Alan Darc - A Última Profecia

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A ÚLTIMA PROFECIA

ALAN DARC

2Ia Edição

A ÚLTIMA PROFECIA

Fundação BIBLIOTECA NACIONAL MINISTÉRIO DA CULTURA REGISTRO No 129.916 LIVRO 204 FOLHA 285

Capa: Desenho de Rafael Pianca Barroso

– Direitos autorais reservados – Proibida a reprodução

A ÚLTIMA PROFECIA

Autor Alan Darc Obra escrita no período de Março/95 a Agosto/96.

PARA MINHA ESPOSA ANA E MEUS FILHOS RAFAEL E CÁSSIA

ÍNDICE

Mensagem ao leitor

09

1a. Parte: – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – a 2 . parte:

No topo do mundo Na Colônia Cáritas Revivendo o passado Mestre Bobar Urian Baba Um caçador solitário De volta ao presente A Esfera das Decisões Obras de arte O Solar das Reminiscências A Galáxia Melchi e as Carruagens de Fogo Exibição de corpos Um encontro preparado Frutas que se multiplicam Centro de recuperação Irmã Paula A plataforma submarina Uma Nave Mãe sobre as Bermudas O Paraú e o Príncipe O codificador Kardec e a Doutrina Espírita Gengis Khan e a Grande Muralha da China Um encontro imprevisto O Centro Arcanjo Rafael Um andaluz e sua filha

13 18 25 28 32 40 44 50 56 61 63 68 74 80 84 90 101 110 114 122 125 148 149

– – – – – – – – – – – – – – – 3a. parte: – – – – – – – – – – – – – – –

O Vale das lágrimas A megera Um cabaré Um viciado em ópio O reino dos suicidas O Monsenhor Gustav O Pastor Nicholas Dois sofredores engraçados Personalidades famosas Gregório e Tomás Terríveis pigmeus A região dos gases Chang e Eng Oprichniki e oprichnina Penitenciária sem celas

158 160 162 165 167 170 175 180 188 192 202 229 229 238 239

Prestando contas Proposta Oficial Nas planícies da Galiléia Em Jerusalém Em Betânia A última ceia O julgamento Diante de Pôncio Pilatos O martírio O destino dos acusadores De volta à Colônia Cáritas A sós com Miguel Alfred Bernhard Nobel Helena Petrovna Blavatsky Rodrigo e Lucrécia

242 248 250 251 252 256 261 262 265 266 270 287 294 298 299

– – – – – – – – – –

Afinal, os pais Robôs e computadores Na Lua Na região amazônica A Mãe Natureza Pérola do Cruzeiro Calangos Java De volta a Esfera das Decisões Em Vênus

311 322 341 354 359 372 380 386 393 409

AGRADEÇO A DEUS PELA INSPIRAÇÃO

MENSAGEM AO LEITOR Amigo leitor. É com satisfação que apresento A Última Profecia, um livro que aborda os mais diversos assuntos. Creio que irá agradá-lo. Gostaria de contar como nasceu a idéia do livro. Todos os dias eu tenho o hábito de apreciar o sol desaparecer no horizonte. Quando a tarde termina, uma magnífica estrela surge no céu. Para uns, é a Estrela Dalva. Para outros, é o Planeta Vênus. Estava entretido com o espetáculo, quando de repente apareceu ao meu lado uma criatura livre dos inconvenientes da carne. Era de baixa estatura, vestia um hábito igual os que usam os franciscanos, e seu rosto estava coberto por uma barba branca bem aparada. Fixou o olhar em meu rosto e disse numa voz bem tranqüila: – O que você acha da idéia de escrever um livro? – Por onde devo começar? – perguntei, sem hesitar. – Que tal pelas regiões dos Himalaias? Estávamos no fim da tarde do dia 18 de março de 1995. Levantei-me, apanhei uma pequena agenda, e já quase sem luz, comecei a escrever com um toco de lápis. Sem perceber, escrevi 33 páginas. À medida que os dias foram passando, as idéias brotavam em minha mente. Comecei a escrever um romance de aventura. Primeiro criei um personagem central. Seria francês e chamar-se-ia Hugo. Desejava com isso, prestar uma homenagem a um de meus escritores preferidos, Victor Hugo. Resolvi matá-lo no início da narrativa, para depois, já como Espírito, levá-lo à regiões desconhecidas. Sem saber que havia morrido, Hugo ficou vagando no Pico Everest por mais de vinte anos. Foram inúteis várias

tentativas de resgate, até que um ser de outro mundo foi socorrê-lo. Daí em diante, Hugo percorreu várias regiões ao lado de seu salvador. A princípio conheceu civilizações do espaço, onde os seres viviam em perfeita harmonia. Voltou ao passado e teve oportunidade de analisar várias de suas vidas. Reencontrou seus antigos companheiros e aprendeu que há vida em todo o Universo. Visível e invisível a olhos humanos. Viu flores de diversas cores num único pé; árvores cujos frutos não apodreciam; pássaros e peixes de conformações e matizes diferentes; cetáceos de porte descomunal; espaçonaves e obras de arte iguais às da Terra. Diligente por natureza, insistiu em conhecer regiões de sofrimento, no que foi atendido. Para sua surpresa, encontrou nesses locais, homens que foram importantes na Terra, entre eles, os juízes que condenaram Jesus e os juízes da Santa Inquisição. Viajou à Terra em missão de reconhecimento e teve oportunidade de ver, além de construções antigas protegidas pela vegetação, duas cidades localizadas em outra dimensão que são sentinelas avançadas das grandes civilizações do Cosmos. Vou parar por aqui, senão vou estragar a leitura. Outra coisa! Como sou também revisor da obra, peço desculpas por possíveis erros. Tenham um excelente entretenimento. O Autor

PRIMEIRA PARTE

1a. PARTE NO TOPO DO MUNDO

H

ugo, até então, nunca havia estado no topo de uma montanha. Acariciou o rosto com a ponta dos dedos, para certificar-se que não era um sonho. Para atingir seu objetivo, inúmeros obstáculos ficaram para trás, pois havia vencido perigosas trilhas. Encontrava-se só e longe dos companheiros e, quanto a estes, sequer sabia se ainda estavam vivos. Recordava vagamente, que após intensa borrasca, gelo e neve misturados a lama, rolavam pelas encostas, levando tudo que encontravam à frente. Escapou milagrosamente refugiando-se numa caverna e, ao clarear o dia, viu, poucos metros acima, o cume soberbo e majestoso. Ali estava belo e ameaçador, o mais alto, o até então inexpugnável pico do Everest, imponente com seus 8.848 metros de altura, parecendo rir dos que ousavam desafiá-lo. Hugo mirava fascinado. Sentiu suave brisa afagar-lhe o rosto, enquanto o vento parecia sussurrar em seus ouvidos, palavras de estímulo. A jornada fora terrivelmente desgastante e, apesar de fraco, encheu-se de ânimo, reuniu as parcas energias que ainda lhe restavam, e começou a mover-se lentamente em direção ao alto. Aquela imensa massa de terra e pedra envolvida por tênues nuvens brancas, estava ao seu alcance. Se era seu destino perecer na empreitada, restava-lhe o consolo de ser o primeiro homem a chegar àquela altura. Seus membros, entorpecidos pela baixa temperatura, não obedeciam seu comando. Vacilou por alguns instantes, mas ao vir-

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lhe à mente a imagem do pai já falecido, algo estranho devolveu-lhe o vigor e empurrou-o à frente. Sentiu o tórax ser enlaçado por dois braços fortes e, pouco a pouco, foi vencendo a distância que o separava do pico. Até suas mãos que sangravam, deixaram de incomodá-lo. Ao se ver com os pés sobre o cume, foi tomado de indescritível sensação. Ria e chorava ao mesmo tempo. Sua emoção estava fora de controle. Quando conseguiu o equilíbrio necessário, desenrolou uma bandeira da França, fincou o pequeno mastro no solo, ajoelhou-se, e orou em agradecimento. Naqueles momentos, uma aura misteriosa envolveu todo seu ser. Já senhor de suas faculdades, começou a pensar na volta. Seus víveres estavam no fim, e tinha perdido a noção do tempo. Reuniu alguns gravetos, acendeu uma fogueira e, procurou adormecer. Ao despertar, não fazia idéia do tempo que havia dormido. Seu relógio de pulso marcava quatorze horas, mas logo percebeu que estava parado. Tinha sido atingido por algo que rompera o vidro de proteção. Estava claro e, o Sol, deveria estar brilhando no Céu, pois a bruma que envolvia o pico impedia sua visão. Sob seus olhos descortinava-se um cenário belíssimo e, as cadeias de montanhas cobertas pela neve, luziam com a claridade. Os desfiladeiros pareciam não ter fim. Era um espetáculo maravilhoso. Quantas criaturas pereceram tentando escalar aquelas montanhas! Quantas almas se foram! Quantas histórias poderiam ser escritas e contadas! Fortunas foram enterradas, no afã de dominar aquela grande massa de terra e pedra. A curiosidade e o espírito de aventura, sempre empurraram o homem em direção ao desconhecido. Com uma pontinha de vaidade, Hugo começou a julgar-se alguém especial! Alguém 14

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predestinado! Como estava enganado! Não havia conquistado nada e já estava envaidecido de seu feito. Voltou a realidade e começou a pensar nos perigos que ainda teria de enfrentar. A subida fora penosa e, a descida, seria pior. Lembrou-se que tinha estado entre a vida e a morte por diversas vezes e, em duas delas, seu corpo foi lançado ao espaço, escapando por obra do acaso. De certa feita, a corda que lhe dava segurança e sustentação, enroscou-se numa rocha, e isso permitiu que o corpo ficasse amparado numa saliência de terreno. Com muito esforço, arrastou-se para um lugar aparentemente seguro, onde exausto, começou a cochilar. Um sonho o levou ao passado. Nesse sonho, conversava com Papin, um colega de Faculdade. Papin, embora com dezenove anos incompletos, já havia estado diversas vezes na Índia e no Tibet. Tinha especial atração por aquelas terras, e gostava de falar sobre os Gurus que viviam isolados do mundo. Geralmente eram encontrados dentro de mosteiros e cavernas, em grandes altitudes. Esses homens eram venerados e considerados santos. Papin tinha imenso respeito por um eremita que havia conhecido em Calcutá. Seus seguidores lhe apregoavam milagres, e achavam que tinha mais de cento e cinqüenta anos de existência. Alimentava-se somente de ervas e raízes e, apesar do rigor do frio que existia naquelas altas regiões, vivia seminu. Apenas um pequeno tecido cobria suas partes íntimas. Apreciava meditar em companhia de um velho urso adotado quando filhote. De quando em quando aceitava a companhia de alguns discípulos. A medida que Hugo recordava daquela conversa, estranha figura começou a se materializar diante de seus olhos. 15

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Esfregou-os, mas aquela visão nítida, não desaparecia. À sua frente, surgiu a imagem de um velho com as características do religioso de Papin. Sorrindo e irradiando intensa paz, estendeu os braços magros e descarnados, e colocou-os suavemente sobre seus ombros. Um calor imenso o envolveu e, o frio atroz que sentia, desapareceu como por encanto. Ária suave e melodiosa atingiu seus ouvidos, fazendo-o sentir-se novamente jovem e forte. Arrepiou-se ao pensar que estava perdendo o juízo e, que aquilo tudo, era produto de sua imaginação. Não era a primeira, nem a última vez, que alguém enlouquecera em semelhante situação. Será que estava insano? Passou a gargalhar. O recém chegado fitava-o com meiguice e ternura e, seus olhos, refletiam intensa luz. Daquele ser extraordinário, surgido aparentemente do nada, saíam lampejos de extrema candura e amor. Hugo sentia-se incapaz de raciocinar. Era como se pequeninas setas tivessem atingido seu cérebro, paralisando-o momentaneamente. Num esforço incomum, agachou-se, encheu as mãos de neve, e arremessou-a contra o exótico personagem. Como num conto de fadas, o ancião desapareceu e reapareceu atrás dele. Aquele olhar afetuoso atingiu-o novamente e, eflúvios suaves e amorosos, envolveram todo seu ser. Hugo prostrou-se ao solo de joelhos, e pôs-se a chorar convulsivamente. Entre soluços, suplicou ajuda. De sua boca saíam palavras confusas e sem sentido. Sua impressão era de que cada vez diminuía de tamanho diante do velho misterioso. Por outro lado, este levitava tranqüilamente diante dele. Quando o velho colocou a destra sobre sua cabeça, quase desfaleceu com a sensação de paz que o invadiu. Numa voz meiga e suave, este lhe disse: 16

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– Controle-se e não tente me ferir. Nada poderá me abalar, pois estou a serviço de Jesus. Vim te socorrer e aliviar-te desse fardo pesado. Tu não notastes, mas estás vagando por estas paragens há longo tempo. Estás necessitando de ajuda, e para isso vim. Prepara-te para empreender uma viagem. Vamos passar por regiões de sombras e de luz. No momento estamos na mais alta das montanhas terrestres, mas comparada a algumas que encontraremos no caminho, são simples montículos de terra. Hugo estava sem fala. Mirava o personagem e cada vez mais se convencia que havia perdido o juízo. O ancião continuou: – O Sol, formoso Astro Rei deste Planeta, é uma tocha, se comparado com alguns astros espalhados pelo Universo. Embora todos sejam obras magníficas de Deus, uma delas os supera: o Espírito. O Espírito é a obra mais perfeita que existe. Ao contrário dos astros, é eterno, desloca-se em velocidade jamais imaginada pela mente humana, supera facilmente a velocidade da luz, e não sente o frio ou o calor. Transpõe todas as barreiras e nada o afeta. É imortal como o Pai que o criou. Hugo sentiu um forte arrepiou e, de repente, compreendeu que estava morto. Naquele instante seu pensamento voltou ao passado, quando então, viu seu corpo despencar em um precipício. Encarou a nova situação com frieza e, por momentos, sem saber por que, lembrou-se que quando criança, os mais idosos insistiam em afirmar que todos tinham um Anjo Guardião. Se realmente estavam certos, o seu estava à sua frente. Captando seus pensamentos, o velho abriu um sorriso, e disse: 17

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– Hugo: não obstante vitorioso, o teu Anjo da Guarda não está mais ao teu lado. Quando cheguei trocamos algumas impressões, e ele partiu muito contente. O maior prêmio para um Guia Espiritual é saber que seu protegido triunfou. – Você está dizendo então que eu triunfei? – Exatamente! Vou levar-te para as Esferas de Luz, e serás preparado para uma nova missão. Apesar de tua ojeriza pelos diversos evangelhos, praticaste a mais perfeita das religiões: a Religião do Amor. A única existente nas Esferas de Luz. – Eu posso vê-lo para agradecer? – Ele já foi recompensado. Não se preocupe com isso. Ainda terás oportunidade de pagar por essa ajuda. Prepara-te! Conhecerás alguns recantos onde impera o amor, não existe dor, diferenças sociais e, indistintamente, todos se querem como verdadeiros irmãos. Durante o trajeto vamos também passar por alguns locais onde, infelizmente, estão muitos companheiros pagando por seus erros. Coloque este manto sobre a cabeça. Quando estivermos atravessando as regiões de sofrimento, ele te abrigará do frio e dos maus fluídos. Controla tua curiosidade e siga-me sem perguntas. NA COLÔNIA CÁRITAS

A

dmirado, Hugo sentiu o corpo elevar-se do solo e, como atraído por um gigantesco imã, passou a acompanhar pelo ar o seu protetor. A princípio deslocavam-se lentamente, mas a medida que avançavam, a velocidade começou aumentar. Algo incompreensível os impulsionava. Por breves instantes atra18

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vessaram uma área muito escura, donde vinham gritos de pavor, misturados a imprecações e gemidos. Odor fétido desprendia-se, causando náuseas a Hugo. Embora diligente, Hugo não se atreveu olhar de onde partiam os lamentos. Depois da escuridão, surgiu a claridade e ambos foram envolvidos por suaves fluídos. Uma abundante vegetação começou a surgir. Árvores enormes, com copas riquíssimas, pareciam do alto, cogumelos zelosamente ornamentados. Pássaros com plumagens coloridas cortavam os Céus, e pareciam saudar os visitantes. Formações rochosas de tamanho descomunal surgiam diante dos olhos atentos de Hugo, com suas faldas e cumes refletindo luzes e colorações das mais diversas. – Essas montanhas – disse o Guia – têm em média cinqüenta mil metros de altura, mas não são as maiores. Em algumas regiões elas são vistas como elevações de porte médio. Desceram numa planície coberta de verde vegetação. A mais ou menos vinte metros acima do solo, rolas azuis voavam em círculos. Campos floridos e bem cuidados davam um tom especial ao cenário. Havia flores em profusão. Ganhavam destaque as rosas, orquídeas, cravinas e gerânios. Entre as flores, o gramado de fortes verdes parecia um grande terciopelo. Um chafariz em formato de cruz elevava-se no centro do que parecia ser uma fonte de água corrente. Os transeuntes possuíam semblantes felizes. Todos os rostos eram corados e belos. Alguns passavam cantando, outros assobiando. Suas vestimentas brilhavam como luzes artificiais e, diferenciavam-se das roupas utilizadas pelos nobres do Império Romano, somente pelo brilho. Cores e matizes eram de uma riqueza impressionante. Tudo era belo e 19

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simétrico, inclusive os prédios com uma arquitetura simples, mas que irradiavam muita paz e calor. Não havia dúvida! – pensou Hugo. – Estavam no Paraíso. No decantado Éden. Atravessaram espaçosa e movimentada alameda, e dirigiram-se a uma construção orlada de pinheirinhos. Nos fundos havia um roseiral com várias espécies de rosas, algumas desconhecidas na Terra. Eram extasiantes! Hugo seguia em silêncio os passos do Guia, desconhecendo os seus propósitos. A medida que caminhavam, Hugo notou total transformação na aparência de seu salvador. Os cabelos e barbas brancas haviam desaparecido, e agora o Guia tinha o aspecto de um jovem com pouco mais de vinte e um anos. Pararam diante de uma formosa jovem, cujas faces, ligeiramente salientes, eram de um rosado suave. Seus lábios eram de um formato admirável, e pareciam ter sido delineados por um mestre escultor. Os olhos eram da cor das amêndoas maduras e luziam como dois candeeiros. Seus cabelos longos e louros repartidos ao meio, lembravam os nazarenos. Usava um vestido de tecido fino, parecido com uma tiara, levemente amarelado. Os pés estavam protegidos por sandálias muito simples. Dois pingentes prateados adornavam aquele rosto por demais belo. Com um sorriso aberto, saudou a ambos. Chamava-se Dulce. Hugo ofereceu a mão em cumprimento e, finalmente, soube que o nome de seu novo protetor era Miguel. Polidamente, Miguel isolou-se com Dulce a um canto da sala, donde trocaram algumas impressões. Depois de um breve diálogo, deu um afetuoso abraço em Hugo e, sem nada dizer, girou sobre os calcanhares e se foi silenciosamente. Dulce quebrou o silêncio dizendo: 20

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– Não fique preocupado, meu irmão. A ausência de Miguel será breve, e durante esse período serei teu Guia. Miguel estava sendo aguardado pelo irmão Emílio, governador geral desta comunidade. – Aonde estamos? – Na Colônia Cáritas. Aqui são recebidos os “vitoriosos” de várias partes do Universo. Esta comunidade abriga um seleto número de trabalhadores do bem. É uma Cidade Luz. Aqui não há noites. Não muito distante daqui, estão as Esferas Celestiais, onde têm abrigo os irmãos que atingiram um grau de evolução tão elevado que todos sonhamos atingir. – Desculpe-me, irmã. Você disse há pouco, que para cá vem os vitoriosos. Do mundo de onde eu venho, fui um inexpressivo engenheiro e nem em Deus acreditava, portanto me considero um insignificante mortal. Como se explica eu estar entre os vitoriosos? – Para ser vitorioso, o único sentimento que conta, é o amor que existe dentro de nós. Se acreditar em Deus desse o passaporte para entrar no Paraíso, haveria poucos espíritos nas trevas. Se você está aqui é porque é bom. Eu estou sabendo que você sempre foi uma pessoa honesta e em teu coração havia muito amor. Tua maior virtude é a modéstia. Sabemos que você distribuiu os teus bens entre os órfãos de guerra. Não há em nenhum mundo, alguma religião que supere a do amor e da caridade. – Meu Deus! Nunca pensei ter feito tudo isso! Vendo-o descontraído, Dulce convidou-o a um passeio. Junto a um repuxo, Dulce molhou os lábios no líquido que corria entre dois frondosos ipês. Um pouco mais adiante havia um coreto cercado por um caramanchão. Para lá se 21

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dirigiram. Sentaram-se num banco que havia dentro do coreto. – Diga-me uma coisa, irmã Dulce. Do que se ocupam as pessoas que habitam esta comunidade. Estou certo em citá-las como pessoas, não é? – Eu já estava preparada para essa pergunta. Embora os daqui sejam em sua maioria mais evoluídos que os Espíritos encarnados na Terra, também são pessoas. Um pouco mais esclarecidas, é claro! Esta comunidade aparentemente vazia e sem vida, pulsa mais que as grandes metrópoles da Terra. Logo você verá que aqui todos trabalham sem cessar. Há muita coisa a ser reparada nos diversos Universos. Neste exato momento, o Conselho presidido pelo nosso venerando irmão Emílio, está reunido traçando os planos para uma nova incursão no Planeta Azul, ou como querem alguns, na Terra. Parte do plano eu já conheço. Deverão intervir no meio religioso, especialmente na Igreja Católica Romana. Após dois mil anos, a Humanidade têm sido conduzida por falsos caminhos. Cada vez mais aumenta a miséria, não obstante dois terços do planeta estar à disposição para fartas colheitas. O egoísmo, aliado à ganância, estão destruindo a sociedade terrestre. Populações inteiras gemem de fome e suplicam por justiça, enquanto falsos pastores de almas, vivem cercados pela opulência. Uma das metas principais da caravana que está sendo preparada, é derrubar dos pedestais esses falsos representantes de Deus. Aliás eles fizeram se representar pela força. Pela força e pela mentira. – Vou contar a você um segredo que me acompanha desde a mocidade. Parece absurdo, mas você é a primeira pessoa a escutá-lo. 22

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– Sinto-me honrada. Que segredo é esse mantido a sete chaves? – Na verdade esse segredo faz parte de vários sonhos. Neles eu me via sempre envolvido com padres e freiras. Cheguei um dia a procurar uma cartomante de muito prestígio para decifrá-los. Cobrou-me uma substancial soma, mas deixou-me ainda mais confuso. – Que espécie de sonhos eram esses? – Eram sempre de cunho religioso e todos eles aconteciam dentro das paredes do Vaticano. Eu me via sempre vestido de vermelho ao lado do Papa, dominava com extrema facilidade várias línguas, e era muito respeitado por minha grande inteligência. Não tenho certeza, mas acho que eu também era um de seus principais conselheiros. Como estávamos na época da Santa Inquisição, as pessoas eram sacrificadas como cães vadios. Várias vezes procurei intervir em defesa de mães acusadas de infidelidade. De jacobinos. De comerciantes que não contribuíam com a igreja. Enfim, de inocentes. Eram tempos sombrios. Constantemente levei a minha preocupação ao Papa, mas ele não me dava ouvidos. – Quem estava sentado no trono? – Gregório1. – Vários Gregórios sentaram no trono, mas um deles se destacou pela crueldade: Gregório XIII. Ele foi o responsável pela noite mais negra da História: a noite de São Bartolomeu. Celebrou com um Te-Deum o Massacre de São Bartolomeu. Isso aconteceu no ano de 1.572. 1

Papa Gregório XIII (Ugo Buoncompagni) ( Bolona, Itália, 07-06-1502 – Roma, 10-04-1585). Corrigiu o calendário Juliano, instituindo o calendário Gregoriano em 1582. 23

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– Então isso não fazia parte de um sonho? – Alguns sonhos são lembranças de algo que aconteceu no passado. Aqui cabe um comentário. Apesar da Inquisição ter abrigado em seus tribunais pessoas cruéis e nefastas, alguns religiosos lutaram para mudar suas regras. Grandes Espíritos se abrigaram debaixo de batinas. José de Anchieta2 e Manoel da Nobrega3, foram dois deles. É pena que eram poucos. Conte-me mais. – Por onde passavam as comitivas, o terror estampava-se no rosto de cada indivíduo. As crianças ficavam assombradas com o aspecto sombrio das comitivas. Até os velhos fechavam os olhos para não vê-los passar. Vestiam-se todos de preto, como a cor de suas almas. Tomei parte também de reuniões íntimas onde o sexo e a bebida andavam lado a lado. Para você ter uma idéia, Calígula 4 se assombraria diante desses espetáculos. Acho que é por isso que sou avesso aos dogmas da igreja. Então é certo, cara irmã, que vivi nesse meio? – É o que parece. Voltemos ao presente, que é o que no momento interessa. Vou mudar um pouco de assunto. Quando nos despojamos da carne, meu caro Hugo, nossa sensibilidade aumenta. Que tal você saber algo a respeito de algumas de suas existências. Vou me afastar por alguns instantes.

2

Padre jesuíta considerado o apóstolo do Brasil ( La Laguna de Tenerife, ilhas Canárias, 19-03-1534 – Reritiba, Espírito Santo, 09-06-1597). 3 Missionário jesuíta português ( Portugal, 18-10-1517 – Rio de Janeiro, 18-10-1570). 4 Imperador Romano ( Gaius Caesar) (Antium, hoje Anzio, Itália 31-0812 d.C. – Roma, 24-01-41). Sucessor de Tibério aos 25 anos. Assassinado por Cássio Quéreas, durante os jogos palatinos. 24

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Enquanto isso, medite um pouco sob o caramanchão. Você verá com clareza o teu passado.

REVIVENDO O PASSADO

H

ugo acomodou-se debaixo do caramanchel como um monge em penitência. Dulce espreitou-o por alguns momentos, e também concentrou-se procurando ajudá-lo. Um remoinho desenhou-se em sua mente, e cenas de suas vidas começaram a surgir. Viajou, viajou, e finalmente parou e viu-se menino. Um casal amoroso mantinha-o numa pequena caminha e balançavam diante de seus olhos um pequeno chocalho. Uma bela e elegante senhora levantou-o e estreitou-o em seu peito. A seguir tirou um dos seios para fora, e a criança começou gulosamente a mamar. O homem mirava enternecido e cheio de orgulho. Não havia dúvida! Ali estava Hugo iniciando uma nova existência. Por sinal a sua mais recente existência. Imagens da infância começaram a desfilar diante de seus olhos. Como único filho, jamais teve de dividir o amor que lhe dedicavam os pais. Como eram meigos e carinhosos! Carol, a mãe, era extremamente sensível a seus pedidos. Era professora e lecionava num colégio de freiras. Leonard, o pai, era médico e dividia seu tempo entre o hospital e a orientação do filho. Apesar de severo, devotava-lhe imenso carinho. Era um homem de reto caráter e não se descuidava um só instante de sua educação. Hugo nasceu e cresceu em Paris. Os pais eram naturais de Marselha. Formou-se com distinção Engenheiro Civil, e três 25

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anos depois de sua formatura eclodiu a primeira grande guerra. Em pouco tempo os cinco continentes estavam envolvidos, direta ou indiretamente, no grande conflito. Milhões de criaturas perderam a vida precocemente. Apesar de recém formado, Hugo obteve a patente de capitão do exército francês. Sua missão era construir pontes de apoio e destruir passagens inimigas. Como era protegido dia e noite por uma tropa de elite, saiu do cenário de guerra ileso e sem nenhum arranhão. O mesmo destino não tiveram os pais. Quando a Alemanha se rendeu, corria o ano de 1.918. Hugo tomou parte no avanço francês. Em fins de setembro daquele ano, os reveses ocasionaram a queda do governo de Berlim. Retornando a sua terra natal, soube que os pais haviam falecido. A mãe foi atingida por uma bala perdida. Servia como enfermeira voluntária no corpo médico, e foi morta quando socorria um ferido na linha de frente. O pai, que era médico cirurgião, expirou atingido por um estilhaço de granada. No início do ano de 1.919 sua vida mudou por completo. Vivia ainda atordoado pelos efeitos da guerra, quando chegou-lhe às mãos um exemplar de um livro que falava das regiões misteriosas do Himalaia. O Himalaia descrito no livro era um convite àquela alma torturada pela perda dos pais. De pronto surgiu a idéia de conhecê-lo. Nasceu daí, um ousado plano para escalar o Monte Everest. Durante a guerra, obrigado pelas circunstâncias, havia escalado algumas montanhas nos Alpes. Começou a planejar. Inicialmente, sozinho. Depois, já munido de vasta literatura, procurou Pierre, um amigo de infância, e expôs o plano. A princípio Pierre achou uma insensatez, mas contagiado pelas 26

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palavras do amigo, acabou cedendo e atirou-se com vontade ao projeto. Os dias foram passando e já estavam em janeiro de 1.920. Até aquela data, nenhum ser humano havia vencido aquela imensa massa de terra e pedra, coberta de gelo. Por que não serem os primeiros? Por que não tentar? Eram jovens e fortes e nada os prendia. Saíram ilesos de uma guerra sangrenta, por que não sairiam ilesos da perigosa empreitada? Em fins de fevereiro começaram os preparativos oficiais. Seis rapazes previamente selecionados juntaram-se aos dois amigos. Os mais sofisticados e modernos equipamentos foram adquiridos. Como Hugo havia recebido como herança alguns milhões de francos, não se importava com as despesas. Já estavam em abril, quando desembarcaram no Nepal5. Na fronteira com o Tibet6, localizava-se o Monte Everest, com 8.848 metros de altura. Histórias e histórias contavam-se aos milhares a respeito das montanhas sagradas e corredeiras do Himalaia. Rica e farta literatura era facilmente encontrada. Existiam belíssimas traduções em inglês, francês e espanhol. Essa rica variação de livros descrevia em poemas as belezas do lugar. Falavam dos poetas, dos mosteiros incrustados no alto das montanhas e dos religiosos que neles se abrigavam. Gurus e Mestres de infinita sabedoria refugiavam-se debaixo de suas neves eternas. Alguns flocos de neve, pareciam pérolas esbranquiçadas faiscando sob a luz solar. Essas magníficas elevações com seus picos apontados em direção ao Céu, pareciam querer furá-lo. Suas geleiras trans5

País da Ásia Central, encravado no Himalaia, entre a China e a Índia. País da Ásia Central, situado a SW da China e conhecido como o “teto do mundo” graças a sua altitude. 27 6

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formavam-se em águas límpidas e saciavam a sede de milhões de pessoas. Ao lado delas, os vales e planícies são tomados pelos lírios e uma grande variedade de flores coloridas. Os rododendros são facilmente encontrados em todas as áreas. Existem lírios com cores jamais vistas em nenhuma outra região do planeta. Nas encostas encontram-se espécies raras de orquídeas. A misteriosa e rara lótus, princesa das flores, acha-se acima de mil metros de altura. Nas faldas, crescia extasiante e exuberante vegetação e, dois de seus rios mais famosos, o Indus7 e o Ganges8, banhavam e irrigavam extensas áreas, fazendo brotar as sementes de arroz lançadas por aquela gente humilde e simples. O Ganges, considerado um rio sagrado, é muito procurado pelos povos da Ásia. Milhares de peregrinos são batizados dentro dele. Dizem que suas águas são milagrosas e curam as mais variadas doenças. Caravanas e caravanas de fiéis chegam diariamente em busca de alívio para seus males.

MESTRE BOBAR

H

cultura,

ugo estava fascinado. Os demais componentes do grupo, também. Diante deles abria-se uma nova pois

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Rio do Sub-Continente indiano que nasce nos Himalaias (Tibet), atravessa a Cachemira e o Paquistão e deságua no Mar Arábico no Oceano Índico. 8

Rio da Ásia que atravessa a Índia e Bangladesh. Considerado um rio sagrado. 28

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ali estavam conceituados Mestres do ocultismo. Todos desejavam conhecer o quanto antes, uma dessas carismáticas figuras. Perto de onde estavam acampados, havia um célebre Guru. Os aldeões diziam que o Guru tinha mais de cento e cinqüenta anos de idade. Os mais exagerados achavam que tinha perto de mil anos. Como nos anos vinte a Índia estava sob domínio inglês e lutava por sua independência, em todas as cidades havia um destacamento militar britânico. Perto de onde estavam acampados, havia um posto avançado, cujo comando estava entregue ao Coronel Stevens, homem sensível e bondoso. O Coronel, embora de formação protestante, era um fiel discípulo de Bobar. Esse era o nome do Guru. Uma forte amizade unia os dois. Procurado por Hugo, gentilmente ofereceu-se para conduzi-lo à presença de Bobar. Assim que chegaram, o ancião não moveu sequer as pálpebras quando entraram no recinto. Encontrava-se sentado sobre um tapete felpudo e grosseiro, com as pernas entrelaçadas. Seu busto era ereto e firme e, sua cabeça de fronte larga, mantinha-se imóvel sobre os ombros. A pele era bronzeada, tinha uma vasta cabeleira branca, e espessa barba cobria o peito desnudo. No local havia uma grande e envolvente sensação de paz. Uma coisa ficou bem clara: aquele ser fascinava as pessoas e, sem dirigir-lhes um único olhar, começou a falar num francês fluente: “A aventura vos reuniu e vos levará à eternidade. “A curiosidade vos trouxe a mim “A curiosidade vos levará aos braços do Criador. “A Natureza é dócil “Admirem e respeitem-na. 29

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“Quando maltratada “É rigorosa. “O Himalaia é sagrado e reduto de deuses. “Quem aprende a venerar suas montanhas, “Jamais as deixa. “Seus picos imponentes “Cobertos de neve eterna, “São antenas invisíveis “Que une a Terra ao Espaço Sideral. “Não devem, jamais, “Serem violados “Ou molestados pela mão do homem. “Se algum de vós, “Chegar ao mais alto de seus picos, “Agradeça a Mãe Natureza por essa dádiva. “Que o Sábio dos Sábios vos acompanhe.” Ergueu os braços, abençoou a todos e, silenciou. O militar levantou-se e convidou a todos para saírem. Mal cruzaram a porta, Hugo, Pierre e Jean dirigiram-se ao mesmo tempo a Stevens, ansiosos por saber o que aquelas palavras significavam, e como o ancião adivinhou que eram franceses. – Vamos por etapas – começou Stevens. – Vocês estão surpresos, mas eu já estou acostumado e nada mais me surpreende. Toda vez que levo estrangeiros à presença de Mestre Bobar, ele fala aos visitantes com impressionante clareza e isso já se tornou um fato corriqueiro. Parece-me que além de ler pensamentos, não há idioma desconhecido por Bobar. – Então não há dúvidas que ele possui poderes paranormais? – perguntou, Jean. 30

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– Vocês comprovaram com que facilidade ele falava o francês. Ele lê pensamentos, alivia o sofrimento das pessoas, cura enfermidades consideradas incuráveis pelos médicos e fala fluentemente todos os idiomas existentes na Terra. Não sei se ele fala também a língua dos Espíritos. – O que significa o tom sombrio de suas palavras? Havia nelas algo de premonição. Não lhe pareceu assim? – perguntou dessa vez, Hugo. – Acho que você é propenso a imaginação. Não vi nada de sombrio, a não ser a forma como ele se expressou. Eles gostam de falar por parábolas e, tudo que dizem, têm um tom divino. Para que vocês compreendam, um simples galhinho de relva tem um significado para eles. Não devem ser arrancados sem justa finalidade. A Mãe Natureza é adorada por esta gente simples, pois dela obtém todas as suas necessidades. Chegam a orar suplicantes quando são obrigados a abater algum ser vivo. Para quem não sabe, todos os seres, inclusive os vegetais, têm vida. Ele simplesmente pediu a todos que respeitem a Natureza, e nisso não há nada de sombrio. – O que ele quis dizer quando falou que as montanhas não devem, jamais, serem violadas ou molestadas pela mão do homem? – perguntou, Pierre. – Bobar sabe os poderes que emanam da Natureza. Ele é contra aqueles que a ferem. Ela sente as retaliações e há muitas maneiras de magoá-la. Vejam as caravanas. Elas deixam um rastro de lixo por onde passam, principalmente quando são comandadas por estrangeiros. É o vosso caso. Os estrangeiros atiram em pequenos animais por simples prazer. Quando levantam acampamento, deixam atrás de si, uma quantidade considerável de resíduos industriais. Garrafas 31

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plásticas e de vidro, junto com caixas de variados tamanhos são abandonadas nos locais, transformando-se num cemitério de ratazanas. Muitas crianças, ao revolver o lixo em busca de novidades, são vítimas desses roedores. Esses resíduos ferem a Natureza e invadem os rios durante as chuvas, sobretudo o sagrado Ganges. Não me perguntem por quê, mas a Natureza trata bem quem a respeita. A maioria das pessoas que perecem nas escaladas, não seguiram os conselhos de gente como Bobar. Muitos perdem a vida picados por cobras, quando poderiam evitá-las se seguissem os conselhos de aldeões humildes. Nestes meus quinze anos perambulando pelo Continente Asiático, aprendi a respeitar a todos e não duvidar de nada, pois há muita coisa que foge da observação de nós civilizados. Adotem como regra as observações de Bobar. Respeitem suas palavras e terão menos aborrecimentos pela frente. – Realmente ignoramos muitas coisas – concordou, Hugo. – Necessitamos viver várias vidas para entender certas coisas – ponderou, Stevens. – Bem! Obrigado pela ajuda – finalizou Hugo, estendendo a mão ao inglês. – Não há motivo algum para agradecer. Se precisarem de mim, sabem aonde me encontrar. URIAN BABA

T

odos haviam acordado que ficariam acampados no sopé do Everest, aguardando o momento propício para iniciar a subida. Pretendiam movimentar-se em fins de junho ou início de julho, meses considerados os melhores para se viajar no Himalaia. 32

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Nessa época, a neve e as geleiras estão derretendo, formando-se milhares de ribeiras. O frio era agradável e os guias estavam acostumados com esses fenômenos. Os equipamentos eram os mais modernos, os carregadores eram fortes, experientes, alegres e, sobretudo, amavam a profissão. Enquanto esperavam, os componentes do grupo faziam pequenas incursões e se deliciavam com a paisagem. A olho nu, era impossível medir a distância das planícies. Perdiam-se de vista e estavam cobertas com plantações de cevada, trigo e lentilhas. Do acampamento poderiam ser vistos carneiros, gado bovino, bisões, búfalos e cabras, além de galinhas, gansos e faisões. O grou, da altura de um homem, e o abutre barbado, também eram encontrados. Os répteis eram mais numerosos que os mamíferos. Destacavam-se os crocodilos, as tartarugas, os lagartos e as cobras. Entre as serpentes, a píton e a naja eram as mais perigosas e temidas, pois o veneno de ambas era extremamente mortal. Nas florestas viviam os mamíferos selvagens de grande porte. Destacavam-se o leão, o tigre, o leopardo, o lobo, o chacal e o rinoceronte. Os elefantes asiáticos eram raros. Eram encontrados em maior quantidade na região nordeste e sul da Índia. Apesar do perigo que representavam esses animais, a vida era calma e pacífica. A Mãe Natureza dava tudo aos aldeões, inclusive o sal e óleo para queimar em suas lamparinas. As pessoas respeitavam-se e contentavam-se em repartir com estranhos, os poucos víveres que tinham, pois eram hospitaleiros e solícitos em tudo. As noites enluaradas eram por demais encantadoras e, as estrelas, disputavam renhidamente um lugar no Céu. A Lua vestia-se de prata, mostrando-se dengosa e cheia de feitiço. 33

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Enciumado, o Astro Rei soltava chispas em sua direção. Dava vontade tocá-la com as mãos. Vaidosa, eriçava o pêlo dos mais sensitivos. A Natureza, presa ao seu encanto, espalhava seu perfume com o auxílio da brisa da noite. Para completar o cenário, estrelas cadentes riscavam os Céus, abençoando a todos. Ao ver os pirilampos com suas pequeninas luzes clarearem as matas, Hugo lembrou-se dos pisca-piscas das árvores de natal de sua cidade. Milhares de pontos luminosos dançavam em homenagem a Mãe Natureza. Era um espetáculo que prendia a respiração até dos insensíveis. Por alguns momentos seu pensamento se desviou para um quadro aterrador. Também eram luzes apagando e acendendo, só que eram luzes de holofotes tentando localizar os aviões que bombardeavam as cidades. Canhões atiravam a esmo tentando derrubá-los, e só Deus sabia porque existiam as guerras. O encanto e a beleza do lugar fizeram-no retornar ao presente. De novo estava contagiado pela beleza e quietude da noite. Seus companheiros estavam reunidos em volta de uma fogueira e conversavam alegremente. Ele resolveu se recolher. Na manhã seguinte foram acordados por barulho de passos. Eram centenas de aldeões que desciam das montanhas conversando ruidosamente. Todos dirigiam-se a um só ponto. Curioso, Hugo perguntou a Razak, chefe da caravana: – O que está havendo? Será que liquidaram com o tigre que rondava a aldeia?

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– Sahib 9 – respondeu o guia com voz pausada e numa mistura de francês e brâmanes – está na aldeia, vindo da cidade de Almora, Urian Baba, um Mestre de infinita sabedoria. Além de sábio e médico de almas, é filosofo e costuma descrever estas regiões abençoadas de forma poética. Suas proezas são conhecidas além fronteira. Dentro de alguns minutos ele dará uma palestra. Meu povo o adora. – Podemos nos juntar aos aldeões? – Será uma honra para todos. – Então não percamos tempo! Seguiram unindo-se às pessoas que continuavam a conversar animadamente. O local escolhido era uma vasta área coberta por grama sedosa. Urian estava acomodado num pequeno patamar, sentado com as pernas cruzadas. Uma túnica de fino tecido, cobria-lhe o corpo delgado e magro e, seus olhos penetrantes, negros como azeviche, davam-lhe um aspecto de uma estátua grega. Tinha cabelos bem pretos, lisos e longos, e sua barba estava bem aparada. Apesar da rudeza do local, Urian tinha trejeitos suaves e exalava um perfume muito agradável. Sua voz de estranho timbre penetrava suavemente nos ouvidos de todos. Falou quase duas horas seguidas e, pelo visto, ninguém se moveria do local se falasse dois dias seguidos. Hugo apreciava admirado, mas nada entendia. Razak, observador, compreendendo o que se passava, ofereceu-se para fazer um resumo do que estavam ouvindo. – Sahib! Urian acabou de descrever os trechos mais famosos e bonitos de dois poemas épicos hindus: o Ramayana e o Mahabbarata. Agora está falando sobre as 9

Forma respeitosa de tratamento. 35

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nuvens que cobrem as montanhas do Himalaia, e que vem rolando mansamente da Baía de Bengala. São as mais antigas viajantes destas regiões. Erguendo-se do Oceano, as nuvens de monção seguem em direção aos picos elevados, envolveos, voltam com sons ensurdecedores aos vales e planícies carregadas de água pura e, jogam sobre o solo, suas bênçãos. Quando nos sentamos pela manhã ou a tarde no topo das montanhas, vemos beleza em nosso redor e, se temos sensibilidade e espiritualidade, compreenderemos que essa maravilha é um colóquio amoroso junto ao Pai Divino, cujos atributos são a formosura, a eternidade e a verdade. O crepúsculo e a aurora vistos de cima, são simples movimentos, mas encerram profundo significado simbólico. A manhã, a tarde e a noite, tem cada qual sua própria beleza que linguagem alguma é capaz de descrever. As montanhas mudam de cor diversas vezes ao dia, porque o Astro Rei está a serviço delas. Pela manhã são prateadas, ao meio dia douradas, e à noite avermelhadas. O ambiente matinal do Himalaia é tão sereno, que leva as pessoas, espontaneamente ao silêncio e a meditação. Isso explica porque os habitantes do Himalaia se tornam meditativos. A Natureza é a maior das faculdades da meditação e, durante a tarde, quando o tempo fica mais claro e o Sol rompe através das nuvens, têm-se a impressão que o Poderoso e Divino Artista, lança milhares de cores sobre os picos nevados, formando quadros e telas preciosas, que jamais os pintores com seus pequeninos pincéis pudessem imitá-los. A arte existente no Nepal, Tibete, China e Índia, traz a influência da beleza do Himalaia. A Natureza é pacífica, e só perturba as que a perturbam, mas ensina sabedoria a quem a admira e aprecia sua formosura. Hugo ouvia impressionado. 36

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– Nas montanhas, encontram-se em abundância muitas variedades de flores. Os poetas dizem que vista dos picos, as vertentes atapetadas de flores parecem um imenso e magnífico vaso florido. Entre essas flores, os lírios e as orquídeas são consideradas as mais belas. Os lírios crescem em profusão, cobrindo as planícies com suas centenas de variedades. Existe um lírio cor-de-rosa, belíssimo, que cresce em junho e julho a uma altitude acima de dois mil metros, às margens do rio Rudra Garo, afluente do Ganges. As orquídeas, mais magníficas que qualquer outra flor, crescem numa altitude acima de 1.200 metros. As flores são deslumbrantes, assombrosamente belas, e sua floração dura mais de dois meses. Existe também uma enorme variedade de rododendros. A mais preciosa é a azul e branca. Comuns são as vermelhas e cor-de-rosa. Outra variedade possui pétalas multi-coloridas. Flor raríssima, considerada a rainha das flores do Himalaia, é a lótus de neve. Com delicadeza, Hugo interrompeu dizendo: – Caro Razak. Diante do que estou ouvindo, estou chegando a conclusão de que você, além de excelente poeta, é um profundo conhecedor destas áreas. Os teus conhecimentos abrir-te-iam as portas de qualquer faculdade do mundo. Com o que você sabe, você poderia se tornar um grande palestrante. Os teus conhecimentos não devem ficar armazenados. Eles devem chegar aos ouvidos das pessoas. Por que você é guia de caravanas? – Perdão, Sahib. Essas descrições são de Urian Baba, não minhas. – Será que são! – exclamou Hugo, com malícia. Mostrando timidez, o guia corou ligeiramente. 37

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– Você ainda não me respondeu por que é guia! – insistiu, Hugo. – É muito simples, Sahib. Gosto desta profissão e estou integrado ao ambiente que amo. Como guia já salvei muitas vidas. Para mim, isso é muito importante. A maioria dos homens que escalam estas montanhas são simples aventureiros em busca de glória. Alguns só viram montanhas em fotos. Se lançam inadvertidamente ao perigo, principalmente os mais jovens. De volta ao acampamento, avistaram um dos carregadores às voltas com um bule de chá. Os companheiros de Hugo haviam retornado na frente, quiçá pela dificuldade em entender as palavras de Urian Babá. Estavam todos em volta da fogueira sorvendo o precioso líquido. Claude, o “chanteur” do grupo, cantava uma canção feita em homenagem a Paris. Ele possuía uma linda voz. Quando avistou Hugo, parou com a cantoria. O grupo francês era composto por Hugo, Jean, Claude, Paul, Charles, Maurice, Louis e Pierre. Perto deles, ao redor de outra fogueira, estavam os carregadores e os guias. Hugo, embora jovem, era o mais velho entre os franceses. Seguia-o de perto, Paul, com vinte e oito anos Os demais estavam em torno de vinte e cinco anos. Paul era oriundo da cidade de Lion, falava seis línguas e era o tradutor do grupo. Jean era formado em medicina e ficara órfão bem cedo. Tinha um consultório em Paris. Claude, dono daquela bonita voz, era repórter do Le Figaro. Reservadamente contou a Hugo que recebera uma proposta para atuar numa emissora de rádio. Na volta estudaria a proposta com carinho. Charles, o mais extrovertido do grupo, era fotógrafo profissional e contagiava a todos com sua 38

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espontaneidade e alegria. Pierre, colega de infância de Hugo, era desenhista e passava a maior parte do tempo pintando a maravilhosa paisagem que havia ao largo. Com exceção deste último, os demais foram atraídos por um anúncio que Hugo mandou publicar no Le Figaro. Todos gozavam de excelente saúde, e quatro deles há haviam participado de expedições. Para surpresa de todos, Razak chegou junto dos carregadores, ergueu os braços para o alto e começou a orar. Hugo aproximou-se seguido pelos companheiros, e juntos formaram um círculo em volta do guia. “Poderoso Sahib! – dizia ele “Escultor e Arquiteto Mor do Céu e do Infinito “Vós que estais nas montanhas e planícies “Nos vales e mares “Nos oceanos e desertos. “Dai-nos a força e a esperança “Protegei-nos durante a caminhada “Que nossas mentes sejam enriquecidas com Vossa presença “Que nossos membros tornem-se fortes e rijos “Que a Mãe Natureza não seja hostil conosco. “Que os Espíritos das Montanhas não se zanguem e “Que sejamos merecedores... Estranhamente o guia foi abaixando a voz e, por mais alguns instantes, orou em silêncio. De seus olhos cerrados um precioso líquido começou escorrer sobre sua face. Pena que não viram o halo de luz que o ligava aos Céus.

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UM CAÇADOR SOLITÁRIO

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omo previsto, iniciaram a jornada nos primeiros dias de junho. A caravana era composta de vinte homens e quinze mulas de carga. A provisão era farta, e os equipamentos estavam devidamente amarrados no dorso dos animais. A neve começou a derreter, e inúmeros cursos d’água se formavam pelas encostas. O espetáculo era belo e grandioso. As populações ribeirinhas deslocavam-se em busca de maior segurança, pois as avalanches eram constantes e perigosas. Havia um misto de assombro e euforia nos olhos dos franceses. Parecia que havia alguém cortando o Céu em pedacinhos. Pequenos e grandes blocos de gelo se desprendiam das faldas, atingindo velocidades incríveis. Ao se espatifarem no fundo dos precipícios, faziam um ruído ensurdecedor. Gelo, pedras, cascalho e terra formavam um só bloco. Enormes crateras apareciam no solo. Embora perigoso, era um bonito espetáculo. A caravana se movia lentamente. Vistos de longe, pareciam formigas em movimento. Sob o comando de Razak e Asmir, o outro guia, todos procuravam poupar as forças e não se expor a riscos. Os aldeões sabiam que aquelas montanhas atraentes, mas traiçoeiras, eram na realidade um esconderijo de mortos. Acima deles, o Everest parecia estar rindo daquelas formigas. Após oito dias de marcha, aconteceu o primeiro incidente. Estavam acampados preparando-se para dormir, quando as mulas começaram a empinar e dar coices tentando se livrar das amarras. Pelo desespero, tudo indicava que haviam sentido a presença de um animal poderoso e temido por 40

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todos. Tudo indicava que havia um tigre por perto. Não obstante oculto pela noite, haviam-no farejado. Uma das mulas, enlouquecida pelo cheiro do carnívoro, conseguiu arrebentar as amarras e disparou em direção a ribanceira. Apavorado, o pobre animal lançou-se ao vazio e seu vulto desapareceu no negror da noite. Ao amanhecer avistaram-na no fundo da ribanceira. Seu corpo estava completamente esfacelado. Era um mistério, mas a fera tinha chegado ao fundo e se banqueteado com o que restara do quadrúpede. Reiniciaram a marcha mais vigilantes do que nunca. Razak e Asmir, em especial, sabiam que o felino retornaria em busca de nova vítima, mas que só atacaria protegido pela escuridão da noite. Durante o dia estavam todos seguros. O problema era atravessar a noite. Diante desse fato, resolveram destacar dois homens para irem em sua perseguição. Havia necessidade de matá-lo o quanto antes. Para cumprir a tarefa, foram escolhidos dois exímios atiradores: Basra e Isra. No mesmo dia em que aconteceu o acidente, seguiram atrás do animal. Os dois já haviam participado de diversas caçadas e, por isso, eram excelentes rasteadores. Sabiam que o tigre quando farejava o homem, só atacava protegido pela noite. De dia, só era feroz ao sentir-se ameaçado. No acampamento, enquanto aguardavam a volta dos caçadores, os franceses ficavam em constante movimento para que o sangue não congelasse. O frio e o vento cortavam como fio de navalha. Quatro dias já havia se passado, quando os caçadores avistaram o esplêndido espécime. Depois de atravessarem espessa e rica vegetação, viram o tigre numa clareira, parado 41

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junto a uma ravina. Sua pelugem amarelo-avermelhada com listas negras, brilhava à luz do Sol. Inexplicavelmente o belo animal não fez menção de fugir, nem de atacar. Era um macho enorme. Encurralado e pressentindo o perigo que corria, rosnou incomodado. Parecia mais um lamento do que um rosnar de ameaça, pois mantinha-se quieto e imóvel, e seu olhar era dirigido a um só ponto. Sem compreender o que se passava com o animal, Basra e Isra se separaram e procuraram circundá-lo. Se errassem a mira, talvez um deles seria despedaçado. Quiçá os dois! Apesar de acuado, o animal invés de demonstrar ferocidade, estranhamente mantinha-se parado contrariando seus hábitos. Agora movia a cabeça, ora para o lado direito, ora para o lado esquerdo, como à procura de algo. Sem dar chance, Basra levantou o rifle e atirou certeiramente por duas vezes. O grande gato, com o impacto das balas, caiu ao solo, inerte. Um terceiro tiro foi dado por Isra. Aproximaram-se cautelosamente. Era um lindo exemplar com aproximadamente trezentos quilos. Somente não entendiam, porque a fera não os atacara. Encontraram a resposta quando observaram os olhos do animal: eram opacos e sem brilho. Aquele lindo espécime listrado era cego. Movia-se e ia em busca de alimento guiando-se unicamente pelo faro. Por isso tinha se aproximado da caravana em busca de alimento fácil. Impossibilitado pela cegueira de perseguir um animal selvagem, fora atraído pelo odor das mulas. Como tinha sobrevivido até aquela data sem enxergar, era um mistério. Seguindo um velho costume, os dois caçadores ajoelharam-se em volta da presa e pediram desculpas por lhe 42

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terem arrebatado a vida. Após algumas horas de jornada reencontraram o grupo. Foram calorosamente recebidos. Isra trazia o precioso troféu numa vara curta e grossa. A ponta da vara estava enfiada num furo abaixo dos olhos do animal. Na grande pele, via-se nitidamente três orifícios. Uma das balas havia perfurado o coração do animal, matando-o instantaneamente. No meio da algazarra e dos abraços, iam contando, cada qual a sua maneira, as peripécias da perseguição. Por outro lado, as mulas sentindo o cheiro saído da pele do animal abatido, começaram a escoicear e forçar as amarras. Para que elas se acalmassem, a cabeça e a pele do tigre foram deixados num povoado perto do local onde estavam acampados. Depois de treze dias de marcha, acamparam numa grande caverna. Em seu interior havia sido construído, sei lá por quem, um mosteiro. Ali se refugiavam Mestres e Gurudevas de diferentes partes. Ficavam longo período meditando e, de quando em quando, faziam incursões nas redondezas estudando a Natureza a fundo. O interessante e que despertou a curiosidade de Hugo e seus companheiros, é que esses homens contemplativos não tinham nenhuma proteção contra o frio intenso. Praticavam a yoga totalmente desnudos e, quando muito, colocavam sobre as partes íntimas, uma estreita tira de pano. Travando conhecimento com um desses eremitas, que tinha como mascotes duas reluzentes najas, répteis de mortal veneno, Hugo ficou sabendo que na Índia, o culto mais antigo dos árias é a religião védica, assim denominada por causa dos livros sagrados em que está contida. Da religião védica, desenvolveu-se o pensamento bramânico, o pensamento clássico da civilização indiana. Razak já lhe tinha falado reserva43

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damente, sobre a concepção pessimista e ascética do mundo, e como a vida se manifesta especialmente no bramanismo dos Upanixades, um livro sagrado. A tendência yoga é tida em grande honra, mas a solução do problema da vida, a evasão do mundo, é procurada não por via prático-negativa, e sim por via teórica e contemplativa. Os religiosos que vivem nas cavernas e selvas, praticam a meditação à procura de paz interior e com isso elevar-se. DE VOLTA AO PRESENTE

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nquanto Hugo estava às voltas com o pretérito, aproximou-se de Dulce um emissário de Ezequiel, importante dirigente da Esfera das Decisões. Chamava-se Israel e vinha em busca do recém-chegado, mas vendo-o com os olhos cerrados, compreendeu o que ocorria e limitou-se a sorrir, prometendo voltar dentro de instantes. Novamente a sós e, vendo Hugo um pouco agitado, Dulce achou conveniente chamá-lo de volta. Tocou levemente sua testa com a ponta dos dedos, fazendo-o retornar. – Que tal? – perguntou, Dulce. Vendo que nada respondia, insistiu. – Que tal? Como você está se sentindo? – Impressionante a cena que acabei de ver! Me vi enterrado lutando desesperadamente em busca de ar. A pressão da terra era tanta, que não conseguia mexer um só dedo. – Percebi tua agitação. Por isso achei melhor chamá-lo de volta. 44

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– Eram cenas tão reais, que ainda sinto o peso da terra em cima de mim. Isso significa que fui soterrado vivo? – É o que ocorreu. Você e seus amigos estavam perto do pico, quando se desprendeu do alto uma grande quantidade de neve. Não houve sobreviventes. Você não acreditou na morte e ficou no local por mais de duas décadas. Por diversas vezes tentamos atraí-lo, mas fomos repelidos com veemência. Nem todos aceitam a morte passivamente. – Quer dizer então que fiquei vinte anos achando que estava vivo? – Isso mesmo. – Como isso é possível? – Quando a vida material termina, o espírito se desliga definitivamente da matéria ao romper-se o elo que o prende ao corpo. Esse elo ou cordão é chamado de perispírito. A matéria pouco a pouco se decompõe, mas o espírito, até então com as mesmas características do corpo que habitava provisoriamente, sobrevive. Essa semelhança do corpo com o espírito causa alguma confusão na hora da morte. A maioria não acredita estar morto fisicamente, apesar de ver a carcaça sendo destruída pelos vermes. No teu caso não houve isso. Teu corpo permanece congelado debaixo da neve. – Meu Deus! Vinte e cinco anos é um longo período! – Quando estamos ocupando um corpo é um longo período, mas quando estamos livres, são apenas breves momentos. – Você está me dizendo que também existem dois tempos? – Mais ou menos, Hugo! Mais ou menos! Outra hora falaremos disso. Muita coisa aconteceu na Terra enquanto você passeava pelas montanhas. No final dos anos trinta, 45

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aconteceu uma nova grande guerra. Essa guerra foi mais terrível que a anterior. Milhões de irmãos perderam a vida estupidamente. A mesma nação que iniciou a primeira guerra, iniciou a segunda. Só os autores mudaram. Sob pretexto dos mais espúrios, a Alemanha invadiu a Polônia e declarou guerra à França. Tanto uma como a outra sucumbiram facilmente às poderosas forças nazistas. Não satisfeito, Hitler10, esse era o nome do chefe do Movimento Nacional Socialista alemão, declarou guerra a Inglaterra e a Rússia e, dentro em pouco, os cinco continentes estavam envolvidos. Umas poucas nações não se envolveram diretamente. – Mas como foi possível um só exército abrir diversas frentes? – Sob os olhares compassivos da França e da Inglaterra, Hitler preparou tranqüilamente o seu exército. Quando perceberam as intenções expansionistas de Hitler, já era tarde. Além disso, Hitler fez aliança com o Japão e a Itália, o que lhe permitiu abrir várias frentes de ataque. A perseverança e a coragem do povo inglês foi um fator decisivo para a vitória dos aliados, porém só com a entrada dos Estados Unidos no conflito foi possível vencê-los. Os russos lutaram renhidamente, pressionando o exército alemão contra seu próprio território. O último país a se render foi o Japão e, isso só aconteceu, porque os Estados Unidos lançou sobre seu território duas bombas atômicas. Seu efeito foi tão devastador que duas cidades desapareceram num piscar de olhos. Os poucos sobreviventes ficaram deformados para o resto da vida. 10

Adolf Hitler – Chefe alemão (Führer) de origem austríaca (Braunau, Áustria, 20-04-1889 – Berlim, Alemanha, 30-04-1945). 46

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– De onde foram lançadas essas bombas? – De dois gigantescos aviões bombardeiros. Essas naves voavam a grandes altitudes. Eu acho que quem mandou lançar as bombas desconhecia seu poder de destruição. Perderam a vida mais de duzentas mil pessoas. – Quem foi o infeliz que deu essa ordem? – Harry Truman 11. Truman substituiu o Presidente Franklin Roosevelt12 que faleceu durante o mandato. Eu não culpo Truman. Acho que ele foi pressionado e mal informado pelo comando militar. Tenho quase que certeza que se ele soubesse o estrago que faria essas bombas, não autorizaria o lançamento. – Não posso concordar com você, a não ser que as duas foram lançadas na mesma hora do mesmo dia. – Você está certo. Eu não havia pensado nisso. Ele podia evitar o lançamento da segunda. – O quê aconteceu com os que fomentaram a guerra? – Os que morreram fisicamente estão sendo julgados deste lado. Os que estão ainda vivos estão sendo procurados e julgados em Nuremberg. Poderão escapar das leis dos humanos, mas não escaparão das Leis Divinas. Dessas ninguém escapa. Alguns tiraram a própria vida tentando escapar. Pobres infelizes! Hitler atirou contra a cabeça. Mussolini, o chefe de estado italiano, foi morto junto com sua amante por aqueles que o apoiavam. Ambos já estão gemendo nas profundezas. Existem muitos culpados que se 11

Harry S. Truman – Político, norte-americano (Lamar, Missouri, 08-051884 – Kansas City, Missouri – Estados Unidos – 26-12-1972). 12 Franklin Delano Roosevelt – Estadista norte-americano (Hyde Park, Nova York, 30-01-1882 – Warm Springs, Geórgia, Estados Unidos, 1204-1945). 47

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escondem atrás de importantes cargos públicos. Existem muitos eclesiásticos que pensam que estão livres escondendose em batinas. No início da guerra, quando os alemães começaram a exterminar os judeus, Sua Santidade se negou aceitar a realidade dos fatos. Preferiu ignorar o que estava acontecendo. O mesmo fizeram os cardeais. Milhões de judeus foram arrastados para a morte por ordem de um insano, enquanto os insensatos se omitiam. Quanta hipocrisia existe no coração humano! Se as autoridades religiosas fossem mais honestas e severas na condução de seu rebanho, Hitler não teria chegado aonde chegou. De qualquer forma, perdendo ou ganhando, esses privilegiados de momento se fortalecem porque continuam a explorar a miséria humana. Vivem em palácios cercados de todo conforto, enquanto seus lacaios lançam seus tentáculos sobre povos famintos e sedentos de justiça. Um dia isso terá fim na Terra. – Por que até hoje há um forte preconceito contra os judeus? Será por que executaram Jesus Cristo? – O que a Humanidade já deveria saber, é que Jesus Cristo foi retirado quando chegou sua hora Todos temos nossa hora. A Dele era aquela. Jesus preferiu o sacrifício e silenciou diante de Pilatos. O Cônsul tentou demovê-lo, mas o Mestre preferiu ignorar o conselho. Por detrás disso tudo há um enorme interesse político. Todos querem botar a mão em Jerusalém. – Mas Jerusalém não foi sempre uma cidade judaica? – Não sei se pertenceu sempre à comunidade judaica, porém sei que nela sempre viveram judeus. Existem várias facções querendo tomá-la. Quem sabe um dia ela seja dividida em quatro partes iguais: uma para os judeus, outra para os palestinos, uma outra para os católicos e uma última 48

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para não sei quem. O que não entendo, é que todos falam num deus, mas as mortes não param de acontecer. – Quem sabe um dia ela seja considerada um território neutro, aberto a todos os povos. – O que acontece Hugo, é que entre fanáticos é difícil haver paz. Essa é a única verdade. – Como estão as nações que perderam a guerra? – Numa guerra não existem vencedores. Todos perdem alguma coisa. A Alemanha ainda não se recuperou dos estragos. Antes que os generais alemães assinassem a rendição, a nação alemã foi completamente destruída pelas bombas. Vinham de todos os lados. Berlim, a capital, só existe no mapa. Hoje há duas repúblicas alemãs: a República Democrata Alemã controlada pelos soviéticos, e a República Federal da Alemanha controlada pelos aliados. Não se impressione! O povo alemão rapidamente reconstruirá uma nova Alemanha. Futuramente haverá a reunificação. Não tenha dúvidas disso. Acho que desta vez os alemães compreenderam que a paz somente se consegue longe das armas. Quanto aos japoneses a lição foi ainda maior, porque consideravam o Imperador Hiroito um verdadeiro deus. Quantos absurdos existem na Terra, você não acha? Hugo preso a narrativa, preferiu continuar calado. – A Itália – continuou Dulce – trocou a monarquia por uma república democrática. Seus atuais dirigentes estão fazendo uma completa reforma. Acho que desta vez também os italianos aprenderam a lição. Com a finalidade de estreitar os laços de amizade entre as nações, um comitê desportivo está preparando um novo campeonato mundial de futebol, um esporte praticado por vinte e dois atletas. Será a primeira grande festa esportiva do pós guerra. Estarão presente mais 49

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de uma dezena de países, inclusive a Itália, a Inglaterra e os Estados Unidos. – E a minha França, não estará presente? – Não sei exatamente quantos países estarão presentes, porque quase todos foram afetados pela guerra. O Brasil será o país anfitrião e tudo indica que será uma bonita festa. Não medindo esforços, seus dirigentes estão acabando de construir um estádio com capacidade para abrigar duzentas mil pessoas. Deus queira que tudo dê certo. Os povos estão precisando de um pouco de alegria. – Desde já estou torcendo para que a minha França se faça representar. – Quem sabe! A ESFERA DAS DECISÕES

F

oram interrompidos pela chegada de Israel. Depois das apresentações, Hug despediu-se de Dulce e seguiu com o novo amigo. Israel era jovem e seus olhos eram tão negros que pareciam duas jabuticabas. Um veículo de forma circular os esperava. Não tinha rodas, mas mantinha-se parado um metro acima do solo. Hugo, já acostumado com às surpresas, nada comentou. O estranho veículo levava confortavelmente oito pessoas, e movimentava-se em todas as direções com grande velocidade. Os assentos estavam colocados num só sentido. Na frente dos dianteiros havia um painel com vários botões de cores diferentes. Quando Israel pressionou dois deles, o veículo disparou em relativa velocidade. Dezenas de outros objetos eram vistos à medida que se deslocavam. Uns eram 50

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triangulares, outros retangulares, porém a maioria tinha a forma circular. Não se avistavam nessas naves, luzes artificiais, porém todas estavam circundadas por um grande número de pequeninas janelas. Nestas regiões de intensa luminosidade, não havia necessidade de faróis. Eram obsoletos. Hugo apreciava o panorama, impressionado com o que via. Passaram por planícies, florestas, grandes lagos e, finalmente, avistaram uma cidade construída na orla marítima de um grande Oceano. De cima ainda foi possível ver algumas embarcações se movimentando na superfície. Embora distantes, dava para perceber que eram belíssimos veleiros. Hugo permanecia entretido com a vista, quando Israel chamou sua atenção apontando-lhe um grande planalto. – Chegamos! – comentou sorrindo. No platô podiam ser vistos edifícios cercados por imensos jardins floridos. Havia uma rica fauna entre a vegetação que cercava os jardins. Um grande pássaro colorido, perto de uma corrente d’água, despertou a atenção de Hugo. Era um misto de cegonha e flamingo, só que sua plumagem de diversas cores, lembrava o Arco-íris. Não muito longe do exótico pássaro, centenas de borboletas voavam chocando-se no ar. Para onde dirigia o olhar, Hugo era surpreendido com novas belezas. As árvores estavam cobertas com flores de diversas cores e possuíam uma simetria admirável e harmoniosa. Hugo pensou: como é possível uma árvore ter flores de espécies diferentes? Os galhos e folhas formavam estranhos desenhos. Entre dois desses vegetais de grande porte, havia uma lagoa de água límpida, onde peixinhos multi-coloridos nadavam entre corais. Era uma visão encantadora! 51

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Israel pousou o veículo junto a um prédio com características de uma catedral. Na parte central do prédio, havia uma torre com uma cobertura de vidro. Na cobertura havia uma comprida vareta e, na ponta da vareta, brilhava uma pequena esfera de cor azul. Duas torres de menor tamanho ladeavam a torre central. Ambas tinham a mesma aparência da torre maior. Embaixo delas destacavam-se três balcões. A fachada do prédio era toda da cor do ouro e, na sacada do meio, salientava-se uma escultura aparentemente solta no ar, representando uma criança com cabelos encaracolados, envolvidos com uma fita de metal pintada de azul. De seus pequeninos ombros, apareciam duas asas. Ao entrarem pela abertura central, cruzaram com algumas pessoas, cujos corpos emitiam tênues lampejos. Vestiam togas e tiaras brilhantes. Não agüentando mais a curiosidade, Hugo, perguntou: – Por favor, Israel! Aonde estamos e quem são essas pessoas jovens? – Esses jovens são alguns dos responsáveis pela harmonia que existe entre os astros da via-láctea, entre eles, a Terra. Eles também têm a responsabilidade de vigiar e montar operações de socorro nas regiões de sofrimento. Dentro delas há muitos enfermos. Você verá mais adiante. Ainda quanto aos astros, você terá oportunidade de notar que todos se movimentam em harmonia, sem causar nenhum acidente. Alguns desses jovens, observam e controlam os movimentos desses astros. – Você está me dizendo que eles controlam a Natureza? É possível controlá-la? – Por ora só posso te responder que nada foge dos olhos do Criador. Nos diversos Universos há muito mistério! Há 52

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muitos segredos! Por que eles existem? Talvez para atiçar o nosso cérebro. Talvez para que possamos progredir. Em todo lugar há vida, e onde há vida, há coisas para serem pesquisadas. Este lugar onde estamos é conhecido como Esfera das Decisões. Por que Esfera das Decisões? Porque daqui partem muitos desses jovens com missões importantes. Todos são voluntários. Além de vigiar o que você chama de natureza, eles fazem operações de resgate nos planos onde o ambiente é de desolação. Há muitos planos de sofrimento e todos são chamados de Vale das Lágrimas. Há mais seres nesses rincões, que nos locais de luz como este. Alguns desses irmãos são tão ruins, que adquiriram a aparência de monstros. São tão agressivos e maldosos que suas mãos se transformaram em garras. Os pés têm a aparência de cascos. Se arrastam na lama desses lugares, como répteis atrás de suas presas. Essas cenas comovem até os mais brutos. Esses jovens quando sentem que alguns desses seres têm um lampejo de bondade, vão atrás tentando resgatá-los. Entre esses irmãos sofredores existem muitos homens e mulheres que foram famosos e adorados na Terra. Alguns desencarnaram há séculos, mas ainda são lembrados com carinho. Escaparam dos tribunais da Terra através de artimanhas, mas aqui ninguém escapa. – Ficarão eternamente nesses lugares? – Não acabei de dizer que quando algum tem um lampejo de bondade é socorrido! Todos terão novas oportunidades. Deus jamais abandona seus filhos, por piores que sejam. – Mas então por que existem esses lugares? – Para que haja justiça. Para fazê-los sentir o mal que causaram aos seus semelhantes. Você não lembra do conselho de Jesus? Não faça aos outros aquilo que você não 53

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quer que lhe façam! Infelizmente, a justiça dos homens é falha, por isso são julgados por Deus. Uma dessas criaturas, solta na Terra ou em planos análogos, causaria um mal irreparável. Muitos deles foram importantes religiosos. Famosos e adorados cardeais. Só que utilizavam seus cargos para benefício próprio. Isso continua existindo. Até quando, não sei! Perseguem os que não seguem seus dogmas ultrapassados. Usam o nome de Deus para encobrir suas faltas. Enfraquecem a autonomia das nações, semeando a discórdia entre os povos. Fomentam o ódio e se escondem atrás das batinas. Nesses vales também existe um número muito grande de homens públicos de grande prestígio. Como foram muito bajulados, conservam até hoje os mesmos hábitos. Fazem discursos em cima de rochas limbosas, como se estivessem em tribunas do senado. Continuam fazendo acertos e conchavos. São hábitos difíceis de mudar. – Talvez Dante13 tenha se inspirado nesses lugares para fazer a Divina Comédia! O que você acha? – Saiba você uma coisa. Nenhum artista, seja ele pintor, músico ou escritor, faz algo sem intuição do Alto. Dante não é uma exceção. Podemos chamar o Vale de Inferno, pois ali existe toda espécie de tortura. Seus habitantes unem-se em bandos, e seviciam os mais fracos com requintes de crueldade. Alguns verdugos, quando estão esgotados, revezam-se para continuar com os castigos. Não se afastam da vítima, um segundo sequer. É impressionante! Existe também uma

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Dante Aleghieri – Poeta italiano (Florença, maio de 1265 – Ravena 1409-1321). Autor da Divina Commedia uma das obras primas da literatura universal. 54

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vigilância permanente. Os guardas têm muito trabalho para evitar que passem as barreiras. – Mas se os guardas impedem a passagem, por que não impedem os suplícios? – Eu já me questionei sobre esse assunto. Sinceramente, também não sei! Só posso afirmar que as Leis do Criador são certas e imutáveis. Nós ainda não estamos em condições de compreender algumas delas. Um dia saberemos. Quando numa daquelas máscaras horríveis se abre uma réstia de piedade, esses jovens aproximam-se e começa aí a salvação de um deles. – Poderíamos chamar essa aproximação de doutrinação? – Sem dúvida nenhuma, pois é preciso muito cuidado para não afastá-lo. O sofredor é atraído aos poucos. É necessário muito tato e perspicácia. As vezes esse namoro dura anos. Os verdugos esbravejam em desespero tentando manter as vítimas sob seu controle. Para que a vítima seja tocada pelas fibras do amor e possa se desvencilhar, as vezes é preciso o uso da força. – Gostaria de fazer parte desse trabalho. Isso é possível? – Tudo é possível quando se tem amor. Quem sabe antes de partir, dar-te-ão essa oportunidade. A respeito ainda dos jovens, devo acrescentar que eles mudam de aparência quando é necessário. Usam desse expediente para impressionar alguns sofredores. Geralmente adquirem a aparência de parentes e entes queridos. Assim conseguem atingir seus objetivos. – Até o momento, só tenho visto coisas bonitas. Será muito interessante ter relação com esses sofredores do Vale. O que lhe parece? – Tudo tem sua hora, meu caro Hugo! 55

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OBRAS DE ARTE

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ntraram num amplo salão cujas paredes estavam cobertas com pinturas belíssimas. Eram obras de Rubens14, Rafael15, Renoir 16, Tiziano17, Leonardo da Vinci18, Van Gogh 19, Manet20 e outros. Hugo ficou arrebatado quando viu duas esculturas ladeando uma passagem. Eram cópias exatas de duas das mais famosas obras de Michelângelo 21: David e Pietà. As surpresas não ficavam por aí, pois sobre uma base ricamente trabalhada estava a mais famosa obra do artista: Moisés. No teto estavam reproduzidos os famosos e gigantescos afrescos da Capela Sistina. David, Pietà e Moisés pareciam ter vida, uma vez que só faltavam os movimentos. Os personagens pintados caprichosamente no teto eram tão perfeitos que 14

Peter Paul Rubens – Pintor flamengo (Siegen, hoje República Federal da Alemanha, 28-06-1577 – Antuérpia, hoje Bélgica, 30-05-1640). 15 Rafaello Sanzio – Pintor e arquiteto italiano (Urbino, 06-04-1483 – Roma 06-04-1520). 16 Pierre-Auguste Renoir – Pintor francês (Limoges, 25-11-1841 – Cagnes 03-12-1919). 17 Tiziano Vecellio – Pintor italiano (Pieve di Cadore, 1488-90 – Veneza, 27-08-1576). 18 Leonardo da Vinci – Artista e pensador italiano (Vinci, perto de Florença, 15-04-1452 – Castelo de Cloux, perto de Amboise, França 0205-1519). Um dos maiores gênios da humanidade. Foi pintor, escultor, arquiteto, engenheiro e cientista. 19 Jan Josephszoon Van Goyen (Goijen) – Pintor holandês (Leyden, 1301-1596 – Haia, 1656). O mais importante paisagista holandês. 20 Edouard Manet – Pintor francês (Paris, 23-01-1832 – id., 20-04-1883). 21 Michelangelo Di Lodovico Buonarrotti Simoni – Escultor, pintor, arquiteto e poeta italiano (Caprese, 06-03-1475 – Roma 18-02-1564). 57

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pareciam estar volitando. Sobre Moisés, contava-se na Terra que Michelângelo após terminá-la, incitou a estátua para que falasse, tamanha era sua perfeição. Israel vendo a expressão de espanto de Hugo, sorriu e comentou: – Essas obras, Hugo, são as verdadeiras! São as originais! As que estão na Terra, são cópias. Seus autores foram induzidos a criá-las Enquanto Israel se esmerava no comentário, aproximouse uma jovem muito bela, que lhes ofereceu um copo com um líquido muito transparente. Sorveram-no sem perguntar o que era. Hugo, principalmente, sentiu uma sensação muito agradável, e seu corpo se tornou ainda mais leve. Lembrou-se que até aquele momento não havia comido nada, mas apesar disso, estava bem disposto. A jovem sorriu e disse: – Sou Estela. Tenho ordens para levá-los. Por favor, sigam-me. Entre as estátuas de David e Pietà havia uma passagem. Era um corredor estreito e comprido com paredes de vidro. Dos dois lados podiam ser vistos centenas de peixes coloridos movimentando-se em águas cristalinas. Na verdade aquele corredor era uma passagem subterrânea, cujos lados e a parte superior estavam envolvidos por uma quantidade considerável de água e corais. Depois de alguns minutos entraram numa ampla sala. O ambiente era sóbrio e bem simples. No interior da sala havia várias poltronas, um sofá para cinco pessoas e três pequenas mesas. Quatro grandes estantes cobriam as paredes e estavam com todas as divisões abarrotadas de livros. Era uma aconchegante sala de leitura, que se diferenciava das biblio58

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tecas terrestres por uma única coisa: não havia nenhuma bibliotecária. – Acomodem-se e fiquem a vontade. O irmão Ezequiel chegará dentro de instantes. Que a paz de Deus esteja convosco. – Assim seja – antecipou-se, Israel. – A quem me devo dirigir para obter um livro – perguntou Hugo, por curiosidade. – A ninguém – respondeu rindo, Israel. É só mentalizar o nome do livro junto aquele painel à direita. Uma pequenina luz vermelha se acenderá na capa do livro desejado. Não é fácil? – Meu Deus! Quantas novidades! Quando Hugo já estava propenso a testar o sistema, entrou na sala Ezequiel. Tinha um aspecto magnífico. Vestia uma toga igual às utilizadas pelos tribunos da antiga Roma. Tez clara, olhos verdes e penetrantes, cabelos longos e negros como azeviche, davam-lhe um semblante majestoso. Como Dulce, seus cabelos eram repartidos ao meio ao estilo dos nazarenos. Nos pés usava sandálias do tipo franciscano. Hugo o reconheceu de pronto. Sorrindo, abraçou Hugo, e disse de forma amorosa: – Bons ventos o tragam, meu adorado filho! Ainda não estou livre das emoções que envolvem os humanos, apesar de estar livre da matéria há muitos e muitos anos. Quantos caminhos trilhamos juntos! Quantas separações tivemos de enfrentar! Tudo isso não importa. Estamos juntos novamente!

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Ezequiel era, nada mais nada menos, Lucius Annaeus Seneca22, famoso filósofo romano que viveu no primeiro século da era cristã. Sob forte emoção, Hugo só conseguiu dizer: – Como devo tratá-lo? – Você sempre gostou do nome Lucius. Aqui todos me chamam de Ezequiel. Eu não tenho nenhuma preferência por nomes. Meu tempo é escasso, por isso irei direto ao assunto. Você retornará à Terra e vestirá novamente uma batina. Será um importante homem no mundo religioso. No momento não vou entrar em detalhes. Vou apenas adiantar que será uma árdua tarefa e exigirá empenho e sacrifício. Embora seja uma missão difícil, eu não tenho dúvidas que você sairá vitorioso. Depois disso, você terá condições de viajar com liberdade por várias regiões do Universo. Israel e Estela têm instruções para enriquecer os teus conhecimentos. Eles vão te levar para diversos lugares do plano espiritual. Bons e maus! Para você, será uma experiência magnífica sob todos os aspectos. Afaste a timidez e não te omitas de perguntar. Tudo que você ver por aqui, te será útil no futuro. Procure armazenar em teu espírito, todas as lembranças. Confie em mim, como confio em ti. Até breve, e que a paz do Divino Mestre esteja sempre ao teu lado. Hugo fez menção de ajoelhar-se. Ezequiel carinhosamente o impediu. – Ajoelha-te diante do Pai e do Divino Mestre, não diante de mim, que nada sou! Isso seria um sacrilégio!

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Lucius Annaeus Seneca – Filósofo e poeta romano (Córdoba, com 4 a.C. – Roma, 65 d.C). 60

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Osculou o rosto de Hugo e de Israel, e desapareceu como havia surgido. Israel não era curioso, mas diante da novidade, comentou filosofando: – De uma boa cepa, sempre saiu um bom vinho! – Estivemos juntos em várias ocasiões. Ele foi um ótimo pai! – Sêneca não foi aquele filósofo romano condenado injustamente por Nero 23? – Sim! Naquela ocasião eu fazia parte de sua guarda de segurança. Por ciúme e ordem de Messalina24, Sêneca passou um período de sua vida exilado em Córsega. Chamado de volta por Agripina, A Jovem 25, passou a ser o preceptor de Domício, depois Imperador Nero. Domício então tinha 11 anos de idade. Também enciumado pela popularidade de Sêneca, Nero passou a perseguí-lo e, sob pretexto de cumplicidade na conspiração de Piso, foi acusado injustamente. Nero ordenou sua morte e, mil anos depois, nos encontramos na basílica de São Pedro. Dessa vez, aquele que foi Sêneca, era Ezequiel, e fazia parte do Sacro Colégio dos Cardeais. Eu era seu secretário. Ezequiel nunca admitiu a infalibilidade do Papa nas questões religiosas, pois só Deus,

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Nero Claudius Caesar Drusus Germanicus. Nome original, Lucius Domitius Ahenobarbus. Imperador romano (Roma, 37 d.C. – id., 68). Adotado por Claudius a quem sucedeu no poder. 24 Valéria Messalina (22 d.C. – 48 d.C.) – Esposa do Imperador Claudius I (Tiberius Claudius Drusus Nero Germanicus). 25 Agripina, A Jovem (15 d.C. – 59 d.C.) – Mãe de Nero sobre a qual exerceu poderosa influência. Casada em quartas núpcias com o Imperador Claudius I. Morreu assassinada a mando do próprio filho. 61

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dizia ele, é infalível. Nós somos simples mortais. Eu sempre tive a mesma opinião! – Quem sabe por isso, você foi o escolhido. O SOLAR DAS REMINISCÊNCIAS

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untaram-se a Estela na saída, e foram em direção a um edifício de estilo barroco, cercado por palmeiras de porte médio. Entre as árvores havia um rico jardim com mimosas de variadas cores. No lugar havia tamanha sensação de paz, que era possível captar o barulho do silêncio. A atmosfera que os envolvia era tão sensível, que os fazia flutuar. Todo aquele conjunto tinha um nome sugestivo: Solar das Reminiscências. Em seu interior, todos podiam rever o seu passado. Ficando a par da utilidade do Solar, Hugo comentou: – Gostaria de passear de novo pelo passado. Existem coisas que eu gostaria de esclarecer. Intriga-me, sobretudo, o fato de nunca ter ocupado um corpo feminino, não obstante ter encarnado dezenas de vezes. Vocês não acham isso estranho? – O quê há de estranho nisso? Eu também nunca fui homem! Isso pouco importa ao Espírito. Escolhemos o corpo que vamos encarnar de acordo com nossas tarefas. Não ache absurdo, mas aqui há um local onde podemos escolher nossos corpos antes de encarnar. Logo você saberá! Vá agora em busca do teu passado. Você está vendo aquele outro salão com um globo em cima da porta? Ficaremos a tua espera dentro dele. Que a paz de Deus permaneça contigo. O piso do recinto estava protegido por um tapete felpudo de cor branca. Hugo acomodou-se entre duas almofadas. 62

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Havia dezenas delas esparramadas pelo chão. Numa das paredes estava afixado um cartaz com a seguinte mensagem: O SILÊNCIO É UMA PRECE QUE NOS UNE A DEUS. Todos que ali estavam haviam entendido a mensagem. Havia um profundo silêncio e, os diversos irmãos que havia dentro do salão, estavam com os olhos cerrados, meditando como monges. Hugo assumiu a mesma postura. Como num passe de mágica, começou a aparecer em sua mente, cenas de existências anteriores. Viu como é penosa e dramática a luta em busca da perfeição. Passou por dolorosa experiência quando se viu dentro do corpo de um canibal. Teve várias vidas entre selvagens, até receber permissão para ingressar no mundo considerado civilizado. Não só na Terra peregrinou. Esteve em vários planos semelhantes, alguns bens inferiores aos padrões de vida da Terra. Só começou a sentir a presença da discórdia e da conseqüente ambição que há nos seres, quando adentrou o mundo civilizado. Entre os selvagens a luta era somente para sobreviver. Quanto mais instruídos eram os povos, mas sentimentos de inveja havia. O ódio, o ciúme e, principalmente a usura, acirravam a luta pelo poder. O orgulho e o egoísmo estavam presentes em todos os lares. Isso impedia o acesso a mundos de maior progresso espiritual. Uma de suas existências o marcou profundamente, justamente aquela que viveu entre os Cardeais da Igreja Católica. Além de ter sido secretário do então Cardeal Ezequiel, quando este fazia parte do Sacro Colégio de Cardeais, foi também Arcebispo na Irlanda e conselheiro do Papa Gregório XIII. 63

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Durante a famigerada Santa Inquisição, um dos períodos mais negros da história da Humanidade, ele viu cenas tão repulsivas, que comoveriam o bárbaro Átila 26 e seus hunos. Os juízes eram tão sádicos e cruéis, que os próprios carcereiros ficavam apavorados. Hugo também teve ciência que jamais ficou à espera da morte preso a um leito. Esteve quatro vezes ao lado de Ezequiel. Numa dessas foi seu filho. Jamais animou um corpo feminino. Devagarinho, retornou ao presente. A GALÁXIA MELCHI E AS CARRUAGENS DE FOGO

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ncontrou Israel e Estela confortavelmente instalados num pequeno sofá. Assim que cruzou a porta da sala, reparou que olhavam fixamente para o alto. Incontinente desviou o olhar para cima. O teto, que era circular, era uma réplica do Céu visto da Terra numa noite enluarada, só que invés de estrelas, viam-se milhares de pequeninas esferas luminosas de variadas cores. As esferas eram do tamanho de uma cabeça de alfinete e nenhuma era idêntica. Faiscavam e brilhavam a medida que giravam. Não há como descrevê-las com fidelidade. – Eis Hugo – exclamou eufórico, Israel – um protótipo da Galáxia Melchi. Nessa Galáxia abrigam-se alguns dos seres mais adiantados dos diversos Universos. 26

Rei dos hunos (com 406-453). Considerado o mais terrível dos chefes bárbaros da história. Por sua ferocidade atribuíram-lhe o cognome de Flagelo de Deus. Chegou às portas de Roma, e quando tinha tudo para derrubar o império, resolveu voltar. 64

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Aquelas pequeninas luzes representavam as moradas dos irmãos que atingiram, ou melhor, que estavam perto da perfeição. Cada cor representava o grau de elevação de um desses seres. Tudo era luz e resplendor! Hugo não conseguia, sequer, mover os lábios, tamanha era sua excitação. Estava com a expressão de um bobo. Jamais havia imaginado ver um quadro tão fantástico e maravilhoso. As esferas tinham vida própria e giravam lentamente nos eixos. Israel e Estela sorriam intimamente, enquanto acompanhavam a expressão do rosto do amigo. A curiosidade dele aguçou, quando observou o movimento de minúsculas luzes entre as esferas. Israel, observador, disse: – Essas luzes, Hugo, são cópias perfeitas de Discos Voadores. Aqui também têm esses nomes. Eles são utilizados em benefício de primitivas civilizações. Isso aconteceu na Terra. Os primeiros habitantes do Planeta Azul foram transportados nessas naves. Esses engenhos acompanharam e deram proteção ao povo hebreu enquanto atravessavam o deserto. Sem esse auxílio, os hebreus teriam sido aniquilados por seus inimigos. O Patriarca Moisés27 recebia suas ordens, via megafone, do chefe da tripulação. Esse querido emissário foi confundido com Deus, principalmente quando deu a Moisés as Tábuas Sagradas28. A Bíblia descreve os Discos Voadores como se fossem “línguas ou carruagens de fogo” e “arcas e anjos do senhor”. Na verdade, essas línguas de fogo eram labaredas produzidas pela queima de combustível. Os 27

Moshe em hebraico. – Profeta e legislador judeu. Egito Séc. XIII a.C. – Bethpeor ? – atual Jordânia. 28 Os Dez Mandamentos de Deus, entregues a Moisés no Monte Sinai. 65

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discípulos de Ezequiel, viram quando o profeta desapareceu no céu dentro de uma Carruagem de Fogo. O mesmo ocorreu com o profeta Elias. Na Bíblia há muitas narrações a respeito. Para você ter uma idéia do espanto que as naves causavam, as hastes de apoio eram confundidas com pernas e, as janelas ao redor, quase todas triangulares, com asas de anjos. – No Antigo Testamento – agora a palavra estava com Estela – estão relatadas inúmeras passagens em que são confirmadas a presença de Carruagens de Fogo e de Anjos do Senhor. A presença desses veículos eram constantes. Civilizações inteiras nasceram e se multiplicaram com amparo das naves. Seus tripulantes, vindos de diversas partes do Universo, prestaram toda espécie de auxílio. Trouxeram sementes para plantio e ensinaram como a terra deveria ser cuidada. Passaram regras de comportamento e mostraram o poder da Natureza. Enfim, atuaram diretamente na formação de novos planos de vida. Os Maias, os Incas e os Aztecas, foram auxiliados diretamente por irmãos procedentes da Galáxia Melchi. É pena que foram descobertos pelos espanhóis antes do tempo. Esse contato foi extremamente danoso para os povos andinos. Eram povos gentis e amáveis e não estavam preparados para a guerra. Você leu algo a respeito da Atlântida29, o Continente Perdido? – Li algo quando era estudante. – Pois bem! A Atlântida, a colônia mais evoluída do plano terrestre, foi criada pelos Atlantis, uma grande civilização existente em Sírius. Pouco antes daquele continente desaparecer sob as águas, seus habitantes foram transferidos para um outro plano dentro da via-láctea. A 29

Ilha ou Continente fabuloso misteriosamente desaparecido. 66

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teoria de que os homens descendem dos primatas é totalmente falsa. Darwin 30 se enganou quanto a isso. O macaco, embora inteligente, tem seus limites Até o momento, não há nada que indique que um irracional se torne racional. Ao contrário dos macacos, o ser humano está sempre a procura de novos horizontes. Isso significa evolução. O homem descende de civilizações do espaço e, portanto... – O que Estela está tentando dizer – interrompeu, Israel – é que a vida do homem na Terra, não teve início como muitos historiadores e teólogos presumem. Nos vários Universos, existem milhares e milhares de planos em estado primitivo, em que a vida tem início em condições especialíssimas e ignoradas por nós. Após um longo período de aprimoramento, esses seres iniciam uma nova existência em planos de expiação. Após sucessivas encarnações em que para alguns são longas experiências de sofrimento, eles recebem como prêmio, reencarnar em planos idênticos à Terra em estado primitivo. Agora é que chega o nó da questão! Enquanto os responsáveis pelas religiões da Terra continuarem a insistir que todos descendem da costela de um único homem, e não admitirem que o homem descende de outras civilizações, a Terra continuará sendo um plano de sofrimento. Mas isso é um outro assunto. Como eu estava contando, e sem querer me desviei do assunto, quando os seres estão em condições de “nascer” em planos de vida um pouco melhores, eles são transferidos em idade adulta como uma espécie de pioneiros. Assim começou a civilização na 30

Charles Robert Darwin – Naturalista inglês (Shrewsbury 12-11-1809 – Down, 19-04-1882). É de sua autoria a obra monumental, A Origem das Espécies. 67

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Terra. A partir daí, o homem se eleva e se purifica a cada existência. Esse é o ponto inicial propriamente dito. Eu sei que você poderá me perguntar: e os que estão no Vale das Lágrimas, não começaram também assim? Começaram sim, mas nem todos seguiram os mesmos caminhos. Esse é o motivo que existem os Vales. Para alertá-los e fazê-los voltar aos caminhos seguros. – Se nós descendemos dessas civilizações, por que existem diversas raças? – Porque a civilização terrestre começou com o auxílio de várias civilizações do Universo. Existem muitas aparências no diversos mundos. Se tudo fosse igual, falo a língua dos humanos: não teria graça. Essa é a forma encontrada para que os seres se amem sem preconceitos. – Interessante! Quando relembrei o passado, além da aparência, também verifiquei que já vivi em outros mundos! – Não há nada de anormal nisso! comentou, Israel. – Existem muitos mundos com as características de vida iguais à Terra. – Agora compreendo porque ao cavalgar ao lado de um famoso personagem da Terra, achei estranho os lugares por onde passávamos. – Quem era esse personagem? – perguntou, Estela. – Gengis Khan 31, o chefe dos mongóis. Atravessávamos uma região diferente das pradarias que cruzamos no solo terrestre. Era um deserto, mas em nada se parecia ao deserto de Gobi. Será que cavalguei ao lado dele em outro mundo?

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Chefe militar, fundador do Império Mongol (c.1162 – Mongólia, 1227). 68

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– Acho que sim – deduziu, Estela. – Imagino que Gengis procurou repetir seus feitos em outro mundo. Você deve tê-lo seguido. – Terá sido verdade? – Tudo indica que sim. Em muitas ocasiões os seres afins se agrupam e voltam a lutar juntos. Só muda o cenário. – E como vocês analisam esta minha última existência? – Como assim? perguntou, Estela. – É fato notório que eu tinha profunda aversão pelos padres, não obstante ter vestido a batina algumas vezes. Como isso se explica? – É que teu coração sempre foi avesso à injustiças – disse Israel. – Como padre você presenciou fatos lamentáveis. Assim como alguns se unem em novas existências, alguns procuram se afastar. Se foram vidas cheias de agruras, nada mais justo que queiram se afastar. – Que tal irmos à uma exposição? – disse Estela, desviando o assunto. EXIBIÇÃO DE CORPOS

E

xcelente idéia! – concordou, Israel. – Por acaso você está se referindo ao local onde estão expostos modelos de corpos de homens e mulheres; fetos, crianças e velhos? – Modelos de corpos? Que corpos são esses? – interveio, Hugo. – Os nossos, é claro! Nós já não comentamos que é possível escolher o corpo numa nova existência? – Eu já ouvi algo, mas eu pensei que fosse uma brincadeira! 69

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– Parece, mas não é! Você pode escolher o corpo e o nome que mais lhe agrade. – Já que isso é possível, qual será exatamente minha missão? – Você voltará a vestir uma batina. Isso não é suficiente. – Mas qual será meu posto dentro da batina? Serei um Padre, um Monsenhor, um Bispo ou um Cardeal? – Para ser o que você vai ser, acho que terá que passar por maus bocados. É o que lhe asseguro no momento – brincou, Estela. Ao entrarem no salão onde havia a exposição, Hugo quase desmaia. Alinhados e protegidos por redomas de finíssimo cristal, avistavam-se centenas de corpos. Eram tão perfeitos que pareciam ter vida. Numa seção onde se destacavam os tons azuis e cor-de-rosa, viam-se corpos de jovens mulheres com fetos em desenvolvimento. Era possível vê-los protegidos pelas bolsas d’água. Os embriões eram visíveis e de uma incrível perfeição. Numa outra divisão estavam à mostra um grande número de corpos jovens e atléticos. Por último, havia um espaçoso compartimento com físicos em idade avançada. Ao pé de cada manga de vidro, havia em destaque, placas com as características de cada corpo. No espaço central, sobre uma grande mesa oval, havia um livro bem grosso, de mais ou menos cinqüenta centímetros de largura por setenta centímetros de comprimento, com uma moldura ricamente ornamentada com filetes de ouro. Em suas centenas de páginas, estavam impressos milhares de nomes e, no rodapé de cada folha, havia um resumo da biografia dos seres que mais se destacaram na 70

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última existência. Era tão grande a afluência de desencarnados que queriam folheá-lo, que sempre havia filas de espera. Nos Planos de Expiação, caso da Terra, os nomes têm um significado muito especial. Nos Planos de Regeneração, eles não são muito usados. – Pasmem! – exclamou Hugo, admirado. – Não sei o que dizer. Jamais poderia imaginar que existisse uma exposição de corpos. – Não vá confundir, Hugo; isso são só modelos. Esses que estamos vendo foram feitos de barro. Servem apenas para impressionar os que vão encarnar. Estela pegou Hugo pelo braço e o levou para um canto do salão. Ali podiam ser vistos diversos corpos de mulheres grávidas, só que eram mulheres fumantes e alcoólatras. – Olhe bem para esses fetos – principiou, Estela. – Veja o mal que lhes causa o álcool e a nicotina. Repare como os futuros bebês se contorcem em desespero. Isso demonstra que estão sendo envenenados antes de vir ao mundo. Em conseqüência do álcool e do fumo, eles nascem com os brônquios e o figado afetados. Quantos perdem a visão antes de nascer! Apesar de estar habituada, essas cenas mexem comigo. Causam-me piedade e revolta ao mesmo tempo, principalmente, porque sempre fui mulher! – Realmente são muito constrangedoras – disse, Hugo. – O que é difícil de acreditar – continuou Estela – é que muitas mulheres suplicam para serem mães, e depois culpam a Deus por seus filhos nascerem com lesões. Algumas crianças também colaboram com elas, porque fazem essa escolha sabendo dos perigos que terão pela frente. 71

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– E por que essa escolha? – É que quando conseguem vencer esses vícios, dão um importante passo para se elevar. Esse é o motivo. – Se eu puder escolher o meu corpo, escolherei um corpo são. Gozado! Não me recordo tê-lo escolhido em nenhuma existência! Por que agora tenho essa possibilidade? – Quando vim aqui pela primeira vez – disse Estela – fiz a mesma pergunta a Albano, meu guia na ocasião. Ele respondeu que todos pensam que isso é um prêmio, mas para ele, isso não passava de um engodo. Na ocasião ele completou: uma coisa é escolher o corpo, outra coisa é saber cuidar dele depois de encarnado. O que muitos não compreendem, é que também somos penalizados quando não sabemos cuidar do corpo! Eu sempre dei razão a ele. Nos planos de expiação as tentações são muitas e o corpo sofre muito. O que adianta um corpo são e bonito, se em nossa cabeça há um cérebro falho? – Quando eu me referi a um corpo são, eu não disse especificamente que teria que ser bonito ou belo. – Em certa ocasião – interveio, Israel – paguei um alto preço por ter um físico atraente. Na Terra ou em mundos parecidos, não é bom ser um Adónis. Isso trás sérias complicações. – Não estou entendendo! Por que um físico atraente trás complicações? – Porque somos muitos assediados pelo lado feminino e o ego se inflama. Quando temos uma missão importante pela frente, é melhor estarmos livres desse tipo de perseguição. Não vou entrar em detalhes, mas já tive uma amarga decepção. Escolha um corpo sadio, mas não muito atraente. Não esqueça que você terá que prestar juramento e 72

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fazer o voto de castidade. Como você poderá vencer as tentações do corpo se tiver um físico muito atraente! E ainda há o confessionário. Nele ouvem-se coisas de arrepiar os cabelos! – Você já foi confessor, não foi? – indagou, Estela. – Foi um triste ensaio – cara, Estela. – Quantas palavras insensatas saem da boca de um ser humano! É bom não lembrar. Hugo pressentindo que Israel falava sobre algo que não gostava, mudou de assunto dizendo: – Sabem que eu nunca me uni em matrimônio! Será que Deus está me reservando alguém muito especial? – Quem sabe tua alma gêmea não esteja por aqui! – brincou, Israel. – Bem! exclamou, Estela. – Você já se decidiu? – Decidiu!!! Decidiu o quê? – Você já escolheu o corpo? É isso o que eu quis dizer. – Vou aceitar o conselho de Israel. – Olhe ali um excelente modelo! – disse, Israel. – O crânio é bem conformado e tudo indica que foi criado para alojar um cérebro excepcional. O que vocês acham? – É uma ótima escolha – concordou, Estela. – Estou vendo que além do crânio, o tórax é bem formado. Só faltam dois bons olhos. Não devemos nos esquecer que Hugo terá uma espinhosa tarefa na Terra. As maiores águias do planeta estão na Praça de São Pedro e, portanto, além da inteligência, ele terá que ter uma excelente visão. Apesar de tudo, Hugo, eu não quero influenciá-lo. A decisão deve ser sua.

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– Sabem que vocês estão me assustando! Será que a coisa é tão feia assim? Acho que vou consultar Miguel antes de decidir. – Excelente idéia! – exclamou, Israel. – Venha para cá – continuou. – Neste canto estão os ancestrais do homem moderno. Repare como os ossos desses esqueletos eram mais grossos. Muitos anos se passaram até o homem atingir as formas atuais. Verifique que alguns têm formas animalescas, todavia isso não significa que evoluíram dos animas. Os trogloditas eram seres primitivos transferidos de outros mundos. – Quer dizer então que já tivemos essa aparência? – Eu não tenho dúvidas – interferiu, Estela. – Volto novamente a esse assunto. Não tenho nada contra os macacos, mas a teoria que o homem descende do macaco é totalmente absurda. Eles são animais dóceis e inteligentes, mas serão sempre serão irracionais. A não ser que Deus resolva o contrário. – Muito feliz essa sua observação. Para Deus nada é impossível. Eu tinha algumas dúvidas a respeito da origem do homem, mormente porque tive um amigo naturalista que se chamava também Hugo, que afirmava aos quatro cantos que a teoria de Darwin era absolutamente certa. Sempre foi muito respeitado no seleto mundo da ciência. Era ateu convicto e dizia abertamente que Deus não existia. Tentava provar sua tese diante de farta documentação. Estou curioso em saber como encarará a realidade quando estiver deste lado. Quem sabe já esteja! Quem sabe! – Se esse seu amigo viu as atrocidades cometidas nesta última guerra, – disse Israel – talvez tenha mudado de opinião. 74

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– Não entendi esse seu raciocínio! – É muito simples. Eu nunca soube que as tribos de macacos cometessem atrocidades. Isso prova que os homens não descendem dos macacos.crueldades. – Excelente análise! Um filósofo não faria melhor! – brincou, Estela. – Que tal deixarmos o nosso amigo por alguns instantes! Tenho uma leve sensação que ele vai encontrar alguém muito especial. Venha comigo – completou, pegando o braço de Israel.

UM ENCONTRO PREPARADO

H

ugo olhava despreocupadamente um corpo de menino, quando sentiu um leve toque em seu ombro esquerdo. Ao se virar, se defrontou com uma anciã de sorriso encantador. Tinha uma pele lisa e ligeiramente amorenada e, seus olhos negros como piche, faiscavam com a claridade. Mostrando ser uma tagarela, disse a Hugo com desembaraço: – Me llamo Mercedes e vim com a comitiva do irmão Carlos. Sou muito distraída e me perco com facilidade. Você não está achando isto aqui muito grande? – Realmente é bem grande. De onde a senhora está vindo? – Em sou espanhola, mas estou vindo de uma colônia não muito distante. Nasci e fui criada em Málaga, porém

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envelheci em Madri. Por acaso você já ouviu falar em Pablo Picasso?32 – Pablo foi meu vizinho em Paris. Eu nasci na França. Mas por que essa pergunta? – É que Pablo também nasceu em Malága. Estivemos juntos na Escola de Belas Artes de Madri. Eu sou um pouco mais velha que ele. Você sabia que ele era muito genioso? Você disse que foi seu vizinho em Paris? – Pablo tinha um atelier no Bateau-Lavoir e nós moravámos a duas quadras do Bateau. Meus pais o conheciam e tinham um especial afeto por ele. Entre os pertences que me deixaram, havia um quadro de Picasso. Essa pintura ainda deve estar em meu apartamento. – Por onde andam os teus pais? – Devem estar livres nesta área. Ainda não os vi. Morreram durante a guerra. Antes de mais nada, meu nome é Hugo. Desculpe pela indelicadeza. – Sabe que teu rosto é muito familiar! Ele me lembra de alguém muito querido. Eu poderia jurar que teu nome era Diego. – Numa outra existência eu tive esse nome. Sabe que eu também tive a mesma impressão quando a vi. Quando a senhora começou a falar eu imaginei estar falando com uma velha conhecida. Aliás, muito querida.! Tinha o mesmo timbre de voz e seu nome era Pilar. – Quando a Espanha foi invadida pelos mouros eu me chamava Pilar e tinha um filho chamado Diego. Desde aquela ocasião nossos destinos não mais se cruzaram. Diego desa32

Pablo Ruiz y Picasso – Pintor espanhol radicado na França. – Málaga, 25-10-1881 – 76

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pareceu quando o exército do rei se rendeu. Nunca mais tive notícias dele. Você se parece com ele até quando fala. – Desculpe-me, mas não concordo com uma coisa que a senhora disse. Os espanhóis jamais se renderam. Perderam, é claro, mais jamais se curvaram. Falo isso com consciência, porque nessa ocasião eu estava na linha de frente. – Então não existem dúvidas! Você é meu filho!!! – exclamou Mercedes, aos gritos. – Meu coração de mãe jamais me enganou. Algo dentro de mim dizia que la virgem Maria me reservava uma surpresa. Então não me reconheces. Estou um pouco envelhecida, não é? Hoy soy Mercedes, mas tambien fui Pilar! Com a visão turbada pelas lágrimas, Hugo estreitou a anciã entre os braços e, por instantes, acariciou aqueles cabelos encanecidos pelo tempo. Incompreensível maneira tinha Deus de promover encontros. – Eu fui ferido em batalha e feito prisioneiro. Por algum tempo fui um serviçal. Por mais que houvesse tentado, não consegui enviar uma mensagem. Passei a lutar ao lado dos mouros e, numa dessas lutas, fui feito prisioneiro pelos beduínos. Pretendiam vender-me como escravo, mas consegui fugir depois de algumas tentativas. Infelizmente não consegui cruzar o deserto. Sem água e alimento, minha morte foi rápida. – Como padeci com tua ausência! Quando perdi as esperanças contraí grave enfermidade. Na verdade eu já estava morta por dentro. Agora entendo porque Carlos empenhou-se em me trazer aqui. Foi para que eu pudesse rever meu filho querido. Este era o prazer inesperado que havia me reservado. Estou felicíssima e temo explodir de tanta alegria. 77

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– Acho que foi por isso que Israel e Estela também me deixaram! Eles já sabiam desse nosso encontro. – Carlos fortaleceu o meu espírito durante o trajeto. Foi tudo uma preparação. – Que sejam benditos! Jamais imaginei revê-la nessas circunstâncias. Amei com extrema ternura todas as mães que tive e, não quero ser injusto com nenhuma delas, todavia parece-me que a senhora sempre foi a minha preferida! – exclamou querendo agradá-la. Mercedes aquietou-se entre os braços do filho e, sobre ambos se formou um círculo muito luminoso, que resplandeceu e sensibilizou os que ali estavam. Carlos, que de longe a tudo assistira, aproximou-se e com infinita alegria, disse: – Como meu espírito se alegra quando realizo esses encontros. Como gostaria de vê-los constantemente! – Que Deus te abençoe, Carlos. Serei eternamente grata pelo que você acaba de fazer. – Sinto dizer-lhe isto, querida irmã, mas esse encontro não é definitivo. Diego ainda tem uma missão muito importante na Terra. Dentro em breve ele voltará. – Como você sabe que eu encarnarei brevemente? – Porque conversei há pouco com seus amigos. São dois velhos conhecidos. Os dois, que de um canto isolado também presenciaram tudo, aproximaram-se. Estela trazia os olhos úmidos; Israel estava calmo e feliz. – Vocês, hein! – comentou, Hugo. – Mais uma surpresa dessas, terei um colapso espiritual! Existe colapso espiritual? 78

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– Acho que esse tipo de colapso não existe – brincou, Estela. – Obrigado Carlos, por preparar cenas tão bonitas. – Quer dizer que você confessa que foi tudo preparado, hein? – E como, Diego! Essa criaturinha ao teu lado é muito esperta. Aliás como todas as velhinhas, especialmente se são mães. Queríamos lhe dar um presente. Felizmente, conseguimos! – O que adianta dar-me com uma mão um presente, se com a outra vocês o tiram! – Eu me contentaria em rever meu filho, sobretudo por saber que dentro em breve ele pertencerá ao mundo dos eleitos. Tenho certeza, cara Mercedes, que a missão de Diego será extremamente redentora. Existe maior presente que esse? – finalizou, Carlos. As mães compreendem, mas não entendem... Mercedes contemplou por alguns instantes aquele rosto querido, afagou-lhe os cabelos, osculou suavemente uma das faces e, à contragosto, afastou-se com Carlos. – Por ora chega de emoções fortes – falou, Estela. – Que tal rirmos um pouco? Há um bonito espetáculo no teatro. – Boa idéia – concordou, Israel. – Antes disso, – disse Hugo – gostaria de lhes fazer uma outra pergunta. Quando fui abordado por minha mãe, eu estava observando um corpo de menino, cujas pernas tinham salientes deformidades. Por que encarnam pessoas com defeitos físicos? – Para resgatar débitos contraídos em outras existências. Muitos retornam ao mundo como cegos, para aprenderem a enxergar. Mudos, porque tinham língua ferina e fizeram mal uso delas. Surdos, porque preferiram ignorar 79

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bons conselhos. Paralíticos porque abusaram de corpos sãos. Aleijados, porque arrebataram a vida de alguém. Feios porque foram muitos arrogantes. Miseráveis, porque fizeram mal uso de grandes riquezas. Desagrada-me falar sobre isso, porque tenho pena dos que se arrastam como lagartos – completou, Estela. – Eu não entendi quando você disse que nascem cegos para aprenderem a enxergar. Poderia ser mais explícita? – Acontece, Hugo, que existem pessoas que vêem e não crêem; que vêem e desvirtuam a verdade; que vêem e insistem em trilhar o mau caminho. Esses são mais cegos que os próprios cegos, porque carregam dentro de si, muita maldade. Nascendo cegos, apurarão sua sensibilidade e tornar-se-ão melhores com o passar do tempo. Uma coisa deve ficar bem clara! Eles não são obrigados a vir dessa maneira. São eles que pedem para encarnar com esses defeitos, a fim de se elevar. Em nenhuma hipótese Deus interfere no livre arbítrio! Na livre escolha! – Isso também ocorre com os retardados? – Esses são casos um pouco diferentes. – Por quê? – É que quase todos utilizaram uma grande inteligência em benefício próprio. Em alguns casos foram extremamente cruéis com seus semelhantes. No meio deles há uma grande quantidade de homens públicos. Em menor número estão cientistas e importantes cardeais. Você não tem idéia como sofrem esses espíritos quando estão aprisionados num corpo doente! – E quanto aos leprosos? – São como os feios e feias. Foram muito vaidosos e arrogantes. Olhando minuto a minuto o corpo ser devorado 80

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pela doença, apreendem a respeitar o próximo e amar seus semelhantes. Mais alguma coisa? – Acho que aprendi que há explicação para tudo – foi o único comentário de Hugo. – Isso mesmo – concordou, Israel. FRUTAS QUE SE MULTIPLICAM

–E

ntão? Vamos ao teatro? No espetáculo estão previstos alguns números de acrobacia e malabarismo, além de humorismo e canto. Há muito tempo eu estava aguardando a vinda desses excelentes artistas, pois entre eles, há uma soprano cuja voz é de outros mundos – brincou, Estela. – É da Tânia que você está falando? – perguntou, Israel. – É dela mesmo. Minha irmã está de volta. Seguiram por uma larga alameda onde luxuriante vegetação orlava as calçadas. Atrás dessa vegetação havia um magnífico jardim cheio de hortênsias azuis. Formavam círculos de vários tamanhos. Dentro dos círculos havia cravos, cravinas, rosas e petúnias. Essa mistura de cores embelezava ainda mais o cenário. Perto do teatro, destacava-se um caramanchão feito de verbenas. Ao lado dessa preciosidade, Hugo teve sua atenção voltada para algumas árvores de porte médio. De seus galhos pendiam grandes cachos de ameixas bem rubras. Israel, percebendo o que se passava, fez o convite: – Que tal antes de entrar saborearmos algumas ameixas? Além de saborosas, essas frutas são extremamente 81

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revigorantes. Sirva-se à vontade, Hugo. Você também Estela. Não faça cerimônia Cada qual apanhou um punhado delas. Nenhuma fruta na Terra, tinha aquele delicioso sabor. Dela tudo se aproveitava, inclusive a película que a revestia. Se desfazia ao contato da boca e até suas sementes eram macias e apetitosas. Estela apontou para o ramo em que foram colhidas algumas ameixas, e disse: – Observe aquele ramo, Hugo. Veja como as ameixas se reproduzem instantaneamente. As frutas se multiplicam de forma inexplicável. As que nós apanhamos foram substituídas por novas ameixas. Em todas as épocas estão cobertas de frutas. Alimentam os pássaros e fortalecem os espíritos. Eis porque são chamadas de Frutas do Além. – Apressemo-nos! Pelo movimento, o espetáculo está prestes a começar – observou, Israel. Enorme platéia prestigiava o evento. Poucos segundos após tomarem assento, as cortinas do palco se abriram e teve início a apresentação. Em primeiro lugar, quatro excelentes acrobatas se apresentaram. Fizeram um número admirável e foram delirantemente aplaudidos. Foram seguidos por três malabaristas, que deliciaram o público com ótima exibição. Entre os números, quatro palhaços se revezavam e alegravam a todos com suas estrepolias. Uma elegante senhora desfilou graça com seus cachorrinhos. Saltavam entre pequeninas argolas, paravam repentinamente em poses graciosas e, ao som de uma linda valsa, rodavam amparados pelas patinhas traseiras. O menorzinho, obedecendo a um comando de sua tratadora, pôs-se a pular, utilizando como apoio apenas uma das patas. 82

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Chegou a rodar várias vezes equilibrando-se somente em sua mãozinha direita. A seguir, deu uma formidável pirueta, caindo sentado com as mãozinhas levantadas e, por último, abaixou a cabeça várias vezes, saudando o público. Por vários minutos a platéia ovacionou o excelente número. Encerrando e coroando o espetáculo, deu entrada no palco uma adorável soprano. Sob os acordes de uma orquestra extraordinária, encantou a todos cantando árias famosas. Tinha uma voz potente e muito bela e, durante uma hora e meia, desfilou graça e beleza pelo palco. Por insistência do público retornou várias vezes. O porte exuberante e a túnica alvinitente que cobria seus ombros, causou profunda impressão em Hugo. Graciosos pingentes prateados, faziam-na parecer uma princesa dos contos de fada. Estela interrompeu seus pensamentos, dizendo: – Na certa você está admirando, além de seu rosto, aquela bela túnica e aqueles bonitos pingentes, não é? – Antes que Hugo respondesse, continuou: tanto a túnica como os pingentes, foram dados pessoalmente pelo Divino Pastor. É uma honraria a poucos concedida. Tânia jamais os tira em suas apresentações. Que tal sentirmos o seu encanto pessoalmente? Ela é uma velha conhecida, pois fomos irmãs de sangue em uma existência. Naquela época ela já era famosa e querida pelas cortes européias. Nascemos, crescemos e vivemos em São Petersburgo, na época do Imperador Nicolau I33. Tânia morreu prematuramente aos 36 anos, atingida pela febre amarela. Apresentava-se em Viena, quando em pleno palco sentiu os sintomas da terrível doença. O povo russo 33

(Tsarskoie Selo, 06-07-1796 – São Petersburgo, 02-03-1855). 83

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sentiu muito a sua morte. A família imperial mandou erigir um mausoléu em sua homenagem. Tânia abraçou a irmã por vários instantes. Além de grande artista, era muito bela e seus movimentos eram por demais sutis. Como era uma celebridade, todos queriam vê-la e tocá-la. Trocou breves palavras com Estela, sorriu para Hugo e Israel e, solícita, continuou sua tarefa de personagem ilustre e requisitada. Vendo como a assediavam, Hugo comentou admirado: – Nunca poderia imaginar, que no mundo espiritual, os artistas também eram perseguidos pelos fãs. É verdade que estes fãs são menos agressivos. Quantas surpresas ainda virão? Primeiro vi pinturas e obras de arte! Depois cenários e mais cenários! A seguir um cãozinho que baila numa só patinha! Ainda depois, uma soprano das galáxias! O que virá agora? Esperem aí! Uma coisa continua me intrigando! Se morri e renasci inúmeras vezes, por que não estou recordando destas paragens? Não parece estranho a vocês? Ou será que não fiz por merecer? Como se explica que usei a batina algumas vezes, e sequer passei por aqui? Alguém pode me responder? – O hábito não faz o monge, meu caro Hugo! – exclamou, Israel. – Realmente o hábito nunca serviu de passaporte a ninguém – disse, Estela. – Se os hábitos abrissem as portas deste lado, não haveriam pastores no Vale das Lágrimas. Você esteve envolvido várias vezes com armas. As armas são terríveis empecilhos. Talvez seja esse um dos motivos! – Com o devido respeito que vocês merecem, eu não posso concordar. É certo que várias vezes estive envolvido 84

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com armas, mas nunca fiz mal uso delas. Nunca tirei a vida de um inocente. Somente usei armas em campos de batalha! – Caro amigo! As leis de Deus são sábias. Ainda não estamos preparados para entender algumas delas. Muitos irmãos presos nas regiões de sofrimento, também acham que ali estão, imerecidamente. Estela interveio, dizendo: – Que tal mudarmos de assunto! Que tal irmos visitar agora o Centro de Recuperação Irmã Paula! Há muito tempo não apareço por lá! CENTRO DE RECUPERAÇÃO IRMÃ PAULA

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ue centro é esse? É um hospital? – E quê hospital!! – respondeu exultante, Israel. – É uma das mais preparadas Instituições Médicas desta Galáxia. Nelas são internados diariamente milhares de irmãos que se desligaram da matéria violentamente, mormente velhos e crianças atingidos pelas guerras. Chegam com os corpos completamente retalhados por explosões e queimaduras. Também doentes crônicos chegam aos milhares. Tísicos, cancerosos e leprosos são recolhidos a todo instante pelas equipes de socorro. Durante o trajeto, essas equipes enfrentam as maiores adversidades, pois é comum ter que se desviar dos irmãos sofredores que estão na erraticidade. Estes reclamam os corpos como se fossem de sua propriedade. As vezes é necessário o emprego da força para abrir caminho. Apesar de estar prestando atenção no que Israel falava, Hugo envolvido pela atmosfera do lugar, comentou: 85

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– Como são lindos estes lugares! De onde vem esse perfume? É tão forte que causa tontura. – Esse perfume vem das gardênias. Ali estão! – exclamou, Estela. Logo adiante, formando extensas e compactas barreiras, avistavam-se milhares de minúsculas flores brancas. – Eis a matéria prima utilizada para fazer os véus das noivas – brincou, Estela. – Parecem cinamomos, só que os que eu vi nos jardins do Louvre eram azuis – comentou, Hugo. – Eu não tenho certeza absoluta, – disse Israel – mas me parece que os cinamomos, jasmins e gardênias pertencem a uma só família. Na Terra, durante a noite, exalam um perfume tão forte, que causam vertigens em algumas pessoas. Principalmente, os jasmins! – Aqui também as flores se renovam automaticamente. Sofrem os mesmos processos de reposição que as frutas – explicou, Estela. – Cada vez eu estou mais convencido que isto aqui é o Shangri-lá, o Paraíso Perdido! – exclamou Hugo, com alvoroço. – O mais bonito “boulevard” de Paris não se compara a nenhuma destas avenidas. Quando passo sob estas árvores, sinto uma estranha vibração. Parece que elas querem me abraçar. Durante todo o trajeto, não vi sequer uma única folha perdida no solo. Estou achando que aqui nada envelhece. Não é mesmo? Olhem ali que lindos crisântemos! Aqui tudo tem cheiro de poesia. Estou até me sentindo um verdadeiro poeta. Respondam-me? Quando eu voltar à Terra, terei recordações destes lugares, ou minhas lembranças apagar-se-ão por completo? 86

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– Umas sim, outras não! – respondeu, Israel. – Eu acho que tua sensibilidade apurada te fará recordar destes lugares. Na certa parecerão para você, sonhos ou devaneios. Quem sabe nessas horas você sinta até o cheiro deste perfume embriagador! Quem sabe! – Deus permita que sim. Que árvores são aquelas? Como são enormes! – São sequóias – respondeu, Israel. – Essas espécies são encontradas no Continente Americano. São árvores seculares e, na Terra, têm resistido à cobiça dos homens milagrosamente. Nos Estados Unidos, especificamente no Estado da Califórnia, foi criada uma reserva a fim de protegêlas. Você está vendo aquelas árvores menores? São carvalhos e cedros e, também estão correndo o risco de desaparecer, pois são cortadas indiscriminadamente para uso industrial. Infelizmente o homem ainda não aprendeu a respeitar a Natureza. Ainda está muito longe de conhecê-la. – Ali está o que viemos ver! – interrompeu, Estela. Era um complexo com seis edifícios, e estavam preparados para receber cem mil pacientes. Cada imóvel tinha na cobertura, um conjunto de oito torres que formavam um cinturão. Cada conjunto fora pintado com uma cor diferente. O primeiro prédio tinha a cor das safiras; o segundo, dos topázios; o terceiro, do berilo; o quarto era verde como as esmeraldas; o quinto era vermelho como os rubis e, o sexto e último, tinha a cor dos diamantes depois de lapidados. As construções estavam perfiladas três de cada lado. Um belíssimo jardim as rodeava e numerosas roseiras tomavam conta do gramado. O jardineiro devia ser um artista, pois cada conjunto de rosas tinha o formado de uma estrela. 87

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Defronte a cada edifício havia uma ampla área de lazer e, logo na entrada central, existia um bem cuidado oratório. Esse local era muito visitado pelos recém recuperados, saudosos de seus familiares e entes queridos. Embora descarnados, conservavam os mesmos hábitos de quando estavam encarnados. Todos tinham um pronto socorro à disposição, mas as crianças, pela delicadeza de seus corpinhos, tinham regalia no atendimento. Chegavam às dezenas, em condições das mais horríveis. Apavoradas e sem saber o que lhes tinha acontecido, clamavam por auxílio, chamando desesperadamente os pais. Como eram tristes essas cenas! – Hugo – disse, Estela – aqui chegam irmãos de todas as classes. Não há distinção, nem regalia. Não há negros nem brancos, ricos e pobres. Todos são iguais e recebem o mesmo tratamento: muito amor e muito carinho. A maioria teve a vida cortada de forma violenta e, não sabem, inclusive, que já estão mortos. Mesmo vendo seus corpos, não acreditam que estejam mortos. Choram e suplicam a presença de seus entes queridos, sobretudo os de mais tenra idade. É um trabalho árduo que exige muita paciência e resignação. Depois de esclarecidos e curados, sairão aptos para executarem novas tarefas nas diversas comunidades espalhadas nos diversos Universos. Muitos recebem autorização para visitar e ajudar os pais, filhos, parentes e amigos que ainda se encontram encerrados no veículo carnal. Após essa fase, os que fizeram jus, encarnam em Planos de Regeneração e aí continuam a evoluir. – Daqui estou vendo que alguns chegam com os corpos sangrando e mutilados – comentou, Hugo. – Por que 88

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trazem seus corpos desse jeito, se somente o espírito sobrevive? – Surpreendido pela morte súbita e violenta, o espírito se agarra ao corpo, negando-se a deixá-lo. Mormente quando são espíritos atrasados. Não há outra maneira de trazê-los. Os corpos são trazidos com uma proteção especial para não sofrerem alterações durante o trajeto. Os “enfermeiros” responsáveis pelo translado, tomam todas as precauções para não haver nenhum acidente. Você mesmo, Hugo, foi protegido por um manto. – Realmente, Estela, Miguel ofereceu-me um largo tecido. Sem ele eu não sei se suportaria a viagem. – Aqui, Hugo, eles são tratados da mesma forma que nos ricos hospitais da Terra. Digo ricos, porque só ricos são bem tratados nos hospitais da Terra. Os pobres, coitados, sofrem até nisso! O tratamento a que eles são submetidos, os fazem sentir-se como se estivessem em casa. Assim não passarão por nenhum trauma. Em alguns casos, felizmente a minoria, o tratamento dura alguns anos e requer muita paciência por parte dos que atendem. Nesses casos os médicos se revezam no atendimento e, os doentes, sempre estão juntos de alguém. Voltando às mortes, são raros, muito raros, os que recebem resignadamente a notícia de sua morte. Grande parte acha que estão sendo iludidos. Querem de todas as formas retornar ao convívio familiar. As crianças são as que mais sentem. Para ajudá-los a esquecer, existe uma grande variedade de jogos e passatempos. Pouco a pouco vão esquecendo dos pais, transferindo um pouco desse amor aos que os atendem. Muitos do que chegam em frangalhos, são recuperados, completam seus estudos em nossos estabelecimentos de ensino, e partem em novas missões. Se 89

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querem reencarnar novamente, são atendidos prontamente. Isso é muito raro. Eles preferem ficar um bom tempo livres das amarras do corpo. Também aqui existem festas de formatura. Seguem os mesmos padrões da Terra, e contam com a presença de parentes e amigos encarnados, que vem visitá-los por ocasião do sono. – Até que idade permanecem por aqui? – Não existe limite de idade. Ficarão por aqui até estarem completamente restabelecidos. O espírito de cada um, pouco a pouco, se libertará dos liames do corpo. Estará fortalecido e apto para novas tarefas. Como disse antes, o tratamento das crianças é mais difícil. Depois de curadas prosseguem com seus estudos nas várias escolas que aqui existem. Daqui já saíram Mestres de profunda sabedoria; muitos deles foram profetas na Terra. – Diga-me, Israel? Por que cada conjunto de torres têm uma cor diferente? – Porque sob cada conjunto há uma equipe médica especializada em determinadas doenças. Vou lhe dar um exemplo. Sob as torres vermelhas estão alojados os doentes cancerosos. Se você quer informações detalhadas, iremos à recepção. Clara nos dará mais detalhes. Ela controla a entrada dos doentes. – Não é preciso chegar a isso. São alguns velhos hábitos que ainda conservo. Eu sempre fui muito curioso. – Acho que por aqui não há mais nada para ver – disse, Estela. – Vamos continuar nosso passeio? – Podemos agora visitar as regiões de sofrimento ou é muito perigoso? – Por enquanto continuaremos a visitar o lado da Luz. É muito angustiante visitar os locais de sofrimento – 90

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aconselhou, Israel. – Para entrarmos nesses locais temos que ir acompanhados dos guardas de segurança. Quando nossa missão por aqui estiver terminada, pediremos autorização de Ezequiel para entrar no Vale. Se ele permitir, iremos conversar com o irmão Honório, chefe de segurança do Vale. Tenha paciência. – Que tal navegarmos um pouco? – sugeriu, Estela. – Boa idéia! – concordou, Israel. A PLATAFORMA SUBMARINA

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uando estávamos a caminho avistei do alto várias embarcações, por sinal, muito belas. Uma delas prendeu minha atenção. Parecia um vaso de guerra indiano. – Já sei qual é o barco e a quem pertence – disse, Israel. – Trata-se realmente de um vaso de guerra indiano. É um paraú e pertence a Desaí, um Marajá. Desaí ainda não abandonou alguns hábitos da Terra. – Podemos visitá-lo? – Desaí sentir-se-á muito honrado com nossa presença. É um ser admirável, embora, como disse antes, conserve ainda alguns hábitos estranhos. Eu soube através de um assessor do irmão Ezequiel, que o estão preparando para uma importante tarefa na terra que ele mais adora: a Índia! – Como iremos até ele? – Através de um autogiro! Ou você prefere um submergível? – Qual a diferença? – O autogiro se eleva e vai pelo ar; o submergível corta as águas por baixo. Ambos são confortáveis. 91

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– Bem! – brincou, Hugo. – Chegou a hora de conhecer o monstro do Lago Ness. Vamos de submergível! – Por que Lago Ness? Esse nome me parece familiar! Pela primeira vez, Hugo se sentiu orgulhoso. Teria oportunidade de explicar a Israel algo que ele não conhecia. – O Lago Ness é um famoso lago localizado na Escócia, um bonito país da Europa. Presume-se que haja em suas profundezas uma criatura monstruosa antediluviana. Embora para muitos seja uma lenda, muitas pessoas juram têla visto. Trata-se de um animal pré-histórico, possivelmente um dinossauro ou um réptil gigantesco. Para alguns trata-se de uma gigantesca cobra. Foram realizadas dezenas de expedições, mas até agora ninguém o viu. Nas margens do lago, costumam ficar pessoas com máquinas fotográficas prontas para serem acionadas. Revezam-se em constante vigília. Esse monstro – disse Hugo, cheio de pose – talvez deteste a propaganda, pois até agora tem evitado de todas as maneiras ser fotografado. Se eu não estiver enganado, o Le Figaro colocou na primeira página uma fotografia dele. Essa foto estava muito ilegível. O fotógrafo jurou ter visto o animal se movimentando como uma cobra. Esse indivíduo, que também era botânico, afirmou que o animal parecia um grande lacertílio. O que você pensa disso? – Eu acho que esse animais há muito tempo desapareceram da Terra. Eles são encontrados com facilidade nos mundos em formação. Na Terra, apesar de parte de seu vasto território ainda ser desconhecido, presumo que não haja condições ideais para sobreviverem. Mas quem sabe! Tudo é possível! Chegaram a um ancoradouro, onde uma embarcação os esperava. Era um submarino um pouco diferente dos 92

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submarinos terrestres, por seu tamanho, e por ter uma estrutura transparente como os vidros. Era possível ver o exterior através da estrutura. Ágata tripulava o aparelho. Pela cor da pele, Hugo pode ver que se tratava de um árabe. Recebeu a todos com um largo sorriso, que deixou à mostra dentes brancos como o algodão. Assim que se acomodaram, Estela perguntou: – Como está o mestre Desaí? – Muito bem! – respondeu, Ágata. – Pouco a pouco está aceitando a nova situação. Ele ora muito por seu povo, e sente muita saudade da família. – Desaí é uma excelente criatura. Você ainda o trata como amo? – Amo! – exclamou Hugo, curioso. – Aqui também existem amos? – Não é bem assim – respondeu Ágata, um pouco envergonhado. – Desaí foi meu amo durante meu último período na Terra. Eu era seu súdito e fiel colaborado. Mestre Desaí sempre foi um Marajá muito bom e muito querido pelo povo. Lutou pela independência da Índia, até o último de seus dias. Nós vivíamos em Madastra, perto do Golfo de Bengala. Numa de suas costumeiras visitas aos Sete Santuários de Mamallapuran, foi emboscado pelos ingleses. Desde então, fez do barco seu lar e prepara sua volta. Vive preocupado com o sofrimento do povo que tanto ama. Sente também muita saudade das esposas e dos filhos. Seu filho Natanael, foi um fiel colaborador do venerado Mahatma Gandhi. Parece-me que Natanael ocupa hoje uma cadeira no parlamento indiano. É um dos auxiliares e muito amigo de

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Nehru 34, atual primeiro-ministro. Uma de suas esposas e duas filhas vivem atualmente em Nova Delhi. As três trabalham como professoras. – Quem é Gandhi? perguntou, Hugo. – Mohandas Karamchand Gandhi, – interveio, Israel – mais conhecido por Gandhi, foi um dos mais carismáticos líderes que pisou o solo terrestre. Uniu indianos e muçulmanos e conseguiu expulsar os ingleses de seu território. Derrotou o exército inglês com a mais forte das armas: a voz da razão. Sem dar um único tiro, conseguiu a Independência da Índia. Sua luta contra o racismo e direitos humanos, teve início na África do Sul, quando ainda era um obscuro advogado. Organizou naquele país, a resistência pacífica do povo indiano contra as discriminações do governo sulafricano. Aí teve início, as diretrizes que marcariam toda sua vida. Retornando a Índia, conclamou o povo para não obedecer as regras ditadas pelo Império Inglês. Foi preso em 1.922 e libertado dois anos depois. Tentou unir os maometanos e hindus e lançou uma campanha contra os parasitas sociais. Após muitas lágrimas e novas prisões, conseguiu a Independência e a união das inúmeras castas espalhadas pela Índia. Devolveu ao povo indiano sua soberania e orgulho. Foi reconhecido por reis e governantes do mundo todo, como o Político da Paz. Encontra-se conosco desde seu regresso da Terra. – Quer dizer então que Gandhi já desencarnou? – Um extremista hindu roubou-lhe a vida. Morreu nos braços do povo que tanto amou. 34

Jawaharlal Nehru – Estadista indiano (Allahabad, 14-11-1889 – ) Seguidor e fiel companheiro de Mahatma Gandhi. 94

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– Que lindo final! – comentou, Estela. – Você tem um jeito muito especial para contar fatos. – Obrigado – agradeceu, Israel. – Quanta coisa aconteceu durante o período que vagava nas montanhas! exclamou, Hugo. Demonstrando profunda admiração pelo Príncipe, Ágata disse orgulhoso: – Meu amo e senhor também lutou muito pela Independência da Índia! Apesar de seu sangue azul, era um fervoroso defensor dos oprimidos. – Hugo fez apenas um comentário – interveio, Estela. – Não quis ofender. Ele conserva ainda o hábito de seus antepassados gauleses, que eram extremamente mordazes. Mudando o assunto, Estela comentou: – Que belo panorama! Por acaso, Ágata, você tem idéia da profundidade destas águas? – Estamos precisamente a três mil metros de profundidade. Para atingirmos o fundo, falta ainda vinte e oito mil metros. Podemos ver no fundo uma magnífica flora cercada de belos corais. Ali estão também alguns dos mais exóticos peixes. – Podemos ir até as profundezas? – Vocês é que sabem! – Então vamos! – ordenou, Estela. Incontinente, Ágata pressionou o dedo indicador sobre um pequeno botão azul e o submergível começou a descer rapidamente.

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– Por acaso você leu algum romance de Jules Verne ? – perguntou Israel a Hugo. – Ora Israel! Isso é pergunta que se faça a um francês? Jules foi um dos meus escritores preferidos. Li todas as suas obras. – Pois bem! Vinte Mil Léguas Submarinas é uma das maiores obras do autor. Quiçá a mais famosa delas! O submarino Nautilus é uma cópia deste submergível. Você terá uma grande surpresa quando chegarmos à Plataforma Submarina. Jules foi um dos responsáveis por sua construção. – Mas afinal de contas! – interveio, Hugo. – Desaí não está a nossa espera? – Antes de vermos Desaí, vamos ver as profundezas e a Plataforma Submarina. Desaí está nos vendo através da Tela Panorâmica. Não se preocupe. – Que tela é essa? – disse Hugo, cada vez mais confuso. – É um aparelho que reflete nossa imagem a distância. Jules também previu em suas “visões”, que esse dispositivo estaria à disposição da Humanidade num futuro bem próximo. – Sabe, Israel! Estou impressionado com os teus conhecimentos! Se eu soubesse metade do que você sabe, estaria muito feliz! – Você está exagerando, meu caro. Eu sei que não sei nada! – Vamos parar com essa “melação”! – brincou, Estela. 35

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Júlio Verne (Jules Verne) – Um dos mais famosos escritores franceses. (Nantes, 08-02-1828 – Amiens, 24-03-1905). 96

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Surpreendido com a claridade existente no fundo, Hugo comentou: – Há pouco estávamos a três mil metros de profundidade e nossa visão era perfeita. Agora presumo que estejamos bem abaixo dessa marca. Por que a claridade ainda é absoluta? – Não é a claridade que é absoluta – respondeu, Ágata. – Nossa visão é que permite enxergarmos claramente. Se fossemos humanos, teríamos que ter o auxílio de faróis ou luzes artificiais. Se fosse necessário produzir algumas luzes, poderíamos extrair combustível das rochas que estão no fundo. Nessas rochas existe um óleo largamente utilizado no Farol de Alexandria 36. Não estou certo, mestre Israel? – Absolutamente certo, Ágata. Você foi de uma felicidade incrível. Eu não faria melhor! Incentivado, Ágata continuou: – Estamos atravessando um imenso viveiro de peixes. As algas e a rica vegetação dão a todos o alimento necessário. Como vocês estão podendo ver, a flora é belíssima. Entre as fissuras e cavidades no solo, se escondem peixes tão pequeninos, que parecem brincos coloridos. Existem também várias espécies de cavalos marinhos. Estão logo ali adiante. Vejam como são bonitos? Estes viveiros naturais abastecem vários oceanos. – Quer dizer então que também os peixes são levados pelas “carruagens de fogo”? – perguntou Hugo, com entusiasmo. – Isso mesmo! – respondeu, Israel. – Peixes, aves e homens. Primeiro joga-se a semente. Depois vem a colheita. 36

Uma das sete maravilhas do mundo antigo. 97

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– Eis a Plataforma – interrompeu, Ágata. – Mas isso não é uma Plataforma! É uma cidade! Uma magnífica cidade aquática! Que visão fantástica! – Tudo isso que você está vendo, Hugo, é o Centro de Pesquisas e Reproduções Irmão Bertoldo. Renomeados biólogos e eminentes cientistas terrestres saíram daqui. Aqui são executadas as mais perfeitas biópsias. Em peixes, cetáceos e crustáceos. – Biópsias! Para que fazer biópsias em peixes? – perguntou Hugo, admirado. – Alguns peixes também morrem de forma dolorosa – explicou, Estela. – Eles também sentem dores. Afinal são também seres vivos. Através desses exames, descobre-se o agente causador das mortes. Depois de meticulosa análise, produzem-se antídotos para combater o mal. Se não houvesse uma constante vigilância, muitas espécies simplesmente teriam desaparecido de algumas áreas. O homem e seus semelhantes, ainda não aprenderam a conviver com a natureza. O peixe é um alimento natural, todavia não deve ser pescado para inflar o ego de alguns esportistas. A pescaria esportiva é como uma tourada. Embora o pescador e o toureiro algumas poucas vezes sejam as vítimas, todos desejam a morte do peixe ou do touro. Isso é um absurdo! Ancoraram ao lado de um pórtico semelhante a um ovo em pé, seguiram por um amplo corredor e, finalmente, foram recebidos pela irmã Sheila. Sheila trajava um uniforme branco, como as enfermeiras da Terra. Ela era assistente do irmão Nicholas Berns, biólogo mais graduado do Centro de Pesquisas. Depois das apresentações, Hugo não se fez de rogado e começou com as perguntas. 98

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– Alguém poderia me explicar como é possível estar debaixo d’água sem se molhar? Sheila respondeu sorridente: – Existem barreiras invisíveis que impedem a água de vir até nós. As águas se mantém estofas e não ultrapassam as barreiras. Chamamos isso de alotropia; é a particularidade que alguns elementos possuem de se apresentarem com propriedades físicas distintas. Não corremos nenhum risco. Além do mais somos espíritos e, o espírito, é indestrutível. – Ainda não me acostumei com essa idéia! – brincou Hugo, meio sem jeito. – Isso acontece com todos que nos visitam. Não se impressione com isso. – Isto aqui parece muito grande: a cidade e a quantidade de água. – Feliz observação a sua. Podemos comparar este centro de pesquisas com algumas cidades da Terra. Quanto a água, ela daria para encher tranqüilamente o Oceano Pacífico. Aqui se encontram milhões de espécies marítimas. Este imenso viveiro abastece vários oceanos em formação. Lançou um olhar carinhoso a Hugo, e continuou: – Fazemos também cruzamentos para aprimoramento das espécies. Venham comigo. Vou mostrar-lhes um peixinho conhecido na Terra como peixe-borboleta. Vivem em grupos nos labirintos dos recifes de coral, ocultando-se ao menor ruído. São belos e muito ariscos! Seguiram por uma entrada lateral e logo puderam avistá-los. – Observem como são lindos! Há dezenas de tipos, mas os que mais aprecio são os de mancha-preta, o fio-depluma, o fio-de-linha, o amarelo-com-listras-laranja, o 99

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escama-de-pérola, o quatro-olhos, o de-nariz-comprido, o anjo-imperador, o ídolo-mourisco e o listrado. Reparem que alguns têm o nariz alongado em forma de tubo. Isso acontece porque sofrem metamorfoses. Dos ovos nascem larvas minúsculas, que vão evoluindo até atingir o estágio adulto. Na Terra, vivem nos mares tropicais, por entre a rica vegetação que cobre o fundo dos Oceanos. Pequenos e médios, eles se apresentam vivamente coloridos. Como vocês estão vendo, são exóticos e belíssimos! – Realmente são belos! – concordou, Estela. – São tão bonitos, que sua beleza despertou a cobiça dos colecionadores. Hoje são encontrados aos milhares em aquários de gente rica – completou, Sheila. – E os grandes mamíferos? Podemos vê-los? – Os grandes seláquios e os grandes cetáceos estão a mais ou menos dez mil milhas daqui. – Fale-nos um pouco deles. – O maior dos cetáceos é a baleia azul. Dificilmente é encontrada nas profundezas. Já o cachalote costuma caçar no fundo, pois um de seus alimentos preferidos, o polvo, tem o hábito de procurar refúgio em buracos e cavernas. Baleias azuis com quarenta metros de comprimento e cento e setenta toneladas de peso, aqui são comuns. Quanto aos tubarões, o de maior voracidade é o tubarão branco. É um terrível glutão e depredador. É muito feroz e tem instinto assassino. Embora algumas vezes ataca só por prazer, ele só ataca o homem se sentir-se ameaçado. O mesmo ocorre com sua prima orca. Os dois são os mais perigosos habitantes dos mares. Você deve ter lido a história de Moby Dick, a gigantesca baleia que atacava os navios. O autor do romance, Herman Melville, se inspirou em fatos reais, só que exagerou um pouco no 100

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tamanho do animal. Os ascendentes dessa baleia, que realmente existiu, vivem neste local. Descontraído, Hugo comentou com alegria: – Então eles devem ser bem velhinhos, hein! – Realmente são bem velhinhos! – concordou, Sheila. Tomaram assento num pequeno autogiro. Era um aparelho semicircular que se movimentava dentro ou fora d’água. Era muito aconchegante e tinha espaço para levar oito pessoas. Enquanto venciam a distância que os separava dos grandes mamíferos, entretiam-se vendo os peixes através das janelas. Quebrando o silêncio, Sheila comentou: – Como aqui o bicho homem não tem acesso, há um equilíbrio permanente entre as espécies. Se o homem não matasse por prazer, na Terra também haveria esse equilíbrio. – Será que é só o homem que tem culpa? Se algumas mulheres não fossem tão vaidosas, as martas e minks não estariam em extinção – lembrou, Hugo. – Você tem razão. As mulheres têm sua parcela de culpa. Tanto o homem como a mulher têm instintos primitivos e, por isso, matam por vaidade e simples prazer. O progresso também tem sua culpa. Veja o caso das baleias. Quando os arpões eram somente lançados pelos braços fortes dos marujos, a pesca não era depredatória. Depois que os processos de matança foram aperfeiçoados, elas correm o risco de desaparecer dos Oceanos. É o caso dos elefantes, rinocerontes, búfalos, gorilas e o urso polar. O que se aproveita dos elefantes? O caçador o mata, retira as valiosas presas, e deixa a carcaça aos abutres. Não é lastimável esse procedimento? Será que não há um produto similar que substitua o marfim? O mesmo se dá com o rinoceronte. 101

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Abatem-no para extrair o chifre, deixando a carcaça para as hienas e aves de rapina. E os coitados dos gorilas! Matam-nos para transformar suas mãos em cinzeiros. É absurdo! Quanta maldade, meu Deus! O bisão, um parente próximo do búfalo, quase desapareceu das pradarias do oeste americano pela caça indiscriminada. Enquanto só existiam os índios, era encontrado em grandes manadas. Chegaram os homens brancos, quase desapareceram. O urso polar, apesar de viver em condições climáticas muito desfavoráveis ao homem, são caçados impiedosamente. Será que não existem outros recursos ao alcance do homem? Para o homem, é mais fácil matar, do que pesquisar. Por isso até hoje não venceram as doenças. Olhem ai os velhinhos! – brincou, Sheila. – Como são enormes! exclamou, Hugo. – Vistos de perto, parecem ainda maiores. – Apesar do tamanho, são os animais mais dóceis dos planetas. Podemos até “galopá-los”! Sentem-se tão seguros em nossa companhia, que temem nos ferir. Movem-se entre nós, suavemente. Mesmos os cachalotes e os tubarões são pacíficos. Quando nos vêem, movem as caudas como se estivessem cumprimentando. – Aquilo não são golfinhos? – Reparem como movem as caudas. Estão nos saudando. Olhem suas acrobacias. Estão felizes com nossa presença. Já me habituei tanto com este lugar, que vou sentir muitas saudades quando reencarnar novamente. – Compreendo teus sentimentos. Isto aqui é realmente um mundo cheio de amor! – disse Estela, acariciando o ombro de Sheila.

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UMA NAVE MÃE SOBRE AS BERMUDAS

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odemos retornar, ou ainda há algo para ser mostrado? – perguntou, Israel. – Há muito para mostrar, o tempo que é pouco! Vou mostrar-lhes somente como transportamos vida para outros planos. Nicholas está fazendo um carregamento para o Planeta Ceifus. Esse planeta já está em condições de receber vida aquática. Nesse carregamento, junto com ovos de peixes, irão algas e plantas que servirão de alimento. Aves e répteis serão transportados pelo Centro de Pesquisas Astrobaldo. Depois dos répteis irão os felinos, até chegar a vez dos homens primitivos. Isso demora um bocado de tempo. Os Sábios Dignatários da Vida é que tomam a última decisão. – Quem são eles? – perguntou, Hugo. – São Mensageiros Graduados. Estão mais perto de Deus. Ágata pegou os comandos do pequeno aparelho, e dirigiu-se para a Plataforma. Instruído por Sheila, parou ao lado de um enorme galpão. Em seu interior havia uma grande máquina circular, com mais ou menos quinhentos metros de diâmetro. Em volta do magnífico objeto, cintilavam centenas de luzes que saíam de pequenos orifícios. Esse objeto estava apoiado em quatro grandes hastes metálicas. Na ponta de cada haste, havia um par de rodas de borracha. Entre as rodas, uma larga escada ligava o aparelho ao solo. Oitenta metros aproximadamente, distanciava a entrada do solo. Por seu enorme tamanho, o aparelho infundia temor e respeito. – Isso que estamos vendo não é um submarino – disse, Sheila. – É uma Nave Mãe utilizada para transporte, 103

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estudos e observações. Ela tem capacidade para levar dez naves auxiliares. Notem que em volta dela, existem centenas de janelas. Quando necessário, essas janelas se transformam em fachos de luzes. Nos planos de harmonia esses fachos não são utilizados, mas eles são de extrema valia quando a Nave sobrevoa mundos de expiação. Só com ajuda de faróis e sofisticados instrumentos, é possível atravessar essas regiões negras. – Seu aspecto é impressionante! – comentou boquiaberto, Ágata. – Será que um dia eu dirigirei uma? – E por que não! – exclamou, Sheila. – Na realidade essa espaçonave é uma mini-cidade. Possui laboratórios sofisticados, torna-se invisível quando necessário e carrega armas muito poderosas. Também burlam com facilidade os radares das grandes potências da Terra. – O que são aqueles tubos ao redor? – São cabos de força que alimentam os reatores. Estas espaçonaves são tão velozes que ultrapassam facilmente a velocidade da luz. Seus reservatórios têm capacidade para cobrir distâncias sequer imaginadas por mentes humanas. Nessa viagem, além de Ceifus, eles passarão por Globus e Esterius. Esses globos já estão em condições de receber vida animal. Pertencem à Galáxia Arina, que se acha fora do Sistema Solar da Terra. Brevemente farei parte de uma expedição que percorrerá todos os Planetas da Região Centauro. – Onde fica isso? – perguntou, Hugo. – Num Universo ainda desconhecido. Vamos tentar mapeá-lo. – Que felizarda! – comentou, Israel. – Não existe nada mais gratificante que percorrer esses maravilhosos Universos 104

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de Deus. Mormente se são desconhecidos. Em uma de minhas existências na Terra, passei boa parte de minhas horas ao lado de uma luneta. Saibam vocês que eu fui um astrônomo medíocre! – finalizou, rindo abertamente. – Eu não concordo com isso! – exclamou, Estela. – Você sempre teve a modéstia como fiel companheira. É de meu conhecimento que você foi autor de um respeitado trabalho a respeito do Sistema Solar. Sei, inclusive, que esse trabalho foi muito elogiado pelo mundo científico daquela época. – Ora, Estela! Você é muito amável. Esse pobre trabalho não se refere ao Sistema Solar. Refere-se especificamente a ocultação de Aldebaran. Por sinal, Nicolau Copérnico 37 também estudou esse fenômeno. – E você, Hugo, também era apreciador dos céus? – indagou, Sheila. – Gostava de olhá-lo, mas nunca sequer empunhei um monóculo! – respondeu brincando. – Eu nunca olhei o Céu com uma luneta, mas sempre tive curiosidade de ler a respeito. Li diversas vezes a Pluridade dos Mundos Habitados, de autoria de Camilie Flammarion38, um outro conterrâneo. – Que feliz coincidência – comentou suavemente, Sheila. – Camilie faz parte de nossa equipe. Ele é o chefe da expedição da espaçonave que estamos vendo. Vocês não estão interessados em conhecer o seu interior? 37

Nicolau Copérnico – Astrônomo polonês ( Torun, 14-02-1473 – Frauenburg, 24-05-1543). 38 Camilie Flammarion (1842-1925) – Astrônomo francês – Em 1862 publicou a Pluridade dos Mundos Habitados. Em 1887 fundou a Sociedade Astronômica da França. 105

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Diversas máquinas movimentavam-se ao redor da espaçonave. Algumas tinham poderosos guindastes que estavam fixos em cavaletes. Num trabalho paciente e, dentro da mais absoluta harmonia, transportavam do solo para os porões, enormes tanques com água. Dentro desses tanques era possível distinguir algas e plantas com milhares de ovos presos às raízes. Egol era o comandante da espaçonave, e Nicholas Berns era o reitor e biólogo chefe. Trocavam impressões perto da entrada principal, quando avistaram Sheila acompanhada dos demais. Berns foi o primeiro a cumprimentá-los, embora Egol fosse mais extrovertido. Respondia a todos com alegria. Hugo bombardeava os dois com perguntas. – Quantas pessoas são necessárias para conduzir a espaçonave? – Oito pares de mãos! – respondeu brincalhão, Egol. – Eu, meu ajudante de ordens Frizo, Azel e Paur, dois auxiliares diretos, e mais quatro tripulantes. Os tripulantes chamam-se Jesu, Bagol, Car e Isofe. Todos os seis vem do Planeta Antaris. Por isso têm nomes espalhafatosos – completou rindo abertamente. – Você adivinhou o meu pensamento. Eu ia perguntar por que tinham esses nomes esquisitos. – Eu tenho um terrível defeito – continuou Egol brincando. – Gosto de ler mentes. Nesse momento você está pensando em mulheres, não é? – Realmente é nelas que estou pensando. Há mulheres na tripulação? – Não há mulheres na tripulação, mas na equipe de Flammarion existem cinco. Somos ao todo dezessete 106

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operários. Eu sou o responsável pelos comandos e Flammarion cuida das pesquisas científicas. Como prêmio por seus estudos, ele continua o trabalho iniciado na Terra.. Quer que eu adivinhe tua próxima pergunta? – Poupe-me disso. – Então faça uma pergunta inteligente – disse Egol, fazendo uma pose engraçada. – Não existem civilizações hostis no espaço que necessitam ser evitadas? Vocês as ignoram ou utilizam algum tipo de arma? – Afinal, uma boa pergunta – comentou, Egol, com expressão séria. Não é comum passarmos por áreas perigosas, mas as vezes somos obrigados a ser rigorosos. Isso acontece quando atravessamos áreas de expiação, ou como querem alguns, Planos de Expiação. Existem centenas espalhados pelo Universo. Apesar de haver muitos, o uso de armas é raro. Invés de armas, usamos um ardil de muito bom resultado: é o nosso Estratagema das Camuflagens. Para não sermos rasteados e localizados por seus radares, emitimos diversos sons e complicamos a visualização em seus aparelhos. Podemos também mudar de cor como os camaleões e, à distância, tornamo-nos invisíveis. Outras vezes nos ocultamos dentro de nuvens. Este processo é fartamente utilizado. Atraímos as nuvens num processo de aspiração e permanecemos ocultos dentro delas. Quando as nuvens já estão longe das áreas de perigo, seguimos nosso curso normalmente. Quando estamos na superfície imergimos nas águas que cobrem alguns planos. Dificilmente usamos nossos sistemas de raios. Não existem por aqui, armas tão poderosas como as nossas, se bem que façamos uso delas, somente por extrema necessidade. Eu nunca usei esses raios. Até agora eu 107

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só usei focos de luzes que imobilizam os mais atrevidos e curiosos. Quando são acionados paralisam seus movimentos, impedindo-os, inclusive, de raciocinar. Suas mentes são bloqueadas por alguns instantes. Quando voltam ao estado normal, nada se lembram. Eu apelidei esse sistema de esquecimento cósmico – terminou rindo. – Mas na guerra que tomei parte – falou, Hugo – muitos pilotos de caça contaram que foram perseguidos por estranhos objetos. Qual é a tua explicação para isso? – Ora, meu caro! Não é possível ao mesmo tempo apagar a memória de um grande número de observadores, ainda mais, quando estão em movimento. Eu me lembro de um caso que merece ser contado. Em certa ocasião, quando estávamos sobre o Mar das Bermudas, fui obrigado a sugar para dentro da espaçonave, três aviões de combate que foram lançados em nossa perseguição. Eu tentei criar uma falsa imagem, mas isso não deu certo porque eles já estavam muito perto. Como já estavam em posição de ataque, fui obrigado a trazê-los para dentro. – E o que aconteceu com a tripulação? Morreram? – Não somos assassinos, Hugo. Por mais perigoso que seja, jamais chegamos a esse extremo. Eram seis tripulantes e foram deixados em Gespis, um astro onde a vida é idêntica à da Terra. Se os deixássemos na Terra, na certa seriam internados como loucos. – E quanto aos aviões? Aonde estão? – Bem perto do Planeta Sirius, há um pequeno corpo celeste, denominado por nós de Estrago. É um grande almoxarifado que recebe objetos recolhidos em várias partes deste sistema. Nesse local há uma equipe para desarmar explosivos e bombas. A matéria prima utilizada na fabricação desses 108

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artefatos é aproveitada para outros fins. Nada se perde. Tudo se aproveita. – Vocês só transportam vida animal na espaçonave? – Depende do que você entende como vida animal. Existem duas espécie de vida animal: racional e irracional. Nós transportamos as duas espécies. – Quer dizer que vocês fazem também o transporte de homens? – Transportamos homens primitivos, meu caro. Uma espaçonave semelhante a esta, transportou de cinco planos diferentes, alguns jovens casais e os deixou no solo da Terra. Alguns eram brancos, outros negros e, ainda outros vermelhos e amarelos. Com o passar dos anos foram se mesclando dando origem as atuais raças. – Esses casais vão de livre e expontânea vontade? – Isso não é possível! Não esqueça que são seres primitivos! Foram escolhidos a dedo e anestesiados antes de subir a bordo. Permaneceram inconscientes durante o percurso. Quando chegam aos seus destinos, nem notam as diferenças de local. Os locais de onde são retirados, são locais muito atrasados. Esses locais existem aos milhares. Para esses primitivos é um prémio essas mudanças. Todos nós começamos dessa maneira. No globo terrestre habitaram inicialmente as cavernas. Por isso são chamados de homens das cavernas ou trogloditas. Só depois de muitas e muitas reencarnações atingiram o estágio atual. – Mas você não acha que abandonados à própria sorte a chance de sobreviver era mínima? – Se não tivessem chance de sobreviver não chegariam aos dias atuais. Deus jamais abandona os filhos à própria sorte. Nós homens, temos a centelha da inteligência. 109

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As bestas daquela época não tinham essa regalia. Esta foi a nossa principal arma de defesa. Ocupamos abrigos longe das feras e, depois disso, chegamos ao lume. Com o fogo, as nossas chances aumentaram. A Idade da Pedra, embora perigosa, foi superada facilmente. Deus sempre esteve presente. Nossa visão é que é muito pobre. – Há muita lógica e sabedoria nesse seu comentário. E para a morte? – Quê morte? A física? Ela está presente só quando estamos aprisionados a um corpo. Quando livres do corpo, não existe morte. Eu não tenho idéia de como começamos, mas sei que somos imortais. Isso é o que importa. Desde o início de nossa vida primitiva, tivemos o suficiente para ultrapassar as barreiras. Mãos carinhosas e invisíveis nos guardam e nos dão apoio nas caminhadas, mormente quando estamos em perigo. Sempre há uma mão invisível nos sustentando. São os Anjos da Guarda que nunca nos abandonam. Hugo aproveitou o momento e perguntou: – Por que determinadas civilizações da Terra desapareceram inexplicavelmente? Foram destruídas ou transferidas de local? – Por algum motivo especial foram transferidas para outros mundos – respondeu dessa vez, Nicholas. – Na Índia e no Egito, – interveio educadamente, Ágata – foram encontrados alguns manuscritos que comprovam as teses do prestimoso irmão Egol. Neles há sinais evidentes de como teve início a civilização da Terra. Falam também do desaparecimento de certos povos. Eu soube disso através de um homem santo. Desaí chegou a ter nas mãos alguns documentos encontrados num baú muito antigo, 110

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surrupiado de um templo budista. O ladrão, vendeu-o a um súdito de meu amo e, este querendo fazer um agrado, deu-o de presente a Betsar, esposa preferida de Desaí. Não sabiam que era um tesouro para os historiadores. – E onde estão esses manuscritos? – perguntou interessado, Israel. – Até a derradeira partida de meu amo, estavam num pequeno baú. Esse baú foi colocado num fundo falso existente debaixo de uma escultura de tigre. Como o palácio foi tomado de assalto pelas tropas inglesas, desconheço seu atual paradeiro. Talvez Betsar, que ainda vive em Calcutá, saiba onde estão. Não cheguei a lê-los, mas tenho certeza que são muito valiosos, sobretudo para os historiadores. – Ah! – suspirou, Estela. – Como me encantam os mistérios! – É o teu lado feminino – brincou, Israel. – Esses segredos se revelados, libertariam a Humanidade de certos dogmas. – Desaí em certa ocasião me confiou a guarda desses documentos. Minha lealdade sempre foi maior que a curiosidade, por isso não cheguei sequer a desfazer o laço do barbante que os envolvia. – Bem! – falou pela segunda vez, Nicholas. – Aqui esses documentos não têm nenhuma utilidade. Nosso tempo se esgotou. Foi uma enorme satisfação recebê-los. Venham sempre e que a paz de Deus os acompanhe. – Amém – responderam os visitantes. O PARAÚ E O PRINCIPE

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N

ovamente no submergível, todos se mantinham calados e pensativos. Um leve ruído foi ouvido à frente. Já estavam próximos do barco do Príncipe. Subiram a tona e avistaram a embarcação poucos metros adiante. Desaí os aguardava ao lado de um timoneiro. Para agradar Ágata, todos lhe fizeram uma mesura. Sem nenhuma dúvida, estavam diante de uma figura extraordinária. Sua postura era majestosa. Alto, elegantemente trajado, olhos negros, pele extremamente bronzeada, barba bem aparada e um turbante azul ornamentado com enorme rubi. Ao responder o cumprimento, um anel em seu dedo mínimo despertou a atenção de todos, pois se tratava de uma jóia de ouro, incrustada com rubis e esmeraldas. Era belíssima! – Recebo-vos com muita alegria. A que devo a honra de vossa visita. – Este nosso irmão chegou há pouco e desejava conhece-lo – disse Ágata apontando para Hugo. – Foi atraído pela embarcação e pediu para vê-la. – Este barco já foi mais bonito – comentou, Desaí. – Durante a guerra vi um barco quase igual a este ancorado no porto. Estava avariado e quase à deriva. Naquela ocasião fiquei impressionado com uma escultura que havia na proa. Era a escultura de um grande pássaro – disse Hugo. – Na verdade, este paraú era um barco veleiro utilizado por minha família e alguns súditos de minha confiança. Era um barco de recreio. Em certa ocasião foi abordado por piratas na Baía de Bengala e tive que pagar um alto resgate para tê-lo de volta. Depois disso resolvi transformá-lo num barco mais seguro. Quando estourou a guerra na Europa, emprestei o barco aos ingleses para dar proteção aos navios 112

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mercantes que trafegavam na Baía de Bengala. O barco foi atingido por um torpedo e ficou à deriva por setenta e duas horas. Por um milagre não foi a pique. O casco foi totalmente refeito. Terminada a guerra, resolvi manter todos os armamentos. – Ele não fica nada a dever aos vasos de guerra alemães! – comentou, Hugo. – O interessante nessa história – disse Desaí – é que ele foi equipado pelos ingleses para defender seus barcos mercantes, e depois foi utilizado para sabotar os serviços de inteligência britânico. – Como assim? – perguntou interessado, Israel. – Através do rádio do navio, foi possível interceptar algumas mensagens do comando inglês. Como estávamos lutando por nossa Independência, algumas mensagens eram de extrema importância. Se eu não tivesse sido traído, por quem ainda não sei, estaria lutando para livrar meu povo do jugo inglês. – Mas Vossa Majestade não sabe que Gandhi conseguiu proclamar a Independência? – perguntou Israel, admirado. – Quer dizer então, que o Iluminado conseguiu seu objetivo –disse Desaí. – Como isso me deixa feliz! Conheci Gandhi em Nova Delhi. É uma figura extraordinária. Encantei-me com suas maneiras e torcia pela perspectiva de vêlo vitorioso. Eu e alguns mais radicais queríamos aproveitar a ocasião do conflito na Europa e proclamar a Independência. Ele foi contrário a um derramamento de sangue e achou melhor tentarmos um acordo pacífico. Eu achava que a desobediência civil não daria certo. Quando a guerra acabou, me uni a outros príncipes e fomentei abertamente uma luta 113

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armada contra o Leão Inglês. Como o Império estava desgastado pela guerra, achei que teríamos sucesso. Alguém me traiu e fui emboscado. Antes de ser emboscado, graças a Deus consegui colocar minha família à salvo. Felizmente! – exclamou, unindo as mãos em concha. – Alteza – falou Israel, brandamente. – Há pouco estávamos falando da origem do homem na Terra e soubemos através de Ágata, que vossa Majestade teve em mãos importantes manuscritos. Vossa Majestade não ficaria ofendido em nos responder do que tratavam esses manuscritos? Seria da origem do homem na Terra? – Por que haveria de ficar ofendido? Se os prezados irmãos vieram a minha presença para saber o que havia nesses manuscritos, perderam seu precioso tempo. Recorri até a especialistas para decifrá-los, mas ninguém conseguiu traduzi-los. Quanto pressenti que estávamos em perigo, providenciei para que minha família se pusesse a salvo. Poucos dias antes, chamei Betsar, uma de minhas esposas, e dei-lhe instruções para encaminhar os manuscritos para o Santuário de Borobudur, em Java. Um dos sacerdotes é meu primo Esra. Poucos dias depois de minha chegada deste lado, soube através de um piedoso emissário, que minha família havia chegado em Calcutá. Não sei se os documentos estão com Betsar ou Esra. Eu sempre achei que esses documentos eram de grande importância histórica. Eu tinha razão? – Não sabemos se eram importantes ou não – disse, Israel. – Ágata comentou e despertou nossa curiosidade. – Sinto não poder ajudá-los. Mas que péssimo anfitrião estou sendo! Querem saborear um delicioso refresco? Foi feito exclusivamente de damascos. É o meu fruto preferido. 114

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– Aceitamos de bom grado – disse, Estela. – É realmente delicioso – comentou Hugo, lambendo os lábios. – Parece um néctar dos deuses – elogiou, Israel. Inesperadamente, o Príncipe pergunta a Hugo: – Quando está prevista a sua nova encarnação? Dentro em breve? – Perdoe-me Alteza, mas quem vos disse que vou encarnar? – Ninguém me disse. Vê-se em seu olhar que isso ocorrerá brevemente. Desejo-lhe o mais absoluto sucesso. Pelo movimento que há deste lado, presumo que seja uma missão espinhosa, mas redentora. Quem sabe nos encontraremos por lá! – Quem sabe! – disse Israel, antecipando-se a Hugo. O CODIFICADOR KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

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urante o caminho de volta, Hugo retornou com as perguntas: – Israel! Estou curioso em saber como foi transportado para cá o navio de Desaí! Você tem alguma idéia? – Claro que sei! Pelo processo de transmutação. Da mesma forma que são transportados os seres do solo para dentro das espaçonaves. O corpo material é transformado em corpo fluídico e vice-versa. – Então isso significa, que a transformação da matéria em gás, e gás em matéria, deixou de ser uma ficção? 115

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– Não é como você está dizendo. Há muito tempo que a decomposição das matérias em putrefação virá gás. O que os homens estão tentando e, ainda é ficção, é transformar o gás em matéria, como nós conhecemos. Nós transportamos a matéria de uma dimensão para a outra sem danificá-la ou mudar suas raízes interiores e exteriores. A Terra terá um dia à sua disposição o segredo dessa ciência maravilhosa. – Você já fez parte de alguma expedição à Terra dentro de uma espaçonave? – Muitas vezes. Também a Estela, de quando em quando, participa dessas expedições. Isso facilita nosso trabalho e encurtam as distâncias. – Como encurtam as distâncias? Sinceramente, não entendi o que você quis dizer com isso. – Deixe-me ver. – disse Israel, coçando a cabeça. – A Lua vai servir de exemplo. Você concorda que a Lua é o corpo mais próximo da Terra. Pois bem! Esse formoso satélite que ilumina as noites e inspira os poetas e namorados, é um ponto de encontro de seres de várias partes. A maioria chega ao satélite através de veículos espaciais. Depois de breve pausa, partem em direção à Terra, a fim de auxiliar os prisioneiros da carne, isto é, auxiliar os encarnados. Do solo lunar partem diariamente milhares de irmãos de várias partes dos diversos Universos. Entre eles estão antigos familiares de encarnados, curiosos e jovens em busca de experiência. São tarefas muito gratificantes e, quanto mais perto estejam os seres, mais possibilidade de comunicação e ajuda. Muitos desses espíritos jogam fluídos em vários lugares ao mesmo tempo. Através de intermediários previamente selecionados, curam moléstias e devolvem o equilíbrio emocional de muitas criaturas em sofrimento. Na Terra esses interme116

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diários são rotulados de médiuns. Há uma grande variedade deles. – Quer dizer então que a Doutrina Espírita é verdadeira? – Ora Hugo! Claro que é verdadeira! Nós não somos espíritos? O mais importante passo que a Humanidade dará ao longo dos anos de sua existência, será aceitar sem reservas o Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec,39 também seu conterrâneo. Aliás a França é Pátria de grandes Espíritos. Que seja sempre abençoada por isso. – Realmente a lista é extensa – falou Hugo, com muito orgulho. – Você poderia me fazer um resumo dessa Doutrina? – A Doutrina Espírita é um conjunto de normas que devem ser seguidas por todos. Ela é um resumo de tudo que Jesus quis ensinar aos homens. É uma doutrina altamente filosófica e de fácil compreensão. Ensina e explica tudo que o homem deve saber. Até para a ciência ela é útil. É o elo de ligação entre o mundo visível e invisível. Entre os encarnados e os espíritos. Apesar de estarmos próximos dos dois mil anos da morte de Jesus, a Humanidade não acredita na vida após a morte. A Doutrina Espírita explica com clareza o que acontece com o ser após a morte física. Falemos um pouco de Kardec. Seu nome verdadeiro era Hippolite León Denizart Rivail. Era um professor muito querido e conhecido em sua terra natal, por ser autor de algumas obras didáticas usadas em algumas escolas. Pertencia a Academia Real de Arras e 39

Pseudônimo de León-Hippolyte Denizart Rivail. – Codificador do espiritismo. Professor e escritor francês. (Lyon, 03-10-1804 – Paris, 3103-1869). 117

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era um discípulo fiel de Pestalozzi40, um renomeado mestre da pedagogia. Era um homem de ampla cultura e reto caráter e reunia todas as condições para propagar a Nova Revelação. Até os cinqüenta anos não era adepto de nenhuma seita ou religião. Não freqüentava nenhum templo, portanto iniciou do nada. De coisas aparentemente insignificantes, Kardec se propôs a estudar a religião, que segundo ele, seria a religião do futuro. A partir daí, começou a participar de algumas reuniões com o objetivo de verificar “in loco”, se realmente existiam espíritos soltos no ar. Em especial, passou a interessar-se pelo fenômeno das mesas girantes. Decorria o ano de 1854. – Desculpe interrompê-lo. O que eram mesas girantes? – Era um forma dos espíritos se comunicarem. Os curiosos e interessados no assunto, juntavam-se em volta de uma mesa, geralmente circular, uniam suas vontades e pensamentos e começavam a pedir a presença daqueles que partiram para o outro mundo. Esse processo era conhecido como tiptologia. Os espíritos marcavam presença através de pancadas na mesa. Estava aberta a porta entre o mundo visível e o invisível. Já estavam no ano de 1855, precisamente no mês de maio, quando Kardec foi convidado para participar de uma reunião espírita na residência de uma senhora sonâmbula, cujo nome agora não me recordo. Alheio aos demais ou, podemos assim dizer, diferente dos outros, Kardec não comparecia as reuniões com o objetivo de 40

Johann Heinrich Pestalozzi. (Zurique, 12-01-1746 – Brugg, 17-021827). Pedagogo suíço discípulo e continuador de Rousseau. Dedicou sua vida à educação das crianças excepcionais. É fundador do famoso Internato de Yverdon. 118

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questionar ou divertir-se. Apesar de iniciante, era o menos céptico e o mais observador. Depois dos “toques nas mesas”, vieram a dança das mesas e a dança das cestas. Aparentemente insignificantes, transformaram-se em poderosas mensagens do mundo então desconhecido. Nessas reuniões Kardec obteve os instrumentos necessários para um estudo mais sério. Entregou-se de corpo e alma à nova empreitada. Até aquele momento desconhecia que estava sendo induzido a isso pelo mundo invisível. Estava tornando-se verdade a promessa da vinda do Consolador. O Espírito da Verdade preparava-se para surgir diante dele! Não sou profeta nem vidente, todavia acho que dentro em breve, muito breve, o Evangelho do Codificador, que é um código de moral universal, substituirá as mais famosas literaturas religiosas. O tempo confirmará minhas previsões! – Por favor, Israel. Continue com a narrativa – solicitou Hugo. – Com o objetivo de criar esse Evangelho, era necessário analisar com muita seriedade as comunicações que deveriam surgir, pois a principal finalidade era criar uma filosofia que amparasse todas as seitas e religiões, inclusive os cultos de fundo de terreiro. Para que não permanecessem dúvidas, criou-se um dispositivo para impedir fraudes. Para tanto, as comunicações eram recebidas ao mesmo tempo em diversas regiões. Médiuns sérios e excepcionais seriam usados como intermediários. As mensagens eram assim reunidas e posteriormente analisadas pelo Codificador, com o auxílio invisível do Espírito da Verdade. Estava sendo colocada ao alcance dos homens, a maior das filosofias. Estou me fazendo entender? 119

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– Perfeitamente! Continue! – incentivou Hugo, ansioso. – Antes de continuar lembrei-me de algo; já não é tempo de você voltar ao barco, Ágata? – Minha missão ao lado de Desaí terminou. Vou incorporar-me à equipe do Dr. Bertz, na Faculdade de Medicina. Há muito tempo aguardo essa oportunidade. É meu desejo encarnar novamente na Índia, desta vez como médico. Soube através de um irmão chegado recentemente de Nova Delhi, que há poucos profissionais nos hospitais. Vou me esforçar ao máximo para adquirir o diploma de médico. Quero clinicar junto às camadas mais pobres. Que Deus ouça minhas orações. – Elas serão ouvidas e atendidas! – opinou Estela, emocionada. – Então continuemos – disse, Israel. – Kardec, com o auxílio do Espírito da Verdade, que era o Guia Espiritual de toda uma falange de Espíritos Superiores, produziu uma rica literatura. Após exaustivo trabalho publicou o Livro dos Espíritos e o Evangelho Segundo o Espiritismo. Estes não foram seus únicos trabalhos, estou apenas destacando os mais importantes. Com o aparecimento dessas obras, restabeleceuse os ensinamentos fundamentais em sua pureza primitiva e, o Céu e a Terra, davam-se novamente as mãos. – Isso significa que os livros foram produzidos graças ao auxílio de Entidades que vivem nas Esferas de Luz? – Mais ou menos, Hugo, mais ou menos! Você está quase certo. – Sabe, Israel. Acho que Hugo quis dizer que sem ajuda dos Irmãos da Luz, Kardec não completaria a obra. Não é isso que você quis dizer? – perguntou, Estela. 120

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Antes que Hugo respondesse alguma coisa, Israel, completou: – Não devemos nos esquecer que um complementa o outro. Tenho conhecimento que Kardec, antes de descer a Terra, já fazia parte do mundo dos eleitos. Naquela ocasião já era um Espírito muito adiantado para os padrões da Terra. Com ele vieram também muitos auxiliares importantes. Flammarion foi um deles. Depois da publicação do Livro dos Espíritos, que causou grande impacto entre os meios literários e religiosos da época e, que foi o clarão da grande alvorada, seguiram-se o Livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno e a Gênese. Quando foi editado o Livro dos Espíritos, a perseguição da Igreja Católica foi tanta, que centenas de exemplares, talvez milhares, foram queimados em praça pública. O professor Rivail, como gostava de ser chamado, completou sua missão na Terra no final do primeiro trimestre de 1869. Depois dele, Hugo, um outro conterrâneo seu encarregou-se em difundir o trabalho do Codificador. – Não me diga! É verdade que outro francês continuou a obra? – Outro grande francês! León Denis 41 era seu nome. Deixou excelentes obras sobre a Doutrina. Verdadeiras jóias! Publicou um precioso trabalho a respeito da Divina Pucela 42 e penetrou no mundo invisível com enorme realismo. Entre suas obras destaco No Invisível, Depois da Morte, Cristianismo e Espiritismo e o Grande Enigma. Este último é um 41

Grande escritor francês. Publicou, entre outros, Cristianismo e Espiritismo, Depois da Morte, O Grande Enigma, Socialismo e Espiritismo, No Invisível e Joana D’Arc. 42 Joana D’Arc, heroína francesa (Domrémy, 06-01-1412 – Rouen, 30-051431). 121

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sublime colírio para os olhos da alma. É uma brilhante narrativa da Natureza. – Concordo com você – disse Estela. – Trata-se de uma obra magnífica. – E quanto ao espiritismo – voltou, Hugo. – Ficou restrito aos franceses. – Claro que não, Hugo. O Codificador era francês e a maioria de seus colaboradores, também, todavia muitos médiuns que o ajudaram eram de outras nacionalidades. Na América do Norte propagou-se rapidamente a Doutrina, o mesmo ocorrendo nas demais Américas. No Brasil, país gigante da América do Sul, foi criada a Federação Espírita Brasileira. Seu principal nome, o médico Adolfo Bezerra de Menezes43, seguindo os passos de Kardec, abraçou a Doutrina quando tinha mais de cinqüenta anos de idade. Foi o orientador, consolidador e chefe do Cristianismo Espírita entre os brasileiros. Foi prefeito da cidade do Rio de Janeiro e uma notável figura entre seus pares. Do Alto, continua a ser o Chefe Espiritual do povo brasileiro. Para você ter uma idéia de como o espiritismo propagou-se em todas as regiões do Planeta, o mais venerado dos Presidentes dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln 44, não tomava nenhuma decisão importante sem antes consultar o mundo invisível. É sabido por todos que ele participava de reuniões espíritas na própria Casa Branca, residência oficial dos Presidentes estadunidenses. Esse grande personagem da história americana, de fé inabalável e de reto caráter, previu sua morte 43

Adolfo Bezerra de Menezes. Médico e político. – Riacho do Sangue, Estado do Ceará, 29-08-1831 – Rio de Janeiro, 11-04-1900). 44 Abraham Lincoln – 16o Presidente dos EUA. (Hodgenville, Lentucky, – 12-02-1809 – Washington DC, 15-04-1865). 122

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ainda em vida. Partiu da Terra pouco antes do Codificador, em 1865. Como você está percebendo, a Doutrina não ficou restrita a França. Difundiu-se rapidamente pelo Mundo Ocidental e está penetrando lentamente no Mundo Oriental. Tudo é uma questão de tempo. Tenha certeza de uma coisa. Ela é irreversível! – Nunca fui pessimista nem céptico, – disse Ágata, para surpresa de todos – mas creio que será muito difícil difundir o espiritismo entre o povo muçulmano. – A verdade que a Doutrina Espírita ensina – apressou-se em responder Israel – tem estreitas ligações com o que está escrito no Corão, o Livro Sagrado desse povo. A Doutrina Espírita também é um conjunto de leis, é só saber analisá-la. Seus ensinamentos estão dentro de todas as religiões. O Corão, que é um conjunto de revelações feitas ao Profeta Maomé45 pelo Arcanjo Gabriel, é um código religioso e a fonte de todas as leis civis e penais. Tudo que vem de Deus volta para Deus. O Arcanjo Gabriel é um emissário de Deus e sempre esteve presente nas grandes reformas. – Bem! – disse Ágata, conformado. – Meu tempo está esgotado. Agradeço a Deus pelos bons momentos que passamos juntos. Tenho que apresentar-me ao Centro Médico. Que o Divino Mestre abençoe a todos. – Seja feliz na nova missão – desejou, Estela. GENGIS KHAN E A GRANDE MURALHA DA CHINA

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Fundador do islamismo, a religião muçulmana ( Meca, na atual Arábia Saudita, 570 d.C. – Medina, 08-06-632). 123

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E

agora o que faremos? – perguntou, Hugo. – O que você tem em mente? respondeu Estela com outra pergunta. – Eu gostaria de conhecer o Vale das Lágrimas. – Temos que ter permissão de Ezequiel. Se ele concordar, vamos falar com Honório. – Quem é Honório? – Já falamos a seu respeito – disse, Israel. – Você não lembra? É o chefe de segurança do Vale e conhece todos os seus segredos. Como está sempre à procura de almas arrependidas, dificilmente é encontrado deste lado Quase sempre está chefiando missões de resgate. Se Ezequiel permitir, na certa Honório nos conduzirá. – Existem muitas almas sofredoras dentro do Vale? – São muitas, Hugo! Muitas! A população que existe dentro do Vale daria para povoar um corpo com as dimensões da Lua. – E como Honório controla tudo isso? Na certa ele deve ter muitos auxiliares! – Isso mesmo. O número de auxiliares é muito grande. Talvez chegue a alguns milhares. Você por acaso conhece ou ouviu falar da Grande Muralha da China46? – Li uma obra completa a respeito dessa Grande Muralha. Se a memória não me trair, ela tem 2.300 quilômetros de extensão e foi construída pelos chineses para se defender dos constantes ataques dos hunos. Mas o que isso tem a ver com o Vale. 46

Uma das maravilhas do mundo antigo. Linha defensiva que se estende entre o Golfo de Chihli, no Mar Amarelo, e a Ásia Central. Considerada a maior obra de engenharia já realizada pelo homem. 124

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– O cinturão de luz que circunda o Vale, desempenha o mesmo papel que a Grande Muralha, só que invés de proteger o Vale de possíveis ataques, impede seus habitantes de passar para este lado. A luz é um suplício para os moradores do Vale. Dentro do Vale estão as Trevas e o Umbral. Nas Trevas estão os mais hediondos assassinos. São todos extremamente cruéis. Já no Umbral há uma dolorosa mistura. Egoístas transitam ao lado de hipócritas, arrogantes, prepotentes, viciados, assaltantes e criminosos. Quando algum deles dá um sinal de arrependimento é imediatamente socorrido. Das Trevas passam para o Umbral e, do Umbral, para este lado. Deus não abandona nenhum de seus filhos, por mais perversos que tenham sido. – E quando os irmãos da Luz sabem que algum ser está em condição de ser socorrido? – Analisando suas orações. – Como eles sabem que há algum ser orando? – As orações sinceras são captadas à distância. Não tenho condições de explicar isso agora. Na hora certa voltaremos ao assunto. – Assim como jamais escolhi meu corpo, outra coisa me intriga. Vocês me disseram que nunca pude escolher meu corpo por estar sempre envolvido com armas e mortes. Se matei indistintamente muitas pessoas quando cavalgava ao lado de Gengis Khan, por que nunca vim parar nas regiões de sofrimento? Eu não me recordo de ter sido hóspede do Umbral. Vocês têm idéia de por que fui poupado dessa pena? Israel pensou um pouco, e disse: – Caro Hugo. O verdadeiro assassino tira a vida de outro por maldade; um soldado ou um guerreiro, cumpre ordens. Há uma diferença muito grande entre ambos. Quando 125

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você cavalgou ao lado de Khan, você era um subordinado sujeito a ordens. Os mongóis, como os demais bárbaros, não podem ser julgados como são os civilizados. Eram bárbaros seguindo regras de sobrevivência. Agiam mais pelo instinto e coragem, do que pela inteligência. Isso não quer dizer que Khan era um homem sem inteligência. Para a época, era um homem muito corajoso e um excelente comandante. Não esqueça, Hugo, que para esses povos, morrer em batalha era alcançar a glória eterna. Em suma, você nunca foi um assassino. Para os mongóis você sempre foi um herói. – Bem – disse, Estela. – Vamos retornar e pedir autorização para visitar o Vale. Quando já estavam perto, Israel comentou: – Pelo movimento à frente, parece que há uma palestra no salão. Realmente havia uma palestra, mas já estava no fim. Tiveram tempo de ainda ver Ezequiel orando. Também ainda foi possível ver um facho de luz sobre sua cabeça. – Pena que não chegamos a tempo de ouvi-lo – frisou, Estela. UM ENCONTRO IMPREVISTO

E

sperem aí! – exclamou repentinamente Hugo, com o semblante ligeiramente alterado. Parece-me que estou vendo um companheiro muito querido entre o público. Não há dúvida? É Jean! Jean!!! gritou, acelerando o passo em direção ao amigo. – Mas que surpresa agradável! – Hugo!! Que surpresa agradável! – repetiu também. – Desde quando você está aqui? 126

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– Cheguei há pouco – respondeu Hugo, abraçando o amigo. E você? – Eu também cheguei há pouco. Que surpresa, hein! – Deixe-me apresentar a você meus amigos. Estes são Israel e Estela. – Já nos conhecemos – respondeu, Estela. – Eu recebi Jean e seus outros amigos. Como estás, Jean? Folgo em te ver novamente. Eu soube que você estava na Terra em missão de salvamento. Como estão as coisas por lá? Já acabou a guerra? – Graças a Deus, acabou! Durante seis anos percorri todas as áreas de conflito. Como foi deprimente e consternador! Como o bicho homem é covarde quando é prisioneiro da carne! Eu participei, como Hugo, da primeira grande guerra, mas nada se compara com as atrocidades que vi nesta segunda grande guerra. Recuso-me acreditar que o ser humano possa descer tanto! Cidades inteiras foram destruídas com uma rapidez impressionante. Milhares de corpos ficavam pelo chão cobertos de baratas. As cenas de canibalismo multiplicavam-se a cada esquina. Os judeus foram dizimados como vermes. Irmãos matavam irmãos, sem piedade. Monstros é que eram! Aquilo não são seres criados à imagem de Deus! Recuso-me acreditar nisso! Quando julguei que o conflito estava no fim, recebemos um pedido de auxílio da expedição de socorro que estava no Japão. Fomos socorrer o que restou de duas grandes explosões. Duas bombas de poder devastador foram arremessadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, causando a morte imediata de mais de cem mil pessoas entre jovens, velhos e crianças. Chegamos quando a segunda delas explodia. Não encontro adjetivos para descrever o horror estampado no rosto das vítimas. As paredes das casas e dos edifícios maiores, envolvidos pelas 127

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chamas, desmoronavam e derretiam como se fossem feitos de geleia. Uma coluna de fumaça em forma de um gigantesco cogumelo subiu ao Céu, o dia se transformou em noite, e milhares de criaturas se jogavam desesperadamente ao solo, querendo apagar o fogo que os envolvia. Na verdade, já não tinham aspecto de seres humanos. Pareciam tochas em movimento. Fomos em grande número ao local, e nos revezamos dia e noite no socorro daquelas almas em desespero. Eram quadros dantescos! Indescritíveis! Crianças corriam a esmo sem entender o que se passava. Os velhos se ajoelhavam implorando auxílio. Ninguém compreendia o que estava se passando. Os poucos sobreviventes, desesperados, imploravam a morte. Eu não sabia se socorria os mortos, ou alguns poucos vivos – terminou Jean, com a voz embargada pela emoção. Estela, também emocionada, somente conseguiu dizer: – Você está vendo, Hugo, por que existe o Vale das Lágrimas? – Peguei nos braços uma menina – continuou, Jean – com cerca de oito anos, com o corpo tão queimado, que parecia uma brasa. O couro cabeludo desapareceu ficando seus ossos à mostra. No lugar dos olhos, duas pequeninas cavidades. Suas unhas, tanto dos pés como das mãos, simplesmente desapareceram. Tentava levantar os bracinhos descarnados para o alto, a procura de proteção. Fiquei ao seu lado até o último suspiro e, quando desligou-se do corpo, adquiriu a forma de um Anjinho e foi célere em direção ao Alto. Os três, com os olhos marejados, olhavam Jean e nada diziam. 128

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– Não há palavras para descrever com perfeição o que eu vi. No início da guerra ainda havia um pouco de humanismo mas, depois, quase todos se transformaram em bestas assassinas! – A irmã Dulce me contou um pouco dessa guerra. Disse que tudo começou quando a Alemanha invadiu a Polônia – comentou Hugo, meio sem jeito. – Foi isso o que aconteceu. A Alemanha invadiu a Polônia sob pretexto dos mais absurdos. Essa operação tornou-se conhecida como Corredor Polonês. Lançou-se a seguir contra a França, vencendo-a sem muito esforço. Daí em diante, unida ao Japão e a Itália, decidiu conquistar o mundo. A cruz suástica, outrora utilizada como símbolo de prosperidade, passou a ser o símbolo do poder nazista. Depois de invadir a França, Hitler deu ordens para bombardear, dia e noite, a Inglaterra. Graças a estoicidade e a liderança do Primeiro Ministro inglês, Winston Churchill47, a Inglaterra resistiu. Subestimando o povo inglês, Hitler desviou suas forças em direção a Rússia, achando que os ingleses eram uma presa fácil. Ai cometeu seu primeiro grande erro. – De onde surgiu esse indivíduo? – perguntou, Hugo. – Praticamente do nada! Nasceu em 1.889 na Áustria. Participou da primeira grande guerra no exército alemão, como cabo. Foi condecorado duas vezes por bravura. Como era um excelente orador, abriu caminho para a vida pública. Depois de eleito presidente do Partido Trabalhista Alemão, planejou e executou um vitorioso plano para unir as massas. 47

Winston Leonard Spencer Churchill. Político e grande estadista britânico. Blenheim, Oxfordshire, 30-11-1874. 129

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Sob seu comando, a Alemanha construiu uma sociedade forte. Considerava os judeus a escória da sociedade e ordenou que fossem varridos da face da Terra. Quando a guerra terminou, seis milhões de judeus haviam perecido. Na realidade Hitler era um demente e arrastou consigo uma nação inteira. Fiéis ao seu líder, os alemães perseguiram os judeus com uma sanha que faria inveja aos mongóis. Centenas de fornos crematórios foram construídos para jogar os corpos das crianças, mulheres e velhos, que eram fuzilados indiscriminadamente. Os homens, rapazes e meninos, eram usados em serviços braçais. Quando suas forças estavam uxauridas, eram sumariamente seviciados e liquidados. Antes eram obrigados a abrir grandes valetas que lhes serviam de túmulos. Geralmente eram fuzilados à beira dessas valetas e seus corpos caíam como montes de lixo. Os judeus também foram utilizados como cobaias em experiências genéticas. Friamente e com requintes de crueldade, os corpos eram cortados sem anestesia. Os órgãos eram retirados para estudo. Josef Mengel48, um médico que se considerava um grande cientista, divertia-se com o grito das vítimas. Imaginem vocês! Esse açougueiro foi condecorado pelo Führer. Antes que eu me esqueça, Hitler era o Führer, e Führer significava guia. Eu jamais vou querer ter um guia como esse! Nesse mundo cão, os ratos tinham mais prestígio que os judeus. Já que estou falando em guia, o nosso guia foi ao Vaticano e sugeriu ao Papa, em pensamento, para intervir a favor dos judeus. Ele se omitiu vergonhosamente.

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Médico e carrasco nazista. 130

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– Eles costumam lavar as mãos nessas horas – comentou, Estela. – Eles sempre ficam ao lado de quem está ganhando. Meu Deus, quanta maldade! – Capim e ratazanas serviam de alimento para os pobres coitados que procuravam refúgio perto do mar. – Você presenciou cenas de canibalismo? – perguntou, Estela. – Eram comuns. Eu, em particular, não tenho nada contra essa abominável prática. O homem perde o raciocínio e a razão quando as tripas grudam nas paredes do organismo por falta de alimento. Quando isso acontece, ele está a um passo das bestas. – Matavam para comer ou comiam os que já estavam mortos? – indagou, Hugo. – Nas cidades comiam os atingidos por balas ou morteiros, mas nas frentes das batalhas os soldados comiam parte de suas vítimas. Eu acompanhei o exército alemão na Rússia e as forças japonesas na invasão da China. Nas duas campanhas presenciei cenas de canibalismo. Na invasão da Rússia, o comando alemão cometeu o mesmo erro de Napoleão Bonaparte49. Quando os russos, muito bem instruídos recuaram em direção a Moscou, deixaram para o invasor todas as cidades destruídas. Sem alimento e sob um rigoroso frio, os nazistas morriam como vermes. Adestrado ao terreno e bem alimentado, o exército vermelho fez uma contra ofensiva e varreu por completo o exército alemão. Foi nesse instante que os alemães começaram a perder a guerra. Enquanto isso, os japoneses invadiram o território chinês 49

Napoléon Bonaparte. General e estadista, Imperador da França – Ajaccio, Córsega, 15-08-1769 – Ilha de Santa Helena, 05-05-1821. 131

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destruindo tudo que encontravam à frente. Os nipônicos eram mais cruéis que os alemães. Devoravam seus inimigos como animais selvagens. Uma coisa é certa: indistintamente, todos que se envolvem numa guerra acabam se transformando e cometem barbaridades. No exército italiano as cenas de crueldade eram bem menores. Os italianos eram impetuosos e fanáticos, mas eram mais humanos. Entre eles não vi cenas de canibalismo. – Não estou entendendo uma coisa – raciocinou, Hugo. – Se o Japão invadiu a China, por que depois voltou-se contra os Estados Unidos? Estava também em seus planos dominar a América? O quê você acha? – Não sei o que pretendiam. Só Deus sabe o que se passava na cabeça dos generais japoneses. Eu sei somente que há uma disputa muito acirrada por um arquipélago que fica na região central do Pacífico. Esse conjunto de ilhas, que está entre os dois países, constitui o Estado independente do Havaí. Na capital, Honolulu, há uma base militar norteamericana denominada Pearl Harbor. No início de dezembro de 1941, em plena guerra, uma formidável e poderosa esquadra japonesa atacou de surpresa essa base, causando profundas baixas. Até então, os Estados Unidos não haviam se envolvido diretamente no conflito maior. Esse episódio provocou a entrada dos norte-americanos na guerra. O final já é do conhecimento de todos. O Japão foi o último país a capitular e, isso só ocorreu, depois do lançamento das bombas em seu território. O povo japonês crendo que seu Imperador era imortal, acreditava cegamente na vitória. Pobres homens que comparam um simples mortal, com Deus! – Quantas coisas ocorreram enquanto eu estava no Everest! 132

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– Realmente, meu amigo. A Terra nesse período sofreu uma profunda transformação política e social. A China hoje é comunista. A República Federal da Alemanha foi repartida ao meio. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas tornou-se junto com os Estados Unidos, uma superpotência. Isso é muito perigoso! A França e a Inglaterra estão sendo reconstruídas. Vocês acreditariam que já está havendo conflito de interesses entre as nações vencedoras! Pois é, mal acabou a guerra, e já está havendo uma corrida armamentista entre o bloco comunista e o bloco capitalista. Se isso continuar, logo logo teremos um outro conflito. Talvez o derradeiro conflito! – Dulce me contou que os ditadores alemão e italiano estão mortos. Você sabe algo a respeito dos demais responsáveis pela matança? – Hitler cometeu suicídio ao lado de sua companheira Eva Braun. Mussolini50, o Duce, foi fuzilado junto com sua concubina Clara Petacci. Alguns generais nipônicos cometeram haraquiri, que é um modo de suicídio que consiste em rasgar o ventre a faca ou sabre. O Imperador Hirohito continua a frente do governo, mas já não é visto pela maioria dos japoneses como imortal. Há uma extensa lista de criminosos de guerra que estão sendo caçados em todas as partes do globo terrestre. – Você está vendo, Hugo – insistiu, Estela – por que há lugares de sofrimento? O homem continua achando que a morte os livra de um julgamento. Infelizes! Serão julgados duas vezes: uma pelas mortes e outra pelo e suicídio. 50

Político italiano (Duce) – (Dovia di Predappio, província de Forli, 2907-1883 – Dongo, perto do Lago de Como, 28-04-1945). 133

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Jean tomou a palavra novamente e disse num tom solene: – Embora francês, desejo louvar o espírito de luta do povo inglês. Apesar de Londres sofrer um intenso bombardeio, o povo jamais esmoreceu. Louve-se Winston Churchill, seu grande Primeiro Ministro. Se não fosse pela coragem e obstinação desse grande homem, talvez o resultado da guerra fosse outro. – E agora, amigo Jean! – perguntou Hugo, procurando desviar o assunto. – Quais serão os teus próximos passos? – Desta vez vou voltar à Terra encarnado. Como é do seu conhecimento, fiquei órfão muito cedo. Devo tudo aos meus padrinhos: minha educação e os tempos felizes que passei no solo francês. Sem querer, fiquei sabendo na Secretaria das Missões, que meus pais legítimos estão na Terra e se unirão novamente em matrimônio. Obtive permissão dos Irmãos Dignatários da Vida para sentir outra vez o carinho de ambos: serei o primogênito. – Vamos deixá-los a sós, Israel. Parece-me que ambos têm muito a conversar. Enquanto isso vamos pedir autorização a Ezequiel para visitarmos o Vale. Quando for necessária a nossa presença, Hugo, dirija seus pensamentos a nós e prontamente viremos. Que a paz do Senhor esteja com vocês. – Amém – disse, Jean. Assim que se afastaram, Hugo começou a bombardear Jean com novas perguntas. – E os rapazes? Como estão? – Estão todos bem. Antes de mais nada, quero esclarecer um assunto: aonde você estava quando fomos surpreen134

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didos pela avalanche? Assim que fomos socorridos notamos tua ausência. Aonde você se meteu? – Sinceramente não tenho a resposta. Não compreendo como fui ignorado e esquecido por longo tempo. Quando fui recebido pela irmã Dulce, ela me aconselhou voltar ao passado. Somente depois disso tive noção do que ocorreu comigo. Vocês souberam de imediato que haviam perdido a vida? – Acho que sim, embora alguns não tenham aceitado com resignação a nova situação. – Quer dizer que todos sabiam que estavam mortos? – Bastou olhar os corpos sob a neve. Eu, em particular, tive ajuda imediata dos meus pais. Desde aquele instante compreendi que nossa morte já estava prevista. Maurice, apesar de ter sido seminarista, era o mais perplexo. Atrasou nossa ida por várias horas, porque não queria largar a carcaça. – Comigo deve ter acontecido o mesmo! Estranho! Não me recordo ter visto ninguém ao meu lado. Você não acha isso esquisito? – Não posso te dizer nada. Adivinha quem surpreendeu a todos? Claude! Assim que percebeu o que havia ocorrido, pôs-se a cantar baixinho trechos de um canto Gregoriano. Ao seu lado vi com clareza, um menino pardo cujos olhos se confundiam com as vestes que brilhavam intensamente. Depois entendi que vinha nos auxiliar. – Mas se eu estava fora do corpo, por que não me juntei a vocês? – Quando ocorreu a avalanche, você já estava muito perto do pico. Quem sabe você não foi lançado para longe de 135

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nós? Quando teu Espírito se separou do corpo, qual foi a tua sensação? – Eu não me recordo desse momento, pois estava completamente atordoado. Em só me lembro que cheguei a fincar uma bandeirinha no topo. Logo após pulei de alegria. Espere ai! Se eu estava no topo, como a avalanche me atingiu? – Pode ser que você atingiu o topo depois de morto! Nós partimos pensando que você estava vivo. É pena que o mundo não tenha ciência disso. Você deve voltar e contar a todos que foi o primeiro homem a pisar no pico do Everest! – Ora, seu! Estela sempre ralhou comigo por minhas brincadeiras. Agora estou recebendo o troco. Jean pôs-se a rir gostosamente. – Eu acho que ainda vão demorar muito para encontrar tua bandeirinha. Até o início de década de cinqüenta, nenhuma expedição conseguiu chegar ao topo. Pelo que estou vendo, teu recorde será conservado por muito tempo! Rindo com o amigo, Hugo perguntou: – Por acaso você leu aquele famoso romance de Miguel de Cervantes?51 – Dom Quijote? – Isso! Dom Quijote de la Mancha! – E o quê isso tem haver conosco? – Conosco não, mas comigo, sim!! Você lembra da história?

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Miguel de Cervantes Saavedra. Escritor espanhol (Alcalá de Henares, 09-10-1547 – Madrid, 23-04-1616). 136

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– Claro! É uma obra muito comentada, mas até agora não estou entendendo onde você quer chegar. – A história é de um ingênuo senhor rural, cujo passatempo era ler livros de cavalaria. Acreditava tanto no que lia, que se tornou um visionário. Mais inocente que ele, era Sancho Panza, seu fiel escudeiro. – Continuo na mesma. – Você ainda não entendeu? – Não! Continuo na mesma! – Você concorda que aquele que tem uma visão diferente da realidade é um excêntrico? Pois bem! Assim como Dom Quijote que lutava contra moinhos de vento, eu lutei muito tempo contra os fantasmas criados por minha imaginação. Enquanto Dom Quijote atirava sua lança nos moinhos, eu espetei uma imaginária bandeira da França no Pico. Você agora está entendendo? Eu fui mais inocente que Sancho Panza!! Jean ria a ponto de engasgar. – Agora tudo é brincadeira, mas a verdade é que passei maus bocados naquele pico. Graças ao bom Deus, Miguel veio me salvar. Onde estavam meus velhos que não vieram me socorrer? – Creio que naquela ocasião eles não tinham condições de te salvar. Não esqueça que meus velhos desencarnaram bem antes deles. – Por acaso você tem idéia aonde eles estão? – Não posso afirmar, mas acho que eles fizeram parte da comitiva de salvamento. Quando estourou a guerra, todos enfermeiros e médicos foram requisitados. Se eu não estou enganado, o teu pai era médico cirurgião, não é? 137

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– Meu pai era cirurgião e minha mãe enfermeira. Como você sabe, os dois desencarnaram no final da primeira grande guerra. Eu só soube das mortes quando voltei da frente. Sequer vi os cadáveres. Jean, sem saber que estivera trabalhando com Leonard e Carol nas equipes de socorro, confortou o amigo: – Não tive o prazer de conhecê-los, mas acredito que estejam bem. – Alguma novidade sobre os rapazes? – Paul foi o primeiro a retornar para a Terra. Encarnou em Lion. Maurice também voltou e nasceu em Palermo. Os demais estiveram comigo resgatando centenas de criaturas. É admirável a espiritualidade de Claude! Nada o abala e faz tudo com alegria e resignação. Louis visitou recentemente os pais que ainda vivem em Nantes. Teve a agradável surpresa de saber que era tio de duas lindas criaturinhas. Ele deseja voltar para perto dos familiares. Charles, horrorizado pelas cenas que viu na guerra, abandonou sua máquina de tirar retratos. Assim ele a chamava. Ele me contou que vai tentar a carreira política. Quiçá para tentar melhorar o mundo! Pierre ficou por último de propósito. – Pensei que você tinha se esquecido de meu querido amigo! – Como haveria de esquecer meu atual companheiro! Pierre foi o que mais sentiu o teu desaparecimento. Quando se livrou do corpo, começou a cavar o solo a tua procura. Enquanto cavava, chorava e pronunciava o teu nome. – Eu também sempre o quis muito! Crescemos juntos e sempre compartilhamos os nossos segredos. Éramos irmãos por afinidade. Quando o verei? 138

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– Ele está na sala ao lado. Desde que chegamos não tem se afastado dos livros. Está se tornando um especialista em induismo e budismo. – E por que não o espiritismo ou catolicismo? – Acho que Pierre ficou atraído pelas montanhas e pelos Gurus! – E quem não ficou! Eu acho que aquelas montanhas são realmente sagradas. Você tem notícias de Razak, aquele nosso maravilhoso guia? – Quando estive na China, senti vontade de rever aquelas paisagens e tive permissão para vê-las. Ao me aproximar do local onde acampamos à espera dos caçadores, fui atraído por uma admirável força. Segui por um caminho cercado de flores e encontrei no final desse caminho, um Anacoreta. Acho que você nem imagina quem era esse Anacoreta! Se você pensou em Razak, acertou! Ele estava sentado no solo de uma caverna e me esperava sorridente. Nesse exato momento, vi o que não tínhamos visto antes: o seu corpo estava envolvido com uma brilhante cor azul que iluminava todo o interior da caverna. Apesar de já ter passado 25 anos do primeiro encontro, ele não havia envelhecido. Ao contrário, sua aparência era ainda mais jovem. Seu olhar de ternura penetrou em meu espírito de tal forma, que me pareceu estar diante de Deus. Fez uma saudação, e disse: – “Meu espírito se regozija com a tua presença. Sei que fazes parte de uma falange de irmãos que vieram socorrer as vítimas desses insanos e desequilibrados. Eu e muitos como eu, permanecemos dia e noite orando para que cessem imediatamente essas matanças. Meu espírito sofre em saber que milhares de inocentes estão sendo massacrados brutalmente. Na guerra, o homem comum retorna às origens e se 139

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transforma em besta. Se torna um ser ignóbil e fica parecido aos répteis que infestam as profundezas. Do alto destas abençoadas montanhas, oramos e lançamos nosso apelo ao Pai Amantíssimo para que faça cessar essas matanças. Não vou te segurar por mais um segundo. Vá, meu querido amigo, em socorro dessas almas desvalidas! Que Deus Onipotente ilumine o teu caminho!” – Você é capaz de acreditar que eu livre do corpo enxergava menos que ele preso à matéria? – Isso para mim já não é mais novidade. Aprendi muitas coisas com Estela e Israel. Assim como existem milhões de seres vivendo na erraticidade, existem muitos espíritos adiantados vivendo na Terra. Razak é um deles. Aprendi também que há um intercâmbio permanente entre o mundo visível e invisível. Existem encarnados que sabem muito mais que milhões de espíritos desencarnados! – Se eu tinha dúvidas, diante de Razak elas desapareceram. Diante dele eu não pronunciei uma única palavra. As palavras não saíam e meus pensamentos ficaram bloqueados. Adivinhando o que ocorria, ele limitou-se a sorrir. Quando estava me retirando, ouvi-o dizer: – “Mande lembranças a todos”. – Será que ele sabia onde eu estava? – Quem sabe! Quem sabe ele não interferiu em teu favor! Como Pierre estava debruçado em um livro, não os viu chegar. Querendo surpreendê-lo, aproximaram-se silenciosamente. Hugo colocou a mão sobre o ombro do amigo e modificando a voz, disse: – Benditos sejam aqueles que já foram ignorantes! Deles será o reino dos céus! 140

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– Acho que conheço esse chiado! – exclamou, Pierre. – Eu sabia que esse meu chiado não ia enganá-lo! – repetiu Hugo envolvendo-o num abraço. – Por onde você andou? – Pelo pico. Fiquei por lá vinte anos sem saber que estava morto. – Eu sempre imaginei que havia algo de estranho. Nós partimos pensando que você estava vivo. Onde diabos você se meteu? – Jean contou-me que vocês foram auxiliados de imediato. Eu não tive essa regalia. – Como assim? Você não viu ninguém? – Eu me recordo que nos primeiros momentos pareceu-me ver sombras ao meu redor. Eram imagens imperfeitas. Como eu estava atordoado, não tenho certeza se cheguei a falar com uma delas. Será que elas vieram me socorrer? – Como eram essas sombras? – Apesar de atordoado, lembro que uma delas tinha a aparência de um homem de cinqüenta anos. Ele me fitava sem nada dizer. Parece-me que fiquei irritado com seu silêncio e tentei afastá-lo aos gritos. Por alguns segundos imaginei que ele me fazia sinais, mas eu fechei os olhos para não vê-los. Depois dele apareceu um outro homem vestido como um motociclista. Trajava uma jaqueta de couro, calçava botas, seu rosto era redondo e tinha uma barbicha muito negra. Usava um óculos que cobria quase toda sua testa e, as lentes, refletiam os raios do sol. Um boné, também de couro, cobria sua cabeça. Ao rir, exibia dentes brancos e perfeitos. Acendeu um longo cigarro, pondo-se a tragar tranqüilamente. Enquanto dava baforadas, eu sequer respirava. De repente, 141

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levei um tremendo susto quando ele se pôs a gargalhar estrepitosamente. A seguir, desapareceu como que por encanto. Gozado! Agora estou me lembrando que também fiz contato com outras sombras. Agora compreendo que eram espíritos zombeteiros. Estavam ali para se divertir. Só não sei, como fui tão idiota a ponto de acreditar que ainda eu estava vivo! Digam-me uma coisa: os animais também têm espírito? – Não sei se eles têm espírito, – respondeu, Pierre – mas sei que existe vida animal em todos os mundos. Por que essa pergunta? – É que eu estou me recordando agora, que um magnífico cachorro acompanhava uma dessas sombras. Apesar de enorme, era muito dócil. – Você se lembra do aspecto desse ser? – indagou Jean, interessado. – Era alto, tinha ombros largos e fortes, e vestia-se como um caçador. Seu rosto estava quase que totalmente coberto por uma barba vermelha e bem aparada, os olhos eram de um azul forte, e usava na cabeça. um gorro de pele igual aos usados por caçadores de peles. Na testa tinha uma pequenina, mas saliente cicatriz. Nunca me dirigiu a palavra. Vinha de quando em quando, observava tudo ao redor, e sumia como por encanto. Será que ele é um dos que tentaram me resgatar? Dulce me disse que diversas vezes tentaram me esclarecer e não tiveram êxito. Por que será que eu não acreditava em ninguém? – Acho que o irmão Israel está mais preparado do que nós para informar o que aconteceu – aconselhou, Pierre. – Quanto aos espíritos dos animais, sinceramente, não tenho condições de opinar. Já li diversos livros que falavam sobre a 142

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vida após a morte, mas nenhum deles falavam sobre animais. Você leu algo a respeito, Jean? – Se não me falha a memória, o Livro dos Espíritos de autoria de Kardec, aborda esse assunto com riqueza de detalhes. Segundo ele os animais possuem uma inteligência que lhes dá liberdade de ação. Desde que tenham liberdade, há um princípio independente da matéria e, por conseguinte, esse princípio sobrevive a matéria. Sobrevivendo a matéria, podemos considerar esse princípio inteligente como uma alma. Lógico que ela é inferior a alma dos homens. Acho que ela está tão distante de nós, como nós estamos distante de Deus! Será que fui claro? – Claríssimo!! – respondeu Hugo, impressionado. Israel não faria melhor. Interessante! Na Terra você era leigo nesse assunto, como você agora sabe tanto? O quê aconteceu? – É que nos tornamos assíduos freqüentadores do Centro Espírita Arcanjo Rafael – disse, Pierre. – Saiba você, que através desse Centro, cujo chefe espiritual é o irmão Daniel, comuniquei-me com meus pais que estão ainda na Terra. Você não acha isso formidável? – Sem dúvida, é formidável. É muito reconfortante saber aonde estão os nossos entes queridos. – Pesaroso, disse: eu ainda não tive notícias dos meus. Mas vamos lá, isso agora não importa. Você me deixou intrigado com uma coisa! – Quê coisa? – Os teus pais não eram católicos? – E o quê tem isso? – Se eram católicos, como você fez contato com eles num centro espírita? 143

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– Tudo começou após o nosso desaparecimento. Parentes e amigos percorreram todos os centros espíritas de Paris em busca de notícias. Não se esqueça que nossos corpos não foram achados! Recorreram até a cartomantes e advinhos. Queriam provas de nossas mortes. Você sabe que as faldas do Everest são cemitérios sem coveiros, não sabe? A certeza de nossas mortes lhes foi dada no Centro Espírita Joana D’Arc. As provas foram tão evidentes e ricas em detalhes, que eles se tornaram assíduos freqüentadores desse centro, tendo inclusive, desenvolvido a mediunidade. Minha mãe se tornou uma das mais conceituadas videntes de Paris e, meu pai, um médium sensitivo de largos recursos. Isso facilitou nossa tarefa. – Quer dizer então que tua mãe faz previsões do futuro? – Minha mãe não faz previsões. Pelo que eu estou sabendo, não! Não é esse tipo de vidência. Minha mãe nos vê, mas não prevê o futuro. A não ser que Espíritos muito adiantados achem necessário. Nas reuniões é possível notar que a visão de minha mãe é mais ampla que os demais, mas existem médiuns sensitivos que sentem pelos fluídos quem são os espíritos presentes. Meu pai é um desses sensitivos. Você está lembrado do Padre Renout? – Aquele que era coxo? – Sim! É ele mesmo! Esse padre, que apesar da idade ainda está entre os vivos, tentou de todas as formas persuadi-los, dizendo inclusive, que o espiritismo era obra do demônio. Foi nesse exato momento que eu tive a permissão de aparecer diante de minha mãe. Foi aquele escarcéu! O padre dizia que o diabo havia tomado sua alma. A princípio mamãe ficou aturdida, mas depois, controlou a situação 144

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pondo o padre a correr. O primeiro encontro foi muito comovente! Depois desse, vieram outros. A sensibilidade de meu pai tornou-se cada vez mais apurada. Como prêmio recebeu uma comunicação da Divina Pucela. Nesse momento, a emoção dos médiuns foi tanta, que precisamos ampará-los. – Você tem ido regularmente ao encontro deles? – Durante a guerra ficamos ausentes, pois não dispúnhamos de tempo. Logo que ela terminou, voltamos a colaborar nos trabalhos. – Quem são os teus companheiros? – Existe mais de uma dezena, mas Jean e o Dr. Anísio sempre me acompanharam. Anísio é fundador e orientador espiritual do Centro. – Quem é esse Dr. Anísio? Ele vive por aqui? – Ora Hugo! – interveio, Jean. – Um espírito livre de sofrimento não tem lugar fixo. Anísio é um Espírito Iluminado. Quando quer, ele se desdobra e está presente em vários lugares ao mesmo tempo. É capaz de operar dois ou três seres na mesma hora. Juntos, nós executamos centenas de operações nas frentes de batalha. Com ele aperfeiçoei meus conhecimentos. Ele sabe tudo a respeito de um corpo humano, e é especialista na extração de tumores. Quando ele extrai um tumor, as raízes desaparecem para sempre. Nossa equipe é constituída de trinta profissionais e quinze enfermeiras. Já chegamos a operar em uma só noite, quatrocentos e setenta e oito pacientes. O Dr. Arnout, outro grande profissional, é responsável pela higiene do local e responde pela parte material dos trabalhos. – Parte material? Quer dizer que ele é um médico encarnado e auxilia vocês nas operações? 145

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– Exatamente! Arnout é um cirurgião famoso e muito respeitado em Paris e no resto do mundo. Foi indicado para receber o prêmio Nobel de medicina, mas como todos sabem que é espírita, a Igreja Católica foi contra a indicação. O Dr. Arnout faz parte da mais tradicional equipe médica da Europa, dá aulas na Faculdade de Medicina de Paris, e ainda encontra tempo para atender em seu consultório os doentes de menor renda. Ele opera gratuitamente dezenas de pessoas sem recurso. – E onde vocês fazem essas operações? – No interior do Centro. – Mas então por que é necessária a presença do Dr. Arnout? Para operar há necessidade de um médico encarnado? – Ele é a figura mais importante. Saiba você, que além da Igreja Católica, também a Associação Médica de Paris é contrária a essas operações. Embora na realidade seja o Dr. Anísio o responsável pelas operações, são as mãos do Dr. Arnout que cortam os pacientes e extraem os tumores cancerosas. Quando é necessário passar uma receita, quem assina é o Dr. Arnout. Tudo é feito dentro das leis dos homens. – Eu pensei que nessas operações não houvesse necessidade de abrir os pacientes! Quer dizer então que o bisturi é usado constantemente? – Quando é necessário abrir o paciente, sim! Quando não há necessidade, retiramos massa fluídica dos presentes e fazemos a cura. Substituímos as células doentes, por células novas. Na Terra esses trabalhos receberam o nome de operações espirituais. São indolores e causam profunda impressão nos doentes e nos curiosos que não são poucos. 146

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– Quando se utiliza o bisturi também são indolores? – Todos os pacientes são anestesiados, só que não utilizamos injeções ou éter. Nossas enfermeiras são especialistas nisso. Temos nossos segredos. Sentados em cadeira, deitados em bancos, esticados em lonas, de pé junto às paredes e, até apoiados em muletas, não sentem absolutamente nada. – Posso saber como vocês fazem isso? – É muito simples. Convidamos o espírito do paciente para se afastar um pouco do corpo, e ai fazemos o que é necessário. O espírito afastado do corpo nada sente. – Vocês fazem isso em todas as reuniões? – Não! Essas operações são realizadas uma vez por mês. A pedido do Dr. Arnout, são realizadas na última Quinta feira de cada mês. As demais reuniões servem para evangelização, desobsessão, comunicações familiares e auxílio material aos carentes. Nas reuniões de desobsessão a platéia de desencarnados é sempre muito maior que a dos encarnados. Os sofredores que se acham na erraticidade são assistidos e encaminhados aos centros de recuperação. Existem centenas deles em volta da Terra. São espécie de prontos socorros. Nessas reuniões a equipe médica também se faz presente. – É necessário a presença da equipe médica? – É imprescindível! A grande maioria desses irmãos conservam o sintoma de suas doenças e gritam em desespero. Os cancerosos e os sifilíticos são os que mais sentem a dor. Não sabem sequer que estão mortos, tanto é a dor que os aflige.

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– Devem ser muito proveitosas essas reuniões, sobretudo por nossa visão ser mais apurada. O que eu tenho que fazer para participar delas? – Compreender a Doutrina já é um grande passo. Purificar cada vez mais os sentimentos, é outro grande passo. – Já estou familiarizado com a Doutrina e estou com vontade de ajudar. Não é suficiente? – Se tivermos permissão do irmão Ezequiel, você fará parte de nossa próxima caravana. Está bem assim? – disse, Jean. – Diga-me outra coisa, Pierre. Teus pais sabem que você vai encarnar brevemente? – Ainda não! Quando chegar o momento eles serão esclarecidos. Além do mais, continuaremos a nos ver no Centro Arcanjo Rafael. – Se você vai encarnar, como será possível continuar a freqüentar esse Centro? – O Centro Arcanjo Rafael está localizado deste lado. Na Terra somos nós que nos apresentamos aos encarnados; no Arcanjo são os encarnados que vem a nós. O processo se inverte. Deixe-me explicar, antes que você venha com outra pergunta. Durante o sono todos os espíritos se libertam. Nessa ocasião eles vem até nós. Há um intercâmbio permanente. Você sabe que os espíritos não dormem, não é? – Isso eu já sei! Desde que cheguei não preguei os olhos um só instante! – Na Terra, meu caro amigo, ou em planos análogos, todos pensam que a morte é um eterno descanso. Como estão enganados! Durante a guerra socorríamos os feridos durante as vinte e quatro horas do dia. Ao lado do Dr. Anísio, Jean operava sem descanso. Há muito trabalho a ser executado nas 148

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Esferas de sofrimento. Quando eu estiver na Terra de novo, meus sentidos mais apurados me permitirão vir ao Centro durante o sono. Eu não tenho nenhuma dúvida disso! – Já que estamos falando desse assunto, – disse Jean – na Terra são exatamente vinte e três horas. É uma hora ideal para os espíritos encarnados se desprenderem da matéria. Daqui a uma hora, terão início os trabalhos no Arcanjo Rafael. Que tal irmos até lá? – Vou avisar Estela e Israel. – Não se preocupe com isso. Eles sabem aonde estamos e para onde vamos – disse, Pierre. – Então vamos – convidou, Jean. – Então o que estamos esperando? – completou Pierre, animado. O CENTRO ARCANJO RAFAEL

O

Centro estava localizado num amplo salão e seu interior parecia um anfiteatro. No meio havia uma grande mesa oval cercada de cadeiras. Diversas cabinas ladeavam as paredes e, acima delas, uma arquibancada circundava todo o salão. O silêncio era total, apesar de centenas de pessoas aguardarem com ansiedade o início dos trabalhos. Por um corredor estreito começaram a vir os médiuns. Um a um foram sentando nas cadeiras que circundavam a mesa. Por último entrou no recinto o responsável e coordenador dos trabalhos. Contrariando a expectativa de Hugo, era um jovem de feições radiantes e, seus cabelos da cor de azeviche, brilhavam como se houvessem sido recentemente pintados. 149

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Chamava-se Paulo, e quando sua voz calma e suave começou a ser ouvida, fez-se um silêncio sepulcral no salão. Dizia: – Que Deus Soberano e Onipotente abençoe os trabalhos que ora se iniciam. Desejo informar aos presentes em geral, que todos os encontros serão objetos de extrema privacidade. Para isso existem as cabinas. Dentro de alguns instantes,receberemos irmãos das Esferas Logus e Terrestre. Por favor, procurem criar um clima favorável para recepcioná-los e confortá-los no que for possível. Os irmãos devidamente assentados em volta da mesa, estão preparados para receber os visitantes. Os familiares que se encontrarem na platéia, quando reconhecerem alguns de seus entes queridos, venham silenciosamente para o meio do salão. Nada de emoções no recinto. Guardem-nas para quando estiverem dentro das cabinas. No interior delas há um caderno para anotações que devem ser usados para pedidos e sugestões. Todas serão posteriormente analisadas. Procurem encurtar as conversas e não ferir a sensibilidade dos encarnados com recordações da época que viviam juntos. Existe também ao lado dos cadernos, uma pequenina campainha que poderá ser acionada caso precisem do auxílio de nossos médiuns. Que o Guia Espiritual desta casa proteja a todos. Quando Paulo terminou de falar, Hugo viu distintamente um cordão brilhante envolver todo o local. Fora do edifício havia uma multidão de rostos que estavam separados por um sutil fio luminoso. Pela expressão dos rostos, vinham todos a procura de ajuda e consolo. Encarnados e desencarnados estavam lado a lado. 150

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UM ANDALUZ E SUA FILHA

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primeira criatura que adentrou o salão, era uma criança muito branca, que vinha acompanhada de um homem cujo rosto tinha uma palidez cadavérica. Tudo indicava que era um pai trazendo a filha. Olhavam assustados para todos os lados a procura de alguém. Pela aparência, estavam famintos. Um dos irmãos sentados em volta da mesa foi receber os dois. O homem, amedrontado, estreitou a menina nos braços e, disse quase gaguejando: – Onde estou? Se vocês querem tomar minha filha, vão ter que me matar primeiro. Trouxeram-nos aqui dizendo que iríamos encontrar conforto e minha querida companheira. Parece que nos enganaram! Que lugar é este? Um tribunal militar? – Calma, irmão! Você está entre amigos. Qual é teu nome e de onde você está vindo? – Meu nome é Rodolfo, e estou vindo de Andaluzia, terra onde nasci e me criei. Esta é minha filha Dolores. Disseram-me que aqui me dariam notícias de minha esposa Trinidad. Acho que fui enganado. Eu não vejo Trine desde que as forças franquistas a prenderam. – Mas a guerra civil espanhola já terminou há muito tempo! Você tem certeza que ela foi feita prisioneira? Rodolfo deu um longo suspiro e respondeu mais calmo: – Evidentemente que tenho, pois eu tentei tirá-la das mãos dos soldados. Eu sei que a guerra civil já terminou, mas ainda sou procurado por algo que não fiz. Vejam em que condições estamos. Mi Dolores vai fazer doze anos e se 151

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parece una niña de cinco anos – disse, misturando as palavras. – A última vez que ela viu Trine, tinha somente quatro anos. Eu vivo escondido e sem condições de trabalho. Estamos passando fome. Divido com Dolores todos os alimentos que consigo, mas é muito pouco ou quase nada. Como vocês estão vendo, estou a ponto de enlouquecer. Minhas tripas tiritam pela falta de alimento. Por que será que Deus nos faz sofrer dessa maneira? Sempre fui um homem pacífico e trabalhador. Até hoje não sei por que existem essas malditas guerras! O pouco que tinha foi tomado e destruído pelo maldito exército. Roubaram-me um lote de terra, e me acusaram de coisas que não fiz. Maldito seja Franco 52! Se não nos deixam viver em paz, pelo menos nos deixem morrer em paz. Se não fosse por Dolores, eu já tinha me matado! – Isso não será necessário. Deus nos ajudará a encontrar Trine. Tenha fé e um pouco mais de paciência. Acompanhe-me! Vamos alimentá-los e confortá-los. Os três passaram por uma estreita passagem e desapareceram dos olhos de todos que estavam no salão. Hugo, perguntou baixinho a Jean: – O que vai acontecer com o homem e a menina? Você tem alguma idéia? – Pela minha experiência eles o estão preparando para uma surpresa. Sabem aonde está Trine, mas antes querem fortalecer seu espírito para o reencontro. Pelo aspecto de ambos dá para se notar que estão passando fome há muito tempo. Não conheço algo pior do que a fome.

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Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco Bahamonde. Militar e político espanhol. – El Ferrol, 04-12-1892. 152

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Como a grande guerra havia terminado recentemente, a maioria dos que chegavam eram pais a procura dos filhos. Quase todos chegavam em condições extremamente miseráveis. Um casal de velhos foi recebido por um jovem chegado recentemente. O moço fazia parte da resistência francesa, e perdera a vida num entrevero fora das linhas. Como seu corpo não foi encontrado, porque foi atirado numa vala aberta por populares, os pais não tinham certeza de sua morte. O encontro do filho com os pais foi emocionante. Embora Paulo tivesse alertado, era muito difícil conter a emoção e as lágrimas. Pierre soube depois através de Sônia, uma das recepcionistas, que o casal perdera todos seus cinco filhos na guerra. Tinham somente uma filha viva, e esta ao saber que os irmãos haviam desaparecido, perdeu completamente o juízo. Os velhos vinham em busca de forças para atravessar o tempo que lhes restava. À distância, os três amigos fitavam emocionados os velhos e o filho tentando consolá-los. Encontros e mais encontros. Em pouco tempo todas as cabinas estavam ocupadas. O resto da platéia permanecia em silêncio; os médiuns se empenhavam em prestar auxílio aos que ainda chegavam. Paulo se mantinha à cabeceira da mesa, extremamente vigilante. Seu corpo estava cercado por luzes, e pequeninas estrelas faiscavam à sua volta. Um ambiente sereno e de muita paz envolvia a todos. De quando em quando, ouvia-se um murmúrio seguido de um lamento. No geral, a atmosfera era muito tranqüila. O pensamento de Hugo estava voltado para aquele pai andaluz. Pierre, com uma percepção já bem apurada, 153

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compreendeu o que se passava e sussurrou baixinho em seu ouvido: – Quando os trabalhos forem encerrados, perguntarei a minha amiga Sônia o que aconteceu com o espanhol e sua filhinha. Também fiquei impressionado e estou interessado em saber do paradeiro de Trine. – E aquele casal de velhos? Ficarão por aqui ou terão que sofrer mais um pouco na Terra? – Isso é difícil de responder. Não esqueça Hugo, que não há sofrimento sem causa. Aqui todos recebem consolo e auxílio, e quando sabemos as causas, tudo é perfeitamente explicável,. Não obstante desconhecermos suas razões, devemos lutar para minorá-las. Nas Trevas todos se julgam inocentes. – Você tem idéia do tipo de auxílio que esses irmãos recebem? Eu me recordo que quando estava vivo e sonhava durante a noite, ao despertar, as lembranças eram confusas e sem sentido. Na maioria das vezes eu acordava como se tivesse levado uma surra. – Durante o sono, meu caro amigo, dependendo do local para onde vamos, nossas energias aumentam ou diminuem. Depende do local para onde vamos. Quando vamos a lugares onde reina a paz e o amor, acordamos dispostos a tudo. Em contrapartida, quando entramos nas regiões de sofrimento, amanhecemos com o corpo dolorido e com a cabeça em frangalhos. Geralmente quem ora antes de dormir, envolve-se em boas companhias. Trocam impressões e ajudam-se mutuamente. Dependendo do grau de adiantamento do espírito visitado, o encarnado recebe um grande auxílio. 154

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– Desculpe minha insistência, Pierre. Eu gostaria de saber se todos que aqui comparecem são ajudados. – Talvez Hugo, eu não tenha sido claro. Perdão! Vamos ver se me faço entender. Em geral todos são merecedores de ajuda, uns mais, outros menos. Por menor que sejam, aqui todos são esclarecidos e recebem conforto,. Alguns são até operados. Enquanto estão conosco, médicos tratam de suas feridas e, quando retornam ao corpo, de nada se lembram. Só que estão curados. Alguns mais sensitivos sabem o que aconteceu. Muitas mulheres com problemas no ovário, expelem pela vagina sangue contaminado e sequer imaginam que foram operadas enquanto dormiam. Com referência a problemas de ordem material, quase todos são resolvidos. Até empregos são arranjados. O desempregado pede para encontrar um trabalho e, ao despertar, intuitivamente é induzido a se dirigir a tal fábrica, ou a tal escritório. Um companheiro invisível segue-lhe os passos e facilita a tarefa. Como você vê, há muitas formas de ajudar! Nada passa despercebido. Fui claro desta vez? – Não precisa exagerar! – brincou, Hugo. Já eram três horas da manhã na Terra, quando Paulo, fazendo uma bonita prece, deu por encerrado os trabalhos. Num vaivém constante os obreiros saíam das cabinas carregando cadernos. Como Paulo havia dito anteriormente, os pedidos e sugestões seriam analisados e atendidos na medida do possível. – Posso fazer mais uma pergunta, Pierre? – Claro! Pergunte o que quiser! – Quando chegamos, percebi que havia mais gente fora, do que dentro. Presumo que os de fora também vieram 155

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em busca de amparo. Eles também foram atingidos por essa aura formidável que havia dentro do salão? Jean antecipando-se a Pierre, respondeu: – Todos são beneficiados por essa aura formidável. Os que estão dentro, e os que estão fora. Se tua sensibilidade já estivesse devidamente apurada, você veria em volta do salão um raio de luz muito poderoso e com enorme poder de atração. Sabe por quê? Vou explicar. Na Terra é um tradicional costume o acendimento de velas em memória dos mortos. Pois bem! Eu não condeno esse gesto feito de forma amorosa, mas aqui fiquei sabendo que são absolutamente dispensáveis. Quando se acendem velas, somente os espíritos que estão na erraticidade são atraídos por essas luzes artificiais. Os Espíritos de luz não precisam dessas pequeninas chamas para se orientarem na crosta terrestre. O lume produzido por elas, só atraem espíritos errantes, assim como as lâmpadas atraem as mariposas. Aqui esses espíritos foram atraídos graças a essa poderosa luz emanada artificialmente. É como se milhões de velas fossem acesas de uma só vez. – Mas isso não é perigoso? As Trevas não estão infestadas de assassinos? Israel me contou que um desses habitantes das Trevas, se fosse solto na Terra, causaria um mal irreparável. Aqui não acontece o mesmo? – Você talvez não tenha entendido. Eu me referi somente a espíritos que estão na erraticidade, não nas Trevas. Os espíritos que estão nas Trevas só vem para cá, excepcionalmente e devidamente manietados. Até hoje não vi nenhum deles ser trazido para este Centro. Também os que estão na erraticidade são vigiados e não se atrevem a cometer nenhum ato que os possa prejudicar. Eles vem 156

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espontaneamente em busca de auxílio. Alguns trazem, inclusive, cartas expondo seus problemas. O próprio ambiente que há durante os trabalhos, faz com que os perversos sejam atingidos pelas fibras e correntes de amor. Freqüento os trabalhos há um bom tempo e jamais vi nenhuma cena lamentável. Ao contrário, poderíamos encher diversos tanques com as lágrimas derramadas por essas criaturas. – Vocês já estiveram nas Trevas? – Todos dizem que é muito desagradável esses lugares – comentou, Jean. – Eu e Pierre ainda não conhecemos as Trevas. Quem sabe iremos todos juntos! – Seria excelente! – disse Hugo, exultante. – Estou avistando Sônia – disse, Pierre. – Vamos perguntar-lhe o que aconteceu com o andaluz e o casal de velhos? Sorridente, Sônia beijou a face do amigo, fazendo o mesmo com Jean e Hugo. – Em que posso ser útil? – Desculpe-nos pela ausência nos trabalhos – falou, Pierre. – Nós não víamos Hugo há muito tempo. Mais uma vez, sinceras desculpas. – Por que vocês não disseram que faziam parte da mesa? Eu não sou nenhuma criança! Eu saberia entender! – Nada disso – brincou, Jean. – Você é nosso convidado e não o largaremos um só instante. – Vocês são dois eternos gozadores! – Em que posso ser útil? – repetiu, Sônia. – É possível sabermos se aquele andaluz teve notícias de sua companheira? 157

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– Infelizmente a notícia não é boa. Trine encontra-se num calabouço acusada de assassinato. O processo vem se arrastando desde que Francisco Franco tomou o poder. A guerra civil na Espanha, aliás como todas as guerras, foi cruel e levou muitos inocentes para as masmorras. Trine, quando estava afastada de Rodolfo e de Dolores, uniu-se a alguns patriotas e ajudou a combater as forças do caudilho Franco. Foi acusada de matar um capitão e feita prisioneira. Nós sabemos que ela somente procurou defender sua honra, mas os asseclas do capitão acusam-na de participar de uma emboscada. Ela aguarda julgamento numa cela em Sevilha. Estão fazendo de tudo para incriminá-la e fuzilá-la. Embora sabendo que a guerra civil terminou há muito tempo, Rodolfo encontra-se como um cão ferido com os rabos entre as pernas. Apavorado, deixa seu esconderijo somente a noite a procura de alimento. Vamos ajudá-lo. Pela manhã, quando despertar de seu sono, será induzido a sair e procurar auxílio na cidade. Quanto a Trine, vamos interceder diretamente no julgamento que será realizado dentro em breve. Vamos “aconselhar” o ajudante de ordens do capitão a contar a verdade. – E como farão isso? – perguntou curioso, Hugo. – O Dr. Ivo e a Dra. Íris estarão no julgamento. Eles instruirão o advogado de defesa e convencerão a todos. Se for preciso, calaremos os promotores... – E quanto ao casal de velhos? perguntou dessa vez, Pierre. – Brevemente virão em definitivo para cá. Está no fim o sofrimento de ambos. – Mas eles têm uma filha que necessita de amor e amparo! O que ocorrerá com ela na ausência deles? 158

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– Não se preocupe, Pierre. Ela também virá. O inverno este ano na Europa será extremamente rigoroso. Como as janelas da casa onde eles dormem estão sem vidros, desencarnarão durante o sono. Não tenha receio. Serão todos amparados pelo moço. Há muitas formas de deixar o corpo, e esta é uma delas. FIM DA 1a. PARTE

O VALE DAS LÁGRIMAS

E

stela e Israel haviam obtido permissão de Ezequiel para levar Hugo ao Vale das Lágrimas. Jean e Pierre, se quisessem, também poderiam ir. Feito o convite, aceitaram prontamente. Honório, responsável pela segurança do Vale, esperava-os à porta de seu pequeno escritório. Já havia sido notificado por um emissário de Ezequiel. Além de levá-los, havia sido instruído para tentar trazer alguns irmãos que dessem sinais de arrependimento, em especial, juízes e chefes religiosos. Honório explicou aos visitantes o que era o Vale e o que iam encontrar pela frente. O Vale era dividido em várias partes. Perto das fronteiras de luz, estavam aqueles já próximos da liberdade. A medida que se afastavam das fronteiras, as cenas que iam ver eram de estarrecer. O Vale era cercado por um cinturão de força, mas a claridade também impedia a fuga dos sentenciados. Acostumados com a escuridão, a luz para eles era um terrível obstáculo. Honório aconselhou que andassem lado a lado e, em 159

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hipótese alguma fossem sozinhos atender qualquer chamado, pois era muito perigoso. No início iriam para um local conhecido como Acampamento dos Farrapos. A eles juntar-se-iam seis experientes guardas da fronteira. Todos deveriam usar roupas bem velhas para não chamar atenção. Como ninguém perguntou nada, Honório virou-se e teve início a marcha. Ao se aproximarem dos limites, Hugo percebeu que havia uma nítida diferença de claridade. Do outro lado não se via nada. Era tudo escuridão. Na faixa que dividia as duas áreas, erguiam-se de espaço em espaço, diversas torres de observação. Reconhecidos pelos vigias, foram saudados e recepcionados por um jovem chamado Augusto. A um sinal de Honório, juntaram-se ao grupo cinco fortes rapazes previamente selecionados. Augusto fez as apresentações. Apesar de bastante jovens, já tinham participado de várias expedições. Júlio e Cesar eram irmãos; Pompeu e Caio eram primos, e Agripino era sobrinho de Honório. Somente Augusto pertencia a outra linhagem. Antes de penetrarem na escuridão, fizeram um círculo a pedido de Honório, e oraram pedindo proteção. Mal haviam transposto as barreiras, começaram a ouvir impropérios e imprecações. Surgiram barracos e, detrás das divisões de madeira, apareceram rostos completamente desfigurados. Um fétido odor exalava do solo. Lixo e fezes davam guarida às ratazanas e, a erva rala que cobria parte do terreno, era da cor da palha seca. Antes que o leitor se pergunte como eles estavam conseguindo ver, este vosso criado lhes informa que a visão do espírito se adapta à todas as circunstâncias. Principalmente se for um espírito de luz. Arbustos e árvores 160

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raquíticas completavam o cenário. Era muito triste. Graças ao bom Deus, não se avistavam crianças, apesar delas às vezes assassinarem os próprios pais. Somente se viam rostos envelhecidos pela incúria e desolação. Nem na guerra viam-se rostos semelhantes. Eram disformes, com eczemas, manchas e tumores à mostra. A MEGERA

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o saltarem uma fossa, deram de encontro com uma mulher de aspecto horrível. Estava nua e seu corpo estava recoberto de chagas. Era careca, e o rosto e a cabeça estavam cobertos de pintas pretas. Quando já estavam próximos dela, ela falou dirigindo-se a Estela, a única mulher do grupo. Com uma voz gutural, disse: – Oiii boneca! O que você faz ao lado de tantos homens bonitos? Você é nova por aqui? Você veio de livre e expontânea vontade, ou te trouxeram na marra? Ah já sei! Você está de viagem de turismo, não é mesmo? Ah! Ah! Ah! Ao gargalhar, exibiu uns poucos dentes podres. Estela mantinha-se impassível. Fitava-a com doçura e não respondeu as provocações. – Ah! – continuou a megera. – Já percebi que você se julga melhor do que eu, mas você está redondamente enganada! Aqui quem manda sou eu! Aqui quem canta de galo sou eu! A terra que vocês estão pisando me pertence. Quem passa por ela tem que pagar pedágio. Não pensem vocês que eu estou sozinha! Caso recusem, ali está o que fará vocês pagarem! Ah! Ah! Ah! Vindos das sombras, dezenas de criaturas grotescas empunhando pesadas maças, tentaram cercá-los. Uma delas 161

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se parecia com Quasímodo53. Tinham mãos peludas semelhantes a garras, os olhos esbugalhados estavam quase que totalmente cobertos por pelos espessos e pontiagudos, e babavam como os cães quando estão com a raiva. Salientes caninos estavam a mostra e os pés eram de antropóides. Com os braços esticados e punhos ameaçadores, começaram a avançar. Israel, interpondo-se, levantou o braço direito e, de sua mão espalmada, saiu um facho de luz que paralisou os agressores. Com os olhos semicerrados e cabeças petrificadas, puseram-se a rosnar como cães ferozes. Sem dizer uma única palavra, Israel, imponente, abriu caminho entre a turba que permanecia imobilizada pelo facho de luz. Honório e os demais seguiram atrás dele. A mulher tentou impedir-lhes a passagem instigando dois enormes mastins, mas os pobres animais, invés de obedecerem, puseram-se a ganir refugiando-se atrás dos aturdidos antropóides. Ela xingava e atiçava os cães que permaneciam imóveis e, por fim, começou a distribuir chicotadas em tudo ao seu redor. – Você está vendo, Hugo – comentou, Estela. – Isto é só uma amostra do que vamos encontrar pela frente. Se você quiser voltar, ainda é tempo! – Não tenho nenhuma intenção de voltar. Sinto-me forte e protegido. O que acabei de ver, encheu-me de ânimo! – Israel somente os hipnotizou. Não se empolgue em demasia, pois vamos enfrentar alguns gênios do mal que não se impressionam ou se intimidam com aulas de hipnotismo.

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Personagem do famoso romance de Victor Hugo – O Corcunda de Notre Dame. 162

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Hugo pareceu nem prestar atenção àquelas palavras, porque prontamente perguntou a Jean: – Você que é médico, Jean, poderia me dizer que pintas pretas eram aquelas que cobriam o rosto e a cabeça daquela infeliz? – Sinceramente Hugo, é a primeira vez que as vejo. Nunca vi essas espécies de manchas. Pareciam grãos de feijões bichados. Não tenho idéia do que sejam. – Você – disse Honório olhando diretamente para Jean – não poderia diagnosticar a doença porque aquilo não é uma doença comum. São estigmas de maldade. Cada pinta daquela corresponde a uma vida eliminada. Em sua última existência, ela foi uma parteira açougueira. Por algumas moedas impediu o nascimento de dezenas de criaturas. Trabalhava nos antros de prostituição e explorava moças que entregavam o corpo em troca de roupa e comida. Além de impedir inúmeros nascimentos, matou algumas pacientes com seus métodos violentos e primitivos. Não sei como ela está tão próxima da fronteira. Seu lugar é nas profundezas. Quando voltarmos, verei o que aconteceu! Depois de se livrarem daquelas almas infelizes, andaram cerca de quatro quilômetros sem serem molestados. Ao contornarem uma ravina, avistaram pequenas casas, umas pegadas às outras. Observadas de longe, pareciam um quilométrico trenzinho. Dali partiam estranhos sons. Sem dúvida nenhuma, eram sons musicais. UM CABARÉ – De onde está vindo esse som? – perguntou, Hugo. 163

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– Daquelas pequenas casas. Na realidade esse conjunto de casas é um meretrício. Dentro dele há um cabaré muito concorrido. Quase todos seus moradores são viciados em haxixe, uma droga muito utilizada nas classes mais baixas. Para obte-la eles são capazes de tudo – explicou, Honório. – Quando estávamos na guerra – comentou, Pierre – essa droga era utilizada como sedativo. – Aqui ela é usada como estimulante. – Mas de onde ela vem? Pelo que estou vendo, aqui não há condições para plantio. O cânhamo para se desenvolver, necessita de sol e claridade – observou Jean, como médico. – Eles trazem as folhas da Terra ou de planos semelhantes – comentou, Israel. – Você não recorda, Hugo, da explicação que eu lhe dei quando você me perguntou como Desaí transportou seu Paraú? Se é possível transportar para cá barcos enormes, por que não seria possível transportar folhas acondicionadas em sacos? – Isso quer dizer, que tanto espíritos iluminados como espíritos nas Trevas têm o mesmo poder? – Para ter o segredo da transmutação, não é preciso ser um espírito iluminado. Muitos espíritos que estão nas Trevas têm um alto grau de inteligência. Entre eles estão cientistas e clérigos famosos. Não se surpreenda, meu caro, quando você ver aqui homens considerados santos. – Então a tese de anjos decaídos é verdadeira? – Vejo que ainda você conserva alguns hábitos seculares. Não existem anjos decaídos. Quando um ser se torna anjo, jamais ele retrocederá, porque está próximo da perfeição, isto é, próximo de Deus. 164

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– E quanto ao sexo? – perguntou, inesperadamente Pierre. – Eles sentem falta disso? – E como!! – exclamou, Israel. – Vocês não estão vendo como eles conservam os mesmos envoltórios! São até mais grosseiros! Os vícios se conservam e o físico clama em desespero. – Enquanto retiramos das demais áreas, centenas de sofredores, dos meretrícios e antros de perdição, a soma é muito pequena – explicou, Honório. – Por incrível que pareça, assim como na Terra, o álcool e as drogas são as maiores pragas das Trevas. Sabem como atraímos esses viciados? Com a presença de entes queridos. Pais e irmãos nos ajudam sobremaneira. Vendo-os, alguns sentem vergonha e pedem auxílio. – Podemos entrar sem sermos molestados? – perguntou, Hugo. – Eles não estão nos vendo. Os mais sensitivos pressentem algo, mas são incapazes de nos molestar. A maioria têm uma visão muito limitada. Não se preocupe. Desses coitados não devemos ter receio algum. Estão tão fracos, que sequer têm forças para se alimentar. – Estou vendo que eles conservam os mesmos hábitos – comentou, Jean. – Estou vendo até penicos ao lado dos casebres. – Olhem como dançam – observou, Hugo. – Dançam como apaixonados! – Algum de vocês freqüentou ou conheceu um cabaré na Terra? – perguntou, Honório. – Como ninguém respondeu, continuou. – Aqui existem também gigolôs e leões de chácara. Os gigolôs exploram as decaídas e, os leões de chácara, cuidam da segurança do local. Tudo é exatamente igual. 165

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Agora fiquem atentos a uma coisa – caros irmãos. – Não se iludam com as falsas aparências. São todos assassinos e extremamente perigosos! Se estão aqui, é porque merecem estar. – Pela aparência são até simpáticos – observou, Hugo. – Podemos conversar com um deles. – Alguém está nos acenando daquela janela – falou Caio pela primeira vez. UM VICIADO EM ÓPIO – Eu o estou reconhecendo. – disse, Honório. – É o Cerdeiras, um velho conhecido. Também é viciado em drogas, só que é viciado em ópio. Nas suas três últimas existências não conseguiu se livrar desse vício. Reparem em seu rosto. Aqueles furos na pele são pontadas de um lâmina bem afiada. Foi esfaqueado mortalmente quando se recusou dividir os frutos de um roubo. Antes de expirar, conseguiu levar junto três comparsas. Todos eles estão aqui e, de quando em quando, vão em busca de suprimentos. Sem nenhuma dúvida, agora vou surpreender o Dr. Jean. Atrás do povoado, naquela direção – apontou com o dedo – existe uma plantação de papoulas. Apesar da pobreza do solo, essa erva conseguiu se alastrar e eles conseguem produzir ópio para consumo. Os frutos são mirrados e quase secos, mas a custa de muito trabalho, eles obtém algumas gramas do precioso pó. Vamos nos aproximar. Não se descuidem. – Como está meu velho amigo? – Mal, muito mal! Será que você intercederia novamente a meu favor? – E por que não? O que você quer dessa vez? 166

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– Quero ter outra chance. Não consigo me livrar deste maldito vício, nem deste lado. Pelo amor de Deus, dê-me uma nova oportunidade. Consiga-me um novo tratamento. Tenho um leve palpite que desta vez conseguirei me livrar desse vício. – Você está repetindo as mesmas palavras que disse a Eulálio. Você, Cerdeiras, é muito vaidoso. Além de viciado, você é um conquistador incorrigível. Quando você está dentro de um físico bonito, você se entrega facilmente aos vícios. Esse é o problema. Se você fosse apenas um doente, as coisas seriam mais fáceis. Em suas duas últimas existências, você levou centenas de criaturas às portas do crime. Além de viciado, você era traficante e explorador de mulheres. Para satisfazer alguns caprichos, você explorou até crianças. Isso é muito grave. Não esqueça ainda que você carrega nos ombros três mortes. – Você tem razão em tudo, mas essas mortes não foram assassinatos. Eram eles ou eu! – Se você tivesse ouvido os conselhos de Eulálio, você não estaria de novo por aqui. – Dê-me outra chance – implorou, Cerdeiras. – Faço qualquer coisa para sair daqui. – Vamos ver o que posso fazer. Na última vez, eu te aconselhei para você ocupar um corpo disforme, e você riu de mim. Vou interceder novamente, mas desde já você fica avisado: você vestirá uma carcaça digna de piedade! – Você não vai se arrepender! Que Deus te abençoe por mais essa ajuda. Um dia eu te recompensarei! – A tua vitória será minha recompensa. Quando regressarmos, você irá conosco. Mantenha essa nossa conversa em segredo. Tenha cuidado! 167

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– Desta vez eu não vou falhar. Eu te prometo! Novamente em marcha, Hugo perguntou a Honório: – Quem é Eulálio? – Eulálio foi meu antecessor. Encarnou recentemente na Terra em missão especial. Divulgará em livro o que ocorre nos mundos desconhecidos. Desconhecidos para os humanos – corrigiu, Honório. O REINO DOS SUICIDAS

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stamos nos aproximando do Reino dos Suicidas – observou, Pompeu. Vamos contorná-lo ou cruzá-lo. – Não se descuidem – insistiu, Honório. – Por que esse nome tão singular? – observou, Pierre. – O Vale das Lágrimas é dividido em áreas com nomes privativos e excêntricos – comentou, Honório. – São mais fáceis de guardar e servem de alerta aos incautos. – Isso significa que todos que estão nesse reino são suicidas? – perguntou, Hugo. – Isso mesmo. Todos abreviaram a vida de forma estúpida. Saiba você que os seres afins se agrupam em comunidades – explicou, Israel. – Você não se lembra daquele comentário a respeito de Gengis Khan? Aqui também os seres se atraem por afinidade. – Eu jamais poderia imaginar que houvesse tantos suicidas. Pelo número de construções é uma população considerável. Haja corda para se enforcar! – Se fosse só corda – disse, Estela – essa população não seria tão grande. – Mas então por que tanta gente? 168

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– Depende de como você encara o suicídio. – Para mim o suicídio é a abreviação da vida por um ato violento. Não conheço outro tipo de suicídio. – Existem muitas formas de suicídio. Preste atenção. Quando Deus nos presenteia com um corpo são, devemos fazer de tudo para preservá-lo. No momento em que nos entregamos aos vícios, estamos cometendo um suicídio. Os vícios abreviam as existências. O álcool e o fumo abreviam a vida das pessoas, por conseguinte, são suicídios. Não são suicídios violentos, mas não deixam de ser suicídios. Até os desleixos e os excessos são lentos suicídios e sujeitos a penalidades. Só que os que cometem esse tipo de suicídio não vem para cá. Geralmente permanecem na erraticidade por muitos e muitos anos. Às vezes esses anos se transformam em séculos e, umas poucas vezes, em milênios. O masoquismo está também sujeito a severas penas. Quando Deus nos dá um corpo, nos dá também a responsabilidade de cuidar dele. Bem cuidar! O masoquismo é uma prática abominável criada por fanáticos. Não sei se ainda alguns padres usam a chibata em suas costas. Isso é imperdoável! – Sinceramente, eu não imaginava o suicídio dessa forma. Sabe que você têm razão, Estela! – Claro que tenho! Até as aventuras sem sentido se enquadram nas regras do suicídio. Todos concordam que a saúde é a maior riqueza do ser humano, mas muitos humanos não se esmeram na preservação do corpo. Submetem o corpo a verdadeiras torturas, e desconhecem que ele é nosso santuário. Muitas doenças advém do mal uso que fazemos do corpo. – O suicídio – interveio, Israel – é analisado de diferentes formas. Nos Planos de Expiação, os estudiosos, os 169

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clérigos e, até os leigos e descrentes, acham que é a abreviação da vida por um ato impensado e violento. Em parte estão certos, porém se soubessem como o ser obtém o corpo, como o escolhem antes de encarnar, compreenderiam que o suicídio não é visto aqui da mesma forma que eles o vêem. Na Exposição de Corpos tivemos a oportunidade de mostrar a Hugo, como muitos escolhem o corpo. Se Deus nos dá essa possibilidade, é nosso dever zelar por ele. Israel tomou fôlego e continuou: – O corpo é uma indumentária preciosíssima e deve ser cuidado com muito acuro. Ele muda de acordo com a missão do encarnado. Não deve ser molestado em hipótese alguma. Quando a doença molesta um corpo são e bem cuidado, é fácil superá-la, mas quando a doença atinge o ser humano por negligência ou abuso, o sofrimento é muito doloroso. Quando nos excedemos em festas e desvios sexuais, o físico se ressente e sofre as conseqüências. Além do álcool, da nicotina e das drogas, podemos considerar a volúpia e a ganância, como suicídios. Elas mexem com a cabeça das pessoas, impedindo até o bom sono. Os responsáveis por esses atos, numa próxima existência viverão num corpo imperfeito. Alguns sentirão como é dolorosa a cegueira e a paralisia. Antes que eu me esqueça, quem pratica a eutanásia vem para cá sem julgamento. Essa lei serve para quem pede a morte, e para quem a pratica. – Eu posso afirmar que tudo que Israel acaba de dizer é correto – atreveu-se a dizer Júlio, surpreendendo a todos. – Meu primo Aparício que judiava do corpo em exibições públicas, hoje se arrasta com membros atrofiados. – Garanto que ele compreenderá quando voltar – disse, Estela. 170

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– Os que abusam em demasia, encarnam em planos bem mais atrasados que a Terra – explicou, Israel. – Nesses planos há uma quantidade incalculável de surdos e mudos, e o frio é terrível. Jamais devemos esquecer que o corpo é uma máquina perfeita, cuja sensibilidade acurada deve ser usada em benefício próprio e, ao mesmo tempo, em auxílio dos mais carentes. O MONSENHOR GUSTAV

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medida que andavam, a temperatura caía. O ar quase não existia, e uma forte bruma cinzenta escurecia mais o local. Cortiços e mais cortiços disputavam com as moscas os espaços. Os casebres construídos em seqüência, pareciam comboios sem fim. Nas portas dos pardieiros alguns vultos permaneciam de cócoras. Era difícil crer que aqueles vultos um dia passearam nos elegantes “boulevards” da Europa. A maioria estava de cabeça baixa como se estivessem em penitência. No meio de uma concentração de barracos avistava-se uma construção de barro, quiçá a única existente no local. Em seu interior foi construída uma capela. Era a paróquia do Monsenhor Gustav. Foram para lá. Após insistentes batidas de Honório, a porta se abriu. Na soleira estava um indivíduo de aspecto sinistro. Uma bata de tecido preto totalmente amassada cobria-lhe o corpo e, embora mantivesse uma pose altiva, sua figura andrajosa causava piedade a todos. Quando avistou o grupo fez menção de bater a porta, mas ao reconhecer Honório, sua maneira agressiva arrefeceu. 171

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De repente, tornou-se humilde e atencioso. Era a própria imagem da hipocrisia. – Como vai, Gustav? – Como você acha que eu deveria estar? – respondeu com outra pergunta. – Você está colhendo o que você mesmo plantou, ora! retrucou, Honório. – Vejo que você continua com a mesma ladainha. Quantas vezes terei de dizer que sei como rezar a missa! – Me parece que as sombras estão te deixando cada vez mais rancoroso. – Ponha-se no meu lugar, ora! Diante de tanta injustiça, como você queria que eu estivesse? – Os juízes que te julgaram não pensam assim. Você foi condenado dos dois lados. – Tramaram contra mim. Eu sou inocente – insistiu, Gustav. – Eu tive acesso ao teu julgamento e achei justa a sentença. Dado a gravidade das faltas, você foi excomungado por ordem pessoal do Papa. A própria Igreja reconheceu que você se excedeu no cargo. Diante da firmeza de Honório, Gustav emudeceu. Todos estavam penalizados de sua aparência, afinal eram irmãos perante o Criador. – Em nome de Deus, posso te fazer um convite? – Depende. Só saio daqui se for algo interessante. Já estou cansado de blá-blá-blá. Todos falam de Deus, mas até hoje, nem em sonho senti sua presença. Se Ele existe, será que também não sou Seu filho? – Claro que você é filho Dele! Só que você está sendo injusto com Ele. Ele não é culpado de teus tropeços. É um 172

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pecado mortal usar o nome do Criador em benefício próprio. Você sempre explorou os ingênuos e ignorantes, por isso você está aonde está. – Mas você acha justo eu estar aqui só por isso? Quando me tornei padre eu era puro se sentimentos. Meu coração fervia de alegria por poder servir a Deus. Minha mãe pode testemunhar a meu favor. Ela sempre soube que minhas intenções eram nobres. Acontece, Honório, que quando nos sentimos importantes, somos tentados de várias formas. Foi isso o que aconteceu comigo. – Eu até acredito que no início tuas intenções eram nobres. Nas guerras, Gustav, os soldados agem às vezes por instinto, mas isso não os isentam de culpas quando cometem alguma barbaridade. Se agem assim, é porque não são bons ou perderam o juízo durante as batalhas. Se perderam o juízo são perdoados, mas se sabem o que estão fazendo, são condenados. Essa é uma lei perfeita. Essa lei se aplica aos homens comuns e, principalmente, aos religiosos que enganam e exploram os fiéis. – É muito fácil aconselhar quando estamos fora da matéria. Quando estamos encerrados num corpo, as tentações aumentam. De onde partem essas tentações? Na certa de espíritos errantes e maus. Por que os Espíritos Iluminados não impedem essas forças malignas de irem até nós? Como podemos nos defender desses espíritos, se nos assediam dia e noite? – Vocês padres, sempre aconselharam os fiéis a rezar não sei quantas ave-marias. Para cada falha humana, vocês mandam os coitados ficarem horas e horas repetindo as mesmas ladainhas, como se isso desse resultado. Se você acreditava nessas rezas, por que não fazia o mesmo? Talvez 173

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essas forças malignas fugissem de medo. A verdade é uma só. Aquele que anda em reto caminho, não precisa temer o mal. Outra coisa. Jesus saiu vencedor da Terra e era tentado dia e noite. – Ora, Honório! Que comparação absurda! Jesus sempre foi o queridinho de Deus! Ele sabia o que estava fazendo! – Cuidado, Gustav! Isso eu não vou te perdoar! Não diga heresias! – Quando você fala de ladainhas são verdades, quando eu as digo, são heresias. Vou ser bem claro! Se eu fosse protegido como Jesus foi, eu já estaria entre os eleitos há muito tempo! – Então você acha que Jesus foi protegido? O que te faz crer que esse absurdo é verdadeiro? Saiba você uma coisa! Eu estava presente quando Jesus foi erguido na cruz! Nunca vi cenas tão abomináveis e cruéis! Eu jamais havia pensado que o ser humano pudesse chegar aonde chegou! Não há palavras para descrever o seu suplício! Saiba você que ele não soltou um único gemido! Sequer dirigiu uma só palavra de ódio aos carrascos e juízes! – Calma, Honório! Não precisa ficar agitado. Uma pessoa sedada não sente nada. Todos dizem que os Espíritos Iluminados não sentem as dores. Ele não era um Espírito Iluminado? Queria ver Ele queimar como alguns na Inquisição! Isso sim é que era sofrimento! – Eu julguei, Gustav, que você havia melhorado. Acho que é muito cedo para isso. Você só diz blasfêmias. Não estou vendo em teu rosto, um só sinal de arrependimento. Só rancor. 174

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– Agora você está mais calmo. Por que eu devo me arrepender? Eu não matei ninguém! – Para acabarmos com alguém, não precisamos puxar o gatilho. Sob teu comando, morreram milhares de pessoas no Continente Africano. Até hoje algumas tribos são tratadas como animais, graças ao teu “evangelho”. Você atraiu para os braços dos soldados belgas, centenas de negros e negras. Será que uns poucos diamantes eram mais valiosos que a vida daquela gente inocente? Você também não fez negócios com traficantes? – Espere ai! Eu estava seguindo ordens. – Ordens de quem? – Dos Cardeais que recebiam ordens de Sua Santidade. – Isso ficou provado ser uma mentira. Não foi esse mesmo Papa que te excomungou? Você criou regras de vida para alguns povos daquele Continente. Regras brutais e humilhantes! Você sempre agiu a favor das forças colonialistas. Você sempre foi agente dos colonialistas. – Eu gostaria de ver você na minha pele, para saber como você agiria! Eu sei que você não é nenhum santinho, sabia? Sem se abalar, Honório disse: – Não foi você que pediu para ser padre? – Vamos deixar de conversa mole. Ela não nos leva a nada. O que você tem a me propor? – Depois dessa nossa conversa, não há mais nada a propor. Você está ainda mais arrogante e presunçoso. Se você voltar agora, na certa fracassará novamente. Que Deus misericordioso faça que teu espírito seja tocado pelo amor universal que rege os seres. 175

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– Espere, aí! – vociferou, Gustav. – Quer dizer que vou continuar nesta merda? – Você sempre viveu envolvido pela merda. Contentese de que apesar de ouvir o que ouvi, eu não te encaminhe para as profundezas. Lá você ia ver o que é merda! Gustav continuou a bravejar alucinadamente. Seus gritos foram ouvidos por vários e vários minutos. O PASTOR NICHOLAS

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em todos os habitantes dessas enxovias eram criminosos. Alguns tiveram uma existência inútil. Outros foram egoístas demais. Nada fizeram para melhorar as condições de vida dos mais humildes. Foram párias e pagavam por isso. Já estavam um pouco afastados da igreja de Gustav, quando foram abordados por uma estranha figura. Era um velho cujos traços lembravam as bruxas das histórias em quadrinhos; em substituição as tradicionais vassouras de palha seca, trazia num dos braços descarnados, um saco imundo. Tudo nele demonstrava avareza e mesquinhez. – O que você quer? – perguntou Israel, bem perto dele. Exibindo tocos de dentes, pôs-se a rir. De repente, ficou muito sério, e começou inspecionar um a um. Examinava a todos minuciosamente. – O que você quer – perguntou desta vez, Estela. – Quero aquele bastardo do Nicholas. – Em nosso grupo não há ninguém com esse nome.

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– Ele não vai me escapar! – concluiu de forma ameaçadora o velho. – Quando pegá-lo vou lhe enfiar pela goela abaixo estes meus bichinhos de estimação. Num gesto rápido demais para um velho, tirou daquele receptáculo pegajoso dois vidros enormes. Um deles estava cheio de espinhos, e no outro viam-se sanguessugas em movimento. – O que você pretende fazer com isso? – perguntou, Israel. – Vou enterrar estes espinhos, um a um, no corpo daquele miserável. Vou amarrá-lo e colocar estas sanguessugas perto de seus olhos vermelhos. Ele não vai mais enganar ninguém! – Pelo visto, esse tal de Nicholas lhe fez muito mal. Se ele é tão mau assim, você não vai encontrá-lo por aqui. Esse tipo de gente está mais abaixo. O que ele te fez? – Ele arrasou minha vida. Ele me prometeu o paraíso e vejam vocês onde vim parar! Eu sempre dei esmolas àquela maldita paróquia. Todos me consideravam um benemérito. O que dei de dinheiro para esse crápula dava para comprar uma parte do céu, no entanto, vim parar num chiqueiro de porcos! Percebendo o que tinha havido, Estela disse com suavidade: – Ninguém compra passagem para o Céu pagando em dinheiro. Só pelo amor o homem será salvo. Você não conhece esse famosa frase? – Escute aqui, minha filha! Não são esses padres miseráveis que perdoam e respondem por Deus na Terra? Isso foi o que eu aprendi desde criança! – Quer dizer então que ele é também padre? – Também por quê? 177

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– Porque acabamos de falar com um, só que ele se chamava Gustav. – Acho que são todos iguais, por isso eles se vestem de preto. Nicholas era o nosso pastor espiritual. Eu era fazendeiro e tinha uma grande plantação de algodão na Carolina do Sul. Meu nome é Bill Ohara. Cheguei a ter mil e oitocentos negros trabalhando em minhas fazendas. Eu sei que eu era um pouco rigoroso com aquela negrada, mas se eu não fosse enérgico, eles faziam corpo mole. Eram preguiçosos e só sabiam se lamentar. – Já estou entendendo! – supôs, Honório. – Acho que o chicote corria solto, não é assim? – Mais ou menos – concordou, Bill. – Mas o que ele tem que ver com essa história? – Ele sabia que eu torturava alguns de meus negros, por isso me ameaçou com o inferno. Convenceu-me que para entrar no Céu era preciso fazer uma grande doação a igreja. Chegou até a impor um preço. Pelas torturas me pediu vinte mil dólares em ouro. Pelas mortes tudo se arranjaria desde que eu lhe doasse uma fazenda e cem escravos. Fiquei feliz com o acerto e terminei meus dias certo de ter pagado pelos meus erros. Quando abandonei o corpo, isto é, quando morri, me vi cercado por uma corja de negros que me apertaram o pescoço até meus olhos saírem das órbitas. Gritei desesperadamente, mas o urubu não veio me salvar. Um dos negros, que reconheci ser meu filho, acorrentou-me e arrastou-me selvagemente. Os outros me aplicavam pontapés na barriga e nas costas. Quanto mais eu dizia que tinha pago pelos meus erros, mais pontapés eles me davam. – Você disse que um dos negros era seu filho? Foi isso que eu entendi? – perguntou, Estela. 178

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– Isso mesmo! Um deles era meu filho. Eu passava o membro em todas as negrinhas! E elas gostavam! Adoravam fazer amor com o patrão! Ah! Ah! Ah! – Por que você acha que elas gostavam? – Porque suspiravam de satisfação. Como mulher você deve entender disso, não é? – Eu não posso responder. Jamais fui estuprada! – Bem! – disse, Israel. – E depois o que aconteceu? – Ficaram comigo não sei quanto tempo. Espancaramme tanto, que eu fingia adormecer para não ser seviciado. Aí jurei que quando pegasse aquele padre asqueroso, ele iria me pagar. Certo momento, quando estavam exaustos de me bater, decidiram me deixar. Eu ouvi um deles dizer que havia sido tocado pelas fibras da luz. Eu não sei até agora que diabo de luz é essa. A princípio não acreditei e fiquei imóvel longo tempo. Só experimentei levantar quando tive absoluta certeza que aqueles negros safados tinham partido. Quando pensei que o sofrimento tinha acabado, voltaram trazendo Nicholas e Retti, o capataz de sua fazenda. Os dois tinham sido enforcados. Com a cumplicidade de Retti, Nicholas abusou de uma jovem branca. Descobertos, foram enforcados sem julgamento. Quando vi Nicholas, comecei a imaginar com seria bom ter aquele leproso nas minhas mãos. Durante bom tempo alegrei-me com seu sofrimento, mas esperto como sempre foi, aproveitou um descuido e desapareceu da vista de todos. Retti também conseguiu escapar. Eu acho que os negros viram aquela tal de luz e se amedrontaram. Até hoje estou a procura desses malditos. – É uma história interessante. Daria para fazer um livro. Vou pensar nisso. Aonde você arranjou esses sanguessugas – perguntou, Hugo. 179

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– Nos labirintos. Sem querer um feiticeiro me levou ao lugar. Certa vez me aproximei de um barraco perto das profundezas e, através de uma fresta, vi um ritual de magia negra. O pajé ou sei lá o quê, utilizava os sanguessugas para chupar o sangue dos infelizes. De onde vinham os infelizes, não sei! Só sei que quando os bichinhos estavam bem gordinhos, eram comidos como suculentos quitutes. Contado daquela forma, Hugo teve a impressão de desmaiar. Pierre e Jean, apesar dos horrores da guerra, também balançaram. Os demais já estavam acostumados. – Quem disse a você que Nicholas e Retti estariam por aqui? – perguntou, Israel. – Uma cartomante que vive perto do Reino das Sombras. Ela disse que esta área está cheia de escroques. Vocês sabem o que são escroques, não sabem? – Claro que sabemos – respondeu Honório por todos. – Se é como você está contando, eles estão muito longe daqui. Eu te aconselho a esquecer essa odiosa vingança. Ela só vai te trazer aborrecimentos futuros. Se você quer entrar no Paraíso, esse não é o caminho. Abandone esse seu projeto de vingança e comece a orar sinceramente. Deus compreenderá teus motivos e abrirá uma nova porta. Não há mal que sempre dure! – Você parece ser uma pessoa sincera e, por isso, vou falar francamente. Agradeço tuas palavras, mas ainda não tenho condições para abandonar o que me propus a fazer. Alguém deve ir atrás desses asquerosos. Eles não devem continuar livres. Vou pegar aquele safado nem que eu tenha de vender minha alma ao diabo. Não vou descansar um só momento. Só eu sei o que passei por causa desse mentiroso. – Pense no assunto! Procure-nos se mudar de idéia. 180

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– Agradeço mais uma vez. Não vou me esquecer de vocês. Fiz um juramento e vou cumpri-lo. Estela ainda tentou argumentar, mas tudo foi em vão. De novo em marcha, Hugo perguntou a Honório: – Não há como mudar o pensamento dessa alma vingadora? – Isso vai somente depender dele. Como você pode analisar, ele é mais ignorante do que mau. Perto de muitos que conheço, ele é um anjo, como costumam dizer os humanos. Você viu como estava seu rosto? Era uma máscara mortífera que ficará mais horrível a medida que o tempo passe. O estigma da vingança o está transformando num monstro. Se não se arrepender a tempo, vai se transformar em réptil e habitar por um longo tempo o pântano. O pior lugar das Trevas é o pântano. Que tal fazermos uma oração por ele? Fizeram um círculo e, por instantes, oraram por Bill. A luz se fez presente e iluminou por alguns instantes aquelas negras e tristes paragens. DOIS SOFREDORES ENGRAÇADOS

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otem – comentou, Honório – que a medida que avançamos estamos andando em declive! Estamos ainda longe das profundezas, mas já é possível observar que a paisagem muda para pior. Aproximem-se com cuidado de qualquer irmão que demonstre arrependimento, mas fujam dos abraços. Faz parte de nossa missão socorre-los. Caio foi o primeiro a indicar dois indivíduos que se arrastavam entre pedras e lama. 181

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– Estão acenando. Vá com Pompeu, Hugo e Agripino, mas tenham cuidado – disse, Honório. – Vamos ficar a distância observando. Qualquer dificuldade, acenem. Quando já estavam bem próximos, um deles disse: – Vocês são da equipe de resgate? Será que podemos conversar alguns instantes? – Viemos por isso – respondeu amistosamente, Caio. O que falou tinha uma pele de ratazana amarrada a um pano imundo, que lhe cobria as partes íntimas. Notava-se que não era um velho, mas seu rosto enrugado lhe dava essa aparência. Poderia estar ai, por séculos. Seu companheiro fedia e estava nu. Era estrábico e tinha um rabicho na cabeça que lembrava um pirata chinês. Os dois tinham os dedos das mãos escondidos entre uma formidável quantidade de fios de pêlos ensebados. Na ponta dos dedos, despontavam pequenas lâminas cinzentas levemente retorcidas. Na verdade, aquelas lâminas eram unhas. Pelo jeito estavam há muito tempo sem falar e, por isso, tinham dificuldade em completar as frases. O que estava nu falava com muita dificuldade. Parecia uma criança pronunciando as primeiras palavras. Além disso, gaguejava. – Sou Horácio – apresentou-se o primeiro. – Este é Hughes, meu amigo do peito. Como você estão vendo, nossa aparência é péssima. Se estamos aqui é porque fizemos algo de errado. Concordo com o castigo. Mas será que não chegou a hora de sairmos daqui, afinal estamos nestas bandas há séculos. Imploramos pelo amor de Deus que nos ouçam e, se possível, intercedam por nós. Eu não agüento mais este sofrimento! – Fale que ouviremos – incentivou, Agripino. 182

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– Como já disse, meu nome é Horácio. Por favor tenham paciência comigo, porque minha língua já não me obedece como antigamente. Estou com muita dificuldade para articular as palavras. – Não se preocupe com isso. Temos bastante tempo. Acalme-se e exponha o teu problema. – Não é a primeira vez que fui mandado para cá. Já estive diversas vezes no Umbral. Como vocês devem saber, aqui ninguém têm sossego. Vocês não se incomodam se eu tratá-los de vocês, não é? – Claro que não – disse, Pompeu. – Pois é! Aqui ninguém têm sossego. Quando as falanges nos pegam, somos torturados até não poder mais. Não podemos sequer dormir, por isso andamos aos pares. Enquanto um dorme, o outro vigia. Isto é pior que o inferno que aquele cara imaginou. Como era mesmo o nome dele? Danios, Denios... – Dante era o nome dele – ajudou, Hugo. – Dante Alighieri. – Isso mesmo. Dante era o nome dele. Será que ele para escrever esse romance também viveu aqui? Acho que sim. Além de não enxergarmos nada, ouvimos ruídos horripilantes que assustariam até os fantasmas. Podem crer! Como tememos ser vistos, vivemos escondidos entre as pedras. Como há muito tempo vocês não apareciam por aqui, pensávamos que vocês também eram da falange. A última vez que a falange passou por aqui eu fiquei muito preocupado. Sabem por quê? Porque eles prometeram nos levar em definitivo para as Profundezas. – Ninguém vive em definitivo nas Profundezas – explicou, Agripino. – Todos um dia são socorridos. É só orar 183

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e pedir. Existem equipes de salvamento em todas as regiões, inclusive nas Trevas. Vossa cegueira é que impede de vê-los. – Realmente não vemos nada. Eu não sei como vi vocês! Mas diga-me: o que adianta ver essas criaturas horríveis? Eu nunca habitei as Trevas, mas os mais experientes dizem que o Umbral perto das Trevas é o paraíso. Não é verdade, Hughes? Você já esteve por lá! O quê nos diz? – Não me faça lembrar aquele lugar horroroso! – Como você conseguiu sair de lá? – Aproveitei um “descurdo” do carcereiro e corri feito louco pelo primeiro caminho que encontrei. Vim parar neste lugar. Horácio me acolheu. – Você quis dizer descuido e não “descurdo”, não é? – Não estou conseguindo falar direito. – Você também disse carcereiro, não foi isso? – Isso mesmo. Eu estava com outros prisioneiros numa cela vigiada todo o tempo. Éramos açoitados impiedosamente pelos verdugos. Também espetavam a gente com lanças afiadas e nos jogavam numa fossa. Faziam isso só para se divertir. Isso ajudava a passar o tempo. O chefe dos verdugos se chamava Boff e usava um capacete com longos chifres. Era confundido com o Diabo. Vocês que são mais experientes poderiam me dizer se o Diabo existe? – Se existe – respondeu, Agripino – nunca foi visto. Só Deus é que sabe! Sei de fonte segura, que já realizaram milhares de incursões a sua procura. Incursões inúteis. Acho que tudo não passa de uma lenda inventada para atemorizar criaturas ingênuas. Existem, e isso não é segredo para ninguém, milhares de seres maldosos que poderiam ser confundidos com o Satanás. 184

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– Mas se ele não existe, por que foram à sua procura? – perguntou Horácio, com malícia. – Isso também não posso responder – esquivou-se Agripino. – Onde eu era torturado – falou novamente Hughes – havia um camarada chamado Hierro, que jurava ter visto e trabalhado com o Diabo. Dizia que o Diabo era muito bonito e montava um corcel branco. Será que é verdade? – Cara bonito! Esse tal de Hierro devia ser fresco! Nas Trevas só tem merda, Hughes! Como o Diabo alimentaria o animal? Com bosta? – Nisso você tem razão, mas eu queria ver você por lá para ver se você falava desse jeito! – Vira essa boca imunda pra lá, so! Para de jogar praga pra cima de mim! Inferno não foi feito pra gente! – Eu não falei por mal. – Então pare de dizer asneira! Como eu estava contando, quando esse imbecil me interrompeu ... – Eu não interrompi. Foi o amigo que me perguntou como eu havia fugido, não foi? – Assim não chegamos a nada – disse, Pompeu. – Desculpem. É que estamos muito ansiosos, afinal não é sempre que falamos com gente importante. Como eu ia dizendo, estou cansado desta situação e, sinceramente, desejo mudar. Eu já fui um pouco de tudo na Terra; vassalo, soldado, rei e até mulher. Já perdi a conta de quantas vezes encarnei. Fui de tudo, mas sempre fui muito orgulhoso. Depois de rei, fui vassalo. Tornei-me criado de um duque, muito poderoso por sinal, e assassinei diversas pessoas a mando do senhorio. Invés de me salvar, afundei de vez. Infame e covarde, apunhalei muitos inocentes. Cheguei a 185

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matar uma criança que tentei estuprar. Depois de um longo tempo por aqui, deram-me outra oportunidade e encarnei como um missionário, só que eu era paralítico e cego de um olho. Fracassei novamente. Fui condenado e retornei dessa vez como um mendigo paralítico das duas pernas. Voltei a cair. Matei outro mendigo para surripiar-lhe a bolsa. Nela nada havia! Por que somos tão ruins quando estamos dentro de um corpo? Rindo pelos cotovelos com a desgraça do companheiro, Hughes disse de forma engraçada: – Além de ruim, você é burro! Onde se viu assaltar um mendigo! Isso é muita burrice! Horácio ameaçou dar-lhe um safanão e retrucou: – Vou te dar um soco nas ventas! Você está me tirando do sério. – Eu só estava brincando. – Vá brincar com sua mãe, seu besta! Apesar do lugar, Hugo e os demais riram também. A cena era realmente engraçada. – Vocês também querem me gozar? – perguntou Horácio, com atrevimento. – Imagine! – disse, Hugo. – É que você têm um jeito gozado de contar as coisas. Só isso. – Se vocês passassem por isso não achariam graça! Posso continuar? Minha intenção é voltar como um leproso. Quero de uma vez por todas enfrentar essa praga de orgulho. Certa feita fui guardião dessas criaturas nojentas. Quem sabe me tornando uma delas, aprenda a ter humildade. – Não fale desse jeito. Elas não são nojentas. São irmãos em falta. Só isso! Mas isso não importa agora – 186

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continuou, Pompeu. – Você disse também que já foi missionário. Isso é verdade? – Claro que é verdade. Ordenei-me Padre aos vinte e um anos de idade. Fiz parte da Companhia de Jesus fundada por Inácio de Loiola 54. Fiquei um bom tempo num mosteiro localizado na fronteira da Espanha com Portugal. Quando tinha trinta e quatro anos, aventurei-me nas florestas da América Central e lá perdi a vida varado por uma flecha. – Mas se você fazia parte dessa Ordem, como veio parar aqui? – Fui seduzido pela febre do ouro. Tomei parte na expedição de Hernán Cortés55 e, enquanto Cortés combatia uma expedição enviada por Velásquez56, fomos sitiados pelos indígenas comandados por Cuauhtémoc57que havia sucedido o imperador Montezuma58. Tentei apaziguar a ira do novo imperador, até que Cortés retornasse. Na realidade eu estava preparando uma cilada. Enquanto conferenciava com o Imperador, fui morto pelas costas. Recebi uma flechada que atravessou meu coração.

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Santo Inácio de Loiola. (Ignatius, esp. Iñigo, Lópes de Loyola) – Nobre espanhol fundador da Companhia de Jesus (Castelo dos Loyola, província de Guipúzcoa, 1491 – Roma, 31-07-1556). 55 Conquistador espanhol do México (Medellin, 1485 – Castilleja de La Cuesta, 02-12-1547). 56 Diego Velasquez de Cuéllar – (1465-1522) – Colonizador espanhol. Conquistou Cuba (1511-14) e fundou, Santiago e Havana. 57 Último imperador asteca. – (com.1495-1522). 58 Montezuma II (1466-1520). Imperador asteca do México. Transformado em títere por Cortés, foi substituído por Cuauhtémoc e morto a pedradas quando se mostrou em público. 187

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– Acho que Honório vai gostar de saber que encontramos um padre. Que tal Horácio, encarnar novamente como padre? – Se não é possível ser um leproso, aceito a oferta. – E quanto a mim? – perguntou, Hughes. – Alguma vez você esteve perto de uma Igreja? – Eu já fui sacristão, isso não ajuda? – Acho que sim. Todos notaram lágrimas surgirem nos olhos opacos e sem brilho daqueles infelizes. Os dois, num gesto de gratidão, lançaram-se ao chão e tentaram beijar os pés de seus benfeitores. Esse gesto despertou o riso de todos, pois ao se abaixarem deram uma forte cabeçada. Honório, que em silêncio presenciara tudo, aproximou-se, pôs as mãos sobre os dois que permaneciam ajoelhados e, dirigindo-se a Pompeu, disse: – Comunique-se com a torre central, dê a nossa posição e solicite uma equipe de socorro. Diga-lhes para trazer uma banheira portátil. Eles entenderão. Pompeu cerrou os olhos por alguns momentos, e suave clarão correu célere em direção à torre. Pompeu pedia ajuda através de ondas magnéticas. Era uma espécie de telepatia que a Humanidade um dia conheceria. Pompeu ordenou aos dois que ficassem a espera do socorro. Horácio teve ganas de abraçar seu benfeitor, mas conteve-se em virtude de seu aspecto lamentável. Deu graças novamente e desejou sucesso a todos. A expressão de seu rosto, já um pouquinho melhorada, era de sinceridade. Hughes, boquiaberto, nada dizia. Pensava. Será verdade o que estava vendo, ou seria uma ilusão criada pelo 188

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sofrimento atroz? Ao ver um clarão em volta de ambos, passou a acreditar.

PERSONALIDADES FAMOSAS

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eram reinicio a marcha. Hugo desejava fazer algumas perguntas, mas achou o momento impróprio. Momentos antes, Estela explicoulhe como fazer para não ser notado. A medida que avançavam, a temperatura caía cada vez mais. Não se avistava um simples arbusto. A Doutrina do Fogo Eterno, tão a gosto de religiões ortodoxas caía por terra. Se aquilo era o inferno, era um inferno gelado, sem calor algum. Sem fogueiras e sem Diabo. Ao contrário do que afirmavam os teólogos, o inferno era mais gelado que o Polo Ártico. Havia sim, muitos gemidos vindos de dentro da escuridão. Honório quebrou o silêncio, dizendo: – Preparem-se para ver coisas sequer imaginadas por cérebros humanos. Que decepção teriam os teólogos e os religiosos ortodoxos se vissem quantas personalidades cultuadas como santos estão presas nestes labirintos de dor. Gente de muito prestígio vive aqui há séculos. Alguns têm estátuas em praças públicas. Outros adornam altares como santos. Oitenta por cento dos juízes da Santa Inquisição ainda estão cumprindo penas. Eis ali Gregório – apontou com o dedo em riste. – Ele é o responsável pelo Massacre de São Barto189

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lomeu, a noite mais negra da história. Cada chaga à mostra, corresponde a uma vítima inocente. Aquele que se arrasta em cima de membros decepados, é Tomás de Torquemada59, o mais implacável dos juízes da Inquisição. Ao seu lado está também Quevedo60 e promotores menos famosos daquela época de horror. Entre eles também estão políticos e governantes sem escrúpulos. Da justiça de Deus ninguém escapa! – Vendo-os assim, é muito difícil acreditar que são seres humanos – comentou, Hugo. – Parecem mais com lagartos! Eles têm consciência do que fizeram? – Além de saber porquê estão dessa forma, se soltos, voltariam a cometer os mesmos erros. São extremamente fanáticos! Até hoje não consegui entender que tipos de criaturas são essas que não se comovem com nada. – E pensar que nós todos partimos em igualdade de condições. Por que muitos se desviam do reto caminho dessa maneira? Alguém têm uma explicação? – perguntou, Jean. – Como médico não tenho nenhuma opinião. – No caso de Gregório – tentou explicar Honório – penso que ele se julgava um iluminado e, como tal, aplicava sentenças sem consultar ninguém. Ele tinha muito poder! Tanta força nas mãos de um homem só é um flagelo. Acho até que ele pensava que era Jesus. Quem sabe! Não é o primeiro que pensa ser Jesus! Não há pessoas que acham que Jesus é Deus! Santa ignorância! Isso é um pecado capital punido com muito rigor. 59

Tomás de Torquemada. – Religioso espanhol, primeiro grande Inquisidor da Espanha (Valladolid, 1420 – Ávila, 16-09-1498). 60 Dom Juan de Quevedo, Bispo de Cuba (1516). Foi o primeiro Inquisidor geral dos domínios espanhóis. 190

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– Se há pessoas que acham que Jesus é Deus, quem sabe Gregório não se sentisse um deus? – observou, Hugo. – Pode ser. Os Cardeais geralmente são muito inteligentes e manipulam as massas com facilidade. A maior doença na Terra não é a sífilis, é a ignorância. Quanto mais despreparo têm o povo, mas facilmente será conduzido. Pobre do irmão que segue cegamente a cartilha dos padres! Mas não só os padres devem ser condenados. Algumas seitas pregam a existência de um inferno para onde vão todos que não pertençam aos seus quadros de fiéis. Que absurdo! Primeiro pregam que há um só Deus Onipotente e Justo. Ora! Se é Justo, por que semeia a discórdia? Vocês estão vendo aonde estão os que pregaram e perseguiram inocentes. Isso prova que Deus realmente é Justo. Dele nada escapa, afinal Ele é o Criador e conhece a fundo o que criou. Aos hipócritas a desolação! Aos justos, o prêmio! Essa é a verdadeira lei que Ele quer aplicar em todas as partes. Honório demonstrava não estar livre de emoções. – Peço desculpas. Muitas décadas se passaram, mas ainda eu não aprendi a me controlar diante dessas caricaturas de gente. Afinal são nossos irmãos. Como gostaria de vê-los nas delícias da Luz Eterna. Quem sou para opinar! Saibam vocês que Deus brindou-me com a oportunidade de estar presente nos três maiores julgamentos da história da Humanidade: o julgamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, o de Sócrates61 e o de Joana D’Arc. Nos três julgamentos houve o dedo acusador de pessoas ligadas a religião. Com exceção de Pôncio Pilatos, que era mais fraco e indeciso do que maldoso,

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Filósofo grego (Atenas c.470 a.C. – id. 399 a.C.). 191

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todos os responsáveis vieram parar nestas áreas de sofrimento. Alguns ainda estão aqui. – Eu não sabia que você tinha estado nesses julgamentos! Deve ter sido terrível! – exclamou, Estela. – Os três foram condenados de antemão. Jesus achou inútil se defender. Quanta hipocrisia havia naqueles rostos acusadores! – Que sina a tua! – observou, Israel. – Acho que você sofreu também um bocado! – Nada se compara ao sofrimento dos réus. Sofriam mais em prever o que estava reservado aos seus verdugos. Quanta grandeza de Espírito havia naqueles corpos! – Fizeram ao Mestre tudo que se comenta? – perguntou, Hugo. – Tudo que se comenta e um pouco mais! Como Ele foi humilhado durante a caminhada! Cuspiam e atiravam coisas em seu rosto que sangrava. Ele só tinha um olhar de carinho a todos. Não é atoa que Ele se senta do lado direito do Pai Eterno. – Responda-me se souber – disse Hugo, dirigindo-se diretamente a Honório. – Tomás e Gregório estão aqui. Aonde estão os reis católicos da Espanha que foram coniventes com essas matanças e perseguições? – Isabel62 e Fernando63 foram transferidos para o Umbral e já estão perto das Fronteiras. Em breve obterão a liberdade e poderão encarnar novamente. Isabel, possuidora de um gênio muito forte, tentou se livrar dizendo que era seu 62

Isabel I, a Católica (1451-1504) – Rainha da Espanha (1474-1504). Fernando V, o Católico. Rei de Castela e Leão, Aragão, Sicília e Nápoles (Saragoça, 10-05-1452 – Madrigalejo, 23-01-1516). 192 63

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dever livrar a Espanha dos hereges e jacobinos. Vocês lembram dos Bórgias? – Quem não se recorda de Cesar64 e Lucrécia65 – comentou, Jean. – Pois bem! Rodrigo 66 e seus filhos também estão entre os sentenciados. Cesar era astucioso e muito ambicioso. Isso o levou à morte. Já Lucrécia, era vaidosa e perversa. Acabou com vários amantes e veio direta para cá. GREGÓRIO E TOMÁS

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odemos nos aproximar de Gregório? – perguntou Hugo, baixinho. – Quem sabe percebendo a minha presença nos receberá de forma

amistosa. – Não estou compreendendo – disse Augusto, mostrando surpresa. – O que você representa para Gregório? – Hugo – respondeu Honório, no lugar de Hugo – viveu naquela época ao lado de Gregório. tendo inclusive, tentado dissuadi-lo de seus propósitos. Pena que não teve êxito, senão a história seria outra. Aproximaram-se lentamente. Gregório foi o primeiro a sentir a estranha presença, porquanto moveu subitamente a cabeça como se tivesse sido esmurrado. Seu aspecto era horroroso, pois seus olhos fundos e cinzentos, nariz grande e afilado, cabelos grisalhos e compridos, pele enrugada e unhas

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Cesar Borgia (Roma – 1475 – Viana, Navarra, 12-05-1507). Lucrécia Borgia (Roma, 18-04-1480 – Ferrara, 24-06-1519). 66 Rodrigo Borgia (Papa Alexandre VI em 1492). 193 65

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em forma de espiral, davam-lhe a aparência de um abutre sem penas rondando a carniça. Tomás estava um pouco mais abaixo. Sentia-se também incomodado e virava a cabeça para todos os lados. Seus trajes eram imundos e cortados em tiras. O que um dia foi rosto, encontrava-se coberto de pústulas. Uma doença fizera inchar um de seus olhos que protuberava da pele como um ovo de codorna. Um pouco mais ao fundo, era possível ver uma fossa cheia de excrementos. Dentro dela, dois infelizes debatiam-se e grunhiam como porcos. Sentindo também algo estranho, os infelizes se agitaram e aumentaram os grunhidos. Hugo chegou perto de Gregório e disse quase em seus ouvidos: – Sou eu Eminência! Estás me reconhecendo? Gregório permaneceu imóvel e nada respondeu. Tomás e os que estavam dentro da fossa pararam subitamente seus lentos movimentos. Não compreendiam o que estava se passando e, embora calados, os olhos do três rodopiavam dentro das órbitas procurando ver algo. Hugo voltou a carga: – Sou eu Eminência! Piero. Com muito esforço, Gregório emitiu um longo suspiro. Tentava falar mas o som era imperceptível. A mais ou menos três metros de distância, Israel lançou sobre aqueles sofredores, sutis eflúvios. Pouco a pouco aquelas grotescas figuras começaram a recuperar seus antigos movimentos. Atingidos por aquela corrente de amor cheia de energia, Gregório disse baixinho: – Não sei que espécie de bruxaria é essa, Tomás, mas deu para sentir que é muito poderosa. 194

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– Não é nenhuma bruxaria. Estou aqui a mando de Deus – observou, Hugo. – Não sei quem você é, mas desde já te proíbo de pronunciar esse nome. Estou recolhido neste inferno por ordem Dele e de seu Filho. Mamon seria mais condescendente. Aqueles canalhas que mandei matar eram hereges, no entanto estão livres e felizes e, eu estou acorrentado nesta cova imunda sem nenhuma perspectiva. Como representante de Deus, eu fiz o que era melhor para a Santa Igreja. O que Ele queria que eu fizesse? Que entregasse as nossas riquezas para essa corja de jacobinos? – Aqueles jacobinos também eram filhos de Deus. Mas não foram somente os jacobinos que foram aniquilados sem possibilidade de defesa. No meio deles foram para os cadafalsos e torturados de forma cruel, milhares de inocentes. Aliás, também os jacobinos eram inocentes. Recordo Vossa Eminência que Jesus pediu que amássemos o próximo como a nós mesmos. Que direito Vossa Eminência tinha sobre essas pessoas para matá-las? Se Jesus, o ser mais perfeito que pisou a Terra, não julgava ninguém, por que Vossa Eminência achou que podia condenar os outros? A medida que Hugo falava, diversas criaturas horrendas chegavam devagarinho. Tomás só observava. Aproveitando esse momento, Gregório se encheu de brio e tentou contestar Hugo. Começou a falar numa voz gutural: – Quantas vezes terei que repetir que eu representava Deus na Terra! Como único representante da Igreja de Pedro, era meu dever afastar os ímpios e infiéis. Afinal, o que esse monte de merdas representa para Deus? Era minha responsabilidade acabar com esses hereges sem pátria. Não me arrependo do que fiz! Como já comentei com Tomás, um dia 195

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seremos entendidos e perdoados. Acho que até glorificados! Deus vai se arrepender e aí ajustaremos as contas. Não tenho pressa. Já me acostumei com este local. Pelo menos aqui todos me obedecem e rezam por minha cartilha! Está bem assim? – Assim que se deve tratar essa gente! – exclamou empolgado, Tomás. – Com quem eles pensam que estão falando? Cedo ou tarde as coisas ficarão claras e, aí então, reconhecerão nossos direitos. – Quer dizer então que vocês continuam achando que era certo o que fizeram com aquela gente? – Claro que achamos! Nós fomos condenados injustamente. Além disso, viemos acorrentados como animais. Isso não é direito! – Você foram acorrentados como os jacobinos. Desde quando Deus vos deu carta branca para trucidar quem quer que seja? – Ora! Se éramos Seus representantes na Terra, tínhamos o direito de fazer o que era melhor para a Igreja. Saiba você que antes de autorizar o que você chama de massacre, consultei Deus através de Cristo. Diante de um crucifixo, por três vezes fiz a clássica pergunta: devo prosseguir e autorizar a matança? Cristo se calou. Para mim, quem cala, consente. Também consultei os reis de Espanha e eles me apoiaram. Quem mais você queria que eu consultasse? – A consciência! Por diversas vezes eu expressei minha repulsa contra essa barbaridade. Vossa Eminência não me deu ouvidos. – E quem era você para me aconselhar? 196

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– Devo lembrá-lo que eu era um auxiliar de muito prestígio. Pelo menos até não aparecer Tomás. Será que passados cinco séculos Vossa Eminência ainda pensa dessa maneira? – Você disse cinco séculos? Só quinhentos anos? Como custa passar o tempo aqui! – ironizou. – Pensei que já estivéssemos no século trinta! – A Terra está no meio do século vinte. – Alguma coisa deve ter mudado – comentou Tomás, rindo abertamente. – Gostaria de vê-la. – Mude tua forma de pensar, e quem sabe Deus te dê uma nova oportunidade. Enquanto vocês estão aqui, eu já encarnei diversas vezes. – Bela merda! – comentou, Tomás. – Para regressar e não ser nada, prefiro continuar aqui. Não dando ouvidos a Tomás, Hugo disse a Gregório: – Há pouco Vossa Eminência disse que esperava ser perdoado por Deus. Eu não tenho poderes para perdoar, mas nós viemos lhe fazer um convite. – Você disse nós? Você está acompanhado? – Eu nunca arriscaria vir só. Conheço meus limites. – Quem está com você? – Honório, Israel, Augusto, Pierre, Jean, Júlio, Pompeu, Cesar, Caio e Agripino. – Você se esqueceu de alguma coisa. – Que coisa? – Estou sentindo cheiro de mulher. Embora não veja uma há muito tempo, sei que há uma ou mais no grupo. – Tem razão. Esqueci da Estela. – Estela! Que bonito nome. Quanto daria para ver novamente o Céu da Europa, cheio de estrelas! Eu era um 197

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sentimental, você sabia disso? Eu assinei vários poemas e sonetos. Por acaso Estela é tua esposa? – Por quê? – Por nada! Se não é esposa de ninguém, por que ela veio junto? – Ela é pessoa de confiança do irmão Ezequiel. – Ezequiel o Profeta, ou o Ezequiel romano? – O romano. – Lúcius é um velho conhecido meu. Eu já imaginava que havia o dedo de alguém nessa armação. Fomos companheiros de senado em Roma. Embora fossemos ferrenhos adversários, sempre existiu entre nós admiração e respeito. Chegamos até a defender alguns projetos. Você também estava lá, não é, Otávio? Hugo compreendeu que aquela velha raposa havia descoberto outra de suas identidades. – Eu não quis ocultar minha outra identidade. Só não achei necessário. Se bem me lembro, vocês eram muito amigos. Acho que quando Vossa Eminência cedeu aos encantos de Messalina, seu relacionamento com Lúcius começou a esfriar. Não foi isso que aconteceu? – Foram interesses de Estado, meu caro. Somente interesses de Estado. Fui vitorioso naquela jornada, mas o que isso representou? Meu triunfo, como vocês estão vendo, foi efêmero e passageiro. Seguimos em lados opostos e Lúcius teve melhor sorte. Apesar de adversários, sempre admirei a sagacidade e inteligência de Lúcius. Em parte éramos iguais, uma vez que só divergíamos na forma de analisar a vida. Sempre fui muito ambicioso. Esse defeito me trouxe às profundezas! 198

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– Estão conseguindo te amolecer! – falou alto, Tomás. – Cuidado! Muito cuidado! – Deixe de burrice, homem! Jamais me amolecerão! Você já viu algo mais mole do que geleia? – Não entendi onde entra geleia nessa história – rebateu, Tomás. – Meu corpo é uma porção de massa disforme, mole como a geleia. Entendeu agora? Se amolecer mais um pouco, não sobra nada de mim. Sabe de uma coisa, Tomás, quando eu estava só por aqui, eu me sentia bem mais forte. Às vezes até saíam alguns pensamentos bons. Só depois que você chegou é que meu ódio aumentou. – Não seja por isso – respondeu Tomás, entendendo o recado. – Vou deixá-los a sós – completou com os olhos soltando chispas. Surgidos das entranhas, oito mostrengos cercaram Tomás e pareciam querer atacá-lo. A um sinal de Gregório, todos se aquietaram. – Vê como você não passa de um tolo sentimental! Sempre fomos amigos e agora por causa desses merdas você se virou contra mim. – Coitado de você se você pensa que eu sou um idiota! Há muito tempo você quer pegar o meu lugar e tentar invadir as regiões de luz. Você é um asno pensando assim. Como você quer ultrapassar as barreiras? Completamente cego? – Poderíamos recuperar a visão permanecendo acampados perto das barreiras. Esse era meu plano. Você está sendo injusto comigo. Jamais pensei em te trair. Quando o plano estivesse pronto, você seria a primeira pessoa a saber. 199

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– Isso é o que você está dizendo agora! Não pense que me convenceu! Levem esse rábula dos demônios para o barranco e dêem-lhe um escarmento – ordenou Gregório àqueles monstros que cercavam Tomás. – Você vai se arrepender disso! Você não perde por esperar! Deixem-me seus miseráveis! Sei ir sozinho! – Vamos agora ao que interessa. O quê vocês querem de mim? – Vossa Eminência ainda tem muito prestigio na Terra. Queremos aproveitá-lo – disse, Estela suavemente. – Como prestígio! Estou aqui há mais de quinhentos anos e você me fala em prestígio! Você está querendo brincar comigo? – Estamos querendo levá-lo de volta para o Vaticano. Alguns de seus antigos colaboradores estão por lá, só que continuam insistindo que o espiritismo é coisa de gente louca. Está na hora da Humanidade compreender certas coisas. Certas verdades. – Isso já foi tentado sem êxito. Há muitas divergências e os interesses materiais são muitos. Não esqueçam vocês, que a Humanidade é sectária. Como vocês poderão abrigar num único guarda-chuva, hindus e muçulmanos? Católicos e protestantes? Crentes e ateus? Acho isso impossível. – Deixe o impossível para Deus. Podemos contar com sua colaboração? – Isso não me cheira bem! Estou dentro do lugar mais asqueroso do Universo, manietado e cego e, vocês, os mais poderosos da Luz, vem pedir minha cooperação. Isso não é estranho? Por que vocês não convidam o Tomás? Ele é um especialista em acertos. Acho que tem até mais prestígio do 200

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que eu. Sei até que ele é comparado ao Zebú. Se ele for, muitos o seguirão. – Estamos seguindo uma orientação. Por alguma razão nos pediram para lhe fazer esse convite. – De quem partiu essa orientação? – Foi Ezequiel quem deu essa orientação – informou, Israel. – Eu ainda acho que o convite deveria ser feito a Tomás. Ele é sagaz e conhece o ofício. É um mestre em artimanhas. Por que não o convidam? – insistiu. – Ele não é confiável – disse simplesmente, Israel. – Eu não vou me arriscar! Vou esperar outra oportunidade. – Quer dizer que a resposta de Vossa Eminência é definitiva? – insistiu, Hugo. – Pare de me chamar de Vossa Eminência! A um sinal seu, trouxeram Tomás de volta. Colérico e soltando chispas pelas narinas, começou a xingar Honório. Vendo que este permanecia impassível, tentou atacá-lo com um objeto pontiagudo. Honório recuou um pouco e, para surpresa de Hugo e seus amigos, saiu de seus olhos um facho de luz tão poderoso, que jogou Tomás a vários metros de distância. Uivando como coiotes, duas grotescas figuras tentaram surpreendê-lo por detrás. Israel pulou como um gato e segurou os dois pelo pescoço. Havia tanta força nas mãos de Israel, que os dois não esboçaram nenhuma reação. Ainda com as mãos no pescoço dos infelizes, olhou diretamente para Gregório, e disse: – Agora você percebe porque não convidamos esse crápula! Você também não está em condições de retornar. Tua mente suja está aberta como as páginas de um livro. Se 201

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você tentar algo eu vou amarrar estes dois em cima de tua carcaça! Lívido, Gregório se encolheu todo. – Saiamos daqui imediatamente. Minhas energias estão se esgotando – cochichou Honório no ouvido de Israel. Quando já estavam longe, Hugo, que não havia captado os pensamentos de Gregório, perguntou a Israel: – O que aquele verme pretendia? – Raptar Estela. Com ela pretendia chantagear Ezequiel. Como se isso fosse possível! Ele ainda mantém os hábitos da Igreja. – Eu fiquei apreensivo e cheguei a me preocupar. Pensei que você fosse esmagar o crânio daqueles dois. – Isso de nada serviria. Ezequiel já me havia prevenido a respeito do caráter de Gregório. Deus sabe que tentamos. Se fracassamos não foi nossa culpa. – Acho que não devemos nos lamentar por isso. Eu sempre achei Gregório traiçoeiro, só não tinha coragem para admitir. – Para onde vamos agora? – perguntou Pompeu a Honório. – Vamos em frente. Pasmem! Estou lendo à distância os pensamentos de Tomás. Ele está incitando Gregório para vir em nosso encalço. Se isso ocorrer, teremos problemas. – Que problemas podemos ter? Não somos mais fortes? – observou, Hugo. – Honório gastou quase toda sua energia com Tomás. Eu e Estela, não podemos enfrentas sozinhos alguns desses seres.

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– Quais são especificamente as funções que terão na Terra os elementos que estamos procurando – perguntou Pierre, interrompendo a conversa dos dois. – Não sei exatamente a função de cada um, só sei que alguns encarnarão no meio religioso – explicou, Israel. – Michel de Notredame67 previu em suas Centúrias, que em fins do segundo e início do terceiro milênio, desmoronarão castelos e igrejas. Nascerá uma nova religião, debaixo da qual toda a Humanidade se abrigará. A Doutrina de Jesus deve retornar à sua pureza primitiva e, pelo que estou observando, vão aproveitar a experiência desses irmãos para implantar a verdadeira obra de Cristo. Esses irmãos terão nova oportunidade de reabilitar-se perante Deus. Aqueles que fracassarem, encarnarão no meio dos primitivos em planos em formação. Para eles isso é terrível. Digo terrível, porque conservam a inteligência adquirida nos planos mais adiantados. É como se um vegetariano encarnasse entre canibais. Segundo Michel, o último Príncipe da Igreja estará entre eles. Ainda segundo ele, haverá um novo Regente e com ele nascerão novos ideais de justiça. O amor que existe nas Esferas de Luz, será adotado na Nova Terra. De um Plano de Expiação, a Terra será elevada a um Plano de Regeneração. É a inexorável lei dos Mundos! – Que belas palavras! – disse, Estela. – Quando fiz alusão ao Príncipe da Igreja, lembrei-me de algo interessante. 67

Michel de Notredame ou Nostredame (Nostradamus) – Astrólogo francês (St. Rémy, 14-12-1503 – Salon, 02-07-1566). Por volta de 1547, começou a fazer predições, publicando em 1555, um livro de profecias em rima, intitulado Centúrias. 203

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TERRÍVEIS PIGMEUS

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o que se trata? – perguntou Estela curiosa. – Pode ser uma comparação absurda! – Ora, homem de Deus! Diga logo o que está se passando nessa cabeça de gênio! – brincou, Estela. – Quando eu falei sobre o último Príncipe da Igreja, em me lembrei de Maquiável68. – Deixe de atormentar-me, criatura! Diga de uma vez! – Calma, mulher! Seja mais paciente. Vocês todos sabem que Maquiável foi uma das figuras mais brilhantes de seu tempo. Sua obra mais famosa, Il Príncipe, foi inspirada na figura carismática de Cesar Bórgia. Vocês devem saber que é uma Doutrina que ensina como devem agir os tiranos para governar com astúcia e força. De acordo com o irmão Honório, Cesar está por aqui. Que tal convidá-lo também para retornar? Será que ele já pagou pela maior parte de seus erros? – É uma excelente sugestão – concordou, Honório. – Não vejo nenhum empecilho. – E você Estela? O quê você opina? Será que Ezequiel aprovará? – Eu acho que aprovará. – Então vamos procurá-lo e fazer o convite – disse, Honório. 68

Niccolò Machiavelli – Político e escritor italiano. (Florença, 03-051469 – id. 22-06-1527). Entre suas obras têm destaque Il Príncipe, uma obra-prima de malícia para modelar a arte de governar pela força, intimidação e astúcia. 204

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A medida que varavam a escuridão, acentuava-se o declive. Gemidos e gritos se misturavam. Lagartos enormes movimentavam-se velozmente, tendo em seu dorso medonhas figuras. Animais e montarias formavam um só corpo. De quando em quando saía do solo uma fumaça venenosa que tonteava a todos. Caminharam horas sem avistar um só casebre. Era tudo deserto e desolação. Estranhas e enormes aves semelhantes aos abutres terrestres, cruzavam o espaço emitindo terríveis grunhidos. Diligente, Hugo perguntou a Honório que estava ao seu lado: – De onde estão vindo essas aves? Do que se alimentam? Adotando uma expressão de desalento, Honório respondeu: – Isso não são aves, Hugo. São nossos irmãos em falta. Um dia passearam por alamedas vestidos com trajes finíssimos. Foram tão egoístas e maus, que hoje têm essa aparência horrível. Trocaram os trajes finíssimos por penas de urubu. – Meu Deus! É difícil crer que o ser humano desça tanto! Continuaram em silêncio. O preto da escuridão acentuava-se cada vez mais. A visão de todos era perfeita, mas a perda de energia já se fazia sentir. Honório, mais experiente, resolveu acampar por alguns momentos a fim de tentar refazer as forças. Acomodaram-se no chão e formaram um círculo. Um misterioso filete luminoso os envolveu. Emitia lampejos azuis e verdes. Em volta do círculo, pequeninas estrelas giravam com uma velocidade espantosa. Honório ergueu as mãos para o alto e disse: – Graças, Senhor! 205

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Já mais confiantes, ultrapassarem um desfiladeiro e avistaram uma paliçada. Dentro dela erguia-se um castelo de estilo medieval. Alguns vultos podiam ser vistos atrás das barreiras. Ao se aproximarem viram que aqueles vultos eram guardas atentos. Chegando mais perto, Hugo quase desmaiou ao vê-los. Aquilo não eram gente! Não pareciam com gente! Eram enormes iguanas apoiadas nas caudas. Seguravam lanças pontiagudas e, de suas bocarras, uma fina e comprida língua aparecia de segundo a segundo. Tinham olhos triangulares e as costas eram cobertas de escamas. Em seus ombros, pequeninos animas esverdeados se movimentavam. – Barrabás! – exclamou Hugo, admirado. – Alguém tem idéia do que é aquilo? – Aquilo também são nossos irmãos! – respondeu, Honório. – É difícil acreditar mas é pura verdade. Como os abutres que acabamos de ver, foram tão ruins que tomaram essas formas. Uns voam, outros rastejam. – E aquilo que se movimentam em seus ombros? Também são nossos irmãos? – Aquilo são calangos domesticados. São venenosos como as áspides. Utilizam-nos para paralisar suas vítimas. – Desculpe minha ignorância, Honório. O que são áspides? – São pequeninas víboras cujas picadas são mortais. Uma delas causou a morte de Cleópatra69. – O castelo é a primeira grande construção que avistamos. De onde será que obtiveram os materiais para erguê-lo? – observou, Jean. 69

Rainha do Egito (69-30 a.C.). Mulher de rara beleza. Sabendo que ia cair em mãos de seu inimigo Otávio, preferiu o suicídio. 206

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– A argamassa foi retirada dos pântanos. Se não vimos nenhuma grande construção além dessa, é porque ninguém se sente protegido dentro delas. Não vale o sacrifício. As hordas de malfeitores que infestam estes lugares, gostam de destruir tudo que vêem. Eles sentem muito prazer por isso. Como aqui não é fácil cochilar, não sentem falta de abrigo. As pedras sobrepostas servem de proteção. Dentro dessa fortaleza vivem alguns senhores do mal. São temidos por todos habitantes do Vale. Se existisse o inferno, ele estaria dentro do castelo, embora não se avistem labaredas. Invés de labaredas há um frio cortante. Saibam vocês que seus moradores foram ilustres personalidades da Terra e de Planos análogos. Aí podemos encontrar políticos, magnatas, títeres, clérigos e até benfeitores. – Eu ouvi benfeitores? – perguntou Pierre, demonstrando também estar bem atento. – Foi o que eu disse. Para a Humanidade foram considerados benfeitores, mas para Deus, simplesmente hipócritas. A maioria dos benfeitores morrem no anonimato. O altruísmo é próprio de almas nobres. O que estende a mão com o objetivo de receber homenagens, não é bom! É hipócrita! Os políticos são hábeis nessa prática. Fazem tudo com grande aparato, e são seguidos de perto pelos clérigos. Os ricos só dão as sobras. Quando morrem deixam seus bens para a Igreja, achando que estão comprando o ingresso para o Céu. Vocês não viram como Ohara esperneava? Ele é um dos iludidos. Quando estavam prestes a ultrapassar a paliçada, Honório comentou: – Reparem nos calangos. Vejam como estão agitados. Já nos pressentiram e aguardam ordens para atacar. Os 207

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guardas não têm a mesma sensibilidade. Ainda não nos viram, por isso estão confusos. Os calangos emitiam sons parecidos aos sons dos morcegos. Os vigias procuravam adivinhar o que estava acontecendo. Apuravam os sentidos e procuravam silenciar os répteis pequeninos. Os animaizinhos, contrariando seus hábitos e achando que estavam em perigo, aumentaram os guinchos e a agressividade. – Cuidado com os morcegos! – alertou, Honório. – Virão aos milhares! Esses danadinhos verdes estão chamando seus amigos alados. Como os morcegos só se alimentam de sangue, não vão perder tempo conosco, mas é imperioso que nos afastemos rapidamente. – Mas aonde estão os morcegos? – perguntou, Hugo. – Logo os veremos! – tornou a alertar, Honório. No meio de espessa névoa cinzenta começaram a surgir. Eram milhares e formavam uma extensa barreira. Cegos, emitiam guinchos agudos que o ouvido humano não percebia. O eco desses guinchos lhes assinalava os obstáculos à frente, permitindo-lhes se movimentarem com segurança. Sentindo medo e não compreendendo o que se passava, os calangos se voltaram contra os vigias. Desesperados e grunhindo em desespero, os vigias tentavam se defender movendo os membros para todos os lados. Quando suas garras afiadas apanhava alguma daquelas ratazanas voadoras, levava-a incontinente à boca e, num só bocado, ela desaparecia goela abaixo. Era como se todos estivessem apreciando um filme, cujas bestas lutavam num planeta primitivo. – Vamos aproveitar e passar de vez – disse, Honório. – Sejam cautelosos! 208

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Vararam a névoa e deram com outra barreira. Era uma cerca com mais ou menos três metros de altura. Fora construída com cipós trançados e, dos nós, apareciam grandes espinhos. Aquela rara vegetação de cor cinzenta, aguçou ainda mais a curiosidade de Hugo. Esquecendo do perigo, perguntou a Israel que estava mais próximo: – Num lugar como este como pode haver vegetais? – Vou matar tua sede de saber. Você viu os morcegos, não viu? Pois bem! As fezes desses morcegos, conhecidas como guano, são excelentes fontes de vida e os vegetais alimentam-se delas. Com o tempo, alguns vegetais adaptaramse e reproduziram-se apesar da falta de luz. Aqui também existe água. É muito difícil ser encontrada, mas existem várias fontes. Como esses nossos irmãos de infortúnio só se alimentam de sangue e da carne de répteis, não necessitam de água em seus corpos. Oportunamente explicarei como eles obtém sangue humano. Achando que Hugo não estava convencido, Estela se acercou e disse: – O vampirismo é uma prática utilizada por espíritos errantes, viciados e maus. Apesar de maus e errantes, eles são servos involuntários dos irmãos que estão nas Trevas. Num processo simples, os errantes se alimentam do sangue dos encarnados. Por sua vez, os que estão nas Trevas se alimentam do sangue dos errantes. É uma prática execrável mas muito utilizada. Obsessores com livre trânsito nos Planos de Expiação, se revezam dia e noite a procura de vítimas. Fazem plantão em hospitais e sugam o sangue dos doentes durante o sono. Estranhamente forma-se um círculo vicioso. Os que agem na Terra como obsessores, se transformam em vítimas 209

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no espaço negro. Eles é que mantém robustos os senhores das profundezas. É a lei dos mais fortes. – Isso é muito difícil de entender. Se somos espíritos e não precisamos de alimento, por que eles precisam de sangue ou alimento extra? – Não esqueça, Hugo, que podemos extrair nosso alimento dos ricos fluídos que existem nas Regiões de Luz. Nas sombras, a maior parte das criaturas não sabe que estão mortas. Conservam todos seus hábitos. Eu não estou afirmando que elas quando estão vivas se alimentam de sangue. Acontece, Hugo, que o plasma é o mais precioso alimento do corpo humano. Além de líquido, ele se reproduz facilmente e, uma só vítima encarnada, é uma fonte inesgotável de energia. Esse é o motivo que não agem isoladamente, embora existam alguns que ficam dia e noite ao lado da vítima. Para livrar os doentes desses vampiros, é preciso a intervenção de Espíritos esclarecidos. Isso só ocorre quando o doente implora ajuda. Quase todos esses pedidos partem de Centros Espíritas. Como você já sabe, Pierre e Jean fazem parte de um deles. – Pelo que você está me contando, é muito difícil se livrar das garras de um Espírito obsessor. Por que Deus permite isso? – Há sempre uma causa, Hugo. No momento não dispomos de tempo para uma análise mais ampla. Saiba você que as obsessões têm raízes no passado. O obsessor age sempre explorando as brechas morais de sua vítima. Ele as conhece. Ele já viveu com elas. Não esqueça que os feitores já foram escravos. E vice-versa. – Mas isso não é a lei do talião? Dente por dente, olho por olho! Você acha isso certo? 210

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– Analisado dessa forma não é correto, porquanto isso não teria fim. Quem hoje é obsessor, amanhã se transformaria em vítima. Seria uma seqüência de vidas intermináveis. Acho que Ezequiel tem a resposta pra isso. Quando voltarmos o consultaremos. Está bem assim? Dessa forma Estela arrumou um jeito de abreviar o assunto e não melindrar Hugo. Quando já estavam quase dentro do castelo, Hugo voltou com as perguntas. Desta vez o alvo foi Honório: – Você sabe o que há de valioso nesse castelo? – Sob o ponto de vista espiritual, nada! Só dor e sofrimento. Do ângulo material, poder e respeito. É uma espécie de reinado. Se todos são ruins e aparentemente nada temem, não me pergunte por que seguir padrões quase extintos na Terra. Não saberia responder. – Eu acho que os donos desse castelo viveram na Idade Média – arriscou, Pierre. – É uma tese sensata – disse, Honório. – Existe lógica. Nós sabemos que a Idade Média foi a época dos grandes castelos. De grandes fortalezas. Sabe que você deve estar certo! Eulálio me contou antes de me entregar o cargo, que nesta região havia um castelo onde os prisioneiros eram torturados como na Idade Média. Bem! Vamos seguir ou continuar com as perguntas? – Se temos ainda um pouco de tempo, eu desejaria fazer uma – disse, Jean. – Uma mais, uma menos, não fará diferença. – Você acha que encontraremos Cesar dentro dessas muralhas? Quem lhe deu essa pista? – São duas perguntas, e não uma! – brincou, Honório. – Cesar sempre seguiu os passos e conselhos de seu pai 211

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Rodrigo. Eulálio me contou que viu Rodrigo ao lado de Ivan70, aquele mesmo que foi Tzar de todas as Rússias. – E o que tem isso com minhas perguntas? – Calma, homem! Não se apresse. Segundo Eulálio, Ivan manda neste castelo. Se Rodrigo tem a proteção de Ivan, na certa Cesar tem a proteção de Rodrigo. Está entendendo agora? Cesar deve também estar por aqui. Vocês sabiam, que embora dotado de rica cultura, Ivan foi um dos mais sanguinários e cruéis governantes que já pisou o solo terrestre? Ele governou o povo russo com mãos de ferro e sob seu regime cometeram-se as maiores atrocidades. O povo o temia mais que o Diabo. Frio e calculista, incorporou diversos territórios à Rússia. Imaginem! Estrangulou o chefe da Igreja com as próprias mãos, e esfacelou a cabeça de um de seus filhos com o cetro real. Só tinha respeito pela mãe e a “babuska”. Estabeleceu um exemplo de domínio de massacre, que poucos déspotas ultrapassaram. Era tão temido que foi apelidado de O Terrível. Apesar de violento, apreciava as artes e, uma das mais belas obras que existe na Rússia e que está dentro do Kremlin, foi executada sob suas ordens. É a Igreja de Basílio, o Bem-aventurado. É famosa por sua originalidade. Suas torres multicolores em forma de cebola, são uma das mais valiosas e maravilhosas obras arquitetônicas do mundo oriental. Observem como ele era terrível! Quando esse magnífico templo foi acabado, Ivan mandou vazar os olhos do arquiteto, para que ele nunca pudesse construir outro igual. De acordo com Eulálio, este castelo também é conhe70

Ivan Vassilievitch, O terrível (Ivan IV) (1530-1584). Usou oficialmente o título de “grande soberano, czar e grão-príncipe de toda a Rússia”. Era dotado de extrema crueldade, por isso o apelido. 212

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cido como Basílio, só que os espirituosos o chamam de Fortaleza do Basílio, o Azarado. Pasmem! Até aqui fazem piadas! – Eu acho que a Idade Média foi um dos períodos mais negros da história, vocês não acham? – Eu concordo com você, Hugo – disse, Israel. – Tanto isso é verdade, que alguns que viveram aquela época ainda estão por aqui. Honório colocou o indicador da mão direita sobre a boca, e pediu silêncio. Enfileirados a dois, seguiram em direção a um grande salão. Passaram por uma estreita passagem, no fim da qual, havia um lance de escada. Quatro degraus separavam-no da entrada do salão. Sob a escada havia um fosso com centenas de víboras entrelaçadas. Qual seria a utilidade dessas víboras? – pensaram todos. – Seriam alimentos ou eram instrumentos de suplício? Honório explicou baixinho: – Segundo Eulálio, essas víboras servem para intimidar e aterrorizar os novos prisioneiros. Você hão de concordar que não existe réptil mais peçonhento que as cobras, ainda que saibamos que podem ser até domesticadas. Como a maioria dos que vem para cá não sabem sequer que estão mortos, quando vêem essas cobras ficam amedrontados e são facilmente subjugados. Os verdugos passam horas e horas se divertindo a custa desses coitados. Alem das cobras, alguns verdugos hipnotizam as vítimas e fingem que estão amputandolhes braços e pernas. Depois brincam de esconde-esconde. Obrigam os coitados a procurar seus membros dentro do fosso e, só depois de muito sofrimento, os novatos têm noção da realidade. – Mas as cobras são reais! – insistiu, Hugo. 213

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– Mas não fazem dano algum. Servem só para meter medo. Passado o susto, eles saem facilmente do buraco. Isso é uma espécie de batismo. Elas sequer tocam nesses coitados. Quando chegamos, ninguém de vocês ouviu fortes gargalhadas? Pois é! Eram verdugos se divertindo como crianças. Para eles é uma forma de vencer o tempo. Transposto o último degrau, notaram que estavam sendo esperados. Apesar de já estar acostumado com as surpresas, Hugo se impressionou com o quadro à frente. Havia dois tronos no fundo do salão. O da esquerda estava ocupado por um homenzarrão cuja barba tapava todo seu rosto. A cabeça estava coberta por um coroa sem brilho. Dois cornos flexíveis e idênticos aos das gazelas-de-grant, moviam-se lentamente em direção aos visitantes. Estavam fixos à coroa e emitiam um sibilo estridente parecido ao apitos de trem. Sua mão direita, grande e peluda como as mãos dos primatas, segurava um longo tridente. A mão esquerda afagava a cabeça de um bonito mastim. No outro trono sentava-se uma mulher coberta com uma túnica de linho branco. Apesar do local, tinha um semblante muito tranqüilo e parecia ser uma pessoa de fino trato. Tinha um porte de rainha. Era altiva sem ser vaidosa, e os cabelos louros e compridos chegavam-lhe a cintura. Em sua cabeça havia um simples adorno. Os cornos do homenzarrão apitavam cada vez mais alto. O cão permanecia quieto. – O que você acha? – perguntou baixinho, Israel. – Será que estão nos saudando? – Pode ser sinal de perigo. Tudo é possível – disse, Estela. A entrada e os tronos estavam ligados por um singular tapete de alpaca. Até Honório se surpreendeu com a alcatifa. 214

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Atrás dos tronos havia um pavilhão do formato de uma concha. Circulando a alfombra, embora um pouco distantes, avistavam-se doze estacas. Um pouco mais além e junto às paredes, divisavam-se diversos assentos bem rústicos. Estavam mais ou menos dois metros acima do solo. Que estranho lugar era esse? Seria uma sala de julgamento? Seria um circo romano? Ou seria simplesmente um ponto de reunião? Caminharam em direção aos tronos. O homem se mantinha imóvel e demonstrava ter absoluto controle da situação. De repente, surpreendendo a todos, empunhou o tridente e instigou o cão. O animal queria se lançar contra os visitantes, mas surpreendido pela forte luz que resplandecia do corpo de Israel, começou a choramingar com o rabo preso entre as pernas. Agachou-se e começou a se arrastar com o focinho resvalando o piso. Parou diante de Honório e pôs-se a lamber os seus pés. Jean, piedoso, dobrou o corpo e acariciou o belo animal. – Que coisa fantástica eu acabo de ver – observou o homem no trono. – Rex está comigo desde pequenino e nunca o vi choramingar. Sem minha permissão ele não deixa ninguém chegar perto de mim ou de Laí. Já o vi trucidar um selvagem maior do que eu. Que espécie de magia você usou para ele lamber os seus pés? – Nenhuma – respondeu Honório, modestamente. – Simplesmente ele farejou pessoas amigas. – Então, sejam bem-vindos! Quem são vocês e de onde estão vindo?

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– Somos viajantes e estamos vindo das regiões iluminadas. Estamos à procura de alguém que pode estar por aqui. Chama-se Cesar Bórgia. – E o que vocês querem com ele? – Queremos convidá-lo a regressar conosco. – Eu não me recordo desse nome – mentiu o homenzarrão. – Você tem idéia de quem seja, Laí? – Só se tiver outro nome – concordou a companheira. – Todo meu pessoal de segurança veio comigo de Fórgus. Meu nome é Berris e esta é Laí, do Planeta Dortus. Até agora vocês não disseram seus nomes, ou não têm? – Desculpe nossa indelicadeza. Eu sou Honório e este é Israel. Do meu lado direito estão Estela, Hugo, Jean e Pierre. Do lado esquerdo estão Júlio, Cesar, Pompeu, Caio, Augusto e Agripino. Hugo chegou recentemente do Planeta Terra. Na certa você sabe onde fica o Planeta Terra, não é? – Meu filho Vassil já foi imperador nesse lugar. Aqui têm muita gente que viveu por lá. Lá está um deles – apontou com o tridente para um lugar ermo e quase sem visão. Honório ao ver quem era quase teve um sobressalto. Embora totalmente desfigurado, reconheceu Rodrigo, o pai de Cesar. Ao seu redor, quatro pequeninos monstros se divertiam com ele. Eram pigmeus idênticos aos que vivem na Floresta de Ituri, no coração da África negra. Honório sabia de onde vinham. Suas cabeçorras contrastavam com o corpo franzino. As orelhas, da cor do ébano, eram pontiagudas e pareciam duas lanças mirins. Ao rir, exibiam pequeninos dentes alvos, afilados como serra. Como aqueles antropófagos tinham vindo, era um mistério. Honório raciocinava, mas não entendia como eles estavam aí. As criaturas primitivas geralmente encarnam no 216

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próprio meio que viveram. Só depois de muitas e muitas encarnações passam para meios um pouco mais adiantados. Era bem estranho! O que teria ocorrido com aqueles quatro? O mesmo pensamento tinha Israel. Continuaram observando, sem nada dizer. Cada um daqueles canibais tinha nas mãos um cordel preso a uma aranha. Eram enormes tarântulas. Atiravam-nas contra o corpo do infeliz Rodrigo que tremia com o contato delas. Interrompendo o silêncio, Honório comentou: – Por que eles o estão castigando? – Esse cara vive falando num Deus que não conhecemos. Ele vive repetindo que foi a maior autoridade religiosa na Terra e, que por isso, deveria estar no trono. Eu estou mostrando a ele que aqui ele não manda nada. – Só por isso você está aplicando esse tremendo castigo? – Se você ouvisse a cada segundo a ladainha desse sujeito você faria o mesmo! Já não chega estar aqui? – Olhe Berris, talvez você não saiba, mas o sujeito que estamos procurando é filho dele. Ele e os filhos foram trazidos para cá logo que desencarnaram. Os três foram condenados por assassinato. – Desde início eu desconfiava que Cesar era filho desse cara chato. Então Lucrécia deve também ser filha dele! – Onde eles estão? – perguntou, Honório. – Eles fugiram em direção aos pântanos. – Vai ser muito difícil localizá-los – comentou, Júlio. – Conheço aquelas regiões. Sem proteção especial não podemos inspirar aqueles gases. 217

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– Quer que eu vá com vocês? – ofereceu-se, Berris. – Estou precisando mover os músculos. – Sua ajuda seria valiosa, mas acho se eles o vissem não viriam. – Estou intrigado com uma coisa – disse Berris, coçando a cabeça. Quer dizer então que vocês estão pretendendo levar esses canalhas para as regiões iluminadas? E quanto a nós? Também não somos filhos de vosso Deus? – Claro que são! – Então por que vocês não nos levam junto? – Porque não temos ordens para levá-los. Só por isso! – Quer dizer então que nós nunca vamos sair daqui? Sinceramente, nem sei por estou aqui! Eu matei muitos selvagens em Fórgus, mas desde cedo aprendi que matar fazia parte da vida. – Antes de Fórgus onde você esteve? – Em Menfis. – Menfis é um mundo bem primitivo. Você tem idéia de quantas vezes você viveu em Menfis antes de ir a Fórgus? – Quatro vezes. Da última vez expirei bem velho. Saí de lá com quatro mil, quatrocentos e vinte e sete rotações. Depois de três existências em Fórgus, me tornei imperador, mas antes tive que vencer Gor e seu exército de pigmeus. – Esses selvagens que estão torturando Rodrigo vieram de Fórgus? – Eles foram meus executores e também minhas vítimas! – Por favor, explique-se melhor – disse interessada, Estela. – Quando acabei com Gor, esses danados grudaram em mim. Antes de morrer, consegui eliminá-los um a um. 218

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– Quem era Gor? – Era um feiticeiro muito temido. Ele era o chefe mais respeitado das savanas e queria estender seus domínios além do preestabelecido em acordo. Criou um exército de pigmeus e, adestrou não sei como, milhões de aranhas. Tinha uma mente tão forte que conseguia mandar suas aranhas para dentro de nossas barreiras. Conseguimos parar essa praga queimando quase todas as florestas do planeta. Isso nos trouxe graves problemas, pois perdemos quase todas as terras férteis. Impedidos de plantar, começamos a ter falta de alimentos. Tivemos que eliminar todos os velhos. Gor refugiouse nos pântanos junto com uma forte segurança. Conseguimos cercá-lo e eliminá-lo. Num descuido fatal, fui emboscado por essas criaturas que vocês estão vendo. O resto vocês já sabem. – Você tem idéia de como você veio pra cá? – perguntou, Honório. – Quando perdi as forças tive a nítida sensação de atravessar uma barreira, mas o mais incrível é que percebi naquele instante ter dois corpos. Vocês podem acreditar nisso? Um era grosseiro e permanecia prostrado no solo. O outro tinha uma espécie de brilho e volitava solto no ar. Tentei voltar ao corpo que estava no chão, mas não consegui. Permaneci por momentos, atônito e sem nada entender. Confesso que senti um grande receio. Eu não estava entendendo nada. Para ficar ainda mais confuso, esses negros surgiram não sei de onde e grudaram em mim como carrapatos. Não sei quanto tempo ficamos lutando. Cansado e já sem forças para lutar, resolvi dar um berro. Mais uma surpresa me estava reservada. Quando gritei, esses negros se atiraram ao solo e começaram a me fazer reverências. Somente depois entendi 219

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que eles estavam hipnotizados por Gor. Eu já estava senhor da situação quando fomos cercados por uma legião de figuras grotescas e monstruosas. Essas figuras eram comandadas por Rodrigo. – E como você se apoderou do trono? – Com o auxílio de Vassil e sua tropa. – Quer dizer que Vassil já estava aqui? – Vassil foi morto por Gor em combate. Eu não sabia que estava aqui. Juntos tomamos o lugar de Rodrigo. Aliás Vassil é dono do trono. Eu só sento nele em sua ausência. – Isso explica tudo. Vassil não se deixaria dominar. Bem! Já que na ausência dele você é quem manda, posso pedir duas coisas? – Até mais! – Quero Rodrigo e os pigmeus. – Para que você quer os pigmeus? – Para mandá-los de volta. Essas criaturas devem encarnar rapidamente. Não sei como eles vieram para cá. – Acho que grudados em mim. Isso não é possível? – Se é possível, é a primeira vez que isso acontece. – Já que você me pediu duas coisas, posso pedir uma? – Claro! – Vocês não podem levar também Laí? Ela só está aqui por minha causa. Antes que Honório respondesse, Laí disse com voz firme: – Já disse a esse cabeça dura que só saio daqui quando ele estiver preparado para me seguir. Segundo um de seus amigos que esteve aqui recentemente, Berris terá reduzida sua pena e encarnará pela primeira vez na Terra. Quem sabe 220

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num meio mais civilizado Berris poderá triunfar! Ele não é ruim. Eu o conheço muito bem. – Quem deu essa informação? Herivelto? – Esse era seu nome. Era um jovem musculoso e, seus olhos bem negros, causou-me uma profunda impressão. Luziam como faróis. – Desde que chegamos eu tive a impressão que você estava aqui por livre e espontânea vontade. Vou ajudá-la no que for possível. – Traga esse demônio! – ordenou Berris a Lacar. Lacar, um submisso, era tremendamente forte. Agarrou Rodrigo com uma mão e o trouxe como se fosse um simples embrulho. Ao soltá-lo, era difícil crer que aquele monte de fezes fora um dia o mais poderoso homem da Terra. Para quem esqueceu, ele foi o Papa Alexandre VI. – Estão a tua procura! – disse asperamente, Berris. Rodrigo mexeu a cabeça sem nada entender. Sua cegueira era total. O rosto estava coberto de bexigas purulentas e os pés eram duas massas disformes. Os dedos haviam sumido. Havia um enorme corte em cada um dos pés e, de cada corte, saía um líquido viscoso e fedorento. Era como se o corpo estivesse derretendo. No lugar das orelhas havia dois profundos orifícios. Também deles saía um líquido pegajoso e fétido. Estranhamente, não se via um só pelo no corpo. – Meu Deus! – exclamou Estela, impressionada. – Do jeito que ele está não conseguiremos removê-lo sem ajuda. Berris também estava impressionado com o castigo. Laí estava com lágrimas nos olhos. Tentando esconder sua parcela de culpa, Berris ordenou: 221

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– Levem esses negritos daqui! – Nem nas profundezas há tamanho suplício! Não é atoa que Cesar e Lucrécia sumiram. Vassil foi que ordenou esse castigo? – Vassil não tem culpa. Se alguém é culpado, esse alguém sou eu. Sabia que esses negritos eram terríveis, mas não imaginei que chegassem a tanto! – Bem – disse, Estela. – Agora não adiantam lamentações. Vamos socorrê-lo imediatamente. Dito isso, reuniram-se em volta do infeliz e começaram a jogar energias curativas sobre ele. – Ele não está em condições de ser transportado – concluiu Jean, falando como um profissional experiente. Como vamos socorrê-lo? Não temos sequer anestésicos! – Estamos longe demais para contatarmos as torres – deduziu, Honório. – Vamos lançar um pedido de socorro a Godofredo e sua equipe. Eles estão motorizados e poderão estar por perto. Hugo olhava Honório sem nada entender. A um sinal deste, Caio, Pompeu, Augusto e Agripino se afastaram. Como se estivessem no Planeta Terra, Caio dirigiu o pensamento para o Norte, Pompeu para o Sul, Agripino para o Leste e Augusto para o Oeste. Devagarinho, Honório ocupou um lugar no meio deles, e olhou para o Alto. Grandes ondas magnéticas estavam sendo enviadas. Não tardou muito para que obtivessem resposta. Godofredo e sua equipe estavam perto da Região dos Gases e viriam imediatamente. – Godofredo está a caminho – disse Honório, aliviado. – Como transportarão os anões? – perguntou Hugo, curioso. 222

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– Depois de adormecê-los serão encaminhados ao Centro das Encarnações das Esferas Primitivas. Deverão ocupar um novo corpo assim que chegarem. Só não sei se voltarão a Fórgus – observou, Honório. Enquanto isso Jean e Pierre cuidavam de Rodrigo. Naquelas condições, qualquer ajuda era bem-vinda, apesar de Rodrigo sequer murmurar. As aranhas sugaram todas as suas energias. – Não será possível tirá-lo dessa carcaça? – sugeriu, Jean. – Acho que não – opinou Israel, perto dos dois. – Acho que até o Espírito sofreu lesões. Olhem como o cérebro está – concluiu observando a cabeça comprimida à mandíbula. – Acho que antes de ser entregue aos pigmeus ele foi espancado brutalmente. Sua cabeça é uma massa espremida ao pescoço. Nada está funcionando. Os olhos são dois tumores e o tórax está partido em vários lugares. Nem na guerra vi um caso semelhantes! Acho que só sua inteligência não foi afetada. – Que zunido é esse? – perguntou, Hugo. – Parece o bater de asas de uma libélula! Um ponto luminoso foi crescendo e se aproximando. Era o veículo de resgate ansiosamente esperado. Parecia mais uma abelha do que um aparelho. Pousou suavemente e, embora as janelas estivessem fechadas, de fora era possível observar uma réstia de luz artificial dentro dele. O ponto luminoso observado por todos era um farol localizado entre duas pequeninas orelhas vibratórias. Quando em movimento, elas levantavam e permitiam a passagem da luz. Com o aparelho parado, essas pequenas conchas cobriam o facho de luz. 223

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Após alguns momentos, começou a surgir de uma abertura lateral, uma ponta de escada. Antes do aparecimento de Godofredo apagaram-se todas as luzes internas do aparelho. Como essas luzes eram bem fortes e poderiam ferir a visão daqueles prisioneiros, todos cuidados eram seguidos a risca. A escada deslizou lentamente para o solo. Por outra abertura começou a descer lentamente um carrinho. Preso a este havia uma padiola. De uma terceira abertura surgiram os ocupantes. Eram cinco homens e três mulheres. Godofredo não perdeu tempo com apresentações. Andou rapidamente em direção ao enfermo. Uma das mulheres o seguiu com o carrinho. Uma outra começou a examinar o doente. Pela expressão de seu rosto, sentiu que a situação de Rodrigo era muito grave. – Meu Deus! – exclamou a experiente profissional. – Não há uma só fração de energia no corpo. Ele deverá ser totalmente refeito. Não devemos perder tempo. Ponham-no deitado de barriga para cima e prendam-no na padiola. Vamos aplicar uma injeção vitaminosa. Cubram os olhos para não feri-los ainda mais. Coitado! Rapidamente levaram Rodrigo para o interior do veículo e começaram o tratamento. – Posso entrar? – perguntou Jean, dirigindo-se a uma das jovens. – Sou médico e gostaria também de assistir o paciente. – Apesar de médico, não sei se o irmão está em condições de assisti-lo. Elisabeth está fazendo uma lavagem interna. O corpo desse nosso irmão é um monte de excremento. 224

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– Mesmo assim gostaria de assistir. A propósito, meu nome é Jean. – O meu é Carla. Alguém mais quer ver também o paciente? – perguntou aos que estavam perto da entrada. – Não será preciso – disse Honório. Gentilmente Carla ofereceu a Jean um lugar próximo a Rodrigo. Junto a cabeceira do doente havia um cilindro com um estranho manômetro. Acoplado a esse instrumento via-se distintamente uma seta verde oscilando para a direita. Uma mangueira transparente e muito fina, levava fluídos através de um bocal ligado diretamente à boca do paciente. Nos pés foram fixadas duas placas de cobre. Duas presilhas estavam imantadas nas placas e vibravam como se estivessem impulsionadas por um rotor. De um orifício feito na barriga, saía um líquido viscoso de cor acizentada. A energia que passava através das placas pressionava as células apodrecidas para fora do corpo. Um recipiente colocado debaixo da cama cirúrgica, já estava quase que totalmente tomado pela quantidade de sujeira que saía de dentro do corpo do infeliz. A um sinal de Elisabeth, Ulisses, um dos assistentes, procedeu a troca. Pouco a pouco o novo receptáculo começou a encher. Jean observava com angústia aquele quadro clínico. Depois de um relativo período, os pulmões e o coração começaram a funcionar. O cérebro voltou ao seu local original. Os invólucros que cobriam os olhos derreteram e se transformaram num líquido azulado. Foram sugados pela energia das plaquetas e saíram pelo orifício feito artificialmente na barriga. Novo receptáculo foi colocado em substituição ao anterior. Pêlos e fios de cabelos começaram a surgir na pele ainda sem cor, e um leve tremor moveu os lábios. Pareciam cenas de um filme de terror, em que o 225

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cientista montava, um a um, os órgãos do corpo. Novo tremor, agora nas pernas, mostrou que a energia circulava livremente. Um breve suspiro avisou a todos que o Espírito já era senhor do corpo. Sem querer, Jean havia visto o refazimento de uma vida. – Pronto! – disse Elisabeth com um brilho nos olhos. – Já podemos transportá-lo com segurança. – Parabéns pelo magnífico trabalho! – exclamou, Godofredo. – Cubram os receptáculos – disse com modéstia, Elisabeth. – Vamos examiná-los para saber de onde veio o veneno injetado no corpo desse irmão. – Eu acho que tenho a resposta – disse, Jean. – Quando nós chegamos avistamos quatro pigmeus em cima do corpo de Rodrigo. Todos tinham nas mãos grandes aranhas. Eu acho que o veneno veio delas. – Onde estão esses pigmeus – perguntou Apolinário, um dos tripulantes. – Estão logo adiante – respondeu, Jean. – Então vamos a eles – disse ainda, Apolinário. – Quem ficará cuidando de Rodrigo? – disse, Godofredo. – Se vocês não se importarem – ofereceu-se, Gervásio – eu e Gisele cuidaremos dele. Podem ir sossegados. Gervásio e Gisele eram irmãos e viajavam com a equipe pela primeira vez. – Caso a agulha do manômetro encostar na luz vermelha, coloquem um novo cilindro – explicou, Elisabeth. – No almoxarifado ainda há oito em estoque. Quanto às placas nos pés não se importem; quando elas se soltarem é porque não são mais necessárias. 226

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– Que tal levarmos as redes? – sugeriu, Aquiles. – Será que serão necessárias? – perguntou Godofredo a Jean. – Sinceramente, não estou em condições de opinar. – Não se preocupem com isso – interveio Honório, surgindo pela porta. – Berris mandou Lacar ir buscá-los. Por favor, quando vocês levarem essas criaturas ao Centro, digam ao irmão Ventura que não sabemos como eles vieram para perto das Trevas. É a primeira vez que me defronto com situação tão singular. E que tenham cuidado com as aranhas. – Como estão suas energias? – perguntou Elisabeth, mostrando preocupação. – Temos alguns cilindros em miniatura. Gostaria de dá-los a vocês. – Agradeço a oferta. Gastei quase todas as minhas energias me defendendo de um ataque de Tomás da Inquisição. Se eu não tivesse a ajuda de Israel, quiçá teria sucumbido. Gostaria de levar também algumas máscaras de proteção, porquanto vamos até a Região dos Gases. Somos em doze, mas duas máscaras serão suficientes. – Ora, meu amigo! Vamos ceder-lhes quatro cilindros e doze máscaras. Uma para cada um. Elas são pequenas e fáceis de levar. – Eu fico muito grato por isso. Vou ver como andam as coisas. Dêem-me licença. Caio e Pompeu estavam a espera de Honório com semblantes preocupados. – O quê aconteceu? – A coisa não está fácil – respondeu, Pompeu. – Os pigmeus estão resistindo. Conseguiram dominar Lacar e o estão mantendo preso. Berris gritou muito tentando intimidá227

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los, mas nem isso deu resultado. O que faremos? Vamos usar a força? – Com eles isso não dará resultado. Tenho uma idéia e vou pô-la em prática. Chamem Agripino e Augusto e deixem os demais de fora. – O que está acontecendo? – perguntou Godofredo, percebendo que havia algo de anormal. – Nada que não possamos resolver. Por favor, volte ao veículo e esteja preparado para partir. Reunindo-se com seus auxiliares, Honório propôs: – Vamos unir nossas forças e hipnotizar aquelas criaturas. Só não sei se o cérebro dessas criaturas aceitem sugestões de outras formas de vida. – E se não der resultado? – perguntou, Augusto. – Me transformarei numa bonita pigméia e tentarei atraí-los. Depois de alguns momentos de caminhada, avistaram os pigmeus entrincheirados num lugar de difícil acesso. Divertiam-se jogando as aranhas sobre Lacar. – Concentrem-se naquele que parece ser o chefe – sugeriu, Honório. Por alguns instantes o pigmeu não dava mostras de ser dominado. De repente, estacou como se tivesse sido atingido por alguma coisa. Arregalou os olhos e começou a perscrutar vagarosamente tudo que sua visão alcançava. Estava incomodado com algo, mas não se submetia àquela estranha ordem. Os cinco companheiros já demonstravam exaustão, quando, finalmente, o anão focalizado começou a vir com a tarântula nas mãos.

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– Antes de adormecê-lo, vamos sugerir que ele coloque a aranha naquele recipiente – explicou, Honório. – Dentro há um líquido que a fará dormir. Lentamente todos foram atraídos e introduzidos no veículo. Sem despedidas e perda de tempo, a nave elevou-se do solo e disparou em alta velocidade. – Será que Lacar precisa de auxílio? – perguntou Agripino, preocupado. – Acho que não – disse, Honório. – Ali vem ele com Berris. – Só soube agora que estavam em apuros – comentou, Berris. – Para onde foram os pigmeus? – Estão a caminho de um novo lar – respondeu, Honório. – Vi tudo – disse espantado, Lacar. – Não sei que magia eles usaram, mas os negritos desapareceram no meio de uma grande fogueira. Era tão grande que soltava faíscas de todos os lados. – Isso é verdade? Eles foram queimados? – perguntou, Berris. – Aquilo parecia uma fogueira, mas não era uma fogueira. Era uma equipe de salvamento que veio em nosso socorro. – Mas onde estão? – Já estão longe do alcance de nossas vistas. – Esse seu Deus deve ser muito poderoso! – exclamou Berris, cofiando a barba. – Bem! – exclamou, Honório. – Vamos agora procurar Cesar. – Olhando para Laí, completou: vamos interceder por vocês. Pode ficar tranqüila, querida irmã. 229

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Apesar de sentir que Herivelto já está cuidando disso, vou procurar ajudá-los. Que Deus se lembre de vocês. Laí nada respondeu. O brilho de seus olhos falava por ela.

CHANG E ENG e A REGIÃO DOS GASES

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erifiquem os equipamentos. Vejam se estão todos em ordem – aconselhou, Honório. – Vamos entrar numa área muito perigosa. Quando sentirmos o solo tremer, é sinal que estaremos perto dos pântanos. O cheiro aí é insuportável. Se tivermos necessidade de cruzá-los, usem as máscaras de proteção. Não facilitem, pois os gases que saem das entranhas da terra são terríveis. – Antes de começarmos a caminhada, gostaria que você me explicasse uma coisa que está me intrigando – disse Hugo a Honório. – Refere-se a esse tal de Vassil. – O que você quer saber? – Se Vassil é Ivan, o Terrível, como ele foi parar em Fórgus? – É muito fácil explicar. Como você sabe, Ivan foi um terrível assassino. Pesa em suas costas mais de três mil mortes. Quase todas com requintes de crueldade. Ivan foi julgado e mandado para um mundo primitivo. Um mundo mais atrasado que a Terra. Para um homem inteligente, é tremendamente doloroso viver entre selvagens. Ali ele apreenderá a respeitar seus semelhantes. Se necessário, ele encarnará várias vezes nesse mundo, até ter condições de ser trans230

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ferido. No caso dele, depois de Fórgus, foi mandado às Trevas para completar a pena. Depois das Trevas passam para o Umbral, até chegarem perto das fronteiras de luz. É um longo caminho. Ivan já cumpriu mais de quinhentos anos de pena. Talvez já esteja em condições de regressar a Terra, sem passar pelo Umbral. Isso as vezes acontece. Vamos ver como ele está e como se comporta. Mais alguma coisa? – Você foi bem claro. Grato pela explicação. Aproximando-se dos dois, Augusto comentou: – Eu acho que Cesar não ousaria atravessas esses pântanos. Ainda mais tendo ao lado Lucrécia! – Eu acho que você tem razão – concordou, Honório. – Vamos nos dividir e seguir caminhos opostos. Estela, Hugo, Caio, Júlio e Cesar virão comigo. Os demais sigam com Augusto. Nos encontraremos na Região das Cavernas, ao lado do Marco dos Guizos. – Por que Marco dos Guizos? – perguntou, Hugo. – Porque é um lugar cheio de cascáveis – respondeu, Júlio. – Que o Anjo Gabriel vos acompanhe – falou, Israel. – ..... e que o Mestre Divino vos ilumine – completou, Estela. Depois de alguns momentos, Hugo, comentou: – É minha imaginação ou estamos andando em círculos? – Não é sua imaginação. A região pantanosa é uma grande área circular, cheia de ilhotas. Em cada uma dessas ilhotas há um senhor do mal. São tão ruins esses senhores, que não conseguem viver juntos. As vezes encarnam aos pares, para que aprendam a lei do amor e da tolerância. Alguns nascem unidos em um só corpo. 231

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– Como podem viver dois espíritos num só corpo? – Se há dois cérebros e dois corações, por que não dois espíritos? Isso é perfeitamente viável, caro Hugo. – Mas o corpo é imperfeito! Isso não é traumático? – Realmente é extremamente dolorosa essa situação, mas em alguns casos é necessária. Aprenderão a se respeitar, coisa que não faziam quando eram sãos. O sofrimento, Hugo, eleva as criaturas. Não se esqueça disso! – Você está me fazendo lembrar de um caso muito famoso na Terra. Eram dois irmãos siameses nascidos na Tailândia e que se tornaram famosos nos Estados Unidos. Nasceram ligados entre si por uma membrana situada na altura do peito. Morreram, se eu não estiver enganado, com mais de sessenta anos. – E constituíram família – ajudou, Estela. – Eu me lembro perfeitamente desse caso – disse, Honório. – Chamavam-se Chang e Eng. Tornaram-se artistas e brilharam nos palcos. Continuam a ser os mais famosos irmãos siameses que pisaram a Terra. Saibam vocês que esses dois maravilhosos seres não se odiavam. Pelo contrário, amavam-se muito. Pediram para encarnar unidos para dar um exemplo de amor. – Não é um típico caso de almas gêmeas? – observou, Júlio. – Que eu saiba, não existem almas gêmeas. Existem almas similares, mas não gêmeas. Chang e Eng eram espíritos semelhantes. Conheci os dois muito antes de encarnarem com esses nomes. Chang viveu na China no século dois da era cristã. Era filósofo e um grande matemático. Foi conselheiro do casal imperial. Já Eng, foi um Vizir muito amado pelo povo. Ambos se uniram e quiseram demonstrar que os povos 232

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podem e devem se amar, apesar das diferenças religiosas e étnicas. Um dia toda a Humanidade se amará sem preconceitos – previu Honório, um pouco emocionado. Venceram diversas milhas sem avistar um só sinal de vida. – Onde estão os sofredores? – indagou, Hugo. – Estão em volta dos lodaçais – respondeu, Honório. – Os que vivem nos brejos são terríveis caçadores e, os que estão fora, se mantém afastados temendo se transformar em vítimas. – Mas se aqui não há ninguém, onde estão quem procuramos? – Se pararmos e inspecionarmos o fundo destas fendas, veremos muitos sofredores. Experimente cheirar esses gases que estão saindo dessas brechas no solo. – Você está me confundindo! Você não disse para não cheirarmos esses gases? – Eu disse os gases dos pântanos! Estes fedem mas não abalam! – Esses gases vem de regiões internas? São géiseres? – Esses não! Esses provém de matérias orgânicas. Para ser bem preciso, de matérias fecais. – Mas como isso é possível? – Alguns desses sofredores estão aí há mais de mil anos e evacuam diariamente como os humanos. – Para evacuar precisam comer alguma coisa! De que se alimentam? – De toda espécie de vermes. Eles cavam a terra e acham comida. As próprias fezes são uma rica fonte para proliferação dos vermes. Há gusanos, minhocas e, até, grandes lombrigas! 233

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Hugo quase vomitou ao ouvir isso. – Jesus Cristo! – conseguiu dizer. – Por que eles não saem dessas tocas? O que eles temem? – Temem ser escravizados pelos que vivem nas ilhotas. – Mas o que essa gente fez para merecer tamanho castigo? Na certa são selvagens assassinos? – Assassinos sim, selvagens não! Ao contrário dos selvagens, são muito civilizados. Por isso estão aí. Os selvagens não vem para cá. De tão civilizados – disse com uma ponta de ironia – fizeram mal uso do poder. Você concorda que uma simples assinatura leva milhares de criaturas para a morte, não é? Você foi testemunha disso. A maioria dos que estão dentro das fossas foram importantes homens na Terra. Não é necessário enfiar uma faca no corpo de alguém para se tornar um assassino. Mata-se mais à distância! – Será que eles tiveram melhor sorte? – perguntou Estela, procurando mudar de assunto. – Estou com um pressentimento estranho! Acho que Berris nos enganou. Por que, ainda não sei! Vocês repararam que ele não deu uma pista sequer a respeito do paradeiro de Ivan? Não é estranho isso? O que te parece, Estela? – Para falar a verdade, estranhei muito a ausência de Ivan! – Como estão tuas energias? – Até agora, intactas. – Então, por favor, pense em Berris e veja se vê algo diferente. – Estou vendo algo – comentou Estela após alguns instantes. – Parece que fomos enganados. Há um homem 234

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sentado no trono com um elmo sobre a cabeça e uma barba triangular bem grande e dividida ao meio. Tem também longos bigodes voltados para baixo. Tem um nariz bem afilado e olhos penetrantes. Ao seu lado estão um homem de meia idade com uma vasta cabeleira negra e um semblante feroz, e o que restou de uma bela mulher. – Não há mais dúvidas! O que está no trono é Ivan. O homem e a mulher devem ser Cesar e Lucrécia. – É possível avisar Israel? Peça que nos encontre onde pousou o veículo de Godofredo. Não demorou muito para que todos estivessem novamente reunidos na entrada do castelo. Ivan os esperava sentado no trono. Como Estela tinha visto, ao seu lado estavam Cesar e Lucrécia. Os três não pareciam nem sombras do que foram na Terra. Lucrécia parecia uma bruxa dos contos infantis. O capacete de Ivan era na realidade um pedaço de lata retorcida com duas pontas viradas para cima. Era até cômico vê-lo desse jeito. Já Cesar, parecia mais um louco, do que um príncipe. Apesar dos trajes, Ivan tentava se manter altivo. Assim que encarou Israel, disse: – Como vai o meu velho amigo? Pelo que estou vendo, você subiu um pouco na vida. Israel nada respondeu. – Afinal de contas – emendou Honório no lugar de Israel – por que essa farsa? – Quê farsa? – Por que não vimos vocês quando estivemos por aqui? – Porque nos escondemos. Até um burro compreenderia isso! 235

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Sem se molestar, Honório novamente perguntou? – E por que vocês se esconderam? De quem vocês têm medo? – Eu não tenho medo de ninguém. Só não quero ser transferido daqui. Se é para sair daqui e ser levado novamente a Fórgus, prefiro continuar por aqui. – Cesar e Lucrécia não estiveram em Fórgus. Por que também se esconderam? – Porque também não queremos ser transferidos para os pântanos! Não é isso que vocês estão querendo fazer? – Vocês estão redondamente enganados. Queremos levá-los de volta a Terra. Temos nobres missões para vocês todos. – Você está querendo brincar comigo! – gritou, Ivan. – Como posso encarnar na Terra sem passar pela região das Sombras? – É que vocês já perderam muito tempo por aqui. Eu acho que vocês já têm condições para voltar. – E quais serão exatamente nossas missões? – perguntou desta vez, Cesar. – Você ocupará um cargo importante no meio religioso. – Ah não! No meio religioso, não! O meio religioso é um grande mundo nojento! Pegajoso! Dentro dele só há podridão. Ali só se fazem conchavos e futricas. Eu fui na Terra um político habilidoso e sem escrúpulos, mas todos se esquecem do meio em que eu vivia. No meio em que fui criado. Como alguém pode ser bom num antro de corrupção? Se sendo inteligente já é difícil, imaginem quando se é fraco e imbecil? Reconheço que era muito vaidoso e cometi muitos desmandos, mas e quanto os bajuladores? Os políticos? 236

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São todos ladrões e canastrões! São capazes de assassinar os próprios pais para atingirem seus objetivos. Eu e papai vivíamos cercados de parasitas. Dia e noite éramos assediados por vermes que rastejavam aos nossos pés. Davam-nos regalos e mais regalos e, depois, vinham pedidos dos mais sórdidos. Lucrécia sabe do estou falando. Devemos ser muito sagazes para sobreviver nesse meio. Reconheço que meu pai era muito ambicioso, mas só foi por isso que chegamos aonde chegamos. Já que ele não tinha sangue real, optou pelo papado. Como papa ele se tornou mais poderoso que os reis da Europa. Todos nós sabemos que na Terra não há um posto mais elevado. São os papas que comandam o mundo! – Nós sabemos disso – concordou, Honório. – É por isso que queremos aproveitá-lo nesse “seu mundo nojento”. É a tua oportunidade para pagar todos os teus pecados. Você e Hugo que está aqui ao meu lado, farão grandes reformas nesse meio. Com sua habilidade e a persistência de Hugo, alcançaremos nossos objetivos. – Eu não sei se isso vai dar certo. – Ora, você não tem nada a perder! – comentou a irmã. – Eu faço tudo que é possível para sair daqui. Se quiserem, eu encarno como uma freira. – E então? – perguntou Honório a Cesar. – Aceita? – Se fracassar, não me culpem, hein! – E eu? – perguntou Lucrécia. – Como você mesma sugeriu, será uma freira. Então, estamos acertados? – E quanto a mim? – perguntou, Ivan. – A Rússia está precisando de homens inteligentes. – Serei novamente Tzar? 237

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– Na Rússia não há mais Tzares. Hoje há uma nova forma de governo. Após uma sangrenta guerra civil, o poder caiu nas mãos dos bolcheviques. – Bolcheviques? Quer dizer então que os malditos pés-descalços tomaram o poder? O quê aconteceu com a família imperial? – Foram fuzilados! Hoje quem dá as ordens é um títere de mãos de ferro. Chama-se Josef Stalin 1. – Estão vendo como eu tenho razão? – surpreendeu, Ivan. – Razão em quê? – Quando não se é valente, acabamos como vermes. Foi o que aconteceu com a família imperial. Não tenho razão? – Não se esqueça que a miséria gera violência e dá coragem até aos covardes. Talvez a família imperial não fosse diretamente culpada pelos desmandos de alguns maus súditos, mas uma coisa é certa: havia um regime de terror igual ao seu tempo. – Eu não sei fazer nada além de lutar! – Você terá ocasião de lutar a favor dos oprimidos, coisa que você nunca fez. – E como isso será possível? – Na pele de um agente ou militar. Assim você estará próximo do poder. Quem sabe você não se tornará um grande chefe de estado! – E quanto a Berris e Laí? 1

Jossif Vissarionovitch Djugatchvili, dito Stalin. Propagandista revolucionário, aderiu aos comunistas liderados por Lenin. Com a morte deste, tomou o poder depois de eliminar todos seus oponentes. (Gori, Geórgia, 21-12-1879). 238

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– Por enquanto ficarão mais um pouco por aqui. Eu vou ver como anda o processo de Berris. Quanto a Laí, ela está livre para partir. Se quiser, é claro! Vocês deverão seguir com Agripino e Augusto. Eles os levarão com segurança até a fronteira. Vamos ficar ainda mais um pouquinho por aqui. Ainda temos algumas coisas a fazer. Vão em paz e que Deus esteja convosco. OPRICHNIKI e OPRICHNINA

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al tinham reiniciado a marcha, Estela se acercou de Israel e perguntou: – Você já conhecia Ivan? – Não é a primeira vez que o vejo. Eu não sei se ele está preparado para voltar. Ele sempre humilhou os fracos e oprimidos. Sentia imenso prazer quando via seus súditos implorando de joelhos. Era um tirano como jamais se viu na face da Terra. Tinha uma inteligência rara, mas não perdoava ninguém. Em crueldade ele superou Átila, só que Átila era um bárbaro. Eu escapei por pouco da sanha desse insensato. Quando Vassilie criou a “oprichniki” e “oprichnina” ousei rebelar-me. Tive que sair às pressas do território. Refugieime na Polônia, e lá permaneci com outra identidade por doze anos. Eu era um de seus generais. Minha mãe era prima de quarto grau de Helena Glinskaia, mãe de Vassilie. – O que significa oprichniki? – Eram administradores do reino. Gozavam de regalias e tinham um poder especial sobre todos os súditos. – E oprichnina? – Os oprichnina se fizeram famosos pelo emprego do terror. Constituíam um corpo de elite que caçavam os 239

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opositores do regime. Cavalgavam corcéis negros, e tinham pendurados nas celas, crânios de cães. Eram mais temidos que o Diabo. Tinham também como símbolo, grandes vassouras penduradas ao lado dos crânios. Isso significava que estavam à caça de bruxas, só que invés de bruxas, caçavam e matavam inocentes ao milhares. Em maldade só perderam para os carrascos da Santa Inquisição. Até hoje, recuso-me acreditar que haja sobre qualquer solo, criaturas com uma índole tão má. Tomará que eu esteja enganado quanto a Vassilie! PENITENCIÁRIAS SEM CELAS

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stamos nos aproximando da orla – comentou, Caio. – Então já é hora de colocarmos as máscaras de proteção – ordenou, Honório. – Vamos entrar? – indagou, Júlio. – Não será necessário. Isto aqui, Hugo, é uma penitenciária sem celas, nem grades. Aqui estão as mentes mais criminosas de oito planos de expiação. A Terra contribui generosamente para que o local esteja sempre lotado. Em cada ilhota mora um ser com cérebro privilegiado. Ao contrário do Umbral, não são socorridos quando se lembram de Deus. Eles foram julgados e têm um tempo certo para sair. Em volta das ilhotas há diversas cavidades que expelem um gás extremamente doloroso. Dentro desse imenso charco de detritos, não existe um só ignorante. Todos têm mentes brilhantes e fizeram mal uso desse dom divino. Juízes, promotores, médicos, cientistas, poliglotas, políticos, chefes militares, presidentes e, como não poderia faltar, 240

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falsos pastores. Os juízes foram penalizados por maus julgamentos; promotores, porque acusaram injustamente; médicos porque abreviaram a vida em circunstâncias criminosas; cientistas porque criaram armas de destruição; poliglotas porque semearam a discórdia; políticos porque legislaram em causa própria; chefes militares porque arrastaram milhares para as guerras; presidentes ditadores que prometem e não cumprem; pastores porque falseiam as verdades. Fixe a vista naquela elevação à direita. Já localizou? – Estou vendo uma figura semelhante a uma daquelas estátuas da Ilha de Páscoa. Parece um totem. Quem a colocou aí? – Aquilo não é uma estátua. Aquilo é um ser como nós. Olhe aquele um pouco mais atrás. Também é um ser como nós. – Mas aquilo é uma serpente marinha! Olhe o dorso! Está cheio de escamas! – Olhe lá uma réplica de dragão – comentou, Israel. – Meu Deus! Isso é indescritível! – Se eu disser que estão nos observando e sabendo do que estamos falando, acreditaria? Isso é que aumenta o sofrimento desses seres. Conservam a mesma inteligência e sabem que continuarão por aqui durante séculos. Talvez milênios! – Quando terminam as penas eles adquirem a nossa aparência? – perguntou Pierre pela primeira vez. – Correrão ainda muitos anos para adquirirem aparências mais suaves. Geralmente encarnam em mundos mais atrasados que Fórgus, e deverão usar os conhecimentos para fazer esses povos progredirem. Se fracassarem 241

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novamente, serão novamente penalizados, só que com menos rigor. – Mas como é difícil chegar as esferas de Luz! – observou, Hugo. – Mas acho que vale o esforço! – comentou, Estela. – Quem não gosta de comer frutas frescas e saborosas! – emendou, Israel. – Jean! Abaixe um pouquinho a máscara e sinta o cheiro que sai do solo – disse, Honório. – Os demais continuem com as máscaras aonde estão. – Por que só eu? – Porque você é o único médico do grupo. Vê se você reconhece o cheiro! – Isso parece fel. – Acertou. É cheiro de amargor. É o que sentem todas essas criaturas dentro do pantanal. Muito amargor! – Para mim, o que vi já basta – disse com pesar, Hugo. – Vou orar muito por essas criaturas, principalmente, quando estiver na Terra! – Bendito sejas por isso! – desejou, Estela. – Já que você deu a idéia, que tal orarmos um pouco? – experimentou, Honório. Dez almas em comunhão elevaram os pensamentos a Deus. Por instantes, fez-se luz dentro das Trevas. – Vamos voltar pelo mesmo caminho e levar Cerdeiras. Acho que desta vez ele também se salvará. Quando viu Honório, Cerdeiras atirou-se a seus pés procurando beijá-los. – Rezei muito a Deus para que o amigo não se esquecesse de mim – disse Cerdeiras em prantos. – Desta vez eu não vou falhar. 242

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– Assim espero! – disse, Honório. 3a PARTE PRESTANDO CONTAS

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zequiel esperava a todos no Salão Rosa. Ao seu lado, sorridente, achava-se Estela. Uma tiara magnífica realçava ainda mais sua beleza. Uma pequenina tulipa azul presa em seus cabelos, dava-lhe um ar ainda mais exuberante. Ezequiel sabia porque ela estava extremamente feliz. Ela não dizia, mas Ezequiel sabia que ela sentia uma enorme atração por Israel. Ao vê-lo novamente, sua expressão se tornou ainda mais feliz. Israel entrou seguido de Hugo, Jean e Pierre. Pareciam os amigos do famoso romance de Alexandre Dumas2. Logo a seguir chegaram Honório e os demais. – Eu vos saúdo e lhes agradeço por vosso esforço – começou dizendo, Ezequiel. – Encontro-me deveras emocionado por tão belo trabalho. Eu não faria melhor. Estela me contou algo sobre os brilhantes resgates. A abóbada celeste se ilumina quando uma alma se arrepende e é recuperada. Rodrigo, em especial, comoveu a todos quando chegou. Não desejo lembrá-los que seu estado era lamentável, porém o Dr. Fritz me informou que jamais tinha visto algo parecido. Para vocês terem uma idéia, foi preciso substituir, uma a uma, todas as bilhões de células de seu 2

Escritor francês, também chamado Dumas pai (Villers-Cotterêts, 24-071802 – Puys, 05-12-1870). Entre suas obras mais famosas, ganham destaque os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo. 243

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corpo. Não havia em seu corpo, uma única célula sã. A equipe do Dr. Schultz está preparando um antídoto para eliminar esse veneno violento. Dentro em breve ele será levado a Fórgus. Cesar, Lucrécia e Ivan tiveram alguns problemas quando atingiram a claridade. Isso é comum. Quanto a Berris, caro Honório, já emitimos uma ordem para traze-lo. Laí é uma velha companheira. Usa-mo-la para atrair Berris. Parou por uns instantes, e reiniciou perguntando: – E Gregório? Por que não quis vir? Ainda tem ciúmes de mim? – Não conseguimos convencê-lo – respondeu, Honório. – Hugo argumentou de todas as formas, mas tudo foi em vão. – Ele e Tomás se acham injustiçados – comentou Hugo, entrando na conversa. – Não sei se todos concordam comigo, mas eu achei Tomás mais fanático do que maldoso. – Essa foi também a minha impressão – disse, Israel. – Aliás, todos envolvidos na fé cristã que conheci, sem exceção, se achavam inspirados quando tomavam algumas decisões absurdas. Gregório está convencido que agiu certo e nada o faz mudar. Afirmou que teve aval de Jesus quando deu a ordem do Massacre. – Aval de Jesus! De onde ele tirou essa idéia! – exclamou Ezequiel, profundamente indignado. – Ele disse que antes de ordenar a matança, falou com Jesus. Com a imagem de Jesus! Como é óbvio que imagens e esculturas não falam, ficou sem resposta. Aí achou que o silêncio era um sinal de consentimento. Seguiu direitinho o adágio popular: quem cala, consente! 244

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– Mas que absurdo! – exclamou Ezequiel, mais indignado. – De onde ele tirou essa idéia? – Na certa de sua mente doentia! – observou, Estela. – E Tomás? Também raciocina desse jeito? – Pior!! Acha que Deus irá procurá-los e pedir perdão. Esse é louco varrido! – Quê absurdo! Quê profano! Agora estou entendendo porque ainda se arrastam naquela lama. E pensar que Gregório foi uma das mentes mais brilhantes de minha época! Tomás sempre foi um louco, mas Gregório sempre demonstrou muito equilíbrio. – Eu acho – palpitou, Hugo – que Tomás o está induzindo. Chegaram a discutir na nossa presença. – Isso é um sinal que Gregório está confuso. Dentro em breve faremos novo contato. E Gustav? Por que não o trouxeram? – Ele pensa do mesmo jeito que Tomás. Disse que sempre agiu em nome da fé e criticou Jesus abertamente. Acha que Jesus sempre foi protegido e favorecido por Deus. – Todos somos protegidos por Deus. Por acaso ele acha Deus injusto? – Eu acho que ele é mais um fanático digno de piedade – comentou, Israel. – Só não compreendo porque todos que se envolvem com livros religiosos, se acham inspirados e donos dos destinos das pessoas. Gregório disse que teve autorização de Jesus. Já Gustav foi mais modesto: disse que era um simples subordinado agindo com anuência da Santa Sé. Só não soube dizer porque foi excomungado. Sinceramente, acho os dois completamente loucos. – Estela disse algo a respeito de Horácio e Hugues? – indagou, Honório. 245

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– Ela me disse que eram duas figuras alegres e que um deles foi padre. – Eu acho que ele tem condições de ser aproveitado em Roma. – Essa ordem deverá partir de Emílio. Ele é o responsável por todos. Eu ficarei por aqui observando e ajudando no possível. Deus me concedeu a honra de assessorar Jesus. Dentro em breve contaremos com sua presença. Ele tomará parte da reunião final e estará acompanhado dos Anjos Miguel e Rafael. Estes dois irmãos sempre estão presentes nas grandes reformas da Terra. Falem-me agora dos pigmeus. – Já vi coisas de arrepiar, mas nunca vi algo parecido – comentou, Honório. – Eles tinham um tamanho domínio sobre as aranhas, que a princípio eu pensei que não conseguiríamos dominá-los. Fiquei estarrecido quando os vi seviciando Rodrigo. Perguntei a Berris como chegaram àquele lugar, mas Berris jurou que nada sabia. Observou somente que vieram todos engalfinhados. – Isso tem que ser bem averiguado, porquanto esses primitivos não estão preparados para mudar de plano. E as aranhas? Vieram grudadas a eles? – É o que tudo indica. – Será que não deixaram ovos naquele lugar? Se aconteceu isso, Berris ou quem o suceder terá grandes problemas! Godofredo as deixou no laboratório de análises. Estou aguardando um relatório do Dr. Celsus. Celsus viveu na selva amazônica quase meio século. Quando as examinou, afirmou que nunca viu aranhas tão agressivas. O que continua me intrigando, é como esses pigmeus foram para outra dimensão! Dependendo do tempo de vida, costumam 246

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encarnar dez vezes no mesmo ambiente. Depois da décima existência são retirados por guias experientes. Nessa ocasião eles já possuem um princípio de inteligência, tanto é que são vistos como sábios pelos selvagens mais jovens. – No continente africano também aconteceu isso? – surpreendeu Hugo. – Por que só no continente africano? Todas as civilizações começam dessa maneira. O que difere, são as formas. Quase todas os planos têm condições de vida diversas. Algumas são quase semelhantes, mas não são exatamente idênticas. As condições de vida da Terra não são as mesmas de Júpiter. A vida em Marte é diferente da de Plutão, e assim por diante. Por isso os seres têm aparências distintas. Umas são mais grosseiras que as outras. Quanto mais adiantado for o ser, menos doloroso será o novo início de vida. Muitos dos Planetas que citei são estâncias de repouso para Espíritos em plena liberdade. Eu mesmo já me abriguei por diversas vezes naquele esplêndido satélite que ilumina as noites terrestres. Nosso irmão Ismael, protetor da Pátria do Cruzeiro, costuma repousar nesse satélite. – Onde fica a Pátria do Cruzeiro? – indagou como sempre, Hugo. – No hemisfério sul do Planeta. Essa Nação tem um grande destino. Milhares de mentes espiritualizadas estão nascendo naquele Verde Oásis maravilhoso. No coração dessa Nação, vive atualmente um irmão que revolucionará o mundo com sua rica mediunidade. Estou me referindo a Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico

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Xavier3. Seu Guia Espiritual, Emmanuel, é um antigo Senador de Roma. Somos amigos e nos correspondemos há muito tempo. Muitos irmãos daqui estão se cadastrando para aumentar os recursos desse magnífico médium. São poetas e escritores que querem passar suas experiências através desse irmão. Ele será dentro em breve, um dos maiores médiuns que já pisou o solo terrestre. Aliás não é a primeira vez que ele se manifesta através da escrita. Ele já o fez muitas vezes. Por discrição e a pedido de seu protetor, não vou dizer nenhum de seus nomes. Alguém deseja fazer alguma pergunta ou comentário? – Eu quero falar algo a respeito de uma criatura que avistamos logo na entrada no Vale. Fomos abordados por ela de forma violenta. Queria que pagássemos uma taxa para atravessar a área. Causava arrepios sua aparência, e uma horda de brutos dava-lhe cobertura. Tinha até cães para impedir a passagem dos que se recusavam a pagar. Eu queria saber como uma criatura dessas esta tão perto das fronteiras. Ela não deveria estar mais no interior? Antes que Ezequiel respondesse, Honório informou: – Já foi providenciada a sua remoção. Assim que chegamos informei a Ricardo, o responsável por aquela área. Ricardo me informou que foi difícil o transporte de todos. Ela vai permanecer um bom período perto dos pântanos. Depois de cumprir a pena, reencarnará no próprio local que cometeu os crimes. Os cães foram trazidos para cá e serão amansados. – Gostaria de pedir ao venerado irmão que nos escalasse também para ir à Terra – disse Augusto, 3

Francisco Cândido Xavier. Magnífico médium escritor nascido em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, em 02 de abril de 1911. 248

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surpreendendo a todos. – Estou falando também por Agripino, Júlio, Cesar, Caio e Pompeu. Isso será possível? – perguntou com um certo atrevimento. – Calma, meu rapaz! Eu lhes dou minha benção, mas vocês terão que pedir autorização a Emílio. Estou certo que ele concordará com esse pedido. Agora peço licença para ficar um pouco a sós com Hugo. Por favor, não fiquem chateados. Que Deus vos acompanhe. PROPOSTA OFICIAL

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ue tal foram suas experiências? – perguntou, Ezequiel. – Foram muito ricas! – Isso é muito bom. Como entre nós não existem segredos, vou ir direto ao assunto. Até agora você sabe que vai encarnar no mundo religioso, só não sabe que cargo você terá nesse mundo. Pois bem! Eu estou te convidando para ocupar o mais alto posto da Igreja Católica. Isso mesmo, Hugo. Você ouviu muito bem! Se você concordar, será o próximo Papa! – Eu tenho um profundo respeito pelo irmão, mas acho que esse convite está sendo feito à pessoa errada. Israel tem muito mais condições de exercer esse cargo do que eu! – Se eu achasse que você não teria condições de exercer esse cargo, não faria o convite. Eu o conheço muito bem, e sei que você se sairá muito bem. Você já viveu ao lado deles e sabe como tratá-los. Quero para esse posto alguém sem idéias pré-determinadas. Ouça-me primeiro e, depois, tire as conclusões. Não se apresse. Você se lembra de quando estávamos em Roma? Você se recorda das batalhas 249

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que tivemos que travar por causa das indulgências? Você se lembra como o querido Lutero 4 foi combatido por isso e como a coisa acabou? Simplesmente nasceu uma Igreja baseada nos fundamentos defendidos por Lutero. Você se lembra do famoso duelo de palavras que ele teve que travar com Tetzel?5 Apesar de tudo que ocorreu naquela época, essa prática, além de continuar, se fortaleceu mais e mais e continua nos dias de hoje. Isso tem que acabar e será uma de suas tarefas. Vamos inicialmente fazer uma viagem ao passado. Vamos aproveitar as palavras que Jesus transmitiu a uma médium francesa no final do século dezenove. Isso mesmo! Você ouviu direito! Século dezenove! Para preencher um vácuo de sua vida, Jesus ditou a essa querida irmã, todos os grandes momentos de sua vida. Essa irmã reuniu essas mensagens e fez um livro. Sabe você o quê aconteceu? Essa irmã foi perseguida pela Igreja e essas mensagens foram queimadas em público. Vamos recordálas?6. Como num passe de mágica, um foco de luz apareceu diante deles; Jesus falava aos apóstolos e a uma pequena e atenciosa multidão. 4 Martinho Lutero (Martin Luther). Teólogo alemão, fundador do luteranismo, o maior vulto da reforma protestante. (Eisleben, Turingia, 10-11-1483 – id., 18-11-1546). 5 Johann Tetzel (1465-1519). Sacerdote alemão cuja maneira de conceder as indulgências papais constituiu um dos motivos que levaram Lutero à revolta. Foi um famoso pregador da Inquisição. 6 NOTA DO AUTOR: as palavras doravante encontradas entre aspas, foram extraídas de um conjunto de mensagens enviadas por Jesus a uma médium francesa em fins do século IXX. Para dar mais autenticidade a esta obra, o autor, que também é médium, recebeu autorização do Alto para colocá-las neste livro. 250

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NAS PLANÍCIES DA GALILÉIA

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proximai-vos amigos meus, dar-vos-ei a felicidade de crer em Deus nosso Pai, princípio e adorável fim da criação, aliança e movimento das invisíveis harmonias e incomensuráveis grandezas do Universo. “Vos demonstrarei a superioridade gradual e a afinidade dos Espíritos entre si, a diversidade dos elementos e a superioridade absoluta da direção dos globos planetários, dos fosforescentes astros errantes, das reconstituições luminosas, do decrescimento e da regeneração dos mundos. “Vos ensinarei a vida espiritual na matéria e fora da matéria, vos contarei minhas dúvidas, minhas esperanças, minhas faltas, minha gloriosa coroação, o martírio de minha alma, o triunfo de meu Espírito, as lutas de minha natureza carnal com as aspirações do meu pensamento, a tendência humana ardendo em meu coração completamente cheio dos desejos de uma pureza imortal. Vos descreverei a Jesus como o mais adiantado dos Messias vindos à Terra e farei resplandecer a casa de Deus, livre de toda a superstição filha das criaturas; vos conduzirei ao sentimento do dever e vos convencerei da felicidade que espera aos fortes, humildes e religiosos observadores das leis de Deus. “Ao ouvir minha voz sereis consolados, vós que chorais, e caminhai sob minha terna proteção, oh vós que gemeis no isolamento e na ingratidão, no abandono e na injustiça, no esgotamento das forças físicas e na amarga sensação da lembrança e do remorso! Eu quero minar toda a 251

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crença no maravilhoso, fazendo-me conhecer tal qual sou e afirmando a graça como um efeito da justiça divina. “A graça é o benefício da força; a força resulta no progresso do Espírito e todos os Espíritos se elevam por meio das provas da vida carnal quando compreendem seus ensinamentos. EM JERUSALÉM

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u sou aquele que meu Pai enviou para darvos sua lei; quem quiser seguir-me verá Deus. Eu caminho pela estrada da verdade e a luz resplandece em mim. “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis. Isto quer dizer que Deus é uma ciência e que responde aos que trabalham. “Estudai a origem dos males e a dos benefícios e reconhecereis a justiça de Deus. “Afastai-vos do orgulho e dos tumultos da terra para interrogar a Deus e ouvir o que vos responderá. “Eu sou o filho de Deus, porém esta honra foi merecida por mim e vos digo: todos os homens de boa vontade podem chegar a ser filhos de Deus. “Não me pergunteis aonde vou nem de onde venho. Somente meu Pai conhece meu porvir, e meu passado permanece oculto para mim, enquanto o pó que envolve meu Espírito se mistura com o pó dos mortos. “Destruí em vós o homem velho e deixai falar o homem novo. Enquanto existir em vós algo do homem velho, as paixões serão mais fortes e o vento soprará sobre vossos projetos. 252

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“Humilhai-vos diante de Deus e não procureis o domínio entre os homens. “Arremessai para longe de vós as coisas inúteis e cumpri a lei do amor. “Diminuí vossos gastos para socorrer os pobres; o que tudo tenha dado aos pobres, será rico na presença de Deus. “Levantai longe daqui vossa vivenda; pois que, vos digo, o homem é viajante sobre a Terra. Sua família espera-o; sua família o seguirá em outro lugar e terá ainda que trabalhar para reparar as perdas presentes. “Não enfraqueçais vossa fé com investigações estéreis, com uma paragem mais estéril ainda, mas praticai os mandamentos da lei de Deus e a luz chegará a vós, pois que a luz é um olhar de Deus. “Todo aquele que cumpra a lei e deseje a luz, conquistará a ciência, não essa ciência banal que resolve todas as coisas deste mundo senão outra ciência que tudo explica. “Felizes os que compreendem estas palavras. “Felizes os homens de boa vontade, o Reino de meu Pai lhes pertencerá. EM BETANIA

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ois sepulcros caiados, a ferrugem e os vermes corroem seu interior. “Possuís roupas, os pobres encontram-se desnudos, e vos rides quando as crianças choram de frio e de fome.

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“Andais anunciando em altas vozes vossas obras, entretanto no interior de vossas casas escondem-se a orgia e o delito. “Denunciais ao mundo a mulher adúltera e enganais a Deus com as aparências de castidade, enquanto vosso Espírito encontra-se turbado por desejos impuros e ambições desonestas. “Condenais os vícios dos pobres, porém guardais silêncio a respeito dos escandalosos excessos dos imperadores e do vergonhoso servilismo dos cortesãos. “Vós chamais os sacerdotes de Deus, os privilegiados do Senhor, e amontoais riquezas sobre riquezas e incensais os déspotas e conquistadores. “Eu sou o Messias, filho de Deus, e vos anuncio que esse templo será destruído, que não ficará pedra sobre pedra de vossos edifícios; uma nova Jerusalém se levantará sobre as ruínas da antiga; vossos descendentes procurarão o lugar onde se exercita vosso poder e os fastos de vosso orgulho se desvanecerão como uma sombra. “Quer me decreteis honras, quer me condeneis à morte, meu nome sobreviverá aos vossos e a lei que trago prevalecerá sobre a que vós predicais, sem cumpri-la. “Hipócritas, que tendes a boca cheia de mel e o coração cheio de ira e de ódio. Déspotas, assassinos sem fé, vil manada de escravos encarcerados durante à noite, covil infecto de animais venenosos, desprezível caterva de gente embrutecida e depravada, sois o mundo que está a terminar e eu proclamo um mundo novo, uma terra prometida, a verdade, a justiça, o amor. Interpretes de um Deus vingativo, implacáveis provedores da morte, a ciência da imortalidade 254

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dir-vos-á a todos, que Deus é bom e que a vida humana tem que ser respeitada. Aos pobres que seguiam uma miséria aviltante, sem combate-la com as economias do trabalho, dizia: “Desejais o descanso e passais o tempo no ócio e na embriaguez. Detestais vossos patrões, porque invejais sua fortuna e se vos encontrásseis em seu lugar, procederíeis como eles, porque não possuís a fé que proporciona a coragem no meio da pobreza e a modéstia no meio da opulência. “Queixai-vos do orgulho e da crueldade dos ricos, e eu digo-vos que vós tendes a alma encouraçada, o Espírito prevenido, próprio das naturezas baixas e ciumentas. “Os que entre vós estão compreendidos no nada das riquezas e na lista dos pobres, serão os primeiros no Reino do meu Pai; mas, repito, embora muitas vezes o tenha dito: muitos serão os chamados, porém pouco os escolhidos. “Opróbrio para os comerciantes de má fé; o roubo, sob qualquer nome que se disfarce, é uma falta ante as prescrições mais elementares da lei divina: somente a restituição e a caridade podem descarregar a consciência do depositário infiel, do mercador desleal, do falsário, do homem ambicioso e injusto. “Pecadores de todas as condições, homens de todos os tempos, a moral encerra-se nestas palavras: “Fazei aos outros o que quereríeis que fizessem a vós. “Para trás, traficantes das coisas santas no tempo do Senhor. “A casa de meu Pai é uma casa de oração e vós a converteis em covil de ladrões. 255

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“Retirai-vos, retirai-vos, vos digo, deste lugar de paz e de retiro. “Os sacrifícios da carne são ímpios; a prece é um perfume da alma, um brado do coração, um arrependimento do Espírito, que os tumultos do mundo não poderão aproximar-se-lhe sem afastá-lo de Deus. “Ai de vós e de todos os que desviarem de seu verdadeiro objetivo, as obras do Criador! Ai de vós e de todos os que converterem a religião em um meio para adquirir fortuna temporal! – Isso é uma coisa que devemos combater sem tréguas – interrompeu, Ezequiel. – A religião não é um meio para adquirir fortuna temporal. Jesus deixou aos discípulos instruções para propagar sua doutrina. Não pediu a Pedro para explorar quem quer que seja. Pediu somente que levassem seus ensinamentos aos mais humildes. Aos mais carentes. Jesus não é, como se imagina comumente, criador de determinada escola, nem fundador de certa religião. Ele é o revelador da Lei, o expoente máximo da Terra. Sua missão não teve início e finalidade no Gólgota. Ele vem, desde que o mundo é mundo, inspirando a Humanidade, orientando e apascentando esse rebanho, no desempenho do mandato que o Pai lhe confiara. Jesus é a luz do mundo terrestre. Assim como o Sol não ilumina só um hemisfério, mas distribui à Terra toda seus benefícios, assim o Pastor Divino apascenta com igual carinho todas as ovelhas do seu redil. O Espírito de Jesus paira sobre todos velando pela obra da redenção humana. Não importa que o desconheçam. Ele é a revelação Divina. Ele é o Evangelho do amor. Ele é, e sempre será, o Mediador, o Ungido de Deus para intérprete de sua Lei. As 256

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Igrejas propagam suas leis, mas não seguem seus ensinamentos. Chegou a hora da verdade, Hugo. Conclamo-o para trabalhar em favor dessa causa. Apreciemos agora o julgamento e o que o Divino Rabi disse aos discípulos em sua última reunião. A ÚLTIMA CEIA

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azei de minhas instruções a regra de vossa conduta e chamai-me quanto tenhais que discutir com os homens de má fé. “Ou seja que permaneçais unidos, ou seja que vos separeis pela boa causa, eu me encontrarei no meio de vós e com cada um de vós. “A fé não perecerá nunca, porém se tornará obscura pela falsa direção dada a meus ensinamentos. “Aos que sustentarem a verdade, eu lhes retribuirei com liberalidade meus consolos e esperanças; porém, ai daquele que se distancie de mim! A voz do Espírito retumbará no Espírito e os acontecimentos se encadearão de tal maneira, que a verdade se restabelecerá e os impostores serão confundidos e os fervorosos serão recompensados e castigados os tíbios. “A malícia e a perversidade do mundo vos preparam maus dias. Conservai vossa fé pura de todo o fingimento e não ponhais limites à vossa caridade. A força vem de Deus e eu vos transmitirei a força. “Pedi os tesouros de Deus e desprezai as riquezas da Terra. Quem pretenda elevar-se entre os homens será humilhado diante de Deus. 257

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“Vós sois meus apóstolos; pregai a palavra de Deus e anunciai seu reino por toda a Terra. “Vós sois meus discípulos queridos; ajudai os pobres, eles são meus membros; facilitai o arrependimento, prometei o perdão em nome de Deus, nosso Pai. “Tudo o que perdoardes, será perdoado e a graça vos acompanhará na paz e nos perigos. “Não devolvais jamais mal por mal, mas forçai a vossos inimigos que vos respeitem. Comprovai vossa fé mais com obras que com discursos e, no extremo infortúnio, recordai minhas promessas e meu martírio. “Estas promessas as cumprirei se tiverdes sido fortes e tiverdes compreendido e praticado o que ordeno e o que eu mesmo tenho praticado. “Uma vida tranqüila não é uma vida de apóstolo e a regularidade da conduta não constitui a virtude de um discípulo. São necessárias ao apóstolo forças e coragem para afrontar o escárnio, o desprezo, a perseguição, a escravidão, a morte; e o heroísmo deve caracterizar os discípulos de Jesus. “O apóstolo demonstrará Deus e sofrerá pela verdade. “O discípulo abandonará os bens do mundo e as honras do mundo. Abandonará o pai, a mãe, a mulher, os filhos, antes de renegar minha doutrina, já seja com os atos, já seja com as palavras, já seja com a abstenção e com o silêncio. “Vós sois meus apóstolos e meus discípulos; eu terei que contar convosco e não obstante. . . eu sei desde já que muitos de vós me atraiçoarão”.

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Jesus encontrava-se a mesa, rodeado pelos doze apóstolos. Seu tio Tiago formava o décimo terceiro e estava para partir o pão. Os apóstolos levantaram-se bruscamente: “Senhor! Senhor! – prorromperam. – Por que nos causa essa tortura? Por que chamar-nos traidores, depois de haver-nos confiado o êxito de tua obra? Jesus respondeu-lhes: “Os que me atraiçoarem por fraqueza se arrependerão; somente o que me tenha atraiçoado por vingança, sucumbirá sob o peso de seu delito. Estas foram as palavras que dirigiu a Pedro, que estava à sua frente distraído: “Tu já não és o pescador de peixes, amigo meu, estás aqui convertido em pescador de homens. Tuas redes serão os argumentos e recolherás em tua barca os pobres náufragos; teus companheiros te ajudarão na árdua luta que haverá que sustentar contra os elementos; vós outros não imitareis a esses espíritos arduamente orgulhosos e cépticos, que se preocuparão das causas da queda e da enfermidade, antes de socorrer o ferido e de aliviar o enfermo. “Feliz daquele que compreenda estas palavras e as ponha em prática. “Felizes os fortes! Eles submeterão suas paixões à razão e verão outros tantos irmãos em todos os homens. Conduzir para Deus os insensatos que o desconhecem, os ímpios que o ultrajam e livrar a Terra do fermento da dissolução, é cooperar poderosamente para a concórdia universal. 259

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“Convertei-vos em pescadores de homens vós todos, amigos meus, e reuni o maior número de Espíritos que possais. “Para ser hábil no ofício de pescador de homens é necessário ter o dom da doçura e da firmeza, o direito de falar e de se fazer ouvir. “Tereis o direito de falar quando vossa consciência se encontre tranqüila, e sereis ouvidos se vós mesmos estiverdes convencidos da verdade que ensinais. “A elevada posição de um servo de Deus não ressalta no mundo porque a força e a luz que nele se encontram, não a emprega jamais para proporcionar-se nenhum poderio. As honras e as riquezas não poderão portanto ser o privilégio de meus apóstolos e se eu lhes asseguro o império do mundo, é com a condição de que sejam ternos de coração, firmes de Espírito e conservem o direito de falar e o dom de serem escutados. “Os preguiçosos se converterão fatalmente em hipócritas. Não havendo tido a coragem de me seguirem, deixarão que se espalhem dúvidas a respeito de minha pessoa; e o desejo de alegrias mundanas, a sede de honras, o amor das riquezas, os arrastarão às prevaricações, à vergonha de parecerem discípulos meus, entretanto me negarão também com ações ocultas. “Porque haverá preguiçosos e hipócritas, Jesus se manifestará novamente para separar o trigo do joio. “O que não é por mim é contra mim. Todo equívoco é uma mentira; a verdade sou eu. “Nada temais, vos ampararei e vos auxiliarei, e meu Espírito manterá o lugar que ocupam agora meu corpo e meu Espírito no meio de vós. 260

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“Eis aqui a hora cuja aproximação, me enche de angústia, não por mim, senão por vós. Nunca, como agora, vos hei amado. Honrai-me quando não estiver já entre vós, amando-vos uns aos outros e perdoando aos que vos tenham ofendido. “Permanecei fieis à minha voz e adorai ao Senhor nosso Pai, predicando em todas as partes, a paz e o amor. “Não tomarei mais deste suco de uva convosco; mas quando vos reunirdes em minha memória, sentireis minha presença na alegria que se infiltrará em vossas almas, na certeza de vossos Espíritos sobre todas as coisas. “Penetrai minhas palavras na atividade do apostolado, do mesmo modo que no silêncio de vosso recolhimento, e o que tiverdes de pedir para o culto de Deus, vo-lo recordarei. Mas não enfraqueçais vossos conhecimentos das coisas espirituais, misturando-lhes coisas da Terra. Nossa aliança é a este preço, quer dizer, que deveis desprezar o que eu tenho desprezado e honrar o que eu tenho honrado. “Os discípulos não são mais que o mestre; ensinai pois minhas doutrinas sem tirar-lhes nem acrescentar-lhes nada e refutai as dúvidas e os erros de maneira a convencer os incrédulos a respeito de vossa ciência. Esta ciência não vos abandonará; o Espírito beberá no Espírito, até o fim dos séculos, a graça resplandecerá para os homens de boa vontade. “Meus queridos discípulos: amanhã talvez nos separemos. Amai-vos como vos tenho amado e conconfundi a todos os homens no vosso amor, na minha lembrança. Douvos o mundo para conquistar e minha luz vos guiará. Prometo-vos a glória de Deus. “Nomeio-os meus sucessores e vos abençôo. 261

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“Que a paz seja convosco e com vosso Espírito. “Vinde dar-me o beijo da despedida”. Os apóstolos precipitaram-se sobre Ele. Jesus permaneceu de pé e seu semblante refletia uma intensa emoção. O JULGAMENTO

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ntroduziram Jesus em uma espaçosa sala, onde se encontravam reunidos Caifás, o Sumo Sacerdote Anás, genro de Caifás, e uma delegação do Sinedrim composta de vinte membros. O Sumo Sacerdote começou o interrogatório: “Jesus de Nazareth, és acusado de sedução, de profanação, de malefícios e como tal és condenado à pena de morte. “Para obedecer à lei que te castiga, devemos ouvir tua defesa pessoal e facilitar a tua confissão ante a exposição das acusações que pesam sobre ti. Aqui está o resultado dos depoimentos que recolhemos. “O nazareno Jesus associou-se principalmente a fatores de desordem que tinham o propósito provado de sublevar o povo contra as leis do Estado. “Além disso o nazareno Jesus pronunciou-se publicamente contra o respeito devido aos poderes civis. Disse-se reformador da lei mosaica, mediador entre Deus e os homens, filho de Deus, afinal. “Apoiado neste título monstruoso, por sua impiedade, o nazareno Jesus converteu-se em ídolo de um povo ignorante ao qual anunciava o pretendido reino de Deus, 262

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conseguindo cativá-lo cada vez mais, com a aparência sobrenatural de seus atos e de suas predições. “Jesus de Nazareth, ousas sustentar que és filho de Deus? Interrogo-te, responde. Jesus mantinha-se em silêncio. “E teus milagres, demonstra-os, pois, acrescentou com dureza o Sumo Sacerdote. Dize o que possas para atenuar teus delitos e demonstrar a ciência de que pretendes ser possuidor, continuou Anás. “Se produzires um milagre, continuou Caifás, acreditaremos em ti e proclamaremos a tua filiação divina. Um desprezível sorriso acompanhou aquelas palavras. Jesus levantou a cabeça e encarou os juízes. Continuou em silêncio. Muitos gritaram. Provoca-nos, não liga importância. Merece o suplício destinado aos maiores delinqüentes, aos mais endurecidos malfeitores. Levaram-no a seguir. DIANTE DE PÔNCIO PILATOS

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eixaram-no num quarto baixo, que dava para o pátio. “Acompanhais o condenado? – perguntou alguém a Pedro. “Não conheço esse homem – respondeu Pedro. As diversões dos soldados abafaram os ruídos exteriores. Quando amanheceu, ataram as mãos de Jesus e o conduziram ao procurador romano. Ao vê-lo, Pôncio passou a mão pela fronte como para desfazer um pensamento cuja lembrança o fatigasse. 263

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“Que delito cometeu este homem? – perguntou dirigindo-se a um personagem cuja missão parecia ser a de acusar Jesus. “Jesus de Nazareth, respondeu o interpelado, é um revolucionário, um renegado, um fabricante de milagres. Comprometeu a ordem pública e atribuiu-se o poder divino. “O subornador, o impostor foi julgado por direito sagrado, porém o demonstrador das liberdades humanas que está por cima das potências humanas, o devastador das leis sociais, o predicador da igualdade, o desmoralizador das classes pobres, encontra-se sob juízo perante o representante do imperador Tibério. “Jesus, o filho de Deus, será lapidado como ímpio, ou Jesus de Nazareth, culpado perante Deus e perante o imperador, sofrerá melhor o suplício da cruz? Nós apelaremos para o povo se for necessário. Pôncio ficou estupefato ante tanta audácia. “Que se crucifique! – Este grito foi imediatamente repetido de todos os lados. “Intitulou-se Deus e rei; fez alarde de destruir o templo e reedificá-lo em três dias! Pôncio respondeu que o título de rei parecia-lhe um termo de elevação somente entre os hebreus. “Pois bem, se é nosso rei, ponhamo-lhe uma coroa, demos-lhe um cetro e saudêmo-lo ao mesmo tempo, rei dos hebreus e filho de Deus. “Dize-nos, pois, filho de Deus, seria pelo menos necessário esconder tua mãe, teus irmãos e irmãs. Ah! Já te daremos reinado, até tua entrada no reino de teu Pai, duplo rei, duplo impostor! 264

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Pôncio estava desesperado pela inutilidade de seus esforços. De repente deu ordem para que desatassem as mãos de Jesus, e anunciou que iria interrogá-lo a sós. Jesus, entrou precedido por Pôncio, em uma sala mobiliada com severidade, cujas saídas estavam todas fechadas. Jesus explicou a Pôncio suas inspirações de criança, seus estudos de homem, suas alianças, suas esperanças de Espírito na luz infinita; fez-lhe a grandes traços um resumo de sua doutrina, das relações entre os mundos e os Espíritos. “E se eu conseguir salvar-vos? – interrompeu Pôncio. “Não o intentes – respondeu-lhe Jesus. – Tu mesmo te verias arrastado pelo furacão popular... escuta... Pôncio sorriu com desprezo. “Consente em viver retirado, disse, ganharei tempo e empregarei a força. “Por outra parte, acrescentou Pôncio, tive um sonho a noite passada a teu respeito e sinto que uma pesada responsabilidade me pertence no presente e para o porvir. “Esses sacerdotes que querem a tua perdição me desprezarão por haver tido medo deles; este povo se arrependerá e a posteridade me acusará, quando menos, de fraqueza. “A posteridade, disse Jesus, saberá que tu me ofereceste a vida e que eu quis morrer. Para mim a morte é uma auréola: para mim a vida seria uma deserção, uma covardia, uma queda irreparável. “Da casa de meu Pai, disse Jesus, na qual estou para entrar, te abençoarei, porque compreendeste a verdade e a defendeste com coragem. 265

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De volta ao lugar que haviam deixado, conseguido um pouco de silêncio, Pôncio pronunciou estas palavras: “Este homem, cuja morte vós pedis, é um justo. “Não tereis de mim um decreto afirmativo em nome do Imperador. O sangue inocente que estais para derramar, caía sobre vós; lavo minhas mãos por tudo o que suceder. Pôncio Pilatos fez derramar água sobre suas mãos em presença do povo que redobrou em vociferações. O MARTÍRIO

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pessoa encarregada de dirigir os preparativos das execuções perguntou ao povo, qual dos quatro delinqüentes, cuja morte estava marcada para esse dia, queria que se lhe concedesse graça de acordo com o costume. “Não a nosso rei, exclamou a multidão; libertai aquele, dentre os três restantes, que mais vos agrade. Entretanto, como entre esses três, se encontrava Barrabás, um ladrão e assassino dos mais perigosos e perfeitamente conhecido, tiveram a idéia de perguntar ao povo quem deveria ser absolvido: se Barrabás ou Jesus. Pois bem. O povo condenou Jesus mais uma vez. Desde aquele momento, o Divino Rabi foi convertido em joguete de uma multidão insensata. Sobre sua cabeça foi colocada uma coroa de espinhos e sobre seus ombros um pano de cor escarlate. Isso passou-se num dos pátios do pretório e todos inclinavam-se diante de Jesus dizendo: “Saúdo-te rei dos hebreus. 266

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Muitos bateram e cuspiram no rosto do Mestre. Ao cabo de duas horas de diversões abjetas e cruéis, despiram-no de suas vestes e sobre seu corpo, completamente nu, aplicaram a tortura da flagelação. Duas lágrimas queimaram suas faces. Foram as últimas. Era meio dia quando chegaram ao Gólgota. Já exausto, Jesus continuava a carregar um tronco de árvore, dividido e ajustado em forma de cruz. Seu corpo desnudo foi exposto às zombarias mais ignóbeis da mais asquerosa plebe. Já sobre a cruz, exclamou: “Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem! Seus olhos se nublaram; uma pressão mais violenta que as outras o confundiu e adormeceu nas trevas humanas para despertar no seio das luminosidades divinas. Eram mais o menos três horas”. O DESTINO DOS ACUSADORES

A

cho que já vimos o suficiente! – interrompeu, Ezequiel. – Quanta maldade! – comentou, Hugo. – Onde está essa gente que o condenou? – Você nem imagina, não é, Hugo? – Eu imagino que não estão bem! Não estou certo? – Estela me contou que você ficou impressionado com algumas criaturas da Região dos Gases. – Duas delas em especial, me causaram uma profunda impressão. Uma parecia um totem. De pé lembrava um elefante marinho. A outra, com o dorso cheio de escamas, 267

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parecia uma serpente. Uma outra tinha a aparência de um dragão, como comentou na hora, Israel. – Pois é Hugo, agora você vai ficar sabendo onde estão alguns que condenaram Jesus. O que parecia um elefante marinho é Caifás. Anás é a serpente. Os vinte membros do Sinedrim também estão por lá. Eles têm ainda uma longa pena a cumprir. Eles não estão lá pela falsa acusação e, sim, porque incentivaram o povo contra Jesus. – O quê aconteceu com Judas? – Fique sabendo, meu caro, que dentre os apóstolos, Judas foi o que mais amou a Jesus. Fez o que fez movido pelo ciúme. Jesus devotada a João um imenso carinho e, Judas, sentiu-se preterido. Isso entretanto não foi a causa principal da traição. Judas achava que Jesus ia mostrar seus poderes ilimitados. Quando percebeu que Jesus só utilizaria a força do amor, compreendeu seu gesto louco, prova está, que logo a seguir deu cabo à própria vida. A coisa não para aí. Judas encarnou logo a seguir e, pouco a pouco, foi se reabilitando. Hoje ele está livre das amarras do corpo e é o responsável pela expedição que irá encarnar na Terra. Ontem foi Judas, hoje é Emílio e, amanhã, tentará unir judeus e árabes. Hugo ficou fascinado diante dessa novidade. – Isso mesmo, Hugo. Emílio é o responsável pela falange de irmãos que descerá à Terra. Há muito tempo que Judas Iscariotes está ao lado de Jesus. As pobres mentes humanas espalhadas pela Terra ainda não aprenderam a perdoar. Como poderiam esquecer alguém tão nefastamente lembrado? Quem sabe chegou a hora de reabilitá-lo! Você sabia que no Ocidente há um costume que me faz lembrar a época da Inquisição? 268

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– Que costume é esse? – A “malhação” do Judas. No sábado que se festeja a Páscoa, quase todos os povos do Ocidente constróem bonecos simbolizando Judas e os amarram num poste qualquer. Cercado de gravetos secos, esses bonecos são queimados diante de uma alegre manifestação popular. Dois dos maiores ensinamentos de Jesus é olvidado nesse dia. Aquele que ensina a perdoar, e aquele que ensina a não julgar. Esses pequenos defeitos aos olhos de alguns, são graves e grandes, aos olhos do Mestre. Compete ao Chefe da Igreja Católica acabar com essa tradição absurda. Outro absurdo é achar que a irmã Maria é mãe de Deus. Jesus acha que esse é um dos maiores erros da Igreja, senão o maior. Deve ser corrigido o mais rápido possível. Maria é um Espírito Iluminado, mas está longe de ser mãe de Deus. Sem dúvida Jesus foi o ser mais perfeito que pisou a Terra, mas há muitos seres iluminados que o igualam em outras Esferas. Há uma grande lista de absurdos que devem ser corrigidos. A ostentação da riqueza material é uma delas. Jesus ensinou a dividir o pão entre os mais necessitados. As Igrejas distribuem migalhas e enganam incautos e humildes. Jesus ensinou seus discípulos para praticarem a caridade junto aos pobres. A Igreja fecha as portas aos que não têm dinheiro. Jesus combateu os exageros. As Igrejas são exageradamente ricas. Jesus disse: crescei e multiplicai-vos. As Igrejas proíbem o matrimônio, preferindo fazer do padre, um pária social. Deram a Jesus como presente, milhões de noivas. Jesus gostaria que elas se transformassem em mães amorosas. Impedindo o casamento, a Igreja as torna insensíveis ao amor materno. – Como melhorar uma Igreja com tantos cismas! – exclamou Hugo. 269

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– Eu te aconselho a folhear alguns livros que analisam a vida de alguns papas. Eles estão à disposição na biblioteca principal. Por tradição, a Humanidade reconhece Paulo como fundador da Igreja e, por conseguinte, deram-lhe o triste título de primeiro papa. Neste exato momento, senta-se no trono da Igreja, Pio XII7. Pedro tinha somente um cajado, uma túnica azul surrada e desbotada pelo tempo e, os pés, estavam protegidas com um par de sandálias velhas e desgastadas. Jesus, nem isso tinha, porque andava sempre descalço. A fé de Pedro era sua fortaleza. Ele orava, como Jesus aconselhou, sob a luz do luar. Quando Jesus observou que não restaria pedra sobre pedra, ele não quis dizer a Pedro para construir uma igreja. Ele quis dizer que o Mundo seria a nova Jerusalém. Até hoje os povos não entenderam que deverão ser derrubadas todas as fronteiras que limitam os governos e, por conseguinte, os povos. Na Terra deverá existir uma só lei; a do amor. Essa é a única lei existente nas Moradas de Luz. Enquanto as diversas religiões e seitas não se entenderem, essa lei estará longe de ser aplicada em todos os lares. Numa coisa as religiões concordam: há um único Deus. Se há um único Deus, por que não espalhar os ensinamentos de Jesus em sua pureza primitiva? Isso desmoronaria alguns conceitos? Antigos dogmas? O que isso importa! Dia mais, dia menos, a verdade aparecerá. Por que não divulgá-la agora? Tanto Zoroastro 8, como Confúcio 9,

7

Eugênio Maria Giuseppe Facelli (Roma, 02-03-1876). Reformador religioso persa, também chamado de Zaratustra (Rages, hoje Rayy, Irã, c.628 a.C. – com. 551 a.C.). 9 Filósofo chinês (antigo Estado de Lu, 551 a.C. – id. 479 a.C.) 270 8

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como Buda10, como Maomé11 ou como Sócrates, acreditavam nas mesmas coisas. Eles foram grandes filósofos e grandes profetas. As verdades são iguais em todas as religiões. A forma de encará-las e entendê-las é que é difícil para alguns. A Doutrina de Jesus se encaixa em todas elas. Enquanto Ezequiel falava, Hugo viu com nitidez o rosto de Jesus atrás dele. – Ajudaria um pouco se eu dissesse que Dulce será tua guardiã deste lado? – É uma grande ajuda, mas continuo tremendo só de pensar! É muita responsabilidade! Seja o que Deus quiser! Posso levar Pierre e Jean comigo? – Você tem a minha permissão. Dentro em breve Israel será o Guia de um outro irmão que também terá uma missão importante na Terra. Estela permanecerá por aqui e ajudará Dulce na missão de te acompanhar. Acho que já dissemos tudo que deveria ser dito. Que Jesus o acompanhe. Hugo tinha os olhos marejados quando se despediu de Ezequiel. DE VOLTA À COLÔNIA CÁRITAS

E

ncontrou os amigos conversando em volta de um bebedouro. – Que tal? – perguntou, Estela. –

10

Siddhartha Gautama, em sânscrito. Santo hindu, fundador do budismo (Kapilavastu, atual Rumindei, Nepal, com. 563 a.C. – Kusinara, atual Kasia, Índia com. 483 a.C.) 11 Abual-Qasim Muhammad Ibn Abdullah Ibn Almuttalib Ibn Hashim, dito, Maomé. Fundador do islamismo, a religião muçulmana. (Meca, na atual Arábia Saudita c. 570 d.C. – Medina, 8-6-632). 271

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Puseram a conversa em dia? – Ezequiel me envolve de tal maneira, que perto dele me sinto uma criança. Quanto tempo dispomos antes de partir? – Ainda temos bastante tempo. Por que a pergunta? – disse Israel. – Será possível rever a Terra antes de encarnar? – Se tivermos tempo disponível, eu não vejo nenhum empecilho. Dulce está à nossa espera em Cáritas. Parece-me que o assunto gira em torno da expedição que será chefiada pelo irmão Emílio. Nós já sabemos que você fará parte dessa expedição, não é mesmo? – Estou me sentindo o cabeça desse movimento! – exclamou Hugo, sorrindo. – Por mim, podemos partir imediatamente. – Eu também estou livre – comentou, Honório. – Dulce me informou que faremos uma escala na Lua – informou Israel. – Sem saber que estava sendo atraído para uma nova missão, concluiu: depois iremos até Java, uma ilha ao sul do Equador. Se todos estão de acordo, vou providenciar o transporte. – Vou me despedir de Ezequiel – disse Estela. – Até logo mais. Assim que Estela se afastou, Jean perguntou a Hugo, baixinho: – Você está com um olhar de gente preocupada. O quê você está escondendo? – Não sei se devo envolvê-los em minhas preocupações. – Afinal, para que servem os amigos? 272

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– Talvez seja bobagem minha – disse tentando desconversar. – Por que esse mistério? – perguntou Augusto que estava ao lado de Jean. – Sabem qual será o meu papel nessa novela? – Desembuche logo, homem! – animou, Jean. – Está bem! Segurem-se para não cair. Fui convidado para ser o futuro Papa. – A seguir remendou: convidado não, convocado! – Olhou para Pierre e completou: como você reagiria se fosse convocado para esse posto? – Eu acho que me sentiria orgulhoso pelo convite. – Se é assim, você será meu secretário particular, está bem? – Agradeço e vou me esforçar para não decepcioná-lo. – E eu? – perguntou, Jean. – Você será meu médico particular, está bem? – Posso desde já pedir tua bença? – brincou Pierre, imitando um brasileiro. – Deus te abençoe – respondeu com alegria, Hugo. – E você Agripino, o que você pensa disso? – Acho que foi uma ótima escolha e uma sábia decisão. Se o irmão Emílio permitir, desejo também ser um de teus auxiliares. – Vocês sabem como sensibilizar uma pessoa. Se depender de mim, seremos uma única família. – Um por todos e todos por um! – brincou Pierre, imitando o mosqueteiro Aramis 12.

12

Um dos três mosqueteiros. Famoso romance de Alexandre Dumas. 273

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Israel chegou num pequeno aparelho circular que era pilotado por Péricles, um jovem de feições muito claras, quase brancas. Já com a presença de Estela, tomaram assento e venceram rapidamente a distância que os separava de Cáritas. – Onde devemos descer? – perguntou, Péricles. – No Palácio das Reuniões – respondeu, Estela. – Sei onde fica. É aquele construído sobre doze pilares, não é? – Isso mesmo. Ele foi construído em homenagem aos doze Apóstolos. No centro há três estrelas que simbolizam os Reis Magos. Ainda mais ao centro, há uma estrela em forma de cruz que lembra o martírio de Jesus. Dizem que ela pode ser vista ao entardecer na Terra. Passaram por uma ampla entrada e pararam quase no centro de um vasto salão. Sobre uma rica mobília de estilo colonial, avistava-se um conjunto de peças de finíssimo cristal que brilhavam como diamantes. No centro, pendurado no teto, havia um candelabro triangular ricamente trabalhado. Nas extremidades destacavam-se três arandelas em formato de botões de rosa. Completava o ambiente uma reluzente mesa oval, circundada por um grande número de cadeiras forradas em veludo azul claro. Em cima do móvel, na direção de cada assento, havia uma taça com um líquido transparente. Vasos com violetas roxas ladeavam as taças. Dulce recebeu-os com um sorriso nos lábios. Péricles retornou à sua base. – Como é bom revê-los – disse oferecendo o rosto a cada um. – Como está o calouro? – Bem irmã, muito bem! – respondeu Hugo, tentando disfarçar a preocupação. 274

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Estando a par do que ocorria, Dulce comentou: – Ninguém recebe um fardo maior do que possa carregar, Hugo! Além do mais, eu e Estela estaremos sempre ao teu lado. Sentem-se, por favor. Dentro de instantes voltarei. Pouco a pouco as cadeiras foram tomadas. Os recém chegados eram todos jovens e vestiam trajes bem coloridos. Quatro desses jovens usavam turbantes brancos. Um véu belíssimo, da cor de anil, cobria os ombros delicados de uma criaturinha encantadora. Hugo estimou que havia dentro do salão, cinqüenta pessoas. Uma melodia suave começou a ser ouvida, justamente quando Emílio chegou ladeado por Miguel e Ângelo. Emílio cumprimentou a todos com um leve sorriso, uniu as mãos em concha, e fez uma breve oração. Todos foram envolvidos por uma vibrante corrente de fluídos e luzes. – Que a paz do Senhor esteja conosco – iniciou dizendo Emílio. – Com a graça de Deus, pouco a pouco estamos concluindo a tarefa que nos foi confiada. Com a presença de Miguel, que nos trouxe o irmão Hugo, completamos a caravana que será enviada a Terra. Alguns de vocês só têm uma leve idéia de suas missões. De uma coisa eu tenho certeza: todos vocês sabem que a semente lançada por Jesus, Nosso Senhor, foi profundamente alterada. Por causa disso, milhões de criaturas se arrastam penosamente pelo solo terrestre. O templo de amor por Ele idealizado, está sendo explorado por forças malignas. Em seu nome cometeram as mais ignóbeis atrocidades. Os que não obedecem seus dogmas ultrapassados, são chamados de hereges. Durante a Inquisição milhares de irmãos foram perseguidos, seviciados, esquartejados e queimados em 275

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grandes fogueiras. Suas labaredas iluminaram os céus da Europa e encheram de vergonha os corações bons e sensíveis. Joana, por não querer renegar a Deus, foi queimada como feiticeira. Usaram o nome de Jesus para criar um nefasto tribunal. Quando já era difícil encontrar uma nova vítima na Europa, estenderam seus tribunais para além mar. Com crucifixos de ouro e os peitos encardidos pela sujeira de suas almas imundas, intimavam a todos. Para aterrorizar ainda mais, usavam roupas negras como as trevas. Recentemente, somaram-se a essas aberrações, duas grandes guerras. Jesus está muito preocupado com o que está ocorrendo na Terra. Nossa missão é levar esperança para alguns povos dominados por nações imperialistas. Vamos tentar também unir árabes e judeus. Em fim, vamos tentar modificar o quadro geral na Terra. O irmão Miguel fará uma exposição de nossos planos. – Que a paz do Pai esteja com todos. Perdoem-me por ir direto ao assunto; é que não temos muito tempo. Alguns de vocês devem saber que recentemente foi fundado o novo Estado de Israel. O irmão Israel aqui ao meu lado, foi escolhido para ser o guia e conselheiro de David Ben Gurion13, o Primeiro Ministro. No tempo de Jesus, David esteve conosco em Jerusalém e nas planícies da Galiléia. Como muitos judeus sem pátria, encarnou na Polônia. Pelo que eu estou observando daqui, será muito difícil conseguir a paz nesse território. Os árabes não querem ceder um só palmo de terra e os judeus não podem continuar espalhados pelo mundo. Não podemos ir a favor dos judeus, sem contrariar os árabes. Nossa missão é tentar uni-los definitivamente. Os 13

Nome hebraizado de David Gruen. – Estadista israelense (Plonsk, Polônia, 16-10-1886). 276

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irmãos Honório e Alípio foram escolhidos para atuarem junto aos sírios e libaneses. Ângelo, aqui ao meu lado, relatará como agiremos dentro de Israel e em algumas partes do mundo. – Vamos dividir-nos em vários grupos. Israel acompanhará David até chegar a hora de seu regresso. Honório e Alípio não se desgrudarão dos chefes egípcios e sírios. Foi montada uma base na Lua para ajudar os três. É uma equipe de legionários que será comandada por Aquiles, um velho conhecido de todos. Alguém deseja pergunta algo? – Eu! – exclamou, Honório. – Fique a vontade – disse, Ângelo. – Quem manda no Egito atualmente? – O Rei Faruk14, mas o seu governo está por um fio. Você vai ter que se preocupar com Gamal Abdel Nasser15, o futuro homem forte do Egito. Mais cuidado deverá ter Alípio, pois os sírios são inimigos mortais dos judeus e está havendo uma luta interna nessa Nação. Estamos tentando colocar um militar moderado no poder. – Quando partiremos? – indagou, Israel. – Assim que terminarmos a reunião, Fangio os levará à base lunar. Falemos agora da Rússia comunista, a maior das nações em território. Apelidada de Gigante Vermelho, é talvez hoje, a mais poderosa força militar do mundo. No momento é dirigida por Josef Stalin, que em russo significa homem de aço. Talvez seja realmente um homem de aço, porque esteve encarcerado na Sibéria e, apesar do terrível 14

Rei do Egito (1920) (Rei 1936) – filho de Fuad I, a quem sucedeu no trono. 15 Militar e líder político (Alexandria, 15-01-1918). 277

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suplício que lhe impuseram na cadeia, conseguiu sobreviver e chegar aonde chegou. Leonid e Natascha chefiarão uma equipe constituída de quinze irmãos e farão um levantamento das principais questões de momento. Muitos pequenos países do leste europeu foram anexados ao território soviético por meio da força. Vocês devem preparar o terreno para libertálos até o final deste século. Da Rússia vamos para a Índia. Essa nação, depois de muito sofrimento, conseguiu sua independência em 1948, graças a insistência de Mahatma (Grande Alma) Gandhi, depois assassinado por um fanático. Hoje dividem o poder, Prasad e Nehru, dois patriotas que acompanharam Gandhi em sua cruzada. Asmir será chefe de uma delegação com quatorze membros e irá diretamente a Nova Delhi, a capital. Vocês todos ficarão surpresos com a nova divisão política do globo. Hoje existem duas Chinas, a República Popular da China e a República da China. A maior delas em território está hoje sob o comando de Mao Tsétung16. A outra China, mais conhecida como Taiwan, está sob o comando de Chiang Kai-shek17 um antigo aliado de Mao. Jivago e Maolin irão para Pequim, a capital da China continental e, Kusokov e Anaël irão para Taiwan. Saibam vocês, que tanto Mao como Chiang são dois nacionalistas fanáticos. Lutaram juntos contra o Japão, mas por questões ideológicas acabaram se separando e dividindo o país. Mao é um aliado dos russos, já Chiang, está recebendo ajuda dos Estados Unidos da América. Por incrível que possa parecer, devemos mantê-los separados. Se tentarmos uni-los agora, 16

Estadista, líder do Partido Comunista Chinês e fundador da República Popular da China. (Shaoshanchung, província de Hunan, 26-12-1893). 17 Militar e político chinês (Fengchua, Chekiang, 31-10-1887). 278

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haverá um derramamento de sangue de grandes proporções. De amigos de batalha, tornaram-se ferrenhos adversários. Alguém deseja perguntar algo? Como ninguém fez menção de falar, continuou: – Da China vamos pular agora para o Paquistão. Hoje no Paquistão só existem muçulmanos. Logo após a independência da Índia, os muçulmanos se separaram dos indianos e criaram a República Islâmica do Paquistão. Nessa guerra de interesses, morreram mais de seiscentas mil pessoas em conflitos étnicos. Como vocês estão sabendo, as religiões desempenham um papel fundamental nas sociedades. Os líderes espirituais, tanto do Paquistão como da Índia, deverão exercer um papel muito importante para a sobrevivência e fortalecimento dessas duas novas repúblicas. Cassab e Abdul foram escalados para assessorem os líderes do Paquistão, e terão a colaboração da Fraternidade Branca. Também os membros da Sociedade Teosófica em Adyar, poderão ajudálos. Agora vamos para a Pérsia. Nesse país haverá uma transformação social gigantesca. Samuel e Mohammed Bittar terão uma missão muito difícil. A realeza está prestes a cair e os Aiatolás vão querer anexar alguns territórios fronteiriços. Estamos prevendo sangrentos combates naquela região. Vocês, Samuel e Bittar, poderão viajar juntos com Cassab e Abdul e aproveitar para conhecer a Sociedade de Adyar. A Pérsia já foi dona do mundo islâmico, e muitos muçulmanos querem voltar a esse tempo de glórias. Se necessário for, os persas lutarão até contra seus irmãos de fé. Que tal irmos agora para o Japão? O povo japonês foi arrastado para uma aventura que jamais esquecerá. Acho que agora o povo japonês têm que reconhecer que seu líder é um mortal como os outros, e seus projetos de expansão devem terminar. Nosso 279

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irmão Hideo será o responsável pelas mudanças que ocorrerão no Japão. Deverá induzir os técnicos japoneses para explorarem o arquipélago, um mundo marinho riquíssimo. Eu acho que num tempo curtíssimo, o país do Sol nascente se tornará novamente uma grande nação. Seu povo é muito trabalhador! Antoninus e Renata irão para a Itália. Por duas ocasiões Roma esteve em chamas. Nas duas vezes era administrada por loucos que se julgavam artistas. Nero acreditava ser um poeta; Mussolini acreditava ser um bom ator. Um gostava da lira e se achava um deus; o outro adorava cavalos e apreciava ser comparado a Napoleão. Pobre Roma! Apesar de perderem muito tempo em discussões, os italianos se levantarão facilmente. Uma coisa eu quero pedir a vocês. O contrato assinado entre Mussolini e a Igreja, deve ser revisto. Uma sociedade civil não pode estar atrelada a uma sociedade religiosa cuja sabedoria é falha e ninguém questiona. O ser humano é falível, seja ele presidente de uma república, ou um clérigo. Se nós, que estamos livres do corpo físico, somos imperfeitos, o que podemos dizer dos homens presos à matéria! Quando chegarem à Itália, procurem por Sandro Pertini18 e dêem-lhe uma mão. Ele tem condições de implantar uma nova democracia na Itália. Parou alguns instantes para beber um pouco d‘água, e continuou: – Dos países integrantes do eixo, a Alemanha foi dividida ao meio pelos aliados. Hoje há duas Alemanhas: a República Federal da Alemanha, supervisionada pelos EUA, Reino Unido e a França, e a República Democrática Alemã, 18

Político italiano. 280

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supervisionada pela URSS. Wagner e Priscila se ocuparão da Federal e, Marcos e Elisa, da Democrática. Eu tenho um palpite que antes do final do século as duas estarão novamente reunidas. Vamos para a Espanha. Embora não tenha se envolvido diretamente na grande guerra, é um dos países mais devastados da Europa. Enquanto as forças do eixo lutavam contra os aliados, os espanhóis “peleavam” entre si. O caudilho Franco teve uma importante ajuda dos nazistas. A aviação alemã acabou com a resistência e destruiu completamente a cidade de Guernica. Como são dolorosas as guerras civis! Irmãos matando irmãos! Perderam a vida nessa guerra, mais de seiscentos mil espanhóis. Juan e Domingues fiscalizarão Franco. Ele e Salazar19 são os dois únicos ditadores que restaram na Europa Ocidental. Rosa e Manoel seguirão os passos do ditador português. As colônias portuguesas e espanholas de além mar, vão se sublevar e conseguir suas independências. Vamos ajudá-las no que for possível. Quiçá antes do século terminar, não hajam mais colônias pelo mundo. Chirac e Lecrois irão para a Argélia, um país que está prestes a se libertar do domínio francês. Um grande estadista está surgindo na França. Ele convencerá os franceses mais radicais e dará ao povo argelino a sonhada liberdade. Charles20 comandou do exílio o exército francês e, graças à sua obstinação, o povo francês manteve-se unido durante toda a guerra. A França todavia deverá enfrentar novos problemas além mar. A Indochina, uma de suas mais importantes colônias, está lutando por sua independência e 19

Antônio de Oliveira Salazar. – Estadista português (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28-04-1889). 20 Charles-André-Marie-Joseph de Gaulle. – Militar e estadista francês (Lille, 22-11-1890). 281

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está sendo comandada por um líder carismático e muitíssimo inteligente, cujo nome é Ho Chi Minh21. Aquela península é um enorme barril de pólvora pronto para explodir. Os franceses têm muito interesse naquela área, por isso a coisa será muito feia. Leônidas22 foi escolhido para acompanhar de perto esse líder. – Presumo que Minh seja um revolucionário como Chiang e Mao, não é? – opinou um jovem da platéia. – Os três são revolucionários. Quem sabe se tornarão grandes estadistas! – Desculpem se me atrevo. – comentou um jovem cujo nome era Raziel. – Estou vindo do sul da China e toda aquela região está pegando fogo. Pelo meus cálculos, esse incêndio vai ser difícil de ser apagado, principalmente se os EUA se envolverem diretamente na guerra. – Não se preocupe com isso, – interveio Emílio, de forma suave – porquanto a nação dos grandes presidentes será também fiscalizada. Mais que as outras. Hoje ela detém um arsenal de guerra muito poderoso e, por isso, está sendo mais vigiada que as outras. Em todas as grandes nações haverão mudanças, pois a Terra no terceiro milênio terá interferência direta de falanges divinas. Deverá ingressar nas Esferas de Regeneração, e todos vocês sabem a diferença que há entre um Plano de Regeneração e um Plano de Expiação. Vamos tentar aplicar na Terra as mesmas leis que existem nos planos elevados. Em todos os lugares do Planeta haverá mudanças. Sei que não será fácil e entendo as preocupações 21

Estadista vietnamita (Kim Lien, Indochina Francesa, 19-05-1890). Rei de Esparta e famoso guerreiro. Assumiu o poder provavelmente em 488 ou 489 a.C. e ficou célebre por seu heroísmo na batalha deas Termópilas. 282 22

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do prestimoso companheiro. Há muita coisa para ser consertada, tanto no campo político e militar, como também no religioso. Em especial no religioso. Deixe que nos preocupemos com os políticos e os militares. Você acompanhará o nosso irmão Hugo e trabalhará dentro do Vaticano. Vários e vários irmãos já estão encarnados e trabalhando para o sucesso desse empreendimento. Eles já estão em idade de preparar as mudanças previstas. Só para vocês terem uma idéia, no início dos anos trinta do calendário da Terra, centenas de irmãos encarnaram no continente americano para fundar uma nova sociedade. Quase todos perderam a vida no primeiro grande conflito e, talvez prevendo uma nova guerra, pediram para encarnar longe da Velha Europa. Nova leva já partiu e nós completaremos o círculo. No final do século vinte e no início do século vinte e um, a Humanidade sentirá os efeitos dessas mudanças. Através de irmãos previamente selecionados, estão sendo enviadas inúmeras mensagens relatando as boas novas. Esses médiuns receptivos já começaram a preparar o solo para futuras colheitas. É preciso desativar imediatamente as armas de guerras, capazes de acabar com qualquer espécie de vida. Além de mortífera e apavorante, uma nova guerra, ou melhor, uma guerra com armas atômicas, enviará a Terra para fora de sua rota celeste e causará graves distúrbios à vida de mundos vizinhos, alguns com dimensões que o homem terrestre, encerrado em seu casulo, ainda desconhece. Precisamos eliminar o domínio político, econômico e financeiro de nações sobre nações. O imperialismo contraria o direito de igualdade dos povos e constitui uma nova forma de escravidão. Depois dessa última grande guerra, os Estados Unidos e a Rússia criaram um arsenal atômica que poderá 283

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partir a Terra ao meio. Já estamos de olho neles. Se a Humanidade conseguir chegar ao final do século sem um novo e grande conflito, dará um passo importante para sua libertação final. É preciso preservar a essência da vida humana e suas funções naturais de reprodução. Deus é o Espírito Criador de todas as coisas. Somente Ele pode modificar a aparência dos seres. A vida em estrelas próximas e em outras inatingíveis pelo homem moderno, surgiu de um sopro do Eterno Espírito Criador. Nada mais que o Perfeito Pai Celeste. É preciso, dentro do maior equilíbrio e do mais rigoroso critério de justiça, criar instituições que, por vias cientificas naturais, planejem e idealizem critérios para controle populacional e de eugenia do homem. É necessário que o homem vá e conheça outros mundos do Universo. Se necessário, que conquiste outros mundos e encontre rincões preparados para futuras imigrações e novas fontes de energia e subsistência. Mas antes que isso aconteça, deverá conquistar seu próprio mundo, desvendando os mistérios que ainda existem no mar, na terra e no ar. Deverá também conservar a Natureza. É de vital importância defendê-la. É preciso ainda, que o homem cure as imperfeições do corpo, da mente e, sobretudo, do Espírito que é imortal. Vamos nos unir e preparar os nossos irmãos encarnados para um período de acontecimentos extraordinários. Estranhas manifestações telúricas e de grande beleza serão enviadas. Os grandes eventos serão prenunciados e, uma caravana de Mestres de suma sabedoria, integrarão o corpo docente das grandes faculdades terrestres. Renovarão ensinamentos maravilhosos e ajudarão a estabelecer uma nova sociedade política e civil. Renascerá uma nova civilização e, junto com ela, um paraíso terrestre 284

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pleno de luz e de amor. Está previsto que o homem conhecerá os côncavos-convexos dimensionais do Planeta, viajará pelo Universo e não sentirá o cansaço do tempo. Como sublime conquista da capacidade criadora humana, será posta a máquina do poder absoluto, engenho que entre muitos outros prodígios, dará a Humanidade a visão mais feliz e assombrosa de toda a sua história: a ressurreição dos que se foram. Tomando novamente a palavra, Ângelo observou: – Como vocês ouviram, centenas de irmãos que pereceram no primeiro grande conflito, encarnaram em novas terras, sequiosos de paz e fugindo de sociedades mais velhas. A mistura desses irmãos nos solos americanos, fará nascer uma nova sociedade livre de vícios. Milhares de irmãos em estrelas próximas desejam entrar em contato com a Humanidade. Se ainda não o fizeram abertamente, é porque ainda vêem no homem velho, uma ameaça. Quem sabe dentro em breve as portas se abrirão! Vamos agora à África do Sul. Argel, Dionísio e Peter farão as honras para um predestinado. O nome desse predestinado é Nelson Mandella, um negro de nascimento que é muito combatido pelos brancos e alguns de sua raça. Sabemos que ele passará um período de sua vida entre as grades. Isso não é novidade! Todos que lutam pela liberdade passam por grades. Seus adversários estão tentando eliminá-lo, mas não querem se comprometer com a opinião pública mundial. Isso é muito bom para os nossos propósitos. Se você, Argel, sentir a necessidade de mais gente, é só pedir. Acho que para alguns a reunião já terminou. Os que não foram citados permaneçam em seus lugares. Fangio está a espera de todos fora do salão. Ele os levará até a Cratera Ribas. 285

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Israel trocou um olhar muito singelo com Estela, e partiu junto com os outros. Além de Emílio, Ângelo, Miguel, Dulce e Estela, restaram no salão Hugo, Pierre, Jean, Augusto, Agripino, Caio, Pompeu, Júlio, Cesar, Atílio, Henrique, Margareth, Tadeu, Orfeu, Nicolau, Anatole, Margot, Raziel, Menendez, Libertad, Eudorico, Bernardo e Gaspar. – Os que partiram vão preparar nosso caminho – comentou, Miguel. – Com exceção de Dulce e Estela, devemos encarnar dentro de quatro meses terrestres. Esse é o prazo que eu lhes dou para escolherem suas famílias. Daqui a cem dias exatamente, nos juntaremos a outros quarenta irmãos e, então, receberemos as bênçãos de Jesus. Com Ele deverão estar os Arcanjos Rafael e Miguel. Essa reunião será feita em Vênus, no sopé da Montanha do Adeus. Nós e mais alguns irmãos da Colônia Esperança, encarnaremos no mundo religioso e, nosso irmão Hugo, será o novo Papa. Eu, Emílio e Ângelo vamos estar entre os judeus e muçulmanos, exatamente os mais radicais. Margareth e Tadeu serão protestantes. Anatole e Nicolau retornarão à Rússia e serão ortodoxos. Orfeu e Henrique serão mórmons e irão para os Estados Unidos. Menendez e Libertad ajudarão seus irmãos nas planícies do México. Deixe-me ver! – interrompeu, para analisar uma folha. – Aqui está! Atílio, Margot, Eudorico, Bernardo e Gaspar irão para a América Central. Os que não foram citados, acompanharão o irmão Hugo. Vamos agora fazer uma oração. Peço que a decorem, pois ela nos unirá em pensamento quando nossos espíritos estiverem dentro de um corpo material.

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“Deus meu, faze que este mundo se me represente tal como é realmente; um lugar de provações, um fardo doloroso, uma habitação fria e temporária; mas abranda as amarguras da prova, alivia o fardo, com o concurso das almas irmãs da minha, e descobre a meus olhares o quadro deslumbrante das faustosas recompensas, devidas à eterna gravitação dos Espíritos, para conquistar a espiritualidade pura em tua auréola e em tua glória”. – Cada uma dessas palavras representará o elo de uma poderosa corrente diretamente ligada aos Mensageiros de Luz que vigiarão nossos passos. É uma espécie de mantra que só deve ser lembrada em extrema necessidade. – Antes de nos despedirmos – disse Emílio – desejo também fazer-lhes um lembrete. Quero que decorem esta pequena oração que vou fazer. Ela é um remédio eficaz contra os obsessores e deve ser declamada quando sentirmos a presença deles. “Repelir uma crença que se apoia tão somente sobre velhos preconceitos e errôneas referências, para abraçar uma fé radiante de verdade no meio de um Céu de luz fascinadora e infinita, é um fato que não pode produzir-se senão com a derrocada das aspirações materiais, com a absorção do princípio terrestre do Espírito, efetuado pelo princípio espiritual do mesmo Espírito. É então que se rompem as sujeições da alma e que ela, possuída de sua liberdade, segue o Espírito que se encontra na posse de suas forças”.

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– Esses obsessores não entenderão o significado dela e se afastarão de nossa presença para analisá-la. Compreenderam? – Até a hora da partida – finalizou, Ângelo – Dulce e Estela vos farão companhia. Caso necessitem de algo, por exemplo, um conselho, eu estou à disposição na biblioteca. – Eu também ficarei por aqui – finalizou Miguel. – Se precisarem de mim, estarei junto de Ângelo. Que a Paz esteja com todos. – Amém! – prorromperam todos de uma só vez. A SÓS COM MIGUEL – Podemos conversar separadamente? – perguntou Hugo a Miguel. – Ainda não tive tempo de lhe agradecer pela ajuda. – Ora, Hugo! Paguei somente uma velha dívida! – Que velha dívida é essa? – Embora você não se recorde, já estivemos juntos em duas jornadas. Numa delas você me prestou um grande favor! – E quando aconteceu isso? – Quando eu usava um manto real na Pérsia Antiga. Hugo fez um esforço de memória e exclamou alegre: – Já sei! Quem diria, hein! Como eu poderia me esquecer de uma figura tão importante da história! Você foi Dario23, não é? – E você, Oebares, meu fiel escudeiro. – Como não o reconheci de imediato?

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Dario I, O Grande (? – Egito, 486 a.C.). 288

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– Por duas razões: você estava confuso e não sabia que estava morto. Além disso, minha aparência é outra. Tente lembrar da outra jornada. – Já sei! – repetiu, Hugo. – Eu era Rich e você Samuel, não estou certo? – Absolutamente certo! – Como era mesmo o nome daquela cidade? – Massachusetts! A metrópole lançou um decreto onde estabelecia tributos sobre produtos importados, e nós nos rebelamos. – Sabe de outra coisa, Miguel! Eu também acho que conheço Ângelo de outro lugar! Será que é cisma minha? – Não é cisma. Ângelo é um velho conhecido. Durante as cruzadas nos enfrentamos várias vezes. Saiba você que por duas vezes eu usei o manto dos reis. Puxe pela memória, homem! – Agora estou me lembrando. Mas é claro! Ângelo era Saladino!24 O grande e gentil Saladino! Como poderia esquecer! Quando encarnei ao lado de Gengis Khan, tive a opção de encarnar ao lado dele. E você, quem era? – Você não faz idéia? Eu fui Ricardo25, homem de Deus! Você entende agora porque vamos reencarnar no Oriente? Vamos tentar reunir cristãos, judeus e muçulmanos. – Como gostaria de acompanhá-los! – Apesar de ficarmos em continentes separados, não esqueça que durante o sono nos reuniremos em Ribas. Não é suficiente? 24

Sultão medieval do Egito, Síria, Iêmen e Palestina, fundador da dinastia dos Aiúbidas (Takrit, Mesopotâmia, 1137-38 – Damasco, 04-03-1193). 25 Rei Ricardo I (Oxford, 08-09-1157 – Châlus, França, 06-04-1199). 289

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– Isso não deixa de ser agradável. Posso pedir-lhe um favor? – Quantos você quiser. – Quando examinava um corpo ao lado de Israel e Estela, ambos me aconselharam a não escolher uma proteção atraente. O que você pensa disso? – Israel tem uma lembrança muito desagradável a esse respeito. De certa feita ele viveu cercado de belas mulheres e isso lhe trouxe muitos problemas. – Só por que vivia com belas mulheres? – Acontece que essas mulheres abusaram muito de seu físico e isso abreviou a sua vida. Morreu tuberculoso. Siga o conselho dele. – Grato pela franqueza. E quanto ao local onde devo nascer, você tem alguma opinião? – Eu acho que você deve aproveitar o círculo familiar já existente. Se você não deixou primos de sangue, encarne entre amigos. Isso facilitará as coisas. Por que você não aproveita a ocasião e se torna irmão de Pierre, ou Jean? – Isso não será possível porque vamos nascer no mesmo dia. Só se formos gêmeos. – Isso está fora de cogitação. Você tem certeza de não ter nenhum irmão consangüíneo. – Que eu saiba, não tenho nem primos de segundo ou terceiro grau. – Então é melhor começar a procurar uma família francesa desde já. É lá que você nascerá novamente. Por que você não faz primeiro uma viagem de reconhecimento? – Eu vou fazer essa viagem e aproveitar para conhecer o Centro Joana D’Arc. Isso se for possível. – Talvez por lá você encontre uma mãe ideal. 290

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– Esclareça-me uma coisa, se possível. Eu já tenho uma idéia de como começa a vida em alguns planos, só não tenho idéia, de como surgem esses planos. Você sabe algo a respeito? Você é capaz de me dizer quantos mundos existem espalhados no Universo? – Eu acho que ninguém é capaz de dizer quantos mundos existem no Universo, porque eles nascem a cada minuto. Só Deus poderia responder essa pergunta. Eu sei somente que há milhões de mundos e, em quase todos, existe vida. – Você é capaz de me dizer se existem muitas moradas iguais a Terra? – Sinceramente, também não posso te responder. Os mundos, Hugo, estão em constante evolução e, por isso, não são exatamente iguais. Uns progridem mais que outros. A Terra está prestes a tornar-se um Plano de Regeneração. Dentro em breve ela terá novas parceiras. Oxalá, quando nos elevemos mais e mais, possamos ter uma noção mais precisa do Infinito. Por enquanto sou muito limitado nesse assunto. Para ser possível analisar a maravilha que nos cerca, precisamos ultrapassar várias etapas de nossa existência. Por acaso você teve oportunidade de analisar a via-láctea que abriga o Sistema Solar da Terra? Eu li muito a respeito e vou tentar fazer uma síntese dela. Durante muito séculos, acreditou-se que a via-láctea era uma condensação de certa parte do fluído cósmico que enche o espaço infinito. Pois bem! Ulteriores observações deram como resultado conhecer a verdadeira natureza da formosa e fulgurante via-láctea. Ela era um aglomerado de estrelas, verdadeiros sóis mais ou menos semelhantes ao astro rei terrestre, em volta dos quais, evolui rapidamente um número incalculável de planetas e 291

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satélites imperceptíveis a vista humana. Essas estrelas, parecem próximas uma das outras até confundirem sua luz, porém a distância que medeia entre elas é tão considerável, quanto é enorme o intervalo que separa a Terra de Canópus. Para se ter uma idéia, embora imperfeita, dessas distâncias, diria que muitas delas há séculos desapareceram do Céu da Terra e a luz viajando constantemente pelos espaços siderais, ainda até hoje continua a chegar no Planeta. Outras já nasceram e envolvem os seus planetas e satélites com os feéricos raios de sua luz refulgente, todavia, esta luz, passarse-ão alguns séculos, antes que possa atingir as atmosferas terrestres. Pois bem! Todo esse conjunto de estrelas, essa luminosa via-láctea que resplandece formosa sobre os habitantes da Terra, é um ponto infinitamente pequeno comparado com a imensidade do espaço Universal. Essa imensidade é de todos que se dignem estudá-la. Flammarion, que você teve a oportunidade de conhecer, dedicou quase toda sua existência no estudo dos abismos insondáveis que cercam essa imensidão. Feliz dele, pois como recompensa acha-se ocupando um lugar de grande destaque entre as luminosas falanges que constantemente percorrem esse espaços brilhantes. Ele está em condições de responder algumas de suas perguntas. Para surpresa de Miguel, Hugo comentou: – Uma coisa é certa, Miguel. Quanto mais eu falo com vocês, mais idiota em me sinto! – Por quê? – Você disse há pouco que não poderia me ajudar, no entanto acaba de fazer uma extraordinária explanação a respeito da via-láctea! Entende por que me sinto cada vez mais idiota? 292

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– Idiotas, Hugo, são os que fogem e temem a realidade. Esse não é o seu caso. Idiotas foram aqueles que tentaram cercear os movimentos de Galileo 26. Hoje ele percorre os espaços como as aves que voam sobre as matas, felizes e livres. E aonde estão os que o combateram? Presos e manietados num imenso turbilhão de tristezas. – Você sabe por que algumas vezes o ser regride espiritualmente? – Nenhum ser regride espiritualmente, o que acontece, é que alguns estacionam e deixam de progredir. – Mas os que estão nas Trevas não regrediram? – Simplesmente estacionaram. Todas as suas faculdades são as mesmas, senão não sentiriam nada. – E quanto a teoria de anjos caídos? – Isso é uma estupidez inventada por certos teólogos com a finalidade de denegrir a Justiça Divina. Quando um ser chega a esse estágio, está perto da perfeição, isto é, está bem perto de Deus. Como um ser tão avançado pode regredir? – E quanto aos grandes gênios da Humanidade, por que alguns sucumbem? Eu vi alguns nas Trevas com aparências horripilantes! – É muito simples! O egoísmo ultrapassou a sabedoria. Eu não estou em condições de fazer qualquer julgamento. Esse assunto é muito melindroso. Uma coisa é certa e eu me atrevo a dizer: o livre arbítrio é o condutor fiel de todas as almas. Ele é o pêndulo de nossas subidas e descidas. Você sabia que os mundos também sofrem? Que

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Galileo Galilei. Físico e astrônomo italiano (Pisa, 15-02-1564 – Arcetri, 08-01-1642). 293

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eles também sentem na pele quando há muito sofrimento em cima deles? – Você está afirmando que a Terra tem vida própria? É isso? – A Terra pulsa e vive como qualquer outro ser. Ela geme e chora quando é retalhada por explosões. Vou te contar agora algo que parecerá absurdo, mas é verdade. Você sabe que a sensibilidade do espírito quando está livre, é maior que a sensibilidade do espírito aprisionado num corpo. Então preste bem atenção. Numa de minhas andanças ao redor do Himalaia, resolvi descansar, e sentei-me sob um atraente ramo de carvalho. Era noite, o Céu estava apinhado de estrelas e, a Lua, se espreguiçava ao sabor do vento. Diante daquele magnífico espetáculo fiquei seduzido pelo silêncio da noite. De repente, os meus sentidos apurados começaram a ouvir alguém que falava baixinho. Era quase um murmúrio. Apurei ainda mais os sentidos, olhei em volta, e nada vi. Novamente ruídos de uma fala macia chegaram a mim. Tive ímpetos de perguntar se havia alguém por perto, porém permaneci calado e a espreita. Pouco a pouco o som de duas vozes voltaram e ouvi perfeitamente um diálogo. Acredite! Era a Terra conversando com a Lua. Eis parte do que diziam: “Diga-me irmã Lua; os que vivem em teu solo te magoam como sou magoada? “A mim eles me respeitam. Eles admiram minha beleza – respondeu a Lua. “Mas eu também sou bela, muito bela, por isso a brisa da noite me acaricia com diáfana alegria. Os rios se deslocam suavemente e roçam os meus aclives e declives. Você tem rios? 294

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“Em meu interior, sim! Na superfície desapareceram. “Que pena! E pássaros, você os têm? “Iguais aos teus, eu não tenho. “Os meus são motivos de alegria; gorjeiam afinadamente nos ramos que me enfeitam. “Mas daqui eu te vejo triste! – observou a Lua. “Realmente às vezes estou triste. É que em meu solo corre também muito sangue. Além disso minha pele é cortada e violentada por explosões. Como sofro com isso. “Sinto pela amiga. Esse problema eu não tenho, por isso vivo contente lançando meu brilho no Céu. – Diante desse último comentário, a Terra silenciou. – Então, que tal? Gostou? Hugo também silenciou. Duas lágrimas responderam por ele. ALFRED BERNHARD NOBEL

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uxa! – comentou, Jean. – Pensei que você já estava encarnado! – Perdoe-me. Eu necessitava colocar em ordem minha agenda. Afinal sou o Papa! – brincou. – Aonde está Estela? – Ela e Dulce estão à nossa espera no Centro de Convenções. Está havendo uma palestra. – Vocês sabem quem é o palestrante? – Estela disse somente que é um sueco chamado Alfred27. Comentou que ele deixou uma enorme fortuna para 27

Alfred Bernhard Nobel. – Químico, engenheiro e inventor sueco (Estocolmo, 21-10-1833 – San Remo, 10-12-1896). 295

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constituir um fundo, cujos rendimentos anuais, fossem distribuídos como prêmio às mais destacadas figuras do mundo literário e científico. – Ora, Jean! Você está falando do patrocinador do Prêmio Nobel! – Eu sabia que o nome não era estranho! – Vamos até lá? O Centro de Convenções parecia um grande teatro. Como estava lotado, acomodaram-se no chão, perto do palco. Alfred dizia: – ... isso é o que está ocorrendo hoje na minha Europa. Todos temem que antes de terminar o século vinte, comece uma nova guerra, ainda mais destrutiva. Uns temem a expansão do comunismo, outros acham que o perigo maior vem do Oriente. Outros ainda acham que os Estados Unidos da América se tornará uma potência incontrolável. Nunca se vendeu tanto as Centúrias de Nostradamus. Parece-me que Michel traçou os destinos da Humanidade com certa precisão, por isso todos temem pelo pior. Fala-se também muito no Apocalipse. Acho que os textos de João 28 estão sendo mal avaliados. Acho que a Terra passará incólume por qualquer guerra. Espero não estar enganado. Não acredito que o ser humano, por mais estúpido que seja, se lance numa aventura sem volta. Logo depois da guerra sobrevoei Hiroshima e Nagasaki e me senti culpado indiretamente por essas mortes. Quando mexia com a nitroglicerina, jamais passou por minha mente que o ser humano construísse bombas de efeito tão 28

João Evangelista. – Filho de Zebedeu, pescador da Galiléia, e de Salomé. Provavelmente nasceu em Betsaida e morreu em idade avançada, por volta do ano 100. – Presume-se que seja de sua autoria o quarto Evangelho. 296

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devastador. Eu sei que é necessário avançar, mas se o preço a pagar é esse, é preferível ficar estacionado. Para que o homem conheça alguns rincões do Universo, é necessário que avance cada vez mais. O que precisamos fazer, é conter a ambição de domínio de certos povos. As potências que têm o segredo dessas bombas querem escravizar outras nações. O imperialismo tem que desaparecer da face da Terra. Entre os místicos e religiosos existe uma preocupação muito grande quanto a isso. Eles têm toda razão. Na Terra se observa algo curioso que deve ser bem analisado. O poder das grandes nações se concentra unicamente em duas mãos. Isso é extremamente perigoso, porque o homem ainda é muito inseguro e fraco. Um ato de insanidade poderá arrastar toda a Humanidade para uma destruição total. Eu vou voltar novamente à Terra. Já me alistei no grande exército de voluntários. Vamos tentar assegurar o direito de vida a todos os seus habitantes. Para os que viram ou participaram diretamente da primeira ou segunda grande guerra, a América é o local ideal para reencarnar. Fugirão dos grandes conflitos e poderão ajudar a implantar novas democracias, únicas formas políticas em que o ser tem seus direitos respeitados. Eu não estou dizendo com isso que vocês não devam ir para outras regiões, pelo contrário, acho até que devemos unir nossos esforços para espalhar esse sistema de governo em toda Ásia. A China continental passa por momentos difíceis e deve ser ajudada. Seus habitantes têm sido perseguidos e violentados há séculos. Imaginem vocês! A Índia, a imensa Índia, a segunda maior nação em população, passa fome enquanto as vacas passeiam pelas ruas. A maior praga que existe na Terra, é a ignorância, que faz crescer o fanatismo. Se conseguirmos penetrar na consciência dos mandantes, 297

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mudaremos a face do Planeta. Sabem por que eu aconselhei vocês para irem para o continente americano? Porque seus habitantes são pacíficos e estão se misturando aos povos que fugiram das guerras. O cruzamento que está havendo entre negros e brancos, está criando uma nova raça. Enquanto a Argentina está recebendo milhares de italianos e alemães, os espanhóis, portugueses, búlgaros e russos estão se espalhando pelo Brasil, Os japoneses também estão escolhendo o Brasil como um novo lar, isto porque, está nascendo uma nova democracia nesse país. Volto a afirmar! Não quero que a Europa seja esquecida e abandonada, ao contrário, deve continuar recebendo o auxílio de espíritos elevados. Franceses, ingleses, portugueses e espanhóis, colonialistas por tradição, devem começar a aceitar a liberdade dos povos colonizados. A América está precisando de braços fortes e cérebros inteligentes. Misturem-se e criem novas raças e condições de vida. Essas palavras eu as ouvi de experientes mensageiros. Os que preferem subir mais rapidamente, o Continente Africano acena com ótimas perspectivas. Nossos irmãos africanos estão precisando de médicos e agrônomos. Se Deus me permitir, vou encarnar nesse continente como médico. Eu já fui químico e essa experiência facilitará meus estudos. – Fazendo alusão à sua vida anterior, comentou: antes eu lidava com explosivos, agora vou detonar meu coração na ajuda de irmãos mais carentes! Quem de vocês deseja me acompanhar? Hugo, ao lado de Jean, calculou que noventa por cento dos presentes haviam erguido os braços e, só não fez o mesmo, porque sua tarefa já estava delineada.

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Enquanto a maioria dava seus nomes para a jovem que acompanhava Alfred, Hugo reagrupou-se com seu pessoal fora do edifício. – Sabem! – exclamou, Estela. – Quase me alistei como voluntária. Alfred é muito simpático e convincente. – Lembrei-me agora de Israel – disse, Hugo. – Acho que ele apreciaria ouvir Alfred. – É nele que eu também pensava – observou, Estela. HELENA PETROVNA BLAVATSKY

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em gente – interferiu, Dulce – será que vocês não ficarão aborrecidos se eu os levar a outra palestra? – Por mim eu ficaria ouvindo Alfred até a exaustão – comentou, Pierre. – Os demais concordam? – Eu não falo pelos outros, mas eu irei com prazer – falou, Júlio. – Então não percamos tempo, pois acho que a palestra já está no fim. Durante o rápido trajeto, Hugo ficou sabendo que uma mulher era a palestrante. Chamava-se Helena29. Chegaram no fim da palestra. Helena tinha olhos azuis e um cabelo que lembrava as barbas do milho. Um pouco mais amareladas. Embora tenha nascido na Ucrânia, arrastava

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Helena Petrovna Blavatsky (Ekaterinoslav, Ucrânia, 1831 – Londres, 1891). Teosofista russa, que fundou, em 1875 nos EUA a Sociedade Teosófica. 299

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um pouco o alemão. Foi possível ouvir as seguintes palavras finais: “ ..... não há maior religião que a verdade. Não se esqueçam! O homem não é apenas o ser mais desenvolvido e mais consciente da Criação, mas também o mais doente e, a opinião pública é um tirano invisível, intangível, onipresente, uma hidra de mil cabeças; a mais perigosa das bestas, pois é composta de mediocridades individuais”. – Que pena! – exclamou, Augusto. – Chegamos no fim. Mudando de assunto, Estela fez um novo convite: – Que tal fazermos agora uma visita aos irmãos que resgatamos nas sombras? – Excelente idéia! – aplaudiu Dulce. RODRIGO E LUCRÉCIA

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mbora Israel e Honório não fizessem mais parte do grupo, com a presença de Raziel e Dulce, continuavam a ser doze. Com o objetivo de fazer com que Raziel se integrasse mais ao grupo, Estela puxou conversa: – Soube que você é um excelente pregador e foi responsável pelo movimento modernista lançado na Terra. Isso é verdade? – Como me arrependo disso, cara irmã. Como defendemos princípios absurdos quando estamos encarcerados na matéria! – Por que, absurdos? – Porque o movimento futurista, o movimento que eu defendia, era uma apologia ao fascismo, e o fascismo era um 300

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sistema político nacionalista, imperialista, anti-liberal e antidemocrático. Quando publiquei no Le Figaro o primeiro manifesto futurista, eu me julguei um gênio. Agora sei que era um conjunto de idéias infelizes e que eu não passava de um idiota arrogante. Graças a Deus vou ter oportunidade de modificar esses conceitos. Nenhuma forma de governo nos moldes do fascismo ou do nazismo deve sobreviver. Quando somos jovens, achamos que é possível acabar com as injustiças do mundo através da força. Quando escrevi o romance Makarfa il futurista, era minha intenção lançar uma semente revolucionária não política. A nova doutrina visava a subversão total de toda a tradição acadêmica, cultural e estética, mas minha filosofia não era pregar nenhuma subversão acompanhada de armas. Morri amargurado e angustiado quando vi as barbaridades cometidas por Mussolini. – As grandes almas sempre partem amarguradas, meu caro! – consolou, Estela. – Quais são agora os teus intentos? – Desejo usar o dom da oratória em benefício do ser humano. Espero não fracassar desta vez. – Acho que você não fracassará dessa vez! – animou, Estela. – Como a prestimosa irmã ficará deste lado – comentou baixinho – desde já peço seu auxílio. Se minhas lembranças não forem totalmente apagadas, minhas orações serão dirigidas a você. – Grata pela confiança. – Eu não sabia que você também é piloto, Pompeu! – observou Dulce quando o viu chegar na direção de uma pequena nave. 301

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– Esses aparelhos são fáceis de manobrar – respondeu modestamente. – Desde já você está intimado a me ensinar como se leva essa coisa – brincou, Dulce. – Tenho imenso prazer. Sente-se aqui ao meu lado e observe como faço. É muito simples! Você verá! Defronte o lugar ocupado pelo piloto havia um painel com oito chaves de comando. Uma delas elevava o aparelho do solo; outra o movimentava para a direita; ainda outra, para a esquerda; uma quarta servia para fazer o aparelho aterrizar; as demais controlavam o combustível e a velocidade. Não havia nada de extraordinário. Dentro dele não havia luzes, só um interfone ligado à base. – Mas isso parece mais um brinquedo de criança! – exclamou, Dulce. – Essas chaves comandam o veículo? – Só mexemos nelas em distâncias curtas. Quando as distâncias são longas, a viagem é controlada pelos computadores da base. – E neste momento, quem está no comando? – A base. Quando estivermos a ponto de pousar, pegarei os controles. – Então pegue-os agora – observou Estela, avistando os magníficos planaltos. – Por favor, desça perto daquelas árvores. Dulce avistando uma revoada de pássaros pequeninos, comentou: – Parece ser uma coincidência, mas todas as vezes que venho para este lugar sou recepcionada por essas cotovias. Como é adorável ouvir o canto dessas avezinhas graciosas. Se a natureza não lhes deu uma magnífica plumagem, 302

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compensou-as com um dos mais belos cantos do reino animal! – Você sabia, querida irmã, que elas cantam durante o vôo? – comentou, Caio. – Quem sabe elas incluíram no repertório uma canção de vôo para chamar a atenção de todos! –observou, Raziel. – Antes de irmos para o Solar, não será possível comermos algumas ameixas? – perguntou Hugo, lembrandose da primeira visita. – Desvie então para aquela direção – ordenou, Estela. – Logo adiante há uma chácara com uma grande variedade de frutas. Lá também poderemos ver tucanos e cacatuas, uma ave considerada sagrada por alguns povos primitivos. – Eu acho – disse Caio – que todas as aves deveriam ser consideradas sagradas. No grande Universo, sem dúvida há muitas coisas belas, mas nada supera a graça e a beleza dessas criaturinhas aladas! – Olhem só! – exclamou Hugo, com um largo sorriso. – Temos entre nós mais um filósofo! Ou será um poeta? Caio, que ainda conservava a timidez dos humanos, virou o rosto levemente ruborizado. – Desculpe-o – aconselhou Estela a Caio. – Esse francesinho não toma jeito. Pompeu, pouse atrás do santuário. Lá estão as ameixas e as pitangas. Enquanto saboreamos as ameixas, vamos observar os tucanos e suas acrobacias. Já em solo, Hugo compreendeu o comentário de Estela a respeito dos tucanos. Num galho de árvore, havia dois tucanos-de-peitoamarelo jogando para o alto, duas ameixas. Com grande maestria, pegavam-nas novamente entre os bicos. Nenhuma caía ao solo. Faziam isso com tanta facilidade, que pareciam 303

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estar vaidosos ao serem observados. Em outra árvore, uma cacatua branca e com penas vermelhas na cabeça, movia as pernas como se estivesse dançando. Quando viu que estava sendo observada, mostrou alegremente o magnífico topete. Oito penas se abriam e fechavam num compasso musical. Debaixo dela, um estorninho imitava o barulho da água correndo. Um pouco mais ao lado, um rouxinol mostrava porque era considerado o rei dos pássaros canoros. – Só quem é burro sairia de livre e expontânea vontade deste lugar! – comentou, Hugo. Dulce e Estela riram gostosamente com a careta de Hugo. Para completar o ambiente, um pintassilgo dourado pousou no ombro do futuro Papa e pôs-se a cantar. Depois de saborearem as frutas, molharam os lábios numa corrente de água e voltaram ao veículo. Já no Solar, foram recebidos por uma moça vestida de branco. Ao vê-la, Estela abriu um largo sorriso e abraçou-a efusivamente. – Estes são meus amigos – disse Estela, apresentando um a um. – Regina é a mais jovem médica do solar. – Já não sou a mais jovem – comentou a moça. – Acabamos de receber três jovens profissionais especialistas em queimaduras. O mais novo deles, Rosuel, deverá encarnar na Terra brevemente. – Que bom! – exclamou, Estela. – A Terra está precisando de especialistas. A guerra trouxe muitas doenças antes desconhecidas. Ele já tem um lugar definido? – Parece-me que ele irá para a América do Sul. Bem! Eu acho que vocês vieram aqui para visitar alguém. Estou certa? 304

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– Viemos ver alguns irmãos recém chegados das sombras. Um deles foi trazido pelo irmão Godofredo junto com quatro negros pequeninos. – Já sei quem são! Com eles também vieram outros irmãos. Deixe-me ver! Aqui estão! Rodrigo, Lucrécia, Cesar, Ivan, Cerdeiras, Horácio, Hugues e os quatro primitivos. De todos eles, somente os dois primeiros ainda estão aqui. Os demais receberam alta e foram transferidos para a ala das reencarnações. Rodrigo ainda não está em condições de receber visita, mas Lucrécia se encontra em vias de receber alta. Acompanhem-me! Vou levá-los até ela. Ao observá-la recostada num divã, Estela deduziu porque alguns homens disputavam o seu amor. Ela era muito bela e sua formosura encantava a todos. Vendo-a agora, ninguém afirmaria que ela havia chegado recentemente do Vale das Lágrimas. – Por favor, aproximem-se! – disse com alegria, ao ver quem chegava. – Que prazer! Que tal! Como estou? – Muito bela e disposta – respondeu, Estela. – Só isso? – completou vaidosa. – Sinceramente – observou, Hugo – você está linda! Espero que essa beleza não te traga novos aborrecimentos. – E por quê? Eu ainda não vi por aqui nenhuma mulher feia, ora! Algumas enfermeiras são muito mais belas do que eu. Não vi nenhuma delas reclamar por isso. Olhe Estela, por exemplo. É muito mais bonita do que eu! – Bondade sua – disse timidamente, Estela. – Perto de Dulce sou apenas uma mulher simpática. – Mas o que é isso!! Viemos aqui falar sobre beleza? – cortou, Dulce. – Acho bom você começar a pensar em outras coisas. O assunto que me trouxe aqui é completamente 305

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diferente, mas antes, quero fazer uma pergunta: como você está se sentindo? – Eu me sinto completamente curada. – Diga-me sinceramente. Os teus projetos de grandeza continuam a fazer parte do teu dia a dia? – Eu estou me sentindo muito mudada. Depois que comecei a receber a visita do Abade José, cresci espiritualmente. Ele me fez compreender como me desviei dos principais objetivos da vida. Esse simpático velhinho encheu meu coração com doces exemplos. – Por mim já ouvi o suficiente. Vou encaminhá-la ao irmão Abdias e ele vai preparar tua volta à Terra. Três aflitivas irmãs estão à espera de uma filha. Ficará a teu critério a escolha. No futuro, você será mãe de um rebento do sexo masculino que terá uma missão muito importante pela frente. Será teu dever ampará-lo e levá-lo ao ápice. – Quer dizer que além de mãe, serei abençoada por Deus? – Não fique muito exultante. Muitos de teus excompanheiros procurarão dificultar tua tarefa. Esse assunto já está resolvido. Agora vamos promover o reencontro de Hugo com seus pais – completou para a surpresa de todos. – Meus pais!!! – gritou, Hugo. – Você está brincando comigo? – Os dois fazem parte da equipe médica do Solar. Preparei esse encontro enquanto vocês estavam no Vale. – Onde eles estão agora? – perguntou Hugo, exultante. – Logo após aqueles mosaicos de abáculos – explicou Regina apontando uma parede com uma paisagem agreste – 306

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fica a sala de atendimento do Dr. Leonard. A Dra. Carol atende do outro lado. – Mas minha mãe não é médica! Será que não está havendo um engano? – A Dra. Carol formou-se em uma de nossas Faculdades. Ela foi uma das mais brilhantes alunas da Faculdade de Ciências Médicas Coração Divino. Formou-se em Geriatria, Pedagogia e Cirurgia. – Isto me parece um sonho! Isso quer dizer, que enquanto eu brincava de esconde-esconde no pico, minha mãe freqüentava uma faculdade de ensino? E o meu pai? O que ele fazia nesse intervalo? – O teu pai fez parte de uma equipe médica por ocasião da segunda grande guerra. A tua mãe, que já era quase médica, acompanhou-o como enfermeira. – Então dêem-me licença – disse Hugo, querendo caminhar em direção à sala do pai. – Calma! – segurou-o, Regina. – O Dr. Leonard está terminando uma operação muito delicada. A Dra. Carol é sua assistente nessa operação. Quando terminarem, nos avisarão. Nesse intervalo vamos ver Rodrigo. – Mas você não comentou que ele não pode receber visitas? – indagou, Estela. – Vamos somente vê-lo pelas janelas. Ele se encontra aos cuidados do Dr. Pasteur30, no Soleil Flamboyant. Atravessaram um corredor e atingiram uma área livre. O Soleil era uma construção arredondada e o teto era transparente. A luz dos sóis era filtrada por um emaranhado 30

Louis Pasteur. Cientista francês (Dole, 27-12-1822 – Saint-Cloud, 2809-1895). 307

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sistema de telhas coloridas que atingiam diretamente os pacientes. Atingidos pelas luzes desses sóis gigantescos, os doentes eram reconfortados e se recuperavam rapidamente. Suas células, quase todas envenenadas e desgastadas pelo tempo, sofriam profundas metamorfoses. Para melhor, é claro! Células velhas davam lugar a novas células. Quase todas as células de Rodrigo haviam sido trocadas através desse sistema, mas o cérebro e a visão ainda mereciam cuidados especiais. Os braços e as pernas já estavam perfeitas, e os pés haviam adquirido suas formas originais. Os cascos foram substituídos por dedos em cujas pontas apareciam unhas brancas e arredondadas. Vendo-o através da janela, Jean comentou: – Estou muito impressionado com o que estou vendo. Rodrigo está novo. Se isso acontecesse na Terra, seria um milagre! O Dr. Pasteur está de parabéns. Vocês sabiam que ele um dia foi considerado um químico medíocre? Meu Deus! Como um homem que descobriu a vacina contra a raiva, pode ser analisado dessa maneira! – A inveja às vezes supera o egoísmo, meu caro Jean! – observou, Estela. – Por que não podemos chegar perto de Rodrigo? – perguntou, Pierre. – É que seu estado ainda inspira cuidados. Ele ainda está sujeito a uma recaída. O efeito daquele veneno ainda não foi totalmente eliminado. O Dr. Pasteur está tentando criar uma vacina contra a picada dessas aranhas. Dois de seus assistentes foram até Fórgus verificar onde elas se reproduzem. – Será que eu posso fazer uma pergunta de um assunto diferente? – disse Raziel, de repente. – É algo que 308

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carrego comigo desde minha chegada. Talvez o local não seja adequado para essa pergunta, mas vou fazê-la. Todos olhavam ansiosos tentando adivinhar o pensamento de Raziel. – Alguém de vocês poderia me explicar como o espírito entra na matéria por ocasião de uma nova existência? – Na Ala de Reencarnações você poderá ter acesso a algumas informações – sugeriu, Dulce. – Será que a prestimosa irmã não poderia adiantar algo a respeito? – Acho que aqui todos concordam que nascemos através de um “sopro divino” – começou Dulce. – Ainda sou muito ignorante para compreender o significado exato dessa alegoria. Eu sei que ao reencarnarmos, nos transformamos numa pequenina sementinha etérea que é colocada num recanto adorável que é a bolsa materna. Pois bem! A semente de qualquer vegetal se alimenta de água ou de terra. Algumas ainda se sustentam somente de oxigênio. A semente do ser humano, se nutre da energia gerada pelo espírito da futura mamãe. Isso ocorre segundos após a fecundação. Já dentro do ovário, o ser continua a ser alimentado pela força gerada pelo perispírito da mãe. Do ovário, o óvulo desce pelas trompas e se aloja no útero. Desde o momento em que o óvulo é fecundado, o espírito do futuro ser está presente. Seja como embrião, seja como feto, ele já está de posse de suas faculdades. Sente, ouve e troca impressões com a mamãe. Vibra quando sente a felicidade dos pais. Quando a mãe sofre, sofre também. Enfim. Só falta sair, falar e andar. Eu me emociono muito, quando vejo daqui, algumas mães despreparadas recorrerem ao aborto. Embora algumas mães recorram ao aborto por desespero ou medo da sociedade, essa 309

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é uma prática abominável. É um dos mais terríveis enganos do ser humano! Tanto o aborto como a eutanásia, praticados no meio civilizado, são assassinatos e sujeitos a penas extensas e dolorosas. – Desculpe a insistência, irmã, mas o que eu quero saber, claro, se possível, é como entramos na matéria? – Eu disse há pouco, caro Raziel, que ainda não compreendo certas coisas. Esse tema está entre os mais difíceis, entretanto, vou continuar a dizer o que penso. Você já teve oportunidade de ver como nascem as lagartas? Imaginemos que a bolsa materna seja um casulo. Aqueles milhões de micro organismos, semelhantes aos cometas cortando os espaços e, que são conhecidos como espermatozóides, têm um minúsculo rabicho na parte traseira. Pois bem! O perispírito do futuro ser, se ligará a esse rabicho quando o espermatozóide atingir o óvulo. Nós, espíritos, temos certas facilidades. Podemos encolher e esticar. São duas de muitas especialidades que Deus nos deu. Podemos reduzir tanto o nosso tamanho, que num piscar de olhos, nos transformamos numa centelha menor que o átomo. Nessas condições, nos ligamos ao óvulo e já estamos em condições de crescer dentro do útero. Como o espírito é uma cópia exata do corpo, ele cresce a medida que a matéria se desenvolve. Eu acho que é assim que entramos na matéria. – Para mim – observou Jean, pedindo licença a Dulce – o espermatozóide, apesar de ser o agente causador da vida, está longe de ser analisado. Por enquanto só podemos confirmar como o feto se desenvolve dentro do útero. O que não pode ser comprovado por métodos científicos, nós médicos, deixamos de lado. Eu acho que Dulce tem razão quando afirma que o espírito se agarra ao óvulo desde o 310

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início. Só não sei, quem aconselha ou obriga o espírito a agarrar o óvulo. – Voltamos ao ponto inicial – comentou, Raziel. – Eu disse antes – insistiu, Dulce – que ainda não estamos em condições de analisar como começa realmente a vida. Uma coisa é certa e todos vocês devem concordar; o perispírito é um envoltório semi-material. Quando estamos encarnados, eles são idênticos aos corpos, todavia quando estamos soltos, podemos mudá-lo. Conforme a natureza de cada Globo, pode ser sutil ou grosseiro e podem tomar às mais diferentes formas. Para nós, o perispírito representa o que representa o perisperma para o germe do fruto. O esquecimento de nossas vidas anteriores ocorre no exato momento em que o espírito toma ciência de sua nova vida. Será que nós não nascemos como Aladim, aquele mesmo da lâmpada mágica! Esse exemplo, talvez grotesco para alguns, pode ser comparado a um processo inicial de vida. Ao nosso início de vida num plano distinto. Em minha penúltima reencarnação, eu me recordo que fui levada a uma pequena sala, deitei numa padiola, e acordei chorando numa maternidade. Só disso que me lembro. Será que também não nos transformamos numa fumacinha e somos encarcerados numa lâmpada mágica? – Eu tenho que concordar – observou, Raziel – que isso é uma magnífica suposição! – Bem! – exclamou, Regina. – Enquanto Hugo conversa com os pais, que tal visitarmos a nova Geriatria? Como na Terra, os anciães se sentem muito reconfortados quando recebem novas visitas. Assim que deixar Hugo com os pais, voltarei e continuarei a servir de cicerone. 311

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– Onde fica a Geriatria? – perguntou Jean, interessado. – Se vocês querem ir na frente, por mim está bem. No fim daquela passagem há uma seta indicando o local. Ela está cercada por ciprestes. Vamos, Hugo, o seu pai está à nossa espera. AFINAL, OS PAIS

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eonard e Carol esperavam Hugo à entrada do setor de cirurgia. Vendo-os, enquanto seus olhos ficavam cobertos de lágrimas, Hugo apressou os passos. Regina retirou-se preferindo deixá-los a sós. A primeira a falar foi a mãe. Só conseguiu dizer: – Perdoe-nos pela ausência, querido filho. – Ora, mãe! O que deve ser perdoado! Como vocês estão fortes e bonitos! – exclamou, sob forte emoção. – Você parece mais uma noiva em dia de casamento, mamãe! E você, papai! Parece mais um jovem atleta, do que aquele pai que ficava observando o céu durante a noite! – Para ser um bom cirurgião, filho, precisamos ter mãos ágeis e firmes. Como você está? – Bem, pai! Muito bem! Mãos ágeis e firmes você sempre teve. Quem diria, hein mãe, reencontrarmo-nos no Céu! – Onde você queria nos encontrar? Acho que fizemos por merecer este lugar, você não acha? – Não importa o lugar, o que interessa é que estamos novamente juntos!

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– Isso é o mais importante, filho. Soubemos que te reservam algo especial. Pena que não fomos escalados para acompanhá-lo. Eu sempre quis conhecer o Vaticano. – É, mãe! Conhecer é uma coisa, viver dentro dele é completamente diferente. Ainda mais eu que adoro os padres! – observou Hugo, com zombaria. – E como! – riu, Carol. – Como prêmio fui escalado para ser o chefe deles! Vocês podem imaginar o que me espera? – Filho. Apesar de nós não termos sido crentes, sempre fomos pessoas boas e responsáveis, isso é o que vale. Uma das coisas que eu mais me preocupei, foi fazer de você um homem correto e bom. Graças a Deus, isso eu consegui, senão não estaríamos juntos. Sem querer ensinei a você a mais certa das religiões: a do amor. Não devemos realçar as nossas qualidades, mas é certo que durante nossa permanência na Terra sempre agimos corretamente. Se não fomos perfeitos, o que convenhamos, não é possível ser quando estamos dentro de um corpo, também não fomos imperfeitos demais. O que eu quero dizer... Hugo interrompeu o pai e disse sorrindo: – Vocês sabem o que eu mais encontrei neste lugar? Filósofos! – Ora, menino malcriado. Quer dizer então que estou filosofando! – comentou Leonard, batendo nas costas do filho. – Na verdade pai, é que me faltam palavras para expressar como estou emocionado diante de vocês. Como senti a vossa ausência! Naqueles anos que me vi enclausurado nas montanhas, ficava imaginando como seria bom tê-los ao meu lado. Como me senti menino naqueles 313

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instantes. Como necessitava da vossa proteção! Meu Deus, não é bom lembrar disso! – Quando soubemos da tua morte estávamos também em dificuldades. Não estávamos em condições de te amparar. Com raras exceções, a verdade é que ninguém está preparado para abandonar o corpo quando morre. Nós também ficamos presos aos corpos um bom período. Quando me foi roubada a vida, fiquei um bom tempo sem entender o que estava se passando. Com o teu pai aconteceu o mesmo. Quando já estávamos prestes a nos entregar a uma falange de espíritos errantes e zombeteiros, fomos socorridos pelo vovô François. Ao lado dele estava Miguel, esse adorado irmão, que também a nosso pedido, foi em teu auxílio. – Quando chegamos fomos engajados imediatamente nas equipes de salvamento. Quantos horrores e barbaridades presenciamos! Amaldiçoadas sejam todas as guerras e quem as inicia. – Jean disse o mesmo. – Jean, além de ótimo médico, é uma ótima criatura. Eu não sei onde ele encontrava tanta força! Por diversas vezes eu o vi operando em cima de cinzas. Em várias ocasiões eu fui sua assistente. – Quer dizer então que Jean trabalhou com vocês e não sabia que vocês eram meus pais? Agora posso analisar quanta nobreza há na alma desse querido amigo. Ele jamais comentou seus feitos! – Uma das maiores qualidades de Jean, senão a maior, é a modéstia – disse a mãe. – Explique-me uma coisa, mãe: a Regina disse-me que você é médica: agora ouço de seus lábios que você foi 314

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auxiliar de Jean. Afinal mamãe, você é médica ou enfermeira? – Quando eu estava ao lado dele eu era enfermeira, embora alguns me reconhecessem como médica. Nessa ocasião vi cenas tão horripilantes que fiz uma promessa: envidaria todos os esforços para me tornar uma profissional. Para me diplomar, não foi preciso encarnar, pois aqui há muitas Faculdades, por sinal, muito superiores às que existem na Terra. Dediquei-me com afã aos estudos e formei-me primeiramente em Geriatria. Como não queria ficar longe de teu pai, formei-me também em Cirurgia. Quando vi em que condições chegavam as crianças envolvidas numa guerra, fiz também Pedagogia. Aqui é mais fácil o aprendizado porque não sentimos cansaço. Além disso, o estudo é gratuito e um passatempo precioso – completou sorrindo. – Sabe o que tua mãe está querendo fazer agora? Um curso de especialização no Centro de Reencarnações. Ela também quer ajudar as futuras gerações a escolher suas carreiras. O que você acha? Devo também acompanhá-la? – E o que isso tem de errado? – ponderou, Carol. – Já que estamos juntos há tanto tempo, eu vou me sentir constrangida longe de você – brincou, Carol. – Você já pensou que podemos assistir a colocação de nosso filho num novo ventre? Eu que o carreguei nove meses na barriga, talvez tenha chance de colocá-lo num novo ventre. Não será magnífico colocá-lo no ventre de outra abençoada irmã? Digo abençoada, porquanto além de mãe, carregará no ventre um ser muito especial. O meu dileto filho! – Ora, mãe! Eu não tenho nada de especial! Nesse imenso Universo, sou apenas uma poeirinha. Uma ameba! Falta ainda muito para eu me tornar um grão de areia. 315

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– Viu Leonard! Essa doença de filósofo pega facilmente. – Ele teve a quem puxar! – comentou o pai, envaidecido. – Sabe mãe, há pouco estávamos comentando a respeito de como o espírito entra num corpo material, e apesar das bonitas explanações de Dulce, acho que ninguém ficou convencido. Já que você pretende se especializar no assunto, que tal me dizer algo a respeito? – O que disse Dulce? – Ela disse entre outras coisas, que o espírito se encolhe de tal maneira, que é possível enlaçar o óvulo fecundado da mãe. O que você pensa disso? – Acho que ela foi muito feliz na explicação. Realmente o espírito se contrai e se liga diretamente ao óvulo. A medida que passa o tempo e o ser cresce dentro do útero, o envoltório também aumenta. – E você sabe algo a respeito de como o espírito entra ou se agarra ao óvulo? Como é feito isso? – Há coisas, meu filho, que ainda não estão ao nosso alcance. Há também coisas que pensamos saber e não são exatamente certas, por isso às vezes nos omitimos. Eu sei filho, que há uma câmara onde o ser em fase de preparação é introduzido e, dentro dela, sua memória é totalmente apagada. Depois disso, se produz o fenômeno da dissolução ou, como alguns dizem, da retração ou encolhimento do fluído que nos dá a vida. Você falou há pouco que ainda falta muito para você se tornar um grão de areia, sendo assim, por que o espírito que é constituído de um fluído muito sutil, não pode se tornar menor ainda que uma partícula de areia? Isso feito, ele é facilmente colocado no óvulo. Eu quero me 316

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especializar nisso para poder fazer parte nas Expedições de Vida. Essas Expedições têm a missão de grudar no óvulo das futuras mamães, essa centelha de vida, mais conhecido como Espírito. Cada grãozinho que cresce dentro do útero, é um Espírito. Isso é feito geralmente quando a receptadora está no leito dormindo. Antes disso acontecer, há um diálogo entre o espírito da mãe e o espírito do ser que fará a ligação. Feito isso, o perispírito da mãe se unirá ao perispírito do filho e, daí em diante, a mãe alimentará o filho através de suas próprias energias. O filho recebe todos os sinais exteriores através de suas latentes sensibilidades. Torna-se alegre ou tristonho, acompanhando os sentimentos da mãe. Esse sentimento o acompanhará até o nascimento. – Quer dizer então que a união inicial é feita por um ser previamente designado? – Exatamente. O Espírito fica ao lado do óvulo. – É uma pena Raziel estar ausente. Ele gostaria de ouvi-la. – Por alguma razão Dulce não foi mais alem nas explicações. – Quem sabe Dulce desconhece alguns fatos que você acaba de descrever. – Não, Hugo. Eu ainda não sou nada perto dela. Ela é um ser muito elevado. Quisera eu saber o que ela sabe! – Qual é sua opinião, papai? – Eu estou de acordo com sua mãe. Acho que Dulce teve alguma razão para não entrar diretamente nesse assunto. – Que tal vocês me acompanharem numa viagem de reconhecimento? – Depende do tempo que ela levará. Onde você pretende ir? 317

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– À França, Vaticano e América do Sul. – O que você vai encontrar na América do Sul? – perguntou a mãe, curiosa. – Católicos, mãe! Católicos! Na América do Sul existe a maior concentração de católicos do Planeta. Quero ver como vivem. – Acho que você não vai gostar do que vai ver. – Por quê? – Porque os povos que vivem naquelas regiões são extremamente miseráveis. Embora haja muita riqueza no solo, noventa por cento da população passa fome. Recebemos diariamente criaturas daquelas áreas. Chegam todas com os ossinhos à mostra. Já atendi crianças de dois anos, pesando somente um quilo. Daí você pode ter uma idéia da proporção da miséria. Só há dois locais que se eqüivalem em miséria ao continente sul-americano: parte da Índia e parte da África. Saiba você que no nordeste do Brasil, ao lado da mais exuberante floresta que há no planeta, existe uma miséria gritante e aviltante que revolta até as pessoas insensíveis. Uma parcela da população se alimenta de ratos e calangos. Essa nação, depois que se libertou de Portugal, foi governada por D. Pedro I e D. Pedro II31, este, um homem sensível e muito bom. Em 1889, os militares apoiados por uma parte da sociedade, proclamaram a República. Desde então, o Brasil tem sido governada por homens ambiciosos que só pensam neles próprios. – O Brasil não é conhecido como a Pátria do Cruzeiro? 31

Pedro de Alcântara – Segundo Imperador do Brasil – Rio de Janeiro a 02-12-1825 – Paris, 05-12-1891). 318

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– Sim, filho. É o maior país em extensão da América do Sul e o único de língua portuguesa. Você já tem data para partir? – Sim, mãe. Dentro de aproximadamente três meses. – É uma pena não podermos acompanhá-lo nessa sua viagem de despedida. Um rapaz aproximou-se dos três e interrompeu dizendo: – Dr.! Estão chamando o senhor na sala de emergência. A senhora também. – Está vendo porque não podemos acompanhá-lo! – exclamou, Leonard. – Se ainda você tem tempo, venha conosco. Assim que chegaram à sala de emergência, o rapaz deu a Hugo um roupão, um par de luvas e uma proteção para cobrir as vias respiratórias. – Prepare-se para ver como o bicho homem trata seus semelhantes – comentou, a mãe. Hugo já tinha visto um pouco de tudo, mas quando viu diante dos olhos um amontoado de pedaços de carne humana, cambaleou e quase chegou a desmaiar. Espalhados em cima de uma grande mesa de mármore, havia três cabeças separadas dos corpos, braços, pernas, orelhas, mãos, pés, olhos, narizes, tripas, enfim, tudo que existe num corpo humano. – Eis o resultado de uma explosão – alardeou, Leonard. – A guerra já acabou, mas existem muitos campos minados e o resultado é esse que você está vendo. Chegam às centenas – comentou a mãe. – E o que vocês vão fazer com isso? 319

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– Ligá-los, Hugo! Ligá-los! – Ligá-los? Quer dizer que é possível restituir-lhes a vida? – Se você apurar os sentidos, verá que seus espíritos estão gradados e lutam para se manter unidos. Primeiro vamos devolver-lhes o aspecto natural; depois lhes ministraremos algumas considerações para faze-los entender o que ocorreu. Eles sequer sabem que estão mortos! – Observe e guarde essas lembranças – aconselhou o pai cabisbaixo. Vários profissionais se revezavam na difícil tarefa. Os órgãos depois de separados, eram colocados em mesas separadas. Cada mesa retangular tinha dois médicos trabalhando ininterruptamente. Na cabeceira de cada mesa, uma atenta enfermeira dava os instrumentos aos cirurgiões. Num trabalho lento e exaustivo, cada membro era colocado no seu devido lugar. Depois de vencida essa etapa, começava o paciente e exaustivo expediente de faze-los funcionar. A primeira impressão que passou pela mente de Hugo, é que estava vendo um jogo de quebra cabeças. Ele tinha tantas perguntas a fazer, mas viu que aquele não era o momento. A mãe e o pai se revezavam no atendimento de um menino que tivera o corpo estraçalhado por um petardo. Suas mãos haviam desaparecido com a explosão. Em seu lugar estavam sendo costuradas duas mãos artificiais. Eram tão perfeitas que as originais. Apesar de ver, era duvidoso crer. Parecia mais um sonho. Era uma visão sublime e, ao mesmo tempo, macabra. Ele perdeu a noção do tempo que se escoava com rapidez. Seus companheiros observavam de longe, através de uma ampla janela. Em dado momento, Hugo fitou o pai e percebeu que os olhos brilhavam intensamente. Era um brilho 320

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de alegria e satisfação. Ao encarar novamente o menino, notou porque os olhos de seu pai agora estavam marejados. O peito do menino começou a movimentar-se suave e lentamente. A princípio o coração batia devagar, depois, foi acelerando. Os olhos se abriram e fez um movimento com o braço direito. Um breve suspiro seguido de um triste sorriso, mostrou que o menino estava se recuperando. Sem querer, Hugo havia assistido o aparecimento de uma nova vida. A um sinal quase imperceptível do pai, dois auxiliares colocaram o garoto numa padiola e o levaram para outro compartimento. – Que tal, filho! Como está se sentindo? – perguntou a mãe. – Se alguém viesse me contar o que eu acabo de ver, eu o chamaria de mentiroso. Como muitos cientistas da Terra gostariam de estar no meu lugar! Enquanto vocês ligavam os membros desse menino, uma coisa passava por minha cabeça. – Que coisa? – incentivou a mãe. – De que forma vieram parar aqui todo esse amontoado de membros? – As equipes de salvamento juntam todos os pedaços encontrados num saco previamente preparado, e vem rapidamente para este local. Os espíritos vem juntos dentro do receptáculo. Eles estão tão aturdidos que se negam em deixar os membros. – Para onde levaram o menino? – Todo encarnado, seja menino ou velho, tem uma estreita ligação deste lado. Procuramos aproximá-los de seus parentes. Essa responsabilidade está a cargo de seus guias. Shen agora está recebendo os afagos de uma tia que o viu nascer. 321

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– Isso significa que todos têm alguém à sua espera? – Não esqueça, filho, que há uma ligação permanente entre os dois mundos. Ninguém vive só. Quando nascemos, recebemos como presente, um Anjo protetor. Ele nos acompanha até a morte. Além dele, alguns espíritos amigos e familiares observam os nossos movimentos. Quando ocorre a morte, alguém estará por perto. – Então eu fui uma exceção! – Por quê? – Quando morri não vi ninguém por perto, ora! Quem sabe se tivesse perdido um membro as coisas seriam diferentes! Pelo menos eu saberia que tinha sofrido um acidente. – E o que isso adiantaria? – perguntou a mãe. – Ora, mamãe! Talvez isso facilitasse as coisas. – Você sempre foi um pouco teimoso. Será que isso te abriria os olhos? Acho que não. – É! Quem sabe você está certa. Mas afinal, por que estou falando sobre uma coisa que não tem remédio? – Olhe lá os seus amigos e a Dra. Regina! Acho que eles estão cansados de esperar. – Quanto tempo demorou essa operação? Sinceramente, aqui eu não tenho sequer, noção do tempo. – Ela durou mais ou menos oito horas. Até que foi curta – comentou a mãe. – Aqui nos despedimos – disse o pai. – Que Deus te acompanhe e continue te abençoando. Você vai precisar disso. Eu não sei quanto tempo nos resta por aqui, mas enquanto estivermos por aqui, farei muitas perguntas a Dulce a seu respeito. – Dito isso, abraçou fortemente o filho. 322

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– Não esqueça, meu filho – disse a mãe entre lágrimas – de abrigar-se do inverno europeu. Ele é muito rigoroso. – Esteja onde esteja, mãe será sempre mãe! Benditas sejam todas elas! Cuidem-se e rezem por mim. Retribuiu os beijos da mãe e se afastou com Regina. Seus olhos o estavam traindo novamente. Todos os amigos estavam também emocionados. No caminho, Hugo começou a contar em detalhes, o que havia visto. Procurava esmiuçar e relevar o trabalho de recuperação feito pelos pais. Estava muito orgulhoso. – Que bom, que tenha gostado – comentou, Estela. – Isso te dará mais estimulo para levar tua missão a frente. Aposto que teu espírito se lembrará em detalhes dessa operação. – Acho que vocês estavam há um bom tempo à minha espera, não é? O que vocês me contam sobre a Geriatria! – Entre as coisas que ouvimos – disse, Estela – uma é interessante contar. Conhecemos um ancião que chegou recentemente dos Montes Urais, está completamente lúcido e viveu cento e trinta e oito anos. Disse que deixou uma irmã mais velha do que ele. Quando perguntamos se a irmã estava lúcida, sabe o que ele nos respondeu? Lara é uma excelente amazona e cavalga diariamente. Você já imaginou uma pessoa com essa idade montando um cavalo selvagem? ROBÔS E COMPUTADORES

A

ssim que se despediram de Regina, sentaramse numa relva e ficaram admirando a paisagem. Augusto resolveu quebrar o

silêncio.

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– Antes de partirmos em definitivo, será que é possível rever alguns parentes? – Isso já está dentro de nossos planos, – comentou, Dulce – mas antes, gostaria que todos comentassem um pouco de suas vidas. Que tal começar por você, Augusto. – O que você quer saber? – Onde você nasceu, qual era sua profissão e assim por diante. Tente fazer um resumo. – Eu já tive vidas mais importantes que esta última. Vocês não querem conhece-las? – Pare de enrolação e comece a contar – incentivou, Agripino. – Conte a todos que você era um trovador. – Trovador! – observou, Dulce. – Mas então você é um poeta? Que maravilhoso! Cá entre nós, eu pensei que os trovadores tivessem desaparecido na Idade Média! – Eu nasci em Trieste, uma cidade ao norte da Itália – começou a contar, Agripino. – Meu pai e meus tios eram pescadores. Desde cedo aprendi a cantar e fazer versos, incentivado por minha mãe. Tive cinco irmãos, dois homens e três mulheres. Todos eles se casaram e tiveram vários filhos. Se não nasceu alguém por estes dias, tenho exatamente vinte e quatro sobrinhos. – Com quantos anos você desencarnou? – Estava perto de completar dezenove anos. Fui socorrer uma menina que se afogava e fiquei preso entre as pedras. Consegui salvá-la, mas meu esforço foi tão grande, que minhas forças me abandonaram. Interessante, é que depois de morto, recebi a assistência de um tio que havia perdido a vida em circunstâncias quase idênticas. Confesso que eu não tive um pingo de medo. Assisti meu enterro, e somente uma vez tentei voltar ao corpo: foi quando vi o 324

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desespero de minha mãe. Isso aconteceu exatamente quando baixavam o caixão à sepultura. – Os teus pais ainda estão vivos? – Vivos e com uma excelente saúde. Se Deus permitir, vou encarnar novamente entre eles. Vocês já imaginaram a emoção que eu vou sentir quando entrar novamente no grupo? Vou sondar uma das minhas irmãs e, se ela aceitar, serei seu filho. Será que meus antigos pais me reconhecerão? Bem! Como vocês estão vendo, minha existência foi das mais comuns. Agora passo a palavra a Agripino. – Antes de passar a palavra a Agripino, que tal declamar um poema? – sugeriu, Estela. – O que vou declamar é mais um lamento do que um poema. Fí-lo em homenagem a uma anciã que orava diariamente na capelinha de nosso povoado. Ninguém sabia de onde ela vinha, mas todos a admiravam. Num certo dia todos começaram a sentir sua ausência. Em sua homenagem fiz estes versos: Prece que chega a minh’alma Ao som de lentas badaladas Prece que consola e acalma As almas desamparadas. O órgão da capelinha Embaraça a todos de emoção Quando uma alma de joelhos Pede consolo, pede perdão.

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Quando o Sol vai se ocultando Uma prece morre lentamente Ai de mim Senhor Quanta amargura e dor. Morreu a bela penitente Morreu, e sua alma arrependida Voou para muito longe desta vida Foi, sem queixas, timidamente. E dizem que no silêncio da noite Ouve-se um canto de dor E sua alma triste, Toda de branco, canta o amor! – Mas que lindo! – comentou, Estela. – Você não pode ocultar das pessoas esse dom maravilhoso. – Você deixou esse poema escrito em algum lugar? – indagou, Dulce. – Eu tinha um caderno com diversas poesias. Não sei que fim levou. – Você lembra de alguma? – De todas, irmã! De todas! – Então declame outra. – Vou declamar uma poesia que escrevi quando tinha doze anos. Na verdade é uma caricatura de poesia. Não sejam rigorosos na análise. O vento sussurra Açoitando a montanha Na calada da noite. 326

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A montanha ferida Lança por sua encosta Centenas de pedras que deslizam.

O solo ferido Murmura n’um lamento A parte despedaçada. Pedras rolas Destruindo tudo ao redor Elevando as águas dos rios. Os rios recebem nos leitos Toda carga pesada Nada reclama, nada contesta. A natureza segue seu curso Tudo muda Tudo se transforma. Novamente o Sol resplandece As planícies e os vales Sentem o amor de seu calor. Abrem-se os lírios Sorriem as matas Alegra-se a natureza. Graça Divina 327

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Que tudo muda Que tudo transforma. – Mas é lindo! – exclamou Estela, empolgada. – Você só tinha doze anos quando fez essa preciosidade? Parabéns, Augusto. Por favor, quando você visitar seus pais, traga-me se possível, uma cópia desses seus poemas. Desejo mostrálos a Ezequiel. – Como vocês sabem agradar uma pessoa! Muito obrigado pelos elogios. Eu não me julgo merecedor deles. Ouçamos agora Agripino. – Minha última existência não teve nada de especial – começou dizendo. – Nasci em Southampton, Inglaterra, e morri afogado em alto mar. Eu fazia parte da tripulação do navio Titanic e meu nome verdadeiro era Douglas. Trabalhava na seção de máquinas e fui um dos primeiros a observar a enorme fenda aberta no casco do navio, quando este foi de encontro a um iceberg. Por incrível que pareça, eu estava pressentindo que não chegaríamos a New York, tanto é que ao despedir-me de meus pais no porto, imaginei estar vendo-os pela última vez. Um de meus irmãos, aliás o caçula, chorou muito quando eu lhe contei que tinha intenção de trabalhar na América. Na certa vocês devem ter ouvido falar desse acidente, pois esse navio era o mais luxuoso barco da época e fazia sua viagem inaugural. Afundou na madrugada do dia 15 de abril de 1912. Não sei quantas pessoas morreram, mas sei que o número foi bem elevado. Graças ao bom Deus, fui útil até o final, pois consegui sair ileso da casa das máquinas. Como eu estava com vinte e cinco anos e era bem forte, coloquei inúmeras pessoas nos botes salva-vidas, principalmente velhos, mulheres e crianças. Lembro-me que 328

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arrombei um camarote que já estava quase que tomado pelas águas e, arrebatei ainda com vida, uma jovem mãe e suas duas crianças. A mulher estava apavorada, o que dificultou um pouco o seu salvamento. Vi cenas de coragem que ficaram em minha memória. Também vi algumas cenas de covardia criadas pelo desespero. Eu tive a oportunidade de ocupar um lugar num bote salva-vidas, mas preferi dar esse lugar a um homem que chorava muito. Fiquei à espera de um milagre, mas, infelizmente, esse milagre não veio. Mas essa não foi a única vez que me afoguei. Quando eu me chamava Agripino, me afoguei nas costas da África. Eu estava numa galera romana a serviço do Imperador Tibério 32 e, por coincidência, afundamos quando batemos num rochedo. Tínhamos escapado de uma esquadra turca, quando fomos envolvidos por uma tempestade violenta. Era uma noite muito escura e só enxergávamos algo à frente, quando os raios riscavam o Céu. O barco foi lançado contra os rochedos como uma casca de noz Apesar de eu ser um excelente nadador, não tive nenhuma chance. Não houve sobreviventes. Como vocês acabaram de escutar, eu nunca fui um homem importante! – Você é muito modesto, caro Agripino – elogiou, Dulce. – Não existe nada mais grandioso que oferecer a vida em benefício de outros irmãos. Principalmente quando esses irmãos são desconhecidos. – Que tal sermos irmãos de sangue? – sugeriu, Augusto.

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Tiberius Claudius Nero Caesar Augustus. Imperador romano (Roma, 16-11-42 a.C. – Capri, 16-03-37 d.C). 329

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– Eu não vejo nenhum inconveniente. Quem será mais velho? Você ou eu? – Tanto faz! Minha única exigência é encarnar novamente em Trieste. Você não se incomoda, não é? – Acho que eu já te contei que também fui italiano. Só que na minha época, eles não gesticulavam tanto. Aliás, se naquela ocasião que afundamos, tivéssemos o hábito de gesticular como os ítalos de agora, talvez me tivesse salvo... – O que você quis dizer com isso? – É que parlando e parlando eu podia chegar mais rapidamente à praia. Entendeu? – completou Agripino às gargalhadas. – Ora, seu! – exclamou Augusto, batendo levemente na orelha do amigo. – E você, Júlio, o que nos conta? – perguntou Dulce, aproveitando aquele momento feliz. – Pelo que pude observar – começou, Júlio – acho que nós seis perdemos a vida em situação semelhante. Eu e Cesar descendemos de ucranianos, embora tenhamos nascido na Colúmbia Britânica, Canadá, perto de Vancouver, na fronteira com os Estados Unidos. Ficamos órfãos bem cedo. Minha mãe morreu ao dar a luz ao seu terceiro filho. Ambos morreram. Meu pai nos deixou sob custódia, e uniu-se a um grupo de caçadores de pele. Partiu em direção ao Alasca, prometendo vir buscar-nos dentro de um ano, porém jamais tivemos notícias dele. Só quando viemos para este lado, soubemos que havia morrido. Meu nome era Vasil, e Cesar chamava-se Vasunka. Até completarmos a maioridade ficamos trabalhando numa serraria. Quando completei vinte anos, fui trabalhar numa companhia madeireira como cortador. Eu tinha muita habilidade, tanto no machado, como 330

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na serra. Cesar me seguiu quando completou dezoito anos. Vivíamos na mais perfeita harmonia e estávamos pensando em trabalhar por conta própria, quando recebemos um convite para trabalhar como guardas florestais no Parque Nacional de Banff, na cidade de Alberta. Teríamos uma excelente casa defronte o lago Louise, poderíamos estudar e, quem sabe, aumentar a família. Fomos muito esperançosos, mas quando já estávamos assentados e felizes, fomos convocados para o exército. Eclodiu a primeira grande guerra. O Canadá enviou à Europa quatro divisões e nós estávamos numa delas. Uma das coisas que meu pai nos ensinou, e que me ficou marcado para o resto da vida, era que em hipótese alguma roubássemos a vida de alguém. Antes morrer do que matar, era seu lema. Antes de se tornar um caçador, aliás forçado pelas circunstâncias, meu pai vivia com uma Bíblia nas mãos. Minha mãe ouvia seus sermões em silêncio. Perdemo-los cedo demais, mas suas palavras soam em meus ouvidos até hoje. No primeiro enfrentamento que tivemos com os alemães, perdemos a vida sem dar um único tiro. Seguimos à risca seus ensinamentos e, como prêmio, ele e minha mãe estavam à nossa espera deste lado. – E de onde provem os nomes que você utilizam agora? – perguntou, Estela. – Eu acho que um dia todos nós já vivemos em Roma, não é certo? – Nós não somos exceção – falou Cesar, pelo irmão. – Que interessante! – comentou, Estela. – Sabem que eu nunca havia pensado nisso! – Aposto que Caio e Pompeu também já foram romanos! – exclamou, Júlio. 331

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– Com esses nomes você queria que eles fossem japoneses? – brincou, Hugo. – É certo que nós já vivemos em Roma – confirmou, Pompeu. – Nossos nomes eram muito comuns no império romano. – Iguais a Manoel e Joaquim em Portugal, não é? – comparou Caio, gozando o amigo. – Mais ou menos. Eu nasci em 1.898, na cidade de Badajoz, na região de Estremadura, Espanha, fronteira com Portugal, e desencarnei em 1.919 em São Paulo, uma cidade que fica no Brasil, um país da América do Sul. – Todos nós já sabemos que o Brasil fica na América do Sul. Pare de enrolar e seja mais objetivo – disse Caio a Pompeu. – Se você quer falar por mim, eu te dou a palavra com muita satisfação. – Eu só estou brincando. Continue, por favor. – Não me interrompa mais, tá? Vou começar desde o início. Eu sou descendente de Francisco Pizarro 33, o conquistador do Peru. Meus pais vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades. Desembarcamos no litoral brasileiro em 1.901, mas não me lembro exatamente quantos éramos. Juntos com eles vieram meu avós, maternos e paternos, dois tios e quatro tias, primos e irmãos. Eu era o mais novo e o meu pai veio com destino certo. Ele veio contratado como capataz da Fazenda Santa Ernestina, localizada no interior do Estado de São Paulo. Oitenta por cento da fazenda era ocupada por pés de café. Pouco depois 33

Militar espanhol, conquistador do Peru (Trujillo, Cáceres, c. 1475 – Lima, Peru, 25-06-1541). 332

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de rebentar a primeira grande guerra, viemos para a Capital e meu pai se estabeleceu num bairro onde a colônia de espanhóis era grande. Antes de mais nada, meu pai chamavase Juan e minha mãe Dolores. Dolorica para os mais íntimos. Ele se tornou o primeiro sucateiro do lugar e, após alguns meses, abriu com meu tio Manoel, um comércio de ferro velho no bairro do Brás. Tudo ia as mil maravilhas. Eu estava prestes a tirar o diploma de comércio e já pensava em me casar. Comprei com a ajuda de meu pai, um lote de terra no bairro da Mooca e comecei a construir uma casa. Durante a semana ajudava meu pai no ferro velho e, aos domingos, dedicava-me à construção. Aí aconteceu o acidente fatal. Quando estava auxiliando meu tio que era pedreiro, caí de um andaime e fraturei a coluna. Tive morte instantânea. Coitada de minha mãe! Jamais se recuperou desse golpe. Ficou tão abalada, que logo depois teve um derrame que lhe paralisou uma parte do corpo. Até hoje vive presa a um leito. Coitado do papai! Cuida dela com tanto carinho, que na certa terá um lugar nas Regiões de Luz. Eu soube através de um mensageiro, que minha família ainda vive naquele bairro. Desejo visitá-los e, se possível, encarnar novamente entre eles. – Sinto muito por sua mãe – lamentou, Dulce. – Vamos ver o que podemos fazer por ela. Você afirmou que perdeu a vida caindo de um andaime? – Isso mesmo. Estávamos rebocando uma parede, quando a tábua que me sustentava se partiu. Eu caí de costas sobre uma pilha de tijolos. Eu fui levado às pressas para um Pronto Socorro, mas nada adiantou. – Eu me recordo perfeitamente – disse Caio, para surpresa geral. 333

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– Você estava no local? – perguntou, Estela. – Morávamos no mesmo local. Lembro-me do nome da rua e até do número da casa que havia sido colocado provisoriamente. – Você sempre teve uma memória fantástica! – exclamou, Pompeu. – Eu não me recordo nem do nome da rua, e você recorda até do número! – Quer saber? A rua era a Padre Raposo, e o número era 1.317. Sabe Dulce, nós éramos primos irmãos. Pompeu era somente um ano mais velho do que eu. – Como vocês se chamavam? – Tínhamos o mesmo nome: Rafael. Meus pais e meus tios eram devotos de São Rafael, por isso procuraram homenagear o Santo dando-nos seu nome. Só que para não haver confusão, Pompeu era chamado de Rafa e, eu, de Rafinha. – E você, como morreu? – Morri afogado no litoral de Santos, uma cidade que fica mais ou menos cinqüenta quilômetros da cidade de São Paulo. Morri n’um balneário conhecido como Praia Grande. Naquela época era comum as famílias excursionarem em direção a essa praia famosa. Quase todos os domingos haviam piqueniques, sobretudo no verão. Numa dessas excursões exagerei na comida e na bebida, e morri dentro d’água com forte congestão. Entrei no mar logo após o almoço e perdi totalmente os sentidos. Isso aconteceu depois de seis meses da morte de Rafa. Deixei pais e irmãos que ainda vivem na mesma casa que passei minha infância. Eu também desejo revê-los e, se tiver autorização, encarnarei novamente entre eles. Eu comentava há pouco com Pompeu, 334

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se a distância não dificultará nossa união com Hugo. Afinal, a América está longe da Europa! O que vocês acham? – Com isso vocês não devem se preocupar – observou, Dulce. – Graças ao avanço da tecnologia, hoje as distâncias estão bem mais curtas. Devo avisá-los que vocês vão encontrar muitas mudanças na Terra, pois a ciência evoluiu muito nesses últimos trinta anos. Para vocês terem uma idéia do que estou falando, quando vocês vieram para cá os filmes eram mudos e em preto e branco. Hoje são falados, legendados e coloridos. – Olhando para Hugo disse: se eu não estou enganada, Israel comentou com você algo a respeito da Tela Panorâmica, não é verdade? – Israel fez alusão a essa tela quando estávamos perto da plataforma submarina. – Pois bem! Confirmando as previsões de Jules Verne, já existe nas principais cidades da Terra, a Tela Panorâmica, batizada por lá de Televisão, que significa ver à distância. Se não estiver enganada, em São Paulo, onde Caio e Pompeu passaram a juventude, já existe a televisão de válvulas. – Esses aparelhos servem para que possamos nos comunicar a distância? – perguntou, Caio. – Por enquanto, ainda não. Só através do telefone, que é um instrumento para transmitir a palavra falada a grandes e pequenas distâncias, eles conseguem se comunicar. Nos próximos anos a Televisão será como nossa Tela Panorâmica. Brevemente ela substituirá o telefone em muitos lares da Terra. Nos países mais adiantados já existe a computação eletrônica. Nos Estados Unidos, principalmente, já existem sofisticados computadores a serviço de suas forças armadas. 335

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– A irmã poderia nos explicar o que é computação eletrônica? – interveio, Hugo. – É um sistema de processamento de dados mediante o uso de computadores eletrônicos, ou máquinas de calcular, de princípio eletrônico, capazes não só de realizar complicados cálculos matemáticos em pouso segundos, como de armazenar em sua memória dados e informações a serem fornecidos quando convenientemente solicitados. Há mais ou menos dois anos atrás, Norbert Wiener34, um renomeado matemático norte-americano, inspirado por um eminente cientista da Galáxia Melchi, introduziu na Terra a Cibernética, que é uma ciência geral dos organismos. Segundo ela, mediante algum tipo de estímulo é possível descobrir e analisar as dependências matemáticas que relacionam as entradas com as saídas num dado sistema, determinar-lhe a estrutura, bem como realizar a pesquisa de sistemas não conhecidos. – Mas então isso não é uma máquina! É um cérebro! – observou, Jean. – É uma excelente observação, todavia o cérebro ainda é o mais perfeito computador que existe. Nada se compara a ele. Sem ele, não haveriam computadores. – Essas máquinas também estão sendo usadas na medicina? – insistiu, Jean. – Através delas já estão sendo analisados o sistema nervoso dos animais. Essas máquinas desempenharão funções características da inteligência humana, pois serão aperfeiçoadas para poder planejar seus próprios programas. 34

Matemático norte-americano, fundador da ciência da cibernética (Columbia, Missouri, 26-11-1894). 336

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Elas ajudarão a Humanidade a dar um passo importante em direção ao espaço. Não substituirão definitivamente o homem, mas caminharão ao lado dele como uma espécie de filho adotivo. Como vocês estão observando, apesar do homem se auto destruir, de quando em quando a Humanidade caminha celeremente em busca de sua origem. Os computadores serão os condutores das espaçonaves futuras. Imaginem vocês! Quando peregrinei pela Terra, não havia veículos impulsionados por motores. Pois bem! Hoje até os transportes coletivos urbanos são feitos através de veículos motorizados. Esses ônibus, como são conhecidos, chegam a movimentar-se nas cidades acima de oitenta quilômetros por hora, sem causar acidentes. É claro que devem ser conduzidos por profissionais competentes. Os aviões estão próximos de ultrapassar a velocidade do som. Também já estão sendo construídos submarinos movidos por energia nuclear, e já existem porta-aviões com mais de trezentos metros de comprimento. Nos Estados Unidos foram construídos prédios com mais de duzentos metros de altura. O Empire States, na cidade de New York, tem quatrocentos e doze metros de altura. – Então é maior que a Torre Eiffel! – comentou Hugo, admirado. Quando foi construído? – Esse edifício de cento e dois andares, localizado na Quinta Avenida, foi erigido nos anos de 1930 e 1931, portanto, antes do início da segunda grande guerra. Vocês vão ver um mundo novo. Quando vocês retornarem, convém examinar algumas fotografias das grandes capitais européias e, sobretudo, de algumas cidades norte americanas. São muito interessantes. Elas podem ser encontradas na biblioteca que registra os fatos que acontecem em alguns planetas de 337

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expiação. Vocês estão vendo aquele prédio com as características de uma caravela? Em seu interior existem setenta e oito bibliotecas auxiliares. Cada uma tem um formidável número de registros de cada Globo. Numa coisa todos se parecem; são todos mundos de expiação. Além de registros, existem filmes e fitas de vídeo em quantidade. Cada biblioteca tem uma recepcionista que lhes prestará todo tipo de informação. Isto, se necessário. – Sei o que são filmes, mas não sei o que são fitas de vídeo – comentou Hugo, muito atento às explicações. – Aliás, não sei também o que são vídeos! – Perdão, Hugo. Às vezes eu me esqueço que você parou no tempo – disse Dulce, querendo agradá-lo. – Comentei há pouco que a ciência na Terra evoluiu muito, mas parece-me que as fitas e os vídeos ainda não estão à disposição de algumas Nações. Vídeo é um pequeno aparelho, geralmente retangular, que acoplamos à Tela Panorâmica. Primeiro utilizamos as filmadoras, que são uma espécie de máquinas fotográficas, só que gravam imagens em seqüência. As cenas são impressas num rolo de fitas por um sistema técnico que desconheço e, depois, são introduzidas num aparelho chamado Vídeo. Logo aparecem as imagens na Tela Panorâmica. Se algum de vocês quiser se aprofundar no assunto, há um farto material de pesquisa no Centro Técnico, ao lado da biblioteca central. Nesse centro também existem alguns modelos de robôs auxiliares. – Eu já vi alguns – comentou, Pierre. – São fantásticos! – Os russos e os americanos já começaram a construir alguns modelos. Estão sendo utilizados para pesquisar o 338

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fundo dos Oceanos. Isso é muito bom. Os Oceanos têm uma grande riqueza que deve ser explorada em benefício de todos. – Eu acho que eles já estão perto de construir espaçonaves! O que você acha? – perguntou, Raziel. – Para que isso seja possível, é preciso que a paz no planeta seja duradoura. Creio que as espaçonaves estarão à disposição dos povos mais evoluídos no meio do século vinte e um da era cristã. Em certa ocasião, recepcionamos uma equipe de cientistas da Estrela Pesks e, um deles nos disse, que os contatos com o mundo científico da Terra já foram iniciados. Alguns elementos chamados pelos homens de alienígenas, já vivem no planeta e estão preparando o momento da aproximação. Eu acho que antes disso, devemos mudar a face política e religiosa do planeta. – Onde fica Pesks? – perguntou, Hugo. – Na Terra ela tem outro nome. Os astrônomos batizaram-na com o nome de Aldebaran. Nela e em Capela, outra estrela magnífica, existem duas civilizações das mais avançadas. Aliás, ao redor das duas estrelas, existem muitos planetas com uma forma de vida muito adiantada para os padrões da Terra. São Reinos de Luz cujos habitantes não sentem o efeito do calor gerado por essas duas estrelas É pena que vocês não conheceram um deles, de nome Acácio. Ele é considerado um dos maiores especialistas em genética do Universo. Eu também acho que ele conhece as várias dimensões do Universo. Eu e Estela conhecemos uma cidade em cima da região amazônica, graças às suas informações. De acordo com ele, é uma das mais avançadas civilizações existentes no Universo. Por diversas vezes estive naquela região e não percebi que havia uma civilização desse porte sobre a selva. A verdade é que algumas civilizações estão tão 339

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bem protegidas, que também nós, espíritos, não conseguimos vê-las. Quando estive lá, observei que apesar de estarmos livres da matéria, os seres que lá habitam têm uma proteção que os tornam invisíveis a olhos humanos e, quiçá, a espíritos errantes. – E como podemos ultrapassar essas barreiras e penetrarmos nessas dimensões? – insistiu, Hugo. – Uma coisa deve ficar bem clara! Para nós, espíritos, não há obstáculos intransponíveis. Podemos fazer os mais diversos contatos extrasensoriais, todavia, é nosso dever limitar nossas ações. Às vezes essas ações se tornam perigosas demais. Em hipótese alguma devemos intervir sem ordem superior. – Quer dizer então – comentou, Pompeu – que quando formos à Terra podemos visitar essa jóia de cidade? – Podemos visitá-la, mas quero alertá-los para um fato. Freiem a curiosidade e limitem as perguntas. – Então é certo que vamos parar nessa cidade? – quis confirmar Agripino. – Eu já tinha traçado outro itinerário, mas vou mudálo para satisfazer a curiosidade de todos. A princípio vamos fazer uma escala na Lua e depois vamos diretamente para o Brasil. Já que vamos à região amazônica, aproveitaremos para conhecer os restos de uma antiga civilização que está sob a mata. – Podemos fazer o seguinte – sugeriu, Jean. – Seguimos todos juntos até essa cidade, e depois cada qual segue seu rumo. O que vocês acham da idéia? – Isso não será possível, Jean. Você, Pierre e Raziel já estiveram na Terra em missão de auxílio, mas os demais vão ter dificuldades. As coisas por lá estão bem mudadas. A Terra 340

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está envolvida por multidões de sofredores que procurarão dificultar o vosso trabalho de reconhecimento, ainda mais, sabendo que haverá mudanças na ordem geral. Minhas ordens são para seguir com Pompeu e Caio. Estela seguirá com Hugo e, os demais, terão outras companhias. – Comigo, com Pierre e Raziel acho que você não precisa se preocupar – disse Jean, confiante. – Bem, se vocês acham assim, fica mais fácil. E quanto a vocês, preferem requisitar os guias aqui, ou quando estivermos na Lua. – Que diferença isso faz? – indagou, Agripino. – Para mim nenhuma, pois tanto os guias daqui como os de lá são experientes. A diferença é que às vezes não temos guias disponíveis na Lua. – Então vamos levá-los daqui, ora! – Deixem comigo! – alardeou, Estela. – Alguém prefere um guia feminino? – Eu só quero um guia bem preparado – respondeu, Agripino. – Não importa o sexo. – Ninguém está curioso em saber qual é o nome daquela cidade que vamos visitar? Você não quer saber, Hugo? – A bomba sempre estoura na minha mão! – comentou Hugo, brincando. – Ela é conhecida como Pérola do Cruzeiro. Ismael deu-lhe esse nome em homenagem a Helil, um fiel colaborador do Mestre Querido. – E que papel desempenham esses irmãos? – perguntou novamente, Hugo.

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– São os Guias Espirituais da Pátria do Cruzeiro – respondeu Estela, antes de Dulce. – Agora se vocês me dão licença, vou buscar os guias. – Seja feliz na escolha – desejou, Agripino. NA LUA

A

té Ribas iremos numa nave. Conheceremos primeiro algumas instalações no interior do satélite, e depois iremos diretamente para o Brasil. Levem agasalhos, porque do satélite à Terra, não teremos a proteção da nave. Ela ficará alojada em Ribas até a nossa volta. Quem quiser utilizar máscaras, elas estão à disposição no almoxarifado. Quando atingirmos as sombras que envolvem o planeta, elas serão muito úteis. Alguma pergunta ou sugestão? – Não quero ser diferente dos outros, – observou, Raziel – mas quando estive na Indochina não precisei de nenhuma proteção. Senti uma leve perturbação quando atravessava formações escuras bem acima da crosta, mas rente ao chão, não senti nenhuma perturbação. – Eu temo pelos menos experientes – disse Dulce. – Há muito tempo eu e Estela viajamos sem proteção. – Para quem atravessou o Vale, esse arzinho que envolve a Terra é até benéfico! – exclamou, Agripino. – Eu vou sem proteção. Como ninguém mais se manifestou, Dulce concluiu: – Sendo assim, vamos descartar a necessidade de proteção. Olhem lá, hein! Não vão depois me acusar de desleixo! 342

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– Não se preocupe com isso – disse Hugo. – Até chegarmos à região amazônica, teremos a companhia de um extraordinário esculápio; com ele não precisamos nos preocupar. – Eu sabia que ia sobrar pra mim! – brincou, Jean. – Que tal, irmã Dulce, adiantar algo a respeito da Pérola! – sugeriu, Pierre. – A Pérola é uma esfera de mais ou menos cinqüenta quilômetros de diâmetro, envolvida por ondas magnéticas que impedem a passagem dos irmãos que estão na erraticidade. Vista do alto, ela tem uma cor verde azulada. Ao receber diretamente a luz do Sol, fica da cor da prata. Não sei explicar esse fenômeno. As ondas magnéticas também isolam a Pérola das tempestades tropicais. Seus nove mil habitantes estão sempre a procura de novidades. Quando não estão nos Laboratórios, estão na floresta. Aliás, eles permanecem mais na floresta, do que dentro da Pérola. Na floresta sempre há coisas novas para ver. – E por que especificamente eles estão tão perto da crosta? Não poderiam estar mais afastados? – perguntou, Jean. – Em volta de quase todos os Planos de Expiação existem populações em vigília. Uma grande parte dessa população é composta de cientistas especializados em reparos. – Reparos!!! Mas o que eles reparam? – intrometeu-se Hugo. – Vocês já estão sabendo que os cientistas da Terra já entraram na era nuclear. Também já sabem que as bombas atômicas destruíram duas grandes cidades do Japão, e que hoje algumas nações estão fazendo testes a grandes 343

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profundidades. Os efeitos dessas explosões são devastadores. A cada explosão, abrem-se grandes rachaduras. Os cientistas da Pérola revezam-se dia e noite tentando minimizar o efeito dessas explosões. Eles unem essas rachaduras com uma argamassa especialmente fabricada por eles mesmos. Os homens da ciência da Terra, desconhecem esses fatos. Parece um conto de fantasia, mas é real. Sob o Oceano Glacial Ártico, entre o Mar da Sibéria Oriental e o Estreito de Bering, existe outra civilização que também fiscaliza e liga as fendas e rachaduras aberta pelas explosões. Enquanto a Pérola fiscaliza a superfície e a mata, eles fiscalizam os Oceanos. – Como ela é chamada por vocês? – Como ela está sob uma camada de gelo, é chamada Princesa de Cristal. Ela existe desde o aparecimento do homem primitivo. – Então ela deve ser a mais velha povoação do Planeta! – observou, Hugo. – Na mesma época que ela passou a existir sob as águas, foi construída na foz do atual Rio Solimões, bem próxima a linha divisória do Equador, na região norte do Brasil, uma grande cidade. Seus edifícios estão sob a mata cerrada. Se vocês quiserem, poderemos vê-la. Estela chegou com os novos guias. – Apresentou-vos Perácio, Jerônimo e Aguiar. Estiveram recentemente na Terra e ofereceram-se para acompanhar-nos. – Então vamos – ordenou, Dulce. O novo grupo deslocou-se rapidamente para um navedouro bem próximo. Machado, o responsável pelo local, pôs imediatamente à disposição do grupo, uma nave 344

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especialmente projetada para varar as regiões de sofrimento. Emerson e Cristian eram os pilotos da nave. Chegaram a Lua, quando era dia na parte oriental da Terra. Enquanto o Sol brilhava no território japonês, o satélite lançava sua luz sobre o território brasileiro. Pousaram suavemente dentro da Cratera Ribas. Um veículo os esperava perto de uma ranhadura. A Cratera estava localizada na parte oculta da Lua. Todas as aberturas de acesso aos canais, estavam camufladas e sob intensa vigilância. No interior do satélite, ligadas por um sem número de canais, pulsavam cidades. Algumas eram mais movimentadas que as cidades da Terra. Hospedarias e pousadas existiam aos milhares. Um moderno navedouro localizava-se na Cratera Sabir, e um amplo Laboratório de Pesquisas foi construído numa grande caverna localizada numa montanha. Somente Dulce e Estela conheciam o lugar. Quando foram à Terra, Raziel, Jean e Pierre seguiram por outro caminho. – Quando eu e Pierre fomos à Terra – observou, Jean – fizemos uma escala num plano muito avermelhado. Havia também magníficas cidades em seu interior. Observando estes prédios, me veio a memória aquele local. Sabe, Dulce, que saímos sem saber aonde estávamos? – Acho que vocês estiveram em Marte ou em Dêimos. Aqui Marte é chamado de Astro Vermelho. Em seu interior há uma sofisticada rede de canais e uma civilização muito adiantada. Os seus Centros Médicos estão entre os mais modernos e adiantados do Sistema Solar. Muitas vítimas de Hiroshima e Nagasaki foram socorridas por marcianos. Milhares de judeus exterminados pelos nazistas, também foram encaminhados para esses Centros. Noventa por cento das vítimas de Auschwits foram atendidas por eles. 345

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– Presumo que Auschwits seja o nome de uma cidade, não é? – perguntou, Hugo. – É uma cidade polonesa cortada por ferrovias. A ela vinham prisioneiros de guerra de todas as partes da Europa. Entre suas paredes cometeram-se as mais atrozes carnificinas. Nessa cidade estava localizado o mais famoso dos campos de concentração nazista. Contava com três divisões principais: Zasole, Dwory e Brzezinka. Nessas três divisões foram massacrados mais de cinco milhões de judeus. Isso mesmo, Hugo! – exclamou Dulce, vendo a cara de espanto de Hugo. – Você ouviu direito. Foram mais de cinco milhões de almas. – Agora entendo porque havia varias fontes de atendimento – ponderou um pouco emocionado, Jean. – Durante essa guerra, querido Jean, perderam a vida perto de vinte milhões de criaturas. Eu disse vinte milhões! Centenas de Centros de Socorro se revezavam no atendimento das vítimas. Uma coisa é certa! Nenhuma ficou sem atendimento. Até os verdugos foram atendidos carinhosamente. Primeiro foram curados e depois foram a julgamento. Aí sim, começou o sofrimento para eles. – Quando eu estava em Hiroshima, eu julguei que todas as equipes de salvamento vinham da Esfera das Decisões. Precisamente do Centro de Recuperação Irmã Paula. – Esse Centro, Jean, tem capacidade para acolher cem mil pacientes. É uma cifra alta, mas dado o elevado número de vítimas, foi preciso contar com o auxílio de outras unidades. – Sinceramente, não notei diferença alguma no aspecto físico das equipes de salvamento. Os marcianos não são diferentes? 346

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– Eles têm uma proteção um pouco diferente dos terráqueos, só que tem uma coisa que você está esquecendo: dado o seu adiantamento, eles podem assumir vários aspectos. Essa propriedade está ao alcance de todo Espírito adiantado e, convenhamos, os marcianos estão entre os povos mais adiantados da Via Láctea. Suspenderam a conversa quando uma intensa e poderosa luz penetrou dentro do veículo. Tinham chegado ao final de um dos canais. Um cenário maravilhoso apareceu diante dos olhos de todos. Um sem número de magníficos edifícios estavam logo à frente. Quem na Terra poderia imaginar esse quadro? Dentro da Luz havia uma grande civilização, talvez tão grande como a civilização da Terra. Além de edifícios modernos, viam-se solares, templos e castelos. Havia construções para todos os gostos. O chão imenso, uma planície sem fim, estava coberto por um gramado verde brilhante e, a cada espaço, avistavam-se flores das mais variadas espécies. Por incrível que possa parecer, olhava-se para o alto e se avistava um céu azul idêntico ao visto na Terra. Seria um céu natural, ou um céu fabricado por mentes geniais? Pequenos veículos se movimentavam em espaçosas avenidas, sem emitir um único som. Também não soltavam gases poluentes. Os transeuntes andavam, ou melhor, flutuavam um pouco acima do solo. Era como se estivessem deslizando em rodas invisíveis. Uma rica e abundante vegetação rodeava os edifícios. Entre dois esplêndidos solares, jorrava uma corrente d’água tão límpida, que embora jogada em grande quantidade, era totalmente transparente. Mais à direita, avistava-se uma cascata. Um pouco adiante, ao colidirem com o chão, as águas de uma cachoeira jorravam sobre alegres crianças. Um pouco mais 347

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além, uma concentração de jovens, misturados a velhos e crianças, brincavam dentro de um solo lamacento de cor marrom. Estavam cobertos de lama até os olhos. Essa lama ajudava a manter a pele sempre jovem. – Isso que estamos apreciando – comentou, Dulce – é uma estância de repouso. Esses jovens, velhos e crianças, são imigrantes como nós. Alguns vem de Galáxias fora da Via Láctea. Apesar de viverem em condições extremamente felizes em seus Reinos de Luz, levados pela alta piedade que existe em seus espíritos, vem visitar a ajudar os irmãos decaídos. Com raras exceções, todos já passaram pela Terra. Durante a noite terrestre, revém amigos e parentes, dandolhes conforto e esperança. Mas não pensem vocês que só eles vão à Terra! Os que estão lá, também vem para cá à procura de conforto. Há uma troca profícua de sentimentos. Várias equipes de socorro trazem da Terra irmãos esperançosos. Aqui conversam e trocam impressões. Essa é uma luta constante entre o mal e o bem, só que o bem acaba triunfando. Demora, mas triunfa! Por aqui passam Espíritos que já foram Cristos. Aproveitam esses momentos para despejar sobre criaturas infelizes, um pouco de seu imenso amor. – Sendo a Lua um satélite da Terra, quanto tempo durará para a Humanidade ter ciência que há vida em seu interior? – indagou, Raziel. – Antes de mais nada, Raziel, está cidade que estamos vendo está construída em outra dimensão. Observe que os seres não têm dificuldade para se movimentar. Deslizam, invés de andar. Como a vista dos humanos é muito limitada, ainda será preciso que passe um longo tempo para perceberem que há vida na Lua. Quando a Terra entrar para 348

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os mundos de regeneração, a Humanidade já estará em condições de trocar impressões com os habitantes da Lua. Quando isso ocorrer, os humanos terão um envoltório menos grosseiro. Possivelmente deslizarão pelo solo como os que estamos vendo. – Estou notando, querida irmã, que apesar de estarmos no interior do satélite, a temperatura é por demais agradável. A claridade também é perfeita. Elas são artificiais? – A temperatura se mantém agradável porque há milhares de entradas na superfície. Quanto à luminosidade, ela provém das rochas existentes na parte externa do satélite. Elas absorvem luz e calor do Sol, e, através dos canais, iluminam a parte interior do satélite. Antes que você me pergunte, a água vem de lençóis existentes a centenas de metros abaixo. – Diga-me, Dulce, aqui existem também hospitais e centros de atendimento? – perguntou dessa vez, Jean. – Existem muitos, só que eles só atendem “enfermos encarnados” em Planos de Expiação. Invés de médicos, existem conselheiros. Invés de jovens enfermeiras, existem experientes anciãs. Pais e filhos se vêem após anos e anos de separação. Os Espíritos quase purificados, de quando em quando aparecem e prestam assistência a entes queridos que ainda perambulam pela Terra. Nesses raros momentos, incutem no Espírito desses sofredores, preciosos exemplos. Já os espíritos encarnados, se desprendem do corpo durante o sono e vem em busca de auxílio. Embora a Lua seja conhecida como satélite dos namorados, nós poderíamos apelidá-la de estância dos encontros, tamanho é o número de irmãos que vem a procura de notícias, conforto e, às vezes, milagres. Os doentes, quando chegam e vêem a mansuetude 349

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que reina neste lugar, não querem regressar de forma alguma. Apegam-se a tudo para não retornar. É preciso muita paciência e cautela para faze-los regressar. Alguns permanecem por aqui vários dias, até meses e, em casos raros, anos. – Agora tenho a resposta para os pacientes em coma – comentou, Jean. – Agora estou compreendendo porque ficavam vários e vários dias sem dar sinal de vida. É que não queriam voltar. Como é possível convencê-los a voltar? – Fazendo-os compreender o verdadeiro significado da vida. É preciso faze-los entender que aquele sofrimento é efêmero e passageiro, e que ele é necessário para sua libertação. O regresso à carne se torna muito difícil, quando o doente não tem ninguém querido na Terra, mas é indispensável que volte. É a inexorável lei do carma. Primeiro tocamos as fibras de seu coração, e depois convencemos o espírito da inutilidade da abreviação da vida material. Por mais ignorante que ele seja, acaba se convencendo. Tenho exemplos de pessoas que retornaram ao corpo depois de vários anos. Os opulentos, se transformam radicalmente. Sem uma explicação lógica para a maioria, os avarentos passam a distribuir suas riquezas entre os pobres. Alguns se transformam em benfeitores da Humanidade. Isso não acontece somente com as pessoas que vem de um coma profundo. Muitas pessoas que escapam de um acidente de carro e vêem a morte por perto, se transformam inteiramente, para melhor. Alguns afirmam ter visto um túnel luminoso, em cujo final é possível ver um mundo de eterna felicidade. – Não sei se vou fazer uma comparação absurda – disse, Augusto – mas perto de onde eu vivia, havia uma estranha senhora que passeava nos telhados enquanto dormia 350

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e, às vezes punha-se a rir, outras vezes movia os braços como se estivesse brigando com alguém. Por que essas mudanças bruscas de atitude? O que essa sonâmbula via? – Os sonâmbulos enxergam com os olhos do espírito. Têm a mesma liberdade de movimento que os espíritos das pessoas que estão em coma, só que como estão perto da crosta, enxergam somente espíritos errantes. Os que são alegres, os fazem rir. Os maus intencionados, os assustam. O espírito do sonâmbulo jamais se afasta em demasia, pois é muito perigoso. Se por algum motivo o sonâmbulo é repentinamente acordado e o espírito não regressar a tempo, haverá um rompimento e a conseqüente morte física. Isso acontece muito raramente, mas acontece. – Então é por isso que não devemos despertá-los? Para que não haja o rompimento? – insistiu, Augusto. – É muito raro haver a morte. Geralmente sofrem alguns traumas. Saibam vocês, que o espírito de um sonâmbulo é extremamente curioso e, ao mesmo tempo, apressado. – Apressado!? – intrometeu-se Hugo. – Isso mesmo! Apressado! Enquanto a maioria dos espíritos esperam o sono para se afastarem do corpo, o espírito do sonâmbulo começa a se movimentar assim que o corpo está cochilando. Como no ditado popular, está com um pé fora e outro dentro. É como se o espírito se desdobrasse em dois: um fica ao lado do corpo e o outro, mais curioso, tenta se afastar. Vejam bem! Eu não estou dizendo que haja dois espíritos, eu só adotei uma forma engraçada para contar o que ocorre. – É! – comentou, Hugo. – Entre o céu e a terra ainda existem muitos mistérios. 351

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Ao avistar um magnífico estádio, Dulce pediu ao condutor do veículo que fizesse uma parada diante da entrada principal. Agradeceu pelo transporte e informou ao jovem piloto que estava dispensado. O restante da visita seria feita a pé, ou melhor, levitando. – Vocês estão vendo esta imponente construção? Ela vive quase sempre cheia e tem espaço par abrigar trezentas mil criaturas. Dentro dela se reúnem espíritos dos mais variados planos, sobremaneira espíritos procedentes de outras galáxias. Ao redor do estádio existem várias estâncias. Cada uma delas abriga uma delegação diferente. Há, inclusive, seres que procedem de outras dimensões. Aqui se reúnem e tomam importantes decisões. Por ocasião de grandes conferências, o estádio abriga uma multidão compacta e a visão é muito bonita. Centenas de grupos ficam separados por cordões luminosos. Como disse antes, procedem de várias galáxias. – Quem diria, hein! – comentou, Hugo. – Quem diria o quê? – perguntou dessa vez, Dulce. – Que a Lua de São Jorge servisse para encontro de seres de outras galáxias, ora!!! – Estou notando – observou Raziel a medida que entravam no estádio – que na área reservada para os conferencistas tem um gramado de variadas cores. Esse gramado é artificial? – Não é artificial, Raziel – respondeu, Dulce. – É uma gramínea que tem a propriedade de mudar de cor. Ela não parece que está saudando a gente? Quanto mais iluminado for o palestrante, mais brilho elas irradiam. No momento de encerramento das palestras, quando geralmente o convidado faz sua oração de agradecimento, essas pequeninas folhas se 352

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agitam, e todos podem ver um inusitado espetáculo de cores. Parecem fogos de artifício. Meu vocabulário é muito pobre para descrever o exuberante quadro. Para crer, é necessário estar presente. – Durante as Olimpíadas o cenário é ainda mais bonito – comentou, Estela. – Aqui também há Olimpíadas? – perguntou Hugo, admirado. – Por que essa admiração, Hugo. O esporte é um ato de amor e confraternização. O espírito também necessita de movimentos extras. Os humanos acham que os espíritos vivem na ociosidade. Como estão enganados! Além de atividades esportivas, aqui há teatros, cinemas e indústrias que não poluem. – Diga-me uma coisa, Estela! – exclamou, Raziel. – Por ocasião das Olimpíadas eu presumo que a platéia é dividida entre seres encarnados e desencarnados como nós, não é? Como esses seres chegam ao estádio? Para os desencarnados eu tenho a resposta, mas para os encarnados eu não tenho! Eles devem vir em espaçonaves, mormente os que procedem de outras Galáxias. Aonde pousam essas espaçonaves gigantes? Até agora não vi no interior do satélite nenhum veículo de grande porte. Outra coisa! Por que os telescópios da Terra ainda não observaram esse grande movimento na Lua? Através dos telescópios é possível vêlos, não é? – Você se esqueceu de uma coisa, Raziel! Os movimentos de rotação da Terra e da Lua são sincrônicos, por isso a Lua sempre exibe a mesma face para os humanos. Uma delas está sempre oculta. É nessa face que foram construídos os grandes pontos de embarque e desembarque. 353

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– Se eu não estiver enganada, você era egípcio, não é, Raziel? – perguntou, Dulce. – Eu nasci no Egito, mas sou italiano de coração. Todos os meus trabalhos foram escritos em italiano. Mas por que essa pergunta? – É que logo adiante há um palácio que você deve conhecer. Ei-lo – completou Dulce, apontando o majestoso edifício. – Mas esse é o Taj Mahal! Estou vendo que ele supera em beleza o seu irmão terrestre. Sempre tive uma enorme curiosidade em saber como a cebola central foi construída. Vista de baixo, ela parece não ter um milímetro de diferença. O Taj é um exemplo perfeito da arquitetura indo-muçulmana. – Você parece perito no assunto! – comentou, Estela. – Você também foi arquiteto. – Eu sempre apreciei as artes. Escrevi muitas coisas diante da basílica de São Marcos, em Veneza. Visitei o Taj Mahal numa viagem de recreio. Fiquei fascinado com sua beleza. – E quanto às Olimpíadas? – voltou Caio ao assunto. – Um dia poderemos assisti-la? – É uma pena que a última aconteceu há poucos dias. A próxima acontecerá dentro de aproximadamente trezentos dias. Vocês já estarão encarnados. Quem sabe nos anos dois mil e trinta da era cristã, vocês já estejam de volta e poderão representar a Humanidade nos jogos! – Só se for com a ajuda de bengalas! – comentou Pierre, soltando uma gostosa gargalhada. – Você poderá participar da maratona! Como juiz, é claro! – observou Estela, rindo também gostosamente. 354

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NA REGIÃO AMAZÔNICA

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uando mais se aproximavam da crosta terrestre, mais pesado ficava o ar. A luminosidade também diminuía. Hugo é o que mais sentia essa mudança brusca. Sentindo o problema, Dulce e Estela ladearam-no até perto das nuvens baixas. A Pérola estava logo abaixo delas. Observada do alto, parecia dois grandes pratos com algo no meio. Tinha a aparência de um gigantesco disco voador. – Eis a Pérola! – avisou, Dulce. – Vejam como é magnífica vista do alto! – Mais isso é uma cidade ou um disco voador? – explodiu, Raziel. – É uma cidade laboratório instalada dentro de uma Espaçonave-Mãe. É um grande tabuleiro circular que gira em torno de um eixo invisível. – Curioso! – exclamou pensativo, Raziel. – Como que esse enorme engenho não aparece nas telas dos radares? – É muito simples! Essa cidade está em outra dimensão. – Mas se está em outra dimensão, como nós a avistamos? – insistiu, Raziel. – Também é muito simples! Os nossos sentidos são muito mais apurados. Como não estamos presos em nenhuma matéria, eles estão livres para descobrir quaisquer espécies de vida, seja material, seja espiritual. Nossa condição nos permite entrar em várias dimensões. – Mas e quanto ao radares? Eles não foram construídos para vigiar o espaço aéreo? 355

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– Os radares são aparelhos limitados. Por enquanto é só isso que posso dizer Raziel não ficou convencido, mas achou melhor não continuar com as perguntas. Estela mudou o assunto, comentando: – Estamos sobre o rio mais caudaloso do planeta. Exatamente na embocadura do Rio Amazonas. Vejam como as águas desse gigante penetram no Oceano Atlântico. Não parece uma gigantesca passarela? – Como é bonita a Natureza vista do alto – comentou, Júlio. – Vocês sabiam que quando a maré esta alta acontece uma briga titânica entre o rio e o mar! – comentou, Estela. – Quando isso acontece ocorre a pororoca, um fenômeno digno de ser visto. Quando a maré está alta, ela vem raivosamente em direção ao continente. Aí as águas chocam-se com violência e o rio luta para reter as águas do mar. Esse choque das águas faz com que elas se elevem bem acima da superfície, formando uma onda gigantesca. Esse choque recebe o nome de pororoca. O mar furioso, invade o continente fazendo recuar as águas do rio. A massa fluvial oferece grande resistência, mas acaba cedendo. O mar, já vencedor, rompe o equilíbrio e forma-se a enorme onda da maré, que vai avançando pelo rio, cuja correnteza fica invertida. Essa portentosa luta, pode ocorrer em épocas imprevistas. A força das águas é tão violenta, que carrega tudo que encontra à frente. Árvores enormes são arrancadas do solo e levadas como se fossem palitos de dente. Quando o rio e o mar fazem as pazes, aquele retoma seu curso natural e lança suavemente suas águas no oceano índigo. A Mãe Natureza se encarrega de torná-los amigos novamente. 356

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– Esse fenômeno também é visto no Rio Sena – comentou, Jean. – E também no Ganges – completou, Dulce. – No Sena é conhecido com mascaret e, no Ganges, como bore. – Vamos direto à Pérola ou para outro lugar? – perguntou Estela, a Dulce. – Vamos às ruínas. Você não recorda, Hugo, daquela cidade que eu disse existir perto do Solimões? É claro que agora só existem ruínas e elas estão sob a mata cerrada. Maravilhados com a beleza da floresta, ninguém dizia nada. O primeiro edifício em ruínas avistado, tinha a forma de um triângulo. Era semelhante às pirâmides ainda encontradas no Egito e, como tais, muito majestosa. De espaço em espaço avistavam-se construções menores, todas com a mesma formação. Uns poucos edifícios tinham o topo arredondado; a maioria tinha quatro faces triangulares e o topo quadrangular. – Pelo visto esses edifícios foram templos magníficos! – observou, Hugo. – Alguns ainda conservam a grandiosidade. – Esses templos, Hugo – ensinou, Dulce – hospedaram por um longo tempo uma raça admirável de seres. Isso que estamos vendo, foi uma base aeroespacial das mais adiantadas do Universo. Serviu de pouso e decolagem para uma importante civilização. Observada do alto, tinha um especial significado, porque indicavam aonde as grandes espaçonaves deveriam pousar. O teto de algumas construções maiores, eram usadas como pistas de aterrissagem. Perto da embocadura do rio, retiravam combustível para acionar os motores das naves. Segundo pude verificar nos arquivos existentes em Cáritas, a civilização que esteve aqui veio em 357

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caráter provisório. O objetivo final deles era iniciar uma civilização no Planeta Virgos. Este local serviu como base. Virgos está próximo da Estrela Sírius e naquela época estava em fase de aquecimento. Hoje a temperatura desse planeta está em torno de quarenta graus, quase a mesma temperatura existente neste local. Observem como alguns prédios estão perfeitamente alinhados formando enigmáticos desenhos. – E o que isso significa? perguntou atento, Hugo. – Vistos do alto, cada um desses conjuntos corresponde a um corpo celeste; já dentro dos templos, há dezenas de passagens e janelas e, de cada janela ou passagem, é possível diferenciar os astros. Os habitantes desta cidade eram astrônomos por excelência e conheciam a Via Láctea em quase todos os seus detalhes. Na realidade, uma das funções desse povo, talvez a mais dignificante, é conservar a vida e a beleza de alguns Globos da Via Láctea. Não sei se eles já estão trabalhando fora da Via Láctea. – Cada vez estou mais impressionado com seus conhecimentos! – comentou Hugo com o olhar espantado. – Afinal de contas, quantas classes de seres existem no Universo? – Bilhões, ou talvez, trilhões! Só Deus é que sabe, afinal ele é o Criador! Eu só sei que quando estamos livres da carne, passeamos livremente por algumas dimensões. É só o que posso dizer. – Quer dizer então que sem ajuda desses irmãos seríamos eternamente selvagens? – perguntou, Raziel. – Eu acho que não! Eternamente selvagens, não! Nós carregamos uma chama dentro de nós que desperta a curiosidade. Que nos leva adiante. Essa chama vem de Deus, e Deus representa a esperança. Essa chama nunca se apaga 358

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dentro de nós. Ela nos impulsiona e nos auxilia nos momentos difíceis. Quanto a saber se sem eles seríamos eternamente selvagens, essa pergunta não tem lógica e não se encaixa em nada. É como perguntar quem criou Deus. Se o Universo está aí, alguém o criou, e quem criou esse alguém que criou o Universo? Desse labirinto é impossível sair. Você tem a resposta para a saída? – Quem sou eu! Meus conhecimentos são muito limitados! – Então vamos seguir a lógica, essa regra importante da vida. Ela nos aconselha a trilhar o caminho da segurança. Esse caminho foi usado por todos os seres que hoje estão mais perto de Deus. Quando eu tenho oportunidade de analisar algumas vidas passadas, meu pensamento é brecado quando atinjo a vida selvagem. Antes disso tudo é neblina e escuridão. Depois de conhecer a lei da análise, estou seguindo devagar e firme em direção ao Pai Celeste. Tropecei, levantei e continuei. Hoje, não sei se provisoriamente, faço parte de um mundo livre de perseguições. Quem sabe amanhã eu tenha de encarnar novamente e me submeter a novas provas. Quem sabe! Será que nesse caso eu usarei um manto grosso? Ou será que ele será leve demais? Depende de para onde eu vá. Quem sabe você, Raziel, esteja comigo nessa ocasião. Hoje eu sou assistente de Emílio, Governador de Cáritas e apóstolo de Jesus e, para onde está indo Emílio? Está retornando e quiçá tenha uma proteção pesada. Será isso um retorno às origens? Por que ele está trocando uma cômoda posição por uma outra cheia de espinhos? Porque sabe que isso são provas! Porque ama seus semelhantes que se arrastam no solo da amargura! Enquanto ele está preso em uma armadura, eu estou gozando 359

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as delícias do espírito. Mas uma coisa eu tenho certeza: quando ele regressar, a Humanidade não será mais a mesma! A MÃE NATUREZA

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ue estranho fascínio a selva exerce sobre mim! – comentou, Hugo. – Não é só sobre você! Sobre mim também! – exclamou, Jean. – De onde virá esse fascínio? – Da Mãe Natureza, ora! – exclamou, Agripino. – Essa mãe abnegada e silenciosa que aceita tudo com resignação. – Ora, ora, ora! – brincou, Dulce. – Temos um outro poeta entre nós. Concordo com você. Depois de Deus, é a Mãe Natureza que reina no Universo. Venham atrás de mim que eu vou mostrar-lhe algo que a Natureza se incumbiu de preservar. É tão belo que ela resolveu enfeitá-lo com a mata. Escondido pela vegetação, era possível ver um suntuoso templo. – Isso que vocês estão vendo, foi outrora um dos mais inteligentes Centros Astronômicos da Via Láctea. Observem a riqueza de detalhes. Todos apreciavam os seus detalhes. A base era quadrada. Trezentos e sessenta e cinco degraus ligavam-na a uma construção em forma elíptica. Sobre essa forma, havia um pavimento de menor tamanho idêntico a um caracol. Na parte central do caracol, poderia ser visto um anel em forma espiral e, no centro desse anel, um pequeno orifício. Debaixo do orifício, um delicado assento servia possivelmente para alguém ficar acomodado observando o Céu. Tudo indicava que era um observatório. Num pátio ao lado, havia três torres 360

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e, entre elas, sobressaíam duas estatuetas esculpidas em jade. Eram duas figuras de crianças olhando para o alto. Uma delas tinha o dedo indicador da mão direita apontado para algum lugar do espaço. Quem sabe ela não estava apontando para o lugar de onde tinham vindo? Mais atrás, esculpida num bloco de basalto, via-se uma águia com as asas abertas. Estranha e significativamente, o bico da ave estava voltado também para o alto na mesma direção do dedo da criança. Por detrás da ave, dezoito estatuetas de guerreiros vestidos como o deus Marte, o deus da guerra, pareciam trocar idéias. Todas elas foram esculpidas em pedra porosa, cuja cor era de um vermelho muito forte. Os olhos eram verdes e foram feitos em jadeíta. Vistos de longe, piscavam como pirilampos. A sala de estudos encontrava-se na parte central e interna da pirâmide. Para atingi-la era necessário transpor um labirinto de pequeninos pátios, salas e pórticos. Tudo isso havia sido feito dentro da própria construção. Os sacerdotes, ou quem quer que habitasse a parte interna da pirâmide, cercaram-se de todas as garantias para ficarem longe de olhares indiscretos. Esculpido numa das paredes da sala, um rosto se sobressaía a outros dois rostos mais abaixo. Os debaixo, pareciam adorar o de cima. Estava claro que o de cima representava uma divindade ou um rei. Noutra parede, esculpido em baixo relevo, havia uma figura de caçador empunhando uma lança comprida. – Como vocês estão vendo, estamos dentro de um magnífico monumento construído por alienígenas, como são chamados esses seres pelos humanos. Observem a riqueza dos detalhes. Notem que os degraus da escadaria correspondem aos dias do ano da Terra. Os dezoito guerreiros correspondem a dezoito elites de povos eleitos. Os meninos 361

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significam a paz e, a águia, a inteligência. Perto da nascente do Solimões, no Peru, também existiu uma outra civilização como esta. A mata também a cobriu inteiramente. Na região central da América, há mais de cem mil templos como estes. Só que são bem menores. Alguns já foram desenterrados por historiados e arqueólogos. Como diz o filosofo, nada se perde e tudo se transforma. Vamos agora ver alguns exemplares da fauna e da flora. Vocês sabiam que nestas matas podemos encontrar répteis com mais de dez metros de comprimento. Os mais exagerados dizem que há uma espécie de cobra com mais de vinte metros. A anaconda ou sucuri. Existem orangotangos com mais de dois metros. Isso é verdade. Eu já vi alguns. Também há jacarés que pesam mais de uma tonelada e ultrapassam seis metros de comprimento. Eis ali um belo exemplar de réptil – completou Dulce, apontando para uma área descoberta no solo. Todos tiveram a visão de um gigantesco rolo de fumo, só que não era marrom como os rolos de fumo adquiridos nas charutarias. Na realidade estavam diante de um magnífico ofídio dormindo tranqüilamente. Sua pele tinha uma coloração de fundo verde-azeitonado, onde se destacavam duas filas de manchas dorsais ovaladas negras, acompanhadas de pequenas manchas esbranquiçadas nos flancos. – Isso que estamos vendo é uma cobra – comentou, Dulce. – É uma sucuri, a maior das serpentes do planeta. Elas engolem suas vítimas depois de moe-las e, os indígenas conseguem abate-las quando elas estão fazendo a digestão. Durante esse período ficam preguiçosas e moles, às vezes durante semanas, tornando-se então uma presa fácil. Embora temidas, essas cobras raramente atacam os homens. Depois 362

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que os alienígenas partiram, a selva se incumbiu de devolver a natureza seu aspecto original. Antes deles, ninguém havido violado a floresta. Olhem aquela estátua! Aquela vegetação que a cobre não parece uma grande cabeleira verde? São samambaias do amazonas. Ao lado delas podemos avistar belas orquídeas grudadas naquele exemplar de sambacuim. Nesta floresta há mais de mil espécies enfeitando as árvores. Por sinal, essas árvores brigam por um espaço. Para receberem diretamente a luz do Sol, crescem de forma assustadora. Algumas têm mais de quarenta metros de altura. Seus troncos, se cavados, dariam para abrigar uma família de quatro pessoas. E ainda sobraria espaço! – Suponho que quando essa civilização estava por aqui, também haviam aborígenes; para onde eles foram? Você tem uma idéia? – perguntou, Jean. – Parece-me que estão embrenhados na selva. A algumas milhas deste local há um povoado de homens ruivos e bem fortes. Acho que alguns são descendentes de alienígenas. Talvez acreditem que os extraterrestres venham buscá-los, por isso estão afastados dos povos primitivos. – E o que aconteceu com os extraterrestres que morreram aqui? Onde foram enterrados? – insistiu, Jean. – Eu acho que os dirigentes foram levados de volta, mas os que não eram importantes foram enterrados sob as pirâmides. Existem muitos túmulos debaixo delas. – Que animal é aquele? – perguntou, Pierre. – Parece um tigre! – Como é lindo, não! – exclamou Estela, num arrebate. – É um magnífico espécime de onça! Deve ter, da cabeça à cauda, três metros de comprimento. 363

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– Ela está olhando para cá. Será que nos viu? – comentou, Hugo. – Pode crer que ela nos está vendo – observou, Dulce. – Os animais e as crianças têm uma visão mais apurada. Diferente dos adultos, elas e os animais nos conseguem ver. – Será que por aqui existem animais pré-históricos? – perguntou, Pompeu. – Pode ser que haja – opinou, Raziel. – Esta selva é mais rica que a floresta da Indochina. Naquela floresta havia fantásticos répteis pré-históricos! Não eram dinossauros ou serpentes marinhas, mas viveram entre eles. Quem sabe por aqui não existam também lagartos gigantes! O que você acha, irmã Dulce? – Sinceramente, estou confusa. Todos nós estamos observando que aqui há condições para esses animais sobreviverem, entrementes, se aqui houvessem animais de grande porte, haveria rastros e árvores derrubadas. Não estamos vendo, nem grandes pegadas, nem árvores derrubadas. Uma coisa é certa! Para os brontossauros, o maior dos dinossauros herbívoros, isto seria um paraíso! Quem sabe na Pérola tenhamos alguma informação. Vamos então? – Antes de partirmos poderíamos ver alguns desses jacarés de uma tonelada? – sugeriu, Augusto. – Então vamos aproveitar também para ver os homens ruivos! apoiou, Dulce. Seguiram em direção ao delta do Rio Amazonas. Perto da Ilha de Marajó havia vestígios de uma outra civilização. – Sob essa mata fechada que estamos vendo – comentou, Dulce – havia uma outra grande civilização. Eles 364

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vieram de Andrómeda e se transferiram depois para as planícies da América Central. – Você tem idéia por que mudaram de local? – Acho que por causa das cheias. Não há outra explicação. Começaram a ver os jacarés. Centenas deles eram avistados em riachos e igarapés. Impressionado com o tamanho de alguns, Augusto comentou: – Acho que você errou no peso, Dulce! Aquele ali deve pesar mais que um elefante! E o que são aqueles pratos verdes sobre as águas? Plantas? – São as maiores plantas aquáticas do planeta – explicou, Dulce. – Atingem mais de dois metros de diâmetro e suas flores são exóticas e belas. Suas folhas flutuam na superfície tranqüila das águas, podendo suportar grandes pesos sem afundar. – Elas têm nome? – São chamadas de vitória-régia. Ela foi batizada pelo botânico inglês John Lindley, em homenagem a rainha Vitória da Inglaterra. Voltemos aos jacarés. Olhem que belo exemplar é aquele com a boca aberta e dois pássaros sobre a pele. Deve ter mais de seis metros e parece bem velho. – E como é gordo! – comentou, Agripino. – Porque esses alienígenas não construíram a cidade dentro da ilha principal? Não estariam protegidos das enchentes? – perguntou, Hugo. – Se não construíram na ilha é porque tinham suas razões. Eles também poderiam ter construído a cidade nas ilhas Caviana ou Mexiana, duas ilhas bem grandes. A verdade só poderia ser dita por eles. Pompeu rompeu seu silêncio e disse quase aos gritos: 365

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– Que peixes são aqueles grandes e coloridos? Parecem golfinhos! – São botos – respondeu Estela, no lugar de Dulce. – São peixes alegres e inteligentes como os golfinhos e chegam a atingir três metros de comprimento. Existem muitas lendas a respeito desses graciosos mamíferos. A eles se atribui a paternidade dos filhos de mães solteiras ou filhos naturais das populações da Amazônia. Graças a sua esperteza e sagacidade, dificilmente são capturados. Graças a Deus! – Você está afirmando que esses peixes se transformam em pais de mães solteiras? Isso só pode ser uma brincadeira! – comentou Hugo, com os olhos arregalados. – Os nativos acreditam nisso, Hugo. Cá entre nós parece ser uma lenda. Aliás, uma lenda muito bonita! – Vamos agora em direção ao Solimões. Os homens ruivos estão embrenhados na selva, numa região de difícil acesso. Vivem na penumbra e no mais completo isolamento. – Você disse penumbra? – observou, Hugo. – Isso mesmo, Hugo. A selva cerrada impede a passagem da luz do Sol. Por isso as árvores crescem tanto! Para que as copas recebam luz e calor. – Mas então viver debaixo delas é como viver no Umbral! Como esses homens enxergam? – Presumo que Deus lhes deu uma visão mais apurada. A mesma dos animais. – Hugo parecia um inquisidor. Voltou a perguntar: – Mas por que esses aborígenes ou sei lá o quê não continuaram a viver naquela cidade? Não estariam mais protegidos? – Talvez para evitar as guerras com os indígenas. Há muitas tribos hostis nesta região. Eles devem ter suas razões. 366

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– Estou sentindo o cheiro deles – comentou Estela, brincando. Realmente eram eles. No início avistaram uma pequena clareira, mas logo adiante, uma outra ainda maior. A claridade era total, por isso, Dulce, comentou: – Está vendo, Hugo, quanta claridade há por aqui! A tua preocupação era válida, mas desnecessária. Eles abriram dezenas de pequenas clareiras que não são vistas à distância, mas que recebem diretamente a luz do sol. Este povoado está bem camuflado e protegido. Atrás há montanhas, ao redor ricas correntes de água e, daquela elevação, é possível observar tudo que acontece em volta do povoado. – Mas aonde estão todos? – observou, Caio. – Você ainda não se acostumou com a visão deste lado – disse, Agripino. – Estivemos tanto tempo trabalhando nas Sombras, que você não é capaz de diferenciar o dia da noite. Olhe para o céu e veja as estrelas. Acho que estão todos dormindo! – Vamos até aquela queda d’água – convidou, Dulce. – Atrás dela parece-me que há uma caverna. Realmente, atrás da cascata havia uma caverna com mais ou menos quatro mil metros quadrados de área. Estava totalmente iluminada por luzes artificiais. Raziel, curioso e observador, notou que havia dezenas de orifícios na caverna e, de lá, podia ser visto um céu maravilhoso e estrelado. Tudo indicava que os habitantes tinham o hábito de auscultar o espaço sob aqueles furos. Sem sombra de dúvida, não foi a natureza a autora daqueles orifícios. – Nunca estive neste lugar! – exclamou, Dulce, impressionada com o que via. – Agora acho que tenho a resposta porque esse povo se transferiu para esta área. Esta 367

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caverna parece um laboratório de astronomia. Talvez esteja mais bem posicionado para algumas observações. Será que foram ameaçados por outros alienígenas? Isso não pode ser possível, porque no espaço reina a paz entre as civilizações que dominam a ciência cibernética. Será que alguma epidemia fez com que se transferissem? Isso também é pouco provável, porque esses povos são capazes de curar qualquer tipo de doença. Vamos nos aproximar e ver através do orifício central. Ao se aproximarem, viram uma figura esculpida no alto da caverna com um báculo entre os dedos da mão direita. Na extremidade do cajado havia um prato com diversos pontos luminosos. Em volta do ponto luminoso central, havia uma pequenina lança. – Eis de onde vieram! – exclamou, Estela. – Essa estrela está dentro da Constelação de Macários. São macarianos, uma civilização muito adiantada. Na certa os seus cientistas vieram ensinar sua ciência para os homens! O que você acha, Dulce? – Vamos esperar que acordem. Vou tentar analisar a mente do responsável e descobrir alguns de seus objetivos. Isso está despertando minha curiosidade. – A minha também – repetiu, Estela. Não precisaram esperar muito, porquanto atrás deles, se materializou uma figura muito graciosa. Era uma jovem de cabelos aloirados, cortados rente a testa. Seus olhos eram da cor da abóbora madura e cintilavam como pedras preciosas. Na testa, entre bem cuidadas sobrancelhas, havia uma jóia que lançava chispas, ora verdes, ora azuis. Abrindo um largo sorriso, olhou diretamente para Dulce e disse: 368

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– Que o Pai de todos os pais vos abençoe. Estou envaidecida diante de presenças tão queridas e importantes. Meu nome é Ceumar. É uma homenagem ao céu e ao mar. Como pude observar donde estava, vocês já sabem de onde viemos. Não é sempre que o Amoroso Pai nos brinda com a presença de espíritos tão iluminados. Alguma razão Ele deve ter. Como pertencemos a dimensões diferentes, esses momentos são muito raros. Devemos aproveitá-los. De onde vocês estão vindo? – Antes de mais nada, que Deus abençoe a gentil irmã – agradeceu, Dulce. – Estamos na Terra em missão de reconhecimento e viemos de uma esfera localizada no centro do Universo. Como vocês, desejamos também melhorar as condições de vida da Humanidade. Segundo alguns dirigentes de nossa esfera, a Terra já está em condições de entrar para o clube dos Planos de Regeneração, apesar de haver guerras e miséria. Vamos tentar acabar com as guerras e semear a paz definitivamente. – Como é de vosso conhecimento – disse, Ceumar – estamos aqui com o mesmo objetivo. A Humanidade entrou na era atômica e não se deu conta que as explosões estão afetando a Natureza de alguns planetas próximos a ela. Bem mais próximos do que eles imaginam. Precisamos frear o instinto de domínio dos humanos. Será que precisaremos utilizar a força? – Acho que não chegaremos a isso. O nosso maior dirigente já tem o apoio de algumas civilizações da Via Láctea. Elas estarão presentes no momento certo. Prenúncios dessas reformas atingirão os céus da Terra, e a voz desse dirigente ecoará pelos quatro cantos do Planeta. Se for 369

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preciso, as “línguas de fogo” derreterão algumas catedrais e o que estiver dentro delas. Assim foi escrito, e assim será feito. – Você me convenceu, cara irmã, que dentro de alguns anos a Terra estará entre as eleitas. Isso é muito bom! – Como se estivesse lendo o pensamento de todos, concluiu: agora vocês estão sabendo porque procuramos estar incógnitos. Ainda não chegou a hora de nos mostrarmos. – E o que vai acontecer com os aborígenes? – Estamos aprimorando os conhecimentos desses irmãos e melhorando a raça. Trouxemos alguns casais de um plano similar a Terra, e os cruzamentos estão sendo feitos com naturalidade. Eles são muito mais amorosos que os homens e as mulheres deste planeta. São vegetarianos e incapazes de ferir a Mãe Natureza. – Além da irmã, não existem macarianos no povoado? – perguntou, Hugo. – Eu sou a única macariana legítima. Sou, como vocês dizem, a governadora do local. Todos me devotam um profundo respeito e pensam que sou uma deusa, apesar de nunca ter usado a força. Dentro em breve vamos distribuí-los pelo Planeta. Com o auxílio de vocês, acho que isso será feito rapidamente. Mais cedo do que eu pensava. – Tenho esperanças, mas elas também estão recheadas de dúvidas – filosofou, Dulce. – Por quê? – Porque as forças do mal tentarão unir forças e combater nossa missão. – Ora, irmã! Esse receio eu não tenho. Não há força maligna no Universo que ouse contestar o poder do Maior dos Pais. No Planeta Hestepe, ao lado da quinta estrela da 370

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Constelação Rhodes, houve também resistência, mas ela foi débil diante do poder do Pai Maior. – Eu não sei se a irmã sabe que já houve duas tentativas. Na última delas, um dos filhos mais queridos do Pai foi crucificado. – Eu conheço a verdade. Por mais que queiram desvirtuá-la, não terão êxito. Macários, antes de se libertar das forças do mal, também crucificou uma nobre alma. Isso acontece na maioria dos planos em elevação. A irmã sabe disso melhor do que eu. Esses seus companheiros são também “renovadores”. – Há muito tempo que não ouço essa significativa palavra – observou Dulce – Não são renovadores; são reformadores. Encarnarão no mundo religioso e, este irmão aqui ao meu lado, será o futuro Papa. Os outros farão parte de seu secretariado. Muitas mudanças dependerão do trabalho que efetuarão. – Desde já ofereço minha modesta ajuda. Quando passar sobre o Vaticano, jogarei alguns fluídos benéficos. Ao completar a frase, todos viram uma aura fulgurante envolve-la. Ao clarear, começaram a surgir na clareira, crianças, velhos, adultos e jovens. Ao avistá-los, Estela comentou: – Como são saudáveis e atraentes! Estavam todos sem roupa. Os homens tinham em média, dois metros de altura, ombros largos e pele bronzeada. Os cabelos soltos e longos brilhavam, embora ainda não houvessem raios de sol. Os de idade avançada tinham a pele um pouco enrugada, mas andavam eretos e firmes. As mulheres, ruivas como os homens, tinham seios fartos e firmes. Quase todos tinham olhos azuis, e não havia ninguém 371

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com a pele flácida ou barriga saliente. Ceumar tinha uma expressão de satisfação ao encarar a todos. Estava feliz porque aquela visão estava agradando os visitantes. – Eles estão nos vendo? – perguntou, Estela. – Somente Virgílio pressentiu vocês. Ele tem uma sensibilidade mais apurada que os outros. – E por quê? – insistiu, Estela. – Porque eu o treinei para ser meu assistente. Muito observador, Jean comentou: – Estou muito impressionado com o físico desses naturais. Não me recordo ter visto corpos tão saudáveis e perfeitos sobre o solo terrestre! – Nem na exibição de corpos vi corpos tão perfeitos como esses! – comentou, Hugo. – Se eu tivesse um físico desses também andaria pelado! – No dia em que o homem souber explorar a riqueza deste planeta, todos poderão ter o físico das pessoas que vocês estão vendo. – Você sabe, querida irmã, se aqui ainda existem animais pré-históricos? – perguntou, Hugo, antecipando-se a Raziel. – Já vi por aqui grandes animais, mas não vi nenhum que se parecesse com os animais da pré-história. Há lugares nesta floresta que nenhum ser considerado racional já pisou. Quem sabe nela existam criaturas que viveram naquela era. Por enquanto, não vi nenhum deles. Depois de afetuosa despedida, partiram em direção a Pérola.

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PÉROLA DO CRUZEIRO

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oram recebidos numa das muitas entradas da cidade pela irmã Rebeca. Depois das apresentações encaminharam-se todos para uma ampla sala de recepção. – Sejam benvindos. Estou feliz por recebe-los. Em que posso ser útil? – Estamos vindo da Colônia Cáritas, que fica na região central do Universo. Estamos fazendo uma viagem de reconhecimento pela Terra e, como a Pérola é reconhecida no Espaço como uma extraordinária fonte de saber, resolvemos fazer uma visita. Vendo-a de perto, não lhe fazem justiça! É magnífica sob todos os aspectos. Estivemos há pouco com a irmã Ceumar. Você a conhece? – perguntou, Dulce. – Somos quase irmãs. Quando os naturais descobrem uma nova espécie de vida vegetal, somos imediatamente avisados. Entre outras coisas, Ceumar é uma excelente botânica. Vocês sabiam que esta região alimenta com suas espécies centenas de Planos? Houve uma época que transportávamos também animais. Suas aves, belíssimas por sinal, foram levadas para mais de mil novos planetas. Saibam vocês, que a Amazônia é o maior celeiro vivo da Via Láctea e, se conseguirmos protege-la da pirataria, poderemos espalhar suas sementes por vários planos em formação. Eu, pessoalmente, não conheço nenhuma região do espaço que se compare a esta região, e olhem que eu já viajei um bocado por esse imenso Universo. O que vocês vão querer ver primeiro? Nossas instalações ou parte da floresta? – Já visitamos parte da floresta. Será muito interessante saber algo da Pérola. 373

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– Bem! A Pérola é um conjunto de trezentos e vinte e oito centros de estudos. É uma cidade ciência. Temos quatro mil setecentos e dezesseis funcionários efetivos. Amanhã poderão ser mais ou menos. Depende da necessidade. Aqui chegam também, espaçonaves de vários planos. Chegam e saem num revezamento constante. Noventa e oito professores atendem a todos que chegam. Entre eles há botânicos, biólogos e paleontólogos. Aqui também nós temos quatrocentos e trinta técnicos em reconstrução. É muito difícil encontrá-los no interior da Pérola. Desde que explodiram as duas primeiras bombas atômicas, não tiveram mais sossego. Antes disso, só os agalianos de Java trabalhavam em reparos. Outra coisa. Como estamos sobre um maravilhoso jardim, dentro da Pérola não existem vegetais de grande porte. Esse espaço é utilizado para pousos e decolagens das espaçonaves. Vocês estão reparando que o movimento é intenso. Apesar de já estarem preparados para as surpresas, todos os homens estavam com a cara de palermas. Hugo, em especial, não compreendia como poderia haver uma cidade em cima da selva livre de olhos humanos e de radares. Como era possível as espaçonaves entrarem e saírem sem serem molestadas? Como permaneciam ocultas dentro da cidade? Será que aquilo tudo não era uma grande ilusão ótica? Nesse instante lembrou de Tomé, o apóstolo que só acreditava no que via. Mesmo vendo, não estava acreditando no que via. Como era possível unir o visível e o invisível, e depois separá-los depois de unidos? Lendo seus pensamentos, Estela confidenciou-lhe no ouvido: – Há coisas, Hugo, que um dia lhe serão reveladas. Tente somente guardar na memória estes lugares. Essas 374

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recordações serão muito úteis quando se aproximar o grande dia. Hugo não compreendeu o que Estela estava tentando lhe dizer, mas preferiu silenciar. Avistando uma espaçonave que pousava, Rebeca explicou: – Para nossa satisfação, estamos recebendo pela primeira vez, conselheiros do Mundo de Antar. Ofereceramse para nos auxiliar no reparo de algumas placas deslocadas por recentes explosões. Observem que magnífico aparelho. Ele pode transportar setenta e duas naves auxiliares. Tanto a nave mãe como as naves auxiliares, são protegidas por uma camada de “pespes”, o que lhe uma qualidade de vôo muito especial. Essa proteção faz com que ela se torne invisível a radares e olhos humanos. Aquela outra menor, que está do seu lado direito, somente se torna invisível quanto entra na Pérola. Esta última pertence ao povo de Mercis, um pequeno Mundo do Sistema Solar. Ela é vizinha da Terra e, Gorkis, seu dirigente maior, levou ao conselho sua preocupação pelas experiências que estão sendo feitas na Terra. Apesar de temer por um mal maior, ele não expressou o desejo de utilizar a força. – A irmã vê alguma possibilidade de um novo conflito? – perguntou, Jean. – Essa possibilidade existe, mas é muito remota. Na Humanidade há muitos homens medíocres, mas nem todos são dementes. Felizmente há também gente de bom senso. Convenhamos! Se na Terra houver um novo conflito, acho que será o último. Ela terá seu eixo deslocado e se estropiará no espaço. O que sobrar, os grandes asteróides se incumbirão de destruir. A verdade é uma só. Não podemos permitir que 375

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um Globo das dimensões da Terra prejudique um grande número de mundos vizinhos. Estamos em permanente vigilância e agora estamos recebendo a ajuda de vocês. Isso é muito importante! – Eu não sei como poderei ajudar! – comentou, Hugo. – Você terá nas mãos muito poder, Hugo – observou, Estela. – Nem a Junta das Nações tem poder igual ao do Papa. Você verá! – Quer dizer então que você vai ser o novo Papa! Que bom! – opinou, Rebeca. – Já está na hora daquele manto ser usado por gente honesta. Até agora só hipócritas se sentaram no trono. Permitam-me fugir um pouco desse assunto. Quando explodiram as primeiras bombas na Terra, foi realizada uma reunião onde compareceram centenas de irmãos. Vieram representantes de vários mundos. Entre eles estavam venusianos, marcianos, mercurianos, jupiterianos, saturnianos, macarianos e até representantes da Terra. Zespis, de Sirius, representou quarenta e sete mundos de sua constelação. Ardor, representou Andrómeda, Sandos e Capela. – Você disse que a Terra mandou representantes? Foi isso que ouvimos? – observou Raziel, sempre atento. – Isso mesmo. Há muito tempo nós temos representantes entre os humanos. Não ocupam posições de destaque, porém são muitos valiosos, porque trabalham ao lado dos homens que têm o poder de decisão. Não podemos atuar diretamente, mas podemos dar algumas sugestões. Eu acho que a irmã Dulce concorda com o que estou dizendo, não é mesmo?

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– Todos nós concordamos. O poder da mente é muito poderoso! Nós também agimos assim em certas circunstâncias. – O que podemos esperar de uma ciência que somente agora conseguiu enxergar Plutão? Observem como estão atrasados em relação aos seus vizinhos! Todas as moradias do Sistema Solar têm uma ciência muito mais avançada do que a Terra. Diferentemente dos cientistas dos mundos vizinhos, os cientistas da Terra realizam suas experiências em campo aberto, fazendo estragos irreparáveis. A Natureza está sendo muito atingida e, dentro em breve, até as condições climáticas estarão modificadas. A atmosfera do Planeta está sendo agredida violentamente. Precisamos levar esses cientistas para dentro dos Laboratórios. É lá que eles devem completar seus estudos. – Mas eu acho que eles fazem os testes em campo aberto para medir os efeitos radiativos – comentou, Raziel. – Isso pode ser feito dentro dos Laboratórios. Você tem idéia do poder de destruição dessas bombas? As mutações que ela produz? Se já foi visto que esses testes causam danos irreparáveis para a Natureza, eles devem ser adiados. Não há outra solução. Eu sei que o tempo para os humanos é precioso, mas às vezes isso se transforma numa faca de dois gumes. – Eu gostaria de saber, cara irmã, o que são pespes – perguntou, Pierre. – A prezada irmã disse que as espaçonaves se tornam invisíveis porque são protegidas por pespes. Foi isso mesmo que eu ouvi? – Vocês estão vendo aquelas duas espaçonaves? A maior pertence a Júpiter; a outra é de Plutão. Reparem na cor das duas. A de Júpiter tem uma cor prateada e, a de Plutão, é 377

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mais escura. A de Júpiter está com essa cor prateada porque seus reatores já foram acionados e ela está prestes a partir. Quando sair da Pérola, ela se confundirá com as “cores do espaço” e, portanto, se tornará invisível a olhos humanos. O mesmo vai acontecer quando a espaçonave de Plutão acionar os motores. Ela ficará mais clara e se tornará também invisível. Pespes é uma película que dá proteção a todas as naves. Quando os motores são acionados o calor faz com que ela apareça.. – E quanto aos radares? – Para burlar os radares são usados outros dispositivos. A velocidade é um deles. Aparecemos e desaparecemos num piscar de olhos. Também podemos confundi-los emitindo sinais falsos. Algumas grandes espaçonaves interferem em seus sensores deixando-os malucos. Mudando de assunto, Estela perguntou: – Aonde estão os orquidários? Vocês ainda os têm, não é? – Olhando para todos, completou: se ainda existem, preparem-se para ver as mais belas flores do Universo! – São belas e de minuto a minuto, aumenta sua variedade. Quanto tempo faz que você não nos visita? – Estive aqui antes da primeira grande guerra. Nessa ocasião havia uma grande estufa dentro da floresta. Aliás, a selva é uma estufa natural! Poucos metros adiante de onde estavam havia um grande galpão e, dentro dele, centenas de orquídeas cresciam agarradas em troncos trazidos da floresta. Havia centenas e centenas de espécies. Segundo Rebeca, essas flores eram vaidosas e mudavam de cor quando estavam sendo observadas. Uma dessas flores, com a aparência de uma taça 378

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de cristal e circundada por botões de diversas cores, movia suas folhinhas, ora para baixo, ora para cima, como num ritual de dança. – Vejam como ela dança – comentou, Rebeca. – Ela costuma aumentar seus movimentos quando está sendo observada. – Minha mãe chegava a falar com elas – comentou, Pompeu. – Ficava horas e horas no jardim falando baixinho com elas. Eu cheguei a pensar que ela não estava boa da cabeça. Coitadinha! exclamou, saudoso. – Como estará se sentindo presa a um leito e longe do que mais amava! Para surpresa de todos, Dulce comentou: – Os dias de sofrimento dela estão no fim, caro Pompeu. O motivo principal de minha viagem é amparar essa boa alma. Vamos traze-la junto com teu pai André. – Que Deus te eleve cada vez mais por isso – agradeceu, Pompeu. – Acho que já tomamos tempo demais de Rebeca. Irmã, você tem um lugar onde possamos nos reunir para ultimar os detalhes de nossa viagem? Qualquer coisa serve? – Venham comigo. Utilizamos essa sala para meditar. Ao chegar ao local, Rebeca fez questão de abraçar um a um. Dulce lhe deu um abraço demorado e beijou sua face que ficou ligeiramente ruborizada. Já acomodados, Dulce disse emocionada: – Parece que temos que nos separar. Vou armazenar em meu Espírito, todos os bons momentos que passamos juntos. Estela dará as últimas instruções. Por favor, Estela. – Aqui nos dividiremos. Nos reencontraremos dentro de aproximadamente oitenta dias e, ai, a separação será mais longa. Dulce terá uma sublime missão pela frente. Seguirá 379

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com Pompeu e Caio. Perácio irá ao Canadá com Júlio e Cesar. Jerônimo acompanhará Agripino até a Inglaterra. Aguiar irá com Augusto para a Itália. Raziel, se quiser, poderá acompanhá-los. Eu, Hugo, Jean e Pierre ainda vamos conferenciar um pouco mais. Como foi comentado antes, vocês verão a Terra completamente modificada. Sejam felizes na escolha de seus futuros lares. Vamos nos separar agradecendo a Deus. Como Hugo será o Papa, quero que faça uma oração. – Posso homenagear uma irmã muito querida? Eu ouvi essa prece quando estava observando os trabalhos no Centro Arcanjo Rafael. Uniu as mãos, cerrou os olhos e, com clareza, começou a rezar: “Deus, nosso Pai, que sois todo Poder e Bondade, daí a força àquele que passa pela provação, daí a luz àquele que procura a verdade; ponde no coração do homem a compaixão e a caridade. “Deus! Daí ao viajor a estrela guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso. “Pai! Daí ao culpado o arrependimento, ao Espírito a verdade, à criança o guia, ao órfão o pai. “Senhor! Que vossa bondade se estenda sobre tudo o que criastes. “Piedade, Senhor, para aqueles que vos não conhecem, esperança para aqueles que sofrem. Que vossa bondade permita aos Espíritos consoladores derramarem por toda parte a paz, a esperança e a fé. “Deus! Um raio, uma faísca do vosso amor pode abrasar a Terra; deixai-nos beber nas fontes dessa bondade 380

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fecunda e infinita, e todas as lágrimas secarão, todas as dores se acalmarão. Um só coração, um só pensamento subirá até Vós, como um grito de reconhecimento e de amor. Como Moisés sobre a montanha, nós vos esperamos com os braços abertos, ó Bondade! ó Beleza! ó Perfeição! e queremos, de alguma sorte forçar vossa misericórdia. “Deus! Dai-nos a força de ajudar o progresso, a fim de subirmos até Vós; dai-nos a caridade pura; dai-nos a fé e a razão; dai-nos a simplicidade que fará das nossas almas o espelho onde se deve refletir vossa Imagem”. Enquanto rezava, todos viram distintamente ao lado de Hugo, a imagem da mártir Cáritas, também conhecida como Irmã Caridade. – Você viu, Estela, que beleza de oração! – comentou, Dulce. – E que maneira generosa de pronunciá-la! Acho que Ezequiel foi muito feliz na escolha. Depois dessa oração eu não tenho mais dúvidas. Você, Hugo, é a pessoa indicada para sentar no trono do Vaticano. Que Deus ilumine a todos – completou com a voz embargada pela emoção. – Assim seja! – prorromperam todos. CALANGOS

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sós com Estela e os dois amigos, Hugo sugeriu: – Que tal passarmos primeiro pela região Nordeste do Brasil? Não é lá que a população se alimenta de calangos? – Nem toda a população, Hugo! Nem toda! Felizmente! A pobreza e o índice de analfabetismo nessa área 381

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é igual ao encontrado em regiões da África e da Índia. O povo não têm acesso às escolas e vive marginalizado. O poder, desde o início da colonização, está concentrado nas mãos de uma minoria privilegiada. Esses falsos representantes da sociedade, são homens sem escrúpulos e donos de extensas glebas de terra. São conhecidos no sertão agreste, como coronéis. São verdadeiros assassinos e vivem acobertados e protegidos por capangas. Nunca andam sós. São donos de grandes latifúndios, alguns improdutivos. Nessas regiões o poder político passa de pai para filho, através de eleições fraudulentas. Em todas as cidades, há uma milícia armada até os dentes, que impede qualquer tipo de sublevação. As autoridades centrais fazem vista grossa e essa situação vem se mantendo há quatro séculos. Há até uma indústria da seca. Durante um determinado período do ano, as chuvas praticamente inexistem. O que faz o governo para atenuar o sofrimento dos sertanejos? Abre frentes de trabalho escravo, e os miseráveis não ganham nem para seu próprio sustento. Metade ou mais das verbas liberadas pelo governo, são desviadas pelos políticos e entidades assistenciais fantasmas. Isso ocorre desde a época da colonização. Nada se faz, e ai daquele que pensa em fazer! Saibam vocês, que metros abaixo da superfície, existem veios de água que dariam para irrigar as terras e saciar a sede de milhões de criaturas. O que existe na realidade é uma forte indústria da seca. Não há interesse por parte das autoridades, minorar o sofrimento dessa gente. É preferível mante-los analfabetos e miseráveis. É mais fácil usar a canga do que ensiná-los a andar. Para que mudar uma situação que lhes é extremamente favorável! Enquanto engordam suas contas bancárias, a população caça calangos para se alimentar. 382

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– Que barbaridade! Acabamos de ver uma região de riqueza incomensurável, e você acaba de dizer que o povo morre de fome por falta de alimento? – Isso mesmo. Morrem de fome em cima do celeiro mais rico do Planeta! – Que classe de pessoas colonizaram o Brasil? – A escória da sociedade portuguesa! Assassinos, aventureiros e condenados. Os mais chegados à coroa, extraiam as riquezas e iam gastá-las nas cortes européias. Na realidade, para essa gente o Brasil era um grande cassino. Roubavam tudo. Até as mulheres dos índios. Tudo teve início, quando a pretexto de descobrir um caminho de comércio para as Índias, Pedro Álvares Cabral35 a serviço do Rei de Portugal, aportou no litoral brasileiro. Diferente da forma de colonização dos Estados Unidos da América, começaram a enviar para o Brasil, prisioneiros e foragidos da lei. Desde o início, os interesses de Portugal estavam à frente de qualquer serviço humanitário. Esses aventureiros de mau caráter, se tornaram grandes proprietários de terra. Com eles vieram os Missionários da Companhia de Jesus. À custa da chibata, fizeram um grande número de escravos. Índios, negros e mestiços começaram a povoar vastas áreas do nordeste, mas sempre subordinados a esses donos de terras. Os Missionários nada faziam para mudar essa situação, pelo contrário, também se tornaram latifundiários. Nenhum desses proprietários amava o solo que pisava. Só havia interesse de explorá-lo cada vez mais. Era um paraíso novo que devia ser mantido à força. O que mais se fabricava eram correntes. A escravidão acentuou-se de forma cruel. Os Padres faziam 35

Navegador português (Belmonte, 1467 ou 1468 – Santarém, c.1520). 383

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vista grossa. Grandes extensões de terra foram cultivadas com cana. Surgiram os grandes engenhos e cada vez mais a escravidão aumentava. O estalar do chicote era o que mais se ouvia. Depois do ciclo da cana, veio o ciclo do cacau. Não adiantou nada a libertação dos escravos. Os maus tratos continuaram até hoje. Somente o nome dos proprietários foi mudado. Antes eram funcionários ligados à corte, agora são coronéis protegidos por leis absurdas. – Mas isso não terá um fim? – O mundo deve mudar, Hugo. O Brasil está dentro desse mundo. Apesar de ter sido governado por homens interesseiros e desqualificados, um dia a paz e a justiça chegará ao Brasil. Já está começando a mudar. Na parte sul e central desse país continente, o descontentamento geral tem feito o governo aprimorar algumas leis. A própria Igreja Católica está sentindo essas mudanças em seus quadros. Nas regiões do sul, principalmente, o padre já não é respeitado como antes. Já em cima de Natal, no Rio Grande do Norte, avistaram uma magnífica fortificação construída por mãos escravas para dar proteção à cidade. Observada do alto, tinha o formato de uma estrela. No período colonial, foi o maior baluarte de todo o litoral norte do Brasil. Essa edificação, conhecida como a Fortaleza dos Reis Magos, repeliu com êxito, todos os ataques estrangeiros. Seus velhos canhões ainda permanecem apontados em direção as águas do Oceano Atlântico. Esse forte foi construído antes da cidade de Natal. A medida que entravam pelo continente, mais áreas desérticas eram avistadas. Diante de um quadro desolador, Estela comentou: 384

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– Reparem como há extensas áreas sem nenhuma plantação. Como a maioria dessas áreas pertencem a um só dono, os sertanejos morrem de fome sem ter um pedaço de terra para plantar. Quanta desumanidade há em algumas pessoas! – Mas por que o governo não muda essa situação? – Porque os governantes também são latifundiários. Mas não pense você, que só os políticos são donos de terra! Muitas dessas terras pertencem a Igreja. – Agora estou entendendo porque o Umbral está cheio de políticos e padres! Passaram sobre os Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Baía, Espírito Santo e finalmente entraram no Rio de Janeiro. Ao observar do alto a Baía da Guanabara, Pierre comentou: – Em Paris li um trabalho de Darwin sobre esta região. Ele não foi feliz em suas observações. – Por quê? – perguntou, Hugo. – Porque ele não fez justiça às belezas que estamos vendo. – Realmente é muito bela esta cidade – observou, Estela. – Vocês acreditariam se eu lhes dissesse que visitei Petrópolis, uma das visões mais bonitas do Rio de Janeiro, em companhia do Imperador D.Pedro II. Foi um pouco depois dele desencarnar na França. Esse extraordinário Espírito amava tanto o Rio de Janeiro, que ao sentir-se obrigado pelas circunstâncias a abandonar o país, levou consigo um punhado de terra da qual usou como travesseiro. Expirou com a cabeça resfolegada sobre ele. Depois dele veio a República. Infelizmente, o Brasil nunca teve um grande presidente. 385

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– Estou notando isso – disse Hugo. – Não entendi essa sua observação. – É que daqui dá para ver entre essas belezas naturais, muitos casebres. Isso é sinal de mau governo. Passaram pelo Morro da Urca, pelo Corcovado com seu imponente Cristo Redentor, pela Baía da Guanabara, pela Praia de Copacabana, pelo Pão de Açúcar, pelo Palácio Boa Vista, pela Fortaleza de Santa Cruz e, finalmente, quando estavam em cima do Jardim Botânico, Estela abriu as mãos e minúsculas sementinhas atingiram o solo do jardim. – São sementes que eu trouxe da região amazônica – explicou com um cândido sorriso. – Quem sabe nascerão novas espécies de orquídeas! – Mudando de assunto, perguntou: vocês se recordam daquele maravilhoso estádio na Lua? – Claro que lembramos! – Olhem para baixo à nossa direita. Estamos em cima de um estádio com aquelas características. Dentro em pouco, haverá dentro dele uma confraternização esportiva. Será realizada a final do primeiro campeonato mundial de futebol de após guerra. – Dulce comentou algo a respeito. Eu até perguntei se a França estaria entre os participantes. Você sabe se ela virá? – A França ainda sofre os efeitos da guerra, por isso estará ausente. Que dia é hoje no calendário terrestre? – Pelos meus cálculos estamos na manhã do dia 16 de julho de 1.950. Por que você quer saber que dia é hoje? – disse, Pierre. – Porque se realmente for dia 16, esse estádio ficará lotado dentro de algumas horas. Uruguai e Brasil irão decidir 386

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quem será o Campeão Mundial de Futebol de 1.950. Infelizmente, o anfitrião terá uma desagradável surpresa! JAVA

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epois de passarem por cima dos demais estados brasileiros, Estela sugeriu: – Que tal invés de visitarmos a França e o Vaticano, irmos diretamente para Java? De Java poderemos visitar a Princesa de Cristal. Acho que veremos coisas mais interessantes nessas cidades. Vejam bem! A França está passando por momentos difíceis e está sendo reconstruída. Jean já tem rumo certo. Pierre, encarnará ao seu lado. Somente você, Hugo, ainda está dependendo do auxílio dos Sábios Dignatários da Vida. No Vaticano não há nada de novo para se ver. Você está lembrado, Hugo, daqueles manuscritos que Desaí disse ter enviado ao seu primo Esra no Santuário de Borobudar? Que tal fazermos uma visita a Esra? Borobudar era um dos maiores templos budistas do mundo e ficava na região central de Java, uma cidade cercada de vulcões. Diversas estupas dispostas em forma circular, constituíam o templo. Elas estavam envolvidas por magníficos jardins. Detalhes de relevos nas paredes, representavam fases de ascensão para o Nirvana. Nirvana é a beatitude budística. É a extinção da individualidade e sua absorção no supremo Espírito do Universo. Avistaram Esra numa posição contemplativa e dele se aproximaram. De espírito para espírito começaram a dialogar. Estela pediu informações sobre o paradeiro dos manuscritos. Esra segredou-lhe que apesar de exaustivos estudos, ninguém conseguiu decifrá-los. Permaneciam guardados em um 387

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pequeno cofre e, de quando em quando, eram analisados. Estela agradeceu e foi dar uma olhada nos documentos. Ao vê-los, comentou: – Por isso não conseguiram decifrá-los! Foram escritos em aramáico, só que de trás para a frente. – E o que dizem? – Falam dos essênios que eram membros de uma seita judia do tempo dos macabeus. Eram austeros, viviam retirados e abstinham-se ordinariamente de casamentos. Interessante! Aqui há provas que Jesus viveu entre eles. Sempre se contestou sobre o vazio da vida de Jesus entre a meninice e quando efetivamente surgiu com suas pregações. Se eu não estiver enganada, recentemente foram descobertos alguns manuscritos que confirmam o que estou lendo. Acharam-nos na comunidade de Qumran, às margens do mar Morto. Aqui diz que Jesus e João Batista pertenceram a essa comunidade. Bem! Nossa visita não foi em vã. Estávamos a procura de que como se iniciou a vida no Planeta, e acabamos sabendo que Jesus viveu entre os essênios. Aqui só não diz, quanto tempo ele viveu entre eles. Seguiram em direção à cidade submersa. Ao avistá-la, Hugo comentou: – Tem as mesmas características da plataforma que visitamos. Parece-me um pouco menor. Recebidos na entrada principal, Hugo teve uma surpresa quando encarou o ser que os recebeu. Era um tipo atlético com um rosto triangular. Parecia o Homem Submarino das histórias em quadrinhos. Suas orelhas eram pontiagudas e, os pés e mãos, eram um pouco mais compridas que mãos e pés tradicionais. Era uma alta criatura e seus olhos não tinham pálpebras. Lateralmente e, um pouco 388

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abaixo das orelhas, podiam ser vistos dois pequenos orifícios. Hugo soube depois, que esses orifícios serviam como fontes alternativas de respiração. Sobre os orifícios, havia uma película quase transparente. Estendendo-lhes a mão em gesto amistoso, assim se identificou aquela criatura: – Sou Agar, do Mundo de Ágali. Antes de mais nada, devo esclarecer que em nosso mundo nós não temos esta aparência que vocês estão vendo. Nós nos adaptamos aos mais diversos ambientes. Como estamos debaixo d’água, nada mais certo que adotarmos uma proteção parecida aos nossos irmãos peixes. Isso facilita os nossos movimentos dentro d’água. Quando eu voltar ao meu Mundo, voltarei a ter a aparência anterior. Esta base existe há muito tempo. Antes mesmo daquela construída em cima do Amazonas. Tudo indica que vocês estejam vindo das Esferas de Luz, não é? – Estamos vindo da Colônia Cáritas, localizada na região central do Universo – disse Hugo, copiando as palavras de Dulce. – Então vocês estão em viagem de reconhecimento? – No momento, sim. Depois encarnaremos entre os humanos. – Então vocês vão regredir! – Por que, regredir? – Se vocês estão numa Esfera de Luz e vão encarnar numa Esfera de Sofrimento, isto é regressão! – Realmente é o que parece, mas não é esse nosso caso. Estes meus companheiros vão encarnar em missão especial. Assim como vocês se preocupam com as explosões, nós estamos preocupados com a miséria e as diferenças sociais existentes no planeta. 389

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– Não entendo como há tanta miséria num plano de tanta fartura! – exclamou Agar, com alarde. – Somente a riqueza que existe nesta área, daria para saciar a fome da metade da população do planeta. Invés de explorarem essas inesgotáveis fontes de alimento, preferem fazer experiências com bombas. Em Ágali, todos os testes com energia nuclear foram e continuam a ser feitos em laboratórios. Estivemos recentemente perto de um atol onde houve uma explosão. Além de profundas rachaduras, bilhões de pequeninas criaturas foram mortas. Estamos pensando em estender nossas bases, para controlar os estragos. Se até o fim do milênio, os testes não forem contidos, presumimos que a Terra poderá se partir ao meio. No território sul americano, especificamente na região da cordilheira dos Andes, as placas estão se deslocando de forma incontrolável. Estão previstos para o final do século, terríveis convulsões sísmicas e mudanças climáticas catastróficas. A Mãe Natureza, como vocês sabem, não é insensível a tudo isso que ocorre em seu solo. Mais cedo ou mais tarde, ela se rebelerá e os efeitos serão terríveis. Só vocês das Esferas de Luz, têm condições de mudar essa situação. – Não podemos interferir diretamente. Se usarmos expedientes contrários a lei de Deus, também seremos punidos. Podemos intervir discretamente, e isso já estamos fazendo há muito tempo. Dentro de alguns dias estarão encarnando milhares de nobres espíritos com a finalidade de mudar algumas coisas. A tarefa não será fácil, porque terão que lutar contra forças contrárias. – Diga-nos algo sobre o vosso trabalho – sugeriu, Jean. – O que vocês fazem e como esses serviços são executados? 390

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– Vamos por ordem. Nós unimos as rachaduras abertas pelas explosões. Para ver como trabalhamos temos que ir ao local de extração e mistura de massas. Vocês estão aptos a me acompanhar, não é? Então, sigam-me! Os quatro acompanharam Agar e ficaram maravilhados com o que viam. Na cidade havia um grande número de hospedarias. Pequenos veículos se movimentavam apoiados em aros brilhantes. Como os japoneses, todos os habitantes eram muito parecidos. Agar, com uma percepção extrasensorial bem apurada, comentou: – Assim como as mães reconhecem os filhos gêmeos, nossa sensibilidade nos permite saber com quem estamos falando. Mas não esqueçam daquele detalhe que comentei há pouco. Estas nossas aparências são provisórias. – É que todos são excepcionalmente idênticos! – falou, Jean. De uma relativa distância, avistaram uma substância acizentada. – Eis nossas minas. São lavas vulcânicas enriquecidas com um elemento químico que extraímos de nossos Oceanos. Em Ágali temos vários Oceanos. Utilizamos dez gramas para cada tonelada de massa vulcânica. É uma massa tão resistente, que é difícil distinguir as partes soldadas das partes não prejudicadas pela explosão. – Mas de onde vem essas massas? – perguntou, Hugo. – Nós a retiramos do chão marítimo de Java. Como vocês sabem, aquela ilha tem muitos vulcões em atividade. Numa de suas erupções, a mais violenta delas, a massa expelida que se acomodou no fundo do mar, foi suficiente 391

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para nos abastecer até os dias de hoje. Ainda nos servimos dela. – Como vocês fazem o transporte? – Através de veículos especialmente projetados para isso. Deixe-me dizer-lhes uma coisa que talvez vocês desconheçam. Esta nossa base é flutuante; podemos movê-la nas mais diversas direções. Nosso sistema de vigilância é tão perfeito, que nos deixa absolutamente tranqüilos. Temos uma camada protetora que nos torna invisíveis a olhos humanos e radares. – Por acaso vocês também estão protegidos pela película pesper? – observou, Hugo. – Já ouvimos falar dessa película. Não estou certo se os processos utilizados se parecem. Uma coisa é certa. Nossas espaconaves têm outro sistema de proteção. Vocês querem ver como são feitos os reparos? – É o que mais desejamos! – exclamou, Estela. – Então apressemo-nos! A betonar trinta e seis está de partida. A um sinal de Agar, uma escada surgiu de uma das aberturas da betonar e tocou levemente o chão onde estavam. Por ela subiram. O poderoso submergível deslocou-se velozmente para um ponto desconhecido. Em volta do local onde a bomba explodiu, a natureza parecia ter mudado todas as suas características. Não havia nenhum movimento, a não ser das águas. Toda a vegetação havia desaparecido junto com os peixes. Todos olhavam, mas nada comentavam. Como os homens são desequilibrados! O gigantesco aparelho parou perto de uma grande rachadura e começou o seu trabalho. Sob o comando de um dos tripulantes, começaram a sair do veículo grossas mangueiras. Enquanto algumas 392

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sugavam parte do solo, outras expeliam para o fundo das brechas, grandes quantidades de terra e massa preparada. Quando a terra e a massa se aproximavam das bordas, eram feitos os remendos finais. Aí era utilizada uma massa mais compacta. Ao redor das mangueiras, oito agalianos se movimentavam com tanta desenvoltura, que poderiam ser confundidos com peixes. Interrompendo o silêncio, Agar comentou: – Há pouco eu lhes disse que estávamos pensando em aumentar o número de bases, mas eu, em particular, sou contrário a essa idéia. Eu já estou ficando cansado de remendar. Às vezes eu tenho intenção de abandonar a base. Eu acho que sem uma interferência direta, eles não pararão com essas experiências malucas. – Quem sabe Deus nos dará autorização para intervirmos com um pouco mais de dureza. Quem sabe! – Em certos momentos, querida irmã, eu acho necessário ser um pouco rude e agressivo. Quando acompanhávamos os hebreus no deserto, foi preciso utilizar palavras muito fortes para afastar os filisteus e egípcios. – Você estava por lá naquela época? Então conheceu Israel! – Eu conheci muitas pessoas com esse nome. Jacó e Israel eram nomes muito comuns. Nós tivemos que inverter a maré e abrir um caminho para que os hebreus atravessassem em segurança. – Foi preciso usar a força para conter os egípcios? – perguntou Hugo, muito curioso. – Somente usamos a força do vento. Foi suficiente. – Diga-me uma coisa, Agar. Como vocês conseguiram inverter a maré? 393

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– Nessa ocasião eu estava na retaguarda. Não vi o que realmente aconteceu. Diante da inteligente resposta, Hugo parou com as perguntas.

DE VOLTA A ESFERA DAS DECISÕES

D

urante a volta, Hugo, mais diligente do que nunca, disse a Estela: – Você notou como Agar se esquivou quanto eu lhe perguntei se realmente foi aberto um caminho no Mar Vermelho! Será que você não tem a resposta? – Olhe Hugo, as espaçonaves que deram cobertura ao povo hebreu eram muito poderosas. Elas dispunham de meios para remover até uma montanha. Uma espaçonave parecida abriu fogo contra Sodoma e Gomorra e destruiu as cidades num piscar de olhos. Com esse poder, elas poderiam facilmente abrir um caminho pelo mar. – Como vocês enrolam! – exclamou Hugo, brincando. – Está bem! Não vou insistir. Uma hora a verdade aparecerá. – Olhe, Hugo. Agar não comentou que o caminho foi aberto com ajuda do vento? Para mim é uma resposta satisfatória. A Mãe Natureza tem poderes ilimitados. Não esqueça de uma coisa. A Natureza também é controlada! Quem controla a Natureza ajudou o mar a se abrir. Pense nisso! – Está bem! Estou convencido. Para Deus nada é impossível! Chegaram a Esfera das Decisões, no mesmo momento que chegava uma delegação composta de vários emissários 394

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de planetas vizinhos à Terra. Alguns iam reencarnar no meio da Humanidade com funções definidas. Emílio havia pensado em tudo. Estava arregimentando irmãos de diversos mundos, para ter certeza do sucesso da missão. Encarnariam renomeados cientistas com a finalidade de conduzir os humanos por caminhos seguros. A ciência na Terra havia evoluído em algumas áreas, graças aos cientistas da Esfera Dhior. Agora iriam mandar hábeis cirurgiões. A Humanidade iria conhecer no século XXI, alguns segredos do corpo humano. O segredo para a cura do câncer seria revelado a alguns médicos. Doze jupiterianos especializados em ciência espacial iriam encarnar em quatro países diferentes. Iam ajudar os terrestres a descobrir alguns segredos da navegação espacial. Uma base na Lua seria montada e um único sistema de governo seria implantado. Naquele momento, a Esfera mais parecia uma metrópole agitada do que uma cidade calma. Havia uma exibição de túnicas jamais presenciada nesse local. Hugo, sobremaneira, demonstrava profunda admiração pelo que via. Jean somente olhava, no que era acompanhado por Pierre. Estela era a única que se mantinha imperturbável. – Não pensem vocês que essa multidão vai encarnar na Terra. Existem outros planos precisando de ajuda. Esse movimento é muito comum por aqui. – Diante do que estou vendo, imagino que várias civilizações do espaço terão representantes na Terra! É isso mesmo? – Todos os planetas do Sistema Solar terão representantes. Há também embaixadores de outros sistemas.

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– Mas se há tantos espíritos graduados, por que eu, inexperiente e fraco, fui escolhido para ser o Papa? Isso não é um grande equívoco? – Ezequiel é um especialista em almas, não esqueça disso. Se ele o escolheu, é porque vê em você muitas qualidades. Antes de deixá-los vou dar um conselho. Aproveitem o tempo que lhes resta para estudar a biografia de alguns papas. – Quanto tempo ainda nos resta? – Quando voltar, virei com a resposta. Agora vou saber aonde você reencarnará. – Quem vai lhe dar essa informação? – A irmã Ester. Definitivamente você deixou a escolha para os Sábios Dignatários, não é? – Segui os conselhos de Miguel. – Então, até mais ver. Fiquem em paz. – Até mais ver. – Por onde começamos? – perguntou, Pierre. – O que você sugere? – Eu sugiro seguir o conselho de Estela e revirarmos os arquivos referentes ao Vaticano. Poderão ser facilmente encontrados na biblioteca para assuntos religiosos. É só procurarmos os referentes a Terra. – Por acaso você está afirmando que há outro Vaticano no espaço? – Com esse nome, não! Quando você me viu pela primeira vez, está lembrado?, eu estava debruçado sobre um livro que falava de um sistema semelhante ao da Terra. Guardadas às proporções, os problemas existentes no campo religioso daquele planeta, eram mais ou menos idênticos aos 396

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que vamos enfrentar. Por isso aconselhei procurarmos os arquivos da Terra. Entendeu agora, Santidade? A biblioteca ocupava um espaço de mais ou menos trinta mil metros quadrados. Além do andar térreo, contavamse quatro andares. Era o único prédio com mais de um andar. Exuberante vegetação circundava o prédio. As jardineiras defrontes às janelas, estavam cobertas de flores. Era tudo que um poeta precisava para se inspirar. – A julgar pelo tamanho, os problemas religiosos devem existir em todos os lugares do Universo! – comentou Hugo vendo a quantidade de livros à sua frente. – Aqui só há livros religiosos? – A maioria deles são biografias de chefes religiosos. Eles servem para análises e julgamentos. Apesar do grande número de pessoas, o silêncio dentro da biblioteca era total. Pierre, conhecedor de sua área interna, levou diretamente os amigos para onde estavam os livros que interessavam. Especificamente dos que se sentaram no trono do Vaticano. Acomodaram-se e começaram a manuseá-los em silêncio. Hugo perguntou, cochichando: – Onde está o livro referente a São Pedro? Ele não foi o primeiro Papa. – Aqui Pedro somente é reconhecido como um discípulo querido de Jesus. Nada mais. Aliás, ele afirmou numa de suas palestras, que deseja unicamente ser reconhecido como um apóstolo. Façamos sua vontade. – Você que tem mais conhecimento, caro Pierre, poderá me responder se todos os papas são santos? – Por que a pergunta, Jean? 397

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– Porque neste resumo só vejo nome de santos. São Clemente, São Júlio, São Sisto! Se todos foram santos, por que há tanta desigualdade na Terra? – É muito interessante essa pergunta, mas não tenho condições de responder. Só Deus é quem sabe! – Que tal pesquisarmos a vida dos dez últimos papas? – sugeriu, Jean. – Eu vou dar outra sugestão – interrompeu, Hugo. – Que tal nos concentrarmos nos três últimos. Eu analiso a vida de Pio XII, Jean fica com Pio XI e você Pierre, com Bento XV. Que tal? Gostaram da idéia? – Você está se esquecendo de uma coisa, Hugo. A biografia de Pio XII está incompleta. Ele ainda não morreu! Você esqueceu disso? – Eu não havia pensado nisso. Já começo a me arrepender de não ter dado uma entrada no Vaticano! – Mas daqui podemos acompanhar seus movimentos – observou, Jean. – É só ligarmos uma Tela Panorâmica. – Eu acho que estamos perdendo tempo! O que me interessa saber da vida desses sujeitos. Que utilidade tem isso? – Muita! – exclamou Estela, surgindo de repente. – Sabendo algo dessas vidas, você poderá saber aonde fracassaram. No que erraram. O que fizeram de bom, e assim por diante. – De onde você veio? – perguntou Hugo, espantado. – É um velho truque que uso em condições especiais. Eu fiz uso da teletransporte. Só isso! Você está se esquecendo que estou no meu ambiente? Trago novidades. Escutem com atenção. Haverá uma chamada geral dentro de quatro dias terrestres. Dulce e os demais estarão presentes. Também 398

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diversos graduados de outras esferas estarão entre os convidados. Além de Emílio, Ângelo e Miguel, também a irmã Magda estará presente e representará o Mestre Querido. – Mas vocês não comentaram antes que Jesus estaria presente na reunião final? O que mudou? Eu desejava vê-lo nem que fosse uma única vez – comentou, Pierre. – Se comentamos que Ele estaria presente, Ele estará presente. Acontece, Pierre, que a reunião final será feita em Vênus, ou como querem alguns, na Estrela Matutina ou Estrela Dalva. A reunião será realizada ao ar livre, no sopé de uma magnífica montanha. Aproveitem o tempo que lhes resta e devorem esses livros – aconselhou, Estela. Hugo seguiu o conselho e pôs-se a ler o livro que falava sobre o Papa Bento. Jean acompanhou seus movimentos e abriu o livro de Pio XI. Pierre preferiu retroceder no tempo e começou a ler sobre Inocêncio XI. Assim permaneceram por três dias terrestres. Quando saíram, eram especialistas no assunto. Ao atingirem o jardim, defrontaram-se com Dulce, Estela e Israel. – Que agradável surpresa! – exclamou, Hugo, abraçando o querido companheiro. O mesmo fizeram Jean e Pierre. – Como estão as coisas na Terra? – perguntou a seguir. – Nada agradáveis, Hugo. Nada agradáveis. Vossa missão não será nada fácil. Sinto ter que dizer isso. A guerra acabou somente para algumas nações. No Oriente ela ainda está fazendo grandes estragos e, pelo que pude observar, continuará por alguns anos. Suponho até que ela será mais longa que a grande guerra. Não tenho me afastado de David, 399

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um só momento. Até quando ele necessita ir ao banheiro, eu o acompanho. Aquela região é um barril de pólvora pronta para explodir. Árabes e judeus, embora primos distantes, não se toleram de forma alguma. A jovem democracia de Israel cambaleia e está sofrendo pressão de todos os lados do mundo árabe. Os muçulmanos mais radicais estão unindo forças para expulsar os judeus da Palestina. Os egípcios estão se organizando para invadir Israel. Na Indochina a situação ainda é pior. Os franceses relutam em abandonar a antiga colônia e, Ho Chi Min, não aceita nenhum acordo a não ser a retirada imediata de toda a força estrangeira do lugar. Os Estados Unidos também têm interesse naquela área. A China comunista está sendo reconstruída a custa de muito sangue. Logo logo vai querer anexar Taiwan. Algumas cidades japoneses estão debaixo de escombros, inclusive Tóquio. As escaramuças entre indianos e paquistaneses aumentaram. Lutaram unidos para expulsar os ingleses e agora lutam entre si. Na Rússia há perseguições e fuzilamentos em massa. Alípio está na Síria tentando colocar no governo um homem moderado. Pessoalmente mostrei-lhe minha preocupação quanto ao resultado. Pelo que observei, os sírios são ainda mais violentos que os egípcios. Honório confidenciou-me que confia em Nasser. Disse que ele é um extremista violento, mas é um homem de firme caráter e, sobretudo, é respeitado no mundo árabe. Quanto a Ben Gurion, tem se esforçado muito para obter a paz e o reconhecimento de Israel. Pelo que observei, isso só será possível através de uma luta armada. Infelizmente! Mas vamos deixar as más notícias de lado. Que tal lhes pareceu a Pérola de Cristal? – Magnífica! 400

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– E você, irmã Dulce? Levou os Rafas para perto dos parentes? – perguntou, Jean. – Trouxemos os pais de Pompeu conosco, e também já preparamos o caminho para os dois peraltas – brincou, Dulce. – Eu gostei muito do local. É muito alegre e todos se tratam como irmãos. Há uma comunidade muito unida. Espanhóis, italianos, portugueses, lituanos, búlgaros, turcos e russos vivem em completa harmonia. Existem também algumas famílias de sírios libaneses. Como gostaria que isso acontecesse no resto do mundo! – Como é mesmo o nome desse local? – Mooca! Bairro da Mooca! – Onde estão os dois agora? – Pompeu está assistindo os pais. Caio está com Agripino logo ali adiante. – Agripino também já chegou? – Todos estão por aqui. Não há mais ninguém na Terra – completou, Dulce. – Antes que eu me esqueça, Hugo, você vai nascer entre a cidade de Viena e Paris. O berço e o leito de morte de Maria Antonieta.36 – É! – deduziu, Pierre. – Não vamos estar tão longe. Quem sabe vamos ser colegas de infância! – Até quando você estará conosco? – perguntou Dulce a Israel. – Meu tempo já se esgotou. Eu só retardei um pouco a viagem para vir pedir a bênção ao Papa – disse rindo. Para não melindrar os demais, concluiu: 36

Marie-Antoinette. Rainha consorte de Luiz XVI, da França. – Viena, 02-11-1755 – Paris, 16-10-1793. 401

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– Ao Papa e aos seus Cardeais! Dito isso, abraçou um a um e desapareceu rapidamente. Estela comentou: – Ainda não estou livre de emoções! – Nós estamos reparando! – riu, Dulce. – Vamos reconstruir novamente o grupo? Agripino, Augusto, Raziel, Júlio, Cesar e Caio conversavam tão animadamente, que não perceberam a chegada dos demais. Do grupo inicial, somente Honório, Israel e Pompeu estavam ausentes. Este ainda estava com os pais recém-chegados. – Podemos participar ou vamos interromper algum assunto importante? – brincou, Dulce. – Ora, ora! – exclamou, Raziel. – Pensei que vocês estivessem em Roma! – Nem fomos lá – informou, Hugo. – Trocamos Roma por Java. – Por que mudaram o itinerário? – Estela nos informou que na Europa íamos ver coisas muito desagradáveis, então resolvemos mudar de caminho. – Invejo-vos, pois só vi desolação por onde passei. – O mesmo aconteceu comigo e Agripino – falou, Augusto. – Em algumas regiões não se avistava uma só graminha no solo. As áreas litorâneas foram completamente destruídas. Em Trieste, perto do povoado em que nasci, os velhos e as crianças trabalhavam durante o dia reconstruindo suas casas. Os homens e mulheres ajudavam na limpeza da cidade. Durante a noite algo me intrigou e chamou minha atenção. Era uma anciã que se fazia acompanhar de sua netinha. Ambas carregavam pedras em direção ao alto de um 402

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morro. Um dia resolvi acompanhá-las até o alto e, quando lá cheguei, vi algo que me surpreendeu. Velhos e crianças estavam levantando uma parede. Colocavam pacientemente pedra sobre pedra e, um mestre pedreiro bem velho, as unia com uma massa de barro. Estavam erguendo as paredes de uma capela. Isso me deixou bastante emocionado e nesse instante pensei: enquanto existirem pessoas como as que estou vendo, o mundo não está perdido. Aproveitando o silêncio de Augusto, Agripino completou: – Eu passei sobre Londres e fiquei impressionado com os estragos feitos pela aviação alemã. Apesar de estarmos em 1950 e a guerra ter terminado há cinco anos, os sinais de destruição eram visíveis e assustadores. Não havia uma só parede em pé. Graças a Deus a cidade de Southampton não foi muito atingida. Passei também pela Alemanha e só vi desolação. Dava dó ver! Berlim foi completamente arrasada. Falta água e alimento em todas as cidades. Pelo que vi, vai demorar um bocado para a Europa se recuperar. – E vocês? – perguntou Dulce a Júlio e Cesar. – O que nos contam? – Temos pouco para contar – respondeu, Júlio. – Graças a Deus o Canadá não foi atingido com rigor pela guerra. Apesar do frio, a alegria do povo é contagiante. Paramos por mais tempo em Vancouver. Como aquele lugar é lindo! Se não fosse tão frio, seria o paraíso. Aproveitamos nossa estada e fomos ao Parque Nacional de Banff. Defronte ao lago Louise, aonde iríamos construir nossa casa, havia uma habitação cercada de flores que nos fez chorar. Acreditem, era idêntica a que sonhávamos construir. – E você, Raziel? – perguntou dessa vez, Estela. 403

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– Recuso-me acreditar que o homem seja tão vil – começou, Raziel. – Quanta demência! Destruíram em pouco tempo o que muitas gerações levaram décadas para construir. Não consegui rever nenhum parente. Acho que estão todos mortos. Visitei a Catedral de São Marcos e meditei vários dias sentado na praça. Numa dessas ocasiões questionei Deus e perguntei: por que Senhor, Você não impediu essa carnificina? Essa loucura! Esse genocídio! Esse holocausto! Essa insensatez! Vendo o que vi, irmã, não acredito que a raça humana tenha condições de se auto reformar para melhor. Sei que é muito triste pensar assim. Vou partir confiante, mas temo fracassar. – A Terra já foi pior Raziel – comentou Dulce, tentando confortá-lo. – Você vai ver como daqui em diante ela será diferente. Muitas pessoas que perderam a vida nessa guerra, estão voltando com outros ideais. Uma nova semente será lançada e daqui do alto vamos regá-la. Vocês, fiéis escudeiros do amor, arrancarão do solo as ervas daninhas. Em seu lugar aparecerão ramos sadios e fortes. Você verá! Não se deixe enganar por falsas aparências. Quando perdemos um filho em tenra idade, achamos que o mundo despencou sobre nossas cabeças. Como somos insensíveis nesses momentos. Nos revoltamos e chegamos amaldiçoar a Deus. Quando voltamos a razão, damo-nos conta quão insensatos fomos. Acredite Raziel, a Terra está próxima de sua redenção. De sua elevação. Muitas coisas são inexplicáveis e, a guerra, é uma delas, todavia a paz só se obtém depois de árdua luta. Eu não sou partidária desse tipo de luta que acabamos de presenciar. O que você viu não foi uma luta. Foi simplesmente um massacre. Compreendo tuas preocupações. Você já parou para pensar que no meio das guerras aparecem 404

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muitas almas nobres? Já pensou nos atos de heroísmo e de covardia? Eu não acredito que hajam homens covardes! Temer a morte será um ato de covardia? Acho que não. O heroísmo caminha lado a lado com a estupidez! Para chegarmos às Regiões de Luz, Raziel, passamos pelos mais diversos testes. Considere tua próxima missão difícil, mas perfeitamente superável. Confie e seja um ótimo aluno. Procure se afastar de estudantes preguiçosos. Utilize esse maravilhoso dom que Deus te deu ensinando os incautos. Leve luz aos ignorantes. Daqui eu sempre estarei ao teu lado. Bem! A hora se aproxima. Vamos à penúltima reunião. A reunião final, a da despedida, a mais comovente, será realizada em Vênus no sopé da montanha. As reuniões ao ar livre estão mais perto de Deus. Preparem seus espíritos. Jesus estará acompanhado de Rafael e Gabriel. Acho que com a proteção desses Iluminados Mestres, ninguém deverá ter medo de nada, vocês não acham? – Estou notando a ausência de Pompeu – alertou, Caio. – Eu já mandei buscá-lo. Não se preocupe. Mal tinham se acomodado, quando avistaram Pompeu. Apesar de lotado, havia no recinto um completo silêncio. As cadeiras eram confortáveis e ligeiramente inclinadas. A visão do palco era total e estava enfeitado por grandes corbelhas de flores. Uma mesa retangular havia sido colocada no centro do palco. Nove cadeiras perfiladas foram tomadas rapidamente. No centro sentou-se Emílio; do seu lado direito, Ângelo; do seu lado esquerdo, Magda. Miguel sentou-se ao lado de Ângelo. Ao lado de Magda sentou-se Corbel, um alto dirigente de mundos vizinhos. Marcel representava todos os planetas do Sistema Solar. As outras 405

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cadeiras foram tomadas por Dulce, Estela e Hugo. Estava completada a mesa. A primeira a falar foi Magda. Era muito bela e estava envolvida por uma aura magnífica e brilhante. – Queridos irmãos. Represento aqui o Divino Mestre. Antes de mais nada, não sou Maria Magdalena, aquela que derramou muitas lágrimas por Jesus. Naquela ocasião eu também estava por lá, mas isso não importa no momento. Vim, em nome de Jesus, abençoar a todos e desejar-lhes muita ventura nessa brilhante missão. Como mãe zelosa que fui, desejo lançar meus fluídos nos ventres que vos darão guarida. Vossa missão será espinhosa, mas vencedora. Se aproxima a hora da verdade. Levem com vocês um pouco de meu amor e espalhem-no pela Terra. Façam uso de uma das maiores virtudes. Sem elas não será possível educar e reformar o mundo. Refiro-me a virtude conhecida como paciência. A paciência caminha lado a lado com a caridade, e ambas conduzem as civilizações para um porto seguro. Essas duas grandes virtudes estão presentes em inúmeras casas do Pai. Aquele que tem paciência é rico de fé. A fé nos conduz a Deus. Já vos citei três virtudes: a paciência, a caridade e a fé. Unidas são como os elos das correntes. Alguns de vocês talvez estejam pensando: como será possível mudar uma sociedade mesquinha e egoísta? Eu vos respondo: com muito amor. Agora são quatro as virtudes: paciência, caridade, fé e amor. Esse conjunto de virtudes remove montanhas. Outra coisa. Não pensem vocês que estarão sozinhos. Entre vocês, embora um pouco longe de seus olhos, estarão muitos Espíritos Iluminados. Eu serei um deles. O Mestre também estará vigilante e prenúncios magníficos serão mostrados a toda a Humanidade. Que Deus Onipotente esteja com todos. Ouçam agora com muita atenção o irmão Corbel. 406

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– Que a Paz esteja com todos. Meu nome é Corbel e represento aqui alguns planos vizinhos da Terra. Especialmente Rincon que se acha bem próximo dela. Todos vocês sabem que a Humanidade se envolveu recentemente numa guerra de graves conseqüências. Mal ela acabou, e já está havendo uma corrida armamentista entre as duas maiores potências. Tanto os Estados Unidos da América, que representa o mundo ocidental, como a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que representa o mundo oriental, querem se tornar a nação mais poderosa da Terra. Cada qual deseja dominar o mundo à sua maneira. É nosso dever manter o equilíbrio entre essas duas forças. Enquanto as duas se temerem, o risco de uma guerra atômica está afastado. O que nos está incomodando, são as experiências. Os dirigentes de Rincon, que está bem próximo da Terra, já estão sentindo os efeitos dessas explosões. Estão preocupados e com razão. Precisamos entrar no mundo científico terrestre e aconselhar os responsáveis para limitar ou acabar definitivamente com esses testes. Agagameno, de Ágali, contou-me que em determinadas regiões da Terra já existem enormes fendas difíceis de serem soldadas. Debaixo da cordilheira do Andes o risco é ainda maior. As placas estão soltas e isso causará grandes terremotos. Também a atmosfera está sentindo o efeito dessas explosões. Não queremos usar a força, mas temos que fazer algo. Sei que foi previsto para os próximos cinqüenta anos um grande avanço na ciência da Terra, porém se não houver um controle, isso tudo poderá ir por água abaixo. Segundo o irmão Emílio que está aqui ao meu lado, na década de vinte encarnaram centenas de irmãos com a finalidade de impulsionar a ciência médica e, sobretudo, a espacial. Pretendo fazer uma visita a esses irmãos e verificar 407

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quais são seus planos para o futuro. Se possível, vou penetrar em suas consciências e dar-lhes alguns conselhos. Desejo a todos muita paz de espírito. Que o maior dos Pais esteja com todos. A um imperceptível gesto de Emílio, Marcel tomou a palavra. – Que a Paz esteja com todos. Como vocês devem saber, no Universo não há uma só Moradia desabitada. No Sistema Solar da Terra há centenas de planetas e várias formas de vida. Participei recentemente de uma palestra realizada em Rincon, e achei justa a preocupação desse povo em relação a Terra. Percorri com Meor algumas áreas circunvizinhas e notei significativas alterações na atmosfera daquele plano. Eu não tenho dúvidas que isso é conseqüência dos testes nucleares realizados na Terra. A Humanidade entrou na era do átomo, porém as pesquisas estão sendo feitas de forma imprópria e muito perigosa. Dentro em breve descobrirão os segredos do átomo e ai reside o perigo maior. A curiosidade, própria dos cientistas, trarão males irreparáveis a alguns mundos circunvizinhos. Primeiro eles explodem as bombas, depois analisam seus efeitos. Isso é desastroso! Perigoso demais! Inconseqüente! Temos que controlá-los, antes que o mal se estenda por regiões vizinhas. Vamos contar com o auxílio dos cientistas dhiordianos. Eles conhecem todos os segredos do átomo e vão alertar alguns cientistas da Terra. Entre o fluído inicial da vida e o átomo, há um campo vastíssimo de pesquisa, só que essas investigações devem ser feitas dentro de laboratórios. Já está acertado que algumas naves se farão ver nos céus da Terra. Esse será o passo inicial para futuros contatos. Sabendo que a vida está espalhada em todos os planos, vizinhos ou não da 408

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Terra, os responsáveis passarão a limitar suas experiências. O papel do irmão Hugo será decisivo. Ele terá de mudar esses dogmas ultrapassados. A Nova Igreja deverá ensinar que os Espíritos são reais e estão espalhados por todo o Universo. Depois disso, as grandes Carruagens de Fogo pousarão nas grandes capitais levando a boa nova. Trabalhem sem descanso, vocês serão recompensados. Preparem a ida do irmão Jesus. Semeiem os caminhos por onde Ele deverá passar. Não tenham receio. Nós estaremos alertas na retaguarda. Que a Paz de Deus vos acompanhe. Depois de um breve silêncio, Emílio tomou a palavra. – É com a graças de Deus que vos falo, meus queridos e amados irmãos. Depois de prudentes expectativas, estamos chegando ao final dos preparativos e, como já tive oportunidade de comentar, a Terra deverá ingressar nos Planos de Regeneração. Para que tenhamos êxito, há necessidade de mudanças. Devemos atuar em várias frentes, sobretudo nas áreas dominadas pela Igreja. Quando cometi aquele ato imperdoável para alguns, julguei que Jesus levantaria os braços em direção ao Criador, e um raio fulminaria a todos. Como todos vocês sabem, eu estava enganado. Todos conhecem o final dessa história. Para remediar o mal, fui escalado para vos chefiar. Com a vontade de Deus, a Terra no terceiro milênio sofrerá profundas transformações. Para melhor. Falanges divinas se farão notar nos céus da Terra. Como Marcel comentou há pouco, milhares de irmãos de estrelas próximas sobrevoarão os céus e Mestres de suma sabedoria integrarão o corpo docente das Faculdades terrestres. Renovarão ensinamentos já esquecidos, e ajudarão a construir uma nova sociedade. Mais humana! Mais justa! Devemos preparar a volta de Jesus fortalecendo 409

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as democracias. Não as democracias que só favorecem os privilegiados do regime. As democracias às vezes são mais injustas que as ditaduras. Visitei recentemente todas as nações do planeta, tanto as fracas como as fortes. Vou esforçar-me para eliminar todas as fronteiras. O comércio deve ser livre e sem barreiras. Não importa o nome que se dê, mas só deve existir uma moeda. Havendo o livre comércio e uma só moeda, a Humanidade vai ter tempo para explorar o fundo dos mares, onde há uma riqueza incalculável e inesgotável. Só depois de explorar seu Mundo, terão condições de explorar outros Mundos. Eu acredito que o século XXI será o século da redenção para a Humanidade. Dentro de instantes iremos a Vênus para receber a bênção do Divino Mestre. Desejo a todos uma feliz missão. E não esqueçam: quando estivermos encarnados, nos reuniremos em Espírito na Lua. Lá trocaremos impressões. Ezequiel, Dulce e Estela acompanharão nossos passos deste lado. Que a Paz de Deus vos acompanhe. EM VÊNUS

D

iferente de Marte e da Lua, Vênus irradiava luz e calor sobre sua superfície. Era certo, que as cidades estavam em dimensões diferentes às da Terra. Por isso, seus habitantes e seus prédios estavam protegidos dos olhos dos telescópios terrestres. Jesus recebeu Vênus como uma jóia preciosa, mas seu Espírito também se preocupava com o mundo em que fora martirizado. Dentre os que lutaram diretamente ao seu lado, somente João estava em Vênus. Os demais, inclusive Saulo, considerado o mais preparado de todos, já haviam retornado à Terra por diversas 410

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vezes. Agora era Jesus que deveria atuar mais diretamente. Para que isso acontecesse, muitas mudanças deveriam ocorrer. Muitos perguntavam: desceria em Espírito ou numa Carruagem de Fogo? Apareceria somente para alguns ou aos olhos de todos? Mostraria o seu ilimitado poder, ou preferiria abrasar a todos com seu imenso amor? Só Deus e Ele tinham as respostas. Entre o Pai e o Filho, havia um espaço preenchido por milhares de Arcanjos, Serafins e Querubins. Nos reportamos somente ao Mestre, por ser o responsável pela Humanidade. Este cargo lhe foi entregue merecidamente. Para toda a eternidade. Jesus é um Espírito tão elevado e iluminado, que Judas só se deu conta disso, quando Ele perdoou seus carrascos. Nesse momento, Iscariotes percebeu que ali esta a Verdade encarnada. Agora que se prepara a Sua volta, os seus protetores temem por Seu Espírito. Não que Ele possa ser diretamente atingido, mas sim pelo mal que isso poderá causar à própria Humanidade. Seus mais fiéis auxiliares, entre eles, João, estão agindo para que não haja necessidade do uso da força. Se Jesus pressentir algo nesse sentido, então Ele não descerá, e a Humanidade continuará a trilhar por caminhos escuros e sofridos. Por isso que está havendo um grande número de encarnações. Para preparar-Lhe o terreno. Ele deverá dar o trono a um de seus apóstolos mais queridos, esse reinará em harmonia e haverá paz na Terra como em todos os Planos Eleitos. Ansiosa platéia aguardava a vinda do Mestre. A paz e a tranqüilidade que havia ao redor do Sopé da Montanha fazia a todos volitar sem querer. De repente, vindos do nada, três vultos muito iluminados começaram a surgir diante dos olhos de todos. Os três estavam com túnicas alvinitentes. Jesus era o do meio. Ladeavam-no Rafael e Gabriel. Jesus 411

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tinha a mesma aparência de quando andava pela Galiléia. Muito belo no aspecto, tinha justa estatura. Havia tanta magnificência e majestade em seu rosto, que era difícil deixar de amá-lo. Seus cabelos da cor da amêndoa bem madura, estavam distendidos até as orelhas. Das orelhas às espáduas, eram da cor da terra, porém mais reluzentes. Uma linha na fronte separava os cabelos. Seu rosto era cheio, o aspecto muito sereno. Nenhuma ruga ou mancha via-se em sua face de cor moderada. O nariz e a boca eram irrepreensíveis. Mantinha a barba espessa e semelhante aos cabelos. Olhos expressivos e claros, afetuosos e graves. Resplandeciam em seu rosto como raios de Sol. Vinham envolvidos por um fio luminoso que cegavam aos mais desavisados. Rafael era jovem e seus cabelos louros e encaracolados lembravam crianças irrequietas e saudáveis. Uma faixa da cor de anil envolvia sua cintura. Já Gabriel, tinha os cabelos escuros e soltos sobre os ombros. Seus olhos esverdeados faiscavam com a claridade que os envolvia. Pararam numa pequena elevação envolvida por um arco de petúnias. Os três estenderam os braços em direção a platéia, e uma corrente de luz envolveu a todos. A seguir, Jesus colocou sua mão direita sobre o coração e começou afalar numa voz clara e perfeitamente audível:37 “Meus queridos filhos. Chamo-os de filhos, embora o Pai seja um só, porque aprendi a usar esse termo quando fui o representante mais leal que andava sobre a Terra. Muitos me condenam por não ter feito uso da força para me fazer respeitar. Será que isso seria justo e certo? 37

NOTA FINAL: o texto em negrito é uma mensagem recebida pelo autor em 16 de junho de 1996. 412

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Continuo achando que não. Tanto acho que não, que vos proíbo fazer uso da força quando estiverem na Terra. São claros os meus objetivos. Implantar a verdadeira religião do amor que grassa pelas Esferas de Luz. A Terra vista do Alto, é uma das mais belas moradas que existe no Universo. Como tudo que é belo tem o seu preço, a Terra também tem o seu. Só que é chegada a hora da redenção. É chegada a hora da Verdade. Ide e falai em meu nome. Não como os hipócritas e sim como obreiros de Deus Amantíssimo. Meu Espírito se entristece dentro de quadro tão aterrador. Refiro-me a última grande guerra. Por outro lado, Deus Precioso e Justo já providenciou a reconstrução de uma de suas propriedades... Digo de uma de suas propriedades, porque tudo é Dele. Nossas almas, nossos Espíritos, nosso amor, nossas falhas, nossos predicados, nossos sofrimentos, nossas alegrias. Sei que há entre muitos presentes muitos que O viram. Abençoados sejam. Maria, minha fiel companheira também O viu antes de abrigar-me naquela grandiosa existência. Para alguns, aquela foi uma fatídica existência. Nada disso. Se eu tivesse feito uso de meus poderes extraordinários, hoje estava esquecido. Seria mais um dos famosos guerreiros que passaram pelo Planeta. Jamais iria empunhar a espada para tornar-me conhecido e amado. Não se combate a força com o uso da força. Numa guerra nunca houve vencedor. Todos sempre lamentam as perdas. Fui à Terra para plantar a palavra de Deus e jamais duvidei dela. Não existe arma mais forte no Universo que a palavra bem articulada e dita do fundo do coração. Quando ajoelhava-me nas Oliveiras, falava e ouvia a palavra do Espírito da Verdade que era meu elo 413

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de ligação com o Pai. Que sentimentos essas palavras irradiavam! Lembro-me que um dia, quando meu coração se entristecia com a insensibilidade que havia entre os déspotas que governavam, senti a presença do Pai que me abraçou e me confortou. De certa feita um Alto Emissário me perguntou por que eu jamais ria. Respondi-lhe que quando na Terra se fizesse justiça, mostraria a cor de meus dentes num sorriso. Infelizmente parti sem mostrar esse riso tão esperado. Jamais sorri. Não porque não gostava de sorrir. Porque o sorriso para mim era uma lâmina afiada que feria meu Espírito. Como sorrir vendo tanto sofrimento! Os que se preocupam em estudar minha vida dizem que eu sorria muito. Isso jamais ocorreu. Desde cedo comecei a ver que a vida era uma dádiva que deveria ser enfeitada com a brasa que irradiava dentro de meu Espírito. Quando comecei a dialogar e trocar conceitos religiosos com os homens do templo, compreendi que o riso ou o desdém eram frutos da arrogância que havia entre os homens mais favorecidos. Desde aqueles momentos não mais sorri. Meu cérebro delicado lutava contra as coisas que se passavam em meu Espírito. Eu sabia que também tinha defeitos e o que mais me incomodava era não poder controlá-los. Tantas eram minhas dúvidas e anseios, que isolei-me alguns anos das grandes cidades. Confiei ao Pai o meu caminho. Hoje vejo que nem tudo foi perdido. Muitos de vocês fracassaram naqueles dias e hoje estão novamente comigo em condições mais favoráveis. Aquele que continua a ser chamado de traidor, hoje caminha ao meu lado e está pronto para voltar. Peço-vos somente muita dedicação na tarefa que lhes foi oferecida. Meu Espírito 414

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sempre estará presente. Com a Graça e Amor do Pai Grandioso, nossa missão terá êxito. No próximo milênio haverá...

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“De todas as liberdades a mais inviolável é a de pensar, que abrange também a liberdade de consciência. Condenar os que não pensam como nós, é querer a liberdade para si e recusá-la aos outros. Persegui-los pela sua crença, é atentar contra o mais sagrado direito do homem, que é o de crer no que lhe convenha. Constrangê-los a praticarem atos exteriores, semelhantes aos nossos, é demonstrar prender-se mais à forma que ao fundo, às aparências mais que à convicção. A abjuração forçada não conduz à crença, só produzirá hipócritas, seria um abuso da força material que não provaria a verdade.”
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