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Cheryl Holt
Destino Incerto
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Estados Unidos, 1853 Em busca da vingança, ele a usou como um joguete... até ela se tornar seu grande e único amor. O sonho de Penélope Westmoreland era unir-se a um nobre e ser feliz para sempre. Em vez disso, foi prometida a um conde idoso e devasso. Desesperada e sem nenhuma opção diante de um destino cruel, cedeu aos encantos de um estrangeiro belo e corajoso que lhe ofereceu a tábua da salvação. Ele a arrebatou em um romance clandestino semelhante aos dos contos de fada. Lucas Pendleton viera para a Inglaterra com um só objetivo: vingar-se do Duque que desonrara sua família. Não demorou para ele traçar um plano perfeito e fazer o patife pagar pelo que fizera: raptou-lhe a filha! Mas Lucas não contava ser apanhado na teia da ingenuidade de Penélope. Não somente foi seduzido pela beleza da jovem, como também perdeu o coração para ela!
Disponibilização: Marisa Helena Digitalização: Marina Revisão: So
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Capítulo I Lucas Pendleton esgueirou-se pelo corredor comprido, atento a qualquer movimento suspeito, contando as portas na passagem e anotando possíveis esconderijos em caso de necessidade. Escutou risos ao longe e ruídos de talheres batendo em porcelana. O mapa rabiscado às pressas por Peggy, a criada da hospedaria, mostrara uma exatidão surpreendente. Fora fácil localizar a alameda, as cavalariças, o portão destrancado dos fundos, as cercas-vivas que garantiam a privacidade, a entrada do terraço. Segundo Peggy, o Duque sempre ia até a biblioteca, acima e à direita, depois do jantar. Ainda que a moça estivesse enganada, Lucas esperaria o quanto fosse preciso para forçar uma confrontação. Sentiu culpa e remorso ao lembrar-se de como adulara e seduzira a jovem roliça e simpática para obter as informações sobre Harold Westmoreland, Duque de Roswell. Esperava que a bolsinha com moedas que lhe enviara junto com uma mensagem de despedida servisse para amenizar um pouco o desencanto da pobrezinha. Acertar as contas com o Duque de Roswell era uma questão familiar, e Lucas assumia qualquer ônus ou risco quando se tratava de sua família. Com a morte prematura dos pais, enfrentou uma infância difícil. Não demorou muito para tornar-se o protetor do casal de irmãos mais novos, e por eles faria tudo, até mesmo enganar uma pessoa bondosa como Peggy. Durante sua permanência em Londres, as tentativas de encontrar-se com o Duque revelaram-se infrutíferas. Roswell era poderoso, rico e poderia negar-lhe uma audiência, se assim o desejasse. Por isso Lucas resolveu usar métodos alternativos, embora pouco recomendáveis. Batera na porta de Harold Westmoreland inúmeras vezes e escrevera várias cartas. Empenhara-se em cruzar-lhe o caminho, mas o Duque nunca estava só. Rodeava-se de um exército de criados eficientes e fiéis que impediam a aproximação de indesejáveis. Para maior sucesso, Lucas deveria ter trazido seus próprios homens. Assim competiria em igualdade de condições. Mas viera apenas com seu irmão, Matthew. Como americano, fácil de se reconhecer pelo sotaque e pelo trajar descontraído, não tivera oportunidade de infiltrar-se no círculo social do Duque. Antes de vir para a Inglaterra, Lucas e Matthew concordaram em resolver a questão da maneira mais discreta possível. Não pretendiam erguer um clamor público contra um homem casado e pai de dois filhos crescidos. Só não haviam contado com o desinteresse de Westmoreland em receber dois estrangeiros atrevidos. Era lógico que não iriam contar ao porteiro os motivos daquela visita. Entretanto, empregar métodos mais drásticos teria sido eficaz, se tivessem alguns bons camaradas. Apesar de Matthew ser muito competente no desempenho de missões complicadas, estava fora de cogitação duas pessoas dominarem os guardas do Duque. Vê-lo de longe, subindo ou descendo da carruagem, foi o máximo que Lucas conseguiu naqueles dias.
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— Isso logo vai mudar — Lucas murmurou a si mesmo. Parou, olhou para os lados e entrou na biblioteca. Ninguém por perto. O fogo crepitava na lareira, e o conhaque na mesa aguardava a presença de Roswell. Lucas desistiu da idéia de esvaziar o cálice para o Duque desconfiar de sua presença. Nenhuma gota de álcool deveria nublar-lhe os sentidos. Foi até a extremidade do recinto e escondeu-se atrás de uma das cortinas pesadas de veludo. Na passagem, foi impossível não observar a opulência fria do ambiente. O lugar mais parecia um museu, pela quantidade de tesouros enfileirados. Artefatos variados, pinturas clássicas e tapetes orientais. Papel de parede com incrustações em ouro. Adornos brilhantes de cobre. Tudo muito limpo, polido, de muito valor. E exposto para dar a dimensão exata da fortuna do dono, onipotente e supremo. Aquele homem pagaria por tudo, Lucas refletiu, resoluto. O Duque de Roswell haveria de cumprir as obrigações devidas a família Pendleton. Em instantes a porta foi aberta, e Lucas espiou. Era Roswell que entrava. O Duque, de costas para ele, acomodou-se na poltrona enorme, suspirou, recostou-se no couro macio e fechou os olhos antes de alcançar o copo. Lucas esperou Westmoreland beber alguns goles, deixar o recipiente de cristal sobre o tampo e passar a mão sobre a barriga. Sem fazer o menor ruído, saiu do esconderijo, postou-se atrás dele e encostou o cano da pistola em sua cabeça. — Não se mova ou estouro seus miolos. Westmoreland mexeu-se, e Lucas pressionou o metal mais fundo. — Estou falando sério. Eu o matarei em um piscar de olhos. — Acredito. — O Duque ficou imóvel. — O que deseja? — Ponha suas mãos onde eu possa vê-las. Agora! Roswell inclinou-se para a frente com lentidão e descansou as palmas no mogno escuro. — Se está querendo dinheiro, não tenho nada aqui... — Fique quieto! Quero que me olhe de frente, e por isso darei a volta na escrivaninha. Mantenha as mãos onde estão e a boca fechada até eu ordenar-lhe que fale. — Lucas o viu mirar a porta e ameaçou-o. — Nem pense nisso. Eu o matarei antes de alguém cruzar aquela soleira. Não me importa o que se dará depois e muito menos importará a Milorde, quando for um defunto. — Certo. Por favor, explique-se. Lucas voltou a pistola para a cinta. Em seus trinta anos de vida já usara a arma um número suficiente de vezes para sacá-la no instante em que fosse necessário. Porém esperava com sinceridade que não precisasse atirar naquele suíno desprezível, os porcos que o desculpassem. Por mais que lhe desse prazer atirá-lo em uma sepultura, preferia o Duque vivo para fazê-lo pagar por seus pecados. Sem perder Harold de vista, Lucas andou com cautela até encarar o inimigo pela primeira vez. Para sua surpresa, Westmoreland era diferente do que imaginara. Vestia um casaco de veludo azul-marinho e tinha aparência refinada de gente rica. A camisa branca era imaculada, e o nó da gravata, perfeito. E muito mais jovem do que Lucas supusera. Embora soubesse que o Duque tinha quarenta e cinco anos, por algum motivo
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inexplicável esperara encontrar um velho decrépito. Que nada... Westmoreland era na verdade atraente e vigoroso. Lucas alimentou sua ira com visões ultrajantes de um ancião devasso que se aproveitava de jovens inocentes para saciar seus apetites doentios. Mas aquele homem era um representante perfeito de um nobre inglês. Esbelto e com expressão brincalhona, era um daqueles sujeitos de sorte cuja aparência melhorava com a idade. A ascendência aristocrata estava presente em seus traços, sem dúvida um tipo masculino que atraía as mulheres. Os cabelos loiros começavam a branquear e estavam amarrados em um pequeno rabo-de-cavalo. O casaco acentuava o azul-safira dos olhos astutos e inteligentes que não perdiam um só detalhe da situação. O Duque transmitia a idéia de comando e de energia, o que se devia, na certa, à posição privilegiada que ocupava na vida. Lucas calculou que o lorde teria sido bemsucedido, independente de ter nascido em berço de ouro. Era um indivíduo acostumado a dar ordens e sabia como fazê-lo. Não se intimidou em refletir que o Duque seria um adversário difícil. Já esperava por isso. Em suas lutas de menino aspirante a marinheiro e mais tarde de jovem que começava seu próprio negócio com frota mercante, Lucas enfrentara as piores classes de vilões. Brutos que eram mil vezes piores que o sujeito bem-nascido e mimado que o fitava. — Queira desculpar-me por toda essa encenação, sir, mas já faz algumas semanas que venho tentando marcar um encontro com Milorde. Westmoreland deu de ombros. — Sou uma pessoa ocupada. — E eu sou Lucas Pendleton. O Duque não demonstrou o menor sinal de reconhecer o significado daquele nome. No íntimo Lucas imaginara que Roswell o evitara de propósito por saber de quem se tratava, e não ignorava os motivos que o tinham feito atravessar o oceano em busca de uma audiência. — Como tem passado? — O Duque inclinou a cabeça em um cumprimento. — Minha irmã é Caroline Pendleton. — Lucas irritou-se ao máximo diante da fisionomia impassível do Duque. — Antes que Milorde pense em fingir que não a conhece, devo avisá-lo de que isso me fará dar a volta nessa escrivaninha e apertar-lhe o pescoço até deixá-lo sem um sopro de vida. Harold Westmoreland observava o jovem irado, refletindo no porquê de o destino ter se encarregado de promover tal encontro logo naquele momento. Já não fora suficiente a tortura de suportar o noivo intragável de sua filha Penélope durante o jantar? Roswell odiou a desvantagem de estar sentado diante do adversário. Mas não lhe pareceu inteligente a possibilidade de levantar-se e acuar o outro com o poder de sua situação social. Pendleton não devia ser alguém que se intimidava com posições e títulos ou não teria invadido aquela mansão. Pendleton tinha mais de um metro e oitenta, o que também não daria vantagem a Harold, que era alguns centímetros mais baixo. Movia-se com a graça predatória de um felino, e sua compleição vigorosa fazia supor uma vida de trabalhos duros. Os ombros musculosos e as mãos fortes não deixavam dúvidas de que cumpriria a promessa que
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fizera. Harold permaneceu imóvel tanto pela fúria como pela superioridade física do oponente. E sobretudo por saber que a indignação de Pendleton era justificada. Ele parecia um barril de pólvora prestes a explodir, e Harold precisava manter a calma para evitar o pior. — Conheci Caroline, uma jovem adorável. Americana, creio eu. Encontrei-a há alguns anos, quando ela esteve aqui visitando os primos ingleses. — Sei disso. — Lucas sentiu-se aliviado com a admissão do conhecimento. — Não a vejo há muito tempo. Harold já tivera tanta mulheres que lhe escapavam detalhes a respeito delas. Mas não dessa vez. O irmão parecia-se muito com Caroline. Cabelos negros e longos, olhos castanhos e profundos. Recordava a jovem bonita e graciosa, magra e alta. Bem diferente das inglesas loiras e pálidas que conhecera. Não havia como não gostar dela. Era bem-educada e tinha senso de humor. Urna ótima ouvinte, além de conversar sobre qualquer assunto. Dotada de inteligência vivaz e cultura acima da média. Era com uma moça assim que Harold sonhara em casar-se. Quando aprendeu as artes do amor, Caroline tornou-se uma parceira fogosa, fato que não poderia ser comentado com Lucas Pendleton. Quanta doçura envolvia Caroline! Como aquele verão maravilhoso passara depressa! — Como está ela? — Morta. — Ah, sinto muito... Minhas condolências. — Harold procurou não demonstrar sentimentos que o denunciassem. — Não queremos seus pêsames. Não quer nem saber como minha irmã morreu? — Se quiser contar-me... — Harold não gostou de seus pressentimentos. — Caroline veio a falecer logo após o parto, seis meses depois de ter deixado a Inglaterra. O Duque continuou imóvel. Não piscava e parecia não respirar. — Mas que coisa triste. — Harold sentiu vontade de vomitar e engoliu em seco. — Quando? — Faz quase cinco anos. — Perdão, mas não entendo os motivos que o trouxeram aqui. Imagino que se relacione com o falecimento de Caroline, mas não sei o que isso tem a ver comigo. — Cale essa boca mentirosa! Lucas desejou ter a coragem de matar Westmoreland. Agressivo e sarcástico, usou o prenome do Duque, apontando de novo a arma, agora para o peito dele. — É um menino, Harold. Parabéns. Ele vai. completar cinco anos, e se me disser que não é seu, atravessarei seu coração com uma bala antes de que pronuncie qualquer outra palavra. Harold passou a língua no lábio inferior, calculando as possibilidades. Teria deixado Caroline grávida? O caso entre eles fora intenso e rápido, sem oportunidade para maiores sentimentalismos após a partida da jovem. Ficara poucas vezes a sós com Caroline. Os
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encontros secretos e proibidos tinham sido abreviados pelo retorno dela à América. Bem que gostaria de ter lhe ensinado muito mais... Uma criança? Impossível! Por que Caroline não lhe escrevera? Talvez o houvesse feito, mas a notícia devia ter se extraviado em meio aos imprevistos que rondavam as viagens oceânicas. E, se ele tivesse sabido, o que poderia ter feito? — Não estou dizendo que não sou o pai do menino... — Harry é o nome dele — Lucas interrompeu-o. — Minha irmã pediu-nos para darlhe seu nome. O que não correspondia à verdade. Caroline jamais dissera quem era o pai de Harry. Lucas usara de todos os meios para forçá-la a confessar, mas fora em vão. Ela temia a reação dos irmãos. Em seu leito de morte, pediu que o menino se chamasse Harold, sem mencionar o motivo. Anos mais tarde, Lucas encontrou a carta escrita pela irmã e que nunca foi enviada. E assim descobriu quem era o pai de seu sobrinho. Os dois se entreolharam, e Harold não pôde deixar de admirar aquele americano intrépido. Poucos teriam coragem de desafiá-lo daquela maneira. Talvez Pendleton fosse também um tanto maluco. — O que deseja de mim, Pendleton? — O reconhecimento legal. — Não pode estar falando sério! — Torno a avisá-lo de que não estou brincando. Ouviu-se o ruído da arma sendo engatilhada. — Não tenho a menor intenção de fazê-lo. Harold se sentiu mais ousado. Pendleton procurava uma declaração que legitimasse seu sobrinho, por isso não haveria de matar a única pessoa que poderia confirmar ou negar a alegação. O Duque não pretendia corroborar o argumento. Tinha outra filha ilegítima, Maggie. Apesar do passado tumultuado, no momento as relações entre ambos eram cordiais. Ele ainda não a reconhecera publicamente, apesar de Maggie ser bem-aceita na sociedade, depois de haver se casado com o marquês de Belmont. Ela nascera de um relacionamento amoroso, quando Harold ainda era solteiro. E se não dera a Maggie o benefício da identificação paternal, decerto não o faria em prol de um garoto que nunca vira e do qual ouvira falar fazia poucos minutos. — Já escutei demais. — Harold ergueu-se, confiante. — Está na hora de o senhor retirar-se. A despeito de sua insistência e de sua ira, jamais me convencerá de que sou o pai desse bastardo. Lucas estremeceu, mas não comentou o emprego do termo. Westmoreland haveria de facilitar a vida de Harry. Nem que isso custasse ao tio o último centavo e o último suspiro. Tirou do bolso do colete uma miniatura que fora pintada antes da partida da Virgínia. — Veja o rosto do garoto e seus olhos azuis. — Lucas atirou a semelhança em cima da mesa. — Agora tenha a desfaçatez de dizer que ele não é seu filho. Com má vontade, Harold apanhou a moldura dourada e examinou a reprodução.
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Era igual aos retratos dele mesmo naquela idade. — Ninguém acreditará nisso. — Compreendo que não queira envergonhar sua esposa e sua família com minúcias acerca do nascimento de Harry. Também não faço questão de anúncios públicos. Ficarei satisfeito em resolver isso entre nós. — O senhor está louco! — o Duque esnobou, crente da insanidade de Pendleton. Não pretendia escutar mais nada. Só queria aquele intruso longe dali. — Jensen! O mordomo não deu sinal de vida. Harold gritou mais uma vez, sem resultado. Ninguém apareceu. Na certa os criados haviam se afastado, cumprindo suas ordens de não ser incomodado. Para ser atendido, o Duque teria de alcançar a campainha do outro lado, mas Lucas o impediria de fazê-lo. Todavia, o fato de não ter sido alvejado por sua atitude mais intempestiva poderia encorajá-lo. O irmão de Caroline não era tão cruel quanto tentava aparentar, mas era imprudente. Pendleton não imaginava que o resgate seria improvável. Assim mesmo, mantinha a calma. Lucas ignorou a explosão do Duque, embora a vontade de matá-lo aumentasse a cada segundo. Precisava dele vivo para o fim a que se propusera. Mais tarde exigiria a contribuição final. — Só necessito de sua assinatura nos papéis que tenho comigo. Depois de admitir que é o pai do garoto, terá de abrir uma conta com investimentos que permanecerão bloqueados até que Harry atinja vinte e um anos. Terá também de arcar com os custos de qualquer negócio que meu sobrinho pretenda implantar, quando for adulto. Depois disso, nunca mais ouvirá falar de nós. — O senhor não passa de um chantagista parasitário! Lucas escutou movimentos a distância. Contava com apenas mais alguns minutos. Alguém se aproximaria dali sem tardança. — Se persistir na recusa de aceitar meus termos, terei de executar uma vingança manifesta contra sua família. — Não ouse fazer isso! — Não? Lucas aproximou-se da lareira sobre a qual via-se pendurada a pintura de uma mulher que devia ser a esposa do Duque e atirou no coração da Duquesa retratada. Aturdido, Westmoreland sufocou um grito e recostou-se no espaldar. Ouviram-se clamores do saguão, mas Lucas não se incomodou, pronto para partir. Tirou outra arma das costas e apontou-a para o Duque. — Concedo-lhe três dias para pensar em sua resposta. — Recuou, abriu a porta e viu três servas alvoroçadas na escadaria. — Matarei qualquer um que pretenda seguirme! — Fitou Westmoreland por sobre o ombro. — Mandarei avisá-lo onde poderá acharme para comunicar sua decisão. E desapareceu da residência enorme, tão depressa e tão rápido como nela entrara. Imóvel em meio à fumaça, Harold ainda ouvia o eco do disparo. Nem mesmo sabia por que se impressionara tanto com a encenação. Tratava-se apenas de um retrato e dos menos apreciados por ele.
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Contudo, o ato violento o perturbou. Pendleton atirara sem pestanejar, em um aviso funesto. Harold nem conseguiu se erguer para puxar a campainha. Seria melhor o lunático ir embora. O alarme poderia levar os criados a um enfrentamento com ele. Continuou sentado, procurando retomar o fôlego. Demorou um pouco para o metódico Jensen interromper o jantar e aparecer, ainda com o guardanapo engomado no pescoço. Vários servos vinham atrás dele, ansiosos para ver o que acontecera. Mais calmo ao constatar que o patrão estava são e salvo, o mordomo baixo e atarracado puxou a bainha do casaco para recompor a postura. — Sir... — Jensen fez uma mesura, com a reserva habitual. — ...posso perguntarlhe se está bem? — Estou, Jensen. — Necessita de algo? — Um conhaque, por favor. — Pois não, sir. Jensen lançou um olhar fulminante aos que espiavam em volta dele, e os criados fugiram às pressas. Foi até o aparador e encheu um cálice até a borda. Harold tomou a bebida de uma só vez, e a queimação no estômago agiu sobre os nervos em frangalhos. "Outro filho bastardo!" Amaldiçoou a própria sorte. "Quantos mais surgiriam das trevas?" Por que Deus criara os homens com necessidades físicas incontroláveis? Como resistir às tentação representadas por Caroline e por tantas outras? — Tivemos um visitante indesejável. — Foi o que imaginei. —O mordomo analisava a pintura destruída, sem nenhum traço aparente de curiosidade. — Mande chamar Purdy. Quero falar com ele ainda hoje. Preciso de informações sobre um americano, Lucas Pendleton. — Mandarei a mensagem neste minuto. — Isso é tudo. — Harold fitou o tecido imaculada sob o queixo do serviçal. — Pode voltar a seu jantar. — Obrigado, Milorde. — Jensen deu um passo e virou-se. — Devo remover o retrato da Duquesa? — Mais tarde. — Muito bem, sir. Desejo-lhe uma boa noite. A porta foi fechada, e Harold ficou a sós com um grande sentimento de culpa.
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Capítulo II Penélope Westmoreland passeava no jardim escuro de sua casa. Estremeceu e agasalhou-se melhor com a capa escura. Pensou no contraste entre a peça caríssima de pele que ganhara de uma condessa russa e seu vestido branco, seus cabelos loiros e sua pele alabastrina. O jantar fora um acontecimento tedioso. Ela nem mesmo sabia por que se preocupara tanto com a aparência. Devia ser por hábito, supôs. Admitiu que os cabelos presos no alto da cabeça combinavam com seu rosto, e os cachos soltos nos ombros nus conferiam-lhe grande sensualidade. A melhor modista francesa de Londres era responsável pelo traje, que acentuava a silhueta recém-adelgaçada que adquirira. Os infortúnios dos últimos três anos fizeram-na perder peso. As jóias, colar, bracelete e pentes em pérolas, tinham sido tiradas do cofre da família especialmente para o jantar de noivado. Não duvidava da própria formosura, nem de seu aspecto impecável. Era uma questão de hábito comparecer muito bem vestida à mesa de seu pai. Sempre fora a garota mais bonita, mais rica e mais assediada de seu meio. Porém, adornar-se de maneira tão meticulosa de fato não lhe valera o esforço. Contava agora quase vinte e um anos, e fizera o début havia três. Tinha saudade da época em que sua única preocupação era saber qual vestido usar. Tempos de grande excitação por causa dos flertes e dos romances inocentes. Filha única do Duque de Roswell, fora bajulada pela aristocracia. As anfitriãs imploravam por sua presença em recepções. As demais jovens não escondiam a inveja de perder os solteiros cobiçados para a bela Penélope. Os cavalheiros se sucediam no gabinete do Duque com pedidos de casamento, enquanto ela se dedicava a cuidar da pele com cremes e perfumes ou orquestrando o destino ao lado de sua mãe. Nas festas e nas ruas, as mulheres elogiavam suas roupas e suas jóias, para depois copiá-las. Tudo isso fazia parte do passado. Penélope evitava sair. Quando o fazia, todos riam a suas costas, comentando sua infelicidade. As falsas amigas haviam se casado, tinham filhos e regozijam-se com a desgraça alheia. Cumprimentavam-na com malícia, faziam comentários maldosos e não escondiam uma aversão quase palpável. Antes, passava as noites de sábado em bailes sucessivos. Aquela altura, cansada e aborrecida, só queria ficar sozinha para encontrar uma maneira de dar outra direção ao destino assustador que lhe haviam reservado. Estavam em março, e a Duquesa mandara acender as luminárias para animar os convidados a um passeio noturno, mas só Penélope se aventurara. Muitos dos círios já tinham queimado, e a penumbra era providencial para uma boa privacidade. As moitas e as cercas-vivas encarregavam-se de ocultá-la dos outros. Se Edward, seu atual noivo, desse por sua falta e viesse procurá-la, Penélope não se responsabilizaria por seus atos. — Oh, Senhor, como pôde fazer isso comigo?!
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Penélope lembrou-se da fisionomia imperturbável do pai durante aquela pérfida refeição. O Duque queria a filha casada em junho. Depois de todos os cancelamentos, maquinações e planos, a data aproximava-se a galope. Quando mais jovem, Penélope acreditava que o enlace com um cavalheiro da mesma classe social faria sua felicidade. Como se enganara! Essa seria sua terceira tentativa de subir ao altar. Na primeira, estivera noiva de Adam St. Clair, o marquês de Belinont, o homem com quem sonhara desde criança para ser seu marido. Era mais velho uns doze anos, mundano e sofisticado. Fora apenas um acordo entre famílias, mas Penélope acreditara estar apaixonada e imaginara que o mesmo aconteceria com Adam. Os meses de noivado foram de puro delírio. Penélope pensara que formariam o par do século e que despertariam a cobiça da humanidade. Mas, para sua vergonha, Adam desistira do enlace uma semana antes para casarse com a amante. O Duque espalhou a notícia de que a desistência foi de Penélope, mas não enganou ninguém. Adam preferiu outra, e a vida de Penélope Westmoreland nunca mais foi a mesma. Passou meses trancada em seu quarto, sem coragem para enfrentar os olhares irônicos, os dedos apontados e as palavras ferinas. Então o pai encontrou outro candidato que não deu importância ao escândalo. Um visconde que se tornaria conde algum dia e era da mesma faixa etária de Penélope. Ela foi convencida de que um bom matrimônio seria uma maneira excelente de encerrar de uma vez a humilhação. O noivo morava e trabalhava na Jamaica, nas propriedades da família. Nada seria melhor que morar na Jamaica e fugir de insinuações odiosas. Contudo, a segunda união também fracassou. O visconde teria morrido em um acidente, antes de viajar para Londres. O Duque e a Duquesa insistiram que a carruagem do infeliz virou em uma estrada lamacenta. Mas não demorou muito, e Penélope começou a escutar histórias chocantes sobre ele. O rapaz era beberrão, conquistador, jogador e vadio. Os familiares o mandaram para o exterior por não suportar mais seu comportamento. E ele encontrou a morte em um duelo por causa de uma mulher... casada. Mesmo sem confessar a ninguém, Penélope sentiu alívio por ter escapado de um tipo de existência como a da mãe A Duquesa suportava calada os tormentos e fingia não notar os deslizes do marido, que se comprazia em conquistar qualquer uma que passasse a sua frente. Para a terceira tentativa, o Duque escolheu Edward Simpson. O conde tinha sessenta e três anos, era três vezes viúvo, calvo, obeso, mas também rico e poderoso como o pai de Penélope. Apesar de tudo, ela poderia ter ficado animada com a perspectiva de tornar-se condessa. No entanto, Penélope só desejava fugir da calamidade que se aproximava. Após o segundo fracasso, implorara ao pai para encontrar outro que acabasse com os falatórios. Mas não contava com algo tão deprimente. Chegou a perguntar-se os motivos da escolha ao Duque, mas ele foi ríspido e franco como sempre. "Ninguém mais a aceitaria", ele afirmou. O Duque insistia que Penélope deveria casar-se com um aristocrata de grande
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prosperidade financeira. Os mais jovens e condizentes não se mostravam interessados. Havia muitas donzelas disponíveis e bem melhor qualificadas que Penélope Westmoreland. Os boateiros afirmavam que ela era azarada e trazia má sorte para os outros. Que era pomposa, tirana e só recebera o merecido. Alguns diziam que fora desonrada e por isso o Duque enfrentava dificuldades para arranjar-lhe um marido. Aquela idéia a fez rir alto. Santo Deus, nem mesmo conhecia um beijo verdadeiro! Considerava-se a virgem mais velha de toda a Inglaterra. Ergueu a cabeça e perscrutou o céu. Esperava que a chuva ameaçadora não chegasse. Caso contrário, teria de entrar e dar de encontro com Edward. Nem que alegasse dor de cabeça a mãe a deixaria ir para o quarto. A pequena reunião era um sinal para a família e para os amigos de que as festividades pré-nupciais estavam oficialmente abertas. Naquele instante, viu uma sombra atravessar o pátio. Hesitou, nervosa. Edward se aproximava. Penélope o conhecera ainda menina, como amigo do pai. Por causa do noivado, Edward viera várias vezes àquela mansão, e Penélope pôde fazer nova avaliação. O conde bebia e comia em excesso. Era pessoa de opiniões e temperamento fortes. Despia-a com o olhar e não perdia ensejo de fazer observações libidinosas em voz baixa. Nas poucas ocasiões em que conseguiu ficar a sós com a noiva, tentou apalpá-la e beijála. Só em pensar nisso, Penélope arrepiou-se. Roswell saberia disso e não se incomodava de entregar-lhe a filha? Penélope rezava para o Duque descobrir as mazelas sobre o sujeito. Porém, depois das três horas de jantar, ela concluiu que o pai estava satisfeito com o que planejara. Foi informada sobre a decisão paterna no mês anterior. Aceitou com estoicismo a proposta de Edward. Permaneceu sentada em silêncio durante o pesadelo. Permitiu a Edward beijar-lhe a boca depois do "sim" e tentou sorrir, enquanto bebia xerez com a família para celebrar a novidade. Edward permaneceu a seu lado, segurando sua mão e tocando qualquer parte de sua anatomia que ficasse a seu alcance, como se o acordo conferisse ao conde autoridade sobre a noiva. Aquela tarde custou uma eternidade para passar. Assim que Edward saiu, Penélope correu para seus aposentos e vomitou sem parar no urinol. Chorou durante horas e permaneceu na cama por dois dias. Depois disso, o Duque prometeu uma surra se a filha não se aprontasse e saísse sem demora. Era o que o pai lhe reservara. Um ancião malcheiroso, calvo, detestável, rotundo e com hálito alcoólico. O conde caminhava com uma taça nas mãos, e Penélope perguntou a si mesma se o pai a detestava. Só assim para não se incomodar com seu porvir. — Enfim, eu a encontrei, doçura. — Edward arrastava as palavras e cambaleava. — Ninguém soube informar-me de seu paradeiro. — Eu precisava de ar fresco. — Penélope nunca foi tão sincera. — Deveria ter me pedido que a acompanhasse. Ficaria muito feliz com isso. — Obrigada. Da próxima vez, o avisarei.
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Penélope não sabia como agir nem o que dizer na presença dele. Tinha medo e necessidade de manter-se alerta. O olhar de Edward era assustador, como se pretendesse viola-la a qualquer instante. "Meu Deus, que castigo!" — Assim será melhor. — Edward tornou-se ameaçador. Não quero que ande sozinha no escuro. Nem mesmo na propriedade de seu pai. — Não repetirei a imprudência. — Muito bem, minha menina. — A corpulência do conde bloqueava o pouco de luz, e o desconforto crescia com a proximidade. — Gosto de crianças obedientes. Minha querida Penélope é uma delas, não é? — Claro. Penélope sorriu sem vontade e recuou. Edward acompanhou-lhe o passo. Estavam muito afastados da mansão. Ninguém a ouviria, se chamasse. Atrás, o muro era alto e comprido. A única maneira de escapar seria passando por Edward e correndo por onde ele viera. — A doce Penélope aprende depressa, não é mesmo? Apavorada, ela lembrou-se do tanto que ele bebera no jantar e de quanto tempo os homens saborearam vinho do Porto, depois da saída das mulheres. Fingiu estar com frio e fechou melhor a capa. — Está esfriando, não é verdade? Por favor, leve-me para dentro. Edward grunhiu uma risada e enrolou em seu dedo um dos cachos de Penélope até causar-lhe dor. Puxou-a pela madeixa mais para perto, e a saia dela enrolou-se nas coxas dele. — Ainda não quero entrar. — Mas eu sim. — Pensei em roubar um beijinho enquanto estamos aqui. Não se importa, não é, meu bem? Tivemos poucas oportunidades de ficar a sós, e estou ansioso para experimentar o gosto do que estou comprando. Irritada pela crueza do comentário, Penélope evitou falar, mas o conde agarrou-a pelo braço. — Boa noite, Edward! — O tom feroz que costumava causar tremores nos circunstantes não surtiu efeito. — Não a deixarei ir embora tão fácil. — As pupilas dele brilhavam com um desejo doentio. — Milorde está embriagado... — Nem tanto. — ...e comporta-se com grosseria. Boa noite! — Penélope repetiu e procurou desvencilhar-se, mas ele a segurou com mais energia. — Solte-me! Está me machucando! — Então obedeça, e eu não terei de usar a força. Penélope ficou imóvel, e ele cumpriu a promessa. — Ótimo. Detesto dar duas vezes a mesma ordem. Ela tentou escapar, mas Edward reagiu rápido demais para um bêbado. Arrastoua até um banco próximo e derrubou-a sobre ele. Estendeu-se sobre Penélope e beijou-
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a sem perda de tempo, abrindo-lhe a boca com a língua asquerosa c ávida. Edward tinha gosto de tabaco rançoso, bebida velha e dentes sujos. Não demorou e passou a morder e a sugar-lhe o pescoço alvo. Nauseada e sem ar, Penélope procurou balançar a perna direita, que estava para fora do banco. — Socorro! — gritou. — Alguém... me ajude! No mesmo instante, ele tapou-lhe a boca com a mão gorda e grande. Edward se esfregava entre as pernas de Penélope, e ela sentiu a rigidez tão comentada por Colette, sua criada francesa. — Ah, que deliciosa gata selvagem! — A respiração pesada exalava um cheiro pútrido no rosto dela. — Passaremos horas maravilhosas brincando na cama. Mal posso esperar por isso! Aquele homem era revoltante! Ele imaginava que poderia conspurcar-lhe a virtude em um banco de jardim, como se ela fosse uma serviçal! Ultrajada, lutou para afastar-se, mas nada conseguiu. Edward era pesado demais. Penélope tentou atingi-lo com o pé livre e virou a cabeça de um lado a outro, sem parar. Por fim, conseguiu morder-lhe a mão, que o conde afastou com uma imprecação. — Socorro! Ajudem-me! De repente, Edward saiu de cima dela. Trêmula, Penélope ergueu-se sobre um cotovelo e viu outro homem levantando-o pelas lapelas do casaco, rompendo as costuras finas. — Mas que... — Edward resmungou, e foi atingido por um soco na barriga. O conde dobrou-se ao meio antes de levar outro murro. Dessa vez foi no queixo, e deixou-o estendido na touceira. O estranho vestia-se de preto, da camisa às botas de cano alto. Os cabelos longos e negros estavam amarrados com uma fita da mesma cor. Os olhos escuros cintilavam, ameaçadores. Era sem dúvida o rapaz mais bonito que Penélope já vira. Testa alta, traços fortes, nariz aristocrático e boca perfeita. Alto e espadaúdo, manteve-se com as pernas afastadas ao lado de Edward, protegendo-a. Mesmo sem a conhecer e sem nenhum motivo para interferir, viera salvála. Era um jovem magnífico, exemplo de fúria masculina, pronto para intervir de novo, se necessário. — Está tudo bem, senhorita? — ele indagou com voz de barítono e sotaque americano. — Sim... Não. Quero dizer, ele não teve tempo de machucar-me, mas estava apavorada. Se o senhor não houvesse chegado a tempo, não sei o que teria acontecido. O estranho deu um pontapé na ilharga de Edward, que gemeu e se encolheu. — Pare! — o conde pediu, erguendo as mãos. — Foi apenas um jogo amoroso. Eu não pretendia machucar ninguém. O salvador de Penélope abaixou-se, agarrou o outro pela camisa e ergueu-o. — Peça perdão à dama! Edward engoliu em seco e murmurou um pedido de desculpas. Depois foi deixado em pé, no chão. — Bêbado imundo! Volte para dentro! — Como ousa encostar um dedo em mim? — Edward esticou a roupa e alisou os
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cabelos ralos. — Por acaso sabe quem sou? — Não sei, nem me interessa saber. — Pois eu afirmo que não pode chegar e fazer o que lhe der na cabeça! — E eu digo que, se não sumir de minha frente, irá se arrepender. O senhor me enoja. Edward mirou Penélope como se a culpa fosse dela e avançou em sua direção, mas foi contido pelo oponente: — Estou lhe avisando pela última vez. Se eu o vir outra vez esta noite, considerese um homem morto. O recém-chegado deu-lhe um empurrão, e Edward saiu, cambaleando. Lucas não deixou de fita-lo, pronto para uma batalha, caso o covarde resolvesse voltar. Não foi preciso. Pelo visto, o ancião era valente só com jovens indefesas. Mais calmo, voltou-se para vítima. Penélope continuava sentada, trêmula, com a mão na boca e horror nos olhos arregalados. — Está tudo bem? — Lucas tornou a perguntar e sentou-se a seu lado devagar, para não assustá-la ainda mais. — Sim, mas não consigo parar de tremer. Lucas sabia que deveria fugir do alcance de Harold Westmoreland, mas não podia abandoná-la sem ter certeza de que nada lhe acontecera. Sempre fora um defensor de donzelas em perigo, e não raro fizera papel de tolo por isso. Daquela vez não era diferente. Amaldiçoou a si mesmo pela idiotice de não ter saído dali e ignorado todo o resto. Como não foi dado nenhum alarme por sua atitude intempestiva na biblioteca, Lucas refletiu que poderia ficar mais alguns momentos. O refúgio não era longe, e a rota de fuga já fora traçada. Ao menor sinal de ameaça, pularia o muro e seria tragado pela noite. Pelo comportamento, pelas jóias e roupas, a dama a seu lado deveria ser de família rica. A capa de pele valia mais do que ele ganhara durante sua vida toda. Quem seria? Teria ela, com toda a inocência de uma donzela, ignorado as más intenções do camarada e vindo com ele para o jardim? Ou fora um encontro fortuito e o beberrão sem escrúpulos pretendeu aproveitar-se? Irritou-se ao imaginar que os pais da jovem permitiam que o incidente ocorresse tão próximo deles. — Quer que a acompanhe até a residência? — O receio de deixá-la andar sozinha na escuridão suplantou o perigo da oferta. — Não se incomode, obrigada. Preciso apenas de alguns momentos para recompor-me. — Será conveniente informar o ocorrido. Seu pai está lá dentro? — Acho que ele não se importaria. — Deve estar brincando. — É lamentável, mas não estou. — Uma lágrima deslizou, indiscreta. — Aquele homem é meu noivo, e foi escolhido por meu pai. — Agora tenho certeza de que se trata de um gracejo. — Pois não é. Eles se conhecem há muito tempo, e papai sabe muito bem quem é Edward.
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Algumas nuvens se afastaram, e a lua tornou a brilhar. Lucas prendeu a respiração. Se ela lhe parecera bela na penumbra, sob o luar era espetacular. O rosto oval lembrava um camafeu, a pele era translúcida. O nariz, pequeno, era um pouco arrebitado na ponta, e os lábios carnudos pediam beijos. Os cabelos loiros haviam se soltado na contenda e brilhavam. Os olhos, azuis como duas safiras imensas. A desconhecida lutava contra o pranto, que umedecia seus olhos. — Senhor, o que deverei fazer?! — Penélope descansou os braços nas coxas, baixou a cabeça e os ombros. — O casamento será realizado dentro de três meses. Nem sei como suportarei o passar dos dias. — Não existe ninguém que possa auxiliá-la? — Não... — Penélope não conteve mais o choro. Lucas achou-a ainda mais linda. Se tivesse juízo, iria embora naquele instante. Mulheres chorosas deixavam-no enfraquecido. Teria coragem de deixá-la sozinha em meio a tanto desgosto? — Escute-me, por favor. Talvez o cenário não seja tão lúgubre. — Pior. Muito pior. — Penélope teve a impressão de que seria esmagada pelo peso do sofrimento e de que seu coração estava prestes a romper-se. — Então, chore. Sentir-se-á melhor. Lucas tirou um lenço do bolso. Sacudiu-o e entregou-o para Penélope. Ela soluçava em silêncio, como se o ato fosse indigno de sua posição social. Sem hesitação, Lucas acariciou-lhe as costas para confortá-la. Passado algum tempo, o desabafo emocional cedeu, e ela descontraiu-se. — Sinto muito. — Forçou um sorriso. — Não pretendia fazer uma cena dessas. Lucas admitiu tratar-se da jovem mais encantadora que já cruzara seu caminho e que pretendia tornar a encontrá-la. — Qual seu nome, senhorita? — Penélope Westmoreland. Lucas teve de fazer esforço para respirar, como se houvesse levado uma facada no peito. — Harold é seu pai? O Duque era mesmo conhecido... — É. Penélope endireitou-se, e Lucas admirou-se de não ter notado antes a semelhança entre Harry e ela. Era mesmo uma Westmoreland. Imaginou como seu sobrinho seria, quando crescesse. Nisso, um tumulto teve início dentro da mansão, e Lucas olhou por sobre o ombro. Várias pessoas juntavam-se no terraço. Uma delas era o Duque, rodeado por homens armados. — Tenho de ir. — Lucas levantou-se de um pulo. — Por quê? — Penélope não compreendeu a mudança de comportamento. Nunca se sentira tão à vontade na companhia de outra pessoa. — Tenho de ir. — Penélope? Está aí fora? — o Duque chamou-a de longe. — É meu pai. Ele não deve estar procurando pelo senhor. Edward não teria a
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audácia de contar o que houve. — O Duque e seus homens vêm atrás de mim. — Lucas usou o sorriso sedutor que encantava as mulheres. Avaliou a extensão do salto que teria de dar sobre o muro, sem deixar de sorrir. — Preciso sair na frente. Por favor, não diga a ninguém que me viu. — Não direi. O desconhecido tornara-se um amigo em um mundo em que ninguém se incomodava com ela. Penélope garantiu a si mesma que o protegeria a qualquer custo, mesmo com a possibilidade de perigo. Lucas curvou-se e tirou uma faca da bota. — Guarde isto e traga-a da próxima vez que vier até aqui sozinha. Se o patife ousar assediá-la uma segunda vez, não hesite em usar a arma! Apesar de surpresa, Penélope aceitou a oferta. A faca era pequena, a lâmina, afiada, e o cabo de marfim cabia dentro da curvatura de sua mão. — Eu a deixarei a postos — Penélope prometeu. O Duque permaneceu no terraço, perscrutando a propriedade, enquanto os guardas desciam a escada. — Qual seu nome? — Lucas Pendleton. É importante guardar segredo sobre nosso encontro. Penélope anuiu com um gesto de cabeça, deliciada com o clima de mistério. — Poderei vê-lo outra vez? — Sim — Lucas não hesitou. — Amanhã à noite. Aqui mesmo. — A meia-noite. — Penélope não experimentou nenhuma apreensão. Sentia-se segura diante dele. Os passos estavam mais próximos. — Lembre-se da promessa. Nem uma palavra! — Lucas segurou-a pelos ombros e beijou-a na testa. — Até amanhã. — E sumiu. Penélope piscou várias vezes. O Sr. Pendleton desaparecera tão depressa que mal podia acreditar que não fora um sonho. Mas a faca e o lenço eram provas de sua existência. Ergueu o lenço contra a luz e viu as iniciais bordadas em um canto: L.P. — Penélope! — o Duque chamou-a outra vez. — Lady Penélope! — outros gritavam. Ela escondeu as duas lembranças sob a capa e rumou para a residência. — Papai! Estou aqui. O que houve? Um dos guardas chegou perto dela e fez uma mesura, sem deixar de examinar o pátio. — Milady está bem? — Estou ótima. E por que não deveria estar? Roswell se aproximou. — Há quanto tempo está aqui fora? O que o Sr. Pendleton teria feito para desencadear aquele reboliço? — Acredito que... perto de uma hora. — Perdão, milady, mas não viu um cavaleiro vestido de preto por aqui? — outro guarda quis saber. — Não vi nada. Escutei apenas um cão latindo no pátio de lorde Wessington. Penélope apontou a propriedade adjacente, do lado oposto ao lugar por onde Lucas
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saíra. Os soldados correram na direção indicada. Penélope preparou-se para entrar, mas foi impedida pelo pai. — Para onde vai? — Edward ainda está aí? — Não. Sua mãe contou-me que ele veio para o jardim com muita pressa e voltou um tanto agitado. — Sério? — Penélope fingiu um tédio que estava longe de sentir. O Duque fitava-a com severidade, à espera de uma explicação para a saída abrupta de Edward. Penélope nada disse a respeito. — Vou para meu quarto. Peça desculpas por mim. — Penélope afastou-se e deixou o Duque no gramado deserto, enquanto os lacaios escalavam o muro do lado incorreto. Fez uma prece pela boa sorte de Lucas Pendleton e passou a ponta dos dedos na testa, onde ele a beijara. O local formigava e queimava como fogo. Quando Penélope chegou à escadaria, Lucas já ia bem longe. Entrou em uma taverna barulhenta e misturou-se com os fregueses, como se nada mais lhe importasse no mundo. Matthew, seu irmão, viu-o no mesmo instante. Ambos eram altos, o que facilitou a Lucas localizá-lo. Matthew pediu outra caneca de cerveja para o taberneiro e foi logo atendido. — O que o bastardo disse? — Matthew não perdeu tempo. — Recusou-se. — Grande surpresa. E daí? — Agi conforme planejamos. Concedi-lhe três dias para decidir o contrário. — Lucas bebeu o líquido espumoso. — Acredito que ele acabará concordando. — E por quê? Lucas considerou a doce reviravolta dos fatos e qual a melhor maneira usá-los a seu favor. — Aconteceu algo inacreditável. Por acaso, conheci Penélope, a filha dele. Matthew engasgou e depois deu risada. — Não me diga que foi isso o que o fez demorar tanto para voltar. — E ela me agradou — Lucas confessou, conspirador e malicioso. — Esse meu irmão sempre teve uma sorte danada com as mulheres! — Matthew falou mais para si mesmo. — Westmoreland arrumou para a jovem um casamento ultrajante. O candidato é um velho bêbado e pervertido. E nisso deve haver grande interesse financeiro. — Traduzindo... a moça vale o peso em ouro. — Eu diria que Harold Westmoreland ficará feliz em atender a nosso pedido. Sem dúvida, sua linda filha será utilíssima para fazê-lo mudar de idéia.
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Capítulo III As vinte e quatro horas que antecederam o encontro com Lucas Pendleton foram as mais longas da vida de Penélope. Não conseguiu dormir, pensando em seu futuro como esposa de Edward. O que a fazia lembrar do Sr. Pendleton. Quando fechava os olhos, ouvia o barulho dos socos dele na barriga e no queixo de Edward. Se o conde não se rendesse, o intrépido americano teria continuado a batalha. Quem seria o estranho misterioso que a defendera sem medir conseqüências? Até mesmo ameaçara matar o rico e poderoso Edward Simpson! Penélope desconfiava de que o Sr. Pendleton não hesitaria em executar a advertência. Jamais vira um homem igual ao Sr. Pendleton. Nenhum de seus conhecidos se comparava a ele em bravura, coragem e cavalheirismo. E muito menos em aparência, Era um príncipe encantado, e como tal viera em seu auxílio como nos contos de fadas de sua infância. Na adolescência, sonhara com um herói intrépido e magnífico que a arrebataria e por quem acabaria se apaixonando. E viveriam felizes para sempre. Contudo, nos últimos três anos, abrira os olhos para a realidade e deixara de lado as fantasias idílicas. Apavorada, admitiu que o encontro com Lucas Pendleton apenas sublinhara a necessidade de um esquema que lhe permitisse sobreviver nos meses que se seguiriam. Se não desenvolvesse uma estratégia de conduta, seria impossível suportar o dia... e a noite do casamento. Não tinha experiência em questões referentes ao leito matrimonial. Mas Colette, sua criada pessoal, encarregara-se de fornecer-lhe o histórico dos fatos, passo a passo. Depois do comportamento desastroso de Edward, Penélope, desesperada, considerou que seria preferível a morte a que submeter-se àquele conde libidinoso. Nada menos factível. Ao longo de sua existência, recebera lições intermináveis sobre a importância do dever. As responsabilidades impostas em sua consciência dificultavam que agisse de acordo com a própria vontade. No círculo social em que nascera e crescera, não havia como desobedecer às ordens de um pai que lhe impunha um marido. Às vezes, gostava de fantasiar que era uma pessoa valente, que fugiria e se estabeleceria em um lugar onde ninguém a reconhecesse. Mas para onde ir e como sustentar-se? Não possuía ilusões naquele quesito. Dependia do pai. Não era como as mulheres de classe inferior que trabalhavam para comer. Nem mesmo tinha habilidades que lhe permitissem ganhar dinheiro. Fora criada para ser competente nos deveres de uma dama nobre, fosse condessa ou Duquesa. Sabia planejar um grande jantar de cerimônia e como distribuir convidados à mesa. Tinha capacidade para comandar os servos e conhecimento de quantos deles seriam necessários para o bom êxito das atividades de uma herdade. Porém, nenhuma dessas aptidões era requerida nas ruas de Londres.
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Outra opção seria pedir abrigo na residência de um parente. Qualquer um a receberia de braços abertos, mas nenhum a deixaria ficar. Ninguém ousaria desafiar o Duque, acolhendo a filha fugitiva. Seria taxada de imatura e importuna. Em seu mundo, uma filha não questionava os motivos do pai e aceitava de forma incondicional um enlace que não fosse de seu agrado. Como desejava que o conde houvesse escolhido um marido como o Sr. Pendleton! Forte e rijo, sem deixar de ser gentil e protetor. Como seria constituir uma família com alguém semelhante? Nem seria bom pensar nisso. Só lhe restava desejar que Lucas a visitasse algumas vezes. Assim teria um punhado de memórias sensacionais para carregar durante o martírio que decerto enfrentaria. Naquele momento, Colette entrou. Era uma moça miúda, de vinte e cinco anos, uma morena de beleza exótica. Fora contratada quando Penélope era menina, por sua experiência em técnicas de penteados e organização de guarda-roupas. Colette sabia tudo sobre a família do Duque e os criados da mansão. Em geral as histórias tinham conteúdos românticos, e com a moça Penélope aprendera o que sabia sobre amor físico. A criada, embora solteira, era uma fonte interminável de informações sobre tópicos que lhe deveriam ser desconhecidos. Conquistas amorosas e amantes. Instinto masculino animal. Não havia certeza de que as aventuras relatadas por Colette fossem verdadeiras. Mas ela gostava de escândalos, intrigas e lorotas. As aristocratas haveriam de envergonhar-se se ouvissem os boatos narrados. — Conte-me! — Penélope pediu, impaciente. — O que escutou? — Ninguém sabe de nada — a criada conservava um sotaque francês acentuado —, a não ser o que Sua Graça contou. Penélope mandara Colette investigar quem era Lucas Pendleton e o que acontecera com ele. E por que fora perseguido. — E o que papai disse? — Monsieur veio visitar Sua Graça por uma questão de negócios. — E o tiro? Não me falou que todos escutaram uma detonação? Que Jensen viu o buraco e cheirou a fumaça? — Oui! Oui! — Colette gesticulou, animada. — Então? — Seu pai afirma que foi um accident. Que monsieur não pretendia estragar o quadro da Duquesa. Houve algum problema com a pistola. — Colette ergueu os braços. — Puf! Explodiu. — Mas se foi um acidente, por que saíram atrás dele? A jovem deu de ombros. — Ninguém soube responder tal coisa. As duas passaram parte da manhã conjeturando sobre o Sr. Pendleton. Ele pedira a Penélope para não revelar sua identidade. Mas Colette era de total confiança e jamais divulgaria um segredo se Penélope lhe pedisse para não fazê-lo. Embora faladeira, a moça sabia ficar de boca fechada, quando as circunstâncias requeriam. A entrada de Lucas na vida de Penélope fora muito excitante, e ela partilhou a animação com a serva. Mais ainda. Precisava da ajuda da francesa para o encontro
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noturno. Elas remoeram todas as passagens detalhadas à exaustão por Penélope, sem chegar a nenhuma conclusão. Por que o Sr. Pendleton viera falar com o Duque? E por que desaparecera sem deixar vestígios? No final da tarde, examinaram os guarda-roupas de Penélope e separaram vestidos escuros que não chamassem a atenção, convencidas de que agiam sob o efeito de alguma força desconhecida. Colette sempre lia as folhas de chá e consultava as estrelas, à procura de indícios e sinais. A chegada do Sr. Pendleton tinha de ser significativa. Talvez o destino estivesse estendendo a mão a sua patroa. Qual outro prognóstico possível envolvendo o aparecimento de Lucas Pendleton? Lucas andava de um lado a outro no convés do Sea Wind ancorado. Era um de seus cinco navios usados para transportar mercadorias na Costa Leste dos Estados Unidos e em viagens ocasionais ao velho mundo. As embarcações eram sua alegria e orgulho, fruto de uma existência de muitas lutas e trabalhos intensos. Quando tinha cinco anos, fora raptado no porto próximo à casa dos pais, na Virgínia, e embarcado à força em um navio mercante. Durante os anos em que trabalhou sem contrato, as memórias de seus familiares tornaram-se responsáveis pela coragem de continuar a luta. Voltara à terra de origem já rapaz-feito e tivera a tristeza de descobrir que seus pais haviam morrido de gripe. Seus irmãos foram mandados para a casa de vizinhos, onde cresceram confusos e maltratados. Embora muito jovem, jurou a si mesmo que faria o impossível para sustentá-los, sem depender dos outros. Para isso, trabalhou duro, mas também enganou, mentiu e até roubou. Aos quinze anos, ganhou o primeiro navio em um jogo de cartas. Uma escuna enferrujada, com o madeirame comido pelos carunchos e que a custo flutuava. Mas Lucas tinha a sensação de ser o rei dos mares quando ficava em pé na proa, cruzando as ondas. Aos vinte, comprou dois navios. Pouco mais tarde, tinha cinco das melhores embarcações do mercado e uma pequena propriedade nas cercanias de Jamestown que produzia tabaco de ótima qualidade. Caroline, sua irmã, transformara-se em uma jovem de rara beleza. Cuidava da casa e dos negócios na ausência dos irmãos. Nisso, primos distantes mandaram uma carta convidando-a para visitar a Inglaterra. Lucas, que nada recusava à irmã, cedeu ao desejo dela de conhecer Londres para uma temporada de bailes e festas. Confiando na proteção dos anfitriões, calculou que tomaria uma boa decisão se a deixasse viajar. Caroline retornou diferente, e a explicação não tardou a aparecer. Lucas ainda se lembrava da manhã em que uma das criadas lhe cochichou a suspeita. Durante o confronto que se seguiu, sua irmã, muito alegre, deu a notícia, mas recusou-se a revelar o nome do pai da criança. Após sua morte, Lucas passou a culpar-se. Se ao menos não a tivesse deixado visitar os parentes na Inglaterra, se houvesse viajado com ela, se a tivesse forçado a
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revelar a paternidade antes de sua morte, se... Não deixou de refletir sobre a identidade do homem que conseguiu seduzir uma moça equilibrada como Caroline. O camarada que teve a coragem de mandá-la de volta para a Virgínia depois de satisfeitos seus instintos básicos foi também um tipo de amante capaz de inspirar ardor, devoção, lealdade e silêncio durante tanto tempo. Então, descobriu que se tratava de Harold Westmoreland, cuja fama de conquistador era conhecida de longa data. Relacionava-se com belas mulheres, uma após outra, e deixava-as apaixonadas por décadas. O belo patife era um mestre na arte da sedução, e Caroline, talvez por sua inexperiência, não soube defender-se de quem atuava com astúcia e charme. Mas daquela vez Westmoreland escolheu mal a moça que arruinou. Subestimou a gravidade do pecado que cometeu. O Duque não conhecia a forte ligação familiar entre os Pendleton, nem imaginava até aonde Lucas chegaria para vingar a irmã. Ele não mediria conseqüências para fazer Westmoreland pagar caro pela desonra e pela morte de Caroline. Andando da proa à popa e vice-versa, Lucas procurava Matthew por entre a multidão que lotava o cais. Apenas no Sea Wind não havia movimento. Dera folga e dinheiro aos marinheiros que os acompanhavam desde a Virgínia. Não gostava de quietude no convés, mas não havia outro jeito. A missão teria de ser secreta. Passos soaram a suas costas, e Lucas suprimiu um sorriso ao sentir a pequena espada de brinquedo pressionada em sua cintura. Ergueu as mãos e demonstrou surpresa. — Quem está aí? — O Barba Negra — o menino respondeu, esforçando-se para soar ameaçador. — O dinheiro ou a vida! — Hum... — Lucas fingiu pensar. — E se eu não tiver dinheiro, meu pirata sanguinário? — Eu o atirarei aos tubarões! Lucas virou-se, pegou o garoto no colo e abraçou-o. — Que jovem feroz! — Ficou com medo? — Fiquei apavorado, Harry. — De verdade? — Juro. Lucas sentou o sobrinho em cima de uma barrica, emocionado como sempre acontecia quando o fitava. Amava o menino sem restrições. Era uma linda criança. Tinha olhos azuis, faces rosadas, cabelos loiros muito claros, que começavam a escurecer no alto da cabeça. Os Pendleton possuíam cabelos negros, o que fez Lucas suspeitar de que o pai de Harry fosse loiro. Suspeita confirmada. De fato, Harry parecia-se muito mais com Harold e Penélope do que com os Pendleton. Outra dedução que não lhe agradava era que Harry tivesse o temperamento do pai. Caroline sempre fora uma criatura doce. Lucas supôs que o caráter forte de Harry, sua
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determinação e a facilidade de agir como um menino mimado de alta classe deviam ser herança dos Pendleton masculinos. Para seu desgosto, a visita a Westmoreland mudou sua opinião. Harry era um representante perfeito da família poderosa e rica. Decidido e voluntarioso, encaixar-seia com perfeição no meio dos Westmoreland, sem necessidade de ajustes. E esse epílogo era, no mínimo, desalentador. Porém, Harry era um Pendleton, e como tal fora criado. Que diferença faria se tivesse alguns traços semelhantes aos dos Westmoreland? — O que esteve fazendo, meu rapaz? — Ajudando o mestre Fogarty. Lucas gostava de saber que idoso e sensato marinheiro ocupava-se com o garoto. — Como assim? — Estávamos costurando, mas ele disse que ainda preciso praticar bastante. — Costurar é uma habilidade importante para um homem do mar. — Foi o que o mestre Fogarty explicou — Harry falava com uma maturidade admirável para sua idade. Enquanto conversavam, Lucas viu Matthew aproximar-se. Teve esperança de que o irmão houvesse conseguido cumprir o combinado, depois de passarem parte da noite discutindo sobre o caso. — Tio Matt já está de volta, Harry. Os dois observaram Matthew caminhar a passos Largos, evitando as carroças que eram carregadas. O menino pulou de cima do barril e correu até a amurada, acenando, com animação. — Tio Matt! Tio Matt! A despeito do barulho, Matthew conseguiu ouvir os gritos do sobrinho. Levantou a cabeça, sorriu e retribuiu os acenos. Lucas acompanhou Harry e bateu-lhe com carinho no ombro. — Por que não desce um pouco, Harry ? Preciso conversar com Matt a sós. Tenho certeza de que o mestre Fogarty está precisando de seu precioso auxílio. — Ah, tio Luc... — Eu o chamarei assim que terminarmos. Depois iremos jantar em seu pub preferido. A promessa trouxe um sorriso ao rosto do pequeno, que sumiu pela escotilha antes de Matthew subir a prancha de embarque. Lucas gostou da expressão confiante do irmão. Conjeturou que a facilidade com que o problema começava a ser solucionado era um bom sinal. — Encontrei uma casa para nós. — Ótimo, Matt! — Acredito que servirá a nossos propósitos. — Excelente. — Não é muito longe da cidade. — Poderemos cavalgar ida e volta para completar nosso trabalho? — Isso mesmo. O lugar fica nos limites da aldeia. Perto o suficiente para ir a pé até
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o mercado, mas longe o bastante para não chamar a atenção de vizinhos bisbilhoteiros. — E as acomodações? — Eu não diria que se trata de um palácio ducal. — Matthew deu de ombros para esnobar o tipo de luxo a que o hóspede iminente estava acostumado. — Mas se prestará muito bem ao que planejamos. A casa pertence a um mercador local que está fora do país, cuidando de seu comércio exterior. — E quando ele voltará? — Dentro de alguns meses. — Está mobiliada? — Lucas procurou fazer uma idéia da morada que lhe serviria de lar por algum tempo. — Até com roupa de cama. Aposto que vai gostar. Tenho outra surpresa. — O que é? — Há um belo pátio anexo. Um pomar com macieiras que podem ser escaladas e um regato feito de encomenda para nadar... se a situação tiver de ser prolongada até o verão. — Nossa! Espero que terminemos muito antes disso. Não sei se meus nervos suportariam tantas maquinações por período tão longo. — Harry vai adorar a residência. Aquele era o ponto fraco do planejamento. Os dois passaram horas a fio estudando como lady Penélope Westmoreland poderia ajudá-los a demover o Duque, sem resolver a questão de Harry. O menino ficara confinado no navio durante semanas, ao cruzarem as águas do Atlântico Norte em pleno inverno. Depois, perambulou pelas docas londrinas, enquanto Lucas tentava encontrar-se com o Duque. Com a chegada da primavera, Harry necessitaria de um local brincar e correr antes que iniciassem a longa jornada de volta para a América. Porém, um assunto era crucial. Como manter o pequeno em segurança quando pusessem a estratégia em ação? Deixá-lo a bordo com Fogarty não era uma opção viável. Harold Westmoreland poderia descobrir sem querer o paradeiro do garoto e querer vingar-se nele pelo que estava para acontecer com lady Penélope. Por outro lado, ousariam expor Harry aos acontecimentos na casa de campo? — Deixe-me pensar até o final da semana, Matt. Depois tornaremos a discutir a respeito. — Como quiser. Quanto ao resto, já está tudo arranjado. — Ainda bem. Sinto-me mais tranqüilo. — Lucas foi até a escotilha para chamar o sobrinho. — Todos esses preparativos deixaram-me esfomeado. Vamos comer. — Grande idéia! — Matthew deu uma palmada nas costas do irmão. — Está preparado para a noite que se seguirá ao jantar? — Pode ter certeza disso. — Lucas confiava em sua habilidade no trato com as mulheres e em todos os tipos de encantos que empregava para conseguir delas o que desejava. — Minha querida Penélope não sabe o que a espera.
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Capítulo IV Lucas deteve-se por cima do muro e examinou o pátio. Nenhum guarda à vista. Westmoreland não contava com seu retorno para um ato tão diabólico como raptarlhe o bem mais precioso. Nem mesmo depois da violência com que Lucas agiu na biblioteca. A inocência, ou talvez o desdém, de Harold em julgar a determinação de um vingador era o maior trunfo de Lucas possuía para o sucesso do plano. Após alguns minutos, convencido de que não haveria surpresas, escorregou até o chão e, sem o menor ruído, contornou a sebe até perto do banco onde conhecera lady Penélope, mas não a localizou à primeira vista. Teria ela desistido de vê-lo? Foi então que a avistou, sentada, quieta, vestida de preto e com a capa de pele. O luar refletia-se nos cabelos loiros e deixava-os quase prateados. Penélope era a imagem de uma jovem à espera de seu amado. O coração de Lucas disparou. Melhor impossível. Os cabelos soltos, mal presos com uma fita preta, caíam pelos ombros até os quadris. Na certa não quisera incomodar a criada para penteá-los. Lucas sentiu um frêmito de excitação ao imaginar que ela os deixara soltos para encontrar-se com ele, o que, de certa forma, facilitaria seu objetivo. Porém, recriminou-se pela ponta de ansiedade provocada pela cabeleira maravilhosa. Para que uma avaliação masculina tão meticulosa? Aquilo de nada serviria a seu projeto. Seria preciso encarar Penélope como um objeto, uma pessoa que lhe serviria como um meio para chegar a um fim determinado: fazer justiça. Não deveria considerála como um ser humano. Entretanto, não conseguiu alterar o rumo de seus devaneios. As madeixas longas eram brilhantes e sedosas. Impossível deixar de pensar em qual seria a sensação ao acariciá-las. Imaginou passar nelas o rosto. Sentiu os dedos formigarem com a possibilidade de tocar Penélope. A perspectiva o fez cismar sobre o abandono puro e simples do esquema bem-planejado. Daria qualquer coisa para que o encontro fosse na verdade amoroso. Não havia dúvida de que Lucas Pendleton não raciocinava mais com o cérebro! Desanimado por suas fantasias carnais, esforçou-se por afastá-las e fez uma análise da loucura. Seus sentidos sempre se manifestavam quando uma bela dama cruzava seu caminho. Penélope Westmoreland era uma moça encantadora, agradável aos olhos e ao espírito. Mas era também um alvo, e assim deveria ser considerada. — Olá, minha linda Penélope. — Lucas saiu das sombras e parou a alguns passos dela. Não pretendia assustá-la. — Olá. — Penélope levantou-se e sorriu. — Desculpe-me pelo atraso. — Cheguei a crer que o senhor não viria. — Eu não perderia este encontro por nada. — A interpretação dúbia dessa frase
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com certeza não seria captada por Penélope. Lucas aproximou-se devagar até que apenas alguns centímetros os separassem. As saias dela se enroscaram nas pernas de Lucas, e a barra tocou-lhe as botas. Lady Penélope não se afastou, o que o fez supor que a proximidade a agradava. Uma atitude que ele não esperava, dado o pouco tempo de conhecimento, bem como a maneira estranha como se conheceram. Penélope mantinha-se calma e auto confiante. Lucas ficou contrariado ao comprovar que uma energia sexual abundante os rodeava. E tão forte que ele se surpreendeu por não ver centelhas chispando. Arrepiou-se. Era um homem experimentado e sabia do que se tratava: atração física quente e selvagem. Desejo absoluto e muito além de seu controle. Uma fascinação magnética e potente que o fazia reagir diante de determinada mulher e não de outra. Os sinais invisíveis emitidos por Penélope fizeram com que os sentidos de Lucas de imediato se harmonizassem com ela e o tornaram consciente de tudo o que se relacionava à presença de Penélope. O jeito como se movimentava, o espaço que ocupava, a calidez de sua pele, a maneira como se arrepiara à aproximação dele. A fragrância dela era inebriante. Um aroma natural e vigoroso, diferente de todos que já experimentara. Era uma espécie de emanação química que se poderia apreciar e distinguir, mesmo de olhos vendados e entre centenas de outras mulheres. Eram sem dúvida destinados a fazer amor. O corpo dela o atraía como um farol na escuridão. Sentia-se ansioso e pronto para tomar aquela donzela e fazê-la gemer de satisfação. Era só o que lhe faltava! Por que teria de ser daquela maneira, quando mais necessitava de sua concentração para cumprir a tarefa a que se propusera? Se houvesse percebido o fato na noite anterior, poderia ter tentado mudar o curso da ação. Tarde demais. Lady Penélope, assim como ele, tinha um papel a desempenhar. Resoluto, decidiu que não iria perder tempo, e nem mesmo tinha inclinação, envolvendo-se com o prêmio em questão. Jurou que lutaria contra aquele encantamento sexual até o último alento. O que estava em jogo não deveria ser arriscado com uma diversão frívola. Porém, se erguesse um dedo, poderia passá-lo nos lábios carnudos e rosados. A luminosidade do luar delineava o rosto belíssimo, e Lucas teve dificuldade para respirar. Por Deus, ela era magnífica! Era a jovem mais arrebatadora que já conhecera. Lucas conteve um gemido. Apesar de sua determinação, como conseguiria não experimentar o sabor das delícias que Penélope Westmoreland seria capaz de oferecerlhe? — Estou feliz porque o senhor veio. — Penélope tocou-lhe o peito com a mão espalmada. Sem refletir, Lucas beijou-lhe os dedos. — Eu também estou. — E fitou, alarmado, a profundeza daqueles olhos azuis. Penélope lembrou-se de ter se sentado no banco bem antes da meia-noite, por medo de que Lucas Pendleton chegasse mais cedo e fosse embora. Ao ouvir as doze badaladas de um relógio distante, decidiu que aguardaria a noite inteira se fosse preciso. Nem queria pensar na possibilidade de ele não comparecer ao encontro.
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Sem compreender os motivos, era como se houvesse esperado por Lucas a vida inteira. Apesar de terem trocado meia dúzia de palavras, Penélope acreditava que partilhavam do mesmo destino. De uma certa maneira era uma ligação que jamais experimentara com ninguém. Uma afinidade que lhe permitia confessar coisas importantes e segredos antes guardados a sete chaves. Além de pedir ajuda. Sem conhecê-lo, tinha certeza de que o Sr. Pendleton era bondoso, cheio de coragem e energia. Um amigo leal a quem valorizava. Jamais a desapontaria ou abandonaria. Não aceitava que o desespero era o que motivava aquele tipo de raciocínio. Tinha esperança de que o Sr. Pendleton se transformasse em uma resposta a suas preces. Ele seria um sonho realizado, a concessão de uma prece, um problema resolvido. — Não quer se acomodar? — Lucas entrelaçou os dedos nos dela. — Eu gostaria muito. — Penélope nunca ficara de mãos dadas com um cavalheiro. Era gratificante. Sentaram-se, colados dos ombros às coxas, e ela arrepiou-se outra vez. Lucas voltou-se para fitá-la, e Penélope reafirmou para si mesma que nunca vira homem mais belo. — Tenho uma confissão a lhe fazer. — O que é? — Ela sorriu. Adorava o timbre daquela voz e o calor que a invadia. — Pensei em milady o dia todo. — É mesmo? Também tenho de confessar algo. — Do que se trata? — Da mesma forma estive pensando no senhor. — O dia todo? — Bem, houve alguns segundos em que... Lucas deu uma risada. — Na realidade, sinto-me envergonhada por afirmar que o senhor não saiu de minha cabeça. — Fico contentíssimo por isso. — Sempre fui um pessoa muito equilibrada. Não sei o que aconteceu comigo. "Eu sei. Milady encontrou a afinidade existente entre nós." As sensações eram fortes, mas Lucas, experiente na arte de amar, reconhecia os impulsos desencadeados por Penélope e saberia como contê-los. Teve pena dela. Por sua ingenuidade, ficaria confusa, aborrecida, sem entender o porquê. — Espero que não tenha ficado perturbada com o que aconteceu ontem — Lucas mudou de assunto de propósito. — Não fiquei. — Encontrou-se com seu noivo hoje? — Não. Nada tinha sido programado e, mesmo que fosse o contrário, eu teria desmarcado. Sempre suspeitei que Edward fosse um sem-vergonha. Jamais o perdoarei por um comportamento tão ultrajante. Segura de si, de cabeça erguida, Penélope não parecia a mocinha imatura e mimada sobre a qual ele ouvira falar nas ruas de Londres. Apiedou-se do bêbado com
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quem estava comprometida. Ela era a imagem do pai. Determinada e orgulhosa. O velhote abjeto não tinha idéia do que iria enfrentar. — Posso fazer-lhe uma indagação de caráter particular? Se não quiser, não precisa responder. — Pergunte à vontade, Sr. Pendleton. — Como é que ficou noiva de uma criatura tão asquerosa? — É uma longa história. — Ele parece tão... — Imaginá-la com aquele patife era inquietante. — Sei que é difícil de acreditar. Sempre sonhei que me casaria com... "Alguém como o senhor." Desde criança todos a mimavam e asseguravam-lhe que teria tudo o que desejasse. Crescera esperando casar-se com o homem mais maravilhoso do mundo. Antecipara que poderia ser alguém como Lucas Pendleton. Que poderiam casar-se por dever, mas que viveriam por amor. A vida deles seria idílica e causaria inveja a todos. — ...alguém de minha geração e com o mesmo tipo de pensamentos. No entanto, meu pai não encontrou ninguém com fortuna e posição mais adequadas. Para Lucas, um americano, era difícil aceitar a importância que os ingleses davam aos status social. — O grau de aristocracia é o que mais importa para ele, não é? — Não é só isso. A riqueza e o patrimônio, devem aumentar. Papai tem vários projetos de lei no Parlamento. Edward é um conde, e será um aliado poderoso na aprovação deles. Lucas teve vontade de esmurrar qualquer coisa. O valor da filha para o Duque era imenso, e cresceria com o passar do tempo. — Apesar de todas essas vantagens, não concebo um pai entregar a filha única a um canalha daqueles. Altiva, Penélope jamais repetiria que só Edward aceitara casar-se com ela. — Acredito que nem meu pai tinha noção da verdadeira personalidade dele. Eles eram apenas conhecidos. Com a aproximação do enlace, a convivência tornou-se mais estreita e... bem, e isso tem sido terrível. De repente, a carga pareceu ainda mais pesada para seus ombros, e as lágrimas tornaram a aflorar. Mas Penélope não quis que Lucas a visse chorando de novo, e fez pressão com a ponta do dedo sob os cílios inferiores. — Não sei o que fazer. O casamento será dentro de três meses. Lucas não se conformava por ficar tão comovido com a angústia dela. Para ter sucesso com sua estratégia, os problemas pessoais de lady Westmoreland teriam de ficar de fora da equação. Consternado, admitiu que não podia permanecer impassível. Além da atração física, havia a emocional. Sentia-se muito bem em sua companhia. Mais descontraído, mais contente. A presença de Penélope acalmava sua impaciência e seus nervos. Era agradável ficar de mãos dadas e encostado nela, observando as mudanças de expressão de acordo com os tópicos. Se permanecesse muito tempo ao seu lado, acabaria agindo como um tolo apaixonado. Por mais terrível que lhe parecesse, iria ajudá-la. Vira e ouvira Edward em ação.
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Não poderia abandoná-la à sanha daquele homem repelente e de hábitos pouco recomendáveis. Apesar de pretender usar Penélope para atingir as metas, queria-a ilesa e livre. E fez uma promessa a si mesmo. Apesar de tudo, não a abandonaria à mercê das maquinações do Duque. — Já procurou uma solução alternativa? Deve haver algum parente ou amigo que a receba. Penélope fez que não. — Todos temem o poder de papai. — Talvez milady pudesse encontrar outra casa para morar. Tem algum recurso disponível? — Nem um vintém em meu nome. Já pensei em pedir a minha aia para vender algumas jóias. Todavia, a maioria das peças é muito valiosa, e receio que minhas tentativas possam ser descobertas. Nem sei o que meu pai faria se desconfiasse que pretendo fugir. Lucas viu-a estremecer e envolveu-a em seu braços. Penélope não recuou, e aconchegou-se mais. Embora tentasse convencer-se de que o abraço era de simples conforto, ele teve a nítida impressão que lhe oferecia proteção e refúgio, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Penélope pressionou o rosto no tórax largo e escutou o palpitar forte do coração. A proximidade era ao mesmo tempo branda e excitante. Podia ficar ali para o resto de seus dias. — Não permitirei que o Duque cometa uma injustiça — Lucas assegurou com tanta sinceridade que Penélope teve de crer, não obstante conhecê-lo tão pouco. — Haveremos de encontrar uma maneira de mantê-la a salvo. Ela chegou a imaginar que seu destino estaria seguro nas mãos do Sr. Pendleton. — Sei que conseguirá. A amizade entre eles fora estabelecida, assim como os laços de confiança e entendimento. Mesmo sem ter passado pelas etapas normais que levavam duas pessoas a alcançar um afeiçoamento recíproco. Não se discutiu mais nada, nem outras informações foram trocadas. Penélope teve a impressão que se conheciam havia anos. Fazia muito tempo que não encarava uma luz de esperança em seu porvir. O sorriso de Lucas iluminava um olhar sincero. Penélope decidiu que o Sr. Pendleton era um homem fenomenal, a pessoa mais extraordinária que já vira. Rezou para que ele jamais se arrependesse de ter lhe oferecido ajuda, e sem dúvida seria grata a ele até o fim da vida. Faria o que Lucas lhe pedisse, iria para onde a mandasse, executaria qualquer tarefa que fosse necessária, seria o que ele quisesse. Em resumo, faria o que estivesse a seu alcance para torná-lo muito feliz. Lucas sentiu uma mudança. Penélope o fitava com um olhar intenso, que em outra mulher seria o sinal de uma afeição profunda ou até de amor. Vindo de lady Penélope, era muito cedo para isso. Sendo assim, o que seria? De uma forma realista, deveria celebrar a surpreendente ternura de lady Penélope. Isso facilitaria manipular-lhe a ingenuidade e ganhar sua confiança. Mas nem seus motivos dúbios o impediam de alegrar-se com a possibilidade daquela inclinação afetiva
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por ele. O que era terrível. Para a concretização de seus objetivos, teria apenas de divertir-se com Penélope, e não desenvolver algum outro tipo de sentimento. Porém, nada lhe pareceu mais adorável que a maneira como aquela linda dama o fitava, como se ele fosse o homem mais corajoso e confiável que já encontrara. Talvez até o sol não se erguesse se não fosse por ordem dele. O interesse que nutria por Penélope só lhe criaria transtorno. Nem queria ponderar sobre as conseqüências de um envolvimento mais sério. Mas era impossível deixar de sentir-se um herói e um salvador diante dela, o que o agradava sobremaneira. O demônio, determinado a conduzi-lo a seu destino, instigou-o a dar o passo seguinte. Beijá-la pareceu-lhe a única opção. Ao inclinar-se para frente, teve a sensação de que era outra pessoa, um desconhecido idiota que cometia um grave erro de julgamento. E quando roçou os lábios nos dela, nada mais passou a importar a não ser Penélope. Lucas cerrou as pálpebras. Os lábios de Penélope eram macios e quentes, o hálito, doce e delicioso. Lucas só percebeu o discreto perfume floral quando estava muito próximo. O beijo foi suave, não invasivo. Nem por isso menos intenso ou menos gratificante. Ficaram imóveis. Lucas não saberia dizer quanto durara o beijo. Seus ouvidos zuniam, o coração batia forte, os dedos voltaram a formigar. E o pior de tudo: se não estivesse sentado, estava convicto de que teria cambaleado, tal a fraqueza de suas pernas. Uma carícia casta que jamais experimentara com mulher nenhuma despertara nele um erotismo inusitado. Envolveu-o uma impressão estranha de haver esbarrado em algo raro e soberbo. Como aquilo que procurara desde sempre. Estremeceu. Sentia-se a ponto de afogar, e não havia ninguém por perto para jogarlhe uma corda. Teria de controlar-se. E já, antes de cometer outros desatinos! Penélope abriu os olhos. Desde menina sonhara com esse beijo romântico. Arfava, com o pulso descompassado. A boca latejava pela energia que recebeu, e ela desejou repetir a experiência. Nada mais importava. Nem Edward, nem seu pai. Nem que a descobrissem naquele instante. Alvoroçada, arriscaria qualquer coisa para ser beijada de novo. Então, o pânico a atingiu. O olhar do Sr. Pendleton, que lhe parecera tão afetuoso, tornara-se indecifrável. O que poderia traduzir-se também por um desagrado profundo pelo que ocorrera. Penélope agradeceu às sombras que o impediam de notar que ela enrubescia. Um homem tão experiente na certa achava horrível o momento que ela classificava como o mais fabuloso que já vivera. — O que houve? — Penélope via-se como uma grande tola. Lucas se espantou. Lady Westmoreland mostrava ter a capacidade de notar que algo não estava certo com ele. — Nada — mentiu. — Estamos aqui há um bom tempo. Tenho de ir. — Tão cedo? — Ela se recriminou por não ocultar a ansiedade que sentia. — Sim. Na verdade é tarde. Quanto mais nos demorarmos, maior a possibilidade de darem por falta de milady.
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O que em absoluto preocupava Penélope. Ela só queria que o Sr. Pendleton não fosse embora. Entretanto, imitou-o ao vê-lo ficar em pé. — Precisa mesmo ir? Tenho tantas perguntas a fazer... — Eu poderia dizer o mesmo. O que acha de encontrarmos as respostas amanhã à noite? Era o mesmo que a esperança de cura para um moribundo. Não bancaria a coquete, como fora doutrinada a agir no trato com os homens. — Eu gostaria muito. A meia-noite? — A meia-noite. Lucas inclinou-se para beijá-la, mas desistiu. Se o fizesse, não seria responsável pelos resultados. Encostou os lábios na testa de Penélope e afastou-os depressa. — Até amanhã, milady. Penélope tinha prática em disfarçar emoções. Assim, não demonstrou o menor desapontamento por não ter sido beijada na boca. — Até amanhã — respondeu para o vazio, pois Lucas Pendleton sumira pela segunda vez.
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Capítulo V Harold Westmoreland, sentado atrás da imensa escrivaninha de carvalho, sentia saudade da tranqüilidade que desfrutara em sua biblioteca. Lucas Pendleton, o americano atrevido, invadira seus domínios. Não se sentia seguro em sua própria casa. Nem na biblioteca! A paz e a serenidade de seu santuário foram conspurcadas. Passou a entrar ali desconfiado, procurando por algum movimento suspeito. Tinha receio até de pegar o cálice de conhaque. Era de enlouquecer. Durante anos era ali que levava a efeito as conversas privativas ou os negócios importantes. A atmosfera pesada intimidava as pessoas e ajudava a reforçar o temor e a autoridade de sua presença. Era sempre ali que se refugiava para refletir. E o breve aparecimento de Pendleton desintegrara todo aquele poder. O Duque jamais admitiria, mas não podia afastar a sensação de que, além de seu espaço ter sido invadido, perdera o controle sobre sua propriedade e até sobre seus servos, que não tinham sido capazes de impedir a entrada de um estranho. Era odioso. Não lhe ocorria como exorcizar a presença do patife e poder voltar a usufruir o sossego de seu abrigo privilegiado. Esperava que a situação melhorasse assim que a lareira fosse consertada. A bala passara pelo retrato da Duquesa e alojara-se no reboco. O quadro fora removido. Restaram o papel de parede descorado, um buraco e marcas de pólvora. Toda vez que olhava naquela direção, podia ver a fumaça e sentir o cheiro que se originou do disparo. Apesar da limpeza criteriosa feita pelos servos, flocos brancos continuavam caindo da parede sobre o tapete e a mobília. Uma recordação constante da audácia de Pendleton. Acostumara-se a permanecer grande parte do dia naquele ambiente para raciocinar e planejar. Desde o ocorrido não pudera cumprir a mais simples das tarefas. Passava o tempo todo pensando em Pendleton, na adorável Caroline e em Harry, seu filho bastardo. Havia muito tempo não se lembrava de Caroline. Fora mais uma de suas conquistas. Mais bela e encantadora que a maioria, porém uma entre muitas. E de maneira irritante, Lucas entrou em sua vida e agora não lhe permitia esquecer nenhum dos Pendleton. Ainda mais a criança. Um menino! Mesmo sendo bastardo, como um homem suportaria a idéia de um filho crescendo nas sombras? Harold já tinha um filho legítimo, seu herdeiro. Willie era um belo rapaz, possuidor dos melhores e dos piores atributos do pai, o que o tornava um valoroso amigo ou inimigo. Vigoroso e inteligente, seria um excelente oitavo Duque de Roswell. Um outro garoto fora o maior sonho para ele, e a Duquesa nunca foi capaz de gerar mais um. Depois de tantos anos, saber que era pai de um menininho... Não tinha intenção de fazer o que Pendleton pedira, mas não podia esquecer a paternidade descoberta de maneira tão chocante. Destrancou a gaveta superior da mesa e tirou a miniatura deixada por Lucas. Era mesmo um menino muito bonito!
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Escutou passos no hall e deu um pulo, antes de reconhecer que se tratava de Penélope. Escondeu depressa o medalhão e trancou a gaveta no momento em que a filha entrou. Como sempre, ela estava bem trajada e penteada. Embora Penélope se conservasse de cabeça erguida e com as emoções camufladas, o Duque entendeu que ela sofrera uma transformação profunda. Parecia mais madura e mais sensata que uma semana atrás. Era como se não a conhecesse. A sua Penélope, egocêntrica e exigente, cuja tarefa mais extenuante era decidir, todas as manhãs, que vestido usar. Pelo fato de ela ser uma menina e de não ser a mais interessante das criaturas, nunca passara muito tempo a seu lado. Na realidade, só pensava em Penélope quando para descobrir como poderia usá-la em benefício próprio. Depois de dominá-la durante vinte anos, sabia com lidar com a filha. Ou pelo menos era o que imaginava até Pendleton aparecer. A partir daquele dia, passou a questionar tudo, até mesmo a capacidade de interagir com Penélope. Mais um crime cometido pelo embusteiro! Durante anos só se encontrou com a filha quando surgia algum assunto pertinente a ser discutido. Quase nunca conversavam. Na infância, Harold permitia a visita dela uma vez ao dia, quando lhe perguntava sobre as lições. Após crescida, as visitas continuaram a ser diárias, mas o assunto se modificou. Passou a ser sobre as perspectivas de um bom casamento. Com quem, como e quando. Era apenas sobre isso que conversavam. Harold sentia-se muito mal a respeito do terceiro noivado de Penélope. Edward Simpson era um grosseirão que o Duque não conseguia suportar. No começo, achou a diferença de idade um benefício para Penélope. Ela sempre necessitara de uma mão forte e experiente para orientá-la. Mas não podia supor que Edward fosse um bêbado detestável e repugnante. Porém, jamais deixaria Penélope perceber que ele mesmo achava a escolha horrenda. O estrago fora feito, e os contratos tinham sido assinados. A união era inevitável. Quanto antes resolvessem tudo, melhor. — O senhor queria falar comigo, meu pai? Harold não poderia tolerar o desafio presente na frase. Talvez o peso de sua autoridade no relacionamento deles estivesse mudando. Afastou a noção absurda com um menear de cabeça, atribuindo-a a outra tolice provocada pelo intruso americano. — Isso mesmo. Sente-se. Penélope obedeceu, aborrecida e petulante. Passou longos minutos arrumando a saia. — Bem, o que houve? Harold a avaliou e não pôde afastar a impressão de que era necessário vigiá-la, que ela estava para cometer algum ato ultrajante e até perigoso. Penélope o encarava com olhar tão inflexível como o dele. O Duque sempre se desesperara pelo fato de a filha não ser enérgica e sagaz como o irmão. Em uma análise mais profunda, compreendeu que Penélope herdara boa parte de sua natureza dominadora. A constatação apavorou-o. E se aquela não fosse mais a
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Penélope que moldara com tanto cuidado? Como lidar com a desconhecida diante de si? — Então? — Penélope não escondeu a contrariedade e a impaciência. Harold resolveu agir com cautela. — Sua mãe me contou sobre o cancelamento do compromisso com Edward esta noite. — Isso mesmo. — Posso perguntar por quê? — Não, não pode. A resposta incomum e inesperada confundiu o Duque. Passados alguns instantes, recompôs-se e dardejou-lhe um olhar irado que nunca falhava em conseguir obediência. — Terá de ir à soirée com ele. — Não irei. Para ser franca, Edward não terá outra vez o prazer de estar comigo. — Penélope levantou-se. — Se isso é tudo o que pretendia falar comigo, tenho coisas mais importantes para fazer. Aturdido por tamanha insolência, o Duque ergueu-se em seguida. — Não pode sair sem minha ordem! — Perdão, Vossa Graça — Penélope enfatizou o tratamento com ironia. — Descobri que não tenho estômago para agüentar mais suas diatribes. Eu pediria que não me mandasse chamar mais, pois não obedecerei a sua convocação. Com um gesto gracioso, ela foi até a porta. — Bom dia. Atônito pelo desrespeito a sua posição de pai, Duque, lorde e senhor, Harold não achou uma resposta. Ficou vermelho e seu coração disparou. Pela primeira vez em vinte anos a filha o desafiava, e ele não sabia como reagir. — E o que deverei dizer a seu noivo? — indagou irônico. Penélope deteve os passos e espiou por sobre o ombro com uma calma assustadora. — Diga-lhe que mandei minha criada comprar um pequeno punhal e o carregarei comigo para onde for. Se Edward se aproximar, não hesitarei em usar a arma. Penélope saiu em meio a um redemoinho de saias. Magnífica em sua fúria, régia no porte, uma cópia fiel do pai. Apavorado, o Duque avaliou a mudança. Quem seria aquela jovem? Pretendia ferir o noivo? Que tipo de insanidade a acometera? Penélope pretendia romper o noivado? Certo que Edward passara dos limites. Mas já estava na hora de Penélope aprender alguma coisa sobre os instintos masculinos. Sempre fizera questão de mantê-la virtuosa e, mesmo se ela achasse o desejo dos homens constrangedor, não era motivo para recusar seu dever. O matrimônio seria realizado, independente da vontade dela. Era um grande equívoco da filha achar que possuía algum poder de decisão. Harold preferia expulsá-la de casa a sofrer mais uma vergonha familiar. Respirou fundo para receber o próximo visitante. Falaria com ela mais tarde. Purdy, seu homem de confiança, entrou em seguida. Harold tratou de compor-se. O subalterno não deveria perceber que o poderoso Duque de Roswell estivera empenhado em uma discussão com a filha e que se abatera por isso.
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— O que descobriu? Purdy fora um dos mais eficazes ajudantes-de-ordens de Wellington, antes que os ferimentos o afastassem do cargo. Era discreto, confiável e persistente. Harold entregava-lhe tarefas que jamais confiaria a outro. Purdy fazia investigações com competência, obtinha informações sensíveis e pagava subornos às pessoas certas. Faria qualquer coisa de que Harold necessitasse e realizava um bom trabalho. Embora não fosse brilhante, era tenaz, qualidade muito apreciada pelo Duque. O homem abriu as anotações e começou a ler. — Lucas Pendleton é americano... — Sei disso, seu idiota. Eu mesmo lhe contei. — Bem... — Purdy resmungou, desconcertado pela reprimenda. — Ele é da Virgínia. Harold quis interrompê-lo pelo motivo anterior, mas Purdy não lhe deu tempo: — É dono de uma companhia de navegação que opera na Costa Leste dos Estados Unidos e do Caribe, com viagens ocasionais à Europa. Quatro ou cinco navios. — Uma empresa familiar? — Não. Pelo jeito ele mesmo construiu tudo com o próprio esforço. Era aquele o tipo de homem que Harold detestava. Nada mais exasperante do que um camarada que ganhou a fortuna com o suor do próprio rosto. — Então deve ter vindo para a Inglaterra em uma de suas embarcações. Se encontrassem o navio, seria fácil agarrar o americano. Pendleton teria de pagar pela afronta que cometera. — Foi o que imaginei, mas ainda não a localizamos. — Mas isso é o mais fácil! Pendleton dera-lhe três dias de prazo, e dois já haviam se esgotado. Ameaçou a família Westmoreland. O que aconteceria se Harold não fizesse o que ele exigira? Era necessário agir sem demora. Pendleton deveria ser localizado o quanto antes. O Duque nada disse a Purdy sobre os propósitos dele. Logo, Purdy não entendia a urgência da missão. Harold mostrara-lhe o buraco na parede e informou apenas que se tratava de um homem perigoso, instável e que teria de ser encontrado. — Na verdade não é, Vossa Graça. O Sr. Pendleton pode ter aportado em uma cidade distante e ter vindo a Londres de carruagem ou a cavalo. E possível que tenha conseguido ancorar na parte mais remota do Tâmisa e usado um bote para chegar a terra firme. — E se ele for idiota para usar o cais público, onde todos podem encontrá-lo? — Não é, sir. Pelo que podemos apurar, de idiota ele não tem nada. "Apenas tolo e muito corajoso." — Continue procurando, Purdy. — É o que estamos fazendo. Encontraremos o navio e o americano. — Ótimo. — Harold confiava na palavra de Purdy. — Agora conte-me o que sabe sobre o patife. — Tem trinta anos. Os pais estão mortos. Desde muito jovem, tem sido o guardião da irmã e do irmão mais novos. Parece que a irmã também é falecida. Estamos tentando confirmar o fato.
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Harold decidiu nada revelar sobre Caroline. Seus relacionamentos amorosos não eram do interesse de Purdy. Rememorou como Caroline fora adorável, bem-educada, bondosa, sincera e nem um pouco mimada. Via-se forçado a admitir que Pendleton fizera um bom trabalho. E na certa o irmão gostara muito dela. Depois de tantos anos, cruzava o oceano para tirar satisfações. Começou a catalogar as características que conhecia sobre Pendleton. Teria de entender cada detalhe para vencer o adversário. Ele parecia ter qualidades admiráveis. Era corajoso, determinado, dinâmico, leal e trabalhador. Por outro lado, impetuoso e imprudente. Assumiria uma situação de risco sem medir as conseqüências. E se Harold estivesse armado quando fora abordado por Pendleton? Se ele houvesse sido descoberto e o alarme tocado antes que pudesse fugir? Se um dos guardas estivesse com o Duque? A intrepidez de Pendleton sem visar os resultados era perturbadora. Queria avançar a despeito do perigo. Por isso Harold suspeitou que fosse uma pessoa instável que tinha pouca consideração pela própria segurança e pela dos outros. Não deixava de enfrentar uma situação, fosse ela qual fosse. Era precipitado, emoções borbulhavam, embarcava em qualquer incumbência de cunho moral que lhe parecesse correta. Em resumo, tratava-se de um antagonista de respeito, que não hesitaria diante de nada. — Quero que o encontrem até amanhã cedo. — Pode contar comigo. — Purdy fez uma reverência e saiu. Lucas observava a rua apinhada de pessoas abastadas entrando e saindo das lojas elegantes, interessado nos meninos que se esgueiravam por entre a multidão. Quando criança, nos anos em que fora forçado a servir a marinha mercante, passava grande parte do tempo nas docas, andando entre os adultos, em uma procura furtiva de ganhos extras. Embora apanhado às vezes, tornara-se um gatuno experiente. Certa ocasião, foi punido por roubar bolsas, e quase perdeu a mão. Teve sorte. Conseguiu escapar da cadeia antes de a justiça ser feita. Entendia bem de fome e de pobreza. O início de sua existência foi humilde e desesperador. Cometeu atos extremos para sobreviver, e por isso não julgava as crianças que agiam por ali. Além do mais, algumas moedas a menos não fariam falta aos ricos. Não decidira que tipo de menino escolheria para ajudá-lo no plano contra os Westmoreland. Não devia ser muito novo para não ser intimidado, nem muito velho para ser notado com facilidade. Nem tímido, nem ousado. Precisava de uma criança capaz de raciocinar por si só. Nem tinha idéia de como decidir só de olhar o garoto. Mas sabia que daria certo. Desde o começo a sorte se achava a seu lado. A dupla trabalhava em conjunto. Um dos meninos correu pela rua e deu um encontrão em uma senhora idosa que descia da carruagem. Antes de ela recuperar-se do susto, o outro apareceu para ajudá-la. Com uma das mãos, segurou-a pelo cotovelo
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e evitou que caísse. Enfiou a outra mão na bolsa e tirou objetos de valor, que passou para dentro da calça. Tudo com movimentos rápidos. O garoto era pequeno, parecia ter sete ou oito anos, mas na realidade devia ter uns doze. Os cabelos e olhos eram negros, e lembrava Lucas Pendleton naquela idade. Como estavam próximos, o pequeno ladrão podia imaginar que Lucas vira suas manobras furtivas, mas conservou a calma. E como um menino virtuoso, conduziu a dama para dentro da loja onde ela pretendia entrar. Em seguida, virou-se e sumiu no meio do povo, sem pressa e sem olhar para trás. Ao preparar-se para correr na viela, teve o desprazer de encontrar Lucas, que já examinara as várias rotas de fuga usadas pelas crianças. O instante de hesitação permitiu a Lucas agarrá-lo pelo braço. — Se não me soltar, gritarei até que alguém me socorra! — O rapazinho lutava para livrar-se. Era ágil, magro e rijo. Lucas deslocou-se para as sombras. — Pode gritar. Se alguém aparecer, contarei sobre a bolsa que roubou. Ele aumentou o esforço para escapar. — Isso poderá custar-lhe um passeio até Newgate, amiguinho. Talvez uma deportação. Não lhe parece interessante morrer de fome em um navio infestado de ratos e cujo destino é a Austrália, não é? — O que deseja de mim? — O garoto relaxou um pouco, mas Lucas não o soltou. — Tenho uma proposta a fazer-lhe. — Lucas teve a intuição de que escolhera o menino certo, pois ele estava furioso, mas não amedrontado. — O senhor errou na escolha. Continue procurando até achar um rapaz mais de acordo com seu padrão. Lucas sabia muito bem o que era morar na rua. Na certa o pequeno meliante já sofrera as piores atrocidades. — Eu já achei. — Lucas tirou do bolso uma moeda de ouro. — E posso pagar... — Não quero dinheiro de pervertidos! — O garoto cuspiu no chão. Lucas suspirou, sentindo-se um tolo. — Não é o que está pensando. Tenho um negócio secreto e quero contratá-lo para uma tarefa. — Ah, sei! — o larápio mirim zombou. — Estou à procura de alguém que seja corajoso e esperto. — Esperou os elogios fazerem efeito. — Também deve ser duro e leal. Eu o observei em ação e entendi que se tratava da pessoa certa. Mas se não estiver interessado... Lucas deu de ombros, soltou o ladrãozinho e apontou para a saída do beco escuro, como se não lhe importasse a decisão dele. O pequeno recuou alguns passos e tornou a fitar a moeda de ouro na mão de Lucas. — De quanto dinheiro estamos falando? O menino fora fisgado. Era difícil resistir ao ganho fácil. — Uma boa quantia, e o trabalho será simples. — O que terei de fazer? — Levar uma carta até a casa de um cavalheiro rico e depois sair correndo. Não
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pode ser apanhado em hipótese nenhuma. — Por quê? — O homem vai querer saber onde me encontro e poderá usar de meios drásticos para fazê-lo confessar. — Eu jamais diria nada, mesmo sob ameaça. — Já imaginava, por isso o preferi. A criança endireitou-se, orgulhosa. Jamais fora escolhida para coisa nenhuma. — Quanto o senhor quer pagar? — Vinte libras. — Era uma fortuna para as condições do menino. — Serão duas ou três entregas. Talvez mais. Não sei bem. — Lucas atirou a moeda nas mãos dele. — Como saberei se o senhor está falando a verdade e que não se trata de uma armadilha? — Conhece a taverna Cabeça de Porco? — Lá nas docas? — É. Vá até lá e pergunte por mim a uma garçonete chamada Peg. Se achar que vale a pena, encontre-me aqui ao meio-dia. Eu lhe direi o que fazer. — Quanto vai demorar isso? — Alguns dias. — Dependia do tempo que o Duque levasse para capitular. — Uma semana no máximo. — E se eu não voltar? — Terei de achar outro que esteja precisando de dinheiro. Como é seu nome? — Paulie. — Quero o verdadeiro. — Paulie. E o seu? — Lucas Pendleton. Vá pedir informações a Peg. — E retornou à rua principal. Só olhou para trás depois de garantir que Paulie sumira.
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Capítulo VI De costas para o banco do jardim, Penélope escutava, atenta. Pelo barulho das folhas, entendeu que o Sr. Pendleton chegava. Podia sentir-lhe a presença, mesmo sem se voltar. Apesar de conhecê-lo havia apenas dois dias, era capaz imaginar como se movia, qual sua fragrância ou o tom de sua voz. Lucas Pendleton invadira sua vida, seus pensamentos e sonhos. Não podia comer, dormir ou raciocinar sem senti-lo a seu lado. Sorriu e virou-se. Seu coração bateu mais forte. Ali estava ele, alto, ereto e ainda mais bonito do que lhe parecera antes. — Olá, Sr. Pendleton. Os olhos negros brilharam com uma emoção que Penélope não saberia descrever. Era como se a acariciasse e a desejasse... Muito. — Como vai, minha bela Penélope? Por favor, apenas Lucas. — Está bem. Ela adiantou-se e experimentou o aroma de sabão da pele exposta ao ar frio noturno, de cavalo, de fumo e de uísque. Além de um perfume almiscarado e primitivo que a atraía. Ansiava tocar e ser tocada. Nunca tivera uma reação física diante de um homem, por isso não sabia como comportar-se. Estendeu uma das mãos. Lucas observou-a. Depois de reconhecer a atração que sentia por Penélope, passara o dia todo tentando convencer-se de que poderia resistir à força natural que os aproximava. Era um homem experiente, e ela, uma donzela ingênua que poderia ser conduzida pelos arroubos de uma paixão. Os planos que fizera não deveriam incluir nada além de um relacionamento superficial. Se tanto. A despeito de não desejar mal a lady Penélope, teria de prosseguir no caminho traçado, sem se importar com sentimentos. Dele ou dela. No entanto, quando Penélope chegou perto, as boas intenções se foram. Lucas segurou-lhe os dedos, abraçou-a e passou a mão por baixo da capa, segurando-a pela cintura. Conteve o ímpeto de acariciar-lhe os seios e os quadris, e conservou uma distância prudente entre ambos, embora ansiasse por apertá-la de encontro não só ao peito. Aquele era um jogo perigoso que apelava para seus instintos animais. A pulsação acelerou, o sangue disparou nas veias e concentrou-se na virilha. A excitação violenta estarreceu-o. Inclinou-se depressa e beijou-a na testa, como fizera na véspera. Penélope foi envolvida pela altura e pelo calor de Lucas. As carícias dele causaram uma frio estranho que se irradiava do estômago para o corpo inteiro. Um arrepio interior enfraqueceu-a, aqueceu sua feminilidade, deixou os seios intumescidos e os mamilos rijos. Teve consciência de ser mulher e sedutora. Sem conseguir respirar, ergueu o rosto e recebeu um beijo na testa. Agarrou a frente da camisa dele e ficou na ponta dos pés. — Beije-me — ordenou, com suavidade. Era com o que vinha sonhando horas a fio.
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— Penélope... — Lucas tornou a oscular-lhe a testa. — Não posso. — Pode, sim! Penélope ergueu-se mais um pouco, disposta a beijá-lo de qualquer maneira. Encostou os lábios nos dele. Ele considerou que a cena era, no mínimo, hilariante. Lucas Pendleton, que se imaginava um grande conquistador, em um jardim escuro, sozinho com a moça mais bela que já vira, lutando para manter-se impassível. E Penélope mostrava-se mais do que receptiva e ansiosa para aprender tudo o que estivesse disposto a ensinar-lhe. Se pudesse, ele a afugentaria. Era incompreensível. Ridículo mesmo. Nisso, Penélope roçou a boca na dele, e foi maravilhoso. Lucas nem mesmo tentou resistir. Ela era extraordinária. Desde sua infância tormentosa, jurara não negar para si nada do que desejasse. E ele ansiava por Penélope Westmoreland com uma intensidade jamais experimentada. Com o pouco da lógica que lhe restava, refletiu que seria apenas mais uma iniqüidade entre as muitas que preparava para ela. Pretendia ganhar-lhe a amizade, os favores e a lealdade, com os propósitos mais nefastos e ultrajantes, visando os próprios benefícios. Ele a confundiria, desprezaria sua paixão, abusaria de sua confiança. Ao término do trajeto, Penélope o odiaria e amaldiçoaria o dia em que se conheceram. Um pequeno beijo representava um pecado menor dentro do contexto. Lucas aproximou-a, e Penélope ficou pressionada nele da boca até as coxas. A intensidade do contato foi surpreendente. Nunca lhe acontecera algo parecido. Estava excitado a ponto de sentir angústia, e teve de controlar-se. Penélope era virgem e quase fora estuprada duas noites atrás por um homem embriagado. Não teria cabimento fazêla enfrentar uma situação semelhante. Era imprescindível conter-se, Lucas advertiu-se. Assim, passou os braços por fora da capa, com esperança de que a pele suntuosa da zibelina servisse como barreira. Ledo engano. Imaginou como seria deitar-se com Penélope nua sobre aquele manto e apreciar o contraste da tez alabastrina com a negra. Antes de cometer um ato do qual fosse arrepender-se, Lucas entrelaçou os dedos por trás de Penélope. Aterrorizava-o imaginar até onde poderia chegar o nível daquela atração. Deixou escapar um gemido quando ela mordiscou-lhe o lábio inferior. Baixou a cabeça para beijar-lhe o pescoço. Encontrou a nuca e o ombro sedosos. Gemeu mais uma vez. — O que foi, Lucas? Não está bem? — Estou, mas temos de parar. — Eu não quero. — É preciso. Mesmo no escuro, ele pôde enxergar a boca carnuda e úmida. Penélope mirava-o com grande afetividade, e a parede de gelo que ele erguera contra emoções derretia-se em seu peito. O olhar terno levou-o de volta aos tempos de menino, quando corava diante da perspectiva de cometer alguma insanidade. Respirou fundo e procurou acalmar-se.
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— Penélope, se não pararmos agora, não poderemos refrear mais nossos atos. Ela escutara as explicações de Colette sobre o desenrolar do amor entre homens e mulheres, e a prática não lhe pareceu diferente. A rigidez de Lucas encontrava a maciez dela. O tórax largo apertava-lhe o busto farto. Lucas a desejava, e sua masculinidade comprimia-lhe o ventre, o que a deixou agitada e imprudente. Seria capaz de fazer qualquer loucura. Sentia contrações nas entranhas, o coração disparado e uma quentura intensa. Não queria ver terminado aquele momento glorioso. — Não me importo, Lucas. Quero saber como é... com você. A sinceridade dela era singular e comovente. — Eu sei. Mas quero crer que não saiba o alcance do que está dizendo. — Entendo muito bem — Penélope insistiu. — Não sou tão bobinha quanto pensa. Conquanto não houvesse vivenciado os ensinamentos da criada, atinava com o que sucederia, se seguissem avante. Imersa em um mar de ansiedade, desejava Lucas Pendleton. Colette dissera que isso aconteceria na hora certa e com o homem certo. — Não duvido, mas também sei que não tem nenhuma experiência, e talvez não consiga discernir as conseqüências. Milady oferece-me um presente generoso que não posso aceitar. Ainda mais aqui, em um banco frio do jardim da casa de seu pai. Lucas suspirou e passou as costas de dois dedos no rosto dela. — Sua primeira vez tem de ser especial, com uma cama larga e um colchão macio. Lençóis perfumados e luz de velas. Nada de atos rápidos no escuro com as saias levantadas e grama nos cabelos. — Lucas segurou uma madeixa loira e aspirou-lhe a fragrância. Mesmo imaginando o cenário que ele descrevia, Penélope não resistiu a um pouco de coquetismo. — Eu não me importaria com algumas folhinhas em meus cabelos. A risada quente e profunda de Lucas deixou Penélope ainda mais alvoroçada. — Venha sentar-se um pouco. — Está bem. — Penélope concordaria com qualquer coisa que ele lhe pedisse. Assim mesmo, resistiu quando Lucas acenou para que ocupasse o espaço a seu lado. "Não aja com timidez", Colette a avisara havia pouco. "Mostre-lhe que não tem medo. Permita que ele ouse até o ponto em que deixá-la se torne insuportável." Penélope resolveu sentar-se no colo de Lucas, um ato inimaginável uma semana atrás. Contudo, desde que o conhecera, tornara-se uma pessoa diferente. Ninguém naquela mansão sabia mais como tratá-la. Os servos murmuravam e evitavam abordála. Os pais trocavam olhares furtivos, tentando entender o que lhe acontecera e sem coragem de perguntar. Se o fizessem, Penélope teria dito que já não era uma jovem submissa, mas uma mulher dona de sua vontade. Pretendia fazer bom uso do suprimento de intrepidez adquirido no encontro inesperado com Lucas Pendleton. Enxergava com clareza o que queria e estava disposta a alcançar seus propósitos. Colette escolhera um vestido escuro, simples, com decote mais baixo que o usual e com poucas anáguas. Penélope ergueu a barra e ajeitou-se com as pernas abertas
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sobre as coxas de Lucas, em seguida cobrindo ambos com a capa de peles. — Essa não foi uma boa idéia — Lucas afirmou, quando Penélope abraçou-o pelo pescoço. Ao respirar, ela roçava os mamilos no peito dele, e Lucas percebeu, surpreso, que ela não usava espartilho. Entre os dois, apenas uma camada fina de tecido. Lucas, atormentado, teve a noção exata do formato e do tamanho do busto generoso. Os mamilos túrgidos imploravam por atenção. As pernas relaxadas permitiam que sua feminilidade adejasse sobre a virilha, causando uma reação fora do comum. Foi preciso uma enorme força de vontade para Lucas não tomá-la naquele instante, sem se importar com mais nada. — Aliás, uma idéia péssima. — Acha mesmo? — Penélope arregalou os olhos. — Tenho certeza. — Está tão gostoso... Além disso, a noite fria torna mais prazeroso o aconchego. — Ela se moveu e, com os seios firmes, desenhou dois círculos no tórax dele. Aquilo não o agradou nem um pouco. — Precisamos conversar e... — Mas é o que estamos fazendo. — O tom rouco veio impregnado de promessas. Lucas decidira não beijar aquela boca a poucos centímetros da sua. Nisso, Penélope umedeceu o lábio inferior, como se fosse uma amante experimentada. Ela se divertia muito, apesar dos conselhos de Colette não terem atingido por inteiro os objetivos. A aia lhe dissera que era indispensável ficar no colo de um homem para conquistá-lo. Penélope se colara nele do tronco até as coxas, sem conseguir a participação de Lucas. Para atingir a meta a que se propusera, teria de deixá-lo apaixonado a ponto de atender-lhe qualquer pedido sem hesitar. Ansiosa para obter sucesso, abriu o fecho da capa. Lucas procurava uma maneira de voltar a conversa para um terreno mais firme, quando Penélope abriu o agasalho e ele cometeu o grave erro de olhar. O vestido saíra do lugar, e um seio estava quase todo à mostra. Quando ela se inclinou, ambos balançaram diante dos olhos cúpidos de Lucas. Os mamilos pressionavam o decote para sair. Um ligeiro puxão e eles ficariam livres. Era só um movimento, e Lucas poderia julgar-lhes o peso, sentir-lhes o formato, manipular os botões róseos e eretos, acariciar o vale aveludado, passar a língua... "Este é meu castigo por todas as maldades que irei causar-lhe", pensou. — Algo errado? — Não — Lucas mentiu. — Por que a pergunta? — Tive a impressão de ver sofrimento em seu olhar. — Penélope desamarrou a fita que prendia os cabelos dele e passou os dedos por entre as mechas negras. — Eu não... Lucas não conseguiu terminar a frase, embriagado pelo deleite de ter a cabeleira acariciada por Penélope. Achou dificuldade em lembrar-se dos próprios desígnios. Afinal, era apenas um pobre ser humano. Tornou-se necessário reagir. Primeiro passo: tirar Penélope do colo.
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Lucas se pôs de pé. Por causa das saias enroladas nas pernas dela, ele tocou a pele nua, renda, roupa íntima de seda e liga de babados. Com a palma da mãos na coxa exposta, não resistiu à vontade de circular ali a ponta dos dedos. — Oh, Senhor... — O que foi, Lucas? Uma candura exagerada, na opinião dele. O que deixara escapar? Quem estaria usando quem? — Diga-me por que veio procurar meu pai — Penélope pediu, entre gemidos suaves de prazer. — Seu pai? — Lucas engasgou. — Ah, sim, temos negócios a tratar. O Duque... me deve dinheiro. Tinha de tirá-la de cima de suas pernas de qualquer maneira! Antes que acontecesse o inevitável e ambos viessem a lamentar o erro. Mas seu cérebro não lhe obedeceu. Passou a acariciar-lhe as coxas com as duas mãos. Os dedos calosos raspavam a renda cara. — E verdade que tentou matar o Duque? — Não, Penélope. Pretendia apenas atingir um alvo. — Conseguir a atenção dele? — Penélope contorceu-se quando Lucas afagou-lhe uma parte mais sensível. — É... — Isso pode ser difícil. — Fala por experiência própria? — Creio que sim. — Penélope massageou-lhe o pescoço e os ombros. — Mas acabei descobrindo uma maneira de deixá-lo atento. — Como assim? — Lucas não saberia dizer se gostava mais das mãos dela nos cabelos ou nos ombros. — Disse a meu pai que não me casaria com Edward e que se visse o canalha outra vez, seria capaz de matá-lo... — Penélope arqueou as sobrancelhas com brejeirice — ...com minha faca. — Bravo, minha linda dama! De todas as histórias que ouvira sobre Penélope, nenhuma mencionara sua determinação. Na certa ela escondera essa característica que, uma vez desperta, deveria embasbacar os que a circundavam. — E o que o Duque respondeu? Penélope ficou imóvel. Era o momento de arriscar tudo, de tomar o que mais precisava no mundo. Só lhe interessava a vitória. — Que remarcaria a data do casamento. Apesar do que Edward fez ou de meus sentimentos a respeito, papai foi categórico. É muito tarde para retroceder. Será suprimida a ostentação que faria do enlace um grande evento social. Haverá apenas uma cerimônia íntima, sem festa, nem baile. O matrimônio será realizado em três semanas. Se Westmoreland fazia tanta questão de casar a filha, o valor de Penélope aumentava muito. O primeiro impulso de Lucas, o de alegrar-se por ter dado mais um passo rumo ao sucesso, foi descartado. Sacudiu a cabeça, sem conseguir crer na
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existência de um pai tão cruel. Naquele caso, qual a esperança de que reconhecesse Harry? — Que rematado absurdo! — Não posso aceitar o enlace, Lucas. Não posso. — Está coberta de razão. Não deixarei que o Duque faça uma coisa dessas com a filha. Ele considerou que passara a ter dois filhos de Harold Westmoreland a seus cuidados. Jamais abandonaria Penélope ao destino que o Duque planejara para ela. Quanto mais tempo passava na companhia de Penélope, mais se convencia de que o melhor caminho seria raptá-la e mantê-la em segurança longe das garras do pai. A revelação surpreendente teve o efeito abençoado de abafar a volúpia que o atormentava. Segurou Penélope pela cintura, sentou-a no banco de pedra, ajoelhou-se diante dela e segurou-lhe as mãos. — Milady viria comigo? Entendo que mal me conhece, que passamos pouco tempo juntos, mas lhe garanto que sou um homem honrado. — Lucas rangeu os dentes diante da imagem falsa que passava de si mesmo. — Não sou rico como seu pai, mas possuo recursos que me permitem ter um bom padrão de vida. Possuo uma bela casa, minha frota mercante garante uma renda substancial e... — Sim — interrompeu-o, emocionada. Embora houvesse Penélope vindo ao encontro com essa idéia fixa, a proposta de Lucas trouxe-lhe grande alívio. A esperança de um futuro melhor voltava a acenar-lhe. — Eu partirei consigo. — Teremos de ir logo. — Agora? — Esta noite não. — Lucas não podia explicar que havia muitos preparativos para serem concluídos. — Amanhã? — Seria melhor. Os pensamentos zuniam na mente de Penélope. Seria preciso enumerar os arranjos ocultos que teria de fazer. — Estarei pronta a partir das dez. — Penélope sentiu-se na obrigação de prevenir Lucas, mesmo sob o risco de intimidá-lo. — Papai sairá a minha procura. — Não tenho dúvida a respeito. — Poderemos correr perigo. — Deixe essa preocupação a meu encargo. Penélope ficou mais tranqüila ao comprovar que Lucas não receava o Duque. Nem sua autoridade e seu poder. — Para onde iremos? Como estaremos seguros? — Nós nos casaremos. O mais rápido possível — Lucas anunciou a mentira que daria suporte ao esquema. Sozinho em seu navio, planejando os menores detalhes, pensara naquele momento. Convencera-se de que seria fácil pronunciar a falsa promessa. Entretanto, sentia-se um verme, e dos mais execráveis. Penélope fitava-o com o coração nos olhos, e Lucas concluiu que ele não passava
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de um miserável. Quando tudo aquilo terminasse, ela jamais o perdoaria. — Uma vez casados, o Duque não poderá causar-nos nenhum mal. No entanto, quero que reflita um pouco, milady. Sua vida será diferente. Não tenho a riqueza, nem os relacionamentos de sua família. Teremos uma casa confortável, um bom padrão, mas nada que se compare a... Ele mirou a mansão escura, onde apenas uma lamparina se achava acesa em um dos aposentos superiores. Por um instante, desejou poder trazer de volta tudo o que ela perderia. Após a fuga, nenhum aristocrata haveria de desposá-la. Sua consciência apunhalava-o sem piedade, mas disse a si mesmo que precisava vingar Caroline e Harry! — Claro que nos casaremos. — Para Penélope, Lucas era a pessoa mais formidável que já conhecera. — Não necessito das futilidades mundanas para ser feliz. Na verdade, a casa de meu pai é um lugar solitário. — Quando entender o que está deixando... "E também o que ganharei", ela pensou. — Eu lhe prometo, Lucas Pendleton, que serei uma esposa digna. A promessa de Penélope era espontânea, firme e sincera. Lucas limitou-se a concordar com um aceno de cabeça. Daria tudo no mundo para assumir um compromisso semelhante, mas já dissera mentiras suficientes por uma noite. Levantou-se e puxou Penélope. — Agora terei de ir. — Tão cedo? — Sim. Ele passaria o resto da noite imprecando contra si mesmo por ser um espécime tão abjeto. A extensão do sofrimento que causaria àquela pobre jovem indefesa suplantava qualquer imaginação decente. Tinha de ficar sozinho para avaliar o tamanho de sua loucura. — Precisamos ser cuidadosos, milady. Se for apanhada aqui fora hoje, não conseguirá fugir amanhã. — Tem razão. E a que horas nos encontraremos? — À meia-noite, no portão dos fundos, próximo das cavalariças. Uma carruagem estará a nossa espera. Traga apenas uma pequena valise. Mais tarde compraremos o que for necessário. — Combinado Mal posso esperar! — Também estou ansioso. — Lucas beijou-a de leve nos lábios, escalou o muro e sumiu na escuridão. — Serei uma ótima esposa — Penélope tornou a prometer para o vazio. Excitada pela liberdade tão próxima, teve de fazer um esforço hercúleo para não gritar de alegria. Retornou à mansão falando sozinha.
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Capítulo VII Naquela tarde fria e úmida, Paulie esperava nas sombras, em frente ao exclusivo clube masculino. Alerta, paciente, não perdia de vista as carruagens que chegavam. Diante da porta, os cavalariços ajudavam os cavalheiros a desembarcar ou a subir nos veículos. Aquela hora do dia, os associados passavam para tomar um drinque, ler o jornal ou apenas tagarelar. Fazia duas horas que Paulie observava o entra-e-sai das pessoas. Foi então que viu o coche luxuoso puxado por um grupo de quatro cavalos brancos e conduzido por um cocheiro vestido de verde e dourado. Era o veículo do Duque de Roswell. O momento chegara. Sabia exatamente como agir. Avaliou as roupas novas que Lucas lhe comprara. O traje, mais o banho que tivera de suportar, fizeram dele outro garoto. Parecia um aprendiz ou um balconista. Ninguém o olharia duas vezes. Esperou mais alguns minutos até o Duque aparecer. Ao ver o homem de cabelos brilhantes, a vestimenta caríssima e o grande anel de ouro, seus dedos formigaram ao imaginar a fortuna que o nobre traria nos bolsos. Entretanto, prometera a Lucas comportar-se. E Lucas era o único adulto que lhe parecera capaz e eficiente. Em pouco tempo, conquistara sua admiração e seu respeito. Portanto, nem pensar em faltar-lhe com a promessa. O Duque saiu do clube na companhia de outro homem. Esse era calvo, obeso, mais velho e também envergava os adornos custosos característicos de quem possuía autoridade e riqueza. Os nobres olharam o céu e as poças da rua. O Duque disse qualquer coisa aos servos. Um deles aproximou-se com um pequeno dossel seguro no alto, e os dois homens caminharam sob aquela proteção, até a carruagem do Duque. Um dos cavalariços abriu a portinhola e baixou a escada. Naquele instante, Paulie aproximou-se. — Tenho uma mensagem de Lucas Pendleton. — O menino atirou a carta aos pés do Duque. O poderoso aristocrata virou-se e fuzilou Paulie com o olhar. — Saia daí, garoto! — um dos servos gritou, com o braço erguido para uma bofetada. — Que ousadia, falar assim com seus superiores! Paulie nem piscou. Aprendeu, a duras penas, que distância lhe garantia ficar fora do alcance. Harold fez um gesto brusco e interrompeu a tentativa de agressão. Fitou o envelope, como se o papel fosse uma cobra pronta para o bote e apontou a carta com o dedo enluvado. Um dos cavalariços apressou-se a apanhá-la do chão e entregou-a ao Duque, que abriu o envelope e leu a mensagem. Paulie morria de vontade de saber o que estava escrito, mas nem adiantaria espiar. Não sabia ler nem seu próprio nome. Mas deduziu que Lucas atingira o alvo. O Duque ficou vermelho ao reler a missiva e veio em direção de Paulie. O olhar maldoso não
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incomodou o garoto. Os adultos, com exceção de Lucas, nunca o fitaram de maneira diferente. Por isso mesmo, Paulie queria completar a tarefa com sucesso. O capitão Pendleton haveria de adorar. Se fosse mais experiente e mais velho, teria sabido que Lucas Pendleton era o tipo de homem que meninos perdidos sonhariam em ter como pai. Como nunca tivera pai, e nem mesmo um tio, não podia identificar aquele desejo oculto. Importava-lhe apenas que Lucas o escolhera, e por isso merecia o maior empenho na execução da tarefa pedida. — O que mais deseja, pirralho? Paulie impressionou-se com a estatura do Duque. — O Sr. Pendleton disse para eu lhe entregar essa mensagem e também para eu lhe perguntar se havia uma resposta — falou. — Pois eu tenho uma réplica! — gritou, ameaçador. — Pode falar. Tenho boa memória. Não esquecerei uma só palavra. Esperto, Paulie recuou. Não teve medo. Era muito ágil. Até eles levantarem as mãos rechonchudas e cheias de anéis, sumiria nos becos londrinos, e os nobres nunca mais o veriam. — Agora, se Milorde não tem nada para dizer, eu também darei o recado a ele. — O Sr. Pendleton pretende que eu converse em público com a ralé? — Quer dizer que não tem resposta? Nesse caso, ele pediu para lembrá-lo de que prosseguirá com os planos. Esse é o único aviso que Milorde receberá. — Ora vejam! — Chocado, um dos serviçais ameaçou Paulie. O Duque o deteve. — Seu filhote de cão sarnento! Acha mesmo que pode ameaçar-me impunemente? O homem mais velho adiantou-se, endireitando a renda dos punhos. — Quem é esse rufião mirim, Harold? — Não é ninguém. — É o que o senhor pensa, seu velho bastardo — Paulie murmurou, com o nariz empinado. Os servos arregalaram os olhos, espantados. Não queriam acreditar no que presenciavam. — É sua última chance de responder. Paulie percebeu o Duque endereçar um aceno de cabeça para os vassalos e saiu correndo, antes que o agarrassem. Meteu-se por entre as vielas que conhecia bem e sumiu, escutando os gritos. Olhou por sobre o ombro e depois para frente. O segundo de distração o fez colidir com duas mulheres que saíam de uma loja, e os pacotes delas esparramaram-se no chão. Com o impacto, Paulie caiu e bateu a cabeça nas pedras. Foi tempo suficiente para que três homens o apanhassem. Um agarrou-o pela perna e o outro pelo braço. Paulie debateu-se, e o terceiro procurou alcançar-lhe o pescoço. Paulie mordeu-o. O camarada gemeu, surpreso, deu um soco no rosto do menino, e ele tornou a cair. — Parem com isso! — uma das mulheres indignou-se. — Afaste-se, senhorita! — o homem gritou. Para espanto de Paulie, a dama protegeu-o do ataque e enfrentou os asseclas do
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Duque. De onde estava deitado, o menino só distinguiu o tecido caro da saia. A desconhecida inclinou-se e fitou-o com compaixão. As gotículas de chuva nos cabelos loiros brilhavam como minúsculos diamantes, e os olhos cor de safira deram a Paulie a idéia de que se tratava de uma princesa de contos de fada. Apaixonou-se de imediato. — Você está bem, menino? Paulie anuiu, apesar do zumbido nos ouvidos, da dor na cabeça e das pontadas no tornozelo. Sentou-se, usando o cotovelo como suporte. — Três adultos — ela os repreendeu — contra um garoto! Deveriam envergonharse de si mesmos! Espere... — Estreitou os olhos e fitou o libré de um deles. — O senhor é John, o cocheiro! E trabalha para meu pai! Por que está brigando com uma criança no meio da rua?! O olhar irado que ela dirigiu ao homem o fez tirar o chapéu. — Perdão, lady Penélope. — Juro que o Duque saberá disso! — E voltou a atenção para Paulie. A outra mulher, uma morena, ajudou-o a ficar em pé. — Vamos — Penélope falou com a outra, que tirava a terra da calça de Paulie. A morena respondeu em francês, e Paulie não entendeu uma só palavra. Mas a bondade expressa no tom de voz fez com que se apaixonasse por ela também. A princesa de contos de fada deu-lhe uma moeda, e um dos homens pigarreou. — Sua Graça, o Duque, quer que peguemos o garoto, milady. — Que pena! Ele já está indo embora. Paulie suspirou, aliviado, mas naquele instante a carruagem suntuosa de duas parelhas virou a esquina e parou. Harold desceu, com toda a pompa devida a alguém tão rico e poderoso. Parecia mais o Príncipe Regente. Os transeuntes detinham os passos para cochichar a identidade do nobre cavalheiro. — Eu não fiz nada — Paulie sussurrou às costas de lady Penélope. — Sei disso. Não tenha medo. São uns fanfarrões. Não deixarei que o machuquem. — Nós o pegamos, sir. — Bom trabalho. — Mas o Duque e parou de repente, ao reconhecer a filha na frente do atrevido. Harold ficou de novo vermelho de cólera. Só lhe faltava essa! Como se não bastasse ter de agüentar aquele americano e o fedelho que o desacatara em frente do clube! E na presença de Edward Simpson e de um batalhão de servos! Nunca vira Penélope tão decidida e com expressão tão mortífera. — O que está fazendo no meio dessa confusão? — o Duque rosnou. — Eu estava parada, quando seus homens começaram a bater no pobrezinho diante de uma porção de testemunhas. Francamente, meu pai, como pôde permitir uma coisa dessas?! "O que aconteceu com Penélope que me desafia a todo momento?!" — Chega! — Recusava-se a discutir com ela, estando rodeados de curiosos. — Eles bateram no garoto! Veja o rosto dele! — Penélope afastou-se para que o Duque visse. — E disseram que estavam agindo sob suas ordens! "O meliante teve o que mereceu." — Bem, talvez tenham agido com rudeza excessiva.
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— O que o senhor quer com uma criança? Ele não pode ter lhe feito nenhum mal. Pelo ajuntamento que não parava de crescer, Harold teve certeza de que Londres inteira saberia do ocorrido em menos de uma hora. Fitou o projeto de gente, que não demonstrava nenhum receio. Talvez já houvesse sofrido tanto que nada mais o amedrontava. — Acho que houve algum engano. Esse aí não me interessa — desdenhou. — Viram? — Penélope anunciou a decisão feliz para a multidão. — Eu não disse? Qual seu nome, menino? — Paulie, senhorita. — Pode ir embora. — Penélope brindou-o com o sorriso mais lindo que ele já vira e uma piscadela. — E se for esperto, não se demore. — Não se preocupe. Paulie apressou-se, mas o Duque deteve-o pelo braço e apertou-lhe com força o ombro. — Diga a seu Sr. Pendleton que tenho um laço preparado para ele. Bem antes do que possa imaginar, estará balançando na ponta da verga de um daqueles navios que ele ama tanto. — Bem, para isso terá de achá-lo primeiro, não é? — Paulie desvencilhou-se e desapareceu num segundo. Harold endireitou-se. Ciente dos olhares raivosos dos circundantes, tratou de acabar logo com o espetáculo. — Entre na carruagem, Penélope. Vamos para casa. Edward espiou pela janela. — Harold, conseguiu apanhar o pequeno patife? "Mas que inferno!", o Duque blasfemou. Até a voz de Edward o irritava. Penélope deu a volta no veículo e deteve-se ao ver Edward. Ergueu a cabeça e encarou o pai, à espera de explicações. Harold nunca se preocupara em saber se a filha gostava dele ou não. E pela primeira vez teve a noção exata dos sentimentos dela. Penélope odiava o próprio pai! A revelação chocante deixou o Duque perturbado. — Vim com meu coche. E, mesmo se assim não fosse, preferiria ir embora a pé a ter de acompanhá-lo. — Penélope afastou-se sem uma palavra de despedida. Deixou-o sozinho com o asqueroso futuro genro. O Duque subiu depressa no veículo. Não queria mais ser humilhado ante toda aquela gente. — Aquela não era Penélope? — Edward esforçou-se para enxergar. — Não era — Harold mentiu, bateu no teto, e os cavalos arrancaram para a frente. Lucas olhou pela janela da casa que Matthew alugara para servir de esconderijo. Harry subira em uma das macieiras, e Lucas alegrou-se por vê-lo brincar. O menino adorara poder sair do navio onde haviam permanecido por muito tempo no mar e nas docas inglesas. Usava todo o tempo disponível para queimar as energias acumuladas. Após muito confabular, os irmãos resolveram trazer o sobrinho. Embora confiassem em seus homens, não podiam prever o que Harold Westmoreland preparava para eles. Além disso, Lucas precisava de toda a atenção concentrada no plano, e as preocupações com Harry acabariam por distraí-lo.
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Penélope ficaria surpresa de encontrar um garoto morando com eles, mas Lucas queria contar-lhe parte da verdade. Harry era seu sobrinho, filho de sua falecida irmã e considerado como seu próprio filho. Seria um ponto positivo. Harry funcionaria como uma espécie de amortização contra o desdém de Penélope, depois que tudo terminasse. Ela se afeiçoaria ao pequeno, e Lucas esperava que essa ternura a fizesse pelo menos entender por que fora obrigado a cometer atos tão terríveis. Mesmo sem perdoálo. Matthew entrou na cozinha, vindo do quintal. — O garoto está se portando muito bem. — Harry é um bom menino. Este lugar foi uma escolha excelente, Matt. — Foi o que pensei assim que o vi. Simples. Limpo. Perto da capital. Isolado. Perfeito. — Tem certeza de que conseguirá mantê-la aqui pelo período que for necessário, Luc? E feliz? Isto é muito diferente do que está acostumada. Haviam conversado muito sobre a possibilidade de Penélope não se adaptar e querer partir. Seria diferente se estivessem na Virgínia, na residência à beira do rio, rodeados por um batalhão de criados, campos de tabaco e estábulos. Além de uma vida social intensa e adequada à pequena burguesia. Mas naquela cabana pequena, quase espartana... Teriam apenas uma cozinheira e uma empregada da aldeia que viriam durante o dia. Lucas e Matthew tinham dúvidas quanto ao meio operacional que deveriam empregar para evitar atritos. Teriam de contar com a permanência de Penélope pelo menos até Harold ceder. Por instinto, Lucas confiava que ela não lhes daria trabalho, pois parecia uma pessoa determinada e prometera não voltar atrás. — Não teremos problemas com Penélope, Matt. — Agora não há como recuar. — Tem razão. Não depois do que os homens de Westmoreland fizeram com Paulie. Lucas sentiu o sangue ferver ao lembrar-se do ocorrido, e refletiu no poderia ter acontecido. E por sua culpa. Paulie voltara para o local de encontro com o olho roxo, a roupa rasgada e todo machucado. Lucas passou-lhe um sermão pela imprudência. Teria apenas de entregar a mensagem ao cocheiro e ir embora. O garoto teve sorte de sair vivo, depois de enfrentar o Duque. — Mais um crime para adicionar à lista. Matthew anuiu. — Mais uma razão para ele pagar. Lucas foi até o aparador, serviu conhaque em duas taças e ofereceu uma ao irmão. — A Caroline. — A Caroline. — A lady Penélope, que nos ajudará a cumprir a meta. — A lady Penélope. — Lucas não sentiu o menor entusiasmo ao pronunciar essas palavras. Penélope não imaginava o tamanho do sacrifício que teria de fazer, nem como sua vida seria alterada. Se houvesse outra maneira de intimidar o Duque... Suspirou. "Tudo por Caroline e por Harry."
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Até conhecer Penélope Westmoreland, a vingança fora o mais importante. Pensar no sorriso feliz dela, em como o beijara, em como o olhara, como se ele fosse o melhor homem do mundo, tornava a desforra bem menos palatável. Tomou a bebida de uma vez e levantou-se. — Vamos acabar logo com isso. Penélope caminhou devagar pelo hall magnificente, memorizando detalhes. Era tarde. O pai e o irmão haviam saído para uma noite de festas. A mãe, como sempre, estava enclausurada no quarto. Os servos dormiam, exceto os que ficariam à espera de Harold e Willie. Poucos tinham sido os dias felizes naquela residência de tamanho descomunal. Ela e Willie foram criados como príncipes, e não como crianças que gostavam de brincar e rir. Jamais lhe fora permitido rolar na grama ou sujar as mãos na terra. Fitou as salas que deixaria para trás e admitiu que tivera poucos momentos de satisfação, mesmo com suas menores vontades atendidas. Viu o tapete onde tropeçara uma vez, quando criança. Os resultados foram um dente quebrado e uma rajada de preocupações não usuais. Os pais afligiram-se por não saber como o acidente afetaria o futuro aspecto de Penélope. Escondera-se certa ocasião atrás das samambaias do solado para surpreender a mãe sempre abstraída. E ouvira os comentários sobre a última conquista do pai. Um assunto nunca mencionado, mas causador de tensões constantes. Na cozinha, passou a mão na beira da mesa lateral. Ali, uma idosa cozinheira oferecera biscoitos e contara histórias para a menina solitária. Até a tarde em que a Duquesa descobriu o tempo excessivo que a filha passava com os criados e proibiu-lhe a entrada no recinto. Penélope nunca mais viu a bondosa mulher. Desconfiava que fora mandada embora pela ousadia de tratar com familiaridade a caçula dos Westmoreland. Seguiu até a galeria dos retratos e deteve-se na pintura do pai e da mãe, recémcasados. Não diferiam muito da atualidade, circunspetos, ostentando riqueza em todos os poros e cheios de si. Não se via entre os dois o menor sinal de simpatia ou de calor humano. Teriam sido apaixonados algum dia? Teriam tido momentos de felicidade? Penélope supunha que não. Fora um casamento arranjado, típico da aristocracia. Os parceiros descobriam cedo que pouco tinham em comum e passavam a levar vidas independentes. Fazia muito tempo que o Duque e a esposa encontravam-se apenas para ir a algum evento social ou comparecer a um jantar em que a anfitriã tinha o bom senso de sentá-los em pólos opostos da mesa. O Duque era muito ocupado. Cuidava do grande número de propriedades, das idas aos clubes, dos deveres no Parlamento, das amantes. A Duquesa, por sua vez, preocupava-se com os amigos, a correspondência e os acontecimentos sociais a que comparecia sozinha. Os servos eficientes cuidavam da administração da casa. A mãe sentiria solidão? Lamentaria a falta do marido? Teria aspirações a outro tipo de vida, com alegrias e amizades verdadeiras, parecida com a que a filha iria desfrutar ao lado de Lucas Pendleton? Gostaria de voltar ao passado para recomeçar de maneira diferente?
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Penélope jamais tocara no assunto com ela. De que adiantaria comentar sobre a indiferença do pai, suas amantes, seus filhos bastardos e outros pecados? Ou sobre a infância triste que ela e Willie tiveram? A juventude deles fora semelhante à de tantos outros filhos de nobres. Cresceram na companhia de governantas e tutores, quase sem contato com pai e mãe. Penélope começou a meditar sobre aquele método terrível de criação nos últimos anos. Teria adorado poder trocar idéias a respeito com a mãe. Mas, como os Westmoreland não admitiam os problemas, não podiam conversar sobre o que não existia. Penélope queria sair da mansão para não perpetuar a existência que levara ali. Tinha de escapar rumo a alguma coisa nova e melhor. Desejava encontrar a satisfação de saber que alguém gostava dela. Voltou a seus aposentos, onde Colette a esperava com paciência. — Está pronta? — Sim. — Foi fazer as despedidas? — Isso mesmo. — Penélope sorriu-lhe. A sempre corajosa Colette temia as conseqüências do plano secreto delas. Insistiu para Penélope refletir mais um pouco e com maior cautela. Embora muito discreta sobre os anos de juventude, o pouco que mencionara fizera Penélope descobrir que a mãe de Colette fora amante de um aristocrata, durante os anos do Terror. A família dele fora assassinada. Colette, com seis ou sete anos, e a mãe saíram de Paris no meio da noite. Fugiram para a Inglaterra com a roupa do corpo e pouco dinheiro. A mãe morreu pouco depois da chegada. Colette conheceu a pobreza e passou fome. Por isso temia os resultados advindos da decisão de Penélope. A francesa preferia estabilidade e segurança a qualquer outra coisa. — Tudo dará certo, Colette. — Penélope deu um tapinha amigável no ombro da aia. — O Sr. Pendleton não deixará que nada de mal nos aconteça. — Como milady pode garantir disso? — Espere até conhecê-lo. Depois entenderá o que estou dizendo. — Mas que espécie de homem é esse que pretende tirá-la do seio de sua família e de seu lar? Isso não me soa bem. A discussão recomeçou. Penélope foi incapaz de demover Colette da idéia de que a fuga seria um grande erro, mesmo sem a francesa apoiar o casamento com Edward. Embora convencida de que Lucas era a resposta a suas preces, Penélope não conseguiu apaziguar Colette. Era quase meia-noite. O tempo para argumentações terminara. — Colette, é muito tarde para discutirmos. Além do mais, nada me fará recuar. — Sei disso. Tentei o mais que pude. — Se não quiser vir comigo... — Imagine se eu a deixarei ir sozinha com seu américain! Alguém precisa protegêla. Penélope apreciou sua devoção e lealdade. — Obrigada. Fico contente com isso.
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— Eu também. Colette foi até o quarto de vestir, voltou com as capas e duas malas grandes, embora Lucas houvesse recomendado apenas uma valise. Penélope pedira algumas coisas mais finas para o dia do casamento. Colette, sempre favorável ao amour, selecionara as peças de baixo mais bonitas e transparentes para Penélope atrair o marido. A criada deixou a bagagem no chão e enganchou o fecho do manto de Penélope. Ali sou a pele brilhante e levantou a barra. — Costurei um punhado de moedas no forro, para o caso de uma necessidade. — Colette ergueu a própria capa de lã, sacudiu-a, e Penélope escutou o chocalhar do metal. — Também pus algumas em meu capote. Prometa-me que nada dirá ao Sr. Pendleton. Assim também era demais! — Colette... — Prometa! As moedas serão nosso segredo. — Está bem — Penélope concordou, relutante. — Cautela nunca é demais para uma mulher. Não se sabe o que poderá acontecer... — Está bem, já disse. — Penélope irritou-se. Apreciava o cuidado de Colete, mas sabia que dinheiro não seria problema para elas. Por fim, faltava escrever uma mensagem de despedida dirigida aos pais. Resolveu nada comentar sobre o Sr. Pendleton ou o casamento. O Duque se empenharia em uma busca desenfreada e eles poderiam ser descobertos. Mamãe e papai, Não posso casar-me com Edward, por isso tive de ir embora. Estou bem. Por favor, não se preocupem. Mandarei avisar depois de me estabelecer na nova vida. Penélope.
Gostaria de afirmar que os amava, mas demonstração de sentimentos não combinava com os Westmoreland. Desejava apenas que a mãe não se afligisse. Fechou a missiva e deixou-a sobre o travesseiro. Emocionada, Penélope abraçou Colette. O que também nunca fizera. — Está pronta, mon amie? — Penélope nunca a tratara por "amiga". — Oui. — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Penélope relanceou um olhar pelo quarto no qual vivera por vinte e um anos. Apertou a mão de Colette e, com os dedos entrelaçados, elas desceram a escada e desapareceram nos jardins, rumo ao futuro.
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Capítulo VIII Lucas não conseguia distinguir as horas no relógio. Estava escuro, e o nevoeiro, denso. Uma atmosfera perfeita para atividades clandestinas. Vestido de preto, observava o muro posterior da propriedade. Nada se movia, nem mesmo os animais notívagos. Até os ratos haviam se escondido. Era muito tarde. Teria Penélope voltado atrás? Ou se divertido à sua custa, sem jamais ter pensado em acompanhá-lo? — Não, de jeito nenhum! Ela prometeu com sinceridade. Procurava convencer-se, mas não deixava de lado a apreensão. Devia ser o fog. Um homem em meio àquela neblina cerrada começava a duvidar do mundo e do lugar que ocupava dentro dele. Em suas viagens, jamais vira nada parecido, e ainda não se acostumara ao nevoeiro característico de Londres. Dava a impressão de que fantasmas se moviam, prontos para agarrá-lo com dedos brancos, longos e translúcidos. O silêncio das ruas incomodava, as sombras assustavam e os misteriosos ruídos ocasionais impressionavam. No momento em que se preparava para retornar ao navio, escutou passos. Quatro pernas, e não duas. Imóvel, refletiu se Penélope revelara o segredo e os soldados do Duque tinham vindo apanhá-lo. — Tem certeza de que é aqui mesmo? — uma mulher falou, com sotaque francês. — Tenho, mas o fog está muito cerrado. Não vejo minha mão. "Penélope!" — Estou aqui. — Lucas saiu do esconderijo e assustou-as pela proximidade. — Lucas! — Estava começando a achar que milady não viria. — Eu? Na certa ficou maluco! Lucas estendeu os braços, e Penélope aconchegou-se entre eles. O capuz caiu, e os cabelos loiros cintilaram como uma tocha. Ele não resistiu e acariciou-os, antes de escondê-los de novo. Beijou-a na testa por um tempo maior que o necessário. Admitiu que o abraço modesto era um subterfúgio e uma maldade. Mas não pôde evitar. Dominado pela atração física, foi impossível controlar as próprias mãos. Mas se Penélope acreditava que fugiam para casar-se, por que não agir de acordo com a situação hipotética? Não faria mal segurar-lhe os dedos ou beijá-la vez ou outra. Aqueles gestos acalmariam os nervos dela, embora aumentassem, sem dúvida, o nível de seu próprio desejo. — Quem é? — Lucas sussurrou. Dentro do névoa, nunca se sabia quem estava por perto. — Colette, minha criada pessoal. Lucas jamais teria imaginado que Penélope viria acompanhada. "Isso é o que acontece quando se rapta uma desconhecida!", pensou. A criada seria um benefício ou um perigo?, Lucas procurou raciocinar depressa. Porém, o tempo era curto, e o local, perigoso. O que primeiro lhe ocorreu foi que um
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segundo indivíduo significava uma possibilidade a mais de tudo dar errado. Uma pessoa a mais para conter, para silenciar e para revelar o segredo. A moça teria de ser deixada para trás. — Não devia tê-la trazido. Tenho dinheiro e posso contratar quantas criadas eu quiser. Colette se adiantou. A primeira vista, o sotaque era agradável, mas tornou-se inequívoca a ira que borbulhava debaixo: — O senhor admitiria uma estranha em sua casa para cuidar de lady Penélope? Com quem pensa que está lidando? Ela é Penélope Westmoreland, e não a filha de um mercador qualquer! — Sei disso. — Lucas procurou manter a calma diante da fúria da aia. — Só eu sei tomar conta de milady! Jamais deixarei que alguém usurpe meu lugar. Por isso, terei de acompanhá-lo, oui! — Não! — Oui! — Colette insistiu — Ou darei o alarme, certo? Não deixarei milady sozinha! — Lucas, por favor. — Penélope apoiou a palma da mão no peito dele e traçou os círculos que o inebriavam. — Estou muito nervosa e me sentirei muito melhor ao lado dela. Peço-lhe que deixe-a vir junto. Lucas sentiu o coração amolecer diante do pedido feito com tanta graça. Quem poderia recusar-lhe alguma coisa? Não era à toa que ela conseguia tudo o que desejava. — Mais uma pessoa dificultará a fuga. — Nada disso, Lucas. Juro que Colette não representará nenhum inconveniente. Ele previa que a mulher causaria vários tipos de problemas. Percebera a astúcia, a agressividade, a devoção excessiva. Ela estaria pronta para dar a vida por Penélope. — Por favor! — Penélope apertou-lhe a mão. A causa estava perdida. — Está bem. Seria sempre assim?, Lucas perguntava a si mesmo. Era urgente achar um meio de diminuir o efeito de Penélope sobre ele. Teria de ser mais severo e dominar-se na presença dela. Teria de... Ora, não se tratava de uma aventura ou de uma brincadeira. Era um rapto, que Deus o perdoasse! Apesar disso, não resistia à atração da refém. Apesar das más intenções, queria vê-la feliz, e por isso encontrava-se à mercê dela. Poderia haver perigo maior? Um belo começo para a carreira de seqüestrador... Lucas apontou o dedo para Colette, fingindo assumir o comando da situação. — A senhorita terá de fazer o que eu disser. Não pretenda atrapalhar-me. Cuide apenas de seus deveres. Se me causar transtornos, eu a mandarei de volta. — Obrigada. — Penélope ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o nos lábios — Muito obrigada! Lucas não teve alternativa a não ser aproveitar a oportunidade para prolongar o beijo. A criada murmurou alguma coisa em francês e, pelo pouco que Lucas conhecia do idioma, deduziu que não se tratava de um elogio. Roubou mais um beijo e sorriu para Penélope. — Vamos. Animado, segurou as alças das duas malas. E resmungou, desanimado, ao levantá-
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las. Eram tão pesadas que em instantes estaria coberto de suor. — Pesam muito para você? — Penélope perguntou, pois ouvira-lhe o gemido. — Não. — Lucas cerrou os dentes. O que haveria dentro daquelas valises? Pedras?! — Sei que são um pouco grandes. Quer que o ajudemos a carregá-las? Podemos revezar-nos... — Pode deixar, eu as levarei. — Lucas procurava ser galante, não obstante as costas arqueadas por causa do peso. O portão dos fundos foi aberto sem o menor barulho, e os três saíram pela viela. Atravessaram várias ruas, em silêncio. Havia momentos em que a bruma era tão intensa que Lucas tinha de tocar nas cercas das casas para ver o número ou se confundiriam no desvio onde a carruagem os aguardava. Um dos cavalos sentiu a aproximação, sacudiu as costas, e os arreios tilintaram. — Quem vem lá? — Matthew, do banco do cocheiro, disfarçou a voz. Estava bem agasalhado, o que também não permitia ser reconhecido. Se houvesse algum imprevisto, poderia agir incógnito. — Sou eu. Trouxe minha dama e sua criada. Lucas baixou o degrau, ajudou Penélope e depois Colette a entrar. Antes de ele fechar a portinhola, Penélope estendeu a mão, que Lucas apertou, maldizendo a rapidez da reação de seu corpo. — Iremos para a Escócia? Na certa ela imaginava que seguiriam para Gretna Green, a aldeia próxima da fronteira, onde os casais apressados se uniam em matrimônio. — Não. — Então para onde vamos? Penélope embarcava em uma viagem com um homem que mal conhecia, ignorando o destino. A fé absoluta que ele lhe inspirara era uma coisa admirável, e Lucas sentiu-se um crápula por enganá-la. — Aluguei uma casa no campo para o verão. — Ah, que maravilha! Sempre adorei o campo. — Imaginei que fosse gostar. — Mas... — O quê? — Quando nos casaremos? Lucas hesitou na resposta e teve certeza de que a aia escutava, atenta. — Entendi que ambos tínhamos pressa... — E temos. Já providenciei para que o casamento se realize assim que estivermos instalados. — Excelente! — Penélope concordou, mais tranqüila. — A residência é distante? — Não muito. — Lucas fez menção de recuar, mas Penélope segurou-o. — Por que não vem conosco? Tenho muitas indagações. Nada poderia ser mais fantástico, e também horrível, que ficar preso com Penélope em um local apertado. O encanto dela, seu sorriso lindo e sua vivacidade fariam com que passasse a gostar dela ainda mais. As perguntas decerto ficariam sem resposta, pois não havia muitas
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explicações para dar. Quanto menos ficassem juntos, melhor para todos. A distância, evitaria questões pessoais. Todavia, nada lhe pareceu mais tentador do que ficar aconchegado com Penélope naquela noite fria. — Teremos muitas oportunidades de conversar, quando chegarmos. No momento será melhor eu ir com os cavalos, pelo menos até nos afastarmos do rio. Espero que, ao sairmos da cidade, também deixemos a neblina para trás. — O fog está muito denso hoje, e muitos perigos podem estar rondando. — Penélope inclinou-se para sussurrar: — Cuide-se... para mim. — Pode ficar tranqüila. — Lucas experimentou uma dor intensa no peito. O sol nascia a Leste, quando, enfim, chegaram ao novo lar. Lucas fez sinal para Matthew de que seria necessário apressar-se. Queria as mulheres dentro da casa e Matthew longe antes de o astro-rei aparecer. Matthew abriu o portão, e Lucas desceu. Eles não tinham ouvido uma só palavra das passageiras durante o trajeto. Teriam dormido? Ou seria algo mais sinistro? Haveriam mudado de idéia? Planejariam uma fuga? Lucas abriu a portinhola, sorridente e preparado para tudo. — Já chegamos? — Já, milady. Penélope desceu, ajudada por Lucas. A viagem fora muito cansativa. A estrada era ruim, e a carruagem tinha péssimo molejo. Os músculos estavam doloridos, as costas ardiam e a cabeça latejava. Colette passara o tempo todo sussurrando previsões desastrosas. Que seriam roubadas e assassinadas. Ou roubadas e abandonadas. Vendidas como escravas. Usadas sexualmente e descartadas. A imaginação da francesa não conhecia limites. Com o passar das horas, o futuro tornava-se ainda mais negro. Até Penélope perder a determinação e lamentar a decisão tomada. Mas ao ver a casa que Lucas encontrara para começarem uma vida nova, todos os medos se desvaneceram. A lamparina que Lucas carregava não era grande, mas permitiu uma visão razoável. A moradia era linda, mesmo sem ter as dimensões a que se acostumara. A construção de pedra cinzenta tinha dois andares, muitas vidraças com remates brancos e venezianas. Nas jardineiras das janelas e das laterais da porta, flores de primavera desabrochavam. O caminho da entrada era circular e avermelhado. As cercas-vivas garantiam a privacidade. Ao longe escutava-se o gorgolejar de um regato. A apreensão de Penélope desapareceu. — É adorável, Lucas! Nada poderia ser mais encantador. — Gostou mesmo? — Muito. É o tipo de habitação que eu esperava que encontrasse para nós. Aconchegante, convidativa. Talvez muitos casais felizes houvessem passado a vida ali. Existia conforto e isolamento. Por ser pequena, permitiria um contato mais íntimo. Se precisassem de mais espaço, havia a propriedade externa. Um imóvel ideal para recém-casados. Com o coração mais leve, Penélope concluiu
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que fizera a escolha certa. Lucas ajudou Colette a chegar ao chão e apanhou as maIas. O cocheiro estalou as rédeas, e a carruagem sumiu no lusco-fusco, depois do portão fechado. Penélope quis saber como iriam até a aldeia. — O veículo é seu? — Não. — Lucas fitou o portão alto que evitava olhares intrusos. — Ainda não pude providenciar transporte para nós, mas o farei em seguida. Na verdade, tudo aconteceu muito rápido, e vários assuntos não puderam ser resolvidos. Nem mesmo consegui deixar a casa conforme imaginei que seria de seu agrado. — Está tudo ótimo, e eu o ajudarei no que for necessário. Enfim, Penélope iria administrar uma casa, em escala reduzida, pondo em prática os ensinamentos que recebera da mãe. — Apreciarei isso. Por enquanto, vamos entrar? Lucas e Penélope foram até a porta de mãos dadas. Colette preparou-se para erguer as malas, mas ele a impediu, dizendo que as apanharia em seguida. Do lado de dentro, a lareira apagada deixava o ambiente escuro e frio. No primeiro instante, Penélope irritou-se. Um servo deveria evitar que o fogo se apagasse como sinal de boas-vindas, e deixar as luzes acesas para que ela pudesse inspecionar as dependências. Mas em seguida refletiu que seria um absurdo. Aquela era uma nova vida. Talvez Lucas ainda não houvesse contratado a criadagem. Ou quem sabe já o tivesse feito e os servos ignoravam que deveriam estar acordados para receber os novos senhores. De qualquer modo, teriam de arrumar-se sozinhos, fato que não a desagradou. Quando seu primeiro noivado com o marquês foi a pique, Penélope passou meses escutando os pais culparem-na pelo fracasso. O marquês escolhera outra por achar Penélope muito exigente, imatura, mimada e difícil de agradar. Não daquela vez! Não deixaria Lucas perceber-lhe o descontentamento. Era tão agradecida a ele por tê-la impedido de casar com Edward que só demonstraria apreciação e complacência. Por que não acender ela mesma o fogo? Não seria uma ótima aventura? Colette poderia ensinar-lhe não só isso, como também muitas outras coisas. Penélope pretendia aprender tudo o que fosse preciso para alegrar o lar deles. Lucas haveria de ter pressa para voltar para casa, depois de um dia de trabalho intenso. E quando entrasse, haveria de encontrá-la feliz e sorridente. — No que está pensando, Penélope? — Em como esta casa é encantadora. — E fria como uma sepultura — Colette murmurou, irritada, fechando melhor a capa da patroa. — O que os servos estão pensando? Deixaram tudo abandonado para receber milady! Penélope fitou-a, carrancuda. — Há apenas uma mulher aqui — Lucas desculpou-se, com gentileza. — Como eu não sabia a que horas chegaríamos, disse-lhe que seria dispensável esperar. Poderemos dar um jeito nisso, não é, Penélope? — Claro que sim!
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A sala da frente tinha mobília modesta. Um sofá, uma poltrona, um tapete colorido, uma secretária e uma lareira. Sobre o consolo, uma pintura da casa e do pátio, em uma bela reprodução. — Milady deve estar exausta — Lucas avaliou, antes de Penélope ver o restante do imóvel. — Eu a levarei até seu quarto. Amanhã poderá avaliar toda a propriedade. — Para mim está ótimo. — Penélope fitou Colette com severidade por sobre o ombro, para que ela se mantivesse calada. Lucas conduziu Penélope pela mão. Foram escada acima até o primeiro aposento à direita. Era pequeno e confortável, com uma cama com colchão espesso e uma manta grossa, uma penteadeira e um guarda-roupa. Lucas deixou a lamparina na mesa-de-cabeceira e acendeu outra. A um canto havia uma salamandra e pedaços de lenha em um balde. Colette acendeu o fogo, enquanto Lucas descia para buscar as malas. — Espero que possa acomodar-se, pelo menos até amanhã — Lucas proferiu, à guisa de desculpas, depois de voltar com a bagagem. — Não se preocupe, ficarei muito bem. — Está com fome? Não pensei em... — Não tenho fome, obrigada. Ele sentia-se nervoso e tímido como um adolescente. Precisava do conforto que encontrava ao tocar Penélope, e segurou-lhe os dedos. — Contratei duas mulheres da aldeia. Uma para cozinhar e outra para limpar. Elas não dormirão aqui. Ajudarão durante o dia e irão para seus lares à noite. — Nós daremos um jeito. — Penélope sorriu. — Fico contente com sua compreensão. De qualquer forma, há um quarto de empregada ao lado da cozinha. Como não será ocupado, a srta. Colette poderá usá-lo. — Será muito bom, não é, Colette? A francesa sussurrou qualquer coisa inexplicável. — Contudo — Penélope continuou —, acredito que ela gostaria de ficar comigo hoje. Não estamos familiarizadas com a casa nova. — Se milady não se importar, poderemos dizer aos curiosos que somos casados há algum tempo. Não sei até onde seu pai poderá chegar, mas creio que ele mandará procurar um par de recém-casados. — Isso mesmo. Que tal afirmarmos que nosso enlace foi há um ano? — Razoável. Outra coisa: a vida no campo poderá aborrecê-la. Porém, acredito na prudência de não freqüentar a aldeia ou receber visitas. Pelo menos até que tudo esteja resolvido. Não podemos saber quais as atitudes que o Duque tomará. — Muito sensato. Lucas pigarreou. — Ah, mais um detalhe... — Sim? — Mora alguém aqui. Meu sobrinho. Tem quase cinco anos. — Uma criança? — Penélope não escondeu a surpresa. Com essa ela não contava. — Sim. Ele é um bom menino. Respeitador e... em geral, bem comportado. E, como toda criança, faz suas travessuras. É filho de minha irmã, que morreu logo após o parto.
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Sempre cuidei dele e o considero como um filho. Para mim, seria muito importante se milady pudesse ser bondosa com o garoto. Penélope lembrou-se de que seu contato com crianças fora limitado. Em seu mundo, elas eram separadas dos adultos. No incidente da véspera com aquele pobre menino, fora a primeira vez que falara com uma criança daquela idade. Entretanto, faria um esforço para entender-se com o pequeno, e assim satisfazer a vontade de Lucas. — Pode ficar sossegado. Qual o nome dele? — Harry. Sei que eu deveria ter lhe dito antes, mas houve muito pouco tempo para confidencias. — Está tudo bem. De verdade. — Penélope apertou-lhe a mão. — E quando será o casamento, Lucas? — Estou providenciando os papéis. Imagino que terei tudo acertado amanhã ou depois. — Maravilhoso! — Amanhã cedo terei compromissos na cidade. Conversaremos em minha volta. Harry ficará em casa, e as duas mulheres também. Terá bastante atividades com que preencher seu dia. — Não tenho dúvidas a respeito. Lucas, eu nunca lhe perguntei, mas qual o tipo de negócio com que se ocupa? — Marinha mercante. É de onde vem minha renda. Sou dono de cinco navios, e estamos baseados na Virgínia. Fazemos um pouco de comércio na Costa Leste dos Estados Unidos. — Tem casa lá? — Sim. Uma bela residência. — Iremos para lá algum dia? — O coração de Penélope bateu apressado. — Acabaremos indo — Lucas respondeu, depois de uma pausa mais longa de que a devida. — Mal posso esperar! — Penélope animou-se com tal perspectiva. Além de algumas viagens até as propriedades do pai na Escócia, nunca deixara a Inglaterra. Jamais sonhara ir para tão longe nem conhecer locais exóticos. A fuga com Lucas Pendleton tornava-se mais excitante a cada momento. Penélope sentia-se muito feliz com isso. A vida que levava até ali começava a parecer-lhe enfadonha. Antes assim. — Onde vai dormir? — Do outro lado do hall — Lucas apontou. Ela pensou na noite em que também dormiria lá. Sentiu um rubor cobri-la da cabeça aos pés. Se apenas a imaginação lhe trazia tanto deleite, o que aconteceria depois? "Mal posso esperar!" — Boa noite, Lucas. — Eu... Boa noite. Ficaram parados por algum tempo no meio do dormitório, de mãos dadas, sorrindo um para o outro como dois tolos apaixonados. — Fico contente por tê-la aqui. — Também estou, por ter vindo.
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— Até amanhã. — Lucas beijou-a de leve nos lábios. Penélope Westmoreland nem teve tempo de abraçá-lo pelo pescoço, como gostaria de fazer. Lucas Pendleton saiu como um raio e fechou a porta.
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Capítulo IX Penélope acordou tarde. Não pretendera dormir tanto. As duas servas haveriam de pensar que a nova senhora era uma preguiçosa. Se estivesse na mansão de seu pai, não daria importância ao fato. Como era a primeira vez que tinha empregados próprios, queria causar boa impressão. Onde estaria Colette? Necessitava dela para vestir-se. E como chamar sua aia, se não havia campainha e nenhum outro meio de pedir auxílio? Ora, mesmo que houvesse um cordão de sino, não pensaria em puxá-lo. Se Colette não ouvisse o chamado, qualquer uma das outras duas subiria. E Penélope não queria recebê-las em trajes menores, mas sim mostrar-se confiante e preparada. Decidiu trocarse sozinha, o que quase nunca fazia. Foi até o armário e examinou os poucos trajes que compunham o enxoval minguado e simples que trouxera. Os vestidos mais elegantes teriam ocupado muito espaço na sacola de viagem. Calculou que poderia arranjar-se com qualquer um dos que escolhera para trazer. Um espartilho estava fora de questão. Pôs uma camisa e uma vestimenta azul de usar em casa que precisava apenas de uma anágua fina. Alisou o tecido na altura do abdome e das coxas. Jamais andara sem espartilho, por isso adorou poder respirar sem tormento. Repetiu a experiência várias vezes e experimentou a fricção do tecido nos mamilos. Livres das barbatanas que os juntavam e empurravam para cima, eles moviam-se livres, o que fez Penélope sentir como se estivesse em trajes menores. Foi até o espelho e avaliou o próprio reflexo. Gostou de ver o busto saliente e a sombra dos mamilos sob o tecido fino. Depois de casada, poderia abandonar o espartilho com maior freqüência. Seu marido haveria de gostar daquela visão. Amarrou os cabelos longos com uma fita azul e mirou-se no espelho. Beliscou as faces várias vezes para disfarçar a palidez. A fuga de Londres fora estressante. O sono de várias horas não eliminou o cansaço. Sentia-se meio zonza e desorientada. Desconfiava que demoraria bastante para acostumar-se, mas isso devia ser normal. Teria muito tempo para aprender suas tarefas e conhecer suas responsabilidades. Logo seu entusiasmo costumeiro estaria de volta. Fazer uma verificação detalhada do pavimento superior foi uma questão de minutos. Havia um banheiro e mais dois aposentos semelhantes àquele onde dormira. Móveis maciços e simples, papéis de parede coloridos, tapetes, cortinas. Olhou tudo e deteve-se no quarto de Lucas. Duas sacolas abertas com roupas, todas do mesmo estilo. Penélope supôs que fossem trajes de trabalhador, se é que esse seria o termo correto. Várias calças de lã e calções de couro. Camisas de algodão e de linho. Um colete. Um par extra de botas. Em uma das gavetas da cômoda, roupas íntimas que ela não teve coragem de remexer, apesar da enorme curiosidade. Segurou a manga de uma camisa pendurada no guarda-roupa e inalou a fragrância. Recriminou-se pela tolice, mas prosseguiu na pesquisa. Apesar do cheiro de sabão de
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lavanderia, sentiu o aroma de Lucas entranhado no tecido. Era como se ele estivesse ali presente. Em cima da penteadeira, os artefatos de barbear. Penélope apanhou cada uma das peças e manuseou-as. Cheirou a correia de couro e o sabão da caneca. Testou o corte da lâmina com o polegar. Esfregou a mãos nas cerdas macias da escova. Nunca vira objetos masculinos de toucador. Perguntou a si mesma se ele a deixaria testemunhar como os usava, após o casamento. Era excitante imaginar que faria parte daquele ritual íntimo. Admitiu alegrar-se por tocar no que pertencia a Lucas. Mas teve certeza de que morreria de vergonha se ele soubesse que a futura esposa andara bisbilhotando suas coisas. Com o coração batendo forte, arrumou tudo exatamente como encontrara. Pé ante pé saiu daquele aposento, antes que alguém a descobrisse. Desceu a escada, pronta para os cumprimentos. Ninguém apareceu para recebêla. Nem servos, nem Lucas. O que a deixou um pouco desiludida. Aceitava que ele fosse um comerciante que dava primazia a seus negócios. Mas esperava que, pelo menos naquele dia, ficasse um pouco com ela. Tinham de discutir vários assuntos. Lucas dissera que sua casa era na Virgínia e que viveriam lá. Penélope não podia imaginar como seria a vida naquela terra distante, nem as conseqüências de cruzar o oceano, ou como passaria o tempo na América. Ah, como gostaria que aquele fosse o dia de seu casamento, e a próxima noite, a de núpcias! Embora soubesse que Lucas viria para sua cama, não podia evitar uma certa apreensão sobre o ato matrimonial e as intimidades entre marido e mulher. O que na realidade a alarmava era nada saber sobre Lucas. Deteve-se na cozinha. Limpa e bem montada, cheirava a assados. Alguém deixara para ela uma refeição sobre a mesa. Pão, queijo, uma maçã e um copo de leite. A simplicidade era gritante em comparação ao que o chef francês criava na residência do Duque. Sentou-se e notou uma mensagem ao lado do prato. Era de Lucas e endereçada a ela. Bem... afinal ele não a esquecera! Sorrindo, leu o bilhete: Minha linda Penélope, Sei que ontem foi um dia difícil. Espero que hoje possa descansar e descontrair-se. Se necessitar de algo, é só pedir às duas servas. Eu as instruí para que a tratem com o maior carinho. Não estarei de volta para o chá, mas tentarei chegar para o jantar. Então poderemos conversar mais. Por favor não me espere, se eu me atrasar. Lucas. Leu a nota tantas vezes que a memorizou. Procurava descobrir o que existia nas entrelinhas. Passou os dedos pela escrita, acariciando as frases. Dobrou o papel e guardou-o na manga. O roçar na pele seria uma lembrança constante do que Lucas escrevera. Faminta, nem mesmo se recordava de quando se alimentara pela última vez. Na véspera, a ansiedade a impedira de comer sequer um biscoito. Sem esperar mais, começou a mastigar depressa e com vontade. Ainda bem que não tinha ninguém à vista
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para testemunhar sua falta de modos. Terminou a refeição, e o silêncio reinante passou a incomodá-la. Estava acostumada ao barulho incessante na mansão paterna. Servos azafamavam-se para todos os cantos, aflitos por cumprir com as tarefas. E Willie, que passava correndo e rindo. Ouviam-se batidas constantes na porta da frente, carruagens que chegavam e visitas no salão. Aquela hora, imaginou o fluxo de atividades sem fim no lar dos Westmoreland. Abatida e melancólica, sem nada para fazer, terminou o reconhecimento do piso inferior. Além da sala de visitas e da cozinha, o quarto de Colette, onde ela pendurara as roupas em cabides na parede. Achou uma despensa com prateleiras quase vazias, o que denunciava um lar desocupado fazia algum tempo. Saiu pela porta dos fundos. O quintal tinha um belo gramado, muitas árvores frutíferas e canteiros de flores abandonados. Pediria a Lucas para contratar um jardineiro, mas só depois de inteirar-se da situação financeira deles. Na verdade, nunca tivera de preocupar-se com dinheiro, e economia doméstica não era seu forte. Poderiam permitir-se restaurar os jardins? Sorriu ao pensar em seu dote. Uma quantidade substancial em dinheiro e propriedades iriam para seu marido assim que se casassem. Decerto o Duque não se incomodaria de ceder tudo para Lucas, e não para Edward, ao comprovar a felicidade da filha. Se o pai se recusasse a fazê-lo, haveria ainda os bens de sua avó que lhe seriam entregues ao completar vinte e um anos. O Duque não poderia impedi-la de receber essa herança. Penélope nada dissera a Lucas sobre a fortuna que lhe caberia. Seria melhor esperar até que a situação se definisse. Ficaria contente por poder presenteá-lo com meios que tornariam a existência mais fácil. Lucas não teria de trabalhar tanto e ficaria mais tempo com ela. Isso haveria de acontecer. Eles estavam destinados a ficar juntos! Penélope atravessou o gramado, no qual ervas-daninhas medravam, satisfeitas, e foi até a entrada de um bosque que escondia a propriedade dos olhares indiscretos dos vizinhos. Um menino sentado em um balanço amarrado a uma árvore impulsionava-se para a frente e para trás. Os cabelos dele eram loiro-claros como os dela e um pouco mais escuros no alto. Talvez escurecessem com a idade. Penélope aproximou-se devagar e notou que o garoto tinha olhos azuis. Parecia-se com Willie, quando criança. — Olá! — Acenou e chegou mais perto dele. — Se não me engano, seu nome é Harry, não é? O pequeno parou de balançar-se e fitou-a, sério. — É, sim. Era uma criança bastante madura para sua pouca idade. — Sou Penélope. Seu tio Lucas é muito meu amigo. — Eu sei. Ele me disse que a senhorita viria. Penélope sentou-se no banco que ficava a alguns passos do balanço. Sem experiência com crianças, deduziu que o melhor início seria entabular uma conversa: — Lucas foi para a cidade, a negócios.
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— Eu sei. — Bem, fico feliz que esteja aqui, Harry. É um lugar muito quieto, e assim não me sentirei solitária. — Isso mesmo. Lucas pediu-me para tomar conta da senhorita — o menino falou. — Sério? — Ainda bem que Lucas se preocupava com ela. — Sim. — Acha que poderá fazer isso? — Lógico. Já sou crescido. — Estou vendo. — Tenho quase cinco anos. — Mas que ótimo! Por acaso viu Colette, minha criada? — Ela foi até a aldeia com as outras mulheres. Voltarão mais tarde. — Entendi. — Penélope recostou-se e deixou o sol da tarde banhar-lhe o rosto. Esperava que Colette se lembrasse de comprar-lhe um chapéu. — Por que não foi com elas? — Quis ficar para ver se Paulie viria. — Harry segurou a corda e tentou balançarse, sem sucesso. — Paulie é seu amigo? — É, mas só vem quando estou sozinho. Só eu posso vê-lo. — Ele mora por aqui? — Paulie não mora em lugar nenhum. Na certa tratava-se de um amigo imaginário. Quando menina, Penélope costumava inventar amigas para amenizar um pouco a solidão. — Posso conhecê-lo? — Não, adultos não podem vê-lo. — Hum, parece até um menino mágico... — Ele é. E também é velho. Tem quase treze anos. — E bem velho. — Penélope disfarçou uma risada. — Também conheço um bom menino chamado Paulie. Penélope teve a sensação de que o incidente com o garoto acontecera fazia tempos. — Meu amigo Paulie também é ótimo. Ele só vem me ver à noite, e contou-me um segredo a seu respeito. — Sobre mim, Harry? E o que é? — Ele disse que a senhorita era igual a uma princesa de conto de fadas. — Acha que ele estava certo? — Sem dúvida! Como deixar de gostar daquele garoto? — É muita bondade sua dizer isso. — A senhorita parece a princesa do livro de histórias que ganhei de Lucas. Ele o comprou em uma cidade chamada Boston. — Esse livro deve ser seu favorito. — É. Também tem a pintura de um anjo. Lucas disse para mim que o anjo se parece com minha mãe. Sabia que ela era um anjo?
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— Sabia. — Meu pai não é anjo. — Harry franziu a testa. — E o que ele é? — Um cafajeste sem-vergonha. O que quer dizer isso? Penélope por pouco não engasgou e apertou os lábios para não desatar em gargalhada. Inspirou fundo, antes de falar: — Onde foi que ouviu uma coisa dessas? — Escutei quando Lucas falava com tio Matthew. Penélope fez um esforço para não rir. Lucas seria dispensável para conhecer os detalhes sobre a família da qual faria parte. Harry lhe forneceria as informações necessárias. — Quem é tio Matthew? Harry fitou-a como se estivesse falando com uma pessoa obtusa. — Ora, é tio Matthew! — Ah, claro... — Penélope não entendeu a ligação entre Matthew e Lucas. — Eu sei como saltar pedras. Penélope alegrou-se por não ter de definir os adjetivos que Harry usara para descrever o pai. — Que beleza! Não gostaria de mostrar-me como é? Harry saltou do balanço, deulhe a mão com a mais absoluta confiança e levou-a até o regato no interior da mata. Brincaram na beira da água por quase uma hora. Depois, voltaram ao jardim e divertiram-se mais um pouco. Penélope deu-lhe o que comer, falou com ele, aprendeu alguns jogos e ensinou-lhe outros, leu livros infantis e contou histórias. Todas as crianças teriam aquela energia sem fim? Quando Colette retornou do vilarejo com a cozinheira, carregando um cesto repleto de verduras, encontrou a patroa exausta e tonta de tanto ouvir Harry tagarelar. Arfava, e as costas lhe doíam. Não poderia imaginar que um menino de quatro anos tivesse um vocabulário tão extenso. Nem que falasse o tempo todo quase sem respirar. Penélope descansou enquanto a criada preparava o jantar para Harry e deitou-o para dormir. Mas ainda teve de contar-lhe uma história, pois o que menino se recusava a fechar os olhos. Ele pediu o conto em que a princesa se parecia com Penélope, e o anjo, com sua mãe. Após o "felizes para sempre", o menininho adormeceu. Penélope então desceu para falar com a cozinheira que Lucas contratara. A mulher explicou-lhe os hábitos do campo, onde as pessoas acordavam e deitavam-se cedo. Contou que Lucas a dispensaria sempre depois de ela preparar o jantar, pois tinha nove filhos que a esperavam para comer. Ao ficar sabendo de sua situação, Penélope não teve coragem de pedir-lhe para ficar até mais tarde naquela noite e servir uma refeição quente para Lucas. Jantou na companhia de Colette. Enquanto saboreavam um cozido delicioso com pão, contou suas impressões sobre a casa e o menino. Colette falou sobre a aldeia e mostrou-se cansada. Penélope mandou-a dormir, pensando em como faria para esquentar a comida. Na casa do pai, refeições podiam ser servidas a qualquer hora. As cozinheiras estavam sempre a postos. Se acordasse no meio da noite e pedisse um lanche, a criada sonolenta trataria de atendê-la. Bem, mas um dia não mataria ninguém de fome. Além disso, a culpa era de Lucas,
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que não viera comer enquanto a comida estava quente. Se necessitasse se alimentar, haveriam de encontrar uma alternativa, e ele não teria de queixar-se. E se aprendesse a cozinhar? Não devia ser tão difícil, pois muitas mulheres faziam isso. A criada poderia ensinar-lhe a mexer no fogão e como preparar os ingredientes. Nada do outro mundo. Sem pretender queixar-se pelas mudanças bruscas, Penélope raciocinou que se tornava cada vez mais óbvia a necessidade de conhecer algumas habilidades adicionais, se quisesse obter sucesso no futuro. Não desejava que Lucas visse nela a incompetência e a inutilidade. Ele teria de enxergá-la como uma esposa digna de ser levada para a América, em quaisquer circunstâncias. Acima de tudo, queria que Lucas se orgulhasse dela. E para isso, teria de esforçarse para torná-lo feliz. Se tivesse de cozinhar, era o que faria. Seria uma satisfação observá-lo sentar-se à mesa para comer um prato preparado por ela. Pareceu-lhe uma maneira apropriada de recém-casados se relacionarem. O relógio sobre o consolo da lareira soou onze horas. Penélope cabeceava, e já não conseguia ficar de olhos abertos. Subiu a escada, passou pelo quarto de Lucas, acariciou seus pertences e retornou para seus aposentos. Despiu-se e vestiu a camisola sem auxílio de ninguém. Deitou a cabeça no travesseiro e adormeceu no mesmo instante. Na manhã seguinte, acordou com a conversa alegre de Harry. Aprontou-se e desceu. Descobriu que Lucas viera a altas horas da noite e saíra cedo, sem nem ao menos deixar-lhe um bilhete. Sentiu um aperto no coração.
Westmoreland estava furioso. Não porque Penélope fora embora. Nem porque Pendleton a levara ou porque teria de submeter-se à chantagem dele para ter a filha de volta. O que mais o irritava era ninguém ter dado pela ausência de Penélope por quase dois dias. Depois de interrogar todo mundo, descobrira que todos imaginavam que ela estivesse em seus aposentos. Como vinha fazendo desde o noivado com Edward. E para piorar foi o secretário de Harold quem descobriu tudo. Ao abrir a correspondência do dia, achou a mensagem de resgate de Pendleton. O menino de rua favorito do americano entregou a nota a um cocheiro da casa que saía a serviço. Leu as palavras pela centésima vez, sem acreditar no que estava escrito: Westmoreland, Lady Penélope está comigo. Permita-me relembrá-lo de nossa discussão prévia. Se Milorde concordar com meu pedido, eu a devolverei neste instante, sã e salva. Caso contrário, não posso garantir a segurança de milady. A escolha é sua. Estou esperando por uma resposta. Lucas Pendleton. O excomungado cumprira o prometido! Harold Westmoreland não quis acreditar
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que Pendleton se vingaria contra sua família. Que tipo de homem era aquele que cometia um ato tão insano? Por que logo Penélope? Ela nada tinha a ver com o caso. Por que destruir-lhe a reputação se a pendência era com o pai, e não com a filha? Se a notícia do rapto se espalhasse, Penélope jamais teria chance de casar-se. Nem mesmo com Edward. Perplexo, o Duque considerou que um cavalheiro inglês não saberia lidar com aquele tipo de inimigo estrangeiro. No centro da mesa, a mensagem deixada pela filha. E, pelas palavras dela, Penélope não considerara o incidente como um rapto. Como eles teriam se conhecido e como mantiveram isso em segredo? Penélope pensaria que fugiam para casar-se? Pendleton teria a audácia de pretender torná-la sua esposa? Harold começou a suar frio, só em imaginar. Se Penélope partiu por vontade própria, na certa foi enganada pelo belo patife. Abandonou o lar por amor, e o patife a enganou com promessas falsas. Uma calamidade! — Sr. Purdy, onde está o navio de Pendleton? — Harold grunhiu, sem poder gritar. As paredes tinham ouvidos. — Eu lhe avisei que teria de encontrá-lo. Ontem! — Ainda estamos procurando, Vossa Graça. — O homem teve coragem de encarar o Duque. Harold não duvidava de que, se achassem o navio com que o salafrário viera da Virgínia, encontrariam Penélope. Era imprescindível que a encontrassem antes que os fatos viessem a público. — Diga-me o que mais soube sobre ele. — Ele é esperto, sir. Honesto, corajoso e, infelizmente para nós, inspira confiança e lealdade. Há semanas vem freqüentando as tavernas das docas. Tenho certeza de que todos o conhecem e sabem de seu paradeiro. Porém ninguém mostrou-se disposto a colaborar, nem mesmo por dinheiro. As pessoas gostam dele e acreditam nele. Não o denunciariam. — Continue tentando. Aumente a quantia que oferece como isca. — Certo. — Pendleton é um homem violento? — Só se for provocado. Harold estremeceu e refletiu se a recusa em reconhecer o filho de Caroline poderia ter sido provocação suficiente para o cafajeste causar danos corporais a alguém. — Ele machucaria Penélope? — Harold tinha um péssimo pressentimento. — Não me parece possível. O Sr. Pendleton tem um jeito especial com as mulheres, e elas o adoram. A informação de Purdy era ainda mais assustadora. Penélope seria mais uma vítima dos encantos de Pendleton? Voltaria para casa desonrada, sem possibilidade de se casar, inutilizando os acordos financeiros de Harold com Edward? De repente, deu-se conta de que o mais importante era a volta dela em perfeitas condições físicas e mentais. Olhou atento as duas mensagens. Pendleton era um adversário inteligente e ladino.
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O Duque estava convencido de que teria de agir da mesma maneira para ser bemsucedido. Afinal, não pretendia submeter-se à chantagem. Uma vez que Pendleton entendesse a resolução do Duque, qual o benefício de manter Penélope no cativeiro? Pelos relatórios conseguidos, Harold poderia apostar tudo, até mesmo o futuro e a vida da filha, que Pendleton jamais tocaria em um fio dos cabelos dela. Poderia ameaçar, mas nada faria. Se soubesse que o esquema de extorsão não funcionaria, Pendleton não teria outro recurso a não ser trazê-la de volta. Escreveu uma resposta e entregou-a a Purdy. — Vá até Bond Street e procure o tal Paulie. Mande-o levar isto a Pendleton. — Devemos agarrar o pequeno lazarento, sir? Não tenho muita experiência com crianças, mas acredito que com um mínimo de tortura poderemos saber do paradeiro de Pendleton. — Ainda não. — Devemos segui-lo? — Se puder, mas não o detenha em hipótese nenhuma. Quero que Pendleton receba meu recado. Depois disso... — Harold sorriu, malicioso — ...não duvido que Penélope esteja em casa para o chá. — Leia isto! — Matthew estendeu para Lucas o bilhete que trouxe de Londres a galope. — Paulie entregou-me a resposta de Westmoreland. É inacreditável! Estavam escondidos no bosque atrás da residência, onde mantinham vigilância permanente por turnos, anotando quem entrava e quem saía. Nada de anormal ocorrera naqueles dois dias. Sob a luz de um toco de vela, os irmãos se inclinaram sobre o pergaminho, e Lucas leu as palavras que Matthew já decorara: Pendleton, Pelo fato de ter raptado minha filha, deixou-a completamente arruinada para meu propósitos. Por isso, ela perdeu o valor para mim. Faça o que quiser com Penélope. Westmoreland, Duque de Roswell. Lucas leu e releu, atônito. — Mas que raios de resposta é esta?! — Para mim não faz sentido. — Ele levou dois dias para dizer "faça o que quiser com Penélope". O homem é louco? — Pode ser. — Matthew deu de ombros. — O Duque não se importa com o que possa acontecer à filha? — Pelo jeito, não. — Que pai é esse?! — Lucas sacudiu a cabeça, desgostoso. — Como ousa atirar sua única filha a um lobo desconhecido como eu? Poderia fazer qualquer coisa com ela... — Mas não fará. — Ele não sabe disso!
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Confusos e perturbados, os irmãos se entreolharam. Jamais lhes ocorrera essa espécie de desfecho. O que fariam a partir daquela atitude do Duque? Não poderiam ficar com Penélope, e muito menos devolvê-la a um tratante desprezível como aquele. Lucas jamais a condenaria a um destino tão pavoroso. Não era de admirar que Westmoreland tivesse seduzido Caroline e depois abandonado sem o menor remorso. Ou que nem se incomodasse com Harry, depois de saber que era seu filho. O Duque tinha uma pedra no lugar do coração e gelo correndo nas veias. Não se comoveu com o desaparecimento da única filha! — O que faremos agora? — Matthew verbalizou a pergunta que ocorrera a ambos. — Desistir? Aumentar as exigências? Cortar um pedaço da orelha de Penélope e mandar entregar a ele? — Seria bem feito para o Duque se o fizéssemos. Ficaram em silêncio por um longo tempo. — Estou exausto. — Lucas suspirou. — Não consigo raciocinar. Decidiremos o que fazer amanhã cedo.
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Capítulo X Lucas foi até a estrada principal e conduziu o cavalo pelo portão dianteiro, como se acabasse de voltar da cidade. Era tarde da noite. A casa silenciosa estava às escuras. Havia apenas uma lamparina acesa ao lado da porta. Na certa era obra de Penélope. Quem mais se preocuparia em iluminar-lhe o caminho? Escondido o dia inteiro entre as árvores, vira-a de relance. Quando ela brincara com Harry, quando colhera flores para enfeitar o lar, Quando se descontraíra no banco, aproveitando o sol da tarde. Conseguiu manter-se afastado dos encantos dela, para sua sanidade. A proximidade não traria nenhum benefício. Quanto mais a fizesse crer que se mantinha em Londres a negócios, melhor. Penélope confiava nele, e em suas fantasias acreditava estar apaixonada. Fitavao com doçura, e Lucas comprovou a emoção profunda daquele olhar. Ela o encarava como um herói salvador, quando na realidade ele não passava de um vilão que a usava da pior maneira possível. Nem mesmo podia mirar no espelho a imagem do homem desprezível em que se transformara. Penélope lamentaria até o fim de seus dias o momento em que seus caminhos se cruzaram. Lucas sentia-se infeliz toda vez que refletia em como a tratava. E não havia alternativa. Não poderia se expor a uma situação de risco da qual viria a arrepender-se. Ela despertava nele todos os apetites masculinos, mesmo os mais baixos, e Lucas não via outra maneira de lutar contra essa atração, salvo ficar o mais longe possível dela. Só voltava para a casa, para não despertar suspeitas. Deixou o cavalo no estábulo do pátio de trás. Antes de alcançar a entrada dos fundos, alguém saltou de uma moita. Por instinto, Lucas levou a mão à pistola. No mesmo instante, reconheceu Colette. Ele gemeu. Era a última pessoa no mundo com quem desejava conversar. — Tive um dia estafante, srta. Colette. Deveria ser mais cautelosa. Imagine, assustar-me no escuro! A senhorita não previu o que eu poderia fazer. — Ah! — Colette fez pouco-caso e pôs as mãos na cintura. — Como se eu tivesse medo de alguém como monsieur. — Pois deveria. — Exausto, nem mesmo conseguia parecer ameaçador. Só queria cair na cama e dormir. Colette aproximou-se e fitou-o com o desdém habitual. Lucas teve a impressão de que ela o cheirava. E para encontrar o quê? — O que está fazendo? — Tentando descobrir qual o perfume da mulher com quem o senhor passa o tempo inteiro. — O quê? — Estou curiosa desse américain — Colette falou como se ele não estivesse presente e tamborilou com o dedo nos lábios. — Esse tal Pendleton sobre quem milady tem a melhor das impressões... apesar de ele não ficar com ela. Certo? Para onde irá durante as ausências tão longas?
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— Que bobagens está dizendo? Colette inclinou-se e procurou de novo por alguma fragrância condenatória na camisa dele. — Pare com isso! — Lucas ordenou, mas não foi atendido. — A princípio, estou fazendo algumas especulações. Talvez esse Pendleton goste de homens. Não vejo como um homem de verdade possa resistir a mulher tão encantadora como lady Penélope. Mas Colette não crê nisso. Pendleton é um homem que aprecia todas as mulheres. Então Colette pergunta: por que esse Pendleton não gosta de milady? — Eu gosto de lady Penélope. — Lucas tentou esquivar-se e entrar. Colette impediu-lhe a passagem. — Se é assim, fica a dúvida. Por que a demora nesse casamento que parecia tão premente? Por que esse monsieur Pendleton disse que era preciso apressar-se, "Vite, vi te, temos de escapar do Duque!" e ainda não houve nenhum casamento? — Colette deu de ombros. — Será que tem a ver com o homem na floresta que observava a residência durante todos esses dias? Lucas arrepiou-se. A criada era muito astuta. — Não sei do que a senhorita está falando. Se viu alguém na mata, deve ser um salteador. Agora, se me permite, estou cansado. Quero dormir. Colette não arredou pé. — A senhorita me permite? Ela deu um riso gutural, com desprezo. — Eu diria que isso me parece... como direi... suspeito? — Sua imaginação corre solta. — O que me fez decidir... — Colette não deu importância ao comentário de Lucas — ...que, se milady não estiver casada até amanhã à noite, talvez deixemos este lugar. — Boa noite. Lucas agarrou-a pelos braços, tirou-a do caminho, entrou na despensa e pendurou a capa no gancho ao lado da porta. A vela acesa na cozinha foi providencial. Caminhou depressa, fugindo da francesa maluca. E parou, de olhar esbugalhado. Penélope tomava banho em uma bacia de cobre, diante da lareira. As chamas esquentavam o recinto e lançavam sombras dançantes nas paredes. Do lado da banheira, uma taça de vinho, uma barra de sabão e um pedaço de tecido felpudo. As roupas dela estavam espalhadas. O espartilho pendia no encosto de uma cadeira, e as rendas oscilavam com a brisa. Ao lado, um par de meias rendadas. A camisa de seda e o calção de renda jaziam no piso. De frente para a parede oposta, Penélope estava de joelhos. Escovava os cabelos lavados que atingiam o final das costas nuas. Lucas traçou uma linha dos ombros até a cintura fina e passou pelas nádegas voluptuosas. Ergueu-se da água como uma sereia. Lucas não ficaria surpreso se Penélope começasse a cantar as primeiras notas da canção que o atrairia para seus domínios. A excitação foi instantânea e inacreditável. Ela mergulhou o esfregão na água. Passou-o no pescoço, nos ombros, nos seios, no ventre, entre as coxas e abaixou-se para ensaboar as pernas.
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Mil alarmes soaram na cabeça de Lucas, ordenando-lhe que saísse dali naquele minuto. Não poderia responsabilizar-se pelas conseqüências, se permanecesse. Nunca presenciara nada tão erótico quanto o banho de Penélope. Porém, permaneceu enraizado no mesmo lugar, como um voyeur. Em agonia, presenciou Penélope tocar todos os lugares que ele desejava acariciar, passando por picos e vales. Desejou entrar na água e encostar o rosto entre os seios volumosos. — Poderia lavar-me as costas? — Penélope pediu com voz quente e rouca, e olhou por sobre o ombro. Ao ouvir o pedido, Lucas pensou que fosse desmaiar. Ela arregalou os olhos, surpresa. Virou-se e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, endireitou os ombros e as costas. Não se intimidou, não escorregou para debaixo da água, não agarrou nenhuma toalha, nem mesmo cruzou os braços para proteger-se da inspeção inflamada. Lucas teve convicção de que ela era a mulher mais sedutora que já conhecera. — Eu não esperava que fosse o senhor — afirmou, com um sorriso. — Acabei de chegar. — Escutei alguém entrando, mas achei que fosse Colette. — E umedeceu a língua no lábio inferior. Com o exercício de grande força de vontade, Lucas conservou as mãos abaixadas. Tentou falar, em vão. Engoliu em seco duas vezes e pigarreou. — Eu... acho... que vou sair. — Antes poderia ajudar-me? Não sei para onde Colette foi. Devagar, Penélope mergulhou o pano atoalhado. Tirou-o gotejando e estendeu-o para Lucas. Com a outra mão, trouxe os cabelos para a frente e cobriu o busto, que o excitava. — Não sei... — Tudo o que ele queria era passar sabão por todo aquele corpo branco e sedoso. — Acho melhor não. Quero dizer... bem... — Nós nos casaremos logo. O que importa isso agora? — Nada, mas... — Lucas procurou uma desculpa e decidiu-se pela verdade: — Milady é tão tentadora que eu não conseguiria parar se lavasse suas costas. — Talvez eu não fosse querer que parasse — afirmou, corajosa. Como um homem poderia suportar tamanha tentação? Era como recuar no tempo e estar no Paraíso diante de Eva. — Isso não é certo, Penélope. Não aqui. A primeira vez deve ser em uma cama macia e à luz de velas. Penélope lembrou-se de ter ouvido dele palavras semelhantes. — Então vamos subir. — Não até estarmos casados. Para mim é importante fazer tudo de acordo. — Nesse caso, lave minhas costas, Sr. Pendleton — Penélope mostrou-se impaciente. — Tenho certeza de que saberá controlar-se diante de uma tarefa tão banal. Ela deixou o pano na beira do tanque de cobre e virou-se de novo. Lucas teve uma visão extraordinária. Os cabelos puxados para a frente deixavam a pele toda nua. Aproximou-se devagar, pegou o pano e mergulhou-o na água. Em seguida, com extremo cuidado para não tocá-la com os dedos, deslizou o atoalhado da nuca à cintura
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e vice-versa, três vezes. Em seguida, largou o pano na banheira e recuou, pronto para escapar. — Pronto. Terminei. — Poderia pegar a toalha? — Penélope apontou a mesa. Desviando o olhar, ele atendeu ao pedido. Lucas escutou-a sair da banheira e cerrou as pálpebras. Não queria presenciar mais nada. Aguçando a audição, poderia descrever todos os movimentos de secagem e os lugares que estavam sendo esfregados. Ah, como desejava enxugá-la! Penélope lançou a toalha aos pés dele, acertando uma das botas. O peso foi semelhante a uma tonelada de problemas. Sem coragem de pegá-la, Lucas atirou o tecido de lado com um pontapé e continuou a olhar a escuridão pela janela. — Já estou decente. Pode virar-se. Sem confiar muito, ele se virou com cautela. Aliviado, constatou que Penélope vestira um robe e que a trouxa de roupas em suas mãos a protegia de olhares indiscretos. Lucas não suportou encarar a fúria da rejeição. Por nada neste mundo queria vê-la infeliz. — Sinto... — Poupe-me de suas explicações, Sr. Pendleton. Já escutei muitas para uma noite. — Respirou fundo e apontou a parede oposta. — Se quiser tomar um banho, há mais água quente, que é aquecida enquanto se faz a comida. A cozinheira mostrou-me o reservatório atrás do fogão. — Obrigado — Lucas agradeceu não só pela explicação, mas também a mudança de tema. — Não há por quê. Fico contente de ver que o senhor voltou são e salvo. Há uma toalha seca sobre a mesa. Quer que lhe traga alguma coisa? — Não se incomode. — Não está com fome? Posso preparar-lhe um lanche. Temos pão e queijo. — Não será necessário. — Lucas rezou para ela não escutar o roncar de seu estômago. — Comi na cidade. — Está bem. Boa noite. Lucas não suportou a idéia de ficar sem ela. Mas o que poderia dizer ou fazer? Já a humilhara demais. Sentia-se como a escória da humanidade. — Penélope? — Sim? — Ela o fitou por sobre o ombro, esperançosa e sem afetação. — Nada. Penélope saiu. Lucas ouviu-a subir a escada e não pôde impedir a ilusão que o acometeu. E se fossem mesmo casados? Se aquele fosse o lar deles, e Harry, seu filho? Era muito agradável imaginar Penélope mexendo na cozinha, fazendo comida e ajudando-o em suas abluções. Esperar ansioso pelo fim do dia, quando enfim pudessem estar a sós. Era mesmo um grande idiota! Foi até a prateleira e procurou o conhaque da cozinheira. Serviu-se da bebida
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horrível e tomou-a de um só gole. Ouviu Penélope andar no pavimento superior e teve de ranger os dentes para não subir e deitar-se a seu lado, como sugerira ela. Mais calmo pelo efeito da bebida, pegou o balde pendurado perto do fogão e despejou o que restava da água quente na cuba. Tirou as roupas e entrou no que rotulou como sendo uma bacia para crianças. Não entendeu como uma casa tão bem-feita não tinha uma banheira decente. Era um homem alto e gostava de recostar-se para relaxar dentro do banho. Mesmo assim, foi uma sensação gratificante. A água morna tinha o odor do óleo de rosas que Penélope adicionara. Com um pouco de sorte, o aroma permaneceria em sua pele. Assim teria a impressão de estar com ela quando fosse negociar com o Duque. Mexeu-se para imergir a maior parte possível do corpo com o que pouco atrás banhara Penélope. A imagem dela desnuda veio-lhe à memória, e a excitação foi inevitável. Procurou afastar ambas, mergulhou a cabeça e esfregou os cabelos. Voltou à tona, soltou o ar e sacudiu-se como um cão molhado. Se o seqüestro fosse prolongar-se, teria de visitar algum bordel antes de retornar ao lar, à noite. Não havia outro remédio. Duvidava que resistisse a um segundo encontro daqueles com Penélope. Virou-se depressa, ao ouvir um ruído. Avistou Penélope à soleira, com a sala escura às costas e iluminada apenas pela pouca luz da cozinha. Usava uma camisola branca, transparente, presa nos ombros por duas tiras finas, que deixava quase nada à imaginação. O decote profundo expunha o busto amplo e perfeito até quase os mamilos róseos. Mais abaixo, a sombra do umbigo. Descendo, o triângulo escuro. — Penélope? — Lucas não conseguia respirar direito. Ela se transformara em uma mulher confiante e ainda mais sedutora. Eva disposta a devorar o pobre Adão. — Esqueci-me de algo... — E foi direto até a tina de cobre. A fenda lateral do traje de dormir permitia que, a cada passo, se divisasse o alto da perna. Mais um pouco e ele veria o centro de sua feminilidade. Lucas agarrou a esponja improvisada e cobriu a virilha. — O que é isso?! Penélope sentou-se na beirada, e Lucas agarrou-se nas laterais com toda a força que Deus lhe concedia. Se passasse um dedo no braço ou na coxa expostos, tudo estaria perdido. — Eu usei quase todo sabonete. — Penélope inclinou-se e deixou sobre o banco o que trouxera. No movimento vagaroso, o tecido leve esticou-se, e o busto ficou ainda mais à mostra. Diante do rosto de Lucas, o colo fabuloso e os mamilos visíveis. Um simples puxão e os seios ficariam desnudos, para seu deleite. Poderia apertar cada um daqueles botões preciosos. Ele os mordiscaria e sugaria. Penélope haveria de gemer e contorcerse... — Quer que eu lhe dê banho? — ela indagou, com sensualidade, e agarrou a esponja que cobria Lucas. Aquilo era uma tortura!, ele refletiu, em agonia, e segurou-lhe o pulso. — Não é necessário.
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— Tem certeza? Os lábios de Penélope estavam a centímetros dos dele. O hálito de menta lembrouo do beijo que haviam trocado. Poderia repeti-lo. Inclinar-se-ia para a frente, pressionaria os lábios nos dela, sentiria o gosto, morderia e... — Tenho. — Lucas? — Penélope acariciou-lhe tórax com movimentos circulares, lentos e pequenos. — O que foi, amor? — Ele nem percebeu que usara o termo carinhoso. Ela aumentou o raio da circunferência e raspou o mamilo plano com a unha. — Quando nos casaremos? — Ca... casar? — Lucas engasgou. Sentia o mundo fora de seu controle. Só pensava em sua excitação e na unha que o arranhava de leve. — Isso mesmo, querido — sussurrou com a boca encostada na dele, enquanto mergulhava a mão debaixo da água para acariciar o que encontrasse. — Acho que não poderei suportar... — Lambeu-lhe o lábio superior e depois o inferior — ...a espera. — Não sei, Penélope... A frente da camisola alargou-se e foi possível ver até o umbigo. A peça nada mais escondia de Lucas. Aquele era um tormento impossível de suportar. Lucas recostou-se, forçando um espaço maior entre eles. — Ainda não resolvi tudo. — Não pode ser amanhã? — Penélope tornou a aproximar-se. — Por favor... Nem pode imaginar o que significaria isso para mim. — Amanhã? — Sim. — Amanhã — Lucas concordou, sem nem saber por quê. — Promete? — Prometo. — Jure! — Eu juro. — Nunca se arrependerá de ter feito minha vontade. Lucas esticou os braços, mas Penélope já saíra da cozinha. Recostou a cabeça na banheira e pôs-se a ponderar sobre as ramificações do que acabara de jurar. Penélope entrou no quarto e trancou a porta. Colette esperava, impaciente, empoleirada na beira da cama e ansiosa para saber das novidades de como transcorrera a visita. — Ele estava lá? — Sim. — Penélope estremeceu. A casa estava fria, o hall, gelado, e a camisola transparente era o mesmo de que nada. Apressou-se em pegar o robe de lã e vesti-lo. — No banho. — Nu? — Lógico. Colette riu baixinho. — Bon, três bon. Gostou da camisola de milady?
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— Adorou. — Penélope devia a Colette a insistência de trazer a peça sensual. A camisola em estilo francês fazia parte de seu primeiro enxoval e nunca fora usada. Penélope admitiu que a peça devia operar milagres em qualquer homem. Lucas não a deixara de admirá-la um só momento. — Então essa foi uma boa escolha? — Perfeita. Haviam conspirado o dia inteiro sobre como induzir Lucas a decidir-se. O plano de ele encontrá-la no banho fora excelente. Porém a surpresa foi Lucas não querer aproveitar-se da oportunidade. A reunião se deu no quarto de Penélope, que não disfarçara a humilhação. Colette, confusa, irritou-se pelo comportamento estranho daquele homem viril. Por que Lucas não desejava Penélope? O que o faria perder a compostura? O que acontecia com ele? Nisso, Colette lembrou-se da camisola diáfana. Enquanto Penélope se vestia, ou melhor, desvestia, a criada deu-lhe várias sugestões eróticas. Com a coragem renovada, Penélope retornou à cozinha, disposta a travar uma batalha com o autocontrole dele. E alcançou êxito. Com certeza Lucas ainda não entendera como Penélope o enfeitiçara. — Perguntou-lhe sobre o casamento? — Sim. E Penélope relatou os acontecimentos em detalhes. No dia anterior, Colette insistira em dizer que havia algo anormal. As duas discutiram sobre Lucas, e Penélope o defendeu, afirmando que a cerimônia não ocorrera ainda porque ele ainda não pudera efetuar os proclamas. Mas sabia que seria impossível ficar ali para sempre. Se o Duque descobrisse seu paradeiro antes que o ato fosse consumado, seria forçada a casar-se com Edward. "Jamais!" Queria Lucas e precisava dele. Embora ele hesitasse, ela acreditava que havia algo muito sério. Não se tratava de uma ojeriza masculina a casamentos. Nem queria pensar na hipótese de Lucas tê-la enganado ou na de que suas intenções não fossem honradas. Pela precariedade da situação presente e futura, teria de confiar nele. Recusava-se a dar crédito às advertências lúgubres de Colette. — E quando vai ser o casamento? — Amanhã. — Penélope não conseguia suprimir a excitação de pensar nas mudanças de sua vida que ocorreriam em breve. — Ele prometeu? — Prometeu.
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Capítulo XI — Vai fazer o que?! Os freqüentadores do restaurante da estalagem se viraram ao escutar o grito de Matthew, o que era péssimo. Os irmãos procuravam não chamar a atenção. Vestiam-se com roupas simples e falavam pouco com a garçonete para não denunciar o sotaque americano. — Vou ter de me casar com ela. A licença falsa de casamento já está preenchida? Os dois inclinaram as cabeças sobre a mesa, e Matthew moderou o tom de voz: — Sim, mas isso não quer dizer que teríamos de fazer uso dela! — Não seja impertinente, Matt. Já havíamos discutido sobre a possibilidade de utilizá-la. — Mas em último caso. Seria um truque muito cruel para ser usado contra a srta. Westmoreland. — Sei disso. Mas não há outro jeito. Elas estão começando a questionar minhas intenções. — Mas se nem mesmo o viram nesses últimos três dias! Ou será que me enganei? Lucas nem queria se lembrar da noite anterior. Além de deixá-lo perturbado, Penélope ainda o fizera refletir sobre o domínio de sua masculinidade sobre o bom senso. Fato que jamais ocorrera. Passara horas angustiantes na cama. Virara-se sem parar de um lado a outro, tentando convencer a si mesmo de que qualquer homem reagiria da mesma maneira diante dos encantos de Penélope Westmoreland seminua. O melhor seria guardar para si a atração que sentira por ela desde o momento em que a conhecera. E mais ainda, de modo nenhum revelar ao irmão o poder de sedução daquela deusa. — Ontem à noite, a Colette me esperava... — A francesa intrometida? — ...do lado de fora da casa e com muitas suspeitas de que algo duvidoso estaria se passando. Disse que, depois de convencer lady Penélope a fugir, eu nem mais mencionara o casamento. — Não vejo nada de estranho. Afinal, ambos nem se conhecem direito. Aquela moça idiota deveria estar contente. É bastante razoável dar um prazo para a srta. Westmoreland preparar-se. — Mas não é o que ela pensa. Colette diz que a Penélope é muito bonita e... Lucas falou para o irmão apenas que Penélope se parecia com Caroline, por causa dos cabelos, dos olhos e dos traços fisionômicos. Evitava alongar-se no tema, pois não queria que Matthew percebesse o quanto Penélope o seduzia. E resolveu mudar o rumo da conversa: — Bem, embora a srta. Westmoreland nada tenha mencionado, tenho certeza de que ela tem um dote. A aia deve achar estranho que eu não tenha me apressado a tomála para mim. — Hum, pode ser...
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— Além do mais, a criada afirmou ter visto um homem escondido na mata. — Droga! Tenho sido tão cuidadoso! — Eu também, mas Colette é muito arguta e devotada a milady. Não podemos subestimá-la. — Digamos que não. — De qualquer maneira, a garota afirmou que, se o casamento não se realizasse hoje, iria convencer Penélope a retornar a Londres. Matthew engoliu em seco. — Acha que ela conseguiria? — Creio que sim. As duas se conhecem há muito tempo, e a srta. Westmoreland respeita suas opiniões. A criada poderá persuadi-la com facilidade. Matthew murmurou uma imprecação. — Hoje pela manhã, antes de sair, acalmei-as quanto aos preparativos e disse-lhes que o enlace seria à noite. — Lucas suspirou. — Sugeri que o sacerdote fosse até lá, pois havia necessidade de discrição. — E? — Elas aceitaram sem pestanejar. Lucas, de olhos baixos e fixos na xícara de chá, perguntava a si mesmo por que os ingleses não aprendiam a fazer café forte. Sem outro recurso para o momento, tomou a bebida quente aos goles e pensou em Penélope naquela manhã. Amanhecia, e ele, de botas na mão planejara escapar despercebido. Entrara na cozinha e a encontrara arrumada, sorrindo. Penélope preparava o desjejum, como uma esposa faria para o marido. Servira-lhe mingau de aveia, não muito quente e um pouco encaroçado, pão preto e torrado, manteiga recém-batida e um pote com geléia. E tomara o silêncio dele, que fora de puro espanto, como um sinal de que a refeição simples não o agradara. Horrorizado, viu as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto, enquanto ela se desculpava por nunca ter aprendido a cozinhar. Penélope explicou que nunca lhe ocorreu ter de aprender, pois sempre teve quem se preocupasse com isso. Ela começava a engatinhar nos mistérios culinários, sob a supervisão da cozinheira. Comovido, tanto pela ânsia dela em agradar quanto ao ponto a que chegou para ser aceita, Lucas sentou-se à mesa, e conversaram como se fossem marido e mulher. Durante aqueles momentos, não pôde afastar a sensação agradável de intimidade na cozinha silenciosa, nem deixar de pensar que tal realidade seria muito bem-vinda. Penélope tocou no assunto que a incomodava, e Lucas não encontrou coragem para negar a promessa que fizera de casar-se naquele dia. — Isso está ficando cada vez pior. — Matthew esfregou os olhos vermelhos. — Antes, nunca tivéssemos ouvido falar de Harold Westmoreland. — Concordo. Mas não podemos desistir agora que estamos tão perto do sucesso. Matt, a cerimônia não será tão ruim. Como não terá validade, podem-se suprimir as partes menos importantes. Terminará em questão de minutos. Matthew oficiara muitos casamentos quando era capitão de um dos navios, e tinha prática em tornar tudo crível. — Assim espero.
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— Estamos apenas ganhando tempo. Temos de fazer com que o Duque aceite o que lhe propusemos. Pensar assim alivia a tarefa e impede a vontade de vomitar. Vem sendo muito difícil fingir que está tudo bem e, ao mesmo tempo, procurar evitá-la. O enlace fictício aliviará um pouco essa carga de meus ombros. Hoje de manhã, Penélope dizia... Matthew fitou o irmão com a perspicácia que lhe era peculiar. Então exclamou: — Deus, não me diga que está gostando dela! — Claro que não! O que é isso agora, de onde tirou essa idéia? — Não acredito! Lucas, você está mesmo apaixonado! Lucas enrubesceu. — E daí? Isso não quer dizer nada, e também não modifica coisa alguma. — Sei! Eu o conheço. Está imaginando seduzi-la, enquanto conversamos. — O que não significa que o farei. Apesar de tudo, gosto de acreditar que sou um homem honrado. Matthew gargalhou, e de novo cabeças se voltaram para eles. Dominou a vontade de ironizar e recostou-se no espaldar. O espaço maior entre eles era fundamental para avaliar o irmão. — Ficou maluco? Nem deveria imaginar algo assim. Lucas amassou o guardanapo. Seria inaceitável explicar o que vinha acontecendo entre Penélope e ele, desde o momento em que se conheceram. E nada do que dissesse poderia diminuir a consternação de Matthew ou explicar o poder das emoções que Penélope despertava nele. — Ela é diferente de todas as mulheres que já conheci — Lucas desabafou, depois de minutos de embaraço, como um menino pego em uma falta. — Oh, não... — Matthew suspirou. — Eu nem saberia definir por quê. — Céus, o caso é ainda pior do que eu pensava! Nem pense em encostar nela! Escutou? — Sim, senhor! — Não se atreva a piorar o que já está ruim. Lucas concordava com o irmão, mas era muito difícil não ceder à tentação. Matthew entenderia se houvesse visto Penélope nua e ajoelhada no banho. — Sei disso muito bem. — Deixou um punhado de moedas sobre a mesa e seguiu Matthew até onde os cavalos estavam amarrados. Os irmãos se alternavam entre vigiar a casa e ir para Londres. — Talvez eu devesse ir para a capital hoje em seu lugar, Luc. — O quê? — Considerando-se o que acabei de descobrir, acho que na cabeça não estará firme nos negócios. Quem sabe os erros que poderá cometer? — Pelo amor de Deus, sei o que estou fazendo! — Ah, poupe-me! Sua concentração desceu da mente para a virilha! — Estou em perfeitas condições de conduzir meus deveres! Matthew meneou a cabeça e decidiu encerrar o assunto. Lucas era bem crescido e não necessitava de seus conselhos. Ademais, sabia que
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ele não gostava de ouvir as verdades ditas por seu irmão mais novo. Mesmo assim, não evitou as últimas recomendações: — Não se esqueça de deixar o cavalo na estrebaria de aluguel, antes de chegar ao centro. Haviam decidido evitar a travessia da cidade no lombo dos animais. Por causa do porte e da estatura elevada, chamariam menos atenção se caminhassem a pé. — Sabe onde encontrar Paulie? — Ele me achará. — Está com a mensagem nova? — Sim, eu a peguei. — Lucas bateu na camisa, onde escondera o papel. Tarde da noite escrevera a missiva para Westmoreland e lembrava-se dela letra por letra. — Avisei Penélope e Colette que eu chegaria tarde e que o casamento seria realizado depois das nove. — E se o Duque não aceitar as condições de hoje? — Pensaremos nisso depois. — Faremos a cerimônia mesmo se ele recusar? — Ainda não podemos soltar Penélope, por isso não é possível adiar o enlace. Causaria maiores suspeitas. Não se preocupe, Matt. O Duque aceitará, pode acreditar. Qualquer outro desfecho seria desastroso. — Ponha Harry para dormir antes de eu chegar — Matthew avisou. — Mesmo disfarçado de pastor, ele me reconhecerá. — Com a energia que aquele menino gasta durante o dia, sempre acaba dormindo cedo. — A srta. Westmoreland tem passado muito tempo com Harry? — Ela gosta muito dele. — Muito mais do que seria aconselhável. — Penélope diz que é um garoto maravilhoso. — No que ela está certíssima. No fundo, indagavam-se se não erraram em deixar que Harry e Penélope se conhecessem. Afinal, ela se afeiçoara muito ao meio irmão. — Bem, o que foi feito está feito — Lucas falou mais para si mesmo. Depois de montados, Matthew virou o cavalo na direção da aldeia, e Lucas, na da estrada que conduzia a Londres. — Os homens do Duque estão em toda parte, procurando, fazendo perguntas — Matthew preveniu o irmão, antes de se afastarem. — Tome cuidado. — É o que sempre faço. Não tenho intenção de deixar que Westmoreland me enforque. A carruagem imponente chegou ao lar de Westmoreland. O Duque não via a hora de poder descer. Tinha entre os dedos o último bilhete de resgate que fora deixado na mão do cocheiro, quando ficaram parados em meio ao tráfego. Por que Pendleton não mandara Penélope de volta? O Duque deixou o veículo e apressou-se até a porta. Só na quietude e na solidão da biblioteca poderia refletir sobre a guinada dos acontecimentos. "Oh, não é possível!" — Olá, Harold — Edward Simpson o saudou, antes que Westmoreland pudesse entrar.
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"Droga!" — Olá, Edward, o que o traz aqui? Harold procurou sorrir. Sabia muito bem qual o motivo da vinda de Edward. Penélope sumira fazia quatro dias, e o pai, certo de que ela voltaria a qualquer instante, nada comentara com ninguém, nem mesmo com a Duquesa. Não existiam dúvidas de que o noivo escutara rumores. — Vim fazer uma visita a Vossa Graça e gostaria de falar com lady Penélope. — Sim... bem... — Eu já lhe falei que, da última vez que nos encontramos, tivemos uma pequena altercação. Faz mais de uma semana que não a vejo. — Tanto assim? — Vossa Graça disse-me que lady Penélope foi para o campo. Harold agradeceu pelo comentário providencial. — Achei melhor assim. — Por quê? — Minha filha aborreceu-se por causa da discussão. O Duque não podia culpar Penélope por nada ter lhe dito. Nunca dera abertura à filha que lhes permitisse ter um relacionamento franco. Ao ver a agitação dela, perguntara a Edward o que houvera. Apesar da resposta vaga do conde, não acreditou nele. Conhecia-o e sabia do que ele era capaz. Apenas duas pessoas tinham conhecimento do que ocorrera naquela noite no jardim, e nenhuma das duas falaria. Harold suspeitava que o comportamento de Edward motivara a fuga de Penélope. — Ela está indecisa quanto a querer mesmo casar-se. — E o que importa a opinião dela? Nós dois concordamos em adiantar a data. Faltam apenas nove dias. — Sei disso. — Pensei que tudo estivesse resolvido. — E está. Penélope precisa descansar um pouco para que a façamos concordar com nossa decisão. Agora, se me dá licença... — Harold passou pelo conde, sem se deter. Caminhou a passos largos pelo hall, ouviu a esposa chamá-lo em um dos salões e chegou à biblioteca. Pelo menos ali não seria interrompido. Andou de um lado para outro, frustrado e com raiva. Ah, como desejava apertar o pescoço daquele americano miserável até vê-lo espernear de agonia! Um criado bateu na porta, o que lhe pareceu estranho. Mesmo sem ter idéia do que acontecia, todos sabiam que era preciso evitar a ira do Duque. — O que é?! Jensen, o mais corajoso dos doze serviçais, girou a maçaneta e pôs a cabeça para dentro. — Milorde, a Duquesa pediu-me para avisá-lo de que deseja falar-lhe. Harold sabia que, ao sair dali, o infame Jensen iria direto para a cozinha, onde deliciaria os ouvintes com os últimos boatos, independente de qual fosse a resposta. — Não quero ser incomodado. Por ninguém.
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O mordomo competente ergueria uma muralha para impedir a entrada de quem quer que fosse, mesmo a Duquesa. — Muito bem, sir. — Entrementes, tenho de falar com Purdy. Encontre-o e mande-o vir para cá agora mesmo. Somente ele. Entendeu? Jensen saiu. Harold sentou-se a sua mesa e rasgou o lacre. Westmoreland, Esta é sua última chance. O futuro de sua filha está na balança. O que acha disso? Harold largou-se na cadeira, aliviado. Estivera certo. Pendleton não pretendia machucá-la. Sabendo que Penélope estava segura, o jogo poderia continuar enquanto seus homens prosseguiam na busca. Com um brilho no olhar, pegou um pedaço de pergaminho, mergulhou a pena na tinta e escreveu a resposta. — Meus queridos... — o ministro começou. Penélope nem escutou as palavras iniciais. O pastor era alto, devia ter quase trinta anos e poderia ser até bem apessoado, se não fosse a expressão tão mal-humorada. Fora escolhido por Lucas por ser um americano em visita ao país. Assim não teria interesse em procurar os homens do Duque para revelar-lhes a novidade. A única preocupação dela era de que o sacerdote não fosse oficialmente autorizado pela Igreja para oficiai casamentos em solo inglês. Antes da cerimônia, sussurrara suas dúvidas ao ouvido de Lucas, que lhe garantiu não haver problemas com credenciais ou autoridade. Seu futuro marido estava com a licença especial no bolso, o religioso tinha plenos poderes, e o matrimônio poderia ter início. Penélope olhou ao redor. Ela e Colette passaram a manhã colhendo flores e folhagens, enfeitando velas e decorando a sala, que ficara parecendo um caramanchão encantado. Um local onde uma mulher poderia casar-se com o homem de seus sonhos e viver feliz para sempre. Vestiu-se depois da saída das duas empregadas, pois as mulheres acreditavam que Lucas e ela já fossem casados. Quanto aos preparativos, disse tratar-se do primeiro aniversário de casamento e ela queria surpreender o marido com uma festa surpresa. As criadas acharam a idéia muito romântica e ajudaram no que puderam. Até fizeram o longo trajeto até a aldeia para comprar os artigos de que Penélope necessitava. Embora a cozinheira não fosse nenhum chef, esforçara-se bastante. Penélope rezou para que os pratos houvessem ficado palatáveis, pois pretendia servi-los como jantar de núpcias. No quarto. No momento, as travessas decoradas, as garrafas de vinho e as taças de cristal permaneciam ocultos. Ela esperava alegrar Lucas com a refeição e com muito mais. Por fim, descobriu o que se sussurrava atrás da agitação dos leques abertos. Poria em prática o que Colette lhe ensinou durante tanto tempo. Conheceria a alegria e o prazer de deitar-se com um homem que significava tanto para ela. Colette massageara-lhe a pele com óleos perfumados, polira suas unhas, pentearalhe os cabelos e fizera alterações de última hora no traje.
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O vestido de noiva feito por uma modista parisiense para o primeiro casamento ficou pendurado em um dos numerosos closets da mansão do pai. O grande número de anáguas e barbatanas fez dele um volume inadequado para uma viagem apressada. Por isso, escolheu um mais simples e mais adequado para uma cerimônia campestre. Era de seda azul-clara que lhe realçava a cor dos olhos, de cintura alta e decote baixo, com mangas bufantes. O tecido tinha fios prateados que davam vida ao modelo. No pescoço, um colar de diamantes pequenos que faiscavam tanto quanto o par de brincos combinados. Colette escovara-lhe os cabelos loiros para cima com pentes incrustados de diamantes. Os cachos desciam do alto e tocavam os ombros, tornando Penélope ainda mais bela e desejável. E desde que descera a escada, Lucas não tirava os olhos dela. De repente, fez-se silêncio no recinto. — Então? — O pastor fitava-a, carrancudo. — Então o quê? — Aceita esse homem... — ele repetiu, devagar. — ...como seu marido legítimo? — Ah! — Penélope corou e olhou para Lucas com um sorriso radiante. — Aceito! Penélope escutou suspiros de alívio, como se temessem o inverso. Imagine se ela iria recusar alguém tão maravilhoso quanto aquele. Lucas chegara tarde e mal teve tempo de lavar-se. Mesmo com as roupas que usara para trabalhar, era tão lindo que Penélope teve de baixar a vista. Ele apertou-lhe a mão, e ela retribuiu. Fizeram todos os juramentos necessários, e a cerimônia terminou. Sob os olhares de Colette e do pastor, Lucas beijou-a nos lábios. Os noivos assinaram a licença, e o ministro fez menção de ir embora. Lucas acompanhou-o, alegando ter de dar-lhe alguma recompensa monetária por ter vindo fora de hora. — Consegui! — Penélope declarou para Colette, assim que os homens se retiraram. — Oui, mon amie! — Colette chorava de emoção. — O que achou? — Magnifique! Milady é a noiva mais bela que já vi. — E meu marido? — Magnifique, aussi! Trèsbeau. Trêscharmant. Formam um casal maravilhoso, e sem dúvida terão filhos lindos. — Colette beijou-lhe as faces coradas. — Subirei antes que ele volte. Preciso trocar-me. — Esta noite monsieur não resistirá a seus encantos. Subiram a escada e Colette fechou a porta. No celeiro, Lucas segurava a lamparina no alto, enquanto Matthew preparava o cavalo para partir, sem ter dito uma só palavra até então. — No que está pensando, Matt? — No quê?! Que ela o ama, meu caro. Será que ainda não percebeu? — Nada disso. — Não tente diminuir os sentimentos de Penélope, negando-os. — Bobagem sua. — Deu de ombros. Lucas não queria que isso fosse verdade. Penélope não merecia tanta crueldade.
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Não podia deixar de vê-la descendo a escada, tão esplêndida. Ela brilhara ao fazer o juramento e ao término da cerimônia, sorrira com um encanto nunca visto. E ele mesmo nem teve a decência de trocar-se. Chegou tarde de propósito e entrou na sala como se nada de anormal estivesse acontecendo. E, apesar do aspecto desleixado, Penélope o encarou como ele fosse o homem mais elegante e extraordinário da face da terra. Com a decoração da sala e as preocupações dela com os detalhes, o enlace nem pareceu fictício. Ao fazer os votos, Lucas desejou de coração que eles fossem verdadeiros. Mas não eram. E teve de admitir que isso lhe causara sofrimento. — Eu não sabia que meu irmão era mentiroso. Lembro-me de ter escutado que lady Penélope concordou com o esquema para enganar o pai e fugir dos planos dele. Que seria um casamento de conveniência. — Matthew sacudiu a cabeça, desanimado. — Como pôde permitir que as coisas chegassem a esse ponto?! — Não fiz de propósito. Os acontecimentos se precipitaram... não sei. Desde a primeira vez em que nos encontramos, sentimos atração um pelo outro. Não tive de fazer nada. Os sentimentos apareceram. E pior: são verdadeiros. — E quanto a ela? Já pensou nisso? — Matthew fitou por alguns minutos a noite estrelada através da porta aberta e voltou-se. — Teremos de mandá-la para casa. — Que absurdo, Matt! Nós ainda não conseguimos o que queríamos. — O preço da vitória tornou-se alto demais, Luc. — Não diga isso! Depois de tudo o que planejamos e após tanto trabalho! — Luc, por favor, tente raciocinar. — O que está querendo insinuar? — Isso não terá um final feliz. A srta. Westmoreland acha que é sua esposa a partir de agora. O único jeito de conseguir um bom desfecho seria casar-se com ela de fato. — E não seria uma boa idéia? — Lucas se esforçaria para ser um bom marido, se Penélope ainda o quisesse, depois do que ele fez. — Mesmo que o perdoasse, não será um marido adequado para ela. — E por que não? — Lady Penélope transpira realeza. E você, meu irmão? Não passa de um criminoso, jogador, namorador e pirata. Órfão de um fazendeiro falido que plantava tabaco. — Não sou... — Lucas desistiu de defender-se diante do olhar rancoroso de Matthew. — Isso já foi longe demais. Ela vai para casa amanhã cedo. — Não. Leia isto! — Lucas estendeu a resposta do último pedido de resgate. Matthew leu e não acreditou. — Que espécie de homem é esse que não quer de volta a própria filha? "Faça o que quiser com Penélope"! O Duque não é humano! E o que posso deduzir, depois de conhecer a jovem e descobrir a jóia que é. Ou então Roswell é um demente. — Talvez um pouco de cada. — Lucas suspirou, frustrado. — Pensei nisso o dia todo. Não posso mandá-la de volta para um pai desses. Nem consigo imaginar o que ele faria, caso ela voltasse. — Não lhe tiro a razão. Mas qual a saída para isso tudo? Ficaram parados na porta
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do celeiro, mirando as estrelas. Na casa, as velas do quarto de Penélope continuavam acesas. Ela deveria estar se aprontando para recebê-lo. Penélope contava com uma verdadeira noite de núpcias! Que desastre! Com o passar do tempo, a lista e o peso dos pecados aumentavam. — Jesus... — Lucas não sabia onde encontrar forças para continuar com a farsa. — De quem é aquele quarto? — Matthew apontava o pavimento superior. — O de Penélope. — Ela o aguarda. — Eu sei. — O que pretende fazer? — Não imagino... Acho que ficarei aqui por mais uma ou duas horas. Até ela se cansar e assoprar as velas. — Entendo que não há outra atitude a ser tomada, Luc, mas, levando-se em conta o quanto Penélope o ama, devo dizer que nunca ouvi declaração mais impiedosa do que essa. Matthew montou e saiu a galope.
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Capítulo XII Lucas abriu devagar a porta da frente e subiu a escada sem fazer o menor ruído, preparado contra um ataque da empregada francesa, que lhe perguntaria por que ele chegava tão tarde. Nada disso aconteceu, e ele continuou. Passou pelo quarto de Penélope e entrou no de Harry. Fitou os cabelos loiros e a respiração ritmada por minutos. — Estou fazendo isso por sua causa, meu querido — murmurou, com carinho. Harry era muito novo para compreender a maldade que seu pai cometera contra sua mãe. Quando crescesse e soubesse de tudo, Lucas contava em ganhar o entendimento e a gratidão do sobrinho. Talvez então fosse capaz de chegar a um acordo consigo mesmo e aceitar o fato de ter usado Penélope para atingir os objetivos da família. Acariciou a cabeça do sobrinho e saiu dali. Hesitou diante da porta de Penélope, virou a maçaneta e entrou, mesmo sabendo que não deveria fazê-lo. Tinha de se desculpar. A cama não desfeita e iluminada pelo luar estava vazia. Penélope, acordada, apoiava-se no parapeito da janela e olhava para fora. Vestia um conjunto diáfano escarlate que nem chegava a cobrir-lhe as partes íntimas. Um traje perfeito para atrair o mais venturoso dos noivos. Lucas envergonhou-se por não conseguir impedir a excitação. Ela se virou, segurando uma garrafa de vinho pela metade. — Ora, se não é meu querido marido! — sarcástica, fitou-o de alto a baixo. — Até que enfim você chegou! Lamento ter de dizer-lhe que estou indisposta e mal-humorada. — Penélope, eu... — Cale-se! — ...sinto muito. — Cale-se, eu já disse! Vá embora! Deixe-me sozinha! A fúria no olhar estreitado e o tom de comando deixavam Penélope parecida com o pai. Ela o avaliou, como se Lucas fosse o verme mais asqueroso. — Não posso deixá-la nesse estado, sendo que a culpa é minha. — Se não sair daqui agora mesmo, nem sei o que poderei fazer. Ainda tenho aqui a faca que você me deu. E se tiver chance... — Olhou para seu baixo-ventre. —... saberei muito bem o que cortar primeiro! A ameaça foi tão vibrante que Lucas engoliu em seco e protegeu a genitália com as mãos. — Nesse caso, será melhor sair. Conversaremos pela manhã, quando você estiver mais calma. — Não estarei mais calma pela manhã. De fato, acho que jamais me acalmarei. Lucas já teve dezenas de ligações afetivas e terminou todas ao primeiro sinal de envolvimento emocional. Odiava meter-se em discórdias românticas. Amenizava as separações e continuava a amizade com as amantes. Era uma auto preservação necessária, pois não suportava ver uma mulher chorar. As lágrimas femininas induziam-no a cometer as mais diversas tolices. Por isso,
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escapava antes que a relação se deteriorasse. E muito menos saberia como lidar com a ira de Penélope. Na realidade, esperava por um pranto convulsivo, e não por uma explosão de cólera. Teve certeza de que, se aceitasse o desafio daquela luta, seria um provável fracassado. E, como um covarde, virou-se em direção da saída, quando um grito furibundo o deteve: — Não ouse mover-se! — Penélope saiu da janela e parou, cambaleando. Uma demonstração de que bebera um pouco a mais de vinho. — Mudei de idéia. Quero resolver isso de uma vez por todas. — Não acho que seria bom conversarmos agora. — Ah, que pena... — Penélope falou com se grunhisse, aproximando-se como uma fera. — O que você acha pouco me interessa. Faremos o que tiver de ser feito! Lucas lembrou a si mesmo que não conhecia aquela mulher, nem o que ela seria capaz de fazer. — Não há necessidade de trocarmos palavras ásperas. — Pois eu discordo! Nada me agradaria mais que uma bela discussão com você! — E isso resolveria o problema? — Lucas pensou em rotular aquele como o momento mais crítico de sua vida, mas desistiu. O pior tinha sido ver Penélope no banho e não poder tocá-la. — Não pretendo ficar aqui brigando no meio da noite. — Está bem, Lucas. — Respirando fundo, ela procurou conter o ódio. — Sejamos civilizados. Você deve imaginar o que passei durante quatro horas e meia, ansiosa, a sua espera. Por favor, não minta. Não adianta afirmar que pretendeu encenar um jogo amoroso, pois ninguém acreditaria em tal balela. Tenho certeza de que, por estar acordada, interrompi sua fuga para o quarto. Lucas passou a mão nos cabelos. Se houvesse previsto aquela altercação, jamais teria entrado nos aposentos de Penélope. Conversariam na manhã seguinte, quando estivesse mais descansado. — Não sei o que dizer... — Por que não começa explicando os motivos que o levaram a não consumar o ato matrimonial? — Não foi por minha vontade — mentiu. — Então por que foi? — Bem... nós mal nos conhecemos, e estou convencido de que seria bom para milady se nos habituássemos primeiro um com o outro. — Quer dizer que esse é seu raciocínio? — Penélope passou a mão na testa. — Isso é de morrer de tanto rir. Eu fiquei aqui vestida com quase nada... Ela se lembrou de seu corpo quase todo exposto e cobriu-se com um robe transparente que pouco ajudou a melhorar a situação. — ...e você resolve que devemos esperar até nos conhecermos melhor. O que está havendo?! — Achei que seria melhor assim — Melhor para quem? — Sei que está aborrecida, mas com o tempo haverá de compreender que eu tive razão em adiar...
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— Mas que asno presumido! Considerar-se como o dono da verdade! Por acaso está lembrado de quem é meu pai? Pode imaginar o alcance de seu poder? Tem idéia do que aconteceria a você e a mim se o Duque nos apanhasse antes de estarmos casados com todas as letras?! — Sei tudo sobre seu pai, Penélope. Estou consciente do que ele poderá fazer. — Então por que não estamos na cama? Achei que quisesse me ajudar! Que gostasse de mim! — Eu queria. E gosto! — Nesse caso, terá de proceder de maneira adequada para que não haja retorno. Ou o Duque acabará me encontrando e levando de volta. Na certa, ele poderá anular nosso casamento em uma questão de horas, e eu teria de aceitar Edward! Os receios de Penélope eram genuínos e válidos. — Eu entendo. — Por que arrancou-me do seio de minha família? — Penélope bateu o indicador no peito de Lucas. — O que eu teria a ganhar além do aumento da fúria de meu pai? — Admitamos que milady obteve coisas importantes. Tempo. Distância. — E de que servirão essas porcarias se eu tiver de ir embora com meu pai? — Penélope deixou cair os ombros, desanimada. — Pensei que quisesse esse casamento, Lucas. E que gostasse de mim. — Já disse que gosto, Penélope. — Prove! — O que quer que eu faça? Que a atire no leito e me satisfaça? — Isso mesmo. Agora! Mostre o quanto me deseja como esposa. Bastava um passo. Lucas a agarraria pela cintura e a jogaria sobre o colchão macio, onde afundariam. Poderia deitar-se sobre ela, cobrindo-a com seu peso. Sentiria Penélope colada nele da cabeça aos pés, como tanto sonhara. A tentação era extrema. Nunca vira nada parecido com aquele conjunto de dormir que o excitava. Nem mesmo nas mais caras prostitutas. A camisola de seda com rendas era transparente e não alcançava o umbigo. De decote baixo, deixava visíveis os contornos dos mamilos e dos seios. Um pedaço pequeno do mesmo tecido cobria metade das nádegas. Penélope usava meias, ligas e sapatilhas de salto de cor escarlate. O robe era tão fino quanto o resto. Lucas a desejava como nunca. Queria fazer amor com ela vestida daquele jeito, com toda aquela seda vermelha e fria encostada em sua pele fervente! As imagens deram lugar a outras. De Caroline, de Harry e do Duque. Do desapontamento no rosto de Matthew ao saber que o irmão acabara por seduzir Penélope. Acima de tudo, via Penélope sofrendo a traição. Lucas odiou a resposta que a desapontaria e sacudiu a cabeça em uma negativa. — Não posso fazer o que me pede. — Canalha! Responda-me apenas uma coisa. — Se eu puder... — Por que se casou comigo? — Por vários motivos. Mas estou exausto demais para enumerá-los agora. Não
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podemos deixar a disputa para mais tarde? — Para amanhã? Depois de amanhã ou para a semana próxima? — Amanhã estarei muito ocupado. Terei de ir logo cedo para Londres. — Pois é o que você pensa! Penélope foi até a porta, trancou-a, tirou a chave que estava na fechadura e atiroua para fora, onde as moitas eram altas. Em seguida, aproximou-se de Lucas com um sorriso triunfante. — Agora teremos muito tempo para conversar. — Ficou louca?! Ele a afastou, usando o cotovelo, e inclinou-se no parapeito para um procedimento inútil: espiar o chão escuro. Como um tolo, estendeu a mão para fora. Estava preso em um quarto com Penélope pelo menos até o amanhecer. Por razões como essa, jamais se envolveu em atritos com mulheres. Uma mulher nervosa podia cometer os atos mais desatinados. Começou a entender por que um homem era levado à violência. Se Penélope fosse um homem, não teria hesitado em dar-lhe uma lição. Mas permaneceu imóvel. Se movesse um músculo, seria tentado a deitá-la sobre os joelhos e dar-lhe uma surra merecida. Suspirando, virou-se. Em pé, perto de uma mesinha, Penélope batia compassadamente dois dedos no tampo, calma e composta depois do que fizera. Irritado, Lucas ameaçou-a com olhar feroz. — Vai arrepender-se de ter cometido algo tão insano. — Pois eu duvido. Ele deu um passo na direção dela e depois outro. Desde que a conheceu, Penélope se mostrara benévola, dócil e maleável. Quem era a jovem dominadora que o encarava? Lucas reconheceu que seria preciso exercer autoridade sobre ela e lembrá-la de quem era o responsável. — Sou seu marido. — Não é! Fizemos o juramento, mas enquanto não se deitar comigo, seremos duas pessoas separadas. — Sou seu marido! -— E adiantou-se, ameaçador. Penélope não se intimidou, nem saiu do lugar. — Disse-lhe que falaremos de manhã e ponto final! E se eu falei que adiaremos a noite de núpcias, ela será adiada! — Se não se deitar comigo esta noite, voltarei para casa de meu pai amanhã cedo. Lucas teria coragem de prender Penélope e Colette até o final do processo? — Milady não irá a lugar nenhum sem minha ordem. — Tente me impedir. — É o que farei. — Nossa, veja como estou aterrorizada! — Penélope ainda teve a audácia de bater os cílios. Como Lucas gostaria de torcer-lhe o lindo pescoço! — Pois deveria estar!
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— O que fará se eu me recusar a cumprir suas ordens? Vai me bater? Trancar-me no quarto? Impedir-me de jantar? — Eu... eu... eu... — Lucas gaguejou, à procura de um castigo plausível, mas não encontrou. Não costumava tomar medidas drásticas contra mulheres. Qualquer ameaça soaria vazia. Ambos sabiam disso. — Foi o que pensei. Recebi ordens de homens muito mais brutais de que você. Por isso, se espera exercitar uma dominação marital sobre mim, será melhor aprender rápido. Caso contrário, irei embora em um... — Penélope estalou os dedos. — E isso mesmo o que deseja? Se voltar para a mansão do Duque, ele a empurrará de volta para aquele bêbado nojento que se intitula seu noivo. — Pois prefiro isso a morar aqui dessa maneira, como se eu fosse uma pessoa invisível e sem nenhum vínculo com você. — O Duque poderá tomar atitudes impensáveis. — Se for o caso, escaparei de novo. Dessa vez, talvez encontre um homem que aprecie minha companhia. Lucas se enfureceu. Penélope era dele! Ninguém mais a teria! — Você é minha esposa! — Então demonstre que sua consideração é verdadeira! Penélope conteve a respiração e esperou. Aquela fora a noite mais horrível que já tivera. Examinou o que acontecera nos últimos três anos, e não encontrou motivos para ser tão mal amada. Por que ninguém a queria? Na adolescência, orgulhava-se de sua beleza, da posição social da família, de seu próprio papel na aristocracia, das perspectivas matrimoniais. Fora uma moça arrogante, fútil, autoritária, rude e insensível. Acreditava que as dádivas divinas lhe pertenciam por direito. Esse comportamento causara ciúme e sofrimento por onde passava. Recebeu um grande choque quando o primeiro noivado terminou. Convenceu-se de que ninguém gostava dela e de que suas amizades não eram verdadeiras. Os falsos amigos alegraram-se com a queda e, sempre que podiam, atacavam-na com atitudes e palavras odiosas. Abandonada pelos conhecidos, Penélope reformulou seus conceitos e transformou-se em outra pessoa. Tentou ressaltar todas as qualidades positivas. Tornara-se atenciosa, interessada, envolvente. Leal, confiável, simpática. O tipo de mulher que todos gostariam de chamar de amiga. Ao conhecer Lucas, supôs ter chegado a uma evolução completa. Não lhe ocorreu que ainda pudesse desagradar alguém. Era como se toda a transformação de nada houvesse adiantado. Por que ele não gostava dela? Penélope passou a primeira hora arfando de ansiedade, tentando adivinhar o significado de cada ruído. Na segunda hora, andou de um lado a outro, parou na janela de quando em quando, procurando adivinhar para onde o marido teria ido. Na terceira, ficou zangada, e na quarta, desconsolada.
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Àquela altura, depois do retorno de Lucas, Penélope tinha uma certeza: gostava dele, e desde a primeira vez em que o viu. Lucas travava uma batalha interior. Queria Penélope, mas um fator desconhecido impedia-o de admitir o fato e de seguir suas inclinações naturais. Ela não sabia o que se passava, nem precisava, pois só desejava resolver o passado e começar o futuro. A luta continuou sem tréguas e, infelizmente para ele, Penélope estava cansada de esperá-lo. Ela afagou-lhe o baixo ventre e sentiu o intumescimento imediato. — Por acaso é homem ou não? — O que disse? — Lucas afastou-lhe a mão. — Colette e eu estávamos apenas imaginando... Penélope não teve oportunidade de terminar o insulto. Lucas abraçou-a com energia e esmagou-lhe os seios de encontro ao peito. Grudou as pernas musculosas em suas coxas e segurou-lhe as nádegas. A masculinidade da qual ela duvidava pressionava-lhe o ventre, palpitando e querendo saltar da calça. Lucas a encarou com um brilho irado no olhar, mas Penélope não se acovardou. Arqueou-se para frente, como se fosse muito experiente. — Eu vou possuí-la de todas as maneiras. Antes de a noite terminar, haverá de implorar por um fim. — Pois lanço o desafio de que dê o melhor de si. — Depois não quero ouvir nenhuma queixa. — De acordo. Nada de arrependimentos ou lamentações. Lucas beijou-a com ferocidade. Segurou-lhe os cabelos e puxou-lhe a cabeça para trás. Mordiscou, experimentou e sugou o sabor e a textura desconhecidos. Invadiu-lhe a boca com a língua, para frente e para trás, em um ritmo alucinante. Penélope sentia comichão no estômago e a ansiedade aumentar em espiral. Ao mesmo tempo que a beijava, Lucas acariciava-lhe as costas de cima para baixo e vice-versa. Voltou-se para a frente e abriu o robe pelas lapelas. Como a faixa da cintura estava amarrada, o tecido desceu até os cotovelos e prendeu-lhe os braços. Penélope não conseguiu desembaraçar-se. Mantendo-a meio imobilizada, ele acariciou-lhe os braços e os ombros. Deixou a boca para beijar-lhe as faces e sob o queixo, na área sensível do pescoço. Sugou-lhe a pele alva com força suficiente para deixar marcas. Penélope ficou zonza. Sentia calor, frio e vontade de gargalhar de felicidade. Mas precisava soltar-se. O mundo fora reduzido àquele momento e àquele homem. Queria tocar cada centímetro dele até conhecer-lhe o formato e a textura. Lutava para desvencilhar-se, e a fricção deixava Lucas inflamado de paixão. Ele a levantou pela cintura e jogou-a na cama com uma rapidez que a deixou ainda mais tonta. Sem perder um segundo, atirou-se sobre Penélope e cobriu-a com o corpo, as mãos e a boca. O primeiro instinto dela foi sair de baixo daquele peso estranho, mas logo reconheceu a imperiosa necessidade do momento e aceitou a imobilidade imposta. Lucas beijou-a por toda parte. Testa, olhos, cabelos, pescoço, colo e peito. Evitou os seios suplicantes, apenas roçando-os na passagem. Com uma das coxas abriu-lhe as pernas e fez pressão no meio delas. Tomada por
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uma energia desconhecida, Penélope virou ambos de lado e começou a cavalgar-lhe a perna musculosa até chegar a uma velocidade alucinante. Ela delirava, sentia muito calor e incerteza, incapaz de continuar e também de parar. A cavalgada cessou aos poucos. Lucas voltou para cima dela e acomodou as duas pernas entre as de Penélope. O tecido rústico da calça esfregava-se na parte interna das coxas delicadas, deixando-as escoriadas e muito sensíveis. — Por favor, Lucas. Por favor! — gemeu, sem saber pelo que implorava. Penélope sentia-se em chamas. Era um verdadeiro caldeirão de agonia. As carnes estavam quentes e retesadas. O busto, inchado a ponto de arrebentar. Os dedos das mãos e dos pés formigavam. O coração disparava. A umidade entre as pernas ensopava o pedaço de renda que lhe cobria a feminilidade. Lucas abriu o nó da faixa que prendia o robe e libertou-lhe os braços. Apesar disso, Penélope ficou impedida de movimentar-se sob o tamanho e o vigor dele. Lucas baixou as tiras da blusa diminuta e expôs-lhe os seios. Observou-os durante minutos com olhar tão intenso que Penélope sentiu como se ele os tocasse. Os mamilos ficaram ainda mais duros, eretos e doloridos. Lucas gemeu baixo e manipulou-os com o indicador e o polegar, o que fez Penélope dar gritos abafados de prazer. Ela se contorcia, procurando escapar, mas continuava presa, de pernas abertas, naquela tortura erótica insuportável. Lucas se inclinou, circulou as auréolas com a língua e depois sugou-as. Penélope ergueu as costas da cama, mas ele a empurrou para trás e continuou os movimentos. Ela pensou que enlouqueceria se Lucas não parasse de atormentá-la. Ele afastou os lábios e prosseguiu com massagens nos seios volumosos. Penélope suspirava, com pesar. Os mamilos úmidos e pontiagudos não estavam satisfeitos. — Tenho extremidades grandes — Lucas declarou, com o olhar escurecido pelo desejo, e pressionou a masculinidade manifesta entre as coxas dela. — Talvez eu a machuque. — Não me importo. — Penélope arfava. — Eu a cobrirei e a dominarei até que, em meio a contorções, ouça você implorar por misericórdia. — Nunca ouvirá isso de mim. — A primeira vez sempre envolve sofrimento. — Não faz mal. Lucas passou a acariciar-lhe o ventre. Tornou a pressionar a protuberância em Penélope, que arqueava os quadris no mesmo ritmo dos movimentos rudes. Ele encostou a mão na carne palpitante e tenra, e retirou-a úmida. — Deus, ela está pronta para me receber! — murmurou para si mesmo. Então deslizou para dentro um dedo, depois outro e em seguida o terceiro. Explorou e distendeu os tecidos. Sem muito cuidado e com pouca gentileza, apressado e sem darlhe trégua, aprendeu o caminho da cavidade secreta. Penélope fechou as pálpebras diante da invasão, intrigada e receosa por receber aquele tratamento. — Por que faz isso, Lucas? — Estou preparando meu caminho. — É dolorido.
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— E vai piorar. Lucas não teve piedade. Rasgou a diminuta peça de seda rendada e expôs a magnificência defronte de seus olhos libidinosos. Sem hesitar, baixou a cabeça, fungou, cheirou e experimentou. Sem importar-se com o gemido gutural de surpresa de Penélope, afastou os pêlos com a língua e passou a provocar-lhe a intimidade. Com a mão direita torturava um mamilo túrgido de cada vez, sem interromper os avanços e recuos impiedosos dos dedos da mão esquerda na essência de Penélope. O prazer foi intenso demais, e deu a ela a certeza de que irromperia em chamas se alguma coisa não acontecesse logo. A sensação ia muito além do que um ser humano poderia suportar. Lucas a fez subir em espiral rumo ao desconhecido, perder o controle e desfazerse em milhões de partículas que se espalharam pelo Universo. Realidade e tempo perdiam o sentido. A agitação continuava e parecia não ter fim. Aos poucos a sanidade retornou, e Penélope descerrou as pálpebras. Lucas, apoiado em um braço, abriu a calça e fez Penélope sentir entre as pernas o calor e a insistência da rigidez. Pela tensão dos ombros dele, do suor em sua testa e pelo olhar tenso, Penélope deduziu que se controlara ao máximo para dar-lhe a primazia da satisfação. Alegrou-se ao reconhecer o próprio poder feminino, que o deixava tão alucinado. Entendeu que esperara desde sempre para compartilhar aquele marco com Lucas. Lucas Pendleton a possuiria, e Penélope Westmoreland seria dele até o fim de seus dias. — Abra os olhos. — Lucas investiu para dentro dela com todo o ímpeto. — Quero que olhe para mim, enquanto eu a torno minha mulher. Olhe para mim! Jamais esqueça que fui o primeiro e que serei o único! — Eu sou sua — Penélope sussurrou, prendendo a respiração diante de outro avanço fogoso. Os tecidos virgens encontravam dificuldade para distenderem-se e se ajustar ao tamanho excessivo. Tensa, Penélope mordeu o lábio inferior, com medo do que não conhecia. — Agora e sempre — Lucas terminou a promessa e mergulhou sem piedade. Penélope enrijeceu, com uma vontade irracional de livrar-se da intrusão. O que mais queria era unir-se a Lucas para a eternidade. Ele encostou a testa na dela, e de olhos fechados respirou fundo e com dificuldade. Sua postura denunciava a pressão que o acometia. — Não se mova. — Lucas a segurou pela cintura. — Está doendo... — Vai passar. A sensação desagradável começou a ceder, e Penélope descontraiu-se, facilitando o processo de acomodação. —Ah, que delícia! — O período de imobilidade tornou-se insuportável para Lucas. — Desculpe-me, mas não posso esperar mais. A princípio devagar e depois cada vez mais rápido, Lucas forçou a entrada até uma profundidade que nem mesmo as explicações teóricas de Colette a tinham feito supor.
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Uma loucura primitiva descontrolava os corpos em busca da realização. Foram momentos selvagens, onde os sentidos se perderam em busca do prazer. Lucas apoiou as palmas no travesseiro, uma de cada lado da cabeça de Penélope. Ela se agarrou nos músculos dos braços retesados, feliz, apesar do desconforto, de poder segui-lo até onde os levasse aquela jornada turbulenta. Lucas atingiu mais uma vez o âmago e deteve os movimentos. Prendeu Penélope pelas nádegas e imobilizou-a, enquanto alcançava o clímax, rosnando, feroz. A sensação de calor que se espalhou no ventre dela foi tão maravilhosa que nem percebeu que Lucas se soltou sobre seu corpo. Enfim, Penélope pôde abraçá-lo, com as mãos e com as pernas. Com a alma toda. Segurando Lucas de encontro a si, Penélope percebeu que os corações pulsavam no mesmo ritmo. Aos poucos, a intensa satisfação física cedeu lugar a uma afeição serena. Ela acariciou-lhe os cabelos, os ombros e beijou-lhe os lábios com leveza. Segurouo firme com as pernas, quando Lucas demonstrou intenção de levantar-se. Foi o suficiente para que a excitação fosse retomada. Lucas recomeçou as investidas, e Penélope sentiu o aumento de volume dentro de si. No olhar dele, a idéia de posse. Ainda não era amor, mas bastava por ora. Penélope tirou a camisa de Lucas e atirou-a longe. Acariciou-lhe o tórax de músculos definidos, a massa de pêlos escuros e os mamilos das auréolas achatadas. Daquela vez o amor foi mais lento e suave, movido por forças diferentes. Os beijos foram mais demorados, os toques, mais ternos, e o clímax chegou com velocidade menor. — Venha comigo desta vez — Lucas instigou-a, segurando-a de encontro a si. Ele a beijou com ardor, e Penélope perdeu-se no delírio, enquanto o amado engolia seus gritos de êxtase. A onda agigantou-se, atingiu o ápice e recuou, mais forte por ter sido compartilhada. A normalidade voltava, mas Penélope não permitiu que Lucas a abandonasse, apesar dos esforços dele em contrário. Não demorou muito e a tensão recomeçou. Ela entregou-se à imprudência daquela loucura. Rígida e rápida. Lenta e suave. Fizeram amor de todas as maneiras possíveis até Penélope sentir cãibras, tontura e as pernas trêmulas de fadiga. As coxas ficaram escoriadas, havia marcas de mordidas e pêlos colados por todo lado. A feminilidade delicada doía e latejava. Apesar de tudo isso, ela nunca se sentiu tão viva e cheia de energia, pronta para explodir de felicidade. Fizeram amor cinco vezes durante a noite. Quando Lucas adormeceu de exaustão, o sol já começava a raiar, e os pássaros cantavam perto da vidraça. Penélope ouviu muito pouco do despertar da natureza. Fechou as pálpebras e dormiu sorrindo, satisfeita por estar nos braços do marido. Pela manhã, Lucas aproveitou a hora do banho de Penélope para escapar. Foi até o esconderijo na mata para saber das últimas novidades, mas não encontrou Matthew. Passou um bom tempo raciocinando sobre o que vinha acontecendo e quais seriam seus sentimentos dentro do novo contexto. Ao voltar para casa, foi recebido com beijos e abraços por Penélope. — Como está se sentindo? — Lucas se preocupou com o excesso de entusiasmo
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da véspera. — Um pouco machucada. — Penélope deu uma piscadela que tornou a acenderlhe o desejo. Nisso, Harry chamou sua atenção puxando-lhe a calça, e tio e sobrinho acabaram fazendo brincadeiras no quintal, sob o olhar sorridente de Penélope. Lucas passou a tarde ocupado com tarefas domiciliares e até a ajudou a mudar móveis pesados de lugar. Mais tarde, o jantar foi aquecido no fogão. Penélope preparou os pratos para "meus homens", segundo suas palavras. Tímida, perguntou se o cozido estava saboroso e acabou confessando que ela mesma o preparara.
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Capítulo XIII — Agora Penélope é minha mãe? — Não, Harry querido, sua mãe está no céu — Lucas respondeu, do outro lado da mesa, na hora do jantar. — Mas ela não está aqui. Quero uma mãe de verdade na terra. Não poderia ser Penélope? "Terei de fingir que ela é minha esposa." — Sim, mas... — Que bom! Gosto muito dela. — Fico contente com isso — Lucas mentiu, tão infeliz se sentia com as palavras do menino. O desastre seria inevitável. Todos, inclusive ele próprio, iriam sair machucados por causa de seu ato irrefletido. O mesmo que a princípio lhe parecera tão lógico e justificado. Continuou pensando na receptividade de Penélope na noite em que ela acreditava fosse de núpcias. Pretendera assustá-la, utilizando todos os tipos de relações físicas. Mas ela não se intimidou. De fato adorou os jogos amorosos, sobretudo os bastante eróticos. E quanto mais faziam amor, mais Lucas a desejava. Nem mesmo sabia como conseguiria viver sem tê-la a seu lado. No dia seguinte à farsa, Lucas acordou no início da tarde, na cama de Penélope, abraçado com ela. Avaliou todas as falhas que o fizeram ceder a seus encantos. E para sua surpresa, diante do aconchego daquele corpo sensual cuja fragrância o inebriava, não sentiu nenhum remorso. Penélope abrira os olhos, espreguiçando-se, lasciva. Lucas não resistira à vontade e a amou mais uma vez. Com cuidado, em respeito às escoriações e à sensibilidade decorrentes das acrobacias anteriores. Desde então, seu mundo virou de ponta cabeça. Só pensava em deitar-se com ela. Mantinha-se em excitação permanente, como um rapazote que acabava de descobrir os mistérios do sexo. A ânsia por Penélope tornou-se insaciável. Seu desejo era tão forte que mal podia conversar com Harry. Tudo o mais perdia o sentido. Só via Penélope, sonhando com a próxima vez em que a teria nos braços. Naquele momento, após ter tomado banho e removido os traços das brincadeiras rápidas que antecederam o jantar, a presença dela permanecia inalterada em sua mente. Penélope se tornou parte integrante de sua consciência. Assombrado, não entendia a rapidez com que a paixão sem freios se instalou. E, para seu desalento, os dias e as noites de combate sexual em nada contribuíram para diminuir-lhe o apetite. Não imaginava como dominar urgências tão poderosas e concluiu que seus problemas passaram a ser elevados ao cubo. — Penélope vai morar conosco? — Harry continuou a tagarelice, pondo sal nas feridas do tio. — Claro.
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Lucas arquitetava as mentiras que teria de dizer ao garoto, depois de que Penélope fosse embora. — Para sempre? — Sim. Agora, por que não termina de comer e vai para a cama? — Ah, tio Luc, não estou cansado! — Eu lhe contarei uma história... mas só quando estiver debaixo das cobertas. — Aquela dos piratas? Quando eles atacaram seu navio e você ainda era um menino como eu? Era a favorita de Harry. — Essa mesma. Vá aprontar-se depressa. — Muito bem, farei isso mesmo! — Harry afirmou com a presunção de um verdadeiro Duque. A herança paterna era surpreendente. Harry apresentava muitas das características de Harold. E também de sua meia-irmã. O que Penélope diria, se soubesse da verdade? Naquele momento, ela entrou na cozinha. Usava um vestido de casa e um avental, o que não disfarçava as curvas exuberantes. Lucas conhecia todos os segredos inebriantes escondidos sob aqueles trajes. Como de costume, a excitação o tomou de assalto só de olhar para ela, sentir-lhe o cheiro ou pela simples proximidade. Penélope parou atrás da cadeira de Lucas e apoiou a mão em seu ombro. O gesto de carinho foi tão maravilhoso que ele obrigou-se a olhar para a frente ou acabaria por sentar Penélope no colo. O que seria muito inconveniente. Ora, sim, senhor! Era um homem adulto e tinha de aprender a controlar seus impulsos. Jurava todas as manhãs que haveria de impor-se restrições e que não voltariam para debaixo dos lençóis. Descobriu que o menor motivo carregava-os direto para a cama. Cada episódio era diferente e memorável. A mais leve sugestão de Penélope, Lucas baixava a calça o mais depressa possível. Penélope inclinou-se e acariciou-lhe os cabelos. Naquele movimento, encostou o torso na parte superior das costas de Lucas, que sentiu a pressão dos seios lindos e a rigidez dos mamilos. Quanto sofrimento um homem poderia tolerar e assim mesmo sobreviver? — Já terminou, jovem Harry? — Sim, senhora. — Nesse caso, está na hora de dormir. — Só mais um pouquinho... — o menino pediu com a expressão de doçura dos querubins pintados no forro das igrejas. — Já está acordado mais tempo do que deveria. Harry fitou Lucas, implorando por um aliado. — Já dei minha opinião — ele esquivou-se. — Nem pense em esquecer sua promessa — Harry ordenou de igual para igual ao tio e deixou da cadeira. Penélope passou a mão na cabeça do menino. — Quando ele fala desse jeito, parece até meu pai. Lucas engasgou com a cerveja que tentava engolir.
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— Vamos, Milorde. — Penélope estendeu a mão, e o garoto a aceitou. — Não se esqueça, tio Luc. Penélope arqueou as sobrancelhas, curiosa, fitando Lucas de soslaio. — Prometi contar-lhe uma história — Lucas explicou, tentando manter um raciocínio lógico. — Verdadeira. — É mesmo, Harry? E quais são suas preferidas? — As de quando Luc era um menino como eu. E as de minha mãe. — Eu também gostaria de ouvi-las. — Tio Luc sabe contá-las muito bem. Ainda mais as de piratas... Lucas não escutou mais nada. Harry e Penélope haviam subido a escada e sumido no corredor. Desditoso, apoiou a cabeça nas mãos. Ela não escondia a felicidade com o modo de vida a que nem sequer estava acostumada. Cuidava de Harry como se fosse mãe dele e tornara-se uma esposa apaixonada e maravilhosa. Em uma questão de dias, eles se comportavam como uma família de verdade. Sem que ninguém se esforçasse para isso, passaram a formar um grupo coeso. O que deveria fazer? Lucas perguntou-se, antes de ouvir a suas costas a voz com o sotaque inconfundível: — Para um marido que desfrutou de uma noite fabulosa de prazer, o senhor não parece muito contente, não é? — Não me aborreça, Colette. — Depois de tanta masculinidade satisfeita, deveria estar radiante, relaxado e com vontade de enfrentar assuntos complicados. Por que me parece angustiado? Ah, devo estar enganada... Está muito satisfeito, oui. — Considero-me extasiado. — Fico feliz de saber que milady soube servi-lo bem. A mulher tinha o desplante de falar sobre temas tão particulares! Lucas corou ao supor que a francesa ficara acordada no leito, escutando os ruídos provenientes do quarto superior. — Acredito que nossa intimidade não é de sua conta e não pretendo discuti-la com você. Colette estreitou os olhos, ameaçadora. — Tudo o que diz respeito a milady é de minha conta! — Se está tão preocupada com minhas intenções, porque não a leva de volta para o Duque, conforme vem ameaçando? — Por um único motivo. — E qual seria? — Milady está transbordando de alegria e acredita que o senhor lhe trará muita felicidade. — E se ela mudar de opinião? — Iremos embora! — Colette bateu palmas, categórica. — Como não pretendo torná-la infeliz — Lucas devolveu-lhe um olhar rancoroso — , não há com que se preocupar, certo?
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Colette praguejou em francês. — Não conheço seus objetivos, Sr. Pendleton, mas se causar sofrimento a milady eu o matarei com minhas mãos! — Pelo amor de Deus! Não sou obrigado a escutá-la, Colette! Lucas empurrou a cadeira, foi até a escada e subiu os degraus, escutando as imprecações ditas na língua materna da aia. Sem entender uma só palavra, teve certeza de que ela o degolaria se tivesse oportunidade. Entrou no quarto de Harry. O menino já estava deitado sob as cobertas. Lucas sentou-se na beira do colchão e contou a história da abordagem dos piratas. O sobrinho não se cansava de ouvir como Lucas se escondera atrás de uma barrica, quando um dos bandidos o procurava. Escapara, apunhalando a mão do criminoso. Uma narrativa no mínimo horripilante, mas que sempre fascinava o pequeno. Lucas omitia os aspectos mais terríveis do ataque dos piratas assassinos, e costumava fazer do episódio uma aventura engraçada. Assoprou a vela e esperou Harry adormecer. Beijou-lhe a testa e voltou para o corredor, fechando a porta sem ruído. Quase colidiu com Penélope. Ela enrubesceu ao ser flagrada. — Não pude deixar de ouvir. — Não faz mal. — Isso aconteceu de verdade? — Sim. — Lucas suspirou. Não gostava de lembrar-se daqueles anos de solidão. — Mas são águas passadas. — Quantos anos tinha na época? — Oito. — Meu Deus! Como é que foi parar naquele lugar? — Fui raptado nas docas da Virgínia. — Ah, Lucas... O interesse sincero demonstrado por ela envolveu-o em emoções poderosas. Lucas nunca se sentira daquela maneira. Todas as imagens que imaginava sepultadas, ânsias desesperadas, fome, frio, pavor e chicotadas, vieram à tona, rasgando a superfície, ansiosas para ver a luz do dia. — Levei muito tempo para voltar para casa. — Com quantos anos foi levado? — Cinco. — Seus pais não o procuraram? — Creio que não tinham condições financeiras para isso, o morreram logo depois de eu ter desaparecido. — Meu querido! — Penélope abraçou-o com força. — O que houve com Caroline, sua irmã? Harry contou-me que tem outro tio. — Matthew — Lucas sussurrou. Era impossível resistir ao consolo oferecido por ela. Lucas jamais tivera nenhum tipo de conforto. Retribuiu o abraço e encostou o queixo na cabeça de Penélope, que estava encostada em seu peito. — Eles eram muito pequenos, e foram conduzidos para a casa de fazendeiros da
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vizinhança. Foi péssimo... para todos nós. — O que aconteceu depois?? — Voltei com quase quinze anos. Eu os descobri, e tornamos a formar uma família. — Cerrou as pálpebras e apertou-a mais de encontro a si, muito emocionado. — Ainda no navio, eu passava o tempo elaborando os mais diversos meios para poder encontrálos. Acredito que essa esperança impediu que definhasse e manteve minha coragem de continuar vivo. Quando nos reunirmos, tive certeza de que daria a vida por eles, se preciso fosse. Mais tarde, quando Caroline morreu... foi como se me arrancassem o coração. — Posso imaginar como se sentiu. — Penélope afastou- se e o encarou. — O pai de Harry não se casou com ela? — Não. A pergunta feita de maneira tão delicada não trouxe a ira costumeira sempre que o assunto era ventilado. Pela primeira vez, ele conseguiu falar na morte de Caroline sem ódio. — Ela nunca havia ficado longe de casa antes. Fora visitar alguns parentes. Embora adulta, impressionava-se com facilidade. Se eu não a tivesse deixado ir, talvez o fim fosse diferente. — Querido, isso é bobagem. Não deve sentir-se culpado. Cada um tem seu destino. E... o pai de Harry? — Há pouco descobri sua identidade. — Que homem vil era esse para ter um comportamento tão desprezível com Caroline e Harry? Ela deve ter sido uma moça excelente, a julgar pelo filho e por seu irmão. E quais são seus planos, agora que sabe de quem se trata? — Ainda não decidi. — Ele é americano? — Não. É inglês, e por isso vim para cá. Mas não sei o que fazer. — Talvez eu pudesse ajudá-lo. Conheço muitas pessoas, e minha família é muito bem relacionada. — É... talvez possa. Mas, como eu lhe disse, ainda não tomei uma decisão final. — Se precisar de mim... Lucas a estreitou, incapaz de suportar aquele olhar bondoso e sincero. — Eu amava demais minha irmã e faria qualquer coisa para vingá-la. — Entendo muito bem. — Suspirou. — Hoje foi um longo dia. Vamos dormir. — Ah, Penélope... — Lucas odiou a si mesmo pelo que estava ocorrendo e afastoua com gentileza. — ...precisarei me ausentar por algumas horas. — Lucas, abra seu coração, independente do que o estiver afligindo. Enfrentaremos tudo juntos. Por isso é que estou — Não há nada errado, Penélope. — Está bem. — Não espere por mim. — Como queira. — Boa noite. Lucas recuou, aflito para livrar-se daquela situação que o sufocava.
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Penélope piscou, maliciosa. — Se por acaso resolver fugir de mim, passarei o resto de minha vida tentando encontrá-lo e jamais desistirei da busca. Harry e eu manteremos sempre uma vela acesa na janela para iluminar o caminho que o trará para nós. Lucas saiu, foi até o celeiro e ficou esperando no escuro. Imaginou-a escovando os cabelos e o busto subir e descer com os movimentos. Fechou os olhos. Viu-a erguer os braços para vestir a camisola e assoprar a vela com os lábios rosados. Penélope ficaria deitada na cama, olhando pela janela, perguntando a si mesma aonde ele teria ido e quando retornaria para casa. Sim, Penélope merecia muito mais do que as migalhas de emoção recebidas dele. Na verdade, só a comprometera e arruinara-lhe a vida. Nenhum homem a aceitaria depois do que acontecera. Apesar da razão com que procurava justificar tanta crueldade, sentia a mais profunda vergonha de si mesmo. Seria por acaso diferente de Harold Westmoreland? Não fazia com Penélope o que o pai dela fizera com Caroline? Penélope não fora seduzida e passara a acreditar em um monte de mentiras? E se ela estivesse grávida? Lucas estremeceu diante da possibilidade apavorante. Embora nada fosse mais natural, depois de tudo o que se dera entre eles. Natural? Teria de casar-se com Penélope! E como, se ela supunha que já eram casados? Se Penélope estivesse esperando um filho seu, não só o matrimônio seria inevitável, mas também uma confissão. O que ela faria em seguida? Na certa, o abandonaria para sempre. Afinal, a farsa do enlace não fora, em última instância, uma grande traição? Penélope confiava demais no "marido", e jamais o perdoaria, nem voltaria a acreditar nele. Não haveria absolvição. O pai baniria a filha para uma propriedade rural isolada e a aristocracia não ouviria mais falar de Penélope Westmoreland. Ou então o Duque a faria casar-se em segredo e com data falsificada para esconder o escândalo. Algum outro homem criaria o filho deles e passaria a fazer amor com Penélope. O bebê seria menino ou menina? Como se chamaria? Seria saudável? Essa criança abriria um vazio em seu coração que não poderia ser preenchido. O sofrimento de sua honra não teria lenitivo. Para que a desforra, se a própria atitude em nada diferia daquela adotada por Harold Westmoreland? Durante anos tentou localizar aquele que destruíra Caroline e fazê-lo pagar por isso. Aquela altura, a um passo de conseguir seu intento, a vitória pareceu-lhe vazia. A própria semelhança com o homem a quem odiava apagava toda tentativa de racionalização. Como encontrar a animosidade necessária para prosseguir com o plano, se odiar o Duque era como odiar a si mesmo? Confuso e angustiado, continuou imóvel, apesar de a luz dos aposentos de Penélope ter se extinguido há um bom tempo. Foi até o lugar secreto na mata onde se encontrava com Matthew e assobiou como
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um pássaro para anunciar sua aproximação. O irmão esperava, paciente, recostado em um carvalho centenário. — Como foi o dia hoje? — Difícil, Matt. E na cidade? — Não muito diferente. Matthew ficou em pé e passou as mãos na calça para tirar a terra e as folhas. — Qual foi a resposta de Westmoreland a minha última mensagem? — Ele continua a não desejar a volta da filha. Lucas respirou fundo. — Ouviu algum boato sobre o desaparecimento dela? — Não. — Por que será que o Duque manteve silêncio? — Não posso imaginar. — Antes de Penélope fugir comigo, Roswell tinha antecipado a data do casamento. Seria realizado em uma semana. Como ele vem explicando a ausência dela nos preparativos? — Talvez um homem na posição do Duque não se sinta na obrigação de dar explicações. — Pode até ser. — Se lady Penélope não aparecer na casa paterna até a data marcada para o enlace, perderemos poder para efetuar uma troca. — Então precisamos terminar logo com isso. — Aquele era o maior desejo de Lucas. — Certo. — Em no máximo dois dias, de um jeito ou de outro. — Concordo. — Diremos ao Duque que pretendemos matá-la. Escreverei o recado e providenciarei para que seja entregue amanhã. Despediram-se, e Lucas foi para casa. Seguiu até seu quarto no maior silêncio, deitou-se sob as cobertas e arrepiou-se por causa dos lençóis frios. De olhar fixo no teto, não conseguiu adormecer. Nisso, ouviu passos no corredor. Penélope entrou, mesmo sem Lucas ter demonstrado boa vontade anterior em recebê-la. E já a conhecia o suficiente para saber que ela não iria embora, mesmo se lhe pedisse. Penélope veio até a beira da cama e arregalou os olhos ao vê-lo acordado. Tirou a camisola e ficou parada, gloriosa em sua nudez. Os cabelos loiros e brilhantes alcançavam a cintura. O seios intumescidos e volumosos provocavam-no. Por causa do frio, os mamilos ficaram enrugados. — Meus pais sempre dormiram separados e nunca foram felizes. Não quero isso para nós. — Ela ergueu o acolchoado e estirou-se ao lado de Lucas. — Não adianta dizer-me para ir embora. Não irei. — Era nisso que eu estava pensando. — Ah, como ele é astuto! — Penélope sorriu e logo ficou séria. — Por que está angustiado? Impediu-o de negar, com um dedo nos lábios dele.
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— Ficaria surpreso de saber o quanto posso entendê-lo. E vim até aqui para aliviar suas preocupações. Penélope deitou-se sobre o marido e ergueu o tórax. O busto perfeito oscilou diante dos lábios sequiosos de Lucas, que sentia a pressão do ventre dela em seu abdome. E diante da imobilidade a que o parceiro se impunha, Penélope começou a mexer os quadris em uma dança erótica. — Por favor, leve-me de novo ao paraíso. — E ela o beijou. Lucas compreendeu que estava perdido. Abocanhou uma das auréolas, indiferente ao sibilo de Penélope por causa da sensibilidade devida aos excessos da véspera. Nada mais importava, a não ser os dois ali, na intimidade do quarto. Ele acariciou-lhe os seios até Penélope contorcer-se em agonia, e escorou os quadris no colchão para facilitar-lhe os movimentos. Penélope começou uma cavalgada, com a cabeça jogada para trás. Parecia uma deusa, com a densa cabeleira dançando para cima e para baixo. Atingiram o clímax ao mesmo tempo, e dali a segundos, Penélope largou-se sobre Lucas, arfando e rindo. Ele experimentou um sentido de virilidade diferente e concluiu que era um homem afortunado. A respiração deles se normalizou, mas Penélope não fez menção de afastar-se. Lucas acariciou-lhe as costas, a cintura, as nádegas e as coxas. E parou, para não ceder à vontade de recomeçar. — Eu te amo e sempre amarei — Penélope sussurrou, calculando que ele estivesse adormecido, e beijou-lhe pescoço. Lucas continuou imóvel e absorveu as palavras que acabaram por mitigar-lhe a angústia. Apesar de amar Penélope Westmoreland mais que a própria vida, manteve-se calado Diante do mal que lhe causava, de que serviria a declaração?
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Capítulo XIV — Tem certeza de que é aquela? — Westmoreland falou com Purdy, sem tirar os olhos da escuna de três mastros ancorada. Não havia tempo a perder. Depois da mensagem que recebera, não poderia cometer nenhum erro. Teriam de encontrar Penélope sem demora! — Estivemos observando o barco durante dois dias. — Pensei que o navio dele fosse o Sea Wind. — E é. Apenas recebeu um novo batismo. — Purdy apontou uma parte onde a pintura não cobrira com perfeição o nome antigo. — Algum sinal de Pendleton? — Não, sir. Um velho marinheiro parece ser o único ocupante do barco. — É um dos homens de Pendleton? — Não sabemos, nem perguntamos, para não despertar suspeitas. — O que o homem tem feito o dia inteiro? — Parece estar preparando a embarcação para uma viagem longa. "Para tirar Penélope da Inglaterra ou ajudar Pendleton a fugir?" — Acha que minha filha pode estar presa embaixo? — Tudo é possível. — Purdy deu de ombros. — O camarada está lá agora? — Sim, Milorde. Harold continuou a mirar o navio por algum tempo. Não pretendia dar um passo em falso. Mas depois da última ameaça, duvidava que pudesse agir com algum discernimento. — Vamos. Purdy fez um aceno, e vários homens armados destacaram-se da multidão, correram para a prancha de acesso do navio e espalharam-se pelo convés. No momento em que Harold subiu a bordo, os guardas já haviam localizado o marinheiro e mantinhamno de joelhos. — Qual seu nome? — Fogarty — respondeu com rudeza, sem baixar o olhar. — Theodore Fogarty. O que vieram fazer em meu navio, canalhas miseráveis?! — Olhe aqui, seu velho idiota, mostre um pouco mais de respeito por seus superiores! — Purdy aproximou-se e estapeou-o no rosto, mas o homem encarquilhado nem mesmo piscou. — Onde está Pendleton? — Harold perguntou. — Quem? — Lucas Pendleton. — Ah, o capitão Pendleton, o americano... — Isso mesmo. — E como eu poderia saber? Harold baixou o braço de Purdy, por entender que um soco não amedrontaria o velhinho.
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— O navio é dele. — Não é mais. Eu o comprei de Pendleton há várias semanas. Pegue os papéis em minha cabine, se não acredita em mim. "Mas que droga! Por isso o sujeito está sozinho, sem nenhuma tripulação." — Enquanto fechavam o negócio, o americano lhe disse por que resolveu vender a embarcação? — Ele contou que comprou um navio novo em folha construído pelos Fitzsimmons de Portsmouth. Portanto, não iria mais precisar deste. Penélope estaria cativa em Portsmouth? Harold apavorou-se. Tinha poucos contatos naquela cidade distante. Teria de enviar homens para lá. Se Pendleton estivesse mesmo louco, poderia fugir na escuna nova, sem ser importunado. Quanto a Penélope, não importava onde estivesse sendo mantida, ou não, em cativeiro. Ela seria morta. — Nem sinal de pessoas lá em baixo, sir — um dos homens de Purdy afirmou, ao retornar ao convés com os comparsas. — Só as coisas desse velho maluco. O homem entregou alguns documentos para Purdy, que os examinou e passou-os às mãos do Duque. Era uma nota de venda, o que confirmava as palavras de Fogarty. — Tem idéia do paradeiro de Pendleton ou de seus homens? — inquiriu. — Eu não o conhecia. Soube por outros que o navio dele estava à venda. O contato foi curto. O necessário para efetuar a transação. Nunca mais o vi. Harold continuou a fazer perguntas, que Fogarty respondeu com negativas. — Ele pode estar mentido, sir — Purdy cochichou-lhe. — Quer que descubramos? Podemos levá-lo para baixo e saber da verdade bem depressa... Harold fitou o ancião agachado e indagou a si mesmo se Purdy estaria certo. Fogarty continuava com o mesmo olhar imperturbável do começo. Ou era um idiota completo ou corajoso ao extremo. Sentiu o estômago embrulhado ao pensar no que Purdy poderia fazer com o pobre coitado a portas fechadas. Além do mais, a história lhe parecia convincente. — Vamos embora. Todos retornaram para as docas. Os asseclas dispersaram-se. Harold e Purdy pararam ao lado do coche em que tinham vindo. — E agora, Milorde? — Teremos de mandar alguns homens para Portsmouth. — Não acredito que ela esteja lá... — E se o senhor estiver enganado?! — Harold gritou. — Bem... Pendleton se encontra nas proximidades. Sabemos disso. — O que não significa que Penélope também esteja. — Nisso Milorde tem razão. — Procure aquele menino de recados de Pendleton. Agarre-o! Ele e eu precisamos ter uma longa conversa. — Deixe isso por minha conta! — Purdy apressou-se, satisfeito pela perspectiva de dar uma lição no rapazote. Harold resolvera não mostrar a Purdy a mensagem que recebera de Pendleton. Se não atendesse às exigências dele, mataria Penélope. Embora convencido de que
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Pendleton não faria mal a sua filha, receava tê-lo provocado demais. O bilhete fora deveras assustador. Se Penélope fosse morta, Harold só poderia culpar a si mesmo pela tragédia. O jogo de gato e rato que empreendeu teria sido inútil. Por isso nada disse a Purdy. Não queria que o outro soubesse até onde poderia ser levado por um julgamento errôneo e por seu orgulho. Não apenas Purdy, mas ninguém deveria saber. — Pendleton jamais a mataria! — Harold murmurou para si mesmo, subindo na carruagem. Era preciso acreditar nisso. O que diria a Edward, que o aguardava? E à Duquesa? Era impossível continuar evitando as perguntas da esposa. O casamento estava próximo, e nenhum deles se conformava em não saber do paradeiro de Penélope. Inclusive ele mesmo. — Edward, aquele grande patife! — Harold indignou-se. Não seria necessário usar de desculpas. Eles não ousariam duvidar de sua palavra. Em poucos dias Penélope estaria em casa, a tempo de fazer os preparativos finais no traje de noiva e no que mais a mãe achasse necessário. Também poderia adiar o enlace, alegando uma doença repentina da filha. Ou inventar algum outro pretexto que a impedisse de retornar das férias no campo. O importante era ninguém desconfiar de que Penélope seguira Pendleton por sua própria vontade, ou o desastre seria completo. As conseqüências funestas fariam-na desejar que Pendleton não a houvesse devolvido. Talvez ela nem mesmo conseguisse sobreviver a uma terceira provação. Edward desistiria do acordo, e o golpe jamais seria esquecido pela aristocracia. Apesar de sua condição de Duque, Harold não poderia amenizar os efeitos de três fracassos matrimoniais. Tinha inimigos em número suficiente que adorariam ver os Westmoreland humilhados. Não haveria como convencer um lorde a aceitar Penélope como esposa. Com Edward, já haviam descido ao fundo do poço. Seria impossível baixar mais. Penélope passaria o resto de seus dias como uma solteirona solitária, sem filhos ou família, fatores básicos para a felicidade de uma mulher. E ele teria falhado por completo em seus deveres de pai. Tudo por causa de Pendleton. Ora, mas nada disso aconteceria! Resolveria de maneira favorável a situação penosa. Recusava-se a aceitar qualquer solução que não fosse ter a filha sã e salva sob sua guarda. E com uma batida no teto da carruagem, foi levado de volta a Mayfair. Desconfiado, Fogarty esperou no convés, olhando para todos os lados. Talvez o homem com aspecto de príncipe houvesse mesmo acreditado na história inventada e ordenado a partida de todos. Um pobre marinheiro como ele conversando com um camarada rico daqueles, que tomava vinho com príncipes e reis! Sentia-se satisfeito por haver seguido ponto a ponto as instruções do capitão Pendleton, cujas atividades dúbias não conhecia, nem mesmo lhe interessavam. Fogarty analisou mais uma vez os arredores e desembarcou. Misturou-se à multidão e caminhou sem pressa até a cervejaria onde costumava almoçar. Diminuiu o
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passo ao cruzar a viela, sem virar a cabeça. De soslaio, viu o menino parado. — Diga ao capitão que eles acharam o navio e tudo correu como o previsto. — E Fogarty seguiu seu caminho. Paulie foi até a taverna e espiou pela janela. Estreitou os olhos, surpreso. Avistou Lucas e Matthew sentados a uma mesa dos fundos. Em geral não vinham juntos para Londres. Um ficava no campo, enquanto o outro se encarregava dos negócios, mandando e recebendo as mensagens que Paulie entregava com presteza. Os irmãos conversavam, inclinados para frente. Encaravam-se, furiosos. Espectador atento, Paulie imitou os gestos das mãos e os movimentos faciais de Lucas. Queria ser como ele quando crescesse. Enquanto perambulava pelas ruas da cidade, fantasiava sobre o americano intrépido que preenchera sua existência triste de menino sem lar com excitação e mistérios. Com o dinheiro recebido de Lucas, poderia ter alugado uma cama e encontrado um abrigo, mas não foi o que o fez. Continuava dormindo debaixo da escadaria deserta com os outros garotos que ele considerava como parentes. Sentia-se seguro na pequena barraca que ocupavam. Não desejara dar-se ares de importância só porque tivera um pouco de sorte. Deitado no catre de palha malcheirosa e coberto com uma manta rasgada, o único lugar onde podia dormir, escutava o ruído dos garotos que se mexiam durante o sono e das poucas carruagens que passavam. Olhava para o céu e imaginava onde Lucas se encontrava ou o que estaria fazendo. Com freqüência pensava na casa de campo. A que não deveria conhecer e nunca ter visto, caso os asseclas do Duque o apanhassem e o forçassem a falar. Mas não pudera evitar a vontade de seguir Lucas e testemunhar como ele vivia. Surpreendeu-se ao encontrar a bela princesa, lady Penélope, morando ali também. Imaginava-se sentado à mesa da cozinha que via quando ia fazer a visita secreta a Harry. Em seus sonhos, Penélope servia-lhe o jantar. Às vezes fechava os olhos e fingia que era o irmão mais velho de Harry, que também morava na casa grande e que seus pais eram Lucas e Penélope. Era uma imagem dolorosa que o deixava nauseado, sem saber por quê. Se fosse mais maduro, saberia tratar-se de uma ânsia desesperada de alcançar a afeição e o amor que jamais conhecera. Isso quando não imaginava ser convidado para conhecer a América, pois o capitão Lucas não podia prescindir de um garoto tão corajoso e esperto, um parceiro de valor inestimável. Paulie via os dois em pé no convés do Sea Wind, de braços cruzados e pernas abertas, enquanto o navio subia e descia ao sabor das ondas do oceano. Singrariam os mares, lutariam com os piratas, encontrariam tesouros e resgatariam belas mulheres em perigo. Os outros freqüentadores da taverna eram homens rudes que tomavam cerveja sem parar. Um solitário observava os dois irmãos com maior interesse que o necessário. Paulie teve de admitir que seria impossível não notar os dois americanos, tanto por sua estatura como por sua aparência. O camarada acabou de tomar a caneca de cerveja preta, deixou uma moeda sobre
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a mesa e saiu, não sem antes lançar um último olhar para os dois irmãos, por sobre o ombro. Paulie colou-se na parede, para não ser visto. O sujeito caminhou a passos largos até a esquina, onde outro camarada saía de uma hospedaria. Os dois conservaram em voz baixa. O primeiro apontou para a taverna onde Lucas e Matthew acreditavam-se a salvo dos curiosos. O segundo anuiu, sussurrou qualquer coisa e se foi, apressado. O primeiro voltou para frente do estabelecimento de onde saíra, sem perder de vista a porta de entrada. Paulie não gostou nem um pouco do aspecto sinistro dos estranhos e espiou pela janela. Notou que a discussão entre Lucas e Matthew passava dos limites da cautela e da discrição. O sujeito da rua continuava a esperar. Não demorou muito e outros sujeitos juntaram-se a ele. Rudes e fortes, sem dúvida escondiam armas e bastões sob os capotes. O que parecia ser o líder fez um sinal e todos se dirigiram à taverna. — Está dormindo no quarto de cima à esquerda?! — Matthew indagou, feroz. — Isso mesmo. Por quê? Apesar do perigo de serem vistos juntos, haviam resolvido ficar em Londres para evitar a demora na troca de mensagens com Westmoreland. Embora tivessem vindo para a cidade em horários diferentes e entrado na bodega um de cada vez, Lucas teve a impressão de que eram sendo observados, mesmo sem ter notado nada de anormal. Para não chamar a atenção, ele e Matthew vestiam-se como dois trabalhadores que aproveitavam a tarde para beber. Os olhares atentos dos fregueses eram devidos à freqüência de bandidos a quem não se podia dar as costas. Aquela era uma realidade do local. Lucas disse a si mesmo que a percepção exacerbada na certa era causada pelas pressões de um comportamento furtivo que se tornara obrigatório. Sua paciência estava no fim. A tolerância para com os absurdos, que nunca fora alta, desaparecera. A mente encontrava-se exausta de tanto refletir sobre uma conclusão aceitável. Um fato contributivo para aquele esgotamento era a falta de sono por causa das brincadeiras noturnas com Penélope. Lucas tinha a impressão de ser um cão bravio pronto a morder qualquer um que se aproximasse. Imerso em culpas e remorso, mentiras e decepções, alegria e sofrimento, passara a viver em um inferno de exasperação e irritabilidade. Tinha pena de quem ousasse aproximar-se. Matthew, bastante preocupado com a situação deles, ainda não notara o nervosismo extremo do irmão, a quem fitava com raiva e punhos fechados. — Adivinhe quem eu vi a noite passada, quando fui ao celeiro para consertar minha sela. — Sei lá! — Lucas abanou a mão, mal-humorado. — A srta. Westmoreland em pé atrás da janela de cima, à esquerda. E, se não me engano, estava vestida apenas de sombras! Os sussurros não escondiam a ira dos irmãos. — E daí? — Daí eu gostaria de saber por que a moça se encontrava nua em um quarto que não era o dela! — Por acaso não lhe ocorre o motivo?
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— Seu patife maluco! — Eu não tive escolha! A altercação começava a chamar a atenção dos circunstantes. — Não teve? Por acaso é algum adolescente?! — Ela acredita que somos casados. Apenas tive de agir de acordo com o que o esperado. — Quando trouxemos lady Penélope para cá, concordamos que a mandaríamos de volta tão donzela quanto na chegada. — Bem, não foi o que aconteceu, não é? — Esse foi um erro irreparável! — E por acaso acha que não sei?! Matthew inclinou-se bem para a frente, cada vez mais irritado. — E se ela estiver grávida? — Esqueça o assunto, Matt! Estou lhe avisando! — De maneira nenhuma! — Cutucou o peito do irmão com o indicador. — Terá de consertar o mal de qualquer jeito. Irá se casar com ela. Amanhã, se eu puder abreviar os trâmites da lei. — Ora, será que não mudou o discurso rápido demais? Lucas afastou a mão de Matt com violência. Alguns homens pegaram suas canecas e afastaram-se, prevendo uma briga. — Não sei quem foi que disse que eu estava muito abaixo dela para cogitar casamento! — Em vista do que fez, eu diria que é muito tarde para se importar com detalhes. Tentarei conseguir uma licença especial. Do contrário, nós a levaremos a bordo. Partirei com o barco pelo rio e farei eu mesmo a cerimônia! A verdadeira! — E como faremos isso? Nós a carregaremos gritando e esperneando pelas docas? — Aja como bem entender. O problema é seu. — Acontece, Matt, que Penélope crê que já somos casados e não aceitará nenhuma explicação, por mais razoável que possa parecer. — Terá de dar um jeito! Lucas sacudiu a cabeça diante da ingenuidade de Matthew. — Mesmo que eu possa convencê-la, o que acho improvável, o Duque haverá de perseguir-nos até o fim do mundo por isso. Atrás de minha cabeça, lógico. — Se a mandarmos desonrada para casa, ele não fará o mesmo? Embora dando mostras de que a despreza, há indignidades que nem mesmo o pior dos pais pode tolerar. Lucas batia com o punho fechado no tampo, controlando-se a custo para não pular no pescoço de Matthew. — Está bem, Matt. — Respirou fundo. — Mandaremos chamar a tripulação, içaremos âncoras e levaremos Penélope conosco. Depois resolveremos o que fazer. — Não, senhor. Primeiro terá de reparar a honra da jovem. — Não existe reparação que eu possa fazer! -— Essa é boa! Em toda essa história, encontrei justificativas afirmando para mim
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mesmo que éramos homens de bem tentando retificar uma grave injustiça. Vejo agora que Lucas Pendleton não é melhor que Westmoreland. — Retire o que disse! — Lucas gritou, indiferente à platéia. Já concluíra o mesmo, mas não admitia ser condenado por outro. — Jamais! Essa é a mais pura verdade! Os dois ficaram de pé, furiosos, e a mesa caiu longe, junto com as canecas de cerveja. Lucas deu o primeiro soco, e Matthew revidou com outro. Os fregueses não os conheciam, e por isso não tomaram partido. Os golpes se sucediam, sem que os contendores demonstrassem senti-los, tamanha a indignação que os movia. O suor voava, o sangue escorria e a roupa era rasgada. O barman procurou intervir e bateu com um porrete no balcão. Sem conseguir a atenção dos lutadores, tratou de afastar a mobília. Teria de salvar o maior número possível de mesas. Quanto tempo demoraria para que a raiva deles se esgotasse?, Lucas perguntouse, em meio ao caos. Matar-se-iam antes? Matthew cambaleou, e Lucas investiu para aproveitar os segundos de fraqueza. Mas uma criatura pequena pulou em suas costas e segurou-o pelo pescoço, fazendo-o perder o fôlego. — O que é isso?! — Lucas murmurou, arfante, tentando livrar-se do aperto, enquanto os espectadores riam. Deu uma volta rápida, e Paulie deslizou até o chão. — Os capangas do Duque estão lá fora. Alguém o denunciou — informou. Lucas hesitou, tentando compreender o que o garoto dizia, embora não pudesse vê-lo por causa do olho inchado e do ferimento na testa, que sangrava. — Quantos são? — Uns seis. — Armados? — Sim. — Há algum outro meio de sair daqui? — Lucas falou com o dono da taverna. O camarada não se dignou a responder até Lucas tirar do bolso um saquinho cheio de moedas e jogá-lo nas mãos dele. Então, o homem indicou os fundos com um gesto de cabeça. — Pode ajudar-me a escapar pelas vielas, Paulie? — Posso, mas tem de ser já! Lucas olhou ao redor e improvisou uma desculpa. — Cavalheiros, é a lei. E terei de dizer adeus a meu pescoço, se me pegarem. Agradecerei qualquer ajuda que puderem me prestar. Alguns dos mais espertos apressaram-se em retornar mesas e cadeiras para o lugar, e sentaram-se, aparentando descontração. — Não imagine que já resolvemos o caso, Luc. — Não mesmo, Matt. — Vá embora! — Limpou o sangue do rosto e apontou a saída que o barman sugerira. — Antes de que seja tarde demais. Lucas anuiu, e Paulie puxou-o pela mão através da porta que a garçonete abrira. — Boa sorte — a moça desejou-lhes.
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Lucas e Paulie correram pelo beco. Estavam a dois quarteirões dali, quando os homens de Purdy invadiram a taverna. Não encontraram nenhum sinal de Lucas, de luta, nem do homem com quem Pendleton estivera conversando. No lugar em que Lucas fora visto, havia dois fregueses bebendo. Nenhum deles lembrava em nada o procurado. Os semblantes sombrios e os silêncios pétreos diante das indagações de praxe convenceram os perseguidores de que ou Pendleton escapara ou nunca estivera ali. Em desvantagem pelo grande número de mal-encarados presentes no salão, os asseclas de Westmoreland saíram tão depressa quanto entraram. Não tiveram tempo de ver Matthew escondido atrás do balcão, pressionando uma toalha úmida nos ferimentos. Nem pernas de cadeiras e mesas quebradas, empurradas contra a paredes e disfarçadas pelos pés e calças dos fregueses. Os capangas do Duque procuraram inutilmente pela vizinhança. Lucas e Paulie escapavam pelo labirinto de becos e vielas estreitas. Lucas sentia a energia abandoná-lo. Tinha algumas costelas partidas e o pulso torcido. O sangue continuava a escorrer, manchando a camisa e a calça. Nem mesmo a insistência de Paulie conseguia fazê-lo prosseguir com maior rapidez. O menino olhava a todo instante para trás, com medo de que estivessem sendo seguindo. Com esforço, conduziu Lucas até uma construção abandonada e sentou-o no chão imundo, atrás de uma porta. Tirou a pistola da bota de Lucas, pôs a arma na mão do amigo e posicionou-lhe os dedos no gatilho. Saiu correndo e evitou pensar que Lucas poderia ser descoberto antes de seu retorno. Meia hora depois, Paulie suspirou, aliviado. Encontrou o capitão no mesmo lugar onde o deixara, encostado na parede. O cano da arma apareceu assim que Paulie entrou, o que o fez supor que os reflexos de Lucas não estavam tão apagados quanto o dono. — Paulie? — Sim, senhor. — Achou o que precisava? — Achei. — Paulie adiantou-se, depois de espiar de novo a retaguarda. Do outro lado, apenas um bando de meninos que não lhes davam atenção. Deixou sobre o assoalho estragado os itens roubados e ficou mais contente ao ver o esboço de sorriso de Lucas, que teve de conter-se, quando o lábio recomeçou a sangrar. — Uma coleção de objetos de valor inestimável, meu rapaz. — Sou um camarada muito prestativo. — Estou começando a perceber. — O senhor terá de cooperar — Paulie advertiu-o, orgulhoso pelo elogio. Lucas inclinou-se para a frente, e Paulie ajudou-o a tirar a camisa rasgada pela cabeça. A região das costelas apresentava-se inchada e com grandes hematomas. A pele dilacerada sangrava em numerosos pontos. Paulie baixou os olhos para que Lucas não lhe visse as lágrimas de compaixão e o chamasse de bebê. A camisa apanhada de um varal ficou um pouco apertada nele, mas serviu ao propósito. Paulie abotoou-a depressa, para não ver os ferimentos. — O senhor é um louco.
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— Não é a primeira vez que me dizem isso. — Lucas mexeu-se e gemeu por causa da dor intensa. — Eu não lembrava de que meu irmão era tão forte. Paulie não respondeu, concentrado em sua tarefa. Segurou um pano na testa lacerada e limpou os ferimentos das mãos de Lucas. Depois de estancar o sangramento, cobriu a cabeça dele com o chapéu surrupiado e puxou a aba. O rosto e os machucados ficaram ocultos. — Por que estavam brigando? — Por causa de uma mulher, Paulie. Nunca cometa tal absurdo. O menino concordou com a advertência, a não ser que a mulher em questão fosse a srta. Penélope. E pelo que ouvira, desconfiava que ela tinha sido mesmo o motivo da briga. Embora a princesa estivesse na casa com Lucas, Paulie não compreendia todas as circunstâncias do fato. — Não farei isso. — Tenho de sair da cidade, Paulie, e para isso, preciso de meu cavalo. — Sei onde o senhor o deixou. Nos últimos dias, Paulie seguira seu ídolo por toda parte, como uma sombra, e descobriu a localização da estrebaria de aluguel. Lucas fitou o menino com o cenho franzido, mas não o recriminou. — Sendo assim, vamos caminhar, meu pequeno campeão. — Lucas cambaleou para ficar em pé e gemeu ao respirar. Logo, chegaram à cavalariça. Paulie auxiliou Lucas a montar e, sem pedir licença, subiu atrás. Alguém teria de proteger-lhe as costas e sustentá-lo, para o caso de ele não agüentar cavalgar até o destino. O trajeto foi lento e doloroso para Lucas. De vez em quando, Paulie quebrava a quietude para assegurar-se de que o capitão estava acordado. Chegaram à casa de campo ao anoitecer. Tudo estava quieto. Lucas deteve o cavalo na frente do alpendre. Paulie desceu primeiro e ajudou-o a apear. — Tudo bem com o senhor? — Paulie preocupava-se. — Tudo. — Lucas andou com passos incertos até a entrada. — E melhor dar o fora, meu amiguinho. Se Penélope o vir... — Sei o que devo fazer, senhor. Ela jamais me verá. — Gosto de sua agilidade mental, Paulie. — Lucas deu um sorriso e Paulie retribuiu. — Pode dormir no celeiro. Amanhã cedo daremos um jeito de mandá-lo para a cidade. — Não se preocupe comigo. Sei voltar sozinho. — Assim mesmo terá de esperar por mim, entendeu? — Sim, meu capitão. Lucas bateu-lhe no ombro. — Fez um belo trabalho, meu rapaz. Estou orgulhoso de meu amigo. Para disfarçar o nó na garganta, Paulie bateu com a aldrava na porta. Ao ouvir passos, piscou para Lucas, eclipsou-se nas sombras e parou a um canto do celeiro para observar a cena que se desenrolaria. Penélope abriu a porta, e a luz da sala fez com que parecesse um anjo dourado parado à soleira. — Lucas? — Ela prendeu a respiração ao ver o estado do marido.
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— Olá, minha linda Penélope. Acredito que devo estar horrível. — Lucas! Onde esteve? Colette! — Penélope gritava, dividida entre o espanto, o medo e a repreensão. — Meteu-se em uma briga? — Sim, minha querida. Será que poderá perdoar-me? — Está cheirando a cerveja. — Penélope abanou o nariz com a mão. — Eu não sabia que era um beberrão, Sr. Pendleton! — Em geral não sou. — Que vergonha! Beber e brigar! — Penélope censurou-o, antes de beijá-lo no rosto. — Meu Deus! Está parecido com um pugilista que vi uma vez na feira! — Ele venceu a luta? — Não, perdeu. E nem estava nesse estado deplorável. Colette! Entre logo, Lucas. A criada abraçou-o pela cintura e o ajudou a entrar, fechando a porta em seguida. Paulie continuou a observação por um bom tempo. A lâmpada acesa na cozinha o fez imaginar o recinto aquecido, o murmúrio suave das vozes das mulheres e os ruídos de objetos sendo reunidos para os curativos. Ousou aproximar-se e espiou pela janela. Lucas estava dentro de uma banheira com água. Penélope limpava-lhe os ferimentos do rosto e das mãos inchadas. Mais tarde uma vela foi acesa em um dos quartos superiores. A silhueta de Penélope apareceu através da cortina, antes de a chama ser extinta e a residência mergulhar no silêncio. Paulie levou o cavalo de Lucas ao celeiro, tirou-lhe os arreios e espalhou feno. Pensou em dormir, mas o estômago roncava. Foi até a casa, entrou por uma janela e, na cozinha, achou pão e queijo. Retornou ao galpão, onde saboreou a refeição. Levou várias mantas de sela ao mezanino e arrumou uma cama confortável. Aconchegou-se no calor da forragem cheirosa. Apesar de exausto, demorou para adormecer. Pensava em Lucas, na srta. Penélope e em Harry. Os três dormiam dentro da casa. Fingiu ser um deles e acabou por pegar no sono.
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Capítulo XV Penélope perambulava pelo regato, apreciando a tranqüilidade da região. Apesar de seus protestos, Lucas voltara para a cidade. Harry, Colette e as duas empregadas tinham ido à aldeia. Penélope não os acompanhou, com vontade de ficar um pouco sozinha. Depois do que houvera na noite anterior, Lucas admitira que não ficariam ali por muito tempo, e Penélope necessitava de uma oportunidade para refletir. Embora consciente de que a casa não seria uma moradia permanente, acabara por afeiçoar-se à propriedade. Naquele lugar se tornara esposa e mulher. Naquela residência apaixonara-se pelo marido, aprendera a cozinhar e a cuidar da família. Se Deus permitisse, talvez estivesse grávida. Sorriu ao pensar em Lucas. Que belo marido ele se revelara! Era o oposto dos cavalheiros engomados e sisudos que sempre conhecera. Adorava a excitação que Lucas trouxera a sua existência monótona. Sempre ficava à espera de alguma extravagância. Lucas bebera, brigara e voltara para o lar envolvido em diabruras e malícia, contando bazófias e fazendo alarde de si mesmo. Com discrição, Penélope o fez entender que não acreditava em uma só palavra daquelas invencionices. Cuidar de Lucas era maravilhoso, e Penélope sentiu-se útil. Foi gratificante descobrir que, ferido e sofredor, o marido viera a sua procura. Não queria imaginar Lucas a ocultar-lhe as particularidades do encontro nefando que tivera. Tinha certeza de que ele acabaria confessando a verdade. Recusava-se a atormentá-lo com dúvidas no começo da terceira semana de casados. Ele viera para casa, e era isso o que importava. Por enquanto. Disfarçou a decepção, lavando os cortes e beijando os ferimentos. E sua recompensa foi ser admitida na cama dele, sem os resmungos costumeiros. Por causa das dores nas costelas e nas mãos, o amor deles foi mais gentil e vagaroso, sem os arroubos das ocasiões anteriores. Lucas demonstrou uma ternura tocante, o que a fez supor que começava a amá-la. Mesmo achando que o otimismo era exagerado, Penélope não duvidava de que ele a desejasse com ardor. Corou ao lembrar-se das peripécias que haviam cometido. O marido despertara nela um lado simples que até então desconhecia. Passara a gostar do escuro e dos prazeres de que desfrutavam à noite. Contava as horas que faltavam para ficar a sós com Lucas. E imaginar que haviam se conhecido nos jardins de seu pai! — Tinha de ser — Penélope disse para si mesma. Ela e Lucas formavam um par perfeito. Considerava-se muito feliz ao lado do marido, e por isso concluía que o destino fora o responsável pelo encontro deles. Por entre as árvores, podia ver-se o imóvel. As flores das jardineiras desabrochavam. Tulipas, segundo a cozinheira. Penélope aprendeu muitas coisas com a experiência daquela camponesa. Durante toda a vida rodeada de criados, não
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imaginara que viria a interessar-se por coisas tão singelas como o crescimento das flores. Não lhe haviam ensinado a costurar, a cozinhar, a fazer compras para abastecer o lar, a barganhar por mercadorias e serviços. Sentia-se inútil, uma mulher adulta sem condições de enfrentar o mundo. Bem, haveria tempo para aperfeiçoar suas habilidades. Dedicava-se com afinco ao papel de esposa. Era uma aluna aplicada, cheia de determinação e não conhecia a preguiça. Lucas iria se orgulhar dela quando chegassem à Virgínia. Consultou o relógio. Lucas fora para Londres, apesar de todos os argumentos que empregou para dissuadi-lo do intento. Embora acordasse cheio de dores e mal humorado, insistiu na viagem, alegando negócios urgentes, e, antes do beijo de despedida, prometeu se manter longe de encrencas. Do que ela duvidava. Lucas era dono de muitos segredos e estava sempre pronto a fazer pouco das dificuldades. Por isso, só restava a Penélope esperar e imaginar qual seria o estado dele quando retornasse. Resolveu ocupar a mente e as mãos e deixar as aflições de lado. Caminhou de volta a casa, onde a massa de pão já deveria estar crescida. Quanta satisfação sentiria quando um dos pães fosse servido no jantar! Quem haveria de crer que lady Penélope Westmoreland, exigente, mimada e vestida de acordo com a última moda parisiense, viria a gostar de assar pães? Ou que suas mãos ineficientes haveriam de adaptar-se tão depressa à rotina? Encantou-se desde a primeira vez em que viu a cozinheira sovar a massa. Adorara sentir o cheiro de fermento que flutuava por todo lado, e demonstrou uma habilidade inimaginável na panificação caseira. Alcançou a porta dos fundos e levou um susto ao vê-la entreaberta. Em questão de segundos, um garoto de cabelos escuros saiu correndo, com algumas coisas escondidas sob o casaco curto. O malandrinho os estava roubando! Magro e miúdo, talvez até passasse fome. Penélope manteve-se imóvel. O menino fechou a porta devagar, supondo que conseguira escapar. — Pare aí, meu bom rapaz. — Oh, não... — O larápio hesitou por um instante. Depois, empreendeu uma carreira e deixou cair os itens furtados. Penélope percebeu que se tratava de comida, antes de correr, agarrá-lo e trazê-lo de volta. — Eu o conheço! — Penélope admirou-se. — Sim, senhora. — Paulie... Seu nome é Paulie. — Sim, senhora. — Nós nos encontramos em Londres, na rua. — É... Penélope estreitou os olhos, procurando entender. — O que faze aqui, no campo? Paulie passou a língua nos lábios. — Não posso dizer, Sra. Penélope.
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— Isso não é resposta. Depois de assaltar minha casa e roubar minha comida, recusa-se a dizer por que veio aqui? — Penélope fitou-o com a mesma severidade do pai. — Por favor, meu jovem, tente algo melhor. — Não é que eu não possa dizer. Bem... acho que não devo contar. — Ah, entendi... Pelo jeito, deve estar faminto. Vamos entrar. Prepararei uma refeição decente. Talvez se sinta mais à vontade para falar. Ela o segurou pelo casaco, com receio de que Paulie escapasse na primeira oportunidade. Abriu a porta com a mão livre, mas ele não saiu do lugar. — Não sei se eu gostaria... Penélope inclinou-se e encarou-o. — Isso não é um pedido, Paulie. Agora, vamos! O garoto era leve como uma pluma. Penélope levantou-o, carregou-o para dentro e o sentou em uma cadeira em um canto atrás da mesa. Seria difícil fugir dali. Havia móveis e objetos atrapalhando o trajeto até a porta. Atenta a qualquer possibilidade de evasão, Penélope serviu-lhe um prato de sopa quente e algumas fatias de pão com manteiga. Acomodou-se ao lado de Paulie, com semblante severo. — Obrigado, senhora — Paulie murmurou, de olhar fixo na comida. — Não há por quê. — Penélope escutou o estômago dele roncar e pôs a colher em sua mão. — Coma. Paulie começou devagar e terminou em questão de segundos. Penélope tornou a encher a tigela, e a sopa foi devorada num instante. Ela o contemplava calada, usando a força do olhar para intimidá-lo. Resolveu empregar o método que vinha funcionando muito bem com Harry. Paulie deixou a colher dentro da tigela vazia, sem erguer o olhar. Depois de um silêncio opressivo, empurrou a cadeira para trás e fez menção de erguer-se. — Obrigado, senhora, mas tenho de ir embora. Penélope pôs a mão no ombro magro e obrigou-o a sentar-se de novo. — Nós ainda não tivemos nossa conversa. O garoto suspirou. — Diga-me o que está fazendo aqui e eu o deixarei ir — Penélope mentiu, disposta a falar com Lucas antes de soltá-lo. Não suportava a idéia de mandá-lo sozinho de novo para as ruas londrinas. — Talvez fosse melhor a senhora perguntar ao capitão sobre mim. — Que capitão? — A senhora sabe. — Não sei. — O capitão Pendleton. — Ah! — Se era assim que os outros o chamavam, ela também poderia fazê-lo, quando estivesse aborrecida com sua conduta. — Então conhece meu marido, não é? — Sim, senhora. Não sei do que se trata. O capitão saberá explicar-lhe melhor. Ele está aqui? — Não, foi para a cidade. — Então... — Paulie tentou ficar em pé pela segunda vez. — ...a senhora poderá perguntar-lhe quando...
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— Sente-se! Impaciente, Paulie não parava quieto e mexia as pernas sem cessar. — Sabe de uma coisa, Paulie? Estou começando a achar que isso é uma grande coincidência. — Por que diz isso, senhora? — Eu o encontrei em Londres, e agora aqui. Embora me pareça estranho, você conhece meu marido. Espere um pouco. Também conhece Harry, não é? Trata-se do amigo a quem ele se referiu. — Pode ser. — Paulie balançava os pés para frente e para trás e coçava a perna. Penélope sentiu-se uma tola por não ter somado dois mais dois e não ter desconfiado que o amigo de Harry não era imaginário. O que significava tudo aquilo? Paulie conhecia a todos e estava familiarizado com os hábitos deles. Harry e Lucas não desejavam que ela soubesse da existência do menino. Por quê? Uma voz interior e aguda começou a adverti-la de que estavam em jogo elementos perigosos que não entendia e que seria melhor até não entender. Circunstâncias que envolviam Lucas e ela mesma. Colette sempre insistia que havia enigmas sob uma aparência de normalidade. Apesar de mais calma por causa do casamento, a fiel criada continuava desconfiada, ouvindo atrás das portas, espiando o pátio à noite e ajudando na limpeza do quarto de Lucas para descobrir algo. Penélope sempre fez pouco caso das suspeitas da criada, a quem atribuía a qualidade de não confiar em ninguém. Mesmo que desse crédito ao ceticismo de Colette, a recente felicidade não permitiu que examinasse as circunstâncias de maneira acurada. Ou talvez ela se recusasse a ver tudo com clareza. E as más notícias acabavam surgindo quando menos se esperava. — Tem vindo visitar Harry com freqüência? — Eu diria de vez em quando. — Os encontros são na floresta? — Sim. — Por que não bate na porta? — Não sei se o capitão iria gostar de minha presença. O que estava acontecendo? — Então por que está aqui hoje? — Ontem à noite ajudei o capitão a vir para cá e... — Voltou com ele ontem? — Dormi no celeiro. Eu esperava uma condução para... — Nesse caso, sabe o que se passou com o capitão. — Sei. — Conte-me. — Penélope segurou-lhe o queixo e forçou Paulie a encará-la. — O que aconteceu? — O capitão não lhe falou? — Falou.
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— Então a senhora já sabe. — Será que não tem nada a acrescentar? — Não. — Nada? — Nada! — Como foi que conheceu o capitão? — Trabalho para ele. — Em que setor? — Sou mensageiro. — Entrega que tipo de mensagens? — Não sei ler, por isso... — Paulie deu de ombros. — No dia em que colidiu comigo, prestava serviços para ele? — Pode ser. — Mas por que os homens de meu pai o perseguiam? — O coração de Penélope batia em descompasso pela imagem que começava a delinear-se. — Para quem costuma entregar as cartas? — Quem? — Paulie começou a coçar a perna com insistência. — Isso mesmo! Quem? — Penélope impacientou-se. — Está com a perna machucada? Paulie prendeu a mão embaixo da coxa. — Não. Ela puxou a ponta do casaco para ver se havia sangue. Nem sinal. Mas achou um envelope enfiado no cós da calça. Arrancou-o e afastou-se depressa. Inconformado com o desastre, Paulie largou-se na cadeira, derrotado e receoso. O pergaminho era da melhor qualidade. "Pendleton" estava escrito do lado de fora. — O que é isto? — Eu teria de entregar ontem a carta ao capitão e, no tumulto, acabei esquecendo. Por isso entrei aqui. Não vi o cavalo dele no celeiro, mas esperava que ainda estivesse na casa para entregar-lhe a mensagem. O mestre Fogarty também me pediu para dizer ao capitão que eles encontraram o navio. Mas a briga com o irmão foi repentina e terrível... — Com o irmão? Paulie continuou, indiferente à interrupção: — ...e eles quase foram apanhados. O capitão estava ferido e fugimos às pressas. Nem me lembrei dos recados. Pretendia falar com o capitão pela manhã, antes de ele voltar à cidade. Mas já havia saído, e não sei o que fazer agora. Custei muito a dormir, preocupado com Lucas e o incidente na cidade. Na certa Lucas melhorou e eu não o escutei partir. Estava muito cansado e dormi demais. Se o capitão não recebeu a carta, a culpa é toda minha. Trata-se de uma coisa importante, pois Lucas esperou-a chegar durante o dia inteiro. E hoje a missiva não chegará, porque está aqui comigo. Depois vi tanta comida no balcão e estava faminto... Achei que não dariam por falta de pouca coisa. Não pretendia roubar nada, porque eu jamais faria nada para aborrecê-la. Ainda mais... — Está bem, Paulie. — Penélope voltou a sentar-se e deu uma pancadinha de conforto no braço do garoto.
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Ficou arrasada pela torrente de palavras e por Lucas ter envolvido uma criança em suas maquinações. Paulie, muito preocupado com os acontecimentos, na certa não entendia os percalços que envolviam os adultos. E para piorar o pobrezinho ainda se achava culpado pelos revezes dos outros. Imóveis, olharam o pergaminho dobrado por algum tempo. Penélope virou o envelope e reconheceu o lacre do Duque. — É de meu pai. — Não abra, por favor, senhora. Por favor. — Conhece o conteúdo? — Não. E a senhora também não vai querer saber, não é? — Paulie segurou-lhe a mão. — Vamos fingir que a senhora não viu nada. Irei até a cidade e entregarei o envelope para o capitão Pendleton, como deveria ter feito ontem. Melhor ainda: vamos queimá-la e será como se a carta nunca houvesse existido. — Tenho de saber o que está escrito. Penélope passou o dedo por baixo da dobra e quebrou o pedaço de cera que mantinha o envoltório fechado. Dentro, uma folha dobrada ao meio que Penélope tirou, desdobrou c esticou sobre a mesa. Sem dúvida, a letra era de seu pai. Pendleton, Repito o que lhe disse antes. Não pagarei nenhum resgate para ter Penélope de volta. Seu retorno ou não me é indiferente. A reputação dela foi conspurcada, por ter ficado sozinha em sua companhia. Por conseguinte, não tem mais nenhum valor para mim. Repito: não adianta esperar nada de nós. Se quiser, pode matá-la. Não me importo. Westmoreland. Penélope sufocou um grito e cobriu a boca com a mão, para impedir o vômito. — Oh, Senhor... — O que foi, senhora? Se eles a magoaram, eu irei... eu irei... Penélope fitou de soslaio o jovem defensor. A sinceridade de Paulie fez com que ela especulasse sobre os riscos que o garoto assumiria em seu favor. Teve de engolir em seco três vezes antes de conseguir falar: — Não é nada, Paulie. — Não acredito. Naquele momento ouviram vozes, e Paulie esticou o pescoço fino. — Quem é? Ela espiou pela janela. — Harry e nossas criadas. Paulie deu um pulo, pronto para disparar, mas Penélope negou-lhe a intenção, com um gesto de cabeça. — Quero que fique. — O capitão Pendleton não vai gostar. — Na atual conjuntura, não me importo com o que ele goste ou deixe de gostar. — Se a senhora tem mesmo certeza... — Tenho.
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As mulheres se aproximavam da porta dos fundos. Penélope não se sentia com coragem de encarar nenhuma delas, sobretudo Colette. O que dizer a ela que amortecesse o choque daquela... "Traição!" Fora traída pelo pai e por Lucas. Necessitava de tempo para pensar sobre o que acabava de tomar conhecimento. Os dois empenhavam-se em um jogo incompreensível em que ela era a bola. Pelo que pudera captar, a fuga fizera parte de um plano de extorsão. O Duque não a queria de volta. E Lucas... Era evidente que a afeição dele era fingida. Começava a duvidar até de que estivessem casados. Nem o pai, nem o marido gostavam dela. Decerto Lucas dissera ao poderoso Westmoreland que mataria a filha, se as exigências não fossem cumpridas. Lucas teria coragem de fazer isso, depois de terem partilhado de tantas intimidades? Estaria em perigo naquele instante, dentro de sua própria cozinha? Pegou uma toalha do balcão e enxugou os olhos. — Por favor, Paulie, não diga nada do que se passou aqui. — Não direi. A porta foi aberta, e Harry irrompeu o recinto, correndo, com sua carga habitual de energia. Estacou ao ver quem estava sentado à mesa. — Paulie? Paulie! Que bom! — Harry começou a pular em volta do outro. — Ele é meu amigo. Eu já lhe contei sobre ele, não é, Penélope? — Contou, Harry. — Mas isso é ótimo, não é, Penélope? — É, sim. — Forçou um sorriso que não alcançou os olhos. Esperava que as mulheres não percebessem o desalento que lhe invadira a alma. — Ele pode ficar, não pode? — Por quanto tempo Paulie quiser, Harry. Colette? — Esperava conseguir falar com alguma firmeza. — Este é Paulie. Ele trabalha para o Sr. Pendleton e é amigo de Harry. — É meu melhor amigo! — Harry declarou. — Paulie ficará conosco — Penélope disse, sem se dirigir a ninguém em particular. — Ele pode dormir comigo? — Claro, Harry. Mas antes precisa tomar um banho. — Banho? — Paulie arregalou os olhos, horrorizado. — Penélope é perita em banhos. Não se preocupe. Quando a gente se acostuma com eles, acaba até gostando. — Poderemos lavar as roupas dele. — Penélope suspirou, pensando em outros assuntos. — Elas secarão durante a noite. — E emprestar-lhe um camisão de dormir. — Colette intuía que algo estava errado. — Obrigada. — Penélope pôs-se de pé. Cambaleando, passou pela mesa. Tinha de sair dali, antes de sucumbir ao desespero que se tornara óbvio para qualquer pessoa com mais de quatro anos. — Senhora? — Paulie falou, hesitante. — Há alguma coisa... — Falaremos amanhã. — Ela esfregou a área entre os olhos, onde uma dor de
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cabeça começava a incomodar. — Não vá embora antes disso. — Eu esperarei — o menino prometeu. — Agora, se me derem licença, não estou me sentindo bem. Não quero ser incomodada. — Gostaria que eu lhe mandasse a travessa com o jantar? — Não, Colette. Não conseguiria comer. Apenas deixem-me em paz. Penélope subiu a escada, entrou em seu quarto e trancou a porta.
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Capítulo XVI Lucas levou o cavalo até a baia, escovou-o e deixou feno à disposição do animal. Demorou-se bem mais do que o necessário nas tarefas, embora duvidasse de que um pouco mais de tempo o ajudaria a encontrar as respostas que vinha procurando. Já ponderara sobre isso nas longas horas em que esteve em Londres e no trajeto de volta. Como um plano tão simples resultou em um erro tão grande? Harold Westmoreland cometeu um erro grave contra a família de Lucas, que procurou retificar o mal cometido. Em um acontecimento imprevisível, a filha de Harold conheceu Lucas e encantou-se com ele. Aproveitando aquele golpe de sorte, uma resolução plausível foi tomada. Lucas atrairia lady Penélope e a manteria escondida em uma casa de campo por alguns dias. Em seguida, usaria de ameaças e intimidações para alcançar seu objetivo. Em vez de uma solução rápida, os dias converteram-se em semanas. O Duque recusou-se a cooperar, indiferente ao destino da filha. Lucas apaixonou-se por Penélope, mas não ousou confessar-lhe. Penélope acreditava que eram casados, e Harry a via como sua nova mãe, embora em breve ela fosse deixá-los para sempre. Paulie sumiu como que por encanto. No momento, Matthew, decidido a voltar com ou sem Lucas, ajudava Fogarty a preparar o Sea Wind para a viagem à América. Lucas sempre se julgara um homem capaz, forte e inteligente. Por que diante dos Westmoreland, não importava o que fizesse ou o que tentasse fazer, sempre acabava por desempenhar o papel de tolo? Suspirou e foi até a porta do celeiro olhar para a casa quieta e escura. Seria aquela uma tranqüilidade anormal? Colette deveria estar escondida nas sombras, pronta para atacá-lo. Penélope na certa o esperava na cama, desejosa, nua e quente, e ele não resistiria a seus encantos. Embora consciente de que não deveria entrar, não tinha disposição para obedecer à advertência mental. Em se tratando de Penélope, não havia alternativa. Desejava-a durante as vinte e quatro horas do dia. Não podia conceber uma noite em que não a abraçasse. Jamais experimentara conexão semelhante, nem mesmo achava que fosse possível tal afinidade com uma mulher. Sempre supusera que tais fatos fossem absurdos alardeados a sonhadores românticos e poetas. Porém a ligação entre ambos era real e avassaladora. Nem poderia ser diferente. Em um período muito curto, Penélope se transformou em outra pessoa, cujo objetivo era agradar o marido de todas as maneiras. Abandonou o luxo em que foi criada e adaptou-se a circunstâncias bem mais simples, com a idéia de tornar Lucas feliz. Encarregava-se com alegria e boa vontade de tarefas que desconhecia. Devotava-se de corpo e alma ao conforto do marido. Combinado a tudo isso, havia o ardor e o fato de Penélope ser possuidora de uma beleza incomum. Mesmo sem ter experimentado as características da união entre homens e mulheres, Penélope abraçou com vontade os aspectos físicos do
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relacionamento deles. Aprendia rápido e procurava descobrir do que Lucas mais gostava. Com Harry, Penélope se superou. Assumiu sem esforço o papel de amiga e companheira, uma influência feminina carinhosa que Harry nunca teve. Ela os considerava "meus homens" e cuidava deles com a ferocidade de um guardião. Harry e Lucas apegaram-se muito a Penélope. Lucas nem mesmo tinha idéia de como fariam para sobreviver sem tê-la ao lado. Dependendo do ponto de vista, era o mais feliz ou o mais infeliz dos homens. Sem saber que atitude tomar, sentia-se ainda mais desventurado que antes. Onde se metera Paulie? Pela manhã, Lucas o procurou por todos os cantos da pequena propriedade e concluiu que o garoto deveria ter voltado sozinho para a cidade. Mas não o localizou em Londres. Ninguém o viu ou teve notícias de seu paradeiro. Sentia-se um egoísta por ter explorado o menino e deixado que se expusesse ao perigo. Atraíra-o com dinheiro e camaradagem. Se algo acontecesse a Paulie, a culpa seria de Lucas Pendleton e de mais ninguém. Aquele seria mais um dos pecados a acrescentar à longa lista dos que vinha acumulando desde que chegou à Inglaterra. Deveria passar o resto de seus dias de joelhos na igreja, pedindo perdão a Deus. Por certo não encontraria horas suficientes para confessar todos os erros cometidos contra pessoas que lhe eram muito caras. O próprio irmão se recusava a ajudá-lo dali para a frente. Matthew insistiu para casá-lo com Penélope no navio. Lucas não aceitou. Matthew pediu-lhe que devolvesse Penélope ao pai. Lucas negou, alegando que mandaram uma mensagem avisando que pretendiam matar a filha, e o miserável não deu resposta. Segundo Matthew, o desaparecimento de Paulie foi a gota d'água que fez transbordar o copo. Afirmou que retornaria para a Virgínia, com ou sem Lucas, levando Harry. Acusou Lucas de pretender esquadrinhar a Inglaterra em busca de uma vingança mesquinha e de retribuições inúteis, só para tentar salvar o próprio orgulho ferido. Conclusão: Harry e Matthew, a família que Lucas adorava acima de tudo, iriam deixá-lo. Com o coração pesado e o moral no fundo do poço, rumou para a casa e, como não poderia deixar de ser, foi interceptado por Colette. — Chegou, mon ami! — Oh, não... Por que ela sempre aparecia nos piores momentos? — Enfim resolveu voltar. — O que foi agora, Colette? — Está pensando que vai para a cama de milady, não é? — Já lhe disse antes que meus momentos íntimos com lady Penélope não são de sua conta. Colette não se deu por achada. — Bem, sinto muito dizer-lhe que ela não quer vê-lo hoje, e talvez nunca mais. O olhar cruel dela era odioso. Não era à toa que o silêncio não lhe parecera natural. — Está delirando? — Seu amigo Paulie é um menino tão doce...
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— Paulie?! — Um pouco... como dizer... sem verniz, mas... — Paulie está aqui?! Lucas pretendeu entrar correndo, mas Colette agarrou-o pelo braço com força surpreendente. — Os meninos estão dormindo. Paulie ficou muito orgulhoso de ter vestido uma das camisas do capitão como traje de dormir. Acredita que o capitão Pendleton é um grande homem. — Cuspiu no chão. — Eu me pergunto: o que o garoto sabe a respeito do amado capitão que destruiu o coração de minha senhora? Por que será que esse americano caiu como um raio sobre nossas cabeças? — Penélope está acordada? Colette fez comentários em francês que deram a impressão de que amaldiçoava para a eternidade todos os Pendleton vivos, mortos e os que estavam por nascer. — Eu o avisei, mon capitaine! Lucas percebeu um brilho no escuro. Colette portava uma faca que lhe pareceu familiar. Tentou arrancá-la das mãos dela, antes que a tresloucada ferisse um deles. A francesa foi mais rápida e recuou, apontando a lâmina para o baixo-ventre de Lucas. — Tenha certeza de que descobrirei o que o senhor fez, e quando determinar a profundeza de sua má-fé, eu lhe arrancarei as tripas para dar aos abutres! Ela era mesmo louca. Lucas passou por Colette e entrou. Pisando com cuidado, foi até a cozinha. Sentada à mesa e encostada na parede, Penélope, ainda vestida, podia vigiar as duas portas. No recinto escuro, os raios de luar iluminavam-lhe os cabelos, deixando-os quase brancos. A aparência era etérea, fantasmagórica. Gelada. O móvel entre eles assumiu um tamanho descomunal. De lado na cadeira, ela olhava, sem ver, o quintal pela vidraça. Na certa vira-o chegar, demorar-se na entrada do celeiro, dirigir-se até ali e ser detido por Colette. — Penélope? O que faz de pé a esta hora? Ela não respondeu, nem se virou. Era como se não o ouvisse. — Vou acender uma lamparina. A pouca luminosidade clareou o ambiente sombrio, mas foi insuficiente para aquecer o pavor que congelava o coração de Lucas. Penélope continuava a olhar para fora, dedilhando a barra da cortina de renda. Lucas gostaria de implorar que ela falasse, embora não quisesse ouvir uma só palavra do que teria para dizer. — Estava pensando em Adam St. Clair. — Quem é Adam? — Meu primeiro noivo. — Penélope suspirou, perdida nas memórias. — Desde menina, fui informada por meu pai que teria de casar-me com Adam. Quando completei dezessete anos, ficamos noivos. E em minha santa ingenuidade, acreditei que ele estivesse apaixonado por mim. — Por que diz isso? A realidade é muito difícil de ser compreendida por uma jovem. Não deve culpar-se pelo que aconteceu. — Lembra-se de eu ter lhe contado que Adam resolveu casar-se com outra?
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— Sim. — Era uma mulher a quem ele amava, e não se tratava de mim, é óbvio. Lucas esperava ter resistência para suportar a dor que lhe causariam as palavras que Penélope diria sobre o assunto deles. — Garanto-lhe que ele saiu perdendo, Penélope. — Nunca lhe revelei que Adam se casou com minha meio-irmã, filha de um antigo relacionamento de meu pai. Penélope abanou os dedos, em uma implicação de que deveria haver muitos outros filhos ilegítimos espalhados pelo país. Quantos irmãos Harry teria?, Lucas perguntava-se. Quantos já teriam feito Penélope sofrer? Não era de admirar que a esposa de Harold decidira não freqüentar a sociedade. Devia ser por receio de encontrar uma amante do marido a cada passo. — Depois que o noivado foi desfeito, inúmeras pessoas não se cansavam de anunciar que a outra era minha irmã. Espalhavam aos quatro ventos que meu pai e a mãe dela tinham vivido um grande amor. Adoravam apunhalar minhas feridas. Riam, dizendo que eu deveria ser muito desagradável, já que Adam se decidira por uma bastarda. —: Tenho certeza de que a preferência dele nada teve de pessoal. — Eu os vi uma vez, no ano passado, em uma festa. A anfitriã era italiana, não sabia o que acontecera e por isso convidou a todos. Ainda bem que os vi antes de entrar. Estavam com a filha pequena... e pareciam muito felizes. Escondida atrás dos outros convidados, ousei espiar e comprovei como Adam os amava. O engraçado é que fiquei contente por ele, e admirei a coragem que teve ao romper nosso compromisso. O que me ajudou a entender que de fato gostava dela. — Digo-lhe que... — Refleti que eu deveria sentir-me satisfeita por ter escapado de um casamento sem amor, como o de meus pais, e de ter a chance de descobrir a alegria com outro. Meu maior desejo era encontrar alguém que me amasse como Adam amava minha irmã. — Foi quando Penélope se virou para a ele. — Lucas, existe amor em seu coração por mim? Ele nunca admitira aquele sentimento. Àquela altura, de que adiantaria Penélope saber disso? Não mudaria nada. — Então? Lucas estremeceu, procurando ousadia para a confissão. — Sim, Penélope, eu te amo. — Muito conveniente! — ela zombou, amarga. — Está armado? — O quê? — Carrega uma arma? — Sim, tenho uma comigo. Atônito, viu-a tirar a mão de baixo da mesa. Penélope segurava uma pistola pequena e apontava, como Colette fizera, para sua virilha. Teria de passar o resto da noite sendo atacado por mulheres iradas? — Onde conseguiu isso? — Lucas notou o dedo firme no gatilho e precisou conter o ímpeto de pular por cima da mesa e arrancar-lhe a arma da mão.
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— É surpreendente o número de utilidades que estão escondidos aqui. Acha que não sei usar isto, Lucas Pendleton? Apesar da tensão, Penélope segurava a pistola de maneira correta. — Não duvido que saiba. — Meu irmão ensinou-me a atirar. — Penélope indicou o tampo. — Eu agradeceria se deixasse sua arma aí em cima. Com cuidado. — O que está havendo? Primeiro, Colette ameaçou-me com uma faca. Agora isso! — Faça o que eu disse — Penélope ordenou, ríspida. Lucas não acreditava que ela atirasse de propósito, mas acidentes aconteciam. — Tenho de pegá-la nas costas. — Faça-o bem devagar. Lucas a obedeceu. — Não tem mais nenhuma? No bolso ou talvez na manga? — Nada — ele mentiu. Não pretendia revelar-lhe o esconderijo na bota. Penélope afastou as duas armas para o lado, mas manteve a dela próxima da mão. Pelo menos não apontava mais nada para ele. — Posso me sentar? Penélope anuiu, e Lucas afastou uma cadeira. — Mantenha as mãos onde eu possa vê-las. — Pelo amor de Deus, Penélope! O que houve? Ela tirou um envelope do bolso do avental e jogou-o para ele. — Acredito que a carta lhe foi destinada. Lucas arregalou os olhos. Na certa tratava-se da resposta de Westmoreland do dia anterior. Não conseguiu entender como Penélope a conseguiu. E, pela adversária perigosa e rude que enfrentava, o conteúdo da mensagem deveria ser terrível. O envelope no meio da mesa começou a girar em círculos desconexos. Lucas deuse conta de que ficava tonto. Não podia se mover, nem para pegar o pedaço de pergaminho. Conhecia Westmoreland, seu estilo e suas opiniões sobre a filha. As palavras do Duque deviam ser brutais. Chocantes. — Leia! A inflexão desvairada deu a Lucas a coragem de que precisava. Puxou para fora a folha de pergaminho e percorreu o texto com a vista. Mesmo esperando algo semelhante, ler aquela barbaridade era algo repulsivo. O que Penélope deveria ter pensado?! "Se quiser, pode matá-la. Não me importo." Sentimentos implacáveis de um homem impiedoso. Lucas não se surpreendeu com a nova prova de crueldade. Lamentou apenas que Penélope houvesse feito uma descoberta tão arrasadora, apesar de suspeitar que o pai fosse um maquinador frio e inclemente. Lucas gostaria de encontrar as palavras certas para explicar-lhe por que não a mandara de volta para casa. — Vou lhe dar uma única oportunidade para esclarecer o que ocorre. Sugiro, portanto, que use seu tempo com inteligência. Eu o conheço muito bem, Lucas Pendleton, e sei que planejou no mínimo meia dúzia de histórias com o fito de acalmarme. Torno a adverti-lo: minha paciência está no fim. Não o ouvirei uma segunda vez.
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Será melhor usar essa chance para justificar seus atos, antes que eu o deixe para sempre. Se resolver mentir, o problema será só seu. Lucas apavorou-se com idéia de Penélope partir. Tinha de alterar isso. — Não é o que está pensando. — Sobre o quê? Meu rapto? A extorsão que está fazendo contra meu pai? Ou o fato de ele não querer pagar para ter-me de volta? Ou ainda que é mentira que você pretendia matar-me? — Eu jamais a faria sofrer, Penélope. — Tarde demais! Já fez! — Penélope arfava de ódio. — Quer dizer que tudo isso é verdade? — É. — Disse a meu pai que iria me matar? — Sim, mas jamais faria isso. — Que sorte a minha! Era tudo o que eu precisava saber. Boa noite, Lucas. Lucas a agarrou pelo braço. Mesmo sem fazer esforço para soltar-se, os olhos dela faiscaram. Ele não a soltou, entretanto. Era impensável deixá-la partir. — Você falou que me ouviria. — É, mas acho que não valerá a pena escutar o que tem para me dizer. — Não quer saber de tudo? Juro que não omitirei nenhum detalhe. — Agora? E eu deverei dar crédito a qualquer história maluca que resolva inventar? Que descaramento! Na certa deve imaginar que sou a criatura mais estúpida que Deus pôs na face da terra! Por sorte, Penélope não tornou a pegar a arma. Ou Lucas Pendleton seria um homem morto. — Desde o começo, eu queria contar tudo, mas não sabia como. — Nós somos casados? — Não. A resposta abrupta fez Penélope cambalear, e Lucas teve de sentá-la em uma cadeira. — Mas quero que nos casemos. — Por favor, cale-se! — Nada disso. Nosso casamento é o que mais desejo neste mundo. Eu queria reparar a confusão em que a deixei, mas como confessar que... — ...a cerimônia foi um farsa? — Penélope terminou a frase por ele. — Foi. — Por acaso não tem sentimentos?! — Lágrimas deslizavam pelas faces dela. — Será que nunca teve um minuto sequer de ternura por mim? — Sempre tive, e muita, Penélope. Nosso relacionamento foi especial desde o começo. Sabe disso tanto quanto eu. — Tem razão. Para mim foi. Para você tratou-se apenas de baixar a calça. Não posso suportar que, depois de afastar-me de meu lar e de minha família, de ter feito tudo o que fez, ainda tenha a petulância de dizer que me ama. — Não imaginei que a situação fosse chegar a este ponto. — Pare! — Penélope tapou as orelhas. — Pare! Não tolero seus álibis e suas
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justificativas de qualidade inferior! — Por favor, quero que entenda todas as circunstâncias. — Quem representou o papel de reverendo? — Matt, meu irmão. — Ah, sim, seu sparing. Deus, como sou idiota! — Não diga isso! — Lucas acariciou-lhe as costas, mas ela se esquivou. — A culpa foi minha, só minha. Lucas não podia vê-la chorar ou sofrer. Tentou abraçá-la, mas Penélope se afastou e interpôs uma cadeira entre eles. Como barreira. Como proteção. — Admiro sua audácia de tentar confortar-me! — Estremeceu, repugnada. Seria aquele o fim? Penélope iria embora carregando ódio contra ele? Lucas disse a si mesmo que não deixaria isso ocorrer. — Tudo começou com uma discussão entre seu pai e mim. — O que meu pai teria feito contra você que o levou a cometer tantas maldades contra a filha dele? Lucas fez um sinal para que Penélope tornasse a sentar-se. Relutante, ela se acomodou. — Lembra-se daquela noite em que falamos sobre Harry e a mãe dele? — Sim, você me falou que havia descoberto quem era o pai da criança. Que era inglês e que estava tentando... — ...imaginar como resolver a situação. Bem, depois de ter decidido o que poderia ser feito, não pude entrar em acordo com o canalha. — Lucas hesitou, certo de que Penélope desconfiava da verdade. — Foi seu pai quem seduziu Caroline, quando ela veio para a Inglaterra. Alguns meses mais tarde, minha irmã voltou para casa e deu à luz Harry. Penélope não teve nenhuma reação tipicamente feminina. Não desmaiou, não sofreu vertigem, nem negou com veemência a culpa do pai. Apenas esboçou um sorriso cansado. — Então é mais um dos filhos de Harold que veio pedir abrigo. O que torna Harry meu irmão. Por que deixou que ele e eu nos tornássemos amigos, se não nos veríamos mais? Queria que eu me fosse apenas mãe temporária? Ou foi a suposição de eu era tão insignificante que o menino me esqueceria de imediato? — Nada disso. Eu estava ansioso para que o conhecesse. Tive uma esperança, egoísta, reconheço, de que o afeto por Harry pudesse diminuir o impacto da descoberta de meu plano e ajudá-la a entender. — Sinto ter de informá-lo de que jamais aceitarei o que fez, apesar de Harry. — Amo minha família, Penélope. — Admiro sua facilidade de atirar a palavra "amor" para todos os lados, como se isso servisse de desculpa para qualquer devastação insana que tenha levado a efeito. Pois quer que lhe diga uma coisa, Lucas Pendleton? Duvido que saiba o significado disso. — Claro que sei! É o que passei a sentir depois que a conheci. Embora tenha de admitir que lutei contra esse amor. Teria sido muito mais fácil atingir meus objetivos com o coração livre. Eu te amo, Penélope, mais do que a mim mesmo. Nem posso imaginar
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o que acontecerá comigo se tiver de viver sem a sua companhia. — É mesmo um artista de talento. Colette sempre me alertou, dizendo que você não passava de trapaceiro. Eu não quis acreditar, e ela estava certa. Tem uma habilidade interessante, Lucas. Sabe usar as frases certas nos momentos adequados. Sossegue. Não será preciso atuar mais com tanta perfeição. Estou de olhos bem abertos. Seu palavreado não tem mais efeito sobre mim. Não há porque continuar usando esse ardil. — Não é nenhum ardil! Não preciso do maldito dinheiro do Duque! Não quero que ele reconheça Harry! Nem estou preocupado com nenhuma de minhas exigências. Nada mais a enternecia. Penélope se tornara uma estranha, porém Lucas não desistiu: — Dentro de alguns dias rumarei para a América com Harry e Matthew. Case-se comigo. Venha conosco. Nós a amamos. Venha fazer parte de nossa família. Os minutos de espera pareceram uma eternidade. — Partirei amanhã cedo — Penélope afirmou, com voz pausada. — Para onde? — Para a casa de meu pai. Para onde mais eu poderia ir? — Não posso permitir isso. Ainda não entendeu quem ele é? Ou o pouco que representa para o Duque? — Entendi muito além do que pode imaginar. Porém prefiro passar o resto de meus dias com pessoas que nunca esconderam o descaso. Não ficarei mais um dia em sua presença, escutando suas mentiras. Pelo menos com meu pai sei onde piso. Não tenho ilusões. — Por favor, não vá embora desse jeito. — Quer saber a parte mais irônica da história? Você fez tudo isso por dinheiro. — Não foi só por isso! — Ora, poupe-me, Lucas! Tudo girou em torno das moedas de ouro. Saiba que herdarei uma fortuna e que lhe teria dado tudo com a maior alegria. Como meu marido, teria apenas o trabalho de pedir. Lucas teve raiva de si mesmo, de Penélope, do Duque, de Matthew, da pobre Caroline. Do mundo inteiro. Reconheceu que era tarde para reparações. Mas teria de tentar. — Eu falhei! De todas as maneiras possíveis! Errei muito, fiz uma grande embrulhada! Aceito a acusação e concordo com ela! Sou um tolo! Um asno! Um homem desprezível! Não era isso o que queria ouvir de mim? Está feliz agora?! — Não. — Penélope fitava-o, impassível. — Na realidade, acredito que jamais tornarei a ver um laivo sequer de felicidade. A porta dos fundos foi aberta e Colette entrou. Um leve erguer de sobrancelhas foi a única demonstração de seus muitos anos de experiência, quando Penélope pegou as duas armas carregadas de cima da mesa, entregou-lhe uma e ficou com a outra. — Colette, dormirei em seu quarto. — Em seguida, Penélope voltou-se para Lucas. — Não posso crer em nada do que me disse. Você sustenta que não pretendia ferir-me, e eu tenho o direito de supor que não me contou todas as suas intenções. Por conseguinte, protegeremos a porta com barricada. Uma de nós ficará acordada, vigiando. Acredito que não seria uma boa idéia forçar a entrada.
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— Penélope... — Lucas estendeu a mão em súplica. — Outra coisa. Em minha opinião, depois de tudo o que fez, deveria tomar conta de Paulie. Seria bom tirá-lo das ruas e levá-lo para a Virgínia. Você lhe deve muito mais do que isso, não é? — Era o que eu pretendia fazer. Ficava evidente que Penélope também não acreditava naquilo. — E eu espero... — Penélope lutou contra as lágrimas que lhe toldavam a visão. — ...espero... Ela engasgou, passou correndo por Lucas e entrou no quarto de Colette. A serva brindou-o com um olhar mortífero e seguiu sua senhora. Lucas ficou na cozinha e escutou uma peça de mobília sendo arrastada até a porta. Após alguns sussurros, o silêncio. A ele só restou sair na escuridão e lutar contra a tortura em seu peito.
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Capítulo XVII Penélope parou no corredor, ao lado do quarto de Harry. Ouviu-o conversar com Paulie sobre um cavalo de Lucas que estava na fazenda deles na Virgínia. Entusiasmado, Harry contou que era muito bonito, rápido e que vencera uma corrida em uma feira. Acrescentou ainda que Lucas o deixara sentar-se no lombo do animal, no desfile da vitória. Não obstante o relato ser feito na linguagem de uma criança de quatro anos, Penélope imaginou a beleza da zona rural americana. A pista de argila, o gramado verde brilhante, os camarotes dos proprietários enfeitados com bandeiras vermelhas e azuis. Na certa a competição fora levada a efeito em uma tarde quente de verão, com os homens em traje esporte e as mulheres com vestidos floridos de festa, chapéus de palha e sombrinhas de renda. Fechou os olhos. Imaginou Lucas e Harry acariciando o cavalo, enquanto recebiam congratulações de amigos e vizinhos. Divisou a si mesma de braço dado com Lucas, orgulhosa, fazendo parte de uma família feliz. Semelhante ao que fantasiava com freqüência, desde que o conhecera. A representação tornou-se tão vivida que foi possível sentir o cheiro da grama recém-cortada e do suor dos animais cansados. Aquilo era uma loucura! Nenhum de seus sonhos poderia realizar-se. Seria inútil torturar-se. As esperanças envolvendo Lucas e Harry foram frutos de uma mente ingênua e tola que acreditava em romances e grandes paixões. Na realidade, nada daquilo existia. As ilusões juvenis teriam de ser esquecidas. A vida não passava de um tônico amargo que era necessário engolir. Estava mais do que na hora de fazer o que teria de ser feito, por mais apavorante que pudesse parecer-lhe. Não haveria viagem para a América, nem uma casa na Virgínia. Um adeus encerraria aquele futuro convidativo. Suspirou, desanimada, e tratou de descontrair a fisionomia para entrar no quarto de Harry. Nisso, Paulie começou a falar. E pelo que o garoto dizia e perguntava, concluiu que Paulie também tinha suas fantasias. Ele falava em ir para a Virgínia com Harry e Lucas. Penélope esperava que pelo menos houvesse alegria no porvir de um menino que enfrentara tanta miséria. Paulie encontraria uma família, e Harry, um irmão mais velho. — Olá, meninos. Penélope entrou, sem conseguir dar um sorriso. A agonia em seu coração era imensa e impossível de ser disfarçada. Nem mesmo por causa das duas crianças, a quem queria tão bem. — Ei, Penélope! Os dois, acompanhando o abatimento dos adultos, haviam brincado no quarto sem fazer barulho. A despeito de ignorar o que acontecera, percebiam o ambiente pesado que acompanhava as más notícias. Penélope não viera vê-los, e passara a manhã no aposento com Colette, iniciando os preparativos da partida. — O que houve?—Paulie, sempre observador, adiantou-se.
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— Eu queria conversar um pouco com Harry, em particular. Diante da tristeza do garoto por ser excluído, Penélope teve de corrigir-se: — Depois será a vez de nós dois conversarmos. — Ao ver que Paulie se tranqüilizou, Penélope anuiu um agradecimento. — Pode descer. Eu o encontrarei lá embaixo. O garoto hesitou e se foi. Penélope parou diante de Harry, memorizando cada traço de sua fisionomia. Queria lembrar-se de sua aparência para sempre. No curto período em que estiveram juntos, chegou a pensar nele como filho. Em várias ocasiões disse a si mesma que, por causa de sua afeição crescente por Lucas, tornava-se fácil amar aquele menininho, parente dele por consangüinidade. Descobrir que Harry era seu meio irmão chegava a ser emocionante. Harry recordar-se-ia dela com o passar dos anos? Em suas recordações haveria ternura? Penélope esperava que, quando ele ficasse mais velho, Lucas não só lhe contasse sobre o parentesco, mas também as razões por que ela tivera de deixá-los. Penélope não gostaria que Harry pensasse mal dela, e muito menos que se achasse o causador de sua partida. Pressupôs que Lucas trataria do tema com sutileza, e com a idade Harry acabaria por entender a história do passado. E como prever como seria? Depois de tudo o que descobrira sobre Lucas, o íntimo dele transformara-se em um dos maiores mistérios do mundo. Sem ter dormido um minuto sequer, Penélope sabia que Lucas saíra e não o ouvira voltar. Assim que o dia clareou, pediu a Colette para verificar no celeiro. Nem sinal dele e de seu cavalo. Essa pelo menos era uma atitude característica. Só retornaria após ela ter ido embora. Não surgiria outra ocasião para se falarem, ela não tornaria a vê-lo e o último cenário seria a das palavras dolorosas que resultaram na separação. Sentiu o peito impregnado com o chumbo da melancolia. Trouxera muitas ilusões para aquela casa, e todas tinham sido esmagadas. Em lugar do amor que nutria por Lucas, restavam o arrependimento e a desilusão. Nem mesmo entendia como se adaptara tão bem a uma nova vida em apenas três semanas. Como ir para Londres e portar-se como se nada tivesse havido? Não era mais a jovem que aceitava sem discutir a vontade do pai. Para ser franca, depois de conhecer Lucas não sentia mais nenhuma conexão com a própria família. A corda que unia os Westmoreland fora rompida. Seu destino estava ali. Sentia-se como esposa de Lucas e como mãe de Harry, embora não fosse nenhuma das duas coisas. O que seria de fato, e qual era seu lugar? — O que houve, Penélope? — Harry interrompeu-lhe os devaneios tristes, ao repetir a pergunta de Paulie. — Posso sentar-me? Ele bateu na cama, mas ela preferiu uma cadeira, para ficarem face a face, com os joelhos que se tocavam e fitando-lhe os olhos azuis. — Ouvi Colette dizer que as duas iriam para a cidade. — Sim. — Quanto irá demorar?
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— Bastante — Penélope respondeu, com a voz embargada. — Voltará até a hora do jantar? — Não, Harry. Sendo sincera, vim dizer-lhe adeus. — O que significa "dizer adeus"? — Harry franziu a testa. — Que irei para não mais voltar. — Mas para onde vai? Seu lugar é aqui conosco! "Eu também pensei que fosse." — Não. Tenho meu próprio lar, minha mãe e meu pai. Eles estão sentindo minha falta. — Engraçado como a mentira saíra com facilidade. Talvez houvesse aprendido com Lucas. Nem mesmo supunha qual a recepção que os familiares lhe ofereceriam. E isso também pouco importava. Não pretendia ficar com eles. Bastariam alguns dias de abrigo, para clarear o raciocínio e desafogar o coração ferido. Quanto estivesse mais confiante, decidiria o que fazer. — Não estou gostando nada disso, Penélope. Você não prometeu que seria minha nova mãe? Penélope não se lembrava de ter feito tal promessa, mas Harry assim interpretara a amizade entre eles. Deus, como Lucas fora imprudente! Trazê-la para junto de Harry, sabendo que o final teria de ser a separação... — Sua mãe está no céu, querido, lembra? Eu nunca poderia tomar o lugar dela. — E quem vai cuidar de mim, se você se for? — Seus tios e a cozinheira. Há muita gente pronta para tomar meu lugar. —E tio Lucas? Ele precisa de você. O que será dele, se não estiver aqui? —Lucas ficará bem. Nós dois já conversamos a respeito e decidimos que seria melhor assim. Minha mãe ficará muito sozinha se eu for para a América. —Não acho que essa seja uma boa idéia. —Harry parecia o Duque em miniatura, até na maneira altiva de falar. — Gostaria de falar com a senhora sua mãe. Eu a convenceria do contrário sem demora. O que a Duquesa pensaria daquele menino? Uma criança adorável, filho de Harold e Caroline, que se parecia com o pai e que agia como ele. Harry era o retrato de William quando menino. Como a Duquesa receberia mais uma prova da contínua infidelidade do marido? — Ah, Harry, sentirei tanta saudade! — Penélope abraçou-o forte. — Quero que me prometa uma coisa. — O quê? — Que tomará conta de Paulie. Sabia que ele não tem ninguém no mundo? — Sim. — Espero que lhe permita fazer parte da sua família. — Paulie pode ser meu irmão mais velho. Já falei isso para ele. __Fico contente, amor... — Penélope sentiu um nó na garganta e ficou em pé. — Tenho de ir. — Ainda não. É cedo. Estou com fome. Pelo cheiro que vem da cozinha, sei que está na hora de jantar. Também quero mostrar-lhe uma pedra que achei no rio.
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Penélope sacudiu a cabeça, desanimada. Harry era muito novo para entender o conceito "para sempre", e ela não encontrou nenhum método adequado para definir uma despedida. O garoto entenderia aquele significado com a passagem dos dias e das semanas, sem que ela retornasse. — Quer descer comigo? Harry anuiu, e Penélope segurou-lhe a mãozinha. No momento em que chegavam ao pavimento inferior, uma carroça parava na frente da residência. Pela janela, Penélope viu a cozinheira descer. Um homem idoso ocupava o banco, com as rédeas no colo. A cozinheira disse-lhe qualquer coisa e deu a volta na casa. Assim que a ouviu entrar, Penélope mandou Harry pedir-lhe comida. Paulie a aguardava, com o cenho franzido. — A senhorita vai embora? — Sim, Paulie, vou. — E não voltará? — Não. — E para onde irá? — Para a casa de meu pai. Consternado, Paulie não escondeu o medo e a preocupação. Penélope comoveuse ao constatar o quanto o menino a estimava. — Ah, srta. Penélope, não acho que seja uma atitude sensata! — Por que diz isso? Ele é meu pai. Tudo dará certo. — Conheci seu pai e tenho de admitir que não gostei muito dele. O Duque não merece o carinho de uma pessoa tão maravilhosa quanto a senhorita. — É muita bondade sua dizer isso, Paulie. — Penélope acariciou-lhe os cabelos. — Tudo se ajeitará. Meu lugar é na mansão de meu pai. — O capitão sabe que a senhorita vai embora? — Sabe. — E não fez caso disso? — Não, porque não diz respeito a ele. Paulie olhou a carroça pela janela. — Não quer que a acompanhe até a cidade? Eu poderia ajudá-la. — Obrigada, mas não há necessidade. Eu gostaria de pedir-lhe um favor. — O que quiser, srta. Penélope! — Paulie entusiasmou-se. — Peço-lhe que fique aqui e tome conta de Harry. Não consegui fazê-lo entender o que está havendo. Creio que ficará aborrecido quando descobrir que não retornarei. — Ele é muito jovem — Paulie afirmou, do alto de sua experiência. — E por isso precisa de você. Eu me sentirei muito melhor se ficar com ele. — Sempre tomo conta de meninos pequenos. Daqueles que não têm ninguém que olhe por eles. Entendo do assunto. Penélope creditou a frase à vida miserável que Paulie tivera nas ruas londrinas. Suspirou, aliviada. Paulie teria um lar e não iria passar a juventude faminto, cuidando de outros órfãos. — Isso é excelente. — Srta. Penélope, tomarei conta de Harry. Todo o tempo. Eu juro. — Paulie pensou um pouco. — Tem convicção do que pretende fazer?
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— Tenho — Penélope mentiu mais uma vez. A única certeza era que teria de partir, enquanto lhe restassem forças para fazê-lo. — Há outra coisa de que eu gostaria de falar-lhe. O capitão Pendleton decidiu levá-lo para a Virgínia. Ele me prometeu. Mas se não cumprir sua palavra, lembre-o dessa promessa. Fará isso? — É lógico! — Os olhos do menino brilharam com a perspectiva de acompanhar seu herói. — E também espero que peça ao capitão para que o ensine a ler e a escrever. Depois, mande-me uma carta, contando todas as novidades. — Farei o que me pede, srta. Penélope. A despedida foi silenciosa e sombria. As criadas e os meninos mostravam-se confusos e desanimados. Penélope gostaria de ir embora com abraços e beijos efusivos, além de desejos de boa sorte para o porvir. Mal teve energia para subir no veículo rústico. Se não fosse Colette segurá-la, teria caído. — Eu a protegerei, mon amie — Colette, emocionada, sentou-a no banco duro ao lado do cocheiro. — Merci. Colette atirou as duas malas na parte de trás da carroça e subiu também. Penélope agradeceu a Deus pelo fato de a criada não ter o costume de fazer perguntas indiscretas, nem de apontar o dedo, vangloriando-se por ter razão. A moça contentou-se em permanecer ao lado dela, como a companheira forte e resoluta que sempre fora. O condutor sacudiu as rédeas, e os cavalos deram um impulso para a frente. Penélope não conseguiu erguer o braço para um aceno final. Começava a chover. Colette pegou a capa de zibelina que estava atrás e amarroua no pescoço da patroa. O homem virou a carroça para a estrada, rumo a Londres. Edward Simpson andava de um lado a outro da sala de estar do Duque. Com olhar crítico, avaliava a mobília e os ornamentos. Mesmo sendo dono de uma fortuna substancial, sua casa não tinha a aparência daquele museu dedicado à ostentação. Nem mesmo sabia por que sua residência não mostrava aquele aspecto resplandecente, embora houvesse concedido a suas três esposas anteriores a liberdade de decorar os ambientes para receber bem os convidados. Supôs que fosse uma questão de estilo da Duquesa de Roswell. Esperava que lady Penélope houvesse herdado o gosto refinado da mãe. — Penélope, Penélope... — Edward murmurou, servindo-se de mais um dose de conhaque. Porém aquele assunto não era prioritário. Dentre os inúmeros planos que reservara para milady, tornar atraente a propriedade estava no final da lista. Havia itens merecedores de atenção muito maior. A terceira esposa morrera fazia mais de quatro anos, e Edward se achava mais do que ansioso para desfrutar de noites de prazer que não fossem em companhia de uma prostituta. Detestava bordéis, mesmo os que ofereciam as mais belas garotas. Preferia usufruir do sexo na privacidade de seu quarto com uma mulher atraente de sua própria escolha.
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Muito bem que Penélope era um tanto atrevida e trazia vários problemas consigo. Quando Westmoreland lhe acenara com a idéia, Edward chegou a fingir desinteresse, como se Penélope representasse um grande peso. Mas se tratava, isso sim, do tipo de companheira que vinha procurando. Edward tinha preferência por jovens. Se fossem belas, melhor ainda. No entanto, um homem em sua posição não podia sair pelas ruas seduzindo adolescentes sem que as repercussões fossem sérias. Por isso, casava-se com elas. Gostava mais das que tinham acabado de deixar a escola, que não fossem mimadas e que apresentassem total ingenuidade quanto às obrigações maritais. Embora Penélope fosse um pouco mais velha que as outras, Edward mal podia conter a ansiedade de alcançar seu objetivo: levá-la para a cama. Ela era muito bonita, embora demonstrasse um temperamento arisco. E ele se considerava perito em domar rebeldias, por meio de um treinamento apropriado, que ele aperfeiçoara com o passar dos anos. Aos trinta anos, casara-se pela primeira vez com uma moça de dezesseis. Aos quarenta, também escolhera uma adolescente. Aos cinqüenta, decidira-se por uma de dezessete. As três eram virgens. Tanto as famílias quanto as garotas haviam se mostrado ansiosas pela união, em nome da influência e dos títulos que viriam com o matrimônio. Para sua sorte, elas o favoreceram com a morte quando a aparência começou a fenecer, dando oportunidade para que outra donzela partilhasse de seu leito. Tinha muita prática em fazê-las cumprir suas obrigações. Aos sessenta e três, teria Penélope Westmoreland, a mais bela e rica de todas, embora fosse portadora de inúmeros maus hábitos. Os piores eram retrucar, fazer comentários falsos e insinuações rudes. Ele a ensinaria a usar a boca de maneiras bem mais agradáveis. Patrícia Westmoreland entrou na sala, vestida de seda azul da melhor qualidade. Na juventude, Patrícia, loira de olhos azuis, esbanjara beleza. Tivera uma educação primorosa e fora levada a casar-se com Harold. Os pais de ambos contrataram o enlace quando ela ainda era criança. Patrícia suportara com estoicismo os desatinos de Harold. Embora se tratasse mais de um acordo que de um casamento, a tendência do Duque por amores ilícitos esgotara a paciência ilimitada da esposa. Harold chegava a extremos para manter seus casos em segredo, mas a Duquesa sempre encontrava quem a informasse de tudo e com detalhes suculentos. A discórdia matrimonial resultou na separação de deveres e interesses. Os efeitos desastrosos eram visíveis no semblante de Patrícia, apesar da pintura facial, dos retoques nos cabelos e de outros recursos femininos. Magra demais, perdera o viço, e sentia-se de longe o cheiro de álcool que ela exalava. Passar os dias trancada em seus aposentos facilitava-lhe o vício. Embora Edward bebesse bastante, jamais toleraria o mesmo em uma mulher, ainda mais em uma de alta posição. Admirava-se de que Harold ainda não tinha tomado uma providência. — O que foi que ele disse, milady? — Não pude falar com o Duque. Jensen me falou que meu marido não está em
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casa. — Jensen? — Nosso mordomo. — A Duquesa sorriu, sem jeito. Se Patrícia tinha de perguntar ao mordomo pelo marido, como esperar que soubesse do paradeiro da filha? A impaciência de Edward chegava ao fim. Havia mais de duas semanas que tentava localizar o paradeiro de Penélope, e teve de recorrer à família dela, que se mostrara expert em manter segredos bem guardados. — Milady, permita-me lembrá-la de que o casamento se realizará em três dias. — Não é necessário, Edward. Estou consciente da data do enlace de minha filha. — Se me permite, Vossa Graça, alguém deve chamar a atenção para a rapidez com que o prazo está se esgotando. Edward não se arrependeu do comentário rude. Havia algo errado, e pretendia descobrir do que se tratava. Rumores circulavam sobre o desaparecimento de Penélope. Os mais insistentes diziam que ela apanhara muito do pai por não querer casar-se. E por causa dos hematomas os parentes tiveram de escondê-la até as marcas sumirem. Edward acreditava, entretanto, que Harold recebera uma oferta melhor. Ah, mas o Duque teria uma surpresa, se pretendesse romper o acordo! O conde estava disposto a esperar o quanto fosse pelo reaparecimento de Penélope e casar-se com ela. Os papéis tinham sido assinados, as escrituras, minutadas. Haviam sido tomadas as providências para o almoço do casamento. Nada o faria mudar de idéia, portanto. Tudo pronto. Menos a noiva. De fato, a má vontade de Penélope não o incomodava. A noite de núpcias seria ainda mais maravilhosa se ela relutasse em aceitá-lo. Ouviram a porta de entrada abrir-se e, pela bajulação do porteiro, tiveram certeza de tratar-se do Duque. Edward precipitou-se na direção do hall, com Patrícia em seu encalço, receoso de que Harold pudesse escapar de novo. Se o Duque fosse para o interior da mansão, só um explosivo poderia tirar do caminho o batalhão de servos eficientes que o impediriam de conseguir uma audiência. — Harold! — Edward chamou-o, antes que o Duque tirasse o capote. — Agora não, Edward. — O Duque o fitou com desinteresse e nem se dignou a lançar um olhar de viés para a esposa. — Agora sim, Harold! O tom do noivo fez o Duque parar. — Como queira, mas estou com os minutos contados. Diga logo o que tem para dizer. — Vim conversar com lady Penélope. — Já lhe informei que minha filha não está aqui. — Não sou surdo, mas acho muito estranha essa ausência. — Edward não se intimidou com o olhar gélido de Harold. — O que exatamente está estranhando? — Harold aproximou-se, ameaçador. — Rumores têm circulado e...
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— Edward! Agora deu para dar importância a boatos? — Não pude deixar de ouvi-los. São desconexos e vis. Talvez se eu soubesse a verdade... — Que verdade?! O que está insinuando? Por acaso duvida de minha palavra? Ou pretende contestar-me? — Nada disso. — Então fale de uma vez! — O Duque aproximou-se mais, pronto para o ataque. — Estou apenas curioso, só isso. — E a respeito do quê? Se tem algo consistente para falar, fale sem rodeios. Não posso sujeitar-me a escutar insinuações espúrias sobre mim ou sobre minha filha. — Por favor, Milorde — Patrícia interveio. — Seria melhor levarmos lorde Simpson para a sala de estar, onde poderemos discutir com privacidade. — Indicou o grande número de servos bisbilhoteiros que os rodeavam. — Não será necessário nada disso, milady. Eu já lhes disse onde Penélope se encontra. No campo. Ela voltará amanhã ou depois. Agora, se me permitem... — Eu não permito nada! — A Duquesa surpreendeu a todos, sobretudo o marido. — Quero falar-lhe na sala de estar. Agora! Patrícia não erguera a voz, mas a entonação cortante espantou os presentes. Virou-se e seguiu para a porta, sem olhar para trás para ver se o Duque e o conde a seguiam. Nem precisaria. Os dois lordes jamais tinham visto um descontrole emocional por parte da Duquesa, e o tom de comando não permitiu a alternativa da recusa. Edward encolheu-se diante do olhar malévolo do Duque e afirmou para si mesmo que, uma vez casado com Penélope, jamais pisaria naquele asilo de lunáticos. Cauteloso, o conde retornou à sala luxuosa e foi direto até o cálice de conhaque que deixara sobre a mesa. Os olhares rancorosos do Duque e da Duquesa o fizeram desejar nunca ter perguntado onde Penélope se encontrava. — Muito bem, Harold, onde minha filha está? — Duvida de mim, Patrícia? — Talvez pudéssemos discutir o assunto mais tarde... — Edward experimentava tremendo mal-estar. — Cale-se, Edward! — Patrícia gritou. — Pois não, milady. — Responda, Harold. Já! Não sairá deste recinto enquanto não me disser onde Penélope se encontra. — Ela foi para nossa casa de campo em Sussex. — Posso mandar um mensageiro até lá com uma carta? — Claro. — Harold apontou uma mesinha perto da janela. — Escreva. — Mentiroso! Edward tornou a lamentar ter se metido em uma contenda conjugai. Aquilo era demais, fossem eles futuros sogros ou não. — Milorde sempre foi um mestre em ocultar a verdade! Agora diga-me para onde ela foi ou eu... — Milady o quê? — Harold questionou, cínico. — Irá para seus aposentos e passará o resto do dia bebendo? Faça isso, querida.
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— Que homem odioso! Se alguma coisa aconteceu a Penélope... Se fez alguma coisa contra ela... Naquele momento, uma grande comoção teve origem no hall. Saudações em voz alta e correria dos servos. O mordomo bateu na porta e abriu-a, antes de ouvir a resposta. — Sir! — Jensen dirigiu-se ao Duque, como se não houvesse ouvido os gritos do casal, que discutia. — Lady Penélope chegou. Edward estranhou ao ver Harold agarrar-se no espaldar da poltrona para não cair. Não houve tempo para mais nada. Jensen fez uma mesura e Penélope entrou, ainda vestida com a capa de peles, os cabelos molhados da chuva e o nariz vermelho por causa do frio. — Olá, meu pai — cumprimentou-o com um brilho malicioso nos olhos. — Surpreso por me ver viva? Esperava que estivesse morta e enterrada? A Duquesa desfaleceu. Um sofá a suas costas permitiu-lhe obter um efeito dramático sem ter de cair no solo. — Penélope querida... — Não exagere, mamãe. O Duque tentou aproximar-se da filha, que recuou. — Não se aproxime, sir. No estado de espírito em que me encontro, não me responsabilizo pelo que poderei fazer. O Duque estendeu-lhe a mão. — Tenho estado tão preocupado, minha filha... — Ora, que lástima, meu pai! O Sr. Pendleton salvou-me da indignidade de ler suas respostas anteriores à tentativa de chantagem dele... — Chantagem?! — Patrícia e Edward gritaram em uníssono. — ...mas eu vi a última e adorei a delicadeza da frase final: "Se quiser, pode matála. Não me importo". — Penélope meneou a cabeça. — Céus, meu pai, como pôde? — Não é o que está pensando, filha. — Mas que engraçado, Vossa Graça! Quando descobri a trama que ambos executavam, interroguei o Sr. Pendleton, e o início da frase dele foi idêntico a sua! Não se importe com justificativas. Não as escutei dele, nem quero ouvir as suas! — Quem é o Sr. Pendleton?—Simpson indagou, bastante enjoado àquela altura. — Olá, Edward. Meu pai não lhe contou? — Contar-me o quê? — Estive fora com outro homem, durante três semanas — Penélope anunciou, com aparente alegria. — O quê?! Harold me disse que milady se encontrava no campo. — E estava. Com Lucas Pendleton, um americano encantador e impetuoso. Tenho de admitir, Edward, que estive com ele dia e noite. — Oh, não... — Harold gemeu, arrasado. — Pendleton é um homem morto! Eu o matarei com minhas próprias mãos! — Filha, diga que isso é uma brincadeira! — Patrícia implorou. — O que quer dizer tudo isso? — Edward estava confuso. — Explique-se! — Fui raptada.
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— Não... — Patrícia sufocou um grito. — E durante esse tempo todo... pensávamos... — O quê, mamãe? Meu pai não lhe contou o que estava acontecendo? Se o olhar pudesse matar, o Duque estaria morto. — Não! — Vejam só, Milorde! — Penélope encarou-o com ódio. — Qual seria sua desculpa se me encontrassem assassinada? — Penélope, escute... Eu tinha certeza de que ele jamais a mataria. — E como podia estar tão confiante disso? — Meus homens seguiam pistas por toda parte. O que eu escrevia para Pendleton era para enganá-lo. Pretendia ganhar tempo até poder localizá-la. Lucas jamais a machucaria. — Pois está enganado, Milorde. — Penélope tinha lágrimas nos olhos. — Lucas me feriu de tantas maneiras, que eu nem saberia como descrever. — O que fez aquele canalha?! Eu mandarei enforcá-lo... — Deixe estar. Estou enojada de ambos, de suas artimanhas e conspirações machistas. Voltei para casa apenas para anunciar que estou partindo. — O que está pensando?! — Harold não conseguiu imprimir autoridade, dessa vez. — Aonde pensa que vai? — Pretendo comprar uma pequena propriedade. Como pagamento pelo que me fez passar, Milorde adquirirá o imóvel e eu o reembolsarei quando completar vinte e um anos. Ou seja, no próximo ano. — De maneira nenhuma! — Não estou lhe pedindo, meu pai, mas lhe comunicando! Daqui para frente, pretendo viver por minha própria conta, sem me submeter à vontade de nenhum homem. Se Milorde se recusar a ajudar-me, encontrarei um modo de fazer isso sozinha. Tenho certeza de que haverá uma boa alma que me emprestará o dinheiro em confiança diante da extensão de meus bens. Mamãe, está convidada a morar comigo. Não terá de ficar com ele por mais tempo. — Eu?—Patrícia pareceu não entender a quem Penélope se dirigia. — Filha, jamais deixaria seu pai. O que houve com você? Não pode estar falando sério. O que as pessoas comentarão de algo tão ultrajante? Veja bem, acabou de chegar e está exausta por tudo o que aconteceu. Seu casamento será dentro de três dias... — Esqueça isso! Jamais me casarei, e não desejo mais falar sobre o assunto. — E quanto a mim? — Edward interveio, irado. Embora também não a quisesse, não pretendia tornar-se alvo de chacotas. E muito menos ser apontado como um tolo por ter se comprometido com uma jovem insana, contrariando a imensidão de avisos que recebera. — O que deverei anunciar? — Edward caprichou no ar de noivo ofendido. — Diga o que quiser. — Penélope deu de ombros. — Pouco me importa. O senhor dará sua versão, e eu, a minha! Como se atrevia a desrespeitá-lo?! — Olhe aqui, sua pequena Messalina... — Modere sua língua, cão dos infernos! — Harold veio em defesa da filha, e agarrou
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as lapelas do casaco do desafeto. — Você tem grande parte da culpa por essa catástrofe. E se disser mais uma palavra, eu lhe arrancarei a língua! — Eu tenho culpa?! — Edward soltou-se do Duque. — Milorde deixou-a sair acompanhada de um americano, ela Voltou vangloriando-se de ter sido comprometida e... — Eu?! — O Duque tornou a agarrar o casaco dele. — Acha que gostei disso, seu bêbado imundo?! — Deveria ter imaginado que não se podia confiar em um rato miserável! Foi então que a luta começou. Cadeiras e poltronas foram derrubadas, e os insultos atingiram níveis nunca vistos, um procurando atirar a responsabilidade sobre o outro. Um ruído violento os fez parar e olhar para trás. Penélope atirara no chão um vaso chinês de valor incalculável. Água, flores e cacos da mais fina porcelana espalhavam-se pelo piso. Patrícia, imóvel como uma estátua, tapava a boca. Jensen permaneceu parado à soleira, entre surpreso e divertido, com uma sobrancelha arqueada. Aquela era uma das únicas vezes de sua vida que demonstrava um pouco de emoção no rosto pálido. Afinal, jamais presenciara comportamento tão vergonhoso entre membros da aristocracia. — Parem! — Penélope tremia de nervosismo. — Nem sei por que gastar energias para discutir por minha causa, sendo que se importam tão pouco comigo! — Não é verdade! — Harold protestou. — Tentei tudo... fiz o impossível para trazêla ilesa de volta e... — Chega, meu pai. O Sr. Pendleton confessou tudo. Guarde suas mentiras para alguém mais ingênuo do que eu. Minha mãe, tive um dia muito cansativo. Irei para meu quarto. Não quero ser perturbada. Descerei assim que decidir onde irei morar. Até lá, deixem-me sozinha! — Espere um pouco, mocinha. — Edward pretendia exercer seus direitos de noivo enquanto os possuía, visto que os pais não se manifestavam. — Ainda não terminamos a conversa! — Saia daqui, seu patife embriagado e imundo! Vá preparar outra armadilha para alguma criança inocente. — Penélope foi até a porta e parou na frente de Jensen. — Ponha Simpson para fora! E nunca mais o deixe entrar aqui! Homens! Odeio todos eles... E Penélope Westmoreland se foi, com a dignidade de uma rainha.
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Capítulo XVIII — Então esse é seu plano? — Matthew perguntou. — É. — Lucas, encostado na amurada do Sea Wind, não demonstrava nenhuma emoção. — Simplesmente desaparecer, depois de tudo o que enfrentamos? — É. — Içar as velas amanhã à tarde quando a maré mudar e descer o Tâmisa. É isso? — Não conheço outra rota para o oceano. — Está me dizendo que voltaremos para a América sem mais e sem menos? — O que mais eu poderia fazer?! Matthew ergueu as mãos, derrotado. Falar com Lucas era o mesmo que conversar com as paredes. — Ir até a mansão magnífica da qual eles tanto se orgulham, bater na porta com a aldrava e pedir uma audiência com o asno real. Se aquele mordomo idiota não o deixar entrar, dê um pontapé na porta e procure Westmoreland. Quando o encontrar, segure-o pelo colarinho e peca-lhe a mão da filha. E seja bem claro. Diga-lhe que pretende casarse com a jovem, independente do querer dela. — Não tenho a menor vontade de ser preso. Acontece que dou bastante valor à cabeça que está em cima de meu pescoço. — Westmoreland não fará nada disso. — O que lhe dá tanta certeza? — Ele não tem saída. Seja como for, o Duque é o pai e entenderá que essa é a melhor solução para todos. — Poderá optar por minha morte como o melhor final. — Se fosse esse o caso, o Duque já o teria agarrado, Luc. Acredite, neste momento, ele deve estar matutando sobre o que fazer com a filha. Seu pedido seria uma bênção. — Como tirar um peso dos ombros dele? — Acertou. — Acontece que você está se esquecendo de um pequeno detalhe. — Qual? — Penélope. — Lucas suspirou. — Ela te ama, meu irmão! No momento está ferida, nervosa e triste. E tem todo o direito de assim estar. Nós a levaremos pelo oceano, onde não haverá como fugir. Ambos terão muitas semanas pela frente para reconciliar-se. — Não sei, não... Lucas fitava as docas. Anoitecia, e o comércio intenso dera uma parada. O tráfego diminuíra, assim como a agitação e o barulho. Os negociantes retornavam a seus lares. Os carroceiros e os estivadores lotavam as tavernas, gastando o pagamento do dia. Os marinheiros perambulavam, procurando encrenca. As prostitutas exibiam-se, ansiosas para ganhar algum dinheiro. — Existe outro pormenor a ser considerado, Luc. — Qual é?
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— Suponha que Penélope esteja grávida. — Não está! — Que excesso de confiança! Depois de cometer um ato tão abominável, sua honra lhe permitirá que a abandone depois de arruiná-la? E assim que pretende ser lembrado por aquela gente? Eu o conheço bem, meu irmão. Não fugirá sem conhecer seu filho. E se for um menino? Além do mais, a srta. Westmoreland terá o bebê na casa dos pais, e a criança será criada pelo Duque. É esse seu desejo? — Pare com isso! — Nem queria pensar em seu filho sendo educado pelo Duque. — Não existe criança nenhuma. — Como garantir? A única maneira de evitar uma tragédia é casar-se com ela. Já. Antes de partirmos. Vá buscar a srta. Westmoreland. E a única solução aceitável. — Quanta bobagem! — Lucas não queria continuar a discussão. A ferida era dolorosa demais. — Aprendi a conhecê-la, Matt, e sei qual a visão que Penélope tem do mundo. Jamais me perdoaria, nem me aceitaria de volta. — E o amor que tem por ela, Luc? — Não faz a menor diferença. Meu único objetivo é fazer o que for melhor para Penélope. Ficar em Londres e tentar falar com ela só aumentará os danos. Eu não suportaria piorar seu sofrimento. Penélope merece um pouco de paz. E só a terá se eu for embora. Lucas bateu no ombro do irmão. — Quem foi que disse uma vez que eu não a merecia? — Não foi bem o que eu quis dizer. — Você tinha toda a razão. Esqueça, Matt. Isso não daria certo. Deixe estar. Verá que a minha decisão foi a melhor. Lucas desceu apressado e sumiu na obscuridade, sem ouvir a resposta de Matthew: — Melhor para quem, seu grande tolo? Penélope brincava com a comida, sentada à mesa de jantar. Sem apetite, não tinha energia necessária sequer para sentir fome. A abstinência nutricional a fez emagrecer. As roupas folgadas pendiam sobre a silhueta esbelta. Sentia-se enfraquecida e sem coragem para se cuidar. Tudo perdera o significado. Passava os dias trancada em seus aposentos, recusava os convites para eventos sociais, imersa em uma rotina tediosa. Não encontrava nenhum propósito em acordar sem ter Lucas a seu lado ou Harry para tomar conta. Não havia pão para ser assado, nem jardim para ser tratado. E sobretudo não havia um marido desejoso de fazer amor com a esposa, que adorava ter as costas lavadas durante o banho e que a beijava antes de sair para o trabalho. O pouco tempo que passara na companhia deles fora suficiente para mudar sua visão da vida e do mundo. Não era capaz de imaginar como passara dia após dia, meses e anos a fio naquele casarão sufocante, ao lado de pais infelizes e de um irmão frívolo. Muitas vezes a quietude se tornava tão dolorosa que ficava à escuta de um passo, uma tossidela ou um riso perdido. Qualquer sinal de que houvesse pessoas vivas naquela propriedade.
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Continuava a não ter nada para fazer ou com que ocupar-se, exceto as bobagens inerentes a sua alta posição social e que não a seduziam mais. Via-se desvinculada de quaisquer laços que outrora a mantinham presa ao universo dos pais. Após seu retorno, transbordante de indignação, Penélope queria apenas um lugar onde pudesse sofrer em paz. Tentou convencer a mãe a morar com ela, em um espaço onde homens não as fariam lamentar o dia em que nasceram. A Duquesa considerou a idéia um despropósito, e Penélope não falou mais com o pai a respeito. Não suportaria encontrar-se com o Duque, encará-lo e discutir sobre custos e prazos. Muito machucada, não se achava em condições de entregar-se a um diálogo civilizado. O plano permanecia como uma abstração viável, relegado à margem da consciência, à espera da vitalidade necessária para ser posto em prática. Um arrazoado diante do Duque haveria de requerer referências a Lucas, e Penélope não queria descrever o que acontecera. Até aquele momento, os pais nada perguntaram. Evitavam a todo custo perturbála, como se estivesse doente. Afinal, tocar no tema exporia também os sentimentos deles. O que não seria conveniente para ninguém. "Não se fala mais nisso" era a mensagem silenciosa que percorria os corredores vazios do "lar" dos Westmoreland. E Penélope admitiu que o ideal seria mesmo evitar explosões emocionais. Em uma conversa com o pai, ele haveria de querer pormenores. E para ela seria impossível confessar o que lhe ia na alma para alguém que a estimava tão pouco. Mesmo sem supor que o Duque lhe dedicasse muito amor e carinho, sempre acreditara que havia um certo nível de afeição. Nem em suas piores avaliações poderia crer que o pai desse tão pouca importância à possibilidade de ela ser assassinada. E isso era demais para ela. Impossível explicar Lucas ou o período que passaram juntos. Nem mesmo para Colette, seu único apoio, que presenciara sua alegria e seu atual desalento. Penélope sofria muito. Perdera seu grande amor, a vida que poderia ter tido ao lado de Lucas e de Harry, seu casamento e a felicidade que imaginara ter encontrado. A pior de todas as perdas fora a terrível descoberta de que não estava grávida. Teve essa confirmação duas semanas depois de voltar a Londres. Mesmo assegurando a si mesma que uma gestação teria sido um fim desastroso, seu coração não aceitava tal premissa. Um bebê seria uma parte de Lucas que ficaria para sempre com ela e a ajudaria a recordar-se dos dias maravilhosos que antecederam o desastre. A grande aventura tenderia a fenecer, as memórias se tornariam menos vibrantes até chegar ao ponto de parecer que tudo não passara de um sonho. Um balanço patético sobre o fato mais extraordinário que lhe ocorrera. O Duque e a Duquesa estavam sentados às cabeceiras da mesa e, como excelentes anfitriões que eram, tagarelavam com extrema finura com os convidados. E como de costume ignoravam a presença do respectivo cônjuge na sala. O desdém mútuo se transformara em uma arte de convivência. Seria até engraçado se não fosse trágico. Tratava-se de uma reunião da família e de amigos mais chegados. Dez pessoas ao
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todo. Bem diferente das que Patrícia costumava oferecer naquela época do ano. Após o anúncio do rompimento com Edward, os boateiros começaram a aparecer, à cata de um possível convite para um dos famosos jantares da Duquesa. Como Penélope deixara de freqüentar as rodas sociais, a nobreza ficara ansiosa para comparecer à mansão Westmoreland e verificar se as histórias ouvidas tinham algum fundo de verdade. Patrícia tratou de pôr um ponto final no enxame de visitantes. Uma consideração comovente pelo fato de estarem em meados de abril, com outra temporada em início e todo o grand monde presente para as festividades. Entretanto Penélope não se iludia. A escassez de celebrações não se devia a seu estado depressivo, mas sim à ojeriza que sua mãe tinha de ter o nome deles vinculado a falatórios. Os festejos continuariam despretensiosos até que os aristocratas encontrassem outras pessoas merecedoras de atenção e bisbilhotices. — Uma pequena disputa marítima — a voz do Duque ergueu-se acima do alarido dos convivas. — Com um americano? — o convidado a seu lado perguntou. — Ele se chama Lucas Pendleton. Está tentando sair do país, mas pedi que seu navio fosse detido. Se possível, aprisionado. — Com carga e tudo? — Isso mesmo. O camarada aproveitou-se de uma coisa muito preciosa e que me pertence. Vou fazê-lo pagar caro por isso. Penélope ergueu o olhar do prato. O Duque a fitava com intensidade, como se esperasse ter sido ouvido. Desde que retornara à mansão, três semanas atrás, era a primeira vez que o nome de Lucas era mencionado. Penélope imaginou que os irmãos Pendleton haviam partido assim que a tentativa de chantagem fracassou. Nem lhe ocorreu que o Duque pudesse estar à caça de Lucas e que pretendesse usar de hostilidade contra ele. Será que o Duque não entendia que ela só queria Lucas fora da vida deles? Nunca mais pretendia vê-lo, nem mesmo a distância, para não sofrer ainda mais. — O que Milorde fará com o americano depois de prendê-lo? — Penélope notou que todos a fitavam, por ser a primeira vez que falava durante o jantar. — Ainda não me decidi pelo castigo que seja severo o suficiente. Estaria o pai querendo dar a impressão de que pretendia vingar-se por ela? Ou seria pelo mesmo motivo de sempre? Roswell era um par do reino poderoso e rico que não admitia ser enganado por ninguém. As conseqüências poderiam também recair sobre Harry e Paulie, além de prejudicar Lucas. O Duque mandaria chicoteá-lo em público? Ou providenciaria um exílio terrível? Lucas seria enforcado? Penélope não queria nem imaginar o que o Duque seria capaz de fazer com o homem a quem ela amara. — Poderiam dar-me licença? — Penélope desculpou-se, com a voz embargada. — Claro, minha querida — a mãe concedeu, sem ao menos fitá-la. Penélope foi até os fundos da residência, passou pelo jardim de inverno e saiu no terraço. O caminho até o jardim era iluminado por algumas lâmpadas. Fitou o céu e perguntou-se onde Lucas poderia estar.
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Escutou passos. Harold a seguira. Conseguira apanha-Ia em uma armadilha. Talvez até tivesse o direito de interpelá-la. — Notei que a referência ao capitão Pendleton a abalou bastante. Penélope deu de ombros. — Não mais do que qualquer tópico que Milorde pudesse ter mencionado. — Eu gostaria de ter sua opinião antes de prosseguir com as providências. O que seria mais apropriado para aquele homem? — Não quero que faça nada contra ele, nem contra sua família. Tanto Milorde quanto Lucas já causaram muito sofrimento. — Penélope virou-se para o gramado. Temia que o pai lesse o que lhe ia na alma. — Deixe-o em paz. Permita que vá embora daqui com sua gente e a tripulação. Nunca mais quero vê-lo. Harold se aproximou e segurou-a pelos braços, com gentileza. Penélope não se lembrava de ter recebido uma prova de carinho do Duque. O gesto causou-lhe vontade de chorar. — Filha, não suporto mais vê-la imersa em tanta agonia. O navio dele está pronto para zarpar. Como poderei deixá-lo partir, vendo-a nesse estado? — Simples, meu pai. Esqueça-o. Lucas que vá para onde quiser. — Penélope, por que nunca me disse... Bem, quando partiu com ele, deixou-me um bilhete. Tive a impressão de que sua fuga foi por vontade própria. — Fui uma grande tola. — Nunca lhe perguntei o que aconteceu entre ambos... — O Duque encostou-se na balaustrada, mirou-a dentro dos olhos e tomou-lhe as mãos. Um acontecimento histórico! — Poderia contar-me? — Não. Jamais quero falar sobre isso. — Por esse motivo tenho de impedir a partida de Pendleton. Ele a fez sofrer em demasia e devo descobrir de qual pecado deverá ser culpado. — Nada de tão terrível como está imaginando. Agruras do coração. Só isso. Nada que mereça a tortura de um ser humano. — Ele lhe prometeu casamento. — Pensei que... Não importa o que pensei. — Posso forçá-lo a cumprir a promessa. Se o quer para marido, basta dizer-me. Minha filha, se as núpcias trouxerem de novo o sorriso a seu lindo rosto, elas serão realizadas imediatamente. — Não quero casar-me com ele e com ninguém mais. — Por acaso está... — Não se aflija, meu pai. Não estou grávida. O suspiro de alívio do Duque a fez dizer depressa: — Mas adoraria estar. — Ah, Penélope, minha querida... Ela se desvencilhou do pai. Ele se atrasara em vinte anos para oferecer-lhe consolo. — Para mim, o caso está encerrado. Não pretendo ver Lucas Pendleton nunca mais. Deixe-o partir. Talvez assim cessem meus tormentos pessoais. — As lágrimas em seus olhos brilhavam como diamantes. — Esse é meu pedido, depois de muito tempo
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sem solicitar-lhe coisa alguma. Deixe-o ir embora. — Não sei se poderei concordar com isso, querida. — Por favor! — Penélope implorou e foi correndo para dentro da casa. Lucas escondeu-se nos fundos do jardim dos Westmoreland. Depois de deixar o navio, pôs-se a andar a esmo e foi parar ali, onde encontrou Penélope pela primeira vez. As imagens pareciam mais concentradas naquele lugar, onde ela passara a vida com a família e onde começaram a apaixonar-se um pelo outro. Céus, mas era Penélope quem estava no terraço! Parecia tão desanimada e infeliz! Mesmo na penumbra era possível perceber como emagrecera. Lucas teve de conclamar toda sua força de vontade para não sair correndo e estreitá-la em seus braços. Mesmo enquanto caminhava até a mansão, não imaginou que chegaria a vê-la. Observou-a examinar o firmamento, como se procurasse uma mensagem nas estrelas. Ficou tenso ao ver o Duque aproximar-se da filha, mas descontraiu-se ao comprovar a maneira como conversavam. O pai segurou-lhe a mão e prestou atenção ao que ela dizia. E, de repente, Penélope desapareceu. Lucas quis correr atrás dela, mas permaneceu imóvel, repetindo várias vezes para si mesmo que não adiantaria falar-lhe, pois jamais o perdoaria. Para que aborrecê-la com sua presença? Se tentasse salvar o que restava de seu orgulho com um relatório sobre as próprias decepções, acabaria sendo à custa de Penélope. E recusava-se a fazê-la sofrer de novo. O Duque permaneceu no terraço após a saída da filha. Lucas notou que ele envelhecera naqueles dois meses. Harold também olhou o céu à procura de respostas, e na certa não as encontrou. Após algum tempo, suspirou e entrou. Imerso em recordações, não ouviu os passos leves a sua direita. — Ei, mon ami. Lucas virou-se, tenso. — Colette... — Saudou-a, erguendo as sobrancelhas. — Que surpresa! — Monsieur... — O que faz aqui? — Eu poderia perguntar-lhe o mesmo, mon capitaine. Porém posso afirmar-lhe que não me surpreendo por vê-lo escondido nas trevas como um ladrão! — Colette estreitou os olhos. — Tenho esperado pelo senhor todas as noites. Suspeitava que acabaria vindo. É um covarde, Lucas Pendleton. Tem receio de enfrentar milady à luz do dia! Ele fitou as mãos agitadas da criada francesa. — Ora, nenhuma faca, nem pistola? Mas que deslize! — Acha mesmo que eu iria gastar munição com um cachorro imundo? — Como sempre, sinto-me honrado com sua opinião a meu respeito, Colette. — Esperei com paciência, Sr. Pendleton, porque tive certeza de que acabaria mostrando quem na verdade era. Um homem falso e traiçoeiro. Pusilânime. — Esqueça. Estou muito cansado e sem disposição para ouvir suas críticas. Além do mais, nada do que me disser será muito diferente do que eu já disse a mim mesmo. — Por fim mostrou sua face desprezível neste lugar onde causou tanta dor. E o que
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fará agora? Voltará para a América com o rabo entre as pernas? — Não estou fugindo. — Ah, não? — Furiosa, Colette gesticulou em direção à mansão. — Vai deixá-la desse jeito? Que tipo de homem o senhor é?! — Deixá-la como? — Milady chora todas as noites, desesperada. Ela pensa que não sei, mas eu a escuto derramar um oceano de lágrimas por sua causa. Fica na cama o dia inteiro sem comer, sem dormir... só pensando no senhor! — Isso não pode ser verdade. Não pode! — Milady avisou ao pai que jamais se casaria. E tudo por sua culpa! Porque a feriu mortalmente! — Penélope não me perdoará, Colette. Se eu soubesse que haveria uma chance... — O senhor não é um homem, Lucas Pendleton! Não passa de um garoto brincando de gente grande. O senhor e o pai dela são duas crianças. Ambos estão empenhados em seus jogos odiosos de meninos, e sempre à custa de milady! — Nunca pretendi fazer-lhe mal! — Mentira! E, apesar de tudo, milady desperdiça energias de tanto amá-lo e sentir sua falta. O senhor não merece a estima de uma mulher assim. — E o que sugere que eu faça? — Se eu tiver de explicar-lhe o curso que deve seguir, então minhas suspeitas estão confirmadas. O senhor não é homem para lady Penélope. Vá embora, Lucas Pendleton, não precisamos do senhor. Volte para a América e deixe-nos em paz! Colette se foi para dentro da residência, e Lucas continuou no mesmo lugar, remoendo suas dúvidas. Colette estaria certa? Matthew teria razão? Começou a entender que, embora não fossem casados perante a lei, considerava Penélope como sua mulher. Ele a desposara em seu coração, onde Deus haveria de abençoá-los. As legalidades poderiam ficar para mais tarde. Se ela pensasse da mesma maneira, haveria esperança? Apesar do sofrimento que lhe causara, Penélope lhe pertencia de corpo e alma. Ele era seu marido e a amava acima de tudo no mundo. Se fosse para a América sem ela, nem mesmo sabia se poderia sobreviver. Penélope viria com ele! Não a deixaria escapar! Jamais!
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Capítulo XIX Lucas percorreu o corredor longo da mansão suntuosa, contando as portas na passagem e atento a alguma possível movimentação. Por sorte, não encontrou nenhum servo no caminho. Escutou risos e barulho de talheres ao longe. Colou-se nas sombras da parede e esperou. Ninguém apareceu. Deu um suspiro e prosseguiu. Sua disputa com o Duque de Roswell devia-se a um assunto familiar. E em se tratando de sua família, Lucas assumiria qualquer ônus ou risco para protegê-la. Caminhou até a biblioteca, entrou e constatou que estava vazia. As chamas crepitavam na lareira, e o conhaque estava servido. Na ponta dos pés, escondeu-se atrás de uma das cortinas pesadas de veludo. Não teve de esperar muito. A porta foi aberta e passos ressoaram até a mesa. Lucas espiou, a tempo de ver a cabeça de Westmoreland, que se sentava na poltrona. O movimento vagaroso do braço que pegou o copo fez supor exaustão. Sem o menor ruído, Lucas saiu de seu esconderijo e encostou o cano da arma na nuca do lorde. — Não se mova. — Capitão Pendleton? — Ele mesmo. — O que deseja? Seja rápido, por favor. — Deixe suas mãos onde eu possa vê-las. — Ora, Senhor! Pelo menos tenha a decência de dar a volta na mesa e me encarar! Lucas hesitou, avaliou o recinto para detectar possíveis locais onde se poderiam guardar armas e conferiu a rota de fuga. Nada de anormal. Rodeou a escrivaninha sem largar a pistola e encarou o Duque. — Deixe de lado essa coisa antes que um de nós possa se machucar. E não ouse atirar naquele retrato! — Westmoreland apontou a nova pintura da Duquesa acima da lareira. — Se destruir mais um quadro desses, não terei paz até o fim de meus dias. — Procurarei conter-me. — Lucas não pôde deixar de sorrir e guardou a arma no cós da calça. — Eu lhe agradeço. — Estou aqui para falar sobre Penélope. — Ah, que surpresa — o Duque expressou-se em tom monocórdio e apontou uma poltrona. — Fale logo. Lucas sentou-se. — Vim pedir-lhe a mão dela. — Mas não é que alguém se tornou de repente um namorado cortês? Lucas deixou passar o comentário maldoso. — Não pedi antes, por isso peço agora. Quero casar-me com Penélope. — Como se ela o quisesse! — O Duque fez ar de pouco-caso. — E pelo que deduzi, o senhor teve ocasião de desposá-la e não o fez. Por que eu a deixaria sofrer outra vez? — Porque ela pode estar grávida. — Não está.
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— Não? — Lucas ficou desconsolado. Esperava que um bebê forçasse Westmoreland a concordar. — Como pode estar certo disso? — Perguntei a ela. Convenhamos que para o senhor é uma sorte. Ou me sentiria tentado a torcer-lhe o pescoço. — Eu não poderia culpá-lo. — Lucas surpreendeu o Duque pela humildade. — Peço-lhe perdão por tê-la usado em meus planos. Penélope nada tinha a ver com o assunto, e eu não deveria ter feito o que fiz. Reconheço que agi da pior maneira possível. O Duque respirou fundo e suavizou a entonação. — O senhor a enganou e a fez infeliz. — Eu sei. — E também causou sofrimento a minha família. — Pelo que também me arrependo. — Ora, ora! Pois não é que alguém se tornou o epítome da decência? — Não vejo motivo para minimizar a gravidade de meus atos. Estou aqui para retificar a situação... se Milorde me permitir. — E por que eu deveria fazê-lo? — Porque amo Penélope. — Mas ela não o ama. — Se fosse Milorde, não teria tanta certeza. — Há pouco minha filha me garantiu desejar que o senhor fosse embora para sempre. — Harold deu de ombros. — Ela não quer vê-lo nunca mais. Eu não diria que esses são os sentimentos de uma mulher apaixonada. — Pois há menos de trinta minutos conversei com a criada dela. — A francesa? O pai estava tão envolvido nos problemas da filha, que nem mesmo sabia o nome da aia que a servia por dez anos. — Sim, e Colette me contou uma história bem diferente. — Que ótimo! E em que pretende que eu acredite? Que o senhor e minha filha formam um casal apaixonado? Que foram unidos pelo destino e que eu deveria permitir que Penélope o acompanhasse? — Mais ou menos isso. — E que a paixão de Penélope é imensa e por isso ela está sofrendo tanto? — Sim. — Que o mal de Penélope é um coração partido? — Justo. — Que vai atirar-se em seus braços assim que eu lhe conceder uma oportunidade? — Bem... eu não chegaria a extremos. Afinal, está magoada comigo. — Perdoe-me, mas não posso comprar seu peixe. Eu o entendo muito bem e sei que deve haver mais alguma coisa escondida por trás. — Harold tomou um gole de conhaque e fitou Lucas com os olhos estreitados. — Diga-me a razão verdadeira pela qual veio aqui. — Vim por causa de Penélope, somente isso. — Jura? — Juro.
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— E quanto a suas exigências acerca do filho de Caroline? Era doloroso escutar Westmoreland referir-se a Harry como um menino sem pai. Porém, Penélope era tudo o que importava. — Esqueça-as. Harry tem um lar estável e uma família que o adora. Não precisamos de nada do senhor para tornar a vida dele feliz. — Sei... Explique-me uma coisa. — Se eu puder... — Como foi que Penélope o acompanhou? E por que ela voltou para casa? — Eu a fiz crer que iríamos fugir para nos casar. — Lucas corou, envergonhado. — Engendramos uma cerimônia falsa, e Penélope acreditou que fosse autêntica. Depois, ela achou sua última mensagem e deduziu que tudo não passara de uma farsa. — Então ela tem sido sua esposa... de fato. — Sim, Milorde. Mas não quero desculpar-me pelo que houve entre nós. Foram dias e noites maravilhosos, e ela estava muito feliz. Lucas levantou-se e começou a andar de um lado para outro. Não percebia nenhum progresso, apesar de seus argumentos. Pela fisionomia de Roswell era impossível descobrir algum indício de suas intenções. — Milorde não sabe quem sou, e o pouco que conheceu não é lá essas coisas... — Sem dúvida. — Permita-me uma descrição rápida. Sou um homem sem vícios. Honesto, leal e trabalhador. Devoto-me a minha família, e se Penélope vier a fazer parte dela, a mesma devoção lhe será devida. Tenho um negócio sólido e uma bela casa na Virgínia. Plantamos tabaco e criamos cavalos, o que me fornece uma excelente renda, além do lucro obtido com minha frota mercante. Claro que não é igual ao que Penélope está acostumada, mas nada lhe faltará. Tenho muitos servos antigos que irão tratá-la com grande consideração e com o maior respeito. Posso dar-lhe os filhos que ela deseja e prover o necessário para todos. — Penélope quer uma família grande? — Sim. O Duque pareceu perplexo e triste pelo que perdera ao longo dos anos. — Eu não sabia... — Ela será muito feliz. Eu a amarei até o fim de minha vida. Tem minha palavra. — E devo aceitá-la, mesmo sem conhecê-lo? — Correto. — Depois de tudo o que o senhor fez, entra aqui sem pedir licença, expõe seus propósitos e espera que eu aceite todas suas afirmações... — O Duque recostou-se. — E um patife corajoso, não é, Pendleton? — Tive de ser, ou não chegaria onde estou hoje. — Eu sei. Ficará espantado de saber o quanto conheço a seu respeito. Harold levantou-se, foi até o aparador, serviu-se de mais conhaque e pôs uma dose para Lucas. Retornou até a mesa e ofereceu o segundo copo ao visitante, o que foi bastante animador. — Por que Milorde se deu ao trabalho de esquadrinhar meu passado? — Era imprescindível que eu soubesse o tipo de homem levara minha Penélope.
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— Quer dizer que Milorde sabia que eu nada faria contra ela. — Entendi isso desde o começo. — Eu estava convencido de que Vossa Graça não se importava com sua filha. — Que absurdo! Talvez eu não tenha sabido demonstrar meus sentimentos como deveria. Diga-me, qual o pai que não amaria Penélope e não se orgulharia dela? Minha menina é uma jovem esplêndida. — É mesmo. — Lucas se alegrou ao constatar a ternura no olhar de Westmoreland. Ainda bem que se enganara. — Pelos detalhes que pude compilar, tenho certeza de que será um bom marido para ela. Mas há um probleminha. — E qual é? — Penélope está tão furiosa conosco que será impossível convencê-la. — Bem, tenho uma idéia. — Lucas esboçou um sorriso confiante. — Imaginei que o senhor preparava alguma artimanha. Está bem, vamos ouvir... — Qual é a surpresa, meu pai? — Penélope abanava o leque, sem conseguir refrescar-se dentro do coche. O veículo colidiu com uma pedra, e ela foi jogada de encontro a Colette. — Está bem, eu lhe contarei — Harold concedeu —, mas gostaria de esperar até pararmos. — Pararmos onde? — Encontrei uma casa que poderá lhe servir. Achei que gostaria de vê-la. — Verdade, meu pai? Fez isso por mim?! — Não sou nenhum monstro, Penélope. Faço votos de que se lembre disso daqui para frente. Desejo apenas seu bem, e rezo com ardor para que a felicidade não a abandone. É tudo o que sempre almejei. — Se diz assim... Penélope não pretendia ser rude, mas o comportamento estranho do Duque e o calor roubavam-lhe a paciência. Também não soube definir o significado do olhar intenso do pai, uma ocorrência inesperada. Seria remorso? Desejo de ver-se livre dela? Amor paternal? Independente dos motivos que ocasionaram o ataque de bondade, Penélope achava prudente manter um otimismo cauteloso. Reparou que não se dirigiam para fora da cidade. Pelo cheiro de peixe podre, da água fétida e do barulho do lado de fora da carruagem, supôs que estivessem perto do rio. Ergueu a cortina e arriscou uma espiadela. Aproximavam-se das docas. —O senhor disse que iríamos olhar uma casa — Penélope irritou-se. — O que estamos fazendo aqui? — Antes, terei de atender a um pequeno compromisso. A carruagem parou, com ruído surdo e prolongado. Os passageiros permaneceram sentados, enquanto o cocheiro descia, baixava a escada e destrancava a porta. Harold desceu, e Penélope observou. Diante deles, um belo veleiro com pintura nova. Os acessórios de verniz e de latão refletiam o sol da tarde. Nunca estivera em um navio antes, e aquele era magnífico. Inclinou-se, analisou o cais onde haviam parado e
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apontou para a embarcação brilhante. — Que navio é esse, meu pai? — É o Sea Wind. Faz parte da frota de Lucas Pendleton. — Harold afastou-se. — Enfim decidi o que fazer com o Sr. Pendleton, e por esse motivo tenho de falar com o irmão dele. O rapaz deve estar preocupado porque Lucas não voltou ao navio, e devo informá-lo de alguns detalhes antes da partida. Lucas Pendleton não fará companhia ao irmão no retorno ao lar. Aliás, não irá a lugar nenhum por um bom tempo. — O quê?! — Penélope gritou. — O que o senhor fez?! Caminhando em meio à multidão e rumo ao navio, o Duque não se dignou a responder-lhe. Lucas não tinha ido para a Virgínia? O Duque mandara prendê-lo? Na certa por isso tinham vindo avisar Matthew. Penélope se enfureceu. O pai não dera a menor importância a seu pedido. O que teria preparado para Lucas e para sua família? Roswell jamais se modificaria. — Esse é o navio do capitão, non? — Colette espiava a embarcação reluzente. — É sim, Colette. — Milady não acha... — O quê? — Apenas uma curiosidade. E se mon petit Harry estiver a bordo? Seu pai poderá encontrar-se com o garoto, e isso poderá não ser interessante. — Claro que não! Nem para um, nem para o outro. Penélope desceu correndo e foi atrás do Duque, gritando por ele. Harold já subira a prancha de acesso. Ao ver o navio deserto, Penélope também subiu, seguida por Colette. Assim que pisou no convés, seus piores receios se realizaram, quando Harry saiu pela escotilha. — Penélope! Penélope! Paulie acompanhou-o, e os dois meninos correram para a amiga, incapazes de conter a excitação. Ela os abraçou, sem esconder a alegria pelo reencontro. Harry falava sem respirar, tentando resumir em minutos o que acontecera naquelas três semanas. Penélope esforçou-se para evitar as lágrimas, mas elas deslizavam sem demora por suas faces. — Srta. Penélope! — Paulie ficou desgostoso. — Nós a fizemos chorar! — Não queríamos isso. — Harry sacudiu a cabeça. — Juro que não. — Ninguém me fez nada. É que estou muito feliz por encontrá-los. — A senhorita passou bem esses dias? — Muito bem — mentiu. — E quanto a meus rapazes? — Para nós foi formidável — Harry afirmou. — Estamos indo para casa, e Paulie irá junto. Tio Lucas disse que fará dele um marinheiro. Lucas mantivera ao menos uma promessa. — Que ótimo! Como está encorpado, Paulie! — O que a senhorita faz aqui? Decidiu viajar conosco? — Por favor, diga que sim! — Harry interveio. — Por favor! Era embaraçoso fitar os rostinhos esperançosos e ter de negar. — Não mudei de idéia. Vim apenas acompanhar meu pai. Ele precisa falar com seu tio Matthew.
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Penélope fitou o Duque de relance. Sem fala e muito pálido, Harold Westmoreland dava a impressão de que iria desfalecer. — Está tudo bem, meu pai? — Penélope foi para o lado dele, aflita. — Preciso... — Venha sentar-se. — Penélope levou-o até um monte de cordas enroladas e olhou para os meninos, que não escondiam o espanto. — Paulie, poderia chamar Matthew? — Neste minuto! — E saiu correndo. Emocionado, o Duque não se desviava do filho que via pela primeira vez. Os dois eram cópias fiéis um do outro, embora os cabelos loiros de Harry fossem de um tom mais escuro. Maçãs do rosto altas e olhos azuis, inteligentes e vivazes. A silhueta do menino era uma miniatura do físico do Duque. — Meu Deus... Mas que belo garoto! — Ele é uma criança maravilhosa, meu pai. — Poderia apresentar-nos? — Harold esfregou o peito no ponto onde o coração palpitava forte. — Pois não. — Penélope puxou o menininho pela mão. — Harry, este é meu pai, Harold Westmoreland. Papai, este é meu bom amigo, Harry Pendleton. — Olá, Harry. — Pasmo, o Duque não escondia o orgulho. — Como está, senhor? — Harry pareceu mais velho do que era. — O senhor é o rei? — Não, não sou. — O Duque sorriu, caloroso. — Pois se parece com um rei. Harold levantou o braço para abraçar o garoto, mas desistiu. Continuou de olhar fixo no filho. — Eu conheci sua mãe. — O senhor era amigo dela? — Digamos que sim. — Foi bom para ela, Milorde? Harold engoliu em seco. — Não, Harry — o Duque admitiu, com franqueza. — Não fui. — Então eu o odeio. Harry soltou-se de Penélope, avançou contra o Duque e deu-lhe um pontapé na canela. Harold curvou-se, contendo um grito de dor. — Meu Deus... — Entre atrapalhada e divertida, Penélope afastou o irmão. Mas Harry ainda não se conformara. Endireitou as costas, em postura idêntica ao do lorde quando irritado. — Como pôde ser cruel com minha mãe? Ela é um anjo que está no céu. Como pôde não amá-la?! — A voz autoritária de Harry ecoava no convés, e Penélope notou lágrimas nos olhos do Duque. — Sinto muito, meu pai. Eu nunca imaginei que ele... — Acho que eu merecia isso. — O Duque esfregou a perna e encarou Harry com respeito. Matthew Pendleton subiu e aproximou-se do cenário constrangedor. Penélope mal o fitou. Recusava-se a ser educada com o patife que ajudara Lucas. — Harry, meu pai deseja falar em particular com seu tio. Enquanto isso, não quer mostrar-me suas acomodações? Nunca estive em um navio.
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— Sério? — É, sim. Não quer dar uma volta comigo? — Eu adoraria, Penélope. — Harry se virou, sem perder o Duque de vista. — Vamos lá, meu pequeno Duque. — Ela se perguntava quanto tempo o pai levaria para recuperar-se do choque. Penélope acompanhou Harry e não notou o olhar de triunfo que Colette dirigiu ao Duque e a Matthew, antes de ajudá-la a descer a escada. Assim que Penélope desapareceu, Lucas subiu ao deque e aproximou-se de Harold. — Nosso plano deu certo. Nem tivemos de amarrá-la. — É melhor eu ir embora. — Harold enxugou os olhos com as costas da mão. — Algo errado, Milorde? — Não me ocorreu que o menino pudesse estar a bordo, Lucas... — O que houve? — Lucas indagou ao irmão, em voz baixa. — O Duque e Harry acabaram de se conhecer. — Matthew inclinou-se para murmurar: — Harry não gostou muito dele. Roswell ficou de pé, apesar das pernas bambas. — Ela ficará muito brava no começo — o Duque assegurou aos irmãos. — Não invejo o que terão de enfrentar nos primeiros dias. — Não estou preocupado com isso. Penélope vai se recuperar. A viagem até a Virgínia é muito demorada. O Duque tirou um envelope do bolso do paletó e entregou-o a Lucas. — Mostre a ela, quando achar oportuno. Na carta, esclareço por que resolvi ajudálo. É importante para mim que minha filha entenda meu ponto de vista. Espero que um dia venha a perdoar-me. Lucas bateu com afeto no ombro do Duque. — Tenho certeza de que Penélope acabará entendendo. Harold tirou mais um envelope de outro bolso. — Lucas, este contém as informações sobre a herança e os bens dela. — Eu os administrarei com propriedade. — Não me importo com esse dinheiro. Só quero a satisfação de Penélope. Faça-a feliz ou terá de haver-se comigo! — É o que pretendo, Milorde, do fundo de meu coração. Harold deu alguns passos, parou e virou-se. — Escreva-me sobre o garoto. Conte a ele sobre mim. Explique tudo o que quiser que eu faça. Pensarei no assunto. — Obrigado. — Lucas admirou-se pela súbita mudança de opinião. — O senhor não se arrependerá. — Sei disso. Cuide bem de ambos. — Fique tranqüilo. É o que farei, nem que tenha de empenhar minha vida. — Lucas estendeu a mão, e Harold apertou-a. Parceiros em um delito. Colegas. Cúmplices. Em breve parentes. Sem dizer mais nada, Harold desceu a plataforma. — Zarpar — Lucas disse ao irmão.
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Matthew deu uma ordem discreta. Marinheiros surgiram de todos os lados, prontos para as tarefas. Devagar e de maneira imperceptível, a embarcação afastou-se da margem e foi levada pela corrente forte do rio. Harold Westmoreland esperou ao lado da carruagem, enquanto o navio começava a distanciar-se.
Fascinada, Penélope pediu a Harry e Paulie que lhe mostrassem todos os cantos do Sea Wind. Nas histórias românticas de piratas e heróis marítimos que lera na adolescência, não se mencionavam a escuridão, a exigüidade e a melancolia das cabines. A cozinha era a única área de tamanho significativo. Além da preparação dos alimentos, ali também se faziam as refeições. Naquele espaço os marinheiros dormiam em turnos, nas redes penduradas a um canto. Não havia vigias para entrar luz, e o teto era muito baixo. Muitas vezes, Penélope teve de ajoelhar-se para ir de um trecho a outro. Não fazia idéia de como uma pessoa poderia permanecer meses a fio em um lugar daqueles. O que a fez se lembrar de que o Sea Wind não era um navio de recreio. Na popa, viam-se várias cabines para os oficiais. Dentro delas, apenas um catre estreito e uma pequena arca. O corredor central terminava no quarto do capitão. Apertado, em nada lembrava as acomodações luxuosas concebidas por sua imaginação juvenil. O trajeto pela passagem estreita e pouco iluminada pareceu-lhe mais difícil que no início. Uma oscilação leve não lhe permitiu encontrar ponto de apoio. Enfim, apareceu a base da escada perto da proa e o brilho da luz do sol tentando entrar. Sem demora, ela pisou no primeiro degrau em espiral e começou a subir. Perto do último, encontrou uma mão estendida através da escotilha. Grata pelo auxílio, foi erguida e alcançou o convés. Piscou por causa do brilho intenso que a cegava. Quando a visão clareou, pôde ver quem a ajudara. — Olá, minha linda Penélope. — Lucas sorriu, com expressão de amor e de desejo intensos. Incrédula, Penélope tornou a piscar, várias vezes. Não se tratava de uma ilusão de ótica. E por um segundo o olhar dela também brilhou com o mesmo amor e desejo. A atração por Lucas estava mais presente do que nunca. A proximidade acelerava-lhe a pulsação e fazia sua pele formigar. Arfando e com as faces coradas, procurava o que dizer. Santo Deus, como era bom revê-lo! O dia pareceu mais alegre, o céu, mais azul, a dor em seu coração, menos intensa. Mas Penélope tratou de sufocar os sentimentos absurdos e fortes que começavam a aflorar. Pois junto com essa ansiedade, ela também se lembrava da traição, da perda de confiança e da falência do amor. Ah, como o odiava! — O senhor! — Recuou, cambaleando. — Calma. — Lucas segurou-lhe o braço. — Não ouse tocar em mim!
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Penélope desvencilhou-se e olhou ao redor. Perguntou a si mesma se não estaria sonhando. Nada lhe parecia familiar. Era como se houvesse entrado em uma dimensão alterada. Não conseguiu entender o que acontecia. Não via mais as docas. Os navios ao longe diminuíam de tamanho, e Londres desaparecia aos poucos. Pôde distinguir, a distância, o pai imóvel junto à carruagem luxuosa. Penélope via-se rodeada pela água a perder de vista. À frente, o Tâmisa tornavase mais caudaloso, aguardando a oportunidade de carregá-la para o oceano. — O que fez dessa vez, Lucas? — Penélope correu até a amurada e agitou os braços. — Papai! Papai! Não acreditava que o Duque pudesse ter concordado com aquilo! Não podia! Penélope virou-se, enfurecida. Se tivesse uma arma nas mãos, Lucas seria um homem morto. Pela primeira vez entendeu as circunstâncias que levavam uma pessoa a cometer assassinato. E, com uma intuição que não deixava dúvidas, inferiu o que o Duque e Lucas tramaram. Concluiu onde fora o encontro e quais os acordos que resultaram daquela ignomínia. Colette e os meninos teriam ajudado? Será que não contava com nenhum amigo no mundo?! E se ela não houvesse entrado no navio por livre e espontânea vontade? Até onde eles teriam chegado? Teriam-na amarrado, amordaçado e levado a bordo, apesar de estar esperneando? Considerou-se uma criatura patética. Jamais tivera o amor do pai. Roswell a atraíra em uma armadilha para entregá-la nas mãos de Lucas Pendleton, o homem que não se incomodara em arrancar-lhe o coração do peito a sangue-frio! "Idiota!", recriminava-se. Permitira que o pai a traísse outra vez. O navio aumentava a velocidade, à medida que as velas eram içadas, conduzindoa para longe da Inglaterra e do Duque. À mercê de Lucas. Chegou a considerar a possibilidade de jogar-se no rio, mas logo descartou um ato de tanta covardia. Seu ódio era tamanho que pretendia passar o resto de seus dias planejando uma vingança contra os dois. Nem cinco décadas seriam suficientes para aplacar sua ira. Que descaramento! Pretenderem decidir seu futuro, como se ela fosse um ser sem vontade! — Sr. Pendleton! Vire este barco agora! — Sinto muito, mas não posso. — Por que fez isso comigo? Não estava satisfeito com o sofrimento que me causou? — Penélope, eu queria que viesse comigo. — Aproximou-se, cauteloso. — Eu o odeio! — Não é verdade. — É, sim! — Notei como me olhava há pouco.
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Lucas estava a um passo de Penélope, e ela viu o corte no rosto feito com a navalha de barbear. — Ilusão sua! — Sei que está contente por ter-me a seu lado. — De jeito nenhum! Se eu portasse uma pistola, atiraria nesse seu peito insensível! — Sei que não faria isso. — Quem me dera ter um revólver e eu lhe mostraria! Você é um desclassificado! — Será que me ama por isso? — Eu não te amo! Além de tudo, é presunçoso e... Lucas interrompeu-a com um beijo tão leve que Penélope nem mesmo teve certeza de que acontecera de fato. Mas foi suficiente para fazer explodir a fúria de Penélope. Ela deu um passo para trás e desferiu uma bofetada no rosto de Lucas, com toda a força. Em seguida, desceu e procurou uma cabine onde pudesse chorar em paz. Lucas ficou por um bom tempo esfregando o queixo dolorido, mas um largo sorriso distendia-lhe dos lábios.
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Capítulo XX Penélope permaneceu na cabine durante seis dias. Ou pelo menos foi o que lhe pareceu. Não havia janela, e os momentos escuros sucediam-se sem que se pudesse notar diferenças razoáveis, a não ser a alteração do nível de ruído. Algumas vezes era possível escutar murmúrios vindo da cozinha, que ficava na outra extremidade, o que a levava a supor que os marinheiros estariam comendo ou trocando de turno. Sua cabine era um dos espaços minúsculos que se alinhavam na popa. Abafada, quente, sombria. Penélope não deixou o catre estreito. Sentia o balanço do casco e escutava o ranger do madeiramento. Duas vezes por dia, Colette deixava no corredor uma bandeja de comida morna e uma bacia com água para as abluções. Batia na porta e perguntava se Penélope precisava de alguma coisa. A resposta invariável era para a criada sair dali. Os meninos apareciam de vez em quando, falando baixinho e tentando fazê-la sair do cubículo. Não os culpava por terem participado do plano. Afinal, eram apenas crianças. Por isso pedia-lhes, sem agressividade, que a deixassem só. Em sua luta contra o mundo, Penélope ergueu uma barricada. Escorou a porta com um dos baús pesados, pois não dispunha de fechadura. Mas os inimigos não fizeram nenhuma tentativa de invasão. Deixaram-na sofrer em paz. Deitada no colchão disforme, mirava sem parar o teto baixo e as paredes estreitas, tentando encontrar um ponto positivo no comportamento de todos. Em vão. Fora encarcerada sem a menor consideração ou piedade. Por serem muito limitados, os espaços do navio não permitiam privacidade. Se fosse para o corredor, acabaria por encontrar as pessoas que detestava e que nunca mais desejava ver em sua vida. Não tinha lugar para dar um passeio, nenhum canto sossegado para ler um livro ou para contemplar as ondas. Por isso, continuava deitada em sua cabine. A viagem para a América levaria muitas semanas. Penélope não poderia ficar trancada ali aquele período todo ou enlouqueceria. Teria de encontrar forças para sair, fazer um pouco de exercício e respirar ar puro. Seria preciso encontrar uma maneira de movimentar-se no convés e de controlar a ira para não matar ninguém. Além do mais, a perspectiva de uma interação pacífica com a quadrilha estava descartada. O que aconteceria depois que chegassem à América? Regressar para a Inglaterra seria impossível, pois não possuía recursos para a compra da passagem. E mesmo se voltasse, para onde iria? Nem pensar em retornar à toca do leão, ou seja, à casa do Duque. Não permitiria que ele fizesse nova tentativa de orquestrar-lhe o futuro. Bastava o que já enfrentara sob as asas do pai. Havia duas opções. Convencer o Duque a financiar o retorno ou encontrar algum meio de sobreviver sozinha na América. Contudo, duvidava que Lucas fosse concordar com alguma uma delas depois do trabalho que tivera para raptá-la. Penélope nem mesmo podia pensar em ter uma conversa racional com ele, porque pretendia, que Deus
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a ajudasse, jamais dirigir-lhe a palavra. Uma única solução lhe ocorria. Ficar na casa de Lucas até tornar-se uma hóspede permanente. Passaria os anos em um dos aposentos superiores, andando de um lado a outro e falando consigo mesma como uma solteirona louca e velha. A visão dela mesma naquele estado e dependente de Lucas provocou-lhe um acesso de riso. Intensificaram-se as suspeitas de já ter começado a perder a razão. Pelo silêncio, Penélope deduziu que era noite, embora lhe parecesse difícil acertar. Ficara trancada muito tempo. Esperava que todos estivessem dormindo e que só encontrasse os marinheiros encarregados de manejar as velas no escuro. Apressada, tirou a camisola e enfiou um vestido pela cabeça. Afastou a arca e abriu a porta. Descalça e na ponta dos pés foi até uma escada de mão apoiada em uma escotilha aberta. Por ali poderia alcançar o convés, caminhar um pouco, tomar um pouco de ar e voltar para a cabine, antes que alguém a notasse. Aflita, subiu os degraus tropeçando na saia. Sem anáguas, o comprimento aumentava e o tecido enrolava-se em seus pés. Alcançou o deque de madeira e teve uma surpresa. A chuva pesada e quente a encharcou. Ao longe, relâmpagos iluminavam o horizonte, e os trovoes se sucediam, poderosos. As tonalidades do firmamento variavam entre o cinza e o negro. O vento e o sal exalavam cheiros característicos. Penélope aproximou-se da amurada e apoiou-se para não cair. A borrasca continuava. O vestido fino colava-se no corpo como uma segunda pele. A ventania empurrava o tecido molhado para trás, realçando os seios, os mamilos eretos e o ventre liso. Saboreou o alívio que sentia depois de ficar trancafiada durante tantos dias. Ergueu os braços, saudando a alegria e a liberdade de poder integrar-se na tempestade devastadora e selvagem. Absorveu a energia com um entusiasmo que beirava a sensualidade. Teve a impressão de que se transformava em um dos elementos do temporal. O navio afundou em uma onda enorme. A água salgada cobriu-a e espalhou-se pela proa. Um relâmpago iluminou o céu e o convés. Foi então que Penélope percebeu, a sua direita, Lucas em pé, vestido apenas com um calção apertado. A peça ensopada moldava-lhe as coxas e as panturrilhas musculosas. Ela estremeceu aos lembrar-se daquelas pernas entrelaçadas às suas ou abrindo caminho entre suas coxas. Os ombros largos emolduravam o peito descoberto e cheio de pêlos. A pele molhada reluzia sob a claridade dos relâmpagos. Lucas estava excitado, era impossível deixar de ver. Penélope lembrou-se de que Lucas adorava ser acariciado de maneira erótica e de que a ensinara a deleitar-se com o gosto especial da excitação. Não soube explicar se a ânsia que experimentava se devia à violência da borrasca ou da intensidade do vento. A única certeza era de que desejava repetir tudo o que haviam feito em suas horas de paixão. Queria cair de joelhos e experimentar o júbilo da atração que exercia sobre Lucas, embarcar em outra daquelas escaladas loucas que a levavam ao êxtase. Apesar da escuridão, comprovou que os olhos dele cintilavam em carícias tórridas.
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Sentiu-as nos lábios, nos seios, no abdome e na parte interna das pernas. — Penélope! — Lucas gritou com a mão estendida, antes de ela sair correndo. Penélope desceu a escada, entrou na cabine, fechou a porta e acendeu uma lamparina. Enxugou o rosto e os cabelos com uma toalha e tirou o vestido molhado. Nua, estremeceu, mas não de frio. Virou-se ao ouvir o ranger de dobradiças. Tarde demais, constatou que se esquecera de escorar a porta com a arca. Lucas entrou, e seu físico avantajado ocupou grande parte do espaço diminuto. Não havia como fugir. A água pingava de seus cabelos e de sua calça. As narinas de Penélope alargaram-se com o odor daquele homem sensual e viril. Permaneceu imóvel, pronta para uma batalha. Lucas aproximou-se e avaliou-a com olhar abrasador. Tocou-lhe o busto com os dedos ásperos e rodeou o mamilo com o polegar. No mesmo instante, Penélope sentiu a umidade da volúpia. Seu corpo também a traía! — Senti sua falta. — Pois eu não. — Penélope o encarou com desdém. — Mentirosa e ainda mais linda do que antes... Lucas ajoelhou-se e segurou-lhe os quadris. Abocanhou um dos mamilos eretos e sugou-o em um verdadeiro jogo doce de prazer. — Não faça isso... — Penélope desmentiu as próprias palavras, acariciando-lhe a nuca. Lucas deu a mesma atenção ao outro, depois juntou os dois seios fartos e beijou os mamilos alternadamente até Penélope não distinguir em qual estavam a língua e os dentes de Lucas. E contra sua vontade, começaram as contorções. Ele a abraçou e levou-a até a cama estreita, onde a deitou. Penélope afastou as coxas. Lucas fez um caminho de beijos do busto até o umbigo e depois desceu até encontrar o que procurava. Com maestria, executou na cavidade secreta uma dança insana com a ponta da língua. Penélope arqueou-se de encontro à pressão da boca de Lucas. Ele pôs sobre os ombros os joelhos dela e apertou-lhe os seios em um ritmo constante, forte e lento. Penélope não pensava mais em protestar. Nem poderia. Sucumbira aos caprichos de Lucas. Quando ele mordiscou o ponto de maior prazer, Penélope contorceu-se com selvageria, sem medir conseqüências. Lucas deitou-se sobre ela e beijou-a. Com os lábios fundidos, procuraram o interior das bocas com línguas ávidas e duras. Penélope sentiu o próprio gosto nos lábios dele, o que a deixou ainda mais excitada. Lucas pôs a mão na braguilha, recuou e aprontou-se para o ato supremo. Penélope afastou-lhe a mão e fez questão de guiá-lo ela mesma. Os olhos de Lucas cintilaram com a satisfação de ter sido aceito, e Penélope arqueou os quadris para recebê-lo. Ele a penetrou e deteve-se, com um suspiro. Apoiouse em uma das mãos e acariciou-lhe o rosto, o pescoço e o busto. — Penélope... senti tanta saudade! Pensei que nunca mais a teria. Diga que também sentiu minha falta. — Beijou-a com suavidade. — Diga. — Não posso. — As lágrimas ameaçavam escorrer-lhe pelas faces.
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— Pode, sim. Diga o quanto queria fazer amor comigo e o quanto me deseja. — Não posso... — Diga, amor. Faça isso por mim. Lucas começou uma exploração gentil e terna das profundezas dela. A viagem foi branda, cuidadosa. A cada nova pressão dos quadris de Lucas, Penélope constatava o desaparecimento gradual de sua determinação, de sua raiva, e sobretudo de sua sensatez. Ele conseguia dominar-lhe a autodefesa com grande facilidade. Porém, teve de admitir que no íntimo também não queria resistir àquele redemoinho humano. O ritmo das investidas aumentou, e ela abandonou-se ao deleite da paixão. Agarrou-o pelos braços, enquanto a excitação crescia. Lucas penetrava-a, voltava e tornava a investir. — Chegarei tão fundo e com tanta força que semearei uma vida nova em seu ventre. Quero um filho seu, Penélope. — Ah... Lucas... — Posso tentar, não posso, meu amor? Fale que deseja um filho meu mais do que tudo no mundo ou mande-me parar. — A hesitação foi imperceptível. — A escolha é sua. Penélope extasiou-se com a devoção dele. As memórias tristes haviam desaparecido junto com a animosidade. Não havia mais lugar para um coração partido e para o sofrimento. As únicas lembranças presentes eram os dias felizes que passaram na casa de campo. Lucas a fizera sentir-se adorada e necessária. Muito amada. Penélope prendeu-lhe as costas com as pernas, e aquela era a resposta que Lucas queria. Exultante, segurou-lhe as nádegas com firmeza. — Juro que jamais se arrependerá dessa decisão. — Tenho certeza disso, Lucas. — Terá de casar-se comigo pela segunda vez. Meu irmão é insistente. — Aquele trapaceiro... — Depois de conhecê-lo melhor, verá que é um bom sujeito. Se lhe servir de consolo, Matt me considera um patife. E acertou-me com vontade por sua causa. — Então esse foi o motivo da briga? — Sim. — Bem... talvez ele não seja mesmo um mau-caráter. — Matt ficará muito feliz com sua anuência. Como também Colette e os meninos. — Lucas beijou-lhe os lábios. — E eu mais do que todos. Penélope, conceda-me a honra de ser seu marido. Formaremos uma família, meu amor. Faremos tudo certo desta vez, e poderei dizer aos quatro ventos que Penélope Westmoreland é minha adorada esposa. Juro que agirei sempre com bondade e que a protegerei com unhas e dentes. Prometo que a amarei e que lhe demonstrarei minha afeição até o fim de meus dias. Qual a mulher poderia resistir a semelhante declaração? Não havia sentido recusar um destino escrito nas estrelas. — Lucas Pendleton, eu aceito ser sua esposa. — Ah, meu amor! — Lucas abaixou a cabeça e beijou-a. De repente, a urgência recomeçou e nada mais teve mérito a não ser o amor e a união dos corpos, que poderia gerar um filho para eles.
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Penélope acompanhou o ritmo de Lucas até o fim, e as ondas gloriosas da libertação envolveram os amantes com energia extraordinária. Penélope voltou à terra, amparada pelos braços do amado. Ele se deitou de lado, sem soltá-la. Em seguida, acariciou-lhe, gentil, as costas e os quadris. — Eu me esforçarei para ser uma boa esposa, Lucas Pendleton — Penélope prometeu pela segunda vez. A primeira fora no jardim da casa de seu pai. — Sei disso, meu amor. Ela fez-lhe um carinho preguiçoso e adormeceu com um sorriso nos lábios.
FIM