Flertando com a Maldição

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Fernanda Marinho

Flertando com a Maldição Volume 6

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Fernanda Marinho

Transforme os anjos ao seu redor em seres tão divertidos quanto você e olhe por todos aqueles a quem mais amou, pois estes mesmos ainda continuaram a amando para sempre.

(Dedicado em memória de Carolina Merin Ribeiro Teixeira uma grande tigretástica brilhante 16/07/1994 a 28/12/2013)

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Prólogo Vilarejo Sol Galadriel Em volta da fogueira os homens Tarkovisky cantarolavam a canção '' Katyusha'' em tom alegre e entre eles estava parte da família ''Yusupov'' e isso me trouxe lembranças de nomes que gostaria de esquecer. '' Aldler. '' — Pensei me levantando do tronco e me afastei do clima festivo com destino a dacha. Já fazia tantos anos e mesmo que eles passassem ainda seriam como as ondas do mar indo e vindo na intenção de me ferirem com a dor do sofrimento e vergonha das coisas que deveria ter feito e não tive a coragem certa para ir em frente. — Talvez as coisas tivessem sido diferentes. — Sussurrei empurrando a porta e caminhei na direção da biblioteca no intuito de encontrar algo em que quase nunca tocava. Abri o cofre e peguei a velha de caixa de música da mamãe com as mãos tremulas e então me sentei no sofá com o objeto no colo. '' Tantas lembranças. '' A melodia da mesma canção que se ouvia lá fora agora tocava na caixa e dois tigres dourados de olhos azuis giravam dentro dela. Alberich costumava assovia-la a única mulher a quem veneraria até mesmo depois da morte. — Nunca mereci esta caixa. — Sussurrei agora puxando a gaveta média da peça e encontrei as fotos que comprovavam o quanto uma jovem egoísta contribuiu para a própria ruína. — Rebenok o que faz aqui revendo coisas que fazem o seu coração se apertar? — Meu pai perguntou surgindo no cômodo. — Hoje faz dezoito anos que eu vi a minha vida se tornar miserável porque tomei decisões baseadas em paixões. — Filha se você tivesse deixado... — Não papa, eu teria me desgraçado mais ainda se tivesse permitido... — Você é uma fraqueza para mim igual a sua mãe foi... Mesmo desejando explodir o mundo e arrancar meia dúzia de cabeças jamais o farei se disser para ser misericordioso. A amo demais para vê-la sofrer. — Disse com pesar na voz. — O senhor me ama, mas um dia me odiou também... Não o culpo por isso. Fui uma grande tola que pensou que pudesse... — Aquilo está no passado não mencione o nome de Aldler Yusupov. A não ser que queira voltar atrás em... — Papa isso jamais será relevante e nem se fosse o caso. O que eu diria a ele? E nunca existiu de fato intenções reais de minha... — Ele não perdeu totalmente a consciência, mas vive como uma alma atormentada e... — O que eu fiz com ele se voltou para mim, pois também sou uma alma destroçada... — Você pagou um preço alto por seu erro e aprendeu com ele. Será que ter se dedicado a ajudar na criação de seus sobrinhos não foi a sua redenção?

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— Oh papai por que é sempre tão carinhoso comigo? — Por que você é minha filha e a amo, mas o meu coração dói por ter sido obrigado a ver uma parte sua ser... — Deixemos isso de lado agora. São só lembranças,apenas lembranças. — Murmurei fechando a caixa e desejei que a dor desaparecesse, mas sabia que ela sempre estaria lá.

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1. O casamento? Talita Caramello Eu sabia que não podia mais classificar como pacata a vida que levava com minha mãe em nossa pequena lanchonete sorveteria, não depois que aquele homem simplesmente surgiu em nosso caminho e transformou o meu mundo perfeito em uma visão infernal de Mônica virando um zumbi. — Amiga você não pode impedir a sua mãe de ser feliz com um cara que realmente vai amá-la com ela merece. Dê uma chance a... — Pelo amor de Deus! Não é como se eles fossem se casar. Não acho que isso vá durar muito. A qualquer momento ele vai deixar de ser o senhor perfeito e sumir. — Falei tentando convencer a mim mesma de que isso aconteceria, pois estava assustada em ver a única mulher que era o meu ponto de referência ceder assim a alguém quando sempre se mantivera afastada de qualquer tipo de homem representante de ameaças. — Mas se acontecer pense melhor no que faz a sua mãe ser feliz e sabe disso. — Faye encerrou a conversa me passando um pote de brigadeiro de colher. E depois dessa reunião desestressante com minha melhor amiga e do bla bla dela de aceite o namoro da sua mãe com o russo esquisito,eu resolvi voltar para minha casa porque ninguém conseguiria dormir com a Faye falando do Dimitry a cada cinco minutos. ‘’Eu só voltei mesmo porque queria falar com Mônica Caramello sobre essa história de se atar a um completo estranho estar indo longe demais. Como alguém fica tão caída assim só porque um cara diz seja a razão da minha vida? E se ele for um assassino?’’ — Pensei entrando em minha casa na calada da noite e subi as escadas sorrateiramente. Adentrei o meu quarto sem ascender às luzes. Tirei minhas roupas no escuro e fiquei só de lingerie personalizada com figuras de ursinhos. ‘’Preciso dormir. Amanhã convencerei a Mônica a ter juízo. ’’ — Refleti me jogando sobre a minha cama de solteiro e acabei caindo por cima de um corpo quente. ‘’ Um corpo? ’’ — Socorro! Tem alguém na minha cama! — Berrei e a luz do abajur foi acesa, antes de eu ser agarrada por um rapaz louro com cara de colchão mal dormido. E pior, eu fui facilmente subjugada para baixo dele e uma de suas mãos tapou a minha boca. ‘’Quem nunca leu nenhum caso de alguém que foi violentada no próprio quarto irá se comover com o meu caso quando me vir estrangulada na primeira pagina do jornal local. O que eu fiz para merecer isso?’’ Sim. Estava arfando de pânico, enquanto o tarado me observava com seus diminutos olhos azuis turquesa num misto de aborrecimento e surpresa. — Maçã e canela? — Murmurou num sotaque familiar. ‘’Ele está pensando em fazer um chá de maçã e canela depois de me matar? Que coisa de psicopata. Eu quero a minha mãe!’’ — Pensei esperneando para me soltar daquele maníaco que estava seminu me imprensando contra o colchão. — Se você prometer não gritar, eu pretendo soltá-la. Entendeu? — Emendou com uma pergunta que poderia ser minha chance de escapar e assenti.

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‘’O que ele pretende? Preciso fugir e chamar a policia... Será que a minha mãe está em casa? Desde quando estupradores são educados, sarados e bonitos? Isso parece até coisa de filme. ’’ O fitei desnorteada e ele me soltou. Lógico que com certeza se arrependeu disso depois. Porque desferi uma joelhada em seu estômago conseguindo derrubá-lo no chão. — Droga! — Gritou se retorcendo no tapete. — Meu primo disse a mesma coisa quando fiz isso com ele no ano passado. Garotos nunca sabem quando parar de serem irritantes e só sossegam depois de levarem um bom chute. Agora chegamos à parte, onde eu ligo para a policia. Onde está o meu celular? — Comentei pulando do colchão e ao passar pelo maníaco acabei caindo, pois o desgraçado puxou o meu tornozelo e perdi o equilíbrio. — Quem é você sua bruxa? — Ele perguntou irritado e comecei a gritar. Porque sua mão estava me apertando com jeito. — Socorro tem um tarado no meu quarto! — Talita e Kayan, o que está havendo aqui? — O namorado da minha mãe esganiçou surgindo no quarto acompanhado dela. ‘’Que sorte, não? O tarado agora tem um nome e todos estão me vendo de lingerie deitada de bruços no chão com ele puxando o meu tornozelo. ’’ — Esta senhorita invadiu o quarto e começou a gritar. — O suposto rapaz explicou me soltando e se levantou sem um pingo de constrangimento em aparecer só de boxer azul marinho na frente da minha mãe. — Talita, que vergonha! Este é Kayan o sobrinho do Nicolai. O que você faz em casa há essa hora? Não era para estar dormindo na casa da Faye? — Mônica reclamou tirando seu penhoar de seda e jogou para mim. ‘’Sobrinho? Ninguém disse que ele tinha um sobrinho. O que esses russos estão fazendo aqui? Minha mãe está passando dos limites. ’’ — Pensei irada. — Saiam já do meu quarto! Que invasão de privacidade é essa? Mãe a senhora é inacreditável. — Esbravejei sentando no chão encolhida e os dois saíram do cômodo com caras de tacho. E claro que antes de seguir o tio aquele maníaco me lançou um olhar afiado. ‘’A coisa está mais grave do que pensei. Fizeram uma lavagem cerebral na minha mãe. Ela não se comporta assim. ’’ — Deduzi levantando do chão tremula de raiva e me vesti. — Filha você tem cinco minutos para descer e se desculpar pelo incidente. — A senhora está falando sério? — Perguntei ofendida. — Não estou falando da invasão do quarto e sim da gritaria desnecessária agora a pouco. Está na hora de eu refazer a minha vida sem deixar o fantasma do seu pai me prejudicar. Eu amo o Nicolai e agradeceria se você me apoiasse só um pouco. Dê uma chance para ele e me deixe ser feliz pelo amor de Deus. — Minha mãe murmurou fazendo uma cara de choro para me coagir e deu certo. Porque vê-la magoada era como ser esfaqueada nos pulsos. Doía muito. Não que isso já tivesse acontecido comigo, mas a comparação era valida. ‘’Odeio quando ela faz isso. ’’ — Mamãe a senhora o conhece só há meses. Não pode se... — Talita, ele é a pessoa... É o príncipe por quem estive esperando a minha vida toda. Irá entender o que eu estou falando no dia em que se apaixonar.

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— Não acredito no amor mamãe e nunca irei me apaixonar. — Falei deixando-a perplexa. ‘’Meu Deus minha mãe virou uma adolescente dramática. Amor não existe são contos de fadas e hormônios. ’’ — Mas se isso a faz feliz, eu serei conivente com isso porque é o que a senhora quer. Nunca me pede nada e sempre me dá tudo, não serei uma péssima filha agora. Perdoe o meu comportamento egoísta. Tudo o que me importa é que a senhora esteja bem. — Emendei. — Filha o amor existe e ser... — Mamãe chega de discutirmos isso. Acho desnecessário depois de dizer que vou apoiá-la. — Falei amena e deixei o quarto. Estava numa pilha de nervos com a hipótese de minha mãe acabar se casando com um completo estranho quando só nós duas vivíamos juntas e bem o tempo todo. Desci as escadas e vi os dois intrusos sentados no sofá conversando em russo. O maníaco já estava vestido e assim que me viu ficou sério. ‘’Não estou nem ligando para isso. Faça caretas feias a vontade. ’’ — Eu devo desculpas ao senhor e ao seu sobrinho pela confusão. Prometo me redimir por esse erro... Hum. Fazendo chá para ambos. Já volto. — Murmurei saindo da sala o mais rápido possível. ‘’Agora devo ter recebido o titulo de a maluca da casa. ’’ Quando o chá estava fervendo a cozinha foi invadida pelo loiro maníaco e ele estava com cara de poucos amigos. — Seu pedido de desculpas fajuto não me convenceu em nada. Está implícito que você não quer o meu tio e a sua mãe juntos. E fique de sobre aviso que eu não vou deixar uma maluca como você estragar a felicidade deles. Até mais ver cachinhos dourados. — Ameaçou irônico e saiu do cômodo com a mesma rapidez com que chegara. ‘’Quem esse loiro aguado pensa ser para me ameaçar?’’ — Pensei furiosa e cuspi na xícara de chá destinada a ele. E depois retornei a sala carregando uma bandeja com um bule e duas xícaras, mas uma delas já estava cheia e seria bem aproveitada em minha vingança maléfica. — Agora que estamos em família tenho dois comunicados a fazer... Estou tão feliz que não quero esperar até amanhecer. — Minha mãe murmurou eufórica e Nicolai olhou para ela com preocupação. — Eu estou grávida. Nicolai você será papai. — Ela quase gritou e ele deu um pulo do sofá agarrando a cintura dela e começou a balançá-la feito uma boneca, enquanto dizia palavras em russo. ‘’Ele engravidou a minha mãe? Oh!’’ — Essa noticia é maravilhosa! Nosso casamento vai acontecer no momento certo daqui a duas semanas em Varenna. E precisamos comemorar. — Nicolai exultou jogando Mônica nos ombros e subiu a escadaria acima rindo com ela. ‘’Hã? Casamento em duas semanas? Alguém me segure antes que o mundo desapareça. O que é tudo isso?’’ — Pensei chocada. — Esse chá é para mim. — O outro disse pegando a xícara cheia de forma inconveniente e a bebericou. — Hum. Maçã com canela o meu favorito. Agora será meio difícil que você impeça esse casamento. — Emendou provocativo.

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— Pode ser até. Loiro aguado, mas eu acabei de cuspir no seu chá. — Confessei maldosa e ao invés de esboçar raiva, ele deu de ombros e continuou bebendo. ‘’Que nojo! Esse cara não é humano. É um ciborgue!’’ — Conclui revoltada. — É por isso que o gosto está peculiar, mas existem coisas mais nojentas no mundo... Se você continuar aqui irei lhe mostrar uma delas. — Disse calmamente. — Você é asqueroso! Argh! — Quase gritei deixando a bandeja na mesa de centro. E horrorizada com o sobrinho porco do meu padrasto, eu fugi para o meu quarto e fiz questão de arrancar os lençóis da cama porque nem a pau dormiria no lugar em que aquela coisa roçara o corpo. ‘’ Tudo bem. Não seja egoísta e deixe a sua mãe ser feliz até com o palhaço do Mc Donalds se ela quiser, mas você já está grandinha o suficiente para saber que já é o momento de zarpar desse barco para uma ilha especificamente sua. ’’ — Refleti ligando o meu computador e me decidi pela vaga no curso de historia em São Paulo. Eu já estava indo para o segundo semestre nele na faculdade particular da cidade vizinha e a bolsa viera a calhar, pois eu poderia usar as minhas economias para me manter até arranjar um emprego no campus, pois já sabia que eles sempre empregavam estagiários. — Meus problemas estão resolvidos. — Sussurrei satisfeita e tive dificuldades para dormir pela ansiedade em colocar o meu plano em pratica.

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Kayan Desde que senti aquele aroma de maçãs e canela exalando no quarto soube que teria problemas porque não estava preparado para a minha reação comportamental perante a ela e aquela garota tinha escrito em sua testa ‘’Sou uma pedra pronta para te afundar ao menor passo, então caia fora. ’’ ‘’ Não estou preparado para isso. Quem lançou essa porcaria de maldição deveria ter deixado explicações sobre o motivo de sair distribuindo consortes que parecem almofadas de alfinetes ao invés de mulheres dóceis para homens desavisados. Como é que eu fico agora? Por que não sinto nada em relação a alguém que quer destruir a união que o meu tio levou anos para conseguir fazer caminhar. É disso que eu preciso mesmo? Uma metade bruxa. Talvez eu deva torcer para ser resistente o bastante para não perder a sanidade porque só em último caso tentaria algo com aquela garota mesquinha. ’’ — Refleti deitado no sofá e não estava disposto a arriscar a lealdade a Nicolai por causa de uma ligação indesejada com alguém que só me traria problemas e que acima de tudo não era a mulher ideal para estar comigo. — Kay,você teve uma mira podre da maldição te apontando uma adaga afiada hoje. Não é a primeira vez que a má sorte te ronda. — Sussurrei relembrando do passado quando era apenas um garotinho que tinha sensações estranhas e pesadelos que não poderiam explicar o motivo de ter acordado tantas vezes nu no quintal daquela casa. ‘’ O que teria me acontecido se o meu tio não tivesse vindo por mim?’’ — Pensei apertando o travesseiro com força. Desde que me juntara a nona família, eu só tinha motivos para me orgulhar por ter um avô justo e Nicolai que era um verdadeiro pai para mim. Ser o neto mais velho na linha de sucessão era uma honra para qualquer herdeiro, embora eu nunca tivesse realmente vontade de estar a frente do clã quando Artur seria o mais indicado a isso. Não queria aquela responsabilidade, mas não podia me negar a ela e por isso fazia o meu melhor para nunca decepcionar a casa e esperava que Kian mudasse de ideia quanto a isso sozinho, afinal ele era conhecido por ser o chefe mais desajeitado e volúvel de todas as nove casas. — Basta não pensar muito nos problemas e tudo acabará se encaixando como você quer se manter maldita calma. — Disse a mim mesmo e fechei os olhos rejeitando dar ibope aos meus hormônios recém acordados e quando o calor começou a subir num ponto insuportável como o inferno, eu fiz aquilo que qualquer pessoa no controle faria e pulei do sofá com destino ao meu primeiro belo banho gelado e depois disso pude dormir em paz comigo mesmo sem sonhar com aquela demoníaca baixinha de cachinhos dourados, lábios cheios e voz de gralha.

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Itália, Varenna Talita Meu padrasto passara a se esforçar para ser legal comigo desde aquele incidente com o sobrinho pentelho dele e mantive a postura aceitando seus gestos sem reclamar de nada, enquanto o insuportável Kayan fingia me tolerar na frente dele e torcia o nariz para mim quando o mesmo virava as costas. Aturei a tudo aquilo e até mesmo aos surtos de insegurança da minha mãe me mantendo sempre longe dos russos ao máximo possível e agora que estávamos na Europa para celebrar o casamento nessa simpática cidade romântica retro,eu me dava conta do quanto a família Rachmaninnoff tinha dinheiro porque Nicolai fechara um hotel local apenas para receber seus parentes e amigos e a Mônica pareceu não se importar com isso. Sabia que ele trabalhava com alguma coisa ligada a investimentos de ações e que era herdeiro de uma parte da universidade Meriel Center no Brasil,mas não entendia o motivo dele parecer tão perfeito demais. ‘’ Ninguém é tão perfeito e lindo o tempo todo. As pessoas têm falhas e nem todos os dias acordam sorrindo. Esse homem não pode ser o príncipe encantado dos felizes para sempre. Minha mãe está amarrando o burro dela num lugar seguro?’’ — Minha mente fervilhava com essas dúvidas ainda que tivesse concordado em deixá-la conduzir sua vida como quisesse. — A Bêtania não podia ter feito essa desfeita comigo. — Ela resmungou ainda vestida em seu roupão de seda amarelo. — Mãe a prima Bê não gosta de casamentos e, além disso, enviou o Narciso para representá-la. — Falei me referindo aos nossos únicos parentes vivos que consistiam em nossa prima e em seu filho fofo. — E o que está fazendo aqui que ainda não foi fazer sala para ele? Não devia estar aqui me ajudando. — Disse elétrica. — Tudo bem. Não quer que eu veja o seu vestido, mas o noivo não sou eu. — Zombei. — Você não é, mas já reparou numa coisinha agora que está atrás de mim na frente desse espelho? — No que? — Você também nem mesmo começou a se arrumar. Saia já mocinha! E só me encontre na capela e... — Mãe? — Sim? — Por que ele escolheu se casar aqui ao invés de fazer algo no Brasil? — Uma vez em um dos nossos encontros comentei que quando era mais jovem sempre me imaginei dentro de um sonho me casando num lugar como esse na Itália porque li isso em um romance uma vez e desejei ser uma princesa e me casar com um príncipe num local de contos de fadas. Claro que foi só um comentário bobo de uma época em que vivia no mundo da lua, mas para o Nicolai aquilo teve relevância e ele quis me dar isso de presente depois que fez o pedido. Dá para acreditar nisso? Depois de anos eu realmente vou me casar de verdade e com um príncipe. — Respondeu rindo feito boba e algo me disse que mesmo achando tudo aquilo uma loucura a minha mãe estava segura e havia encontrado o que sempre procurou.

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‘’ Meu motivo para ir embora está mais do que reafirmado agora. ’’ — Mãe a senhora está tendo tudo àquilo o que merece. Ninguém mais pode impedi-la de realmente ser feliz de verdade agora. — Falei sorrindo para ela antes de acenar e deixar o quarto. E ignorando a ordem para me aprontar decidi ir procurar por Nar e enviei um SMS para o celular dele e recebi uma resposta para encontrá-lo num lugar menos movimentado e segui suas coordenadas até vê-lo no patamar de escadarias duplas interligadas como aquelas em castelos, e não se podia ver o salão à frente delas porque uma longa e pesada cortina cobria toda a entrada deixando o lugar parecendo os bastidores de um palco escondido apenas para nós dois. — Até que enfim te encontrei. Achei que nunca iria me chamar para conversar estando nesse hotel retro. — Disse barrando a minha passagem como de costume e me esquivei de propósito para irritá-lo. Meu primo era dois anos mais velho do que eu e sempre fora o alvo dos olhares femininos não por ser alto e ter a pele morena como uma avelã e muito menos por ter os olhos escuros e cabelos mais escuros ainda numa personificação de príncipe misterioso que herdou parte das características de nossos antepassados ciganos por parte de avós, mas sim porque falava alto demais e sabia tocar guitarra como ninguém. — Trouxe o que eu pedi? Diga que sim se não quiser apanhar. — Eu sou um Caramello e tenho palavra. Não vai me dar nenhum beijinho? Não nos vemos faz três meses e é assim que me recebe? — Se queixou sorrindo. — Não tenho tempo para brincar agora e sabe o que fazer, não é? — Tsc. Nada disso. Estamos nas escadas da historia de Romeu e Julieta e é assim que me trata? Podíamos encenar nesse palco. — Isso aqui não é um palco, mas está mais para o fundo do guarda roupa das Crônicas de Nárnia. Daqui a pouco só falta passar o Aslan por aqui para nos dizer ‘’ola. ’’ — Falei irônica e ele riu. — Tali,você e seu senso de humor. — Não temos tempo para isso mocinho. — Temos sim e você me deve depois que a salvei no favor. — Disse agarrando a minha cintura e acabei rindo porque sabia o que aconteceria quando ele começou a cantarolar ‘’ We belong together’’ do Richie Valens com aquele vozeirão alto. — Pare com isso. Se alguém nos pegar pensará... — Que somos apaixonados curtindo as escadas velhas de um hotel italiano romântico. — Cortou antes de voltar a cantarolar a sua música favorita que sempre dizia que era para mim, mas nunca sabia quando estava falando sério ou brincando. — Maluco. — Ri deixando-o me conduzir numa dança pelo patamar e estava melhorando na arte porque não pisou em meu pé nenhuma vez ao contrario de mim que tropecei algumas vezes nos dele. E quando fui girada pela quarta vez as cortinas foram puxadas revelando um salão de descanso repleto de rapazes bebendo vodca e o ciborg era um deles. ‘’ Ai, meu Deus!’’ — Pensei notando os olhares de interrogação em cima de mim e do meu primo, embora o louro azedo estivesse me fitando como um assassino de aluguel que achara o seu alvo perfeito.

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— Nar,vamos indo. — Falei toda sem graça e Narciso se controlou para não rir da minha cara e para finalizar o micão ainda me jogou por cima dos ombros e saiu assoviando a mesma música de antes. — Eu disse! Que vergonha! — Esganicei quando ele me deixou na porta do quarto no qual estava hospedada. — Aquele pessoal com cara de estrangeiro nem deve saber o que nós estávamos fazendo ali e... — Seu idiota! Um deles era o sobrinho do noivo. — E daí? O mundo é livre e não estávamos implantando bombas no lugar para acabar com o casamento da sua mãe. — Vá se arrumar e me encontre daqui a dez minutos. — Quase gritei e ele fez posição de sentido para tirar com a minha cara e bati a porta. Um banho de gato rápido e logo estava dentro de um vestido cor de rosa rodado com um detalhes bonitos de flores bordadas em renda que vinham desde a única alça dele até a cintura e depois de prender o meu cabelo de lado com um arranjo da mesma cor do tecido, eu calcei sandálias pretas e passei um pouquinho de maquiagem bem leve. — Eu disse que era pontual. — Sua mãe vai nos matar se sair e ainda nos vir aqui. E a propósito você está linda. — Disse puxando o meu braço e chegamos ofegantes a capela do hotel que já estava cheia de convidados. — Você a deixou aqui? — Fiz uma pergunta sussurrada conforme andávamos de mãos dadas até os bancos em frente ao altar e lá estava o Kayan chato usando um terno de grife e uma flor vermelha presa à lapela para combinar com sua gravata. E seu tio estava a sua direita vestido igualzinho e parecia nervoso. — Está embaixo do banco. — Respondeu me ajudando a sentar e se acomodou ao meu lado. Não demorou muito para que o padre aparecesse e sinos foram tilintados em sinal de que a noiva estava lá fora, e então todos os convidados se levantaram. — Nosso momento chegou. — Avisei meu primo que se abaixou pegando sua guitarra e iniciou os acordes de ‘’ Time after Time’’ da Cyndi Lauper que era a cantora favorita da mamãe e minha também. E assim que a vi tão bonitinha naquele vestido branco com uma fita vermelha em torno da cintura e segurando um buquê de rosas, eu não me contive e subi no banco. — Uma vez alguém me disse que essa canção era nossa, mas agora a estou dando de presente para um casal que provavelmente ainda não tem uma música própria. Eu te amo, mamãe. — Falei bem alto antes de começar a cantar aquela música e Mônica continuou adentrando a capela e foi possível notar que ela estava chorando. A cena era mesmo emocionante, pois à medida que chegava mais perto mais feliz eu me tornava por vê-la realizando um sonho merecido e ao passar por mim fez aquele sinal de tempo com as mãos e tive de me conter para não chorar também. Nicolai veio buscá-la e a beijou na testa e de mãos dadas ambos se dirigiram até as escadas do púlpito e encerrei a canção respirando fundo, e após dizer algumas palavras em russo, português e italiano o padre os declarou marido e mulher e meu primo me conduziu para fora porque sabíamos que logo os noivos seriam atacados por alguma chuva de arroz.

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‘’ Ficar cega com arroz nos olhos não é a melhor opção agora. ’’ — Pensei voltando para a área do hotel e subimos até o quarto dele para guardar a guitarra e depois disso roubamos uma garrafa de champanhe e nos escondemos numa praça com vista para o mar no final daquela tarde. — Eu não te disse ainda, mas estou planejando ir morar com o meu pai em Málaga por um ano e vou estudar rádio e Tv por lá mesmo. Quer vir comigo? — Disse me puxando para o seu colo e levei a garrafa aos lábios indecisa entre responder ou xingá-lo. — Por que não disse isso antes? Eu já tentei uma vaga para São Paulo e fui aceita. Vai me deixar na mão mesmo? — Resmunguei para infernizá-lo, embora soubesse que ele era bem capaz de não ir se eu pedisse, mas não faria isso. Nós éramos bons amigos e não o impediria de passar algum tempo com o pai que só via uma vez ao ano. — Você não quer que eu... — Quando chegar à Espanha prometa que sempre irá me ligar ou me enviar mensagens nem que seja via pombo correio. E por favor, tenha cuidado com as mulheres ardilosas. — Digo o mesmo a você sobre os homens. — Brincou beijando o topo de minha cabeça. — Eu tenho spray de pimenta contra qualquer coisa que use calças. — Por favor, não use isso em mim. — Riu e fechei os olhos me sentindo segura. — Desculpe interromper o casal de primos apaixonados, mas o meu tio e a Mônica estão procurando por vocês. — Ouvi aquela voz e me empertiguei imediatamente virando o pescoço para lhe endereçar um olhar de ‘’ boas vindas’’ e ele não recuou. — Diga a eles que já estamos indo. — Narciso respondeu por mim sem parecer notar o clima de antipatia entre nós. — Com licença. — Murmurou se afastando com as mãos nos bolsos e desejei atirar a garrafa nas costas dele. — O sobrinho do seu padrasto parece ser um cara legal. — Soltou e me afastei dele irritada. ‘’ Legal para acabar dentro de um triturador de lixo. ’’ — Você acha? Não vejo graça naquele louro aguado antipático e metido a besta. — Minha prima é tão má às vezes. — Disse pegando minha mão e uma vez no salão de festas do hotel nós fomos obrigados a tirar fotos com os noivos e ficamos por ali durante meia hora, até conseguirmos fugir de novo e dessa vez nos escondemos em meu quarto com um caixa de doces da festa e mais champanhe. — A vista daqui vale mesmo cada centavo que o seu padrasto gastou. — Apontou sua taça na direção dos barcos que iluminavam o mar ao longe na noite italiana e tirei minhas sandálias para ir me juntar a ele. — Obrigado por vir. — Falei realmente agradecida por ter um rosto amigo entre uma multidão de pessoas que eu não conhecia. — Precisava me despedir da minha prima favorita. Não é o fim do mundo. Sua mãe apenas fez aquilo que a minha tentou seis vezes. — Fez uma piada misturada ao som de músicas românticas dos anos oitenta que era possível se ouvir vindo da festa tocada por uma orquestra. — Dance comigo até a bebida fazer efeito e seu eu cair desmaiada, não me deixe deitada no chão. — Fiz outra piada e seus braços se enroscaram em minha cintura e descansei a face em seu ombro.

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— Tudo vai dar certo. — Sussurrou e o abracei perdida em meus próprios devaneios. Ficamos durante muito tempo dançando ali até a bebida realmente fazer efeito, pois acabei adormecendo nos braços dele. E na manhã de domingo assim que acordei fiz minhas malas e rumei com o Narciso até o aeroporto e lá nos despedimos, pois ele iria para a Espanha e eu voltaria ao Brasil para cuidar da minha autonomia que estava apenas começando.

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2. Situações absurdas.

Gabriela Tenório Sair sem rumo era uma sensação de liberdade tão preciosa quanto saber que finalmente poderia me virar sozinha no mundo. Fazia frio no final da tarde devido à chuva que molhara as ruas outrora, mas meu senso de aventura imperou com mais força sobre mim e saí da república trajando um de meus vestidos de verão e escutando música clássica em meu Ipod. ''Tem tanta coisa para ver que até me perco. '' — Pensei optando por caminhar pelo parque no qual crianças barulhentas ainda brincavam e ao parar para mexer no módulo das músicas alguém vindo da nada voou por cima de mim, e eu caí chocando minhas costas com força contra o solo úmido e gelado. — O que é isso? Fui derrubada por um touro! — Resmunguei desconfortável com todo aquele peso por cima de minhas pernas e ao abrir os meus olhos, eu fiquei revoltada ao ver que o touro mecânico que me nocauteara estava com o rosto preso por baixo de meu vestido numa situação bem constrangedora. ''Oh, meu Deus! Além de me atropelar ainda viu a minha calcinha. ''— Choraminguei em pensamento sentindo as minhas costas doerem, mas não mais do que a vergonha que me engolfava. — Hortelã e framboesas! Isso é tão bom que eu poderia... — Socorro! Tem um tarado embaixo do meu vestido! Saia daí!— Esganicei sentindo as costas doerem ainda mais e tive um acesso de tosse violento, antes de sentir uma vertigem e desmaiar.

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Kiwi Washavsky ''Sem dúvidas cochilar sobre o maior escorregador do parque público de São Arcangelo foi a melhor ideia que eu poderia ter tido. Até o meu irmão me acharia mais inteligente depois disso. ''— Refleti ocultando um sorriso quando observava a pequena e delicada garota de cabelos castanhos quase dourados repousando na cama de hospital. Sim desde as primeiras duas horas do acidente, eu não conseguia tirar os meus olhos dela. Tudo nela era tão gracioso e especial que valia a pena gastar segundos para vigiar seu sono angelical. O médico dissera que a queda brusca não causara lesões sérias, pois o que a fizera desmaiar se tratava dos sintomas de uma virose forte por falta de cuidados com a saúde. '' A partir de agora ela ganhou um enfermeiro para impedi-la de jogar sua saúde no lixo. Sim. Eu cuidarei da minha consorte. Que legal! Tenho uma consorte de verdade e acabo de descobrir para que elas servem.''— Pensei sentindo agulhadas no estômago só de relembrar um dos momentos mais incríveis da minha vida,quando por acidente numa posição bem privilegiada acabei tendo uma visão maravilhosa da lingerie perfumada dela. — Anjinha linda, eu vou cuidar de você. — Sussurrei tocando seus cabelos e lhe beijei a fronte. O que a fez se remexer e resmungar coisas inaudíveis. — Com licença. Senhor Washavsky, a loja acabou de trazer seu pedido. — Uma das enfermeiras simpáticas avisou adentrando o quarto com a encomenda para a minha anjinha. — Obrigado. Irei sair para dar mais privacidade a minha con...Digo dar privacidade a minha namorada. — Falei abrindo um sorriso amistoso e deixei o cômodo ansioso por poder voltar a ficar mais tempo perto do meu tesouro.

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O cheiro de limpeza e a dormência de algo ligado ao meu braço me arrancou do sono profundo de conforto para uma masmorra aterradora que era a droga do quarto de hospital. ''Não!'' Sentindo a minha garganta se travar de pânico tratei de arrancar num puxão a agulha que me mantinha presa. E sem esperar que alguém pudesse tornar aquela volta a sala dos horrores ainda pior, eu pulei daquele leito odioso e sentindo a adrenalina me corromper escapei pela porta. Pessoas passaram por mim me olhando dos pés a cabeça e agradeci secretamente por terem me vestido numa longa camisola cor de rosa de seda ao invés de um daqueles aventais de hospital que deixam o traseiro de fora. — Senhorita, não deveria estar andando por aqui descal... — O senhor poderia me indicar a saída? Eu estou meio perdida. — Murmurei agindo como se fosse uma hóspede de alta e o homem que passava apontou na direção de uma placa verde de aviso em resposta a minha pergunta e imediatamente sorri e saí desembestada rumo à fuga daquele calabouço. — Mocinha! Não pode sair daqui assim. — Disse um cara de voz estranhamente familiar ao parar no corredor barrando a minha passagem. Por alguns momentos fiquei admirada e intimidada ao mesmo tempo com o cara de seus possíveis um metro e oitenta que era forte e mirava seus olhos puxados estranhamente sobre mim. '' De onde o conheço mesmo?'' — Como disse? — Objetei dando um passo para trás no momento em que ele tentara se aproximar. — Anjinha, não seja teimosa. O médico disse que lhe daria alta, mas nós dois precisamos conversar sobre... ''Conversa? Alta? Oh, não! O acidente no parque!'' — Pensei recordando do tombo levado graças a um brutamontes que se enfiou embaixo do meu vestido. — Argh! Seu idiota! Não me diga que foi você? Minhas costas estão doloridas agora e eu quero meu Ipod de volta. Tarado! — Esganicei fazendo todos pararem para nos encarar e o ‘’japinha’’ ficou vermelho. — Anjinha, eu não acho que seja bom para você gritar tanto... A sua tosse pode... ''Oh, eu mereço!'' — Oi. Dá licença. — Falei a um enfermeiro que passava arrastando um carrinho de pudins. — Sim? — Me dê um pudim desses, por favor? — Pedi deixando todos que acompanhavam a confusão me fitando como se aquilo fosse algum tipo de efeito colateral proporcionado por um medicamento pesado agindo em meu organismo. — De morango, leite ou de milho? — O de milho serve. Obrigado. — Respondi aceitando o potinho de doce antes de lançá-lo na face do tarado do parque.

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— Prontinho. Agora estamos quites. Adeusinho. — Emendei limpando as mãos e saí caminhando com um sorriso no rosto. Claro que mal cheguei à rua e braços fortes agarraram a minha cintura. — Aquilo não foi educado, mas foi engraçado. Vamos brincar disso em minha casa. — O homem disse e sem que pudesse titubear me vi presa em seus ombros numa posição nada confortável. — Socorro! Tem um lunático me sequestrando. — Esperneei. — Você tem mesmo muita energia e arranjou a pessoa certa para gastá-la. Presa ao cinto de segurança do carro dele, eu fui obrigada a parar com a gritaria porque se ele fosse algum tipo de maníaco estuprador psicopata poderia me estrangular e cortar meu corpo em pedacinhos, antes de atirá-lo em alguma lixeira mais próxima. '' Imagine que bonito para mim... Morta aos pedacinhos numa lixeira publica. '' — Pensei cruzando os braços e notei pelo canto dos olhos que ele me observava e ainda estava sujo de pudim. — Aleumdaun por que ficou tão quietinha de repente? — Se arriscou a perguntar e sorriu de canto fazendo uma cara de bobo que enganaria qualquer um sobre suas reais intenções comigo. — Primeiro me atropela num parque e me envergonha, e depois me sequestra. Se você for um... — Eu não vou fazer nada contra você, princesa. Só estou tentando me desculpar por todo o transtorno. Mianae. — Disse usando outra palavra naquela língua diferente. — Como vou saber que está falando a... — Se eu fosse algum louco jamais a teria levado a um hospital para levantar qualquer suspeita. — Emendou mexendo no painel do carro e atirou uma carteirinha de identificação em meu colo. Na foto ele sorria com a mesma expressão tonta de agora e seu nome era '' Kiwi Washavsky''. — Ki o que? Você tem nome de fruta. — Quase gritei antes de ceder a um ataque de risos e ao invés de se ofender, ele pareceu gostar disso e deu de ombros voltando sua atenção à estrada. '' É brincadeira? O tarado do parque se chama Kiwi fruta. '' — Refleti secando os olhos úmidos porque já estava mesmo chorando de rir. — Ok. Você me convenceu senhor Washa...Desisto! Sobrenome estranho e nome ainda pior. Desculpe. — Consegui dizer ganhando uma piscadela do menino fruta estudante de ''pediatria. ’’ O que me fez cessar o riso, pois me senti uma tonta por achar que alguém possivelmente mais tonto do que eu pudesse ser um assassino. — É Washavsky. Sou parte sul coreano e parte russo. Meu nome não é tão ruim, não quanto o gosto azedo da fruta. — Comentou fazendo uma piadinha. — O que pretende fazer comigo? — Perguntei só para esclarecer o nosso velho ponto de discussão, pois se ele não era um louco. Para que então me segurar ali? — Gabi,eu a estou levando para repor o Ipod que quebrei. — Respondeu. — Como... — Balbuciei engasgando ao ver seu carro já estacionando na frente de uma loja de aparelhos eletrônicos numa rua pouco movimentada. — Quando desfizermos essa sua má impressão de mim...

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— Não pode estar falando sério... Eu não estava brincando quando disse que você teria de me dar um novo, mas nada neste mundo vai me fazer entrar naquela loja com você. Não vê que estou de camisola? E você está sujo de pudim. — Falei lançando um olhar de incredulidade nele. Tudo bem que a longa camisola não era indecente e poderia ser considerada um vestido. — São apenas detalhes técnicos que o vendedor não irá notar. — Murmurou como se fosse uma criança ansiosa e retirou um lenço do painel para limpar o rosto sujo, embora sua camisa ainda estivesse manchada. — Nem morta que... — Aposto que nunca foi desafiada a nada porque as pessoas não acham que seja capaz de brincar com isso. — Debochou e isso me irritou. — A quem você está chamando de covarde? — Rosnei arrancando o cinto de segurança e ele saiu do veículo e abriu a porta para mim. — Sabia que iria me provar que gosta de desafios. — Riu me puxando para seu colo sem mais nem menos. — Espere! O que... — Você está descalça e não seria educado deixá-la machucar os pés por minha imprudência com os acontecimentos do hospital. — Disse trazendo meu surto nervoso a tona. — Menino você é estranho, sabia disso? Muito estranho mesmo. — Falei me segurando nele com cuidado para não cair e gostei do aroma de seu perfume. — Quando me conhecer melhor irá gostar de mim. — Brincou me carregando até a loja e assim que empurrou a porta de vidro com o pé direito, eu entendi o motivo de que o vendedor não repararia em meu estado, pois o estabelecimento estava fazendo uma espécie de convenção de cosplays de animes e todos os funcionários e clientes ali estavam usando fantasias. '' Meu dia está mais louco do que poderia ter imaginado. '' — Sejam bem vindos terráqueos. — Disse um homem vestido de E.T verde musgo e mordi o lábio para não rir. — Ola, amigo. Esta princesa perdeu um aparelho importante e agora a sua galáxia precisa nos ajudar a recuperá-lo. — O menino fruta explicou e tossi para abafar uma risada involuntária. — Qual é o seu nome bela princesa? — O E.T quis saber. — É princesa do riso. — Kiwi respondeu por mim e teria beliscado seu braço se não estivesse com medo de cair. — Saudações senhor. — Consegui dizer e logo fomos apresentados a uma infinita variedade de celulares, Iphones e Ipods espalhados pelo balcão. — Gostei deste. — Menti apontando para um Ipod da mesma marca do meu antigo, embora tivesse me apaixonado por um cor de rosa da Apple que era muito bonito, mas não poderia abusar de alguém que estava apenas repondo algo que quebrara sem querer. — Amigo nós iremos levar aquele outro da Apple e pode embrulhar para presente. — Kiwi murmurou como se lesse meus pensamentos e isso me indignou. — Não! Eu quero o mais simples. — Protestei. — O dinheiro é meu e foi feito para ser gasto. — Ele rebateu me colocando sentada sobre o balcão e retirou um cartão de crédito do bolso. '' Este garoto é mesmo esquisito num nível inimaginável. ''

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— O problema é seu. Tudo bem. — Assenti sem opção e o vendedor realizou o processo de venda tão rápido quanto o começara. — Agora acho que devemos retornar ao hospital para buscar suas coisas e depois irei levá-la até a sua casa. Sabia que você contraiu um tipo de virose? — Murmurou manobrando o carro. — Eu estava perfeitamente bem até você me atropelar. — Gabriela, você vai contestar um quase médico? — Brincou. — Pediatra não é um clinico geral. — O provoquei. — Mocinha teimosa. E por falar nisso... O que você estuda? — Se sabe o meu nome é porque olhou a minha carteirinha de identificação da universidade. — Respondi cruzando os braços. — Eu sei qual é o curso, mas não o que a garota que está ao meu lado realmente pretende estudar dentro dele. Podemos brincar de adivinhação. Hum. Delicada, comunicativa e estava num parque... Você vai trabalhar com a recuperação de crianças um dia. — Blefou acertando de primeira e revirei os olhos. '' Tarado, maluco, infantil e bom leitor. '' — Você errou. Não estou estudando fisioterapia para isso. — Menti. — Tem certeza? Pode adivinhar agora por que escolhi lidar com os pequenos? — Tagarelou. — Como é que vou saber isso se mal conheço você? — Devolvi a pergunta e ele riu. — Então quer me conhecer melhor? — Eu não disse isso! — Me defendi. — Eu a desafio a ir conhecer o meu apartamento e assim vai me entender melhor. — Lançou mais um absurdo. — Nem pensar. Uma coisa é entrar nesse carro e... — Não se preocupe o porteiro do prédio vai nos ver e se quiser dizer a ele para ''ligar'' para a policia se você não sair do meu apartamento até o fim do dia. Fique a vontade. — Caçoou. — Você gosta mesmo de me irritar. — Reclamei sentindo vontade de bater no rosto dele. — Eu já reparei e é justamente por isto que um dia você vai gostar de mim. — Brincou. — Eu vou com você, mas depois vai me levar de volta e nunca mais cruzará o meu caminho nesta vida ou então... — Vai arrancar meus os bigodes imaginários? — Hã? — É uma brincadeira sobre relacionar travessuras de garotos aos gatos. — Deu uma explicação sem nexo, e uma vez que pegamos as minhas coisas no hospital sobre meus xingamentos, ele passou numa farmácia e comprou os remédios para a virose que o médico receitara. E ainda comprara no Mc Donalds uma porção de porcariadas das quais nós dois gostávamos de forma incomum. — Eu moro aqui. — Disse ameno ao apontar na direção de um prédio na beira da praia que gritava valer muitas cifras. '' Eu fui atropelada pelo rei Midas oriental?''

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— Oi senhor, Matias. Esta é a Gabi e ela quer dizer... — Quase me matou de vergonha, quando passamos pelo porteiro. — É um prazer conhecê-lo... É só isso. — O cortei sorrindo para o homem que retirou seu quepe e acenou simpático, antes que eu empurrasse o atrevido para dentro do elevador. — Isso não se faz! — Exclamei desferindo uma bolsada no ombro dele e no fundo estava grata por ter conseguido minhas roupas de volta e minha inseparável bolsa amarela em formato de minion. — O que foi? — Perguntou irônico. — Idiota! — Pensei que fosse mesmo pedir ajuda a ele. — Riu de mim e levou outra bolsada. Perto de alguém tão alto quanto ele me senti como um dos anões da Branca de neve e ao mesmo tempo aquilo não era de todo tão ruim. — Este é o meu lar. — Murmurou empurrando a porta de carvalho branco de número 1316 e me puxou sutilmente para dentro de uma sala muito peculiar. '' Meu Deus! O que é isso? Ele tem uma sala inteira feita de móveis com legos. ''

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Joana de Brito A Tatiane louca insistiu para que participássemos do trote subversivo da tal de Fátima Sueli do quinto ano e agora lá estávamos nós duas num bar estilizado que só tocava baladas dos anos oitenta. E muitos rapazes espalhados pela pista dançavam sem camisa, enquanto garotas colocavam dinheiros nas calças deles. — Uhul! Estamos no céu e ninguém avisou. Diversão é isso. — Ela gritou. '' Hã? Diversão? Aqui tem tanta fumaça que mal dá para ver o chão e não me imagino colocando dinheiro em nenhum cara. Bom para tudo tem uma primeira vez num trote. '' — Jo,empresta uma nota de cinquenta? — Está maluca? Meu dinheiro não é capim. Não empresto cinquenta reais para isso nem se for para colocar no bolso do Brad Pitty. Tome cinco reais e isso que dê para o gasto. — Respondi entregando a nota para ela. — Mão de vaca. — Não sou mão de vaca, apenas sou econômica com o que gasto. — Falei lançando um olhar malvado nela. — Meninas têm veteranos e calouros dançando na pista e quem conseguir colocar dinheiro no capitão do time de vôlei da universidade e trouxer a braçadeira dele ganha um prêmio. Vamos lá! — A tal Fátima Sueli avisou, e um bando de desesperadas se espalhou pela pista empurrando umas as outras. — Amiga vejo você depois vou procurar um cara que não me xingue por colocar uma nota de cinco no bolso dele. — Tati! Volte aqui. — Exclamei deixada as traças — Ola caloura loura de farmácia do curso de farmácia! Está parada por que tem medo de uma boa diversão? — Fátima Sueli disse rindo de mim. — Desculpe, mas sou loura natural querida. Poderia dizer o mesmo desses seios de plástico falsos? — Devolvi a ironia, antes de sair dançando entre as pessoas na pista a procura de minha vizinha assanhada. '' O que eu vim fazer aqui? Nunca mais me prestarei a participar de um jogo chato desses. '' — Pensei mudando de ideia em seguida porque a perfeição alta e sem camisa que exibia um peito viril e uma cara de menino mau foragido de alguma instituição de segurança tipo uma delegacia. Estava parado no caminho observando ao redor, enquanto uma música do Abba fazia a mulherada agarrar os caras que dançavam menos ele. — Bom. Acho que posso abrir uma exceção e fazer uma caridade. Ninguém está vendo mesmo. — Murmurei tirando uma nota de vinte da minha bolsinha e me aproximei dele pulando mais do que pipoca em dia de meia entrada em cinema. — Uhul! Gato dança para mim! — Gritei passando a mão nas costas dele e sem um pingo de pudor ou resquício de bom senso enfiei a notinha de vinte no baixo ventre dele. — O que é isso? Manga e chantili? Lyubov. — O gato gritou murmurando uma frase desconexa com alguma língua estrangeira no meio. E enlaçou as mãos enormes em minha cintura erguendo-me do chão, como se não pesasse nada. Seus cabelos eram castanhos curtíssimos, seus olhos eram de um castanho quase como caramelo liquido e sua boca era um espetáculo de perfeição, assim como o seu cheiro delicioso.

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'' Pode me sequestrar e levar para onde quiser meu filho. Até mesmo me fazer de manga na sua salada de frutas. Não ligo se colocar chantili por cima, desde que você passe a língua.'' — Pensei com certeza olhando para tudo aquilo com uma cara de tarada idiota lavada. E o gatinho pareceu se irritar com algo, pois fez uma carranca fenomenal para mim. — Loirinha você por acaso faz esse tipo de coisa com frequência? — Como disse? — Somente mulheres vulgares e desesperadas saem pela noite pagando homens para ter um pouco atenção. — Criticou duramente. — Mas eu... Você... — Loirinha, eu não sou o tipo de cara que você está pensando. Não aceito dinheiro para... Maldição! Como pode se comportar dessa maneira tão repugnante? '' Oh, não! Ele não fazia parte do trote. Joana às vezes você sabe como se ferrar com estilo sozinha. Com que cara vou me lembrar disso amanhã? Hum. Que tal sair à francesa?'' — Desculpe, mas eu estou... — Não. Não está ajudando em nada com suas explicações sem sentido. Devia estar envergonhada do que fez. — Rebateu parecendo o meu pai e isso foi um tanto broxante. — Amigo pode me por no chão? — Não me diga que você tem medo de altura. — Ironizou erguendo o meu corpo ainda mais para o alto e me vi suspensa, enquanto era fitada como se seus olhos quisessem me destruir ou tivessem a intenção de fazer algo que iria me deixar à beira da histeria. Sim eu estava com medo do gato estressado fazer auê em público. '' Tenho imã para homens estranhos e isso começou pelo meu avô. Por que só cruzo o caminho de caras que surtam? Será que tenho de ir a alguma cartomante tentar descobrir que tipo de mal é esse? Porque a coisa está feia para o meu lado e muito. '' — Não... Não. Eu não tenho, mas você está me apertando com força e isso está me assustando. — Gritei arrancando um riso malvado dele que me chacoalhou antes de me devolver ao chão que agora era para mim extremamente mais seguro. — Desculpe por... — Oi. loirinha gata. Por que não vem conhecer o meu carro? Garanto que vai gostar. — Disse um cara esquisito surgindo em nossa frente e assobiou para mim me olhando como se eu fosse uma garota à toa. — Amigo libera a gata para mim. Eu pago o dobro por ela. '' A minha noite de hoje está muito mágica mesmo. '' O gato estressado travou o maxilar na hora e lançou um olhar assustadoramente raivoso no rapaz inconveniente. — Seu patife! Dobre a língua quando falar com esta senhorita. De onde eu venho homens só assobiam para mulheres de vida fácil e isso esta dama não é. — Ele urrou,antes de desferir um soco violento no idiota que acabou voando longe,como naqueles filmes de ação e as pessoas na balada começaram a gritar. '' Ok. Acho que já é hora de dar tchau a essa noite horrorosa. '' — Refleti morta de vergonha e quando seguranças vieram atrás do gatinho estressado, eu aproveitei para escapar discretamente.

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Iohannes Volk Minha fúria cresceu em dobro quando aqueles seguranças patifes me arrastaram para longe da ‘’loirinha solinska’’ com a qual, eu precisava conversar algumas coisinhas com urgência, como por exemplo: ‘’ Nunca mais deixá-la frequentar este tipo de evento absurdo! Minha consorte foi feita para ser mimada exclusivamente por mim e vice versa. ’’ — Ele está comigo! — Bernard gritou e fui imediatamente solto, mas a espertinha já havia escapado por ‘’hora’’ já que eu a rastrearia em qualquer parte dessa cidade até encontrá-la ou não me intitularia um dos melhores batedores do clã. — Volk,eu não quero você destruindo o meu bar. — Olen,eu não sabia que você era chegado a cultivar eventos para o clube das mulheres aqui. — Debochei com o pensamento totalmente fixo na baixinha de olhos claros que mexera seriamente em meu sistema hormonal com o seu aroma tão irresistível. — Está maluco? Este bar é um lugar de respeito. Não sabia que acabaria sendo invadido por universitárias sem o senso de descrição daquela coisa chamada ‘’virtude feminina’’. Deus me livre arranjar uma consorte assim. Daqui a pouco colocarei todas estas arruaceiras para fora. Gostaria de se juntar a mim nisso? — Eu adoraria fazê-lo se pudéssemos nos transformar e mastigar os pescoços de todos os seres barulhentos do recinto. — Você sabe que é contra as regras, amigo ‘’pacifico do clã azul. ’’ — Disse arqueando uma sobrancelha dourada. — Ninguém precisaria saber e nós jogaríamos cal nos corpos. — Zombei. — Não me dê ideias tentadoras de ceder ao lado ruim de meu sangue. — Riu e trocamos um aperto de mãos antes de nos despedirmos. Mal saí na calçada e o maldito patife que interrompera o meu lance com a ‘’minha’’ garota agora se aproximava de mim acompanhado de um grupo de mais seis amiguinhos. ‘’ Sete é o meu número da sorte. ’’ — Quero saber se é tão homem agora em roubar as vadias alheias. — Ele rosnou empinando o queixo machucado e seus amigos cuspiram no chão. — Se não me deixarem passar, eu não sentirei muito por mandá-los a um hospital. — Avisei calmamente. — Veremos quem vai sair numa maca! — Exclamou dando o sinal para os comparsas iniciarem o ataque coletivo e isso me fez rir. ‘’ Lista de itens a fazer. Item um moer esses caras e item dois ir atrás da minha metade fugitiva. Acho que minha noite nunca foi tão feliz ou excitante como a de hoje. ’’ — Refleti partindo para a defesa ao estilo dos homens de minha família.

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3. Interferências indesejadas

Talita Com as malas já aguardando no alpendre de nossa velha casa, eu estava terminando de apagar as luzes e pensando nas ligações que faria para a dona Mônica para explicar sobre a pressa em deixar o sul para ir viver em São Paulo, quando ouvi um barulho vindo da sala. — Deve ser o taxista. — Sussurrei ansiosa para partir o quanto antes,mas ao atravessar a sala tive uma surpresa inesperada. — Filha nós temos de conversar. — Minha mãe disse e pelo modo como me olhou,ela já sabia da minha escolha e só uma pessoa poderia ter lhe contado isso. ‘’ Obrigado, Nar.’’ — Pensei respirando fundo e ignorei os dois postes russos parados ao lado dela. — Mãe a senhora não deveria estar em lua de mel agora? — Tentei desconversar,pois não queria discutir o assunto na frente deles. — Talvez,mas você não deveria ter me contato que conseguiu se transferir para fora do estado? Isso é por causa do... — Não! Eu já tinha decidido bem antes,eu só deixei para lhe contar isso quando... — Quando já estivesse morando longe de casa? — A pergunta saiu num tom triste. ‘’ Está aqui uma mulher realmente boa em me manipular. ’’ — Mãe a senhora estava tão atarefada que não quis atrapalhar a sua vida. Porque agora se trata de mim e o meu padrasto vai concordar comigo, não é? — Falei olhando para ele a procura de ajuda. — Eu concordo que você faça tudo o que desejar para ser feliz, mas não poderia continuar aqui e me livrar de problemas com a sua mãe sendo manipuladora. — Disse desarmado e pelo olhar controlador de Mônica em cima dele, eu percebi quem é que dava as cartas ali. ‘’ Se eu não estivesse tão irritada começaria a ter pena dele. ’’ — Mãe não pode fazer isso comigo! Eu irei matar o Narciso por isso. — O seu primo apenas comentou sem intenções maldosas aquilo que eu não sabia. ‘’ Ok. Eu não vou mais acabar com a raça dele. ’’ — O que a senhora quer que eu faça? — Será que não dá para entrar em acordo com a sua mãe gestante que vai precisar da sua ajuda? — O loiro aguado se intrometeu no assunto e minha língua coçou para respondê-lo com uma resposta ácida, mas não fiz isso para evitar mais problemas para o meu lado. — Desculpe, mas isso é entre mim e a minha mãe. — Falei seca e ele sorriu de modo cínico. — O bebê só irá nascer daqui a alguns meses. A senhora não precisa tanto de mim assim. — Eu precisarei sim! Você é a minha única filha mulher e quando o Noah Remy nascer, ele vai precisar da irmã aqui para acompanhar o inicio da vida dele. — Como a senhora sabe que será um menino? Mal dá para perceber que está gestante. — Tagarelei nervosa e ao mesmo tempo orgulhosa porque ele havia mantido um nome de menino que eu sempre achei lindo.

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— Eu tenho uma intuição muito boa de que é um garotinho que vai ter os olhos do pai. — Disse lançando um olhar amoroso no marido. — Eu espero que ele tenha os seus olhos castanhos lindos. — Disse sorrindo. — Eu vou ter de cancelar tudo a essa altura do campeonato. Eu já havia trancado há tempos o curso de... — Não terá qualquer problema com isso. Eu conseguirei uma vaga no Meriel para você de acordo com o semestre correspondente ao seu antigo curso. — Nicolai garantiu. — Eu não poderia aceitar isso. Seria muito trabalho e... Aquela universidade era a melhor da região e eu nunca tentara uma bolsa nela,pois achava que não conseguiria passar nos padrões de vestibular exigidos ali. — A minha família tem uma parte daquele instituto e não será trabalho algum,eu apenas terei de fazer uma ligação e dar uma palavrinha com o reitor Helren e tudo estará resolvido. — Por que se preocupar com algo que não está relacionado a você? Eu já sou a filha crescida da sua esposa e, portanto um problema fora da sua zona de conforto. Isso seria injusto. — Contestei embaraçada. — Estou disposto a fazer isso porque quando me casei com a sua mãe,eu também adotei você como minha filha. Basta apenas me dar um pequeno espaço para pelo menos ser um amigo presente e não um estranho. — Respondeu me deixando sem argumentos para recusar a ajuda de um homem que realmente era alguém bom. ‘’ Odeio a mim mesma às vezes por me envolver em certas situações. ’’ — Filha você vai rechaçar isso? — Mônica quis saber me lançando um olhar de cobrança. — Tudo bem! Eu aceito, mas eu não quero morar com vocês. Acabaram de se casar e precisam de espaço. — Aceitei fazendo uma boa exigência. — Eu posso concordar isso desde que vá a nossa nova casa todos os dias. — Minha mãe cedeu até rápido demais o que me deixou com o pé atrás. — Eu farei isso. — Nós compramos a casa vizinha. — Nicolai disse se referindo a grande casa de veraneio dos Souza que era ao lado da nossa pequena casa e eu quis surtar por isso, mas fingi estar encantada com a novidade. — Isso é mesmo inesperado. Nicolai, obrigado pela ajuda. ‘’ Não tenho para onde correr e vou viver sem a minha privacidade. ’’ — Pensei desgostosa e recebi olhares incrédulos do esnobe Kayan. Ele provavelmente devia ter achado que eu não iria aceitar o empurrão universitário ou agradecer por isso. ‘’ Querido, eu sei ser esperta quando quero. ’’ — Não me agradeça, apenas fique conosco porque somos uma família. — Disse alegre e assenti calculando formas de manter uma distância segura do sobrinho nojento dele.

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Joana

Estava adiantada para sair de casa e refiz a minha rotina de sempre que consistia em pentear meus cabelos louros na frente do espelho ao som da velha caixa de música que havia sido da minha falecida mãe. Take my breath away da banda Berlim deveria ter sido a canção favorita dela que também passara a ser a minha desde o momento em que eu roubara aquele objeto das coisas do meu pai. — Como teria sido a vida dela em minha idade? Ela com certeza foi alguém mais divertida do que eu e menos atrapalhada. — Murmurei olhando meu rosto pálido refletido na luz do espelho e procurei pelas características de meu pai e avô, mas eu nunca tive nada de parecido com eles porque era muito clara e tinha os olhos azuis aparentando ter saído de algum tipo de comunidade de imigrantes germânicos. ‘’ Devo ser assim por causa da dona Judi. ’’ — Pensei em minha mãe, embora a única foto desgastada que eu tinha dela apenas mostrasse uma mulher loura de costas segurando um bebê enquanto apreciava a vista do mar em qualquer lugar desconhecido para mim. Mesmo que eu não conseguisse me lembrar dela me sentia mais ligada a ela do que ao meu pai, afinal o senhor Rogério Brito mal parava em casa e a todo tempo sempre se comportava como se estivesse pronto para fugir me levando consigo. Viver em um só lugar nunca era o bastante porque o trabalho dele exigia muitas viagens e numa dessas ocasiões há três anos atrás, ele enfartara pela emoção de ser promovido para se fixar em uma cidade só, e eu acabara indo parar sob a tutela de meu avô que era um homem muito peculiar e engraçado. — Bom dia vovô. — O saudei depois de sair da área da casa e acabar dentro da nossa farmácia para vê-lo tomando café da manhã no balcão com um rapaz desconhecido. — Good morning,lady! — O rapaz me saudou em inglês. ‘’ Hã?’’ — Good morning Sr. — Netinha eu trouxe o inglês que você pediu para o café da manhã. Johnson esta é a minha neta Joana. — Érico nos apresentou e então entendi o que estava havendo. — Não vovô. Eu havia dito que queria um molho inglês para o café. — Falei alto. ‘’ Jesus!’’ — Hã? Não era um inglês. Era um molho? Mas netinha você deveria explicar as coisas direito. Agora o moço está aqui e não posso mandá-lo embora sem terminar o café. — Tagarelou nunca admitindo que tivesse um problema de surdez crônica. ‘’ Como ele sobreviveu sem mim antes?’’ — A mesma pergunta rotineira me pegou de novo, pois eu era a tradutora dele para evitar que clientes levassem laxantes para suas casas ao invés de relaxantes musculares. — Sem problemas vovô. Desculpe por isso, mas nós dois ainda temos de marcar aquela sua consulta no médico. — O lembrei. — Nada disso. A minha saúde é perfeita. — Resmungou e me inclinei o beijando na testa. — Depois falaremos disso. Agora vou indo ou chegarei atrasada a minha aula. Até logo Sr Johnson — Murmurei me despedindo deles e entrei em minha velha caminhonete verde estacionada na calçada.

Fernanda Marinho

Hoje eu estava especialmente ansiosa porque a semana de aulas normais começaria sem os trotes da última sexta à noite, e eu ainda tinha de levar uma cesta de cup cakes de frutas caseiro para o café da manhã com o professor que apresentaria o plano de ação para créditos extras no decorrer do curso. — Eu irei causar uma boa impressão de que gosto de trabalhar em equipe, graças a estes santos bolinhos. — Murmurei dando a partida no veículo e ignorei a nona ligação da Tati,pois não estava no clima de relembrar da minha vergonha publica. — Bom dia! — Uma conhecida me saudou quando passei por ela no grande saguão movimentado e famoso pelas ‘’estátuas gigantescas dos tigres e da cigana. ’’ — Bom dia! O dia está de fato começando muito bem hoje e... — Minha língua quase enrolou quando avistei aquele ‘’cara’’ da noite ruim olhando em minha direção. E por observação interessante, ele estava totalmente vestido para não cegar as vistas alheias, mas me incomodou bastante o pequeno fato de que o mesmo agora estava apressando o passo e acenando para mim. ‘’ Ai, não! Com tantas pessoas e lugares, ele tinha de aparecer e me reconhecer. O que esse doido quer?’’ — Pensei apertando minha cesta de bolinhos e olhei para todos os lados,antes de fugir para o primeiro elevador que vi aberto, não me esquecendo de apertar todos os botões para fechá-lo na hora do desespero. E como a minha sorte ainda era inexistente nesse plano astral o pior tornou a acontecer e com um solavanco o elevador estacou fazendo um barulho horrível,graças a minha mãozinha nervosa. — Parece que nós vamos ficar presos aqui até Deus sabe quando. — Uma voz grave comentou em tom calmo e seu sotaque era estrangeiro. — Nós deveríamos reclamar sobre a falta de manutenção desses elevadores pré históricos. — Outra voz grave comentou soando irritada e o sotaque era o mesmo. — Que cheiro bom de bolinhos. Teriam nutella neles? — Outra voz murmurou prosseguindo no mesmo tipo de sotaque. — Pare de falar em comida! Eu ainda não tomei café. Vou tentar ligar para o Olegário para lembrá-lo de que tem estudantes presos num elevador. — Outra voz disse em tom de ordem e quando me virei para trás me senti baixinha perto de quatro rapazes louros, altos e extremamente lindos de olhos azuis muito expressivos. E dois deles eram gêmeos idênticos. — Desculpem. Acho que a culpa disso é minha. Apertei todos os botões. — Balbuciei me encolhendo no canto e me senti uma idiota por ter invadido o lugar sem me dar conta de que existiam outros estudantes ali que provavelmente me xingariam agora. Por alguns momentos ambos permaneceram me encarando e ao invés de insultos recebi sorrisos. — Ola malenkaya devochka! — Exclamaram em coro. — Hã? Não entendo o idioma. Por favor, usem o português. Principalmente se for para um xingamento. — Tagarelei agora ouvindo risos. — Ola pequena menina. — Um dos gêmeos que aparentava ser o mais calmo do quarteto traduziu as palavras. — É isso. Sim. Eu comecei a esquecer de crescer no ensino médio. — Dei de ombros começando a simpatizar com eles. — Por que mexeu no painel? — O rapaz que parecia agir como líder perguntou curioso.

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— Longa historia. Digamos que na última sexta, eu tive um problema com um universitário desconhecido meio briguento num trote ‘’solidário’’ e agora a pouco nós nos encontramos e ele tentou me perseguir. Por favor, não me achem maluca por estar apavorada. — Confessei sem mais nem menos apenas editando o tipo de trote e os meninos ficaram sérios. — Quem é o idiota? Sabe o nome dele? Podemos reverter à situação. — Disseram descontentes. — Eu realmente não o conheço, mas não arranjem problemas por causa de uma baixinha desconhecida. — Murmurei me sentindo segura perto de quatro rapazes que nunca havia visto na vida. — Nós não gostamos de injustiças sobre tudo às cometidas com mulheres. Se precisar fazer alguma denuncia basta ir à reitoria ou nós podemos cuidar disso do modo tradicional. — O gêmeo mais sério comentou. — Obrigado mesmo, mas talvez eu nem mesmo o veja mais. Esta universidade é muito grande. Os russos que a construíram tinham problemas com exagero em suas obras. — Agradeci fazendo uma piada e todos arquearam suas sobrancelhas. — Eles não faziam economia em nada e até hoje tem sido assim. — Disse o rapaz de cabelos bagunçados e camiseta branca manchada de tintas coloridas. — Eu gosto daqui,embora ache que a população feminina viva em função dos herdeiros desse lugar. O que é muito esquisito em se tratando de caras comprometidos que nunca socializam com outros grupos. — Desatei a falar e ouvi mais risadas. — Nós raramente socializamos porque temos muitas tarefas, mas isso não significa que ignoramos as pessoas, embora quando se tenha compromissos fixos com garotas que valham a pena seja bem difícil para homens pensaram em outras coisas que não sejam elas. — O líder disse e minha cara quase caiu no chão. ‘’ De novo não! Não acerto uma.’’ — Deus! Vocês fazem parte disso. Des... — Não. Tudo bem. É divertido saber como o outro lado pensa sobre nós em grupo. — O gêmeo sério comentou. — Não estou conseguindo completar a ligação. — Ben, talvez estejamos sem sinal,mas em algum momento alguém vai perceber que um dos elevadores parou. — O rapaz da camiseta manchada disse despreocupado e ouvi o som de estômagos roncando. — Opa! Será que isso vai demorar muito? — Emendou. — Meninos como eu já sei que perdi a minha reunião do curso e fui a causadora disso, por favor, aceitem essa humilde cesta de cupcakes como um pedido de desculpas. — Falei estendendo a cesta de palha verde na direção deles. — Seria deselegante se aprovei... — Luca, pare de frescuras! Um presente é sempre bem vindo. — O outro gêmeo disse e não demorou muito para que os quatro acabassem sentados no chão saboreando os bolinhos. — Obrigado pelas acomodações. — Brinquei sentada numa pilha fofa feita com as mochilas de ambos que insistiram que uma dama não deveria se sentar num lugar indevidamente incomodo. — Que delicia de bolinhos! São tão bons quanto os da Ana. — A minha Ana faz bolinhos bons, mas estes estão competindo com os dela. — Poderia me dar à receita deles depois? — Tirem as mãos dos de laranja! Isso está muito bom.

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— Vocês vão passar mal desse jeito. — Ri. — Malenkaya devochka. Qual é o seu nome? — Quiseram saber. — Meu nome é Joana Brito e sou do primeiro ano de farmácia. — Malenkaya devochka. Nós fazemos parte da família Tarkovisky e eu me chamo Benjamin e estes são os meus primos Eliel,Alex e Luca. — É um prazer conhecê-los. — O prazer é nosso e desses bolinhos incríveis. — Disseram sorridentes. — Nem sou tão grande cozinheira assim. — Se você não tiver um emprego depois do curso a minha namorada lhe daria uma vaga com prazer se provasse desses bolinhos. — Benjamin disse animado. — Eu realmente não cozinho para fora, apenas para mim e para o meu avô. Temos uma farmácia no centro da cidade. A Farma Britos é uma espécie de lugar lendário para idosos e turistas. — Se a Joaninha estuda farmácia é obvio que ela não trabalharia fora dessa área. — Eliel comentou quase se engasgando de tanto comer. — Tente recheá-los com nutella da próxima vez. — Emendou uma sugestão. — Nunca experimentei fazer isso, mas acatarei a ideia. — E depois encha uma nova cesta e trave o elevador de novo de preferência com todos nós dentro dele. — Luca pediu. — E se não for pedir muito da próxima vez traga uma garrafa de leite quente. — Benjamin pediu imitando o sotaque gaúcho ao falar as últimas palavras da frase e não segurei uma gargalhada. — Perdoe os meus primos, eles ficam meio lesados quando comem muito açúcar. — Alex disse engolindo um bolinho de chocolate. ‘’ Meu Deus! Eles comem muito. ’’ — Pensei observando parte dos trezentos e sessenta cupcakes sumirem rapidamente. — Vocês são engraçados. — Você que vê graça em quatro palhaços meio soviéticos com os pés no Brasil. — Gracejaram e passamos os próximos trinta minutos falando de coisas interessantes do pais e da Rússia,até que o elevador deu outro solavanco e resolveu funcionar. — Rapazes o recreio acabou. — Benjamin disse me ajudando a ficar de pé e beijou a minha mão em agradecimento pelos doces. — Que penas. Nós iremos nos esbarrar pelos corredores ainda, Joana. — Os outros disseram repetindo o gesto do primo. — Foi um prazer passar todo esse tempo presa com os quatro. Disponham. — Acenei sendo a primeira a sair da repartição e Luca me devolveu a cesta, mas não sem pegar os últimos quatro bolinhos restantes. — Até logo. Malenkaya devochka! — Até meninos. — Murmurei sorrindo e então os vi partirem de vez. ‘’ Talvez, eu nunca mais fale com eles, mas pelo menos sei que são amistosos. ’’ — Deus! Perdi a reunião.

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Kayan Eu sabia que não deveria dar a mínima para aquela endiabrada ingrata,mas em favor do meu tio ‘’prometi’’ ficar de olho nela e hoje em potencial não a vi sair pela manhã. O que talvez deixasse evidente que Talita havia matado o seu primeiro dia de aula. — Kay,você está me ouvindo? — Misha perguntou me trazendo de volta a realidade quando nos encontrávamos na grande mesa particular dos herdeiros e suas consortes no refeitório. — Como disse? — Surdo, eu queria saber quando será a primeira competição de natação? — Sim. Eles irão divulgar a data em breve, mas é possível assistir aos treinos a partir de quinta feira. — Respondi observando o modo como Marie estava abraçada a ele. Os dois haviam passado por problemas no começo da relação, mas qualquer um que os visse agora iria pensar que o pior nunca acontecera a eles. — Como você está hoje? — Abigail perguntou tocando a barriga já evidente de Lara e Sacha olhou a noiva com amor. — Eu continuo me sentindo pesada e o Erin não me deixa dormir direito. — Reclamou orgulhosa do bebê. — Eu vivo dizendo para ela usar o travesseiro especial, mas a teimosa não me ouve. — Sacha disse todo meloso a ajudando a se sentar ao lado dele. — Para que eu iria querer um travesseiro bobo? Se eu tenho o melhor travesseiro russo bem parado aqui na minha frente. — Rebateu encostando a cabeça no ombro dele. ‘’ O amor continua convertendo os homens em zumbis. ’’ — Pensei ainda achando tudo aquilo uma tolice do ponto de vista em falta de liberdade sentimental e total servidão a alguém que poderia não valorizar isso. — Os meninos estão demorando. — Ana se queixou. — Daniel, não viu o Eliel e os outros? — Patrícia perguntou. — Eu imagino que eles tenham ido falar com o reitor sobre alguma coisa pelo que entendi quando nos encontramos no elevador. — Os Tarkovisky falam demais. — Amanda zombou. — Não só os T como todos os outros russos marrentos que nós conhecemos. — Arabelly riu. — Consortes são tão más. — Iohannes murmurou e imaginei que estivesse se referindo aos comentários delas já que ele quase não se envolvia nas brincadeiras relacionadas a garotas. — Somos mesmo! — Milen disse entrando na discussão. — Vocês merecem. — Lia concordou ao passar perto da mesa acompanhada de Lenya. — Às vezes merecem. — Pam comentou fazendo Fillipe lhe lançar um olhar malicioso. — Não diria isso quando o Viktor tem se comportado. — Emilia disse ganhando um sorriso dele. — O que foi Daniel Brunov? Não irei defendê-lo. — Aime sorriu. — Lá estão eles! — Lilibel apontou. — O que nós perdemos? — Perguntaram em coro. — Nada demais, apenas um debate sobre o quanto tigres são marrentos e falam demais. — Ana respondeu e Benjamin se sentou ao lado dela. — O que o Helren queria? — Ian perguntou sem delongas.

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— Nós que fomos incomodá-lo depois que tivemos um acidente com o elevador mais cedo. — Luca respondeu. — O que? — Todos nós rosnamos em alerta a intrusos. — Não aconteceu nada demais. O elevador está velho e nós ficamos presos por meia hora hoje com uma estudante. — Eliel explicou. — Como assim? — As consortes de três deles quiseram saber. — Hoje fizemos amizade com uma estudante do primeiro ano de farmácia, ela foi super gentil nos dando uma cesta cheia de cupcakes. — Alex respondeu dando de ombros. — Então é assim? Comeu doces alheios, Benjamin traidor. — Ana falou fechando a cara. ‘’ É normal uma consorte que não pode ser traída ter ciúmes por que um tigre comeu algo preparado por outra garota? Deus isso é tão esquisito. ’’ — Tigresa ela cozinha tão bem quanto você, e eu não resisti. — Riu na cara dela sem disfarçar que aquilo o estava agradando. — E quem era essa fulana do elevador? — Amanda e Patrícia indagaram. — O nome dela é Joana, ela não se comporta como as demais universitárias surtadas e tem cheiro de manga e chantili. — Luca comentou sorridente. — Isso. Pelo contrario, ela é uma boa garota e me lembra de alguém que já vi em algum lugar. — Benjamin a defendeu recebendo olhares surpresos dos demais. — Era o que eu ia dizer. — Eliel assentiu. — Isso também aconteceu comigo, mas não me lembro de quem seja. — Alex disse coçando o queixo. — Talvez ela tenha esse efeito porque possui esse cheiro bom que lembra de partes da nossa infância naquela vez em que passamos um tempo naquele sitio do amigo do Tio Eliaquin no interior de São Paulo. A Joaninha cheira como as plantações de mangas dele. — Luca concluiu e os outros concordaram. — Por acaso essa Joana é baixa e loura? — Iohannes perguntou possessivo e de repente um silêncio se fez,antes que os quatro Tarkoviskys ficassem de pé grudando as mãos na camisa do Volk para erguê-lo para cima. — Ion,explique-se direito. Por acaso é você quem está perseguindo aquela moça? — Rosnados conjuntos quiseram saber. — Eu tenho todo o direito do mundo de caçar a minha consorte e mesmo que ela tenha caído nas graças da amizade de ambos, não irei mudar o meu comportamento. — Disse sério e foi solto. — Cavalheiros nós estamos num refeitório. — Mikail os advertiu. — Você pode estar em seu direito, mas nosso código diz que um tigre seja ele quem for não deve assustar uma garota a envolvendo em confusões. Mude de tática ou nós ficaremos em cima do seu traseiro. — Benjamin o ameaçou. — O que há com vocês? Por acaso resolveram adotar a minha consorte como parte da família? — Iohannes rosnou. — A ideia não é má se for para fazê-lo ter freios em seu comportamento tolo. E se quiser ganhar pontos procure por ela e peça desculpas por ser um patife. — Luca cuspiu me deixando pasmo, pois ele raramente se irritava com algo.

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— Estamos de olho em você Volk. — Eliel completou. — Batedor ou não você vai ter o pescoço quebrado. — Alex prometeu. — Que interessante essa tal de Joana ter todo esse efeito sobre os homens Tarkovisky. Quero conhecer essa garota. — Ana disse cruzando os braços. — Tragam ela para ser vista. — Amanda pediu lançando um olhar cortante em Alex. — Eliel,eu também estou de olho em você e nessa historinha. — Patrícia disse fechando a cara. — Não há nada com o que se preocuparem em relação à pequena menina, ela é apenas uma criatura frágil. — Se defenderam. ‘’ Que coisa estranha. Tarkoviskys defendendo uma garota qualquer porque gostaram da índole dela. ’’ — O que eu vou fazer em relação a ela só diz respeito a uma pessoa. Eu mesmo! — Iohannes argumentou frio e deixou a mesa sem pedir licença. — Ele puxou o lado esquentado da família. — Demetrio e Lucius opinaram balançando suas cabeças. — Seu primo precisa de um cascudo. — Priscila comentou. — Estou mesmo curiosa para saber quem é a tal mocinha. — Kamili sorriu, mas deixei de prestar a atenção no assunto quando avistei a ‘’cachinhos dourados’’ caminhando por entre as mesas com um copo de milk shake na mão. — Aquela dali não é a sua meio prima? — Yuri apontou. — Sim. Ela está matriculada no Meriel. — Comentei ameno. — Ela não tem amigos aqui? — Bianna quis saber. — Não sei muito sobre ela. — Menti, pois sabia que ela era amiga intima de Faye Berbeth consorte de Dimitry Zirkov. — Convide-a para se juntar a nós. Ela me pareceu tão simpática na cerimônia de casamento dos seus tios. — Lilibel sugeriu. ‘’ Como eu gostaria de dizer não. ’’ — Eu pretendo fazer isso quando ela tiver algum tempo para se dedicar a falar comigo. Digamos que a senhorita Caramelo não é a minha maior fã. — Eu não a culpo. Você é um pé no saco quando quer, Kay. — Gabriel zombou e recebeu um palavrão russo a altura. — Ela e eu discordamos sobre algumas coisas quanto a união do meu tio com a mãe dela e por isso não nos gostamos muito. — Falei sobre uma parte da verdade, assim ninguém desconfiaria do real motivo por trás disso. — Deve ter sido difícil para ela lidar com isso. Não é fácil ter alguém invadindo seu espaço. — As garotas comentaram dando razão a ela. — Obrigado por defenderem a senhorita mal humorada. — Ironizei e pude ver quando a miss chata deixou o lugar falando no celular. — Deveria tentar se dar bem com ela para evitar atritos com o seu tio. — Ian aconselhou. — Estou tentando ser cordial nisso. — Menti mais uma vez e logo estávamos rindo de outras bobagens.

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4. Convite peculiar.

Russia Moscou Ivan La traviata ‘’Brindisi’’ ecoava pelo salão das armas da casa principal de meu pai que agradecidamente ainda não estava no recinto por ter ido participar de alguma reunião tola com os patifes facilmente manipuláveis do clã vermelho. — Molodoy lord e obshcheye. — Disse Aloyoshenka um dos mordomos que era fiel a mim e Yerik fechou a expressão quando o homem abriu a porta dando passagem ao bobo da corte ‘’Zion.’’ — Meu senhor Glavnyy. — O mesmo disse fazendo reverencia e o funcionário se afastou fechando a porta atrás de nós. Oliev sabia mexer em cartas muito bem quando queria, mas tinha tendências a ser muito lerdo em certas situações e se não tivesse feito um juramento de lhe dar anistia na reforma já teria me livrado dos serviços dele e o deixado fora da participação em meus negócios. — Espero que esteja aqui porque têm boas noticias. Já que sumiu por alguns meses e só se importou em me enviar relatórios esporádicos sobre as investigações e sobre a espionagem quanto ao meu ‘’ dorogoy’’ primo Arion. — Segundo o que o meu informante passou as coisas continuam calmas em Smolensk. — Respondeu. — Quer que eu acredite que o grande Arion está calmo todo esse tempo? — O provoquei duvidando que meu primo ficaria mais tempo preso naquela cidade sem vir até Moscou. — O meu informante disse que o capitão Arion está resguardando seu grupo de treinamento para uma possível inspeção de Ivan I. — Revelou uma informação útil até que enfim. ‘’ Visualizo aquele patife tentando impressionar o meu pai. ’’ — É interessante saber o quanto aquele puxa saco vai tentar ganhar mais pontos. — Ri disso como se fosse uma piada engraçada. — E senhor em breve nós teremos sucesso na parte II das operações quanto à reforma. Tudo está propicio para a implantação dela. ‘’ Isso era questão de tempo até que o conselho fosse totalmente obstruído e meu pai fosse totalmente destronado. ’’ — Oliev,volte para o quartel na Finlândia e mantenha o olhos nas coisas. — Ordenei. — Como desejar meu senhor. — Assentiu e logo que deixou a sala fechou a porta sem fazer barulho. — Ivan, eu raramente o questiono, mas tem mesmo certeza de que o momento é o certo para isso?

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— Yerik,eu tive um sonho ontem e nele a minha taça de prata era transbordada com o melhor vinho da Criméia. Não acha que isso é uma profecia sobre o tempo dourado que nós almejávamos chegando? Já estamos há muito tempo aguardando a oportunidade perfeita e agora ela chegou. — Comentei desligando a vitrola e me coloquei de pé ajeitando meu relógio de bolso herdado de meu avô. — Como sempre estou com você. — Disse fazendo uma reverencia e se retirou por também ter sentido a presença de meu pai na casa. Caminhei até a grande janela e fitei o pátio de trás da propriedade sem emoção alguma de estar naquele local com poucas lembranças que dançavam sobre a mulher que eu nunca tivera me alentando durante a infância. — Syn. — A voz de barítono dele soou e me virei forçando um sorriso e fiz uma reverencia polida. — Estive com Fiodor e ele me disse que você fez um bom trabalho na Finlândia... — Sinto que haverá um ‘’mas’’ nessa observação, senhor. — Falei respeitoso. ‘’ Sempre houvera um ‘’mas’’ em tudo. ’’ — Só estou aborrecido com o fato de que não me contatou para dizer pessoalmente. — Reclamou se servindo de vodca e entrei no velho jogo de fingir que o via com admiração quando o odiava. — Eu estive ocupado otets. Lidar com oficiais agitados é algo que exige muito tempo. — Em alguns anos você talvez esteja apto para estar à frente do clã quando encontrar uma suka adequada para parir um herdeiro seu. — Não tenho sentido o cheiro de muitas ultimamente para descobrir qual delas será o útero certo. — Respondi aceitando o copo de bebida que me oferecera. — Se isso demorar muito a acontecer terá de fazer do jeito moderno para garantir que aconteça. — Se referiu à segunda covardia da qual nunca compactuei e jamais seria adepto. ‘’ Nunca serei um maldito bastardo para isso. ’’ — Tudo por um novo herdeiro. A sua zdorov'ya otets! — Falei ansioso para assumir o lugar dele.

Fernanda Marinho Gabriela

Eu estava cada vez mais deslumbrada com a liberdade e com as coisas novas sobre o curso, embora tivesse tido um pouco de dificuldade para me concentrar devido à quantidade de mensagens malucas que ‘’Kiwi’’ me enviara pelo celular. Não que eu tivesse dado o meu número ao homem que tinha o apartamento de legos mais estranho do mundo, comportamento infantil e hábitos alimentares exagerados para alguém que mesmo sendo um venerador de coisas calóricas aparentava a musculatura de um modelo fitness. ‘’ Como é que eu consegui arranjar um amigo tão grudento assim?’’ — Pensei irônica e me lembrei do quanto havia sido difícil convencê-lo a me deixar voltar para republica, embora às horas ao lado dele houvessem mesmo até que sido divertidas. — Eu preciso estudar. — Sussurrei depois de enviar uma última mensagem a ele avisando que não seria ‘’possível’’ aceitar o seu convite para assistirmos ao filmes do ‘’Star Treck .’’ ‘’ O Kiwi parece ser alguém legal, mas ele não tem obrigações comigo apenas por ter me atropelado. ’’ — Refleti incomodada pelo fato de que se continuasse a vê-lo acabaria distraída demais. E também seria alvo de olhares do fã clube feminino do Meriel, pois já havia sido bem informada de que os russos eram o alvo de disputa acirrada daquele lugar e nem morta gostaria de ser ameaçada de morte por andar a tira colo com um deles. — Verei você amanhã, Gabi. — Disse Marlene uma das meninas do curso ao passar por mim na saída. — Até amanhã. — Murmurei acenando e logo adentrei o elevador sentindo meu celular vibrar em meu bolso, mas não o peguei porque sabia quem era e segui de volta a republica da qual me tranquei para passar a tarde estudando. E já passava das nove da noite quando tomei um banho e entrei num velho vestido de algodão com figuras dos Smurfs. ‘’ Ainda bem que tenho batatas fritas para o jantar. ’’ — Pensei ligando a televisão e fiquei zapeando os canais a procura de alguma reprise de filmes de aventura e com certeza de teria encontrado algum interessante, mas acabei perdendo essa chance por derrubar o controle sobre o tapete quando a porta se abriu e Kiwi fruta invadiu o cômodo ostentando um grande sorriso. — Você é doente, não é... — Eu avisei que viria. Vamos. Não quero me atrasar. — Disse animado e se arrastou em minha direção tratando de me levantar e lançar em seus braços. — O que é isso? Como abriu a porta se estava trancada por dentro? Não pode simplesmente ir entrando assim e o que pensa que está fazendo? Ponha-me no chão! Está passando dos limites nisso e... — Do que está falando se perguntei se poderia vir? — Eu não sei do que... — Eu perguntei se poderia passar por aqui e como você não respondeu entendi que havia concordado com isso. — Disse cínico e quis acertar o queixo dele, mas não ousei fazer isso porque se o fizesse acabaria sendo derrubada de cara no chão. — Eu não sei de nada e não irei a lugar algum! Agradeço as gentilezas, mas você é muito espaçoso e...

Fernanda Marinho

— Pare de falar e apenas seja uma boa garota em sair para se divertir comigo. Estamos perdendo a festa dos ‘’Cossacos. ’’ — Co o que? — Balbuciei. — Está curiosa, não é? — Não, eu não estou curiosa. — Menti. — Eu a desafio a ir até lá para ver de perto. — Lançou aquilo para me irritar. — Eu passo. — Tem certeza? Tudo bem. Eu deveria ter imaginado que a garota corajosa do acidente no parque cederia ao medo em alguma hora e... — Ok! Vamos! Mas nós dois precisamos conversar seriamente sobre essa sua pequena mania de perseguição e amizade ‘’forçada’’ a minha pessoa. — Falei séria e ele continuou sorrindo sem me dar créditos pela frase de reclamação. — My lady segure-se,pois nós iremos decolar. — Brincou me balançando e tive de agarrar sua camisa pólo azul bebê para me segurar, embora soubesse que o tonto não iria me deixar cair. ‘’ O que se passa com ele?’’ — Fiz essa pergunta pela milésima vez quando o mesmo atravessou um bar rústico ainda me carregando em seus braços. O que estava me deixando cada vez mais descontente por estar usando um vestido tão velho e chinelos. — Não se preocupe. Ninguém vai achar que você está desarrumada. E eu achei esse vestido lindo. — Sussurrou adivinhando a minha linha de pensamentos. — Você realmente sabe como me irri... — Parei de falar quando vi que a maioria das garotas espalhadas pelo local vestiam trajes de camponesas enquanto os rapazes estavam trajando uniformes coloridos com chapéus peludos engraçados. — Essa festa é temática para universitários que gostam de coisas diferentes, mas não era obrigatório vir a caráter. — Disse me colocando no chão e olhei para as pessoas que dançavam musica eletrônica parecendo realmente ver diversão nisso. — Nossa! — Ouvi algumas garotas exclamando e apontando na direção de dois rapazes lindíssimos que não estavam vestidos a caráter, mas eram os únicos que estavam executando uma espécie de dança sincronizada por saltos acrobáticos e até mesmo eu fiquei admirada com a destreza de ambos. — Eu também sei fazer aquilo. — Kiwi se gabou. — É mesmo garoto fruta? — Falei em tom de descrença para alfinetá-lo, embora não duvidasse que ele soubesse mesmo pelo modo audacioso como o próprio se comportava. — Aguarde e observe! — Exclamou se afastando de mim e a multidão lhe abriu caminho até que estivesse no meio da pista se juntando aos outros e tive de rir do modo espetacularmente hilário dele dançar saltando em coreografias perfeitas. — Esse infeliz é mesmo bom nisso. — Comentei balançando a cabeça. — Hey! — Alguém exclamou tocando o meu ombro e ao me virar dei de cara com três garotas bonitas que também não estavam vestidas a caráter. A primeira era alta no estilo plus size, a segunda era morena de olhos azuis como o mar e a terceira era uma ruiva de olhos castanhos sonhadores. ‘’ Pronto! Elas são do fã clube maníaco dos russos e me viram chegar com o Kiwi. ’’ — Sim. Eu vim com ele, mas não foi por espontânea vontade.

Fernanda Marinho

— No começo as coisas são assim mesmo até você se acostumar com essa rotina. Bem vinda ao mundo das garotas que namoram russos tontos e nocivos a saúde dos nervos! — Disse a modelo no estilo plus size. — Como? — O Kiwi é o irmão caçula de Lenya. Aquele que está indo se juntar ao trio nesse momento. — Emendou apontando orgulhosa na direção de outro jovem tão lindo quanto o Kiwi doido. — Não me diga que também foi arrastada para... — No começo sim, mas agora estamos namorando e a mania caiu em desuso. — Respondeu. — O Bernard nunca parou de surtar com isso. — A ruiva reclamou apontando na direção do loiro de cabelos espetados que dançava com os outros. — O Abel Alexei Welinsky que se atreva a voltar a ter esse tipo de comportamento que eu irei riscar as coisas boas da lista de desejos secretos dele. — A morena disse sorrindo de modo endiabrado e apontou na direção de um gato de cabelos raspados em estilo militar que lembrava muito aquele ator ‘’Henry Cavill.’’ ‘’ Essas garotas são diferentes. ’’ — Só para avisar,eu não tenho qualquer tipo de envolvimento com o K... — Eu sei vocês dois são apenas amigos. Ele mencionou isso depois de ter dito o quanto acha que você deve se irritar com as atitudes dele. E a propósito, eu sou a Lia e estas são Lorena e Isabela. — Comentou deixando bem claro sobre o meu nome ter sido mencionado com direito a conclusões do senhor infantil. ‘’ Se ele sabe que me irrita, então por que faz isso?’’ — É um prazer conhecê-las. Sim. Ele é um idiota irritante com tendências infantis sérias. — É uma característica do grupo, amiga. — Lorena fez uma piada e os gritos da multidão captaram as nossas atenções para a finalização do ‘’pequeno show’’ deles. — Aqui estão os nossos tigres cossacos! — Isabela exclamou assoviando e o loiro a agarrou pela cintura. — Grandão você não é um sapo, mas pula muito. — Lorena brincou abraçando o exemplar de homem quente. — Talvez, eu tenha sido um sapo em outra vida, mas agora sou o príncipe que tem apenas uma princesa encrenqueira para mimar por toda a eternidade. — Comentou a beliscando de leve na ponte de seu nariz pequeno. — Leãozinho, eu adorei aquela cena toda de ação. Só espero que você não pule igual quando tiver de lutar comigo no ginásio. — Lia disse o estapeando no braço e teve o queixo puxado para um beijo leve. ‘’ Momento de velas extra multiplicadas. ’’ — Pensei sem graça com a quantidade de amor respingando ali e isso me deixou tão fora de orbita que levei cinco segundos para prestar a atenção na mão enorme de Kiwi estapeando de leve o meu ombro em busca de ibope. — Gabi? — O que foi? — Quase gritei voltando a face para o olhar interessado dele. — Se quiser um beijinho, eu poderia fazê-lo, pois ainda que sejamos amigos isso seria algo bem divertido. — Provocou e lhe enderecei um olhar cortante. — Era só brincadeira. — Riu. ‘’ Até parece que eu iria dar o meu primeiro beijo com esse xaropinho frutado. ’’

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— Você já está me enchendo o saco com tantos comentários e essas brincadeirinhas sem graça. Isso é coisa de mani... — Parei de falar quando notei que os outros rapazes estavam olhando diretamente para mim. — Ela é mesmo muito bonita e parece ter uma personalidade de ferro. Meus parabéns, Kiwi. — O irmão dele assoviou. — E senhorita, Gabi. Eu sou Lenya o irmão dessa criatura. — Emendou se aproximando e estendeu a mão para puxar a minha e a beijou. — Não encha a paciência dela, cara. Ola querida, eu sou Bernard. — O loiro se apresentou. — É mesmo a princesa que ele descreveu. Seja bem vinda a família. E me chame de Abel. — O bonito rapaz da cabeça raspada me deu as boas vindas. ‘’ Por que eles estão me tratando com tanta intimidade como se eu fosse uma namorada do Kiwi? Eles também são estranhos. ’’ — O prazer é todo meu. O senhor Washvsky é realmente uma pessoa rara para se ter amizade. É quase um carcereiro. — O alfinetei na frente de todos e recebi um olhar fofo ao invés de irado. ‘’ Ele nunca fica bravo com as minhas ofensas. ’’ — Você e seu senso de humor. — Riu me puxando pela cintura e me arrastou para a pista sem pedir licença aos amigos. — Pare! Não me lembro de ter dito que queria... Never Knew I Need começou a tocar e me distrai com ele cantarolando a canção de Ne yo. — Você gosta da trilha sonora do filme ‘’ A princesa e o sapo?’’ — Eu assisti a ele umas dezenove vezes. — Deu de ombros me fazendo rir por mais uma vez descobrir outra coisa em comum com ele. — Eu amo essa canção. — Comentei o deixando me balançar e logo estávamos dançando. — Está vendo porque deveríamos ser amigos. Temos gostos bem parecidos. — Disse em meu ouvido e me vi abraçada a ele como se fosse uma aranha presa a sua teia. E soube que mesmo reclamando acabaria sendo amiga dele de verdade. — Eu me rendo a isso, mas seja menos maluco, por favor. — Não posso mudar o meu ‘’eu’’ normal, mas poderia tentar por você. — Disse me girando devagar. — Por que de repente eu me tornei o seu ícone de tentativa de amizade? — Será que é porque me identifiquei com a sua personalidade? — Riu me levantando para cima e sorriu de modo sapeca. ‘’ Ok. Ok. Eu já entendi que você tem mesmo problemas sérios. ’’ — Isso não é muito seguro. — Zombei sendo devolvida ao chão e ganhei um olhar profundo. — A partir de agora a seguridade é algo com o qual você jamais deverá se preocupar. Isso é uma promessa. — Disse em tom sério, mas vi um risco de sorriso em seus lábios. — Senhor seguro quando irá me levar para casa? — Iremos partir depois do campeonato de vídeo game com os garotos. — Mas não estamos numa... — O Bernard vai deixar a festa rolando e subir conosco para o andar de cima. Prometo que será divertido.

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— Vai ficar me devendo por essa! — Exclamei secretamente ansiosa para poder jogar com eles também. ‘’ Acho que estar livre do meu antigo eu e sair da concha também significava estar ao redor de pessoas novas. ’’

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Desgarrado. Eu estava infiltrado naquele pais e agora circularia todos os dias por aquela cidade e universidade a procura do artefato para realizar a tarefa exigida por minha avó a todo custo. — Boa noite. Eu preciso ver algumas lendas antigas. — Pedi a monitora responsável pela biblioteca noturna a quem entreguei a minha carteirinha de estudante. — Bonito sobrenome. — É espanhol. — Você quase não tem sotaque. — São anos de pratica. — Admiti sorrindo e pensei em usar o leve interesse dela em meu favor. — Então me diga senhorita Andreia... Como posso fazer para encontrar historiadores na universidade a fim de ter acesso a materiais de estudos restritos? — Você está se referindo aos pesquisadores chefes? São divididos em dois grupos. O primeiro é de professores e o segundo é o dos alunos de excelência e se você não pertencer a em nenhum deles não terá acesso livre para observar textos e artefatos de perto. — Respondeu com um desafio que adorei. — Isso para mim não será nenhum problema em breve. — Mantive o sorriso e a garota piscou tentando soar charmosa, mas era tão desinteressante quanto uma noite de chuva sem fogueiras no pátio para se admirar belas estrelas. ‘’ Logo as coisas serão boas para mim. ’’

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Talita Eu estava meditando no primeiro dever do semestre que estava me esperando na gaveta do meu quarto enquanto fingia estar interessada na conversa animada da minha mãe e padrasto sobre o bebê numa mesa rodeada de russos na casa do reitor Helren. ‘’ Quando essa amolação vai acabar?’’ — Pensei ignorando o olhar cínico de Kayan. — Espero me acostumar a ideia de engravidar depois de dezoito anos que... — Monica parou de falar quando seu celular tocou e pediu licença para atender, mas não deixou a mesa. — Ola! Tudo bem? Sim. Ela está. Não. Eu entendo. Só um momento. — Disse me lançando um olhar irado. ‘’ O que eu fiz agora?’’ — Filha você ainda não fez as pazes com o seu primo. — Disse seca. — Mãe não é nada disso, eu apenas não tive tempo de retornar as ligações dele. — Falei a verdade já que o dia havia sido cheio e mesmo furiosa com ele, eu sabia que não poderia ignorá-lo. — Se não é, então fale com ele agora. — Rosnou apertando o botão de viva voz. — Tali,você e eu precisamos ter uma conversa! Não acredito que está fugindo de mim. Não pode estar brava comigo por aquilo. — Se queixou. — Nar,eu quis matá-lo no primeiro momento,mas agora estou me conformando que eu seria presa se fizesse isso. — Respondi alto e me levantei dando a volta até tomar o celular da mão dela e abafei o fone. — Mãe a senhora e ele às vezes são mesmo inacreditáveis. Com licença. — Consegui dizer enérgica para esconder o vexame de ter uma família pouco convencional na frente dos ricos Tarkovisky e Rachamaninnofs. — Obrigado por me humilhar na frente dos amigos do meu padrasto. — Soltei me arrastando até a sala e ouvi sua risada baixa. — Você estava jantando princesa. Desculpe. — Pare de rir. Você me dedurou. — Eu já disse que foi sem querer, mas como está sendo a coisa toda? — Está tudo calmo, embora o meu padrasto e minha mãe estejam sendo grudentos. E ainda tenho aquele parasita do sobrinho dele sempre me espreitando como se fosse botar fogo na casa ou alguma coisa do tipo. Aquele garotinho mimado é mesmo irritante. — Enquanto você está se divertindo em casa, eu estive conversando com o meu pai e ele disse que você poderá vir passar um tempo conosco quando quiser. — Ainda insistindo nisso e... — Que tal passar o próximo semestre aqui? — Não me dê idéias. Terei de falar com a minha mãe sobre isso. — Pense bem nisso e no que iremos fazer sozinhos aqui em Madrid. — Seu impossível. — Eu não estou sendo malicioso e nós poderíamos seguir com o projeto de tocar música ao vivo. — Comentou voltando a rir. — Vou pensar nisso também. Agora terei de desligar e não deixe de me ligar. — E você não deixe de me atender. — Zombou e desligamos ao mesmo tempo.

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— A sua mãe e o meu tio não iriam concordar com isso também. O que iria fazer sozinha na Espanha que não pode fazer aqui? Seria desleal de sua parte largar a sua mãe sozinha com o bebê depois que você conseguiu uma ajuda tão boa do meu tio. — Aquela voz disse atrás de mim e quase pulei de susto. — Do que você está falando, garoto? Eu não me lembro de ter lhe pedido uma opinião. E saia da minha frente! — Falei áspera e tive cuidado para não gritar ao passar por ele e empurrá-lo para o lado, mas não cheguei a dar três passos porque logo tive a cintura puxada e fui forçada a ficar de frente com um par de diminutos olhos azuis frios. — Sua cobra! Como se atreve a me dar as costas quando ainda estou falando com você? Realmente não sabe que isso é uma regra básica de boa educação? — Olha quem está falando. Ouvir a conversa alheia também faz parte dessa regra e por isso estamos quites. Agora me solte. Seu idiota. — Quase gritei e tive meu corpo puxado até estar grudada nele para valer e nossas respirações se encontraram. — Farei isso quando eu achar que devo. Agora escute com atenção... A minha ameaça ainda é valida se insistir em atacar a paz no casamento do meu tio. — Eu não pretendo fazer isso e mesmo se fosse o caso... Não tenho medo de você! — Pois deveria. — Rosnou e comecei a bater contra os ombros fortes dele para que me soltasse. — Ciborg de gelo você é quem deveria tomar cuidado com... — Talita e Kayan,o que está acontecendo? — Ouvi as vozes do tio dele e da minha mãe atrás de nós, mas mesmo assim o desgraçado não me largou como deveria. Pelo contrario me abraçou forte na frente de todos. — Oh! Os dois são amigos agora. — Minha mãe suspirou e eu quis morrer por aquilo, pois faltou pouco para que a mão dele tocasse o meu traseiro. ‘’ Que nojo! Esse miserável. ’’ — Sua enteada é mesmo uma moça doce. — Ouvi o reitor dizer antes de eu finalmente ser solta e Kayan saiu de perto de mim com um sorriso largo naquela face de palhaço por saber que aquilo havia me deixando fula. — Eu só estava consolando a Tali porque ela me disse que está sentindo falta do primo dela. — O falso mentiroso explicou. ‘’ Isso nunca! Nunca o deixaria me abraçar para nada. ’’ — Quase pude sentir as lágrimas de ódio que segurei bem para não dar a ele uma satisfação maior. — Ela puxou a mãe. — Nicolai disse todo orgulhoso como se o fato de um amigo me elogiar fosse uma grande honra para ele. — Talita, eu não sabia que você estava tão chateada assim pela falta do Narciso. — Minha mãe comentou surpresa. — Eu... Bem... — Gaguejei ao receber um olhar de desafio daquela coisa loira. Ele provavelmente esperava que eu soltasse gritos e dissesse que era tudo mentira. — Eu sinto falta de ter um amigo como ele. — Respondi num fio de voz. — Agora não precisa mais. O meu sobrinho pode lhe fazer companhia, ainda que ambos não estudem a mesma área. ‘’ Deus me livre!’’ — Por falar nisso. A minha prima sobrinha Amanda é estudante de historia e poderia ajudar a Talita com duvidas. — Helren tagarelou e a moça chamada Amanda acenou para mim e não foi a única já que Ana e Patrícia fizeram o mesmo esbanjando simpatia.

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— Obrigada, eu estou me sentindo muito aceita e mimada. — Me obriguei a dizer aquilo e quando os homens se afastaram para uma rodada de vodca e minha mãe foi arrastada por Valéria, eu fiquei sendo bombardeada de perguntas por aquelas três. — Você tem alguma coisa com aquele seu primo? — Amanda foi direta. — Amanda! — Ana e Patrícia reclamaram. ‘’ Por que todo mundo sempre me pergunta isso?’’ — Isso seria estranho se acontecesse, pois somos parentes. Logo o considero apenas um amigo e quase irmão. — O achei bonitão. — A mesma riu. ‘’ Bonito é aquele gêmeo que ela está pegando. ’’ — O Narciso é mesmo vaidoso. — Comentei dando de ombros. — Ele é mesmo muito bonito. — As outras de repente concordaram. — Quem é bonito? — Três vozes masculinas de barítono perguntaram e as três pularam de susto. — O curso de historia tem um currículo muito bonito. — Eu pigarreei ajudando as garotas a saírem de uma ceninha perto daqueles super deuses louros Tarkovisky que agora estavam praticamente deixando claro que eram muito ciumentos. ‘’ Que esquisito esses rapazes agirem assim do nada. ’’ — Ah. Sim. — Disseram sorridentes. — Tali,nós vamos sair para dar uma volta na praia. Você gostaria de vir conosco? — Benjamin perguntou amigável e notei pelo canto dos olhos que Kayan estava parado do outro lado da sala espreitando a conversa novamente. ‘’ Para segurar velas? Não obrigado. E mesmo se não fosse o caso, eu ainda teria de voltar com aquele chato. ’’ — Eu sinto em recusar, mas tenho uma atividade para fazer me esperando em casa. O passeio terá de ficar para uma próxima vez. Obrigado por serem tão gentis comigo. — Tagarelei usando uma verdade amena para encobrir o real motivo para evitar o convite. — Mas amanhã você não irá escapar de passar algum tempo conosco. — As garotas disseram animadas e sorri para elas até os meus lábios doerem. — O jantar foi agradável. — Disse Nicolai quando deu a partida em seu carro após termos nos despedido da família T. — Sim. E a Tali se divertiu. — Kayan comentou se virando para mim com mais um daqueles sorrisos paspalhos e quis socá-lo até não poder mais, porém apenas me mantive longe o suficiente dele ao ponto de quase grudar na janela do veículo. — Sim. Claro. — Foi a minha única frase dita durante o trajeto de volta a minha velha casa e saltei para a porta da mesma apressada em me livrar de todos eles. — Filha você tem certeza de que prefere ficar sozinha? — Sim. E preciso terminar uma atividade antes de ir dormir. Boa noite a todos. — Respondi bocejando para dar mais veracidade para aquilo e então recebi acenos e fechei a porta. — Droga! E morte a Kayan R. Preciso ver a Faye. — Resmunguei subindo para trocar de roupas e em seguida peguei a minha bolsa e saí pela janela lateral da sala para o caso de alguém me ver na casa vizinha. Como sabia que o Dimitry estaria jogando pôquer com o primo tomei um táxi numa esquina afastada e fui recebida por minha melhor amiga.

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— Ele o que? — Agora me diga que é implicância minha! — Você precisa se livrar desse cara e logo. — Como farei isso se ele distorce tudo em favor dele? Aquele homem é como uma espécie de praga e sei que se eu rebater. Isto acabará derretendo todo o progresso feito com a Monica, pois sairei como a vilã da situação. — Então aguente firme até ele se cansar e perceber que você não está aqui para atrapalhar ninguém. Que cara chato! — Se eu me mantiver bem ocupada, ele não terá tempo de ficar no meu pé. E amiga torça para que até o final desse mês, eu tenha controle o suficiente para não chutá-lo na cara. — Rosnei e Faye riu me apoiando.

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5. Rotina atrapalhada?

Joana O café da manhã sairia atrasado porque eu havia perdido a minha folha de pesquisa para o inicio do artigo de anatomia e para piorar tudo a minha noite havia sido presenteada com um pesadelo que há muito tempo não me atormentava e a cena sempre se repetia com o meu pai me levando para longe aos sons de gritos e pranto de uma mulher desesperada. Rogério uma vez dissera que eu tinha aqueles sonhos porque numa de nossas viagens havia acontecido uma catástrofe numa pousada onde estivemos hospedados. E esta pegara fogo na véspera, e ele tivera de me tirar da propriedade em meio às chamas e os gritos dos hospedes. ‘’ O meu pai sempre tinha uma explicação para tudo, mas não me sinto culpada por não tê-lo comigo. ’’ — Admiti para mim mesma mais uma vez sobre a falta de conexão com ele. — O café. — Resmunguei terminando de me aprontar após encontrar a folha perdida entre as minhas roupas intimas bagunçadas pela minha procura impaciente de ontem por meu pijama favorito. A sala estava silenciosa e o café da manhã já estava pronto na cozinha quando me apressei em passar pelo cômodo. ‘’ O vovô não deveria perder tempo com isso. ’’ — Pensei disposta a reclamar disso. — Senhor Érico! — O chamei abandonando as torradas para ir atrás dele na farmácia. — Aqui está a minha netinha. Filha você precisa ir embora logo ou irá se atrasar. — Disse pegando a minha mão e começou a me puxar. — Vovô do que o senhor está falando? Ainda está cedo para as aulas e nós dois precisamos... — Agora não! Eu consegui a surpresa que você me pediu e ela está lá fora. — Teimou e resignada o segui para fora do estabelecimento para quase engasgar com a minha saliva ao bater meus olhos no gatinho estressado encostado a porta de uma Land Rover preta. ‘’ O que ele está fazendo aqui?’’ — Fiz uma pergunta sem noção da verdade por trás daquilo. Usando óculos de grau e camisa social azul em contraste com jeans, ele estava bem diferente em estilo de comparação com as roupas em que eu o vira nas duas ultimas infelizes vezes. — Vovô o senhor...É...É... — Netinha, eu encontrei o russo que você me pediu e nem precisei procurar muito. Este jovem me disse que vocês dois já se conheciam e que irá levá-la para... — Vovô! — Quase gritei chocada e o rapaz sorriu com a postura bem diferente do nosso último encontro constrangedor. — Bom dia, Jo. — Saudou usando o meu ‘’apelido. ’’ '' De onde surgiu tanta intimidade assim para isso?'' — Vovô. Vovô o senhor está brincando comigo? Não me lembro de ter lhe pedido...

Fernanda Marinho — Mas é claro que fez isso. Ontem a tarde, não se lembra? Você me disse que precisaria procurar um ‘’russo’’ para o seu projeto de alguma coisa. — Respondeu vermelho de irritação comigo. ‘’ Ele que apronta e a culpada sou eu. Deus! Eu vou levá-lo arrastado até o médico mais próximo para resolver esse pequeno problema de surdez crônica dele. Oh. A coisa não poderia ser pior?’’ — Pensei desesperada. — Vovô quando eu falei no projeto da brinquedoteca paras as crianças do postinho local estava me referindo à compra de um ‘’urso’’ e não russo! — Desculpe querida. Seu velho avô não consegue acompanhar o seu raciocínio. Você queria um urso e um russo. Consegui um deles e agora... — Perdão senhor, Érico. Não se preocupe com a parte do ‘’urso’’, eu farei uma doação de brinquedos em nome da Jo para o projeto. — O outro disse se metendo no assunto perfeitamente feliz em zombar de mim. — Não pense em... — A Jo com certeza vai aceitar a oferta. Agora irei deixá-los voltarem aos estudos. Vão logo. — Disse colocando palavras em minha boca antes de acenar e sumir me deixando sozinha com alguém que sofria de transtornos por estar se comportando com um bom moço fantasiado de nerd quando na verdade era um bad boy incorrigível. ‘’ Como o meu lindo avozinho pode estar fazendo isso comigo e me deixando a mercê dele?’’ — Pensei sentindo as minhas mãos suarem pelo nervosismo. — Como você teve... — Para você é Iohannes Volk ou Ion. Vamos indo minha ‘’querida. ’’ — Disse todo educado demais para o meu gosto. — Em hipótese alguma,eu irei entrar num carro com um... — Eu prometi aos Tarkoviskys que iria me redimir e pedir desculpas por tê-la assustado ao fazê-la pensar que eu era bipolar. Peço mil desculpas por ter me divertido as suas custas. — Disse soando sincero e a menção dos meus novos amigos loiros me acalmou. ‘’ Oh. Eles não deveriam ter feito isso. E como descobriram sobre o garoto certo?’’ — Ok. Desculpas aceitas, mas não volte a surtar comigo. — Falei como se estivesse certa de que podia lidar com o grandalhão quando não podia nem comigo mesma. — A senhorita manda e eu obedeço. — Sorriu de um jeito que quase me fez babar. ‘’ De novo não, Jo!’’ — Não é para tanto, moço. Desculpas aceitas e agora não precisa me... — Eu só estarei convencido de que tudo está bem quando me deixar levá-la para tomar café da manhã num lugar especial. — Disse me arrastando pelo braço e não pude escapar de sua força de vontade, pois fui acomodada no banco do passageiro. — Não podemos nos atrasar para... — Não iremos demorar muito. — Prometeu dando a partida no veículo e prendi o cinto temendo que o passeio acabasse sendo desastroso caso ‘’ Iohannes’’ mudasse de comportamento. — Você mora sozinha com o seu avô? — Puxou conversa. — Eu moro com ele há algum tempo depois que o meu pai faleceu. — Eu sinto muito. — Obrigado.

Fernanda Marinho — E sua mãe? ‘’ Por que ele está tão interessado na minha árvore genealógica de repente?’’ — Ela faleceu quando eu era pequena e não me lembro de nada dela. — Respondi retificando mais uma vez a minha vontade de tê-la conhecido a fundo. — Aposto que ela deve ter sido tão linda quanto você. — Soltou um elogio que quase me fez pular de susto. ‘’ Fique calma! Ele é só um cara bonito para não se levar a sério em hipótese alguma. ’’ — Para onde estamos indo mesmo? — Ignorei o elogio e ele sorriu como se estivesse sendo desafiado por isso. — Logo você saberá. Já estamos bem perto. — Respondeu sem dar muitos detalhes e não demorou muito para que eu avistasse a fachada a bela confeitaria que os meus loiros russos haviam mencionado. Era engraçado pensar neles como ‘’meus’’, mas de certo modo ainda que a amizade talvez nem evoluísse tanto sabia que já havia reservado um espaço para todos eles em meu coração, mesmo que isso parecesse bizarro. Porque nós mal nos conhecíamos e ao mesmo tempo tínhamos uma química tão divertida juntos. — Senhorita. — Iohannes disse me ajudando a descer e fiquei sem jeito quando o mesmo me empurrou com jeitinho para dentro do estabelecimento e não pude deixar de sorrir quando encontrei com todos os anjinhos. — Joana! — Exclamaram vindo em minha direção e fui rodeada por abraços de ursos e piadinhas sobre o elevador e os cupcakes,até que ouvimos pigarros de garotas misturados ao de Iohannes. Luca foi o último a me soltar e assim vislumbrei quatro garotas perfeitas paradas do outro lado do balcão olhando para mim com curiosidade. ‘’ Pelo menos não estão querendo me trucidar por toda a exposição com os meninos que devem ser namorados de algumas delas. ’’ — Pensei sem graça. — Volk,a sua mudança de tática repentina está rápida até demais. Cuidado. — Benjamin rosnou para ele e depois murmurou algo em russo que foi respondido pelo outro no mesmo idioma em tom calmo, enquanto os outros meninos reviravam os olhos e davam de ombros. — Então você é a Joana que deixou os T se comportando como crianças em volta de um bolo de chocolate proibido antes de cantarem os parabéns na festa? Seja bem vinda ao nosso circulo. — Uma das garotas disse mirando seus olhos verdes em mim. — Milen,você vai pensar o mesmo quando provar os doces dela. — Eliel riu. — Bom dia, Joana. Seja bem vinda a confeitaria. — Disse de forma simpática a garota que tinha heterocromia nos olhos. — Poderíamos fazer o teste dos bolinhos agora. E não é como se eu estivesse ciumenta, mas meu namorado não para de falar dos seus doces. — Disse a baixinha de pele cor de chocolate e olhos expressivos apontando na direção de Alex. — Vocês não querem obrigar a pobre moça a ir para a cozinha antes das aulas, não é? — Disse a quarta garota que tinha bastos cabelos encaracolados nas pontas e um sorriso cordial nos lábios. — Não seria nenhum problema assar cupcakes hoje, mas terá de ser depois das aulas. — Ri da ideia.

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— Sim! Esperaremos ansiosos por isso, mas agora tome café da manhã conosco. — Alex murmurou animado e em seguida passou a apresentar as garotas para mim. E de repente lá estava eu ao redor deles e das garotas rindo das piadas de todos como se fosse algo da minha rotina enquanto Iohannes apenas participava da interação comentando uma coisa ou outra de vez em quando, mas sem tirar os olhos de mim. — Deveríamos fazer isso mais vezes. — Luca sugeriu se servindo do último pedaço de bolo. ‘’ Nossa! Nunca deixarei de me surpreender com o quanto eles comem. ’’ — Jo,você tem irmãos ou primos mais velhos? — Patricia quis saber interessada. ‘’ Gostaria muito de ter tido. ’’ — Não. Eu sou filha única e neta única numa família de só duas pessoas agora. Gostaria muito de ter tido irmãos ou primos para mimar bastante. Acho que nunca me cansaria de ter eles me perseguindo por causa de rapazes,embora eu realmente não tenha pretendentes fazendo filas atrás de mim. — Respondi amena. — Pois é. Agora parece que você tem quatro irmãos adotivos que estão rugindo para mim. — Iohannes fez uma piadinha sem contexto. ‘’ Do que ele está falando?’’ — Se for por falta de família para mimar não se sinta em desfalque. Nós adoraríamos ter você como nossa irmãzinha extra. E será um prazer chutar bundas se for preciso. — Benjamin rosnou lançando um olhar de ameaça em Iohannes. — Estão brincando? — Ri do gracejo. — Não. Não estamos não. — Foi à vez de Eliel rir. — Brincadeiras a parte. Joana, você poderia ser facilmente confundida com alguém da família Tarkovisky. — Amanda comentou séria. — Como assim? — Perguntei ainda achando que era parte da brincadeira. — Olhe para você mesma num espelho. O tom dos seus cabelos é igualzinho aos dos meninos, os olhos e a maneira de sorrir também. — Ana Sofia apontou me fazendo parar de rir e todo mundo ficou quieto. — Nem eu que sou de fato uma Tarkovisky tenho as características tão semelhantes as suas em comparação com as deles. Tem certeza de que não é uma prima nossa perdida? — Milen comentou em tom curioso. — Obrigada pelo elogio, mas seria impossível do ponto de vista em que seu irmão e seus primos são muito mais bonitos e altos em comparação comigo que realmente não poderia ser comparada com uma mulher russa clássica como aquelas atrizes do cinema antigo. — Dei de ombros. — Mas a Milen também não é alta. Vocês têm o mesmo tamanho e não exagere em negar que não exista tal semelhança. Deus isso é muito engraçado. Jo,você poderia dizer para todos que é mesmo uma prima distante da família. — Amanda brincou. — Por favor, isso é muito... — Pronto! Agora somos primos oficialmente depois disso. — Os meninos concordaram colocando mais lenha na fogueira e os risos voltaram à tona com isso. — Obrigado por hoje. — Agradeci quando Ion me deixou na porta da universidade e nem mesmo entrei em pânico por estar atrasada.

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— Fico feliz porque você se alegrou com a surpresa, embora eu ache que os T exageraram nas brincadeiras e que você de fato se parece com eles só que é bem mais bonita. — Sorriu. ‘’ Por que ele faz isso toda hora? Ninguém deveria sorrir assim. Mesmo um idiota. ’’ — Mais uma vez obrigado pelos pedidos de hoje. — Tornei a cortá-lo antes de acenar e me afastar apressada de alguém que já sabia que continuaria no meu pé depois de ter notado o quanto me afetava. ‘’ Eu não posso dar asinhas à pequena queda que estou começando a ter por ele. ’’

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Talita Havia acordado mais cedo do que costume porque queria chegar adiantada a universidade já que as inscrições para projetos seriam abertas as sete em ponto e aqui estava eu ansiosa para isso numa fila. — Será que isso vai demorar muito? — Uma das garotas esnobes da minha sala reclamou e Arão Martinez revirou os olhos com impaciência atrás dela. Ele também era da nossa turma e tinha vindo de algum outro pais latino a fim estudar no Brasil apenas pela fama que o instituto tinha, mas logo de cara eu o achei um idiota que se sentia superior a todos por se considerar o mais adiantado da classe. ‘’ Se ela resmungar outra vez começarei a dar razão ao tal de Martinez. ’’ — Pensei ao me espreguiçar e no ato de relaxar acabei batendo o meu braço na cara de alguém que estava atrás de mim. — Cuidado! — Oh! Desculpe. — Falei me virando para encontrar com o outro garoto prodígio da classe, embora o Gustavo não fosse nojento como o outro e sim apenas alguém que estava querendo aperfeiçoar o que sabia. — Senhorita Caramello,embora não aprecie a agressão irei sobreviver. — Fez uma piada e foi impossível não rir da careta dele. — Desculpe mais... — Está aqui com intenção de se agregar a que projeto? E desculpas aceitas. — Sorriu. — Eu estou aqui para me inserir em qualquer coisa que me dê mais créditos e me mantenha ocupada. Não me importo muito com o assunto já que todas as propostas falam de historia. — Respondi desejando ter apenas com o que ‘’não’’ ter tempo livre sobrando. — Então você... — Bom dia. Turmas iniciantes e avançadas se dirijam até a sala dois para o preenchimento dos formulários. — Uma atendente explicou e todos seguiram a ordem até chegarmos a uma sala repleta de computadores. — Agora aguardem no saguão anterior e logo teremos o cartaz informando o final do processo. — A mesma mulher avisou. — Talita,como eu imagino que isso vá demorar pelo menos uma hora. Não gostaria de tomar café comigo? — Gustavo perguntou ameno. ‘’ Por que não?’’ — Eu prefiro chá. Vamos! — Aceitei a oferta. E quando nos sentamos num dos muitos bancos espalhados pelo campus da área oeste iniciamos uma conversa animada enquanto bebíamos de nossos copos fumegantes do Starbucks. — Aceita mais um muffin de chocolate? — Perguntei uma vez que ele havia comido o dele todo e eu estava sem muita fome. — Se você não for mesmo comê-lo. — Assentiu e estendi o doce na direção dele esperando que fosse pegá-lo, mas ao contrario disso Gustavo apenas inclinou a face e roubou a oferta de meus dedos no mesmo instante em que ‘’Kayan chato russo’’ estava passando. E ele não disfarçou o olhar estranho e julgador endereçado a mim como se tivesse todo o direito de fazê-lo antes de se afastar pisando duro. ‘’ O sobrinho do Nicolai sofre mesmo de muitos distúrbios. ’’

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— Obrigado pelo extra. Quem era aquele cara que olhou para você? — Perguntou sem disfarçar o obvio depois da carranca presenciada. — Aquele rapaz é Kayan o detestável sobrinho do meu novo padrasto. E digamos que nós dois não nos damos muito bem, mas até ele irá sobreviver a isso. — Fiz uma piada no fim da frase que arrancou risos do meu novo amigo. — Tali,você é mesmo uma pessoa rara. — Disse me ajudando a ficar de pé e quando retornarmos para a sala especial vimos um bando de estudantes aglomerados na frente da lista de aprovados nos projetos, e antes que eu pudesse verificar o meu nome na folha ouvi Martinez rosnar: — Estamos no nível mais avançado do que o pessoal calouro do primeiro semestre e nos colocaram em grupo para ajudar no auxilio de restauração anual que o grupo exclusivo faz em cima de todo o material relacionado à lenda do Meriel. Eu queria estudar coisas mais famosas mundialmente e não alguma historinha inventada. — Quando você diz grupo... Está dizendo que eu e você os outros da nossa classe fomos enfiados nisso? — Reclamou a esnobe da qual eu ainda não conseguira gravar o nome. — É isso baby. Eu, você e todos os outros menos inteligentes da nossa graduação estarão enterrados nisso. — Respondeu com desdém, mas seus olhos brilharam estranhamente. — Não gosto desse cara. — Falei alto o suficiente para que ele ouvisse e Gustavo me arrastou para longe. — Nem eu tão pouco, mas seja esperta em não ter alguém como ele atrapalhando a sua meta de se manter ocupada. — Como alguém pode reclamar de ser aceito em qualquer um dos projetos? Nem todo mundo consegue entrar na seleção. — Ele é alguém que não sabe valorizar certos tesouros e muito menos o que a magia deles acarreta. Agora vamos retornar a aula. — Ok. Historiador motivado. — O provoquei. E passando algumas horas voltei a circular com Gustavo na hora do intervalo já que nenhum de nós dois tínhamos amigos ali, embora eu tenha tido o convite aberto para ‘’frequentar’’ a mesa de elite dos russos e mesmo gostando de algumas das garotas deles jamais me atreveria a isso se Kayan estivesse lá. E foi pensando justamente nisso que evitei o refeitório principal e arrastei o homem para uma das cafeterias e o mesmo pareceu não se importar já que a conversa entre nós fluía bem quando se tratava de historia e música. — Tali,eu te daria uma carona se tivesse um carro. — Ironizou na saída após o encerramento das aulas. — E eu faria o mesmo se também tivesse um. — Eu a convidaria para conhecer o meu quarto na republica, mas temo que os hábitos de meu companheiro a assustem já que ele parece ter saído do período pré histórico. — Fez outro gracejo e acenamos um para o outro. ‘’ O dia pelo menos serviu para mostrar que eu terei meus planos de paz concretos. ’’ — Festejei feliz em saber que teria apenas duas horas do meu dia dedicados a passar com a Monica e eles logicamente seriam quando aquele cara chato do novo sobrinho dela não estivesse por perto, ou seja, adeus almoços e jantares de socialização.

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— Preciso mandar uma mensagem para o Nar com as novidades. — Sussurrei descendo o lance de escadas e me apressei até estar longe do lugar e assim que cheguei ao ponto de ônibus comecei a digitar um recado monstro para ele, no entanto,o som irritante de uma buzina insistente me incomodou e quando levantei a face para ver de onde o barulho vinha vi o palhaço dentro de uma Ranger Rover estacionada no meio fio. — Vamos cachinhos dourados! Eu não tenho todo o tempo do mundo. Preciso treinar hoje. — Disse impaciente para a minha indignação. — O que te faz pensar nesta terra que eu vá querer uma carona sua? — Tenho ordens do meu tio para levá-la para casa uma vez que ele agora acha que somos amigos. Entre. — Disse seco. — Mas eu prefiro pegar um ônibus repleto de maníacos misturados a uma torcida organizada de futebol violenta a ter de entrar no carro com você. Seu imbecil! — Eu não irei desobedecer ao meu tio porque você se porta como uma tonta comigo. Entre agora mesmo neste carro. — Gritou. — Me obrigue! — O desafiei. — Será como você quiser,minha querida. — Rebateu desafivelando seu cinto e ao perceber que ele iria saltar do veículo fiz aquilo que toda garota esperta faria e saí em disparada. — Talita, eu vou alcançá-la sem precisar me esforçar muito. — Ouvi seu grito, mas continuei correndo como se estivesse fugindo do maníaco da serra elétrica estivesse atrás de mim. ‘’ Eu deveria ter feito mais educação física na época da escola. ’’ — Lamentei esbaforida por entre as ruas de um bairro pouco movimentado. — Eu estou quase te alcançando. — A voz dele estava cada vez mais próxima e por medo de que realmente acontecesse o pior tive a ideia de pedir ajuda para uma idosa mais a frente que estava lavando a calçada constituída de pisos vermelhos. — Senhora, por favor, me ajude com... O escorregão foi preciso o suficiente para me fazer se desequilibrar e me estatelar toda desajeitada no chão molhado. — Moça! — Talita! Tudo ocorreu tão rápido que só tive tempo de entender isso quando vi o rosto aflito de meu padrasto no corredor do hospital enquanto Kayan o ‘’bom samaritano’’ me arrastava numa cadeira de rodas praguejando coisas em russo. ‘’ Que dor maldita! Quando eu me livrar de tudo isso prometo socar a cara desse imbecil. ’’ — Pensei rangendo os dentes por não conseguir mover meu pé direito. — Filha como está se sentindo? Kayan, o que você esteve fazendo que não a impediu de atravessar uma calçada molhada? Eu o eduquei para saber que quando se acompanha uma dama de volta a sua casa, ela tem de voltar intacta. ‘’ Então foi isso o que ele disse? Por que não mencionou a parte em que me perseguiu como se fosse mais doido do que já é?’’ — Refleti olhando para cima e fitei a face contrariada daquela criatura loira. — Eu estou bem, Nicolai. O seu sobrinho foi muito gentil em... — Senti mãos fortes apertando meus ombros num lembrete para manter a verdade oculta e senti ímpetos de gritá-la, mas não o fiz porque isso também deixaria claro sobre a nossa falsa amizade e teria minha mãe mordendo a minha bunda.

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— Seu sobrinho me ofereceu uma carona, mas a culpa não foi dele se eu não quis ajuda para caminhar sozinha numa calçada de pisos escorregadios sendo lavada. Por favor, poupe-o de reprimendas. E minha mãe? — Ousei perguntar dela e as mãos pegajosas deixaram meus ombros. — A sua mãe ainda não sabe sobre isso, pois quis poupá-la por causa de Noah Remy. Quando voltarmos para casa pensarei num modo de abordar isso sem assustá-la. — Disse todo melindroso e isso teria me feito rir se não estivesse com uma dor alucinante. — Não se preocupe com isso. A Mônica não vai passar mal por isso, mas vai querer o meu fígado por ser tão descuidada. — E isso possivelmente também irá sobrar para mim por omitir isso. — Disse sorrindo de canto como se estivesse gostando da ideia de ter a minha mãe brigando com ele. ‘’ É impressão minha ou o meu padrasto curte um amor bandido?’’ — Sim. É bem provável que aconteça. — É muito interessante saber que a tia Monica é brava,mas nós temos de levar a Talita para corrigir o problema. — Kayan nos interrompeu com a voz irritada como se estivesse com ciúmes do tio dele comigo. ‘’ Esse garoto está sempre avançando todos os níveis de esquisitice na minha tabela a respeito de caras para se manter distante. ’’ — Sim. Cuidado. — Ele assentiu e não demorou muito para que um enfermeiro gatinho e simpático me atendesse. — Bonita menina. Vamos ver o que aconteceu com seu pé. — Sorriu após receber a explicação detalhada de como o acidente aconteceu em partes editadas de um Kayan sisudo. — Krammer,eu estou em suas mãos agora. — Li o crachá dele e fiz um gracejo para me distrair da dor. — Com certeza farei o meu melhor para ajudá-la mocinha. — Eu não deveria entrar com ela? — O loiro rosnou. — Não, não será preciso. Fique aqui com o seu tio. Vamos senhor enfermeiro. — Falei o dispensando com um aceno e o profissional gato de olhos verdes e pele negra como chocolate ao leite se encarregou de puxar a minha cadeira deixando os russos para trás. Fui levada para a sala de raio de X depois que um médico com voz de locutor de rádio me atendeu e o Krammer me ajudou no processo. — Bonita menina, aguarde aqui e em alguns minutos teremos os resultados. — Disse isso, porém retornou para a sala de observação trazendo jujubas e suco de caixinha para mim e ainda atendeu o meu pedido de não deixar os ‘’meus parentes’’ ficarem ali comigo. Não que eu tivesse algo contra ser velada por Nicolai, mas o brinde demoníaco de sobrinho dele com certeza viria junto e ele não era a minha pessoa favorita do dia, alias nunca foi e jamais seria. Vinte e cinco minutos depois dos acontecimentos o médico, enfermeiro gato e russos entraram na sala para fitarem o meu pé inchado que agora formigava. — A chapa acaba de mostrar que o seu pé sofreu uma entorse forte do tipo dois. O osso por sorte não quebrou, porém irá precisar de pelo menos três semanas de repouso sem atividades bruscas. — O homem explicou depois de colocar a chapa na luz e a noticia não me agradou nenhum pouco, embora eu não pretendesse deixar aquilo afetar a minha rotina de estudos e projetos por nada nesse mundo.

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— Três semanas! — Kayan quase gritou parecendo mais incomodado com isso do que eu. — Pare de reclamar com uma mulherzinha. Três semanas não é o fim do mundo. — Falei irônica e lancei um olhar irado nele sem me preocupar se o tio dele iria desconfiar de nós ou não. — Parece razoável em vista de que a lesão é forte, mas você irá passar por uma fisioterapeuta muito boa para remediar os danos quando tirar a tala. — O enfermeiro lindo opinou começando a tagarelar sobre a irmã dele ser a profissional responsável por isso numa das alas do hospital e Kayan ficou vermelho. — Tudo bem. Veremos você lá fora depois. Obrigado doutor. — Meu padrasto murmurou antes de arrastar o loiro com ele e fui levada para a sala especial com o Krammer tagarela elogiando a minha coragem em não me alarmar com o que estava por vir porque outro enfermeiro iria mexer em meu pé bichado para colocar uma tala. Eu não gostava de hospitais, mas já havia passado por coisas piores para perder tempo gritando por causa de uma torção e por isso mantive a minha postura durona usando as palavras de Monica para não cair. ‘’ A dor é só um processo passageiro que irá te fazer mais forte quando desaparecer. ’’ — Pronto. Certifique-se de manter o pé protegido e procure não se esforçar. — O enfermeiro pediu e agradeci antes de ser arrastada para um passeio na cadeira. — Gostaria de levá-la para dançar. — Krammer piscou para mim e gargalhei da audácia dele em falar de ‘’dança’’ quando eu estava ferrada daquele jeito. — Meu Deus! Você é danado. — Não conseguia parar de rir e nem mesmo quando vi Nicolai e o limão amarelo chupado do Kayan consegui conter as risadas. — Deram drogas para ela? — O esquisito perguntou sério e quis usar as muletas para bater nele. — Nada mais leve do que um calmante. Sua irmã tem o dom da alegria por si só. Cuidem bem dela. — Krammer respondeu divertido e quase tossi com a cara de ofendido do outro ante a menção da palavra ‘’irmã. ’’ ‘’ Deus me livre ser parente de sangue dele. ’’ — Não se preocupe Kram. Meu irmão e meu pai cuidaram bem de mim. Obrigado por me distrair e o verei em breve. — Cimentei a mentira com um último tijolinho só para infernizar o outro e nem mesmo Nicolai reclamou disso. — Agora sou seu pai? — Perguntou rindo após agradecer o enfermeiro e se apossar da cadeira enquanto um Kayan resmungão se encarregava das muletas. — É que achei chato ficar explicando legendas de família. E não é como se fosse mentira. — Dei de ombros quase deixando sair que o achava mais meu pai do que o biológico, mas me calei porque admitir em voz alta me faria assinar um atestado de parva por ter pensando tão mal do novo marido de minha mãe no inicio da relação deles. — Tudo bem filha. — Assentiu usando a palavra filha de modo carinhoso. E agradeci por ele me levar deixando o sobrinho voltar sozinho com cara de tacho e no caminho ainda passou na farmácia para comprar os remédios listados e fez a questão de comprar um imobilizador cor de rosa para mim. ‘’ Ele deve achar que tenho quantos anos?’’

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— O que foi isso, Talita Caramello? — Minha mãe ralhou assim que colocou os olhos em mim e o que veio depois fez com que eu e Nicolai fossemos bombardeados de criticas até ela cansar e recomeçar tudo de novo, e então quando finalmente parou perguntou se estávamos bem e meu padrasto a olhou como se ela fosse maluca. ‘’ Ele deve ter desistido da fantasia de amor bandido. ’’ — Aqui estão as muletas. — Kayan anunciou adentrando a casa nova de minha mãe. — A senhorita irá ficar aqui conosco até segunda ordem. — Tudo bem, mas eu não irei interromper a minha programação de aulas, trabalho e projeto por... — Eu irei aumentar o tempo de férias da Faye, pois não voltarei a abrir a sorveteria até curtir a minha lua de mel. E você irá prosseguir com as suas atividades normais, mas... — E eu prometo levá-la em todas elas e depois trazê-la de volta sem segurança. — O loiro ofereceu para o meu horror. — Não! — Gritei recebendo olhares surpresos. — Quer dizer. O Kayan é ocupado com os estudos e esporte, eu não quero atrapalhar a rotina dele e... — Ele está certo. Se ele tivesse sido mais atento você não estaria nesta situação. — Nicolai argumentou e o outro fez uma careta. — O seu padrasto não terá tempo de ficar a locomovendo para todos os lugares e seu ‘’primo’’não está aqui, portanto o Kayan que estuda no mesmo lugar que você está livre para lhe dar caronas. E nada que uma adiantada em horários deixe de atrapalhar as rotinas de ambos já que são amigos agora. ‘’ A Monica continua me destruindo. Tomara que o meu irmão devolva o troco para ela sendo um capetinha. ’’ — Fechado então. — Kayan assentiu e eu não pude mais argumentar e balancei a cabeça como aqueles cachorrinhos de suporte para carros levados pelo vento. — Agora fiquem aqui fazendo companhia um para o outro. Preciso arrumar o outro quarto. — Ela disse puxando o marido. E por alguns segundos quase implorei para que eles ficassem, pois estava sentada ao sofá sem poder fugir de seus olhares ameaçadores. ‘’ Mais que merda. ’’ — Pensei tratando de ignorá-lo. — Você atua como se fosse a Maria do Bairro com os outros homens, mas essa sua cara de sonsa monga não me seduz ou cativa nenhum pouco. Se tivesse me obedecido não estaria assim, então chafurde na sua própria estupidez e gostando ou não irá me ter em seu pé. — Disse se sentando no outro sofá e ficamos cara a cara. ‘’ Uau! Ele desenterrou isso de onde? O Kayan assiste a essas novelas antigas. Seria até engraçado se ele não estivesse me comparando com uma personagem tão brega. ’’ — Nós sabemos de quem foi à culpa, mas não adianta chorar pelo leite derramado. E se tenho de aceitar a sua caridade que seja, mas não sou obrigada a ser sua amiga e muito menos a tolerar um esquisito igual a você. — Rebati cruzando os braços numa bela mensagem para ele cair fora. — Para o seu governo a sua opinião não significa nada para mim e muitas mulheres pensam o contrario disso. — Sorriu irritante. Não imagina mesmo que ele tivesse problemas com garotas afinal era um dos russos mais bem falados nos esportes da universidade e sua beleza chamava a atenção de qualquer coisa que usasse saias, mas eu era a única que seria essa exceção porque estar no mesmo ambiente que aquele cidadão me dava ânsias.

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— Por que você ainda está aqui? — Provoquei. — Eu dei a minha palavra aos meus tios e a contrario de você sigo regras. — É sério? Então siga isto! — Exclamei atirando uma almofada na cara dele e o mesmo pulou de susto por não esperar esta reação de minha parte, mas devolveu a almofadada de jeito. — Não comece uma guerra com a qual não pode bancar a artilharia. — Ameaçou e quando todas as almofadas do sofá acabaram eu agarrei as muletas e já estava me preparando para ficar de pé me apoiando nelas quando ele foi mais rápido em se aproximar de mim para me reter sentada devido ao peso de suas mãos em meus ombros. — Eu ainda não disse que você está autorizada a se mexer. — Se não me soltar agora mesmo, eu irei fazer um escândalo que fará o seu tio e a minha mãe descerem. — Rosnei batendo nas mãos dele e Kayan se abaixou até que estivemos bem próximos. — Você não pode comigo. — Posso sim. Quer ver? — Falei usando de estratégia e revidei a falta de educação dele com uma boa cabeçada que o fez cambalear para trás praguejando. ‘’ Opa! Meu primo iria se orgulhar disso. ’’ — Pensei tocando minha testa. — Sua... — Crianças. Ao ouvir as vozes dos tios o loiro se endireitou e agiu como se nada tivesse acontecido. — Aqui estão os dois. Nós já preparamos tudo. — Kayan, você está bem? — Minha mãe perguntou notando que ele estava inquieto. — Sim. Eu estava brincando com a Tali de atirar almofadas porque ela estava zombando da nossa cultura sobre o beijo russo. — Mentiu me envolvendo em algo do qual eu nem mesma sabia e meu padrasto franziu a testa. — Querida o beijo russo é um costume de família e é usado entre amigos íntimos e para negócios importantes. — Disse ameno. ‘’ Do que eles estão falando?’’ — Filha o que viu de tão estranho nisso? — Monica quis saber. ‘’ Eu vou enfiar a muleta nos olhos desse infeliz. ’’ — Eu só não entendi. — Murmurei uma resposta correta para aquilo já que estava boiando no assunto. — Mostre para ela, filho. — Nicolai pediu dando de ombros. — Tudo bem. — O outro assentiu se aproximando de mim com um olhar cínico na face e se abaixou até estarmos com as faces próximas e eu quis me esquivar, mas sem opções me mantive ereta olhando nos olhos dele e então sua respiração varreu a minha pele e tive seus lábios macios sobre os meus por poucos segundos, antes dele se afastar sorrindo. ‘’Um selinho faz parte da cultura russa entre famílias? E nota mental: Vou esfregar meus lábios com uma lixa e depois passar álcool. ’’ — Pensei incomodada com todas as cretinices relacionadas ao que aquele homem representava. — Ok. Sem mais perguntas. — Fingi um sorriso, embora estivesse apta para cometer um homicídio. — Vou levá-la para o seu novo quarto. — Nicolai informou me deixando mais calma por hora já que as próximas três semanas seriam um inferno.

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Kiwi Pensei em fazer uma surpresa para a minha senhorita pegando a Lambreta antiga de Abel para levá-la para um passeio e agora estava aqui no campus dela a esperando sair das aulas extras da tarde. ‘’Estou ansioso para vê-la sorrir ou fazer uma cara de assustada. ’’ — Pensei escondido atrás de um arbusto e no horário exato os estudantes começaram a sair em grupos e foi então que a vi, porém mal tive a chance de me mostrar porque um jovem e um homem mais velho a cercaram. — Gabriela. — Vocês! — Ela exclamou com satisfação na voz e abraçou o homem mais velho com carinho e em seguida foi erguida para os braços do outro e teve a face coberta de beijos. — Pedro Augusto, eu também senti a sua falta. — Filho coloque a minha cliente no chão. — O homem pediu olhando para os dois com aprovação. — Nós deveríamos nos casar um dia. O que acha disso, Gabi? — Sugeriu uma ideia que me revoltou ao devolvê-la ao chão. — Pensarei nisso com atenção se me levarem para tomar sorvete. — Sorriu parecendo bem à vontade com o comentário. — Vocês dois casados me dariam um prejuízo maior do que o meu casamento foi. — Senhor José Augusto, eu não acho a brincadeira engraçada. — Ralhou puxando os braços de ambos e saiu os arrastando como se fossem uma família feliz. Algo dentro de mim ruiu com a cena e comentários, pois ficou explicito que a minha consorte omitira uma parte da vida dela que poderia destruir seriamente com toda a minha. — Gabriela. — Sussurrei apertando os punhos com força porque naquele momento lidar com o gosto amargo da derrota não estava sendo fácil para alguém que tinha de enfrentar a possibilidade de perder algo que levara a existência para descobrir que o completaria. ‘’ Preciso sair daqui. ’’ — Foi o último pensamento coerente que tive.

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6. Homens multi comportamentais?

Sibéria (Base de entrada para os exilados) Galadriel

Retirei o longo capuz de cetim escuro do casaco que protegera meus cabelos da neve e dos olhares dos oficiais na medida em que eu me aproximava do forte principal que abria a passagem no vale dos exilados. O grande casarão de pinheiros em formato de castelo russo circundava tudo ao redor como se estivesse ali para impedir que vistas curiosas tentassem especular o que existiria naqueles hectares perdidos nas colinas abaixo. — Izvinite. — Pedi permissão para passar quando empurrei o portão e os dois soldados que guardavam a porta principal do salão abaixaram seus sabres e bateram continências para mim ainda que soubessem que a minha visita ali era contra o protocolo. ‘’ A ideia é mesmo audaciosa. ’’ — Refleti sabendo que estava arriscando muito, mas segui em frente no plano audacioso de rever a rocha em meu passado. E agora o som do salto de minhas botas era a única coisa que se ouvia entre os corredores silenciosos e rumei pela longa escadaria sentindo o meu coração pesar pela força das lembranças no modo como eu o recusei. — O que eu vim fazer aqui? — Sussurrei finalmente chegando ao andar principal na sala dele e respirei fundo antes de abrir a porta para me deparar com o capitão de infantaria de exílio Aldler Yusupov ainda mais alto e lindo do que nunca. E ele se virou olhando seriamente para mim e tive de fixar a atenção em seu uniforme bem alinhado para ignorar a força do ato. ‘’ Eu sabia que seria assim e pedi por isso quando coloquei os meus pés aqui. ’’ — Galy,o que faz aqui? — Perguntou em tom de insulto e não esperaria menos dele. — Não vai me convidar para entrar? — Devolvi a pergunta em tom sereno, embora estivesse desmoronando por dentro. — Tem a minha permissão filha da casa Tarkovisky,embora nós dois saibamos que não deveria estar aqui por muitos motivos. — Disse ficando de pé para me receber e me obriguei a arrastar os pés para a ampla sala com uma suntuosa janela com a vista para o pátio. — Obrigado por me receber ainda que seja contra a lei. — Agradeci esticando a mão direita na intenção de apertar a mão dele num gesto amistoso apenas para mostrar que ainda tinha coragem e para a minha surpresa,ele segurou a minha mão e a beijou me causando arrepios. — Como nos velhos tempos. — Murmurou sem perder o tom de insulto e me vi fascinada por notar a presença de alguns fios prateados em seu cabelo castanho escuro. — Seria exatamente igual se estivéssemos numa sala de baile ao som de The Platters.

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— Devolvi o tom com irritação e a face dele se suavizou por breves segundos, talvez pela lembrança de seu ataque possessivo em relação ao meu cheiro na frente de todas as famílias chefes. — Ainda guarda algumas recordações. — Comentou se afastando de mim e foi se sentar atrás da mesa de comando para me estudar como se estivesse calculando como saltar em meu pescoço. — Algumas delas nem são mais tão detestáveis. — Menti e dessa vez ele sorriu amplamente por saber disso. E acho que sempre saberia quando eu mentia. — Aceita uma xícara de chá com leite? Ainda é o seu favorito. — Fez uma pergunta com uma boa afirmação do quanto conhecia meus gostos. — Sim. Obrigado. — Aceitei sem comentar a frase dele que se levantou caminhando até uma pequena mesinha perto da janela e serviu duas xícaras de porcelana fina com o liquido fumegante e adicionou leite em apenas um dos utensílios. — Aqui está o seu chá com leite e pouco açúcar. — Disse entregando a xícara com cuidado para não me tocar. — Aqui parece tranquilo. — Fiz um comentário ameno enquanto sorvia o meu chá e nossos olhares se cruzaram por breves segundos, mas fui a primeira a desviar. — Nunca temos problemas com ninguém tentando sair,mas não significa que não hajam problemas internos com homens furiosos. — Meu pai disse que os chefes elogiam muito o seu trabalho de ordem aqui. — Galy,eu sei que não veio aqui apenas para elogiar as minhas aptidões de gerenciamento e se eu quiser ouvir congratulações e receber tapinhas nas costas sempre terei os telefonemas dos chefes para isso. Diga logo o que deseja? — Soou brusco e segurei a xícara com força. ‘’ Sempre direto ao ponto no que quer. ’’ — Eu vim... — Tomei fôlego — Veio? — Eu vim para lhe pedir perdão por tudo. — Respondi num fio de voz e vi a dor arder nos olhos claros dele. — Perdão depois de dezoito anos? Não acha que está um pouco tarde para... — Eu cometi erros em seguir o meu coração ao invés de permanecer e obedecer a vontade dos meus princípios com o clã e com... — Não minta para mim! Eu nem mesmo tive a sua vontade, Galadriel. Não deveria ter vindo aqui. Você não tem o direito de... — De me arrepender por ter sido uma estúpida? Sei que não é o suficiente,mas durante todos estes anos também sofri por ter destruído você e... — Destruir? Você ateou fogo em tudo e varreu nas chamas outras vidas no processo. Tudo porque foi teimosa e egoísta. — Tem razão! Eu fui egoísta em achar que teria liberdade para viver a minha própria vida e aproveitar o direito de amar quem eu quisesse, mas eu estava enganada. — Falei amarga. — É muito tarde para perceber isso. O que quer de mim?

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— Eu já disse! Eu quero o seu perdão para me sentir em paz... Aldler saltou da cadeira e se aproximou de mim todo tremulo de ódio. O que me fez soltar a peça de porcelana que se quebrou em múltiplos pedaços sobre o chão. — Vá embora, Galadriel. Você deveria ter ficado no lado mais seguro da Rússia ao invés de vir até mim com tantas palavras absurdas sobre o passado. — Eu vim fazer o que tinha de fazer. Já disse o que eu quero e caberá a você responder a isso como desejar. — O desafiei ficando de pé já pronta para ir embora porque aquele homem era teimoso demais e estava me dando nos nervos. — Você já sabe a minha posição sobre o pedido. — Tudo bem. Desculpe por fazê-lo perder tanto tempo senhor Yusupov. Desejo sinceramente o melhor para você. — Falei séria e me virei na direção da saída numa postura altiva, ainda que estivesse ruindo por dentro novamente por saber que não teria paz em minha consciência. — Galadriel! — Exclamou puxando meu antebraço abruptamente. — Aldler,você... Ele nunca havia me beijado antes e hoje escolhera o pior momento para tirar vantagem disso enquanto minhas mãos tentavam afastá-lo com violência. ‘’ Está tudo errado. ’’ — Pensei revoltada comigo mesmo por ter provocado todo aquele rancor por parte dele se manifestando agora num beijo que se tornou cada vez mais fervoroso e me vi uma presa de seus caprichos porque sua força me lembrara o que era não ter sido tocada por um homem em anos. E não demorou muito para que eu o correspondesse sentindo lágrimas molharem a minha face no processo da vergonha de ceder a isto tão facilmente. Suas mãos apertaram a minha cintura e me segurei ao corpo dele temendo cair, pois tudo agora girava rápido demais. — Agora você está livre para sair definitivamente da minha frente. — Rosnou me soltando como se eu o tivesse queimado e com muito custo consegui me manter de pé sem cair sentada, e ainda me atrevi a olhar na face dele esperando ver escárnio, porém tudo o que vi foi apenas tormento e sem dizer mais nada deixei aquele cômodo ainda mais agitada do que em minha chegada. ‘’ O passado não se muda apenas com um pedido de perdão. ’’ — Refleti deixando o choro sair livremente. — Deus meu, eu gostaria tanto de poder voltar no tempo para evitar tudo aquilo. — Sussurrei me sentindo cada vez mais desconfortável comigo mesma e com as coisas que jamais poderiam ser desfeitas.

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Talita Durante a noite eu tive dificuldades para dormir não pela dor latejante no pé, mas sim porque ouvi inúmeros rosnados altos como se um gato grande estivesse passeando dentro de casa e arranhando alguma coisa. E para piorar sonhei com alguma coisa lambendo a minha cara loucamente numa espécie de pesadelo esquisito que cheirava a um perfume delicioso. ‘’ Que noite esquisita. ’’ — Foi o único pensamento coerente que tive enquanto o meu padrasto me ajudava a entrar no carro do ‘’inimigo. ’’ — Tio, eu teria feito isso sem que o senhor precisasse... — Não. Não. Já basta o seu tio me carregando. — Protestei fingindo tolerar o ciborg. — Leve esta mocinha com cuidado. E mocinha tome isto. — Nicolai disse me passando um saquinho de biscoitos caseiros feitos por ele. — Obrigado pai. — A palavra pai saiu naturalmente sem eu perceber como no episódio do hospital e o homem abriu um sorriso fofo. ‘’ Eu estou sendo contagiada mesmo. ’’ — Verei os dois mais tarde. Agora preciso levar o café da sua mãe na cama porque o seu irmão a está deixando doida hoje. — Se despediu e o chato deu a partida no veículo com a cara emburrada. ‘’ Que coisa mais infantil querer o tio só para si. ’’ — Desde quando você e o meu tio se dão bem? O que está tentando fazer? — Para o seu governo, eu não estou tentando nada e o Nicolai tem sido bom para mim, então me sinto no direito de retribuir a cortesia. — Não está forçando demais em chamar de ‘’pai’’ o homem que você tentou afastar da vida da sua... Não me contive e estiquei o braço o suficiente para bater no dele com raiva. — Cachinhos! Quer nos acidentar? — Riu ao invés de ficar irritado para o meu desgosto. — Gostaria muito que um trator em alta velocidade passasse por cima dessa sua cara arrogante,Kayan! — Me descontrolei e ele estacionou o carro num acostamento para me olhar seriamente. — Por que está sem o seu cinto de segurança? Quer que o meu tio me mate? Cachinhos. Cachinhos! — Disse ignorando a minha frase de ódio e se inclinou com toda a paciência para arrumar a fivela enquanto eu tentava afastá-lo sem sucesso. — Você realmente quer começar uma briga? — Quem começou com isso não foi você? — Provocou. — Pare de distorcer tudo o que eu digo. — Falei respirando fundo para não saltar do carro e depois de me prender ao banco o infeliz voltou à atenção ao volante agindo como se estivéssemos indo ao parque. — Pare de agir feito maluca porque ainda teremos muitos dias de convivência fraterna juntos. — Disse soando maligno e quase vi chifres vermelhos em sua testa. ‘’ Como eu queria que o meu primo estivesse aqui. ’’ — Pensei apertando os punhos.

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— Não adianta pensar naquele seu primo que está do outro lado do continente. Eu sou o que você tem para hoje e para todos os outros dias, boneca. — Zombou como se tivesse lido meus pensamentos. O que me deixou em duvida entre ficar em choque ou tentar bater com a cabeça dele contra o painel. — Estou pensando seriamente em contratar um taxista. — Faça isso e o seu novo ‘’pai’’ irá achar que está fazendo desfeitas com o arranjo dele e será pior para você. — Cantarolou sorrindo. — Não podemos entrar num acordo? — Agora quer negociar comigo? — O que quer para me deixar em paz e agir como se fossemos pessoas que se suportam? — Tentei argumentar porque não o suportava mais. — Que você pare de ser tão irritante. — Disse seco. — Mas o que eu faço demais? Não atrapalho minha mãe e o seu tio e me mantenho fora do caminho. — Me queixei. — Não gosto do seu shampoo; seu perfume, o jeito como você sorri, como fala e muito menos do modo como você age comigo. E acima de tudo odeio o modo como você me olha. Duvido que vá mudar estas coisas só para termos uma harmonia tranquila. — Debochou. — Garoto você por acaso tem problemas psiquiátricos? Está começando a me assustar e... — Estou brincando cachinhos. E não posso aceitar uma trégua com você enquanto não for confiável e educada comigo. Uma garota sempre se esmera na metade do tempo para que eu esteja encantado com os modos dela e no momento é impossível estar amando os seus. — Está falando sério? Você se porta como Conan o Bárbaro comigo e eu ainda terei de ser uma lady inglesa educada com você? Vá para o inferno! — Se quer me agradar me compare com o He-man. Este é loiro, charmoso e educado e ainda por cima é um príncipe. E não me fale de inferno, pois estou olhando para o meu nesse momento. — Zombou gargalhando na minha cara. ‘’ Deus do céu. Ele disse isso mesmo?’’ — Continue dirigindo Sherek. Eu não mereço escutar este tipo de coisa. — Falei com pouco caso e ele parou de rir fazendo caretas. — Está sendo deixada em segurança. — Disse seco quando travou o carro no estacionamento da universidade. — Obrigado meu lorde russo educado e lindo. — Tossi na parte do lindo e fiz a menção de sair sozinha, mas ele me lançou aquele olhar de ‘’não se atreva’’ e como não queria fazer uma cena num local publico fiz a minha melhor cara de boneca sem direito a movimentação. Kayan desceu do veiculo ajeitando seus óculos escuros como se fosse uma versão loira de James Dean e vi através da janela quando as universitárias que passavam quase gemeram por isso, no entanto, ele agiu como se aquilo não tivesse importância e se concentrou em dar a volta e retirar minhas muletas do porta malas.

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‘’ O homem deve estar tão acostumado a ver periquitas voadoras tentando entrar na gaiola dele que nem se incomoda mais com o descaramento delas. ’’ — Fiz uma observação técnica do quanto o ciborg era convencido de sua masculinidade. — Se segure em mim. — Pediu me fazendo parar de pensar naquelas idiotices e aceitei a mão dele para descer sem causar danos no pé ainda não recuperado, mas no processo colidi com o corpo dele sem querer e fui amparada por seu braço livre. Nossos olhares ficaram presos por alguns momentos e quase fiquei hipnotizada pela beleza de suas iris tão incomuns no tom de azul. — Aqui estão vocês! — Vozes masculinas exclamaram nos assustando e me equilibrei de qualquer jeito ao agarrar uma das muletas na frente de um Kayan visivelmente irritado. — Bom dia meninos. — Murmurei sorrindo para Gabriel, Daniel e Yuri. — Eu estava tentando fazer a senhorita Caramello chegar a tempo. — O outro disse me ajudando com a outra muleta e uma vez que consegui me endireitar com as duas me afastei dele que seguiu carregando sua mochila e a minha bolsa amarela chamativa. — Melhoras para o seu problema. — Os meninos disseram solidários. — Obrigado. Não é a morte, mas ainda assim está super chato ficar presa. — Comentei me referindo a algo que só o senhor R entenderia a ironia. — Veja o lado bom. Agora você tem um carregador particular. E a propósito, Kay. Nós precisamos ter uma reunião mais tarde. — Yuri disse cheio de humor, mas lançou um olhar estranho no loiro. — Mais tarde falaremos. Vamos senhorita, Tali. — Usou o meu apelido como se tivesse todo do direito de fazê-lo e não critiquei por isso porque os amigos deles estavam estudando a nós dois com interesse. — Poderia me devolver a minha bolsa que eu consi... — O trato é deixá-la na porta da sua sala e ir buscá-la no intervalo depois. — Não será preciso. Eu tenho coisas para resolver na hora do intervalo. — Com aquele seu amiguinho do muffin? — Perguntou de repente. — O Gustavo e eu estamos na turma de historiadores sobre o projeto Meriel. — Dei de ombros e todos eles olharam para mim com interesse ante a citação do nome da cigana. — Então está na turma boa. Faça um bom trabalho, Tali. — Gabriel apoiou. — Espero fazer, embora não ache que eu vá ter acesso a tantas coisas assim. — Falei amena e continuei sendo seguida por eles até estarmos dentro do campus principal e só me livrei de todos quando consegui entrar em minha sala. Durante as aulas todos regularam o meu pé,mas só Gustavo desejou felicitações para a minha melhora e conversamos sobre as nossas expectativas em relação a começar o projeto. E na hora do intervalo fomos deslocados para a sala especial dentro da biblioteca central e vimos os manuscritos da lenda. — Metros e metros de papel amarelado em russo. — A garota chatinha resmungou. — Crianças ao longo dos anos os grupos tem tentado restaurar a bagunça nele e inserir mais pesquisas ao nosso portfólio de estudos da lenda. Sejam profissionais. — O professor Tassoud nos avisou. O homem era um monstro em literatura européia e ainda era graduado em tradução de russo.

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— Faz alguns poucos anos que parte do manuscrito foi devolvida para fazer parte deste quebra cabeça e quero que vocês cumpram o programa em tempo hábil. — Emendou sem paciência para os resmungos de alguns e estabeleceu a tabela de serviços e dias para que todos pudessem fazer a sua parte. — Mais tarde nós dois temos de marcar um horário para voltar aqui e mexer na pesquisa. — Gustavo sugeriu quando estávamos saindo da universidade. — Eu te ligo para marcamos um... — Eu vou levá-la para casa, mas preciso passar num local antes. — Kayan cortou a minha linha de raciocínio ao surgir em nossa frente. — Gustavo, este é Kayan o sobrinho do meu padrasto e... — O capitão da equipe de natação do Meriel. É um prazer conhecer uma celebridade. — Meu amigo disse exagerando na simpatia, mas não estendeu a mão e o outro tão pouco fez um gesto para isso. — É um prazer conhecê-lo historiador. — Disse sério e ambos ficaram se medindo. — Gustavo, eu te ligo mais tarde e Kayan, eu não posso me negar a nada estando presa a você, então vamos. — Cortei as analises sem fundamentos de ambos e meu amigo entregou minha bolsa ao meu inimigo e ambos se despediram friamente. — Já começaram o projeto? — Sondou quando entramos no veículo. — Sim. E mais tarde faremos mais avanços. — Sei. — Rosnou. — Como disse? — Eu não disse nada. Está ouvindo coisas. Agora ajeite seu cinto. — Murmurou ameno e acatei a ordem para evitar que as mãos dele tocassem em mim outra vez e então permanecemos em silêncio até o carro ser estacionado na frente da famosa confeitaria de Ana Sofia. ‘’ O que estamos fazendo aqui?’’ — Vamos. — Pediu não demorando muito para abrir a porta e me ajudar a descer. — Se você quiser, eu posso ficar no carro. — A Ana Sofia e a Aimê estão dando um almoço e você também foi convidada. — Hum. Deveria ter me... — Para você se negar a ir? — Cutucou o meu humor ao me passar as muletas. — Eu não estava pensando em fazer isso. — Me defendi o olhando de modo assassino. — Talvez não. — Riu segurando a minha bolsa. — Pode deixar essa coisa no banco. — Falei de má vontade. — Não mesmo. — Hã? — As mulheres nunca têm tudo àquilo de que elas precisam, mas parte desses itens sempre se encontram em suas bolsas. E como você pode precisar de alguma coisa de dentro dela, eu irei levá-la só por precaução . — Argumentou sem espaços para mais discussões. — Kayan, você é mesmo uma criatura esquisita. — Falei me afastando dele e o ouvi praguejar algo em russo. — Aqui estão eles! — Um coro de vozes exclamou e reconheci todos eles.

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— Ola! — Os saudei encantada com a decoração do estabelecimento. — Talita, esta é Joana. — Benjamin me apresentou a uma garota loira que era a única desconhecida presente a mesa,embora se parecesse bastante em características com os Tarkoviskys. — Prazer em conhecê-la, Joana Tarkovisky. — Falei a fazendo rir. ‘’ O que eu disse?’’ — Eu não sou da família. Digo agora fui adotada, mas não somos parentes de sangue. — Explicou recebendo olhares ternos de todos aqueles loiros máquinas quentes da família T e não me passou desapercebido que aquele Iohannes também estava olhando para ela. — Sério? Eu poderia jurar que você faz parte da família pela semelhança nos traços. — Comentei abismada. — Desse jeito teremos de fazer algum teste de DNA para descobrir se não existe mesmo o suposto parentesco. — Luca brincou. — A ideia não seria má. — Milen assentiu entrando na brincadeira. — Outra vez isso? Talita, você também está exagerando. — Joana ainda estava rindo. — Somos todos uma grande família. — O grupo todo brincou e achei divertido passar algum tempo com todos, embora ainda me surpreendesse com o quanto os rapazes conseguiam comer. — Talita, eu ainda não consigo me esquecer de você cantando no casamento com aquele seu primo tocando guitarra. Foi muito incrível! — Lara gravidinha elogiou. — Eu cresci ouvindo Cindy e todas aquelas músicas dos anos oitenta. Minha mãe é louca pelas músicas dela e tenho quase certeza de que vai viciar meu irmãozinho nisso quando ele crescer. — Eu perdi isso? Que legal! — Joana comentou. — Você gosta de Cindy Lauper? — Sim. Curto ela e as músicas do Berlin. — Berlin? — Tenho uma caixa de música deixada pela minha mãe que toca ‘’Take my breath away.’’ E já vi aquele filme umas cento e cinquenta milhões de vezes. — Uau! É raro de achar caixas de músicas personalizadas com temas dos anos oitenta. Considere-se uma sortuda. — Tagarelei. — É uma das poucas coisas que tenho dela e acho que deve ter tido algum significado para ela e o meu pai, afinal quem pede um presente sob encomenda com uma gravação de música especifica? E o mais estranho é que não imagino o meu pai sendo tão romântico para fazer este tipo de surpresa. Ele era tão seco. — Joana emendou pensativa. — Homens são criaturas multi comportamentais e agem de maneiras que as vezes não entendemos. — Abigail opinou arrancando assovios das garotas e os meninos fizeram caretas azedas. — Homens! Dificilmente serão entendidos. — Concordei olhando diretamente para Kayan e ele vincou a testa. — Eu não sou alguém difícil de entender. — Luca resmungou. — Você é o único, Luca! Por isso te amamos mais. — Todas exclamaram o deixando vermelho e seu gêmeo lhe estapeou na nuca.

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— Não seja ciumento, Alex. — Amanda riu o puxando para um beijo e todos os casais imitaram o gesto. O que deixou a mim, Joana, Iohannes,Lucas e Kayan no vácuo total. ‘’ A expressão velas a ver deveria ser um provérbio no caso de hoje. ’’ — Não somos obrigados a presenciar tanto mel escorrendo. — Iohannes tossiu e povo acordou para a vida. E ao final daquele almoço de amigos o ciborg me levou de volta parecendo menos alterado de humor, mas isto não diminuiu minha opinião sobre ele ainda ser um grande idiota de olhos bonitos.

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Gabriela Estranhamente me assustou ficar a três semanas sem ter noticias ou qualquer ligação de certo maluco de olhos puxados e nome bizarro. ‘’ Não é como se eu estivesse feliz com a perspectiva de levar um susto com ele aparecendo do nada, mas o que está acontecendo?’’ — Pensei checando minha caixa de mensagens no celular sem obter qualquer resposta dele a minha mensagem. — Gabi,você deveria deixar para lá. — Disse a mim mesma, mas quando percebi já estava no bloco de medicina à procura das salas de pediatria. — Está perdida? — Uma jovem perguntou me olhando dos pés a cabeça por estar usando o meu jaleco do curso e estar parada no lugar não correspondente a ele. — Ola! Eu estou procurando a sala de um amigo. Por acaso conhece Kiwi Washavsky? Ele é do... — O Kiwi primeiro estudante mais recomendado do terceiro semestre de pediatria? Vai encontrá-lo no laboratório dois. E desculpe ser indiscreta, mas acho que você não faz o tipo dele. E não é a primeira que vem procurá-lo. — Disse agora me lançando um olhar ferino. ‘’ Esta garota está achando que eu sou o que?’’ — Pensei desejando dar uma rasteira nela para a minha segunda surpresa do dia já que eu raramente sentia vontade de agredir alguém. — Somos apenas amigos e obrigada pelas dicas. — Falei séria antes de me afastar não lhe dando mais brechas e passei a perambular pelos corredores até achar o lugar e abri a porta sem pedir licença, pois já estava no limite da irritação depois daqueles desaforos por causa do senhor maluquinho. — Classe temos de relembrar aquele procedimento. — Um professor explicava algo que pouco me interessou, pois meus olhos foram para o asiático mais alto da sala usando um jaleco imaculado e um estetoscópio pendurado ao redor do pescoço. ‘’ Aqui está ele! Você ficou preocupada a toa com o sumiço de alguém que tem muitas amiguinhas. ’’ — Briguei comigo mesma já me preparando para sair do cômodo,mas no processo esbarrei em alguém que estava tentando entrar e com o som da palavra ‘’’desculpe’’ emitida pelo estudante a sala inteira se voltou para nós e um par de olhos puxados se lançou sobre mim sem aquele brilho de antes. — Desculpe. Desculpe. — Pedi rapidamente ensaiando mais uma saída. — Senhoras e senhores, eu quero apresentar a senhorita Gabriela Tenório estudante do primeiro semestre de fisioterapia e também minha namorada. — Disse bem alto para o meu choque. — Você tem sorte senhorita. — O professor elogiou e um coro de felicitações veio a seguir enquanto eu continuava ali parada sem conseguir me mexer e depois da enxurrada de votos para nós dois o futuro pediatra que seria assassinado por mim me puxou para fora do recinto. — Mas... O que... Você por acaso está... — Foi a minha última piada para me lembrar de você com humor. — Disse seco e seguiu me arrastando até estarmos numa área repleta de bancos de madeira. — Pode fazer o favor de me soltar? — Finalmente consegui dizer. — Gabriela, por que veio? — Quis saber me soltando.

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— Eu... Você sumiu por três semanas e foi estranho. Por que não respondeu a minha mensagem? E a propósito pare de fazer brincadeiras como aquela ou as suas amiguinhas pretendentes vão se zangar. — Respondi áspera e Kiwi me estudou seriamente. — Não pode me deixar maluco e depois surgir aqui fingindo ter ciúmes de mim. — Acusou. — Do que está falando seu idiota? — Vá embora, Gabriela! — Perdeu o juízo? Explique de um ponto de vista que eu entenda. E por que está me acusando de sentir ciúmes? — Você diz que eu sou o estranho, mas consegue ganhar de mim nisso. Não quero mais a sua amizade depois de concluir que não vale a pena... — Não seja um irritante! Me fez vir até aqui para... — Não lhe pedi para vir até aqui. Portanto vá... ‘’ Ele não pode seguir agindo feito doido comigo por nada. O que foi? Arrumou amigas melhores?’’ — Refleti irada com o descaramento dele. — Não fique parada igual a uma tonta e ande. Está atrapalhando a minha... — Seu idiota! Nunca mais me faça perder o meu tempo. — Esganicei partindo para cima dele sem me importar em ser uma baixinha brigando contra um gigante. — Gabriela, pare. Vai se machucar desse jeito. — Provocou enquanto o empurrava sem ao menos conseguir movê-lo. — Não pode simplesmente ser legal comigo e depois agir desse modo! — Cobrei tentando socá-lo, mas tive os braços presos num aperto. — Não pode estar comprometida com outro e vir esfregar isso na minha cara. — Do que você está falando? Solte os meus braços! — Gritei. — Não insista em desmentir isso. — Você é mesmo um estúpido bipo... Fui erguida pelos antebraços de repente e num piscar de olhos tive os meus lábios assaltados pelos dele em meu primeiro beijo de verdade num momento bem inesperado. As pessoas diriam que ser atacada daquela forma era falta de caráter da parte agressora, porém mesmo querendo rachar a cabeça dele ao meio com um taco de bilhar por todas as suas idiotices,eu não estava classificando aquela experiência como uma coisa ruim. Pelo contrario todo o meu ser vibrava como se borboletas enormes estivessem saltando em meu estômago numa espécie de festa apenas porque a boca macia dele se moldava a minha com perfeição num jogo de línguas se tocando e provando uma da outra como se quisessem se marcar a partir daquele contato tão intimo. — Hum. — Suspirei tendo a cintura agarrada e possuída pelo fogo da ocasião envolvi os braços ao redor da nuca dele deixando que o estetoscópio caísse no piso. E seguimos nos beijando com desespero até que ele ronronou alto e soltou para que pudéssemos buscar ar. ‘’ Então beijar é assim?’’ — Fiz uma pergunta confusa para mim mesma depois de ter tido o cérebro e corpo bagunçados por aquela criatura que ainda me olhava com irritação. — Vá embora, Gabi. Não volte a me procurar sem um verdadeiro motivo para fazê-lo. — Rosnou antes de se afastar me abandonando petrificada e com cara de boba depois daquele beijo tão revelador.

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‘’ O que foi tudo aquilo? Ele estava brincando comigo por quê?’’ — Meus pensamentos estavam a mil agora e minhas pernas pareciam gelatina recém derretida no calor, mas de uma coisa eu tinha a total certeza e isso queria dizer que aquele homem havia se tornado o meu problema infernal.

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7. Sentimentos confusos. Joana — O que tem as pistas? — Meu avô perguntou enquanto perdia seu tempo tentando consertar o balcão quebrado da farmácia. — São listas, vovô. As listas de medicamentos que o senhor disse que iria guardar. — Estão na gaveta da direita. Filha vá fazer algo útil do seu sábado. — Reclamou. — Já estou fazendo. — Tagarelei rabiscando os itens na nota e o sorriso dele veio em minha mente e balancei a cabeça me sentindo boba por causa desses flashs. ‘’ Como ele tomou tanto espaço sem que eu percebesse em poucas semanas com a sua mudança de comportamento?’’ — Deveria chamar aquele moço russo educado que sempre vem buscá-la para aulas da manhã. — Opinou trazendo o homem ao assunto e me arrepiei com sua última gracinha em se demorar em abrir a porta do carro. Poderia jurar que aquele dia o Ion iria me beijar, mas não sei o que o impediu. — Vovô como era a minha mãe? — Fugi daquele tema mental usando as coisas que eu gostaria de saber sobre Judi. — Você nunca me pergunta sobre ela, pois sabe que não há muito que dizer. Seu pai e eu nunca nos demos bem e naquela época as... Sempre desconfiei que Rogério tivesse vergonha do pai surdo e dono de uma simples farmácia, mas não iria comentar isso na frente do senhor Érico porque meu avô não merecia ter uma velha ferida remexida. — Seu pai havia saído de casa para servir na aeronáutica e quando voltou mal parava aqui. — O meu pai serviu o exército aéreo! — Quase gritei. — Sim. Ele era piloto de caças, mas acabou abandonando o serviço quando conheceu a sua mãe. Nunca entendi o motivo disso. ‘’ Ele era mesmo um estranho para mim. ’’ — Como eles se conheceram? — Isso, eu não sei, mas eu a vi uma vez. — Confessou parando o que fazia e parou em minha frente com um sorriso nos lábios. — Como ela era? — Eu os vi vagando juntos pela praça da cidade e a observei bem e numa ocasião, ela estava numa loja quando a abordei fazendo perguntas bobas, mas não mencionei a minha relação com o seu pai. Ela era linda e brilhante como o sol e você têm os olhos e os cabelos dela. — O que ela estava fazendo nesse dia? — Perguntei sentindo o coração apertar de ansiedade em saber mais sobre ela. — Sua mãe estava comprando telas para pinturas. — Ela era uma artista? — Sim. Provavelmente ela deveria pintar com frequência, pois eram muitas. — Riu da minha pergunta entusiasmada. — Como ela morreu?

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— O seu pai nunca me contou em detalhes, mas sei que ela ficou muito doente depois de tomar uma chuva com ele em uma de suas viagens com você. A Judi Sales era algum tipo de moça teimosa no modo como Rogério a descreveu e ela também tinha... — Boa noite. Eu Posso roubar a sua neta um pouco? — Aquela voz profunda perguntou interrompendo a minha feliz pesquisa do passado. — Fique a vontade senhor russo, mas não a rapte para muito longe. Acho que já está na hora de fechar a farmácia e... — Não. Eu e Iohannes a fecharemos para o senhor. — Sim. Faremos isso e depois a levarei para um passeio de quinze minutos. — O outro prometeu. — Obrigado crianças. E boa noite. — Disse antes de se retirar provavelmente nos dando privacidade. ‘’ O meu avô é incrível para me deixar maluca quando quer. ’’ — Ele estava arrumando essa peça e... — Comecei a falar para quebrar o silencio e manter o foco, pois seus olhos não desviavam dos meus. — Eu posso fazer isso para você. — Disse voltando a atenção para a chave de fenda caída no piso. — Está suja de graxa e você vai... Era tarde, ele já tinha se apossado da ferramenta e se inclinou trabalhando nas peças soltas. Suas costas vigorosas através da regata branca e seu traseiro perfeito coberto por aquele jeans escuro me fizeram errar duas vezes meus serviços na listagem. — Droga! — O que foi bela? — Perguntou se virando para me olhar mostrando preocupação na face tão sexy. ‘’ Eu babei em cima de você e fiz melecas no meu serviço. ’’ — Errei uma ou duas coisas aqui. Estou distraída hoje. — Espero que esta distração seja eu. E é bom que seja mesmo. — Disse atirando mais uma de suas muitas brincadeiras convencidas em mim. Eu não conseguia levá-lo a sério desde o começo, não por algum complexo ante a ideia de um cara como ele querer grudar em mim, mas as mudanças de humores dele ainda me deixavam com o pé atrás. ‘’ Você é bom demais para ser verdade e a qualquer momento irá sumir. ’’ — Pensei me negando a nutrir sentimentos mais fortes por ele, embora lá fundo já soubesse o que aquilo queria dizer e exorcizei minha mente mais uma vez. — Continue o seu trabalho moço! — Ordenei séria. — A senhora manda e eu como um bom escravo russo lhe obedecerei. — Brincou piscando para mim. ‘’ Oh, Deus. Ele não para nunca? Qual o problema dele?’’ — Faça logo tudo bem caladinho ou será chicoteado! — Falei no intuito de irritá-lo. — É sério? Eu posso escolher com o que quando acabar aqui? Nunca achei que você gostasse de BSDM, mas para tudo tem uma primeira vez. — Riu de mim e senti o rosto esquentar. — Não era... — Eu sei meu bebê. Eu estava só brincando. — Não me chame de bebê! — Mas você ainda é o meu bebê.

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— Quietinho! — Ok. Eu sento, levanto e deito quando você mandar, mas não sou um cachorro! — Então o que você é? — Um gato grande minha madame. E neste você poderá acariciar e fazer festa na barriga sempre que desejar. — Voltou a piscar e ainda ronronou alto como se fosse um felino. ‘’Ai não! Como ele consegue fazer isso?’’ — Iohannes,por favor. Estamos numa farmácia e... — E eu não ligo para isso. Nem preciso de remédios porque já estou olhando para a minha única cura e vicio. — Iohannes! — É o meu nome. Opa! Terminei o serviço, mas o nosso passeio terá de ser adiado devido a minha camiseta suja. Meu pai sempre diz que um homem deve estar a altura da mulher com quem ele sair. — Tagarelou colocando a chave sobre o balcão e vi a mancha escura no tecido branco. — Dramático! Vamos até a minha cozinha dar um jeito nisso. — Falei revirando os olhos e ele sorriu. — Minha deusa vai cuidar de mim. Estou sonhando e... — Vamos! O cômodo se tornou pequeno quando ele retirou aquela maldita camiseta e senti o ar sumir quando suas mãos se fixaram sobre a minha cintura. — O que está.... Acabei sentada sobre a pia. — Eu sei lavar minhas roupas e você não é minha empregada. — Disse voltando a atenção para a peça de roupa e passou a esfregá-la com o detergente neutro que estava na bancada. — Como você é teimoso. — Defina isso mocinha? — Perguntou largando o que fazia e parou em minha frente. — Você desafia as leis da lógica para mim porque sempre faz o contrario daquilo que eu espero. Iohannes,eu sinceramente não sei o que você está querendo... — Minha lyubimaya será que já não fui bem óbvio desde o começo quanto ao que eu quero de você? ‘’ O que é isso agora?’’ — Meu coração estava acelerando. — Depende do que... Sua face se aproximou da minha e o beijo aconteceu instantaneamente como se fossemos imãs atraídos sobre toda aquela tensão magnética que era a nossa química agora. Soltei todas as minhas inibições porque me sentia aberta para mostrar tudo o que ele quisesse de mim e guiada nisso deixei minhas mãos vagarem por suas costas quentes e viris enquanto me deixava saborear e ser brindada na descoberta que era tocar e ser tocada nos lábios por ele. Se estar conectada a alguém apenas por um beijo era tudo aquilo,eu sempre desejaria mais e mais daquelas sensações correndo desenfreadas sob a minha pele.

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‘’ Agora é tarde para negar isso. ’’ — Disse para mim mesma cada vez mais entregue a travessura do momento e quando finalmente nos afastamos a procura de ar, ele ronronou alto em meu ouvido voltando a me beijar só que agora se aproveitava do meu pescoço. — Peça-me para continuar sendo obvio. — Sussurrou rindo baixo e atirei minha cabeça para trás lhe dando mais acesso para que aquele prazer incendiário continuasse sem pressa. — Ion. — Olhe para mim. — Ordenou puxando o meu queixo para encará-lo. — Não deveria ter me beijado. — Consegui dizer em busca da razão que já havia me abandonado há tempos. — Joana, eu quero você. Seja minha e serei bom para você. ‘’ Oh!’’ — Está indo depressa demais e... — Podemos ir mais devagar e fazer tudo o que você quiser, mas seja minha. Isto é só o que peço. Seja minha namorada, parceira e cúmplice? — Está me pedindo em namoro? — Quase gritei. — O que tem de tão inesperado nisso? Você acabou de dizer que quer ir devagar e isso nos daria tempo para nos conhecermos melhor antes do casamento daqui a algumas semanas. — Disse sério. — Iohannes! — Eu estou brincando! Deveria ver a sua cara agora. — Gargalhou e lhe estapeei no ombro forte. — Você é um... — Mas a parte de ser minha namorada ainda é real se você me achar à altura de estar ao seu lado. — Disse todo charmoso e me beijou no queixo. — Por que eu? — Por que não você? Quando olho para você vejo tudo o que eu gostaria de ter numa senhorita. Seu dom para aturar pessoas chatas, seu carinho com seu avô e seus amigos e o modo como é determinada e linda. E agora que sei o quanto beija bem isso também entrou no pacote completo. ‘’ Dar uma resposta agora seria maluco? ’’ — Refleti totalmente devastada pelo modo como ele estava me olhando e dizendo aquelas coisas doces. — E não posso deixar de mencionar o quanto amo o seu cheiro. — Seu impossível me dê tempo para pensar nisso sem ficar louca. — Lhe darei todo o tempo que quiser, mas admita que sente o mesmo. — Provocou. — Você é muito convenci... Lá estávamos nós dois presos nos braços um do outro mais uma vez e meu coração jubilava o suficiente sobre uma resposta que poderia por o meu coração a perder se Iohannes não fosse o príncipe que dizia ser, embora já fosse tarde demais para vestir a armadura de qualquer senso de auto preservação porque eu já estava apaixonada mesmo e não tinha mais para onde correr.

Fernanda Marinho

Iohannes

Apostar todas as minhas fichas em me comportar doera no começo, mas depois de sair da casa de minha consorte levando comigo o premio que era a palavra dela em pensar ‘’sobre nós dois. ’’ As coisas estavam mais claras para mim, ainda que o meu maior medo de que ela soubesse a verdade sobre minhas origens começasse a me assustar mais do que nunca. ‘’ O que ela diria se soubesse que dentro de mim existe um monstro que gosta de sair e caçar animais? E o que ela diria se soubesse que uma vez sendo minha jamais estaria livre para ir embora e que os nossos filhos também teriam a genética à mesma genética amaldiçoada?’’ — Aquilo estava me torturando quando saltei no galpão da união de Julian Zirkov para me reunir aos outros para a nossa pequena caçada noturna. — O Kay não veio? — Perguntei notando apenas a falta dele no grupo que hoje incluía Artur Rachamaninnof e Levi Stepanov irmão mais novo de Yuri. — Ele está numa competição de natação agora. — Lucius me lembrou. — Alguma noticia sobre os rumos das investigações velhas e novas? Tudo está muito quieto, não acham? — Julian perguntou. — Desde que deixamos o Canadá com nossas consortes Lanay e Tamara,não temos recebido qualquer alerta a respeito de ataques as mulheres e crianças sobreviventes que estão escondidas em algum lugar da Romênia. — Artur comentou se referindo ao tempo em que estivera naquele pais investigando a filha adotiva do beta do clã de Licantropos que havia escapado do massacre, assim como todos os outros membros mais vulneráveis da família justamente porque naquela celebração apenas os homens estavam autorizados a estar presentes. — Nem ela ou minha consorte puderam dar mais informações a respeito do real paradeiro desses sobreviventes porque agora eles devem estar se removendo de lugar a lugar por medo de possíveis ataques. — Levi comentou se referindo a sua consorte que também fazia parte da família Westford como filha adotiva de um dos lobos que protegiam o alfa. ‘’ Que consortes estes meus amigos foram encontrar. ’’ — Quase assoviei relembrando claramente dos comentários sobre as damas terem sido verdadeiros pés no saco a principio até estarem ligadas aos rapazes pelo fio invisível que faz as fêmeas admitirem que a conexão com os machos amaldiçoados de fato existe. — Acredito que suas damas jamais tornaram a ver os outros membros da família por questões de segurança. — Mikail se pronunciou. — Eu já estava pressentindo que esta lastima fosse ocorrer,mas estou aqui para apoiar a minha metade de alma quanto a isso. — Artur jurou. — Se não há nada a fazer também confortarei a minha Tamara. — Levi disse protetor. — Meus instintos me dizem que as coisas quietas demais estão escondendo surpresas desagraveis nas sombras. — Daniel comentou pensativo. — Ainda estamos de mãos atadas sobre o nome do maldito Ivan. — Gabriel assoviou criando uma onda de rosnados em todos, pois tínhamos provas de que ele era a cabeça responsável por todos os atentados e caos ao redor, mas por questões de protocolo não podíamos destruí-lo.

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— O importante é reforçar a segurança em cima da adaga e continuarmos mantendo nossos olhos ainda mais abertos. — Ian aconselhou. — Ele nunca irá colocar as mãos no artefato. — Viktor, Yuri e Demetrio rosnaram. — Não se quiser ter a cabeça arrancada! — Benjamin, Alex e Luca exclamaram. — Deixando de lado o problema eminente com coisas que nós vamos possivelmente resolver quando esquartejamos Ivan o não tão temível assim. O que Kayan planeja fazer em relação a Nicolai e a consorte Talita? — Disse Eliel não abafando uma risada e todos nós tossimos. — A minha praga pegou, mas convenhamos que seria pesado demais se alguém aqui risse dele. — Demetrio também tossiu. — Por que ele não pode simplesmente agir como um cara normal e contar para os amigos sobre tê-la encontrado? — Bernard perguntou intrigado. — Ele deve estar com medo dos comentários. — Marco Antonio se arriscou a dizer. — A situação dele é delicada. — Lenya opinou. — Eu no lugar dele diria a verdade a Nicolai. — Kiwi também opinou. — Ele é o ultimo herdeiro aspirante a chefe de clã do nosso grupo a ter encontrado a consorte e conseguiu se superar no nível de dificuldade. — Benjamin assoviou. — Acho que no lugar dele, eu teria mais medo dela do que de ter a cabeça arrancada por meu tio depois de esconder isso tão bem. — Yuri riu fazendo referencia ao comportamento brucutu da lourinha dos cachinhos em relação ao Kay. ‘’ Eu tenho mesmo muita sorte da minha Jo ser receptiva. ’’ — Rapazes precisamos caçar! — Ian assoviou. — Quem pegar o maior javali será o primeiro a sair daqui sem ter de limpar a bagunça. — Julian fez uma piada em relação ao cenário que costumávamos deixar quando tudo aquilo terminava. E todos nós ficamos em alerta ante os sons dos bichos e não demoramos a trocar de formas para nos misturarmos sorrateiramente na penumbra da noite que nos traria caças perfeitas para saciarmos nossas feras.

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Talita Eu já havia retirado o meu gesso e não sentiria falta alguma daquele horrível peso extra que só me trouxera aborrecimentos com o senhor ciborg. ‘’ Ele ter se mostrado todo prestativo e paciente demais foi muito bem ensaiado para me irritar.’’ — Pensei mascarando que aquelas últimas três semanas também haviam servido para que eu conhecesse melhor o lado ‘’normal daquela criatura.’’ Sabia que ele tinha uma habilidade incrível em desenhar transportes aquáticos, cuidava bem da tia grávida chorosa, sumia para velejar sozinho no final de semana quando precisava pensar em seus problemas e que amava mesmo a tal coisa da natação. — Competidores aos seus postos na primeira etapa com a competição individual. — O reitor anunciou de algum lugar e torci para que ninguém reparasse que eu estava suando com a visão do corpo semi despido daquele loiro convencido de uma figa. Kayan subira no tablado número um ajeitando sua toca e óculos azuis em combinação com a sunga que estava fazendo a imaginação de metade daquelas universitárias galinhas irem às oitavas. ‘’ Não posso culpá-las por isso. Senhor o que estou pensando? São só músculos.’’ — Briguei comigo mesma,mas meus olhos traidores não me obedeceram porque continuaram deslizando pelo peito malhado dele na medida certa. E quase pulei no banco quando fui flagrada pelo mesmo o olhando atentamente. — Filha? — Nicolai e minha mãe me chamaram e mudei o foco da minha carranca por ter recebido uma piscadela daquele estúpido que ainda por cima teve a cara de pau de fazer um sinal de ‘’coração ‘’com as mãos em minha direção. — O que? — Quase gritei irritada. — O Kay disse que vai dedicar a vitoria de hoje a você e a sua recuperação. — Os dois disseram sorridentes. — Oh! Que gracinha. Ele não precisava fazer isso. — Esforcei a voz para parecer doce e mordi um pedaço de minha barra de chocolate branco imaginando que era a jugular dele. ‘’ Como ele pode ser tão convencido em dedicar algo para a pessoa que ele acidentou? E ninguém normal é assim tão confiante demais. Argh!’’ Um apito estridente soou e todos os vinte competidores pularam na piscina olímpica nadando rápido como peixes, mas de alguma forma Kayan se sobressaia entre todos e quase fiquei surda com os gritos dos meus dois acompanhantes quando o ‘’garoto prodígio’’ foi o primeiro a bater na margem — Kayan! Você consegue! — Uma garota morena ao estilo Megan Fox gritou segurando um cartaz para ele e minha mãe fez uma careta de desagrado para ela. ‘’ Essa peitos de plástico deve ser uma das que ele já pegou. Tem tanto mau gosto que até a Monica percebeu isso. ’’ — Pensei maldosa e cruzei os braços observando dois garotos tentando passá-lo, mas foi impossível competir com o golfinho ali e este foi mais uma vez o primeiro a chegar. — Eu sabia! Meu garoto é esperto. — Nicolai babão elogiou abraçando a esposa. — Meu sobrinho é o melhor!

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— Com o menor tempo até agora. Kayan Rachamaninnof do terceiro ano de engenharia náutica é o vencedor da primeira etapa de pontuação. Na próxima semana teremos mais uma competição. — Helren anunciou ao som de muitas palmas. — Vamos lá saudar o nosso menino. — Nicolai disse animado e agarrou o braço da esposa a ajudando ficar de pé e fui obrigada a segui-los. Muitos dos competidores já estavam deixando a piscina assim como as pessoas nas arquibancadas e o senhor ‘’bonito’’ ainda estava na água de barriga para cima já sem os óculos e a toca. — Parabéns garoto! — A dupla de fãs masters dele o congratularam logo atrás de mim e fui a única a me aproximar da borda. — O golfinho não vai sair da água? — Estou apenas descansando um pouco e se fosse você recuaria mais dois passos porque essa área é escorregadia e... — Pare de me dizer o que eu devo fazer. O meu pé já está melhor e seria exagero dizer que pisos anti... Sim. Eu escorreguei derrapando direto para a água, ou melhor, para cima do homem mais convencido da terra que me segurou de imediato em meio aos meus gritos e os risos dele. — Eu avisei! Mas você é teimosa como sempre e quis vir aqui me agradecer pessoalmente por ter lhe dedicado à primeira etapa, doçura. — Ironizou me apertando ainda mais contra si e deixei de me importar com o frio. — Crianças vocês dois precisam sair. — Vozes conhecidas nos alertaram. — O que está fazendo? Eu mesmo irei matá-lo quando... Seus olhos brilharam do mesmo modo daquela noite em que nos conhecemos e isso me deixou estranhamente perturbada. — Kayan, eu vou matá-lo depois que você me soltar. — Não posso. — Foi o que ele simplesmente disse rouco antes de aproximar a face da minha e me roubar o beijo mais escandaloso que alguém já me dera em toda a minha vida. ‘’ O que ele está fazendo?’’ — Pensei com os nervos a flor da pele e tentei afastá-lo porque era ilógico de aquilo estar acontecendo na frente da minha mãe e do tio dele num lugar público, mas Kayan era mais forte e persistente e num lapso de loucura desconhecida até mesmo para mim me vi enfeitiçada pelo gosto de menta dos lábios dele dançando sobre os meus e nossas línguas acabaram presas me enviando diretamente ao mundo das pessoas sem senso algum de vergonha na cara. E não sabia de mais nada agora e apenas envolvi meus braços ao redor do pescoço dele me esquecendo de tudo a minha volta, pois estava perdida demais no barulho da respiração dele misturada a minha e no quanto o meu coração parecia desacelerado. — Não estamos querendo atrapalhar a sessão romance dos dois, mas acho que o ginásio irá ser fechado em alguns momentos. — Nicolai tossiu bem alto e isso nos interrompeu, mas não fui totalmente solta. — Kayan. — Seu nome saiu num sussurro assustado porque eu não tinha o cérebro funcionando para gritar com ele por aquilo que em noventa e cinco por cento havia sido a culpa dele.

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— Eu não pedirei desculpas por isso. — Devolveu o sussurro e me soltou nadando para longe. ‘’ O que eu fiz? Poderia ter dado um tapa nele. ’’ — Pensei tão confusa enquanto nadava só mais um pouquinho para a borda e meu padrasto estendeu a mão e me puxou para fora daquele lugar no qual fiz o papel de pateta mor. — Mãe. — Cuspi morta de vergonha do que ela iria dizer. — Bebê você deveria ter trazido uma toalha. — Foi a única coisa que ela disse e agiu como se nada tivesse acontecido. E Nicolai me envolveu ao redor de uma toalha que eu nem precisaria perguntar para saber a quem pertencia, pois o aroma gostoso já denunciara o seu dono. — Vamos embora. — Nicolai também não se manifestou sobre isso e agradeci aos céus por Kayan não ter vindo conosco no carro e desejei que ele não voltasse para casa, até eu estar segura das vistas dele. ‘’ Não pense nisso. Não pense!’’ — Ordenei a mim mesma depois de ter tomado um banho rápido e de ter substituído as roupas molhadas por minha camisola leve. — Amanhã preciso voltar para a minha antiga casa. — Sussurrei afofando os travesseiros na intenção de ir dormir, mas não estava nem mesmo com sono depois daquele acontecimento louco. — Por que você fez aquilo, Kayan? — Fiz uma pergunta irritada e em seguida gritei de susto quando a janela se abriu e o mesmo passou por ela vestido em seu pijama de dormir azul marinho. — Quer acordar a casa inteira? — O que faz... — Eu vim aqui porque nós dois precisamos ter uma conversa sobre... — Sobre você ter tentado ser engraçadinho comigo hoje. Até para aquilo achei que sua falta de limites ultrapassou as minhas expectativas. Foi monstruoso! O que seu tio e minha mãe devem estar pensando de nós dois e... — Talita, eu não sei do que está reclamando. Você também correspondeu. — Riu de mim. — Você me obrigou! — Obriguei você a gostar? — Jogou isso na minha cara. — Saia do meu quarto! Saia! E a propósito está me devendo um celular novo depois de ter afogado o meu antigo. — Não vou. Lembrarei disto amanhã. — Provocou dando um passo para frente. — Não se aproxime! — Ou vai fazer o que? — Eu vou gritar. — Pois grite. — Kayan, seu... Outro beijo me deixou fraca da consciência e me esqueci dos xingamentos de cinco minutos antes para grudar as mãos nos ombros dele. — Eu sou o padrasto da Talita e seu tio, mas gostaria de estabelecer alguns pontos de interrogação nesta relação de ambos. — A voz de Nicolai nos fez saltar para longe um do outro e minha mãe ligou o interruptor do cômodo.

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— Eu já sabia que os dois tinham algo especial e nunca perguntei nada para não soar uma chata intrusa, mas agora que já escancararam isto ambos devem esclarecer as ‘’formalidades’’ para nós dois. — Monica exigiu tirando conclusões erradas da minha relação de gato e cachorro com o sobrinho dela. ‘’ Minha mãe e padrasto estão malucos?’’ — Tudo isso não passa de um... — Tentei negar aquilo. — Eu e a Tali estamos saindo desde antes do acidente e quero pedir a mão dela em namoro oficialmente aos dois. Posso namorar a sua filha? Prometo ser o melhor namorado do mundo na medida do possível e também irei respeitá-la e concordar com tudo o que ela disser. Por que mesmo que em algumas vezes, ela possa estar errada... A última palavra sempre será a dela. — O outro disse me deixando chocada demais para desmenti-lo. — O que mais promete fazer por minha filha? Que garantia me daria de que vai cumprir com isso? — Nicolai o interrogou sério e minha mãe olhava a cena mal disfarçando que queria rir. ‘’ Deus, meu o que é tudo isso? Os céus resolveram me pintar de palhaça para a diversão de hoje. ’’ — Eu prometo que o meu coração ainda será totalmente dela, ainda que ela não me queira mais. Porque estou perdidamente apaixonado por esta linda rainha e como ela vive permanentemente em minha mente jamais a machucaria, pois o pai que me educou me ensinou que um homem de verdade deve manter suas promessas. — Respondeu empregando tanto sentimento naquilo que a coisa toda parecia ser real. '' Mas quando foi que o ciborg começou com tudo aquilo? O Kayan não está bem. '' — A mão dela é sua em namoro e espero que um dia, eu o tenha fazendo um pedido formal de casamento quando ambos já estiverem com seus diplomas universitários em mãos. Não esperaria menos do que isso do homem que eduquei. E filha aja de acordo e nunca parta o coração deste rapaz, pois o conheço o suficiente para saber que ele jamais desiste das pessoas que ama. — Bom. Eu não tenho muito que dizer, mas espero que ambos briguem menos agora e estou muito feliz por ter meus dois filhos juntos. Não terei mais que me preocupar com o tipo de homem que estará em seu caminho, filha. E filho saiba que a minha menina também não costuma magoar as pessoas que realmente importam para ela. ‘’ Tema de hoje: Fui beijada por meu inimigo e agora a minha família toda acha que sou a namorada dele. ’’ — Eu... Eu queria... — Vamos deixá-los sozinhos. — Nicolai murmurou oferecendo o braço para a esposa e ambos nos largaram ali fazendo a questão de fechar a porta. — Você não deveria brincar com essas coisas! Isso foi... — Eu apenas simplifiquei o que estava em meu coração e minhas intenções são reais. Talita, eu estou passando por cima do meu lado idiota para dizer isso. Porque estou mesmo atraído por você que mexeu com um lado meu que não sabia o quanto precisava ser completado. — Soltou mais uma frase chocante. — O que? Pare de beber! Você é o Kayan ciborg que implica comigo por causa do seu tio e porque retruco sobre tudo. Não pode estar apaixonado por mim...

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Eu estava nervosa e gaguejando feito uma doida porque não podia acreditar no impossível. — Sei que você não sente o mesmo ainda, mas deve estar bem balançada e lhe darei um tempo para pensar se vale à pena ou não me dar uma chance. ‘’ Ele nunca irá perder esse lado convencido. ’’ — Por que eu lhe daria uma chance? — Me arrisquei a perguntar soando histérica. — Para pelo menos manter as aparências em não parecer que foi mesquinha em fazer os seus pais de idiotas. — Zombou jogando a bomba para mim. — Quer dizer que além de me agarrar em publico e de desgraçar a minha vida na frente daqueles dois... Você ainda quer atribuir o termino dessa nossa ‘’curta’’ relação a minha pessoa? — Rosnei. — Sim. Porque... Socar o queixo dele foi inevitável. — Você precisa se tratar homem! — Essa doeu! — Exclamou alisando o local, mas ao invés de se irar apenas sorriu. — Ouviu o que eu disse? — Perguntei balançando minha não dolorida. — O soco é um sim ou não para me dar uma chance? — Pelo amor de Deus! Você não faz o meu tipo de homem e... — Tem medo de experimentar o teste e gostar? — Provocou ainda mantendo o humor. — Kayan, eu estou com sono! — Então vamos dormir. — Disse olhando para a minha a cama. — Você na sua e eu na minha! — Diga logo o que eu quero ouvir ou não irei embora. — Insistiu. — Tudo bem! Mas será nos meus termos e ao final disso você verá que tudo não passa de um erro. — Acho pouco provável que eu pense nisso porque os opostos se atraem. Agora me dê mais um beijinho já que somos mesmo namorados. — Disse esbanjando felicidade demais para o meu gosto. — Se não sumir agora mesmo, eu darei outro beijinho no meio desse seu queixo arrogante. Vá logo antes que eu em arrependa. — Cuspi impaciente. — Tudo bem. Minha lyubimaya. — Vá logo e pare de usar esse idioma que eu não entendo. — Rosnei o enxotando do cômodo e bati a porta o ouvindo rir. — Talita, você tem ideia do que fez? — Gemi me atirando no colchão. ‘’ Calma! Calma! Não é uma coisa séria. Aquele doido só deve estar brincando porque sabe que você não é fácil demais. Não é como se você estivesse gostando da ideia.’’ — Refleti mentindo para mim mesma sobre a possibilidade de não ter gostado nem um pouquinho daquilo,embora soubesse que não poderia dar um espaço em meu coração para alguém sem confiar nele o suficiente para isso. — Este ano sem duvida está querendo me enterrar! — Quase gritei atirando meus travesseiros para cima e demorei a pegar no sono por causa da lembrança daquele beijo tão caloroso na piscina.

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8. O aniversário de Mikail.

Gabriela Eu havia deixado de procurá-lo durante todos aqueles dias depois do ataque de ciúmes dele seguido por aquele beijo inexplicado ‘’ Pare de pensar nisso!’’ — Não ficar atrás de explicações do que aquele tonto faz é o melhor. Quem precisa de um rolo com ele? — Falei em voz alta enquanto procurava um livro especifico para uma pesquisa na biblioteca e de repente o meu celular apitou uma mensagem. ‘’ Ainda estou esperando você vir me procurar outra vez. ’’ — Argh! Alguém voltando a me encher o saco! — Shh! — Ouvi pessoas reclamando do meu barulho. — Desculpe. — Resmunguei digitando uma resposta. ‘’ Pois morra esperando. E não volte mais a me incomodar. ’’ — Coreano russo irritante. — Sussurrei irritada por ter sido feita de boba e peguei minhas coisas deixando aquele lugar com a cabeça doendo. ‘’ Que ótimo! A minha enxaqueca voltou. ’’ — Boa noite! — Uma amiga exclamou ao passar por mim quando eu dobrava a esquina da republica. — Oi! — Não quer vir à festa dos veterinários comigo? — Eu não posso. Tenho de estudar, mas obrigada pelo convite. — Respondi acenando em despedida e continuei seguindo para a toca de onde quase não saia nos últimos tempos. ‘’ Por que certas coisas vão perdendo a graça?’’ — Refleti bocejando e entrei num dos elevadores,mas ao saltar em meu andar estranhei a movimentação no inicio do corredor. — Você viu aquilo? — Uma garota perguntou a outra. — Sim. É a coisa mais boba e romântica que já vi. — Tagarelou se abanando e ouvi o som de um violão tocando a introdução de ‘’She’’ do compositor Charles Aznavour. — Oh! Isso é mesmo tão cute! — Um coro de vozes femininas suspirou e tive de empurrar meio mundo para tentar chegar a minha porta devido ao congestionamento de mulheres paradas olhando o nada que na verdade era o senhor Kiwi sentado em meu capacho tocando. — Mas o que é... — Esta canção, eu ofereço para a mulher que partiu o meu coração. — Disse antes de começar a cantarolar ‘’She’’, mas na versão coreana que eu nem sabia que existia. E recebi um monte olhares afiados devido à frase sem noção dele que tinha uma voz linda até mesmo para fazer musica.

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‘’ Eu estou mesmo presenciando isso?’’ — Pensei desejando empurrá-lo da porta e arrastá-lo para dentro de casa pelos cabelos por aquela exposição na frente do seu fã clube. — Oh! — Mais suspiros foram exalados, mas seus olhos estavam fixos apenas em mim e quando a canção terminou quase fiquei surda com excesso de gritos e palmas. — Volte para ele! — Alguém gritou. — Com licença, por favor! — Exclamei achando aquilo o cúmulo e o safado me lançou um sorriso que ignorei quando o puxei pela camisa o arrastando direto para o meu quarto e fiz a questão de bater a porta. — Minha princesa não faça esta cara de brava. — Riu. — Como teve a coragem de me expor daquele jeito? — O acusei atirando minha bolsa e livros em cima dele que desviou ainda rindo. — Você não me procurou e como eu não tenho mais dignidade resolvi vir vê-la e... — E me infernizar. O que você quer, Kiwi? — Gritei histérica — Quero saber quem eram aqueles homens? E o motivo e você ter abraçado um deles? — Perguntou sério ao se referir a uma parte importante da minha vida. ‘’Então era isso. ’’ — Que direito você acha que tem para ficar esquisito comigo porque o meu advogado e o filho dele vieram me ver? — Advogado? — Sim! Ele cuida da administração da minha herança e foi um pai para mim quando sai do hospital e me incentivou a ter uma vida normal já que a minha tia louca me mantinha presa a uma cama por achar que eu poderia morrer se tivesse uma infância comum. E eu nunca nem mesmo estive doente. Aquilo era só um zelo exagerado. — Coloquei a minha historia para fora e ele me lançou um olhar chocado. — Gabi, eu... — Eu estava levando uma vida divertida e normal até você aparecer e bagunçar um pouco com ela. Por favor, diga o que você quer mesmo de mim? — Insisti na pergunta. — Será que desde o começo não ficou mesmo obvio para você? Eu estou apaixonado por você, Gabriela. E se você não me quiser as coisas que começaram a ter sentido para mim vão se tornar cinzentas outra vez. — Respondeu me surpreendendo. — Kiwi! Sim. Eu havia pedido uma explicação para aquele tumulto e já esperava por alguma resposta sem sentido que não causaria o estrago de agora em meu coração. ‘’ Por que estou feliz em ouvir isso?’’ — Deus! Será que eu... — Parei de falar levando as mãos aos meus lábios e todos os últimos momentos confusos e embaraçosos ao lado dele naqueles últimos tempos me trouxeram a formula resposta para o que também tinha acontecido comigo e somente agora enxergava isto. — Gabi,eu não posso esperar se é isso que... — Garoto de nome estranho cale a boca e me abrace. — Pedi rindo como uma tonta e logo o tinha me obedecendo. — O que a faz rir tanto? — Perguntou me segurando e meus pés deixaram o chão. — O motivo do riso foi a mera descoberta de que os meus sentimentos por mais incrível e louco que pareça ser...Também são recíprocos. A sua doença é contagiosa e...

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Seus olhos se fixaram nos meus e parei de falar porque palavras pareciam muito inúteis no momento que nossos lábios desejam estar unidos. E quando o beijo começou me deixei passear livremente por essa nova área em minha vida na qual, eu teria alguém me amando e estaria devolvendo tudo aquilo em dobro pelo tempo que durasse. E não faria planos para algo que não tinha ideia de que aconteceria um dia, mas aproveitaria daquilo muito intensamente com um estranho maluco que se encaixava em meu mundo. E este passara a ganhar um colorido extra em sua palheta bagunçada e o nome dessa nova cor se chamava ‘’Kiwi.’’

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Rússia Belomorsk Arion Estava observando a paisagem além de minhas janelas depois de guardar no bolso o meu relógio especial da sorte. — Não sentirei saudades disto. — Sussurrei indiferente ao quartel nesse vilarejo esquecido. — Capitão as suas ordens já foram atendidas. — Niall comentou adentrando minha sala. — Caro amigo, eu sinto os ventos de mudança chegando e precisamos ter todo o cuidado no que estamos fazendo. Não quero pontas soltas. — O arranjo está feito com precisão em fontes confiáveis. — Deverei ir a Moscou em breve e preciso que algumas coisas sejam levadas para o meu esconderijo no Canadá. — Os passaportes, documentos e as contas estão devidamente em ordem para o plano e quando a nossa saída repentina nas atividades daqui forem descobertas ninguém saberá o nosso paradeiro. — Depois da vosstaniye nada será seguro. Espero que o meu inteligente primo saiba o que está fazendo. — Às vezes me pergunto se é possível se trapacear em seu próprio jogo? — Caro Niall, um jogador deve estar preparado para todas as situações e até mesmo para a morte de seus adversários ou a dele próprio. — Não importa o que vier a acontecer, eu quero estar lá para ver as coisas caindo. — E eu prometo que estará. — Murmurei ansioso para que o relógio corresse.

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Desgarrado — Me mangav tuke baxt! — Minha avó dissera na antiga língua. — Eu tenho a parte que preciso do feitiço decodificado, mas preciso do sangue de uma Muriel para abrir o portal com o espírito oculto. — Si e kerdo buon hijo. Pegue a adaga e recupere o nosso prestigio. Estarei aguardando noticias suas e lembre-se de fazer tudo como lhe ensinei para que nada saia errado. — Advertiu antes de desligar. — Consiga logo o que Zion prometeu que você e sua avó fariam. — O príncipe da casa alta ordenou imperioso. — Meu senhor, eu prometo que logo terá o que deseja em mãos. — Desde o inicio dos tempos amaldiçoados que meus ancestrais almejam isso e serei o prodígio que irá conseguir. — Disse com os olhos escuros brilhando de ganância. — Toda magia exige um preço meu senhor. — O lembrei. — Você e sua família serão bem recompensados quando o momento chegar. — Não sobraram muitos de nossa família. — Sei que apenas você, seu irmão mais novo e avó ainda mantêm a linhagem da família. Serei generoso em nunca esquecer o valor que vocês tiveram no passado e ainda tem agora. — Não sou um tolo em negar a culpa em nossa linhagem por ter feito um serviço tão falho no passado, mas agora estou pronto para corrigir isso e as últimas filhas de Muriel serão derrotadas e o meu sangue será vingado. — Deixe que pelo menos uma delas viva. Escolha a que lhe parecer mais forte. — Ordenou deixando novos planos em evidencia para o futuro. — É a historia, elas devem morrer. — Insisti. — Não disse que deixaria que a escolhida vivesse para sempre, eu apenas irei mantê-la por tempo indeterminado até conseguir o que eu desejo. — O senhor ordena e seu servo o obedecerá. ‘’ Nenhuma delas irá viver. ’’ — As cordas do destino estão prestes a serem desembaraçadas e toda a raça tigre irá me agradecer por isso. — Riu sombrio e só pude almejar os tesouros que isso me traria quando tudo estivesse terminado.

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Talita Eu havia acordado cedo para despistar da carona de Kayan de propósito porque ainda precisa de tempo para ficar sozinha. — Eu percebi que você está dispersa hoje. — Gustavo comentou depois da segunda aula na qual fomos designados a poder trabalhar no projeto de restauração. — Problemas femininos. — Comentei e ele revirou os olhos me acompanhando até a sala especial que já estava aberta, pois Arão Martinez estava lá. — O que está fazendo? — Nós dois quase gritamos por pegá-lo mexendo no pergaminho sem as luvas apropriadas para isso. — Para que tanto alarde? Este estilo de papel é resistente. Aquele garoto além de idiota ainda era um irresponsável. — Artefatos não são para brincar. — Gustavo rosnou. — Eu sei o que estou fazendo. — O outro respondeu arrogante ao devolver o pergaminho à mesa de origem dele. — Senhores. — O professor monitor murmurou e Arão agiu como se nada estivesse acontecendo e não nos atrevemos a denunciá-lo para evitar atritos, embora seu olhar estivesse nos desafiando a isso. — O trabalho de vocês tem sido impecável e para os próximos dias todos estarão autorizados a assistir o grupo avançado que cuida das artes importantes guardadas pela universidade. — Informou me deixando feliz. Porque desde o inicio de nossa pesquisa havíamos revisto a historia da universidade sob a perspectiva de como o trabalho dos russos começara ali e na importância da padroeira Kassandra. — Isso é muito bom. Obrigado. — Agradecemos em coro. — Até que enfim teremos acesso a algo importante. — Martinez disse depois que o professor se virou. — Seria bom se você tomasse cuidado com o que faz. — Gustavo o advertiu. — Não tenho motivo para isso também. — Rebateu não dando a mínima ao tom de aviso. — Eu mesma o ajudarei a ser denunciado se insistir em ir contra as regras. Agora venha, Gustavo. — Falei seca e recebi um olhar de pouco credito. — Aquele cara não deveria estar nesse projeto. — Meu amigo reclamou. — Não é ele mesmo quem vive dizendo isso? — Zombei o puxando para a outra sala de materiais e rimos. Meu dia se arrastara menos tenso e na saída da universidade me vi cercada por Kayan. — Está fugindo? — Provocou agindo como o Kayan de sempre e se apoderou de meus livros e mochila. — Mal começamos a ‘’relação’’ e já está me cobrando? — Devolvi o tom e me senti menos tensa, pois estávamos nos portando como a gata e o cachorro de sempre. — Eu jamais faria isso. — Sorriu presunçoso. — O que quer fazer hoje? — Eu apostaria em assistir algum filme com você no sofá, mas hoje temos uma festa de aniversário para frequentar. — De quem?

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— O Mikail estará recebendo amigos hoje na casa dele. Gostava do Belovik, embora ele fosse brincalhão até demais. — A que horas? — À noite. — Isso não nos impede de passar algum tempo fazendo algo útil. — Cobrei cruzando os braços. — Eu sei disso. Estava apenas brincando. — Sobre? — A surpresa que eu preparei para hoje, mas deixe de ser tão curiosa. — Disse misterioso demais e me ajudou a entrar no carro. E durante os próximos quarenta minutos falamos de amenidades até eu perceber que estávamos nos dirigindo para a praia de São Arcangelo na área dos ancoradouros. — Seja bem vinda ao meu passa tempo predileto em todo o mundo. — Disse depois de me ajudar a descer e caminhamos um pouco até o deque. — Nunca tinha vindo até esta área. — Comentei distraída com a beleza ao redor. — Este é o meu novo tesouro. — Disse apontando na direção do enorme veleiro que estava ancorado mais a frente. — É lindo! — Elogiei embasbacada. — Venha conhecê-lo. — Tipo subir? — Tem medo? — Perguntou rindo. — Nunca subi numa coisa assim. — Fiz uma careta. — É seguro. Venha. — Disse quando nos aproximamos da borda e me ajudou a subir. — Oh! É estranho. — Comentei sentindo um frio na barriga e Kayan puxou a minha mão e fui arrastada para o meio do convés. — Eu não irei ligar o motor para a sua segurança. — Zombou e lhe bati no braço. — Você e sua mania de... — Parei de falar quando vi uma toalha vermelha sobre o chão com uma cesta de piquenique. — Eu a trouxe aqui para passarmos algum tempo juntos. Senhorita, por favor, queira se sentar. ‘’Quando é que eu iria imaginar que estaria sentada com ele desse jeito?’’ — O pensamento me fez sorrir e relaxei observando as velas brancas dobradas tão acima de nossas cabeças. — Aqui é mesmo calmo e... O homem ao invés de se sentar se deitou sobre a toalha e recostou a cabeça em meu colo. — Não se importa em fazer a social de namorada boazinha comigo, não é? — Provocou e ao invés de lhe bater apenas estiquei a mão até seus cabelos macios e passei a brincar com eles e o ouvi ronronar. — Desde que não me obrigue a cantar. — Debochei. — Eu Posso fazer isso sozinho. — Riu começando a cantarolar uma canção dos anos oitenta que já havia sido regrava por uma ex-boy band chamada de Nsync. — Não sabia que você gostava de Sailing do Christopher Cross. — Tagarelei.

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— Meu tio diz que essa era a favorita de minha mãe. A letra só começou a ter mais sentido para mim quando me apaixonei. — Disse olhando para mim intensamente e senti a face esquentar. — Pare com isso. — Sussurrei sentindo vontade de beijá-lo e acho que Kayan deve ter lido isso, pois logo se sentou e acabei presa em seus braços completamente afogada no turbilhão de dar e receber paixão. — Terra chamando. — Minha mãe assoviou me trazendo de volta a realidade. — O que está pegando fogo? — Debochei irritada por ser tirada de meus bons pensamentos. — A senhorita deveria terminar de se arrumar porque o seu namorado está impaciente na sala. — Já estou descendo. — Falei lhe mostrando a língua e ela saiu do quarto alisando sua barriga. ‘’ Se acalme mulher. ’’ — Pedi a mim mesma e dei uma última olhada em meu vestido de renda cor creme com tule na barra. Eu havia passado a tarde toda ao lado dele ouvindo suas historias sobre a Rússia, veleiros e também lhe contara sobre o projeto da universidade enquanto intercalávamos tudo isso em meio a beijos. Ok. Muitos deles. — Filha desça! — Ouvi Nicolai exclamar com diversão na voz e ajeitei minha flor preta no cabelo antes de sair do cômodo respirando fundo. E quando comecei a descer o lance de escadas Kayan estava lá me esperando com uma rosa amarela na mão e me lançou um olhar tão deslumbrado que senti vontade de rir. ‘’ Ele não deveria me olhar como se eu fosse uma atriz de cinema. O que está havendo conosco?’’ — Está linda. — Disse me oferecendo o braço e me entregou a rosa. — Vocês dois não voltem muito tarde. — Nicolai disse sorridente. — Eu prometo não exceder o horário. — Ele riu e acenei para o meu padrasto e mãe. A casa de Mikail estava repleta de russos acompanhados das noivas ou namoradas e a mesa principal da sala estava parecendo um open bar de vodca. A decoração estava bem iluminada por lâmpadas japonesas em todos os cantos e me senti analisada por todos quando me viram de mãos dadas com o Kay. — Mik,parabéns! — Kayan o saudou e ambos trocaram uma conversa em russo e se abraçaram. — Talita! — Joana me chamou e me juntei a ela em volta da mesa enquanto um dos rapazes tocava musicas que nunca ouvi na vida num lindo violino antigo. — Eros, me acompanhe. — Bianna pediu começando a cantarolar uma canção da língua romani dos ciganos e o meu coração se apertou em ouvir a voz dela. — Eu não sei o que ela está dizendo, mas a melodia toca. — Abigail comentou sorrindo. As ciganas sempre me impressionaram e sabia que eu tinha um pouco do sangue delas por parte de alguma ancestral da mamãe, embora ela nunca tenha pesquisado de que tribo exata essa linhagem viera porque a cultura havia se perdido ao longo das gerações.

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— São palavras sobre o amor. — Arabelly explicou piscando para o noivo que estava a certa distancia. — Esteve divina, meu amor. — Ian elogiou em meio ao mar de palmas. E a festa continuou cada vez mais animada até Bianna se aproximar de mim. — Eu reparei que você está prestando a atenção nas musicas com bastante interesse. — Sim. Eu acho o canto muito bonito. Talvez porque eu tenha uma micro parte disso no sangue. — Tagarelei. — Você tem ancestrais ciganos. Que interessante! — Arabelly exclamou se aproximando também e me vi cercada pelas duas. — Dê suas mãos. — Ambas pediram e não vendo nada demais nisso segurei as mãos de ambas e ao fazê-lo. O que era inocente e comum se tornou algo extremamente chocante. Foi como se eu tivesse sido transportada para uma corrente de energia muito grande. E a sala pareceu ter ficado vazia e imersa num breu que aos poucos foi sendo iluminado por tochas e uma fumaça cinzenta. — Não quebre o circulo. — Bianna ordenou. — O que você sente? — Arabelly perguntou concentrada em meu aperto. E não entendi o sentido da pergunta por que meus olhos viam uma fera assustadora nos rodear. Ela se parecia com um tigre, mas era maior em tamanho e seus olhos vermelhos eram rubis de sangue brilhantes. — A morte está voltando sobre os portões e dessa, ela vem acompanhada dele. Ele quer destruir tudo e não deixar ninguém vivo. Quer interferir na corrente. — Bianna disse áspera e senti arrepios com a pressão da presença daquela coisa. — Não o deixe entrar. — Arabelly pediu. — Está forte. Vai quebrar a corrente. Ele está arrumando um jeito de entrar e isso trará consequências graves se seu intento for alcançado. A fera rugia babando, mas não conseguia tocar em nós três e apenas dava voltas e mais voltas saltando em sua ira e aquilo era aterrador. — Talita, o que você vê? — Arabelly perguntou. — Forças negativas. — As palavras saíram de meus lábios sem que eu quisesse pronunciá-las. — Não deixe isso se apoderar de você. A proteção contra isso está em seu sangue. Juntas oremos. — Bianna disse sem qualquer resquício de medo na voz. — O que é da terra voltará a terra e a escuridão sempre será cortada pela luz. Não existem sombras que possam tingir de maldade aquilo que já veio ao mundo para ser puro. Não vai passar! — Nós três oramos e repetimos aquela frase mais de três vezes até que aquele clima ruim foi sendo dissipado e algo arrastou a fera para longe. As luzes foram sumindo e voltamos à sala que estava silenciosa e repleta de olhares chocados enquanto Bianna e Arabelly soltavam as minhas mãos e caiam desmaiadas no chão. — Bianna! — Arabelly! Tudo acontecera tão rápido que me senti em uma espécie de pesadelo do qual fui puxada pelos braços de Kayan antes de apagar.

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9. O preço do sangue. Mikail — Você e sua irmã sabem como dar sustos em mim e em Ian. — Resmunguei segurando o meu maior bem mais precioso da terra em meus braços. Não entendi bem o que havia acontecido apenas me lembrava de que as vi alegres até darem às mãos a consorte de Kayan e depois passaram a falar em romani, e eu assim como todos os presentes não vi sentido em nada daquilo ou no motivo delas terem apagado no chão. ‘’ Minha Belly. Seu dom é tão horrível. ’’ — Eu estou bem. Não é minha culpa se essas coisas acontecem. — Sorriu. — Também se não estivesse melhor depois de dormir por dois dias inteiros como se estivesse em coma, eu iria ter um surto. — A provoquei. — Dois dias! E minha irmã? — Quase gritou levando as mãos delicadas aos lábios que eu tanto amava salpicar de beijos. — Sim. Recebi uma ligação de Ian e ele me disse que a sua irmã já está acordada e deseja conversar com você. O que aconteceu meu amor? Todos nós estamos preocupados. — A Talita está bem? — Presumo que a consorte vampira de Kayan ainda não tenha acordado, pois ainda não recebi noticias sobre isso. — Eu e Bianna precisamos vê-la. É importante que ela saiba o motivo daquilo. E não a chame de vampira. A Talita de alguma forma está relacionada ao sangue das Muriel e nós vimos às mesmas coisas. — Disse nervosa ao usar o verdadeiro sobrenome da padroeira Kassandra. — Está querendo dizer que existem chances daquela moça ter parentesco com a linhagem perdida? Uau! O Kayan vai pirar sobre isso. Se é que posso classificar o nível de estresse dele depois dos últimos acontecimentos. — Existem chances de ela ser parte disso. É tudo muito confuso, mas algo grande está vindo, Mik. Nós vimos o espírito mal que o seu ancestral e o de todos os outros rapazes presenciaram naquela noite. Aquela fera está consumida por destruição e quer arrastar a parte boa com ela. — Sua voz estava áspera e seu corpo tremia. — Olhe para mim minha vida. Eu estou aqui e não deixarei que nada aconteça até o fim dos nossos tempos. As coisas ruins podem tentar nos abalar, mas nada é tão forte o bastante para nos destruir. — A tranquilizei pouco me importando com as advertências de mal porque estava acostumado com o perigo. O que eu não suportava era vê-la tão desamparada e frágil daquele jeito. — Prometa que vai sempre tomar cuidado por mim. — Exigiu tocando o meu rosto. — Eu nunca irei deixá-la. Case comigo, Belly? — Outra vez isso! Nós já somos casados e noivos. Para que...

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— Estaremos nos formando no fim desse ano e não vejo motivos para protelarmos isso por mais tempo. Seja minha até nos papeis diante da sociedade. Quero você duas vezes casada comigo para que todos saibam o quanto sou um homem afortunado. — Usei meu melhor sorriso para convencê-la. — Eu já disse o que penso disso. — Relutou fazendo uma careta e deslizei a mão por sua coxa sedutora. — Pense numa lua de mel divertida de vinte e quatro horas no... — O seu lado malicioso e diabinho não pode me vencer. — Disse entrando no jogo e desabotoou minha camisa para esfregar o meu peito. — Prometa que vai pensar. — Sussurrei. — Eu prometo que pensarei em lhe prometer cogitar o assunto. — Se desviou da proposta e me puxou para um beijo recompensador que extinguia qualquer problema ao nosso redor.

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Joana Desde o último acontecimento em que as irmãs Meriel e Talita haviam passado mal, eu ficara sabendo por meio de Iohannes que as três haviam pegado algum tipo de virose e senti pena das coitadas. — Você está me fazendo de pombo correio. — Ion resmungou aceitando as três sacolas com vidros de compotas que eu fizera para alegrar as meninas. — O que custa você passar na confeitaria e deixar esses agradinhos para que Ana entregue a elas? — Custará beijinhos. — Disse sapeca. — Você não se emenda! Ai. Ai. — Eu só... Um momento. — Rosnou pegando seu celular. — Sim? Não. Eu estou na farmácia com a Jo e estava me preparando para ir até a confeitaria deixar algumas coisas que ela fez para as garotas do Ian, Mikail e Kayan. Como? Ok. Eu vou perguntar isso e daqui a pouco retorno. — Disse sério e me encarou. — O que houve? — Era o Benjamin. Ele me disse que o problema da virose fez com que todos fossem visitar a casa de Talita, Bianna e Arabelly e que está com a Ana Sofia, Milen e o pequeno Alexander. — Mencionou o menininho do reitor que eu não conhecia. — Está tudo bem? — Esse é o problema. A Valeria teve de se ausentar para resolver alguma coisa na cidade vizinha e o Helren foi resolver algum problema referente a alguma coisa da família. E o pequeno está enjoadinho e com febre e... — Já sei! O Bem precisar de remédios. Vou fazer uma cestinha com algumas coisas e... — Na verdade, ele vai precisar de um remédio que não saberia pronunciar o nome cientifico. — Ligue para ele e me deixe saber o nome. — Ok. — Assentiu discando o numero. — Ben? — Estamos meio enrolados aqui. Obrigada por me atender. — Riu e me passou o nome do remédio que felizmente havia em minha farmácia. — De nada. Nos veremos amanhã. — Falei antes de desligar no exato momento em que meu avô chegou arrastando seu carrinho de compras. — Crianças por hoje é só, eu já estou aqui para assumir o meu posto. — Tagarelou me liberando do trabalho. — Mas vovô, eu ainda nem terminei de... — Vá fazer algo melhor e saia para passear com o seu namorado. — Me enxotou. — Ouça seu avô e venha comigo fazer as entregas a domicilio. — Ion sorriu. — Ok.Ok. Vocês mandam. Iohannes, eu vou com você. Como a confeitaria estava fechada nós passamos direto de carro e o meu garoto atentado acabou me levando direto a casa dos Tarkovisky. — Não iremos nos demorar muito porque eles devem estar ocupados com o menininho. — Doçura. — Ele disse me ajudando a descer na frente do grande casarão. Nunca havia estado ali, mas não era por falta de convites para tomar um lanche com os rapazes e as meninas. O problema era a minha falta de tempo.

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— Vocês vieram nos salvar. — Benjamin brincou ao abrir a porta e me apaixonei pela criança ruiva nos braços dele. — Ola menininho com cabelo cor de sol. — Brinquei com ele e recebi um sorriso tímido. — Ele está chatinho hoje. — Ouvi a voz de Milen que surgiu atrás do primo. — Aqui está o remédio e coloquei mais algumas coisas para o caso dele precisar. E também gostaria que entregassem esses potes para... — Se você e o Ion não entrarem agora mesmo, eu e Milen iremos nos ofender. — Benjamin reclamou e fomos arrastados para dentro. A casa era mesmo tão bonita por dentro quanto por fora e Ana Sofia estava justamente chegando à sala com uma cesta de pretzels. — Bem na hora. Visitas! — Ola, Ana. — Eu e Ion a saudamos. — Deixe que eu assuma o Alexander. — Milen comentou pegando o ruivinho e a seguimos até o quarto dele deixando os garotos com a cesta numa mini briga pelas guloseimas. — Como estão as garotas? — Perguntei amena e notei que as duas se entreolharam. — Elas estão se recuperando bem. — Ana foi a primeira a responder enquanto tirava as roupas do pequeno. E depois de tê-lo banhado nós três o fizemos tomar a medicação e só depois que ele dormiu e o ajeitamos no berço, elas pareceram mais aliviadas. — Alguém aqui tem uma obsessão por tigres. — Assoviei observando a decoração do quartinho dele. — A família inteira tem. — Milen comentou num tom como se aquilo fosse alguma piada particular e Ana riu. — Espero que os homens da família não cacem esses bichinhos. Vocês vão acordá-lo desse jeito. — Brinquei. — Vamos ver o que aqueles dois estão fazendo. Porque o ruivinho precisa dormir. — Ana tagarelou quando deixamos cômodo levando a babá eletrônica. — Quem na família tem o cabelo vermelho daquela cor? — Soltei uma pergunta que fez Milen me encarar por alguns momentos. — É isso! — Exclamou elétrica. — O que foi mulher? — Eu a Ana perguntamos sem entender nada. — Venham comigo até a biblioteca. — Disse puxando a nós duas. — O que tanto você procura? — Ana perguntou a observando vasculhar livros de capas grossas que pareciam álbuns. — Este deve ser o ano. — Ela tagarelou se apoderando de um desses livros verdes e passou a folheá-lo com pressa em meio a fotos em preto e branco. — Aqui está! Eu sabia que tinha ter de ter alguma explicação. Se bem que isso não explica nada. — Emendou desatando a falar muito rápido. — O que está acontecendo? — Fiz outra pergunta preocupada. — Olhem! Olhem! Esta foto. — Pediu se aproximando de nós duas e meus lábios se abriram em surpresa quando vi que a jovem sentada em uma espécie de alpendre era uma copia minha.

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— Uau! É igual a você. — Ana exclamou impressionada. — Quem é esta jovem? — Eu quis saber cada vez mais presa ao sorriso dela na imagem em preto e branco. — É Tatiana Rostova Tarkovisky a minha avó. Ela era ruiva e não loura e você é uma copia viva dela no passado. Será que somos parentes perdidas? — Milen disse animada. — Estou começando a achar que reencarnação existe. Isso é estranho. — Ana riu. — Existem milhares de pessoas no mundo que se parecem sem nem mesmo serem de fato parentes. Tipo a Zooey Deschanel e Katy Perry. Esse tipo de coisa é comum. — Comentei rindo também, embora no fundo sentisse mesmo vontade de ser de uma família como a Tarkovisky. — Venham vamos mostrar isso ao Ben. — Milen praticamente correu largando nós duas para trás. — Ela é pior do que uma criança às vezes. — Ana resmungou e a acompanhei desistindo de seguir o ritmo rápido de nossa amiga. — Ben! — Só ouvíamos os gritos dela e quando conseguimos alcançá-la quase a atropelei ao ver que os rapazes estavam acompanhados do reitor Helren. Eu já o vira de longe, mas nunca havíamos sido apresentados e agora o olhando bem de perto fiquei impressionada com o quanto ele era mesmo bonito. — Por que o motivo da gritaria? O tio Helren acabou de entrar e está trazendo... Mal prestei a atenção no que Benjamin dizia por que estava vidrada no olhar surpreso do tio dele passeando sobre mim. — A senhorita se parece muito com a minha... — Não é incrível! A Joana Brito e a vovó Tatiana eram idênticas. — É isso! Sabia que a Jo me lembrava a alguém. O nosso avô iria surtar se a visse e... — O seu nome é mesmo Joana? — Perguntou ao se aproximar de mim e me ofereceu a mão para me ajudar a descer o último degrau diante de um Iohannes quieto demais. — Sim. Eu me... — Helren,eu não irei carregar aquelas caixas que você deixou no carro. O senhor é muito preguiçoso. — Uma voz feminina acentuada pelo sotaque russo chegou aos meus ouvidos e quando o reitor saiu de meu campo de visão me vi fascinada pela linda loira alta e elegante que estava parada na entrada da sala. Era evidente que ela era uma Tarkovisky autentica pelos traços e seus olhos azuis eram brilhantes como joias. ‘’ Quem é essa moça?’’ — Pensei recebendo dela um olhar que não consegui interpretar. — Galadriel,esta é Joana Brito. Sabia sobre ela ser a namorada de um dos Volk,mas ainda não tivera o prazer de conhecê-la.Diga uma coisa filha. Você estuda o que? Sempre morou nessa cidade? Quem são os seus pais?— O reitor comentou fazendo uma série de perguntas ainda olhando para mim daquele jeito. — Ola. Eu estudo farmácia. Vim morar por aqui apenas este ano, pois o meu pai vivia mudando de cidade por causa do trabalho e depois que ele faleceu tive de ficar com o meu avô. Não conheci a minha mãe porque ela morreu quando eu era pequena, ela se chamava Judi e o meu pai Rogério. — Respondi amena e vi quando a mulher ficou com a face avermelhada e levou as mãos aos lábios não contendo o choro.

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A sala ficou em silêncio e aquilo me incomodou porque não havia dito nada demais. — Tia? — Benjamin e Milen a chamaram me fazendo entender seu grau de parentesco com eles. — Você tem alguma coisa dela? — Helren fez outra pergunta. ‘’ Qual o problema?’’ — Sim. Sim. Uma caixa de musica e uma foto dela me segurando no colo. Mal dá para... — A caixa de musica é personalizada com uma canção da banda Berlin. E na foto a sua mãe está de costas a segurando no colo. — A tia dos meninos perguntou com a voz embargada e isso me assustou. Meus amigos íntimos sabiam da caixa, mas eu jamais mencionara a descrição completa da foto a ninguém. — Mas o que isso tem... — Galadriel Judith Rostova Tarkovisky abrace a sua filha. Porque ela estava dada como perdida e agora você a têm depois longos dezoito anos. — Helren disse palavras que eu nunca esperaria ouvir e o meu mundo caiu. Tudo estava girando e girando, mas quando o abraço dela me amparou o meu coração me disse que aquilo era verdade e as lágrimas jorraram sem que pudesse contê-las. — Tio o que significa isto? — Ouvi meus amigos perguntarem nervosos. — Estamos perdendo algo? O que é isso? — Mais vozes conhecidas se juntaram aquele coro. — É verdade? — A minha voz saiu sussurrada e ela me abraçou mais forte. — Sim. Você é minha. Tenho tanto para dizer e... — Vocês duas precisam ter uma conversa particular. — Ouvi a voz de Iohannes soar seca. — Vamos até a cozinha. — Ela murmurou me soltando e não tive forças para abrir a boca diante dos olhares angustiados de todos os meninos Tarkovisky parados no caminho, assim como também não pude encarar o meu namorado. — Eu vou contar tudo a vocês. — Ouvi o reitor dizer quando nos afastamos. — Por favor, eu espero que me perdoe. — Judi disse quando fechou a porta e me sentei a observando andar de um lado para o outro. Ninguém esperaria receber uma noticia bombástica como aquela de que a própria mãe ainda estava viva e ainda por cima era a tia de seus amigos mais queridos. — Preciso saber o motivo. Por quê? — Entenda que para puxar o passado, eu estaria revelando as suas origens. — Começou a narrar uma velha historia sobre colonos russos, mortes e uma praga cigana até falar da existência real de homens que se transformavam em tigres. — Quer dizer que todos os russos e até o meu Ion são...Oh! Aquilo poderia ser inacreditável, mas explicava os comportamentos estranhos dos rapazes em relação às namoradas e noivas e o fato deles comerem demais e serem fãs de comidas cruas.

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— Eu sei que você deve estar achando que sou maluca, mas aconteceu e esteja ciente de que todas as filhas com essa genética estão fadadas a apenas manterem relações amorosas se forem consortes ou com os homens não tigres que são como serviçais de confiança das famílias. E quando se é filha de um chefe a vigilância e cobrança em cima de você são insuportáveis e sufocantes, e então um deles apareceu e me reclamou como dele, mas eu não queria e não o amava. — Começou a tocar em uma parte do assunto que sabia que me traria dor. — Porque eu já havia conhecido um rapaz comum aqui nesta mesma cidade e ele era tudo o que eu queria. Não havia cobranças com ele e podia ser eu mesma, mas para tudo existe um preço. Sabia que quando a ora chegasse, eu teria de escolher entre a obrigação para com o clã e o amor do seu pai. — A senhora... — Eu não podia conter aquilo e no dia da cerimônia de pacto, eu fugi da Rússia e fui me encontrar com o Rogério. Era muito jovem e imatura e quis viver aquilo. Durante alguns meses ficamos morando na Bolívia porque ele estava em serviço militar numa base naquele pais e foi assim que descobri estar grávida de você. Joana, você era tão linda quando nasceu e eu só podia agradecer aos céus por isso, mas o meu passado ainda estava lá e minha família enfrentava tantos problemas que numa ocasião um dos meus irmãos resolvera burlar as leis de banimento para me ver. Seu tio Helren era tão volátil quanto uma bomba relógio e quando ele me viu com o seu pai as coisas saíram do controle e a verdade acabou aparecendo. — Disse fazendo uma pausa e torceu as mãos. — Se não fosse por mim, ele teria quebrado o pescoço dele naquela noite. Tenho certeza de que o Helren se culpa por isso, pois depois que ele foi embora o seu pai exigiu explicações sobre a força sobre humana e as presas que vira e não pude guardar aquilo por mais tempo. E o fiz jurar que jamais contaria a ninguém o que havia presenciado e quando ele o fez achei por ledo engano que tudo ficaria bem, mas pela manhã você não estava mais em seu berço e só encontrei uma carta na qual muitos insultos eram expressos as minhas origens. E Rogério dissera que a filha dele não merecia ter uma mãe parte aberração e que eu estaria fazendo o melhor se esquecesse de ambos para o resto da minha inútil vida. — A revelação real foi como um soco. E aquilo finalmente explicava o comportamento estranho do homem a quem eu nunca havia sido próxima de verdade. Meu pai jamais gostava de ficar mais do que um ano em cada uma das cidades para onde era enviado e raramente mencionava a minha mãe. E agora, eu sabia o motivo disso e do sobrenome falso em minha certidão. ‘’ Como ele pode ser tão monstruoso como a esposa e a própria filha?’’ — Levei as mãos aos lábios não contendo os soluços.

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— E fiz o que ele pediu porque não poderia pedir a minha família para cuidar disso, pois isso faria deles assassinos e durante todos esses anos vivi com isso me corroendo porque não sabia nada sobre o bebê arrancado dos meus braços. E o pior disso é que a única culpada fui eu por ir contra as regras da maldição e meus deveres familiares por um amor que não passava de luxuria e pura teimosia. E no processo destruí a vida de um homem bom por nada, mas a única coisa boa que tudo isso gerou foi você e não tenho o direito de... — Mamãe, eu pensei que estivesse morta! Sempre desejei vê-la e conversar sobre as minhas coisas porque passei uma infância solitária com um homem estranho que deveria ser o meu pai, mas me tratava com tanta distancia. Por favor, não se culpe mais. Não se culpe. Podemos recomeçar do zero porque eu sempre almejei tê-la e fazer parte de uma família tão bonita e grande. — Meu bebê! — Minha mãe gritou vindo me abraçar e ficamos assim durante muitos minutos finalmente conectadas pela força do laço que nos unia.

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Benjamin

Meus nervos estavam em frangalhos e precisava quebrar alguma coisa, pois tamanha era a dor que senti depois de saber de todas aquelas situações sórdidas pelas quais a minha segunda mãe na terra passara sem que todos nós os seus sobrinhos tivéssemos o real conhecimento disso. — E todo esse tempo a Joana era nossa. — Eliel sorriu com a voz embargada. — Eu, Galadriel e Eliaquin tínhamos um pacto com o nosso pai de mantermos esse pecado em segredo para que as leis não caíssem sobre a nossa família. E mesmo quando Galy recusara o capitão Aldler,ele próprio preferira se manter longe e abafar isso sem que ninguém no clã exceto sua família soubesse o que havia ocorrido. O homem é um dos tigres mais honrados que tive o prazer de conhecer. — Tio Helren disse nunca perdendo a postura dura. — Pobre homem. — As garotas suspiraram pela má sorte dele em ter ido parar no exílio. — Por favor, Ben. Nunca permita que esse tipo coisa volte a acontecer no clã quando estiver sentado na cadeira do tio Alberich. Não consigo imaginar uma filha minha ou sobrinha passando por isso. — Alex rosnou tremulo ao apertar os punhos e Amanda o abraçou. — O nosso avô achou que abafar o ocorrido protegeria a nossa tia, mas isso não o isenta porque seguir as regras envolve todas as famílias que guardam a maldição e a proteção de nossas mulheres. Jamais deixarei que nenhum patife arranque uma criança dos braços de uma mulher deste clã enquanto eu viver. — Prometi sentindo lágrimas quentes tocando a minha face e minha Ana Sofia me abraçou apertado. — Você será um bom líder quando o seu dia chegar. — Sussurrou me apoiando. — O passado cobrou um preço alto em cima de meu pai e nem ele pode lidar com isso, pois colocou a Galadriel acima de tudo e por amor a ela impediu que nós procurássemos por sua neta desaparecida. E quando ele souber que ela apareceu e que é uma consorte terá de trazer as verdades à tona e se desculpar com o clã por isso e lidar com as consequências criticas que sofrerá dos magistrados. — O que pode acontecer em relação a isso? — Luca se preocupou esfregando a face avermelhada pelo choro e Milen o abraçou. — Um chefe não pode ser destituído de sua cadeira por ninguém a não ser que cometa algum crime grave. E o meu pai só terá de lidar com a promessa de sangue de que mais nenhuma mulher do clã Tarkovisky irá ultrapassar a linha. — O que tem de grave nisso? — Patricia quis saber. — Quando uma promessa de sangue não é cumprida por um chefe. Este deve morrer para evitar a revolta do clã e a vergonha contra o nome dele. Os antigos haviam instituído isso e há muitos anos a lei não é usada. — Meu tio respondeu aquilo que eu já sabia e todas as garotas ficaram assombradas. ‘’As leis são sagradas para manter o clã seguro, pois se não fosse por isso todos os amaldiçoados estariam em jaulas de laboratório sendo estudados por pessoas que desconhecem o que somos. ’’ — A voz de meu avô estava claramente em minha cabeça.

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— Não se preocupem com isso. Nada irá acontecer com ele se mantivermos nossa família protegida. — Falei confiante em nunca deixar que nada destruísse a nossa linhagem. — Elas estão vindo! — Milen exclamou no momento em que as duas surgiram de mãos dadas na sala. — Bem vinda a família Tarkovisky,Joana, malenkaya devochka. — Falei indo abraçá-la e os outros se juntaram a mim numa corrente conjunta. Desde o começo o cheiro e a familiaridade nas feições dela haviam trazido todos nós aos seus pés porque no final é o sangue que fale mais alto. — Eu não poderia estar mais feliz tendo tantos primos lindos! E uma mãe de verdade. — Riu beijando as faces de cada um de nós. — Tia Galy,eu sinto muito. — Falei a puxando para um abraço. — Eu sempre dei amor para você e seus primos porque queria dividir com alguém aquilo que não podia dar a ela. E hoje a tenho de volta em meio a todos vocês. — Bem vinda a nossa família sobrinha. Eu sinto tanto. — Tio Helren disse a beijando nos lábios e lhe deu um abraço de urso — Obrigado, tio. — Ela sorriu olhando para todos os lados em busca do Volk. — Ele disse que precisava lhe dar espaço depois de hoje. — Milen explicou a abraçando. ‘’ O Volk é um cara honrado também. ’’ — Aquele garoto adora me deixar sem graça. — Resmungou deixando claro em cada palavra o que sentia em relação a ele. — Ele vai sobreviver algumas horas sem você. — Luca brincou. — Bebê, eu tenho muitas coisas para lhe mostrar. — Minha tia disse puxando a filha. — Depois nos devolva a Jo para uma comemoração. — Todos resmungaram e senti o meu coração se acalmar, pois tínhamos sorte demais ao nosso favor e um novo solzinho em casa.

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Talita Naquele sonho, eu estava entrando e saindo de salas com portas largas numa espécie de palácio dourado e em todos os cômodos havia riquezas espalhadas aos montes e na última porta branca bem diferente do ouro maciço das outras, eu senti que deveria entrar com cautela. — O que temos aqui? — Sussurrei empurrando o objeto e fui atingida por uma luz branca que me cegou por alguns instantes até que o som de uma fogueira crepitando me fizesse abrir os olhos e me vi em frente a um grande acampamento cigano sob um incrível céu estrelado. ‘’ O que faço aqui?’’ — Pensei ouvindo o som de uma musica chamada de lamento gitano ao fundo, embora não soubesse quem a estava tocando. — Blanca,não tenha medo. — Disse uma linda jovem de longos cabelos escuros e olhos impressionantemente vividos. E esta passou por mim junto de outra moça mais baixa e de longos cabelos castanhos e olhos verdes que lembrava muito a minha mãe. Nenhuma das duas estava me vendo porque não esboçaram qualquer gesto de susto com uma terceira pessoas as observando. — Kassandra, eu não quero que tu vás. Algo me diz que coisas ruins vão acontecer. — A outra comentou quando as duas se sentaram em frente a fogueira. — A avó Nazira disse que o meu caminho já foi escrito e não há como mudar isso. Não tenho culpa de parte de minha linhagem de ter me obrigado a isto, mas isso não significa que irei morrer. E tu também me prometas isso em nome de sua mãe e da minha. — Se estivermos juntas minha querida prima tudo... — Não é seguro para ti estar relacionada a mim, por isso, sigas o plano de partir daqui e mudar o teu sobrenome também. E quando eu puder irei encontrá-la na tribo com quem vais seguir teu caminho. — Tenhas cuidado em nome de Deus aquele nos observa e tudo vê para que sejas fácil o teu regresso de volta para mim. — Façamos um pacto aqui e agora. — Kassandra disse puxando uma adaga semelhante a replica que eu já vira antes em algum lugar e desferiu um corte em sua própria mão direita e depois fez o mesmo com a prima, antes que as mesmas dessem as mãos num aperto firme. — Mesmo que algo nos separe ainda que por breves dias, meses ou anos que o nosso sangue sempre esteja unido e que a nossa descendência possa se ajudar em momentos de maiores necessidades, pois não há amor maior que a nossa amizade. — Repetiram aquilo em voz alta e em seguida se abraçaram aos prantos. Meu coração se encheu de tristeza com aquilo como se algo me dissesse que aquelas duas jamais voltariam a se reencontrar em corpos físicos outra vez. E a fogueira se apagou com um vento gelado e ambas as jovens desapareceram antes que pudessem ver o mesmo horror que estava desfilando diante dos meus olhos na figura de um homem muito pálido vestido num manto preto e montado ao um corcel da mesma cor trazendo uma foice brilhante na mão direita. E todo o campo por onde ele passava se ouviam gritos de pavor e as luzes iam diminuindo até se tornarem ofuscadas pela escuridão.

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— Tali, acorde! Está tendo um pesadelo. — A voz de minha mãe me trouxe de volta a realidade e me sentei no leito para encarar Monica com os olhos vermelhos numa breve confissão de que estivera chorando, e então me lembrei como num filme rápido sobre a festa e sobre a visão horrível da qual tinha a plena certeza de não fazer parte de um sonho ruim. O que indicava que eu estava enlouquecendo. — Mãe? — Minha filha acordou! — Ela exclamou num grito antes de me abraçar apertado. — Eu estou bem. — Falei mal reconhecendo a calma em minha própria voz depois de ter visto tantas coisas incompreensíveis. — Nunca mais me assuste desse jeito mocinha. Nós duas precisamos ter uma... — Monica começou a falar e vi a porta se abrir dando passagem a Nicolai e Kayan. Meu Kay estava com uma expressão desolada naqueles seus lindos e diminutos olhos azuis e as olheiras ao redor deles eram bem visíveis. — Talita. — Chamou meu nome se aproximando do leito. — Eu estou bem, mas preciso ver a Bianna e a Arabelly. — Tagarelei quando minha mãe me soltou e esperei que nenhum deles dissesse que eu iria ser internada por alucinações. — Elas estão na sala esperando por isso. Mande-as subir. — Nicolai deu um sinal para o sobrinho. ‘’ Eles sabem o que está acontecendo?’’ — Tive medo disso. — Filha, eu espero que você não ache que está doida ou que a sua mãe ficou maluca depois do que irá ouvir. — Mamãe, do que a senhora... — Não sou a pessoa mais indicada para falar disso agora. Não enquanto você não conversar com as Meriel. — Disse séria antes de se afastar me deixando sozinha no cômodo e não demorou muito para que as duas garotas entrassem fechando a porta atrás de si. — Precisa comer para recuperar as forças em vista de que deve ter passado horas vendo coisas pelo dom de conexão espiritual com o passado que só as mulheres da nossa família possuem. — Bianna disse me entregando uma bandeja com pão sírio e suco de uva. — Obrigada, mas o que isso quer dizer? Aquilo foi mesmo real e nós vimos o... — Para entender o que acontece no presente é preciso conhecer o houve no passado. E ele tem relação com Kassandra Muriel ou como todos a chamam ‘’cigana Meriel.’’ — Arabelly completou revelando que a cigana padroeira da universidade que era a mesma citada em minha visão tivera o destino marcado por uma perseguição que até agora nenhuma das mulheres sobreviventes na linhagem sabia o motivo,mas conheciam a lenda de que o perigo disso fizera a jovem mudar o sobrenome e se juntar a uma tribo cigana que não era a sua afim de se esconder. E algo dera errado no processo, pois pastores de gado russos e gananciosos acabaram destruindo o acampamento e pondo fim às vidas de todas aquelas pessoas e no auge do ódio em favor destas almas, ela lançara uma maldição perpetua neles e em toda a linhagem de sangue que todos viessem a ter. — O que? — Cuspi o meu suco.

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— Sim. Todos os russos que nós conhecemos incluindo o seu padrasto, namorado e os nossos noivos Ian e Mik são homens que podem se transmutar em tigres ferozes. E o fato de você poder ver as coisas depois de termos nos tocado significa que o seu sangue pertence a alguma parente perdida da cigana. ‘’ Ok. Ok! Deixe-me ver se entendi. Minha mãe sabia disso todo esse tempo e isso explica as conversas estranhas que nunca entendia e os hábitos alimentares pouco civilizados dos homens. Fora aquele espírito esquisito de excesso de amor dos russos ao redor de suas mulheres. Cacete o Kayan é um tigre e eu tenho parentesco com bruxas ciganas!’’ — Diga algo, Tali. — Bianna pediu com a voz preocupada. — Não estou louca então! E tive uma visão de Kassandra ao redor de uma fogueira com a prima Blanca Muriel. Elas se separaram por causa da perseguição e fizeram um pacto de união para que suas linhagens se ajudassem quando mais fosse preciso. — Desembuchei de uma vez e as duas ficaram de bocas abertas. — O que? Você viu a nossa ancestral e a prima perdida dela! — Gritaram tão alto que minha mãe surgiu no cômodo. — Nós somos primas distantes e nossos sobrenomes foram perdidos meses antes do massacre. — Respondi orgulhosa do que havia visto. — Acho que isso explica a linhagem da qual a nossa família nunca soube as origens corretas. — Monica comentou sorrindo. — Isso explica muita coisa agora. O pacto ainda é valido mesmo depois do tempo atravessado. O que mais viu? — Arabelly quis saber. — Eu vi a morte. — Não se assuste com isso. Somente eu e Belly podemos ver tudo o que acontece as pessoas próximas quando esta hora chega para elas,mas ainda que não saibamos o significado de você ter visto tudo isso sentimos que este mal não irá lhe perseguir. Tudo aquilo era novo e muito assustador, mas em momento algum quis renegar o que fazia parte de minha herança porque o passado ditava quem eu era e quem meus filhos seriam. — A adaga era tão real. Ela a usou quando cortou sua mão e a de Blanca. — A adaga tem poderes místicos e jamais deve sair das mãos do clã azul. — Eu gostaria de vê-la pessoalmente. — Pedi engolfada de curiosidade. — Podemos fazer isso quando você estiver mais... — Eu já estou bem. Podemos fazer agora. Quem sabe se tocar nela não me dê alguma visão que explique o motivo de termos visto aquela coisa ruim chegando? — Mencionei o que elas gostariam de descobrir também. — Tudo bem. Nós iremos esperar lá fora. E bem vinda a nossa família. — Riram saindo acompanhadas de Monica. ‘’ Minha vida está um caos, mas podia ser mais trágico. ’’ — Pensei vistoriando o meu celular a procura de mensagens de Narciso e encontrei varias e após responder que estava tudo bem, eu tomei um banho e troquei de roupa. — Talita? — Kayan chamou meu nome quando demos de cara um com o outro no corredor e o meu coração quase saiu pela boca.

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— Kay,eu e você precisamos ter... — Não. Não precisamos agora. Você precisa respirar e digerir isso um pouco enquanto me acostumo com a realidade de que você conhece o meu segredo e não vai sair correndo de medo. — Disse sério e quis dizer algo para rebater isso, mas a chamada das garotas me interrompeu. — Nós iremos esclarecer isso mais tarde. — Assenti me afastando dele já bem certa do que iria dizer quando estivéssemos sozinhos. Nicolai sorriu para mim na sala, mas não tocou no assunto talvez porque estivesse pisando em ovos igual ao sobrinho doido. — Faça o que tem de fazer e mais tarde conversaremos. — Minha mãe comentou acenando. — Ligue para o Ian avisando o que nós vamos fazer e peça para ele explicar ao Mik. — Vou enviar uma mensagem ou ele irá me segurar à vida toda na linha. — Sorriu no carro. E no caminho me explicaram todo o processo de vigilância em cima do artefato. — A universidade está mais movimentada do que o normal para aulas no período da tarde. — Comentei quando adentramos o saguão principal. — Parece que hoje estão dando uma feira de palestras ou algo assim. — As meninas responderam e continuamos seguindo pelo saguão até o corredor principal que nos levaria a área dos elevadores. — Talita! — Uma voz conhecida me chamou em tom esbaforido e me virei para olhálo. — Para onde está indo com as herdeiras? — Como disse? — Eu e as garotas perguntamos em tom confuso. — Aposto que sei para onde estão indo e quero uma carona até lá. — Disse puxando uma arma automática do bolso do grande casaco que estava usando e a apontou para nós três. Não podia acreditar naquilo nesse momento e o meu sangue gelou. — Quem é você? — Minhas primas perguntaram nervosas. — Gustavo Rente, um dos últimos da linhagem desgarrada. Agora ajam naturalmente se não quiserem que eu use isso. — Ordenou indicando a porta do elevador. ‘’ O que era isso? De que parte da historia eu ainda não sabia e qual era o motivo dele ter agido como meu amigo para depois se mostrar uma ameaça doente?’’ — Pensei lançando um olhar alarmado nas meninas. — Hoje está um lindo dia para realizar sonhos não concretizados. Eu tenho as duas vadias e uma parenta de linhagem delas. — Gustavo disse a alguém por meio de um radio sem desviar a arma de nós. — Não vai conseguir sair daqui sem ser visto. — Bianna o alertou áspera. — Quando eu terminar o que a minha ancestral começou esta instituição vai estar muito ocupada fugindo de um possível atentado e ninguém vai perceber o que houve. — Sorriu diabólico e era como se eu nunca o tivesse conhecido antes. — Gustavo, o que ganha com isso? Nós somos amigos. — Tentei argumentar.

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— Honra lavada e prestigio valem mais do que qualquer outra coisa. — Respondeu se colando atrás de nós três disfarçadamente e a porta se abriu dando passagem a Eros Strastev e seus livros pesados. — Ola garotas. — Disse sorrindo para nós. ‘’ Oh, por favor, que ele perceba o que está havendo e chame por ajuda. ’’ — Pensei sentindo uma arma ser pressionada contra as minhas costas. — Eros. — Respondemos em coro lhe enviando sorrisos. — Verei vocês mais tarde. — Disse fazendo uma mesura e infelizmente saltou em um dos andares parecendo não ter notado nada de anormal em nossas posturas tensas. — Quem era aquele maricas de óculos? — Era um amigo nosso do curso de direito. — Ainda bem que não fizeram gracinhas, pois seria uma pena ter de matar o seu amiguinho nerd. Vamos! — Bradou indicando a nossa saída para o último andar que nos levaria até o corredor ligado ao campus de historia e artes. — É um prazer conhecê-las senhoritas Meriel. — Disse um bonito jovem alto de cabelos escuros, olhos da mesma cor e face de anjo inocente que estava vestido como um estudante comum. — Adam Garvichev,como conseguiu entrar aqui? — As garotas quase cuspiram indignadas. — É uma longa historia. — Respondeu mostrando um sorriso com presas e algo me disse que estávamos ferradas porque tínhamos a nossa frente um ícone do verdadeiro mal.

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10. Não há nada mais forte do que o amor.

Aquele tal de Adam asqueroso teve uma conversa curta em russo com alguém pelo celular enquanto nós éramos arrastadas para dentro do salão de artefatos desabitado pelos monitores. — O que fez com as câmeras de vigilância e o pessoal? — Gustavo perguntou. — Depois que você me explicou que tinha sedado eles, eu escondi os corpos no deposito e tirei a fita do monitor. Agora vamos à prova final. ‘’ Por favor, que as pessoas estejam bem. ’’ — Mulheres da pior família que já existiu sejam boas em mostrar o caminho para o local da adaga ou o senhor Garvichev irá incendiar o deposito e ambas serão as culpadas de mortes desnecessárias. — Gustavo exigiu impaciente. — A última parede do corredor é falsa. — Arabelly e Bianna responderam a contra gosto. — Touche! — Adam sorriu olhando na direção da parede de pedras marrons que era a única livre de prateleiras para artefatos e quando passou a tocá-la esta se moveu mostrando um outro salão. — A segurança dos tigres azuis é mesmo notável. — Gustavo disse admirado e nos empurrou para o largo cômodo azul que continha apenas um enorme pergaminho todo escrito em russo grudado a parede. E as nove assinaturas com os sobrenomes das famílias de poder no clã azul eram bem legíveis em vermelho ao final dele. — Selos escritos com o sangue de todos os chefes ancestrais. Aposto que eles devem ter lamentado por terem tido de cortar os dedos como se fossem menininhas fazendo um pacto de amizade. — Adam zombou apontando na direção do elevador no lado oposto. — Primeiro as damas. — Emendou nos empurrando e apertou o único botão no painel assoviando ‘’Hound dog’’ um clássico dos anos cinquenta. ‘’ Esse cara é mesmo um psicopata. ’’ — Parece que o clã azul não irá pegar de volta as suas coelhas. — Gustavo fez um trocadilho e o elevador começou a descer sem fazer barulho. E os assovios se seguiram com minhas primas mal se mexendo e se limitando a olharem para mim. E quando aquela coisa parou, eu fiquei abismada com a visão do imenso labirinto alto de concreto branco a nossa frente. — Eu esperava mais deles do que esta armadilha sem criatividade. Faça a sua mágica, Rente. — Adam disse indiferente e o outro apenas assentiu retirando um amuleto dourado do bolso do casaco e atirou a joia para cima e esta nos guiou provavelmente pelo caminho certo. Porque após algum tempo de caminhada pude completar um altar no qual a adaga era exibida numa mini cúpula de vidro. — Aqui está o Artefato sagrado. — Gustavo murmurou nos deixando sob a mira de Adam e subiu o pequeno lance de degraus até o objeto e conseguiu retirar a peça. — Imploro que não façam nada com isso. — Bianna pediu. — Damas, eu quero que se ajoelhem, por favor. — Ele emendou voltando com a adaga prateada e brilhante.

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— Quero uma mudança de planos, Rente. Use a loura e poupe as herdeiras porque quero me reproduzir com as duas. — Adam ordenou e as meninas fizeram um de som de nojo. — A Talita é só uma parte do sangue como prima delas. Preciso de uma Muriel legitima do sangue de Kassandra para criar o flerte. E, além disso, eu mesmo já tenho planos para a senhorita Talita. Foi a minha vez de fazer um som de nojo. ‘’ Do que eles estão falando? E o que o Gustavo está sugerindo?’’ — Pensei sentindo um mal estar. — Isso é... — Não gastei meus dons de previsão à toa para pular os ingredientes principais de reversão. — Rebateu arrogante. — Tudo bem. O bruxo cigano aqui é você e se vou flertar com a maldição que as damas sejam exploradas então, mas se houver alguma possibilidade poupe uma delas. — O que estão planejando? — Arabelly quase gritou já se ajoelhando ao meu lado. — É muito simples. O meu amigo aqui vai matar uma de vocês duas ou as duas se for o necessário e isso fará com que a maldição de Kassandra seja revertida em partes com uma ligeira mudança que possibilitará que todos os tigres ainda mudem de formas, mas não precisem estar presos aos cheiros de mulheres especificas. O que nos deixaria livres para termos quantas mulheres quiséssemos. — Adam explicou rindo como um maníaco e foi impossível não rir. — Então você teve todo esse trabalho apenas por uma vaidade? É possível ser menos idiota por uma coisa que pode nem funcionar e... O tapa violento dele me fez cambalear. — Escute aqui senhorita, eu jamais erro em meus cálculos e os Rentes são os melhores que conheço para reformularem qualquer coisa. — Rosnou. — Não toque nela! Só eu quero ter esse direito de espancá-la se isto for o necessário. — Gustavo grunhiu. ‘’ Eles são doentes. ’’ — Tudo bem. Esta suka é toda sua. — O nome Rente nunca me foi familiar. — Bianna disse em tom de provocação. — Vadia! Dobre a língua. Você sabe muito bem o que ele significa e se a sua ancestral vagabunda não tivesse rechaçado a união com o meu ancestral as coisas teriam sido diferentes. — Como ela poderia fazer isso se estava sendo perseguida? E aposto que ela devia saber o tipo de pessoa que ele era e quis cortar as relações. — Arabelly riu. — Não importa mais o que digam. Vocês vão morrer. — Rente, eu deixei guardas espalhados na entrada por via das dúvidas, mas ande logo com isso e acabe com a prisão dos homens escravos de seus instintos por vadias que não sabem valorizá-los.

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‘’ Isto está me cheirando a uma dor de cotovelo daquelas bem cafonas. ’’ — Cheguei a esta conclusão lançando um olhar de alerta nas garotas, pois ao menor deslize deles tentaria alguma coisa e Bianna fez um sinal negativo com a cabeça. — Tudo bem. Vou destruir as últimas da linhagem de uma vez por todas. — Gustavo comemorou com a voz sombria e começou a entoar uma espécie de canto em romanês falando de ódio para abrir a maldição e desfazer a força dela. ‘’ Por que o lugar está tremendo?’’ — Pensei num misto de pavor e agonia e desejei ardentemente que estivéssemos a salvo daquilo enquanto as garotas encaravam aquilo sem desviar do perigo. — Faça agora! — Grande espírito receba o sangue de... Rugidos ensurdecedores atrapalharam os homicídios qualificados daquela dupla de desgraçados infelizes. — Não pare! — Adam gritou antes de se transformar diante dos nossos olhos num gigantesco tigre laranja de olhos vermelhos e saltou na direção dos três tigres brancos de olhos azuis que rugiam para ele. — Bianna e Talita! — Arabelly exclamou e nós três nos esquivamos de Gustavo numa corrida para dentro do labirinto. — Voltem aqui suas vadias! — Sua voz nos perseguiu em meio aos sons de rasgos e rosnados até o ouvirmos gritar por socorro. — Não ouçam isso! Tapem os ouvidos! Tapem! Tapem! — Bianna pediu esbaforida quando nos sentamos no chão encolhidas e juro que jamais senti tanto medo na minha vida como hoje, pois se não saísse viva daquele lugar nunca mais veria a minha mãe, meu irmão que estava por nascer, meu padrasto, amigos e principalmente não teria como dizer ao Kayan o quanto já o amava. — Deus! Ajude-nos a sairmos daqui inteiras. — Orei tampando meus ouvidos. Não sei por quanto tempo aquilo perdurou, mas soltei um grito agudo quando uma mão quente tocou o meu ombro. — Talita. — A voz grossa como a de um monstro chamou por mim. Abri meus olhos para dar de cara com um Eros só de calça jeans e todo coberto de sangue da cabeça aos pés. — Eros! — As garotas gritaram ficando de pé. — Fiquem calmas. Os outros estão devolvendo a adaga ao lugar de origem dela e tenho ordens para tirá-las daqui o quanto antes. — Disse sério e notei que seus olhos sempre verdes agora estavam amarelos e havia presas bem pontiagudas saindo de seus lábios. ‘’ Eu tenho de prometer me acostumar a isso. ’’ — O Ian e Mik estão... — Eles estão bem, mas não posso dizer o mesmo de Adam ou pelo menos do que sobrou dele depois da audácia em vir até aqui se apossar da adaga e tentar por fim a vida das consortes imperatrizes e a de uma consorte real. — Respondeu se referindo a nós como se fossemos da realeza e não fiquei infeliz em saber que Adam Garvichev o louco havia virado patê.

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— E quanto ao Gustavo? — Tive de perguntar, embora já imaginasse qual havia sido o seu final depois daqueles gritos horripilantes que ele emitira e confesso que senti pena dele. — Eu mesmo cuidei dele porque ninguém deve sair levando o segredo de localização do artefato. — Disse sem parecer incomodado em ter posto fim no homem infrator. — Obrigado por nos ajudar. — Agradecemos sendo conduzidas de volta através do labirinto com destino ao elevador. — Não me agradeçam por fazer o que é certo. — Murmurou nos dispensando para voltarmos sozinhas. — Você acabou de passar no teste de consorte. — Bianne e Arabelly riram chorando e me abraçaram e só então, eu percebi que parara de tremer. — Vamos! Vocês têm de sair sem serem notadas. Que bom que estão bem! — Yuri, Daniel e Viktor disseram nos ajudando a sair do elevador. E a aparência deles não estava melhor do que a de Eros, embora estivessem mais vestidos. — O Eros agiu muito rápido. — Gabriel elogiou sendo único a não estar sujo de sangue e ofereceu a mão a Arabelly. — E você e eu perdemos a ação toda. — Demetrio riu oferecendo a mão a Bianna. — Por favor, Tali. — Lucius disse me oferecendo a mão dele e aceitei me sentindo segura, embora meus pensamentos estivessem em Kayan a quem não fazia ideia se sabia ou não o que havia acontecido comigo e as outras. — Os Tarkovisky irão surtar quando souberem que foram deixados de fora. — Yuri zombou. — Homens! — Bianna fungou revirando os olhos. E me senti anestesiada quando passamos pelo saguão vazio e esfumaçado da possível tentativa de atentado que acabou não dando em nada, pois graças a Eros a universidade entrara em protocolo de evacuação para um possível treinamento contra incêndios e ninguém percebeu o que estava acontecendo. E até mesmo os monitores foram salvos e encaminhados ao hospital mais próximo. — Filha como foi o passeio? — Monica quis saber me despertando para o fato de que não sabia nada sobre a filha quase ter ido dessa para melhor e a abracei me sentindo aliviada por ter essa chance de fazê-lo. — Foi ótimo! Eu já disse que amo a senhora hoje? — Brinquei me controlando para não chorar. — Sou sua mãe e sei disso o tempo todo. Você precisa de um banho para relaxar e depois subirei para contar sobre a minha historia maluca com o seu padrasto. — Sorriu me soltando e dei de cara com Nicolai pelo corredor. — Talita, você está bem? — Perguntou notando o meu estado de espírito. — Estou ótima e apenas um pouco agitada com... — Pode parecer estranho no começo, mas ainda somos nós. Eu e Kayan não mudaríamos nada.

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— Eu sei disso. E jamais passaria pela minha cabeça ter medo disso. E obrigado por ser um bom marido para a minha mãe e um bom pai para o meu irmãozinho. Não começamos bem, mas eu admito que no meio do caminho passei a ser uma grande fã sua porque nesses últimos dias acabou sendo o melhor pai que eu nunca tive. — Filha. — Disse com a voz embargada e pulei nos braços dele e fui balançada como uma menina de cinco anos num abraço de urso o ouvindo sussurrar coisas em russo. — Papai. — Sussurrei salpicando o rosto dele de beijos e sabia que se algo tivesse acontecido comigo, ele teria segurado as pontas com Monica porque era um homem de caráter para isso. — Talita, eu nunca irei desapontá-la. Porque a amo do mesmo jeito que amo o seu irmão e desde o momento em que coloquei os meus olhos em você sabia que seria a minha filha.— Disse me devolvendo ao chão. — Eu sei disso porque somos uma família e as circunstâncias do que vocês sejam ou não, não me importam em nada contanto que sempre estejamos juntos. — Agora vá descansar porque sua aparência está me assustando. — Brincou e sorri acenando para ele. — Deus que dia, eu tive! — Exclamei me atirando na cama depois do banho mais demorada da minha vida. — Bebê, eu posso entrar? — Monica perguntou abrindo a porta e me trouxe um lance. — Sempre. — Come enquanto eu tagarelo. — Pediu se sentando ao meu lado. — Seus ovos mexidos são os melhores. — Suspirei saboreando a iguaria. — Hoje você está muito melindrosa. ‘’ Quase perder a vida faz isso com as pessoas. ’’ — Queria que você entendesse o meu lado em ter mantido o segredo, pois não achei que você precisava saber. Afinal como eu iria saber que você era uma consorte no inicio? E quando a coisa aconteceu o meu marido pediu calma porque sabia como o sobrinho se sentia em relação a isso. Você bem sabe que eu nunca achei que tivesse o direito de ser feliz nessa vida, mas desde muito jovem vinha sonhando com um homem de sotaque estranho e sorriso incrível que nunca vinha me buscar e acabei conhecendo o seu pai e o resto você já sabe. — A senhora está dizendo que já sonhava com ele? — Sim. E quando esse homem inesperadamente tropeçou em mim numa calçada já sabia quem ele era, mas logo de inicio tive medo de ser tarde demais e me preocupei com o que a minha única filha pensaria de mim. E Nic foi teimoso em insistir até que cedi e não me arrependo disso porque tive o seu apoio. — Revelou e senti uma enorme pontada de culpa por ter sido tão mesquinha em apenas ver a minha dor e esquecer que a minha mãe era uma mulher que precisava ser feliz. — Mamãe a senhora deveria ter me dito como se sentia em relação a ele. — Falei a puxando para outro abraço caloroso.

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— Tendo dito ou não as coisas deram certo. Tigres são teimosos e cabeçudos e achei que fosse ficar maluca quando ele se mostrou para mim como realmente era, mas depois de dois dias digerindo o assunto não levei nem isso em consideração porque o grande gatinho de garras afiadas ainda era o meu Nicolai. — Riu. — Nada é mais importante do que ser feliz, mãe. Nada. — Eu sei disso, querida. Boa noite. — Murmurou antes de beijar a minha testa e fechou a porta. ‘’ Kayan, o que deve estar fazendo agora?’’ — Fiz uma ansiosa pergunta mental depois de enviar uma mensagem a ele e em seguida fui escovar os dentes para logo me deitar. E quinze minutos depois cochilei sem ter qualquer tipo de pesadelos em vista dos horrores do dia deixado para trás. — Hum. Chegue para lá. — Resmunguei me sentindo sufocada por um braço que me apertava e semicerrei os olhos por causa da claridade da manhã. — Pelo menos você só está resmungando ao invés de gritar e me chutar para fora de sua cama. — Aquela voz me despertou e me virei para encontrar em par de olhos azuis vidrados em meu rosto. — Você... — Tive meus motivos de sumir para esfriar a cabeça e... — Ainda o lance da verdade? — Fiz uma pergunta irritada e ele sentou me levando a fazer o mesmo já que suas mãos estavam grudadas em minha cintura. ‘’ Camisas são feitas para o que mesmo?’’ O peito descoberto dele tirou a minha concentração por alguns segundos. — Ontem você quase foi morta por dois loucos e está brava comigo por algo absurdo? — Quase gritou. — Não sou eu que fiquei toda estranha ontem. Opa! Os rapazes lhe disseram o que houve ontem no... — Eu estava lá! — Rosnou. — Como disse? — Cuspi. — Quando Eros percebeu o que estava havendo, ele ligou para Ian e Mikail e eles me avisaram. Não foi difícil para chegar a tempo em vista de que já estava a caminho porque precisávamos conversar na saída. — Era um deles. — Falei impressionada. — Sim. E terei dificuldades para superar o horror e susto de ter visto você a mercê das mãos daqueles... — Por favor, não se culpe por nada. Sei que é perigoso estar atada ao clã, mas... — Talita, eu nunca tive medo de nada. Nem mesmo de quando as primeiras manifestações da maldição começaram a pairar sobre mim e eu nem sabia o que estava acontecendo, pois minha mãe não sabia de verdade o que o meu pai era porque ele nunca achou que Rose precisava conhecer esse lado dele. E um dia ambos saíram e nunca mais voltaram e acabei indo parar na casa de tios por parte de mãe. E quando as coisas começaram a mudar, eles passaram a me tratar como se eu tivesse algum tipo de distúrbio mental ruim, até o dia em que o meu tio russo apareceu e me levou embora.

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— Kayan. A voz dele estava tingida de dor e estava me afetando também. — O Nicolai me explicou tudo o que eu precisava saber e conheci a verdadeira família do meu falecido pai sendo aceito logo de inicio. Imagine o que foi para um garoto de doze anos aquele achado. E é por isso que o meu tio é tão importante para mim, embora eu tenha exagerado nas cobranças em cima de você por implicância para chamar a sua atenção para mim. — Admitiu e senti vontade de estapeá-lo com a revelação. — O seu tio é e sempre será um grande homem, assim como você. Foi um impacto descobrir a verdade, mas nem isso é mais importante do que a nossa família e... — Você tem certeza de que está bem depois do que aqueles malditos fizeram? Se eles já não estivessem mortos, eu os mataria outra vez. — Rosnou mostrando as presas que sempre estiveram bem escondidas de mim e estendi a mão o tocando no queixo. — Esqueça aquilo porque eu e minhas primas estamos bem, graças a você e aos outros. E por favor, me deixe terminar. Kayan, eu não dou a mínima se você é um dragão de seis cabeças ou um gato de presas afiadas. Porque o que te define para mim é o seu caráter e o resto à gente dá um jeito. Devido ao casamento horrível da minha mãe com aquele homem violento que jamais chamaria de pai nem daqui a milhão de anos,eu nunca confiei em homens e exagerei em querer que minha mãe se mantivesse longe do seu tio quando ele é a melhor coisa que ela já teve. — Talita. — Fui teimosa em me negar a ver que eles se completam,assim como fui egoísta em ficar enrolando para te dizer que você é importante para mim porque desde o começo mesmo sendo irritante acabou ganhando uma parte minha e agora,eu estou apaixonada e perdida por isso. — Confessei sentindo as lágrimas descerem por conta própria. — Você me ama? Do tipo amar mesmo? — Perguntou surpreso. — Sim! Sim! E não aja como se nunca tivesse percebido isso seu... — Cachinhos dourados você é minha assim como eu sou teu. Eu te amo. — Disse sorrindo antes de me puxar para um beijo que superou qualquer situação ruim que eu havia passado antes, pois ele estava lá para me fazer ser mais forte. E tudo ficaria bem a partir de agora.

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Joana Tive de me esquivar dos mimos excessivos de minha família para passar algum tempo a procura do meu namorado e sorri quando o achei treinando socos no ginásio da universidade. — O que faz aqui moça? Daqui a pouco o lugar estará fechado. — Disse fazendo alusão para o fato de que apenas nós dois estávamos ali e não ousou me encarar. ‘’ A teimosia pura faz parte da personalidade de todos os tigres. ’’ — Pensei o abraçando pelas costas e o senti ficar tenso. — Jo. — Disse em tom de aviso. — Acho que em dois dias tive todo o tempo do mundo para superar o choque inicial e você não tem mais motivos para me evitar. — Não é isso... — Não era? Não me importo com o que você ou a minha família sejam. Descobri pessoas incríveis e não pretendo deixar que nada atrapalhe nisso. — Eu pensei que iria guardar este segredo apenas para mim, pois desde o começo tive medo da sua reação quando soubesse o que eu era e o que a minha genética carrega. E então as coisas mudaram e ao invés de ficar feliz, eu apenas me... — Apavorado porque a mudança tornou realidade àquilo que era impossível para você e agora não sabe como lidar com isso. — Ri da careta dele. — Jo! — Eu sabia! Ion,o que eu descobri recentemente só me fez ter uma melhor certeza de que quero passar todos os meus dias com você se ainda me quiser. E a propósito, eu te amo seu maluco. — Joana, eu jamais ousaria deixá-la. Não existe vida sem luz e você brilha como ela para mim e está espalhada por tudo o que me toca. E por você, eu seria capaz de tudo e... — Não precisa fazer nada. Seja apenas sempre o meu Iohannes que estará aqui para todas as horas e dias que eu precisar de apoio porque é isto o que toda garota quer do homem que escolhe para estar ao lado dela. — Eu te amo senhorita toda perfeita e serei tudo o que você quiser de mim. Já sabia que ele me amava, mas ouvir dos lábios dele mexeu com todo o meu ser. — Já que tem toda a minha devoção, por favor, me beije. — Exigi abrindo um sorriso confiante para ele. — Não precisaria nem me pedir madame. — Riu me puxando até que eu estivesse com as pernas ao redor da cintura dele e trocamos um olhar cúmplice antes do beijo tão esperado por mim. Iohannes era todo meu e eu tinha uma vida nova para ser recomeçada de uma forma que jamais poderia imaginar, portanto o meu coração não poderia estar mais feliz com isso. Porque não havia nada mais forte ou importante do que o amor.

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Eros — Não fiz mais do que a minha obrigação. — Respondi pela milésima vez desde que meus amigos me vangloriavam pelo salvamento das garotas e por ter abatido o cigano que teria feito um estrago na corrente lógica que eram os termos da maldição. Existiram dias em que achei que ninguém me consideraria um amigo devido as minhas origens, mas me enganei porque tinha pessoas de valor ao meu redor e elas supriam todas as aflições e rejeições sofridas em minha infância por não ser de fato um deles, embora também pudesse mudar de forma. — Strastev, eu detesto vê-lo sendo modesto. — Gabriel resmungou. — O meu primo sempre foi assim. — Viktor brincou me socando no ombro. — Tenho algumas sugestões de sensores para serem postos na cúpula que prende a adaga. Um sensor de toque poderia ser melhor instalado e vocês poderiam tornar aquele labirinto mais perigoso. — Murmurei ameno. — Eros da casa Strastev, eu Ian Andriev herdeiro da primeira casa o nomeio o guardião oficial da adaga Meriel com o aval de Mikail Belovik herdeiro da segunda casa. E que assim seja feito. — Ian disse de repente ao me nomear para um dos cargos secretos mais importantes dentro do clã. — A partir de hoje a nova eleição de guardião está abolida porque temos um eleito adequado e ninguém será bobo em se opor a nossa decisão. — Mikail ressaltou. E todos os herdeiros das nove casas presentes na sala de meu apartamento me fizeram uma reverencia ao se curvarem para mim em sinal de respeito. — Vocês não precisam fazer isso. — Falei sem jeito pelo ato deles e pela nova responsabilidade honrosa em servir ao clã guardando o símbolo de inicio de tudo o que ele significava. — Sim. É preciso reconhecer o quanto temos sorte com os amigos que temos. — Disseram em coro e depois disso recebi muitos abraços e recomendações. — Eu estou muito orgulhoso de você. — Viktor disse batendo a testa contra a minha. ‘’ A minha mãe teria ataque se estivesse presente aqui agora. ’’ — Pensei com amor em minha pessoa favorita em todo mundo. — Acho que devo contar isso devagar a minha mãe. — Brinquei. — Como será que o clã vermelho irá reagir quando receber o que sobrou de Adam num saco preto em seu quartel? — Kayan perguntou maldoso e todos tossiram, mas não evitaram o riso. — O Amiel recebeu a noticia e ficou em silencio por cinco minutos antes de se desculpar pela idiotice do irmão e disse que já imaginava que as coisas poderiam terminar assim para ele. E que gostaria que elas tivessem sido diferentes. — Yuri comentou sobre como o Gravichev caçula se portou ao saber que seu irmão parasita estava morto. — O clã azul estará em estado de alerta agora com respeito ao que fizemos e os ânimos na Rússia não estão muito bons por isso, mas nossos chefes estão contornando a situação e aguardando os próximos passos dos nossos vizinhos. — Ian explicou sem se abalar. — Não há nada a temer quando se está fazendo a coisa certa e todos eles que apenas aguardem suas entradas de estadia no inferno! — Mikail prometeu implacável e todos nós brindamos nossos copos de vodca a isso.

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Rússia, Moscou Ivan Não conseguia falar com Adam a mais de três dias, mas imaginava que ele estivesse em algum canto da cidade esperando o horário certo de se juntar a mim. — O seu primo ainda está em Moscou, mas não estará reunido com o conselho em nosso grande momento. — Está tudo certo com os magistrados marionetes? — Será como o ataque do senado a César. — Yerik confirmou. — Quero a minha guarda pessoal a postos e dê o sinal ao Oliev. — Senhor? — Diga? — Não é nada. Já sabe a minha opinião a respeito disto, mas seguirei o servindo. — Meu futuro general fez uma mesura. — Ninguém conseguiria ultrapassar a minha inteligência. — Falei confiante. — E então que agora seja à hora do show. — Assentiu me escoltando até a saída de minha antiga casa e entramos em seu carro rumo a reunião de conselho vermelha que aconteceria na área descampada na qual ficavam apenas os prédios secretos do clã. — Quando atravessarmos a soleira daquela porta, eu serei o novo homem de ouro dessa associação e o futuro será novo e apenas nosso. — Avisei sorrindo e cada um dos guardas que estava de prontidão abria caminho para a nossa passagem até o portão mágico, pois até estes haviam sido corrompidos por minha campanha. E empurrei a porta sem cerimônias para flagrar o meu todo poderoso pai sentado a cabeceira da mesa ao lado Aian Garvichev e ao redor deles estavam todos os outros chefes e magistrados comprados. — Interrompo algo? — Veio aqui sem ser chamado. — Meu pai cuspiu áspero. — Chegou o momento de assumir o que é meu por direito e por esse poder, eu detenho que todos vocês abdiquem de seus títulos pela vida ou morte. — Falei apertando meu detonador que faria um dos prédios a frente voar pelos ares, mas isto não aconteceu. ‘’ Que diabos!’’ — Palmas para o meu garoto! Senhores, ele tem mesmo bolas para vir até aqui nos ameaçar e tentar comprar todos os magistrados com favores depois do que fez. — Meu pai zombou e vi nos olhos dele que já sabia de tudo, pois alguém me sabotara. — Com licença. Espero não ter me atrasado. — Zion disse ao entrar na sala através de uma porta oculta e ele trazia nos ombros um saco funerário preto que logo fez a questão teatral de depositar sobre a mesa do conselho diante de olhares desconfiados. — Zion. — Rosnei seu nome. — O que tem nessa coisa? — Todos quiseram saber. — São os restos de Adam Garvichev com os cumprimentos do senhor Ivan II. Ele tramou a morte do segundo herdeiro ao colocar ideias absurdas na cabeça dele e o apunhalou pelas costas, pois o senhor Adam desistiu de lhe dar ouvidos e quis seguir a voz da razão. — Abriu a boca suja para inventar mentiras descabidas sobre algo de que eu não fazia à mínima ideia que estava acontecendo.

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E com horror estampado na face Aian abriu aquela coisa e todos nós vimos partes desmembradas do que sobrara de Adam numa cena sórdida. — Oliev, o que fez com ele? — Rosnei ainda demorando a crer naquilo. — Seu traidor! Assassino! Meu filho! — O segundo chefe saltou da cadeira brandindo suas presas e parte da guarda vermelha auxiliar invadiu o espaço e me vi cercado e sozinho, pois Yerik deveria ter sido rendido lá fora. — Por que meu filho você achou que eu seria tão burro em confiar em você que é uma prole defeituosa igual ao miolo mole de seu irmão? — O seu governo nunca significou nada para mim e eu seria um imperador melhor neste clã infestado de porcos disfarçados de tigres. Todos vocês estariam presos num exílio agora se não eu tivesse sido... — Como eu já havia os avisado o senhor Ivan pretendia prender a todos e fazer modificações muito diferentes de nosso projeto habitual e depois nos venderia ao clã azul. — Zion ateou mais fogo naquilo e apertei os punhos desejando arrancar a cabeça dele ali mesmo na frente do próprio pai que o olhava com orgulho. — Eu posso ter feito um belo plano de tomar o poder, mas não matei o Adam. E Zion,eu juro que quando me livrar disso,eu mesmo irei caçá-lo e enviar seus restos a sua família num saco de lixo. — Cuspi cheio de ódio. — Viram como ele faz ameaças. Não é digno de confiança nem mesmo da própria sombra. — Basta! Ivan, você será julgado por seus crimes de traição contra o governo e a punição para isso será ter suas mãos e os pés desmembrados de seu corpo, pois a morte seria muita misericórdia para com alguém que merece pagar pelo que fez a própria família. — Meu pai sentenciou e era tarde demais para escapar do choque que alguém desferiu em minhas costas me fazendo apagar ali mesmo.

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Vilarejo Sol Galadriel Pensei que o meu coração não aguentaria a emoção de ver o primeiro encontro de meu pai com Joana ou o modo como ele a abraçou. — Seja bem vinda a família que sempre a quis, minha linda netinha. — Disse mal contendo as lágrimas e minha filha o olhara totalmente deslumbrada na véspera. — Tem certeza de que não quer vir conosco para o passeio? — O coro de vozes perguntou. — Eu estou bem. E preciso manter algumas coisas em ordem por aqui. — Por favor, só não cozinhe. — Meu pai brincou me beijando na testa. — Não comece com isso ou eu farei uma sopa. — Devolvi a provocação e ele riu. — Tudo bem. Estamos saindo e voltaremos em uma hora ou duas se a estrada permitir que os carros não atolem na neve. — Disse acenando e todos os outros o seguiram levando seus casacos de frio. Tudo estava bem agora, mas eu ainda me sentia estranhamente culpada porque meu pai havia sido exposto à promessa de sangue e isso afetaria todas as gerações futuras no processo. — Não pense nisso agora. — Sussurrei rumando para a cozinha e peguei um pouco de chá antes de subir para o meu quarto e liguei minha velha vitrola ao som de ‘’The Platters’’ enquanto observava a vista através da grande janela. ‘’ Essa música não!’’ — Pensei me sentindo vazia quando o disco pulou para Smoke Gets In Your Eyes. — Você procurou por isso, Galy. Procurou e procurou. Agora lide com as lembranças e a cobrança como tem feito durante todos esses anos. — Sussurrei não conseguindo me concentrar direito em nada que não fosse à lembrança daquele maldito beijo. — Você não está tão velha para começar a falar sozinha. — Aquela voz me fez pular e derrubar a caneca no chão. — Aldler,o que você pensa que faz surgindo assim para assustar os outros? — Rosnei ficando com a boca seca ante a visão dele de uniforme militar parado ali na soleira da porta retirando seu quepe num gesto cortes. — Adivinhe? — Teve a audácia de perguntar. — Não sei do que... Você está falando. — Gaguejei. — Não se faça de boba, pois isto você nunca foi. — Veio me dar os parabéns porque encontrei a minha filha e fiquei viúva. — Minha resposta soou sarcástica e ele invadiu o espaço como se estivesse pronto para uma briga contra mim e grudei as costas contra a janela fria. — Se eu quisesse lhe parabenizar por qualquer coisa teria usado o telefone ao invés de lidar com horas de viagem para estar aqui para perguntar uma coisa. — Sua voz soou dura. — O que você quer Aldler? — Minha pergunta saiu fraca. — Saber o motivo de você ter correspondido aquele beijo e se ainda pensa nele do mesmo modo que eu não consigo parar de pensar?

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— Aldler. ‘’ Ele não pode fazer isso comigo. ’’ — Responda! Sua covarde. — Exigiu apertando meus ombros. — Não deveria ter vindo ver a mulher que você tanto despreza e odei... Meus lábios foram tomados com a mesma paixão de antes e o correspondi como uma desesperada ansiando por ar para respirar. — Agora diga. — Pediu mais brando ao me soltar. — O que muda se eu disser que gostei disso e que também não paro de pensar em como teria sido se eu não tivesse sido tão... — Isso não importa mais, Galy. — Para mim importa se você nunca me perdoar. — Eu já a perdoei há muito tempo. — Aldler,você... — Podemos recomeçar do zero porque eu também errei e não fui perfeito em saber esperar ao invés de forçá-la a algo para o qual ainda não estava preparada. Você ainda ama aquele homem? — Eu deixei de amá-lo no exato momento em que ele se mostrou um egoísta em relação ao nosso casamento e a minha filha. E sou eu a única que deveria lhe pedir perdão por ter sido tão... Mais um beijo carregado de atitude e desejo foi o bastante para me convencer de que as coisas poderiam ser consertadas por nós dois pouco a pouco, pois nós ambos merecíamos uma segunda chance de fazer a coisa certa agora.

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Epílogo Canadá, New Brunswick Ivan Estar preso num caminhão blindado não era pior do que ter sido drogado e surrado pelos patifes da guarda vermelha inferior enquanto a de elite deveria estar espumando para amputar os meus membros no açougue de castigo especial aos traidores de primeira classe que eu nem mesmo sabia que existia. ‘’Não importa como, mas eu mesmo vou matar aquele Oliev maldito e todos os outros.’’ — Meditei rangendo os dentes e imaginei que a esta hora todos os meus companheiros de resistência que não haviam se corrompido estavam mortos por culpa da minha idiotice em não cogitar que Zion era uma ameaça grave. — O Yerik tinha razão. — Rosnei desejando que o final dele tivesse sido em batalha porque alguém como ele não merecia menos. E o veículo continuou rodando até que um solavanco seguido de um estrondo horrível fez com que ele virasse e agradeci por estar amarrado a parede ou do contrario teria quebrado algumas costelas. Isto se já não estivessem quebradas já que a dor em meu corpo estava insuportável. ‘’ O que está acontecendo?’’ — Pensei em alerta até a porta de trás ser arrancada e Shandler Kurmev e Yerik saltaram para me pegar. — Vocês! — Estamos vivos e bem, mas não por muito tempo porque as estradas logo estarão bloqueadas e estamos no meio do nada e cercados por florestas e um rio. A cidade está distante daqui. — Shandler explicou me desamarrando e me arrastou para fora. ‘’ É tão ver a luz outra vez. ’’ — É bom vê-lo, senhor. E a propósito você está péssimo. — É muito bom revê-lo e saber que a sua bunda estava salvo enquanto eu era alegremente espancado. — Devolvi a provocação lhe mostrando as presas. — Consegui sair graças ao Shan e apenas aguardei o melhor momento para salvá-lo dos planos de seu pai. — Kurmev,quando isso acabar você será homenageado com alguma droga de estatua e uma festa. — Assoviei. — Lembre-se de adicionar muita tequila e vodca quando acontecer. — Disse me ajudando a ficar de pé e vi os outros carros de escolta que haviam sido detonados e agora queimavam no asfalto. — Precisamos sair daqui. — Yerik frisou e nos embrenhamos no meio do mato iniciando uma corrida desenfreada para escapar da morte. — Algo está errado. Estamos nisso há uma hora e logo irá escurecer. — Shandler mal abriu a boca e ouvimos rosnados bem próximos. — Precisamos nos separar agora para despistar estes patifes. Temos um contato chamado Omega na cidade e ele está no velho hotel Rexton no quarto vinte e dois. Quem chegar primeiro por lá contate o codinome ‘’Mr King. ’’ — Yerik avisou. — Tenham cuidado rapazes! — Exclamei antes de agachar ao chão e mudar de forma rosnando de dores.

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Maria Lorelaine D'Aguirre ‘’Foi bom sair para dar umas voltas, antes que eu enlouquecesse com as chatices da tia taturana... Ops! Quer dizer, tia Taliana. Bem que ao invés de perder tempo se gabando pela riqueza do marido murcho dela, ela deveria ir a alguma sessão de depilação arrancar um pouco daquelas sobrancelhas esquisitas dela. ’’ — Pensei apeando o cavalo para retornar ao estábulo principal, pois já estava escuro. — Vamos cavalinho! — Exclamei descendo de cima dele num pulo profissional de quem já estava acostumada a se atirar até de aros em chamas. ‘’Eu sou mesmo uma Maria moleca, e daí?’’ E mal adentrei o lugar e ouvi os sons de relinches altos dos cavalos que batiam suas patas contra as grades de proteção de suas baias como se estivessem no meio de um incêndio e o cavalinho que eu puxava pelos arreios ficou nervoso e começou a pular até se soltar e fugir. — Será que tem alguma cobra lá dentro? — Murmurei já imaginando que poderia pegar a cobrinha para estudá-la um pouco, afinal em breve eu prestaria vestibular para medicina veterinária e fazer experimentos científicos nunca era demais. Caminhei lentamente pelo chão de madeira que rangia como tabuas de um navio pirata e olhei ao redor não ouvindo o som de réptil algum. E estava quase desistindo da busca quando adentrei a última baia e flagrei um homem nu deitado sobre uma montanha de feno. ‘’O que é isso? Está chovendo homem pelado. Aleluia!’’ — Pensei nenhum pouco preocupada com as possíveis opções dele ser um fugitivo de alguma prisão de segurança máxima ou o primo do maníaco do parque perdido em outro continente. A frase ‘’Ser gostoso não é pecado nenhum’’ com certeza deve ter sido inventada por culpa dele. O cara era enorme, musculoso e tinha cara de gladiador bebê. ‘’O Sam Worthington acabou de perder seu posto de guerreiro mais sexy na minha lista de filmes de ação. Depois de topar com esse homem vou suar feito louca prestes a tomar um choque toda a vez que me lembrar disso. Como sou sortuda! E é uma pena que não posso fotografar. ’’ — Tornei a refletir sobre todas as besteiras que uma estudante sortuda tinha o direito e o bonitão de olhos azuis e cabelos castanhos quase dourados agora me fitava com cautela como se temesse que a qualquer momento eu pudesse gritar. ‘’Gritar é a última coisa que eu faria. Só uma sem cérebro gritaria para perder a visão desse pedaço de céu jogado na terra pelos anjos. Vai que a minha tia chega aqui do nada e resolve trocar o marido caído pelo meu achado sexy. ’’ — Você está bem? — Fiz uma pergunta estúpida até para mim mesma. ‘’O cara está sangrando no peito sarado e você pergunta essa idiotice. Burra!’’ — Fala português? English? — Perguntei fazendo um gesto com as mãos para avisar que não faria nada para prejudicá-lo. — Eu já estive melhor, mas como pode ver não estou lá essas coisas hoje. — Respondeu em português com um sotaque engraçado e foi até simpático para alguém que poderia ser um assassino estuprador. — Preciso de um telefone e...

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— Querido você precisa é de um banho e de um curativo nesse corte. — Falei fazendo o possível para não parecer desesperada para ser a enfermeira dele. ‘’Espero não estar dando muito na vista. Não quero que ele pense que nunca vi um homem antes. Sem nada nunca tinha visto mesmo. ’’ — Como a senhorita pode confiar num homem estranho desse jeito? E se eu for um maníaco estuprador ou um assassino serial? — Perguntou com ironia. ‘’Será que ele é mesmo um criminoso? O risco vale a pena e ajudar não dói. Pelo contrario ainda alegra as vistas. ’’ — Pensei endereçando ao mesmo um sorriso diabólico. — Mocinho se você fosse um louco, eu já estaria morta há esta hora. Qualquer uma veria que não está em condições nem de se mexer. E nem quero saber como isso aconteceu, pois provavelmente deve ter conexão com algo tenebroso e ilegal. Quer a minha ajuda ou não? — Falei com pouco caso e ele arqueou as sobrancelhas. — A senhorita é muito corajosa, sabia? Não iria mesmo entrar em detalhes nem que estivesse apontando uma arma para mim. Sim, eu aceitarei a ajuda, mas preciso que seja discreta. — Respondeu com ar petulante de quem estava acostumado a mandar e jamais ser desobedecido. ‘’O peladão é folgado demais. ’’ — Tudo bem. Apoie-se em mim. — Falei me aproximando dele e me abaixei para que pudesse ajudá-lo a se levantar, e assim que seu braço tocou em meu ombro o mesmo murmurou palavras estranhas numa língua estrangeira mais difícil de entender do que equação matemática em provão de escola. — Você tem cheiro de chuva e flores. — Disse com a voz falha de dor, pois teve de se esforçar para ficar de pé e não quis sustentar seu peso sobre mim. ‘’E você tem cheiro de homem para se fazer loucuras. Ok. Vou parar com isso." — Muito lisonjeiro elogiar alguém que cheira a cavalos, terra e suor o tempo inteiro. — Brinquei deixando claro de que não levava seu comentário a sério. Ele se calou depois disso e caminhamos bem devagar pelo estábulo, enquanto os cavalos ainda faziam um show de barulhos nas grades e relinchavam assustados. Pareceu ter passado uma eternidade até que finalmente chegamos ao casarão do rancho, que estava deserto sem os meus tios chatos ou algum dos funcionários curiosos pelo caminho. — Mora sozinha aqui? — O senhor pelado finalmente quebrou o jejum de silêncio com um toque de censura na voz. — Talvez. — Respondi lembrando que meus tios haviam mencionado mais cedo uma festa num rancho hotel que ficava na cidade, ou seja, o casal não voltaria hoje. ‘’Parece que seremos só eu e o peladão.’’ — Não acho que deva ser maior de dezoito anos para morar sozinha no meio do nada. — Criticou. ‘’Vou enfiar uma amordaça nele se não fechar a matraca.’’ — Tem gente que não devia fazer tantas coisas, como, por exemplo, andar nu em público. — Rebati e ele riu. O arrastei pelas escadas até o quarto de hospedes onde eu estava e o levei até o banheiro.

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E uma vez o colocando sentado dentro da banheira que estava situada de frente a uma janela de vidro com vista para a floresta, eu obtive espaço suficiente para começar a trabalhar na limpeza de seu ferimento sem a menor vergonha disso. — Onde foram parar as cortinas desta janela? Como uma senhorita consegue se banhar aqui tão exposta? — Perguntou lançando mais censuras. ‘’Ele está nu e a censurada sou eu?’’ — Qual o problema disso? O lugar é deserto. Importa-se de ser costurado? Seu corte vai precisar de pontos. — Falei empregando irritação na voz. — Faça o que tiver de ser feito. — Disse sério. ‘’O peladão é cangaceiro?’’ Achei uma agulha numa das gavetas do quarto e a esterilizei usando uma vela, antes de me ajoelhar no chão e começar a costurá-lo. — A senhorita tem jeito para com coisas de enfermagem. — Na verdade tenho mais jeito com animais. Adoro lidar com eles. Eu cresci num rancho e já montava em cavalos aos seis anos de idade. Um dia serei uma veterinária de prestigio. — Murmurei terminando de costurá-lo e não o ouvi reclamar de dor em momento algum, embora fosse visível o quanto aquilo devia estar doendo. — Agora vou lavar a ferida. — Emendei séria. ‘’E claro. Lavar você junto. ’’ — Pensei ligando as torneiras de água quente e comecei a lavá-lo bem devagar e ele relaxou a ponto de jogar a cabeça para trás e debruçar os braços vigorosos nas laterais da banheira enquanto emitia sons de ronronado feito um gato. — Fique a vontade para lavar onde mais desejar. — Disse malicioso e senti o rosto arder. ‘’Não acredito que eu estou servindo de empregada para este sem vergonha mal agradecido. Isso perdeu a graça. ’’ — Refleti parando de tocá-lo, pois não via mais sentido algum em ajudá-lo, uma vez que ele estava fazendo piadinhas. ‘’Odeio homem fácil!’’ — Como já está se sentindo melhor termine sozinho. — Falei secamente e sai do banheiro o ouvindo rir. Providenciei roupas do sobrinho de minha tia e uma bandeja com tudo o que encontrei na cozinha e ao retornar ao quarto encontrei o senhor fácil com a minha toalha cor de rosa de banho enrolada na cintura, enquanto falava ao telefone naquela língua esquisita. ‘’O gato pode fazer quantas ligações interurbanas quiser, não sou eu que vou pagar mesmo. ’’ — Isto é para você. — Avisei quando o vi encerrar a ligação. Sem dizer nada ele aceitou as roupas e se trocou na minha frente sem o menor pudor. ‘’Por que ele teria algo assim se já vi tudo mesmo?’’ — Pensei depositando a bandeja sobre o colchão e olhei para os lados o evitando na intenção de ignorar os sorrisos libertinos dele, que ao terminar de se vestir ignorou a comida e veio para cima de mim agarrando a minha cintura.

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— Receba o meu mais humilde e sincero agradecimento por hoje, minha querida enfermeirinha. — Gracejou antes de me erguer para um caprichado beijo a força daqueles em que a vitima vê até estrelas e luas multi coloridas girando. Suas mãos hábeis me apertaram enquanto a sua língua tomara o controle da situação e a pateta aqui ficou completamente sem ar. ‘’Oh! Que pegada forte!’’ — Mal consegui pensar direito e me vi sendo solta. E um par de olhos azuis piscou para mim antes que o dono deles saísse pela porta.

*

Não esperava encontrar a minha procriadora nesse fim de mundo e muito menos imaginei que seu cheiro fosse me deixar tão excitado. O procedimento de um macho do clã vermelho que encontra a fonte de sua continuação é sequestrá-la e levá-la a Rússia para a iniciação de proles, no entanto, atualmente a coisa passava longe de meu controle. E jamais faria esta coisa vergonhosa cultivada por meus ancestrais obtusos e, além disso, aquela jovem era muito destemida e diferente do padrão de consortes ao qual estava acostumado a ver. ‘’E eu não deveria ter cedido ao impulso de tocar meus lábios nos dela. Fazer isso foi uma fraqueza e ultrapassei os procedimentos de contatos além do necessário, mas danem-se estas baboseiras! Aquele beijo valeu por todos os meus erros. ’’ — Pensei dirigindo uma das caminhonetes abandonadas que encontrei no estacionamento do rancho. — Nós dois ainda iremos nos reencontrar enfermeirinha maluca. — Murmurei revigorado com os planos que a agora a incluíam. E ainda que não pudesse levá-la comigo por questões de segurança agora portava no bolso de meus jeans uma lembrança peculiar dela para todos os meus momentos de estresse.

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Glossário Coreano: Aleumdaun - Linda Mianae - Sinto muito Glossário Russo: Lyubov – Amor Solinska – Solzinho Malenkaya devochka – Pequena menina Molodoy – Jovem Obshcheye – general Glavnyy – Chefe Dorogoy – querido Syn – filho Otets – pai Suka- cadela zdorov'ya – Saúde izvinite – Com licença. Lyubimaya – Querida. Vosstaniye – Revolta Glossário Romani Me mangav tuke baxt! – Desejo-lhe sorte! Si e kerdo! – Está feito!

Fernanda Marinho

Agradecimentos: O sexto e antepenúltimo projeto da I fase da série foi um dos mais demorados em sua conclusão, mas ainda assim foi emocionante ter visto tantos personagens ganhando vida e mais interrogações a serem descobertas ou levantadas. Devo sempre um grande obrigado a toda a minha equipe pessoal que estuda, trabalha e tem milhares de coisas em mente, mas dão seus jeitinhos de ficarem antenadas no que acontece no mundo tigretástico. E também sou grata a todas as leitoras que circulam pelos links da saga direta e indiretamente, pois estas sempre ajudaram os meninos a serem repassados. E que venham mais livros digitais s2
Flertando com a Maldição

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