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SEASPUN MAGIC COLINA
AFEITICEIRA DA Christine Hella Cott
Digitalizado e Revisão por: Marcia Sil
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Leitura — a maneira mais econômica de cultura, lazer e diversão. Nova Cultural Título original: Seaspun Magic Copyright: © by Christine Hella Cott Publicado originalmente em 1985 pelaHarlequin Books, Toronto, Canadá Tradução: Elsa Joana Frezza Copyright para a língua portuguesa: 1985 Abril S. A. Cultural São Paulo Caixa Postal 2372 Esta obra foi composta na Compositora Gráfica Artestilo Ltda e impressa na Editora Parma.
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RESUMO A paixão entre um homem misterioso e uma mulher que escondia estranhos poderes. Quem seria aquele hóspede misterioso,que todas as noites deixava o chalé, no alto da colina,e sempre voltava trazendo consigo a brisa do oceano e uma estranha inquietação?Arianne achava-o fascinante e desejava viver com ele instantes de amor e magia, em que os sonhos se tornassem realidade.... Mas depois lembrava-se de seus estranhos poderes os misteriosos dons que sempre lhe haviam causado problemas e impedido de viver um grande amor. E desejava que ele fosse embora depressa,ou então que saísse em seus braços sem perguntas, sem chamá-la como os outros, de bruxa e feiticeira....
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CAPITULO I Arianne saiu para o alpendre dos fundos, arrastando um enorme saco de lixo. Ao chegar na escada, ergueu-o, com dificuldade, nos braços e, sem enxergar direito onde pisava, desceu cuidadosamente os três degraus de madeira. Seguiu pela vereda de pedras que rodeava a casa, desejando, como sempre que era obrigada a fazer algo superior às suas forças, estar ainda casada. Mas, assim que jogou o saco no latão apropriado, afastou da mente o importuno pensamento. Não era nada fácil morar sozinha naquele ermo. Nos dois últimos anos, habituara-se a fazer muitas coisas, mas isso não significava, necessariamente, que tivesse de gostar de todos os aspectos de uma vida solitária. Na verdade, não estava completamente sozinha. Havia alguém que era o centro de toda a sua dedicação e que a compensava de todos os sacrifícios que enfrentava: seu filhinho. Era incrível como Rae saíra ao pai! Tão grande e cheio de vivacidade aos dezoito meses que, dentro em breve, já não poderia ser considerado um bebê! Seu ex-marido teria ficado orgulhoso. . . se soubesse que tinha um filho. Mas Reggie não sabia nada porque Arianne não havia percebido que estava grávida senão depois do divórcio. E, se tivesse confessado isso então, ele não iria aceitar que fosse verdade. Teria pensado que era tudo mentira, para impressioná-lo. Naturalmente, o tempo se encarregaria de confirmar o fato. Mas, naquela ocasião, sentira que precisava fugir dele a todo custo, nunca mais curvar-se a seu egoísmo alucinado. E fora embora com o filho em gestação dentro de si. Olhou para a casa iluminada: Rae estava lá dentro. O menino não havia herdado dela, que era pequena e esbelta, senão os cabelos cacheados e escuros. E rezava, com todo o fervor, para que a semelhança ficasse só nisso, que o filho não tivesse adquirido uma certa característica de sua família que fora forçada a esconder. . . Afastando um vago sentimento de desconforto, Arianne olhou em direção ao mar e absorveu-se na vista ,do sol meio submerso na longínqua névoa do horizonte. O verde estreito de Juan de Fuça apresentava-se diante dela, de leste a oeste, uma ampla extensão de águas navegáveis entre os Estados Unidos e a extremidade sudoeste do Canadá. Luzes corriam sobre a superfície marinha, formando uma linha pontilhada na incerta claridade crepuscular. Luzes de cargueiros.que, incessantemente, percorriam a rota entre o porto de Seattle e o de Vancouver. Acostumada ao movimento cosmopolita da moderna Seattle, Port Towsend, um punhado de casas aninhadas em colinas, parecera-lhe, a princípio, a extremidade áspera do universo. Apenas a imensidade do mar rodeando os três lados da cidade. Mas era lindo! Os penhascos de picos agudos e escuros que contrastavam com as areias brancas das praias, as encostas revestidas pela folhagem verde-escura das moitas e das trepadeiras, as belas tardes de verão cheias de paz, o oceano brumoso em dias de tempestade, .. Começara a gostar dessa vida pacata, julgando-a ideal para criar seu filho. Sua casa, um sobradão transpirando histórias, era, como as demais, uma
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construção vitoriana de três andares caindo elegantemente em ruínas. Ou que estivera, já que seu proprietário, estimulado pelo fato de tê-la-como inquilina, apressara-se em restaurá-la, tornando-a perfeitamente habitável. E, desse modo, outra mansão histórica fora salva da destruição, numa cidade que vivia do passado. Port Towsend surgira no ano de 1880, praticamente da noite para o dia, na expectativa de um grande boom. Isso nunca acontecera porque a estrada de ferro, que deveria chegar até o porto, limitara-se a unir Seattle a Tacoma, sessenta'quilômetros adentro das terras incultas do Puget Sound. E, desde então,passados cem anos, o porto destinado à exportação permanecia graciosamente adormecido. No verão, com o repentino afluir dos turistas, tudo parecia despertar. Mas, logo em seguida, mergulhava novamente na aura sonhadora de uma cidadefantasma, perdida nas sombras dos bosques da Península Olímpica. Ali em pé, no meio do frescor daquela noite de outubro, o passado voltava-lhe facilmente à memória. Cenas acordando, rodopiando num torvelinho que não a assustava mais. E, pela primeira vez desde aqueles dias, não tentou resistir à lembrança, afastá-la ou suprimi-la. Pensava em Reggie Sutherland, agora, e, embora o divórcio em si tivesse sido amargo, sabia que ele voltaria a procurá-la. Como sabia que não daria certo. Ela o amara demais, e ele... se deixara amar. Sua rejeição, aparentemente fria, ferira-lhe apenas o amor-próprio. — Você voltará, rastejando como um verme! Sei disso! Irá implorar para ter de volta tudo o que você tem agora — ele gritara. — O que tenho agora é uma terrível dor de cabeça — ela replicara, implacavelmente determinada a ir até o fim. Se demonstrasse a menor emoção que fosse, tudo transbordaria e ele a teria a seus pés mais cedo do que esperava. — Que piada! "Você", querendo o divórcio! Depois de tudo o que fiz. Você... — Seja sincero, Reggie. Você só estava esperando o momento certo para entrar com o pedido de divórcio. Porque, à porta das eleições, um divórcio tumultuado como o nosso não irá alegrar seus cabos eleitorais, não é? A "arena política", como você sempre diz, não é lugar para expormos nossa vida privada. — Vá contar isso a outro! Não é minha vida particular que me preocupa! É a sua! E você sabe disso muito bem. Você só quer é me aborrecer. É seu meio de vingar-se! — Pense o que quiser, Reggie. Você está furioso apenas porque fui eu que pedi o divórcio em primeiro lugar. — Você é mesmo uma bruxa! Passaram-se quase dois anos. Mas aquelas palavras ainda estavam nítidas em sua mente... ainda vibravam. Apesar de tudo, ele voltaria. Tinha tanta certeza disso, como tinha certeza de que o sol se levantaria no dia seguinte. Naquela época, acreditando que não pudesse resistir aos rogos dele, resolvera deixar Seattle, seu lar e seus amigos. O aspecto prático da questão era encontrar um lugar conveniente para morar e ela acabara em Port Towsend. Vantajosamente perto de Seattle, a localidade era, no entanto, uma amostra da vida no campo. Ali teria paz, calma, uma vida sossegada e meios de alimentar outra boca. Ninguém sabia nada dela. Voltara a usar seu sobrenome de solteira, e ela e o filho eram conhecidos
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como Arianne e Rae Sawyer. Aprendera a aceitar os encargos com esforçada paciência e conseguira manter-se com dignidade, naqueles dois anos. O proprietário de sua casa, e também seu patrão, era dono de uma loja de secos e molhados, a Orly Pressmann, onde ela trabalhava em regime de meio período, Podia levar Rae consigo, economizando a despesa com uma baby-sitier, o que era uma grande ajuda. Tudo somado, achava que se saíra bastante bem. Tinha uma casa adorável, um lindo bebê e muita saúde. Experimentava a reconfortante convicção de que sua vida recomeçava, de que um futuro calmo a esperava. E parecia-lhe um absurdo ter receado ceder a Reggie. Como era estranho olhar para o passado com tão frio distanciamento! Durante o divórcio, houvera vezes em que desejara que ele a tomasse nos braços, pedindo-lhe, implorando-lhe que ficasse, sob qualquer condição, mas que ficasse. Agora, nada mais lhe importava. Pagara sua cota de sofrimento e se libertara.Suspirando, Arianne enfiou as mãos nos bolsos dos jeans, sentindo um arrepio ante a inesperada friagem que chegava com as primeiras sombras. A noite se aproximava, o céu passando do azul profundo ao negro, num instante de magia frágil e ilusória. A seus pés, o terreno em declive descia abruptamente alguns metros mais adiante, a extensão relvosa desaparecendo entre as moitas de amoreiras selvagens que formavam uma impenetrável cerca viva. Lá embaixo, cresciam cedros e pinheiros, mas estavam tão longe que podia apenas distinguir-lhes o topo que parecia emergir das águas. À sua esquerda, delineava-se a silhueta de um forte histórico, com suas seteiras e ameias, e uma fileira de construções pintadas de branco e verde que seguiam ao longo da praia, circundando uma pequena baía. A direita, havia apenas algumas casas mas, de onde estava, no meio das árvores, podia apenas avistar a de Jill. Jill McKinly e seus dois filhos moravam ali fazia apenas um ano. A moça costumava receber hóspedes durante o verão e isso lhe garantia um inverno tranqüilo.O fato de serem ambas divorciadas e da mesma idade aproximara-as. Estreitaram amizade e Arianne começara logo a gostar de sua.expansiva vizinha. Sendo de natureza reservada, admirava o modo rápido e impetuoso de Jill expressar-se. — Somos pêssegos muito maduros — dissera-lhes Jill, durante a habitual escapadela de sábado à noite. — E você sabe o que acontece com eles?Arianne dera uma risadinha. — Tenho uma vaga idéia, mas continue. Diga o que pensa. — São retirados da prateleira, é claro! Os homens gostam de coisinhas jovens e doces. E aqui estamos nós, em pleno sábado à noite, tomando café com leite em vez de champanhe, e sentadas, em vez de estarmos dançando! Não temos o conforto de braços fortes, nem em casa nem em momento algum. E temos de pagar pelo privilégio de usufruirmos, sozinhas, o amor de nossos filhos. Arianne mordeu os lábios. Podia pedir uma pensão alimentar a Reggie já que, como conselheiro municipal, ele não teria como recusar, mas. . . Fora seu comportamento infame durante o divórcio que a levara a jurar jamais pedir-lhe um único centavo.
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Era preferível sujeitar-se a qualquer coisa a sofrer aquela humilhação. Não levara nada de valor consigo, quando o deixara. Recusara até mesmo o casaco de vison com que ele a presenteara no último Natal que haviam passado juntos.Arianne estremeceu novamente, mas não devido ao frio. Sabia que não estava ainda curada. Seu orgulho ainda a fazia sofrer às tristes recordações. Durante os últimos meses de casamento, Reggie a tratara como a uma estranha. Claro, ela não devia ter retomado sua. . . peculiar profissão, mas isso não justificava a traição dele. De qualquer forma, o motivo do fracasso já não tinha tanta importância. Era uma velha história, tão velha quanto a casa que brilhava na escuridão. Ali, sentia-se segura, estabelecida, feliz. Havia sofrido, mas suportara as decepções sem amargura. Que mais podia pretender? Uma vez posto o sol, a noite pareceu cair sobre ela, trazida pelo sopro da brisa. Uma dessas noites claras e frias que pareciam feitas para abrigar todas as ternuras. Alguns versos de uma canção natalina vieram-lhe à mente: O Natal está chegando, os patos estão ficando gordos... O silêncio e o isolamento tornaram-se subitamente intoleráveis. O que faria, depois que Rae estivesse dormindo? Mais um sábado não tendo outra companhiasenão a do vento? Não podia contar com sua vizinha. O filho mais velho de Jill, um garoto de quatro anos, sofrerá um ataque de apendicite aguda, com complicações, e tivera de ser levado às pressas para um hospital de Seattle, onde se encontrava até o momento. Suspirou fundo. Não pretendia a companhia de um homem, nem outro amor. A humilhação do passado não podia se repetir novamente. Agora era dedicar-se ao filho e preocupar-se com o futuro, trabalhando duramente. Mas essa felicidade morna lhe bastaria? Tenho de aprender a me contentar com isso, concluiu. Arrancando-se das cismas com decisão, deu as costas ao horizonte tingido de rosa e de púrpura e rumou para casa. Enquanto olhava adiante de si, viu os faróis de um carro riscarem a escuridão, ora piscando, ora sumindo por uns momentos entre as árvores. Ficou alerta: só podia ser alguém que procurava a casa de Jill ou a dela, já que eram as últimas daquela rua sem saída. Parou para observálo. O carro diminuiu a velocidade ao chegar diante da casa da amiga. . . mas não parou! O coração bateu-lhe fortemente no peito. Teria companhia! Mas quem? Algum vendedor, certamente. Suspirou de novo e prosseguiu seu caminho, com pressa de alcançar o aconchego do lar. Estacou de súbito, um pensamento inquietante atravessando-lhe a mente. Jill havia recebido uma chamada fora do comum, naquela última semana. A de alguém fazendo uma reserva de hospedagem. Fato invulgar porque aquela época do ano, outono avançado, não era o ideal para fazer turismo. Para apressar a convalescença com a ajuda do ar marinho, fora a lacônica explicação do homem. Não sabendo exatamente quando seu hóspede chegaria, Jill solicitara a Arianne que acolhesse o doente na sua ausência. Claro! Só pode ser ele!, pensou. Um arrepio percorreu-a, ao ver o carro parar um instante junto ao portão de entrada e então enveredar pela trilha. Um segundo depois, ela foi banhada pelas
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luzes dos faróis. Apressou o passo e o alcançou no exato momento em que o homem saltava do veículo. À luz que filtrava das janelas, teve uma visão clara do desconhecido e surpreendeu-se. Atrás de sua postura despreocupada, havia um homem em pleno vigor físico! Não era velho e não parecia certamente doente! — Arianne Sawyer? — perguntou o desconhecido, educadamente. — Ah. . . sim! — foi a única coisa que ela conseguiu dizer. — Sou Leo Donev. Jill McKinly acertou tudo para mim? — Ela o avisou, então? — Deixou-me um recado. Espero que o filho dela esteja passando bem. — Está melhor. Jill está hospedada em casa de minha mãe e vai me telefonar novamente amanhã. Arianne ficou parada a observá-lo. Notou-lhe as feições rudes, os cabelos brilhantes pelos respingos das ondas que se quebravam de encontro aos rochedos da estrada, a jaqueta de couro, muito fina e evidentemente cara, que contrastava com seu carro velho.. . Aspirando profundamente o ar marinho, ela reconquistou seu aprumo. Mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Leo Donev perguntou: — Podemos entrar? Arianne caiu em si, envergonhada. — Oh, sim, claro! Está frio demais, aqui fora. Vamos entrar... Ao chegarem ao pé da escada, ele tomou-lhe gentilmente o braço. E junto com o sutil aroma de colônia masculina que lhe chegou às narinas, um arrepio percorreu-lhe o corpo, ao sentir o toque dos dedos másculos. Suspirou fundo. Jill dissera-lhe que o homem tinha boas referências e que sua permanência em Port Towsend seria breve. Antes assim! É verdade que um dinheirinho extra viria mesmo a calhar, mas.. . Não lhe parecera uma má idéia, quando cedera à solicitação ansiosa de Jill. No entanto, enquanto subia as escadas ao lado de seu hóspede, previa que seria uma rematada loucura! Devia ter dito a Jill para reservar-lhe hospedagem num dos motéis da praia! praia!Havia sempre descartado a idéia de receber pensionistas em sua própria casa, embora a amiga tentasse persuadi-la do contrário. Sua privacidade era-lhe por demais preciosa para tolerar qualquer interferência. E tinha uma boa razão para pensarassim. . . Lançou um olhar de esguelha ao homem e sentiu-se inquieta, experimentando a perturbadora sensação de que sua vida tomava, inesperadamente, um novo rumo.
CAPITULO II Da varanda, dava para ouvir os gritos de Rae, protestando por ter sido deixado tanto tempo sozinho. Arianne lançou um olhar rápido a seu hóspede. O que acharia ele de todo aquele barulho? Afinal, tinha vindo ali para descansar! Mas seu receio evaporou-se depressa. Assim que ela abriu a porta, Leo Donev levou dois dedos à boca e soltou um longo assobio. No mesmo instante, os gritos de Rae cessaram como por encanto.
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Ariarme não pôde conter uma exclamação de espanto. — Obrigada — murmurou, confusa. Ele sorriu. — Não quer me apresentar ao bebê chorão? Ela o conduziu até a cozinha. De pijama, pronto para dormir, cheirando a talco e a sabonete, Rae parecia um anjo. Não havia uma só lágrima no seu róseo rostinho. Era difícil acreditar que os gritos de minutos atrás houvessem saído daquela boquinha de querubim. Apoiando um dos joelhos no chão, Leo pegou o ursinho de pelúcia e o crocodilo de feltro que haviam sido arremessados a distância e ofereceu-os ao menino. Arianne observou-o. Ele parecia estar mais à vontade e em casa do que ela própria. E era evidente que sabia como tratar as crianças. Rae aceitara-o com bastante naturalidade. Seria casado e com filhos? Era outra coisa que havia esquecido de perguntar a Jill. Notou que sua jaqueta de couro, de uma indistinta cor escura, combinava às mil maravilhas com o jeans muito justo e com o suéter branco de gola olímpica. Sua ex-sogra, a sra. Sutherland, a ensinara a apreciar roupas de boa qualidade e seu hóspede não podia estar mais bem vestido para uma viagem ao campo, no outono. Considerou com uma curiosidade crescente o rosto estranho inclinado sobre seu filho. Os cabelos da cor do mel, espessos e lisos, cobriam-lhe a gola da jaqueta. As feições irregulares e as faces angulosas sugeriam uma extrema autoconfiança. Confirmada pela linha determinada dos maxilares e pelas maçãs proeminentes que lhe davam um ar predatório. Sua presença a inquietava. Por que fui concordar com os planos de Jill? pensou, desesperada. Era desagradável ter que dividir o único banheiro da casa com um completo estranho. Maldição! Não fazia nem meia hora, havia lavado algumas peças íntimas que estavam agora secando sobre o velho aquecedor a vapor! Teria que recolhê-las antes que seu hóspede as visse. Era por isso que detestava ter gente estranha em casa! No entanto, o homem iria pagar um bom preço pelo privilégio de dividir o banheiro com ela. Sessenta e cinco dólares diários. Era uma quantia astronômica! Não fazia sentido. Por que não se hospedara num dos hotéis da cidade, onde poderia usufruir de todo o conforto? Enquanto o examinava abertamente, os olhos dele ergueram-se e colheram seu ar arrependido e exasperado. Um sorriso indecifrável curvou-lhe os lábios bem modelados. — Não vou interferir em sua vida. . . e pagarei adiantado. — Ele levantou-se vivamente e retirou um envelope do bolso da jaqueta. Ela mudou de expressão e procurou desajeitadamente fazer-se desculpar, enquanto apanhava o envelope. — Não quer uma xícara de café? Acabei de coá-lo — disse, mas sua voz soava em falso. — Quero, sim. Vai ser ótimo, depois de uma viagem tão longa. Arianne sentia-se constrangida como uma criança apanhada em falta e censurava-se por ter traído suas emoções. Se ele tivesse telefonado, avisando-a de sua chegada. . . E se ela estivesse preparada. . . Mas, por algum motivo desconhecido, não acreditara que o hóspede chegasse antes de Jill. Aquela possibilidade simplesmente não lhe ocorrera, até entrever os faróis do carro brilhando na escuridão. Enquanto ia arrumando na bandeja a xícara, o açúcar, o creme e um pratinho
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de biscoitos de chocolate feitos por seu primo Mikey, observou, com crescente desassossego, que Leo Donev examinava a velha cozinha com curiosidade. E era exatamente isso que temia já que, não esperando ninguém, esquecerase de guardar algo que não devia ser visto. — Oh, isto é lindo! Arianne empalideceu, um terror sem nome correndo sobre ela. A bola de cristal, que acabara de polir momentos atrás, faiscava com todas as cores do arcoíris, nas mãos de Leo Donev! — Parece viva! — ele exclamou, dando uma risada baixa. Mas ao notar a palidez de Arianne, seu sorriso desvaneceu-se e ele voltou a colocar cuidadosamente a magnífica bola de cristal no estojo de madeira esculpida. — Nunca tinha visto uma assim tão grande... — desculpou-se. — Não deveria tê-la tocado. Sinto muito. Após um penoso silêncio, Arianne obrigou-se a encara-lo com naturalidade. — Oh. .. não é nada... apenas uma bugiganga. Não se preocupe com isso disse, num tom de forçada despreocupação. Leo, que julgara vislumbrar uma expressão de medo nos olhos dela, tranqüilizou-se. — Como a conseguiu? Ela pensou desesperadamente no que dizer. A verdade! — Minha mãe tem uma loja de artigos para mágicos. Comprou essa bola através de um catálogo. Ele lançou-lhe um olhar risonho. — Um catálogo para mágicos? Gostaria de ver isso. — Duvido que pudesse encontrar interesse numa coleção de cartolas, lenços coloridos, olhos de salamandra. . . — Cartolas. .. — Sim, você sabe, aqueles chapéus de onde os mágicos retiram os coelhos! — E os olhos de salamandra? O que são? Arianne suspirou, exasperada. — Pedaços de açúcar-cande, naturalmente! — Poderia me conseguir uma dessas bolas de cristal? Ela o fitou, incrédula. — Mas que idéia... — Então. Ela o impediu de continuar. — Não quer provar um desses biscoitos de chocolate? — ofereceu, na esperança de distraí-lo. — Hum. . . não sei. — Pelo amor de Deus! São biscoitos de verdade, não... não... — Não biscoitos mágicos — concluiu ele, rindo novamente. Ele ria com facilidade, ao contrário dela. E também seus olhos verdes riam, estimulando-a a acompanhá-lo no riso e a aproveitar sua companhia. Era ridículo aborrecer-se. Ela tinha a tendência de levar tudo tão a sério! Afastando a sensação de constrangimento, convidou-o, com graça tranqüila:Vamos. Vou acomodá-lo na sala, com seu café, enquanto ajeito as coisas lá em cima. Sem ver se ele a seguia, Arianne rumou para a sala da frente. Colocou a bandeja na pequena mesa junto à poltrona e avivou o fogo da lareira com as tenazes. Ao voltar-se, percebeu-o ao lado dela, fitando-a intensamente, como se ela fosse um animal raro, inspecionando-a da cabeça aos pés. Irritou-se. Como ele se
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permitia olhá-la assim tão descaradamente? Decidida a acabar com aquela situação embaraçosa, ela esboçou um sorriso forçado e atravessou a sala, rumo à escada. Não havia dúvida de que ele a julgava. . . um tanto estranha, para morar naquela enorme casa antiga, no meio das árvores, em companhia apenas de seu bebê e de uma bola de cristal cigana! O coelho estava fora da cartola e tudo o que podia fazer era esperar que ele não batesse com a língua nos dentes! Ninguém na cidade conhecia seus dons, exceto Jill, que a vira fazer coisas estranhas, como atender o telefone antes que tocasse, mas que jurara guardar segredo. Poderia confiar também em seuhóspede? Mas o que ele poderá dizer, afinal?, perguntou-se. Não havia feito nada que levantasse suspeitas. Mesmo que ele tivesse visto as cartas de taro espalhadas sobre a mesa! Não era normal ter essas coisas, já que sua mãe possuía uma loja especializada em artigos para mágicos? Afinal, ele ignorava que sua mãe fosse médium. . . Enquanto subia os degraus de dois em dois, ia conjeturando. Havia cinco quartos no segundo andar, mais o espaçoso banheiro azulejado de branco e azulceleste. Qual deles destinaria a Leo Donev? Acabou por escolher o que ficava junto à escada, não só porque ficava bem afastado do dela, mas porque era grande e com vista para o mar. Andando de um quarto para o outro,reuniu duas cadeiras, uma pequena arca e um grosso tapete de lã. Juntou travesseiros, almofadas extras, uma lâmpada de leitura para a mesinha-de-cabeceira e, afinal, o quarto foi transformado num lugar habitável. Lençóis limpos com a dobra virada sobre a colcha, travesseiros afofados de encontro à cabeceira da cama, sabonete, toalhas azuis dobradas ao lado do lavatório de carvalho, algumas flores secas colocadas sobre o peitoril da janela, desafiando a fria ventania que soprava lá fora. .. e pronto! Satisfeita por ter feito o melhor que podia, virou-se para descer as escadas mas, lembrando-se de suas peças íntimas penduradas no aquecedor do banheiro, correu para reconhecê-las. Ao sair, com os braços cheios de sutiãs e calcinhas, um pato de borracha e uma cestinha de cosméticos, quase colidiu com seu hóspede que havia acabado de subir as escadas, sustentando uma mala em cada mão. — Você devia ter deixado isso na banheira — com um gesto da cabeça ele mostrou o pato de borracha. — Rae dorme com ele. Ele encolheu os ombros.Nesse caso... — Seu. .. seu quarto é aquele — Arianne apontou para a direita, sem perceber que havia erguido o braço cheio de rendas, fitas e laços. Sentiu o rosto queimar e deu-lhe as costas, dirigindo-se apressadamente para seu próprio quarto. Podia quase ver que ele a seguia com os olhos e isso a encheu de temor.Quando aprenderei a dominar-me? Quando aprenderei?, repetiuse, desanimada. Seu problema seguinte foi decidir o que fazer com ele, enquanto jantava. Deveria convidá-lo? Ou a hospedagem se limitaria ao café da manhã? Aflita, pôs-se a vasculhar a geladeira. Estava ainda inclinada para a frente, fitando desanimadamente seu conteúdo, quando Leo apareceu na cozinha. — Vou sair por uns momentos — ele anunciou. — Poderia ceder-me a chave da casa?
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— Oh... certo. Arianne ficou aliviada, quando a porta da frente fechou-se atrás dele. Da janela, observou-o descer a colina. Através das moitas de urzes, havia uma trilha que levava à praia. E, de lá, podia-se ir tanto ao forte, que ficava à esquerda, quanto à cidade, que ficava à direita. Por que ele veio para cá?, pensou. Para passear na praia, à noite? Do que estaria convalescendo? Estafa ou depressão? Não podia imaginar nenhuma dessas alternativas. Sua facilidade para sorrir não indicava certamente aborrecimentos, e seus olhos claros não espelhavam tristeza. Dava'a impressão de ser um homem vigoroso como poucos. Talvez estivesse necessitando apenas de repouso. Depois que ele saiu, a casa tornou-se estranhamente silenciosa e o vento invulgarmente triste. Repentinamente, ela não teve mais vontade de comer. Sentouse na cadeira de balanço e começou a embalar Rae até vê-lo sonolento. Levou-o então para a cama e abriu um livro. Ouvira dizer que os bebês se acostumavam com os sons das palavras e o ritmo da linguagem. Assim, lia-lhe alguma coisa todas as noites. Nessa, escolheu um poema: O pirata Don Dirk de Dowdee. E nada mais apropriado, com as ondas arrebentando-se com força de encontro aos rochedos e o vento gemendo entre os pinheiros! Não chegara ainda à terceira estrofe e já Rae dormia profundamente. Saiu do quarto de mansinho e desceu para o andar inferior. Percorreu todos os cômodos, à cata de tudo que pudesse causar estranheza a Leo Donev. Nada deveria alimentar a curiosidade que a bola de cristal aguçara. Mas se cartas e bola de cristal podiam ser escondidas, o que fazer com seu.. . dom? Como aliviar seu espírito daquele peso? Fizera-se essa mesma pergunta vezes sem conta. Era uma carga insuportável. Significara o golpe de graça para seu casamento. Claro que Reggie gostava que ela o ajudasse, usando seus poderes a torto e a direito, mas detestava que prestasse auxílio também aos outros. Tanto assim que, depois de casada, concordara em terminar com sua rendosa prática nos fundos da loja de mágica. Clarividência e premonição eram termos científicos para explicar o que ela fazia: desde achar animais de estimação, até pessoas perdidas. Lia também a sorte, embora não gostasse disso. Como dizer a um rosto ansioso e cheio de esperança: Não, fulano não a ama e jamais a amará e então cobrar dez dólares da pobre alma? Preferia deixar essa tarefa para sua mãe. Ela respondia a questões mais amplas e diretas. Prestara seus serviços a uma companhia de seguros e até mesmo à polícia. Mas, em geral, seus clientes eram amigos ou pessoas conhecidas que freqüentavam a loja e a casa de sua mãe. Quando se casara com Reggie, no entanto, tudo terminara bruscamente. Sua. . . profissão era algo que devia esquecer, se quisesse conservar o amor de seu marido, e ela estava bem consciente da escolha que fizera. Sua mãe, é claro, não podia censurar Reggie e, apoiada pela sra. Sutherland, vivia repetindo: — Política e magia não se misturam! Então, certa manhã, o jovem detetive de uma companhia de seguros viera à sua casa, implorando seu auxílio. Prometera-lhe que manteria absoluto sigilo sobre sua participação, mas disse que o caso era urgente. Um seguro a ser pago no dia seguinte e que, tinha certeza, embora não pudesse provar, era uma fraude. Aquele trabalho levara-a a outro, e sua clientela ampliara-se. A prática era efetuada clandestinamente, claro, e bem longe de sua casa: havia sido inflexível
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nesse ponto. Tinha consciência de que assumira um grande risco. Raciocinava que era por uma boa causa, mas sabia que se fosse descoberta as conseqüências seriam desastrosas. Seu marido a detestaria por ter ameaçado sua carreira política e sua sogra a odiaria por ter arriscado a reputação impoluta do filho. E se algo transpirasse e viesse a público. . . ela se veria no meio de um fogo cruzado! E fora exatamente isso o que havia acontecido. Certo dia, uma mulher abordara-a no supermercado, pedindo-lhe, em voz alta, para ajudá-la a encontrar um testamento que sua irmã havia perdido. Cabeças voltaram-se, curiosas, ante a exaltação da criatura e Arianne, assustada, só conseguira murmurar: Deixe-me em paz. Mas a mulher seguira-a até sua casa. Desesperada por sua insistência e temendo que Reggie ou uma das empregadas pudesse descobrir tudo, Arianne conseguira convencer a infeliz a procurar a polícia, já que o testamento parecia ter tanta importância. Acreditara ter escapado daquela confusão quando, na manhã seguinte, havia acordado com os repórteres acotovelando-se à sua porta. A verdade era que a moça não havia perdido testamento algum, mas fora seqüestrada. E, em vez de levar a nota dos seqüestradores à polícia, sua irmã inventara aquela história, na esperança de que Arianne, com seus poderes, a guiasse até onde ela estava. Para culminar, houvera uma colisão entre o carro dos seqüestradores e o da polícia, e a infeliz jovem morrera quando tentavam resgatá-la. A história desencadeara tamanha celeuma e comovera tanto a opinião pública, que a imprensa a explorara de todos os ângulos possíveis. E, sem saber como, Arianne tornara-se a bruxa do acontecimento e fora responsabilizada pela morte da moça. Tudo fora deixado em segundo plano diante daquele prato suculento: "Arianne Sutherland, jovem feiticeira e trapaceira por direito!" Assim a descrevera um jornal sensacionalista. Reggie fora também massacrado pela imprensa por fazer segredo dos poderes de sua esposa e, no seu rastro, os repórteres toparam acidentalmente com outro fato: o conselheiro municipal estava mantendo um caso com sua secretária! E o furo jornalístico tornara-se a manchete dos principais jornais. Até mesmo o divórcio que inevitavelmente se seguira fora marcado pela ganância e pela crueldade. Na sua ingenuidade, Arianne permitira que Reggie pusesse todos os bens do casal no nome dele. Anos depois, ele havia passado tudo para o nome da mãe e, assim, a parte de Arianne depois da partilha reduzira-se. a nada! Sua decisão de não lutar por seus direitos deixara os repórteres perplexos e convencidos de que o único motivo de sua desconcertante submissão àquela injustiça era a culpa. E que culpa podia ser essa? Dissecaram sua vida e descobriram o detetive da seguradora, que era jovem e de boa aparência. Imaginaram uma ligação romântica e, de generalizações fantásticas, passaram a reproduções precisas de detalhes picantes, mesclando conjeturas às fantasias de sua imaginação. Arianne fora explorada em corpo e alma.A história reacendera sua participação no caso do seqüestro, numa ciranda macabra e viciosa. Uma revista popular, querendo dar um caráter espetacular à reportagem, descrevera-a como uma bruxa às voltas com mezinhas e poções. A reação do
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público fora assustadora. Perseguida implacavelmente por lunáticos, Arianne tivera de se esconder. Até pouco antes do divórcio, Reggie continuara a negar seu dom, aumentando a confusão geral. Mas o que ele pretendia mesmo era manter as aparências e guardá-la ciumentamente para si, usá-la em benefício próprio, como vinha fazendo nos últimos anos. Ele era muito esperto e sabia como fazer-lhe as perguntas que ela respondia quase sem perceber. Aproveitando-se vantajosamente daquelas informações, Reggie ganhara mais dinheiro na bolsa do que como conselheiro municipal. Acreditava que, embora à sua maneira, ele a amava quando haviam se casado e que não pretendera explorá-la. Mas, com o passar do tempo, a tentação tornara-se irresistível. De qualquer modo, depois que começara, Reggie não havia parado mais. Ao percebê-lo tão dependente de sua vidência, ela começara a dar-lhe respostas sem sentido. Na primeira vez em que sua predição o fizera perder dinheiro no mercado de ações, ele ficara consternado. Na segundp, furioso. E, daí em diante, havia deixado de acreditar nela. Na ocasião, consolara-se do pesar que isso lhe causava dizendo-se que já tivera seus bons momentos, mas não era inteiramente verdade que os tivera. E depois. . . acontecera o desastre. Como rezava para que Rae não tivesse que suportar o peso dessa aflição! Que Deus o poupasse de ser diferente dos outros. Seus poderes não lhe haviam trazido nenhum bem, nem haviam respondido às suas próprias perguntas. Haviam lhe causado apenas perturbações sem fim, quebrado sua paz interior, e nada, nada lhe deram em troca. E Leo Donev? Qual seria sua reação, se soubesse que sua hospedeira era uma bruxa...?
CAPÍTULO III O relógio do avô de Orly Pressmann derramou sobre a sala o som de seu carrilhão. Onze horas. Arianne pôs o tricô de lado e recolheu os pés, confortavelmente estendidos diante do fogo da lareira; Ouvia o silvar da lenha úmida e as cascas estalarem, ruídos tranqüilos que reforçavam uma sensação de bemestar, de leveza do coração. Após as primeiras incertezas, a inicial impressão de constrangimento na presença de seu hóspede, sentia-se fascinada pelo que havia de íntimo em tudo aquilo. Sorriu e afagou a cabeça da gata Jinx, enrodilhada no tapete, a seus pés, com a dança amarela das chamas a iluminar-lhe o corpo. Os olhos brilhando de excitação, estendeu o braço e ergueu automaticamente o telefone. — Alô, mamãe. — Oh, querida, você está melhorando! É a sexta vez seguida que eu ligo a você atende antes que o telefone toque. — Se eu estivesse mesmo melhorando, não precisaria do telefone. Não acha? — Está ainda um pouco deprimida, querida, só isso. Eu e lill estamos muito curiosas. Calculamos que você devia estar acordada e não pudemos resistir. Ele chegou? — Ele, quem?
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— Você sabe muito bem. Não disse que um novo homem iria entrar em sua vida? Tive um pressentimento de que seria hoje. — Chegou um sujeito, sim. Mas não é ele. — Como sabe? Arianne riu. — Porque não é alto, moreno e bonito. — Mas eu não disse que seria assim! Acho que.. . — Sim, sim, sei disso! — cortou Arianne. — Mas este é o hóspede de Jill. — Nunca se sabe. Não é bonito? — Não exatamente.— Como é, então? — Ora, mamãe! É um tipo qualquer. Acho que deve ser pugilista ou algo semelhante, porque tem o nariz quebrado. E tem olhos. . . singulares. Arianne hesitou um momento. — Como jade branco... — Bastante animador! Arianne sorriu de repente. — Acho que ele é. . . interessante. — Nada mal! — Jill exclamou, intrometendo-se na conversa. — Oh, Jill! Como vão as coisas? A amiga contou-lhe que Erin estava fora de perigo e que voltaria no próximo sábado. Explicou que sessenta e cinco dólares não incluíam o jantar e, pelo que sabia, Leo Donev era solteiro. Desejando-lhe boa sorte com o hóspede indesejado, mãe e amiga desligaram. Faltavam quinze minutos para a meia-noite, quando a porta da entrada abriuse e seu hóspede entrou, trazendo consigo a brisa do oceano. Viu-o tirar a jaqueta de couro e ir direto ao prato de biscoitos que estava ainda na mesinha, ao lado do sofá. — Sirva-se — ela disse, apontando o bule de café. Os olhos dele detiveramse em Jinx. — Devia ter imaginado que você tinha um gato preto — disse, com um sorriso. — Pura coincidência. . . Leo fitou-a. Observou a curva suave de seus ombros, a flexibilidade de seu corpo aconchegado na poltrona. As labaredas brincavam com seus cabelos escuros presos no alto da cabeça por um pente de tartaruga. Seus lábios entreabertos sorriam. Não parecia absolutamente uma feiticeira, mas uma jovenzinha indefesa. Pegou um biscoito e sentou-se no sofá, ao lado dela. — São deliciosos, esses biscoitos. Os melhores que já comi até hoje. São feitos por um amigo que me manda um pacote de vez em quando, com a condição de que eu não revele o segredo de sua receita. Quer passar-me um? Ele passou-lhe o prato. — Um amigo? — Meu primo, na verdade. Começaram a conversar sobre assuntos corriqueiros e Arianne sentiu-se à vontade. Não mentira à sua mãe, quando dissera que Leo era interessante. Havia uma porção de perguntas que gostaria de lhe fazer. Voltou-se para ele, tomada de súbita simpatia, quando o telefone tocou. Foi tão inesperado, que ela sobressaltouse. Quem mais poderia ser? — Larry? — disse, um momento depois. — Oh. sim, Larry Como vai? — Estou telefonando em nome de Don — explicou o homem do outro lado do fio. — Don Richards. Don Richards era um oficial amigo de Jill que estava aquartelado na Ilha
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Whidbey. Sei quem é — continuou Arianne. — Devia ter telefonado antes — desculpou-se Larry. — Não percebi que era tão tarde. - Oh, não tem problema! Mas qual é o recado de Don? — Ele quer saber o que aconteceu com Jill. Arianne explicou-lhe o que havia acontecido e disse que a amiga voltaria no próximo sábado.Será que Jill não ficaria com seu garoto, então? Poderíamos ir dançar propôs Larry.Ela ficou muda por alguns instantes. — Dançar? — murmurou, por fim. — Não sei se Jill vai querer ficar com Rae. Sabe como é, logo no dia de sua chegada... — Pense nisso. Telefonarei de novo. Até logo, bonequinha. Arianne não queria acreditar. Um convite de verdade! E logo e quem! De um pão como Larry Barnes! No seu uniforme da Jannha, ele parecia realmente um presente de Deus. — Boa noite — Leo levantou-se bruscamente, interrompendo seus pensamentos. — Estou morrendo de sono. Ela endireitou-se e olhou-o, franzindo as sobrancelhas: ele parecia mais sem sono do que ela! Ficou desapontada. — Espero que tenha achado seu quarto confortável. Se precisar de alguma coisa é só dizer. Um leve sorriso entreabriu os lábios sensuais de Leo. — Obrigado. — Oh, espere! Onde prefere tomar seu café? — Como assim? — Prefere tomá-lo em seu quarto? — Não é necessário. Descerei. Na cozinha? — Não. Na sala de jantar— Arianne mostrou, com um gesto, a sala em frente ao living. — Muito bem. Boa noite. — Boa noite... Arianne ficou sentada, imóvel, de olhos fechados. Como é estranho ouvir alguém movimentar-se pela casa, pensou. O ruído da água escorrendo, as portas fechando-se. .. Arianne trabalhava de segunda a sexta, e, às vezes, também aos sábados. Entrava no emprego ao meio-dia e saía às cinco da tarde. Seu patrão Orly Pressmann tomava conta da loja pela manhã, quando havia poucos clientes e ele podia arrumar as mercadorias nas prateleiras e fazer o inventário do estoque. Folgava à tarde e voltava novamente às cinco, quando terminava o expediente de Arianne. Um arranjo muito conveniente, com um hóspede em casa, já que, tendo as manhãs livres, ela podia preparar um bom desjejum. Era uma boa cozinheira, e o preparo das refeições não representou nenhum problema. Organizou o cardápio de maneira satisfatória: fazia algo diferente todas as manhãs, mas nada fora do comum. Foi uma surpresa verificar que seu hóspede quase não lhe dava trabalho. Logo após as refeições, servidas na sala de jantar, ele saía de casa e passava o dia fora, só voltando tarde da noite. Não fazia confusão, não era importuno e nem exigente. Era charmoso, mas reservado. Mas estava ali e a casa inteira parecia diferente pois causa disso. Nunca
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permaneciam muito tempo a sós. As palavras que trocavam pela manhã e à noite eram poucas, mas repassadas de crescente familiaridade. Passada uma semana, no entanto, o que Leo fazia para viver era um segredo que ainda não fora capaz de descobrir se mesma. Também não sabia por que ele passava tanto andando na praia. Era para lá que ia todas as manhãs, tomando a trilha que levava ao forte. Larry telefonou-lhe na sexta-feira. O jantar dançante não era naquele sábado, mas no próximo. Poderia ir? Ela fez-lhe ver que não havia prometido nada e ele pareceu surpreender-se pela recusa. Devia pensar que Arianne recebia tão poucos convites que tinha obrigação de aceitar o de alguém tão interessante quanto Larry Barnes! Era verdade que ela recebia poucos convites. Mas era também verdade que não fazia questão de encorajar os homens que lhe manifestavam um certo interesse. Não estava particularmente ansiosa por mudar o atual estado das coisas.Sábado de manhã, depois do café, Leo irrompeu inesperadamente na cozinha. — Obrigado pela ótima refeição, sempre. — Que bom que tenha gostado. — Resolvi ficar mais uma semana um envelope na mesa da cozinha. — Mas. .. — Sei que Jill vai chegar hoje. . . mas você não vai querer que eu mude, vai? Não agora que estou bem acomodado. Os intrigantes olhos verdes estavam fixos nos dela, à espera de uma resposta, e ela não sabia o qüe dizer. Pela lógica ele era o hóspede de Jill! — Muito bem... — concordou, finalmente, uma secreta alegria tomando conta dela. — Você pode ficar. Os lábios de Leo se abriram num sorriso. — Obrigado. — Agradeça a Jill, não a mim. — A propósito, me explique como você sabe exatamente o que tenho vontade de comer pela manhã? Ela o fitou, atônita. — Do que está falando? — balbuciou. — É que, quando acordo, fico pensando que gostaria de comer determinada coisa. E é exatamente isso o que encontro na mesa, ao descer. Arianne gelou. Devia ter lido sua mente sem querer. Que erro imperdoável! Precisava prestar atenção no que estava fazendo! — Deve ter sido coincidência. — Uma ou duas, talvez. Mas sete vezes seguidas?! — Afinal, uma refeição matinal não se presta a muitas variações... — Mas você faz coisas diferentes todas as manhãs! Arianne suspirou e permaneceu calada. Leo olhou-a maliciosamente. — Acho que devo ter mais cuidado com meus desejos. . . Horas depois, ela comentava com Jill: — Não devia ter permitido que ele ficasse! — Que bobagem! Devia, sim. Além do mais, com Erin ainda de cama, eu não poderia hospedá-lo. Mas o que vai acontecer, se ele descobrir que você tem poderes sobrenaturais? — Não sei. . . — murmurou Arianne, absorta.
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— Você está me ouvindo? — Sim, claro que estou. Diga... quando ele fez a reserva, disse o que fazia para viver? — Não, não me disse nada. Por que você não dá uma espiada na bagagem dele? Pode achar alguma pista. — Como, se eu nunca entro no quarto dele? — Mas você tem que mudar os lençóis e as toalhas! — Oh, sim, vou fazer isso hoje. Mas, bisbilhotar? Nunca! Não acho justo. E se ele percebesse? Morreria de vergonha! — Use seus poderes, então. — Você sabe que não funcionam para mim. Só acidentalmente, como no caso das refeições dele. Que coisa horrível! — Se eu fosse você, não me queixaria. — É porque você não sabe as confusões que isso me causa! __ Bonf. . . não me parece justo que esses poderes sirvam aos outros e não a você. — Minha mãe diz que é uma espécie de autoproteção. Imagine se eu antevisse tudo o que vai acontecer. Seria um horror! — Sim, mas pense no dinheiro que poderia ganhar. A propósito. .. acho que Rae saiu a você. — Não! — gritou Arianne. — Não diga uma coisa dessas! — Quando você subiu para ver Erin, juro que o ouvi dizer "fone" e logo depois o telefone tocou. — Você deve ter se enganado. Os bebês falam enrolado. . . — Não sei, Arianne... Sua mãe me revelou que todos os membros de sua família possuem esse dom. Por que não Rae? Ambas olharam para o menino que estava brincando com Lucy. Ele parecia tão igual a uma criança qualquer, que Arianne acalmou-se. E voltou à sua idéia fixa. — Ainda acho que não devia ter dito a Leo para ficar. — Por quê? — Rae está se apegando muito a ele. — E o que tem isso de mais? — Você não entende? Tenho medo que o menino sofra, quando Leo for embora. — Quanto tempo mais ele vai ficar? Outra semana? Não acho que isso seja motivo de preocupação. — É... acho que você tem razão. Mas ainda o julgo um tipo misterioso. — Você está imaginando coisas. Vai ver que ele é um biólogo e que fica o dia todo na praia, apanhando anémonas e estrelas-do-mar. — Isso me parece bastante lógico — afirmou Arianne, sorrindo. A tentação de examinar as coisas de Leo tornou-se quase irresistível. Parecia tão simples! E Arianne tinha uma desculpa perfeita: devia mudar os lençóis, providenciar toalhas limpas e arrumar o quarto. Mas ela não fez nada disso, embora conservasse os olhos bem abertos para ver se descobria algo que lhe revelasse a identidade de seu estranho hóspede. Mas não viu nada que já não tivesse visto. As roupas dele eram da melhor qualidade e ele possuía um lindo relógio de ouro que havia deixado na gaveta da cômoda. Confiava certamente nela, embora ela não o julgasse um homem confiante. Leo parecia estar sempre alerta. Não que ele fosse impaciente. Oh, não. Era tão calmo e sossegado quanto um dia de verão. Mas tinha certeza de que aqueles
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olhos verdes viam tudo! E sua presença, viva, vital, excitante, era um desafio para que ela reencontrasse o sopro de uma esperança abandonada, de uma emoção esquecida. Como era estranho ter novamente um homem em casa. . . depois de dois anos! Uma vez mais ela tomava consciência de um sentimento de estímulo e da delícia que isso provocava. Sua vida parecia entrar numa nova fase. Leo começara a passar mais tempo na sala, à noite, e, não podia negar, estava se tornando cada vez mais dependente dessa atenção. Depois de alguns dias, ficara sabendo que Leo provinha de uma família numerosa, parte de origem húngara e parte, tcheca. Ele era um americano da segunda geração e por isso falava sem sotaque. O lar para ele era o Brooklyn, onde morava a maior parte de seus parentes, embora ele mesmo residisse na Califórnia. Pela manhã, depois de entreter-se uns minutos com Rae, ele desaparecia através das moitas de amoreira, rumo à praia. Do sobradão, avistava-se parte dela e o velho forte: os quartéis pintados de branco e verde, e a fileira de casas dos oficiais. A casa do almirante, que era a mais bonita, desaparecia parcialmente de vista, escondida pela encosta e pelos bosques adjacentes. Quando Leo não descia para a praia, saía de carro. E ela não imaginava quem ele poderia ir visitar na cidade. Numa quarta-feira à noite, ao chegar, ele sentou-se no sofá, ao pé do fogo, e inclinou-se confidencialmente para ela. — Arianne. . . Quero lhe fazer uma proposta. Se eu lhe oferecer cento e vinte dólares por dia, você me servirá também almoço e jantar? —Nossa! Você deve estar gostando muito de minha comida! — E então? O que me diz? — Bem. . . acho que sim — murmurou ainda em dúvida. — O que lhe ofereci é suficiente? — Oh, sim! — Não pretendo almoçar em casa. Você poderia arrumar a comida numa sacola? — Claro! — E o que me diz de um jantar servido lá pelas nove horas? Isso não vai exigir muito de você, já que tem de alimentar Rae mais cedo? — Não. .. — Você jantará comigo, se eu lhe pedir? — Mas. .. — Na sala de jantar. — Bom... — Por favor. Arianne suspirou, vencida. — Certo. . . — Boa noite. — Boa noite? Ele sorriu, diante do desapontamento dela. — Sim, boa noite — murmurou com tamanha suavidade, que um arrepio inesperado percorreu a espinha de Arianne.
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CAPITULO IV Embora com algumas reservas, Arianne teve de admitir que gostava de Leo Donev. E que a idéia de jantar com ele, tarde da noite, não lhe parecia tão assustadora assim. É verdade que não podia explicar a onda de excitação, nem a maravilhosa sensação de antecipação que experimentava, sempre que pensava nisso. Ansiosa por agradá-lo, começou então a folhear seus livros de receitas. Já havia notado que, apesar de seu físico invejável, Leo tinha bom apetite. Assim na manhã seguinte, preparou-lhe um almoço substancial: sopa de legumes, que acondicionou numa marmita térmica, grossos sanduíches de rosbife, um bom pedaço de queijo para acompanhar os bastonetes de cenoura e salsão e uma boa fatia de bolo de chocolate como sobremesa. Enquanto arrumava tudo numa sacola, pensava onde Leo iria comer seu almoço. Em algum lugar da praia, sentado num rochedo, olhando o oceano? Ou na relva, encostado numa árvore? O jantar devia ser especial. Não queria ficar preocupada, afinal era apenas negócio, mas sentia que essa refeição merecia algo diferente. Mesmo no seu modo de trajar. Assim, as toalhas estavam sempre impecavelmente limpas, havia um buquê de margaridas no centro da mesa e um bom vinho para acompanhar os pratos que, embora simples, pareciam feitos por um mestre-cuca. Punha Rae na cama às oito e às nove, quando servia o jantar, o menino já estava dormindo. E que incrível diferença fazia a seu estado de espírito ter um homem no vigor de seus trinta anos sentado diante dela! Sua alegria animava a sala e tudo revestia-se da aparência encantadora que tomavam as coisas em dias de festa. O simples fato de jantarem sempre juntos criava uma atmosfera propícia à familiaridade, mas Leo, sempre cortês e charmoso, continuava o mesmo hóspede reservado. As conversas que mantinham centralizavam-se em assuntos banais. Ele não demonstrava curiosidade em conhecer o passado dela e ela, por sua vez, embora morrendo de vontade, não podia revelar seu desejo de saber o dele. A medida que os dias passavam, sentia um prazer cada vez maior naquelas palestras triviais e na sua companhia. Deste modo, quando chegou o sábado e encontrou outro envelope na mesa da sala de jantar, a felicidade dela não teve limites. E, como era sábado, isso significava que tinha de fazer uma boa arrumação no quarto dele. E, de novo, a tentação de remexer em suas malas tornou-se quase insuportável. Reprimiu-se no entanto, desejando que seus poderes funcionassem apenas aquela vez em seu benefício. Não era justo que tivesse de carregar a responsabilidade daquele dom sem poder usufruir de suas vantagens! Horas depois, sentada diante de Leo na sala de jantar, Arianne soltou um suspiro de alívio por ter reprimido seu impulso. Teria detestado encarar culpadamente seus enevoados olhos verdes, da cor do oceano. Ela poderia perderse naquela névoa e, por um instante, permitiu-se encarar esse desejo no fundo de si mesma. Depois o repeliu. Ele havia justamente perguntado como havia sido seu dia e ela lhe contou da loja e dos clientes: 20
— Não é uma loja muito grande, mas você ficaria espantado de ver quanta coisa pode caber num espaço tão pequeno! As prateleiras vão do chão ao teto e estão completamente abarrotadas. Cada cantinho, por menor que seja, é utilizado. Orly tem especialidades de todas as partes do mundo: halavah da Turquia, alcaçuz da Holanda, mostarda e trufas da França. . . Tudo o que pode se imaginar. E seus preços são excelentes porque muitas dessas maravilhas são compradas por atacado. Adoro a seção de frutas secas, nozes e chocolates, mas a minha preferida é a das especiarias que toma uma parede da loja. É um bom lugar para se trabalhar. — Já que toda a cidade parece freqüentar essa loja, vocês devem ficar sabendo da vida de todo mundo. Não está acontecendo nada de novo em Port Towsend? — Não. . . Apenas aniversários, casamentos, divórcios. Coisas do dia-a-dia. — Não há nenhuma mexeriqueira na cidade? — Há duas, na verdade. Duas velhas senhoras que moram juntas e que andam também sempre juntas. Orly apelidou-as de "carne e unha". E acho que o apelido é perfeitamente apropriado! — Acho que já as vi. Uma delas tem os cabelos brancos e a outra, daquele tom azulado que só as velhas senhoras usam. — Exatamente! Parecem tão suaves e encantadoras, mas não são tão encantadoras assim. Já tive oportunidade de ouvi-las, lá na loja, e elas são bem venenosas. — Não estou na mira delas? — Não ouvi comentarem nada a seu respeito. Ao tomar um gole de vinho, ela percebeu os olhos de Leo fixos nos seus lábios úmidos. E mais uma vez experimentou aquela estranha e maravilhosa sensação de calor e conforto. Determinada a interromper a corrente de emoção, voltou a si è perguntou, com naturalidade, como fora o dia dele. E então ele lhe contou que era dono dé uma agência de turismo, e que estava catalogando os restaurantes, hotéis e motéis das áreas vizinhas. E mais, como estava elaborando um calendário turístico do Estado de Washington, passara a manhã na prefeitura e na biblioteca, checando as datas históricas. Estava também à procura de uma área bem localizada, grande o suficiente para abrigar um novo centro de convenções. — Não quero que ninguém saiba disto. O tratamento que você recebe num restaurante, por exemplo, é diferente, quando o dono sabe que você está escrevendo um artigo sobre ele. E também não gostaria que começassem a circular rumores sobre o novo centro de convenções. O preço das terras aumentaria, ficando, provavelmente; fora de meu alcance. Isso fazia perfeitamente sentido e Arianne admirou-se de não ter pensado nisso antes. Lembrando-se.de algumas de suas fantásticas conjeturas, pôs-se a rir. — Sabe que é a primeira vez que vejo você rir? — notou Leo. — Devia fazer isso mais vezes. Ele a olhou atentamente, admirando seus olhos negros, a curva de seu colo branco e seus lábios vermelhos e sensuais. — Mas não imagino o que possa haver de tão engraçado num aumento exagerado dos preços das terras. — É que eu havia imaginado se você não era um ladrão de bancos... ou um Casanova marcando encontros amorosos. Ou algum agente do FBI, rondando a costa, à procura de submarinos inimigos — admitiu ela, rompendo numa sonora
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gargalhada. — Você não parece estar doente, ou sofrendo de amnésia! — E por que deveria estar? — Jill me disse qualquer coisa sobre um inválido, assim eu esperava... Um lento sorriso entreabriu os lábios de Leo e seus dentes, muito brancos, brilharam no rosto bronzeado. Não podia parecer mais saudável, nem mais viril. . . ou perigoso. O coração de Arianne bateu-lhe selvagemente no peito, quando seu olhar cauteloso fixou-se nos risonhos olhos dele. — Acho que não ficou desapontada, não? — ele perguntou, a franqueza de suas palavras mascarada pelo tom educado de sua voz. Ela ofegou, chocada com a inesperada audácia dele. Percebeu o desafio, mas fingiu ignorá-lo. — Fique sossegado. Não direi a ninguém o motivo de sua vinda a Port Towsend. Posso dizer que você sofre de enxaqueca, se alguém perguntar alguma coisa? As pessoas são muito curiosas... — Então, já fizeram perguntas a meu respeito? — Oh, mas de modo casual. Afinal, todos sabem que estou hospedando um cliente de Jill. Acho que já viram você por aí. — Minha permanência em sua casa está lhe causando problemas? ele perguntou bruscamente. — Não. "Carne e unha" ainda não fizeram nenhum comentário. — Era por medo dos comentários que você não me queria aqui? Arianne não pôde refutar suas palavras. Não havia sido muito hospitaleira, ao recebê-lo. — Os mexericos não me incomodam — confessou, evitando uma resposta direta. — Se alguém fizer alguma pergunta, diga que sou um bibliófilo. . . que sofre de enxaquecas. Leo saiu logo após o jantar, como costumava fazer todas as noites. Tomou novamente a trilha que levava à praia e seguiu o caminho do forte que se via indistintamente na escuridão. Arianne, que o observava da janela, supunha que havia uma explicação perfeitamente lógica para essas caminhadas noturnas, como houvera para o resto. Esperando sua volta, achou difícil ficar tricotando ao pé do fogo. Andou de um lado para o outro da sala, incapaz de achar interesse também na leitura. Duas horas depois, ela ouviu seus leves passos ressoarem no pórtico de entrada. Instalou-se então numa poltrona diante da lareira e, quando a porta abriu-se, começou a tricotar. Nos dias que se seguiram ela surpreendeu-se a examinar a expressão do rosto de Leo, seguindo-o com os olhos, quando percebia que ele não a olhava. Era melhor que ele fosse embora depressa. Estava descobrindo uma intensa alegria na quietude amigável das conversas ao pé do fogo, e isso a inquietava. Claro que era com Rae que ela se importava realmente. As crianças afeiçoam-se muito rapidamente às pessoas que lhes são simpáticas, e o menino parecia gostar de seu hóspede muito mais do que deveria, nessas circunstâncias. Suas atividades tomando-lhe todo o tempo disponível, o resto da semana passou sem que Arianne percebesse. Acordou no sábado tomada de estranha aflição. Tinha receio de descer, fazer café e saber logo depois que Leo iria embora. O envelope significava muito mais do que o dinheiro que continha. Mas assim que terminou de comer os waffles de amora, Leo irrompeu na cozinha, desta vez com Rae encarapitado em seus ombros. Firmando a criança com uma das mãos. ele passou o costumeiro envelope a Arianne, que apertou os lábios
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para não demonstrar sua exagerada alegria. — Vou sair da cidade amanhã de manhã e voltarei na terça-feira. Se você quiser passar o dia de Ação de Graças com sua família, fique à vontade. Tenho de voltar para casa para acertar algumas coisas, e esta é uma boa ocasião. — Mas você me deu o pagamento de uma semana completa! Não é justo. Negócios são negócios. — Use o dinheiro extra para comprar um bom brandy ou um sherry seco. Gosto de tomar uma bebida após o jantar. — Diga-me qual é a marca que você prefere. — Anda, anda, cavalo... — Rae falou, com impaciência — Anda, anda.. — A que você achar melhor — Leo disse por cima do ombro. — Mas, Leo. .. — Fone, mamãe.. . Tia Jill. Fone. . . — Rae disse, inesperadamente. Arianne fitou o filho, atônita. Quando baixou os olhos, encontrou os de Leo fixos nela. Houve um instante de desconfortável silêncio, quebrado pelo agudo tilintar do telefone. Ninguém se moveu e Rae começou a bater palmas. — Tia Jill... tia Jill... As palavras do menino tiraram Arianne do estado de semi torpor em que se encontrava. Precipitou-se para o aparelho, dando qualquer coisa para que Rae tivesse se enganado. — Alô? — Houve uma pausa e então ela disse: — Sim. Jill? A amiga queria saber sé Erin e Lucy podiam dormir ali, naquela noite, já que ela decidira aceitar o convite de Don. — Claro, Jill. Às sete está bem. Certo. . . até logo. Arianne pousou o fone no gancho com inusitada lentidão e voltou-se para afrontar Leo. Era por isso que você não me queria aqui? — ele perguntou. Ela ergueu desafiadoramente o queixo. — Isso o quê? Ele a fitou com surpresa. Fez menção de dizer alguma coisa, mas permaneceu calado. Era evidente que não esperava dela tamanha presença de espírito. — E então? — ela o provocou. — O que tem a dizer? Não é fascinante? Não é estranho? Oh, meu Deus, ele é paranormal! Por que não se apresenta na televisão? Leo sorriu enigmaticamente. — Guardarei seu segredo, se você guardar o meu. Arianne sentiu que o nó de tensão que contraía seu estômagocomeçava a desfazer-se. Era como se a houvessem aliviado de umpeso descomunal. Morria de medo de ser descoberta, com receiode que dedos acusadores voltassem a apontar implacavelmentepara ela. Justamente quando começava a sentir-se à vontade napequena cidade! Leo parou diante dela, ainda com Rae nos ombros, e pegou seu queixo, obrigando-a a encará-lo. — Que é isso, Arianne? O desânimo apoderou-se novamente dela e deixoua muda.Uma lágrima escorreu lentamente por seu rosto pálido. — Não se preocupe — ele murmurou com suavidade. — Seu segredo está a salvo comigo. Mas vai ser difícil escondê-lo para sempre. É uma dádiva, Arianne... — É um castigo! — ela disse com amargura. Ele estudou-a em silêncio, talvez esperando outras revelações. - Mas ela estava determinada a não dizer mais nada sobre o assunto. — Maldição! — explodiu. — Tinha tanta esperança de que Rae se salvasse
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disso! — O pai não poderia ajudá-lo? Onde está ele? Arianne deu de ombros. — Estamos divorciados. — Há muito tempo? — Dois anos. Leo olhou-a interrogativamente. — Dois anos? Mas Rae. .. Oh, entendo! — Que foi que entendeu? — Rae não é o filho dele. — Claro que é! — ela afirmou, indignada. — Não sei por que estou contando tudo isso a você! __ E por que não? Explique-me como estão as coisas. — Reggie não sabe que tem um filho. O sorriso desapareceu do rosto de Leo e ele a fitou com um olhar estranho. — Parece que você esconde uma porção de segredos. — Não pretendia fazer nenhum segredo do bebê. Eu mesma não sabia, no momento, e depois.. . não me pareceu que devesse contar-lhe. — Quer dizer que. . . ele ainda não sabe? — Não. — Não voltou a procurá-la? — Reggie não sabe onde estou. — Ele. . . sabe que você tem esses poderes? Ela ficou um instante calada. Por fim, disse, num frágil murmúrio: — Sabe. — E o que achava disso? Gostava ou não? — Gostava, mas devia envergonhar-se, porque não queria que ninguém soubesse. — Mas que sujeitinho! Arianne sorriu debilmente. —- Reggie não era tão mau assim. Apenas um político muito ambicioso. — Você se sente culpada ou triste? — Nem culpada, nem infeliz. — E triste? — Eu.. . eu... — Sim? — Por favor, Leo, saia do meu caminho. Tenho que trabalhar. Vejo você na hora do jantar. Jill chegou com as crianças pouco antes das sete. Parecia jovem e muito bonita, mas estava terrivelmente deprimida. — Don é um amor, mas não estou com vontade de sair. Vou telefonar a ele e. — Não vai, não! — disse Arianne, sentando-se ao lado dela. — Tome um pouco de brandy. Precisa controlar seus nervos. O que está acontecendo, afinal? — Estou angustiada. — Ora, Jill! — O que adianta, Arianne? Sair para quê? Para acabar novamente em casamento? Não, obrigada! Uma vez já foi suficiente, não preciso de outra lição. Quando penso no que passei! — Não pense. Já acabou, é passado — Arianne fitou-a atentamente. Ou não é?Jill estremeceu e fechou os olhos. — Não sei. . . Ele acabava sempre voltando. — Antes ou depois do divórcio?
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— Ficava sem vê-lo durante muito tempo. Depois ele aparecia, sossegava por um certo período e então sumia novamente. Às vezes, por uma semana, outras por um mês. Desta vez. . . — Um instante! O que quer dizer com desta vez? Ele voltou? — Não, claro que não! Eu. . . èu apenas quis dizer que. . . Não o vejo desde que nos divorciamos! — Jill esboçou um gesto de desalento. — Não faz sentido. Quando começo a achar meu equilíbrio, pensando que dessa vez as coisas vão dar certo, aí ele aparece e tudo começa de novo! — Oh, Jill, sinto muito. — Não se preocupe. Não é problema seu. — Mas você tem que dar um jeito de acabar com isso! — Eu sei, eu sei! Mas quando penso em tudo. . . — Pare de remoer o passado! E comece agora mesmo, indo dançar com Don. Ele é um amor. Oficial da Marinha, ainda por cima. E fica uma beleza de uniforme! — Como você sabe? Arianne sorriu, olhando pela janela. — Porque ele vem vindo para cá. Arianne pôs as crianças na cama às oito e meia e então desceu para dar os últimos retoques na mesa do jantar. Ouviu um carro parar no pátio. Leo já estaria de volta? Percebeu que não podia ser ele, quando a campainha tocou.Passando rapidamente a mão pelos cabelos escuros, correu para a entrada. — Larry! Que surpresa! Ele estendeu-lhe um pequeno buquê de amores-perfeitos. — Para você, boneca. — Oh, obrigada. São lindas! Não quer entrar? — Vamos ao cinema? Podemos pegar a sessão das nove e meia. Ela sorriu calorosamente, mas recusou. Não posso. Os filhos de Jill estão aqui. Dormindo, graças a Deus. E tenho que servir o jantar para meu hóspede. — Ah, sim, aquele sujeito. . . Leo qualquer coisa. — Leo Donev — ela disse, imaginando que Jill devia ter dito alguma coisa a Don. — Fica para outra vez, então. . . Mas o que você está preparando para o jantar? O cheiro é fantástico! Arianne entendeu: Larry queria ser convidado. Percebeu que devia fazer um esforço para mostrar-se amável. Acomodou-o no sofá da sala e, com a desculpa de pôr as flores na água, foi para a cozinha. Quando voltou, encontrou Leo na sala, conversando com otenente. — Estava tendo problemas com minha vista, ultimamente, e uma enxaqueca atrás da outra. De tanto ler. Meu médico receitou-me umas férias bem tranqüilas. — Veio ao lugar certo. Nada mais calmo do que Port Towsend em novembro afirmou Larry, sorrindo. — Quanto tempo vai ficar por aqui? Arianne observava Leo através dos olhos semicerrados, admirando sua habilidade para mentir. Ele soava tão convincente! Era verdade que tinha uma livraria, mas duvidava que tivesse problemas de visão. Não com aqueles olhos que ardiam como duas chamas verdes, enquanto olhavam para ela. Não sei exatamente — ele tornou. — Vou passar por uma consulta nesse fim de semana. Então veremos.Mas que médico extraordinário! Dar consultas no fim de semana de Ação de Graças! — Larry observou
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ceticamente. - E meu amigo pessoal. Vou passar os feriados na casa dele. E você? Vai ficar por aqui? — Estou aquartelado na Ilha Whidbey. Tenente Barnes, às suas ordens — Larry apresentou-se, não escondendo uma ponta de orgulho. Ainda dez anos na ativa e então poderei me aposentar. — Com a confortável aposentadoria reservada para os oficiais de sua categoria.Larry sorriu orgulhosamente. — Arriscamos nossas vidas a cada instante do dia. Isso merece algumas regalias.Os olhos verdes de JLeo cintilaram de zombaria. — Você parece tão dedicado! Estou surpreso de que pretenda aposentar-se tão cedo! O jantar arrastou-se, tenso, do começo ao fim, embora, na superfície, as coisas não pudessem ser mais agradáveis. Os dois homens trocavam olhares desconfiados a todo instante e Arianne sentia uma estranha inquietação no ar. Larry, no entanto, desmanchava-se èm elogios e estava ainda cumprimentando-a pela excelente comida, quando se dirigiram ao living para o café.Mais tarde, Leo serviu-lhes. brandy e Arianne perguntou-se por que ele não saía naquela noite, como costumava fazer. Teria desistido de seu passeio noturno só para ficar ali com eles? Larry consultou o relógio de pulso. — Excelente esse brandy — comentou —, não se toma algo assim, todos os dias. Mas já que não está livre esta noite, Arianne, vou voltar à base e trabalhar algumas horas. Na minha posição, o trabalho nunca é demais. Ele lançou um olhar desafiador a Leo que, confortavelmente instalado no sofá, ofereceu-se: — Se vocês quiserem sair, posso ficar tomando conta das crianças. — Não, não! — apressou-se em dizer Arianne, aborrecida com aquele oferecimento fora de propósito. Larry levantou-se. — Obrigado pelo jantar, Arianne. Absolutamente fantástico. Jill não me havia dito que você era uma excelente cozinheira. Não quer me acompanhar até a porta? O propósito daquele pedido, Arianne percebeu depois, era fazê-la admirar seu Corvette vermelho, novo em folha, ao lado do qual o carro de Leo parecia cair aos pedaços. — Lindo carro. Larry sorriu, os dentes muito brancos realçando o rosto moreno. — Obrigado. Ela permanecia na entrada, acenando, quando Leo apareceu a seu lado. Com uma leve inclinação de cabeça ao tenente, ele fechou lentamente a porta e então voltou-se e pousou a mão no braço dela. — Arianne — murmurou, um leve sorriso entreabrindo-lhe os lábios sensuais. — Você não devia ficar nesse frio. Venha sentar-se comigo diante da lareira.
CAPITULO V Instantaneamente, Arianne afastou o corpo. Seus olhos lançavam chispas de raiva. Com efeito! — explodiu, rumando para a cozinha. Leo seguiu-a. — Não gosto dele, Arianne. — Foi o que percebi!
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— Ele é seu namorado? — Isso não é da sua conta! Desculpe, mas tenho que lavar a louça. Ainda arrebatada pela irritação, Arianne fechou a porta na cara dele. Era o que merecia por ser tão abelhudo! Quando terminou de lavar a monumental pilha de pratos, arrumar a cozinha e deixar a refeição matinal já preparada, estava exausta. Graças a Deus, o dia seguinte era domingo! Logo após o café, partiria para Seattle e ficaria com sua mãe atéterça-feira! Leo estava ainda no living, lendo o jornal, quando ela abriu a porta. — Boa noite — disse, ainda zangada. — Boa noite — ele respondeu, com suavidade. O coração dela amoleceu. Reconhecendo que seu ressentimento era injusto, subiu as escadas sentindo algo da depressão de Jill apertar-lhe o coração. Suspirando fundo, entrou no quarto das crianças, aconchegou-as nas cobertas e então foi dormir. Horas depois, foi despertada pelos gritos de uma delas. Era Erin. Acostumada com essas missões noturnas, pulou da cama, os sentidos subitamente alertas. Ao chegar no quarto de Rae, outros longos soluços juntaram-se aos do menino e ela viu-se rodeada por três garotinhos em prantos. Como Erin parecia o mais assustado, pegou-o no colo, confortando-o, enquanto os outros dois continuavam agarrados às barras de sua camisola. — Silêncio! — ela sussurrou, rezando para que o sono de Leo fosse de pedra. — Por favor, não façam barulho! — O que está acontecendo por aqui? Arianne voltou-se e viu seu hóspede parado no limiar. Ele usava um robe curto, amarrado com negligência, deixando à mostra o peito coberto de pêlos.Os meninos silenciaram imediatamente. Apenas Lucy continuou a choramingar. Leo entrou e pegou Rae no colo. — O que aconteceu? — voltou a perguntar, em voz mais baixa. — Acho que Erin teve um pesadelo. Deve ter sonhado que estava ainda no hospital. Ou então foi o vento. . . O vento soprava forte, assobiando em volta da casa, gemendo na chaminé, fazendo as janelas estalarem nos caixilhos. Ele sentou-se na beirada da cama, pôs Rae num dos joelhos e Erin no outro. — É melhor você cuidar de Lucy — observou. Arianne trabalhou rapidamente. Trocou fraldas, arrumou as camas, esquentou a mamadeira de Lucy. Sem deixar de pensar um minuto sequer que devia ter vestido seu robe, antes de sair do quarto. Afinal, todas as crianças foram atendidas. Enquanto Lucy tomava sossegadamente a mamadeira, Erin e Rae, cabeceando de sono, ouviam Leo contar histórias. A lâmpada de cabeceira refletia uma luz trêmula no teto projetando sombras no rosto dele. Deslumbrada, parecia que ela o via pela primeira vez. Como podia ter dito à sua mãe que não era bonito? Era divino! Sua voz de veludo insinuava-se em seu sangue e em seus nervos, percorria-lhe a espinha, fazia-a estremecer. Que gentileza, levantar-se para ajudá-la! Se não fosse por isso, estaria ainda às voltas com os três! Colocou Lucy no berço e, enquanto a aconchegava nos cobertores, a voz de Leo calou-se. Olhou-o e seus lábios entreabriram-se de espanto. Ele a fitava com tamanha intensidade que, subitamente, ela tomou consciência de sua seminudez. Sentiu-se
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terrivelmente exposta. Sua camisola não escondia nada e a calcinha que usava por baixo era mais provocante do que prática. Ao perceber-lhe o ar envergonhado, os olhos de Leo velaram-se instantaneamente, retomando a expressão fria e remota. Mas naquela fração de segundo, ela percebera sua ardente ansiedade. Permaneceu ali, parada, tomando consciência não só de seu corpo, mas também do dele, praticamente despido. Nuas as pernas vigorosas, nu o amplo peito bronzeado coberto de uma camada aveludada de pêlos, o cinto do robe afrouxado. . . Um arrepio de excitação endureceu-lhe os mamilos e um calor insuportável inundou suas veias. Sentiu-se novamente mulher, linda e desejável! Sua disciplina fora desarmada! Voltou a si com um suspiro e inclinou-se para acomodar Erin numa cama, enquanto Leo punha Rae na outra. Quando ambos se endireitaram, encontraram-se perturbadoramente próximos. Sentiu-lhe o olhar confiante pousar em suas pernas nuas e sumir no vértice das coxas, coberto pelo transparente tecido cor de pêssego. Depois, eletrizando-a, subir por sobre o ventre, enlaçar seus seios e fixarem-se em sua boca. Não conseguia resistir ao fogo daquele olhar. A possibilidade estava ali, ao alcance de sua mão. Estremeceu, diante da intensidade do magnetismo que corria entre ambos e lutou para não ceder. Morria de vontade de sentir os braços de um homem em volta de seu corpo, mas tinha de ser aquele homem que a devorava com os olhos, naquela tempestuosa madrugada de inverno! Que, sem tocá-la, a mantinha unida a ele! O vento soprou com mais força através das frestas, lá embaixo, encontrando ecos na velha casa. E, inesperadamente, o círculo mágico partiu-se, interrompendo o momento de incontidaemoção. Num esforço da vontade e da consciência, ela conseguiu dominar-se e ergueu os olhos úmidos. — Boa noite, Leo — murmurou. Então, com um pequeno soluço, correu para o quarto. Fechou a porta e apoiou-se nela, trêmula, mal sustentando-se nas pernas. Havia resistido à maior tentação de sua vida. Não estava ainda certa, mas acreditava que, se houvesse cedido, teria se detestado no dia seguinte. Que aconteceria quando ele tivesse terminado o trabalho que o retinha ali? Não gostaria que fosse embora, levando uma parte dela consigo.. . Graças aos céus, iriam ficar separados por alguns dias. Ambos precisavam disso. Precisavam escapar aquela atmosfera de intimidade para verem as coisas sob seu verdadeiro prisma. Era maravilhoso estar novamente em casa de sua mãe! Amigos e vizinhos vieram especialmente para a reunião e Arianne sentia-se bem no meio do falatório geral, centro do interesse de todos. Seu primo, o fabricante de biscoitos e depositário das tradições da família, também apareceu. Vinte e cinco anos, cabelos escuros, olhos azuis e muito bonito, era seu amigo de infância. — Você está se dando melhor com biscoito do que com sessões espíritas, Mikey —ela disse, dando risada. — Arianne, Reggie procurou-me na semana passada. Ela ficou séria de repente. — Oh. .. O que ele queria? — Não adivinha? Você, claro. Quer vê-la.
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— Assim, sem mais nem menos? — Você devia ter dito a ele sobre Rae. Ele vai descobrir, mais cedo ou mais tarde. — É. . . teria sido melhor. — Ele pensa que você está ainda em Nova York. — Graças a Deus, ele não conhece meus amigos! — Posso dar uma opinião? — Claro que pode! — Não concordo com isso. Esconder-se é o mesmo que admitir que é culpa. Você devia ter ficado aqui, em Seattle, e ter reaberto seu negócio nos fundos da loja como fazia antes de casar. — Não diga isso, Mikey. É tudo passado. — Ela sorriu. Algum dia desses surpreenderei todo mundo, saindo de meu ninho. — Estarei lá para aplaudir. Agora, conte-me tudo sobre seu hóspede. A mãe de Arianne interrompeu-os. — Venham, vocês dois. O peru está na mesa e você, Mikey, vai ter a honra de trinchá-lo, já que é o único homem da família. — Vamos, Mikey! — apoiou Arianne, entusiasmada, aspirando os aromas deliciosos. — Gostaria que você fosse casada, Arianne — comentou Mikey, enquanto se acomodavam na ampla mesa de jantar. — Haveria mais alguém para dividir comigo a honra de trinchar o peru! — Mas que ótima idéia! — disse Rianna Sawyer, mãe de Arianne. Por que vocês não se casam? Todos os problemas estariam resolvidos! Arianne sorriu. — O que acha disso, Mikey? — Não teria resolvido o meu problema! — É. . . eu sei. Mas vamos logo com isso. Estou louca de vontade de comer esse peru! Rianna tomou seu lugar à cabeceira da longa mesa oval e Mikey começou a trinchar a magnífica ave enfeitada com cachos de uva da Califórnia. Arianne estava sentada entre tia Ma, mãe de Mikey, e uma das vizinhas, a sra. Edith Drew, bibliotecária da Universidade. O sr. Drew era arquiteto e Arianne conhecia o casal praticamente desde que nascera. Fora criada junto com sua filha Judy, que estava sentada do outro lado da mesa, ao lado do marido, Darwin. Além deles, havia o sr. e a sra. Tony Caravetti, proprietários de uma confeitaria especializada. Era uma mesa ruidosa e alegre, e Rae estava gostando de ser estimulado e aplaudido. — Ele está crescendo tão depressa! — observou Judy. — Não demora muito, vai alcançar você — observou osr. Drew. Arianne sorriu. — Deve ser o ar puro do campo. — Jamais pensei que você se daria tão bem por lá — comentou Darwin. Como faz para preencher seu tempo? — Como faço? Não tenho um só minuto disponível! Às vezes, gostaria que o dia tivesse quarenta e oito horas. Vai ver só, quando Judy tiver seu bebê! — Falta só um mês! — suspirou Judy, feliz. — Prefiro um menino, mas Darwin quer uma menina. O que acha que vai ser, Arianne? — Como vou saber?
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— Quer dizer que não sabe, mesmo? — Não! — exclamou Arianne exasperada. — Claro que não sei! Mas já tricotei um paletozinho. — De que cor? — perguntou Darwin. — Vermelho, naturalmente. — Rae se dá bem com seu hóspede? — Bem demais! Judy olhou-a com curiosidade. — Esse Leo parece um ótimo sujeito. Arianne contentou-se em sorrir. — Oh, sim. . . — Só que não é bonito — informou Rianna. — Ê loiro e tem olhos cor de jade branco. Foi o que Arianne disse. Apenas isso. Não acha que é muito pouco, querida? — Eu mal o vejo — justificou-se ela. — Você vê romance em tudo, mamãe! E algo me diz que Leo Donev não é tipo de se casar. — Agora fale-me do rapaz alto, loiro e bonito. Esse. . . esse Larry que você mencionou — encorajou-a a mãe, depois que todos se retiraram. — Não há muito o que dizer. Ele é alto, loiro, bonito. . . e chato! — Tem certeza, Arianne? Parece que você perdeu todo o interesse pelo sexo oposto. Não acha um tanto. . . mórbido? E continua acreditando que ficar escondida no campo é uma boa idéia? — Não estou me escondendo, mamãe. Não estou mais, pelo menos. — Por que não volta para cá, querida, e não me ajuda a tomar conta da loja? É muito trabalho para uma pessoa só. Se você voltasse, seria como nos velhos tempos.. . — Vou pensar nisso, mamãe. — Gostaria que você me explicasse uma coisa. O que é jade branco? — Você já deve ter visto. É quase dez vezes mais caro do que o jade comum, porque é muito raro. É também chamado de jade leitoso porque é verdepálido. É parecido com a ma-drepérola, mas não é exatamente igual. É muito claro e muitotransparente... — Ah, chegamos no ponto! — Rianna disse, acomodando-se na poltrona. Arianne olhou-a interrogativamente e sua mãe continuou: — Querida, se você pode dizer com exatidão qual a cor dos olhos de Leo, é porque deve ter olhado muito para ele. — Os olhos dele são diferentes, é isso. — E por que acha que ele não é tipo de se casar? — Parece tolice, mas deve ser por causa daquele nariz amassado. Dá impressão de pertencer a um sujeito rude, totalmente independente. Ele é tão musculoso! — Francamente, querida, esse Leo me parece fascinante, com seu nariz amassado, seus músculos e seus incríveis olhos de jade! Pena que esteja doente. Enxaqueca, você disse? — Não é bem assim, mamãe. .. Arianne relatou a sua mãe o que Leo lhe dissera sobre o centro de convenções e o calendário turístico e Rianna teve uma reação entusiasmada. — Oh, gostaria de conhecê-lo! Deve ser um sujeito e tanto! Como é bom voltar para casa! pensou Arianne, na terça-feira de manhã, ao chegar a Port Towsend. Havia passado dias maravilhosos com sua mãe, mas, ao ver o carro de Leo
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no pátio, sentiu uma alegria tãô intensa, que mal podia esperar a hora do jantar para vê-lo. Até lá, entretanto, tinha muito o que fazer. Orly reservara aquele dia para elaborar a lista dos pedidos para o Natal. Decidiu deixar Rae na casa de Jill e ir a pé para a loja, seguindo a vereda de urzes brancas que levava à praia, e de lá para a cidade. Não foi um dia muito movimentado e ela teve tempo para prestar uma boa ajuda a Orly. Eram quase cinco horas, quando duas senhoras entraram na loja: as duas inseparáveis amigas "carne e unha". Uma delas, a de cabelos azuis, fez o pedido: — Meio quilo desses dois tipos de cereja. Arianne pesou as cerejas verdes e vermelhas ao marasquino e foi ao fundo da loja para acondicioná-las num cartucho especial. De lá, ouviu a mulherzinha dizer à amiga: — Ele é de fora e está lá há três semanas. Sabe quanto ela tem coragem de cobrar pela diária? — Diga. — Trezentos dólares! Sem mentira nenhuma. Você pode imaginar que tipo de serviços ela não deve estar prestando. Pobre menino!... O patrimônio histórico não devia permitir que nossos tesouros nacionais fossem transformados em bordéis! — Uma pouca-vergonha! — Uma grandissíssima pouca vergonha! Arianne fez um esforço para reprimir o pranto. Não podia permitir que aquelas duas mulherzinhas intoleráveis levassem a melhor. Apertou os dentes e voltou ao balcão com um leve sorriso nos lábios. — Admiro seu antocontrole — murmurou Orly, aproximando-se dela. A tensão cedeu e Arianne suspirou. — Se elas voltarem a abrir a boca, vão ter de engolir as cerejas com caixa e tudo! Não ignorava que as duas eram conhecidas intrigantes. Não obstante, ao voltar para casa, sentiu seu bem-estar esvanecer-se e toda a sua infelicidade emergir, sem disfarce. Do fundo de sua tristeza, julgou ver claro e concluiu que o que aquelas duas haviam dito não estivera muito longe da verdade. As palavras voltaram a ecoar em sua mente, num clamor assustador: Uma pouca vergonha! Estava realmente contente por não ter sucumbido naquela noite e censurava amargamente a fraqueza de seu corpo jovem, enquanto baixava a cabeça para enfrentar a fúria do vento. Sua solidão seria ainda pior, agora que havia conhecido Leo. Quando ele partisse, como não ficaria vazio o sobradão e como não seriam frias suas noites ao pé do fogo! Ele poderia ir embora de um momento para o outro, era um fato que não podia esquecer! Parou repentinamente no meio da praia deserta, deixando que o vento a açoitasse com toda a sua força. Fitou o estreito, uma ampla extensão de águas revoltas. A escuridão era profunda. Não se viam correntes de luzes sobre a superfície sombria. O horizonte era como seu futuro: vasto e vazio. Nos últimos dois anos vivera unicamente para Rae. Iria continuar assim? Era um tipo de existência sadia... ou insana? Por outro lado, podia arriscar aquela realidade sem surpresas casando-se novamente com um homem como Larry, para alguns anos depois ter de enfrentar outro divórcio? Perdida em conjecturas, não notou que alguém acompanhava seus passos
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até Leo chamá-la em voz alta. Voltou-se tão bruscamente, que precisou apoiar-se no braço dele para não cair. — Passei pela loja, mas Orly me disse que você já havia saído. Como foi o seu dia de Ação de Graças? Arianne o fitou, tomada de emoção: — Oh. . . foi ótimo — disse, com a respiração forçada. — O meu foi aborrecido. Não via a hora de voltar. Ela recomeçou a caminhar e, quando ele quis tomar-lhe a mão, recusou-a, sem saber direito o que estava fazendo. — Arianne, o que é que há? Você está com raiva de mim? Foi porque a assustei? Ter raiva dele? Sentiu de novo o contato de sua mão e apertou-a. — Não. — Então, por quê. . . ? — É que... Sempre a segurar-lhe a mão, ele afastou-se, interrogando-lhe o rosto. — Diga! — É uma tolice. — Quero saber, para rir também. Ela baixou os olhos e contou o que havia acontecido na loja. — Oh. . . é isso? — Não é irônico, na minha situação? Vivendo como uma monja e... — Você é linda, Arianne. Numa pequena cidade, será sempre visada, não importa o que fizer. — Mas ser acusada de manter um bordel? É demais, não acha, para quem não é beijada há mais de dois anos? Ele a fez parar bruscamente e puxou-a para si. Obrigando-a a inclinar a cabeça para trás, encheu de beijos os seus lábios, as suas faces geladas, as suas pálpebras baixas. — Oh, Ariarme. .. Ficaram uma eternidade agarrados naquele abraço apaixonado. Arianne foi a primeira a voltar a si. Aquilo não devia ter acontecido! Ainda com a cabeça encostada no peito dele, ergues os olhos espantados. Leo compreendeu. — Eu não tinha a mínima idéia.. . Deixei-me levar. . . Sinto muito, não acontecerá novamente. Mas parece que estou sempre a meter os pés pelas mãos. .. — A culpa é minha — ela murmurou, respirando fundo para acalmar as batidas selvagens de seu coração. — Sinto muito também. — Desculpe, mas você parecia uma visão, a esta luz — Leo sorriu para ela. Como se tivesse surgido do mar. Não pude resistir. . . Ela sentiu seu bom humor voltar. Seus lábios entreabriram-se num amplo sorriso. Deu-lhe a mão e os dois continuaram a caminhada calmamente, como bons amigos, até a casa de Jill, onde ela parou para pegar Rae. Leo entrou para cumprimentar sua amiga, mas saiu quase em seguida. Quando as duas ficaram sozinhas. Jill comentou: — Não acredito! É a primeira vez que ponho os olhos nele e agora sei o motivo. Estava querendo guardá-lo só para você! Arianne deu uma risadinha. — Foi presente seu. Está lembrada? — Ouça meu conselho: não se envolva com os hóspedes. Eles vão embora. E o tal de Larry Barnes? Esse mora aqui. E é bonito, alegre e inteligente... e tem
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dinheiro! As palavras de Jill calaram fundo na mente de Arianne. E naquela noite seu jantar com Leo transcorreu num clima de cordial formalidade, a conversa girando sobre. . . pássaros. —Aparecem aqui no inverno, vindos de lugares muito frios — ela disse. — O pátio da frente fica cheio deles. Ele olhou-a ceticamente. — Uma porção de pássaros. . . e o que mais? Vai ficar sentada aqui o inverno todo apenas na companhia de seus pássaros? Diga-me, Arianne. . . Por que se enterrou no campo? — Eu. . . ah. . . — ela balbuciou, incapaz de pensar num bom motivo que o convencesse. Era a segunda vez, em dois dias, que a acusavam de estar se escondendo. O que estaria realmente fazendo em Port Towsend? Soltando um suspiro resignado, deixou de lado a conversa sobre os pássaros e procurou outro assunto menos dramático para entreter seu hóspede. Começou a falar de Mikey e de seus empreendimentos, mas, depois de alguns minutos, Leo interrompeu-a bruscamente. — Vai se casar com seu primo? Arianne fitou-o, surpresa. —- Mas que idéia! — Você gosta muito dele, não? — Claro! Crescemos praticamente juntos, mas nunca pensei em me casar com ele. — Então, qual é essa proposta interessante que ele lhe fez? Ela riu. — Ah, é para ajudá-lo a ampliar seu negócio. Estou acostumada com esse tipo de coisas. Tomava conta da loja de mamãe. . . e da minha. Sempre que posso, dou uma mão para Orly, embora ele não perceba isso. - Você está enganada. Ele percebe, sim. Arianne suspirou. O bom Orly — disse Arianne. — Não sei o que teria feito sem ele. Ajudou-me tantas vezes! Mas quero pensar na proposta de Mikey. Ele é ainda muito jovem para pensar em casamento! Não está pronto para isso. — Mas estará alguém pronto para o casamento? Mesmo aos setenta anos? Sei que eu não estou. Arianne gelou. Seria uma insinuação? Só podia ser! Ou uma advertência de que ele iria embora logo! E se não, era pura e simplesmente a verdade! E significava que não haveria a menor chance para ela, que tudo estava fora de seu alcance. Sentiá-se ainda deprimida na manhã seguinte e perdeu o apetite. Deixou o café esfriar na xícara e estava imersa em pensamentos sombrios, quando Leo entrou na cozinha com seu prato na mão. — Fico muito sozinho lá na sala — ele desculpou-se, sentando-se à mesa. — Mas, Leo. .. — Tenha dó de mim, Arianne! — Se não se importar com as maneiras de Rae, fique à vontade. Ao terminarem de tomar café, ele ajudou-a a arrumar a mesa e, quando ela quis levar o saco de lixo para fora, ele o tomou de suas mãos. — Não — protestou Arianne. — Deixe que eu faço isso.
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— Nada disso. — Por favor! — Não pode ir lá fora calçando essas chinelinhas. Não são seguras. Aí, vou ter de socorrê-la, se você cair da escada. — São mais seguras do que parecem. — De maneira nenhuma! Foram feitas especialmente para deixar você cair nos braços de' quem as deu. Quem foi? — Mikey. — Ah, Mikey. . . Sabia que aqueles biscoitos eram uma boa desculpa! Ela riu. — Trocamos presentes, no Natal passado. Eu escolhi essas chinelinhas e ele... Que foi que Mikey escolheu? Bem... Diga. Uma bola de cristal igual à minha. Um presente muito caro. Ah, sim. Mas foi em troca de. . . Do quê? Não pare, estou muito interessado no assunto. Li a sorte da pessoa que a fez. E então? Não posso e não quero falar nisso. Arianne. doçura. Às vezes você me assusta um pouco.
CAPÍTULO VI Temor e desejo permaneciam presentes no espírito de Arianne. Cada dia que passava dava-lhe a certeza de que aquela intimidade, acentuada pelo isolamento em que viviam, continha um apelo que nenhum expediente, nenhum escrúpulo de consciência a faria evitar. Ela se debatia por tomar uma atitude despreocupada, mas entendia que, a qualquer momento, seu autocontrole poderia romper-se de súbito, como uma corda muito tensa. Tornava-se cada vez mais difícil resistir à tentação porque, agora, Leo passava mais tempo em casa. Saía um pouco mais tarde pela manhã e voltava um pouco mais cedo, à noite. E, gradualmente, a idéia de não se tocarem, de não cederem ao desejo, pareceu-lhe irrelevante. A alegria que lhe dava sua vida atual afastava os receios, e a barreira que ela julgava intransponível deixava de existir. Habituou-se a ir a pé para o trabalho, aproveitando o sol, agora que os dias iam encurtando rapidamente. Leo acompanhava-a, e estabeleceu-se assim uma nova intimidade entre ambos, graças àquelas longas e regulares caminhadas. Dia após dia, à mesma hora da manhã, seguiam o mesmo caminho, conversando e observando Rae que, o mais das vezes, seguia beirando a água. E Arianne achava uma felicidade passear ao lado dele, um privilégio feito de temor e alegria, de escrúpulo e encantamento. Na sexta-feira à noite, enquanto se preparava para ir para a cama, pensou que no dia'seguinte era sábado. Haveria outro envelope para ela? O dinheiro que estava ganhando era fantástico, uma sorte inesperada! Era bom ver sua poupança aumentar. Formava uma reserva com que poderia contar, em caso de necessidade.
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Servia ótimas refeições a seu hóspede, permitindo-se extravagâncias que nunca teria ousado fazer para si mesma: como um finíssimo e velho calvados ou morangos frescos em novembro. Mas, mesmo com esses gastos, ainda sobrava bastante. Se algo de romântico acontecesse entre eles, entretanto, não poderia continuar aceitando dinheiro dele. Diante dessa perspectiva, sentiu uma espécie de vertigem. E se ele a chamasse naquele instante, naquele tom de voz que sugeria tanta intimidade, sabia que correria alegremente ao seu encontro e o cobriria de beijos ansiosos.Era incapaz de resistir mais. Destruídas suas defesas, ela estava à mercê do acaso, do instante de magia em que os sonhos podiam tornar-se realidade. Saiu da banheira levemente eufórica, e começou a enxugar-se. Estava quase terminando quando, depois de um estranho ruído, a lâmpada apagou-se. Maldição! — murmurou, no escuro. Já havia acontecido outras vezes. A lâmpada havia queimado e precisava trocá-la. Com os braços estendidos para a frente, chegou até a porta e abriu-a. Enrolou-se na toalha e, lançando um olhar inquieto ao quarto de Leo, aventurou-se pelo corredor, seguindo até o armário-rouparia. Pegou uma lâmpada nova e procurou o farolete que guardava ali para essas emergências. Não o encontrou. Tateou os lençóis, as toalhas... nada! Onde teria ido parar? Com certeza Leo o usara e não o havia reposto no lugar. Maldição! Sem o farolete, não ia ser fácil fazer o serviço. Voltou rapidamente ao banheiro e deixou a porta aberta para que a claridade do corredor, embora escassa, iluminasse o ambiente. Subiu na cadeira e, erguendo-se nas pontas dos pés, retirou a lâmpada queimada. Quis substituí-la pela nova, mas não conseguia enxergar quase nada, além do soquete. Estendeu ainda mais os braços para cima, sentindo que a toalha amarrada em volta do corpo começava a escorregar lentamente. Conseguiu afinal enroscar a lâmpada e firmá-la bem a luz inundou o banheiro no mesmo instante em que a toalha caia-lhe aos pés. Ofuscada pela claridade, virou o rosto e viu Leo parado na porta. Não havia jeito de esconder todo o corpo com apenas duas mãos, e ela não tentou. — O. . . oi — balbuciou. — Oi! Não era justo! Tudo parecia voltar-se contra ela, não importava o que fizesse. Inclinou-se para apanhar a toalha e sa ou da cadeira. Aspirou profundamente o ar, ao perceber que começava a aproximar-se. — Arianne.. . — Por favor, não faça isso! — implorou, enquanto ele a tomava nos braços. Mas quando seus corpos se encontraram e moldaram com perfeição, só conseguiu murmurar: — Toque por favor! Os lábios entreabertos, as pupilas dilatadas de desejo, os seios palpitando, ela se oferecia toda. Ele vibrou com seu contato e a manteve firmemente junto de si, beijando-a furiosamen e. Mordeu-lhe os lábios, os lóbulos das orelhas, o queixo, enquanto as mãos ávidas desciam vagarosamente pelo ventre macio. Quando a soltou, ela lembrou por que tudo havia começado. — Que foi que você fez com meu farolete? Levemente confuso, ele passou-lhe a língua pelos sensuais. — Está tentando mudar de assunto? — Quer dizer que não foi você?
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— Quê? — Estou falando de meu farolete. — Será que estamos no mesmo planeta? Seu corpo tornando-se uma única pulsação, a bater mais forte, ela lançoulhe os braços em volta do pescoço. — Oh, Leo... , Uma chama percorreu o corpo.dele. E de súbito, esmagando os lábios contra os dela, ergueu-a nos braços e carrego-a para o quarto, depositando-a na cama. Impaciente, arrancou seu pijama e o arremessou a distância. Então, prendeua novamente nos braços, submergindo-a no calor de beijos enlouquecedores. Mergulhou-lhe a mão nos cabelos, como se quisesse aprisioná-la e acordou-a para a volúpia que ela conhecia. Arianne gemeu, quando seus dedos fortes moldaram-lhe as carnes e sua boca ávida desceu-lhe pelo corpo, na descoberta de sensações novas. Um calor insuportável invadiu-a. Arquejou de encontro ao peito dele, sacudida por sucessivas ondas de prazer. Já sem fôlego, sentiu uma torrente impetuosa derramar-se sobre ela e fechou os olhos, fazendo força para não gritar, quando atingiram o êxtase em ritmada harmonia. Ao acordar, na manhã seguinte, encontrou-se ainda aninhada nos braços de Leo. Sorriu de alegria. Os lábios entreabertos, os cabelos revoltos, ele parecia incrivelmente bonito! Apertou-o contra si, o coração quase doendo de tanta felicidade.Parecendo sentir a força de seu olhar, ele respirou profundamente e despertou. Olhou-a, surpreso, e tocou-a. — Arianne. . . Você é real? Atraiu-lhe o rosto para si e beijou-a longamente. Ela desprendeu-se gentilmente, e riu. — Espere. . . espere, já é de manhã! — E Q que tem isso? — ele disse, voltando a tomar-lhe os lábios. — Não sei. . . acho que nada. Você acorda sempre assim. . . tão disposto? — Só quando vejo você a meu lado, sorrindo para mim. Rae estava tranqüilo, naquela manhã. Ria e brincava, enquanto Leo preparava bacon com ovos. Arianne permanecia conforta-velmente sentada, conversando, enquanto Jinx, enrodilhada em seu colo, ronronava sem parar. Não havia sol. Uma bruma pesada envolvia tudo, ocultando completamente o oceano. A pálida luz de prata que penetrava pelas janelas reforçava a sensação de aconchego e calor da velha cozinha, em contraste com a melancolia da paisagem inventai. Arianne sentiu uma intensa felicidade na quietude daquela cena. Lembrou-se da noite anterior, e de cedo, pela manhã. . . Leo estava ainda presente na languidez de seu corpo e no delicioso torpor de sua mente. Não havia nada mais maravilhoso do que sentir-se querida! Os maus dias do passado pareciam terminados para sempre e o futuro cuidaria de si mesmo. Leo terminou de quebrar os ovos na frigideira e veio na direção dela. Sem dizer palavra, agarrou-a pelos ombros, obrigando-a a inclinar a cabeça para trás. A boca desceu com tamanha força contra seus lábios, que seu corpo quase ergueu-se no ar, impelindo Jinx a pular para o chão. Ela sentiu um fogo escorrer-lhe por dentro do corpo. Passou-lhe os braços pelo pescoço e abraçou-o.
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— Qual é o motivo de tanta paixão? — murmurou-lhe ao ouvido. — Você é a mulher mais linda do mundo e eu não me canso nunca de olhála. Não agüento de vontade de tocá-la a todo instante. Você se importa? Ela riu, deliciada. — Não, não me importo. Quando os ovos ficaram prontos, sentaram-se à mesa. Comeram em silêncio, olhando-se e sorrindo-se por cima da xícara de café. Rae foi o último a terminar. Enfiando o último bocado na boca, anunciou alegremente: — Fone, Leo, fone! — Ora, Rae. . . — censurou-o Arianne. — Não o repreenda, querida — Leo disse, levantando-se. — Ele não tem consciência do que diz. O telefone tocou nesse instante e ele dirigiu-se para a sala, fechando a porta da cozinha atrás de si. Minutos depois, quando Arianne subiu as escadas, ouviu-o falar com tamanha ansiedade, que ela imaginou ser um assunto importante. Ao descer, ele ainda continuava no aparelho. Lembrando-se então de que havia prometido levar uns livros de receitas a Jill, deixou Rae no quadrado, rodeado de brinquedos, e foi à casa da amiga. Quando voltou, quinze minutos depois, Rae estava dormindo, enrolado num cobertor. Leo não estava à vista. Inquieta, teve vontade de sair à sua procura, mas não ousou. Serviu-se de café, e estava ainda sorvendo a bebida fumegante, quando ele entrou na cozinha, como se tivesse acabado de chegar de fora. — Aconteceu um imprevisto, Arianne. Estou de partida para Los Angeles.Sua voz era calma e controlada, e nada em sua atitude denotava preocupação.Ela ficou parada um instante, a mente entorpecida. Depois, controlando-se muito bem, conseguiu dizer: — Quer que eu o ajude com a bagagem? — Não é preciso, obrigado. Já está tudo pronto. Estou com um bocado de pressa. — Fez tudo muito rápido. — Tenho prática. Prática do quê?, pensou Arianne tristemente. De fugir das amantes? Faça uma boa viagem — disse, em voz alta. Que mais havia para dizer? Virou o rosto, fugindo do desconfortável exame dos olhos que a fitavam. Se continuassem a olhá-la, notariam o seu doloroso espanto. Ele cingiu-a delicadamente pela cintura, e beijou-a com gentileza, antes de se encaminhar para o saguão. Ela o seguiu, morta por dentro, e observou-o enfiar a jaqueta que admirara. . . havia apenas um mês, realmente? Acompanhou-o até o carro. Nunca ele lhe parecera tão bonito quanto naquele momento em que a deixava. Sufocou um pequeno soluço, firmemente decidida a não permitir que ele percebesse sua mágoa. — Até breve, Arianne. Voltarei assim que puder. — Ele esboçou um quente e charmoso sorriso e acomodou-se atrás do volante. — Entre logo! Faz muito frio.Arianne olhou-o, sentindo se fecharem as portas do futuro. Estava toda trêmula, ardente, e como que gelada, a um tempo. Ficou acenando, até o carro fazer a curva do atalho e desaparecer no meio das árvores. Em estado de choque, permaneceu ali fitando a neblina espessa, sem nada ver. Sua alegria e sua Luz: haviam desaparecido.
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Voltou-se bruscamente para a casa vazia. Não o ouviria mais andar pelo quarto. Quando retornasse do trabalho, naquela no. te, entraria numa casa estranha.
CAPITULO VII Arianne deixou-se cair numa cadeira e cobriu o rosto com as mãos. Ficou assim, sem movimento, sem idéias, durante muito tempo. Ao sair do entorpecimento, sua angústia foi substituída por um sentimento de revolta. Leo Donev não passava de um egoísta frio e insensível. Era claro como cristal! Depois de passar a noite toda com ela, decidira ir embora como se nada tivesse acontecido. E programara sua partida com muita habilidade. O telefonema que recebera servira de excelente pretexto. Como era fácil dizer: Aconteceu um imprevisto. . . Estava surpreendida? Pois não devia! Tinha obrigação de saber que, mais dia menos dia, ele iria embora. Não sabia que os homens, em geral, só mantinham casos com mulheres divorciadas, mães de filhos? Não podia reprová-lo. Se fosse solteira, também teria preferido um rapaz solteiro e livre de vínculos familiares. Fazia sentido. Mas dava raiva! Ele agira como um covarde, apesar de seu charme e de suas boas maneiras. Envergonhava-se por ele e também por si mesma, penitenciando-se sinceramente por ter cedido num momento de fraqueza. Oh, se aquele maldito farolete estivesse no seu lugar! Aquela noite de paixão não teria acontecido. lá haviam se passado quatro semanas, e tinham trocado apenas um único beijo. . . Por que não esperara mais um dia? Mas se ele tivesse permanecido ali, tudo teria se resumido mesmo naquele beijo? Esses pensamentos não passavam de simples conjecturas. A realidade, por mais dolorosa que fosse, era que ele partira, deixando para trás um coração angustiado. Para Orly e Jill, no entanto, deu a entender que estava aliviada com a partida de seu hóspede. Queria que não soubessem de nada. Que aquele caso fosse um segredo para todos, para sempre. Acostumada a esconder seus estranhos poderes, conseguiu ocultar sua dor bastante bem. E, como fora sempre reservada, seu comportamento não causou nenhuma estranheza. Seus dois amigos acreditaram no que ela quis que acreditassem. À noite, depois do jantar, sentou-se no living ao pé do fogo, uma vela de cera queimando suavemente no castiçal, e o gato preto enrodilhado no colo. Sozinha, a dor estampava-se sem disfarce em seu rosto. A casa estava tão quieta! Chegou a desejar que Rae acordasse chorando só para que aquele silêncio insuportável fosse quebrado. Nunca, como naquele instante, teve tanta consciência de sua solidão. Percebia, agora, o que havia perdido naqueles dois últimos anos de voluntária reclusão: o calor da camaradagem, a alegria de dividir as pequenas coisas com pessoas amigas. Via a existência estender-se à sua frente, fria e vazia, um interminável caminho que levava. . . ao nada. E finalmente chegava à conclusão de que queria um homem em sua vida. Admitia francamente que não estava satisfeita com o que construíra para si mesma. Todos os seus belos planos só haviam servido para encurralá-la num canto. Esquecera-se de levar em conta os desejos, as vontades
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que seu corpo jovem reclamava. Por causa de sua ignorância, havia reprimido suas necessidades naturais, e, quando Leo aparecera, sucumbira a seu charme com a ânsia de uma adolescente. Devia ter tido o bom senso ae resolver seus problemas usando a inteligência, em vez de se atirar cegamente nos braços do primeiro homem que a atraíra. E agora tinha de pagar o preço de sua estupidez. Porque, apesar de toda a sua precaução, ele levara uma parte dela consigo. Nos dias que se seguiram sua vida voltou à velha rotina. Pelo menos aparentemente, era a mesma que havia sido antes conhecer Leo Donev. Fazia o que costumava fazer sempre: levava Rae à praia, ia à loja, ocupava-se com a casa. Mas, à medida que os dias passavam, percebia que Leo marcara-a protun damente e que aquele tipo de existência já não a satisfazia. Começou a considerar outras opções de vida. Teoricamente, tinha três escolhas. E a mais cômoda era permanecer ali e continuar a trabalhar na loja de Orly, mas saindo mais vezes, voltando a freqüentar seus amigos de Seattle. O único problema era que aquelas viagens custavam caro e o que ela ganhava não era suficiente. Uma solução seria voltar à antiga prática, agindo como consultora de companhias de seguros, da polícia ou de qualquer um que necessitasse de sua ajuda. Mas, como não podia arriscar tudo de uma só vez, teria de trabalhar apenas aos domingos. Isso significava permanecer a semana inteira em Port Tow-send, ir a Seattle no sábado à noite e voltar na segunda de manhã. Muito puxado! Aí sim que não teria tempo para rever seus velhos amigos! Uma alternativa para evitar essas viagens seria exercer suas atividades por correspondência ou pelo telefone. Seria ótimo, se Port Towsend não fosse um lugar tão pequeno. Só uma grande cidade poderia lhe oferecer a segurança do anonimato. Ali, arriscava-se a ser descoberta e a ter seu passado revolvido novamente. O segundo caminho era aceitar a oferta de Mikey. Teria de se mudar para Seattle, era claro. Mas talvez fosse a solução mais lógica. Poderia morar provisoriamente em casa de sua mãe, enquanto não achasse um lugar decente para si mesma.Junto com Mikey, poderia lançar as bases de uma pequena empresa ,e esse plano tinha sua atração. Enviaria Rae para um jardim da infância durante o dia, e, quando se acostumasse com a rotina de trabalho, teria tempo para sair com seus amigos. A última opção era fazer o que mais gostava: dedicar-se totalmente à prática de suas percepções extra-sensoriais. Ir a Seattle ou a outro grande centro e abrir um escritório de consultoria. Com placa na porta e anúncios nos jornais! Tudo às claras! Mas, e se a mesma horrorosa confusão voltasse a acontecer? Arriscava-se a se expor novamente ao julgamento da opinião pública, arrastando seu filho consigo. Podia sujeitar Rae a essa sorte? Mergulhada dentro de si mesma, à busca de uma solução, conseguia esquecer Leo por algumas horas. No resto do tempo, entretanto, seu pensamento permanecia fixo nele. Ainda não conseguia acreditar que alguém que havia admirado tanto pudesse ter usado táticas tão baixas. A covardia que o fizera recuar fora provocada pelo receio de seu sexto sentido? Buscou em sua memória, mas não encontrou nenhuma evidência que fortalecesse essa suposição. Ele parecera curioso, intrigado, fascinado, mas não havia insistido, quando percebera sua relutância em tocar nesse assunto. Além do mais, Leo não era do tipo de se espantar com qualquer coisa,
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embora tivesse admitido, certa vez, que sua vidência o assustava um pouco. Então, por que, por quê? Mas o que adiantava ficar louca para saber o motivo? Isso não modificaria em nada a opinião que agora fazia dele. Noite após noite, andou de um lado para o outro do living, tentando concentrar-se num plano perfeito para seu futuro. E não conseguia outra coisa senão imaginar o que poderia ter motivado a partida de Leo. Agressivo, decidido sobre o que queria, ele era, no entanto, tão gentil, sensível e atencioso! Ria com tanta facilidade, mas era tão cuidadoso! Sabia realmente aproveitar a vida e ela lucrara muito ao conhecê-lo. Como sentia sua falta! Os dias eram vazios sem ele e as noites pareciam não ter mais fim. E não era a única a sentir sua falta. Rae procurava-o pela casa toda. De manhã, após sua refeição matinal, o menino corria para a sala de jantar, na esperança de encontrá-lo. Magoava-a notar-lhe o desapontamento. Leo dissera-lhe que voltaria, mas não acreditava nisso. E essa certeza se fortalecia, à medida que mais uma semana transcorria. Podia ao menos telefonar, se tivesse algum interesse nela. . . Ela não podia fazê-lo, porque não sabia nada dele. Dissera-lhe que morava em algum lugar de Los Angeles, e que possuía uma agência de turismo e uma pequena livraria. Usava roupas caras, mas tinha um carro muito velho. Era um tipo bastante misterioso. . . Na sexta-feira à noite, estava comendo alguns biscoitos e um pedaço de queijo, quando a campainha da porta soou. Ergueu-se de um salto, o coração batendo-lhe selvagemente no peito. Só podia ser Leo! Correu feito uma louca para a entrada. - Oi, Arianne! Deixei Don na casa de Jill, mas os dois pombinhos me expulsaram de lá. Então, pensei em vir até aqui. Não estou interrompendo nada? Arianne esboçou um sorriso constrangido. — Entre, Larry. — Soube que seu hóspede foi embora. Como era mesmo o nome dele? — Leo Donev. — Oh, sim. .. Estrangeiro, não? Acho que você deve estar aliviada. — Não costumo receber hóspedes — ela respondeu, evasivamente. — Leo foi uma exceção. — Foi bom que ele tenha ido embora. Não gostava de imaginar você sozinha com um estranho. Arianne pensou que também ele era um estranho, mas não disse nada. Pendurou sua jaqueta no cabide e convidou-o a acomodar-se no living. Teria companhia, pelo menos. — Qual a atividade dele? — Ele tem uma livraria em Los Angeles. Posso lhe oferecer um brandy? Ela o serviu de uma dose generosa. — Ótima bebida — ele disse, depois de sorver um gole. — Leo também gostava. — É. . . isso custa um bom dinheiro! Venha cá, Ariafine, sente-se perto de mim. Quero lhe fazer um convite. — Diga. — Há uma boa programação no cinema da cidade. Não quer ir comigo, amanhã à noite? Trarei você de volta cedo, se preferir. Caso contrário, poderemos ir jantar depois da sessão. Acho que Jill não se incomodaria de ficar com Rae. Ela permaneceu em silêncio, com vontade de mandá-lo para o inferno. Tudo
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o que desejava era a companhia de outro homem. . . — É uma comédia — Larry insistiu, sem se perturbar. Enquanto ele lhe informava que tipo de comédia era e quais os artistas, ela pensava em Leo, que fora embora e que nunca mais voltaria. Com certa indiferença, resolveu aceitar o convite. Afinal, por que não deveria sair? _ Está bem. Gostarei de ir ao cinema. E o jantar, depois, parece ótimo concordou, com certa frieza. _ Grande! Vai ser divertido! Jill garantiu-me que você gostaria. Ela me disse que você ficou contente de ter se desse Leo... o que, mesmo? — Donev. _ Certo. Jill achou que ele podia ter iludido você.. Arianne surpreendeu-se, pensando no que ele queria dize isso. Franziu o cenho, intrigada, e Larry percebeu. — Sabe, sou um tipo ciumento. Você sozinha... com ele. — Sei tomar conta de mim mesma — ela disse, friamente. Larry não se desconcertou. — Pode mesmo? Como? Você devia aprender caratê, querida ou ter um bom cão de guarda para protegê-la. Morando num lugar tão afastado. .. — Jill também mora sozinha — observou Arianne, na gos tando do rumo que a conversa tomava. — Ah. . . sim. . . Mas você não é tão grande e forte quanto ela. Ele era realmente muito atraente e tinha um sorriso. E sua inesperada atenção fortalecia seu ânimo, o novo gosto pela vida. Perguntou-se se devia temer algo dele... Mas afastou rapidamente essa dúvida. Larry nao parecia um tipo ameaçador. E, afinal, o convite era para um filme seguido de jantar. Apenas. Se ele não se comportasse como um amigo não aceitaria outros encontros e encerrava defimtivarne questão. — Quanto tempo ele ficou aqui? Quatro semanas?Larry perguntou inesperadamente, interrompendo-lhe os pensamentos — Quê? Ah. . . sim — Arianne disse, estranhando interesse. — Sujeito de sorte! Ele foi embora para sempre? — Acho que sim. — Qual era o problema dele? — Enxaquecas. Terríveis. Parece que provocadas pela estafa tanto ler. Ah. . . Que é que ele fazia durante o dia? — Passeava. . . Seu médico queria que ele fizesse muito exercício e desse longas caminhadas. — Parece um tanto estranho, não fazer nada, senão dar longas caminhadas. — Não sei, nunca sofri de dor de cabeça. Parece que essas enxaquecas duram dias. . . Embora Leo tivesse ido embora, ela via-se na obrigação de proteger seus interesses. E queria pôr um ponto final naquelas especulações. — Você está precisando é da companhia de alguém como eu — Larry afirmou, confiantemente. — Sei tomar conta de mulheres lindas e jovens e gostaria muito de tomar conta de uma, em particular. Surpresa por aquele excesso de atenção, ela murmurou: — Você mal me conhece, Larry. Não está andando muito depressa? — Não acho. Interessei-me por você desde a primeira vez em que a vi. — Mas Larry. .. — Nada de mas, Arianne querida. Se precisar de tempo para se acostumar com a idéia, eu lhe darei todo o tempo do mundo. Farei de tudo para convencer
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você. — Oh... — Não vou apressá-la, querida. Confie em mim. — Não sei o que você está pretendendo. Ele a interrompeu ansiosamente. — Tenho um jeito especial com garotinhos. Posso ensiná-lo a pescar e a jogar beisebol. — Concordei em ir ao cinema e jantar com você. Só isso. Mas Larry não perdeu a presença de espírito. — E é isso o que eu quero. Não interprete mal. . minhas intenções — disse, fazendo uma pausa significativa. Ver um belo oficial da Marinha praticamente ajoelhado a seus pés era novidade para Arianne. E tinha que admitir que era agradável ser cortejada, especialmente depois de ter sofrido uma rejeição. Talvez aqueles elogios fossem apenas adulaçao, mas não magoavam, nem feriam seu amor próprio. Quem sabe, podia até ser divertido. . . A noite seguinte foi surpreendentemente agradável. Larry comportou-se como um perfeito cavalheiro. Brilhante, divertido, atencioso, soube ser uma companhia divertida. Era bem educado e culto. Podia falar de quase tudo com inteligência e propriedade. Suas maneiras gentis e seu empenho em agradá-la foram um bálsamo para seu ego ferido. Ele a levou para casa depois do jantar e não procurou convidar-se para o último drinque. O alívio de Arianne foi total. Concordou com um novo encontro e ficou agradavelmente surpresa, quando ele não tentou dar-lhe um beijo de boa noite. No domingo de manhã, enquanto tomava uma xícara de café com Jill, estava ainda entusiasmada. —Então, agora que teve a chance de conhecê-lo melhor, qual deles prefere? Larry ou Leo? — a amiga perguntou-lhe, sorrindo. —É uma comparação difícil. São tipos totalmente diferentes. Leo não é tão social quanto Larry. — Sim, mas eu cheguei a pensar que você estava gostando muito dele — Jill comentou, passando os dedos pelos curtos cabelos escuros. — Sei que ficou contente com a partida dele, mas vocês pareciam se dar muito bem. — Ah, sim — Arianne disse, com naturalidade. — Caso contrário, teria pedido a ele que fosse embora, depois da primeira semana. — Estou contente que tenha decidido dar uma chance a Larry. Eu o conheço apenas através de Don, mas ele parece ser extraordinário. Você tem sorte. Quantas moças na cidade não gostariam de estar em seu lugar! Arianne manteve-se discreta. — É. . . ele é agradável. — Só agradável? Ele é divino! — Por falar nisso, como vão as coisas com Don? Jill suspirou fundo. — Não sei. Você já sabe o que eu penso dos sujeitos que querem apenas se divertir, não? E acho que Don pertence a essa categoria. — Oh. . . que pena! — Aprendi a conviver com isso, Arianne. Ele não vai me pegar de surpresa! Claro que há rapazes agradáveis por aqui, como Larry. Mas a maior parte é um bando de sem-vergonhas. Egoístas e vaidosos! — O tom de Jill era amargo. Como meu marido, o pai de meus filhos! — Quer dizer que ele não gosta das crianças?
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— Só sabe fazer agradinhos. Quanto ao resto. . . Vivo melhor sem ele, acredite — afirmou Jill, com veemência. — Se for assim.. . — Sabe o que ele costumava fazer? Uma hora depois, ao sair da casa de Jill, Arianne estava absolutamente convencida de que todos os homens não prestavam. — Então, por que continua a sair com Don, se está convencida de que isso não leva a coisa alguma? — perguntara à amiga, ao se despedir. — E o que mais há para fazer por aqui? — dissera Jill, com um sorriso luminoso.Arianne, no entanto, continuava deprimida. Tinha dúvidas em relação a quase tudo o que existia no mundo. Nada parecia fazer sentido. Havia um homem ansioso por cortejá-la e ela desejava outro que saíra de sua vida como se nada houvesse acontecido entre eles, como se as horas maravilhosas que haviam passado juntos não tivessem o menor significado. Oh, sim, os dois homens eram muito diferentes. Mas ela ansiava pelo que não queria saber dela. Ah, podia chorar um mar de lágrimas por causa de Leo. . .
CAPÍTULO VIII O vento impetuoso que soprava em volta da casa, assobiando pelos beirais, agitou o lenço vermelho de Arianne, quando ela e Rae começaram a descer as escadas. O céu sombrio não tinha clartdade, seu pálido reflexo dava ao pleno meiodia a aparência ilusória do crepúsculo. Os pinheiros negros, amontoados em primeiro plano, estavam delineados por um clarão fosco. Através deles, vislumbravase um mar cinzento e sem brilho. A luz misteriosa que descia como uma mortalha do céu não intimidou Arianne. A alegria de saborear o ar puro estimulava-a a ir a pé para o trabalho, duas ou três vezes por semana. Ao chegar no fundo da escada, um fraco grasnido de gansos selvagens chamou sua atenção. Parou e ficou olhando para o céu. Avistou-os quase roçando as árvores atrás da casa. Eram umas poucas aves migratórias que, desgarradas de seu bando;- voavam para o sul. Segum-as com o olhar até perdê-la de vista e então seus oinos tombaram sobre o velho forte, abaixo da colina. Um vulto que saia do meio do bosque dobrou, nesse instante, o canto da casa do almirante. Era ele, Leo, seu amante. Podia jurar que não estava louca nem vendo coisas imaginarias. Reconheceu imediatamente aquele modo rápido de andar. O absurdo do acontecimento deixou-a pregada ao solo, em completa confusão.Chegou a duvidar de seus olhos.O dia estava sombrio e a parição durara apenas uma fração de segundo.Não teria sido a enganosa projeção deseus próprios pensamentos? O abafado tilintar do telefone tirou-a de sua espantada contemplação. Podia ser Leo! Pegou Rae no colo e subiu correndo as escadas. Suas mãos tremiam tanto, que não conseguia enfiar a chave na fechadura. Chegou ao living esbaforida e ergueu o fone com a respiração suspensa. — Alô? — Oi, boneca! A muito custo, disfarçou seu desapontamento. — Larry. . . que surpresa. . . — Surpresa? Vá se acostumando, adoro falar com você. Tenho a noite livre e gostaria de levá-la para jantar. Jill concordou em ficar com Rae. O que me diz? Arianne umedeceu os lábios secos com a língua. Sua decepção era total.
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— Arianne? — Sim, Larry. Está bem. — Passarei às sete para apanhá-la. Até logo, boneca. Arianne respirou fundo e seus músculos começaram a relaxar. Ao ver Leo, perturbara-se tanto, que mal podia sustentar-se nas pernas. Mas será que o tinha visto mesmo, ou o vulto divisado ao longe fora apenas um produto de sua imaginação? Fosse como fosse, iria jantar fora com Larry. E se Leo estivesse na cidade e a visse, tanto melhor! Perceberia que nem todos os homens eram rematados covardes. Se ele pretendera apenas levá-la para a cama, e agora tinha certeza, então era melhor que tudo tivesse terminado! No entanto, apesar de seus esforços em contrário, esperou o dia todo que ele telefonasse, anunciando a sua volta. Mas em vão. Terminado o expediente, seu patrão levou-a para casa porque, naquela época do ano, já era noite às cinco horas. Quando Orly deixou-a no pátio, não havia nenhum carro velho à sua espera. A casa estava escura e silenciosa. Acendeu todas as luzes, antes de levar Rae para a casa de Jill. Voltou quase em seguida, tomou um banho rápido e vestiu-se para o encontro, sentindo-se tão confusa que não conseguia fixar o pensamento em coisa alguma. Larry chegou na hora combinada, alegre e animado como sempre, disposto a distraí-la o tempo todo. Tomaram coquetéis antes do jantar e, enquanto comiam, foram rememorando fatos dos dias anteriores. Já estavam na sobremesa, quando o tenente comentou: — Jill contou-me algo muito interessante. Parece que você tem um dom extraordinário e que já a ajudou várias vezes. Isso é sensacional, Arianne! Arianne ficou abismada. Jamais iria supor que Jill fosse contar seu segredo a Larry! Jurara que não diria nada a ninguém e confiara tanto nela! O aborrecimento estragou o prazer do momento. Se alguma coisa transpirasse. . . e se os horríveis acontecimentos do passado viessem à tona, teria que ir embora dali, querendo ou não. Seu paraíso poderia tornar-se rapidamente um inferno! Queria mudar seu estilo de vida, certo, mas uma publicidade dessas forçaria a barra. As coisas tinham ido muito longe, rápido demais. Que levara Jill a fazer uma revelação dessas ao tenente? Estimava-o tanto a ponto de quebrar a palavra empenhada? Não conseguia afastar a penosa impressão de estar sendo um joguete nas mãos do destino. Confusa, procurou contornar a questão, dizendo a Larry que a amiga superestimava seus poderes, que tudo não passava de coincidência. —Não concordo, Arianne. Você achou os documentos de Jill num lugar onde ninguém poderia imaginar. Isso não é acidente! É fabuloso, fantástico, excitante! — As pessoas tendem a exagerar. .. . — Eu, não! Ao perceber que não conseguiria convencê-lo, Arianne inclinou-se ansiosamente para ele. — Ouça, Larry: isso é muito importante. Vai guardar segredo? Por favor? Não quero que esses fatos sejam comentados. — Oh. . . claro que sim. Claro! Eu entendo. — Ele falava com simpatia. — As pessoas não lhe dariam um minuto de paz, não é? Certa gente não tem consideração, pensa que dinheiro é tudo. Arianne fitou-o com estranheza. Era uma piada? Ele dissera que havia entendido tudo, mas achava que não. Falara em dinheiro e, certamente, muito dinheiro podia ser ganho, usando seus poderes. Mas também muita confusão! Larry acariciou-lhe a mão por cima da mesa.
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— Pobre menina! Ele parecia querer cobri-la de beijos e confortá-la, mas ela teria desejado ficar em casa. Sorriu, contrafeita, e afastou delicadamente a mão. — Gostaria de ir para casa. Larry concordou com tamanha precipitação que ela chegou a recear que ele pretendesse empregar algumas táticas amorosas. Ficou aliviada quando, ao chegar em casa, percebeu que ele queria apenas testar seus poderes. Para satisfazê-lo, Arianne pegou um maço de cartas da gaveta do bufê. — Veja só: são vinte e cinco cartas, cinco de cada símbolo: círculo, cruz, estrela, quadrado e ondas. Faz parte do equipamento usado para testes pelas universidades e laboratórios, onde são estudadas as ciências psíquicas. — E como é usado? — Misture bem e vá tirando as cartas, uma a uma. Eu adivinharei o que você tem na mão, lendo sua mente. Arianne pôde sentir a excitação dele, enquanto misturava' as cartas. — Círculo — disse, quando ele pegou a primeira. — Certo. — Ondas. — Exato. — Cruz. — Muito bem! — Estrela. — Perfeito. — Círculo. Larry sorria de orelha a orelha. — Uau! Vamos continuar? Arianne foi cantando cada vez mais rápido. Ao terminar o maço, havia errado apenas três vezes. Esse resultado afastava, por grande margem, qualquer ocorrência de casualidade. — Estou impressionado! — Larry comentou, fitando-a com admiração. — Jill disse. . . quero dizer, você sabe como as pessoas exageram, e eu pensei. . . sim. senhor! E você está se escondendo no mato, quando poderia. . . Arianne, você tem idéia de quanto dinheiro poderia ganhar? Numa corrida de cavalos, por exemplo. — Não faço esse tipo de previsão, Larry. — Por quê? Ela tomou um gole de brandy e não respondeu. — Por que não, Arianne? — Não acho justo usar meus poderes imprudentemente. Além do mais, não posso prever o resultado de uma corrida com a finalidade de ganhar dinheiro para mim. Meu sexto sentido não funciona em meu benefício. — Ah! Então, já que não pode levar vantagem, recusa-se a servir os outros? Arianne franziu o cenho, aborrecida com a insinuação. — Poderia ter vantagem, se quisesse. Fazendo-me pagar caro por esse tipo de serviço. Mas é contrário aos meus princípios. — Sinto muito, não quis dizer. . . Estou espantado, é tudo tao fantástico. Estou perplexo! Não a obrigaria jamais a fazer o que não tem vontade. Venha cá, sente-se a meu lado.O resto da noite passou mais agradavelmente. Larry tomava cuidado com o que dizia e, como estavam falando de seus poderes extra-sensoriais e não de amor, Arianne relaxou. E ele estava realmente fascinado com sua habilidade. Ficou até meia-noite, provando e testando, tentando,
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de algum modo, fazer com que ela se enganasse. Acertar cinco vezes em vinte e cinco era considerado aceitável. Mas, fosse como fosse, Arianne conseguia sempre fazer mais de vinte pontos. Chegou até a fazer vinte e cinco! Larry estava positivamente assombrado. — Alguém sabe disso? — Como assim? Um desses grupos de pesquisadores a que você se referiu, ou algum instituto... Não. Apenas minha mãe e uns poucos amigos. Você é capaz de ler minha mente agora? Nao. A menos que você "envie" algo que eu possa captar. — Não entendo. Pense em sua mente como uma casa cuja porta está fechada. Eu só posso entrar se você abrir a porta. — Ela sorriu ironicamente. — Não se preocupe, seus pensamentos estão bem resguardados. Ele a apanhou de surpresa. Agarrou-a antes que ela pudesse virar a cabeça e beijou-a na boca. — Que bom que não tenha previsto isto! Você tem um rosto encantador e um corpo igualmente lindo, Arianne. Mas parece que não tem consciência disso. Ele a olhava sorrindo, seus olhos escuros parecendo convidá-la para momentos de maior intimidade. Mas ela se recusou a ler a mensagem. Já fora enganada uma'vez! No entanto, levando em conta suas atenções e querendo retribuir suas gentilezas, convidou-o para jantar no domingo. Sentiu-se levemente culpada, quando ele aceitou, entusiasmado. Estava ainda esperando que Leo entrasse por aquela porta a qualquer momento. Era habitualmente nessa hora que ele chegava de suas caminhadas noturnas. Sentiu-se culpada também no domingo. Parecia-lhe que Larry, sempre atencioso e cheio de consideração, estava verdadeiramente interessado nela. Pena que não sentisse nenhum entusiasmo por ele. Será que ia ficar mais dois anos curtindo outra dor-de-cotovelo? Depois de servido o ótimo jantar, começou a preocupar-se, imaginando que Larry fosse exigir mais interesse da parte dela. Mas sem motivo. Ele estava mais atraído por seus poderes do que por seu corpo. Respondeu às inúmeras perguntas que ele lhe fez e foi divertido a princípio. Mas, com o correr das horas, começou a sentir-se vagamente frustrada. Não conseguia afastar a impressão de estar sendo obrigada a se exibir, como um cãozinho amestrado. Não via a hora que ele fosse embora. Estava cansada, não sabia como agüentar por mais tempo aquela situação. As coisas não estavam marchando como imaginara. Mas ele não notou sua frieza. Estava completamente obcecado em determinar até onde chegavam seus poderes.Havia preparado uma série de questões e o primeiro impulso dela foi não responder a nenhuma. Mas pensou melhor e decidiu submeter-se à brincadeira. De quantos homens era composto seu pelotão? Quanto dinheiro havia em sua carteira naquele instante? O que estava escrito na porta de sua barraca? Qual era o nome de seu superior? O homem iria ser transferido logo? Arianne sorriu. — Por que tanto interesse? Quer ver-se livre dele? — Não se incomode com isso. Responda logo. Ela o olhou, intrigada, mas tentou concentrar-se.
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—Não sei. . . Vejo uma mudança para breve, mas não tenho certeza. —Tente novamente. Continue tentando — ele insistiu. Arianne sentiu-se inquieta, com vontade de mudar de assunto. — Não sei, Larry. — Vamos, querida. Você pode, se quiser. Ela apoiou os cotovelos na mesa e descansou a cabeça nas mãos, livrando a mente de qualquer pensamento. A resposta chegou, clara e nítida. — Edward Leurs Maitland será transferido para um lugar do litoral Leste, no próximo mês de julho. Larry sorriu alegremente. — O próximo mês de julho, você disse? Posso suportá-lo até lá. — Mas você não sabe se eu acertei. Não, até chegar o momento. — Posso agüentar também o suspense. Aqui está uma pergunta teste para você. Qual é a contra-senha do anel número um? — Mas o que quer dizer? — Não importa, procure apenas responder. Vamos ver o que acontece. Contra-senha.. . anel número um. Suspirando, Arianne sacudiu a cabeça. lá chega, Larry. Estou cansada. Você esgotou minhas forças. — Apenas isso — ele implorou. — Não, Larry. Por favor. Não esta noite. Força, Arianne. Não pode parar agora. O tom ansioso de sua voz a intrigou. — É tão importante assim? - Que. . .? Oh, não. . . não — Ele sorriu e acariciou-lhe ternamente a mão. Faça mais uma tentativa, querida, apenas uma. Por favor. Passando nervosamente as mãos pelos cabelos, Arianne teimou: — Não! Mas Larry não se mostrou aborrecido. Continuou a sorrir e convidou-a a assistir a um concerto em Seattle na quinta-feira da próxima semana. Como sempre, ele já havia acertado tudo com Jill. Arianne sentiu uma pontada de remorso diante de tamanha gentileza. Mas, quando ele quis dar-lhe um beijo de boa-noite, virou o rosto e fechou rapidamente -a porta. Depois do concerto, havia velas, rosas vermelhas e vinho de safra antiga na mesa do restaurante. O jantar era fantástico e Arianne imaginou que a fada madrinha devia ter agitado a varinha de condão sobre sua cabeça. Até Larry lhe perguntar suavemente, entre o paté de foi grass e os escargot: — Querida, a propósito daquela contra-senha do anel número um. . . Acha que pode usar seus dons mágicos? — Não. Não estou percebendo nada — ela disse, com toda a franqueza. Ele pareceu aceitar sua explicação com bom humor. Rodeou-a de atenções e encheu-lhe várias vezes o copo de vinho. Só voltou à carga, quando estavam saboreando o forte e aromático café espanhol. — E então, Arianne? Já pensou na resposta? — É tudo muito vago, Larry. Não pode me fornecer mais detalhes? Precisaria haver um ponto de partida! Anel número um. . . O que significa? — É uma questão muito difícil. Duvido que mate a charada, mas não vou lhe dar nenhuma pista. É apenas um teste para sua capacidade e não quer dizer absolutamente nada. Mas existe uma resposta. Quase em seguida, enquanto tomavam outro café, ela disse repentinamente:
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— A contra-senha é "trenó". — Trenó? Tem certeza, Arianne? — Claro que tenho! É trenó. E agora, pode me dizer o que significa tudo isto?Mas Larry sorriu e mudou de assunto. Durante o percurso de volta a Port Towsend, Arianne lançou um olhar de esguelha a seu companheiro de noitada, começando a pensar se não fora usada. O concerto, o jantar maravilhoso o bom motivo que ele tivera para não beber já que devia guiar, enquanto a enchia de vinho. Mas como podia não ter cooperado, quando ele estava sendo tao gentil e charmoso? Larry era sempre encantador e charmoso. . . Leo também, mas com ele havia sido diferente. Seu charme provinha de um caráter forte. Ao passo que havia algo obscuro em Larry que a preocupava. Não importava como ela o tratasse ele nunca perdia a calma: continuava sempre gentil e atencioso Naquela noite, ela não o convidou para entrar, alegando uma forte dor de cabeça. Não permitiu que lhe lhe desse um beijo de despedida, mas agradeceu-lhe pela noitada. Larry sorriu carinhosamente e desejou-lhe uma boa noite de novo Nao parecia nem um pouco impaciente para fazer amor com ela, mas fazia questão de mostrar-sé apaixonado. Beijou-lhe galantemente a mão e convidou-a para almoçar no domingo. Arianne não sabia o que fazer com ele e disse isso a Jill quando foi buscar Rae. — Ele me parece um sujeito fantástico, Arianne. Do que está se queixando? censurou a amiga. — Deve haver uma centena de mulheres que dariam qualquer coisa para ter um namorado como Larry e você... você não está satisfeita? Quem mais você quer? — Mas... — Larry não é um conquistador barato, nem um idiota qualquer. Claro que não, mas. É bonito, inteligente e tem dinheiro. Não me diga que nao gostou de passear no carro dele! Gostei sim, mas. . — Ele a levou para jantar no mais fino restaurante de Seattle e você ainda torce o nariz? Claro que há muitos peixes no mar, mas encontre-me um com um bom emprego e um Corvette vermelho, que eu o aceitarei com prazer! — É que... — Ora, Arianne. Ele está muito impressionado com você. Está tão doido, que quer estudar ciências psíquicas só para poder manter uma conversa inteligente com você. — Isso me lembra uma coisa, Jill! Por que disse a ele que eu tinha esse dom? Não esperava e não queria que dissesse nada. Você tinha me prometido! — Foi sem querer — explicou Jill, evitando os olhos dela. — Sinto muito, Arianne. De verdade. Mas só me dei conta do que estava fazendo, quando não tinha mais remédio.Arianne aceitou suas desculpas com alguma reserva. Mas sua vizinha pareceu não perceber seu ar magoado e começou a falar novamente de seu exmarido. — . . . e quando eu penso que você tem Larry a seus pés, não posso deixar de imaginar que, comparada à minha, sua vida é um mar de rosas! Um verdadeiro mar de rosas! Um repentino silêncio caiu na cozinha. Ocorreu a Arianne que sua amiga
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devia estar com ciúme. Devia estar acontecendo com Jill a mesma coisa que se passava com ela: ansiava por um homem e era desejada por outro. Sua amiga, pelo que parecia, devia ,estar desejando Larry, mas era Don quem lhe levava flores. Confusa com o que acabava de constatar, ficou sem saber o que dizer. Se pudesse, lhe ofereceria Larry numa bandeja de prata. Porque, sinceramente, embora o tenente fosse um amor, não dava um níquel por ele. No domingo de manhã, Arianne achou difícil pedir a Jill que ficasse com Rae. Mas, para seu espanto, percebeu que Larry já havia ajustado tudo com sua vizinha. Durante o almoço, num discreto restaurante afastado da cidade, ele mostrouse entusiasmado. — Você acertou na mosca! Grande, Arianne! — Que bom. Ele agarrou-lhe a mão com fervor. — Não quer me dizer a contra-senha do anel número dois? — O que é essa tal de contra-senha? Está me parecendo algo assim como uma caça ao tesouro. Larry deu uma risadinha. — É uma aposta que eu fiz com os rapazes. Nada importante, mas muito divertido. Vamos, querida. Concentre-se, como você fez da outra vez. Arianne olhou-o firmemente. Seu estômago contraiu-se num nó. Tinha uma sensação estranha, mas não sabia definir com exatidão o que a importunava. Algo não estava certo. No entanto, Larry iria persistir até obter uma resposta. E se respondesse corretamente, ele continuaria indefinidamente com aquilo! Devia dar uma solução falsa para seu enigma e convencê-lo de que seus poderes não eram infalíveis. Então, ficaria livre de suas perguntas incômodas de uma vez por todas! — A contra-senha é "mosquito"! A felicidade de Larry não teve limites. E Arianne desconfiou que ele devia estar usando seus poderes para ganhar dinheiro. Era o que todos queriam. Provavelmente, aquela aposta com os "rapazes" devia ser para valer. Isso era algo que Leo nunca havia tentado com ela. Não havia procurado usá-la. E aquela noite de paixão acontecera quase que exclusivamente por culpa dela. Podia não ter cedido, se quisesse. Não havia sido à força. . .
CAPITULO IX Na volta, passaram antes pela casa de Jill para apanhar Rae. Larry deixou o Corvette estacionado à porta da amiga e acompanhou-a a pé até sua casa. Ao se despedir, fez-lhe um novo convite, mas ela foi evasiva e não quis -se comprometer. O sorriso sumiu de repente do rosto dele. Obviamente, não esperava uma recusa de sua parte. Foi embora desapontado e, da janela, Arianne viu-o tomar o caminho entre as árvores e logo desaparecer no interior da casa de sua vizinha. Após a primeira sensação de surpresa, alegrou-se, esperando que Jill aproveitasse a oportunidade e fizesse uso de todo o seu charme. Mais tarde, telefonou-lhe convidando-a a passar a tarde com ela. A amiga não vinha mais à sua casa com a mesma freqüência de antes e Arianne sentia sua falta. Não queria que a amizade delas fosse abalada por uma bobagem. Jill prometera-lhe que viria às quatro, mas, como às cinco ainda não havia
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aparecido, Arianne começou a supor que não viria mais. Decidiu que, se ela não viesse até às seis, iria buscá-la. Passava um pouco das cinco, quando a campainha da frente tocou. Suas mãos estavam enfarinhadas, passara a tarde amassando pães e tortas. Mas não se deu ao trabalho de limpá-las. Com toda a certeza, devia ser alguém da Pequena Liga, pedindo uma contribuição para o Natal das crianças órfãs. Assim que abriu a porta, um vulto delineou-se no umbral. Fitou-o, boquiaberta, como se tivesse recebido um golpe súbito. Desta vez, ele usava uma jaqueta de couro vermelho, calça justa, de veludo cinza, e botas altas para proteger-se do mau tempo. Ficou louca de alegria, mas a emoção impediu-a de proferir sequer uma palavra. — Feche a boca, Arianne. Cuidado com as moscas. Ele sorriu. Os claros olhos verdes percorreram-na dos pés à cabeça, demorando-se na curva voluptuosa de seus seios. — Arianne... Ela estava magnetizada. Suas veias pulsavam, seu coração batia com força. Queria atirar-se nos braços dele, mas não ousava. — Querida Arianne, você parece surpreendida. Mas não devia. Não disse a você que voltaria logo que pudesse? — Sim, mas... — Posso ficar, Arianne? Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele já estava pendurando a jaqueta e retirando as botas, enchendo o saguão com sua presença. Um indivíduo alto, soberbo e confiante que a encantava com seu charme e que fazia todo o seu corpo tremer e se agitar. Quis abraçá-lo, mas, nesse instante, a porta da cozinha bateu e vozes de crianças fizeram-se ouvir. — E Jill que chegou com Erin e Lucy — ela disse a Leo, que a fitava interrogativamente. Quando sua amiga apareceu na sala, ficou atônita ao vê-lo, subindo as escadas com uma mala em cada mão. — O que ele está fazendo aqui? — perguntou. Arianne pegou-a pelo braço e levou-a de volta à cozinha. — Acho que suas enxaquecas voltaram — disse, disfarçando um sorriso radiante. — Seu médico sugeriu-lhe que passasse mais alguns dias na praia. — Não sei, não. .. Ele está com ótima aparência. Lembre-se do que lhe disse e tome cuidado! — Espere um instante, Jill. Vou armar o quadrado para Rae e Lucy e voltarei num minuto. Ao entrar novamente na sala, Arianne percebeu que a jaqueta e as botas de Leo não estavam mais no saguão. Ele devia ter saído. Aproximou-se da janela da frente e viu seu carro estacionado junto ao dela. Seu coração pulou de alegria. Mas aquele não era o mesmo carro! Era parecido com o anterior mas, positivamente, não era o mesmo! Não teve tempo de pensar no assunto, entretanto, porque viu Leo desaparecer por entre as moitas de amoreiras. Que estranho! Acabara de chegar e já se dirigia para o velho forte! Era o que parecia, pelo menos. Mas, por que, se o forte estava às escuras? A não ser que ele tivesse ido à cidade. . . Por que voltara, afinal? Para vê-la? Tinha de ser! E esperava, ardentemente, que tivesse vindo porque não podia viver sem ela. . .
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Ainda imersa em conjecturas, voltou à cozinha. Encontrou Jill preocupada e ansiosa, muito mais do que já a vira até então. —. Que foi, Jill? A moça não se fez de rogada e começou a falar imediatamente do ex-marido. Arianne suspirou, conformada. Desejava que sua amiga pudesse esquecer o passado mas, se ela se sentisse positivamente aliviada depois do desabafo, devia fazer um esforço para ouvi-la. — Esqueci de .dizer a você que ele estava na Marinha — disse Jill. — E que não era homem que se deixasse entravar por escrúpulos. Costumava furtar tudo o que lhe caía nas mãos. Qualquer coisa: caixas de munições, armas, mantimentos, jipes. .. Fez isso durante muito tempo e conseguiu muito dinheiro pela mercadoria roubada. Ah, ele era esperto! — Inacreditável! — Naturalmente, chegou o dia em que o escândalo estourou. Foi preso em flagrante roubando um cobertor, imagine só! E toda a sua esperteza não lhe adiantou nada. A Marinha decidiu tomá-lo como exemplo e ele perdeu a promoção por causa de uma ninharia. — Ele merecia uma punição severa, não é mesmo? — Merecia, considerando tudo o que roubou. Ele queria tudo o que havia de melhor, enquanto eu e Erin. . . — É espantoso! — Ele tinha gostos caros: suéteres de cashemire, camisas de seda pura. sobretudos de pêlo de camelo. . . Acredite! E eu vivendo sempre com medo de que a qualquer momento, ele tivesse que enfrentar uma corte marcial! Mandei-o embora inúmeras vezes, mas ele acabava voltando. — E você o recebia? — Sim, mas porque ele arrumava sempre boas desculpas. — Graças a Deus, agora você está livre dele! Jill pareceu constrangida. — Quê? Oh, sim... sim... estou. Arianne olhou-a com desconfiança. — Quando foi seu divórcio? — Na mesma época que o seu. Há uns dois anos. — O meu caso está definitivamente encerrado. Mas e o seu, Jill? Está, mesmo? — Não sei. .. acho que não. — O Don não está ajudando? Jill encolheu os ombros e nada disse. — Você está perturbada e desiludida — observou Arianne. — Talvez Don não seja a pessoa certa. — Como assim? — Bem. .. Larry é maravilhoso, mas não estou interessada nele. E vocês dois parecem se dar muito bem. Entendeu o que eu quis dizer? Jill pareceu exaltar-se. — Você não está interessada? Mas como não? O que há com você, Arianne? Arianne voltou à carga, muito calma: — Se você gosta de Larry e está se reprimindo por minha causa, não faça isso. Vá em frente e trate de conquistá-lo! Hoje à noite ele virá ter comigo, pensou Arianne, sentada diante do espelho, enquanto escovava os longos cabelos pretos. Ficou contemplando-se e não se reconhecia naquela jovem de rosto enrubescido de prazer. Os cabelos caíam-lhe pelos ombros e ela via o braço erguer-
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se e abaixar-se, e um reflexo da escova em movimento. Olhou para a porta por onde ele deveria entrar e sentiu o desejo florescer com uma intensidade gritante. E pensou em como realmente estava: uma mulher seminua, ansiosa por se desnudar completamente diante do homem que desejava. Mas, enquanto o tempo passava e ele não vinha, começou a sentir-se confusa. Que teria acontecido? Podia jurar, quando ele chegara, que estava ansioso por tomá-la nos braços e beijá-la. Sentiu-se frustrada, e nesse estado de espírito, resolveu tomar um banho. A água quente acalmou-a, afastando a tensão. Quando, finalmente, saiu do banheiro, sentiu-se restaurada. Enfiou o roupão sem preocupar-se em apertar a faixa e dirigiuse para seu quarto. Estava quase fechando a porta, quando Leo apareceu no corredor. — Arianne? Espere! — ele disse, em voz baixa. Com esforço, ela conseguiu murmurar: — Sim? A mão de Leo pousou-lhe levemente sobre o ombro, mas ele não a puxou para si. — Quero falar com você. E isso é realmente difícil para mim. . . Ela o olhou, ansiosa. — O que é, Leo? — Sei o que você espera de um homem. Você me disse certo dia na praia, lembra? Não posso lhe oferecer isso. E a estimo demais para querer tirar vantagem da situação. Não quero magoá-la. Arianne arregalou os olhos aflitos, querendo gritar: Não, não faça isso comigo! Leo, entretanto, parecia acompanhar sua luta íntima, porque correu nervosamente os dedos pelos cabelos loiros. E ela pensou, excitada, como era bom mergulhar as mãos naquela espessura sedosa, e sentir o cheiro doce e forte de seu corpo másculo, cuja lembrança enchia suas noites de sonhos tórridos.Queria apertá-lo contra o peito, contagiá-lo com sua febre, mas ele poderia repeli-la, não vendo sentido em tamanha explosão. Então não fez nenhum gesto, frustrada em sua ternura, e murmurou simplesmente: — Oh... — Acho que você me julga um doido, permanecendo aqui quando... na última vez... Mas eu não podia hospedar-me num hotel. E não queria ficar na casa de Jill. — Ele deixou cair o braço ao longo do corpo. — Mas prometo não tocar em você. Prometo solenemente! Arianne teve uma incrível vontade de chorar, tão desesperada se sentia pelo pouco que significava para ele. — Talvez você prefira que eu lhe sirva o café da manhã na sala de jantar murmurou. — Você está indo longe demais! — Leo disse, exasperado. — Quer almoço e jantar como antes? — Sim. — Boa noite, Leo. Ela demorou um segundo, ainda esperançosa, e depois lentamente fechou a porta. Então, largou-se sem forças sobre a cama. Era evidente demais que ele não voltara por sua causa!
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Na manhã seguinte, quando Leo apresentou-lhe o costumeiro envelope antes de sair, ela o pegou sem dizer palavra, tremendo de indignação. Irritava-se com a certeza que ele tinha de seu domínio. Devia considerá-la coisa sua, que podia tornar a recusar, como e quando quisesse! Gostaria de ter a coragem de atirar-lhe o maldito envelope no rosto e dizer-lhe que fosse para o inferno! Mas desejava-o demais, para arriscar-se a perdê-lo. Que o orgulho fosse para o inferno! A rotina diária acalmou-lhe aos poucos os nervos em frangalhos. E a confortável aura de bem-estar da loja, e o rosto bondoso de Orly, ajudaram-na a erguer o ânimo. Não era fim do mundo, afinal. . . embora fosse quase isso. — Você não disse que Leo voltou? — comentou seu patrão quase no final do expediente. — Então prepare-se. Aí vêm "Carne e Unha"! Arianne sorriu, quando as duas entraram na loja. — Bom dia, senhoras. Em que posso servi-las? — Meio quilo desse chocolate com amêndoas — disse a de cabelos azuis, batendo na vitrina com o dedo ossudo. A outra falou: — Ela jurou que viu catorze enormes sacos de mantimentos no supermercado! Catorze! Sem mencionar três caixas de bebidas e outra cheia de carne! Arianne pensou de quem elas deveriam estar falando, daquela vez. Obviamente, não sabiam que Leo havia voltado e não estavam falando dela. Pôs-se à escuta. — Parece que uma tribo inteira mudou-se para lá — comentou a de cabelos azuis. — Fazia muito tempo que o velho forte não era usado. — Não, não! As compras são para uma única família! Verdade, sim! Iam ser enviadas para a casa do almirante, a que fica no fim da praia. Almirante Lyndon Trush, era o nome que estava escrito na nota do supermercado. — Não diga! Vai acabar nosso sossego, com esses jovens de uniforme descendo e subindo as ruas a noite toda! Gente jovem não tem consideração pelos velhos. Uma desgraça, como eu digo sempre. Uma verdadeira desgraça! Enquanto pesava o chocolate, Arianne ia cismando. Então a Marinha estava ocupando o velho forte! Muito bem! Isso era novidade para ela. Agora, tinha a certeza de que ele não voltara por sua causa. Não. Regressara com um propósito bem definido que tinha algo a ver com o velho forte. Era isso! Pensou se realmente o vira, havia quase duas semanas, deslizando sorrateiramente ao longo da antiga residência da praia. . . Sua curiosidade era crescente. Decidiu fazer-lhe algumas perguntas discretas na hora do jantar. Não entendia o que um agente de viagens tinha a ver com um velho forte. Mas ele não havia dito que estava procurando um lugar para seu centro de convenções? Claro, o forte se prestaria às mil maravilhas! Muita terra, praia particular, edifícios que podiam ser restaurados. . . Talvez o Almirante Trush tivesse vindo ali para tratar da venda da propriedade. Mas parecia um tanto ridículo; não achava que um almirante se prestasse a esse tipo de coisa. Tentaria arrancar alguma informação de Leo! Enquanto preparava o jantar, Arianne teve tempo para ponderar todos os aspectos da questão. E chegou à irrefutável conclusão de que queria Leo Donev. Dava-lhe um prazer intenso imaginar-se, como antes, em seus braços. E agora que ele voltara, não iria deixar escapar a oportunidade.
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Ele fora honesto, advertira-a de que estava ali de passagem. Mas ela iria contentar-se com o que pudesse obter. Afinal, a vida era curta. Melhor aceitar o que a sorte lhe oferecia, sem pensar se era para sempre ou não. Morreria de desespero se não o tivesse novamente nos braços. Formulou seu plano. Era tão simples! Seduzi-lo, mas discretamente. Enlouquecê-lo lentamente, sutilmente, até que, incapaz de resistir, ele capitulasse. Até que pusesse abaixo a porta de seu quarto, se preciso fosse! Lançaria mão de todos os tipos de truques, não esqueceria nenhuma artimanha feminina, mas sem precipitar-se nem entregar-se ao primeiro impulso. E com um empurrãozinho aqui, outro ali, as coisas poderiam ficar favoráveis. Um ponto importante era não deixar que Leo percebesse que estava sendo conquistado. Ele era rápido de mente, e muito sensível. Naquela noite, levou mais tempo para se arrumar do que para fazer o jantar. Pintou as unhas dos pés, coisa que não fazia havia anos, e pôs uma gota de perfume em cada orelha. Escolheu as roupas depois de profunda deliberação: um vestido preto que revelava todas as suas formas e meias pretas para um toque de sensualidade. Penteou os cabelos para cima e prendeu-os com dois pentes de prata finamente lavrados que Mikey lhe trouxera do México.. Sentiu-se vitoriosa e sorriu, já vendo-se palpitante em seus braços.
CAPITULO X — A Marinha está ocupando o velho forte da praia — Arianne disse casualmente, passando a travessa de aspargos a Leo. Ele levantou os olhos do prato. — Sim...? — Chegaram hoje. — Verdade? — Sim. O almirante e seu cortejo. Aquela casa enorme que fica logo abaixo da colina já tem moradores. Não é interessante? Fico imaginando o que vieram fazer. — Que mais você sabe? — O nome do almirante. Lyndon Trush. Não soa bem militar? Leo fitou-a com franca curiosidade. — Como soube disso, Arianne? Andou consultando sua bola de cristal? Ela esboçou seu melhor sorriso. — Não. "Carne e Unha" estiveram na loja e você já pode imaginar! Parece que viram o nome do almirante nas compras do supermercado. — Ela voltou a sorrir. — Quer conhecer os detalhes? É excitante! Catorze sacos de mantimentos, uma caixa cheia de carne, três de bebida e um buquê de cravos vermelhos, daqueles que cheiram a cinamomo. Parece que ele gosta do perfume dessas flores. . . Arianne interrompeu-se, alarmada. Os cravos! Ninguém lhe dissera nada sobre os cravos! Em sua mente vira o buquê na parte de trás da caminhonete de entrega. Bem em cima da caixa de vinhos! Leo olhou-a fixamente. — Quem gosta muito de cravos, Arianne? Arianne mordeu nervosamente o lábio inferior. Maldita estupidez! Devia aprender a manter a boca fechada! Tomava sempre tanto cuidado com os outros,
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por que não se acautelara com ele? — Quem, Arianne? — insistiu Leo. — Oh. . . o almirante. Como foi um pedido dele, imaginei que ele deve gostar muito dessas flores — respondeu ela, confusa, tentando blefar. — Oh, não! Você não estava imaginando nada. Você sabia! E gostaria de entender como foi que "Carne e Unha" obtiveram esse tipo de informação! Arianne não respondeu logo. Ficou olhando para o prato com ar absorto. — Como foi, Arianne? — Bem: . . parece que ouviram isso da florisia. . . — Ela sorriu sedutoramente e procurou mudar de assunto. — Passeou bastante, hoje? Leo mostrava-se algo preocupado e ansioso. — Ainda não terminamos nossa conversa. Quero uma resposta franca, Arianne. Você esteve consultando sua bola de cristal? — Não preciso de bolas de cristal para... — Arianne gaguejou, confusa. — O que quero dizer é que. . . não seja bobo, Leo. Bola de cristal! Não passa de uma bugiganga, de um enfeite qualquer! — Então... você não se serviu dela? — Não! — Do quê, então? — Coma, Leo. Seu jantar está esfriando! — Diga, Arianne. Como soube dos cravos? Ela o encarou, ligeiramente aborrecida. — Mas, afinal, que importância pode ter para você que o almirante goste do perfume de cravos vermelhos? — Coma, Arianne. Sua comida está esfriando. Ela sorriu, triunfante, e baixou os olhos para o prato. — Doçura.. . — ele tornou, depois de um momento de silêncio. -- Por que não quer me dizer como soube dos cravos? — Hum! doçura! — ela comentou, irônica. — De sua relutância em revelar sua fonte de informação, devo concluir que você usou seus poderes mágicos. — Pense o que quiser. — Foi Larry quem lhe contou? — ele perguntou, arriscando um palpite. — Com Larry o caso é outro! — Ah...! Era a segunda vez naquela noite que ela tinha vontade de morder a língua. Diabo, o que estava acontecendo? Arianne respirou fundo e umedeceu os lábios. — E onde você entra com seu jogo, Leo? — Lidar com você, Arianne, é como querer abraçar um porco-espinho. Seus olhos verdes, claros como cristal, fixaram-se nela. E, gradualmente, seu sorriso de divertimento esvaneceu-se, dando legar a uma expressão cheia de ternura. — Desculpe, não queria dizer isso.. . A irritação dela evaporou-se diante do calor daquele olhar. Segura de si, acomodou-se graciosamente na cadeira e deslizou a mão pelo decote fundo do vestido. — Qual é seu interesse no forte, Leo? Quer comprá-lo para seu centro de convenções? Conhece pessoalmente o almirante? Uma vez mais Arianne enfrentou o olhar penetrante de Leo, e, uma vez mais,
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teve a impressão de ter acertado no alvo. — Responda à minha pergunta que eu responderei à sua — ele disse, sorrindo sedutoramente. Ela aceitou o desafio. — Muito bem. Sim, soube dos cravos através da minha clarividência. E foi assim que eu intuí que o almirante gosta do aroma de cinamomo. Ele suspirou, como se estivesse fazendo um esforço para cumprir sua parte do acordo. Estou realmente interessado no forte para um centro de convenções. É o lugar ideal. E estou tratando pessoalmente com o almirante. Mas pelo amor de Deus, Arianne, nada disso deve transpirar. Agora, mais do que nunca! Ele demonstrava tamanha ansiedade, que Arianne teve que reprimir um impulso de passar os dedos por seu cenho franzido. —Pode confiar em mim, Leo. Temos segredos mútuos para guardar. —O que eu não entendo é por que você quer fazer tanto mistério de seus poderes. —Porque tenho medo da reação das pessoas. Estou cansada de ser considerada a galinha dos ovos de ouro. — Galinha dos ovos de ouro?! —Você é a primeira pessoa que não achou que devíamos apostar nas corridas de cavalos — ela comentou, passando-lhe o saleiro. Por que me passou isso? —Mas. . . mas você não pediu? Não disse, "passe-me o...” Ele sacudiu a cabeça. — Não, não disse nada disso. —Oh, Leo! Você está tentando me confundir! Não é justo!Não Você! Subitamente, seus olhos encheram-se de lágrimas e ela teve vontade de sair correndo dali. Levantou-se precipitadamente. Meu Deus, esqueci a sopa no fogo — disse, rumando para a cozinha. Mas Leo ergueu-se de um salto,e bloqueou-lhe a passagem. Com gentileza, segurou-lhe o queixo e obrigou-a a encará-lo, enquanto aproximava o corpo do dela. sinto muito, Arianne. Não chore. Não passo de um desajeitado. Ele puxou-a para si, esmagando-a de encontro ao peito, secando-lhe as lágrimas com o calor de seus lábios. Uma excitação febril aqueceu o sangue.dela, fazendo-a fechar os olhos e lançar os braços em volta de seu pescoço. — Arianne? ele chamou depois de um momento. — Sim? — Você está ainda chorando? — Não. Ele retirou-lhe os braços do pescoço com gentileza e disse bruscamente: — Muito bem, então. Sente-se e acabe de comer. Ela não queria acreditar.JTinha vontade de esmurrá-lo e dizer-lhe que estava se comportando como um bobo. Mas foi sentar-se obedientemente. A paciência é uma virtude", pensou, com um suspiro. — Sinto muito sobre a história do saleiro, Arianne. — Quando um pensamento é enviado diretamente a mim, eu o capto. — Coma! — ele ordenou. — Você emagreceu e. . . — E... Ele suspirou fundo.
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— Você está usando uns pentes bonitos. São muito originais. Ah, ele estava querendo desconversar! — Mikey comprou-os para mim no México. — Sabe, Arianne. Estive pensando no que me disse naquele dia da praia.. . — Sim? — ela murmurou, esperançosa. — Você afirmou que não havia ninguém em sua vida. Mas parece-me que há vários. Mikey, Orly, Larry. .. Arianne sorriu intimamente. — Mikey é meu melhor amigo e eu gosto demais dele. E estou muito grata a Orly pela ajuda que ele me presta. Quanto a Larry. .. — Quanto a Larry? — Não sei o que pensar. Não o conheço muito bem. — Não? Você saiu com ele uma porção de vezes! — diante do espanto dela, ele acrescentou. — As pessoas falam. . . Ouvi um comentário no posto de gasolina. Aquele Corvette vermelho é muito conhecido. Será que ele estava com ciúme? Arianne achava que sim, embora ele soubesse disfarçar muito bem. — Arianne, o que significava aquele não, você! Alguém esteve usando seus poderes? Larry, talvez? — Ele queria que apostássemos nos cavalos. Eu não quis. — Ah! Então o romance não está correndo tão bem assim! Irritada por ver seu ar de triunfo, ela gritou: — Isso interessa a você? — Oh, não! Quero que Larry morra! — Leo disse, levan-tando-se bruscamente e saindo da sala. Arianne recostou-se na cadeira sorrindo. Ele estava com ciúme! Tinha vontade de dançar de alegria! Naquela noite, quando Leo voltou para casa, tarde como de costume, ela estava ainda na sala. Dava para notar que tinha acabado de tomar banho. Estava com o robe rosa e havia calçado as chinelinhas para ficar mais à vontade. Ele pendurou o impermeável amarelo e retirou as botas. O vento soprava forte, prenunciando tempestade e as vagas quebravam-se com fúria de encontro aos rochedos. Mas ali, tudo era paz e aconchego. A vela amarela deixava escapar um leve aroma de mel e as achas crepitavam alegremente na lareira, lançando fagulhas em todas as direções. Ela estava sentada na poltrona, toda embrulhada no robe, os cabelos presos no alto, os pés metidos nas chinelinhas cor-de-rosa. Ele fitou-lhe silenciosamente os enormes olhos negros e. . . hesitou. Geralmente, ela estava ainda vestida, quando Leo chegava. Esperava que o fato de estar usando o robe não fosse óbvio demais. Desejava que a sedução fosse sutil, discreta. Viu-o passar a mão pelo rosto e algo na sua expressão disse-lhe que percebera que ela não estava usando nada por baixo. Ele sentou-se finalmente no sofá, e fitou-a dentro dos olhos. — Devo-lhe desculpas pelo modo como saí da sala. Fui rude. Ela balançou petulantemente o pezinho e disse com naturalidade: — Tudo bem, Leo. — Não, não está bem. Não é da minha conta saber quem você recebe em sua casa. Não vou interferir. . . meus sentimentos não vão. . . Ele interrompeu-se, fascinado pelo vaivém das chinelinhas que lhe apertavam o peito branco e alto do pé, e deixavam aparecer as unhas pintadas de rosa. Depois suspirou fundo e lèvantou-se.
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— Vou tomar um pouco de brandy — disse. Ela o estudou objetivamente, enquanto ele andava de um lado para o outro da sala, com o copo na mão. Parecia mais descontraído, naquelas roupas comuns: camisa axadrezada, cinto vermelho, jeans desbotado... Que charada era aquela? Dissera que Larry dava muito na vista, com seu Corvette vermelho. Mas ele, pelo contrário, parecia querer passar despercebido. Será que para comprar um pedaço de terra era necessário fazer tanto mistério? Devia haver muito dinheiro envolvido na transação! Ou havia alguém mais desejando a mesma área? E o almirante, de que lado ficaria? Se algo assim estava mesmo acontecendo, então o que ela dissera sobre a predileção do militar pelos cravos vermelhos podia ser importante para Leo. Informações como essas costumavam abrir portas.... Se ela tinha chegado a essa conclusão, ele também. Arianne empalideceu. Talvez Leo tivesse voltado mesmo para vê-la e. . . para usar seus poderes. E não queria complicar tudo mantendo um caso com ela. Isso fazia sentido, embora fosse cruel demais. Mas Arianne não tinha certeza. E não queria que ele subisse logo depois de ter tomado seu brandy. Tentou interessá-lo numa conversa.. — Você tem irmãos, Leo? Ele pareceu surpreso, mas respondeu: — Tenho dois irmãos e duas irmãs. Todos casados. Sou o mais jovem e ainda solteiro. — E seu pai? É parecido com você? — Fisicamente, sim. Gostaria que eu me dedicasse aos negócios da família, como meus irmãos. Ele tem um grande restaurante. Arianne estava mais interessada do que pensava. Não podia imaginar Leo naquele cenário familiar. — Que tipo de comida? — Húngara. Meu avô abriu o restaurante há uns cinqüenta anos. O pai dele era dono de um hotel na Hungria. Tradição de família. — Não gostaria de se dedicar a esse ramo de negócios? Leo sorriu. — Não, não tenho paciência. Prefiro trabalhar sozinho. — Você vai sempre visitá-los? — Sim, sempre. Mas considero Los Angeles o meu novo lar. Ele aproximouse por detrás da poltrona e, virando-se paraolhá-lo, a chinelinha escorregou-lhe do pé. Ela quis apanhá-la, mas Leo adiantou-se. — Deixe que eu faço isso para você. Ele pegou a chinelinha. inclinou-se para calçá-la, mas, parecendo obedecer a um impulso incontrolável, beijou-lhe sofrega-mente a curva interna do pezinho branco e macio. . Arianne refugiou-se num silêncio cheio de expectativas, ofegando com a sensualidade daquele beijo que lhe incendiava o corpo. Mas, voltando a si, ele calçou-lhe a chinelinha, enquanto ela permanecia absolutamente imóvel, incapaz até de respirar, fitando-o com os olhos arregalados de surpresa. Então, encolhendo as pernas esbeltas, murmurou: : — Sim, Mikey me deu as chinelinhas, mas nunca fez isso! — Você leu a minha mente! — ele acusou, erguendo-se. — Você me perguntou! — ela defendeu-se. As veias do pescoço dele pulsavam furiosamente e Arianne teve vontade de
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pressionar seus lábios nelas. Podia sentir-lhe a excitação crescer e teve vontade de condescender sem palavras, de dar-se por inteiro, de abrir-se para aquela sede irrequieta. Mas não fez nada disso. Ficou quieta na poltrona, seguindo-o com os olhos enevoados de desejo, os cílios baixos para ocultar seu olhar sedento de amor. Ele acabou de tomar a bebida de um só gole. Abriu a porta e, sem voltar-se para ela, disse: — Boa noite, Arianne. . . Vejo você amanhã. — Boa noite, Leo.
CAPÍTULO XI A lembrança daquela noite perdurou na mente de Arianne durante os dias que se seguiram, enchendo-a de uma doce languidez. A intuição lhe dizia que a barreira que havia encontrado não podia ser tomada de assalto, mas a idéia de que em breve poderia estar nos braços dele crescia-lhe na imaginação. Embora à noite se separassem trocando apenas um cumprimento, ela experimentava uma sensação de felicidade, de alegria, de progresso que a persuadia de que, a qualquer momento, tudo poderia acontecer. Deitada, imaginava Leo na extremidade do corredor. Aquelas cismas a acariciavam como mãos amantes acariciando voluptuosamente um corpo nu. E uma excitação incontrolável tomava conta de seus nervos. Fechava as pálpebras ardentes, aconchegava-se sob as cobertas, seu corpo ansioso chamando por outro, forte e vigoroso, que lhe apaziguasse os sentidos. Tinha consciência de estar vivendo um sonho e que a vida real começaria quando Leo desaparecesse novamente na bruma de outro dia de inverno. Mas, fora de toda lógica, seu coração continuava a ser consumir num fogo delicioso. Da parte dele havia uma tenacidade que lhe permitia um autocontrole e uma finura de conduta admiráveis. Seu cativante senso de cavalheirismo ultrapassado impedia-o de tirar vantagem da situação. E o fato de ser ela uma mulher sozinha com um filho para criar devia ter despertado seu senso de proteção, levando-o a não agir de modo a lhe causar algum mal. Qualquer que fosse o motivo de sua volta, notava-se que ele estava feliz. As maneiras impecáveis podiam manter seus desejos sob controle, mas nao velavam o brilho ardente de seus claros olhos cor de jade. Havia ansiedade e alegria na sua expressão, quando ele entrava na cozinha, de manhã, para o café matinal. E, à noite, quando ele voltava do forte, gabava as escadas do pórtico de um só fôlego, como se não visse a hora de chegar em casa. Pela manhã, Rae impedia-os de ficarem a sós e, durante o jantar, havia a mesa entre eles. Mas, tarde da noite, quando ele chegava de seu passeio noturno, não havia nada a separa-los a não ser uma firme disciplina. Era então que um premente desejo de ação, de decisão, fazia seus nervos tremerem.E uma tensão erótica instalava-se entre ambos, como um demônio tentador, ameaçando explodir toda a intenção de comportamento civilizado. Porque, naqueles momentos, havia unicamente eles dois no universo inteiro. Terça e quarta-feiras passaram rapidamente. Na quinta-feira noite, Arianne resolveu mudar de tática: recolheu-se a .eu quarto antes de Leo voltar. Queria
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que também ele experimentasse o contrapeso da dúvida, dos temores, e a inquietante sensação de abandono. Na sexta de manhã, na hora do café, leu-lhe no semblante uma muda interrogação. Mas sorriu levemente e não lhe deu nenhuma explicação. Os olhos dele ardiam numa chama que a atormentava.Seu pulso acelerava-se,e a embriaguez da espera passava de sua mente para os seus membros ,fazendo-a sentir-se fraca e trêmula.Estava convencida de que não era mais questão de ‘se”, mas de “quando” ele faria amor com ela. Sentia queseria logo.... Percebeu que seria mais cedo do que esperava quando, inclinada sobre a pia,sentiu que ele a abraçava por detrás e enterrava o rosto em seus cabelos.Mas no instante em que ele segurou-a pela cintura,começando a voltá-la para si,Era atirou o prato de minguau no chão. Vendo a confusão que se instalara na cozinha,ela suspirou com resignação. —Vai ser um daqueles dias... Leo riu e disse. — Posso imaginar. Seus olhos se encontraram e ela sentiu uma vertigem, ao ver remontar à superfície dos dele a lembrança da tórrida noite de amor que haviam compartilhado. Quando voltou ao planeta Terra, seu corpo estava trêmulo e ansioso. O resto do dia passou lentamente, dividido entre as necessidades prementes do mundo real e os sonhos encantadores. Toda vez que pensava em Leo, seus olhos perdiam-se na distância e a sombra de um sorriso entreabria-lhe os lábios. Mas o jantar não foi nada daquilo que havia imaginado. Rae encontrava-se num péssimo dia e, às nove horas, ainda estava longe de querer dormir. Cansado, ele choramingava e esperneava, exigindo sua presença. E Arianne percebeu que pretender jantar com um bebê gritando no quarto de cima era uma proeza impossível. Assim, instalou-o no cadeirão ao lado deles. Quando se dispôs a lavar a louça, Rae começou novamente a soluçar tão alto, que foi obrigada a deixá-lo no chão da sala, rodeado de seus brinquedos favoritos. Da cozinha, ela o ouviu tagarelar, feliz, durante um bom tempo. E estranhou quando houve um silêncio repentino. Correu para a sala e estacou, surpreendida. Leo, que habitualmente saía depois do jantar, estava sentado diante da lareira, armando os blocos de madeira para Rae. Voltou para a cozinha sem fazer-se pressentir. Enquanto terminava de arrumar tudo, pensava se Leo iria sair naquela noite. Sentiu um arrepio de excitação porque, pelo jeito, parecia que não. Reuniu-se aos dois e acomodou-se no tapete, absorvendo-se também no jogo. Quando finalmente o último bloco de madeira foi colocado, Rae bateu as mãozinhas e atirou tudo para o alto. Era difícil ficar sério. Ela e Leo puseram-se a rir, inclinando-se um para o outro. E foi difícil impedir que o beijo acontecesse, um beijo suave, os lábios mal se tocando. Mas uma carícia pediu outra e, cedendo a um impulso apaixonado, trocaram um beijo longo e sensual, explosivo como dinamite. Os olhos de Arianne cintilavam, seu peito ofegava docemente. O ardor que Leo acordara em cada uma de suas fibras convenceu-a de que logo mais ia ser finalmente possuída. E na impaciência dos sentidos despertados, tinha vontade de se estender no tapete e de entregar-se ali mesmo! Mas era uma temeridade. — Onde está Rae? — perguntou, subitamente alarmada ao não vê-lo na sala.Um som metálico, vindo da cozinha, solucionou o mistério. O menino estava brincando com as tampas das panelas, seu passatempo preferido.
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Ambos relaxaram è Arianne voltou a sentar-se no tapete, de pernas cruzadas e as costas apoiadas no sofá. Leo terminou de recolher os cubos de madeira e ajoelhou-se ao lado dela. Passou-lhe o braço em volta da cintura e deitou-a gentilmente no chão. Inteiramente dobrado sobre ela, beijou-lhe não apenas a boca ansiosa mas seu ansioso corpo, fazendo-a gemer de prazer. Olhou-a. Ela estava linda, os cabelos escuros e sedosos esparramados no tapete, o colo todo descoberto exibindo sua carne dourada, os lábios cheios e sensuais entreabrindo-se molemente no abandono do desejo. Inflamado pela paixão, ele enlaçou-a e tomou-lhe novamente a boca, sentindo-lhe os seios cheios e firmes esmagarem-se contra seu peito. Vencidos pela urgente necessidade dos sentidos, não haviam percebido que Rae estava quieto demais. Notaram isso no mesmo instante e procuraram-no com os olhos. O menino estava deitado perto do sofá, quase adormecido ao lado de linx. Leo levantou-se e pegou-o no colo. — Dê-lhe um beijo de boa-noite. Vou pô-lo na cama. Arianne admirou-se. — Vai mesmo? — Tenho nove sobrinhos e gosto de levá-los para a cama de vez em quando. — Tudo bem, então. Ela esticou-se languidamente no sofá, o corpo ainda palpitante de excitação. Não havia ninguém que se comparasse a Leo. Extremamente seguro de si, mas terno e gentil, sabia mostrar-se tão inteiramente apaixonado... um amante perfeito! Ele demorou para descer mas, assim que entrou na sala, tomou-a imediatamente nos braços, beijando-a de maneira selvagem. Uma grande onda de calor envolveu-a e a sua sensualidade partiu, frenética, em busca da dele. Colou-se a ele com ardor e passou-lhe os braços pelo pescoço, correspondendo a seus beijos com ousado abandono. O som estridente da campainha arrancou-os bruscamente do encantamento, deixando-os tão espantados que levaram algum tempo para se refazer da surpresa. Leo correu os dedos pelos cabelos em desalinho e imprecou por entre os dentes cerrados. — Não podiam ter escolhido um pior momento! Arianne gemeu, desesperada: — Oh, não. . .! — Quer que eu vá atender? — Não se incomode, Leo. Eu vou. Era Larry e o espanto dela foi total. Ele percebeu e desculpou-se: — Sei que é tarde, mas vou me encontrar com Don na casa de Jill. E resolvi passar por aqui para ver você — disse, esten-dendo-lhe um pequeno buquê de rosas. — Obrigada, Larry. — Jill contou-me que seu hóspede voltou. Estou surpreendido, Arianne. Como foi recebê-lo novamente? Tive a impressão de que essa idéia não lhe agradava. Ela percebeu que o tenente não devia imaginar que Leo estava em casa. Sinal de que Jill devia tê-lo informado de suas saídas noturnas! Aborrecida, quis retrucar, mas ele não lhe deu tempo. Agarrou-lhe ansiosamente a mão e insistiu: — Não gosto nada disso, Arianne. Não pode se livrar dele? — Não, Larry.
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— Ele tem de ir embora! Ela ergueu o queixo com ar de desafio, e lançou-lhe um olhar gélido. Larry notou e pigarreou nervosamente. — Ah. . . sabe, o segundo anel. . . Bem.. . "mosquito" não era a contra-senha certa. Deve haver outra. . , Arianne quase caiu das nuvens. — Quê. . . ? — Você me disse que a primeira contra-senha era "trenó" e a segunda "mosquito". Está lembrada? A primeira estava certa, mas a segunda não. Você tem que tentar novamente. Os olhos escuros de Arianne brilharam de indignação, mas ela se conteve. — Um momento, Larry. Deixe-me pensar. . . A contra-senha. . . a contrasenha é "retardado"! - — Retardado? — Exatamente. — Tem certeza? Ela pensou por um momento e, por fim, fez um sinal afirmativo. — Completamente! — disse, enfática. Não queria acreditar que ele tivesse vindo à sua casa tão tarde da noite por uma razão tão tola. E queria continuar a desencorajá-lo. — Vou por tentativas, Larry. Nunca se pode ter certeza, quando se trata com poderes extra-sensoriais. — Você deve estar usando clarividência unida à telepatia — afirmou o tenente. — E casos documentados provam que. . . — Larry. ..! — Sim, eu sei. Já vou indo. Olhe, se você hospedou esse sujeito porque estava precisando de dinheiro, podia ter recorrido a mim. Afinal, para que servem os amigos? — É muita bondade de sua parte, Larry, mas posso cuidar de mim mesma. Obrigada. A irritação que a havia dominado evaporou-se com a mesma rapidez que surgira. Sentia uma ponta de remorso, mas queria que ele fosse embora o mais depressa possível. Antes que percebesse que Leo estava em casa. Larry olhou-a por um momento, indeciso, e depois arriscou: — Amanhã à noite tenho de vir aqui perto e passarei para visitá-la às oito ou às nove. Está bem? Arianne pousou a mão na maçaneta da porta. Ah. . . sim. Boa noite, Larry. Mas ele não parecia disposto a ir embora. Correu os olhos pelo saguão em penumbra e ofereceu-se: — Você já deve estar decorando sua árvore de Natal. Não quer que eu fique para ajudá-la? — Não é preciso, não. Eu vou ajudá-la — Leo disse, chegando com as mãos nos bolsos. — Como vai, Larry? A confusão de Larry foi quase cômica. Ficou vermelho e sem fala. Só ao fim de alguns instantes recuperou o controle e retribuiu o cumprimento. — Arianne, não vai convidar o tenente a entrar? — Leo perguntou com muita polidez. — Não posso ficar. . . Não, esta noite — apressou-se em dizer Larry, ainda perplexo. — Que pena! Muito trabalho?
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— Bastante. Ouvi dizer que suas dores de cabeça voltaram. Sinto muito. — Estafa. Pressões da vida moderna. . . — Não sei o que significa isso — afirmou Larry, esboçando seu eterno sorriso. — Claro que não. Você ocupa uma posição privilegiada. — Sabe, estou surpreso que você não tenha ficado na casa de Till. Arianne não costuma dar hospedagem, como deve saber. — Arianne fez questão que eu ficasse. Mas isso é problema meu. . . Alguma coisa na voz dele fez Arianne estremecer. Havia algo no ar que não conseguia entender. Um rancor dissimulado que não podia ser explicado apenas pelo ciúme. Olhou para Larry e notou a expressão de profunda antipatia estampada no seu belo rosto. Sentiu-se tão arrepiada quanto Jinx à idéia de um banho! Depois que o tenente se foi, Arianne olhou interrogativãmente para Leo, à espera de alguma explicação. Mas, para seu total espanto, ele começou a calçar as botas. — Vai sair? — Vou e não me espere — ele disse, dando-lhe um rápido beijo no rosto e saindo atrás de Larry Barnes. Arianne não sabia o que pensar. Que diabo estava Leo querendo fazer? Ia realmente no encalço de Larry? Tudo indicava que sim porque, antes que o tenente aparecesse, ele não parecia disposto a ir a lugar algum. Maldição! E estaria pretendendo segui-lo a noite toda? Dissera-lhe para não esperá-lo e isso a fazia desconfiar de que iria passar muitas horas fora de casa. Tentou ajustar as peças do quebra-cabeças, mas nada encaixava. Por que diabo Leo tinha de ir nas pegadas de um oficial da Marinha? Por que, quando podia ficar ali, diante do fogo, fazendo amor com ela? Leo não lhe deu nenhuma explicação, no sábado de manhã. Passara a maior parte da noite fora, enquanto ela ficara mergulhada num torpor, sem dormir completamente, a mente remoendo imagens confusas. Na hora do café ele lhe deu o pagamento de outra semana no costumeiro envelope e o dinheiro ergueu subitamente uma barreira entre eles, criando um clima constrangedor. Ela podia entender, agora, por que Jill sempre a aconselhava a não se envolver sentimentalmente com seu hóspede. Leo parecia cansado e preocupado, e estranhamente distante. Isso a angustiava e a magoava ao mesmo tempo. Que fazer com um sujeito que se aproximava e se distanciava a seu bel prazer? Que podia tomá-la ou repeli-la, como e quando quisesse? Queria saber o motivo de sua misteriosa saída noturna, mas não se atrevia a perguntar-lhe coisa alguma. Afinal, ele era livre para fazer o que bem entendesse e ela não queria parecer magoada com a sua frieza e seu descaso. Leo tomou apressadamente seu café e, ao sair da cozinha, virou-se para ela e perguntou-lhe à queima-roupa: — O que Larry queria, Arianne? Ela estava para lhe dizer, atônita, que não sabia, quando um fluxo de imagens formou-se em sua mente, transformando-se a seguir numa enxurrada de palavras. Disse automaticamente, sem refletir: — Vinte e quatro, acesso direto destinado ao terminal. . . identificação. . . código secreto... Arianne interrompeu-se abruptamente.. — O que significa isso, Leo?
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O choque de sua inesperada manifestação era visível nele. Ela nunca o vira assim, a fronte contraída, o rosto pensativo. — Não sabe? — ele perguntou, com voz alterada. — Não, e você? Se perguntou, devia saber! Para mim, não faz nenhum sentido. Pensei que Larry quisesse saber algo completamente diferente. Algo que tivesse a ver com anéis... — Anéis?! —Sim, anel número um, número dois e assim por diante. Parece engraçado, mas ele afirmou que existe uma contra-scnha para cada um deles. Você sabe doque se trata? Imaginei que devesse ser uma espécie de jogo de azar e que houvesse muito dinheiro envolvido. Larry parecia tão ansioso. .. Leo a fitava com uma expressão perplexa, como se tivesse sido atirado, sem querer, às portas de uma revelação com que nunca imaginara deparar. Arianne alarmou-se. — O que está havendo, Leo? — Um pouco mais do que eu gostaria que houvesse — ele disse misteriosamente, desaparecendo no saguão. Arianne gostaria de ter atirado o açucareiro atrás dele. Mas sua violenta reação foi logo substituída por uma imensa tristeza. Por que motivo seu sexto sentido acabava sempre interferindo em sua vida particular? Seu relacionamento com Leo iria voltar à estaca zero, agora que ele conhecia o poder de sua mente? Sua videncia devia parecer-lhe algo monstruoso e ela mesma um ser estranho que era melhor evitar. Mas restava o fato incontestável de que fora ele quem lhe pedira a informação com muita insistência. Se tivesse pensado um único segundo no que iria provocar, teria evitado de lhe falar desse tal acesso direto! Claro que ele sabia o que aquelas palavras aparentemente desconexas queriam dizer! Caso contrário, não teria ficado tão preocupado. Mas o que estava feito, estava feito! — Arianne? Ela voltou-se, sobressaltada, e viu Leo na porta da cozinha. — Que foi? — Não virei jantar em casa. — Ah. . . está bem. Ele pareceu hesitar e então deu-lhe as costas e foi embora sem dizer palavra. Ela estava a ponto de explodir, concentrada numa raiva crescente por ele. Odiava-o, odiava-o! O que estava acontecendo com ele, afinal? Se estivesse com ciúme, por que não a agarrava e não a beijava? E se não a desejava, por que deveria importar-se se alguém mais a quisesse? Um nó contraiu-lhe as entranhas, ao pensar que Leo provavelmente lhe faria mais perguntas, de agora em diante. Talvez seu interesse se resumisse em seus poderes e não nela mesma. Tudo ardilosamente planejado, inclusive o envolvimento sentimental!Temia isso e ficava envergonhada ao imaginar que tanto Larry quanto Leo estivessem apenas atrás das vantagens de sua clari-vidência. Temia, mas não se surpreendia. Afinal, esse havia sido seu eterno problema. . .
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CAPÍTULO XII Outro problema era ter de agüentar Larry naquela noite. Provavelmente ele a convidaria para sair e isso ela não estava disposta a fazer. Sentia-se sem energia para suportar-lhe a presença durante horas. Se' arranjasse uma boa desculpa. . . Mas, após ligeira consideração, chegou à conclusão de qué, afinal, não era nada mau ter alguém que a cortejasse. Larry, pelo menos, não parecia ter mudado de idéia e mostrava-se tão atencioso e gentil como sempre. Entretanto, apesar de sua condescendência, uma sensação de mal-estar assaltou-a e seus olhos turvaram-se de desespero. Por que estava sempre se interessando pelas pessoas erradas? Primeiro Reggie, agora Leo. . . Devia ter se casado com seu primo, como"sua mãe e o próprio Mikey desejavam! Para fugir de si mesma e das dúvidas angustiantes, começou a arrumar-se com bastante antecipação. Apanhou o suave vestido de malha vermelha que iria usar e segurou-o contra o corpo. Empregara muito tempo para tricotá-lo e, ao observar-se diante do espelho, teve todo o direito de sentir-se orgulhosa de seu esforço. Além do mais, ajudava a criar um clima festivo, já que faltavam apenas duas semanas para o Natal. Larry chegou às oito em ponto e Leo, esperado para as nove, chegou logo depois. Os dois entreolharam-se hostilmente e Arianne exultou, sentindo um arrepio de excitação percorrer-lhe a espinha. Embora com uma pontada de remorso, pensou em servir-se do tenente e pôs-se a flertar abertamente com ele. Rejubilou-se com a reação de Leo e quis vê-lo não apenas com ciúme, mas positivamente furioso. Ficou de pé ao lado de Larry e pousou a mão no espaldar da poltrona. Oh, Leo era educado demais para deixar transparecer alguma coisa em seus modos, mas ao encontrar-lhe os olhos por uma fração de segundo... Deus! O homem devia estar tinindo! Não só irritado com o desplante dela, que recebia sorrindo os olhares cheios de admiração de Larry, mas pela visão de seu belo e generoso corpo de mulher vestida provocantemente de vermelho! Uma mistura altamente explosiva! Não pôde deixar de se divertir com a situação, embora sua consciência a repreendesse. Sorriu para Leo, um sorriso insi-nuante, cheio de segundas intenções. Os olhos dele eram dois pedaços de gelo, mas devoraram com ardor seu rosto inocente emoldurado pela nuvem de cachos escuros. Provocou-o ainda mais, sentando-se no braço da poltrona de Larry, e cruzou displicentemente as pernas esbeltas, sabendo-o irremediavelmente fixado naquela cena. Mas não contava com a afoiteza do tenente que, julgando-se preferido, convidou-a: . — Vamos sair, boneca? — disse, lançando um olhar triun-fante a Leo. Podemos levar Rae à casa de Jill, ela não vai. se importar. Ou então, por que não deixamos essa honra ao sr. Donev, já que ele se tornou um amigo da família? — Oh, não! — objetou, Arianne. Ela não queria sair com Larry! Queria ficar ali e continuar com seu joguinho até ver Leo perder o controle. E então, assim que Larry fosse embora e eles ficassem a sós. . . — Não, não podemos — voltou a dizer. — Preciso ficar em casa, Larry. — Nada disso, boneca. Vamos nos divertir um pouco. Escolha quem deve ficar com Rae: Jill ou Leo.
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Arianne levantou-se, aborrecida. — Francamente, Larry. . . — Ficarei com Rae com muito prazer — interrompeu-a inesperadamente Leo, fazendo-se de inocente. — É o mínimo que posso fazer por você, Arianne, que foi tão bondosa com um homem doente. — Teve outra enxaqueca? — ela perguntou ironicamente. — Uma das mais terríveis. Foi por isso que voltei mais cedo para casa. Saiam e divirtam-se. Ficarei acordado à sua espera,Arianne. Era seu modo de dizer que ela podia sair, mas que devia voltar para ele. A insinuação foi tão clara que Larry apertou-lhe o braço com força, enquanto atravessavam a sala. — Podemos nos atrasar — observou o tenente, do limiar. — Não sei se é uma boa idéia você ficar acordado. Mas Leo pareceu não levar em conta sua observação. — Não esqueça que ficarei à sua espera, Arianne — voltoua dizer. Arianne sentiu vontade de dar-lhe uma sonora bofetada. Como ousava empurrá-la para os braços de Larry? Não se importava nem um pouco com ela, então? Estava trêmula do esforço que fazia sobre si mesma para controlar-se e não dizer-lhe poucase boas! Ainda não tinha vontade de sair, mas era muito melhor do que ficar em casa com aquele sem-vergonha! Seria capaz de lançar-lhe isso no rosto: chamá-lo de sem-vergonha! O que,aliás, era mesmo! — Aonde você quer ir? — perguntou-lhe o tenente, assim que entraram no carro. — Em algum lugar divertido, onde já se sinta o clima de Natal. — Muito bem! Vamos a Seattle, então. — Não gostaria de ir tão longe a esta hora da noite. — Onde está seu senso de aventura? — Acho que o deixei em casa — ela murmurou, contrafei-ta. — Fica para outra vez, sim? — Conheço um lugar fantástico em Seattle — insistiu Larry. — Daremos um belo giro e voltaremos para casa bem tarde. E isso servirá de lição ao sr. Enxaqueca! — Realmente, Larry. .. Não quero chegar em casa tarde. Leo está me pagando um bom dinheiro, para que o deixe servir de babá! — Foi ele que se ofereceu. — Sim, mas... — Jill é vizinha de porta, Arianne. Você não tem com que se preocupar. Vamos nos divertir bastante! Arianne suspirou fundo. — Muito bem, Larry. Você venceu. Mas não quero voltar muito tarde, lembrese disso. — Certo, certo! Durante o percurso, ela logo percebeu o motivo da insistência dele em levá-la para um lugar tão distante. Estava novamente interessado nos tais anéis! — A contra-senha "mosquito" estava errada e também "retardado". Você tem que se esforçar mais, Arianne! — Faço o que posso. — Mas você acertou na primeira vez! — Disse a você que eu estou sujeita a errar. Não sou infalível, Larry! — Antes, você acertava sempre. Agora,, de repente, não consegue mais!
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Pode me explicar isto? — Sinto muito, mas eu o avisei. Foi o tempo todo assim e Arianne pensou, aborrecida, se não teria sido melhor ficar tricotando em casa! Quando ele estacionou o carro diante de sua porta, lá pelas duas da manhã, ela soltou um suspiro de alívio. As luzes do térreo estavam todas acesas, mas o silêncio era total. Tirou o casaco, não acreditando, por nada deste mundo, que Leo ficara acordado, à sua espera. E ele não estava mesmo acordado. Jazia profundamente adormecido no sofá da sala, a gata Jinx esparramada no seu peito. Olhando-os, ela sentiu-se inexplicavelmente comovida, e uma onda de felicidade dissipou a raiva que experimentara durante a noitada com Larry. Pegou a manta que ficara ao lado da lareira e cobriu-os. Mas, ao sentir o peso do cobertor, Jinx arqueou-se, assustada, acordando Leo. Ele abriu os olhos e, ao vê-la, agarrou-a pelos pulsos. — Você chegou. .. — Cheguei. Ele sentou-se, ainda estonteado de sono. — Que horas são? — Duas. — Duas?! Ele parecia tão indignado, que a raiva dela reacendeu-se novamente. —- Sim, maldição! Duas horas! Não tenho mais dezessete anos e você não é minha governanta! — Não, sou apenas sua babá. — Acordou mal-humorado, por acaso? — Não sou um sujeito mal-humorado, fique sabendo! — Foi você quem se ofereceu para ficar. Não fique agora me recriminando. — Tem razão. Eu me ofereci e foi agradável ficar com Rae. A espera é que foi horrorosa! Nunca mais! — Não pretendia falar com você, quando chegasse em casa. —Sua noitada não foi agradável? Havia sido irritante e chata, mas Arianne não ia lhe dar o prazer de admitir isso. Sorrindo, disse com naturalidade: — Foi muito divertida. Fomos dançar... — Dançar. . . — ele murmurou, devorando-a com os olhos. — Dançar! — Sim. E jantar, depois. — Você está querendo me torturar! Ela riu deliciada. — Isso mesmo! — E na volta, ele não tentou beijá-la? — Você sabe que isso não é da sua conta. — Acha, realmente, que deve encorajar um tipo como ele? Ela o fuzilou com o olhar, mas procurou manter um tom de voz calmo. — Que conversa é essa? — Quero saber, Arianne! — Não seja ridículo, Leo, e vá dormir. Agora mesmo! — Por que não quer me responder? — Muito bem! Dê-me um bom motivo por que eu não deva encorajá-lo! — Não me diga que você acredita que esse faroleiro tenha boas intenções!
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Não está querendo outra coisa senão divertir-se! Ela ficou parada, olhando-o fixamente. — E o que tem de mais divertir-se um pouco? — Você está sendo cínica! — O casamento deixou-me assim! — Mas que bobagem é essa? — Gosto de sair com Larry, e daí? — Você não é desse tipo, Arianne! Não se rebaixe! Você precisa de um marido. . . um pai para Rae, não de um sujeito desses! — E quem é você para julgar Larry? —- O sorriso dele não me engana, Arianne. Ela estava positivamente furiosa. — Sua petulância é simplesmente revoltante! Além do mais, Rae não precisa de um pai e eu não preciso de marido! — Não, mesmo? Nem a ajuda. . . — Sei cuidar de mim! — ela gritou, exasperada. — Um companheiro. . . — Tenho amigos! — Um amante. .. — Como se atreve a me aconselhar o casamento, se você não é do tipo de casar? O que você quer é se divertir! Por que está pondo defeitos em Larry, se não é melhor do que ele? Ele não pode, mas você sim? Que espécie de princípios são esses? Oh, por que você tinha que voltar? Ele estendeu o braço para alcançá-la. — Não toque em mim! Arianne correu para a escada, galgou os degraus de dois em dois e fechouse no quarto. Todos os seus belos planos tinham de terminar assim, numa discussão estúpida! Estava doida por ele, mas aqueles seus danados conselhos haviam-na feito sentir-se vulgar. Queria amá-lo, e ele menosprezara seus momentos de intimidade, julgando-a uma leviana qualquer, pronta a ir para a cama com o primeiro que aparecesse! O seu preço era outro, um preço muito alto, que ele absolutamente não queria pagar! Na manhã seguinte, Arianne foi muito seca com Leo. Tratou-o fria e formalmente. Estava mesmo inclinada a tratá-lo como a um hóspede indesejável, mas permitiu que ele tomasse o café na cozinha. Sentada diante dele, captou-lhe uma fugaz expressão no rosto e notou que ele estava preocupado. Procurava-a com os olhos, contrafeito, embora tivesse o cuidado de não tocála, quando se servia de algum prato. Dava a impressão de ter sido colhido por fatos repentinos, por uma situação indesejável e que não podia esquivar-se. E isso era curioso, porque imaginava que a discussão da noite anterior iria livrá-lo de qualquer sentimento de responsabilidade ou culpa que tivesse por ela. Afinal, uma discussão era sempre um bom pretexto para pôr fim a um caso de amor. Mas não entendia por que ele devesse ter escrúpulos de sentir-se culpado por aquela única noite de amor. Talvez fosse outro o motivo de sua preocupação. O que, então? Que mais o faria fitá-la com aqueles olhos tão inquietos? Ele não iria jantar em casa naquela noite, foi o que lhe disse depois do café. E ela sentiu-se magoada, mesmo sabendo que era estupidez reagir dessa maneira. Contava com uma reconciliação, e esperava ouvir, em confissão apaixonada, que ele não podia viver sem ela.
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Mas em questão de amor era aterradoramente ingênua! Uma tola presunção, sem dúvida, imaginar que essa ligação fosse, durar pela vida afora! Observando-o mergulhar na neblina da manhã, névoa entre a névoa, seu coração doeu. Continuou a olhá-lo até vê-lo desaparecer por entre as moitas de amoreiras. Ele passava muito tempo naquele forte.. . Um negócio levaria realmente tanto tempo para se realizar? Não havia um único dia em que ele nãofosse para lá!O domingo foi solitário, dedicado quase todo à rotina da casa. À tarde, ela brincou um pouco com Rae e juntos fizeram biscoitos para pendurar na árvore de Natal, embora, até o momento, não tivesse comprado nenhuma. Jill não aparecia mais.como costumava fazer, e Arianne, por alguma estranha razão, não tinha vontade de visitá-la. Telefonou à sua mãe, contando-lhe as novidades, e esse foi seu único contato com o mundo exterior. O crepúsculo chegou cedo. Mas, durante um instante, a bruma dissipou-se ligeiramente e ela pôde vislumbrar o forte naval delineado pelo brilho azulado do anoitecer. Havia algumas casas à vista, agora, e enquanto olhava, caminhões, jipes e carros iam e vinham, numa movimentação constante. Era uma ilha de atividade cercada por um mundo onde nada se movia. Algo estava acontecendo lá embaixo, certamente. . . Arianne deu o jantar a Rae e depois levou-o para a cama. Quando ele adormeceu, aconchegou-o no cobertor junto com o crocodilo verde e saiu para o corredor.Como em transe, foi para o armário-rouparia, apanhou ò farolete e rumou para a porta fechada junto à escada. Pôs a mão na maçaneta, girou-a e entrou no quarto. Uma das malas estava sobre a cama, a outra numa cadeira ao lado da mesa. Tomou nota mental da arrumação, para deixar tudo como encontrara, e iniciou üma busca sistemática.Não sabia o que estava procurando, mas sentia que algo estranho estava acontecendo, desenrolando-se bem debaixo de seu nariz e que não tinha conseguido perceber. Leo não iria dizer-lhe nada, assim, tinha que chegar à verdade usando outras táticas. Sentia-se obrigada a fazer isso. Nunca havia rebuscado nas coisas dos outros e estava surpreendida ao perceber como era difícil executar aquela tarefa aparentemente simples. A semiobscuridade na qual tinha de trabalhar tornava as coisas mais difíceis. O farolete focalizava ora isto, ora aquilo, e tudo tomava conotações sinistras. Tinha a penosa impressão de que seria surpreendida a qualquer momento. E morreria se Leo a apanhasse em flagrante delito de espionagem! A sensação da presença dele era quase real e o quarto estava cheio das recordações daquela noite de amor. Podia sentir, como se fosse real, a pressão de seu corpo vigoroso e de seus lábios sedentos de amor. Sua mão tremia, quando abriu a gaveta da cômoda. Mas não encontrou nada que lhe chamasse a atenção. Nem nessa, nem nas outras gavetas. Verificou as roupas penduradas no antigo armário de carvalho e desdobrou os macios suéteres de cash-mere. Nada! Cada estalo de madeira da velha casa a fazia estremecer, cada sussurro do vento através das folhagens provocava-lhe arrepios na espinha. Mas não podia se apressar, para não se descuidar, ao repor as coisas nos seus devidos lugares. Na mesa, sob um jornal negligentemente dobrado, encontrou o relógio de ouro e a carteira de couro. Ali, além do dinheiro, uns trezentos dólares, havia cartões
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de créditos e documentos de toda espécie. As coisas estavam começando a ficar interessantes. . . Todos os cartões de crédito estavam em nome de Leo Donev e deduziu que esse devia ser seu verdadeiro nome. Suspirou, desapontada. Mas havia algo, tinha de haver! Sentia isso em seus ossos e quando tinha um pressentimento tão forte como aquele, era difícil que estivesse enganada. Mas o que estava exatamente acontecendo? Quem estava envolvido? Como? Por quê? Guardou cuidadosamente os cartões em suas respectivas carteirinhas de plástico e começou a repassar os cartões de apresentação. Cada um deles representava-o num diferente tipo de atividade: agente de viagem, dono de livraria, agente de seguros, técnico de aparelhos eletrônicos! No último deles, leu: "MicroCon,' Inc. Setor de Investigação Leo Donev” Na parte de trás havia a impressão de um polegar. Uma marca no plástico transparente que captou sua atenção unicamente porque o foco de luz apanhou o ângulo certo. Era só isso o que havia no cartão: as três linhas impressas de um lado e a marca do polegar no outro. Nenhum endereço ou número de telefone. Nada. Muito curioso, na verdade! Fascinada, ,Arianne fitou a marca quase invisível. Era uma identificação importante, mas não era o que ela esperava encontrar. Que significava aquilo? Para que fim era destinado aquele tipo de documento? E o que ou quem estaria Leo investigando na pacata e antiga Port Towsend? Essa questão intrigou-a. E, por uma natural associação de idéias, pensou no forte e na sua recente atividade. Um almirante ocupava a residência... Leo ia para lá todos os dias... Devia estar trabalhando para a Marinha. . . ou contra ela! Nesse caso, estava explicado por que ele havia preferido sua casa, em vez de um hotel de primeira classe no centro da cidade: a proximidade do forte e uma visão conveniente do que acontecia lá embaixo! E o caso de apendicite de Erin viera a calhar como uma luva em seus planos! Arianne repôs os objetos na mesa exatamente como os encontrara e voltou a sua atenção para os livros. Havia dois de História, mais dois tratados de técnicas avançadas de computação e um último que ela conhecia bem porque havia sido seu livro de cabeceira: um estudo muito compreensível sobre ciências psíquicas. Sentiu um estremecimento moral. Seria ela o objeto de suas investigações? Deixou os livros de lado e encaminhou-se para a mala que estava sobre a cadeira. Abriu-a. Estava cheia de roupas brancas lavadas e passadas! Estranho como até agora não havia pensado nisso. Nunca o observara chegar ou sair com algum pacote da lavanderia. Teria mandado lavá-las na cidade. . . ou no forte? Se fosse no forte, então devia trabalhar para eles, e não contra eles. Estava para fechar a mala, quando lhe ocorreu que devia fazer um exame mais detalhado. Tinha ido tão longe, não havia motivo para não completar o que já iniciara! Memorizando a arrumação das roupas, começou a esvaziar a mala metodicamente. Bem no fundo, encontrou uma pasta de couro contendo papéis.Sentindo voltarem os arrepios premonitórios, retirou o material de dentro da pasta. Havia muitas folhas, mas, como o papel era fino, faziam pouco volume. Dirigiu o foco de luz para elas e notou o que, à primeira vista, pareceram-lhe cópias fotostáticas de cartas e de recortes de jornal. Espalhou os papéis sobre a mesa, focalizou-os com o faro-lete e começou a lê-los. Depois de alguns segundos, ficou de respiração suspensa. Passou
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rapidamente de uma página para a outra. Na terceira, havia algumas pequenas fotografias em branco e preto: dela, de Reggie, da amante de Reggie, e de seu suposto amante, o detetive da companhia de seguros! Arianne gemeu na escuridão do quarto. Estava tudo ali, branco no preto, o caso completo do seqüestro, o histórico de sua vida e o de sua mãe. Havia depoimentos pessoais assinados por diversos clientes seus, entre os quais a agência de detetives e o capitão de polícia que solicitara seus serviços. E outros recortes sobre o caso de Reggie e o conseqüente divórcio. A repulsa tomou conta dela, ao deparar com um artigo sobre seu suposto envolvimento com o jovem detetive que lhe pedira ajuda no caso da fraude do seguro. Mas havia mais: várias notas sobre seu repentino desaparecimento e, por fim, a carta de um professor de ciências psíquicas. Antes de casar com Reggie, o dr. Mathias Dickenson pedira-lhe para se submeter a vários testes envolvendo fenômenos psíquicos e ela concordara. Mais tarde, no entanto, diante da contrariedade demonstrada por Reggie e pela sra. Sutherland, e para preservar a paz da família, ela se recusara a continuar. Deu uma olhada na data da carta e quase soltou um grito de espanto. Era recente, de três semanas atrás! Devia ter impressionado demais o dr. Dickenson, porque ele dizia textualmente:"Arianne Sawyer, ou Anne Sutherland, como era conhecida durante seu casamento, foi o mais profundo exemplo de paranormalidade que tive a oportunidade de observar. As poucas folhas anexas contêm o resultado dos testes a que a submeti. Às vezes, suas exatidões faziam meus cabelos eriçarem-se na nuca e eu, sr. Donev, sou um cientista. Meus cabelos não ficam facilmente em pé! Foi um dia triste para mim, quando ela se recusou..." Arianne pôs a mão no peito para impedir que seu coração batesse tanto. A carta era endereçada a Leo e o volude informações era tão grande que daria para afundar um navio Mas que navio o sr. Donev estava tentando afundar?
CAPITULO XIII Arianne juntou cuidadosamente as folhas e repôs tudo na pasta de couro. Arrumou a mala, fechou-a e examinou o quarto para assegurar-se de que tudo estava em ordem. Saiu para o território neutro do corredor e soltou um enorme suspiro dealívio. . Para que propósitos Leo queria utilizar aquelas informações tão inteligentemente apresentadas? Por que se dera ao trabalho de coletar a história detalhada de sua vidência? Fizera tudo aquilo nas três semanas em que estivera fora? Mas se ele estava ali para investigá-la, por que passava tanto tempo no velho forte naval? Aquela pasta provava que ele estava interessado nos seus poderes extra-sensonais e nao nela. uu, como dizia sua mãe, estava unicamente atrás da vassoura da feiticeira e não da feiticeira! Uma batida na porta dos fundos obrigou-a a agarrar-se no corrimão, de tão assustada. Tentando acalmar as batidas selvagens de seu coração, desceu rapidamente as escadas. Devia ser Jill. A visita de sua vizinha naquele exato momento não era das mais oportunas, a
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bem da verdade! Queria impor uma ordem em sua cabeça latejante e confusa e pensar com calma sobre aquelas estarrecedoras descobertas. Era Jill e estava afobadíssima. Começou a falar imediatamente de seu exmarido com uma veemência e um calor surpreendentes. —Ele é mau, Arianne, esse é o problema! Um homem dissoluto e sem princípios! O frenesi de Jill e sua fisionomia pálida e preocupada espantaram Arianne. E causou-lhe estranheza que a pmiga estivesse falando do marido no presente, como se acabasse de vê-lo! Afinal, ela havia se divorciado fazia dois anos. . . Pôs-se a ouvi-la com um pouco mais de interesse. — Sou apenas um instrumento nas mãos dele. Ele me usa e depois me larga! — Por que permite isso, Jill? — Eu o amo, Arianne, e não posso evitar. Ele consegue obter tudo de mim, tudo! E é tão assustador! — gritou a moça sem poder conter-se. — Você não tem idéia. . . ele me conta o que faz. É terrível! E eu tenho que carregar esse peso dentrode mim! — Você não deve, Jill, você. . . — Mas você não entende? Ele é um monstro e eu o ajudei! — O que está querendo me dizer? Você. . . — Sou uma impostora, Arianne. . . ou costumava ser. E agora ele está querendo me meter numa nova confusão. E estou morrendo de medo! — Impeça-o, pelo amor de Deus! Tem que impedi-lo ou isso vai continuar a vida inteira. — Mas como? Não .posso denunciá-lo, posso? — Denunciá-lo?! Quer dizer. . . à polícia? Meu Deus, Jill, o que está acontecendo? — Não sei. . . não sei. Não me pergunte, porque não sei! Nunca sei nada, antes de as coisas acontecerem. — Calma, Jill. E prometa que vai pensar melhor, quando ele for procurá-la. — Não posso prometer nada. — Mas você tem que lutar contra esse poder que ele tem sobre você! Vai recusar, Jill! Já que ele está cometendo atos indignos, evite esse. . . — Canalha, Arianne, canalha! — Mas você não disse que ele está na Marinha? A Marinha tem sua própria polícia, Jill. Vai ter que denunciá-lo! Caso contrário, quem irá parar na cadeia será você. Por cumplicidade! E o que acontecerá então a seus filhos? Jill começou a chorar. — Oh, meu Deus. . . — Jill. . . tenho uma idéia. Ouça bem: algo tem de ser feito. Você não pode viver assim. Seu charmoso ex-marido vai deixar você louca. Já que não quer denunciá-lo, e eu posso entender isso, vamos falar com Orly. Conte tudo a ele! Orly é alguém em quem a gente pode confiar. Ele fará o que for certo, vai ver! Se não quiser pensar em você, pense ao menos em Erin e Lucy. Livre-os desse. .desse. . . — Miserável corrupto! — Deve ser isso. Jill enxugou os olhos e apressou-se em dizer: — Sabe, ele ainda não me procurou. Talvez eu esteja me preocupando à toa. Faz tempo que não o vejo. — Não? Então como sabe de seu novo plano? — Bem... eu... nós temos amigos comuns. Foram eles que me contaram Jill
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baixou o rosto ruborizado. — Mas, se ele aparecer, seguirei seu conselho. Você irá comigo à casa de Orly? — Claro! Mas Arianne não estava convencida. A angústia de jill e o medo refletido em seus olhos eram provas de que o marido já devia ter entrado em contato com ela. E pressioná-la para ir procurar Orly parecia ter causado um efeito contrário em sua mente confusa. — Tá vou indo, Arianne. Erin e Lucy devem estar cansados. Obrigada, eu sempre me sinto melhor depois de ter falado com você — disse a moça, com um leve tremor na voz.Arianne tomou-lhe as mãos e disse com calor: — Venha quando quiser. Não hesite. E, se ele voltar, venha refugiar-se aqui até que vá embora. Saberei enfrentá-lo. — Como consegue ser tão corajosa, Arianne? — Acontece que estou com raiva dos homens e não vejo a hora de arreganhar os dentes para um deles. jill sorriu debilmente e, depois que ela foi embora, Arianne deixou-se cair numa cadeira, desanimada. Estava absolutamente convicta de que a amiga mentia. Seu rosto pálido e seu ar esquisito confirmavam sua certeza. Arrependia-se agora de não ter insistido com ela para que se abrisse totalmente. Mas talvez sua amiga ainda não tivesse conhecimento exato Dos planos do marido e estava esperando, antes de falar. Ou quem sabe estivesse com muito medo para denuncia-lo ou se abrir com alguém. O temor que lera em seus olhos era real. Não a censurava. Compreendia o que ela sentia. Nao podia domnar sua obsessão pelo ex-marido. Estava no seu sangue. . . fosse como fosse, Jill o vira recentemente e mais de uma vez,a julgar pelo tanto que falara dele. Parecia obcecada! Pensando bem. . como era estranho que nunca tivesse mencionado seu nome! O que havia de mais estranho em tudo isso, no entanto, era que tinha a arrepiante sensação de estar envolvida na triste historia de Jill. E não queria isso de modo algum! Como não queria ajudar Larry com seus estúpidos anéis ou aparecer nas mitigações da MicroCon! Não tinha nem mesmo a vontade de permanecer perto daquele forte cuja reativação parecia estar causando tanta agitação! Se o Natal não estivesse às portas, pediria alguns dias de férias e iria a Seattle. Mas tinha de ficar e nao so pelo trabalho. Para ajudar lill, em caso de necessidade e. . . por causa de Leo. Quando ele chegou, no seu horário habitual Arianne estava à beira de um colapso nervoso. Tinha receio de nao agir com naturalidade diante dele e de não poder enfrentar seus olhos perscrutadores. E um medo mortal de deixar escapar alguma idiotice que o pusesse de sobreaviso. Leo tinha abalado sua confiança, mas ela havia violado sua privacidade. Não podia pensar no que havia feito sem estremecer. E experimentava a desagradável sensação de que a culpa era visível em seu rosto. Estava rumando para a cozinha, quando ele começou a subir as escadas. Atirou-lhe um cumprimento casual por cima do ombro e ofereceu-lhe uma xícara de café. Ele disse que desceria num instante e examinou-a dos pés a cabeça, a começar pelo jeans justo e prosseguindo pelo suéter de angorá vermelho.Sua mãe deralhe de presente vários novelos daquela lã magnífica no Natal do ano anterior, sabendo que ela tinha um fraco pela cor vermelha, que combinava muito bem com a tez clara, os olhos negros e a boca sensual. Podia ter posto algo menos provocante do que aqueles jeans que lhe
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acentuava as formas e o belo suéter mas, que diabo! Isso o obrigaria a prestar atenção em outra coisa, além da conversa! Havia acabado de encher um pratinho com os biscoitos de Mikey, quando Leo entrou na cozinha segurando Jinx pelo pescoço. — Encontrei-a presa em meu quarto — disse, colocando Jinx nos braços dela.Por uma fração de segundo, Arianne desejou que o chão se abrisse sob seus pés. Maldição! Fora colhida com a boca nabotija! — Jinx. . . pobrezinha! — Ela esfregou a face contra o pêlo do animal, enquanto pensava freneticamente em algo que pudesse livrá-la daquela confusão. — Estava procurando você feito uma louca! — Estava mesmo? Arianne ergueu os olhos inocentes, e enfrentou com firmeza o olhar penetrante de Leo. — Rae fugiu de mim quando fui levá-lo para dormir. Acho que estava à sua procura porque fui achá-lo no seu quarto. Não percebi que Jinx estava com ele. . . Mas, se tiver receio de que isso volte a acontecer, posso lhe dar a chave do quarto. Deve estar em algum lugar. . . A história era excelente porque, se ela tivesse deixado algo fora do lugar, poderia sempre argumentar que havia sido Rae ou a gata. Leo pareceu aceitar a explicação. — Esqueça a chave. Rae costuma procurar por mim, quando estou fora de casa?Arianne sentiu uma pontada de remorso. Devia ter arranjado outra desculpa, embora fosse verdade que o menino vivia atrás dele. — Sim.. . - Sobre ontem à noite, Arianne, eu. . . — Não quero falar nisso! — Arianne! — Não há rnais nada que dizer. Esqueça! — Feri seus sentimentos? — O que lhe dá essa idéia? — Você está. . . tão fria e remota. . . Ela deu-lhe as costas desdenhosamente. Mas ele insistiu: — Por que não devemos falar nisso? — Porque não! —. Se não quer esclarecer o mal-entendido de ontem à noite, então vamos voltar àquele dia da praia, quando. . . — Não! Quero falar com você só o estritamente necessário. Ele fitou-a, espantado, e aproximou-se. — Aconteceu algo que não consigo entender! — Meu filho pode gostar muito de você, mas eu não! Ele correu os dedos pelos cabelos e curvou a cabeça, como e fosse beijá-la. — Sua memória é curta, Arianne... Ela ergueu o nariz. — Não consegue entender que alguém possa mudar de idéia? Pois eu mudei a minha! Sua raiva reacendera-se. Começou a pensar em tudo que havia encontrado nas malas e um arrepio percorreu-lhe a espinha. E se ele fosse um escroque, apesar de sua conduta impecável? Não queria pensar nessa possibilidade! Podia entender muito bem o desespero de Jill. . . Pobrezinha! Não se decidia por Don, porque estava ainda presa ao passado. Don. . . Don era oficial da Marinha! Não seria ele o marido de Jill? A perturbadora idéia provocou uma reação em cadeia: se Don fosse o marido
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de Jill, Larry, como seu amigo, poderia estar também envolvido nos planos! Nesse caso, as perguntas que lhe fazia sobre os tais anéis podiam não ser tão inocentes assim! E, de repente, o mundo pareceu-lhe povoado de escroques. Descartou a idéia logo em seguida, achando-a ridícula. Era verdade que Larry a importunava com perguntas, mas também Leo parecia estar atrás de algo. Seria uma coincidência essas coisas acontecerem todas ao mesmo tempo? Tomar café e comer biscoitos na mesa da cozinha nunca foi tão perturbador e tão cômico ao mesmo tempo. Leo insistia em levar a conversa para um campo pessoal, ao passo que Arianne queria que ele falasse de seu trabalho. Resultado: não chegaram a conclusão alguma! O café da manhã seguinte constituiu-se em ; mais um exercício de destreza verbal e a mesa da cozinha transformou-se num campo de batalha onde se digladiavam desejos ocultos, suspeitas, paixão reprimida. . . Espigas de milho passadas na manteiga, galinha assada recheada de cogumelos e bacon, bem tostadinha por fora, purê de batatas... O jantar foi delicioso do princípio ao fim. Quando Arianne ergueu os olhos do prato, percebeu que Leo a observava atentamente. Olhou-o também, desejando saber onde ele havia jantado na noite anterior e com quem. Pensou se era a única mulher que o interessava, ou se havia uma porção delas aguardando-o ansiosamente em Los Angeles. Se sua bola de cristal cigana funcionasse quando desejava! Se ao menos.. . Umedeceu os lábios com a língua. Se ao menos aquela maldita pasta de couro não estivesse lá em cima! Leo apoiou o cotovelo na mesa, enterrou o queixo na mão e pôs-se a fitá-la absortamente. Ela leu toda a ternura que aqueles olhos transmitiam e recostou-se no espaldar da cadeira, sentindo o coração bater-lhe descompassadamente no peito. O desejo dela havia sobrepujado seus princípios ou. . . ou... teria percebido que estavam presos por um laço forte, por uma força inexorável que os aproximava cada vez mais? A importância daquela descoberta deixou-a profundamente perturbada. Era patente que ele havia mudado, mas o que havia determinado essa transformação? Esse era o ponto principal! Apenas o tempo poderia responder, no entanto. Quanto à pasta. . . teria que ter paciência e esperar para ver o que acontecia, já que não havia a menor possibilidade de Leo deixar escapar uma só palavra, mesmo irrefletidamente. Mas uma coisa era certa: não iria lhe dar um único beijo nem fazer amor com ele, enquanto tudo não estivesse satisfatoriamente esclarecido! Embora, à primeira vista, isso parecesse impossível. Mais tarde, quando ele voltou de seu passeio noturno, ela estava mergulhada na leitura de um livro. Aquele era o momento mais perigoso, porque não havia nem o bebê nem o jantar para interferir. Conservou os olhos baixos, tentando interessar a mente em outras visões que não fossem as daquelas longas pernas vigorosas, dos quadris estreitos, do torso amplo abrindo-se em ombros musculosos. O jeans desbotado, a camisa axadrezada que ele usava, só serviam para torná-lo mais atraente do que nunca! Com o canto dos olhos, observou-o deitar-se no sofá e começar a ler o jornal. E era surpreendente como sua figura se interpunha entre ela e o livro! Estava fascinada por seus cabelos que brilhavam como ouro à luz do abajur. Aqueles maravilhosos cabelos loiros, tão finos como a mais fina seda! Era penoso negar-se a divina sensação de mergulhar os dedos em sua maciez!
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Nunca havia imaginado que seria tão duro resistir a algo tão simples! Havia amado Reggie, mas tinha de admitir que jamais sentira tamanha emoção. Era loucura, uma verdadeira insanidade! O desejo voltava, agitava-se outra vez, dirigia-lhe um novo apelo das profundidades de seu ser. .. Enrodilhada na poltrona, consumindo-se numa lenta agonia de mente e de corpo, Arianne tentou ler e ao mesmo tempo convencer-se de que não estava realmente apaixonada por Leo Donev. Diagnosticou seu problema como um simples caso de carência afetiva. Isso era perfeitamente plausível. Mas o diagnóstico não resolvia o problema. Que deveria fazer para prevenir o inevitável? Ainda que precisasse deses-peradamente dele, que chegasse a desejálo até a loucura, ainda assim se recusaria a amar o homem que estava planejando sua ruína! Arianne. . . por que você está me olhando desse jeito? ele perguntou, rompendo o profundo silêncio. — O que estava pensando? — Desse jeito, como? Ele levantou-se com graça felina e plantou-se diante dela. Arianne deixou cair o livro, estrangulada pela emoção. Sufocou a vontade de jogar-se em seus braços e saiu correndo, galgando os degraus da escada de dois em dois. E não se sentiu covarde. Na terça-feira, considerou o problema em toda a sua gravidade. Algo tinha que ser feito e imediatamente! E, já que não podia ir embora nem enxotar Leo, não havia outra solução senão convidar alguém para ficar em sua casa. Alguém que servisse de anteparo e a impedisse de cometer uma loucura. Mas quem? Seus amigos tinham que cuidar de seus afazeres e de suas famílias. . . O dr. Mathias Dickenson! Sim, ele mesmo! Certamente adoraria vê-la, ainda mais que, contando com Rae, poderia observar dois fenômenos psíquicos, em vez de um. Falaria com sua mãe, talvez ela pudesse convencê-lo a passar uma semana em sua casa. Quanto mais pensava no dr. Dickenson, mais aquela idéia lhe parecia extraordinária. Afastara-se dele por causa de Reggie, mas havia sempre apreciado sua companhia e gostado de submeter-se a seus testes. Fora divertido experimentar sua vidência e aprender como utilizá-la. Com o dr. Mathias, poderia considerar-se em boas mãos. Ele era um pioneiro em seu ramo, um homem totalmente devotado ao progresso da ciência. Sua cooperação poderia ajudá-lo na busca de novos conhecimentos no campo psíquico. De fato, se ele estivesse ainda interessado em experimentar seus poderes, isso resolveria outro problema de vital importância: o que fazer consigo mesma. Porque, se quisesse ativar sua vida, em vez de ficar hibernando, tinha que tomar uma decisão. Dirigir os negócios de Mikey, iniciar uma prestação de serviços por correspondência. Ou abrir um escritório, como havia feito antes do casamento. Mas, ao lembrar o pesadelo que isso representara, a polícia fazendo perguntas, e depois os jornalistas surgindo por toda parte como moscas, batendo fotografias e querendo entrevistá-la a todo instante, estremeceu. Queria esquecer toda essa parte dolorosa de seu passado e nunca mais recordá-la. E ali.estava outra opção. Tornar-se o objeto dos testes do dr. Dickenson e ajudar no avanço das ciências psíquicas! Isso lhe parecia fantástico! Tinha consciência do que se propunha a fazer, entraria nesse caminho pisando firme. Sua vida tomaria outro rumo. Se adotasse a idéia, poderia viver tanto na cidade quanto no campo. Onde quer que lhe agradasse. E, embora não pudesse contar com um salário alto, ela e
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Rae conseguiriam viver con-fortavelmente. Sem contar que haveria de ganhar algum dinheiro extra, predizendo a sorte aqui e ali. . . Essa opção começava a lhe parecer a mais satisfatória sob todos os aspectos. Sabia que era um trabalho que lhe exigiria um grande esforço. Os testes deviam ser aplicados por não mais de duas semanas seguidas, com um intervalo de outras duas. Mas estava disposta ao sacrifício. Conservaria sua casa em Port Towsend, no entanto. Tinha pena de deixá-la, aprendera a gostar da peqnena cidade rodeada pelo mar. Assim, com toda a probabilidade, passaria metade do tempo em Seattle e a outra metade ali. Em Seattle, poderia ficar com sua mãe, que adoraria a idéia de tê-la em casa. Desse modo, suas despesas não seriam muito mais altas do que eram no momento. E, com algumas predições e seu trabalho para Orly no tempo livre, poderia ter uma vida economicamente tranqüila. Um ótimo arranjo, como poucos, e que viria ao encontro de seus mais profundos desejos. E, no dia seguinte, telefonaria ao dr. Mathias, que ficaria encantado, tinha certeza. Felicitou-se por sua idéia, e, com a segurança de quem tinha um futuro promissor pela frente, conseguiu encontrar forças para não pensar em Leo Donev, nem em atacá-lo, exigindo-lhe um milhão de beijos! Estava em seu quarto, com a porta fechada, quando ele chegou. Evitando qualquer chance de sucumbir a seus encantos. . . Arianne havia acabado de chegar do trabalho, na quarta-feira, quando Larry apareceu inesperadamente. Reprimiu um gesto de enfado, ao vê-lo. Já estava começando a ficar sinceramente aborrecida com o belo tenente que queria falar sempre das mesmas coisas: aqueles estúpidos anéis! Quase cedeu, com vontade de revelar-lhe a contra-senha correta do segundo anel, só para ver-se livre dele. Mas temia que isso lhe servisse de estímulo para exigir cada vez mais. Assim, deu-lhe mais uma resposta falsa: "saxofone". Larry pareceu demonstrar mais confiança em "saxofone" do que em "retardado". Estava convencido de que essa contra-senha funcionaria como um "abre-te sésamo". E Arianne achou que ele estava agindo bastante suspeitosamente."Mas", pensou, "se ele tiver muito dinheiro empregado nesse jogo, isso certamente explica sua ansiedade."Mais suspeito do que isso, no entanto, foi a chegada imprevista de Leo, duas horas antes do horário habitual. . .
CAPÍTULO XIV Larry nunca lhe fazia perguntas quando havia alguém presente e, naturalmente, mudou de assunto, ao ver Leo entrar na cozinha como se tivesse acabado de fazer a ronda da casa. Arianne alegrou-se, e por mais de um motivo, cuando ele sentou-se à mesa com eles. Mas o tenente pareceu não gostar da intrusão. Tomou uma posição rígida na cadeira e fitou um ponto distante do espaço, manifestando, assim, seu supremo desprazer. A atmosfera hostil que se instalou entre os dois homens chegou ao auge quando Leo iniciou a conversa, esforçando-se de maneira hábil para que suas perguntas aparentemente inocentes se transformassem em verdadeiras aguilhoadas. — Seu posto de tenente deve obrigá-lo a uma conduta acima de qualquer
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suspeita, não, Larry? — Sim. — Servir de exemplo a seus homens. — Sim. - Imagino que devam observá-lo de perto para verificar se seu comportamento é conforme ao código ético da Marinha Arianne resolveu colocar-se do lado de Larry. Queria não só punir Leo por aquela pasta incriminadora lá em cima, mas evitar uma possível carnificina. — Ora, não acho que ele esteja sendo observado! —Não estou afirmando que haja alguém seguindo o tenente o dia inteiro explicou Leo.—Queria apenas saber se, caso algo diferente aconteça,qualquer coisa, mesmo a mais insignificante , isso não chegará rapidamente ao conhecimento de seus superiores. — Mas por quê? — objetou novamente Arianne. — Ele está cumprindo com suas obrigações! Leo sacudiu a cabeça. — Ele tem um posto de confiança, tem de ser muito cuidadoso. Não gostaria de ter sua folha de serviço manchada. .. gostaria, Larry? — Quem gostaria? — murmurou o tenente, tamboriíando um dedo na mesa, como se estivesse muitíssimo chateado. Observando o estranho e inexplicável confronto, Arianne teve a terrível sensação de que, talvez, Leo e Larry figurassem no mistério que ela tinha nas mãos. E admirava-se de não ter feito nenhuma ligação entre os dois há mais tempo. Mas algo estava acontecendo ali, diante de seus olhos. Uma luta muda que não entendia, mas que sabia-não ter nada a ver com ciúme, ou não totalmente, pelo menos. Não era estranho que ambos houvessem aparecido em sua vida ao mesmo tempo? E não existia em ambos algo desconcertante, perturbador? Os negócios de Leo naquela cidade... as declarações de amor de Larry. . . Chegava a ser cômico! Larry era o único admirador que tivera a não se importar se fariam ou não amor! Era certamente uma atmosfera desagradável, embora realmente nenhuma palavra ofensiva houvesse sido pronunciada. Leo dominava a situação e sabia disso. Havia um inequívoco brilho de triunfo em seus olhos claros como cristal, quando voltou à carga: — Conhecem a lenda do calcanhar de Aquiles? Interessante, não? Um único defeito, mas fatal, destruindo todo o esforço do herói. Arianne sorriu. — Aquiles tinha um único defeito. E você, Leo? Quantos? Ele a olhou e, por um instante, o esboço de um sorriso curvou sua boca sensual. Mas logo voltou à sua frieza anterior. — É espantoso como, muitas vezes, cada erro cometido pode ser vinculado a um único e fatal defeito. A voz de Leo baixou dramaticamente de tom, e Arianne observou que Larry, apesar de seu perfeito autocontrole, parecia hipnotizado. — Aquela única falha, inata e inevitável. . . E todos sabiam disso, exceto Aquiles. .. Larry deixou de tamborilar impacientemente na mesa e começou a torcer o guardanapo. — Tenho de ir, Arianne. Uma tarefa urgente que precisoterminar ainda hoje. Ela teve pena dele e indignou-se com a calma insolência de Leo, mas não permitiu que a cólera a dominasse.
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— Não se apresse tanto, Larry. E não se incomode com Leo. Afinal, ele é apenas um hóspede em minha casa. O tenente sorriu, satisfeito, mas levantou-se assim mesmo e foi embora. Leo, entretanto, não parecia nem um pouco envergonhado de si mesmo. Continuava calmo e imperturbável, embora seus olhos brilhassem perigosamente. E, naquele momento, mais do que nunca, Arianne desejou que houvesse outra pessoa em casa para servir de anteparo. Felizmente, Rae veio em seu auxílio, distraindo Leo e dando-lhe tempo para telefonar ao dr. Mathias Dickenson, em Seattle. Ele ficou feliz em ouvi-la e, quando ela lhe disse que seu filho também possuía os mesmos dons, o doutor ficou positivamente interessado. Teria muito prazer em visitá-la mas, com o Natal tão próximo, não poderia ausentar-se de Seattle. — Não pode vir até aqui, minha querida? — Impossível, dr. Mathias. Tenho compromissos. — Vamos combinar então para a segunda semana de janeiro. Está bem para você? — Certo. Arianne telefonou a seguir para sua mãe, mas ela estava de partida. A mãe de Mikey não estava passando bem, iria acompanhá-la a Palm Springs. — Você sabe que é tudo imaginação — observou Arianne. — Tia May é hipocondríaca. — Claro que sei, meu bem. Mas ela precisa de alguém com quem conversar. A propósito, por que não vem conosco? Não gostaria de passar o Natal na praia? Sol e palmeiras, em vez de chuva e pinheiros? Arianne concordou que devia ser encantador, mas não quis se comprometer. Talvez fosse. Mikey estaria lá e, afinal, o Natal era uma data para ser comemorada em família. O problema continuava sem solução. Nenhuma companhia! E Leo estava começando a se comportar de um modo estranho. Seus olhos fagulhavam e dele todo emanava um apelo sensual capaz de enlouquecer a mais fria das mulheres. E ela não queria, absolutamente não queria... Sentiu que não resistiria por muito tempo à sua fascinação e imaginou-se pedindo-lhe para ir embora. Mas não podia fazer isso! Queria que a misteriosa situação viesse à tona e tudo se esclarecesse sem a menor sombra de dúvida! Estava ainda bastante preocupada, quando foi terminar de fazer o jantar. E, entre uma tarefa e outra, conseguiu permanecer afastada de Leo até que tudo ficasse pronto. Dispunha-se a chamá-lo, quando a campainha da porta soou imperiosamente. Era Reggie que estava parado no limiar, a gola do impermeável erguida, as mãos nos bolsos para proteger-se do ímpeto do vento. Incapaz de mover-se, Arianne olhou-o boquiaberta, sem entender nada. Que dia!Fez um esforço sobre-humano e esboçou um sorriso. — Quem diria, hein! O que está fazendo aqui, Reggie? Ele tirou as mãos dos bolsos e fitou-a com ar magoado. — É assim que você me recebe? — O que esperava? Que me ajoelhasse a seus pés? — disse Arianne, não o convidando para entrar.Sentia-se curiosamente distanciada. O homem com quem passara quatro anos de sua vida causava-lhe estranheza, embora parecesse o mesmo que, na hora da despedida, lhe arremessara o casaco de vison em pleno rosto. Era ainda bonito, mas já não
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importava. Tinha cessado de importar havia muito tempo. Reggie aproveitou-se de seu momento de indecisão e forçou a entrada, rumando para o living. Arianne seguiu-o, aborrecida. — O que veio fazer, afinal? — Você mudou muito, Anne. Está tão fria! Vim pedir-lhe se. . . não podemos tentar novamente. Sei que parece loucura, mas. . . quero você de volta, Anne! De verdade! Ela o fitou, assombrada. Não tinha o mínimo interesse pelo homem que estava parado diante dela! Notou, apesar de tudo, que ele não parecia tão arrogante quanto costumava ser. — Não quero voltar, Reggie. Tire isso da cabeça! — Mas deve ser duro, para você viver sozinha. — Ele correu os olhos pelo living. — Veja que lugar! Paredes vazias. . . nada de carpete nem objetos de arte... mobília de pouco valor. . . Concorde em vir novamente, que eu tomarei conta de você! — Muito tarde, Reggie. Sei tomar conta de mim mesma. Como sempre. — Anne. . . e o menino? Ele .havia descoberto tudo! Sabia que era inevitável e que, mais dia menos dia, isso estava fadado a acontecer. — Então foi por isso que veio, não foi? Você quer seu filho. . . Mas você me quer também? Não acredito, você se arrepia só à vista de minha bola de cristal! — Se o filho for meu. .. gostaria de tentar. — Admito que o filho é seu. E, se insistir muito, concedo-lhe também o direito de visitá-lo. Mas isso é tudo! Nesse exato momento, uma porta do andar superior bateu, e Leo começou a descer as escadas. Estava em mangas de camisa, os cabelos ainda úmidos do banho. Não podia, portanto, ser tomado por uma visita casual. E foi o que Reggie deduziu, porque o olhou hostilmente. — Parece que você não perdeu tempo — foi o comentário sarcástico dele, quando Arianne fez as apresentações. Ela corou, embaraçada por sua grosseria, mas aquela era a atitude característica de Reggie, um homem mimado e cheio de caprichos. De qualquer modo, o que ele insinuara era verdade e Arianne sentiu um delicioso arrepio de prazer percorrer-lhe a espinha. Leo portou-se como um homem finamente educado mas, curiosamente, sua polidez pareceu irritar ainda mais o outro, que lhe perguntou: — Quem diabo é você, afinal? Leo não chegou a responder porque, ao ouvir o som das vozes, Rae chegou correndo da cozinha e atirou-se nos braços dele. Leo ergueu-o no ar, rindo. O menino soltou gritinhos de alegria, pedindo mais. E Reggie ficou olhando a cena com cara de tolo, percebendo-se, evidentemente, numa situação des-vantajosa. — Neve, mamãe, neve! — Rae gritou nesse instante, sua voz clara como um sino, ecoando alegremente pela sala.Todos os olhares dirigiram-se imediatamente para a janela. Mas não estava nevando. — Ainda bem que já mandei colocar pneus especiais para a neve comentou Leo. — Não neva nesta parte do Estado — Reggie disse secamente. Leo não pôde conter esta observação: — Se Rae diz que vai nevar, não tenha dúvida! Reggie passou o dedo pelo colarinho e mudou de cor várias . vezes.
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— Quer dizer. . . quer dizer que ele é como você? — perguntou, voltando-se para Arianne. — Sim — ela disse simplesmente. Leo interveio, mostrando-se algo preocupado. — Deveria mudar seus pneus antes de voltar para Seattle. Se for depressa, ainda dá tempo. Telefonarei ao garagista avisando que você está a caminho. Reggie levantou-se, contrafeito. — Já vou, Arianne. Telefone, se mudar de idéia. Ela recostou-se no sofá, vendo-o sair da sala acompanhado de Leo, e ficou contente por ter se livrado dele tão depressa. Quando Leo voltou, ela anunciou que seu jantar estava pronto e que não poderia fazer-lhe companhia porque tinha de tomar conta dos filhos de Jill. Era um estratagema mesquinho, especialmente depois que ele a salvara de Reggie, usando de tato e habilidade. Mas aquele dossiê lá em cima também era um ardil sórdido. Quando voltou, horas depois, estava nevando. Uma espessa cortina branca envolvia tudo num misterioso torpor. Leo saíra e Arianne deu um suspiro de alívio, não sabendo até quando poderia agüentar aquele ridículo jogo de esconde-esconde. Felizmente, ele não era homem -de guardar rancor! Resoíveu telefonar à sua mãe para contar-lhe os intrigantes acontecimentos. — Mamãe, Reggie esteve aqui. Como foi que ele descobriu onde eu estava? Ele sabia também de Rae. — É uma longa história. Seu marido estava-fazendo a ronda, à sua procura. Bem. .. deixei escapar que você estava morando no campo e saindo-se muito bem. E, naturalmente, ele ficou sabendo que a versão de Nova York não era verdadeira. __ Naturalmente! — Arianne comentou, ironicamente. __ Ele já duvidava da história e, no final, tive que lhe contar tudo, querida. Embora não goste dele, senti que não havia outra escolha. Sei. que você deve estar zangada, mas não quero ouvir sermão. Estava na hora de você esclarecer as coisas, não acha? — É. . . talvez. Mas ele não mostrou interesse em Rae quando soube que ele tinha os dons. — Não estou nem um pouco surpreendida. Arianne suspirou fundo. — Reggie ainda não cresceu. Continua o mesmo menino mimado. Mas não importa. Ele foi embora. . . Quando Leo chegou, Arianne já tinha tomado banho e estava deitada, lendo um livro. Ouviu a porta da entrada fechar-se lá embaixo e prendeu a respiração. Houve um breve silêncio. . . ele devia estar retirando as botas. A seguir ouviu o ranger das velhas escadas, enquanto ele subia. Estava indo diretamente para seu quarto. . . Mais uma vez o assoalho rangeu e ela seguiu seus passos. Para o banheiro. . . de volta ao quarto. Esperava ouvir a porta fechar-se quando, inesperadamente, percebeu que os passos aproximavam-se do quarto dela! Quase soltou um grito quando a maçaneta de sua porta girou e Leo apareceu no umbral vestindo apenas a calça do pijama! Sentou-se na cama de chofre e seus braços agitaram-se freneticamente no ar, à procura das cobertas. Fitou o homem parado na porta com os olhos arregalados. Saia... saia do meu quarto nesse mesmo instante! Ele fechou a porta atrás de si e olhou-a com ar zangado. — Não me evite, então! — Evitarei quando quiser!
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— E acha que assim vai resolver tudo? — Vamos deixar essa discussão para amanhã, Leo. — Nada disso! Vamos discutir agora mesmo! — Mas você não pode invadir meu quarto desse jeito! Como se atreve? — Chega de se esconder, Arianne. Está virando mania. E já que não quis falar lá embaixo, vai falar aqui mesmo! — Sim... sim... Não quer se encontrar comigo na sala dentro de cinco minutos? — Não, senhora! Vai ficar exatamente onde está! — Ele inclinou-se para a frente e arrancou-lhe as cobertas das mãos crispadas. — E não precisa se cobrir! Conheço você, Arianne. Todinha! Ou será que esqueceu? Se quiser, posso refrescar sua memória! — ele disse, correndo os olhos por suas longas pernas nuas. Ela saltou imediatamente da cama. — Oh, não, não! Eu me lembro. Muito bem. Bem demais! — O que está havendo, Arianne? Você mudou de repente. Vive correndo de mim!E era mesmo! Desde que descobrira a pasta. Que situação! Desejava ansiosamente falar com ele e perguntar-lhe o que pretendia fazer com aqueles papéis. Mas não podia, claro! . — E o que está acontecendo com você? — desafiou-o. — Você também mudou. O que o fez decidir, tão de repente, que quer me tocar? Sim, eu me lembro muito bem de nossa noite de amor! E me lembro, também, que você não via a hora de partir, no dia seguinte! E quando voltou, foi decisão sua . não querer que isso voltasse a acontecer! Estou cumprindo minha parte do acordo. Cumpra a sua! — Não posso, Ariane! Foi uma idéia estúpida. Eu estava fora de mim. E estou ainda — ele murmurou, aproximando-se mais. — Fique onde está, Leo! Você está me deixando nervosa! — Desculpe, Arianne. Pensei que, se não fizéssemos amor. eu não me apaixonaria por você. Mas a tática não deu certo. Ou então eu já estava apaixonado e não sabia. — Está bem. Mas vá embora, agora! Suma! Ele correu os dedos pelos cabelos, exasperado. — É inútil, Arianne. Daqui não saio. — Não quero mais saber de encrencas! — Venho trabalhando muito ultimamente. Não tive nem tempo para viver. Mas tive tempo para me apaixonar por você. E você não quer nem ao menos falar comigo! Por que tem que andar em círculos à minha volta? Por que tem que sair da sala, quando eu entro? Doçura, como vai se apaixonar por mim, se não tentar? Arianne se comoveu. Não era fácil resistir! Mas recuperou-se num instante e o fitou, firme, numa atitude de desafio. — Não quero romance, quero sossego! Se você pensa que dizendo "eu te amo" vai conseguir me levar para a cama, está muito enganado! Ele agarrou-lhe os pulsos e fitou-a por um longo tempo. — Estou começando a entender. . . Você quis que eu acreditasse que estava apaixonada por mim. . . — Eu estava mesmo. . . — ela murmurou com voz sumida. — E o que a fez mudar de idéia? — Ora, eu... — ela disse, baixando os olhos como se perguntasse a si própria —.. eu não posso dizer. ,. Leo curvou-se para ela.
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— E se você me desse um beijo, para ter absoluta certeza de que esse amor não existe mais? — Não, Leo. ... Ele passou o braço em volta dos ombros dela. — Aquele. . . aquele seu tenente. . . foi ele quem fez você mudar de.idéia? Ela o encarou, irritada. Como ousa falar de meus amigos nesse tom de voz? Não esperava que, logo você, fosse cair por um sorriso bonito e um carro esporte! —ele explodiu diante de-sua ines-, perada reação. Não acha que está indo longe dçmais? — Andou se divertindo com Larry, é isso, Arianne? Olhe para mim! Ela estava desesperada, os olhos úmidos, a ponto de chorar. — Foi você quem insistiu para que eu saísse com ele! Você "tinha" que bancar a babá naquela noite! Dê-se por satisfeito, então! Leo cravou-lhe os dedos na carne dos ombros, furioso. — O que você quer dizer com esse "dê-se por satisfeito"? O que aconteceu naquela noite, Arianne? Ela pensou se tinha de ser honesta e dizer-lhe, ferindo sua vaidade, que Larry nem ao menos se lembrara de dar-lhe-um beijo de boa-noite. Ou enciumá-lo, confirmando que ela e Larry haviam se divertido do jeito que ele insinuara. Afinal, não tinha contas a prestar-lhe! Mas não, não podia fazer isso! Não era justo! — Quero uma resposta, Arianne. Ela o fitou. Ele parecia tão triste, que devia estar imaginando o pior. Tolinho! Tinha vontade de suavizar as linhas de sua testa com beijos e afirmar-lhe que jamais poderia fazer amor com outra pessoa que não fosse elè! — Não aconteceu nada, não me atormente inutilmente. Não estou gostando nem um pouco de sua atitude. Você está agindo como um marido ciumento. — Estou com ciúme, sim! Sinto um vulcão dentro de mim! Os lábios queimando, ele beijou-lhe avidamente a boca macia e úmida. Ela vibrou com seu contato e reagiu como uma mulher apaixonada. Lançou-lhe os braços no pescoço, mantendo-se tão colada a ele, que os bicos de seus seios roçaram-lhe o peito nu. Ele cingiu-a pela cintura, puxou-lhe para baixo a camisola escorregadia e, sofregamente, deslizou os dedos fortes por sua carne palpitante. Depois, numa ânsia incontida, tomou-lhe os seios e beijou-os demoradamente., Arianne sentia-se desfazer em fogo por dentro. Atraiu-o para si, moldando o corpo viril contra o seu, e mordeu-lhe a nuca, os lóbulos das orelhas. Gemendo, em abandono, ofereceu-lhe então a boca, o beijo aprofundando-se num encontro de línguas ardentes de desejo. Depois, com mãos trêmulas, desatou-lheo laço do pijama e suspirou de paixão ao vê-lo nu e esplendidamente viril. Mais excitada do que nunca, tocou-o avidamente, deliciando-se com a rijeza de seus músculos sob seus dedos sensíveis. — Leo. . . — implorou. Ele desnudou-a completamente e arrastou-a para a cama. Ali, estirado sobre ela, murmurou-lhe ao ouvido: — Fiquei louco por você desde o primeiro instante. Fui para a cama com a mente cheia de pensamentos. — Não tinha idéia.. . — Adormeci ainda pensando em você. . . — Oh...
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— E então sonhei com você. Ela riu, deliciada. — E eu sonhei com você, de olhos abertos, o dia inteiro. — Eu também. Seus lábios voltaram a encontrar-se apaixonadamente e suas mãos sôfregas retomaram o ritual interrompido, satisfazendo os corpos ardentes na impaciência dos sentidos excitados. Absorveram-se inteiramente em carícias voluptuosas até que, todos os nervos vibrando em sucessivas ondas de prazer, atingiram o apaziguamento final. Estava escuro lá fora. Era a insubstancial escuridão que precedia a aurora. Mas Arianne experimentava uma doce sensação .de conforto, rodeada pelos braços de seu amado. Olhou-o, fascinada. Ele era belo, gentil, terno, cuidadoso, apaixonado. . . Sentiu de novo a mesma ardente vibração física que os fizera submergir numa onda de êxtase inacreditável e teve vontade de tocá-lo, de acariciar-lhe as coxas musculosas, de enredar os dedos naquela camada de pêlos sedosos e dourados que lhe cobria o peito.... Mas receava perturbar-lhe o sono e permaneceu quieta e sensível em seus braços. No entanto, aquele sono que os separava lhe pareceu intolerável. Ia despertá-lo, quando ele suspirou profundamente e abriu os olhos. Vendo-a, atraiu-a para si e mergulhou o rosto em seus cabelos, beijando-lhe o colo com muita suavidade. Minha linda Arianne. . . Amo você. Ela se aninhou em seus braços, voltando a sentir o calor de seu corpo inteiro. Beijaram-se até perder o fôlego. — Quero você, Arianne. — A voz de Leo estava levemente ofegante. Quero demais. Seus corpos se ajustaram, contagiados pelo mesmo ardor, pela mesma febre contagiante. E quando ele a envolveu em seu próprio êxtase, ela não teve mais que um desejo: submeter-se, ser sua como ele ansiava. Instantes depois, enquanto jaziam, quietos, mergulhados na feliz languidez dos sentidos satisfeitos, a mente de Arianne começou a emergir do estado de semitorpor, lembrando de repente do dossiê escondido no quarto de Leo. Mas determinou-se a não deixar transparecer que sabia da existência daquela pasta e daquele curioso cartão com a impressão digital. Teria que esperar, pacientemente, o desenrolar dos acontecimentos. Não queria forçar nenhuma decisão da parte dele. A alegria de estar apaixonada afastava o temor daquela ameaça, pendente sobre ambos como uma espada. Era um milagre, uma descoberta maravilhosa! Leo a amava e não iria exigir nada que ele não quisesse lhe dar. Leo estava presente na lassidão de seu corpo, no delicioso torpor de seu espírito, e despreocupava-se de qualquer fato exterior. Um leve suspiro escapou de seu peito. Sentia-se imensamente feliz.
CAPÍTULO XV Muito mais tarde, quando teve tempo de ordenar seus pensamentos, Arianne lembrou-se de que tinha um mistério em mãos para resolver. Mas haveria realmente um mistério? Ou vivera tanto tempo sozinha que estava imaginando uma intriga escondida debaixo de cada rocha? Não, aquela pasta não era produto de sua imaginação, como também não era fantasia a insaciável curiosidade de Larry por contra-senhas! E, de repente, no meio do burburinho da loja, ocorreu-lhe que podia estar arriscando o pescoço num caso semelhante ao do seqüestro e que ainda não tivera consciência disso. Como
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acontecera então, poderia transformar-se num joguete nas mãos de alguém! Para que tipo de anéis serviriam aquelas contra-senhas? Isso a preocupava. Não se detivera na análise de um fato que lhe parecera insignificante na ocasião, mas que agora considerava muito importante. Fora imperdoavelmente ingênua e confiante! Se pudesse ter mantido em segredo sua clarividência! Mas Jill a entregara a Larry e o trato íntimo a denunciara a Leo! Ao pensar nele, sorriu. Com que paixão ele fizera seu sangue correr pelas veias, com que ardor a amara! A lembrança da noite anterior chegava a lhe cortar a respiração! Como um mágico ele transformara sua vida da noite para o dia. Não via a hora de vê-lo para dizer-lhe tudo o que sentia! No entanto, todos esses maravilhosos pensamentos não lhe omeciam nenhuma pista. Seu sorriso desapareceu. Se tivesse um amigo em quem pudesse confiar totalmente. . . Havia Jill, mas. . . Arianne mordeu os lábios, pensativamente. Jill deixara escapar seu segredo para um estranho. Por que fizera isso, se havia sido tão discreta até então? Talvez sem querer? Algo assim podia sempre escapar acidentalmente. A pressão de seu ex-marido que a deprimira tanto nos últimos tempos poderia explicar, quem sabe, seu espírito ausente, sua displicência. . Não sabia por que mas, todas as vezes em que pensava em Jill, associava-a a Larry. A amiga não vivia lhe dizendo como ele era maravilhoso? Em contrapartida, queixava-se muito do ex-marido, chamando-o curiosamente de "o pai de meus filhos". E pensando bem. .. Tudo veio-lhe rapidamente à cabeça. O divórcio de Jill acontecera na mesma época do dela, havia dois anos, portanto. Mas Lucy não tinha ainda urn ano! E aquele novo plano do ex-marido que a amiga já conhecia. . . não era estranho? Sim, dera-lhe a entender que tivera conhecimento disso através de seus amigos. Mas era uma desculpa esfarrapada! Pensou novamente se não era Don o marido de Jill. Ele parecia um sujeito formidável, mas nunca se sabia. . . Quem quer que fosse, no entanto, devia morar por perto, sendo, provavelmente, um freqüentador assíduo da casa! Só isso podia explicar o medo que vira nos olhos da vizinha! Um medo bem real, aliás.Arianne ficou remoendo isso o dia inteiro. Quando não estava pensando em Leo, claro. Ao. chegar em casa, a estranha conduta da amiga ainda a intrigava, ainda perturbava sua mente confusa. Começou a preparar o jantar e, como Leo não chegaria senão dentro de duas horas, retirou, num capricho, a bola de cristal do fundo da gaveta. Descobriu-a de seu envoltório de veludo preto e colocou-a, dentro do estojo, perto da janela. Observou, através da cortina de chuva e da escuridão da noite sem lua e sem estrelas, a casa da vizinha. E a cena de algumas semanas atrás desfilou diante de seus olhos envolta em repentina claridade. Tinha aberto a porta dos fundos para Larry, que acabara de subir as escadas. Ao fitar seu rosto sorridente, notara jill nó pórtico de trás, olhando-os fixamente. Havia erguido a mão e jill acenara, em resposta. Depois, a vizinha voltara-se e fechara a porta... um som infinitamente desolador. .. enquanto ela e Larry riam e conversavam. . Seu estômago contraiu-se num nó. Sim, fazia perfeitamente sentido! Larry era o ex-marido de Jill! Embora repulsivo, era verdade! Claro que era! Jill estava apaixonada por ele, mas jogara-a nos braços dele. Mentira, traíra sua amizade e enviara seu amado através da vereda que unia as duas casas. . Um frio mortal percorreu-lhe a espinha. Então, o que estava em jogo não era um
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mero pique-nique de escola dominical! Repentinamente, desejou saber o que Leo estava fazendo lá embaixo no velho forte. Queria que ele voltasse logo para casa e que a estreitasse nos braços. Esperava que não traísse sua confiança com aquela pasta e tudo o mais. Seu medo cresceu. O pavor do desconhecido insinuou-se em sua mente agitada. Uma rajada de chuva de encontro à janela acrescentou arrepios de terror a seu corpo trêmulo, obrigando-a a apoiar-se por um instante no espaldar da cadeira. Respirou fundo e voltou a concentrar-se nos vários elementos de que dispunha, na esperança de encontrar o fio da meada. Jill havia dito que Larry estava planejando algo reprovável. . . Mas contara ao marido que ela, Arianne, era clarividente. E logo em seguida Larry lhe telefonara, pretendendo um encontro romântico, quando o que ele queria de verdade eram aquelas contra-senhas! E ela lhe dera o serviço, ao lhe revelar a contra-senha certa do primeiro anel. O que havia feito sem saber? Que podia ser esse primeiro anel? O que significava a palavra "trenó"? O nome de um hipódromo? Mas o resultado de um páreo não parecia um bom motivo para tanto mistério. Ou talvez, se houvesse muito dinheiro em jogo. . . Larry tinha gostos caros, dissera Jill. Mas também dissera que ele tinha um novo plano. E uma corrida de cavalos não explicava a exigência de um plano! Bom. . . e onde entrava Leo em tudo isso? Não via nenhuma ligação entre ele e Larry. Não eram parceiros, dava para notar. Diria até que eram adversários. Lembrava-se do brilho de triunfo nos olhos de Leo e também do olhar mau de Larry. Será que os dois não estavam atrás da mesma coisa? Não podia acreditar que dois mistérios estivessem acontecendo ao mesmo tempo na linda e calma Port Towsend! Tampou pensativamente o creme de mariscos à moda de Boston e olhou para Rae, que estava brincando com as panelas. Um temor repentino assaltou-a. Agarrou o menino, apertou-o fortemente de encontro ao peito, enquanto inspecionava as janelas e as portas. Uma tempestade aproximava-se. O vento soprava furiosamente dentro da chaminé, empurrando nuvens de fumaça para dentro da cozinha. Arianne estremeceu e apressou-se em jogar mais lenha no fogo para avivar as chamas. Graças a Orly, tinha uma boa reserva de combustível. Orly. . . podia telefonar-lhe para pedir conforto e conselho! Não, era melhor não envolver outro inocente naquela abominável confusão. Mas, pelo menos, ele estava próximo e à mão, se precisasse de ajuda. Sua mãe estava em Palm Springs, mas um telefonema traria Mikey correndo. E havia também a polícia. . . O vento do inverno que chegava do mar aberto sacudia a velha casa, assobiava nas ramagens, ululava ao longo das corni-jas. As janelas rangiam, as chamas fagulhavam e ela ansiava pelo ..conforto dos braços fortes de Leo. Para ocupar proveitosamente a mente, afastando o temor, decidiu analisar a longa série de elementos do seu próprio ponto de vista. Havia um velho forte histórico repentinamente ativado pela Marinha. . . Leo que passava todo seu tempo lá embaixo. . . Larry, um tenente da Marinha. Três fatos possivelmente ligados entre si com um denominador comum: a Marinha. Larry tinha um plano reprovável, enquanto Leo trabalhava para alguém chamado MicroCon, Investigações. Estaria investigando Larry? Seria por isso que o
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tenente não se atrevera a desafiá-lo? Seria por isso que Leo mencionara o calcanhar-de-aquiles, frisando que o cargo de oficial era de confiança e não admitia uma fraqueza como a do herói grego? Seguindo essa linha de raciocínio, Arianne pensou ter esbarrado com algo importante. As peças pareciam encaixar. Larry era oficial da Marinha e, presumivelmente, podia ter acesso a importantíssimos segredos militares que envolvessem a segurança do país. Era uma ofensa moral trair o próprio país e Leo tinha aludido a uma conduta moral, ao cumprimento de um código de ética. E se a Marinha estava observando Larry, como Leo casualmente mencionara, é porque devia estar com a pulga atrás da orelha, já que o tenente fora apanhado uma vez com a boca na botija! O interesse de Larry por ela podia ser explicado tanto por seus poderes extrasensoriais quanto pela proximidade de sua casa do velho forte. Ou por ambas as razões. Melhor situado que o de Jill, o velho casarão projetava-se sobre a praia como um verdadeiro ninho de águia! Não era também de admirar que Leo agarrara-se à chance de permanecer ali, em vez de hospedar-se na casa de Jill! E por que não encorajara Larry a visitála, já que o estava investigando? Havia interferido nisso o crescente interesse dele por sua hospedeira? Como poderia incitar o traidor a beijar a isca, quando ele próprio estava apaixonado pelo chamariz? Hum... era espantoso onde se podia chegar com um pouco de raciocínio. . . Uma vez aceita essa hipótese como verdadeira, tudo se encaixava. Leo podia estar fazendo investigações por conta da Marinha e Larry seria o traidor, objeto dessas indagações minuciosas. Era uma versão que se ajustava a todos os fatos importantes como também à sua primeira suposição. Leo estava investigando esses anéis misteriosos e Larry estava tentando forçar-lhes o segredo por meio das contra-senhas que ela lhe fornecia! Arianne gemeu. Talvez por isso Leo a estivesse investigando também! Quem sabe, no fundo, suspeitava da cumplicidade dela com o tenente Larry Barnes! Isso explicaria aquele dossiê lá em cima sobre seu sexto sentido. E talvez por esse motivo não quisera envolver-se emocionalmente com ela num primeiro tempo!Jill estaria a par das intrigas de Larry? Poderia esclarecê-la, mesmo não conhecendo a essência da questão? Não era provável, já que estava ajudando - o marido.Arianne considerou com calma as diversas peças do quebra -cabeça que estava começando a tomar forma. Algumas encaixavam, mas havia outras que pareciam não combinar. Precisava de mais informações, mas onde e com quem obtê-las? Sabia que era perda de tempo tentar arrancar alguma coisa de Leo. Larry, então, nem se fala. Sua única opção era Jill. Não hesitou. Sentia a tensão no ar. Estava na escuridão da noite, no tamborilar monótono da chuva, e era assustadora! Deixou um bilhete a Leo, embrulhou Rae no seu casaco de inverno e cobriu-se com o impermeável amarelo. Correu para a casa da vizinha e bateu na porta dos fundos com os punhos fechados. Jill olhou-a com estranheza, como se estivesse esperando outra pessoa. Mas, apesar de seu ar apreensivo, forçou um sorriso. — Quer que eu fique com Rae? Vai sair? — Não, Jill. Posso entrar? A moça deixou-a entrar com visível má vontade e foi logo dizendo: — Se veio insistir para que eu procure Orly, Arianne, está perdendo tempo.
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Decidirei, quando chegar o momento. — Não vim por causa de Orly. Enquanto Rae alegremente punha-se a brincar com Erin, Arianne observava a expressão do rosto de Jill. Ao notar-lhe o queixo teimosamente erguido, imaginou as vantagens que ela não devia estar obtendo com seu papel de cúmplice!Pensou na melhor tática a adotar. Como o capitão de um navio prestes a ir a pique, Jill decidira afundar com o marido. Mas Arianne não ia deixar que eles a arrastassem consigo. A vida era preciosa demais e ela tinha que considerar o bem-estar de seu filho. Tinha que obrigar a moça a falar. Não havia outra escolha.Decidindo-se pelo ataque frontal e apostando na eficácia do choque, foi logo entrando no assunto: — O que seu ex-marido, Larry Barnes, está tramando? Ê melhor você dizer logo ou então vou chamar a polícia! Seguiu-se um silêncio interrompido apenas pela respiração ar-quejante de Jill, que a fitava com uma expressão de profundo horror estampada no rosto pálido. — Oh. . . não. . . — balbuciou. — Quem lhe contou isso? — Não interessa saber quem me contou. O fato é que "eu sei". Novo silêncio. E Arianne percebeu que Jill devia estar imaginando que seu raciocínio fora o resultado de sua vidência e não de uma dedução racional acrescentada a uma boa dose de intuição feminina. — Desembuche! — intimou. Ela estava impaciente. Fixou os olhos na moça e manteve o olhar firme, sabendo agora que a outra estava com medo de sua feitiçaria. Chegara o momento, afinal, em que seus poderes vinham a calhar! Não soube como isso aconteceu, talvez houvesse uma ligação telepática entre ela e Rae, mas de repente, como que obedecendo a uma sugestão, o menino começou a imitar a sirena de um carro de polícia. Uma imitação perfeita que foi logo repetida por Erin. O inesperado do acontecimento acabou de abalar os nervos de Jill, que desabou numa cadeira, debulhada em lágrimas. — Por favor, não chame os tiras. . . Por favor — disse, soluçando. — Por favor... por favor... Arianne aproximou-se das crianças e mandou-as brincar na sala. Quando elas saíram, voltou-se novamente para Jill. — Vamos, depressa! Não posso ficar aqui a noite toda! — Não sei o que ele está fazendo. Só sei das coisas depois, quando ele me conta. — É impossível que não tenha uma idéia, por menor que seja! — Não sei! — gritou Jill. — Juro que não sei! Faça o que quiser comigo, mas juro que não sei! — Vão para o inferno vocês dois — explodiu Arianne, profundamente irritada. — Sinto muito — balbuciou Jill por entre as lágrimas —, sinto muito. .. — Por que tinha que lhe revelar meu segredo, sabendo o pilantra que ele é? — Ele queria. . . queria que eu espionasse o forte. Mas eu não podia fazer isso. . . e então. . . — Entregou-me! Oh, Jill! — Sei que é horroroso, mas eu não tinha outra saída. . . — Como pôde trair nossa amizade, como pôde? — Desculpe — murmurou Jill. Arianne falou-lhe autoritariamente: — Pense bem. Tem alguma idéia do que Larry queria que você observasse no forte? E isso tem alguma ligação com sua trama? Alguma palavra que ele tenha
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deixado escapar, alguma insinuação. . . procure lembrar-se. Ah. . . a propósito. Se isso lhe servir de consolo, saiba que não fizemos amor! Jill estremeceu dos pés à cabeça e enxugou as lágrimas. — Ele é muito esperto para trair-se. Pediu-me apenas que ajeitasse as coisas com você.Arianne percebeu que tinha de ser muito cuidadosa com o que dizia, para não deixar escapar nada sobre a possibilidade de Leo estar investigando Larry. Jill certamente iria correndo contar-lhe. Lembrou-se do olhar malévolo do tenente e sentiu um frio percorrer-lhe a espinha. Não tinha dúvidas de que o homem podia ser muito perigoso. Jill continuou: — Passei mal. . . tinha vontade de morrer. Você não sabe como eu me sentia, todas as vezes em que ele me mandava pajear Rae. Estava ficando doida! Não conseguia comer nem dormir. . . — Não me venha com essa história de autopiedade! Você se meteu nisso porque quis! Afinal, a casa é sua e você não tem obrigação de recebê-lo. Já que é tão fraca, afaste-se dele de uma vez por todas! — Devia atirar-me no mar e acabar logo com isso! — Não diga asneiras! Comporte-se ou eu lhe dou uma bofetada. Jill encolheu-se toda diante de sua fúria. — Acha que eu deveria procurar Orly? — Para quê? Você não sabe de nada! Não, não é uma boa idéia. . . — O rosto de Arianne iluminou-se subitamente. — Mas há outra muito boa! Vá ter com minha mãe. Você já a conhece e sabe como ela é boa e compreensiva. E sua visita agirá como um tônico em minha tia May. As crianças irão distrair as duas e você terá chance de descansar. Arrume as malas e vá embora imediatamente. As coisas podem esquentar, é melhor que fique longe daqui. — Mas. . . — Nada de mas. Vou telefonar à minha mãe e elas vão ficar à sua espera. Você vai ter um lindo Natal em Palm Springs. E, se fizer depressa, poderá chegar lá amanhã à noite. Se precisar de algum dinheiro para o pernoite num motel, diga. Posso lhe emprestar algum. O que acha? — Não, não preciso de dinheiro. Mas como. . . como posso agradecer a você? Depois de tudo o que lhe fiz. . . — Correndo para fora daqui! No fundo, Arianne tinha pena dela. Não podia negar-lhe ajuda, embora soubesse que a amizade que houvera entre elas nunca mais seria a mesma. Jill pareceu entusiasmar-se. — Está bem. Eu vou. Agora mesmo! E animada por uma pressa febril, começou a juntar rapidamente o estritamente necessário. Encheu duas malas e arrumou-as no bagageiro do carro, enquanto Arianne lançava olhares ansiosos à sua casa, para ver se Leo havia chegado. Mas tudo parecia calmo e quieto por lá. — Mais uma coisa — disse a Jill, quando entraram novamente na cozinha. Larry tem a chave da casa? — Sim, tem. — Vamos ter que dar um jeito. . . Por enquanto, é bom pensarmos num modo de não alarmá-lo com sua partida inesperada. Escreva-lhe uma carta. Jill refletiu um momento. — Uma carta de adeus? — perguntou. Se você quiser... Mas que seja de modo a evitar que ele torne a procurá-la.
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— Não vai ser difícil. . . Sentaram-se à mesa e começaram a pensar juntas no texto da carta. Era importante que Larry não suspeitasse que Jill o havia delatado. A finalidade de sua partida era tirá-la daquela situação angustiosa, e não enterrá-la ainda mais! - Querido Larry — foi dizendo Jill, enquanto escrevia. — Não agüento mais ver você e Arianne juntos! — É um bom começo, não acha? Que mais? — Deixe ver. . . Escreva: "Você não precisa mais de mim, agora que tem o que deseja. Ela está doida por você!" — Acha que ele vai acreditar? — Claro que vai! Eu me servi dele para enciumar Leo. — Leo, hein? Eu a avisei. . . Arianne sorriu levemente. — Algum dia vou lhe contar tudo. . . Jill continuou a escrever: Minha irmã de Tulsa está doente e precisa de mim. Vou ficar com ela e estou aproveitando a oportunidade para deixar você. Acho que é a melhor solução. Não quero vê-lo nunca mais. É realmente o fim, Larry. P.S. Por favor, deixe a chave da casa na caixa postal. — Que acha? Parece convincente, não? E resolve o problema da chave. Só espero que ele não telefone à minha irmã! A moça colocou a carta num envelope, sobrescritou-o e começou a chorar. — Também vai passar o Natal em Palm Springs? — perguntou a Arianne por entre os soluços. — Não sei. . . Talvez o Ano-novo — murmurou Arianne, que contava passar a festa ao lado de Leo, em Port Towsend. Jill olhou-a, bastante constrangida. — Tenho de dizer mais uma coisa. . . Dei a Larry a chave de sua casa que você costumava deixar comigo. Ele queria dar uma espiada no quarto de Leo. . . Usou seu farolete e levou-o embora sem querer. Eu já o repus no seu lugar. Você o achou? — Sim, achei. Ainda bem que "esse" mistério está resolvido. Leo insistia em dizer que não tinha visto o tal farolete! — Bom. . . já vou indo. Perdoe-me, Arianne, e obrigada por tudo. — Não se incomode com isso. Vá andando. Ela não pôde esconder a frieza que seus olhos refletiam e a decepção de Jill foi evidente. Voltou-se silenciosamente e rumou para o carro com as crianças. Arianne pegou Rae no colo e esperou no pórtico até que ò carro tomasse o caminho da rodovia. Enquanto voltava para casa, ia rezando para que Jill não mudasse de idéia e fosse ao encontro de Larry, em vez de ir a Palm Springs. Curvada paraa frente para proteger-se do vento e da chuva, pensou se Leo já estaria em casa. Não estava. Mas jantara, os pratos estavam ainda escorrendo na pia. E havia um bilhete na mesa, debaixo da bola de cristal. Arianne leu:” Voltarei logo, meu amor. Por favor, espere por mim. Leo”. E isso era tudo. Tudo mesmo. Ele havia partido novamente! Arianne sentia-se tão desprotegida! O vento que soprava do Pacífico sacudia a velha casa com um ímpeto descontrolado, ameaçando carregá-la pelos ares! Sua única vizinha havia partido, Leo também. . . O mundo era um lugar enorme para se ficar sozinha... Respirou fundo, tentando reagir contra o pânico crescente. Afinal, era mais uma tempestade que se aproximava, já devia estar acostumada. Mas, daquela vez, a lógica não funcionou -porque o germe do medo já estava ali, fazendo seus nervos
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estremecerem. Se alguém chegasse naquele momento. . Enterrando as mãos nos cabelos, fez um esforço sobre-humano e chegou a dominar-se. Tinha conseguido viver sozinha naqueles dois últimos anos, podia superar também aquela noite! Afinal, não havia recebido a primeira carta de amor de sua vida? Embora curta, era uma carta de amor! Isso a fez sorrir e releu novamente o bilhete, pensando onde ele poderia estar e quando voltaria. A carta confortou-a pelo resto da noite. Todas as vezes em que o ulular do vento fazia o sangue gelar em suas veias, voltava a lê-la, e aquelas doces e românticas palavras faziam-na sempre sorrir. Mas, ainda assim, olhava por cima do ombro de vez em quando. Não podia impedir-se. O ambiente estava carregado de incertezas e de coisas inexplicáveis. Havia uma excitação perturbadora e chegava até a sentir o cheiro disso. Também seu gato preto devia perceber inquietação perpassando pelo ar, porque vagava silenciosamente, e sem descanso, de quarto em quarto. Muito tarde da noite, Jill telefonou-lhe de um motel de Portland, no Oregon. Agradeceu-lhe, desculpando-se de tudo, e o ânimo de Arianne melhorou sensivelmente após aquele telefonema. Quem sabe, um dia, talvez a perdoasse.Se apenas pudesse afastar aquele vago mal-estar... Se.ao invés de dotá-la de pressentimentos premonitórios, seu sexto sentido lhe mostrasse, ao menos, o perigo que permeava pelo ar!Adormeceu com o bilhete de Leo preso à sua mão crispada e Tinx enrodilhada aos pés da cama.
CAPÍTULO XVI Na manhã seguinte, Arianne teve um choque ao ver o Cor-vette vermelho parado à porta da casa de Jill. Larry estava de volta! Vagamente inquieta, pensou como ele reagiria diante do desaparecimento de sua ex-mulher. Por volta das dez e meia, ele apareceu, como já previa. E parecia exatamente o mesmo! Devia ter lido a carta de Jill, mas não demonstrava nada. Mantinha-se absolutamente calmo. Não parecia sentir remorso. E, embora revoltada com sua insensibilidade e crueldade para com a pobre moça,-Arianne admirou-se de sua compostura. Frio e sorridente, Larry continuava a desempenhar seu papel com mais perfeição ainda. — Jill partiu por uns tempos, você não sabe? — Sua voz era muito calma, mas tinha um tom estranho. — Oh? Não, não sabia! Para onde? — perguntou Arianne. — Foi visitar uns parentes. Vai passar o Natal por lá. Pediu-me para dar uma olhada na casa, durante sua ausência. Don não pode fazer isso e você. . . você deve estar muito ocupada. "Que desfaçatez!", pensou Arianne, enquanto o observava afagar os cabeJos de Rae. — Claro que não posso vir aqui a todo instante, boneca, mas vou fazer força — ele fez uma pausa. — Sabe, Arianne, "saxofone" não funcionou. Verdade? Que pena! Tentei, Larry, mas não posso fazer mais do que isto: tentar.Claro, boneca. Mas tente novamente, está bem? -^ Não estou com vontade, Larry. Está ficando cansativo. Arianne sorriu corajosamente. Não queria dar nenhuma demonstração de que estava com medo. Era uma novidade inquie-tante que ele houvesse praticamente mudado para a casa vizinha. Ela e JíII não haviam
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pensado nessa possibilidade. E nem que ele pudesse ficar com a chave de "sua casa"! Larry, muito habilmente, não deixou transparecer sua decepção. Mudou de assunto, dizendo com voz suave e sedosa: — É realmente uma pena que você tenha perdido sua baby-sitter. Conhece alguém na cidade que costuma prestar esse serviço? Alguém com quem possamos contar para dar umas voltas? — Ele sorriu sugestivamente. — Que tal um relaxante e fantástico jantar no sábado à noite? — Oh, não posso, Larry. — Ela pensou, desesperadamente, numa desculpa convincente. — Minha mãe e umas velhas amigas vêm passar o fim de semana comigo. — Isso quer dizer que não verei você senão na próxima semana? — Não é tão terrível assim, Larry! Vai me desculpar, mas tenho que ir para o trabalho. — Tente aquela contra-senha novamente, sim? Faça isso por mim! Depois de um momento de hesitação, aparentando relutância e dificuldade em "ver"' o objeto em sua mente, ela lhe forneceu mais um elemento falso. — Sinto muito, Larry. . . Enganei-me. Era uma tuba e não um saxofone, que apareceu. — Tuba, hein? Os olhos de Arianne brilhavam de malícia, mas Larry não notou, ocupado em conquistar as boas graças de Rae. — Garotinho encantador. . . — comentou, voltando a acariciá-lo. — Você não imagina a ajuda que me prestaria se me desse as contra-senhas certas" como da primeira vez. Ele a repreendia com brandura, sugerindo que "ela" lhe estava causando problemas! Mas havia uma certa cautela em seu olhar, enquanto a observava, como se ele receasse, da mesma forma que Jill, a força de seus poderes. E seu medo anulou, em parte, o dela, que resolveu tomar a coragem com ambas as mãos. — Sinceramente, Larry, estou começando a ficar cansada de encontrar as soluções para esses seus jogos. Se gosta tanto de jogos de azar, por que não vai a Las Vegas? — Não diga isso mais uma vez, boneca! Porque é isso mesmo que estou com vontade de fazer: ir a Las Vegas! E você irá comigo! Ganhei um bom dinheiro, graças à sua ajuda. É justo que tenha uma bonificação de Natal. Ela forçou um sorriso. — Não quero seu dinheiro, Larry. Mas ele continuou a contar as notas na frente dela, tentando com isso induzila a aceitar a propina. — Guarde seu dinheiro — tornou a dizer Arianne. Larry não se fez de rogado. No fundo, devia ser isso mesmo o que queria. Deu-lhe um beijo rápido no rosto e foi-se embora. Enquanto observava o carro vermelho desaparecer no meio da bruma azulada da manhã, Arianne soltou um longo suspiro de alívio. Felizmente, quando ele aparecesse novamente, Leo já estaria de volta. Mas Leo não voltou naquele dia nem no seguinte. Por sorte, ela estava muito ocupada, fazendo horas extras na loja em Orly, devido à proximidade do Natal. E aquele trabalho divertido e ela estava muito ocupada, fazendo horas extras na loja de Orly, acalmaram sua mente agitada. À noite, enquanto Rae estava acordado, ela exercia um férreo controle sobre si mesma para que o menino, sensível como era, não percebesse sua inquietação.
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Mas, assim que o punha na cama, a dúvida não a deixava em paz dominando todos os seus pensamentos. Uma vez mais Leo partira, não deixando nada atrás de si.. . Mas então lembrou: dessa vez ele havia deixado uma carta de amor... O robe cor-de-rosa esvoaçando, as chinelinhas batendo ritma-damente no chão de madeira do saguão, Arianne rumou para a cozinha disposta a tomar uma boa xícara de chocolate e a comer alguns biscoitos do novo tipo que Mikey fizera especialmente para o Natal. Acendeu apenas a luz que havia sobre o fogão, deixando o resto de cozinha na semi-obscuridade, porque aquela iluminação era suficiente para o preparo da refeição simples. Enquanto esperava o leite ferver, lançou um olhar distraído ao relógio, pensando onde Leo poderia estar à meia-noite de um sábado frio de dezembro. Estendeu a mão para apanhar um biscoito quando, de repente, acreditou ter ouvido um ruído de passos nos degraus do pórtico dos fundos. Rodando sobre os calcanhares, apertou freneticamente o botão do comutador e um jorro de luz iluminou o ambiente. Alarmada, fixou os olhos na porta, esperando a confirmação de seus temores. Mas nada aconteceu. Não se ouvia nenhum som, além do monótono gotejar da chuva sobre as ramagens do jardim. Ainda trêmula, agarrou Jinx que se esfregava em seus pés e estreitou-a contra si. A gata era adorável, fofa e quentinha como um novelo de lã angorá mas, naquele instante, preferiria estar segurando a coleira de um valente cão de guarda! Seria Larry, de volta à casa de Jill? Na última vez em que dera uma espiada na casa vizinha, e não fazia muito, não havia nenhum carro vermelho estacionado no pátio. Talvez guaxinins à procura de alimento, ou algum veadinho escondido no bosque. . . ou sua agitação interior esgotando-lhe os nervos. Mais calma, terminou de preparar o chocolate e serviu-se de uma xícara. Ao ouvir novamente o ruído, teve um movimento de medo. Mas, apelando para as suas reservas de coragem, caminhou lentamente para a porta, disposta a uma averiguação. O coração batendo descontroladamente, estendeu a mão para a velha maçaneta de bronze, quando esta girou silenciosamente diante de seus olhos atônitos. Deixou escapar apenas um leve murmúrio, que, no tenso silêncio da cozinha, tomou proporções gigantescas. A porta se abriu e Leo, a chuva escorrendo da aba do chapéu, a gola da jaqueta erguida para proteger-se do vento gelado, desenhou-se no umbral. — Arianne. . . — disse, ao vê-la, e um sorriso de felicidade iluminou-lhe o rosto.O alívio dela foi tamanho, que suas pernas se dobraram, incapazes de sustentá-la. Estendeu o braço, apoiando-se nele, e antes que a porta se fechasse, pôs a cabeça para fora e deu uma espiada na casa de Jill. — Querido, que susto você me deu! — Desculpe, querida, mas quis chegar sem ser pressentido, porque não quero que ninguém saiba que estou aqui — ele disse, arrancando as botas, o chapéu e a jaqueta gotejantes. — O que você estava procurando? — O carro de Larry. Mas não estava lá fora. Ele ergueu o olhar, espantado. — E devia estar? — Larry está morando na casa de Jill. — O quê? — Conto tudo a você num minuto. Antes. . . — Antes. .. ?
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Ele pousou a mão em seus ombros e olhou-a com uma expressão cheia de amor. Enlaçou-a então lentamente e curvou-se para beijá-la com ardor. — Leo. . . que falta você me fez! — Era isso mesmo que eu queria ouvir. Ela tomou-lhe o rosto entre as mãos e acariciou-lhe os cabelos. — Está gelado, querido. Vou acender a lareira para você se aquecer. Não gostaria de tomar uma xícara de chocolate bem quente e de experimentar os novos biscoitos de Mikey? São deliciosos! Leo encostou-se nela e puxou-a para si. Erguendo-a no ar, voltou a beijá-la com tamanha paixão que a deixou sem fôlego. Vou buscar os biscoitos — disse, afinal, depositando-a novamente no chão. E eu trarei o chocolate — ela murmurou, ainda arquejante. Assim que a bandeja foi colocada na mesinha da sala, Leo pegou-a pela mão, levando-a até o sofá. — Vamos aproveitar o calor da lareira. Aqui há lugar suficiente para nós dois. Ele se deitou e puxou-a para si, aninhando-a de encontro ao peito. Rodeou-a com os braços e, beijando-lhe a nuca, pediu: Diga-me agora o que há com Larry. Arianne deixou escapar um pequeno suspiro e contou-lhe resumidamente o que acontecera. — Uma história fantástica, não? Larry, o marido de Jill! E sejam quais forem seus planos, têm algo a ver com aquele velho forte! Enquanto Leo fitava-a pensativamente, o cenho franzido, Arianne pensou que tivera seus bons motivos para lhe contar tudo o que sabia do caso misterioso. Esperava que ele correspondesse à sua confiança, revelando-lhe também seus segredos. Mas, ao vê-lo tão calado, resolveu abrir o jogo. — Onde você entra nisso tudo, Leo? — disse, acariciando-lhe o rosto pensativo. — Onde esteve e o que está fazendo em Port Towsend? — Beijou-lhe delicadamente os lábios e continuou: — Tem que me dizer, querido. Não pode me deixar nesse suspense. Ê terrível! E por que ninguém deve saber que você está aqui? Leo roçou-lhe os lábios pelas têmporas. — Tenho de lhe explicar como estão as coisas, não é mesmo? — disse, soltando um suspiro. — Tentei deixar você fora disso, mas você acabou se tornando uma das partes principais da história. Vou lhe contar tudo num minuto. Antes. . . Seu beijo foi profundo, exigente, possessivo. Depois daqueles dias de ausência, Arianne experimentou um ardor nunca sentido antes e ajustou seu corpo ao dele com um sorriso iluminando seu rosto adorável. Confortavelmente reclinada para trás, o rosto abrasado pelo calor das achas que crepitavam alegremente- na lareira, Arianne ouvia o vento gemer e assobiar em volta da velha casa, e a chuva bater nas vidraças. Uma doce quietude envolvia o ambiente. Soltando um suspiro de felicidade, ela se deixou submergir lentamente pela suave lassidão dos sentidos apaziguados e fechou os olhos. — Não durma, meu amor. . . temos de ir ao forte. Ela se endireitou bruscamente, afastou os cabelos e olhou-o intrigada. — Que foi que disse? Leo beijou-lhe suavemente a boca e confirmou: __ É isso mesmo. Temos que nos vestir imediatamente. Vamos ver o almirante. — Lyndon Trush? — Ele mesmo.
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— Está ainda à nossa espera? À uma e meia da manhã? — Exato. Mas temos que ser muito discretos sobre isso. — Por quê? — Explicarei tudo no caminho. — Vai ter que agüentar Rae, então. Ele fica muito impertinente, quando é acordado no meio da noite. — Não vamos ter necessidade de perturbá-lo. Arrumei-lhe uma excelente baby-sitter. Ele estará aqui dentro de. . . — Leo consultou o relógio. — Com os diabos, já deve estar chegando! — "Ele"? Que espécie de baby-sitter é esse? Quem será. . . Uma discreta batida na porta interrompeu-lhe as conjecturas. — Vamos, amor, não temos tempo a perder! — disse Leo, ajudando-a a vestir o robe. — E não se preocupe com o baby-sitter. É um médico da Marinha, já trouxe muitos bebês ao mundo e entende do assunto. Enquanto Leo ia abrir a porta, Arianne subiu as escadas correndo. Tomou um chuveiro rápido, pensando no que devia vestir para uma entrevista com um almirante à uma e meia da manhã! Optou por um par de jeans de ótima qualidade, blusa branca e pulòver azul-anil. Prendeu os longos cabelos com uma fita branca, deu uma espiada em Rae e desceu para o térreo. Encontrou o médico convenientemente acomodado na sala. Leo apresentouo e, depois de cinco minutos, tomou-a pela mão, conduzindo-a para a noite fria e úmida de dezembro. Durante o caminho, foi explicando: — Tenho realmente uma livraria, Arianne. É meu passatempo favorito. Pequena, mas competentemente dirigida por um gerente de minha confiança. A agência de viagem é apenas uma fachada. Minha atividade principal é a MicroCon. A Micro é uma empresa que trata com computadores e software. Um ramo dessa empresa dedica-se à supervisão de computadores que tratam da segurança e da prevenção do crime. Há algum tempo, a Marinha escolheu-me como consultor de segurança de seus novos sistemas de computação. Descobriram que o sistema vigente até então estava ligado ilegalmente à base de Whidbey Island e pediram-me que viesse para investigar, antes de o forte ser novamente reativado. E é isso o que eu venho fazendo desde que cheguei aqui: montando um novo sistema de segurança, dando cursos de treinamento e tentando descobrir quem bloqueou aquele primeiro anel e como conseguiu isso. Arianne estremeceu com o choque. — Oh, não... — gemeu. — É algo que tem a ver com contra-senhas? "Trenó", por exemplo? — Você descobriu! — Oh, meu Deus! — foi tudo o que ela conseguiu dizer. — Vão me mandar para a cadeia? — Não, meu amor. Já sabemos que sua única culpa é ter esses poderes sensoriais. Embora isso tenha que ser provado. É por isso que temos esse encontro com o almirante. — Não entendo.. . — Ninguém vai acreditar, quando eu disser que você está covardemente acumpliciada com o traidor para sabotar a defesa de toda a Costa Oeste! Ele soltou uma boa risada. — Mas não é engraçado, querida, não é mesmo! É que eu tenho senso de humor. Estava pensando na cara de Trush quando perceber que a feiticeira que ele espera é essa criatura tão charmosa! Mas o caso não é para
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brincadeiras, meu amor. Você não está mais ajudando o Larry, está? Arianne engoliu o nó que se formou subitamente em sua garganta. — Não.. . claro que não. Ele estava ficando muito insistente, e eu tive medo de ser envolvida em outro caso de seqüestro. — Ele não conseguiu ir além do primeiro anel. — Dei-lhe algumas contra-senhas falsas, como tuba, saxofone e retardado para o anel número dois. — Mas que espertinha! A chuva continuava, filtrando-se docemente através do bosque. As agulhas de pinheiros e os gravetos de cedro exalavam uma fragrância deliciosa que combinava com o cheiro forte do musgo que atapetava o solo encharcado. Leo estacou de repente. Inclinou-se para ela e tomou-lhe os lábios que se fundiram com calor, enquanto seus rostos permaneciam gelados, na neblina. — Vamos, querida — ele murmurou com relutância — Não podemos continuar aqui. Com um suspiro de felicidade, Arianne passou o braço pelo dele. — Vocês já estão prontos para pegar Larry? — A Marinha quer que ele se enforque com sua própria corda. Sabemos que ele havia feito várias tentativas para chegar até o cérebro do computador, e todas com insucesso. . . até conhecer você. Imaginam que ele tenha um cúmplice no departamento de computação, mas eu não acredito. — Como foi que vocês o descobriram? — Foi seu modo de agir: usando um R.J.E.T. — O que é isso? — Ele usou um sistema remoto de entrada por terminal. Isso significa que o sistema que ele empregou não tinha nada a ver com os do departamento de computação da Marinha. Há centenas de diferentes terminais de vários tipos e todos eles fazem parte do que é chamado interface. Todos eles ligam-se à unidade de controle e esta ao computador central. Está entendendo? — Estou sim. Prossiga. — Usando o R.J.E.T., o que acontece em primeiro lugar é que há conexão entre o terminal e o computador centrai que, por sua vez, pergunta ao terminal seu protocolo de comunicação: tipo de máquina, velocidade dô operação, etc. É então que na tela do terminal aparece o pedido para a identificação do operador. Às vezes, essa identificação é simplesmente o nome do operador, que é digitado. Outras, é um cartão plastificado, semelhante a um cartão de crédito, onde há uma fita de código magnético. Esse cartão é, a seguir, introduzido no módulo de leitura do terminal. Se o operador recebe a autorização, o computador pede a contra-senha, ou código secreto. Depois de tê-lo fornecido corretamente, o operador é autorizado e pode iniciar seu trabalho no arquivo que quiser. Essa operação permite manter a segurança do sistema a nível satisfatório. São dadas três chances de identificação aò operador. Depois de três tentativas infrutíferas, o computador central bloqueia o terminal, que permanece bloqueado até ser liberado por alguém da equipe de suporte. Conseguiu entender onde eu quis chegar? — Sim, acho que sim! Larry manteve o terminal bloqueado através da alteração da contra-senha! — Esse é um dos sistemas. Há outros. Às vezes, a contra-senha faz parte dos dados reais e o operador não sabe que palavra ou frase é essa. Contra-senhas, ou palavras-chaves, podem ser combinações de caracteres alfanuméricos, em
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qualquer combinação de maiúsculas ou minúsculas. Como vê, é esse o dilema de Barnes. Mas o problema com todos esses métodos é que eles são fáceis de desvendar. Um hacker pode destruir a Marinha! E nosso tenente é um deles. — O que é um hacker? — É um amador de computação que desvenda o acesso aos sistemas de computação, sejam eles particulares, corporativos ou estatais. Pode ser qualquer um e pode estar em qualquer lugar. Num de meus casos, o hacker aconteceu ser uma velha e respeitável senhora que morava numa fazenda do Texas. Aborrecida por não ter o que fazer, ela começou a passar seu tempo mexendo no computador do neto. E logo conseguiu coisas incríveis! Descobriu, por exemplo, que, sem sair de casa, podia abrir contas em seu nome em diversas lojas da cidade. ia depois às compras, gastava feito uma doida, e mandava pôr tudo na conta. Chegando em casa, anulava o débito por meio do computador. Aperfeiçoou tanto seu método, que conseguiu abrir contas nos diversos departamentos de uma mesma loja, cada uma delas sob nomes diferentes. — Inacreditável! — E ela nunca seria apanhada, se eu não tivesse a chance de examinar cuidadosamente um sistema de contas a receber de uma dessas lojas, com o fim de investigar uma técnica chamada salami slicing, ou "fatiando, salame". Ê o que acontece, quando um operador comanda um computador e desvia frações de centavos das contas dos clientes para uma conta bancária em seu próprio nome. Foi assim que eu a descobri, por que aquela doce e pequena avozinha de cabelos brancos contribuía com um grande número dá frações de centavos para a conta bancária do "fatiador de salame"! — Oh! Não me diga que você mandou a doce avozinha mofar na cadeia! — Não. E, agora, a doce senhora trabalha para mim. — Que história extraordinária! — Não tão extraordinária assim. O crime de computação é mantido em segredo. As empresas nem sempre instauram processo. Mas o de Barnes é coisa diferente. Trata-se de um crime militar, e o nosso tenente está metido nisso até o pescoço! Haviam chegado à praia. O vento soprava furioso, e tiveram que cobrir o rosto com as mãos para proteger-se dos golpes de areia. O mar batia com força de encontro aos rochedos e mesmo as ondas que chegavam até a praia eram mais altas e impetuosas do que o habitual. — Mas se a Marinha tem tantas provas contra ele, por que não manda prendê-lo? — gritou Arianne, para fazer-se ouvir por cima daquele ruído ensurdecedor. — Queremos ver como ele utiliza as informações que conseguiu do primeiro nível. Esses níveis são como anéis encaixados um dentro do outro, e cada um deles da maior importância. O nível mais secreto contém o esquema do programa do sistema. Com ele, pode ser feito tudo: qualquer manipulação de dados. . . ordens. . . trabalhos. Quanto mais alto o nível, maior a segurança. Quando acionado, o anel de Barnes, por exemplo, pode controlar funções software. O anel seguinte pode controlar funções de supervisão do sistema, o outro, funções administrativas, e assim por diante. O mais secreto é sempre o cérebro para os analistas e para os programadores de sistemas. E é aí que eu entro, porque, obviamente, Barnes está mirando o cérebro. Por essa razão, é de enorme interesse
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para a Marinha saber quem o financia. E também para o país. Você está entendendo? — Sim, Leo. . . Mas sobre esses dados em qúe Larry já pôs as mãos. Que importância têm? — Oh, eu introduzi despercebidamente um novo nível completo com informações falsas. E foi tudo isso que Barnes conseguiu pelo seu esforço. Agora estamos esperando para ver se, eventualmente, essa falsa informação vai aparecer. Estamos no segundo estágio agora, com o contato de Barnes em Seattle. — Ele está sendo seguido, então. — Acertou. Tentei conservá-la fora disso, Arianne, quando percebi que você era inocente.'Mas as coisas foram longe demais. Fui obrigado a investigar sua história. . . tudo, entende? O almirante esteve lendo o dossiê. — Fui seguida também? — De um certo modo. Tinha que ser feito, Arianne. Não tivemos outra alternativa — ele fez uma pausa e suspirou. — Foi por isso que tentei manter nosso relacionamento em bases estritamente formais. Ela riu e apertou-lhe o braço. . — Mas não conseguiu, não é mesmo? — Que remédio. . . — Que mais tem a me dizer de-Barnes? — A idéia da Marinha é conservar um olho nele e outro na rede para a qual ele trabalha. E monitorar as informações que passarem através de seus canais pelo tempo que for necessário para apanhá-lo em flagrante. Mas, se Barnes entregar você à rede como sua fonte de informação, você estará numa encrenca séria, Arianne. — Verdade? — Infelizmente. E minha idéia é apanhar Barnes imediatamente. É isso que iremos fazer. Trush exige que médicos e especialistas em ciências psíquicas apliquem testes em você. Eu queria que você fosse atendida pelo dr. Mathias Dickenson, mas o almirante insiste em utilizar os cientistas das Forças Armadas. Acha que pode submeter-se a isso? — Eu. . . sim. Acho que sim. — Arianne, minha doçura, estarei ao seu lado, Mas é vital que você convença Trush. Barnes é astuto e dissimulado. Irá vendê-la por um bom dinheiro. Quero vê-lo preso antes que ele comece a espalhar seu nome pelos meios excusos. Ah. . . antes que eu me esqueça: o almirante destinou dois homens para sua proteção vinte e quatro horas por dia. Não sabia? Pensei que certamente você. — Não, não sabia de nada, querido Leo. Acontece que meus poderes não funcionam em meu benefício. E isso me parece tão injusto! Mas guardas? Quer dizer. . . corpo de guarda? — Exatamente. Não tem idéia de quanto você está valendo no mercado negro? Minha pequena e linda feiticeira de olhos negros...
CAPÍTULO XVII A residência do almirante era extremamente confortável, mas em nada diferente de outras do mesmo padrão. Foi isso que Arianne pensou até entrar no galpão que havia atrás da casa. Era como ser introduzida no interior de um enorme computador inteiramente feito de metal, plástico e fibra de vidro. Toda uma parede
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metálica, transformada em painel de comando, pulsava com as luzes coloridas de milhares de botõezinhos que piscavam sem parar. O centro do vasto espaço era dividido em compartimentos. No do meio, a iluminação era fornecida pela luz suavizada de alguns abajures estrategicamente colocados ao lado de um se-micírculo de sofás macios. Um adorável globo antigo, de mais de um metro de altura, dominava o ambiente. Arianne avançou, ao lado de Leo, e foi apresentada para o que lhe pareceu um batalhão de homens das mais diversas idades, alguns de uniforme, outros em trajes civis. Lyndon Trush estava entre eles. O almirante era um homem de seus cinqüenta anos, de olhos azuis penetrantes e vigilantes como os de um falcão à caça. Olhou-a com desaprovação, e parecia enfadado, quando apertou com firmeza a mão que ela lhe estendeu. — Sua história é impressionante, Arianne. . . Permite que a chame pelo nome, não? — As maneiras dele eram bruscas e friamente formais. — Por favor, senhor, à vontade! Mas não acho que deva agradecer-lhe, porque não me parece que tenha pretendido elogiar-me — replicou Arianne com um sorriso encantador. As finas sobrancelhas grisalhas de Trush ergueram-se levemente. Havia um reconhecível brilho de ironia em seus olhos inteligentes. — Perdoe-me, mas ainda não conhecia uma feiticeira. Arianne não gostou do sarcasmo. — Isto aqui é novidade também para mim, senhor. Ele a fitou e ela sustentou-lhe o olhar com inesperado desafio. — Vamos logo com isso — Leo murmurou diplomaticamente, percebendo a hostilidade que se havia instalado entre ambos ; — Por que não começa, dr. Ekhart? As luzes dos abajures se apagaram e todos, inclusive Leo, acomodaram-se no semicírculo de sofás, enquanto o doutor aproximava-se de Arianne. — Venha comigo. Ela foi conduzida para uma mesa iluminada por um forte foco de luz, colocada no meio da arena. — Sente-se, por favor, e fique à vontade, Arianne. Você já trabalhou com estas cartas antes? — perguntou o dr. Ekhart mostrando-Ihe as cartas com os símbolos que ela já conhecia. — Sim. — Começaremos com uma série de dez rodadas de vinte e cinco previsões cada. Conhece o procedimento, não? É um simples teste de telepatia, como deve saber. "Meu dossiê já foi amplamente estudado", ela refletiu, — Desta vez, em lugar de usar uma folha impressa para marcar sua previsão, você se servirá da tela de um computador. Ele fez um sinal e o ajudante de ordens do almirante empurrou uma mesinha com um pequeno computador para perto de Arianne. Junto, havia um controle remoto que dispunha de um botão para cada um dos cinco símbolos, e um sexto para apagar. — Veja bem — continuou o doutor. — Não há muita diferença entre este método e o convencional. Você vai usar o controle remoto para assinalar sua previsão na tela, apertando o botão correspondente ao símbolo.O elemento controle está sentado lá em cima. Você terá que prever corretamente o símbolo da carta que ele for retirando do baralho, lendo sua mente. E não terá nenhuma ajuda: não poderá vê-lo, não sabe quem é ele, nem convque velocidade ele retira as cartas do
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baralho. Comece assim que eu der o sinal disse o homem, sentando-se em outra mesinha, não muito longe dela. Arianne não poderia sentir-se mais desconfortável, instalada ali, sob aquela luz forte, à vista de tanta gente! Claro que havia sido por ordem do almirante e, provavelmente, com o propósito de forçá-la a provar suas aptidões sob condições adversas! Sua fronte umedeceu-se de suor. Lançou um olhar perdido pela silenciosa assistência refugiada na semiobscuridade, entre ela e as miríades de pequenas luzes do painel do computador. Então, Leo moveu-se ligeiramente, atraindo sua atenção e logo ela sentiu-se confortada. Aspirou fortemente e relaxou na cadeira. O dr. Ekhart, que a observava atentamente, deu o sinal, ao vê-la pronta. Arianne olhou para o controle remoto e memorizou a ordem dos símbolos. Então, focalizou sua atenção na tela, que estava dividida em quadrados, como um gráfico. Vinte e -cinco embaixo, na horizontal, e vinte na vertical, com um espaço no alto para o nome dela. No fundo, pormenores de lugar, tempo e espaço para os resultados. Os vinte quadrados verticais eram divididos em duas colunas de dez cada. A primeira coluna era reservada à sua previsão, e a outra ao verdadeiro símbolo da carta escolhida pelo elemento-controle que estava lá em cima. Lançando um rápido olhar ao dr. Ekhart, ela imaginou que ele conheceria o resultado do elemento-controle simultaneamente com, sua previsão. Então, umedecendo os lábios subitamente secos, começou a acionar as chaves dos símbolos, na ordem em que lia na mente de seu parceiro. Digitou rapidamente as vinte e cinco chaves da primeira rodada e ficou esperando o sinal para iniciar a próxima. Havia na sala um silêncio sepulcral que a intrigou. Olhou à sua volta e percebeu que todos os homens estavam observando os resultados que apareciam numa tela colocada no teto, acima deles. E a julgar pela absorta atenção que isso merecia, imaginou que tanto sua previsão quanto a marcação do elemento-controle deviam estar aparecendo lá em cima, enquanto ela trabalhava. Ao sinal do dr. Ekhart ela iniciou a rodada seguinte e as demais, até que todas as dez fossem completadas. Todas as vezes em que iniciava uma delas, prestava atenção, para ver como a platéia reagia ao seu resultado. Chegou a ouvir um leve murmúrio, mas ninguém falou, ou emitiu algum som audível. Ao terminar, no entanto, a reação foi imediata. Todos começaram a falar ao mesmo tempo, mas em voz tão baixa que ela não conseguiu distinguir nenhum comentário. A voz do dr. Ekhart dominou a excitação geral. — De novo, Arianne. A mesma coisa. Dez rodadas de vinte e cinco previsões cada. Tente relaxar. — Relaxar debaixo desse calor infernal, doutor? Duvido que consiga explodiu Arianne, e houve um coro de risadas abafadas seguido de um silêncio de rocha, quando os testes recomeçaram. Terminadas as dez séries, o dr. Ekhart recostou-se no espaldar da cadeira e soltou um suspiro cansado. Formas agitaram-se nas sombras, mas ninguém saiu de seu lugar, ninguém falou. A sala estava cheia de expectativa e todos os olhares fixos no doutor, evidentemente à espera de seu veredicto. Arianne começou a se remexer na cadeira, inquieta. Aquele silêncio era desagradável! Que estaria acontecendo? — Está claro como água, não está? — A voz do almirante rompeu, de repente, o catatônico silêncio. — A jovem é encantadora, mas não é nenhuma
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feiticeira! Errou todas as previsões! — Sinto muito discordar, senhor — afirmou o dr. Ekhart, levantando-se. Dez séries de dez rodadas dão um total de duas mil e quinhentas previsões! E ela não acertou nenhuma! Teve o cuidado de pensar cuidadosamente na estranheza desse resultado? Isso é chamado de "psi" perdedor, ao invés de "psi" ganhador. Mas é igualmente espantoso! Significa, com toda probabilidade, que, inconscientemente, ela estava tentando não colaborar conosco. O dr. Ekhart voltou-se para Arianne, sorrindo. Você é um fenômeno, Arianne! Mas diga uma coisa: não está se sentindo à vontade? E como poderia? — ela gritou. Sinto-me como um inseto preso por um alfinete!Se estivesse mais confortável, poderia tentar o psi positivo, ao invés do negativo? Quero ver como você se comporta num estado mental diferente. Que poderemos fazer para ajudá-la? — Se o almirante.parasse de me olhar fixamente. .. E ajudaria muito se apagassem essa luz infernal e me trouxessem um pouco de café. . . e uns biscoitinhos. — Por que não dá uma torcidinha no nariz, como as feiticeiras costumam fazer, quando querem alguma coisa? — perguntou alguém da assistência, provocando um coro de risadas. — Cuidado, você será transformado num sapo — observou outro. — Se for o sapo que vai ser beijado para se transformar em príncipe. . . — Nenhuma chance! — Leo deu uma risadinha, e dirigiu-se para Arianne justamente no instante em que o foco de luz foi apagado. Dando um suspiro de alívio ela apertou-se contra ele. — Não agüentava mais! Ele sentou-se a seu lado, passando-lhe o braço pelos-ombros. — Está se sentindo melhor? — Agora sim! Com você a meu lado. .. Não me deixe aqui sozinha, Leo. Não vá embora, por favor! Ele sorriu com ternura. — Sabe que é-a primeira vez que você me pede alguma coisa? Ficarei. . . se você quiser. Dez séries de dez rodadas foram novamente levadas a cabo, desta vez em relativa tranqüilidade. Terminados os testes, o dr. Ekhart deu seu parecer ao almirante: — Um acerto de cinco previsões a cada vinte e cinco é considerado um resultado satisfatório. Ela conseguiu uma média de vinte acertos a cada vinte e cinco. Um resultado muito bom. S se não estivesse cansada. . . Claro que esses testes não são conclusivos, mas baseados em seus antecedentes e diante do que observamos esta noite.. . bem, acho que concordará comigo, se eu disser que ela é supranormal. Todos os- olhos focalizaram-se em Arianne, que exclamou: — Abracadabra! O almirante refletiu: — Mesmo que você a submeta a centenas de testes, tudo o que poderá provar é que ela "pode" ter dado a contra-senha a Barnes. Não que deu. Não temos prova de que Larry confiou mesmo nela. Pode ter obtido a contra-senha de outra forma. Leo insistiu: — Mas agora que sabemos que ela pode nos ajudar, demonstraremos que
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ele se serviu dela. Arianne vai repetir a façanha e dar a Barnes a contra-senha do anel número dois.. . e o novo nível dois. Se Barnes usar essa contra-senha, teremos a prova que necessitamos. — Estou inclinado a concordar com esse plano — disse o almirante com um suspiro. — E se o tenente usar sua palavra-chave, e acredito que o faça imediatamente, então forneceremos a Arianne outras informações. Algo que Barnes se anime a passar adiante sem usar o computador. E se pudermos fazer a conexão de Barnes com a rede. . . então darei ordens para prendê-lo imediatamente. Dê-lhe a contra-senha. — Ela já sabe, senhor. Houve mais risadas e Trush fitou Arianne com um sorriso. — Agora você irá me dizer do que constou minha refeição matinal. Mas quando Arianne abriu a boca, fazendo menção de falar, ele acrescentou rapidamente: — Não, não! Não diga nada, por favor! Cruzando as mãos atrás das costas, o almirante afastou-se, pondo-se a conversar animadamente com o dr. Ekhart. Passados alguns minutos, ele convidou Leo a aproximar-se com um gesto: os médicos e a equipe de pesquisadores estavam confabulando. Arianne ouvia frases estranhas como "a variação do efeito diferencial" e "o universo determinista", "destreza psi", "o mais efetivo teste de precognição em curso". E algo sobre "experiências paragnósticas espontâneas" e "pseudo alucinações verídicas". Em suas pesquisas sobre poderes extra-sensoriais, nunca havia lido nada semelhante! Mas o comentário que mais a intrigou foi que o "psi não era muito diferente de um pássaro na floresta"! Do que aquele sujeito estaria falando? Esses murmúrios de conversas aliados aos suaves estalidos e aos zumbidos do living, e às luzes pulsantes das paredes formavam um efeito interessante. E ela teve a inesperada e eletrizante sensação de estar sendo a protagonista de um filme de ficção científica! O almirante voltou-se para ela e disse ao homem que estava a seu lado: — Mas eu quero mais testes. Uma porção deles! E de todos os tipos: telepatia, clarividência, precognição, psiquismo... E quanto antes melhor. Vou aumentar seu corpo de guarda, a importância dela cresce a cada minuto que passa! Que aborrecimento! Quem imaginaria que uma pequena feiticeira pudesse pôr em perigo nosso sistema de segurança sem ao menos ter torcido seu lindo nariz! Ela é muito perigosa! O grupo aproximou-se de Arianne. — É esse meu ponto de vista — concordou Leo. — Mas é monstruoso! — comentou o almirante. O dr. Ekhart pigarreou. — Se me permite, senhor. . . Esse é o tipo de preconceito que a teria levado à fogueira há uns cento e cinqüenta anos. Atualmente, procuramos esclarecer a opinião pública para evitar essa reação de medo diante do desconhecido. — Outro comentário como esse e você perderá suas divisas! — ameaçou friamente o almirante. — Se "me" permite, dr. Ekhart, quando eu disse que era monstruoso, estava me referindo ao perigo que esse poder poderia oferecer. É uma arma mortal! — O almirante lançou um olhar a Arianne. — Não estava absolutamente referindo-me a esta jovem senhora, ou a seu poder assustador. Pelo contrário, estou aliviado que a tenhamos ao nosso lado. — Parece-me estranho ser considerada uma arma mortal — disse Arianne,
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um tanto desanimadamente. Agora que os testes haviam terminado, estava sentindo o cansaço pesar-lhe sobre os ombros como um manto de chumbo. — Vou levá-la para casa, senhores! — anunciou Leo com firmeza. Arianne levantou-se de um salto e pendurou-se no braço dele, soltando um suspiro de alívio. — Mas se pudéssemos fazer mais uma série. . . — arriscou o doutor. — Nada disso! — afirmou Leo. — Já foi mais do que suficiente por uma só noite.O dr. Ekhart abriu a boca, mas, ao ver a expressão decidida de Leo, afastouse.Mas a turma dos pesquisadores não desistiu tão facilmente. Ela costumava sonhar? Sobre o quê? Já havia sido hipnotizada? Que tipo de "psi" usava com mais freqüência? Cada um deles queria que pelo menos a "sua" pergunta fosse respondida. Arianne dispunha-se a atendê-los, porém Léo, inflexível, arrastou-a para fora e logo encontraram-se dentro do negror da noite. Na última etapa de sua exaustiva jornada, subir as escadas que os levaria ao quarto, Leo tomou-a nos braços e carregou-a para a cama. E ela teria mergulhado no sono vestida, se ele não a ajudasse a despir-se. Suas mãos eram rápidas, eficientes acariciadoras.Deitaramse lado a lado e adormeceram no mesmo instante em que enterraram a cabeça no travesseiro. Quando a manhã chegou e Arianne abriu os olhos, a claridade do sol inundava o quarto. Virou-se imediatamente para o lado de Leo, mas o lugar estava vazio. Levantou-se, e percebeu que ele devia estar lá embaixo com Rae, porque também o menino não estava à vista. Sua caminha estava feita e seu quarto impecavelmente arrumado. Parou no alto da escada, e sorriu, ao ouvir o som de vozes e de risos que chegavam até ela. Leo devia ter notado sua movimentação porque, ao sair do banho, ainda enxugando os cabelos, ela o encontrou em seu quarto, arrumando a cama. Quis ajudá-lo, mas ele a derrubou sobre as cobertas, e deitou-se por cima dela. — Não se preocupe com Rae, ele está tomando seu mingau com tio Art. — Tio Art? — É o cozinheiro do almirante. Vai ficar aqui e tomar conta de você e do menino, enquanto toda essa confusão não terminar. Se alguém fizer perguntas, diga que ele é um irmão de seu pai que mora em Miami. Ao anoitecer, teremos de voltar ao forte, dispomos apenas do período noturno para aqueles testes. — Por quê? — Barnes está de volta à casa de Jill. Temos de tomar todas as precauções possíveis para que nossa movimentação não seja observada. — Que devo fazer, se ele me procurar? — Telefone a ele e diga que você me havia enganado com a contra-senha e que a palavra correta é "hippo". É melhor não perder tempo e pôr a engrenagem para funcionar imediatamente. Mas se ele quiser aparecer por aqui, arranje uma desculpa. Diga, por exemplo, que Rae está com um resfriado fortíssimo e mantenhao fora do caminho. Seus lábios tomaram possessivamente os dela, num beijo que pareceu prolongar-se por toda uma eternidade. — Está pronta para tomar o café da manhã? Tio Art faz maravilhas na cozinha e eu estou faminto. — Eu também! — ela exclamou, rindo. Estava tão loucamente apaixonada! Num ímpeto de alegria, lançou-lhe os
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braços ao pescoço, e esfregou carinhosamente seu queixo no dele. E apenas esse encorajamento foi o suficiente para que Leo lhe abrisse o robe e lhe tomasse os seios redondos que fremiam de desejo. .. O telefonema surtiu o efeito desejado. Larry, que estava aborrecido e descrente, mostrou-se agradavelmente surpreendido, ao perceber que Arianne havia mudado de idéia e que parecia disposta a cooperar. E animou-se tanto que queria vê-la imediatamente. Mas ela advertiu-o de que não era prudente, porque tanto Rae como tio Art haviam apanhado uma virose e era melhor que ele ficasse longe de sua casa por uns tempos. — Faz tempo que não vejo Leo — disse o tenente a um certo momento. — O que foi feito dele? — Oh. . . não sabia? Ele foi embora. Para sempre, desta vez. — Verdade? — Larry disse, sem disfarçar sua satisfação. — Qualquer hora desses a gente se vê, não, boneca? — Certo, Larry. Depois de uma excelente refeição composta de ovos à Benedict servidos com um belo cacho de uvas rosadas e café fresco, Leo partiu para o forte. E como faltava apenas uma semana para o Natal, Arianne aproveitou o tempo livre para fazer duas pequenas coroas de ramos de pinheiro para decorar as portas da frente e dos fundos da casa. Leo chegou mais cedo e, logo após o jantar, embrenhou-se, junto com Arianne, pelas moitas de amoreiras, rumo ao forte. Durante o caminho, foi contando que Barnes havia usado a nova contra-senha precisamente às quatro e trinta e cinco daquela tarde. E que, após bloquear e ter acesso ao anel número dois, começara a copiar a enorme quantidade de dados num mini-computador de bolso. Quando chegaram ao forte, o almirante começou a instruir Arianne, passando-lhe uma série de informações que ela deveria transmitir ao tenente. — Diga a Barnes que os Estados Unidos apanharam um aircraft soviético de combate, mais uma míni-esquadra de Floggers e cerca de dez "Migs-21"'. .". Sim, faça isso. Barnes sabe o que isso significa. Vai entender que essa informação vale muito dinheiro e tentará utilizá-la sem demora. Depois disso, Arianne deu início aos testes. Resoondeu a mais de trinta séries de dez rodadas, cada uma delas de vinte e cinco previsões. Após um pequeno intervalo, foi examinada por outro médico, para submeter-se a testes de precognição. Foram usados os mesmos instrumentos, só que no lugar do elementocontrole baralhando e retirando as cartas lá em cima, havia uma máquina rolante de números contendo vinte e cinco cubos, cinco de cada símbolo. Ela devia marcar sua previsão numa folha destinada a esse fim e, quando depois de girado o aparelho, o cubo caísse da abertura, os resultados seriam comparados. O teste de clarividência foi o mais simples de todos, mas Arianne julgou-o o mais interessante. Um elemento-controle partira, dirigindo um carro, sem que sua mente registrasse seu destino ou o caminho que estava percorrendo. Por meio da vidência, ela teria que dizer onde ele estava a cada meia hora. E ela conseguiu marcar no mapa não só onde ele se encontrava naquele instante, como também informar que o rapaz havia levado a namorada consigo! O exame prosseguiu durante horas. Enquanto os técnicos e os programadores trabalhavam no painel-computador, Leo dividia sua atenção entre eles e Arianne, instalada no meio da sala, transmitindo-lhe apoio e coragem com uma simples pressão de mão.
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Larry telefonou novamente na segunda-feira, pedindo a contra-senha para o terceiro anel. Em vez disso, Arianne passou-lhe a informação que o almirante lhe dera e ele ficou simplesmente extasiado. Queria levá-la para jantar num restaurante a todo o custo. E Arianne teve de pensar muito para arranjar uma boa desculpa. Segunda-feira era dia de trabalho e ela teve de ir à loja. E também na terça. Mas havia sempre as horas, antes do amanhecer, que ela e Leo reservavam para si mesmos. Enquanto isso, os testes continuavam sem descanso. Em suspense, todos esperavam o momento em que Larry levasse a informação para seu contato, em Seattle. Sob contínua e estreita vigilância, seus telefonemas e sua movimentação eram seguidos passo a passo. Na quarta-feira à noite, por volta das dez horas, conseguiu-se finalmente saber que o tenente havia se reunido a seu contato num bar. Uma fita fora gravada e podia-se ouvir o oficial repetir, palavra por palavra, tudo o que Arianne lhe dissera. Depois disso, os dois homens começaram a falar de dinheiro e de como seria feito o pagamento. O almirante desligou então o aparelho. — Isto esclarece tudo. Mandaremos prender Barnes. —: Pode mandar prendê-lo com a desculpa de interrogá-lo sobre aqueles antigos casos de roubo. Isso vai mantê-lo afastado do cargo. .. e a rede permanecerá intata, acreditando-se a salvo — sugeriu Leo. — Você tem uma mente ardilosa — observou o almirante com um sorriso. — Precisamos ficar um passo adiante deles. Apesar das aparências, Barnes é muito vivo. Sabe que encontrou um tesouro — ele lançou um olhar para Arianne — e utiliza esses recursos para ganhar muito dinheiro! A ordem foi dada e a Marinha mandou prender o tenente Larry Barnes. Mas havia ainda muita tensão no ar. E, enquanto não o viam atrás das grades, Arianne continuava a ser tratada com o cuidado dedicado a um objeto de porcelana. Na quinta-feira, ela estava se aprontando para ir à loja, quando tio Art entrou em casa extraordinariamente excitado. Ao levar o lixo para fora, um meio para camuflar as mensagens que eram enviadas da casa ao forte e vice-versa, soubera pelos guarda-costas postados no bosque que o tenente conseguira escapar às mãos da justiça. Não apenas isso, mas que aparecera no apartamento de seu contato, falara-lhe de Arianne e de seus dons e pedira cem mil dólares de recompensa só para revelar o nome dela. O contato, no entanto, não acreditara na história e não quisera dar-lhe nenhum centavo até que a história não fosse provada. Para tanto, queria que Larry perguntasse à sua fonte psíquica quem financiava o projeto deles e de onde provinha o dinheiro com o qual ele pagava o tenente. — Arianne. . . ? — disse Leo. — Seria capaz de ver isso agora? Afinal, é precisamente isso o que nós todos queremos saber. — Não posso... estou envolvida demais. E isso interfere. Você sabe que os dons não funcionam em meu benefício. Por que não permitem que Larrv me procure? Afinal, o principal objetivo é descobrir o cabeça da rede. Se Larry permanecer fora do alcance da Marinha, talvez nunca possamos saber isso. E ele só voltará para encontrar-se comigo e saber de mim o que seu cúmplice deseja. — É muito perigoso, Arianne. Não queremos arriscar sua vida. — Larry não tentará seqüestrar-me à luz do dia, com a loja cheia de
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gente.Além do mais, há meus valentes guarda-costas. Fale com o almirante. Tenho certeza de que ele concordará comigo! Algumas mensagens circularam entre o forte e a antiga casa vitoriana. E a última resposta foi que iriam permitir que Barnes continuasse em liberdade, tentando sua louca missão, até que a Marinha conseguisse seu objetivo. — Você vai ter que lhe dar uma resposta errada para perder o crédito. Eles "têm" que atribuir seu psiquismo ao desvario de uma lunática. Deixe-me pensar. . . Imaginam que você nunca os descobrirá, portanto, a identidade deles não pode ser óbvia. Não são um inimigo poderoso interessado em nossa defesa. Não pode ser a Mãe-Rússia, por exemplo, então é exatamente isso o que vamos dizer a Barnes: que seus contatos trabalham para a União Soviética! E ele acreditará, vai ver Leo afirmou. Depois disso ele foi ao forte e Arianne à loja. À tarde, Larry telefonou-lhe de Seattle. Formulou a pergunta que lhe interessava depois de grandes rodeios e ela deu-lhe a resposta depois de um show de relutância. No final do expediente, não via a hora de chegar em casa para saber o que havia acontecido. Saiu a toda, e no último trecho da estrada teve de acionar bruscamente os freios. O Corvette vermelho de Larry surgira de repente de uma estreita vereda, interceptando-lhe literalmente o caminho. O tenente saiu do carro, e Arianne observou-o caminhar em sua direção, transida de terror. — A propósito de sua resposta. . . União Soviética. . . tem certeza de que é essa mesma? — ele disse com uma frieza que a apavorou ainda mais. — Tem absoluta certeza? Ela assentiu mudamente. — Você. . . você não está querendo me enganar, está? Ela sacudiu energicamente a cabeça. — Não gostaria de vê-la em maus lençóis por causa disso, baby. — Do que está falando? — A voz dela saiu estrangulada na garganta. — E por que eu deveria estar em maus lençóis? Você não está falando coisa com coisa, Larry! Não sei por que motivo teve de jogar seu carro na minha frente. Está louco? À incerta luz crepuscular, Arianne notou-lhe o olhar glacial e estremeceu. Onde estariam seus guarda-costas, afinal? — Já disse muitas vezes a você, Larry, para não dar muito peso às minhas previsões. Não posso fazer mais nada, além de tentar. Larry não disse nada e Arianne continuou, cuidando que sua voz soasse o mais natural possível: — Você estava indo para casa? Ele pareceu pensar bastante. — Oh. . . não. Estava justamente de partida. Tenho de entrar em serviço dentro de uma hora. Enquanto Larry continuava a observá-la suspeitosamente, ela viu, pele canto do olho, uma sombra deslizar por entre as árvores. Seria um dos guardas? Suspirou de alívio, sentindo-se imensamente melhor. — Até logo, Larry. Dirija com cuidado! — gritou, não resistindo ao desejo de fazer um pouco de ironia, quando ele fez meia-volta. Leo não estava em casa para cumprimentá-la, quando Arianne chegou. Mas tio Art, que já sabia tudo o que ocorrera no bosque, entrou em contato com os guardas. Ao voltar, trazia novidades. A informação sobre os Floggers e sobre os Migs havia finalmente sido detectada ao longo de um caminho surpreendente. Tudo tivera início quando uma empresa de computação, cujos serviços haviam sido dispensados pelas Forças Armadas, resolvera reativar seus negócios.
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Para tanto, pensou em desacreditar as empresas que serviam presentemente a Marinha, violando o sistema de segurança dos computadores com a ajuda de Barnes. Pretendia provar com isso que o sistema dessas empresas, entre as quais a MicroCon, era falho. Era um plano ardiloso que podia ter dado certo, se um membro da diretoria dessa empresa desonesta, o responsável pelo aliciamento do tenente, ao ver que sua firma já alcançara seu objetivo, não resolvesse agir por conta própria. Vendia as informações que obtinha ao funcionário do consulado de um país sul-americano, que, embora do segundo escalão, tinha acesso ao computador daquela representação diplomática. Mencionou inadvertidamente esse fato a Larry, quando o tenente, baseado nas informações de Arianne, disse-lhe que estavam tratando com agentes soviéticos. E isso não foi tudo. Riu-lhe na cara, afirmando que sua fonte de informação não era digna de crédito, já que era ele mesmo quem o pagava, e com dinheiro de seu próprio bolso. Fizera-lhe aquelas perguntas apenas para pôr à prova a força de sua vidente que, pelo visto, não passava de uma mistificadora. Barnes, ao ver os cem mil dólares escaparem de suas mãos, implorara por outra chance para reabilitar sua fonte. Mas o homem aconselhara-o a deixar o país. . . antes que fosse tarde demais. Fora aí que, determinado a dar-se mais uma oportunidade de obter aquele dinheiro, o tenente bloqueara Arianne naquela estrada escura. Agora que, uma vez mais, a Marinha apertava o cerco contra ele, tio Art e Arianne especularam sobre qual seria o próximo movimento do oficial. Se deixaria o país imediatamente ou se, com a esperança de obter mais dinheiro, não tentaria convencer o funcionário do Consulado sobre os poderes dela. — Sabia que havia ainda um mistério em curso! — afirmou Arianne com convicção. — Sabia disso! Não vejo a hora de ver Leo! Quando ele vai chegar, tio Art? — Ele partiu. — Partiu? — Arianne olhou-o estupefata. — Que quer dizer com isso? E como pode ter partido?
CAPITULO XVIII — Sente-se, meu bem — persuadiu-a tio Art com bondade.— Leo foi. . . verificar os computadores do Consulado. Suspeitamos que a conexão com a rede de espionagem parta dali. Depois dessa verificação, saberemos para onde aquele funcionário envia as informações e conseguiremos seguir sua pista através dos vários canais que eles coordenam. — Oh, não! — gemeu Arianne. — Ele tinha de ir, meu bem. Você sabe disso. Tomou a si esse encargo e irá até o fim, vai ver. O almirante já se serviu dele em outras ocasiões. Leo é ótimo! Não se preocupe porque ele é realmente esperto! — Mas quando penso que ele está metido numa situação tão perigosa. — Jante e.relaxe, meu bem. Leo sabe se cuidar. Para que acha que servem
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todos aqueles músculos? E sua cabeça também não é nada má. Ele vai sair dessa direitinho, vai ver. Coma, coma! Você está dando um péssimo exemplo ao menino! Depois do jantar, como Leo não estava, Arianne foi conduzida ao forte por um dos homens da segurança. E ela soube então que a sombra entrevista no bosque, quando Larry a abordara, era mesmo de um de seus guarda-costas. Sentiu-se reconhecida pela revelação e bem mais aliviada. No entanto, uma vez instalada no centro do computador clandestino, não conseguiu concentrar-se nos testes que lhe estavam sendo apresentados. Esforçava-se ao máximo, mas em sua mente só havia imagens de Leo. Via-o em cada símbolo e era incapaz de apontar, no mapa, onde se encontravam o elemento controle e sua namorada. Não tinha nenhuma pista, como não tinha nenhuma indicação de onde poderia estar Leo. Não querendo agravar ainda mais seu estado de espírito, o doutor deu a sessão por encerrada. Sentou-se informalmente a seu lado, fazendo-lhe perguntas simples sobre o que significava para ela ser dotada de clarividência. Depois de umas duas horas de conversa relaxante, um dos doutores propôs uma rodada de brandy. Arianne aceitou o cálice bojudo e levantou-se do sofá com a intenção de esticar as pernas. Afastou-se do grupo, colocou seu cálice numa mesinha e então, sem dizer sequer um ai, desmaiou. A princípio, ninguém notou nada. Quando perceberam, no entanto, houve muita agitação e exclamações de surpresa. Dez doutores inclinaram-se simultaneamente sobre sua forma inerte, caída no chão. Mas foi o rosto do almirante que ela viu em primeiro lugar, quando recobrou os sentidos. Fechou novamente os olhos e gemeu. — Eles. . . eles estão empurrando Larry para dentro do porta-malas de um Sedan preto de. . . de chapa diplomática.. . Ele... oh! Atiraram nele! — Ela voltou a gemer e abriu os olhos com dificuldade. — Bom Deus! Deitem-na no sofá!— gritou o almirante. — Dêem-lhe um pouco de brandy. E ponham alguém na linha para saber que diabo está acontecendo! Um travesseiro... depressa! — Espere — murmurou Arianne —, eles estão discutindo. . . pararam agora debaixo de algumas árvores... Está tão escuro! Há dois homens. . . eles estão carregando Larry... para o assento de trás do carro... — E num silêncio de túmulo ela murmurou: — Oh. .. ele está sangrando em cima daquele tapete vermelho.. Sua voz quebrou-se e o almirante ofereceu-lhe um pouco de brandy, que ela tomou de um só fôlego. — Para onde eles estão indo, Arianne? Pode ver? Ela inclinou-se para trás, sentindo o calor da bebida aquecer o frio terrível de suas entranhas. Flutuava num estado de torpor, ainda imersa no mundo do inconsciente.Suspirou: — O carro passou por uma alameda... está escuro... e horrível de se ver... Há latas de lixo... alguém sai de um corredor, mas eles não notam.. . Tiram Larry do carro, desarrumam suas roupas, como se ele tivesse lutado. . . e jogam-no de encontro à parede. . . É um hotel! Um hotel velho e em ruínas. . . Chama-se. . . alguma coisa com lua, Lua-de-mel. . . não. Lua doce. . . Não, não é isso também. Não sei onde fica mas é.. . Lua de Açúcar! É isso, Hotel Lua de Açúcar! Larry ainda está vivo, mas sua vida está por um fio.. . Seus dentes começaram a bater e o almirante deu-lhe mais um pouco de bebida, enquanto o dr. Ekhart esfregava-lhe vigorosamente as mãos.
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— Se eles trataram Larry desse modo —- disse ela, sentando-se de chofre no sofá — que não irão fazer com Leo? — Vão ter que apanhá-lo antes — lembrou-a Trush. — E não acho que o pegarão. Realmente não acredito. — E se conseguirem? — gritou Arianne, aflita. — Então, Arianne, tomaremos aquele Consulado de assalto! Mas não se preocupe, doçura, ele vai voltar! O ajudante de ordens ia de um lado para o outro, transmitindo ordens, trazendo mensagens. E todos esperavam... todos torciam para que o hotel onde Larry se encontrava fosse localizado e que Leo mandasse a confirmação através do computador do Consulado. Cerca de uma hora depois, chegou o comunicado de que o tenente havia sido encontrado e que, naquele exato momento, uma ambulância conduzia-o a toda velocidade para o hospital mais próximo. Estava ainda vivo, mas por um fio, como Arianne dissera. — Vá para casa, querida — disse o almirante —, e procure dormir. Leo pode demorar e talvez a situação não se resolva senão amanhã. Fique tranqüila. Como eu disse antes, não permitiremos que Leo Donev caia nas mãos do inimigo. Ele vale um tesouro. . . e você também! Vá para casa e durma, éuma ordem! — Simr senhor — murmurou Arianne,. sorrindo levemente. Ao chegar em casa, tio Art cuidou dela. Adicionou um sedativo numa boa xícara de chocolate quente e ela dormiu a noite toda de um sono só. Mas pela manhã, quando acordou, ainda não havia notícia de Leo. Não tirou os olhos do telefone um só instante, enquanto trabalhava na loja de Orly. Nenhuma chamada era para ela, no entanto. Ao chegar em casa, à noitinha, foi logo à procura de tio Art, mas ele sacudiu negativamente a cabeça. Assim que terminou de jantar, seu segurança veio buscá-la, pronto a escoltála em seu passeio noturno. Não houve testes, naquela noite. Apenas conversas e. . . aquela terrível expectativa. Haviam chegado notícias: o Serviço Secreto soubera que iria acontecer uma grande festa no Consulado, naquela noite. E o almirante deduzira que Leo estava esperando aquele momento favorável para concluir. . . seu negócio. E esse pareceu ser realmente o caso. Por volta da meia-noite, um dos computadores começou a emitir sinais e, quase em seguida, Leo identificou-se. Havia alcançado seu objetivo com sucesso: fazer a conexão do computador do Consulado com o da Marinha. Agora, os espiões podiam ser seguidos passo a passo. Depois dessa notícia, houve uma pausa mínima, e ele enviou uma mensagem especial. "Estarei em casa véspera Natal." A mensagem não estava endereçada nem assinada. Mas ninguém na sala teve dúvidas. — Posso transmitir alguma coisa a ele? — perguntou Arianne a um dos operadores. — Claro— disse o homem, sorrindo. — Mas seja breve. Ele acionou alguns botões e convidou-a a usar o teclado. E, com a respiração suspensa, ela digitou cuidadosamente "Eu te amo". No dia seguinte, véspera de Natal, Arianne trabalhou somente até às três horas, já que Orly ia fechar a loja mais cedo. Estava contente porque tinha uma infinidade de coisas para preparar, antes que Leo voltasse. Enquanto trabalhava ao lado de tio Art, ele lhe contou mais novidades sobre a rede de espionagem.Quando Larry soubera que a Marinha estava atrás dele, entrara em pânico. E, como haviam
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previsto, tentara vendê-la para o tal funcionário do Consulado por uma grande quantia de dinheiro. Claro que o homem, ao ver sua segurança ameaçada por Barnes, percebeu que o tenente devia ser eliminado para evitar que toda a rede se esfacelasse. Havia entrado em contato com seu superior e recebera ordens de encarregar-se pessoalmente do "serviço". E, com a ajuda do membro da diretoria da empresa de computação e usando um veículo do Consulado, cumprira as ordens recebidas. Só que Barnes ainda continuava vivo e sob um forte esquema de segurança, no hospital da Marinha. Mas até aquele .momento, embora o Serviço Secreto houvesse encontrado manchas de sangue no veículo e dispusesse de muitas provas para incriminar o homem e seu cúmplice, ninguém havia sido preso. O propósito era não assustar os espiões, evitando o esfacelamento da rede, já que o objetivo principal era prender o cabeça da organização. Para desvendar cada elo da cadeia, poderia levar meses. Enquanto isso, graças a Leo, a Marinha estava a par de muita coisa: quem dirigia os diversos ramais e como eles operavam.Arianne estava lá em cima, acabando de tomar banho, quando tio Art gritou da sala: — Telefone, Arianne! — Alô? — ela disse, segundos mais tarde. — Minha doçura... Arianne sentiu as pernas tremerem. — Oh... — Querida? — Você está bem? — ela perguntou, a voz quase sumida. — Ia lhe fazer a mesma pergunta! — disse Leo com uma risadinha. Precisa de alguma coisa? Estou a caminho e para ficar! — Não. . . não sei. Acho que não — disse Arianne, ainda emocionada. — Ah, sim! Uma árvore de Natal! Com toda essa correria, esqueci completamente da árvore. - lá estou indo! — Não demore. Arianne calculou que ele levaria cerca de uma hora para chegar de Seattle. Talvez um pouco mais, porque era dia festivo. Foi se vestir, querendo caprichar na toalete. Dez minutos mais tarde, tio Art voltou a chamá-la. — Visitas, Arianne! Ela soltou um suspiro de exasperação e vestiu o robe cor-de-rosa. Ao descer, viu Leo entrando pela porta da frente com os braços cheios de pacotes e uma esplêndida árvore de Natal precariamente equilibrada em suas costas. Depois de deixar a árvore encostada na parede do corredor e de depositar os pacotes na mesa, ele correu para ela e apertou-a num abraço que lhe tirou toda a possibilidade de respirar. — Arianne. .. Os olhos dela estavam úmidos de lágrimas. — Como fez para chegar tão .depressa? Ele beijou-lhe as pálpebras molhadas com lábios sedentos. — Já estava em Port Towsend quando telefonei, Arianne. — Deixe-me ajudá-lo a tirar o sobretudo. Sentaram-se no sofá para aproveitarem o calor da lareira. Leò relaxou, esticando as pernas e passando o braço pelos ombros de Arianne. — Vamos ter uma conversa muito séria.
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— Sim? — Lembra-se quando eu voltei, depois de três semanas de ausência, e disse que eu não podia dar o que você desejava? — Sim, lembro-me de cada palavra. O que você me disse naquela noite deixou marcas profundas. — Arianne, minha querida, você sabe que eu tinha motivos para agir desse modo. Naquele tempo, eu estava investigando uma possível associação entre você e Barnes. Não podia me envolver com você. . . ou tentava, pelo menos. E estava ficando louco, amando-a e desejando-a, e tendo que ficar afastado. Passei noites infernais, sozinho no quarto, sabendo que você estava ali, a meu lado, desejandome também. — Meu querido. . . — E então eu me pergunto: se eu a amo e você me ama, por que não devemos nos casar?Arianne olhou-o de frente, com expressão radiante. Tem certeza de que é isso mesmo o que quer, Leo? — Sim. Quero você, meu amor, unicamente você. Ela estreitou-se contra ele. — Oh, querido! Te amo tanto! — Sua pequena feiticeira... Leo sorriu e beijou-a, seus lábios quentes movendo-se sobre os dela com sensual avidez. — Preciso de você.. . desejo você. . . Não imagina quanto. Seu rosto estava cheio de tanto amor, de tamanha ternura, que ela parou de respirar. Aconchegou-se em seus braços, imersa em profunda felicidade. O fogo crepitava alegremente na lareira, lançando fagulhas no ar. Tio Art e Rae chegaram até o corredor e, ao ver a cena, o rosto do cozinheiro do almirante abriu-se num sorriso. Pegou o menino pela mão e levou-o de volta à cozinha. Arianne agitou-se, nos braços de Leo. — É tudo tão excitante! Mal posso acreditar que tenha acontecido comigo! E há tanta coisa em que pensar. . . Por exemplo: onde iremos morar, Leo? — Gosta desta casa? Seria bem conveniente para mim. Tenho de fazer muitos- trabalhos para a Marinha, nos próximos anos, e a maior parte deles aqui mesmo, no forte. Poderemos passar metade do ano aqui e a outra metade. . . que tal em Los Angeles? Ela sorriu, deliciada de ter seu homem de volta ao lar e em seus braços. — Fantástico! — É mesmo? Mas não vai perguntar nada? — Leo, isso não importa. . . Estamos juntos, não é suficiente? Ele sorriu e voltou a beijá-la. — Não importa, mesmo. Mas vou avisá-la: minha casa em Los Angeles é bem diferente desta. Um contraste total. Você pode não gostar. É um apartamento no centro da cidade, num andar muito alto. Fica perto de meu escritório e isso não deixa de ser interessante. — Parece maravilhoso, Leo. Sinto falta da vida da cidade. E, quando estiver aqui, terei a oportunidade de trabalhar com o dr. Dickenson. Ele ficará desapontado se eu o deixar pela segunda vez. — Já falou com ele? — Sim. Imaginei que devia fazer outra coisa, além de ficar hibernando. E afinal, já que sou uma feiticeira, não há trabalho mais apropriado. Oh, estou tão feliz, Leo! Sinto-me como... como....
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— Absolutamente perfeita para mim — ele murmurou, insinuando a mão dentro de seu robe, e seguindo a curva de seus seios. Ela lançou-lhe os braços ao pescoço, oferecendo-lhe a boca ansiosa. — E você, absolutamente perfeito para mim. .. — sussurrou. — Estive pensando.. . já que gostamos tanto desta casa, poderemos comprá-la de Orly. — Será que ele está disposto a vendê-la? — Passei pela loja hoje, antes de vir para cá, e ele me afirmou que, se quisermos, o lugar é nosso. — Orly é uma pessoa incrível. Devo muito a ele. Não sei se teria vencido minhas dificuldades sem a sua ajuda e seus conselhos. — É essa a impressão que tenho dele. — Como ele não tem família, convidei-o para participar de nossa ceia de Natal. — Ótima idéia! Assim voltaremos a falar da compra da casa. — Gostaria mesmo de conservá-la por razões sentimentais. Foi aqui que nos conhecemos. Passamos horas tão felizes juntos! — Horas inesquecíveis... — ele murmurou, abraçando-a com ardor. — Sempre sonhei ter uma casa espaçosa, no meio de um bosque... — Não acha que é grande demais? — De jeito nenhum! Tem o tamanho ideal para abrigar uma porção de crianças. — Quantos filhos você quer? — Ainda não sei.. . mas quero formar uma família numerosa. — E eu gosto da perspectiva de fazer esses filhos com você — ele murmurou, com voz suave e acariciante.Ele deitou-a em seu colo, brindando-a com pequenos beijos nos lábios. Aos poucos, as carícias tornaram-se mais ousadas, mãos e bocas ansiando pela busca de um prazer já experimentado. Lá fora, pequenos flocos de neve começaram a rodopiar no ar gelado. E logo, como um milagre, um manto branco cobriu os pinheiros verdes, os cedros e os carvalhos desfolhados. A véspera de Natal tombava como um presente do céu, instalando-se mansamente sobre Port Towsend e sobre uma certa casa que dominava a curva de um estreito tempestuoso. . .
FIM
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