casal tem prioridade. Eles são médicos. — Você quer orientação profissional? — Não é isso, Felipe. — Suspirei, desanimada — É que... Você é advogado, tem grana e sua família tem influência no nosso Estado. Quero que, por favor, você aceite se casar comigo. Só assim eu terei chances de ficar com a Anninha. — falei sem nenhuma esperança. Vi seu blazer cair no chão. Ele ficou sério e apesar de estar olhando

na minha direção, seu olhar pareceu longe e eu não soube discernir o impacto. Felipe sempre teve nuances secretas que eu não conseguia ler. — Volte para casa de táxi. É perigoso dirigir assim, drogada. — Pegou o blazer e me deixou. — Não, não, por favor. — Segurei as duas mãos em torno de seu braço. — Eu aceito qualquer condição. Estou em meu perfeito estado. — O seu problema é ainda mais sério. — riu insatisfeito. — Você deveria me agradecer, por eu ter te escolhido para ser o pai da minha filha. — Então, do nada, você aparece aqui... uma peste que me atormentou a vida toda, devo lembrar... — Felipe, por favor. — O interrompi, suplicando. — E, devo agradecer, por ter sido escolhido, para ser o pai de uma criança não planejada, com uma mulher de caráter duvidoso e completamente louca? — Me desculpe. Eu não deveria ser prepotente agora. Não me preparei para te pedir isso, só peguei o carro e parei aqui. — Alicia, volta para casa e converse com a sua mãe. Eu faria alguma coisa, se você fosse problema meu. Preciso trabalhar agora. — Por favor. — Ajoelhei novamente. — Acabei de ver uma criança sofrendo nas mãos do pai adotivo. A Anna Flor é ainda mais indefesa. Estou me humilhando, porque uma mãe faz qualquer coisa por um filho. Estou

conhecendo o sentido dessa frase. — Eu jamais me casaria com você, tampouco deixaria essa pobre criança aos seus cuidados. Levante-se. — Eles vão levá-la para longe de mim. — Minha voz falhou duas vezes. — Por favor, Felipe. Ela não vai se acostumar com outras pessoas. Eu tenho medo que alguém se aproveite da condição dela para maltratá-la. Estou sofrendo. Me entende. Ele tirou os olhos de mim, passou a mão nos cabelos, respirou firme e depois me olhou novamente. Estava com aqueles trejeitos que eu não conseguia decifrar. — Você não cuida de você, como pretende fazer isso por uma criança que necessita de cuidados especiais? — Sua pergunta transmitiu possibilidades. Olhei firme dentro de seus olhos e sorri, me agarrando a um fiapo de esperança. — Sei trocar fraldas, banhar e colocar para dormir. Aprendi até alimentá-la pela sonda. Faço tudo direito. — Vai para casa, toma um banho bem frio e dorme. Quando você acordar vai ter esquecido essa ideia. Tenho uma audiência importante para acompanhar e preciso cuidar da minha vida. — Se você aceitar — Segurei a mão dele — Poderá ter o meu corpo quando quiser. Pode fazer qualquer coisa. — Beijei sua mão. — Vou estar sempre disponível para você. Só preciso de tempo para cuidar da Anninha,

antes de tudo. — Que merda é essa? — Ele suspirou e apertou o polegar e o indicador nos olhos. — Vou te colocar num táxi. — Não, por favor, por favor. — implorei, enquanto ele me carregava na direção do elevador. — Você não quer ter um filho? — Iniciei o último estágio de desespero e o choro veio forte. — Será que ninguém na sua casa vê o que está acontecendo?! — Ele me encurralou na parede de aço do elevador e segurou os meus ombros. — Vão esperar você cortar os pulsos para tomarem uma providência?! — Me desculpe, eu realmente, sinto muito. — Abaixei a cabeça. Envergonhada, sem a minha fachada de dignidade. — Olha o seu corpo, Alicia. — Ele me fitou nos olhos. — OLHA O QUE ESTÁ ACONTECENDO! — Sem retirar as mãos do meu ombro, Felipe pendeu o corpo para trás e me fiscalizou — VOCÊ ESTÁ DOENTE! — Vou dar um jeito. Uma dieta mais severa vai resolver tudo isso. Prometo que vou perder o que está sobrando. Só me aceita. Pela Anninha. Felipe não falou nada. Enquanto ele me olhava, igual todas as pessoas faziam, com pena e aversão, afundei a unha na pele do meu braço esquerdo. Precisava daquela dor, por hora supria a minha necessidade. Logo eu voltaria para casa e teria mais alívio. — Essa audiência é muito importante para minha carreira. O meu avô está contando comigo. É o meu futuro que está em jogo. Não posso lidar com você agora! Essa responsabilidade é da sua família.

O elevador parou. Ele continuou me levando pela mão. Precisei correr para acompanhar os seus passos. — Você não deseja o meu corpo, mas eu não tenho outra coisa para oferecer em troca. Não sou frígida, sei dar prazer. — CALA ESSA BOCA, ALICIA! — Felipe gritou, largou a minha mão e me deu as costas. — Você precisa de um acompanhamento psicológico. Propôs esse caralho a quantos, antes de mim? — Eu só pensei em você. Não consigo pensar em outro de confiança para conviver com a Anninha. E que seja solteiro. Depois de você eu vou recorrer ao seu Eduardo. Ele virou, veio na minha direção e a fúria retida em seus olhos me fez recuar um passo. — Que Eduardo? — perguntou ele. — O-o seu tio. — O tio Edu? VOCÊ VAI SE OFERECER AO MEU TIO EDU, ALICIA? — Movi o rosto de um lado a outro, discordando da ideia. — POR QUE O TIO EDU? Eu não estou acreditando que ouvi uma desgraça dessa! — Virou às costas outra vez. Provavelmente lutando controlar a fúria. — Aposto que você não trata aquela Mariana assim. — falei, com a voz embargada. Claro que não, eu era a outra da história — Só estou me humilhando pela Anninha. — A Mariana não é imatura igual você. Ela não tem as suas ideias loucas, e principalmente, ela não pensa em se oferecer ao tio Edu. AO MEU

TIO, ALICIA! O QUE VOCÊ TEM NA CABEÇA? — Foi apenas uma ideia errada, em um momento de desespero. O seu tio é bondoso e bem diferente de você. Por isso, pensei nele. — Ah, ele é bondoso? — Felipe riu dignado e chutou o pneu de um carro que estava próximo. Deve ter doído, mas ele disfarçou. — Assim eu vou acreditar que você está com ciúmes do seu tio, Felipe. — Cutuquei na hora errada e me arrependi. O medo foi perder a minha única chance. — Não tenho esse tipo de pensamento com o seu tio. A ideia seria ele e a mulher ficar com a minha criança, assim eu poderia visitála. — Faz o que eu falei. Vai tomar um banho e dormir. Já era a segunda vez que ele me mandava tomar banho. Transpirei um pouco no momento da febre, estava com pequenos caroços por conta disso, mas não era possível que eu estivesse tão suja. Me abracei, envergonhada e tentei outra vez: — Sou uma mulher, Felipe. Mesmo com toda essa aversão e falta de interesse, você pode fechar os olhos e imaginar ser qualquer outra na sua cama. Também pode me xingar. Vocês homens gostam e não é uma situação inédita. Duas doses de... — Para com isso! — Ele virou de repente e abraçou o meu corpo bem apertado, mexendo com a minha resistência respiratória — Não fala

mais isso. — Senti o seu coração bater no meu peito. Estava no mesmo ritmo do meu. — Eu vou te levar para casa — Beijou a lateral do meu cabelo, se afastou um pouco e passou os polegares em meus olhos. — Nunca mais fale isso. E... não me faça brigar com o meu tio. Eu confirmei apenas movendo o meu rosto, sem conseguir reagir ou entender se era um sim ou um não. — Estou de carro... — falei, quando ele alisou os meus cabelos, bem rente as minhas bochechas. — Eu fico com as suas chaves. — Me interrompeu, segurou a minha mão e continuou me conduzindo, dentro estacionamento. Quando alcançamos o seu carro, ele abriu a porta do carona e deu a volta para assumir o volante. Eu demorei um pouco no lado de fora, mas quando ele ligou o carro, entrei rápido e coloquei o cinto de segurança. — Você almoçou? — perguntou quando assumiu o volante e tirou o carro do estacionamento. — Não tive tempo. — O celular dele tocou dentro da mochila, próximo aos meus pés. Ele largou o volante, abriu o zíper, mas eu me adiantei e segurei a bolsa para procurar o aparelho. — Toma. — Entreguei, depois de ver que era uma ligação do avô dele. Felipe olhou o visor e desligou o aparelho antes de colocá-lo no espaço entre suas pernas. Mas eu não olhei direito, só pelo reflexo. Ele não falou mais nada durante o percurso, tampouco me olhou durante as paradas de sinais de trânsito. Estava muito quieto e o músculo de

seu rosto tremia. Não dava para saber se ele cederia ao meu pedido? — Onde estamos? — Estranhei a estrada. Ele não me respondeu, mas abriu os vidros do carro para que eu olhasse. — Está pensando em fazer algo de errado comigo, Felipe? — firmei as mãos no banco e fiquei alerta. — Você não precisa de mim para isso. — respondeu ríspido. — Eu não tenho saído com ninguém e não tenho nada de errado no sangue. Os últimos exames deram tudo certo. — Talvez essa fosse a sua preocupação. — Você está proibida de sair com caras, e, principalmente, ter relações sexuais, de qualquer tipo — murmurou com os olhos na estrada. Parecia um robô dirigindo o veículo. — É uma exigência? — perguntei, tentando não me precipitar. — Batize como achar melhor. — respondeu, inflexível. Passei a mão no meu cabelo e tentei colocá-los no lugar. Eu estava um desastre. Olhei os carros que passavam na pista e senti o vento fresco tocar o meu rosto, secando as minhas lágrimas e acalmando o meu espírito. Eu não podia perder a fé. Logo ele me daria a resposta positiva. — É o meu apartamento. — Felipe quebrou o silêncio, quando entramos numa garagem de edifício. Uma gastura boa perambulou no meu estômago, me obrigando apertar o lugar, cuidando para não deixar transparecer. Era pela Anninha.

— A Anna Flor é linda. Os cabelinhos dela são quase ruivos, mas não é. — Sorri com a lembrança dela em minha mente. — Ela não chora muito. Ele desligou o carro, pegou o celular e saiu. Suspirei abatida e tentei acompanhá-lo. — Se não consegue andar, por que não tira os tamancos? — perguntou ao travar o carro, depois de perceber a minha curta corrida. — Estou andando normal. — Era mentira. Minhas pernas estavam trêmulas de tanta fraqueza. — Você está morando aqui? — perguntei, abraçada a minha bolsinha, já dentro do elevador. — Não definitivamente. — Selecionou o décimo quarto andar e abaixou, me assustando. — Usa um sapato tão alto e não tem forças para andar sobre ele. — reclamou e começou desabotoar as minhas sandálias peep toe, salto 15. — E a audiência? O seu avô... — Era importante. — Ele cortou a minha frase. — Eu poderia ter voltado no meu carro. — É, poderia, mas eu não deixei. — Segurou na minha panturrilha e esperou eu sair de um salto e depois do outro. — Venha. — Levantou-se com minhas sandálias da mão. O elevador parou, ele saiu e eu o segui com pé no chão, bem devagar, e agarrada a minha bolsa.

— É aqui? — indaguei, parecendo uma tonta, observando a porta aberta. Eu não deveria me sentir tão adolescente perto dele. Eu só sabia lidar com o outro Felipe, o que eu confrontava sempre que podia, mas aquele outro lado, lembrava do príncipe do primeiro encontro. Eu voltava ser aquela garotinha, sonhando acordada depois de uma poeira de carinho. — Vai ficar aí fora? — perguntou lá de dentro, jogando minhas sandálias no chão e puxando a gravata do pescoço. Um ogro. Isso sim! Aquilo nunca foi príncipe. — Por qual motivo estamos aqui? — Entrei e fechei a porta atrás de mim. — Você precisa de um banho. — falou, de costas e mexendo no celular. Eu desci o meu nariz e cheirei próximo as minhas axilas, mas não consegui identificar odor forte. — No último... — Ele me pegou no flagra durante a inspeção. Consertei-me rapidamente. — Lá no terceiro quarto. Venha. Fiz o que ele pediu e entramos na última porta de três. As cores do ambiente eram neutras. Só tinha uma cama e um imenso guarda-roupa. Entortei o meu nariz. Não tinha nada de interessante para observar. Bem... O Felipe estava mexendo no guarda-roupa. — Essa vai servir. — Ele me entregou uma camisa preta de malha.

— Para quê isso, Felipe? — perguntei antes de pegar a peça. — Banho, comida e cama. É disso que você precisa. Vá se cuidar no banheiro. Vou pedir sua comida e enfrentar a fúria do meu patrão. — O que estou te propondo é um casamento de aparência, por um tempo. Não sei nada sobre isso, mas você deve saber como funciona. É só pela minha crian... — Banho, comida e cama, Alicia. — Me interrompeu. — Tem toalhas limpas no banheiro. Aquela é a porta — apontou e saiu do quarto. O bicho era mesmo um ogro com cabelo de anjo. Depois não queria ser comparado ao seu Eduardo, que parecia ser ríspido, contudo, era muito gentil e falava da mulher com brilho nos olhos. — Você deveria aprender ser gente com o seu tio. — Sacudi a peça de roupa na minha mão, antes de aproximar o tecido do meu rosto e senti uma mistura de canela, madeira de cashmere, patchouli e ládano. O cheiro do ignorante. Eu sabia as notas, pois, procurei todas elas anos antes numa loja de essências. Foi apenas curiosidade, até porque o aroma era horrível. Só quis saber a origem da tragédia. — Ninguém merece sentir um odor tão desagradável como esse. — murmurei e fui para o banheiro com a camisa no mesmo lugar, perto do meu nariz. — O que uma mãe não faz por um filho?

Outras Obras

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Um contrato. Milhões de reais em jogo. Uma jovem inexperiente; um homem ambicioso e avesso a sentimentos. Oito anos de separação e uma corrida contra o tempo para recuperar a família, antes do fim do contrato que impede o divórcio. Esta, é a história de um homem que exaltou a ambição e os prazeres

momentâneos e perdeu o verdadeiro amor de sua vida. "Perdão, amor. Quero você e nossa filha de volta.”

"Eduardo analisou o rostinho de Dudinha; ela tinha os olhos de Maria Fernanda, mas os traços do rosto eram seus, e os cabelos, de sua mãe Suzane. Ele sentiu uma vontade enorme de abraçá-la e acariciar os cabelinhos que eram como fios de ouro. Sentiu o coração bater forte no peito. Estava rendido pela emoção. Ele tinha uma filha. Uma menina linda e esperta. Ali estava seu melhor projeto. Um projeto lindo. Tinha feito algo de bom na vida. Agora sim, lutaria com esperanças. Havia uma luz no final do maldito túnel que construiu. Teria o amor de sua família de volta.” [1] [2] [3]

Nunca esqueça a vingança Desculpe-me, com licença! Oi...

[4]

Só não esqueça a vingança Seu sorriso é lindo. [6] Soco de baixo para cima. [7] Maravilhoso [5]

[RS1]Ele fala sobre uma gravidez? Se sim, poderia completar — diz ao tocar a barriga de Duda.
Heranca Familiar - Pry Olivier

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