Maya M. - Fica Comigo

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AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu marido, Dani, que me apoia desde sempre a voltar para a escrita e tem sido meu leitor voraz desde então. Você é tudo, amorzão. Obrigada por tanto.

E ainda não sei o que seria de mim as leitoras maravilhosas que me apoiam tanto e de tantas formas. Vocês são simplesmente as melhores, não canso de dizer. Isso é por vocês e para vocês.

SINOPSE Fleur e Dominic foram o casal perfeito na adolescência; eram cúmplices, leais e perdidamente apaixonados um pelo outro. Até o dia que ele a traiu. Anos passaram-se, caquinhos juntados, Fleur não esperava reencontrar o homem que a magoou de tantas formas, muito menos que ele ainda poderia significar tanto para ela. Após tanto tempo, seria possível que o amor ter resistido a tantas mágoas? O amor e o perdão andam mesmo lado a lado?

PREFÁCIO

"Um adeus é a metade da morte. É uma despedida que dói, uma incerteza de um reencontro, é uma saudade permanente, é uma lembrança marcada para vida." Hupomone Vilanova

PRÓLOGO Quatorze anos antes. Fleur

— P uta merda! Arranquei o teste da mão de Paige, arregalando os olhos ao ver os dois risquinhos, caindo sentada na cama ao sentir as pernas completamente moles. Aquilo não era bom. Aquilo não era nada, nada bom. Larguei o teste em cima da cama, ao lado dos outros cinco. Todos com o mesmo resultado. — Puta merda! — imitei Paige, sentindo o corpo começar a tremer, um bolo se formar na garganta e uma sensação esquisita na boca do estômago. — Meu pai vai me matar. Eu nem queria imaginar o escândalo que seria. Já poderia imaginar as manchetes: “Filha de ex-modelo e diplomata francês engravida de plebeu. Os pais alegam que a filha mais nova sempre foi a mais rebelde.” — Plebeu? Sério, Fleur? Não acha que está exagerando? — Paige se sentou ao meu lado, com um sorriso debochado. Revirou os olhos quando encarei-a séria, apavorada. — Não é o fim do mundo. Não é como se eles fossem te mandar para um internato e sua mãe decidisse que cuidaria desse bebê como se fosse filho dela. Arregalei os olhos, pensando que aquela era uma possibilidade real. Real pra caramba! Meus pais não admitiriam um escândalo assim, e poderiam me

fazer "viajar", dizendo à mídia que tinham decidido adotar um bebê. Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Eu estava muito ferrada. — Pelo amor de Deus, se recomponha, mulher. — Paige girou nossos corpos para que ficássemos frente a frente, sacudindo os meus braços. — Logo você vai ter dezoito anos e vai para a faculdade. Acha mesmo que vai para um internato? — Eu estou grávida, Paige. — murmurei num fio de voz, sentindo a visão ficar turva pelas lágrimas. — Ainda nem terminei o colegial e o Dom ainda está se recuperando da última recaída. Ai, meu Deus, o que eu vou fazer? — Pelo amor de Deus, vai estragar a maquiagem, não chora, não faz isso. — minha amiga começou a abanar as mãos perto do meu rosto, afobada. — Eu fiz essa maquiagem e está divina, não ouse estragar o meu trabalho. Ergui a cabeça, respirando fundo, tentando controlar não apenas as lágrimas, mas também a respiração; mas quando senti o nariz começar a arder, suspirei dramaticamente, sabendo que seria inútil continuar tentando. Merda, eu estava apavorada. Quando os enjoos começaram, pensei que fosse algum problema estomacal, uma infecção, até mesmo um tumor... não uma gravidez. Dom e eu nos cuidávamos e eu tomava remédios. Que merda tinha dado errado? — Isso não vai dar certo, Paige. Já pensou em qual vai ser a reação do Dom? Dos meus pais? Dos pais dele? Eu achava que era tensão por causa dos resultados das universidades. Senti o braço de Paige me envolver num abraço de lado desajeitado e nossos corpos começarem a balançar de um lado para o outro, como se ela estivesse me ninando. Ficou assim até que eu os soluços parassem e as lágrimas diminuíssem o suficiente para que eu conseguisse escutá-la. Então, se ajoelhou diante de mim, segurou minhas mãos, encarando-me com firmeza. — Dom é um cara incrível e é louco por você. Pode ter os problemas dele, mas você sabe que o cara doaria o rabo para te ver bem. Acabei rindo com a declaração pesada de Paige, enxugando as lágrimas, soltando uma respiração trêmula, encarando a minha amiga como se ela

pudesse me dar alguma resposta espirituosa. Ela estava certa, Dom me amava assim como eu daria tudo para vê-lo bem. Essa era uma das poucas certezas que eu tinha naquele momento. Dom e eu poderíamos ter qualquer problema, mas eu não podia duvidar do amor dele. Ele iria para a clínica de reabilitação, eu escolheria alguma universidade perto e arrumaria um trabalho para que tudo estivesse nos eixos quando ele saísse. — A gente vai ficar bem, não vai? — Claro que sim, meu amor. Esse foi só um surto inicial, mas acha mesmo que Dominic não vai ficar feliz com a ideia de ter uma coisinha fofa com você? Imagina só a junção de vocês numa criança, vai ser até injustiça com os outros bebês. — brincou, me sacudindo de leve e eu ri fracamente, ainda com a respiração trêmula. — Olha a bagunça que você fez nessa cara, meu pandinha mais feio. Vamos arrumar esse rosto e essa noite você conta para ele, sim? Assenti com a cabeça, concordando. Funguei esfregando o nariz e logo Paige voltou a se concentrar em meu rosto. Seria uma grande noite. Delphine estava de volta depois de seis meses fora, e minha mãe tinha organizado uma grande festa para recebê-la, como fazia sempre que tinha a oportunidade de mostrar o poder que tinha. Dominic nunca se sentia à vontade com a minha família porque meus pais o detestavam e, segundo ele, aqueles eventos de gente rica o deixavam coagido; então, eu fugiria para encontrá-lo assim que conseguisse, para o nosso lugar. Lá teríamos um pouco de paz e tranquilidade e eu contaria a ele a grande novidade.

∆∆∆ — Fleur, melhore essa cara e pare de ficar olhando para esse celular, meu girassol. — minha mãe surgiu ao meu lado, não deixando de sorrir para os convidados. — Pela sua cara, parece que alguém vai morrer, e não que sua irmã está de volta. Achei que vocês duas tinham uma boa relação. — A gente tem, mãe. Você sabe. — murmurei, e ela segurou o meu braço não tão gentilmente quanto certamente gostaria de aparentar em público,

puxando-me para um canto do salão. — Ai, o que foi? O que eu fiz agora? — Então trate de melhorar essa cara, Fleur. Não queremos que as pessoas comecem a pensar que há algo errado aqui, não é? — inclinou a cabeça, com aquela sorriso frio que sempre me dava nos nervos, mantendo o aperto firme em meu braço. — Você está me machucando, mãe. — tentei me soltar, em vão, franzindo o cenho quando suas unhas afundaram um pouco mais na minha carne, fazendo-me chiar. — Você está me machucando, quer me soltar de uma vez? — Eu sei que você vai tentar sair para se encontrar com aquele garoto inconsequente, mas acho bom não tentar fazer isso. Seu pai está fazendo contatos essa noite e não vou deixar você e aquele marginal estragarem tudo, está me ouvindo? — Se não quiser que eu faça um escândalo, é melhor me soltar. — ameacei, impaciente, erguendo o queixo, recusando-me a ceder naquele momento, indignada com a forma tão desrespeitosa que ela falava de Dominic. Estávamos juntos desde há quase três anos e ela nunca fez questão de conhecê-lo melhor, principalmente depois de descobrir que ele não era da nossa classe social. — Sorria, girassol, é o meu último aviso. Não faça algo que você sabe que vai se arrepender depois. — abriu um sorriso falso antes de voltar para seus convidados. Respirei fundo, espumando de raiva. Eu detestava a forma desprezível que ela falava do meu namorado, como se ele não passasse de um verme. Dominic era um homem incrível, por que ela tinha tanta dificuldade em enxergar isso? Mas, o que eu poderia esperar de alguém que não escondia que havia se casado por interesse? Uni as mãos, colando-as à testa, focando em manter a respiração ritmada. Não queria que Dom soubesse que, mais uma vez, minha mãe tinha conseguido me desestabilizar e muito menos passar esse estresse para o bebê. Bebê.

Caramba, eu ia ter um bebê. Uma pessoinha minúscula ia passar pela minha... — Fleur? — girei o corpo, encontrando Delphine, minha irmã, encarando-me com um sorriso desconfiado. — Está tudo bem? Parece que está prestes a surtar. — Preciso de cobertura. Acha que consegue enrolar a mamãe para eu ir encontrar o Dom? Juro que volto antes dessa festa acabar. — pedi afobada, agarrando as mãos de Delphine, porque sabia que ela com todo aquele espírito extrovertido conseguiria atrair a atenção de qualquer pessoa. — Fleur, eu acabei de voltar de viagem e vou ficar menos de uma semana aqui. Por que não fica um pouco comigo? Senti sua falta. — pediu, dando-me um abraço apertado. Apertei os olhos, absorvendo aquele momento com a minha irmã. Delphine era dois anos mais velha que eu, e sempre foi o meu exemplo de vida. Sempre tivemos uma ligação especial. As brigas eram constantes, principalmente porque ela não gostava quando eu pegava suas roupas e acidentalmente não as devolvia, mas ela era uma das únicas pessoas que eu confiava de verdade. — Por favor, Delph, eu preciso contar uma coisa para ele. É muito importante, por favor. — implorei, arregalando os olhos, sacudindo o corpo agitadamente. Ela estreitou os olhos, observando o salão e, em seguida, suspirou, assentindo com a cabeça. — Você tem duas horas. Quando voltar, vai me dizer que assunto importante é esse. Saia pela cozinha e eu cuido do papai e da mamãe. Pulei em seus braços, abraçando-a com força, aliviada por tê-la me acobertando. Com ela do meu lado, ninguém iria me descobrir. Seguindo o que ela falou, saí pela cozinha. Por sorte, o salão não era longe do parque, então consegui chegar lá mesmo querendo morrer por causa dos saltos, o que tornou uma viagem de dez minutos, em quase vinte. Eu podia não ser a filha gloriosa que a supermodelo Eleonora Duboc-

Lefebvre havia pedido aos céus, mas me recusava a descer daqueles saltos. Continuei o caminho quase cegamente, pensando em como dar a notícia: “Olá, papai. Pois é, você vai ser pai. Aparentemente não fomos tão cuidadosos assim.” “Oi, amor, senta que lá vai bomba: em menos de nove meses a gente vai começar a trocar fraldas. Eu nunca troquei uma fralda.” Sorri com a ideia, porque não tínhamos experiência nenhuma com crianças e em menos de uma ano, um bebê dependeria cem por cento de nós dois. Olhei o celular ao chegar no lugar que sempre íamos, no Graehl Park, especificamente em uma área pouco movimentada, debaixo de uma árvore que registramos com nossas iniciais assim que começamos a namorar. — Está atrasado, Dominic. De novo. — resmunguei, tentando ligar para ele mais uma vez. — Qual o problema dos americanos que não conseguem ser pontuais? Puta merda! Coloquei a mão na cintura, a outra ocupada tentando ligar furiosamente para o namorado que não dava sinal desde aquela manhã, depois de combinarmos de estarmos ali às dez das noite. — São dez e quinze, Dom. Onde diabos você está? — vociferei assim que o sinal da caixa postal apitou. — Estou aqui na árvore e nada de você. Desliguei, começando a ficar enjoada, uma ansiedade fora do normal começando a surgir. E se tivesse acontecido alguma coisa? Um acidente? — Se tivesse acontecido um acidente, os pais dele já teriam me avisado. — respondi para mim mesma, cruzando os braços, encarando facilmente as nossas iniciais graças à boa iluminação do parque. — Já teriam me avisado, certo? Claro que teriam, Fleur. Deixa de viagem! Comecei a bater o pé no chão, pensando no que poderia ter acontecido. E se ele tivesse tido uma recaída? Ai, meu Deus, aquilo seria um desastre.

Dom era viciado em drogas desde os nove anos, vício adquirido da mãe, que era uma garota de programa. A polícia fez uma apreensão na casa onde moravam e ela acabou sendo presa, fazendo o meu namorado ir parar de lar em lar, já que ninguém queria um garoto que era viciado. Assim foi até ele encontrar Norah e David, aos treze anos, que não cansavam de dizer o quanto se orgulhavam de Dom a cada vez que ele se recuperava de uma recaída. Comigo não era diferente. Dom sempre foi transparente comigo e eu o admirava por isso. Durante o tempo em que estávamos juntos, ele teve algumas recaídas e dava para ver o quanto ele se sentia mal por isso. Nunca era bonito e partia o meu coração vê-lo carregar um fardo que nem era para ele carregar. E se ele teve mesmo uma recaída e a coisa foi mais séria dessa vez? Tirei o celular da bolsa, pronta para ligar para Norah, mas antes que eu pudesse fazê-lo, o aparelho começou a vibrar. — Dominic? Pelo amor de Deus, você quase me mata de susto. Onde você está? Está tudo bem? Preciso te contar uma coisa muito importante, preciso te ver agora. — chiei, agoniada, indo para a parte asfaltada do parque, andando de um lado para o outro. — Não te ensinaram que se a pessoa não atende as suas ligações, ela não pode ou não quer falar com você? Senti o corpo inteiro gelar e precisei me recostar no banco quando senti as pernas ficarem moles ao ouvir uma voz feminina do outro lado da linha. — Quem está falando? — quis saber, tentando manter a manter a voz controlada, sentindo o coração acelerar a cada segundo. — Você já foi mais inteligente, petite folie. — deu uma risadinha maldosa, e sentei-me no banco. Apenas Dom me chamava daquele jeito. Petite folie significava “pequena loucura” em francês. Pouco tempo depois de começarmos a namorar, ele quis apelidos em francês, por causa da minha origem. Embora eu tivesse nascido na França, nos mudamos quando eu tinha cinco anos, então não tinha lembranças que não fossem nas férias, já que meus pais eram de lá e faziam

questão de visitar suas famílias sempre que podiam, para mostrar quão bem estávamos na América. Mesmo que não estivéssemos, mas esse não era um detalhe importante. Só o que importava era que não demorei para reconhecer a voz. Claro que não. Era Elizabeth Meagan, com certeza. Eles estudaram juntos durante toda ou boa parte do ginásio e colegial, e ela nunca escondeu o quanto gostava dele nem em respeitar o meu relacionamento com ele, fazendo questão de investir nele sempre que podia, parecendo não se cansar dos cortes do meu namorado. Infelizmente, eles eram vizinhos e ela trabalhava no bar dos pais de Dom, então era como uma praga na minha vida. — Acho que esse silêncio significa que você já sabe quem é, meu bem. Dom me contou que você não estava cuidando muito bem dele, então decidi fazer isso por você. Não precisa me agradecer. O enjoo. O enjoo! Apertei os olhos com força quando começaram a arder, tentando entender aquela merda. Dominic sabia que eu não perdoaria traição e me recusava a acreditar que ele tinha feito aquilo. Com a Lizzie, porra! — Cadê o Dominic, Lizzie? Preciso falar com ele. — falei o mais firmemente possível, sentindo a pele do meu corpo arrepiar-se com a rajada de vento que havia passado. — Ele está dormindo. Passamos o dia juntos depois de ele dizer que se encontraria com você e… nossa, eu sabia que ele era um homem cheio de energia, mas não… assim. Dom é mesmo de tirar o fôlego. A risada dela fez o meu estômago embrulhar, e foquei no lago à minha frente, tentando controlar a ânsia de vômito que subia pela minha garganta. — Não acredito em você. — murmurei com a voz chorosa, balançando freneticamente a cabeça. — Não acredito em uma palavra do que você diz. Por que está com o celular do Dom, porra?

— Olhe a foto que acabei de te mandar por mensagem e você vai ver se estou mentindo ou não. Acabei de tirar… petite folie. Tive vontade de gritar para que ela calasse a droga da boca antes de me chamar da mesma forma que Dom, só que com a pronúncia horrível, e com as mãos trêmulas, abri a mensagem que havia acabado de chegar. Puta merda. Era verdade. Lizzie e Dominic estavam na cama. Nus! Ele estava dormindo, mas estava a aconchegando da mesma forma que fazia comigo. Ai, meu Deus. — Caralho! Minha visão ficou nublada pela fúria e pela dor. Meu estômago e a cabeça… Minha cabeça não podia processar nada, não conseguia pensar. Larguei o celular no banco, completamente mole, pensando em como ele tinha… como ele tinha sido covarde. Depois de três anos. Três malditos anos dizendo que eu era tudo para ele. Filho da puta! Completamente sem aviso, senti a bile subir pela minha garganta, me dando tempo apenas de curvar o corpo, antes de esvaziar o estômago, sentindo tudo doer e o meu coração parecer que iria sair junto com toda a minha alimentação do dia. Quando acabei, senti uma dor tão aguda que era quase debilitante. Caí mole no banco, suando frio e com dificuldade para respirar, chorando tanto que parecia que o ar faltaria. Eu estava sozinha. Grávida na adolescência e de coração partido. Meu corpo inteiro estava tremendo e sentia como se a minha vida fosse acabar a qualquer momento. Trêmula, peguei o celular e liguei para a minha irmã. Não queria ligar para Paige porque ela também era amiga de Dom e poderia querer interceder por ele, e, honestamente, naquele momento pouco me importava se minha mãe

ficaria furiosa por eu ter saído. — Você está me fazendo tirar o foco dos nossos pais, Fleur. Você não devia estar com o Dom? Não consegui responder. Não conseguia formular uma palavra para que dizer o que estava acontecendo, então o choro voltou com força. Eu estava puta e mortificada por ter acreditado tão cegamente em alguém e ter o tapete puxado da forma mais dolorosa possível. Não importava o que acontecesse. Dominic nunca mais entraria na minha vida. Não importavam as circunstâncias, o quanto eu o amasse ou o fato de carregar um filho dele. Aquele bebê era meu. Meu!

01 Atualmente. Fleur

E u estou bloqueada. É isso! Encaro as pastas em minha mesa, mordendo nervosamente o lábio inferior. Talvez não tenha nascido para lidar com essa pressão e eu devesse ter procurado uma carreira mais tranquila, sem tanta dor de cabeça. Essa coisa de ser advogada corporativa vai me fazer ter um infarto antes dos trinta e cinco e... batidas na porta me fazem ter um sobressalto e eu respiro fundo, murmurando um “entre” enquanto me ajeito rapidamente na cadeira. — Desculpa, eu teria pedido para ser anunciada, mas não vi nenhuma secretária ali. — Ava, minha chefe, aponta para a mesa onde deveria haver uma secretária. Primeira alfinetada. Mandou bem, Fleur, meus parabéns. Mal foi promovida e já está sendo docemente repreendida. — Desculpa, Ava. Estou tão envolvida com esse caso que ainda não consegui tempo para procurar alguém. — Fique tranquila, eu sei que Duncan está acabando com a sua paz. — me tranquiliza enquanto se aproxima da minha mesa. — Mas uma secretária e um estagiário te ajudariam a não perder a cabeça. Agora você é uma sênior, Fleur, precisa pensar como tal.

Ouch. Mais uma alfinetada. Dessa vez, bem mais direta. Trabalho na Carter & Baldwin há onze anos. Comecei como estagiária, quando ainda estava na faculdade, e fui subindo de cargo. A promoção para advogada sênior veio há duas semanas, justamente quando peguei um caso que Ethan Carter me passou. A cliente é alguém “importante” para ele, e ele preferiu não se envolver para que o pessoal não sobressaísse ao profissional. E a bomba veio para mim. — Já tenho alguém em mente para ser minha estagiária, Ava, fique tranquila. — aviso com um sorriso forçado e ela cruza os braços, concordando com a cabeça. — Em que posso ajudar? — Só queria saber como está o caso. Ethan está tentando ficar longe, mas eu não tenho essa obrigação. O que você conseguiu? Encaro Ava por alguns instantes, pensando se devo ou não falar sobre tudo o que descobri na última semana ou se devo lhe dar apenas um gostinho para que ela não tente tomar conta do caso. Obviamente, escolho a segunda opção. — Natalie tem se esquivado de leis ambientais por quase duas décadas, mas parece que o novo defensor público conseguiu provas e testemunhas, e parece estar disposto a usá-las. — Há uma acusação ambiental? — Ava pergunta, séria. Ergo a pasta para ela, que pega e lê o problema que teremos. Natalie Duncan é dona de uma importante empresa de dutos, e está sendo acusada pela morte de centenas de funcionários depois de um desabamento suspeito. Uma coisa foi levando a outra, e agora não tem mais apenas uma acusação, mas várias. Isso tem tirado a minha paz pra cacete. Depois que Ethan me passou o caso e

tive algumas conversas com a minha cliente; ela não parecia surpresa com o acontecido, mas tampouco parecia culpada. E é um inferno ter suposições conflituosas sobre o próprio cliente. — Isso é muito sério, Fleur. — Ava não parece nada contente com o que lê, intercalando o olhar entre mim e a pasta que está segurando. — Já conversou com ela sobre isso? — Não. O defensor público saiu daqui a menos de cinco minutos, depois você apareceu. — Então sugiro que fale com ela logo. Quem é o defensor? — Logan Brewer. — Pouco amigável. — balança a cabeça em desgosto, me entregando a pasta. — Sei que você é competente e pode lidar com isso sozinha, mas não hesite em me procurar se precisar de ajuda. E contrate uma secretária. E um estagiário. Concordo com a cabeça enquanto ela sai da sala. Ava é uma chefe extremamente rígida, mas é uma das pessoas mais prestativas e apaixonadas pela profissão que eu conhecia. Checo o horário e vejo que já é hora do almoço, mas tenho consciência de que cada segundo perdido é mais uma chance de Brewer nos atacar. Inferno!

∆∆∆ — Oi, filhota. Escuta, não vou poder ir te buscar hoje. Preciso encontrar uma cliente e é muito importante fazer isso logo. Pode almoçar sem mim, não sei quando isso vai acabar, tudo bem? Mamãe te ama, beijo. Envio a mensagem de áudio enquanto entro no elevador do prédio onde

Natalie trabalha, pedindo à recepcionista que avise a minha chegada. Meu celular vibra assim que chego ao andar, e é a resposta de Josie: um emoji de joinha, me dando a certeza de que ela não ficou muito feliz com o meu furo. De novo. Ser mãe de uma cidadã que está entrando na adolescência não é fácil para ninguém, a não ser que o jovem em questão seja um verdadeiro santo; o que não é o caso da minha filha. Com os horários instáveis no trabalho, nós acabamos nos distanciando, e em algum momento a nossa relação ficou baqueada. Se eu não insisto muito, muito numa conversa, acabo não sabendo nada sobre ela e isso me preocupa pra cacete. Nunca fomos muito próximas, mais por culpa minha do que dela, mas eu sempre sabia o que estava acontecendo com ela. Não sei praticamente mais nada sobre a minha única filha, e isso só faz com que eu sinta que sou tudo, menos uma mãe competente. A recepcionista permite a minha entrada e sigo tranquilamente para a sala de Natalie. Ela está sentada em sua oponente mesa, e não altera a expressão ao me ver. — Fleur, em que posso ajudar? — pergunta, logo voltando a digitar em seu computador. — Você planejava me contar em algum momento que adulterou o estudo ambiental em 2007, subornou o governo estrangeiro para conseguir passar seus dutos em 2010 e que sua empresa foi responsável por um rompimento de barragem em Minnesota em 2012? — pergunto sem rodeios, enfim ganhando a atenção da CEO. Ela entrelaça as mãos em cima da mesa, estreitando os olhos na minha direção. Faz um gesto com a cabeça para que eu me sente, endireitando a postura enquanto o faço.

— Essa não é a acusação, Fleur. — fala baixo, parecendo enfezada com a minha abordagem. — Se você acha que não vão usar isso para convencer o réu de que é uma assassina, tenho uma péssima notícia. — refuto, entregando a ela a pasta que chegou em minhas mãos mais cedo. Ela analisa com atenção, com a mesma expressão, como se nada daquilo fosse surpresa. E, droga, eu quero que ela fique surpresa. Como vou conseguir provar que ela é inocente se nem eu acredito nisso? — Nada disso me torna uma assassina. — me entrega a pasta, dando de ombros. — Isso coloca em risco o seu caráter. Se você é capaz de fazer isso, o que te impede de colocar vidas em risco por não querer interromper um trabalho? — E o que vai fazer sobre isso? — se recosta na cadeira, inclinando a cabeça com um sorriso quase imperceptível. — Sumir com evidências, contratar testemunhas? Arqueio a sobrancelha, cruzando as pernas, pensando nas minhas possibilidades. — Não defendo assassinos, Natalie, você precisa saber disso. Pouco me importa o tipo de ligação que você e Ethan têm, não vou passar por cima da minha ética por você, nem por ninguém. Não é mentira, mas a possibilidade de ser demitida me desespera. Suponho que Ethan não me mande embora por não querer continuar com o caso, mas se o fizer, a minha carreira acabou, porque sei que as chances de ele me recomendar até para alguma advocacia fuleira, são nulas. Eu tenho uma garota de treze anos que depende de mim, acabei de comprar

um carro e Josie e eu acabamos de nos mudar para um lugar que tenho consciência de que é caro. Obviamente só eu saio perdendo se perder esse emprego. — Culpada de uma das acusações. — dá de ombros e eu mantenho a expressão impassível, esperando que ela continue. — Não importa o que esse defensor zé ninguém diga, qualquer responsável por uma companhia de dutos faria o mesmo. Está aí. Tudo o que um advogado de defesa não quer ouvir. — Você subornou o governo. — deduzo, balançando a cabeça. — Essa é a sua defesa? — Você me pediu a verdade, aí está. Não encontramos petróleo só em lugares permitidos, Fleur. Essa é a vida real, ou você acha que todas as companhias seguem as leis? — Preciso saber de mais alguma coisa? Sou sua advogada, preciso saber com o que estou lidando por você, não por terceiros. — Preciso organizar alguns documentos, levo tudo para você amanhã. Mas eu não sou responsável por essas mortes. Isso é o que você precisa saber. Não sou um exemplo de ética nesse aspecto, mas não sou assassina. Analiso-a bem, procurando por algum sinal de que ela esteja mentindo. Mas, não encontro nada. Esteja ela dizendo a verdade ou não, preciso dar a ela um voto de confiança, afinal, ela conseguiu a façanha de tirar todo o meu horário de almoço. Não gosto disso, não gosto nada, nada. Mas, só preciso pensar que esse é meu último caso antes de entrar de férias depois de três anos trabalhando que nem uma burra. Só preciso lembrar disso. Isso, Fleur. Mantenha a cabeça fria e tudo vai dar certo.

∆∆∆ — Estou em casa! — grito assim que fecho a porta do apartamento, mas não ouço a resposta da minha filha. Suspiro, sabendo que ela está em casa, já que pedi para ela pedir comida para o jantar, e ela, novamente, respondeu com o mesmo joinha do almoço. Então… as coisas não vão muito bem. Josephine, ou Josie, é minha única filha. Engravidei dela na adolescência e eu nunca senti tanto medo quanto no momento em que tive a certeza de que tinha uma coisinha minúscula e indefesa dentro de mim. A minha maior surpresa foi porque eu tomava remédio e o pai dela, meu namorado na época, nos cuidávamos. Não adoeci, não tomei antibióticos, nada… apenas tinha que acontecer. Mesmo que as coisas entre Dom e eu não tenham acabado nada bem, Josie foi o melhor presente que ele me deu. Embora fisicamente ela se pareça mais com a minha família, os trejeitos são todos dele. E os dois sequer se conhecem. Depois da traição de Dominic, fiquei alguns dias em Fairbanks, esperando que ele me procurasse e se explicasse, mas como isso não aconteceu, decidi sair de lá. Não por livre e espontânea vontade, claro, mas porque fui obrigada. Cuidei da minha filha com a ajuda da minha avó e de Delphine, e graças às duas consegui cursar Direito na Columbia. Meus pais me deserdaram. Completamente. Tenho algumas notícias remotas através da minha irmã ou da minha avó, mas os dois pararam de conversar comigo e nunca procuraram notícias de Josie. Meu pai, Alger Duboc, faleceu há um mês, no trabalho. Infarto. Não pudemos ir ao enterro.

Josie não teve a chance de conhecê-lo. É triste para mim toda essa distância, mas não me arrependo de tê-la. Josie trouxe um sentido completamente novo à minha vida, e não há um momento em que eu não agradeça à vovó por ter me encorajado a continuar com a gravidez. Completamente diferente dos meus pais. Ah não, isso mancharia o nosso sobrenome na mídia. Seria a desgraça dos Duboc. Então, em resumo, no dia-a-dia, somos só Josie e eu. Desde sempre. Mas, com ela entrando na adolescência, as coisas estão ficando difíceis. Josie está se fechando, parando de conversar comigo e parece que até a minha respiração a irrita. É como se eu estivesse perdendo a minha filhinha, e não estou pronta para isso. Ouço risadas e logo sei que ela não está sozinha, e pela empolgação, a visita se trata de Alex. Há algum tempo notei que Josie tem estado um pouco… diferente em assuntos que dizem respeito a ele. Eles são amigos desde o jardim de infância, mas as coisas estão mudando. Josie tem aquele olhar apaixonado quando está perto do melhor amigo, e, acidentalmente, o que li no diário dela provou que minhas suspeitas estavam certas. Pior: teve beijo. Minha bebê beijou na boca. Infelizmente não encontrei mais detalhes, só que ela tinha ficado confusa por tê-lo beijado e que não queria se apaixonar por ele se isso significasse que perderia a amizade. Fofo. Mas, convenhamos, ela só tem treze anos. Estou tendo certa dificuldade em aceitar que ela está crescendo. Enfim, é engraçado ver como os dois se dão tão bem, mesmo sendo tão diferentes. Josie é mais séria, introvertida, gosta de ficar na própria bolha;

Alex é completamente diferente, gosta de brincar, conhecer pessoas novas, de aventuras. Em estilos os dois também têm algumas divergências. Alex é muito estiloso, com direito a brinco em uma orelha e longos cachinhos castanhos que sou apaixonada; Josie, por outro lado, não se preocupa muito com a sua aparência. Não chega a ser desleixada, mas eu não diria que ela é vaidosa, também. Vejo quando ela me nota, e posso imaginar o revirar de olhos no rostinho lindo da minha garota irônica. — Oi, mãe. — me cumprimenta quase num resmungo. — Oi, tia Fleur. — Alex acena para mim, com um sorriso aberto. — Pedimos hambúrgueres. Espero que você goste. Claro que pediram hambúrgueres. Mas tudo bem, eu não especifiquei o que eles poderiam pedir e essa foi a deixa para que eles comprassem o que quisessem. — Tudo bem, querido. Vamos comer, então? — tiro o casaco, decidindo deixar o banho para depois. — Eu já comi, tia, mas obrigado. Preciso ir para casa, hoje a Taylor vai trabalhar. Na verdade, preciso ir agora, só estava esperando você chegar. Concordo com a cabeça, e os dois saem da cozinha. Pego a sacola que sobrou, agradecendo aos céus por ser um completo, com tudo o que vai me deixar em maus lençóis se eu não cuidar da saúde. Josie logo passa por mim e sei que vai para o quarto, mas decido tentar conversar. — Como foram as aulas, filha? — Legal. — responde, se virando quase a contra gosto para me encarar. Legal.

Essa é uma resposta aceitável e eu não estou sabendo? Francamente. Suspiro e pego um copo para colocar o refrigerante. Estou cansada e amanhã o dia vai ser cheio, e sei que se continuar tentando ser a mãe bacana, vamos acabar tendo uma discussão. Tudo o que eu não preciso nesse momento. — O Alex me disse que você ofereceu um emprego para a Taylor. — surpreendentemente, Josie me aborda enquanto me sento para comer, trocando o peso dos pés. — Obrigada, isso é muito importante para eles. Assinto com a cabeça, dando a primeira mordida no hambúrguer, tendo a sensação de ir ao céu e voltar. — Fico feliz por poder ajudar de alguma forma. Os dois são ótimos e sei que a situação não está fácil. — encolho os ombros e ela assente com a cabeça, abrindo um sorriso fraco. Decido sondar um pouco, já que ela não diz nada. — E então… você e o Alex… — começo, tomando um gole do refrigerante. — Tenho notado algumas coisas… alguns olhares. Está acontecendo alguma coisa entre vocês? Não tenho uma resposta imediata e sei que consegui quebrar o clima quase amigável com aquela pergunta. — Não tem nada entre o Alex. Por que está perguntando isso? Droga! O meteoro chegou e eu nem me vesti para o evento. — Só estou perguntando, querida. Vocês são amigos há muito tempo e seria normal se começassem a sentir algo a mais. — justifico sem saber o motivo de tanto nervosismo. Seus olhos se arregalam, como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo. — Mãe, você ficou maluca? O Alex é meu melhor amigo, acha mesmo que aconteceria alguma coisa além disso? — elevou a voz e eu estreitei os olhos.

Elevar a voz não, filhota. Elevar a voz, definitivamente, não. — Só estou dizendo que é algo que poderia acontecer, por isso te perguntei. Vocês estão crescendo e… Josie… Josie, volta aqui. — foi a minha vez de elevar a voz quando ela bufou alto e saiu da cozinha como se o lugar estivesse em chamas. — Vamos conversar, filhota, eu sou sua mãe, você pode me contar as coisas. — termino a frase para mim mesma, balançando a cabeça. Não é ótimo ter filhos na adolescência? Uma delícia. Realmente… Maravilhoso!

02 Fleur

diferente do Alex, Taylor Watts parece ser uma garota C ompletamente introvertida. Nunca tive muito contato com ela, já que é Alex quem frequenta a minha casa, mas nos encontramos remotamente quando vou buscar Josie na casa dos Watts e pude notar que ela é do tipo que ri por educação, especialmente quando o pai estava por perto. Ofereci um emprego a ela porque os pais, Pam e Jonah, faleceram há quase três meses num acidente de carro. Taylor e Alex ficaram sozinhos e as coisas não estão fáceis. Ela cursa Direito na Columbia (o que só mostra quão inteligente ela é. Por experiência, sei que os professores da lá podem ser cruéis com os alunos), a grana da bolsa não é o suficiente para sustentar a ela e ao irmão e Josie já comentou que os bicos que Taylor tem feito não são muito seguros. Então, como preciso de uma estagiária, ela foi a primeira pessoa que considerei contratar. No começo ela ficou apreensiva, não parecia muito receptiva porque é orgulhosa, mas ela precisa pensar no irmão mais novo. Agora ela é responsável por Alex, querendo ou não, e de um jeito ou de outro, eu sabia que Taylor aceitaria o trabalho. Então, quando ela apareceu aqui para uma entrevista, não fiquei surpresa. Conversei com ela sobre a sua função, salário (e vi que ela ficou bem surpresa com o número inicial. Positivamente surpresa, preciso dizer), e o

que eu esperava dela. Avisei também que no próximo mês teríamos quinze dias de férias. Ela já tem consciência, já que o irmão dela vai viajar comigo para comemorar o aniversário de Josie. — Senhora Lefebvre, você não vai se arrepender de me dar essa chance, eu prometo. — garante enquanto mostro o seu cubículo, que um dia foi meu, e paro de frente para ela, estreitando os olhos. — "Senhorita". Não sou tão velha quanto aparento. — brinco, ganhando no máximo um sorriso constrangido. Suspiro, constatando que vai ser difícil conseguir me aproximar dela. — Não precisa dessa formalidade, Taylor. Sei que o meu sobrenome é ruim de pronunciar e eu continuo sendo a tia Fleur. Como se ela já tivesse me chamado assim alguma vez. — A diferença é porque agora é você quem alimenta a gente. — balança a cabeça, crispando os olhos, franzindo graciosamente o nariz. — Desculpa. Estou muito cansada esses dias com a faculdade e os trabalhos. — Agora você não precisa disso. E por favor, me entregue também o seu cronograma da universidade para facilitar a sua vida no período de provas. Vejo que ela quer refutar, dizer que não precisa, então arqueio a sobrancelha, encarando-a seriamente para que ela veja que isso não é negociável. É a primeira vez que estou hierarquicamente acima de alguém, mas sei que não quero ser aquela chefe imbecil que só dificulta a vida do pobre subordinado. Ao ver que isso não está em discussão, Taylor murmura um "obrigada" e eu a libero depois de mostrar a cliente que estou cuidando no momento. Ouço batidas na porta enquanto guardo as coisas e peço para que entre, abrindo um sorriso Ethan Carter. Deixe-me explicar uma coisa: eu coloco os homens em categorias para lidar melhor com eles romântica e sexualmente. Existem os homens acessíveis e que não tem problema eu me envolver (como um encontro casual); os

acessíveis, mas que é melhor manter distância (como amigos ou qualquer colega de trabalho, porque mesmo que a empresa não tenha política de não convivência, sei que não tenho maturidade para transar com alguém e trabalhar normalmente no dia seguinte) e os inalcançáveis (como Henry Cavill e David Gandy). Eu poderia encaixar Ethan na segunda categoria, certo? Errado. Erradíssimo. Costumo ser muito pé no chão com os caras com que trabalho, não tenho problemas em manter a cabeça no lugar quando se trata deles. Mas não é assim com Ethan. Precisei de uma categoria apenas para ele; chamo de "Ethan Carter". Então você diz: nossa, como você é criativa, Fleur. Mas, por que tem uma categoria apenas para ele? Simples. Ele é acessível e muito alcançável. Isso é um perigo para mim, principalmente porque Ethan é meu chefe, mas é um grande amigo, também. Foi ele quem me contratou, e só consegui ser presente na vida da Josie porque ele me ajudou muito. Muito. Então, tanta proximidade dá muita margem para a minha imaginação, infelizmente a ponto de me fazer pensar que talvez - só talvez - as coisas não ficariam estranhas se a gente transasse. E eu preciso dizer, Ethan é um gato. Claro, ele é muito competente, mas a beleza certamente não pode ser deixada de lado. É alto, e não alto apenas pelo fato de eu ser quase uma anã, mas alto pra valer. Talvez tenha 1.90, talvez um pouco mais; e apesar do terno alinhado e da postura séria, definitivamente há algo de selvagem em seus olhos azulados, um sotaque britânico muito charmoso, para não mencionar o sorriso cafajeste, daqueles que faz pensar numa foda de levar a gente ao céu, ao inferno e ainda pedir bis. Algo nele me faz pensar em fugas alucinantes. Agora me diga, quem é que tem esse tipo de pensamento sobre o próprio

chefe? E, claro, ele é um ótimo chefe. Ethan foi meu mentor e devo muito a ele, todas as horas extras, a confiança dele em me dar casos que pareciam impossíveis e não me deixar desistir e, principalmente, a amizade. Ethan foi um santo paciente, porque conciliar a faculdade, o trabalho e a maternidade, não era fácil, mesmo com toda a ajuda da minha avó. — Oi, Fleur. Não vou tomar muito do seu tempo, na verdade, só vim te fazer um convite. Tenho um baile na sexta à noite e preciso de uma acompanhante. Por que não vai comigo? Assinto com a cabeça, porque não tenho compromissos no fim de semana, mas sei que ele não está me chamando por nada. Ele costuma ir sozinho a esses eventos, ou levar uma amiga de infância dele que nunca lembro o nome, o que significa que quando ele me chama, é porque está tramando alguma coisa. — Detalhes, Ethan. Preciso de mais do que esse convite insosso. Me impressione. — provoco, desligando o computador. — É um diplomata russo que mora aqui há pouco tempo e parece que tem muita coisa a esconder. — fala baixo, cruzando os braços. — Narcotráfico, prostituição e estelionato. Seu chefe me garantiu que você é a melhor. Aí está a notícia quente. Balanço a cabeça com um sorriso ladino, porque ele é o meu chefe. Ethan me ensinou a ter algumas cartas na manga para conseguir lidar com qualquer tipo de cliente, o que significa que eu sou uma perfeita discípula. Modéstia à parte. — Isso parece muito bom. Pode contar comigo, senhor Carter. — afirmo, pegando o celular e vendo na tela de bloqueio uma nova notificação de amizade. Volto a atenção a ele, que parece aliviado com a minha

confirmação. Saímos juntos do escritório e ele me acompanha até o estacionamento, afirmando que também merece tirar ao menos trinta minutos para almoçar. — Te pego na sexta às sete. Você é um anjo, Fleur. Mande um beijo à Josie e à Delphine. Delphine, minha irmã mais velha, está de férias e decidiu passar alguns dias conosco em Nova Iorque, na minha casa, especificamente. Não sei quanto tempo, porque nunca é possível saber quando Delph vai para algum país tropical exibir o lindo corpinho. Ela se voluntariou a buscar Josie na escola e pedir comida (já que mandar mal na cozinha é algo de família) enquanto eu não chegasse. A caminho de casa, ligo para ela, deixando a ligação no viva-voz pelo celular, porque ainda não aprendi a mexer muito bem neste carro, inclusive no aparelho de som. — Oi, sis. — ela atende, animada como sempre. — Estamos famintas, onde você está? Pedi filé ao molho mostarda e estamos salivando. Ah, Delphine e suas férias. Ela nunca comeria essas coisas na frente das outras modelos. N u n c a! — Eu sei, desculpa, já estou chegando. Podem ir comendo se quiserem. — Abri uma garrafa de vinho, já estamos bebendo, espero que não se incomode. Arregalo os olhos, acelerando o carro consideravelmente, ganhando algumas buzinadas em resposta. — Você sabe que a Josie é menor de idade, não sabe? Muito menor de idade. Muito, Delphine! Ouço gargalhadas do outro lado e sei que fui feita de idiota. Além de tia,

Delphine é madrinha da Josie, e a relação das duas é de um amor sem fim. Eu estaria mentindo se dissesse que não invejo nem um pouquinho a confiança que a minha filha tem na tia. A cada dia que passa ela parece me afastar ainda mais, e sinto que não há nada que eu possa fazer a respeito. — Não sou inconsequente, Fleur. Agora, acelera esse carro, mas chega viva. Estamos esperando. Nos despedimos brevemente e mantenho a atenção na pista, cantando Sweet dreams com Beyoncé, me empolgando a ponto de tirar as mãos do volante para fazer uma performance desajeitada. Poucos minutos depois estou cumprimentando o porteiro do prédio onde moro, pegando o celular ao me lembrar da notificação de amizade que tinha visto enquanto o meu chefe estava na minha sala. Aperto o botão do nono andar, a atenção agora focada no celular. Você tem uma nova solicitação de amizade de Paige Pearce. Paige Pearce. A Paige. Puta merda. Arregalo os olhos, clicando na foto dela apenas para ter certeza de que não estou enganada, mas, torcendo com todo o coração para ser apenas coincidência. Uma infeliz coincidência. Mas não é. Rolo pelo perfil, vendo que se trata mesmo da Paige que eu estava pensando. A Paige que estudou comigo durante o ginásio e o colegial, a minha melhor amiga. Talvez a única amiga que eu tive de verdade. Cacete, como ela me encontrou? Não que seja impossível, já que existem tantas redes sociais. É só jogar nome

e sobrenome e, voilà. Além do mais, não existem muitas Fleur Lefebvre por aí. Tudo bem que ela me conheceu como Fleur Duboc, mas sempre soube que sou Fleur Lefebvre-Duboc. Mesmo assim, não tenho contato com ela há quase quatorze anos, desde que descobri a gravidez. Ela estava comigo quando fiz os seis testes e me ajudou a não surtar. A verdade é que depois da traição de Dominic e de ver que ele não iria atrás de mim para se explicar ou ao menos ter a dignidade de se desculpar, não vi motivos para continuar ali. Não depois de ter sido expulsa de casa. Fui morar com a minha avó e fiquei com ela até me formar. Depois disso, ela se mudou para a Tybee Island, na Geórgia, para viver uma vida pacata com uma casinha nada humilde de frente para a praia. Enfim, depois disso, perdi todo e qualquer contato com Fairbanks, incluindo perdi amizades preciosas. Como Paige. E Jus. Abro a foto e vejo o quanto ela ainda é bonita: a pele negra parece brilhar, o rosto, como sempre está quase sem maquiagem; os cabelos, antes alisados, agora estão naturais... mas duas coisas não mudaram: o olhar brilhante e o sorriso cheio de vida. Paige é uma força da natureza e seus olhos e sorriso sempre entregaram isso. Decido aceitar a solicitação de amizade e saio do elevador quando as portas se abrem, parando no corredor para continuar fuçando a vida da minha antiga amiga. Vejo que ela se formou em Nutrição e não posso deixar de sorrir ao ver que ela seguiu o sonho ao invés de se render à conversa dos pais de que este sonho era muito alto para ela. — Isso aí, garota. — murmuro para mim mesma, com um sorriso largo. O que me deixa mais surpresa é ver que ela está noiva. De Justin Robinson. O

namorado do colegial. O primeiro amor. Fico emocionada a ponto de a visão ficar turva pelas lágrimas, e antes que eu possa fuçar mais alguma coisa, recebo uma notificação de mensagem dela. Duas. Três. Bloqueio o celular, guardando-o na bolsa quando sinto as mãos começarem a tremer, e caminho lentamente até a porta do meu apartamento, parando por alguns instantes para me recuperar. O que não acontece, porque Delphine abre a porta de supetão, me dando um susto. — Ai, filha da mãe. — levo a mão ao peito dramaticamente, apertando os olhos para tentar espantar as lágrimas antes que ela perceba. — Não adianta fingir, eu vi você pelo olho mágico. — murmura e eu abro os olhos, assustada. — Ouvi o elevador e Josie já tinha dito que só vocês moram nesse andar. O que aconteceu? — Nada. — tento passar por ela, mas a barreira humana de um metro e setenta e oito impede com facilidade os meus um metro e cinquenta e nove de tentar fazer alguma coisa. — Me deixa passar. A Josie vai estranhar nós duas aqui. — O Alex está aqui, você acha mesmo que ela vai ligar para alguma coisa que não seja ele? — debocha, cruzando os braços. — Eles estão no quarto dela. A porta está aberta, fica tranquila. Encaro a minha irmã, as lágrimas já completamente dissipadas. Ela revira os olhos, mas não sai do lugar. Claro que ela não vai ceder. É um verdadeiro pé no saco. — Qual é, sis, estou com fome. Não vai mesmo me falar? — inclina a cabeça, com um sorriso quase inocente. Quase. Olho para os lados, mas sei que não vou ter outra alternativa. Inventar uma desculpa nem chega a ser uma possibilidade. Delphine é o mais próximo de

família que tenho, e confio plenamente nela. Resignada e silenciosamente, pego o celular e mostro a ela o perfil de Paige, dando ênfase no fato que aceitei a solicitação e que ela já mandou três mensagens. — Jesus Cristo! — ela chia, balançando a cabeça. — Quatorze anos depois. Demorou pra caralho para alguém decidir as caras. Por que não abre logo a mensagem? — Porque não sei do que se trata. — refuto, nervosa. Eu gosto de ter as coisas no controle. Gosto de saber o que vai acontecer, de estar preparada para qualquer desastre que possa surgir. Pelo amor de Deus, eu sou advogada, gosto de ter o máximo de informações na minha mesa. Neste caso, eu estou completamente perdida. — Tem um jeito fácil de saber o que é. — resmunga, tirando o celular da minha mão, levantando-o quando protesto, e dificulta ainda mais o fato de ela estar usando saltos 15 centímetros e eu um mísero par de sapatilhas. A girafa precisa mesmo fazer isso no único dia que eu não estou de saltos altos? — Oi, Fleur, tudo bem? Sei que faz tempo que faz tempo, mas preciso muito falar com você. Por favor, me liga o mais rápido possível. — murmura com uma voz fina, falando um número de telefone em seguida. — Foi o que ela falou. Vamos ligar? — Que droga, Delphine. — agarro o braço dela com dificuldades, e ela não reluta em me entregar o aparelho. — Agora ela vai ver que você visualizou a mensagem. — Eu não. Você. — corrige angelicalmente, entrando em casa. — Vamos ligar para ela, ver o que ela quer. — Não tenho motivos para ligar para ela.

— Ela quer falar com você. Não é motivo suficiente? — pergunta com obviedade, franzindo o cenho. Encaro-a, puta, porque está certa. Depois de tantos anos, Paige não me procurou por nada. Alguma coisa aconteceu, e até me preocupa saber o que é. Entro no apartamento, indo até a cozinha. Daqui consigo ouvir as risadas da minha filha, e mesmo que eu não goste da ideia dela e de Alex no quarto, tento me lembrar que isso sempre foi algo comum, então eu preciso relaxar. Eu acho. — Ele não morreu, idiota. — Delph revira os olhos, desempacotando a comida. — Como você pode saber? — pergunto, assustada. — Você sabe que ele tinha problemas com drogas. — Você não vai saber se não falar com ela. — dá de ombros. Crispo os lábios, tensa com a ideia de Dom morto. As coisas entre nós não acabaram bem, mas isso não significa que eu queira que algo do tipo aconteça. Ouço um suspiro alto de Delph e vejo-a me encarando preocupada, talvez até com pena. — Olha, Fleur, eu passei por todas as fases do namoro de vocês e fui a maior apoiadora desse relacionamento, você sabe. Também tomei todas as suas dores quando ele agiu como um babaca e respeitei o seu pedido de não ir arrancar as bolas dele por ser tão escroto. — faz uma pausa, pousando as mãos na bancada. — Mas também acredito que o universo nos manda sinais, e talvez ele esteja te dando um agora. Talvez esteja na hora de Josephine saber quem é o pai. Você não pode esconder isso dela para sempre. — Não quero esconder a minha filha do pai, Delph. Só tenho medo do que pode acontecer. — admito, sentada na banqueta, apoiando os braços em cima

da bancada. — É apenas a minha opinião. Você é a mãe dela, sabe o que é melhor. Mas ela está ficando cada vez mais curiosa sobre ele e você sabe. Ele sendo um escroto ou não, ainda é o pai dela. Mesmo que os dois não se deem bem, ela tem o direito de pelo menos saber quem ele é. Sabe, Josie está oficialmente entrando na adolescência, essa coisa de bloquear a curiosidade dela não vai funcionar por muito tempo. Assinto com a cabeça, sem saber o que dizer. Delphine está certa. Mas, eu imagino que Paige tenha falado para ele da gravidez, eu até enviei e-mails para dizer isso, e o fato de ele não ter me procurado diz muito sobre o que ele pensava sobre ser pai. E era engraçado porque Dom sempre dizia que queria ser pai. No fim das contas, talvez eu só esteja arrumando desculpas para continuar o mais longe possível de Dominic porque não sei como vou me sentir ao vê-lo depois de tantos anos.

03 Fleur

—V ocê está bem? Encaro Taylor, que está parada à minha frente segurando firmemente uma pasta. — Preciso de uma secretária. — respondo quase roboticamente, balançando a cabeça. Entrevistei alguns candidatos nos últimos dois dias, mas foi um fracasso total. — Conseguiu alguma coisa? — Aqui está a ficha que você me pediu. O histórico do Logan é quase impecável. — diz, me entregando a pasta e trazendo uma informação que pode ser preciosa. — Quase? — pergunto, pegando a pasta mas deixando-a fechada. Quero conseguir arrancar o máximo de Taylor, fazê-la se descobrir como advogada. Deve ser emocionante moldar um profissional, assim como Ethan fez comigo. — Com o que estamos lidando? — Duas passagens pela polícia. Nada muito sério, apenas problemas na faculdade. Álcool, briga com o policial. — encolhe os ombros, unindo as mãos na frente do corpo. — Tirando isso, não parece ter nada que a gente possa usar. — Procure mais. Ele tem algum interesse pessoal nesse caso e preciso descobrir o porquê. Procure o histórico familiar, amizades, qualquer coisa

que possa fazê-lo ter interesse na empresa da Natalie… ou na própria Natalie. Ela concorda com a cabeça, mas não sai do lugar. Aguardo para ver se ela precisa de alguma coisa ou se a minha ordem apenas deu um pane na cabeça dela. A resposta vem bons segundos depois: — Como eu devo fazer isso? — pergunta, hesitante. Abro um sorriso ladino, sabendo que ela está perdida. Uma parte pequena de mim tem pena, mas conheço o medo dela. Também senti quando comecei a trabalhar aqui, então preciso fazer com que ela veja que confio em seu potencial. — Você conseguiu o histórico policial de um defensor público, Taylor, sei que pode fazer mais do que isso. Me impressione. Novamente ela balança a cabeça e faz uma espécie de reverência antes de sair da minha sala. Uma reverência. Quem faz isso?

∆∆∆ — Não sei o que estou fazendo aqui. — resmungo, correndo no meu ritmo. — Bom, você costuma correr no Pumphouse, ou estou errada? — Delph provoca do outro lado da linha. — Você só vai unir o útil ao agradável. O parque é ótimo e é um lugar público, então vocês não vão poder perder a classe. Tenho vontade de tirar os fones, mas preciso começar a agir como a mulher madura que sou quando se trata da minha vida em Fairbanks. Preciso parar de ficar tão nervosa e agir sem pensar. Eu não sou assim, e não vou começar por algo que já está bem guardadinho no passado. — Como está a Josie? — mudo de assunto, diminuindo minimamente o ritmo

da corrida. — Muito bem. Alex acabou de sair daqui e ela está com aquele arzinho apaixonado. Ai, sis, ela está mesmo na dele, não está? Abro um sorriso com o tom apaixonado que minha irmã usa. Ela é louca pela sobrinha, e tenho certeza de que ela vai conversar com Josie sobre Alex assim que finalizarmos a ligação. — Puta merda, estou muito nervosa. — balanço a cabeça. — Já estou chegando no lugar que combinamos, Delph. — Estou com um pressentimento ótimo. Tenha uma ótima conversa e venha saciar a minha curiosidade assim que acabar. Beijinhos, te amo. — finaliza a ligação sem esperar a minha resposta, e quase rio de nervoso com o abandono da minha própria irmã num momento como esse. Continuo correndo até o próprio Pumphouse, uma estrutura gótica vitoriana. Meu coração está acelerado e sei que não é apenas por causa da corrida. Desde que marquei o encontro com Paige, há dois dias, estou um poço de ansiedade. Meu lábio inferior, coitado, inclusive tem sofrido com as mordidas dolorosas. Está inchado e machucado, conseguir até arrancar alguns muitos pedacinhos de pele, o que significa que tem sangrado também. Tenho trabalhado o meu psicológico por anos para conseguir controlar a ansiedade. Como advogada, manter a sanidade mental equilibrada é quase uma obrigação; e esse é um dos motivos para eu sempre querer ter tudo sob controle. Mas o aparecimento de Paige foi uma surpresa. Ainda não sei se boa ou ruim, mas uma surpresa. O parque é bem iluminado e não é tão frequentado, do jeito que eu gosto. A corrida é um hábito recente, adquiri há menos de um ano. Veio junto com o desespero por ter encontrado alguns fios brancos, entregando que a idade

estava chegando e o meu sedentarismo precisava acabar, mas essa é outra história. O fato é que eu não queria correr num lugar cheio, por isso nunca consegui gostar tanto do Central Park. Avisto Paige sentada em um banco na frente do edifício do parque e diminuo a velocidade da corrida, ganhando tempo. Não sei o que ela quer e isso me assusta pra cacete. Não sei se quer falar sobre Dominic, mas sei que não quero saber nada sobre ele. Todas as minhas barreiras estão levantadas e não consigo ver isso como um bom sinal. Faço um barulho com a garganta para que ela saiba que estou perto, e quando isso acontece, ela se levanta rapidamente, me encarando como se estivesse vendo uma miragem. Me aproximo até que ficamos frente a frente, sem saber ao certo o que fazer. Fora os cabelos, que agora estão naturais, ela parece a mesma de anos atrás. Claro, agora ela carrega um ar mais maduro, mas de alguma forma, continua igual. — Oi, Paige. Quanto tempo. — digo depois de um bom tempo num silêncio desconfortável. Ela não responde. No lugar disso, me puxa para um abraço apertado, daqueles que ela sempre me dava e que me ensinou a gostar com o tempo. Não sei o que fazer. Se retribuo, me afasto ou só fico como a paspalha que já estou sendo. Sinto-a respirar fundo e então se afastar, apenas o suficiente para que possa ver meu rosto. Fico ainda mais sem reação ao ver que seus olhos estão marejados. Ai, meu Deus, se ela começar a chorar aqui, não sei o que vou fazer. — Você continua linda pra cacete! — exclama, segurando minhas mãos com um sorriso largo. — Já terminei a minha rota e preciso de um café. Vem comigo? — pergunto e ela assente com a cabeça.

A situação consegue ser mais estranha do que eu tinha imaginado. Enquanto caminhamos até a cafeteria, fico pensando sobre o que podemos conversar. Nós fomos grandes amigas durante a adolescência, mas quatorze anos se passaram. Nossas vidas seguiram rumos diferentes, nossos interesses mudaram. — Vi que você seguiu na medicina. Parabéns, fiquei muito feliz quando vi. — começo quando já estamos andando há mais de dois minutos em silêncio. — Obrigada. Eu te daria os parabéns também se você tivesse colocado alguma informação no Facebook. — brinca. — Sou advogada. Trabalho na Carter & Baldwin. Estou lá desde a época da faculdade e acabei de ser promovida a sênior. — Puta merda, isso é muito bom. Parabéns, Fleur. Você é tipo a advogada sênior mais jovem? — Da empresa, sim. — digo, tentando ao máximo manter a humildade em alta. Tem um sênior que assumiu junto comigo, mas ele é três anos mais velho. — E então, o que você tem feito? — pergunta como quem não quer nada e sinto que ela está me encarando. — E o seu bebê? Você chegou a continuar com a gravidez? Diminuo o ritmo da caminhada e ela faz o mesmo, ficando de frente para mim. Enfia as mãos nos bolsos do casaco de frio que usa, aguardando a minha resposta. — Por que você me procurou, Paige? — decido ir direto ao ponto, porque o clima está esquisito demais e eu tive um dia muito longo no trabalho para ter que aguentar mais esse drama. Ela para de caminhar e acabo fazendo o mesmo. Paige não me procuraria por nada, e pensar no que pode ter acontecido me faz querer arrancar cada fio de

cabelo que tenho. Começando pelos brancos. — Vou me casar. — fala sorridente e eu assinto com a cabeça, porque vi essa notícia no Facebook. Diante do meu silêncio, ela revira os olhos: — No próximo fim de semana, Fleur. E eu quero que você vá. Ah, tá. — Ai, meu Deus! — exclamo, aliviada e puxando Paige para mim abraço. Fecho os olhos, sentindo que consigo respirar como uma pessoa normal de novo, porque estava apavorada com o que poderia ter acontecido. — Estou muito feliz por você, Paige. Ai, meu Deus, estou tão aliviada. — O que você achou que fosse? — pergunta aos risos, me olhando com estranheza. Crispo os lábios, encarando-a de forma quase conspiratória. — Que fosse algo sobre o Dom? — Você não pode me culpar por isso. Caramba, a gente ficou quatorze anos sem notícias uma da outra… — Quatorze anos sem notícias suas, não é? — alfineta, com um sorriso ácido. — Você desapareceu de todo mundo, Fleur. — E você também não pode me culpar por isso, Paige. Não sei se te contaram o que aconteceu, mas tive bons motivos. Motivos bons pra caramba. — refuto calmamente, dando de ombros. Por dentro posso estar uma pilha de nervos, pronta para matar alguém, mas por fora tenho todo o cuidado para manter a calma que aprendi a ter. — Olha… — ergue as mãos em rendição. — Isso é passado, tá legal? Já estou passando estresse pra cacete em arrumar as coisas do casamento e não preciso de mais problemas. Você sempre foi minha amiga e não quero que você perca esse momento, especialmente porque foi por você que eu conheci o Justin. — segura minhas mãos, abrindo um sorriso afetado. — Por favor, eu quero muito que você vá. Por favor, por favor. Seria muito importante ter a

minha melhor amiga lá. Suspiro, porque Paige também foi a minha melhor amiga, e fui a maior apoiadora dos dois. Sempre fazíamos planos de como seriam nossos casamentos e que seríamos madrinhas uma da outra. Claro, isso porque eu planejava me casar com Dominic. O que não aconteceu. Dá para ver, já que passei dos trinta e não tenho planos sequer de manter contato com ele. Não se não for através de Josie. Não posso recusar o pedido de Paige. Tenho consciência de que o nosso distanciamento não tem nada a ver com ela e eu quero participar desse momento. Imagino que eles tenham passado os últimos quatorze anos planejando esse casamento, e mesmo que o plano de ser a madrinha dela não vá se concretizar, ainda quero estar lá. — Claro que eu vou, Paige. Nada me faria mais feliz do que estar lá. — Ai, graças a Deus. — leva a mão ao peito dramaticamente, rindo. — Mas você precisa fingir surpresa. O Justin vem nos encontrar amanhã e eu jurei para ele que o esperaria para te entregar o convite. — Bom, eu não estou vendo nenhum convite. — brinco, deixando implícito que vou fingir a surpresa que ela pede. — Tem algo que eu preciso te dizer também. Sobre a minha gravidez… — hesito, trocando o peso dos pés e ela aperta a minha mão, ansiosa. — É uma menina. Josephine. Tem treze anos e é uma garota linda. — Puta merda! — exclama, a boca se formando um “O” aberto. — Ai, meu Deus, você teve mesmo. Sempre me perguntei se você tinha seguido em frente. Quero conhecê-la. Por favor, me leva para conhecê-la. Ela é tão gata quanto você? Tem que ter puxado o seu lado da família, porque o Dom é ridículo. Reviro os olhos e rio, escondendo o incômodo ao mencionar o meu ex. Jurei

que iria ser madura e pretendo cumprir isso. Queira eu ou não, Dominic é o pai da Josie, e só a ideia de que eles podem se conhecer nesse casamento, já me embrulha o estômago. — Calma aí… — ela pisca várias vezes, franzindo o cenho. — Ele não sabe disso, sabe? Dom nunca mencionou com a gente sobre isso. Na verdade, depois que você foi embora… — se cortou e precisei passar por cima da curiosidade. Quero passar por cima disso e não vai ser revivendo passado que vou conseguir. — Bom, as coisas mudaram. — Então vocês continuam amigos. — concluo com pesar. Não vai ter escapatória, Dominic vai estar no casamento. — E ele não sabe sobre ela. Você não disse para ele? — Não. Rolaram algumas coisas depois que você foi embora e ele ficou meio esquisito. O que rolou entre vocês, afinal? Ele nunca disse o motivo de você ter ido embora assim. Que briga monstruosa foi essa? Eu lembro que… — Paige, eu te adoro e isso não é segredo, mas a única relação que quero ter com Dom é a minha filha. — corto qualquer curiosidade dela, ainda mantendo a calma. — Como suponho que ele vai estar no casamento, os dois vão acabar se conhecendo, mas realmente não quero lembrar do tempo que eu estive com ele e gostaria que isso fosse respeitado, tudo bem? Ela parece surpresa. Seus olhos se arregalam e a cabeça inclina para o lado. — Bom, tudo bem. — concorda, parecendo desconfiada e suspira. — Mas estou feliz em te ver. Estou feliz pra merda por estarmos juntas de novo. Eu também estou. Paige foi a minha única pessoalmente que realmente considerei como uma amiga, e perder contato com ela foi doloroso pra caramba. Mas eu não tenho muito tempo para pensar nisso. Preciso pensar em como vou contar à Josie sobre o pai e que ela vai conhecê-lo. É o certo, eu sei, mas

não é algo que eu quero. Josephine e Dominic. Depois de quase quatorze anos. A vida é ou não é uma grande puta?

04 Fleur

a cabeça quando a porta é aberta, e não fico surpresa ao ver Ava. E rgo Ethan não está na firma, Taylor acabou de sair para o almoço e não estou esperando visitas. E supondo que cheguei de uma conversa com Logan Brewer, e a minha chefe com certeza está querendo o máximo de informações para saber como lidar com Ethan. O que só me faz ter certeza de que há ou houve algum envolvimento íntimo entre ele e Natalie. Mulher de sorte. A maldita, além de rica e bonita, conseguiu fisgar um homem como Ethan a ponto de ele não conseguir cuidar do caso dela. — Encontrei a estagiária surtando na biblioteca mais cedo. Como foi com Logan? — pergunta, inclinando o corpo e espalmando as mãos na minha mesa. — Nada fora do esperado. Taylor vai conseguir as informações que eu quero. — Natalie me ligou. Ela não parece muito feliz. — Natalie vai aprender que se Ethan me deu o caso, é porque sou boa cuidar dela. — refuto, impaciente. — O que posso fazer por você, Ava? Posso ver um mínimo sorriso em seu rosto, mas logo ela se recompõe, a postura autoritária voltando numa velocidade recorde. Abençoa, Senhor, para esta tua filha também ser assim.

— Você vai ao baile dos Kozitsyn com o Ethan. O que ele está tramando? — pergunta e preciso reprimir os lábios para conter um sorriso, porque sobrenomes russos são sempre ruins de se pronunciar. E, ah, a briga dos grandes. Sempre querendo usar seus inferiores para darem pitaco no caso um do outro. Não comigo, chefe. — Você sabe que não vou falar, Ava. — abro um sorriso ladino, mexendo despretensiosamente no computador. — Fleur, Fleur… guardando segredos da sua chefe? — indaga, e mesmo que eu não esteja olhando para ela, sei que está com um mínimo sorriso no rosto. Giro a cadeira, ficando de frente para ela. Apoio os braços em cima da mesa, inclinando a cabeça com o meu sorriso mais profissional. — Com todo o respeito, se quer saber o que está acontecendo, pergunte a ele do que se trata, chefe. Da mesma forma que não vou falar para ele se você precisar do meu silêncio, se Ethan precisa da minha confidencialidade, minha boca vira um túmulo. Ava estreita os olhos, balançando o dedo com aquele ar orgulhoso, e sei que a provocação teve o resultado que ela esperava. — É bom saber que podemos confiar em você. Por isso Ethan pediu que você cuidasse do caso. — dá uma leve batidinha na mesa, piscando. — Preciso sair e amanhã não vou pode vir, então nos vemos no baile. Estou ansiosa para descobrir o que vocês estão tramando. Só quando ela sai, consigo respirar. Afundo na cadeira, inspirando e exalando muito lentamente. Por mais que eu consiga lidar bem com Ava, é exaustante trabalhar com ela. Ava é muito rígida e sempre está testando a lealdade dos seus funcionários. É chato, mas compreensível. Com a advocacia sendo a melhor de Nova Iorque e uma das melhores do país, tivemos muitos

funcionários tentando passar a perna para lucrarem em cima ou ficarem por cima dos nossos chefes. Ou até mesmo nos levar à falência. Em onze anos aqui, sei que a firma é visada, então é óbvio que Ava é rígida conosco. Novamente, é muito, muito chato, mas não a julgo. O trabalho passa num piscar de olhos. Consigo trabalhar bem com Taylor; ela entende rápido as coisas e não tem vergonha de perguntar quando precisa. O despertador toca às quatro e meia e aviso à Taylor que ela está liberada, porque tenho um compromisso urgente. Ofereço para deixá-la na faculdade, mas ela recusa educadamente, dizendo que já ficou de ir com uma amiga. O caminho até a minha casa parece demorar mais do que o de costume e a sensação esquisita na boca do estômago não ajuda em nada. Paige e Justin vão jantar lá em casa, e Delph ficou de comprar o jantar enquanto eu converso com Josie sobre eles. Com Dominic no pacote. Meu ânimo para conversar sobre isso é igual a zero e a minha coragem vem e vai desde as sete da manhã. Não sei como Josie vai reagir, já que sempre consegui me esquivar da temida conversa sobre o pai dela. Sempre soube que precisava ser imparcial sobre ele, do mesmo jeito que sabia que isso não iria acontecer. De um jeito ou de outro, eu daria um jeito de falar mal até conseguir que ela o detestasse. E já basta eu cumprindo este papel. A visita de Paige é muito bem-vinda e estou muito feliz que ela tenha se lembrado de mim mesmo depois de tanto tempo; ao mesmo tempo, estou apavorada com a ideia de Josie conhecer Dom. Isso faz eu me sentir uma vaca sem coração, mas é uma coisa que não consigo controlar. Talvez eu devesse ter procurado os dois nas redes sociais antes. Com certeza eu estaria mais preparada. Deveria ter cedido à curiosidade todas as vezes que

ela apareceu durante esses anos. Ouço vozes assim que entro em casa, e sei que temos visitas. Se bem que… Alex é visita? Ele parece ficar mais na minha casa do que eu. Não estou reclamando, só me preocupa o fato de os dois estarem crescendo, Josie nutre uma paixãozinha por ele… bom, as coisas podem acontecer. Sempre conversei sobre essas coisas com minha filha. Considero muito importante que Josie conheça o mundo como ele é e quero que ela saiba que o corpo é dela e ninguém pode tocá-lo sem sua permissão; e se isso acontecer, quero ser a primeira a saber para que possamos prender o desgraçado. Mas nunca conversamos sobre Dom. Não por falta de tentativa dela, mas por falta de vontade minha. Sei que ela tem muitas dúvidas sobre ele e não sei até onde posso falar sem dizer exatamente o motivo de termos terminado. Claro, eventualmente ela vai saber, mas nunca pensei muito bem e como vai ser quando isso acontecer. Se ela vai odiá-lo ou se vai me odiar por deixar isso influenciar no relacionamento dela com ele. Já dá para perceber que vai ser um desastre quando isso acontecer, certo? Sigo as vozes e os encontro na sala de pintura de Josie. Minha filha sempre gostou de pintar em quadros e parece estar cada vez mais firme nisso. O nosso antigo apartamento era minúsculo e mal cabia a gente, então os quadros acabavam indo para a casa da vovó ou da Delph, mas agora, além de muito espaço, ela tem sua própria sala de pinturas. — Oi, tia Fleur. — Alex me cumprimenta com um sorriso contagiante. — A Josie está super empolgada com o novo jogo de pincéis. Disse que vai me pintar. Claro que vai. — Tenho certeza de que ela vai adorar cada segundo.

— Ai, meu Deus do céu. — ouço-a resmungar e nós dois olhamos para ela. Vendo que falou alto o suficiente para atrair nossa atenção, dá uma risada nervosa, gesticulando exageradamente com as mãos. — Esses pincéis são mesmo maravilhosos. Obrigada por ter me deixado comprar, mãe. Balanço a cabeça em concordância, arqueando a sobrancelha, com um sorriso conspiratório. Essa história de Josie apaixonada é novidade para mim, mas é fofo vê-la assim, constrangida. — Alex, querido, eu preciso conversar com a Josie. Você se incomoda? — Claro que não, eu já estava mesmo indo para casa. Preciso terminar a lição de casa. A gente se fala depois, kitty. — beija a bochecha da minha filha. Kitty. Então os apelidinhos carinhosos já chegaram e minha filha é a “gatinha”? Cruzo os braços quando ele passa por mim, indo embora, e encaro minha filha conspiratoriamente. A princípio ela me ignora, fingindo prestar atenção nos pincéis, mas logo bufa, me encarando mal humorada. — Você disse que precisava falar comigo. O que eu fiz dessa vez? — Josie, pelo amor de Deus, dá para você ser um pouco menos agressiva comigo? — peço, impaciente, sentindo a vontade de tentar uma conversa tranquila com ela se dissipando numa velocidade impressionante. — Eu sei que essa sua fase é difícil, mas não precisa agir como se a culpa fosse minha. — Ninguém disse que a culpa é sua, mas você fica invadindo o meu espaço. É sufocante. — se aproxima, fazendo menção de passar por mim, mas a impeço, ficando na sua frente. — Preciso ir tomar um banho. — Primeiro você vai me ouvir. Senta! — ordeno calmamente e ela me encara de bico alguns instantes antes de me obedecer, sentando num dos três pufes que coloquei no cômodo. Descruzo os braços, esfregando uma mão na outra enquanto crio coragem para começar a conversa. — Ontem eu te disse que hoje vamos receber alguém para jantar, mas eu preciso conversar com você

antes. — Você está namorando, é isso? — deduz quando hesito e eu franzo o cenho, confusa. — Qual é, mãe, você é jovem e bonita. Não acha que vai ficar solteira para sempre, não é? Limpo a garganta, desconfortável. Não acho que vou ficar sozinha, mas não tenho em mente me envolver romanticamente com alguém. Estou muito bem com meus casos esporádicos, obrigada. — Eles são amigos antigos, da época do colégio. São amigos do seu pai, também. Bom, não era assim que eu queria abordar o assunto. Ensaiei um discurso tranquilo e sutil. Falaria bem de Paige e de Justin e só depois Dom entraria na conversa. Mas é claro que preciso ir pelo caminho mais curto, sem preparar a Josie. Os olhos de Josie se arregalam e a boca abre e fecha, como se ela quisesse falar alguma coisa, mas não estivesse conseguindo verbalizar. — Eles vão se casar e nos convidaram, mas achei melhor que vocês se conhecessem primeiro. — O meu pai também vai vir? — pergunta baixinho, parecendo assustada. Eu espero que não. — Não. Mas ele vai estar no casamento, Josie… — hesito e limpo a garganta quando sinto um nó se formando. — Isso significa que vocês vão se conhecer. Josie não responde. Fica em silêncio e cada segundo parece ser uma punição para mim, por ter fugido desse assunto por tanto tempo. Então, ela abre um sorriso fraco, com os olhos lacrimejados. — Eu vou conhecer o meu pai. — murmura enfim e eu concordo com a

cabeça, não conseguindo compartilhar a alegria que ela parece sentir. — Ele sabe sobre mim? Merda. Essa é a pergunta que eu tenho evitado por anos. Eu sei que quando negar, ela vai achar que eu fui uma babaca egoísta. Mas não posso mentir. Posso não ter sido a melhor mãe por esperar tanto para falar sobre Dominic, mas não posso mentir para me isentar. Ou posso? Ela pergunta novamente, enxugando as lágrimas e tenho vontade de chorar junto, mas de desespero. — Não. Não diretamente. — chio num fio de voz. — Aconteceram algumas coisas quando eu descobri a gravidez e a gente se separou antes que eu tivesse a chance de falar pessoalmente com ele. Novamente, ganho o silêncio. Josie fica bons segundos parada, sem piscar, me olhando de um jeito esquisito, e então se levanta, saindo do cômodo. — Aonde você vai? — Como eles se chamam? — pergunta, girando o corpo para me encarar. — Paige e Justin. — Vou me arrumar e deixar tudo pronto para receber os dois. — responde com um sorriso animado. — E vou ligar para a tia Delph. A comida precisa ficar perfeita. Encosto as costas na parede, fechando os olhos. Ela está empolgada com a ideia de conhecer Dom, e não sei se isso me preocupa ou só me desespera mesmo. De qualquer forma, só me resta torcer para que ele tenha tomado rumo na vida. Posso ter saído cheia de mágoa do nosso relacionamento, mas não vou deixar que ele machuque a minha filha.

05 Dominic

minha bagagem já sentindo a brisa fria, avisando o inverno cruel tão P ego conhecido nesta cidade. Adoro o clima daqui, é uma das coisas que mais sinto falta de Fairbanks. — Aqui faz frio pra caralho. — Mel reclama aos risos. — Pelo amor de Deus, como você conseguia morar aqui? — Do mesmo jeito que consegui me acostumar com o clima quente da Califórnia. — respondo e ela assente com a cabeça, estremecendo. Tiro um dos meus dois casacos, oferecendo para ela. Já imaginava que Melissa reclamaria, já que os únicos lugares que morou foi em Los Angeles e Las Vegas. Dois fornos. Ela veste o casaco e começamos a andar pelo aeroporto. Me mudei para Los Angeles há sete anos, mas nunca deixei de visitar os meus pais. Não consigo ir em todos os feriados, mas nunca abri mão de Ação de Graças e Natal. Minha mãe vive dizendo que não é o suficiente, mas com a rotina tão corrida no trabalho, fica difícil conseguir visitá-los mais vezes. Chamo um motorista pelo celular e por sorte ele já está aqui. Quando o encontro, guardamos nossa bagagem e entramos no carro. — Está ansioso por uma semana de tranquilidade? — pergunta, animada. — Afinal, quem vai trabalhar no casamento da Paige sou eu.

— Não estou reclamando. Estou há quase três anos sem férias, mereço um pouco disso. — afundo na cadeira, fechando os olhos. Não estou mesmo reclamando mesmo. Sempre quis trabalhar como fotógrafo, e estar sendo reconhecido por isso é bom pra cacete. Me mudar para Los Angeles foi arriscado, mas necessário; as oportunidades lá são ótimas, caso você saiba fazer contatos. Não estamos perto de algum feriado, mas teremos um evento igualmente importante: Justin e Paige, meus amigos de longa data, vão se casar. Vou ser o padrinho e por isso Mel vai fotografar no meu lugar; é um dos meus presentes. Sinceramente, não achei que esses dois chegariam ao altar. Estão noivos há quase seis anos mas a data nunca foi marcada. — Você acha que ela está grávida? — Mel pergunta, inclinando a cabeça na minha direção. — Não acho que esse seja o caso. — respondo com honestidade. — Acho que a maior chance é de que eles… decidiram se casar. Sabe, oficializar as coisas. Quem sabe assim as famílias conseguem aceitar o relacionamento dos dois. Mel encosta a cabeça no meu ombro e boceja. Ela e Paige são boas amigas, a ponto de me deixarem de lado quando estão juntas. — Vai ter uma boa despedida de solteiro? — pergunta com a voz sonolenta. — Você se lembra quem é a noiva? — devolvo a pergunta aos risos e ela resmunga para que eu não me mexa. — De qualquer forma, Jus vai chegar aqui no final da tarde e vamos sair para conversar. Vou perguntar se ele quer uma despedida tranquila, porque é o máximo que Paige vai permitir. — Com certeza. — boceja. — Tenho certeza que Paige vai arrancar as suas bolas se descobrir que você tirou a pureza do noivinho um dia antes do casamento.

Gargalho de novo e ela resmunga em resposta, então decido que é melhor ficar em silêncio e deixá-la cochilar até chegarmos à casa dos meus pais. Sim, feliz ou infelizmente, a minha mãe sempre faz questão que eu fique na casa dela sempre que venho para Fairbanks. E adeus privacidade. O caminho até a casa dos meus pais é preenchido apenas pelo som do rádio, e quando, enfim chegamos, tenho dificuldade para acordar acordar a Mel. A mulher desmaiou. Se não eu não pegasse o seu pulso e o sentisse, diria facilmente que ela tinha morrido. Saio do carro e toco a campainha de casa, voltando para pegar as minhas coisas. — Filhote! — ouço a voz da minha mãe e me viro a tempo de vê-la se aproximar rapidamente, me puxando para um abraço forte. Norah Dawson é a mulher da minha vida. Antes dela, passei de lar em lar por alguns anos e não consegui me habituar com nenhum. Até ela e David me adotarem. Norah é a pessoa mais generosa que eu já conheci, e olha que conheci gente pra caralho! Ela é paciente, gentil e amorosa. Meus pais tentaram ter seus próprios filhos, mas depois de tantas tentativas falhas, decidiram procurar ajuda médica e descobriram que não conseguiriam engravidar. Pelas histórias que sempre me contaram, foi a minha mãe quem teve relutância em querer adotar, e sou muito grato ao meu pai por ter insistido nisso. Ela sempre diz que assim que me viu, foi amor à primeira vista. — Mãe, você pode acordar a Mel enquanto eu levo as malas para dentro de casa? Ela morreu no carro. Ouço um resmungo mal humorado do motorista e decido ignorar. Nada vai

tirar o meu bom humor, nem mesmo esse cara. — Ah, a Mel veio? Que maravilha, filho! O quarto dela sempre fica arrumado. — informa, já me largando para ir buscar a sua preferida. Melissa e eu nos conhecemos há seis anos e moramos juntos há cinco. Ela é uma amiga fenomenal, é quase como se ela fosse eu em versão feminina. Chegamos a namorar por quase dois anos, mas terminamos quando percebemos que éramos mais amigos do que casal. Dividimos uma casa em Los Angeles e ela é uma parceira do caralho. A mulher é fenomenal. Minha mãe sempre gostou dela, e quando começamos a namorar, ela deixou bem claro que nos apoiava, mas que sabia que acabaríamos ficando na amizade. Norah Dawson é uma profeta! Minha mãe carrega uma Melissa sonolenta enquanto eu me desdobro para levar as malas para dentro. As duas são quase como confidentes. Apresentei as duas um pouco depois de Mel e eu morarmos juntos, e elas se deram bem logo de cara. Assim como Mel, minha mãe uma pessoa muito fácil de conversar. Sempre soube que elas seriam grandes amigas. Quando coloco todas as malas dentro de casa, Mel está sentada no sofá, segurando um copo com o que suponho que seja café. Ela esteve trabalhando muito nos últimos meses com bailes de moda que precisou cobrir, mas esse é o preço por ser uma fotógrafa foda. Para ser sincero, eu queria que ela viesse ao casamento como convidada. Jus e Paige compartilhavam do mesmo desejo, mas Mel fez questão de fotografar, e ao invés de ser um presente dela, Mel queria que eu dissesse que era meu. Ou seja, eu acabaria dando três presentes, porque já tinha duas surpresas preparadas: um discurso de chorar e a lua-de-mel nas ilhas Maldivas. Isso não me torna o melhor padrinho do mundo? — Ora, a princesa decidiu dar o ar da vida? Achei que você tinha morrido,

estava pronto para te enterrar. — zombo, me jogando ao seu lado. — Vai para o inferno. — resmunga, com o olhar perdido na janela à sua frente. — Eu vou dormir. Caramba, eu preciso muito dormir. — Ah, querida. — minha mãe aparece, tomando a xícara da mulher ao meu lado. — Vá dormir. O seu quarto é o de sempre e já está arrumado. — Ai, Norah, você é o anjo da minha vida, juro por Deus! — se levanta com cara de choro, abraçando a minha mãe. — Eu vou dormir. Aproveitem e conversem sobre tudo o que eu não posso saber. Mel sai andando quase cambaleante, indo para o quarto que minha mãe separou exclusivamente para ela. Meu celular vibra e vejo que é uma mensagem de Justin avisando que já está na cidade, na casa dos seus pais, e pergunta quando vou estar livre para encontrá-lo. — E então, Dom, como estão as coisas? — minha mãe se senta ao meu lado, tentando ler discretamente a mensagem. — É uma mensagem importante? — Não, é só o Justin avisando que já está aqui. — respondo. — Vou me encontrar com ele mais tarde. — Por que não pede para ele vir para cá? — dá um tapinha em meu ombro, abrindo um sorriso bem aberto. — Sabe que eu o adoro e faz tanto tempo que não o vejo. Nem ele, nem Paige. — Eu vou ligar para ele, mas preciso descansar um pouco primeiro. — Você não pegou nenhum trabalho nas duas últimas semanas para conseguir descansar e estar renovado no casamento, e com certeza dormiu durante todo o voo. Chama o seu amigo e vai fazer a sua tarefa de padrinho. E leve as malas para o quarto antes que ele chegue. — ordena, resoluta. — Vou fazer o almoço.

Ela se levanta e sai rumo a cozinha enquanto eu vasculho a agenda, procurando o nome de Justin. Existem três nomes que fazem minha mãe amolecer: Paige Pearce, Justin Robinson e Melissa Browning. Ela costuma dizer que são as pessoas não-família favoritas dela. — Fala, cara, achei que estava curtindo a Norah. — Justin me atende no segundo toque. — Ela está te chamando para almoçar com a gente. — pego três mochilas, seguindo para o quarto. — Como foi em Nova Iorque? — Você não vai acreditar em quem a gente viu! — exclama e faz silêncio, esperando que eu responda. Permaneço em silêncio, jogando duas das mochilas no quarto de Mel e seguindo para o meu, que fica ao lado do dela. — Fleur Lefebvre. Que eu conheci como Fleur Duboc. Deixo a mochila cair e sinto o corpo inteiro enrijecer. O sotaque de Justin para pronunciar o sobrenome francês é horrível, mas é assim com todo mundo; só não comigo porque fiz Fleur me ensinar a pronúncia certa. Nunca consegui, mas ela me enganava bem ao dizer que estava lindo. Fleur foi a minha namorada na adolescência. Nos conhecemos através de Paige, que estudava com ela, e acabamos nos dando muito bem. Não demorou para começarmos um relacionamento, e nunca tive dúvidas de que ela era a mulher da minha vida. Ela conhecia todos os meus defeitos e segredos e nunca me julgou por eles. Ou era o que eu achava. Eu era dependente químico desde que me entendia por gente, vício adquirido pela minha mãe biológica, e acabei tendo uma recaída algumas vezes enquanto estávamos juntos. Fleur sempre ficou comigo e dizia que não iria me abandonar por algo que não era a minha culpa. Eu, como um cara apaixonado, acreditei.

Mas a minha última recaída foi violenta. Não sei como aconteceu, nem como ou com quem estava, só aconteceu. Fui para a clínica de reabilitação e depois disso não soube mais dela. Só o que recebi foi um e-mail dizendo que ela tinha visto tudo e que não poderia me perdoar por aquilo, que eu era um filho da puta asqueroso e egoísta, e que ela chamaria a polícia se eu ousasse procurá-la. Fui atrás dela? Com certeza. Como estava na clínica de reabilitação, foi através de cartas. Cartas pra cacete. E ainda mais e-mails. Pedindo perdão, uma explicação, que ela fosse me ver, qualquer coisa. Nunca tive retorno. Tentei falar com ela através de Delph e Gert, sua irmã e avó, mas seus pais descobriram e conseguiram uma medida restritiva. Desrespeitei, claro, e isso me rendeu seis meses na cadeia e seis meses fazendo serviço comunitário. Depois disso eu vi que ela não queria mesmo saber de mim. Isso e outro email que ela me mandou, deixando claro que eu não era o que ela pensava que fosse. Foi aí que eu soube que ela era como os pais dela. Então passei por todos os estágios pós término: raiva, frustração, mágoa, mágoa, mais mágoa, mais frustração, quebrar tudo, encher a cara e amaldiçoar Fleur e toda a família dela. Fiquei nesse looping desgraçado por três anos e acabei tendo recaídas durante esse tempo. Depois disso a minha mãe me fez perceber que talvez tenha sido melhor assim. Fleur e eu éramos muito diferentes, principalmente no quesito financeiro. Os pais dela sempre fizeram questão de deixar claro que eu não era digno dela e que isso iria acabar mal. Bom… acabou. Procurei terapia, um grupo de apoio incrível e segui em frente. Não tive mais recaídas, foquei na minha carreira e estou feliz com o rumo que a minha vida seguiu. Não sei o que Fleur viu, ou pior, se eu a machuquei, mas o meu

terapeuta me fez enxergar que não adiantava ficar me culpando e que eu deveria seguir em frente. Foi um ponto final doloroso, mas consegui contornar a situação. — Chego aí em dez minutos. — Justin continua quando não lhe dou uma resposta. — A gente precisa conversar sobre isso. Ele não espera a minha resposta para finalizar a ligação. Continuo parado alguns instantes, absorvendo a notícia de que ele a viu. Sempre quis saber como ela está, se seguiu o sonho de ser advogada ou se a mãe fez com que ela se rendesse ao mundo da moda. Não me surpreenderia se isso tiver acontecido. Eleonora e Alger sempre conseguiam o que queriam quando se tratava de Fleur. Acho que namorar comigo foi a coisa mais rebelde que ela fez. O problema é que eu sempre soube que, se procurasse por ela, mesmo que só em redes sociais, tentaria contato com ela. Que iria esquecer o ponto final e colocar uma vírgula. E, cara, eu não posso deixar isso acontecer. Pelo bem da minha sanidade mental, eu preferi ficar quieto. A campainha toca quando deixo as últimas mochilas em meu quarto, e minha mãe grita da cozinha para que eu vá ver quem é. Justin e eu somos amigos há dezesseis, talvez dezessete anos. Ele já era amigo de Fleur, os dois moravam na mesma vizinhança, enquanto Paige era minha vizinha. Conheci Fleur através de Paige, que estudava na mesma escola que ela, e Paige conheceu Justin através de Fleur. Os encontros de casais nos renderam boas histórias. Abro a porta e como já imaginava, dou de cara com Justin. Ele me dá um abraço rápido e entra, indo direto para a cozinha, certamente seguindo o cheiro de tempero caseiro maravilhoso que só a minha mãe consegue fazer. Fecho a porta e o sigo, vendo-o abraçar a minha mãe apertado, e os dois

gargalham sobre alguma coisa. — Sei que tem meses que vocês não se veem e que Dom tem sido um péssimo padrinho não ajudando vocês em nada. Vão conversar enquanto termino a comida. Preciso ir para o bar agora à tarde para ajudar o David, mas quero que se sinta em casa, querido. — minha mãe aperta as bochechas do meu amigo e cruzo os braços, fazendo a minha melhor expressão de mágoa. — Justin está recebendo mais atenção que eu? Isso é um absurdo, mãe. — protesto, estreitando os olhos. — Ah, meu amor, não se sinta assim. Vou ter você para mim a semana inteira e a vida toda, esse garotinho aqui vai embora depois que se casar e só Deus sabe quando vou voltar a vê-lo. Bufo em resposta e Justin gargalha, dando um beijo na bochecha da minha mãe. Ela pega uma jarra com suco que provavelmente fez antes da minha chegada e aproveito para pegar dois copos. Justin pega a jarra e saímos da cozinha, porque este é o santuário de Norah e ai de quem a atrapalha enquanto ela está aqui. Justin e eu nos sentamos no sofá e nos servimos de suco. Espero que ele fale alguma coisa, porque sei que está se remoendo para me contar sobre Fleur. Não sobre o casamento nem sobre a carreira sendo um chef de cozinha em ascensão. Há alguns anos, ele queria ser música. Tinha, inclusive, uma banda de garagem; mas, a gastronomia acabou falando mais alto e ele decidiu abraçar o sonho de ter o próprio restaurante. Ele e Paige vão para Nova Iorque depois do casamento. Ela vai trabalhar numa clínica e ele acabou de comprar um restaurante sozinho, sem ajuda alguma dos pais. Isso é um sonho realizado para ele.

— Fala logo, cara. Sei que você está morrendo para falar sobre ela. — sondo, tendo o cuidado de manter o tom de voz controlado. — Você não está nem um pouco curioso? — toma um gole do suco, se recostando no sofá. Dou de ombros como quem não quer nada. Que filho da puta, ele sabe que no fundo, bem no fundo, estou morrendo para saber como ela está. O que eu sinto por ela é meio conflituoso. Claro que não quero que ela tenha se dado mal na vida, mas espero muito que ela tenha sofrido pra cacete por minha causa, assim como eu fui a personificação do fundo do poço. Isso me torna culpado? Talvez. — Você está se remoendo. — ele abre um sorriso ladino, balançando a cabeça. — Porra, dá para falar logo? — Ela está bem. É advogada, e parece ser das boas, já que é uma sênior na melhor advocacia de Nova Iorque. Nova Iorque. Só agora percebo que ela vive lá. E é advogada. Então ela saiu das garras de Eleonora e fico feliz por isso. Aquela mulher é perversa num nível que chega a ser assustador. Balanço lentamente a cabeça, sem saber o que dizer. Passei tantos anos imaginando como ela estava, e agora que sei, não sei o que sentir. É engraçado e desesperador ao mesmo tempo. — Dom, a gente foi para lá para convidá-la para o casamento. — Justin quase sussurra, me olhando receoso, praticamente sem piscar. Bom, essa é a surpresa. — O casamento é de vocês, Jus. — encolho os ombros, tomando um gole do suco ao sentir a garganta seca. — Estou surpreso, mas não é como se não

fosse uma possibilidade. — Não é só isso. — ele está hesitando demais e isso aguça ainda mais a minha curiosidade. — Ela não vem sozinha… sabe… alguém vem… com ela. Esvazio o líquido do copo, ganhando tempo. Não sei o que Justin quer que eu diga, porque se eu sou ótimo em criar situações na minha cabeça, ele consegue ser pior do que eu, e quanto mais o casamento se aproxima, mais neurótico ele parece estar. — Tudo bem, Jus. De verdade. — garanto, deixando o copo na mesa de centro. — Fleur e eu namoramos na adolescência, não é como se esses relacionamentos tenham grande importância. Já faz muito tempo. Pronto, equilibro uma mentira e uma verdade para dar paz à minha consciência. Fleur foi importante pra caralho na minha vida, o que me torna um mentiroso ao dizer que não tem importância, mas isso já faz muito tempo. Não entendo o motivo de ele estar tão hesitante. E então, algo me vem à cabeça. — Não vou ter uma recaída, cara. Esse lance com Fleur já passou e não tem a menor possibilidade de isso acontecer de novo, se é isso que te preocupa. Ele dá uma risada nervosa e eu estreito os olhos, desconfiado. Pergunto a ele o que está acontecendo, porque a neura dele já está passando para mim e a última coisa que precisamos é de dois marmanjos neuróticos na sala da minha mãe. — Não… — ele balança a cabeça, com um sorriso mais falso do que a minha alegria ao acordar numa segunda de manhã. — Nada. Vai ficar tudo bem. Se você diz que não vai ter uma recaída, eu acredito em você. — Isso mesmo. — garanto, convicto. — Estou bem, você sabe.

Ele concorda, mas não parece mais relaxado. É compreensível, porque não fui a melhor pessoa quando Fleur foi embora. Mas, pelo amor de Deus, por que tanto medo? O que mais tem no mundo é namoro na adolescência, é uma coisa natural. Eu estou tranquilo. Nada, absolutamente nada, vai tirar o meu foco de ser um perfeito padrinho.

06 Fleur

nferno!

— I Ouço um resfolegar e ergo a cabeça, dando de cara com uma senhora me olhando chocada. Dou a ela um sorriso contido, pensando que definitivamente não estamos mais em Nova Iorque. Josie está com um sorriso no rosto, mas continua concentrada no sanduíche. Sei que ela está empolgada com a ideia de conhecer Dominic, tudo nela grita essa expectativa. Ela vai ter que conversar com para conhecê-lo, já que faz muito tempo que estamos sem nos ver, então não sei nada sobre a sua vida… o que ele faz para se sustentar, se está bem... mais uma vez, eu deveria tê-lo procurado nas redes sociais. Seria bom saber onde estava enfiando a minha filha. Mas eu não sei. Paige me disse que Dom está muito bem e que não tem perigo, então me agarro a isso com unhas e dentes para tentar relaxar. Balanço a cabeça, me ajeitando na cadeira e voltando a atenção ao celular. — Você já falou com ele? Já sabe quando vamos nos encontrar? — ela pergunta, me olhando cheia de expectativas e eu a encaro por um tempo antes de responder. — Estou mexendo com trabalho, Josie. Vamos para o hotel e então eu falo com ele.

Estamos numa lanchonete do aeroporto esperando por Paige. Ela fez questão de nos buscar e avisou que já está chegando. Enquanto isso, estou tentando cuidar do trabalho. Ava não ficou muito feliz quando pedi dois dias da semana para tratar de um assunto pessoal antes das férias, mas não se opôs, também. Não gosto da ideia de trabalhar à distância, mas que outra opção eu tinha? Paige pediu para que eu fosse ao jantar de ensaio e eu preciso apresentar Josephine ao pai antes do casamento, porque não posso atrapalhar um momento tão especial de alguém com o meu drama pessoal. É hora de enfrentar isso como uma mulher madura. Doa a quem doer. O problema é que vai doer em mim. — Eu me pareço com ele? — insiste, extravasando a expectativa que reprimiu por anos com a minha ajuda. — Você puxou o lado da minha família, Josie, eu já disse isso. — respondo sem muita vontade, focada nas mensagens. — Termina de comer. — Por que vocês terminaram? Ah, pronto. Encaro Josie, que parece mesmo querer saber. Tipo, mesmo, mesmo. Talvez pela ansiedade, mas ela parece decidida a querer o máximo de informações dele antes de conhecê-lo. — Josie, a gente namorou no colegial. Sabe… éramos imaturos, só isso. Não posso dizer para uma criatura de quatorze anos que o pai foi um filho da puta. Estou me perguntando a cada segundo como vai ser quando encontrá-lo, se vou conseguir agir com naturalidade ou se vou acabar surtando em algum momento. Dom sempre conseguiu extrair qualquer emoção minha, fosse boa ou ruim. Dizia que ficava orgulhoso por conseguir se livrar do meu “lado

rígida”. Isso resultou em muitas coisas boas, mas em muitas discussões idiotas, também. — Foi um namoro adolescente. — E por que você nunca quis me apresentar a ele? O meu celular toca e eu não consigo escapar um gemido de alívio ao ler o nome de Paige, fazendo um sinal para que Josie se levante ao mesmo tempo que atendo o celular. — Me perdoa pelo atraso, estou aqui junto com esses taxistas mal encarados. Eu só vim buscar a minha amiga, fiquem tranquilos. — grita a última frase e imagino os taxistas encarando-a como rival. Josie e eu seguimos para o estacionamento, só vendo Paige quando ela começa a buzinar incessantemente. Ela nos ajuda a guardar as coisas no carro e logo estamos a caminho do hotel. — E então, o que estão achando do clima daqui? — Paige pergunta, sem tirar os olhos da pista. — Bem friozinho, não é? Eu queria casar no meio do mês que vem, porque dezembro é quando está aquele frio de acabar com a nossa dignidade, mas Justin ficou chorando porque não queria ficar passando frio durante o sexo, então que seja novembro. Acabo dando uma risada, ouvindo Josie fazer o mesmo do banco de trás. Paige sempre foi assim, sem papas na língua, e agradeço aos céus por sempre ser muito honesta nas conversas com a minha filha. Mesmo assim, eu conheço Paige. Sei que tem muito mais de onde veio essa, de um jeito mais explícito e preciso estabelecer um limite ao menos quando Josie estiver por perto. Peço isso, ouvindo um bufo de Josie e uma expressão de surpresa de Paige. — Qual é, Fleur, a gente já falava dessas coisas na época dela. Ou vai dizer que não lembra? — me encara de relance, com um sorriso conspiratório.

— Mas não com os nossos pais por perto. — refuto, embora eu aprecie a ideia de Josie tendo liberdade comigo, assim eu posso saber em que território estou pisando. — Eu ainda não sou mãe, meu amor e você sempre disse que nunca seria dessas mães caretas que não conversam sobre tudo com os filhos. — Eu não sou uma mãe careta. — refuto ofendida, fazendo uma careta para Paige. — Converso sobre isso com a Josie, mas talvez alguns detalhes possam ficar de fora. — Bom, tudo bem. — ela concorda, encolhendo os ombros. — Mas abra o olho, você ficaria surpresa com o que os jovens conversam hoje em dia, e tenho certeza que Josie não fica para trás. Você se lembra das coisas que a gente conversava? Triplique isso. Ah, eu me lembro do que a gente conversava. Lembro bem. Paige sempre acabava rindo de mim porque no início eu morria de vergonha de conversar sobre sexo, sem contar o medo de que meus pais descobrissem que eu ao menos pensava nessas coisas. — Eu daria tudo para ver a mamãe conversando tranquila sobre sexo. — Josie diz com uma risadinha e giro o corpo para olhar para ela. — Deve ter sido muito divertido. — Ah, a sua mãe era muito divertida, querida. — Paige olha para a minha filha pelo espelho retrovisor, com um sorriso brincalhão. — Tenho certeza que ela ainda é. Só precisamos tirar essas camadas de rigidez. Epa! — Tudo bem, tudo bem, vamos parar por aqui. — acabo rindo também, pegando o celular, discando o número do escritório para ver como as coisas estão. — Preciso falar com a Arya, gente, só um minuto.

Eu provavelmente sou a pior chefe do mundo. Fui promovida há menos de dois meses, a minha estagiária está comigo há… dua semanas, talvez, e Arya, a pobre secretária, mal completou uma semana. As duas mal conhecem a loucura da firma e já estão precisando trabalhar sem a minha ajuda presencial. — Escritório de Fleur Lefebvre, boa tarde. — Arya atende prontamente e me lembro que há a diferença de quatro horas entre Nova Iorque e Alasca. — Oi, Arya, como estão as coisas por aí? — olho para Paige, que não parece muito satisfeita, mas permanece em silêncio. — Alguém apareceu me procurando? — Logan Brewer veio aqui há quase uma hora, trouxe um documento e disse que aguarda o seu retorno urgentemente. — Droga, só agora esse filho da mãe dá sinal de vida. — resmungo, esfregando a testa. Taylor e eu passamos alguns dias trabalhando até a madrugada neste caso (ela ficou por teimosia porque eu queria que ela descansasse), descobrimos que Logan tem mesmo interesse pessoal neste caso. Sua ex esposa, Charlize Mackey, teve um caso com o pai de Natalie há alguns anos, e por acaso ele é o fundador da empresa. Descobrimos completamente sem querer, vasculhando o histórico das pessoas próximas do tão honesto Logan, que ele tinha jurado vingança aos Duncan. Depois disso, precisei fazer uma visita ao defensor público que parece mais interessado em defender seus próprios interesses. Só precisei sondar, pressionar por alguns minutos e, voilà, estava com uma confissão gravada. Ofereci um acordo em que Natalie paga uma quantia às família dos funcionários que faleceram e o caso é encerrado. As outras acusações desaparecem, ele vai a público e afirma que a empresa de Natalie é exemplar

e está sempre pensando no melhor para seus empregados. Pode soar como chantagem, mas é assim que o mundo corporativo funciona. Precisei quebrar a cara em muitos casos para entender isso. Sei que Natalie não é uma santa, mas não acredito que ela seja do tipo que arrisca a vida de funcionários. — Natalie Duncan também ligou e pediu para você entrar em contato. — Arya continua. — E só. — Arya, por favor, você pode me mandar uma cópia do documento que Logan levou por e-mail? Tipo, agora. — Eu vou me casar. — Paige chama a minha atenção, pedindo sutilmente para que eu termine a ligação. Ouço um farfalhar de papéis do outro lado da linha e Paige e Josie entram em uma conversa sobre a viagem de quatorze anos. Josie não quis uma festa de aniversário de quinze anos, vale ressaltar. Ela quis uma viagem de quatorze anos. Para a Noruega. Francamente, a Noruega deve ser linda, mas eu esperava um lugar mais… França, Itália… um país mais popular. Mas, tudo bem. Ela passou os últimos dois anos pedindo e eu, os últimos quatorze anos economizando. A minha vida se resume basicamente em economizar para os quinze anos e a faculdade de Josephine. A festa foi adiantada e trocada por uma viagem, mas não tenho oposições quanto a isso. Arya concorda e finalizo a ligação. A conversa das duas continua animada, Josie contando todo o programa de viagem que planejamos e de como está ansiosa para ver a Aurora Boreal. Alex irá conosco. Os pais dele já tinham permitido a viagem e, inclusive, comprado as passagens e feito a reserva no hotel. Eu disse que os dois jovenzinhos são grudados, não disse?

— Então Delph já está aqui? — Paige pergunta, me olhando de relance. — Por que ela quis vir antes? Essa é uma boa pergunta. Delphine e Paige sempre se deram bem, mas não muito bem. Delph e Jus já namoraram e Paige nunca conseguiu lidar muito bem com isso. Foi um namoro de menos de um ano, antes mesmo de eu começar a namorar o Dom, mas a família do Jus sempre fez questão de deixar claro que a minha irmã era a escolhida deles. Percebi o desconforto dela ao ver a minha irmã no meu apartamento, especialmente porque Justin também estava lá. Ele acabou convidando a minha irmã para o casamento e ela aceitou mais por educação, dizendo que em seguida irá para o Brasil. Algo como precisar equilibrar um lugar muito frio, com um muito quente. O fato é: Delph veio para cá um pouco antes de nós. Ela está no mesmo hotel em que vamos nos hospedar e disse que o lugar é incrível. Não há muitos arranha-céus em Fairbanks, o que já muda bastante a nossa vista, considerando que grandes edifícios é só o que vemos em Nova Iorque. Delph disse que precisava resolver uma coisa antes. Honestamente, tenho até medo de pensar do que se trata, então prefiro só fingir demência. Olho para trás e vejo que Josie está colocando os fones de ouvido, encerrando a conversa animada. — Paige, eu posso pedir para ela não ir se você quiser. — sussurro, encarando a minha amiga, que faz uma careta como se eu estivesse dizendo algo absurdo. — Não me venha com essa cara de desentendida, Paige Pearce. — Eu superei, Fleur. — usa um tom de voz calmo, muitíssimo tranquilo. — Não me venha com esse tom, Paige. Eu te conheço. — Alguém precisa manter a calma aqui, meu amor. — ela está com um sorriso no rosto, mas sei que está incomodada. O melhor é deixá-la quieta,

afinal, já tenho o meu próprio carma para lidar. — Não, está tudo bem mesmo, sério. A história dos dois é passado e a gente conseguiu superar. Eu sei que isso é verdade, mas não consigo sentir isso vindo de Paige. A família dela nunca aceitou Jus por dois motivos: ele é branco e rico; a família de Jus não aceita Paige justamente por ela ser o oposto disso. Eu fico tão, tão feliz por ver que ela conseguiu lidar com as próprias inseguranças para ficar com Jus. Ele é louco por ela, eu sei disso. A forma como ele a defende, como a apoia, é tão bonito, que eu sei que os dois podem fazer qualquer coisa se estiverem juntos. Talvez eu precise falar com Delph. Os Robinson sempre foram fãs dela, não quero nem pensar no vexame que seria se os pais dele decidissem arrastar asas para cima da minha irmã. Não que Delph vá dar essa abertura, também. Tenho suspeitas de que ela está saindo com alguém, mesmo que negue isso com todas as forças. Modéstia à parte, meus instintos raramente falham. Muito, muito raramente. O curto caminho que falta até o hotel é feito em silêncio. Abro o e-mail, mas Arya ainda não mandou o documento, então não me resta fazer nada além de pensar num discurso para Dominic. Dominic, que surpresa te ver. Eu também tenho uma surpresa para você e ela está prestes a completar quatorze anos. Lembra quando você estava sendo um cretino traidor? Pois é, eu estava descobrindo que estava grávida na mesma hora, acredita? Não, não, isso não. Vou ser uma mulher civilizada, tratar isso com a mesma frieza que trato os meus casos dos meus clientes. — Vou levar a Josie para a balada e ela vai ficar muito louca. Pisco, atordoada, girando o corpo o mais rapidamente que o cinto permite, olhando para Paige. Josie está fissurada no celular e consigo ouvir daqui a

música que vem dos fones de ouvido. — Que merda é essa, Paige? — Você não estava me ouvindo, precisei dizer alguma coisa que chamasse a sua atenção e ouvi Delph comentando que às vezes precisa dizer algo sobre levar Josie para o mau caminho quando você está viajando. — Vocês são impossíveis. — retruco, me dando conta de que o carro está parado. — Ah, chegamos. Josie mal espera eu terminar a frase para sair do carro. Um funcionário logo vem para nos ajudar a pegar as malas. Não são muitas, já que só vamos passar o fim de semana, eu estou apenas com uma mala e uma bolsa de mão. Decidi alugar um vestido, já que não gosto de ficar abarrotando o meu armário com roupas que só vou usar uma vez. Isso significa a minha falência? Não, porque eu fui promovida e a diferença do meu contracheque me permite certos luxos. Obrigada, Ethan e Ava. Paige me puxa pelo braço para um canto em que não podemos ser ouvidas por Josie, mas que ainda podemos observá-la. — Você falou com o Dom? — pergunta e eu cruzo os braços, trocando o peso dos pés, pensando numa resposta que possa agradá-la. Paige me passou o número dele há dois dias e pediu para que eu falasse com ele antes do casamento para que a surpresa evitasse um escândalo e acabasse tirando o foco do que realmente tinha que ter atenção: os noivos. — Qual é, Fleur, o jantar de ensaio é amanhã e você prometeu que iria cuidar disso. — Eu vou falar com ele hoje. Sério. — garanto sem muita animação, mas convicta. Do que vai adiantar fugir? Já estou aqui, ele também, isso vai acabar acontecendo.

Nem sei o que pensar sobre isso. O plano é simples. Me encontro com Dom primeiro enquanto Josie fica com Delph. Se ele parecer alterado ou não receber bem a notícia, Paige que me perdoe, mas não vou fazer a minha filha conhecer um pai que não a quer na vida dele. Dom já ferrou comigo o suficiente, não vou deixar que ele magoe a Josie também. — Ele chegou na cidade no começo da semana e já sabe que vai acabar te encontrando. Jus disse que acabou falando para ele, como o bom fofoqueiro que é, mas jurou que não disse nada sobre a Josie. Assinto com a cabeça, olhando para a minha filha, que está conversando com a tia, que desceu em algum momento e eu não vi. — Por que você nunca disse para ele, Paige? — pergunto, realmente muito curiosa. — Quero dizer, da gravidez. Eu mandei fotos da Josie para ele depois que ela nasceu, mas nunca tive uma resposta e isso é algo que eu vou falar com ele, mas… — Dom não sabe da Josie, Fleur. — Paige cruza os braços, franzindo o cenho. — Eu nunca falei porque você desapareceu, eu nem sabia se você tinha seguido em frente com a gravidez, não queria arriscar… — hesita e olha para os lados, parecendo desconfortável. Certo. Não vou conseguir muita coisa com ela. Era uma dúvida justa, eu também teria no lugar dela. — Ele nunca te disse que eu mandei fotos da Josie? Paige sorri tristemente, balançando a cabeça. — O Dom não sabia, Fleur. — repete. — Alguma coisas aconteceram… bom, seria bom se você falasse sobre isso com ele, não é um assunto meu.

Tudo bem… isso está estranho. — Ele ainda… — começo a perguntar num tom ainda mais baixo, como se Josie pudesse escutar. — Ainda, sabe… tem problemas com drogas? — Ah, não. — nega, enfatizando ao balançar a cabeça. — Ele não tem esse problema há uns dez anos, eu acho. Você precisa saber que não fuma e nem bebe. Nada que possa ter ligação com algum vício, se essa é a sua preocupação. — Não é só isso, Paige. — admito, afita. Ela permanece em silêncio, esperando que eu continue. — É tudo. Eu não o vejo há anos e você sabe que ele é mais teimoso que eu. Tenho certeza que isso não mudou. — Ele não vai renegar a própria filha, Fleur. Não sei o que aconteceu para você ir embora porque nenhum dos dois nunca me disseram nada, mas ele não faz ideia da existência da Josie. Dom pode ter todos os defeitos, mas ele não é escroto e você sabe disso. E para de morder o lábio, droga. Não acredito que você ainda tem essa mania. — Estou ansiosa, caramba. — admito, olhando para Delph que bate no pulso, indicando que o tempo está passando. — Preciso ir. Se vou fazer isso, que seja antes que eu perca a coragem. — Que coragem? — zomba, dando um beijo na minha bochecha. — Depois me conta como foi, tá legal? Nos despedimos e vou para o hotel com Delph e Josie. O processo de checkin é rápido, e logo estou em meu quarto. Josie e eu ficaremos em quartos conjugados, mais por vontade minha do que dela; não quero que ela veja os surtos que com certeza vou ter neste fim de semana. — Já ligou para o Dom? — Delph pergunta assim que entra em meu quarto. Josie está em seu quarto, provavelmente se arrumando para sair com a tia enquanto eu reencontro o meu ex.

— Pelo amor de Deus, me deixa chegar direito na cidade. — resmungo, abrindo a mala. — Mal pisei em Fairbanks e essa é a única coisa que escutei. — Respira, princesa. — inala e exala exageradamente, e revira os olhos quando não a acompanho. — Só estamos com medo de que você mude de ideia. Não posso dizer que me sinto ofendida, porque não é como se isso não tivesse passado pela minha cabeça. Enfiar Josephine numa bolha e levá-la para um lugar bem longe daqui. Não parece uma ideia ruim. É péssima, eu sei. — Está ansiosa? — pergunta, se sentando na minha cama. Assinto com a cabeça, concentrada em arrumar a mala e a bolsa. — Sabe onde ele está vivendo? — O número que Paige me passou é de Los Angeles. — me sento também, apoiando uma mão na cama. — Ela disse que ele não tem mais problemas com drogas. — Isso é ótimo, não é? — Delph comemora. — Ele conseguiu superar o vício que a mãe biológica enfiou nele. — É… — concordo sem animação e Delph continua me olhando, esperando que eu diga algo. — Ele mora longe, Delph. E se só estiver dizendo que está limpo para que ninguém pegue no pé dele? — Deixa de ser sistemática, sis, você vai se encontrar com ele agora à tarde, não vai? Tenham uma conversa franca. Você vive se vangloriando dos seus instintos, agora é hora de provar. Abro um sorriso com o tom bem humorado da minha irmã. Sinceramente, estou aliviada por ela ter vindo. Ela sabe de toda a história, então se eu surtar muito, ela vai estar por perto para me acudir.

Pego o celular e abro a conversa com Paige, achando com facilidade o contato que ela me passou: Dom D. Sem pensar muito, salvo o contato e disco o número. Delph parece entender o que está acontecendo, porque gesticula enquanto sai pela porta que dá para o quarto de Josephine. Um toque. Dois. Três. Talvez ele esteja ocupado e… — Dominic. — atende formalmente e eu arregalo os olhos, prendendo a respiração. — Alô? Ai, cacete. A voz dele é tão bonita quanto eu me lembrava. Forte, harmoniosa, combinando muito bem com ele. Limpo a garganta, endireitando a postura. — Oi, Dom. Aqui é a Fleur. Não tenho uma resposta, só ouço um palavrão baixinho. Parece que ele também não estava tão preparado assim. — Paige me disse que você já está em Fairbanks e eu queria conversar antes do casamento. É importante. Mais um instante em silêncio. — Sei... — murmura, parecendo hesitante. — Quando você está livre? — Na verdade eu ainda não almocei. Estou hospedada no Bear Lodge, o que acha de nos encontrarmos no Boatel em trinta minutos? Eu iria sugerir quarenta minutos, mas não sei se ele ainda tem a mania horrível de viver atrasado, então é melhor jogar com uma margem de dez minutos. Ter pais europeus me deixou extremamente rígida com os horários. De qualquer forma, se ele se atrasar como antigamente, eu vou conversando

com Julie, a dona do bar. Quanto ao Boatel, é um bar que Dom me apresentou e eu adorava, mesmo que, oficialmente, eu não pudesse frequentá-lo. Fiquei muito feliz ao ver que ainda está aberto, e preciso da sensação de estar lá sendo maior de idade. Vai ser emocionante! — Tudo bem. — ele hesita alguns segundos. — Te vejo logo, Fleur. Finalizamos a ligação e sinto as minhas batidas cardíacas zunindo em meu ouvido. Eu acabei de falar com Dominic e em alguns minutos vamos estar frente a frente. Minhas mãos começam a tremer quando me dou conta de que não estou cem por cento preparada para este reencontro. Na verdade, não estou nem perto de estar preparada. Eu estou tudo, menos preparada. — Puta merda, o que foi que eu acabei de fazer?

07 Fleur

sei que a gente não conversa muito e que no momento não devo O i,serDeus, a sua filha favorita… talvez seja até hipocrisia te procurar só na hora do aperto, mas preciso mesmo da sua ajuda. Estou prestes a encontrar um filho da puta infiel e acabei de perceber que talvez eu tenha guardado mágoas por tempo demais, mesmo depois de ter pensado que já tinha superado essa bagunça. Eu não superei. Ajuda a sua filha a não acertar as bolas daquele teu filho se ele disser alguma coisa que não me agrade, por favor. Por favor, que eu não o deixe me levar ao limite. Amém. Esta é uma boa oração, certo? É o que penso quando desço do Uber faltando um minuto para o horário que marcamos de nos encontrar. Preciso contar a história deste bar: eu sempre vinha com Dom, Paige e Jus depois do colégio e pássavamos a tarde fazendo absolutamente nada de útil. Aqui eu aprendi a jogar sinuca, dardos e a tomar cerveja de barril. Todas as festas também acabavam aqui. Boatel sempre foi muito diferente do que eu vivia: um bar cheio de pé inchado. Eu adorava isso, e adorava ainda mais o fato de ninguém ligar para a nossa idade. Claro, teve muita vergonha, muita embriaguez, mas sempre achei fenomenal. Eu me sentia livre de todo o protocolo de precisar me importar com o que a minha família diria ou até mesmo a mídia, porque ninguém me conhecia. Talvez por isso eu gostava tanto daqui. E francamente, estava tão ansiosa para voltar, que não pensei

duas vezes antes de convidar o Dom para cá. Para a minha completa surpresa, Dom já está aqui, do lado de fora. Fico imóvel depois de sair do carro, apreciando a vista do homem que está em pé, encostado numa moto. Não sei como o reconheci, já que faz tempo que nos vemos, mas aqui estou eu, reconhecendo-o facilmente. Está com uma camiseta preta puída e desbotada do Led Zeppelin, óculos escuros espelhados e pendurados na gola por uma perna. Calça jeans tão desbotada que parece ter o próprio tom de azul, com fios pendurados nos bolsos e remendos deliciosos e gastos na virilha, caindo solta ou justa nos lugares certos, nos quadris estreitos e pernas compridas. Bom, ele mudou um pouco. O estilo desbotado parece continuar, mas ele está fisicamente diferente. Seus cabelos castanhos já não batem mais no pescoço, mas continuam longos o suficiente para lhe dar um ar deliciosamente rebelde. Como se hipnotizada, me aproximo dele lentamente, e vejo as maçãs do rosto saltadas e coradas, nada parecido com o adolescente pálido de quinze anos atrás. Nada de barba ou bigode. Graças a Deus, porque aquele bigode nunca combinou com ele. Os olhos escuros estão muito sérios, mas continuam tão intensos quanto eu me lembro. E o nariz agora não é mais retilíneo. Há um curva que diz claramente que foi quebrado em algum momento. Infelizmente isso não o deixa menos atraente. Dom sempre foi muito calorento, então não veste nenhum casaco, deixando à mostra os braços fortes. E malhados. Não o suficiente para parecer um rato de academia, mas daquele jeito que diz “eu gosto de me cuidar e tenho certeza que te pegaria no colo com facilidade num momento de tesão”. Que merda de pensamento é esse? Foco, Fleur. Foco! Endireito a postura e tiro os óculos, e ele desencosta da moto quando estou

perto o suficiente. Não falamos nada, ficamos parados como dois idiotas. Eu o encaro. Ele me encara. Eu tento colocar a cabeça no lugar ao perceber, com pesar, que quero dar na cara dele. No bom e no mau sentido. — Fleur. — ele me cumprimenta, sério, com um aceno de cabeça. — Dom. — imito o tom de voz. — Vamos entrar? — preciso de uma bebida, completo mentalmente. Entramos em silêncio no bar, e vejo que o lugar continua exatamente do mesmo jeito. A mesma decoração desbotada, o mesmo rock tocando pelos alto falantes… me pergunto se ainda há a noite da boiada, em que levam um touro mecânico e só toca música country. Não sei quem inventou isso, mas eu adorava as noites de sexta-feira. Embora não esteja tão movimentado quanto antigamente, há uma boa quantidade de pessoas, então as conversas estão se embaralhando umas nas outras. Nos sentamos na mesa mais distante de alguns clientes e logo somos atendidos por um funcionário. Peço uma porção de batatas fritas com bacon e cheddar, já imaginando o infarto que vai vir junto, e uma longneck de cerveja. Dom pede apenas um copo com suco e tento ao máximo evitar a surpresa, porque Paige já me disse que ele abandonou o álcool. É estranho? Com certeza, mas também é compreensível. Um vício pode levar a outro e acabar desencadeando num desastre. — Desculpa, a Julie não está aqui? — pergunto ao funcionário, me referindo à dona do bar. Julie é a senhora mais hilária que eu conheço. Com cabelos platinados, tatuagens por boa parte do corpo e uma voz inacreditavelmente

rouca maravilhosa. Ela tinha uma banda de rock e era simplesmente alucinante. — Ela está viajando, mas está de volta no sábado. — o rapaz responde educadamente e sai em seguida. E então Dom e eu estamos sozinhos. — Não venho aqui há uns dois anos. — olha ao redor com um sorriso nostálgico e eu faço o mesmo. Faz mesmo muito tempo. — A decoração não mudou desde aquele tempo que vínhamos aqui. — Mas agora está mais iluminado. — reparo, porque antes a iluminação era muito parecida com a de um motel. Julie sempre dizia que adorava o ar que ficava em seu bar, então estou curiosa para saber o que a fez mudar de ideia. E considerando que vou embora no domingo à noite, acabo de decidir que vou voltar para me despedir. Ponto. — Ah, com certeza. Lembra quando ela falava que queria colocar espelhos no teto para dar um ar ainda mais sexy? — Dom ri e eu respiro fundo, crispando os lábios. Tudo bem, vamos lá, preciso deixar uma coisa muito clara desde já: eu tinha uma lista das coisas que eu achava magníficas em Dom… sabe, essa coisa de top 10. Claro, tinha o traseiro, o pênis, essas coisas, mas o sorriso sempre esteve em primeiro lugar. Sempre. O sorriso de Dom foi a primeira coisa que me arrebatou. Nunca foi um sorriso falso, uma coisinha meia boca. O sorriso dele é tão sincero que os olhos até fecham um pouco. Ponto fraco. Ponto muito fraco. Dom 10 x 0 Fleur. Me endireito na cadeira, decidindo ir logo ao ponto e acabar com essa coisa estranha.

— Dom, não sei se o Jus disse que eu iria procurar você e o que te disse… — começo, porque mesmo com a declaração de Paige de que Jus não falou sobre Josie, todos nós sabemos que o noivo da vez é um senhor fofoqueiro. — Mas eu precisava falar com você antes mesmo do jantar de ensaio, ainda mais porque você é o padrinho. — Justin só disse que você viria, e viria acompanhada. — deu de ombros. — Ele parecia hesitante, mas nós seguimos em frente, Fleur. Você foi embora, eu superei, cada um seguiu com a sua vida. — Está brincando comigo. — balanço a cabeça, incrédula. Ele diz que eu fui embora como se ele não tivesse feito nada de errado. Cretino. — E eu estou mentindo? Eu não terminei por e-mail e nem fui embora do nada, Fleur. Posso não ter sido o melhor namorado do mundo, mas disso você não pode me culpar. Cínico, hipócrita e traidor. Dá para piorar? Respiro profundamente e conto até sete lentamente, inspirando e expirando. Se tem uma coisa que odeio mais do que atraso, é briga em público. Esse foi o principal motivo para eu escolher o Boatel para nos encontrarmos (fora a saudade que eu tinha daqui). Eu sabia que manteria a calma não importava o que Dom dissesse. Você deve ter se perguntado se eu quero evitar essa conversa, certo? Sim, eu quero, mas não o farei. Se Dom estiver mesmo limpo e quiser ficar na vida de Josie, não vou simplesmente fugir de resolvermos o término merda que tivemos. Essa é uma questão óbvia; mas isso só pode acontecer depois do casamento. Ter mantido os dois longe um do outro por quase quatorze anos já parece ruim o suficiente, não quero discussões que possam pesar e estragar o clima matrimonial ou mesmo que Dom conheça a filha em um momento esquisito.

— Dominic, não vim aqui para isso. — falo baixinho, entre dentes e ele arqueia a sobrancelha, esperando que eu fale mais. — Acho que não tem um jeito fácil de fazer isso, mas preciso saber primeiro se você ainda… tem problemas drogas. Ele parece surpreso com a pergunta, mas não ofendido. Umedece o lábio inferior enquanto se recosta na cadeira e faço muito esforço para manter os olhos fixos nos dele. Xô, tentação. — Não, Fleur. Não fumo, não bebo e nem uso nada de ilícito há dez anos e onze meses. — responde orgulhosamente. — Obrigado pelo interesse tardio. — debocha e eu começo a bater as unhas na mesa. — Fico feliz em saber, Dom. De verdade. — O que você quer comigo, Fleur? É agora, não é? Abro e fecho a boca algumas vezes, tentando falar, mas, por algum motivo, as palavras não saem. Dom continua me encarando e eu acabo desviando o olhar, observando o movimento das minhas unhas batucando a mesa. Decido sondar e arriscar por um caminho que eu não tinha planejado. Paige disse que as fotos nunca chegaram para ele, e por mais que eu não acredite piamente nisso, preciso testar as possibilidades. — Eu estava grávida. — falo baixinho e ele sacode a cabeça, me olhando com estranheza. — Desculpe, acho que entendi errado. — dá uma risada nervosa, inclinando o corpo sobre a mesa. — Ela se chama Josephine e é uma garota linda. — continuo, vendo o semblante de Dom endurecer, assim como a postura. As narinas inflam e os

lábios crispam. Bom, ele está puto. E não diz nada num primeiro momento. Fica me olhando, certamente repetindo em sua cabeça o quanto ele me acha escrota. — Agora é quando você diz que está brincando. — resmunga entredentes, entrelaçando as mãos em cima da mesa, o maxilar tensionando e relaxando rapidamente. — Fleur, isso não pode ser sério. Bom. Ele não sabia. Já tem algo de errado aqui. Droga. — Eu não estaria tendo essa conversa com você se não fosse, Dominic. — falo com honestidade, zero à vontade com esse olhar dele. — Não tenho motivos para mentir e antes que você pergunte, ela é sua filha, sim. Tudo bem, eu sei que a última frase foi muito desnecessária, mas eu preciso me proteger, também. Se ele me traiu, pode ter pensado que eu fui embora e acabei ficando com alguém. — Isso nem passou pela minha cabeça. — ele balança a cabeça, me encarando com estranheza, levantando o tom de voz a cada palavra. — Mas, porra, quatorze anos depois? Ela é adolescente e você tirou toda a infância dela de mim. — Dominic, eu não vou ter essa conversa aqui. — corto-o duramente, num tom mais baixo. Ele olha ao redor e então abre um sorriso frio, nada daquela coisa apaixonante de amolecer as pernas. — Por isso você quis conversar num lugar público, não é? Continua com essa mania de jogar a situação a seu favor. — Puta merda. — resmungo, impaciente. — Estou aqui porque Josephine

quer te conhecer e eu sei que não seria prudente te apresentar durante a cerimônia. — Você escondeu a gravidez de mim? — ele fala mais alto e vejo suas mãos em punhos. — Que porra você tem na cabeça, Fleur? Droga. — Você quer conhecê-la ou não? — pergunto simplesmente, séria. — Quatorze anos, Fleur. — chia e eu olho para o teto, pensando que talvez a ideia de escolher um lugar público não tenha sido uma boa ideia. Eu sempre evitei discussões em público, mas isso não quer dizer que o meu ex também seja assim. —Em algum momento passou pela sua cabeça que eu queria conhecê-la? Que ela queria me conhecer? Preciso morder as bochechas para não lhe dar uma resposta atravessada. Em algum momento eu vou jogar na cara dele toda a merda que senti quando Lizzie me ligou pelo celular dele, mas agora o foco é Josie. Isso. Josephine Lefebvre. É nela que preciso pensar. — Ela sabe que você está aqui, Dom, e está ansiosa para te conhecer. Ele fica balançando a cabeça, parecendo incrédulo demais para conseguir verbalizar alguma coisa. Passa as mãos nos cabelos, puxando-os com força, soltando resmungos incoerentes. Nada bom. Espero a sua resposta, pensando em como a vida é injusta por fazê-lo ficar ainda mais gato do que era na adolescência. Não que eu tenha pensado nele dessa forma, mas também não sou cega. — Você consegue me surpreender anos depois. — resmunga, desgostoso e eu arqueio a sobrancelha. Permanecemos em silêncio por alguns minutos, porque sei que ele precisa

absorver essa novidade. E eu também. Ele não sabia. Droga, se ele não sabia, quem recebeu as fotos? Nossos pedidos chegam e logo começo a petiscar as batatas. Não é mais tão engordurado como anos atrás e, sinceramente, estão muito mais saborosas. Tomo um gole da cerveja, esperando Dom decidir falar alguma coisa. — Ela sabe que eu estou aqui? Assinto com a cabeça, porque acabei de falar isso. — Sim. E novamente, está ansiosa para te conhecer. — admito, dando de ombros. — Coma também. Essas batatas estão bem melhores do que quando a gente vinha aqui. — Eu continuo vindo aqui, Fleur. — alfineta, ácido. — Moro em outro lugar, mas a minha família ainda está aqui. Ficamos em silêncio mais uma vez. De repente, todo o meu apetite foi embora e odeio Dominic por isso, porque as batatas e o bacon estão maravilhosos. Termino a cerveja, pensando em como o clima pode ficar pior. Não tem como, sinceramente, não tem. Ele não recebeu as fotos. Isso, obviamente, vai ficar batucando na minha cabeça até descobrir o que aconteceu. Se eu não estivesse tentando manter o foco somente na Josie, estaria falando com ele agora sobre isso. O problema de Dom sempre foi ser intenso demais, conseguir pensar inteiramente em uma coisa por vez. Preciso ir com calma, jogar uma informação por vez. De nós dois, já temos uma sem noção pensando em um monte de teorias. — Quando vou conhecê-la? — pergunta baixinho, se recostando na cadeira. — Porque não nos encontramos no Growden Park hoje à noite? — sugiro, porque Josie está ansiosa para conhecer o lugar. Antes ele se chamava

Memorial Park, mas foi renomeado em 1964 em memória de James Growden que, junto com seus dois filhos, perdeu a vida no Grande Terremoto do Alasca, que aconteceu em março daquele ano. Para mim é uma ideia excelente. Josie conhece o lugar, o pai e eu não me sinto sufocada porque vou estar em um lugar aberto e não tão movimentado. Sim, o parque não é tão movimentado à noite, mas sempre tem pessoas por perto e a iluminação é ótima. Eu perguntei ao Jus e ele me garantiu isso. Ele assente com a cabeça, parecendo satisfeito com a minha sugestão, mas ainda zero feliz por estar nessa situação. Eu também não estou, Dominic. Também não estou feliz. — Eu tenho uma filha… — fala para si mesmo, balançando a cabeça e então pisca várias vezes. — Caralho, eu tenho uma filha. Suspiro, apoiando os braços na mesa. Ele parece mesmo muito atordoado, então acabo relaxando um pouco. — Você quer ver uma foto dela? — pergunto e ele balança a cabeça. — Prefiro a surpresa. — abre um sorriso, mas não é verdadeiro. Ele pega a carteira e tira uma nota dela, deixando-a na mesa enquanto se levanta. — Preciso ir. Tenho que digerir isso antes de conhecê-la. Às sete no Growden? Concordo com a cabeça e ele sai; só então sinto que consigo respirar normalmente. Ele pareceu quase entrar em colapso em alguns momentos, mas parece que consegui contornar bem a situação. Ainda não sei o que foi que acabou de acontecer, mas, agora não dá mais para voltar atrás. Dom parece estar novamente na minha vida.

08 Fleur

— V ocê está bem?

Olho para Josie, que me encara preocupada. Acabamos de sair do Uber e parece que perdi o controle sobre os meus pés, porque eles se recusam a me obedecer e caminhar. Cacete, eu estou muito nervosa. Muito nervosa mesmo. E ainda tem esse frio. A neve já começou a despontar e, claro, esse lugar sempre foi conhecido por ter um inverno rigoroso. Que merda me deu na cabeça de marcar um encontro com Dom ao ar livre? O que deu na cabeça dele por concordar? Francamente... — Desculpa, eu só preciso de um segundo. — peço com a voz trêmula, respirando fundo. Ela me abana com as mãos, parecendo mesmo preocupada. — Você ainda não me disse o motivo de vocês terem terminado. Woo-woo, woo-woo, woo-woo! Estão ouvindo? É o barulho das sirenes tocando insistentemente na minha cabeça. Josie provavelmente acha que agora vai ter todas as suas perguntas respondidas. O problema é que não tem como responder certas perguntas, por isso sempre fugi delas como o diabo foge da cruz. Pensando nisso, agarro as mãos dela, aproximando os nossos rostos e olhando-a quase em pânico. — Josephine, você não pode perguntar isso para ele. — falo firmemente. —

Depois do casamento a gente senta e conversa, mas precisamos manter os ânimos calmos, tá legal? Pela Paige. — Está bem. — ela se solta, me olhando como se eu fosse doida. — Eu só queria saber, já que você sempre faz tanta questão de deixar esse assunto de lado. — Josie… — estou pronta para começar a dar a minha melhor desculpa, mas o meu celular começa a vibrar dentro da bolsa. Pego o celular, lendo o nome “Dominic” no visor. — Oi, Dom. Já estamos aqui. Francamente, não foi inteligente marcarmos no parque e termos deixado de lado o ponto de encontro. — Estou nos bancos do campo de beisebol. É melhor ir para outro lugar? — pergunta do outro lado da linha e olho para o campo, estremecendo com a rajada fria que me atinge. — Eu tinha esquecido como faz frio nessa cidade. — resmungo. — Chegamos aí em dois minutos. Finalizo a ligação e sigo com Josie até o campo. Por sorte a neve ainda não está monstruosa, mas, definitivamente, não vamos ficar ao ar livre. Eu não esqueci mesmo como faz frio aqui, mas não lembrava de como é congelante. Nova Iorque é quase uma cidade tropical perto disso. — Josie, a gente vai procurar outro lugar. Não tem a menor chance de ficarmos aqui nesse frio. — aviso enquanto caminhamos, esfregando uma mão na outra. — Gosto desse frio. — ela diz, balançando a cabeça. Não parece estar negando o meu pedido, apenas… me contando que gosta do clima. — E esse parque é incrível. Não dá para acreditar que um terremoto tão violento passou por aqui. Tão fogosa quanto o pai, e eu aqui, congelando.

Josie gosta muito de história. Não tanto quanto de pintura, mas ela gosta de saber o máximo possível sobre os lugares em que está. É muito curiosa, gosta de saber com riqueza de detalhes sobre tudo. Talvez essa seja a maior causa do meu nervosismo. Ela pode virar uma metralhadora de perguntas, soltando tudo até ficar sem ar. Sem brincadeira. — Mãe, você está diminuindo o passo. — ela repreende, começando a andar na minha frente. Avisto Dom assim que nos aproximamos do campo. Ele está encostado nas grades que separam a arquibancada da área de jogo, com o celular no ouvido. Só nos vê quando chegamos bem mais perto e se antes eu estava diminuindo o passo, agora estou ainda mais lenta. Ele tira o celular do ouvido e o guarda na jaqueta virando-se para nós. Respiro fundo uma vez. Duas. Três. Conto até sete lentamente. E então estamos frente a frente. Josie está olhando para ele com um certo encantamento; os olhos arregalados, curiosos, a boca semiaberta, as mãos adoravelmente pousadas nas bochechas. Fico minimamente na sua frente, muito pouco, mas o suficiente para protegê-la caso tenha necessidade. Eu sei que é um pensamento babaca. Me sinto até mal por pensar isso porque Paige garantiu que ele não têm mais problemas com drogas… ele mesmo disse que não usa mais nada, não bebe, não fuma… mas eu não o conheço mais, não sei até que ponto é verdade. Me sinto mal, mas não culpada por estar pronta para proteger a minha filha. Josie pigarreia e me olha sorrateiramente, e percebo que estamos os três parados em silêncio, nos encarando. Dom tem os olhos estreitos e sei que ele sabe que estou na defensiva. Supere isso. — Josie, este é Dominic Dawson, seu pai… Dom, esta é Josephine Lefebvre,

minha… — me corto ao perceber que não fiz Josie com os dedos. — Nossa filha. E então ficamos em silêncio. Ninguém fala nada e fico intercalando o olhar entre eles. Josie parece que vai desabar a qualquer segundo, e Dom não está muito atrás. Está com aquela expressão de que está fazendo um esforço hercúleo para não cair aos prantos. Dom sempre foi muito expressivo. Raramente não dava para saber o que estava pensando, e era mais no começo do namoro, quando ainda estávamos nos conhecendo. Ele sempre foi um livro aberto e eu sempre gostei disso, porque era tão, tão diferente de mim e de tudo o que eu estava acostumada. — Puta merda, então isso é sério. — ele solta ao sussurros, arregalando os olhos. — Desculpa, Fleur, eu estava mesmo achando que era alguma brincadeira de boas-vindas. Josie dá uma risadinha e eu crispo o maxilar, encarando-o incrédula. Brincar sobre uma gravidez? — Ai, meu Deus, ele é engraçado. — Josie suspira, com os olhos lacrimejados e a respiração pesada ao mesmo tempo que eu pergunto: — Sério, Dominic? — não consigo tirar a acidez da voz, mas os olhos de Dom estão em Josie. — Posso te abraçar? — ele pergunta cauteloso para a minha filha, que assente timidamente com a cabeça depois de uma pequena hesitação, me olhando como se pedisse a minha permissão. Dom a abraça rapidamente, sem hesitar, soltando uma respiração pesada, aliviada. Josie não retribui num primeiro momento, parece… desorientada. Olha para mim e eu encolho os ombros, porque estou tão surpresa quanto ela. Não imaginava que Dom tivesse uma reação tão acolhedora. Esperava um homem atordoado, piscando várias vezes sem entender o que estava

acontecendo. Talvez até um pouco de surto, porque é o que Dom faria. Quero dizer, se ele nunca foi de esconder o que sente, então por que está tão tranquilo? Eu apareci com a filha dele depois de anos, a gente não vê isso acontecendo em toda esquina. — O que você acha de irmos para outro lugar? — sugiro. — Um lugar fechado, de preferência. Dom abre um sorriso. É muito sutil e some muito rapidamente, me fazendo pensar que posso estar vendo coisas. Talvez eu esteja. Ou talvez não, não sei. — Na verdade, mãe, eu queria passar um tempo sozinha com o meu pai. Você se incomoda de deixar a gente sozinhos? Você pode voltar para o hotel, se quiser, ele me deixa lá mais tarde. Eu gosto desse frio e o Dom também parece estar legal. — Absolutamente! — Dom concorda com um sorriso muito aberto, parecendo muito satisfeito com a sugestão de Josie. — Vou adorar passar um tempo com você, Josephine. Tem tanta coisa que eu preciso saber. — Josie. Todo mundo me chama de Josie. — diz e me olha cheia de expectativas. — E então, mãe, já podemos ir? Ah, puta merda, Josephine! Esse não foi o combinado. Tudo bem, ela já tinha pedido para ficar a sós com ele, esse foi um motivo muito forte para eu ter escolhido um lugar público e grande. Eu ficaria longe, mas de olho. Agora Josie me vem com um pedido doido desses, querendo que eu os deixe sozinhos? Dom provavelmente continua com zero experiência com crianças… ou uma adolescente, no caso, e quero ficar por perto para o caso de algo ruim acontecer. Não é que eu não confie em Dominic, é só... bom, não sei. — Está tudo bem, Fleur, eu vou cuidar dela. — Dom fala na tentativa de me tranquilizar ao perceber que não gosto da ideia. — Não vou arrastar Josie

para um bar, fica tranquila. — Viu? Ele não vai me levar para um bar. — Josie repete, tentando esconder o riso. — Vai ficar tudo bem, mãe. — Querida, eu imaginava que a gente fosse fazer alguma coisa juntos… — insisto, porque quero ver como são os dois juntos, não ser deixada de fora. — Sabe, nós três. Dom respira profundamente, envolvendo os ombros da Josie. — Queremos um tempo a sós, Fleur, só isso. Tenho certeza que não é pedir muito. — Dom diz bruscamente e o encaro. — Acho que você me deve isso. O quê? — Por favor, mãe. — Josie pede baixinho e eu olho bem para ela. Certo. Posso encarar isso. Ou pelo menos fazer um esforço. Por hoje. — Esteja dentro do meu quarto às dez e meia. — falo seriamente, intercalando o olhar entre os dois. — Se isso não acontecer, vou chamar a polícia. Uou. Ok, essa saiu completamente sem querer e mordo a língua antes que eu acabe falando mais alguma besteira. — Vou devolvê-la sã e salva, fica tranquila. — Dom devolve num tom ácido. — Vá se esquentar, seus lábios estão roxos. Claro que estão, eu estou congelando, droga. Como eles conseguem estar tão bem sendo que eu estou triplamente mais vestida que eles? Mas, tudo bem, eu sei que costumo ser uma pessoa que sofre muito com o frio, por menor que seja. Vejo os dois me dando as costas e se afastarem (não antes de um olhar cheio de desprezo do meu ex) como se estivéssemos num livro. A sensação é igualmente dramática.

Preciso beber.

∆∆∆ Tomo mais um gole do vinho enquanto reavalio o acordo de Logan. Parece viável que Natalie aceite, mas não vou tratar disso por ligação. Ela já sabe que estarei de volta na segunda e que ela é a primeira pessoa que irei procurar quando voltar à Nova Iorque. Logan aceitou o meu acordo depois de muito charme, com a única alteração de que ele não precisará ir a público falar sobre o caso, mas fará uma nota de esclarecimento sobre a conduta moral impecável de Natalie Duncan. A conduta moral dela é impecável? Não, não é, mas isso está fora do meu alcance. O meu celular começa a vibrar e franzo o cenho ao ler o nome do meu chefe no visor. Atendo, colocando o aparelho no viva-voz, voltando a atenção ao notebook. — Ethan, está tudo bem? — pergunto, preocupada. São dez e quatorze da noite de uma quinta-feira aqui em Fairbanks, mas já é madrugada de sexta em Nova Iorque. Não acredito que ele queira ligar para saber como estou. — Fleur, como estão as coisas por aí? Aproveitando o frio do Alasca? — a voz divertida do outro lado da linha me relaxa um pouco e acabo abrindo um sorriso. — Não sou uma grande fã do frio, então a situação não está muito boa. — admito, tomando um gole do vinho. Ele ri alto, se divertindo às minhas custas e balanço a cabeça, me recostando na cadeira. Ethan não parece sonolento, mas não fico surpresa, porque o cara sempre foi de trabalhar muito e dormir pouco. — Eu precisava ter falado com você antes, mas acabei esquecendo… precisei

sequestrar a sua estagiária para me ajudar. O Owen saiu de férias e os outros associados e advogados estão enrolados. Ela disse que Logan trouxe um acordo e como você não está aqui, pedi para que ela me ajudasse. Espero que não tenha problema. Owen é o advogado associado de Ethan. Se formou no ano passado, e embora já possa trabalhar nos próprios casos, ainda está sob supervisão do nosso chefe, ajudando-o no que é pedido. Eu vejo esse menino e lembro de mim quando era a estagiária de Ethan. O cara é rigoroso, e se manteve Owen na firma, com certeza ele o impressionou em alguma coisa. — Não tem problema, Ethan. Eu ia liberá-la amanhã, mas se você precisa dela, espero que consiga te ajudar. — Você foi a minha pupila, Fleur. Se ela sobrevive a você, pode muito bem sobreviver a mim. — brinca. — Desculpe estar te ligando a essa hora, mas só estou saindo agora da firma e as coisas estão uma loucura. Ah, eu sei bem como é ficar até mais tarde no trabalho. Ficar até dez? Já fiquei muito. Ficar até a madrugada? Também. Já virei a noite no escritório? Só duas vezes e foi um pesadelo, hoje em dia volto para casa nem que seja para ter uma hora de sono. Mas é assim que Ethan trabalha e acabei me acostumando com os horários doidos dele. Para Taylor vai ser impossível ficar à noite, já que é quando precisa ir para a faculdade. — Fica tranquilo, chefe. — me endireito na cadeira, fechando o acordo do Logan. — Conseguiu algo com Alexander? Na semana passada fomos ao baile dos Kozitsyn. Alexander Kozitsyn é um diplomata russo que parece estar conspirando com terroristas para invadirem o sistema do governo americano. Na verdade, pelo que Ethan falou, esse trabalho é junto com o FBI, nós seremos os infiltrados porque Ethan é o advogado de boa parte do pessoal do FBI.

Sim, o meu chefe é bom no nível de representar o FBI. Ethan não entrou em detalhes comigo, mas fomos ao baile do diplomata para tentarmos descobrir alguma coisa. Minha responsabilidade foi conversar com Irina, a esposa, e só consegui descobrir sobre traições. Muitas. Mas só. Eu adoraria ter conversado com Ethan sobre isso antes, mas ele viajou no dia seguinte do baile, me deixando curiosa pra cacete. — Bom, não te liguei só para falar sobre a Taylor. — diz o óbvio e eu olho o visor do celular, como se ele pudesse me ver. — Preciso de você para resolver o caso deles. Nós dois trabalhamos muito bem juntos e preciso disso. Sei que você vai entrar de férias e esse período vai estar livre, mas quando voltar, preciso que trabalhe comigo. Isso significa que ele vai me colocar a par do que está acontecendo. Significa também que o meu pescoço pode ficar em perigo, porque lidar com o FBI não é fácil. Principalmente se ele está lidando com diplomatas russos que se intrometem com terroristas. Nada bom. E ainda não entendi muito o fato de Alexander estar com terroristas, mas, novamente, Ethan vai me explicar. — Fleur? — ele me chama e eu pisco, limpando a garganta. — Claro, Ethan. — concordo rapidamente, me ajeitando na cadeira. Ouço duas batidas bruscas na porta. — Cheguei! — Josie grita do outro lado da porta e vejo no visor do celular que faltam três minutos para a hora o horário limite. Então, ouço a porta do quarto dela abrir e fechar. — Fleur, o que foi isso? Está tudo bem? — Ethan pergunta, parecendo preocupado. Estou sentindo um cheiro de merda muito grande.

— A Josie chegou. Ela foi conhecer o pai. Ethan, eu posso te ligar depois? Preciso resolver isso. — peço, mas não espero resposta. Finalizo a ligação enquanto me levanto, indo para o quarto de Josie através da porta conjugada. — Josie, o que está acontecendo? Ela está sentada na ponta da cama, com as mãos no colo e a cabeça baixa. Sua respiração está irregular a alta, e, bom, ela está agitada. — Josie? — chamo novamente, mais cautelosamente dessa vez. Ela ergue a cabeça e os olhos estreitos fixam em mim, com uma mágoa que eu nunca tinha visto antes. — Você foi embora sem falar para ele de mim? E nunca foi atrás dele esses anos todos? — fala baixinho e eu enrijeço a postura. — Que tipo de pessoa você é? Eu passei os últimos quatorze anos te implorando por qualquer coisa dele e você sequer quis ver como ele estava? Eu achava que ele nunca quis saber de mim. Ai, caramba. — Filha, não sei o que ele te falou, mas as coisas não são bem assim. — falo lentamente, esmagando a cabeça de Dom mentalmente. — Você procurou por ele alguma vez? — levanta a voz e eu respiro fundo. Cara, odeio quando levantam a voz, inclusive ela. Principalmente ela. — Procurou? — Melhore esse tom de voz, Josephine. Ainda sou a sua mãe e exijo respeito. — falo baixo, controlada e ela continua me encarando, esperando uma resposta. Eu posso mentir e dizer que não, ou posso dizer a verdade e deixá-la confusa. — Não, eu não procurei o seu pai. Penso em dizer a ela o que aconteceu, penso mesmo, mas isso faria a gente ter que desenrolar coisas que não convém a ela. Preciso conversar com Dom, entender que merda aconteceu antes de falar com a Josie sobre isso. Mas

preciso ter em mente que Josie é muito nova, se tem coisas que nem eu estou entendendo, para ela vai ser ainda pior. Essa é a maior diferença entre Dom e eu. Ele estoura muito fácil e age por impulsividade; eu estouro com a mesma facilidade, mas consigo medir as consequências. Às vezes. Há uma boa consequência em qualquer coisa que acontecer aqui? Não, mas vou planejar isso depois. — Que porra, mãe, eu passei anos te pedindo para… — Olha a boca, Josephine! — corto-a bruscamente, deixando o dedo em riste. — Eu já te disse que vamos conversar sobre o que aconteceu depois do casamento porque não quero intrigas na cerimônia da minha amiga. Controle o seu temperamento e essa boca suja agora! Ela não responde. Se levanta e sai pisando duro até o banheiro. Coloco as mãos na cintura, sentindo o corpo mole. Não consigo acreditar que Dominic, em poucas horas sozinho com a minha filha, já tentou jogá-la contra mim. — Josie... — chamo baixo, dando duas batidas na porta. — Vem aqui fora, vamos conversar. — Sai daqui, mãe! Eu te odeio, não quero falar com você. — grita e pelo tom, sei que está chorando. Inferno. Josie nunca disse que me odeia. A nossa relação tem ficado esquisita, mas ela nunca, nunca disse isso. Um encontro com Dominic e olha o caos. Meu coração se parte em milhões de pedacinhos, porque nenhuma mãe quer ouvir da filha que a odeia, estando de cabeça quente ou não. Dominic, seu filho da puta! Volto para o meu quarto, pegando o meu celular, discando o número dele.

Como era de se esperar, o covarde não atende a ligação, caindo na caixa postal. Espero o bipe para falar: — Não acredito que você já conseguiu estragar tudo, Dom. Josie é a minha filha, não tente fazer a cabeça dela contra mim. Você não vai querer se meter comigo, seu filho da puta. Finalizo a ligação, jogando o celular na cama. Respiro fundo, contando lentamente até sete. Logo vou ter tudo sob controle e vou resolver tudo com calma. Isso. Estou calma. Neste momento, eu sou a própria imagem da serenidade. Só estou tranquila porque vou acabar com o meu ex.

09 Fleur

para Josie. Para Paige e Jus. Para os poucos convidados que estão no O lho salão. Por penúltimo, para Dom. Por último, para Melissa alguma coisa, a fotógrafa-barra-acompanhante de Dom. Você deve estar imaginando que estou incomodada com ela ou com ele, mas não estou. Por favor, se passaram anos desde o nosso namoro, não é como se eu esperasse que ele estivesse sozinho. Só porque eu estou sozinha, não significa que ele tenha que estar também. Se me deixa surpresa o fato de ela ser fotógrafa, modelo e uma gata? Isso eu não posso negar. E não posso negar, também, que parece que Dom sente atração por mulheres baixinhas, porque ela é praticamente do meu tamanho. Se for mais alta, é pouquíssima coisa. A única coisa que me incomodou? Quando fomos apresentadas, ela soltou um “então você é a famosa Fleur Duboc? Dom já me falou muito sobre você”. Isso só serviu para me deixar curiosa sobre o que Dominic vinha falando sobre mim. Espero que não com o mesmo vitimismo que usou com Josie. Ah, mas ele vai me pagar por isso. E caro. — Parece que você quer matar a Mel, mãe. — Josie sussurra em meu ouvido, com um sorrisinho angelical.

— Não sei do que está falando. — dou de ombros, voltando a olhar para Paige, que me olha do centro da mesa com um sorriso quase maldoso. Vaca. — Mas ela é muito bonita. Parece com as Barbies que eu tinha. — Josie continua, olhando encantada para Melissa. Ou Mel, como ela prefere ser chamada. — Ela não é muito bonita, mãe? Conheço o olhar que ela lança para mim. Ela está querendo alguma coisa. Arrancar alguma reação minha. Não comigo, filhinha. — Isso não vai acontecer, Josie. Pode desistir. — Qual é, mãe, você pode falar que o Dom é um gato. Se você não fizer alguma coisa a respeito, vai ficar para titia. — Não fico para titia há quatorze anos, Josie. — devolvo, divertida, arqueando a sobrancelha para ela, ignorando o incômodo de Josie tentando me jogar para cima de Dom. É bom aproveitar esse clima leve com Josie. Depois de sentar mais cedo para conversar com ela e deixar claro que não admito xingamentos e que ela precisa aprender a medir as palavras que podem magoar as pessoas só porque ela está de cabeça quente, ela entendeu a situação e pediu desculpas algumas vezes, parecendo muito arrependida. Claro que deu para ver que ela está confusa com toda essa história e está tomando muito de mim ficar adiando isso. Paige pediu para eu contar ao Dom sobre a Josie antes do casamento, mas sentarmos para conversar só depois para não acabarmos submetendo o casamento num drama desnecessário. Acabei concordando, porque sinto que devo isso a ela. Não posso culpá-la,

Dom e eu sempre atraíamos atenção quando estávamos brigados, mais por ele ser um teimoso cabeça quente do que qualquer outra coisa. Não preciso dizer que está sendo um inferno ficar postergando isso, não é? — Você entendeu. — refuta com um sorriso e eu tento ao máximo conter a felicidade em estar conseguindo ter uma conversa tranquila com ela. — Mas eu não retiro o que eu disse, só para você saber. Olho para Dom, que está na mesma mesa que os noivos, sentado ao lado de Jus. Ele ri de alguma coisa que o amigo fala e eu desvio o olhar para Paige. Qual a necessidade de um sorriso tão bonito? O jantar de ensaio segue na paz e tranquilidade que deve ser. Tenho conseguido evitar conversas e olhares com Dom como Delphine foge de relacionamentos, o que é uma grande vitória. Só preciso continuar com isso até a festa de casamento e pronto, depois posso soltar os cachorros para cima dele. Isso é o que me dá paz no coração. — Delph já está te esperando lá fora, filha. — aviso, sem tirar os olhos do celular. — Não posso mesmo ir com vocês? — pergunta pela centésima vez, fazendo beicinho. — Para uma despedida de solteira? Não mesmo. — respondo aos risos, me levantando. — Vamos, Paige já está dando sinais de que vamos sair. — Está bem, deixa só eu me despedir do Dom. Ela não espera a minha resposta. Sai apressadamente para falar com ele, que se levanta para abraçá-la. Josie aponta para mim e os dois me olham, e eu logo trato de olhar para qualquer outro buraco, fingindo estar absorta demais para prestar atenção neles.

Josie volta e logo vou deixá-la com a tia. Delph agora está inteiramente responsável pela minha filha e até alugou um carro para terem mais liberdade para uma noite de tia-e-sobrinha. — E aí, sis, como estão as coisas por aí? — Delph pergunta enquanto Josie entra no carro, e sei bem do que ela está falando. — Ela está fugindo dele. — Josie responde por mim, balançando a cabeça. — Ah, qual é. A Josie disse que ele está um gato. Qual o problema de tirar uma casquinha? Fecho a porta, inclinando o corpo para olhar bem para as duas. — Juízo, vocês duas. Não façam nada que eu não faria. — Não somos nós quem vamos perder a linha numa despedida de solteira. — Delph debocha, piscando. Ai, por favor. Observo as duas se afastarem, acenando como se elas pudessem me ver. Quando giro o corpo para voltar para o salão, vejo Dom se aproximando. Não dá para pegar outro caminho, então vou precisar enfrentar isso. Ele para de frente para mim, enfiando as mãos nos bolsos da calça social. Josie está certa, ele é muito bonito. Pode ser com roupas que parece que achou no achados e perdidos ou como está agora, com colete e terno pretos, a camisa branca; os cabelos penteados para o lado e agora com ele tão perto, não consigo fugir do cheiro gostoso. Não de colônia, mas de loção corporal. Ou xampu, não sei, mas que cheira bem pra caramba. — Quase estou achando que você está fugindo de mim. — murmura com um sorriso contido. — Preciso ir, Dom. Paige está me esperando. — passo por ele, mas ele segura o meu braço, me impedindo de continuar andando. Ele me puxa para

fora, me encostando numa parede, uma mão ao lado da minha cabeça, a outra pousada na cintura. Não há um mínimo resquício de humor no seu rosto e eu preciso dizer que ele todo sério assim é excitante pra merda. — O que você acha que está fazendo? — Eu não sabia que Josie não sabia de nada, Fleur. Pensava que você tinha dito como terminamos, então só contei a verdade. A verdade. Filho da puta. Faço um som de desdém e faço menção de sair, mas ele me segura e me joga contra a parede novamente, mais forte dessa vez. Crispo os lábios para não soltar nenhum resmungo, lamentando o fato de não ter uma visão laser para acabar com esse rostinho bonito. Seu maxilar tensiona e relaxa enquanto ele estreita os olhos, parecendo estar fazendo um grande esforço para manter a calma. — Você não vai fazer isso aqui, Dominic. Não estou brincando. — Por que estamos em público? Ótimos, vamos para um lugar reservado, então. — Não vou fazer isso antes do casamento, caramba. Não vou estragar o momento deles e você devia tentar fazer o mesmo, padrinho. — Fleur, você sumiu por quatorze anos e me aparece com uma filha agindo como se isso não fosse nada demais. Quando você vai aprender que ficar adiando as coisas não é a melhor solução? — fala duramente, em voz alta, com o dedo em riste no meu rosto. — Não aja como se você fosse a dona da verdade, porque até agora você só tem sido a porra de uma sem noção. — Chega, porra! — levanto a voz e crispo os lábios, me recompondo. Aproximo o meu rosto do dele, não gostando de ter gostado do cheiro de menta que sai dos seus lábios. — Já disse que não vou criar caso e você vai respeitar isso. Estou tentando não ser escrota e estragar o clima de casamento

dos nossos melhores amigos. Eu prometi isso à Paige e vou cumprir, queira você ou não. Ele não responde. Crispa o maxilar, me encarando puto. Tomo isso como a minha deixa para sair e volto para o salão, encontrando Paige, seu sorriso morrendo ao ver a minha cara de poucos amigos. — Não foi nada. — respondo antes que ela pergunte. — Vamos? Essa é a sua noite e nada vai estragar isso. Nem mesmo Dominic.

∆∆∆ Passamos as últimas duas horas no cassino. Para o meu desgosto, Paige decidiu que queria jogar ao invés de ir a algum clube de strip ou qualquer coisa parecida. Passei a semana inteira sonhando com homens tirando a roupa, mas ganhei fichas de jogos sendo que eu nem sei jogar. Não se pode ter tudo nessa vida. Depois de perder no início, minha amiga acaba em uma mesa cercada por uma multidão enquanto aproveita sua maré de sorte no amor e azar no jogo. Sua adrenalina está a todo vapor, e posso sentir a alegria dela mesmo só tendo perdido. Como pode uma coisa dessas? Estamos em quatro: Erin, que é a madrinha e amiga da faculdade de Paige; Paige, nossa querida noivinha; Melissa, fotógrafa-barra-acompanhante de Dom; e eu, amiga-desde-muito-tempo. Todas já bebemos pra cacete e, honestamente, estou mais do que pronta para liberar um pouco de energia do álcool e do estresse do trabalho e de Dom na pista de dança no andar de baixo. A batida energética de Don’t cha da

Pussycat Dolls preenche o clube está reverberando pelo meu corpo. Encho mais um copo de tequila, cantarolando e tentando não desequilibrar a garrafa enquanto me remexo ao som da música. Mel ergue o seu copo vazio na minha direção e eu o encho. Ela parece tão a fim de dançar quanto eu, e por mais que possa ser estranho, estou quase puxando-a para a pista, porque só Erin está animada com o jogo de Paige. Erguemos nossos copos num brinde silencioso e tomo a minha tequila, sentindo-a descer como água, num claro sinal de que já tive a minha cota de álcool. Fico sentada na cadeira, me remexendo inquieta ao som da música, mas quando Rihanna começa a cantar Don’t stop the music, é o ápice. Adoro Rihanna. Se há uma mulher que eu beijaria sem hesitar, essa mulher é Rihanna. — Vai dançar. — Paige grita para mim com os olhos fixos no jogo. — Você adora a Rihanna, te encontro lá embaixo assim que acabar aqui. Ela não precisa falar duas vezes. Levanto da cadeira, agarrando a mesa, ficando paradinha por alguns instantes para ter certeza de que meus pés estão fixos no chão. Mel faz o mesmo e eu a encaro aos risos, porque a cena dela com as pernas dobradas e braços abertos é terrível. — Eu vou com você. Não aguento mais ficar aqui em cima. — ela grita e eu assinto com a cabeça, cantando tão bem quanto Rihanna. Fazemos o nosso caminho para o andar de baixo e passamos entre a multidão em movimento. Era isso que eu queria desde o começo: corpo no corpo, gente suada, música alta, dançar como não faço há anos, beber até esquecer quem sou eu. Mel está ao meu lado e logo estamos dançando juntas, numa cena que não sei se é sensual ou ridícula. Estou pendendo muito para a segunda opção, mas quem liga? Depois de algumas músicas, um homem se aproxima dela, e como ela parece

receptiva, essa é a minha deixa para me afastar. Preciso afastar alguns caras, porque tudo o que quero agora é dançar. Não sei quando vou ter essa oportunidade de novo e não vou deixá-la passar. Não sei quantas músicas passaram até Akon começar a cantar Smack that. Olho ao redor e sei que estou bêbada pra caralho; o local com pouca luz, apenas as brilhantes não me ajudam muito a enxergar, e muito menos a fumaça. Alguém que parece ser Melissa está beijando, mas esse outro alguém parece ser uma mulher. A noite de alguém está feita, pelo menos. Jogo os braços para cima e giro os quadris no ritmo da música, deixando a inundação musical correr em mim. Eu canto a minha parte favorita. “I feel you creeping, I can see you from my shadow. Wanna jump up in my Lamborghini Gallardo. Maybe go to my place and just kick it like Tae Bo. And possibly bend you over, look back and watch me. Smack that, all on the floor, smack that, give me some more”. Logo a música acaba e um remix sensual de Crazy in love à la 50 tons de cinza começa a tocar, e os gritos tornam-se ensurdecedores. Nunca assisti o filme, não vou mentir. Li os dois primeiros livros, mas por algum motivo, não cheguei a ver Jamie Dornan em toda a sua glória. É triste, eu sei. Passo as mãos pelo corpo, cantando junto com Beyoncé, mas toda a sensualidade vai embora quando sinto mãos deslizarem ao redor da minha cintura e me puxar para trás. Ah, porra, não se pode curtir uma balada em paz? Antes que eu consiga me virar para acertar o nariz do abusado, uma voz muito familiar ecoa em meu ouvido:

— Você está ainda mais gostosa do que eu me lembrava. Dominic. Dominic? O que ele faz aqui? Ele não deveria estar na despedida de solteiro do Jus? Olho para frente e vejo Mel com um sorriso diabólico no rosto, assentindo com a cabeça enquanto sai com a mulher desconhecida. Eu deveria me afastar? Sem sombras de dúvidas. Eu me afasto? Não mesmo. Infelizmente o álcool me faz gostar desse contato e ignorar que estou puta com ele. Então, relaxo nos braços de Dom, me sentindo quase nostálgica em como as curvas do meu corpo cabem tão bem contra as arestas do seu, e fecho os olhos à medida que começamos a nos mover juntos. Cada movimento deixa a minha pele arrepiada e o meu interior em chamas. Cada nervo do meu corpo está em sintonia com a sensação dele contra mim. Suas mãos estão passeando, reconhecendo as linhas do meu torso. Pedindo, agarrando, atraindo. Seus quadris se movem sensualmente com os meus, a sua ereção me tentando com cada movimento. Dom me vira para encará-lo, suas mãos me forçando a fazer o que ele quer. Me desperta. Me tenta. Me hipnotiza. Meus braços envolvem seus ombros e minhas mãos puxam sua cabeça para que eu possa fazer o que estou desejando desde que o vi com aquela maldita roupa puída no Boatel: um beijo. A ferocidade com que ele me recebe chega a machucar meus lábios, e sua língua explora minha boca com movimentos agressivos e profundos. Ele agarra a bunda e me puxa com força ainda mais em sua direção, colando os nossos corpos e fazendo meus pés saírem do chão. E então, cedo demais, se afasta.

Eu sei que esse é o momento que eu deveria cair em mim e ver a merda que estou fazendo, mas isso não acontece. Posso culpar a bebida, a música, qualquer coisa, mas estou absorta demais na nuvem de luxúria que Dom me coloca, e tudo o que consigo pensar é: preciso que ele me coma. Parecendo adivinhar meus pensamentos, ele volta a atacar minha boca com um propósito definido, destruindo todas as esperanças de autodisciplina. Então, começa a distribuir beijos pela minha bochecha, indo até o meu pescoço, com beijos, mordidas e lambidas, subindo até o meu ouvido, sua respiração fazendo absurdos com a minha calcinha. — Puta que pariu, Fleur. Essa é a última chance que eu tenho de agir com a consciência e ser uma mulher responsável, mas adivinhe só? Eu aproximo o rosto do seu ouvido, mordiscando o lóbulo de sua orelha antes de praticamente implorar: — Me tira logo daqui.

10 Dominic

nos tornaremos marido e mulher. Paige, você é o presente mais — H oje bonito que Deus me deu, e agora que vamos dividir nossas vidas, meus dias serão cheios de alegria ao teu lado. Prometo te proteger de cada barata que tirar o seu sossego e cada aranha que cruzar o seu caminho. Na riqueza e na pobreza, te prometo que em nossa casa sempre haverá um chinelo e um tubo de inseticida para que você viva em paz e não precise ficar subindo em nossos móveis. Não apenas os convidados estão rindo, mas Paige também. Rindo e chorando ao mesmo tempo. Olho para Fleur, que desvia o olhar rapidamente para os noivos, piscando enquanto passa os dedos pelos cantos dos olhos. Balanço a cabeça, sabendo que vou ter um longo caminho pela frente com essa mulher. Me deixe explicar a situação: a despedida de Jus estava sendo num bar. Ele pediu, eu cuidei para que isso acontecesse mesmo que os caras quisessem uma boate de strip-tease. Estava tudo correndo bem até Mel me mandar uma mensagem de que as garotas estavam numa boate ali perto e que Fleur precisava conversar comigo. Urgentemente. Eu, como um bom otário, acreditei e fui, achando que resolveríamos logo esse sumiço dela todos esses anos, porque a história está difícil de engolir até agora. Cheguei na boate e liguei para Mel. Ela estava se divertindo com uma mulher e gritou para mim para que eu cuidasse de Fleur, porque Paige já tinha ido

embora. Fleur estava embriagada. E estava gostosa. Não um gostosa tranquilo, um gostosa que só me fazia pensar em fodê-la. Eu estava sóbrio, mas me senti embriagado de tesão, se é que isso existe. Eu estava muito perto de tirá-la dali apenas para tirar a porra do tesão que tem tirado o meu sono desde que a vi no Boatel, mas quando ela veio com aquele papo de irmos embora com aquela risada maluca, soube que ela estava perto de apagar. Parece que essas foram as palavras que me tiraram da nuvem de tesão que eu estava e me fez acordar para o fato de ela estar bêbada, e não uma bêbada tranquila, mas uma que teria uma boa ressaca. Lembranças. Parece que ela não mudou tanto quanto eu tinha imaginado. Tirei-a da boate, tentando não ceder aos beijos dela, pensando na verruga da professora de geometria da época do colegial, mas foi entrarmos no carro e aconteceu o que eu já sabia: vômito, choro e apagão. Exatamente nessa ordem. Foi como ter um vislumbre da verdadeira Fleur, não no sentido de estar bêbada, mas por falar coisas que ela não diria se estivesse sóbria. Algo como traição, me odiar, odiar alguma mulher que ela não disse quem era, ou até disse, mas estava com a fala tão embolada, que eu não entendi. Fomos para o hotel que ela está hospedada e por sorte Josie já estava dormindo. Delph ficou grata pela minha ajuda, mas não parecia feliz em me ver. Como se ela não tivesse me visto nos últimos anos. Ela parecia bem mau humorada, mas não abriu uma brecha para conversa, só disse que precisava cuidar da irmã, e eu me lembrei que precisava cuidar do carro, porque era da minha mãe, para começo de conversa. Ela iria me matar se soubesse que seu precioso estava sujo e que tinha sido Fleur quem havia feito a proeza. Digamos que Norah Dawson não é mais uma grande fã da minha ex. — Estou quase me arrependendo de ter escrito algo bonito. — Paige

resmunga aos risos, causando a risada dos convidados, também. — Que privilégio dividir a vida e esse altar com você. Passei as últimas semanas tentando encontrar as palavras certas pra dizer o óbvio: eu te amo. Você é meu melhor amigo, meu confidente, dono dos meus melhores sorrisos, parceiro nos meus maiores sonhos e agora meu marido! Você é sempre um dos caras mais altos dos ambientes e me apoia mesmo quando eu quero fazer algo maluco e tudo mundo acha que é impossível de conseguir. Você me fez gostar de super-heróis e me fez acreditar no amor. Você dança comigo sem música, aceita minhas mudanças frequentes de opinião e respeita quando eu peço uma pipoca grande e não como nem metade. Chegar em casa e saber que vou dividir o quarto, os sonhos e a vida com você é maravilhoso. Estamos construindo um mundo juntos: com respeito, admiração, aprendizado, conversas e um prazer real em compartilhar essa aventura diária que é fazer morada no outro. Meu norte agora tem um nome: o seu. Você é a direção pra qual eu corro nos meus piores e melhores momentos. Você é meu equilíbrio e nosso amor é o meu milagre. Eu te amo. À essa altura, não sei quem chora mais, Paige, Jus ou os convidados. Até eu estou fazendo um grande esforço para não acabar aos prantos. Incapaz de me controlar, acabo olhando para Fleur mais uma vez. Cacete, ela está linda. Sempre foi, mas parece que os anos só lhe fizeram bem. Os cabelos, antes curtos, estão batendo um pouco acima dos ombros. Ela nunca foi muito fã de exagerar na maquiagem, e parece que isso a deixa ainda mais deslumbrante. Seu vestido? Puta merda, quero tirá-lo. Contraditório, eu sei, mas é tentador. Eu sempre disse que vermelho era a sua cor, e isso não mudou. Não consigo parar de olhar para ela. Não sei porquê, mas desde que a conheci, sempre houve essa… essa coisa que me deixa fissurado nela. Tenho quase certeza de que isso soa estranho, mas parece que isso não mudou mesmo depois de tantos anos. E isso é ruim pra caralho.

Ela me olha vez ou outra, mas desvia rapidamente ao perceber que minha atenção está nela. Se remexe, olha para o teto da igreja, para trás, para os noivos, para Josie. Parece que alguém também está afetada.

∆∆∆ É agora, porra. Estando eu preparado ou não, ser padrinho acarreta a responsabilidade de fazer um discurso. E, cara, isso vai ser uma loucura, porque eu nunca gostei de ficar na frente dos holofotes. A minha preferência sempre foi ficar por trás das câmeras. Tanto, que fiz disso a minha profissão. Bato algumas vezes na taça com o talher, me levantando da cadeira, limpando a garganta desconfortavelmente ao perceber que as pessoas estão fazendo silêncio para me ouvir. Porra, por que eles precisavam conhecer tanta gente? — Para quem não me conhece, sou Dominic, amigo e padrinho dos noivos. — limpo novamente a garganta, segurando a taça. — Paige e Jus, meus afilhados! Encontrar as “melhores palavras” para as “melhores pessoas” pode parecer fácil, mas só parece. Mais que uma honra, é uma grande responsabilidade falar em nome da amizade e do amor, para um casal tão especial. Não sabemos ao certo o que nos leva a encontrar o “grande amor” e as “grandes amizades” da vida. Alguns acreditam que seja simples obra do acaso. Uma espécie de sorte, que brilha para alguns e se apaga para outros. Para mim, essa visão é muito simplista. Ouço uma risadinha de Paige e acabo fazendo o mesmo, porque ela é muito cética para acreditar em destino, acaso, ou essas coisas, mas surpreendentemente, acredita que Jus é o seu acaso. O único. Precisei me desdobrar para fazer um discurso que seja sentimental para ambos, já que Jus

acredita, sim, no destino. E muito. — O acaso tem sua importância, mas são nossas atitudes que fazem a vida acontecer. A vida só é acaso para quem se recusa a viver. Para quem se nega a colocar um sorriso no rosto, para quem não busca o que de melhor a vida tem a oferecer. Esta cerimônia, este casamento, esta reunião de familiares e amigos, vocês dois juntos. A família que vão constituir. Nada disso é por acaso. Tudo que estamos vivendo hoje é uma verdadeira obra de arte, assinada por vocês. Para finalizar, preciso dizer o óbvio: mais do que na escolha das amizades, você foi um gênio na escolha da esposa. Além de linda, a Paige te ama, te respeita e te aceita exatamente como você é. Ela ri com os outros das suas piadas engraçadas e, o mais importante, ri sozinha das suas piadas sem graça. Então, não estranhe se um dia vocês brigarem e, como de costume, eu ficar do lado dela. Vocês nasceram um para o outro e, já que me escolheram como padrinho, têm a minha bênção. Contem comigo para tudo nessa vida. Serei amizade. Serei família. Serei o que vocês precisarem. Para sempre. Amo vocês! Um brinde aos recém-casados. — ergo a taça, seguido dos convidados. Preciso me sentar, porque me sinto completamente sem forças. Passei meses decorando esse discurso, e minha mente está tão embaralhada que nem consigo pensar direito, nem para me perguntar se consegui falar tudo sem gaguejar. Na minha cabeça saiu tudo bem bonito e com uma dicção de causar inveja, mas nunca se sabe. Abandono a taça de champanhe e pego a taça com suco, fazendo uma careta, desejando que isso fosse algo mais forte, e olho para Fleur. Ela está me encarando, séria, e por um milagre, não desvia o olhar. Mas há algo ali, algo que eu deveria saber o que é e o motivo de estar ali, mas, se ainda a conheço um pouco, só sei que ela está… magoada? Posso estar vendo coisas por causa da nossa distância, mas posso jurar que

seus olhos estão marejados. — Você foi muito bem, Dom. Parabéns. — Mel sussurra enquanto passa por mim, dando tapinhas em minhas costas. — Tenho fotos magníficas, você vai adorar, padrinho babão. E você não gaguejou, pode ficar tranquilo. Mantenho os olhos em Fleur, esvaziando a taça, e então ela pisca, balançando a cabeça e falando algo para Josie, se levantando e saindo do salão. Olho para Josie, que também está observando a mãe sair e então olha para mim. E vem até a mim. — Você estava se declarando? — pergunta, curiosa. — O quê? — franzo o cenho. — De onde tirou isso, querida? — Qual é, Dom, ela pode estar sozinha, mas está sempre arrancando suspiros dos homens por aí. Ela é linda, não é? Hum. — Claro. — concordo secamente e Josie parece perceber isso. Ela parece muito ligada nessas coisas para alguém da idade dela. — Você estava olhando para ela do jeito que o William Traynor olha para Louisa Clark quando percebe... — ela suspira e eu inclino a cabeça. — William... quem? — pergunto, genuinamente confuso, e Josie suspira dramaticamente, colocando a mão no meu ombro. — Você devia fazer alguma coisa. Mamãe não vai ficar sozinha para sempre, sabia? E ela é muito legal para você deixar passar. — Não sei do que você está falando, linda. — pelo amor de Deus, que papo de doido é esse? — O discurso foi para Paige e Jus, só isso. Ela cruza os braços com um sorriso debochado, e posso jurar que costumo fazer a mesma coisa quando sei que estou certo. Mas, neste momento, eu estou certo. Não Josie.

— Se fosse um discurso para os noivos, você teria olhado para eles. — E eu não olhei? — Dom, foi um lindo discurso. Obrigada por não ter trocado os nossos nomes pelo da Fleur. Deve ter sido um grande sacrifício. — Paige se intromete, me fazendo levantar e me abraça apertado. — Deixa de ser otário. Não sei o que houve entre vocês, mas se você magoá-la de novo, arranco suas bolas. — sussurra e se afasta com um sorriso angelical. — Eu não magoei ninguém. — movo os lábios, de costas para Josie para que ela não possa ver. — E eu não sei mesmo do que vocês duas estão falando. Se é um complô, é melhor pararem. — Fique tranquilo, tudo foi gravado. Te mando uma cópia e você vai poder ver. Ela me dá um beijo na bochecha e se afasta, sem me dar a digna chance de uma resposta. Josie está com um sorriso estranho no rosto e eu balanço a cabeça, beijando o alto da sua cabeça. Com o espaço vago ao meu lado, ela se senta comigo. Josie é uma garota muito bonita. Esteticamente ela é muito parecida com a família de Fleur, especificamente a parte paterna. Ela me disse que nunca conheceu os avós, então imagino que a briga provavelmente foi por causa da gravidez. Possivelmente também, depois disso, ela abandonou o sobrenome do pai (Duboc), para não “manchar o sobrenome da família”. É apenas uma suspeita. Parece que essa família não saiu do século 19. Talvez 18. Os pais de Fleur nunca gostaram de mim. Na opinião do diplomata e da ex-modelo (e a mais falsa filantropa que eu conheci), eu não tinha dinheiro o suficiente para ser digno da filha mais nova deles, e quando souberam do meu vício, colocaram até seguranças para impedir que eu visse a minha própria namorada.

Que fique claro, o meu problema com eles não era por eles não gostarem do meu vício. Era justificável que eles ficassem preocupados. Mas o medo deles era que saísse na mídia que a garotinha deles namorava um drogado. Palavras deles, não minhas. Foi Fleur quem foi embora, e não vou admitir ficar levando a culpa sendo que eu fiquei sofrendo que nem um cachorro abandonado achando que ela pensava da mesma forma que os pais. — Querida, preciso ir lá fora resolver uma coisa. Você me espera aqui? — olho para Josie, que concorda com a cabeça, voltando a atenção ao celular. Não penso duas vezes antes de sair pelo mesmo rumo que Fleur, encontrando um jardim. Há poucas pessoas aqui fora, mas a maioria são casais namorando. Olho de um lado para o outro, sem deixar de caminhar, e avisto Fleur de costas, sentada num banco. À medida que me aproximo, vejo um pequeno lago. Paro atrás dela, observando-a. Seus ombros sobem e descem e ela estremece. Não é para menos, ela sempre foi uma pessoa que sofre com a mínima caída de temperatura, e considerando que ela não está com um blazer, um terninho, nem nada, não duvido que esteja congelando. Tiro o meu terno, colocando em volta dos ombros dela. — Puta! — ela exclama, tendo um sobressalto, mas não faz menção de rejeitar o terno. Ao me reconhecer, fica em silêncio. Ok, estou um pouco perdido aqui. Depois do meu encontro com Josie, ela deixou uma mensagem agressiva no meu correio de voz; no dia seguinte nós teríamos transado se ela não estivesse tão bêbada; agora ela age como se eu fosse um carma na sua vida. Me sento ao seu lado e ela não se move, continua olhando o lago, muito séria para alguém que está no casamento de uma grande amiga. Fico em silêncio também, torcendo para ainda conhecê-la. Se algo a incomoda, ela vai falar.

— Você não devia ter aberto a boca para a Josie, Dom. — fala baixinho e a encaro. — Eu estava esperando o momento certo para falar com ela sobre o que aconteceu entre a gente. — Eu não sabia, Fleur. Ela perguntou e eu achei que só queria saber o meu lado da história. — digo honestamente. — Como eu iria saber que você nem mesmo falou de mim esses anos todos? É, no mínimo, muito estranho. — Você queria que eu tivesse dito que o pai dela foi um safado que não conseguia se contentar com uma boceta só? O quê? Pisco, tentando entender o que Fleur está falando, como se eu a tivesse traído. Porra nenhuma! — Você ficou maluca, porra? — giro o corpo em sua direção. Fleur está balançando a cabeça e murmurando algo para si mesma, parecendo transtornada. — Fleur, me responde, cacete. De onde você tirou essa ideia? — Ah, não, a gente não vai fazer isso. — ela se levanta e eu faço o mesmo. — Não vamos discutir isso em público. — Porra, você diz que eu te traí e espera que eu aceite a sua vergonha de resolver problemas em público? Não me importa, você não pode soltar uma merda dessas e ir embora porque se acha superior ao resto do mundo. — Não aja como se você fosse o santo da história, Dominic. — fala baixo, e olha para os lados. — Eu já disse que não vou discutir isso em público. Ela vira as costas e dá dois passos, mas esse é o meu limite. Tenho tentado ser o cara legal e paciente, respeitar o espaço dela, mas não vou admitir que ela coloque em mim a culpa de ela ter ido embora. Seguro o seu braço e ela se vira para mim puta pra cacete. E muito sexy, também. Fleur furiosa chega a ser engraçado, primeiro pelo seu tamanho,

depois porque ela faz uma cara muito fofa de quem poderia arrancar as minhas bolas se isso fosse permitido. — Me solta, Dom. Agora! — ordena, furiosa. Ah, ela está muito indignada. Infelizmente, eu não estou muito atrás. — Eu nunca te traí, Fleur. Não coloque em mim a culpa por você ter sido uma covarde. — Então agora eu fui uma covarde? Você me deixou sozinha, seu filho da puta. — Não tente me manipular, porra. Se você quis seguir o conselho da sua mãe e ir embora, seja mulher o suficiente para admitir isso. Eu devia suspeitar que ela conseguiria fazer a sua cabeça, ela sempre conseguiu, não é mesmo? O que acontece a seguir é um pouco confuso: o rosto de Fleur se desfigura em ódio puro e ela me xinga de todos os nomes inimagináveis enquanto avança na minha direção, dando socos em meu peito. — Porra, o que você está fazendo? — chio, tentando segurá-la, mas ela joga o corpo para frente, me fazendo desequilibrar. E é aí que nós caímos no lago. Ótimo. Era tudo o que eu queria que acontecesse numa festa de casamento. O lago é mais fundo do que eu imaginava. Meus braços e pernas precisam trabalhar caso eu queira me manter na superfície. Tusso algumas vezes, balançando a cabeça e passando a mão pelo rosto para conseguir enxergar. Algumas pessoas estão se aproximando, formando uma pequena multidão, e procuro por Fleur. Ela está logo ao meu lado, passando as mãos pelo rosto enquanto tosse quase descontroladamente. Provavelmente ela engoliu mais água do que eu.

— Qual é o seu problema, Dominic? — ela rosna, trêmula, jogando água em mim. — Foi você quem avançou em mim, droga! — refuto, jogando água nela de volta. Maturidade? Passa longe. — Ai, meu Deus! — Josie exclama boquiaberta, não sei se chocada ou querendo rir, seguida por Paige e Jus. — O que aconteceu? Jus é o primeiro a começar a rir. Se eu não estivesse tão puto pelo motivo de estarmos no lago, eu estaria gargalhando. Os cochichos e risadinhas da nossa plateia parecem incomodar a minha ex, porque ela me dá uma última olhada antes de sair do lago, recebendo a ajuda de Jus, e eu vou logo atrás dela. Suas bochechas estão levemente manchadas de preto, e isso me faz querer rir. Mas, como Paige não parece muito feliz, eu acabo ficando quieto. Estou tentando, pelo menos. — Imbecil. — Fleur resmunga enquanto eu tento bravamente conter a risada. É uma droga rir de qualquer coisa, eu sei. — Isso é tudo culpa sua. — Você bancou a louca. Nem vem. — me defendo, gesticulando exageradamente com as mãos. Estou encharcado, e ela está tremendo pra cacete. Fleur tira o meu terno impacientemente, jogando-o na minha direção. — Você é um babaca que não assume a responsabilidade pelas merdas que faz. — aponta o dedo em minha direção. Sabe o resquício de paciência que a gente costuma ter quando a situação já não está muito legal? Ela acaba de sair de mim e correr para longe. — Eu nunca te traí, porra! — grito, puto, e todos parecem ficar num silêncio mórbido. — Se você vai tentar jogar as suas merdas na minha cara, faça de uma vez, mas não venha com historinhas ridículas pela metade e sem

cabimento algum. Fleur fica ereta. Seus olhos estão arregalados e o peito sobe e desce irregularmente. Não sei de onde diabos ela tirou a ideia de que eu a traí, mas isso não aconteceu. Pelo amor de Deus, se ela me pedisse para arrancar os olhos, eu o faria só para fazê-la feliz, e o fato de ela ficar falando essas merdas me emputece pra um caralho. Ela pisca algumas vezes como se para espantar as lágrimas e então olha para Josie e a multidão que atraímos. — Vamos embora, Josie. — ela fala baixo, passando a mão pela testa. — Ah não, mãe, a Paige ainda nem jogou o buquê. — Agora! — levanta o tom de voz, e Josie crispa os lábios, intercalando o olhar entre Fleur e eu, e, por fim, concordando com a cabeça. Josie já me disse que Fleur é um pouco rígida demais com ela, e não passou despercebido como a minha filha (filha. Eu tenho uma filha. Loucura!) parece ser tão carente de carinho. Isso não é bom. Fleur se aproxima de Paige e fala alguma coisa para ela, que balança a cabeça, séria. Segura as mãos de Jus, limitando-se na despedida para não encharcá-lo também. E vai embora. Sem olhar para trás. Fico parado como um imbecil, observando-a se afastar. Logo a multidão também se esvai, ficando apenas Jus e eu. Passo as mãos pelos cabelos, incrédulo com o que acabou de acontecer. — Você traiu a Fleur? — pergunta, muito sério e eu juro por Deus que teria quebrado a cara dele se não fosse o seu casamento. — Claro que não, porra. — respondo mal humorado, tão puto que sinto os

olhos começarem a arder. — Essa mulher continua conseguindo me tirar do sério, puta que pariu. — Vocês precisam conversar ou vão acabar se matando. Me limito a encará-lo, porque essa é a solução mais prática e óbvia. E por algum motivo, Fleur não parece pensar do mesmo jeito.

11 Fleur

“Q uanto mais você trabalha, mais sorte você tem.” Eu sou sortuda. Amo o meu trabalho. Amo o meu trabalho. Amo o meu… — Pelo amor de Deus, me matem. — suplico, atraindo o olhar de Ethan. — Era para ter sido só em pensamento, desculpe. Passam das dez da noite e acho que só estamos nós dois no escritório. Acabamos de comer pizza e agora estamos sentados no chão da sala dele, em meio a vários papéis. Estamos trabalhando no caso dos Kozitsyn (mesmo que eu sempre apanhe para pronunciar esse sobrenome), e mesmo que tenhamos algumas provas, não é o suficiente para movermos um processo. Eles são gente poderosa, derrubá-los vai ser um inferno. — Está tudo bem? Você parece mal humorada desde que voltou do casamento da sua amiga. Paro de olhar os papéis, focando no meu chefe. Já se passou uma semana desde o casamento de Paige, e quanto mais me lembro de como a festa acabou, mais irritada e mortificada eu fico. É incrível como sempre acontece alguma tragédia - que seria engraçado se fosse com outra pessoa ou num

filme - quando estou com Dominic. Francamente, cair no lago foi terrivelmente humilhante. E eu pedi tanto, tanto para conversarmos depois da festa. Por que ele não podia simplesmente esperar um pouco? Por que eu não pude simplesmente ficar quieta e não cair na provocação dele? Falar da minha mãe? Isso foi muito baixo e Dom sabia disso. Como resultado, fiquei tão possessa, que me recusei até a olhar na cara dele depois disso. Quando ele foi encontrar Josie depois ou se despedir dela, foi através de Delph, a minha salvação. Que por acaso, não estava no casamento e nem na festa. Ela se esquivou de todas as minhas tentativas de interrogá-la, mas ainda vou arrancar alguma coisa da senhorita fujona. Os pais de Dom também não estavam lá. Achei estranho, já que eles adoravam Paige, mas procurei não pensar muito nisso também. Enfim, estou indignada com o meu ex. Não chateada, isso é muito pouco. Estou puta dentro das minha calças. Essa é melhor definição. Isso não significa que eu não tenha pensado nele. Por exemplo, me lembro que dei um beijo nele na despedida de Paige. Não um beijo qualquer, mas um beijo que me acende completamente só de lembrar, com direito a muita língua, muitas passagens de mão pelo corpo e muita saudade. Por último, mas não menos importante, o discurso do padrinho. Não foi simplesmente um discurso para Paige e Jus. Pelo menos eu não senti isso e Josie também não pareceu sentir, porque fica comentando o tempo inteiro sobre o "discurso emocionante". Parecia que em alguns momentos era para mim que ele estava falando, com tanta intensidade, tanto fervor, que a vontade era de chorar, me jogar nos braços dele e bater nele até ele me pedir desculpas. Mexeu tanto comigo que realmente precisei fazer um grande esforço para não cair aos prantos. E infelizmente, não porque era um discurso

para Paige e Jus, mas porque em algum momento da minha vida, eu queria viver aquilo com ele. — Nada que eu não possa controlar. — tomo um gole do uísque que ele serviu em algum momento, respirando fundo. — Você parece bem chateada. — sonda mais uma vez, me encarando com os olhos estreitos. — Por que não experimenta desabafar? Só temos nós dois aqui, pode ser bom para você. E eu posso te dar conselhos de graça, não é uma bênção? Ri junto com ele. Que mal pode fazer falar com um chefe que acabou virando um amigo? Talvez ele possa mesmo me ajudar a entender melhor, a pensar com mais racionalidade e parar de agir como uma sem noção. — O pai da Josie estava lá. — comecei e ele arqueou a sobrancelha. — A gente não terminou muito bem, sabe? Teve traição, choro, muito drama adolescente. Acontece que eu sempre achei que ele sabia sobre a Josie e só tinha sido um safado, mas… — suspiro, balançando a cabeça. — Não sei, Ethan. Alguma coisa não encaixa. — Então vamos por partes. Como você se sentiu com esse reencontro? — pergunta diante do meu silêncio. — Não sei explicar. — respondo honestamente. — São sentimentos muito conflituosos, está difícil organizar tudo. — E o que está te impedindo de sentar e conversar com ele? — pergunta, reabastecendo nossos copos. Rá, boa pergunta. — Tenho tentado ser racional, mas ele sempre consegue me levar ao limite. Eu estava tentando evitar conflitos antes do casamento, mas a gente teve uma discussão na festa e acabamos caindo no lago. Depois disso eu fiquei tão indignada, que se esbarrar com ele enquanto estiver com a cabeça quente, não

vai ser bonito. Ethan fica em silêncio. Toma um gole do seu uísque e eu faço o mesmo. Olho ao redor, pensando em como é diferente este lugar assim, vazio. Durante o dia só a biblioteca é tão silenciosa, e aqui estamos nós, no chão da sala dele. — Pelo que entendi, você não falava com ele desde que o viu com outra, certo? — pergunta e eu assinto com a cabeça, fazendo uma careta pela mera lembrança. — E se ele te leva tão ao limite como diz e entraram numa discussão na festa, devo supor que você falou algo sobre isso…? — deduz, balançando o copo suavemente. Sou obrigada a tomar mais um gole da bebida, desconfortável até mesmo por lembrar da vergonha que passamos. Liguei para Paige para me desculpar no dia seguinte e ela disse que já esperava algo do tipo. Como eu imaginava, as pessoas só falavam nisso depois que eu fui embora, então a minha amiga não ficou muito feliz por termos tirado a atenção dela. De novo. Nos dois últimos aniversários dela que estávamos todos juntos, Dom e eu tínhamos brigado, e não foi bonito. Dom, como sempre, quis tirar satisfação na hora da festa, o que resultou em uma plateia em torno de nós ao invés de a atenção estar na aniversariante. Quando ela ganhou a bolsa para um curso de extensão na universidade de Fairbanks durante as férias de verão, foi a mesma coisa. Aconteceu o mesmo quando estávamos comemorando a conquista dela por ser a oradora da nossa turma na nossa formatura. Enfim... muitas vezes, Dom e eu acabamos tirando o foco dela. — Sim, eu falei. — concordo a contragosto e Ethan permanece calado, esperando por mais. Ele não me olha como se estivesse me julgando e muito menos está com a postura austera de advogado. Parece simplesmente… um

amigo curioso. — E não recebi nem um pedido de desculpas. — O que ele disse, Fleur? — sonda, estreitando os olhos. — Você acredita? Nada. Nem um pedido de desculpas. Nadinha. — Fleur… — insiste, arqueando a sobrancelha. — Tá legal, ele disse que não fez nada disso. — assumo, resignada. Eu estava na defensiva quando falei para Dom. Não era para eu ter aberto a boca daquele jeito, e, cara, briguei muito comigo mesma na frente do espelho por isso. Voltei possessa para o hotel e fiquei assim até chegar no aeroporto. Depois disso as coisas ficaram um pouco confusas. — Agora sim. — Ethan balança a cabeça, orgulhoso. — O que está te incomodando? Afinal, querendo ou não você falou do motivo que separou vocês dois, mas tenho a sensação de que você não está… sabe… satisfeita. Aí está. O sarcasmo que ele usa com seus clientes. Não gosto da forma que eu pareço estar caindo no jogo dele, não gosto mesmo. Eu estou certa, caramba, e não tem discussão. Eu vi. E se tem uma coisa que eu posso me orgulhar, é da minha visão. Não era montagem, mesmo que eu tivesse rezado muito para ser. Tenho que dar o braço a torcer, Ethan está certo nesse ponto. Não estou feliz. A postura de Dom quando falei, como se aquela fosse a coisa mais louca que eu pudesse dizer no mundo. E, bom, fora as brechas. Porque tem muitas, mais do que eu tinha me permitido pensar até embarcar no avião. Mas, convenhamos, eu vi. Vi em fotos, porra. Fotos que, por acaso, eu preciso descobrir onde estão, porque eu revelei depois de perceber que ele não iria voltar, para me lembrar constantemente que eu tinha sido feito de otária por anos. Acontece que, com a mudança da casa da minha avó e a mudança para esse apartamento, não sei se ela ainda

existe. Mas tem que existir. Porque eu vou fazer Dom engolir em seguida, para ver que não pode achar que pode me enrolar só porque alguns anos se passaram. É um bom plano. — Tudo bem, você está viajando muito. — Ethan estala os dedos, chamando a minha atenção e esvaziou o líquido de seu copo, respirando fundo, preparando-se para a sua sentença (o que é ridículo, já que ele está apenas me dando um conselho de amigo): — Você ficou puta e agora está com medo de conversar com ele e descobrir que esteve errada esses anos todos. Eu ri. Alto. Com direito a erguer a cabeça para o teto e fechar os olhos. Quem vê essa cena, com certeza acha que perdi o juízo. Mas sinceramente, dá para acreditar nesse cara? — Eu não estou errada, Ethan. — discordo, infelizmente, sem a convicção que eu gostaria. — Eu vi muito bem aquele corpinho lindo, que não era tão lindo na época, nu, ao lado de uma mulher que sempre quis ficar com ele. De qualquer forma, depois ele não teve a decência de me procurar para pedir desculpas, o que só mostra que ele pouco se importava com o que eu pensava. Ele poderia ter me procurado, Ethan, e não fez isso. — Você só precisa lembrar que sempre tem o outro lado da história. — toma um longo gole da sua bebida, suspirando prazerosamente. — Mesmo que você esteja certa, e eu acho que você está, porque sempre vou ficar do seu lado, por desencargo de consciência, você poderia ouvi-lo. Solto um resmungo insatisfeito, torcendo o nariz. Qual é, não é como se eu estivesse errada. Eu tenho um ponto muito forte. Adoro o meu chefe, mas mesmo que tenham tantos buracos, Dominic nunca me procurou. Quero dizer, ele deveria ter me procurado. Ele vivia dizendo que me amava, que daria o mundo por mim, mas não consigo mais enxergar isso.

Ele feriu demais o meu orgulho para eu aceitar as coisas assim, só porque ele diz que nada aconteceu. Bem, alguma coisa aconteceu, e não me interessa mais saber o que foi. — Façamos assim… — ele corta a minha linha de raciocínio, se levantando. — Por que não vamos para casa? Hoje não vamos conseguir fazer mais nada, estou exausto e tenho uma reunião às oito com a Ava. Concordo silenciosamente, me levantando. Pego o copo dele e o meu e sigo até a copa, lavando-os. — Até parece que Ethan está certo. — murmuro sozinha, balançando a cabeça. — Impossível. O cara foi um cachorro sem vergonha, isso sim. E tenho dito: Dominic foi, sim, um cretino. Ponto.

∆∆∆ Checo o relógio em meu pulso ao chegar na porta do meu apartamento. São onze e quatorze e ainda estou ouvindo risadas? Não me oponho que Alex nos visite, até prefiro que Josie não fique sozinha, mas, caramba, já é quase madrugada. Então, antes que eu coloque a chave na fechadura, ouço uma risada masculina. Seguida de várias outras. Me apresso, abrindo a porta e incrédula demais para conseguir falar alguma coisa. No chão da minha sala estão Josie, Alex, Taylor, Delph e Dominic. Isso mesmo. D-o-m-i-n-i-c. O meu ex que mora em Los Angeles. E ele está aqui, em Nova Iorque. — Só pode ser brincadeira, porra. — resmungo. As risadas morrem e todos se viram para mim. Por um segundo me sinto a própria Malévola, com direito a chifres, asas cortadas e muita raiva.

Fecho a porta silenciosamente, caminhando lentamente até o sofá, deixando a bolsa e o casaco no sofá, encarando cada rostinho culpado. O que Dom está fazendo na minha casa tão tarde? O que ele está fazendo em Nova Iorque? Eu sabia que ele ficaria na vida da Josie, mas não imaginava que seria algo tão imediato. Porra, o cara nem me deixa digerir direito o que está acontecendo. — É melhor a gente ir para casa. — Taylor se levanta e Alex faz o mesmo, dando um beijo na bochecha de Josie e na de Delph. — Desculpa, Fleur. Os meninos pediram pizza e a gente acabou perdendo a hora. — Não se preocupe. Precisa de carona? — pergunto, mas ela balança a cabeça. — Não. Hoje eu vim com o carro, mas obrigada. — responde imediatamente, parecendo assustada, e não gosto do sentimento que pareço causar nela, mas estou infeliz demais com a outra visita para me preocupar com isso. — Tchau, Fleur. Até amanhã. — Tchau, tia Fleur. Você está linda, como sempre. — Alex beija a minha bochecha com um sorriso leve, parecendo não perceber ou não se importar com o clima pesado. Que galanteador. Os dois passam por mim e logo ouvi o barulho da porta abrir e fechar. Os três paspalhões continuaram me encarando, sem reação. Pelo amor de Deus, trouxeram o cara para a minha casa e sequer se prepararam para quando eu chegasse? — Estou esperando uma explicação. — digo calmamente, encolhendo os ombros, evitando propositalmente encarar Dom. — O Dom está na cidade. — Josie foi a primeira a tentar, com um sorriso falso.

— Ah, jura? — uno as mãos na frente do corpo, estreitando os olhos. O sorriso da minha filhinha morre e eu olho para Delph, esperando por algo. — A Josie apareceu com ele aqui, eu não tinha mais o que fazer. É só uma visita, sis, desencana. — pede com um sorriso compassivo. — É, sis, desencana. — Dom debocha e eu juro por Deus que se Josie não estivesse aqui, Dominic Dawson seria um homem morto. — Garotas, será que eu posso conversar com a Fleur, por favor? Mordo a língua apenas para segurar a vontade de mandá-lo embora. Não estou confortável, estou cansada e indignada, então provavelmente não estou raciocinando bem. Como não digo nada, as meninas acatam o pedido e saem praticamente correndo da sala. Traidoras. Dom se senta no sofá. Eu continuo em pé. Os dois em silêncio. — Não vai se sentar? — pergunta, apontando para o sofá. — Você está na minha casa, Dominic, pense bem se vai seguir por esse caminho. — cruzo os braços, estreitando os olhos. — Caralho, você está muito arisca. Eu só fiz uma pergunta. — Agiliza, Dom. Estou cansada e você está atrapalhando o meu sono. — coloco uma mão na cintura, impaciente. Dom suspira, esfregando a testa. — Vou passar um tempo em Nova Iorque. Não tiro férias há quase três anos, então decidi aproveitar o momento para me aproximar da Josie. Justo. Não tiro a sua razão. O contato dele vai ser com Josie, não posso fazer nada sobre isso. No fundo, bem, bem, bem no fundo, eu sempre soube que Dom seria um ótimo pai. Sempre trabalhei a minha cabeça para que quando os dois se conhecessem, eu não deixasse os meus problemas afetarem a relação deles.

Ninguém disse que seria tão difícil. E não melhora eu sentir que o cara está invadindo o meu espaço. Droga, ele não pode aparecer na minha casa e achar que vou recebê-lo de braços abertos. — Não me oponho, Dom, mas você estar na minha casa às onze da noite não ajuda. Josie tem aula amanhã e ela precisa estar descansada. — Tudo bem, eu já entendi. Não vai se repetir. — concorda, mas não sai do lugar. Apoio a mão na parte superior do sofá, esperando que ele tenha o bom senso de ir embora. — A gente precisa conversar. Não estamos em público, tenho certeza de que você não vai se opor. Vê? É esse deboche que acaba com a minha paciência. Ele não me ajuda. — Dom, qual é. Você está de férias, mas eu não. Estou exausta, já está tarde e não estou a fim de estresse. Dom respira profundamente e se levanta, parando na minha frente, a poucos centímetros de encostar o corpo no meu. Ele continua tão cheiroso quanto eu me lembrava, o que é um inferno; e seus olhos ainda são inacreditavelmente intensos. Dominic está muito bem. Definitivamente o cara está de parabéns. — É imperdoável isso o que você fez, esconder de mim a minha própria filha. — fala baixo, parecendo aborrecido, tão perto que consigo sentir o seu hálito. — Em momento algum pedi para você me perdoar, então enfie a sua mágoa goela abaixo. — respondo no mesmo tom, vendo o seu semblante endurecer. Ele me encara alguns segundos, estreitando os olhos. — Te busco no seu trabalho. Você pode ter evitado isso em Fairbanks, mas não vou deixar isso acontecer de novo. Vá de calça, vou te buscar de moto. — Não subo mais em motos, Dom.

— Vai voltar a subir. — afirma com a voz ácida, sem humor. Ele passa por mim e pega um casaco e um capacete que não percebi que estavam na mesinha ao lado da porta. Não olha para trás, apenas abre a porta e sai. Me jogo no sofá, exausta. E nem estou falando do trabalho. Estar perto de Dom é desgastante. Ficar reprimindo tanta mágoa por tantos anos e não poder transbordar é muito cansativo. Tudo o que eu queria era encher aquele rostinho lindo de tapas, sacudi-lo até perder as forças, poder gritar na cara dele o quanto ele foi sacana e o quanto eu esperei que ele aparecesse. — Chorar pelo que não aconteceu não adianta, Fleur. — resmungo, descansando as mãos na barriga. Como faz para ser uma mulher madura quando eu só quero me trancar na minha bolha até isso passar? Rá! Como se isso fosse passar. Que mal faz sonhar?

12 Fleur

os óculos escuros ao entrar no Carter Building. Não vejo a hora de T iro chegar na minha sala e ligar o aquecedor. Não está especificamente frio, mas com o inverno se aproximando, a mudança de clima já começa a me incomodar. Ethan e eu entramos no elevador em silêncio, e assim permanecemos até as portas se abrirem no décimo segundo andar. — Você fala com o primeiro ministro? — pergunta quando já estamos no nosso andar. — Depois do seu almoço, claro. — Vai ser ótimo flertar com um peixe grande para tentar descobrir alguma coisa. Vamos torcer para eu não estar enferrujada. — Mulheres como você nunca perdem o charme, Fleur. Tenha isso em mente. — ele pisca e abre um sorriso charmoso, seguindo para a sua sala. Olha a provocação do homem, meu Deus. Diminuo os passos ao me aproximar da minha sala e ver Dominic sentado em um banco perto da mesa onde fica Arya, minha secretária. Ela me vê e empertiga a postura, intercalando rapidamente o olhar entre ele e eu. Mas que inferno de homem. — Senhorita Lefebvre, esse senhor está te esperando, afirmando que tem um horário marcado.

Francamente… Observo as roupas de Dom, passando lentamente por cada parte do seu corpo. Usa uma camiseta de mangas compridas preta, muito justa, que marca todos os músculos do peito, ombros e braços, calças cargo verde-oliva e botas. Está com uma expressão de descontentamento no rosto que o deixa muito gostoso. Vamos lidar com fatos. Ele é meu ex, eu não gosto dele, mas posso achá-lo bonito. Bonito e inacessível. É mais fácil eu dar mole para Ethan do que vacilar e abrir as pernas para Dominic de novo. Preciso encontrar aquelas fotos. Preciso muito encontrar aquelas fotos. Ela são um lembrete. — Obrigada, Arya, eu cuido dele. — abro um sorriso para ela. Dom se levanta e eu sigo para a minha sala, prendendo a respiração ao passar por ele, apenas para o caso de ele estar com aquele cheiro desnecessariamente gostoso. O que não adianta muito, claro, porque ele entra na minha sala e fecha a porta. Parece que é questão de segundos para eu começar a me sentir sufocada, então tomo algumas respirações profundas o mais discretamente possível, guardando a bolsa e tirando o sobretudo. Preciso me lembrar que sou uma advogada. Uma advogada competente, numa advocacia respeitável. Não posso perder a cabeça por qualquer coisinha que o meu ex fala. Mantenha a cabeça no lugar, Fleur. — O que quer aqui, Dominic? — pergunto, sentando em minha cadeira e pegando o controle, ligando quase desesperadamente o aquecedor. — Estou em horário de trabalho.

— Eu te disse que viria para almoçarmos. — senta-se confortavelmente na cadeira em frente à minha mesa, entrelaçando os dedos das mãos em cima do colo. — Trouxe até um capacete para você. — Eu não disse que iria. Aliás, não vou sair nesse frio. Vou pedir comida aqui mesmo porque preciso trabalhar. E não vamos esquecer que… — deixo a frase no ar, apontando para a parte inferior do meu corpo para que ele entenda que a chance de eu andar de moto estando de saia não existe. Ele ri sem humor, balançando a cabeça e me encarando intensamente. Abro o aplicativo e encaro o meu ex, esperando que ele diga o motivo da risadinha. — Você ainda consegue me surpreender. — diz. — Some por quatorze anos, aparece dizendo que tivemos uma filha, me evita como se eu fosse o diabo, me acusa de ter te traído e depois volta a me evitar. — bate o indicador na minha mesa, falando pausadamente: — Não saio daqui enquanto não resolvermos isso, Fleur Duboc. — Lefebvre. — corrijo sem pensar, porque não uso o sobrenome do meu pai desde que saí da casa dele. — Não uso mais o sobrenome do meu pai e a minha avó me ajudou a mudar a documentação para manter somente o sobrenome dela. — Tipo emancipação? — pergunta, erguendo as sobrancelhas. Concordo com a cabeça, porque foi mais ou menos isso o que aconteceu. — Viu? É um bom começo para começarmos a conversar. — Dom, por que a gente não conversa quando eu sair daqui? Preciso mesmo trabalhar. — peço, cansada e ele balança a cabeça resoluto. As fotos, Fleur. Você precisa das fotos. Quero ter provas do que estou falando, porque sinceramente, ficar só falando dessa traição e não ter as provas em mãos, dá margem para que Dominic fique bancando o louco e negue. Me recuso a deixar isso acontecer.

— Não, isso não vai rolar. Você vai me enrolar como tem feito até agora, e está tentando fazer de novo. A gente não tem mais idade para ficar nessa enrolação e agora tem uma criança no meio. — Não a chame assim perto dela. — digo, porque Josie odeia ser chamada de “criança”. Se ela soubesse que depois da infância é só choro e desespero, ia querer ser criança para sempre. — Ela está em uma fase complicada. Ele abre um sorriso sincero e eu olho para a porta atrás dele, apenas por precaução. O sorriso de Dom sempre teve um efeito muito esquisito em mim… sorriu, me ganhou. As coisas não são mais assim, bonitinho. Admiro a garra dele em se aproximar de Josie e querer estabelecer uma conexão com ela. É legal ver que ele não está agindo com o babaca sem noção que eu achei que iria. Para mim é estranho o fato de a minha filha estar sendo tão receptiva a ele, mas não fico totalmente surpresa. Ela sempre quis um pai e agora tem um. — Eu quero mesmo participar da vida dela, Fleur. — atrai a minha atenção e se recosta na cadeira, umedecendo os lábios. — E a gente precisa resolver a nossa situação. Se você não quiser fazer isso por desencargo de consciência, faça por ela. É a minha vez de me recostar em minha cadeira, cruzando as pernas. Não acredito que Dom quer conversar comigo sobre isso enquanto eu estou sem uma mísera garrafa de vinho aqui para me ajudar. É quase covardia. Considerando que estou mesmo no meu horário de almoço e me recuso a sair no frio novamente, não vejo outra alternativa. — Você já almoçou? — pergunto e ele balança a cabeça em negativa. Claro, ele disse que viria te buscar para almoçarmos, gênio. — O que você acha de comermos couve-flor?

Ele ri pelo nariz e pega o celular. — Você continua muito saudável para mim. — brinca e eu estreito os olhos. — Não adianta, Fleur, algumas coisas não mudam. Façamos assim, você pede a sua comida de rico e eu me contento com um hambúrguer bem gorduroso. Crispo os lábios para não sorrir. Dom sempre disse que o meu paladar era refinado demais, inclusive, boa parte das coisas não-saudáveis que entraram no meu cardápio, foi graças a ele. Sendo filha, neta e irmã de modelos, não é surpresa que a minha alimentação fosse tão equilibrada. Ele começa a mexer no celular, provavelmente fazendo o seu pedido e eu decido fazer o mesmo. O restaurante não fica muito longe e como já são duas horas, provavelmente a minha comida não vai demorar. Salivo só de pensar na couve-flor assada na manteiga de caranguejo com um toquezinho de limão. Quando tiro os olhos do celular, Dom está me encarando de um jeito esquisito. Não esquisito, esquisito, mas sem piscar. Há uma intensidade que não sei se me agrada, e me agrada muito menos a forma que meu corpo está reagindo a isso. É por causa da seca, com certeza. Sete meses sem transar, é claro que uma hora o corpo pediria clemência. Não tenho tempo para falar alguma coisa, porque ouço a porta batendo e logo a cabeça de Ethan está no vão da porta, como de costume. — Desculpem, não sabia que estava com cliente. — diz, fazendo menção de sair da sala. — Não, Ethan, tudo bem, ele não é cliente. — justifico, me levantando. Ethan entra na minha sala. — Este é Dominic Dawson, pai da Josie. Dom, este é Ethan Carter, meu chefe.

— Ora, então você é Dominic Dawson. Fleur tem falado muito de você. — Ethan diz, apertando a mão do meu ex com um sorriso amigável. Amigável demais. Ai, meu Deus! — Dom está na cidade. — me intrometo, querendo fazer o meu chefe calar a boca, e ele me encara com a sobrancelha erguida e um sorriso ladino. — Ele veio almoçar comigo para falarmos sobre a Josie, já que os dois agora vão passar mais tempo juntos. — Sobre a Josie, claro. — Ethan concorda, mas parece estar debochando da situação. E é claro que ele está debochando. Ontem eu disse a ele que estava confusa com um monte de coisas e agora olha a situação em que estou. O meu ex está na minha sala. — Bom, não vou atrapalhar vocês. Só vim para dizer que vou me encontrar agora com a nossa cliente e que te ligo caso descubra alguma coisa. — Nossa…? — franzo o cenho. Ele está falando de Irina? — Nos dê um segundo, Dom. — peço, já puxando Ethan para fora da sala, fechando a porta. Não encontro Arya. Por isso ele não sabia que eu não estava sozinha na sala. — Você vai se encontrar com a Irina? Sozinho? Por quê? Achei que iríamos trabalhar juntos e seguir o plano, eu vou me encontrar com o ministro daqui a pouco. — Ela me ligou. — dá de ombros, enfiando as mãos nos bolsos da calça social e encostando a lateral do corpo na parede. — Talvez eu consiga descobrir mais alguma coisa. Isso não está cheirando bem. — Ethan, você tem certeza disso? A mulher é uma Medusa, pode ser um plano do Alexander. — Estou indo preparado, Fleur. É só um almoço, fica tranquila. Precisamos

agir antes que alguma merda aconteça. — murmura e eu cruzo os braços, calada. Não gosto da ideia, mas ele está certo. — Preciso dizer que acho uma graça o jeito que você fica desorientada com o rapaz aí dentro. — aponta com o queixo para a minha sala. — Estou absolutamente normal. — afirmo, feliz por ter conseguido mostrar a convicção que não estou sentindo. — Seja como for, é interessante ver que você não é uma porta quando se trata da sua vida pessoal. Eu estava começando a achar que te transformei num robô. — provoca e eu estreito os olhos, não tendo certeza de estar acompanhando a linha de raciocínio dele. — Nunca vi você perdida desse jeito. É reconfortante ver que você ainda tem um coração aí e ainda tem alguma coisa que te faça sentir. Equilibro o corpo num lado só, piscando algumas vezes. Certo, entendi a linha de raciocínio, mas preferia não ter entendido. Não é como se eu não esboçasse nenhum sentimento. Dá para ver que eu fico irritada ao perder um caso, por exemplo. Isso significa alguma coisa, não significa? — Para de viajar, Ethan. — é a única coisa que consigo dizer, porque não consigo pensar em nada mais inteligente. Meu chefe dá uma risadinha baixa. — A sala não é à prova de som, tome cuidado com os barulhos que faz com Dominic. Meu queixo vai ao chão com a declaração absurda de Ethan. Ele acha que eu seria capaz de… Ai, meu Deus. Estou tão surpresa que não consigo me defender e ele pisca para mim, se afastando. Por favor, eu acabei de ser promovida e Ava está sempre de olho. Não é como se eu tivesse a chance de fazer algo na minha sala. Não que eu queira, claro. Arya se aproxima e eu me aproximo da sua mesa, decidindo sondar.

— Arya, você sabe onde está a Ava? — Ela entrou de férias, senhorita Lefebvre. — responde prontamente, com o amistoso sorriso profissional. — Ontem foi o último dia dela aqui. Disse que precisava resolver um problema familiar e adiantou as férias. Franzo o cenho. Ava nunca adianta as férias. Adiar, sim, adiantar? Nunquinha. Deve ter sido algo sério. — Essa é uma novidade. — murmuro, encarando Arya. — Vou resolver uma coisa com o homem que está aqui e não quero ser incomodada, tudo bem? Estamos esperando comida, então se chegar, pode avisar. Se Taylor passar por aqui, diga que estou resolvendo um assunto importante e que ela pode ficar na biblioteca, se quiser. Ela entende o meu pedido e volto para a minha sala, encontrando Dom da mesma forma que o deixei. Ele não se move ao ouvir a porta abrir e fechar, e não tira a atenção de mim enquanto me sento. E, tudo bem, vamos assumir, eu estou muito desconfortável. Talvez eu esteja muito nostálgica com qualquer coisa que tenha a ver com Dom, mas ele ficar me olhando como se estivesse se divertindo certamente não ajuda. — Você já pode parar com isso. — peço, fingindo olhar alguma coisa no computador, abrindo um documento qualquer. — Não sei do que está falando. É você quem está enrolando. Eu estou, não estou? Suspiro resignada, desligando o monitor e me recostando na cadeira, unindo as mãos no meu colo e cruzando as pernas. Preciso parar com isso, eu não sou do tipo que enrola e não sei o que está acontecendo agora. — Tudo bem, Dominic, você venceu. Por onde quer começar? — pergunto, tentando ao máximo fingir indiferença. Estou preparada para isso? Não, mas

de repente é disso que preciso para ver se tiro esse incômodo da minha cabeça. — Por que você não me contou que estava grávida? — a pergunta sai com muita facilidade de sua boca. Bom começo. Eu esperava algo mais ansioso, não este homem pacífico à minha frente. Me remexo desconfortável na cadeira, porque sinto que vou ter que desbloquear esse evento da minha mente, e eu o bloqueei por muitos anos. — Não tem muito tempo que eu descobri que você não sabia, Dom. Te mandei fotos, mas nunca tive uma resposta. — encolho os ombros e ele franze o cenho, confuso. Decido começar realmente pelo começo, porque aparentemente ele não sabe de nada. — Eu descobri que estava grávida no dia que fizemos aquela festa de recepção para Delph, você lembra? Aquela depois de ela ter passado seis meses fora sendo garota propaganda de alguma empresa de lingerie. Dom assente com a cabeça, porque na época, passei semanas azucrinando os ouvidos do coitado sobre estar ansiosa com a volta da minha irmã. — Foi naquele dia. Faço uma pausa, instigando-o a lembrar do que aconteceu, porque acabo de descobrir que ainda sinto aquele gostinho amargo da decepção e da humilhação que senti quando liguei para ele e fui atendida por Lizzie. E ele estar se fazendo de sonso só está piorando a situação. Merda, foi naquele dia que ele transou com outra, isso tem que estar na cabeça dele. Não é possível. Consigo lidar com muita coisa, mas essa de se fazer de santo realmente me tira do sério. — Sério, Dom, você realmente vai se fazer de desentendido logo agora? Não precisamos disso. Estou aqui abrindo o jogo e você vai fazer de conta que não sabe o motivo de eu ter ido embora?

— Ei, ei, calma aí! — exclama, erguendo as mãos. — Você deve estar confundindo as datas, as coisas, sei lá. Aquele dia aconteceu uma merda comigo e você já tinha decidido que eu não era bom o suficiente para você. Ah, porra! Dou uma risada, sarcástica. Não adianta, é mais forte que eu. Dom parece ter a habilidade de levar o meu profissionalismo para o saco. — Você ficou maluco? — crispo os lábios ao perceber que já levantei o tom de voz, então para perder a compostura é num piscar de olhos. Respiro fundo, contando até sete. — Tudo bem, Dom, se você quer isso, então está bem. Qual é a última lembrança que você tem da gente? Ele estreita os olhos, parecendo bem desanimado e eu espero pacientemente, observando o maxilar dele pulsar. — A gente tinha se falado pela manhã combinando de nos vermos no parque porque você estava preparando as coisas para a chegada da Delph. — assinto com a cabeça, esperando que ele continue. — Mas eu não pude ir. Espero que ele assuma a culpa, que diga que vacilou e tenha o mínimo de dignidade para pedir desculpas. Mas isso não acontece. O imbecil fica calado, como se estivesse muito constrangido. Filho da puta. — Você ficou muito ocupado fodendo a Elizabeth, Dominic. Eu sei, ela fez questão que eu soubesse disso. Pronto. Poucas palavras e já sinto que parte do peso que senti nos últimos anos já saiu das minhas costas. Será que se eu continuar falando a sensação melhora? Dom parece confuso. Me encara como se eu fosse louca e agradeço por estar

no meu ambiente de trabalho, caso contrário, já teria deixado em evidência a minha falta de paciência. Eu tinha falado da traição, mas não tinha mencionado Elizabeth até agora. — Lizzie? O quê? — pergunta, parecendo muito, muito ofendido. Pobre Dominic. O injustiçado. — Eu vi, Dominic. Eu fui ao parque e… — tenho um sobressalto ao ouvir o telefone. — Você não vai atender, vai? — pergunta quase retoricamente e eu reviro os olhos, pegando o telefone. — Porra. — Senhorita Lefebvre, o seu almoço já chegou. — Estou saindo. — aviso e desligo. — É o meu almoço, Dominic. Relaxa. Me levanto sem esperar a resposta dele e saio da sala. Pego a sacola em cima da mesa de Arya, que mantém a atenção em seu computador, a postura não relaxando nunca. Como ela consegue, não sei. Volto para a sala e encontro Dom de pé, encostado na parede, com os braços cruzados. Me sento novamente, decidindo que o melhor que faço é resolver logo essa coisa com Dom e só depois comer, ou posso correr o risco de ter uma indigestão. E eu também não ficaria confortável em comer enquanto Dom provavelmente está com fome. — Não vai se sentar? — pergunto, cruzando as pernas. — Você está chapada? — ignora a minha pergunta, com a expressão muito séria, tão séria que até corta a minha vontade de rir com esse questionamento sem sentido. — Você sabe que eu não uso essas coisas, Dominic. — Repense nessa resposta, linda. Linda?

Pisco, confusa. De onde ele tirou isso? — Eu te liguei, Dominic. — falo baixo e a postura defensiva dele vai embora. — Fui ao parque e fiquei te esperando. Você não apareceu e foi a própria Lizzie quem me ligou do seu celular. Ela deixou claro que estava cuidando muito bem de você e me mandou fotos para provar. — Fleur, não tem como isso ter acontecido. — insiste e eu suspiro exasperada. — Dominic, a gente não precisa mentir à essa altura. Já passou, a gente não existe mais, não estou pedindo para você me explicar nada, mas, por favor, não minta para mim. Você sabe que eu não gosto disso. — Fleur, você não está entendendo... — fala baixo, balançando a cabeça freneticamente com um sorriso constrangido. Ele já não olha para mim, parecendo muito incomodado, e, novamente, começo a perder a paciência. Um pedido de desculpas não faria mal. — Que merda, Dominic, eu estou dizendo que não estou pedindo para você explicar… — Eu tive uma recaída naquele dia. — me corta, se aproximando rapidamente e apoiando as mãos na mesa, inclinando o corpo na minha direção. Limpo a garganta, encarando-o sem saber o que dizer. — Um pouco depois de marcarmos no parque, eu saí de casa e fui para o bar dos meus pais. Ou tentei, porque não sei o que aconteceu, perdi a consciência e acordei numa clínica de reabilitação. Caralho. Isso eu não esperava ouvir. Sabe, quando a gente passa anos com a convicção de que foi traída, não esperamos uma justificativa assim. Mas por algum motivo, eu não consigo acreditar nele. Pode ser sexto sentido, mágoa, o que seja, não consigo acreditar que isso seja verdade. Ele teve a oportunidade de

me procurar depois, mas não o fez. O pai dele teve a oportunidade de me dizer na única vez em que me ligou, um pouco antes de eu decidir mandar as fotos de Josephine para ele, e também não mencionou nada sobre isso. David não omitiria algo tão sério. Ele amava o filho e sabia que eu o amava também. Se algo tivesse acontecido, teria me dito. Com certeza David teria me dito, e não soltado os cachorros dizendo que o melhor que eu poderia fazer, era sumir da vida de Dom. Olho enojada para ele, me perguntando quanto tempo ele levou para inventar essa merda. — Isso foi muito baixo, Dominic. — falo baixo, sentindo o coração acelerar. Ele franze o cenho. — Baixo até para você. Você pode ir falar com o seu pai e perguntar o que foi que ele me disse quando eu fui te procurar. Mas vir no meu escritório e contar uma mentira dessas… — Ah não, eu não vou deixar você se isentar e colocar os meus pais no meio quando você foi embora quando eu mais precisava de você. — aponta o dedo na minha direção, a outra mão apoiada na mesa, inclinando o corpo na minha direção. — Eu passei um inferno depois que você foi embora, então não venha tentando sair como a vítima da história quando a única escrota aqui foi você. É o suficiente para mim. Não penso, não tenho a menor hesitação ao dar um tapa no rosto dele com força suficiente para balançar sua cabeça e fechar os olhos, o maxilar travado mostrando que ele não estava feliz. Me levanto, furiosa, mas ele leva um tempo para me encarar novamente, parecendo puto pra caralho. Apoio as mãos na mesa, sentindo o sangue ferver, me concentrando em manter a respiração controlada ao invés de dar importância às lágrimas que querem dar o ar da graça. — Não vou deixar você invadir o meu local de trabalho para me desrespeitar,

Dominic. Segui a minha vida e fico feliz que você tenha seguido a sua também, mas não ouse falar que eu fui escrota quando você foi quem cagou para o nosso relacionamento. Ele não responde. Seus olhos estão faiscando de raiva, as narinas estão dilatadas e os ombros estão subindo e descendo rapidamente. Então, empertiga a coluna quando o telefone toca. Não atendo, fico encarando-o, me recusando a ceder ou demonstrar qualquer sinal de fraqueza. A veia em sua garganta pulsa, assim como o maxilar. Suas mãos estão em punhos e a respiração está tão pesada que cai em lufadas contra o meu rosto. — Você pode negar o seu sobrenome o quanto quiser, mas tudo o que tenho visto até agora é que você se transformou na Duboc que eles queriam. —fala lentamente, e eu mordo a língua com força, lembrando que estou no trabalho. Ao ver que não vai ter uma resposta minha, sai da sala, fechando a porta num baque desnecessariamente forte. Crianção. Mentiroso. Traidor. Atendo o telefone no viva-voz e Arya diz que era apenas para avisar que havia chegado o almoço de Dominic, mas que ele já havia pegado e saído. Me jogo na cadeira, massageando o peito e só então deixando as silenciosas lágrimas de frustração e impotência escorrerem pelo meu rosto. Agradeço aos céus por não ter câmeras na minha sala, caso contrário, seria um show e tanto para o pessoal da segurança. Parece que anos atrás não foi a última vez que Dominic conseguiu me fazer chorar.

13 Fleur

olhos ardem, minhas costas doem e meu estômago está implorando M eus por comida. E o que eu faço para resolver isso? Isso mesmo, nada. Quem está tentando me tirar desse torpor é Ethan Carter. Me deixe explicar a situação: depois da pequena discussão com Dom, Josie e Delph decidiram que não me deixariam em paz enquanto não descobrissem o que havia acontecido. Então, como alternativa, tenho feito horas extras no escritório. Ou fingindo. Ethan tem percebido que algo está acontecendo e saímos nos últimos dias. Costumamos ir para bares, mas mal bebemos, é mais para acompanhar a conversa. Então é por isso que estou dirigindo até uma hamburgueria perto da minha casa. Ethan me tirou das falsas horas extras quando me convidou para comer e foi o meu estômago quem respondeu com um barulho inconvenientemente alto, aceitando alegremente o pedido. Paro no estacionamento da hamburgueria e espero que Rihanna cante o refrão de Rehab antes de desligar o carro e, consequentemente, o som. Ethan já está aqui e o encontro com facilidade, já que o lugar está praticamente vazio. — Já fiz os nossos pedidos. Espero que goste de comer coisas bem gordurosas, porque é isso que teremos numa sexta à noite. — Não precisava fazer isso, Ethan. — apoio os braços na mesa, com um

sorriso constrangido. — Como você disse, é noite de sexta, não precisava desfazer seus planos por minha causa. — Bom, o meu plano era ficar em casa e tomar uísque até o sono aparecer. — dá de ombros, um sorriso despreocupado adornando seus lábios. — A vida de um advogado corporativo do meu nível é bem solitária, Fleur. — Qual é, Ethan. — debocho, arqueando as sobrancelhas. — Ser filho de Lucian Carter não deve ter sido muito difícil. O fabuloso magnata que, inclusive, foi quem construiu a Carter Building, o edifício onde trabalhamos. Ethan, além de advogado, é um dos sócios da Carter Enterprises, e, cara, o homem vive atarefado. Na verdade, agora ele tem sido mais presente na advocacia porque houve um rompimento na fusão e passamos por maus bocados, já que o antigo sócio nominal tentou dar um golpe. Ethan e Ava têm trabalhado duro para não deixar que isso abale a firma. — Tem suas vantagens, claro. — concorda, rindo. — Mas tem também uma responsabilidade que nunca tive tempo para pensar se eu queria ou não assumir. Você entende do que estou falando, Fleur, porque também vem de uma família importante. Tenho um sobressalto ao ouvir o apito eletrônico de que mais um pedido está pronto. Ethan confere o número e vai ao balcão, voltando com uma bandeja repleta de comida. Logo está sentado de frente para mim mais uma vez. — Do que estávamos falando? — pergunta, abrindo a caixa de hambúrguer. — Do fardo de carregar um sobrenome importante e termos que fazer coisas que não gostamos. Ethan gargalha como se eu tivesse dito a coisa mais engraçada do mundo. Juro que às vezes invejo o bom humor e a facilidade que ele tem de separar o lado pessoal do profissional. Ele faz parecer tão simples.

Mordisco uma batata frita, pensando no quanto vou precisar correr para queimar tudo o que vou comer agora. — Quando te entrevistei, foi isso o que te destacou. A sua facilidade em parafrasear o que eu digo de uma forma menos delicada. — E isso foi o suficiente para me contratar? — Suas notas também, com certeza. — toma um gole do refrigerante e encaro o meu hambúrguer, escandalizada com o tamanho dessa coisa. — Sempre te achei um crânio. Ultimamente, não muito. Dou uma mordida no hambúrguer com dificuldade, já começando a me lambuzar. Ah, a deliciosa tortura de não ter a boca grande o suficiente para comer um hambúrguer monstruoso desses. — Eu deveria tirar uma foto disso. — zomba, dando mais uma mordida no hambúrguer. — Por quanto tempo você pretende continuar enrolando Delphine e Josie? — Só preciso me preocupar com Josie. — dou de ombros e meu chefe arqueia a sobrancelha, esperando por mais. — Delph não vai passar muito tempo aqui, logo deve ir para algum lugar se aventurar e aproveitar as férias. — Sempre achei encantador o fato de você ter seguido um caminho tão diferente do que a sua família planejou. Nada de ser modelo ou de seguir no mundo da diplomacia, da política... — diz casualmente, com a boca cheia e tenho uma visão não muito atraente do hambúrguer mastigado em sua boca, porque ele parece querer gesticular muito mais com a boca cheia. Isso o torna menos atraente. Não muito, só um pouquinho, e dá para ignorar numa boa. Essa é a noção que dá para ter do quanto eu acho esse homem bonito.

— Na verdade, não foi tão ruim. — admito depois de dar um gole no refrigerante, tentando disfarçar um suspiro. Faz muito tempo desde a última vez que me permiti comer essas coisas. — A nossa briga foi por causa da gravidez. Isso manchou o sobrenome Duboc, com certeza. Ethan balança a cabeça e parece muito ocupado em dividir a atenção entre o seu lanche e a mulher diante dele. — Você é uma mulher muito forte. Te admiro por isso. — abre um sorriso cálido e eu o imito, mesmo que ele esteja com os olhos fixos no hambúrguer. — Encontrou a foto? — Não. — lamento, fazendo uma careta. — Ainda não desempacotamos todas as caixas, mas eu sei que ainda está lá. Em algum lugar. Só não sabia que tinha tanta tralha no outro apartamento. — E o que você vai fazer enquanto isso? — agora a sua atenção está em mim. Ele tem perguntado isso nos últimos três dias, na certa para me fazer agir mais rápido. Dou um suspiro, abandonando o hambúrguer. — O Dom vai ficar negando, Ethan, e eu não sei o que acontece, não consigo raciocinar e agir como uma pessoa adulta quando ele começa a falar aquelas coisas. — balanço a cabeça, sentindo um nó se formar na minha garganta. — Achei que conseguiria lidar com ele da mesma forma que lido com os meus clientes, mas ele... — solto um gemido gutural, apertando os olhos. — Ele ainda me tira do sério. Ethan me avalia por alguns instantes antes de se aprumar na cadeira, umedecendo os lábios. Pega leve, chefe. Por favor! — Posso estar enganado, mas ele pareceu ter saído muito chateado do seu escritório no outro dia. — sonda e eu me concentro em tomar o refrigerante apenas para me poupar de ter que relatar mais uma vez a discussão ridícula

que Dom e eu tivemos. — Estou preocupado, Fleur. Você parece muito cansada esses dias, então como advogado, preciso falar que vocês precisam conversar logo. Josie vai querer respostas e vocês precisam estar cientes do que aconteceu um com o outro para que isso aconteça. O tom de voz dele indica que ele quer dizer mais alguma coisa, mas não o faz. Claro que não o faz. Ethan quer me provocar, então fala de uma forma que atiça, deixa a minha curiosidade pertinho de Deus de tão alta. Ele não teria se endireitado tanto na cadeira se quisesse falar só isso. — E como amigo? — me rendo após um bom tempo, tempo o suficiente para ele terminar o hambúrguer e focar nas batatas fritas. Abre um sorriso vencedor e eu apoio os braços na mesa, esperando o “conselho”. — O clima não vai melhorar até vocês conversarem de cabeça fria. Sabe, digo sentar e conversar, colocar as cartas na mesa e se escutarem. Ouvi boatos de que tinham vozes alteradas dentro da sua sala quando ele estava lá. Não gemidos e pedidos de "mais, por favor". — Eu não vou transar com Dominic na empresa, Ethan! — exclamo, horrorizada e seu sorriso se abre ainda mais. — Então você quer transar com ele. Interessante. — passa as costas dos dedos pela parte inferior do queixo. Ai. Não, não. Decido seguir por outro caminho, focar na outra parte do conselho. A parte de "sentar e conversar" Que na verdade, é o mesmo conselho do lado advogado, mas com palavras diferentes. — Isso não vai rolar. — respondo com uma risada consternada. — Dom tem

uma coisa que deixa as minhas emoções à flor da pele e eu tenho uma facilidade muito grande de explodir quando estou com ele. Eu vou decidida a resolver isso e quando vou ver, bum, a gente já está brigando. É foda lidar com isso, mas é a verdade. Dom foi a primeira pessoa que eu me permiti me abrir de verdade, já que a minha família não é muito boa nisso. Nem mesmo Delph gosta de expor seus sentimentos. Então, Dom e eu brigávamos com a mesma frequência que tínhamos bons momentos - talvez um pouco menos, mas isso não vem ao caso agora. O fato é: imagine quatorze anos de frustração acumulada. Imaginou? Agora me diga como isso pode acabar bem. Só se eu tomar um calmante ou algo assim. — Eu te adoro, Fleur, você sabe disso. — vejo o milagre acontecer quando ele para de focar na comida para colocar as mãos por cima das minhas, fazendo uma carícia suave com os polegares, me encarando com seriedade. — Talvez você precise pensar no que é melhor para a Josie. Ela com certeza não quer um clima tenso entre vocês dois e tenho certeza que você quer resolver isso tanto quanto ele. — Ele fica negando as coisas, Ethan! — aponto, decepcionada com a voz trêmula que está saindo de mim. — Posso estar errada, mas não acredito em uma palavra do que ele diz. A família dele sempre me aceitou muito bem, não teriam motivos para não terem me dito nada. Abaixo a cabeça, fechando os olhos com força quando sinto as lágrimas vindo. É a TPM chegando, com certeza. Eu não sou assim, de querer chorar por qualquer coisa. Tomo várias respirações profundas, tentando acalmar as emoções. — Pois encontre a tal foto. Mostre a prova e tome um calmante que não te deixe dopada. Isso está começando a sair dos limites e preciso da minha

advogada preferida focada comigo. — ele diz com um tom de voz suave e tira as mãos de cima das minhas. — E coma. Sei que não tem se alimentado direito e não quero você desmaiando por aí. Olho para ele, que agora já voltou a se concentrar no lanche, e agradeço aos céus por ele ter tomado um rumo diferente na conversa.

∆∆∆ — Você está parecendo um pepino. — ouço a voz de Delph, mas não tiro as rodelas de pepinos dos olhos. É sábado, Josie saiu com Dom e eu jurava que Delphine tinha dito que passaria este dia pouco ensolarado na casa de alguém que não fosse a minha. Ergo minimamente a cabeça apenas para tomar um gole do vinho, decidindo que, se ela vier com o questionário sobre Dom, vou fingir demência e começar a cantar Man down. Eu sei que é o cúmulo da imaturidade, mas é meu dia de garota, não posso simplesmente ficar sozinha e cuidar da mim mesma em paz? Devia ser pecado falar sobre qualquer coisa desconfortável enquanto a mulher está vulnerável com uma touca na cabeça e a cara verde. — Poxa, vai fazer greve de silêncio com a sua irmãzinha? — ouço-a andar pela sala e eu começo a cantar Love on top junto com Beyoncé. — Eu devo ter feito algo muito ruim para fazer você me evitar assim. — Você ainda não me contou o motivo de não ter ido ao casamento. Pensei que fosse por isso que tínhamos ido para lá. Não ouço nada por alguns instantes e prefiro pensar que Delph saiu quietinha da sala, mesmo que, no fundo, eu saiba que a minha irmãzinha ainda está aqui. — Estou criando coragem para te contar, Fleur. — a voz dela está muito hesitante. — Fiz uma merda das grandes e acho que isso vai afetar alguém.

Tiro as rodelas dos olhos, encarando a minha irmã. Ela parece estar à beira do choro e isso me deixa alerta. Se eu não sou de demonstrar sentimentos, Delphine é a própria personificação da impassibilidade. Me apoio nos cotovelos. Eu estava deitada no tapete, porque não há sensação melhor do que os pelinhos fofos contra a minha pele. — O que você fez? — pergunto cautelosa, não tendo mais tanta certeza se quero saber o que houve. — Me dá um tempinho, tá? Só para eu digerir o que aconteceu. Estreito os olhos, agora não apenas curiosa, mas preocupada também. — É algo relacionado a mim? Josie? Dom? — pergunto e ela balança a cabeça. — Então…? — sondo, minimamente mais aliviada. Só um pouquinho, quase nada. Ela balança a cabeça novamente e eu tomo um gole do vinho. Eu queria ir para um SPA. Queria mesmo. Mas, mesmo com a diferença consideravelmente alta no meu salário, ainda preciso pagar o carro, o aluguel do apartamento e a viagem com Josie e Alex, então ainda preciso segurar os gastos. Ela fica me olhando, teimosa como sempre. Tem alguma coisa rolando, isso é fato, mas eu realmente não quero complicações agora. É final de semana, só quero relaxar um pouco e deixar o meu cérebro virar geléia por algumas horas. Tenho certeza de que não é pedir muito. Decidida a ignorá-la, aliviada por não ser nada sobre mim, e deito novamente, colocando as rodelas nos olhos, viajando na voz de Justin Timberlake. Não demora até eu ouvir a minha irmã se movimentando e a música parar de tocar. Respiro fundo, me forçando a relaxar o corpo. A visão não deve estar bonita e torço para que ela não esteja tirando fotos, porque seria o fim me ver nesse estado em alguma rede social.

— Você está me evitando. Por quê? Solto um suspiro irritado. Ela não responde às minhas perguntas e sou eu quem está evitando aqui? Todo mundo está com o rabo preso. Eu não quero falar sobre Dominic, ela não quer falar o que houve em Fairbanks. Estamos quites. — Delph, eu estou no meu momento de paz e você sabe que eu mereço e preciso disso. A gente pode conversar depois? — tento deixar a irritação escondida, mas sei que não tenho muito sucesso. Ouço passos como se ela estivesse indo rumo ao quarto e solto um suspiro pesado. Ergo novamente a cabeça, com cuidado para que os pepinos não caiam e tomo o vinho mais uma vez, um gole maior. Algumas músicas passam quando ouço passos se aproximando. Se Delph não estiver saindo, vai voltar a encher o meu saco em alguns segundos. Não é hoje que consigo o dia de garota. Há uma movimentação muito perto de mim e então para. Silêncio. Vencida pela curiosidade, tiro os pepinos e ergo a cabeça, encontrando a minha irmã sentada no tapete, com as costas apoiadas no sofá, com a cara tão verde quanto a minha, vestindo um roupão e pantufas. Está com uma rodela de pepino em cada mão e um sorriso diabólico adorna seus lábios. Me limito a bufar e colocar novamente os pepinos nos olhos, fingindo não me importar com a curiosa ao meu lado. Mas quem é que consegue ignorar alguém que quer te interrogar em cima de você desse jeito? Duvido que tenha uma alma viva que consiga relaxar com isso. — Que merda, Delphine. — ralho, sem me mover. — Eu não falo o que me incomoda, você não fala o que te incomoda. Está tudo bem. Por que você tem que estragar meu momento?

— Porque eu sei que se chegasse depois, você arrumaria uma desculpa e sairia de casa. — responde enquanto ouço a voz de Justin Timberlake sendo cruelmente diminuída pela traíra. — Não tem ninguém surdo nessa casa. — Falou como a mamãe. — debocho e se ela estava sorrindo, certamente não está mais. Não há nada que Delph odeie mais do que ser comparada à Eleonora Lefebvre-Duboc. Sinceramente, ninguém gostaria de ser comparado à minha mãe. Ela é linda, claro, o título de Miss Universo 1983 sempre foi prova disso. Mas em caráter? Não, obrigada. — Você é uma irmã muito perversa. — retruca mau humorada, então fica em silêncio. — Por que não me disse que caiu no lago com Dom na festa do Jus? Eu, que estava ocupada tomando uma boa golada de vinho, engasguei. Com direito a precisar me sentar (com dificuldade e sem receber ajuda), uma rodela de pepino caindo na taça, pulmões ardendo e olhos lacrimejando. Pronto, acabou o dia! — Como você sabe disso? — pergunto depois do acesso de tosse, com a mão no peito, sentindo o coração bater com força. — Francamente, estou surpresa por não ter descoberto antes. — Por que você não foi ao casamento? — insisto, arqueando a sobrancelha. — Só me dá algumas semanas, Fleur. — pede, séria. — É só o que eu preciso. Algumas semanas, mais nada. — É tão sério assim? — pergunto baixinho, preocupada pra valer. — Pior. — fala desanimada, e quando o lábio inferior treme brevemente, sinto até medo. Por favor, que não seja nada que possa ferrar ninguém. — Foi terrível. — respondo a sua pergunta, acatando indiretamente o pedido dela. — Num momento a gente estava prestes a começar uma discussão, e no

outro... — Dom te deixou molhada. — provoca e eu estreito os olhos. — Qual é, Fleur, o cara vacilou contigo. Lembra do jeito que você estava quando me ligou desolada no dia que descobriu que estava grávida? Você tem que lembrar disso. Está parecendo que é só uma questão de tempo para você acabar na cama dele. — Isso não vai acontecer. — garanto e ela arqueia a sobrancelha, debochada. — Você está delirando. — Não acho que esteja. — dá de ombros e eu não sei se quero rir ou bater nela. — Isso não vai acontecer. — repito, gesticulando com as mãos. — Fleur... — Não vai! — Tá legal. — ergue as mãos em rendição. — Deixando a tentação ou não de lado, eu me lembro de como eu te encontrei no parque anos atrás, Fleur. Não estou brincando, se esse cara te machucar de novo, não vou poupá-lo dessa vez. Acabo com ele. Não tenho tempo de responder, porque ouvimos um barulho na porta e logo Josie está entrando em casa, sorridente. E acompanhada. Não por Alex. Ah não, isso seria muito bom. Mas por Dominic. — Querida, você não ia passar o dia com o Dom? — pergunto com um sorriso falso, mas estou olhando especificamente para Dom. É como um dèja vu. Ele fica parado nos encarando alguns instantes, intercalando o olhar entre Delph e eu, e solta: — Vocês parecem o Shrek e a Fiona. Se tiver uma live-action, vocês

deveriam fazer a audição. Rá! Rá! Rá! — Essa da live-action é nova. — Delph está com os olhos estreitos e tenho certeza que está imaginando várias formas de torturá-lo. Dom sempre gostou de brincar com nossos produtos de beleza e Delph… bem, ela não lida muito bem com isso, já que trabalha com isso. — Continua sendo o mesmo babaca, não é, Dominic? — Olha a Josie. — repreendo a minha irmã entre dentes e ela se limita a dar de ombros. — Dom, o que está fazendo aqui? — Mãe, você não vai acreditar no que o Dom topou! — Josie está empolgada demais para o bem da minha sanidade. — Adivinha, gente. — insiste quando ficamos em silêncio. — Ele vai voltar para a cidade das estrelas. — Delph sugere, com um sorrisinho ácido. Crispo os lábios para não entregar o meu próprio sorriso, porque alguém aqui precisa mostrar maturidade. — Já sei, vai mostrar um pouco de dignidade e vai embora agora. Dom parece surpreso com todo esse ataque não tão indireto, e me encara sério, como se eu fosse a vilã da história. Delph é minha irmã mais velha, é claro que vai me defender de qualquer coisa que possa me machucar. — Muito engraçado, tia Delph. — Josie faz uma careta de quem não gostou nada da atitude da tia, mas não desembucha. — Você pode simplesmente falar, Josephine. — gesticulo impaciente com a mão, tentando ao máximo fingir curiosidade. — O que o Dom topou, afinal? — Ele vai para a Noruega com a gente! — grita, rindo e abraçando Dom de lado. — Puta que pariu. — murmuro sem pensar, arregalando os olhos. Agora é

Dom quem abre um sorriso e eu estreito os olhos, tentada a quebrar ainda mais o seu nariz. — Ele não precisa trabalhar? Sabe, ele está de férias agora e a viagem já está chegando. — É o primeiro aniversário da Josie que podemos passar juntos, não perco isso por nada. Já conversei com a Mel e ela me substituir enquanto estivermos fora. — responde com uma camada de inocência, mas consigo sentir o fundinho de provocação no seu tom. Filho da mãe! — Não é incrível? — os olhos de Josie estão arregalados, o sorriso muito aberto e o rosto vermelho, tudo isso apenas para mostrar que está radiante com a novidade. E eu estou perplexa. Sério, não dá para acreditar. — Querida, e o Alex? Ele não vai se incomodar? — pergunto sabendo que o jovem é um elemento importante na vida da minha filha. E no momento, é a minha salvação, também. — Ah não, mãe, ele não vai se incomodar. Na verdade, ele adorou a ideia. — minha filha responde, completamente alheia ao meu desespero. Ou simplesmente está ignorando a minha cara de bunda. Não é possível que ela não tenha percebido que essa ideia de Dom com a gente não me agrada. — A gente acabou de comprar as passagens. Olho para Delph, procurando por ajuda, mas ela está ocupada demais encarando Dom como se pudesse matá-lo. Dom, por sua vez, não parece estar incomodado com essa situação. Na verdade, ele parece estar se divertindo. É ou não é um cretino perverso? — E ele também vai passar o dia de Ação de Graças aqui. — Josie diz rapidamente, se afastando. — Eu só vim para pegar um casaco extra. — continua, praticamente correndo para o quarto. — Está muito frio lá fora.

Ela desaparece e eu volto a encarar Dom. Essa viagem era a minha chance de tentar me aproximar da Josie, de fazê-la entender que ela não precisa me enxergar como uma inimiga. E Dominic passar o feriado com a gente? É o auge do abuso. — O que está acontecendo aqui? — pergunto ao mesmo tempo que ele diz: — Está tudo bem com vocês? — ele pergunta, com um falso sorrisinho inocente. — Tome muito cuidado, Dawson, você não vai querer arrumar uma briga comigo. — Delph parece rosnar e eu a encaro, porque eu teria achado graça desse tom de voz se a situação não fosse tão tensa. Dom dá uma risada gutural, trocando o peso dos pés. — Eu não quero brigar com ninguém, Delphine, são vocês que não param de me atacar. — Vá se fazer de idiota no inferno, Dominic. — me intrometo aos sussurros. — Essa viagem era a minha chance de me aproximar da Josephine e você está atrapalhando. — É a minha chance de me aproximar dela também. — aponta para si mesmo, franzindo o cenho. — Você teve treze anos de convivência com ela, por que está tão incomodada que eu construa um relacionamento a minha filha? Já não basta mentir sobre o meu pai? Ah, lá vem ele de novo com essa merda. — Vamos? — Josie aparece sorridente, não sentindo a tensão na sala. — Estamos saindo. Tchau, mãe, tchau, tia Delph. A despedida de Dom é um simples aceno de cabeça e logo os dois estão fora novamente. Encaro Delph sem acreditar no que acabou de acontecer. Ela suspira e inclina o corpo até apoiar a cabeça no sofá, colocando uma rodela

de pepino em cada olho. Olho para a rodela de pepino na taça quase vazia e me pergunto se tem como o dia piorar. — O Dom está de volta, Fleur. É melhor você aceitar isso. — Delph murmura sem se mexer. — Tome cuidado. Acabo com ele se você sair magoada de novo. Droga, eu só queria um dia tranquilo, sem emoções. Por que é tão difícil isso acontecer com Dominic por perto?

14 Fleur

P eru no forno e cheirando milagrosamente bem. Macarrão com queijo quase pronto. Mesa preparada. Delph ficou responsável pela sobremesa e decidiu comprar, porque não quis arriscar na cozinha como eu. Mas eu segui as receitas da internet à risca, é impossível dar errado. Estou há horas nessa cozinha. Por favor, Deus, que nada dê errado. — Vó! — ouço o grito empolgado de Josie e meu sorriso cresce. Estou um pouco nervosa porque é a primeira vez que tento levar à frente o jantar de Ação de Graças. Essa responsabilidade foi da minha avó nos últimos treze anos, e responsabilidade dos cozinheiros quando eu morava com os meus pais. Agora eu tenho um trabalho que me paga bem e tenho um apartamento bom o suficiente para receber visitas. É a primeira vez, também, que a minha avó vem nos visitar, e como eu sempre fui muito fraca na cozinha, precisei procurar um monte de receitas na internet. De preferência com vídeos... só para não correr riscos. — Vó! — exclamo, encontrando a minha avó agarrada à Josie. Ela me olha e abre um sorriso de aprovação e sei que minha roupa a agradou.

Assim como a minha mãe, Gertraud Lefebvre (que também foi modelo) esbanja elegância. Nunca foi de pegar no meu pé, mas dava para ver que era um grande sacrifício para ela me ver desarrumada. Especialmente porque a outra neta também é modelo. Quando ela me viu com um pijama de flanela pela primeira vez, eu jurava que a coitada teria um treco. — Meu coração! — ela vem na minha direção e me dá um abraço apertado, o seu perfume adocicado trazendo a velha coceira ao meu nariz. Fecho os olhos bem apertados e crispo os lábios para tentar conter o espirro. Minha avó adora perfume doces. Bem doces. Descobri do pior jeito que tenho alergia. Nunca tive coragem de contar para ela; vai que a mulher para de me abraçar por causa disso. Deus me livre. — Ai, vó, que saudade. — suspiro, aliviada, porque meu peito já estava muito apertado e eu não estava mais aguentando a falta dela. Ela se afasta apenas o suficiente para poder encarar o meu rosto e me analisa com cuidado. — Vó, você não sabe quem vai vir hoje. — Josie está com um sorriso tão sincero que tenho vontade de chorar por não compartilhar dessa alegria. — Quem, meu amor? — minha avó indaga, curiosa, intercalando o olhar entre Josie e eu. — Algum pretendente da sua mãe? — Ainda não! — Josie se põe ao nosso lado, envolvendo a cintura da minha avó. “Ainda não”? — Meu pai. — ela fala mais alto, dando um pulo desajeitado, fazendo vovó desequilibrar. Minha avó arregala os olhos e abre a boca, me olhando de forma questionadora. Esse é o momento que tenho vontade de me enfiar na cama, nas cobertas e ficar ali até esse dia acabar. Fiquei tão ansiosa nos últimos dias que não falei com ela sobre a visita de Dominic. — Seu pai…? — Gert olha para mim, procurando uma resposta. — Pai?

— Não é maravilhoso? — Josie pergunta se soltando. — Ele é um gato, você sabia disso? — Eu não duvido, mon amour, olha a garota linda que você é. — minha avó aperta as bochechas de Josie, que ri em resposta. — E onde está a sua tia? — Foi comprar a sobremesa. A mamãe fez o jantar, mas a tia Delph disse que não quer uma intoxicação alimentar. — Ela faz muito bem. — vovó afirma, porque ela também é um desastre na cozinha. Como eu disse, é coisa de família. Quando meus netos perguntarem qual é a nossa herança, posso inflar o peito e dizer: não sabemos cozinhar. É uma vergonha, eu sei. — Querida, eu preciso arrumar a maquiagem da sua mãe. Suponho que Dominic esteja chegando, você fica aqui para recebê-lo? — minha avó sugere e eu me encolho, sentindo a bronca chegar e não podendo fazer nada a respeito. — Imagino que Alex também vai vir, então você pode ficar aqui e esperá-lo também, o que acha? Josie concorda e minha avó me arrasta pela casa, mesmo sem saber onde é o meu quarto. Enfim, ela cede, e eu a guio, fechando a porta em seguida. Ninguém fala nada por alguns instantes, e, de verdade, quero que um buraco se abra e me engula. — Dominic está aqui? — ela questiona ao ver que não vou falar nada. Se senta na minha cama e abre um sorriso de aprovação. — Sem dores na lombar. Muito bem, meu coração. — Viu só? Eu sigo todos os seus conselhos, vó. — desconverso, trocando o peso dos pés. — Não seguiu sobre esse rapaz que quase acabou com você. — ela estreita os

olhos, muito séria. — Josephine falou que vocês ainda não estão juntos. Estou perdendo alguma coisa? Suspiro e me sento ao lado dela. Minha avó foi um baita alicerce para mim, não apenas quando Dom e eu terminamos, mas antes disso, quando eu quase surtava por causa dos meus pais. Ela sempre esteve ao meu lado. Não me parece justo mentir para ela agora. — Paige se casou. Ela me chamou para a cerimônia e, obviamente, Dom estava lá. — olho para as minhas mãos unidas no colo e respiro fundo. — Ele estava lá. — repito. — A Josie só está com expectativas por ver os pais no mesmo ambiente, mas vou conversar com ela. Minha avó amolece um pouco, concordando com a cabeça e pega a minha mão, apertando-a. — E como você está se sentindo? — pergunta e eu olho para ela. — Depois de tantos anos, como você está? — Eu não sei… — ouço o interfone tocar e faço uma careta. — Ele mudou, mas ainda parece o mesmo. — Você pode me explicar melhor? — Mãe, o Dom chegou! — Josie grita. — Alex e Tay também! —Estou meio assustada, só isso. — digo com sinceridade e ela ergue as sobrancelhas, curiosa. Fico acanhada, porque é vergonhoso demais para mim o que vem a seguir: — Eu ainda me sinto meio… meio… você sabe. — Não, querida, não sei. Ai, Senhor! — Meio atraída, sabe? — assumo no tom mais baixo que consigo, com medo que até que as paredes possam ouvir. — Ele está um gato, vó. Só que ele fica nessa coisa de ficar negando tudo que está me tirando do sério.

Infelizmente, tenho vontade de dar na cara dele por causa disso. No bom e no mau sentido. Ouço a conversa animada do lado de fora e olho para a minha avó, que está me olhando com a mesma expressão neutra de sempre, mas sei que está esperando mais algum detalhe. E pelo aperto que ela dá na minha mão, sei que já chegou a um veredito. — Vó, a gente pode conversar sobre isso depois? — peço quase chorosa. Já foi humilhante demais assumir em voz alta que talvez eu ainda sinta atração pelo meu ex. — Quero estar bem para esse jantar e ficar revivendo essas coisas sobre o Dom não vai ajudar. Ela me analisa por um instante e algo a convence, porque concorda com a cabeça, indo até a minha penteadeira. — Passe um batom matte, querida. — informa, girando a cabeça brevemente para me olhar. — Matte. — Para quê? — Uma mulher sempre está prevenida, Fleur. — pisca para mim com um sorriso contido, mas não é um sorriso sincero.

∆∆∆ Não importa o quanto eu tente, parece que nunca vai ser o suficiente. Eu mudei ao longo dos anos, claro, mas parte de mim nunca deixou de ser um pouco antiquada sobre algumas coisas. Dominic na mesma mesa de jantar que eu em um feriado tão família me deixa meio angustiada. O fato de ele estar um gato, não surpreendentemente, não ajuda. Também não ajudou muito a forma impassível que vovó lidou com Dominic. Ele parecia muito desconfortável com ela, mas ninguém disse nada. Ela lidou

com ele como lidaria com um desconhecido. Eu esperava olhares tortos, até uma pequena discussão, mas ela pareceu tomar todo o cuidado para evitar até mesmo olhar para o meu ex. Hum. A comida está boa. Não tão saborosa quanto eu esperava, mas dá para engolir e ter certeza que ninguém vai passar mal. Delph trouxe todo tipo de torta: de maçã, de abóbora, de noz pecã, de batata doce, além de cookies decorados. No fim da noite, estou tão empanturrada que cogito a possibilidade de fazer uma academia, porque as corridas matinais no parque não vão ser o suficiente para queimar tanta caloria adquirida em algumas horas. Fui deixar Taylor e Alex em casa, e minha avó no hotel (porque ela se recusou veementemente a perder a privacidade, mesmo que fosse ficando conosco). Delph e Dom ficaram com Josie, e não estou tranquila com isso. Delph não parece receptiva à ideia de Dom de volta à minha vida, porque anos atrás, ela tomou todas as minhas dores. Todas. Ao voltar para casa, não sinto um clima muito amigável. Minha irmã está olhando para Dom com os olhos estreitos e ele, por sua vez, está conversando descontraidamente com Josie, que já está de pijamas. Os três olham para mim e eu checo o horário no relógio em meu pulso. Já passa da meia-noite e eu espero muito que ele não invente de dormir aqui em casa. — Mãe, o Dom topou dormir aqui hoje. — Josie corta a minha expectativa e eu o encaro. Não é surpresa que ele não parece incomodado. — Já separei o travesseiro e os lençóis para ele dormir aqui no sofá. A gente só estava te esperando. — Me esperando para quê? — pergunto, intercalando o olhar entre os três.

Não gosto de Dom dormindo aqui. Não gosto mesmo. — Dom, eu posso te deixar no hotel. — Essa é a minha deixa. — Delph se levanta e beija a bochecha da minha filha. — Preciso sair, vou me encontrar com uma pessoa. Só estava esperando você chegar. — ela se aproxima, o sorriso indo embora, então sussura: — Cuidado com ele, sis. Tudo acontece num piscar de olhos. Delph sai, Josie me puxa e me senta no sofá, ficando entre mim e Dom. O aroma que vem dele é muito bom. Quando éramos mais novos, ele não era muito de perfumes, mas esse que ele usa agora definitivamente me agrada. Não tem como isso ser bom. — Amor, o que está acontecendo? — pergunto para Josie, desconfiada. — Eu sou grata ao Alex, por ser o meu melhor amigo e pela viagem que vamos fazer em uma semana. Sou grata por ter a mãe mais incrível do mundo, que está sempre dando o melhor de si para me dar o que eu preciso, mas ainda ser presente da melhor maneira que consegue. Agradeço também por ter conhecido o meu pai, que é um homem gentil, engraçado, carinhoso e é mais do que eu idealizei nos últimos anos. Limpo a garganta ruidosamente, me remexendo no sofá. Não tenho coragem de olhar para nenhum dos dois, porque desde que se conheceram, tenho me sentido a pessoa mais tosca do mundo. Há um silêncio constrangedor e tenho vontade de colocar uma música bem alta para cobri-lo. Meu nariz começa a pinicar e minha visão fica turva por dois motivos: com a relação esquisita que tenho tido com Josie, é reconfortante saber que ela ainda me acha incrível; e por… não sei, constrangimento, talvez? Estou começando a sentir o efeito de nunca ter conversado com ela sobre Dom, porque eu nem sabia que ela o idealizava de

alguma forma. Fecho os olhos com força, porque não há a mínima possibilidade de eu chorar aqui e agora. — E então…? — Josie diz e eu olho para ela, confusa. — Agora é a vez de vocês. Pelo que vocês são gratos? — A gente já agradeceu mais cedo, minha flor. — tento escapar com um sorriso débil. — Mas eu estou com vocês dois e esperava que a gente começasse a construir novas memórias. — ela insiste. Olho para Dom, que sustenta o meu olhar. Parece tão surpreso quanto eu, e faz um gesto com a cabeça. Franzo o cenho sem entender, mas estou confusa com tudo que está acontecendo aqui. Isso parece sentimental demais para mim e para os bons muros que ergui cuidadosamente ao longo dos anos. — É a vez de vocês. — minha filha instiga e meus olhos ricocheteiam até ela, que encolhe os ombros como se eu fosse maluca. — Mas todo mundo já foi embora. — digo o óbvio e Dom concorda rapidamente com a cabeça. — Não quem importa. E sem formalidades, a gente já agradeceu pela família, pela nova casa, pelo carro lindo e essas coisas. — reforça e eu arqueio a sobrancelha. Não se pode agradecer por mudar de vida? Que tipo de agradecimento ela quer? Então, ela dá a tacada final, agarrando as nossas mãos: — Por favor, é importante para mim. Estreito os olhos quando ela usa a expressão de cachorro abandonado. Não sei com quem ela aprendeu isso, mas desde pequena tem essa mania, e eu, como a boa molenga que sou, não consigo recusar nada quando ela arregala os olhos, bate os cílios e faz um beicinho muito bonitinho. Preciso encontrar um jeito de ficar imune a isso. Urgentemente.

Suspiro, resignada, apertando a mão dela. — Sou grata por ter a vovó vindo passar o feriado conosco, porque sei o quanto ela odeia esse clima frio. — ouço a risadinha de Josie, e Dom acaba abrindo um sorriso. — Sou grata por ninguém ter passado mal com o jantar… — Ainda. — Josie brinca e eu aperto a sua mão. — Ainda. — reitero. — E por ter uma filha tão amorosa, na maior parte do tempo. — provoco e vejo o brilho de contentamento passar por seus olhos. Continuo, olhando para ela, porque a coragem de ver a reação de Dom não está aqui: — Agradeço por Paige e Jus, por terem voltado para a minha vida e trazido o seu pai para a nossa vida… — Josie arregala os olhos e seu sorriso fica tão grande que sinto a necessidade de explicar rapidamente para que ela não crie expectativas. — Para você. Para que você o conheça. Dito e feito. Josie murcha e eu abro um sorriso triste, dando um beijo na sua têmpora. — Te amo, princesa. Obrigada por dar um sentido novo e lindo à minha vida. Josie funga e pisca várias vezes, então se remexe encara Dom. Acabo fazendo o mesmo, e ver seus olhos marejados me pega desprevenida. Ele balança a cabeça, endireitando a postura, encarando a minha filha. — Sou grato por estar aqui, depois de tantos anos, com uma filha linda, que se parece comigo em tantas coisas, mesmo que a gente só tenha se conhecido agora. Grato por poder participar da sua vida daqui em diante e realizar o meu sonho de ser pai. — Esse sonho quem realizou foi a minha mãe. — Josie me cutuca com o ombro, me olhando de soslaio, um sorriso de orelha a orelha adornando seus lábios. — Vocês fizeram um bom trabalho. Dou uma risada, mas é de nervoso.

Sou muito aberta em conversas com a Josie sobre sexo. Ela sabe que bebês não são feitos com dedos, vibradores e não vêm das cegonhas. Já lidei com muitos casos de estupro de vulnerável, e grande parte nem sabia o que estava acontecendo. Ninguém toca na minha filha sem o consentimento dela. Ninguém passa a mão falando que é apenas carinho e diz que esse é um segredo deles. É algo que não abro mão. Dom não parece surpreso ou constrangido com o que ela diz. Na verdade, ele abre um sorriso orgulhoso, concordando enfaticamente com a cabeça. Olha o sorriso desse homem, meu Deus! Preciso sair daqui. — Bom, por que não vamos dormir? Amanhã eu ainda trabalho e tenho poucas horas de sono a partir de agora. Josie concorda e vai pegar as coisas que separou para ele. Não sei se ele tem roupas, mas considerando que veio com uma mochila e eu fui lerda por não perceber isso antes, posso considerar que Dom chegou preparado. Mais silêncio. Dom fica me encarando com os olhos estreitos e eu começo a ficar desconfortável. Não gosto do jeito que me olha. Não gosto mesmo. É familiar demais e isso nunca esteve nos meus planos. Josie volta e ele vai se trocar. Arrumamos a colcha e mesmo que provavelmente ele não vá precisar do travesseiro porque o encosto do sofá é muito confortável, é bom que tenha essa opção. Minha filha parece muito feliz, e vê-la assim acaba me fazendo relaxar um pouco e ceder. Mas, preciso conversar com ela sobre tomar essas decisões sem me consultar antes. Quando Dom está de volta vestindo uma camisa regata e uma calça moletom, entendo essa como a nossa deixa para irmos dormir. Dom, claro, não pensa da mesma forma. — Posso conversar com você? — pergunta e sinto Josie quase vibrar ao meu

lado. — Não vai levar muito tempo, eu prometo. — Eu já vou. — Josie dá um beijo rápido em nossas bochechas e sai saltitando rumo ao seu quarto. Dom se senta no sofá e faz um gesto com a cabeça para que eu faça o mesmo. Preciso de uma bebida. Preciso muito de uma bebida. Peço para ele esperar e vou até a cozinha, quase chorando ao ver a quantidade de louças para lavar amanhã. Pego a garrafa de Chivas Regal 18 anos que foi aberta há alguns dias e encho um copo. Completamente. Enfrentar Dominic com certeza requer um bom uísque. Encontro-o da mesma forma que o deixei e me sento. Ele olha surpreso para o meu copo, mas não diz nada a respeito. — Conversei com o meu pai. — ele começa, tão baixo que preciso aguçar a audição para conseguir entendê-lo melhor. Então fico tensa e tomo um longo gole da bebida. — Ele disse que prefere que a gente converse pessoalmente, mas isso obviamente é um indício de que ele sabe de alguma coisa e nunca me disse nada. — sinto uma movimentação ao meu lado e olho para ele. — Eu não sabia, Fleur. Juro por Deus que eu não sabia de nada. — Tudo bem. — digo lentamente, dando de ombros. — E eu também juro que recebi uma foto com você do jeito que veio ao mundo com lado de uma Lizzie igualmente nua. Ouço uma respiração profunda antes de ele falar. — É isso que acaba comigo. Você não está só falando. Esse seu tom de acusação é o que me tira do sério, como se você não soubesse que eu seria incapaz de trair você. — ele insiste entre dentes, completamente rígido. Umedeço os lábios, girando o corpo para ele, me aproximando apenas para que ele escute, já que diminuo bruscamente o tom de voz: — Olha, Dom, eu sei o que vi e esteja avisado que vou te fazer engolir a

droga dessa foto, porque, vamos lidar com os fatos, fui eu quem ficou sozinha com uma criança que eu desprezei tanto no começo, que não conseguia nem olhar para ela e muito menos amamentá-la se não fosse com Delph e minha avó me forçando a segurá-la enquanto eu chorava e me debatia porque não queria nada que me lembrasse você. Eu fiquei sozinha. Você pode falar o que quiser, mas não dá para acreditar em você. Não dá. Percebo que já percebi a paciência, então fecho os olhos, respirando fundo e tomando mais um bom gole do uísque. Todo o processo da gravidez e os primeiros meses com Josie foram horríveis. Me arrependo pra cacete todos os dias por não ter sido a mãe que ela precisava. Quando olho para ele, a calma não chegou, mas sinto que estou mais controlada. — Eu sei que a gente precisa dar um jeito nisso e descobrir o motivo de tantos buracos, mas me deixa encontrar a droga da foto. Não estou brincando, eu não tenho razão para mentir sobre isso. Pelo menos amanhã só vou trabalhar no período da manhã, então vou passar a tarde procurando. A noite também, se for preciso. E a madrugada. Não é possível que eu tenha tanta tralha assim. Não sei exatamente quando a raiva deu lugar à mágoa, mas é assim que ele me olha agora. Como se eu o tivesse apunhalado pelas costas. Fico sem saber o que falar, porque eu tenho direito de ficar assim, não ele. Meu estômago está embrulhado, a sala de repente parece muito mais gelada e está mais difícil de respirar. Então só fico aqui, olhando para Dom, esperando que ele diga alguma coisa. — Não entendo o porquê de você insistir tanto que um fui tão sem caráter para ter te traído sendo que eu só tinha olhos para você. É isso que me deixa surpreso, na verdade. Não passou pela sua cabeça, não sei, que eu estava sendo tão enganado quanto você? — ele fala baixo, mas firme e eu limpo a

garganta. — Sinceramente chegou a me amar, Fleur? Chegou a realmente querer dividir uma vida comigo? Porque não é possível que você duvide desse jeito que você era tudo o que eu queria. Isso é difícil de engolir. Cada palavra dele é pontuada por uma vulnerabilidade que me acerta como um soco, e sinto uma lágrima deslizando em cada bochecha. Minha primeira reação é enxugá-las com a mão que não segura o copo o mais rápido possível, como se eu pudesse evitar que Dom visse. — Estou esperando uma resposta. — Dom insiste, me olhando sério. — Não faz isso, Dom. — balanço a cabeça, com um sorriso triste. Estou puta, claro, mas estou cansada e definitivamente não esperava nada disso. E o tom dele, como se não acreditasse que um dia eu o amei, me deixa tão desorientada que tenho vontade de chorar até não aguentar mais. — Não fala como você não soubesse que eu te amei. — enxugo furiosamente outra lágrima que escapa, engolindo o bolo que se formou na minha garganta. — Você e eu nos amamos, e então você quebrou o meu coração. Você sendo inocente ou não, uma foto chegou para mim com você na cama com outra... — Fleur… — … eu tinha acabado de descobrir que estava grávida, estava louca para contar para você. Tem ideia de como eu me senti? — não me orgulho de como a minha voz está fraca e trêmula, mas preciso acabar logo com isso. Dom continua sério, com o maxilar trincado. Seus olhos estão lacrimejados e sei que está se controlando para não falar nada. — Eu esperei você ir atrás de mim e foi em vão. Não me importa mais quem é culpado aqui, porque nós dois fizemos merda, mas eu estou fazendo o que posso para encarar isso. Só me dá um tempo, tá legal? Por favor. Dom não me responde, mas vejo o seu pomo de adão subir e descer algumas

vezes. Sei que ele está segurando o choro, assim como eu, então decido que essa é a minha deixa. Viro o copo e não consigo conter a careta, porque tanto álcool parece queimar a minha garganta. Sinto uma leve tontura e preciso ir logo para a cama. — Não me importa mais, Dom. A gente vai resolver isso e seguir em frente. Não sei o que aconteceu de verdade com você, mas eu fiquei sozinha de várias formas. Perdi meus pais, meus amigos, e você. Eu só quero seguir em frente, então, por favor… por favor, me dá um tempo para digerir o que está acontecendo. Não sei de onde saiu isso, mas não tenho tempo para encontrar a resposta, porque um choro iminente quer me invadir. Saio quase correndo da sala, ignorando-o me chamar e vou para o meu quarto. Coloco o copo vazio na escrivaninha e respiro fundo, mas não é o suficiente. Começo a tremer e a chorar o mais silenciosamente que consigo. É um misto de tudo, de saudade, de vergonha, de tristeza e raiva. É isso que acontece quando Dominic que está por perto. E estou com aquela sensação de que é só o começo.

15 Dominic

ão acredito que você e Fleur não se desculparam um com o outro.

— N Encosto as costas na parede, fazendo uma careta. Isso veio de

Nolan, meu padrinho no grupo de apoio de ex dependentes químicos há seis anos. Conversei com Harper, noiva dele, mais cedo sobre o meu relacionamento complicado com Fleur, e ela não gostou do fato de eu não estar "facilitando" a vida da mãe da minha filha. Nolan não estava na hora, mas Harp garantiu que ele não demoraria a me ligar para reclamar do meu comportamento. Agora vamos trabalhar com a honestidade: no começo eu achava que Fleur só estava sendo cruel e desonesta, afinal, sempre achei que ela tinha ido embora, e descobrir quatorze anos depois que ela ainda estava grávida, foi como uma punhalada no peito. Assumo minha culpa nisso. Completamente. Mas depois que ela falou do meu pai e ele pareceu tão hesitante... E tem um lado meu, um lado imenso de grande, que se recusa a acreditar que a minha Fleur, a minha garota, a minha petite folie tenha acreditado por um momento que eu tivesse coragem de trai-la. Com Lizzie. Lizzie, porra, que eu considerava minha amiga. E que tem rejeitado todas as minhas ligações desde o casamento da Paige, mas eu achava que era por causa do trabalho.

Eu entendo, entendo mesmo que Fleur estava assustada, que ficou com medo e que deve ter sido uma facada nos rins ver essa tal foto que ainda não encontrou ainda e que tem despertado a minha curiosidade, porque não me desce que alguém tramou tanto assim para cima de nós. Quero dizer, se isso tudo aconteceu, foi a mesma pessoa que me drogou, não foi? Voltando... eu entendo. Depois de passar a última noite sem dormir direito pensando em tudo o que ela falou, é mais que compreensível. Eu me sentiria do mesmo jeito se estivesse no lugar dela. Mas e depois? Ela simplesmente aceitou isso como verdade e pronto? Segue a vida? Certo, não foi simplesmente "segue a vida". Ela me deu um vislumbre de como foi a gestação, e saber que ela teve depressão pós-parto partiu o meu coração. Fez o meu corpo inteiro doer num nível que eu nem sabia que era possível. O problema é que ela não me deu uma brecha depois disso. Quando acordei depois de um sono de menos de duas horas, ela já tinha saído. E eu acordei às seis. Josie disse que isso é comum, mas nós sabemos que não se trata disso. — Nolan, estou um pouco enrolado agora. — aviso, olhando para Josie e Alex através do vão da porta da entrada do restaurante que estamos jantando. Passamos o dia juntos e foi sensacional. Consegui fotos incríveis de Josie, e as espontâneas simplesmente roubaram o meu coração. — Será que podemos conversar depois? Uma coisa difícil para um recém-pai de adolescente lidar: a filha apaixonada. Está tão óbvio que Josie sente alguma coisa romântic pelo Alex, que fiquei enjoado. Há toda aquela coisa de sorrisos sem graça, rosto corado, olhos brilhando quando olha para ele, mesmo quando Alex fala alguma coisa idiota

como "os genes da Josie são tão lindos quanto os da Fleur. Mandou bem, senhor Dawson". Senhor. Isso mesmo, "senhor". Num dia sou o cara cheio de vida e sem crises da meia idade, no outro sou "senhor". E bom, eu não sei o que pensar sobre o fato de Alex também gostar da Josie. Reconheço de longe o "cara bacana" quando se apaixona pela primeira vez, e estou diante disso agora. Não sei bem o que eu preciso fazer quanto a isso, se é que eu tenho direito de fazer alguma coisa, já que sou praticamente um estranho na vida deles. Mas, Alex gosta da Josie. Estremeço só de pensar no que pode acotecer caso esses dois namorem. Sei que Josephine não é mais uma criança, mas me dou uma colher de chá, porque afinal, tudo é muito novo para mim. — Dom, você está aí? — ouço a voz de Nolan e pisco várias vezes, murmurando uma concordância, observando Alex segurar uma mecha do cabelo de Josie, com o rosto muito perto do dela. — Preciso desligar. Tem um moleque querendo perverter a minha menininha. Ouço a risada do meu padrinho antes de desligar e tento caminhar tranquilamente de volta para a mesa, estreitando os olhos na direção de Alex, que encolhe os ombros. — Esse restaurante é incrível, Dom! — Josie exclama e eu a encaro, confuso. — Você e a Fleur não vão a esse tipo de lugar? — Ah, não. — balança a cabeça para dar ênfase. — Só entro em lugares assim quando vamos visitar a vovó ou quando a tia Delph está aqui e paga os nossos almoços. Mamãe foi promovida há pouco tempo, então ainda estamos em processo de mudança. — dá de ombros. — A gente se mudou para o Harlem há menos de dois meses e até o carro é novo. Certo, estou surpreso. Quando Fleur disse que os pais a deserdaram, não

imaginei que tivesse sido a esse ponto. E Gertraud não a ajudou? Quero dizer, ela sempre foi louca pelas netas e tenho certeza que não deixaria Fleur viver com menos do que ela estava acostumada. — Vamos? — ergo a mão, chamando o garçom para fechar a conta. — Você não se incomoda mesmo de ficar com a Taylor e o Alex enquanto converso com sua mãe? — Se isso significa que vocês vão se resolver, é claro que não me incomoda. Entrego o cartão ao garçom, que sai em seguida. Tenho notado que Josie é um pouco fechada em fazer qualquer coisa com a Fleur, até mesmo numa simples conversa, e é esquisito imaginar uma Fleur rígida. Pelo menos nesse nível que deixa Josie tão receosa. Quando nos conhecemos, Fleur era tímida, apenas, mas ela só precisou de um pouco de paciência e carinho para florescer. Ela sempre foi tão espontânea, é realmente difícil imaginá-la tão diferente. — Vou conversar sobre isso com a sua mãe e vamos resolver isso. Prometo, querida.

∆∆∆ A primeira coisa que chama a minha atenção ao entrar no apartamento de Fleur (com a chave da Josie), é a própria Fleur sentada no tapete, rodeada de chocolates, uma caixa de lenços e um filme que suponho que seja romance passando na TV. Ela está falando com alguém no celular e parece muito mal humorada. Está de costas, mas vejo que está vestida muito diferente do que já vi até agora: está usando casaco e calça moletom, coque bagunçado no alto da cabeça e percebo que cheguei num péssimo momento. Esses são alguns indícios da TPM da Fleur. Fazem anos que não convivo com ela, mas é um padrão. E esse padrão,

aparentemente, não mudou. Fleur fica bem complicada nesse período: queda de pressão, cólica, vômito, moleza, muito choro e um estresse do cão. Em resumo, não há momento pior para conversar com ela do que esse. — Eu já disse que está tudo bem, Ethan. Que droga! — ela ralha e eu me encolho. Parece que ela continua a mesma nesse aspecto. Fecho a porta silenciosamente, comparando as minhas opções. Não deve ser tarde para ir embora e esperar seis dias para voltar. É tarde sim, porque Fleur gira a cabeça de uma vez, retorcendo o rosto ao me ver, mostrando que não sou uma surpresa bem-vinda, se despedindo de Ethan, que me lembro ser o chefe dela. Ela coloca o celular na mesa de centro, e não tenho outra opção que não seja me aproximar. Talvez eu possa falar com ela durante a viagem. Fleur sempre chorou muito nesses dias, e mesmo que o pranto viesse por causa de um comercial de margarina e ela deixasse claro que não deveria ser levado em conta, vê-la no mínimo de estado de fragilidade sempre mexeu pra merda comigo. Sempre fazia o meu estômago se retorcer, o meu coração ficar acelerado (não no bom sentido) e me deixar meio desesperado por nunca saber o que fazer para deixá-la melhor. — Onde está a Josie? — ela pergunta, fungando. — Na casa do Alex. Taylor me prometeu que vai ficar lá o tempo inteiro, vou buscá-la mais tarde. Tive que alugar um carro porque notei um certo pânico em Josie à simples ideia de subir numa moto. — Certo. — ela diz simplesmente e volta a atenção em algo no seu notebook que está em cima da mesa de centro, tirando um lenço de papel da caixa, assoando o nariz.

Ah, pronto, como se não bastasse, ela está gripada também. — Está tudo bem? — pergunto retoricamente e vejo-a retesar. Joga o papel num pequeno cesto de lixo, me encarando muito séria, o nariz vermelho e os olhos marejados. — É só um resfriado. Em dois dias vou estar zerada. Sua voz está muito rouca, bem diferente do tom que a ouvi usando com o chefe dela, um cara que atiçou a minha curiosidade quando disse que tinha ouvido falar de mim. Também está um pouco fanha, mas quase não dá para notar. Na realidade, Fleur está parecendo muito abatida. Ela não parecia resfriada ontem, mas acredito que ela já tenha acordado assim, e o fato de ela ter saído numa manhã fria deve ter contribuído para a piora. Sabendo que não temos muita liberdade para falarmos sobre esse assunto sempre, decido falar de uma vez, porque se ficar adiando, sempre vai ter alguma coisa para atrapalhar. — Me desculpa, Fleur. — digo e limpo a garganta para tirar a aspereza e Fleur arregala os olhos, surpresa. — Eu deveria ter desconfiado que tinha alguma coisa errada na época e ter insistido em ouvir de você mesma o que aconteceu. Gostaria de ter ficado do seu lado, te protegido e você não sabe o quanto me desarmou saber o que você teve que enfrentar. Estou aqui, estou me sentindo mesquinho pra caralho por ter julgado você, então prometo que vou escutar tudo o que você disser, mas por favor, não me deixa mais às cegas. Por favor, vamos resolver isso de uma vez. Sei que o meu tom de voz sai desesperado e trêmulo, e não duvido que a minha expressão me faça parecer um cara neurótico, mas droga, estou perto de entrar em num estado de colapso nervoso total aqui. Fleur estreita os olhos e mantém a postura ereta. Imagino que ela olhe assim para os seus clientes, e preciso fazer um grande esforço para não demonstrar

o desconforto. — Espere um pouco. — ela diz, saindo da sala. Afundo no sofá, fechando os olhos com força. Há um zumbido muito chato no meu ouvido e sei que é pela ansiedade. Depois de passar anos imaginando o que tinha acontecido com Fleur e de ficar criando suposições, cada uma mais louca que a outra, é reconfortante saber que vamos colocar as cartas na mesa. Não muito reconfortante, porque já sei que a história não é bonita. Ao menos vamos resolver. É um consolo. Quando ela volta, se senta no outro sofá e consigo enxergar uma folha de papel fotográfico. Ela olha para a foto e vejo vários sentimentos passando pelo seu rosto: dor, mágoa, indignação, confusão. Então tira uma foto de trás. Duas fotos? Ela demora um pouco e respira fundo antes de estendê-las para mim. Minha mão está tremendo quando as pego e meu coração afunda, o sangue parando de bombear pelo meu corpo por alguns segundos enquanto tento encontrar um sentido nisso. Não tem como isso estar acontecer. Não, não, não tem nenhuma chance de ser real. Olho abismado para Fleur, que está com a expressão perigosamente neutra. Ela disse que me faria engolir essas fotos, mas está muito tranquila. Parece que é outra pessoa que está aqui, não a mulher que discutiu comigo nas últimas semanas. Olho para a primeira foto, sentindo a visão ficar turva por um ou dois segundos, voltando a encarar o Dominic de quatorze anos atrás: numa cama de solteiro, completamente nu. Desacordado, e pelo registro na lateral da foto, foi no mesmo dia em que tive a recaída e toda essa bagunça começou.

Inacreditável. Olho a segunda foto e não consigo deixar de me sentir enjoado. Tenho a sensação de que toda a comida quer voltar, então fecho os olhos para alguns instantes, mas parece que a imagem já está fixada na minha memória. É do mesmo dia, mas agora Lizzie está ao meu lado, suponho que completamente nua, já que - felizmente - só consigo nos ver até a altura dos ombros, e só a visão já me enoja pra cacete. Seus cabelos estão bagunçados, meu braço está envolvendo os seus ombros e seus lábios estão colados aos meus. Seus olhos estão focados na câmera e o ar triunfante em sua expressão me faz estremecer. — Mas que diabo! — chio, respirando com dificuldade, olhando para Fleur. — Fleur, isso não é verdade. Nada disso aconteceu. Eu nunca transei com a Lizzie. Ela coloca os pés no sofá, abraçando as próprias pernas. Parece tão pequena, e piora quando fecha os olhos e respira fundo, soltando uma respiração trêmula. Eu estou puto. Claro que estou puto. Mas que porra é essa? Lizzie sempre foi minha amiga, e nunca passou disso. Inclusive, ficou do meu lado depois da recaída, me deu apoio, dizia que não tinha notícias da Fleur. Caralho! Caralho, caralho, caralho! Quando ela fala, sua voz está trêmula, como se estivesse fazendo um grande esforço para conseguir verbalizar alguma coisa, e seus olhos ainda estão fechados. — Acho que você lembra que passei algumas semanas indisposta, enjoada, um pouco mais emocional do que o normal, e tinha dito que era a pressão por estar esperando as respostas das universidades. — concordo com a cabeça, mas ela continua com os olhos fechados. Fleur umedece os lábios, abrindo um sorriso fraco. — A ideia de uma possível gravidez foi da Paige. Eu neguei

a ideia por alguns dias porque a gente sempre teve muito cuidado e eu tomava remédio. Não tinha adoecido, não estava misturando remédios, então quais eram as chances? Mas a Paige disse que já que eu estava tão certa de que não estava grávida, não me importaria de perder alguns dólares para comprar um teste. — E você concordou. — digo quando ela se cala, e ela concorda com a cabeça. Ela faz uma careta como se fosse chorar, então sacode a cabeça, se recompondo. Cogito a possibilidade de sentar ao seu lado, de abraçá-la e confortá-la, mas sei que ela vai recuar, então o melhor é ficar quieto. — Comprei seis testes. Todos eles deram positivo. Eu fiquei desesperada. Estava com a vida começando e teria que cuidar de uma criança sendo que nem sabia trocar uma fralda. A única experiência com bebês que eu tinha era com os filhotes de gato da Paige. Não consigo conter uma risada baixa, sentindo uma pontada na peito. Começo a batucar os dedos no braço do sofá e coloco as fotos ao meu lado, viradas para baixo, porque não consigo vê-las sem sentir uma vontade descomunal de viajar até Washington e confrontar Elizabeth. Não. Agora é o momento de ouvir a Fleur. — A gente tinha combinado de se encontrar no parque à noite, então eu ficaria um pouco com a Delph e ela me daria cobertura para que eu pudesse ir te encontrar. Eu estava assustada, consegui uma briga com os meus pais pelos motivos de sempre... — Fleur... — preciso cortá-la docemente, mas seus olhos continuam fechados. Ela respira fundo e acena com a cabeça, indicando que me ouviu. — Não precisa adoçar. Vocês só brigavam quando eles falavam de mim, não precisa esconder isso logo agora. Ela abre um sorriso fraco e acena com a cabeça novamente, limpando a

garganta. — Tudo bem. Tínhamos brigado por sua causa, então além de assustada, eu estava furiosa. Delph me deu cobertura e eu fui te encontrar. Fiquei te esperando por um tempo até que comecei a ficar preocupada, pensando que alguma coisa poderia ter acontecido... tentei te ligar várias vezes e sempre caía na caixa postal, e estava pronta para ligar para Norah quando você me ligou, mas, obviamente, não era você. — Lizzie. — digo quando ela faz uma careta, retesando com a simples menção do nome. — Fleur, eu entendo que isso seja confuso, mas eu juro que... — Agora eu falo, Dom. É a minha vez. — ela me corta duramente e eu concordo com a cabeça, relutante, trincando o maxilar. — Ela disse que estava te dando todo o carinho que eu não estive dando nas últimas semanas, que vocês estavam se divertindo, me mandou essas fotos... me chamou de "petite folie", Dom. Só você me chamava assim e ela estava debochando disso. Preciso engolir o bolo que se forma na minha garganta e engolir o choro, olhando para as fotos viradas, de repente me sentindo envergonhado. E confuso. Tentando encaixar as peças. Mesmo com os olhos fechados, vejo quando algumas lágrimas escapam e deslizam pelo rosto de Fleur, mas antes que eu possa me levantar e ir consolá-la, ela as enxuga quase furiosamente. — Depois disso pedi para Delph ir me encontrar e fiquei trancada em casa. Passei semanas abalada, sem ver ninguém, e ela ficou comigo o tempo todo. Não fui ao baile de formatura, nem à colação. Pedi para ela para que só deixasse você subir para falar comigo caso fosse me procurar, mas você não foi. Nem uma ligação. Nem uma mensagem. Quando a barriga começou a aparecer, tive que falar para os meus pais e eles me expulsaram de casa e me

mandaram esquecer o sobrenome Duboc. Delph me levou para a casa da vovó, que era aqui em Nova Iorque e fiquei confinada até Josie nascer. Franzo o cenho, confuso. Foi Gertraud quem conseguiu uma medida de restrição contra mim, alegando que eu tinha batido em Fleur e que eu era uma ameaça. Quando eu implorei apenas para ouvir da própria Fleur o que aconteceu porque não me lembrava de nada e estava desesperado para pedir desculpas, ela simplesmente mandou me prender. Abro a boca para dizer isso, mas Fleur funga e continua: — Como você já deve ter percebido pelo que eu disse ontem, tive depressão pós-parto. Não conseguia olhar para Josie porque ela me fazia lembrar de você e vovó e Delph me seguravam para que eu a amamentasse mesmo que estivesse chorando desesperada. Eu lutava porque não queria olhar para ela, não queria ficar perto dela, mas depois de uns dois meses parei de produzir leite o suficiente, então precisamos recorrer ao banco de leite. Eu amo a minha filha, Dom, a Josie é tudo, tudo para mim, mas não foi um começo fácil. Eu odiei a maternidade e todo o fardo de ser mãe solo, sendo que olhar me lembrava de você e a traição. Não a amei desde o começo como acontece com outras mães e nunca senti que a maternidade fosse algo mágico, poderoso e transformador. Foi muito doloroso e solitário, mesmo que tivesse gente para ficar comigo. Mas eu odiava a ideia de que ela era sua filha também. Odiava, odiava do fundo do meu coração. Ela se cala e quem precisa enxugar as lágrimas agora sou eu. Morde o lábios com força, soprando algumas respirações. Sem conseguir me conter, vou para o seu lado, e sinto o meu coração apertar quando ela retesa, indo para o canto e se encolhendo. — Quando consegui pensar um pouco mais, ir para a faculdade e sentir que estava voltando à normalidade, pensei que seria bom você saber que a Josie

tinha nascido e que era uma garota sadia. Minha avó não gostou da ideia, mas me apoiou. Mandei algumas fotos para você, tanto da gravidez, quanto de Josie depois de nascida. Te mandei por e-mail, porque não tinha mais o número de ninguém e ninguém me procurou. E eu não os culpo, já que quem foi embora sem dar explicações, fui eu. Mas eu te mandei fotos, Dom, e nunca tive uma resposta. — balança a cabeça, enxugando o rosto quando algumas lágrimas escapam novamente. — O seu pai me ligou alguns dias depois, perguntando se eu queria acabar com a sua vida e que eu precisava parar de ir atrás de você e te ferrar. Que a minha família acabaria te matando e que se eu sentia um pouquinho de consideração pelos Dawson, iria me afastar para que vocês conseguissem se reerguer. — Porra. — solto, resfolegando. Meu pai nunca me disse isso. Nem ele, muito menos a minha mãe. E saber que eles... eles sabiam da Fleur, sabiam da Josie, e nunca me disseram nada, só diziam que também estavam tão confusos quanto eu... Passo as mãos pelos cabelos, puxando os fios, angustiado. Nada me surpreende vindo da família da Fleur, até mesmo se tratando da Gertraud ou da Delphine. Mas os meus pais? Porra! — Depois de alguns dias eu recebi um e-mail seu falando que não aguentava mais ser tão humilhado pela minha família e pediu para que, em nome do amor que eu sentia, deixasse você seguir em frente. Você sabe que sempre foi difícil para mim essa coisa de engolir o orgulho e eu fiz isso quando fui atrás de você para falar sobre a Josie. Foi o meu limite. Apaguei você e todo mundo da minha vida. Josie me perguntou por você muitas vezes. — dá uma risada amarga e Josie realmente me disse que perguntou muitas vezes sobre mim, mas Fleur nunca deu abertura. — Ela sempre quis te conhecer e nunca escondeu, mas sempre fui muito dura com ela sobre isso e iria adiar até o momento que isso saísse do meu controle. — admite encolhendo os ombros

com naturalidade. Isso dói, claro. Quero dizer, provavelmente levariam mais quatro ou cinco anos até isso acontecer. Josie já estaria na maioridade ou perto disso, com certeza. Fleur não cederia antes disso. Fleur me encara, enfim. Seus olhos estão vermelhos e marejados com lágrimas contidas, e juro por Deus que tento me conter e respeitar o seu espaço, mas preciso sentir que estou dando a ela algum tipo de conforto, cuidando dela como não fiz quando ela mais precisou. Sem pensar duas vezes, puxo-a para perto, envolvendo-a num abraço apertado, sem dar margens para que ela tente se soltar. Como se por instinto, o corpo dela endurece completamente, e ela fica parada. Passo as mãos por seus cabelos, inebriado em como ela consegue ter um cheiro tão bom mesmo estando só o catarro. — Estou aqui agora, linda. E não vou embora. —falo baixo e sinto-a estremecer, mas ela não relaxa. — Nunca mais quero te machucar e não vou deixar ninguém se intrometer entre nós. Eu juro que nada disso vai acontecer. Eu estou aqui agora, vai ficar tudo bem. — minha voz está grossa e irreconhecível, e não sei se quem está mais perto de cair aos prantos é ela ou eu. Esqueço disso quando escuto um soluço demolidor de Fleur, e então seu corpo começa a tremer enquanto ela chora, me agarrando com força, como se tivesse medo de eu ir embora. Fico balançando minha garota em meus braços, nos ajeitando no sofá, fechando os meus olhos para não acabar chorando também. Droga, ela foi tão enganada quanto eu. Eu nunca a agredi. Puta merda, isso era o que eu tinha mais medo, e não aconteceu. Quando me dou conta disso, pressiono os lábios no topo de sua cabeça, não

conseguindo controlar as lágrimas. Nunca toquei nela. Caralho. Nunca. Toquei. Nela. É um alívio tão grande, que parece ficar até mais fácil de respirar. Fico afagando Fleur, murmurando palavras tranquilizadoras até que seu corpo pare de tremer com os soluços e sentir o seu pranto passar, sem nunca me soltar. — Querida. — murmuro contra o alto da sua cabeça quando ficamos um bom tempo em silêncio. — Está tudo bem. — digo mais para mim do que para ela. — Está tudo bem. A gente vai conseguir resolver isso. Espero uma resposta que não vem. No lugar disso, ela suspira. Franzo as sobrancelhas, inclinando a cabeça o suficiente para encontrar uma Fleur adormecida. Isso mesmo, senhoras e senhores. A mulher capotou. Com apenas uma parte da história resolvida. Dou uma risada, mas nem isso faz com que ela acorde. Fleur solta um resmungo incoerente, mas continua com os olhos fechados. Bom. Uma parte da história é mais do que eu tive esses anos.

16 Fleur

o edredom deslizar pelo meu corpo e a mão de um homem descer S into pelas minhas costas. A mão é quente e parece pegar fogo, como se o sangue em suas veias corresse mais rápido do que nas veias de qualquer outro homem que eu já tenha conhecido. Isso parece muito familiar, embora o toque seja gostoso o suficiente para me impedir de pensar sobre. Não consigo nem mesmo ficar desesperada por ter um homem desconhecido na minha cama. Abro os olhos e está escuro, impossibilitando que eu veja o rosto dele. Parece loucura, então abro a boca para mandá-lo embora, mas logo o seu corpo está acima do meu e ele gruda a boca na minha. Isso é ruim. Isso é muito, muito ruim. Não só gosto, como conheço esse beijo. É tão quente, tão gostoso, que não tenho outra alternativa que não seja correspondê-lo, minhas mãos voando para os cabelos macios e envolvendo as pernas em seus quadris, colando nossos sexos. Tão, tão bom. Ele suspira entre o beijo enquanto sua mão passa pelo lateral do meu corpo e eu acabo me contorcendo, molhada e necessitada. Quando ele encontra o meu ponto sensível, tenho certeza que vou explodir. Como fogos de artifício. Pousando o dedo no meu clitóris, ele começa a circular com a pressão certa,

como um especialista. Ele interrompe o beijo e seus lábios logo estão em meu ouvido, ofegante: — Senti tanto a sua falta, ma petite folie. Ai, droga. Droga, droga, droga. Eu sabia que conhecia esse toque. Sabia. Não devia ter ignorado os meus instintos. E esse apelido... Me levanto da uma vez, pronta para acertar o nariz bonito do meu ex e abro os olhos, assustada. E sozinha. — Mãe? — meus olhos ricocheteiam para o lado e vejo Josie saindo do banheiro. Me limito a encará-la, espantada. — Está tudo bem? Olho ao redor, perdida. Estamos no quarto do hotel, em Tromsø. O que pode ser pior do que ter sonhos eróticos com Dominic? Decidi escolher um hotel que fica bem no centro da cidade, então estamos perto de tudo. Diferente do hotel em Fairbanks, Josie e eu agora ficaremos no mesmo quarto, além de dividir a cama de casal. Reservei uma suíte júnior, e nela tem uma sala de estar muito legal, com poltronas, TV de tela plana, sistema de som e uma escrivaninha, uma banheira que tenho grandes planos para ela envolvendo muito relaxamento, e uma vista sensacional para as montanhas cobertas pela neve. E isso não é o melhor: o piso do banheiro é aquecido. Nada de pés gelados e dedos roxos. — Por que você já está vestida assim? — pergunto, tentando despertar o meu cérebro, encarando a minha filha completamente agasalhada e com um pouco de neve nos cabelos castanhos. As cortinas estão fechadas, então fica difícil saber se é dia ou noite, já que o sol não está muito presente nessa época. — Quantas horas são?

— São quase cinco da tarde, mãe. — abre um sorrisinho, encolhendo os ombros. — Eu te acordaria, mas o Dom disse que você não reage muito bem ao jet lag. Ah, droga. Estou quase tendo um déjà vu. Há uma diferença de seis horas entre Tromsø e Nova Iorque. O jet lag sempre acabou comigo, assim como imagino que aconteça com muita gente, e Dom, coitado, era quem tinha que me aguentar. Claro, meus pais e suas respectivas famílias ajudavam muito no meu mau humor, o que tornava a viagem muito mais estressante, mas o jet lag estava no topo da lista. Josie e eu nunca fizemos uma viagem internacional, então nem eu sabia como seria. De repente eu até tinha me acostumado, certo? Não. Estamos aqui há dois dias, o que significa que amanhã é o aniversário da minha bebê, mas está difícil me acostumar com esse horário maluco. Talvez o cansaço de três anos sem férias também tenha uma parcela de culpa. — Isso foi há anos, Josie. Anos. Agora eu sou um doce. — resmungo, esfregando os olhos, tentando desesperadamente tirar a imagem e o gosto de Dom da cabeça. Xô, xô, xô. Josie suspira, inclinando a cabeça e eu até cogito me levantar da cama, mas ao tirar apenas um pouquinho o edredom, já me pergunto o motivo de o aquecedor não está ligado. — Vocês brigaram de novo? — Josie pergunta, atraindo a minha atenção. — Você e o Dom. Você está muito séria e ele não sai do celular. Imagino que tenha acontecido alguma coisa.

Na verdade, desde o dia de Ação de Graças, há uma semana o clima está esquisito. Ainda mais. Tenho percebido que ele tem passado mesmo muito tempo no celular, e isso junto com o fato de eu ter exposto algumas coisas que aconteceram depois que nos separamos, acabo criando um monte de teorias. Claro, eu ter dormido nos braços dele me deixou num misto de constrangimento, confusão e... não sei, mais alguma coisa. Meu cansaço acabou resultando numa Fleur não ouvindo o lado de Dominic da história, e preciso estar com a minha máscara de invulnerabilidade muito bem colocada antes de isso acontecer. Falhei no dia de Ação de Graças, mas isso não pode acontecer de novo. E eu espero muito que o meu corpo obedeça as minhas vontades. Sinceramente, eu preciso muito dar um jeito nisso. Ele escutou o meu lado da história, me deu colo e talvez eu tenha me sentido um pouco mais amolecida com a reação dele ao ver as fotos. Como se aquilo o enojasse, como se realmente nunca tivesse visto. O que é ruim. Muito ruim. Se ele teve mesmo uma recaída, por que a gente se separou? Agora estamos aqui. E Dom está no final do corredor, dividindo o quarto com Alex. — Mãe? — Josie me chama e eu olho para ela, ainda atordoada. — Você está vermelha. Está tudo bem? — Claro. — concordo rapidamente, forçando um sorriso. — Estou morrendo de fome. Você me espera para irmos comer alguma coisa? — Tá legal. Vamos te esperar na recepção. — informa e sai do quarto, parecendo incomodada. Muito bom, Fleur, muito bom. Conseguindo chatear a filha na viagem de

aniversário. Enfio o rosto no travesseiro e solto um grito abafado. Um grito longo e meio desesperado, e só paro quando a minha garganta começa a arder, me sentando novamente. — Controle-se, Fleur. Controle essa cabeça e principalmente esse fogo. — ordeno a mim mesma, séria. — Nada de flashbacks por aqui. Nem em lugar nenhum. Recado dado, estou pronta para ir comer alguma coisa.

∆∆∆ Não tem como isso ficar pior. Parece que esse sonho com Dom ativou alguma coisa na minha cabeça a ponto de olhar para ele e imaginá-lo sem roupa. Depois de um banho e de ter me agasalhado o triplo a mais do que o resto das pessoas, visitamos o Fjellheisen, um teleférico que vai de Solliveien, em Tromsdalen, até a borda da montanha Storsteinen. Muito alto. Muito alto mesmo. Não tive como raciocinar o fato de Alex estar segurando a mão da minha filha porque ela tem medo de altura, porque eu mesma estava afundada no meu medo, e, pior ainda foi o fato de Dom ter sentido isso e me envolvido em seus braços até o passeio acabar. Isso me relaxou o suficiente para eu conseguir curtir a espetaculares de Tromsø e das ilhas e montanhas. E foi simplesmente incrível. Fenomenal. Depois, subimos 418 degraus para chegarmos no Fjellstua, um restaurante com uma vista incrível. Não foi uma parada planejada, mas tinha visto que o lugar não tinha tanto movimento e que seria tranquilo para conseguir uma mesa sem reserva.

Aparentemente isso muda quando está em uma boa época para a Aurora Boreal. As mesas para quatro pessoas não estavam disponíveis, e as tamanho família não dariam certo para nós, já que a única que não estava reservada, era para dez pessoas. Josie e Alex ficaram mais que animados em sentarem em uma mesa para dois, deixando Dominic e eu de lado. Então, aqui estamos, dividindo uma mesa como se estivéssemos em um encontro. Em completo silêncio enquanto a comida não chega. Terrível. Terrível mesmo. Não consigo nem olhar para ele sem pensar em como eu gostava da sua boca, do seu toque e em tudo o que envolvesse contato entre nós… isso há anos atrás. Mas eu também tinha gostado disso na véspera do casamento da Paige. Gostei tanto que estou tendo sonhos eróticos. Quase gemo de alívio quando os nossos pedidos chegam. Pedi uma torta de maçã, e só o cheiro já me faz salivar. Dom pediu uma sopa, e parece saborosa também. Dou a primeira mordida na torta, e como imaginei, está deliciosa. — Por que não fazemos um esforço para mostrar à Josie que estamos tentando para termos uma boa relação? — Dom sugere depois de algumas colheradas em sua sopa, parecendo agoniado com o silêncio. Ele nunca gostou muito de ficar quieto, e o silêncio era algo que sempre desprezou. — Ela e Alex olham para cá a cada menos de cinco minutos. Disfarce, mas eles estão olhando agora. Não tem como eu olhar se não for girando a cabeça como uma coruja, porque estou de costas para a mesa deles. Dou mais uma garfada na torta, fazendo um gesto para que ele continue. Dom está certo, a gente precisa tentar se entender pelo menos nessa viagem. Talvez assim consiga criar uma máscara boa o suficiente e ficar tranquila para escutá-lo.

— Me desculpe por ter dormido no seu colo na semana passado. — falo baixo, limpando a garganta. — Eu estava muito cansada por causa do trabalho. — Vamos ter essa conversa em algum momento, Fleur, mas por que não tentamos ter um assunto mais leve? — ele sugere com um sorriso cálido, bem diferente do que eu vi nos últimos dias. Era o sorriso que ele dava para mim anos atrás. Preciso olhar para um ponto atrás dele, sentindo o estômago se retorcer em resposta, o coração acelerando rapidamente. — Por que não me diz como está a sua vida? — sugiro, desesperada para me controlar pelo menos um pouquinho. — Você está vivendo muito bem, preciso dizer que estou surpresa com isso. Por que Los Angeles? — tenho vontade de incrementar a pergunta com o motivo de ele não ter ido para a Carolina do Norte, como sempre quis, mas é melhor não fazê-lo. Na verdade, é melhor não falar nada que possa lembrar do passado. — Eu queria um lugar quente e precisava recomeçar. — olho para ele, que está encolhendo os ombros. — Um lugar agitado, quente e que poderia me render uma boa grana. Não há lugar melhor do que a terra das estrelas. Concordo com a cabeça enquanto ele leva a colher aos lábios, fechando os olhos e suspirando. Observo a cena quase hipnotizada, pensando em como uma criatura consegue ser tão bonita sem precisar fazer um mínimo esforço. A forma que seu peito sobe e desce, que a língua passa lentamente pelos seus lábios enquanto abre um sorriso satisfeito. Jesus amado. Isso é a minha calcinha ficando molhada? Sério, Fleur? — Levei dois ou três anos para conseguir fazer o meu nome, mas depois que as coisas melhoraram, melhoraram pra caralho. Consegui montar a minha própria empresa e fotografei artistas e anônimos, mas é esse pessoal da moda

que me contrata mais. Há uns três anos eu trabalhei com a Delph, na Vogue. Essa informação me pega de surpresa. Delphine nunca me disse nada sobre isso, e o que mais me choca é saber que Dom está fotografando modelos. Saber que ele está no mundo da moda, mesmo que indiretamente. Ele não era lá um grande fã desse pessoal e acredito que a minha família tenha sido responsável por isso, principalmente a minha mãe. Ela dificultou de todas as maneiras possíveis, incluindo tentar jogar alguns modelos para cima de mim. — Eles pagam muito bem. — Dom responde a minha pergunta implícita. — Mas achei que você já soubesse disso. Da Delph trabalhando comigo, quero dizer. Me remexo na cadeira e o encaro, séria. — Olha, Dom, você não foi um assunto muito mencionado nas nossas vidas. Você era anônimo para Josie até algumas semanas atrás e a Delph e minha avó respeitaram a minha vontade de te deixar fora das nossas vidas. — falo francamente, porque… bem, é o melhor. Ele arqueia a sobrancelha, concordando lentamente com a cabeça. É óbvio que é duro para ele ouvir isso, assim como para mim é difícil falar, mas não há como florear isso. Nós éramos jovens e eu estava magoada. Não gosto do brilho de decepção que passa pelos seus olhos, então me obrigo a olhar para a minha torta, soltando um suspiro pesaroso. O clima começa a pesar e eu dou mordidas nervosas no lábio. Não sou um grande exemplo para lidar com sentimentos, nunca fui. Totalmente diferente de Dom, que sempre foi muito aberto, muito livre, então sei que está sendo foda para ele ficar adiando tudo isso. — Então… Direito, huh? — o sorriso está de volta e eu olho para a janela ao meu lado, para a cidade lá embaixo. — Tenho que dizer que fiquei surpreso por você ter seguido carreira.

Não consegui conter uma risada. Eu queria cursar Direito, sim, mas minha mãe estava me pressionando para seguir na moda e meu pai queria que eu seguisse seus passos, primeiro como relações públicas, depois na política, e, quando possível, na diplomacia. Já que ele não conseguiu um filho homem e Delph estava encaminhada na moda desde pequena, ele me via como a oportunidade de continuar com o sobrenome neste mundo. — Acredite, eu fiquei tão surpresa quanto você. — cutuco a minha torta, limpando a garganta. — Eu não teria conseguido sem a minha avó. Ela sempre me apoiou. O sorriso de Dom morre um pouco e ele se remexe na cadeira, estreitando os olhos na minha direção. É difícil saber o que ele está pensando, porque mesmo que ele seja tão expressivo, não sei exatamente o que o incomoda. — E então, você e a Melissa? Há quanto tempo vocês se conhecem? — decido sondar, porque os dois pareceram bem próximos no casamento. Muito próximos. Ela também não pareceu surpresa ao ver o Dom na despedida de solteira de Paige e muito menos por eu ter atracado no pescoço dele. E as mãos dele passando pelo meu corpo, me apertando, a língua dele... Ai, Senhor. Eu preciso tirar isso da cabeça. — Ah, sim. Eu a fotografei uma vez, já que além de fotógrafa, ela também é modelo, mesmo que não goste muito. — encolhe os ombros. — Ela se diverte, mas não é muito a praia dela, sabe? Igual a você. — diz com um sorriso e eu dou uma garfada na torta. Dom já tinha me feito modelar para ele algumas vezes, mas como ele disse, nunca foi a minha praia. — A gente se deu bem e depois de um ano, decidimos morar juntos. Uau. Uau, uau, uau! Então eles são realmente bem próximos. A ponto de morarem juntos.

— A gente chegou a namorar, mas não demos muito certo. Não sei se dá para entender, mas a nossa química é na amizade. Mais uau. U-a-u! Agora eu sou obrigada a tomar um gole do vinho, porque a minha garganta secou a ponto de começar a arder e coçar. Não sei o que é isso, e não gosto do inclinar de cabeça do meu ex. Muito menos dos olhos estreitos. Eu lembro disso bem e sei o que significa. — Para de me olhar assim, Dom. — peço entre dentes, mas ele continua. — Não estou com ciúmes. — Não sei do que você está falando. — abre um sorriso deslavado, a expressão ladina entregando a mentira. — Essa cara aí de quem está tirando conclusões precipitadas e erradas. — friso bem a última palavra, porque sei que ele viu a minha atitude como desconforto, e não tem ninguém desconfortável aqui. — Se você está dizendo. — dá de ombros e é a minha vez de estreitar os olhos. Ele suspira e balança a cabeça, abrindo um sorriso triste. — É bom estarmos assim, com um clima mais leve. — amansa o tom de voz, que está cheio de significado. — Senti muita falta disso. Ai! — Só estamos sendo adultos, Dominic. Não viaja. — dou uma risada nervosa, balançando a cabeça, sentindo o coração bater descontrolado. Ele não fala por alguns instantes. Por um bom tempo, na verdade. Meu estômago está embrulhado e sei que não vou aguentar comer a outra metade da torta, e a coragem de olhar para o meu ex está no fundo do poço, porque quando ele fala essas coisas… ah, não! Não sei o que está acontecendo aqui. Não sei o que está acontecendo desde que o vi em Fairbanks, para ser sincera. É fácil lidar com ele quando estamos estressados, porque aí todo mundo fala

merda e vai embora batendo a porta. Dom sendo tranquilo não me ajuda em nada. Pelo amor de Deus, o que custa ele ser estressado? — Mãe, a gente pediu um Uber e vamos voltar para o hotel. — Josie diz rapidamente, me assustando, e beija a minha bochecha. — Fiquem aqui e se divirtam. Giro o corpo, segurando o braço de Josie antes que ela pense em sair. Alex está com as mãos nos bolsos do casaco, não parecendo surpreso com o que está acontecendo. — Como assim vocês vão embora sozinhos? — pergunto, dando uma risada de pura incredulidade. — Você tem treze anos, Josephine. Treze. — friso bem, franzindo o cenho. — Alex acabou de completar quinze, não pode ser responsável por você, então, ou você fica, ou vamos embora agora todos nós. — Na verdade... — ela se solta gentilmente, olhando para os lados, então o seu sorriso se amplia. — O hotel me ajudou a encontrar alguém para ficar com a gente. Olho na mesma direção que ela, vendo uma mulher se aproximando. — Uma babá? — Dom pergunta enquanto eu continuo analisando a mulher que se aproxima. — Uma acompanhante. — Josie respondo e eu olho para ela. — Isso não soa melhor, Josephine. — então, olho para Alex. — Você está de acordo com isso? — O aniversário da Josie é amanhã e estou aqui por ela. — responde com simplicidade. — O que ela decidir, para mim é lei. — Boa noite. — a mulher sorri, estendendo uma pasta para mim. — Aqui estão as minhas recomendações, e você pode ligar agora para o hotel para

confirmar tudo. Eu vi que o hotel oferecia serviço de babá, mas Josie não se enquadra exatamente nessa necessidade. E ela odeia babás porque se acha grande o suficiente para conseguir se cuidar sozinha. — Eu ligo para o hotel e você conversa com ela. — Dom diz, sacando o celular e se levantando. Pego a pasta da mulher, observando o seu currículo. Ela se chama Anne Johansen, tem trinta e quatro anos e é babá há oito. Tem muitas referências, inclusive prestando serviços ao hotel em que estamos hospedados. As referências são muito boas, tem até clientes fixos, de recém nascidos até jovens de dezesseis anos. Parece bom até demais para ser verdade. — Desculpe, eu não sabia disso. — gesticulo para os dois jovenzinhos, que parecem diabolicamente tranquilos. — Seu trabalho inclui buscá-los? — Na verdade, não é raro de acontecer. — Anne responde cordialmente, com as mãos unidas na frente do corpo. — Mas eles me disseram que… — Que o papai combinou de te mostrar a cidade hoje, já que você tem dormido demais desde que chegamos. — Josie corta, dando uma risada nervosa. — Mãe, eu já falei com ela. Você não vai fazer a coitada ter dado viagem perdida, não é? Papai? Josie já o chama assim? — A história bate. — Dom se aproxima, guardando o celular. — Inclusive, foi a Josie quem escolheu a Anne e as duas já se conheceram no hotel. Josie concorda rapidamente com a cabeça. Anne não parece surpresa com o que está rolando. Alex parece estar fazendo um grande esforço para não rir. Até Dom está fazendo um grande esforço para não rir.

— Josie, o que está acontecendo aqui? — pergunto, séria e ela abre aquele sorriso brilhante de quem sabe bem o que está fazendo. — Eu já disse, vocês vão sair. Eu te disse mais cedo, mas você estava dormindo. E você concordou. — Não lembro disso. — Como eu disse, você estava dormindo. — refuta e sei que estou sendo enrolada. — E ela foi contratada para a noite, tá legal? Então não precisa se preocupar com o horário. Não estou gostando disso. Ela parece estar fazendo um esforço muito grande para se livrar de mim e do Dom, e essa ideia não está me agradando. E que papo é esse de chegar tarde? Ela pirou? O frio provavelmente deu algum pane na cabecinha dela, porque não é possível que ela esteja plena de suas faculdades mentais. — Bom, ela já está aqui. — Dom se intromete, encolhendo os ombros. — Agora sei o motivo de Josie ter me pedido dinheiro mais cedo, então imagino que o serviço de Anne já está pago. — deduz e Josie confirma com a cabeça, com um sorriso ladino. — Você deu dinheiro para ela sem saber para que ela ia usar? Uma quantidade alta, provavelmente. — digo, em choque. — Eu não sei o que é uma quantidade alta, Fleur, porque se você não se lembra, eu sou um novo pai. Esfrego a testa nervosamente. — Você precisa relaxar. — Josie beija a minha bochecha novamente e eu volto a olhar para Anne. — Já podemos ir, Anne? — Fique tranquila, senhora Dawson, nós ficaremos no quarto todo o tempo, e há uma sala de recreação para os jovens, mas ficarei por perto o tempo

inteiro. Tem a minha palavra. — afirma, convicta. — Eu tenho o seu número e o número do seu marido, mas vocês podem pegar o meu, caso queira me ligar, também. E também podem ligar para o hotel e eles dirão se estamos lá. — Não somos casados. — digo ao mesmo tempo que Dom afirma: — Eu pego o seu número, Anne, mas acredito que não vamos precisar te ligar. Ele está concordando com isso? Meu Deus do céu, ele está mesmo concordando com o plano absurdo de uma adolescente? Aparentemente sim, porque ele salva o número da babá em seu celular e eu me levanto, nervosa, puxando Josie para um canto mais afastado. — O que significa isso, Josephine? — pergunto entre dentes, colocando as mãos na cintura. — É o seu presente de aniversário para mim. Você vai relaxar. — Essa viagem é o seu presente. — E o seu relaxamento vai ser um bônus. — olha para o lado e concorda com a cabeça. — A gente precisa ir. Vamos ficar bem, mãe. Vai se divertir um pouco. Ela não me dá tempo de responder, porque me abraça bem apertado e sai quase correndo, agarrando os braços de Anne e Alex, sem olhar para trás. Fico olhando para eles até sumirem de vista, e não consigo acreditar no que está acontecendo. — Parece que temos a noite livre, linda. — ouço uma voz sussurrar em meu ouvido, atrás de mim, e meu corpo inteiro estremece. Minha pele fica arrepiada e eu giro a cabeça de uma vez, encontrando um rosto muito próximo e uma expressão muito zombeteira. Ai, minha Nossa Senhora das mulheres que ainda sentem atração pelo ex,

afasta de mim toda a tentação.

17 Fleur

que quero chorar de frio. Esfregando uma mão na outra através das J uro luvas, não sei como Dom parece estar tão tranquilo. Já há uma boa camada de neve no chão, mas, por sorte, o serviço da cidade mantém um trilha “caminhável” para nós. Isso não anula o fato de o vento forte dificultar a minha vida. Se eu sair dessa cidade sem uma gripe, já posso considerar uma vitória. — Está tudo bem? — ouço a voz de Dom, mas não olho para o lado. Como eu não programei nada sem a Josie, viemos caminhar sem rumo pelo Folkeparken. É bonito, tem um lago congelado e não tem muito movimento. — Você quer voltar? Não consigo responder. Meu queixo está tremendo e parece que até o meu cérebro está congelado, então simplesmente concordo com a cabeça, torcendo para que ele entenda isso como uma afirmação. Ouço uma concordância dele e voltamos em silêncio para o estacionamento. Dom alugou um carro assim que chegamos, e eu nem cheguei a entrar nele ainda, até porque dormi a maior parte da viagem e quando desci para encontrar Josie e os garotos, minha filha estava sozinha, porque ela tinha combinado de encontrar os garotos na frente. Aparentemente, Alex queria comprar algum presente para ela, e Josie se

transformou na personificação da curiosidade. Infelizmente, assim que entro no carro, tenho vontade de abrir a janela para não ficar sufocada pelo cheiro gostoso do perfume do Dom, que parece ter impregnado o carro, mas isso significa que eu teria que lidar com o vento gélido batendo na minha cara. Não, obrigada. Antes morrer sufocada do que congelada. Ele liga o som e reconheço a voz de Ne-yo, embora nunca tenha ouvido a música. “Nunca deixe passar pela sua cabeça que eu não subiria de bom grado, qualquer montanha que você pudesse encontrar apenas para estar com você, garota.” “E nunca deixe seu coração acreditar que eu não ficaria feliz nadando através de qualquer mar apenas para ficar sozinho com você.” E pior: Dominic começa a cantar. Cantando mal, como sempre, mas a letra me deixa tão desorientada, que nem consigo pensar em fazer uma piadinha. “Nem por um único dia pense que eu poderia brincar com seu coração e jogá-lo fora. Veja, eu quero estar com você.” “E se algum dia houve alguma dúvida em algum lugar da sua mente sobre mim, isso deve te ajudar a entender o que eu faço para estar sozinho com você.” Fecho os olhos com força e crispo os lábios. Pelo amor de Deus, eu preciso parar de bancar a menina chorona e surtada. Ele só está cantando e eu só estou revivendo um monte de coisas que não deveriam estar sendo revividas. O carro para antes que a música acabe e puxo uma respiração profunda antes de abrir os olhos. O hotel fica um pouco longe e ele estava dirigindo rápido, mas não o suficiente para já termos chegado. Tem alguma coisa errada. Minha visão está um pouco turva por causa das lágrimas não derramadas,

mas olho para o lado quando Dom abre a porta do carro. — Dom? — chamo enquanto ele abre a porta traseira, tirando duas mochilas. Meu cenho se franze e eu olho para frente, enxergando uma cabana isolada demais para o meu gosto. Nada de hotéis, movimentação, nem mesmo uma boa iluminação. — Onde estamos? — Desça do carro. Vamos passar a noite aqui. — informa, fechando a porta traseira. Rá. Não mesmo. — Como é? — pergunto baixo, saindo do carro. Ouço as trancas e logo Dom está indo até a cabana. Olho para os lados, não enxergando nenhuma movimentação. — Dom, que palhaçada é essa? Mas ele não diz nada. Fica calado e entra na cabana, me deixando sozinha do lado de fora. Não dá para ficar sozinha com ele. Não quando tudo o que passa pela minha cabeça é ouvir o que ele tem a dizer. Depois do sexo. Repetindo: depois do sexo. Porque agora é só isso que eu quero. Ai, meu Deus. Não, não, não, não. Isso não pode estar acontecendo. Não quando eu acordei com um tesão descomunal. Deus, por favor, tira de mim essa vontade de dar. Por favor, por favor, por favor! Me encolho com a rajada gélida que chega de surpresa e praticamente corro para dentro da cabana, dando de cara com uma área de estar que não é grande, mas é bem acolhedora. Há uma pequena TV, um sofá, e graças a Deus, o chão é acarpetado. A lareira está acesa, e nem quero pensar que isso significa que Dom já tinha planos para estarmos aqui. Vejo uma geladeira no

canto com uma bancada colada à parede e um fogão com uma chaleira em cima. Tem também alguns armários e imagino que estejam abastecidos. Apenas um palpite. Dom aparece e fica de frente para mim, com uma distância segura e cruza os braços. Imito o seu gesto, esperando uma explicação, me mantendo cuidadosamente longe. Isso é sequestro. Nem sei onde estamos, em um país que eu nunca visitei e minha filha está no hotel com uma babá. — Você e a Josie tramaram isso, não foi? — pergunto e Dom não responde. Seus lábios se curvam minimamente num sorriso e eu resfolego. Afasta de mim, Senhor! — Puta merda! — Então você ainda xinga. Eu sabia que era só uma questão de tempo. Começo a tatear o bolso do casaco para pegar o celular. Josephine vai passar um ano de castigo. No mínimo. Olho para o casaco quando não sinto o aparelho. O bolso é grande, mas não a ponto de eu não encontrá-lo. Só me falta ter perdido. — Porra. — xingo e ouço uma risadinha pelo nariz. — Acho que eu perdi o celular. — Está com a Josie, fica tranquila. — Só pode estar brincando. — abro a porta e não encontro nada. Nada, nada. Nem um sinalzinho de civilização. Esse lugar é um breu. — Dom, sério, vamos voltar. — viro para ele, nervosa e fecho a porta ao sentir mais uma rajada gélida. — E perder a oportunidade de resolver tudo de uma vez? Sem chances. — cruza os braços, totalmente alheio ao meu desespero. Olho para a boca de Dom. Vermelha. Quente. Que beija bem pra caramba. — Dom, vamos para algum lugar público, pode ser? — sugiro, recuando

quando ele dá um passo na minha direção. Ele franze o cenho, mas não dá para me importar com isso agora. — No hotel. Isso, a gente conversa lá no hotel. Genial. Ele estreita os olhos, desconfiado. Umedece os lábios lentamente e só o que passa pela minha cabeça é em como eu gostaria que essa língua estivesse percorrendo cada pedaço do meu corpo, me excitando, me matando de desejo… — Você está excitada, Fleur? — ele pergunta lentamente, abrindo um sorriso pecaminoso. Minha respiração fica presa na garganta enquanto fecho os punhos, balançando negativamente a cabeça. — Não? — insiste e eu continuo balançando a cabeça, puxando o ar com força. Num piscar de olhos, Dom atravessa a minúscula sala, sua mão indo para o meu maxilar, sem apertar, mas o suficiente para me obrigar a olhar para ele, e quando minhas costas se chocam contra a porta, minhas mãos instintivamente agarram os seus braços. Braços firmes, que confirmam as minhas suspeitas de ele estar malhando. Claro que ele está malhando. Já tive um vislumbre de como é a alimentação dele e não tem a menor chance de ele estar bem assim se não estivesse na academia. Seu rosto está muito próximo do meu e consigo sentir a respiração pesada batendo em mim. Ele está tão perto que me causa arrepios traidores e os olhos escuros estão faiscando perigosamente. Quando ele fala, sua voz está tão baixa e rouca, que não sei se sinto medo ou tesão: — Quer dizer que você não está morrendo de tesão agora, linda? Seu corpo está colado ao meu e não sei exatamente que nuvem de luxúria é essa que estou, mas parece todo o frio foi dissipado. Fácil assim.

Provavelmente é pelo clima intimista da cabana ou pelos sete meses sem sexo, mas só consigo pensar em beijá-lo. Foda-se. É o que eu faço. É humilhante, eu sei, mas preciso dizer que Dom sempre beijou muito bem. E parece ter ficado melhor tantos anos depois, então coloco meu braço bem apertado nas costas dele e seguro o seu pescoço com firmeza. Enquanto a língua dele gira dentro da minha boca, sinto que isso é tudo o que eu posso fazer, agarrá-lo com força como se isso pudesse impedi-lo de pensar em escapar. A mão que estava em meu rosto desce com vontade até os meus seios e aqui fica, e não consigo nem raciocinar a facilidade que ele tem de chegar aqui mesmo com tanta roupa por cima. Droga, é tão bom que eu poderia explodir de prazer. Meu corpo relaxa e acabo me rendendo mais que alegremente ao prazer de estar nos braços de Dom mais uma vez. Mais ainda por parecer que ainda é muito certo. Dom me levanta e instintivamente envolvo minhas pernas ao redor da sua cintura, sentindo algo duro batendo contra a minha calça. Agora é a hora de parar. Agora é a hora de colocar um limite e dizer que isso é loucura. Eu faço isso? É claro que não. Desespero não chega nem perto do que estou sentindo. Se eu não tiver Dominic agora, vou explodir. E não no bom sentido. Estou pronta para tirar a minha roupa aqui mesmo na sala, mas sinto as minhas costas descolando na parede e Dom começar a andar, sem tirar os lábios dos meus. Sua boca tem uma mistura de necessidade e desejo que me faz querer mais. Muito mais. Saio de seus braços com dificuldades e caminhamos desajeitadamente nem

sei para onde, tirando roupas no meio do caminho, nossos lábios se descolando apenas para tirar as blusas. Parece que está mais difícil respirar e, definitivamente, o frio foi embora. — Puta merda, Fleur. — diz entre beijos, me jogando numa cama muito confortável, estendendo algumas embalagens de preservativo. — Puta merda, Fleur! — repete, me observando com os olhos pesados, nublados. Não demora para que ele esteja de joelhos e se inclina na direção da minha vagina, mas puxo seus cabelos com força para que ele venha para cima. Dom se desequilibra mas não deixa o peso do corpo cair sobre o meu, soltando um resmungo de dor. — Eu já estou pronta, Dom, e se você não estiver dentro de mim em cinco segundos, juro que gasto o meu réu primário com você. — aviso, séria e ofegante, levando a sua mão à minha entrada para que sinta que estou falando sério. Ele abre um sorriso, balançando a cabeça, mas eu estou tão desesperada, que muito me admira que ele pareça tão tranquilo. Talvez o sonho de hoje mais cedo já tenha me deixado completamente acesa. Ele se ajoelha, chupando os dedos que estavam em mim e eu umedeço os lábios quando ele fecha os olhos, soltando um suspiro delicioso. Não demora para que ele se livre de uma embalagem, colocando lentamente a camisinha, a espera me fazendo ver estrelas. — Agora, Dominic! — insisto e ele me vira bruscamente, levantando os meus quadris, seu pau latejando alinhado em minha entrada. Solto um suspiro pela expectativa e fecho os olhos ao sentir a cabeça entre as minhas dobras, deslizando para frente e para trás. Meu corpo inteiro treme. — Porra! Por favor, Dom. Humilhante, eu sei. Mas não se pode julgar uma mulher com tesão. Nunca.

Tento levantar os quadris para mostrar a necessidade que está acabando comigo e sinto um tapa em meu traseiro, seguido de uma risada. — Comporte-se, linda. Uma mão vai para o meu cabelo, torcendo-o em punho e a outra me dá mais um tapa, acariciando o local em seguida. A picada de dor me faz soltar um gemido, mas nada, absolutamente nada, se compara com a sensação repentina de Dom entrando de mim num impulso de abalar estruturas. Minha respiração engata pela surpresa e solto um suspiro quando as minhas paredes se apertam em torno dele. Está acontecendo. Ai, caramba, está mesmo acontecendo. O sonho não chega nem perto da sensação de estar sendo completa desse jeito mais uma vez, como se Dominic tivesse sido feito sob medida para mim. É a única explicação que encontro para um encaixe tão incrível. É tão bom que apenas essa invasão enche meus olhos de lágrimas, de alívio, de saudade, de prazer. Tudo junto. — Cacete! — ele puxa o meu cabelo, inclinando a minha cabeça para trás e colando o peito em minhas costas, a respiração em meu ouvido fazendo a minha pele se arrepiar. — Você ainda é a minha perdição, Fleur. — rosna antes que seus lábios encontrem meu ombro, distribuindo beijos, mordidas e lambidas que enviam choques deliciosos por todo o meu corpo. A pressão dos seus lábios enquanto os quadris investem furiosamente em mim constroem um orgasmo rapidamente e eu gemo em êxtase quando seus dentes começam a mordiscar o lóbulo da minha orelha. — Ai, meu Deus! — gemo, fora de mim, adorando os sons que ele faz quando começo a rebolar, encontrando o ritmo das suas estocadas. Uma mão sua agarra o meu quadril, afundando os dedos na minha carne, controlando

cada prazer pelo movimento dele entrando e saindo de dentro de mim, tentando cada nervo meu. — Ai! Meu! Deus! — solto novamente quando seu dedo encontra o meu clitóris e agarro os lençóis com força com a sensação descontrolavelmente gostosa. Tento afundar o rosto no travesseiro, mas Dom volta a puxar meus cabelos, impedindo que eu o faça. — Dom, eu vou… — não tenho tempo de terminar, porque gozo em meio a um turbilhão de sentimentos, soltando um gemido alto e longo. Meus olhos se enchem de lágrimas mais uma vez e meu corpo começa a tremer violentamente, perdendo a força nas pernas. Dom me gira novamente e me deita de costas, ficando por cima de mim, conseguindo, de alguma forma, permanecer dentro de mim. — Gostosa! Pra! Caralho! Puta! Que! Pariu! — cada palavra é pontuada por uma estocada dura e eu agarro seus quadris com as pernas, minhas mãos encontrando seus cabelos e puxando-o para me dar um beijo. O barulho dos nossos sexos se chocando é incrível. Fenomenal. Então, o polegar foi novamente ao meu clitóris, me fazendo estremecer e soltar um gemido contra a sua boca, num aviso claro de que mais um orgasmo está chegando. Ele não me solta quando meus braços balançam e puxo seus cabelos com força, então agarro seus ombros, afundando as unhas em sua pele para tentar retardar o orgasmo. Não funciona, porque meus quadris sobem e eu explodo mais uma vez, com um grito que é abafado com sucesso pelo seu beijo. Dom ainda leva um tempo quando finalmente separa nossas bocas, soltando um grunhido gutural. Sexy pra cacete! Cada ruído que ele faz lateja nas minhas paredes, fazendo reverberar e crescer dentro de mim mais uma vez.

Mais. Uma. Vez. Minhas unhas riscam desesperadamente suas costas e arqueio o pescoço. Não sabia que cabia tanto desejo, tanto tesão em uma pessoa só, mas aqui estou eu, desesperada para que Dom me dê mais. Ele solta o meu quadril para enfiar a mão no meu cabelo, segurando firmemente a minha cabeça e olhando para mim com uma intensidade que me deixa hipnotizada. Ele diminui as estocadas apenas por um momento, então ficam mais violentas e mais profundas antes de jogar a cabeça para trás, entregando o seu gozo, chamando ruidosamente o meu nome. Quando para de emitir sons e suas estocadas recuperam um lento mais suave, olho bem para ele e aperto meus lábios em sua garganta. Ficamos um bom tempo assim, sem nos mexermos, e não demora para os meus olhos ficarem pesados. Dom se deita de bruços ao meu lado, mas não me solta. Eu tampouco faço algum esforço para sair do seu abraço. A cabeça dele está virada para mim e seus olhos estão fechados, a respiração tranquila. Meus olhos ficam ainda mais pesados. Talvez um cochilo não faça mal. Amanhã o surto pode vir à vontade, agora eu só quero ter mais um pouco dessa sensação incrível. Estou quase dormindo quando ouço a sua voz sonolenta e rouca: — Não vou deixar você ir embora de novo, petite folie.

18 Fleur

— V ocê está bem, tia Fleur?

Giro a cabeça, encarando Alex, que está me olhando desconfiado.

— Claro, querido, por quê? — pergunto, cruzando os braços casualmente. Ele balança a cabeça, não parecendo muito convencido. Talvez seja porque eu tive A transa com Dom, o meu ex. Não uma transa, A transa. Ou transas, já que tivemos bis durante a madrugada. Tem tantos erros nessa frase que nem consigo listá-las. Ou que eu tenha perdido boa parte do dia de Josephine. Dom e eu acordamos tarde. Josie e Alex não pareciam surpresos com isso, tampouco pareciam tristes ou preocupados. Tive que ouvir um “mas já?” da Josie, a garotinha que estará de castigo a partir de amanhã. E Dom inventou de fazer comida antes. Eu tentei ser uma mulher equilibrada e não surtar, mas só estamos nessa viagem por causa da Josie e desse aniversário, não tem sentido ficar longe dela justo hoje. O meu ex ligou prontamente para a nossa filha, perguntando se ela se incomodava de nos atrasarmos mais um pouco. Ela pareceu muito animada em dizer que poderíamos levar o tempo que precisássemos, mas deveríamos estar de volta às seis para irmos ver a Aurora Boreal. O castigo com certeza vai ser maior por causa disso.

Encontramos Josie, Alex e Anne no Polaria, um aquário ártico, e passamos um bom tempo lá, já que minha filha estava desenhando, e nada abala o mundo-de-Josephine quando ela está desenhando. Minha filha tem muito talento para desenho e pintura. Não sabe se é isso o que quer da vida e eu não a pressiono. Trabalho o suficiente para que ela consiga viver bem até não precisar mais de mim. Enfim, quando reservei os quartos no hotel, vi que eles ofereciam guias turísticos para vermos a Aurora Boreal, e, obviamente, pedi por um. Quando eles me informaram que a própria Anne iria nos acompanhar, fiquei surpresa com a função multitarefas da babá-barra-guia. Isso nos traz ao agora. São quase onze horas, Josie está sentada no capô do carro, conversando com Dom, rindo bastante. Anne está conversando com outros guias (reconheci pelo uniforme), um pouco mais afastada e eu estou sentada num lençol bem felpudo e coberta com outro lençol ainda mais felpudo, tentando ao máximo não demonstrar estar sentindo cada osso congelando. Anne nos trouxe ao Lyngsalpene, uma cadeia de montanhas, afirmando que aqui é ótimo para ver Auroras Boreais, e meu coração dispara só pensar de ver aquele monte de luzes no céu. Há vários carros e vans, então deduzi que aqui é bem popular. — Só estava com medo de o clima nublar e a gente não conseguir ver a Aurora. — minto, mas com muita convicção para ele acreditar. — Por sorte, parece que tudo vai dar certo. Ele murmura uma concordância não muito convencida e eu sopro o ar, conseguindo ver a fumaça escapar pelos meus lábios. — Eu gosto da Josie, tia. — diz e eu olho para ele. Cadê a novidade?

— Eu sei, Alex. — Não… — ele ri constrangido, balançando a cabeça para enfatizar a frase: — Gosto mesmo da Josie. — Eu sei, Alex. — repito, soltando uma risada trêmula e ele ergue as sobrancelhas, surpreso. — Querido, eu não sou cega e já tive a sua idade. Eu era só uns meses mais velha que ela quando comecei a namorar o Dom. — Mas eu não quero que a gente acabe assim. — diz rapidamente e solta um palavrão. Uau. — Desculpa, eu não devia ter falado isso. É só que… eu gosto mesmo dela, tia Fleur. Eu pensei em… sabe, pedi-la em namoro… mas ela ainda está fazendo quatorze. — E você fez quinze há menos de três meses. — refuto, encolhendo os ombros. — Olha, vocês são muito novos, eu tenho que concordar. Não sei se fico à vontade com isso, mas é natural que você comece a sentir essas coisas. Principalmente pela Josie, que é uma garota incrível. — É, sim. — ele concorda, soltando o suspiro apaixonado que eu conheço muito bem. Seus olhos estão na direção da minha filha. Bom, algo vai acontecer entre os dois. Preciso aceitar isso. É oficial, Josie está na adolescência. — Se você está querendo a minha bênção ou alguma coisa parecida, pode ir em frente. E já aviso desde já, eu te adoro, mas vamos ter uma conversinha se você magoar o meu bebê. — aviso em tom de brincadeira. Vejo o perfil de Alex e seus lábios estão curvados em um sorriso. Acabo sorrindo também, principalmente porque nunca pensei que diria isso. É emocionante. — Não acho que ela tenha falado para você, mas a Josie está muito feliz por estar conhecendo o Dom e por vocês terem passado um tempo juntos. — diz baixinho e eu continuo olhando para ele, sentindo o coração acelerar. —

Significa muito para ela. Josie estava bem triste pensando que teria briga nessa viagem. Não teve briga. Não do jeito que eles pensam, pelo menos. Concordo com a cabeça, olhando para Josie, que ri abertamente de alguma coisa que Dom está dizendo. Meu coração aquece e aperta em ver como ela parece mesmo feliz por estar perto do pai. Ela passou os últimos treze anos sem saber quem ele é, e aqui estamos nós. Chorar pelo leite derramado não faz muito o meu tipo, mas nunca pensei que ela sentiria tanto por não ter uma presença paterna. Alex beija a minha minha bochecha, avisando que vai ficar com Josie, e se levanta, indo até a minha filha. Alex gosta de Josephine. Meu Deus! Ele se senta ao lado dela e fico observando os três. Eles parecem muito à vontade e eu me deito no lençol, apertando a coberta contra mim, observando os pequenos contornos da Aurora que vai vir. Vejo Dom passar por mim e logo ele está deitado ao meu lado. Não conversamos na cabana. Eu não surtei, mas também não estava preparada para uma conversa. Estava atordoada pelo que tinha acontecido, surpresa por ter gostado tanto e me controlando para não pirar. Dom não forçou uma conversa e eu fiquei muito grata por isso. Ficamos em silêncio na cabana, na volta para o hotel e durante a vinda para as montanhas, mas pelo menos o clima não ficou pesado. Começo a morder o lábio nervosamente, lembrando do que eu disse para ele na noite de Ação de Graças e na reação dele ao ver as fotos. Fecho os olhos, balançando a cabeça. Preciso assumir, posso não ter ficado muito convencida da veracidade da história dele, mas o jeito que ele ficou é perturbador. — Sinto muito por ter acreditado nessas fotos, Dom. — falo baixo, decidindo dar a ele um voto de confiança. — Você está certo em se perguntar o porquê

de eu ter acreditado. — hesito por alguns instantes, relutante. Olho para Dom, que já tem a atenção em mim. — Vou correr atrás do que aconteceu e fazer com que paguem caro pelo que fizeram com a gente. — E como você vai saber o que aconteceu se toda vez que eu tento te falar o que houve, você foge? — Está começando! — ouço alguém gritar e me sento rapidamente, por instinto. Não sei quem gritou, mas é verdade. Está fraco, bem no comecinho, como se fossem feixes esverdeados dançando no céu. Ai, meu Deus! Olho para Josie, que está descendo do capô e logo ela está do meu lado, envolvendo o meu braço com as mãos, a cabeça para o céu, os olhos brilhando, atentos, um sorriso enorme adornando seu rosto. Demora um pouco, mas acabo olhando para Dom, que está me encarando muito sério. Josie aperta o meu braço e eu olho para cima, vendo, maravilhada, o verde ganhando força e outras cores surgindo timidamente. São grandes feixes que dançam no céu, e é simplesmente impressionante. O meu coração está batendo tão forte que começa a zumbir em meus ouvidos. Os feixes se misturam, brincando entre o verde e um tom azulado muito sutil, tão claros e tão perto, que parece que podemos tocar daqui. — Ai, meu Deus! — Josie resfolega com a voz trêmula e meus olhos se enchem de lágrimas. É incrível. É simplesmente incrível. Já tinha visto a Aurora algumas vezes com Dom, em Fairbanks, mas nada assim. Nada. A minha visão fica embaçada pelas lágrimas, e mordo os lábios, sentindo o meu corpo aquecer pela emoção. É uma loucura ver a natureza mostrando a sua força, e é tão bonito. — É a coisa mais linda que eu já vi. Sou obrigada a concordar com Josie. É, sim, a coisa mais linda. Um tom

rosado e violeta aparecem e ouço um soluço. Giro a cabeça para ver Josie chorando, com um sorriso enorme no rosto. Fungo, puxando-a para um abraço de lado, e continuo vendo, maravilhada, do que a natureza é capaz. E aqui, com o céu inteiramente coberto por um dos fenômenos mais bonitos do mundo, que me sinto vulnerável. É algo tão gigante, tão poderoso, que me vem uma alegria inexplicável. Meu Deus, isso é simplesmente... Josie se solta rapidamente e me agarra num abraço apertado. Seu corpo inteiro está tremendo, e ficamos assim por um bom tempo. — Obrigada por isso, mãe. — diz tremulamente e eu arregalo os olhos, encarando Alex, que pisca para mim. — Obrigada de verdade. Desculpa não dizer muito e por essas brigas que tem rolado, mas eu te amo, tá? Tenho sorte de ter você como mãe. Se antes eu estava só segurando o choro, agora sinto as lágrimas escapando numa torrente descontrolada. Pode ser no calor (ou no frio) do momento, mas ouvir isso da minha filha tem um significado tão especial. Josie nunca me viu chorar, então sei que ela sabe o que isso significa também. Afasto nossos rostos e beijo a pontinha do seu nariz, fazendo-a rir. — Eu amo você, meu coração. — sussurro e volto ao velho abraço de lado. Esse é o meu momento de Josie. Só nós. Alex e Dom estão perto e sei que eles não entendem o que está acontecendo aqui. Ou entendem, não sei. Mas esse é o nosso momento mãe e filha, e estou absolutamente feliz por estar aqui com ela.

∆∆∆ Observar baleias e orcas morrendo de medo de ser devorada, cumprido.

Alimentar renas com o povo sámi com muitas fotos com expressões de medo, cumprido. Passeios de raquete com algumas boas quedas, cumprido. Voltar para o hotel sem uma conversa que possa estragar o resto da viagem, nem tanto. Dom sugeriu que voltássemos à cabana, alegando que era um lugar incrível para passarmos um tempo juntos, e Josie concordou prontamente. Sugeriu ainda, que jantássemos lá, e Josie, obviamente, adorou a ideia. Como ainda é dia, pude ver que há uma área de recreação não muito longe daqui, mas só funciona até às dez da noite. Obviamente há vigilância vinte e quatro horas, mas como eu não sabia disso, acabamos tendo uma noite zero arrependimentos. Então, Josie está nessa área de recreação com Alex, e como saiu com o bloco de desenhos, suponho que ela esteja inspirada. Eu fiquei porque Dom pediu ajuda. E ele sabe que eu sou um desastre na cozinha. O que significa que estou sentadinha no sofá, tirando fiapos imaginários da roupa, tentando muito não ficar pensando em um monte de merdas. Ethan: Você está parecendo uma pessoa vingativa sanguinária. Tem certeza que quer isso? Suspiro ao ler a mensagem do meu chefe. Pedi que ele conseguisse tudo o que fosse possível que possa incriminar a minha mãe e o paradeiro de Elizabeth com o detetive particular dele. Posso cuidar dos outros depois. Meu pai está morto, então não vou poder fazer nada contra ele. Não diretamente. — Por quanto tempo vamos ficar nesse jogo? — ouço Dom murmurar, mas

não olho para ele. — Arrã... — digo casualmente, absorta, digitando uma resposta. Fleur: Sim. E preciso que seja rápido. — Será que a gente vai conseguir colocar todas as cartas na mesa em algum momento? Eu gostaria que a gente terminasse aquela conversa, Fleur. Isso está me matando. Ergo os olhos, vendo-o despejar bacon num prato despreocupadamente, como se estivesse falando trivialidades. Olho para a porta, hesitante. Josie provavelmente só vai voltar quando formos chamá-la, então essa é uma boa oportunidade para ele colocar as cartas na mesa e eu reunir informações. Me levanto, indo para a mesa. Penso em gravar para não deixar nenhum detalhe escapar, mas Dom pode não se sentir confortável e tenho certeza que não vou esquecer nada do que ele vai dizer. — E então, o que houve com você? Eu acabei dormindo e a gente não teve a oportunidade de conversar… tem um monte de buracos nessa história e eu gostaria de entender o que rolou. Por que você não foi me encontrar? Dom estreita os olhos e quase consigo ver as engrenagens girando rapidamente em cima da sua cabeça. Ele se livra da frigideira e encosta na bancada, cruzando os braços. Braços fortes, preciso lembrar. Epa. Sacudo a cabeça. Agora não é hora. Ele puxa uma respiração profunda e os olhos ficam nostálgicos quando fala: — Já mencionei que tive uma recaída. Não sei mesmo como aconteceu. Quando combinamos de nos encontrar no parque, eu estava em casa, me arrumando para ir ajudar os meus pais no bar. Num minuto eu estava indo

para a garagem para pegar a moto, e depois eu estava deitado numa cama, com uma sonda no meu braço, com a minha mãe aos prantos e um médico dizendo que eu estava em processo de desintoxicação. De novo. Como assim ele não se lembra? É isso que não entra na minha cabeça. Ele sempre soube como acontecia, mas dessa vez... Gesticulo com a cabeça, imaginando o quanto deve ter sido difícil para ele. Dom nunca gostou das recaídas, sempre se sentiu fraco e incapaz de superar. Não era frequente, mas costumava ser violento e cheio de ressentimento. Nunca teve uma ordem cronológica ou algum acontecimento que o fizesse usar drogas, apenas… acontecia. — O processo foi horrível. As visitas ficaram proibidas porque fiquei muito agressivo... e você sabe que eu nunca fui assim, mas eu tinha convulsões, suava frio pra cacete. — estremece e juro que tenho vontade de abraçá-lo. Ele continua antes que eu cogite mesmo fazer isso: — Depois as coisas se acalmaram, mas passei um ano internado, recebendo acompanhamento psicológico, tentando descobrir o que tinha acontecido e o porquê de você nunca ter aparecido. Mordo o lábio, pensando no que ele deve ter pensado. Quando ele me contou do seu vício, deixei claro que ficaria do lado dele independentemente disso, e sempre fiquei. Desde os momentos bons, até as recaídas e ter que visitá-lo naqueles quartos horríveis da clínica de reabilitação. — Paige se mudou para Boston para ir para a faculdade, mas também pareceu muito confusa. Jus, idem. Meus pais não tinham notícias de você e disseram que tinha saído de Fairbanks e mudado todos os contatos, porque os e-mails voltavam e as ligações iam para um número inexistente. Seus pais disseram que você tinha morrido para eles, mas que provavelmente você já tinha arrumado outra pessoa.

Bom, eu sabia que meus pais eram difíceis, mas ouvir isso de Dom, não torna menos doloroso. Eu daria a minha vida pela Josie, hoje eu consigo enxergar isso, então, como mãe, não consigo entender tanto rancor por uma coisa que não poderia ser desfeita como uma gravidez. — Quando saí da clínica, pedi para Delph me passar o seu número, o seu email, qualquer coisa, e ela me passou um endereço de e-mail, parecendo muito relutante. Mandei um texto enorme dizendo o que tinha acontecido, perguntando o motivo de você ter sumido e pedindo para nos vermos. Recebi uma resposta poucas horas depois de você falando que não queria ficar com um drogado e que tinha percebido que merecia coisa melhor. O quê? — Mas eu não… — Não foi você, eu pensei nisso na hora. Não era o seu jeito de digitar. Você já tinha me visto antes tendo uma recaída e sempre ficou comigo. Então fui atrás dos seus pais e tentei falar com eles. Sua avó estava junto e participou da discussão. Seu pai disse que um verme como eu merecia a puta que, infelizmente, era sua filha. Acabei perdendo a cabeça e indo para cima dele. — desliza o dedo pelo nariz, com um sorriso ácido. — Ele quebrou o meu nariz, eu lhe dei um olho inchado e alguns dentes a menos. Foi idiotice da minha parte ter ido para a agressão, mas aconteceu. Eu era louco por você, não podia deixar que ele te difamasse assim. Não me arrependo, honestamente. Então essa é a história do nariz quebrado. Uau. Aí está o Dom protetor que eu conheci. Isso torna menos doloroso o que meu pai disse? Não. Definitivamente, não. Mesmo assim, não consigo me conter. Vou até ele e lhe dou um abraço desajeitado. Forte. Sinto suas mãos subindo pelas minhas costas, e suspiro

profundamente, fazendo o seu perfume inebriar todo o meu sistema. Aperto-o contra mim, fechando os olhos, porque a sensação é boa demais e eu não quero que acabe. Não quero drama, nem brigas, nem desentendimentos. Eu poderia facilmente viver assim. Ele dá uma risada baixinha que reverbera por todo o meu corpo e sua mão quente desliza para a minha nuca, se prendendo na parte de baixo dos meus cabelos. — Caralho, eu senti muita falta disso. — ouço-o sussurrar, afundando o rosto no meu pescoço. Eu também senti. Ainda consigo sentir aquele conforto e a segurança, é como se o tempo não tivesse passado, e eu gosto e não gosto disso. Há coisas que precisamos resolver. Muitas coisas. — Obrigada por ter me defendido. — sussurro e ele me aperta. Saudades pra cacete. Sim. Definitivamente. Hum, isso é bom. Mas não está certo. Acorda, Fleur. Precisando de espaço, vou para atrás da bancada, apoiando os braços, ficando de frente para ele, pedindo silenciosamente que continue falando. — Quando eu já estava enxergando vermelho, sua avó se pôs entre nós bem heroicamente e disse que eu tinha batido em você. — seu rosto se retorce enquanto ele fecha os olhos e se encolhe. — Que nessa recaída você tinha ido me ver à tarde e eu tinha te batido. — O quê? — grasno, sentindo os olhos crescerem tanto que começam a arder. — O tempo entre ter falado com você para nos vermos à noite e acordar numa clínica é um apagão, Fleur. Não me lembro de nada. Por isso fiquei tão

puto quando você disse que eu tinha te traído. Para mim, você simplesmente terminou comigo e agora tinha decidido fingir que não se lembrava disso. Dom me bater? Isso é tão inacreditável que tenho vontade de rir. Mesmo quando Dom tinha recaídas, ele nunca ficou agressivo. Ele ficava muito nervoso, mas nunca chegou a bater em ninguém. Gritava, esperneava, chorava, tremia muito, convulsionava, mas nunca foi agressivo. — A gente não se viu, Dom. A gente não se viu naquele dia. — explico, nervosa. — E eu só descobri isso quando você me falou na semana passada. — abre um sorriso fraco, suspirando. — Pensar que eu poderia ter te batido foi um baque para mim. Eu nunca faria nada contra você e isso foi perturbador pra caralho. Mesmo assim, eu ainda queria ouvir de você o que aconteceu para ver se me lembrava, mas Gertraud conseguiu uma medida de restrição contra mim. Só que eu estava decidido a te explicar que não sabia o que tinha acontecido e me desculpar caso tivesse mesmo te machucado, mesmo que você não quisesse mais ficar comigo. Minha respiração está irregular e preciso morder a língua para não questionálo. Escutar primeiro, questionar depois, repito mentalmente num mantra. — Fui para Nova Iorque atrás de você para resolvermos as coisas, mas a sua avó descobriu que eu estava lá e mandou me prender. Inclusive foi me visitar na cadeia e deixou claro que você estava de acordo com isso porque eu tinha batido em você. Isso é ruim. Porra, isso é péssimo. — Dom, essa acusação é muito séria. Delph sabe que eu não te vi à tarde e disse isso à vovó. — Eu nunca soube direito o que aconteceu, Fleur, então se todo mundo da sua família me aparece dizendo que eu te machuquei e você desaparece, o

que eu penso? Se fosse só os seus pais, eu desconfiaria, mas Delph? Gert? Elas sempre apoiaram a gente. Esse é um bom ponto. As duas me devem explicações. Muitas. — Minha mãe ficou puta porque eu estava mais preocupado com você do que com descobrir o que tinha acontecido. — dá uma risada fraca e eu o encaro, entorpecida demais para conseguir esboçar qualquer tipo de reação. — Passei seis meses na cadeia e precisei cumprir os outros seis meses em serviços comunitários. Depois disso tive algumas recaídas, por um ou dois anos, meio sem rumo, mas depois decidi seguir em frente. Comecei a ir para a terapia, frequentar um grupo de apoio e focar em mim. — encolhe os ombros. — Talvez os seus pais estivessem certos e o melhor era eu ficar longe. Então, eu fiquei. Uau! — Uau… — é só o que consigo dizer, esfregando os olhos para tentar controlar as lágrimas. — Uau… — ele imita, com um sorriso fraco. — Eu não traí você, Fleur. Nunca. Eu entendo que você estava confusa, com medo, magoada, mas você precisa saber: eu. Não. Traí. Você. — pausa, inclinando o corpo na minha direção, apontando o dedo no peito. — Nunca. Fico olhando para Dom, medindo suas palavras, sua versão do que aconteceu ecoando na minha cabeça. Não consigo nem pensar que ele pode estar mentindo. Parando para pensar mais calmamente, ele nem tem motivos para isso. Poderia simplesmente dizer que me traiu e pronto, a gente seguiria em frente. Mas Dom me procurou. Mesmo com o risco de ser preso, ele me procurou. E só não conseguiu porque a minha família interveio, como sempre. Mas a

minha avó… droga, por que ela? E Delph? E qual o envolvimento dos pais de Dom? Porque David sabia e foi rude comigo a ponto de esconder a neta do próprio pai, isso é certo. Não tenho certeza do que vai acontecer a partir de agora, e há tantas coisas que eu quero dizer, que eu preciso fazer, que tudo está passando rapidamente pela minha cabeça. Certo… — A gente precisa descobrir o que aconteceu. — tento fazer soar como uma sugestão, mas saiu mais como uma ordem. Nem que eu tenha que fazer tudo sozinha, e considerando que Norah deve me odiar, não vai ser fácil. Ele franze o cenho, me analisando seriamente. — Já passou tanto tempo, Fleur. A gente não pode só… agir como se nada tivesse acontecido? Ah, fala sério. Balanço a cabeça, resoluta, para ele para que ele entenda melhor o meu ponto. — Olha, Dom, desculpa, mas ainda não sei se acredito completamente em você. Como você disse, passou muito tempo. Tudo isso parece muito surreal, alguma coisa não encaixa, e eu preciso descobrir o que é. — Fleur, não sei se é uma boa ideia. Isso não vai dar em nada. — ele insiste, meio agoniado. Hum. — Olha quantas pessoas estão envolvidas nessa história. — digo com urgência, gesticulando exageradamente com as mãos. — Não vou relaxar até descobrir exatamente o que aconteceu e fazer cada um pagar por isso. — Não tenho certeza se quero ficar revivendo essa história, Fleur. Nem é

saudável ficar pensando nessas coisas. A gente não está aqui agora? — Preciso de respostas. — refuto, decidida. — Alguém ferrou com a gente, Dom. Você já pensou no que teria acontecido se essa merda toda não tivesse acontecido? Dom não me responde e sei que vou ter a resposta que quero. Quero, sim, descobrir toda essa merda, mas estremeço só de pensar que a “recaída” dele também tenha sido armada pela minha família. Essa é a coisa mais cruel que eles poderiam ter feito. — E então…? — pressiono e ele estreita os olhos, com os lábios crispados. — Qual é, Dom, a gente não tem nada a perder. Novamente, ele não responde. Não sei do que ele tem medo, mas, caramba… eu quero muito descobrir e ferrar com a vida de quem fez isso. Não importa quem tenha sido. — Tudo bem. — ele concorda, parecendo relutante. — Mas se a merda ficar muito grande, a gente cai fora. Abro o sorriso satisfeito, mas não concordo. Não vou cair fora enquanto cada um não pagar pelo que fizeram.

19 Fleur

eja bem, talvez eu tenha sido uma mãe bastante protetora. Sempre tive medo até do menor machucado em Josie. Descobrindo a maternidade tão cedo, pensei que ferimentos na minha filha significariam que eu estava sendo uma mãe horrível.

V

Então, é óbvio que Josie nunca quebrou nada. Nadinha mesmo. A única vez que ela precisou enfaixar alguma coisa em seu corpo, foi quando dormiu de mau jeito e ficou com torcicolo. Fim. Ela sempre foi um cristalzinho inquebrável e excessivamente protegido. Mas, nada prepara uma mãe para a dor emocional de um filho. E piora quando o filho em questão não quer falar o que está acontecendo. Alex disse que ela ficou assim do nada, mas não tem como ter sido só isso, certo? Tudo bem, a adolescência é um pouco confusa, mas Josie mudou da água para o vinho num piscar de olhos. E Alex ser o fiel escudeiro não me ajuda nesse ponto. O garoto se recusa a me dar uma luz aqui. Então o problema é: ela não fala comigo ou com Dom desde que voltamos para Nova Iorque, e isso já faz dois dias. Simplesmente não quer conversar conosco. Só saiu para ir à escola, fica trancada no quarto ou no quarto-dapintura, nome que ela batizou o canto da pintura. Bem criativo.

Dom e eu entramos num acordo. Ele está ficando aqui em casa e temos procurado maneiras de fazê-la falar. Não sei quanto tempo ele vai continuar em Nova Iorque, e parece que ele também não sabe, já que não fala sobre isso. Neste momento ela está no quarto-da-pintura, trancada lá desde que chegou do colégio. Dom e eu estamos na sala de estar, ele sentado no sofá e eu sentada no tapete, com as costas apoiadas no sofá. Na TV está passando algum episódio de The witcher, mas o nível da minha ansiedade é tão monstruosa que nem consigo focar no Henry Cavill. E eu sou muito fã dele. — Você não acha que a gente deveria ir falar com ela? Ergo a cabeça só para ver que ele está prestando atenção em mim. Não havia como eu saber, já que estava com os olhos fixos nas minhas mãos pousadas no colo como se a minha vida dependesse disso. — Do mesmo jeito que a gente fez há menos de uma hora e ela nos expulsou de lá? — Então é assim? Alguma coisa acontece, ela se fecha e a gente espera para ver no que dá? Suspiro pesadamente, me endireitando e girando o corpo para ficar de frente para o meu ex. — A Josie é teimosa, Dom. Muito teimosa. Ela não vai falar, não importa o quanto a gente tente. — Parece alguém que eu conheço. — ele abre um sorrisinho ladino e eu limpo a garganta, respirando fundo. — Certo. Eu vou lá ver o que está acontecendo, você fica aqui. — diz, se levantando. — Talvez ela solte alguma coisa se eu insistir.

Não consigo evitar uma olhada sarcástica para ele. A gente fez isso mais cedo e não deu certo. Dom é uma figura nova na vida da Josie, é impossível que ela fale alguma coisa com ele. — Vai lá, sabichão. — encolho os ombros, vendo-o se afastar. Inclino a cabeça, suspirando ao ver o traseiro bem marcado pela calça sarja, lembrando do quanto ela é firme. — Ah, Dominic! Pego o meu celular, ligando para Ethan. Não vou mentir, ficar em casa está acabando comigo. Não estou acostumada a passar tanto tempo assim, no ócio. Depois de três anos trabalhando como uma louca atrás da sonhada promoção, agora preciso pensar em como posso me destacar para ter o meu nome na parede. Walton, Baldwin & Lefebvre. Sim, definitivamente a ideia me agrada. — Você é a pior pessoa para tirar férias. — a voz divertida do meu chefe ecoa do outro lado da linha. — Sei que esse tempo que estamos longe deve estar te matando. — brinco, abrindo um sorriso. — Como estão as coisas por aí? — Tediosas sem você por aqui. — ouço o farfalhar de papéis. — Eu ia mesmo ligar para você. Você oficialmente afastada do caso Kozitsyn. — Como é que é? — chio, arregalando os olhos. — Você nunca me afastou de um caso antes, Ethan. O que tem de diferente agora? — Suponho que seja pelo mesmo motivo que você me ligou. — a voz dele fica mais séria, e até consigo visualizá-lo se recostando em sua cadeira, arqueando uma sobrancelha. — Austin já conseguiu algumas coisas que você me pediu. — O seu detetive? O que ele conseguiu?

— Se não se importar, eu posso deixar com você mais tarde. Não li o que está no envelope, fique tranquila. — Isso não é problema, Ethan. — encolho os ombros como se ele pudesse ver. — Você não quer dar uma espiadinha e me dizer o que é? — Não é um caso meu, Fleur. Vai contra a minha ética. Mas fique tranquila, hoje não pretendo ficar até mais tarde, então assim que sair daqui, vou aí te entregar. Não é muito, mas como você pediu para ele ir entregando o que conseguisse para você conseguir se organizar, ele esteve aqui mais cedo. Umedeço os lábios, concordando com Ethan. Austin é bem eficiente, para ter conseguido algo assim, e torço muito para que ele já tenha encontrado o suficiente para fazer algo a respeito. Passa um bom tempo entre o fim da ligação e Dom aparecer na sala, muito agitado. — O que foi? — me levanto por instinto. Seu rosto está vermelho e parece que ele vai explodir a qualquer momento. Dom respira fundo, abaixando a cabeça, as mãos na cintura. — Dom, você está me assustando. O que a Josie te disse? — Ela ouviu o que a gente conversou, Fleur. — sua voz sai áspera e ele me olha, nervoso. — E aí sabe o que ela fez? Ligou para a sua avó. Agora ela acha que eu sou um drogado agressivo e que por isso você não a ama. Ah não. Sinto meus olhos se arregalando à medida que a minha boca forma um “O” de pura incredulidade. Por isso ela está assim? Quando ela ligou para a minha avó? Ela não ouviu quando eu disse que precisávamos resolver esses desentendimentos? Burra, burra, burra. Como eu não cogitei essa possibilidade? Sem falar nada, vou encontrar Josie, sentindo as minhas pernas vacilarem a cada passo, o coração bater descompassado e um frio desconfortável na

barriga. Encontro Josie na mesma posição de quando vim pouco tempo atrás; sentada no banquinho de madeira, pincelando o quadro furiosamente, o volume da música em seu fone tão alto que consigo ouvir daqui. Ela nota a minha presença e vacila um pouco antes de continuar desenhando. Sinto Dom atrás de mim, sua respiração pesada batendo no alto da minha cabeça. Fico na frente dela, fazendo um gesto para que ela tire o fone. — Eu quero ficar sozinha. — ela diz simplesmente e eu preciso dar-lhe uma colher de chá, porque as palavras do Dom estão num looping infinito na minha cabeça. Josephine acha que eu não a amo? Como assim ela acha isso? — Josie, a gente tem que conversar. — peço suavemente, erguendo as mãos, mostrando que não quero discussões. — Por favor. Ela me olha relutante por vários segundos antes de bufar, tirando o fone. Respiro minimamente mais aliviada, abrindo um sorriso hesitante. — Certo… — solto uma respiração trêmula e ela enruga o nariz. Idêntica ao pai. Até hoje me assusto com isso. — Dom me disse uma coisa e queria que a gente conversasse sobre isso. — Não quero falar sobre isso, mãe. — o lábio de Josie treme um pouco e juro que meu coração se parte em mil pedacinhos. Vê-la lutando contra o choro e, pior, saber que eu sou a causa desse choro, acaba comigo. Não sei exatamente o que minha avó disse para ela, mas sei que estou indo para Tybee Island amanhã para resolver essa merda. Faço uma nota mental de pedir o jato da empresa para Ethan e rezar para que isso se enquadre no “uso estritamente profissional”.

Preciso falar por partes para que ela não fique confusa. E por mais que eu queira me ajoelhar e falar que ela é tudo para mim, Dom parece estar prestes a desmaiar. Essa é uma daquelas conversas em que colocamos todas as cartas na mesa e resolvemos tudo de uma vez. — Josie, olha… seu pai nunca levantou um dedo contra mim. Nunca. Ele sempre foi um cara amável, gentil, atencioso, mas, infelizmente, a mãe biológica dele passou esse vício para ele. Josie intercala o olhar entre Dom e eu. Eu continuo olhando séria para ela, tentando passar a segurança que ainda não estou sentindo, ainda com as mãos erguidas, mostrando que só quero resolver essa bagunça. — A vovó não mentiria para mim. — ela larga o pincel, tensa, olhando desdenhosa para Dom. — Ela disse que viu fotos. Ela viu, mãe. Eu sempre achei que vivia fazendo as coisas erradas e por isso você não gostava de mim, sendo que o tempo inteiro a culpa era de vocês dois. Fotos? — Josie, já chega! — exclamo, firme, me chutando internamente ao vê-la estremecer. — Você é minha filha. Eu amo você como nunca achei que seria capaz de amar outra pessoa, como eu nem achei que era humanamente impossível. Por favor, só estou pedindo para você escutar a gente para não termos mais nenhum mal entendido. Os olhos de Josie ficam vermelhos e marejados, mas não cai uma lágrima. Suas mãos estão fechadas em punho no colo e a respiração está irregular. — Ele bateu em você? Alguma vez ele tocou em você? — ela pergunta baixinho, apontando com a cabeça para a porta, para Dom, sem deixar de me olhar. — Não. Claro que não! — respondo rapidamente, balançando a cabeça para passar mais segurança.

Ela estreita os olhos e leva um tempo para falar: — Certo. Simples assim. Uma palavra e quero chorar de alívio. Olho para Dom, que está passando a dobra do indicador pelo canto do olho e abre um sorriso fraco para mim. Ele e Josie estavam criando um laço muito legal, e eu não quero que percam isso. Independentemente do que eu sinto, não quero que Josie tome as minhas dores sendo que nem eu consigo lidar com elas direito. Preciso fazer alguma coisa para que ela entenda que Dom também pode ser uma vítima nessa história. E que ela entenda que eu a amo. Loucamente. Com todas as minhas forças. Nos sentamos no sofá, com Josie no meio, mas vejo como ela praticamente cola o corpo no meu, mantendo distância de Dom. Ele também percebe isso, mas não diz nada. Isso certamente está sendo difícil para ele. Dom gira o corpo na nossa direção, parecendo nervoso ao falar: — Eu preciso te pedir desculpas pelo que aconteceu quando nos conhecemos, Josie. Não tenho experiência com pessoas mais novas e realmente pensei que sua mãe já tinha dito alguma coisa, então acabei falando demais. — Eu vou ter todas as minhas perguntas respondidas? — Josie pergunta, olhando para mim. — Eu preciso falar algumas coisas primeiro e Dom vai colocar os detalhes que achar necessário, tudo bem? — digo, dando tapinhas em sua mão. Ela concorda com a cabeça. — Seu pai e eu começamos a namorar bem novos. Ele tinha acabado de completar quinze anos e eu iria completar os quinze em alguns meses. Os meus pais, seus avós, não gostavam dele. Achavam que ele não era… — olho cautelosamente para Dom, que gesticula com a cabeça para que eu continue. — O suficiente para mim.

Josie faz um som de desdém, um som muito parecido com o que eu fazia quando meu pai começava a me dar algum sermão. Pela expressão suave de Dom, ele se lembra disso. — Nós ficamos juntos por quase três anos. Foram anos incríveis, e você precisa saber que foi tudo real. A gente se amou. — olho para Dom, porque ele também precisa saber disso. Ele abre um sorriso lindo, não daqueles abertos, mas me rouba o fôlego igualmente. — O seu pai… ele tinha problemas com drogas. Não por vontade própria, como eu te disse no quarto. As coisas não foi fáceis para Dom até ele ser adotado pelos Dawson. — não mesmo. Ele nunca gostou de falar sobre isso, mas dava para ver que era algo que doía. — Você não me disse que era adotado. Ele não disse isso para ela? — Sim, querida. Vivi com a minha mãe biológica até os seis anos. Ela era garota de programa, tinha vícios e acabou me levando junto. Fui adotado por Norah e David Dawson, seus avós, três anos depois. — ele explica, constrangido, e é como ver o mesmo Dom vulnerável de anos atrás. O mesmo Dom que sempre ficava envergonhado por ter um vício, mesmo que não fosse culpa dele. — Hoje eu estou limpo, mas foi uma longa caminhada. — Você… uau. — Josie balbucia e me olha, franzindo o nariz. — Uau! Uau! Por que você nunca me disse? — Perguntas no final. — lembro-a. — Então, como eu te disse, a gente se amava. Isso você precisa saber. Você é fruto desse amor que a gente sentiu. Isso foi real. — Como foi isso? Como foi quando você soube que estava grávida? — ela pergunta, agoniada, porque nunca lhe dei muita conversa para falarmos sobre esse período. E, bom, as consequências estão aqui, rindo da minha cara.

— Passei mal por uma ou duas semanas, mas achava que era o nervosismo por causa das cartas das faculdades. A Paige sempre achou que fosse gravidez. — aperto a mão de Josie, que morde o lábio. — Precisei de seis testes para me dar conta disso. Seis testes. Eu estava tão… — dou uma risada nervosa, piscando várias vezes. — Estava tão nervosa e assustada, que se não fosse por ela, teria surtado muito mais do que eu surtei. — Não te imagino surtando. — Josie diz com honestidade e eu suspiro, porque é verdade. Aprendi muito bem a esconder as emoções, grande parte com ajuda de Ethan. Depois de um tempo eu perdi o controle e simplesmente comecei a guardar tudo, completamente diferente do meu chefe, que sabe que essa capa de impassibilidade só deve ser usada no trabalho. Acontece que essa Fleur impassível parece ficar bem guardadinha quando Dominic está perto. Algumas coisas não mudam, afinal. — Você não sabe o que perdeu, querida. — Dom diz com um sorriso, sentindo uma pontada de alívio por vê-la mais tranquila com ele. — Sua mãe brilhava. Ela adorava rir, contar histórias e acredite, falava mais do que você imagina. — Não falava, não. — protesto quando Josie dá uma risada, tão espontânea que os olhos quase se fecham. Exatamente igual a Dom. — Meu Deus. — O que foi? — Dom pergunta com um sorrisinho, não se dando conta deste fato. Nem eu tinha percebido isso até agora. Balanço a cabeça e ele franze um pouco o cenho, o sorriso não saindo dos seus lábios. — E então, o que aconteceu? — Josie pergunta mais relaxada e curiosa, e Dom passa o braço pelo encosto do sofá, apertando o meu ombro. Esqueça aquele papo de "perguntas só no final". Josie é muito ansiosa para isso. — Eu tive uma recaída. — Dom continua, atraindo a atenção da minha filha.

— Sua mãe não sabia disso. As coisas são meio confusas para mim sobre o que aconteceu, porque não me lembro de nada. Foi realmente um apagão. Só me lembro de acordar na reabilitação. — A vovó disse que você bateu na mamãe. — Josie insiste, ainda com uma pontinha de desconfiança. — Ela tem alguma coisa a ver com isso? — Ainda não sei, Josie. Parece que a vovó sabia o que aconteceu, mas nunca disse nada para nós. Assim como a tia Delph. Mas eu prometo que vou resolver isso. — abro um sorriso fraco. — É importante que você saiba que ele não sabia nada sobre você até o mês passado. As suas fotos nunca chegaram para ele, nunca. Enquanto ele achava que eu tinha o abandonado por causa do vício, eu achava que ele tinha me traído. E isso não foi resolvido até pouco tempo atrás. — olho para Dom, esperando que ele entenda que esse é um voto de confiança que estou dando à história dele, e espero que não seja mentira. — Traído? — os olhos de Josie ricocheteiam na direção de Dom, a mão apertando a minha. — Querida, a gente precisa resolver isso primeiro. — desconverso, atraindo a sua atenção para mim. — Aparentemente, isso foi um mal entendido. Não mesmo que eu vou deixar a minha filha saber sobre aquela... mulher. — O que importa é que agora estamos aqui e eu não vou mais embora. — Dom promete, abrindo um sorriso cauteloso, depois de entender a minha mensagem subliminar de que esse não era um assunto bem-vindo. Josie morde o lábio e ouço quando ela funga. — Você nunca bateu na minha mãe, não é? — ela pergunta novamente, e meu coração aquece diante da preocupação da minha menina. — Ele não me bateu, Josie. Nunca. — reitero, convicta, porque até Dom achava que tinha feito alguma coisa até eu esclarecer isso. — Seu pai nunca

foi agressivo, mesmo quando tinha alguma recaída. Josie concorda com a cabeça e fica olhando para Dom por alguns instantes. Essa é a minha deixa para sondar. Isso está me devorando, então se não resolver isso agora, vou explodir. — Agora, por que você disse aquilo no quarto? — pergunto e ela me olha. — Que eu não gosto de você? — Ah, mãe... — ela solta o ar, tentando soar indiferente, mas consigo notar a mágoa em sua voz. Até tento manter a expressão tranquila e serena, mas isso doeu. Demais. Me acertou em cheio, e precisou de muito esforço para não deixar me derrubar. — Dom, você se incomoda de deixar a gente sozinhas? — Josie pergunta, olhando para o pai, que concorda rapidamente com a cabeça, fazendo menção de se levantar, mas parando quando ela segura o seu braço, puxando-o para um abraço. — Me desculpa por ter sido rude. Não queria ter falado aquilo para você, eu juro. Gosto muito de você. Você vai ser um paizão! Dom dá uma risada emocionada, retribuindo o abraço com os olhos fechados. Lágrimas deslizam pelo seu rosto e eu amoleço, porque sempre gostei desse lado vulnerável dele. Dom nunca teve vergonha de mostrar o que sentia, seja algo bom ou ruim. Nunca se incomodou em esconder o choro e sempre brincava que ficar se reprimindo desse jeito com certeza faz mal à saúde. Se isso for verdade, estou com os dias contados. Dom me dá um sorriso cálido, piscando, antes de sair da sala. Josie se levanta e vai até o armário embaixo da TV, e me encolho interna e externamente ao saber o que ela vai pegar. O álbum de fotos da gravidez e dos primeiros anos de vida de Josie. Foi um presente da minha avó quando decidi que era hora de começar a andar com as minhas próprias pernas e sair da casa dela.

Nunca peguei esse álbum. Vez ou outra eu flagro a minha filha folheando as páginas, mas nunca senti vontade de ver a minha cara de infelicidade em praticamente todas as fotos. Estremeço ao me dar conta que Josie já tem idade para reparar nesse tipo de coisa. Ela nunca me perguntou o motivo de eu parecer triste ou coisa assim, mas é evidente em cada foto. Ela se senta ao meu lado, abrindo o álbum. A primeira foto eu pareço terrivelmente cansada, com grandes bolsas debaixo dos olhos, muito pálida, séria e uma bolinha despontando na minha barriga. E não melhora enquanto ela vai passando. Vovó tirou fotos toda semana para ver a mudança do meu corpo, e continuou tirando fotos depois do nascimento de Josie. São poucas as fotos durante a gravidez ou dos primeiros meses de vida da minha filha que esboço algum tipo de emoção. Nem mesmo um sorrisinho. Sempre me perguntei o motivo de não ter sentido a emoção da maternidade, a felicidade da amamentação, a alegria de segurar Josie pela primeira vez e me sentia horrível por isso. Naquele tempo a maternidade ainda era romantizada a ponto de eu só conseguir me perguntar o que estava fazendo de errado. — Você nunca parece feliz, viu? — ela aponta para uma foto em que eu estava no final da gestação. Eu já não conseguia dormir direito porque a barriga estava muito grande, vivia com dores pelo corpo e mesmo que eu nunca tenha sido um grande exemplo de vaidade, mulher nenhuma quer ser comparada a uma melancia em cada esquina. — E parece que nada do que eu faço te agrada. Quase nunca fica comigo e quando fica, está sempre muito séria, nunca repara se faço algo bom. Nem em apresentações da escola, sendo que todos os outros pais fazem os filhos passarem passar vergonha de tanto alvoroço. Eu quero essa vergonha, mãe. Juro que em qualquer outro momento, eu teria rido dessa última frase.

Fecho o álbum, girando o corpo para Josie. A ponta do meu nariz está pinicando, mas preciso esclarecer isso logo. Não quero deixar margem para que Josie pense que é um fardo, que eu não a amo ou qualquer coisa remotamente parecida. Seguro o seu rosto entre as mãos, limpando a garganta antes de falar: — Não vou mentir para você, Josie… foi uma gravidez difícil, dá para ver pelas fotos. Mas em momento algum eu me arrependi de ter você. Todos os dias acordo e agradeço pela filha maravilhosa que tenho, que é tão amorosa e gentil, mas também é teimosa e obstinada. Você é um pedaço de mim, Josie, é a minha estrela, e se algum dia eu fiz que você duvidasse disso, te peço perdão. Eu prometo que vou tentar ser uma mãe melhor, que vou ser mais presente e te fazer passar muita vergonha. Passo os polegares pelas suas bochechas, limpando o rastro de lágrimas. Ela faz o mesmo comigo, porque eu nem tinha percebido que estava chorando. Sem me conter, puxo Josie para um abraço apertado, colando tanto os nossos corpos que consigo sentir o seu coração bater com força. Ou talvez seja o meu. Fecho os olhos e solto um suspiro aliviado, pesado, sentindo o carinho da minha filha juntando os caquinhos do meu coração. Me dou conta de que se Josie está se fechando, é porque eu não dou espaço para ela. Sempre trabalhei duro para dar tudo o que ela pedia, para que nunca precisasse de nada, mas consigo contar nos dedos de uma mão as vezes que fui a uma apresentação dela ou que tirei um tempo para ficar só com ela depois de crescida. Eu afastei a Josie. Não tem nada a ver com a adolescência (embora eu saiba que essa fase seja foda), mas com a forma que eu a trato. — Você promete? — pergunta, os olhos se arregalando numa expectativa quase dolorosa.

— Eu prometo. — confirmo baixinho, enchendo o seu rosto de beijos. — Ai, mãe, tá bom. — ela ri, se afastando, então enxuga as lágrimas. — Posso ir me encontrar com o Alex? Ele disse que quer conversar comigo. Hum. Conversar. É assim que chamam hoje em dia? — Claro, querida. Esteja em casa antes das oito. — Nove. — propõe, guardando o álbum. — Por favor. — Oito e meia. — jogo a proposta, me recostando no sofá. — E se precisar, me ligue e eu vou te buscar. — Certo. — ela beija a minha bochecha, pegando o casaco do cabideiro ao lado da porta. — Diga ao Dom que eu o adoro. Beijo! Afundo o rosto entre as mãos assim que a porta se fecha, me sentindo muito mais aliviada. Ouço passos e logo o espaço ao meu lado está ocupado por Dom, mas continuo na mesma posição, tomando respirações profundas. — Você está bem? — pergunta e eu concordo com a cabeça, puxando o ar com força. — Quer comer alguma coisa? Olho para Dom, que parece assustadoramente confortável na minha minha casa. Um pequeno sorriso está adornando os lábios e sei que essa é uma forma dele de dizer “ei, hoje vamos dar uma trégua”. Não posso deixar de agradecê-lo mentalmente por isso. Uma coisa já foi resolvida. Agora só falta todo o resto.

20 Dominic

mudou em algumas coisas. Fisicamente ela está mais curvilínea, os F leur cabelos agora estão mais longos e tem umas ruguinhas adoráveis no vão entre as sobrancelhas, como se ela franzisse muito ali. Emocionalmente ela está muito mais séria; quando começamos a namorar ela era muito tímida e tensa, mas sempre teve uma garota louca para se divertir, e eu mostrei isso a ela. Agora ela parece estar sempre preocupada com alguma coisa, não há mais piadinhas, nem risadinhas, além da evidente desconfiança de tudo que a cerca, como se qualquer pessoa pudesse atacá-la. Mas tem três coisas que parecem ter continuado intactas mesmo depois de tantos anos: a minha facilidade em tirá-la do sério, o brilho que parece irradiar dela e fazê-la chamar a atenção até mesmo das pessoas mais distraídas, e não vamos deixar de fora a teimosia. A mulher continua teimosa como o cão, e prova disso é o fato de estarmos em Tybee Island, na porta da casa de Gertraud. O que eu disse? Teimosa demais. E isso sempre me deixou excitado pra cacete. Por ser uma viagem curta, de apenas quatro horas quando feita de avião (e ela pediu ao chefe para emprestar o “jatinho da empresa”. Quão arrogante é isso?), Fleur pediu para que Taylor, irmã mais velha do Alex, passasse a tarde com ela. Então, deixamos Josie na escola, encontramos Ethan, que parece

muito simpático com ela (num nível além do profissional, não pude deixar de notar) e aqui estamos, em pleno horário de almoço. E eu realmente não queria ter que dividir a mesa mais uma vez com qualquer pessoa da família de Fleur. Eles são tão... difíceis de lidar, que até mesmo o jantar de Ação de Graças foi tenso, mesmo que Gertraud tenha me ignorado com unhas e dentes, como se não tivesse me colocado na cadeia anos atrás. — Estou com fome. — resmungo, porque duvido muito que Fleur, no estado de espírito que está, vai usar a desculpa de que apareceu aqui apenas para almoçar. Ainda mais comigo em seu encalço. — A gente podia ter comprado alguma coisa no caminho para cá. — Não estou te ouvindo. — resmunga, tocando a campainha novamente. — Ela pode não estar aqui, Fleur. — cogito ao mesmo tempo que a porta se abre. Inferno! — Que timing. — Senhorita Lefebvre, que surpresa vê-la. — a mulher que suponho que seja alguma funcionária, a julgar pelas roupas muito formais, parece mesmo surpresa, intercalando o olhar entre Fleur e eu. — Felicia, tudo bem? A minha avó está? — Fleur pergunta com um tom perigosamente amigável. Para alguém que parece estar com sangue nos olhos, até esse sorriso dela dá um certo medo. — Claro, entre. — Felicia diz, alheia aos sinais que Fleur está passando, dando passagem para que entremos. — Ela não esperava visitas… — Pode dizer a ela que estou aqui e que é muito urgente? — Fleur pede bem cordial, e preciso dizer, é muito sexy. Felicia franze um pouco o cenho em meio ao sorriso, mas assente com a cabeça, saindo da sala. Uma grande sala, por sinal. Com paredes de vidros que permitem uma iluminação incrível, uma decoração simplista, mas que dá para ver que não é muito acessível ao nosso bolso.

Seria ótimo fotografar Fleur num lugar assim. Seria fenomenal, por isso faço uma nota mental de convencê-la a posar para mim mais uma vez. — É uma boa casa, não acha? — ouço a voz de Fleur e olho para ela, que está caminhando lentamente pela sala. — Ela se mudou para cá assim que fui oficialmente contratada na firma. Só estava esperando a garantia de que eu conseguiria me sustentar. — Justo. — cruzo os braços, olhando para a porta dos fundos que dá para a praia, como a minha casa. — Ela cuidou muito bem de você. Ela faz um som de desgosto com a garganta e balança a cabeça. Fleur não parece nada feliz, e sinceramente, não sei muito bem o que esperar daqui para frente. Esse lado dela é novo para mim, então não sei se ela vai partir para cima da avó ou, sei lá... chorar. É uma droga ficar às cegas, especialmente porque ela ficou digitando furiosamente no notebook enquanto vínhamos para cá, não me dando muita margem para uma conversa. Fleur começa a fechar e abrir a mão esquerda, apertando ao longo do braço com a mão oposta. — Está tudo bem? — pergunto desconfiado quando ela faz uma careta. — Fleur? — viramos a tempo de ver Gert descer os últimos degraus, com um sorriso aberto. Sorriso que morre assim que me vê. — Dominic. Fleur, com uma tranquilidade arrebatadora, revira a sua bolsa, tirando de lá duas fotos. As fotos. Aquela que eu tenho tentado pra cacete apagar da minha mente, mas queimam em meu consciente toda vez que fecho os olhos. Que inferno, como isso foi acontecer? — Tem alguma coisa para me dizer, vó? — Fleur estreita os olhos, estendendo as fotos para a mais velha. Gert intercala o olhar entre nós nervosamente, o rosto perdendo a cor

rapidamente. Sinceramente, ela parece pronta para infartar. Começo a me preocupar, afinal, ela é uma senhora de idade, mas quando faço menção de me aproximar para acudi-la quando ela coloca a mão no coração, Fleur só coloca o braço na minha frente, me lançando um olhar de aviso. — Eu lido com ela. — sussurra, franzindo as sobrancelhas. — Você fica quieto. A senhora vai até o sofá e se senta, bem recostada, fechando os olhos com uma expressão de dor. Olho quase em pânico para Fleur, porque se acontece alguma coisa aqui, nem sei onde fica o hospital mais próximo. — Você tem cinco segundos para começar a falar, vó. — Fleur grunhe, ainda com o braço na minha frente. — Do contrário, vou ter que colocar você como testemunha no processo, e tenho certeza de que você não vai querer isso. — Está maluca? A mulher está tendo um treco. — chio num fio de voz e Fleur revira os olhos. — Três segundos. — Fleur insiste e fico agoniado quando Gert solta um gemido. — Fleur, ela vai passar mal. — insisto, arregalando os olhos. — Vão processar a gente por tentativa de homicídio. — Um segundo! — Fleur rosna, o rosto ganhando uma coloração rubra. — Tudo o que eu fiz foi para te proteger. — a velha solta. Assim. Do nada. Parecendo recuperada. Se senta rígida no sofá, cruzando as pernas elegantemente. Porra, agora sou eu quem está quase tendo um treco. — Puta que pariu. — resmungo e Fleur abre um sorriso lindo, mas logo volta a ficar séria, sentando na poltrona ao lado de onde Gert está, colocando a bolsa ao seu lado e entregando as fotos à mais velha.

— Nem vou falar do fato de você ter ficado frente a frente com Dom há menos de um mês e ter agido como se nada acontecido. — Fleur diz secamente, erguendo o queixo e apoiando os braços no encosto do sofá, gesticulando com a cabeça para que eu me sente. Me sentindo como um menino de oito anos, obedeço, não querendo que essa calmaria antes da tempestade caia sobre mim. — Quero saber o que aconteceu. E acho bom não tentar me enrolar, vó. Estou de saco cheio disso. Preciso assumir que estou curioso. Gert sempre apoiou o nosso namoro, então não vejo uma lógica para ela ter cooperado com o genro que ela nem gostava, para começo de conversa. Mas estamos lidando com a família de Fleur. Pessoas difíceis de lidar, mesquinhas, capazes de fazerem qualquer coisa para manterem a imagem da família perfeita. Qualquer coisa. Quero dizer, sempre que um boato sobre eles começa, é abafado com uma rapidez impressionante, como se nunca tivesse existência. Já rolaram boatos de homicídio, e honestamente? Se tratando deles? Não duvido. E eu não posso lidar com eles. Não posso. Tá legal, eu consegui criar uma vida legal, posso me defender, mas não quero ter que enfrentá-los. Sempre cogitei a possibilidade de eles terem algo a ver com a recaída que deu início a toda essa bagunça, e foi encontrada tanta droga no meu organismo, que nem sei como estou vivo. Eu era um moleque. O que eles podem fazer comigo agora? Alger pode estar morto, mas aposto que Eleonora é capaz de qualquer coisa se ao menos cogitar que estamos revivendo essa bagunça. Eu quero respostas, mas honestamente, essa coisa de vingança da Fleur é o que me deixa inquieto. Tem alguma coisa na forma que ela fala... — Sempre gostei de você, Dom. — Gert começa e olha para mim com um sorriso fraco. — Desde antes de te conhecer, quando Fleur me disse que

estava com alguém que a fazia feliz… e tive a certeza que você faria isso quando vi que não era aquele engomadinho que Eleonora e Alger queriam. E também tinha a forma como olhava para a minha neta. Com adoração. Com amor. Protegendo-a dos pais. Vocês eram novos, mas eu sabia que tinham um grande futuro juntos, se quisessem. Ela para, olha para Fleur e para mim, e é óbvio que a neta não está com muita paciência, porque faz um ruído hostil com a garganta, com o semblante fechado. — Claro, fiquei preocupada quando ela disse que você tinha problemas com drogas, mas qualquer parente ficaria e tentei relevar quando Fleur explicou que esse vício tinha sido adquirido por causa da sua mãe biológica. Ela para de falar novamente e limpa a garganta. Meu corpo inteiro retesa, porque não tenho muitas memórias da minha mãe biológica. Não lembro do seu rosto, da sua voz, nem mesmo do lugar onde morávamos. Não sei se ela ainda é viva e prefiro pensar que esse vício que ela me deu de “presente” não foi por vontade própria. Pode ser uma forma de me enganar, mas se eu não me lembro, posso imaginar o que quiser. — Então, quando ela tinha dezessete anos, apareceu grávida na minha casa dizendo que você a traiu e, como se não bastasse, tinha sido expulsa de casa. Ela estava destruída, tinha emagrecido, estava mais pálida, tinha olheiras marcantes e parecia que não tomava banho há séculos. Fleur estava um caos e você a tinha deixado assim depois de prometer que não faria isso com ela. Você prometeu para mim, Dom, e eu sempre cobro essas promessas. — diz seriamente, não parecendo em nada com a senhora vulnerável de minutos atrás. Bom, isso é ruim. Quero dizer, isso já está resolvido, mas só de imaginar no quanto Fleur se sentiu sozinha, em como ela ficou, é como se o meu coração

se partisse em milhões de pedaços. Não consigo deixar de me sentir culpado, imaginando a dor que ela estava sentindo por pensar que eu tinha ido embora e ter que enfrentar tanta coisa sozinha. Imagino a dor, porque foi o que eu senti quando achei que ela tinha feito o mesmo comigo. Mas eu tinha meus pais para apoiarem. E eles sabiam de tudo. Até agora não responderam as minhas mensagens ou atenderam minhas ligações. — Vó… — Fleur parece desconfortável, mas Gert mantém os olhos fixos em mim, faiscantes. — Sobre isso… não teve traição. Os olhos de Gert ricocheteiam na direção da neta e seus lábios se abrem. — Perdão? — Não teve traição, vó. Dom e eu conversamos. — diz e explica brevemente o que aconteceu. — Enfim, não teve traição. E ele nunca me bateu, como você disse para ele e para a Josie. Dom nunca tocou um dedo em mim. Nunca. Gert não se mexe. Fica estática, as mãos unidas no colo, os olhos arregalados, olhando para o nada. Então, a mão vai ao peito e capto a sua respiração se acelerando. Droga, eu não tenho muita convivência com pessoas idosas. Não sei quando estão perto de ter um ataque ou se é apenas um grande choque. Acredito que estamos na segunda opção, já que Fleur não parece comovida. — Mas eu… quero dizer, eu estava lá quando ele foi falar com os seus pais e ele estava muito alterado. Ele bateu no seu pai, filha. — Por que será, não é? — não consigo controlar a língua e Gert estreita os olhos. — Você ouviu o que ele falou, Gert? Lembra do que ele falou da própria filha?

— Não é assim que a gente resolve as coisas no nosso mundo, Dominic. — ela diz duramente e eu enrijeço. Certo, porque falar da filha daquele jeito é aceitável. — Eu nunca fiz parte desse mundo, Gertraud. — lembro-a e ela arqueia a sobrancelha. — Sua filha deixou isso muito claro. Eu estava ali pela Fleur e por ela iria continuar se vocês não tivessem tramado para cima de nós. — Você se drogou, Dominic, e os pais dela me garantiram que você machucou a minha neta. Ela estava cega por você, nunca iria admitir isso. — O Dom nunca tocou em mim, vó. — Fleur repete, exasperada e eu estremeço só de pensar na ideia que passou pela minha cabeça por tantos anos. Tenho vontade de chorar toda vez que as palavras de Fleur dizendo que eu não a agredi se repetem na minha cabeça. — Dom, é sério. Meu Deus, por que vocês estão com isso na cabeça? — Porque eu não me lembro de nada. Foram quatorze anos achando que eu tinha te batido. — respondo ao mesmo tempo que Gert diz: — Porque eu o vi irritado e não foi bonito. Ele agrediu o seu pai, Fleur. — Pelo amor de Deus, meu pai me chamou de puta e me tirou de casa por ter engravidado sem se importar para onde eu iria. — Fleur refuta, indignada. Eu já estou ficando puto porque sempre me incomodou essa mania da família dela de se importar mais com o nome e os negócios do que o que deveria importar de verdade. — Como você consegue se importar mais com isso do que com o desrespeito que eu passei? — Por que você contou para ela? — Gert me encara, furiosa, e aí está novamente a preocupação com o que não importa. — Quer tirá-la de mim? Meu Deus do céu, essa família não bate bem. — Olha… — Fleur bate palmas, respirando fundo, mas dá para ver que ela

está magoada. — Só estou aqui para ouvir o que você tem a dizer. Por que você mentiu quando sabia que eu queria falar com o Dom? Gert amolece, se recostando no sofá, piscando várias vezes e então passa os indicadores pelos cantos dos olhos suavemente. A mulher é elegância até para segurar o choro. — Eu realmente achei que ele tinha te magoado, Fleur. — sua voz é comedida, rígida. — Você estava tão ferida, parecia tão frágil, que nunca me passou pela cabeça que seu pai estava mentindo. Ele me mostrou fotos de hematomas pelo seu corpo que pareciam muito reais, além dessas aqui. — estende as fotos de Lizzie e eu, e eu me encolho, olhando para as pernas de Fleur. — Você apareceu grávida, sozinha e desesperada na minha porta, o que queria que eu fizesse? Você poderia estar mentindo sobre uma agressão para protegê-lo. Ela deixa a frase no ar, e só consigo ouvir o mar agitado do lado de fora. Aqui dentro parece sufocante mesmo com a porta que dá para a praia estando aberta, fazendo um vento forte perpassar por nós. Para mim não é fácil aceitar, mas a linha de raciocínio de Gert tem sentido. Fleur poderia estar mentindo para me acobertar. É uma droga, eu sei, mas não deixaria de ser uma opção. Eu tinha um vício e isso sempre foi um fato. Não havia garantias de que era seguro ficar perto de mim quando tinha uma recaída, mesmo que eu não tivesse histórico de agressão. — Você tem essas fotos? Desses hematomas? — Fleur pergunta, ansiosa e eu olho para Gert, esperando a resposta. — Não ficaram comigo. Alger só me mostrou. — a mais velha encolhe os ombros. — A gente podia ter resolvido isso há tanto tempo. — Fleur massageia a têmpora, fechando os olhos. — Isso não foi justo, vó. — balança a cabeça,

dando uma risada incrédula. — Caramba, que loucura. Isso vai ser mais difícil do que eu imaginava. — Precisamos falar com a sua mãe sobre isso. Não acredito que ela me passou a perna. — Gert está balançando a cabeça, massageando o peito com a mão trêmula. — Não, vó, você fica aqui e eu vou resolver essa história. — Fleur me olha seriamente, mas não entendo a mensagem que ela quer me passar. Pode ser pela noite mal dormida, pela fome que está começando a me deixar tonto, ou até mesmo porque sou horrível para captar mensagens subliminares. Ao ver que não vai rolar, ela revira os olhos diante da minha lerdeza. — Vou tomar as medidas precisas para esclarecer tudo isso. Será que é muito ruim essa Fleur advogada me matar de tesão? Eu estava tranquilo aqui, não sei de onde isso saiu, mas é muito excitante vê-la assim. — Me passaram a perna, mocinha. — Gert se levanta, colocando as mãos na cintura. — Não gosto disso. Vamos embora. — Você não me ouviu... — Fleur diz calmamente, cruzando as pernas, tamborilando os dedos na coxa, com um sorriso muito doce. — Por quatorze anos você ficou calada. A sua oportunidade de tentar resolver essa merda, acabou. — se levanta, parando na frente de Gert. — De verdade, vó, eu espero que você esteja falando a verdade, porque eu passei o suficiente para aceitar mentiras à essa altura do campeonato. Josephine cresceu sem um pai e eu guardei mais mágoa e raiva do que eu achei que seria capaz porque vocês decidiram que Dom não era bom o suficiente para mim. Ouço o exato momento que Gert faz um barulho engasgado com a garganta, como se estivesse engolindo o choro. Olho para Fleur, que mantém uma impassibilidade assustadora. Definitivamente ela mudou muito nos últimos anos.

— Eu. Não. Sabia. — Gert diz pausadamente, erguendo o queixo orgulhosamente e eu franzo o cenho. Como ela pode parecer tão vulnerável em um momento, e depois parecer querer ser a dona do mundo? Fleur abre um sorriso frio, concordando com a cabeça. — Não se intrometa nisso, vó, nem diga à mamãe que estou com Dominic. É ela quem vai vir atrás de mim, acredite. — Fleur murmura calmamente. — Eu amo você, mas estou puta pra caralho, então não me teste. — Não xingue. — Gert repreende exatamente como Fleur fazia no começo do nosso namoro. — Você não pode fazer nada comigo, eu sou a sua avó. — E eu disse que te amo. — pega a bolsa. — Mas como eu disse, não estou no meu melhor humor. Acabei de descobrir que fiz merda e eu vou arrumar isso. E faz uma saída dramática. Não olha para mim, apenas sai. Gert olha para mim, suplicante. — Não deixe que ela faça besteira, Dominic. — pede e eu ergo as sobrancelhas. — Delph e eu só agimos pensando no bem dela. Me limito a gesticular com a cabeça, fazendo o meu caminho para fora. Eu ter me compadecido ou entendido o ponto de vista dela não torna a situação menos dolorosa. Fleur está certa, passei quatorze anos sem saber da existência da minha filha e Gertraud tem uma parcela de culpa nisso. A intenção pode ter sido boa, mas não dá para passar por cima disso. Encontro Fleur do lado de fora, de costas para mim, trocando o peso dos pés, com a mão no rosto e murmurando algo que não consigo entender daqui. Me aproximo silenciosamente, mas ela provavelmente percebe, porque se vira para mim. Seus olhos estão lacrimejados e, honestamente, ela parece muito perto de desabar, e meu Deus do céu, parece que isso dói fisicamente em mim.

— Isso é inacreditável. — diz com uma calma que ela não parece estar sentindo e enfio as mãos nos bolsos da calça, esperando que ela diga algo a mais, porque para mim isso é acreditável, sim. — Até ela começar a falar, eu estava com esperanças de que ela também tinha sido enganada. — Hã… mas ela parece ter sido enganada, Fleur. — lembro-a, encolhendo os ombros. Fleur dá uma risadinha fria, balançando a cabeça. — Ela teve quatorze anos para me falar alguma coisa, Dom, acha mesmo que isso é tudo o que ela sabe? — pergunta e a sua resposta é o meu estômago rosnando, porque posso estar sendo guerreiro, mas estou quase pedindo clemência por causa da fome. — Vamos comer alguma coisa, tá legal? Preciso… preciso pensar. Ela começa a me guiar, em silêncio. Aqui estamos dependendo de Uber, já que tecnicamente é uma visita rápida, mas o meu cérebro amolece quando entramos em um restaurante italiano, o cheiro de massa acabando comigo. Não temos dificuldade em encontrar uma mesa e o atendimento é rápido. Enquanto eu peço um filet mignon marsala, Fleur pede uma salada. Apenas. Nada que dê mais sustento, apenas uma salada sem graça. E então, fica séria. Muito séria. É estranho perceber que estou na frente da Fleur, a Fleur que um dia foi tão leve e espontânea, que adorava rir e experimentar coisas novas. Como eu disse, não foi sempre assim. No começo ela estava sempre receosa de quem estava prestando atenção nela, se estava falando alto demais, sendo espalhafatosa demais ou se estava agindo como a filha perfeita de um diplomata. Demorou um pouco para que ela se soltasse, mas sempre achei o máximo a forma que ela parecia chegar ao extremo comigo, fosse bom ou ruim. Sempre fui apaixonado pela verdadeira Fleur, a que não tinha medo de esconder o que sentia, que tomava cerveja de barril, ria alto…

— Então você voltou a ser a velha Fleur? — pergunto, ganhando a sua atenção. — Sempre comedida, preocupada com o que os outros vão pensar, agindo sempre pensando demais. Ela endireita a postura e sei que tive o meu ponto. Fleur olha para os lados e solta um suspiro, massageando as têmporas ao fechar os olhos. — Essa merda é tão cansativa. — sussurra, então balança a cabeça e me encara, forçando um sorriso. — As coisas mudaram, Dom. Estreito os olhos. — Por quê? — Por quê? — ela repete a pergunta e eu concordo com a cabeça. — Ora, porque… porque as coisas mudam. Você é o mesmo de quinze anos atrás? — Não estou falando disso, linda, e você sabe. Já temos jogos demais para resolver, não precisa me colocar em mais um. Ela morde o lábio inferior nervosamente, hábito que tem desde que eu me lembro. Batuca os dedos na mesa, abrindo e fechando a boca algumas vezes antes de falar tão baixo que preciso me inclinar para conseguir entender: — Tudo isso é culpa da minha família, Dom. Não sei como vou encarar a Josie sabendo que a gente fez tanto mal a você, ou até mesmo encarar você. É tão vergonhoso para mim ter que assumir que estive enganada todo esse tempo, que… — ela se corta, por um instante parecendo a Fleur que eu era louco. A minha Fleur. Pego a sua mão por cima da mesa, mas ela não olha para mim. — Sua família ser como é, não significa que você também seja, Fleur. Você não é como eles. Ela solta a sua mão rapidamente, colocando as duas no colo, respirando fundo. E lá se vai a minha Fleur.

— Só preciso de um tempo para absorver tudo isso. Só um tempo, tá? Por favor. Eu sei que também está sendo difícil para você, mas eu preciso entender o que está acontecendo e traçar um plano. — Fleur, não sei mesmo se essa é uma boa ideia. — Não foi uma pergunta, Dom. — refuta, sem me olhar. — Não tenho medo deles e você também não deveria ter. Eles tiraram a Josie de você. Tiraram você de mim e... — se corta, enrijecendo. — Olha, sério, só me deixa acalmar os ânimos, tá? Por favor, só estou te pedindo isso. Olho bem para ela, que controla a sua forma de respirar. Aposto que ela não gostaria, por exemplo, caso eu a fizesse andar de moto mais uma vez, e não sei como Fleur consegue ser tão excitante e frustrante ao mesmo. Não sei se quero sacudi-la até fazê-la mulher acordar, ou pressioná-la numa parede e fodê-la até perder os sentidos. Não tenho tempo para cogitar as possibilidades, porque a salada sem graça é colocada na frente de Fleur, e um delicioso prato assado é colocado na minha frente. F-o-d-a. Começo a comer sem cerimônia, observando Fleur demorar para encostar na sua salada, mas não sem antes dizer: — Consegui o endereço da Elizabeth. Aquela vaca cretina me deve uma explicação. Aí está o plano.

21 Fleur

"P reciso que venha à empresa assim que tiver um tempo livre."

Franzo o cenho ao ler a mensagem de Ethan. Ainda tenho uma semana e meia livre, então por que ele quer acabar com a minha folga assim? — Está tudo bem? — ergo a cabeça, encarando um Dom preocupado. Estamos em Washington. Há dois dias estávamos em Tybee Island, e ontem foquei em dar atenção a uma Josie comprometida e empolgadíssima com a novidade de estar namorando o "garoto dos sonhos". Dom se trancou no quarto-da-pintura com Alex para uma conversa de homens. Não sei o que aconteceu, mas Alex parecia bem animado, então supus que não tiveram ameaças. De volta ao motivo de estarmos na cidade vizinha, Dom me disse que Elizabeth é cirurgiã plástica, e não posso deixar de ficar impressionada com a reviravolta que ela teve. Não que eu imaginasse que ela nunca daria a volta por cima, mas Elizabeth nunca quis sair de Fairbanks, nunca nem cogitou a possibilidade de ir para a faculdade. Mas, tudo bem, esse é só o meu lado vingativo querendo falar mais alto. Tomo cuidado para não esboçar nenhuma reação quando Dom para o carro e observo a entrada do prédio que ela mora. — Estou ótima. — afirmo, saindo do carro. Dom insistiu em vir dirigindo

porque afirmou que conhecia o caminho, e não pude discutir com isso. Zero incomodada com eles continuarem a falsa amizade. Paro em frente ao interfone e Dom logo está ao meu lado. Fica parado, olhando para mim, não fazendo a mínima questão de esconder que está desconfortável por estarmos aqui. Ele ligou ontem para Elizabeth, que pareceu muito animada em receber uma visita do "amigo". Por sorte não teria nenhuma consulta hoje de manhã, então aqui estamos nós, às nove horas em ponto. Obviamente ele omitiu o fato de que eu viria estaria junto. — Ficar me encarando não vai me fazer mudar de ideia. — digo, cruzando os braços. Ele não responde. Solta um suspiro frustrado e aperta um botão, não precisando de mais de três toques para eu ouvir aquela vozinha tão irritantemente familiar. — Doutora Meagan. — ela atende formalmente, ofegante. — Oi, Lizzie, é o Dom. — Dom apoia a mão na parede, olhando para o chão. — Ah, querido... — reteso e ouço a porta destrancando. — Pode entrar. Achei que você ia se atrasar, como sempre. Estou tomando banho, mas pode subir. Abro a porta. "Ah, querido". "Estou tomando banho, mas pode subir". Argh, que mulher asquerosa. Preciso fazer muito esforço para não ouvir a vozinha do monstro verde, que se pergunta se essa intimidade significa que eles, eventualmente, tiveram alguma coisa durante esses anos. Começo a subir as escadas, mas teremos um impasse logo, porque não reparei qual o andar daquela mulher. — Fleur, espera. — ouço Dom no meu encalço. — Você está maluca? Por que está correndo como se eu fosse um maníaco?

Continuo sem respondê-lo, porque admitir em voz alta que me incomoda esse carinho todo, certamente vai fazê-lo tirar conclusões precipitadas e erradas. No terceiro andar, ele segura o meu braço antes que eu continue subindo, me apertando. — Você já sabe o que vai fazer quando ficar de frente com a Lizzie? — pergunta, baixo. — Claro. Vou fazer essa puta engolir as cópias das fotos antes que ela tente negar e fazer eu parecer uma maluca. — dou de ombros, tentando me soltar. Em vão, porque o aperto fica mais firme. — Dom, me solta. — Eu estou às cegas aqui, querida, será que você pode me dar uma luz? Como vai ser isso? Você vai olhar para ela e atacá-la? É uma má ideia? — Só siga o meu fluxo. — É assim que você trabalha? — Dominic... — respiro fundo e umedeço os lábios, clamando aos céus por paciência. — Esse é o andar? Dom assente com a cabeça, mas não se move. Bom, não sei muito como vai ser. Claro que sei o que preciso perguntar e como devo agir, mas vamos trabalhar com a honestidade aqui... eu odeio essa filha da puta. Quero ser racional, mas não sei se vou conseguir fazer isso. — Você precisa me prometer que não vai cometer uma loucura, Fleur. — Me solta, Dom. — peço novamente, mas ele não o faz. — Dominic, me solta. Por que você protege tanto essa garota? — Não estou protegendo a Lizzie, linda, estou protegendo você. Não se engane, eu amo você assim, sem pensar tanto e toda ciumenta, mas não quero que acabe se arriscando. — franzo as sobrancelhas, confusa, e ele continua:

— Me prometa que não vai fazer nada que faça a Lizzie querer chamar a polícia. — Você só vai saber se me soltar. — abro um sorriso contido. — E não tem ninguém com ciúmes aqui. — Qual é, Fleur, nem você acredita nisso. — ele abre um sorrisinho irresistivelmente lindo e eu aperto sutilmente as coxas. Viu? Olha o efeito que um sorriso causa em mim. — E você precisa pensar na Josie também. Ela com certeza não quer você presa. — Eu só penso na Josie nos últimos quatorze anos. — respondo sem querer soar rude, mas soando, vendo-o se encolher. — Desculpa. Não era para ter saído assim. É só que encontrar com essa mulher está mexendo com os meus ânimos. Dom estreita os olhos, me avaliando e preciso fazer muito esforço para não me remexer e deixar que ele decida me soltar. Mas há algo em seus olhos, em sua expressão... como se estivesse diante da coisa mais preciosa do mundo, ou o mínimo sorriso, como se ele estivesse pensando num segredo incrível. — Puta merda, você continua linda. — Ai, meu Deus. — dou uma risada nervosa, surpresa com o rumo que a coisa tomou. Ele me solta e dá um passo para trás, com as mãos erguidas. Não é que eu não seja acostumada com elogios, mas geralmente estou preparada para isso. Receber assim, do nada, sempre me deixa meio sem chão. Ele dá uma risadinha e o som tão descontraído reverbera por todo o meu corpo, fazendo a minha pele arrepiar e os pelos da nuca eriçarem. Jesus Cristo. — Hã... — olho para os lados, não querendo que Dom veja o efeito que ainda pode causar por causa de uma risada. Fico parada por um tempo, pensando no

que preciso falar. — A gente pode... bem... talvez... a gente pode resolver isso logo? Dom umedece os lábios e eu odeio a forma como isso tem um retorno direto nas minhas partes baixas. — Como quiser. — encolhe os ombros, se pondo ao meu lado. — Vou considerar que você vai agir como uma advogada e também vai pensar na Josie. Eu também espero isso. Seguimos em silêncio até o final do corredor e ele para na frente de uma porta, que já está entreaberta. Ele entra primeiro e faz um gesto com a cabeça para que eu faça o mesmo. Não somos recebidos por ninguém, então imagino que a relação dos dois continuou bem próxima durante todos esses anos. Travo o maxilar, olhando a casa. É um lugar legal, bem claro, arejado e com janelas com vista para a cidade. Mas, como eu já imaginava, não sinto uma boa energia aqui. Quando olho para Dom, sua atenção já está em mim. — Você parece bem chateada. — murmura com os braços cruzados. — Onde ela está? — pergunto, porque imaginava que a dona da casa estaria aqui para recebê-lo. — Não faço ideia. — olha ao redor. — Mas já deve estar vindo. — Dom, querido, quanto... — Elizabeth aparece e seu sorriso morre ao me ver. — ... tempo. Fleur Duboc. — fala lentamente, arqueando a sobrancelha. — Lefebvre. — é Dom quem corrige, mas a minha atenção está completamente em Lizzie. Preciso assumir, a filha da mãe está ótima. Não se parece mais com a gótica revoltada, nada de delineador punk aos redor dos olhos cinzentos ou do

batom escuro. Ela emagreceu, também, e parece ter passado por alguns procedimentos estéticos. Nada monstruoso, o preenchimento labial ficou natural e não há mais orelhas grandes. Ela está muito bem. Droga. Vestida com um roupão felpudo. Um roupão de banho. Intercalo o olhar entre ela e Dom, repetindo para mim mesma como um mantra que Dom não sabia de nada, que ele não tinha como saber que a amiga sempre foi uma biscate sem coração. E que não há nada entre Dom e eu. — Que surpresa ver você depois de tantos anos. — ela diz, abrindo um sorriso angelical. Sinto o meu nariz estremecer, constatando a raiva que está chegando. — O Dom não me disse que traria uma visita. — Você mentiu para mim? — Dom pergunta, mas não é exatamente esse o rumo que eu tinha em mente, então me intrometo: — Qual era ou é a sua ligação com a minha família? Ouço um resmungo de Dom, mas estou concentrada em Lizzie. Não estou confortável, não gosto da energia que tem nesta casa, então quero acabar logo com isso e voltar para Nova Iorque. — Bom, vocês aceitam tomar alguma coisa? — pergunta cordialmente, piscando várias vezes. Balanço a cabeça e provavelmente Dom faz o mesmo, porque Lizzie se senta, apontando para as poltronas. — Por que não se sentam? Isso pode levar tempo. Não me mexo. Lizzie estreita os olhos, me desafiando com um sorriso maldoso. Juro por Deus que leva tudo de mim para não voar na cara da infeliz, mas Dom pode ter sentido isso, porque segura o meu braço, me

puxando bruscamente para sentar em uma poltrona e fazendo o mesmo em seguida. — Você está muito bem, Fleur. Não te vejo desde... — deixa a frase no ar, a vaca. — Qual a sua ligação com a minha família, Elizabeth? E não tente jogar comigo. — repito a pergunta secamente, empertigando a coluna e cruzando as pernas. — Lizzie, se você mandou fotos para a Fleur, você sabe quem me drogou. Que merda, como você deixou fazerem isso comigo? Como você pôde fazer isso comigo? Nós éramos amigos, eu confiava em você. Não fico surpresa com o quão magoado ele parece, mas isso não significa que fica mais fácil. Há uma vulnerabilidade pouco velada em sua voz, e olhando para ele, para a decepção tão palpável, sinto uma vontade imensa de cuidar dele. — Não sei do que vocês estão falando. — ela encolhe os ombros, mas o sorriso cínico drena mais um pouquinho da minha paciência. Tiro o envelope com as fotos da bolsa, entregando para ela. — O que é isso? — Comece a falar, e comece agora. — ordeno do jeito mais profissional que minha paciência permite, olhando de relance para o envelope. — Qual é a dessa galera rica que sempre precisam colocar tudo em envelopes? — ela dá uma risadinha debochada, olhando para Dom. Eu sou uma mulher racional. Não vou voar na cara dela. Sou uma mulher racional. — Abra a porra do envelope, Elizabeth! — Dom grunhe e a única reação dela é um beicinho ridículo. Na verdade, ela parece muito calma. Sua postura está muito tranquila, embora

dê para perceber que ela não está confortável, e o meu palpite diz que não é porque estou pressionando este assunto, mas simplesmente porque estou aqui. Elizabeth Meagan nunca gostou de mim e sempre deixou isso muito claro. — Honestamente, pensei que você me procuraria mais cedo. — dá de ombros, passando o dedo pelo indicador, e então tira as fotos do envelope, mas não olha o conteúdo. — Mais de dez anos e você nunca quis saber sobre o Dom? Caramba, que amor, hein?! Fecho as minhas mãos em punhos e sinto a mão de Dom cobrir a minha. Olho para ele, que balança a cabeça num aviso silencioso. Estou confusa. Uma hora ele parece furioso e agora está tranquilo? Foda-se. — Há um homem inconsciente nos seus braços, vocês dois estão nus, e se checarmos o histórico do Dominic na clínica onde ficou internado, vamos ver que pelo horário que você me mandou a foto, ele já estava drogado. Tenho certeza que você se lembra dessas fotos. — sorrio docemente, sentindo esse gesto cortando minhas bochechas. Ela não responde. O sorriso ainda está aí, mas não é o mesmo sorrisinho orgulhoso, é mais cauteloso. A postura ainda está intacta e tenho que parabenizá-la por isso. Sinto um aperto na minha mão, mas mantenho os meus olhos em Lizzie. — Não sei se você sabe, mas sou advogada. Das boas. Em uma grande firma. Se você for inteligente, não vai querer saber do que eu sou capaz de fazer agora que eu sei que você dopou o meu namorado. — Eu não dopei ninguém. — diz rapidamente, erguendo o nariz. — Você está blefando. — É? Me teste. Experimenta não me dizer agora o que aconteceu para você ver se não vou te encher o seu rabo de processos. Sua carreira vai estar

arruinada e você vai voltar a ser a mesma zé ninguém de quinze anos atrás. Tenho certeza que você não quer isso. Tenho certeza de que foi fácil se acostumar com a boa vida, não foi? Ela enruga o nariz e sei que estou conseguindo o que quero. Sei porque ela suspira resignada. Continua com a postura arrogante, mas a sua expressão não está mais segura. Eu amo o meu trabalho. Definitivamente amo o meu trabalho. Nunca mais vou reclamar. Elizabeth fica me olhando por bastante tempo, batucando as unhas longas no encosto do sofá. Quando vê que não vou ceder, se remexe, desconfortável. O aperto de Dom já está quase doloroso, mas sinto que até uma respiração errada pode mudar o clima da situação. — Como você acha que consegui sair daquela merda de vida? — ela pergunta com uma calma que não sei de onde está tirando. Não respondo, Dom tampouco. — Sua família, Fleur. Seu pai me pagou o suficiente para sair de lá. Preciso engolir o nó que se forma na minha garganta. Não fico surpresa, claro, mas ainda assim... porra. Droga, ainda dói. — E então...? — Dom instiga ansioso. Ela intercala o olhar entre nós dois. — Só fiz a minha parte. Fiquei no hotel esperando me entregarem você e fiz a Fleur saber disso. É tudo o que sei. — Quem levou o Dom para lá? — pergunto, limpando a garganta, sentindo-a áspera. — Não faço ideia. Provavelmente os caras do seu pai. A minha parte do acordo era simplesmente fazer você saber que ele estava comigo. — gesticula minimamente com as mãos, dando de ombros. — O que acontecia antes ou depois, não era da minha conta. Seu pai prometeu que ele iria para a

reabilitação são e salvo, e ele foi. Eu só queria ver vocês dois separados. Você nunca o mereceu, Fleur. Dom tinha que ficar com alguém que se parecesse com ele, não uma riquinha que nunca passou necessidade na vida e que não entendia do que ele precisava. Uma mulher de verdade, que saberia cuidar dele muito bem. — E ele ficou com você depois disso? — pergunto, porque mesmo que já saiba a resposta, ouvi-la dizer isso, perceber que nem assim ela conseguiu ficar com ele, é uma delícia. Ou eles podem ter tido algum rolo. É um risco que estou disposta a correr. Ela torce o nariz e quase afundo na poltrona de tanto alívio, porque essa é a minha resposta. Nunca houve nada. — A sua família dizia que Dom não era o suficiente para você, mas sempre foi o contrário. Dom sempre foi muito para você. Muito. Eu era do mundo dele, eu o entendia, você só era uma garota mimada e assustada que o via como uma maneira de afrontar os pais. Antes que eu voe no pescoço da desgraçada, ouço uma risada e olho para Dom, que está balançando a cabeça, o peito subindo e descendo rapidamente. — Você armou com a família da Fleur para nos separar mesmo sabendo que eu era apaixonado por ela, deixou que me drogassem, viu a merda que eu fiquei depois de tudo e ainda tem a cara de pau de dizer uma maluquice dessas? Olha, estou surpreso. A pose de Lizzie se desfaz quando seus olhos lacrimejam tão rápido que as lágrimas descem como torrentes. Cirurgiã? Que nada. Essa infeliz deveria ser atriz. — Dom, eu fiz por amor. Nós éramos jovens e inconsequentes e ela não era boa o suficiente para você. Dom aperta a minha mão e eu olho para ele.

— Já teve o suficiente? — pergunta com uma urgência perigosa, e eu concordo com a cabeça. Minha cabeça está latejando, minha garganta está ardendo, o meu corpo está mole e tremendo. Ele entrelaça nossas mãos e nos levantamos, prontos para irmos embora. Elizabeth se levanta também, se colocando na frente de Dom. — Dom, não vai embora, por favor. Eu estava tão cansada de mentiras que não hesitei em falar a verdade para vocês, mas me escuta. — ela agarra a camiseta dele, desesperada. — Essa mulher ia acabar com você de um jeito ou de outro. Você nunca sobreviveria com aquela família e você sabe disso. Você sabe, você sabe disso. Ela nunca te amou como eu, nunca foi digna de você. Filha! Da! Puta! Me solto de Dom rapidamente e antes que eu possa pensar no que estou fazendo, porque minha mão voa no rosto dela, num som seco. Mas eu paro por aí? Claro. Que. Não. Meu punho voa diretamente no nariz dela. E quando se desequilibra, continuo acertando o rosto harmonizado, enxergando tudo vermelho, me livrando do ódio que guardei nos últimos dezesseis anos. Ela tenta se soltar e sinto suas unhas em meus braços, mas não poderia me importar menos. — Minha filha cresceu sem um pai, sua filha da puta. — cada palavra é pontuada por um golpe no rosto dela, que parece estar gritando. Eu acho, não dá para ter certeza. — Dominic era tudo para mim e você me tirou isso, sua cadela dos infernos! Sinto uma mão envolver a minha cintura e me tirar de cima dessa hipócrita, ignorando os meus protestos descontrolados. Dom envolve o meu rosto entre as mãos, falando alguma coisa, mas um zumbido chato no meu ouvido me

impede de escutá-lo claramente. Não demora muito para acontecer. Meus olhos ficam turvos pelas lágrimas quando vem uma dor lancinante nos ossos das mãos. — Puta merda. — Dom chia, em choque, mas não consigo raciocinar, porque nunca bati em ninguém na vida. O que foi que aconteceu aqui? Olho assustada para a mulher no chão, que leva as mãos cuidadosamente ao rosto. Tem sangue no nariz, que com certeza foi quebrado, os olhos estão inchados e tem pequenos cortes nas bochechas e nos lábios. — Você... porra! — ela grita e eu arregalo os olhos. Puta merda. O que foi que eu fiz? Dom faz um som esquisito com a garganta e eu puxo uma respiração profunda para tentar me recompor. Sinto uma mão do meu ex nas minhas costas, a outra passando pelo meu rosto, enxugando as minhas lágrimas. Por que diabos eu estou chorando? Ah é, minhas mãos estão doendo. Pra cacete! — Eu vou te processar, sua louca. Como você invade a minha casa e me agride desse jeito? — Experimenta mexer comigo, sua filha da puta. — ameaço, a dor esquecida, pronta para ir para cima da filha dela, mas, novamente, Dom me agarra pela cintura como se eu não pesasse mais que uma pena. — Estou louca para ter um motivo para te encher de processos. Me tenta, cadela desgraçada. Eu tenho um limite. Droga, toda mulher tem um limite. Aguentei a minha avó tendo mentido para mim, a minha irmã me passando a perna... aguentei até o sarcasmo de Elizabeth até dez segundos atrás. Foda-se, fui o mais racional

que pude até ela falando da forma mais perturbadoramente normal que concordou que dopassem Dom por dinheiro. Aguentei quase chorando, mas aguentei. Mas em hipótese alguma eu vou deixar essa desgraçada dizer que eu não amava Dominic. Talvez esse detalhe tenha sido a cereja no bolo para me fazer explodir, mas não importa. Não vou aceitar que ela tente se isentar por... argh! — Vamos embora, Fleur. — Dom diz no meu ouvido e não me dá tempo de resposta, porque me guia para fora do apartamento. Pelas escadas. Para fora do prédio. Então paramos na esquina do prédio e ele fica de frente para mim, segurando os meus braços, me analisando com as sobrancelhas unidas. — Você está bem? — O que foi que eu acabei de fazer? — pergunto, atordoada. — Eu nunca fiz isso na vida, Dom. — Eu sei e foi hilário, linda. — ele beija a ponta do meu nariz e automaticamente o meu corpo inteiro estremece, a pele arrepia e os pelos da nuca eriçam. — O que acha de irmos cuidar dessas mãos machucadas? Olho para as minhas mãos latejando, vermelhas e inchadas. Tento abri-las, mas solto um chiado ao sentir uma dorzinha chata. Dom dá uma risada fraca e envolve os meus ombros com o braço, dando um beijo na minha têmpora e me guiando para o carro. Flexiono e relaxo as mãos, segurando a careta de dor. Meu lado racional está gritando, dizendo que eu não deveria ter me sentido tão vingada por ter partido para a agressão, mas as coisas saíram do meu controle. Logo Dom está nos levando a algum lugar. Liga o som, o silêncio sendo preenchido pela voz gostosa de Ed Sheeran cantando I don't care.

— Isso foi impressionante. — ele fala baixinho e eu olho para o seu perfil. Dom está sério, não parece puto, apenas... sério. — Nunca imaginei que você bateria em alguém. — Nem eu. — dou uma risada incrédula. — Caramba, isso foi foda. Josie vai perguntar sobre isso. Dom dá uma risada, mas não me responde. Ficamos em silêncio e não me incomodo em perguntar para onde estamos indo, porque logo tenho a minha resposta. — Boatel? — pergunto retoricamente, perplexa, mas Dom já saiu do carro. Vejo-o dar a volta e abrir a porta para mim. Saio do carro, encarando-o, esperando uma resposta, mas ele só me segura gentilmente pelo braço, me guiando para o bar. O lugar tem o mesmo ar gostoso e acolhedor do Boatel de Fairbanks, e está bem cheio. — Não acredito nisso! — giro de uma vez ao ouvir uma voz muito familiar. — Julie! — exclamo, animada, dando um abraço apertado na dona do bar, tentando demais ignorar a dor nos punhos. — Meu Deus, que surpresa incrível. — estou empolgada o suficiente para dar pulinhos bem adolescentes, não acreditando que estou diante da mulher que sempre admirei pra caralho. Exceto pelos cabelos que agora estão num corte joãozinho, parecendo estar com ainda mais tatuagens e algumas poucas rugas a mais, Julie é a mesma. Continua com o estilo roqueiro, muito sorridente e muito, muito foda. — Caralho, você continua linda. O tempo só faz bem a vocês dois. — aponta para mim e para Dom. — Esse rapaz me disse que você estava em Fairbanks e não foi me visitar, sua traíra. — Você também não foi ao casamento. — acuso brincalhona, agarrando-a para mais um abraço. Meu Deus, eu senti muita falta da Julie. Ela me deu

colo mais vezes do que eu posso contar e por mais que eu convivesse com a minha mãe, Julie era a figura mais materna que eu tinha. — Trabalho, querida. Muito trabalho. Mas, Paige e Jus estavam sabendo disso. Dom me disse que você tiveram uma filha. Muito bom, huh? A garota deve ser um arraso de linda. Solto uma gargalhada, me sentindo novamente uma adolescente. Julie sempre foi um exemplo para mim e estar aqui, agora, na sua frente, é incrível. — Julie, a gente precisa cuidar das mãos da Fleur. — Dom segura o meu braço, deixando a ferida em evidência. Julie arqueia a sobrancelha, intercalando o olhar entre nós dois. — Longa história. Podemos cuidar disso aqui? — Claro, lá nos fundos, querido. Não posso ir acompanhá-los porque o movimento está intenso, mas o Dom sabe onde fica tudo por aqui. Levem o tempo que precisarem. Murmuro uma concordância enquanto Dom me guia bar dentro. Passamos pelo balcão, por uma porta e entrando numa... — Casa? — analiso o espaço. Uma sala bem espaçosa, com pouca luz e poucos móveis, apenas alguns pufes, uma TV e uma pequena estante. — Ela passa muito tempo aqui e em Nova Iorque. Tem inaugurado vários bares pelo país. — Tem um Boatel em Nova Iorque? — pergunto, chocada. Dom abre um sorrisinho e me guia até chegarmos na cozinha. Novamente, pouca iluminação e poucos móveis, apenas o suficiente para que eu saiba que é uma cozinha. Julie sempre gostou de muito espaço e pouca decoração. Não sei o porquê, mas sempre funcionou muito bem com ela. — Lave bem as mãos enquanto eu pego o gelo. — Dom ordena, se

encaminhando até a geladeira. Crispo os lábios com força para conter qualquer resmungo de dor enquanto lavo as mãos, higienizando bem, na medida do possível. Meus olhos enchem de lágrimas enquanto tento massagear os nódulos dos dedos, sentindo bem o inchaço. Droga, eu nem tenho tanta força assim, de onde saiu isso? Dom se põe ao meu lado, colocando uma grande pedra e gelo numa bacia e pegando as minhas mãos, — Isso vai doer. — avisa, enfiando os nódulos machucados e eu chio, fechando os olhos e sacudindo o corpo para tentar disfarçar a dor. Ele tenta conter um sorriso, mas os lábios tremendo o entregam. Nos sentamos em dois banquinhos, a bacia ficando em cima da bancada. Os nódulos estão numa linha tênue entre latejar e a dormência causada pelo gelo, então decido puxar assunto com Dom: — O que você acha disso tudo? — pergunto e ele me olha, confuso. — Sabe, do que a Lizzie falou, do soco. Eu não quis fazer isso, Dom. — Eu realmente não esperava isso dela. Até a gente se reencontrar, pensei que ela fosse a minha amiga. É foda perceber que confiamos nas pessoas erradas. — move um pouco a minha mão e eu me remexo, fazendo uma careta. Concordo com a cabeça, porque meus neurônios parecem queimar só de lembrar daquelas fotos. — Sinto muito que você tenha passado por isso, linda, mas já sabemos que a culpa não é de nenhum de nós dois. Não precisa me tratar como um inimigo. Parece que toda vez que tento me aproximar de você, você ergue muros. — Eu não... — balanço a cabeça, mas penso no que ele diz. — Sou só eu, Dom. As coisas mudaram. Não sou mais aquela Fleur. — É sim. — inclina o corpo, se aproximando. Seus olhos parecem faiscar, com uma ferocidade que me impede de desviar. — Já tive vislumbres dela

algumas vezes desde que nos encontramos em Fairbanks. A gente só precisa encontrá-la. — A gente? — A gente, Fleur. Eu estou de volta, queira você ou não. Como eu disse, você não precisa me tratar como um inimigo, porque não sou. Eu sei que é foda, acredite, guardei muita merda nos últimos anos, mas ainda sou o mesmo Dom. Crescido, sem vícios, mas ainda sou eu. E tenho certeza que ainda posso te encontrar. Solto uma risada pelo nariz, um gemido de dor vindo assim que ele pressiona um pouco a mão contra o gelo. Esse não era bem o rumo de conversa que eu esperava tomar, mas estamos lidando com Dominic. Ele sempre vai lidar com o que acha mais importante. — Não sei como você pode ter tanta certeza. Ele abre um sorriso enquanto inclina sutilmente a cabeça, se aproximando devagar. Minha respiração já está presa nos pulmões, na garganta e onde mais ela pode estar. Seus lábios roçam a minha bochecha, deslizam pelo meu pescoço, me fazendo estremecer, até alcançarem minha orelha. Eu já estou arfando, todas as células do meu corpo estão vibrando e os arrepios estão em todos os lugares possíveis e impossíveis. Sua mão passeia pela minha clavícula e fecho os olhos, soltando o ar em uma lufada audível. — Vou trazer você de volta, linda. Confia em mim. — sussurra, mordiscando o lóbulo da minha orelha, lambendo-o depois suavemente. Minha resposta é apenas um gemido que é contido quando crispo os lábios. Controle-se, mulher. Então, ele se afasta, apenas o suficiente para nossos rostos ficarem tão próximos que sua respiração está batendo em mim.

— Vou trazer você de volta, petite folie.

22 Fleur

— V ocê parece bem tensa.

Ergo a cabeça, encarando Dom, que está sentado no único lugar do sofá que ocupou desde a primeira vez que pisou nesta casa. Ontem, depois de quebrar o nariz da Lizzie, passar um tempo conversando com Julie e aquele papo doido do Dom de “me trazer de volta”, tenho trabalhado (da melhor forma que meus punhos machucados permitem), em processar a minha mãe, de forma que ela também responda pelo meu pai. E numa exposição. Ah, sim. Manchar o sagrado nome dos Duboc vai ser fatal para ela. Tenho preparado o meu psicológico para ir encontrá-la, porque sei que vai ser... difícil. Não nos falamos nos últimos quatorze anos, e mesmo que esteja transtornada, ela ainda é minha mãe. Ainda dói saber que ela colocou o nome da família acima da minha felicidade. Piora o fato de ela ter me ligado hoje e sequer ter perguntado sobre a Josie. Sobre estarmos bem ou o que temos feito esses anos todos. Nada disso. Ela só quis saber o motivo de eu ter me aproximado de Dom de novo. Obrigada, vovó, por não ter feito o que eu disse. — Estou bem. — abro um sorriso fraco, encarando os punhos enfaixados. Sempre fui um desastre para lidar com os meus sentimentos, e claro que as coisas pioraram depois de ter focado tanto na carreira. Então, coloquei tudo o que Dom me disse no cantinho da negação. Me conheço bem para saber que,

se eu deixar, vou ficar remoendo um monte de teorias em torno disso. Mais do que já estou fazendo. O cantinho da negação é simplesmente um lugarzinho bem escondido do meu consciente. Nem preciso dizer que, mais no fundo, eu deixei a transa na Noruega, os sorrisos que sempre me balançaram e ele me chamando de “petite folie”. Essas lembranças voltam vez ou outra, mas não dura muito, porque os coloco cuidadosamente de volta naquele cantinho escuro e seguro. Tenho plena consciência de que é um mecanismo de defesa que está sendo difícil de aguentar. Ergui algumas (ou muitas barreiras) quando pensei que Dom sabia sobre Josie, mas não queria saber sobre nós, e elas ficaram erguidas por tanto tempo, que agora eu não sei como rompê-las. Dom é o pai da Josie e passou por tanta merda quanto nós. Ele quer participar da vida dela e eu não posso tirar isso dele. O que acaba comigo é esse lado meu, o meu lado mais coração, que insiste que não é só na vida da Josie que ele quer ficar. E é aí que mora o perigo. Quero dizer, eu não sei mais… ter um relacionamento. Eu tive um ou outro durante esses anos, mas nada que tenha durado mais de um ano. Então, não é de se surpreender que eu seja uma ótima advogada, que esteja me esforçando para ser uma mãe do caralho, mas seja um completo desastre no quesito emocional. Acho que só fiquei olhando para ele com cara de tacho, porque Dom se senta ao meu lado, em cima do tapete felpudo, perto o suficiente para eu sentir o cheiro de um homem que acabou de tomar banho. Seus olhos prendem os meus e sua mão logo começa a passear pelas minhas costas, numa carícia gostosa. — Você não está sozinha, querida. Foi um longo tempo, eu sei, mas agora estou aqui.

— Tudo bem…? — inclino a cabeça, confusa pela súbita onda de carinho dele. — De onde saiu isso? Ele abre a boca para falar, mas ouvimos o clique da porta e eu me afasto um pouco, não tão sutilmente, apenas por precaução. Josie está tentando me jogar para cima do Dom, porque obviamente quer ver os pais juntos, e não quero que ela imagine coisas só porque estamos muito perto ou porque a mão dele está nas minhas costas. Mão que eu tiro delicadamente assim que a porta se abre, nos dando um vislumbre de uma Josie animadíssima e um Alex sempre muito sorridente. Ela não esboça nenhuma daquelas reações exageradas ao nos ver, e Dom e eu nos entreolhamos. — Hum, oi, gente. — Josie acena, puxando Alex com uma urgência mal disfarçada. — A gente não queria atrapalhar, o Alex me deixou pintá-lo e eu quero começar antes que ele acabe mudando de ideia. Podem ficar à vontade, façam de conta que não chegamos aqui. Agora, Josie namora. Com Alex. Eu gosto dele, de verdade, mas agora eles têm um relacionamento. Com beijo na boca e espero que fique só nisso por um tempo. Nem passa pela minha cabeça a possibilidade de os dois fazerem algo no quarto-da-pintura, porque aquele é o santuário da Josie. Se ela dissesse que ficariam no quarto dela seria diferente, mas o quarto-da-pintura é o seu santuário. Mesmo assim, não posso evitar: — Não precisam trancar a porta, não vamos invadir o espaço. Cuidado, crianças. — digo e Josie vira um grande pimentãozinho num piscar de olhos. — Mãe! — ela chia, olhando para os lados nervosamente e eu ouço uma risadinha descontraída de Dom. — Caramba, assim você me mata de vergonha. — Ei, eu só estou protegendo a minha garotinha. Não me culpe por isso. —

coloco a mão dramaticamente no peito, usando a minha melhor voz de “mãe bacana”. — Tá, tá, tá. — ela solta, ainda envergonhada, mas o sorrisinho diz que não ficou incomodada com o meu pedido. — Vou estar mexendo com tinta, então não façam nenhum barulho que possa me assustar. Ai, Senhor! Eu consideraria isso como um pedido despretensioso, mas o olhar dela diz exatamente o que passa pela minha cabeça no momento. — Josephine! — é a minha vez de chiar, franzindo o cenho, e se Dom estava só na risadinha, agora ele gargalha, acompanhado de Alex. — Eu só estou protegendo a minha mãezinha. — ela devolve e pisca, puxando Alex apressada para o seu santuário. — Meu Deus, eu estou criando um monstro. — brinco, balançando a cabeça. É definitivamente muito gostoso ficar nesse clima com Josie depois de bastante tempo tendo apenas discussões. — Ela se parece muito com você. — Dom diz e eu não consigo evitar um arquear de sobrancelha, porque Josie não se parece nada comigo. — Sempre tem uma resposta na ponta da língua, geralmente desse jeito, com um tonzinho de humor duvidoso. Ela também franze aqui. — passa o indicador pelo vão das minhas sobrancelhas, com um sorriso contido. — Principalmente quando está preocupada. — Não estou preocupada. — respondo rápido, e ele arqueia a sobrancelha. Claro que ele não vai acreditar. Umedeço os lábios, pensando que posso falar com ele, afinal, não é meu inimigo, como disse ontem. — Minha mãe me ligou mais cedo. O semblante de Dom endurece. Muito pouco e muito rápido, então ele gira o corpo para me olhar melhor, pegando uma mecha do meu cabelo. — Suponho que tenha algo a ver com o que você disse à sua avó? —

pergunta, cauteloso e eu assinto com a cabeça. — Nada doeria mais na Eleonora Duboc do que uma polêmica envolvendo o seu nome. — dou de ombros, porque já era de se imaginar que vovó falaria com ela. — Ela está com medo. — E você quer manchar o sobrenome Duboc. — ele brinca e dá uma risada, mas eu continuo séria, e quando Dom nota isso, franze as sobrancelhas. — Isso é sério? — Isso não vai ficar impune, Dom. Vou fazer o possível para que ela seja punida devidamente, mas não confio em muitos juízes daqui, além de já ter passado muito tempo. Duvido muito que dê em algum resultado como prisão, então, vou pegar onde mais dói. — Fleur… — ele se remexe, inquieto, pegando as minhas mãos e apertandoas. — A gente não pode só passar por isso? Esclarecer isso e deixar para lá? Nós crescemos, estamos bem, não podemos só… — Sem chances, Dom. — digo duramente. — Eles drogaram você. Drogaram, porra. Te fizeram ter uma recaída e criaram uma rede de mentiras em torno de nós. Como é que você pode só querer esclarecer e seguir em frente? Dom assume uma postura mais cautelosa, e sinceramente, não consigo entender. Drogaram, prenderam, mentiram, chantagearam. Não posso simplesmente cruzar os braços e deixar por isso mesmo. — Eu só quero olhar para frente agora, não ficar remoendo essas merdas, entende? — Não, não entendo. — refuto, frustrada. — Dominic, olha o que a gente passou esses anos todos. Eu provavelmente nem vou conseguir colocá-la na cadeia e meu pai, o desgraçado, já está morto, então vai sair impune. Mas a minha mãe? Elizabeth? Delphine e minha avó? Elas vão pagar, Dom, e sinto

muito, mas se os seus pais tiverem feito isso por algum motivo nada a ver, eles também vão pagar por isso. — Fleur, pelo amor de Deus, isso não vai levar a lugar nenhum. Você não entende que o melhor é simplesmente olhar para frente? Não dá para ficar remoendo essas coisas. Nem é saudável para a gente. — ele levanta a voz e meu corpo treme, mas de raiva. Como ele pode ser tão compassivo? — Foda-se, Dom. Eu não sou a boa samaritana para ficar perdoando ninguém. Eu trabalho com isso, em fazer as pessoas pagarem pelas merdas que fazem. — me solto dele, franzindo o cenho, começando a sentir o sangue ferver. — Você não está lidando com clientes, caralho! Estamos falando das nossas famílias, de nós dois. Já pensou na Josie? — É justamente por causa da Josie, e por causa de nós. Josephine cresceu sem um pai por causa deles. Sabe quantas vezes ela perguntou por você, mas eu estava tão enfiada na minha bolha de comiseração que chegava a ser rude com ela? — é a minha vez de levantar a voz, batendo com o indicador com cuidado em seu ombro. — Eu. Não. Vou. Deixar. Isso. Passar. Do que é que você tem tanto medo? — Eu não quero perder vocês duas de novo, porra! — ele rosna e recua, se recostando no encosto do sofá. A veia em seu pescoço está pulsando e o maxilar está tenso. — Desculpa, não queria gritar. Fico parada, olhando para ele, as suas palavras ecoando na minha cabeça. Por que ele acha que se eu fizer alguma coisa vai nos perder? Tudo bem, dá para entender esse medo considerando o que fizeram, mas mesmo assim… — Dom, isso não vai acontecer. — me aproximo dele, passando a mão pelo seu rosto, subindo para os cabelos. — Você mesmo me disse que está aqui

agora. Ele balança a cabeça e fecha os olhos, como se eu o tivesse golpeado. Seu rosto inteiro está vermelho e juro que não entendo o motivo de tanto receio. É justo que eu queira que eles paguem, não é? Não posso estar viajando, pelo amor de Deus. — Dom… — minha voz sai meio como um questionamento e olho para o seu peito bem definido subindo e descendo rapidamente. Dom umedece os lábios, puxando uma respiração antes de me olhar. — Eles fizeram muitas coisas, Fleur. Alger pode estar morto, mas realmente não quero mais brigas com a sua família. Sua mãe não vai parar e eu não sei o motivo de ela ser tão... tão assim comigo, porque não tem como ser só por causa da hierarquia social. Mudei de vida, estou bem, mas isso não significa que eu tenho condições para lidar com ela. Nunca vou ter. A sua família é... — ele inspira profundamente e fecha os olhos por um tempo. — Consegui me reerguer com muito custo, Fleur, e não quero voltar para aquela merda. Ainda gosto pra caralho de você e realmente quero ver se a gente ainda pode ter um futuro, mas quero seguir em frente, fortalecer essa família, não ficar pensando em vinganças que não vão levar a lugar nenhum. O momento não poderia ser mais inoportuno, mas a Fleur-coração começa a dar pulinhos empolgados com o que ele disse. Dom gosta de mim. Quer ver se podemos ter um futuro. Eu estava meio às cegas aqui sem saber o que estava acontecendo, e a Fleur-coração é muito medrosa para perguntar o que estava acontecendo. E quando se trata de Dom, a Fleur-racional vai para o pau e é a própria Fleurcoração que dá as caras por aqui. Tento muito conter um sorriso, mas, novamente, a Fleur-coração é mais forte. Puxo suavemente seus cabelos, fazendo-o olhar para mim.

— Você gosta de mim? Meu Deus, a Fleur-coração está com força total. E parece uma adolescente vivendo o seu primeiro amor. Alguém me para. Dom estreita os olhos e o rosto volta ao normal aos poucos. Demora um pouco, mas ele acaba abrindo um sorriso. Aproxima o rosto do meu, tão perto que a sua respiração se mistura com a minha. — Você quer ver o quanto? — ele sussurra e eu dou uma risada desconfiada, franzindo as sobrancelhas. — Você sabe que tem uma adolescente aqui do lado, não sabe? — devolvo e a sua expressão de divertimento me deixa ainda mais desconfiada. Então ele se afasta e vai até o meu aparelho de som, conectando-o ao seu celular. Tecla algumas vezes e primeiro escuto uma batida muito gostosa, com violino, contrabaixo e uma bateria. Tenho a impressão de que conheço a música, mas não sei de onde. Ergo as sobrancelhas ao ver que Dom estende a mão para mim e intercalo o olhar entre seu rosto e sua mão, não conseguindo esconder a confusão. Dom nunca dançou bem, não importa o quanto eu tenha tentado ensiná-lo. O cara sempre teve dois pés esquerdos. — Vamos lá, linda, está na hora de se soltar um pouco. Deixa eu te ajudar a fazer isso. Reconheço a voz de Michael Bublé e abro um sorriso, não apenas porque se trata dele, mas por causa da música. La vie en rose. Me vejo praticamente na obrigação de aceitar o pedido do Dom, por isso coloco a minha mão por cima da dele, me levantando. Logo nossos corpos estão colados, suas mãos em minha cintura e meus braços em seus ombros. Ouço uma mulher cantando em francês os versos que Bublé canta em inglês, e não sei porquê, mas me sinto bem. De verdade. Começamos a dançar,

lentamente, nem chegamos a sair do lugar, só balançamos nossos corpos no ritmo da música. Estamos tão perto que consigo ver as mínimas ruguinhas nos cantos dos olhos dele, sinal que ele continua sendo tão extrovertido quanto me lembro. Juro por Deus que dá para me perder nesses olhos, sempre tão expressivos, e é muito gostoso senti-los quentes e acolhedores em mim. — Tentei aprender a dançar, mas continuo sendo tão ruim quanto na época em que a gente namorava. — ele diz quando envolvo as mãos na sua nuca, com um sorriso genuíno. — Você sempre foi muito duro. — brinco e ele dá uma risadinha, balançando a cabeça. O meu corpo inteiro responde a essa risada, e pelo amor de Deus, não sei como isso ainda pode acontecer. A música chega no refrão e eu apoio a cabeça em seu ombro, fechando os olhos. Não sei se ele colocou essa música de propósito, mas se foi, está de parabéns, porque "La vie en rose" sempre me amoleceu. Tanto a versão em francês, quanto em inglês. Tanto, tanto, que a denominamos como nossa música. Cantei para ele no bar dos pais dele em uma noite do karaokê no nosso primeiro aniversário de namoro. Ele estava fingindo que não estava chateado por coisas que meu pai tinha dito e como sempre gostou de mim falando em francês, decidi que essa música tinha que ser nossa. E foi. A mulher que está cantando com Bublé começa a fazer a sua participação sozinha, em francês, e eu cantarolo baixinho, sentindo os dedos de Dom afundando na minha pele. Droga, é quase como voltar àquele tempo, e era tão bom... mas é melhor ainda estar aqui, recordando da sensação de calor e segurança que sempre senti quando estava com ele, mesmo quando brigávamos. Aperto os olhos com força quando sinto um bolo se formando na minha garganta, porque não quero que acabe.

O que eu preciso fazer para me enfiar numa bolha com ele e ficarmos assim? A música acaba, engatando em outra do Bublé, mas essa eu não conheço. O momento mágico passou tão rápido e parece que vou levar mais uma década para conseguir me recompor. Apoio a testa no ombro de Dom, mordendo o lábio com força, agarrando os cabelos macios do meu ex, soltando um suspiro pesado. Droga. — Je vois la vie en rose. — ele sussurra em meu ouvido, sua voz enviando arrepios pelo meu corpo inteiro, e meu corpo retesa. Exatamente como diz a música, ele me tomou em seus braços e falou baixinho que vê a vida em rosa. Respiro profundamente, criando coragem para encarar a realidade, mas quando ergo a cabeça, não tenho tempo para pensar, porque sem me dar tempo de reagir, Dom me beija. Toma minha boca com verdadeira adoração e me aperta contra ele de forma possessiva. Meu coração vai a mil e, merda, deveria ser um crime beijar tão bem assim. Uma de suas mãos voa para a minha nuca, inclinando a minha cabeça para que eu lhe dê mais, a outra vai para o meu traseiro, apertando a minha carne. Mais. Inferno, eu preciso de mais. Sempre achei incrível a capacidade de Dominic de beijar com tanta paixão, de parecer que poderia me devorar, de me fazer ter a sensação de que eu poderia conquistar o mundo. Primeiro ouço um palavrão, e um nanossegundo depois, estou longe de Dom, olhando assustada para ele. — Me desculpem, eu só ia descer para pegar o nosso lanche que acabou de chegar. — Josie está usando um avental, parecendo mortalmente constrangida, com o rosto completamente vermelho. — Acabei batendo o

dedinho na quina do armário. — continua, atropelando as palavras. — Eu não queria atrapalhar nada, juro. — Atrapalhar… — repito a palavra, olhando em pânico para Dom e em seguida para o sorriso cheio de expectativas da Josie sobre algo que a gente nem sabe se vai acontecer. — Querida, você não atrapalhou nada. — Eu vou pegar o lanche. — ela sai correndo porta afora, e quando olho para Dom, encontro lábios inchados, olhos brilhando e um sorriso desnecessariamente bonito. — Você viu isso? — pergunto, soltando um gemido constrangido. — A sua mão estava na minha bunda, Dominic. — E foi sensacional. Não vejo a hora de te morder em todos os lugares. — ele me pega pela cintura, beijando a ponta do meu nariz, o gesto inocente não combinando nada com a forma que meu corpo está vibrando, em chamas. — Ela viu, sem noção. Você sabe o que isso significa? Ela sabe que pais transam. Está no estatuto de pais: os filhos sempre acham que os pais não transam. Dom gargalha. Alto. Jogando a cabeça para trás e tudo. O corpo estremecendo contra o meu. Estreito os olhos, tentando continuar séria e não entregar que esse som me acende por inteiro. — Linda, não tem a menor chance de a gente respeitar esse estatuto imaginário. Sinto muito. — ele me dá um beijo, se afastando. — Estou faminto. Vamos ver se esse “nosso lanche” nos inclui também, ou se só diz respeito ao namoradinho. Caso a gente esteja de fora, vou cozinhar algo para nós. Definitivamente, ele me ganha só por ir para a cozinha. E, definitivamente, eu posso me acostumar com isso. Depois de resolver tudo. Aparentemente, sozinha.

23 Fleur

gosto de férias. Sempre gostei. Embora, depois do nascimento da minha E ufilha, nunca tenha conseguido sentir que estava relaxando, afinal, quando não estava na firma, precisava controlar uma Josephine que adorava pintar a casa inteira. Quando ela cresceu e entendeu que não podia pintar os relatórios da mamãe ou a própria cama, enfiei na cabeça que iria descansar. Dane-se, eu iria descansar e pronto. Josie é adolescente e já não precisa tanto de mim, tivemos uma viagem ótima, tirando os últimos dias que foram confusos, eu consegui, do meu jeito, me desligar de muitas coisas. Seriam quinze dias, no começo, mas acabei tirando vinte e cinco dias. Vinte e cinco dias de pura paz e tranquilidade, e juntando com o Natal que está chegando (e nem Josie e nem eu queremos comemorar com vovó, porque ainda estamos um pouco relutantes), eu teria um mês quase inteirinho para fazer absolutamente nada. Mas, enquanto minha filha, Alex e Dom estão no Columbus Park, eu estou na frente da sala do meu chefe, que me ligou mais cedo ordenando (isso mesmo, ordenando) que eu fosse até a firma o mais rápido possível. Então, aqui estou eu. — Olha, espero que tenha um motivo muito sério para ter me tirado das férias

que eu esperei por três anos. — entro em sua sala, ganhando a atenção e um mínimo semblante de culpa passar pelo seu rosto. — Do que você precisa? — Sinto muito por atrapalhar seus últimos dias de férias, mas você sabe que eu não te incomodaria se não fosse importante. — diz, se levantando e me guiando para seu sofá, me fazendo sentar e indo para o bar. Fico calada, observando-o servir dois copos com uísque numa medida um pouco maior do que o habitual e ergo as sobrancelhas quando ele me entrega um copo, em silêncio, fazendo uma pausa dramática. Ethan não é de pausas dramáticas. Tudo nele é sempre muito calculado, então sei que tem coisa bem errada por aqui. — O sistema da firma foi invadido. — diz calmamente depois de tomar um longo gole do uísque. — Acessaram os dados de alguns funcionários. — E eu estava no meio. — deduzo com obviedade e ele concorda com a cabeça. — E já descobriram quem fez isso? — Não. — balança a cabeça para enfatizar. — O IP é anônimo ou indecifrável. Mas acredito que isso tenha ligação com Alexander. É a minha vez de tomar o uísque, ignorando a ardência. Ninguém quer ouvir que um diplomata russo pode ter coletado dados seus, muito menos se esse cara pode estar envolvido com terroristas. — Eu não estava fora do caso? — junto coragem para perguntar, olhando séria para o meu chefe. — Você estava comigo no baile, Fleur. Ele não é idiota. E também não é certeza que tenha sido ele. — E o que vai ser feito a respeito? — pergunto duramente, ganhando um franzir de cenho do meu chefe. — Qual é, Ethan, você não me chamou aqui só para isso, não é? Tem que ter um plano.

— Claro. — ele balança a cabeça, como se quisesse despertar. — Ainda tenho dificuldades em ver como você parece uma parede. É impressionante o jeito que você não esboça nenhuma emoção. — É porque você não tem me visto nos últimos dias. — resmungo, tomando um gole do uísque. Ele ri e respira aliviado, levando a mão ao peito. — Você tem emoções, que alívio. — provoca e eu estreito os olhos, ainda sorrindo. — Você precisa concordar comigo que estamos lidando com um peixe grande, eu esperava um pouco mais de pânico. — Eu estou em pânico. — digo simplesmente e ele arqueia a sobrancelha. — Mas ficar surtando não vai me levar a lugar algum. Tenho uma filha, e isso consta no sistema. A gente vai fazer algo a respeito agora, porque eu estou perdendo um momento incrível com ela e com Dom. — Então você e Dominic estão bem? — pergunta com um sorriso provocador e eu dou mais um gole da bebida. — Estou colocando tudo o que está acontecendo no cantinho da negação até tudo explodir e eu ser obrigada a lidar com isso. — respondo com honestidade, dando de ombros. — Acho que vamos ver no que vai dar. — Acha? — ele ergue a sobrancelha. — Não força, Ethan. — bato o meu ombro de leve no dele, abrindo um sorriso. — Você está diferente. — inclina a cabeça, me analisando, e eu ergo as sobrancelhas. — Ainda tem a emoção de uma porta, mas você está mais leve. Isso tem a ver com o seu ex estar aqui? — Ethan, invadiram o meu sistema e Josephine pode estar em risco. O que vamos fazer sobre isso? — incito-o a uma conversa profissional, como se ele

não fosse meu amigo. — O processo da Elizabeth já chegou ao gabinete? — Certo, o cantinho da negação. — suspira, virando o copo de uma vez, colocando-o na mesa de centro e se levantando. — Ela deve receber o processo até o final da semana. Com as provas que temos, é bem provável que ela pegue pelo menos um ano na cadeia, como cúmplice, sem direito a negociação. Assinto, satisfeita. Elizabeth foi a primeira. Meus punhos ainda estão doloridos pelo meu ataque inesperado, mas não foi o suficiente. Não brinquei quando disse que eles vão pagar, só preciso dar um jeito de deixar Dominic fora disso. E criar coragem para enfrentar minha mãe. Não vai ser fácil. Nem um pouquinho. Observo Ethan tirar o paletó do encosto da sua cadeira, vestindo-o elegantemente, pegando um envelope em seguida. — Acho que vou ficar e trabalhar um pouquinho. — sugiro esperançosa, porque aqui na firma eu conseguiria dar atenção ao processo da vovó. — Negativo. Sua família está se divertindo agora e você vai fazer o mesmo. Eu não te disse nada por ligação porque não sei se grampearam o seu celular, por exemplo. Não fale com ninguém sobre isso por telefone, por mensagens, apenas pessoalmente e em alguém que confie pra cacete. Estou indo me encontrar com a Irina. Há algo no tom de voz dele que me deixa alerta. Decido ignorar a negação dele em me deixar ficar aqui e estreito os olhos, encarando-o bem. — Você está transando com a esposa do diplomata? — é apenas um palpite, mas o seu encolher de ombros é a afirmativa. — Droga, Ethan, o que você tem na cabeça? — Ela está vulnerável. Você ficaria chocada com o que essa mulher é capaz

de descobrir e me contar quando estou dentro dela. Ai, meu Deus! — Fleur, eu preciso sair. — ele vai para a porta, me expulsando delicadamente. — A Josie pode estar em perigo. — Não sabemos se foram eles, e se foram, já tem seguranças atrás de vocês desde que voltaram da Noruega. Como é que é? — Fleur, preciso mesmo ir. Tenho uma reunião em duas horas e preciso fazer um bom trabalho com Irina antes disso. Ele está calmo demais para o meu gosto. Como tem seguranças no meu encalço? Como eu não percebi isso até agora? Ethan se aproxima e agarra suavemente o meu braço, me forçando a andar com ele. — Ethan, isso é absurdo. — sussurro, me soltando e acompanhando os seus passos até o elevador. — Você está brincando com fogo, caramba. — Você já está afastada do caso, Fleur, não se esqueça disso. — Ethan! — Eu vou cuidar disso até você voltar. Por mim, você só saberia disso quando estivesse de volta, mas gosto da nossa transparência e não queria que você surtasse caso visse dois caras atrás de você. — me entrega o envelope. — Esses são eles. Aqui tem os dados dos quatro, tudo o que você precisa saber está aqui. Se tiver alguma dúvida, pode me ligar. As portas do elevador se abrem, e como tem gente dentro, a conversa morre. Segurança, sistema invadido, Josie podendo estar em perigo. Droga, tudo isso soa muito ruim.

— Fique com esse número de celular, mas arrume um número novo, de preferência sem colocar seus dados nele. — avisa quando já estamos no estacionamento, se virando para mim. — E tente não demonstrar que sabe muita coisa. Agora é a hora de ser uma porta. Ele não me dá tempo de resposta, porque logo ouço o barulho de um carro destravando e me dá um beijo rápido na bochecha, seguindo para o seu humilde Bugatti nunca-decorei-o-modelo. Isso mesmo, Ethan. Joga a bomba no meu colo e vai embora.

∆∆∆ — Eu acho a ideia de irmos para o bar incrível, Dom. Eu sempre quis beber. — ouço a voz de Josie e olho para ela, pronta para chamar a sua atenção. — Até que enfim você acordou. Só tem fotos suas viajando na maionese, mãe. Ah... Olho para Dom, que está olhando para a sua câmera, ouvindo algo que Alex está dizendo, mas pela olhada rápida que ele nos dá e pelo sorriso sacana, sei que a atenção está na nossa conversa. Não deve ter mais de uma hora que estou aqui e já deu para ver que os três estão se divertindo muito, embora Alex esteja com os lábios roxos e tremendo por causa do frio. — Desculpa, meu coração. Só estou com um pouco de dor de cabeça. — não é inteiramente mentira, e Josie me analisa com os olhos estreitos. — Sinto muito por ter estragado a nossa saída, filhota. — Tudo bem. Dom e eu nos divertimos muito, e acho que vamos ter muitas oportunidades de repetir isso. O Alex está morrendo de frio e a Tay me chamou para tomar chocolate quente. Posso ir? Olho para Alex, que parece estar sofrendo mais do que eu com o frio.

— Tudo bem, a gente te deixa lá. — Não, não precisa, não! — ela responde alto, um pouco mais alto, atraindo a atenção dos garotos. — Eles moram há duas quadras daqui, mãe, e o Alex pediu para a gente ir conversando. Aham. Sei. Como é que eu posso lutar contra isso? — Bom, então tudo bem. — encolho os ombros enquanto Alex se aproxima. — Você avisa quando for para te buscar, então? Antes das nove, Josephine. — Aham, tudo bem. — concorda, já puxando o braço de Alex, que me dá um sorriso trêmulo. — Tchau, mãe, tchau, Dom. Os dois vão embora. Assim, me deixando sozinha com Dom. Ele ainda está olhando para a câmera, e pisca rapidamente para mim. — Então, já podemos ir para casa? Ele põe a câmera no rosto e ouço alguns cliques. A minha primeira reação é protestar enquanto tento tapar a lente da câmera, mas à medida que eu me aproximo, ele se afasta, e continuo ouvindo os cliques. — Qual é, Dom, você sabe que eu não sou fã de fotos. — resmungo aos risos, colocando a culpa do meu estremecimento no frio, e não no som absurdamente gostoso da risada dele. — Dominic! Começo a apressar o passo e ele faz o mesmo, sua risada perpassando por cada partezinha do meu corpo, até que ele cai de costas na neve, soltando um resmungo assustado. Eu deveria ajudá-lo, não deveria? Ver se está tudo bem, até mesmo se a câmera teve algum dano, mas não, essa não é a minha primeira reação. Parece que a Fleur adolescente brota não sei de onde, e eu gargalho. Alto. A cena é tão inesperada e a expressão dele é tão cômica, que a única coisa que

consigo fazer é rir, curvando o corpo, as mãos indo para o peito e barriga. Eu sei que isso não é muito maduro, mas, caramba, isso foi totalmente, totalmente aleatório. — Você é muito má, Fleur. — ouço o resmungo dele, e inclino minimamente o corpo para vê-lo apoiado nos cotovelos, com os lábios curvados num sorriso. — Eu poderia ter quebrado alguma coisa. Uma costela, um braço, até mesmo a cabeça. — Que dramático. — reviro os olhos, respirando com dificuldades por causa do acesso de risos, e ele se deita novamente erguendo a mão. — Acho que eu preciso de ajuda, minhas costas estão doendo pra caralho. Certo, isso eu posso fazer. Me aproximo, segurando a mão dele e fazendo força para ajudá-lo a levantar. Isso não acontece. Dom me puxa rapidamente e logo estou em cima dele, soltando um grito assustado. Consigo sentir a câmera dele debaixo do meu braço, e sua mão indo para a minha nuca, segurando os meus cabelos. Há uma vozinha muito chata me lembrando que estamos em público, mas é tão gostoso ficar assim, tão perto dele, me perder nem que seja um pouquinho nos olhos escuros que me remetem memórias tão incríveis. E há uma outra vozinha. A vozinha que está dizendo "abra logo as pernas para esse homem, pelo amor de Deus, mulher. Você se lembra do toque dele? Lembre-se do toque dele, garota, não há outro igual." Eu gostaria de dar ouvidos à minha voz prudente e me afastar, mas não é isso o que eu faço. Deve ter alguma coisa no meu semblante que entrega isso, porque a mão em minha nuca se aperta e os seus olhos parecem me queimar à medida que a minha respiração fica irregular. Ele entendeu o que eu quero.

∆∆∆ O caminho da volta para casa foi meio ofuscado pela nuvem de tesão que foi aumentou em níveis dolorosos no meio das carícias e provocações de Dom. Não é à toa que no estacionamento já estamos nos agarrando. Também é assim no elevador e pelo corredor até chegar a minha porta, que tenho dificuldade para abrir porque as mãos de Dom estão ocupadas tirando o meu casaco. Meu Deus! Mal abro a porta e sou arremessada para dentro, Dom cuidando da tarefa de fechá-la. Logo a sua boca está na minha num beijo tórrido, nossas mãos ocupadas em tirar as roupas que estão no caminho, impedindo um contato mais íntimo, caminhando aos tropeços para o meu quarto. Sou jogada na cama com um gritinho assustado, me apoiando nos cotovelos para aproveitar melhor a cena de um Dom gloriosamente nu, mas que infelizmente não me dá muito tempo para pensar, porque se ajoelha na cama, afastando as minhas pernas enquanto umedece os lábios. — Dom, pelo amor de... — começo um protesto, mas dedos passeando pelos lados das minhas pernas me calam. — Passei quatorze anos sentindo falta desse corpo, querida, e estamos com tempo dessa vez. — murmura preguiçosamente, as mãos vindo pelo interior das minhas coxas, me fazendo arfar. — Agora que só estamos nós dois aqui, você não vai me tirar isso. Tudo bem. Se ele insiste, eu não tenho objeções. — Você não sabe o quanto eu pensei em você assim de novo. — suspira ao brincar com os dedos suavemente pelas minhas coxas. — Toda aberta para mim. — meu sexo se aperta e ele sorri, roçando os dedos na minha vagina. —

E você ainda me quer, não importa o quanto você lute contra isso. É magnífico. Sempre gostei disso. Dom nunca teve vergonha de falar sobre sexo e nem de falar como queria que acontecesse. Sempre achei delicioso o fato de ele ser tão cru e rude para falar sobre isso. E isso, combinado com a provocação dos seus dedos roçando meu clitóris, é óbvio que não demora para que eu comece a estremecer e me remexer, agoniada. Então, quando sua língua substitui seus dedos, me lambendo como se fosse a porra do doce mais gostoso do mundo, eu não sei exatamente se posso aguentar uma sensação tão prazerosa. Mas Dom não para. Mergulha três dedos dentro de mim e minhas mãos se enrolam na colcha, porque a sensação de tê-lo assim novamente é mais do que eu posso aguentar. Ele me acaricia, esfregando o interior das minhas paredes enquanto retorna sua boca para chupar meu clitóris. Quando chego à beira do clímax, estremecendo sob a tensão acumulada, sua outra mão vai até meu seio e puxa meu mamilo. É mais do que o suficiente. Gozo violentamente, batendo contra a cama, meu sexo estremecendo ao redor de seus dedos. Ainda deitada, sinto a sua boca chupar com força o meu mamilo antes de viajar pelo meu torso e subir até o meu ouvido, perguntando se eu tenho preservativo, e juro que nunca fiquei tão feliz por ter comprado uma caixinha e ter deixado na cômoda ao lado da cama. Apenas por precaução. Sinto o corpo dele se afastando e ouço a gaveta abrir e fechar, o rasgar do envelope vindo de brinde. Então, Dom me espalha pela cama, rastejando sobre mim em seguida. Logo ele está entre as minhas pernas, seu pênis pressionando a minha entrada trêmula. — Olhe para mim, Fleur. — ordena, apoiando seu peso nos antebraços e eu

obedeço, agarrando sua bunda firme, tentando fazer com que ele me penetre. — Sempre tão apressada. — Dominic! — chio ansiosa, não conseguindo falar mais nada porque ele me invade de uma vez, sem aviso prévio. — Puta merda! Ouço uma risadinha quando jogo a cabeça no travesseiro, vendo o semblante extrovertido de Dom, que ajusta a minha perna, fazendo com que eu me abra inteira e ele consiga entrar mais profundamente em mim. Nada. É. Melhor. Do. Que. Isso. Ele puxa lentamente quase todo o comprimento de seu pênis, e gemo sentindo o vazio deixado para trás. Então, ele flexiona os quadris e o enfia com um golpe feroz, me fazendo gritar. Dom pressiona nossos peitos e toma a minha boca, me fazendo sentir o meu próprio gosto. Mesmo que eu já tenha gozado, estou desesperada para que isso se repita, então me aperto contra ele no ritmo dos impulsos dos seus quadris e arranho suas costas, sentindo-o estremecer, gemendo e ofegando enquanto recebo alegremente cada um de seus golpes bruscos. — Enrole suas pernas em mim. — ordena rudemente sem perder o ritmo das estocadas. Obedeço, cruzando as pernas em torno dos seus quadris, sentindo-o deslizar com ainda mais facilidade e parece que ele alcança algum ponto dentro de mim, porque o meu orgasmo se constrói assim, meu corpo apertando, comprimindo e se contraindo em torno de Dominic. — Merda, Dom! Eu vou gozar. — choramingo, tremendo. — Goza gostoso para mim, linda. — ele mal termina de falar e meu clímax atravessa em mim em ondulações violentas. Pouco depois, o corpo dele estica e estremece e sei que ele está gozando quando solta um gemido alto, com os braços se apertando em torno de mim.

Dom cai sobre mim com a cabeça enterrada na curva do meu pescoço, enquanto eu passo os dedos pelo seu cabelo molhado de suor, ainda trabalhando em controlar a minha respiração. — Merda, Fleur. — ele diz, e sei bem do que ele está falando. Sei bem. — Eu sei, Dom. Eu sei.

24 Fleur

— P uta merda.

Minha voz sai num suspiro quando atinjo o clímax, sentindo o corpo inteiro dormente, um êxtase sempre tão familiar, quando se trata de Dom, me domina, fazendo cada centímetro do meu corpo se retesar. Abro os olhos lentamente apenas para ver Dominic ainda se mexendo em cima de mim, dentro de mim, e Deus, Deus, como é lindo. E a sensação é ótima. Incrível. Os deslumbrantes olhos escuros estão fixos nos meus, incendiados, intensos, faiscando. Eu sei, ao sentir essas coisas, o que significa. E isso me assusta com a mesma intensidade que me acende. Por dentro e por fora. — Dom. — sussurro, apertando-o ainda mais com as pernas e braços, passando as mãos pelos seus cabelos despenteados. Dom fecha os olhos ao ouvir a minha voz, como se sentisse dor. Então, enfia o rosto no meu pescoço, começando a se mexer mais rápido, a me penetrar com mais força, a respiração ofegante na minha pele sensível me impedindo de fazer qualquer coisa que não seja me concentrar nele, apertando-o ainda mais contra mim. Eu o abraço com força, como se a minha vida dependesse disso.

O corpo de Dom cai sobre o meu por alguns segundos antes que ele saia de dentro de mim, me fazendo estremecer com o movimento, rolando para o meu lado, se deitando no tapete felpudo. Isso mesmo. No tapete da minha sala. Fico olhando para o teto enquanto o ouço tirando o preservativo, enrolando-o e jogando na pequena lixeira que colocou sabiamente aqui perto. Então sou puxada para o seu peito, e é tão bom ficar assim mais uma vez com ele. Algo está acontecendo aqui. Quero dizer, a gente não transou uma vez e deixou para lá. Se fosse isso, eu poderia colocar a culpa na nostalgia e pronto. Mas não, a gente tem feito uma maratona desde ontem, quando Josie foi para a casa do Alex e me ligou quando estava anoitecendo pedindo para dormir na casa deles porque uma amiga de Tay faria o famoso bolo gelado. Claro, eu falei com Taylor e ela se comprometeu a cuidar bem dos dois jovenzinhos. Tudo isso enquanto Dom estava dentro de mim. Depois, eu não sei o que aconteceu. Não chegamos a completar três horas de sono, paramos eventualmente para ir ao banheiro ou comermos alguma coisa. Dominic definitivamente me tirou da seca. Viva Dominic! — Não fique pensando demais, linda. — ouço a sua voz e suspiro, passando os dedos pelo seu abdômen, traçando seus gominhos. Estou tão cansada que meus olhos começam a pesar, o corpo começando a pagar pelo cansaço muito bem-vindo. — Acho que não é mais só nostalgia, Dom. — assumo, baixinho, fechando os olhos. Ele beija o alto da minha cabeça e respira pesadamente, fazendo um carinho gostoso na lateral do meu braço. — A gente está ultrapassando essa linha. — repito para o caso de ele não ter ouvido. — Eu sei, Fleur. — responde, igualmente baixo. — Mas nós vamos lidar com

isso. Sempre lidamos. — As coisas não são tão simples assim. — bocejo, lutando, em vão, para manter os olhos abertos. Ele não responde. Continua fazendo uma carícia gostosa, e isso junto às batidas calmas do seu coração, acabo adormecendo.

∆∆∆ — Dominic! — grito, saindo praticamente correndo do banheiro, segurando as bordas do roupão para que ele não abra. — Dominic, seu filho da puta! — Você está xingando? De verdade? — encontro Josie na cozinha, sentada na banqueta, que me olha da cabeça aos pés, abrindo um sorriso muito suspeito. Minha primeira reação, depois do grito assustado, é pegar a ponta da toalha que está enrolada na minha cabeça e cobrir o pescoço o mais disfarçadamente possível. — Por que você chamou o Dom de… — ela se corta quando eu estreito os olhos, o sorriso não abandonando o seu rosto em momento algum. — Desse nome que você falou? — Querida, eu não sabia que você já tinha chegado. — abro um sorriso nervoso, unindo as mãos na frente do rosto, inclinando a cabeça para a direita. Dom está muito ocupado untando uma forma redonda, não me olhando em algum momento algum, mas o sorriso indica que ele sabe bem do que se trata. — Como foi na casa do Alex? — Legal. Tem bolo na geladeira. Por que você chamou o Dom assim, mãe? E por que está sacudindo os braços desse jeito? — Ah, nada. Só estou feliz por te ver. — corro para abraçá-la, xingando Dom sem som. Ele espalha uma massa na forma e me manda um beijo, o filho da mãe. — Por que você não vai tomar um banho, filhota? Me coloco atrás dela para não chamar (mais) atenção, ajudando-a a se

levantar e guiando-a para fora da cozinha. — Eu já tomei banho, mas se você queria ficar sozinha com o meu pai, era só falar. — zomba, dando uma olhada rápida para nós dois. — Vou continuar pintando. Divirtam-se e me chamem quando a pizza sair. — acena, saindo da cozinha. Me viro para Dom, que agora está colocando a forma com alguma massa no forno. Quando se vira para mim, estou com as mãos na cintura, pronta para voar no pescoço dele. Ele não parece fazer muito esforço para esconder o sorriso, nem mesmo quando estreito os olhos. — Você está uma gata. — Um chupão, Dominic. Um chupão! — chio, me aproximando dele e mostrando a coisa quase preta que ele deixou no meu pescoço. Ele olha. Olha. Olha. Então, encolhe os ombros. — Parece que um urso me atacou nas costas, Fleur. — diz com simplicidade e abaixa um pouco a gola alta da camisa que está usando, me mostrando o roxo que está ali. — Quanto ao roxo, foi uma via de mão dupla, como você pode ver. Eu não fiz isso nele. Não, não, não tem a menor possibilidade de eu ter feito essa coisa aí no pescoço dele. Eu não faço isso. — Embora, realmente, pareça que um vampiro te atacou. — ele passa o dedo suavemente pela marca no meu pescoço e eu lhe dou um tapa na mão, séria. — Dá um desconto, Fleur, eu não estava pensando em deixar alguma marca, só aconteceu. — Eu volto a trabalhar na semana que vem, Dominic. Semana que vem! — fecho a mão em punho, mordendo o indicador, mas logo desisto por causa da dor. — Não vai ter maquiagem que cubra isso completamente.

Ele se aproxima com um sorriso preguiçoso, me pressionando contra a bancada, as mãos em cada lado do meu corpo. Não gosto quando ele fica perto assim. Quero dizer, gosto, mas não gosto do efeito que me causa. Tira a minha capacidade de raciocinar e isso é ruim. — Eu já te disse que você fica muito sexy quando fica assim, toda séria? — murmura quase num sussurro, com as mãos passeando pelo decote do meu roupão, os olhos acompanhando com fascínio os movimentos. Esse homem ainda vai acabar comigo, meu Deus do céu. — Eu preciso ir me trocar. — sussurro num fio de voz, fechando os olhos quando sua mão entra no meu roupão, contornando o meu mamilo. Passo a língua pelos lábios ressecados e Dom solta um suspiro, balançando a cabeça. — Como você ainda pode ser a minha perdição mesmo depois de tantos anos? — minha respiração engata quando ele aperta o meu mamilo entre os dedos, girando-o suavemente. A outra mão começa a passear entre as minhas coxas, subindo lentamente. — E o que me deixa mais louco é ver que você ainda responde a mim. Posso apostar que você já está molhadinha, pronta para mim. Ele ganhou a aposta. Sem sombra de dúvidas. — A Josie está no… merda. — fecho os olhos quando ele enfia os dedos dentro de mim, não por muito tempo, porque logo seus dedos estão passeando pela minha boceta. Agarro seus ombros, abrindo mais as pernas para lhe dar passagem. — Dom… Ai, meu Deus, isso é tão incrível. Ele precisa parar, mas a sensação dos seus dedos na minha boceta, no meu mamilo, os olhos me queimando, é terrivelmente excitante. — Gostosa pra caralho. — murmura, pressionando o meu clitóris. Minha respiração fica entrecortada e preciso crispar os lábios para não fazer barulho.

O que é bem difícil, considerando o prazer que está começando a se construir. — Se você pudesse ver a cara deliciosa que faz quando está com tesão, Fleur, entenderia o porquê de eu te desejar desse jeito. Minha única reação é me esfregar contra ele, desesperada por um alívio. Ele abre um sorriso libidinoso, sabendo exatamente o que eu quero, porque logo dois dedos estão dentro de mim, mas o polegar continua me massageando com uma pressão firme. Droga, parece que eu vou explodir a qualquer momento. — Me beija. — ordena, e não precisa dizer duas vezes, porque estou tão desesperada, que se ele me pedisse para saltar de um penhasco, eu o faria. Sua mão aperta o meu mamilo e eu solto um gemido que é abafado pela sua boca, a outra mão trabalhando arduamente em construir o meu orgasmo. — Ah, querida, eu quero tanto te chupar. Puxo-o ainda mais contra mim, colando nossos peitos e mordendo seu ombro com força para abafar um gemido. Estou prestes a explodir, e a tensão só aumenta enquanto ele encontra um ritmo constante, parecendo ter todo o tempo do mundo. — Prometa que não vai fugir, Fleur. — rosna em meu ouvido e eu gesticulo com a cabeça, embora não dê para sentir muito, já que meus dentes ainda estão firmemente cravados em seu ombros e eu estou muito concentrada em não fazer barulho. A mão que está em meu mamilo vai para o meu queixo, me forçando a olhar para ele. — Dom, eu vou gozar. — Não enquanto você não prometer que vai parar de fugir. — grunhe, lambendo o meu lábio inferior. — Dom. — gemo baixinho. — Dom, por favor.

— Prometa, Fleur. — insiste e vejo seus olhos faiscando. — Prometo. Eu prometo. — respondo rapidamente, sabendo que não tem como voltar atrás. A pressão no meu clitóris aumenta à medida que as investidas dos seus dedos ficam mais intensas. Começo a rebolar, desesperada para que o orgasmo chegue, e então ele leva o polegar aos meus lábios, numa ordem silenciosa. Fecho os lábios, circulando a língua pelo polegar, agarrando seus cabelos, observando seus olhos faiscarem enquanto eu chupo o seu dedo. Então, Dom aperta o meu clitóris e eu explodo. Estremeço violentamente, e por medo de fazer barulho, solto o seu dedo e cravo os dentes novamente no seu ombro, mais forte dessa vez, sentindo-o estremecer. Minhas pernas perdem a força, e se não fosse pelos braços que me envolvem, certamente eu teria caído. Seus dedos trabalhavam lenta e suavemente até que meu orgasmo termine, afagando minhas costas. Apoio a testa em seu ombro, me concentrando em normalizar a respiração, sentindo-o tirar lentamente os dedos de dentro de mim. Meu! Deus! Do! Céu! O que é que está acontecendo aqui? Ergo a cabeça e ele leva os dedos que estavam dentro de mim aos lábios, chupando-os, sem nunca tirar os olhos dos meus. Observo a cena completamente mole, extasiada ao vê-lo saborear o meu gosto. Tão, tão sexy. Ele aproxima o rosto do meu, dando um beijo na ponta do meu nariz. — Promessa é dívida, querida. E eu vou cobrar isso.

∆∆∆ — Anãzinha, você precisa me ouvir..

Olho para a minha irmã através da tela do notebook, não me preocupando em demonstrar empolgação por estar falando com ela. Quero dizer, ela, Josie e minha avó foram a única família que eu tive nos últimos quatorze anos, e saber que machucaram Dom para nos afastar, me emputece e me magoa na mesma intensidade. Delph parece bem abatida. Eu esperava que estivesse bronzeada, radiante, já que está no Brasil, mas ela está pálida e pode ser impressão minha, mas acho que emagreceu. — Eu te fiz duas perguntas e só quero ouvir as respostas. Não precisa dificultar. — peço secamente, batucando os dedos na escrivaninha. — Onde está a Josie? — ela desconversa novamente, umedecendo os lábios. — Está dormindo, amanhã ela tem aula. — respondo pacientemente. — Duas perguntas, Delphine: você sabia de alguma coisa que o papai, a mamãe e a vovó fizeram com o Dom, e por que não me disse que vocês se viram nos últimos anos? Repetir as perguntas pela terceira vez é cansativo, mas preciso resolver logo essa merda. Minha mãe tem me ligado todos os dias, pressionando um encontro, e realmente não estou feliz em ter que planejar reencontrá-la, mas quero estar o mais preparada possível para o combate. Ah sim. Reencontrar Eleonora Duboc vai ser terrível. Mas primeiro, ela vai pagar. Já falei com alguns jornais, e estou cuidando para que toda a merda da família Duboc caia nos olhos do público. Nada vai ser pior para a minha mãe do que isso. Ethan também tem me ajudado a preparar uma ação contra ela e contra o meu pai, e como ele está morto, é ela quem vai responder por ele, como sua testemunha. Me preocupa a reação de Dom quando souber disso, mas não consigo ser compassiva e não consigo enxergar que estou errada. Não posso estar errada.

— Fleur, até pouco mais de um mês, o Dom sempre foi um nome proibido na sua vida, lembra disso? Mas fui eu quem te encorajou a reencontrar a Paige e a conversar com ele. — aponta para o próprio peito com o indicador. — Se não fosse por mim, isso não estaria acontecendo. — Certo. — me remexo, não querendo me prender a esse assunto antes de ter a minha segunda resposta. — Você sabia de alguma coisa, Delphine? — Quando você diz “alguma coisa” — ela começa, hesitante, e eis aí a minha resposta. — Você quer dizer o quê? — Que Dom teve uma recaída e foi para uma clínica de reabilitação, que tentou me procurar mas “alguém” conseguiu impedir que as mensagens dele chegassem a mim, que a vovó conseguiu uma ordem de restrição contra o Dom e que ele foi preso por me procurar… e pior, Delphine, que ele nunca, nunca soube que tinha uma filha porque as fotos dela e os meus e-mails nunca chegaram para ele. Quando paro de falar, preciso puxar uma respiração profunda, porque falei tão rápido, tão nervosa, que meu ar foi embora. Avalio Delph, que se remexe inquieta, mas é o semblante de culpa que me dá a resposta numa bandeja. Me recosto na cadeira, erguendo a cabeça e fechando os olhos para conter as lágrimas. Tem um nó tão doloroso na minha garganta, que parece dificultar a minha respiração. Delph viu o estado em que eu fiquei depois que Elizabeth me ligou, ela viu como eu fiquei porque eu achei que Dom tinha me traído. Ela tinha ido me buscar no parque e tomou todas as minhas dores. Ela sabia que eu queria uma explicação e não fez nada. — Fleur, eu achei que ele tinha te machucado. Você estava tão esquisita nos últimos dias, que achava que ele tinha feito alguma coisa. — ouço a sua voz enquanto lágrimas deslizam pelas minhas têmporas. — Ele tinha problemas,

Fleur, vovó e eu só tentamos te proteger. — Você conhecia o Dom. — acuso, olhando para ela, que se encolhe. — Vovó gostava dele, mas não estava tão perto, então é quase compreensível. Você conhecia o Dom. Vocês eram amigos e ele sempre te respeitou porque você não o tratava como um merda igual os nossos pais. Foda-se, Delphine, a minha filha cresceu sem um pai. Eu fiquei remoendo tanta merda ao longo dos anos que agora eu nem sei como lidar com isso. — minha voz sai trêmula e passo as mãos pelas bochechas a cada vez que alguma lágrima escapa. — A gente só queria te proteger. — repete, mordendo o lábio. — Me perdoa, Fleur, eu pensei que você simplesmente tinha esquecido. Depois de tantos anos... — Ai, meu Deus! — exclamo, incrédula. Só pode estar brincando com a minha cara. — Eu tive uma filha com ele, Delphine. Uma filha. Não se pode simplesmente esquecer. Até hoje você não esqueceu o Justin, porra, pegue isso como exemplo, já que vocês namoraram por menos tempo que Dom e eu. Aí está a Fleur ácida que fala qualquer merda para magoar. E vejo que atingi o ponto quando a postura da minha irmã endurece. Nunca entendi bem o lance dela com Jus, já que eles namoraram por um período meio curto, mas por um bom tempo achei que eles ainda ficariam juntos, mesmo quando ele e Paige estavam juntos. Novamente, nunca entendi muito bem o que rolava entre eles. Mas é evidente que ela ainda sente alguma coisa por ele. Falei sem pensar e acabei percebendo isso. Infelizmente, estou transtornada o suficiente para não me importar com isso. — Não coloque o Justin no meio disso, Fleur. Você está de cabeça quente, eu entendo e não tiro a sua razão, mas você não é de jogar baixo.

— Isso porque eu não sabia que estava rodeada de pessoas que foderam a minha vida. — resmungo e balanço a cabeça. — Preciso desligar, Delph. Não espero a resposta dela. Fecho a nossa conversa e o notebook, apoiando os cotovelos na mesa, escondendo o rosto nas mãos. Respiro fundo e conto até sete, tentando controlar as lágrimas que teimam em querer sair, mas quando chego no cinco, sei que é uma luta perdida e me desmancho. Não é que eu pensasse que Delph não sabia de nada. Depois de conversar com a minha avó e com Elizabeth, a situação ficou bem clara. Mas uma parte de mim, uma parte pequenininha e inocente, quis pensar que ela estava sendo ameaçada, chantageada, qualquer coisa. Essa parte de mim estava se recusando a aceitar que a minha irmã tinha feito isso por livre e espontânea vontade. Meu Deus, deve estar escrito “otária” na minha testa. Em neón. Piscando. E é isso que dói. Em várias teorias malucas que criei nos últimos anos, nunca, nunca passou pela minha cabeça que Delphine poderia estar envolvida nisso. Meu coração se parte só de pensar na reação de Josie quando descobrir. Vai partir o coração da minha menina, que idolatra a tia. E não, não tenho planos de mentir para ela sobre isso. Estou tão farta de ficar escondendo as coisas da minha filha, que só quero que ela saiba o que está acontecendo. Quando meus olhos já estão secos, vou para o banheiro e lavo o rosto. Meus olhos estão ardendo como o inferno, e é deprimente vê-los vermelhos e inchados, e o nariz parecendo um pimentão. Fungo, escovando os dentes. Josie não sabia do pai por causa da minha família, claro, que fez absurdos, mas por minha causa também. Eu devia saber, não devia? Que alguma coisa estava errada. Tudo bem, eu estava assustada, mas devia ter feito alguma coisa… não sei, ter tentado mais.

— Deprimente, Fleur. — digo para o meu reflexo. — Deprimente, garota. Você é uma estúpida. Fico alguns segundos me olhando no espelho, vendo a própria imagem da tristeza, e volto para o quarto. Encaro a cama, fazendo uma careta. Não quero ficar sozinha. Passei tantos anos dormindo sozinha, agarrando o travesseiro enquanto desejava que fosse alguém, e agora essa vontade parece estar mais forte. Olho para a porta. Seria muito ruim? Só uma noite, uma noite de nada, e eu acordaria mais cedo para Josie não me ver saindo do quarto dele e fazendo a caminhada da vergonha. Nem me dou tempo para pensar muito. Praticamente corro até a porta do quarto onde Dom está. Penso só mais um pouquinho. Isso, com certeza, vai deixar tudo mais real. É o que eu quero? Quero dormir abraçada com Dominic depois de tanto tempo? Com zero arrependimento, abro a porta. Só um pouquinho para ver se ele ainda está acordado. — Fleur? — ele está deitado na cama e se apoia nos cotovelos. Daqui não consigo ver o seu semblante, mas como a voz está sonolenta, quase consigo visualizar a expressão de sono. — Está tudo bem? Não respondo, apenas entro e fecho a porta. Vou silenciosamente até a cama, me deitando ao lado de Dom, me cobrindo com o lençol felpudo. — Linda, está tudo bem? — ele tenta novamente enquanto fico de frente para ele, balançando negativamente a cabeça. — O que houve? Solto um suspiro pesado e coloco a cabeça em seu peito. Dom imediatamente me ajeita entre os seus braços, as mãos fazendo uma carícia gostosa pelo meu braço. — Você quer conversar sobre isso? — ele pergunta baixinho e eu balanço

novamente a cabeça, fechando os olhos com força para conter a nova onda de choro que quer vir. — Tudo bem, linda, eu estou aqui. — Me desculpa por não ter acreditado em você, Dom. — peço baixinho, me agarrando nele ainda mais. — Eu devia saber que tinha alguma coisa errada e preferi acreditar que você tinha me enganado. Me perdoa, me perdoa, me perdoa. — Está tudo bem, Fleur. — ele me aperta em seu braço e sinto um beijo no alto da minha cabeça. — À essa altura, já deu para perceber que a situação não estava no nosso controle. Ergo a cabeça, para encará-lo, embora eu não consiga fazê-lo, já que não tem luz. Sua respiração está batendo no meu rosto e não está tão tranquila quanto antes. — Estou falando sério, Dom. Eu deveria ter ido atrás de você. — insisto, porque ele precisa saber que isso é sério. — Você estava grávida, eu consigo entender o seu ponto de vista agora que sei tudo o que aconteceu. Como eu disse, é passado. Só quero que a gente esqueça isso e siga em frente de uma vez. Vai ser um alívio enorme quando isso acontecer. Concordo com a cabeça, sabendo que ele vai ficar puto quando souber que estou agindo pelas costas dele, e Dom me dá um beijo rápido nos lábios. Sinto um frio na barriga e o meu coração aquecer com o gesto. Demora um pouco, a respiração de Dom já está estabilizada, entregando o sono, quando isso cai em mim. E quando acontece, eu quero bater a minha cabeça na parede várias vezes. Porque eu acabei de me dar conta que talvez, só talvez, eu esteja apaixonada por Dominic. De novo. Ou ainda.

25 Dominic

um clique na porta e vejo Josie entrando, então fecho a conversa da O uço minha mãe, que parece estar prestes a entrar em colapso. Norah Dawson, que já não era muito fã da Fleur depois do nosso "término", não aceitou bem a notícia de que eu sou pai e não sabia disso. Se eu não sou de esconder sentimentos, é graças a minha mãe, que é a pessoa mais expressiva que conheço. Acontece que ela sabia. Ela sabia sobre a Josie, sabia que a Fleur me procurou, e não fez absolutamente nada. Por algum milagre ela decidiu dar sinal de vida perguntando se eu estou bem, mas não deixou de lado uma ordem (uma ordem bem clara) para que eu convença as duas a passarem o Natal em Fairbanks, e isso me desanimou pra cacete. Não é como se Fleur nunca tivesse passado algum feriado conosco, mas não consigo imaginar um bom cenário. Por sorte, Mel disse que também irá, e está disposta a ajudar a aliviar o clima. Porque essa ajuda vai ser necessária. Ah, vai sim. — Oi, Dom. Você está ocupado? — Josie pergunta, se aproximando devagar. — Na verdade não, querida. Só estava dando uma olhada nas fotos que tiramos no parque, mas já acabei. — coloco o notebook e o celular na mesa de centro. — Onde está a sua mãe?

Fleur foi buscar Josie na escola, mas isso tinha sido há quase uma hora. O colégio não é longe, então é óbvio que mandei uma mensagem perguntando se estava tudo bem, mensagem que teve um simples “sim” como resposta. Decidi não criar caso sobre isso. Ela poderia estar dirigindo, ou qualquer coisa do tipo. Eu não teria ficado tão incomodado, por exemplo, se ela não tivesse acordado esquisita pra caralho, evitando me olhar, não dando muita abertura para uma conversa. Foda-se, ela fez uma promessa e eu vou cobrá-la. Não vem ao caso que ela prometeu porque estava louca por um orgasmo. Está sendo ótimo ver Fleur florescendo (sempre gostei do trocadilho, já que o nome dela é a tradução de “flor”), não tenho planos de deixar que ela se feche de novo. Não sei bem o que essa minha obstinação significa, mas para mim já ficou muito claro que tem algo acontecendo aqui, e não estou falando do sexo. Porra, ela foi dormir comigo porque precisava de algum consolo. Ela cedeu o suficiente para se permitir fazer isso. Não tem como eu estar só imaginando coisas. Impossível. — Ela disse para a gente almoçar porque precisava resolver uma coisa com o Ethan. — joga a mochila no sofá e se senta ao meu lado. — Posso conversar com você? Giro o corpo para ela, observando-a esfregar as mãos nervosamente e morder o lábio inferior exatamente do mesmo jeito que Fleur faz quando está tensa. De verdade, fico abismado com os trejeitos que Josie pegou de nós dois. É fofo e assustador, para ser sincero, principalmente porque ela tem manias minhas sendo que nem me conhecia. Como isso é possível? — Claro, Josie. Aconteceu alguma coisa? O rosto dela atinge um tom adorável de vermelho. É surpreendente, na verdade, porque ela não parece ser muito do tipo que fica constrangida, então

fico intrigado. Ela olha para os lados, pigarreia, dá uma risadinha nervosa e eu acabo sorrindo com esse nervosismo todo. — Alex e eu conversamos com a Taylor sobre estarmos namorando e ela me deu, bem… hã… — abre a mochila, mostrando as embalagens de camisinha. Não uma. Cinco! Meu sorriso continua bem cravado no rosto, mas é de nervoso. Acabo de descobrir que sou pai e já chego na parte do romance juvenil. Não é fácil. Claro que eu não quero que Josephine não saiba para que a camisinha serve, afinal, Fleur já deixou claro que sempre foi muito objetiva sobre isso, e, honestamente, isso me alivia pra cacete… Mas isso… — A sua cara está me assustando. — ela abre um sorriso desconfiado. — Você está legal? — Claro. — o sorriso continua bem congelado e sinto um tique no olho direito. Limpo a garganta e me ajeito no sofá para ver se consigo raciocinar melhor, mas não funciona, então só repito: — Claro. — Então tá. — diz lentamente, mas a hesitação não sai do seu rosto. — Você e a minha mãe demoraram muito para fazer isso? — indaga, inclinando a cabeça. Pelo amor de Deus, alguém me ajuda a não falar besteira. — Você se apaixonou de cara? — a pequena curiosa continua e eu dou uma risada, porque é como se eu estivesse diante da própria Fleur. — Não mesmo. Conheci a sua mãe no dia do meu aniversário e lembro que a achei muito bonita, mas daquele tipo de garota inalcançável, que era boa demais para mim. Mesmo assim, eu não conseguia tirar os olhos dela. Sua mãe sempre foi muito bonita, mesmo que nunca tivesse muita consciência

disso. — e então me lembro. — Você sabe se ela tem fotos da época da gravidez? Ela disse que me mandou essas fotos, mas nunca chegaram até mim. Eu adoro o meu trabalho, amo eternizar momentos, então não é uma surpresa que eu queira ver. Fleur já me disse que foi um momento difícil e tenho certeza que essa sensação de culpa e de impotência por não ter estado com ela sempre vai ficar marcada em mim. — Claro, inclusive a gente estava vendo esses dias. — ela se levanta, indo até um armário no canto da sala, abrindo uma gaveta e voltando com um álbum, se sentando ao meu lado. — Foi a minha bisavó quem deu esse álbum, mas a mamãe nunca via essas fotos. Quando eu era pequena, achava que ela não via porque não gostava de ter engravidado, e também não gostava de mim. Isso me parte o coração. Em pouco tempo convivendo com Josie, já pude ver o quanto ela é amável, mas não se sente à vontade para se soltar. É visível também que ela tem um certo receio em conversar com a Fleur. Mas, tem melhorado, bastante nos últimos dias. Desde que falamos para Josie sobre o que aconteceu desde o começo, na verdade. — Sua mãe te ama, Josephine. — garanto firmemente, segurando suas mãos por cima do álbum. Ela concorda com a cabeça, abrindo um sorriso fraco. — Fleur daria o mundo por você, tenho certeza disso. Ela só foi bastante machucada durante esse caminho. Pessoas que ela confiava passaram a perna nela. — Eu sei, eu sei. — ela suspira, encolhendo os ombros. — Estou trabalhando isso na minha cabeça. A gente conversou e as coisas estão melhorando. Ela não me dá tempo para responder. Estende o álbum para mim, se aproximando para me mostrar. As fotos realmente pegam todas as fases da gestação, desde quando a barriga

mal tinha começado a despontar. A primeira coisa que não passa despercebida é que, como eu imaginava, Fleur foi uma gestante linda, com a barriga bem grande. Completamente deslumbrante. A segunda coisa, e é isso que me deixa com o coração apertado, é quem em registro algum ela parecia feliz. Não havia sorrisos enormes ou olhos brilhantes. Algumas fotos têm um mínimo sorriso, como se ela estivesse fazendo um grande esforço para fazêlo e seus olhos pareciam tão tristes, que só o que quero fazer é voltar no tempo e poder estar com ela, apoiá-la e dizer que tudo vai ficar bem. Não fico surpreso que Josie pense que Fleur não goste muito dela; a minha ex parecia imensamente infeliz. Já fiz alguns ensaios com gestantes e nenhuma parecia infeliz. Nenhuma. Estavam todas deslumbrantemente felizes, como se pudessem explodir a qualquer instante. Olho uma foto em que ela está com Josephine nos braços, na cama do hospital. Ela está olhando para a filha, parecendo um pouco… triste, talvez? Passo o dedo pelo rosto delicado da Fleur, tentando imaginar a bagunça que devia estar passando pela sua cabeça. Com uma criança nos braços, sozinha, abandonada pelos pais e achando que eu a tinha traído. Era coisa demais para alguém que ainda estava entrando na vida adulta. Sinceramente, eu mais que entendo o fato de ela ter endurecido tanto, e vejo que ela às vezes se esforça para continuar assim quando está comigo. Outras vezes parece que ela quer se soltar, mas não sabe como. — Você ainda gosta dela, não gosta? — ouço a voz de Josie, mas continuo olhando para a foto, contornando bem cada traço de Fleur. Linda. Absolutamente linda. — Caramba, você gosta dela. Abro um sorriso débil, limpando a garganta. Eu preciso fazer Fleur voltar a se abrir. Como? Eu vou lhes mostrar como: — A sua avó me chamou para passar o Natal em Fairbanks. O que você acha

da ideia? — sugiro e Josie dá uma risadinha. — A mamãe não vai concordar com isso. A gente sempre passa com o Ethan. — Com o Ethan… — repito devagar, franzindo o cenho. — Ele não é o chefe da sua mãe? — É, sim. — responde simplesmente, encolhendo os ombros. Elas sempre passam o Natal com Ethan. Hum. Será que tem algum motivo além da relação de trabalho e eu não captei a mensagem quando o conheci? Josie está com um sorrisinho diabólico nos lábios, esperando que eu pergunte mais. E como eu não sou do tipo que gosta de tirar conclusões precipitadas, é exatamente o que eu faço: — Tem aguma coisa que você queira me dizer sobre eles? — pergunto e Josie ri. Não sei se isso me alivia ou me deixa mais ansioso, então só fico olhando para ela, esperando sua resposta. — Eles só são amigos. O Ethan já foi a fim dela, até tentou se aproximar depois de se divorciou, mas a mamãe nunca deu muita moral. Acho que ela nem percebeu, porque sempre foi muito focada no trabalho. — Aham… — murmuro, hesitante, e Josie continua com o sorrisinho conspiratório. — Então ele já gostou dela… — sacudo a cabeça, me dando conta de uma coisa importante: — Como você sabe disso tudo? — Eu não sou idiota, Dom. — dá de ombros. — Minha mãe é linda, inteligente e quando quer, é um amor. Eu vejo como os caras olham para ela. — Você não é um pouco nova para isso? — Duh, olha o que a Taylor me deu. — estende as embalagens e eu estremeço. — Mas tudo bem, Alex e eu não queremos fazer nada agora.

Acabei de chegar no colegial, preciso estudar primeiro. Além do mais, não estou preparada para isso. — Graças a Deus. — solto, sentindo o corpo amolecer no sofá. Levo a mão ao peito de forma teatral, ouvindo a risada dela. — E só para você saber a minha opinião sobre o Natal com seus pais, não te aconselho a ficar animado com a ideia. Na verdade, se eu fosse você, nem falaria com ela. — aconselha, pegando o álbum. — Ela não gosta de mudança de planos, ainda mais porque já é na próxima semana. — Qual é, Josie. Vou falar hoje com ela e você vai me ajudar. — aperto a ponta do seu nariz, esperançoso. — Vamos para o Alasca!

∆∆∆ — Não tem a menor chance de isso acontecer. — Fleur declara, gesticulando com a mão. Ouço uma risada engasgada e olho para Josie, que olha para os lados, batucando os dedos na bancada, puxando respirações profundas. Fleur olha para ela, em seguida para mim, sem parar de fazer o seu sanduíche saudável demais para o meu paladar. — Qual é, Fleur, são os meus pais. Eles ainda não conheceram a Josie. E é uma boa oportunidade para resolvermos a questão do meu pai falando com Fleur anos atrás e nunca tendo me dito isso. A gente precisa resolver isso de uma vez para podermos seguir em frente. — Não foi por falta de tentativa. — ela retruca baixinho, fazendo uma careta contrariada. Fecha o seu sanduíche, olhando para Josie. — Josie, eu posso falar com o seu pai rapidinho? — Tudo bem, mas ele prometeu que a gente vai para Fairbanks e estou

ansiosa para conhecer os meus avós. Já falei para o Alex. — avisa, descendo da banqueta e saindo da cozinha. Eu prometi? Quando? Fleur apoia as mãos na bancada, aborrecida. Ela parece muito cansada, mesmo que esteja de férias. Não chegou no melhor humor quando voltou para casa, mas não do jeito que estava antes de sair… algo aconteceu com Ethan. O chefe… amigo. — Você fez uma promessa sem falar comigo antes? Qual é o seu problema? Você sabe que eu não gosto de descumprir promessas. Eu poderia falar que não fiz uma promessa e que Josie só estava jogando verde, mas é melhor entrar nesse jogo, porque pode ser favorável para mim. — Não é o que está parecendo. — digo simplesmente e ela me encara, esperando por mais. — Não acredito que a sua memória falhe por causa de orgasmos, linda, então preciso perguntar o motivo de você estar se fechando de novo depois de prometer que não faria isso. Ela sacode a cabeça, piscando várias vezes. Umedece os lábios e inconscientemente acompanho o gesto, me perguntando se algum dia eu vou ser minimamente imune a essa mulher. Porque não dá para continuar assim. — Certo. Você está certo. — ela concorda, para a minha completa surpresa, porque já estava me preparando para algo como “não sei do que está falando”, ou um “para de ser louco”. Uma concordância assim? Não mesmo. — Posso te perguntar uma coisa? — Até duas. — respondo, apoiando os braços na bancada. Ela limpa a garganta, afastando um pouco o prato com o sanduíche, unindo as mãos em seguida.

— Então é oficial que nós estamos… sabe… descobrindo o que pode existir entre nós? — pergunta tão baixo que preciso de um ou dois segundos para ter certeza de que ouvi a coisa certa. Sinto minhas sobrancelhas subirem e ela continua: — Porque eu preciso ser honesta, isso já deixou de ser só sexo para mim, se é que em algum momento foi só isso, mas não vou lidar com outra decepção, mesmo que a primeira não tenha sido sua culpa, e está faltando isso aqui — levanta a mão, colocando o polegar e o indicador a uma distância mínima — para eu surtar. Eu achava que era estresse, que estava confusa porque você estava de volta, mas não é isso. Não só isso. Aí está a minha garota. Soltando tudo de uma vez, com tanta energia que os olhos ficam arregalados, as bochechas ficam vermelhas (e não é por causa do frio) a veia em seu pescoço pulsando nervosamente. Quero gemer de alívio, agarrá-la por saber que ela ainda está aqui. A minha garota ainda está, só está trancafiada em algum lugar doido dela mesma. Não consigo evitar um sorriso, não conseguindo conter nem quando ela estreita os olhos, não apoiando a minha reação. Então, esconde o rosto entre as mãos, soltando um gemido lamuriante, balançando a cabeça. — Isso vai ser um desastre. — solta com a voz abafada. — Isso vai ser um desastre. Aguardo o seu momento de desabafo, porque sei que ela precisa disso. Ela continua falando coisas como “que desastre”, “o que é que está acontecendo?” e seus derivados, e eu só fico olhando pacientemente. Então, ela se recompõe. Endireita a postura e se levanta, abrindo a geladeira e pegando uma garrafa de vinho já aberta. Pega uma taça, se servindo. Dá uma mordida furiosa no sanduíche, se sentando mais uma vez. — Pronto? — pergunto e ela assente com a cabeça. — Não posso passar o Natal na casa dos seus pais, Dom. Você sabe que eu

amo essas festividades e a gente vai estragar tudo. — E você quer ficar adiando? — Eu vou resolver tudo, Dom. Pode ficar tranquilo. De um jeito ou de outro, vou descobrir o que aconteceu. Não gosto de como isso soa quase como uma ameaça. Estreito os olhos, porque posso não ser a melhor pessoa para ler nas entrelinhas, mas não sou idiota. — Isso tem alguma coisa com o que você foi resolver com o seu chefe? — pergunto, porque essa é a minha forma sutil de descobrir se está rolando alguma coisa entre eles. Ela ergue as sobrancelhas, inclinando a cabeça. — Ethan? — Vocês dois passaram o dia juntos fazendo Deus sabe o quê. — cruzo os braços, estreitando os olhos. — E não vamos deixar de fora que vocês parecem próximos pra caralho. Fleur me olha surpresa por menos de cinco segundos antes de começar a rir. — Você está com ciúmes? — pergunta, parecendo achar tudo isso muito engraçado. — É claro que estou! Você fica toda esquisita e depois passa o dia com o cara que é seu chefe, mas parece ter uma relação além disso com ele. Fleur balança a cabeça, parecendo ter dificuldades em se recompor. Toma um gole do vinho, umedecendo os lábios e girando a haste da taça em seguida. — Ethan é meu amigo, Dom. Devo muito a ele, o cara é um amigo sensacional, mas as coisas morrem aí. Eu só estava ajudando num caso… — ela parece meio reticente ao falar, pegando um tom mais cauteloso. — Que não posso te falar, obviamente, por causa da confidencialidade, mas é só isso. A ponta do meu pé começa a bater no chão enquanto olho para Fleur. Não sei

de onde saiu esse ciúme, mas não me arrependo de ter exposto isso. Nunca escondi nada dela e não pretendo começar isso agora. — Dom… olha, preciso deixar uma coisa clara antes que a gente decida mesmo levar isso à frente. — fala rápido, ansiosa e puxa uma respiração profunda antes de continuar: — Não tem nada a ver com você, tá? Só para você saber. Tanta coisa tem acontecido… descobrimos um monte de gente mentindo para nós, mas não é só isso. Ela parece estar se embolando com as palavras e se remexe inquieta na banqueta. Começa a morder o lábio nervosamente, limpando a garganta várias vezes. — Você percebeu isso, então não vai ser uma grande surpresa, mas eu mudei. Não sou a mesma Fleur que você conheceu. Só isso. Sem um adendo ou uma explicação, apenas isso. — Bom, graças a Deus por isso. — digo secamente, sem entender qual é o seu ponto. — Éramos adolescentes, Fleur. Você mudou, eu mudei. Estranho seria se continuássemos do mesmo jeito, concorda? Ela suspira, tomando um gole do vinho. Não sei o que se passa pela cabeça da Fleur. Quero dizer, é claro que sinto falta daquele tempo e tenho certeza que o fato de já termos namorado facilita um bocado para nos conhecermos agora, mas não consigo entender exatamente o que ela quer dizer com não ser a mesma. Eu também não sou. Me sento na banqueta ao lado da dela, colocando a mão por cima da sua. Fleur não me olha; a atenção continua na outra mão que ainda gira a haste da taça, embora eu suspeite que ela esteja viajando. Dou um aperto suave na sua mão, obrigando-a a olhar para mim. Quando ela o faz, não gosto do que vejo. Não há nada em seus olhos. Estão impassíveis. É perturbador pra caralho. — Querida, não sei exatamente o que passa na sua cabeça, mas se você não

falar comigo, não tenho como ajudar e vou continuar às cegas. Não somos adolescentes, o relógio continua girando e acredito que a gente já tenha perdido tempo demais com essas merdas. Não tenho mais idade para jogos, nem você. Temos uma filha juntos, uma garota linda e adorável. Estou tentando me aproximar de você e tenho a sensação de que você quer o mesmo que eu, mas se continuar não me deixando entrar, não vou conseguir fazer isso sozinho. Não sei de onde saiu isso. Eu estive mesmo ensaiando um discurso parecido com esse, porque nunca fui bom com palavras, mas não achei que sairia com tanta facilidade e com tanta sinceridade. Droga, eu estou tentando, Deus é prova de que eu estou tentando ser paciente. Fleur passou por muita coisa e continua passando, principalmente agora que descobriu o dedo de Gert e Delph no nosso passado… até mesmo de Lizzie (o que foi uma punhalada no meu peito também, convenhamos), mas honestamente, estou cansado de ficar remoendo essas coisas. Não há mais nada que possamos fazer a respeito, certo? Acabou. Já foi. Quatorze anos se passaram, eu só quero descobrir se ainda tenho chance com essa mulher incrível e seguir em frente. Tenho certeza de que não estou pedindo muito. Seus olhos se fixam bem em mim, brilhando com lágrimas, fazendo o meu estômago apertar. Ela parece tão pequena. Jovem, vulnerável e… perdida. Não sei exatamente como ela ergueu tantos muros em volta do seu coração e como os deixou tão sólidos, mas sei que isso precisa acabar. Se não for por mim, que seja por Josephine e por ela mesma. — Não sei como fazer isso, Dom. — ela sussurra e força um sorriso, passando os dedos pelos cantos dos olhos. — Não sei o que posso fazer. Eu… eu não sei. Pode ser confuso para você, eu sei que deveria ser mais fácil, mas é automático. Toda vez que me sinto vulnerável, meu mecanismo de defesa acaba… — solta um resmungo incoerente, apertando os olhos e

tomando mais um gole do vinho. — Eu sei que não é o que você quer ouvir, mas não acho que posso fazer isso de novo. Foi um grande alívio saber que você não me abandonou, mas não tenho emocional para passar por outra decepção. Bem que ela disse que seria confuso para mim. Algumas coisas eu consigo entender, outras nem tanto. Ela sabe que eu fui tão enganado quanto ela nessa história toda, então por que ainda acha que eu faria alguma coisa? Limpo a garganta, girando o corpo para vê-la melhor. Ela continua com os olhos fechados, com a taça nas mãos, tomando várias respirações profundas. Umedeço os lábios, pensando na melhor forma de abordar o assunto sem que ela se sinta ofendida. — Agora eu também quero te fazer uma pergunta, e por favor, não pense que estou te ofendendo, tá legal? — peço e ela concorda com a cabeça, sem sair da posição. — Você já pensou em terapia? — pergunto, cauteloso, porque sei que o assunto ainda é meio tabu para muitas pessoas. Fleur abre os olhos e me olha de relance. — De verdade, não estou querendo te ofender. Eu posso te dizer por experiência que pode ajudar. Se eu não surtei todos esses anos, foi graças à terapia. Me ajudou a entender muitas coisas e enxergar os meus problemas por outro ângulo. Você passou por muita coisa durante esse tempo, Fleur, não dá para tentar resolver isso sozinha. Ela coloca a taça na mesa, girando a cabeça para me encarar. Seus olhos estão vermelhos e lacrimejados, mas não saiu nada até agora. Cacete, a mulher não chora? — Natal com os seus pais, certo? — ela pergunta, desconversando, e eu murcho, decepcionado. Abro a boca para contestar e voltar ao assunto que estávamos poucos segundos atrás, mas ela balança a cabeça, com uma súplica tão evidente em seus olhos, que tira o meu chão.

— Sim, Fleur. — concordo, deixando a decepção visível na minha voz. Ela pisca demoradamente, limpando a garganta. — Seria uma boa oportunidade para resolvermos essa história com meu pai. Nós dois, juntos, como deve ser. Ela concorda com a cabeça e solta um pequeno suspiro. Se levanta da banqueta e me dá um beijo demorado na bochecha. — Obrigada por me entender. Prometo que vou pensar a respeito. — e sai da cozinha, me deixando sozinho com o sanduíche saudável horrível. Penso em levar esse negócio até ela, mas acabo desistindo e colocando-o na geladeira, fazendo o mesmo com o vinho, agradecendo aos céus por ter criado uma boa resistência ao ficar perto do álcool. Parece que teremos um Natal em família agitado, no final das contas.

26 Fleur

deveria ter ido passar o Natal com Ethan. Liberar Josie para ficar com E uDom e os avós, e ter seguido o plano dos últimos dez anos. Pouco me importa se isso me transforma numa covarde, estar com o meu chefe, com certeza, seria melhor do que estar aqui. Nunca gostei de mudança de planos, por que inventei de fazer isso logo com os Dawson? Pior: por que diabos eu permiti que Dom cuidasse da nossa hospedagem? Sério, eu deveria ter desconfiado que ele simplesmente nos traria à casa dos seus pais. O bom senso dele passou bem longe, sério. Estamos aqui há um dia. Josie e eu estamos dividindo um quarto, e como Mel chegou hoje, Norah colocou um colchão inflável no chão. Dom está no quarto de sempre. Estar nessa casa de novo é esquisito. A decoração continua praticamente a mesma, com algumas fotos a mais espalhadas, apenas reforçando o sentimento de lar que aqui sempre teve. Sempre gostei muito de vir aqui. Me sentia mais à vontade do que na casa dos meus pais. Norah e David ficaram radiantes em conhecer a neta. Pude ver em um momento ou outro que a minha filha parecia tão feliz, que parecia estar prestes a chorar. É bom ver o quão feliz ela está, mas estou incomodada pra cacete com os pais de Dom. Quero dizer… David mentiu. Ele participou dessa bagunça e agora está agindo como se não soubesse de nada. E Norah…

por mais que ela não tenha participado diretamente, é impossível que o marido não tenha lhe dito nada durante esses anos. Mas, uma coisa é certa: os pais de Dom não parecem confortáveis com a minha presença. — Mel vai sair com a Josie. — ouço a voz de Dom atrás de mim e tenho um sobressalto, fazendo-o rir baixinho. — Você está bem assustada, linda. — Só estou tentando entender o que está acontecendo aqui. — cruzo os braços casualmente, vendo Josie ajudar os avós a decorarem a árvore de natal. — Eles sabiam, Dom. Por que nunca fizeram nada? — É exatamente isso que vamos resolver. — envolve a minha cintura, dando um leve apertão. Olho para ele, franzindo o cenho em confusão, porque esse gesto de intimidade não estava nos meus planos. Não na frente da Josie e muito menos na frente dos pais dele. Não até descobrirmos o que está rolando entre nós. Preciso fazer um grande esforço para não retesar ou me afastar quando Norah olha para nós, não fazendo muita questão de esconder a surpresa. — Ainda prefiro acreditar que foi um mal entendido. Não tenho certeza se quero acreditar que meu pai mentiu para mim. Balanço a cabeça, não tendo nada para dizer. Dom sempre idolatrou os pais. Idolatrou pra valer. Sempre houve um sentimento de gratidão enorme da parte dele por Norah e David terem adotado uma criança com vício. Isso sempre fez com que ele os enxergasse como verdadeiros heróis. “Eles poderiam ter adotado uma criança limpa”, ele me disse uma vez. “Podiam adotar até mesmo um bebê, como outras pessoas fizeram. Mas eles me escolheram”, dizia outra vez. Isso vai ser muito ruim. Quando Norah começa a nos olhar demais, realmente me sinto desconfortável e afasto o braço de Dom delicadamente. O que ele me disse algumas noites

atrás, sobre querer descobrir o que está havendo entre nós, está ecoando na minha cabeça num looping infinito. Quero dizer, eu também estou curiosa, mas não menti quando disse que não sou a mesma que ele conheceu. As coisas mudaram e tem uma vozinha insistente gritando no meu consciente de que só estamos presos ao passado. Essa vozinha não me agrada em nada, mas eu morreria antes de assumir isso em voz alta. Dom não parece surpreso quando eu me afasto dele, apenas me dá um sorriso. Não um daqueles sinceros que tiram o fôlego, mas daqueles bem tristonhos. — Ei, Josie, eu vi uma loja de pinturas sensacional enquanto fui procurar algumas coisas para o meu estúdio. Por que não vamos dar um pulo lá? — Mel brota não sei de onde, animada. Voilà. Se Mel tivesse sugerido qualquer outra coisa, Josie poderia recusar. Mas algo relacionado à pintura? Leva um segundo para ela digerir o convite, os olhos brilharem e o sorriso crescer. — Caramba, eu adoraria! — ela exclama, animada. — David e Norah não vão se incomodar se eu deixá-los cuidar da árvore por um tempo, não é? — olha para os avós, que balançam a cabeça, sorrindo. — Claro, querida, pode ir. — Posso ir, mãe? — ela se aproxima, unindo as mãos. — Por favor, por favor, por favorzinho! Ouço risadinhas coletivas enquanto eu concordo com a cabeça. Ela me dá um abraço apertado e desajeitado, dando pulinhos de animação. Josie se transforma completamente com qualquer coisa que tenha relação com a pintura. Antes que eu possa pensar em retribuir, ela se afasta, correndo para o

quarto, avisando que vai pegar um casaco. Mel vai logo atrás dela, e ficamos nós quatro sozinhos. O semblante amigável de Norah vai embora, e o de David fica mais cauteloso. Ninguém fala nada até que Josie passe por nós, se despedindo animada, seguida de uma despedida cautelosa e conspiratória de Melissa. Dom me disse que ela sabe tudo sobre nós. Bem, a versão dele e parte da minha versão, visto que não houve uma oportunidade de explicações detalhadas. O clima fica tenso. Tanto Norah quanto David ficam olhando para mim, não sei se esperando que eu fale alguma coisa ou o quê. Não tivemos oportunidades para conversarmos por causa da Josie, mas com certeza não dá para continuar enrolando. — Preciso de uma cerveja. — David murmura passando por mim. — Pegue duas, amor. — Norah fala alto para que ele escute, fazendo um gesto para que a gente se sente. — Estamos... felizes em te ver de novo, Fleur. — Sim, claro que está. — cruzo as pernas, mantendo a postura austera. Ela estreita os olhos e eu permaneço impassível. Estou decidida a não perder a cabeça, porque já fiz isso com Dominic e só serviu para ficar adiando coisas que não deveriam ser adiadas. Você é uma advogada, porra. Aja como tal. Logo David está ao lado de Norah, abrindo a sua cerveja e brindando com a esposa. Ah sim, não importa a ocasião, o brinde sempre é feito. — Vocês sabiam que a Fleur estava grávida? — Dom pergunta e não preciso olhar para ele; a sua voz está receosa, beirando o desespero, num pedido evidente que a resposta seja uma negativa. É claro que ele quer que os pais mintam, que digam que tudo não passou mesmo de um mal entendido, mas eu sei bem o que David me disse. Desde que Dom voltou para a minha vida,

a rudeza, a insensibilidade do seu pai passa pela minha cabeça pelo menos duas vezes por dia. — Respondam! — Sim. — é Norah quem responde, baixinho, com os olhos fechados, o semblante cheio de culpa me comovendo. — Que diabo! — Dom pragueja, mas não sinto movimentação ao meu lado. Ninguém fala nada por um tempo e tenho a sensação de que não vão falar. — Por quê? — pergunto, porque isso tem rondado a minha cabeça, me incomodando. — Nós sempre nos demos tão bem. Eu gostava tanto de vocês. Caramba, vocês me deram mais carinho que eu recebi a minha vida inteira e então… — deixo a frase no ar, porque eles sabem o final. Estou mantendo a voz julgadora cuidadosamente de lado, porque a postura de Norah realmente me comove. Ela parece estar prestes a desabar, com o corpo inteiro tendo leves espasmos, os olhos ainda fechados e os lábios trêmulos. Isso me pega de surpresa. Os olhos de David estão fixos na garrafa em suas mãos, e juro por Deus que esse silêncio está me matando. — Será que alguém aqui pode falar alguma coisa? — o tom rude do homem ao meu lado me faz ter um pequeno sobressalto, mas continuo olhando para o casal à minha frente. Alguém tem que falar alguma coisa. Pelo amor de Deus! — A sua família ia acabar com o meu filho, Fleur. — Norah diz com a voz trêmula, torcendo os dedos nervosamente no colo. O quê? — Vocês iam acabar com a minha família. A família que lutei para manter em pé e você sabe disso. Você sempre soube que um filho era tudo o que David e eu queríamos na vida. — Vamos esclarecer algumas coisas aqui, Fleur. — David toma as rédeas, dando uma leve sacudida na mão. — Nós sempre gostamos de você. Era uma garota ótima e fazia o nosso menino feliz, ficou do lado dele quando teve as recaídas, mas a sua família… — faz um barulho com a língua, torcendo o

rosto em desgosto. — Eles sempre fizeram questão de deixar claro que Dominic nunca seria o suficiente para você. — Você me disse isso, David, eu me lembro bem. — digo calmamente, fazendo um grande esforço para manter a expressão impassível. — Mas eu o amava. A gente planejava um futuro e vocês sabiam disso… — me corto ao conseguir ligar alguns pontos. — Não foi a minha família quem boicotou os e-mails. Foram vocês. Se antes eu estava comovida com a culpa que Norah parecia estar sentindo, agora não estou mais. Endireito a minha postura ainda mais, erguendo todos os meus muros de defesa. Passei os últimos dias me confortando de que só a minha família tinha culpa nessa merda toda, mas me enganei. Por um instante, ninguém fala nada. Norah já está chorando silenciosamente, olhando cheia de expectativas para Dom e eu faço o mesmo, olhando o seu perfil. Posso ver o olho marejado e o maxilar pulsando. Suas costas estão recostadas no sofá e os braços estão cruzados de forma defensiva. — Vocês sabiam que eu tinha uma filha… — ele fala baixinho, a dor em sua voz cortando o meu coração. Quero tocá-lo e é exatamente o que eu faço. Puxo delicadamente o seu braço, envolvendo sua mão nas minhas. Se isso já está ruim para mim, para ele está sendo uma tortura, com certeza. Vejo uma lágrima descer por seu rosto e respiro fundo, olhando para cima para tentar conter as lágrimas que invadem os meus olhos. — Vocês sabiam. O tempo inteiro vocês sabiam e nunca me disseram nada. — Ela me disse quando liguei para ela. — ouço a voz firme de David, mas continuo olhando o homem ao meu lado. — Nós passamos quase dois dias sem saber de você, só soubemos porque o pai dessa garota nos ligou dizendo onde você estava. Meus olhos ricocheteiam na direção de David.

— Meu pai o quê? — chio, arregalando os olhos. — Seu pai, aquele filho da puta. Ele já tinha aparecido uns dias antes no bar para pedir que eu, gentilmente, afastasse Dom de você, e quando nós recusamos, ele disse que iríamos nos arrepender. Quase perdemos o nosso bar. Quase perdemos o nosso filho. — A ligação foi anônima, mas ele apareceu depois. — Norah diz, enxugando as lágrimas, com os olhos baixos. — Disse que aquele tinha sido apenas um aviso, e nos entregou fotos… fotos do Dom deitado numa cama, com drogas ao seu lado, da cômoda ao lado… — balança a cabeça. — Seu pai ameaçou apresentar essas fotos para prender o meu filho. — Eu fui preso de qualquer forma. — Dom resmunga acidamente. — Por seis meses. — sou obrigada a interceder, fazendo Dom olhar para mim. Aperto a sua mão, desconfortável. — Você poderia pegar pelo menos cinco anos, porque tinham provas. Dependendo da quantidade de drogas, a penalidade mínima poderia ser de dez anos. — estremeço com a possibilidade de Dom preso injustamente por tanto tempo. Ele sairia da clínica e iria direto para a cadeia. — Você não sabia disso? Ele balança a cabeça, enxugando o rosto nervosamente. Sinto quando ele aperta a minha mão e vejo o seu pomo de adão subir e descer duas vezes. — A gente só tentou te proteger, filho. Fleur foi a sua primeira namorada, achamos que você iria superar. — David diz e encolhe os ombros. — E fazer a filha crescer sem o pai realmente parece uma boa solução. — digo e mordo a língua com força, até sentir o gosto de sangue. Fecho os olhos com uma careta, porque sei que isso soou mal. Mas, cacete… — O meu filho era prioridade, Fleur. — David diz duramente, me olhando como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo. — Você acha que o seu pai iria parar? Realmente acha que Alger tinha algum limite? Ele te

colocou para fora de casa sem pensar duas vezes, o que ele faria com Dominic? — Isso não justifica, porra! — é Dom quem fala. Fala não. Rosna. Olho assustada para ele, que está com o rosto desfigurado pela raiva, e solta rudemente a mão da minha, esfregando o rosto com força. — Eu tinha o direito de saber que tinha uma filha. O que passou pela cabeça de vocês? Olha o tempo que a gente perdeu. Vocês tinham que ter me dito alguma coisa. Ouço o soluço de Norah, mas estou tão absorta em Dom, na sua expressão tão intensa, feroz, que é como se eu estivesse hipnotizada. Não há nada além dele, magoado, mas decidido e firme. Completamente deslumbrante. — Você nem tinha como saber, por exemplo, que ela estava infeliz pra cacete. Que teve depressão pós-parto e não conseguia nem chegar perto da própria filha sem ser forçada. Eu não estava ao lado dela porque vocês tiraram isso de mim. Mesmo anos depois, quando Josie tivesse crescido um pouco mais. Eu teria cuidado delas, a gente teria resolvido essa merda, eu seria um pai presente e talvez ainda estivéssemos juntos. Não me importa o que Alger queria fazer, vocês não tinham o direito de tirar isso de mim, porra! O Alger já está morto, então por que vocês não me falaram mesmo depois disso? Quando ele para de falar, o clima parece ter ficado ainda mais pesado. Eu já estou completamente encolhida no sofá. Ele parece estar tão perto de explodir, que por um segundo realmente acho que ele vai surtar. Seu peito está subindo e descendo muito rápido e aquele velho tique no olho esquerdo está de volta. Oh, sim, ele está muito nervoso. Dom se levanta e eu faço o mesmo por impulso, atenta a qualquer movimento

brusco dele. Ele parece um animal selvagem preso numa gaiola, até que sai pisando duro. — Ei, aonde você vai? — pergunto, fazendo menção de ir atrás dele. Não sei porquê, apenas sentindo que preciso ficar ao seu lado agora. É óbvio que ele tinha esperanças até o último segundo de ser tudo um engano. — Preciso ficar sozinho agora! — ele rosna energeticamente, sem interromper os passos, até sumir pelo corredor. Ouço uma porta se fechar e fico parada aqui, com os olhos arregalados, sem saber o que fazer. Droga, isso é pior do que eu imaginava. Como o meu pai pôde fazer isso? Chantagear os Dawson foi... e o filho da puta ainda morre antes que eu possa fazer algo a respeito. Mas a minha mãe, ah, ela vai pagar. Juro pela Josie que isso não vai ficar assim. Olho friamente para os pais de Dom. Não dá para dizer que não entendo o lado deles. Eles são pais, agiram pensando no melhor para o seu filho. Mas eu também estava com uma filha. Uma filha do Dominic. Ela precisava dele. Eu precisava dele. Precisava dele demais. Não dá para negar, eu teria ficado ao lado dele como sempre fiquei e teríamos resolvido as coisas. — Só pensamos no bem do nosso filho, Fleur. — Norah sussurra com a voz embargada, o rosto molhado mostrando o desespero. — O seu pai não ia parar. Ele pode ter morrido, mas sua mãe ainda está atenta a nós. Não sabemos o motivo disso, mas ela ainda quer que a gente mantenha distância e a gente achou melhor o Dom seguir em frente longe de vocês. Claro que ela quer distância. E vai piorar agora que recebeu uma recebeu uma notificação de que está sendo processada. Não vai dar para lutar contra isso. Mesmo assim, não consigo só abrir um sorrisinho e falar que está tudo bem. Não sou compassiva como Dom. Entendo o lado de Norah, eu tenho uma filha e morreria por ela, mas essa

situação não deveria ser decidida por eles. Engulo o bolo que se forma na minha garganta e vou para o meu quarto, pegando o meu celular e ligando para Ethan, que me atende no segundo toque. — Ora, se não é quem me abandonou em pleno Natal. — me saúda com a voz divertida enquanto eu fecho a porta. — Como estão as coisas por aí? — Ethan, preciso de um favor. — sussurro, apenas para ter a certeza de que ninguém vai me ouvir, batendo na minha testa ao lembrar do fuso-horário. — Desculpa te ligar tão tarde. — Pode falar. — a diversão nele se foi, agora só há o advogado imbatível. Começo a andar de um lado para o outro, sentindo o coração retumbar com força contra a caixa torácica. — Do que você precisa? — Você acha que o seu detetive pode descobrir onde a minha mãe vai passar a virada de ano? Ele não responde de imediato e ouço o farfalhar de papéis. — E você quer isso para…? — Quero expor tudo lá. Na frente da mídia toda. — Fleur… — não gosto da hesitação em sua voz e fecho os olhos, tentando controlar a respiração. — Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? Eleonora já não está feliz com o processo. — Ela não parou, Ethan. E se ela não vai fazer isso por bem, eu vou atacar onde mais lhe dói. — Ela acabou de ser notificada, não é melhor esperarmos um pouco? — Eu esperei por quatorze anos. Olha, se você não fizer isso, eu vou fazer sozinha. — digo firmemente, porque as chances de eu deixar isso passar impune são nulas. — Quero que todo mundo saiba que Eleonora está sendo

processada pela própria filha e se ela estiver em algum daqueles falsos eventos de caridade, a exposição vai ser ainda melhor. Ouço um suspiro cansado do outro lado da linha antes de o meu chefe falar: — Certo. Não vou deixar você sozinha nessa. Você tem certeza do que está fazendo? — Sim. — Tudo bem. Quando você voltar, cuidamos de tudo. Espero que isso não acabe em arrependimento. Como se isso fosse acontecer. Me despeço dele e jogo o celular na cama novamente. Levo alguns segundos para sair do quarto, parando na frente da porta de Dom. Pressiono o ouvido contra a porta, tentando ouvir alguma coisa. Nada. Penso em bater, mas isso daria margem para ele negar a minha entrada, e preciso saber como ele está. A forma como ele ficou ao ouvir o pai confirmando tudo me deixou completamente desarmada. Como já me dei conta que posso estar apaixonada, eu deveria ser mais cautelosa, manter os pés no chão, mas isso está sendo mais forte que eu. Abro a porta com cuidado para não fazer barulho, colocando apenas a cabeça no vão, encontrando Dom sentado na cama, com a cabeça baixa. — Ei… — digo com o sorriso mais encorajador que consigo, mas sei que é bem falso. Dom gira a cabeça na minha direção e vejo que seus olhos estão marejados. — Posso entrar? Ele apenas assente com a cabeça e eu limpo a garganta, entrando e fechando a porta. À medida que me aproximo, vejo que ele tem alguma coisa em mãos, e só quando me sento ao lado dele vejo que é uma foto. Prendo a respiração, sentindo a ponta do nariz pinicar e as lágrimas turvarem a minha visão. — Dom… — resfolego, estendendo a mão para pegar a foto. Ele não reluta em me entregar, e, sério, se eu tinha erguido algum muro com o que

aconteceu na sala há alguns minutos, ele acabou de dar uma enfraquecida. É uma foto do baile de formatura do Dom. Ele me abraçando por trás, me apertando contra si, com o rosto afundado no meu pescoço, enquanto eu estou me encolhendo, rindo, porque ele estava beijando uma parte do meu pescoço que me fazia arrepiar e estremecer. A gente parecia tão, tão feliz. Dá para ver pelo meu sorriso enorme que eu estava radiante. Preciso engolir o choro e isso requer muito, muito esforço. Solto um suspiro trêmulo, traçando nossos rostos. Naquela época a gente já tinha falado algumas vezes sobre um futuro juntos. No ano seguinte decidimos que iríamos morar juntos. Eu já previa que meu pai ficaria indignado quando soubesse que eu não queria ser como ele. Não queria a política, diplomacia, nem nada disso. Não queria viver numa mentira como ele, então já tinha tudo planejado com Dom quando Alger Duboc explodisse. O casamento viria quando me formasse na faculdade. Dom já estava decidido a trabalhar com fotografia e estava conseguindo levantar uma grana com isso. Olho para o homem ao meu lado, com o coração partido ao vê-lo tão magoado. Levanto a mão hesitante, afagando suas costas. Não sei se é pelo toque ou se apenas o momento, mas de repente um soluço escapa dos seus lábios e ele irrompe num choro doloroso. Não dá para suportar vê-lo tão despedaçado. Minha única vontade é confortálo. Abraçá-lo e dizer que tudo vai ficar, mas só consigo ficar aqui, parada. Já tinha visto Dom chorar, mas não assim. Não com tanto desespero, com o corpo inteiro tremendo violentamente, como se cada parte dele estivesse doendo. Limpo a garganta e umedeço os lábios, então decido deitá-lo na cama. Parece ser a coisa mais prudente a se fazer, não é? Eu já não sei lidar nem com o

meu próprio choro, então o choro dos outros sempre me deixa meio desorientada. As primeiras vezes que Josie chorou (de verdade, não de manha), eu acabei chorando junto porque me achava horrível por não saber consolar a minha própria filha. Tenho uma vontade terrível de chorar junto com ele, mas me contenho. Sinto que preciso ser forte aqui, segurar a barra, então inspiro pelo nariz e expiro pela boca. Longamente e várias vezes. Acaricio os cabelos macios de Dom, tentando consolá-lo. De repente ele me puxa. Se ajeita para que eu me deite ao seu lado, com a minha cabeça em seu peito, sua mão fazendo uma carícia suave em meu braço e ombro. Sinto o seu coração batendo com força, e ouço-o suspirar quando começo a deslizar os dedos pelo seu peitoral. Fecho os olhos com força, engolindo o nó na garganta. Há algo de terrivelmente familiar em ficar assim com Dominic. Foram pouquíssimas as aproximações que tivemos até agora que não fossem por discussão ou por sexo. É o conforto que ele sempre encontrou em mim e acabo de perceber, enquanto o abraço com força, afundando o rosto em seu pescoço enquanto me encolho em seus braços, que ele ainda me conforta, mesmo quando é ele quem está vulnerável. É a sensação de casa que ele me faz sentir. Protegida. É assustador. Inebriante. Perigoso. Inevitável. São tantos sentimentos contraditórios, que me sinto tonta. E quando sinto que o seu braço se apertando em torno de mim, é que percebo que fiquei tão absorta nesses pensamentos, que não percebi que Dom já não está chorando. Não ouço mais nenhum barulho e seu corpo não está mais tremendo. — Obrigado, Fleur. — ouço-o sussurrar e minha respiração fica suspensa. Ele acha que eu o consolei, alheio ao desconforto na boca do meu estômago e

na vontade incontrolável de bater a minha cabeça na parede até perder a consciência. Porque aquele “talvez” apaixonada, se tornou “inevitavelmente” apaixonada. E não há nada que eu possa fazer para lutar contra isso.

27 Fleur

—V

ocê é a primeira pessoa que volta das férias depois de mais de dois anos trabalhando, e parece mais cansada do que quando saiu.

Me jogo no sofá da sala de Ethan depois que ele o faz, afundando e ficando toda torta. Solto um gemido frustrado enquanto fecho os olhos. Voltar das férias com a cabeça tão surtada e já ter problemas para resolver… nada bom, nada bom. — Eu imaginava que você e Dominic se resolveriam nessa viagem. — ouçoo dizer, seguido do barulho de uma garrafa sendo aberta. — Depende do ponto de vista. — me endireito, apoiando os cotovelos no colo e afundando o rosto entre as mãos. — Eu surtei, Ethan. Surtei. Pirei. Me dei conta que ainda sou apaixonada por ele e, puf, surtei. Ethan solta um “hum” e eu olho para ele. A noite de Natal foi um fiasco completo. Quando Josie e Mel voltaram para a casa dos Dawson, minha filha sentiu o clima esquisito (o rosto inchado de Dom ajudou bastante) e depois que eu contei a ela o que aconteceu, ela culpou veementemente os avós pelo que fizeram. E não foi bonito. Ela chorou, esperneou e deixou muito claro que os odiava por terem tirado o pai dela por tanto tempo. No meio desse discurso, quem já estava chorando era eu, porque nunca tinha visto a Josie tão ferida assim,

nem quando contei sobre Delph e a minha avó. Então, é óbvio que a festividade que nos levou para lá não seria passada em família. Depois de conversar com Dom, decidimos que era melhor irmos para um hotel e passamos a noite de Natal no Graehl Park, o nosso lugar especial. O lugar é quase o mesmo, agora com mais iluminação, ciclovias e o parquinho foi reformado. Fiquei em êxtase ao ver que a nossa árvore ainda continuava lá, assim como as nossas iniciais. Josie achou isso insuportavelmente romântico. E eu já estava em pânico. Depois de perceber que o talvez não era um talvez e que eu estava mesmo apaixonada por ele, fiquei com medo até de olhar na sua direção e ele perceber alguma coisa. Claro, ele percebeu que tinha alguma coisa errada, e tentou me fazer falar, mas eu estava apavorada demais para isso. Mas, estamos falando de Dominic. A consciência dos sentimentos por ele me acalentou e me socou ao mesmo tempo. Foi um carinho e um puxão de orelha. Eu tentei falar para ele, tentei abrir o jogo, mas aí comecei a pensar no que aconteceria. Quero dizer… a nossa vida está uma bagunça. Pobre Katrina, a minha psicóloga, que vai sofrer um bocado por exatos sessenta minutos, duas vezes por semana. — E onde ele está? — meu chefe pergunta, me entregando um copo abastecido com o líquido âmbar. — Voltou para Los Angeles. Ele disse que tem alguns trabalhos essa semana que já tinha se comprometido a fazer, mas Josie está querendo que a gente vá passar a virada com ele. — respondo exausta, olhando o relógio. — O dia passou e eu nem reparei. Você vai comer em algum lugar? — Na verdade, preciso continuar aqui. — ele encolhe os ombros, desabotoando o botão de seu paletó e dando um gole na sua bebida. — Vou

interrogar o Alexander na próxima semana, quero estar preparado. E, novamente, fique fora disso, Fleur. Ao menos por ora. — avisa e eu encolho os ombros. — Você não me disse se estou salva, então preciso sondar. — justifico com zero peso na consciência. — Já tirei o seu da reta. Você e Josie estão bem, fica tranquila. Só se preocupe em terminar o processo dos Dawson. Que já está praticamente pronto e vai ser devidamente homologado até o final da semana. Foi uma escolha do Dom. Deixei essa decisão nas mãos dele e ele disse, convicto, que os pais têm tanta culpa quanto a minha família. Obviamente eles não vão ter uma pena tão pesada quanto espero que a minha mãe tenha, mas também não vão sair impunes. — Estou cuidando disso. Mas e você? — pergunto, porque é sempre terrível trabalhar contra esses caras. Ricos, astutos, arrogantes. — Eu vou sobreviver. Sou bom no que faço, não é à toa que consegui isso. — pega um envelope na mesa de centro, estendendo para mim. — O que é isso? — Onde a sua mãe vai estar na virada e alguns contatos que podem te ajudar. Mais uma vez, preciso que você tome cuidado, Fleur. Eleonora pode não ser extrema quanto o seu pai, mas também não é uma santa. O meu conselho é que você fale com ela antes de decidir fazer uma loucura. E fale com Dominic também. Não o deixe saber de última hora, já foram muitos anos de desentendimentos. — Eu sei. — suspiro, cansada. — Não, Fleur, não acredito que saiba. Olha… — ele se ajeita no sofá, me olhando com seriedade. — Eu sou um cara divorciado, você sabe. O que mais atrapalhou o meu casamento foi a falta de comunicação. Fiquei agindo pelas

costas da Leah, passando por cima das vontades dela porque achava que estava fazendo o melhor. Se Dominic quer seguir em frente e tem bons motivos para isso, talvez seja algo que você deva considerar. — Não posso deixar isso passar batido, Ethan. — falo baixinho, balançando a cabeça. — Só estou dizendo. Você não é obrigada a ceder em tudo, mas agir pelas costas dele não é uma boa ideia. E o problema é que Dominic não vai concordar com a ideia de expor a minha mãe. Se ele só aceitou a ideia do processo por causa dos pais dele, e muito relutantemente, não há nada que o faça aceitar numa boa o que eu quero fazer. Merda. — Tudo bem, Ethan. Vou ver o que posso fazer a respeito.

∆∆∆ Vamos fazer aqui uma pequena lista do que há no envelope, já que não é apenas sobre a localização da minha mãe: Chantagem, tráfico de drogas, assédio moral e sexual, lavagem de dinheiro, estelionato, até mesmo estupro… mas, foram escândalos que surgiram e evaporaram, caindo no esquecimento. E esses são apenas um adendo de coisas que o Austin, o detetive de Ethan, já tinha me passado. Pedi para ele me passar as coisas à medida que fosse descobrindo, assim conseguiria montar tudo com mais cautela, com datas e gravidade dos crimes. Passei a tarde inteira mexendo com isso, achando que minha mãe era um monstro, mas agora? Agora eu tenho certeza. O que me deixa cega de raiva é ter em mãos as provas do envolvimento dos

meus pais com a recaída do Dom. Tem fotos do meu pai e Lizzie conversando, assim como a minha mãe e a Norah. Meu pai e David. Um pendrive com as conversas e as ameaças. Até do meu pai convencendo a minha avó de que Dom tinha me agredido e por isso eu estava arredia. Ele forjou provas de que o meu ex tinha me batido depois eu ter supostamente descoberto sobre a traição. Minha mãe concordou com tudo. Absolutamente tudo. Que inferno! Preciso falar com Dom. Ele tem que saber disso. Talvez mostrando o que a minha mãe fez, ele não fique tão relutante. — Mãe, seu celular não para de tocar! — ouço Josie gritar do lado de fora e tiro o pendrive cuidadosamente do notebook, colocando junto com as papéis dentro do envelope. Saio do quarto meio aérea, sentindo um aperto doloroso no peito. E pensar que, em teoria, os pais deveriam querer o bem dos filhos. — Doutora Lefebvre. — atendo depois de não reconhecer o número que estava no visor do celular. — Boa noite, estou falando com Fleur? — ouço uma voz feminina meio robótica e olho para Josie, que está fissurada em algum filme ao lado de Alex. — Sim, sou eu. — Aqui é do hospital Lenox Hill. O seu número estava no contato de emergência de Delphine Duboc, a senhora a conhece? Delphine? Delph está em Nova Iorque? E no hospital? — Sim, ela é minha irmã. — falo mais baixo para não atrair a atenção dos jovens, franzindo o cenho. — O que houve?

— Ela teve uma complicação há algumas horas e não para de te chamar. A senhora pode vir para cá? Ai, caramba. Concordo rapidamente, finalizando a ligação. Josie ainda está focada no filme, mas Alex parece sentir alguma coisa esquisita, porque está me olhando inquisidoramente. Eu posso deixá-los aqui ou levá-los. Merda, não sei o que houve com Delph, não queria alarmar Josephine. Pode ser algo ruim. Mas se fosse algo ruim, a mulher teria me dito. Olho para o meu celular. Dez da noite. — Josie, a gente precisa sair. — aviso, batendo palmas com cuidado para o celular não cair da minha mão. — Vamos deixar o Alex em casa. Aconteceu alguma coisa com a tia Delph. Durante o caminho, entre deixar Alex em casa e ir para o hospital, me concentro em manter a cabeça limpa. Josie está muito calada, certamente preocupada com a tia, mas mesmo que eu também esteja assim, não consigo tirar da cabeça o que Ethan me disse. Dom realmente vai ficar puto se eu agir pelas costas dele, mas minha mãe precisa pagar. Não consigo encontrar a lógica em deixar isso passar em branco. Não quando ele foi drogado e preso injustamente. Não quando eu me senti despedaçada por supostamente ter sido traída, mas, literalmente, ter sido abandonada pelos meus pais. A enfermeira na recepção nos indica o quarto onde está a minha irmã, sem nos dar muitas informações do que aconteceu e sinto quando Josie segura a minha mão, apertando-a. — Sua tia está bem, filhota. Ela é durona. — garanto enquanto nos encaminhamos até o quarto. Alguém poderia me dar uma luz sobre o que aconteceu, não é? Tanto quando me ligaram, quanto na recepção.

Josie murmura uma concordância, mas não parece estar muito confiante. Encontro o quarto de Delph, batendo na porta duas vezes antes de abri-la, encontrando a minha irmã deitada na cama, uma médica e um enfermeiro ao seu lado. Fico abismada por vê-la tão pálida e parecendo ainda mais magra do que o seu habitual de modelo. Três pares de olhos se viram para nós, e capto o exato momento em que Delph se encolhe, virando o rosto para o outro lado. — Tia! — Josie se solta apenas para ir para o lado de Delph, agarrando com cuidado a mão com a agulha. — Fiquei tão preocupada. O que aconteceu? Delph demora a olhar para mim, os olhos inchados e o nariz vermelho indicando que esteve chorando. — Você é a Fleur? — a médica olha para mim e assinto com a cabeça. — Podemos conversar lá fora? Novamente concordo, pedindo que Josie fique no quarto com a tia. Antes que eu saia, ouço um “sinto muito” da minha irmã, e meu corpo inteiro estremece com a ansiedade. — E então… — olho o crachá preso no jaleco, cruzando os braços numa tentativa de parecer tranquila. — Doutora Howard... O que há com a Delphine? — É sempre muito difícil dizer isso, e desde já digo que sinto muito… — a médica começa com um semblante compassivo. — Sua irmã sofreu um aborto. Infelizmente isso é muito comum de acontecer até a vigésima semana de gestação. Foi encontrada uma deficiência brusca de micronutrientes necessários para manter o embrião saudável, além de ela parecer ter passado as últimas semanas em estresse prejudicial. Aborto. Delphine estava grávida?

— Ai, meu Deus. De quanto tempo ela estava? — pergunto depois de umedecer os lábios, torcendo muito, muito, para estar enganada, já fazendo os cálculos na cabeça. — Tinha acabado de entrar na décima segunda semana. Fecho os olhos com força, encostando o corpo na parede, quase chorando de alívio. Não é do Justin. Não é do mesmo período que estávamos em Fairbanks, então não é do Jus. Por um segundo achei que... — A senhora se sente bem? — Claro, eu só preciso de um segundo. Obrigada, doutora. — falo baixinho, limpando a garganta. — Certo… — ela hesita um pouco antes de continuar. — A sua irmã já sabe. Não recebeu a notícia muito bem, mas já se sente um pouco melhor. Prefiro que ela passe a noite aqui, conosco, em observação. — eu concordo com a cabeça, forçando um sorriso. — Preciso atender outros pacientes, mas voltarei em algumas horas para ver como ela está se sentindo. Depois da minha concordância, a médica sai, seguida do enfermeiro, que me lança um sorriso compassivo. Bato a cabeça de leve na parede algumas vezes, fechando os olhos. Por isso ela estava tão tensa nas últimas semanas. Ela já devia suspeitar da gravidez, e me arrependo por não ter sondado com quem ela está saindo. — Fleur? — ouço uma voz hesitante, familiar, e meus olhos ricocheteiam na direção do Justin. — O que houve com a Delph? Ela me ligou mais cedo dizendo que não estava se sentindo muito bem e então me ligaram daqui... — O que você está fazendo aqui? Ele não responde. Cruza os braços e olha para o chão, parecendo muito cansado para alguém que acabou de chegar da lua-de-mel.

Ai, puta merda. — O bebê era seu. — deduzo, em choque. Ele solta um suspiro pesado, balançando as mãos, então esfrega o rosto com força. — Ai, meu Deus, Justin. O bebê era seu! — Era? Ela… ela perdeu? — Justin empalidece e se senta na cadeira ao lado da porta. Continuo na mesma posição, tentando entender como diabos isso foi acontecer. O rolo deles foi antigo, sempre desconfiei que Delph nunca tinha esquecido cem por cento o namorico que tiveram, mas isso… bom, isso não é o que eu imaginava. Eles transaram, porra. Sem camisinha. E provavelmente não foi a única vez. Tem tanta coisa errada nisso, que estremeço só de pensar na Paige. Ela vai ficar arrasada. — Aconteceu, Fleur. — ele fala baixinho, mortificado. — Eu não sei o que aconteceu... — Há quanto tempo isso vem acontecendo? — ignoro a resposta tosca que ele me dá. É a desculpa mais idiota que existe. — É complicado… — responde relutante e eu olho para o teto, querendo chorar por Paige. — Eu amo a Paige. Ela é a mulher da minha vida, eu sei disso. Me sento ao lado dele, porque minhas pernas estão fracas. Eu apresentei Paige a Jus. Vibrei quando eles decidiram ter um relacionamento e fui a maior apoiadora dos dois. Paige e eu fazíamos planos dos nossos casamentos. — Não sei se quero saber entre você e a Delph, Jus, porque estou me sentindo entre a cruz e a espada. — e não me sinto com moral para dar um conselho quando a minha vida amorosa está um caos. — Mas seja sincero. Com as duas. Amo a Paige, amo a Delph e amo você também, você sabe. Mas, agora, só tenho vontade de chutar as suas bolas. — Eu sei, eu sei. — ele afunda na cadeira, escondendo o rosto entre as mãos. — As duas vão me odiar. Que porra!

Fico calada, porque não vou mentir. Delph vai ficar arrasada. Mas e Paige? Eles acabaram de se casar. Por que ele se casou se estava confuso? Qual o sentido disso? — O que você vai fazer? — pergunto em voz baixa, encostando a cabeça na parede, mas olhando para ele. — Preciso falar com a Delph. Isso precisa acabar. — balança a cabeça, fazendo uma careta. Não deveria nem ter começado. — Não quero perder a minha esposa. Ele me olha com uma careta, parecendo sentir dor. Balanço a cabeça e me levanto, porque se ele está aqui, Josie e eu já não somos necessárias. O clima entre Delph e eu já não estava muito legal, agora só consigo me sentir enojada. — Vou deixar você e a Delph conversarem. Ela está fragilizada, então pega leve. Adoro você, mas ela é minha irmã, ela é a minha prioridade aqui. Vou pegar a Josie. Quando a gente sair, você entra. Jus assente com a cabeça. Aperto o seu ombro, abrindo um sorriso fraco quando ele me olha, não escondendo as lágrimas. — Sinto muito, Jus. De verdade, lamento por vocês terem perdido esse bebê. Ele balança a cabeça, piscando várias vezes. Estou cheia de dúvidas, mas agora eles precisam conversar. E realmente não quero ter que tomar um lado. A única inocente aqui é Paige. Jus a traiu de verdade, e olha só o que eu fiz ao achar que fui traída. Sinceramente, duvido muito que Paige queira continuar com ele depois disso. E vai ter o meu completo apoio. E Delph? Ela sempre foi a minha heroína, a irmãzona sensacional. É frustrante essa sensação de decepção, de ter me enganado com ela esses anos todos, sobre tantas coisas.

Josie está sentada na cama com a tia. É visível a preocupação da minha filha, que ainda não sabe o que aconteceu. Ao menos eu acho que ela não sabe. Sinto o olhar da minha irmã em mim, mas no momento, não consigo, não consigo mesmo olhar para ela. Não gosto de traição. Ela sabe disso. Ela viu isso. Não era ela quem tinha um compromisso com Paige e certamente não tiro a responsabilidade de Justin, mas, caramba… ela conhece a Paige. Ela estava lá quando ela me convidou para o casamento e agiu como se nada estivesse acontecendo. — Filha, vamos para casa. Sua tia precisa descansar e você tem a última aula amanhã. — estendo o braço para ela, chamando-a. — Fleur… — ouço a voz trêmula de Delph, mas olho para a janela do outro lado. — Vamos, Josie. — insisto e ela se levanta hesitante. — Está tudo bem? — ela pergunta, com o cenho franzido em confusão. — O que a tia Delph tem? Então Delph não contou. — Ela vai ficar bem. — resmungo, ouvindo um soluço da minha irmã. Josie olha para ela, assustada. — Josie, amor, espera a gente lá fora. — Mas, mãe… — Josie, por favor. — peço novamente, abrindo um sorriso encorajador para a minha filha. Ela não parece menos confusa, mas obedece, fechando a porta em silêncio. — Por isso você não foi ao casamento? Por peso na consciência? Por vergonha de vê-lo se declarar a outra mulher? — Eu amo o Justin, Fleur. — ela fala baixinho, enxugando as lágrimas do rosto. — Eu tentava evitá-lo, mas ele sempre me encontrava e… Meu Deus, então foi mesmo mais de uma vez.

— Porra nenhuma, Delphine. Você conhece a Paige, sabe que ela é uma mulher incrível. — rosno, com o dedo em riste. Respiro fundo. Delph acabou de perder o bebê, preciso manter isso em mente. — Justin está aí fora, sabe Deus o que ele disse para a Paige para estar aqui. — Eles vão morar aqui agora. — ela geme afundando na cama. — Por isso eu fui para o Brasil. Nem queria voltar, mas queria falar com você sobre o que houve com o Dom. Mordo a língua para não acabar falando algo que vá me arrepender. Se meu pai forjou provas para a minha avó, provavelmente também tenha usado para manipular Delph. Ainda não me desce que tenham escondido isso, que tenham me deixado pensar o pior de Dom, mas esse não é o foco agora. — Sinto muito pela sua perda, Delph. — sussurro, trocando o peso dos pés. — Eu não sou o melhor exemplo de maternidade, mas a Josie é a minha vida. Ela é tudo para mim e com certeza me fez enxergar as coisas com mais maturidade. Sei que essa criança faria você amadurecer em muitas coisas, talvez até entender o inferno que eu passei graças ao seu silêncio. Ela concorda com a cabeça, fechando os olhos. Amoleço um pouco quando vejo as lágrimas deslizando pelo seu rosto, porque realmente deve ser um momento difícil. Não consigo imaginar a minha vida sem a Josie, mesmo com todos os problemas que tive no começo ou nos desentendimentos que temos. — Acho que o Dom nunca esqueceu você. — Delph diz num fio de voz e eu enrijeço. — Trabalhei com ele algumas vezes durante esses anos. — Eu sei. — encolho os ombros. — Por que você nunca me disse? — Porque eu o queria longe de você. — ela me olha, séria. — Vovó disse que o papai tinha provado que o Dom era um cara agressivo, e isso junto com o estado que você ficou… — balança a cabeça, fungando. — Só tentei te

proteger. Sendo uma completa escrota, mas tentei. Só que o Dom sempre ficava balançado quando me via. Dava para notar que ele ficava meio nostálgico. É uma impressão que eu tenho. Não do tipo “estou confuso”. Você sabe do que estou falando. Mamãe descobriu que ele estava por perto e me chantageou com esse meu caso com o Jus. Não queria que isso viesse à tona, não queria que você me olhasse como está me olhando agora, então só calei a boca e fiz o que ela queria. Ai, meu Deus, isso não acaba nunca? — Ela te chantageou? — pergunto, sem conseguir acreditar. Delph concorda com a cabeça, se encolhendo. — Ela tinha… provas… sobre o meu caso com o Jus. E eu tentei parar de vêlo, mas ele sempre voltava e aí… — solta um gemido frustrado e eu agarro a bolsa como se isso pudesse me manter firme. — Desculpa, Fleur. Nunca quis te magoar. Nunca. Nem você, nem a Josie. Que inferno. Como a minha mãe consegue ser assim? A troco de que ela nos queria longe do Dom? — Josie e eu vamos embora. Jus vai entrar. — falo secamente e ela funga. — Não faça mais nenhuma besteira, Delph. Jus é um cara casado. Mantenha isso em mente. Parece que eu a golpeei, porque ela retesa e fecha os olhos como se sentisse dor, mas não dá para adoçar a situação. O caminho de volta para casa fica silencioso depois que eu digo à Josie o que aconteceu. Ela ficou assustada pra valer, não me pareceu justo esconder isso. Contei resumidamente que os dois já namoraram, mas foi há muito tempo, e que estou tão surpresa quanto ela por essa gravidez. Por saber que os dois ainda têm assuntos mal resolvidos. É claro que Josie está chateada com a tia. Isso fica muito claro quando

entramos em casa e ela diz que está cansada e vai dormir. Eu também estou cansada, mas ainda preciso resolver algumas coisas. Sentada no sofá, não sei quanto tempo passa comigo olhando para a conversa aberta de Dom. Faço as contas mentalmente. Já é meia noite aqui em Nova Iorque, então ainda são nove horas em Los Angeles. Não está tarde. Ligo para ele antes que eu perca a coragem. Dom atende no segundo toque, a voz vindo como uma rajada de vento fresco e me aquece por completo. — Ei, linda. — posso jurar que há um sorriso em sua voz, então fecho os olhos, visualizando a cena. O sorriso bem aberto, a ponto de os olhos ficarem quase fechados. — Fleur, tudo bem? — Oi, desculpa te ligar agora. — limpo a garganta, me perguntando como eu me transformei nessa mulher que não sabe o que falar. — A Josie disse que você falou sobre passarmos o Ano Novo aí em Los Angeles. O convite ainda está de pé? — Eu adoraria, na verdade. Ia te ligar amanhã para fazer o convite. Planejei algo bem legal, caso você tope. Pode até trazer o Alex e a irmã dele, também. Mordo o lábio, soltando um suspiro. É difícil me obrigar a manter os pés no chão quando ele faz essas coisas, quando me dá o vislumbre do Dom amoroso que sempre me amolecia. É tão estranho estarmos assim, que por um segundinho até sinto que somos só nós contra o mundo de novo. — Que tipo de planos? — não consigo conter um sorriso cálido, me recostando no sofá. — Surpresa, Fleur. — ele dá uma risada baixa e eu respiro fundo, estremecendo. — Isso significa que vocês vão vir? Preciso lutar contra a vontade de negar e me enfiar na minha bolha de proteção. Seria muito mais prático e seguro para o meu coração. Mas estou tão cansada de ficar sozinha, de ter que ficar lutando comigo mesma, de ficar

reprimindo o que eu sinto. Foram quatorze anos. Longos, longos anos. E pode ser uma boa oportunidade para falar sobre a minha mãe, já que ela vai estar em Los Angeles. — Sim, Dom, isso significa que nós vamos.

28 Fleur

coisas podem acontecer em Los Angeles. Com Josie. Com Dom. M uitas Comigo. E com a minha mãe. Levo a mão ao peito, massageando-o, enquanto observo quase roboticamente os números no visor do elevador. Sete. Oito. Nove. É agora. Saio da caixa de metal, na sala de estar do quarto em que minha mãe está hospedada. Alex e Josie estão com Dominic, encantados com a casa dele. E sinceramente, que casa foda. Eu não esperava uma casinha minúscula, é claro, mas vamos lidar com fatos, uma casa em que o quintal tem uma escadaria que leva diretamente para a praia não é qualquer coisa. E como se não bastasse, só tem seis casas nessa praia, e a de Dom e Mel é a única que tem dois andares. Sério. Bastante surpreendente.

A casa é muito bem arejada e parece que a decoração toda foi pensada para possíveis ensaios fotográficos Tudo bem alinhado, janelas que vão do chão ao teto, e tem até algumas pranchas de surfe. Pranchas que são da Mel, e Dom disse que são pela tentativa da amiga de aprender a surfar, mas que não tem tido muito sucesso até agora. Na verdade, se parece muito com as casas que eu ficava fuçando no tempo livre, sonhando com o momento em que conseguiria dar uma boa vida à Josie. Mas não tem nada nem remotamente parecido com isso em Nova Iorque, infelizmente. Coincidência ou não, se parece muito com as casas que eu pesquisava com Dom quando a gente ficava idealizando o que queríamos para começarmos a nossa família. O meu pensamento é cortado quando encontro a minha mãe no canto da sala, segurando uma taça de vinho. Sinto o meu corpo inteiro enrijecer e todos os meus muros se erguendo numa velocidade violentamente rápida. Eleonora Lefebvre-Duboc sempre foi considerada um ícone da beleza e da elegância. Eu sempre a achei incrível, e isso não mudou mesmo tantos anos tendo se passado. Os cabelos loiros continuam impecavelmente alinhados, partidos ao meio e caindo em ondas pelos ombros finos, a pele alva agora demonstra que o tempo começou a passar para ela, mas considerando os seus sessenta e dois anos, posso dizer que é um efeito tardio. Os olhos azuis cristal estão tão gélidos quanto eu me lembrava, e Deus é testemunha do quanto eu tentei evitar que esse olhar recaísse em mim, por qualquer motivo. E como não é de se surpreender, seus mais de um e setenta e cinco estão muito bem distribuídos em muita magreza. — Quanto tempo, filha. — embora as palavras possam parecer ser

carinhosas, o tom mostra o desdém que está sentindo no momento. Como quero prolongar essa conversa tanto quanto ela, entrego a pasta que contém as informações que pretendo levar à tona. Me sento na poltrona de frente para ela, cruzando as pernas e cuidando para manter tanto a expressão impassível e a postura rígida. — Direto ao assunto, huh? — abre um sorriso gélido. — Como está a Josephine? Delphine sempre diz que ela é uma moça encantadora. — Vamos logo com isso. — preciso me congratular por manter um tom controlado, o mesmo que uso com meus clientes e ela arqueia a sobrancelha, abrindo a pasta. — Sabe, sempre achei que você voltaria rastejando aos nossos pés quando visse que Dominic não era o sonho que você pensava. Que acabaria seguindo os passos do seu pai e nos dando orgulho. — diz casualmente, sem tirar os olhos dos papéis. Preciso engolir o amargo dessas palavras, porque nunca é fácil ouvir esse tipo de coisa da própria mãe, então reitero a promessa de tentar ser uma mãe melhor para Josie. Não apenas financeiramente, mas emocionalmente também. — Fiquei indignada quando soube que a mamãe te colocou dentro da casa dela. Ela acabaria te dando apoio para você fazer o que queria. — Algo que vocês também deveriam fazer. Minha mãe olha para mim e inclina a cabeça, estreitando os olhos como se estivesse avaliando o que eu disse. — As coisas não são assim, Fleur. Eu não queria ser modelo, mas segui os passos da minha mãe porque era o certo a se fazer. Delphine seguiu os meus passos porque era o certo a se fazer. Eu estava disposta a abrir mão que você também o fizesse se Alger conseguisse fazer você entrar para a diplomacia. Isso seria bom para nós e você sabe disso. Se você quisesse até mesmo ser

uma juíza, seu pai cuidaria disso, mas só advogar? Para quê? Já tivemos essa conversa tantas vezes, que nem compensa continuar nesse assunto. Para os meus pais, se a profissão não trouxesse visibilidade positiva da mídia, não tinha motivos para continuarmos ali. E honestamente, meu interesse sempre foi igual ou menos que zero em promotoria. Ser juíza? Muito menos. — Não precisamos falar sobre isso, mãe. — passo o dedo pelo vão entre as sobrancelhas, tensa. — Você me pediu para vir e aqui estou. Te trouxe as provas para que você tome cuidado com o que vai falar, só isso. Ela umedece os lábios, não como se estivesse hesitante, mas como se tivesse um trunfo na manga. Toma um gole do seu vinho pacientemente, e se antes ela estava simplesmente séria, agora ela já congelou até mesmo a Etiópia. — Você realmente nunca soube, não é? — pergunta e eu arqueio a sobrancelha em dúvida, torcendo para não ter demonstrado nenhuma insegurança. — Acha que reprovamos o seu namoro simplesmente por Dominic sempre estar destinado a ser um zero à esquerda? Se bem que... ele cresceu, não acha? Ainda assim, continua sendo um zé ninguém. — Direto ao ponto, mãe. — instigo, fazendo um grande esforço para não começar a morder o lábio. — Tessa Ward. Esse nome te diz alguma coisa? — ela pergunta e eu tento me lembrar desse nome. Alguma cliente, alguma professora, alguma mãe de colega... qualquer coisa. Mas não, esse nome não me diz nada, e isso fica claro na minha expressão, porque minha mãe continua: — Os pais de Dominic nunca lhe disseram o nome da mãe biológica dele? Oh-oh! Estreito os olhos. Dom foi adotado num orfanato. Os pais dele sempre disseram isso, e isso é o que ele lembra. Apenas isso e nada mais.

— Acho que já percebeu aonde quero chegar. — ela olha para a taça quase vazia e solta um suspiro pesado. — Agora, você sabe o que essa mulher significou para o seu pai? Sinto meu sangue gelar, e instintivamente meu corpo fica mais tenso ainda. Tento me manter impassível, mas tenho certeza que não consigo completamente. Lidar com surpresa profissional é uma coisa, mas isso...? — Do que você está falando, mãe? — Tessa era garota de programa, Fleur. Era uma drogada imunda. — faz um som de desdém com a garganta, franzindo o cenho. — Não sei o que seu pai viu naquela... mulherzinha vulgar. Ela reconheceu Dominic quando vocês começaram a namorar. Aquela puta nem quis saber dele, só começou a nos chantagear. De que abriria a boca caso a gente não desse uma boa quantia em dinheiro e diria que uma Duboc estava envolvida com o filho de uma... Ela estremece e eu acabo fazendo o mesmo, mas tenho certeza de que não é pelo mesmo motivo. Não consigo acreditar que eles tenham ido tão baixo. O meu pai... tá legal, eu sei que o casamento nunca foi por amor, mas ainda é duro ouvir que ele traía a minha mãe. Com a mãe biológica do Dominic. — Eu posso ir para o fundo do poço com essas merdas. Sei o que você quer fazer, além de me processar. — ela ergue a pasta, sacudindo-a no ar. — Mas eu vou cuidar para que o seu namoradinho saiba que a mãe biológica dele era uma puta que nunca quis saber dele, mesmo depois de saber onde ele estava. — Se você não prova, não tenho porquê acreditar em você. Ela abre um sorriso nojento, que embrulha o meu estômago. Joga a pasta no espaço ao seu lado e me entrega uma pequena pilha de papéis. — Me teste, meu girassol. Dominic agora trabalha com fotografia, não é? Agora ele precisa manter uma boa imagem também. Seria uma pena se ele

perdesse grandes trabalhos por causa disso, e, inclusive, aquela linda casa que tem com a "amiga". Decido ignorar a provocação dela ao mencionar Melissa. Cara, ela nem se importa em como ele vai se sentir. Minha visão fica embaçada pelas lágrimas quando me dou conta do que se tratam os papéis. Dados pessoais de Tessa, assim como a ficha criminal. E fotos. Muitas fotos. Inclusive com meu pai. — Ela morreu há dois anos. — sussurro, vendo a data de óbito. Overdose. — Você está seguindo o mesmo caminho do seu pai. Se envolvendo com um drogado que pode acabar com o nosso nome. Mas você vai ter que me matar antes de tentar arruinar essa família, Fleur. Esteja avisada. Não importa o que eu precise fazer, os Duboc não serão destruídos por gentinha insignificante. Quer me processar? Processe. Faça o que quiser. Nada vai acontecer comigo. Mas não ouse manchar o nome da minha família. Droga, estou me sentindo horrível. Enojada. Enjoada. Como é possível? Ela é a minha mãe e é a pessoa mais repugnante que já conheci. E eu já tive que lidar com muita merda, mas isso... isso. — Você me dá nojo. — é só o que consigo dizer, porque se tentar esboçar mais alguma reação, acho que vou acabar apelando para a agressão. Ela ri, erguendo a cabeça, como se achasse a minha reação realmente muito engraçada. — Você está avisada, Fleur. Agora sabe quais as consequências de tentar lutar contra mim. Tenho certeza que te ensinaram alguma coisa na faculdade e você vai fazer o que é mais prudente. O mais alarmante é que ela não se moveu. Em momento algum, desde que eu cheguei. Não parece sequer aliviada em ver que a filha está bem depois desses anos todos, ou até mesmo a neta. Nada disso. É tudo pelo sobrenome. Pelo poder.

Eu realmente quero fazê-la pagar, expô-la, mas e se isso me coloca num nível igual ao dela? Como o Dom ficaria com isso vindo à tona? — Se não tem mais nada para fazer aqui, acredito que já estamos conversadas. Nojo. É só o que consigo sentir. — Por que você é assim? — pergunto, sem conseguir conter a careta ou o asco na voz. — Você é a pessoa mais repugnante que já conheci. Como pode ser tão mesquinha? Como você consegue viver? — Se já estamos conversadas, você já pode sair, Fleur. — ela insiste duramente. Sacudo a cabeça, sem conseguir acreditar que a minha própria mãe consegue ser tão... — Fique longe da minha família. — é só o que consigo dizer, tentando recolher a dignidade que ela despedaçou ao me fazer pensar que poderia, ao menos por alguns segundos, ser uma mãe normal. Preocupada. Zelosa. — Fique longe da minha família. — Isso só depende de você. — diz antes de eu me virar para ir embora.

∆∆∆ — Em algum momento você vai dizer o que está te incomodando? A pergunta tira o meu falso foco nas pouquíssimas estrelas no céu de Los Angeles, sorrindo ao ouvir as gargalhadas de Josie e Alex, que estão brincando no mar. Vamos passar a virada na Malibu Lagoon State Beach, a praia onde Dom mora. Mel foi passar a virada com os pais, o que deixou o clima bem mais intimista para nós quatro. Dom passou o dia dividido entre ficar na cozinha

preparando comida para um batalhão e tirar fotos de qualquer coisa que chamasse a sua atenção. Josie, Alex e eu chegamos aqui hoje cedo. Precisei ficar no trabalho até ontem, mesmo que o meu caso fosse mais pessoal do que profissional. Tive que abrir mão da exposição assim que saí do hotel onde minha mãe está hospedada. Não abro mão do processo, e ela pareceu ter consciência disso, mas expor todos os podres dela significa que Dom também vai ser prejudicado. Recuei por ele, porque sei que essa história da Tessa seria um golpe cruel nele. Vou checar a veracidade dos documentos que ela me entregou e ver o que posso fazer, mas, por ora, Ethan pareceu muito satisfeito com a minha decisão. Dom e eu estamos deitados na sua varanda há menos de dez minutos. Sem muita conversa, só aproveitando o clima leve. Ele está deslumbrantemente bonito, bem à la moda praiana, com um conjunto preto com estampa floral. Os cabelos estão numa desordem muito sexy, e, de verdade, ele parece muito animado, o sorriso nunca abandonando o seu rosto. Para mim tem sido terrível até mesmo pensar nele. Isso tem resultado em mãos suando, frio na barriga e coração acelerado. Não sei muito bem em que pé estamos aqui, mas se isso acabar mal, eu vou me ferrar muito. — Só pensando em como as coisas mudaram no último mês. — encolho os ombros, pousando as mãos na barriga. Vejo algumas faíscas de fogos de artifício e mordo o lábio, nervosa. — Imagino que você espera que eu acredite nisso. Giro a cabeça em sua direção, dando de cara com olhos astutos, com uma pitada de sarcasmo. Ele está me olhando daquele jeito "qual é, já passamos por isso" e preciso crispar os lábios para não rir. — Qual é, você está estranha desde que foi comprar as roupas para a virada.

Ah sim. Por ter passado a última semana no trabalho, acabei não tendo tempo para comprar uma roupa. Josie já tinha a dela graças ao seu bom planejamento com os gastos da sua mesada, mas eu acabei deixando para última hora. E ter usado esse tempo para encontrar a minha mãe foi apenas um golpe de sorte. Eu posso falar "ei, sabia que nossos pais foram amantes? Aliás, a sua mãe sabia onde você estava, mas usou isso para pegar arrancar dinheiro dos meus pais", ou até mesmo "olha, eu quero acabar com a minha mãe, mas isso poderia resultar em merda respingando em você, o que acha disso?" Faltam menos de cinco minutos para a virada do ano. Ninguém merece começar o ano com uma notícia ruim, e desde que cheguei aqui, não tive a oportunidade de passar um momento sozinha com ele. E droga, eu quero tanto isso. Sem pensar muito e já sentindo o estômago se retorcer em expectativa, me aproximo dele, apoiando a parte superior do corpo com o braço para poder vê-lo melhor. Envolvo o seu pescoço com a outra mão, me deliciando da visão de Dominic, sentindo mãos envolvendo a minha cintura e nuca, soltando um suspiro lento e trêmulo, entregue ao olhar quente em seu rosto, ao calor de seu corpo e ao me lembrar do gosto divino de sua pele. Dominic solta um gemido suave antes de cobrir minha boca com a dele, fazendo todos os meus pensamentos se esvaírem numa facilidade e rapidez que me deixa desorientada. Com certeza ele tira minha atenção de qualquer coisa que pode estar acontecendo ao nosso redor, me fazendo ansiar por mais dele. Enfio os dedos em seus cabelos e retribuo o beijo sem hesitação, acariciando e atacando sua língua. Seus braços me apertam possessivamente, mas não demora muito, porque na posição em que estamos, não demora para as

carícias avançarem um pouco. Dom me deita novamente e se inclina sobre mim, suas mãos não apenas acariciando, mas apalpando o meu corpo com mais vontade, me excitando. — Mãe! Dom! E assim o momento vai embora. Fácil. Empurro Dom pelos ombros, tentando me concentrar em manter a respiração controlada. Dom não parece ter virado uma ameba como eu virei, porque se levanta facilmente. Aceito gratamente a mão que ele estende para mim, vendo Josie e Alex correndo apressados, molhados e animados. — Faltam dois minutos. — Alex apoia as mãos nos joelhos assim que sobe as escadas, puxando várias respirações. Preciso de um tempo para realmente sair da nuvem luxuriosa e me dar conta que ele está falando da contagem. Josie termina de subir os degraus e não parece tão cansada quanto Alex. — Olha o sedentarismo. — alfineto e Dom dá uma risada pelo nariz, acompanhada de Josie. — Eu já te chamei para correr comigo. — E morrer na metade do caminho? Não, obrigado. — Alex faz um gesto de pouco caso com a mão. — Mas vou começar a fazer alguma luta. É uma das minhas promessas para o próximo ano. Aceito a taça de champanhe que Dom me entrega, observando que ele está acompanhando os jovens no refrigerante. Fofo. — Todos já fizeram suas promessas? — Dom pergunta e assentimos com a cabeça, embora eu ainda não saiba muito bem o que esperar desse próximo ano. Sucesso profissional, com certeza.

Ser uma mãe melhor? Isso está no topo da lista. Ficar com Dom? A contagem começando do dez começa na casa ao lado. Mesmo que não seja muito perto, a festa ali é mais animada e com mais pessoas, o que facilita que a gente escute os gritos empolgados. Acompanhamos a contagem, e antes mesmo que o ano vire, os fogos de artifício já estão explodindo no céu, colorindo a noite sem estrelas. Sinto um braço envolvendo a minha cintura, a mão apertando a minha carne e olho para Dom, que vira nossos corpos até estarmos frente a frente, me dando um beijo longo, apaixonado. Sua língua me invade com desespero e adoração. Sem me dar chances de recuar. E eu quero recuar? Francamente, não resta dúvidas e nem incertezas. Não dá para voltar atrás. Eu quero Dominic. Física e emocionalmente. Eu pertenço a ele como as estrelas pertencem ao céu, como o calor pertence ao Sol e eu sei que isso é o cúmulo da breguice. — Amo você, Dom. — falo de uma vez antes que acabe perdendo a coragem, soltando uma respiração pesada. — Eu sabia! — Josie grita e choca o corpo contra o nosso. — Isso está mesmo acontecendo. Eu deveria abrir uma empresa de relacionamentos. Vou ficar rica com isso. Por pouco, muito pouco, não cai champanhe na cabeça dela, mas Josie está tão animada que não consigo fazer nada além de rir. Olho para Dom, que pisca várias vezes como se estivesse segurando o choro. Aperto a sua bochecha. — Menino chorão.

∆∆∆ Gemo alto, sentindo o orgasmo me conseguir completamente, de dentro para fora. Ofegantes pelo esforço de uma transa na parede do quarto, Dom me segura firmemente pela cintura, deitando no chão, me mantendo em cima dele. Muito lentamente, Dom começa a distribuir beijos em meu rosto enquanto acaricia meus cabelos e costas. — Está dormindo? — pergunta depois que passamos um bom tempo quietos e eu balanço a cabeça, ainda com os olhos fechados. — Josie apareceu antes que eu pudesse falar, mas eu amo você também, Fleur. Desde sempre. Levou muito de mim não falar isso e me contentar com um "gosto de você" na sua casa para você não pirar e sair correndo, e graças a Deus você falou isso hoje, porque não sei se aguentaria segurar isso por muito tempo. Meu coração dá um salto. Violento. Abro os olhos e apoio o queixo em seu peito, olhando para Dom. Seus olhos estão brilhando e o seu sorriso faz a minha coluna estremecer e a minha pele arrepiar. Ele me ergue, nivelando os nossos rostos. — Eu amo você, Fleur. Como um louco! — sussurra com os lábios quase nos meus. O ar fica preso em meus pulmões e parece que a minha capacidade de falar foi embora. Seus dedos reiniciam as carícias. Só as pontas, subindo e descendo, sem cessar, sem me possuir, apenas sentindo a proximidade entre nossas peles. — Só preciso que você fique comigo e tudo vai ficar bem. — continua sussurrando, os lábios descendo, roçando o meu pescoço, se prolongando na clavícula, onde deposita um beijo, ainda leve, então refaz o caminho com a ponta do nariz, aspirando meu cheiro e liberando seu hálito quente que parece acender o meu corpo. — Fica comigo, Fleur. Diz que vai ficar comigo. Eu até abro a boca para falar, mas a carícia dele está tão boa, que impede a

minha capacidade de raciocinar direito. Então ele me dá um beijo. Hesitante no começo, como se estivesse pedindo a minha permissão. É calmo, doce, leve e tão sensual que me deixa completamente rendida. Uma das mãos sobe até minha nuca, os dedos me acariciando, massageando delicadamente. — Fica, Fleur. — ele pede novamente, com os olhos fechados. — Eu amo você. Amo cada parte sua, a sua garra, a sua teimosia, a sua loucura. Amo tanto que dói. E tem doído esses anos todos. Sinto as lágrimas chegando, porque doeu igualmente em mim, mesmo que eu não seja tão boa em demonstrar como ele. Fungo e concordo com a cabeça, abrindo um sorriso trêmulo. Talvez seja hora de termos mais uma chance.

29 Fleur

M e remexo na cama e tateio o espaço onde Dominic deveria estar. Nada. Abro um olho, constatando que estou mesmo sozinha. Hum. Não demoro para entender o motivo de ter acordado. As cortinas estão fechadas, então não posso dizer que é por causa da claridade. É o alvoroço do lado de fora. Os barulhos não estão muito altos, mas as vozes parecem alteradas. Também estou ouvindo flashes. Muito baixo, mas são muitos. Não tem como ser só o Dom. Levo um nanossegundo para lembrar que meu celular está no andar de baixo, e só encontro o vestido que usei na virada, jogado no chão. Sem chances de eu usar. Está imundo por causa da areia e da água do mar, já que ficamos brincando lá com as crianças antes de virmos para o quarto. Me levanto agitada e pego a primeira camisa e bermuda de Dom que encontro. A camisa parece um mini vestido e o short fica muito folgado, mas como tem um adolescente com a minha filha, não me sinto à vontade de usar só uma camisa e mais nada. Sem calcinha, sem sutiã, sem nada. Tento me convencer de que eu deveria ir ao meu quarto primeiro e pegar uma roupa, mas essas vozes alteradas estão me deixando ansiosa.

Desço quase tropeçando pelas escadas, ouvindo as vozes ficando cada vez mais altas. — Não, porra, isso não pode estar acontecendo. — ouço Dom rosnar e encontro Josie e Alex sentados no sofá. Alex está com Josie nos braços e parece preocupado, enquanto a minha filha parece assustada. Todas as portas estão fechadas e as cortinas estão cobrindo tudo, mas consigo ouvir de onde vem os flashes. Do lado de fora. Meus olhos ricocheteiam para a TV ao ouvir o nome da minha mãe, então paro para prestar atenção no que está sendo dito. — Tudo indica que Eleonora Duboc sabia de todos os crimes do marido, sendo cúmplice de boa parte deles, incluindo na participação de drogar Dominic Dawson, filho de Tessa Ward, que na época namorava a filha mais nova do casal, Fleur Duboc. Tessa Ward era garota de programa e teve um caso com o diplomata francês até a morte dela, há dois anos. Fleur foi quem moveu uma ação contra a Eleonora, que também irá responder pelo marido. Agora, na economia… Puta! Que! Me! Pariu! Olho para Dom, que está com falando com alguém no celular, no canto da sala, com a mão livre massageando a têmpora. Ao chegar na sala, ele se limitou a me dar uma olhada séria e se afastou, provavelmente porque está puto. Comigo. Que droga. É o primeiro dia do ano, não podem nos dar um segundo de paz? Umedeço os lábios ao observar Dom, que não parece muito tranquilo, mas certamente não está a ponto de ter um colapso nervoso. É como se as notícias o tivessem abalado, mas não o suficiente para perder a cabeça. Parabéns para ele, porque eu estou tão tensa que meus ombros começaram a

doer. Provavelmente porque estava imaginando uma explosão, daquelas que deixaria para trás todo o discurso caloroso e cheio de promessas que tivemos durante a madrugada. Não é possível que eu tenha perdido esse homem por causa disso. Me recuso a pensar nisso. Josie está mordendo o lábio nervosamente e eu me sento ao lado dela, puxando-a para um abraço desajeitado e dando um beijo no alto da sua cabeça, tentando passar algum tipo de conforto para ela. Ou tentando me acalmar, não sei. Os flashes do lado de fora estão me deixando angustiada. Nunca gostei de paparazzi. Quando Dom e eu estávamos juntos, vez ou outra saía alguma foto nossa em alguma coluna de fofoca sensacionalista, falando da filha do respeitável diplomata francês e o mero plebeu. Não nessas palavras, mas deu para entender, certo? Quando fui para a casa da minha avó, eles ficaram de tocaia por lá por semanas, esperando qualquer aparição minha para terem a oportunidade de alguma manchete tendenciosa e maldosa. E aqui estão eles novamente. É exatamente um déjà vu. Aperto os olhos com força, prendendo Josie ainda mais contra mim, me concentrando em manter a respiração compassada e não nos barulhos de flashes e vozes agitadas do lado de fora. Não quero que ela sinta essa agitação vinda de mim, mas as coisas estão fora do meu controle. Não sei quanto tempo se passa até que Dom fala: — Meninos, vocês podem me deixar conversar com a Fleur um a sós? Prometo que não vou demorar. Ai, Jesus!

Demoro um tempo para abrir os olhos e um pouco mais para soltar Josie, que não parece incomodada com o meu aperto. Ela olha para mim como se estivesse procurando alguma coisa errada e eu balanço a cabeça, porque não quero que ela pense que isso é culpa minha. Eu liguei para o Ethan, pedi para que ele falasse, então o que deu errado? — É o primeiro dia do ano, então fiquem tranquilos, tá legal? — Josie pede, se levantando, seguida de Alex. — Não estraguem tudo. Não é um bom momento, por isso preciso muito lutar contra um sorrisinho teimoso que quer me vencer. Uma menina de quatorze anos pedindo para que a gente não estrague as coisas, tão firme e decidida, não consigo evitar um orgulho gostoso perpassar por mim. Quando ela sai, desligo a TV. Me levanto, me aproximando do Dom com as mãos erguidas, mostrando que estou aqui em paz. Ele arqueia a sobrancelha e inclina a cabeça, mas não diz nada. — Dom, olha, você tem que me deixar explicar o que aconteceu. Não foi nada disso… — aponto para a TV para enfatizar. — Essa merda não era para ter explodido assim, me deixa explicar direito, não tira nenhuma decisão precipitada. — Tudo bem. Ah, mas eu ainda não estou pronta para desistir. — Não quero saber, você vai me escutar nem que eu precise te prender na cadeira, e… — paro de falar ao absorver o que ele disse. Então pisco, confusa. — Você acabou de concordar comigo? — Por que eu não concordaria? — é ele quem parece confuso agora, enfiando as mãos nos bolsos da bermuda florida. Ele fica muito bem nesse estilo também. Definitivamente. — Não sei. — balbucio, nervosa, porque estou mesmo meio impressionada.

— Sabe, foi tudo meio repentino. — Não tenho certeza se quatorze anos em "meio repentino". — ele abre um sorriso, mas não é daqueles calorosos, então fecha os olhos e balança a cabeça, fazendo uma careta. — Não vou conseguir manter a calma com esses caras lá fora. Podemos ir para o meu quarto? Concordo rapidamente com a cabeça e preciso segurar a bermuda pelo cós para impedir que ela caia enquanto procuro uma explicação para o que está acontecendo. Ethan não faria isso. Ele estava aliviado demais quando eu disse que iria recuar, e não mentiria para mim. Não tem como ter sido a minha mãe, tem? Ela preferiria morrer antes de manchar a reputação dos Duboc desse jeito. Lembro do amargor e da repulsa dela ao falar sobre a mãe biológica de Dom. Era quase parecido com o jeito que ela falava do próprio Dominic quando namorávamos. Tento me lembrar da conversa no hotel, procurando por algum indício de que isso tenha dedo dela, mas tudo está passando muito rápido pela minha cabeça e é difícil procurar alguma brecha quando Dom está tão perto, parecendo tão frustrado e puto. — Dom, tem algo que eu preciso te dizer. — começo, hesitante, porque a merda já explodiu. Não tem como esconder isso dele. Dom fecha a porta e se vira para mim, me olhando com estranheza. — Algo aconteceu ontem. — Não estou entendendo. Certo. Certo. Vamos do começo. Puxo-o para a cama, ignorando a relutância dele, então me sento ao seu lado. Eu tinha esperanças de deixar isso passar batido, mas não vai dar certo. — Ontem eu fui conversar com a minha mãe. Ela está aqui em Los Angeles e como tem tentado me encontrar desde que movi uma ação contra ela, achei

que fosse uma boa ideia acabar com isso logo. Eu ia expor toda a merda dela na virada, sabe, toda a bagunça, mas ela acabou descobrindo. Calo a boca, esperando que ele diga alguma coisa, mas isso não acontece. Seu maxilar enrijece, a postura fica aprumada e seus olhos passam de confusão para gelo puro. Oh-oh, nada de Dominic puto e explosivo. Surpreendentemente, estou começando a sentir falta dele. — Mostrei a ela o que eu já sabia para evitar aquele papo furado de “eu não sei do que estava falando”, porque não queria ficar perto dela por mais tempo que o necessário. Então ela me disse essas coisas que apareceram no noticiário. — Tudo? — ele perguntou, estreitando os olhos na minha direção. — Bom, pelo menos o que eu ouvi. — encolhi os ombros, porque a notícia já estava passando quando desci as escadas. — Sobre a sua mãe biológica, o caso dela com o meu pai, a morte dela… Ele soltou um suspiro pesado, esfregando o rosto com força. Peso as palavras da minha mãe, pensando em como vai ser se eu disser que Tessa o tinha reconhecido e usado isso para arrancar dinheiro dos meus pais, mas ele fala mais rápido: — Você tinha planos de me contar isso? — pergunta, sem fazer questão de esquecer a mágoa. — Que ia expor a sua mãe? Foi você quem fez isso? — aponta para o lado de fora, se referindo à exposição. — Era isso que eu não queria, Fleur. Mel me ligou e disse que já tem gente cancelando contratos. Merda. — Sinto muito, Dom, mas juro que não fui eu. — me encolho, porque não rola falar meias verdades logo agora. — Eu planejava fazer isso, mas recuei. E eu não ia expor a parte da sua mãe, claro. — me apresso quando seus olhos se estreitam. — Só os podres da minha família. Aí a minha mãe me falou da

sua… Não sei ao certo como falar sobre Tessa. Dom nunca quis falar muito sobre ela, sempre dizia ter poucas lembranças, mas nenhuma era boa. Ele parece estar muito desconfortável, esfregando as mãos e os ombros subindo e descendo rapidamente. — Você acha que a sua mãe não gostava de mim por causa da… da Tessa? — pergunta, olhando para as mãos, e entendo que ele não quer que eu diga que Tessa é sua mãe. Nem sua progenitora. E o melhor que posso fazer é respeitar isso. Não sei se ele percebeu que a mulher em questão sempre sabia quem ele era e que não o procurou, e torço muito para que ele esqueça essa parte. — Eu acho que isso tem peso, sim. — admito, derrotada. Não há como negar isso, no fim das contas. — Eles sabiam? — ele olha para mim, a expressão não me entregando absolutamente nada. É como uma tela em branco. Como ele fez isso? Diante do meu silêncio, ele continua: — Seus pais? Tessa? Sabiam que ela era a minha… eles sabiam? Claro que eu já deveria saber que ele não ia deixar isso passar ou deixar isso passar por nós. Assinto relutante com a cabeça, sentindo a minha coragem para verbalizar isso bater no fundo do poço e ficar por lá. Uma rejeição nunca é boa. Passei quatorze anos sentindo isso na pele, fazendo de tudo para ser o que os meus pais queriam e precisando esconder a frustração por nunca ser o suficiente. Mas, por mais que Dom não imagine Tessa como uma grande mulher, ela é a mãe dele. Ela o trouxe ao mundo. Não agiu como deveria, mas isso não torna a realidade mais agradável. Ele imita o meu gesto lentamente e consigo ver um feixe de tristeza passando

pelo seu rosto. Hesitante, pego a sua mão. Não sei se ele está chateado comigo, então preciso ir aos poucos. Quando ele não me rejeita e não parece desconfortável com o meu toque, me aproximo dele, envolvendo-o num abraço desajeitado. A verdade é que depois de tantos anos sem muito contato físico com pessoas mais próximas, isso se tornou um pouco esquisito para mim. Minha avó sempre foi muito amorosa, mas nunca foi muito de beijos e abraços, é mais como uma formalidade para ela. Ethan sempre foi o meu amigo mais próximo, mas também é meu chefe, então acabamos deixando esse tipo de contato de fora também. Então, quando ele nos deita, passando o braço pelos meus ombros me apertando com força contra ele, um misto de sentimentos me inunda, mas a sensação fantástica de conforto predomina, com certeza. O sexo entre nós sempre foi incrível e isso só tem melhorado, notei quando tivemos o repeteco na Noruega e todas as vezes que vieram depois disso. Mas, estou falando de ficarmos assim, quietinhos, fazendo absolutamente nada. Mais feliz ainda por ele ter me escutado e acreditado em mim. Pensando bem, não sei o motivo dessa surpresa. Sempre gostei de como Dom fazia eu me sentir acolhida mesmo sem dizer nada, só ficando ao meu lado. Sempre foi o suficiente. Suspiro, satisfeita por essa sensação gostosa ainda estar aqui e isso não ter mudado. — Não posso deixar a minha mãe impune, Dom. — falo baixinho, passando os dedos pelo seu peito coberto pela camisa. Não quero parar, mas, sinceramente, conheço a minha mãe. Ela não vai parar. E isso está me apavorando. Sinto o meu coração bater com mais força. — Não sou compassiva como você. Não faz parte de mim. Ele solta um suspiro pesado e pega a minha mão, dando um beijo demorado

na palma, o gesto carinhoso me aquecendo inteiramente por dentro. — Eu sei, Fleur. — fala baixinho. — Mas era justamente isso que eu queria evitar. Agora que a sua mãe viu isso, vai fazer de tudo para nos manter separados. — a mágoa que era tão familiar quando éramos mais novos, está presente novamente. Dom fingia que não se importava, mas eu sabia que ele se incomodava com o que os meus pais diziam. Eles eram muito duros, não importa o quanto eu tenha lutado para defendê-lo. Aperto-o com mais força, imaginando como ele se sente agora, em como ele se sentia anos atrás. As palavras de David anos atrás ecoam na minha cabeça. — Ele vai ficar melhor sem você. Se você o ama tanto como diz, deixe-o em paz. E alguns dias atrás. — Você acha que o seu pai iria parar? Realmente acha que Alger tinha algum limite? Ele te colocou para fora de casa sem pensar duas vezes, o que ele faria com Dominic? Ergo a cabeça, olhando para Dom. Minha mãe não vai parar, não é? Quero dizer, a gente já sabe que não se trata só de posições sociais. Meu pai pode ter sido quem, oficialmente, fez tudo, mas a minha mãe passou anos com ele. Participou. Quem me garante que ela não vai fazer nada com ele? Ai, meu Deus. — Não sei que tipo de piração está passando pela sua cabeça, mas é melhor parar, Fleur. — ele aperta os meus braços, franzindo o cenho. — Não vou deixar você ir embora por causa de um surto sem cabimento. Certo, preciso pensar com um pouquinho de racionalidade. Quais as chances de a minha mãe tentar fazer alguma coisa contra o Dom? Tá legal, ela disse

coisas bem ruins, mas… quais as chances? De verdade? Ela disse que só depende de mim, mas agora que essa coisa toda explodiu... Droga. Me remexo um pouco, tentando aliviar a dormência insistente no braço. Talvez eu precise ver um médico quando voltar para Nova Iorque. Já tem semanas que estou sentindo esse incômodo. — Dom… olha… acho que talvez a gente devesse… sei lá… dar um tempo? — me encolho a cada palavra, sentindo o coração ficar mais apertado. Ele se apoia nos cotovelos, o corpo enrijecendo, assim como a expressão. E a mágoa estampada em seus olhos. Droga, isso é ruim. E errado. Não, definitivamente, não está certo. — Não, olha, esquece, tá? Vou dar um jeito nisso. Sem chances de ficar sem Dominic agora que colocamos as cartas na mesa. Já flagrei Taylor sofrendo por esses caras dos livros que ela adora, porque eles precisam se abandonar antes de ficarem juntos, mas eu não consigo nem pensar na possibilidade de me separar dele mais uma vez. Não agora. Minha família já interferiu demais no meu relacionamento com ele, tanto que causou uma falta de comunicação monstruosa quando nos reencontramos. Não posso deixar isso acontecer de novo. Por outro lado... — Pelo amor de Deus, Fleur, fala comigo. — ele implora, nos sentando na cama confortável, e o silêncio fica insuportável, só me permitindo escutar o alvoroço no andar de baixo. — Acho que eu estou surtando. — admito, esfregando o rosto. — Que inferno, Dom, seus pais estão certos. Ele franze as sobrancelhas, enrugando o nariz, confusão estampada em seu rosto. Droga, não estou conseguindo ordenar os pensamentos. Quero ficar com Dom, mas o quero vivo. Não duvido que minha mãe seja capaz de tentar

algo do tipo contra ele. — Linda, estou perdido aqui. — ele segura as minhas mãos. — Fala comigo. Não me deixa no escuro de novo. — Seus pais estão certos, Dom. Minha mãe não vai parar. Olha o que fizeram com a gente esses anos todos. Minha mãe deixou claro que prefere a morte do que ver a família dela ligada a alguém como a sua… — hesito, mas não tem como adoçar isso. — A sua mãe. E isso tudo explodiu agora. Fico apavorada só de pensar em Dom tendo uma recaída por egoísmo meu. Ou até mesmo num caixão. Merda. Respiro fundo várias vezes, mas parece que respirar está ficando mais difícil. Não consigo puxar ar o suficiente e parece que enquanto imagens de Dom sorrindo e desaparecendo da minha visão, a roupa começa a me sufocar. Meu estômago parece que está se comprimindo e meu peito queima. — Fleur, Fleur! — ouço a voz de Dom ao longe, mas não sei bem onde ele está. Meu corpo treme e parece que vou derreter de tanto calor. — Porra! Josie, chama liga para o hospital. Chama a ambulância. Porra! Fleur, respira, linda. Amor, respira. Tento puxar o ar como ele pede, mas não consigo. Ouço vozes agitadas, mas não consigo entender o que estão falando, porque tudo um zumbido chato ecoa nos meus ouvidos e meus olhos ficam pesados. Tão pesados. A última coisa que vejo é Dominic, parecendo apavorado.

30 Dominic

nfarto.

I Infarto! Como alguém consegue ter uma porra de um infarto aos trinta e um anos de idade? Claro que a Fleur consegue. Claro que ela conseguiria uma proeza dessas. — Já tem muito tempo que a gente está aqui. Não vão deixar a gente entrar? — Josie pergunta, devorando a barra de chocolate. Alex disse que quando ela fica ansiosa, precisa de doce, então comprei algumas barras, porque ela estava tão assustada, que não conseguia parar de tremer. — A Mel já vem para cá e aí vocês vão para casa. — aperto seu ombro e ela balança a cabeça, me olhando incrédula. — Ficou maluco? Sem chances de eu deixar a minha mãe aqui, Dom. De onde você tirou essa piração? — Querida, não acho que a sua mãe queira que você a veja numa cama de hospital. — Dom, ela é a minha mãe. Agora que a gente está conseguindo ter uma relação legal, não vou deixá-la aqui. Contra isso não posso lutar. É visível que a relação das duas têm evoluído pra cacete. Não me parece mesmo justo pedir para Josie ir para casa. Fleur

provavelmente vai cortar a minha cabeça, mas depois eu me viro com ela. Ela não está em condições de reclamar agora. Quando o médico disse que Fleur infartou, não consegui acreditar. Ele disse que, aparentemente, não terão sequelas e que ela parece bem, mas que precisa descansar antes que isso se transforme em algo realmente ruim. Quando chegamos aqui, sua pressão estava muito alta, assim como seus batimentos cardíacos. E ela suava pra cacete. Nunca fiquei com tanto medo como naquele momento. Acho que nem há quatorze anos eu detestei tanto Eleonora Duboc. Nem preciso falar da comoção, certo? Tive que chamar um colega que trabalha na área da segurança para afastar aqueles sanguessugas que estavam na frente da minha casa e conseguir sair com a Fleur sem que eles conseguissem alguma foto. Ele também manteve alguns seguranças fora do hospital e pelos andares, apenas para o caso de alguma movimentação suspeita. — Certo, vocês ficam, mas precisam comer alguma coisa. — aponto com a cabeça para Alex, que está mais afastado, falando no celular com a irmã. — Já tem um bom tempo que estamos aqui, vocês podem comer em algum restaurante aqui perto. A comida do hospital é horrível. — Não estou com fome. — ela rebate, dando de ombros e dando uma generosa mordida do chocolate. — Querida, vocês não comeram nada que os sustente até agora. Eu estou aqui e não vou embora. — seguro sua mão que não está agarrada ao doce. — Não saio daqui e se deixarem a gente entrar no quarto antes de você voltar, eu aviso. Prometo. Ela estreita os olhos, desconfiada. — Prometo, Josie. Alex come pra caramba e já está roxo de fome. Você pode

trazer uma besteira para mim também, se não for pedir muito da minha filhinha. Ela dá uma amolecida, inclinando a cabeça e torcendo os lábios para tentar não sorrir. Josie é muito carinhosa. Vez ou outra ela me chama de “pai”, mas são poucas as vezes, e nunca pensei que ia me sentir tão absurdamente feliz por causa de uma palavra tão curta dirigida a mim. — Você promete que me liga se ela acordar? Promete, não promete? — insiste e eu já pego a carteira antes que ela mude de ideia. — O que você quer comer? — Qualquer coisa salgada, meu amor. — entrego algumas notas para ela, que franze o cenho. — Para que isso tudo? — Porque essa cidade é cara. — encolho os ombros. — Se empanturre e não se preocupe com a gente. Vamos ficar aqui. Tem um restaurante bem bacana no final da rua. Tomem cuidado e não falem com ninguém que não seja funcionário do restaurante, e só sobre a comida. Ela fica um ou dois segundos sentada, ainda parecendo indecisa, mas acaba se levantando, indo ao encontro do… namorado (meu Deus), que ainda está com o celular grudado na orelha. Josie diz algo para ele e logo os dois se afastam, Alex se despedindo meio desajeitado. Esfrego o rosto com força, tentando entender o que aconteceu. Fleur teve um infarto. Puta merda, a mulher teve um ataque do coração sendo tão nova. Isso me dá um vislumbre do estresse que ela tem tido nos últimos dias… meses… anos. Ela já tinha comentado que passou os últimos três anos sem férias, e pelo que Josie comentou, trabalhava pra cacete, dia e noite. E isso me leva ao chefe dela. Fleur disse que ele iria cancelar essa merda toda, então, o que aconteceu? Pesquiso o nome da empresa no Google,

salvando o contato deles. Se esse cara tiver armado essa... — Ei, Dom! — ouço a voz de Mel e ergo a cabeça, me levantando para abraçá-la. — O que é aquele tumulto lá fora? Que loucura é essa que não para de passar nos noticiários? O que a Fleur tem? Ela está bem? O médico falou alguma coisa? Como você está se sentindo com toda essa merda? — Hã… estou um pouco perdido, não entendi nada do que você falou. — me sento novamente, puxando-a para fazer o mesmo, então esfrego o rosto com força, tentando despertar. — Droga, a gente estava tão bem ontem. Eu estou ficando neurótico. Cada mulher parecida com a mãe dela que passa por aqui, já me deixa na defensiva. Neurose não chega nem perto do que estou sentindo. Cacete, qualquer mulher loira, com os cabelos batendo pouco abaixo dos ombros e o porte físico da ex-modelo, já me deixa imediatamente alerta. E, infelizmente, essas características são bem comuns aqui no hospital. Estou apavorado com a possibilidade de algo acontecer com Fleur, com Josie ou Alex. Comigo também, afinal, não é interessante descobrir sobre a mulher que me trouxe ao mundo por noticiário. Menos ainda saber que ela sabia quem eu era o tempo inteiro e nunca ter feito nada para se aproximar de mim. Merda, merda, merda! Mel estala os dedos na frente do meu rosto, atraindo a minha atenção para ela. Seu cenho está franzido, os olhos estreitos indicando que, obviamente, não está feliz. — Olha, não gostei de saber que você poderia ter morrido anos atrás por causa da família da Fleur, mas você precisa relaxar. Quer ser o próximo a infartar? Quando meus olhos começam a arder, deixo a cabeça pender contra a parede, tentando manter a compostura.

Deus, por que fizestes este filho ser uma ameba sentimental? Mas eu estou apavorado. Não consigo ver esse infarto com a naturalidade que o médico viu. Isso não é legal. Não sei o que estava passando pela cabeça dela na hora, mas a julgar pela sua expressão de horror… — Ah, Dom… — Mel me puxa para um abraço e eu juro que tento me manter firme e, como diria qualquer comercial masculino, ser homem. Obviamente, não adianta de nada. Meu coração está apertado, minha cabeça parece que estar prestes a explodir, meu estômago está embrulhado e minhas mãos estão tremendo. Não posso perder a Fleur. Passamos tanto tempo separados e agora que conseguimos nos entender… ela disse que me ama. Isso significa alguma coisa. Agora que consegui sacolejar aqueles muros, não posso perdê-la. Não posso. Josie não pode perder a mãe. Eu deveria agir como um pai de verdade e tratá-la com cuidado, mas fiquei tão apavorado que só pensei que Fleur precisava de um médico. Tem tanta coisa que eu preciso aprender sobre ser pai, que me pergunto se um dia vou ser o que Josephine precisa. — Dom, o doutor… — Mel sussurra e eu me levanto num salto, encarando o homem de jaleco, que está com um sorriso compassivo nos lábios. — Posso entrar? Ela está acordada? Estabilizada? Vai passar mal de novo? Quando posso levá-la para casa? — pergunto, tendo plena consciência de que estou parecendo um neurótico. — Fico feliz em ver que está mais calmo, Dominic. — ele brinca, mas sei que tem uma pontinha de verdade, já que, segundo ele, eu quase derrubei o hospital quando não me deixaram ver a minha garota. — Sim, Fleur está acordada e não para de chamar por você. Pode entrar, mas vamos evitar muitas emoções e comoções, sim? Se tudo correr bem, acredito que amanhã ela estará bem para ir para casa… com os devidos cuidados, é claro.

— Sem dúvidas. — passo as mãos pelos cabelos, nervoso. — Posso entrar? — peço, já pegando o celular para avisar a minha filha. — Claro, Dominic, ela vai ficar muito feliz em ver você. Voltarei mais tarde para ver como ela está. — abre um sorriso, dando um aperto em meu ombro antes de sair. Solto uma respiração aliviada, mandando uma mensagem para Josie e avisando que Fleur está bem e que pode voltar depois de comer tranquilamente. — Entra lá. Eu fico aqui fora esperando a Josie. — minha amiga me encoraja e dou um beijo rápido em sua bochecha antes de parar na frente da porta, ajeitando os cabelos da melhor forma possível para parecer um pouco mais apresentável. Umedeço os lábios e tomo uma respiração profunda antes de entrar no quarto, sentindo o corpo inteiro relaxar ao ouvir o bipe tranquilo e constante. Fleur está viva. Puta merda. Fleur está viva. — Você é uma visão e tanto daí, mas seria ainda melhor se você se aproximasse, sabe? — ouço a voz fraca da minha garota e não consigo abrir um sorriso. Faço o que ela pede, me sentando na cadeira ao lado da cama e segurando a mão com cuidado para não machucá-la. Fleur está pálida e parece tão frágil, que aperta o meu coração. — Você está horrível, Dom. Eu estou na merda, não você. Dou uma risada, mas sai tensa. A verdade é que ainda estou com medo. Fico olhando para ela, concentrando no som irritante do bipe apenas para era certeza de que ela está mesmo aqui. Ela abre um sorriso cúmplice, como se soubesse o que está passando pela minha cabeça. Beijo sua mão, agradecido por ela estar bem. Na medida do possível. — Dom, não chora, querido. — ela solta delicadamente a mão das minhas,

passando-a pelo meu rosto, enxugando as lágrimas que eu nem sabia que estavam escapando. Ah, pelo amor de Deus, cara. — Me perdoa, Fleur. — pego sua mão novamente, salpicando beijos molhados. — Me perdoa por ter te pressionado e por qualquer outra coisa que tenha feito isso acontecer. Puta merda, eu fiquei com tanto medo de te perder de novo. — engasgo, afundando o rosto na sua mão, tentando a todo custo controlar a respiração. — Eu prometo que vou cuidar de você e isso não vai acontecer. Os sintomas estavam na minha cara na últimas semanas e eu não percebi. Me perdoa. — Dom, eu estou bem. — ouço a sua voz abafada e sinto sua outra mão, a que está com a agulha, afundando em meus cabelos, fazendo uma carícia gostosa. — Foi só um susto. Estou bem. Isso não teria acontecido se não fosse pela Eleonora. Maldita Eleonora. — Você me assustou, porra. Não pode me culpar. — beijo a palma da sua mão. — Mas agora vou cuidar de você. Eu juro. — Eu estou bem. — repete, puxando os meus cabelos não tão suavemente para alguém que está hospitalizada e fraca, me obrigando a olhar para ela. — Já temos uma pessoa na merda, ursão, então respire. Pisco, atordoado enquanto ela se encolhe, o rosto e o pescoço ganhando uma coloração rubra. Escarlate. — Você me chamou de “ursão”. — falo lentamente enquanto ela parece se encolher ainda mais, o aperto em meu cabelo ficando mais firme a ponto de eu soltar um resmungo, tirando sua mão o mais delicadamente que consigo, com medo de quebrá-la se der algum aperto mais firme. Esse apelido foi a coisa mais nada a ver que apareceu no nosso namoro.

Nada a ver com o fato de ter entrado na moda roqueira e mantido os cabelos longos. Fleur foi uma guerreira por me achar bonito naquela época. Meu celular toca, e como não reconheço o número, decido ignorar. Temos Fleur Lefebvre ressuscitando o apelido que não sei de onde ela tirou, mas sempre foi dito com tanto carinho. — Escapou. — ela geme, massageando a têmpora. — Eu sei que você detestava, mas você tinha tanto cabelo, que não dava para parar. — Ainda soa mal. — faço uma careta, arrancando uma risada dela, que se remexe na cama, tentando se sentar. — Preciso de um favor, Dom. Quero que ligue para o Ethan e peça para ele colocar seguranças atrás de você também, e reforçar a segurança da Josephine. Eu não tenho o número dele de cor e acho que meu celular ficou na sua casa, mas pode pesquisar o nome da empresa no Google e ligar na empresa. Quem vai atender é o Brandon, secretário dele, aí é só dizer que está falando em meu nome e que quer falar diretamente com o Ethan. Só com o Ethan e mais ninguém, ouviu? O quê? — Você pode fazer isso por mim? — suplica, batendo os cílios. — Não posso fazer muita coisa aqui para resolver o que aconteceu, então preciso me virar com o que tenho. Quero seguranças na sua cola. — Eu sei que não sou a pessoa mais observadora do mundo, mas tem seguranças atrás de vocês? — Aqui em Los Angeles eu acredito que não, mas Ethan achou melhor colocar alguns por causa de um caso que estávamos cuidando. — Você confia nele? — pergunto, desconfiado, porque, convenhamos, não sabemos se foi ele quem armou isso.

— Não foi ele, Dom. — responde com tanta certeza, que quase me convence. — Eu trabalho com ele há muito tempo, tudo o que eu sou profissionalmente, foi com a ajuda dele. Torço os lábios, desgostoso. — Não tem outra pessoa? A gente não sabe até onde ele tem culpa, Fleur. — Se você não quer fazer isso, me dá o celular e eu faço. Confio no Ethan, Dom, e preciso que você confie em mim. Ah, porra. Abro a boca para contestar isso, mas isso só causaria estresse. Balanço a cabeça, decidindo adiar esse tópico. — Vou fazer o que você quiser. — não é exatamente uma verdade, mas é melhor do que nada. — Você é incrível, Fleur. E quase me matou de susto. — me levanto apenas o suficiente para aproximar nossos rostos, enchendo-a de beijos. — Se eu soubesse que ia ser esse carinho todo, teria infartado antes. — brinca e eu olho para ela, carrancudo. Fleur gargalha, acariciando o meu rosto. — Estou brincando, Dom. Não me leve tão a sério. — Não tem graça. — refuto. Ela passa o dedo pelo meu nariz. — A Josie franze o nariz desse jeito. É assustador. E quando ri, os olhos quase se fecham. Ela se parece muito com você e só agora eu tenho percebido isso. — suspira, mordendo o lábio. — Esse estresse não estava nos meus planos de tentar ser uma mãe melhor. — Linda, isso não tem nada a ver. Você estava pilhada, sua mãe foi uma pilantra. Mas ainda quero saber o que você estava pensando. Você parecia aterrorizada. — É a minha mãe, Dom. — ela suspira, balançando a cabeça. — Por isso

preciso que você reforce a segurança. Não sei o que ela pode fazer. Sinto o meu celular vibrar no bolso da bermuda e ignoro mais uma vez, apertando a mão de Fleur contra as minhas. — Como está a movimentação lá fora? — pergunta, se remexendo um pouco na cama. — Hum, dá para adivinhar, não é? Mas ninguém te viu saindo, fica tranquila. E já temos seguranças lá fora e aqui dentro. Tenho um amigo da área e ele cuidou disso. A porta se abre de súbito e eu me viro, vendo Josie e Alex entrando no quarto. Minha filha contorna a cama, ficando ao lado da mãe, com um sorriso trêmulo. Como eu imaginava, Fleur me encara como se quisesse minha cabeça numa bandeja de ouro. — Você me assustou, mãe. — abraça a mãe meio desajeitadamente e vejo Fleur fechando os olhos, amolecendo um pouco. — Nunca mais faça isso, está me ouvindo? Está proibida de me assustar desse jeito de novo. Preciso apertar os lábios para não rir, porque é uma loucura ver como Josephine se parece com a mãe quando fala assim, toda decidida, com o cenho franzido, segurando o choro. Josie tem muito de nós dois, isso é inegável. — Desculpa, coração. — Fleur apertou a nossa filha como se ela pudesse evaporar. — Isso não vai mais acontecer. — Então para de ficar trabalhando que nem uma louca. Promete. Fleur intercala o olhar entre nós três, procurando por ajuda. Como se algum de nós tivesse alguma oposição. Josie está sendo muito sensata. Meu celular vibra novamente e eu franzo o cenho. — Meninas, preciso fazer uma ligação, vocês podem me esperar um pouco?

— pergunto, pegando o celular e colocando-o no silencioso. Fleur me olha em expectativa, na certa achando que vou ligar para o chefe dela, mas é Josie quem diz: — Claro, Dom, aproveita para comer também. O Alex está com a sua comida. — abre um sorriso fraco, deitando ao lado da mãe, que envolve seus ombros com certa dificuldade, mas muito satisfeita na posição em que está. — Isso, Dominic, vá lá. — Fleur concorda, a mensagem implícita. “Ligue para o Ethan”. Olho novamente o número no visor enquanto saio do quarto, já me preparando para o caso de ser algum paparazzo ou, na pior das hipóteses, a própria Eleonora. — Dominic. — Dominic, graças a Deus, aqui é Ethan, chefe da Fleur. Se estiver perto dela, não diga que está falando comigo. Não quero deixá-la preocupada. Até tento relaxar, mas não consigo. O cara foi educado nas poucas vezes que nos encontramos, mas Fleur disse que ele iria cancelar tudo. Ela pode confiar nele, mas eu não. Não o conheço, não sei se ele é desses caras que fazem qualquer coisa para ter o que querem. — Ethan, eu ia mesmo te ligar. — digo secamente. Ele pigarreia e eu começo a caminhar até a lanchonete para comer. Estou morto de fome e o cheiro dessa marmita que Alex me entregou está acabando comigo. Ao contrário de Fleur, quando fico ansioso, a minha fome duplica. Triplica. — Encontrei a sua página nas redes sociais e peguei o seu número. Espero que não se incomode, mas vi os noticiários, sobre o que aconteceu. A Fleur está bem? O que aconteceu? — ele soa mesmo preocupado, mas isso não me convence.

— Ela teve um infarto, mas está estável. Ela tem estado sobrecarregada nos últimos anos, mas as últimas semanas foram... — malucas? Intensas? — A cereja do bolo. — ele dá uma risada, mas é uma daquelas nervosas, meio tensas. Estreito os olhos, diminuindo a velocidade na descida das escadas. — Dominic, preciso da sua ajuda. Se a intenção era me deixar ainda mais desconfiado sobre a sua honestidade, ele teve sucesso. — O que aconteceu? Ele não responde de imediato e eu paro de andar assim que chego ao térreo, sentindo cada parte do meu corpo retesar. Merda, tem algo ruim vindo. — Ethan… — minha voz sai num grunhido, mas não posso evitar. — O que está acontecendo? A Eleonora fez alguma coisa? — Não. Esse é o problema, Dominic. Eleonora não fez nada. Não foi ela quem expôs vocês desse jeito. Isso é um alívio. Exalo audivelmente, sentindo o corpo inteiro amolecer e fechando os olhos. Eleonora não fez nada disso. Cara, ela deve estar muito puta. — E quem foi? — pergunto, decidindo sondar a reação dele, voltando a caminhar. — A gente precisa fazer alguma coisa. A Fleur ficou na merda, Ethan, não vou deixar que isso se repita. Mais uma hesitação da parte dele e, mais uma vez, interrompo a caminhada, já sabendo o que vem a seguir. — Isso não costuma acontecer, você precisa saber, Dominic. Eu dar um passo errado, quero dizer. Não era para isso acontecer. Essa merda é culpa minha. Porra!

31 Fleur

— Q ue diabo de mulher teimosa!

Ignoro a voz de Dominic atrás de mim e olho para Josie, dando um beijo na ponta do seu nariz. Ela não parece muito feliz, mas confia em mim para fazer a coisa certa. Ou talvez só saiba que não vai conseguir me convencer. — Confie em mim, meu amor. E fique de olho no seu pai. Me esperem em casa. — Mãe, a gente acabou de voltar. Você precisa descansar. — Eu estou ótima, querida. Vê? — dou tapinhas nas minhas bochechas para ganharem cor. — Estou ótima. Agora, preciso arrumar essa bagunça. Ela abre a boca para refutar, mas decido dar fim a essa conversa com um abraço. Josie não demora a retribuir, mesmo que pareça contrariada. Eu estou tão animada quanto ela e Dom. Reencontrar a minha mãe? Em menos de uma semana, depois de quatorze anos? Com certeza eu iria preferir passar pelo processo de um parto normal de novo. Mas, eu não estou grávida, então preciso jogar com o que tenho. — Fleur, o Ethan já disse que iria cuidar disso. — Dom tenta, segurando as minhas mãos. Ele parece aflito demais, ansioso demais. Tudo bem, ele pode ter ficado um pouco assustado com essa história de infarto, mas não é para

tanto. Eu estou bem. O médico não teria me dado alta se eu não estivesse pronta para outra. E eu não estou interessada em outra. — Dom, eu estou legal. Sério. Vocês precisam confiar em mim. Eu não iria lá se não tivesse certeza que vai ficar tudo bem. — afirmo, apertando as mãos de Dom e intercalando o olhar entre ele e nossa filha. Josie torce o nariz e cruza os braços, não parecendo convencida do que eu acabei de dizer. Eu gostaria de confortá-los, mas isso só vai acontecer se eu ficar em casa. E isso resultaria em uma Fleur muito ansiosa, porque por mais que eu confie em Ethan, ele está cheio de coisas para fazer. Já basta o peso na consciência por ter sido descuidado, ele não precisa lidar com uma pessoa tão… Eleonora. A vantagem é que matamos dois coelhos numa cajadada: expomos a minha mãe, mesmo que não tenha sido intencionalmente (então agora posso processá-la e ter certeza de que ela vai ser punida, afinal, juiz nenhum vai querer passar a mão na cabeça de uma mulher que está sendo alvo de protestos em todo país), e ainda descobrimos quem invadiu o sistema da firma há algumas semanas. Como Ethan desconfiava, tinha sido Alexander, mas não pelos motivos que ele imaginava. Alexander e minha mãe são amantes. Ou foram, não sei. Meu pai não morreu de infarto; ele foi envenenado pela esposa e o amante, e subornaram o médico para alterar a autópsia. Parece que eu não era a única interessada em expor Eleonora Duboc, no fim das contas. Alexander se cansou dela. Mas, ela não é o tipo de mulher que aceita ser dispensada, e por isso ele invadiu o sistema da empresa; para procurar alguma informação, porque imaginava que eu também tentaria algo contra a minha mãe. E acertou, porque eu tinha digitalizado os documentos

que Ethan tinha tinha conseguido com a ajuda do seu detetive. Sempre achei mais prático lidar com tudo pelo computador do que ter um mundo de papéis, mas há um motivo para termos esse mundo de papéis. Os riscos são infinitamente menores. Então, no fim das contas, a culpa foi minha. Mas, Ethan não parece estar acreditando muito nisso. Naquela cabeça maluca, ele tinha sido descuidado por ter se envolvido com Irina, mas se não fosse por isso, ainda estaríamos às cegas. Alexander já está respondendo criminalmente pelo assassinato do meu pai, assim como o médico. Irina, surpreendentemente, está cooperando. Tenho uma suspeita de que Ethan tenha algo a ver com isso. Dou um beijo rápido em Dom, mantendo os nossos rostos perto. Ainda é um pouco estranho estar tão próxima dele… não por ser ele, mas por eu estar me permitindo ter esse tipo de contato, mas a sensação de familiaridade acaba vencendo e quando vou ver, já estou em cima dele. — Preciso que você confie em mim, Dom. Eu preciso resolver isso. — falo baixinho, praticamente suplicando. Experimento fazer o mesmo beicinho de Josie e piscar muito, torcendo para estar lançando o meu melhor olhar inocente, fazendo-o estreitar os olhos. — Não acredito que você acha que fazer essa cara de cachorro que caiu da mudança vai funcionar depois de tanto tempo. Aumento o beicinho, inclinando a cabeça. Os lábios de Dom, tremulam enquanto solta uma respiração profunda. — Tá legal, Fleur. — resmunga, resignado e eu solto um gritinho nada a ver comigo, sufocando-o num abraço. — Mas não demora. Me liga assim que terminar para eu saber que você está bem. — Obrigada, obrigada, obrigada. — dou mais um beijo rápido nele,

agarrando a bolsa no sofá. — Não vou demorar, prometo. Dou um beijo na minha filha e saio praticamente correndo apenas para garantir que já vou estar longe caso eles mudem de ideia e decidam continuar reclamando. Eu sei que uma “reunião” com a minha mãe pouco tempo depois de um infarto não é o que eles tinham em mente. Não é o que eu tinha também, mas quero cuidar disso e enterrar esse assunto de uma vez. Ouvi Mel e Dom conversando e eles tiveram muitos trabalhos cancelados por causa disso. Minha família já estragou demais a vida dele, não posso permitir que isso continue acontecendo. Não descobri sobre o Ethan por livre e espontânea vontade do Dom em me contar, mas ele nunca foi um homem de guardar segredos, e acabou soltando que Ethan tinha ligado para ele, não o contrário. Depois disso, ficou apavorado e amaldiçoando a incapacidade de controlar a língua. Eu, por outro lado, adorei, porque já sabia o que precisava fazer. A minha mãe deve estar possessa. Não fiquei surpresa quando, no dia seguinte, todas as notícias tinham sido abafadas, como se nada tivesse acontecido. A sorte é que, atualmente, as notícias são salvas com mais facilidade, e fiquei comovida ao ver os protestos pelo país, nos apoiando. Só quero que ela fique longe do Dom. E da minha filha. Passei os últimos anos remoendo a raiva dela, por não agir como mãe e não querer saber da Josie, mas olhando as coisas que ela foi capaz de fazer para me manter longe do Dom, cheguei à conclusão de que foi melhor assim. Não quero Josie perto dela, da energia ruim, do remorso e do amor à mídia. Não quero isso. Quero que a minha filha tenha uma vida normal, com pessoas que a amam. E a minha mãe não se encaixa nisso. O movimento no décimo segundo andar parece elegantemente caótico.

Mesmo que a advocacia sempre esteja com muita gente andando de um lado para o outro, nunca é o suficiente para parecer que o espaço é abarrotado e que não suporta a quantidade de funcionários e clientes. Adoro essa firma. É algo quase emocional. Foi aqui que tive o meu primeiro caso e que aprendi tanto, tudo o que a faculdade não ensina. Por mais que eu não tenha permitido fazer amizades além do Ethan (depois de muita insistência da parte dele) para não misturar as coisas, esse lugar é a minha segunda casa. Talvez um pouco menos agora, que tem uma Ava seríssima se aproximando. — Fleur. O que está acontecendo? Por que a sua mãe quer nos processar e o Ethan não me diz nada? — é o seu cumprimento, me fazendo parar no meio do escritório. Ela acabou de voltar das férias. Não devia estar mais feliz? — É por isso que estou aqui, Ava. — Eu saio por um mês e isso acontece? Que droga, Fleur, o que aconteceu? Ela é sua chefe. Cale a boca. Ela é sua chefe. — Ava, eu vou resolver isso. Se me der licença… — faço menção de passar por ela, mas seu corpo logo se enfia na minha frente mais uma vez. Pelo amor de Deus! — Resolva isso ou nem precisa voltar amanhã. Controle a língua. Ela é a sua chefe. Paga o salário que banca o seu carro, o aluguel e o colégio da sua filha. Bico fechado. — Estou tentando, Ava, mas com você me interrompendo, fica difícil fazer alguma coisa. Ah, droga, olha a demissão chegando. Antes que eu acabe falando mais alguma besteira, sigo até a sala de reuniões,

enxergando três pessoas através das paredes de vidro. Ignoro a raiva e o remorso, aprumando a postura. Sem chances de ceder. Ethan é o primeiro a me ver, parecendo assombrado com a minha presença. Reconheço as costas da minha mãe e do advogado da família, Gabriel. Umedeço os lábios enquanto faço o meu caminho para dentro da sala. Os homens mantém os olhos em mim, minha mãe continua sentada rigidamente, os olhos gélidos me deixando tremendamente desconfortável. Nem uma pontinha de preocupação pela filha que parou no hospital. Que inferno! — Fleur, pensei que você precisava ficar de repouso. — Ethan se levanta, me analisando com preocupação, nas entrelinhas está perguntando “que porra você está fazendo? Eu estou te representando, sem noção!”. — Acredito que a minha mãe queira resolver isso diretamente comigo. — me sento calmamente, muito grata ao Ethan por ter me treinado tão bem. — Não é, mãe? Ethan se senta ao meu lado, e consigo sentir o seu olhar em mim. Certamente ele está querendo o meu pescoço numa bandeja por não estar cumprindo a minha parte do plano, que consistia em ficar quieta em casa, enquanto ele resolvia tudo. Meu chefe tem uma mania horrível de querer salvar o mundo, mesmo quando ele está prestes a entrar em colapso. Se eu não tiro férias há três anos, ele ainda consegue me superar, já que quando não está na advocacia, está na sede da Carter Enterprises, em Jersey. — Nos deixem a sós. — peço ao não receber uma resposta dela, que se limita a arquear a sobrancelha bem desenhada. — Por favor. Ninguém se mexe. O advogado da minha mãe se recosta na cadeira, estreitando os olhos na minha direção. Cruzo os pernas, imitando a sua expressão. Conheço o tipo do cara; ele se acha melhor, acha que está lidando

com uma novata, que o fato de ele ter de experiência profissional o que eu tenho de idade o torna melhor do que eu. Não comigo. — Incluindo você, senhor Grant. — olho diretamente para o advogado, com o ar despretensioso. — Minha cliente não tem nada para tratar com você. — me corta, sério. — Vamos processar essa empresa por danos morais. A minha cliente foi seriamente afetada por você e a sua… impulsividade. Não é a primeira vez que você a coloca em maus lençóis, Fleur. — Senhor Grant, aqui não conheço o senhor. Queira se retirar e me deixar falar sozinha com a minha mãe, afinal, tenho certeza que ela vai querer saber o que eu tenho aqui. — tiro uma pasta da bolsa, deixando-a sobre a mesa, olhando de forma conspiratória para a minha mãe. Não vou deixá-la estragar a vida do Dom. Não mais do que já estragou. Ela olha para a pasta e para mim. Tenho certeza que Ethan está quase morrendo não só por eu estar aqui, mas por ter tomado o seu lugar, achando que vou infartar de novo. Quando nos falamos ontem, ele estava saindo de um julgamento, mas ainda tem dois casos urgentes para cuidar, fora o meu. Então, a própria Taylor me procurou para dizer que já tinha tudo pronto. Nem precisei fazer muita coisa, só revisar o que ela tinha e corrigir algumas coisas. Ela já tinha feito grande parte do trabalho. Ethan iria cuidar disso, mas eu quero ver a reação da minha mãe. Quero que ela ouça de mim. Mantenho os olhos fixos no rosto dela, mostrando que eu posso cair, ela pode me processar, processar a empresa e fazer o que quiser, mas ela vai ser a maior afetada. Alguma coisa deve convencê-la disso, porque ela coloca as mãos no colo, erguendo o queixo.

— Deixem-nos sozinhas. Leva muito de mim para não abrir um sorriso satisfeito. — Eleonora, não acho que seja uma boa… — Está surdo? — minha mãe corta rispidamente o seu advogado, me olhando como se pudesse cortar a minha cabeça. — Saiam daqui. Agora! Gabriel é o primeiro a obedecer, ainda que a contragosto, me olhando tão amigavelmente quanto a minha mãe. Ethan não se levanta. Olho para ele, que parece relutante em me deixar sozinha com ela. Ele balança a cabeça sutilmente, me perguntando silenciosamente o que está acontecendo. Dou-lhe um curto aceno de cabeça para mostrar que tenho tudo sob controle. Eu espero mesmo ter tudo sob controle. É fácil lidar com pessoas que eu não conheço, mas a minha mãe sempre conseguiu mexer comigo. Ethan se levanta levanta lentamente, intercalando o olhar entre minha mãe e eu. Droga, não posso culpá-lo por estar tão preocupado. Minha mãe é mesmo a última pessoa que eu gostaria de ficar perto, mas estou otimista. Não cantando vitória antes da hora, mas confiante de que posso ganhar. Quando estamos só nós, minha mãe arqueia a sobrancelha, me olhando com tanto desdém que tenho vontade de me encolher. É exatamente esse tipo de mãe que não quero ser. Mesmo que eu soubesse que essa seria a reação dela, ainda dói. Quero dizer, ela é minha mãe. Deveria ficar pelo menos um pouquinho preocupada comigo, não é? — Que merda é essa? — aponta com o queixo para a pasta que coloquei na mesa. — Você é realmente inacreditável. — esfrego a testa, dando uma risada fraca, quase incrédula. — Achou mesmo que eu nunca descobriria? — Do que é que você está falando, Fleur? — cospe, franzindo o cenho.

Deslizo a pasta pela mesa. Quase nada, apenas o suficiente para que ela consiga pegar caso se curve sobre a mesa. E é o que ela faz, depois de relutar por um bom tempo. Preciso me concentrar para controlar as batidas do coração e engolir a decepção de saber que eu saí dessa mulher. — Que merda é essa? — pergunta novamente, furiosa, lendo o documento. — Parece que você não confiou na pessoa certa. Não fui eu quem expôs as suas merdas, mesmo que isso estivesse nos meus planos. Ela estreita os olhos na minha direção, voltando a ler em seguida. — Eu devia ter desconfiado quando o sistema foi invadido e as suspeitas recaíram logo em Alexander. O cara era amigo do meu pai, eles trabalharam juntos. Até que você começou a se envolver com ele e as coisas começaram a complicar, não foi? Afinal, meu pai estava desconfiado, e ele podia te trair, mas você tinha que ser fiel. Ela olha para mim, tão irada que até começo a pensar que vai partir para cima de mim a qualquer instante. — Esses papéis não provam nada. É a sua palavra contra a minha. — se apruma na cadeira, endurecendo a expressão. — Você forjou isso. Não fiz nada. — Não estou gravando, pode ficar tranquila. — encolho os ombros, abrindo um sorriso frio. — Sempre soube que o meu pai tinha sido infiel, e sempre me perguntei o motivo de você aguentar isso, já que imaginava que era fiel. Mas você não foi. E se apaixonou por Alexander. Queria ficar com ele, então, vocês conspiraram para matar o meu pai. O seu marido. — Alger morreu de infarto. — Já encontrei o médico que fez essa… esse absurdo de adulterar a autópsia e ele já foi detido. Confessou a troco de uma pena menor. Alexander, infelizmente, vai responder em liberdade, já que tem dinheiro. Mas não foi

infarto. Foi envenenamento. Cianeto, não é? — pergunto, engolindo o bolo que se forma na minha garganta e ela vacila. Muito pouco e muito rápido, mas eu percebi, então decido continuar. — Primeiro mataram o meu pai e alguns meses depois mataram a esposa do Alexander. O plano era vocês ficarem juntos, mas aí ele conheceu a Irina. Uma mulher atraente e muito mais jovem que você. Preciso forçar o meu sorriso sarcástico, o gesto me dando a sensação de queimação. Minha mãe solta um resmungo gutural que ela nunca soltaria em qualquer outro momento. Eleonora Duboc se considera muito fina para resmungos. — Então ele não te escolheu para ser a esposa dele, mas vocês continuaram sendo amantes. — balanço a cabeça, desgostosa. Nunca fiquei tão grata por Ethan se envolver com uma cliente. — Nunca se tratou da infidelidade do meu pai. Sempre foi o ego de vocês, a necessidade de estarem no topo, e meu pai estava começando a manchar a sua reputação com as traições indiscretas. — Você não pode provar. — Ah, mãe, eu posso. — inclino a cabeça, me recostando na cadeira. — Isso que está nas suas mãos é só uma amostra do que já está nas mãos do juiz. As conversas estão gravadas. Irina nos ajudou e Alexander confessou tudo. Existem provas do caso de vocês dois. Existem provas de tudo o que você fez com o pai da minha filha, e eu juro por Deus que você vai pagar muito caro por tudo o que fez a gente passar. Vou fazer de tudo para você não responder em liberdade e apodrecer na cadeia. — me levanto da cadeira, apoiando as mãos na mesa. — Você é a pessoa mais fria e podre que eu já conheci, e é uma bênção que a minha filha não saiba da sua existência. Nem assim ela recua. Inacreditável. Nem assim ela demonstra uma mínima parcela de culpa ou remorso. Eu acabei de dizer que descobri que ela matou o

próprio marido e a sua reação é empinar o queixo e me olhar com a mesma frieza de sempre. E eu sou tão, tão grata ao Dom por não ter desistido da minha casca grossa, porque não consigo pensar que um dia eu poderia ser remotamente parecida com a minha mãe. Tão fria e insensível que acabaria afastando todo mundo. Graças aos céus não me dei conta tarde demais que estava estragando a relação com a minha filha. O meu maior tesouro. Preciso conter o estremecimento. Tenho que sair daqui ou vou acabar surtando de vez. Já dei o meu recado. Já fiz o que precisava fazer. Eu. Fleur. Não Ethan, não Ava, não Taylor. Eu. Deixando toda a minha força dentro da sala, encontro Ethan no corredor, andando de um lado para o outro, com os braços cruzados e vem na minha direção assim que me vê. Gabriel entra na sala, passando como um furacão por nós, esbarrando propositalmente em mim. — Como você está? Por que fez isso? Eu pedi para você ficar em casa, Fleur. Você precisa descansar, cacete. Qual é o seu problema? — Eu preciso… preciso voltar para casa. A Josie e o Dom estão me esperando. — falo no automático, sendo barrada assim que tento passar por ele. — Você não está legal. Me dá a chave. Vou te levar para casa. Olho para Ethan, que está com o cenho franzido, parecendo muito preocupado. Não basta ter uma família problemática. Claro que não. Eu precisava ter uma mãe assassina. Era o que faltava para completar a lista de esquisitices dos Duboc. Meu chefe resmunga alguma coisa, mas não consigo escutá-lo. Parece que meus ouvidos estão submersos, como se eu estivesse dentro da água. Então

ele começa a me guiar; pelo corredor, até o elevador, para fora do prédio. Pega a minha bolsa e continua andando comigo, me levando até o carro. Ethan abre a porta do lado passageiro, delicadamente me fazendo sentar, e logo está ao meu lado. Não diz nada, como se sentisse que só agora caiu a minha ficha. Puta merda. Minha mãe... Cacete. Ai, meu Deus! Ela poderia ter feito o mesmo com o Dom. — Fleur, você precisa respirar. Não estou brincando, se você infartar de novo, pode ser pior dessa vez. — sinto a mão quente de Ethan cobrir a minha. — Merda. Fleur, respira. Se concentra em respirar. Isso. Eu só preciso respirar. Minha mãe poderia, mas Dom está vivo. Está vivo e bem, esperando por mim. Ele e Josie estão esperando por mim. Tá legal, eu posso fazer isso. Claro que eu posso fazer isso. Fecho os olhos, imaginando como Dom vai estar quando eu chegar em casa. Provavelmente vai estar sentado no sofá, no único lugar que costuma sentar, e vai se levantar assim que perceber que cheguei, me enchendo de beijos. É… ele está bem. Garota, ele está bem. Está aqui com você. Respira, porra. — Isso. — a mão do meu chefe aperta a minha, me encorajando a continuar. Não sei quanto tempo leva até que ele estaciona na frente do prédio onde eu moro, saindo do carro e me ajudando a fazer o mesmo. Me ajudando, também, a fazer todo o caminho até o meu apartamento. Mas não acontece o que eu tinha imaginado no carro, porque Dom abre a porta de casa assim que eu saio do elevador, me olhando com tanta

preocupação, que parece me acertar no estômago. O choro que eu estava conseguindo segurar muito bem até agora, me faz soltar um soluço, mas consigo me controlar. Por ora. — Fleur… — me chama, se aproximando rapidamente. Olha para o meu chefe, confuso. — Preciso ir. Só vim deixar a Fleur porque ela estava um pouco nervosa. — beija o alto da minha cabeça. — Acabou, Fleur. Tudo vai ficar bem agora. Encontro as íris azuladas do meu chefe e ele sorri, se despedindo mais uma vez antes de sumir novamente. — Fleur, o que aconteceu? Você está mais pálida do que já é. O que a sua mãe fez? Eu disse que não era uma boa ideia. Onde ela está hospedada? Ela precisa ouvir algumas coisas que estão entaladas na minha garganta. Não contei ao Dom o que Ethan e seu detetive descobriram porque, no fundo, queria que isso fosse um engano. Que eles estivessem exagerando. Minha mãe não podia ser uma… Pisco, sentindo as lágrimas se prenderem em meus cílios. A expressão de Dom suaviza enquanto ele me puxa para um abraço. Droga, por que ele tem que fazer essas coisas? Escondo o rosto na curva de seu pescoço e o agarro com força, não conseguindo conter o choro. Tenho plena consciência de que estou empapando sua camiseta favorita do AC/DC, mas Dom só me aperta ainda mais contra si, afagando minhas costas enquanto eu libero o pavor do que poderia ter acontecido. Preciso de muito tempo para conseguir me recompor, e mesmo depois de parar de tremer e os soluços se transformarem em lágrimas silenciosas, seus braços ainda me apertam, seguros. Graças a Deus só moro eu nesse andar. Odiaria que mais alguém me visse

nesse estado. Aliás… — Cadê a Josie? — consigo balbuciar, fazendo uma careta ao perceber que a minha voz está trêmula. — No quarto-da-pintura com a Taylor. Está concentrada em terminar o esboço do Alex. Você sabia que ela é formada em Belas Artes? Concordo com a cabeça, porque eu me lembro desse detalhe no currículo dela, mesmo que nunca tenha me perguntado o motivo de ela ter ido para um curso tão diferente depois. — O que aconteceu, Fleur? Mordo o lábio, balançando a cabeça. Distribuo beijos demorados pelo seu rosto e pescoço, apenas para ter a certeza que ele está mesmo aqui, sorrindo ao senti-lo me apertar mais contra si, a expressão preocupada não abandonando o seu rosto. — Acabou, Dom. Acabou.

32 Fleur

para Dom, que está suando demais. Francamente, eu deveria estar O lho nervosa aqui, afinal, foi a minha irmã quem transou com o marido da Paige. Só de lembrar, meu estômago já embrulha. Seguro a mão de Dom, atraindo o seu olhar. Ele parece chateado. Furioso, talvez. Também não sabia do caso da minha irmã e Jus, e ficou transtornado com os dois. Especialmente com Jus. Os dois conversaram há alguns dias e parece que não foi bonito. Dom não quis entrar em detalhes, mas se tem uma coisa que eu adoro nele, é a expressividade. E a expressividade dele ao falar de Jus era quase agressiva. Maxilar trincado, olhos estreitos, respiração pesada, nariz enrugado. Infelizmente, isso não o deixou menos sexy, e respeitei a sua decisão de manter a conversa para si, afinal, ele era a amigo da Paige antes de conhecer Justin. E, Justin está todo errado nessa história. Não tenho tempo para abrir a boca para tentar consolá-lo, porque as portas do elevador se abrem. Ele puxa uma respiração profunda antes de sairmos da caixa metálica, me guiando até o apartamento da nossa amiga. Particularmente, eu não queria estar aqui. Não por não gostar de Paige. Ao contrário, eu adoro aquela mulher

e é justamente por isso que eu queria ficar longe. Convenhamos, a minha irmã transou com o marido dela. Engravidou dele. Eu não devo ser a sua pessoa favorita no momento. Mas aqui estou eu. Por muita insistência do Dom. Muita. Não sei como me deixei convencer. — Ela também vai querer te ver, petite folie. — garante, dando um beijo demorado no dorso da minha mão. — Confie em mim. Dou uma risada nervosa, porque eu confio em Dom. Claro que confio. O problema é essa situação maluca que ele está me enfiando. Ele não espera a minha resposta, porque me puxa para dentro do apartamento, já que a porta não está trancada. O cheiro de massa me acerta em cheio, e o estômago de Dominic rosna, como se ele não tivesse devorado mais da metade do bolo gelado que Taylor levou para nós. — Na cozinha. — Paige grita e eu olho para Dom, pensando numa desculpa para dar o fora. Estou zero à vontade em estar aqui, nem mesmo o olhar encorajador do homem ao meu lado está ajudando. — Dom, é melhor eu esperar lá fora. — suplico aos sussurros, tentando me soltar, mas Dom balança a cabeça, me segurando com força. — Ela sabe que você está aqui, Fleur. Nada de amarelar agora. Olho para ele, tentando encontrar qualquer indício de que esteja me enganando, mas, infelizmente, só vejo verdade. Merda. Como é que eu vou encarar a Paige? A situação é tão surreal que nem sei direito o que pensar. É constrangedor. Eu apresentei Paige a Jus. Eu apoiei os dois e sempre torci para que eles ficassem juntos. De certa forma, me sinto responsável por isso. Eu sabia que ainda tinha alguma faísca entre Delph e

Jus, mas pensei que eles não chegariam a tanto. Que tinha acabado com o tempo. Dom interpreta o meu silêncio como uma concordância, e sai me puxando até a cozinha. O cheiro fica ainda mais forte e entramos a tempo de ver Paige tirando uma travessa do forno. Dom tenta me puxar mais um pouco, mas meus pés criam raízes no chão e aperto a sua mão, impedindo-o de continuar andando. Ele parece, enfim, entender o que eu estou passando, porque envolve protetoramente os meus ombros com o braço, ficando um pouco à minha frente. Analiso Paige, e ela parece bem abatida; as roupas largas são o oposto do que ela costuma costuma vestir, os cabelos, lisos novamente, estão num coque alto, mas vários fios estão soltos, a pele está meio pálida e os olhos não têm aquele brilho tão habitual. Seu rosto está mais fino e marcas escuras estão debaixo dos seus olhos. Me encolho e Dom me aperta mais contra si, dando um beijo no alto da minha cabeça, sussurrando alguma coisa que não consigo entender. Paige tira os olhos da travessa e olha para nós. Tenta forçar um sorriso, mas sai mais como uma careta e a culpa parece me engolir. — Oi, Fleur, que bom que você conseguiu vir. Fiquei com medo de o Dom não conseguir te convencer. — fala baixinho. — Fiz lasanha para nós. Aceitam vinho? Cerveja? Dom, comprei aquele suco que você pediu. — Ótimo. — Dom parece ansioso enquanto nos guia até a pequena mesa. Olho ao redor, tentando procurar alguma coisa que ligue ao Jus, mas não vejo nada. Delph tinha comentado que os dois morariam em Nova Iorque, mas não sei se essa é a casa. Não consigo nem fingir que estou confortável. Desde que Dom me convenceu a vir para cá, estou tentando trabalhar a minha fachada calma e

serena, mas tenho certeza que parece que só estou esperando o momento certo para escapar. Começamos a comer. Dom começa a comer como se não houvesse amanhã, Paige parece estar fazendo um esforço para se alimentar e eu tenho a sensação de que se colocar um pouquinho de comida na boca, vai voltar no mesmo instante. É uma pena, porque o cheiro está delicioso. Não há muita conversa, mas os dois estão se esforçando para manter o clima leve e eu descubro que Paige está trabalhando num consultório não muito longe do escritório e que está morando sozinha. — Pedi o divórcio. — ela começa e eu enrijeço, arregalando os olhos. Eu não deveria estar tão surpresa por isso. — Saí do nosso apartamento. Não conseguia ficar lá. Vou passar um tempo em Fairbanks. Sabe... para espairecer. Acho que preciso de um pouco de colo de mãe. — ela encolhe os ombros e umedece os lábios, fechando os olhos com força. Olho para Dom, em pânico, ele me olha de volta, fazendo um gesto para a minha amiga com a cabeça, quase dizendo “não olhe para mim. Se vira”. Sem pensar muito, me sento na cadeira ao lado de Paige e a envolvo num abraço desajeitado. Ela estremece um pouco e respira fundo, como se estivesse se contendo para não acabar desmoronando. Conheço bem o sentimento. — Paige, eu sinto muito. Não fazia ideia do que estava havendo entre eles. Se eu soubesse, teria feito alguma coisa. — tarde demais, sinto o tremor de seu corpo e vejo que ela está chorando. Calo a boca, me limitando a acariciá-la, tentando mostrar que ela não está sozinha enquanto preciso lutar contra o meu próprio choro. Ainda estou tão decepcionada com a minha irmã, que é como se eu estivesse submersa no fundo de um oceano, sem perspectiva de conseguir ser salva. E aconteceu

tudo de uma vez: minha avó e Delph foram a única família que eu tive todo esse tempo, e ter consciência de que elas poderiam ter evitado isso todo esse tempo, é frustrante, humilhante e absolutamente doloroso. Parece que eu não as conheço. E a ideia é assustadora. — Eu ia te procurar antes. — ela balbucia, me olhando com os olhos lacrimejados e eu mordo as bochechas, me perguntando onde foi que eu coloquei a minha capacidade de me controlar emocionalmente. — Mas estava tão puta com toda essa situação, que acabaria descontando em você. E você não tem nada a ver com isso, Fleur. Se eu ainda te conheço, você deve estar tomando a culpa do Jus e da sua irmã para você, mas a culpa não é sua. — Eu não faço isso. — resmungo, me encolhendo. — Ah, você faz sim. — Dom se intromete e eu tento transformá-lo em pó com o olhar. Ele não parece notar, ou me ignora com sucesso. — Ela está se sentindo culpada por tudo, Paige. Por ser irmã da Delph, por ter apresentado você ao Jus… tudo. — Dedo-duro. — contenho a vontade de cruzar os braços como se tivesse a idade da Josie e ele me lança um falso sorrisinho de desculpas. — Por isso eu pedi para você vir. — Paige atrai a minha atenção, segurando a minha mão por cima da mesa. Ela ainda parece querer chorar, mas assumiu uma postura mais rígida. — Você não tem culpa do caráter deles, amiga. Você sempre teve a melhor das intenções. Eles têm culpa, não você. Eu até poderia tentar perdoar a sua irmã se fosse uma… um… uma recaída, afinal, era com Jus que eu tinha um compromisso, mas eles se encontraram por todo esse tempo e eu nunca fui uma pessoa muito condolente. Não posso perdoála. Ai, meu Deus, ela está se desculpando por não conseguir perdoar a minha irmã?

— Paige, você não tem que se desculpar por nada. — garanto, apertando a sua mão. — Você é a maior vítima dessa história. — A doutora Baldwin também me disse isso. — ela se encolhe, constrangida. — Eu ouvi falar que a sua firma é a melhor de Nova Iorque e uma das melhores do país. Espero que não se incomode por eu não ter procurado você. — Claro que não. Eu não sou da área familiar, embora abrisse uma exceção para você. A Ava é foda, você vai ver. — É, eu imagino que sim. — me dá um sorriso triste e meu coração aperta, mas antes que eu possa fazer algo a respeito, ela sacode o corpo, intercalando o olhar entre Dom e eu. — Estou tão feliz por ver que vocês estão juntos de novo. O Dom me disse o que aconteceu e eu preciso me desculpar, porque te julguei muito quando a Norah e o David disseram que você tinha ido embora por não poder lidar com mais uma recaída dele. Eu poderia ter feito alguma coisa, ido atrás de você, mas não consegui te encontrar e o David parecia muito convincente ao dizer que você tinha percebido que não poderia lidar com o vício do Dom. Me remexo desconfortável na cadeira. Esse assunto ainda é delicado para o homem à minha frente, mas ele ainda consegue abrir um sorriso incrível, que faz o meu estômago se retorcer. — Essa história é uma bagunça, Paige. Ainda estamos digerindo. — explica, me lançando um olhar cúmplice. Paige balança a cabeça, entendendo o recado. — Me desculpem. De verdade. No fundo, eu sabia que tinha alguma coisa errada, mas fiquei tão assustada quando vi o Dom na clínica, que fiquei cega de raiva com você, Fleur. Achei que você não amava Dom o suficiente e decidi que seguiria em frente. Solto um suspiro cansado, me recostando na cadeira. Sim, muitas coisas

poderiam ter sido feitas para evitarmos todo esse desentendimento. — Eu estava assustada, Paige. Até pensei em te procurar, mas achava que tinha sido traída e você era a melhor amiga do Dom. Não queria encarar nada e ninguém que tivesse ligação com ele. Estava magoada, furiosa. E depois que fui expulsa de casa, as coisas saíram do meu controle. Paige balança a cabeça, compreensiva. E eu entendo o lado dela. Nós éramos jovens, é tudo mais intenso nessa fase, dificilmente agimos racionalmente diante de certos acontecimentos. Ela sacode o corpo, batendo palminhas, mudando de assunto para deixar o clima mais leve: — Não acredito que vocês estão mesmo juntos. — abre um sorriso mais verdadeiro, um lampejo de admiração perpassando o seu olhar. — E então, quem vai se mudar? O quê? — Perdão? — Vocês vão manter um relacionamento à distância? — ela torce o nariz, travando o olhar em mim. — Depois de todo esse tempo separados? Olho para Dom, chocada. Merda, com ele sempre por perto, não parei para pensar muito nisso. Dom tem uma capacidade esquisita de me fazer desligar de coisas importantes. Coisas importantes como: o que acontece agora? Relacionamento à distância não está nos meus planos, não é o que eu quero, e eu realmente não queria abandonar tudo o que construí. Uma carreira em ascensão, um apartamento que está prestes a ser meu oficialmente. Mas, sinceramente, Dom também pode pensar do mesmo jeito. Ele tem uma carreira sólida, que acabou de sofrer um baque, mas ainda sólida, uma casa muito parecida com o que idealizamos quando namorávamos.

Ao contrário de mim, Dom não parece preocupado. Sua expressão ainda é serena, como se Paige não tivesse feito uma pergunta importante para nós. — Hum, acho que falei besteira. Me desculpem, não queria soar intrometida. — a voz de Paige me tira do torpor desesperado e eu olho para ela, que está encolhida na cadeira. — Fleur, eu estive pensando… se talvez… não sei… agora que nos reencontramos, e só se você quiser… talvez a gente poderia, sei lá, talvez tentarmos reatar a nossa amizade? E eu que achava que essa visita não poderia ser mais surpreendentemente. Paige foi uma das pessoas que mais senti falta. Estudamos juntas e além do Dom, ela foi a única pessoa que realmente me conheceu. Ela sabia bem quem eu era, sempre estava do meu lado, e perder a sua amizade foi doloroso. Mas há uma questão que tem me deixado inquieta desde que nos reencontramos. Claro, ela disse que tomou as dores deles, mas mesmo assim... — Por que você nunca disse ao Dom? Sobre a gravidez? — Porque depois da recaída do Dom, a gente perdeu contato. Eu o visitei umas duas vezes antes de ir estudar na Yale. Os pais dele garantiram que ele sabia, que estava muito machucado com isso e pediram para eu não mencionar o assunto… sabe, não cutucar de velhas feridas… — sua voz quase sai como um pedido de desculpas e constrangimento. — E os seus pais disseram que você queria distância de tudo que te lembrasse a vida em Fairbanks, inclusive a criança. Levo um tempo para captar a agitação na sua voz, mas assim que percebo do que ela está falando, é como um balde de água fria. Arregalo os olhos, chocada. — Você achou que eu tinha abortado? — grasno, incrédula. — Eu sei, desculpa. Devia ter me ligado que tinha alguma coisa errada, mas você tinha sumido e a gente não tinha essa tecnologia, que faz a gente

encontrar as pessoas com alguns cliques. Fiquei muito magoada por você ter desaparecido sem falar comigo, que era a sua melhor amiga. Não dá para lutar contra isso. Realmente é absurdo ela pensar que eu seria capaz de me livrar da minha filha, mas ela está certa. Eu desapareci, ela já sabe motivo, e a acessibilidade não era tão insana como hoje em dia. Não consigo deixar de sentir um alívio imenso por ela não me responsabilizar pelo que houve entre ela, Delph e Jus, porque durante todo esse tempo, eu senti uma saudade absurda dela. Sem hesitar, dou-lhe um abraço desajeitado e ela não demora a retribuir. É exatamente como nos velhos tempos. Real. Bonito. — Eu adoraria ter a nossa amizade de volta, Paige.

∆∆∆ — Você está quieta. — Dom chama a minha atenção, enchendo a colher com sorvete, saboreando-o com um suspiro prazeroso. — Impressão sua. — respondo de forma automática e ele arqueia a sobrancelha. Josie foi dormir há quase uma hora e desde então estou me perguntando onde está o meu sono, já que preciso estar no trabalho no primeiro horário da manhã. — Vamos lá, petite folie, já passamos dessa fase. Você já me chamou de “ursão”, lembra? — provoca com um sorriso ladino e eu me encolho. De onde foi que eu tirei esse apelido? — Me diz o que está acontecendo, linda. Estou aqui agora, me deixa participar da sua vida. Suspiro, brincando com o sorvete na minha tigela. Ele está certo. Ele está aqui agora. Mas até quando? — O que é que a gente vai fazer, Dom? — pergunto e ele inclina a cabeça, me olhando confuso. — A Paige está certa, não queremos um relacionamento

à distância e eu não quero abrir mão do que eu tenho construído, assim como tenho certeza que você também não quer. — Não, não quero. — concorda em voz baixa, abrindo um sorrisinho contido. — Que droga, Dom, eu estou à beira de um colapso aqui, será que dá para me ajudar a pensar em alguma coisa ao invés de parecer não se importar? Ele ri. Dominic ri! Como se eu fosse uma comediante muito hilária, e preciso contar até sete em ordem crescente e decrescente para controlar a vontade de atirar o pote de sorvete na cabeça dele. Então ele se move. Esquece o sorvete e vem para o meu lado, girando a minha banqueta para ficarmos frente a frente. Dom abre as minhas pernas, ficando entre elas, se aproximando tanto que preciso me inclinar o máximo que dá, e suas mãos vão para cada lado do meu corpo, se apoiando na bancada. — Eu vou vir para cá, linda. Sei que você tem uma carreira que requer um lugar fixo, acabou de ser promovida, e não quero uma mudança mais brusca para a Josie. A vida dela é aqui, o namorado também está aqui. — estremece ao mencionar Alex e eu preciso morder as bochechas para não rir. — Meu trabalho é em qualquer lugar, posso muito bem arrumar um estúdio aqui. Não vai ser difícil. — Puta merda. — cravo os dedos em seus ombros, puxando-o para um beijo, sentindo uma emoção violenta me percorrer da cabeça aos pés. Dom solta um rugido gutural, causando um efeito imediato na minha calcinha enquanto ele passa um braço em minha cintura, e a mão livre vai para a minha nuca, mergulhando em meus cabelos com vontade ao mesmo tempo que sua língua penetra minha boca sem hesitação, exigindo, ofertando, implorando por mais e... sem mais nem menos, ele me soltou.

— Acredito que você concorda com o meu plano, certo? — pergunta ofegante, com os lábios perto dos meus. Só consigo murmurar um “uhum”, aérea. Ele inclina o corpo e pega o pote de sorvete, estendendo-o na minha direção. — Ótimo, então amanhã falamos sobre isso. Hoje eu vou provar você com flocos. Ah, eu estou completamente de acordo com isso.

EPÍLOGO - PARTE 1 Fleur

Eleonora Duboc, que foi julgada e condenada a — A ex-modelo dezessete anos de prisão por diversos crimes, incluindo o homicídio do marido, o ex-diplomata Alger Duboc, não resistiu aos ferimentos causados pela queda do helicóptero ao tentar escapar com o amante, Alexander Kozitsyn. Alexander morreu na hora, mas Eleonora passou a última semana internada em estado gravíssimo, falecendo hoje pela manhã. Observo as imagens da minha mãe na TV, dos desfiles que participou e do helicóptero caído numa montanha em algum lugar da Europa. Eu estava preocupada com ela passando tão pouco tempo na cadeia, mas mesmo que Ethan tenha feito um bom trabalho, sabemos que o dinheiro muitas vezes fala mais alto, inclusive na justiça. Mas, agora acabou. De verdade. O julgamento aconteceu na semana passada, mas passamos longos nove meses presos em acordos, chantagens e ameaças. Ela nem apareceu no julgamento, só o advogado dela. Ela já tinha fugido com Alexander na hora, mas o acidente a impossibilitou de obter sucesso. Houve alguma falha no motor, que resultou numa queda feia. Ethan fez um ótimo trabalho tirando a licença de Elizabeth, impossibilitandoa de continuar na carreira médica. Ela vai cumprir sete anos de prisão por ter sido cúmplice, enquanto minha avó, Delph e os pais de Dom vão pagar uma fiança absurda, fazerem acompanhamento psicológico e serviços sociais por

três anos. Essa foi uma decisão que Dom e Josie me ajudaram a tomar. No fundo, eu até entendia os pontos deles. Queriam nos proteger. Foram manipulados pelos meus pais. Não dá para negar, eles foram peões, só isso. Isso não significa que vamos manter contato com eles. Eu entender o motivo de terem feito isso não significa que passei uma borracha e vamos ser uma família feliz. Dom e Josie são minha família e vou fazer tudo para ficarmos juntos. Se algum dia nos sentirmos bem para nos aproximarmos deles de novo, isso vai ser outra história. Agora não é esse momento. — Você está bem? — Taylor pergunta, com a cabeça inclinada na minha direção. Tenho conseguido me aproximar dela não apenas como chefe, e é extasiante ver o quanto ela é inteligente e esforçada. — Claro… — forço um sorriso, mas estou mesmo bem. Não tive contato com minha mãe nos últimos anos e nunca tivemos uma relação boa. É como se eu estivesse vendo a notícia de uma pessoa desconhecida. Ela balança a cabeça lentamente, não parecendo acreditar muito na minha declaração. — Acho que sempre vai doer um pouquinho. É a minha família, e ninguém quer ser enganada assim. Mas agora que as coisas acabaram, sinto que tirei um peso das minhas costas. — Sua mãe era maluca, com todo respeito. Me lembra o meu pai. — diz, torcendo o nariz e eu estreito os olhos. — O Alex nunca falou sobre ele. Eu conheci a sua mãe e ela parecia ser um amor. — Ela era, de certa forma. — encolhe os ombros, sacudindo a cabeça e abrindo um sorriso. — Então, grandes planos para o aniversário do Dom? Certo, essa é a minha deixa para um assunto seguro. Se ela não se sente à vontade para falar sobre isso, não posso obrigá-la. Dou uma risadinha, porque há, sim, uma surpresa. Das grandes. Estou tão

ansiosa para voltar para casa e encontrá-lo, que meu estômago está embrulhado e meu coração está acelerado desde que acordei. Eu conheci Dom no dia do aniversário dele, então esse dia sempre teve um significado especial para mim. Ele está morando conosco há sete meses. A gente tentou seguir essa coisa de ir com calma, dar um passo de cada vez, mas sempre quisemos isso, então, por que não? Ele acaba comigo com a desorganização, deixando a toalha molhada na cama, não fechando o tampo do vaso e nem a pasta dental, mas essa bagunça parece combinar bem com a minha organização. Pelo menos ele tenta (ou finge que tenta) seguir as regras que deixei fixadas na geladeira. — Ah, sim. — mordo o lábio, balançando a cabeça. — Ele vai ter um treco do coração quando eu der o meu presente. Vai ser ótimo. — Ele vai ter um treco e isso é ótimo? — ela arqueia a sobrancelha, divertida. Nos últimos meses, Tay tem parecido muito mais tranquila. Talvez por estar um pouco mais estabelecida, não ter que se preocupar em pegar trabalhos perigosos e saber que agora tem o suficiente para sustentar o irmão sem grandes preocupações. Ela é divertida, e isso tem me surpreendido. E brilhantemente inteligente. Tem tanta sede de aprender, que não consigo imaginar menos do que um grande futuro para ela. — Ah, sim. — concordo enfaticamente com a cabeça. — Confie em mim e… pode entrar. A porta se abre e, como de costume, apenas a cabeça do meu chefe aparece no vão, com um sorriso hesitante. Ele entra, cumprimentando a minha estagiária com um aceno de cabeça. — Ei, como você está? — ele pergunta, com o cenho franzido em preocupação. — Acabei de ver o noticiário. — Você sabe que a minha relação com ela não era legal. Claro, ninguém quer

a notícia de que a sua mãe morreu, mas não dói tanto. Ele balança a cabeça em concordância, enfiando as mãos nos bolsos da calça, então, olha para Taylor, que está com as mãos no colo e os olhos fixos na minha mesa. — Olá, Taylor, tudo bem? Quanto tempo. Ela olha para o nosso chefe e eu posso estar sendo meio neurótica, mas não é nada profissional. Nem algo só na amizade. Taylor está com um sorriso contido no rosto, mas é o olhar dele que me alerta. Tem uma certa luxúria perigosa, cheio de segredos. O que eu estou perdendo aqui? — Oi, chefe. — ela responde, se levantando e apertando a mão dele. Os dois mantém contato visual e parece que estou sobrando, sendo que eles nem estão se agarrando. Não acredito nisso. Cruzo os braços e crispo os lábios para conter o sorriso, limpando a garganta. Os dois se soltam rapidamente e olham para mim. Taylor parece constrangida, mas Ethan parece muito à vontade, como se estivesse acostumado e se divertindo com a situação. Porque ele está. Ethan nunca fica constrangido nessas situações. Eles estão transando? Cacete, não acredito nisso. Tay ainda está nas fraldas. Ai, meu Deus, isso é hilário. — Fleur, você precisa de mim? — Taylor pergunta, ansiosa. — Fiquei de me encontrar com o Alex. Ele quer comprar alguma coisa para a Josie. — Não, querida, está liberada. — pisco para ela, me recostando na cadeira. — Dê um beijo nele por mim. Ela concorda e se despede de Ethan sem olhar para ele, nos deixando a sós.

Ethan se senta de frente para mim, avaliando a minha expressão. — E então, como você está com tudo isso? — Meio atordoada, meio enjoada, meio aliviada. É um misto. — encolho os ombros, arqueando a sobrancelha e abrindo o sorriso que estava segurando. — Então... você e a Taylor... Ele gargalha, jogando a cabeça para trás e abrindo o botão do paletó. — Deu para perceber? — Eu fiquei segurando vela e vocês nem se tocaram direito. Como isso aconteceu? Quando? — Lembra quando precisei da ajuda dela quando você saiu de férias? — pergunta e eu concordo com a cabeça. — Uma hora estávamos fazendo hora extra, mexendo com papéis, focados no caso, no outro estávamos no meu sofá e eu estava dentro dela. — Ai, meu Deus, me poupe dos detalhes. — gargalho, sem conseguir acreditar. — Ela é muito nova, Ethan. Isso vai virar coisa séria? Como eu nunca percebi isso antes? Ele balança a cabeça, acompanhando a minha risada. — Estamos bem assim. Como você disse, ela é muito nova e não é muito do tipo que abre uma brecha para uma aproximação além do sexo. Aham. Não sei como isso vai acabar, mas espero que não atrapalhe o julgamento dela em continuar conosco, porque tenho grandes planos para Taylor. E eu gosto dela. Gosto de verdade. Odiaria vê-la magoada, ainda mais se Ethan fosse a causa disso. — Já contou ao Dominic? — ele muda de assunto, inclinando a cabeça. — Não falei com ele ainda, mas ele com certeza viu no noticiário. — Não estou falando disso.

— Ah… — dou uma risada nervosa. — Já preparei um momento legal. Ele pediu para ficar apenas comigo e com Josie, então ela ficou responsável pelo bolo e os salgados. Sabia que ela começou a chamá-lo de “pai”? Acontece de vez em quando, mas parece que o Dom vai chorar toda vez que ouve. — Seu namorado é bem expressivo. Isso é bom para você. — ele se levanta, ajeitando o paletó. — Bom, eu preciso ir. Estou feliz pelas novidades que estão chegando. — Eu também, Ethan. Eu também.

∆∆∆ — Ele está chegando! — Josie sussurra eufórica e eu acendo as velas, trêmula. Minha filha agarra o meu braço, ansiosa, sacudindo o corpo como uma menina. Aperto suas mãos e nos soltamos ao ouvirmos o clique da porta, que é aberta rapidamente. Josie e eu começamos a cantar “parabéns para você” para o homem mais bonito que meus olhos já viram. Ele parece cansado, já que teve alguns trabalhos mais cedo e no tempo livre foi cuidar dos últimos detalhes do seu estúdio. Seu próprio estúdio de fotografia! A surpresa passa por seu rosto enquanto ele larga a mochila, mas o sorriso que sempre me amolece logo aparece e eu quase preciso me sentar para não cair dura no chão. Observo os olhos do meu namorado lacrimejarem e ele fungar, piscando várias vezes, como se quisesse se conter. Não hoje, ursão. Ele se aproxima, me dando um beijo rápido e beijando o alto da cabeça de Josie, ficando entre nós.

— Faz um pedido, pai. — diz e sinto o seu corpo estremecer. Dom vai precisar de um tempinho para se acostumar com isso, afinal, Josie é filha dele. Mas, até eu preciso lutar contra as lágrimas. Droga. — Faz logo um pedido, lindo. — insisto, animada, puxando-o delicadamente para o bolo. Nos sentamos no sofá e ele parece hesitar, talvez não sabendo bem o que pedir. E dura pouquíssimo tempo, porque ele fecha os olhos e sopra as velas, parecendo muito satisfeito. — O que foi que você pediu? — pergunto, cruzando as pernas e girando o corpo na sua direção, observando Josie ansiosa cuidar de cortar o primeiro pedaço, desrespeitando completamente a tradição de o aniversariante fazer isso. — Não posso falar, petite folie. Dá azar. — brinca, apoiando a mão na minha coxa. — Você está linda. Obrigado por isso. Obrigado, Josie. — olha para Josie, que lhe estende um pedaço de bolo, fazendo o mesmo comigo. — Achei que só pediríamos comida e ficaríamos numa boa. Josie revira os olhos, dando uma mordida no bolo de chocolate com morangos, o favorito de Dom, que fecha os olhos e geme ao sentir o gosto do doce. — Puta merda, esse bolo é incrível. — solta e eu dou um tapa em seu ombro, gargalhando. — O quê? — Se a gente voltasse com o pote dos palavrões, você estaria falido. — é Josie quem responde, divertida. — Vou pegar o seu presente. Ela se levanta num pulo e sai apressada da sala. Dom aperta a minha coxa, me lançando aquele sorriso, e não posso deixar de me perguntar se o efeito desse sorriso nunca vai deixar de surtir efeito. É sempre como se fosse a

primeira vez, tudo em mim se retorce, balança, estremece. — Como você está? Vi a notícia sobre a sua mãe. Encolho os ombros. — Estou bem. De verdade. Eu já imaginava que ela não sairia dessa, então já estava preparada. — dou um beijo no canto da sua boca, dando uma mordiscada no seu lábio inferior. — Estou tão feliz por você estar de volta. — Estou feliz por estar de volta. — sussurra, olhando para a minha boca. Faço menção de me aproximar, mas os passos apressados atrás de mim impede que eu o faça. Afasta a tentação enquanto tem uma adolescente aqui, Senhor. — Olha, é para você. — ela se joga novamente ao lado de Dom, entregandolhe uma caixa perfeitamente embalada. — Ah, querida, não precisava. — diz, mas seus dedos ansiosos já trabalham em desmanchar o lindo arranjo. Fico em silêncio, olhando curiosa para a caixa. Josie nunca foi de gastar, então sei que ela tem uma boa quantidade da mesada guardada algum lugar. — Porra! — ele exclama, boquiaberto. — Ai, meu Deus. — gemo dramaticamente e Josie ri, encolhendo os ombros. — Fleur, olha isso. — tira o produto da caixa. Uma câmera…? — É o kit premium da Canon. Estava só esperando um tempinho para comprar. — explica, dando um beijo na câmera. Ai, meu Deus! Dom distribui tantos beijos em Josie, que a coitada não demora a tentar escapar dos braços do pai, dando uma risada nervosa, mas o rosto vermelho,

os olhos brilhantes e o sorriso constrangido dizem que ela adora essa atenção. — Então você gostou? — pergunta, ansiosa. — Está brincando? Esse kit é do… ai! — resmunga quando dou uma cotovelada em suas costelas. Certo, talvez a gente precise trabalhar essa boca suja. Urgentemente. Espero os dois conversarem sobre o presente, dando-lhes espaço e fingindo que entendo os termos que eles estão usando, que imagino que seja sobre as funcionalidades da câmera. Respiro fundo, esfregando as mãos na calça. — Esperem um minuto. Também tenho um presente. Saio apressada da sala, ouvindo os cochichos empolgados e vou até o nosso quarto, abrindo o meu lado do guarda-roupa, alcançando as duas caixinhas de madeira, uma para Josie, a outra para Dom. Passo a mão na parte de cima, pensando que isso agora vai nos levar a um novo passo, um passo para construir a família que sempre sonhei. Com Dom. Respiro fundo, sentindo o estômago revirar e o coração pulsando com força na garganta. Fecho os olhos com força por um ou dois segundos antes de voltar para a sala, encontrando as minhas pessoas favoritas namorando o presente que Josie comprou. — Ei, linda. — Dom é o primeiro a me ver, abrindo um sorriso tão aberto que os olhos quase se fecham, e minha pernas amolecem em resposta. Sento novamente, entregando as caixas para os dois, umedecendo os lábios enquanto puxo uma resposta profunda, tentando controlar as batidas frenéticas dentro do peito. — Uau, o aniversário é do papi, mas eu também ganho presentes? Amei! — Josie dá uma risadinha, concentrada em desfazer cuidadosamente o laço da

caixa. Dom me olha curioso, esperando por uma resposta, mas me limito a balançar a cabeça, apontando para o seu presente. Espero ansiosa que eles abram, e a primeira reação vem de Josie, que não enrolou em abrir a caixa. Ela solta um “puta merda”, os olhos arregalados e úmidos na minha direção perguntando se é sério. Mordo o lábio e balanço positivamente a cabeça, piscando para espantar o choro. Nada de manteigas derretidas aqui. — Fleur? — Dom olha para mim, com tantas expressões no rosto que não consigo acompanhá-las. — Isso é sério? — Vamos ter um bebê. — murmuro, abrindo um sorriso trêmulo, ansioso. — Ai, meu Deus! — Josie se atrapalha ao se jogar por cima de Dom para me alcançar, me sufocando num abraço. Ouço um soluço e a aperto contra mim, fechando os olhos para tentar controlar o choro. Chorei mais nos últimos nove meses do que nos quatorze anos longe desse homem. Como ele pode ter me transformado numa ameba? — Ai, meu Deus, mãe. Você está grávida! Eu vou ter um irmão. Caramba, vocês não brincam em serviço. Ai, meu Deus, eu vou ter um irmão. Um irmão de verdade, de carne e osso. Ai, meu Deus! — Então você está feliz? — pergunto, engolindo o nó que se formou na minha garganta. O meu maior receio era de que ela não gostasse muito da ideia. Dom acabou de voltar, ainda estamos nos habituando. Foram muitas mudanças desde a volta dele e pensei que talvez pudesse ser demais para ela poder assimilar. — Você está brincando? Passei os últimos sete anos pedindo um pai e uma família enorme. Parece que esse ano deu certo. Não posso acreditar. Certo, eu estou muito tentando ser forte, mas é difícil conseguir se manter impassível quando a minha filha diz essas coisas. Agora posso culpar os hormônios. Vou passar os próximos meses culpando os hormônios por

absolutamente qualquer coisa. Novamente, foi Paige quem desconfiou da gravidez. Novamente tive um mal estar, mas pensava que era pela ansiedade do julgamento da minha mãe. Eu não estava conseguindo dormir, manter a comida no estômago se tornou uma tarefa quase militar. Difícil foi esconder isso do Dom. Ele notou o mal estar, mas eu sempre dizia que era ansiedade. E ele acreditava. Precisamos muito melhorar o nosso radar. Paige soltou um “pelo amor de Deus, vá dizer logo ao Dom antes que algum desastre aconteça e a história se repita” quando encarei os dois testes de farmácia com o mesmo resultado, mas eu queria fazer uma surpresa. Com o aniversário dele chegando, pensei que seria uma boa ideia juntar o presente com fotos do ultrassom. Ele gosta de registrar momentos, e eu queria que dessa vez fosse diferente. Josie ganhou uma caixa de chocolates com a frase “promovida a irmã mais velha” e uma foto do irmãozinho. Na caixa de Dom tem um porta-retratos com uma foto em 3D do ultrassom, e um par de sapatinhos. Há também um bilhete escrito “Papai, dentro da mamãe batem dois corações apaixonados por você”. Bem meloso, eu sei. — Preciso contar ao Alex. Ele vai pirar. — Josie se atrapalha em pegar os chocolates que se espalharam no meio da sua empolgação e sai correndo para o seu quarto. Olho nervosa para Dom, para a caixa em seu colo e o porta retrato nas mãos, assim como o bilhete. Pelo seu perfil, vejo o seu sorriso imenso e quando ele gira a cabeça, amoleço ao ver os olhos vermelhos, como se ele também estivesse fazendo um grande esforço para não chorar. Ele não diz nada. Se livra da caixa e me puxa para o seu colo, me abraçando tão apertado que me falta o ar. Suas mãos se agarram firmemente nas minhas

costas, e o aperto quando ele funga, o sacolejo em seus ombros entregam o choro. Não sei quanto tempo passamos assim, e tem tanto tempo que não me sinto assim, tão segura e amada, que me pergunto se algum dia deixei de amar esse homem. E a resposta é muito óbvia. Sempre foi o Dom. — Eu amo você, Fleur. Amo pra caralho. — ele envolve o meu rosto entre as mãos e cobre a minha boca com um beijo temperado pelo gosto salgado das nossas lágrimas, sentindo meu coração disparar e a minha pulsação acelerada rugir nas minhas orelhas. — Mas você estragou a surpresa. Epa. Afasto nossos rostos para observá-lo melhor e estreito os olhos. Eu acabo de dizer que estou grávida e ainda estrago a surpresa? O que ele queria? Um carro de som? — Cuidado com o que vai dizer daqui para frente, Dominic. Ele gargalha, o corpo tremendo contra o meu e me remexo, sentindo algo pulsar contra a minha bunda. Então, ele nos troca de lugar, me deixando sentada no sofá enquanto se afasta, indo até a mochila. — Vire-se, feche os olhos e não ouse abri-los. — ordena com um sorriso doce. Dou uma risada enquanto obedeço, estendendo as mãos. Se estraguei a surpresa, é porque também vou ganhar algum presente, não é? — Pode me presentear com o que quiser, ursão, nada vai superar uma gravidez. — zombo, orgulhosa. Não ouço nada. Nem uma risadinha, nem passos, nada. Começo a ficar inquieta e minhas mãos começam a tremer. O tempo passa, nada acontece e cogito abrir só a frestinha de um olho para tentar descobrir o que está acontecendo, mas antes que eu possa colocar a trapaça em ação, ouço uma música bem familiar, não conseguindo esconder um sorriso.

— Pode abrir. — sua voz está muito perto quando Bublé começa a cantar “La vie en rose”, e encontro Dom ajoelhado na minha frente. — Ai, cacete! — resfolego, deixando as mãos caírem no colo. Eu esperava um urso de pelúcia, até mesmo comida, não uma caixa de veludo aberta, revelando um anel em ouro rosa, rodeado por uma auréola de diamantes cintilantes e uma pedra central redonda. — A gente passou por tanta coisa, tanto tempo separados, que não pensei que isso chegaria a acontecer. Eu quis me casar com você há dezesseis anos e quero me casar com você agora, Fleur. Quero construir uma família, quero a nossa cumplicidade, nossos desentendimentos e nossas reconciliações. Você deixa a vida mais leve, me enfeitiça todos os dias com seu amor e carinho. A vida é tão gostosa com seu cheiro, seu toque, sua risada e com seu amor que não consigo imaginá-la sem você. O nosso reencontro só mostrou o que eu sempre soube. — quando ele puxa o ar, pronto para fazer o pedido, me jogo no seu colo, nos desequilibrando, fazendo-o cair. — Ei, não seja estraga prazeres. — Eu aceito. Sim, sim, sim, sim! — respondo, eufórica, distribuindo beijos pelo seu rosto. — Sempre quis, sempre vou querer. Especialmente se você prometer que não vai mais deixar a toalha molhada em cima da cama. Ele gargalha, dando um beijo na ponta do meu nariz. Nos senta no tapete, deslizando o diamante pelo meu anelar, olhando para a peça em minha mão e dando um beijo casto, mas cheio de significado. Quando me olha, o sorriso é tão cálido, que é quase como uma carícia. — Tudo vai ser diferente agora, não vai? — pergunta retoricamente, me puxando novamente para o seu colo. Olho bem para o meu homem. O meu noivo. E consigo imaginar toda uma vida com ele. Uma família de verdade com um marido que me ama, com

muitas brigas que vão resultar em reconciliações na cama. Uma vida cheia de amor, de carinho, de risadas e companheirismo. — Tudo vai ser diferente agora, Dom.

EPÍLOGO - PARTE 2 Dois anos depois. Dominic

alguns anos atrás alguém me dissesse que eu reencontraria a Fleur, eu S eriria. De nervoso, mas riria. Se dissessem que nós tínhamos uma filha esse tempo todo e que eu não sabia porque muita gente trabalhou para nos manter separados, eu daria um tapinha no ombro da pessoa, pensando que ela tinha enlouquecido. Mas se dissessem que nós acabaríamos nos casando como idealizamos quando éramos adolescentes, eu internaria essa pessoa no sanatório. Eu tinha motivos para acreditar que Fleur me detestava e que eu tinha sido um completo escroto com ela no passado. E aqui estamos nós, dois anos depois do nosso reencontro, prestes a nos casar. Parece que eu vou passar mal a qualquer momento. — Você está me deixando enjoado com esse vaivém, Dominic. — Ethan, meu padrinho, zomba enfiando as mãos nos bolsos da calça social. — Acalme-se, homem, Fleur já deve estar chegando com as meninas. É tradição a noiva chegar atrasada. Balanço a cabeça, tirando um lenço da calça e passando pela testa. Fleur e eu decidimos ter um casamento rústico, numa fazenda no vale do rio Hudson. O clima está ótimo e todo mundo já está aqui. Todo mundo, menos Fleur e minhas filhas.

Quando pedi Fleur em casamento, ela foi bem enfática ao dizer que não queria casar grávida e ficar parecendo uma melancia vestida de branco, então adiamos o casamento para depois do nascimento de Gracelyn, nossa pequena princesa. Depois do nascimento dela, Fleur adiou porque queria entrar em um vestido que namorava secretamente há anos, então o meu trabalho me obrigou a fazer algumas viagens, e por fim, decidimos esperar Grace completar dois anos para que ela entrasse na frente da Fleur. Não que eu acredite que isso vai dar certo. Tudo em mim grita que a minha caçula vai ficar tentada a correr atrás de qualquer animal que encontrar. — Ela está quinze minutos atrasada, Ethan. Fleur odeia atrasos. Se eu me atraso cinco minutos para qualquer coisa que marcamos, ela já começa a pegar no meu pé. — Típica europeia. — apoia uma mão no meu ombro, me olhando com diversão. — Fique tranquilo, Dom. Ela vai chegar. Balanço a cabeça, mas ele já não está olhando para mim. Acompanho o seu olhar e vejo Alex e Taylor. Fleur comentou, como quem não quer nada, que alguma coisa estava rolando com a irmã mais velha do namorado da minha filha. Mas, isso faz um bom tempo. Dois anos, talvez menos, talvez mais. Foi um pouco antes de eu ter que perguntar a ele se ele sentia alguma coisa além de amizade pela Fleur, e fiquei aliviado quando Ethan disse que sempre sentiu um carinho muito grande e que ela é uma das pessoas mais leais e honestas que já conheceu, mas as coisas morriam aí. Ele parecia muito sincero, e não vi motivos para desconfiar dele. Não que isso fizesse alguma diferença, já que eu sempre confiei cegamente nessa mulher incrível. — Você sabe que ela é uma criança, não sabe? — zombo, só por não

aguentar manter a boca fechada. — Vocês ainda estão transando? Ethan olha para mim, confuso, mas não parece incomodado com o que eu disse. — Ainda não consegui me desintoxicar dela. — encolhe os ombros. — Só estamos nos divertindo, não é como se eu fosse ter um relacionamento com a Taylor. Como você disse, ela é muito nova. Abro a boca para responder, mas vejo um carro antigo se aproximando. — Puta que pariu. — vou na direção do carro, mas Ethan segura o meu ombro. — Se controle, senhor ansiedade. — Ei, por que você ainda está aqui? — Mel, que se disponibilizou para fotografar o casamento, se coloca na minha frente, me impedindo de continuar vendo o carro. — Vai para o altar, Dawson. — Eu quero vê-la primeiro. — E você vai vê-la. No altar. Some. — segura a câmera na frente do rosto e ouço um clique na minha cara de pânico. — Essa ficou incrível. Agora vá de uma vez ou você vai ficar adiando o casamento. Como eu posso lutar contra isso? Emburrado, vou para o altar, acompanhado dos convidados que estavam conversando. Todos se sentam e eu cumprimento o juiz, pronto para entrar em síncope. Seco a testa mais uma vez e fecho os olhos, prometendo a Deus que vou parar de envergonhar a Josie da frente do Alex se Ele me ajudar a segurar o choro durante o casamento. Certo. Fleur não desistiu. Claro que ela não desistiu. Por que eu estava com isso na cabeça? Olho para Ethan, que está com o mesmo sorriso contido de sempre, mas os

olhos estão brilhando em diversão, como se ele quisesse rir do meu desespero. — Quando for a sua vez, eu vou me lembrar disso, Ethan. — aponto o dedo em sua direção, estreitando os olhos. Ele gargalha, arqueando a sobrancelha, e eu olho de relance para o carro que sumiu de vista. Fleur vai sair de algum lugar, magnífica, lindíssima, e eu só quero que isso aconteça logo. — Um casamento é a minha cota e eu já a cumpri, Dominic, mas, obrigado por achar que ainda sou um bom partido. Antes que eu possa responder, os músicos começam a tocar o instrumental de La vie en rose, e eu respiro fundo. Vejo Fleur se aproximando pela trilha, junto com a cerimonial, Paige, e nossas filhas. Fico olhando-a, ansioso para que chegue logo, querendo acabar com o suplício que está sendo essa espera. Paige faz a trilha para o altar, mas não consigo tirar os olhos de Fleur, que está logo atrás dela, segurando um pequeno buquê com flores marsala e rosas, transbordando alegria. Por um momento, parece que somos só ela e eu. Cacete, isso está mesmo acontecendo. Paige se aproxima, colocando-se no atrás do espaço em que Fleur vai ficar e me lança um sorriso contente, mas a minha atenção fica toda na mulher incrível que logo vai ser a minha esposa. Fungo em meio à risada ao ver Grace, a miniatura perfeita da Fleur, correndo na minha direção, lindíssima em seu vestido branco, com direito a uma coroa de flores. Preciso parabenizar quem conseguiu manter isso na cabeça dela, já que Grace detesta usar essas coisas. Ela agarra a minha perna e eu a seguro no colo, dando um beijo na ponta do seu nariz. — Você foi muito bem, princesa.

E então, volto a olhar para Fleur. E Josie, que vai entrar com ela. Nossa primogênita não ficou animada com a ideia de ser o centro das atenções por alguns segundos, mas Fleur é terrivelmente persuasiva, e quando percebi, Josie já tinha sido vencida pelo cansaço. Pisco nervosamente quando sinto a visão ficar turva pelas lágrimas, porque não quero perder nenhum segundo disso. Não quero perder algo que idealizei por tantos anos, mas que consegue ser ainda melhor do que eu tinha imaginado. As duas começam a se aproximar lentamente e meu coração está batendo tão violentamente, que os batimentos começam a zumbir nos meus ouvidos. Não consigo esperar todo o caminho. Quando elas passam pouco mais da metade da trilha, vou até elas, ouvindo as risadinhas dos poucos convidados, dando um beijo na testa de Josie, que pega Grace e se afasta. Seguro uma mão de Fleur, a outra mão indo para a sua nuca, e dou um beijo demorado em sua testa. — Você está linda, petite folie. — Você está irresistível, ursão. — ela pisca para mim e morde o lábio, apertando a minha mão. Seguimos até o juiz, e por mais que eu tente me concentrar no que ele está dizendo, o esforço que eu estou fazendo para não chorar e a ansiedade de começar uma vida com a nossa família acabam atrapalhando. Olho para Fleur vez ou outra, tão bonita, tão radiante, que me pergunto se algum dia eu vou ser imune a essa mulher, que é tão incrível por dentro e por fora. Nos viramos um para o outro na hora dos votos e seguro o microfone, torcendo o nariz ao perceber minha mão está tremendo. — Quando te vi pela primeira vez, quando ainda éramos adolescentes, eu soube que seria você. Foi tão arrebatador, tão forte, que só o que eu pensava

era como poderia fazer a garota inalcançável olhar para mim. — ela dá uma risadinha e eu fungo, respirando fundo. — Você ficou comigo quando teve tantos motivos para ir embora, me apoiou, me incentivou a não desistir. Sempre foi você, Fleur, e eu te amo com uma profundidade que não consigo colocar em palavras. Você, petite folie, é a melhor parte de mim e tudo o que sempre sonhei. A promessa de não envergonhar a Josie não vai precisar ser cumprida, porque no final dos votos já virei uma poça de lágrimas. Passo o microfone para Fleur, secando o rosto. Olho para ela e dou uma risada nervosa, unindo as mãos na frente do corpo, porque Fleur sempre foi muito boa com as palavras, o que significa que vai ser difícil me manter firme. — Tem sido tão difícil encontrar as palavras certas para dizer que eu te amo. Nada parece ser o suficiente, mesmo que eu tenha tentado de várias formas encontrar algo que possa explicar o que sinto por você. E, claro, também tive que responder à pergunta: “você está nervosa?”, e eu sempre respondia com um sucinto “não”. A ansiedade vinha, mas só de pensar que você estaria aqui me esperando, eu queria vir correndo. — ela faz uma pausa e passa os indicadores pelos cantos dos olhos. — Talvez por isso, esse passo tão importante esteja sendo tão fácil. Você é quem eu sempre quis como meu parceiro de vida, Dom. Foi você quando éramos adolescentes, e continua sendo você agora. Você é meu melhor amigo, meu confidente, dono dos meus melhores sorrisos, parceiro nos meus maiores sonhos e agora, meu marido! Obrigada por voltar para mim e me escolher todos os dias. Ela sussurra um “eu te amo” enquanto entrega o microfone ao juiz, e eu balanço a cabeça, piscando como um louco para espantar as lágrimas. Eu sabia que ela preparava algo assim, mas superou todas as minhas expectativas. Definitivamente, eu não estava preparado. A cerimônia tem continuidade e a cada se instante tenho mais certeza de que

Fleur é a decisão mais acertada da minha vida. Ela, Josephine e Gracelyn são tudo o que eu poderia querer e ainda mais. Ela é a minha certeza, o meu norte. Quando acaba a cerimônia, os convidados vão para o salão, mas Fleur e eu continuamos do lado de fora para fazermos algumas fotos. Ela parece tão feliz, que meu corpo inteiro amolece a cada risada que ela dá. Fleur parece ela novamente, cheia de vida, brilhando, irradiando uma luz linda. — Bem, eu vou entrar. — Mel avisa, olhando as fotos em sua câmera. — Essas fotos ficaram sensacionais. Vocês são um casal lindo. Se aproveitem um pouco antes de entrarem, porque vão passar algumas horas à mercê dos convidados. Mel se afasta, piscando para nós e eu envolvo a cintura de Fleur, puxando-a para mim. Suas mãos vão para os meus suspensórios e ela inclina a cabeça, dando um beijo no meu queixo. — Você fica sexy com suspensórios. Adoraria ver você usando só isso. Gargalho, jogando para trás e a sinto estremecer contra mim. Suas mãos passeiam pelo meu peito e andamos até uma árvore mais afastada. Encosto as costas no tronco, e faço uma trilha pelo seu pescoço, beliscando e lambendo, me deliciando com o cheiro inebriante que vem dela. Fleur agarra meu braço e esse é o meu convite para meu outro braço ao redor dela, espalmando a mão em seu peito. Ela se inclina na minha direção e sinto o mamilo ficar ereto através do vestido. Tudo o que posso pensar é chupá-lo, puxando-o com os dentes. — Dom. — arfa, levando as mãos aos meus cabelos, puxando-os. — A gente tem… convidados… — Você está absolutamente linda, Fleur. Não sei como consegue. Não consigo tirar os olhos de você. — sussurro em seu ouvido e ela ofega quando

envolvo sua orelha em minha boca e deslizo minha língua por ela. — Ai, meu Deus. Me sinto muito, muito tentado a continuar com isso, mas ela está certa. Temos convidados. Não só isso, nossas filhas estão a alguns metros daqui. O sexo tem sido um desafio com duas garotas sob o mesmo teto, mas para tudo temos dado um jeito. Olho para Fleur, percorrendo os polegares pelo rosto bonito e delicado, os olhos acompanhando cada gesto como se eu estivesse hipnotizado. — Amo você, Fleur. Senhora Dawson. — Senhora Dawson. — ela responde com uma risada baixa. — Dá para acreditar que isso está acontecendo? — Graças a Deus. — arregalo os olhos e ela ri mais alto, selando nossos lábios mais uma vez. — Vamos entrar? Grace deve estar acabando com o bom humor da Josie. — Grace é um anjo. — refuto, entrelaçando nossos dedos enquanto fazemos o caminho para o salão. — Claro que sim. Um anjo arteiro, mas ainda um anjo. — Ela é uma criança, Fleur. Não dá para ela ficar quieta o tempo inteiro. — Claro, advogado da Gracelyn. — debocha e estreito os olhos na sua direção, mas o sorriso acaba me traindo. Faço-a parar de andar, colando nossos peitos mais uma vez. — Ei, o que foi? — Nada. Só queria ter certeza que isso está mesmo acontecendo. Ela ergue a mão esquerda, mostrando o anel de noivado, agora junto com a aliança e eu beijo castamente os dois. — Estou feliz por podermos darmos continuação ao que sempre quisemos.

Ela concorda com a cabeça e pisca. Sim, ah, sim, essa é a nossa continuação. E é só o começo.

Fim!
Maya M. - Fica Comigo

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