#2 Sobre Eu E Você

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Para minhas anjas-demônias que me enchem de amor mesmo a distância e você não preciso dizer seu nome para que saiba que faz parte de todos os meus pensamentos!

Copyright © 2020 F. F. Macal Todos os direitos reservados. É proibida a distribuição ou cópia de qualquer parte desta obra sem permissão escrita da autora sob pena de ações criminais e civis. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Edição: 1ª Revisão, Capa e diagramação: GD² Serviços Editoriais

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens e acontecimentos descritos são produto da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Esta obra foi escrita e revisada de acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa. O autor e o revisor entendem que a obra deve estar na norma culta, mas o estilo de escrita coloquial foi mantido para aproximar o leitor dos tempos atuais.

Sumário Sumario Um Dois Três Quatro Cinco Seis Sete Oito Nove Dez Onze Doze Treze Catorze Quinze Dezesseis Dezessete Dezoito Dezenove Vinte Vinte e um Vinte e dois Vinte e três Vinte e quatro Vinte e cinco Epílogo Agradecimentos Outras obras Em breve

"Eu odeio você, EU ODEIO VOCÊ!". A voz de Cecília ecoa nos meus ouvidos por alguns segundos antes que eu consiga reagir a elas e nesse curto espaço de tempo ela já saiu em disparada sem me dar a chance de explicar como as coisas são realmente. — Saiu melhor do que eu imaginei — ouço Arnoldo dizer com uma voz vitoriosa e minha vontade é quebrá-lo aqui e agora, mas não posso perder mais tempo com ele, não agora. — Eu vou matar você! — digo e saio em disparada atrás da minha anja, algo no fundo da minha mente me dizendo que fodi com tudo e que agora terei o que mereço. Chamo por ela, mas não consigo fazer com que espere por mim, ao invés disso ela acelera ainda mais indo em direção a entrada da propriedade, de longe vejo como todos observam atônitos ela passar e não fazem porra nenhuma para impedi-la. O que há de errado com esse povo? Será que não estão vendo a mulher que eu amo me deixar? — Cecíliaaaaaaaaaa! — grito seu nome mais uma centena de vezes, no entanto é como se não falasse nada. Ela passa pelos portões e segue para a esquerda, dentro de mim

desperta o medo que nessa sua corrida desenfreada algum maluco acabe por atropelá-la, mas minha preocupação morre ao vê-la dar partida em um carro e partir. Meu ar fica preso nos meus pulmões por alguns segundos antes que eu consiga identificar o bastardo que lhe cedeu o veículo para sua fuga como o mesmo cara com quem ela estava na boate na segunda vez que nos encontramos por lá, ele tem um sorriso debochado nos lábios e não penso duas vezes antes de socar sua cara com gosto. — O que você fez, seu imbecil? — grito partindo para continuar esmurrando-o, mesmo depois de caído. — Cícero, pare! — Vozes chegam até mim, mas não dou ouvidos, soco a cara dele mais uma vez e o idiota nada faz para impedir, isso faz apenas com que meu ódio aumente. — Amigão, já chega! — Os braços de Alex me circulam, impedindo que continue batendo no imbecil que agora levanta e cospe sangue aos meus pés e mantém o sorriso no rosto. — Ela foi embora, se livrando de você, foi isso que eu fiz! — diz cheio de si. — Eu vou matar você, filho da puta! — Tento me livrar dos braços de Alex, mas ele ganha o reforço de alguns dos nossos companheiros de trabalho que apelam para o meu lado profissional.

— Cara, ele não vale a pena, pensa que querendo ou não você é um militar, esse bostinha pode abrir queixa contra você! — Bernardo fala entrando na minha frente, impedindo o meu avanço. — O que está acontecendo aqui? Raul, que sangue é esse, meu filho? — Olho para trás e o olhar de dona Clarisse me queima fazendo com que me encolha constrangido. — Onde está minha neta, Cícero? — Eu não sei, não tive tempo de conversar com ela — começo a falar, mas seu olhar duro me faz calar de imediato. — Ela saiu para conversar com você e voltar em seguida para começarmos a cerimônia, como agora me diz que não sabe onde ela está? O que você fez com ela? Engulo em seco e balanço a cabeça tentando clarear minha mente, tento entender tudo isso também, como em um segundo eu estava lá disposto a abrir meu coração para ela e no seguinte estava esmurrando um cara na frente da Fundação da minha família. Olho ao redor e vejo que uma pequena multidão se formou para assistir ao show, todos olhando curiosos o que se passa aqui. — Tem alguém que pode explicar melhor do que eu, mas precisamos de um pouco de privacidade. Você, filho da puta, vem também — falo ao lembrar do pedaço de merda que ficou no quarto em que eu estava. — Pode

me soltar, Alex, não vou matar esse merdinha, hoje não. Os braços do meu melhor amigo me soltam e viro em direção do caminho por onde eu vim, pouco me importam os olhares ou cochichos a minha volta, é como se algo dentro de mim estivesse quebrado, talvez seja minha capacidade de sentir, Cecília levou com ela para onde quer que tenha ido. — Você vem também, sim! — escuto dona Clarisse dizer a alguém, mas não perco tempo olhando para trás, tanto faz. O caminho de volta ao lugar onde tudo desandou parece se estender por uma eternidade, minhas pernas pesam mil quilos cada uma e para piorar ainda não consegui respirar novamente. — CALA A SUA BOCA, BABACA! — a voz de Luana ecoa por todo o corredor do segundo andar. Apresso o meu passo para ver o que está acontecendo, minha irmã não é de perder a calma, nem quando tento deixá-la irritada ao ponto de gritar assim. — Quem vê assim até acredita que você não é só uma pirralha mimada demais para entender o que está acontecendo aqui, agora saia da minha frente antes que eu a faça sair à força — ouço Arnoldo ameaçá-la no segundo que chego à porta do cômodo onde estava.

— Agora deu para ameaçar mulheres também, seu bosta? — Tiro Luana do caminho e agarro a camisa do imbecil com força. — Será que não fez estragos o suficiente por hoje? — Não, estrago seria se não tivesse conseguido evitar que a minha filha casasse com você. — Ele abre um sorriso de júbilo que morre assim que mais pessoas entram no quarto. — O que esse lixo está fazendo aqui? — dona Clarisse diz com a voz repleta de nojo e repúdio. — Ah, que lindo, a velha bruxa está aqui também! — Arnoldo zomba da mulher que perdeu a filha por culpa dele e o soco que recebe a seguir é mais do que bem merecido. — O que está acontecendo aqui, alguém pode me explicar? — minha mãe pergunta tomando a frente. — Onde está Cecília, por que ela saiu daquele jeito? — O que aconteceu é que seu enteado mentiroso foi desmascarado, por mim! — Arnoldo fala se levantando. — O que você está fazendo aqui, Arnoldo? Não lembro de tê-lo convidado. — Minha mãe olha em volta confusa. — Não, não fui, mas deveria, sou o pai de Cecília, nada mais do que justo estar aqui para impedir que ela cometesse um erro ao casar com o

bastardinho aí. — Lave a boca antes de falar do meu irmão, seu nojento! — Luana parte em minha defesa. — Por que não conta para todos aqui presente que você manteve Cecília ao seu lado por uma mentira? E depois que descobriu a verdade continuou com a farsa? — O merdinha que ajudou Cecília a fugir fala, indo se colocar ao lado de Arnoldo. — Você sabia? — Olho incrédulo para ele. — Descobri há poucos dias, estava no trabalho quando o convite para a despedida de solteiro dela chegou e o meu chefe, o Dr. Arnoldo, viu e perguntou quão amigo dela eu era, eu disse que era do tipo que faria qualquer coisa por ela, foi quando me contou que era o seu pai e toda a verdade sobre você. — Ele me olha como se tivesse feito o maior ato altruísta da sua vida. — E não pensou em falar isso para ela em um momento diferente? Esperou até que tudo estivesse organizado para aparecer como o salvador dela, não é mesmo? — Estreito os olhos indo em sua direção, mas Alex me segura. — Ele não vale a pena, cara. — E você se considera amigo dela, Raul? Sabe o quanto ela odeia o homem para quem você trabalha e com quem conspirou? Agora me diga para

onde minha neta foi. — Dona Clarisse se aproxima dele decidida. — Eu não sei, ela apenas disse que entrará em contato com a senhora em breve. — Ele dá de ombros e vejo em câmera lenta a mão da senhora a minha frente ir de encontro ao seu rosto, não de uma forma gentil e sim em um tapa que ressoa fazendo todos ao redor calarem. — Você acha que fez uma coisa boa para ela, mas não sabe nada e se algo ruim acontecer com a minha neta eu o responsabilizarei juntamente com esse monte de nada para quem você trabalha — sua voz cai uns dois tons se tornando ainda mais ameaçadora. — A senhora deveria culpar a ele, não a mim! — Raul tenta se defender a olhando indignado. — Eu culpo quem eu vejo como dono da culpa, não tente me ensinar nada, seu moleque insolente! — diz e vira-lhe as costas. — Venha, Cícero, leve-me para casa, pois temos algumas coisas para conversar. — Sim, tudo bem, — digo e a acompanho, mas minha mãe me para ao passar por ela. — Você não vai me explicar o que está acontecendo aqui? — Odeio vê-la perdida assim, mas não estou em condições para nada. — Eu lhe explico, mãe! — Luana diz com pesar na sua voz. — E o que faremos com os convidados e toda a comida preparada? —

Silvana pergunta um tanto confusa, olho para ela e imagino que essa mesma expressão estava no seu rosto ao se deparar com um recém-nascido que não era seu para cuidar. — Faça a festa, não desperdice comida, só não terá mais casamento. Não espero por uma resposta dela, saio do quarto sem olhar para trás, vou deixar dona Clarisse em casa e vou para a minha, talvez tudo que preciso é quebrar alguma coisa para quem sabe assim diminuir essa sensação de vazio desesperador que sinto no meu peito. Eu deveria saber que ela seria minha ruína, afinal foi colocar os olhos nela para sentir coisas que nunca imaginei serem possíveis, não para mim.

— Por que não contou a verdade quando descobriu? — dona Clarisse pergunta depois que termino de contar a ela minha versão da história e surpreendentemente não me olha com raiva, sim com pesar. E quando falei que no início achava que o que sentia por sua neta fosse apenas tesão, tudo bem que não disse com essas palavras, ela apenas

balançou a cabeça e mostrou-se compreensiva. — E-eu não sei, por vezes tentei começar o assunto com ela, mas as palavras não saíam da minha boca. — Agora pode ter certeza de que a burrada está feita e se quiser reverter isso não será fácil — ela diz olhando no fundo dos meus olhos. — Eu não sei se quero reverter nada, isso na verdade foi um sinal de que essa merda que as pessoas chamam de amor não é para mim mesmo, não sei como fazer algo assim dar certo — digo, levantando do sofá e indo em direção à porta. — E vai desistir dela sem lutar? — pergunta e pela primeira vez desde que a conheci não vou dar ouvidos aos seus conselhos. — Ela desistiu sem me dar a oportunidade de contar minha versão, não vejo motivos para lutar aqui, chame Adeline para ficar com a senhora até sua neta resolver aparecer e quando isso acontecer diga para ela que sinto muito, eu não queria... — Engulo em seco, uma bola se formando na minha garganta. — Não queria o que, filho? — Balanço a cabeça para evitar que as imagens do seu olhar magoado voltem ao centro da minha mente. — Foi melhor assim. Saio da casa onde o cheiro dela se faz tão presente e caminho

apressado até o meu carro, meu coração disparando por não conseguir me livrar do olhar de Cecília, a cada vez que fecho os olhos é como se a enxergasse me fitando magoada. Entro no carro e dou partida sem saber ao certo para onde ir, ficar em casa não me parece uma opção possível, não sem que eu destrua o lugar por completo. Dirijo pelo que parece uma eternidade e sem que me dê conta estou estacionando em frente a Revolution, boate onde tudo começou e agora onde enterrarei esse sentimento maldito que deixei se infiltrar pelo meu peito, mas ele acaba aqui e agora ou é certo que irá acabar comigo e isso eu não posso deixar.

"Oi, você ligou para a Cecília, sabe o que fazer depois do bip!", a voz dela na porra da mensagem do correio de voz me saúda e é como se uma lâmina passasse pelo meu peito, o fazendo em pedacinhos. — Eu sei que já mandei outras mensagens, mas eu sinto muito! Mas porra, você não me deixou exxplicar, eu poderia exxxplicar, volta pra casa

minha anja-demônia. — Essa é a décima ou vigésima mensagem que envio desde que comecei a beber, minha voz já está mais arrastada do que eu gostaria de admitir. Ouço o som que indica que o limite de tempo acabou e retorno a ligar apenas para que possa ouvir sua voz mais uma vez, foi só isso que restou para mim, ouvir sua voz através da merda de um correio de voz. — Mais uma! — digo para o barman, sinalizando meu copo vazio. — Pode deixar a garrafa aqui logo! Faz cerca de uma hora e meia que estou aqui sentado no bar da casa noturna no banco mais afastado das demais pessoas que, ao contrário de mim, usam esse espaço para escolherem os parceiros de jogo, seja entre casais ou entre pessoas solteiras, solteiras como eu estou já que aquela anja-demônia me largou. — Não, ela é só demônia, uma demônia-diaba! — digo alto para que todos possam ouvir e aprenderem que ninguém pode confiar nas demônias de traseiros empinados e línguas afiadas, essas são as piores espécies de diabas. — Acho que você já bebeu mais do que devia, Comandante! — Sinto uma mão tocar o meu ombro e olho na sua direção. Aperto os olhos um pouco para identificar a quem ela pertence, tudo está borrado, mas a chama vermelha que forma sua cabeleira é inconfundível.

— Nathany, que bom ver voxê por aquii! Não, não é bom, é ótimo! — Você não deveria estar em lua de mel nesse momento? — Não gosto mais da presença dela, ela tinha que falar na demônia-diaba. — Não, se fosse o caso estaria lá agora. — Viro as costas para ela, se vai começar com essa conversa eu paro. Pego a garrafa de tequila deixada pelo barman e ponho uma boa dose no copo, viro e já encho ele novamente e começo a rir ao lembrar que não muito tempo atrás Alex estava aqui, na mesma posição que eu, e me rogou uma praga, ele e sua boca maldita, mas também quem não se deixaria envolver por aqueles olhos incrivelmente negros, aquele corpo bem desenhado, cada curva no lugar exato para enlouquecer qualquer um, aquele sorriso ora malicioso, ora tímido, ora atrevido e levado? Poderia resistir a Cecília? Com certeza não eu. — Então não casou e está aqui enchendo a cara, não preferiria uma boa foda? — Sua mão desliza pelo meu braço e pela primeira vez quero retirar a mão de uma mulher de mim, mas daí me lembro que não tenho por que recusar. — Eu, você e outra pessoa, não me importo qual o sexo — respondo sem virar para olhar que direção ela toma em seguida. Fecho meus olhos momentaneamente e lá está o motivo da minha

ruína, minha anja-demônia me sorri atrevida através do espelho enquanto eu a fodo como louco no vestiário do Centro de Controle de Tráfego Aéreo, basta a lembrança dela para que meu pau desperte para a vida e meu corpo inteiro esquente e queira sair por aí atrás dela, seja lá onde ela estiver. Esse sentimento não é algo com que esteja habituado ou preparado para ele, nunca senti como se não pudesse respirar como agora, muito menos me esforcei tanto para desfazer o nó que está preso na minha garganta. — Comandante, temos companhia! — Nathany se apoia no balcão ficando de frente para mim, ela morde o lábio e sorri, mas não acho isso atraente, falta alguma coisa aqui. — Vamos lá! — digo ficando de pé em um pulo, mas seguro no balcão quando o mundo gira rápido demais para mim. — Quem vai conosco? — pergunto sem realmente estar curioso sobre. — É o seguinte, aquele grupo no canto do balcão nos convidou para um jogo em equipe, se quiser estarão nos esperando no quarto oito em cinco minutos — ela diz, acenando para eles que erguem seus copos e taças em cumprimento. — Não fodo com homens — respondo por notar que há apenas duas mulheres entre três homens. — Eu topo se minhas regras forem aceitas. — Você tem regras agora, Comandante? — O sorriso dela se amplia

ainda mais. — Agora tenho! — Ok! — Mais uma vez ela sai me deixando com minha bebida, torno a encher meu copo e antes que possa pensar sobre ela está ao meu lado, tocando meu peito por cima da camisa. — Eles topam e já estão indo para lá! — Aproxima a boca da minha e quando está prestes a me beijar viro o rosto. — Será apenas uma foda, sem beijos. Seguro em sua mão e deixo que me guie pelo conhecido corredor, não confiando que eu possa ser aquele quem leva, minha visão está levemente prejudicada pelo álcool. Nathany abre a porta e na luz vermelha que envolve o quarto posso ver as duas mulheres sendo tocadas em todas as partes possíveis pelos homens que as cercam, o grupo percebe nossa chegada e param momentaneamente, as mulheres caminham em nossa direção já despidas e ficam à minha frente com sorrisos lascivos ao darem uma boa olhada para mim e minha parceira. — Vocês estão vestidos demais — dizem e começam a nos despir.

De início não sinto absolutamente nada com elas me tocando, é como se eu estivesse assistindo um pornô ruim pela televisão, daqueles que você percebe claramente que o ator tomou alguma merda para ficar ereto, mas no meu caso eu estou de pau duro desde que a lembrança de Cecília veio à minha mente e pensar nela agora só faz com que fique ainda mais duro. A mulher da minha direita toca a minha ereção sobre o jeans e sorri satisfeita achando que ela causou isso em mim. — Um jogador bem-dotado, que delícia! — Ela morde os lábios e se inclina na direção da minha boca. — Sem beijo e irei fodê-la por trás! — A ideia me vem na cabeça nesse instante e não a paro antes de sair pela boca. — Você quem manda, querido. Deixo que retire o restante da minha roupa, enquanto isso vejo que Nathany já está despida e caminha na direção da cama, ela se ajoelha e um dos caras deita atravessado, o outro a puxa pelo rabo a fazendo ficar de quatro com o pau do anterior bem à sua frente e o terceiro homem posiciona o pau na boca do sujeito deitado, eles estão em um nó perfeito. Já sem minhas roupas caminho até o sofá e sento deixando minhas pernas abertas e olho para

as duas garotas a minha frente que parecem prontas para brincar. — Que tal se começássemos com vocês duas dando um beijinho carinhoso uma na outra? — Elas sorriem e trocam um selinho. — Boas garotas, agora quero que uma deite aqui no sofá ao meu lado e a outra vai te chupar a sua boceta enquanto eu assisto. Afasto para abrir espaço e logo a garota que tentou me beijar deita e a outra se posiciona por cima, sua bunda fica empinada na minha direção e tudo que preciso fazer é virar para ter acesso ao seu canal liso e já bastante melado, toco ela na sua entrada primeiro com um dedo e vendo sua surpresa seguida de um gemido de prazer introduzo o segundo dedo e os giro dentro dela, ela sorri e cai de boca na boceta a sua frente, viro um pouco mais e toco seu clitóris com o polegar fazendo movimentos alternados, ora círculos, ora triângulos enquanto com a outra mão toco seus seios que balançam com os movimentos que ela faz ao chupar sua colega. Ficamos nessa posição por alguns minutos, eu a fodendo com meus dedos e ela fodendo a colega com a boca, quando percebo que está se aproximando do orgasmo paro e espero que os espasmos diminuam para recomeçar tudo outra vez, ela geme e se retorce buscando o atrito que estava lhe proporcionando, na terceira ou quarta vez eu paro e a pego desprevenida ao trocar meus dedos pela minha língua, a penetrando com dois dedos no seu cuzinho guloso que os recebe com gosto, acelero o movimento ao ponto de

sentir seus músculos se contraírem apertando tanto minha língua quanto os meus dedos e em questão de segundos ela goza, soltando um gemido rouco e desesperado. Quando seus tremores diminuem dou uma palmada na sua bunda e indico que ela deve trocar de lugar com a sua amiga que nesse meio tempo ficou de lado, restando para ela apenas a tarefa de se tocar em busca de prazer. A garota deitada sorri e prontamente muda de posição ficando por cima da amiga agora, que olha para a cama onde as coisas evoluíram ainda mais, é visível que deseja ir para lá e não serei egoísta, não tirarei o prazer de ninguém. — Vá! — digo, piscando-lhe um olho e ela praticamente corre até lá. — Agora somos eu e você! — Estamos aqui para isso! — a garota responde já empinando a bunda na minha direção. Não preciso de muitas preliminares com ela, a sua colega fez um bom trabalho pelo tempo que conseguiu se controlar, puxo sua bunda na minha direção e segurando o meu pau na base o movimento entre suas nádegas provocando-a, ela por sua vez remexe o quadril friccionando ainda mais. “É o movimento errado”, diz o meu cérebro, não sei ao certo o que esperava e nem quero pensar em quem eu esperava estar fazendo isso essa noite.

Estendo uma mão e pego um preservativo sobre a mesinha ao lado do sofá e cubro o meu pau com ele, toco sua boceta e sinto sua umidade escorrendo pelos meus dedos e os levo até a entrada do seu cuzinho o lambuzando também. Posiciono a cabeça na sua entrada e começo a massagear seu clitóris para que o começo seja o mais confortável possível para ela, ela começa a relaxar sob os meus dedos e quando começa a mexer o quadril, buscando ainda mais atrito, seguro dos dois lados e entro no seu cu de uma vez ouvindo seu gritinho prazeroso e de surpresa, paro um pouco esperando que se adapte ao meu tamanho e quando ela confirma com a cabeça torno a sair e entrar novamente. No fundo da minha mente algo grita que está errado, não era para eu comer o rabo de alguém com tamanha facilidade e aceitação, eu deveria estar batalhando para que ela deixasse eu tocar nele com um único dedo e depois ir ganhando a sua confiança e aumentando a quantidade aos poucos, era para eu primeiro comer sua boceta apertada que tenho certeza que fui o primeiro a foder, mesmo ela negando, era para eu estar fazendo amor com ela. Fecho os meus olhos e lá está ela me fitando com um olhar vago e perdido, o rosto banhado em lágrimas e em seguida fugindo de mim sem me deixar explicar, balanço a cabeça tentando tirar essa imagem da minha mente, mas é inútil, meu peito aperta e sem querer eu deixo uma lágrima descer pelo meu rosto, faz muitos anos que não choro, não é possível que farei isso agora

com meu pau enfiado até o talo no rabo de outra pessoa. A garota se remexe impaciente e vira a cabeça de lado e por Deus se não vejo o rosto de Cecília me fitando com um sorriso desafiador, me chamando para ir até o fim. O fogo volta as minhas veias e acelero os meus movimentos de entrar e sair, uma, duas, dez vezes ou mais entrando e saindo ao mesmo tempo que as lágrimas rolam pelo meu rosto e as imagens dela passam uma a uma por mim, seus sorrisos, seus gemidos, sua cara fechada, quando me desafia, quando me irrita, quando me fode por completo, quando me faz amá-la ainda mais. — Eu ia dizer que amo você, porraaaaa! — grito sem conseguir controlar o meu corpo ou a dor que ameaça me partir ao meio, dando uma última estocada eu pisco para afastar as lágrimas que me impedem de olhá-la mais uma vez, mas já não é o seu rosto que vejo e sim da garota que estou levando ao ponto de prazer que ela queria, enquanto eu? Eu não sinto absolutamente nada, tudo se torna vazio e nem mesmo consigo atingir um orgasmo, as imagens de Cecília me fazem duro, mas me têm refém dela de alguma forma e talvez essa seja a minha punição por não ter criado coragem de falar dos meus sentimentos a tempo, ficando sem a capacidade de conseguir uma liberação de toda essa dor e frustração com outra pessoa, já que meu corpo e coração ainda são dela e se ela não os quer eles ficarão órfãos e perdidos por tempo indeterminado.

Essa é a primeira vez na minha vida que transo com uma mulher e me sinto sujo, não apenas no corpo, a minha alma está manchada e ao invés de esquecer, tudo que consegui foi lembrar dela mais e mais. Saio de dentro da garota que ainda murmura satisfeita, ao contrário de mim que além de sujo estou frustrado. Recolho minhas roupas e vou para o banheiro sem dirigir sequer um olhar para o que acontece na cama, tranco a porta e entro embaixo do jato d'água, abro a embalagem com uma esponja de banho e começo a esfregá-la por todo o meu corpo, onde as mãos das outras mulheres passaram, por muito pouco não rasgo a pele tamanha a força que emprego nessa tarefa. Em todo esse tempo as malditas lágrimas rolam sem permissão pelo meu rosto, a imagem dela se fixando cada vez mais sob as minhas pálpebras e desconfio que tão cedo não conseguirei me livrar dela. Quando os meus dedos começam a enrugar desligo o chuveiro e me seco de forma automática, visto-me e saio para dar de cara com os demais integrantes do jogo que fodem entre si alheios a minha presença, passo por eles e não olho para trás ao sair. Esse tipo de aventura já foi fácil para mim, apenas uma rodada de sexo causal para o prazer e diversão, mas hoje não chegou nem perto de ser divertido. Me aproximo do balcão para pedir uma última dose, mas sou interrompido por uma mão que me puxa pelos ombros em direção a saída mais próxima. Apenas quando saímos que identifico Alex, no meu estado

atual poderia ser o Freddy Krueger [1]e não resistiria. — O que pensa que está fazendo? — Alex diz, empurrando meu ombro. — Cumprindo a sua profecia de meses atrás — respondo sem nenhuma emoção. — Como é que é? Que merda é essa que está dizendo? — Esqueci que me disse isso durante uma bebedeira desenfreada. — Esqueça. — Balanço a cabeça e me viro para retornar ao interior da casa noturna. — Não, você vai me explicar que merda você fez para estragar tudo! — Ele não estava lá e ouviu tudo que o bastardo do Arnoldo disse? — Você é surdo, não ouviu o pai dela falando? — digo e começo a me afastar dele. — Para onde pensa que vai? — Se coloca a minha frente mais uma vez. — Terminar de encher a cara, por que, não posso? — O desafio a dizer o contrário. — Claro, vai lá como um covarde, deixe a única mulher que já mexeu com você ir embora sem uma boa luta. — O que você sabe sobre luta? Não deixou Patrícia partir anos atrás

também? Não o vi lutando, a não ser que brigar com a garrafa vazia conte — revido e não demoro a sentir o soco que me faz cambalear para trás e cair de bunda no chão. Olho para ele um tanto atordoado, Alex nunca perde a calma a não ser se alguém que ele ama estiver na parada e eu acabo de implicar com ele usando a Patrícia e magoei Cecília, a quem ele diz ter um amor de irmão. — Sim, eu encarei tudo com um litro na minha frente, só que eu não estava prestes a casar com ela por uma mentira como um moleque imaturo! — suas palavras acertam o alvo. — Eu não sabia, não no começo. — Sinto novamente a merda da garganta fechando. — É, mas quando descobriu não fez nada para resolver a questão. Será que era tão difícil assim só contar a verdade para ela? Não respondo, a verdade é que eu pensei e repensei diversas vezes isso na minha cabeça, no dia que a levei até o lugar aonde ia com meu avô estava decidido a contar tudo, no entanto bastou olhar para seu rosto de menina sobre um corpo de demônia para a insegurança me tomar e mais uma vez não consegui. — Sabe o que acontece, Cícero? Você passa tanto tempo se isolando no seu mundinho solitário que quando apareceu alguém e fez seus muros

ruírem ficou com medo de voltar para a escuridão que vivia antigamente e agora está aí parecendo a porra de um adolescente imaturo e perdido, que ao invés de procurar a solução para o problema foge e vai cometer mais burradas, porque pelo seu olhar eu digo que fez besteira e das grandes. — E de que importa o que eu fiz ou não? Ela foi embora, caralho? Embora e não levou nem a droga do telefone, não faço ideia de para onde foi e aquele merdinha não vai dizer, quer que eu faça o quê? Eu estou lidando com isso como eu sei fazer, essa merda de sentimento não vem com um manual de como agir ao ser largado por quem se ama. — Pronto, acabo de colocar a palavra com A na conversa. — Então você a ama? — Alex sabe ser bem irritante quando começa com esse tipo de questionamento. — Não ficou claro isso para você? Porque parece que todo mundo sabia disso antes de mim, todos menos ela — minha voz cai algumas oitavas no final ao perceber que talvez nunca tenha a oportunidade de dizer isso a ela. — Para mim ficou há muito tempo, você e Cecília são o que se pode chamar de alienados sentimentais, todo mundo percebe que se amam, mas vocês não, muito menos o que o outro sente e isso vai acabar com vocês se não aprenderem a aceitar o amor — ele fala colocando as mãos nos bolsos e abaixa a cabeça. — Mas ela é alguém que vale a pena a luta, amigo.

— Como eu luto com o vazio? — Levanto do chão e bato a poeira das minhas calças. — Deixando que ele se preencha. Lia precisa de tempo, ela não é alguém que perdoa fácil, pode ter certeza que a volta do pai mexeu muito mais com ela do que o fato de você ter omitido informações e tudo deve estar uma bagunça na cabeça dela, pressionar agora não é opção também, não para alguém com um passado de automutilação. Não tinha parado para pensar dessa forma, será possível que toda aquela raiva no fim não fosse direcionada somente a mim? E se ela começar a se cortar mais uma vez? Quando vi as marcas nos seus pulsos me preocupei, mas sua avó me garantiu que era uma página virada na vida dela, só que isso pode voltar a acontecer com ela sozinha por aí. — E o que eu faço agora, Alex? Sentar e esperar não parece algo que fará bem a minha sanidade. — Ficar parado será a pior parte para mim. — Não vai ficar, vamos juntos descobrir porque o bastardo do pai dela resolveu aparecer justo agora, aquela falsa postura de pai preocupado com a filha não me desceu, ali tinha algum motivo oculto por trás e aquele babaca do Raul também nunca me agradou, precisamos juntar as provas para quando sua garota aparecer, é isso que você fará enquanto ela estiver longe. É nessas horas que eu agradeço aos céus por ter um amigo como ele,

por vezes eu estive no controle das situações para ele, mas quando preciso que tome a frente, assume as rédeas da situação e bola um plano de ação eficiente, como acabou de fazer agora. — É uma boa maneira de não enlouquecer nas horas ociosas. — Um leve sorriso surte no seu rosto e tento retribuir, mas consigo apenas uma careta sem graça. — Pois é, agora vamos pagar sua conta e dar o fora daqui, já fez besteiras demais para uma única noite. Voltamos para dentro e logo em seguida estou no banco do carona do carro de Luana, que não pareceu nada feliz em vir até aqui me resgatar com Alex, mesmo assim, benditos sejam os amigos que saem para procurar você e evitam que peguem a direção depois de beber demais. Não se passa nem cinco minutos que estamos em movimento e o cansaço físico e emocional começam a cobrar seu peso sobre mim, em questão de segundos adormeço, acordando momentaneamente ao ser rebocado do carro por Alex e minha irmã quando chegamos à garagem do prédio onde ele mora, mas apagando mais uma vez antes que a porta do elevador se abra para nos levar até o seu andar. Pelo menos nos meus sonhos eu a tenho nos meus braços e consigo lhe falar tudo que tenho guardado no meu peito sem medo de ser rejeitado, pois aqui ela também me ama como eu a amo.

Missão Velha um mês depois

— Tia Bel, está em casa? — pergunto como faço todo dia quando chego do meu novo trabalho na cidade de Barbalha, a trinta quilômetros da pequena cidade do Cariri cearense, onde decidi me refugiar há um mês. — Aqui, filha! — Deixo a bolsa sobre a mesinha ao lado do sofá e me encaminho para a cozinha onde ela com certeza está fazendo alguma coisa gostosa para jantarmos. É sua culpa minhas roupas estarem apertadas demais. Tia Bel é a irmã caçula do meu avô, a vi poucas vezes na vida, mas naquele dia quando saí às pressas para ficar o mais longe possível de Cícero foi na casa dela que vim parar, dirigi por muitas horas até chegar aqui no meio da noite, vestida de noiva e com um cansaço sem tamanho sobre mim, foram quase sete horas sem parar nem mesmo para comprar água, Raul havia deixado uma garrafa dentro do carro e tomei ela durante toda a viagem. Na manhã seguinte liguei para minha avó e pedi desculpas por tê-la deixado sozinha com toda aquela confusão, mas sendo a pessoa incrível que vovó é disse apenas que eu tomasse o tempo que fosse necessário para colocar os pensamentos em ordem e que mandaria uma mala contendo roupas

e meus documentos naquele mesmo dia por alguém de confiança. Sete horas depois Sabrina estava na porta com tudo o que vovó prometeu e chorei por quase uma hora desabafando com a minha melhor amiga, até que o cansaço tomou de conta do meu corpo e dormi no seu colo. Doze horas depois acordei e descobri que ela tinha voltado para Fortaleza, mas que deixou claro que qualquer coisa que eu precisasse, ela voltaria. Passaram-se três dias até que eu tivesse coragem de ligar meu telefone novamente, as inúmeras ligações dele e dezenas de mensagens de voz que entupiram meu correio eletrônico foram um belo soco no meu estômago que me levou a outras horas de choro com minha tia avó me observando de perto, com certeza com medo de que eu estrasse em crise e começasse a me automutilar novamente. Apaguei todos os registros de chamadas e não ouvi suas mensagens de voz, ouvi-lo seria como enfiar pequenas agulhas no meu peito, mas não consegui apagá-las, algo me impediu de ir até o fim quando tentei. Na segunda-feira seguinte me levantei e saí do quarto onde me escondi por uma semana e enfim resolvi encarar a vida de frente, ficar chorando não era opção, não quando estou na casa dos outros e de favor. Mesmo minha tia dizendo que não precisava ajudar com as despesas procurei por anúncios de emprego na internet, no outro dia bem cedo peguei um ônibus e uma hora e meia depois estava sentada em frente ao diretor de RH

de uma grande empresa farmacêutica da região Nordeste. Nunca fiquei tão feliz por vovó me fazer estudar além do que eu achava necessário, meu curso técnico em logística do ensino médio acabou por me conseguir um emprego nesse setor da empresa e aqui estou eu na minha terceira semana na nova etapa da minha vida, por enquanto ainda estou na fase de teste, mas logo poderei mandar buscar minha avó e poderemos enfim recomeçar. — Tem um moço te esperando faz tempo! — Tia Bel diz quando estou prestes a sair do corredor que leva à cozinha. Paro de imediato com o coração a ponto de sair pela boca, mesmo sabendo que ele não viria atrás de mim, não sendo o arrogante e prepotente que eu conheço. Respiro profundamente várias vezes antes de continuar os poucos passos até a cozinha espaçosa e dar de cara com minha tia e Raul sentados à mesa com várias guloseimas entre eles como imaginei que seria assim que passei pela porta e senti o cheiro de canela, café e açúcar caramelizado. — Raul? Não acredito! O que está fazendo aqui? — Corro até ele e o abraço apertado, ele largou tudo apenas para vir me ver, como não ficar feliz? — Ver minha amiga fujona! — brinca devolvendo o abraço. — Mas como veio parar aqui e mandei seu carro por um caminhão cegonha e sei que vovó não lhe contou sobre onde estava — digo me

afastando e olhando para ele com um estreitar de olhos. Vovó não gostou nem um pouco dele ter me emprestado o carro e deixou bem claro que não o queria perto da nossa casa nunca mais, achei um pouco exagerado sua atitude, mas respeitei. — Sou advogado, lembra? — Ele sorri, mas isso não me convence e ele percebe isso. — Tudo bem, usei a quilometragem do GPS para ter uma noção e investiguei sua árvore genealógica e vi que a sua família, Fernandes, tinha origem na cidade de Missão Velha, foi questão de perguntar aqui e ali e cá estou eu. Ele dá de ombros e torna a me abraçar, retribuo mais por estar grata a ele e ter a sensação de que devo fazer, mas no fundo da minha mente algo grita para eu me afastar, provavelmente a parte de mim que pertence a Cícero e não suporta me ver perto de outro homem ainda, talvez nunca, ou essa noção de que não estava tão bem “escondida” assim e logo aquele que se diz meu pai poderia descobrir também onde estou. Isso é algo que definitivamente não quero. — Tudo bem, senhor advogado, já que veio até aqui por que não senta e me conta como andam as coisas por Fortaleza? — Me desvencilho do seu abraço e me sento na cadeira do lado oposto da mesa. — Está como sempre, muito quente e um caos com o trânsito que cada dia fica mais tumultuado do que costumava ser. — Ele sorri do seu jeito

tranquilo, mas sinto que algo fervilha por detrás da sua fachada de nada me abala. — Sei, mas fala a verdade, por que veio até aqui? — digo sem rodeios, tia Bel percebe que o assunto se tornará mais complicado e logo dá um jeito de sair, nos deixando mais à vontade para termos essa conversa. — Eu queria te ver, Lia, isso não é motivo suficiente? — Odeio quando Raul fica na defensiva, isso sempre deixa a sensação de que tem alguma coisa por trás das suas intenções. — Fala sério, Raul, são sete horas de viagem de Fortaleza até aqui, você não viria só por sentir minha falta, isso poderia ser facilmente resolvido em uma ligação de três minutos. Ergo uma sobrancelha o desafiando a contestar meu bom argumento e quando não vem nada da sua parte me dou por satisfeita em ter desvendado-o mais uma vez. Ele, por sua vez, se remexe inquieto na cadeira, cruza as mãos a sua frente e aperta os lábios como sempre faz ao se sentir encurralado. — Vamos lá, Raul, não pode ser tão ruim assim — encorajo-o a falar e estendo a mão para apertar a sua, isso funciona já que em seguida me olha sério e começa o seu discurso. — Ninguém consegue esconder nada de você, não é mesmo? — Balanço a cabeça em negativa. — Eu vim aqui para tratar com você de um

assunto sério, mas não agradável. — Sou toda ouvidos! — Faço um gesto para que continue. — Seu pai me procurou. — Em um milhão de anos não esperava que o assunto fosse esse. — Ele quer ter a oportunidade de conversar com você, mas não sabia como chegar perto depois do que aconteceu aquele dia. Prendo a respiração involuntariamente, eu não tenho nada para falar com o meu pai, ele sabia da minha existência todos esses anos e fez questão de manter distância de mim para não causar atrito no seu casamento, não preciso dele agora. — Não tenho nada para falar com ele — digo depois de alguns instantes e me levanto da cadeira abruptamente. A tontura que vem se apoderando de mim há algum tempo dessa vez se faz mais presente e por muito pouco não caio, seguro na mesa e em um piscar de olhos Raul está ao meu lado. — Lia, está tudo bem? — a ansiedade na sua voz é perceptível. — Sim, tudo, apenas não como nada há mais de quatro horas, isso tem acontecido quando fico muito tempo sem comer. — E você já procurou um médico? — Por que as pessoas acham que tudo é motivo para ir ao médico? — Não, porque não é nada demais e não quero saber do meu pai ou

qualquer merda que ele ache que tem para me falar, foram vinte e cinco anos que ele teve para ser alguém na minha vida e não o fez, resolveu aparecer no dia do meu casamento e estragar tudo. — Lia, quem estragou tudo foi seu ex-noivo, seu pai só ficou preocupado com você entrando em uma mentira. — Ele defende o meu pai e por mais que eu saiba que Cícero tem sua parcela enorme de culpa, não consigo sentir raiva dele, dentro do meu peito há um amor incondicional que não me deixa ver ele como um vilão no meio dessa história. — Raul, não quero falar sobre o que aconteceu. — Meu estômago embrulha como tem acontecido ultimamente, devo estar tão estressada com tudo que aconteceu que desenvolvi uma gastrite. — Se me der licença, eu preciso ir ao banheiro. Saio do seu alcance e praticamente corro para o banheiro, tenho tempo apenas de levantar a tampa do sanitário antes que o pouco conteúdo do meu estômago venha para fora seguido de uma gosma esverdeada, sinto minhas entranhas se contorcerem com os espasmos que meu interior sofre cada vez mais fortes, a tontura está ficando cada vez mais intensa e o mundo a minha volta começando a escurecer. — Lia, está tudo bem aí, filha? — ouço a voz da minha tia chamar do lado de fora, mas não acho coragem suficiente para lhe dizer que não, não estou nada bem. — Lia, abra a porta.

Tento mais uma vez me erguer, mas é em vão, antes que consiga ficar ereta minhas pernas fraquejam e caio no chão com um baque surdo, a queda fazendo com que uma dor sem tamanho tome conta da minha lombar e isso faz com que o controle sobre minha bexiga seja nulo e sinto que começo a urinar. Antes que o mundo perca todo o sentido para mim, sorrio imaginando quão patética será a cena de tia Bel e Raul me encontrando molhada no chão do banheiro como um bebê...

Pisco os olhos atordoada com a luz forte que os atinge, ouço coisas desconexas como “contrações”, “útero não dilatado” e outras que não consigo ouvir realmente, a dor na minha lombar aos poucos vai diminuindo e uma dormência começa a se esgueirar pelo meu corpo, começando pelas pontas dos meus dedos e se espalhando até que não sinto mais nada, sou como uma folha sendo carregada pelo vento ou uma pena flutuando em um lago de águas profundas. A sensação é tão gostosa que não quero sair daqui, abraço-a com força e me permito repousar tranquila pela primeira vez em muitos dias, não há dor, nem medo, raiva ou sentimento de culpa, apenas eu e as águas

que me engolem sem pedir licença. Não sei quanto tempo passa até que eu sinta o controle sobre os meus membros voltar para mim e quando acontece levo alguns minutos para abrir meus olhos com medo de ter aquela luz forte me incomodando novamente, pisco algumas vezes antes de finalmente abrir os olhos e perceber que estou em uma enfermaria de hospital, sei disso devido as inúmeras macas e equipamentos hospitalares presos a parede. Tento erguer o meu corpo, mas a intravenosa presa na dobra do meu cotovelo me impede de continuar. — Olá! — ouço uma voz conhecida e viro minha cabeça na direção que ela vem. — Raul, o que aconteceu? — Meu amigo de longa data está sentado em uma cadeira de plástico não muito longe de mim, mas algo na sua expressão me assusta, parece que alguém morreu. — Você nos deu um baita susto, ainda bem que eu estava lá, duvido que sua tia teria condições emocionais para socorrê-la a tempo. — Ele se levanta e caminha até parar ao meu lado, uma de suas mãos tocando a minha, mas seu toque não me é bem recebido, meu estômago volta a revirar trazendo a vaga lembrança de que antes de apagar vomitei pra caramba. — Onde está a tia Bel? — Consigo me erguer um pouco e sento observando melhor o lugar, há apenas eu aqui nessa sala.

— Ela está na cantina, faz algumas horas que estamos aqui. — Horas? — Quanto tempo fiquei apagada? — Estreito os olhos para ele e dou um jeito de puxar minha mão sem que fique claro que não me sinto bem com um gesto simples como um toque inocente de mãos, até dias atrás isso não era nada demais, mas agora é como se eu estivesse traindo alguém. — Umas quatro ou cinco horas, já é quase meia-noite. — Ele sorri da forma gentil de sempre e sinto que tem mais coisas por aí que ele não quer me contar. — Raul, o que não está me contando? — pergunto de uma vez por todas. — Nada, Lia, só que nunca tinha visto tanto sangue na minha frente, fiquei assustado, só isso. — Vejo nos seus olhos que está falando a verdade. — Sangue? — Eu achei que tivesse feito xixi ao cair no banheiro, mas se bem que minha menstruação desceu durante a tarde, vai ver que a queda desencadeou algo mais sério. — Sim, você ficou branca como um chumaço de algodão, sua tia, coitada, começou a chorar e confesso que eu quase fiz o mesmo, mas você precisava de mim então não me deixei abater pelo desespero e consegui trazêla a tempo da hemorragia não se complicar. Estreito meus olhos para ele mais uma vez, parece surreal que eu

tenha passado por algo tão sério assim e agora esteja aqui conversando sobre tal fato como se falássemos de outra pessoa, não de mim. Antes que eu faça outra pergunta a ele a porta da enfermaria abre e minha tia entra acompanhada de uma das enfermeiras que traz mais uma bolsa de soro, olho para a que está conectada a intravenosa e vejo que já está no fim. — Lia, graças a Deus! — Tia Bel caminha apressada na minha direção e me toma em um abraço apertado mesmo com a maca não deixando que me abrace direito. — Tá tudo bem, tia, foi só um susto — digo, retribuindo seu abraço da melhor forma possível. — Um susto e tanto, você quer dizer, diga para ela, Aline, como foi difícil estancar a hemorragia e evitar o aborto. Por que não me disse, menina? Tem ido daqui para Barbalha todos os dias sem se alimentar direito esperando um bebê, foi por que ficou com medo da minha reação? Porque eu teria cuidado melhor de você, Clarisse vai me matar quando chegar aqui. Minha tia fala rapidamente e é difícil acompanhar suas palavras, pisco algumas vezes e me afasto um pouco dela tentando entender o que significa a sequência que se repete na minha mente: aborto, bebê, vovó. Olho para a enfermeira, que me sorri, compreendendo minha confusão e continua a trocar a bolsa de soro, meu olhar se volta para Raul que encolhe os ombros e então compreendo o porquê dele estar tão estranho.

— A senhora disse aborto? C-como isso é possível? — tropeço nas palavras sem compreender ainda. — Não fique nervosa, menina, o Dr. Ricarte estará aqui em breve e você poderá fazer a ele todas as perguntas possíveis, está bem? — a enfermeira tenta me tranquilizar e balanço a cabeça confirmando, mas a verdade é que um turbilhão de coisas se passa na minha cabeça, entre elas a certeza de que não estou preparada para enfrentar uma gravidez sozinha. Toco meus pulsos onde as marcas de quando me cortava ainda podem ser sentidas e as aliso distraidamente, por um milésimo de segundo eu penso na minha mãe e imagino que ela deve ter sentido o mesmo desespero silencioso que estou passando agora. Olho para o outro lado do quarto e fixo meu olhar num quadro de pintura abstrata e faço o possível para não deixar que as lágrimas desçam pelo meu rosto. — Como está a sobrinha preferida da tia Bel? — uma voz animada entra na sala e olho na sua direção. — Menino, você ainda tem ciúmes dessa velha? — Tia Bel sorri com carinho. O jovem médico me lembra alguém, mas não estou em um momento bom para forçar minha mente a nada. Assisto ele caminhar até minha tia e abraçar apertado, depois olha para mim e um sorriso radiante surge nos seus

lábios. — Cecília, como você cresceu, pirralha! — Franzo o cenho e leio no seu jaleco B. Ricarte, então sei de onde o conheço, ele é o sobrinho do falecido marido de tia Bel que a acompanhou até Fortaleza algumas vezes, inclusive para o funeral da minha mãe e não fazia outra coisa a não ser me encher a paciência e chamar de pirralha. — Breno, você continua o mesmo pé no saco de sempre! — Forço um sorriso, que sai um pouco desanimado, ele olha ao redor e percebe o meu desconforto. — Se vocês me dão licença, eu gostaria de conversar com a minha paciente a sós. — Ele olha em volta e pega a prancheta com anotações que Aline lhe entrega. Tia Bel olha para mim e balanço com a cabeça, isso a incentiva a acompanhar Aline, Raul por outro lado parece não saber bem o que fazer, fica mudando o peso do corpo de um pé para o outro, mas apesar de ser grata a ele por mais uma vez me ajudar, não quero falar disso com ele aqui. — Geralmente o pai do bebê fica no quarto, mas se você não quiser que ele fique, Lia, terá sua vontade atendida — Breno diz com seriedade. — Ele não é o pai! — a resposta vem antes que eu sequer pense em falar, mas é a verdade e nem se eu quisesse mentir conseguiria.

Os olhos de Raul queimam os meus por alguns instantes e acho que vejo uma expressão completamente nova, algo que vai de raiva, passa por desgosto e termina em pesar, mas dura muito pouco tempo para que tenha certeza de que vi isso realmente. — Estarei lá fora, se precisar de mim basta chamar — ele fala e sai sem voltar a me olhar e então sou apenas eu e Breno que senta na cadeira ao lado da cama e segura minha mão com carinho, seu toque não me faz sentir nada estranho como acontece com Raul, na verdade é bem-vindo. — Como está se sentindo, Cecília? — A forma como ele fala o meu nome me faz lembrar de outra pessoa que me chamava sempre assim. — Lia, por favor, me chame de Lia. — As lágrimas voltam aos meus olhos e um nó se forma na minha garganta. — Tudo bem, como você quiser. Agora me diga como está se sentindo. — Penso um pouco antes de responder com sinceridade. — Confusa, com um pouco de dor na lombar, mas nada comparado ao que senti mais cedo — digo e ele anota na prancheta. — E pode me dizer quando foi sua última menstruação? — Quase digo que foi essa tarde, mas a verdade é que não faço mais ideia. Conto mentalmente a última vez que precisei comprar absorventes e percebo que foi cerca de quinze dias antes da noite na Revolution com Alex e

Patrícia. — Uns três meses mais ou menos. — Mexo nas minhas mãos, um tanto nervosa. — E nesse meio tempo não pensou que pudesse estar grávida? — pergunta colocando a cabeça um pouco para o lado. — Eu fiz um teste de farmácia dias atrás e deu negativo e quando essa tarde comecei a sangrar imaginei que fosse a menstruação vindo finalmente, nunca fui um poço de regularidade, não poderia saber — digo na defensiva. — Não é normal, mas acontece, às vezes a mulher só descobre na hora do parto, mas no seu caso o que imaginou ser menstruação era o começo de hemorragia, por sorte chegou a tempo de evitarmos o pior, mas teremos que monitorar de perto até o final do primeiro trimestre pelo menos, depois veremos como fica, mas o importante agora é começar o pré-natal, tomar as vitaminas corretas e se alimentar direitinho. — O que eu fiz de errado para isso acontecer? — a pergunta vem e sinto meu ar faltando enquanto espero a resposta dele. — Não existe um motivo específico para que essas cosias ocorram, Lia, abortos espontâneos na primeira gestação é mais comum do que se imagina, agora é fazer as coisas direitinho que acredito que tudo ficará bem. — Tomara. — Toco o meu ventre que agora sei que tem um serzinho

minúsculo morando nele e sinto meus olhos lacrimejarem com uma emoção diferente. — Se o bonitão lá fora não é o pai, você quer que eu o contate para que venha lhe ver? — Breno diz, ficando em pé novamente, a postura profissional voltando com tudo. — Não! — a resposta vem muito rápido e ele me olha intrigado. — Eu farei isso quando sair daqui — digo uma meia mentira que parece o convencer. — Tudo bem, vou terminar de fazer minha ronda, mas volto aqui antes de terminar meu plantão. — Aperta outra vez minha mão com carinho e sai me deixando sozinha com meus pensamentos. Aperto meu lábio entre os dentes e fecho os olhos sem saber ao certo o que sinto, se por um lado não estou pronta para ser mãe, por outro não imagino a possibilidade de não ter esse bebê, ele é uma parte dos momentos bons que passei com Cícero e pelo menos da minha parte sei que a sua concepção foi com muito amor, e apesar de saber que não será fácil eu vou fazer o possível para que ele tenha uma mãe decente e tentarei não cometer os mesmos erros da minha mãe, meu filho merece isso.

Fortaleza

— Vai me dizer quando pretende tirar essa barba? — Luana pergunta assim que entra pela porta do escritório onde eu estou analisando documentos desde o início da tarde com Alex. — Quando você resolver parar de me encher o saco — rebato e logo o seu bufar irritado se faz ouvir. — Ai como você anda insuportável, como aguenta isso, Alex? — diz e desvia os olhos de mim, como sempre lança olhares compridos para Alex e recebe um sorriso em resposta. — Faz parte do pacote amigos de longa data. — Dessa vez ele lança um olhar diferente para ela e noto como seu rosto cora. Só o que me faltava, minha irmã caidinha pelo meu melhor amigo e ele lhe dando falsa esperança, uma vez que sei que ainda é apaixonado por Patrícia, que não quer nada sério com ninguém, nem Drummond de Andrade [2]

conseguira destrinchar esse nó. Olho de um para o outro e penso que se

Alex a quisesse de verdade e deixasse o tipo de vida sexual que leva eu não seria contra, amo os dois o suficiente para ficar feliz por eles, mas sei que não

é esse o caso. — Vocês podem parar de me encher e fazer algo de útil aqui? Isso sim seria de grande ajuda — digo depois de alguns minutos. — Se você me dissesse o que deseja ficaria mais fácil, pois tudo que tem feito nos seus dias de folga é vir até aqui e vasculhar pasta por pasta deixada por papai, não posso simplesmente atirar no escuro. — Luana cruza os braços na altura do peito e me encara desafiadoramente. No entanto ela tem razão, não posso esperar que simplesmente encontremos um documento que me ajude a descobrir se há algo por trás da aparição repentina de Arnoldo na vida de Cecília justo no dia do meu casamento, como Alex bem colocou naquela fatídica noite, ele poderia ter voltado bem antes, mas resolveu fazer isso de forma maestral, não pode ser apenas sua consciência pesada por vinte e cinco anos de abandono. Olho para Alex que dá de ombros e decido que está certo, devo contar-lhe tudo que suspeitamos e é o que faço, começo pela noite que ela e Alex foram me buscar na porta da boate após eu ter transado com uma estranha, ela torce o nariz para mim indignada, com um olhar matador igual como me olhou na manhã seguinte, mas permanece calada, então falo das suspeitas de Alex e como desde então tentamos encontrar um porquê nisso tudo e como nem mesmo o detetive que contratei encontrou algo para nos dar uma luz. — Espera um pouco, vocês realmente acham que o Arnoldo tem

alguma coisa muito bem escondida e pretende usá-la contra Cecília em algum momento? — Ela senta no sofá ao lado de Alex e me olha confusa. — Não necessariamente contra ela, mas achamos que ele deseja usála em algum momento sim — Alex confirma olhando de mim para Luana. — E com a ajuda de Raul, obviamente. — Minha irmã como sempre é muito perspicaz. — Você também acha isso? — pergunto esperando que ela complemente seu pensamento. — E vocês não? — Me olha daquela sua maneira única, balançando o pescoço enquanto coloca os lábios de lado em uma postura "eu sei do que estou falando". — Ora, Cícero, o cara estava aqui com um carro pronto para ela fugir bem no momento em que o pai dela armou todo aquele circo e o mesmo me pareceu bem puxa-saco do Arnoldo aquele dia. — Olho para Alex e o mesmo compreende o que estou pensando, se queremos descobrir algo Luana deve estar totalmente envolvida. — E você consegue pensar em algum motivo para aquela palhaçada? — Alex pergunta voltando seu corpo para olhá-la com interesse, assim como eu. — Bom, pode haver muitos motivos para que ele tenha feito isso, no entanto Arnoldo é um advogado muito experiente e saberia como ninguém

encobrir os seus rastros. — Luana pega algumas pastas e começa a analisá-las conosco. — Veja esses relatórios, ele cuidou da parte burocrática da empresa como ninguém e mesmo sendo um péssimo pai, no critério eficiência profissional ele não deixava a desejar. Luana tem razão, ele não deixaria rastros e mesmo que eu não goste de admitir ele sabe bem o que faz, mas isso diminui e muito os possíveis caminhos que poderíamos seguir para descobrir algo contra ele. Suspiro derrotado e ao fechar os olhos vejo o olhar magoado de Cecília me fitando, esse último mês tem sido um inferno para mim, noites mal dormidas, trabalhando o máximo para manter minha mente ativa seja na CIOPAER, seja nas minhas investigações, tenho evitado também ir na sua casa, minhas conversas com dona Clarisse tem sido breves segundos por telefone onde ela me mantém informado sobre Cecília, mas sem me dizer realmente como ela está. Sei que deveria ter voltado lá e conversado com ela, Luana mesmo me avisou que a magoei com o meu sumiço. Claro que eu poderia descobrir por mim mesmo tudo que quisesse sobre minha anja-demônia, mas prometi a sua avó que lhe daria um tempo para colocar a cabeça no lugar antes de ir até ela e implorar o seu perdão, também desejo ter algo de concreto para lhe contar sobre o seu pai, não que isso amenize as coisas entre nós, mas me dará um bom motivo para procurála inicialmente.

— Cícero, você está me ouvindo? — Alex fala, estalando os dedos na frente do meu rosto. — Desculpe, me distraí por um momento — digo e vejo como eles se olham e riem. — Do que vocês falavam? — Que você está com cara de bobo mais uma vez e podemos apostar que Cecília estava aí nos seus pensamentos — Alex brinca e quando estou prestes a lhe responder seu telefone toca e ele logo levanta para atender. É minha vez de revirar os olhos, pela pressa com que levantou imagino que seja Patrícia, mas seu corpo tensiona assim que atende e ele virase para me olhar com os olhos enormes e assustados. — Sabrina, fale com calma, sim? — ele pede a irmã e sinto meu peito entrar em disparada. Sabrina foi a última pessoa que esteve com Cecília, tentei conversar com ela, mas de cara me deu um "não estou a fim de papo" e acabei deixando-a no seu canto por um tempo. — Que horas ela te ligou?... Estamos indo para lá. Ele desliga e não preciso que me diga para que também entre em movimento, junto as coisas e procuro minhas chaves para que o levar para onde quer que seja. — Cícero, onde vocês vão? — Luana fica em pé em um salto. — Alex? — Eu também gostaria de saber.

— Missão Velha, a Lia está hospitalizada e dona Clarisse irá para lá, assim que eu for buscá-la... Meu ar fica preso no peito por alguns segundos e sinto meus ouvidos zunindo como se uma bomba tivesse explodido ao meu lado afetando minha audição. Olho para Alex e ele está falando algo com Luana que me olha esperando que eu diga algo. — ...Cícero, o que vai fazer? — a voz da minha irmã invade a névoa que se instalou na minha mente. — Eu, eh, não sei, sinceramente não ouvi o que vocês estavam falando — confesso e recebo olhares compreensíveis ao invés de irritados. — Luana estava dizendo que talvez você não deva ir, Cecília não vai querer te ver por lá e não sabemos o que ela tem ainda. — Levo mais tempo do que de costume para processar as palavras de Luana, na minha cabeça só consigo pensar na minha anja-demônia em um leito de hospital do outro lado do estado. — Nem fodendo vou ficar aqui esperando notícias, eu vou sim com vocês, que se dane se ela me expulsar de lá — digo minha decisão que não esteve em discussão em momento algum. — Tá bem, faz como quiser, eu vou ficar aqui e continuar investigando, não estou pronta para olhar nos olhos de Cecília ainda —

Luana diz com seu olhar de "não me diga o contrário". — Por que não? — eu não pergunto, mas Alex sim. — Não é óbvio? Ela fugiu deixando meu irmãozinho de coração partido, não deixou ele se explicar, estragou aquele vestido belíssimo e além disso não me ligou nenhuma vez durante esse mês, então sim, estou chateada com ela ainda. Ela diz e volta seu olhar para os papéis a sua frente, não vou discutir, principalmente por não querer perder tempo, balanço a cabeça e saio do escritório acompanhado de Alex. — Onde vamos primeiro? — pergunto quando chegamos à garagem. — Buscar a dona Clarisse, ela pediu a Sabrina para levá-la, mas minha irmã tem um workshop importante na faculdade pela manhã, por isso me ligou. Confirmo com um aceno e dou partida no carro já saindo pelo portão o mais rápido que posso, minhas mãos começando a suarem levemente com a ansiedade de vê-la, mesmo ainda faltando algumas horas para que isso aconteça.

Alex para o carro em frente ao Pronto Socorro Municipal de Missão Velha e por um instante fico sem saber o que fazer. Dona Clarisse, que durante as quase oito horas de viagem se manteve taciturna, respondendo apenas a Alex e fingindo que eu não estava presente no carro com eles, agora aperta meu ombro de onde está sentada no banco de trás e viro-me para encará-la depois de muitos dias que não nos falamos abertamente. — Não acho que você deve entrar comigo, filho, preciso ver como ela está antes que te veja. — Seus olhos trazem a sabedoria de quem já viveu muito e perdeu mais do que gostaria. Engulo em seco antes de formular uma resposta para ela, se por um lado tudo que desejo nesse momento é me certificar de que ela está bem com os meus próprios olhos, por outro o garoto que tem medo de rejeição em mim está apavorado com a possibilidade dela não querer me ver de forma alguma, seu olhar magoado da última vez que nos vimos ainda atormenta meus sonhos e faz meu coração querer sair pela boca.

— Eu preciso vê-la — digo por fim, depois de minutos em silêncio. — Sei que sim, mas aqui não será o lugar certo para vocês conversarem. — A forma como ergue apenas uma sobrancelha e coloca os lábios de lado me faz perder o fôlego momentaneamente. Talvez seja a culpa que sinto por ter mentido para ela ou a saudade que tenho sentido ao longo dos dias ou até mesmo por ter procurado consolo nos braços de outra pessoa, mas tudo que vejo são os trejeitos de Cecília e pensar que eu terei que esperar para ter um pouco mais da sua língua afiada e olhar fuzilante me deixa extremamente insatisfeito, mas ela tem razão, com minha anja-demônia é preciso ir com calma. Aprendi que com ela não adianta ir na pressão, pois acabará fazendo apenas o que considera correto e aceitável, nada mais ou a menos que isso. — Tudo bem, eu não entrarei no quarto em que ela está por hora, mas ficarei na sala de espera — digo por fim e vejo o olhar cansado de Alex suavizar, essa seria uma disputa que ele não teria como se manter neutro e sei de que lado ele ficaria. Entramos na recepção do hospital e a cada passo que dou é como se um ímã invisível me puxasse em direção onde ela está, meu corpo dolorido de tantas horas sentado começa a dar sinal de fadiga e mais uma vez praguejo por só ter dois horários de voo de Fortaleza a Juazeiro e nenhum deles quando precisávamos, Luana ainda tentou nos encaixar no que sai às

dezenove horas, mas por se tratar de uma conexão estava lotado e esperar o próximo não era opção, até embarcarmos na manhã seguinte já estaríamos aqui, como posso comprovar por mim mesmo, estamos aqui e às duas da manhã e o próximo voo ainda sairá de lá às oito. Minhas divagações sobre horários de voo acabam justamente quando chego a sala de espera com Alex e dou de cara com o infeliz que ajudou Cecília a fugir, meu cansaço some e tudo que consigo ver a minha frente é uma enorme luz vermelha que me direciona e antes que me dê conta do que estou fazendo minhas mãos estão apertando seu pescoço junto à parede mais próxima. — O que diabos você faz aqui, infeliz? — minha voz sai carregada de todo o ódio que tenho por ele. — Não te interessa — diz com um sorriso arrogante se formando no rosto. — Cícero, ele não vale a pena! — A mão de Alex toca meu ombro, sua voz chega até mim com o sinal de alerta que conheço bem e só então percebo que há mais pessoas conosco e todos me olham assustados. Dou um passo atrás começando a soltar seu pescoço, tudo que não preciso é ser expulso daqui por culpa desse imbecil que tem a mania de estar onde não deve nas horas mais erradas possíveis.

— Isso aí, sua babá tem razão, mas não foi isso que sua ex-noiva pensou quando estava gemendo embaixo de mim — ele diz baixo o suficiente para que apenas nós três escutemos e antes que eu consiga reagir o babaca já está no chão pelo soco que Alex disfere no seu rosto, cortando o lábio inferior. — Veja bem o que fala da Lia, seu pedaço de nada inútil? — Alex diz com raiva e é minha vez de segurá-lo quando vejo os seguranças do hospital se aproximarem, um deles faz sinal para que o outro espere na porta e caminha em nossa direção. — O que está acontecendo aqui, posso saber? — o guarda mais alto e com cara de poucos amigos questiona olhando de mim para Alex e o verme ainda no chão. — Apenas três velhos conhecidos se encontrando, senhor — digo fazendo soar o mais natural possível, mas conhecendo o verme ele vai querer que algo seja feito. — O senhor está bem? — o guarda agora pergunta diretamente para Raul. — Não, se não notou estou sangrando. — A marra do cara tem estoque ilimitado e o guarda parece não ir com as fuças dele, pois olha o colega antes de virar-se para nós mais uma vez.

— Procure uma das enfermeiras para ver isso e se resolverem se abraçar assim novamente façam fora das dependências do hospital ou teremos que ter uma conversa mais íntima, se é que me entendem, Comandantes Duarte e Barbosa. Olho de Alex para o guarda confuso, como ele sabe quem somos? Alex dá de ombros no seu estilo de perguntar se isso realmente importa e na verdade não importa nem um pouco, bom talvez um pouquinho de nada. — Como eu os conheço? — o guarda começa a responder nossa pergunta silenciosa. — Por acaso não são aqueles recrutas que conseguiram um lugar na CIOPAER mesmo com tão pouco tempo de carreira? Um tal de Cícero Duarte e Alexandre Barbosa. Fico intrigado e olho para ele pela primeira vez com mais atenção, seu rosto não me é estranho, o queixo quadrado e postura superior me fazem lembrar de um antigo integrante da minha turma de aspirantes. — Cristiano Machado? — Alex pergunta chegando a mesma conclusão que eu. O sorriso largo no rosto do guarda deixa claro que acertamos, ele nos estende a mão e o cumprimento com entusiasmo. — Pensei que não iriam me reconhecer, seus bastardos! — Ele ri e respiro aliviado.

— A última notícia que tivemos de você foi logo que deixou Campo Grande após o acidente — digo. — O que tem feito além de ser guarda municipal e por que não retornou a Fortaleza? Pergunto realmente curioso, Cristiano era um dos mais promissores da turma, se não o melhor de todos, mas em uma das atividades práticas acabou desequilibrando e caindo em um solo rochoso, sua audição do lado esquerdo ficou levemente prejudicada devido a pancada levada inteiramente daquele lado, mas para um piloto levemente já é bastante e ele se viu obrigado a largar o curso e desde então não tivemos mais notícias sobre ele, até mesmo seu antigo telefone foi desativado nos deixando fora da vida dele, mas não o julgo, também não iria querer antigos colegas passando na minha cara, mesmo que involuntariamente, a vida que eu não poderia mais ter. — Sabem que minha família é de Barbalha, quis me afastar de tudo e conheci uma garota, vocês sabem o que vem depois, casamento, filhos e toda uma nova perspectiva de vida. — Dá de ombros. — Prestei concurso para guarda municipal daqui para ficar mais perto da minha garota e cá estou eu, não fazendo o que sempre sonhei, mas feliz por ter alguém especial como ela na minha vida. A forma como ele fala da esposa me faz antever o que seria uma vida simples, sem todas as merdas que tive que enfrentar ao lado de Cecília e sinto inveja dele, coisa que eu, Cícero Duarte, achava impossível um dia sentir.

— Mas e vocês, o que fazem tão longe de Fortaleza? — pergunta curioso. — Lembra o que falou sobre a garota certa aparecer e coisa e tal? — Alex começa e ganha uma cotovelada minha. — Aí, não fique agressivo só por que dirigimos sete horas até aqui porque sua garota está doente. Ele diz com um sorriso aberto e vejo os olhos de Cristiano mudarem de tamanho não acreditando no que ouviu, se bem que nem eu ainda acredito que me deixei apaixonar, mas por Cecília seria impossível. — O inferno deve estar congelando realmente e essa com certeza é a causa desse calor infernal no meu Cariri. — Os dois começam a rir da minha cara e reviro os olhos sem vontade de responder a altura. — Se já pararam com o papo de comadres, eu gostaria de prestar queixa contra esses dois que me agrediram — o verme volta a falar depois de tanto tempo que havia esquecido sua presença. — E você é? — Cristiano pergunta. — O imbecil que ajudou a noiva do Duarte aqui a fugir no dia do casamento — Alex diz, batendo no meu ombro. Cristiano ergue uma sobrancelha me questionando e como resposta apenas coloco as mãos nos bolsos e confirmo com um aceno. — Como já disse, procure uma das enfermeiras na Emergência para

limpar isso daí e se fosse minha noiva, você não receberia só um soco, mas sim uma surra de ficar uma semana de cama. Seguro o riso quando vejo a cara de indignação do babaca, ele olha para nós e sai pisando duro da sala de espera, estou para falar que já foi tarde quando a porta volta a abrir e dona Clarisse passa por ela com uma expressão séria no rosto e noto que chorou pelo vermelho dos seus olhos. Ela se aproxima de mim e fixa seus olhos nos meus antes de falar. — Ela vai ver você agora, mas nada de explicações sobre o que aconteceu hoje e fique sabendo que se você a magoar com uma frase mal colocada sequer será um homem capado, está me entendendo? Engulo em seco e balanço a cabeça confirmando, não faço ideia do que ela possa estar falando uma vez que minha cabeça só repete e repete que ela agora irá me deixar chegar perto mais uma vez.

A porta do quarto se fecha depois que Breno sai após conversarmos, não sei exatamente como me sinto. Um filho... Uma criaturinha minúscula metade eu, metade Cícero vivendo dentro de mim, uma criança que nada tem a ver com as merdas que envolvem o meu passado ou as mentiras do pai dele para me ter a sua mercê. Minhas mãos se unem em formato de conchas sobre minha barriga como se conseguisse protegê-lo dessa forma, fecho meus olhos e tento imaginar de repente como será seu rosto, será que terá os olhos de Cícero? Oh meu Deus, como será que ele reagirá quando ficar sabendo? Filho nunca esteve no nosso antigo acordo. E se ele vir com papo de aborto? Eu serei corajosa o suficiente para seguir adiante com isso sozinha se ele vir a me rejeitar e ao nosso filho? E se eu não contar nada a ele? Estando tão longe de casa não preciso fazer uma ligação do tipo: "Oi, seu cretino, sabe as inúmeras vezes que transamos e você brincou de me marcar com a porra do seu gozo? Sim, também adorei todas as vezes, mas não é isso que importa e sim que me engravidou nessa brincadeira, seu babaca". Mas que droga, até quando estou falando com ele hipoteticamente me sinto incendiar completamente por dentro.

Dentro de mim sinto um leve tremor, como o bater de asas de uma borboleta e sinto meus olhos se inundarem com a emoção que me toma, apesar de não fazer nem três meses que estou grávida, sei que é meu bebê me dizendo "oi" de uma forma inusitada. E é nesse momento que a decisão é tomada por mim, se Cícero me procurar falarei toda a verdade para ele, do contrário não o procurarei, não correrei o risco de ser rejeitada, não vou mesmo. Meus pensamentos são interrompidos pela porta abrindo e olhos de um castanho tão escuro quanto dos meus me fitam com lágrimas não derramadas, fazendo eles brilharem ainda mais. — Vovó! — Abro os braços para receber o abraço que me amparou durante toda a minha vida. — Lia, você perdeu peso, menina? — diz passando as mãos pelas minhas costas e me dando uma bronca como só ela me daria em um momento como esse. — Eu estou bem, vó — digo sentindo as lágrimas rolarem pelo meu rosto, senti tanta falta dela que nem consigo colocar em palavras. — Tá bem coisa nenhuma, senão por que está num hospital? Ah menina, o que eu faço com você? — Ela se afasta e começa a me alisar o rosto, ombros e começa a beijar meus olhos. O carinho dela sempre vem com uma repreensão, dona Clarisse é

única e não há ninguém que consiga fazê-la baixar a guarda. Mas o brilho nos seus olhos, que tentam refrear as lágrimas que ameaçam cair a qualquer momento, me diz como ficou assustada com tudo e agora está sentindo alívio, vi esse mesmo brilho nas minhas piores crises e por um segundo minha garganta fecha com a culpa que sinto por tê-la feito passar por mais um susto. — Lia, o que aconteceu pra você vir parar aqui nesse hospital? — Ela me olha daquela forma que deixa claro que não aceitará qualquer desculpa. Suspiro reunindo forças para lhe contar a grande notícia, espero que ela fique ao meu lado como sempre ficou, mas agora a situação é diferente, afinal tudo isso pode fazê-la lembrar do que aconteceu com a minha mãe. — Ah vovó, sinto muito, sinto muito mesmo por tê-la deixado para trás no meu rompante para fugir de todo aquele circo montado por Cícero, eu não pensei muito sobre o que fazer e ver aquele sujeito dizendo ser meu pai ali e descobrir que o meu futuro marido só queria brincar com a minha cara e provar que tinha total controle sobre mim foi demais. Começo a falar apressada e vejo sua expressão endurecer quando cito o meu suposto pai, ela mais do que ninguém tem motivos para odiá-lo. — Não vamos falar sobre isso agora, teremos bastante tempo quando voltarmos para casa — diz, erguendo uma sobrancelha apenas, mania que herdei dela.

— Não sei se quero voltar, vó — digo me encolhendo. — Por que não? — Volta a estreitar os olhos. — Estou grávida... — solto de uma vez e espero por sua reação, quando essa não vem continuo: — Eu fui imatura e irresponsável, mas aconteceu e não vou abrir mão desse bebê, mesmo que para Cícero não seja uma notícia bem-vinda, nem sei na verdade se irei contar para ele. Digo, mexendo nos meus dedos de forma nervosa, em seguida toco nos meus pulsos sentindo a pele que um dia cortei inúmeras vezes sob os meus dedos e o meu coração dispara ansiando fazer apenas uma vez mais, assim toda essa apreensão sairia de mim, é como o canto de uma sereia da mitologia para marinheiros em alto-mar, prometendo alívio imediato e fuga do desespero que ameaça dividir meu peito em milhares de pedaços. Esse movimento chama a atenção dela e logo suas mãos estão sobre os meus pulsos e ela me fita com os olhos sérios e determinados. — Sim, você irá contar para ele sim, e ai daquele moleque se não lhe tratar com o máximo de respeito possível, ele volta para Fortaleza sem os cunhões — a forma como fala faz um sorriso tímido começar a se abrir nos meus lábios, até que entendo o que realmente disse. — Ele está aqui, em Missão Velha? — Acho que meus olhos acabam de ganhar o dobro de tamanho.

— Sim, vim com ele e Alex. — Meu coração agora dispara por outro motivo, meu corpo inteiro se arrepia e de repente a pressão e formigamento que sinto sob a minha pele começam a fazer sentido, ele está aqui e meu corpo traidor sabia antes de mim. — Por que procurou justamente a ele? — solto a primeira pergunta que consigo formular. — Eu não procurei ninguém, falei com Sabrina por telefone e meia hora depois ele chegou em casa com Alex a tiracolo, prontos para virem comigo. — Dá de ombros. — Por que recusaria? Era uma carona. Devia saber assim que tia Bel me avisou que ela estaria vindo que novidades viriam juntas, mas talvez seja o destino conspirando para que a história não se repita. — Ele está na sala de espera? — pergunto ao me dar conta que é lá que Raul está e a última vez que os vi na mesma cena Cícero esmurrava meu amigo com tudo enquanto eu fugia no seu carro, no entanto sei que Raul saberá se defender. — Sim, com o menino Alex, pedi que esperasse que eu conversasse com você primeiro, até disse que talvez você não quisesse ver ele e teria de respeitar isso, mas agora mais do que nunca precisam se ver e conversar sobre o futuro. — A sua expressão séria ao me olhar deixa claro que não

posso me negar a vê-lo. — Eu não esperava que ele viesse até aqui, foram semanas sem que desse sinal de vida, tinha quase certeza que no fim as coisas terem acabado como aconteceu foi melhor para ele. — Não nego que isso me incomodou bastante, acreditar que o que vi no seu olhar nas últimas vezes que estivemos juntos não foi real magoava-me mais do que seria capaz de admitir, até para mim mesma. — Eu disse para te dar um tempo antes de procurá-la, de cabeça quente vocês não resolveriam coisa alguma. — Olho para ela admirada com sua perspicácia. — Então, já posso mandá-lo entrar? — pergunta e minha garganta volta a fechar, meus pelos começam a se eriçarem e meu coração dispara, mas não posso adiar isso por muito tempo. — Tudo bem e por favor diga a Raul que vá descansar, ele está aqui no hospital há muito tempo. — Subo um pouco mais na cama para ficar melhor apoiada, minhas costas ainda doem um pouco, mas segundo Breno isso é normal. — Raul? O que esse sujeitinho veio fazer aqui? — A forma como ela fala seu nome me diz que tem algo a incomodando. — Ele veio ver como eu estava e graças a Deus por isso, não sei se teria chegado ao hospital a tempo se ele não estivesse lá, mas por que está

com essa cara? — Estreito meus olhos para ele e em resposta ganho seu dar de ombros típico de quando não quer falar sem ter certeza e isso me deixa ainda mais incomodada. — Conversaremos sobre isso quando chegarmos em casa, uma confusão por vez, sim? — Suspiro frustrada por não estar me contando toda a história, mas tudo bem, por hora vou me concentrar apenas na confusão do momento, como bem disse. — Tudo bem, mas vai me contar tudo bonitinho, dona Clarisse. — Ela vem até mim e beija minha testa antes de sair, me deixando uma pilha de nervos completa enquanto espero que a porta volte a abrir.

— Eu vou com você! — Alex logo se prontifica a me acompanhar, mas essa não é uma conversa que deseje ter com plateia. — Ele não é mais criança, pode e vai sozinho — a forma como dona Clarisse fala faz um calafrio subir pela minha espinha. — Eu sei, mas... — Alex tenta argumentar, mas antes que ele leve um rela bem dado tomo a frente. — Obrigado, amigão, mas ficarei bem, a senhora pode me mostrar qual o quarto que ela está?

— Por aqui. Ela vira-me as costas e sai caminhando a passos largos pelo corredor até parar em frente a duas portas que uma placa indica ser a Enfermaria, olho para dentro através do vidro redondo que há nelas e não vejo ninguém lá dentro, volto meu olhar para a senhora a minha frente de braços cruzados que me fita como se eu tivesse salgado a Santa Ceia e merecesse uns tabefes por isso, esse olhar de dona Clarisse me intimida muito mais do que os outros que já me deu. — Ela está aí, por sorte não há mais ninguém em observação e vocês poderão conversar, mas como já disse não fale sobre o que aconteceu em Fortaleza, ainda não, terão bastante tempo para isso, tem algo mais importante para ser dito e volto a repetir se não tratar minha neta direitinho eu vou fazer sarapatel de você. Engulo em seco e balanço a cabeça mais uma vez, sua ameaça não é vazia. Ela se afasta e espera que eu dê o passo que me levará para dentro do quarto onde minha anja-demônia está, meus pelos se eriçam e meu pau, que é um pervertido, ganha vida com a eletricidade que me corre ao senti-la a uma porta de distância. Não perco muito tempo pensando e atravesso as duas portas de uma vez a surpreendendo de certa forma e por uma fração de segundos sinto que meu coração para de bater direito ao vê-la na minha frente depois de tanto

tempo, sua boca se abre surpresa e em minha mente tudo o que consigo visualizar são todas as vezes que calei essa boca atrevida com beijos de tirar o fôlego. Saio do meu transe momentâneo quando seu suspiro entrecortado chega até mim, minha boca fica seca ao notar as primeiras lágrimas que rolam pelo seu rosto e um instinto protetor toma conta de mim, antes que me dê conta estou ao seu lado embalando seu corpo em meus braços e diferente do que imaginei ela não me empurra ou manda que me afaste, pelo contrário, se agarra a mim como se eu fosse a sua tábua de salvação em meio ao grande oceano e me permito ser isso nesse momento. Sou o que ela precisa que eu seja, não importa que quando a razão lhe voltar me diga as palavras que irão quebrar meu coração em pedacinhos, pois não importa, qualquer dor é aceitável se puder desfrutar de pequenos instantes como esse em que entendo que o que sinto por ela não é um sentimento sem reciprocidade, não teria como alguém fingir precisar do outro como ela demonstra que precisa de mim, pois é exatamente como me sinto em relação a ela e algo me diz que sentimentos assim duram mais do que uma noite. Não sei quanto tempo passa até que o choro de Cecília começa a diminuir, quando parece que está finalmente em um estado mais calmo e tem o controle sobre suas emoções novamente se afasta dos meus braços e evita a qualquer custo me olhar, isso me incomoda mais do que imaginava, não ter

aquele seu olhar de menina levada me desafiando não é algo que me agrade, quero a minha anja-demônia com tudo que a faz ser ela. — Cecília, o que houve? — Tento tocar o seu rosto, mas ela se afasta sutilmente, não a forçarei a aceitar o meu toque. — Muitas coisas, foi o que houve — diz e agora me fita com essas sobrancelhas

grosas

erguidas,

me

desafiando

a

contradizê-la

e

involuntariamente sorrio, esse é o sinal de que minha garota está de volta. — Do que você está rindo, imbecil? — De como você só é você quando essa língua afiada está ligada ao máximo — respondo ainda sorrindo. — Se já constatou que eu sou eu, pode ir embora. — Cruza os braços na altura dos seios que juro estarem visivelmente maiores e essa visão linda faz meu pau tão saudoso do seu corpo pulsar dentro das calças. — Não vou a lugar nenhum sem você, além do mais sua avó ameaçou arrancar minhas bolas se eu não tratasse você bem depois que me contasse algo, então trate de me falar logo o motivo pelo qual posso virar um eunuco — digo e agora é sua vez de sorrir de leve. — Vovó te ameaçou, é? — Sorri ainda mais, agora colocando a língua de lado por dentro da boca e isso me lembra a sensação que é ter sua boca explorando cada centímetro do meu pau e não resisto em fechar os olhos

e gemer baixinho. — Você está excitado? Sua voz incrédula interrompe o meu maravilhoso devaneio onde ela desce dessa cama estreita e me deixa saber quanta saudade de mim ela sentiu, porque sei que sentiu, a forma como seus olhos aumentam de tamanho e engole em seco vendo minha ereção é a prova disso. — Seu cretino idiota, não acredito que esteja excitado comigo aqui deitada nessa cama depois de quase ter perdido o meu bebê... — Ela para de falar e sinto o meu sangue gelar completamente. — Repete, pois eu não entendi — digo tentando colocar as peças no lugar. Mas sendo ela quem é, ao invés de me responder vira o rosto para o lado oposto da sala e ergue a cabeça com aquele ar imperativo que só ela sabe fazer. Respiro fundo algumas vezes, o ar se tornando escasso para mim. — Cecília, não brinca comigo, porra, você falou o que acho que falou? — Meu coração entrou em uma corrida desenfreada e eu não sei direito qual o motivo por trás dela. — Não sei, não estou na sua cabeça pervertida para saber o que acha de uma coisa ou não — a demônia responde com esse seu balançar de corpo único que me irrita e excita na mesma medida. — Não brinca comigo, Cecília, minha vontade desde que entrei nesse

quarto é pegá-la e colocar de quatro sobre essa porra de cama e fodê-la até que aprenda a nunca mais fugir de mim, então não me dê motivos para realizar esse meu novo fetiche e responda a droga da minha pergunta ou fodase a promessa que fiz a sua avó e vou tratá-la como sei que está doidinha que eu o faça, hospitalizada ou não. — Você é um cretino, mas vou lhe contar. Sim, você ouviu bem, eu quase perdi o meu bebê, melhor, o NOSSO bebê. — Agora sim o meu coração parou de bater, engulo em seco e olha para ela o mais fixamente possível buscando qualquer pista de que esteja brincando. — Você não está brincando — são as palavras que saem da minha boca. — Claro que não estou, seu idiota! — Cecília tenta manter a pose de que está tudo bem, mas as lágrimas que rolam pelo seu rosto deixam claro que tudo isso é demais para ela também. — Mas você está bem agora, não está? — Meu instinto diz que ela está por um fio. Ela leva as mãos ao centro do seu corpo e deixa elas repousarem sobre o seu ventre de uma forma protetora, o gesto faz um nó surgir na minha garganta e meus olhos ficam marejados, pisco algumas vezes para espantar essas porcarias de lágrimas, não sou mais um bebê chorão, vou ser pai, porra.

"Caralho, puta que me pariu, literalmente eu vou ser pai!", o pensamento me vem junto com uma sensação diferente de tudo que já senti na vida, é como se de repente o mundo começasse a girar rápido demais e me faltasse terra debaixo dos pés. — Fisicamente estamos bem sim, Breno disse que vamos ficar bem se eu tomar cuidado até o fim do primeiro trimestre. — Ela sorri ao acariciar o ventre com um olhar diferente. — Mentalmente, vou ficar, meu filho precisa de mim e não me importa se vou ter que cuidar dele com ou sem você, serei a melhor mãe que ele poderia ter. Estou para dizer a ela que minha mente também não está lá essas coisas, mas paro ao perceber que ela não conta como certo a minha parceria nesse novo momento que nossas vidas estão tomando. — Como assim, não acha que vou lhe virar as costas justamente agora, acha? — deixo que toda a minha indignação fique notável na minha voz. — Não sei, Cícero, eu não o conheço além do que me permitiu ver e boa parte era mentira, como vou saber o que pensa sobre filhos? Até onde me lembro essa possibilidade não estava presente no acordo. — Ela parece irritada e me forço a respirar fundo, não é momento para termos essa conversa.

— Não vamos falar sobre isso com você deitada em uma cama de hospital depois de ter quase perdido o meu filho. — A palavra já não sai tão estranha entre os meus lábios. — É nosso filho, você não o fez sozinho, mas já parou para pensar que pode ser uma menina? — O sorriso tímido que vem dela mexe comigo de uma forma única. — Ohohoooo, Deus tenha piedade de mim, pois sei que terei meu primeiro ataque cardíaco antes dos quarenta anos — brinco, mas no fundo estou me borrando de medo. — Não seja bobo, Comandante, você só iria pagar por todas as mulheres que comeu e descartou. — Ela revira os olhos daquele jeito único e não resisto. Puxo seu rosto na minha direção e a beijo como estou com vontade há tanto tempo, ela de início fica parada, mas basta que percorra a língua sobre o seu lábio inferior que um gemido lhe escapa e tenho acesso total a sua boca, não perco tempo e começo a demarcar o território enquanto ela parece estar fazendo a mesma coisa comigo e se já estava de pau duro antes, agora ele parece feito de pedra. Seguro nos seus cabelos enquanto puxo seu corpo para o mais perto de mim possível devido aos fios e intravenosa que estão conectados ao seu

corpo. Engolimos os gemidos um do outro, mas é impossível ignorar o barulho irritante do monitor cardíaco que soa frenético, meus batimentos não estão tão acelerados quanto os dela, mas sinto algo que não sentia desde o dia que ela se afastou de mim: estou completo, como nunca pensei ser possível estar. — Hã-hã. — Alguém limpa a garganta e muito relutante solto-a aos poucos, meus lábios brigando para permanecerem um pouco mais junto aos dela. — Breno! — Cecília diz ao abrir os olhos e seu rosto já corado ganha um tom avermelhado que contrasta bem com a cor dos seus lábios inchados. Viro para olhar a quem nos interrompeu e encontro o que imagino ser o médico plantonista, um sujeito não muito mais velho que eu, ele olha para nós com um sorriso debochado nos lábios e a maldita sobrancelha erguida. — Lia, creio que esteja tudo bem por aqui — diz se aproximando. Meu sangue ferve em notar o quão íntimo dela ele parece ser, por isso permaneço ao lado da cama com minha mão na sua de forma a deixar claro que esse terreno já tem dono. — Sim, estou bem. — Ela baixa o olhar para nossas mãos unidas e em seguida me olha em busca de confirmação, isso mexe comigo e não evito o sorriso que ameaça rasgar meu rosto ao meio.

— Hummm, isso é bom, seus exames mostram um leve déficit de ferro, mas nada que deva se preocupar, agora que começará a tomar as vitaminas do pré-natal creio que logo se resolverá, junte isso a uma alimentação saudável e tudo ficará bem com vocês. A mão de Cecília aperta a minha e isso me diz que estava ansiosa por notícias, inclino-me em sua direção e beijo o topo da sua cabeça, o suspiro dela se assemelha ao meu. — Vai ficar tudo bem, anja! — digo olhando nos seus olhos, ela apenas balança a cabeça confirmando e sorri de leve. — Quando ela poderá viajar? Pergunto diretamente ao médico, quero minha garota por perto e não posso ficar aqui por muito tempo. — Imagino que você seja o "É complicado" que Lia me falou mais cedo. — Estreito os olhos para ele, mas acabo apertando a mão que me estende. — Cícero Duarte, noivo de Cecília — digo isso e os olhos do médico se voltam para ela que revira os olhos, mas não desmente pelo menos. — Bom, noivo de Cecília, como médico eu diria que de dois a três dias, mas como primo dela eu digo que esperar uma semana é o melhor, ficarei com o telefone ligado, se algo acontecer estarei por perto — ele fala e

sinto a implicância na sua voz, ignoro o que me diz e olho diretamente para Cecília. — Eu volto para Fortaleza ainda hoje, você fica aqui por mais uma semana, isso é tempo suficiente para que eu consiga ajeitar as coisas em casa — digo a ela e vejo seu rosto começar a reagir as minhas palavras, ergo uma sobrancelha a convidando a dizer que não. — Não vou morar com você — diz de forma enfática. — Uma ova que não vai — rebato e vejo o sorriso no rosto dela se ampliar. — Não, eu não vou, ficarei na casa da minha avó e eu te desafio a dizer a ela que sua casa é melhor do que a dela. — Puta merda, isso é golpe baixo, ela sabe que não vou fazer isso. — Isso está muito interessante, mas sugiro que deixem os pormenores para depois, terão mais seis meses mais ou menos para discutirem essas coisas, agora, Lia, vou deixar prescrito mais algumas bolsas de soro para você, quando elas terminarem está liberada para ir para casa. O médico acaba com a nossa breve discussão e eu agradeço por isso, não quero brigar com ela, mas isso é excitante como o inferno, por isso ouço com atenção as recomendações que ele faz antes de sair da sala nos deixando sozinhos, mas dessa vez dura pouco tempo, uma enfermeira entra com a

bolsa de soro e me sento na cadeira ao lado da cama de Cecília, não demora muito para que ela caia em um sono tranquilo, enquanto eu fico observando-a por um longo tempo pensando em como só o fato dela estar aqui ao meu lado acalma o meu coração de uma forma única. Devagar estendo a mão e toco seu ventre onde o nosso filho está protegido. — Eu vou cuidar de você, pequeno, serei um bom pai, eu juro, não como o meu foi, mas como meu avô me mostrou como deveria ser — digo para o ventre dela, mesmo sabendo que não pode me ouvir, mas sinto dentro de mim a necessidade de reafirmar isso, não tive o melhor dos exemplos de pai, minha mãe biológica então... Mas meu avô e Silvana me deram amor suficiente para me mostrar como devo amar esse serzinho que é metade eu, metade Cecília e já tomou boa parte dos meus pensamentos em tão pouco tempo.

— Vó, eu consigo sair do carro sozinha! — digo revirando os olhos ao tentar sair do carro assim que paramos em frente à nossa casa em Fortaleza, mas sendo ela dona Clarisse, sou obrigada a segurar na sua mão e deixar que me ajude mesmo que não precise. — Eu a ajudo, dona Clarisse. — Cícero aparece ao lado dela e ganha um revirar de olhos próprio, acho que eles pensam que sou de vidro. — Eu faço isso, sou velha, mas não tô inválida — ela diz e vejo Cícero dar um passo atrás sem questionar, bundão. — Era só o que me faltava. Não seguro o riso, ele tem pose de machão, mas caga pau pra uma senhora de sessenta anos e um metro e cinquenta e oito de altura, que maravilha! Ele por sua vez dá de ombros com a expressão “ela que manda” estampada no seu rosto. Não o culpo, ela não dá mole mesmo, quando Breno disse para ela que o ideal seria esperar uma semana até que eu pegasse a estrada ela foi logo dizendo a ele que isso era coisa certa e não discuti, e foi maravilhoso passar alguns dias com ela longe da loucura que sabia estarem esperando por nós assim que passarmos pela porta. — Você pode pegar as coisas dela no porta-malas — vovó diz para

ele sem parar o nosso caminho até a porta. — E virei carregador agora — ele fala, balançando a cabeça. — Virou no dia que emprenhou minha neta, seu caboré[3]. — Olho para ela tentando decifrar de onde tirou esse apelido, mas só recebo seu olhar de "não pergunte nada". Não falo nada, apenas deixo que me encaminhe para dentro o mais rápido possível, bom o mais rápido que ela me permite andar, vovó quando quer sabe impor as coisas, aproveito que Cícero ficou para trás e faço a pergunta que estou criando coragem para fazer a ela desde que a vi entrando no quarto de hospital. — Vó, está tudo bem? — questiono baixinho. — Por que não estaria? — Como sempre escorregadia como quiabo. — Porque a senhora não disse nada sobre o que aconteceu aquele dia durante esse tempo todo e quando perguntei sobre Raul disse que era bom ele não dar as caras tão cedo e depois disso se fechou mais uma vez — respondo, sentando no sofá e espero que conteste o que eu disse. — Vai querer comer agora ou depois que tomar um banho? — Suspiro frustrada, mas esse é o jeito dela e não vou criar caso agora, principalmente porque Cícero entra carregando minha mala o que dá a ela a desculpa perfeita de sair da sala nos deixando sozinhos.

— Tem chumbo aqui dentro? — pergunta sentando ao meu lado, mas não tão perto e respiro aliviada que não esteja forçando uma situação antes que tenhamos uma boa e demorada conversa. — Vou fingir que não ouvi isso, foi me buscar no aeroporto porque quis. — Viro de lado para não ver seus olhos que sinto me fitando. — Se não queria que eu viesse, por que me ligou informando a hora que chegaria? — Como se você não soubesse direitinho até o número do táxi que peguei de Missão Velha a Juazeiro. — Viro para olhá-lo e espero que negue isso. — Luana que cuidou desses detalhes — retruca com um sorrisinho besta nos lábios. — E liguei porque minha vó praticamente me obrigou, satisfeito? — rebato irritada. — Por que essa raiva toda, Cecília? — a pergunta dele vem carregada de sarcasmo e minha vontade é dar umas bifas na cara dele. — Quer que eu faça a lista certinha ou posso ir colocando o que for me lembrando? — Ergo uma sobrancelha e ele se cala, covarde, se não estivesse se cagando de medo da minha avó eu poderia pressioná-lo até ceder, mas cagão que é fica olhando para a cozinha de tempos em tempos.

— Eu preciso ir em casa pegar algumas coisas, mas não demoro — diz levantando. — Não precisa voltar, basta ligar e minha vó dirá se estou respirando ou não. — Coloco a língua de lado para parecer menos interessada na sua presença aqui comigo. Eu sei que estou sendo muito chata com ele, no entanto a verdade é que apesar de ter dito que estava satisfeita com o distanciamento dele o que eu esperava era que ao me ver no aeroporto ele me recebesse com um beijo ou um carinho suave no rosto como o que fez antes de sair do hospital na manhã seguinte ao nosso reencontro, a enfermeira, que é amiga da minha avó, e tia Bel me contaram que ele ficou comigo durante todas as horas que dormi, a informação fez algo no meu peito acender como luzes de Natal e agora ele está agindo como se fosse um robozinho mandado. — Não vai se livrar de mim assim tão fácil — diz e isso alivia o turbilhão de emoções no meu peito. — Até que tudo se acerte, ficarei aqui com vocês. O cretino abre aquele sorriso que faz misérias com as minhas calcinhas e pisca um olho convencido, reviro os olhos e balanço a cabeça fazendo cara de poucos amigos. — A minha vó tá sabendo disso? Vó, a senhora deixou esse traste

ficar aqui? — grito e logo a cabeça dela aponta na porta da cozinha. — Como? — Essa cara de desentendida dela me mata. — Deixou esse sujeito ficar aqui conosco? — Ela apenas balança a cabeça confirmando. — Vó, ele tem casa ou casas, sei lá, não precisamos dar abrigo a desocupado não — alfineto e ele ri. — Não seja infantil, Lia, ele fica aqui até vocês se resolverem, depois se você não quiser saber dele mandamos cair fora, mas até eu achar que você está bem, bem mesmo, o caboré fica e cuida de você, como diz o ditado quem pariu Mateus que balance, mas nesse caso é quem emprenhou a mãe de Mateus que tome de conta. Simples assim, ela diz e vira as costas e sei que não adianta tentar argumentar com ela, está do lado desse cretino nesse sentido e o cretino em questão chega bem perto de mim e segura meu rosto a centímetros do seu. — Esse desocupado vai ter muita ocupação quando voltar. — O fogo ardente em seus olhos me faz engolir em seco. — Não precisamos de ajuda — digo sem conseguir afastar os olhos dele. — Ah, não sei não, aposto que você está louca por uma boa noite de... — Ele para e olha para os lados. — Eu vou pegar minhas coisas e na volta conversamos, e depois que tudo estiver resolvido vou foder você como está

querendo. Suas palavras são como gasolina no fogo e fazem as labaredas no meu ventre crescerem ainda mais, minha calcinha está totalmente molhada e minha boceta pulsa desejosa por tudo que sei que ele é capaz de fazer. — E-eu não... — começo a argumentar, mas ele não permite que termine a frase e prende meus lábios entre os dedos. — Não precisa mentir, querida, eu conheço as reações do seu corpo e sei como está desejando isso, eu também estou, então estamos quites! — Beija minha testa e vira-se para ir embora, mas antes de sair para na porta e me olha. — Descanse um pouco, ouvi dizer que mulheres grávidas se cansam mais rápido e quero você bem acordada. Pego uma almofada e atiro na sua direção, mas ele é mais rápido e sai antes que seja atingido, porém ele está certo em todos os sentidos. Cícero sai me deixando ainda sentindo as reações que suas palavras provocaram em meu corpo, mas não fico só por muito tempo, logo uma verdadeira comitiva formada por Sabrina, Bruna, Talita e Amanda, entra na sala fazendo uma grande algazarra. — LIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! — gritam em uníssono, mas antes de se jogarem em cima de mim, vovó volta às pressas a sala e faz com que a empolgação diminua.

— Gritem à vontade, mas não pulem nela, estão me ouvindo? — Como uma turma de colégio pega fazendo algo errado vejo minhas quatro amigas ficarem quietas e olhando de uma para a outra antes de caírem na risada. — Pode deixar, vó, vamos nos comportar! — Sabrina se aproxima dela e lhe dá um beijo estalado na bochecha. — Somos boas garotas, será que sai umas bruacas de chocolate? — E eu lá tenho cara de merendeira de escola! — vovó diz com um sorriso enorme, seu charme de sempre para ganhar atenção das meninas. — Ah, vó Clarisse faz pra nós, suas meninas de ouro — Bruna diz e faz beicinho como as demais, é impossível não rir delas. — Tudo bem, eu faço, mas não agitem essa menina demais, ela ainda precisa de repouso, estão me ouvindo? — fala e vai para a cozinha faceira, vovó adora as meninas e sei que o sentimento é recíproco. — Então, Lia, vai nos contar por que sua vó e meu irmão saíram daqui à noite para trazer você de volta, quando eu sei que não tinha planos de voltar? — Sabrina pergunta sentando-se ao meu lado e as meninas se sentam no chão a minha frente. Olho de uma para outra e só agora noto como senti falta delas e me impressiono por Alex não ter falado nada para Sabrina, desconfio que Cícero

esteja envolvido nisso, o que me faz questionar se ele já contou sequer para a família dele. — Vocês vieram aqui para comer bruaca e fofocar ou para matar a saudade enorme que estavam de mim? — Faço minha melhor cara de indignada, mas que não as convence nem um pouco. — Ahhhhhh, não enrola, Lia! Alex, o cretino, não nos contou nadinha mesmo que tenhamos feito pressão e até jurado uma sacanagem em grupo com ele, tirando a Sabrina, é claro — Talita diz com um olhar safado e ganha um tapa no braço de Sabrina. — Eu sabia que aquela história de preocupação com a Lia era vocês doidas pra dar esses rabos pro meu irmão, suas sacanas. — A cara de indignada dela é mais falsa que nota de três reais e isso nos faz rir para caramba. — Vocês parem de brigar e foquem no que importa. — Bruna como sempre toma a frente nos momentos de discussão em grupo. — A Lia está usando isso pra não falar porra nenhuma e as bruacas estão começando a cheirar e eu não vou querer conversar quando estiver comendo, então, mocinha, desenrola, o que te fez voltar mesmo depois de dizer que não faria isso tão cedo? Pronto, quando a mais centrada das amigas faz a pergunta e todas me

fitam em busca da resposta é a certeza que não posso fugir ou inventar uma desculpa qualquer, se bem que não tenho por que mentir para elas, se tem alguma pessoa que quero comigo durante a minha gestação são essas quatro mulheres a minha frente e não poderei esconder a barriga por muito tempo mesmo, por isso abro um sorriso quando o leve tremor que venho sentindo volta a acontecer e minha mão toca meu ventre involuntariamente. — Eu tive motivos muito fortes. — O olhar delas ainda não notou como acaricio minha barriga. — Mais fortes do que a raiva do bonitão cafajeste? — Amanda pergunta. — Sim, mais do que isso e qualquer outra coisa que já existiu Só agora o olhar de Bruna cruza com o meu e então desce e se fixa onde minha mão está, sem dizer uma palavra ela me questiona e confirmo com um leve aceno de cabeça, seus olhos ganham o dobro do tamanho e o seu sorriso espelha o meu. — Um mascotinho pro nosso grupo, é isso mesmo? — pergunta e o silêncio é completo até que eu o quebro. — Pode ser uma mascotinha também. — Não conto nem até três e logo minha barriga ainda quase plana está sendo alisada por quatro pares de mãos que me enchem de perguntas.

— Oh, meu Deusinho, que lindo! — Amanda diz. — Está tudo bem com ele? — Ou ela, não é mesmo? — Sabrina acrescenta e todas assentimos. — Seremos titias! — Talita fala e suspira junto com as meninas e meu coração se expande de amor por essas malucas. Em meio a tantas vozes e mãos que chegam até mim, eu ergo meu olhar e vejo minha avó parada junto a porta com lágrimas nos olhos. Ela deve estar pensando o mesmo que eu, minha mãe não teve esse tipo de apoio, nem vindo do meu pai, tão pouco das amigas que ela sequer tinha, talvez se tivesse quem a apoiasse não teria feito o que fez. Vovó seca a lágrima que rola pelo seu rosto e limpa a garganta, chamando a atenção das meninas. — Se já mataram a saudade, as bruacas estão prontas! — Essa é a palavra mágica para que me deixem e cerquem minha avó. — Mas vão lavar essas mãos, não querem pegar uma infecção por causa dos micróbios, vai saber onde andaram enfiando-as. — No... — Sabrina começa a responder, mas para assim que o olhar de vovó vira para ela nada feliz. — No olho, vó Clarisse. — Sei, sua maluvida[4]! — Seguro o riso e deixo que elas vão na minha frente, quero aproveitar um pouco mais dessa sensação de felicidade única que me toma agora.

Quando levanto para segui-las a campainha toca, olho para fora e vejo um entregador parado em frente a nossa casa segurando um ramalhete de margaridas amarelas, caminho até o portão para atendê-lo. — Pois não? — pergunto e ele retira os óculos e me olha de cima a baixo. — Cecília Fernandes? — pergunta com um sorriso tímido. — Sim? — Olho para ele com cara de poucos amigos, não estou com saco para ninguém me olhando como se fosse um pedaço de carne, talvez a estadia de Cícero aqui não seja de todo ruim afinal. — Pode assinar aqui? — Abro o portão e assino o recibo e ele me entrega as flores antes de ir embora. Entro em casa com as flores nos braços girando de um lado ao outro em busca de um cartão, mas não tem nada, apenas uma fita em volta do buquê. — Quem que mandou isso, Lia? — vovó pergunta de olhos arregalados. — Não sei, vozinha, acabei de receber e não tem cartão aparentemente. — O que tá escrito na fita? — ela pergunta, estreitando os olhos. — Acho que nada — digo desenrolando-a, mas na segunda volta vejo

as primeiras letras aparecendo. Sem paciência puxo a fita de uma vez por todas e abro-a na minha frente para ler o que tem escrito, levo alguns segundos para entender as palavras e o seu significado. "Bem-vinda ao lar, querida, espero que logo possamos nos encontrar. Papai" Deixo as flores caírem no chão juntamente com a fita e olho para minha avó. Não preciso dizer nada, ela sabe de quem elas são e entende que nossos dias de tranquilidade acabaram.

Olho em volta do meu quarto para ver se estou esquecendo de algo, deixei minha mala pronta antes mesmo de sair para trabalhar ontem, mas ainda assim eu vasculho na minha mente se está faltando algo, pelo visto não, então só me resta ir de uma vez para onde minha anja-demônia está e rezar para que nesse período que ficarei por lá consigamos nos acertar, não quero que nosso filho nasça em um lar desfeito, tão pouco que eu não possa estar por perto quando isso acontecer. Apesar de nunca ter pensado na ideia de vir a ser pai, agora que isso já é uma realidade batendo a porta farei o meu melhor e admitindo para mim mesmo, essa criança veio no momento certo,

parece até que o destino deixou essa última carta na manga para me ajudar a ter minha mulher de volta, mas sei que não será uma tarefa fácil, não com ela. Desço no elevador até a garagem e antes mesmo de chegar a ela meu telefone toca, olho no visor e vejo o rosto de Luana me fazendo uma careta, típico dela colocar essa foto no contato do meu celular. — Já está com saudades de mim? — pergunto a provocando. Não a vejo desde a nossa conversa na noite que viajei atrás de Cecília e ela sendo quem é não veio até mim, as vezes que nos falamos deixou claro que quem precisava era eu, portanto deveria ser eu a procurá-la. — Nem um pouco, mas quero saber onde se meteu que não deu as caras por aqui esses dias, nem mesmo para me dizer se Cecília gostou do que fizemos no quarto dela — diz toda petulante, mas se não fosse pela ajuda dela eu provavelmente dormiria no sofá. — A verdade é que ela não viu ainda, bom, não pelo tempo que estive lá, mas sei que fez um trabalho excelente, agora me diga por que realmente me ligou? — Sei bem como ela age, nada é por acaso. — Acho tão lindo como você muda de assunto, mas tudo bem, liguei para dizer que acho que descobri algo sobre Arnoldo que pode ser um indício do que ele pretende com Cecília. — Ouvir o nome daquele infeliz faz meu sangue ferver de ódio e isso me lembra mais uma vez que tenho que

conversar com ela antes de tudo. — E o que seria? — A porta do elevador abre e saio em direção ao meu carro, mas decido conversar com ela antes de entrar. — Não vou falar por telefone, é mais fácil mostrar, quando você poderá vir aqui? — baixa a voz mais um pouco. — E traga aquele seu amigo detetive, precisaremos dele se queremos ir mais a fundo nessa história. — Amanhã só trabalho a noite, tentarei ir aí a tarde — respondo depois de pensar no que tenho agendado para amanhã. — Pensei que estivesse ansioso por notícias. — Seu sarcasmo escorre como rio. — E estou, mas Cecília tem uma consulta pela manhã e eu irei com ela, é claro. — Como disse, quero fazer parte dessa gravidez, não apenas com um título, mas estando com ela a cada momento. — Ah, esqueci que ela tem prioridade na sua agenda agora. — Tenha santa paciência, minha irmã não vai querer entrar nessa de disputar atenção, vai? — Sim, ela tem e você vai me dar razão quando souber o porquê. — Não falei para ninguém sobre a gravidez de Cecília, não achei certo fazer isso sem a autorização dela, há mulheres que são supersticiosas com essas coisas e esperam até certo tempo para contar, vai que é o seu caso.

— Se você não me contar ficará difícil entender por que a princesa Cecília tem toda a sua atenção depois de tê-lo deixado plantado no altar. — Faz questão de passar isso na minha cara sempre que possível. — Luana, tenho que ir, nos vemos amanhã — digo encerrando essa conversa, ela quer respostas e eu não sei se está tudo bem em falar sobre. — Isso, fuja do assunto mais uma vez, nem queria saber mesmo. Desliga o telefone como só ela consegue fazer, rio sozinho antes de entrar no carro e dar partida, agora vou ter o segundo embate do dia, na verdade a continuação do primeiro, mas não terei como escapar das suas perguntas, teremos que conversar e com isso quero dizer falar tudo, até mesmo o que nunca admiti para nenhuma outra mulher. Dirijo pelos próximos vinte minutos e quando entro na garagem ouço vozes de mulheres e sei que o clube das catarrentas, como Alex costuma chamar, está reunido, essa é outra coisa que terei que me acostumar, mas segundo ele, elas são um pacote só e se ele sobreviveu até hoje, também consigo. Saio do carro e passo pela cozinha onde as quatro estão e me olham com expressões neutras, concluo que devo passar rápido por elas e assim o faço. — Jogue isso fora, vovó! — Cecília diz no instante que chego à sala. Olho para onde seu olhar está fixado e vejo um buquê de flores

amarelas no chão, meus olhos percorrem o seu corpo e noto um leve tremor nele, suas mãos em punho e boca em uma linha fina deixando claro o esforço que está fazendo para não desmoronar. Com duas passadas a alcanço e prendo seu corpo entre os meus braços, nem sei se nota minha presença, mas a seguro firme até que os tremores começam a diminuir. — Está tudo bem? — pergunto baixinho no seu ouvido, ela parece despertar e ergue a cabeça para me olhar. Seu olhar me faz lembrar de um túnel vazio e escuro, um calafrio sobe pela minha coluna e a aperto um pouco mais, mas então ela se remexe para sair e eu a deixo ir, seus braços envolvem o corpo da avó que também parece bastante abalada e está amparada pelos braços das amigas de Cecília, olho de um lado ao outro, confuso. — Alguém pode me explicar o que houve aqui? — pergunto para ninguém especificamente. — Não sabemos — uma das garotas diz baixinho. — Jogue essas malditas flores fora, por favor? — a voz de Cecília sai num fiapo quase inaudível. Não perco tempo, agacho e pego o buquê junto com uma fita que estava ao lado e caminho em direção a garagem a fim de jogá-lo fora, mas paro assim que noto algo escrito na fita e por fim entendo o que está

acontecendo, meu peito troveja enraivecido e um único pensamento me vem: "vou matar aquele desgraçado com as minhas próprias mãos se voltar a se aproximar dela de alguma forma". Volto à sala e já não vejo mais minha anja-demônia, olho em volta à sua procura e uma de suas amigas aponta na direção do pequeno corredor que leva aos quartos, com passadas largas chego onde ela está parada junto à porta, seu corpo treme levemente e com muito cuidado me aproximo dela, seu corpo primeiro tensiona, mas logo que percebe que sou eu recai sobre mim buscando conforto, envolvo sua cintura com os meus braços e ouço por minutos os seus soluços abafados e nunca imaginei que a dor de outra pessoa pudesse me doer tanto, me sinto impotente por não ter previsto nada disso, com um rato como Arnoldo todo tipo de atitude deve ser prevista. — O que ele quer de mim? — sua voz quebradiça sai quase inaudível. — Eu não entendo, depois de tantos anos, por que agora? Gostaria de ter essas respostas, mas creio que estamos perto de descobrir e quando as tiver darei um jeito de usá-las contra ele. — Eu não sei, mas vou descobrir, eu prometo — digo isso e ela vira para me olhar, seus olhos ainda mais escuros devido ao vermelhão que se formou pelo choro, mas ainda assim ela é a coisa mais linda do meu mundo. — Por que se daria esse trabalho, Cícero? — sua pergunta me pega

desprevenido. — Como assim? — Estreito os olhos para ela e deixo-a sair dos meus braços, entrando no quarto logo atrás dela. — Por que você se daria ao trabalho por mim? E não use minha gravidez para justificar. — Ela senta na ponta da cama enquanto fico em pé na sua frente sem conseguir pensar direito nas próximas palavras que sairão dos meus lábios. — Não ia usar nada como desculpa, a pergunta certa aqui é por que eu não faria? Acha que quero ver você ou sua vó no estado emocional que vi agora há pouco? — Me olha por alguns instantes antes de levantar. — E por que isso importa? Olhe para esse quarto, por que teve tanto trabalho para deixá-lo assim? — diz dando um pequeno giro para enfatizar suas palavras. — Como sabe que fui eu? — Essa cama é idêntica a sua, só alguém com um tamanho exagerado como você compraria uma cama que ocupa meu quarto todo. — Um pequeno sorriso surge no canto dos seus lábios, mas logo some. — Por que tudo isso, esse cuidado, essas promessas, por que você está aqui? Sinto meu coração trovejando no meu peito, minha garganta fecha com o início de desculpa que começa a se formar nos meus lábios e sei que

não poderia negar e a verdade é que nem tenho por que, se a quero ao meu lado devo começar a ser honesto com ela, comigo e com o meu coração. Me aproximo dela e fixo meu olhar no seu para que veja a sinceridade nas minhas próximas palavras. — Porque, por mais que eu tente me manter longe, há um imã invisível que sempre me puxa de volta para onde você está, porque depois que você partiu, foi como se uma parte minha estivesse faltando, porque todos os dias quando acordo meu primeiro pensamento é em você e o seu rosto é a última coisa que vem a minha mente antes de dormir, porque você, sua avó, nosso filho, são importantes demais para mim e mesmo que faça tudo para me afastar vou ser extremamente teimoso e voltarei — digo tudo rápido, não sei nem se ela está me entendendo, apenas consigo ver suas lágrimas que agora descem pelo seu rosto ainda mais intensamente. — Porque você me ama — diz me fitando e não há como dizer o contrário. — Sim, porque eu te amo. Puxo seu corpo para junto do meu e não peço licença antes de tomar seus lábios com vontade, minha língua invadindo sua boca com tudo, sentindo o sabor único que o seu beijo tem, seus lábios ainda mais macios devido ao choro, deslizo minhas mãos pelas suas costas puxando seu corpo para muito perto e roço minha ereção nela, engolindo seu gemido que vem

seguido das suas unhas que cravam nas minhas costas mesmo por cima da camisa. — Eu também amo você — diz e distribui beijos pelo meu rosto e a felicidade que sinto é tamanha que por um momento tenho medo do meu coração pular fora do peito, ergo o seu corpo e giro-a no ar soltando um grito jubiloso sem me importar de chamar atenção das outras pessoas que estão na casa, ela me ama e isso é tudo que me importa.

Seguro firme nos ombros de Cícero enquanto ele me gira e grita como um maluco, mas a verdade é que depois de tantos dias sentindo que algo faltava dentro de mim agora sinto como se fosse explodir o peito de tantos sentimentos misturados e distintos no meu coração. Nem em mil anos eu imaginei ouvir as três palavras saindo da sua boca e as mesmas refletindo nos seus olhos para não deixar espaço para a dúvida, sim, ele me ama como o amo e o tempo longe só fez esse sentimento ficar mais forte. — Me ponha no chão, seu maluco! — digo, batendo no seu ombro, mas sendo ele quem é me faz descer deslizando pelo seu corpo para me dar uma ideia de como seu amigo está entusiasmado com o contato das nossas peles. — Sou maluco por você, minha anja-demônia! — Sua boca volta a tocar a minha e antes que aprofundemos o beijo ouvimos um "Hã-hã!" coletivo. Abro os olhos e dou de cara com cinco pares de olhos que nos fitam com expressões distintas, as meninas com aquele olhar de "eu sabia que você não resistiria ao gostosão!", já vovó tem sua já conhecida cara de "não quero saber de safadeza aqui em casa antes do casamento!".

— Pelo jeito a Lia não precisa mais da nossa ajuda — Talita diz sorrindo. — Eh, ela agora tem um novo ombro pra chorar. — Bruna dá um sorrisinho debochado. — E que ombro, hein? — Amanda termina a frase e todas começam a rir da minha cara, se não estivesse nesse misto de felicidade infinita com ira assassina do meu pseudopai estaria xingando-as, mas vovó cuida disso por mim. — E vocês já encheram a barriga, agora é a hora das brasas, cada uma pra suas casas! — ela diz a frase que colocou fim as nossas brincadeiras durante anos e vejo o sorriso das meninas murcharem. — Mas já, vó Clarisse? — Sabrina faz um beicinho, mas não convence muito. — Sim, já deu a hora, Lia precisa descansar e eu quero ter uma conversa com esse... — Ela olha para Cícero e espero que use a palavra caboré mais uma vez. — Sujeito e minha neta. — Acho que ela está com raiva de mim — Cícero cochicha no meu ouvido e seguro o riso, mal sabe ele que terá que aguentar as implicâncias dela por um bom tempo. — Sim, senhora. — Elas me acenam um tchau e fazem um sinal de

que nos falamos depois pelo telefone e faço um aceno de ok. Quando saem o olhar de vovó vai diretamente para o meu bumbum onde as mãos de Cícero repousam me apertando junto dele, ele logo me solta e fica ao meu lado com as mãos unidas em frente a sua ereção, custa muito para eu não cair na gargalhada, ao invés disso sento na cama e faço um gesto para que ele sente também, assim disfarçará melhor. Vovó entra no quarto e caminha até parar a nossa frente, muito séria. — Então vocês estão se entendendo? — Coloca os braços atrás do seu corpo e deita a cabeça levemente para o lado, os olhos se estreitando e sinto um frio na barriga. — Eh, estamos conversando... — Cícero começa a falar, mas ela ergue uma sobrancelha e ele cala. — Se agarrando daquele jeito é conversar agora? — Não — respondemos juntos. — Não é mesmo e vou dizer só uma vez para que entendam, não vou aceitar que fiquem nesse puxa-encolhe e no fim me façam passar tudo aquilo da última tentativa de casamento. — Vó, não vamos falar daquele dia ainda. — Não quero lembrar que tenho motivos para ter raiva de Cícero, não depois que ele disse com todas as letras que me ama.

— Vamos falar sim, e não me interrompa, tá me ouvindo? — Tô. A mão de Cícero vem de encontro a minha e aperto-a, agradecida por não ter que ouvir sermão sozinha. — Dona Clarisse, não é melhor deixar Cecília descansar um pouco antes? — Ele tenta, mas só consegue que ela direcione seu olhar matador para ele. — Não seja frouxo, se ela estava bem pra se agarrarem, vai aguentar ouvir umas coisas. Sua cabeça vai para o outro lado em uma posição clara de desafio, que não vem. E nisso eu tiro meu chapéu para ele, o respeito que tem pela minha avó é algo tocante. — Como estava tentando dizer, Lia, você teve todos os motivos para ficar com raiva de Cícero, se fosse comigo eu tinha dado uns safanões nele para aprender a ser mais corajoso, mas ele é homem e homem sempre é frouxo quando é para falar de sentimentos, certo que tem uns que são descarados mesmo, esses a gente tem que manter distância, como é o caso do seu pai e aquele sonso do Raul. Olho confusa para ela, o que Raul tem a ver com essa história? Ao ouvir eles serem mencionados Cícero retesa o corpo e posso ouvir quando

seu maxilar trava irritado. — Mas vovó o que Raul tem a ver nessa história? — Aperto a mão de Cícero e o sinto relaxar minimamente. — Oras, Lia, não vai me dizer que achou que ele estivesse ali com o carro pronto por nada? — Ela me olha com cara de "não seja tão ingênua assim". — Eu achei. — Dou de ombros. — Até parece! — Cícero retruca, irritado. — Como assim? Vão me explicar por que estão falando do meu amigo desse jeito? — Olho de um para o outro sem entender — Amigo da onça, isso sim! — vovó fala com a mesma irritação. — Aquele traste trabalha para o seu pai, ele não lhe contou? — as palavras de Cícero chegam até mim, mas não as compreendo totalmente. — Pro meu pai... ele sabia quem era meu pai esse tempo todo e não me disse nada? — Levanto, não conseguindo ficar parada com a enxurrada de ira que começa a se apossar do meu corpo. — Não vou afirmar que sempre soube, mas ele estava lá a mando do seu pai, cuidando para que se as coisas saíssem como esperado você tivesse como sair dali sem me escutar. — Mas isso é muito, muito, muito repulsivo, absurdo, puta que pariu,

o que meu pai ganha ao impedir o casamento? — Não acreditou naquela encenação de pai arrependido? — Cícero pergunta e reviro os olhos. — Claro que não, ele teve muito tempo para se aproximar de mim, sabia que o testamento do seu pai era nulo desde sempre e ainda assim deixou você seguir adiante. Só não sei por que ele decidiu revelar tudo apenas no dia do casamento. — Porque ele é um verme asqueroso, que não se conforma de ter estragado a vida da minha filha e agora quer destruir a sua também! — a explosão de vovó me pega de surpresa. — Quem você acha que estava enviando as flores semanas antes do casamento? Só agora me dou conta que ele sempre esteve à espreita, mas nunca deixou que soubéssemos, bem, pelo menos eu não sabia de nada. Olho para a minha avó e ela desvia os olhos dos meus, uma reação nada típica dela. — Vó, a senhora sabia que eram dele? — pergunto de forma suave sem deixar que pareça que a estou acusando. — Margaridas amarelas... — Ela solta um grande e sofrido suspiro, seus ombros caem derrotados e a voz sai tremida: — Elas sempre foram as favoritas da sua mãe e sempre que aquele filho da puta a tratava como lixo e queria ela de volta enviava elas para cá, o mesmo ciclo vicioso, a maltratava,

a persuadia para fazer coisas por ele e quando ela vinha para casa destruída as malditas flores chegavam pouco depois. Ouvir um pouco mais sobre a minha mãe faz meu peito apertar, o pouco que me contaram sobre a minha mãe sempre esteve em constante duelo com as memórias dos dias bons que passávamos juntas, não muitos desde que eu consigo lembrar e vovó nunca fala sobre ela e o meu pai, respeitei isso por saber o quão doloroso é para ela. — Vó, a senhora sabe o que ele quer comigo? — pergunto em um fio de voz. — Não, mas não deve ser coisa boa, nada bom pode vir daquele embuste. — Ela ergue a cabeça e me olha encerrando o assunto. — Vou a casa de Vera, aproveitem o tempo sozinhos para conversarem, mas dessa vez sem agarramento, esclareçam as coisas de uma vez por todas. Ela começa a se afastar, mas antes de chegar à porta do quarto olha para trás e fita Cícero com seriedade. — Escute uma coisa, se a magoar novamente a promessa que fiz no hospital está de pé, seja homem e faça a coisa certa. — Então ela sai deixando o vazio das suas palavras para que entendamos e deciframos por nós mesmos.

Dona Clarisse se vira para sair e fico dividido entre ficar ao lado de Cecília ou sair atrás da senhora que no olhar me deu a entender que sabe muito mais do que disse agora pouco. Olho para minha anja-demônia que tem os olhos fixos em um ponto no quarto, mas que me diz que não está realmente vendo porra nenhuma, é aí que minha decisão é tomada, se quero desvendar toda a história, preciso de todas as informações possíveis. — Eu já volto. — Seu rosto vira para mim e vejo seus olhos piscarem momentaneamente como quisesse entender o que está acontecendo, aperto sua mão e então saio em busca de algumas respostas. Ao chegar à sala encontro dona Clarisse me esperando com o mesmo olhar endurecido que tem me dirigido nos últimos dias, não me deixo intimidar, a encaro com a mesma seriedade, assim saberá que no que diz respeito a felicidade da neta dela nada nem ninguém me impedirá de buscar respostas. — O que você quer? — vai direto ao ponto. — Que me conte o que sabe, Cecília não percebeu, mas eu sim, vi o olhar da senhora quando perguntada sobre o que aquele verme pode querer com ela depois de tantos anos longe e eu estou investigando ele todo esse

tempo, se tiver alguma coisa que saiba isso ajudaria bastante. — Não sabe onde está se metendo, meu filho, aquele homem é capaz de tudo pelo que deseja. — Seu olhar vaga até a fotografia no aparador próximo a janela. — Eu acho que tenho uma boa ideia, meu pai era melhor amigo dele e só se forem da mesma laia para se aturarem, não acha? — Imagino que sim, mas não quero minha neta envolvida com nada que venha daquele sujeito e se você me garantir que a manterá segura eu conto, mas não hoje, vocês precisam conversar, mas conversar mesmo, colocarem os pingos nos IS se quiserem que as coisas funcionem entrem vocês. — Balanço a cabeça concordando e ela sai, me deixando com ainda mais dúvidas do que certezas. Volto ao quarto e encontro uma Cecília que anda de um lado ao outro agitada, ela para assim que entro e aponta seu dedo na minha direção enquanto estreita os olhos para mim. — O que não estão me contando? — Ela tem aquele olhar inquieto que me diz para não lhe poupar nenhum detalhe do que sei ou terei minhas bolas preciosas arrancadas com alicate de unha. — Senta que eu conto o que sei. — Ela ergue uma sobrancelha para mim. — Não adianta me olhar assim, eu também não sei muita coisa, então

senta caladinha e me escuta, quando eu terminar pode fazer as perguntas que quiser. Ela senta e balança a cabeça confirmando, pego a cadeira que fica próxima a escrivaninha e a levo até ficar poucos centímetros da cama e sento de frente para ela, deixando nossos rostos na mesma altura, assim ela vai poder ver a verdade nas minhas palavras. — Se você lembra, na nossa última conversa eu lhe disse que não sou filho de Silvana e que minha mãe biológica era uma prostituta que trabalhava em um bordel, pois bem, aparentemente o seu pai e o meu frequentavam os mesmos lugares desde sempre, Arnoldo era o amigo mais antigo do meu pai pelo que me lembro, em diversas vezes vi os dois se tratando como irmãos e foi ele quem ajudou a esconder o testamento que meu avô deixou, onde dizia claramente que meu pai não tinha direito a nada. — Espera aí, seu pai enrolou você? Por que ele faria isso? — como imaginei não controla a boca e pergunta. — Não me interrompa, mas respondendo as suas perguntas, sim ele nos enrolou e não sei responder porque ele não está mais aqui para perguntar, mas se você conhecesse o meu pai veria que ele sempre fez coisas sem precisar explicar ou querer fazer isso. Mas o certo é que ele queria me deixar amarrado as suas vontades de alguma forma, dar um fim a Fundação da minha avó, ele sempre quis fazer isso. — Cecília me olha com um misto de

incredulidade e indignação. — Não entendo onde eu entro nessa história, por que de repente eu ser a pessoa com quem você casaria muda tudo? — Essa é a mesma pergunta que venho me fazendo há dias. — Não sei ainda, mas se ele está tão disposto a manter você longe de mim assim é por isso iria contra os planos que ele tem, seja lá qual forem. Também não sei o que ele e meu pai esperavam conseguir me forçando a casar ou talvez Arnoldo esperasse que eu não me rendesse e deixasse a empresa ser desmembrada e vendida, ele representa alguns acionistas e esses podem desejar exatamente isso. Olho para ela e deixo que as palavras ditas se acalmem na sua cabeça, é muita coisa para assimilar, para mim também, minha mente dá mil voltas sem parar tentando descobrir qual peça desse quebra-cabeça que está faltando. — O que você fez aquele dia depois que fui embora? — a pergunta dela me pega de surpresa. — Como é? — digo antes que consiga controlar minha boca. — O que fez aquele dia depois que fui embora? Eu quero saber, tem algum problema? — Sinto meu sangue gelar, meu coração dispara e sinto minha glote fechando.

— Eu...? — Sim, você, e não me enrole, Cícero, estou disposta a lhe dar uma segunda chance, mas para isso precisamos ser completamente honestos um com o outro. — Suas mãos se estendem na minha direção e seguram as minhas. — Fui um idiota, meu amor — digo sentindo a vergonha tomar conta do meu rosto. — Isso eu já sabia, anda logo e me diz o que você fez. — Inclina a cabeça para o lado estreitando os olhos. — Fiquei louco quando vi você fugindo no carro daquele babaca e o soquei, depois gritei com Arnoldo e em algum momento trouxe sua avó para casa, mas em todo o tempo era como se estivesse vendo aquilo acontecer através de uma parede de vidro, meu peito queimava como se um ferro em brasa estivesse sobre a minha pele. Quando saí daqui dirigi sem pensar para onde estava indo e fui direto para a Revolution. Os olhos de Cecília crescem de tamanho, as mãos que apertavam as minhas se afastam e todo o seu corpo tensiona indo na direção contrária à minha. — Não acredito, eu não estou ouvindo isso. — Ela levanta e olha para o teto enraivecida.

— Eu sinto muito, estava fora de mim... — Fora de você? É tudo que tem pra me dizer? Que porra, Cícero, bastou eu virar as costas e você saiu correndo atrás de rabo de saia? E se eu tivesse me arrependido e voltado atrás de você para conversar? — Coloca as mãos na cintura e me fita. — Mas não voltou. Eu não estou aqui tentando me defender nem porra nenhuma, mas a verdade é que não estou acostumado a sentir o que sinto por você, porque a última vez que deixei alguém entrar na minha vida descobri que era uma farsa e desde então não confio em ninguém, mas daí você apareceu com essa língua afiada, esse rosto de anjo e essa voz de demônia que me enlouquece desde a primeira vez que ouvi e meu mundo virou de pernas pro ar levando meu coração junto. — Sou sincero com ela. — E encontrou ele na primeira boceta que fodeu por acaso? — cospe as palavras e suas narinas se inflam furiosa. — Não foi bem assim, eu fui pra lá e bebi muito e encontrei com Nathany, uma conhecida, quando dei por mim já estava em um dos quartos com mais quatro pessoas, tudo que eu queria era tirar a dor que ameaçava dividir meu peito em dois e sim, transei com duas dessas pessoas. — Você transou com duas dessas pessoas, a sua "conhecida" era uma delas? — Cruza os braços na altura dos seios e fecha a cara para o meu lado.

— Não. — E você fez o que, fodeu enquanto beijava a outra ou será que participou de uma dupla penetração? — Isso importa? — CLARO QUE IMPORTA! Bastou cinco segundos depois que saí para você comer a primeira boceta que lhe ofereceram, que lindo o seu amor por mim, seu imbecil! — Na verdade fodi um cú, a última boceta que comi foi a sua — digo e sua expressão muda mil vezes em questão de segundos, abre a boca para falar, mas fecha novamente. — É o quê? — Isso que ouviu, eu fiz sexo anal com uma das garotas e sei que não serve de consolo, mas eu não consegui gozar desde então, nem com ela nem sozinho no meu banheiro, nada, simplesmente não consigo e todas as vezes te amaldiçoo, mas ao mesmo tempo te amo mais ainda, pois ficaria o resto da vida sofrendo de bolas azuis até ter a oportunidade de estar dentro de você mais uma vez. Me aproximo dela e estendo a mão na sua direção, ela olha para mim indecisa se aceita meu toque ou não. — Cecília, eu... — tento mais uma vez e ela se afasta.

— Olha aqui, seu traidor, bolinador de brioco, você tinha ganhado alguns pontos comigo, mas agora perdeu eles e um tantão assim. — Abre os braços exemplificando. — E isso significa que vai ter que ralar ainda mais para me ter de volta e não me importa se colocou essa cama extra grande aqui no quarto, vai ficar no sofá ou voltar para sua casa, lá tem uma cama bem confortável. — Joga a cabeça de lado e entorta a boca daquele jeito único que desperta em mim a vontade de mostrar a ela quem no fim das contas tem o controle. Mas não é hora de brigarmos por um simples detalhe, vou ter minha anja-demônia nos meus braços antes do que pensa, se ela quer bancar a difícil tudo bem, eu posso bancar o insistente.

Viro-me no espaço estreito do sofá e tento buscar uma posição confortável para que consiga voltar a dormir, mas é impossível, toda vez que estico minhas pernas minha cabeça bate no braço do sofá e vice e versa, desisto e sento de uma vez por todas passando a mão no rosto para ajudar a despertar de vez. Pelas frestas da porta vejo que o dia começa a clarear e deixo que minha mente vague por tudo que vivi desde que Cecília entrou na minha vida, me abrir para ela não foi a coisa mais fácil do mundo, não quando nunca precisei dar satisfação da minha vida antes, mas fui sincero quando disse que ia tentar, por nós dois e o nosso filho. Levanto e rumo ao quarto dela onde a mala com meus pertences provisórios ficou depois da nossa conversa, abro a porta devagar e a visão que tenho a seguir faz a respiração travar na minha garganta e o já conhecido calor que acomete o meu corpo surgir com tudo, aquecendo não apenas meu pau sedento pelo seu corpo como também o meu peito que agora sobe e desce rapidamente com as batidas aceleradas do meu coração ao vê-la ali na cama dormindo de bruços, seu corpo está semicoberto apenas pelo cobertor me dando a visão dos céus pela manhã, o cabelo espalhado no mesmo travesseiro que sua cabeça descansa, uma perna recolhida e a outra estirada, os braços

para cima, no entanto o que mais me impacta é a serenidade que seu rosto transmite. Como um ímã sou atraído para perto dela e antes que me dê conta estou deitando ao seu lado e abraço o seu corpo sentindo o calor dela curando os cantos gelados em mim, cantos esses que não fazia ideia de que existiam. Cecília se remexe e tensiono meu corpo preparado para o ataque que dará assim que acordar e me ver ao seu lado, suas pálpebras tremulam quando ergue a cabeça encaixando-a entre meu ombro e pescoço, uma perna vem para cima do meu abdômen e sua mão espalma sobre o meu peito que mantenho parado enquanto travo a respiração. — Senti sua falta, imbecil... — ela balbucia e é preciso tudo de mim para não rir e acabar acordando-a. Ao invés disso puxo seu corpo para mais perto do meu e inalo seu cheiro inigualável e perfeito, beijo o topo da sua cabeça e fecho os olhos aproveitando o momento, daqui a pouco terei que levantar e não quero perder os preciosos minutos que posso fantasiar que esse é só mais um dia comum em nossas vidas devidamente resolvidas e que ao despertar ela irá me surpreender deslizando a mão pelo meu corpo deixando-a repousar sobre o meu pau já totalmente desperto e que pulsa a cada vez que suas unhas sobem e descem acariciando por sobre o algodão do meu pijama, a imagem que minha mente projeta é tão vívida que chego a sentir de verdade o seu toque,

ofego trêmulo quando sua mão adentra minha calça e só nesse momento me dou conta que não é fantasia porra nenhuma. Abro os olhos e encontro o castanho escuro me fitando com um ar de diversão, desço meus olhos para sua boca e a minha fica seca ao ver como seu sorriso malicioso de lado surge antes que ela abra os lábios e beije meu queixo no ponto exato que me causa arrepio. — Shiiiiii! — diz com sua voz rouca antes de selar meus lábios com os seus impedindo o gemido que escapa ao sentir seus dedos ordenhando meu pau em um ritmo enlouquecedor, seguro seus cabelos e puxo de leve sua cabeça, o suficiente para olhá-la enquanto me dá prazer com sua mão, mas essa é minha anja-demônia, ela não dá apenas prazer, ela tortura, ela tem o poder de me desfazer e reconstruir em um átimo de segundo. E é o que faz ao deslizar seu corpo devagar sobre o meu, seus olhos travados nos meus me mantendo cativo da sua vontade, ela é minha encantadora de serpente e eu a víbora que achava ser superior até se ver presa pelos olhos hipnotizantes dela. Cecília paira com os seios quase tocando a ponta do meu membro que vibra e sorri de lado, satisfeita com o que vê, como em câmera lenta assisto a sua cabeça descer cada vez mais e a ponta da sua língua tocar a minha glande onde o líquido pré-ejaculatório já empoça, ela o lambe com cara de quem acaba de provar o melhor doce da vida, uma ironia já que nosso corpo libera substâncias salgadas, engulo em seco e o

sorriso dela só aumenta ao puxar o cós da calça junto com minha cueca fazendo meu membro pular ereto e pronto para o seu bel prazer. Cecília lambe toda a minha extensão e reviro os olhos junto com os quadris absorvendo a sensação maravilhosa, me esforçando para não fazer barulho ao vê-la repetir o movimento várias vezes, me torturando, testando a minha capacidade de resistir a sua deliciosa tortura, quando sua boca finalmente desce sobre meu pau, o sugando com vontade, não tenho mais um pingo de resistência em mim e rujo como um animal enjaulado lutando por liberdade. — Quero gozar dentro de você, por favor, me deixe foder sua boceta — minha voz sai ainda mais grave carregada de desejo cru. Ela para o movimento de sucção e senta sobre as pernas me olhando de um jeito felino, eu sou sua caça e posso ver como se diverte por me ter rendido aos seus desejos. — Quer que eu desça minha boceta sobre ele? — pergunta acariciando o meu pau. — SIMMMMM. — Reviro os olhos e ergo mais o quadril. — E faça esse movimento com ela? — Volta a envolvê-lo com seus lábios macios, subindo e descendo e parando para circular a ponta antes de repetir o movimento ao mesmo tempo que massageia minhas bolas, seguro

no lençol da cama me contorcendo com sua tortura. — SIM, MIL VEZES SIM! — digo em desespero. — E quem me garante que se eu te largar você não vai procurar outra boceta para foder? — Me fita séria e entendo por que está prolongando isso. — Quem me garante que não está só me enrolando mais uma vez? — Não estou! — digo, impulsionando meu tronco e sento para ficar com o rosto na altura do seu. — Não estou te enrolando, eu juro! Seguro seu rosto entre as mãos e beijo seus lábios sentindo o meu sabor misturado com o seu, desço minhas mãos para a barra da camisola que ela usa e começo a levantá-la devagar, Cecília não me dá resistência, ergue os braços e afasto nossos lábios para passá-la por sua cabeça, seus seios com os bicos intumescidos me convidam a sugá-los e é o que faço, puxo seu corpo até que a tenho sentada sobre as minhas coxas, a única coisa que separa nossos sexos é o pequeno triângulo rendado que ela chama de calcinha. Seguro suas costas para incliná-la e abocanho um bico e o sugo, com a outra mão acaricio o outro seio e posso notar como estão começando a se modificarem e gosto de saber que isso é devido ao fato dela estar gerando nosso filho, o ogro dentro de mim urra feliz. Beijo seu colo, seu pescoço e desço a mão para o meio das suas pernas, ela joga a cabeça para trás e geme começando a se render também,

dedilho seu ponto sensível e seu corpo treme, é a dica de que está tão perto de um orgasmo como eu. — Eu queria ir bem devagar, estimulá-la com meus dedos e minha língua... — digo, beijando abaixo da sua orelha onde sei que sente prazer e seu corpo treme mais uma vez. — Não, me fode agora! — diz descendo a mão e acariciando o meu pau, é minha vez de gemer e levo meus dedos para dentro da sua calcinha sentindo sua umidade, minha anja-demônia está mais do que pronta para mim. — Por favor... — choraminga. — Shiiii! — uso sua fala e seus olhos fitam os meus ardentes. — Se não tiver você dentro de mim em dois segundos eu mesma vou me fazer gozar! — Não seguro o sorriso que surge no meu rosto ao puxar sua calcinha para o lado enquanto com o outro braço puxo seu corpo para a posição perfeita. — Seu desejo é uma ordem, meu anjo! — E então ela desliza sua boceta quente e úmida sobre meu pau com tudo, tenho que me segurar para não me deixar ir de uma vez por todas tamanha é a sensação de plenitude que estar dentro dela me dá. Pele com pele, olhos nos olhos, respirações travadas e suor brotando em nossas testas tamanho o esforço que ambos fazemos para não ser rápido

demais depois de todo esse tempo separados. — Eu nunca poderia querer outra depois de você — digo quando consigo achar minha voz, erguendo sutilmente o meu quadril e arrancando dela um gemido manhoso. — Jura? — Ela revira os olhos e morde os lábios com força. Puxo seu corpo para cima e beijo seus lábios com vontade, fazendo-a cavalgar sobre mim devagar, num ritmo que faça nosso clímax se formar e crescer cada vez mais. — Juro, eu não quero mais ninguém, só você! — digo, colando minha testa na sua. — Então me diga... — O que quer que eu diga? — Olho nos seus olhos e eles ganham aquele brilho malicioso. — Que não vai foder mais nenhuma boceta, boca, cu ou o que quer que for se não os meus. — Minha anja dá lugar a demônia e essa gosta de ouvir sacanagens. — Nunca vou comer outra boceta se não a sua, nenhuma boca vai tocar o meu pau se não essa sua boquinha gulosa e esse seu cuzinho delicioso? É questão de dias para que me deixe fincar minha bandeira nele e tomar por meu esse território do seu corpo ainda inexplorado. Você é minha

loucura, Cecília! — digo, prendendo seus braços com uma das mãos para trás para ter a mais bela visão dos seus seios balançando enquanto ela cavalga sobre mim em um ritmo cada vez mais rápido e constante, minha outra mão indo de encontro a seu queixo e o segurando para que me olhe. — Oh! — Sinto suas paredes me apertando e meu pau começa a aumentar de tamanho, pronto para gozar. — Fode esse pau que ele também é só seu, minha demônia! O corpo de Cecília treme por completo ao ser acometido pelo orgasmo, antes que seu gemido tome conta de toda a casa tomo posso dos seus lábios e engulo-o e deixo que ela engula o meu próprio ao segui-la nesse caminho sem volta que nossos corpo tomaram em perfeita sincronia e eu me derramo dentro dela, derramo-me por completo para ela, corpo, alma e coração.

Ergo meu olhos ao levar a xícara de café aos meus lábios e coro imediatamente com a intensidade que encontro no olhar de Cícero, que me fita do outro lado da mesa com um sorriso lento e convidativo se espalhando por seus lábios, engulo rápido demais o líquido e acabo por me engasgar chamando a atenção da minha vó para mim.

— São Brás, Lia! — diz dando tapinhas nas minhas costas. — Coma devagar, criatura, o café não vai sair correndo da mesa. — Desculpe! — Nem sei por que estou me desculpando, baixo meus olhos e fito a xícara entre as minhas mãos. — O café não é como uns e outros que vão dormir num canto da casa e misteriosamente somem, surgindo em outro na manhã seguinte. — Por mais incrível que pareça sua voz não tem censura, mas isso não evita que meus olhos vão direto para Cícero com a exclamação "Ela sabe!" estampada no meu rosto. — Vó... E-eu... — começo a falar já que o covarde está mudo e duro feito uma pedra com a sua xícara colada aos lábios, mas sou interrompida por sua mão erguida me avisando que não devo nem tentar. — Não venha com balela, só façam menos barulho quando decidirem que vão fornicar de manhã cedo, temos vizinhos e Deus sabe que essas paredes são mais finas do que se fossem de madeirite — fala, olhando de um para o outro e vê como eu, Cícero cuspir fora o café que havia posto na boca nesse exato momento. — Você também, caboré, manchou minha toalha, veja só. Se fosse só a tolha que tivesse manchado daríamos um jeito, só não sei o que fazer com a mancha vermelha que deve ser o meu rosto nesse

momento com a confirmação de que minha avó não só sabe o que aconteceu, como também ouviu nossos grunhidos e gemidos, alguém me enterra, pois já estou mortinha da Silva. — Vó, não pode falar essas coisas! — digo ainda sentindo meu rosto queimando constrangido. — Oras, Cecília, até parece que não sabe que eu sei das coisas — diz com aquele seu ar superior que não deixa espaço para questionamentos. — Só digo uma coisa, apressem esse casamento e nada de cartório, você, caboré, vai fazer da minha neta uma senhora como manda a santa e amada igreja, nada de ficar fornicando por aí sem um compromisso firmado, já basta ter emprenhado ela sem casar. Eu estou ouvindo, mas me custa a acreditar que é real, minha avó passando sermão em Cícero por um compromisso sério e o mesmo de bico fechado tentando controlar a tosse e balançando a cabeça como a porra de um daqueles bonequinhos que tem uma mola no pescoço. — Vó, não pode impor essas coisas assim não, precisamos conversar melhor, ver se é isso que queremos, estar grávida não é motivo para apressar as coisas. — Nem sei ao certo por que estou tentando um ponto de vista diferente do seu, talvez seja só minha vontade de ter a palavra final em algo. — O que não pode é eu ter uma neta amancebada se você e esse cabra

aqui se gostam. — Ergue uma sobrancelha me convidando a negar, suspiro e jogo a bola para Cícero. — E você vai só balançar a cabeça, não vai tomar uma atitude? — direciono minha irritação nele. — Não! Vou fazer algo a respeito — responde quando consegue controlar a tosse. — E vai fazer o que então? — Cruzo os braços e o fito colocando a língua de lado, esperando por sua atitude. — Vou perguntar se a senhora me concede a mão da sua neta em casamento? Dessa vez com tudo que manda a santa amada igreja — diz olhando para minha vó que de repente ficou muda e abre um sorriso gigante, como se ela fosse a noiva. — Não deveria ser pra mim essa pergunta? — pergunto levantando. — Senta aí, Lia, e termina o seu café! — minha avó comanda e mesmo contrariada faço como diz, ela por sua vez se levanta e sai em direção ao quarto. Fico em silêncio por um tempo, fitando o covarde a minha frente que evita a todo instante me olhar nos olhos, sabe que me pegou de jeito na sua armadilha e agora tem minha avó lhe dando apoio, tornando mais difícil resistir à invasão de imagens que se infiltram na minha cabeça sem que eu

autorize, onde eu estou ao seu lado em meio a uma igreja repleta com nossos amigos e familiares e eu me torno a Sra. Cícero Duarte. É sem minha permissão que um sorriso sonhador surge nos meus lábios justamente quando ele decide me olhar e retribui com um tão brilhante que sinto meu peito doer tamanha a beleza diante dos meus olhos. — Isso é um sim? — pergunta, estendendo a mão em minha direção. — Não me foi perguntado nada para que eu tenha que dar uma resposta. — Meus dedos tocam os seus e o toque de nossas peles faz um turbilhão de sensações preencher o meu peito. — Eu achei que já tinha deixado claro que quero você na minha vida, não deixei? — sua voz suave faz com que lágrimas enxeridas surjam nos meus olhos. — Você consegue ser bastante romântico às vezes, Comandante — digo segurando o choro. — Eu tenho meus momentos! — Pisca um olho divertido. — Mas se o que lhe falta é um pedido formal, eu pergunto agora: quer casar comigo, Cecília? Pergunta já levantando e caminha os poucos passos até parar ao meu lado. Ergo a cabeça para vê-lo em toda a sua grandeza de tamanho como

também de sentimentos, levanto e encaro seu rosto com seriedade. — Sem jogadas dessa vez, nem motivos bobos para me ter na sua cama, muito menos prazo de validade — digo estreitando os olhos para ele. — Sem nada disso, só eu e você e o que sentimos um pelo outro — responde tão seriamente quanto eu. — E o nosso filho também — digo sorrindo. — A importância dele está sobre eu e você, não é discutível. — Então sim, eu caso com você, Comandante Duarte, mas só se me deixar brincar com você algumas vezes usando aquele uniforme de piloto, não resisto a um homem fardado. — Sorrio ainda mais quando seu braço envolve minha cintura e me puxa para junto de si. — E com quantos homens fardados você andou brincando, Cecília? — Estreita os olhos, deixando seus lábios a poucos centímetros dos meus. — Não muitos, o suficiente para saber que esse é um fetiche meu, agora cabe a você me manter satisfeita ou vou pedir o divórcio antes mesmo dos votos. — Pisco os olhos de forma sedutora e o grunhido que escapa da sua boca incendeia todas as partes do meu corpo. — Isso é um desafio, Cecília? — Se acha que não consegue... — deixo a frase solta no ar. — Vou mostrar para você como se mantém uma noiva safada como

você na linha, deixa só voltarmos da sua consulta e verá — suas palavras fazem a umidade entre as minhas pernas quase constante aumentar a um nível crítico. — Isso é uma promessa, Comandante? — pergunto e mordo meu lábio por dentro. — Não, Cecília, é uma certeza! — E antes que consiga minha próxima respiração ele toma meus lábios com os seus ao mesmo tempo que aperta meu quadril, me deixando consciente da sua ereção ao devorar minha boca como se esse fosse seu verdadeiro desjejum, não a comida esquecida sobre a mesa. — Hã-hã! — Ouvimos ao mesmo tempo e nos soltamos como dois adolescentes pegos pelos pais, Cícero me puxa e coloca na sua frente, assim esconde sua ereção dos olhos afiados da minha avó. — Acho que já se entenderam, não é? Balançamos as cabeças confirmando. — Que bom, assim vamos nessa ou chegaremos atrasados na sua consulta, Lia. Olho para Cícero e os seus olhos refletem o mesmo que os meus, já era qualquer tipo de sacanagem que ele estivesse pensando em fazer comigo depois da consulta, mas tudo bem, teremos tempo para isso.

O sinal fecha e mais uma vez olho para o lado, ainda não acreditando que ela realmente esteja aqui e estejamos bem depois de tudo e indo para sua primeira consulta pré-natal, a verdade é que essa parte me deixa com o cu na mão, a ideia de que um serzinho metade dela, metade minha, está crescendo dentro de Cecília faz minhas mãos suarem e um nó se formar na minha garganta, ainda mais por não termos crescido com bons exemplos do que seriam pais de verdade, claro, tirando dessa cota Silvana e dona Clarisse que assumiram os papéis substituindo com amor e compreensão, mas não deixo de me perguntar sempre que tipo de pai eu serei. A mão de Cecília sai de sobre sua barriga onde a manteve por um bom tempo, perdida em pensamentos, e toca a minha apertando de leve. Seus olhos sobem para encontrar os meus e vejo neles as mesmas dúvidas que eu tenho nesse momento. — Vai dar tudo certo! — digo e ela desvia os olhos para a avó que finge não estar prestando atenção a nossa interação. — Eu tô com medo de ter feito alguma besteira sem querer e de alguma forma ter prejudicado nosso filho. — Morde o lábio por dentro e vira o rosto na direção contrária.

— Hei, vai ficar tudo bem, você não fez nada de errado e independente de qualquer coisa, estou aqui. — Toco seu ombro e ela vira o rosto, beijando minha mão. — Obrigada por estar! — Um sorriso ainda triste surge, já é um avanço. Piso no acelerador e partimos em silêncio pelos próximos minutos, dona Clarisse não fala nada, o que é estranho para alguém que sempre tem uma resposta para tudo, mas talvez ela esteja apenas dando a neta e a mim a chance de descobrirmos como contornar as pequenas dificuldades por nós mesmos. Paro o carro na garagem subterrânea do edifício onde fica o consultório do ginecologista dela, o fato dele ser homem foi motivo de debate entre nós pouco tempo antes de sairmos de casa, no fim tive que entender que ela confia nele e que é um senhor de idade que atende as mulheres da sua família há anos. — Não vai implicar de novo com o Dr. Felipe não, vai? — pergunta já sabendo onde estão indo meus pensamentos. — Não, mas se ele olhar para você de outra forma se não a mais profissional possível eu arrebento com a cara dele, idoso ou não — respondo e já saio do carro. — Você é um ogro mesmo, ele me viu nascer, tenha dó, não é todo

homem que não consegue olhar para uma mulher sem pensar safadeza como você, seu cretino. — Sai pisando duro, olho para o lado e vejo dona Clarisse me olhando com cara de poucos amigos e balança a cabeça. Pronto, agora tenho as duas contra mim. Vou atrás de Cecília que espera o elevador de braços cruzados visivelmente irritada, passo o braço pela sua cintura puxando-a para mim e diferente do que pensei não sai do meu abraço. — Me desculpe, eu só... — Está sendo um imbecil do caralho e filho da puta! — solta irritada. — Olha essa boca suja, meu filho está aqui e ele pode escutar. — Tento fazê-la rir e consigo. — Então vai ter que ficar longe de mim por um bom tempo. — Vira já com aquele olhar atrevido, colocando os lábios de lado. — Como assim? — Estreito os olhos para ela. A demônia olha sobre o meu ombro para ver se a avó está perto o bastante e se inclina para falar bem próximo ao meu ouvido, sua respiração fazendo o efeito que ela esperava e engulo em seco antes mesmo dela começar a falar. — Eu gosto de ser fodida enquanto ouço coisas sujas e você sabe disso mais do que ninguém, então para evitar que ele escute o que não deve,

terei que manter distância de você e do brocador aí. — Ela desce o olhar para o meu pau que faz volume no jeans e sorri satisfeita. — Será uma pena não ouvir seus palavrões enquanto me fode. — Brocador? — Franzo o cenho para o apelido que deu ao meu cacete, só ela mesmo. — Sim, do tipo que fura concreto! — Aponta para a barriga e sorri. — Mas é uma pena, terei que brincar com o vibrador outra vez, ele é comportado. Ela consegue seu objetivo, o palavrão vem fácil e eu a puxo para o círculo dos meus braços enfiando meu rosto na junção do seu pescoço e ombro. — Por mim ele vai nascer e dizer "Não me bate, filho da puta!" ao invés de chorar! — Mordo o lóbulo da sua orelha e seu corpo treme levemente antes dela explodir em uma risada que faz loucuras comigo, sua voz rouca de quem fez sexo ou está prestes a trepar com alguém é uma loucura a parte. — Já que estão se divertindo é bom entrarem no elevador, já estamos atrasados — dona Clarisse diz, passando a nossa frente e a seguimos. Saímos no sétimo andar de mãos dadas e é incrível como uma coisa trivial para muitas pessoas para mim é um ato imenso, nunca pensei que ser

visto ao lado de uma mulher e mostrar para todos que nos observam que ela é minha traria tanta satisfação e um enorme sorriso que ameaça partir meu rosto ao meio. — Cecília, pode me acompanhar, por favor? — a atendente chama e me levanto junto. — O senhor entra em seguida, ela vai apenas trocar de roupa e aferir a pressão. Balanço a cabeça e vejo as duas seguirem para a porta ao lado de uma maior de madeira escura, os segundos se estendem infinitamente enquanto espero que a mulher que nem perguntei o nome venha me dizer que já posso entrar. Apesar de ter prometido a Cecília que manteria minha mente ciumenta controlada não consigo e quando levanto mais uma vez a porta grande abre e a atendente sorri, abrindo para que eu entre. Dona Clarisse também levanta e me acompanha, assim que passamos pela porta a atendente fecha a porta as minhas costas, Cecília está deitada sobre uma maca com um lençol sobre suas pernas e a bata erguida deixando sua barriga levemente protuberante à mostra, ela abre um sorriso incrivelmente lindo para mim e prendo a respiração por um segundo antes de caminhar até ela e segurar sua mão que está gelada. — Está com frio? — pergunto antes de beijar sua testa. — Não, apenas ansiosa, o Dr. Felipe acha que podemos descobrir o

sexo do bebê ainda hoje. — Sinto minhas pernas tremerem, não sei se estou preparado para isso ainda. — Seja corajoso, rapaz, parece que vai desmaiar a qualquer momento. — A mão de dona Clarisse toca meu ombro e olho para ela, apavorado. — Respire. Nesse momento um senhor que parece ser mais velho que o Matusalém

[5]

sai de uma porta que nem tinha percebido que existia e se

posiciona do outro lado, começando a mexer nos aparelhos. — Esse deve ser o seu noivo, Felipe Noronha! — Estende uma mão para mim e eu aperto ainda sem conseguir falar nada, apenas balanço a cabeça. — Clarisse, quanto tempo, você me abandonou, foi? — Como se sua secretária não me ligasse a cada seis meses, né Felipe! — Ela revira os olhos e vejo que entre eles há mais do que uma relação médico-paciente, pelos anos já são amigos íntimos. — Sim, gosto de manter um olho sobre as minhas meninas e por falar nisso, Lia, tem certeza de que faz três meses desde sua última menstruação? — Ele olha para ela que me olha corando. — É, foi mais ou menos três meses atrás, eu acho. — Bom, o aparelho de Ultrassonografia nos dará um tempo mais preciso, assim você poderá se programar para uma data estimada.

Balançamos a cabeça concordando, eu respondendo por ela também. Logo o monitor ganha vida e no meio da tela uma faixa de luz aparece revelando uma figura minúscula envolta pelo que imagino serem as paredes do útero. Meu coração para de bater e lágrimas surgem nos meus olhos ao fitar a imagem do meu filho pela primeira vez. Sinto de leve a mão de Cecília apertar a minha e meus olhos desviam da tela para fitar os seus que me olham tão maravilhada quanto eu estou, nós fizemos isso juntos, geramos uma vida que agora se remexe diante dos meus olhos na tela. — Acho que está enganada quanto ao tempo de gestação, minha querida. — O médico congela algumas imagens e faz alguns cálculos antes de deixar a imagem voltar a ganhar vida e nos olha com um sorriso. — Pelas medições que fiz você está entrando na décima quarta semana gestacional, o que dá em torno de três meses e meio mais ou menos. — Mas eu tenho certeza de que houve menstruação — Cecília diz convicta. — Sim, há casos de mulheres que relatam menstruar até a vigésima semana, não é tão anormal assim. — Ele sorri, tranquilizando-a, e volta a sua atenção para o monitor enquanto continua a movimentar o transdutor sobre a barriga dela. Na minha mente faço as contas, a noite que foi quando transamos sem camisinha a primeira vez foi há menos de três meses e da última vez menos

tempo ainda o que quer dizer que ela engravidou... Olho para ela e vejo que chegou a mesma conclusão que eu. — No seu apartamento, B-R-O-C-A-D-O-R! — diz a última palavra sem emitir som e as imagens daquela nossa primeira vez voltam como flashes na minha mente despertando o pervertido em mim, seus olhos também brilham com o desejo e sorrio por não estar pensando safadeza nessa hora sozinho. — Vocês podem prestar atenção no que Felipe fala? — dona Clarisse nos tira da nossa bolha exclusiva com uma reprimenda e vejo o tom vermelho voltar ao rosto de Cecília. — Desculpe — ela pede e também foco na imagem a frente. — Eu estava dizendo que o bebê se virou e posso ter uma imagem clara do sexo dele, vocês querem saber ou preferem esperar até o parto? — suas palavras fazem meu coração disparar mais uma vez, agora com um novo tipo de adrenalina. — Você quer? — a voz de Cecília invade meu momento de pânico e me sinto feliz por ela pedir a minha opinião mesmo vendo como está ansiosa por isso. — Sim, queremos saber. — Ouço o ufa da dona Clarisse e sorrio para ela, por saber que também esperou meu consentimento.

— Bom... — Ele movimenta o transdutor e clica no teclado congelando a imagem e a amplia. — Parabéns, vocês serão pais de uma menina. Ele abre um sorriso enorme que se assemelha ao de Cecília que também chora e me olha em seguida, eu por minha vez pareço que estou vendo tudo através de uma parede vidro que não me permite ouvir nada do que me dizem. Acho que eu sorrio para ela e balanço a cabeça confirmando alguma coisa, mas a verdade é que meu pensamento está distante, imaginando uma garotinha com os mesmos olhos escuros e sorriso debochado da mãe me desafiando a erguê-la o mais alto possível enquanto sorrimos um para o outro e meu mundo sofre uma guinada radical com as mil possibilidades de protegê-la de tudo e todos que ousarem fazer mal a minha garotinha. Minha filha... —... ouçam como bate de forma uniforme! — A realidade volta ao meus olhos quando um som forte enche o ambiente, estreito os olhos e vejo linhas azuis e vermelhas cruzarem a tela e entendo do que se trata. — Nossa menina está saudável! — Cecília aperta minha mão e olho para ela em meio as lágrimas que agora já decidiram rolar por nossos rostos, me inclino e beijo seus lábios de leve.

— Sim, ela é forte como o pai e uma guerreira como a mãe — digo depois de beijar sua testa e assistimos emocionados o coração da nossa garotinha bater e o médico falar sobre coisas técnicas que não fazem muito sentido para mim no momento.

— Bem que me falaram — digo ao estacionar na garagem da casa da minha mãe. — O que falaram? — Cecília pergunta quando sua vó sai, pois sabe que vem algo sujo. — Que tenho um pau brocador, só não sabia que tinha um super esperma também. — Mexo as sobrancelhas e ela ri, revirando os olhos. — Você é um filho da puta metido, aposto que furou a merda da camisinha aquele dia — diz rindo ainda. — Não, mas se soubesse que ia me sentir assim teria feito isso com certeza. — Saio do carro e dou a volta para abrir sua porta. Ela olha para tudo com um olhar ansioso, sei que está com medo do que minha mãe e irmã dirão.

— Assim como? — Segura na mão que lhe estendo e puxo seu corpo para o meu lado e beijo o lado da sua cabeça. — É difícil de explicar, só estou muito mais feliz do que imaginei que ficaria um dia. — Ela deita a cabeça no meu braço e suspira. — Sei como é. A porta lateral se abre e Luana surge carregando seu ar de superioridade e nos fita com um estreitar de olhos antes de voltar sua atenção para dona Clarisse. — Vó Clarisse, que saudade estava da senhora! — Elas se abraçam e fico olhando a cena, tão confuso quanto Cecília que muda o peso do corpo de uma perna para outra. — Foi só uma semana fora, menina exagerada. — A senhora segura no rosto da minha irmã e vejo que o sentimento é recíproco. — Vocês chegaram! — Silvana surge com um sorriso enorme e vem direto para nos abraçar. — Cecília, que bom recebê-la aqui novamente. — Fico feliz com a recepção adequada a minha futura mulher. — Obrigada, Silvana, é ótimo revê-la também, me desculpe pela forma como saí da última vez. — Cecília cora e envolvo seu corpo para darlhe apoio. — Ah, deixe de bobeira, o importante é que agora estão bem

novamente, não é mesmo? — Olha de mim para ela e nos olhamos confirmando. — Claro que estão bem, não tá vendo como se olham? — o sarcasmo na voz de Luana me faz olhar para ela, irritado. — Luana, não! — digo, endurecendo meu olhar para ela. — Não o quê? Ela não fugiu e te deixou feito um idiota que é minutos antes do casamento? Sim, você merecia, mas não quer dizer que eu tenha que recebê-la de braços abertos. — Para enfatizar o que diz, cruza os braços e mexe o pescoço enquanto nos olha com desdém. — Lua... — começo a dizer, mas Cecília toma a frente. — Tem razão, não precisa me receber de braços abertos ou sequer falar comigo, a escolha é sua, como também foi escolha minha voltar para Fortaleza e consequentemente para o seu irmão. Mas saiba que viemos para ficar, quer você queira, quer não. Diferente do que pensei ser o embate do ano entre Cecília e minha irmã, vejo Luana abrir um sorriso enorme e envolver minha noiva em um abraço apertado. — Bem-vinda de volta, cunhada! — Olho para minha mãe que dá de ombros e dona Clarisse só balança a cabeça como se já esperasse. — Pensei que estivesse chateada comigo — Cecília fala quando

consegue sair dos braços da minha irmã maluca. — Eu tô ainda, deixar meu irmão é uma coisa aceitável, mas você nem me ligou para dizer se estava bem ou não, vó Clarisse que me contava as coisas sobre você. — Isso é verdade! — dona Clarisse confirma. — Desculpa, Luana, eu estava fugindo de tudo que lembrasse seu irmão — Cecília fala encolhendo os ombros. — Tá desculpada, mas você disse “viemos para ficar” e não sei se isso se aplica a você e o meu irmão. — Ela estreita os olhos e não perco a chance de dar a notícia junto com minha anja-demônia. — Não, mas eu tenho uma grande parcela nisso. — Envolvo o corpo de Cecília e deixo minhas mãos repousarem no seu ventre onde nossa menina cresce saudável. — Oh, meu Deus, eu serei avó! — minha mãe exclama entendendo e vindo nos abraçar mais uma vez. — Quando descobriram? — Em Missão Velha — digo e os olho dela se enchem de lágrimas. — O primeiro neto, que emoção. — Na verdade é neta, teremos uma menina! — Cecília diz e o sorriso da minha mãe falta pouco dividir o rosto. — Ah, uma garotinha...

— Para que eu possa levar para fazer compras e ir ao salão de beleza e tomar sorvete! — Luana diz, vindo nos abraçar tão sorridente quanto minha mãe. — Acho que vai demorar um pouco para isso acontecer. — Não seja estraga-prazer, Cícero, o importante é que é uma menina, não um garoto pé no saco! Reviro os olhos e me rendo a risada das mulheres da minha vida reunidas no mesmo lugar e me sinto tão infinitamente feliz que por um instante me esqueço que esse almoço não é apenas para contarmos as novidades, mas sim tentarmos juntos descobrir o que for possível sobre as armações de Arnoldo e evitar que ele possa de alguma forma destruir essa felicidade que estamos construindo.

O almoço de "reconciliação/anúncio de noivado e gravidez" ocorre de forma tranquila, descobri que Silvana, diferente do que imaginei, nasceu em Brejo Santo, cidade não muito longe de Missão Velha onde fiquei o último mês e ela nos contou um pouco de como foi crescer no interior e em seguida mudar-se para a capital na adolescência a fim de terminar os estudos. Cícero, assim como eu, ficou atento às palavras da madrasta como se aquela fosse a primeira vez que ela lhe contasse a história, o que imagino que foi. Minha vó, por sua vez, a arrastou para uma conversa sobre o interior assim que a sobremesa foi servida e devorada por nós, mas pudera, baba de moça com canela é minha perdição. Agora estamos Cícero e eu no escritório olhando para Luana que remexe nos documentos sobre a grande mesa de mogno em busca dos papéis que segundo ela pode ser a pista do porquê do meu pai resolver aparecer justamente agora. — Aqui está! — Ergue uma folha e balança no ar vitoriosa. — Estamos criando raízes aqui, Luana! — Cícero implica com ela e ganha o dedo do meio como resposta. — Muito educado para uma futura presidente da Duarte Alimentos Ltda.

— Futura nada, nossos advogados estão cuidando para que eu possa assumir o lugar que é meu de direito enquanto ainda estou estudando. — Ela parece bastante feliz com essa possibilidade. — E terá meu voto ao seu favor, mas vamos aos negócios, o que tem para nós? Ela circula a mesa e senta sobre ela a nossa frente, cruzando os tornozelos para demonstrar uma calma que não parece ser o que está realmente sentindo. — Eu pedi a Carlos, diretor de TI da nossa empresa, que me ajudasse, não sei se você sabe, mas ele já foi preso por hackear algumas pessoas importantes, mas é uma boa pessoa e quando falei que era algo que poderia influenciar no futuro da nossa companhia ele aceitou fazer uma pequena "pesquisa detalhada" sobre as finanças de Arnoldo, aparentemente ele não tem nada muito significativo para atrair nosso interesse, mas fuçando como só ele é capaz de fazer, Carlos descobriu um padrão estranho em alguns contratos que o escritório dele tem com algumas empresas de investimentos que ele representa juridicamente. Não entendo muito dessas coisas, mas ainda assim me mantenho atenta ao que ela fala, já Cícero tensiona o corpo e aperta levemente a minha mão.

— Que tipo de padrão? — Cícero pergunta. — Todas as empresas são aparentemente de fachadas, não tem uma sede social propriamente dita, pois ficam dois andares abaixo do escritório dele. — Ela ergue uma sobrancelha e até eu consigo entender o que sugere. — São todas uma coisa só — digo sentindo ainda mais repulsa pelo homem que só aparece na minha vida para acabar com o pouco de felicidade que conquistei após a morte da minha mãe. — Sim, mas o padrão maior é que todas elas, cerca de quinze empresas, têm ações da nossa empresa que somam trinta por cento delas, o que dá a Arnoldo, como o representante jurídico delas, poder de voto perante o conselho. — Eu fico cada vez mais perdida nessa montanha de sujeira a qual o meu pai está envolvido. — Como ele conseguiu isso? Nossas ações não estão dando sopa por aí no mercado há muito tempo. — Cícero levanta e pega a folha na mão de Luana. Eu, do meu canto, vejo ele analisar o conteúdo e estreitar cada vez mais os olhos, um frio esquisito tomando conta do meu estômago e fazendo ele se revoltar dando um grande nó, me encolho não gostando nem um pouco dessas sensações. — Ele não descobriu a quem elas pertencem "oficialmente"? —

Cícero pergunta e Luana balança a cabeça negativamente. — E onde eu entro nessa história toda? — arrisco perguntar, mesmo que não espere por uma resposta. — Não sei, Cecília, ainda não conseguimos fazer a ponte entre você e essa história e não, Cícero, não foi possível ir mais fundo nas investigações sem levantar suspeitas, mas não vamos desistir até que toda essa história seja esclarecida. — Apesar das suas palavras eu não consigo sentir essa convicção toda, é como se estivéssemos esperando por algo, um pequeno gatilho que dará fim a tudo isso. — E eu cuidarei de você, ele não vai chegar perto de você ou da sua avó. — Cícero volta até onde estou e toca meu rosto com carinho, sinto uma energia poderosa a partir de onde nossas peles se tocam e fluindo por todo o meu corpo. — Obrigada! — Viro o rosto e beijo a palma da sua mão, fazendo surgir seu sorriso muito brilhante. — Não me agradeça ainda, vai ter que convencer a sua avó a mudarse de casa até que tudo seja solucionado — diz, encolhendo os ombros. — Mudar? Por quê? — Ele parece ter um olho sobre vocês naquela casa, não me admiraria se pagasse os vizinhos para saber mais das suas vidas ao longo dos anos, e

quando souber que sua tentativa foi por água abaixo não acho que ficará longe e não o quero a menos de um quilômetro de distância de vocês. — Minha avó não vai aceitar fácil e eu não saio de perto dela por nada. — Levanto e encaro-o deixando clara minha posição. — E quando eu estiver trabalhando, como daqui a algumas horas? — Vou ficar em casa como sempre fiz. — Dou de ombros. — Me recuso a mudar qualquer coisa na minha vida por causa dele. — Cecília, a situação agora é outra, estamos apenas antecipando algo que iria acontecer naturalmente com o nosso casamento. — Vendo por esse lado há lógica no que fala, mas ainda assim. — A coisa é, não vou dar ao meu pai o poder que deseja ter sobre mim e a minha avó, não vou me amedrontar, ele vai dar um jeito de se meter na minha vida esteja eu onde estiver, a diferença é que se sairmos de casa agora ele vai saber que nos afeta e que provavelmente estamos a par de alguma informação sobre ele. Enquanto vou falando a coisa toda vai se formando na minha cabeça. Espero que Cícero possa enxergar toda a verdade assim como eu. — Mas se elas permanecerem onde estão, ele não só vai manter o mesmo esquema, como tentará de alguma forma se aproximar delas — Luana continua meu raciocínio.

— E vamos vencer ele dentro do seu próprio jogo — complemento com um sorriso debochado. — Mas você não vai gostar da segunda parte do plano, irmãozinho — ela diz e o vejo olhar de mim para ela tentando fazer seus pensamentos acompanharem os nossos. — Do que eu não vou gostar? — Luana me olha e vejo seus olhos pedirem para que a resposta venha de mim. — Você terá que manter uma certa distância lá de casa — digo e assisto seus olhos mudarem de tamanho e seu rosto ganhar um tom avermelhado cada vez mais forte. — Não, de forma alguma, esqueçam. — Cicero, é a melhor chance de conseguirmos que Arnoldo pise em falso e tenhamos chance de descobrir tudo — Luana fala o mais calmo possível. — Ele não vai me fazer mal, soube onde estive esses anos todos e nunca tentou fazer contato, não antes de marcarmos a data do casamento — digo me aproximando. — Não quero ficar longe de vocês. — Suas mãos tocam meu ventre e sinto o tremor que relaciono ao movimento da nossa garotinha. — Não vai, daremos um jeito de nos vermos e pode ser que isso só

esquente ainda mais as coisas entre nós, o perigo eminente. — Pisco um olho e vejo o fogo voltar aos seus olhos no mesmo instante. — Oh, poupe-me dos detalhes, o certo é que vocês terão que fazer tudo direitinho, começando com uma separação que não deixe dúvidas a ninguém que foi real. — Luana sai da mesa e olha para um ponto qualquer na parede. — Como assim? — Cícero pergunta, desviando os olhos dos meus. — Não é óbvio? Vocês vão atuar uma briga e dessa vez tem que ser das feias...

— Não gosto nada disso, Cecília, sua avó vai querer arrancar minhas bolas fora a sangue frio e eu gosto delas demais para isso — digo mesmo sabendo que tudo não passará de uma farsa. — Cícero — segura no meu rosto e cola sua testa na minha —, não me agrada ficar longe de você também, mas se temos um chance de se livrar do embuste do meu pai vamos aproveitar e eu estarei com você assim que conseguir convencer a minha avó que tudo foi armação. Suas bolas estarão seguras, eu prometo. — Um sorriso travesso surge nos seus lábios e eu aproveito para beijá-la com todo meu desespero.

Eis a parte complicada disso tudo, como vou olhar nos olhos de dona Clarisse sem me sentir um lixo com o que terei que dizer a sua neta a seguir, se temos que "terminar" terá que ser uma briga feia, do tipo que deixe claro que ambas as partes disseram coisas terríveis. — Me prometa que não ouvirá qualquer coisa que eu vier a falar a partir daqui, tudo bem? — Ela assente, mas com os olhos cautelosos. — Não, eu quero ouvir as palavras saindo da sua boca, Cecília! — Eu prometo que tudo que você me falar agora vou converter para o contrário! — diz, erguendo uma mão como se estivesse perante um júri. Levanto e começo a recolher minhas coisas recém-guardadas, jogo tudo de qualquer jeito na minha bolsa e sigo para a porta. — O que você está fazendo? — Ignoro sua pergunta. — Cícero o que...? Respiro fundo deixando o meu rosto o mais impassível possível, escondendo dela e do mundo as emoções que transbordam no meu peito, assim como fiz ao longo da minha vida. Viro para encará-la e quase volto atrás ante seu olhar confuso. — Pensou que ia durar até quando esse teatro? — Ela que vinha dando um passo para e estreita os olhos para mim, balanço sutilmente a cabeça pedindo que ela entenda que a grande cena começou.

— E por que não dá o fora daqui, seu filho de uma puta mentiroso? — explode e atira o porta-retrato que estava sobre a cômoda na minha direção e bate na parede com um baque alto o suficiente para que em seguida ouçamos passos vindo em direção ao quarto. — Eu já estou fazendo isso caso não tenha percebido, não me agrada também ficar sob o mesmo teto que você! — digo, deixando que um sorriso debochado apareça. — Que diacho tá acontecendo aqui? — Dona Clarisse aparece na porta do quarto nos olhando assustada. — Eu o quero fora daqui, vovó, não suporto olhar mais para a cara desse mentiroso traidor. — Por mais que saiba da verdade as palavras ainda assim ferem. — Mas vocês não estavam num grude só até pouco tempo? Querem parar com essa birra e sentarem e conversarem como dois adultos que estão para serem pais? — dona Clarisse diz, se colocando entre a neta e eu. — Não, a hora da conversa já acabou, agora ele que vá pro raio que o parta, pra baixo da égua e não volte nunca mais, eu te odeio — diz e as lágrimas rolam pelo seu rosto, engulo em seco e prendo a respiração por um instante. — Eu não faço a menor questão de ficar mais um minuto ao seu lado,

aproveita agora e liga pro seu amiguinho de foda, ele vai vir correndo como um cachorro, aposto que tudo isso aqui já era armação sua para ter uma desculpa pra ir pra cama com ele, afinal filho de peixe, peixinho é, o que me diz de quem é filha de uma puta? Mal as palavras saem da minha boca rasgando meu peito de dentro para fora, o tapa chega junto com elas, mal registro a dor, tudo que consigo notar é a expressão atordoada de dona Clarisse que olha para a mão como se não acreditasse que tinha me batido, o garotinho em mim se apavora com a possibilidade dela nunca mais olhar para mim com o carinho de sempre, mesmo quando estava de implicância, sentia ele escondido nas suas palavras. — Você não sabe de nada, seu moleque! Dê o fora da minha casa e não volte a chegar perto da minha neta ou juro que dou cabo não só da merda que tem entre as pernas, mas da sua vida! Você é igualzinho ao verme do Arnoldo, um monte de nada que caga arrogância por aí pra esconder a grande porcaria que são. Travo meu maxilar para não deixar que as lágrimas voltem aos meus olhos, olho para além da senhora a minha frente e vejo Cecília pedir desculpas sem emitir som, lágrimas rolando pelo seu rosto, ela chora não pela situação, mas por mim, nunca alguém sentiu tanto pela minha dor e de repente ver seu olhar magoado é demais. Desvio o olhar sabendo que o estrago esperado já foi feito, aqui está o

que realmente sei que sou exposto para que ela veja, meu pai me disse isso antes de morrer, que poderia rodar o mundo e tentar me esconder onde fosse, mas a verdade um dia seria jogada na minha cara, aquela que diz que somos iguais e cometeremos os mesmos erros, ele só se enganou nessa segunda parte. — Não se preocupe, eu não pretendia voltar mesmo, uma boa foda a gente encontra em qualquer esquina. — Viro as costas sem olhar para trás. Antes de me afastar ainda escuto dona Clarisse dizendo para Cecília não chorar que eu já ia tarde e tudo ficaria bem. Chegar ao meu carro demorou mais do que esperava, a dor das palavras dela cortando meu peito profundamente. Dou a partida e saio, antes de virar a esquina noto pelo retrovisor quando um homem sai de uma casa próxima a de Cecília e fica olhando na direção que estou indo enquanto fala com alguém ao telefone. Rezo para que tenha dado certo, do contrário toda essa dor terá sido em vão e como falei, diferente do que meu pai me disse, farei com que o nada no meu interior se transforme em algo bonito e que honre as pessoas que eu amo. Assim que pego a Avenida Engenheiro Santana Júnior ligo para Alex, preciso de um favor seu agora. — Fala, seu mala! — diz assim que atende. — Preciso da sua ajuda! — Vou direto ao ponto.

— Claro que precisa, do contrário não estaria me ligando. — Alex, como sempre, adora uma gracinha. — Não fode, caralho, a coisa é séria! — dito isso sua risada some dando lugar a seriedade que o momento merece. — O que aconteceu? — Paro no sinal e aproveito pra passar a mão no rosto, as palavras de dona Clarisse ainda ecoando em minha mente. — Precisei fazer uma coisa que não me orgulho muito e gostaria que fosse a casa da Cecília para ver como ela está. — O olhar da minha anjademônia me pedindo desculpas cruza minha mente e bato no volante, irritado. Deveria ser eu a lhe pedir desculpas por falar aquelas coisas, quem deveria protegê-la, não o contrário. — Que merda você fez? — questiona ficando irritado. — Mal se reconciliaram e já cagou no pau novamente? — Só fiz o necessário para ajudar a descobrir o que o pai dela quer com ela. Olha, quando chegar ao Centro de Controle Tráfego Aéreo eu te explico melhor, agora só vá até lá e veja como as coisas ficaram após minha saída, sim? — peço com o coração a ponto de sair pela boca. — Eu vou, mas por elas, você precisa me explicar direito essa história para que eu decida se fico do seu lado ou não. — E essa é uma das coisas que me fazem confiar nesse filho da puta, ele não pesa apenas amizade para

decidir de que lado ficará, analisa todos os fatos e só então toma partido. Desliga e suspiro momentaneamente aliviado, Cecília dirá para ele o que aconteceu e eu explicarei melhor assim que der, mas o importante é que se descubra o que Arnoldo quer com ela para que seja preciso afastá-la de mim, pela minha experiência não é pouca coisa.

O silêncio que se segue após a saída de Cícero é opressor, a angústia que vi desfigurar seu rosto por alguns milésimos de segundo foi equivalente a levar um soco no estômago, ele parecia tão desolado aos meus olhos, mesmo tendo deixado a máscara no lugar eu pude sentir como as palavras da minha avó doeram mil vezes mais do que o tapa que o deu. — Vó... — começo a dizer, tentando de alguma forma encontrar uma forma de amenizar as coisas sem revelar nosso plano ainda. — Não, não precisa dizer nada, eu a empurrei de volta para aquele insolente, não imaginei que do nada ele fosse sair correndo da responsabilidade como um maricas, realmente achei que fosse diferente, que aquela arrogância era só uma máscara, mas me enganei, pela primeira vez na minha vida eu me enganei. — Seus ombros desabam como se estivessem carregando um peso enorme e não soubesse como descartá-los. Como ela não se vira para me olhar caminho até onde está e abraço seu corpo miúdo, na minha mente eu falo tudo que é preciso para que ela entenda que ele não disse nada por mal, que as palavras o estavam ferindo mais do que tudo. — Não se culpe, vovó, tudo ficará bem, pode acreditar, só dê tempo

ao tempo, sim? — Beijo a lateral da sua cabeça como ela tantas vezes fez comigo. — Eu que deveria estar te consolando, não o contrário — diz se virando para mim. — Ah não se preocupe, ainda vou precisar ser consolada, acho que agora o choque é a pior parte — disfarço e me afasto olhando para a cama onde há poucos minutos estive abraçada com Cícero, fazendo planos para quando toda essa loucura acabar. — Vou na casa de Vera, ela disse que tinha umas coisas da quermesse da paróquia para mostrarmos ao padre Tarcísio, a vida não para, não é mesmo? Se precisar de mim é só ligar — diz sem me olhar e sai, esse é o seu jeito de evitar as crises, foca em outras coisas o mais rápido possível. — Tudo bem, vó, vou tomar um banho e tentar descansar. — Confirma com um aceno e sai. Escuto atentamente seus movimentos pela casa até que ouço o portão da área abrir e fechar, não perco tempo e já pego meu celular e ligo para Cícero, preciso saber que ele está bem. O celular toca uma, duas, três vezes e com cada toque que não recebe resposta meu coração dispara a ponto de sair pela boca. Quando acho que será encaminhada para a caixa de mensagem a voz dele enche meus ouvidos trazendo o alívio imediato.

— Cecília, está tudo bem? — pergunta ansioso. — Eu estou e você? Não queria que tivesse que acontecer assim, sinto muito, muito mesmo — digo as palavras atropelando-as tamanho é o meu pesar. — Hei, tá tudo bem, foi preciso. — Ele pigarreia e sei que não tá nada bem. — E a sua avó, está me odiando agora, não é mesmo? — Não, ela está magoada, desapontada, talvez com vontade de ir a sua casa e arrancar suas bolas, mas tem um carinho enorme por você e mesmo que não admita nunca, falar aquelas coisas para você a feriu profundamente. — Eu espero que consigamos o que pretendemos com isso, porque tenho a marca da mão dela no meu rosto — diz tentando amenizar as coisas. — Eu também espero, me doeu muito ver vocês brigando. A linha fica em silêncio por alguns segundos antes dele quebrar o silêncio com a voz um tom mais baixo e grave que o normal. — Eu não lhe magoei com o que falei, magoei? — Sinto meu coração ficar apertadinho por ele estar se preocupando comigo no fim das contas. — Não, me magoou ver você sofrendo com o que minha avó falou, por isso que liguei logo que ela saiu, precisava ter a certeza que sabe que nada daquilo é verdade, ela falou na hora da raiva, você não é nada parecido

com aquele canalha do meu pai. — Sinto meus olhos encherem d'água ao lembrar das inúmeras vezes que presenciei minha mãe chorar por ele. — Eu... — começa a falar, mas para. — Você não é, suas atitudes já me mostram isso — digo com a voz embargada. — Está chorando? Por favor não chore, minha anja, eu não vou conseguir levar esse plano adiante sabendo que você está chorando, ainda mais sozinha. — Sua voz acalma um pouco do turbilhão de emoções que ameaçam explodir no meu peito. — Não, estou bem, é só que fiquei com tanto medo de... Eu não quero perder você, essa é verdade — digo, colocando para fora os meus medos. — Não vai perder, onde mais eu encontraria uma demônia com uma língua afiada, um rosto angelical e um corpo que me deixa louco só em lembrar de como ele é quente e convidativo como o inferno? — Um sorriso melancólico surge nos meus lábios, minha pele arrepiando com suas palavras. — Não me seduza, Comandante, estamos separados e não vamos ter como nos ver até a próxima semana pelo menos. — O seu suspiro imita o meu. — Nem me lembre, corro o risco de ter a Síndrome do túnel do carpo[6] de tanta punheta que terei que tocar até poder foder você novamente.

— Não seguro o riso que se segue. — Que drama, Cícero! Eu também ficarei sem sexo e não estou morrendo por isso. — Reviro os olhos mesmo sabendo que ele não pode ver. — Não é drama, é que me viciei no seu cheiro, no seu corpo, nesse seu olhar astuto e ficar longe de você antes, quando achava que o que existia entre nós apenas atração já era difícil, agora que sei que o que sentimos é mais profundo e recíproco se torna uma missão quase impossível — suas palavras aquecem o meu coração de uma forma tão gostosa e mais uma vez sinto o movimento sutil no meu ventre. — Será difícil para nós duas ficarmos longe de você, mas darei um jeito de te ver se não tivermos retorno dele depois do que fizemos hoje — digo de forma decidida, não vou ficar longe, sentada, esperando por resposta. — Daremos um jeito, agora só se cuide e evite sair sozinha, Arnoldo vai esperar um momento em que você esteja vulnerável para se aproximar, pode ter certeza. — Isso já tinha me passado pela cabeça, por isso nossa farsa se fez ainda mais necessária. — Tomarei cuidado sim, pode deixar, você também precisa me prometer que se cuidará e não deixará que todos esses problemas influenciem na hora de pilotar, morro de medo ao pensar em você desatento naquele helicóptero e não poder estar cuidando de você do Centro de Controle. — Só

em pensar meu coração dispara. — Eu não serei imprudente, pode ficar tranquila, mas confesso que sinto muita falta da sua voz no meu headset. — Acho que meu coração vai explodir de tanto amor por esse homem. — Isso foi muito fofo de se dizer, sabia? — Enxugo a lágrima que insiste em rolar do meu rosto, sorrindo. — Não, na verdade não sabia, até porque já fantasiei pegar você dentro daquela sala enquanto você dava instruções aos pilotos. — Ele ri alto e não consigo não rir junto. — Você é um pervertido, isso sim! — E você adora que eu seja, sei disso! — diz todo convencido. — Sim, adoro suas várias facetas, agora deixarei que se prepare para o trabalho, quando tiver uma folga no meio da noite me ligue, vou adorar fazer sexo por telefone com você — digo e seu grunhido chega até mim me fazendo sorrir. — Isso pode ter certeza, estava no banheiro quando você ligou, lembrando do nosso banho essa manhã. — Agora é minha vez de gemer com a memória. — Certo, agora chega, vá logo se vestir ou vou querer que o sexo comece agora mesmo. — Ele ri, o safado.

— Agora não dá mesmo, Alex está indo aí a meu pedido e não quero que ele tenha a visão linda que é você depois que atinge o orgasmo, essa visão é apenas para os meus olhos. — Pronto, o possessivo tá de volta. — Certo, homem das cavernas, a campainha está tocando, deixa ir atender, aliás devo contar tudo para ele? — Sim, estou contando com isso, ele poderá ser mais uma fonte de comunicação entre nós. — Fico aliviada com isso, Alex é como um irmão mais velho para mim, ter ele ao nosso lado agora que vovó acredita que terminamos será de grande ajuda. — Tá bom, beijos! — Beijos, minha anja-demônia! — Espero que ele desligue, mas não é o que acontece e mais uma vez a campainha toca. — Cecília? — Oi? — Eu te amo! — essas três palavras fazem toda essa loucura que estamos vivendo valer a pena. — Eu também amo você. Agora desligue. Ouço seu riso antes que afaste o telefone do ouvido para encerrar a chamada e ir receber Alex para transformá-lo no nosso cúmplice.

A brisa leve da manhã que se inicia entra através da janela do quarto, vejo ao longe o céu começando a clarear, minha mente ainda presa no último pesadelo onde em um momento eu estava ao lado de Cecília sentindo seu calor junto ao meu enquanto nos amamos, seus cabelos espalhados sobre o travesseiro branco e aquele sorriso de quando está saciada cruzando seus lábios, para em um segundo tudo mudar de foco e seu corpo se desfazer entre os meus dedos literalmente até que ela sumisse. "Não me esqueça!", a frase que me disse em sonho volta a ressoar em meus ouvidos e meu coração dispara fazendo uma fina camada de suor cobrir meu corpo, foi assim que acordei ainda com o céu escuro e desde então não consegui voltar a dormir. Faz quase um mês desde que vi minha anjademônia pela última vez em carne e osso, tudo que tivemos nesse meio tempo foram minutos roubados de conversas ao telefone, seja por videochamadas ou telefonemas onde sua voz aquieta um pouco essa sensação de vazio que tenho sentido. O telefone sobre o meu criado-mudo vibra e levanto para atendê-lo, o rosto sorridente de Cecília enche a tela e o sangue em minhas veias volta a correr ferozmente.

— Cecília, está tudo bem? — pergunto preocupado, não são nem cinco e meia da manhã, ela deveria estar dormindo. — Está, acordei com fome e senti que precisava falar com você, aproveitei que vovó está dormindo para isso — sua voz está melancólica, mais do que tem ficado nos últimos dias. — Foi só isso mesmo? Tem certeza? — insisto e ouço o seu suspiro tremido do outro lado. — Não, eu me sinto tão boba por me sentir insegura com tudo isso, mas é que não está fácil esperar por algo que não sabemos se acontecerá, já se passou um mês e ele não tentou uma aproximação ainda, já não tenho tanta certeza se valia a pena essa distância por nada — seu desabafo não difere muito do que tenho sentido. — Quer acabar com isso? Eu não me importo, acharemos outra forma de descobrir o que seu pai tem aprontado — falo, dando a ela a certeza de que o que decidir eu estarei do seu lado. — Não faça isso... — sua voz diminui ainda mais o tom. — Não faça o que, Cecília? — Não me dê opção que fica difícil manter o plano. — Não quero ela se sacrificando assim. — Anja, me escute, não precisamos ser mártires, esse clima ruim não

faz nada bem para você ou nossa garotinha e eu estou tão cansado de ter apenas esses poucos momentos com você e ainda assim sem realmente estar. — Sento na cama e deixo meus ombros desabarem. — Alex acha que precisamos esperar mais uma semana, mas a verdade é que não sei mais de nada e se estivermos passando por tudo isso à toa? — Seu medo reflete bem o que tenho sentido. — Ele me falou isso também a noite passada quando saíamos do CCTA. Essa situação não me agrada em nada, estou perdendo uma parte importante da evolução da sua gravidez, quero poder sentir nossa filha chutando também, levar você a próxima consulta e ouvir por mim mesmo que tudo está bem com vocês. — Eu não achei que coisas que para muitas pessoas são corriqueiras e passam despercebidas me fariam tanta falta. — E acima de tudo quero poder abraçar, beijar seus lábios e ficar deitado com você ao meu lado sem fazermos nada. — Eu também quero tudo isso e muito mais... — Ela para e solta um suspiro entrecortado. — Tem algo mais que não está me contando — afirmo com convicção. — É, eu tenho pensado muito na minha mãe e tudo que ela teve que enfrentar durante anos e me pego fazendo perguntas que não tenho como

obter respostas. — Puxa uma respiração entrecortada. — Eu estou indo para aí agora mesmo! — digo já de pé, procurando minha carteira e chaves do carro. — Não, não venha, eu não vou conseguir te colocar para fora. — Ela chora ainda mais. — Eu não sairia mesmo se tentasse. — Pego uma calça jeans e começo a vesti-la com o celular encaixado entre minha orelha e ombro. — E colocaríamos tudo a perder, eu vou ficar bem, só fique falando comigo por mais alguns minutos, sua voz me acalma — ela pede, tentando ser aquela que raciocina na relação. — Cecília, eu sonhei com você essa noite — revelo sem deixar que ela perceba o tremor na minha voz. — Sonhou? — sua voz ganha uma nuance diferente. Volto a sentar e tento lembrar das partes boas do sonho para lhe contar. Mas a verdade é que tenho medo de que tudo isso que estamos enfrentando uma hora pese demais para ela e acabe sentindo algum impulso ao autoflagelo, se antes já era ruim, agora é duplamente aterrorizadora a ideia dela se ferir.

Espero por Cícero sentindo um frio diferente no meu estômago, as últimas vezes que conversamos até que falamos algo mais erótico, no entanto não passaram de ideias, principalmente dele, de como será quando pudermos estar juntos novamente entre quatro paredes, mas agora, depois da minha crise de ansiedade, ele me acalmar com relatos do seu sonho comigo, ajuda a aliviar toda a pressão que estamos vivendo. — Sonhei... — sua voz ganha aquela entonação de comando que me deixa louca. — E o que aconteceu nesse sonho? — A curiosidade toma conta de mim e sei que sabia que aconteceria, por isso citou. — Eu e você estávamos aqui na minha cama, seus cabelos espalhados pelo travesseiro e fazíamos amor devagar, seu corpo respondendo as minhas investidas e nossos olhos não se desgrudavam. — A imagem se infiltra na minha mente e engulo em seco. — Era? — minha voz deixa claro como estou excitada. — Sim, você gemia com o meu pau enterrado na sua boceta e ela me apertava tão gostoso. — Fecho os olhos, lembrando da sensação que é tê-lo assim. — O que você está usando? — pergunta com a voz tão rouca que

quase me desmancho sem nem começar a brincadeira. — Uma camisola de seda preta — falo sabendo que ele gosta de me tocar quando uso seda e afasto o celular o suficiente para tirar uma foto e enviar para ele. — Puta que me pariu, como esses seios estão maiores, não vejo a hora de fazer meu pau deslizar entre eles. — O gemido vem com facilidade. — Não está usando mais nada? — Nada e você o que está usando? — pergunto e segundos depois a foto da sua cueca boxer preta com um belo volume faz minha boca salivar e meu ventre contrair em expectativa. — Se estivesse aí eu arrancaria essa cueca com os dentes. — É a sua vez de grunhir. — Caralho, anja, estou duro feito o inferno agora. — Adoro quando ele fica um boca suja na hora do sexo. — Você quer brincar? — pergunto, já me acomodando nos travesseiros. — Quero, mas eu digo o que fará, tudo bem? — Nunca admitirei em voz alta, mas amo a forma como me comanda na cama, mas deixando no fim a situação em minhas mãos. — Ahãm!

— Não, quero ouvir as palavras. — Tudo bem, você manda, Comandante! — Adoro quando usa essa palavra em meio ao clima erótico pré-foda, mesmo que essa seja por telefone, ainda assim é sexy pra caralho. — Ele só reafirma o que eu já sabia. — Eu sei. — Pois bem, feche os olhos deslize mão direita pelo seu corpo por cima da camisola e imagine que é a minha mão fazendo isso. — Ouço atentamente os sons que ele faz e a falta de respiração por um segundo é minha deixa para saber que sua mão está sobre o seu cacete agora. — Toque seus seios assim mesmo por cima, sinta eles ficarem durinhos sob o seu toque. Faço como me diz e assim, de olhos fechados com ele me dizendo o que fazer, sinto como se estivesse aqui ao meu lado, tendo completamente as imagens que se formam na minha mente. — Ahhhh, e o que mais? — peço precisando sentir tudo. — Faça sua mão descer pelo seu corpo até sua boceta, bem devagar, até que chegue a sua bocetinha. — Minha mão desliza pelo meu corpo e seguro o ar com a mistura de sensações que a seda sobre a minha pele ao toque da minha mão por cima dela, provoca. — Está com os dedos nela?

— Estou! — Sinta a umidade. — Faço como diz e realmente estou bem molhada. — Está molhadinha, não está? — Simmmm... — minha voz sai quase como um miado. — Adoro quando fica assim toda molhadinha para mim, quase posso sentir em minha boca o sabor único que sua bocetinha tem, leve um dedo para dentro dela e toque-a por dentro fazendo um círculo. — Hummmm... — Isso é tudo que consigo dizer. — Leve seu dedo até o seu clitóris e o lambuze, tocando nele devagarinho. Eu estou imaginando que você está aqui sobre mim e eu estou tocando você enquanto sua mão me masturba, falta bem pouco para que eu a faça sentar no meu pau e cavalgar até que sua boceta vai começar a me apertar e eu meta em você com força, seus seios balançando com o movimento, estamos fodendo como loucos, diga que está sentindo meu pau entrando em você, Cecília. As imagens e sensações são muito nítidas e é exatamente o que estou sentindo, estou sobre ele e posso sentir minhas carnes o apertando cada vez mais, prendo o celular entre meu ombro e ouvido e com uma mão dedilho meu clitóris com movimentos triangulares e com a outra penetro dois dedos em minha boceta fazendo o movimento que ele me instruiu a fazer.

— Oh sim, eu sinto! — Então goza para mim, minha anja-demônia, goza nesse pau porque ele é todo seu! E não precisa falar duas vezes, um tremor toma conta do meu corpo a partir do meu ventre e eu gozo nos meus dedos como nunca fiz antes, deixando minha mão totalmente melada e do outro lado ouço ele também chegando ao seu limite. — Eu vou gozar! — Isso só aumenta o prazer que ainda sinto correndo cru pelo meu corpo inteiro. Leva alguns segundos até que possamos voltar ao normal, nossas respirações ainda pesadas enquanto absorvemos os últimos tremores do nosso orgasmo. — Já volto! — diz e aproveito para levantar e ir até o banheiro me limpar, a mulher que me fita no espelho não tem mais olhos chorosos como de alguns minutos atrás, essa tem o brilho pós-foda sem igual, coisa que apenas Cícero consegue fazer comigo. Volto ao quarto e pego o telefone, saindo com ele em direção a cozinha, preciso de um pouco de água agora. No relógio sobre os armários vejo que logo minha vó estará de pé, ela nunca fica deitada depois das seis. — Voltei! — Cícero diz e meu sorriso abre facilmente.

— Demorou bastante, teve que limpar muita coisa? — pergunto e ele ri, safado. — Um pouco, mas vou sujar você com muito mais quando eu te pegar de jeito. — Hummmm, que promessa mais tentadora! — provoco. — Ah, pode ter certeza! Nossa conversa segue no clima mais ameno até que vovó chega e me vê sentada à mesa conversando e a chaleira já no fogo para fazer o café, ergue uma sobrancelha e sem dizer uma palavra dá meia volta e sai. — Tenho que desligar, vovó já acordou! — digo nada animada. — Tudo bem, ligo para você no intervalo do meu turno hoje, tente descansar, está bem? — sua voz espelha o mesmo tom que a minha. — Tá bom, beijos! Desligo e me empenho em preparar o café, assim quando ela voltar do seu quarto as perguntas serão esquecidas até estarmos de barrigas cheias, mas antes que ela chegue à cozinha a campainha toca e ela passa por mim para atender. — Melhor você trocar de roupa! — diz sem me olhar. Reviro os olhos, mas faço como disse. Vou até o quarto e estranho a falta de conversa em casa, pode ser uma de suas amigas da igreja com alguma

questão sobre a quermesse que acontecerá em breve, isso tem acontecido bastante nos últimos dias, mas hoje o silêncio é opressor. Lembro do dia que voltei e as margaridas foram entregues e me apresso a sair do quarto. Chego na sala e dou de cara com Raul que está sentado no sofá com uma visível tensão no corpo o fazendo bater os pés vezes seguidas e minha avó que da porta da cozinha o olha como se fosse capaz de arrancar os olhos dele só com o olhar.

Surpresa é a reação inicial que me vem assim que meus olhos fitam os de Raul, mitigando para culpa e por último raiva, ele foi embora do hospital sem se despedir e desde que voltei, há mais de um mês, não deu notícias, mesmo depois que mandei mensagem dizendo que precisávamos conversar. — O que você faz aqui? — sou direta. — Uma visita! — Ele dá aquele sorriso que sabe que encanta a todos. — Não acha que é muito cedo para uma visita? — vovó diz de onde está e eu a olho surpresa, ela nunca foi grossa com ninguém sem um motivo. — E-eu... — Raul começa a gaguejar, mas vovó o para. — Preste atenção, seja honesto com ela e diga a verdade ou vou esquecer que gosto da sua avó e vou pôr você para correr daqui — diz e vira as costas, indo para a cozinha. Vejo-a sumir no fundo do quintal e sei que foi cuidar das suas plantas, sempre faz isso quando está se segurando para não explodir. Viro para encarar Raul que parece nervoso, mexendo as mãos e batendo o pé num ritmo constante. — Vai me explicar que merda foi essa? — vou direto ao ponto.

Ele ergue a cabeça e deixa seu olhar percorrer o meu corpo, isso me incomoda bastante, principalmente quando seus olhos se fixam na minha barriga já um pouco aparente, puxo a camiseta e vou sentar na poltrona a sua frente, agradecendo por ter posto uma legging ao invés de um short jeans. — Cresceu — fala, apontando para minha barriga. — Geralmente cresce quando se está grávida. — Reviro os olhos. — Não me enrola, Raul, o que você deve me contar antes de ser posto para fora? — Você costumava ser menos irritada antes, acho que mau humor deve ser contagioso — Raul começa a falar e sei que sua lábia de advogado é boa, mas não vai funcionar para mim. — Exatamente, antes, só que antes eu não tinha sido ignorada por você e muito menos estava com fome e eu com fome nunca fui gentil. Então desembucha de uma vez. — Eu não te ignorei, só ainda não estava pronto para conversar, muito menos sabia o que seu namorado ou sua avó tinham dito a você. — Ele me olha com ironia estampada nos olhos. — Não me disseram nada e não sei quem é essa pessoa a quem está se referindo como meu namorado. — Reviro os olhos para ele. — Não está mais com o Zero Um? — Ouvi-lo chamar Cícero assim me irrita, mas não posso deixar passar para ninguém que estamos juntos,

apenas Alex e Luana sabem a verdade. — Cícero e eu não estamos juntos, ele apenas é o pai da minha filha. —Minha língua queima ao proferir essas palavras. — Agora que já vez a triagem, pode começar a falar ou dar o fora. Ele se remexe inquieto e olha para além da cozinha, espero que não esteja pensando em me enrolar por mais tempo, quero poder tomar meu café da manhã em paz. — Eu ia te contar isso quando fui a Missão Velha, mas as coisas não saíram como esperado. — Ergo uma sobrancelha e faço sinal para que ele continue. — O escritório que eu trabalho pertence a dois grandes advogados da cidade, consegui a vaga lá através de um amigo do meu pai como você bem sabe, mas o que eu não sabia até pouco tempo atrás é que o sócio majoritário do escritório é na verdade Arnoldo Feliciano de Almeida, o seu pai. Olho para Raul tentando entender tudo isso, mas está difícil, muito difícil na verdade. — Você trabalha para o embuste que se diz meu pai? O homem responsável por destruir minha mãe a ponto de levá-la a cometer suicídio na minha frente quando eu era só uma criança? — O ar começa a entrar cada vez em menor quantidade em meus pulmões.

— Eu não sabia quando comecei a trabalhar para ele, descobri poucos dias antes do seu casamento — ele confessa com uma cara culpada. — E não pensou em me contar? Foi por isso que você estava lá aquele dia, não foi mesmo? Não foi para a cerimônia apenas, sabia que Arnoldo daria um jeito de evitar que ela acontecesse, não é mesmo? — Levanto com as peças começando a se encaixarem. — Eu não fui para o casamento, sabia que ele ia conversar com vocês, mas tu tava cometendo um grande erro casando com aquele mentiroso e eu não poderia deixar você fazer algo que fosse se arrepender depois — suas palavras me levam para a festa de despedida de solteira, ele me olhando como se escondesse algo. — Poderia ter me contado antes, esteve comigo na noite anterior, um amigo de verdade teria dito antes, eu teria dito a você se fosse o contrário — atiro na sua cara. — Ok, eu não sou a porra da perfeição, mas eu vi como você parecia apaixonada por ele e pensei que não acreditaria em mim. — Mas sim no meu querido pai? — Jogo as mãos para o ar, frustrada. — Bom, você ouviu, não foi mesmo? — argumenta e não deixa de ser verdade. — Não porque acreditei nele, sim porque não lido bem com

mentirosos, fugi muito mais do meu pai do que de Cícero, pensei que isso fosse óbvio. — Ele me olha confuso, não é possível que não tenha percebido isso. — Acha mesmo que eu aguentaria encontrar com o homem que fez tanto mal a minha mãe e ficaria numa boa? — Não sei, você fugiu para o outro lado do estado, queria que eu pensasse o quê? — Que meu pai é um escroto que veio para ferrar com a minha vida, pois sabia da verdade o tempo todo e esperou pra fazer a "coisa certa" só na hora do casamento, sem contar que foi o arquiteto de toda a mentira, ele te contou isso também, Raul? — pergunto testando-o. — Não e só ficou sabendo que era você a noiva de Cícero dias antes do casamento, seu convite para a despedida de solteira tinha uma foto sua e por acaso ele viu na tela do meu computador. — Estreito os olhos para ele, não acreditando muito nessa história. — Muitas coincidências, não? — Sim, mas juro que aconteceu assim, ele realmente se preocupa com você, Cecília, e acho que se parasse para ouvir a versão dele dos fatos iria mudar um pouco sua opinião. — Não sei se Raul é um bom mentiroso ou ingênuo demais para ser um advogado, pois parece que caiu no conto do vigário contado por meu pai.

— Eu não sei... — começo a falar, mas paro, talvez essa seja a oportunidade de descobrir tudo sobre o meu pai, Cícero ficará furioso comigo, mas não quero protelar nossa distância por muito mais tempo que o necessário. — Lia, não tome a decisão ainda, pense com calma. — Ele levanta e vem até mim, tocando meu ombro. — Nem todas as verdades são absolutas, não até que se ouça as duas partes da mesma história. Não esboço nenhuma reação, por mais que tenha um pensamento parecido sobre sempre existir duas partes de uma história, não consigo acreditar muito que aquele que se diz meu pai possa ter uma versão diferente dos fatos, mas alguma hora terei que encará-lo de frente, algo me diz que precisa ser eu a fazer isso, não posso deixar que tudo seja resolvido pelos outros. — Você realmente acredita nele? — sondo. — Sim, eu acredito que as motivações dele não foram as mais fáceis de se compreender, mas não o julgo por ter medo e sim por não ter tomado a decisão certa antes. — Olho para ele e me pergunto se é realmente ingênuo ou melhor ator do que advogado. — Ele disse para você vir aqui? — Estreito meus olhos para ele. — Sim e não. Já queria vir aqui faz tempo, mas não sabia se seria bem

recebido por você e sua avó não pareceu muito feliz ao me ver em Missão Velha. — Ele dá de ombros e olho para a cozinha, vovó está voltando do quintal e nos olha com uma expressão estranha. — Bom, já tomei muito do seu tempo, pense com carinho no que te falei e me ligue quando tiver a resposta, posso garantir de vocês se encontrarem sem que ninguém saiba. Mais uma vez não deixo transparecer o que sinto, mas a verdade é que gostaria de mandar uma mensagem com um grande VÁ PRO INFERNO ao meu pai, porém não posso dar esse trunfo para ele. — Tudo bem, Raul, não suma novamente, não gosto de ser dispensável para as pessoas — alfineto e ele ri. — Nunca foi isso para mim, sabe disso, não me compare ao seu ex. — Ele volta a olhar para o meu ventre e apesar de querer me encolher, não o faço. — Ela vai precisar de um pai presente na vida dela, não um que assim que você some vai procurar um rabo de saia. — Como? — pergunto mesmo já sabendo a que ele está se referindo, só que a pergunta certa é como ele sabe disso. — Cícero não te contou que no dia que você fugiu dele foi afogar as mágoas naquela boate que fomos uma vez? — Travo o meu queixo e pisco os olhos lentamente. — Não me interessa o que ele fez no passado, faz ou deixa de fazer,

como disse ele é apenas o pai da minha filha e ela terá a mim, vou ser suficiente para ela — digo as palavras com a garganta perigando fechar com as lágrimas que queimam por dentro. — Então romperam mesmo, não há possibilidade de volta? — tenta novamente. — Que merda, Raul, já disse que sim, caralho! Que insistência, até parece que quer que eu me contradiga, porra! — Me afasto dele, irritada. — Não, só quero saber que posso ter esperança — suas palavras me fazem girar nos calcanhares e o fitar. — Esperança? — Sim, que um dia olhe para mim e veja mais que um amigo, eu poderia ser o pai que sua filha precisa. — Minha vontade é gritar "ELA JÁ TEM UM!", mas ao invés disso sorrio tristemente e respondo. — Não posso falar sobre o futuro, nem pelos outros, mas o tempo passa e as coisas mudam, não é mesmo? Com isso ele abre um grande sorriso e abre os braços para mim, eu quase não consigo enxergar o amigo que esteve ao meu lado durante muitos anos, pelo contrário, há algo diferente em Raul ou talvez seja a minha percepção sobre ele que está mudada e ao invés de retribuir ao abraço sinto vontade se empurrá-lo e é preciso muito do meu autocontrole para não fazer

isso. Ele se aproxima e me abraça, mas não sinto aquela sensação de estar em um abraço amigo e seguro, mas não o afasto, pois ele vai me ajudar mais do que pensa estar fazendo. — Agora vou mesmo, me ligue quando decidir, o que for eu ficarei ao seu lado. — Beija minha cabeça e sai. Fico parada tentando entender essa sensação esquisita que sinto e ainda não consegui decifrar Raul, antes ele era transparente para mim, agora existe uma mancha que turva minha visão sobre suas intenções. — Lia? — Olho para minha avó e ela me fita com uma expressão estranha. — Precisamos conversar. — Pode esperar que eu tome café? — Pode, pois vamos ter que sair daqui para isso — ela fala e eu estranho, mas não tenho tempo para perguntar onde iremos. Dona Clarisse sendo ela mesma, sai e vai sentar-se à mesa, indicando com um movimento de cabeça que devo fazer o mesmo e não contesto, ela quando diz que as coisas serão de um jeito, elas serão exatamente como ela falou que seria e ponto. — Onde é mesmo que estamos indo, vó? — pergunto pelo que deve ser a quinta vez desde que saímos de casa há dez minutos. — Continue dirigindo, Cecília, o endereço está nesse troço aí no seu

celular, não está? Então, você sabe para onde estamos indo — ela responde ainda olhando para fora enquanto saímos da Avenida Engenheiro Santana Junior e pegamos a Washington Soares. Ela fica calada por alguns minutos e não sei se gosto dela assim, algo a incomoda e está tentando esconder de mim. — Não se faça de desentendida, sabe que não foi o endereço que perguntei, sim o que há lá. — Reviro os olhos. — Não sei para que essa ansiedade toda, já comeu, falou besteira com aquele projeto de embuste e já falou no telefone com o caboré que eu sei. — Engasgo com saliva na mesma hora não acreditando no que ela acaba de falar. — Não sei do que está falando! — Tusso mais uma vez, tentando acalmar meu sistema nervoso que entrou em curto. — Não sabe, claro que não sabe, não sabe mentir, isso sim. Vocês me enganaram por uma semana, quase duas, depois comecei a observar e eu sou boa de observação e notei que todo dia de manhã cedo era um cochichado no seu quarto e de noite a mesma coisa, sem contar que o menino Alex passou a visitar nossa casa mais do que a irmã dele, me diga que estou errada? Às vezes me pergunto por que a minha avó não tentou um cargo de detetive na polícia quando era mais nova? Com certeza ia ser a melhor de

toda a história, esse seu faro é único. — Não pensou em me contar quando descobriu? Sabe, tem sido um mês bem difícil e com a sua ajuda poderíamos ter nos visto pelo menos uma vez nesse tempo. — Olho para ela quando paramos no sinal e vejo seu reflexo sorrindo no vidro lateral. — E estragar o disfarce de vocês? Eu não. Além do mais quis dar um castigo naquele moleque por me magoar e me fazer magoar ele daquela forma. — Sabia que por trás da máscara de durona ela sentiu muito o afastamento de Cícero. — Vó, ele já tem trinta e dois anos, não é um moleque. — Reviro os olhos para ela e dessa vez chamo sua atenção o suficiente para me olhar. — E eu tenho setenta e seis, então posso chamar quem eu quiser de moleque e não discuta comigo, olhe pra frente e dirija. A buzina do apressado atrás de mim corrobora sua fala e coloco Filomena em movimento mais uma vez. Dirijo pelos próximos quinze minutos no trânsito complicado de Fortaleza até pegar a saída em direção ao Cambeba, essa cidade está um caso sério, daqui uns dias ninguém anda. Mas o que me chama atenção é que essa área em especial não me é estranha, sinto minhas mãos suarem e o coração acelerar ao me dar conta que estamos nos aproximando do prédio onde morei com a minha mãe por nove anos até o dia

que tudo aconteceu. Encosto o carro ao lado da calçada cercada por grades e como em um flashback louco minha mente revive todos aqueles últimos minutos.

Chegamos da casa da vovó e já passa das nove horas da manhã, mamãe mais uma vez teve que sair e ficar a noite fora e como sempre voltou com os olhos vermelhos e não sorriu. Entro e vou direto ao meu quarto, eu gosto muito do meu quarto, só que prefiro a casa da vovó porque lá sempre tem alguém para brincar comigo, aqui é apenas mamãe e eu e muitas vezes ela se tranca no quarto o dia todo. Guardo minha mochila e pego o controle remoto da televisão, minha barriga ronca, mas sei que não devo perturbar a mamãe por algumas horas, não quando ela volta tão triste assim, queria saber quem faz ela ficar desse jeito e dizer para esse filho de uma puta que não faça mais isso. "Eita Cecília, vovó vai te pegar se te vir falando palavrão", penso comigo mesma, sabendo que o palavrão foi só na minha cabeça. É nessa hora que escuto um barulho vindo da cozinha, será que mamãe resolveu mudar a mesa de lugar de novo? Outro dia ela tentou

afastar até a varanda e quando perguntei ela disse que queria comer vendo o mundo. Levanto da minha cama animada, talvez eu possa ajudar a ela e assim ela vai ficar menos triste. Saio do quarto no momento que o barulho acaba, caminho devagar e vejo que mamãe conseguiu passar, não a mesa, mas o rack que mantinha nossas fotos e alguns livros dela pela porta da varanda e encostou ele na grade que vai até altura dos peitos dela. É esquisito ver ela subir nele, mas vai que comprou enfeites de Natal esse ano e finalmente teremos a casa decorada. Sorrio animada e me aproximo. — Mãe? — chamo e noto que ela parece não querer me olhar. — Lia... — Ela vira devagar e vejo que ainda chora, não gosto de ver a mamãe chorando, ela é bonita demais para ser tão triste. Dou mais um passo na direção dela para dizer que não precisa colocar enfeites, tudo bem não termos nada disso aqui em casa, vovó faz isso lá e já tá bom pra mim, ela não precisa chorar. — Eu te amo, filha... — mamãe fala e eu paro no lugar, ela não diz muito que ama e isso faz meu peito doer de um jeito estranho. — Eu sinto muito, Lia. Ela fala e antes que eu pergunte sobre o que sente muito ela dá um passo para trás, mas não tem mais nada onde ela possa pisar, pisco os olhos

e a próxima coisa que escuto é o barulho alto dela caindo na calçada.

— MÃÃÃÃÃÃEEEEE! O grito vem tão alto que desperto do meu torpor voltando à realidade, minhas mãos tremem e sinto uma necessidade de sumir daqui. — Lia, você está bem? — vovó pergunta, só que não estou em condições de falar nada, ainda não. Abro a porta do carro e saio apressada, buscando ar para os meus pulmões que queimam devido à falta de respiração. Há um motivo para eu nunca ter voltado a esse lugar novamente, na época, logo que os paramédicos chegaram e em seguida a minha avó e os detetives, fui levada para a casa dela onde fiquei dias sem conseguir dormir, tudo que conseguia era chorar e esperar, na minha cabeça de criança ela voltaria a algum momento para me acordar, pois era certo que estava tendo um pesadelo, só pode. Nesse meio tempo minhas coisas foram levadas para lá por alguém e um funeral foi organizado, não saí da capela para ver o caixão de mamãe descendo no buraco onde seria sua moradia e hoje nem lembro muito dessas coisas, só

tenho vislumbres de como tudo aconteceu, a única lembrança vívida é o seu passo atrás para o nada. Coloco as mãos nos joelhos quando chego a esquina e seguro firme para não cair, minha pernas querem fraquejar, mas não posso, em algum momento terei que voltar ao carro e tirá-lo dali, olho para trás e vovó continua lá parada me olhando, por mais que queira não consigo voltar, ainda não. Sinto minha filha mexer no meu ventre e ajeito meu corpo para poder tocá-la e me pergunto se mamãe teve esses momentos de esperança como tenho quando a sinto se mexer, será que acreditou que as coisas fossem dar certo ou já não tinha nenhuma esperança desde a minha concepção? Dou um passo atrás e encosto na grade que contorna boa parte do condomínio e me permito escorregar até estar quase sentada no pequeno batente que serve de base para ela, me permitindo chorar pela minha mãe pela primeira vez em muitos anos. As lágrimas que não vieram fáceis ao longo dos anos, por mais que eu tenha tentado chorar em todas as datas que me faziam lembrar dela, agora é como se tivesse aberto as comportas de uma represa. A dor ameaça partir meu peito em mil pedaços, o grito que sai dos meus lábios é estrangulado e sai no momento que sinto braços fortes me apertarem. — Hei, estou aqui! — Olho para cima não acreditando que ele esteja realmente aqui.

Ergo minha cabeça e os olhos azuis que se tornaram meus companheiros em sonhos estão aqui me fitando com a mesma agonia que deve estar estampada no meu rosto, jogo meus braços em torno do seu pescoço e choro ainda mais por me dar conta que estive vazia por dentro no último mês e só agora consigo respirar novamente.

Seguindo a mensagem que Luana me enviou desço do carro duas ruas antes do endereço que me foi informado, pago o motorista e começo a caminhada com mil perguntas se passando na minha cabeça, com tantas coisas acontecendo, minha querida irmã, ao invés de continuar com o seu charme e tentar alguma novidade com o rapaz do TI, resolveu me colocar numa — como ela mesma chamou — caça ao tesouro. Bufo frustrado com Luana e sua mania em brincar de enigmas comigo. Mais alguns, muitos, passos e a vejo, mesmo a distância sei que é ela pela forma como o meu corpo reage a sua presença, o leve arrepiar junto com batidas descompensadas do meu coração, meus olhos varrem o seu corpo indo direto a mão que mantém sobre o ventre que agora já está bem visível. Me apresso para chegar até ela, mas paro um instante ao vê-la encostar as costas na grade e se deixar cair ao mesmo tempo que um choro mais do que sofrido sai dos seus lábios. Meus passos se tornam corrida e em segundos estou a abraçando, tentando lhe passar a segurança que sei que precisa. — Hei, estou aqui! — Ela ergue os olhos e me fita, como se para certificar-se que estou aqui mesmo, antes de me abraçar. Ergo nossos corpos e a abraço apertado, deixando que venham suas

lágrimas, não sei o que aconteceu, mas não deve ter sido algo simples, não para deixar Cecília nesse estado, minha anja-demônia não faz o tipo frágil, ela é mais forte do que o mundo e vê-la assim tão vulnerável me quebra completamente. Quando seu choro diminui seguro seu rosto e limpo suas lágrimas com o meu polegar, ela permanece de olhos fechados. — Não suporto ver você chorando, anja. — Colo minha testa na sua e ela suspira entrecortado. — Lia, precisamos entrar. — Viro minha cabeça na direção da voz já tão reconhecida para mim. — Dona Clarisse — o constrangimento se faz presente na minha voz e espero que ela me mande largar a neta dela e dar o fora. — Cícero — ela diz o meu nome com um pesar enorme que não está direcionado para mim, seus olhos estão fixos na neta que ainda chora com a cabeça encostada no meu peito. — Eu quero ir embora, por favor, me tira daqui. — Cecília choraminga e meu olhar vai para ela, o que será que a fez ficar assim? — Não, precisamos entrar e encarar os fantasmas de uma vez por todas — dona Clarisse diz de forma que não deixa margem para discussão, só que dessa vez eu compro a briga com ela. — Se ela quiser ir embora, eu a levarei — digo também sério e isso

faz Cecília erguer o rosto. — Desculpe, dona Clarisse, mas não deixarei que minha mulher sofra mais do que já está visivelmente sofrendo. A senhora a minha frente cruza os braços e ergue uma sobrancelha, colocando os lábios de lado, a postura tão parecida com a neta que se não fosse toda a tensão eu estaria rindo desse detalhe. — Sua mulher? Vocês não tinham ido cada um por um lado? — Porra, é verdade, que merda eu acabei de dizer? — Eu, eh... — Tento achar as palavras, mas essas sumiram. — Ela já sabe — Cecília diz, saindo do meu abraço e encarando a avó. — A brincadeira acabou, vovó. — Ué, não tava bom o fingimento? — Olho de uma para a outra sem entender porra nenhuma. — Eu estou perdido aqui — digo e as duas me olham. — Vovó descobriu tudo há vários dias, mas resolveu nos dar um castigo aparentemente, mas ele acaba aqui, me leve embora, por favor? — Uma lágrima rola errante e eu a seco voltando a sentir o aperto no meu peito por vê-la assim. — Claro, amor! — Claro que não! — dona Clarisse diz junto comigo. — Já perdemos muito tempo aqui, temos que entrar e resolver isso de uma vez por todas.

— A senhora não entende? Eu não consigo chegar perto daquele apartamento, nunca consegui, mesmo depois de tanto tempo! As palavras dela me despertam para o que pode estar acontecendo, quando meu avô morreu levei anos para voltar ao lugar onde ele me levava às vezes para tomar sorvete, as lembranças eram como pequenas lâminas sobre a minha pele que machucavam tanto que evitava ao máximo. — Você morava aqui. — Não é uma pergunta e ela apenas balança a cabeça confirmando o que disse. Olho para sua avó e noto que para ela também não é fácil estar aqui, mas se tem algo que aprendi a reconhecer em dona Clarisse é que nada que ela diga ou faça, por mais insignificante que seja, é por acaso. Por isso ou talvez por ainda estar envergonhado pela discussão da última vez que nos vimos, fico do seu lado. — Cecília, meu amor. — Seguro seu rosto mais uma vez para que me olhe. — Eu a levarei embora se assim você quiser, mas não acho que sua avó te trouxe até aqui por nada, imagino que exista uma boa razão. Seus olhos dançam entre os meus e a minha boca, ela se inclina e cola seus lábios nos meus e há tanto desespero e dor nesse beijo que me falta o fôlego por alguns instantes. Isso dura um segundo e rápido demais ela já está fora do meu alcance, respira fundo e ergue a cabeça daquele jeito altiva de ser

e encara a sua avó com firmeza. — O que há para se ver lá, vó? — sua pergunta vem com a voz firme, a Cecília que conheço está de volta. — Não vou ficar falando sobre isso aqui fora, Cecília, também não é fácil para mim vir até aqui, foram poucas as vezes que voltei ao apartamento onde minha filha passou seus últimos dias. Você agora já sente o que é ser mãe, como não conseguimos mais lembrar como era nossa vida antes de sabermos da sua existência, mesmo que ainda não tenhamos dado à luz. Então compreende como a minha perdeu boa parte do sentido depois que Luciana se foi. A expressão de Cecília suaviza e seus olhos nublam, as mãos indo de encontro ao ventre e como se eu fosse puxado por um fio de aço sigo seu movimento e cubro suas mãos com as minhas, onde meus dedos tocam sua barriga sinto o tremor sutil, "minha filha!". — Estou aqui, anja! — digo beijando sua cabeça. — Cícero vem também — ela fala séria ainda. — Acha que eu mandei avisar a ele por quê? Pra ficar vigiando a rua é que não foi. — Dona Clarisse revira os olhos do jeito único das mulheres Fernandes. — A senhora e Luana juntas... — Balanço a cabeça sem achar a

palavra certa. — A capacidade de atuar direito ficou para ela, faz dias que sabe que eu sei. — Claro que ela sabe, o objetivo de vida dela é me fazer sofrer mesmo — digo com ironia, mas no fundo sei que se Luana guardou essa informação para ela é por que estava esperando parar ver o quadro geral de tudo. — Agora vamos, estamos perdendo um tempo que não temos aqui fora. Como só ela é capaz de fazer, dona Clarisse nos conduz para a portaria do condomínio e fala com o porteiro como se fossem velhos conhecidos, não duvido nada que sejam mesmo. O senhor que aparenta estar entre cinquenta e cinco a sessenta anos lhe entrega um molho de chaves. Durante todo o percurso até o décimo andar seguro na mão de Cecília que está cada vez mais suada e gelada. As portas do elevador se abrem e ela vacila sem querer sair, deixo que tome o seu tempo, não a pressiono, apenas seguro as portas abertas até que com um suspiro profundo e passos trêmulos ela passa por mim e caminha os poucos metros até a porta que sua avó espera por nós para abrir.

Vovó coloca a chave na fechadura e eu prendo a respiração, ela abre a porta e deixa que eu tome o meu tempo para entrar, Cícero toca meu ombro e aperta de leve para dizer que está aqui comigo. Um passo depois do outro e enfim consigo passar pela porta e olhar para a sala completamente vazia. Uma sensação estranha de levar um soco no meu estômago faz com que me encolha um pouco, por muitos anos mantive na minha mente a ideia de que esse lugar estaria igual ou talvez totalmente diferente, mas nunca assim, tão sem vida quanto o corpo da minha mãe ao cair no chão de concreto. — O-onde estão as coisas? — pergunto confusa. — Me desfiz de tudo, Luciana não escolheu nenhum daqueles móveis, não tinha por que guardar. — Vovó dá de ombros e segue na direção de onde era meu antigo quarto. Um pouco relutante a sigo e para minha surpresa o cômodo continua igual, é como se dezesseis anos não tivessem passado. Caminho até a cama de ferro branca e sento acariciando a colcha cor de rosa com babados de renda, a saudade dos dias bons nesse cômodo volta com tudo e um nó se forma na minha garganta. — Mamãe adorava dormir aqui comigo quando não estava tão

deprimida — digo, erguendo os olhos para olhar para minha avó. — Ela dizia que era o lugar mais silencioso do apartamento. Suspiro ao me dar conta que o barulho existia apenas na cabeça dela, uma vez que a casa inteira vivia em silêncio, menos o meu quarto que era quase vinte e quatro horas de desenhos animados em fitas VHS e depois DVDs. Que tipo de som ela ouvia, seriam vozes? — Luciana escolheu tudo aqui, por isso não consegui me desfazer de nada, foi aqui também que ela guardou algo para que eu entregasse a você quando estivesse pronta. Vovó caminha até o armário branco e o abre, ele está vazio naquela parte, mexe na madeira e a retira revelando um fundo falso para em seguida virar-se com um envelope em mãos, caminha até onde estou e senta ao meu lado colocando o mesmo em meu colo. — Lia, eu não acho que um dia conseguiremos entender de verdade o que se passava na cabeça da sua mãe nos últimos anos da vida dela, minha Luciana era um misto de alegrias infinitas e tristezas profundas, quando seu avô morreu ela tinha apenas dezoito anos e não se recuperou da perda, eles eram muito apegados, sabe? Balanço a cabeça confirmando, já ouvi tanto essa história sobre como a minha mãe e seu pai eram unha e carne, que a morte repentina dele deixou

nela um vazio que supostamente fora preenchido pelo meu pai e me perguntei muitas vezes até onde essa carência pesou nela para se deixar envolver por um homem que não tinha o mesmo sentimento que ela. — Sua mãe fez muitas coisas erradas, mas tentou acertar e foi a vontade de fazer a coisa certa e a sua incapacidade diante das circunstâncias que pesou para que ela decidisse acabar com a vida dela. Aquele dia, quando saíram lá de casa, eu senti que algo não estava bem, a forma como a minha menina me abraçou não era normal, foi algo prolongado e sofrido e ao final ela me disse que eu era a melhor mãe de todo o mundo. Um sorriso triste surge no rosto da minha avó e vejo quando Cícero puxa a cadeira e senta de frente para nós e segura uma de suas mãos. — Eu brinquei que ela só tinha a mim, então não poderia ser diferente, mas ela não sorriu, apenas balançou a cabeça e entrou no carro com você, nunca vou esquecer da última vez que vi minha filha com vida. — O suspiro que dá é mínimo perante a dor estampada em seus olhos. — Mas vamos deixar pra falar sobre isso depois, não é? — Só se a senhora quiser — digo deixando claro que gosto de ouvi-la falar da mamãe. — Não, viemos aqui por um motivo — continua antes de levantar e ir até a bolsa que deixou na cômoda ao lado da TV antiga. — Um mês depois

da morte da sua mãe chegou uma correspondência lá em casa endereçada a mim com ela como a remetente, eu achei que fosse loucura, mas era real. Vovó estende o envelope amarelado pelos anos na minha direção e ao pegá-lo vejo a letra da minha mãe, a reconheço mesmo depois de tanto tempo. Com meus dedos trêmulos abro o envelope e retiro de dentro um bilhete. "Mãezinha, eu sinto muito que tudo tenha acontecido assim, mas eu não vi outra saída, meu medo de não ser forte o suficiente é maior e sinto que a cada dia sou menos dona da minha vida e da minha vontade. Cuide da Lia para mim, ela precisa de uma mãe de verdade, o que eu nunca consegui ser. No endereço abaixo a senhora encontrará uma caixa postal e abrirá com essa chave que está no envelope, por favor, mãe, siga as instruções e não deixe que ele se aproxime da minha filha, ela não merece ser corrompida pela sujeira que ele traz para a vida das pessoas Com mais amor do que meus atos serão capazes de representar. Luciana. Av. Bezerra de Menezes 2071, São Gerardo". Termino de ler já sem conseguir ver as letras direito, as lágrimas transbordam dos meus olhos turvando mais e mais a minha visão. — Vó? — pergunto tentando entender melhor. — Levei alguns dias para ter coragem de atravessar a cidade praticamente para ir até lá — diz olhando para a janela. — Minha filha fez

questão de deixar as peças todas espalhadas, assim não seria fácil para ninguém além de quem ela confiava descobrir. — O que tinha lá nesse endereço? — Cícero pergunta ao ler o endereço que está no bilhete que eu o entreguei. — Uma agência dos Correios e na caixa postal um novo envelope com o endereço de um tabelião. Além das instruções de como achar esse envelope quando você estivesse preparada para tomar posse daquilo que lhe pertence. Olho confusa para ela, será que está me dizendo que devo decidir o que fazer com esse lugar? Eu não o quero, só em pensar em ficar aqui por mais tempo meu coração dispara e sinto minhas mãos tremendo. — Eu não quero esse lugar, vovó, o que a senhora decidir fazer com ele eu concordo. Nem sabia que esse apartamento nos pertencia na verdade — falo com a voz um pouco trêmula e logo a mão de Cícero está tocando a minha com suavidade. — Ele é seu, mas não era a ele que me referia. — Vovó e seus mistérios. — E o que seria? — Não está óbvio? Seu pai só quer alguma aproximação agora porque você é a única herdeira deixada por Luciana, aquele cafajeste quer garantir

que você não tome dele o que nunca lhe pertenceu. — Mas que herança que mamãe deixou? Até onde sei tudo que temos é a sua casa e esse apartamento pelo visto. Estou muito confusa, a rede de mistérios e dúvidas sobre o que Arnoldo pode querer comigo me deixa extremamente cansada e enojada. — As empresas donas das ações do grupo da minha família, é claro! — Cícero exclama ficando de pé em um salto. — O quê? — Não estou conseguindo acompanhar ainda. — Luana nos falou de empresas fictícias de investimento que compraram ações da nossa empresa, como também de outros grupos empresariais. Você lembra, anja, todas no mesmo endereço e o escritório de advocacia de Arnoldo sendo o representante legal delas. Pisco os olhos lembrando vagamente da conversa na sua casa dias atrás, minha mente está tão nublada que parece que isso aconteceu há séculos. — Ele quer se manter à frente de tudo sem precisar revelar nada a outra família dele, mas com o nosso casamento... — Cícero para e olha para a minha avó. — Cecília poderia enfim tomar posse de tudo e tiraria o poder de decisão das suas mãos.

— Então o que está me dizendo é que para me livrar de vez do meu pai eu devo apenas casar com o Cícero? — pergunto confusa. — Sim, mas isso vocês já vão fazer. — Vovó dá de ombros. — Por que então resolveu me contar isso agora? — Estreito meus olhos para ela. — Porque aquele moleque de recado duas caras apareceu hoje na nossa casa e fiquei com medo de você acabar por cair na lábia do ordinário do teu pai, como a minha filha. Mulher grávida é mais sensível e isso o nojento já sabe — vovó diz, travando o queixo em seguida, nitidamente segurando o choro. — Eu não acreditei em Raul, não inteiramente — confesso. — Raul esteve na sua casa? O que ele queria? — é a vez de Cícero se manifestar, nada satisfeito. — Sim, ele foi e acho que para comprovar que nosso plano deu certo, tudo que ele fez foi tentar implantar a dúvida sobre o que meu pai pode querer comigo ou não. — Só isso? — Reviro meus olhos antes de responder.

— Não, também pintamos nossas unhas dos pés e fizemos tranças um no cabelo do outro. — Não se faça de desentendida, Cecília, sabe que aquele sujeito está esperando pelo seu estalar de dedos há muito tempo, só não acho que seja só por que quer levar você pra cama. — Cícero com ciúmes é demais para minha paciência. — Ah, faz favor, comandante, não venha dar piti de ciúmes agora, não é hora nem lugar para isso. Sabia que ele aparecer era um sinal que nosso objetivo foi alcançado e pelo visto sim, então vamos pensar no próximo passo, não no "e se", que não existe. Ele olha na direção da minha avó buscando ajuda, mas ela dá de ombros deixando claro que não vai se meter. Coloco o envelope que ela me deu ao meu lado na cama e levanto para ir até ele, segurando sua mão entre as minhas. — Não tem por que sentir ciúmes, estou ficando cada dia mais redonda e seletiva sobre o que quero — brinco e ele abre um sorriso de lado. — Não seja boba, está cada vez mais linda. — Sua mão toca meu ventre e nossa garotinha se mexe e sinto uma emoção enorme crescendo dentro de mim. — Ela está te tornando cada vez mais a mulher mais bonita que eu já vi.

Beija o topo da minha cabeça e eu abraço seu tronco, nem fazia ideia de como estava sentindo a falta de ter ele assim tão perto, seus braços me envolvendo, o calor do seu corpo fazendo o gelo que sentia na minha alma ir descongelando pouco a pouco e eu enfim consigo puxar o ar e sentir ele fazendo o efeito desejado, antes era inútil tentar respirar profundamente, o ar parecia inadequado, agora sei que era porque não o tinha perto de mim e sem ele sou uma pessoa incompleta em muitos sentidos. — Eu amo você, minha anja-demônia! — diz com os lábios junto ao meu cabelo e isso me faz sentir que estou flutuando. — Também amo você e agora mais do que nunca quero casar com você e poder acabar com as armações de Arnoldo. Não queria que nosso dia fosse às pressas, mas acho que casarmos escondido, enquanto ele pensa que está ganhando território comigo, seja o melhor. Digo já um pouco melancólica, nesses últimos dias tenho pensado muito sobre como gostaria que fosse o nosso casamento e tudo que consegui visualizar foi nós dois num belo pôr do sol em uma das praias da cidade ou qualquer outra, desde que seja no litoral cearense, ou até mesmo na estufa da Fundação, dessa vez dando tudo certo. — Nem pensem nisso! — vovó diz séria demais. — Mas vó... — Viro-me para encará-la.

— Não, não. Eu não pude levar minha Luciana até o altar com tudo que ela merecia, aquele nojento de Arnoldo não vai me tirar esse prazer não — fala de um jeito que não deixa muita margem para argumentação. — Sua vó está certa! — Cícero diz, envolvendo minha cintura com seus braços fortes. — Não podemos deixar que ele nos tire nada do que temos direito e desejamos. — Claro que estou! E não venha puxar meu saco não, porque primeiro, não tenho um pra puxar, segundo, ainda estou irritada com você e terceiro, temos muito o que fazer e resolver — vovó dispara e eu preciso segurar o riso. Só ela para transformar qualquer clima pesado em algo mais ameno, Cícero coloca a testa no meu ombro e suspira segurando o riso também. — Essa é carne de pescoço — sussurra. — Deixem de cochichado e vamos logo resolver como vai se proceder as coisas daqui pra frente. Como duas crianças obedientes caminhamos de volta a cama e lá sentamos, esperando pelo que ela irá nos dizer. Vovó caminha até sua bolsa e pega um cartão de visita todo preto com dourado e me estende. — Toma, esse foi o advogado que cuidou do testamento da sua mãe, ele está esperando que entre em contato para darem entrada no pedido da

troca de representação legal das empresas que sua mãe foi laranja pra Arnoldo. Luana já entrou em contato com ele e os dois já estão trabalhando numa forma silenciosa de fazer as coisas, mas ele precisa da sua assinatura. — Luana já sabia? — Cícero vocifera o que eu penso. — Por que ela não me contou nada? — Porque eu disse que não era para contar, oras! — Com um revirar de olhos e um entortar de boca ela deixa claro que isso não é discutível. — Vocês não armaram aquela palhaçada sem me avisar, pois eu fiz também sem pedir permissão, por que não preciso. Aperto a mão de Cícero passando apoio e recebendo, nós merecemos isso, agora temos que aguentar calados e sabendo do respeito que ele tem por ela, é mais fácil que eu venha a contestá-la do que ele. — E o que mais temos que fazer, dona Clarisse? — pergunta com a voz mais tranquila do mundo. — Você vai pra casa e continua fazendo o que for que tava fazendo. Já Cecília, vai ligar para aquele moleque duas caras e vai dizer que aceita encontrar com o embuste do patrão dele, mas isso será amanhã, hoje vamos voltar para casa e eu vou pra minha reunião da preparação da festa da paróquia enquanto você vai ler tudo isso aí dentro do envelope como se fosse a matéria de uma prova bem difícil de responder, assim vai prestar bastante

atenção no que tem escrito aí, se tiver dúvidas pode ligar pra Luana que ela te ajuda. Não acredito que ela quer que fique a par de toda a papelada que deve ter no envelope, ela com certeza sabe do que se trata e poderia me contar, assim eu poderia aproveitar o resto do dia ao lado do meu comandante. — Mas, vó, a senhora já sabe o que tem nesses documentos, basta me dizer — argumento com um dar de ombros. — Não sei não, depois que peguei a carta que sua mãe me deixou a única coisa que fiz foi vir até aqui e me certificar de que estava no lugar que ela falou que estaria, ela deixou para você, não pra mim, é tarefa sua descobrir o que quer que esses documentos tenham a dizer. Já falei que é impossível ganhar uma discussão com a minha avó? Não?

Pois

digo

agora,

É

IMPOSSÍVEL

GANHAR

ELA

NOS

ARGUMENTOS! — Nem faça essa cara, quem começou com essa história foram vocês, se tivessem falado comigo antes agora poderiam ficar por aí, fornicando como coelhos, mas já que decidiram me colocar na lista dos enganados, vão ter que manter essa história até estar com tudo pronto. Ela fala e caminha para pegar a bolsa e em seguida vai em direção à porta, parando antes de abri-la, e nos olha com cara de pouquíssimos amigos.

— Vou descer pra conversar com seu Raimundo da portaria, vocês, apareçam lá embaixo em vinte minutos ou eu volto aqui, tão me entendendo? Balançamos a cabeça em sincronia como dois adolescentes loucos por um tempo longe do olhar afiado do adulto responsável. Mal minha vó passa pela porta e estou no colo dele, arrancando fora sua camisa o mais rápido que consigo. — Sua vó ainda pode estar lá fora — Cícero diz, descendo os lábios pelo meu pescoço. — Ela já nos ouviu uma vez, não faz mal ouvir uma segunda e só temos vinte minutos! Desço minhas unhas pelas suas costas e o arranho, arrancando dele um grunhido rouco que faz a minha boceta úmida e desejosa em segundos. As mãos dele também não ficam inertes, tocam meus seios por cima do tecido do vestido e desce os lábios para beijá-los enquanto os aperta, me remexo buscando atrito dos nossos sexos e gemo ao sentir como seu pau já está duro e pronto para mim. — Vamos fazer isso na sua cama de infância, que doideira. — Se for um problema podemos fazer no chão, no banheiro, até no parapeito da janela, só quero que você me foda logo, caralho — digo, descendo minha mão e afastando meu corpo o suficiente para acariciar seu

pau por cima do jeans. — Você falando sacanagem com a porra dessa voz rouca me deixa doido, minha demônia! Com um giro rápido sou deitada de costas na cama e o meu vestido é levantado apenas o suficiente para que ele tenha uma visão clara da minha calcinha de renda, o ar fica preso na minha garganta com o desejo flamejante com que me olha e sinto minha pele queimar onde seus olhos miram. Suas mãos me tocam sobre o ventre e tremo inteira, principalmente quando beija ali e devagar vai deixando seus lábios deslizarem até tocar-me o clitóris ainda por cima da calcinha. Ergo meu tronco da cama e me remexo impaciente, ele gosta de me torturar e eu adoro ser torturada por suas mãos e lábios habilidosos, mas hoje não temos tempo, vovó é famosa por cumprir suas promessas. — Não me faça esperar ainda mais, seu cretino, não temos tempo para isso! — digo, puxando seus cabelos e empurrando sua cabeça para baixo, meus atos indo no sentido contrário das minhas palavras. — Tão apressada e mandona, essa minha mulher — responde, começando a se afastar e levando minha calcinha no processo. Vidrada nos seus movimentos assisto ele abrir o botão da calça e o zíper, descendo-a apenas o suficiente para fazer seu pau saltar fora totalmente

ereto. Minha boca fica seca com a visão do meu homem e sinto vontade de chupá-lo, mas não vou esperar. Cícero se posiciona e puxa meu corpo, erguendo meu quadril, segura seu membro com uma mão e o faz deslizar sobre a minha boceta, espalhando minha umidade, e com uma só estocada entra em mim atingindo tão fundo que é impossível segurar o gemido rouco enlouquecido que sai pelos meus lábios. — Porra de bocetinha gostosa e apertada você tem, minha anjademônia — diz entre os dentes, segurando os movimentos para que eu me adapte a ele. — Olha como suga meu cacete? Sorrio para ele de forma endiabrada que sei que o enlouquece e contraio os meus músculos internos, como venho aprendendo com o pompoarismo[7] para ajudar com a incontinência urinária que adquiri na gravidez, mas sabendo que ele vai enlouquecer com isso e não estou errada. — PORRA, CECÍLIA! — o urro que solta é o estímulo que esperava para soltar e voltar a contrair mais uma vez. — Você é a minha ruína, sabia? Confirmo com um aceno e o liberto do aperto e no mesmo instante ele começa a se mover num ritmo frenético, entrando e saindo de mim cada vez mais rápido, seus dedos afundados na minha carne e o atrito em meu clitóris a cada estocada fazendo o meu orgasmo se construir rápido e forte. Não resisto por muito tempo, nem ele, com mais uma estocada ele urra meu nome e me

permito cair da borda do desfiladeiro que só ele tem o dom de me fazer pular sem medo.

O caminho de volta para casa é feito em silêncio, eu com um sorriso enorme de bonito no rosto e o cheiro de Cícero impregnado pelo meu corpo como se fosse uma segunda pele, já vovó está mais quieta que de costume o que quer dizer que está pensando e minha vó pensando demais não é algo muito bom. Quando chegamos ela sai do carro e para apenas quando chega na porta da cozinha. — Vou estar no salão paroquial caso você precise de alguma coisa, mas acho que deve ligar logo pra Luana e pedir que ela venha te ajudar a entender isso daí. Ela aponta com o queixo para o envelope que peguei no banco de trás do carro. A falta de confiança dela na minha capacidade de decifrar alguns documentos deveria ser ofensiva, mas não nego que ter uma ajudinha não faz mal e preciso conversar com Luana de qualquer forma. — Tá, vó, vou fazer isso. — Fecho a porta do carro e vou em direção

ao meu quarto já discando o número dela. — Oi, sumida! — me saúda muito alegre. — Oi, pessoa que tomou o corpo da minha futura cunhada — brinco e sua risada se torna ainda mais evidente. — Eu ainda sou eu, engraçadinha, só estou razoavelmente feliz e com uma boa expectativa de futuro. — Não entendo bulhufas do que está falando. — Mas isso eu lhe conto pessoalmente, como foi o encontro com meu irmão. Espero que tenham conseguido matar um pouco da saudade, porque até tudo estar resolvido terão que manter a história. Reviro os olhos para essa sua capacidade única de mudar de assunto em segundos e ainda me deixar com a sensação de criança imatura que precisa da proteção de um adulto. Mas essa é Luana, a única pessoa para quem eu pude lamentar a distância de Cícero no último mês, já que as minhas outras amigas nutrem por ele algo que posso chamar de vontade de castrá-lo com uma faca enferrujada, tadinho. — Sim, foi... Não vou falar com você sobre minha vida sexual com seu irmão, principalmente quando ele foi mais do que perfeito. — Sorrio e ouço o seu "Ecaaaaaaaa!" do outro lado da linha. — Me poupe, Cecília, não creio que me ligou só pra me deixar com a merda dessa imagem mental, égua!

Agora é a minha vez de rir alto, sabia que isso aconteceria, vi Sabrina ter a mesma reação quando Alex ficou com Amanda e Talita no mesmo fim de semana anos atrás e na segunda-feira elas começaram a contar quão bom de cama ele era, eu no entanto senti nojinho na época, afinal sempre o vi como irmão mais velho e o mesmo faz questão de ressaltar isso cada vez mais. Não sei como tive coragem de quase... É melhor esquecer as besteiras que tentei fazer para evitar Cícero na minha vida. — Não, rainha do drama, eu liguei porque preciso da sua ajuda para entender uns documentos e vovó disse para fazer isso. Como vocês conseguiram esconder de mim essas coisas no último mês, hein? Ela dá uma leve tossida e pigarreia antes de responder. — Você conhece a vó Clarisse, acha que eu correria o risco de perder o crédito com ela? — pergunta rindo e reviro os olhos com o jeito que fala da minha avó, a verdade é que sinto um pouco de ciúmes, isso sim. — Mas falando sério, sua avó achou que você já estava lidando com muita coisa, preferiu me deixar a par de algumas, assim quando lhe contasse eu já estaria preparada para entrar em ação. — Bom, Supergirl [8]é chegada a hora — digo e ela ri. — Chego aí em no máximo uma hora! Pronto, essa é sua forma de dizer tchau e desligar. Aproveito o tempo

livre que tenho a casa só para mim e deito na cama com as imagens de Cícero e eu rodando pela minha mente, enfim não penso mais naquele apartamento só com a lembrança daquele dia fatídico, meu comandante me ajudou a criar uma nova e quente memória, mas o melhor de tudo é que sei o que quero fazer com o apartamento, vou pedir a ajuda de Luana para isso também.

— Então, vamos analisar esses papéis ou não? — pergunta Luana quando abro a porta para ela. — Eu estou bem, obrigada e você? — Reviro os olhos para ela e vejo sua expressão de "não estou aqui pra perder tempo!". — Que gracinha, já sei como você está, nos falamos há pouco tempo por telefone. Como a minha avó, Luana é alguém voluntariosa, portanto discutir tomará apenas tempo e vai cooperar para que rugas precoces apareçam, por isso só sigo para a cozinha onde meu macarrão ao molho branco com atum me espera. — Não vai me dizer que esse é seu almoço? — Ela torce o nariz

olhando para o refratário sobre a mesa. — Sim, esse mesmo, você quer me acompanhar? — Ergo uma sobrancelha e ela faz cara de nojo. — Odeio atum, além do mais estou sem muito apetite hoje. — Ela tem aquele olhar sonhador de quem está apaixonado e me pergunto se devo incentivá-la ou deixo que tome a decisão por si mesma. — Sei... — Decido pela segunda opção, não gosto de ser pressionada a falar sobre mim, não faria isso com ela tão pouco. — Enquanto você come, eu posso ir adiantando os trabalhos — diz, mudando o peso do corpo de um pé para o outro. Sento-me e a observo, Luana nunca me pareceu alguém que fique desconfortável em qualquer que seja a situação e mais uma vez opto por deixar que ela tome a decisão de me contar ou não o que está se passando na sua cabeça. — O envelope está sobre a escrivaninha no meu quarto, pode começar e até ler tudo enquanto devoro isso aqui. — Dou de ombros e noto como parece aliviada com a minha resposta positiva a sua proposta. Com um sorriso rápido e um aceno, vira e caminha em direção ao meu quarto, meu estômago ronca e minha garotinha se remexe, acaricio minha barriga e começo a colocar meu macarrão no prato comendo devagar,

diferente de Luana eu amo peixes e frutos do mar. Repito a porção e ainda olho para o refratário com vontade de comer mais um pouco, mas isso seria olho grande, então coloco a vasilha no forno para quando vovó voltar apenas esquentar, levo minha louça a pia e a lavo sem nenhuma pressa. Luana não voltou para perguntar por nada, então deve estar se entendendo com os papéis, o que significa que não há pressa. — Pensei que tinha sido engolida pela travessa de macarrão — diz, erguendo os olhos dos papéis que tem separados em pilhas ao seu redor na minha cama. — Quis dar um tempo para você se divertir! — Sorrio e vou até a escrivaninha e puxo a cadeira até a cama, assim não corro o risco de misturar nada e receber uma bronca dela. — Sei, mas já que chegou queria te perguntar uma coisa que não tem a ver com isso aqui. — Faz um gesto abrangendo os papéis entre nós. Ahã, assim como todas as pessoas voluntariosas que conheço ela não consegue ficar muito tempo com algo incomodando em sua mente. — Pode perguntar, sou toda ouvidos! — Por algum motivo estou mais do que empolgada a responder a ela. — Só me prometa que não falará com ninguém sobre isso, odeio parecer a merda de uma adolescente imatura. — Parece realmente frustrada

por ter que falar isso em voz alta. — Prometo que o que quer que seja não sairá desse quarto para nada. — Sorrio me solidarizando com ela. — Me sinto meio boba por perguntar isso, mas a realidade é que você é a única amiga que sinto vontade de conversar, não que eu tenha muitas. — Respira fundo e olhando além de mim deixa as palavras virem. — Eu... Como descobriu que queria ficar mesmo com Cícero? Em que momento as burradas e defeitos dele passaram a importar menos do que o sentimento que tem por ele? Uau, isso é um monte de palavras, o rosto de Luana ganha um tom de vermelho a mais, deixando claro que não é o tipo de conversa que ela costuma ter. — Eu não sei bem o momento, mas se tem alguém por quem você nutre sentimentos que tornam os defeitos dele não invisíveis, mas aceitáveis até certo ponto, bom, o momento de reconhecer o que o quer é agora — digo me sentindo o máximo por dar conselhos amorosos. — Eu não sei qual a regra, até seu irmão aparecer eu não tinha vivido nada parecido, namoricos na escola, alguns ficas insignificantes, mas sentimentos de fazer o coração disparar a cada vez que o nome da pessoa me vem à cabeça, só com ele. Ela fica um pouco pensativa e eu respeito seu momento, baixo o meu

olhar para a cama e vejo que em meio aos papéis há um outro envelope, minha mão vai automaticamente para ele, Luana acompanha meu movimento, mudando o foco dos seus pensamentos. — Eu não o abri, está endereçado a você. — Viro o envelope nas minhas mãos e vejo a mesma caligrafia do bilhete que a minha avó guardou por tantos anos. De: mamãe Para: Lia Olho para o envelope por alguns segundos antes das lágrimas começarem a borrar minha visão e minhas mãos suarem e começarem a tremer.

Querida Cecília, Eu queria poder estar ao seu lado nesse momento e falar essas coisas olhando nos seus olhos, espero que o tempo tenha sido generoso com você e não a tenha feito chorar muito ao longo dos últimos anos. Sei que deve estar se perguntando por que comecei essa carta falando essas coisas, mas a verdade é que fiquei parada observando você dormir tranquilamente por muitas horas até decidir que foi certo fazer o que fiz, e não me refiro a me atirar da sacada, porque isso é algo que ainda não sei se terei coragem de fazer. Me refiro a trair a confiança do seu pai ao tirar dele tudo que temos conquistado. Não direi que me arrependo de ter feito isso, não, nem um pouco, afinal fui a peça-chave para que os planos dele dessem certo e vou explicar a você de forma resumida. Nem mesmo a sua avó sabe que há oito anos eu venho fazendo coisas das quais não me orgulho e desde então minha vontade de viver tem se esvaído gradativamente a cada dia, é uma força magnética que me puxa para baixo mais e mais, acredite em mim quando digo que se tivesse força suficiente para continuar lutando eu faria, mas sinto como se o mundo pesasse nos meus ombros e tenho me curvado não apenas a ele nos últimos anos, mas também as vontades do seu pai e há em mim um sentimento de impotência em relação a isso também. Para adiantar o assunto... Há cerca de onze anos, quando o seu avô morreu, eu me vi perdida, mamãe não falava muito sobre a dor que isso nos causou e eu, no auge da minha rebeldia adolescente, não pensei em procurar por ajuda, tanto que durante uma das minhas fugas para beber com alguns

"amigos" conheci um homem mais velho, extremamente atencioso, que me tratou não como os garotos do bairro, ele me fez sentir que era especial e merecia ser tratada como uma verdadeira princesa, até então só meu pai me fazia sentir assim e talvez a enorme carência de uma figura paterna tenha me deixado vulnerável naquela situação. Me envolvi com Arnoldo sem pensar duas vezes e quando sua avó descobriu sobre nós já era tarde demais, eu briguei com unhas e dentes pelo meu homem perfeito e não vou dizer que não fui feliz ao lado dele, fui pelo tempo que a ilusão me permitiu, isso durou até o resultado do exame que revelou a sua chegada. Quando pensei que ele iria me pedir em casamento, descobri que o mesmo já era há muitos anos e eu fui a outra por todo o tempo, meu mundo caiu, segundo ele foi um casamento arranjado, mas não tinha uma vida conjugal com ela, que era a mim que ele amava e acreditei. Saiba que em momento algum pensei em me desfazer de você, era o meu milagrinho ganhando forma dentro do meu ventre. Seu pai não acompanhou minha gravidez, disse que era para o meu bem e eu mais uma vez acreditei. Quando você nasceu e sua avó exigiu que eu deixasse Arnoldo, bati de frente e aceitei o convite dele de morar num lugar nosso, a esperança que ele alimentava em mim de que resolveria sua situação com a esposa era o combustível para me manter ao lado dele pro que desse e viesse. Até você já estar com um ano e meu corpo voltar a ter praticamente as mesmas medidas ele foi o homem que eu amava, mas sempre vinha com lamentações de como se sentia mal de ter que nos deixar, que era como uma faca no seu peito e mais uma vez eu acreditei, afinal era como me sentia, por isso uma noite quando ele me disse que tinha um jeito de se livrar das amarras que o seu casamento lhe impunha, mas que precisaria da minha ajuda com isso, eu topei de imediato, qualquer coisa para ter o meu castelo dos sonhos finalmente realizado era válido.

Vou poupá-la dos detalhes, mas a verdade é que seu pai me convenceu a me usar como moeda de troca, sempre que ele queria fechar algum negócio ou comprar ações de uma determinada empresa, me colocava na jogada, e como bem ensinou, durante uma boa noite de sexo comigo os caras ou assinavam voluntariamente ou Arnoldo usava esse pequeno deslize deles para persuadi-los. Me sentia um lixo a cada vez que acontecia, mas dizia para mim mesma que era por nós, só que os anos foram passando e os encontros arranjados aumentando de números, como o meu asco por mim mesma. Eu tentei por vezes convencê-lo de que o que já tínhamos conseguido era o suficiente, mas ele queria a vida do melhor amigo, não ser apenas o advogado que conseguiu o cargo como um favor que o sogro cobrou de alguns caras ricos. Aguentei tudo por mais algum tempo, longo demais é verdade, até que um dia ao ver sua fotografia ele insinuou que você iria fazer os babacas papa-anjos comerem na nossa mão em poucos anos, como se eu fosse deixar que minha garotinha fosse usada assim, foi ali que entendi que ele nunca me amou ou a você, estive vendada por muitos anos e de repente eu vi a luz e o que vivi se tornou sufocante demais, sujo demais e não perdurou por muito tempo. No dia seguinte liguei para um antigo conhecido e providenciei uma forma dele não ficar com tudo ao final. E hoje vendo você dormir, sabendo que tudo está pronto, eu fiquei em paz comigo mesma, a sujeira já não está me afogando, agora eu sinto o ar fazendo efeito nos meus pulmões finalmente e estou em paz com o próximo passo, o que me atormenta é a ideia de não poder ver o seu sorriso, não estar ao seu lado durante os marcos importantes da sua vida, mas ao mesmo tempo sei que a deixarei com a melhor de todas, minha mãe vai cuidar de você como fez comigo e eu sei que será a melhor mãe/avó que poderia ter. Espero que um dia me perdoe por deixá-la sozinha ainda tão

pequena, e espero que nunca sinta o peso nos ombros que venho sentindo por todo esse tempo, mas nunca pense que foi por não te amar, na verdade é por amar você mais do que tudo, seja forte minha Lia, você tem mais coragem no seu dedo mindinho do que eu tenho em todo o meu corpo, e eu sei que será uma mulher muito melhor do que eu fui. Com amor. Mamãe. Releio a carta da minha mãe pelo que deve ser a décima ou vigésima vez, só que agora não choro como foi a primeira vez em que as lágrimas vieram com força total e o soluço preso na minha garganta explodiu em alto e bom som, assustando até mesmo Luana, que na falta de saber o que fazer ligou para minha avó que chegou no meio da minha crise de choro e me embalou nos seus braços como fez naquele dia quando me encontrou catatônica na portaria do prédio e ficou comigo no seu colo até que o cansaço e o calmante me apagaram por três horas de sono sem sonho. Agora estou diante do notebook lendo para Cícero, durante seu intervalo no turno, as últimas palavras da minha mãe destinada a mim. — É isso... — digo, limpando a lágrima traiçoeira que insiste em deslizar pelo meu rosto. — Eu sinto muito, anja, sinto mais ainda por não estar aí com você. — Seu olhar com pesar diz mais do que suas palavras, mas é bom ouvir. — Eu sei, só que eu passei muito tempo sentindo raiva da minha mãe

por ter sido fraca, por não ter pensado em mim nem na vovó, mas a verdade é que ela foi a maior vítima nessa história e eu sinto tanto a falta dela... Desabafo isso em voz alta depois de muito tempo e pela primeira vez pensar na minha mãe não vem carregado de sentimentos dúbios, aonde sempre vinha a culpa misturada ao pesar sem tamanho que me fazia sentir a necessidade de cortar a minha pele para fazer com que a dor física distraísse minha mente da dor mil vezes pior. — Eu não entendo como uma pessoa pode ser tão baixo assim? — Rio sem humor algum. — Ele não presta e viu na minha mãe a chance de ter o que sempre quis, uma marionete. — É, um cretino com certeza, mas se quer saber o meu pai não era muito diferente disso, a sua mãe foi corrompida, a minha me vendeu por alguns trocados. — Sinto meu peito apertar com a dor mal disfarçada nos olhos do meu comandante. — Sinto muito, amor — digo e seus olhos ganham um brilho diferente. — Fala de novo — pede sorrindo. — Eu sinto muito? — Não, o que veio depois!

Meu Deus, ele às vezes é tão imaturo, mas amo como consegue fazer o clima pesado se dissipar como um ventilador apontado para a fumaça. — Amor, não é isso que você é? O meu amor? — Sorrio largo para ele. — Sim, eu sou e você é o meu... — diz, mas é interrompido pelo barulho da sirene que sei muito bem o significado. — Sinto muito, mas eu tenho que ir. — Eu sei, só tenha cuidado, tá me ouvindo? — peço com o coração apertado como acontece sempre que penso nele sobrevoando por aí com outra pessoa lhe dando coordenadas enquanto estou em casa. — Prometo que ficarei bem, mas e vocês, vão ficar bem? — Sua preocupação comigo e nossa garotinha é algo tocante e aquece meu coração, por isso sorrio largamente antes de responder. — Sim, ficaremos bem, eu prometo! Me despeço dele quase babando sobre o teclado ao ver seu uniforme, as lembranças da nossa aventura no vestiário enchendo minha mente ao desligar, ele é uma ótima visão para se ter fresca na mente antes de dormir, oh se é.

Faço o caminho pelo corredor que leva ao estacionamento com muitas coisas na minha cabeça, não foi o que posso chamar de turno tranquilo, um acidente entre um ônibus e uma carreta no limite dos municípios de Caridade e Canindé deixou muitas vítimas, entre elas oito fatais, sendo três delas crianças. Fomos acionados para fazer o resgate das vítimas mais graves, mesmo aterrissando em uma distância razoável de onde toda a tragédia estava pude ver os corpos pequenos entre os demais e foi impossível não pensar em Cecília e na nossa filha ainda protegida no seu ventre. —... ero, espere! — Volto a realidade com a voz de Alex invadindo as imagens que ainda estão impressas sob as minhas pálpebras. — O que você quer? — pergunto sem virar para olhá-lo. — Fiz alguma coisa ou estou fedendo? Franzo o cenho para sua pergunta e viro para encará-lo. Há algo diferente em Alex, em todos esses anos que nos conhecemos nunca o tinha visto demonstrar... insegurança? Ele muda o peso do corpo de uma perna para a outra esperando minha resposta. — Não para as duas perguntas, mas você fez alguma merda? — Eu não — se defende rápido demais para o meu gosto.

— Então por que perguntou? — Porque você não falou porra nenhuma desde que a ocorrência acabou, ficou mudo durante a reunião com o coronel e agora saiu apressado como se tivesse que tirar o pai ou a mãe da forca. — Só quero ir logo para casa, o que há de errado nisso? A pergunta é retórica e parece não o convencer, pois me olha daquele seu jeito debochado que me deixa com o punho coçando para acertar seu maxilar. — Não, filho da puta, não tem nada de errado nisso, mas como seu amigo devo dizer que o que quer que esteja passando pela sua cabeça agora, e sim, eu sei que tem alguma merda passando por aí, resolva o quanto antes, a Lia precisa de você com a cabeça no lugar. É golpe baixo ele usar minha anja-demônia no seu argumento em busca de saber o que se passa comigo. Desisto e recomeço a caminhar, se vou falar sobre isso não será no corredor onde sempre há alguém circulando. — Vai fugir como sempre, que adulto! — Alex zomba. — Não estou fugindo porra nenhuma, estou indo para o estacionamento, se quer conversar me siga, se não fica aí parado como uma coluna. Não olho para trás, mas seu riso bem atrás de mim se faz ouvir. Entro

no carro já me preparando para dar a partida quando ele senta no banco do carona como se fosse a porra do dono, ergue as pernas e tem a ousadia de colocar os pés sobre o painel, está fazendo isso para me irritar, o idiota. — Se quer um motorista particular contrate um e tire a merda dos pés do painel do MEU carro, caralho! — Não preciso pagar, tenho um idiota pra isso — diz presunçoso. Dou partida e saio do estacionamento, Alex liga o som do carro e começa a cantarolar junto com Edgard Scandurra, do Ira, e uma mulher sobre precisar mudar alguma coisa na vida dele. Abaixo o volume decido ir logo ao ponto. — Que porra você quer? — Saber o que está acontecendo com você, já disse — ele responde com naturalidade. — Chegou aqui parecendo com o gato que comeu o canário, depois ficou assim, introspectivo, tá de TPM, cara? — Como é? — TPM, tempo prolongado sem mulher — responde segurando o riso. — Isso tem quatro letras, imbecil! — rebato e ele ri. — Não importa, você entendeu. O que está acontecendo? Quero dizer que não é nada, mas a verdade é que desde que ouvi

Cecília lendo a carta que sua mãe deixou fiquei incomodado com algo, Arnoldo era melhor amigo do meu pai e durante toda a minha vida eu o vi como alguém acima de qualquer suspeita e vejam só o que fez aquela pobre mulher passar, me pergunto se o meu pai seria igual a ele e toda aquela história contada a mim na adolescência é toda a verdade e se for, até onde Silvana tem conhecimento de tudo. — A mãe de Cecília deixou uma carta para ela e isso me fez pensar na minha própria mãe. — Não preciso dizer a quem estou me referindo, Alex é uma das poucas pessoas que sabe toda a verdade, pelo menos toda a que eu sei. — Caramba e como ela ficou? Nossa e a vó Clarisse? — Ela sabia de mais coisas do que nós todos juntos, mas segundo Cecília, ela ficou sim mexida com toda a verdade, que era bem mais do que o que ela imaginava. — É tão pesado assim? — Confirmo com um balançar de cabeça. — Pobre delas, tendo que enfrentar tanta coisa de uma vez só. — Pois é! — Olho para o lado e vejo pesar na sua fisionomia. — Eu lembro de quando Cecília foi morar com a avó, ela brincava às vezes com minha irmã e as outras garotas do Clube da Luluzinha, mas quando minha mãe disse que ela ficaria conosco enquanto sua avó resolvia

algumas coisas, eu soube que tinha algo de muito errado, o brilho que existia nela tinha sumido, eu tinha dezessete anos e sempre observava ela e as garotas de perto, pra ninguém se meter a besta com elas, por isso notei a mudança brusca. Ouvi-lo falar da minha anja-demônia ainda criança causa um sentimento diferente em mim, sempre a vi tão cheia de vida e com aqueles olhos escuros tão travessos e uma língua afiada que ontem ver esse mesmo olhar que ele relata me deixou sem ação, por isso entendo bem o que ele está falando. — Pensei que seria triste para sempre, mas daí você entrou na vida dela e eu ainda avisei que ela mantivesse distância segura, me borrei de medo de que acabassem magoando um ao outro ainda mais, sabe? — confessa sorrindo. — Por que achou isso? — Porque o olhar que vi nela por mais de quinze anos, eu vi em você por todo o tempo que somos amigos, o que, uns dez anos? — pergunta e não faço ideia. — Sei lá. A verdade é que nos conhecemos durante nosso treinamento para a Polícia Militar e passamos por todas as etapas juntos, o ajudei com o custo do

curso de piloto de helicóptero, pois era seu sonho, e ele me deu algo que nunca tive a vida toda, um amigo. E foi uma grande surpresa que cinco anos depois estivéssemos os dois subindo mais uma vez de patente e com isso ganhando o direito de fazermos parte da CIOPAER, Alex me conhece como ninguém e cuidou da minha mulher antes mesmo de eu saber que ela seria minha, não poderia ser mais grato de tê-lo na nossa vida. — Bom, acho que sabe que é basicamente isso, mas voltemos a você, o que te afetou tanto nessa história? Penso na sua pergunta por alguns instantes antes de conseguir formular uma resposta que seja verdadeira, já que minha reação natural é fazer de conta que a conversa não é comigo. — Arnoldo era amigo do meu pai e já deixou claro que esteve por trás do testamento fajuto que me obrigava a casar ou a empresa da minha família já era. Eles eram muito próximos e o meu pai pode não ter sido totalmente honesto comigo sobre a minha mãe biológica. — E o que vai fazer sobre isso? — Nada — digo de forma rápida. Me sentir incomodado não significa procurar explicações, não é mesmo? — Por quê? — Alex quando começa não sabe a hora de parar.

— Por que o quê? — Faço o que sei que ele detesta. — Ah, para de me enrolar, caralho, sabe o que estou perguntando — responde irritado. — Não vou procurar Arnoldo e não faço ideia de onde a mulher que me deu à luz vive ou se está viva sequer, seria uma busca que só traria estresse. — Você não sabe. — Mais um motivo para não mexer no que está quieto — digo, estacionando em frente ao prédio onde ele mora, dando por encerrado o assunto. — Como quiser, mas se o conheço bem isso vai te incomodar por um bom tempo, mas é mais tapado do que uma mula e só vai fazer o certo quando estiver sufocando, como Luana costuma dizer. Estreito os olhos na sua direção. Desde quando vem conversando com a minha irmã sobre mim? — O que Luana veio fazer no meio dessa conversa? — pergunto intrigado e o vejo engolir em seco, nervoso demais pro meu gosto. — Estou trabalhando com ela no que posso, foi você que nos colocou nessa história, esqueceu? Sua desculpa não convence, mas não vou falar sobre isso agora, só

espero que não se envolva com ela ainda estando vendo Patrícia durante os jogos que participam, minha irmã não merece ser segunda opção. — Certo, agora dá o fora do meu carro, seu folgado, quero chegar em casa e falar com a minha garota. Ele ri e sai do carro mostrando o dedo do meio para mim, muito maduro da sua parte. Coloco o carro em movimento e antes de virar a esquina o telefone toca, o nome de Luana brilhando na tela do som do carro e atendo já implicando com ela. — Não morre mais esse ano! — Ela ri do outro lado. — Nem tão cedo, meu bem! — sua voz enche o carro. — Estava falando de mim ou sobre mim? — Um poucos dos dois, mas desembucha logo o que quer. — Como você é gentil, Cícero Duarte — zomba. — Mas liguei para avisar que Cecília ligou pra Raul e o imbecil não perdeu tempo, o encontro dela com Arnoldo será em dois dias. Aperto o volante involuntariamente, sabia que isso aconteceria, mas não quer dizer que eu goste disso. — Por que ela não me ligou para avisar? — Porque você deve estar pensando como estar presente nesse encontro e ela não sabe te dizer não, passou a missão para mim. Então pare

de apertar o volante com força, como sei que está fazendo, e vá para casa descansar, à noite vou vê-la para acertar tudo, te mantenho informado. Desliga sem me deixar responder e não vou fazer nada diferente do que disse, preciso mesmo chegar em casa e descansar para falar com Cecília com a mente livre de tudo que se passou nas últimas horas.

Respiro fundo antes de passar pelas portas de vidro do restaurante indicado por Raul. Vir até aqui sozinha foi uma tarefa difícil de conseguir, Cícero não ficou nada feliz em saber disso, mas aos poucos foi aceitando, já minha avó fez questão de deixar claro que não apoiava minha decisão e eu não a culpo, nos seus olhos eu vi o medo estampado, mesmo que não diga, sei que teme que eu caia na lábia dele como a minha mãe, mas ler as últimas palavras dela para mim foi forte o suficiente ao ponto de me revestir de uma armadura invisível e poderosa e não há nada que eu deseje mais do que ver Arnoldo na lama, mendigando miséria. Ergo meu queixo e entro o avistando do outro lado do salão, com passos determinados sigo até onde ele está. Seus olhos têm um brilho diferente de qualquer um que eu já tenha visto em alguém, como se me ter aqui a sua frente fosse motivo de júbilo, até seu olhar parar na minha barriga, que fiz questão de deixar visível com o vestido colado ao meu corpo, seus lábios se contorcem e eu vibro por dentro sem deixar que isso transpareça no meu rosto. Quando levanta para puxar a cadeira o paro com um balançar rápido de cabeça. — Sem formalidades — digo, inclinando sutilmente minha cabeça

para o lado e ele corresponde com um gesto parecido. — Que seja. Mas se me permite dizer, fiquei extremamente feliz por aceitar meu convite para este almoço, há tempos venho querendo ter esse momento com você. A voz suave e a expressão cuidadosamente tranquila são parte da sua máscara e consigo ver o que chamou a atenção da minha mãe, fora a aparência impecável do perfeito profissional em almoço de negócios, tem algo de carismático nele, se não soubesse que a boa aparência se equivale a de uma serpente, seria bem provável que me deixasse envolver pelo olhar gentil ou sorriso tímido que me dá nesse momento. — Até onde me lembro o senhor sempre soube onde fica minha casa, afinal mandou margaridas para mim algumas vezes — digo com um leve sorriso, me munindo de uma coragem que não sabia que existia em mim. — Sim, sempre soube onde minha única filha esteve, mas saber e poder estar perto dela são duas coisas muito distintas. Estreito os meus olhos para ele imaginando que vai voltar a culpar a minha avó como fez no dia que estragou o meu casamento com Cícero. Antes que eu responda um garçom chega com os pedidos que eu não fiz, ergo uma sobrancelha questionadora para Arnoldo e ele dá de ombros em silêncio até o rapaz sair, nos dando privacidade.

— Pedi um dos pratos favoritos da sua mãe, tainha ao leite de coco com legumes cozidos, ela comia muito isso durante a gravidez — diz com certeza esperando que isso fosse me fazer suspirar, ledo engano. — É mesmo? Não lembro muito o que minha mãe gostava ou não — sou sincera, pois não tenho lembranças dela compartilhando esses pormenores comigo. Arnoldo não se deixa abalar pelo meu comentário seco, sorri com um olhar que posso chamar de saudoso, já o vi no rosto da minha avó muitas vezes para não reconhecer, o que não quer dizer que é saudade dela especificamente. — Luciana era uma mulher ímpar, você tem muito dela — a voz dele ganha aquele tom forjado para demonstrar afeição a alguém, noto isso pelos anos em que vovó me fazia notar isso entre suas colegas da igreja. Cruzo minhas mãos sobre a mesa e decido ir direto ao ponto, não vim até aqui para ouvi-lo fingir que se importava com a minha mãe sem me deixar levar pela vontade de arranhar o rosto dele com minhas unhas até desfigurar para sempre em uma careta de dor. — Eu sei disso, mas não vim aqui para falar sobre a minha mãe. Por que resolveu aparecer na minha vida justo agora? Por que esperou até o dia do meu casamento com Cícero para fazer alguma coisa?

Disparo para ele as palavras e vejo como seu corpo tensiona levemente, para outras pessoas não se alterou, mas seu olhar endurece e vejo engolir ruim ao morder a carne próxima aos lábios por dentro da boca, sei que está fazendo isso porque faço igual. — Eu descobri do seu casamento poucos dias antes dele acontecer e não fui lá para estragar tudo, sim porque fui revelar a verdade sobre o testamento falso a Cícero, mas quando cheguei lá acabei descobrindo que ele já sabia de tudo, não poderia deixar minha filha ser envolvida em uma coisa dessas, casamento sem amor não era o que desejava para você. A vontade que tenho é de gargalhar na cara dele, é muito fingida essa criatura, ele poderia ter usado qualquer desculpa para ter ido até lá, só que essa não cola, nem um pouco. — Você entende bem de casamento sem amor, não é mesmo? — atiro e espero por sua resposta sem deixar transparecer como não me importo. — Sim, eu entendo, e por isso não queria que a minha filha pagasse pelos meus erros. — Que erros? Ele pigarreia e olha em volta para ter certeza de que não temos nenhum expectador atento a nossa conversa, mesmo que a mesa em que ocupamos esteja o mais afastada possível das demais.

— Me casei com uma mulher por conveniência, trabalhava para o pai dela e o mesmo se lamentava por não ter um filho homem para gerir o escritório dele na sua ausência, um dia me convidou a sua casa e apresentou sua filha, ela era uma mulher muito bonita, mas fútil, quando o pai dela me ofereceu sua mão não pensei duas vezes, era um jovem ambicioso, admito, mas também acreditava que com o tempo me afeiçoaria a ela, ledo engano. — Ele para e me olha como se buscasse a confirmação de que estou ouvindo o que está falando e tento parecer o mais interessada possível. — Não tiveram filhos? — a pergunta vem sem pensar, afinal tenho direito de saber se tenho ou não algum meio-irmão. — Um, tivemos um filho. — É mesmo? Onde ele está? — Sou vencida pela minha curiosidade e continuo as perguntas. — Morto, Gustavo está morto. — Sinto como se um soco estivesse atingindo meu estômago, saber de um irmão e sequentemente sua morte não era o que esperava. — Sinto muito — digo com sinceridade. Nesse momento vejo o que pode ser a única reação verdadeira dele, um pesar genuíno. — Conheci sua mãe poucos dias depois, ela tinha um jeito diferente e me fez esquecer de tudo que estava acontecendo. — Ele é pior do que eu

imaginava, usou minha mãe como válvula de escape. — Como seu filho morreu? A pergunta o incomoda, ele se remexe na cadeira impaciente e toma um gole d'água longo demais pro meu gosto. — Se não se importa, não quero falar sobre Gustavo. — Não acredito nisso. — Bom, se não se importa, eu não quero falar da minha mãe também, então se não voltar a citá-la ficaremos bem. Ele concorda com um aceno rápido e começa a comer, faço o mesmo e como sabia que seria a tainha está incrível, bem parecida com a que minha avó faz em todas as datas que seria aniversário da minha mãe se ela estivesse viva. Quando o clima fica mais ameno decido voltar às perguntas. — Você não disse por que só voltou a minha vida agora — digo, repousando os talheres. — Não, não disse, você precisa entender que eu não tinha como fazer isso sem uma luta judicial, sua mãe deixou o poder familiar da sua guarda para sua avó e eu não tinha o meu nome na sua certidão de nascimento. — Foi a melhor decisão que ela já tomou — sou enfática. — Sim, não nego. Minha esposa entrou em uma depressão profunda com a morte do nosso filho, eu não tive ou tenho coragem de deixá-la mesmo

não tendo por ela nada além de carinho. Ela sabia da sua mãe e de você e isso piorou seu estado mental. Eu não sou o monstro que você pensa, Cecília, posso ter sido um canalha com sua mãe, mas eu a amei durante todo o tempo que ficamos juntos e quando tudo aconteceu eu levei muito tempo para me recuperar do segundo golpe duro que a vida me deu. Uma raiva começa a crescer em tamanho e força dentro de mim e antes que diga algo que venha a me arrepender novamente, me ergo e o encaro com a expressão mais neutra possível. — Não quero saber como se sente em relação a minha mãe, como você não está disposto a me contar sobre o seu filho falecido, tudo que quero é saber o que quer comigo, quando decidir ser honesto e não me enrolar com a sua lábia bem treinada, basta mandar um recado por Raul. Começo a me afastar torcendo para que ele morda a isca, conto mentalmente de forma regressiva ainda de costas para ele, dando a entender que estou me recuperando para começar a sair, quando ouço o seu suspiro. — Tudo bem, vamos direto ao ponto. Sorrio internamente, mas por fora forço meus olhos a adquirirem o pesar que sei que ele quer ver e me viro para ele. — Vou contar o que sua mãe e eu fizemos para proteger o seu futuro e agora o do seu filho.

Balanço a cabeça e volto a sentar, pronta para ouvir suas mentiras deslavadas, elas serão o meu combustível para o incêndio que transformará essa sua cara de pau em cinzas.

— Ele disse o quê? — esbravejo pelo telefone sem acreditar que a cara de pau de Arnoldo fosse tão longe. — Me diga que não ficou sequer balançada com essa história. Quando aceitei a muito contragosto que ela fosse a esse encontro sozinha imaginei que ele tentaria alguma coisa para convencê-la de suas boas intenções, mas como já dizia o ditado, de boas intenções o inferno está cheio. — Exatamente o que te contei, que tentou ajudar a minha mãe com o plano dela de tirar dinheiro dos outros caras os seduzindo e toda essa baboseira, jogando sobre ela e os outros toda a culpa das atrocidades que ele cometeu. Ele é um escrotino[9], isso sim, foi por pouco que não voei no pescoço dele e apertei com força, mas a pior parte foi ele insinuar que eu não precisava cuidar da nossa filha sozinha, se ofereceu para me conseguir um bom casamento. — Eu mato aquele desgraçado! — digo enfurecido, meu sangue correndo muito mais rápido nas minhas veias.

— Não, eu vou cuidar para que ele receba o devido pagamento por isso, não se preocupe — ela soa muito decidida. Eu consigo sentir daqui a raiva que sente, pois sinto algo parecido, mas com uma intensidade diferente, é uma mistura do instinto natural de proteger minha mulher e filha e em reação ao que ela está passando para mim. Passo a mão várias vezes nos meus cabelos, buscando me acalmar. — Ainda bem que não fez, já pensou eu tendo que ir tirar você da cadeia por ter cortado a garganta do infeliz do Arnoldo? Com sorte até encontraria alguns conhecidos por lá pra mostrar como a minha mulher é braba — brinco pra diminuir a tensão que emana dela. — Seria uma cena e tanto, isso sim, mas acho que acreditou na minha cara de confusa e me deu uma ideia de por onde atacar, por isso insisto mais uma vez que você converse com a sua mãe sobre tudo que está acontecendo, pra se possível ela e Luana adiantarem os preparativos do casamento, não quero que demoremos mais que um mês depois do nascimento da nossa filha para isso. Sorrio com a sua ansiedade para ser finalmente minha esposa, também não quero estender muito a data, só não sei até onde Silvana está pronta para saber de tudo. — Não sei se... — começo a falar, mas ela interrompe.

— Você tem se esquivado todas as vezes que tocamos no nome da sua mãe, está acontecendo alguma coisa? — Queria saber como ela consegue me ver tão bem. — Nada muito relevante — minto, me encostando no batente da porta do quarto que passará pelas principais mudanças, será aqui que nossa menininha crescerá. — Tudo sobre você é relevante, Cícero. Não quero que nosso relacionamento gire apenas em torno de mim e meus problemas, se tem alguma coisa, relevante ou não, incomodando você e sei que tem, eu quero saber e tentar de alguma forma ajudar, somos um time, lembra? Um sorriso lento se espalha pelo meu rosto ao pensar em como ela está correta mais uma vez. A verdade é que não estou acostumado a ter alguém brigando por mim ou que me passe essa sensação de não estar sozinho. — Eu tenho evitado falar com Silvana desde que leu a carta da sua mãe, durante os últimos anos eu me distanciei dela gradativamente, sempre me acho inadequado a ela e todo o carinho que me dá, sou fruto de uma traição, não sei até onde ela sabe sobre a minha mãe ou sobre o que o meu pai fez — digo o que vem me perturbando. — Ah, meu bem, eu entendo bem essa miscelânea de sentimentos que

está enfrentando, até outro dia eu me sentia parecido, minha avó falava sobre como minha mãe me amava, mas não tinha nada de concreto a que me agarrar, agora sinto muito pesar por não ter vivido mais tempo com ela por perto. As palavras dela aquecem o meu peito e fazem o conselho de Alex voltar à baila da minha mente. — Acha que devo conversar com ela sobre tudo isso? — Sim, eu acho que deve e precisa, já foram muitos anos vivendo com essas dúvidas, Cícero, creio que isso vai ajudá-lo a se sentir muito melhor com você mesmo. Além de que preciso que descubra com ela o máximo possível sobre a mulher de Arnoldo, imagino que elas são amigas, se não pelo menos conhecidas, não? — Sim, está certíssima, já a vi muitas vezes na casa dos meus pais, mas como nunca gostei de me enturmar com os amigos deles, evitava ao máximo participar dessas coisas, no entanto devo avisá-la que Silvana vai perguntar o que você pretende fazer com essas informações e não aceitará qualquer desculpa — sou sincero. — E você vai contar o que achar que ela deve saber, confio no seu bom discernimento. A segurança que sua confiança em mim me traz é algo que ainda

estou aprendendo a lidar, por muito tempo não achava possível ter alguém com quem dividir um pouco de tudo que ronda meu inconsciente e muito menos me achava capaz de ser esse tipo alguém para outra pessoa. — Tudo bem, vou passar na Fundação antes do trabalho hoje, tá bom assim? — digo e volto meu olhar para o cômodo ainda vazio. — Tá, mas por que não aproveita que só irá trabalhar a noite e almoça com ela? — Posso sentir sua curiosidade. — Tenho algumas coisas para resolver por aqui — sou vago. — Coisas é? Que tipo de coisas? Não seguro a risada que me escapa, ela é mais curiosa do que eu. Minha vontade é contar para ela que não poderei ir agora na minha mãe por estar esperando Luana e sua amiga designer de interiores, decidi que esse apartamento é muito masculino para minhas garotas e o quero mais aconchegante e prático para quando minha mulher e filha vierem morar aqui, um dos principais cômodos a serem preparados é o quarto da nossa garotinha, Cecília anda tão envolvida com o plano de se livrar de Arnoldo, quero poder fazer algo além de esperar. — Coisas — não entro em detalhes. — Alguns ajustes aqui, outros ali, sabe como é. Mas esqueça isso por hora, quando será sua próxima consulta? Não abro mão de estar presente.

— Em uma semana, o que me lembra que ainda não conversamos sobre possíveis nomes para ela, não vamos chamá-la de garotinha ou bebê para sempre — diz e ri alto. — Vovó veio com umas opções nada a ver, então precisamos ver isso. Tenho até medo de perguntar quais as opções, principalmente ao ouvir a risada nervosa dela do outro lado da linha. Antes que eu responda a companhia toca e sei que é Luana com a designer. — Eu vou precisar desligar agora, mas te ligo a noite depois de falar com Silvana antes de ir trabalhar, tudo bem? — É né? Vou sair com Sabrina e Amanda para comprar algumas coisas e ver se consigo não pensar muito sobre tudo isso — fala de forma vaga e sei que é seu jeito de dizer que não irá me contar tudo também. — Só tome cuidado — peço e consigo visualizar seu revirar de olhos. — Sim, porque corro o risco de ser sequestrada enquanto compro calcinhas e sutiãs. — De renda? — Ela tem minha atenção agora. — Talvez... — Deixa a palavra solta com um tom rouco, meu pau desperta e gemo só de imaginá-la usando renda. — Tchau, Cícero. Desliga comigo ainda ouvindo seu sorriso, respiro fundo algumas vezes antes de me encaminhar para a sala para abrir a porta e encarar uma

Luana nada feliz pela espera, mas não lhe dou muita atenção, temos um trabalho a ser feito e não vou perder tempo.

— A que devo a honra dessa visita? — Silvana me recebe na estufa da ONG onde algumas crianças cuidam das mudas auxiliadas por Romeu, o jardineiro, seus braços me apertam e eu me sinto um garotinho novamente. — Não posso querer ver a minha mãe? — Dou de ombros e ela me sorri com um olhar de "quando estiver pronto, querido". — Ah, para mim é sempre um prazer receber meus filhos aqui, venha, vou pedir que Andreia nos sirva um dos seus mingaus de milho fabulosos. Abro um sorriso ao lembrar do sabor único que traz recordações de uma infância feliz, um tempo em que eu acreditava ser muito sortudo por fazer parte de uma família perfeita. Chegamos ao refeitório e lá está ela, Andreia já trabalha aqui há mais de vinte anos e durante muito tempo eu passei minhas tardes aqui na companhia de várias crianças, foi uma época feliz. — Eu devo tá sonhando mesmo, quanto tempo, menino! — Andreia

me abraça, depois dá um passo atrás segurando nos meus ombros. — Eita que é um homão, dona Silvana. — Sim, cresceu além da conta. — Reviro os olhos pro exagero delas. — Será que você poderia nos preparar duas canecas daquele seu mingau maravilhoso? — Claro, podem subir que eu levo quando ficar pronto. Ela diz toda orgulhosa e sai em direção a cozinha, Silvana passa seu braço pelo meu e seguimos para o seu escritório, cumprimentando algumas pessoas que passam por nós. Olho em volta e vejo com alegria como a ampliação da ala oeste, para as novas salas de música e um novo laboratório de ciências, está quase pronta, meu avô deve estar muito feliz, onde estiver, que estejamos mantendo o sonho da sua esposa cada vez mais vivo. — Agora que já estamos aqui pode começar a falar por que veio e não diga que é só uma visita social, conheço meus filhos o suficiente para saber quando algo os está incomodando — Silvana diz, batendo a mão no sofá onde acaba de sentar. — Por que acha que tenho algo para falar? — brinco mesmo sabendo que ela tem razão. — Não se faça de desentendido, vamos, sente aqui e me conte. — Volta a bater ao lado e não tem por que prolongar o assunto.

Sento ao seu lado e por alguns instantes observo seu rosto sorridente, os olhos muito azuis e gentis, Luana tem tanto dela que me pego perguntando se eu fosse seu filho biológico se eu teria alguns dos seus traços ou continuaria tão parecido com o meu pai como sou. Seus olhos fitam os meus e um nó se forma na minha garganta, forço a descida dele e faço a pergunta que tem rondado minha mente nos últimos tempos. — Você sabe que sou filho dele? — Seus olhos aumentam de tamanho e desviam dos meus. — Não sei do... — começa a falar, mas a paro. — Não tente negar, Silvana, ele me comprou daquela mulher, não foi? — falar em voz alta incomoda mais do que eu esperava. — Cícero, querido, eu não sei o que te falar. — O pesar nos olhos dela é nítido. — A verdade, só me diga a verdade.

Olho para Silvana enquanto espero que ela comece a falar, seus olhos astutos me fitam da mesma forma que fizeram por todos os anos, a gentileza estampada neles como uma marca registrada, ela levanta e caminha devagar até parar junto a sua mesa e encosta nela, sustentando o peso do corpo com os braços e um suspiro sai dos seus lábios antes que seu olhar vague e se torne saudoso. — Lembro o dia que você chegou nos braços do seu pai, tão pequeno e frágil, quando te vi me apaixonei de imediato e desde então se tornou o meu filho, seu pai e eu tínhamos nos casado há poucos meses e o mesmo me disse que você era filho de uma funcionária da empresa, a mulher era mãe solteira e não tinha condições de criá-lo, a história me pareceu verdadeira na época e eu te acolhi no meu coração e fiz o meu melhor. Ela me olha como se estivesse esperando que confirme suas palavras. — Sim, não gostaria de ter tido outra mãe, mas quando descobriu a verdade? — finalmente estou colocando para fora as perguntas que há muito rondam na minha mente. — Você tinha três anos e eu percebi que a cada dia ficava mais parecido com seu pai, quando falei sobre isso com a minha mãe ela disse que

era coisa da minha cabeça, crianças tendiam a repetir gestos e trejeitos dos adultos com quem conviviam, mas não era apenas isso, tudo em você me lembrava dele, os olhos, a cor do cabelo, tudo. Eu cheguei a cogitar enfrentar Vitorino e tentar forçá-lo a confessar, no entanto eu era muito apaixonada por ele e os anos foram passando, quando você estava entrando na adolescência eu engravidei da Luana, foi quando ela nasceu que a verdade chegou até mim. Sinto meu coração acelerando e minhas mãos ficarem suadas a ponto de as sentir tremendo por saber que é agora que ela vai falar daquela que nunca me permiti pensar mais além do que as palavras do meu pai me fizeram acreditar. — Luana estava com seis meses quando aquela mulher que mais parecia uma menina bateu na minha porta, ela estava extremamente magra e notavelmente precisando de ajuda, tinha alguma coisa muito familiar nela e eu não sabia o que era, de início a trouxe para trabalhar aqui na Fundação, Mariana parecia um animalzinho acuado, todas as vezes que a via com as crianças uma tristeza profunda ficava evidente no seu olhar, Andreia também notava e foi aos poucos a ajudando, primeiro com o vício e depois ganhou sua confiança o suficiente para que ela abrisse o jogo. — Minha mã... Quero dizer, aquela mulher era viciada também? — Não sei por que, mas isso ainda me surpreende, ela não se parecia em nada

com alguém que passasse por problemas com drogas. — Sua mãe foi uma sobrevivente da periferia, que como muitas outras se deixou levar pela fuga dos problemas, mas que conseguiu reunir forças o suficiente para pedir ajuda antes que fosse tarde demais — Silvana diz muito séria, defendendo a mulher com quem seu marido teve um caso com uma fúria impressionante. — Como você... — deixo as palavras soltas no ar. — Como a defendo? Fácil, ela não teve muitas opções antes e quando pôde decidiu fazer a coisa certa e desde então continua fazendo, mas voltando a história, ela contou para Andreia que a convenceu a me contar a verdade e eu, mesmo querendo confrontar o seu pai, não fiz, ela me fez prometer que não faria nada, a coitadinha tinha mais medo de Vitorino do que o diabo da cruz, não a culpo. — Como não? Ela me vendeu para ele e com certeza tinha medo de que ele quisesse o dinheiro de volta — resmungo irritado. — De onde você tirou isso? — Seus olhos estão o dobro do tamanho e a boca faz um pequeno “O” quando compreende de onde me veio essa informação. — Do meu pai, ele a confrontou na minha frente e a mesma não negou o que ele estava falando.

— Não acredito que ele tenha ido tão longe. — Como assim? Agora quem está confuso sou eu, se bem que do meu pai eu não ficaria surpreso se mais alguma barbaridade fosse exposta. — Querido, seu pai não pagou nem um centavo para ficar com você, sua mãe era apenas uma menina de dezesseis anos quando lhe deu a luz, morava num dos bordéis que seu pai frequentava e a dona permitiu que ela ficasse lá enquanto estivesse grávida, Vitorino só apareceu quando soube que você tinha nascido e com a ajuda da lábia afiada de Arnoldo convenceu Mariana de que se não abrisse mão de você eles a fariam ser presa por estar com um bebê num lugar daqueles, sendo ela uma garota sozinha no mundo e assustada acreditou que era realmente possível que isso acontecesse. — Ele... — começo a falar, mas minha voz fica presa a garganta. — Se ele fez isso mesmo? — Balanço a cabeça confirmando que é essa a pergunta que faria. — Sim, ele fez e eu o confrontei anos depois quando você foi embora de casa e ele confirmou. — Mas por que me fazer acreditar que ela tinha me vendido? — Não consigo conciliar tanta informação junta. — Eu não sei, querido, seu pai por muitos anos foi alguém que não posso afirmar que eu conhecia, no entanto, nos seus últimos dias ele foi capaz

de repensar muitas coisas, algumas teve tempo de reaver e tentar de alguma forma compensar, já outras nem se quisesse ele conseguiria. Levanto sentindo uma vontade imensa de me colocar em movimento, minhas pernas querendo agir por instinto e procurar os braços da única que consegue fazer meu coração voltar a bater no ritmo certo, não dessa forma frenética de agora que se assemelha a um carro desgovernado. — Cícero, me escute, eu sinto muito, filho, não fazia ideia de como puxar o assunto com você durante todos esses anos, tentei algumas vezes, mas você se tornou tão arredio de uma hora para outra que pensei que me odiasse esse tempo todo — a voz de Silvana chega a mim em um sussurro me fazendo virar para encará-la horrorizado. — Odiar você? — Caminho de encontro a ela e seguro suas mãos nas minhas. — Como poderia? Longe de mim, não a você que sempre me amou apesar de tudo. — Ah querido... — Os olhos dela transbordam de lágrimas e a puxo para mim, aninhando seu corpo pequeno junto ao meu, o cheiro familiar me enchendo de recordações felizes onde eu corria todos os dias para o seu abraço, pois era o meu lugar seguro no mundo durante toda a infância e começo da adolescência. — Eu amo você, meu menino. — Também a amo, mãe, não duvide disso nunca.

Ela sorri e dou um passo atrás para olhá-la. — Sabe onde Mariana vive ou se está viva? Ela ainda mantém contato? — pergunto com verdadeira curiosidade, é uma parte da minha vida que quero resolvida antes do nascimento da minha filha. — Sim, sei onde ela está, apesar de não ter sido assim por um longo período — diz e volta a me puxar para o sofá. — Como sabe, ela foi babá de Luana, essa foi uma forma que achamos dela se aproximar de você e conquistar sua confiança antes de contar toda a verdade, mas eis que um dia chego em casa e encontro apenas um bilhete agradecendo tudo que fiz por ela e pedindo que não deixasse de cuidar, proteger e amar você, na época não entendi, mas aceitei a decisão dela, apenas quando você já tinha ido embora de casa e entrado para a Polícia Militar que voltei a vê-la. O sorriso de Silvana se alarga ainda mais com a lembrança. — Ela estava diferente, não só na forma de se vestir, mas na atitude e confiança que tinha, me contou o que aconteceu aquele dia e por que foi embora, ela estudou muito para conseguir entrar na faculdade e cursou Direito, diante de mim não estava mais a Mariana fragilizada e com medo, mas sim a Dra. Mariana de Toledo, advogada e futura agente da Polícia Federal, nunca senti tanto orgulho de alguém na minha vida, tirando você e Luana.

— Espera, a minha... Mariana é uma agente da Polícia Federal? — Não sei o que sentir ou pensar. — Sim, ela é. — Nem em todos os meus sonhos poderia prever isso. — Mamãe, preciso encontrá-la, ela pode me ajudar a garantir que Cecília e eu possamos criar nossa garotinha tranquilos no futuro. Digo e vejo seus olhos passarem de confusos para compreensivos antes de ter sua resposta. — Ajudarei no que for possível, filho, e creio que ela também.

O Uber para junto ao edifício onde fica o consultório do Dr. Felipe, meu obstetra, pago o motorista e saio para dar de cara com um Raul muito impaciente, que troca o peso do corpo de uma perna para a outra, olho para ele de cima a baixo, o terno bem alinhado sobre uma camisa branca com os primeiros botões abertos, sua postura um pouco rígida demais, num sinal claro que não está nem um pouco satisfeito em estar aqui e me pergunto se veio obrigado. — Pensei que tivesse me mandado ir para o lugar errado — diz com um sorriso nervoso e olha de um lado para o outro.

— Por que faria isso? Concordei em conversarmos, não concordei? — Ergo uma sobrancelha para dar mais ênfase à minha pergunta. — Sim, concordou, mas ainda assim eu não esperava que aceitasse. A verdade é que foi um esforço tremendo para concordar e depois fazer Cícero aceitar que eu encontrasse Raul antes da consulta, mas algo na voz quase desesperada dele ao telefone me impeliu a aceitar, uma esperança de que meu amigo de longa data não tenha virado as costas para mim em favor do meu pai, nem que tenha caído na lábia dele, o que não seria difícil de acontecer. — Bom, vamos entrar, tenho apenas quarenta minutos antes do horário da consulta — digo e ele me segue até ao pequeno Café no térreo do edifício. Sento na mesa mais afastada, coloco os cotovelos sobre a mesa e o queixo nas mãos, ele senta e mais uma vez olha para o lado desconfiado, reviro os olhos irritada. — Pare de parecer um fugitivo, vai chamar ainda mais a atenção de quem quer que seja que você está tentando não ser descoberto. — E-eu... — começa a falar, mas eu ergo a mão para pará-lo. — Não me faça de idiota, Raul. Ele dá um suspiro prolongado e vejo seus ombros caírem derrotados.

Não lembro de já tê-lo visto com esse olhar meio perdido, meio desalentado como agora e também não sei se gosto muito disso. — Tudo bem, eu estou evitando o seu pai — diz e eu estreito os olhos para ele. — Andei fazendo algumas pesquisas e não gostei nada do que achei, Lia. Engulo em seco, meu coração disparando com a possibilidade de ter um aliado infiltrado no covil do lobo, por assim dizer, mas não deixarei pistas de que é isso que estou pensando. — É mesmo? — Faço minha melhor cara de tédio e pelo jeito fiz certo. — Sim, eu fiquei um tanto desconfiado depois da última conversa que tivemos, você parecia tão certa da culpa dele e não negue isso, eu vi na sua postura que não acreditou em nada do que lhe falei e outro dia, depois que voltou do almoço com você, ele disse para eu me preparar, pois era possível que me tornasse o seu genro e eu pensei "como assim?", porque eu sei bem como você é e se cogitasse a possibilidade de ficarmos juntos não teria voltado com aquele sujeito, mesmo que tenham terminado e principalmente estando grávida dele e duvido muito que estejam separados realmente. Não respondo de imediato, mantenho minha expressão a mais neutra possível, mesmo que aquela voz dentro de mim grite a plenos pulmões SIM,

EU ESTOU COM ELE E DAÍ?, mas não deixo que essa voz tenha controle dos meus atos, se é isso que ele acha vai me apontar como chegou a essa conclusão em três, dois, um... — E não adianta fazer essa cara para mim, Lia, eu te conheço bem o suficiente para saber que não estaria tão bem e com um olhar de apaixonada assim se estivesse em pé de guerra com o pai do seu bebê. — Não estar em pé de guerra não equivale a estarmos juntos, como bem colocou, ele é o pai da minha filha e sei como é ser criada sem a presença do meu pai, talvez eu não queira isso para ela no fim das contas. Até eu me admiro como minha voz sai tranquila e sem tremer nem um pouquinho, acho que estou pegando jeito nessa coisa de fingir e esconder os sentimentos. — Pode até ser, mas não muda o fato de que você é apaixonada por ele e não aceitaria que outra pessoa assumisse a paternidade da sua filha além dele. — Os olhos de Raul têm aquela fagulha determinada que sempre achei ser sua forma de dizer que sabe do que está falando. — Ele fez uma proposta para você, não foi? — Não preciso dizer a quem me refiro, um aceno rápido de cabeça é toda a resposta que tenho antes da sua mão segurar a minha sobre a mesa e o sorriso mais do que radiante encher seu rosto.

— Sorria como se estivesse gostando do meu toque — pede entre dentes e meu corpo tensiona momentaneamente antes que faça um sorriso tão radiante quanto o dele surgir nos meus lábios e aproveito para entrelaçar nossos dedos e recebo seu balançar de cabeça em concordância. Pela minha visão periférica vejo um sujeito nos observando e sinto que o conheço de algum lugar, só não sei onde nossos caminhos podem já terem se cruzado, apenas quando ele se afasta que os ombros de Raul relaxam e ele puxa a mão de volta e me olha levemente constrangido. — Desculpa por isso, mas um dos cães de guarda do seu pai estava nos observando e para qualquer efeito eu vim aqui para tentar convencer você a se casar comigo. — Como é? — pergunto espantada. — Eu te falei, andei fazendo minhas pesquisas e aparentemente sou o genro perfeito aos olhos do seu pai — diz e toma um gole da sua água, olhando para os lados desconfortável. — Você sabe dos meus sentimentos por você, Lia, não nego que em outras circunstâncias eu casaria com você, assumiria dez paternidades se fosse a sua vontade, mas não é esse o caso e meu amor por você não será moeda de troca nas mãos de ninguém, mesmo que isso signifique que ficarei desempregado assim que seu pai descobrir. A sinceridade nas palavras dele são tocantes, aqui na minha frente

está o Raul que conheci na adolescência, a quem tive a coragem e vontade de entregar meu corpo pela primeira vez por saber que ele nunca iria passar isso na minha cara ou me questionar sobre, esse é meu amigo e uma parte minha roga para que um dia ele encontre alguém que o ame como ele merece ser amado. — Ah, Raul... — digo com as lágrimas transbordando dos meus olhos, estendo a mão e aperto a sua, abrindo um sorriso de gratidão a ele. — Eu sabia que seu coração não seria corrompido pelo veneno do meu pai e isso me deixa muito feliz. — Eu também fico feliz por ter aberto meus olhos antes que fosse tarde. — Um sorriso triste cruza seus lábios. — Espero que não tenha feito nada sem volta e que comprometa sua felicidade. — Não, não fez, mas me diga o que despertou a vontade de saber a verdade? — pergunto curiosa. — A forma como você me olhou aquela manhã, tão diferente de como olhava para aquele... Ehr, para Cícero, uma mistura de raiva e desconfiança e eu sabia que merecia aquele olhar, saí da sua casa e percebi que não seria nada na sua vida se forçasse uma posição que não me pertencia e quer saber, durante os últimos dias reuni um bocado de documentos que me levaram até às empresas que supostamente representamos e descobri que elas são suas por direito e o acordo financeiro delas com o escritório do seu pai é até o dia que

se casar, era por isso a insistência de Arnoldo em me fazer seu genro, ele acredita que pode me manipular, mas eu aprendi que ser seu amigo é muito melhor do que ser uma marionete do seu pai para o resto da vida. — Você é meu melhor amigo, Raul, me doía pensar em você agindo a mando de Arnoldo, fico feliz que tenha aberto os olhos. — Sorrio de verdade agora para ele. — Também fico e se tiver algo que precise, qualquer coisa, eu farei, não importando as consequências. Suas palavras atiçam algo na minha mente que começa a trabalhar ferozmente e nesse instante eu me sinto como o apelido que Cícero me deu, uma anja-demônia, abro ainda mais o meu sorriso e o fito decidida. — Tem algo sim que preciso que faça e quando acabar a consequência será ter você como representante legal das empresas que herdei da minha mãe. Digo determinada e sei que essa é a última peça para o golpe final contra Arnoldo.

— Não, nem pensar nisso! — esbravejo ainda dentro do elevador do prédio onde fica o consultório do obstetra de Cecília. — Me admira que você tenha concordado com isso, Cecília. Fuzilo-a com meus olhos e a vejo se encolher, na mesma hora o arrependimento me bate, mas não vou aceitar que a minha mulher pose de noiva daquele mela cueca por aí, sabia que ela estava escondendo algo, desde a hora que cheguei notei que seu olhar vagava e ela mordiscava os lábios de forma apreensiva, só não esperava que fosse justamente isso. — Cícero, seja racional pelo menos uma vez na vida, será fingimento — tenta argumentar. — Como pode confiar naquele merdinha depois de tudo? Sabe que ele é um pau mandado do seu pai e ainda assim encontrou com ele sem que eu soubesse, como se não fosse pouco fez acordos com ele, ah faz favor! Sabia que tinha algo errado com você logo que te vi. — Não é para tanto, Cícero! — Ela revira os olhos. — Ah não? Como quiser, fica com ele definitivamente então. As portas se abrem na garagem subterrânea e não espero por ela, sinto que se ficar ao lado dela por mais alguns segundo acabarei dizendo coisas das

quais irei me arrepender, mas como todo castigo é pouco, eis que encostado ao meu carro está o merdinha de braços cruzados nos esperando. Minha vista se torna rubra e antes que perceba o estou levantando pelo colarinho da camisa. — Eu vou matar você, seu bostinha! — Meu punho se prepara para ir de encontro ao rosto dele e extravasar boa parte da raiva que sinto quando o rosto de Cecília entra no meu campo de visão, ficando entre mim e Raul. — Já chega! — ela grita, ficando muito vermelha. — Para de babaquice ou eu irei embora com o Raul e só nos veremos quando a razão voltar a sua cabeça. Ouvir isso equivale a receber um balde de água fria sobre a minha cabeça, ela está preferindo o imbecil a mim, é isso mesmo? Meus braços caem frouxos ao lado do corpo e dou um passo para trás e para meu total espanto não vejo Raul me fitar com júbilo ou com aquele sorrisinho de quando a ajudou a fugir meses atrás. — Amor... — Fecho os olhos e me viro-lhe as costas, puxo uma lufada de ar maior do que consigo suportar no meu pulmão aparentemente. Abro os olhos e viro para encará-la. — Não me peça para aceitar isso, Cecília, como você se sentiria se fosse o contrário? — Sua expressão de dor misturada com raiva me diz que

está entendendo exatamente como me sinto. Ela morde os lábios e os coloca de lado em seguida, seus ombros caem um pouco e meu instinto é puxá-la para os meus braços e lhe dar tudo que deseja, mas como bem colocou dias atrás, nosso relacionamento não pode girar apenas em torno dela. — Olha eu não quero causar nenhum mal-estar entre vocês, mas posso dizer como esse plano pode beneficiar aos dois — Raul fala como se ele tivesse a localização do Santo Graal [10]perdido. — Jura? Não é conveniente isso? — Deixo todo o sarcasmo possível presente na minha voz. — Cícero, não precisa ser um idiota — Cecília fala com esses olhos escuros demais me implorando para ouvir pelo menos. — Tá, fala como isso poderia nos beneficiar? — Cruzo os braços na altura do meu peito e espero pelo seu plano, um tanto cético. — Se Arnoldo acreditar que Cecília e eu estamos noivos irá diminuir a vigilância que tem sobre ela, ele me contou exatamente onde estão os seus vigilantes, por assim dizer. — E ele vai aceitar a minha aproximação? Porque não pretendo ficar longe dela nos próximos três meses, estarei presente no nascimento da minha filha, custe o que custar. — Quanto a isso não há negociação. — Você é o pai, ele não pode achar que todos são como ele — Cecília

diz, tocando o meu braço. — Não precisamos de tanto tempo assim, na verdade creio que conseguiremos as provas antes do previsto. Ele fala como se tivesse uma carta na manga, estreito meus olhos não sabendo se acredito muito que as coisas sejam tão simples assim. Olho para Cecília e ela dá de ombros, aparentemente não está sabendo de nada. — Ah é, por acaso você virou expert em investigação ou o quê? — digo e recebo um revirar de olhos de Cecília, pronto vai me encher os pacovas. — Não, não virei, mas nas "pesquisas" que fiz eu pude notar certas discrepâncias nos números e se tem uma coisa que o governo odeia são pessoas roubando o que ele poderia roubar. — O imbecil parece não ser mais tão imbecil assim, vejam só. — Em quanto tempo consegue me entregar esses papéis? Sei exatamente a quem entregá-los. — Acho que em quatro ou cinco semanas, primeiro devemos fazê-lo acreditar que é verdade o meu relacionamento com Cecília e aos poucos vou fazendo cópias de tudo sem levantar suspeita. — Não vou encontrar com ele outra vez, que fique bem claro! — Cecília se pronuncia e internamente sinto meu ogro vibrar de orgulho.

— Não precisa, basta deixarmos as pessoas certas nos verem juntos, ele vai descobrir por si só e vai ser melhor ainda. Tenho que admitir que ele tem um pouco de inteligência guardada nessa cabeça, Cecília me olha esperando a minha resposta e nos seus olhos há tanta esperança de que as coisas possam enfim se resolverem que não conseguiria dizer não, eu faria qualquer coisa por ela, essa é a mais simples de todas as verdades. — Certo, não estou dizendo que confio plenamente em você, mas vou lhe dar um voto de confiança, consiga tudo que for possível e me avise, terei a pessoa certa a quem entregar — digo e em sinal de boa fé estendo-lhe a mão em cumprimento. — Bom, vou indo então, devem estar me esperando no trabalho. Eu diria para vocês não saírem juntos se for possível, há pessoas de olho para ver por onde a Lia vai sair e com quem — diz, olhando para os lados e acabo imitando o seu gesto. — Ah, tudo bem, vou chamar um táxi — minha anja-demônia diz, abrindo um sorriso radiante. — Obrigada, Raul! A contragosto vejo-a dar um passo à frente e o abraçar brevemente e assistimos ele saindo antes que ela vire para mim e jogue seus braços ao meu redor, inalo seu cheiro único de flores do campo sentindo uma vontade

enorme de sumir com ela dessa loucura, mas não devemos, não se queremos ter paz no futuro. — Estou com tanta saudade! Ergue a cabeça e o desejo estampado nos seus olhos reflete o meu, engulo em seco antes de beijá-la, primeiro com suavidade, mas essa é minha garota, seus dedos adentram nos meus cabelos bagunçando tudo como fez com a minha vida e aperto seu corpo na altura do quadril fazendo com que ela sinta como já estou completamente duro e pronto para fodê-la, se tivesse como, aqui mesmo nessa garagem, o gemido rouco que sai dos seus lábios me leva a loucura e aprofundo ainda mais minha língua na sua boca, pedindo passagem e persuadindo para que a dela entre na dança comigo. Estamos embriagados com as sensações que apenas um beijo pode nos causar quando uma buzina nos desperta para onde estamos, Cecília é mais relutante do que eu em se afastar, mas não será por muito tempo. — Vão para um quarto! — Alex sai do carro já enchendo o saco como só ele sabe e tem o direito de fazer por ser meu melhor amigo e quase um irmão da minha garota. — Se tá incomodado feche os olhos! — respondo e Cecília ri. — Muito maduro, Duarte! — O bastardo revira os olhos, mas está sorrindo. — Já está pronta, madame? Serei seu chofer essa tarde!

Cecília estreita os olhos e me fita buscando uma resposta, mas apenas sorrio para ela. — Temos um encontro? — pergunta empolgada. — Sim e não, tem alguém que quero que conheça e algo que preciso lhe mostrar. — Uhuuuu, que mistério! — ela zomba e recebe um tapa meu na bunda que faz a malícia cruzar seus olhos e seu rosto corar, com certeza despertei alguma lembrança sacana nela. — Querem deixar pra fazerem isso quando estiverem num quarto! — Alex, o estraga-prazer, resmunga antes de entrar no carro. — Vá com ele, nos encontraremos daqui a pouco. — Tá bom! Beijo seus lábios mais uma vez antes de deixá-la ir, ao entrar no carro ela me olha e abre um sorriso tão bonito que sinto meu coração falhar uma batida e se antes eu já sabia que faria qualquer coisa por ela, agora sei que me enganei, faria quase tudo, pois não suportaria ficar sem ela.

— Aonde estamos indo, Alexandro? — pergunto assim que saímos da

garagem do edifico onde fica o consultório do Dr. Felipe. — Não sei e meu nome é Alexandre, não Alexandro — responde sem desviar os olhos do tráfego à frente. — Ah, não fique emburrado, Alexandro, sabemos que você não gosta do seu nome — implico com ele como fiz durante muitos anos, Alex odeia que mudem o seu nome e Sabrina me contou quando eu ainda era uma adolescente e isso nos rendeu grandes risadas. — Muito engraçada você, Cecília, acho que devia se tornar uma comediante! — Vejo-o revirar os olhos e balançar a cabeça antes de cair no riso. — Você está muito estressado, Alexandro, faz quanto tempo que não encontra Patrícia? Aliás, avise a ela que estou magoada por ela sequer ter me ligado nos últimos tempos. Com isso ele vira o rosto um pouco para mim e noto uma careta sutil antes que mude a expressão completamente. — Não estamos nos vendo mais, já faz um tempo. — Pelo "nos vendo" eu entendo bem o que quer dizer. — Sério? Pensei que vocês fossem tipo almas gêmeas de swing ou algo do tipo e apenas que não tinham decidido ficarem juntas ou sei lá o quê — brinco para deixar o clima um pouco mais leve.

— É mais complicado do que apenas isso — deixa a história vaga de propósito, sempre um sabão esse cara. — Tem alguém na jogada, não tem? — pergunto curiosa, mas ao mesmo tempo querendo entender se ele está bem com isso, apesar de Patrícia ser minha amiga, ele é da família e essa vem sempre em primeiro lugar. Ele não me responde, mas a forma como aperta o volante me diz que acertei em cheio, só não fico feliz com essa notícia por ter pensado que os dois iriam enfim se entenderem, nas poucas vezes que consegui fazer Patrícia se abrir ela me pareceu disposta a recomeçar a história deles. — É mais complicado do que isso e não quero falar sobre agora — responde enfim, mas não vou me dar por vencida. — E quer falar sobre o quê? Se me lembro bem, quando comecei a me relacionar com Cícero você foi bem insistente em se intrometer — acuso e ele ri. — E pelo jeito não surtiu o efeito desejado, olha só onde estamos, você grávida dele e eu servindo de motorista particular. — Ei, não pedi que fizesse nada pra mim, tá ok? — Cruzo os braços sobre a minha barriga. — Não, mas seu noivo sim, e tem poucas coisas que não faria por ele e por você também, então pode parar de fazer bico.

Agora é minha vez de revirar os olhos, não estou fazendo bico nenhum. — E o que tem nesse lugar onde ele mandou, pediu ou o sei lá o que, para você me levar? — Não gosto de mistérios. — Eu não sei o que tem lá, aquele cretino só passou o endereço. — Dá de ombros e sei que está sendo sincero. — Ele e esses mistérios! — resmungo e ele sorri me dando apoio. — Nem fale, mas esqueçamos isso até chegarmos lá, vamos, quero saber como está minha afilhada, já escolheram o nome? Alexandra é um belo nome para menina, não acha? Não controlo a gargalhada que sobe pela minha garganta e enche o carro sendo seguida por ele. Só o que me faltava, minha filha com o nome dele, fala sério. — Não escolhemos, mas esse é um que com certeza está excluído da lista. Ele faz um biquinho, mas logo engatamos em uma conversa sobre possíveis nomes para minha filha e quais características ela, segundo ele, deveria ter de mim e de Cícero, o que me fez rir ainda mais e quando menos esperamos estamos estacionando em frente a um imponente edifício perto da orla da Praia do Futuro, reconheço a localização por não ser muito longe da

Cidade 2000 onde moro. — Uau! — Alex assobia, colocando a cabeça para fora e olha o prédio admirado. — Não sabia que aqui era aqui? — minha pergunta sai um tanto confusa, mas ele entende. — Não exatamente, vocês pretendem morar por aqui quando casarem? — Não tinha parado para pensar nisso. — Não que eu saiba, mas acho que vamos ficar no apartamento dele. — Dou de ombros e saio do carro. Acompanhada de Alex me dirijo até a portaria e ao dizer nossos nomes nossa entrada é liberada e o porteiro nos diz que a senhora Toledo nos aguarda no vigésimo segundo andar, como fez há pouco tempo, Alex dá de ombros quando nossos olhares se cruzam no espelho do elevador, dando a entender que também não sabe de quem o cara está falando. Estranho isso, mas já que estou na chuva é para me molhar, não é mesmo? O ding do elevador anuncia que chegamos e as portas se abrem para me apresentar um Cícero, que parece um tanto nervoso, elevando minha curiosidade ao nível máximo. — Hei, tá tudo bem? — pergunto quando ele envolve meu corpo com os braços e inala meu perfume ao sugar uma respiração profunda.

— Vocês demoraram, Deus, como eu preciso de você — o desespero na sua voz me deixa mais alerta ainda. — Eu estou aqui, querido, estou aqui. — Dou um passo atrás e seguro seu rosto nas minhas mãos antes de ficar nas pontas dos pés para selar sua boca com a minha. Não é um beijo como os demais que trocamos há pouco menos de uma hora, esse é do tipo que consola e diz que estou aqui por ele e para ele sempre que precisar. — De quem é esse apartamento, Cícero? — Alex pergunta, me fazendo lembrar da sua presença. Meu comandante me puxa para ficar ao seu lado e meu olhar vai em direção à porta que acaba de ser aberta e uma senhora de no máximo cinquenta anos, acho eu, sai de lá e nos fita com olhos lacrimosos, seu olhar fixa-se em Cícero e sinto o corpo dele tensionando e apertando de leve a mão junto ao meu quadril. Ele não precisa me dizer de quem se trata, a semelhança entre eles evidencia isso mais do que tudo, o porte austero, o cabelo castanho, o queixo levemente empinado, típico de quem não aceita ser menosprezado, misturada com uma doçura difícil de ser extinta da expressão, no entanto ele responde a pergunta do amigo com a voz um tanto quanto embargada.

— É da minha mãe, Mariana de Toledo. Os olhos da mulher a nossa frente agora não seguram mais as lágrimas e vejo seus lábios tremerem um pouco mais ao dar um passo à frente e muito lentamente se aproximar de Cícero, que para minha surpresa me solta e completa o espaço entre eles a abraçando e assim como ela desaba num choro como nunca imaginei que veria vindo dele. Alex vem ficar ao meu lado e não deixo de notar que estamos surpresos e comovidos com a cena a nossa frente, pois essa é uma parte da vida de Cícero que não tínhamos esperança que um dia se resolvesse, mas aqui está e creio que a partir daqui tudo ficará bem.

— Você cresceu tanto! — Mariana fala, segurando o meu rosto entre as mãos e sorri com doçura. Não estava preparado para revê-la depois de tantos anos, nos últimos dias, desde que Silvana me falou dela e contou uma nova versão da história, fiquei horas e horas acordado imaginando o que diria quando estivesse frente a frente com ela, mas a verdade foi que fiquei esperando do lado de fora do seu apartamento por mais de meia hora enquanto esperava que Alex seguisse o caminho mais distante possível para trazer Cecília, assim despistaria

qualquer um que estivesse vigiando-a, me dando tempo de chegar sem ser notado. Durante o tempo que esperei sabia que ela estava do outro lado da porta, mas sempre que me aproximei da porta a insegurança me dominou, e se ela não me perdoasse por acreditar no meu pai? E se me dissesse que não queria me ouvir, assim como não deixei que explicasse para mim sua versão dos fatos? Todas essas questões passaram por minha mente e eu acreditei que seria exatamente assim, por isso precisava de Cecília aqui, minha anjademônia, que sem saber me transmite a força necessária para assumir que sou humano e como tal sou frágil e falho. Não imaginei que Mariana estivesse tão ansiosa pelo reencontro quanto eu e receber um abraço dela me fez voltar a ser aquele garoto de treze anos que deixava que ela acariciasse meu cabelo enquanto lia histórias para Luana dormir. — Alguns centímetros a mais — brinco, como faço quando estou nervoso. — Mariana, essa é minha noiva, Cecília, e meu melhor amigo, Alexandre — digo e vou me colocar ao lado da minha garota mais uma vez. — É um prazer conhecê-la, senhora! — Cecília lhe estende a mão com um sorriso tímido nos lábios. — Ah, me chame de Mariana, já somos da mesma família! — Mariana a puxa para um abraço e ao se afastar seus olhos descem para a barriga já evidente da minha anja. — Quando Silvana me contou que eu seria

avó não me contive de tão feliz, venham, entrem, para que possamos conversar melhor. Ela caminha na frente e mantém a porta aberta para que eu, Cecília e Alex entremos, a primeira coisa que notamos é o espaço amplo e bem decorado, noto que o meu gosto não difere muito do dela. Caminhamos até sentarmos no sofá que toma boa parte da sala de estar. — Querem uma água, suco, café? Eu não fico muito em casa, mas meu marido Rogério mantém nossa dispensa abastecida. — Mariana parece um pouco nervosa, assim como eu. — Estamos bem, não se preocupe. — É Cecília que toma a frente e aperta minha mão que treme levemente. — Você casou faz tempo? — a pergunta sai antes que controle minha curiosidade. — Há quinze anos. — Ela senta na poltrona a frente e sorri ao falar do marido. — E tem filhos, digo, com ele? — Não, meu único filho é você! — Eu sabia que você era o filhinho da mamãe no fim das contas — Alex deixa escapar essa piada e ri, mas como ninguém o acompanha logo se recompõe. — Desculpe, escapuliu.

— Não, tudo bem, eu não me importo de ser a mamãe dele. — Por que não teve outros filhos? — Nunca fui do tipo perguntador, mas nesse momento sinto que preciso saber o máximo sobre ela, pois nunca conseguiremos recuperar o tempo perdido. — Desculpe se estiver sendo inconveniente. — Não, de maneira alguma, eu voltei a estudar um pouco tarde e durante anos me dediquei somente a isso, quando conheci Rogério já não era mais uma criança e meu trabalho cobra um bom pedaço do meu tempo, dias assim sem nada para fazer são uma raridade — finaliza com um sorriso e tento devolver, mas a verdade é que estou pensando em quantos anos da vida dela meu pai lhe roubou, sei como uma pessoa com medo pode evitar fazer ou sequer falar algo que cause retaliação do seu opressor. — Cícero me falou que é Delegada da PF e eu acho isso muito incrível. — Os olhos de Cecília brilham e sei que ela vê em Mariana tudo o que a mãe poderia ter sido se não tivesse passado tantos anos sob a influência de Arnoldo. — Sim, eu sempre quis trabalhar com algo assim, mas não é um emprego fácil, porém vocês vieram aqui por um motivo, Silvana não me explicou do que se trata, apenas que era algo grande e que precisavam da minha ajuda, em que posso ser útil?

A forma como ela assume a persona profissional é surpreendente, é uma mudança sutil na sua postura, mas eu noto, nada sobre ela me passa despercebido. Enquanto Cecília conta a sua história desde o princípio, eu olho para a mulher a minha frente notando pequenas semelhanças comigo e me sinto diferente, nunca pensei que me fizesse falta a semelhança com alguém, só agora percebo que sim, existe alguém com quem eu pareço, não em tudo, mas em traços que deixam evidente que ela é minha mãe, como acontece entre Luana e Silvana. — Eu nunca fui com a cara daquele sujeito asqueroso, as vezes que o vi senti que estava do lado de uma cobra pronta para dar o bote — Mariana diz assim que Cecília conta sobre a empresa que herdou da mãe e como Arnoldo convenceu sua mãe a se prostituir para o seu benefício durante anos. — Eu o mataria se tivesse a chance! — Para minha surpresa as palavras vêm de Alex que tem as mãos em punhos e só agora me dou conta que essa parte da história lhe era desconhecida. — Não, existem coisas piores do que a morte para pessoas como ele, não se preocupe — Mariana responde e Cecília respira fundo, balançando a cabeça. — Agora eu estou contando com Raul e a capacidade de ele conseguir os documentos na surdina, mas não deixo de pensar que Arnoldo é sim uma cobra ardilosa e pode se voltar contra nós de alguma forma e ferir as pessoas

que amo. — Suas mãos apertam as minhas e sinto um calafrio percorrer minha espinha ao ouvir isso. — Acha que esse Raul é confiável? — Mariana pergunta. — Eu não confio nele — deixo claro. — Porque tem ciúmes dele! — rebate Cecília com um revirar de olhos. — Mas eu não tenho ciúmes dele e também não confio. — Alex vem ao meu auxílio como sempre. — O que esse Raul teria a ganhar ajudando a você? — Mariana parece estar montando um quebra-cabeça mental. — Prometi que ele ficaria à frente da parte jurídica da empresa quando eu assumisse o controle dela. — Cecília sorri para Mariana que parece estar entendendo algo que deixei passar. — Você acha que ele acreditou? — Não entendo essa pergunta de Mariana. — Sim, ele é ambicioso o suficiente para querer passar a perna no chefe. Agora as coisas começam a fazer sentido, Cecília defendendo Raul de mim no estacionamento não passou de uma jogada dela para fazê-lo acreditar que ela confia nele.

— Filho, essa sua noiva é mais esperta do que esperava, garota, você se daria muito bem na PF. — Espera, eu estou perdido aqui! — Alex vocifera o meu pensamento. — Simples, Alexandro, Raul será o responsável jurídico por uma empresa que não existirá, ela foi conseguida à custa da saúde mental da minha mãe, e pelo que o mesmo me falou Arnoldo a usa para lavar dinheiro das suas falcatruas, aposto que a Polícia Federal adoraria colocar as mãos em um esquema que já dura anos como esse. O sorriso de Cecília é idêntico ao de Mariana e vejo que estou cercado por mulheres brilhantes e tudo que consigo pensar nesse momento é ficar sozinho com a minha mulher e venerá-la por ser tão boa no que faz com todo o meu corpo e coração.

— Lia? — ouço a voz de Sabrina chegar até meu quarto antes mesmo dela colocar a cabeça para dentro. — Oi, entra! — Aceno com a mão e logo ela está sentada com as pernas cruzadas sore a minha cama vendo catálogos de decoração de quartos comigo. — Você vai arrumar o cantinho dela aqui mesmo? — Desvio meus olhos do rosto dela, esconder das minhas amigas tudo que estou vivendo é mais complicado do que eu queria, mas não posso arriscar colocar tudo a perder agora que estamos tão perto. — Não sei ainda, só quero ter alguma ideia do que eu quero fazer nos próximos meses — sou sincera quanto a isso. O tempo tem passado mais rápido do que gostaria, os dias se tornaram semanas e as semanas em mês, um mês e meio para ser exata e a cada dia que não chegamos ao final de tudo fico cada vez mais apreensiva. Raul tem aparecido aqui com certa constância e minha avó faz questão de fingir que ele não existe e resmunga quando ele sai, acho que isso tem mantido Cícero tranquilo de certa forma, saber que ainda é o preferido dela, esses dois não tem jeito, mas até o momento Raul tem mantido sua parte do acordo, quase

sempre traz um documento novo, de forma discreta, que dou um jeito de enviar a Luana através de Alex. Esse é outro que tem se mantido o mais próximo possível, quando não está de plantão fica na casa da tia Vera, o que ela acha maravilhoso, só não sabe que não existe infiltração alguma no apartamento dele. Suspiro ao me dar conta de quantas pessoas estão no escuro e de certa forma envolvidas nisso tudo, tenho medo que no fim tudo isso seja por nada e que tenha perdido um tempo precioso ao lado do meu homem por estar buscando justiça à memória da minha mãe, não que ache que ela não tenha sua parcela de culpa em tudo, só que ainda assim não me sentirei bem e pronta para recomeçar antes que veja Arnoldo perder tudo que sempre amou, o dinheiro, porque amor pelas pessoas ele não sabe o que significa. — Lia, não ouviu nada do que eu disse, não é mesmo? — Olho para Sabrina e coro envergonhada, realmente não ouvi mesmo. — Desculpe, eu tenho me perdido em pensamentos às vezes. — Você sempre fez isso, por isso não me irrito mais. — Sorri e aperta minha mão, mas noto quando de forma discreta ela vira meu braço para que tenha uma visão clara do meu antebraço. — Não estou me cortando há um tempo, Sabrina, pode avisar a Talita, Amanda e Bruna que não voltarei a assustar vocês — falo tentando sorrir,

mas não posso deixar de agradecer por ter pessoas que se preocupam comigo de verdade. — Desculpa, virou um hábito. — Dá de ombros e a puxo para um abraço. — E com você e o bonitão separados, fico com medo que a qualquer momento seja demais para suportar. — Tudo bem, por um tempo foi esse hábito que me manteve longe das lâminas, só que agora minha garotinha precisa de mim, não vou cair em tentação. — Ela se afasta para me olhar e parece acreditar no que eu falei. — Bom, por falar em tentação, a irmã do bonitão está lá em casa com uma senhora que segundo ela organiza eventos, achei estranho que não tenham vindo diretamente para cá... — Ela para e arregala os olhos. — Ah meu Deus e se fosse uma surpresa para você e eu estraguei tudo? Rio da sua expressão, mas por que Luana estaria lá na casa dela e não falando com a minha avó. Se bem que não ouvi vovó faz tempo. — Minha avó está por lá também? — Não, ela saiu com a minha mãe pouco antes de eu vir pra cá. — Estranho para dizer o mínimo. Mas antes que eu comente meu celular toca e estendo a mão para ver o rosto de Luana me fazendo careta na tela, minha cunhada às vezes parece uma criança. Atendo no segundo toque e sua voz animada enche meus

ouvidos. — Cecília, preciso de você aqui na casa de Alex, mas precisa vir sozinha — comanda sem nem dizer oi. — Oi você também, estamos ótimas e plenas — ironizo e ela grunhe do outro lado. — Sem amenidades, é sério! Seu tom deixa claro que não está para brincadeiras, olho para Sabrina pensando como vou sair sem dizer a ela onde estou indo e pior, sem que me siga, já que é a sua casa meu destino, no entanto ela está franzindo o rosto para a tela do seu telefone e antes que eu perceba está em pé me olhando com dúvidas. — Tenho que ir. — Retorce os lábios mudando o peso do corpo de um pé para o outro. — A gente conversa depois, tá bom? Podemos ir à praça comer o pastel do Manoel, ele voltou de Salvador com um cardápio novo e está divino. — Mentira? — Minha boca saliva de imediato, Manoel tem um dos melhores pastéis que já experimentei e os últimos dois anos que não tivemos ele a frente da pastelaria ficou um vazio nas noites de domingo para nossa turma de amigos. — Pois é! — Lambe os lábios e rio ainda mais.

— Então tá. Tento parecer o menos ansiosa para que ela saia possível, a sigo até a porta e vejo ela tomar um rumo diferente da sua casa, aproveito para pegar meu celular e sair para encontrar Luana e esse algo importante que me aguarda. Por sorte a casa da tia Vera fica a apenas três ruas da minha e logo estou apertando a campainha três vezes seguidas, como fazia na adolescência para irritar Alex. — Você cresceu só na barriga, não é Cecília? — Alex diz ao abrir o portão para mim. — Que gentil, Alexandro, sempre um cavalheiro! — Pisco os olhos várias vezes seguidas como as donzelas do cinema mudo. — Onde está Luana? Passo por ele e a encontro sentada no sofá, muito reta e levemente corada e olhando para todos os lugares menos para a entrada, logo algo se acende na minha mente, mas deixo isso para outro momento, pois minha atenção é voltada para a senhora sentada ao seu lado. A

estranha

me

olha

com

uma

expressão

de

surpresa

e

reconhecimento, sua boca se transforma em uma linha fina logo modificando qualquer surpresa que estivesse estampada no seu rosto, ela remexe os ombros antes de ficar em pé e não posso deixar de notar seu porte refinado.

Cabelos presos em um coque elegante, coluna ereta, ombros retos e queixo erguido levemente, tudo isso contrastando com um olhar afiado e uma altivez que exala dela para as demais pessoas. Ela ergue uma sobrancelha ao me observar antes de virar para Luana que se põe de pé para quebrar o silêncio constrangedor. — Cecília, essa é Amália Cardoso Feliciano... — Luana começa a dizer. — Esposa de Arnoldo — complemento e vejo seus olhos confirmarem. — E você é a filha dele — diz e vejo seu desconforto com isso. — Não, ele pode ser meu pai biológico, mas eu nunca serei filha dele. — Com isso um sorriso lento começa a se espalhar pelo seu rosto. — Você é realmente igualzinha a ela. Estreito os olhos para ela e ergo meu queixo antes de fazer a pergunta para a qual já sei a resposta. — Ela seria? — Sua mãe, é claro! — Minha mãe? O que você sabe da minha mãe? Dou mais um passo à frente e encaro Amália Cardoso de frente, se ela acha que vai chegar aqui com todo esse chiquerê e contar mentiras sobre a

minha mãe, está muito enganada, eu vou defendê-la com unhas e dentes e alguns chutes na canela se for o caso. — Acalme-se, criança, não vim aqui falar mal da sua mãe, nem poderia, nas poucas vezes em que a vi fiquei impressionada com a determinação que ela tinha. Olho para Luana que encolhe os ombros e Alex se posiciona ao seu lado, tão espantando quanto eu devo estar parecendo nesse momento. — Cecília, não é? — Amália pergunta e eu balanço a cabeça confirmando. — Sente-se e iremos conversar, se seus amigos puderem nos dar licença, eu ficaria mais à vontade em conversar a sós com você. — Não, o acordo não era esse! — Luana toma a frente e se coloca ao meu lado. — Luana, não vou fazer nenhum mal a Cecília. — Luana, Alex, eu ficarei bem. — Sorrio para tentar passar segurança para eles, acho que dá certo, pois se olham e parecem ter aquela conversa silenciosa que casais têm, isso só reafirma minhas suspeitas. — Tudo bem, vamos estar lá nos fundos se precisar da gente — Alex diz antes de se afastar com Luana que olha para trás a cada passo dado. Caminho até o sofá e espero que comece a falar, ela senta também e retira algo de dentro da sua bolsa e me estende, ao pegar vejo que é uma

fotografia dela com um rapaz. — Esse era Gustavo, meu filho e seu irmão. Olho com mais atenção a fotografia, o rapaz, meu irmão, sorri enquanto segura uma bola de basquete com as duas mãos a frente do corpo, ele parece feliz nela, me custa acreditar que alguém tão jovem tenha morrido sem realizar seus sonhos. — O que aconteceu com ele? — Overdose de heroína. — Ela suspira e mexe os ombros como se o assunto lhe pesasse. — Eu sinto muito. — Sei que sim, ele era a minha luz em meio aos destroços do meu casamento, éramos muito próximos e isso desagradava a Arnoldo, principalmente quando descobriu a sua homossexualidade, há trinta anos isso era praticamente um crime social e aquele verme nunca deixaria que soubessem que tinha um filho afeminado, como ele mesmo gostava de enfatizar. Eu não sei o que falar, se nos dias atuais os homossexuais sofrem, imagino que o meu irmão tenha vivido um verdadeiro inferno na Terra, não me admira que Arnoldo tenha fugido do assunto quando conversamos, ainda sente vergonha, além de tudo é um preconceituoso de merda.

— Eu nem sei o que dizer, parece inconcebível alguém não aceitar a liberdade sexual de outras pessoas, mas sei que existem muitas pessoas assim — tento pôr em palavras um pouco da revolta que sinto. — Sim, infelizmente ainda existem, pelo tempo que Gustavo guardou sua opção sexual para si, Arnoldo fingiu que ela não existia, acredito que até tenha planejado algum casamento conveniente para nosso filho, mas meu menino era um espírito livre e como tal não se deixou amarrar facilmente, até que conheceu alguém que mexeu com ele, eles se apaixonaram e até pretendiam morar juntos quando meu filho fizesse vinte e um, eu os estava ajudando no plano de fuga perfeito, ele iria embora para outro estado e por mais que me doesse ficar longe faria o sacrifício por ele, mas então Arnoldo descobriu e uma noite ao sair de casa Gustavo não voltou, me ligaram do hospital onde eu o encontrei ensanguentado na sala de espera, alguém tinha assassinado o parceiro do meu filho numa suposta tentativa de assalto. — Não! Estou chocada com essa história, um nó começando a se formar na minha garganta com uma vontade de chorar sem igual. — Sim. — Ela respira fundo, segurando com todas as forças as lágrimas também. — A partir dali meu filho foi de mal a pior, para piorar tudo ele descobriu que o meu casamento com o pai era um fachada mantida para a alta sociedade, soube dos casos extraconjugais de Arnoldo e isso foi o

estopim, começou a sumir por dias e quando voltava estava cada vez mais magro e abatido, três meses depois acharam o copo dele junto a uma lixeira nas proximidades da Praça do Ferreira no Centro, a seringa ainda estava enfiada no seu braço, meu garotinho sucumbiu a dor. Não aguento mais, deixo as lágrimas fluírem através do meu rosto, não consigo imaginar a grandeza da dor dela, mas posso sentir a empatia que as mães sentem em solidariedade a dor das outras, Amália também chora e em algum momento nos abraçamos para consolar uma a outra, ela sentindo a perda do filho e eu a morte de um irmão que sequer conheci, mas de quem sempre senti falta todas as vezes que via minhas amigas com seus irmãos mais velhos. — Qua-quando conheceu a minha mãe? — pergunto ao me afastar. — Foi um ano depois da morte de Gustavo, ela apareceu na minha casa certo dia para me dizer que estava com o meu marido e não abriria mão dele, minha resposta foi que se ela o tivesse levado no dia anterior já seriam dois dias, eu já não o via como meu marido há muito tempo. — E o que ela falou? — Não consigo segurar minha curiosidade. — Sua mãe era uma adolescente ainda, a influência do seu pai sobre ela estava bem avançada e creio que ela não acreditou, não a procurei também, pois ainda estava muito abalada e por anos lutei contra depressão.

Foi só alguns anos depois que eu e ela nos encontramos, todo o brilho e vivacidade que ela tinha anos atrás tinha sumido e no lugar ficou uma sombra que obscurecia o olhar dela, senti que ela precisava de ajuda, mas não soube como ajudá-la, apenas lhe indiquei um advogado de confiança para que assegurasse que Arnoldo não sairia com tudo no final, segundo ela me contou, sentiu que seu tempo ao lado dele estava se esgotando, logo ele daria um jeito de conseguir outra para a função que ela desempenhava e temia que fosse você, não compreendi de imediato, mas quando o advogado que lhe ajudou me procurou pouco depois do suicídio dela eu compreendi o suplício que aquela menina vinha passando. — Eu a vi se jogar da sacada, nunca vou conseguir esquecer isso. — Eu lamento muito que tenha passado por isso, Cecília, mas Arnoldo leva destruição com ele para onde quer que vá, por isso que eu vim lhe trazer isso. Ela volta a vasculhar dentro da bolsa e de lá tira um pendrive e me entrega, olho para ele com medo, como se a qualquer momento se transforme num monstro que vai me morder. — O que tem aí? — Todos os registros das transações ilícitas que Arnoldo já fez, de antes dele encontrar sua mãe até os dias atuais.

Não acredito que estou ouvindo isso, tudo que precisamos para acabar com o Arnoldo e pôr um fim nessa separação forçada que Cícero e eu estamos vivendo, além de trazer justiça para a memória da minha mãe e Gustavo. — Por quê? — Porque jurei que um dia conseguiria acabar com ele pelo que fez ao meu filho, só não sabia como fazer, até Silvana entrar em contato comigo e contar sobre você e sua vontade de me conhecer eu apenas acumulava provas, então vi ali minha chance de fazer justiça à memória do meu menino, mesmo depois de tantos anos.

— Alô? — Tento equilibrar o celular entre minha orelha e o ombro ao abrir a porta, minha outra mão está ocupada com as inúmeras sacolas com as coisas que comprei para minha filha, sim, eu saí e passei a manhã inteira escolhendo o que imagino que minha garotinha irá precisar e se isso me faz parecer um maricas não me importo. — Onde você estava que não me atendia? — a voz de Cecília soa irritada do outro lado. Coloco as sacolas sobre o sofá e pego o telefone para conferir o número. — De onde está me ligando? — Isso importa? Droga, Cícero, faz três horas que te ligo e nada. — Parece bem irritada, nos últimos dias ela tem estado cada vez mais aborrecida. — Desculpa, eu estava fazendo compras. — Decido ser relativamente sincero. — Compras? Quer que eu acredite que estava durante as últimas três horas num supermercado? Você pode ser mais criativo que isso, comandante. Até consigo vê-la revirar os olhos desconfiada e não resisto ao seu mau humor e rio, isso a enfurece tanto que desliga na minha cara. Espero por

dez segundos e logo o celular volta a vibrar na minha mão. — Vai me dizer onde estava? — pergunta, mas agora com aquele tom manhoso que me deixa louco. — Só se me disser onde está e de quem diabo é esse telefone. — Jogo o jogo dela. — Estou no Marina Plaza hotel, venha me encontrar — sua voz ganha aquela nuance rouca que me atormenta desde que a conheci. — Só se me garantir que iremos fazer mais coisas do que conversar. — Bom, já estou nua há mais de duas horas. Puta que pariu, isso é tudo que faltava para o meu pau despertar completamente, com passos rápidos viro as costas para as sacolas e tranco a porta, ainda ouvindo seu riso endiabrado, ah minha anja-demônia, você vai pagar por todos esses dias de abstinência que tenho vivido. Dirijo pelos próximos vinte minutos com o coração acelerado, a chance de ficar com Cecília a sós depois de tantos dias em que nos falamos apenas por telefone causa um frenesi no meu sistema nervoso, a cidade passa por mim e sem que perceba já estou estacionando em frente ao hotel que ela me disse. Apenas quando entrego as chaves ao manobrista me dou conta que não sei o número do quarto que ela está, pego o celular novamente e com um

sorriso percebo que na minha afobação não notei a mensagem que ela enviou com "Quarto andar quarto 12". Passo pelo saguão sem notar muita coisa, já no elevador deixo o ar entrar e sair dos meus pulmões para evitar que acabe agindo como a porra de um adolescente tarado, que ao saber que seu flerte com a garota mais bonita da escola deu certo acaba gozando nas calças só de imaginar tocá-la. Porra é o pensamento errado para se ter, meu pau totalmente enrijecido pulsa dentro do meu jeans e gemo aliviado ao sair para o corredor, parando em frente à porta que me foi indicada, ergo a mão para bater, mas percebo que ela abre antes mesmo da minha mão chegar perto, ficando com uma pequena abertura que não me permite ver nada lá dentro, respiro fundo e empurro a porta, vejo suas roupas espalhadas pela antessala que leva ao quarto e logo ouço seu riso vindo de lá. — Siga o caminho, comandante! — diz ainda sorrindo. Fecho a porta e começo a desabotoar minha camisa enquanto caminho em busca da minha mulher, deixo os sapatos na porta do quarto onde encontro minha anja-demônia deitada na cama, usando apenas uma lingerie branca sobre sua pele dourada, a barriga de sete meses já tão evidente a torna a imagem da perfeição, sua cabeça está do lado oposto da cama, o que a permite me ver de um ângulo diferente. Meus olhos também não têm modéstia ao percorrer o seu corpo, meu sangue fervendo em minhas veias e

sinto que vou gozar no instante que um sorriso travesso cruza seus lábios. — Você está muito vestido — diz, ficando de lado, não me passa despercebido como toca o ventre onde nossa garotinha. — E muito lento. Cecília coloca os lábios de lado e ergue uma sobrancelha me desafiando, essa mulher é a minha perdição e salvação, sei disso pela forma como meu coração está prestes a sair fora do meu peito de tão acelerado que está, me aproximo e apoiando minhas mãos ao lado da sua cabeça desço meus lábios de encontro aos seus, suas mãos logo estão em meus cabelos me puxando para cada vez mais perto e exploro cada cantinho secreto da sua boca da forma como sei que ela gosta. — Senti sua falta — falo ao afastar meus lábios dos seus e descê-los até sua barriga muito redonda. — Também senti e não disse que poderia parar de me beijar. Vira-se até que está sentada de frente para mim, seus olhos descem pelo meu tronco exposto com aquele brilho faminto deixando o castanho ainda mais escuro. — Não me olhe assim, estou me segurando para não foder você com força, mas se continuar não vou me segurar. — Não quero que se segure, quero com força, com mordidas e beliscões, igual a nossa primeira vez.

Sua voz rouca é a gasolina que faltava para a explosão do meu autocontrole, abro minha calça jeans e a retiro junto com a cueca boxer sob o seu olhar faminto, o grunhido dela em apreciação ao ver meu pau ereto e pronto para fodê-la me deixa louco. Subo na cama e sento sobre as minhas pernas para que possa ter meu tempo com ela. — Agora é você quem está vestida demais. — Passo o dorso da minha mão sobre a renda, estimulando-a, e o gemido dela é o meu deleite. — Não seja malvado, comandante. — Xiiiii, você foi uma garota muito malvada — falo me aproximando do seu ouvido. — Agora vai fazer tudo que eu disser, está me ouvindo? — Mordisco o lóbulo da sua orelha e seu corpo responde com um espasmo. — SIMMMMMM — responde sem fôlego. — Boa menina, agora fique de joelhos. — Ela obedece imediatamente. — Afaste as pernas e sente sobre elas e coloque suas mãos pra trás. Ela sorri e morde o lábio, engulo em seco tentando me concentrar em fazer a coisa devagar e de forma a lhe recompensar pelo tempo que ficamos separados. Volto a beijá-la enquanto desabotoo seu sutiã que tem o fecho na frente, assim que o abro seus seios, maiores e mais pesados devido à gravidez, saltam entumecidos, seus bicos estão com um tom de chocolate

tentador, solto seus lábios e prendo suas mãos atrás usando sua peça íntima, ela ri, mas para assim que minha boca toma seu seio direito entre meus lábios, seguro seu corpo com um braço e desço minha outra mão em direção a sua calcinha, posso sentir sua umidade através do tecido e ela joga a cabeça para trás assim que meus dedos ultrapassam o limite, tocando seu clitóris que já pulsa. — Está tão pronta para mim que chega a ser difícil não a foder agora mesmo. — Me foda, por favor? — ela pede e sorrio junto a sua pele. — Tenha paciência, minha demônia! Abocanho seu mamilo e adentro sua boceta com dois dedos, a palma da minha mão tocando seu clitóris a cada movimento que faço dentro dela, sua boceta sugando meus dedos cada vez mais rápido e quando noto que vai explodir em um orgasmo solto seu seio e tomo sua boca, minha língua imitando o movimento dos meus dedos, dois segundos depois sinto suas paredes internas apertando meus dedos com força e um grito sai dos seus lábios. Continuo masturbando-a até sentir seu corpo diminuir o tremor. A ajudo a ficar de pé e retiro sua calcinha, fazendo-a ficar sentada no início da cama antes de ficar de joelhos e cair de boca na sua boceta rosada que me convida a provar do melhor dos sabores.

Cecília segura o peso do corpo meio desajeitada e ergue o quadril para rebolar na minha boca, causando a fricção que sei que vai levá-la a um novo orgasmo muito em breve, aperto um dos seus seios e dedilho a sua entrada úmida ao mesmo tempo que sugo seu clitóris com meus lábios como se estivesse chupando sua língua, seu corpo treme e eu paro antes que goze mais uma vez, a puxo e tomo seu lugar na cama e puxo seu corpo para mim, de costas faço com que desça sua boceta sobre o meu pau que pulsa esperando esse momento. Nossos sexos se encaixam completamente devido a posição, sua bunda empina quando ela se inclina e vira o rosto para me ver, aquele olhar de pura malícia só dela cruzando seus olhos e um sorriso travesso estampado nos seus lábios. — Você adora ver minha bunda, não é? — pergunta e ergue um pouco as mãos, entendo o que quer e seguro-as para que ela possa se inclinar um pouco mais. — Vou gostar ainda mais quando tiver meu cacete enterrado nesse cuzinho pela primeira vez — respondo erguendo meu quadril, a penetrando ainda mais fundo. — Meu cu não está em jogo, comandante. — Ri alto e ergue o quadril até quase tirar meu pau totalmente de dentro da sua boceta e volta sentando de uma vez, tirando meu fôlego.

— PUTA QUE PARIU! Eu vou fodê-la como você quer, minha putinha! — Ergo seu corpo e solto suas mãos, ela ri adorando ter me tirado o controle, mas foda-se, preciso disso. — Segure na cama. Puxo seu quadril para mim e entro nela com uma única estocada, seu corpo treme e sua boceta aperta o meu pau, repito o movimento mais duas outras vezes antes de pegar o ritmo, entro e saio dela sentindo suas entranhas me apertarem mais e mais. Quando sinto que seu orgasmo está chegando toco seu clitóris e onde nossos corpos se conectam, pegando um pouco da sua umidade, retiro meu pau até que reste apenas a ponta, deixo minha mão sobre sua bunda de forma estratégica e espero, quando ela impaciente empurra o quadril para mim, adentro sua boceta com tudo ao mesmo tempo que o meu dedo entra no seu cuzinho que o recebe faminto e o fodo imitando os movimentos que faço com o meu cacete. — PORRA! — ela grita quando seu corpo todo treme e explode em um orgasmo intenso puxando-me junto para esse mundo de fogos de artifícios que explodem por todos os lados.

— Vai me contar de onde saiu toda essa tara? — pergunto, deslizando minhas mãos sobre seu ventre. Estamos na banheira da suíte do hotel, foi um pedido dela que ficássemos um tempo assim, só curtindo a companhia um do outro. — Se eu disser que foram os hormônios, você acredita? — Ela ri e se vira para me olhar, ficando sentada a minha frente. — Sim, mas não acho que foi apenas isso, você estava muito firme da decisão de ficarmos afastados até tudo se resolver. — Ergo uma sobrancelha a questionando e o sorriso dela se alarga ainda mais, aquele olhar de "Eu sei de algo que você não sabe!" estampado no seu rosto. — Bom, se estamos aqui em plena luz do dia é por que não precisamos mais esconder nada. — Dá de ombros como se isso não fosse nada demais. — Como assim? Raul conseguiu reunir as provas contra Arnoldo? — Não, Raul não é mais necessário, pode ficar tranquilo. — Ela abre um sorriso imenso. — Eu não estou entendendo... — Amália Cardoso me procurou e entregou um pendrive contendo toda a informação que precisamos para colocar aquele crápula na cadeia. A sua mãe já deve tê-lo recebido nesse momento, não há mais o que temer, ele

perdeu! Eu custo um pouco a acreditar que tudo acabou e enfim poderemos viver nossa vida sem medo, quando a realidade bate, puxo minha mulher para junto de mim e beijo seus lábios com vontade, rimos feito crianças quando o movimento faz com que a água da banheira transborde molhando todo o piso e não nos importamos, estamos felizes demais e tudo que queremos é comemorar.

Existe algo reconfortante na calmaria depois de uma grande tempestade, é assim que me sinto ao estacionar em frente ao portão da casa onde minha anja-demônia mora com sua avó, olho para o lado e vejo seu rosto sereno enquanto cochila, não quero acordá-la ainda e estourar nossa bolha de felicidade, foi a melhor tarde que tive em muito tempo, poder estar com ela sem medo e saber que tudo que vivemos não foi em vão renovou minhas forças, se não tivesse que trabalhar passaria a noite aqui com ela e dormiria com meu corpo colado ao seu, se bem que dormir e Cecília não se encaixam na minha cabeça, meu corpo sempre quer mais e mais dela. Como

agora que preciso ajeitar o meu pau que lateja imprensado na costura do jeans só em pensar em ter o corpo da minha mulher colado ao meu. Acaricio o seu rosto antes que meu lado selvagem tome conta e eu volte com ela para aquele quarto de hotel e eu possa explorar suas novas curvas, nunca pensei que uma mulher grávida me deixaria com tanto tesão como estou agora, mas não é o fato de ser qualquer mulher, é por ser ELA, a minha anja-demônia que agora me olha com esses olhos escuros sonolentos e um sorriso travesso surgindo nos lábios. — Você tá com cara de quem está pensando sacanagem — diz, abrindo ainda mais o sorriso. — É porque perto de você eu estou sempre pensando na próxima sacanagem que vamos fazer — falo, aproximando meu rosto do seu, deixando nossas bocas a alguns centímetros. — Eu gosto de você pensando sacanagem! — Ela cruza o espaço e cola sua boca na minha, sugando meu lábio inferior e não controlo o rugido animalesco que me sobe pela garganta. — Se continuar fazendo isso eu vou acabar fodendo você aqui mesmo. — Grunho, colando minha testa na sua. Minha mão vai subindo a barra do seu vestido enquanto a outra prende sua cabeça no lugar, ela suga uma respiração com força quando meus

dedos atingem o meio das suas pernas, não faço nenhum movimento, apenas a mantenho ali para lhe torturar. — Você me deve mesmo uma foda num carro, comandante — diz, mexendo o quadril para causar atrito. — Não lembro de nada disso. — Afasto um pouco minha mão e ela grunhe irritada. — Eu lembro bem da noite que você empatou a minha foda com Raul e aquela ruiva peituda, depois Alex passou mal e você me fez gozar aqui nesse mesmo banco, mas depois me levou para casa, se não tivesse feito valer no dia seguinte eu iria matá-lo por aquilo, foi uma noite bem difícil de dormir. Volta a colar nossas bocas e morder meu lábio arrancando de mim a vontade de torturá-la, deixo minha mão descer pela sua perna e acaricio sua boceta por cima da calcinha, sinto sua umidade aumentar consideravelmente e junto com os movimentos do seu quadril, ela tira o cinto e se inclina um pouco mais na minha direção, meu pau pulsa com desejo de estar dentro dela, mas no carro já não é confortável, com uma mulher grávida então. — Acho melhor entrarmos antes que alguém apareça e nos pegue aqui. — Recobro um pouco da minha sanidade. — E o seu trabalho, não tem que passar em casa pra pegar o

uniforme? — pergunta sem fôlego. — Tenho um reserva no meu armário de lá, não vou sair daqui sem te foder, nem fodendo! Ela me dá um sorriso largo e abre a porta para sair, nem mesmo espera por mim, saio e a abraço por trás enquanto abre o portão, mordo seu pescoço e ela ri daquele jeito rouco que me enlouquece. Passamos pelo pequeno portão e vejo seu carro estacionado ali, ainda bem que ela parece ter decidido aposentar essa lata velha, só não posso falar isso em voz alta ou terei problemas. — Não faça barulho, vovó deve estar descansando. — Dá uma risadinha e pisca um olho. Balanço a cabeça e a sigo para dentro de casa, não há sinal de dona Clarisse em lugar nenhum, olho para o meu relógio e vejo que estamos nos aproximando das sete da noite, será que é costume dela dormir até a hora do jantar? Eu não acho que isso pareça com algo que ela faça, não parece a senhora dura na queda que eu conheci. — Vó, está aí? — Cecilia bate na porta do quarto da avó, mas não recebemos resposta. — Ela não saiu para alguma coisa da igreja? — pergunto e ela franze a testa pensando, dá de ombros e pega o telefone da bolsa.

— Não lembro dela ter mencionado nada... — diz, discando o telefone da avó. Espero junto com ela enquanto o telefone chama, bate o pé impaciente até que seu olhar suaviza. — Vó, onde a senhora está a essa hora? — pergunta antes de voltar a franzir a testa em choque. — Quem é você e onde está a minha avó? O que fez com ela? Sua mão treme e vejo ela segurar no balcão em um passo irregular, meu instinto entra em alerta e me aproximo segurando-a e pegando o telefone. — Quem está falando? — pergunto com raiva. — Ora, vejam só se não é o bastardinho do Duarte. Reconheço essa voz, o mesmo tom debochado e a superioridade de Arnoldo se faz visível nela, seria impossível não saber que é ele do outro lado. — Onde está dona Clarisse? — exijo saber. — Onde está o pendrive que Amália deu para essa ingrata que é minha filha? — rebate. — Eu juro que se fizer alguma coisa com ela eu... — Vai fazer o quê? Não tenho medo de você, seu bastardo filho da

puta, vocês têm duas horas para me entregarem o que quero ou receberão a vovozinha em pedaços que nem o Lobo Mau deveria ter feito na história da Chapeuzinho Vermelho — diz e ri da própria piada. — Eu vou matar você se tocar nela, está me ouvindo? EU. MATO. VOCÊ! — digo entre dentes sentindo toda a verdade por trás das minhas palavras. — Guarde sua macheza, em duas horas alguém irá buscar a minha filha, ah e se quiser vir é bem-vindo a festa, mas se eu perceber que a puta da sua mãe ou qualquer outra pessoa, ou a polícia foi avisada, corto a garganta dessa velha maldita, está me entendendo? — Não respondo. Ele espera por uma resposta minha, mas não terá, olho para Cecília e vejo as lágrimas correrem soltas pelos seus olhos, ela me olha e dentro de mim o instinto protetor fala muito mais alto, não deixarei que aquele monstro chegue perto da minha mulher ou da minha filha. — Eu vou, Cecília fica, é isso ou nada! — A cabeça de Cecília balança de um lado ao outro, mas apenas a puxo para junto de mim. — Que seja, não me importo se vou matar você na frente dela ou não, mas saiba que tenho alguém de olho para garantir que não faça nenhuma bobagem, se ousar me enganar ela também irá sofrer as consequências e a criança que ela espera também. Duas horas, Duarte.

Ele desliga e eu deixo o telefone cair no balcão para que possa abraçar a minha mulher o máximo que eu puder.

— Por favor, não vá? — peço me agarrando a Cícero, achando que ceder à chantagem de Arnoldo é uma loucura completa, mas ao mesmo tempo temo pela minha avó lá nas mãos daquele monstro. — Eu preciso, sua avó está precisando de nós e prometo trazê-la de volta sã e salva. — Mas e você? Ele não vai deixá-lo sair de lá ileso, te odeia como a ninguém mais, irei enlouquecer enquanto espero — tento mostrar como fazer a escolha entre ele e a minha avó é impossível, seus braços me apertam um pouco mais e sinto a tensão que emana dele. — Eu ficarei bem, desde que saiba que você e nossa filha estarão seguras aqui me esperando. Por favor, não faça nenhuma besteira, minha anja justiceira, terei mais chances de ser bem sucedido se não estiver preocupado com vocês. Aperto os olhos com força e balanço a cabeça, as palavras não conseguindo ultrapassar o nó que se formou na minha garganta, estava tudo bom demais para ser verdade, a visita de Amália, as provas que nos tiravam

dessa grande confusão, nossa tarde perfeita e enfim a justiça a memória da minha mãe e de Gustavo, o irmão que nunca conheci, eu deveria imaginar que isso não duraria muito tempo, o bicho papão estava à espreita como sempre. — Cecília, preciso que me prometa, Alex e Luana chegarão aqui a qualquer momento para ficar com você, mas quero ouvir da sua boca que se manterá em segurança até que eu volte. — Ele está me pedindo muito mais do que acho ser possível. Ergo minha cabeça que é segura pela suas mãos e sou atingida por todo o amor que está visível no azul profundo dos seus olhos, minha respiração fica presa por alguns instantes e me ponho nas pontas dos pés para colar minha boca na sua, como esperado ele corresponde de imediato e não há urgência ou o desejo intenso nesse beijo, há o reconhecimento de dois corações que batem no mesmo ritmo e nesse momento falam um pro outro que não importa o que aconteça, nos amamos e esse sentimento nos torna mais fortes e indestrutíveis. — Eu prometo — digo com nossas testas coladas, seu sorriso triste faz meu coração apertar um pouco e junto com isso sinto uma fisgada no centro das minhas costas. — O que foi? — Me encolho levemente e Cícero percebe, balanço a cabeça e tento sorrir apesar de ainda sentir resquícios da dor.

— Só estou preocupada, é muito para absorver, Cícero — meu argumento parece que o convence, pois me puxa em direção ao sofá onde me faz sentar no seu colo e ficamos assim até que a campainha toca e sei que se trata da irmã dele e Alex. Cícero levanta para abrir a porta para eles e logo é abraçado por ambos, vejo quando Alex entrega a ele o pendrive que Amália me entregou hoje cedo e me encolho com a possibilidade do plano que eles e Mariana bolaram em tão pouco tempo dar errado, é a vida do homem que eu amo e da minha avó que estão em jogo, não tem como ficar calma e sorrir como se nada estivesse acontecendo. Tudo piora ainda mais ao ouvir seu telefone tocando e ele atender olhando para mim com olhos vidrados. — Certo, estou indo pra aí. — Desliga e caminha até onde estou, fico em pé e jogo meus braços em volta dele. — Ainda dá tempo de me levar junto, por favor — choramingo e as lágrimas voltam a banhar meu rosto, agora com mais força. — Eu te levo no meu coração, meu amor, vou ficar bem, tenha fé que logo estarei de volta para vocês. Ele agacha, toca minha barriga e conversa com nossa filha que se mexe como se estivesse entendendo tudo, mas o movimento cessa quando outra fisgada me atinge em cheio.

— Eu volto logo! — diz beijando meus lábios mais uma vez, agora com a urgência típica dos nossos beijos. — Eu te amo, Cecília, muito! — Eu também te amo muito, muito, volte para mim, comandante, por favor! — Volto a beijar seus lábios em meio às lágrimas e o abraço apertado. Ficamos assim por alguns instantes até que não podemos mais prolongar o inevitável, com um beijo em minha testa e um selinho nos meus lábios eu assisto ao amor da minha vida sair ao resgate da minha avó e nunca meu coração doeu tanto como nesse instante, fecho os olhos e abraço o meu corpo, chorando baixinho. Luana e Alex entram em ação ligando para todas as pessoas envolvidas nisso e eu me deixo sentar mais uma vez por estar com as pernas bambas demais. Os minutos, ou talvez sejam as horas, passam e eu tento me acalmar, em algum momento uma xícara de chá é colocada em minhas mãos e eu tomo, mas não sei quem me entregou, apenas bebo agradecida por não estar sozinha. Acho que tinha algum medicamento nele já que me deixo deitar no sofá e adormeço cansada pelo choro, acordando apenas quando uma dor com maior intensidade atinge toda a minha coluna e se espalha pela cintura como se estivesse partindo meu corpo ao meio, me encolho tentando fazê-la diminuir de alguma forma. — Hey, vai ficar tudo bem. — Luana agacha ao meu lado, entendendo erroneamente o motivo de estar agindo assim.

— Não é isso — digo entre dentes. — E o que é então? — Alex pergunta, se aproximando. — Acho que estou entrando em trabalho de parto, minha filha vai nascer. — Olho para eles desesperada. — Cícero não vai estar presente. — Tem certeza disso, Lia? Você está com menos de oito meses! — Luana vocifera meus pensamentos, é cedo demais para isso acontecer. — Eu não sei, AIIIIIII — grito, sentindo mais uma contração atingir meu corpo, elas estão diminuindo o intervalo, isso é ruim. — Não vamos ficar aqui analisando isso, vamos pro hospital, de lá tentaremos localizar... Todo mundo — Alex diz já pegando as chaves do carro. Luana me ajuda a levantar e pega minha bolsa na mesinha antes de me guiar para fora de casa. Um gelo frio se espalha pelas minhas veias ao me dar conta que tudo que já está ruim pode piorar enormemente.

Fecho meus olhos e tento ouvir alguma coisa fora do carro que Arnoldo enviou para me pegar a duas quadras da casa da minha mulher e que está parado há pelo menos meia hora. Como imaginei, os capangas pausmandado dele fizeram questão de me esmurrar depois de me algemar e cobrir minha cabeça com uma espécie de saco de tecido, depois me jogaram no porta-malas do carro e rodaram por mais de quarenta minutos até chegarmos aqui, seja onde for que estamos. Testo a resistência das algemas que prendem os meus pulsos, o metal fere minha pele a cada vez que movimento minhas mãos dentro delas, o espaço que estou é pequeno, mas nesse instante isso é oportuno, antes de entrar na CIOPAER passei por todos os níveis de treinamento da Polícia Militar e sempre ando com uma chave de algema extra na minha carteira, e o covarde que me bateu não a tirou de mim, me remexo até alcançá-la no meu bolso esquerdo, retirar a chave do bolsinho interno com zíper é outra história, agora já sinto o sangue brotando onde o metal cortou a minha pele, travo meu queixo e tento não pensar na dor, existem piores. Quando minhas mãos já estão pegajosas do sangue por tanto esforço, enfim consigo abrir o bendito zíper que cismou em emperrar justo hoje, retiro

a pequena chave de lá, mas não chego a abrir as algemas, ouço passos se aproximando do carro e rapidamente guardo no meu bolso traseiro para usála logo que tenha uma oportunidade. O porta-malas é aberto e logo sinto braços me tirando de dentro dele, sem nenhum cuidado, é claro, sou praticamente arrastado para sei lá aonde e posto sentado em uma cadeira, só agora o saco é retirado da minha cabeça me permitindo ver que estamos em uma garagem subterrânea. — Bem-vindo a nossa reunião, herói de meia tigela — a voz de Arnoldo vem de trás de mim, não me viro para olhá-lo, não lhe darei nenhuma satisfação, ainda. — Espero que os meus rapazes não tenham machucado muito o seu rosto, não queremos as fotos com você todo inchado, não é mesmo? Mas antes, deixe-me dizer como fico feliz por não ter tentado me enganar trazendo um pendrive falso. Ele se posiciona na minha frente e me olha com um sorriso debochado cruzando seu rosto, me mantenho com cara de tédio, sei que isso irrita bastante e para um falastrão como ele, deve ser ainda pior. — O que eu pensei que faria, já que foi treinado para não ceder à exigência num caso de sequestro, não é mesmo, ou não deu tempo de fazer essa aula antes do seu pai mexer uns pauzinhos para você ser indicado ao CIOPAER. Ele cita o meu pai tentando me fazer entrar na sua pilha, mas esse é

um assunto já resolvido para mim, soube no instante que a minha nomeação e de Alex veio para subirmos de patente, mesmo com tão pouco tempo na Polícia Militar, que ali tinha dedo do meu pai e anos depois Silvana me confirmou que ele cobrou favores antigos das pessoas certas, se eu tinha decidido seguir outro caminho, por enquanto, ele faria de tudo para que logo atingisse meu objetivo maior, supondo que eu fosse me desinteressar com o tempo e voltasse a assumir os negócios da família. Só que Arnoldo não sabe que eu sei disso, o que me ajuda a me manter ainda mais sem expressão diante dele. — Que foi, não te irrita saber que se hoje você brinca de pilotar é graças ao seu pai? Não respondo sua provocação, principalmente por notar que o irrita ainda mais com isso. — Onde está dona Clarisse? — pergunto sem emoção alguma na voz. — Ah, ainda não chegou a hora de trazer a bruxa velha para nossa reunião. Ele pega a cadeira que está na minha frente e senta, me olhando como se estivesse tentando desvendar o segredo do universo na minha expressão que não se altera. Os capangas dele se afastam quando o mesmo faz sinal com a cabeça indicando que devem sair, isso me dá a oportunidade que

esperava, esse é o momento da distração, e aproveito para remexer meu ombros e ergo meu tronco sutilmente para permitir que minhas mãos cheguem na altura do bolso. — Por que foi atrás dela, então. Pensei que me faria ver como você a odeia e blá, blá, blá — falo, revirando os olhos menosprezando-o. — Porque ela é uma pedra no meu sapato há tempo demais e se tudo der certo hoje, aquela velha não será mais problema, até minha filha vai sentir alívio quando não a tiver mais azucrinando seus ouvidos, claro que primeiro vai vir aquela fase de luto onde vou ser o bicho papão escondido no armário, mas quando o tempo passar e ela estiver assumindo o lugar que lhe é de direito, vai ver que fiz o melhor por nós. Ele só pode estar frescando com a minha cara ou tomou água sanitária no lugar de café, é uma sandice sem tamanho o que está dizendo, achar que Cecília irá algum dia ficar feliz se a avó que tanto ama for tirada dela assim é realmente não ter ideia da personalidade forte que a filha tem, mas como ele poderia saber de algo se após a morte da mãe dela ficou o mais distante possível, voltando a vida dela apenas quando o nosso casamento ameaçou tirar das suas mãos o fruto de anos de falcatruas suas? — Cecília nunca vai perdoar você se machucar a vó dela, sabe disse, não é mesmo? — argumento, mas sabendo que não adiantará muita coisa.

— Mas quem disse que serei eu a machucá-la? Não vou tocar sequer num único fio de cabelo dela, já o merdinha que tentou me trair, ah, esse levará toda culpa no fim das contas. Alfredo, Leonardo, tragam nossos convidados. Ele grita para o que imagino serem seus capangas e não demora para que passos se façam ouvir atrás de mim. Quando dona Clarisse entra no meu campo de visão, respiro aliviado por ver que ela não está ferida e o capanga que a acompanha a trata com o mínimo de respeito possível, ele traz em uma das mãos uma cadeira dobrável e a abre para que ela sente em frente a mim. E para minha surpresa, logo em seguida vejo Raul sendo empurrado por outro capanga, ele manca um pouco como se a perna estivesse bastante machucada, a careta que faz a cada passo me dá essa percepção. — Veja se meu plano não está simplesmente perfeito, Raul, o ingrato que decidiu me trair, descobriu que Cecília não ia casar com ele porra nenhuma e enlouqueceu, sequestrou a pobre velha bruxa e você, mas quando eu descobri tudo e vim em socorro dos dois ele os matou e claro, meu amigo Alfredo aqui, que é um militar da reserva, atirou nele, ou seja, uma tragédia enorme. Arnoldo conta o seu plano como se alguém fosse acreditar em algo que ele fala, dona Clarisse revira os olhos e, assim como eu, faz cara de enfado com o que ele fala.

— O que foi, bruxa? Não acha que dará certo? — se dirige a ela sem nenhum respeito. — Claro que não, você é burro demais para fazer algo certo. — Ela o desafia a contestá-la e vejo os punhos dele se fecharem, me remexo para abrir minhas algemas, mas não posso dar bandeira do que eu estou fazendo. — Você verá quem é burro, velha bruxa, chegou o dia que vou enfim tirar você de jogada. — Arnoldo praticamente espuma em direção a ela, que se mantém impassível como se não fosse com ela a conversa. — Disse o homem que deixou a amante o enganar e preferiu morrer a deixar que vencesse, você deve se corroer por dentro toda vez que lembra que minha Luciana foi mais esperta, que as vezes que a fez se prostituir em troca de algo que aqueles homens tinham a oferecer ela se assegurava de que não tivesse como colocar as mãos em nada que ganhasse na troca imunda, ah como eu fiquei orgulhosa da minha filha quando o advogado me procurou e disse que você não poderia fazer nada com a empresa da Lia, que todo rendimento iria para uma conta que não teria acesso e receberia somente os honorários devidos pelo trabalho, e sendo você o imbecil que é, continuou fazendo a empresa crescer achando que voltaria a vida da minha neta depois de anos e ela o receberia de braços abertos, é tão burro que vai se afogar na sua própria burrice. Até eu fico admirado com a coragem da senhora diante de mim, dá

para notar de quem minha anja herdou toda aquela brabeza e altivez. Arnoldo, mesmo não muito satisfeito com o que ela disse, tenta mostrar que não se abalou nem um pouco, mas a tensão no seu corpo deixa claro que não é bem assim, está fervendo por dentro. — Você não passa de uma velha gagá que não sabe porra nenhuma da vida, acha que viver se resume a ir à igreja e fazer tricô, como disse, alguém desnecessário para estar na vida da minha filha, chegou a hora dela assumir seu lugar e me aceitar como pai dela, o que não aconteceria com você buzinando balelas nos ouvidos dela. E agora que ela não terá mais nenhum de vocês por perto, restará apenas o papai. Diga-me, Raul, valeu a pena me trair? Dona Clarisse me olha por um instante e vejo aquela ferocidade típica das mulheres Fernandes nos seus olhos, Arnoldo se vira para encarar Raul que permanece em pé ladeado por dois capangas, ele vez ou outra emite um gemido e apesar de não ir muito com as fuças dele me apiedo da sua dor, foi um peão no jogo desse verme e agora que não tem mais serventia será descartado facilmente. Aproveito que a atenção de todos está em outras pessoas e começo a destravar minhas algemas, dona Clarisse nota meu movimento e balança sutilmente a cabeça, me incentivando continuar. — Você é um Zé ruela mesmo! — dona Clarisse o insulta. — Está depositando suas fichas em algo fictício, acha mesmo que alguém influencia Cecília nas decisões dela? Se achou isso, é mais burro do que eu pensei.

— JÁ CHEGA, SUA BRUXA! — Arnoldo gira enfurecido, seu corpo todo treme e até seus capangas o olham estarrecidos, dona Clarisse conseguiu mesmo tirá-lo do sério. — Você vai engolir cada um desses insultos e diferente do que falei vou cuidar para que sinta muita dor antes de morrer, Alfredo, me dê sua arma? — Senhor, tem certeza? — Vá, cabra, dê logo essa porcaria de arma pra esse embuste, duvido que tenha coragem, não passa de um covarde que usa as pessoas — dona Clarisse continua e vejo a cor de Arnoldo chegar ao vermelho máximo. Os olhos do capanga aumentam de tamanho, eles vão de Arnoldo para a senhora sentada tranquilamente, acho que qualquer pessoa tentaria evitar que algo ruim acontecesse com ela, o que será que falou para ele enquanto estavam longe daqui? Vai saber. Não perco tempo ficando chocado com nada, aproveito o rompante de Arnoldo e destravo as algemas, olho para Raul esperando que ele me responda o olhar para lhe dizer o que pretendo fazer antes que seja tarde. Quando acontece o momento parece durar uma eternidade, mas eu sei que isso é a adrenalina tornando tudo estendido, quando na verdade não são mais do que segundos entre um acontecimento e outro. Raul me olha e com o leve inclinar de cabeça aponto para a arma que Alfredo começa a estender para Arnoldo com uma mão um tanto trêmula, é a

nossa chance, ele compreende e tensiona o corpo se preparando, retiro as algemas ao mesmo tempo que balanço a cabeça indicando que é o exato momento de reagir. Raul se joga para frente com as mãos puxando os dois capangas do lado dele, eu me levanto em um salto pegando Arnoldo e Alfredo de surpresa quando retiro a arma da mão do capanga, o socando com o cotovelo em seguida, aponto para Arnoldo e atiro na sua perna o fazendo cair com um grito alto e escuto dois novos disparos, minha atenção se volta para a massa de corpo que é Raul e os dois capangas e vejo o sangue começando a se espalhar de Raul e do outro capanga. — Dona Clarisse, corra! — grito antes de mirar no capanga que tem a cabeça do pobre Raul na mira, atiro no seu ombro o deslocando e viro a tempo de ver Alfredo partir em direção a dona Clarisse. Aponto na sua direção, mas antes que puxe o gatilho ele cai de joelhos, olho para o lado e vejo Raul meio caído, meio de lado com uma arma em punho, ele acaba de salvar a vida da avó de Cecília, um segundo depois a arma cai no chão, bem no instante que as portas do elevador, que eu sequer notei ter ali, se abrem e vários policiais adentram o espaço a nossa volta. A arma na minha mão cai no instante que vejo a minha mãe surgir na minha frente, seu rosto com vincos fortes de preocupação que se desfazem quando me vê e logo seus braços estão ao meu redor, enquanto seus homens tomam de conta das demais pessoas.

— Eu nunca senti tanto medo como agora! — Mariana diz ao se afastar para me ver melhor. — Eu estou bem, não se preocupe. — Sorrio para ela, a adrenalina ainda correndo firme em minhas veias. Ouço um gemido e viro na direção de onde ele vem, é Raul sendo examinado por um policial, ele faz uma careta e me sinto impelido a ir até onde ele está. — Raul! — Me agacho ao seu lado segurando a mão que ele me estende. — Se eu não... — Tosse, fazendo mais sangue jorrar da ferida em seu peito. — Diga a Lia que sinto muito. — Você é quem vai dizer, cara, foi um herói, precisa ficar bem ou ela vai te matar novamente! — brinco e um sorriso fraco surge nos seus lábios. — Claro! Uma equipe de socorristas entra no ambiente e o primeiro a ser atendido é Raul, aproveito para ir de encontro à dona Clarisse que briga com um policial que insiste para que ela vá até os paramédicos para verificar seus sinais, mas essa senhora é durona, não vai dar mole. — A senhora precisa ser examinada. — Pra quê? Não levei tiro, não bati a cabeça, nem tomei porrada. Tô

vendendo saúde, aqui, ele precisa ser examinado, olha os pulsos desse garoto! — Ela parece horrorizada com o corte em volta dos meus pulsos. — Estou bem também, Raul foi o mais ferido do nosso lado. — Sim, o caboré pau mandado se redimiu — diz sem muita emoção na voz, me preocupo que tudo isso a afete posteriormente. — Os dois precisam ver um paramédico, faz parte dos procedimentos — insiste o policial, mas antes que eu tente convencer dona Clarisse de algo, minha mãe volta até onde estamos. — Cícero, sua noiva deu entrada no pronto socorro em um possível trabalho de parto, se quiser ver sua filha nascendo é melhor se apressar. Meu coração dispara e para de bater ao mesmo tempo, é cedo demais, não está na hora da minha garotinha vir ainda, nem escolhemos seu nome. Antes que o desespero tome conta de mim me concentro, pois se isso irá acontecer, eu preciso estar lá com minha mulher, minha anja-demônia não passará por isso sozinha, nunca.

Alex para o carro em frente ao Hospital São Camilo Cura D'ars no momento exato que uma contração inacreditavelmente forte me atinge, aperto os lábios com força para não gritar, Luana me olha nervosa enquanto tenta mais uma vez falar com Cícero, mas o celular dele dá como desligado ou fora de área. O desespero misturado com as dores que sinto me levam ao limite, as lágrimas rolam pelo meu rosto e um soluço rebelde me escapa. — Lia, seu médico já está chegando, a minha mãe e as garotas já estão também a caminho, respira fundo, vai dar tudo certo — Alex tenta me tranquilizar e rolo os olhos mesmo com tudo que estou sentindo física e emocionalmente falando. — Pare de falar tanto e vá procurar ajuda, não vê que ela está com dor? — Luana berra com ele e se não fosse tudo que está acontecendo eu estaria rindo da cara dele. Pouquíssimo tempo depois de sair do carro, Alex volta acompanhado por dois enfermeiros que me ajudam a sair e sentar na cadeira de rodas. A procissão me segue até a recepção, onde Luana se encarrega de fazer minha ficha enquanto eu sou levada para a sala de triagem, respondo as perguntas que me são feitas e graças a Deus não estou com a pressão arterial elevada,

dos males o menor, mas antes que termine essa parte outra contração me lembra que a minha filha está com um pouquinho de pressa para nascer. — Levaremos a senhora para a sala de exames, o Dr. Felipe Neri já entrou em contato conosco, a sala de partos já está sendo preparada, não se preocupe — a enfermeira me diz com aquele sorriso tranquilizador que não tranquiliza ninguém. — Tudo bem, a minha cunhada, por favor, pode chamá-la? — peço me encolhendo de dor, meu ventre sofrendo pequenos espasmos. Ela balança a cabeça e se afasta, indo na direção oposta que minha cadeira é empurrada por outra enfermeira. Chegando na sala de exames sou encaminhada ao pequeno banheiro onde tomo um banho rápido e coloco a roupa hospitalar, quando saio já encontro meu obstetra a postos e sorrindo ao lado de uma Luana que tenta sorrir, mas acaba fazendo uma careta no lugar. — Cecília, parece que essa garotinha está com pressa para nascer — fala um Dr. Felipe confuso. — Onde está a Clarisse? Pensei que ela estaria aqui dando ordens a torto e a direito. A menção a minha avó faz a dor emocional que sinto mais forte que a física e engulo em seco tentando tirar o nó que se formou na minha garganta. — Ela logo estará aqui, estava em uma excursão com a turma da terceira idade da igreja, mas já fez os organizadores darem por finalizada a

viagem — Luana responde por mim e o Dr. Felipe ri. — É bem a cara dela fazer isso mesmo, espero que seja só um alarme falso, se essa garotinha nascer antes dela chegar, vai ouvir um monte por anos. Isso é realmente o que ela fará, mas se Cícero não conseguir trocar o pendrive pela minha avó é possível que nenhum deles conheça ela e pensar nisso faz as lágrimas voltarem a empoçar os meus olhos, logo arrumo uma desculpa para elas. — É cedo demais, ainda falta mais de um mês para a data prevista. — Não fique assim, Cecília, partos prematuros são mais comuns na primeira gestação do que parece. Venha, vou fazer o exame do toque para termos a certeza de que está mesmo em trabalho de parto ou se não são contrações de Braxton Hicks[11]. Deito na maca e posiciono minhas pernas na posição indicada, Luana vem para o meu lado e segura minha mão, no mesmo instante que o médico começa a fazer o maldito do exame, o desconforto é medonho e isso junto a contração que vem torna tudo duas vezes pior, aperto a mão dela e ouço o seu gemido, mas não consigo afrouxar, não até a dor diminuir. — É, você está com quatro centímetros de dilatação, essa menina vai nascer nas próximas horas sim, vou fazer uma ultrassonografia apenas para

ter certeza de que a posição dela está correta e se não for o caso nos prepararemos para uma cesariana, tudo bem? Suas palavras não me tranquilizam, mas me vejo balançando a cabeça, talvez seja o choque de tudo ou meu lado racional tomou a frente já que o emocional está em frangalhos, mas é como se eu assistisse tudo do lado de fora, desde a ultrassom, o médico falando para a enfermeira que entra na sala para checar se a pediatra que ele chamou para acompanhar o parto já chegou e depois me dizendo que minha filha está, nos termos dele, "encaixada corretamente" e não deve demorar muito para que ela venha ao mundo antes de sair da sala de exames e eu ser levada para um quarto equipado com monitores. Uma faixa preta é colocada sobre o meu ventre e segundo a enfermeira isso monitorará os batimentos do bebê, apenas balanço a cabeça como se estivesse ouvindo tudo que ela me diz, mas na verdade estou como nas muitas vezes que me cortei, a dor servindo para nublar meus pensamentos. Algum tempo depois Talita, Bruna, Sabrina e Amanda entram no quarto, ao vê-las choro e sou acalentada por elas, mas o tempo permitido que fiquem logo acaba e Luana retorna acompanhada de Silvana e tia Vera, elas tentam me tranquilizar e mais uma vez a história da viagem falsa da minha avó é contada, mas dessa vez ela foi a Missão Velha ver minha tia Bel que não anda muito bem, e como foi com minhas amigas os minutos voaram e

quando a porta abriu e o médico veio para mais um exame de toque voltei a sentir todo o medo mais uma vez. — Cecília, já está com dez centímetros, a hora chegou, vou para a sala de parto me preparar e em cinco minutos uma enfermeira virá para levála, tudo bem? — pergunta e meu coração afunda, já se passaram horas desde que Cícero se foi e não voltou, nossa filha vai realmente nascer sem a sua presença ou a minha avó aqui comigo. Balanço a cabeça e o Dr. Felipe sai me deixando sozinha com Luana. O soluço que vem agora não abafo, deixo ele sair com força ao me dar conta que estou na mesma posição da minha mãe, dando à luz sem o pai da minha filha comigo e tudo isso por que o meu pai é um homem amoral que não pensa em ninguém além dele mesmo. Nesse momento me arrependo por não ter deixado Cícero me explicar por que mentiu quando descobriu sobre o testamento do pai no dia do nosso casamento, poderíamos ter vivido tantas coisas juntos, nem um cantinho para ela eu arrumei no meu quarto na esperança que resolvêssemos tudo antes dela nascer, agora minha filha será como filho de rato, nascerá e ficará pelada porque não comprei uma bolsa sequer para trazer as poucas roupinhas que comprei. Esse pensamento me vem e me dou conta que preciso pensar na minha filha agora ao invés do medo ou da tristeza que estou sentindo. — Luana, precisa voltar em casa e pegar as coisas que comprei para

ela e trazer, minha filha não pode ficar pelada como filho de rato — digo apressada. — Que história louca é essa? Eu não vou deixar você sozinha! — Balança a cabeça negando. — Por favor, ela vai precisar de fraldas, ah meu Deus, não comprei faldas, mas você pode passar numa farmácia, não é? — Começo a respirar com dificuldade, a ansiedade fazendo meu corpo tremer. — Lia, respira fundo, tudo dará certo, pedirei a Alex que faça isso. — Não, homens são um desastre com isso, por favor? — peço mais uma vez, agora deixando a urgência ainda mais clara na minha voz. — Mas, Lia, quem vai segurar sua mão na sala de parto? — Eu seguro! A voz de Cícero enche o quarto e mesmo vindo meio esbaforida faz meu coração entrar em uma corrida louca antes de parar e voltar a bater mais forte junto com as lágrimas que rolam pelo meu rosto, ele está aqui, parecendo cansado, com um olho roxo, mas está aqui, não ficarei sozinha no momento mais importante da minha vida. — Comandante! — digo quando acho minha voz, ele se aproxima da cama e segura meu rosto entre as mãos. — Oi, minha anja-demônia. — Cola seus lábios nos meus e estou em

paz mais uma vez, o medo se foi. — Querem parar com isso? Uma criança vai nascer, apressada, mas vai nascer — minha avó fala entrando no quarto e eu solto o meu amor para abrir os braços para recebê-la. Ela está bem, nem um pouco machucada ou com cara de quem sofreu fisicamente, me abraça e acaricia meus cabelos e costas falando comigo do jeito que fazia quando era criança, me dando a certeza de que tudo ficará bem, a tenho e o amor da minha vida comigo e em segurança, minha filha logo vai nascer, pode não ser o momento esperado, mas não poderia ser mais perfeito.

Saímos do prédio abandonado há cerca de quarenta minutos e ainda não chegamos ao hospital para onde minha anja-demônia foi levada, o agente que minha mãe designou para a tarefa de levar a mim e dona Clarisse nos informou que estávamos nas proximidades do centro de Aquiraz, cidade na região metropolitana de Fortaleza, e devemos levar mais uns dez minutos até lá. Isso não ajuda muito a minha ansiedade em ver a minha mulher e me certificar com meus próprios olhos que ela está bem, a sensação no meu peito é bem parecida com a de meses atrás quando cruzei o estado para vê-la, se

naquela época soubesse que seu mal-estar era devido à gravidez não teria suportado a viagem de sete horas, não, daria um jeito de chegar nela o mais rápido possível. Quando o carro chega a entrada do hospital abro a porta e saio antes mesmo que esse pare, minhas pernas são o reflexo do meu coração acelerado. Encontro Alex andando de um lado para o outro, nervoso, meu melhor amigo me abraça antes de me dizer onde minha mulher se encontra, devolvo o abraço por saber que o mesmo estava temendo por minha segurança e se tem uma coisa que os anos me ensinaram foi a não menosprezar quem presa pela sua vida, essas pessoas são as que fazem esse mundo fodido ainda valer a pena. — Onde ela está? — vou direto ao ponto. — Sala de pré-parto, Luana está com ela e sua mãe está na sala de espera — diz quando começamos a caminhar. — Vim aqui pra te esperar, Mariana ligou avisando que vocês viriam, cadê dona Clarisse? Puta merda, esqueci a vó de Cecília na minha pressa, viro para ir buscá-la quando a encontro já caminhando na nossa direção, acompanhada pelo agente da PF, ela nos olha com aquela expressão de dar medo e como um garotinho pego aprontando me encolho por dentro. — Que tá fazendo aí parado, vai logo ficar com minha neta, caboré,

ela precisa apertar alguma coisa quando estiver sentindo dor e tomara que seja seus cunhões pra aprender a nunca mais deixá-la sozinha. — Seguro o riso e aceno antes de virar com Alex mais uma vez. Passamos por minha mãe na sala de espera e vejo as amigas da minha mulher ali também, aceno rapidamente e continuo, chego na porta do quarto e ouço Cecília discutir com Luana sobre as coisas da nossa filha, só ela para conseguir brigar com alguém numa hora dessa. — Mas, Lia, quem vai segurar sua mão na sala de parto? — Luana pergunta. — Eu seguro! — respondo, entrando no quarto, mas paro quando os olhos de Cecília me fitam, um nó se forma na minha garganta ao vê-la já com a roupa hospitalar pronta para dar à luz a nossa filha. Ela chora silenciosamente, sua expressão deixando claras suas emoções. Medo, alívio, raiva, preocupação e a que venho identificando como amor todas as vezes que me olhou nos últimos tempos. Me aproximo quando ela me chama pelo apelido que muitas vezes foi um convite ao sexo de tão sensual que a palavra "comandante" fica na sua voz rouca, mas dessa vez ela vem carregada de carinho e alívio. Seguro seu rosto entre minhas mãos e depois de cumprimentá-la beijo seus lábios levemente inchados devido o choro e é como chegar em casa depois de um longa viagem, meu coração despenca no meu peito e se ergue de uma vez só, ela segura no meu rosto

também, tocando com carinho, até que somos interrompidos pela chegada nada sutil de dona Clarisse que nos recrimina como só ela sabe fazer. — Vovó, eu senti tanto medo! — Cecília diz, abraçando a avó. — Eu estou bem, minha menina, agora precisa ficar calma para essa apressadinha vir ao mundo em segurança, enquanto você foi uma lerdeza só pra nascer, essa é apressada demais, também, sendo filha desse caboré maluco. — Ela revira os olhos, mas me olha com afeto e Cecília ri enchendo o quarto e meu peito de alegria. — Vó, ele foi salvar você... — Cecília nos olha agora com mais atenção, a ruga de preocupação voltando ao seu rosto. — Todos estão bem? Alguém se feriu? Olho para dona Clarisse que balança a cabeça minimamente, não gosto de esconder nada da minha anja-demônia, mas ela está prestes a dar à luz e a verdade agora pode apenas piorar a situação. Somos salvos pela chegada de duas enfermeiras que vieram buscá-la, uma delas me pergunta se irei acompanhar e quando digo que sim, me leva para colocar a roupa adequada enquanto a outra leva Cecília para a sala de parto. Não demoro mais do que cinco minutos para estar ao lado da minha mulher que agora está numa posição parcialmente sentada para facilitar a saída da criança. — Cecília, agora é com você, quando a contração vier fará força para

baixo, está bem? — o médico orienta e ela balança a cabeça, seguro sua mão e beijo sua testa. — Vai dar tudo certo, anja! — digo e a sinto apertar minha mão de leve e em seguida aumentar o aperto. — Não vai nada, ela não tem nome ainda! — responde entre dentes, fazendo força como o médico disse. — Muito bem, Cecília, agora elas vão ficar menos espaçadas, você já tem dez centímetros de dilatação agora, a qualquer momento ela nascerá. — Balançamos a cabeça juntos. — Você não me disse que nome pensou — ela diz, puxando uma respiração forte. — Quê? — Acho que estou parecendo um idiota. — Nossa filha, precisamos de um nome para elaaaaaaa! — termina a frase com um travar de mandíbula e esmagamento da minha mão. Olho para o médico segurando a careta que ameaça ficar visível no meu rosto, dessa vez ela apertou com vontade, quando seu aperto vai diminuindo, cerca de um minuto ou dois depois, relaxo junto com ela. — Isso aí, inspire fundamente pelo nariz e expire pela boca, Cecília — uma das enfermeiras, que acompanha os monitores do outro lado da maca onde ela está, diz com voz gentil, demonstrando como ela deve fazer e eu

também faço junto, custa nada me acalmar também. Algumas respirações depois e com um olhar menos dolorido Cecília me olha daquele jeito que me faz apaixonar por ela cada vez mais, não sei de onde tiraram que mulheres em trabalho de parto ficam malucas. — Então, pensou ou não em um nome? — pergunta outra vez e eu fico com o cú na mão, não parei para pensar nisso não. Olho para o crachá da enfermeira ao meu lado e vejo um nome Ingrid Isabella e arrisco, vai que né? — Gosto de Ingrid. — A careta que ela faz me diz que não. — Não, sofri bullying de uma Ingrid na escola, não quero minha filha com o nome daquela megera nojenta. — Puta merda. — Isabella? — É minha segunda opção no momento. — É um nome bonito... — começa a falar, mas então vira na direção da enfermeira e vê o nome no crachá, arruinando minha trapaça. — SEU FILHO DA PUTA, NÃO CONSEGUE NEM PENSAR NUM NOME PRA SUA FILHA, SEU IMBECIL? — grita ao mesmo tempo que aperta minha mão com muito mais força e agora não me controlo, resmungo de dor. — Isso, Cecília, ela está começando a apontar — avisa o médico, mas ela parece não ouvir. — Caralho, isso dói pra caramba, porraaaaa! — resmunga e me fita

com um olhar de puro ódio, me encolho com medo. — Está proibido de me engravidar

de

novo,

seu

idiota!

PUTA

QUE

PARIUUUUUUUUUUUUUUU! Ela esmaga a minha mão com vontade, eu juro que faz de propósito, pois um sorriso diabólico surge nos seus lábios enquanto faz força para empurrar nossa filha para fora do seu corpo. — Com tanto idiota no mundo fui me apaixonar logo pelo menos criativo de todos! — Ri alto agora e eu me preocupo que a dor a esteja enlouquecendo. Olho para minha mão cujos dedos começam a ficarem roxos nas pontas e depois para o médico, mas esse está bastante concentrado no que está fazendo lá embaixo e Deus me ajude de não ver a cena toda, do contrário não sei se conseguiria tirar da minha cabeça, é isso aí sou uma florzinha delicada mesmo se o assunto é ver um parto de frente, vim me preparando, mas não dá. — Amor, você está indo bem, — digo tentando chegar até o rosto dela, quem sabe com um carinho minha mão ainda sobreviva, preciso dela para muitas coisas, mas Cecília se afasta. — Não encosta em mim, não até ter um nome decente e que escolheu sozinho para minha filha, cretino! Ela diz entre dentes, tentando respirar conforme a enfermeira instruiu

e para o meu desespero meus dedos começam a ficar dormentes, puxo pela mente os nomes que vinha cogitando para nossa garotinha e começo a falar um atrás do outro. — Anna Bel, Beatriz, Clara, Laura, Fabrícia, Tamara, Taís, Paula, Caroline, Ana Maria, Roberta, Manuela, Carla, Bruna, Yasmim, Alicie ... — Esse, eu gosto de Alicie se for com “ie” no final — ela fala e diminui o aperto em minha mão até soltá-la. — Pois será esse, com “ie” no final! — Me aproximo do seu rosto e agora ela permite que eu beije sua testa, até mesmo passa o braço livre da intravenosa pelo meu pescoço e me abraça. — Está vindo, agora quando a contração vier você empurra com toda a sua força, Cecília. — Eu estou tão cansada... — choraminga junto ao meu ombro. — Desculpa ter gritado com você, não é um imbecil, é meu herói e eu te amo muito. Você me desculpa? — funga constrangida. Ergo a cabeça para fitá-la e a doçura no seu olhar nada tem a ver com a louca esmagadora de mão de segundos atrás, aqui está minha anja-demônia, a única mulher que amei e vou amar a minha vida inteira. — Me perdoe pela falta de criatividade e estaremos quites. — Pisco um olho e ela ri, isso antes daquela expressão de dor voltar com tudo, olho

para minha mão e mesmo sabendo da dor ofereço a outra para ela apertar. — Agora, Cecília! O médico fala e tudo acontece muito rápido, mas para mim o tempo se transforma em uma câmera lenta que ficará gravada na minha memória pelo resto da minha vida, Cecília segura minha mão e puxa uma longa respiração antes de travar os dentes nos lábios e empurrar com toda a sua força, colo minha testa na dela, literalmente vivenciando um pouco da sua dor, e segundos depois a sala de parto é preenchida pelo som mais incrivelmente lindo, alto e claro do nosso mundo. O berro agudo de Alicie faz todos ficarem em silêncio por alguns instantes, minha cabeça se ergue para vê-la erguida pelas mãos do médico que a segura e entrega a uma médica ao seu lado que segura um tecido e a leva para os primeiros exames. Meus olhos maravilhados com tudo que acaba de acontecer fitam a mulher ao meu lado, nos olhos da minha anja lágrimas rolam, mas o sorriso vitorioso nos seus lábios a deixa extraordinariamente ainda mais bonita, não esquecerei do seu rosto nesse exato momento nunca mais, ela é simplesmente a mais linda e perfeita mulher do mundo inteiro. — Conseguiu, amor! — Seguro seu rosto entre minhas mãos e beijo seus lábios que têm o gosto das suas lágrimas, ela ri, assim como eu, e só paramos nosso beijo quando o choro incessante da nossa menina se aproxima.

— Papais, conheçam a sua filha, ela mede 40 centímetros e pesa 1,800 kg. Viramos e a enfermeira Ingrid Isabella está aqui para nos apresentar a pessoa mais importante do nosso mundo, olho para o pequeno embrulho de tecido azul e mesmo assim posso ver o cabelo tão escuro quanto o da mãe. Os braços de Cecília se estendem para recebê-la como se fossem puxados por uma força maior. — Posso segurá-la? — minha anja pede e logo recebe nossa menina. — Só um pouco, precisamos levá-la para a incubadora, ela é prematura e precisa de cuidados — diz nos olhando seriamente, balançamos a cabeça e Alicie é posta no seu colo. — Oiii, meu amorzinho, você é perfeita! — Cecília diz e o nó que se formou na minha garganta se transforma em lágrimas, é a imagem da perfeição nos braços da mulher que eu amo, nosso filha se acalma e abre os olhos ao som da sua voz e meu mundo sofre um pequeno abalo sísmico ao fitar o azul tão claro quanto o dos meus. — Quer segurá-la? Cecília pergunta me olhando com um sorriso tão bonito que levo uma fração de segundos a mais para entender que ela está me dando a chance de segurar nossa filha antes que a levem. Balanço a cabeça e faço o ninho com meus braços igual ao que ela mesma fez para recebê-la. Quando Alicie é

colocada ali eu sinto todo o meu mundo perder o sentido, olhando para aqueles olhos pequenos e a pequena boquinha fazendo um “O” perfeito eu me sinto o mais fraco dos homens e o mais poderoso entre eles, seria capaz de mover céus e terras para fazê-la feliz e crescer bem, nada que vivi ou senti me preparou para esse momento, todo o meu mundo agora se resume ao ser pequenino que cabe em meus braços com folga, mas faz tudo ser grandioso. — Eu amo você, minha anjinha, vou cuidar para que seja a menina mais feliz e amada do mundo. — Ela já é! — Cecília diz e olho para ela que também chora. — Eu amo tanto vocês! — é tudo que consigo dizer. — Hora de levá-la, meus queridos, quanto antes ela começar a receber o tratamento da unidade Neonatal, mais rápido poderão voltar a ficar com ela. Relutantemente me despeço da minha filha com um beijo, assim como Cecília, e vemos a enfermeira levá-la para receber todos os cuidados que ela precisa e merece. O médico termina de fazer também os procedimentos no corpo da minha mulher e ela boceja cansada. — Agora vai poder dormir, amor, você foi incrível! — Beijo sua testa e ela sorri. — Fizemos um ótimo trabalho, não foi? — Sim, nós fizemos um trabalho excelente!

Beijo seus lábios e assisto seus olhos pesarem até se fecharem, por dentro eu quero vibrar e gritar de tanta felicidade, mas isso precisa esperar, há pessoas na sala de espera que merecem notícias e minha mulher irá dormir por mais algumas horas para se recuperar do parto, dá tempo de ir lá e voltar antes que ela acorde.

A vida não é para ser entendida, apenas vivida... Não sei onde ouvi essa frase, mas nada que já tenha escutado me pareceu tão certo quanto ela, levei muito tempo para encontrar algo que me fizesse sentir essa vontade absurda de viver intensamente e plenamente cada segundo, no entanto, estando de pé junto a entrada do berçário onde minha filha está sendo cuidada, faz esse desejo preencher o meu peito, desde que acordei há cerca de quase dez horas minha única vontade é ver a minha garotinha, minha avó, como se era de esperar, me fez ficar deitada até o Dr. Felipe nos informar que já era "seguro" eu fazer a caminhada de cinquenta metros entre o quarto em que estava e o lugar onde minha filha está. — Já vi muita mulher parida morrer por perda das forças nessa vida, imagine, é um ser humano que você empurrou pra fora e sangrou um bocado no progresso, diga a ela, Felipe, fale que estou certa! — exigiu do pobre homem que me olhou com um encolher de ombros e pediu desculpas em silêncio. Como poderia lhe contradizer se passei minha vida aprendendo exatamente que discutir com dona Clarisse Fernandes é um trabalho árduo e que não levará a nada. Depois disso restou a nós dois esperarmos por mais

três horas e duas refeições que ela exigiu que me fossem servidas para que o aval fosse dado, desde que Cícero, ou melhor, "o caboré, pai da bisneta dela" me empurrasse em uma cadeira de rodas, não sei o que aconteceu entre eles enquanto eu estive dormindo ou se foi antes disso, mas não vou pensar sobre agora, não quando a porta finalmente é aberta e uma enfermeira nos sorri dando passagem para nossa entrada. — Como se sente, querida? — pergunta a enfermeira Ingrid, de quem Cícero quis surrupiar o nome para nossa filha, ela tem um sorriso gentil. — Bem, obrigada, ansiosa para poder segurar minha filha no colo. — Sim, imagino. Venham, ela é aquela no canto esquerdo e devo dizer tem um par de pulmões muito bons, quando chora faz um som danado. — Não faço ideia a quem ela saiu — diz Cícero, se fingindo de santo, do pau oco, só se for. — Claro que não! — Reviro os olhos e Ingrid ri com vontade. — Eu já posso andar, vovó não está aqui para gritar com você. Digo de forma gentil, mas sei que nisso ele concorda inteiramente com a minha vó, foi só ela falar em morte e ele ficou todo neurótico. Eu mereço, devo ter atirado pedra na cruz ou taquei sal grosso na Santa Ceia, só pode, pra ter esses dois me aporrinhando com tantas preocupações, mulheres dão a luz desde que o mundo é mundo e não tiveram essas frescuras todas.

Não espero a resposta dele, levanto e caminho até onde minha menina está, ao lado da incubadora tem uma poltrona para amamentação, sento e espero que a enfermeira retire minha filha e a coloque nos meus braços. — Oi! — digo baixinho ao aninhá-la junto ao meu peito. Meus olhos transbordam de lágrimas não contidas quando sinto o calor do seu corpinho miúdo junto ao meu, é incrível que um serzinho minúsculo possa ter uma importância tão grande nas nossas vidas, minha menina é perfeita e linda. Seguro a mão que Cícero estende para mim e ao erguer os olhos noto lágrimas nos seus também, Alicie já nos tem por completos a sua mercê, olho para ela e me surpreendo ao ver seus olhinhos se abrirem e o azul intenso igual ao que tem nos olhos do pai me saudarem, prendo a respiração e desejo que a cor não mude com o passar do tempo. — Ela tem a cor dos seus olhos — digo baixinho e Cícero abre um sorriso largo cheio de orgulho. — Mas o formato é dos seus, é uma mescla perfeita de nós dois. — Sorrio olhando para a pessoa mais importante da minha vida que começa a fazer uma pequena careta. Tento descobrir se não estou apertando ela demais, mas não é isso, Cícero também nota e se agacha para ver se a fralda está suja, balança a cabeça negando e não demora para um grito agudo tomar conta do lugar,

balanço os braços suavemente do jeito que já vi várias mães fazerem, no entanto nada a faz parar. Procuro pela enfermeira Ingrid no ambiente e suspiro aliviada quando ela caminha na nossa direção segurando uma minúscula mamadeira, mas está vazia? — Chegou a hora dessa mocinha comer, por isso o choro. Ouço mais do que vejo o suspiro de alívio de Cícero, não nego que também começo a relaxar minimamente, mas então me lembro que a mamadeira está vazia e olho para a enfermeira questionando e ela sorri. — Você já está lactando? — Sim — respondo lembrando que quando acordei meus seios estavam maiores do que normalmente já estavam e sensíveis, sem contar no círculo molhado na camisola hospitalar que estava usando. — Que bom, assim podemos retirar o leite diretamente dos seus seios, isso ajuda ela começar a se acostumar com o gosto, às vezes eles não aceitam mais o leite materno por começar pelo leite em pó. — Não, eu quero amamentar, posso fazer isso já? — Por enquanto ela vai se alimentar dessa forma, mas creio que logo você poderá amamentar, não se preocupe, querida, respire e se acalme para que possamos retirar o leite enquanto o pai aprende como acalmá-la. Balanço a cabeça e deixo que ela retire Alicie dos meus braços, com a

ajuda da enfermeira higienizo o meu seio e começo a retirada do leite, lembro que em um dos inúmeros documentários que assisti ao longo dos últimos meses, vi que os bebês prematuros recebiam alimento através de sonda colocada no narizinho deles, mas Alicie não tem um, o que quer dizer que irá se alimentar diretamente pela boca, isso enche meu peito de alívio e vejo que aos poucos o leite vai saindo do meu peito. Olho para onde Cícero canta alguma música baixinho e surpreendentemente nossa filha se acalma, a cena arranca um sorriso bobo meu, os amo muito, não sei como seria não poder ficar com eles por perto. Isso me faz lembrar que meu amado noivo tem evitado falar sobre o que aconteceu no encontro com o meu pai, ele e a minha avó trocaram olhares estranhos quando perguntei sobre isso e se alguém se machucou, mas não quero pensar sobre isso agora, não quando a enfermeira pega minha filha dos braços do pai e vem com ela na minha direção e com toda a paciência do mundo ensina como devo alimentá-la, mesmo não sendo o mesmo que amamentar sinto que nesse momento um laço ainda mais profundo é criado entre minha filha e eu.

Ficamos com nossa filha por quase uma hora, pouco depois de alimentá-la a pediatra que esteve presente durante o parto foi checá-la e segundo ela os exames mostram que tirando o peso, cerca de quinhentas gramas que ela precisa ganhar, não há nada de errado com nossa garotinha. Foi visível o alívio no semblante de Cícero, assim como deveria estar estampado no meu, nos despedirmos dela não foi fácil, mas me consola saber que dentro de pouco menos de quatro horas poderei revê-la, no entanto não me agrada saber que provavelmente não poderei levá-la para casa comigo, não consigo segurar o suspiro quando lembro disso ao deitar na cama do quarto que estou ocupando. — Tenha paciência, anja, logo estaremos com ela novamente, agora você precisa se alimentar e descansar, faz menos de vinte e quatro horas que deu à luz, se a sua vó chegar aqui e te encontrar com essa cara, já viu. — Reviro os olhos para ele, se borra de medo da minha avó, mas sair atrás do meu pai bandido vai com um sorriso enorme. O que me lembra... — O que aconteceu que você e a vó Clarisse não estão me contando?

— vou direto ao ponto. — Nada — responde rápido demais. — Cícero, olha aqui, se não me contar vou achar que é bem pior do que realmente foi, então desembucha de uma vez, porra! — Olha a boca! — Fala logo! — Cruzo os braços na altura dos meus seios e me encolho ao perceber como estão sensíveis ao extremo. — Ô mulher teimosa, não pode ficar feliz por eu ter sobrevivido e sua avó estar bem? — Não, porque alguém se machucou, se foi o Arnoldo pode falar, não me importo com ele, um doador de esperma qualquer teria mais importância na minha vida do que ele — asseguro-lhe e ele balança a cabeça com pesar. — Não, aquele miserável está preso, mas infelizmente não sofreu um dano grave pelo que Mariana me contou, um tiro na perna que logo vai sarar, mas Raul se feriu e está em coma desde então. Raul? Isso é uma surpresa para mim, quando ele se ofereceu para nos ajudar não achei que fosse realmente fazer como prometeu, desconfiei que era mais uma de suas armações com o Arnoldo, mas pelo jeito me enganei foi muito dessa vez. — O que ele estava fazendo lá?

— Aparentemente seu... Arnoldo descobriu que ele desejava nos ajudar e o prendeu para extrair informações e digamos que a forma como aquele verme gosta de consegui-las não são as mais ortodoxas. — Ele se feriu muito? — pergunto num fio de voz. — Ele acabou sendo baleado quando me ajudou a desarmar os capangas que estavam prontos para acabar comigo e sua avó. Um tremor involuntário passa pelo meu corpo e sinto o ar sair com dificuldade, eu sabia que algo ruim iria acontecer, mas é claro, nada que venha do infeliz do Arnoldo pode ser bom. — Ele vai ficar preso pro resto da vida, não vai? — Acho que meu rosto demonstra todo o meu medo. Se Arnoldo se safar dessa com certeza virá atrás de nós e não o quero nem remotamente perto de Alicie, jamais. — Calma, anjo, Mariana disse que as acusações são sólidas e com as provas que temos ele será condenado e se um dia sair já estará muito velho para ser um perigo para nós, estamos seguros, ele nunca mais vai fazer mal a ninguém. Cícero me abraça e ouvindo as batidas rítmicas do seu coração vou me acalmando aos poucos, ficamos assim em silêncio por um tempo até meu quarto ser tomado pelas minhas amigas que trazem desde balões cor de rosa

até algumas sacolas com comida contrabandeada, não quero nem saber como conseguiram fazer essa proeza e pelas próximas horas me esqueço dos problemas que meu pai ainda poderia nos causar e foco em ser feliz no agora.

Mexo meu corpo impaciente enquanto esperamos que a médica responsável por dar alta hospitalar a minha filha apareça e acabe de uma vez por todas com essa ansiedade que temos vivido nos últimos quinze dias, apesar de Alicie ser um bebê saudável, o ganho de peso dela não correspondia com o esperado pelos médicos o que fez com que sua estadia na unidade Neonatal se prolongasse. — Ela está demorando mais do que pensei — minha anja-demônia diz baixinho, segurando nossa garotinha junto ao peito. — É, se demorar mais eu vou lá. Tento tranquilizá-la, as semanas que sucederam o momento mais importante das nossas vidas vieram cheias de acontecimentos que deixaram marcas profundas em nossas mentes. Tudo começou com deixarmos nossa filha aqui aos cuidados de outras pessoas, pareceu tão errado, Cecília chorou por horas até que a exaustão a dominou e enfim adormeceu, mas não um sono tranquilo, por minha vez não consegui pregar o olho e me mantive alerta para

qualquer eventualidade que necessitasse da minha atenção. Foi naquelas horas olhando minha mulher dormindo, sentindo a ausência da nossa filha como se uma parte vital de mim estivesse ausente, que soube que acertei quando decidi me aposentar da CIOPAER e assumir um cargo na empresa, não como CEO, esse é o lugar de Luana e a mesma está se dedicando bastante a isso, deixando tanto Silvana quanto a mim orgulhosos. Não abandonarei o helicóptero, no entanto, sempre posso pilotar o da empresa quando preciso for e assim matar um pouco da saudade. Fiquei olhando-a dormir por horas e horas, seu cheiro como sempre se instaurou no meu sistema nervoso e despertou em mim o homem das cavernas que tudo o que deseja é trancar-me com ela por um longo tempo e nos satisfazer de todas as formas possíveis, mas o refreei, ela terá ainda alguns dias para se recuperar totalmente e eu me comportarei, pois sei que quando tivermos "autorização" faremos tudo o que desejamos um com o outro, sem medo ou reserva. Ainda não contei para Cecília sobre a minha decisão, ela esteve envolvida em tantas coisas nos últimos meses que preferi esperar, não esqueço como foi difícil que ela se afastasse do hospital para prestar seu depoimento contra Arnoldo, mas o fez com coragem e olhou nos olhos do homem que destruiu a vida da mãe dela e corajosamente disse que ele não era seu pai, apenas um mero doador biológico e desejava que ele sofresse apenas nada além do mesmo que fez as pessoas sofrerem, não chorou ou fez menção

de estar sofrendo com o andar de tudo. Sua determinação só sofreu um pequeno abalo com a notícia de que Amália, esposa de Arnoldo, foi hospitalizada com complicações cardíacas, o depoimento feito por ela agravou ainda mais um problema antigo que ela não aceita tratamento desde que descobriu, não a julgamos, o desejo dela vem sendo respeitado pelos médicos e nós optamos por fazer o mesmo, desde a morte do filho ela não tem realmente vivido e ouvir da sua boca que agora pode descansar em paz foi de alguma forma reconfortante, o medo dela era que o culpado pela morte do seu menino nunca fosse punido pelos seus atos criminosos. — Boa tarde! — a médica nos saúda com um sorriso, eu retribuo, mas Cecília me cutuca com o cotovelo, deixando claro que não devo sorrir assim. Minha mulher é ciumenta, quem diria. — Pensei que ia ter que esperar a tarde toda! — minha anja-demônia diz emburrada. — É normal essa ansiedade, mas estava revendo os últimos exames da filha de vocês — diz e nos olha seriamente. Sinto um gelo estranho percorrer minhas veias, não quero ter que esperar mais tempo para tirar minha filha daqui e sei que Cecília tão pouco suportará mais dias na espera. — Não me deixe mais nervosa, doutora! — Não disse que ela está por

um fio? — Calma, os resultados foram melhores do que esperávamos, nos últimos dias ela não só recuperou o peso que perdeu nos primeiros dias do seu nascimento como aumentou e está com 2,5 kg e pronta para ir para casa com vocês. — A médica sorri e suspiramos aliviados. — Eu falei, amor, que tudo ficaria bem! — Beijo o topo da sua cabeça e sinto o seu corpo vibrando com o riso. — Falou nada, tava tão nervoso quanto eu! — O sorriso dela é tão bonito que sinto o impacto tão forte quanto na primeira vez que o vi, se bem que aquela noite ela estava envolta pelas luzes da casa noturna, mas ainda assim a mulher mais atraente que já vi. — Sim, um pouco — admito, porque sei que não preciso esconder meus sentimentos dela. — Já podemos ir buscá-la? — pergunto animado. — Claro, vamos! A médica nos guia pelo caminho já conhecido por nós, andamos por esse corredor muitas vezes nos últimos dias. Encontramos nossa menina vestida com uma das roupas que trouxemos três dias depois do seu nascimento, ela parece uma boneca de tão linda, o tom claro do tecido fazendo seus cabelos negros agora levemente maiores ficarem em destaque, principalmente pelo enfeite que segundo Sabrina, amiga de Cecília que me

ajudou a comprar muitas coisas para nossa filha sem que ela soubesse, chamam de tiara, eu achava que tiara era aquela coisa que a realeza usa, não uma faixa de tecido com laço. Mas o que importa é que nossa Alicie está linda e meio impaciente pela careta que faz ao ser retirada do berço pela enfermeira assim que entramos. — Prontos para irem para casa? — Ingrid pergunta, entregando nossa filha a Cecília, que agora tem essa expressão abobalhada que deve espelhar a minha. — Muito prontos! — ela diz com um sorriso. — Isso é bom, essa princesinha também está prontíssima para animar as noites de vocês! — Ingrid brinca e não posso deixar de rir ao lembrar que dona Clarisse falou coisa parecida outra noite, quando nem Cecília, nem eu conseguimos dormir depois que nos informaram que nossa filha tinha diminuído o pouco peso com que nasceu e que o tempo no hospital se prolongaria por causa disso. — Estamos ansiosos por isso também, se é para sermos pais, que seja o pacote completo! — digo fazendo graça e mais uma vez o cotovelo de Cecília vai de encontro ao meu abdome. — O quê? Olho para ela buscando uma resposta, mas tudo que recebo é um revirar de olhos da sua parte, meu Deus, como fico louco quando ela faz isso

e sinto uma vontade enorme de fazê-la ser mais dialogante, mas com gemidos e gritos enquanto a fodo com força contra a primeira superfície lisa que encontrar. Refreio o pensamento de imediato, pois o meu pau ganha vida e faz pressão contra a costura da minha calça jeans e se Cecília já implica com meu sorriso sendo admirado pelas outras mulheres, imagina o que vai ser se essas duas olharem para minhas partes íntimas?

Cícero ou está se fazendo de doido pra cima de mim ou é o homem mais tapado que já conheci, desconfio que seja a primeira opção e se não estivesse com minha filha no colo, mais linda do que imaginei ser possível e pronta para ir embora conosco, daria um grande peteleco nele, isso sim. É impossível que não viu a forma como a mulherada do hospital olha para ele, tudo bem que não é todo dia que um Adônis desses aparece por aqui, mas o jeito que cobiçam o meu noivo é até constrangedor, tudo doida para ter a chance de tirar uma casquinha, mas ai de quem se atrever, eu esqueço que estou de resguardo e me transformo numa doida virada no Jiraya[12], ah se viro! — Já podemos ir? — pergunto para chamar a atenção da médica, que está babando pelo meu homem e ela ao menos tem a decência de parecer

constrangida, o olhar dela ainda volta até ele, mas se fixa em mim por fim. — Sim, vou lhe entregar uma cartilha com algumas recomendações e espero ver essa garotinha em quinze dias, ligue para o meu consultório e marque uma consulta. — Estende um cartão na direção de Cícero, mas eu me adianto e mesmo com Alicie no colo o pego. — Não acho que será preciso, temos uma pediatra da nossa confiança para acompanhá-la. — Cícero me olha com um estreitar de olhos, mas não me contradiz, ainda bem. Não temos realmente alguém de confiança, mas Amanda é enfermeira e com certeza pode nos auxiliar, de jeito nenhum vou ficar consultando minha filha com alguém que prestará mais atenção no pai dela do que nela. — Ah, certo, vou então providenciar os resultados dos exames dela, assim poderá levar na consulta. Sorrio o mais docilmente possível e noto que Cícero está segurando o riso, cretino, mas ele me paga, ah se paga, sei que temos mais alguns dias na seca até que possamos apagar esse fogo ardente que há entre nós, mas posso muito bem provocar, ainda mais por estarmos na casa da minha avó, ele por algum motivo preferiu ficar por lá do que irmos para o seu apartamento e finalmente o ajeitarmos para a chegada de Alicie. Segundo ele, ficar perto das pessoas que me amam ajudaria a passar os dias em que não podíamos levar

nossa filha conosco, não estava de todo errado, ter minha avó, meus amigos e a nova família que ganhei ao me envolver com Cícero, ajudou, agora espero enfim poder sossegar ou quase isso. — Você está muito calada — Cícero diz ao sairmos do estacionamento do hospital. Estou no banco de trás ao lado do bebê conforto onde nossa filha dorme tranquilamente, os olhos dele encontram os meus pelo espelho retrovisor e vejo sua sobrancelha se erguendo, o desgraçado fica ainda mais bonito assim, deveria ser um crime, isso sim. — Estou? — tento fingir que ele não me afeta, mas quando o sorriso lento dele começa a tomar de conta dos seus lábios sinto meu ventre se contraindo e suspiro por saber que ainda falta muito tempo. — Não se faça de desentendida, o que eu fiz dessa vez? — pergunta todo inocente. — Por que acha que fez alguma coisa? — Não responda as minhas perguntas com outra pergunta, Cecília! — Estreita os olhos. — Olha, sei que você não é nada ingênuo para não ter notado como as mulheres te olham. — Abre a boca começando a protestar, mas continuo. — Sabe que não é, basta levarmos em conta o tipo de diversão que você

costumava ter antes de nos conhecermos. Ele sabe que me refiro à casa de swing, respira fundo antes de parar no sinal e virar para mim. — Foi lá que conheci você também, o que não quer dizer que esse era o tipo de diversão que você gostava, eu não nego que fui ali algumas vezes, mas não era nada além disso, diversão. A seriedade em seus olhos é a resposta para qualquer insegurança da minha parte, ele me ama e eu o amo. Sorrio bem no instante que o sinal abre e seguimos em silêncio a partir daqui. Me distraio com a serenidade da minha filha que nem percebo para onde ele está nos levando até parar na garagem subterrânea do prédio onde ele mora, reconheço pela vaga dele ficar bem ao lado do elevador no final dela. — Pensei que íamos para casa — digo assim que ele vem abrir a porta e retirar o bebê conforto. — Estamos em casa, meu amor! Os olhos dele brilham ao falar isso, o azul se tornando tão intenso que perco o meu fôlego por alguns instantes, até me dar conta que sim, estou na casa onde nossa família viverá. Seguro a mão que me oferece e seguimos rumo a nosso lar. A cada andar que o elevador passa sinto o meu estômago ser tomado pela ansiedade e me lembro da primeira vez que estive aqui, tava

quase pelada, usava apenas a lingerie que ele me enviou e foi naquela noite que provavelmente nossa filha foi gerada. Olho para o bebê conforto e sinto as lágrimas empoçarem meus olhos. — O que foi? — a voz dele vem rouca, também emocionada. — Estava lembrando a primeira vez que vim aqui, achei que me arrependeria depois por ceder as suas investidas — sou sincera. — E se arrependeu? — pergunta ao sairmos no seu andar. — Não, faria tudo novamente. — Sorrio e entramos em casa onde somos recepcionados por nossos amigos e família. Todos estão aqui: Alex, Luana, Silvana, Mariana, Amanda, Talita, Sabrina, Bruna, minha avó e tia Vera. Todos aqui para dar boas-vindas a minha filha, agora já não seguro as lágrimas, deixo elas virem enquanto abraço a todos, pouco depois Alicie acorda e a atenção se volta para ela. Olho para os meus amigos e sinto falta de Raul aqui também, mas ele ainda está no hospital se recuperando, mas quando receber alta quero que seja parte da minha vida, pois provou que é meu amigo de verdade. Claro que Cícero iria querer demarcar o território, mas sinto que o que viveram naquela garagem em Aquiraz forjou uma amizade verdadeira entre eles e isso me deixa muito feliz, pois Raul sempre foi um bom amigo para mim, me doía pensar nele como algo diferente disso.

Nossos convidados ficam conosco por algumas horas, mas logo ficamos apenas nós três e minha avó, Cícero providenciou para ela fique conosco, como a convenceu eu não faço ideia, mas saber que teve o cuidado especial com ela me faz amá-lo ainda mais. Ela se retira com a desculpa de rezar o seu terço, mas com o aviso que precisando dela era só chamar, beijei seu rosto e segui meu noivo até o nosso quarto, mas o mesmo para junto a uma porta que tem uma moldura de MDF cor de rosa com o nome Alicie e sapatilhas de balé ao lado, olho para ele sem acreditar que preparou o cantinho da nossa garotinha. — Agora é a vez da Alicie conhecer o cantinho dela! — diz abrindo a porta. O quarto é simplesmente encantador, a decoração em tons claros e aconchegante me encanta, ele teve o cuidado de colocar até uma poltrona para amamentar, além de uma cama e cômoda com trocador de fraldas sobre ela, tudo de muito bom gosto e infinitamente lindo. — Você fez tudo isso sozinho? — pergunto emocionada. Ele caminha com nossa filha nos braços e a coloca no seu berço antes de virar para mim com aquele olhar meio tímido que sem dúvidas é um dos meus favoritos. — Não, Luana, Silvana e até mesmo suas amigas me ajudaram, por

isso fiz questão de ficarmos na sua avó os últimos dias, assim a decoradora fazia o trabalho aqui, o mais difícil foi convencer dona Clarisse que morar conosco era uma boa opção, ainda não é definitivo, como ela mesma disse, no entanto espero que seja. Caso você não tenha gostado de algo bastar dizer e mudamos. — Eu amei tudo, principalmente por saber que você se preocupou em deixar tudo pronto para a nossa família. Me aproximo dele e envolvo seu tronco com meus braços, fico nas pontas dos pés com meus lábios a centímetros dos seus. — Amo essa palavra, família, principalmente com o nossa antes. — Cola seus lábios nos meus e sinto que estou em casa mais do que nunca, sempre é assim se o tiver comigo.

Dias depois — Não vai me dizer para onde estamos indo? — pergunto pela milésima vez à Luana, que responde com um sorriso enigmático tão parecido com o do seu irmão que deixa claro que ele também está envolvido nisso. Sei que estão aprontando porque hoje pela manhã quando acordei ele já não estava mais lá, me senti frustrada com isso, finalmente o período de resguardo seguido por um ciclo menstrual indesejado chegou ao final, e quarenta e cinco dias depois que transamos pela última vez, tudo que eu queria fazer era acordá-lo com seu pau entre meus lábios a sugá-lo e depois receber dele todo o prazer que sei que pode me dar, mas o sacana foi mais rápido que eu e fugiu. O procurei por toda a casa, encontrei vovó com Alicie na varanda tomando banho de sol e a mesma me disse que o "caboré" tinha saído cedo e não disse pra onde, não demorou muito para que a minha cunhada chegasse como um furacão me fazendo vestir a primeira peça no guarda-roupa que achei e me carregar para fora de casa, mal tive tempo de dar mamar para minha garotinha que está cada dia mais linda e parecida com o pai, as

bochechas adquiridas pelo aumento no seu peso, os olhos azuis intensos e o sorriso que começa a surgir com cada vez mais frequência. De certa forma eu compreendo por que Cícero escolheu sair da CIOPAER, de repente minha mente acende feito os cartoons, juro que é possível que uma lâmpada esteja aqui do lado da minha cabeça, ele deve ter ido resolver os últimos detalhes da sua saída, ninguém deixa de ser militar de uma hora para outra, sei como isso cobrou um preço alto dele, mas deixei que tomasse suas próprias decisões, principalmente quando argumentou que nossa família era mais importante que tudo e não repetiria os erros do pai ao colocar o profissional antes do pessoal. — Chegamos! — a voz animada de Luana me desperta dos devaneios e só então me dou conta de onde estamos, faz meses que estive diante desses mesmos portões, a última vez foi fugindo de Cícero após descobrir sua mentira. Viro-me para ela sem entender por que me trouxe aqui. — Aqui? — Sim, aqui! Como parte integrante da família Duarte é esperado que assuma uma função nos negócios, eu estou na parte administrativa da empresa assim como Cícero, mamãe cuida daqui e como antes de sair correndo como louca no dia do casamento você tinha expressado um desejo de ajudar também, achamos que o quanto antes começasse melhor, não que você precise trabalhar, principalmente com Amália deixando tudo que tem

para você e sua filha, além é claro das empresas que sua mãe conseguiu tirar das mãos de Arnoldo, cunhada, tu tá podre de rica. Ouvir tudo isso causa um arrepio na minha coluna, não queria nenhum centavo do dinheiro que Arnoldo conseguiu vendendo o corpo da minha mãe, foi isso que a destruiu aos poucos e culminou no seu suicídio, mas seguindo a orientação dos advogados e Mariana decidi manter as empresas e fundi-las as da família Duarte, também devolvi as ações da empresa alimentícia a Cícero, sei que isso deixou o verme que se diz meu pai irado e não me importo, mas agora é a hora de fazer algo de bom com tudo isso, com a ajuda de Raul, a quem designei a direção do escritório de advocacia, pretendo direcionar uma boa porcentagem dos lucros para instituições que cuidem de pessoas que sofrem de algum tipo de transtorno psicológico, senti na pele como a nossa mente pode ser nossa pior inimiga e ter quem me estendeu a mão na hora certa evitou que tivesse o mesmo fim que a minha mãe. — Não quero ser considerada diferente por receber um dinheiro que nada fiz pra conquistar — resmungo ao tirar o cinto. — Não fez, mas fará e isso lhe tornará merecedora de cada centavinho, agora vamos lá pro seu primeiro compromisso como uma Duarte. — Você sabe que isso é figurativo, nem remarcamos a data ainda, estávamos mais focados em sermos pais.

Digo enquanto vamos entrando e me surpreendo ao perceber como senti saudades daqui, o pátio está limpo e há cadeiras e mesas espalhadas por todos os lados, algumas pessoas colocam toalhas e arranjos sobre elas, mas não tenho tempo para analisar mais a fundo, o braço de Luana me puxa escada acima e antes que me dê conta estamos no quarto que usei para me arrumar da outra vez e ele não está vazio, minhas amigas, minha avó, Silvana, Mariana e Amália, sentada com Alicie no colo, me sorriem. Olho para todo o ambiente sem entender, até que vovó dá um passo para o lado e deixa à mostra o vestido sobre a cama. Minha boca fica seca, minhas mãos tremem quando percebo tudo que está acontecendo, ou melhor, para acontecer e o tremor só piora ao sentir meu celular vibrando dentro da bolsa, o pego e vejo o nome de Cícero brilhando na tela, com dedos trêmulos aceito a chamada e levo o aparelho ao ouvido. — Você é louco! — digo, sorrindo e chorando ao mesmo tempo. — Louco por você, minha anja-demônia, não quero esperar mais um dia sequer para tê-la como minha oficialmente, então coloque o vestido que minha irmã e suas amigas escolheram e venha ao meu encontro na estufa — sua voz grave faz todas as terminações nervosas do meu corpo ganharem vida, principalmente quando reduz a voz ao final. — E por favor, use a lingerie que escolhi, mesmo Luana sendo contra. Quero passar a cerimônia toda imaginando você com ela, se bem que já tô duro desde agora.

Sinto meu rosto queimar com suas palavras e se for uma escolha parecida com a da última vez é algo que dá vergonha em ver até fora do corpo, mas seu comando tem uma ligação direta com a minha boceta que pulsa e posso notar a umidade se formando entre minhas pernas. — Você é ainda mais louco do que eu pensei — digo sorrindo —, mas é o louco que eu amo. — Que bom que sou, espero você no altar. — Suspiro por ele lembrar que essa é uma das falas de livro preferidas minha, meus olhos marejam imediatamente. — Eu serei a mulher de branco. O riso dele enche meus ouvidos antes que desligue e encontre vários olhos sobre mim, vou até minha filha e a pego nos braços, matando a saudade que nem tinha notado que já sentia dela. — É, estrelinha, a mamãe vai casar — digo, beijando o topo da sua cabeça e ela se remexe inquieta, às vezes me surpreendo o quão saudável e ativa ela é mesmo tendo nascido prematuramente. — Sim, sim, por isso entregue nossa bonitinha para alguém que a equipe chegou para te deixar ainda mais bonita — Luana diz e logo minhas amigas estão disputando para ver quem fica com Alicie, é sempre assim com elas, minha filha tem as melhores madrinhas-tias do mundo inteiro.

Estou parada diante do espelho de corpo inteiro mais uma vez com minha avó atrás de mim, diferente de meses atrás não estou com medo do estrago que Cícero fará ao meu coração ao final de um ano, não, nem um pouco, ele já o tem e cuida com zelo e carinho. O vestido tomara que caia abraça minhas curvas como se tivessem o desenhado exclusivamente para mim, os quilos a mais deixados pela gravidez não mais visíveis, graças a Deus, já pensou minhas banhas vazando? — Tá nervosa? — vovó pergunta, tocando meu ombro nu e puxa o véu para que se ajuste. — Um pouco, mas não como da última vez — revelo. — Daquela vez vocês eram dois teimosos que nem comiam, nem saíam de cima, agora tem uma criança na história e isso fez uma grande diferença para o crescimento dos dois. — Ela sorri e não posso deixar de concordar, Cícero e eu evoluímos muito desde que nos conhecemos. — Por falar nela, onde minha filha está? Faz quase uma hora desde que a vi, minha vó sorri e vejo um brilho

encantado surgir nos seus olhos. — Aquelas doidas que você chamou pra madrinhas estão terminando de arrumar minha bruguelinha, o vestido que Silvana escolheu para ela vai deixá-la parecendo uma bonequinha. Sorrio já imaginando a confusão que deve estar acontecendo no quarto ao lado, minhas amigas brigando por quem irá vesti-la, eu amo aquelas malucas ainda mais pelo amor que todas têm pela minha garotinha. Vovó se afasta e segundos depois as meninas estão no quarto com Alicie realmente parecendo uma bonequinha de porcelana, o vestido com muitos babados em formato de pétalas de rosa, as flores bordadas nele bem parecidas com as que têm no corpete e saia do meu próprio vestido. Estendo os braços para pegá-la ao mesmo tempo que Luana chega vestindo um lindo vestido verde mar que realça a cor dos seus olhos. — Que bom que está pronta, já estamos atrasadas no cronograma — diz deixando sua paranoia com horário evidente. — Tem calma, minha filha, ou vai ter um piripaque antes dos trinta — fala vovó toda séria. — Mas vamos, o caboré deve tá roendo as unhas no altar e se bem conheço o Padre Tarcísio, vai fazer um sermão e tanto se demorar demais. Apenas balanço a cabeça concordando, ajeito Alicie no meu colo para

que com a outra mão segure o braço da minha avó que segura o buquê de hortênsias para mim e começo a fazer o caminho que me levará aos braços do homem que eu amo, pelo resto da minha vida, assim espero.

— Nem acredito que esse dia realmente chegou, o inferno deve estar tendo os últimos pontos de calor extintos nesse momento exato! — Bruno, um dos meus colegas da CIOPAER, brinca ao apertar minha mão. — Não é para tanto, camarada, qualquer um que tiver a sorte grande de encontrar uma mulher que o olhe como a minha anja-demônia faz deve cuidar de torná-la sua esposa o mais rápido possível — respondo cheio de orgulho. — Falou o homem que engravidou a namorada como a porra de um adolescente espinhento — Alex diz sorrindo ao se aproximar. — É, Barbosa, pelo jeito ficou pra você a tarefa de consolar a legião de fãs do Duarte, as quengas de Fortaleza devem estar na igreja essa hora, fazendo oração pela alma do pau falecido desse bastardo — Bruno faz piada e apenas o ignoro. — Teu rabo, viado, aqui não sou o Comandante Barbosa, só Alexandre e você deveria tá soltando rojões de festa, pelo menos agora tu

tem uma chance de comer alguém, já que a concorrência diminuiu, respeite o Comandante, pois ele arrumou uma mulher que vale por dez — Alex fala em tom de brincadeira, mas posso notar o fundo de verdade nas suas palavras, o carinho que tem por Cecília se equivale ao de um irmão mais velho. — Ih, Duarte, se não tivesses visto nosso garoto de ouro outra noite em umas das famosas festas da Nathany, acompanhado de uma loira de tirar o fôlego, diria que está querendo furar seu olho, aliás, quem era aquela gostosa, Alex? Ó diaba bonita e eu só vi a mulher vestida, imagina ela sem roupa. — O olhar de Bruno ganha um ar sonhador. Meus olhos vão para Alex e o noto abrindo e fechando as mãos, algo está acontecendo e ele não quer contar, estive tão ocupado nos últimos tempos que não reparei nele ou no que andou fazendo, espero que não tenha voltado a cair nas garras de Patrícia, ela consegue extrair apenas o que há de pior nele e quando cansa o descarta como pedaço de papel usado. — Não sei do que está falando, Maldonado, ou melhor, não me lembro bem, estive na companhia de mulheres belíssimas, não gravo muito as fisionomias, não mais do que a voz delas gemendo quando meto com força. Estranho a forma como fala, mais uma prova de que não está confortável com essa conversa, por sorte Luana chega para nos avisar que minha noiva está pronta e devemos nos posicionarmos. Quando ela nos vira as costas, o assobio de Bruno chama a nossa atenção, ele olha de Alex para

mim antes de começar a rir. — Você é um filho da puta maluco, Barbosa, pegando a irmã do seu melhor amigo, mesmo conhecendo a potência do soco desse homem. — Balança a cabeça incrédulo. — Não fala besteira, Alex não levaria Luana a uma festa... — Viro para encarar meu melhor amigo que tem os olhos no chão e muda o peso do corpo de uma perna para outra. — Você não fez isso, fez? — Não a levei se é isso que está perguntando, mas a encontrei sim em uma festa... — Ergue os olhos para mim e não há arrependimento neles, o que me diz que a coisa foi além de um flerte ou um lance de uma noite. Agora é a minha vez de abrir e fechar as mãos tentando controlar a minha vontade de socar alguém, por Deus, como ele foi capaz? Não de se envolver com a minha irmã, isso não me importo, quer dizer, não muito, mas o fato dele ficar com ela em uma festa de swing, possivelmente para atingir a Patrícia que pelo que soube está cada vez mais amiga de Nathany, essa é outra que gosta de ver o circo pegar fogo e conhecendo a história conturbada do meu melhor amigo e sua ex, só posso esperar que quem sairá magoada no fim é minha irmã, isso eu não aceito. — Conversaremos sobre isso depois, agora vou me casar com a mulher da minha vida e só por esse motivo não vou socar sua cara, cretino,

Cecília não ia querer você de olho roxo no nosso álbum de casamento. Digo com mais raiva impregnada na minha voz do que gostaria e ele apenas balança a cabeça em concordância. Me afasto dele e de Bruno e sigo para o local indicado pela minha irmã previamente, que vem a ser no final da estufa onde um padre e um juiz de paz já estão posicionados para nos casar. Olho em volta e fico satisfeito com o trabalho das minhas mães e irmã, claro que elas contaram com a ajuda das amigas de Cecília e dona Clarisse, eu quis que o nosso casamento, mesmo sendo uma surpresa para ela, estivesse do seu agrado, espero não ter enfiado os pés pelas mãos. Todos esses pensamentos fogem da minha mente no momento em que a música Imbranato

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de

Tiziano Ferro, começa a tocar por um grupo de crianças assistidas pela Fundação, a escolhi por falar de uma forma tão clara como me sinto sobre nós e no início da estufa vejo minha mulher surgir com nossa filha no colo ao lado da sua avó, o mundo além dela para de existir para mim, tudo poderia acabar nesse instante e eu não notaria. Seguro o microfone que Luana me entrega e me preparo para derramar o amor que existe no meu coração em forma de canção.

Minhas pernas tremem ao notar que terei que fazer todo o caminho

até onde o altar foi posicionado. A estufa está simplesmente linda, pisco algumas vezes para ter certeza de que é real. Há várias mesas posicionadas para depois da cerimônia, mais a frente posso ver as cadeiras onde nossos amigos e familiares estão sentados. A luz do sol ao final do dia reluz e ilumina o meu amor que me espera diante do padre, ele vira para pegar algo que Luana estende e se meus passos já estavam vacilantes antes, agora que percebo o que ele irá fazer sinto que cairei. È iniziato tutto per un tuo capriccio Io non mi fidavo, era solo sesso Ma il sesso è un'attitudine Come il'arte in genere E forse l'ho capito e sono qui. Com sua voz grave ele canta fazendo meu coração trovejar no peito emocionado, esse homem que tenta manter a fachada de durão e inabalável está mostrando a todos o quanto me ama. Scusa sai se provo a insistere Divento insopportabile, io sono Ma ti amo, ti amo, ti amo Ci risiamo, va bene, è antico, ma ti amo. As lágrimas inundam meus olhos e preciso me concentrar para não cair, principalmente por estar com Alicie nos meus braços. Agora meus passos são lentos demais, quero chegar até ele para sentir o seu toque que

acalmará a tempestade de sentimentos que ameaçam explodir de dentro para fora do meu peito. Vovó aperta meu braço e balança a cabeça daquele seu jeito único de repreender, sorrio abaixando minha cabeça sentindo o cheiro doce da minha filha. Ciao, come stai? Domanda inutile! Ma a me l'amore mi rende prevedibile Parlo poco, lo so, è strano, guido piano Sarà il vento, sarà il tempo, sarà fuoco. Chego ao altar e Cícero toca o rosto da nossa garotinha antes que eu a entregue para Amanda, que está visivelmente emocionada, mas ainda gesticula "Pacotão completo da miséra, hein?" sem emitir som e sorrio. Vovó beija minha testa e a de Cícero que se inclina para receber o carinho antes de estender a mão para mim, ponho minha mão sobre a sua e não consigo segurar o suspiro alto que me escapa, a sensação que tenho é a de voltar para casa depois de um longo período viajando. Io, si Ah, ma ti amo

Encosto minha cabeça no peito do meu comandante e suspiro ainda sem acreditar que somos marido e mulher, tanto na lei de Deus quanto na lei dos homens. Ainda não superei a emoção de vê-lo cantando para mim, nem da minha avó emocionada ao me entregar oficialmente para ele, daquele momento em diante tudo foi como um borrão, por mais que eu quisesse prestar total atenção nos detalhes, tudo que minha mente registrou foram os olhos azuis de Cícero me fitando com tanta emoção que foi impossível conter as lágrimas dos meus. Dissemos o "eu aceito" com convicção, depois de tantos percalços no nosso caminho temos mais do que certeza do nosso amor, olho para o lado e vejo Alicie passar dos braços de Luana para os de Alex e sorrio por ver como todos parecem bobos quando ela está por perto. Meu marido, sinto borboletas voando no meu estômago toda vez que penso nele com esse subtítulo, vira a cabeça na mesma direção e ouço o seu rosnar nada satisfeito, me afasto para olhá-lo e vejo que está olhando feio para o nosso padrinho de casamento. — O que foi? — Estranho essa sua atitude, Alex é seu melhor amigo até onde sei. — Nada não! — responde, forçando um sorriso.

— Fala logo ou vou achar que é pior do que é. Ele volta a olhar para onde a irmã está dividindo a atenção entre Alex e nossa filha, já tinha notado a forma como ela o olha, mas não achei que isso fosse incomodar a Cícero, nosso amigo é alguém decente, bom, tirando certas coisas que ele gosta de praticar, mas isso é a opção dele e o próprio Cícero já andou curtindo certas surubas com ele. — Acho que ela pode sair machucada — diz se referindo a irmã. — Por que acha isso? Alex não é um cafajeste. — Estreito os olhos. — Não é, mas também não está sentimentalmente disponível, tenho receio que minha irmã seja apenas um passatempo até Patrícia decidir que o quer de volta, vi isso acontecer muitas vezes e sempre a garota com quem ele se envolvia saía machucada. A preocupação dele com a irmã é algo comovente, principalmente depois de ver com meus próprios olhos como esses dois gostam de trocar farpas, mas se tem uma coisa que não acredito é que Alex faria Luana sofrer intencionalmente, mas o que eu entendo de relacionamentos, não é mesmo? Me casei com o segundo homem da minha vida e o primeiro que conquistou meu coração, isso depois de tentar fugir dele a todo custo, não sou um exemplo a ser seguido definitivamente. Sorrio ao chegar a essa constatação. — Do que você está rindo?

— De nós dois — sou sincera. — E o que há de tão engraçado? — Aquele sorriso malicioso dele começa a despontar. — Não é óbvio? Há pouco mais de um ano nem você ou eu queríamos tudo isso, eu fugia até mesmo da ideia de me apaixonar por alguém a ponto de entregar meu coração e o comando da minha vida assim. — E eu acreditei que não era para mim esse troço que chamam de amor, até ouvir uma certa risada rouca e ver a dona dela gostosa pra caralho naquele vestido colado, depois foi esperar o momento certo de me aproximar e roubar um beijo dela, só não imaginava que ao fazer isso estaria me colocando sob o seu comando permanentemente. Sinto um nó se formando em minha garganta com as suas palavras, ele segura o meu rosto e acaricia com suavidade. — É porque o amor que nos une está além do que controlamos, vai muito mais além, está sobre eu e você. Seu rosto se aproxima do meu e recebo seu beijo cheio de promessas e juramentos, isso até sermos interrompidos por uma Luana empolgada avisando que está na hora de cortar o bolo e jogar o buquê. Relutantes, separamos nossos lábios e seguimos para a mesa de doces, sorrimos para as câmeras, nos beijamos, partimos o bolo e tiramos mais fotos, após trocarmos

mais beijos ao dar bolo na boca um do outro, jogo o buquê, dividida entre quem eu gostaria que o pegasse. Amanda é a sortuda da vez, mas ela o atira longe e cai nas mãos de Alex que observava tudo a uma certa distância, todos riem da cara sem jeito que ele faz, até mesmo Cícero, o que faz o meu ânimo voltar com tudo. Depois de mais uma dança com meu marido, me retiro para amamentar minha garotinha, ela se alimenta tanto do meu leite quanto de um outro recomendado pela sua pediatra, é bem gulosa minha estrelinha, mas isso veio a calhar hoje, assim posso passar minha noite de núpcias sem me preocupar dela estar se alimentando ou não. Vovó me deu um sermão quando insinuei levá-la conosco para passar a noite no hotel, seja lá qual for, no fim cedi por saber que não serão mais do que algumas horas e Alicie estará com a pessoa que mais confio nesse mundo, afinal foi ela quem me criou. — Ela dormiu? — Cícero pergunta, entrando no quarto tentando não fazer barulho, logo atrás dele vejo minha avó revirando os olhos, esses dois não sei não. — Dormiu — digo, acariciando a cabeça da minha menininha. — Então acho que já podemos ir. — Abre aquele sorriso safado pra mim e sinto as conhecidas borboletas voando soltas no meu estômago. — Tão ansioso pra começar a fornicação, não é caboré? — diz vovó

repreendendo-o e seguro o riso. — Espero que agora vocês se cuidem ou vão ter outra criança correndo por aí antes dessa aqui fazer um ano. — Não diga isso, vó, Deus é pai, não é padrasto, não — respondo rindo, mas por estar tranquila quanto a isso, comecei a tomar a pílula há uma semana, não quero outro filho agora e sim curtir minha Alicie por bastante tempo antes de pensar no próximo que com certeza virá, pretendo ter uma família grande. — Sei, se você tá dizendo quem sou eu pra discordar, se querem sair de fininho vão logo, aproveitem a noite de núpcias de vocês, vou enviar uma mensagem pro Alexandre, ele vai nos levar para casa de Silvana, já deu de festa para a pequena e eu. Ela vem até onde estou e pega minha filha para colocá-la no bebê conforto, sabia que minha avó não ficaria até o final, mas fico tranquila por saber que ela terá ajuda essa noite e não demora e Silvana chega no quarto dizendo que Alex as espera, nos despedimos das mulheres que são as grandes responsáveis pela nossa criação e da nossa filha adormecida e escapulimos de fininho pela entrada lateral e não me importa para onde vamos, estou com o homem que eu amo e isso me basta.

O carro para em frente ao hotel e olho para minha anja-demônia que se manteve bem quieta no trajeto até aqui, mas isso foi bom, estamos na presença de uma terceira pessoa e se eu colocasse as mãos sobre ela aqui dentro seria impossível largá-la, nem a pau correria esse risco, meu desejo em tê-la de todas as formas possíveis está sob controle até estarmos entre quatro paredes. Aperto de leve sua mão e ela me olha com esses olhos negros brilhantes e perco o fôlego ainda sem acreditar realmente que agora somos oficialmente um do outro. E pensar que há pouco mais de um ano não acreditava que esse tipo de felicidade fosse para mim. — Você ficou muito calada, está pensando em desistir depois que fez uma grande loucura? — Ergo uma sobrancelha e pisco um olho provocandoa. — Eu? Não, você ganhou meu coração quando se desculpou com a minha Filó. — Pisca os olhos fingindo-se de inocente. — Ah, não me fale daquela lata velha, vou cuidar para que o uso dela não seja necessário, não quero nem pensar em você andando nela com nossa filha. Abre a boca para protestar, mas o motorista nos interrompe ao abrir a porta para sairmos, vou primeiro e estendo-lhe a mão, entrelaço seus dedos nos meus e a puxo para junto de mim assim que sai do carro, seguro seu rosto com minha mão livre e o seguro na posição perfeita para que eu possa beijá-

la. Como sabia que aconteceria, assim que meus lábios tocam os seus sinto meu pau voltar a protestar por liberação, pressiono minha ereção nela e o gemido rouco que vem do fundo da sua garganta é como gasolina na minha fogueira interna. — Vamos entrar ou não respondo por mim — digo ainda com os lábios juntos aos seus, ela sorri e se afasta. — Então não me faça esperar mais. — Nunca mais! Seguimos para o saguão do hotel na Avenida Beira Mar, não paro para notar o luxo do ambiente, isso não importa agora, perco apenas o tempo necessário para pegar o cartão-chave, faz muito tempo que não tenho a minha mulher nua em meus braços, protelar o momento não está nos meus planos. Já no elevador puxo seu corpo para junto do meu e início a tortura de deslizar as pontas dos meus dedos por seus braços nus, para qualquer pessoa de fora é um carinho inocente, mas a forma como sutilmente giro meu quadril indo de encontro a sua bunda, que mesmo debaixo de camadas de tecido consigo sentir quando ela trava e prende a respiração, é na verdade minha forma de provocá-la. Por sorte logo o ding se faz ouvir e saímos do elevador para a antessala da suíte, mordisco o lóbulo da sua orelha e seu corpo estremece. — Você pensou em tudo mesmo, não foi comandante? — diz se

virando para me olhar com um brilho malicioso nos olhos. — Tive muitas noites para pensar. — Por algum motivo me sinto encabulado com a forma que ela me olha, como se eu fosse o seu super herói, porra, eu amo saber que ela me vê assim. — Ah, isso é verdade, mas sabe que o nosso quarto já estava de bom tamanho, tudo que mais importa é você e eu nos amando. — Amo o fato dessa mulher incrível não mudar, por mais que sua vida tenha entrado em uma espiral de mudanças ininterruptas, ela ainda é a garota de língua afiada que me rendeu por completo ao me desafiar a ser o homem que ela queria e precisava que eu fosse. — Eu sei, mas hoje não é qualquer noite, é a primeira que eu terei você como minha esposa e a minha garota merece ser tratada como uma rainha, se existisse aqui um palácio ornamentado em ouro e pedras preciosas, esse lugar ainda seria chinfrim para receber a presença da mulher mais linda desse mundo. Seus olhos ficam marejados e acaricio o caminho por onde uma lágrima errante rola, ela inclina a cabeça e beija a palma da minha mão. Puxo-a para mim e tomo posse dos seus lábios que se abrem dando passagem para a minha língua ávida por sentir o seu sabor único, mordo seu lábio macio e o gemido dela transforma o momento cálido em urgente, quero me enterrar nela até perder os sentidos, mas essa noite não se trata do que eu

desejo, sim do que nos dois queremos. Ergo seu corpo e a pego no colo sem romper o contato dos nossos lábios, passamos pela sala de estar e nos encaminho para o quarto, quero fazer tudo direitinho e pensar com minha cabeça racional, não com a porra do meu pau que implora para que esqueça isso de ser cavalheiro. Ponho Cecília sobre seus pés e nosso beijo diminui a intensidade até ser apenas um leve roçar de lábios, ela olha para as grandes janelas de vidro e suspira com a visão esplendorosa do mar a nossa frente, depois olha para o lado oposto analisando cada pedacinho do ambiente e não nego que faço o mesmo, mas na minha mente vou fazendo planos de onde irei fazer amor com ela e quais lugares são bons para foder com força como nós dois também gostamos. — Sabe, comandante, eu nunca te contei isso, mas sempre me perguntei se foder numa jacuzzi é tão empolgante quanto nos livros que li deixaram a impressão de ser. Meus olhos vão de encontro a enorme banheira posicionada de forma sugestiva, como se estivesse nos convidando a entrar ali e fazer todas as sacanagens possíveis, isso me traz a mente um desejo que tenho desde a primeira vez que essa demônia saiu andando e rebolando essa bunda empinada para mim, esses jatinhos serão meus melhores amigos essa noite. — Estamos aqui para fazer suas vontades, minha mulher — chamá-la assim faz o meu homem das cavernas interior vibrar.

— É? — Ergue uma sobrancelha e balanço a cabeça confirmando. — Então comece tirando essa roupa, comandante, quero ver o MEU homem por inteiro. — Enfatiza o meu e senta na cama para me observar. — Seu, é? — provoco-a. — Sim, todo meu! A forma como lambe o lábio inferior e me olha cheia de desejo é o incentivo que preciso para começar a me despir como é o seu desejo, peça por peça sai do meu corpo e é assistida por ela a queda de cada uma de encontro ao chão. Quando estou apenas com a boxer preta ela levanta e para minhas mãos, não protesto, pois sem dizer nada suas mãos percorrem o meu abdômen, peito e ombros, o suspiro que soltamos juntos é o único som que se faz ouvir, por mais que tenha planejado fazer amor com ela com uma música de fundo, os sons que emitimos são ainda mais sedutores. Sem um aviso seus lábios tocam os meus e de olhos abertos acompanho os movimentos dela me provocando, incitando para que reaja, mas estou sob o seu comando e deixá-la tomar a frente faz parte disso, mas nada me preparou para seus lábios deslizando pelo meu corpo desde o queixo, tronco e vê-la cair de joelhos diante de mim, a saia do vestido se abrindo ao seu redor como pétalas de rosas ao amanhecer, é uma visão dos céus, no entanto não tenho muito tempo para pensar sobre, suas mãos deslizam a boxer por minhas pernas, suas unhas arranhando de forma

proposital e sinto um arrepio me subir pela coluna. — Você é lindo! — exclama me olhando de baixo para cima. Engulo em seco tentando encontrar as palavras certas para responder o seu elogio, mas ele morre no momento que seus lábios tocam a ponta do meu pau sugando de leve o líquido que ali estava, seguro na sua cabeça, mas não para forçá-la a fazer nada, sim para não cair, nunca pensei que um dia entenderia o significado da expressão "de pernas bambas", mas cá estou eu sentindo as minhas querendo se curvar pelo imenso prazer que essa mulher me faz sentir.

Sentir o corpo do meu homem tremer com uma carícia simples da minha boca sobre seu membro rígido me faz sentir poderosa e munida por esse sentimento desço minha língua, acariciando toda a extensão até os seus testículos que também recebem atenção antes que suba mais uma vez e tome todo ele na minha boca e o sugue com vontade, como se esse fosse o meu sabor de pirulito favorito, seus dedos se embrenham pelos meus cabelos e seu pau pulsa entre meus lábios, sinto a umidade entre as minhas pernas aumentar consideravelmente, mas estou disposta a fazê-lo gozar com vontade na minha

boca, meu homem já teve todo o trabalho de planejar um dia mágico para mim, isso é apenas uma minúscula recompensa para tudo que me fez sentir. Levo uma mão atrevida até o seu peitoral e giro um dos bicos entre meus dedos ao mesmo tempo que aumento a velocidade das sucções dos meus lábios e o roçar da língua no ponto onde sei que o enlouquece. Sinto meus cabelos sendo puxados com um pouco mais de força, mas não de forma agressiva, é excitante estar no comando e ser comandada assim, dou a cartada final quando acaricio seus testículos estimulando o máximo de pontos sensíveis do seu corpo possível, é o estopim para ele gemer alto falando o meu nome e deixando-se gozar entre meus lábios, enfiando até o fundo da minha garganta e eu engulo todo o seu prazer. Seguro suas pernas para ajudá-lo a passar os tremores e quando eles diminuem, sento sobre as minhas pernas e o olho presunçosamente, o sorriso lascivo que ele me lança junto com olhar devotado mexem com minha psique e libido de uma forma extraordinária. — Você me deixou sem palavras! — Segura meus ombros e me puxa para junto do seu corpo. — Mas acho que está vestida demais, no entanto quem vai tirar esse vestido que te deixa com aparência de anjo serei eu, pois nesse momento quero a minha demônia com tudo que tenho direito. Sem aviso me vira de costas para ele e morde meu ombro fazendo um calafrio me subir pela coluna, suas mãos habilidosas tocam meus seios por

cima do tecido e apesar das camadas de tecido posso sentir o calor delas sobre mim, mas elas se demoram poucos segundos ali, logo estão no zíper as minhas costas me libertando dele, o tecido desce pelo meu corpo e ao cair em nuvem ao meus pés revela meu corpo nu, exceto pela microcalcinha branca de renda do conjunto de lingerie que ele escolheu para mim, as meias sete oitavos e a cinta liga também rendada. Cícero vem para minha frente e um assobio baixo se faz ouvir, por um instante me sinto envergonhada, os quilos a mais que ganhei na gravidez ainda não foram todos eliminados e ainda possuo aquela "pochete" onde um dia foi liso, mas basta ver como ele come meu corpo com os olhos para deixar essa insegurança de lado, ele me ama não importa como as minhas curvas estão. — Eu sabia que tinha feito uma boa escolha. — Segura minha mão e me ajuda a sair do meio do tecido, me vira e cola sua ereção na minha bunda e mexe os quadris fazendo minhas chamas internas ameaçarem me queimar por completa. — Fique aqui que já volto. Mesmo com as pernas bambas fico paradinha, os saltos não ajudam em nada a me manter firme, mas logo o barulho de água chega até mim e o tremor agora é pela expectativa do que está por vir, segundos depois meu comandante está ao meu lado no momento exato que uma música começa a tocar ao fundo, a letra é bem sugestiva e isso me faz entrar ainda mais no

clima de sedução. Ela diz exatamente como as coisas são quando estamos assim. Suas mãos descem pelo meu corpo causando arrepios e uma gota de suor vai rolando pelas minhas costas, não demora para que sinta sua língua fazendo o caminho contrário dela até chegar ao meu pescoço e sugar ali com força, essa é a única parte dos nossos corpos que se tocam e a expectativa do que virá é torturante e embriagante. Você adora quando eu sou doce, querida Eu amo quando você morde Você adora quando eu cubro seus olhos Por um minuto, mas apenas algumas noites Eu amo quando você me pede Para fazer cócegas nas suas costas Você adora quando eu chego até embaixo E seguro entre suas coxas, assim Recita a letra da música em português e faz exatamente o que ela diz colocando a mão em concha sobre minha intimidade, tremo toda e encostome no seu peitoral para não cair. — Espero que você não tenha gostado dessa calcinha — diz, puxando-a com as duas mãos e rasgando a renda, primeiro de um lado, depois do outro, então assisto o tecido cair aos meus pés. — Acho que alguém andou testando resistência de calcinhas por aíiii — brinco, mas perco o fio ao sentir seu polegar movendo-se sobre o meu

clitóris, prendo a respiração e seguro nos seus braços para não cair. — Oh, eu testei e valeu a pena, agora curve-se para mim e segure nos seus joelhos — comanda e não resisto, logo me inclino, isso faz minha bunda roçar no seu pau enrijecido e o gemido agora é em uníssono. — Puta que pariu, eu quero muito te foder com força, mas vou fazê-la pagar por ser tão gostosa. Uma palmada desce na minha bunda e quase caio, ele segura meus quadris até que sinto minhas pernas firmarem novamente, nessa posição consigo ter uma visão única de tudo e assisto meu comandante se agachar até estar sentado sobre suas pernas e muito lentamente sua língua molhada tocar minhas dobras úmidas e circular toda minha boceta com ela, sugando minha excitação, e gemer como se esse fosse o néctar dos deuses para ele, não caio de cara no chão porque ele me segura, mas as pernas ameaçam fraquejar a qualquer momento, principalmente com a forma como sua língua circula minha intimidade por todos os lados. Antes que eu exploda em um orgasmo ele levanta e me puxa até estar em pé, meio atordoada por não entender porque parou, olho para ele buscando uma explicação, mas essa não vem e ele me pega no colo, envolvo seu corpo com minhas pernas ao ser carregada por ele em direção da banheira, para ao lado dela e tira meus sapatos, nem percebi que ainda os tinha. — Eu fantasiei foder você usando isso. — Puxa a liga que bate na

minha pele causando uma dor gostosa incrível. — E meias, mas não pensei que seria tão melhor do que minhas fantasias. Engulo em seco e seguro nos seus cabelos colando nossas testas, deixando nossas bocas a centímetros uma da outra. — Sempre é melhor na realidade, comandante. — Beijo o canto da sua boca o provocando. — Agora não me faça mais esperar para ter você todo enterrado dentro de mim, eu não acho que suporto muito mais tempo. O rugido que vem dele é animalesco, ele entra na banheira e me desce, suas mãos grandes me apertam a lombar no momento que sua língua adentra minha boca tomando posse do que já lhe pertence, eu também sugo a sua deixando minha marca, como também aperto seus músculos arrastando minhas unhas por todo ele, seu pau grosso e pesado pulsa junto ao meu ventre, também anseio tê-lo dentro de mim. Cícero desce a boca por meu pescoço até os meus seios e dá a atenção exigida por eles com maestria, a essa altura minhas meias estão tão ensopadas que não me importo quando ele me faz avançar até estar de joelhos, espero que abaixe comigo, mas ele dá a volta e se posiciona atrás de mim, segura meus seios nas mãos e com os joelhos empurra minhas pernas fazendo-as se abrirem e não seguro o grito de surpresa quando um jato de água atinge meu clitóris já tão sensível. — Lembra quando eu disse que iria lhe dar prazer de todas as formas? — pergunta, mordendo minha orelha com a mesma pressão que aperta os

bicos dos meus seios. — Huhummmmm — gemo em resposta, isso é tudo que consigo fazer com a invasão de sensações que me assolam. — Bom, chegou o dia, segure na borda da banheira e incline essa bunda gostosa para mim — sua ordem faz um alerta soar na minha mente. — Não vai foder o meu cu. — Tento sair do seu abraço, mas seus braços me seguram. — Hey, não farei nada que você não queira, confie em mim, nunca acontecerá, você é quem tem o controle aqui, tudo bem? — Tudo bem. — Sinto-me tola por pensar que ele pudesse me forçar a algo. Sinto o beijo carinhoso no meu ombro e vou relaxando. Para mostrar que confio nele me inclino e faço como ele disse, meu gemido ao fazê-lo é alto, nessa posição não apenas um jato me estimula, agora são três, cada um vindo de uma direção diferente e preciso segurar para não cair mesmo. — Isso aí, minha anja-demônia, sinta como esses jatinhos podem ser nossos amigos. As mãos dele deslizam pela minha coluna antes de se ocuparem do meu corpo em uma carícia enlouquecedora. — Adoro a forma como seu corpo ficou com ainda mais curvas, amo

poder segurá-la aqui e sentir como minhas mãos ficam cheias, você está ainda mais linda do que antes. Ele inclina o corpo sobre o meu e beija meu pescoço, sinto a ponta do seu pau tocar minha entrada e tremo em expectativa, mas o safado se afasta, viro a cabeça e o vejo segurando o membro na base e passá-lo entre minhas nádegas provocando, mordo meu lábio contendo um gemido e o seu dedo desliza para dentro de mim, nessa posição meu quadril fica quase todo para fora da água, apenas minha pélvis sendo atingida pelos benditos jatos com tudo. Sinto-o circular fazendo minhas paredes internas se contraírem, apertando-se antes que o retire e espalhe minha excitação até o meu cu, travo mais uma vez, mas então sinto seu dedo ser substituído por seu pau que me penetra com tudo e grito seu nome sentindo minhas carnes tremerem ao serem invadidas depois de tantos dias sem sexo. — Que porra de buceta gostosa do caralho! — diz entre dentes. — Como estava com saudade dela. Me remexo um pouco e o movimento misturado aos jatos me põe na linha final. Sentindo meu corpo tremer sua mão toma a base da minha bunda e a outra se apossa de um dos meus seios, ele sai um pouco e quando volta aperta meu bico e introduz um dedo no meu rabo, copiando o movimento circular do seu quadril. Me desfaço inteira, sou apenas uma massa trêmula e pulsante em suas mãos, e como se visse de fora, me pego pedindo por mais,

exigindo até. Ele investe contra meu corpo com o mesmo ímpeto que recebo suas investidas de todos os lados, estamos dançando num ritmo totalmente nosso e nada nesse mundo poderia ser mais prazeroso do que esse homem me fodendo com maestria, a sua promessa para me satisfazer de todas as formas volta a sondar minha mente e antes que perceba as palavras estão saindo pelos meus lábios. — Eu quero — professo meio sem fôlego, meio trêmula. — O que, anja? O que quiser eu lhe darei — promete ao arremeter mais uma vez para dentro de mim e não consigo responder. Um orgasmo avassalador me toma e sinto meu corpo flutuar solto no ar. Suas mãos me apertam o quadril no momento que minhas paredes internas apertam seu pau ao se contraírem e extraem dele um segundo orgasmo e flutuamos os dois no espaço único e exclusivo nosso. O que eu queria até segundos atrás não importa, ele já fez a sua mágica, não só agora, mas desde que o conheci vem me mostrando um mundo novo cheio de possibilidades e escolhas, me fazendo ciente de cada uma delas e ficando ao meu lado a cada uma que faço. Cícero me deu muito mais do que prazer, juntos nos demos ao outro a segurança para arriscar, tentar, errar, cair e levantar, pois se estamos juntos não temos medo de tentar,

de amar e tão pouco sermos amados, ele me mostrou que haverá coisas que não poderemos controlar, outras que caberá a nós o poder de fazer acontecer ou não, ele me mostra que somos capazes de tudo quando estamos juntos, basta que deixemos o coração no comando.

— Comandante, você está aí? — ouço a voz da minha anja-demônia e suspiro sentindo a brisa do mar adentrar o quarto. Hoje faz quatro anos que nos casamos e decidimos comemorar a data com uma viagem de lua de mel, sim, não conseguimos fazer isso nos últimos três anos por tantos motivos que não vou começar a contar agora ou ficaremos o dia aqui papeando e ainda vai faltar história. Chegamos aqui no início da manhã e depois que almoçamos não resisti à cama convidativa e aproveitei para tirar um cochilo, coisa rara desde que me tornei o vice-presidente da Duarte Alimentos Ltda. Essa viagem veio a calhar, tanto Cecília quanto eu precisávamos de um tempo longe de tudo, tudo menos nossa filha e sua avó que vieram conosco, só assim para minha esposa conseguir viajar tranquila. — No quarto! — respondo quando ouço seus passos próximo a porta. Assim que ela entra no quarto meu ar fica preso na garganta como acontece todas as vezes que a olho, minha esposa é sem sombra de dúvidas a mulher mais linda que já conheci e agora grávida dos nossos meninos ela fica esplendorosa. Pois é, a família Fernandes Duarte está aumentando, e assim como foi com Alicie, João e Gustavo não foram planejados, mas estão a

caminho e nossa alegria em poder vivenciar essa gestação como se deve é enorme, tenho acompanhado Cecília desde a primeira consulta. Na última, onde descobrimos os sexos dos bebês, não sabia que meu coração poderia crescer de tamanho para suportar tanto amor. Pelo menos dessa vez já pensamos em possíveis nomes assim que descobrimos que teríamos gêmeos, não vou mais correr o risco de perder a mão na sala de parto. — Vai passar o dia todo nessa cama, comandante? — pergunta colocando as duas mãos na cintura e estreitando os olhos para mim. — Está tão gostoso aqui, por que não vem? — Estendo a mão para ela e vejo a indecisão nos seus olhos. — Alicie já acordou e está com vovó na varanda, advinha por quem aquela pestinha procurou logo que abriu os olhos? — Coloca os lábios de lado desgostosa. — Pelo bonitão aqui, é claro! — Rio alto e recebo um revirar de olhos dela. — Sabe que sou irresistível!. — Sim, foi por você, cretino! E eu tive que convencê-la a te deixar descansar mais um pouco, por sorte vovó fez bruaca pra ela lanchar e pronto, logo esqueceu do “papai”. — Sorri debochado e não resisto. Levanto e vou até ela, parando ao seu lado, seus olhos me fitam com aquele fogo já conhecido tomando as íris escuras e aproveito para puxá-la até

ter seu corpo colado ao meu. — Deita um pouquinho comigo, eu estou com saudades! — Faço bico e a demônia abre um sorriso largo. Desde que lhe contei sobre a viagem ela vem bancando a difícil, diz que isso é para tornar nossa enfim lua de mel memorável. — Se deitar agora, não vamos sair dessa cama tão cedo e temos um encontro hoje a noite, lembra? — Se coloca nas pontas dos pés e toca seus lábios nos meus. Quando tento aprofundar o beijo ela sai do meu abraço rindo e eu a assisto ir até a varanda, para na porta e me olha de lado com um sorriso de lado enigmático. Não resisto ao canto de sereia que seu corpo é para mim, principalmente com essas curvas deixadas pela gravidez, e como um cãozinho mendigando carinho vou até ela. — Não seja malvada, anja, faz uma semana que não me deixa tocar aqui... — Coloco minha mão sobre a sua boceta. — Muito menos aqui. — Com a outra mão puxo seu quadril de forma ao meu pau se encaixar entre as bandas da sua bunda, quase tocando seu cuzinho delicioso que ela enfim me deixou comer quando fizemos dois anos de casados e foi ali que despertei a fera na minha mulher de uma vez por todas, nossa vida sexual que já era ótima, se tornou extraordinária.

— Tenha paciência, comandante, está acabando? — pede se esfregando em mim e não controlo a tentação de colocar a mão por dentro do seu vestido, indo de encontro a sua boceta já molhadinha. — Eu adoro que eu ainda seja o seu comandante mesmo depois de ter deixado a CIOPAER há tanto tempo — falo antes de mordiscar sua orelha e senti-la tremer toda. — Você será sempre o meu comandante! — diz afastando as pernas, me dando livre acesso a sua entrada escorregadia. Introduzo dois dedos em sua boceta, circulo seu clitóris com a palma da mão e sinto sua resistência começar a ruir, sorrio satisfeito e mordo seu ombro começando a me afastar, levando os dedos a minha boca e soltando um pequeno grunhido sentindo o sabor único dela. — Porra, Cícero, não me deixa assim! — choraminga e rio baixo. — Vamos esperar até a noite, minha anja-demônia, faltam poucas horas! Mesmo com o meu cacete duro feito pedra e implorando para se enterrar na minha mulher eu me afasto e vou em direção ao banheiro tomar um banho frio. Quando estou razoavelmente calmo saio do quarto e Cecília já não está mais aqui, desço as escadas e pelas portas de vidro da sala a vejo com Alicie e dona Clarisse na praia mais à frente. Escolhi a praia de

Paripueira em Alagoas por dois motivos, primeiro Sabrina, irmã de Alex, mora e trabalha aqui há um bom tempo e aqui tinha a opção de ficarmos em uma casa com o mar praticamente na porta com total privacidade. Sento no balanço de madeira na varanda e fico olhando as três caminhando, Cecília e a avó riem de algo que Alicie diz, meu peito ainda dispara a cada vez que olho para minha filha, ela tem crescido e se desenvolvido tanto nos últimos tempos, nunca esquecerei que a primeira palavra a sair da sua boca foi um papa assim que me viu entrar em casa depois do trabalho, achei que já a amava muito, mas ali senti meu mundo perder o chão e meu coração flutuar livremente com a emoção. Cecília, assim como eu, deixou as lágrimas rolarem, mas depois fingiu se ofender por não ter sido mamãe a primeira palavra da nossa menina. — Papaiiiii! — Alicie grita assim que me nota as observando, ver o brilho nos seus olhos tão azuis quanto os meus faz meu coração errar algumas batidas antes de acelerar outra vez. Minha filha é quase uma cópia perfeita da mãe, mas o pouco que herdou de mim a torna ainda mais linda e perfeita. Olho para onde minha mulher assiste nossa filha correr desengonçada na areia, vindo na minha direção, e toca o ventre redondo no quarto mês de gestação e não reprimo o suspiro que me vem antes de agachar para pegar minha garotinha no colo e girá-la até que a tenho gargalhando alto com a brincadeira. Cecília sorri

daquele jeito encantador e pisca um olho antes de virar para responder a avó, eu sendo o bobo apaixonado que sou, sorrio e silenciosamente agradeço aos céus por me permitir, mesmo depois de tantos erros, ser merecedor de tamanha dádiva que é a minha família.

— Amiga, me diz que está tudo ok? — Confiro mais uma vez se está tudo pronto com Sabrina. Minha melhor amiga está me ajudando com o jantar de aniversário de quatro anos de casados para Cícero e eu, ela se mudou pouco depois do meu casamento para o emprego dos sonhos, bom começou com um estágio em uma Fundação de preservação a vida marinha, mas aconteceram tantas coisas que hoje ela mora nesse paraíso com... Bom, isso é história para ela mesma contar. — Sim, amiga, está tudo pronto e esperando por vocês! — ela me responde do outro lado da linha e suspiro aliviada. — Que bom, já avisou que não precisam ficar lá, né? Depois que deixarem arrumado, eu me viro! — Se tem uma coisa que não preciso é de testemunhas essa noite. — Sim, já avisei, já estamos terminando aqui, pode finalizar a produção aí que assim que todos forem embora eu aviso!

— Obrigada! Eu amo você! — Também amo você e vou cobrar alguns favores no futuro, não se preocupe! — responde rindo e desliga. Olho para o espelho de corpo inteiro e meus olhos marejam ao ver como meu corpo está se adaptando para comportar meus meninos. Acaricio minha barriga por cima do vestido e sinto-os se moverem, diferente de quando foi com Alicie, logo comecei a notar os movimentos de João e Gustavo, tanto pelo espaço reduzido para eles, como por já saber o que esperar, mas apesar de já estar com quatro meses de gestação ainda não consigo acreditar que depois de tantos anos me negando a amar e ser amada hoje eu esteja aqui vivenciando mais uma vez a dádiva de ser mãe, dessa vez em dose dupla, mas como Cícero costuma falar, nossa garotinha vai precisar de proteção dupla, logo o destino tratou de providenciar dois irmãos para isso. Por falar em Alicie... Minha garotinha está cada vez mais inteligente e saudável, depois do susto que foi seu nascimento e os dias que o sucederam ela veio se desenvolvendo como qualquer outra criança, bom, no meu ver, já Cícero surtava ao menor sinal de uma gripe, nunca pensei que o comandante durão e pegador se tornaria um pai tão dedicado, o melhor de tudo é ver o quão feliz ele é. Senti um medo enorme que depois que saísse da CIOPAER ele se ressentisse e não fosse completamente feliz, mas não foi isso o que

aconteceu, de alguma forma o trabalho na empresa com Luana o satisfaz e juntos eles mudaram muitas coisas por lá e hoje a Duarte Alimentos Ltda., alcançou o lugar que lhe é devido. Da minha parte, tenho trabalhado com Silvana na Fundação, nos últimos quatro anos mais e mais crianças passaram por lá e com a porcentagem dos lucros que a empresa que minha mãe me deixou disponibiliza mensalmente consigo ajudar algumas instituições que cuidam de pessoas com transtornos psicológicos e tendências suicidas, também faço visitas periódicas, isso é possível porque vovó, mesmo a contragosto, permaneceu morando conosco, esse foi um dos motivos que nos levaram a mudar de casa, hoje vovó tem um espaço só seu e é lá que ela e Adele ficam com Alicie quando saio para trabalhar. — Então, já podemos ir? — Olho em direção da porta e lá está meu comandante lindo de viver em uma bermuda cáqui e camisa branca com os três primeiros botões abertos, me dando a visão de onde os pelos do seu peitoral bem definido começam e sinto um calor enorme tomar conta das minhas veias e se não tivesse planejado essa noite com tanto carinho pularia agora mesmo no seu colo e esqueceria de tudo. — Alicie já dormiu? — pergunto erguendo uma sobrancelha. — Sim, está no sétimo sono e sua avó disse que não precisamos nos preocupar com nada, pois vamos ter insônia em dobro daqui uns dias,

palavras dela, não minhas! — E você, caga pau pra ela que é, não disse nada sobre Sabrina vir ajudar, não é mesmo? — Há certas coisas que não mudam, o medo que Cícero tem da minha avó é uma delas. — Você iria contra o que ela diz? — Balanço a cabeça negando. — Nem eu! Com três passadas largas está na minha frente, seus braços me puxando para junto de si e seu nariz desliza pelo meu ombro e sobe em direção a minha orelha, um arrepio percorre minha espinha e a umidade entre as minhas pernas aumenta. — Tem certeza de que não podemos dar uma rapidinha antes de sair? — a voz rouca carregada de desejo quase me leva a desistir de tudo, mas meu telefone vibra e na tela vejo a mensagem de Sabrina. “Já podem vir!” Sorrio colocando meus lábios de lado como Cícero costuma chamar de sorriso da demônia que está aprontando e vejo seus olhos se estreitando. — Vamos? — Saio dos seus braços sorrindo e ele vem atrás de mim resmungando algo sobre a demônia estar pior do que nunca. Antes de sair passo no quarto onde vovó está lendo e velando o sono de Alicie, beijo a testa da minha filha e a bochecha de vovó e saio com o meu

marido de mãos dadas para a praia, poucos metros a frente posso ver a tenda montada para nós, a mão de Cícero solta a minha e me circula a cintura, me fazendo ficar de frente para ele. — Você preparou isso tudo para nós? — Inclina a cabeça na direção da tenda e confirmo com a cabeça. — Tem noção do quanto eu a amo, minha anja? Sua mão sobe e toca meu rosto numa carícia suave, fecho os olhos absorvendo o calor do seu toque e meus meninos se remexem chamando sua atenção, suas mãos descem até o meu ventre e acariciam antes de cair de joelhos e depositar um beijo ali antes de começar a conversar com eles. — Meus amores, está na hora de dormir, sabia? — Ergue os olhos e pisca o olho para mim. — A partir de agora vocês podem ouvir alguns barulhos e palavrões, mas não se assustem, é só o papai se divertindo com a mamãe, está bem? — Não controlo a gargalhada que sobe pela minha garganta. — Se divertindo, é? — Ergo uma sobrancelha ainda rindo. Mas paro assim que sinto suas mãos subirem em direção aos meus seios e com os polegares estimular os bicos sensíveis que se entumecem mesmo sendo tocados por cima do tecido. — A diversão começa agora, minha anja-demônia!

Em um piscar de olhos Cícero está em pé e toma meus lábios em um beijo arrebatador, perco o fôlego ao sentir suas mãos deslizarem para segurar no meu bumbum e o gemido sair da sua garganta quando nota que não estou usando nada. — Puta que pariu, eu vou foder você tão duro! — Me impulsiona e logo estou no seu colo, entrelaço minhas pernas na sua cintura e ele aproveita para mover seu pau completamente duro na minha entrada já encharcada, apesar do tecido da bermuda, consigo senti-lo e desejo que me foda como disse que fará. — Ainda não jantamos! — digo com os lábios junto aos seus. — Que se foda o jantar, eu vou ter logo a minha sobremesa favorita! Volta a me beijar e nos encaminha em direção a tenda, não olhamos para a mesa posta para duas pessoas, nem para a que está com nosso jantar ao lado. Cícero me coloca sobre as almofadas e baixa a cortina que formava a entrada, e logo em seguida retira a camisa e bermuda antes de vir até mim e me tomar como só ele sabe fazer, nos levando para aquele lugar só nosso, onde nada mais importa do que nosso prazer e esse amor enorme que sentimos e que cresce mais e mais a cada dia, é um sentimento poderoso que faz todas as dores, os medos e os riscos que passamos valer a pena!

Ufa chegamos afinal de mais uma história e só tenho a agradecer por isso, em primeiro lugar devo a Deus por me dar o dom de criar histórias como essa que, espero eu, mexe com o coração dos leitores, a minha família por mesmo sem entender o que me leva a virar a noite escrevendo, me apoia incondicionalmente, as melhores amigas que a vida literária me deram: Regiane, Cecy, Bella, Karen, Elis, Ady, Erica, Danda, Suzie, Anne, JM Fisher, minha gratidão eterna pelos surtos coletivos e individuais, vocês fazem todo o processo ser mais divertido e controverso. Aos igs que me

apoiam nessa aventura literária Leitoras Compulsivas, Leituras da Jane, Projeto Leiah (Obrigada a cada uma dessas lindas que participam), Manuh Silva, Chocólatra Leitora, Livros da Carol, Kindle Fanáticas, Ml_cecy, trechinhos_da_ma,

nunca

conseguirei

expressar

minha

gratidão

completamente. As minhas anjas-demônias, que mesmo a distância me dão tanta força e cainho, seja no Wattpad, Face, Ig ou Whatsapp, obrigada por vocês existirem. E você querida (o) leitora (or) saiba que já é parte da família de anjasdemônias (os) que guardo em um lugar especial no meu coração. Beijos e Amassos!

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ENCONTRO MARCADO Que o proibido é atraente, todo mundo sabe, mas até onde você estaria disposto a ceder e a conhecer dele?

Lizza é uma jovem universitária que após um incidente, se vê em um hospital, frustrada por ter que passar a noite ali. O que seria de todo ruim, se algo de bom não saísse dessa lição. Afinal, o belo e atraente Farmacêutico Diogo, está disposto a oferecer mais do que remédios para lhe trazer bemestar. Envolvida pelo lúdico de um lugar inusitado para surgir uma atração como essa, ela se vê diante de uma difícil decisão: ceder ou não aos encantos desse homem? Bem, difícil para sua mente, pois seu corpo já sabia a resposta! Deixe o proibido te envolver! Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos

O FILHO DA MINHA AMIGA Uma boate, um desconhecido e uma atração impossível de resistir... Foi assim que Bruna se viu na noite que voltou a sua cidade natal, ela não esperava que o que parecia ser seu maior desafio - encarar as pessoas do passado - se transformaria em uma noite regada a um sexo de enlouquecer. O que ela não sabia também é que o estranho que virou sua cabeça era também o filho da sua melhor amiga. Solte as amarras, livre-se dos preconceitos e deixe o proibido te seduzir. Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos

SÓ POR UMA NOITE Há quem diga que o destino brinca com as pessoas, mas com Érica ele não parece de muito bom humor. Sem emprego, sem dinheiro e sem um amor, Érica ainda sofre um acidente que a deixa sem seu carro. Ela só não contava que o barbeiro que causou tudo isso, fosse lindo, gentil, simpático e tivesse um físico invejável... Que ela definitivamente não deveria ter reparado Em meio a toda a confusão armada ela se vê diante de uma difícil decisão - só que não -, deixar-se envolver por ele, mesmo que seja só por uma noite, abrindo mão de tudo que lhe foi dito como errado ao longo dos anos ou fechar os olhos e fingir que não é com ela, mas ficando para sempre com a pergunta inevitável: e se? Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos

CODINOME ATRASADINHA Daniele é uma jovem recém-formada que só deseja fazer do seu aniversário um dia feliz. Depois de anos associando esse dia com uma lembrança trágica, ela terá a chance de mudar isso ao aceitar um presente das suas amigas, que a levará para a grande São Paulo, realizando seu sonho de infância. Só tem um grande problema, ela nunca foi conhecida pela sua pontualidade, pelo contrário, o apelido Atrasadinha não veio do nada. Em meio a emoção de viver algo novo, realizar um sonho e curtir seu aniversário, ela topará com algo inusitado, vivenciando sensações que não esperava, mas que lhe faziam muita falta... Ame, sinta, deixe o desejo se realizar. Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos

Achados e perdidos "Ah, chegou o verão, tempo bom de ser feliz..."

Esse era o pensamento de Alana ao embarcar na sua tão sonhada viagem de férias rumo as maravilhas naturais às margens do Rio São Francisco, o que ela não levou em consideração foi sua leve tendência a situações desastrosas. Em meio ao paraíso, uma paquera nada discreta e a pitada certa de aventura, sensualidade e humor ela vai aprender que para cada viagem existe a sessão de achados e perdidos com o amor como reembolso.

Aconteceu no verão é uma coleção de histórias sobre amores de verão que começam de repente, chegam devagarinho ou que duram uma vida inteira. Preparem-se para o melhor verão de todos os tempos e rendam-se ao encanto da estação que é a cara da paixão!

Em breve

[1]

Freddy Krueger é um personagem fictício da série de filmes de terror A Nightmare on Elm Street. Freddy é um assassino de crianças da fictícia Springwood, Ohio, que após ser queimado por pais vingativos passa a atacar adolescentes em seus sonhos, matando-as no mundo real por tabela. [2] Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.[1] Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro.[2] [3] menino dos olhos grandes. Filhos pequenos, “estou levando um caçuá (cesto) de mangas para os meus caborés). Pivetes. Criança zoiuda. Pessoa feia e magra. “só o oco e os caborés cantando dentro”

[4]

Pessoa teimosa que não obedece a ninguém. Desobediente. Palavra muito utilizada no Nordeste [5] indivíduo de idade extremamente avançada; macróbio, ancião. [6] A síndrome do túnel do carpo é uma neuropatia resultante da compressão do nervo mediano no canal do carpo, estrutura anatômica que se localiza entre a mão e o antebraço, que provoca dormência, formigamento e é causada principalmente por lesões relacionadas a esforço repetitivo. [7] O pompoarismo é uma técnica que serve para melhorar e aumentar o prazer sexual durante o contato íntimo, através da contração e relaxamento dos músculos do assoalho pélvico, no homem ou na mulher [8] Supergirl é uma série de televisão americana desenvolvida por Greg Berlanti, Andrew Kreisberg e Ali Adler, que também são produtores executivos com Sarah Schechter. [9] Junção das palavras escroto com cretino [10] Santo Graal é uma expressão medieval que designa normalmente o cálice supostamente usado por Jesus Cristo na Última Ceia, e onde, na literatura, José de Arimateia colheu o sangue de Jesus durante a crucificação, entretanto a origem do Santo Graal é muito anterior ao cristianismo, o Graal já existe entre os Celtas. [11] Essas são as falsas contrações, então vamos dizer que as contrações de Braxton Hicks é apenas o corpo se preparando para as verdadeiras contrações de expulsão do bebê na hora de trabalho de parto. As falsas contrações acontecem desde 1 vez ao dia, até algumas vezes sem mesmo que a gestante possa notar. [12] Sekai Ninja Sen Jiraiya é uma série de televisão japonesa do gênero tokusatsu, pertencente ao subgênero Metal Hero. Produzida pela Toei Company, foi exibida originalmente entre 24 de janeiro de 1988 a 22 de janeiro de 1989 pela TV Asahi, totalizando 50 episódios [13] atrapalhado
#2 Sobre Eu E Você

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