USG Pulmonar

9 Pages • 2,368 Words • PDF • 378.9 KB
Uploaded at 2021-09-24 06:44

This document was submitted by our user and they confirm that they have the consent to share it. Assuming that you are writer or own the copyright of this document, report to us by using this DMCA report button.


ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

INTRODUÇÃO A ultrassonografia pulmonar já foi considerada, há alguns anos, um método pouco eficaz para avaliar o pulmão, pois as ondas ultrassonográficas têm baixa capacidade de penetrar em tecidos preenchidos por ar, sendo rapidamente dissipadas. Entretanto, nas últimas décadas os estudos tornaram-se mais consistentes, fornecendo informações qualitativas e quantitativas para o diagnóstico de doenças pulmonares, principalmente em pacientes críticos, pela alteração da aeração pulmonar. Ao avaliar um pulmão normal é possível observar dois arcos costais com suas respectivas sombras acústicas e a pleura, esta é visualizada como uma linha horizontal hiperecoica movendo-se sincronicamente à respiração. No entanto, esses artefatos característicos são alterados na presença de doenças pulmonares possibilitando o diagnóstico preciso não só por radiologistas, mas por intensivistas, emergencistas e pneumologistas em associação ao exame clínico. A aplicação do uso do ultrassom pulmonar no pronto-socorro apresenta diversas finalidades e vantagens: pode ser realizado à beira do leito, evitando a transferência do paciente para realização da tomografia; ultrapassa as limitações dos raios-X; diminui a dose de radiação usada; garante segurança para toracocentese; utilizada para o diagnóstico de pneumotórax; diferencia edema pulmonar de DPOC; utilizada no diagnóstico de TEP; melhor abordagem ao politraumatizado; auxilia no manejo da RCP; diagnóstico diferencial da dispneia e monitorização hemodinâmica, guiando a reposição volêmica.

TÉCNICA DO EXAME DE ULTRASSOM O ultrassom é uma forma de energia sonora utilizada para diagnóstico na frequência de 2-20 MHz. O aparelho possui um transdutor que internamente contém cristais geradores de pulsos que são transmitidos, atenuados e refletidos pelos tecidos. A forma de analisar os sinais refletidos determina a formação da imagem, com o modo brilho (modo B) é possível visualizar a imagem bidimensional convencional, e ainda é possível visualizar a imagem no modo movimento (modo M), na qual o ponto pode ser avaliado ao longo do tempo.

1

Maria Gabriela Cintra

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

Normalmente o paciente é examinado na posição supina ou sentado, a depender a clínica do paciente, o transdutor é posicionado sobre o eixo longitudinal ao longo dos espaços intercostais, e as linhas axilares anteriores e posteriores são pontos de referência para o exame, também pode ser dividido em quatro zonas: anterior direita, lateral direita, anterior esquerda, lateral esquerda. Segundo o protocolo BLUE, deve seguir a ordem de investigação através de estágios. O estágio 1 investiga-se a parede torácica anterior com o paciente em decúbito dorsal buscando pneumotórax, deslizamento pleural ou artefatos, caso não estejam alterados segue-se para o próximo estágio. O estágio 2 adiciona-se a investigação da parede lateral do tórax em busca de consolidações pulmonares e derrame pleural. Sem achados na região anterior e lateral segue-se para região póstero-lateral (PLAPS), o estágio 3, avaliando a presença ou não de consolidações e derrames na zona posterior, resultando em um PLAPS positivo ou negativo. O estágio 4 consiste em reavaliar todos os dados clínicos, com avaliação total do tórax e formular hipóteses diagnósticas.

Figura 1. Zonas para realização do ultrassom pulmonar. A zona 1 representa a região anterior do tórax; a zona 2 estende-se para região lateral o tórax; a zona 3 adiciona-se a região posterolateral do tórax movimentando minimamente o paciente. (Chest 2008;134;117-125; Prepublished online April 10, 2008; DOI 10.1378/chest.07-2800)

Existem diversos protocolos para o posicionamento do transdutor, mas o mais importante é garantir a avaliação dos dois pulmões nas regiões superior, inferior, anterior e posterior.

2

Maria Gabriela Cintra

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

SINAIS ECOGRÁFICOS A aeração dos pulmões, bem como o arcabouço costal representam barreiras à passagem do som. É utilizando-se dessas barreiras que artefatos e fenômenos acústicos são visualizados e interpretados com finalidade diagnóstica. Esses artefatos ecográficos foram padronizados internacionalmente em linhas. Eco pulmonar normal

Inicialmente o exame é feito no modo B, identifica-se primariamente os arcos costais do paciente pela sombra acústica posterior produzida, uma vez que o som não ultrapassa a estrutura óssea. A linha pleural (Linha P) é visualizada, geralmente, a 0,5cm das costelas, como uma linha horizontal e hiperecoica, formada pelo deslizamento da pleura visceral e pleura parietal. Os arcos costais com a linha pleural entre eles produzem um sinal típico, o Sinal o morcego (Bat Sign). Esse deslizamento é o achado fundamental do exame que acompanha os movimentos respiratórios do indivíduo. O deslizamento pleural pode ser melhor visualizado no modo M, apresentando um sinal específico, no qual as estruturas superficiais vistas ao longo do tempo formam linhas horizontais hiperecoicas e o movimento da pleura forma um aspecto granulado, caracterizando o Sinal da praia.

c

p

c

c

c

c

c c

Figura 2. Na figura observa-se um pulmão normal, com as sombras acústicas das costelas representadas por (c), a linha pleural representada por (p) e as linhas horizontais da reverberação da linha pleural representadas pelas setas, imagem no modo B.

3

Maria Gabriela Cintra

Figura 3. Na figura observa-se o Sinal da praia no modo M, com as linhas horizontais hiperecoicas e o aspecto granular abaixo caracterizando o movimento pleural.

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

Linhas A

As linhas A são vistas logo abaixo da linha P são também horizontais, paralelas e equidistantes. Representam um artefato de reverberação e não apresentam movimento. Estão presentes em pacientes com parênquima pulmonar normal, mas que podem estar realçadas em pacientes com pneumotórax. Linhas B

As linhas B são artefatos verticais, perpendiculares ao deslizamento pleural e com origem nele até o final da imagem. Movem-se com o deslizamento pleural, acompanhando a respiração, representam o preenchimento dos septos intralobulares ou septos interlobulares, desse modo podem indicar edema pulmonar intersticial (edema agudo de pulmão) quando essas linhas apresentam-se em número maior que três entre dois arcos costais, mas ressaltando que também podem estar presentes em indivíduos normais, por isso a clínica do paciente é muito importante. Linhas C

As linhas C são artefatos verticais como as linhas B, no entanto não partem da linha pleural, partem dos espaços alveolares preenchidos por líquido ou uma superfície pulmonar fora da linha pleural, presentes em pacientes com síndrome de consolidação, atelectasias, síndrome da angústia respiratória ou pneumonia.

APLICAÇÕES CLÍNICAS Pneumotórax

O pneumotórax é uma condição clínica caracterizada como a presença de ar livre na cavidade pleural e o diagnóstico é baseado na história clínica de dor torácica e dispneia, associada ao exame físico auxiliado por exames de imagem. Na Ultrassonografia pulmonar existem artefatos clássicos para o diagnóstico, sendo considerado um método mais eficaz em relação à radiografia em pneumotórax mínimo e localizado. Com a presença de ar na cavidade pleural, não é visualizada a linha pleural deslizando, concomitantemente, não são visualizadas as linhas B, a presença desses artefatos pode descartar o pneumotórax. Outro achado no exame é o Sinal da estratosfera no modo M, onde é assumido um padrão linear e não granular abaixo da linha pleural.

4

Maria Gabriela Cintra

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

Figura 4. Na imagem acima está representado o artefato característico do pneumotórax que é o sinal da estratosfera. São linhas horizontais sem o aspecto granular, evidenciando a ausência de deslizamento pleural.

Síndrome Intersticial

O edema agudo de pulmão é uma síndrome intersticial muito frequente no pronto-socorro e consiste no extravasamento de líquido para o interior dos espaços interalveolares, o diagnóstico é clínico, podendo apresentar dispneia súbita, taquipneia, estertores finos

e tiragem, associa-se também os exames de imagem compatíveis.

No edema pulmonar há uma alteração intersticial, os septos interlobares e intralobares são preenchidos por líquido, reduzindo a aeração periférica. As ondas ultrassonográficas passam com mais facilidade sobre o meio líquido apresentando os artefatos que são as linhas B, são linhas verticais, hiperecoicas e simétricas, iniciando-se na linha pleural e também sincronizadas com a respiração que se expandem até o final da imagem.

b b

5

Maria Gabriela Cintra

b

b

Figura 5. A imagem corresponde a um edema agudo de pulmão. Evidencia-se as linhas B (b), que são linhas verticais hiperecoicas partindo da linha pleural até o fim da imagem. A presença dessas linhas contraindica a reposição de fluidos. Adaptado de Lichtestein et al.

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

Esse exame também pode ser utilizado para monitorização hemodinâmica, guiando a reposição de fluidos, pois quando o paciente apresenta um predomínio na imagem de linhas B deve-se limitar a administração de fluidos, uma vez que essa ressuscitação volêmica pode gerar desequilíbrio hidrostático e ser a causa da síndrome intersticial. Do mesmo modo, avaliar a eficácia do tratamento do paciente após a medicação visualizando a redução na quantidade de linhas B indica sucesso terapêutico. Atelectasias e Consolidação Pulmonar

Nos casos de atelectasias e consolidações pulmonares também pode ser utilizado o ultrassom como auxiliador do diagnóstico, o pulmão deixa de ter o aspecto aerado e assume uma característica dos órgãos sólidos, como o fígado e o baço, dá-se a isto o nome de hepatização. A maioria das consolidações é de natureza infecciosa, como no caso da pneumonia, tuberculose, e é caracterizada pela substituição do ar do alvéolo por líquido, o que faz o paciente apresentar tosse produtiva, dispneia e febre. A imagem no ultrassom produzida é de aspecto sólido, com ecogenicidade semelhante ao fígado, o pulmão deixa de apresentar as linhas A, e dá espaço as linhas C na imagem, linhas que partem dos espaços alveolares preenchidos por líquido. Os broncogramas aéreos estão presentes no parênquima pulmonar, eles são uma forma de diferenciar as atelectasias das consolidações infecciosas, nas atelectasias os broncogramas são estáticos diferentes das pneumonias que são dinâmicos.

Figura 6. As imagens demonstram um parênquima pulmonar com perda do aspecto aerado. Na imagem A demonstra a hepatização do órgão com sinais hiperecoicos. Na imagem B evidencia-se aspecto hipoecogênico com linhas C irregulares partindo das estruturas pulmonares. Adaptado de Lichtestein et al.

Derrame pleural

O derrame pleural consiste em uma patologia caracterizada por um acúmulo de líquido anormal no espaço pleural, e a presença disto traduz uma doença subjacente. A

6

Maria Gabriela Cintra

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

dor pleurítica é a principal queixa descrita pelo paciente associada à dispneia nos casos de grande volume e tosse seca. O método da ultrassonografia pulmonar se mostrou mais sensível que o exame clínico e a radiografia de tórax, principalmente em casos de pequenas quantidades de líquido, no entanto, o mesmo não é considerado o padrão para iniciar a investigação. A imagem característica do derrame pleural no modo B é uma imagem hipoecoica quadrangular limitada superiormente pela parede torácica, inferiormente pelo parênquima pulmonar e lateralmente pelas sombras acústicas dos arcos costais, esse artefato é chamado o Sinal do sustenido. Já no modo M, também produz um artefato característico que é o Sinal do sinusoide, visualizando o líquido pleural flutuante no movimento diafragmático e pulmonar.

Figura 7. Na figura no modo B, observa-se uma região central de aspecto anecoico, limitada pelas barreiras anatômicas nos quatro limites, sendo conhecido como o sinal do sustenido.

Figura 8. Derrame pleural evidenciado no modo M. Movimento diafragmático e pulmonar com líquido flutuante pleural. Adaptado de Lichtenstein et al.

O ultrassom pulmonar também pode ser utilizado para guiar a toracocentese, apresentando diversas vantagens: promove mais conforto e segurança do procedimento, aumenta a rentabilidade e possibilita a monitorização contínua. Insuficiência respiratória aguda

A insuficiência respiratória aguda é caracterizada pela falência súbita do trato respiratório superior, podendo ser caracterizada por diversas etiologias como: distúrbios V/Q (tromboembolia pulmonar); SHUNT (SDRA) e sobrecarga ventilatória (DPOC e Asma). A clínica é caracterizada por dispneia, tiragem, alterações da frequência respiratória, cianose e alterações do nível de consciência.

7

Maria Gabriela Cintra

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

O ultrassom pulmonar nesses casos pode apresentar sinais de normalidade inicialmente, como a presença de deslizamento pleural, linhas A e sinal da praia, por isso a clínica do paciente de insuficiência respiratória é importante para o diagnóstico efetivo. No caso de não alteração no ultrassom pulmonar deve-se fazer a análise venosa do paciente geralmente no membro inferior e acima da patela, com o transdutor acima do vaso o normal é o colabamento, caso não ocorra é um indicativo para TEP (tromboembolismo pulmonar).

Figura 9. Protocolo BLUE. Usado para diagnóstico de dispneia severa. Chest 2008;134;117-125; Prepublished online April 10, 2008; DOI 10.1378/chest.07-2800).

PONTOS-CHAVE Sinal do morcego

Formado pela linha pleural entre dois arcos costais.

Sinal da praia

Deslizamento pulmonar no modo M.

Linhas A

Linhas que refletem a linha pleural horizontal.

Sinal da Estratosfera

sugestivo de pneumotórax -. Linhas verticais iniciadas da linha pleural até o fim da imagem – sugestivo de

Linhas B

edema pulmonar-. Não infundir líquido. Linhas também verticais que partem dos alvéolos preenchidos por líquido,

Linhas C

sugestivos de atelectasias e consolidações.

Sinal do Sustenido Sinal do Sinusoide

8

Linhas horizontais no modo M indicando ausência de deslizamento pleural –

Imagem anecoica entre as barreiras do tórax, sugestivo de derrame pleural. Sinal presente no modo M com flutuação do líquido pleural sobre o movimento do

Maria Gabriela Cintra

pulmão e diafragma, sugestivo de derrame pleural.

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PRONTO-SOCORRO

REFERÊNCIAS 1. ANDRADE FILHO, Laert Oliveira; CAMPOS, José Ribas Milanez de and

HADDAD,

Rui. Pneumotórax. J. pneumol. [online]. suppl.4

[cited

pp.S212-216.

bras. 2006,

vol.32,

2019-01-28],

Available

from:

. ISSN 1806-3713. 2. BLANCO, Jacobo Bacariza; ESQUINAS, Antonio M. To: Behavior of lung ultrasound findings during spontaneous breathing trial. Revista Brasileira de terapia intensiva, v. 30, n. 1, p. 131-132, 2018. 3. BUGALHO, António et al. Ecografia na patologia torácica. Rev Port Pneumol [online]. 2010, vol.16, n.4 [citado 2019-01-28], pp.589-606. Disponível em:

5. HOCHHEGGER, Bruno; ZANON, Matheus. Prática Pneumológica, Edition: 2, Chapter: 8, Publisher: Guanabara Koogan, Editors: Renato Maciel, Miguel Abidon Aidé, pp.108-115. 6. LEVITOV, AB; DALLAS, AP; SLONIM, AD. Ultrassonografia à beira do leito na medicina clínica. Porto Alegre: AMGH, 2013. p.218 7. Lichtenstein D. Lung ultrasound in acute respiratory failure an introduction to the BLUE-protocol. Minerva Anestesiol. 2009 May; 75(5):313-7. 8. Lorraine B. Ware and Michael A. Matthay, Acute Pulmonary Edema N Engl J Med 2005;353:2788-96. 9. PEÇANHA, Ana Carolina; TEIXEIRA, Cassiano; CASTRO, Priscylla Souza. Comportamento dos achados de ultrassonografia pulmonar durante tentativa de respiração espontânea. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):279-286. 10. PRINA, Elena; TORRES, Antoni;

. ISSN 0873-2159.

effusion. Jornal Brasileiro de

4. DEXHEIMER NETO, Felippe Leopoldo et al. Lung ultrasound in critically ill patients: a new diagnostic tool. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 38, n. 2, p. 246256, 2012.

9

Maria Gabriela Cintra

Pneumologia, v. 40, n. 1, p. 1-5, 2014.
USG Pulmonar

Related documents

9 Pages • 2,368 Words • PDF • 378.9 KB

92 Pages • 2,972 Words • PDF • 14.1 MB