O Sentido do Amor - Carol Marinelli

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O Sentido do Amor (Innocent Secretary... Accidentally Pregnant)

Carol Marinelli

Emma Stephenson pode não parecer uma assistente adequada para um magnata, mas, para Luca D'Amato, um playboy incorrigível, ela logo se prova um enigma a ser decifrado... um desafio que ele teria prazer em superar! Apesar de ter notado os olhares de apreciação masculina, Emma esperava manter com ele uma relação estritamente profissional. Porém, ela não contava com a estranha e intensa identificação entre eles... nem com uma irresistível atração... Doação: Simone Digitalização: Ana Cris Revisão: Ana Cláudia

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.àxl. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: INNOCENT SECRETARY... ACCIDENTALLY PREGNANT Copyright © 2009 by Carol Marinelli Originalmente publicado em 2009 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: núcleo i designers associados Editoração Eletrônica:ABREITS SYSTEM TeL: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY TeL: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182. Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921 -3 80 Correspondência para:Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera [email protected]

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CAPÍTULO UM

EMMA FORA honesta. Durante a entrevista por telefone, admitira até mesmo estar freqüentando o curso de artes da escola noturna às quartas-feiras e que, dentro de alguns anos, esperava cursá-la em tempo integral. Tudo fora muito bem até o momento em que Evelyn veio cumprimentá-la e Emma não entendeu por quê. Preparara-se cuidadosamente para aquela entrevista. Lera tudo que lhe caíra nas mãos sobre a D'Amato Financiers. A respeito da espetacular ascensão da empresa, mesmo em tempos difíceis, quando Luca D'Amato tivera atitudes firmes e eficazes. Não havia fórmula mágica para seu sucesso, lera em uma rara entrevista que ele concedera, apenas decisões sensatas, transparência fiscal e a recusa em ser influenciado pela especulação. Sim, informara-se bastante a respeito dele e, em seguida, pesquisara em suas revistas favoritas, absorvendo cada detalhe das dicas para se preparar para aquela tarde. Percorreu vários brechós até encontrar um estonteante conjunto de linho lilás-claro, embora ligeiramente justo para suas formas curvilíneas. Secou os cachos castanhos espessos com secador e os prendeu em um perfeito coque. Com as finanças extremamente abaladas e seguindo o conselho irônico de uma das revistas, na tarde da entrevista se encaminhou à seção de maquiagem de uma loja de departamentos e fingiu ser uma noiva que gostaria de experimentar alguns tons para o dia de seu casamento. Os irmãos de Emma sempre a provocaram por causa de sua obsessão por revistas. O pai se queixava da quantidade que ela costumava comprar, mas aquelas publicações periódicas haviam sido sua tábua de salvação. Crescer sem presença materna, viver em uma casa desordenada e sem regras, para onde as meninas que convidava para brincar nunca retornavam, levou-a a passar a infância e adolescência lendo revistas femininas à procura de aconselhamento sobre amizades, assédio e garotos. Foram as revistas que lhe ensinaram sobre desodorantes, beijos e sutiãs. As mesmas para as quais se voltara quando, aos 12 anos, fora ironizada por ainda não ter depilado as pernas. Embora sua devoção a elas tivesse minguado um pouco, aos 24 anos fora as revistas que consultara de imediato à procura da maquiagem correta e dicas de estilo para mulheres de negócios que a ajudariam a conseguir o emprego de seus sonhos. Estava com aparência fantástica. A imagem exata que planejara conseguir — inteligente, audaciosa, produzida — o aspecto perfeito da profissional moderna de uma metrópole. 3

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Evelyn obviamente não concordava. A entrevistadora trajava um conjunto cinza sóbrio e sapatos pretos rasteiros. Os belos cabelos loiros tinham um corte prático, curto e perfeito. A maquiagem se resumia a uma discreta coloração coral nos lábios. Na verdade, a antítese da aparência que Emma tentara conseguir! — E o Sr. D'Amato iria preferir alguém que dominasse o idioma japonês... — dizia Evelyn. — O anúncio não mencionava isso — argumentou Emma. — E não comentou sobre esse pré-requisito quando nos falamos por telefone. — Luca... Quero dizer, o Sr. D'Amato, não gosta de colocar muitos detalhes nos anúncios por razões que devo concordar... — Evelyn fungou de modo discreto. — Sabemos quando a candidata certa aparece. — Não restaram muitos argumentos a Emma. Era óbvio que, à primeira vista, haviam decidido que ela não era a candidata adequada ao cargo. Apenas... Embora tivesse sido um sonho impossível, agora que tivera um vislumbre daquele emprego, desejava consegui-lo. O salário era estratosférico. A casa de sua família, embora estivesse há meses no mercado, ainda não fora vendida e as mensalidades da casa de repouso estavam acumulando. Evelyn lhe explicara durante a entrevista inicial por telefone que os funcionários de Luca se estafavam rapidamente. Ele era um patrão exigente que esperava dedicação total e que aquele trabalho e as viagens iriam tomar todo seu tempo, o que era perfeito para Emma. Em um ano de trabalho árduo iria conseguir honrar as dívidas da casa de repouso. Certamente, durante esse tempo, a casa da família seria vendida e pagaria os débitos acumulados. Um ano consumindo-se e estaria livre para perseguir seus sonhos. Viver a vida que há muito lhe era negada. E então, aquele vislumbre de esperança lhe fora repentinamente arrancado. —Agora, se me der licença... — Evelyn exibiu um esboço de sorriso. — Tenho uma ligação importante a fazer. Ao menos Evelyn não a deixara em suspense, verificando o telefone a cada cinco minutos ou de plantão ao lado da caixa de correio. Não poderia ter sido mais clara. Não fora aceita. — Bem, obrigada por me receber... — Emma poderia simplesmente se erguer, apertar a mão de Evelyn e partir. Porém, inexplicavelmente, por alguma estúpida razão, lágrimas ameaçavam lhe brotar dos olhos ao perceber que mais uma porta havia se fechado em sua tentativa de conseguir um futuro melhor. — Agradeço-lhe por seu tempo. A culpa era de seu horóscopo, disse Emma a si mesma, enquanto fazia uma anotação em seu tão bem elaborado curriculum vitae. A astrologia a aconselhara a lutar por aquilo, lembrando de que "você tem de concorrer para ganhar". Dizia que Júpiter e Marte se encontravam na décima casa, o que assegurava sucesso em sua carreira... Horóscopos estúpidos! Pensou Emma, enquanto se encaminhava para pegar a bolsa. Não acreditava mesmo neles. E então ele adentrou. 4

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli E a sala se tornou escura. Bem, não se tornou escura, mas poderia, já que ele era tudo que Emma conseguia ver. Trajado em um smoking às 16h, ele entrou a passos largos. Evelyn se ergueu e ajustou-lhe o nó da gravata, enquanto em dois minutos lhe passou o que pareceu a Emma ser um mês de mensagens em uma linguagem que lhe era totalmente desconhecida. — O Sr. Hirosiko solicitou uma reunião na próxima semana. — Não — soou a resposta entediada dele. — Kasumi foi insistente. — Ele terá uma videoconferência. — Sua irmã telefonou aborrecida... Quer você lá durante todo o final de semana. — Diga-lhe que, já que estou pagando pelo final de semana todo... — Ele possuía um sotaque italiano encorpado e grave que fizera os dedos dos pés de Emma se enroscarem — posso escolher meu horário. — Vagueou os olhos pela sala, enquanto Evelyn trabalhava em suas abotoaduras, dirigindo um olhar entediado a Emma, que rapidamente se transformou em total desinteresse. Dignou-se a lhe conceder um segundo olhar que Emma reconhecia bem. O mesmo que o pai e os irmãos dirigiam às mulheres que lhes chamavam atenção, como as do posto de gasolina, do supermercado, dos concertos da escola, das boates, oh, de qualquer lugar! Um olhar que para Emma significava perigo. Com l, 87m e olhos azuis escuros, Luca D'Amato poderia ostentar a palavra "perigoso" estampada em sua macia fronte. Os cabelos muito negros estavam penteados para trás com gel, porém uma mecha espessa e preta escapou, enquanto Evelyn concluía o nó da gravata. Ele escorregou uma das mãos bem cuidadas pelos cabelos e eles voltaram a ficar em forma. Oh, Emma vira muitas imagens dele, sabia que era um homem belo, mas as fotos de jornal cinzentas não lhe faziam justiça. Nunca conseguiriam captar a essência do homem à sua frente, apenas sua presença impactante. Uma cicatriz se estendia ao longo do osso malar esquerdo, mas aquela única imperfeição servia apenas para valorizar a beleza de seus traços. — Não fomos apresentados. — Os lábios carnudos e sensuais se curvaram em um sorriso, enquanto ele voltava um olhar predador a Emma. O sotaque grave dirigido exclusivamente aos seus ouvidos. — Esta é... Emma lutou para recobrar a voz, mas Evelyn respondeu por ela. — Emma Stephenson — disse, com aparência de quem chupava limão. E, então, ocorreu a Emma o verdadeiro motivo que a levou a perder aquela oportunidade de emprego. Talvez Evelyn estivesse esperando alguém mais comum, menos produzida, mais velha, mais gorda... Na verdade, alguém que resistisse ao charme de Luca. Bem, não devia ter se preocupado. Ela podia lidar com tipos como os do Sr. D'Amato com os pés nas costas. Crescera cercada deles! — Estávamos concluindo a entrevista. — Para a vaga de secretária executiva? — indagou Luca, estendendo-lhe a mão. Apenas porque a boa educação mandava, Emma a aceitou, sentindo os dedos quentes se fecharem em torno dos dela. Em seguida, ergueu o olhar, 5

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli quando ele deu voz a seu próprio pensamento. — Mas tenho um coração frio! — disse antes de piscar para ela. — Estou certa de que tem! — retrucou Emma. Ele era atrevido. Decididamente atrevido e Evelyn aceitava aquele comportamento. — Bem — começou Emma, dirigindo-se à porta, recusando-se a se mostrar acanhada —, obrigada por seu tempo. Saiu para o saguão, entrou no elevador e, apenas quando estava assinando a saída, é que se deu conta de que havia esquecido a bolsa. Apesar das aparências, apesar de parecer totalmente calma diante daquela estonteante presença, um único vislumbre de D'Amato fizera suas entranhas darem um nó. Ele era extremamente belo. Possuía olhos que despiam e levavam para cama em questão de segundos, o que a levara deliberadamente a não se mostrar impressionada. Dirigiu-se mais uma vez ao elevador e, quando as portas se abriram no andar em que fizera a entrevista, deu um passo para sair no exato momento em que ele entrava. — Não esperava vê-la de novo. — Ele não se afastou para que Emma passasse. A estrutura avantajada bloqueava discretamente a saída e ele se mostrava disposto a conversar, ao contrário de Emma. — Ouvi dizer que a entrevista não foi muito bem. — Não foi. — Que pena! Como aquela simples expressão soava carregada de significado! Emma engoliu em seco antes de responder. — Esqueci minha bolsa. Estou indo pegá-la — explicou. Quando a porta do elevador começou a se fechar, ela pressionou o botão para abri-la. Não podia negar que não queria que aquele momento findasse. Luca D'Amato era divino e a fez desejar que, apenas por um furtivo segundo, tivesse a aparência, a confiança e a experiência necessárias para permitir que ele a seguisse. Mas não possuía. — Está descendo? — indagou ela, pressionando o botão para segurar o elevador. Luca D'Amato deu um passo atrás quando ela saiu, fazendo-a ciente de sua forte fragrância. Emma roçou de leve o smoking caro ao passar por ele. — Não, subindo — respondeu Luca, sorrindo. — Para o telhado. — As coisas estão mal, então? — disse Emma por sobre o ombro, sentindo-se mais segura agora que as portas estavam se fechando, mas ele as deteve com as mãos. — Quer vir comigo? — Estou certa de que aparecerá outra oportunidade de emprego — retrucou ela, observando o sorriso lento se estampar no rosto de traços perfeitos, quando ele captou a mensagem. — As coisas nunca são tão ruins assim. — Na verdade estou indo para Paris. — Que encantador! — O helicóptero está no telhado. — Geralmente estão. — Um jantar formal, muito entediante, mas talvez depois... Quais são 6

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli seus planos? — Um jantar em frente à televisão, enquanto vejo a reprise de um dos meus filmes favoritos de suspense. — Emma exibiu um sorriso doce. — Portanto, não há como competir! O sorriso de Luca D'Amato se alargara, pensando que ganhara fácil, enquanto segurava o elevador e esperava que ela entrasse. Muito arrogante. Muito pretensioso. Pensava que com apenas um estalar dos dedos bem cuidados a teria a seu dispor. Pareceu só captar a mensagem quando Emma abriu a porta de seu escritório. O tom grave e seguro da voz tinha um toque de perplexidade. — Se está preocupada em não estar vestida adequadamente... — Não estou nem um pouco preocupada! — respondeu Emma, rindo. Podia lhe dizer exatamente para onde ir com sua proposta indecente, afinal ele não seria seu chefe. — Como disse, não há como competir! Quando as portas do elevador se fecharam e Emma se encaminhou ao escritório de Evelyn, encontrava-se muito aborrecida para pensar em bater à porta antes de entrar. Ergueu a mão, a porta se escancarou e estacou, surpresa diante da visão de Evelyn. A mulher segura e pomposa, que esmagara seus sonhos minutos atrás, chorava copiosamente. Ao vê-la se sobressaltou e a expulsou, aterrorizada por ter sido surpreendida naquela situação. Em seguida, pareceu muito aborrecida para se importar com a presença de Emma. — Negativo! — Soluçou, enquanto Emma permaneceu imóvel. — Estava tão certa de que eu estava... — Sinto muito! — O que mais poderia dizer? — Sinto muito mesmo. E o que mais poderia fazer senão guiar a figura devastada até uma cadeira próxima e lhe entregar lenços de papel, enquanto Evelyn regurgitava toda sua triste história? Casada há cinco anos. Tentara engravidar por quatro e meio. Fertilização in vitro, injeções, sprays nasais, testes, ultrassono-grafias e tudo mais. E agora teria de ligar para Paul e contar a ele, soluçou Evelyn. Teria de telefonar para seu tão adorado marido, que desejava um bebê tanto quanto ela, e dizer que a fertilização in vitro falhara pela segunda vez. Emma não precisou se preocupar em dizer a coisa certa. Não conseguiria encontrar as palavras certas. Em vez disso, limitou-se a ouvir, lhe oferecer goles d'água e lenços de papel. Por fim, quando Evelyn se desfez em um mar de lágrimas, pareceu se lembrar onde estava e com quem desabafava. — Foi tão gentil... Quero dizer, depois de eu ter sido tão fria com você. — Não tem problema. Se não sou a pessoa certa... — Não, sabe de uma coisa... — Evelyn torcia o lenço de papel nas mãos. — Não tem nada a ver com sua experiência ou o fato de não falar japonês. — Sei disso agora. — Não, quero dizer... — Entendi, está bem? Sei que deve gostar muito dele, mas... Emma gaguejou enquanto Evelyn lhe dirigiu um sorriso choroso e revirou os olhos. — Não é nada disso. Apenas estou cansada de treinar novas assistentes para vê-las partir quando ele as leva para a cama. E um homem incorrigível. 7

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Eu sei! — Emma suspirou. — Acabou de me convidar para jantar com ele em Paris — acrescentou, sorrindo. — Talvez devesse procurar por um assistente do sexo masculino. — Eles também se apaixonaram pelo Sr. D'Amato. — Foi a vez de Evelyn suspirar. — Disse não a Paris? — Claro que disse. — Não o acha atraente? — Evelyn perguntou, ofegando. — Ele é divino — corrigiu Emma. — É um espécime magnífico e qualquer mulher que dissesse o contrário estaria mentindo. — Então por que disse não? — quis saber Evelyn. — Porque o conheço. — Emma explicou. — Não exatamente Luca, mas cresci rodeada de tipos como o dele. Li o livro de conduta deles do começo ao fim. Cresci em uma casa que só tinha homens. Espécimes de excelente aparência e excessivamente masculinos, por assim dizer. — E quanto à sua mãe? — Morreu quando eu tinha quatro anos — disse Emma. Não havia nada em sua voz que clamasse por piedade. Apenas informou os fatos. — Meus irmãos são todos bem mais velhos que eu. — Exibiu um leve sorriso ao se lembrar da infância. — E meu pai... Bem, um viúvo bonitão costuma atrair um séquito enorme de admiradoras. Todas querendo mudá-lo, presumindo que ele estava à espera da próxima Sra. Stephenson. E ele jogava com todas muito bem. — Luca é um homem bom — afirmou Evelyn, corando levemente pela própria indiscrição em se referir ao patrão de um jeito tão pessoal. — Sob toda aquela fachada, quando não está sendo tenebroso, é um homem muito bom. Veja, por exemplo, esse cargo de secretária executiva que está sendo oferecido. É apenas para que eu possa me livrar das viagens e das horas extras noturnas. Ele é mesmo muito bom. — Desde que não o ame — retrucou Emma. — Desde que não tenha absolutamente nenhuma intenção ou esperança que um dia possa mudá-lo. — Você captou bem. — Evelyn piscou, maravilhada. — Pode estar certa que sim. — Avistando a bolsa, Emma a pegou e a pendurou sobre o ombro. — E melhor eu ir. — É melhor eu ligar para Paul. Não tinha como competir. Nem por um segundo ela considerara aceitar a oferta extravagante de Luca, mas vestida com seu pijama, sentada em frente à televisão, jantando e vendo os créditos de seu programa favorito, a casa lhe pareceu muito grande e solitária. Solitária... Nunca admitira aquilo, nem mesmo para si. Tinha amigos e um emprego para mantê-la ocupada, mas algumas vezes desejava não ser tão esperta, tão cínica, tão cética no que se referia aos homens. Pegou uma revista, saltou diretamente para as páginas que desejava e começou a ler sobre a vida dos outros, os problemas alheios e, pela milionésima vez, sentiu falta da mãe, das conversas que certamente teriam sobre garotos e homens. As outras pessoas costumavam achar aquilo tão tranqüilo. As amigas se apaixonavam e se desapaixonavam, pulavam de um 8

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli relacionamento para outro e algumas até mesmo casavam ou iam morar com seus namorados. Emma sentia como se tivesse sido largada à margem daquilo tudo. Extremamente envergonhada pela provocação dos irmãos, temendo se machucar, escondera suas primeiras e inocentes paixões, negara convites dos rapazes para sair em sua adolescência, invejando o modo como as outras achavam aqueles jogos amorosos fáceis, diziam sim e mergulhavam de cabeça. Querida Barbara, redigiu a carta na mente. Sou uma mulher atraente de 22 anos. Tenho amigos, um emprego, uma vida ocupada e ainda sou virgem. Oh, e acabei de negar uma noite em Paris com o homem mais sexy do planeta. Seria a carta da semana! Embora tivesse sido ótimo ter chegado em casa sem mensagens da casa de repouso do pai ou novas contas na caixa de correio, tudo que sentia era um vazio. Desligou a televisão e por um momento vacilou. Por um volátil segundo quis ser uma estúpida. Ter aquele gene impulsivo em relação aos homens que lhe fora totalmente negado. Desejou ter aceitado a oferta fascinante de Luca. Luca trocava os canais da televisão sem, no entanto, prestar atenção neles. Ficava ligada o dia todo para distrair o cachorro, Pepper. Não que o animal a apreciasse. A noite se alongava infinitamente e ele permanecia ali, lamentando-se pelo fato de ter estado entediado, às 23h da noite em Paris, mas graças ao fuso horário, encontrava-se totalmente desperto e agitado às 23h45, em Londres. Deveria estar exausto. Acordado desde às 5h da manhã, com a mente funcionando a toda velocidade. Os dirigentes da Hemrning's, a ampla cadeia de shoppings, o chamaram-no para intervir tarde demais para evitar que eles desmoronassem. Porém, conseguia vislumbrar uma forma de salvá-los. Pegou uma cerveja do refrigerador e tentou não pensar sobre o assunto, descansar um pouco, farto que estava de todas aquelas viagens e compromissos. Por que todos queriam se encontrar pessoalmente? Por que simplesmente não se conformavam com uma videoconferência? Que inferno! O e-mail seria suficiente. E um pouco de sexo seria ótimo. Havia muitas mulheres que ficariam ansiosas em oferecê-lo, mas não estava disposto a conversar. Nem mesmo se fingir interessado. A gravata e as abotoaduras deviam estar soldadas. Teve de pousar a cerveja para poder desatá-las. E dar atenção a Pepper. Rosnou para a agitada miniatura de poodle, que rosnou de volta. Soltou-o na ampla varanda para que fizesse suas necessidades. Pela manhã, a empregada limparia. Martha, uma ex-namorada, aproveitara uma das viagens de Luca à Sicília para se mudar para sua casa sem ser convidada e esquecera, convenientemente, Pepper, quando Luca lhe pedira que saísse de lá... Há três anos! 9

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Você — disse ele, retornando ao refrigerador. — É a imagem mais patética de cachorro que já vi em minha vida. — Retirou uma coxa de galinha e a mordeu, enquanto se esticava sobre o sofá, com Pepper saltando no chão a seu lado. — Você está de dieta — lembrou ele, com a atenção parcialmente voltada à série policial que passava na televisão. Por fim, acabou cedendo e atirou alguns petiscos no chão. Fora um inferno terminar com Martha. As lágrimas e protestos da exnamorada diante do final inesperado não tiveram precedentes. Perguntara uma infinidade de vezes como ele pudera terminar algo tão bom. E, então, ela deixara Pepper. Simplesmente não o levou, certa de que Luca acabaria cedendo e lhe telefonando. Porém, o que Martha não sabia era que quando ele terminava algo, jamais voltava atrás, que preferia lidar com um cachorro fedorento e senil do que voltar a encontrá-la. A série policial não era tão entediante. Três minutos antes do final do último episódio da temporada, Luca decidiu que era algo que poderia acompanhar. Quando os créditos foram exibidos, soube que era a ele que Emma havia se referido e teve certeza de que ela também o estaria assistindo. Simplesmente sabia e desejou que ela tivesse dito sim a Paris.

CAPÍTULO DOIS

FALTAVAM 15 minutos para às 17h de uma tarde de quinta-feira e todos os funcionários da D'Amato Financiers, com exceção de Emma, pareciam estar fervilhando de excitação. Enquanto Emma voltava de uma reunião com o diretor de Recursos Humanos, podia ver maquiagens, discretas em alguns casos e espalhafatosas em outros, sendo aplicadas nas mesas e toda a área do escritório estava envolta em fragrâncias variadas que haviam sido recentemente borrifadas. Até mesmo os homens aderiram. Emergiam do toalete masculino com camadas generosas de produtos para cabelos recémaplicados e um brilho no olhar que anunciava o fim de um dia de trabalho. Era quinta-feira na Inglaterra e parecia que todos tinham planos. Todos, exceto Emma. Relembrou com uma pontada de dor, quando as noites de quinta-feira eram precursoras do final de semana. Um tempo em que as manhãs de sextafeira se passavam em reuniões em torno da máquina de café, onde era discutida em detalhes a noite anterior. Teria sorte se conseguisse sair dali às 19h e visitaria o pai. No dia seguinte, voltaria ali às 6h da manhã para se reunir com Luca e, em seguida,

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Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli voar às 8h30 para uma reunião na Escócia. Evelyn tivera segundas intenções ao oferecer o cargo a Emma no dia seguinte da entrevista. Trabalhava no emprego de seus sonhos há seis semanas e, embora ainda fosse o emprego de seus sonhos, era extremamente cansativo. Como secretária executiva de Luca D'Amato, não foi apenas o cargo que precisou ser detalhado. Cada minuto do tempo de Luca era valioso, explicara-lhe Evelyn no primeiro dia. Mais que valioso. Aquele era o motivo de ele possuir a própria equipe de viagem — dois assistentes e procurando um terceiro, quatro motoristas em tempo integral, enfim, uma frota de funcionários — que se ocupava dos detalhes e lhe permitia ficar livre para exercer sua maior habilidade: recuperar empresas em apuros, devolver-lhes a saúde financeira e lucrar uma quantia obscena de dinheiro no processo. O trabalho de Emma era variado, na maioria das vezes excitante, mas extremamente entediante em algumas ocasiões, tais como lidar com o casamento da irmã de Luca, com o cachorro, com os excessivos dias de folga da empregada. A lista era interminável. Esquivando-se para o toalete feminino, Emma pretendia ajeitar os cabelos e a maquiagem, mas demorou uma eternidade até conseguir um lugar em frente ao espelho. Graças ao tempo que passara em um ar-condicionado gelado, seus cabelos negros cacheados se encontravam frisados. Tomou emprestado um frasco de óleo relaxante de uma raiva esnobe, e prendeu os cabelos para trás em um rabo de cavalo baixo. Em seguida, pegou um copo de chocolate quente e um pacote de biscoitos da máquina e se dirigiu ao elevador, sabendo que provavelmente aquele seria seu jantar. — Maldito! Emma saiu do elevador e deu um passo atrás, quando uma morena estonteante saiu pisando duro do escritório de Luca e entrou no elevador. Lágrimas rolavam-lhe pela face, mas ainda assim a mulher fitava a porta fechada da sala, esperando que ela se abrisse, que Luca a seguisse, a chamasse e lhe dissesse que aquilo não poderia terminar assim. Obviamente ele não fez nada daquilo. Ninguém dava um ultimato a Luca e saía rindo, nem mesmo aquela extraordinária beldade, que, com um soluço de frustração, finalmente apertou o botão para fechar as portas do elevador. Os olhos desesperados perscrutando pela fresta até elas se fecharem, ainda esperando que Luca mudasse de idéia. — Isso... — disse ele, primeiro espiando ao redor do corredor para se certificar que era seguro sair — não foi culpa minha. — Ergueu as mãos, confuso e repetiu: — Com certeza não foi culpa minha. — Ainda assim, Emma permaneceu calada, apenas observando com os lábios comprimidos, enquanto Luca tomava o chocolate que trouxera, como sempre fazia se ela não o colocasse em sua caneca antes que ele o visse. — Honestamente não foi. — Nunca é — afirmou Emma, com o sarcasmo lhe escorrendo pelos lábios. Alguns diriam que aquela não era maneira de se falar com um chefe, mas ela usava aquele tom porque tinha de mantê-lo a certa distância e porque era boa no que fazia. Apesar da ousada oferta inicial, nas seis semanas que trabalhava ali, Luca nunca tentara flertar com ela. Oh, talvez de vez em quando, mas era rápido, com habilidade e ambíguo. 11

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Recebeu meus recados? — perguntou Emma, porque ele nunca os lia. — Um senhor chamado Dr. Calista ligou e pediu para que você ligasse para ele. — Está bem. — E sua irmã também. Ela quer saber se viu as gravatas. — Gravatas? — Ela lhe enviou um e-mail com fotos das gravatas que os padrinhos usarão no casamento. Telefonou várias vezes hoje. — Lembre a ela o quanto vale minha hora-trabalho e, se ela insistir, mande a conta para ela. Emma sabia que ele não estava falando sério. Luca ficaria furioso se ela o obedecesse, mas às vezes era bastante sarcástico. — Estou falando sério — acrescentou ele como a lhe adivinhar os pensamentos. — Quer mesmo que eu mande sua irmã pagar por telefonar para você? — Quero que você — começou Luca em tom firme — ponha em prática algumas funções que esse cargo exige. Não devo ser incomodado com tais detalhes. Estou sendo claro? — Muito. — Ótimo. Você escolhe as gravatas, você resolve as coisas e tem toda minha permissão de dizer a ela que fui eu quem o fez. — Está bem. Luca girou para voltar ao escritório, jogando o copo descartável do chocolate na lata de lixo. Porém, estacou e tornou a girar. — Tem planos para esta noite? — Na verdade, sim — disse Emma entre dentes. — Muito bem, cancele-os. — Luca deu de ombros. — Ruby iria me acompanhar em um desses terríveis jantares dançantes no Hemming's. O convite inclui um acompanhante, portanto devo levar alguém. — Tenho compromisso — repetiu Emma, porque estava ficando cansada daquele tipo de situação. Trabalhava duro, mas aquela era a quarta noite seguida que tinha de adiar a visita ao pai e aquilo não era justo. — Tenho de visitar meu pai — explicou relutante. — Prometi que iria esta noite. — Então, diga-lhe que está trabalhando. — Adiei essa visita durante toda a semana. Gostaria de sair no meu horário esta noite. — Ao ver Luca franzir a testa, continuou. — Ouça, não costumo negar seus pedidos, mas certamente há outra mulher que possa convidar. Algo estúpido de se dizer. Existiam milhares delas e só havia uma razão para Luca a estar convidando! — Estava pensando em voltar cedo para casa. — Luca suspirou. — Ao menos com você seria apenas um jantar. — O estranho elogio fez um sorriso relutante curvar os lábios de Emma. — Vou perguntar a Evelyn... Onde ela está, por falar nisso? — Não, por favor... — disse Emma, perturbada. Evelyn havia escapado do escritório para ir ao consultório médico pegar frascos e agulhas para sua última tentativa de fertilização in vitro. A última coisa de que a pobre mulher 12

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli precisava era de um jantar dançante com Luca. — Eu irei. Tudo bem. — Tem certeza? — Luca franziu o cenho, sentindo uma pontada de sentimento de culpa, já que sabia muito bem onde Evelyn fora. — Poderemos visitar seu pai no caminho. — Não poderemos — disparou Emma. — Estarei com um vestido de festa! — E daí? — indagou Luca, sorrindo. — Então vá se arrumar. Partiremos em uma hora. A natureza de seu trabalho exigia que conseguisse se arrumar para um evento formal em uma hora. Havia um toalete naquele andar e Emma protegeu os cabelos com uma touca de banho e tomou uma rápida ducha. Possuía até mesmo um robe em seu escritório. A bolsa de viagem estava em sua sala pronta para partir para a Escócia na manhã seguinte. Abriu-a e procurou o modelador e a nécessaire de maquiagem de reserva. Em seguida, começou a se pintar. Vestiu a meia-calça e colocou o vestido preto que estava se tornando costumeiro. Optou por um colar de pérolas negras e persuadiu os pés cansados a entrarem nos sapatos de salto agulha. Só então se dedicou aos cabelos, enrolando os cachos em torno do modelador para dar forma ao penteado. Aquela era uma rotina que começava a desempenhar com perfeição. — Está precisando de mais trajes de noite. — Aquele foi o comentário de Luca quando a viu trajando o vestido preto outra vez. — Comprarei tão logo tenha um dia de folga! — retrucou Emma. — Está pronto? Luca não lhe respondeu, mas ele nunca dava atenção a perguntas triviais. Em vez disso, caminhou em direção ao hall dos elevadores com Emma o seguindo. Segurava a pequena maleta que levaria para o pai, a qual Luca fitou de relance, mas nada comentou. — Esqueci de colocar perfume — comentou ela. Luca inspirou profundamente. — Está cheirosa. Homens! Sentada no banco traseiro do carro ao lado do chefe, Emma sentia um nó de tensão na garganta. Era hora do rush e esperava que a qualquer momento Luca lhe dissesse que não poderiam visitar seu pai. Verificando as horas no relógio de pulso, percebeu que não conseguiriam, o que, na verdade, era um alívio. Não queria explicar sua vida para Luca. — Primeiro trataremos do cachorro velho — disse Luca de modo pausado, alheio ao fato de estar espicaçando os nervos de Emma, enquanto a guiava para dentro de seu apartamento. A televisão estava ligada como de costume. Ela caminhou pela sala, enquanto Luca servia peito de frango e arroz para Pepper. — Ele está de dieta — explicou. Emma estivera no apartamento de Luca várias vezes, mas não conseguia entender para que um homem ocupado como ele queria um cachorro. Eles nem ao menos pareciam gostar um do outro. Porém, não cabia a ela questionar. Seu dever era marcar as visitas do veterinário e avisar a mulher 13

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli que tomava conta de Pepper quando Luca fosse viajar. — Procure no toalete — sugeriu Luca do quarto. — Provavelmente há algum perfume esquecido por lá. Fique à vontade. Era como entrar em uma perfumaria. Loções, batons, hidratantes, tudo deixado para trás pelas antigas proprietárias. Porém, não foram os artigos femininos que lhe chamaram atenção e sim o reflexo de Luca trajando apenas roupa de baixo, enquanto escolhia uma camisa social. Embora estivesse se acostumando com a beleza de Luca, nunca vira tanto dele. Era estonteante. Tão pomposo e arrogante que, na maioria das vezes, Emma conseguia se desligar do fato de que ele era o mais belo homem que já conhecera. As pernas longas e musculosas conseguiam parecer sexies mesmo com as meias. Enquanto ele vestia a camisa, Emma pôde vislumbrar um pouco mais do peito coberto por pelos pretos, que a fizeram enroscar os dedos dos pés apesar dos sapatos apertados. Desviando o olhar, escolheu um dos perfumes e aplicou uma gota atrás das orelhas. Porém, seu olhar voltou, inexorável, para a estonteante visão do corpo atlético. E então, ele a surpreendeu espiando. O olhar intenso sustentou o dela através do espelho por um longo instante, enquanto o esboço de um sorriso lhe curvava os lábios, antes de virar o rosto. — Pronta? — Perturbada, o som da voz de Luca a fez se sobressaltar. — Se quisermos visitar seu pai, temos de nos apressar. Ele percebeu. Com as faces em chamas e o corpo tenso no banco traseiro do carro, Emma teve certeza de que ele percebeu que, apesar da atitude fria e das recusas, Luca D'Amato mexia com ela. E então, pela primeira vez em seis semanas, Emma se sentiu vulnerável.

CAPÍTULO TRÊS

— ONDE ELE mora? Emma informou o endereço ao motorista e se recostou no acento do carro. A tensão aumentando à medida que se aproximavam da rua de árvores frondosas, ladeada de casas suntuosas. — É bonito aqui — elogiou Luca, olhando pela janela do carro. — Foi aqui que cresceu? Ele não tinha idéia. Apenas presumia que seu pai pudesse sustentar uma casa naquela região. Em vez de responder, Emma se limitou a negar com um gesto de cabeça, tentada a dizer ao motorista para tomar o caminho de 14

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Hemming's. Porém, seu pai ficaria devastado se não o visitasse aquela noite. Após instruir o motorista onde parar, Emma sentiu as faces queimarem quando viu Luca ler a placa da casa de repouso. — Esperarei no carro. — Emma podia sentir os olhos de Luca fixos nela, enquanto falava, mas não conseguiu encará-lo no momento em que saiu do carro. — Não demorarei. — OLÁ, PAPAI! O modo como o semblante do pai se iluminou quando Emma entrou no seu quarto contribuiu apenas para que se sentisse pior. Ele ansiava por suas visitas, que nas últimas semanas estavam se tornando cada vez mais raras. — Está parecendo com sua mãe... — disse Frank, alegre. — Quando saíamos para dançar. — Continuou a falar ininterruptamente, enquanto Emma guardava seu pijama lavado, substituía o desodorante e lhe enchia um pires de moedas para o jornal do dia seguinte. Frank nunca se mostrara tão animado com a visita da filha quanto nos últimos meses. Durante toda sua vida, ele praticamente a ignorara, e quando lhe dirigia a palavra era para falar mal de sua mãe, como se a morte dela tivesse sido culpa de Emma. Aquilo contribuiu para entristecer ainda mais sua infância. Sabia que tinha todos os motivos do mundo para dar as costas e deixar que o sistema cuidasse dele. Porém, desde que o pai sofrerá um derrame, era como se toda sua terrível infância tivesse se apagado. Pela primeira vez estavam tendo um verdadeiro relacionamento entre pai e filha e nunca faria como os irmãos que lhe deram as costas. — Desculpe-me por não vir visitá-lo com mais freqüência. — Emma partiu um pedaço do chocolate favorito do pai e colocou os pedaços em um prato em frente a ele. — Estou trabalhando muito, mas estarei livre no final de semana. — Tem que ir agora? — indagou Frank com os olhos inundados de lágrimas. — Acabou de chegar! — Tenho de trabalhar. Sentia-se péssima em deixá-lo tão cedo, mas não tinha escolha. Até que vendesse a casa, era seu trabalho que pagava a casa de repouso, embora estivesse cansada de acochambrar as coisas e acabar as deixando pela metade. No trabalho, mostrava-se calma e eficiente, mas seu íntimo se encontrava em um caos. — Srta. Stephenson. — O ar frio da noite a envolveu, enquanto Emma girava para ver quem a seguia. Ciente de que Luca pudesse estar assistindo, congelou em seu íntimo quando o supervisor acenou com o familiar envelope de papel manilha. — Tentamos contatá-la para falar sobre a conta. — Falei com o departamento financeiro ontem. — Emma tentou manter o tom de voz calmo e a postura relaxada para passar uma impressão de que não acontecia nada de errado, caso Luca estivesse observando. — Expliquei que arrumei um novo emprego e que estou saldando os débitos. Eles concordaram em fazer um novo plano de pagamento. — Estou ciente disso. Está descrito aqui. Emma pegou o envelope. 15

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Obrigada. — Qualquer atraso nesse plano de pagamento incorrerá em... — Não haverá. — Emma engoliu em seco. — Sabe que a casa de meu pai está à venda. — Temos uma longa lista de espera — respondeu o supervisor. — Estamos tentando ajudar, Srta. Stephenson, mas não somos uma instituição beneficente. O rádio do carro tocava música e Luca estava enviando e-mails em seu celular. Emma respirou aliviada. Certamente ele não notara seu desconfortável diálogo com o supervisor. — Como ele está? — indagou Luca. — Um pouco choroso — admitiu ela. — Farei uma visita mais demorada no final de semana. — Ele não recebe outras visitas? — Emma lhe contara sobre a morte da mãe e, vendo-a comprimir os lábios, Luca mudou de assunto. — Parece um lugar agradável — comentou, fitando o imponente prédio. — É caro? — Um pouco — respondeu Emma, dando de ombros. — Faço o que posso. Surpreendentemente, Emma descobriu-se gostando do jantar dançante no Hemming's. Era uma festa divertida e Luca, o homem que todos desejavam cumprimentar. Sua coragem e ousadia haviam evitado que o barco afundasse e com isso salvado o emprego de centenas de pessoas. E Luca era uma companhia muito agradável. Desligara o telefone no momento em que chegaram e teve a gentileza de apresentá-la a um bom número de pessoas, de modo que quando necessitasse circular, ela não se sentisse deslocada. Trocara sua musse de nozes com chocolate branco pela torta de amêndoas que Emma não apreciava e, quando os músicos começaram a tocar, não a descartara por ser apenas uma funcionária. Com exceção de uma dança com a esposa do CEO e uma longa conversa com alguns potenciais investidores, Luca parecia não estar ali a trabalho. — Obrigado. — Luca a segurava frouxamente nos braços, enquanto dançavam. — Estou achando bastante agradável. — Sim — concordou ele. —Admito que estava preocupado. — Estou certa de que encontraria outra pessoa para acompanhá-lo. — Quis dizer que estava preocupado se conseguiria salvá-los da falência — explicou, rindo quando ela corou. — Às vezes consigo pensar em trabalho. — Às vezes! — Foi a vez de Emma rir. — Não sei como dá conta de tanta coisa. — Simplesmente consigo — disse ele, baixando o olhar para fitá-la. — E você também. — Encarou-a por um longo instante. — Há quanto tempo ele está lá? — Embora não tivesse tocado no assunto durante toda a noite, a pergunta sobre o pai estivera gravitando em torno deles. — Seis meses. — E muito jovem para ele ser seu... — Papai era bem mais velho que minha mãe. — Oh. 16

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Ele teve um derrame no início do ano... — Emma deixou a frase morrer. Não queria conversar sobre aquele assunto. Sim, estava ali a trabalho, mas nos braços de Luca, movendo-se no ritmo da música, sentia-se como que distante de seus problemas nem que por apenas um breve tempo. — Fico feliz que seja você esta noite — disse ele. Próximo à meia-noite, com algumas taças de champanhe, seria assustadoramente fácil para Emma recostar a cabeça ao peito largo que se encontrava a centímetros de distância. Para não ceder à tentação, lembrou o verdadeiro motivo pelo qual estava ali e não pôde se furtar em perguntar: — O que aconteceu com Ruby? — murmurou próximo aos lábios dele, da mesma forma que Luca falava com ela e, de repente, não era mais uma questão profissional. Ela disse aquelas quatro palavrinhas. — Três palavrinhas — corrigiu Emma, porque de vez em quando o excelente inglês de Luca falhava. — Não, quatro. — Emma observou a sombra escura da barba que começava a nascer em torno no queixo de Luca. Os lábios carnudos se movendo enquanto ele falava e o hálito agradável soprando-lhe a face. De repente, desejou que Luca simplesmente a beijasse. — Aonde isso vai dar? Emma não pôde evitar o sorriso quando percebeu que ele estava se referindo ao que Ruby dissera. Por sorte, não respondera ao que, por um momento, considerara uma pergunta. — Então eu respondi: a lugar nenhum! Venha — disse ele, quando a música terminou. — Vamos. Vou ficar no escritório. Temos que pegar um helicóptero em... — Luca consultou o relógio de pulso. — Cinco horas. — Traduzindo, Emma teria três horas de sono se fosse para casa. — E quanto a você? Aquela hora a mais realmente contava quando se trabalhava no ritmo de Luca. Sempre cavalheiro, ele puxou o sofá-cama da sala de Emma e, em seguida, se retirou para sua luxuosa suíte. Ela se deitou, fitando o teto e pensando nele. Nem por um momento Luca tivera um gesto ousado ou a fizera se sentir desconfortável. Com exceção daquele primeiro convite extravagante, não houvera mais nada. Porém, horas antes ele a surpreendera o espiando. Emma estremeceu de vergonha, mas em seguida disse a si mesma que se ela estivesse trajando apenas calcinha e sutiã, Luca também teria olhado. — Qual é o objetivo disso tudo, Em? — A voz grave soou pelo interfone, fazendo-a sorrir. Luca costumava fazer isso de vez em quando. — Para que ganhe rios de dinheiro — respondeu ela. — Já tenho rios de dinheiro. — Para que tenha qualquer mulher que deseje. — Tenho qualquer mulher que desejo. . — Então, não sei. — Então por que você está aqui? — indagou Luca. — Esta caindo-se de tanto trabalhar para um patrão cruel que não lhe dá unia noite de folga? — Por que amo o que faço! — respondeu Emma prontamente. — Bobagem! — A voz grave soou no interfone, fazendo-a sorrir mais uma 17

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli vez. — Por está, aqui, Em? Emma ficou em silêncio por um longo tempo... Quase desejando que ele abrisse a porta e entrasse. Aquele diálogo, embora através de um interfone, era extremamente pessoal. Deitada no escuro, ficou tentada a lhe contar sobre seus débitos, a venda da casa e o sonho de cursar a escola de artes. Dizer-lhe que aquele emprego era sua tábua de salvação e que um dia a ajudaria a atingir seus objetivos. Mas aquela não era uma conversa para se ter com um chefe. — Boa noite, Luca! Emma nunca poderia supor, mas se não tivesse lhe desejado boa noite, a porta de sua sala teria sido aberta. Gostava dela. Luca fitava o teto familiar iluminado pelas luzes frouxas que nunca eram apagadas. O fato de não ter ido até lá era um indicativo do quanto gostava dela. Aquilo não tinha nada a ver com as recomendações severas de Kvelyn... Bem, talvez um pouco. Não queria perder Emma. Gostava dela. Na verdade, gostava muito dela. Era bom tê-la em sua rotina diária. Ela não se parecia com ninguém que conhecera antes. Sua presença iluminava o escritório com vivacidade, efervescência e o modo direto com que lhe respondia, fazendo-o rir. E Emma também gostava dele. Daquela forma. Ficara surpreso quando ela o dispensara tão friamente quando se conheceram. No dia a dia do escritório, mostrava-se na defensiva, até mesmo sarcástica com seu modo de agir. Luca não imaginara se a razão pela qual gostava dela era o fato de Emma ser a única mulher que não ficara obcecada por ele. Aí então, aquela noite, vira a expressão de Emma no espelho. Antes de perceber que ele a observava, pôde ver o desejo refletido naqueles olhos verdes. Permaneceu deitado em uma rara indecisão. Os instintos lhe diziam para deixar que a natureza seguisse seu curso. Sempre seguia seu instinto com as mulheres. Sentiu o corpo enrijecer de excitação ao imaginar aqueles cachos negros espalhados no travesseiro e a sensação da pele em contato com a dele. Então, por que tanta incerteza? Por que duraria apenas umas duas semanas, talvez dois meses, e então Emma iria querer mais como todas as outras, como Martha havia... Fechou os olhos para bloquear o repentino pensamento, mas círculos de luzes ainda dançavam diante deles. Martha fora a única que lhe custara deixar partir e aquele era o tipo de pensamento que o confortara até agora. Que havia dito adeus à mulher certa, que a pior parte do acordo que fizera consigo mesmo durante todos aqueles anos havia passado. Então por que, quando nem ao menos havia beijado Emma, a comparava a Martha? Não havia saído com nenhuma mulher desde que Emma entrara para o quadro de funcionários de sua empresa. Porém, algo o detivera: ela precisava muito daquele emprego e, ao menos por enquanto, ainda a queria por perto. Não poderia ter a profissional e a mulher. 18

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CAPÍTULO QUATRO

— SUA IRMÃ está insistindo em falar com você. Tentou seu celular durante toda a manhã — informou Emma ao silencioso interfone. — E agora está na linha e faz questão de lhe falar. — Ainda estou em uma reunião. Luca era diferente de todas as pessoas que conhecia. Não fazia exceção sequer para a família! Tinha vários telefones celulares, mas, ainda assim, as mensagens da família ficavam armazenadas como as outras. Sem nenhuma exceção. Sabia que ele as verificava, mas se recusava a atender de pronto. — Sinto muito, Daniela — Emma se desculpou pela milésima vez. — Ele não pode mesmo ser interrompido. Há algo que eu possa fazer por você? — Pode perguntar a ele por que nunca aparece e só dedica duas horas de seu precioso tempo em minha companhia em dias especiais! — Era desagradável ter de lidar com a histeria de Daniela, mas Emma recebia um salário fabuloso para fazer aquilo. E era melhor que lidar com o humor carregado de Luca a medida que o casamento da irmã se aproximava. Nada muito explícito. Continuava a ser o mesmo chefe de sempre, mas a tensão nele era quase palpável. — Vou passar pelo Hemming's. — Evelyn se aproximou da mesa de Emma. — Luca precisa de alguns papéis e terei de falar com o contador. — Claro. — O que quer que faça — disse Evelyn em tom sério — não coloque Daniela na linha com Luca nesse estado de humor. Ele certamente dirá algo que depois irá se arrepender e adivinha quem vai ter de lidar com a situação? — O que está acontecendo? — perguntou Emma pela quinquagésima vez. — Por que ele não pode simplesmente passar o final de semana com ela? Faz isso com seus clientes o tempo todo. — Não tenho a menor idéia. — De repente, Emma percebeu que a colega estava sendo evasiva. — Trabalho com Luca há anos e tive pouquíssimo contato com sua família, mas desde que esse casamento foi anunciado, telefonam de cinco em cinco minutos e isso não contribuiu em nada para melhorar seu humor. — Eu já cuidei disso. — Ponha o Dr. Calista na linha. — A ordem brusca soou pelo interfone e Evelyn revirou os olhos, enquanto Emma erguia o fone. — Boa sorte. Era como saber que havia um urso selvagem no prédio e a porta estivesse destrancada. Luca entrava a saía de vez em quando, rosnando e resfolegando, dando ordens para retirá-las em seguida. Os telefones não paravam de tocar 19

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli e, com Evelyn fora, Emma pediu sanduíches por telefone para almoçar. Luca lhe dera um fora quando ela lhe perguntara se desejava algo para almoçar. — O que tem aí? — Ele abriu a sacola de entrega e escolheu o sanduíche de salmão defumado e cream cheese sem lhe dizer nada. Porém, Emma estava acostumada com aquilo e, no instante em que ele fechou a porta do escritório, ela abriu a gaveta e pegou seu próprio sanduíche de salmão defumado e cream cheese, satisfeita com a própria esperteza, enquanto atendia ao telefone. No mesmo instante, o sorriso de Emma secou diante do desafio que tinha pela frente. Pensou em telefonar para Evelyn para perguntar sua opinião, completamente insegura sobre o que fazer. — Luca... — Engoliu o gole d'água que tomara às pressas. — Sua mãe ao telefone. — Telefono para ela mais tarde. — A resposta concisa soou do outro lado da linha, o que não lhe facilitou nada. — Luca... — Sentia como se estivesse apertando um botão para detonar um explosivo. — O que é? — Ela está chorando. Não sei se algo aconteceu... Quando ele xingou em italiano, Emma prendeu a respiração, soltando-a vagarosamente ao perceber o botão vermelho aceso e concluiu que Luca havia atendido. A espessa porta do escritório não lhe dava chance de escutar nada. Emma caminhou de um lado para o outro, fitando a luz vermelha e sabendo que estavam conversando. Imaginou se deveria entrar e lhe pedir desculpas, recriminando-se por não ter perguntado a Evelyn qual a atitude certa a tomar. Parecia ter se passado uma eternidade quando a luz vermelha desligou. Aguardou, esperando por um chamado enraivecido, mas para seu desespero ouviu apenas o silêncio como resposta. Bateu à porta, como ele recomendava que fizesse, e insistiu quando Luca não atendeu. Inspirou profundamente e entrou, apenas para se arrepender em seguida, mas era tarde demais. Luca não podia agüentar! Daniela ligara durante semanas, todos os dias, depois a toda hora e agora a mãe também. E chorando! Suplicando! "Família, Luca." Detestava "família". A mãe cobrando-lhe atenção depois de tudo que fizera e sofrerá por ele. Por ele? A mãe vivia distorcendo os fatos e era o que fazia agora, dizendo a ele que sofrerá por sua causa. Certamente, esperava que ele lhe retribuísse o favor. Detestava aquilo! Havia um oceano de raiva dentro dele. Uma fúria, que 16 anos afastado de casa serviram apenas para abrandar um pouco, mas que se encontrava latente. A ampla sala era pequena demais para conter sua ira. Ouvia vagamente o telefone celular tocar. Pegou-o e o atirou para um canto da sala, mas o aparelho continuou a tocar. Pegou o telefone fixo e o atirou para longe também. Em seguida, de apenas uma tacada, fez voar pelo chão todo o conteúdo de sua mesa. Computador, papéis, luminárias, o copo de café, criando um caos, sem se 20

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli conter pela presença de Emma. — Fora! — rosnou, mas ela permaneceu congelada no mesmo lugar. — Saia daqui agora! — Porém, Emma não obedeceu. Continuou imóvel com os olhos arregalados pelo choque. Pior ainda, com os olhos cheios de lágrimas... Recusando-se a sair. E então, Luca disparou pela porta em direção ao hall, socou o botão do elevado e, em seguida, desistiu, recostando a cabeça no antebraço, ofegante. Iria explicar. Devia explicar. Não queria que ela o tivesse visto daquela forma. Girou e, mais calmo, fez o caminho de volta e então a viu. Ajoelhada no chão, chorando. Assustada e trêmula, erguia a lâmpada e recolhia os cacos de vidro, tentando limpar o caos para que parecesse que aquele episódio hediondo nunca havia acontecido. Como sua mãe, há vinte anos. Porém, no presente fora ele a causar o caos e provocar as lágrimas aterrorizadas de Emma. — Desculpe! — A voz de Luca saiu trêmula, enquanto ela assumia a culpa. — Nunca deveria ter passado a ligação de sua mãe para você. Aquilo quase o matou, ao perceber que o que sempre temera durante anos estava se tornando realidade. Ele estava ficando igual ao pai.

CAPÍTULO CINCO EMMA CRESCERA em um ambiente masculino. Convivera com homens tempo suficiente para não pisar em ovos com eles. Oh, manteve-se afastada de Luca por algum tempo, e quando Evelyn retornou já havia comprado uma nova luminária, substituído os objetos quebrados e fingiu que nada acontecera. Porém, havia acontecido. Ainda assim, recusou-se a paparicá-lo e questioná-lo quando tomou ciência de um fato inusitado. — Pode me explicar por que fui convocada para ir ao casamento de sua irmã? — questionou em tom calmo. Afinal, aquele era seu patrão e tudo não devia passar de um engano. Eram 18h e Emma passara as duas últimas horas com a equipe de viagem de Luca, elaborando a agenda dos compromissos dele para a próxima quinzena, quando viu seu nome constar na lista dos passageiros do vôo para Palermo e do helicóptero para a aldeia em que Luca morava. Pior que isso, teve de suportar o sorriso malicioso estampado na face de toda a equipe, quando perguntou por que não haviam sido feitas reservas de hotel. Não existiam hotéis na aldeia. — Oh! —Ao menos ele teve a decência de fazer uma careta. Ia avisá-la... — Luca era capaz de ler as mulheres com a mesma facilidade com que 21

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli devorava os jornais. Quando os olhos de Emma se arregalaram pela sua escolha de palavras, corrigiu-se rapidamente. — Quero dizer, pedir a você. — Pedir o quê? — indagou Emma entre dentes cerrados. — Sabe que minha irmã se casará em breve. E mesmo? — perguntou ela, fingindo surpresa. Afinal, coordenara a compra do generoso presente de casamento: uma piscina incrustada na borda de uma rocha vulcânica, não menos. Fora ela a tratar com o mestre de obras, com o arquiteto, com a seguradora, com as escolhas das gravatas, com a irmã e com a mãe. Sem mencionar o péssimo humor de Luca. Oh, sim. Sabia que Daniela iria se casar! — Por favor — disse Luca. — Sarcasmos não combinam com você. — Franziu a testa por um momento. — Na verdade, combinam... Mas não agora. Precisarei de ajuda durante o final de semana. É um pouco difícil de explicar... Emma meneou a cabeça de leve. Luca nunca encontrava dificuldade em explicar o que quer que fosse. Apenas verbalizava com extrema facilidade o que queria. — Não posso ajudá-lo, já tenho planos para o final de semana — afirmou em tom calmo. Era uma mentira. Embora fosse seu aniversário, não combinara nada a não ser visitar o pai, mas não estava disposta a lhe dizer aquilo. — Sei que minhas funções são bastante diversificadas, mas participar de um casamento não faz parte delas. — Não se trata de cuidar de um casamento. — Então para que precisa de mim? — Seria mais fácil ter alguém a meu lado — admitiu Luca. — Quer dizer o acompanhando? — Emma meneou a cabeça em negativa de forma vigorosa. — Poderia pedir a outra pessoa... — Mas você pode me acompanhar sem segundas intenções — interrompeu ele. — Emma, você me entende. A última mulher que levei para lá... — Engoliu em seco, antes de dizer o nome dela. — Martha. Expliquei para ela que não se envolvesse, que minha família presumiria que estávamos namorando a sério e que iríamos nos casar. Ela me garantiu que entendia até que, quando chegou lá... — As coisas mudaram? Luca anuiu. — Não suporto o pensamento de estar na mesma casa por duas, talvez três noites sozinho. — Luca a fitou e, em seguida, vagou o olhar pelos cachos negros enrolados, pela boca que, de alguma maneira, sempre conseguia fazêlo rir, pelo corpo que, no presente, pensava durante toda a noite. Aquele era o único modo de suportar. Com a mulher que tornava o inferno suportável e se encontrava a seu lado no momento. Mesmo que em breve tivesse de lhe dizer adeus... — Pensei que se estivesse lá... — Pensou mesmo que eu fosse concordar? — indagou Emma. — Bem, claro que pensou se a equipe de viagem toda já sabe disso. — Iria conversar com você mais tarde. Não tinha noção de que a reunião se estendesse tanto. — A resposta seria a mesma: não. — Está fazendo uma tempestade em um copo d'água! — Para mim, é uma tempestade! De qualquer forma, há muitas mulheres 22

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli que ficariam exultantes em lhe fazer esse favor. Peça a uma delas. — Meu pai está doente! — argumentou Luca, jogando o trunfo da compaixão, porém Emma apenas o fitou com os olhos arregalados. — O meu também! Nem por isso estou lhe pedindo que durma comigo — rebateu. — Ele tem apenas dois meses de vida — revelou Luca. — Sinto muito em saber — respondeu Emma. — Mas não posso ajudá-lo. Ouça... — Estava irritada. Mais que isso, furiosa com o fato de Luca pensar que podia simplesmente tomar decisões como aquela sem consultá-la. — Lamento se ele está doente, mas... — Não lamento pelo fato de ele estar doente — interrompeu Luca em tom de voz carregado. — Detesto meu pai, mas ele pode morrer a qualquer momento. Minha mãe suplicou para que eu fosse para representar a farsa D'Amato pela última vez. — A farsa D'Amato? — perguntou Emma, franzindo a testa, mas Luca não explicou. — Não posso encarar aquilo. — Nunca o ouvira fazer outra coisa senão falar com firmeza e a súplica por compreensão a alcançou momentaneamente. — Estou pedindo a você, porque entende... — Entendo o quê? — Entendera mim! — Pela primeira vez Luca parecia desconfortável. — Não tenho intenção de me casar e nem de formar um lar... Nunca. Você entende... — Deu de ombros. — Que seria extremamente profissional! — Dividir sua cama não é meu conceito de profissionalismo! — Será bem remunerada... — Percebendo a expressão furiosa de Emma, apressou-se em acrescentar: — Poderíamos dizer que é minha namorada. Não estou pedindo que faça sexo comigo! — Ainda bem, porque certamente não fantasio nada disso com você! — Emma girou com as faces queimando. Ouvira tudo que tinha para ouvir, mentira o bastante, mas ainda não falara o suficiente. E então, se voltou. — Tem razão, Luca. De fato eu o entendo. Percebo seu bom gosto e sentimentos em relação às mulheres. Sei que não pretende formar um lar e que as mulheres querem mais do que está disposto a oferecer. Entendo isso tudo. Ao menos o suficiente para saber que raramente dorme sozinho e, não importa como me apresente a sua família ou o que pense que poderá ou não acontecer entre nós enquanto estivermos fora, nós dois dormindo da mesma cama não daria certo! — Acho que daria muito certo! — retaliou Luca. Durante um efêmero momento ambos imaginaram como seria, visitando o mesmo lugar por um perigoso segundo. De repente, Emma sentiu-se quente e aborrecida. Em parte, para ser honesta, por que seu chefe exalava sensualidade. Mas não era só pelo perigo que Luca oferecia ou se seria capaz de manter o acordo a que chegassem. Era também pelo fato de estar com 24 anos e nunca ter tido um relacionamento. Às vezes, sentia-se a última virgem do mundo! Oh, sempre usara a desculpa de que estivera ocupada, cuidando do pai e, em parte, era verdade, mas fora mais que isso. Erguera uma barreira de gelo em torno do coração. Não confiava nos homens e, com Luca, era a coisa mais inteligente a 23

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli fazer. Porém... Com Luca, ao menos ela soubera o que a esperava desde o início. Ele a observou engolir em seco e reparou no rubor que lhe corava as faces. E então, Emma imaginou qual seria a reação dele quando descobrisse que ela era virgem e aquele pensamento afastou-lhe a mente do lugar perigoso em que se arriscava. — A resposta ainda é não — declarou com firmeza. — Posso lhe pedir para que ao menos pense nisso? — pressionou Luca. — Já pensei o bastante e dei minha resposta. Gosto de trabalhar para você, Luca. — Exibiu um sorriso reservado. — Deixemos as coisas no âmbito profissional, está bem? Se for capaz! — dizendo isso, Emma girou e se retirou. Pela primeira vez na vida, era Luca o dispensado. Não que alguém notasse, mas podia sentir uma leve queimação nas orelhas pelo fato de Emma tê-lo colocado em seu lugar. Como sempre fazia, concluiu Luca, enquanto se sentava atrás da mesa do escritório. Não acostumado à rejeição, sentia-se desconfortável com aquela situação. Podia ter qualquer uma que quisesse! Com tal pensamento em mente, pegou o telefone celular e repassou a lista de contatos, lendo os nomes das muitas beldades em volta do mundo que poderia contatar naquele exato momento. Porém, recentemente, nenhuma lhe apetecia. Apenas Emma. Permaneceu sentado por uma eternidade, pensando, repassando a cena repetidamente em seu cérebro até o escritório escurecer. Emma poderia ajudá-lo a passar pelas próximas semanas. O casamento, os últimos momentos da doença do seu pai. Como seria mais suportável se ela estivesse por perto! E por que tinha de ser apenas por algumas semanas? Não tinha dúvidas que iam... Apesar dos protestos de Emma, sabia que a atração era mútua. Então por que teria de terminar tão cedo? Talvez pudesse durar alguns meses, ou mesmo um ano... Esticou a mão para acender a luminária sobre a mesa, mas embora Evelyn tivesse conseguido uma quase idêntica, o cordão elétrico era do outro lado. Naquele segundo, lembrou por que um relacionamento com Emma não poderia durar aquilo tudo. Abriu um documento na tela do computador. Vaga aberta. Secretária Executiva. Leu as diretrizes e acrescentou algumas palavras. Necessário idioma japonês fluente. Salvar as alterações? Emma bateu à porta e ele a mandou entrar. — Preciso de uma pasta, se não se importar. — Claro. — Trouxe-lhe café. — Emma não parecia nem um pouco desconfortável, quando adentrou e depositou a bebida forte e quente sobre a mesa. A seu modo, percebeu Luca, ela estava definindo as regras, encaminhando-se ao arquivo com extrema eficiência, como se a conversa anterior nunca tivesse acontecido. Ela era estonteante, pensou ele, satisfeito. Mechas de cabelos 24

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli estavam se desprendendo do rabo de cavalo e dançavam em tomo da face graciosa. Observou o tecido fino da blusa se comprimir contra os seios generosos, enquanto Emma subia em um banco-escada e ainda assim teve de se esticar para alcançar o último arquivo. Emma era dona de nádegas fantásticas. Curvilíneas e macias. Por que aquela fascinação em relação a Emma? Ela não era o tipo de mulher com o qual costumava sair. Preferia as enfeitadas, elegantes a qualquer hora do dia e de preferência sem opinião própria. Emma opinava em tudo! — Vá para casa — disse irritado consigo mesmo. Queria aquela tentação longe dele. — Oh! — Ela verificou as horas. — Tem certeza? — Tem aula de artes hoje, certo? Sabia que ela perdera as duas últimas semanas de aula e aquilo a entristecia. — Há algo mais que deseje? Luca optou por não responder àquela pergunta. Chegaria lá em breve.

CAPÍTULO SEIS — EMMA! Havia várias formas de Luca pronunciar seu nome. Com seu sotaque italiano acentuado, conseguia transformar a simplicidade dele em algo exótico. Mas não no momento. Aquele conciso e brusco "Emma" que soou no interfone e a arrancou da tarefa de compilar algumas notas era uma ordem para que fosse imediatamente ao seu escritório. Emma tinha uma reunião às 9h da manhã com o diretor de Recursos Humanos e faltavam apenas cinco minutos. Luca exigira um relatório daquela reunião em sua mesa na hora do almoço. Sentiu-se tentada a ignorar o chamado, deixar que pensasse que ela já havia saído. — Emma! — O chamado foi curto e incisivo, mas dessa vez não soou do interfone e sim do homem em pessoa. Obviamente Emma não respondera nos dois segundos necessários. — Não me ouviu? — Estou indo — retrucou ela em tom calmo. Havia se passado uma semana desde que Luca lhe fizera aquela ridícula proposta. Embora tivesse tido a sensatez de não voltar ao assunto, o clima entre eles não estava bom. Luca não se mostrava explicitamente zangado. Como ela pedira, 25

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli mostrava-se estritamente profissional. As brincadeiras e conversas haviam desparecido. Emma sentia saudade delas. Trabalhando nas horas mais inusitadas, consumia grande parte dos dias de Emma e ela sentia falta daquele lado de Luca. — Preciso que providencie uma reunião com o Sr. Hiroshiko. Preciso de todas as últimas cifras... Recentemente, Luca voltara seu olhar perspicaz para o Japão. Um mercado difícil para um estrangeiro penetrar. Porém, Luca vira aquilo como um desafio. Aderiu a um curso de atualização no idioma e instruiu Emma e Evelyn que fizessem o mesmo. Quando Luca se focava em algo, investia pesado. Não só se informou sobre padrões de etiqueta, como, de repente, dominava o kaiseki ryori, ou a culinária requintada japonesa. A mente inquieta sempre procurando desafios e novos interesses. Luca nunca se cansava. Em vez disso, absorvia aquela nova energia e a expandia, seguindo para o próximo empreendimento, enquanto mantinha o anterior. — Prepare a sala de reuniões para uma videoconferência. — Estalou os dedos enquanto tentava puxar algum pequeno detalhe da mente brilhante e ocupada. — Há algo que preciso tratar com ele primeiro... — O enterro da mãe dele foi semana passada — respondeu Emma. Fora ela a providenciar as flores e as condolências que haviam sido enviadas em nome da D'Amato Financiers. — Isso mesmo. — Luca anuiu com um gesto de cabeça, em um rápido agradecimento. Começaria a difícil reunião com uma conversa cordial antes de partir direto para a jugular. Não era exatamente uma técnica, concluiu Emma após algumas semanas trabalhando para ele. Luca podia separar o lado profissional do pessoal com uma facilidade alarmante. As condolências seriam sinceras, a compaixão verdadeira, mas quando se tratava de negócios não haveria concessões ou moratórias momentâneas. Aquele era o motivo pelo qual a D'Amato Financiers não apenas sobrevivia, mas prosperava. Luca lidava com dinheiro, montanhas dele. Suas próprias finanças e as dos outros. Sempre atento, antecipava-se às aquisições com extrema maestria e facilidade. E era exatamente aquilo que ele fazia no momento. Emma voltou a consultar o relógio de pulso. — O Departamento de Recursos Humanos pode esperar — disse ele. — Isso é mais importante. Kasumi, a secretária executiva do Sr. Hiroshiko, sempre se mostrava amável e serena quando Emma tinha de tratar com ela. Naquela manhã, estava sorrindo para a tela, quando, por fim, Emma acionou o botão certo. Conversou por um momento com a outra mulher, admirando-lhe os cabelos negros brilhantes na sala de videoconferência, enquanto organizava a mesa de Luca e colocava algumas configurações em seu laptop como ele lhe pedira. — Direi ao Sr. Hiroshiko que o Sr. D'Amato está disponível para ele — disse Kasumi, quando ambas se certificaram de que estava tudo em ordem. Embora Emma tivesse feito aquilo muitas vezes, ainda se sentia um pouco desajeitada conversando com a ampla tela. — Kunbanwa — saudou Emma, desejando boa-noite a Kasumi. 26

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Seguindo as instruções de Luca, estudava o idioma japonês no que podia chamar de seu tempo livre. Durante o caminho para o trabalho ou no trajeto para visitar o pai, praticava o idioma complicado com os CDs que Luca lhe emprestara. Porém, após seis semanas, ainda se encontrava no nível um! — Tenha um bom dia — retrucou Kasumi, porém Luca adentrou a sala e Emma percebeu que a calma e serena japonesa não era indiferente ao charme que ele irradiava. Na tela imensa, foi fácil notar as faces de Kasumi se tornarem rubras. E quem poderia culpá-la? Luca não entrou apenas na sala e a cumprimentou brevemente. Ele estacou e lhe voltou total atenção, desejandolhe um bom dia e conversando em um impressionante japonês. Enquanto isso, mantinha um contato visual que faria qualquer mulher estremecer. Por fim, presenteou-a com uma de suas raras risadas. — Temo que isso seja o mais longe que consigo chegar! Saiu-se muito bem — retrucou Kasumi, sorrindo. — Seu japonês está melhorando. — Um pouco — concordou Luca, caminhando em direção à mesa e percebendo os lábios levemente contraídos de Emma. Em seguida, voltou a atenção de novo à tela para encontrar os olhos Ansiosos de Kasumi, enquanto algo parecia apertar a garganta de Emma. — Saifu o otoshimashita — disse ele e Kasumi deu várias risadinhas. — Isha oyonde kudasai — acrescentou, para o óbvio deleite da outra secretária. Emma sentiu-se irritada com o formigamento que sentiu na nuca pela indignação em vê-los flertar descaradamente em sua presença. Muito bem, não ficaria assistindo àquele show. Em vez disso, encheu um copo com água para Luca e se certificou de que a reunião estava sendo gravada, enquanto, sem dúvida alguma, ele estaria oferecendo promessas de jantares e cafés da manhã para sua próxima viagem ao Japão. Porém, as afetadas risadinhas da tão profissional Kasumi logo cessaram quando seu chefe entrou na sala de reuniões, mas eram as faces de Emma que pareciam estar queimando quando se retirou discretamente. — Tudo bem? — indagou Evelyn, enquanto ela juntava algumas pastas para a reunião adiada com o Departamento de Recursos Humanos. — Tudo bem — respondeu Emma, forçando um sorriso. Porém, nada estava bem. Sentia-se agitada e inquieta... Até mesmo aborrecida, e não queria saber por quê. Ocupando seu lugar na reunião, fitou os botões rosa-claros de um suntuoso arranjo de orquídeas. A escolha de flores de Luca para aquela semana. Trincou os dentes enquanto sufocava aquela estranha emoção. Fora ciúme que sentira quando o vira conversar com Kasumi e aquele tipo de emoção não tinha lugar em sua vida. Luca era um devasso, um paquerador nato, um amansador de corações em série e um playboy assumido. Seria capaz de esmagá-la na palma da mão. Muito bem, Kasumi que fizesse bom proveito. Que todas fizessem. Tivera razão em dizer não à ridícula proposta que ele lhe fizera. Se a tivesse aceitado, seu emprego estaria perdido. O que quer que Luca tivesse querido dizer com nada de sexual acontecer entre eles enquanto estivessem viajando, não era confiável. Ele não gostava de conviver com seus erros depois. Evelyn a 27

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli prevenira daquilo desde o início. Sim, tomara a atitude correta. Mas então por que ficava deitada à noite, pensando e desejando que fosse diferente. Ansiando por reunir coragem para dizer sim? Com a cabeça zumbindo pela reunião com o Departamento de Recursos Humanos, retomou à sua sala e encontrou várias mensagens que tinham de ser retornadas... E nenhuma a deixou feliz. Um comprador interessado que estivera na casa de seu pai no final de semana fizera uma proposta... Para outra casa. Embora insistisse em dizer que desejava ajudá-la, seu irmão Rory descobrira que a pensão que dava para o filho que tivera com a ex-mulher havia aumentado, portanto estava descapitalizado. — Rory! — exclamou Emma, furiosa. — Quando escolhemos essa casa de repouso para o papai, concordamos que dividiríamos as despesas entre nós até que a casa fosse vendida! — Isso foi antes de descobrirmos por quanto o papai hipotecara a casa. Ouça, Em, mesmo que a casa seja vendida, não poderemos mantê-lo lá para sempre. Ele tem pouco mais que sessenta anos. Conversei com os rapazes e talvez devêssemos procurar algum lugar menos oneroso... Quando Emma bateu o telefone, interrompendo a conversa, não tinha dúvidas do que eles iriam fazer com o pai. Não hesitariam em retirá-lo da casa de repouso em que se encontrava — feliz na maior parte do tempo — se aquilo significasse colocar a mão em alguma parte do dinheiro. Em seguida, foi a vez da administração da casa de repouso ligar para lhe dizer que o pai perguntara por ela durante toda a semana. — Ele está bem — garantiu a enfermeira. — Apenas um pouco ansioso. — Sei que recentemente não o tenho visitado com muita frequencia. — Emma fechou os olhos, exausta. — Não é por falta de interesse. — Não estamos tentando fazê-la se sentir culpada — disse a enfermeira. — Pediu para que a mantivéssemos informada, e embora ele esteja confuso... Bem... Ele percebe que não o tem visitado mais com tanta freqüência. — Diga-lhe que irei em breve — pediu Emma. — Possa precisar uma data? Não queria fazê-la se sentir culpada, mas era exatamente assim que se sentia. Pressionou os dedos contra os olhos em uma tentativa de deter as lágrimas, a urgência em jogar a toalha e deixar que os irmãos solucionassem aquele problema. Parar de se importar com um pai que a tratara tão negligentemente no passado. Quando conseguissem vender a casa, ficaria sem teto. Oh, a renda da venda cobriria os débitos com a casa de repouso, mas era o acúmulo dos débitos que lhe dava pesadelos. — Algum problema? — Emma deu um salto, sem saber por quanto tempo Luca a observava. — Nenhum. — Ela forçou um sorriso. — A reunião foi bem. Farei um relatório e lhe passarei as informações. — Não estava me referindo à reunião com o Departamento de Recursos Humanos. — Luca franziu a testa. — Algo errado? — Nada — respondeu Emma, lembrando, em seguida, do que ele vira. — 28

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Estou com um pouco de dor de cabeça. É só. — Minha arrumadeira não está se sentindo bem. — Oh! — Emma piscou várias vezes, estendendo a mão para o telefone. — Quer que eu contate a agência e solicite uma substituta? — Sobreviverei por um dia — disse Luca, magnânimo. — Mas vou viajar para o Japão esta tarde. Evelyn irá comigo. Foi a casa dela para tomar as providências para a viagem. Poderia ir até meu apartamento fazer minha mala? Era estranho, refletiu Emma, ser rico e estar no comando. Havia muito pouco de pessoal na vida particular de Luca. Um exército de pessoas garantia que cada minuto de seu tempo valioso fosse aproveitado ao máximo. Entrando no amplo e luxuoso apartamento, pouco tempo depois, Emma agachou-se para fazer carinho em Pepper, que emitiu seu rosnado cansado e, em seguida, arranhou a porta de vidro para ser solto. Emma o deixou sair para a varanda e se deteve observando a paisagem espetacular do rio Tâmisa, antes de começar a trabalhar. Encaminhou-se ao toalete, abriu a agenda e localizou a lista dos itens que seriam necessários para uma viagem de negócios de duas noites. Os ternos imaculados e os sapatos lustrosos se encontravam embalados. Em seguida, Emma abriu a gaveta de roupas íntimas para descobrir as fileiras impecáveis de cuecas e meias, como se estivessem expostas em uma vitrine de alguma loja exclusiva. Não havia nada de pessoal nas escolhas que ela fazia. A lista abrangia tudo. Tais abotoaduras combinavam com determinado tipo de gravata e camisa, alguns sapatos com outros tipos de ternos. Porém, sentia como se aquilo fosse pessoal. — Oi! — Emma deu um salto quando Luca entrou no quarto sem avisar. Sentiu o rosto enrubescer, enquanto segurava um punhado de cuecas na mão. Não lhe parecia certo estar remexendo na gaveta das roupas íntimas do chefe, embora estivesse desempenhando sua função, claro. Ele chutou os sapatos para o lado e se deitou na cama, conversando ao telefone, enquanto Emma se encaminhava ao suntuoso toalete para recolher os artigos de higiene pessoal e tentava não escutar os dois telefonemas particulares que ocupavam a atenção de Luca. Em um deles cancelou os compromissos pelas próximas duas noites. Pelo tom da conversa, arrasando alguns corações no processo. — Por que... — perguntou Luca, quando ela retornou do toalete com a nécessaire na mão. — Quando digo que vou para o Japão, elas pensam que tem algo a ver com... Por que acham que eu estou mentindo? — Por que geralmente está — retrucou Emma. — Mas não desta vez. — Luca a varreu com um olhar preguiçoso, observando os incipientes círculos escuros sob os olhos. Um vago desânimo que alterava a usual natureza vivaz de Emma. — O que está errado, Em? — Srta. Stephenson para você! — Ela o repreendeu de imediato, sempre disposta a não deixar que ultrapassasse os limites. Mas pode me chamar de Emma. — O que está errado, Emma? E não me venha com aquela desculpa tola da dor de cabeça. 29

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Não há nada errado — insistiu ela. Luca se recostou na cama, fechou os olhos e soltou uma risada baixa. — Agora que parei, reparei que também estou com dor de cabeça! Era verdade. Podia ouvir os sons de Emma fazendo sua mala. Seria tão fácil fechar os olhos e dormir. Não estava com vontade de ir para Tóquio. Era incrível, entretanto, por mais de uma vez nos últimos tempos não suportava a idéia de enfrentar um vôo. — Poderíamos yâre sega... — Luca sorriu com os olhos ainda fechados. — Como? — Sabe... — Gesticulou, tentando encontrar o termo em inglês para se expressar, mas não conseguiu e os olhos azul escuros se abriram para encarála. — Matar aula. — Estalou os dedos, impaciente consigo mesmo. — E não voltar. — Gazetear! — Emma sorriu. — Gazetear! — repetiu ele devolvendo o sorriso e fechando os olhos. — Seria ótimo. Poderíamos colocar sacos de gelo em nossas cabeças e ficar deitados no escuro, ignorando o telefone. — Parece uma ótima idéia. — E não seria inconveniente. — Eu sei. — Emma sorriu ao perceber ao que ele se referira. — Mas não podemos. Luca parecia confuso. A mente de fato zumbia. Estava cansado de manter o tom profissional entre ambos e irritado consigo mesmo pela forma como lidava com aquilo. Desejava-a. Ao mesmo tempo, não. Gostava de trabalhar com Emma. Têla por perto e, uma vez que as coisas mudassem entre eles, o que certamente aconteceria, bem... Não havia como pensar em um futuro para ambos. Nem por um instante. Não mantinha relacionamentos longos. Quando começavam a ficar bons e confortáveis, Luca cortava todas as amarras. Aquela fora a promessa que fizera a si mesmo anos atrás. Permaneceu deitado na cama, com a cabeça latejando e escutando Emma se movimentar pela casa, dividido pela indecisão. Queria Emma. Mas não queria perdê-la. E não poderia ter as duas coisas. — Aqui está. — Emma estava de volta, com um copo de água e dois comprimidos. — Tome isto. — Só se você tomar também. Emma retirou mais dois comprimidos da embalagem e dividiram o copo de água. Era engraçado o fato de Luca se importar em evitar que ela tivesse de buscar outro copo. — Irá se sentir melhor em vinte minutos. — Emma sorriu, satisfeita por estarem conversando normalmente após a tensão das últimas semanas. — É o que diz na bula. Emma fechou o zíper da capa protetora do terno e pegou o telefone para chamar o motorista particular de Luca, enquanto ele se servia de uma dose de 30

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli café expresso de sua máquina. Em seguida, colocou algumas pastas e papéis na maleta e lhe deu algumas instruções de última hora que levariam aproximadamente duas horas para serem executadas. — Qualquer problema, entre em contato com Kasumi. Não importa o horário. As coisas têm de estar organizadas para amanhã. — Claro! — Luca observou o discreto ar de insatisfação à menção da outra secretária e sorriu em seu íntimo. — Saifu o otoshimashita — disse ele, percebendo a face de Emma enrubescer ao repetir as palavras que dissera para Kasumi. — Isha o yonde kudasai. — Diga isso a ela quando a encontrar — respondeu Emma em tom frio. — Deixei cair minha carteira! — Luca riu. — Alguém pode chamar um médico? Estava praticando frases novas! — Emma acabou rindo, mas o discreto arroubo de ciúme fora percebido. Não sabia como lidar com aquele sentimento ou com a energia que gravitava em torno dele. A proposta perigosa ainda pairava no ar e Emma tinha ímpetos de esticar a mão e pegá-la. Talvez pudesse disfarçar, pensou, ousada. Talvez pudesse fingir que não era virgem. Talvez seu corpo soubesse o que fazer. Evelyn telefonou e Luca ergueu a maleta de viagem. — Não precisa voltar para o escritório — disse ele. — Faça o que lhe pedi daqui mesmo e tire o resto do dia de folga. — Franziu a testa, observando a palidez da pele de Emma. —Aliás, tire o dia de amanhã de folga também. — Minha agenda está cheia de compromissos para amanhã. — Cancele-os. Estou mandando. — Ele deu de ombros. — Tire um dia de folga e descubra o que quer dizer "fazer nada". Aproveite para dormir um pouco. Vejo-a na segunda-feira. E, como sempre, Luca saiu de casa com a mesma facilidade de quem saía de um quarto de hotel. Quando ele entregou a bagagem de mão ao motorista, ouviu a voz de Emma soar atrás dele. — Tenha uma boa viagem. Luca olhou por sobre o ombro e, naquele momento, teve um vislumbre de como seria partir de um lar. — Vejo-a na segunda-feira. — A voz soou áspera e Emma permaneceu parada à porta até que ele partisse. Agora que ele havia partido, Emma conseguiu respirar. Queria contar a Luca. Confiar em alguém. Revelar e dividir seu problema. Não que ele fosse solucioná-lo, pois sabia que ninguém poderia. Luca não tinha o poder de agitar uma varinha mágica e fazer o estado de saúde de seu pai melhorar, diminuir a mensalidade da casa de repouso ou mesmo fazer desaparecer a mágoa pela forma como o pai a tratara no passado. Não era nada daquilo. Parada no meio daquele quarto, vendo-o deitado na cama, os olhos azul-escuro preocupados a fizeram desejar aceitar a sugestão de Luca. Fare sega. Escapar por um tempo, deitar-se ao lado dele no quarto escuro e deixar que a vida passasse sem ela, nem que apenas por um curto espaço de tempo. Quando a porta se escancarou, Emma se colocou em alerta, apagando o 31

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli sorriso estampado na face, enquanto Luca atravessava apressado o saguão em sua direção. Ele devia ter esquecido o passaporte, o telefone, ou... E então aconteceu. O que Emma desejara secretamente desde a primeira vez que o viu. O que tentara desesperadamente evitar e ignorar. A borbulhante e incineradora tensão entre eles finalmente admitida. Os braços fortes a envolvendo e os lábios possessivos pressionados contra os dela. Mantendo-a cativa em um abraço apertado, enquanto se apossava de sua boca. Aquilo devia ser inesperado, causar-lhe choque, raiva, mas tudo que sentia era puro alívio ao ser beijada e corresponder. A língua que lhe explorava a boca era fria, tinha sabor de menta, de homem e de café. Tudo que conseguiu foi se entregar a sensação. A deliciosa sensação dos lábios firmes e da fragrância que parecia hipnotizá-la toda vez que estavam próximos. O contato daquele corpo era tão promissor quanto a visão dele. Esbelto e forte sob suas mãos e pressionado contra ela. Os olhos azul-escuros se encontravam fechados. Emma teve de conferir. Aquilo tornava aquele momento ainda mais precioso, pois Luca se encontrava mergulhado nele assim como ela. Luca moveu os lábios, traçando uma trilha úmida e quente ao longo de seu queixo. As mãos pressionadas contra a nuca delicada, puxando-a contra ele. E de repente, eram as orelhas de Emma que estavam sendo beijadas. Em vez de desviar a cabeça, ela se recostou ao corpo quente, curvando-se ao toque ousado, sentindo-se fraquejar enquanto a boca devorava e lhe beijava o pescoço, as mãos firmes lhe comprimiam as nádegas contra o calor do corpo rígido. E então, a boca de Luca encontrou a dela, fazendo-a ciente de sua respiração difícil. Era como se o estivesse vendo pela primeira vez. O mundo havia se apagado. Tudo ao redor desaparecera e nada mais importava. Apenas o beijo e o corpo daquele homem. Quem se importava aonde aquilo os iria levar? Pela primeira vez, Emma não estava pensando, achando soluções ou sobrevivendo. Estava vivendo. Cheio de energia e alerta, mas apenas aquele momento. E então, o interfone tocou. Era Evelyn avisando que iriam se atrasar. — Isso — disse Emma com a voz trêmula, enquanto ele se afastava. — Não aconteceu. — Levou os dedos aos lábios, percebendo-os inchados e com o sabor de Luca. O que fora simples e natural segundos atrás, agora era perturbador. E então ele a beijou outra vez. — Ou isso — retrucou ele, fitando os adoráveis olhos claros, confusos. Ela era absolutamente adorável e, por um segundo, sentiu um remorso verdadeiro e intenso porque em breve teria de se acostumar a sentir sua falta. Mas era tarde para se arrepender. Havia apertado o botão e o cronômetro para o inevitável fim. Quando a voz de Evelyn soou no interfone mais uma vez, avisando que estava a caminho do aeroporto, Luca lhe dirigiu um olhar assustado que a fez dar uma risadinha. 32

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Não conte nada a ela! — Deus, não! — Emma engoliu em seco. — Vá logo... — Sentia-se mais do que confusa, tentando se encontrar, desejando voltar no tempo, mas Luca tornara tudo mais desejável. — Pense sobre a Itália. — Ele ainda a segurava. Seu beijo ainda lhe formigando os lábios. Emma sentia como se tivesse corrido, percebendo o coração disparado e a umidade intensa entre as coxas. Os olhos perceptivos se encontravam fixos nos dela. As mãos firmes lhe segurando o quadril e os recostando contra os dele, como a lhe mostrar o que esperava por ela. — De que tem tanto medo? — questionou Luca. Após pensar por apenas um momento, Emma optou por uma resposta sincera. — A perda. — Ela lhe devolveu o olhar e não era apenas o emprego ou o estilo de vida sofisticado. Tinha medo de perdê-lo. — Vamos esquecer o que aconteceu. Palavras fúteis. Ambos sabiam.

CAPÍTULO SETE

— PAI! POR favor, não chore! Frank sempre ficava aborrecido quando chegava a hora da filha partir. Não conseguira chegar à casa de repouso antes das 20h e, portanto, não poderia ficar. Porém Luca partiria para a Sicília no dia seguinte. Finalmente concordara em passar algumas noites com a família e, pelo menos por alguns dias, poderia passar mais tempo com o pai. Valera a pena, mesmo que o chefe mal estivesse falando com ela! Luca se mostrava claramente aborrecido por ela ter se negado a acompanhá-lo ao casamento da irmã, mesmo depois do beijo que trocaram. — Sinto saudade dela... — Frank estava olhando para uma foto da mãe de Emma, o que a deixava confusa. Afinal, durante toda sua vida fora proibida de mencioná-la para o pai. E agora era tudo em que ele conseguia pensar. — Quero minha Glória! Por que ela nos deixou? — Papai, não foi por vontade dela. — Desaparecer com aquele pária... Que se intitulava artista! Como pôde voltar as costas à família? — Emma sentiu o sangue congelar nas veias. — Ela não nos deu as costas, papai, morreu em um acidente de carro. — Saiu da cidade com o homem de seus sonhos, deixando minha menininha em casa. — Os soluços de Frank atraíram a enfermeira da noite. — Teremos de lhe dar o comprimido para dormir agora e tentar acalmá-lo. — Como pôde abandonar quatro filhos? — continuava Frahk. Emma ansiava por pressioná-lo por mais respostas, mas a enfermeira 33

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli estava administrando a medicação e tentando acalmá-lo. — Rory! — Emma não se importava se era muito tarde ou se estava dirigindo. Acionou o número do irmão e esperou que ele atendesse sem se importar em se identificar. — Mamãe nos abandonou? — Emma? — Diga-me o que aconteceu. — Sabe o que aconteceu. — Rory suspirou do outro lado da linha. — Foi um acidente de carro. — Quem estava dirigindo? Emma sabia que o irmão estava reticente. Percebia pelo silêncio do outro lado da linha. — O que papai andou dizendo agora? — Que ela nos abandonou. Houve um longo silêncio do outro lado e, em seguida, soou a verdade para a qual Emma não estava preparada. —Mamãe nos deixou um mês antes de morrer. — Quando a ouviu soluçar, Rory demonstrou uma rara preocupação com a irmã. — Ouça, estacione. Não deveria estar dirigindo... — Ela nos abandonou. — Mamãe desejava "se encontrar". Se entregar à sua maldita arte e conhecer esse novo homem. Mas isso foi há vinte anos! Não sei por que está tão transtornada. Isso não muda nada. Oh, mas mudava. Emma desligou o telefone e o atirou no banco do carona. Mudava tudo. Não deveria dirigir naquele estado, portanto, forçou-se a se concentrar até estacionar em frente à casa de sua família. A mesma casa que sua mãe abandonara. E então ela o viu. O carro dele estacionado lá, esperando por ela. Luca saltou do banco de trás e caminhou em sua direção. A face estava cinza e sob a luz dos postes da rua, Emma podia ver os círculos escuros sob os olhos azuis. Sentiu o odor de uísque e percebeu o temor no tom de voz de Luca, que combinava com o que se passava em sua própria alma. — Venha comigo amanhã. — Luca não a tocou, não fez exigências. Nem ao menos perguntou, apenas veio ao encontro de seus anseios. — Sim. Luca piscou várias vezes diante da facilidade com que ela concordou. Um sorriso largo lhe iluminou o semblante, aliviado pelo fato de agora poder suportar aquela difícil estadia na Itália. — Por que demorou tanto para concordar? — Luca perguntou. A mãe os havia abandonado... O ídolo que construíra, a mulher perfeita, possuía defeitos, afinal. Por outro lado, era bom contemplar a vida em vez lamentar a perda, deixar o passado para trás e mergulhar no futuro. E lá estava ele... Se ao menos tivesse a coragem de esticar a mão e pegálo! — Nunca dormi com nenhum homem antes. — Ela observou a reação de 34

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Luca. Os olhos azul-escuros se arregalaram e Emma julgou ver o medo cruzar as belas feições da face italiana. — Não se preocupe — apressou-se em dizer. — Não estive esperando o príncipe encantado para me fazer mulher. — Emma! — Nem por um segundo Luca imaginara isso. Queria relaxar, desejava distração, mas aquilo era responsabilidade. Emma apenas sorriu e lhe beijou a face. Ela se encontrava em um estado de humor diferente, que Luca não conseguia entender, mas que achava cativante. — Sabe que não estou procurando relacionamentos sérios... — Conheço as regras, Luca. — A voz de Emma soava controlada. — E estou preparada para jogar sob elas. Agora, se me der licença, tenho de fazer a mala para um final de semana. QUANDO O jato particular levantou vôo em direção ao céu matinal, tudo que Emma desejava era fechar os olhos e dormir. Passara a noite fazendo as malas, planejando, temendo e, por fim, chorando. Chorando por uma mulher que não conhecera, por um pai do qual sempre se ressentira, mas talvez estivesse começando a entender. No entanto, era resistente. Sempre tivera de ser. Sendo assim, escondeu os olhos inchados sob os grandes óculos escuros e alegou outra dor de cabeça quando Luca fez um comentário sobre o disfarce. Após uma noite de choro, empurrara o dia anterior para o fundo da mente e estava até mesmo satisfeita por viajar, deixando tudo para trás. Foram servidos de um suntuoso café da manhã, composto de doces, waffles, carnes e do café forte do qual Luca sobrevivia. Porém, Emma não estava com apetite e ele a observava remexer a comida com o garfo. Havia algo diferente nela. Emma estava comunicativa e solícita, mas vagamente distraída. Uma inquietação que não conseguia definir. Sua aceitação na noite anterior o desnorteara. Planejara aquele final de semana. Esperara que a atração mútua que sentiam fosse rapidamente saciada, que ela fosse o consolo que o ajudaria a enfrentar os dias difíceis à frente. Temia aquele casamento há meses. Voltar à casa de sua família. Ao pai e aos tios. Emma seria seu elixir. Agora, porém, tinha apenas a si mesmo a culpar. Podia lidar com corações partidos, mas partir o dela... Estava tendo sérios problemas com aquilo. Percebeu que ela não comia e, lembrando a bebida preferida de Emma quando estava abatida, ordenou ao comissário de bordo que a providenciasse. Em seguida, se sentou e a observou sorver um generoso gole de um chocolate quente encorpado. — Você tem irmãos, certo? — indagou ele, observando um pequeno vinco se formar entre as sobrancelhas de Emma. — Três — respondeu, concisa. — E o que aconteceu com sua mãe? — Não quero conversar sobre isso... — Mas temos de conversar — insistiu ele. Quando terminou sua refeição matinal, empurrou o prato para o lado. No mesmo instante, um funcionário o retirou e a conversa continuou. — Quase não menciona sua vida pessoal. — A quantidade de horas que trabalho não me permite usufruir de uma 35

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli intensa vida social — protestou ela. — Emma, fará o papel de minha namorada durante este final de semana. Estou levando você para conhecer meus pais. Como pode ver, tenho de saber algo de seu passado. Luca tinha razão. Durante o tempo em que o conhecia, inteirara-se de todos os tipos de informações sobre ele. Seu diário, com aniversários e datas importantes, suas roupas preferidas quando necessitava parecer discreto, até mesmo seu cabeleireiro predileto. Sabia, porque tivera de contratar uma nova empregada doméstica para ele, como gostava que o serviço fosse feito e suas preferências alimentares. Chegara até a baixar algumas músicas para ele. Portanto, estava preparada para responder a qualquer pergunta sobre o chefe. Por outro lado, além do fato de saber que seu pai estava internado em uma casa de repouso, Luca não conhecia praticamente nada de sua vida. Aquela fora sua vontade. Porém, como Luca lembrara, as histórias de ambos tinham de combinar. Enquanto Emma reunia coragem, ele sugeriu uma solução. — Tudo bem. Direi à minha mãe que não gosta de falar sobre o assunto. — Sobre que assunto? — Qualquer pergunta que eu não saiba responder — explicou Luca, satisfeito por ter conseguido que ela exibisse um sorriso. — Temos nos encontrado há alguns meses — disse ele. — Desde que veio trabalhar para mim. Decidimos que trabalharmos juntos é demais, portanto você pretende sair da empresa em breve. — Para fazer o quê? Luca deu de ombros, tentando se recordar o que as ex-namoradas faziam. — Para trabalhar como modelo? — Por favor! — Emma soltou uma risada. — Se tenho de fazer um papel convincente de sua devotada namorada, ao menos tem que haver algum traço meu no disfarce. Então... — Mordeu o lábio inferior, tentando imaginá-los como um casal apaixonado, em um mundo em que aquele homem a amasse. E então, teve um vislumbre do impossível: ser a única depositária de sua afeição. Embora impossível, era divertido fingir. — Estou concorrendo a uma vaga para estudar artes e você vai montar um estúdio para mim em seu apartamento. Naquela sala ampla dos fundos que você não utiliza. Será uma surpresa. Eu descobri sem seu conhecimento. — É boa? — perguntou Luca. — Em artes? — Comecei a frequentar a escola noturna. Meu pai não gostava que eu perseguisse... — A voz de Emma falhou por um momento, percebendo por que o pai detestara aquele seu talento, porém recusando-se a refletir sobre aquele grande problema no momento. — Oh, e por falar nisso... — Exibiu um sorriso oblíquo. — Se por acaso surgir o assunto na conversa, hoje é meu aniversário. — É mesmo? — Luca franziu a testa. — Devia ter me dito. — Acabei de dizer. — Desculpe-me por afastá-la de suas comemorações. — Não me afastou — retrucou Emma de forma áspera. — Não tinha nada planejado. — E quantos anos Emma faz hoje? 36

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Ela faz 25 anos! — Aquilo a fez corar, graças à informação que lhe dera tão recentemente. Percebeu-o erguer de leve a sobrancelha, porém, para seu alívio, Luca resolveu não comentar. — E quanto a você? — indagou ela. — Sabe tudo sobre mim. — Não sei muito sobre sua família. — Minha mãe se chama Mia, meu pai, Rico. É um policial. E você conhece Daniela... — E ele está doente — indagou Emma. — Seu pai? — Muito. — E você não se dá bem com ele? Luca deu de ombros, parecendo tenso e ficou claro que era a vez dele não querer tocar no assunto. — Mais alguma coisa que eu deva saber? — pressionou Emma. — Nada — respondeu Luca, dando de ombros mais uma vez. — Como eu disse, meu pai era um policial do vilarejo. Fui para a escola com dez anos... — Percebeu Emma franzir a testa. — De onde venho, isso é normal. Como a escola da vila só contempla alunos até essa idade, é bastante normal sair de lá para estudar fora. — Até que o filho se tornou um bilionário. — Emma sorriu, mas logo ficou séria. — Por que os odeia tanto...? — Não odeio Daniela — interrompeu ele. — Nem minha mãe. — Sacudiu a cabeça. — Vamos fazer apenas o necessário. Sorrir, nos divertir, ficar com a família. —A última palavra soou repleta de escárnio. Havia um quarto nos fundos do avião, mas como a viagem era breve, ambos desceram o encosto da poltrona e se deitaram. Esperando que o inchaço dos olhos tivesse suavizado, Emma retirou os óculos escuros. — Adoro essas poltronas. Gostaria de ter uma em casa — disse, enquanto uma comissária de bordo a cobria com uma manta macia. — Se algum dia tiver de suborná-la, pensarei nisso — retrucou Luca. — Você está bem? — acrescentou quando Emma demorou a sorrir. — Sim. — Se está preocupada com o que me disse ontem à noite... — disse Luca, direto como sempre. — Não sou nada a favor de longas esperas, mas... — Exibiu um sorriso melancólico. — Se esperou por tanto tempo para que acontecesse na hora certa, eu compreendo. — Não estou preocupada com isso — afirmou Emma, porque naquele momento era verdade. Luca queria diversão e no momento ela também queria. Provavelmente não se sairia bem com aquele tipo de filosofia, mas saberia lidar com ela. Era bom dar uma escapada. — Então o que a está aborrecendo tanto? — Estavam na posição deitada, encarando um ao outro. — Parece que esteve chorando. — Não por você. — retrucou Emma. — Ótimo. — Luca pretendia que as coisas continuassem daquele jeito. — Aqui está. — Enfiou a mão no bolso e de lá retirou uma caixa pequena preta, entregando-lhe, em seguida, como se fosse um doce. — É melhor colocar isso. Se estamos namorando, é natural que eu tenha lhe comprado belos presentes. 37

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Deus do céu! — Emma ofegou e ergueu dois brincos em forma de lágrimas de diamantes. — Parecem de verdade. — São de verdade! — afirmou Luca em tom seco. — Vou tomar cuidado para não perdê-los. — Emma tentava soar tão casual quanto ele, mas era estranho estar segurando nas mãos um presente do chefe, deitada a seu lado e tentando desesperadamente não imaginar que aquilo era... Real. Como costumava fazer, tentou desviar a mente para coisas tolas. Os comissários lhes desataram os cintos de segurança e diminuíram as luzes, deixando-os na semi-escuridão. Luca fechou os olhos, mas sorriu quando ela continuou a falar. — É como estar em uma ambulância. — Já esteve em uma? — Não — admitiu Emma. — Estou em coma, mas posso ouvir, embora ninguém saiba disso. Então todas as pessoas que me são queridas, se acercam de meu leito e pedem para que eu não morra. — A que está se referindo? Emma piscou várias vezes. — Nunca faz isso? Inventar histórias antes de dormir? — Não. — E o que costuma fazer? — perguntou, curiosa. — Fecho meus olhos... — Luca deu de ombros. — E durmo. — Simples assim? — Desde que ninguém esteja falando a meu lado. Refletira sobre o que devia esperar. Imaginando se Emma iria se sentir triste, irada, mas ela estava sendo apenas espontânea. E ele se sentia feliz por Emma estar ali. Podia sentir o nó de medo familiar no peito, enquanto o jato cruzava o céu. O mesmo que o atormentava sempre que voltava para casa. Desde a época em que retornava ao lar nas férias quando criança. O mesmo que sentia todas as noites quando se deitava. Luca sentiu a garganta seca e uma camada de suor lhe brotou na testa. Seu pai estava velho, fraco e morrendo. Não havia o que temer. E então a visão se formou em sua mente. O punho do pai colidindo com a face da mãe. Uma cena tão violenta e real que ora como se o punho do pai tivesse feito contato com seu próprio rosto. Assustado, deu um salto. Do tipo que se dá quando se acorda de um pesadelo. Porém, Luca sabia que não havia adormecido. — Luca? — murmurou Emma. Devia estar quase adormecida, pensou ele. Do contrário, não lhe seguraria a mão. Parecia uma fraqueza aceitá-la, mas era um verdadeiro alívio.

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CAPÍTULO OITO

— SEJA BEM-VINDA à nossa casa. Aterrissando em Palermo, Emma apreciou a última etapa da viagem feita de helicóptero até o vilarejo costeiro de Luca. Para todo lugar que olhasse, a paisagem era deslumbrante. Casas empoleiradas umas nas outras davam vista para o cintilante mar Mediterrâneo. A casa da família de Luca era a mais bela de todas. A residência original fora generosamente ampliada e cada aposento construído de modo a gozar da vista espetacular. A acolhida da mãe de Luca era calorosa e efusiva, puxando-a para um forte abraço e beijando-lhe as faces. Em seguida, guiou-a por um amplo terraço que cruzava toda a extensão da casa, falando sem parar com seu sotaque carregado que alternava entre o inglês e o italiano. — Luca! — O grito de prazer de Daniela fez Emma sorrir. Ele se mostrava mais feliz em ver a irmã do que jamais seus irmãos demonstraram. Ambos trocaram um abraço caloroso, antes de ele a apresentar a Emma. Daniela a estudou com os mesmos olhos azul-escuro suspeitos do irmão, porém sorriu e começou a conversar em um excelente inglês, antes de voltar ao quarto para se preparar para seu grande dia. — Dove Pa? — perguntou Luca. — Dorme — informou Mia, explicando em inglês para Emma que ele estava dormindo. — Oh! — Exibiu um sorriso caloroso quando o marido entrou. Alto e magro, os cabelos que um dia haviam sido negros encontravam-se filetados de fios brancos, tornando-os prateados. Devia ter sido um homem imponente quando jovem. — Luca! — Ele abraçou o filho e o beijou na face à maneira italiana. Porém, Emma pôde sentir a repentina tensão que encheu a sala. — Come stai? — Esta é Emma. — Luca a apresentou, conciso. Apesar do estado de saúde fragilizado, ele lhe segurou firmemente as mãos e a beijou na face, dando-lhe as boas-vindas à família e sorriu, aprovando os suntuosos brincos que Emma ostentava. — Venha, Rico. — Mia ajeitou as almofadas na poltrona que o marido costumava ocupar e o ajudou a acomodar a estrutura esguia no assento sob o olhar impassível de Luca. Minutos depois, quando Emma ajudava Mia a preparar o café na cozinha, veio a explicação para a falta de reação de Luca. — Meu filho está preocupado. É difícil para ele ver o pai nesse estado. Faz quase um ano que esteve aqui e está impressionado com as mudanças. — Claro. — Emma dispôs as pequenas xícaras e pires na mesa. A explicação a satisfaria se não soubesse que Luca tinha seu próprio jato, uma equipe de viagem, e até mesmo seus egoístas irmãos conseguiam visitar o pai 39

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli uma vez por mês. Havia muito mais por trás daquela família que mantinha Luca tão friamente afastado. Aquela era uma casa agitada. As bebidas e guloseimas não haviam sido preparadas apenas para Luca e Emma, mas sim para um número interminável de convidados, todos ávidos por conhecerem a namorada de Luca e desejarem felicidades a Daniela. Luca percebeu o esforço estampado na face sorridente de Emma. Sentia-se agradecido pelo que ela estava fazendo e pela forma como tornara tudo mais fácil. Gostaria de recompensá-la. — Acho que levarei Emma para jantar fora. Sei que estão ocupados... Houve protestos apenas por parte de Mia. Rico estava cansado e queria se deitar. Daniela gritava por ajuda do quarto. Uma típica família a dois dias de um casamento. Caminharam pelo vilarejo, sentindo a maresia encher um céu do fim de verão. Luca a levou a um restaurante local. Não importava em quantos restaurantes italianos estivera, nada, se comparava àquele, pensou Emma. O forte aroma da massa ao sugo pulverizada com queijo parmesão lhe impregnava as narinas. O vinho era encorpado e fratado. Sentados em uma mesa do lado de fora, sorviam a bebida escarlate, envoltos pela fragrância de citronela de uma vela que se encontrava no centro dela. Embora tivessem jantado juntos em várias ocasiões, aquele não era um momento profissional. Nenhum negócio estava sendo discutido. Os olhos de Emma pareciam imensos à luz das velas. O sorriso, contagiante. Pela primeira vez desde que chegara, Luca relaxou até que a conversa se tornou pessoal. — Então trouxe Martha até aqui... — Emma tomou um gole do vinho, sem o encarar. — Foi uma péssima idéia — admitiu Luca. — Martha garantiu que isso não mudaria nada. — E mudou? — Minha família concluiu que estávamos namorando a sério e ela começou a acreditar naquilo também. — Era tão impossível assim? — perguntou Emma, piscando várias vezes. — Fala como se tivesse intenção de nunca se casar. — E não tenho — retrucou ele. — Ficaria entediado, inquieto... — Exibiu um sorriso maroto. — Os homens italianos costumam ficar mais bonitos quando envelhecem. Acho que não terei dificuldade em arrumar companhia. Aquilo era verdade. Então por que a magoava? Imaginou no futuro aquele belo homem com os cabelos grisalhos e as feições vincadas andando pelo mundo sozinho... Sim, não poderia negar que aquilo a entristecia. — Estranho não ter construído um hotel aqui, se não gosta de ficar com sua família. — Emma se recusava a ceder à melancolia. — As incorporadoras imobiliárias sempre sugerem, mas arruinaria o local. Existem várias nascentes naturais por perto, portanto iria se transformar em um paraíso turístico, mas... — Luca sacudiu a cabeça. — Não. — Não tinha nenhuma vontade de estar ali mais tempo do que o necessário. Também não tinha intenção de continuar a falar de sua família, portanto se concentrou na refeição. — Há duas opções de sobremesa — disse ele, traduzindo o cardápio 40

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli para Emma. — Tiramisn e tiramisu com creme. — Gostava da risada de Emma e do fato de ela não só não declinar da sobremesa, mas ainda a exigir com creme. Eles a preparam uma vez por semana e todas as noites a cobrem com mais licor. Portanto, às sextas-feiras ela atinge a perfeição. — Então, graças a Deus é sexta-feira — retrucou Emma, sorrindo. — É maravilhoso! — exclamou com sinceridade. Nunca provara um tiramisu tão delicioso. Nem mesmo nos mais caros restaurantes, onde Luca costumava levar seus clientes. — Você também, pensou Luca, observando-a. Emma podia sentir os olhos azul-escuros fixos nela e se retirou para o toalete para retocar a maquiagem. Ao lutar para coordenar os movimentos ao aplicar o batom nos lábios, percebeu que havia se excedido no vinho, ou o tiramisu estava afogado no licor. Mesmo que não passasse de uma farsa, era bom estar fora, esquecer; fazer 25 anos e sair para jantar com o homem mais sexy do mundo. Luca pediu a conta e voltaram caminhando para casa. Dessa vez, seguindo a trilha arenosa. Emma retirou as sandálias, sentindo-se a milhas de distância de Londres e de tudo, quando os pés afundaram na maciez úmida da areia e os tornozelos foram banhados pela água morna do mar. — Como consegue se manter afastado daqui? — murmurou. — Você acaba por se cansar da vista — explicou Luca. — Não importa o quanto seja bela. — Estava me referindo à sua família. — Sabe como sou ocupado — retrucou Luca, dando de ombros. — Tento voltar quando posso. — Sabia que soava frio, que Emma o achava egoísta, mas não se importava. Estacaram e Luca pegou um punhado de pedras, atirando-as, em seguida, uma por uma ao mar. Não queria falar sobre sua família, dizendo a si mesmo que não queria estragar o clima, mas... Era tão bom conversar com Emma. — Não é apenas da vista que se cansa, mas também do lugar, das pessoas, das regras tácitas... — Regras? — Família. — Havia um traço mordaz no tom de voz de Luca. — Tudo é feito para se manter as aparências. Por isso estou aqui, lembra? O que as pessoas dirão se o irmão, o único filho homem, apenas fizer uma visita informal para o casamento? É o tipo de pergunta que se escuta por aqui. Meus pais sentem-se envergonhados porque seu único filho ainda não se casou. Toda vez que venho para cá, são as mesmas perguntas... — É só por isso que se mantém afastado? — Emma não engoliu a desculpa. — Algumas perguntas? — Está vendo um homem frágil à beira da morte, Emma. — Ela sentiu um arrepio lhe percorrer a nuca, enquanto Luca continuava. — E o vilarejo vê o patriarca da família D'Amato perto do fim de uma vida feliz e próspera. — E o que você vê? — Emma indagou com suavidade. — O medo da minha mãe. — Mesmo que fosse apenas um centésimo da verdade, foi o máximo que jamais admitira para alguém. Luca sentiu um nó no peito ao quebrar o código de silêncio D'Amato pela primeira vez. — Como ela pode se sobressaltar quando meu pai entra na sala se ele mal consegue andar? — Seu pai era violento com ela? 41

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Um pouco — respondeu Luca, outra vez em guarda. — Porém, agora está fraco e patético. Não há nada mais a temer. — É por isso que se mantém afastado? Luca deu de ombros, sentindo-se um pouco culpado. Envergonhado, talvez, por admitir tudo aquilo e tentou rir da situação. — Talvez eu devesse ter me casado com alguma doce virgem, ter tido um bando de filhos, sem me importar se isso me faria feliz ou não. — Mas não fez nada disso — lembrou Emma. — Porque não existem mais virgens... Ao menos não belas virgens. — Seus lábios se curvaram em um sorriso pela própria piada antes de se lembrar. — Oh, Emma, desculpe! — Girou para alcançá-la. — Eu esqueci, está bem? — Deixa para lá. — Emma afastou-o, sentindo-se aborrecida, envergonhada e à beira das lágrimas. Estava cansada daquilo. Muito cansada! — Espere. — Segurando-a pela mão, Luca a girou. — Sinto muito se a ofendi. E que nunca pensei... — Não, não pensou! — disparou Emma. — Você não é feia... É deslumbrante. — Luca contemporizou. — E o homem que a tiver será um felizardo. — Os imensos olhos verdes se ergueram para encontrar os dele. — Só não estou certo se deveria ser eu... — Desviou o olhar para o mar tão familiar e sua fragrância tão conhecida. Embora a desejasse desesperadamente, não tinha a obrigação de tê-la. Sentia-se aliviado apenas por desfrutar da companhia de Emma e tê-la a seu lado aquela noite. — Mesmo que eu queira estar com você? — Emma... — Luca não terminou. Ambos caminharam em silêncio e foi ele a finalmente quebrá-lo. — Venha. Vamos para casa. Vou enviar uma mensagem para minha mãe, avisando-a. O que para Emma parecia algo estranho para um homem de 14 anos fazer, mas como se sentia muito aborrecida com o desfecho da noite, não pensou mais no assunto. Ainda mais quando entrou em uma casa imersa na escuridão. — Devem ter ido dormir — explicou Luca. Porém, logo em seguida, as luzes se acenderam. — Surpresa! — Emma viu o sempre impassível Luca sorrir diante de sua perplexidade quando gritos de "Parabéns para Você" e "Tanti auguri" ecoaram no salão e ela percebeu que se tratava de uma homenagem para ela. Luca jamais poderia imaginar o que aquilo significava para ela, havia presentes graciosamente embalados e uma mesa posta com licores, copos e um bolo coberto com creme, onde se via escrito: Tanti Auguri Emma. Seu primeiro bolo de aniversário. Ao menos o primeiro que podia lembrar. — Desculpe — disse Mia. — Rico queria permanecer acordado, mas estava muito cansado. — Emma percebia que o clima na casa estava muito mais leve sem ele. — Desculpe pelo bolo ter sido feito em casa, mas Luca me avisou ontem. Não tive tempo de providenciar outro e... — Ontem? —A cabeça de Emma rodopiou em direção a ele. Luca sabia mesmo antes de ela ter lhe contado. E tivera o cuidado de ligar antes para planejarem aquela festa... 42

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Acha mesmo que eu esqueceria seu aniversário? Emma abriu seus presentes. O primeiro era uma camisola de renda branca dada por Mia. — Para seu enxoval — brincou ela. Daniela lhe deu um conjunto de perfume e hidratante e de Luca recebeu um bracelete-talismã de prata, com a letra "E" cravejada de diamantes e um pingente com o símbolo de seu signo: virgem, que ele comprara antes mesmo de saber que Emma era uma! — Emma queria começar uma coleção de braceletes-talismã — justificou Luca, colocando-o no pulso delgado e lhe beijando os lábios trêmulos. Ela não pôde deixar de notar como seu chefe fingia ser um namorado com perfeição. — Então já sabemos qual será seu presente de Natal. — O sorriso de Mia foi demais para Emma. A inesperada gentileza, a atenção, o bolo e o fato de saber que nada daquilo era real... Diminutos pensamentos como estrelas tremeluzentes começaram a bailar na periferia da mente de Emma e ameaçavam assustá-la. Porém não era hora de pensar em sua infeliz infância ou seus problemas atuais. Sendo assim, estampou um sorriso no rosto e entrou no clima da celebração. Porém, Luca percebeu sua angústia. — Hora de dormirmos — anunciou ele e se seguiu uma interminável leva de beijos e desejos de boa-noite. Quando Luca a guiou para o quarto, em vez de se sentir nervosa, Emma se descobriu aliviada quando ele fechou a porta, isolando-os do resto da casa. — O que está acontecendo, Emma? — Dessa vez, ele estava determinado a saber, mas não poderia dividir seus problemas com ele. Não com um homem que não queria se envolver com ninguém. E então, o telefone celular de Emma tocou. — Feliz aniversário, querida! — Pai? — Não podia acreditar. Telefonara para a casa de saúde antes do jantar apenas para lhe dizer boa noite e lhe haviam informado que ele estava dormindo. Nem por um minuto esperara que o pai se lembrasse de seu aniversário. — Não poderia dormir sem parabenizá-la, portanto eles permitiram que eu lhe telefonasse. Era incrível. Nunca fizera aquilo antes. Naquele momento, lhe ocorreu que o pai estava aterrorizado com a idéia de perdê-la. — Eu a amo, garotinha. — Emma lembrou as palavras que ele usava antes de a mãe partir. O amor por ela sempre estivera dentro do pai, mas ele precisara ficar doente para voltar à tona. Feliz aniversário! — Era papai — disse tentando parecer casual. — Só Deus sabe quanto a casa de repouso cobrará por uma ligação para a Itália... Luca franziu a testa, observando-lhe a face pálida. — Mas valeu a pena, não? — Sim. — Emma sentou-se na beirada da cama por um instante e, em seguida, sustentou a cabeça nas mãos. — Descobri uma coisa. — Ela admitiu, finalmente. — Sobre minha mãe. — 43

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli E então as lágrimas que sempre reprimira rolaram incontroláveis por suas faces. — Sempre pensei que minha mãe morava conosco quando morreu. Que não queria ter nos deixado. — Luca sabia que não era hora de fazer perguntas. — Ontem meu pai deixou escapar um comentário durante nossa conversa. Confirmei com meu irmão e... Ela nos abandonou um mês antes de sofrer o acidente. Ao que parece foi se encontrar — Os olhos verdes se voltaram para de em busca de respostas. — Não sei o que sentir. Não sei quem ela era. — Emma, ainda pode lamentar sua perda e amá-la. Quem sabe o que teria acontecido se ela não morresse? Poderia ter voltado, ou ido buscá-la. Oh, o que adiantava explicar aquilo para Luca? Em vez disso, ela se encaminhou ao toalete, escovou os dentes e vestiu seu pijama listrado. Quando retomou ao quarto parecia tão vulnerável, tão jovem e adorável que Luca não teve dúvidas. O sexo estava fora de questão. Não queria correr o risco de envolvê-la apenas para depois terminar tudo. Não conseguiria fazer aquilo com Emma. Deitou-se de costas, fitando o teto, enquanto ela se acomodava a seu lado. Por que Emma tinha de ser virgem? Desejava se perder no sexo, bloquear tudo mais e se concentrar apenas na fragrância e sabor daquela mulher. Não poderia ouvi-la chorar baixo ao seu lado. Detestava lágrimas, resistia à ternura a todo custo, mas, ainda assim, não tinha como evitar as lágrimas de Emma. Não havia para onde escapar aquela noite. — Emma. — A voz grave soou terna na escuridão. — Quer conversar? — Não! — Estava cansada de falar, pensar e agora que começara, não conseguia parar de chorar. Deus! Estava acostumado às lágrimas das mulheres, mas geralmente as enfrentava quando estava terminando um romance. Escolhia as mulheres com muito cuidado. Sim, Emma fora um risco. Sentia-se atraído por ela e, de repente, tinha-a a seu lado, extremamente fragilizada. Colocou uma das mãos sobre o ombro de Emma, inseguro se tomara a atitude certa. Ela conseguiu exibir um sorriso frouxo pela estranha maneira que Luca encontrara de confortá-la. Era óbvio que se sentia extremamente desconfortável com sua explosão de choro, mas não conseguia evitá-lo. Estava libertando emoções reprimidas há mais de vinte anos. Chorava por todas as ocasiões em que desejara ter a mãe a seu lado. Momentos como a primeira menstruação ou o primeiro sutiã. Porém, em seu coração sempre carregara a imagem da mãe, certa de que ela daria qualquer coisa para estar a seu lado. E o tempo todo estivera enganada. Deitada naquela cama em um país estranho com um playboy que não sabia lidar com as emoções, quando as dela estavam à flor da pele, sentia-se queimar por dentro. Na verdade, lamentava por Luca. Ele continuava a dar palmadinhas de consolo em seu ombro, extremamente desconfortável com aquela situação, mas Emma não podia conter o pranto e a tensão muscular que a fazia querer correr ou se enroscar e chorar mais. Luca a girou até que ela o encarasse. — Pare com isso! 44

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Não consigo! — Era como um ataque de pânico incontrolável. Sem saber o que fazer ele a puxou contra o corpo, sentindo a face úmida pressionada contra seu peito. E então a consolou do único modo que sabia fazer: beijando-a. A princípio, a atitude a enfureceu a ponto de desejar empurrá-lo e sair da cama. Porém, o contato envolvente a ajudou. A boca carnuda transformara seus pensamentos de dor em prazer. E então, ele interrompeu o beijo. — Desculpe — sussurrou ele. Mas Emma não precisava de um pedido de desculpas. De repente o quarto parecia muito pequeno para comportar emoções tão intensas. Não conseguia pensar. Então, retribuiu o beijo com impetuosidade. Pressionando a face vermelha e enraivecida à dele e forçando os lábios de Luca a se abrirem, porque a sensação era muito boa. — Espere! — Luca afastou-lhe as mãos que se encontravam enterradas em sua nuca e recuou a cabeça para fitá-la. — Preocupado de estar sendo usado? — zombou Emma. — Não estou preocupado comigo. — Ainda segurando-lhe as mãos, Luca procurou-lhe o olhar. No mesmo instante, reconheceu a si mesmo. Nas noites em que usava uma mulher para não pensar. Desejando apenas o alívio da tensão. Apenas não esperava encontrar aquele desejo nos olhos de Emma. — Estou preocupado que não saiba o que faz. — Quero isso, Luca. — Oh, sim, queria conforto e... Ele. — Não quero que se arrependa depois. — Não me arrependerei. — Emma o encarou e prometeu:— Não me arrependerei, Luca. É exatamente o que eu quero. — Sim, tinha certeza do que estava falando. Afinal, completara 25 anos! No futuro, ou talvez nunca, se conseguisse esquecê-lo, poderia freqüentar o mundo dos homens sabendo como era fazer amor com alguém. Ansiava por conhecer o amor. E desejava Luca. Havia certa lógica em sua mente. Iria perdê-lo de qualquer forma, portanto queria tê-lo por completo. Tudo que tinha a fazer era controlar o coração. — Sei que isso não vai nos levar a nada. Sei que não é isso que quer de mim. Luca fixou o olhar na face ansiosa e nos olhos verdes brilhantes e, de repente, soube que era aquilo que queria também. — Espere um momento. — Luca se dirigiu ao toalete e retornou com um pacote de preservativos, mas ela lhe segurou o braço. — Estou tomando pílula. Luca xingou em italiano. — Emma... — A inocência daquela mulher o preocupava. — Não é apenas para evitar gravidez. Tem de ter certeza de que ele... — Luca experimentou um arrepio ao imaginar outro homem fazendo amor com Emma. Que de alguma forma a estaria iniciando para outros se divertirem. — Você sempre usa preservativo? — Emma não estava sendo ingênua e sim audaciosa. — Sempre. — Luca engoliu em seco, entendendo o que ela queria dizer. Sabia que era saudável e Emma também era. Ela estava lhe oferecendo a chave do paraíso e, ainda assim, Luca hesitava. Aquela incomum intimidade lhe era desconhecida. 45

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli O beijo foi experimental, ambos se recusando a fundir no êxtase mútuo. — Podemos nos livrar disso. — Sentindo-se desajeitado pela primeira vez na cama, Luca desabotoou-lhe a parte superior do pijama e o escorregou pelos ombros. Em seguida, removeu a própria roupa íntima e retirou-lhe a calça do pijama pelas pernas. A visão do corpo atlético desnudo não ajudou em nada para acalmar os nervos de Emma. Não dispunha de parâmetros para comparálo, exceto os modelos das revistas, mas sabia que Luca era espetacular. — Podemos nos cobrir com uma toalha ou alguma coisa? — perguntou ela. — Estou assustada — admitiu. — De uma forma agradável, mas... — Eu também. — Luca sorriu, fitando sua masculinidade não responsiva. E então soltou uma risada porque era estranho falar sobre sexo. Aquilo era algo que... Bem... Simplesmente acontecia. Percebeu que aquilo teria de ser melhor do que bom. Para o bem de Emma. Girou para fitá-la sentindo o peso da responsabilidade sobre os ombros, porque queria que aquele momento fosse perfeito para ela. Aquele último beijo fora desajeitado, portanto escorregou o dedo ao longo do queixo delicado e desceu contornando os braços macios. E então, fitou os seios fartos que sempre o extasiaram, agora revelados para seus olhos. A mão forte se espalmou nas adoráveis nádegas e Emma pôde sentir a umidade quente da boca sensual. A suave sucção de seus mamilos, o que a fez experimentar um frio na barriga. Quando Luca aumentou a pressão com que a sugava, ela tocou a extensão da masculinidade pressionada contra suas coxas. Nervosa, curiosa, mas cheia de coragem, Emma o acariciou, fazendo-o fechar os olhos. — Está certo, assim? Luca não conseguia proferir as palavras, portanto se limitou a assentir com um gesto de cabeça e beijá-la, não desajeitadamente, mas de um modo que Emma nunca fora beijada. Terno, lento que a fazia ansiar por mais. As mãos de Luca contornaram-lhe as nádegas, em direção a seu ponto mais íntimo, que se encontrava úmido e quente. Ele a acariciou naquele ponto até senti-la estremecer involuntariamente. E então introduziu os dedos mais fundo, esticando-a com movimentos de vaivém até Emma gemer em seus braços. Para Emma, aquilo era o paraíso. Tudo que desejara em nada se parecia com o que havia lido. Não existia dor, apenas satisfação. A mão experiente produzindo mágica. Os lábios quentes de volta aos seus mamilos, enquanto ele se posicionava entre suas pernas. De repente, necessitavam de mais contato e, parecendo ler seus pensamentos, Luca a deitou na cama, empurrando-a com o próprio corpo e lhe tomou os lábios. Beijava-a não só com a boca, mas com o corpo todo. Ele sustentou o peso nos cotovelos e as pernas de Emma se afastaram para acomodá-lo. E então, Luca se posicionou para penetrá-la. Ela não estava mais assustada, apenas pronta. Nunca estivera mais preparada para alguma coisa na vida. Luca a fitava com extrema ternura. Uma gentileza até então desconhecida por Emma. Não era apenas seu corpo virginal que ele cobiçava, mas também sua mente. Como se estivessem começando algo. No momento em que ele a 46

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli penetrou lenta e suavemente, Emma pôde sentir a barreira de resistência se romper, repetindo a si mesma que não podia se apaixonar por Luca. A dor durou apenas alguns segundos e então se foi. O que quer que tivesse perdido, ganhara muito mais. A sensação de preenchimento, a satisfação de seu corpo se expandindo para acolhê-lo. O quadril se movimentando para acompanhar o ritmo imposto por Luca. Pequenas línguas de fogo começaram a lamber-lhe a pelve. Não conseguia manter os olhos abertos. Encontrava-se perdida na escuridão e ainda assim tinha plena sensação de ter se encontrado. Luca se movimentava com mais intensidade agora, mas ao mesmo tempo percebia que ele se continha. Os dedos de Emma rumaram ao longo das costas largas e seguraram-lhe as nádegas, pressionando-o contra ela, fazendo-o ter a sensação de nunca ter estado tão próximo de alguém. Nunca estivera tão perto de si mesmo como naquele momento. Emma estava chorando e ele a beijava de modo possessivo, sorvendo-a por inteiro. Lambeu-lhe as lágrimas sentindo, ao mesmo tempo, as pernas macias se fecharem em torno de seu quadril. Investiu mais uma vez, sentindo-a de uma forma que nunca sentira uma mulher. Os primeiros espasmos do orgasmo de Emma atingindo-o como os primeiros pingos de uma tempestade. Podia sentir os lábios macios contra seu peito, abafando o grito de prazer que sentia. Era como se aqueles gemidos reverberassem em seu coração. Então Luca se entregou ao prazer, despejando dentro dela a seiva de seu êxtase. Queria permanecer ali para sempre, sentindo seu corpo se recuperar da descarga de prazer, ouvindo a própria respiração ofegante. E então, fez algo que nunca antes fizera. Baixou o olhar, fitou-a com olhar penetrante, inclinou a cabeça e a beijou.

CAPÍTULO NOVE

EMMA NÃO sabia como se sentia quando despertou, sozinha, na cama na manhã seguinte. A casa já se encontrava acordada. Podia ouvir várias vozes e o som de atividade, enquanto amanhecia o dia do casamento. Em breve, tomaria um banho, se vestiria e iria desempenhar o papel de namorada de Luca. Mas não agora. Deitada, nua sob o lençol, sentia o corpo levemente dolorido da noite anterior e a mente extremamente calma por aceitar o fato de que não havia como voltar atrás. A contagem regressiva para o fim começara. Testemunhara aquilo incontáveis vezes. Com o pai, os irmãos e o próprio 47

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Luca. A emoção da caça, o clímax da captura, a intensa paixão de um novo relacionamento e, fatalmente, o fim. Contara com aquilo quando decidiu se entregar a ele. Porém, havia uma coisa com a qual não contara. Quando Luca entrou no quarto, com uma bandeja de café da manhã nas mãos e um sorriso irresistível estampado no rosto, uma sensação de medo a envolveu porque nunca previra o efeito que Luca podia produzir quando seu sorriso, mente e corpo a tinham sob a mira. Seria um inferno perdê-lo! Luca trajava jeans e nada mais. Descalço e com o peito desnudo, cruzou o quarto em direção a ela. Um Luca que jamais conhecera. Geralmente o via impecavelmente vestido, barbeado e penteado. Sempre exalando um ar formal, agora parecia informal e menos austero. Uma imagem irresistível e devastadora. Com a barba por fazer e os cabelos úmidos pelo banho, inclinou-se e depositou a bandeja no colo de Emma. — Está um caos lá fora — informou ele, indicando a porta do quarto com o dedo. — Portanto ficaremos escondidos aqui no quarto por algumas horas. — Eu não deveria estar lá ajudando? —Não — respondeu Luca, servindo-a de café. — Como acabei de dizer para minha mãe, só iríamos atrapalhar. — Porém, Emma não estava ouvindo. Apreciava, maravilhada, o simples gesto de Luca lhe servir café. Uma ação corriqueira que para ela representava muito. Nunca ninguém lhe preparara um café da manhã. Era assustador como a sensação de ser cuidada era boa. — Esses são pizelles. São como waffles — explicou Luca, untando um com mel e lhe oferecendo. Em seguida, deitou-se com sua xícara de café em uma das mãos, observando-a com intensidade à procura de vestígios de arrependimento. — Como se sente? — perguntou por fim. — Ótima — retrucou Emma com a boca repleta depizelle. — Nenhum arrependimento? — Nenhum. — Emma acenou negativamente com a cabeça. — E você? — Nenhum... Desde que você esteja bem — pressionou ele. — Li em uma revista que a primeira vez é sempre horrível — murmurou maliciosa. Luca revirou os olhos. — Se isso é horrível — prosseguiu Emma, dando uma risadinha. — Mal posso esperar pelo ruim! — Jogue fora essas revistas, querida — aconselhou Luca, tirando-lhe a xícara e o pizelle das mãos e a deitando na cama. — Lhe a ensinarei tudo que sei. Definitivamente, aquele era um Luca diferente. Mais leve, engraçado e, se aquilo era possível, muito mais sexy. Amaram-se mais uma vez e, em seguida, deixaram o caos da casa e seguiram para um piquenique na praia. Quando Frank lhe telefonou, ela se sentou no cobertor que estenderam na areia e o ouviu discorrer sobre suas reminiscências mais fácil com Luca deitado a seu lado. 48

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli —Acertarei as mensalidades atrasadas da casa de repouso — disse ele, quando Emma desligou o telefone. — Como soube? — Li a carta que a casa de repouso lhe enviou — admitiu, meio envergonhado. — Isso é um absurdo! — exclamou Emma, sentindo-se furiosa e envergonhada. E então ele a beijou. — Você me ajudou. Agora é minha vez de ajudá-la. Insisto em liquidar a dívida. Emma sabia que para ele era uma quantia irrisória, mas aquilo representava a tensão de seis meses correr ralo abaixo. Mais tarde, experimentou o enlevo de correr pela praia com Luca e a alegria de serem um casal. E então Emma fez uma coisa estúpida. Enquanto ele a beijava no mar, sentindo as ondas baterem contra seus corpos, começou a fantasiar. Alimentar esperanças. O sol que tomara na praia lhe proporcionara um leve bronzeado e, na manhã do casamento, massageou-se com loção hidratante, feliz por poder se arrumar calmamente sem que Luca a apressasse. A casa se encontrava no caos comum a um dia de casamento. O movimento era constante e a cada minuto chegavam mais arranjos de flores. Enquanto Rico descansava para poupar energias para a hora da cerimônia, Luca desempenhava o papel de pai da noiva. Era engraçado ver um executivo extremamente eficiente como Luca, que lidava com os mais difíceis e complicados problemas, mostrar-se tenso e pouco à vontade ao lidar com os histerismos normais de uma noiva. Sim, aquele quarto era um ótimo lugar para se ficar! Lá, podia modelar os cachos de seus cabelos com calma até tomarem a forma de anéis. Por fim, ficou satisfeita com o resultado. O tempo quente de setembro não permitia uma maquiagem pesada. Sendo assim, Emma optou por uma discreta sombra prateada sobre as pálpebras, um toque de blush rosa nas faces e um gloss para os lábios. Em seguida, colocou o vestido cinza prateado curto que a vendedora lhe garantira combinar perfeitamente com seus sapatos e maquiagem. O tecido fino e maleável delineava todas as curvas de seu corpo. Ao analisar a própria imagem no espelho, Emma foi surpreendida com a forma como seu corpo parecera mudar nos últimos dias. Havia se transformado em uma mulher. Sabia que aquela metamorfose não tinha nada a ver com um ano a mais de vida que completara e sim com o homem que estava entrando no quarto. — Tenho de me arrumar. —A voz de Luca falhou quando ela girou. De repente, ele se deu conta de que entrar em seu quarto e encontrá-la era como deixar o inferno e imergir no paraíso. Analisara-a durante o dia todo. A maioria de suas namoradas teriam se mostrado ansiosas e exigentes, querendo tempo só para si. Quando Emma o deixara, fora para ajudar sua família e com um sorriso adorável estampado no rosto. E agora, em poucas horas, conseguira 49

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli aquele resultado. Vira-a vestida formalmente em várias ocasiões, mas ali era diferente. Envolvia um casamento em sua família e ela era sua acompanhante. Os diamantes que lhe dera cintilavam nas orelhas delicadas, tão brilhantes quanto os olhos verdes de Emma. E então, vislumbrou o que teria sido sua vida se não tivesse feito as escolhas que fizera. — Partiremos em dez minutos. — A voz grave tinha um tom áspero, como que suprimindo alguma emoção. Luca havia tomado banho e se barbeado. Rapidamente, vestiu o terno escuro e a gravata cinza metálica que Emma escolhera para os padrinhos. Em um esforço sobre-humano, aplicou gel nos cabelos e borrifou um pouco de colônia. Em seguida, colocou vários envelopes nos bolsos e guardou as alianças. — Está linda — elogiou quando se sentiu mais seguro e racional. — Obrigada. — Emma exibiu um breve sorriso, insegura se agora não estaria sendo apenas gentil. — Estarei ocupado durante o resto do dia. Com meus parentes, meu pai, todas aquelas obrigações... — Não há problema — interrompeu Emma, sorrindo, enquanto colocava alguns itens na bolsa e aplicava o perfume. A fragrância que o envolvia, pensou Luca, assim como Emma em si. Aquele era um dia que vinha temendo há meses, desde que havia sido anunciada a data do casamento. Lidar e sorrir para toda sua família, fingindo que não havia esqueletos atrás dos armários dos D'Amato. Porém, ali em seu quarto, podia respirar aliviado. E não podia deixar de beijá-la. Inclinou a cabeça e seus lábios encontraram os de Emma de forma gentil, pressionando-os de leve, enquanto sentia florescer algo doce, delicioso e perfeito. Era um encontro apenas de lábios. Tocando-se de leve, e respirando o ar um do outro. Um beijo como nenhum outro antes. Aquela rara ternura em Luca que a fazia se sentir desejada, bonita e, de alguma forma, triste. — É muito mais fácil com você aqui — admitiu ele. Emma sentiu um nó na garganta e imaginou como algo tão bom podia lhe despertar vontade de chorar. — Poderia ser sempre. — Havia cruzado a linha. Baseara-se no presente para se referir ao futuro. De repente, Luca tensionou. As palavras que Emma acabara de dizer gravitando entre eles. — E melhor irmos. — Ele esperou segurando com a mão trêmula a maçaneta da porta do quarto, enquanto Emma reaplicava o gloss. Ela mantinha o olhar fixo no espelho e lembrava a si mesma os termos com os quais concordara. Fora um casamento belo e pomposo. Embora não entendesse tudo que fora dito e estivesse vivendo uma farsa, Emma não pôde conter as lágrimas quando o pai debilitado cruzou a nave da igreja levando a noiva. Havia apenas dois olhos secos na igreja e pertenciam a Luca. Encontravase de pé, mais alto que todos os presentes no altar, com a coluna ereta. Embora executasse todos os movimentos de maneira correta, havia uma irritabilidade latente nele que Emma não sabia definir. Na primeira oportunidade, Luca a segurou firme pela mão e a guiou para fora. 50

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Esses serão os próximos —provocou Mia, segurando a mão do marido, rindo e conversando com seus parentes. — Quando? — Os olhos de Rico encontraram os do filho. — Esqueça, papai. — E quanto ao nome D' Amato? — insistiu Rico. — Em breve — interveio Mia. — Estou certa de que será em breve. Seguiu-se um momento de desconforto, pois era óbvio que mesmo o breve significava tempo demais para Rico. — Agora os namoros são mais longos — disse seu tio Rinaldo, envolvendo a cintura da jovem esposa com a mão. — Não são como eu... Quando o grupo se dispersou, Mia chamou a atenção de Luca, em italiano, pelo semblante fechado. Em seguida, explicou a Emma que Luca não concordara com o casamento do tio, sem esperarem completar um ano. Em seguida, a segurou pelo braço para apresentá-la à sua irmã. A partir daí, ela perdeu Luca de vista, conversando com seus parentes e cumprimentando os noivos. Estava se saindo muito bem no papel de namorada de Luca. Quando estavam reunindo a família para mais fotos, Emma o avistou atrás da igreja, caminhando entre as lápides. Os ombros rígidos, como se estivesse em um funeral e não em um casamento. — Estão chamando você para tirar fotos — disse ela com suavidade, seguindo o olhar de Luca fixado em uma das lápides. — Minha avó — explicou ele. — Era tão jovem — disse Emma, lendo a inscrição. — Não me recordo bem dela. Só um pouco. — E essa é tia Maria. Recordo-me bem dela. — Emma umedeceu os lábios secos, percebendo como a tia de Luca morrera jovem. — A primeira esposa de Rinaldo. Era uma mulher adorável — acrescentou pensativo. — Compreendo porque não aceita que ele não tenha esperado um ano da morte da ex-esposa para se casar de novo. Sentia isso em relação a meu pai. Agora sei que minha mãe o deixou, mas ele começou a namorar tão cedo depois que... — Eles me dão nojo! — disse Luca, sacudindo a cabeça. — Esqueça isso. Temos de voltar. — Emma girou para sair do cemitério, mas ele continuava com o olhar fixo na lápide da tia. Não conseguia entender o que ele fazia lá em um dia em que todos estavam felizes. — Luca... — Vá na frente. Logo estarei lá. — Hoje é o dia do casamento de sua irmã. Devia tentar esquecer, está bem? — disse hesitante. — Nunca esqueci. — Pela primeira vez os olhos de Luca encontraram os dela desde que Emma chegou ao cemitério. Um olhar destituído de calor. — Venha. Temos um trabalho a cumprir. A frase o lembrou de que aquele fim de semana significava um pacto. Uma farsa da qual Emma concordara em participar. Era ela que parecia esquecer aquele detalhe de vez em quando. Luca estava sempre ciente dele. 51

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli

CAPÍTULO DEZ

FORA UM dia longo e agitado, típico de um dia de casamento. Rico conseguiu permanecer até o jantar e, sob o olhar ansioso de Mia, dançou com a filha. Depois disso, claramente debilitado, sentou-se e foi a vez de Luca fazer às vezes do patriarca com perfeição. Conversando com todos, rindo, erguendo a taça em um brinde e, quando Emma se aproximou, estava sendo cumprimentado com tapas nas costas pela escolha da mulher. — A continuação do nome D'Amato — brindou Rinaldo. — Salute! Havia algo que pairava no ar entre eles, enquanto erguiam suas taças em homenagem aos noivos, despediam-se dos parentes de Luca e quando ele a guiou pela escuridão da casa. Luca deitou-se na cama ao lado dela, fitando o breu com olhar perdido. Um grito de dentro da casa fez Emma abrir os olhos repentinamente e ameaçar se levantar para descobrir do que se tratava, mas Luca segurou-lhe o punho. — É meu pai, pedindo um remédio para dor. Os dedos de Luca se afrouxaram, mas não a soltaram. O simples contato se tornou o único foco de atenção de Emma. Todas as terminações nervosas pulsando onde ele tocava. Escutou o silêncio, imaginando como devia ser difícil, não para Rico, para a tão zelosa Mia. A tensão em Luca lhe dizia que ele deveria estar pensando o mesmo. O estado de alerta que todos viviam na presença de alguém tão doente. Teria sido sempre assim? Emma não conhecera a violência em seu lar. Claro que havia brigas entre os irmãos, mas era algo explosivo e passageiro. Quando criança, teria Luca ficado ali deitado escutando cada agressão? — Luca — chamou Emma. — Era tão ruim quando você era criança? — Esqueça isso. — Pode me contar. — Não quero. — Emma pensou que aquele fosse o fim da discussão. Que ele viraria para o lado e colocaria um ponto final naquela conversa, mas Luca se voltou para ela. — Emma, por favor... — Luca não terminou o que disse, mas não era necessário. Parecia suplicar por distração. O corpo musculoso se moveu sobre o dela e os lábios carnudos a beijaram com intensidade e calor. Fizeram amor repetidas vezes. Ele a iniciava no conhecimento dos mistérios do próprio corpo e nas maravilhas do dele. Porém, agora o ato tinha uma nova e encantadora faceta. A urgência ditava os movimentos de ambos como as ondas de um mar bravio contra a areia da praia. O corpo de Emma desa52

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli brochava instantaneamente diante da potente masculinidade de Luca. Os beijos eram exigentes, quentes e Emma os correspondia com igual ardor. Os dedos enterrados na nuca lhe pressionavam a face contra a dele. As coxas musculosas comprimindo as de Emma, enquanto os braços fortes a envolviam suplicando por um maior contato. Emma se abriu para ele, afastando as pernas, ansiando pela penetração como um viciado necessita da droga. Porém, aquilo não lhe trouxe alívio e, sim, a ânsia por mais. Uma energia sensual que crescia dentro dela como um ciclone, arrastando todo e qualquer pensamento de sua mente, a não ser o desejo por Luca. E então, ele retirou os braços das costas de Emma, fazendo-a se sentir em queda quando suas costas tocaram o colchão. Luca a beijou incessantemente, sussurrou seu nome inúmeras vezes enquanto a beijava. Até então, os orgasmos de Emma haviam sido lentamente estimulados por ele. Uma sensação gradual enquanto Luca a incitava a se entregar e deixar acontecer. Aquela noite, porém, Emma se encontrava em um redemoinho de sensações alucinantes que faziam eco com a urgência e desespero do desejo de Luca. Não era apenas sexo, mas devoção. A intensidade do orgasmo a chocou. Os movimentos frenéticos do corpo musculoso a levando a um caminho sem volta, ao verdadeiro abandono e à entrega total. Era a terceira noite que passavam naquele quarto, mas aquela noite, de fato, dormiram juntos. Os corpos entrelaçados em um abraço apertado, que não afrouxou com o sono. Todas as manhãs, mesmo quando criança, Luca nunca deixara de reparar na mãe à procura de provas de que estava tudo bem. Que pelo menos por aquela noite não houvera violência. Às vezes, encontrava-a totalmente maquiada às 7h da manhã. Em outras, a cozinha se encontrava vazia e logo vinha a desculpa de que uma forte enxaqueca a impedira de descer. Observar aqueles detalhes se tornara tão corriqueiro quanto respirar para Luca. No presente, seu pai se encontrava muito velho e doente para agredi-la, mas lhe restava a língua afiada e palavras ofensivas que valiam por uma bofetada. — Como ele estava ontem à noite? — indagou Luca, observando a mãe se tornar tensa. — Saiu tudo bem — respondeu ela, evasiva. — Estou perguntando como ficaram as coisas quando chegou em casa? Como estava papai? — Cansado — Mia continuou, lacônica. — Onde está Emma? — Ainda dormindo. — Ao acordar aquela manhã e vê-la se mexer, Luca havia lhe depositado um beijo suave nos lábios para que ela voltasse a dormir e ficou observando-a. Jovem, inocente e confiante. Como pudera fazer aquilo com ela? Pegá-la pela mão e a guiar para o inferno? Sentia como se aquela casa estivesse assentada sobre um esgoto. Podia sentir o cheiro pútrido dele, enquanto se sentava à mesa e ouvia a mãe engendrar mentiras. — Ouvi-o gritar ontem à noite — disse Luca. — Foram apenas gritos — retrucou a mãe, fechando os olhos. — Ele está 53

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli muito fraco e cansado... — Ainda assim a trata mal. — Palavras não me ferem — disse Mia. — Por favor, deixe as coisas como estão. O café tinha um sabor ácido na boca de Luca. As palavras da mãe o deixavam impotente. . Mais uma vez. Para tudo Luca tinha uma solução, uma resposta. Porém nada racional ou lógico poderia resolver aquele problema. Absolutamente nada! — Separe-se dele. — Luca se ergueu, fixou o olhar na mãe e soube que sua súplica era inútil. Como sempre fora. — Sabe que não posso! — Pode... — A voz de Luca falhou e Mia vacilou. Ambos sabiam que ele estava à beira das lágrimas. Fazia tanto tempo que não chorava que a ardência nos olhos o pegou de surpresa. A dor e a eterna impotência que vivera quando criança ainda estavam latentes. — Deixe-o mamãe. — Ele está morrendo, Luca. Como posso abandonar um moribundo? O que as pessoas diriam? — E o que isso importa? — explodiu Luca. — Claro que importa. — Mia soluçou. — E ele também importa. Está doente, assustado... — Não esteve sempre doente! Pode ser transferido para um hospital. — Luca, por favor. Suplico-lhe que pare com isso. A mãe não queria ser ajudada, mas Luca não conseguia aceitar aquilo. — Ele é um bastardo e sempre foi! O fato de ele estar morrendo não altera isso. — Ele é meu marido. Aquelas palavras a haviam condenado a uma vida de dor e sofrimento. A vergonha de se separar a silenciara. Porém, nem sempre silenciara Luca. Havia cuspido na cara do pai muitas vezes quando criança, e ainda tinha as cicatrizes para provar. A reação de Mia sempre fora suplicar para que ignorasse o que o pai fazia, pois daquela forma apenas piorava as coisas. E então Luca esperara. Aguardara até crescer e se tornar mais forte. Uma noite, quando o inevitável aconteceu, o rapaz de 18 anos com o corpo de um homem interferiu. A mágoa reprimida, somada à testosterona, eclodiram e Luca surrara o pai como ele fizera durante todos aqueles anos com a mãe. Na manhã seguinte, ainda todo machucado pela briga, algo dentro dele morreu ao ver a mãe entrar na cozinha, com hematomas por todo o corpo. Porém, pior que os ferimentos, era o olhar acusador que ela lhe lançara, deixando claro que ele piorara as coisas em vez de melhorar. E então, ela disse as palavras que ficaram no coração de Luca para sempre: "Siete no migliore dei vostro padre. Você não é melhor que seu pai. Aconteceu o que eu sempre temi: que você fosse igual a ele." — Não torne as coisas ainda piores — dizia a mãe no momento. As palavras o arrastaram das brasas do inferno do passado ao ainda mais pesaroso e desesperador presente. — A presença de Emma o encheu de 54

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli esperança da continuidade do nome D'Amato. Isso o acalmou por um tempo. Ela é uma jovem adorável — elogiou Mia. — Vejo também que finalmente encontrou a felicidade. — A voz da mãe se estrangulou. — Mas, por favor, Luca, seja carinhoso com ela. Não deixe que seu passado... Em breve lhe contarei coisas sobre sua história, seu passado... — Conseguiu acrescentar por fim. Porém, Luca já sabia do que se tratava. Deduzira há muito tempo. A atenção ao que acontecia e as lápides lhe revelaram a triste verdade. E, naquela manhã, ao descobrir que a mãe temia que ele tratasse mal a mais inocente das criaturas que dormia no andar de cima, apenas aumentou seu tormento. As palavras de Rinaldo ecoaram em seus ouvidos: "O nome D'Amato continuará. Salute!" Não se Luca pudesse evitar. O único D'Amato era ele. Jurara aos 18 anos, em frente ao túmulo de sua tia Maria, que a linhagem D'Amato acabava nele. Que se endurecesse o coração e nunca se apaixonasse, não causaria dor a mais ninguém. Era simples assim.

CAPÍTULO ONZE

EMMA SE vestiu com um short cor caqui e uma camiseta branca que cobria o pescoço e deixava os ombros e braços nus. Aplicou uma camada leve de maquiagem e prendeu os cabelos em um rabo de cavalo. Em seguida, desceu e caminhou em direção à cozinha. — Bom dia. — Luca se ergueu e a beijou, mas não a encarou. Em vez disso, apresentou-a a um belo homem que se encontrava sentado à mesa. — Este é Leo, o Dr. Calista. Foi chamado para uma emergência ontem e não pôde comparecer ao casamento. E esta é Rosa, a enfermeira. A mulher que se encontrava na bancada da cozinha, dosando alguns medicamentos, dirigiu um breve sorriso a Emma. Dr. Leo Calista era mais formal e a cumprimentou com um aperto de mão. Seu rosto lhe era familiar e ela franziu a testa tentando descobrir de onde o conhecia. — Estive no Reino Unido recentemente para uma conferência! — O médico sorriu diante da expressão confusa de Emma. — E fui visitar Luca para lhe dar notícias do pai. — Não. Não é de lá que o conheço — respondeu Emma franzindo a testa, certa de que teria se lembrado. — Falamos por telefone. Dr. Calista devia estar certo. — Prazer em conhecê-lo. 55

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — É bom ver Luca trazer uma amiga aqui. Seja bem-vinda. Mia convidou para que o médico se juntasse a eles no café da manhã, mas Leo declinou e perguntou se podia ver Rico. — Ele é simpático — disse Emma quando o trio saiu da cozinha. — É um bom médico. Trabalha aqui no vilarejo, mas está sempre se atualizando. Cuida muito bem da saúde de meu pai aqui em casa. — Isso deve significar muito para ele. — E para minha mãe, apesar de eu achar que ele deveria estar em um hospital. Cheguei a conversar com Leo sobre isso. — E o que ele disse? — Que a escolha não era minha. Meu pai quer morrer aqui em casa e minha mãe quer cuidar dele. — Então tem de respeitar a vontade deles... — Emma deixou a frase morrer quando viu a expressão contrariada na face de Luca. — Não queira me ensinar a lidar com minha família. Pode parar de encenar a namorada preocupada quando estamos a sós. — Encenar? — indagou Emma surpresa. Sua mente ainda estava focada na noite anterior, quando ele fora um amante extraordinário e carinhoso. Levou algum tempo para se ajustar ao atual humor de Luca. — Não havia ninguém presente no quarto ontem à noite — argumentou ela. — E isso não o impediu de fazer amor comigo. — Fazer amor? — Os olhos de Luca se mostravam zombeteiros e um sorriso cruel lhe curvou os lábios. — Por que as mulheres têm mania de rotular sexo com essa expressão? Deus! Luca podia ser cruel. Emma sentiu as lágrimas lhe enchendo os olhos, mas recusava-se a ceder ao choro. — Porque foi assim que pareceu na hora. — Foi apenas sexo. Se não, se lembra, é para isso que estou lhe pagando. Refresque minha memória. Quanto é o montante das mensalidades atrasadas da casa de repouso de seu pai? — E então Luca silenciou. A mão de Emma cortando o ar para entrar em contato com sua face, mas ele a segurou pelo punho. — Isso foi uma tolice. — Você é desprezível — ofegou Emma. — Mas extremamente habilidoso na cama. — Não, fui para cama com você por dinheiro! — A oferta de Luca viera depois que haviam dormido juntos. Deus, ela o odiava! Detestava o que Luca fazia. Não conseguia entender! — Odeio você — gritou ela. — Ótimo — disse Luca calmamente. — Odeie-me. Deteste-me. É melhor do que me amar, porque não será correspondida. Disse-lhe isso desde o início. Não se transforme em uma mulher chorosa agora só porque o sexo é bom. Não havia como Emma negar aquilo. Nem falar mais nada, porque a porta se abriu e Luca soltou-lhe o punho. O médico sentiu a atmosfera pesada de imediato e perguntou em inglês se estava acontecendo algum problema. Emma se viu incapaz de responder. Encontrava-se chocada com as palavras de Luca, porém ainda mais surpresa com a própria reação. Se ele não lhe 56

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli segurasse o punho o teria esbofeteado. — Está tudo bem? — insistiu o médico. — Na realidade, não — respondeu Luca. — Minha mãe está exausta. Por quanto tempo ela terá de cuidar dele em casa antes que o interne? — Estou tentando respeitar o desejo de seus pais. — Então está respeitando apenas a vontade de meu pai. Já que isso é tudo que minha mãe faz. Pode nos deixar a sós, por favor? — indagou ele, referindo-se a Emma. Quando ela se retirou, ambos se encararam. — Não vou partir até que interne meu pai. — Então ficará aqui por algum tempo — retrucou Dr. Calista, entediado. — Luca, estou preocupado com você. — Preocupe-se com minha mãe. — Eu me preocupo. E com Emma também. — Emma? — indagou Luca, incrédulo. — Por quê? — Ouvi a briga de vocês e vi as marcas no punho dela. Sei que está passando dias difíceis... — Luca entreabriu os lábios para dar alguma desculpa, mentir, ocultar a verdade. Sabia que não fizera nada de grave. Apenas a impedira de agredi-lo. Ainda assim sentia como se a maldição D'Amato tivesse passado para ele. Porém, ao contrário do pai, iria ficar e encarar a verdade. — Ficarei por alguns dias. Luca entrou no quarto onde Emma se encontrava deitava na cama, fitando o teto. Podia sentir a dor, o transtorno e as marcas de seus dedos no punho delicado. Sentiu um nó no peito, mas não deixou transparecer nada. — Deveria fazer as malas. — Luca fez um gesto de cabeça para o guardaroupa. — Providenciarei seu transporte e pedirei a Evelyn que cancele minha agenda por uma semana. Ficarei aqui mais algum tempo. Quando retornar pode falar com Kasumi... — E listou uma série de ordens, falando apenas sobre trabalho e a encarando. — Suponho que seremos apenas profissionais como sempre? — indagou Emma. — Foi você quem quis. Garanti-lhe que não perderia o emprego depois disso. Claro... — exibiu um sorriso breve e melancólico. — Se quiser sair, eu lhe providenciarei uma excelente referência. Tenho alguns contatos... Queria vê-la fora de sua vida. Sem qualquer desculpa ou explicação. — O que aconteceu? — quis saber Emma. Não conseguia entender. — Foi tudo tão maravilhoso... — Por algum tempo, talvez — respondeu ele. — Mas me cansei de você. — Devo mandar flores para mim mesma? — zombou Emma. É que o sempre me pede para fazer. — Compre um presente de despedida para você — sugeriu Luca. — E quem disse que vou partir? — Não lhe daria aquela satisfação. — Não me lembro de ter mencionado que estava procurando outro emprego. — Imersa na dor provocada pelo comportamento de Luca e no sentimento de perda, conseguiu sentir um lampejo de triunfo ao perceber o pomo de Adão subir e descer, apesar da expressão impassível que ele exibia. — Estou muito 57

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli feliz com meu cargo, a não ser que tenha alguma queixa do meu trabalho? — Observou os lábios carnudos se comprimirem por uma fração de segundo. — Nenhuma. — Ótimo. Então o vejo quando voltar. — Retirou os brincos para devolvêlos, na tentativa de um gesto digno, mas Luca não aceitou. — Considere-os um bônus. E assim Emma foi expulsa de sua vida pessoal, assim como tudo que haviam compartilhado nos últimos dias. — Enquanto ainda estamos no âmbito pessoal, antes de voltar ao trabalho... — Não havia lágrimas nos olhos de Emma ou hesitação na voz ao verbalizar cada palavra. — Eu o odeio. — Está sendo repetitiva. — Para que tenha certeza disso — retrucou ela em tom surpreendentemente claro. — Quando eu sorrir e lhe trouxer seu café, rir de suas piadas e o acompanhar em algum compromisso, não pense que esqueci o que fez. Eu o odeio.

CAPÍTULO DOZE

EMMA ESTAVA se preparando para partir em silêncio e quase imperceptivelmente. Como as luzes de um bloco de escritórios que se apagam, assim iam fechando as portas de seu coração. Concorrendo a outras vagas e preparando seu portfólio artístico, enquanto trabalhava para o homem que despedaçara seu coração. Na manhã seguinte da viagem voltara à sua mesa, trabalhara normalmente, conversara com Evelyn, recusando-se a dar a Luca o prazer de sumir de sua vida para que ele não tivesse de conviver com seu erro. Quando o pai de Luca foi internado e ele finalmente retornou, mostrou-se mais profissional do que nunca. Com eficiência e competência, dava continuidade a seu trabalho. No primeiro dia que Luca estava de volta, trouxelhe café e lhe ofereceu um agradável "bom-dia!". — Bom dia, Emma! Se não o conhecesse melhor, correria o risco de se enganar, achando que o estava ferindo tanto quanto Luca a ela. A aparência dele era péssima. Continuava o homem extremamente belo que era, mas havia uma leve cor acinzentada em sua compleição e reflexos prateados em seus cabelos que ela tinha certeza que Luca não possuía antes. 58

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — A reunião com seu cliente não começará antes das nove. Evelyn me perguntou se eu poderia discutir seus compromissos para a próxima quinzena, se tiver tempo. Emma treinara com afinco para aquele momento, percebeu Luca. Ela não se encontrava ruborizada e nem evitava seu olhar. Nunca a admirara mais. — Pode ser agora. — Luca gesticulou com a cabeça para que ela se sentasse e abriu a tela de seus compromissos, enquanto Emma tomava notas. — Tem duas viagens internacionais marcadas... — Três — interrompeu Luca. — Teremos de passar uma noite em Paris. — Pensei... — A caneta de Emma estacou no papel. Evelyn se encontrava em mais um tratamento de fertilização in vitro e aquilo significava que teria de acompanhá-lo. — Quer dizer, com seu pai doente, Evelyn não estava certa de que ainda quisesse... — Paris é mais perto da Itália do que Londres. — Mais uma vez Luca a interrompeu. — Não cancelarei nada. Depois de uma semana ausente, tenho muito que fazer. Precisarei que uma de vocês fique até mais tarde esta noite. — Claro — retrucou Emma, no mesmo tom profissional. — Talvez, amanhã também. Emma percebia a intenção dele. Estava querendo lhe mostrar o quanto seria difícil se ela insistisse em se manter ali, já que teria de fazer as viagens substituindo Evelyn. — Sem problemas! — Ela sorriu. — Mais alguma coisa? Demita-se. Ele não respondeu, mas aquela palavra não saía da mente de Luca durante cada encontro, cada vôo. O fato de estar próximo dela e não poder têla o matava. Achara difícil terminar o relacionamento com Martha, enganandose que ela seria a mulher de sua vida. Porém, aquilo era milhares de vezes pior. Seria mais fácil ceder à vontade de Luca, pensava Emma constantemente durante as semanas que se seguiram, enquanto trabalhava ao lado dele. Mas não podia simplesmente fechar aquela última porta. Romper todos os laços e por uma razão muito forte. — Que signo corresponde ao dia dez de junho? — Evelyn recusava-se a perder a esperança. Dentro de dois dias, faria um teste de gravidez que selaria seu destino. — Gêmeos — retrucou Emma sorrindo e, em seguida, voltando ao trabalho. — Sei que estou sonhando alto — disse Evelyn, erguendo-se para se juntar a Luca na reunião marcada para as 14h. Mas sinto-me diferente desta vez. Sei que estou grávida. Para o bem de Evelyn, Emma rezou para que ela estivesse certa. Porém, para seu próprio bem, esperava desesperadamente que a colega estivesse errada, pois também se sentia diferente. Determinada, afastou o pensamento e forçou-se a se concentrar apenas na tarde ocupada que tinha pela frente. Seu trabalho era bastante variado. Em um minuto estava fazendo reservas em hotéis sete estrelas em Dubai e no outro tendo de suportar a histeria de uma empregada doméstica causada pelas convulsões do cachorro. 59

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Evelyn se encontrava na reunião com Luca, então Emma optou por lhe mandar um e-mail em vez de telefonar. Problemas com Pepper. A empregada doméstica sairá mais cedo. Veterinário a caminho. Sabendo qual seria a resposta, pegou sua bolsa e pediu a um dos motoristas que a levasse ao apartamento de Luca. Não estivera no apartamento dele desde o dia em que trocaram o primeiro beijo. — O veterinário está chegando — informou Rita, a empregada doméstica, que se encontrava banhada em lágrimas, curvada sobre o animal. — Tenho de ir à escola buscar as crianças. Era uma visão triste, ver o pequeno cachorro deitado no chão, obviamente em sofrimento, porém rosnando pela aproximação de alguém. — Pode ir — disse Emma. — Esperarei pelo veterinário. — Luca ficará devastado — soluçou Rita. — Ele ama esse cachorrinho. — É mesmo? — Emma não pôde evitar a entonação de surpresa. — Quase não passa tempo com ele. — Mas gosta de chegar em casa e encontrá-lo.— afirmou Rita. A emoção superando a discrição. — Oh, pobre Pepper! Nunca entendi como Martha pôde abandoná-lo aqui. Emma detestava aquilo, pensou quando se viu a sós com o cãozinho. Detestava ter aqueles vislumbres da vida pessoal de Luca. Estar na casa dele, em meio a seus pertences, tentando confortar o cão agonizando que pertencera a uma mulher que Luca amara era mais do que podia suportar. O que não contava era com a chegada de Luca. Nunca imaginara que ele abandonaria uma reunião importante por causa do cachorro. — O veterinário está a dois minutos daqui. Acabou de ligar. Luca se ajoelhou ao lado do cãozinho, a expressão fechada e a voz não muito suave. — Você está bem — disse a Pepper em tom brusco, erguendo o olhar, em seguida, para encarar Emma. — Se eu o paparicar, ele vai perceber... — Esticou a mão e, apesar dos rosnados do cachorro, continuou a acariciá-lo até que por fim o animal relaxou. — Sabe que gosta disso e não vai me morder — continuou conversando com o cão. Luca pediu a Emma que recebesse o veterinário antes de ela ir embora. — Não me importo em ficar. — Não há necessidade. Luca acariciava o cão com as duas mãos agora e lhe dizia palavras de conforto. Nunca entenderia aquele homem. Nem em um milhão de anos. — Não deveria ligar para Martha? — perguntou Emma, vendo-o paralisar por um instante. — Ela o abandonou — retrucou ele. — Pepper não lhe pertence mais. — Por que vocês terminaram? — perguntou curiosa. Talvez aquele não fosse o momento para aquele tipo de conversa, mas era a única oportunidade que Emma encontrou para obter a resposta a uma pergunta que se fazia há 60

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli muito tempo. . — As coisas não estavam indo bem — explicou Luca. — Aí está o veterinário. Faça-o entrar e depois vá. — Ou estavam indo muito bem? — perguntou Emma ao se erguer. — Estava se sentindo muito feliz, Luca. Por isso terminou com ela? — Vá embora. Porém, Emma não conseguia. Em vez disso, verbalizou o que passava em sua mente. — Tem medo de se transformar em um homem igual ao seu pai? — A face de Luca escureceu de raiva, enquanto girava a cabeça para encará-la, mas aquilo não a assustou. — Você não é o seu pai. — Não queira praticar sua psicologia barata comigo! — explodiu Luca. — Eu não a amo, Emma. Na verdade, nem sequer gosto de você. —Aquelas palavras tinham mira certa no coração dela. — Dormi com você porque foi o que desejou. Implorou-me que o fizesse. Avisei-a desde o início que não passaria de um caso. Agora que lhe digo que acabou, como a havia prevenido, fica tentando arranjar uma razão que justifique minha atitude. — Está bem, Luca — disse ela, sentindo-se nauseada. — Captei a mensagem. — Não. Você perguntou e vou responder. Terminei com você porque, como todas as outras, se tornou pegajosa, exigente e, francamente... —Voltou a atenção ao cachorro. — Não é muito boa na cama. Emma fechou os olhos e oscilou. — Saia! — ordenou Luca, sem olhar para ela. Dessa vez, Emma partiu. Foi rápido, sem dor e era a única alternativa. Sempre lhe doera ficar tanto tempo longe daquele cãozinho, mas encontrar um lar para um poodle idoso e com demência era uma tarefa impossível. Estava na hora de ele partir. — Quer que eu o leve? — indagou o veterinário. — Por favor. — Quer ficar com a coleira dele? — Não, obrigado. Apertou a mão do veterinário e agradeceu. Em seguida, levou uns minutos para descobrir onde Rita deixara os sacos de lixo. Caminhando pelo apartamento, encheu um deles com as coisas de Pepper e, em seguida, jogouo na lixeira. Chateado por ter os pelos do cachorro grudados em seu terno, retirou-o, atirou-o na lixeira e vestiu outro. Apenas quando o último traço de Pepper havia sido apagado foi que retornou ao escritório.

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CAPÍTULO TREZE

— TENHO CERTEZA de que estou grávida — afirmou Evelyn. Se dissesse aquelas palavras com confiança, o universo conspiraria para que acontecesse. — Vamos esperar e ver o que o exame diz — opinou Emma, cautelosa. — Amanhã saberemos. — Estou com todos os sintomas — insistiu Evelyn. — Tenho enjôos, meus seios estão doloridos... —Aquilo era como torturar Emma aos poucos. Cada sintoma que a outra descrevia lhe causava uma pontada de medo. — Quero saber agora. Emma também. — Evelyn... — Emma pegou a bolsa. — Vou almoçar, está bem? — Vai sair para almoçar? — perguntou Evelyn, perplexa. Naquela empresa, o horário de almoço simplesmente não existia. Ou almoçavam fora com Luca, enquanto trabalhavam, ou comiam um sanduíche em suas próprias mesas. — Tenho algumas coisas a fazer... — Emma jogou a bolsa por sobre o ombro. — e duvido que consiga sair daqui às 17h. O toalete público de uma loja de departamentos não era o lugar mais indicado para ter aquela notícia, mas precisava estar longe de Luca para fazer aquilo. Encostada à parede, a curta espera parecia interminável. Tentava não pensar no motivo pelo qual a pílula não funcionara. Lera na internet que a mudança de trabalho, as viagens, as mudanças de fuso horário poderiam contribuir para a ineficácia do medicamento. Ergueu o papel de instruções do exame de farmácia e a resposta foi clara. Retornou ao escritório com o coração batendo na boca. Não ousava imaginar qual seria a reação de Luca à notícia. Estava tendo trabalho suficiente com a própria reação. — Onde diabos se meteu? — Luca não estava em seu melhor humor. Aliás, ficara assim desde a morte de Pepper. Porém, enquanto retirava o agasalho, o tom áspero não produziu nenhum impacto em Emma. — Telefonei para seu celular várias vezes! — Fui almoçar — disse Emma. — E esqueci de recarregar a bateria do telefone. — Saiu para almoçar há duas horas! — E fiquei aqui até às 23h ontem à noite — retrucou Emma. A cabeça ainda rodopiava com o que acabara de descobrir para se intimidar com o tom de Luca. Ergueu o olhar e o fixou na face que um dia pareceu adorá-la, nos 62

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli lábios macios que a beijaram e imaginou como ele pudera mudar tanto. Como poderia reunir coragem para contar a ele? Não conseguiria. Portanto, em vez de se explicar, encaminhou-se para sua mesa. Luca a seguiu e passou-lhe uma lista de ordens tão extensa, que até mesmo Evelyn franziu a testa diante da impossibilidade de cumpri-las. Porém, Emma se limitou a sentar e trabalhar, ocupando-se das tarefas mais urgentes, enquanto Evelyn lidava com o chefe. A ira de Luca era palpável em tudo que fazia. Podia senti-la quando bateu à porta e lhe entregou uma lista de orçamentos que, embora julgasse urgente, não mereceu mais do que um olhar superficial de Luca. — E não se esqueça da reunião de hoje à noite — disse ele antes que Emma saísse. — Certifique-se de que terei toda a documentação de que preciso. — Reunião de hoje à noite? — Com o escritório de Los Angeles. — Luca exibiu um sorriso sarcástico. — Evelyn tem que sair às 18h hoje, portanto terá de substituí-la. — Tenho planos para esta noite. — De fato Emma marcara uma consulta com o ginecologista para saber o que faria. — Preciso mesmo sair. — Pode nos dar licença um instante, Evelyn? — pediu Luca em um tom severo. — Quando lhe foi oferecido esse cargo... — começou, quando ficaram a sós. Cada palavra era pronunciada em tom brusco. Os olhos azul-escuros não desviavam dos dela. — Foi deixado claro que ele incluía viagens extensas e serões. — Está tentando me forçar a pedir demissão? Luca se recostou para trás na cadeira, com um sorriso cruel nos lábios. — Deixamos claro o motivo pelo qual estava sendo contratada. Para evitar que Evelyn ficasse sobrecarregada. Valorizo muito Evelyn... — Ao contrário de mim — rebateu Emma. — Valorizo todos os meus funcionários — respondeu Luca. — Mas Evelyn é vital para a empresa, por isso tenho sido tão tolerante com suas consultas ao médico. É por isso que está aqui. Para tirar um pouco da carga de trabalho dos ombros dela e Evelyn não acabe pedindo demissão. — E isso que quer que eu faça? — Por que desejaria que se demitisse? Se Evelyn tiver boas notícias amanhã, precisaremos muito do seu trabalho. Isso pode até significar uma promoção para você! Luca a manteve no escritório até as 22h. Exausta, Emma se estendeu na cama, mas não conseguiu dormir. Na mente, um turbilhão de pensamentos conturbados. Estar grávida de Luca era assustador, mas lhe dar a notícia, lidar com a reação dele era aterrorizante. Como dizer a um homem que claramente a queria fora de sua vida que estaria ligada a ele para sempre? Luca havia mudado, mas ela também. Fora como uma bela dança, sendo que em certo momento havia tropeçado. E então, ficou acordada por horas, tentando determinar o momento em que, para Luca, as luzes daquele relacionamento se apagaram. Sabia que não fizera nada de errado. Não era uma questão de acertar ou errar. Conhecia 63

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli as regras quando embarcou naquela viagem sentimental. Luca deixara claro que não entregaria o coração a ninguém. Havia entrado naquele relacionamento totalmente preparada e saído dele completamente despedaçada. Tivera tanta certeza de que podia lidar com aquilo. Mudá-lo. Ser a mulher da vida dele. Vislumbrar um futuro para ambos. Como fora tola!

CAPÍTULO CATORZE O TELEFONEMA FORA inesperado. Luca vencera, decidiu Emma. Digitou sua carta de demissão, imprimiu-a e a deixou na bolsa para apresentá-la no momento ideal. Simplesmente não poderia continuar ali. Evelyn teve más notícias no exame de sangue. Luca sugerira que ela fosse para casa, mas ela insistiu em ficar. — Não será a última vez — disse Luca, enquanto Emma a abraçava. — Talvez seja hora de procurar outro especialista. Ouvi falar de uma clínica muito boa. Os resultados positivos com a fertilização in vitro são altos. — Entregou um folheto com a propaganda da clínica à secretária. — Não podemos pagar essa clínica — soluçou Evelyn. — As despesas correrão por minha conta — garantiu ele. — E dessa vez ficará fora o tempo necessário para descansar e esperar os resultados. — Por que faria isso por mim? — indagou Evelyn, enquanto Emma se fazia a mesma pergunta. Ele podia ser tão bom, charmoso e gentil. Ah, mas Evelyn era vital para Luca, pensou sarcástica. A última coisa que desejava era que sua tão estimada secretária fosse embora. Ainda assim, a demonstração de bondade a pegou de surpresa. Como ele sempre fazia. Emma sentiu um nó na garganta, enquanto ele falava com Evelyn, ouvindo a rara ternura que ansiava para ela. — Porque faz muito por mim e sempre me foi leal. Porque quando seu bebê nascer — e ele vai nascer —, mesmo que só queira trabalhar para mim em meio expediente ou não voltar a trabalhar, poderei contar com você para treinar alguém e ajudar-nos por alguns dias. E mais que isso, somos amigos. Sei que podemos contar um com o outro. Quando Luca decidia ser bom não havia ninguém melhor, concluiu Emma. Ninguém. Talvez Evelyn fosse a única mulher com quem Luca pudesse sustentar um bom relacionamento pelo fato de não haver sexo envolvido, mas apenas uma 64

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli ligação afetiva mútua e respeito. Emma daria tudo para desfrutar dos últimos dois. Mais tarde, sentada à sua mesa, fitando além da janela o céu cinzento de outono que declarava findo o verão, observou Luca passar por ela, entrar no escritório e fechar a porta. Sentiu-se como uma das árvores abaixo, agitadas pelo vento. A cada sopro da brisa, a verdade era desnudada e não podia mais se submeter àquilo. Não podia se agarrar ao que não sobrara. Não podia adiar o inverno. Não odiava Luca, apenas seu comportamento. Detestava o fato de ele não amá-la. E deveria se lembrar daquilo, pensou Emma, quando lhe contasse sobre o bebê. Se contasse. Suspirou com a escolha imoral que estava considerando: negar-lhe o conhecimento da criança que esperava. E que daria à luz. Oh, adoraria ser uma daquelas mulheres estóicas, que nunca consideraram a possibilidade de serem mães, mas ela não era assim. Folheara suas revistas, procurara informações na internet, dera alguns telefonemas, mas fora Evelyn que, sem querer, havia lhe transformado o pensamento. O profundo sofrimento da amiga lembrara a Emma o milagre que ocorrera. Que apesar das precauções, do homem que não desejava mais que um simples affair, da mulher que tinha outros planos, uma vida havia sido gerada. Uma vida a qual amaria para sempre. Tinha apenas de se acostumar. Nunca compreendera tão bem a mãe. Como devia ter se sentido aprisionada em seu papel de mãe e esposa. Emma tinha esperança de que em breve aquele sentimento se dirimisse pelo amor avassalador que sentiria por aquela criança. Seria Luca capaz de sentir o mesmo? As lágrimas inundaram-lhe os olhos e Emma tentou predizer mentalmente qual seria a reação dele. Sem dúvida, presumiria que seu único objetivo era uma polpuda pensão mensal, ou pior, uma aliança de casamento. Porém, uma união sem amor não estava em seus planos. Afinal, era produto de uma, e nunca exporia o próprio filho ou filha a esse tipo de sofrimento. Agora só lhe restava contar a ele. Porém, qual das informações, Emma ainda não se decidira. Se lhe dizia que estava partindo para sempre ou que haviam gerado uma criança. Tão imersa estava ela em seu dilema que, quando recebeu o telefonema, embora não fosse totalmente inesperado, foi como um choque.

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CAPÍTULO QUINZE

— SIGNORA D 'AMATO. Come stai? — Emma perguntou à voz familiar da mulher do outro lado da linha em seu recém-adquirido conhecimento do idioma italiano. Porém, o cumprimento perdeu a efusividade diante do tom de voz da mãe de Luca. Podia perceber o esforço em disfarçar a emoção, quando perguntou se o filho se encontrava no escritório. — Vou colocá-la em contato com ele. — Não! — A voz de Mia tinha um tom urgente. — Emma, por favor... As notícias não são boas. — Um soluço estrangulado do outro lado da linha a fez fechar os olhos. — Rico se foi. — Emma segurou o fone com força e esperou até que Mia recuperasse o fôlego antes de continuar. — Não sei qual será a reação de Luca. Eles não são muito próximos, mas pode lhe dar a notícia com cuidado para mim, por favor? — Emma sentia gotículas de suor lhe brotarem na testa. Não era sua função fazer algo tão pessoal. Porém, para Mia eles eram namorados. — Vejo-os em breve no funeral. — A suposição de Mia fez o coração de Emma disparar, ainda mais quando prosseguiu, dando-lhe os detalhes que apenas a noiva do filho poderia saber. — Emma, isso será difícil para Luca. Fico feliz por ele ter você. O caminho até o escritório de Luca parecia extraordinariamente longo. No entanto, em segundos se encontrava lá. Como instruída, bateu à porta e esperou pelo comando entediado de Luca para entrar. Se ele tivesse erguido o olhar, veria a palidez no rosto de Emma e perceberia que algo estava seriamente errado. Porém, Luca se encontrava entretido em uma ligação telefônica. As longas pernas estiradas sobre a mesa e cruzadas nos tornozelos. Gesticulou para que ela se sentasse. Emma obedeceu, repassando em sua mente como poderia lhe dar a notícia. — Pois não? — Enquanto desligava o telefone, Luca retirou as pernas da mesa e adotou uma postura mais formal. O tom conciso lhe prevenindo que gostava que as pessoas fossem diretas ao ponto. Porém, Emma não sabia como ser objetiva naquele caso. — Tenho algo a lhe dizer. — Diga. — É difícil. — Emma engoliu em seco e abriu a boca para falar, mas Luca a atropelou. — Escrevi uma carta de referência conforme concordamos... — Luca... — Haverá um bônus em seu pagamento. — Mais uma vez ele a interrompeu. Na verdade, parecia vomitar as palavras. Ele sabia que aquele 66

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli momento chegaria, ansiara por ele, precisara daquilo, mas no momento em que aconteceu, mostrou-se dolorosamente difícil. Percebeu um quase imperceptível tremor em suas mãos, sempre tão firmes ao lhe entregar o envelope. — E melhor assim — disse ele, mais para benefício próprio do que para o dela. — Luca, poderia, por favor, me escutar? — suplicou Emma, cruzando as mãos sobre o colo. — Acabei de receber um telefonema de sua mãe. — Ele não podia escutar a voz de Emma, ver seus lábios se movendo ou processar as palavras. A mão continuava esticada, entregando-lhe o envelope, quando, por fim, captou que o pai morrera. Que tudo havia acabado. Desejara aquele momento, lembrou ele, quando algo pareceu catapultá-lo da cadeira, fazendoo cruzar o escritório em direção à janela, virando as costas para Emma. Queria aquilo, desejou por tanto tempo que tudo acabasse, mas nunca imaginara sofrer. Jamais considerara que aquela notícia pudesse lhe causar dor. O pai estava morto, havia partido, tudo se acabara. Finalmente, estava terminado. Por fim, seria capaz de respirar, mas simplesmente não podia. Não conseguia puxar o ar para os pulmões e expeli-lo. Todas as lembranças, boas e más, desfilavam em um cortejo diante dos olhos que se encontravam fechados. Perguntas vãs lhe vinham à mente como um mantra lhe fazendo latejar a cabeça. Por quê? Por que seu pai fizera tudo aquilo? Por que não podia simplesmente ter sido feliz? Por quê? Encontrava-se transtornado com aquilo tudo. Surpreso com a profundidade da dor que sentia por um homem que não causara nada além de dor. — Quando? — perguntou por fim. — Acabou de acontecer — retrucou Emma com suavidade. — Sua mãe está em companhia de uma amiga. Pernoitará em um hotel e no fim da manhã voltará para casa. Era óbvio que Luca estava devastado e Emma se sentia quase como uma intrusa, testemunhando aquele momento tão íntimo. Sabia que ele não desejava que o visse daquele jeito. Não havia lágrimas ou demonstrações dramáticas de emoção. De alguma forma, seria mais fácil lidar com elas. Mas uma dor profunda curvava aqueles ombros largos, enquanto ele andava sem firmeza em direção à janela, imerso em conjecturas. Emma permanecera sentada, rasgada por dentro. O instinto desejando que corresse para ele, mas a lógica lhe dizendo para ficar exatamente onde estava. — E quanto a meu pai? — Emma percebeu-o injetar força em sua voz. — Ela disse alguma coisa? — Pediu para que tomasse as providências em relação ao enterro. Porém, não fora aquilo que Luca quisera saber. As providências já haviam sido tomadas semanas atrás. Tudo que tinha a fazer era erguer o fone ou pedir a Evelyn que o fizesse. Não, não fora aquilo que perguntara e nunca pensara que se importaria a ponto de querer saber. — Ele sofreu? 67

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Não. — Antes quisera que ele sofresse. Experimentasse na morte a agonia que infligira em vida. Porém, os desejos não passavam de breves vôos da imaginação, refletiu, percebendo uma realidade completamente diferente. — Sua mãe disse que o fim foi rápido e indolor. Aquilo lhe dava algum conforto, apenas não sabia dizer por quê. E então ele sentiu a mão de Emma em seu ombro. Desejou afastá-la, embaraçado por ela testemunhar sua dor. Porém, aquele toque o ajudou, o conforto do contato humano era como uma corda a que pudesse se agarrar em meio à correnteza escura da tristeza. Luca girou e, pela primeira vez na vida, por um breve momento, se apoiou em alguém, sentindo-lhe o calor, a gentileza, as lágrimas de Emma em sua face. Por um instante, aceitou que ela compartilhasse de sua dor, a abrandasse apenas por estar presente. E então, Luca se afastou. Tinha de se afastar. — Providencie o jato. Preciso estar lá para confortar minha mãe. Quando disse que ela estará de volta? — Amanhã, no fim da manhã. O que lhe dava algum tempo. Pensou nos infinitos compromissos que tinha. Nas pessoas que dependiam dele e nas coisas que tinha a fazer. — Providencie meu vôo para 8h da manhã. Agora, se me der licença, vou telefonar para minha mãe. — Claro, mas... — Cancele minha agenda por uma semana. Avisei a maioria das pessoas que isso aconteceria em breve. — Luca recuperara o tom profissional. Alto, pomposo, mas incapaz de fitá-la nos olhos. — Luca... Os olhos dele se fixaram no envelope que ainda segurava. — Se está pensando em se demitir, peço-lhe que espere até meu retorno. — Claro, mas... — Como dizer aquilo? Como abrir a boca e verbalizar? Por fim, as palavras pareceram fluir. — Sua mãe pensa que eu irei com você. Está me esperando para o funeral. — Não. — A resposta foi imediata. Não faria aquilo de novo. Não permitiria tê-la tão próximo. Fora difícil o suficiente perdê-la uma vez. Não conseguiria passar pela mesma situação de novo. — Explicarei que sua presença é de vital importância aqui. — Ela acha que sou mais necessária lá. — Emma estava chorando. Não devia estar. Não fora seu pai que morrera, mas vê-lo tão perdido por um momento, sentir o peso da dor de Luca apoiado em seus braços. Mesmo que significasse pura agonia, que tivesse de enfrentar outra farsa, queria estar lá com ele. Desejava passar aquelas horas difíceis com o homem que amava, o pai da criança que gerava e, talvez, estar próximo a ele, compartilhando sua dor, os aproximasse o suficiente para lhe revelar sobre o bebê. — Não precisa passar por isso sozinho. — Não. — Aquela era a resposta final de Luca. Sempre fizera tudo sozinho. Fora só a vida toda. Oh, houve mulheres, até mesmo parceiras que o acompanharam em alguns eventos familiares. Porém, em sua mente, sempre estivera sozinho. Agora, Emma lhe oferecia outro 68

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli caminho e ele a fitou nos olhos vislumbrando a trilha desconhecida. Tê-la a seu lado naquele momento, desfrutar da presença dela em sua cama. A mão delicada, porém firme, unida à dele, enquanto tentava atravessar... Nunca se sentira tão tentado. — Não. Dispensou-a, pegou o telefone e virou-lhe as costas. Emma fechou a porta sem fazer barulho quando saiu, e de alguma forma conseguiu se controlar. Evelyn se encontrava em prantos por suas próprias razões, portanto, com apenas uma orientação dela, Emma colocou os planos para o funeral de Rico D'Amato em ação e tomou as providências para a viagem de Luca. Após o fim do exaustivo dia de trabalho, decidiu visitar o pai. — Eu a amava, Emma. — Frank segurava a foto da ex-esposa e chorava quando ela chegou. — Eu a amava. — Eu sei, papai. — Sempre soube que ela iria me deixar. Sabia naquele dia que sua mãe se foi... — Em vez de tirar-lhe a foto das mãos, encher o pequeno prato de chocolates ou guardar sua roupa lavada, Emma se sentou na cadeira de couro ao lado da cama do pai, sentindo o peso do entendimento em suas costas. O amor doía. Corroia. — Deveria ter dado apoio à arte dela. — Frank soluçava, enquanto Emma lhe segurava a mão com os olhos fechados. — Devia ter lhe dado apoio e sido um pai melhor para você. O pai repetia as mesmas palavras, aprisionado em um círculo de demência e amargo remorso. Era exaustivo escutar e mais exaustivo ainda partir. Sentindo os ossos doloridos pelo cansaço, Emma saiu da casa de repouso para a escuridão da noite, pressentindo que Luca estaria esperando por ela. Quase sentindo o que iria para acontecer. — Fui até sua casa. — Vim visitar meu pai. — Está tudo acabado entre nós. — Luca forçou-se a dizer, porque ela merecia mais do que mentiras, falsas promessas e homens como ele. — Não podemos ter um relacionamento. — Sei disso agora. — Emma estava sendo sincera. Finalmente chegara àquela conclusão, porque ele não podia ter sido mais claro. A face de Luca se encontrava pálida. Apenas o azul de seus olhos e a negritude de suas palavras ressoavam no coração de Emma. Porém, o amor costumava tornar as pessoas surdas. Podia fazê-las se importar com o outro e até mesmo torná-las fracas, mas o verdadeiro amor as fazia fortes. — Ofereceu-se para ir ao funeral. Gostaria que aceitasse ir. Significaria muito para minha mãe e também para mim — admitiu ele. Apenas uma leve fraqueza, mas fez Emma piscar, confusa. Algumas vezes, Luca falava como um homem que a adorava. — Disse que iria, mas não haverá nenhum... — Não conseguiu terminar a frase, mas sabia que ele compreendera. Ao contrário de antes, agora Emma falava sério. Embora o amasse e o desejasse, ter intimidade com um homem que declarara não querê-la, era algo inaceitável e, portanto, aquela condição tinha de ser verbalizada. 69

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Compreendo — concordou ele, sendo sincero. Para Luca o sexo sempre fora um bálsamo, uma distração, um prazer. Porém, com Emma fora algo mais. Levara-o a lugares que lhe mostraram o quanto estava perdendo e o que perderia para sempre. Ela estava certa. Sua mãe, naturalmente, presumira que Emma o acompanharia, idéia que a princípio estivera fora de questão para Luca. Porém, a necessidade de tê-la a seu lado... Sabia que não devia, mas de uma forma egoísta, aquele desejo sobrepujou a lógica. —Vou viajar à tarde. Evelyn irá até sua casa pela manhã, ajudá-la. — No mundo de Luca não eram necessárias explicações. Dava ordens que deveriam ser cumpridas sem questionamentos. Porém, quando Evelyn chegou na manhã seguinte, munida de vários conjuntos de roupas sóbrias para ajudá-la a fazer a mala, cancelar compromissos e telefonar para a casa de repouso, o clima era sombrio. Emma gostava de usar trajes de cor preta, porém sempre quebrava o tom fechado com algum acessório colorido. Vestir-se completamente de preto a fez se sentir nauseada. Só estivera no funeral da mãe e era uma criança muito pequena para se lembrar. Ambas se sentaram na sala, aguardando o carro de Luca. Evelyn reparou na expressão aflita da colega de trabalho e no pé que ela agitava sem parar, enquanto visivelmente se preparava para o que teria de enfrentar. — Sei que aconteceu alguma coisa na Itália. — Evelyn quebrou o silêncio com suavidade na voz. — Como não poderia ter acontecido? — retrucou Emma, dando de ombros com nervosismo. — Eu a avisei — disse Evelyn sem nenhuma entonação acusatória. Testemunhara aquilo antes e, sem dúvida, aquela não seria a última vez. Porém, com Emma parecia ser diferente. — Não precisa ir a esse... — Mas vou — interrompeu Emma. — Ele a magoará — preveniu Evelyn. — Por favor, não se envolva tanto... Luca é incapaz de manter um relacionamento sério. — Sei disso. — E ele não suporta ter de conviver com seus "erros". — Evelyn falava do alto de seus anos de experiência em lidar com Luca. — Vi isso acontecer tantas vezes. Mais cedo ou mais tarde, você vai ser dispensada. Oh, receberá uma excelente carta de referência e uma polpuda rescisão. — Cada palavra era como uma adaga cravada no coração de Emma, varrendo as últimas esperanças que alimentava de ser diferente para Luca. — Ele a machucará — prosseguiu Evelyn. E então, o motorista buzinou anunciando a chegada do carro, e ambas se ergueram. Emma sentia-se tentada a seguir o conselho da colega e simplesmente se afastar, antes que se ferisse ainda mais. — Ele já me magoou — admitiu Emma por fim. — Então, diga-lhe que não pode acompanhá-lo. Que mudou de idéia. Quando a campainha tocou, ambas permaneceram em silêncio por algum tempo. Em seguida, Emma pegou a mala e abriu a porta para se deparar com os olhos azul escuros que se encontravam vítreos. Observou a face tensa do homem que precisava dela por mais algum tempo. 70

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli O verdadeiro amor de fato tornava as pessoas mais fortes, refletiu Emma. Não era apenas por Luca que compareceria àquele funeral. Mas também por seu bebê. Para viver aquela breve passagem que um dia teria de relatar à criança que gerava. Contar como fora a morte de seu avô.

CAPÍTULO DEZESSEIS

TUDO PARECIA diferente. Quando o helicóptero levantou vôo do heliporto, Emma reconheceu os vinhedos e árvores nuas que compunham o caminho até a casa de Luca. O mar Mediterrâneo, profundo e cinza, quando começaram a voar mais baixo. Ao entrar na casa, depararam com todas as cortinas cerradas. Mulheres trajadas de preto soluçavam, enquanto os dois passavam. Emma nunca vira emoções tão intensas externadas daquela forma. Uma avalanche de dor que os atingia em cheio. Em meio ao clima funesto, encontrava-se Mia. Sentada, ereta, exalando uma silenciosa dignidade. Ergueu-se ao ver o filho entrar e aceitou seu abraço. De repente, um lampejo de lembrança se acendeu na mente de Emma. Lágrimas e um sombrio sofrimento. Recordou erguer as mãos em direção ao pai, que não a notou. O desnorteamento que sentiu como criança ao ver seus irmãos, tias e todos chorarem. Até aquele momento, estivera segurando a mão de Luca para manter as aparências, mas agora era ele que apertava firme a dela. Mia os guiou através da cozinha, onde os homens se encontravam em um silêncio respeitoso e contido, ao escritório de Rico. Lá, discutiu com o filho os detalhes da cerimônia. Para satisfazer a vontade da mãe, Luca cumpriria todas as formalidades. Beberia uísque na cozinha com os homens e desempenharia o papel de filho cumpridor de seus deveres. Porém, não faria aquilo com Emma. — Luca! — Emma ouviu a voz aborrecida de Mia, porém não tinha idéia do que estavam dizendo. Ele parecia inflexível. A voz firme e o tom decidido antes de levá-la para o quarto no andar de cima, onde Emma se sentou na beirada da cama. — O que está havendo? — perguntou ela. — Esse não é o momento de discutir com sua mãe. — Esperam que você se sente e chore com as mulheres, enquanto eu fico 71

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli com os homens. Portanto, agora é um bom momento para manifestar minha opinião, não acha? — Sim, obrigada — concordou ela. — E o que disse? — Que estava cansada, aborrecida... — Luca exibiu um leve sorriso. — E que é inglesa. Emma conseguiu esboçar um sorriso fraco em resposta. — Nós ingleses também temos emoções, sabia? — Ah, mas você as oculta tão bem! — Emma estava quase certa de que ele se referia aos dois e às últimas semanas infernais. — Quando dói, quando de fato dói... — Luca estendeu a mão e afastou alguns cachos da face tensa de Emma e permaneceu com a mão em sua face. — Você as reprime. — Chorar e gritar não muda nada. Aprendi isso há muito tempo. — Apenas as guarda para si? — quis saber Luca. — Sim. — Talvez pelo fato de morar na Inglaterra, acabei absorvendo uma pouco das características de vocês. Emma julgou que ele estivesse lhe mandando uma mensagem. Que sob aquela suavidade e neutralidade no tom de voz houvesse um profundo significado em suas palavras. O que era quase uma loucura, racionalizou ela. Não havia profundidade nos sentimentos de Luca, como a prevenira desde o início. Portanto, Emma virou o rosto, interrompendo o contato e desejando que ele saísse dali. — Tenho de voltar lá para baixo. Vou lhe trazer algo para comer. — Não estou com fome — retrucou ela. Porém, Luca não escutou e retornou minutos mais tarde com um prato de guloseimas, uma grande caneca de chocolate quente e um pouco de licor. — Minha mãe pediu para lhe trazer isto. É limoncello. Feito com limões das árvores da família. Irá ajudá-la a descansar. — Luca lhe serviu um cálice. Ela aceitou, mas o pousou no criado-mudo. — Vou me juntar a eles. — Vá — respondeu Emma. — Obrigado. — Luca estacou próximo à porta e girou antes de acrescentar: — Por estar aqui. Isso ajuda. — É mesmo? — Os grandes olhos verdes procuraram os dele. — Se o fato de eu estar aqui o ajuda... — Emma observou a expressão de Luca se fechar de imediato e soube que aquela não era a hora para perguntas e respostas. Questionar o motivo pelo qual ele a rechaçara nas últimas semanas. Por que havia se fechado para os sentimentos. — Descanse — sugeriu ele. Quando ficou sozinha, Emma se despiu, sentindo-se exausta. Mesmo que não estivesse grávida, não beberia o limoncello. Portanto, entornou o conteúdo do cálice na pia, detestando o legado do pai de Luca. Em seguida, observou seu reflexo no espelho, percebendo as discretas mudanças em sua silhueta. O abdômen ainda não estava distendido, mas sua barriga estava mais macia e, colocando os dedos no osso púbico, podia sentir a rigidez do contorno muscular. Os seios estavam mais fartos e as aréolas mais escuras. Mudanças sutis que Luca jamais notaria. Não que ele tivesse chance de vê-las. Emma as 72

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli ocultou sob o pijama listrado largo de flanela como se a vestimenta fosse um cinto de castidade. Escorregou para baixo dos lençóis de algodão e esperou que o sono chegasse, desejando que o dia já houvesse amanhecido e aquela interminável noite tivesse findado. O silêncio seria bem-vindo, mas o eco do choro enchia a casa de tempos em tempos. — Detesto isso — admitiu Luca para a escuridão, sabendo que ela estava acordada a seu lado. — Eu sei. — Esse dia estava sendo esperado há algum tempo. — Nunca estamos preparados para a perda dos entes queridos. — Eu não o amo. — Emma permaneceu imóvel ao lado dele. O coração parando de bater por um segundo, enquanto ouvia a cruel verdade dos lábios de Luca. — Nunca o amei. — Luca... — Emma sacudiu a cabeça sobre o travesseiro. — Não deveria falar assim na noite... — Então agora ele é um santo? — Emma percebeu a entonação de raiva na voz dele. — Aquelas pessoas todas lá embaixo acham que estão lamentando a morte de um bom homem. Um marido amoroso, um pai maravilhoso, quando a verdade é... — Luca se calou, mas ela não o deixaria desistir de desabafar. — Qual é a verdade? O que acontecia de fato? — Ele a espancava. — Deitado no escuro com a mão de Emma sobre a dele, Luca conseguiu revelar. — Muitas vezes, mas ainda assim, ela nunca chorava. Apenas agüentava. Porém, mesmo com minha mãe em silêncio, podíamos escutar... — Emma sentia a medula congelar à medida que ele continuava. — Claro que não podíamos contar nada. Mamãe disfarçava os ferimentos. — Como ele era... — Emma engoliu em seco. — Com você e Daniela? — Daniela era seu anjo. As pessoas dizem que as crianças sentem, mas não sei se eu e mamãe escondíamos o que acontecia de maneira convincente para ela. — E com você? — Luca não respondeu, portanto ela repetiu a pergunta, enquanto pousava a mão na cicatriz em sua face. Ele lhe segurou a mão naquele ponto por um momento. — Foi ele quem fez isto? O silêncio se prolongou e levou alguns instantes para que ela percebesse que Luca estava adormecido. A exaustão o vencera, afinal. Os braços fortes a procuraram durante o sono e Emma permaneceu rígida, envolvida por eles. Dizia a si mesma para se soltar. Porém, nunca se sentira mais próxima de Luca. Recordou tensão dele quando estavam deitados naquela mesma cama, semanas atrás. Qualquer barulho ou ruído na casa podiam significar perigo. O sono não lhe permitia descansar. A cada barulho, Emma sentia-o contrair os músculos ainda repletos de adrenalina. Os braços de Luca a foram puxando para mais perto até que ela sentiu a rigidez da ereção contra suas nádegas. O calor que dele exalava. Um desejo tão urgente que devia tê-lo acordado. No mesmo instante, ele virou de costas para Emma, lembrando as 73

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli regras impostas. Porém, a distância não conseguiu abater a energia sexual que gravitava na atmosfera do quarto. Emma podia ouvir a respiração pesada, enquanto ele tentava reconciliar o sono, para que aquele inferno acabasse. Ela virou de lado e, quando seus olhos se ajustaram à escuridão, percebeu que Luca estava próximo, reconheceu os músculos definidos do abdômen reto e a ereção que o lençol não conseguia esconder. Esticou a mão e a pousou sobre o estômago de Luca e o ouviu emitir um suspiro de frustração por achar que aquele contato não fora proposital, Que Emma se encontrava adormecida a seu lado. Que, a exemplo do dele, seu corpo havia esquecido as regras. Mas não esquecera, vagarosamente, Emma escorregou o dedo pela linha de pelos que seguiam em seta até o umbigo de Luca. Em seguida, nervosa e experimentalmente, o tocou, escutando o gemido rouco, enquanto o acariciava com movimentos contínuos e lentos. — Emma... — Shh... — Não queria ser questionada. Muito menos dar explicações. Tocava-o de maneira mais firme agora e logo as mãos de Luca se encontravam em seu corpo. — Não precisa... — Eu quero. — Por quê? Porque o amava, desejava-o e sempre se sentiria daquela forma em relação a ele. Apesar das promessas que fizera a si mesma, nunca seria capaz de se deitar ao lado de Luca e não desejá-lo. E pelo fato de ele precisar daquilo, na escuridão espessa do quarto, para Emma era muito simples. Portanto, o beijou. Em um lugar onde nunca considerara beijar um homem. Escorregou a língua pelo comprimento aveludado tão lentamente que pareceu levar uma eternidade para chegar à base, fazendo-o gemer. A escuridão lhe dava uma coragem que aumentava a cada beijo, a cada investida de sua língua. Podia sentir os dedos de Luca enterrados em seus cabelos, ouvir a respiração pesada. Os cabelos de Emma formavam uma espessa cortina em torno da masculinidade rígida, protegendo-a do mundo, em um lugar onde ela devia estar e aquele momento era tudo em que podia se focar. Era um ato de pura dádiva e se originava do coração, sem esperança de recompensa. Emma estava chorando quando ele atingiu o clímax. Ele a puxou para seus braços e a manteve pressionada contra ele. — Por que fez isso por mim? Porém, Emma não respondeu. Podia senti-lo relaxado a seu lado, a respiração retornando ao normal, enquanto caía em sono profundo. Sabia a resposta àquela pergunta, mas não revelaria a Luca. Emma se sentia envergonhada. Luca fingia dormir quando ela acordou, ignorando-a deliberadamente. Permaneceu deitada ao lado dele por um instante, corando intensamente com a lembrança da intimidade que concedera a um homem que lhe dissera claramente que aquele relacionamento só existia 74

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli para manter as aparências. Sem fazer barulho, levantou-se e se encaminhou ao toalete, fechando a porta. Em seguida, sentou na beirada da banheira pousando a face em chamas nas mãos. Nunca deveria ter concordado com aquilo. Não deveria ter voltado à Itália em hipótese alguma. Mesmo que estivesse convencida de que era o certo a fazer — por Mia, pelas aparências e mesmo por Luca. Porém, em grande parte fora por si mesma. Desejava passar um tempo com ele, na esperança de reacender em Luca um pouco do sentimento que um dia existira. Em vez disso, graças ao silêncio dele aquela manhã, descobrira o que sempre soubera: era apenas sexo que Luca queria dela. Nada mais. Tomou uma ducha, desejando que a água pudesse lavar sua vergonha e estupidez. Estivera tão certa de que podia lidar com aquela situação, que nunca sucumbiria ao charme fatal de Luca. Por fim, como todas as outras, falhara. Aos poucos, cada regra, cada norma fora despedaçada. Sempre repetia a si mesma que aquela seria a última vez... Até a próxima. Desligando o chuveiro, estremeceu e esticou a mão para pegar a toalha que não estava lá. Atravessando o toalete, estacou despida, enquanto Luca entrava. Em um gesto automático as mãos de Emma cobriram os seios, enquanto se recostava na pia. — Não costuma bater antes de entrar? — Arriscou um sorriso fraco, esperando que a água e o vapor escondessem a evidência das lágrimas. Porém, o olhar de Luca se fixou no corpo do qual ele sentia falta há semanas, e reparou as mudanças. Os seios, mais avolumados e arredondados, o fizeram sentir a garganta fechar. Reparou no alargamento do quadril e mais alguma coisa que não sabia definir, mas que emprestava uma maior dimensão à feminilidade de Emma. Era como uma droga que o tentava. Jamais gostara de alguém daquela forma antes. Na noite anterior, aceitara o alívio que ela lhe oferecera, não como uma válvula de escape, mas para saborear os sentimentos que uma vez despertaram um no outro. Havia lhe contado parte de seu passado e Emma não se mostrara horrorizada com sua história. Aquilo o fez vislumbrar um futuro onde as portas do toalete não estariam fechadas, onde um beijo podia fazer as pazes e significar uma nova tentativa. Onde poderiam contar um com o outro. — Por que deveria bater? — provocou Luca em tom suave. — Porque... — Emma estava quase chorando e não conseguia se conter.— Porque... Luca a pressionou contra a pia com um beijo intenso. Nua e estonteante, ela tornava o presente possível. Jurara nunca mais fazer amor com Emma, deixá-la partir, mantê-la em segurança, mas finalmente via as coisas por um prisma diferente. Emma estaria segura ao seu lado. Muito mais segura do que longe dele. Beijou-a como se fosse a primeira vez, saboreando-a de novo. — Você torna tudo melhor. Com você tudo é melhor. 75

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli E então, Luca recordou todas as palavras que disseram um ao outro. Cada conversa que haviam tido estava gravada em sua mente assim como na de Emma. — Poderia fazer isso sempre... — Não é apenas sexo. — Ela soluçou, enquanto Luca a erguia e a sentava na beirada da pia. Os lábios carnudos se apossaram dos seios avolumados, enquanto os dedos de Emma se enterravam nos cabelos dele. — Não — murmurou Luca. Estava sendo sincero. Aquele era lugar onde ele sempre quis estar. Ergueu a cabeça e lhe beijou as lágrimas e a boca, enquanto as mãos escorregaram pela curva da cintura mais alargada. — Não me magoe outra vez, Luca... — suplicou Emma, com a voz embargada. No mesmo instante ele interrompeu a trilha de beijos que depositava em sua face e fixou o olhar nela. Teria sido aquilo que fizera? Sim, concluiu, na tentativa de protegê-la, tudo que conseguira fora feri-la profundamente. Nunca mais a magoaria. Naquele momento, era sua única certeza. — Nunca — murmurou sua decisão. — E diga-me que não se trata apenas de sexo — suplicou Emma, enquanto a boca ávida abria um caminho de beijos entre suas coxas. Porque para ela não era apenas sexo. Nunca poderia ser tão autêntica, se expor tanto para outro homem que não Luca. Ele introduziu os dedos na intimidade macia e úmida de Emma e notou mudanças lá também. — Não. —A boca de Luca escorregava pela curva do pescoço macio. Encontrava-se tão próximo ao choro como ele nunca esteve. Os cachos enrolados dos cabelos de Emma, molhados pelo banho, derramavam-se sobre sua face. E, quando a penetrou, teve a certeza. Sentia a fragrância de Emma outra vez, encontrava-se imerso nela de novo e parecia estar verdadeiramente em casa. Seus braços a envolviam, as mentes em sintonia. Aquilo não se parecia com nada que Luca tivesse imaginado. E então, sentiu-a arquear o quadril de encontro ao dele e tudo que teve a fazer foi amá-la, o que se revelou assustadoramente fácil. A paixão que flamejava nos olhos azul - escuros lhe dava a segurança de que necessitava, mas, em seguida, Luca baixou a cabeça, beijando-lhe os ombros, o pescoço, e investindo ainda mais fundo dentro dela. Porém, Emma se encontrava muito assustada para se deixar levar pela crescente espiral de desejo que se erguia dentro dela. Seu corpo tremia. As pernas se encontravam úmidas e enrascadas em torno do quadril reto. Podia vê-lo sair e entrar dentro dela com intensidade cada vez maior. Sabia que Luca estava pronto. Aguardava apenas por ela. Queria o amor de Luca, um pai para seu bebê. Desejava-o, não importava o quanto a razão se opusesse. Emma sabia que estava próximo ao clímax. Seu corpo suplicava para que se deixasse levar por ele. Luca sussurrava seu nome, os lábios carnudos lhe beijavam o pescoço, enquanto as mãos firmes seguravam suas nádegas úmidas com força. — Eu a amo — Luca rosnou as palavras como se sentisse dor ao proferi76

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli las. Emma nunca pensou que iria ouvi-las daqueles lábios, mas ele as repetia sem parar, ao explodir dentro dela em investidas rápidas e urgentes que a levaram a ceder a ele a aos anseios de seu corpo. E então, Emma também proferiu seu amor. Luca a beijou apaixonadamente. As línguas travando um duelo sensual. Os soluços de Emma, quando os violentos espasmos do orgasmo lhe sacudiram o corpo, eram abafados pela boca de Luca. E quando se abrandaram, ele a beijou, trazendo-a lentamente de volta à terra. —Você — disse Luca em tom arrastado, envolvendo em uma toalha o corpo trêmulo de Emma. — Torna este dia suportável.

CAPÍTULO DEZESSETE ELA ESTAVA grávida. Daquilo Luca tinha certeza. Que o bebê era dele, não tinha dúvidas. Encontrava-se de pé na igreja, amparando a mãe e a irmã chorosa. Dirigiu o olhar além do padre para a pia batismal, tentando compreender o fato de o nome D'Amato ter, afinal, continuidade. Seu filho, o futuro, a perpetuação do nome da família. Tentou se imaginar como pai. Poderia fazer aquilo? Quebrar todas as promessas que fizera a si mesmo? Naquele dia, cumprira sua obrigação. Colocara uma pá de terra sobre o caixão do pai. Era ali que tudo deveria terminar, mas ainda assim, o ciclo precisava continuar. Desejou voltar àquela manhã, à certeza que sentira. A preleção do padre incluía fé, esperança e amor. Sua fé há muito se esvaíra. Desejava desesperadamente ter esperança. E estava apavorado com o fato de amar. Porém, se encontrava perigosamente próximo de aceitar um futuro diferente. Precisava pensar. Quando a mãe o avisou que o carro estava esperando para levá-los para casa, Luca optou por caminhar sozinho, pedindo a Emma que fosse com eles. Apesar da insistência da mãe para que ele voltasse para cumprimentar os parentes, Luca se mostrou irredutível. Necessitava ficar sozinho. O passo que teria de dar era sério demais para ser dado sem refletir. Em breve, Emma lhe contaria que iria ser pai e sua resposta tinha de ser precisa. Contornou os túmulos e estacou pensativo, em frente à recente sepultura do pai. — Luca! — Leo encontrava-se parado a seu lado. — Posso lhe dar uma carona de volta para casa? — Não vou voltar já. Quero caminhar. — Importa-se se lhe fizer companhia? — Luca se sentiu tentado a recusar, mas Leo era esperto. Certamente, tratara dos ferimentos de sua mãe ao longo 77

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli dos anos, ou ao menos devia ter percebido o que se passava. Talvez o médico pudesse lhe dar as respostas de que precisava. Caminharam em silêncio, seguindo pelas estradas de terra sinuosas até o vilarejo seguinte, onde por fim se sentaram. Luca pediu café e uísque e imaginou como questioná-lo sem lhe revelar o que estava acontecendo. — Emma parece uma mulher adorável. — Leo rompeu o silêncio. — Sim, é — concordou Luca. — É bom vê-los apoiando um ao outro. Saber que, mesmo nos tempos difíceis, você pode encontrar alguma paz. — Pode me tirar umas dúvidas como médico? — Luca perguntou abruptamente. — Claro que sim. — Acho que ela está grávida — revelou Luca. O médico não o parabenizou. Em vez disso, aguardou que ele continuasse. — Preciso lhe fazer algumas perguntas sobre meu passado. — Vá em frente. Tentarei ser o mais honesto possível. — Sempre me senti diferente do meu pai. Minha mãe diz que sou igual a ele. — Luca observou o copo de Leo parar a centímetros de seus lábios. — Está entendendo o que estou dizendo? — Acho que sim. — Isso é verdade? — O que é verdade? — perguntou Leo. Que surrarei minha mulher, que essa característica cruel dos D'Amato sela meu destino... Ou o de Emma? Aquelas eram as perguntas que Luca desejava fazer, mas desistiu. — Não deveria ter puxado esse assunto. — Ergueu-se rapidamente. — Tenho de voltar para casa. — Sente-se. — Leo gesticulou para que o garçom enchesse o copo de Luca. — Há coisas que precisamos discutir. Será melhor para você e talvez para Emma, se souber a verdade. — Não quero mais discutir esse assunto — retrucou Luca por não querer encarar o inevitável. — Há um excelente profissional em Palermo, que recomendo para tratar desses assuntos. — Não! — Luca, não pode escapar de seus genes. — Era como ouvir a lâmina da guilhotina cair sobre o pescoço. A verdade era tão assustadora que o fez ter ânsias de vômito. Para dissipar aquela sensação, neutralizou o sabor acre em sua boca com uísque quando o médico lhe deu o diagnóstico. A despeito dos fortes sentimentos de Luca, sua inevitável hereditariedade atingiria não só a ele, mas a Emma e ao bebê, que certamente ela estava esperando. — NÃO! — Eram os soluços de Emma que ecoavam pela casa. Luca teve de lhe deter os braços para que ela não socasse seu peito. — Disse que me amava. — Emma. — A voz de Luca tinha um tom neutro, enquanto ela se enraivecia com o que ele estava fazendo e dizendo. — Esta manhã eu estava aborrecido, emotivo... 78

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — Você? — Emma soluçou. — Emotivo? Você é um bastardo sem coração! Olhou-me nos olhos e disse que me amava e você me ama, eu percebi. — Teve vontade de esmurrá-lo, se não tivesse os braços presos. — As pessoas dizem isso... — Luca era a voz da frieza. — Homens dizem isso para... — Conseguirem o que querem? — terminou ela. — Você já tinha o que queria, Luca. Estava fazendo sexo comigo quando disse isso! — Como ele estava lhe segurando os braços, Emma o xingou. — Não fale como uma prostituta. — Pois foi isso que você fez de mim! — E voltou a xingá-lo, dessa vez com palavras ainda mais rudes. Porém, Luca nem ao menos se alterou. EMMA NÃO lhe contou sobre o bebê, não jogou seu último trunfo. Aquilo só aumentou a admiração de Luca por ela. Também não descontou o cheque que ele lhe enviou, o que o deixou preocupado. Todos os dias das semanas e meses que se seguiram, Luca esperava por uma carta dela ou mesmo um telefonema. Admirava-a por nunca tê-los recebido, porém se corroia por dentro por Emma não lhe dar notícias. De volta ao seu vilarejo para uma nova rodada de compromissos que marcavam três meses da morte do pai, destruiu- o o fato de ficar sozinho no mesmo quarto que ocupara com Emma. Naquela manhã, ficou deitado no quarto, sem ânimo para se levantar e tomar um banho. Detestava ter de entrar no toalete, onde colocara um ponto final em tudo. Havia ferido Emma. Não só da forma como temia fazer, mas a ferira da mesma maneira. Nunca havia duvidado de si mesmo, exceto naquele caso. E se encontrava furioso por duvidar de si mesmo, porque após semanas de reflexão, sabia que nunca a magoaria. Seu sofrimento no dia do funeral do pai e nos dias que se seguiram fora real. Porém, se devera apenas à perda de Emma. Desde que ela o deixara, imerso na profundidade de seu sofrimento, aquele homem orgulhoso procurara ajuda profissional. Não o especialista que Leo sugerira, mas procurara um que ocupava um escritório no centro de Londres e abriu seu coração fechado a um estranho de uma forma que nunca antes fizera, e agora sabia. Sabia que, apesar de sua hereditariedade, do que lhe dissera Leo, dos fatos, da raiva que sentira na juventude e da triste história dos homens D'Amato, sua ira nunca poderia ou seria direcionada a Emma. Pela primeira vez confiou em si mesmo, mas talvez agora fosse tarde demais. — Luca? — A mãe bateu à porta e entrou. Pousou o bule de café no criado-mudo e lhe entregou a bandeja do desjejum, antes de se dirigir à janela e abrir as cortinas, permitindo que a luz invadisse ò aposento. — Não tinha de fazer isso! — protestou Luca. — Eu é quem deveria estar 79

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli cuidando de você. — Deveria estar cuidando de Emma — retrucou a mãe. Mia estava vestida de preto. O dia era escuro, mas ela parecia leve. Devia ser a falta de medo, pensou Luca. Oh, respeitaria o luto pelo marido, cumpriria sua obrigação. No entanto, não verteria lágrimas forçadas. Para ela, a vida poderia ser pacífica agora. — Pensei estar cuidando dela — disse Luca. — Mantendo-a longe de mim. — Como assim? — indagou Mia. — Julguei que fosse feliz com Martha, mas com Emma tinha certeza... Como pôde pensar que a estaria ajudando terminando tudo? Emma o ama. — Não queria ser como ele. — Sei que disse coisas horríveis para você, por medo, dor ou sentimento de culpa, e sinto muito por isso. Mas você não é parecido em nada com ele — afirmou a mãe, categórica. — Sei disso agora, mas naquela ocasião não estava tão certo. — Leo me contou que conversou com ele. — Mia se sentou na beirada da cama com os olhos inundados de lágrimas. — Não entendo. Sei que deve ter sido um choque saber a verdade, mas terminar tudo com Emma! Por que, meu filho? — Porque Leo me disse que é hereditário, que não podia escapar da minha genética. Que os traços violentos nos homens D'Amato não podiam ser negados. Disse-lhe que não me sentia assim, mas Leo respondeu que sabia que era difícil de aceitar... Um gemido de horror escapou dos lábios de Mia e deixou Luca preocupado. A mãe sempre fora silenciosa, mesmo quando surrada. Os olhos frenéticos, desesperados e cobertos de lágrimas quando encarou o filho. — Aceite o fato de que Leo é seu verdadeiro pai. Foi como se a escuridão tivesse se abatido sobre Luca e a cama tivesse sido puxada de baixo dele. Porém, ele permaneceu imóvel, sem mover um músculo. A voz da mãe parecia distorcida e distante, enquanto a mente tentava, desesperada, processar as palavras. — Pensei que soubesse — disse Mia. — Leo pensava que sabia, que, por fim, tivesse deduzido. Quando Luca voltou a se concentrar no diálogo que tivera com Leo, fechou os olhos, relembrando o mal-entendido. E então a culpa, a vergonha e o medo verdadeiramente assumido se abateram sobre ele. Porém, quando abriu os olhos, o mundo pareceu mais claro e seguro. Lamentava apenas que fosse um mundo sem Emma. — Devo saber — disse ele. — Conte-me. — E um lampejo de raiva o atingiu. — Leo sabia como ele a tratava? — Nunca! — Mia soluçou. — Apenas você, meu filho, apenas você conhecia minha dor. Sempre fui prometida a Rico. Nossas famílias eram amigas. Sabia que me casaria com ele, mas não gostava de pensar sobre o assunto. Os 16 anos pareciam muito distantes. Sempre gostei de Leo. Era um homem tão inteligente! Todos sabiam que era destinado ao melhor e, algumas vezes, quando retornava para casa, nos feriados, sentia seus olhos me seguindo. Uma vez nos beijamos... — A mãe de Luca suspirou, tentou se 80

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli recompor e continuou. — Eu trabalhava em uma padaria. Faltavam duas semanas para meu casamento. O vilarejo celebrava o fato de Leo ter passado nos exames e ir cursar medicina em Roma. Retornaria quando se formasse. Eu estava triste. Meu casamento se aproximava e seu pai havia me esbofeteado e me forçado a fazer coisas das quais me envergonhava... — Ele não é meu pai — corrigiu Luca, apreciando a sensação agradável daquelas palavras. — Rico me machucara — concordou Mia com um gesto de cabeça. — A padaria fechou mais cedo um dia e estava a caminho de casa quando encontrei Leo. Ele partiria no dia seguinte e me disse que sentia muito não poder comparecer a meu casamento. Porém, logo depois revelou que não estava chateado por não poder ir. Feria-o o fato de saber que eu estava me casando com outro homem. Caminhamos até o rio e quase lhe contei... — Por que não contou? — indagou Luca. — Como? — perguntou a mãe. — Leo era um homem bom, mesmo quando adolescente tinha uma boa índole. E gostava de mim. Não teria ido para Roma estudar. — Poderia tê-la levado com ele. — A família dele ficaria envergonhada e não pagaria por seus estudos. Afinal, eu era noiva de outro homem e essa cidade nunca perdoaria uma atitude como aquela. Como, com apenas um diálogo, poderia ter mudado toda a vida de Leo, quando na verdade um não sabia o que o outro sentia? — Mia respirou fundo. — Nós nos beijamos e você foi gerado naquele dia. O dia mais maravilhoso de toda minha vida. Todas as noites, deitava-me com aquela lembrança. Sim, olhando para trás agora, devia ter lhe contado, mas éramos jovens. Eu o amava e queria que ele tivesse uma ótima vida e fosse feliz. Teria lhe trazido muito sofrimento... — Meu pa...? — Luca se calou. — Rico sabia que eu não era filho dele? — Jamais comentou sobre o assunto. De vez em quanto, eu imaginava se ele não havia deduzido. Se aquele era o motivo pelo qual era tão estúpido com você e comigo, mas Rico me tratava mal mesmo antes de eu ter sido infiel a ele. — E Leo? — perguntou Luca, engolindo em seco. — Quando contou a ele? — Ocultei por muito tempo. Era um homem quando retornou ao vilarejo e eu estava casada, com dois filhos. Mais tarde, ele também se casou. Era amiga da esposa dele. — A dor por ter mantido aquele segredo a calou por um instante. — Leo acabou por se tornar amigo de Rico também. Ninguém sabia o homem que meu marido era dentro de casa. Fora apenas uma vez e muito tempo atrás para arruinar tantas vidas, revelando a verdade. Quando Carmella, a esposa de Leo, morreu, ele veio até aqui uma noite. Estava conversando com seu pai, folheando alguns álbuns de retratos e conversando sobre a esposa. Havia uma foto sua de quando se formou. Lembro-me de Leo se dirigir a mim com um ponto de interrogação no olhar e eu desviei o rosto, corando até a raiz dos cabelos. Foi naquele momento que ele soube. Deve ter reconhecido algo de si mesmo quando jovem em você. — Conversou com ele sobre o assunto? — questionou Luca. — Sim, contei a ele há alguns meses, mas não conseguimos conversar 81

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli direito. Ele estava tratando de Rico, seu amigo, mas soubemos que conversaríamos sobre o assunto em breve. — E conversaram? — Em breve — respondeu Mia. — Ainda assim, irei partir seu coração quando lhe contar tudo que sofri e como você, o filho dele, também sofreu ao longo dos anos. — Como sabe que isso irá partir o coração de Leo? — Luca quis saber. — O amor não desaparece simplesmente, meu filho. — Eu sei. — Luca desviou o olhar para a janela e observou o mar Mediterrâneo além dela. — Pode sufocá-lo, negá-lo, arranjar desculpas, justificativas, mas uma vez que o amor tenha florescido, que exista, não pode ser simplesmente apagado. Havia tantas perguntas, tanta informação que desejava saber sobre seu verdadeiro pai, mas não precisava delas agora. Era Emma que precisava encontrar e, não obstante tivesse deixado passar tanto tempo, tinha de contar tudo a ela. O que significava que havia alguém com quem teria de falar primeiro. — Não pode partir agora — disse Mia ao vê-lo fazer a mala. — Haverá uma missa esta noite, só mais uma obrigação, Luca... Pela família. — Não, Ma. — Luca a beijou na face para mostrar que não estava aborrecido. — Meu dever é para com Emma. Ela é minha família agora.

CAPÍTULO DEZOITO — Posso PAGAR a conta de papai? — Claro. — O supervisor se mostrou surpreendentemente amigável quando Emma entrou no escritório. — Vendeu outro quadro. Na verdade, foi o supervisor que lhe entregou o envelope com o cheque dentro e Emma sentiu uma agitação no abdômen quando o recebeu. A sensação da criança se mexendo ainda a surpreendia e ela sorriu. Não apenas pelos chutes do bebê, mas pelo fato de ter quase conseguido quitar todas as suas dívidas. E com seus próprios recursos. Tudo estava bem. De vez em quando, repetia aquelas palavras em voz alta, como um mantra para si mesma e para seu bebê. Tudo estava bem. Finalmente, conseguira vender a casa do pai e encontrou um pequeno apartamento na vizinhança. Graças à excelente referência de Luca, conseguira um emprego maravilhoso, que a exigia apenas três vezes por semana. Quando o bebê nascesse, concordaram que trabalharia alguns dias em casa, o que lhe dava tempo para se concentrar em sua arte. Emma estava chegando lá. Não possuía uma fortuna, mas também não estava apenas sobrevivendo. Sentia falta de Luca. Ansiava pela presença dele em seus dias, suas noites, em 82

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli sua vida e na vida da criança que gerava também. Porém, não havia nada que pudesse fazer quanto a isso. Portanto, derramava seu sofrimento no trabalho artístico e, algumas vezes, se surpreendia com a própria mente. Pintava cenas escuras de perda, dor, esperança e vida. E havia vendido não apenas um, mas três quadros! Colocara um deles no quarto que o pai ocupava na casa de repouso e o parente de outro interno se interessou pela pintura. Daquele momento em diante, as coisas começaram a se desenrolar. Oh, não eram vendidos por quantias exorbitantes, mas era o bastante para garantir o enxoval do bebê, e Emma tinha certeza de que ficariam bem. Tudo estava bem, disse para seu ventre que se agitava. Realmente, não precisavam de Luca. Querê-lo, no entanto, era uma coisa completamente diferente. Emma caminhou pelo longo corredor em direção ao quarto do pai, sem muito ânimo. Frank notara o abdômen da filha crescer nas últimas semanas, e nem o derrame nem a senilidade o impediram de lhe fazer perguntas incômodas. Ajustou o casaco comprido em torno do corpo e segurou o grosso álbum de fotos na frente da barriga, esperando que algumas fotografias do passado fossem suficientes para desviar a atenção do pai. E então ela o viu. Deparou com o homem de l, 87m e olhos azuis sentado na cama, conversando e rindo com o pai e, absolutamente, não soube o que fazer. — Ai está minha garotinha! — saudou-a Frank, enquanto ela entrava no quarto. Emma beijou o pai na face e ignorou Luca. Ele a observava fazer o ritual rotineiro: guardar o pijama do pai, encher o prato ao lado da cama com chocolate e depositar as moedas no pires para o jornal do dia seguinte. E então, percebeu a curva generosa do abdômen e a expressão contida quando, por fim, ela o encarou. — Podemos conversar um minuto? — perguntou Emma. — Lá fora. — Os dois caminharam em direção aos jardins da casa de repouso, cruzando a trilha sinuosa antes que Emma quebrasse o silêncio. — Não... — A voz saiu trêmula. — Não se atreva a envolvê-lo nisso! Meu pai está velho e confuso. — Ele é o avô do nosso filho — lembrou Luca. — Eu diria que ele já está envolvido. E, por falar nisso, ele já sabe. — Sabe o quê? — Que você está grávida — respondeu ele, observando as faces de Emma enrubescerem. — Não iria contar a ele? — Não sei — respondeu Emma com honestidade. — Não sabe? — Luca repetiu incrédulo. Emma lhe virou as costas e deixou as palavras fluírem. Dessa vez, encontrava-se muito cansada, confusa e furiosa para os jogos de Luca. — Você sabia — acusou ela. — Você sabia naquela manhã que confessou me amar. E, ainda assim, escolheu me deixar partir. — Era uma agonia vê-lo concordar com um gesto de cabeça. — Portanto, não banque o magoado agora. Escolheu não participar, Luca. Eu o faço se sentir enfadado, lembra-se? — Nunca — afirmou ele, com a face pálida. 83

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli — E também não sou muito interessante na cama. — Isso também não é verdade — retrucou Luca. Como odiava ouvir aquelas palavras, como o revoltava perceber o que fizera com ela. Porém, agora tinha de enfrentar a situação. — Você é tudo em que consigo pensar. Tudo que desejo é você... Se me der mais uma chance. — E por que lhe daria? — Emma o amara desesperadamente e ele rechaçara aquele sentimento. Por ela, poderia até pensar em perdoá-lo, mas não seria descuidada com o coração de seu bebê. — Por que me arriscaria outra vez? Ficaremos bem sem você. E Emma conseguiria, pensou Luca, mas queria que ela ficasse melhor do que apenas "bem", e de preferência ao seu lado. — Estava com medo de ser igual ao meu pai — admitiu Luca. — Isso não justifica seus atos, Luca. Tenho medo de ser igual à minha mãe, mas no fundo do meu coração sei que nunca o abandonaria. E você me abandonou. — Ele batia nela. — Luca fechou os olhos. — Surrava-a muitas vezes. — Sei disso — retrucou Emma. — E sei que você nunca faria isso comigo ou com nosso bebê, então por que não pode acreditar nisso? — Meu avô e meu tio faziam a mesma coisa. Eu não queria machucá-la. — Mas me machucou. — Emma tentava desesperadamente não chorar, não se aborrecer, permanecer calma pelo bem do bebê, mas era difícil. — E mais de uma vez. Não precisa utilizar os punhos para machucar. As palavras de Emma o cortaram por dentro como uma navalha afiada. — Minha avó escorregou e caiu. — A voz de Luca era um sussurro cavernoso, que exprimia pensamentos tenebrosos há muito reprimidos. — Foi isso que me contaram e em que acreditei. Certa noite, ouvi minha mãe dizer entre soluços que Rico era igual ao pai dele. E veja onde minha mãe acabou, foi a resposta que ele lhe deu. Não era apenas o pai, percebeu Emma naquele momento, e não eram só as surras... — Ele a matou. — Oh, Luca! — sussurrou ela. — E o irmão de Rico, Rinaldo — prosseguiu Luca com a voz cada vez mais rouca diante da avalanche de revelações sombrias do passado. — Surrava tia Maria também. Daniela se recorda dela glamourosa, sempre usando maquiagem. Porém, o que não sabe é que aquilo era apenas um recurso para encobrir os hematomas. — Emma fechou os olhos, recordando a face bem maquiada da atual mulher de Rinaldo. — Maria bateu à nossa porta uma noite, assustada e chorando. Porém, minha mãe a mandou de volta para o marido. Na manhã seguinte, ela estava morta. Pisoteada por um cavalo, justificou meu pai, o policial, após ter investigado a causa. Cresci com esse segredo. Algo tão bem guardado que nem o médico da família podia ver. Meu pai era o policial honesto do vilarejo e em casa fazia coisas terríveis. Seu pai e irmãos, também. E quando eu era mais jovem, prometi a mim mesmo nunca me envolver seriamente com uma mulher a ponto de me casar com ela, dar-lhe filhos. — Era tão difícil explicar aquilo tudo, mas Luca persistiu. — Pensei que havia aquela... Inevitabilidade, que a violência estivesse em minha genética. Que eu 84

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli passaria adiante não apenas o nome da família. — Os olhos azuis procurando a proeminência do abdômen de Emma. — Mas também aquela terrível hereditariedade e o bebê teria uma chance de vida normal se não convivesse comigo. — Deveria ter me contado tudo isso — disse Emma. — Escolhi nunca me envolver com ninguém. Então você apareceu e aquela resolução... — Engoliu em seco, recordando o quanto fora difícil mantê-la e o medo que sentira de confessá-la. — Eu iria lhe contar. No dia do funeral, de alguma forma percebi que eu seria melhor que ele, que não poderia machucála. Pela primeira vez, aceitei o fato de que tinha escolhas e também cheguei à conclusão de que você também teria de fazer suas escolhas. Não é uma família fácil para entrar através do casamento. — Casamento? — Emma piscou confusa. — Estava pensando em me pedir em casamento naquele dia? — E todos os dias desde o momento em que a conheci, mesmo que não quisesse admitir — confessou ele. — Então por que não pediu? — Emma perguntou curiosa. — Conversei com Leo. — O médico? Luca confirmou com um gesto de cabeça. — Tentei lhe contar sobre minhas preocupações. Queria que ele me assegurasse de que não havia perigo, mas em vez disso, Leo me disse que eu não podia fugir de minha genética. Sugeriu-me aconselhamento. Pensei que ele estava se referindo a procurar auxílio para o controle da raiva... — Como ele se atreveu? — Agora era Emma que necessitava de controle para sua raiva. — Que coisa arcaica, como ousou insinuar que você seria igual a eles? — Não. — Luca a fez se calar. — Esta manhã, quando acordei, soube que não importava o que dissesse Leo ou os ditames no histórico da minha família, eu nunca poderia machucá-la. — Eu sabia disso — retrucou Emma. Conseguia compreender, porque uma parte dela possuía o mesmo tipo de medo. Temia ser uma mãe negligente. Que aos quarenta anos, alguma força estranha se apossasse dela e a fizesse dar as costas à própria família. As palavras de Luca fizeram soar o alarme que escutara muitas vezes antes. Que havia certa inevitabilidade em tudo aquilo. — Às vezes, sinto-me da mesma forma — admitiu. — Penso que não serei uma boa mãe... — Será uma mãe maravilhosa — afirmou Luca com absoluta convicção. — E você será um pai maravilhoso. — Se me permitir — murmurou ele. — Nunca poderia impedi-lo e sabia que no final iria lhe contar — admitiu Emma. Luca acariciou o abdômen abaulado, lamentando pelo que já havia perdido e prometendo a si mesmo que não perderia nem mais um momento. — Você não se parece em nada com seu pai — disse Emma. — E igual a Pepper! — Como ela era capaz de fazê-lo rir! — Rosna e mostra os dentes, mas nunca é capaz de morder! Luca... — prosseguiu com absoluta certeza. — 85

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli Você não tem nada do Sr. Rico. — Na verdade, não tenho mesmo nada do Sr. Rico. — Foi o que acabei de dizer. — Não... — Luca exalou um suspiro, porque como tudo acontecera tão rápido, nem ao menos tivera tempo de processar a novidade, nem mesmo pensar nela, explorá-la. Portanto, quando fez isso pela primeira vez, foi com ela. — Não tenho nada de Rico porque Leo é meu verdadeiro pai. — Leo? — ofegou Emma. — O médico, aquele que disse...? Achara a fisionomia de Leo familiar quando foram apresentados e agora sabia por quê! Aquela segurança, a arrogância que Luca possuía tinha de ter vindo de algum lugar. — Era isso que ele estava tentando dizer sobre genética. Leo pensou que eu tinha descoberto e tentara lhe dizer que sabia que ele era meu pai. A culpa e a vergonha fizeram minha mãe permanecer ao lado de Rico. Não apenas pelo que os outros pensariam, mas pelo que ela secretamente sabia. Que fora infiel a meu pai antes de se casar com ele. — Emma piscou perplexa, tentando compreender aquilo tudo. — Eu a amo. — Dessa vez Luca proferia aquelas palavras de modo diferente. Não era algo que arrancava de dentro de si mesmo ou que não queria admitir. — As pessoas cometem erros. Acabei de escutar o arrependimento de seu pai em relação à sua mãe e a você. Ouvi o arrependimento e a culpa da minha própria mãe, também. As pessoas enterram suas vergonhas e medos no passado, mas esses sentimentos não desaparecem, ao contrário, corroem o espírito delas. — Luca sorriu. — Também tenho algo mais a lhe dizer. Seu pai não está senil. — Baixou o olhar e a encarou. — Ele me disse isso hoje. Frank sabe que você pensa que ele está senil, mas a verdade é que agora ele consegue se lembrar de sua mãe com amor, ou melhor... — Observou os olhos suaves e luminosos de Emma, que nunca haviam sido amados, e jurou compensá-la pelo passado penoso. — Seu pai me disse que agora está tendo uma segunda chance de amá-la. — Ele disse isso? — perguntou Emma, chocada. — Sim. — Não está confuso por causa do derrame? — Não. — Luca sorriu. Aquele era o homem divertido que arrebatara seu coração. — Está apenas um pouco desinibido — explicou, adotando uma expressão séria em seguida. — Como devo ser agora. — Olhou-a de modo penetrante, parecendo ver--lhe a alma. — Eu a amo. Sempre amei e sempre amarei. Sentei-me no sofá naquela primeira noite em que nos conhecemos, depois de voltar de Paris, e uma parte de mim imaginava assistir àquele programa policial com você. — Observou um leve rubor corar as faces de Emma. — Quando deixei meu apartamento para viajar para Tóquio naquele dia, imaginei-me voltando para casa e encontrá-la me esperando. — Percebeu o rubor se intensificar e um sorriso curvar os lindos lábios que ansiava beijar. — Quando segurou minha mão no avião, imaginei-me deitado a lado para o resto de minha vida. Emma podia sentir o calor do amor de Luca lhe aquecer as veias geladas, afastando toda a dor, o medo e a solidão. Banhando-a naquele profundo e 86

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli auspicioso sentimento e a envolvendo em uma suave e infinita cumplicidade. — Você pode — disse Emma com os olhos fixos nos do homem que se esforçara para que ela não o amasse. — Cada noite do resto de sua vida, poderá se deitar a meu lado. — Você também — retrucou Luca, porque era maravilhoso saber que era verdade. — Sempre poderá contar comigo. E ele estaria ao seu lado. Emma tinha certeza. Luca estava ali para ela e para o bebê que geraram. E, finalmente, tinha a família pela qual tanto ansiara.

EPÍLOGO — Só MAIS um pouco de força — implorou Luca, como se fosse fácil. Como se soubesse o que devia ser feito, apenas porque lera em uma revista! — Não consigo! Não era fazer força que a assustava e, sim, a vida. A qualquer momento, o futuro estaria ali e, embora mal pudesse esperar para conhecê-lo, temia não estar preparada. Que, por não ter crescido com a presença materna, talvez não fosse capaz de ser mãe. Não foi apenas mais aquela tentativa e sim mais quatro, e então sentiu Luca cortar o cordão. Acabara. Preparada ou não, era oficialmente mãe, portanto não tinha outra opção senão ser capaz. — Uma menina! — Foi o médico que gritou, porque Luca se encontrava paralisado, com expressão indecifrável, observando a esposa esticar os braços para receber a filha. Os olhos curiosos do bebê observando o ambiente novo. Esperara que fosse um menino. Não pelas razões tradicionais, para dar continuidade ao nome da família. Não, Luca desejava um menino porque Emma se mostrava temerosa de ter uma filha. Enquanto observava aquela pequena dama, recém-nascida e ainda frágil, compreendeu os temores da esposa. Porque eram os mesmos que sentia. A filha que geraram era, sem dúvida, a coisa mais importante do mundo, e tinham de fazer a coisa certa. — Uma menina... — Luca ergueu a filha nos braços e aconchegou ao corpo, acalmando o choro irritado e assustado. Quando teve certeza de que Emma estava preparada, entregou-a para ela, observando a natureza se manifestar ao testemunhar a primeira alimentação da filha. Observando a esposa se tornar mãe de sua filha. A enfermeira abriu as cortinas e revelou o amanhecer de um glorioso dia. Tons rosa e laranja irradiavam pela janela como se o céu tivesse adivinhado que nascera uma menina. — Que bela manhã para se tornar mãe! — exclamou a enfermeira, deixando em seguida a nova família a sós. Emma teve vontade de chamá-la de 87

Jéssica 133.2 – [ Grandes Surpresas ] – O Sentido do Amor – Carol Marinelli volta, quase preocupada por ter sido deixada com o bebê. E se não produzisse mais leite ou se a filha, de repente, começasse a chorar? Porém, produzia leite satisfatoriamente. A filha sugava-lhe o seio, fazendo barulhos pelo nariz, enquanto Emma a observava. Meninas eram diferentes. Politicamente correto ou não, com base científica ou o que fosse, envolta em uma névoa hormonal, Emma sabia que eram diferentes. Necessitavam de aconchego, cobertores e algo mais. Algo que lhe havia sido negado, mas que jurara não deixar faltar à filha. — Se algo acontecer comigo... — Vendo-a aconchegar a filha e ouvindo a hesitação em sua voz, seria fácil para Luca afastar-lhe os medos, mas não faria aquilo. — Haverá Daniela, minha mãe, Evelyn e suas filhas gêmeas quando nascerem. Ela estará rodeada de gente. — Luca desviou o olhar para a filha. — Entretanto, mais do que isso, ela saberá tudo sobre você, o quanto eu a amava e o quanto a amo. Luca não deixava espaço para dúvidas. — O que aconteceu com meu playboy? — provocou Emma, tornando o clima mais leve. — Desistiu de ser um playboy — retrucou Luca. — E o que acontecerá agora? — indagou Emma, porque tudo de que precisava estava naquele quarto. Em seus braços, aconchegava a razão de sua vida e não sabia exatamente o que fazer com aquilo tudo. — Damos um nome para ela? — perguntou Luca, sorrindo, — Gostaria de lhe dar o nome de sua mãe? Emma pensara muito sobre aquela possibilidade e, naquele momento, tornou a refletir sobre o assunto. — Não — decidiu. Algumas vezes, ainda doía pensar na mãe e em tudo que ela fizera. — Gostaria de lhe dar o nome da sua? — Não — respondeu Luca. Ele perdoara Mia e estava feliz em vê-la reatar o relacionamento com Leo, mas era tudo muito novo e ainda não digerira toda aquela nova situação. Nem ao menos sabia o que fazer com o próprio sobrenome, quanto mais passar adiante o nome da mãe! — Aurora — disse Emma. — Aurora? — repetiu Luca, brincando com a palavra em sua mente e gostou do efeito que produziu. — Quer dizer amanhecer... — Um novo começo — disse Emma, alternando o olhar entre a filha e o marido. Seguiriam o próprio caminho agora. Aquele precioso ser, com o qual foram presenteados, merecia o melhor que eles lhe pudessem dar, e era isso que a filha deles teria. Um novo começo.

Fim!! 88
O Sentido do Amor - Carol Marinelli

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