Amor e Vingança

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AMOR E VINGANÇA L R Spector

1º edição

Copyright © 2018 L. R. Spector

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas, e acontecimentos reais é mera coincidência. Qualquer outra obra semelhante, como essa será considerado plágio, como previsto em lei. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009 Todos os direitos reservados. É proibido armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangível ou intangível – sem o consentimento do autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

SUMÁRIO Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15

Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Epílogo

PRÓLOGO Os tiros haviam cessado. O som ensurdecedor engolido pelo silenciador na ponta de sua arma deixando apenas que um pequeno estampido ecoasse pelo local. O silêncio que se seguiu ecoou em seus tímpanos. O som de passos correndo de maneira frenética ressoou por todo o galpão. Dmítri abaixou seu braço, não precisava se dar ao trabalho de correr, ele havia acertado o rapaz em sua coxa, tinha certeza de que ele não iria muito longe, portanto não precisava se dar ao trabalho de correr aquela noite. Com passos lentos ele deixou para trás a cena de guerra que ele havia feito. Os corpos dos três homens estavam jogados em ângulos diferentes, pernas, braços se encontrando em posições estranhas, o sangue se acumulava em poças de um profundo tom de vermelho no chão, o frio do inverno que fazia lá fora logo iria deixar o sangue espesso com uma consistência que lembrava geleia. Dmítri detestava aquele espetáculo bizarro, mas dessa vez o homem que havia encomendado aquelas mortes dissera que ele precisava deixar um recado bastante claro. Ele esperava que a quantidade de balas no chão, os furos na parede e os três corpos fossem o suficiente. Quatro. Corrigiu-se mentalmente o assassino enquanto seus pés o levavam de volta para o corredor. Deixou que seus olhos recaíssem sobre o chão, embora ali o lugar estivesse mal iluminado devido as condições precárias daquele prédio, conseguiu vislumbrar as pequenas gotas vermelhas que haviam deixado um rastro para trás. Como um pássaro seguindo uma trilha de migalhas de pães ele seguiu seu caminho. Seus passos ressoaram na escada, ele não precisava ser furtivo ou coisa do

tipo sabia muito bem que o homem lá embaixo que buscava desesperadamente uma rota de fuga não tinha chance alguma. Ouviu o rapaz tropeçar, seu corpo ferido batendo de encontro contra os sacos de contrabando no térreo, a respiração dele estava acelerada, um chiado brusco saindo de seus lábios enquanto tentava de todas as maneiras juntar suas últimas forças e deixar aquele lugar. Dmítri conhecia alguns assassinos que gostavam daquela adrenalina. O desafio da caça, correr atrás de um alvo sabendo que ele não poderia escapar, sentir o poder correndo euforicamente sob suas veias. Para ele, nada daquilo fazia sentido. Não encontrava prazer algum em matar. Pessoalmente encarava aquilo como um trabalho. Nada mais, nada menos. O rapaz havia alcançado a porta que levava em direção a rua, as mãos dele se embaralharam com a maçaneta ele jogou seu corpo contra a madeira que se abriu com um baque forte enquanto ele caia do outro lado suas pernas se arrastando no chão, enquanto um rastro de vermelho ficava marcado embaixo de seu corpo. Dmítri precisava reconhecer a tenacidade de sua vítima. Cansado de persegui-lo aumentou seus passos, percorrendo os poucos metros que os separavam. Encontrou o rapaz nos fundos do prédio, ele tentava se arrastar de maneira patética carregando seu corpo ferido. Havia tentado escapar por um dos portões que ficavam aos fundos, mas havia perdido suas forças, parado no meio do pequeno corredor enquanto o sangue empapava suas costas, deixando um macabro contorno ao redor de seu corpo. Dmítri o alcançou, com a ponta de seus sapatos virou seu corpo para cima, o rapaz não lhe ofereceu nenhuma resistência. Sem perder tempo, ou lhe oferecer qualquer tipo de misericórdia, o assassino ergueu sua mão apontando a arma diretamente para sua cabeça. Os olhos dele se encontraram por um breve instante. Dmítri viu ali claramente um pedido de misericórdia silencioso, uma das mãos dele estava em volta de uma corrente que caia para fora de seu pescoço. O som do disparo foi abafado, o nome de uma mulher escapou de seus lábios

quase como uma prece antes de seus olhos perderem completamente o brilho. Seu alvo estava morto. Sentiu uma picada fria sobre sua bochecha, ergueu o rosto observando um céu cinzento como mercúrio sobre sua cabeça, flocos de neve dançavam delicadamente ao sabor do vento que soprava tranquilamente. Aquilo era um sinal de que eles teriam um inverno rigoroso pela frente. Tranquilamente o assassino guardou a arma em seu corpo, virou as costas deixando para trás o corpo do rapaz estendido no chão, não precisava se preocupar com nada daquilo, logo a polícia seria chamada e tudo estaria resolvido. Ele deixou a cena do crime sem ao menos lançar um único olhar para trás. Seu serviço ali estava concluído.

CAPÍTULO 1 O fim era simples. Despretensioso. Para Sophie ele havia começado com um toque de telefone. Se fechasse os olhos em sua mente a garota podia ouvir com uma clareza quase que perfeita a voz da policial que havia dilacerado seu mundo em milhares de pequenos pedacinhos. Fabrizio estava morto. E toda sua vida parecia ter se transformado da noite para o dia num pesadelo interminável. Abrindo os olhos lentamente, ela tentou focar sua atenção nas palavras do padre, mas seus ouvidos pareciam incapazes de compreende-las, observou em silêncio a boca do homem de meia-idade abrir e se fechar, enquanto ao seu redor as pessoas concordavam solenemente com a cabeça. Para elas ao menos aquelas palavras pareciam fazer algum sentido, para Sophie, era como se o mundo tivesse se transformado numa piada extremamente desagradável e sem graça. Como poderia aceitar que Fabrizio morrera? Como podia viver num mundo onde ele já não mais existia? Seus olhos se desviaram para o caixão a sua frente, o objeto parecia uma imensa caixa negra, a superfície exibia um brilho novo lustroso, sobre a tampa, as flores brancas contrastavam profundamente em seu tom monocromático. Como ela podia aceitar que Fabrizio estava ali dentro daquela caixa? Ela havia visto-o apenas na noite anterior, haviam conversado quase que o dia inteiro trocando mensagens pelo celular, ele

havia lhe dito que depois do trabalho iria para casa, haviam combinado de irem ao cinema aquele fim de semana, comemorar o fato de que fariam seis meses que estavam juntos. Ela tinha planejado dizer pela primeira vez que o amava. E agora ele estava morto. Como aquilo poderia ser verdade? A dor se infiltrou por seu peito como uma pontada aguda, ela mordeu com força o lábio inferior, sentindo o gosto de ferrugem na ponta de sua língua. Nada daquilo fazia sentido, seu peito doía horrivelmente, como se alguém tivesse aberto seu corpo e arrancado seu coração para fora, deixando uma ferida exposta em sua carne, e mesmo assim ela sabia que não havia ferida alguma. Como podia sentir uma dor tão intensa de uma ferida que nem ao menos era real? Em frente ao caixão de Fabrizio, o padre deu início a uma oração, as palavras em italiano foram sussurradas em voz baixa por todos os presentes e carregadas pelo vento de inverno. Sophie não se deu ao trabalho de se importar com elas, seus lábios permaneceram selados como se todas as palavras do mundo tivessem perdido completamente o significado. Fechando a pequena bíblia, o padre deu um passo para trás, dando espaço para que as pessoas depositassem suas últimas flores e homenagens sobre o caixão. Sophie permaneceu sentada, enquanto assistia em silêncio as pessoas se aproximarem. Por que ela iria jogar uma flor no caixão de Fabrizio? Ele era alérgico a pólen, a primavera costumava sem um período de muito mal humor e espirros infinitos. Aquilo só demonstrava para Sophie como a realidade de repente não parecia mais fazer sentido algum. O pequeno grupo se abriu em respeito dando passagem, quando um homem de cabelos grisalhos se aproximou carregando uma única rosa branca em suas mãos. Sophie havia visto Domenico Bianchi apenas algumas vezes a distância. O chefe da família mais influente da máfia italiana em Nova York, costumava sair pouquíssimas vezes em público, mas todos sabiam que ele tinha por costume aparecer nos velórios dos homens que haviam morrido por sua causa, ou sua família. O sabor de ferrugem tornou-se mais intenso na língua de Sophie enquanto ela

observava a rosa branca deslizar para dentro da cova, agora que todos haviam ditos suas palavras de despedidas e prestados suas homenagens, a imensa caixa preta começava a se abaixar para dentro da terra. Sophie sentiu o coração retumbar em seu peito, como um tambor enlouquecido, ela cravou as unhas nas palmas de suas mãos, esperando que a dor pudesse ao menos manter o que havia restado de sua sanidade. Ela não era inocente ou ingênua, sabia quem era o chefe de Fabrizio, sabia que embora sua aparência exterior fosse a de um homem de meia-idade polido e educado, seu nome era conhecido na cidade e associado como uma das mentes mais cruéis dentro da máfia italiana. Na época em que o conhecera a verdade havia a assustado num primeiro momento, ela não queria se envolver com aquele mundo, já tinha problemas o suficiente, mas Fabrizio havia sido insistente, charmoso, e a única pessoa constante em sua vida que parecia realmente se importar com ela, desde que chegara aquela cidade. Ele havia conseguido para ela um trabalho no Monte Vesúvio, uma das casas noturnas mais exclusivas da sociedade nova yorkina, todas as noites as pessoas faziam filas em suas portas esperando uma oportunidade de pagarem um preço de entrada exorbitante apenas para passarem algumas horas dentro daquelas paredes. Todas elas atraídas pelo nome Bianchi, e sua relação com a máfia. O ditado dizia que o crime não compensava, mas não era isso que Sophie percebia enquanto observava o dinheiro encher noite após noite os caixas da Vesúvio, mas ela era esperta o suficiente para desviar o olhar e seguir em frente, fingindo que não percebia nada. Trabalhar como uma faxineira do lugar não era a melhor coisa do mundo, mas o dinheiro era razoável, e se ela fosse sincera o trabalho não era difícil, como imigrante ilegal, ela sabia muito bem que suas chances de conseguir um trabalho dentro das leis eram quase nulas, mas a máfia não se importava com seus documentos de imigração. Desde que você fizesse seu serviço, e ficasse em silêncio, você podia contar no final do mês com um salário quase generoso. No início Sophie havia dito para si mesma que seria temporário, ela estava endividada, e precisava pagar o aluguel do seu minúsculo apartamento antes que fosse despejada em pleno inverno, a oportunidade havia aparecido quase como uma corda de salvação, no primeiro mês ela havia conseguido pagar

seus aluguéis atrasados e até mesmo havia lhe sobrado algum dinheiro, ela dissera pra si mesma que iria parar por ai, conseguir algo dentro da lei, menos perigoso, mas então havia Fabrizio. O rapaz parecia quase todos os dias ali, dizia que precisava pegar algo para o seu chefe, depois da terceira vez na mesma semana ela sabia que ele estava mentindo, mas agora já havia se acostumado com seu riso forte, e seus olhos verdes brilhantes, a conversa fluía casualmente, até ela perceber que havia aceitado o pedido de tomar um café com ele num fim de semana. Naquele dia a primeira neve da estação cobria a cidade, os pequenos flocos dançando no vento e no lusco-fusco do final da tarde, enquanto voltava para casa, com um copo de café esquentando seus dedos, e Fabrizio ao seu lado rindo de alguma piada boba que ela dissera Sophie se sentira feliz, um sentimento que ela quase havia esquecido como era. As lembranças deixaram um gosto amargo em sua boca, tudo ainda estava tão vivo em sua memória. Suas conversas, o riso dele, o jeito de mexer no cabelo colocando as mechas indisciplinadas atrás da orelha. Ela o conhecia a tão pouco tempo, mas ele havia se apropriado de seu coração, entrando ali sem ser convidado e por mais estúpido e ingênuo que aquilo fosse ela queria que ele continuasse ali, pois de algum jeito ele afastava a solidão que ela sentia constantemente rondando sua vida. Talvez ela houvesse sido ingênua demais, como ela podia ter acreditado que aquilo iria funcionar? Mas havia desejado tão ardentemente que desse certo, e Fabrizio tinha sido tão convincente, ele dissera que não fazia nada de perigoso que estava num ranking muito baixo para isso, e ela acreditara nele, e agora seu coração estava despedaçado. Sophie sentiu um braço debaixo do seu cotovelo, o pequeno serviço funerário havia acabado e Maria sua amiga estava ajudando-a ficar em pé. As pessoas começavam a se dispersar do cemitério, caminhando com passos rápidos de volta para a proteção dos seus carros, o vento frio varreu o lugar descampado, seu som agourento inundando os ouvidos da garota, Sophie sentiu o corpo tremer, o frio se infiltrou debaixo do seu puído vestido de lã negra, a única peça razoavelmente apresentável do seu guarda-roupa, mas ela não conseguiu se importar.

- Você está tremendo – disse Maria, sua voz soando de maneira preocupada – Vamos, eu te levo pra casa, você precisa de um banho e comer algo quente. Erico disse que você não precisa ir trabalhar hoje. - Não se preocupe, eu estou bem. - Você não está bem garota – respondeu Maria enfaticamente – Dios Mio, como poderia estar bem depois de tudo isso? - Um suspiro pesaroso escapou de seus lábios carnudos, e perfeitamente maquiados – Sophie, você está sofrendo, está de luto, mas acredite em mim você vai conseguir superar isso, você ainda nem ao menos conseguiu chorar desde que recebeu a notícia. Sophie encarou os profundos olhos amendoados da amiga, a mão dela continuava em seu cotovelo como se tivesse medo de que se ela a deixasse livre, o vento poderia carrega-la para longe ou suas pernas não seriam capazes de sustenta-la. Elas haviam se conhecido no trabalho, duas garotas imigrantes ilegais, e gostos parecidos, o convívio era fácil entre elas, simples e despreocupados, ela jamais teria imaginado que no momento que sua vida estivesse desabando, a alegre e desbocada amiga estaria ao seu lado, e por esse motivo ela nunca saberia como agradece-la. - Eu estou bem Maria, juro, eu apenas preciso de... tempo. A palavra soou estranha em sua língua, como se ela estivesse mentindo pra si mesma, o vento soprou agora de maneira impiedosa chicoteando o cabelo de Sophie sobre seu rosto, ela levou os dedos enregelados para afasta-los de sua visão, e seu olhar recaiu sobre as costas de Domenico, que se afastava dali cercado por seus capangas. Ele nem ao menos dirigira o olhar em sua direção, ou lhe fizera um pedido de condolências, como se ela não tivesse importância alguma, como se o luto dele fosse mais importante. A raiva ferveu o sangue de Sophie, esquentando seu corpo por dentro. De repente ela percebeu com muita clareza de que não precisava de tempo, o que ela precisava para aceitar sua nova realidade era de respostas. - Vá pra casa Maria – disse ela sem olhar em direção a amiga – Eu ainda preciso conversar com alguém. Não se preocupe comigo eu posso voltar de metrô.

Sem esperar uma resposta, a garota agarrou sua bolsa e o casaco que estavam sobre as cadeiras dobráveis que haviam sido colocadas em cima da grama congelada para o pequeno serviço funerário. Agora os coveiros do cemitério terminavam de fechar o buraco com terra onde repousava o corpo de Fabrizio, mas Sophie não lançou um segundo olhar naquela direção, se deixasse seus pensamentos corressem livremente então ela não seria capaz de continuar em frente. Ela atravessou o gramado esmagando sob seus saltos a neve da noite anterior que havia se transformado em gelo. Suas pernas embora trêmulas, mantiveram um ritmo constante, mas ela precisou correr os últimos metros para conseguir chegar em tempo até Domenico que já estava se preparando para entrar no seu carro. - Senhor Domenico – gritou Sophie tentando chamar a atenção do homem a sua frente. Sua voz foi carregada por todo o espaço aberto, sendo repetida quase como um eco, a cabeça de Domenico, assim como de todos os seus guarda-costas viraram em sua direção. Por um instante a garota achou que ele iria simplesmente ignora-la e continuar seu caminho, mas sua figura parou diante da porta aberta de seu carro esperando que ela percorresse os últimos metros que os separavam até estar diante dele. Com dedos trêmulos, ela ajeitou a alça da bolsa sobre seu ombro, que teimava em escorregar por seu braço, com cautela e o fôlego acelerado, ela se aproximou lentamente daquele homem, tentando ignorar os olhares hostis que todos os capangas lançavam em sua direção. - Senhorita – cumprimentou Domenico, sua voz soando cordialmente embora Sophie pudesse reconhecer uma nota de frieza por trás de suas palavras. – Perdoe-me, mas nós nos conhecemos? A saliva se expandiu em sua boca, ela engoliu em seco tendo dificuldade para articular as palavras em sua língua. O impulso que havia a levado até ali agora parecia mais ameno, pela primeira vez desde que se colocara em movimento uma parte do seu cérebro começava a lhe dizer que aquilo não era uma boa ideia.

- Não, senhor não nos conhecemos pessoalmente, eu... Eu trabalho como faxineira no Vesúvio, e sou, eu era... próxima ao Fabrizio. Sophie se esforçou em manter o rosto controlado, apertando o casaco que ainda segurava fortemente na mão direita, ela encarou o rosto de Domenico a sua frente, ao ouvir o nome de Fabrizio, sua figura pareceu tornar-se menos hostil, seus olhos de um tom profundo de caramelo tornaram-se mais amenos, e se fixaram com interesse nela. - A garota era a namorada dele chefe – disse um homem de meia-idade e com uma barriga muito pronunciada a direita. Seu rosto era quadrado, e sua cabeça exibia uma calvície muito aparente, mas todos os homens mais jovens ao redor pareciam respeita-lo. Sophie pensou que talvez devesse corrigi-lo, dizer que Fabrizio nunca havia a pedido em namoro, pelo menos não oficialmente, mas não pode conter o sorriso quase invisível que brotou em seus lábios. Será que ele havia dito para aqueles homens que ela era sua namorada? Ela nunca teria a resposta para aquela pergunta, e aquilo foi o suficiente para que firmasse suas pernas e mantivesse sua postura, lembrando-se do motivo pelo qual havia abordado Domenico. - Eu sinto muito senhorita – respondeu Domenico, sua voz profunda trazendo-a de volta de seus pensamentos – A morte de Fabrizio, é uma tragédia, que será sentida por toda família. Sophie pensou em contesta-lo, dizer que ele estava enganado, ninguém sentiria a falta de Fabrizio mais do que ela. Ele não tinha irmãos, pai ou mãe. Vindo de uma família extremamente complicada, havia passado boa parte de sua adolescência na rua antes de acabar sendo acolhido dentro da família Bianchi, para Domenico ele não passara de um peão, alguém que havia estado em sua fileira de subordinados, que eles também chamavam de família. Ela tinha certeza que antes do fim da tarde ele teria se esquecido por completo de Fabrizio. - Quem foi? Quem o matou? – As palavras deixaram seus lábios por entre seus dentes trincados. Por um breve momento ela se espantou com a frieza e a raiva contida em sua voz, mas estava focada demais para se importar com

isso. Que Domenico achasse que ela era uma louca sem educação nenhuma, desde que ele lhe respondesse teria valido a pena. O homem a sua frente não escondeu a surpresa em seu rosto, ao seu redor os homens seguraram uma longa inspiração como se ela tivesse acabado de ofender seu chefe, mas quando finalmente pareceu se recuperar o mafioso simplesmente jogou a cabeça para trás enquanto um riso borbulhou para fora de seus lábios ressequidos. - Ah bambina! Agora entendo porque o jovem Fabrizio gostava de você! É impetuosa, como só os jovens conseguem ser. Sophie tentou não se sentir decepcionada, de todas as reações que ela poderia ter esperado, o bom humor não estava entre elas. Ela não queria fazer Domenico rir, ela queria que ele lhe desse o nome do assassino de Fabrizio. - Por favor senhor – respondeu Sophie tentando conter o tremor em sua voz – Eu preciso saber.... Eu não vou conseguir seguir em frente sem saber. - Por que menina? Acha que isso vai lhe trazer algum conforto? Acha que isso vai fazer com o que pobre Fabrizio volte para seus braços? O menino está morto, e nada irá mudar isso. As palavras de Domenico caíram sobre ela como pedras, no meio do seu peito ela sentiu as bordas de sua ferida se abrirem, precisou respirar fundo para manter todo seu autocontrole. - Eu não preciso de conforto senhor, preciso de vingança. – disse a garota numa voz que não passava de um murmúrio. Assim que as palavras deixaram seus lábios Sophie soube que aquela era sua resposta. Embora uma parte de seu cérebro gritasse lhe dizendo que aquilo era uma loucura, que o luto e a tristeza haviam confundido seus pensamentos, algo dentro dela dizia, que ela não teria paz senão buscasse uma forma de se vingar. Os olhos de Domenico tornaram-se afiados, com uma paciência quase insuportável o homem deixou seu olhar vagar por ela, não de modo

malicioso, mas atento e calculador, como se pela primeira vez ele estivesse vendo-a de verdade. Deixando a proteção de seus homens para trás ele se aproximou dela, Sophie manteve sua postura, sem desviar o olhar, ele parou tão próximo a ela, que a garota pode sentir o cheiro de sua colônia sofisticada, madeira e sândalo, pinicaram a ponta do seu nariz. - Qual seu sobrenome menina? – perguntou Domenico lentamente. - Ribeiro – respondeu Sophie confusa, sem saber o motivo do interesse repentino dele. - Você não é famiglia, não foi moldada dentro de nossas regras, não sabe o peso do sangue que temos em nossas mãos. O que você saberia sobre vingança, como iria conseguir obtê-la? - Eu faria qualquer coisa – respondeu Sophie, incapaz de conter agora a ira em suas palavras. - Bambina, você diz isso porque seu coração está repleto de ódio e tristeza pela perda, mas não sabe realmente o que suas palavras significam. Eu sei, eu perdi seis homens ontem à noite, eu conhecia todos eles, eu estou de luto por seis almas, que se perderam pela incompetência do meu filho, acha que eu não quero vingança? Acha que não quero caçar o bastardo que fez isso a minha família? - Então por que não faz isso? Por que não vai atrás dele? - Porque seria inútil menina – respondeu Domenico agora parecendo apenas um velho cansado e simples – Eu poderia mandar um exército atrás do homem que fez isso e teria apenas um rastro de sangue que se estenderia por toda cidade. - Você não pode estar falando sério, nenhum homem é invencível. Nenhum homem é imortal. O sorriso de Domenico tornou-se ácido quando ele por fim lhe respondeu:

- Mas eu não estou falando de um homem, bambina, eles o chamam de Demônio Branco, e acredite em minhas palavras quando lhe digo que ele não é o tipo que você quer encontrar. Você não teria chance alguma contra ele, no final seria apenas mais uma de suas incontáveis vítimas. Vá pra casa, espere o tempo ser gentil com você. Em breve você não terá mais esse tipo de pensamento. Sophie tentou contesta-lo, mas o homem simplesmente a ignorou, sem dizer mais nenhuma palavra ou ouvir seus apelos ele entrou no carro que o esperava e deixou o cemitério para trás. Sentindo-se mais sozinha do que jamais sentira em sua vida, Sophie deixou o silêncio do cemitério evolve-la como um pesado manto sobre seus ombros. Ela sabia que precisava continuar em frente, era isso que as pessoas esperavam dela, mas ela não tinha ideia de como fazer isso.

CAPÍTULO 2 O pesadelo estava se repetindo. Como de costume as mesmas imagens desfilaram diante de seus olhos como se tivessem sido gravadas em suas retinas. Uma parte de seu cérebro tentou fazer com que ela acordasse, mas agora o pesadelo já havia se apossado dela completamente, rodeando-a por todos os lados, erguendo suas paredes oníricas ao seu redor, ela tentou conter seu avanço embora seus esforços fossem inúteis, ela repetia o mesmo padrão de ações sabendo exatamente como aquilo terminaria, incapaz de impedir ou modificar aquele desfecho. Um ciclo infinito de horror. Uma gota de chuva atingiu seu ombro, em seu sonho ela ergueu o rosto para o céu avistando nuvens escuras cor de chumbo, correu embora a água despencasse com uma violência assustadora, o fôlego ficou preso em sua garganta, enquanto as ruas ao redor desfilavam como meros borrões de luz e sombras. Sophie tentou piscar, havia escutado quando criança que se você piscasse muitas vezes enquanto estava tendo um sonho ruim, então você iria despertar. O truque parecia algo infantil e completamente fajuto, mas havia lhe dado um pouco de segurança quando os pesadelos se tornaram algo corriqueiro em sua adolescência. Ela piscou intensamente tentando afastar as imagens em sua mente, mas elas permaneceram ao seu redor, como se a vontade de seu subconsciente fosse muito superior à dela. No sonho a chuva diminuiu até se tornar uma garoa fina e nebulosa, Sophie caminhou pela rua deserta, incapaz de enxergar com clareza os contornos

sombreados que haviam nos cantos de sua visão. Ela deixou de correr e seguiu em frente, enquanto seus passos ecoavam em seus ouvidos. Avistou a luz alaranjada do poste e soube exatamente o que estaria debaixo dela. Desejou ser capaz de virar as costas e não ter de enxergar aquilo mais uma vez, mas a Sophie do sonho continuou em frente, como se um imã exercesse sua atração sobre ela. O corpo dele entrou em foco, caído sobre a rua assim como em suas lembranças. Os braços estavam esticados ao lado do seu tronco num ângulo esquisito, as pernas estavam ligeiramente abertas, o rosto estava virado para o lado olhando o infinito. A conhecida dor espalhou por seu peito, como se uma pedra estivesse esmagando seu coração, ela queria ser capaz de desviar seu olhar, mas ela nunca conseguia, então ela simplesmente deu-se por vencida, observando aquela imagem que habitava todas as noites seus sonhos, lembrando-se do motivo pelo qual ela havia tomado aquela decisão. O som de passos ecoou pela escuridão, ribombando nos ouvidos da garota assim como as batidas do seu coração, ela ergueu seus olhos e observou a maneira como a névoa movimentava-se preguiçosamente a sua frente, ela começou a enxergar uma silhueta se materializando. A figura então tornou-se cada vez mais próxima e nítida, até que ela pode observar a misteriosa silhueta transformar-se na figura de um homem emergindo da névoa. Ele caminhou até eles despretensiosamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, e não ligasse a mínima pelo fato de estar se molhando. Estava vestido completamente de negro, até mesmo o laço meticuloso que abraçava seu pescoço em forma de gravata brilhava no tom mais escuro. Ele ignorou o corpo estendido de Fabrizio no chão, e focou seu olhar em Sophie, como sempre acontecia a garota tentou impedi-lo de continuar avançando, mas seu corpo se recusou obedece-la. O estranho aproximou-se dela, até que toda sua figura estava a sua frente, com apenas poucos centímetros os separando. Mesmo sabendo que aquilo não passava de um produto fabricado por sua imaginação, a garota sentiu o coração explodir em seu peito, enquanto um calafrio agourento corria abaixo por sua espinha dorsal. Num ritmo lento quase agonizante o homem a sua frente, passava ao seu lado, como se estivesse simplesmente continuando seu caminho, até que

seus ombros se tocaram, e como sempre acontecia aquilo a liberou do pesadelo. Com a respiração entrecortada Sophie abriu os olhos, encontrando o conhecido teto do seu quarto sobre sua cabeça, ela esticou os braços tentando alcançar o edredom que havia jogado para longe durante o sono agitado, sentia-se completamente desperta e sabia que não voltaria mais a dormir aquela noite. Virando o rosto ela deixou que seu olhar pousasse sobre o antiquado relógio que ficava ao lado de sua cama, os ponteiros piscavam em vermelho indicando que ainda era alta madrugada e levaria mais de três horas para o dia raiar. Exalando um suspiro conformado, levantou-se colocando as pernas para fora da pequena cama de solteiro. Os resquícios do pesadelo ainda pairavam no fundo de sua mente, mas ela resolveu afasta-los sabendo que se continuasse pensando naquilo iria apenas sentir-se pior. Tinha certeza de que não seria capaz de voltar a dormir, o jeito então era manter-se ocupada fazendo algo produtivo. Sophie calçou as confortáveis pantufas e rumou em direção a cozinha, que ficava apenas alguns metros de distância de sua cama. Ela havia alugado aquele pequeno porão numa tentativa de economizar todo o dinheiro que podia. O lugar era minúsculo, ainda menor do que seu antigo apartamento, sendo dividido num único cômodo, e num banheiro que possuía apenas um chuveiro, uma pia que já vira dias melhores, e uma privada que tinha sérios problemas quando se acionava a descarga. Era horrível, apertado e nem de longe era um lar, mas ela mantinha tudo limpo na medida do possível. O preço baixo e a falta de interesse do proprietário em sua vida pessoal, quase faziam aquele lugar valer a pena. Ela serviu-se de um copo gelado de água, da pequena garrafa que deixava armazenada no frigobar que no momento estava lhe servindo como geladeira, bebeu um longo gole refrescante quando percebeu que sua garganta estava ressequida. O ritmo do seu coração começou a se acalmar e ela deixou seu olhar vagar para a janela que ficava sobre a pia, a única em todo o cômodo.

A chuva tamborilava contra o vidro de maneira insistente, como se pequenas pedrinhas fossem arremessadas contra superfície a todo instante. Aquele devia ter sido o motivo para ela ter o pesadelo, o barulho de chuva havia despertado antigas memórias, afinal também chovia quando ela havia sido chamada para reconhecer o corpo de Fabrizio. O pensamento trouxe de volta a conhecida dor em seu peito. Três meses já haviam se passado desde sua morte, a vida havia caído numa rotina ininterrupta, e embora a dor fosse suportável na maior parte do tempo, pensar nele sempre lhe provocava uma pontada de desconforto, como se ela tivesse um pequeno pedaço de caco de vidro enfiado sob sua pele. O tempo havia se transformado em algo indistinto para ela, três meses, três dias, não passavam de números que não tinham significado algum, ela duvidava que iria sentir-se remotamente melhor quando ela percebesse que três anos teriam se passado. O pensamento fez com que a tristeza se infiltrasse em seu coração, mas agora ela já estava acostumada o bastante para não lutar contra ele. Terminou de beber sua água e resolveu preparar uma caneca de chá preto. Aquilo a manteria ocupada e acordada, enquanto ela iria ler mais alguns artigos que havia deixado para trás na noite anterior. Com um objetivo definido, se sentiu melhor com as mãos ocupadas, colocou água para ferver, abriu a pequena lata onde guardava os preciosos saquinhos da infusão deixando que o delicioso aroma fresco e pungente preenchesse todo o lugar. Lá fora a noite estava quase silenciosa demais, embora ela ainda pudesse ouvir mesmo sobre o barulho da chuva as ruas movimentadas, e o ocasional som de uma sirene atravessando a cidade. Sophie percorreu o pequeno cômodo e parou diante da desorganizada mesa que ela usava como escrivaninha, papéis estavam espalhados por toda superfície de tal forma que ela não conseguia enxergar absolutamente a cor do móvel por baixo. Tentou organiza-los da melhor forma possível fazendo pequenos montículos e dobrando as notícias de jornais separando-as numa caixa. O som da água fervendo levou a garota de volta para pia, despejou o líquido em sua caneca, e enquanto esperava a bebida ficar pronta, ligou o antiquado notebook que havia comprado de segunda mão, sentou-se diante

dele esperando a máquina funcionar. O chá ficou pronto antes de que o computador tivesse aberto por completo ela bebericou o líquido extremamente quente se deliciando com o calor sob as pontas do seu dedo; a primavera já havia começado, mas as noites ainda mantinham as temperaturas geladas do inverno. Um sorriso saudoso brincou nos lábios dela enquanto se lembrava de sua terra natal. Ela sentia saudades das noites quentes e intermináveis de verão, das chuvas repentinas e barulhentas, até mesmo o inverno parecia ser mais suportável com suas comidas típicas e deliciosas. Ela poderia pagar quase uma fortuna obscena se pudesse comer novamente arroz doce com canela. Ela não era ainda uma adolescente quando havia imigrado para os Estados Unidos, junto com a tia e o primo mais novo. A mãe de Sophie havia morrido, quando ela ainda era uma criança, e ela nunca soubera quem era o pai. A família havia a acolhido, e cuidado dela da melhor forma que pudera, a tia, havia se tornado numa segunda mãe. Quando o marido perdera o emprego, ele usara todas suas economias para ir para os Estados Unidos seguindo um sonho de muitos outros brasileiros de conseguir juntar um pouco de dinheiro e enviar para casa. Seu tio havia trabalhado como um louco durante dois anos, até conseguir juntar dinheiro para trazer a mulher os filhos e a sobrinha para perto de si. Sophie ainda se lembrava do primeiro dia que havia pisado naquela terra estranha, ouvindo uma língua nova que ela nada conhecia, e sentindo tantas saudades de casa que ela não sabia como aquilo tudo podia caber dentro do seu coração. Em pouco tempo eles haviam se acomodado na Flórida, o estado com seu clima quente e de frente ao oceano lembrava sua terra natal, embora fosse quase impossível confundi-las. A tia havia conseguido um emprego numa casa de família, mesmo sem saber quase nenhuma palavra em inglês, e Sophie assim como o primo havia sido matriculada numa escola. As primeiras semanas passaram num borrão, e antes que pudesse se dar conta, os anos haviam se acumulado. Ela aprendera a língua, embora ainda tivesse um sotaque bem característico que a denunciava como estrangeira.

Havia se formado no colegial, mas aquilo era o mais longe que conseguira chegar em sua educação. Ela não tinha dinheiro para fazer uma faculdade, e não podia contar com a ajuda dos tios, que após tantos anos iriam ter mais um filho. Sophie ficou radiante por eles, tinha certeza que aquela criança seria muito amada e protegida, mas não podia deixar de sentir-se um peso também. Quando contou para a tia que estava pensando em se mudar, ela foi completamente contra, estava preocupada com a sobrinha, mas Sophie sabia que aquela era a melhor decisão que podia tomar para todos. Com as últimas economias, do seu emprego de verão ela havia se mudado para Nova York. A cidade era tudo aquilo o que diziam e muito mais, ela havia ficado completamente eufórica no começo, conhecendo vários lugares que ela havia visto apenas pela televisão ou em filmes. O dinheiro logo tornou-se escasso, enquanto sua busca por emprego tornou-se mais insistente, ela estava quase desistindo quando encontrou Fabrizio... Fechando os olhos Sophie tentou se livrar da onda de nostalgia que pairava sobre sua cabeça. Aquilo não iria leva-la a lugar algum, e ela precisava se concentrar se quisesse encontrar uma solução para o problema que ela havia tentando solucionar nos últimos três meses. Deixando a xícara de chá sobre a mesa numa posição bastante segura para evitar futuros acidentes, a garota retirou a foto que guardava com todo cuidado em sua agenda, e colocou diante dela para que pudesse a olhar atentamente. A imagem havia sido capturada de uma câmera de segurança no metrô e exibia a figura de um homem vestido com roupas simples, olhando de relance para a direita. Sophie já havia encarado aquela foto tantas vezes que mesmo de olhos fechados podia dizer todos os detalhes que haviam nela. Ela podia descrever as roupas que o homem usava, uma calça jeans coturnos de couro, e um moletom com capuz. Ela sabia exatamente a posição do rosto dele, levemente virado para a esquerda como se ele tivesse propositalmente evitando a câmera bem diante dele. O jeito que seu queixo estava empinado, as mãos colocadas casualmente nos bolsos de sua blusa, escondidas da visão da câmera, assim como parcialmente seu rosto, que estava oculto pela aba de um boné.

O homem capturado por aquela imagem parecia inofensivo, e completamente comum, mas ela sabia que aquilo não passava de uma fachada muito bem ensaiada. Aquele homem era conhecido no submundo como Shiroi Akuma, Demônio Branco em japonês, como Sophie havia aprendido em suas pesquisas, e ela havia tentando encontra-lo desesperadamente nos últimos três meses. A conversa que ela tivera com Domenico não havia sido o suficiente para faze-la desistir de sua ideia de vingança. Embora soubesse que suas chances eram um pouco maiores do que nulas, ela havia se dedicado de corpo e alma a descobrir a identidade do assassino de Fabrizio. Sua alcunha era como uma lenda no submundo. Todos os conheciam, e todos pareciam teme-lo. Ninguém sabia quais eram suas intenções, ou qual sua lealdade. Ele era um assassino extremamente qualificado, que parecia sempre trabalhar para a pessoa que tivesse a carteira mais cheia. Deixando a foto bem de frente a seu rosto, Sophie deixou seus olhos deslizarem sobre alguns relatórios de polícia que ela havia conseguido de maneira ilegal, ela havia trabalhado dia e noite, e todo o dinheiro que conseguia juntar era para comprar informações; nomes, qualquer coisa que pudesse deixa-la mais próxima do seu objetivo. Na maior parte do tempo as pistas eram fracas levando-a a becos sem saídas, mas ela era persistente, e desistir simplesmente não era uma opção. Em suas mãos o relatório contava de maneira muito detalha a cena de um assassinato que havia sido atribuído ao Demônio Branco, enquanto deixava seus olhos correrem pelas linhas, ela precisou respirar pela boca para manter o chá em seu estômago. Diziam que seu nome era Dmítri Volkov, os dedos de Sophie deslizaram pelo teclado pela milésima vez digitando-o sobre o buscador de informações na internet; o resultado como sempre foi insatisfatório. A busca era redirecionada para qualquer outro Dmítri, que absolutamente não era a pessoa que ela estava procurando. Ela havia tentando mais de uma vez descobrir algo buscando pelo sobrenome, mas a única coisa que conseguira era aprender que “Volkov” em russo significava ‘de lobo’. Embora uma parte de seu cérebro lhe dissesse que aquilo era uma tremenda perda de tempo, ela tentou ignorar aquela voz em sua mente e continuou

procurando algo que pudesse a ajudá-la a encontrar o paradeiro daquele homem. Sabia que estava sendo teimosa, mas naquele momento, aquilo era a única coisa que conseguia manter sua mente completamente sã. O estridente som das latas de lixo caindo no chão, tirou a garota de sua concentração. Ela levantou o rosto tentando apurar os ouvidos. Sabia que não devia sentir-se alarmada afinal provavelmente o barulho devia ser apenas um gato mais arisco passeando pela vizinhança. O forte estrondo voltou a se repetir e ela teve certeza que alguém estava mexendo nas latas que ficavam bem ao lado de sua janela. Sem nem um pouco de vontade ela voltou a calçar suas pantufas e caminhou até a janela do seu quarto tentando divisar alguma coisa na noite lá fora. A chuva havia diminuído, mas ali ela estava longe demais das luzes que brilhavam nos postes para que pudesse divisar alguma coisa com clareza. Ouviu novamente o som de algo caindo no chão e uma forma difusa se encostar contra a parede, por um momento a sombra lembrou a figura de um animal. - Snow deve ter escapado de novo. O som de sua própria voz no silêncio de seu quarto trouxe algum conforto. Ela esticou o pescoço erguendo-se na ponta dos pés para compensar a baixa estatura, mas tudo o que conseguiu enxergar foi um pedaço vazio dos fundos dos prédios. Sabendo que simplesmente não conseguiria deixar isso de lado, a garota agarrou o casaco que havia esquecido sobre sua cadeira cobrindo os braços. O tecido era fino demais para lhe oferecer qualquer tipo de proteção, mas seria o suficiente para não a deixar completamente molhada lá fora. Com pressa largou as pantufas dentro de casa, destrancando as inúmeras fechaduras em sua porta que não chegavam realmente a fazer com que ela se sentisse segura. O corredor estava deserto e mergulhado completamente na escuridão, caminhou por ali com confiança sem precisar acender os interruptores, ela conhecia aquele lugar como a palma de sua mão. O prédio estava silencioso e

parecia completamente deserto, mas Sophie sabia que aquilo era apenas uma aparência enganosa, assim que a luz estivesse cada vez mais presente com a chegada do sol, o lugar ficaria repleto de barulho e movimento. Ela foi em direção a lavandeira, encontrando-a completamente deserta ali escondido da maioria dos olhares ficava uma porta que dava acesso a parte de trás do prédio. Antigamente ela havia sido uma saída de emergência que dava acesso as escadas de ferro de circundavam todo o exterior do edifício, mas todo o lugar havia sido remodelado para abrir mais apartamentos, e dessa forma o dono obter mais lucro, hoje a porta não passava de um item quase decorativo que dificilmente servia para a segurança de alguém. Sophie deixou os dedos tocarem a antiquada fechadura redonda, abrindo apenas uma fresta o suficiente para colocar sua cabeça para fora. - Snow! – chamou a garota, sua voz se perdendo na escuridão ao redor. Não houve nenhum latido como resposta, ao longe ela podia ouvir apenas o som contínuo do trânsito eterno na cidade. Por um momento sentiu-se muito idiota de estar ali fora parada no frio procurando o cachorro de sua vizinha, mas Edith tinha quase oitenta anos, e um sono que era capaz de suportar qualquer desastre natural. A velha senhora havia adotado o pequeno filhote de cachorro vira-lata que chamara de Snow em homenagem ao seu mais recente programa de televisão favorito “Game of Thrones”, Sophie tinha achado um pouco clichê, mas a mulher era verdadeiramente apaixonada pelo animal, que pelo visto ainda não havia se acostumado com a nova casa, e com certa frequência costumava fugir para mastigar o lixo alheio dos vizinhos, e brigar com qualquer gato de rua que estivesse na vizinhança. Abrindo completamente a porta a garota saiu em direção a noite se arrependendo imediatamente. O ar estava muito mais gelado do que ela havia previsto, e seus pés logo ficaram quase insensível quando ela pisou descalça no chão, sentiu a friagem se deslocar por sua pele através do chão molhado pela chuva, e logo percebeu que aquela não havia sido uma boa ideia. - Snow? – chamou a garota agora com mais insistência – Vem pra cá agora! Sophie caminhou cada vez mais para o fundo do prédio, contornando o

edifício, ali atrás o muro tornava-se alto e ela só podia divisar os andares acima de sua cabeça dos prédios vizinhos. Ninguém costumava vir ali, afinal era o lugar onde as pessoas costumavam deixar entulhos e onde alguns semteto passavam a noite buscando abrigando, tentando se proteger do clima. Erguendo os olhos a garota pensou ter visto uma sombra se esgueirar ainda mais próxima do muro como se tivesse fugindo de sua presença. Percorreu os últimos metros que faltavam até alcançar a parte mais afastada do muro que cortava todo o prédio, dali podia observar a luz acesa em seu quarto, o único facho de luz dourado na escuridão. Olhou ao redor, deixando que os dedos corressem pelos braços provocando alguma fricção que lhe trouxesse algum calor. Seus olhos caíram em direção a lata de lixo revirada, os detritos fétidos de comida, e objetos espalhados de qualquer forma pelo chão, mas o pêlo caramelo e branco de Snow não se encontrava em nenhum lugar. Dando mais uma volta a garota teve certeza de que tudo aquilo não havia passado de uma perda de tempo. Provavelmente naquele momento Snow estava seguro debaixo da cama da senhora Edith, e algum gato encrenqueiro havia feito aquela bagunça. Ela virou-se para sair dali o mais rápido possível e se aquecer quando seu olhar recaiu, sobre a encurvada figura humana parcialmente encoberta pelas sombras do edifício. Por um longo momento eles apenas se entreolharam, então o coração de Sophie explodiu em seu peito quando ela percebeu que ele segurava uma arma em sua mão, e ela estava diretamente apontada em sua direção.

CAPÍTULO 3 O silêncio entre eles se arrastou indefinidamente, Sophie sentiu o corpo ficar completamente estático naquele lugar, como se raízes tivessem brotado das solas de seus pés a deixando presa no chão. A adrenalina correu muito rápido por suas veias, e ela ficou imediatamente muito consciente de sua posição e vulnerabilidade, erguendo os olhos lentamente ela percorreu a curta distância que havia entre a arma apontada para ela, e o rosto do homem que a estava ameaçando. Quando ela o reconheceu sentiu como se o mundo inteiro ao seu redor tivesse lentamente paralisado. Diante dela estava o homem que havia quebrado seu mundo. O assassino de Fabrizio. - Saia daqui – ordenou Dmítri – Volte pela mesma porta que usou, e esqueça o que viu essa noite. A voz dele era encorpada e ligeiramente rouca, lembrando-lhe uma exótica bebida. Sentiu-se ligeiramente surpresa e decepcionada quando não encontrou nenhum sotaque em suas palavras. O inglês dele era perfeito. Ignorando a ordem que ele lhe dera Sophie permaneceu no mesmo lugar, incapaz de acreditar no que estava acontecendo. Talvez ela tivesse pegado novamente no sono em sua escrivaninha, e aquilo era um outro devaneio diferente produzido por seu cérebro. A arma apontada em sua direção tremeu ligeiramente, como se não suportasse mais segura-la daquela forma, ele abaixou o braço, deixando-a cair com um pequeno baque metálico no chão, enquanto fechava os olhos e descansava sua cabeça contra a parede em que apoiava suas costas. - Esqueça então, faça como achar melhor. Ainda sem saber como agir Sophie observou o homem a sua frente levar os

dedos até seu flanco direito, seu rosto estava pálido como giz, seus lábios espremidos numa linha fina. Quando retirou a mão do local, mesmo aquela distância ela pode enxergar as pontas de seus dedos pintadas de vermelho. - Você está ferido. - Sua voz soou trêmula e assustada, as palavras escaparam de seus lábios antes mesmo que ela tivesse tempo de pensar em algo mais coerente para dizer, atraindo a atenção do homem a sua frente. - Bem, você pode me dizer algo que eu não saiba agora. – respondeu Dmítri sua voz repleta de sarcasmo. - Eu posso chamar uma ambulância, meu celular está lá dentro eu... - Nada de ambulâncias garota, não me faça ter que te ameaçar novamente com a arma, eu realmente não estou com humor pra isso no momento. Sophie pressionou os lábios juntos, ordenando que seu cérebro pensasse em algo útil para ela dizer. A sua frente a cabeça de Dmítri pendeu de modo acentuado, enquanto seus olhos rolavam para a parte de trás do seu crânio, ela observou uma mancha escura se formar ao lado da perna esquerda dele, e soube que logo ele iria desmaiar por causa da perda de sangue. Tentando conter o medo que se agitava em suas estranhas como uma cobra, ela aproximou-se dele caindo de joelhos ao seu lado, tocando com ambas as mãos o local onde sabia em que ele estava ferido. Os olhos dele se abriram de maneira selvagem assim que as mãos dela tocaram seu corpo, com a mão direita ele agarrou as suas com violência, forçando-a a olhar em sua direção. - O que você pensa que está fazendo? - Tentando impedi-lo de sangrar até a morte. O toque dele tornou-se mais ameno, e ela percebeu que custava cada fibra do corpo dele manter-se lúcido. Agachada como estava com os joelhos no chão, ela estava muito próxima dele, o suficiente para ficar distraída pela cor incomum de seus olhos. Ela havia procurado durante todo aquele tempo uma

foto em boa qualidade que lhe mostrasse completamente seu rosto. Tudo o que encontrara eram fotos de perfis borradas, ou extremamente antigas, que de pouca coisa haviam lhe servido. Nas descrições que havia lido diziam que ele possuía olhos azuis, mas vendo-os de perto ela achava que aquilo nem mesmo fazia jus a realidade. Aqueles olhos lhe assombraram profundamente, duas gemas que possuíam um tom profundo de azul acinzentado como o céu nublado num dia chuvoso emoldurado por cílios dourados. Tentando conter o alvoroço caótico de seus pensamentos Sophie pressionou novamente suas mãos sobre o corpo ferido de Dmítri. Um chiado agudo escapou de seus lábios, enquanto a respiração dele tornava-se mais rápida. - Eu preciso ver a ferida – informou Sophie torcendo que ele pudesse compreender suas palavras por trás de toda a dor – Está muito escuro aqui, você consegue se levantar? Ainda de olhos fechados ele concordou com um aceno de cabeça, sem pensar duas vezes a garota agarrou seu braço passando por sobre seus ombros tentando apoiar uma parte do peso do corpo daquele homem. Ela quase não foi capaz de suportar seu peso, ele precisou usar seu outro braço apoiando-o no muro ao lado deles, para que eles pudessem se levantar completamente. Lentamente Sophie tentou carrega-lo até a porta de emergência de seu prédio, os primeiros passos foram extremamente lentos, sua respiração se acelerou com o esforço que ela fazia de tentar manter o corpo dele firme, mesmo a respiração condensando numa nevoa fina a sua frente, ela sentiu gotículas de suor se formarem ao lado de suas têmporas. Eles avançaram dolorosamente devagar, quando atingiram finalmente a porta do edifício Sophie sentiu o alívio inundar todo seu corpo. Ela cambaleou junto com ele para dentro, o som de seus passos desajeitados ecoando como um trovão no silêncio da noite. Os olhos do assassino se encontraram com os dela cheios de dúvida, ela simplesmente desviou sua atenção ignorando-o completamente e tentando se focar na tarefa de leva-lo até seu quarto.

Ela deslizou lentamente com ele corredor a dentro, meio apoiado em seu corpo, tentando se mover, ela observou enquanto Dmítri apoiava uma de suas mãos contra a parede do corredor, seu rosto estava se tornando ainda mais pálido e Sophie ficou com medo de que ele pudesse a qualquer momento desmaiar ali mesmo no meio do corredor. - Meu quarto é perto daqui – disse a garota num sussurro angustiado – Só mais alguns passos e vamos chegar. Ela não recebeu nem ao menos um grunhido como reposta, se tinha algum receio para onde estava sendo levado o homem apoiado em seu corpo preferiu se manter em silêncio, como se o simples ato de articular palavras pudesse o esgota-lo completamente. Eles atingiram a porta de seu quarto com um baque que ecoou por todo o pequeno corredor, pela primeira vez Sophie ficou feliz por sempre esquecer de trancar sua porta. Seus dedos bateram na fechadura a sua frente, e ela abriu a porta com seu pé empurrando o corpo de Dmítri pra dentro, levando-o imediatamente até sua cama. Ele caiu sobre seus lençóis sem nenhuma delicadeza, e permaneceu na mesma posição. Assim que sentiu o peso do corpo ser retirado de seus ombros, Sophie correu em direção a porta trancando-a com dedos trêmulos, e deixou que suas costas descansassem na madeira, enquanto observava o homem em sua cama incapaz de acreditar completamente naquela imagem. O sangue pulsava com intensidade em seus ouvidos abafando todos os outros sons ao redor. A sua frente, a figura do homem semi-inconsciente se mexeu em sua cama, esticando o corpo sobre a pequena superfície, os lençóis abaixo dele logo adquiriram uma tonalidade rosada, deixando claro que suas feridas eram muito mais graves do que ela havia imaginado.

Tentando romper a névoa de incredulidade que pairava sobre sua cabeça, Sophie aproximou da cama silenciosamente, embora o homem ali deitado não demonstrasse nenhum sinal que era capaz de perceber sua presença.

Com cautela ela parou ao lado dele, observando com atenção os traços do homem a sua frente. A luz dourada do abajur sobre seu criado mudo incidia diretamente sobre sua face, revelando completamente seus contornos, ela sentiu uma onda de medo e euforia percorrer cada centímetro de seu corpo ao perceber que aquilo realmente estava acontecendo, superando todas as possibilidades mais absurdas e inimagináveis ela havia sido capaz de encontrar o Demônio Branco, de uma maneira que lhe era extremamente proveitosa.

Tentando manter a mente no lugar, Sophie obrigou a si mesma a conter o tremor em suas mãos enquanto tocava o homem desacordo, seus dedos foram ágeis enquanto ela procurava pelas armas que tinha certeza que ele estava escondendo.

Encontrou na frente do cós de sua calça uma pequena pistola negra, a mesma que alguns minutos atrás estivera apontada em sua direção, a arma pesava na palma de sua mão muito mais do que ela havia imaginado, sem saber o que fazer com aquilo a garota deixou-a sobre sua escrivaninha, continuando sua revista no corpo do homem diante dela. Preso ao calcanhar dele ela encontrou um canivete automático de cabo vermelho, deslizando a ponta de seu dedo pela lateral ela encontrou um pequeno botão que liberava a lâmina comprida e extremamente afiada que cobria toda a extensão do interior sua mão.

Ela deslizou de volta a lâmina para dentro do mecanismo do canivete, guardando a arma no bolso e trás do seu antigo show do pijama, agora que ele parecia estar completamente desarmado, ela sentiu se muito mais confiante para se aproximar dele.

Quase se debruçando sobre o corpo em sua cama, ela observou o rosto pálido dele se contorcer em desconforto, seus olhos então abriram se ligeiramente, por um momento ele pareceu encarar tudo ao seu redor com evidente confusão em seu rosto.

- Onde estamos? Quem é você? – As palavras foram articuladas de maneiras débeis, como se ele precisasse se concentrar profundamente nelas antes de realmente conseguir pronuncia-las. - Você está seguro – as mentiras chegaram com uma facilidade aos seus lábios que a impressionaram. Os dedos dela tocaram o luxurioso tecido de que era feito o terno dele, ela sentiu a umidade vermelha marcar suas mãos enquanto afastava do corpo dele as camadas de roupas – Preciso ver seus machucados. Dmítri moveu a cabeça sobre seu travesseiro, ele não parecia ser capaz de manter os olhos abertos por muito tempo. Palavras numa língua que ela não era capaz de distinguir deixaram os lábios dele, mas Sophie preferiu simplesmente ignorar isso e continuar sua investigação. Com as mãos trêmulas, abriu os pequenos botões de sua camisa social que naquele momento exibia um forte tom rubi, o tecido estava completamente molhado pelo sangue que escorria de sua ferida, contornando as depressões de seu corpo. Do lado esquerdo do tórax dele, ao lado de sua costela, havia um corte profundo de bordas irregulares, Sophie nunca havia se considerado uma pessoa fraca para ferimentos, mas observando a pele cortada e seu interior fibroso contornarem a ferida, ela sentiu o gosto ácido da bile subir ao fundo de sua garganta. Ela chupou o ar com força sobre seus dentes, tentando respirar apenas pela boca, fechou as mãos em punhos para controlar o tremor sua mente era uma tela em branco. - Você sabe costurar uma ferida?

A pergunta dita numa voz rouca tirou a garota de seu estupor, ergueu o rosto para encontrar o olhar de Dmítri encarando o seu com atenção. Ela pensou em mentir, mas as palavras de repente pareciam terem ficado presas dentro de sua cabeça, pensou que naquele instante sua única chance era tentar ganhar tempo. - Sei pregar um botão, fazer a barra de um vestido, mas não acho que seja esse tipo de costura que você esteja de referindo. - É claro que seria contar demais com a sorte ser salvo por alguém, que tivesse uma noção básica de primeiros socorros. A mão dele voou direto para seu pulso prendendo-o num agarre firme, embora estivesse extremamente ferido, Sophie teve de conter a surpresa em seu rosto quando percebeu como ele ainda possuía força. Não tinha dúvidas de que se quisesse ele poderia facilmente nocauteá-la. - Me escute com atenção, precisa limpar a ferida, e fazer um curativo bem apertado sobre ela, entendeu? - Como? Como posso limpa-la? - Álcool seria a melhor opção. Não uma bebida alcoólica isso é coisa de filme. - Eu não tenho álcool – respondeu a garota nervosa, a mãos dele continuava firme sobre seu pulso, e o contato em sua pele era estranho e próximo demais para que ela se sentisse segura – Acetona? Lançando a cabeça para trás, ele grunhiu fechando os olhos com força, enquanto seus lábios produziam uma serie de palavras em outra língua, que a garota tinha quase certeza que se tratavam de um xingamento muito extenso. - Ferva água então, rápido. Tendo um objetivo definido, ela se levantou acendendo novamente a chama do fogão, e colocando uma nova caneca para aquecer o liquido, com passos apressados ela correu para o banheiro e voltou trazendo a toalha de banho que

havia usado na noite anterior, sem pedir permissão ela pressionou sobre o ferimento dele, as mãos dele então contornaram as dela apertando-as ainda mais juntas tentando estancar o fluxo de sangue. O silêncio cresceu no quarto, ela tentou evitar o olhar dele, ignorando a proximidade com aquele homem, forçando seu cérebro a encontrar uma solução para aquele problema. Podia sentir o olhar dele fixo em sua direção, e desejou ser capaz de ignora-lo. - Quem é você? Ou seria melhor eu perguntar quem é seu chefe? A pergunta dita em voz baixa e controlada obrigou a garota a erguer seus olhos, ela encontrou o olhar dele afiado e cinzento como uma lâmina preso sobre ela, o coração tremulou contra suas costelas, com expectativa e medo, sabia que precisava ser extremamente cautelosa agora, mediu com cuidado suas palavras sabendo que ele iria perceber se suas mentiras fossem muito evidentes, decidiu que o melhor seria omitir a verdade o quanto pudesse. - Eu não trabalho pra ninguém – respondeu ela com segurança, pois aquilo era uma verdade – Meu nome é... Sophie. Sabia que era perigoso revelar sua identidade, mas trouxera aquele homem que ela sabia ser um assassino para dentro do seu quarto. O tempo de ser cautelosa havia ficado para trás. O barulho das bolhas de água em ebulição chamou a atenção da garota, ela largou a toalha sobre ele caminhou até o fogão e voltou trazendo a pequena caneca com água fervendo. - E agora? – perguntou Sophie sentindo-se insegura. - Precisa me ajudar a lavar a ferida, depois enfaixa-la. Sophie engoliu em seco, retirou a toalha já encharcada de vermelho sobre a ferida, voltou ao banheiro pegando agora sua única toalha de rosto, deitado de costas Dmítri terminou de abrir sua camisa, revelando agora todo o tórax. Tentando controlar seu nervosismo Sophie mergulhou as pontas da toalha na caneca com água fumegante. O vapor acertou seu rosto e seu pescoço, e ela

teve de morder o interior de sua bochecha para suportar tocar o tecido molhado e extremamente quente. Ela deixou o tecido tocar a pele dele com eficiência, mas sem muita delicadeza, ele não produziu nenhum som debaixo do movimento de suas mãos, e o único sinal de que estava sentido algo era o tremor que percorreu todo seu corpo. Sophie repetiu o processo várias vezes, até perder as contas e a toalha em suas mãos adquirir um tom rosado que ela tinha certeza que nunca mais seria capaz de limpar. Agora que havia limpado boa parte do sangue, podia finalmente vislumbrar o tamanho da ferida. O corte devia ter sido feito por uma faca com lâmina irregular, as bordas de sua pele estavam flácidas ao redor descendo de maneira irregular por seu peito. A pele ao redor do machucado era pálida e macia, em contato com o tecido quente e úmido adquiriu uma tonalidade rosada saudável, quando a água na caneca que estava usando começou a se tornar fria ela decidiu que já tinha limpado o suficiente. Sem dizer uma palavra, e sentindo os joelhos doloridos Sophie caminhou até o pequeno armário de duas portas que ficava na parede ao lado de seu banheiro, e buscou ali na bagunça tão costumeira um dos lençóis de sua cama. Sem pensar muito nas consequências, afinal aquele era o último lençol bom que possuía, afinal ela tinha plena certeza de que o que estava em sua cama naquele momento tinha sido completamente destruído pelo sangue, ela rasgou o tecido ouvindo o som preencher todo o ambiente. As tiras ficaram irregulares e possuíam vários tamanhos, mas o lençol era feito de algodão e ela podia dizer que estava quase novo. - Você consegue se levantar? Eu preciso... Não precisou terminar a frase concordando com um aceno de cabeça, ela observou o esforço que o homem a sua frente fazia para sentar-se em sua cama, sem pensar no que estava fazendo a garota sentou ao lado dele, apoiando uma parte de seu corpo, enquanto suas mãos permaneciam no tronco dele evitando que ele voltasse a se deitar.

A posição deixou ambos extremamente próximos, até aquele momento Sophie não tinha percebido como ele era alto, mesmo sentado diante dele a cabeça dele pairava alguns centímetros acima da sua. Com cuidado a garota passou as tiras de pano ao redor do tórax dele, a respiração dele tornou-se acelerada toda vez que ela dava um nó no material para mantê-lo no lugar, mas ele não reclamou uma única vez que fosse ou pediu para que ela parasse. Ela deixou as mãos dela correrem pelo corpo dele, e ficou surpresa consigo mesma quando percebeu que mesmo todo o sangue que recobria seu corpo, a pele dele ainda cheirava extremamente bem, algo refrescante como uma combinação de eucalipto e menta. - Obrigado. A palavra dita de maneira tão sincera pegou Sophie desprevenida, lentamente ela se afastou do corpo do homem que estava diante dela, encarando-o profundamente. Seus olhos agora pareciam estar muito limpos, como se a mente dele tivesse lentamente deixando para trás a névoa da dor. Ela rangeu os dentes dentro de sua boca, e teve de usar toda sua força de vontade para não enfiar as pontas dos dedos novamente em sua ferida para provocar uma dor excruciante nele, a mesma dor que ela sentia agora nas bordas da ferida em seu coração. Ela nunca poderia se esquecer de que ele era o assassino de Fabrizio, suas palavras significavam menos que o nada. Incapaz de continuar perto dele, ela se levantou correndo os olhos ao redor do seu quarto, a surpresa de seu encontro com ele já havia passado, e agora sua mente começava a trabalhar num plano. Tinha agido por puro impulso ao ajuda-lo lá fora, mas agora simplesmente não sabia como seria capaz de acabar com a vida dele ali mesmo. Seus olhos se desviaram momentaneamente para a arma pousada sobre a mesinha. Pela primeira vez ele prestou atenção ao objeto. Era menor do que ela teria imaginado, o metal lustroso se destacava contra os papéis bagunçados, o cabo também negro tinha pequenos relevos horizontais e bem no seu centro havia um símbolo em branco que ela não sabia o que poderia significar. Sentiu as palmas de sua mão ficarem suadas ao lembrar-se do peso da arma

contra sua mão, a força que ela havia sentido em seu pulso. Em sua mente ela se imaginou pegando a arma e disparando contra ele ali mesmo em sua cama. Ele estava tão próximo, os tiros iriam percorrer uma distância menor do que três metros até atingi-lo. Ele não teria nenhuma chance. Ela nunca tinha usado uma arma em toda sua vida, mas qual seria a dificuldade? Ele estava completamente imóvel e a sua mercê. Ela poderia finalmente vingar Fabrizio, não precisava nem ao menos sentir um minuto de remorso. Com certeza o mundo seria um lugar muito melhor sem um homem daqueles andando em sua superfície. Mas e depois? O pensamento se infiltrou lentamente pelo seu cérebro espalhando-se deixando um gosto amargo na parte de trás de sua língua. O que faria depois de mata-lo? Os tiros iriam despertar a maioria das pessoas em seu prédio. Quanto tempo iria levar até que algum de seus vizinhos ligasse para a polícia? Quanto tempo ela teria até a polícia invadir seu quarto? Eles iriam encontrar um homem sangrando em sua cama e o que ela iria responder? Que ele havia invadido seu quarto e ela atirara em legítima defesa com a arma dele? Até mesmo dentro das paredes de seu crânio a história parecia patética. Ela queria mata-lo, mas caso fosse presa por isso então tinha certeza que sua vida teria chegado ao fim. Se fosse condenada por esse crime, ilegal e sem dinheiro algum para um bom advogado ela iria parar numa penitenciária americana. Não era ingênua sabia que esses lugares eram controlados por facções criminosas, quanto tempo ela teria dentro de suas paredes? Quando tempo até alguém encomendar sua morte? Ela não podia nem mesmo começar a mensurar a tristeza de seus tios caso algo como isso acontecesse. Enxugando as palmas gélidas de suas mãos contra suas coxas, ela tentou afastar os pensamentos caóticos dentro de sua cabeça. Tentando manter-se ocupada para sentir-se útil ela foi até o banheiro e voltou de lá trazendo dois comprimidos brancos nas mãos. Encheu um copo de água e ofereceu para Dmítri, que embora estivesse de olhos fechados ela tinha certeza de que não estava dormindo. - São paracetamol – explicou a garota oferecendo os comprimidos na palma

de sua mão – É a única coisa que tenho para dor em casa. Por um longo momento a garota achou que ele fosse recusar devido ao seu silêncio, ela tentou não se ofender, mas uma parte dela sentiu vontade de atirar os comprimidos contra a parede e jogar o copo de água em sua face arrogante. Como se tivesse finalmente se convencido que ela não estava lhe oferecendo veneno, o assassino estendeu suas mãos depositando os comprimidos sob sua língua, ele os engoliu sem beber a água que ela lhe oferecera, e Sophie foi incapaz de conter sua raiva. Voltando para a pequena cozinha sabendo que o olhar dele estava sobre ela, a garota deixou o copo sob a pia e começou uma pequena arrumação pelo seu quarto, fechou seu notebook sobre sua escrivaninha, e tentando parecer calma e desocupada, jogou todas suas pesquisas sobre o Demônio Branco, para dentro de uma pasta e colocou em sua bolsa. - Você costuma fazer isso com muita frequência? – perguntou Dmítri as costas de Sophie. - Isso o que? – Sua voz saiu muito mais ríspida do que ela pretendia. Olhando por cima de seu ombro, ela sentiu a raiva arder em suas veias, quando percebeu que ele havia se acomodado de maneira mais confortável em sua cama, estendendo o braço direito sob sua cabeça para apoia-lo e dessa forma conseguir olhar melhor em sua direção. - Encontrar sujeitos escondidos em becos sangrando e traze-los pra dentro da sua casa? Coisas desse tipo. - Você queria que eu tivesse te deixado lá fora? Estaria morto uma hora dessas. - Seria a coisa mais inteligente a se fazer – respondeu Dmítri dando de ombros, como se eles não tivessem discutindo sua possível morte – Acredito que a maioria das pessoas teria voltado pra dentro, principalmente se tivessem visto alguém apontando uma arma em sua direção.

- Eu não sou a maioria das pessoas. - Não.... Você definitivamente não é.– a voz dele agora assumiu um tom mais baixo, seus olhos se estreitaram ligeiramente como se ele estivesse a avaliando. Embora não tivesse motivo ficou incomodada por estar debaixo do olhar escrutinador dele. Seus olhos caíram sobre o surrado e curto pijama com estampas infantis que estava usando, ela ainda usava a blusa fina sobre seus ombros, mas isso pouco ajudava a melhorar sua aparência, ou esconder o fato de que ela estava sem sutiã, sua blusa tinha um furo considerável perto da barra. Um calor incomodo percorreu suas bochechas, e ela virou-se completamente de costas para ele, tentando ignora-lo. - Você poderia me dizer ao menos para quem trabalha – continuou Dmítri parecendo completamente despreocupado para alguém que tinha um corte de quinze centímetros na barriga. - Por que você tem tanta certeza assim que eu trabalho pra alguém? – respondeu Sophie tentando controlar o tremor em sua voz – E o que o meu trabalho teria a ver com tudo isso? - Não se faça de ingênua, não combina com você. Então, quem é? Tríade? Pouco provável, se fosse alguém do Yamaguchi eu ao menos teria ouvido algo sobre isso. As opções ficam cada vez mais escassas então... Lombardi? Não me diga que é pro idiota do Bianchi. Incapaz de continuar de costas para ele Sophie virou-se enfrentando o olhar do homem a sua frente, ela sentiu o coração explodir num ritmo violento quando percebeu que a arma que havia deixado sobre sua escrivaninha estava agora ao lado de seu criado mudo. Quando ele havia se movido e alcançado ela? Ela não ouvira nenhum som, ou percebera nenhum movimento atrás de suas costas. - Pelo menos você não está tentando inventar nenhuma mentira. – continuou Dmítri – Preciso lhe dar algum crédito por isso. - Não acho que você seja um homem que seja enganado por mentiras. - Realmente não sou. Você parece que que sabe algo a meu respeito.

Sophie sentiu as batidas do seu coração aumentarem de intensidade dentro de sua caixa torácica, como se ele estivesse tentando escapar de seu peito. Cravou as pontas das unhas dentro das palmas de sua mão, para se forçar a permanecer estável, e não desviar seus olhos do homem a sua frente. - Por que você está dizendo isso? – respondeu ela tentando ganhar algum tempo para organizar melhor suas ideia em sua cabeça. - Você não pareceu nem um pouco surpresa quando me encontrou lá fora... Como se tivesse me reconhecido imediatamente. O que é engraçado porque eu tenho certeza de que não conheço você. Sophie sentiu a firmeza como apertava os lábios, qualquer coisa que ela lhe dissesse naquele momento poderia prejudica-la. Mentir era algo muito perigoso, principalmente se ela inventasse uma história fajuta, ou acabasse confundindo algum detalhe inventado. - Eu salvei sua vida – respondeu ela por fim mais corajosa, do que realmente se sentia - Eu não lhe devo satisfações. Os lábios de Dmítri abriram-se num sorriso ferino, deixando suas feições mais bonitas, e intimidadoras. - Era você quem deveria estar exigindo alguma satisfação da minha parte, mas já que não parece muito interessada vamos deixar essa conversa para depois. Os remédios estão começando a fazer efeito. Sentindo-se ligeiramente confusa, ela observou enquanto os olhos do assassino se fecharam lentamente em sua cama. Ele usou a mão que estava livre para pousar sobre seu rosto escondendo-o da única fonte de luz que provinha do seu abajur. Ela permaneceu um longo tempo no mesmo lugar, sem realmente conseguir acreditar que ele estava dormindo. Talvez aquilo não passasse de um truque, e ela decidiu que ficaria alerta enquanto pensaria num plano, e na melhor forma de executa-lo para conseguir assassinar o homem que estava no seu quarto.

Tentando fazer o mínimo de barulho possível, caminhou até seu guarda roupa e retirou dali um surrado edredom que ela não usava a muito tempo. Jogou-o no chão aos pés de sua cama cobrindo o piso gelado, e usou a ponta solta pra se cobrir. A adrenalina havia deixado seu sistema sanguíneo por completo, e agora ela começava a sentir o resultado disso, enquanto seus músculos protestavam pela incomoda posição e a canseira; não era nem de longe um cenário ideal, mas ao menos isso iria impedir que ela caísse no sono. Ela realmente acreditava nisso quando virou seu rosto para encosta-lo ao lado do colchão de sua cama, e nem ao menos conseguiu perceber quando caiu num sono profundo.

CAPÍTULO 4 Foi o barulho da água que a despertou. Ela conseguia ouvir com extrema clareza o som do líquido escorrendo para o ralo da sua antiquada pia de seu banheiro. Será que ela tinha esquecido aquilo aberto? Tentou não se importar com o murmúrio contínuo tentando voltar para o mundo dos sonhos. Sentia o corpo deitado numa posição horrível, mas estava tão cansada que não tinha ânimo algum para se ajeitar melhor. O som da água escorrendo persistiu assim como o murmúrio de algo sendo lavado, ela soube que havia algo de errado e abriu os olhos enquanto as memórias da noite anterior invadiam sua mente como uma explosão. De onde estava deitada no chão do seu quarto aos pés de sua cama, ela podia observar com clareza a figura de Dmítri ocupando seu pequeno banheiro. Sentiu um desconforto se acumular no centro do seu estômago ao perceber que ele era tão alto que passava da linha do seu chuveiro, a porta estava aberta, porque o cômodo era tão estreito que ela duvidava que ele iria conseguir se mexer ali de outra forma. Ele havia retirado o paletó e sua camisa, que estavam fora de sua visão diante da pia. Com a torneira aberta ele limpava a ferida ao lado de seu corpo. Sophie concentrou-se na visão do machucado e ficou extremamente decepcionada quando percebeu que a ferida estava com uma aparência muito melhor. Ela nem ao menos tinha sido uma péssima enfermeira para que ele pudesse pegar uma infecção e morrer dolorosamente de septicemia. Contrariada deixou que seus olhos vagassem pelo corpo dele, buscando alguma falha algum defeito que ela pudesse usar ao seu favor. Seu humor

tornou-se ainda mais desagradável quando percebeu que havia uma parte dela que estava apreciando a visão, e aquele homem parecia imune a defeitos. Ele não possuía um tipo de beleza clássica, mas ela não podia negar que ele era atraente. Bonito como algo exótico e raro. Alto e com ombros definidos o tronco era esculpido em músculos. A pele quase pálida demais ressaltava seus contornos e deixava a pelagem dourada sobre seu abdômen apenas mais evidente. Seu olhar vagueou por ele completamente parando por fim em seu semblante. Lá fora o sol já havia nascido, a luz se infiltrava pela janela de sua cozinha iluminando todo o ambiente alcançando até mesmo o banheiro. Ela podia visualiza-lo agora com total clareza, na noite anterior as sombras estavam encobrindo seu rosto, e em momento algum ela havia realmente parado apenas para observá-lo. Ele não parecia em nada com as fotos que ela tivera tanto esforço para conseguir. A ausência do boné e dos capuzes do moletom transformavam ele numa pessoa completamente diferente. Se ela tivesse visto-o dessa forma andando ao seu lado na rua, dificilmente teria sido capaz de reconhece-lo. Seu rosto era oval o queixo ligeiramente pontudo dando-lhe uma impressão de ousadia, as maçãs de seu rosto eram altas afiando ainda mais sua expressão. O cabelo era uma miríade de tons dourados, começavam na raiz quase de um tom de branco atingido as pontas um tom profundo de loiro, mas mechas caindo ao redor do seu rosto. O corte era refinado e moderno, assim como as roupas que ele usava. Tudo naquele homem gritava dinheiro e poder - Você tem um sono bastante pesado – a frase foi dita de maneira casual, como se ele estivesse lhe dizendo aquilo ao invés de um cordial ‘bom dia’. Embora continuasse com os olhos fixos e as mãos ocupadas trabalhando em sua ferida, ele também havia percebido que ela estava acordada. Sabendo que seria uma perda de tempo fingir que estivera dormindo aquele tempo todo, ela resolveu se levantar jogando o edredom para o lado esticando as pernas que estavam doloridas. O ar frio da manhã acertou seu corpo em cheio, o velho aquecedor estava ligado num canto mais afastado do cômodo, mas ultimamente a peça pré-histórica servia mais como decoração porque

raramente funcionava. Infelizmente ele havia escolhido aquela manhã para não trabalhar direito azedando completamente o que havia sobrado do humor de Sophie. Atravessando o quarto, a garota parou apenas alguns passos de distância do homem em seu banheiro tentando manter a aparência despreocupada. O frio não parecia afeta-lo de forma alguma. De rosto limpo ela detestou o fato de que a aparência dele, embora estivesse ferido parecia mil vezes melhor do que a dela. Fechando finalmente a torneira, e a ignorando Dmítri vestiu a camisa de mangas longas brancas, que ela notou estar pendurada no boxe do seu banheiro, assim como seu terno preto. No centro ao redor dos botões a intensa mancha vermelha havia desaparecido dando lugar a um tom de rosa suave. Ele vestiu-se tranquilamente como se o fato de ter alguém o observando fazer isso fosse algo corriqueiro. Imaginar que aquele homem estava há algum tempo acordado, e andando por seu quarto lavando suas roupas enquanto ela dormia tranquilamente, fez com que um calafrio nada agradável escorresse por suas costas, como se um cubo de gelo tivesse se derretendo todo o caminho abaixo até sua cintura. Ao colocar o terno negro por cima da camisa, Sophie notou que a arma dele havia voltado para atrás de sua calça ficando presa pelo cós. Tentou ignorar o medo que brotou em suas entranhas, enquanto o homem a sua frente caminhava até ela sua presença assomando por todo o pequeno cômodo. Sem perder tempo a garota entrou no banheiro assim que ele ficou livre, fechando a porta com um audível clique atrás de si mesma. Sua respiração acelerada ecoou nas paredes daquele lugar enquanto ela tentava pensar em alguma maneira de manter o assassino ali. Fechou os olhos com força tentando concentrar toda sua atenção em algo que pudesse ajudá-la a sair daquela situação. Não tinha imaginado que iria dormir durante tanto tempo, e se fosse realmente honesta consigo mesma, havia imaginado que Dmítri levaria muito mais tempo para se recuperar. Ela ainda podia se lembrar com muita clareza da profundidade de sua ferida, para estar de pé de maneira tão ativa daquela forma, aquele homem devia ter quase uma

capacidade sobre-humana de recuperação. Sabendo que cada minuto era precioso, localizou as roupas sujas que havia usado no dia anterior e descartado atrás da porta do banheiro em sua costumeira bagunça, decidindo que num momento como aquele, elas iriam muito bem servir. Vestiu com mãos ágeis a calça jeans e a blusa de moletom sobre os braços jogou de lado o velho pijama, mas antes de descarta-lo na pilha de roupa suja, encontrou o canivete de Dmítri em seu bolso. A descoberta trouxe um pequeno alívio que afrouxou ligeiramente a pressão que sentia em seu peito, com cuidado deslizou a arma para dentro do bolso traseiro de sua calça deixando que a longa blusa lhe caísse por cima e escondesse sua presença. Em último caso como uma medida desesperada poderia usá-lo. Seus olhos buscaram seu reflexo no pequeno espelho que ficava sobre a pia, e quase não reconheceu a imagem ali refletida. Seu rosto estava pálido, os olhos muito brilhantes quase vítreos as olheiras davam-lhe um ar de cansada e abatida. Correu os dedos de maneira quase agressiva pela massa de cabelo em suas costas, depois prendeu as mechas de qualquer jeito num rabo de cavalo baixo atrás de sua nuca. Quando abriu novamente a porta do banheiro, encontrou Dmítri parado no centro do cômodo como se fosse o dono do lugar. - Seria educado da sua parte me oferecer um café da manhã, agora – comentou o homem a sua frente de maneira despreocupada – Mas, eu não achei nada digno dentro dos seus armários. Então você pode abrir a porta pra mim, e pulamos toda essa parte estranha das despedidas. Sophie desviou os olhos para sua cozinha, ela havia deixado as portas de seus armários fechadas, mas agora elas se encontravam todas abertas, também percebeu que as coisas sobre sua escrivaninha estavam diferentes da forma que ela havia deixado. Sentindo como se uma pedra de nervosismo estivesse afundando em seu estômago, ela tentou imaginar o que ele estaria procurando em seu quarto. - Você ainda está ferido – disse a garota por fim tentando mantê-lo ali até

pudesse finalmente colocar seu plano em prática, embora as ideias em sua cabeça ainda não passassem de uma confusão completa – Não devia sair daqui tão cedo. Precisa ir a um hospital. Sua ferida... As palavras ficaram presas em sua garganta, quando Dmítri parou diante dela usando todo o poder de sua estatura para intimida-la, o olhar que ele lhe lançou era completamente gelado, deixando sua íris ainda mais pálida. - Agora muito cuidado com suas próximas palavras – disse o assassino, sua voz não mais alta do que um sussurro – Ou então posso pensar que você está tentando me manter aqui de propósito, para que os caras que estejam até de mim voltem para terminar o serviço de ontem à noite. - Como pode pensar isso? – perguntou Sophie se sentindo genuinamente ofendida – Eu salvei sua vida. - Exatamente. E aí está algo que eu não consigo entender, você deve ter um motivo pra ter feito isso e com certeza não foi altruísmo, mas no momento eu não tenho tempo pra perder tentando imaginar o que pode ser. Tentou controlar sua respiração acelerada, o coração bombeando sangue por suas veias assim como o medo que deixou seu corpo trêmulo. Sem desviar a atenção do homem a sua frente seus dedos se desviaram para o canivete no bolso de sua calça. Teria uma única chance de atingi-lo, imaginou que poderia tentar ataca-lo num ponto vital como o pescoço, se ele conseguisse desviar de seu golpe, então tinha plena certeza de que não precisaria se preocupar em ser presa. Ele não a deixaria sair dali com vida. Em suas memórias lembrou-se do rosto sorridente de Fabrizio igual a última vez que eles tinham se visto e sentiu a decisão tornar seus dedos mais firmes sobre o canivete quando percebeu que as lembranças dele já estavam se tornando apagas e difusas em sua mente, e o homem responsável por isso estava bem diante dela. Precisava agir e não teria melhor chance, então iria simplesmente aproveitar aquele momento. Um toque alto e insiste fez com que ambos desviassem sua atenção para a porta do cômodo, quebrando o silêncio entre eles.

Agindo por instinto e tentando ganhar alguns minutos preciosos, Sophie caminhou em direção a porta para abri-la, mas foi interrompida quando Dmítri segurou seu braço impedindo-a de avançar deixando que uma pergunta sussurrada saísse de seus lábios: -Você está esperando por alguém? A garota negou com um aceno de cabeça, enquanto uma onda de preocupação corria por seu corpo. Ao seu lado o rosto de Dmítri tornou-se mais afiado, ela percebeu que ele estava apertando o maxilar, num movimento fluído ele alcançou a arma que estava em suas calças, deixando em sua mão direita. As batidas na porta de tornaram mais altas, a pessoa que estava do outro lado não parecia ter nenhuma intenção de desistir. - Abra a porta – disse Dmítri sem olha-la – Não interessa quem esteja do outro lado, mande embora. Sophie tocou com dedos trêmulos as várias trancas que haviam em sua porta, mas deixou uma última por precaução, abriu apenas o suficiente de uma fresta para enxergar a pessoa do outro lado. Parado diante dela com uma face contraída Sophie teve certeza que o homem atrás daquela porta não estava procurando por ela. Agindo por puro instinto a garota fechou a porta com um baque surdo gritando: - Se abaixa! O barulho dos tiros foi ensurdecedor, ela se jogou no chão do seu quarto cobrindo as orelhas enquanto lascas de madeira voavam por todo o ambiente. Dmítri caiu ao seu lado no chão, as mãos esticadas apoiavam a arma, ele atirou em direção a porta o som ressoando como um trovão nos ouvidos de Sophie. Quando os tiros cessaram, ela ergueu o rosto para encontrar a arma de Dmítri mais uma vez apontada em sua direção.

- Me dê só um bom motivo pra eu não explodir seus miolos bem aqui!? Você armou uma emboscada pra mim! - Seu idiota! – respondeu a garota sem se importar com quem pudesse estar ouvindo do lado de fora do seu quarto – Acha que isso é uma emboscada? Eles estão atirando em mim também! Os olhos dele exibiram por um breve segundo uma legítima confusão, então eles dois puderam ouvir pancadas bruscas na porta. O batente tremeu de maneira violenta, toda aquela estrutura não ia durar muito tempo. Abaixando a arma e grunhindo em frustação o assassino correu até a janela pegando o abajur que estava sobre seu criado mudo e atirando em direção aos vidros. Sophie entendeu o que ele estava fazendo, levantou-se correndo até estar ao seu lado e começou ajuda-lo, sabendo que naquele momento aquela era a única maneira deles conseguirem escapar. Quando percebeu que havia conseguido uma abertura razoável sem se importar com os pedaços de vidro que ficaram presos ao lado da estrutura, Sophie deslizou para fora da janela caindo sobre suas mãos e joelhos do lado de fora de seu apartamento, Dmítri foi o próximo ofegando com a arma em mãos, ele parou ao seu lado, assim que a porta do seu quarto foi completamente arrombada. Mais tiros foram disparados na direção deles que correram para longe do edifício se embrenhando nas ruas e vielas estreitas que circundavam completamente aquela área. Eles correram sem olhar para trás, o fôlego de ambos se misturando a névoa das primeiras horas da manhã. A cidade ainda estava levemente adormecida, a maioria das janelas permaneciam fechadas, mas não iria demorar para que o som dos tiros atraísse a atenção dos moradores daquela área. Guiando Dmítri que corria logo atrás dela Sophie virou em direção a um beco sem saída, ali encostadas contra paredes feita de antigos tijolos vermelhos haviam grandes e fétidas caçambas colocadas para recolher o lixo, sentido dores embaixo de suas costelas devido à falta de ar, contornou-as sem se importar com o cheiro de podridão que grudou no interior de suas narinas e tentou controlar sua respiração acelerada.

Dmítri usou a parede ao lado dela para encostar seu corpo fechando os olhos por um longo instante, como se também precisasse de um tempo para se recuperar. Ele parecia estar em ótima forma, mas depois da corrida desenfreada que haviam feito até mesmo a respiração dele encontrava-se alterada. - Precisamos sair das ruas – murmurou o homem ao seu lado, a voz saindo chiada por entre seus dentes – apenas alguns quarteirões nos separam deles. Onde está seu carro? - Eu não tenho um carro – respondeu Sophie seus olhos buscando encontrar seus perseguidores enquanto ela observava o outro lado da rua detrás da caçamba de lixo. – Podemos ir... As palavras ficaram presas atrás dos dentes dela quando ela virou seu olhar por sobre seu ombro direito e encontrou Dmítri com o corpo recurvado para frente, a mão estava novamente sobre sua ferida, e ela já conseguia enxergar o sangue novamente manchando sua pele. - Você não vai continuar correndo, seu corte deve ter aberto de novo. Ele não perdeu tempo tentando contesta-la, endireitou o corpo guardando novamente a arma no cós de sua calça dizendo. - Senão podemos fugir, então ao menos precisamos nos camuflar, se eles nos perderem de vista irão embora e essa será nossa chance. Sem dizer uma palavra ele endireitou seu corpo caminhando com passos rápidos pelas vielas até alcançar uma das ruas mais movimentadas de seu bairro. O Queens era uma confusão étnica de prédios, pessoas e culturas. As lojas mais variadas possíveis disputavam espaço com restaurantes que exibiam os pratos de diversos países ao redor do mundo, e apartamentos simples que abrigavam uma população animada e diversa. Era o lugar perfeito para Sophie, uma imigrante que precisava se camuflar na imensa população que habitava aquela cidade para conseguir sobreviver ali com tranquilidade. Dmítri caminhou pela avenida desviando das pessoas na calçada, o passo dele

era apressado, mas eles estavam em Nova York, portanto ninguém pareceu se incomodar com sua atitude ou olhar novamente para o homem de terno preto e reparar que agora havia uma mancha se sangue bastante visível na frente de sua roupa. Sophie seguiu os passos dele enquanto o som dos tiros continuava se repetindo em sua cabeça como uma sinfonia bizarra. Tinha plena certeza que era pura adrenalina que impulsionava seu corpo adiante. A paranoia fazia com que ela constantemente olhasse por cima de seu ombro procurando em todas as pessoas ao seu redor os homens que havia invadido seu apartamento, ela não tinha conseguido visualizar direito seus rostos, portanto qualquer pessoa que estivesse um passo mais apressado, ou aparência rude fazia com que seu coração saltasse em seu peito. As placas indicavam que eles estavam perto do metro, sem pensar duas vezes ela agarrou o braço de Dmítri guiando ele até as barras pintadas num tom de verde desbotado, desceu as escadas de concreto ignorando a sujeira nos degraus e as já tão conhecidas pichações ao redor. Os passos dele foram abafados assim que entraram debaixo da terra, o vento produzido pelos vagões levantou o cabelo da garota que se prendeu em seus lábios ressequidos. Ali embaixo uma pequena multidão já se formava em frente a plataforma, esperando o próximo vagão. Circulando por entre aquelas pessoas tentando despistar qualquer perseguidor que ainda pudesse estar atrás de ambos, ela apertou com mais firmeza o antebraço de Dmítri que não ofereceu nenhuma resistência, levando-o em direção ao banheiro. Abriu a porta com força sem se importar que ela exibia uma placa que indicava que aquele era o banheiro masculino. Um senhor de cabelos grisalhos, ergueu as calças apressadamente se afastando do mictório assim que viu que uma mulher invadindo aquele lugar, Sophie observou ele abrir a boca para protestar, ou xinga-la, mas quando o homem viu Dmítri se aproximar e o sangue empapando a frente de sua blusa, fechou os lábios e saiu dali o mais rápido possível. Usando o braço pra se apoiar na parede de ladrilhos brancos Dmítri caminhou até o final do pequeno banheiro da estação. Acreditando que ele conseguiria

manter-se em pé por mais alguns minutos a garota voltou para a porta e sentiu a frustração dominar seus sentidos quando percebeu que ela não possuía nenhum trinco que pudesse usar como proteção. Rangendo os dentes ela voltou para o lado de Dmítri observando suas feições. Ele estava ainda mais pálido do que na noite anterior, o suor pontilhava sua testa, o cabelo estava preso a seu crânio, somente a mão que segurava sua arma permanecia firme. A mente de Sophie funcionava numa velocidade insana, se continuasse sangrando daquela forma e nada fosse feito tinha certeza de que ele iria morrer. Se tivesse conseguido despistar os homens que os perseguiam ela podia então simplesmente deixa-lo naquele banheiro para encontrar seu fim, parecia uma escolha covarde a ser feita, mas porque ela precisaria se importar com honra num momento como aquele? Ele que sangrasse até a morte, nada seria mais justo depois do que ele fizera com Fabrizio, a única coisa que precisava fazer era deixar aquele lugar em segurança. - Vamos ficar aqui alguns minutos – mentiu a garota tentando conseguir mais tempo para que o estado do homem a sua frente se deteriorasse – Tenho certeza de que eles não vão nos encontrar aqui, eu tenho alguns trocados no bolso posso comprar dois tickets do metro e podemos sair em qualquer lugar da cidade. Dmítri não lhe respondeu apenas acenou de maneira afirmativa com a cabeça apertando a mão esquerda contra a ferida que continuava a manchar sua roupa. Dando passos tímidos para trás Sophie voltou novamente até a porta do banheiro, precisava encontrar um jeito de impedir que alguém entrasse ali, talvez pudesse encontrar uma placa de ‘ocupado’ em algum lugar. Abriu com cuidado uma pequena fresta, e sentiu seu sangue transformar-se em gelo quando sentiu o cano de uma arma ser apontado diretamente em sua testa. - Como um passarinho numa armadilha – disse a voz do homem a sua frente. Sem tempo para conseguir reagir ele empurrou a porta que bateu em sua bochecha direita a dor explodindo por todo seu rosto, ela sentiu uma mão se infiltrar por seu cabelo prendendo-o num puxão que lhe trouxe lágrimas aos olhos, a sua frente o rosto de um homem com olhos verdes e uma cicatriz em

seu pescoço invadiu toda sua visão. - Eu não faria isso se fosse você Dmítri – entrando no campo de visão da garota um homem usando um cabelo negro em estilo militar entrou no banheiro apontando uma diretamente para o Demônio Branco – Uma gracinha e sua amiguinha aqui já era. Para enfatizar suas palavras o homem que segurava Sophie enfiou ainda mais a arma de encontro a sua têmpora, a garota se debateu tentando se livrar da mão que a mantinha presa puxando seu cabelo, mas a dor apenas aumentou assim como o medo em seu estômago. - Sophie fique quieta! A frase dita de maneira controlada por Dmítri chamou a atenção da garota que parou de se mexer. Embora estivesse ferido, ele estava parado de costas para a parede do banheiro, sua postura firme de arma em punho diante de seus perseguidores - Solte a garota Igor, seu problema é comigo. - Verdade Dmítri – respondeu o homem moreno que parecia estar no comando – Mas, vou manter seu cachorrinho por perto já que você parece bastante comportado quando alguém está ameaçando ele com uma arma. - O que você quer? – perguntou Dmítri e mesmo daquela distância Sophie podia dizer que ele estava batalhando para controlar a raiva e a dor. - O de sempre você sabe. Seguir as ordens do Tsar, meter uma bala na sua cabeça, e conseguir minha recompensa. - Uma pena que tenha de fazer tantas tentativas Igor, embora tenha chegado bem perto ontem à noite, está vendo? Ainda estou sangrando por sua causa, seu filho de uma puta! A risada sem felicidade alguma do moreno invadiu o banheiro, fazendo com que um calafrio percorresse os braços de Sophie. - Bem que eu queria ser responsável pelo talho aí na sua barriga, mas não tive

essa sorte. Não montamos a armadilha ontem contra você, apenas seguimos uma dica, e a trilha de sangue que você deixou do lado de fora do prédio dessa garota. Que por sinal está me deixando cada vez mais curioso. Não vai nos apresentar Dmítri? O homem chamado Igor virou-se em direção a Sophie, ele aproximou-se dela enquanto um sorriso brilhava em seus lábios. Como um reflexo a garota tentou se soltar e se afastar dele. - E você pequena, quem é? Decidida a não lhe dar resposta alguma a garota cerrou seu maxilar de maneira firme o aperto em seu couro cabelo se tornou quase insuportável, o homem atrás dela agarrou completamente seu cabelo chacoalhando sua cabeça, mas nem mesmo um murmúrio de dor escapou de seus lábios. - Muito teimosa pro meu gosto – comentou Igor voltando sua atenção para Dmítri – Vamos acabar logo com isso. Últimas palavras garoto? Sophie sentiu a mudança no ar, e teve uma certeza irrevogável que assim que aqueles homens atirassem em Dmítri então ela também estaria morta. O instinto de sobrevivência cresceu em seu íntimo, e embora aquilo pudesse ser uma tremenda loucura seus dedos foram parar no bolso de trás de sua calça, tocando o canivete ali escondido. Agindo baseada no puro instinto a garota agarrou a arma com força ativando sua lâmina e buscando a mão do homem que prendia seu cabelo. Um grito rouco invadiu o banheiro, ela sentiu algo pegajoso e quente em suas mãos e soube que havia acertado seu alvo. Tiros soaram próximos aos ouvidos de Sophie, mas o aperto em seu cabelo desapareceu quando o homem atrás dela caiu com um baque surdo no chão, um furo vermelho entre suas sobrancelhas. O corpo de Igor deslizou pra frente atingindo uma das portas do banheiro, sem se importar com nada disso. Dmítri abaixou sua arma e deixou seu olhar cair em sua direção. Um tremor avassalador correu pelo corpo da garota quando percebeu que ela havia presenciado o assassinato daqueles homens, sem dizer uma única palavra, o homem em pé diante dela agarrou seu braço

levando-a para fora do banheiro. O canivete continuava em suas mãos, o sangue manchava a lâmina assim como suas mãos escurecendo mesmo até embaixo de suas unhas. Ela sabia que devia deixar aquela lâmina cair de seu agarre, mas não conseguiu forçar seus dedos a solta-la, ou impedir seu corpo de ser praticamente carregado adiante pelo aperto de Dmítri. A manhã havia chegado no momento em que a maioria das estações do metrô estavam completamente lotadas, embora algumas pessoas estivessem lançando olhares desconfiados na direção de ambos, ninguém tentou impedir o caminho deles. - Mantenha sua cabeça abaixada, eles têm câmeras aqui embaixo – pediu Dmítri enquanto eles encaminhavam para as escadas que levavam de volta a superfície da cidade. Subiram as escadas quase correndo como se os perseguidores ainda estivessem atrás deles, alguém esbarrou em seu ombro, despertando Sophie de seu devaneio, com os dedos ainda grudentos de sangue ela guardou o canivete novamente no bolso de sua calça enquanto uma lufada de ar fresco invadia seus pulmões no momento que eles voltaram a superfície. Agindo como um típico nova yorkino Dmítri postou-se praticamente no meio da rua acenando freneticamente a mão direita chamando a atenção de um táxi. Um carro amarelo característico parou próximo a ele atrapalhando o trânsito, mas ninguém pareceu se importar, ainda agarrando seu braço Dmítri abriu a porta traseira do carro infiltrando-se lá dentro com Sophie ao seu lado. Com voz rígida ele deu um endereço para o motorista embora ela não pudesse ter compreendido corretamente onde ficava o lugar. Como todo taxista em Nova York aquele não se mostrou muito interessado em seus passageiros algo pelo qual Sophie mostrou-se bastante satisfeita, ao seu lado Dmítri continuava sangrando profusamente e seu braço ainda agarrava com firmeza o dela como se aquele simples ato fosse o que lhe segurava a vida. Com os pensamentos correndo de modo frenético, Sophie deslizou para mais

perto dele no banco, sua mão livre abrindo o botão de sua camisa novamente empapada de sangue, tentando de todas as formas estancar seu ferimento a garota enfiou seus dedos dentro de sua ferida, sentindo novamente sua pele se preencher com a sensação viscosa. Os olhos de Dmítri se prenderam ao seus enquanto o silêncio entre eles era apenas quebrado pelos sons da cidade agitada que chegava até eles pelas janelas abertas do carro. Em momento algum os dedos de Sophie deixaram a ferida aberta na carne do assassino. Em momento nenhum os olhos dele se separaram dela, como se algo além do seu agarre estivesse os mantendo junto. Num canto muito distante de sua mente, a garota percebeu que se Dmítri morresse naquele momento, ela seria a última pessoa que ele iria ver em sua vida.

CAPÍTULO 5 Nunca a ausência de congestionamentos deixou Sophie mais feliz, como se finalmente a sorte estivesse sorrindo para eles, o táxi deslizou pelas ruas da cidade sem maiores incidentes, parando apenas ocasionalmente nos semáforos. Embaixo de seus dedos ela podia sentir a temperatura do corpo de Dmítri diminuir, ele estava tão pálido agora que até mesmo seus lábios estavam descoloridos, quando o carro diminuiu sua velocidade e parou ao lado do meio-fio, a garota sentiu como se finalmente sua respiração pudesse se tranquilizar. - Vá até a lavanderia aqui ao lado – pediu Dmítri segurando suas mãos com insistência – procure por Haru diga meu nome e faça ele vir até aqui, não sei se sou capaz de sair desse carro sozinho. Os olhos da garota se encontraram no retrovisor com o olhar agora atento do taxista, pela primeira vez ele havia notado o sangue que agora manchava o banco do seu carro. Sabendo que ele tentaria impedi-la de alguma forma de sair do veículo sem pagar, ela soltou as mãos de Dmítri abrindo a porta do táxi de uma vez e correndo o mais rápido que podia para a lavanderia que estava logo ao lado. O lugar estava vazio, o som da porta batendo contra a parede atrás de suas costas ressoou no ambiente. O rosto da velha senhora que estava parada em frente ao caixa, fez Sophie compreender que ela devia estar parecendo uma maluca. - Haru!- gritou a garota, ela quase não podia reconhecer a voz que saia de sua garganta – Haru! Dmítri, precisa de você!

Um homem saiu dos fundos da loja as pressas. Ficou surpresa ao notar como ele parecia jovem. Por algum motivo ela estava esperando alguém que fosse muito mais velho. - Onde ele está? – perguntou o estranho a sua frente, parecendo bastante sério. - No carro – respondeu a garota, seu fôlego ainda estava entrecortado – No táxi lá fora. Ele está ferido. O desconhecido nem ao menos esperou ela terminar a frase, com passadas apressadas saiu da lavanderia, e correu para o táxi lá fora, sem saber direito o que fazer Sophie permaneceu ali, observando toda a cena pelo vidro da lavandeira. Os próximos minutos passaram numa confusão borrada diante de seus olhos. O misterioso homem chamado Haru, parecia conhecer e se importar com Dmítri. Sem dizer uma palavra ou mesmo fazer uma pergunta ele o carregou para dentro da loja apoiando-o contra seu corpo, eles desapareceram nos fundos da lavanderia e Sophie sentiu vontade de segui-los, embora soubesse que aquilo não fazia sentido algum. Com um suspiro exasperado de irritação, ela percebeu que a senhora que estava no caixa quando ela entrara havia colocado uma placa onde podia se ler a palavra ‘fechado’ na entrada da lavanderia, depois de ter pagado um taxista muito irritado.. - Venha comigo mocinha – disse a senhora, seu tom de voz severo não combinava nem um pouco com seu rosto em formato de coração bondoso – Isso pode demorar algum tempo. Sem questionar Sophie seguiu a mulher atravessando as portas duplas parcialmente escondidas por roupas que levavam aos fundos das lojas. O lugar era muito maior do que ela havia imaginado. Um comprido corredor ladeado por portas fechadas, terminava numa escada em formato curvo feito em metal, um detalhe arquitetônico muito comum na década de vinte, embaixo dela havia uma porta de madeira pintada de verde. De um bolso escondido a senhora retirou um molho de chave prateados destrancando

aquela, e deixando que a garota pudesse enxergar a sala por trás dela. O lugar era simples, um sofá que já havia visto dias melhores repousava contra uma parede, uma janela muito alta iluminava o ambiente, as partículas de poeira pairavam por todo o ambiente como pequenos flocos dourados indicando que aquele lugar não era visitado a um bom tempo. Sem perder tempo a senhora caminhou até o fundo do cômodo, o barulho de água chamou a atenção de Sophie, e ela percebeu que havia ali um antiquado bebedouro. A senhora desconhecida lhe ofereceu um copo de água dizendo: - Beba isso. Você está com uma péssima aparência. Ela nem ao menos conseguiu se sentir ofendida, segurando o copo de plástico, percebeu como seus dedos ainda estavam vermelhos, o sangue de Dmítri havia secado deixando uma sensação horrível sobre sua pele. Sentindo a garganta de repente muito seca, bebeu toda água tentando apagar de sua mente a lembrança de que apenas alguns instantes atrás aqueles dedos haviam estado dentro de uma pessoa. - Espere aqui, descanse um pouco se conseguir, ele vai querer falar com você mais tarde. Sophie não sabia dizer se ela estava se referindo a Dmítri ou Haru, mas percebeu que isso não faria diferença alguma, ela não gostaria de encarar nenhuma dos dois naquele momento. Esperou que a senhora a sua frente perguntasse seu nome, ou ao menos mostrasse um pouco curiosidade pelo fato dos dedos dela estarem sujos de sangue, ou do motivo pelo qual havia levado ela entrar ali gritando por alguém que ela nem ao menos conhecia, mas a mulher não podia aparentar estar mais desinteressada, sem dizer mais uma palavra, ela deixou-a ali sozinha com a cabeça cheias de perguntas, e Sophie não se espantou nem um pouco quando ouviu o som da chave na porta indicando que ela estava sendo trancada ali dentro. O silêncio ribombou em suas orelhas, aquele lugar era tão afastado que ela nem ao menos conseguia ouvir o barulho das ruas ao redor. O coração começou a bater com força dentro do peito, depois de tudo o que havia acontecido não conseguia sentir-se segura. Havia perdido completamente a

noção do tempo, na pressa de fugir havia esquecido o celular que agora provavelmente devia estar em algum lugar no caos que havia se transformado seu quarto. Incapaz de conter seus pensamentos, as lembranças das últimas horas invadiram sua mente, as cenas desfilaram em frente aos seus olhos, a fuga pelo metro, o rosto de Igor pairando sobre o seu, os corpos de dois homens estirados no chão do banheiro. Cansada fechou os olhos tentando controlar os milhares de sentimentos que corriam por ela naquele momento, deixando-a confusa. Tentando manter um último resquício de controle decidiu que não podia continuar parada. Caminhou ao redor tentando conhecer melhor o lugar onde se encontrava. Na parede oposta ao sofá, encontrou uma porta menor que estava destrancada, do outro lado encontrou um banheiro coberto antigo coberto de poeira. Testou a torneira prateada sentiu-se realmente feliz quando o líquido tocou seus dedos. Lavou as mãos até que as pontas de seus dedos começaram a se enrugar, não havia um sabonete que ela pudesse usar, então continuou esfregando uma contra a outra, até perceber que elas realmente estavam limpas, e o cheiro de ferrugem tivesse deixado sua pele. Seus olhos encontraram o espelho sobre a pia, debaixo de toda a camada de poeira ela conseguiu divisar seu reflexo. Havia uma contusão em sua bochecha que já estava começando a ficar roxa, de onde a porta havia lhe acertado. Percorreu o olhar sobre seu corpo e começou a contabilizar seus ferimentos. Com os joelhos ralados, e alguns arranhões em seus braços, ela sabia que era uma pessoa de muita sorte. Tinha escapado praticamente ilesa de uma saraivada de tiros, um hematoma naquele momento era a menor de suas preocupações. Correu os dedos pelo cabelo, e pela primeira vez notou que havia algo de estranho com eles. As mechas atrás de sua cabeça pareciam bem menores e abundantes, então lembrou-se de que ela havia acertado a mão do homem que segurava sua cabeça, cortando no processo uma parte de suas próprias madeixas. O resultado era uma confusão horrorosa de cachos escuros de

vários tamanhos, ela devia estar parecendo um poodle após uma tempestade, mas naquele momento aquilo também não parecia ter importância alguma. O som de uma fechadura sendo destrancada chamou sua atenção, com cautela ela fechou a torneira enxugando as palmas das mãos no jeans de sua calça e voltou até o cômodo onde estivera para encontrar o homem que Dmítri havia chamado de Haru com uma bandeja na mão. - Pensei que você pudesse estar com fome – disse ele simplesmente depositando o conteúdo sobre uma pequena mesa de montar embaixo da janela. Agora que a adrenalina havia passado, ela finalmente conseguiu prestar atenção no homem a sua frente, e ficou surpresa ao notar sua beleza estonteante. Alto como um modelo, os cabelos possuíam um tom suave de mogno, os olhos asiáticos eram escuros com cílios negros e abundantes de causar inveja em qualquer garota, os lábios eram cheios e rosados. Ele parecia jovem e inofensivo e por algum motivo isso lhe deu plena certeza de que toda aquela aparência despreocupada era apenas uma fachada. O cheiro delicioso da comida acertou seus sentidos em cheio, seu olhar se desviou para o conteúdo na bandeja reconhecendo uma porção de gyoza, yakissoba e arroz branco com legumes. Ela adorava tudo o que estava ali sendo servido, mas não fez nenhum movimento naquela direção. - Não está envenenado – disse o homem a sua frente, quando o silêncio entre eles se tornou constrangedor. - Não estou com fome. Escolhendo exatamente aquele momento para reclamar da ausência prolongada de comida, o estômago de Sophie roncou, deixando um desconfortável calor preencher suas bochechas. - Dmítri tem razão, você é uma péssima mentirosa. – disse o homem a sua frente sorrindo audivelmente. – A propósito, você já deve saber, mas meu nome é Haru.

- Sophie – respondeu a garota simplesmente. Haru acenou positivamente com a cabeça, como se também já a conhecesse, ele se aproximou da mesa, pegando um gyoza com dedos pálidos e esguios, engolindo de vez a comida. Decidindo que não havia motivos para passar fome à toa ela se aproximou da mesa, servindo-se também de uma porção de yakissoba fumegante. Encontrou talheres ao lado da bandeja e sentiu-se grata por isso, sua habilidade de comer com pálitos era risível. O macarrão derreteu em sua boca, preenchendo seus sentidos, Haru a observou comer em silêncio como se tivesse muito interessado em sua pessoa, os olhares teriam a deixado extremamente desconfortável se ela não tivesse morrendo de fome. Após algum tempo, sentiu-se praticamente saciada, diminuiu o ritmo com que comia e passou a brincar com a comida que havia restado em seu prato. Deixou então que seus lábios verbalizassem a pergunta presa em sua mente. - Como ele está? O olhar de Haru demorou-se sobre ela, quase como se ele estivesse se decidindo se valia a pena lhe responder ou não. Sua voz soou de maneira controlada e impessoal dizendo: - Ele está bem, apesar de tudo. Vai ficar com uma cicatriz, mas ele não dá a mínima pra isso. O médico disse que ele teve muita sorte. Sophie acenou positivamente com a cabeça, a lembrança do ferimento de Dmítri ainda era algo muito vivido em sua mente, assim como seu rosto pálido, e seu olhar vitrificado. Mais do que ninguém ela sabia como ele havia sido sortudo. - Dmítri disse que você salvou a vida dele. Dando de ombros como resposta a garota levou até os lábios mais uma porção de comida. Concentrou sua atenção no prato diante dela, tentando

ignorar o olhar insistente de Haru, e seu interrogatório disfarçado de perguntas educadas. Um suspiro irritado escapou dos lábios do homem ao seu lado, Sophie ignorou a agitação em seu interior quando observou Haru levantar-se e caminhar novamente em direção a porta. - Posso ir embora quando acabar de comer? – Perguntou a garota embora uma parte dela já soubesse a resposta. Diante da porta Haru girou com habilidade as chaves prateadas com os dedos, como se tivesse brincando com elas. Ao menos quando lhe respondeu ele teve a decência de parecer genuinamente desconfortável. - Ele vai querer falar com você quando acordar. Toda a comida que havia engolido agitou-se de maneira desconfortável em seu estômago, sem dizer uma palavra ela observou Haru deixar o cômodo, trancando a porta atrás de si, enquanto sua mente imaginava o que Dmítri iria lhe dizer quando eles se encontrassem novamente. O cansaço se abateu sobre ela de maneira esmagadora, sentia cada parte do corpo dolorida e desejava poder tomar um banho, deitar em sua cama e esquecer que aquele dia havia existido. Sentou-se no velho sofá tentando ignorar o cheiro de coisa velha que emanava de seu tecido, a cabeça descansou no encosto atrás de si e ela fechou os olhos imaginando que estava num lugar muito longe dali. O rosto de Fabrizio brilhou em suas lembranças, fazendo com que seu coração rangesse em seu peito. Tudo seria tão mais fácil se ela pudesse simplesmente esquecer toda a loucura que parecia rodear sua vida naquele momento; se pudesse ir para sua casa então talvez fosse capaz de juntar os cacos que haviam sobrado de sua vida e recomeçar. Um novo recomeço.

Até mesmo as palavras pareciam ter um gosto agridoce em sua língua. Por onde ela iria recomeçar? O que iria fazer? Pra onde iria? Eram tantas perguntas, mas não sentia capaz de encontrar nenhuma resposta. Quando pensava em seu futuro só era capaz de visualizar uma imagem de si mesma, encurvada sobre o peso das lembranças e saudades, presa entre um passado inalcançável e futuro inexistente. Ela não sabia o que fazer e isso lhe enchia com um desespero assustador. A raiva queimou dentro dela brilhante como uma chama deixando sua respiração entrecortada, ela deixou que o sentimento que conhecia tão bem percorresse suas veias como um ácido, sabendo que seria inútil lutar contra ele. Nos últimos meses ela tinha quase certeza de que era o ódio que havia motivado a levantar todos os dias de sua cama. O mundo havia se transformado num lugar desprezível a seus olhos, a raiva e sua teimosia eram a única coisa que pareciam sustentar seu corpo naquele instante. Vingança naquele momento parecia ser algo mais concreto e desejável do que um recomeço. Deixou então que sua respiração se acalmasse, desfazendo os punhos com as mãos. Entre todas as incertezas que a consumiam naquele momento, havia uma certeza da qual ela se agarrava desesperadamente. Dmítri Volkov precisava morrer. Deixou que o pensamento se assentasse em sua mente, aceitando-o como uma verdade, e passou as próximas horas tentando imaginar um jeito de transformar seu desejo em realidade. O tempo transcorreu de maneira silenciosa dentro do quarto, embora lutasse contra a fadiga em algum momento ela sentiu a cabeça pender sobre seus ombros e mergulhou num sono agitado. Perdeu completamente a noção do tempo, e sentiu o sol infiltrar-se por debaixo de seus olhos. Ergueu as pálpebras, mais cansada do que poderia ter imaginado para encontrar a luz alaranjada do fim de tarde pintando as paredes do cômodo. Seu corpo havia caído contra o lado do sofá buscando uma posição onde ela pudesse ficar mais confortável. Os músculos estavam doloridos, e ela sentia o frio se infiltrar pela janela aberta acima de sua cabeça fazendo com que desejasse algo mais apropriado para vestir do que a blusa fina que cobria seus

braços. O exalar de uma respiração chamou sua atenção, ainda levemente ensonada deixou que seu olhar pousasse na outra extremidade do cômodo, onde ela percebeu com o coração se sobressaltando que havia uma outra figura ali presente. - Você definitivamente tem um sono pesado. Ele parecia completamente relaxado. Sentado com as pernas cruzadas numa das cadeiras que haviam naquele lugar. O rosto ainda mostrava alguma palidez como mármore, mas os lábios já começavam a recuperar uma cor saudável. Ele havia tomado um banho, ela podia notar pelo cabelo penteado para trás levemente úmido. Vestia roupas que claramente não eram seu tamanho, a calça de moletom cinza escuro parecia larga demais, enquanto a camisa simples de algodão preto grudava-se em seu corpo quase como uma segunda pele. Sophie levantou-se de repente sentindo extremamente muito incomodada com sua aparência, ela ainda conseguia se lembrar de maneira muito clara qual era seu reflexo e o estado de seu cabelo aquela manhã. Ela duvidava que depois de dormir num sofá empoeirado aquilo tivesse melhorado de alguma forma. Em compensação a sua frente Dmítri parecia quase a imagem de alguém saudável, era difícil acreditar que algumas horas atrás aquele homem estivesse próximo a morte. Ela imaginou que médico eles teriam chamado para operar tamanho milagre. Ele se levantou se aproximando do sofá onde ela estava, e Sophie precisou usar toda sua força de vontade para permanecer relaxada e não se afastar dele. - Você está bem? – perguntou a garota assim que ele parou diante dela, seus olhar cinza gélido se prendendo ao seu. - Vou sobreviver. O silêncio se prolongou entre eles, aquilo irritou a garota que não pode se conter e resolveu provoca-lo.

- Uau, depois de tudo você nem ao menos vai me perguntar se eu estou bem? - Haru te trouxe comida, e você não estava ferida quando deixamos o metrô, você está numa situação melhor do que a minha. Acho que podemos dispensar as formalidades. Sophie precisou morder com força o lado interno de sua bochecha para não o mandar diretamente para o inferno. - Então já que tudo parece acertado entre nós, você vai me deixar sair daqui agora? - Veremos depois que você responder minhas perguntas. Dmítri levou os dedos até o bolso do lado de sua calça e retirou dali algo que fez com que a raiva corresse solta pelo corpo da garota. Seu passaporte brilhou em verde-esmeralda, nas mãos dele, enquanto o loiro o folheava despreocupadamente. - Pra quem você trabalha? Haru verificou esse documento e ele acredita ser original, mas as falsificações estão extremamente convincentes nos dias de hoje. - Eu já disse, mas parece que você ainda não foi capaz de entender. – Rebateu a garota extremamente irritada - Talvez eu deva soletrar pra você. Eu não trabalho pra ninguém! Os olhos de Dmítri tornaram-se ainda mais ferozes, ele estava tão próximo agora que Sophie podia ver o pulsar latejante de uma veia próxima a sua têmpora, ele parecia controlado, mas ela percebeu que aquilo era apenas uma fachada. Ele estava com dor, e com raiva, com muita clareza ela percebeu que poderia realmente estar em perigo. Com o maxilar trincado Sophie notou ele alcançar o cós de sua calça, seu coração retumbou como um tambor quando o homem a sua frente apontou diretamente a arma em sua direção. - Essa é a segunda vez que você aponta uma arma pra mim – disse Sophie,

sua voz soando muito mais firme do que ela realmente se sentia – Eu já estou começando a ficar de saco cheio disso. - Dessa distância não tem como eu errar o tiro. Espero que você leve isso em consideração na hora de responder minha próxima pergunta. - Seu desgraçado! Eu salvei sua vida! - Por que? – berrou Dmitri a arma muito firme em sua mão – Por que você fez isso heim? Quem é seu chefe? Os gritos deles ressoaram no ambiente antes de morrerem deixando o ar entre eles eletrificado, carregado de tensão, quando respondeu a voz dela não passava de um sussurro enojado. - Você é louco. - Haru está muito irritado porque não conseguiu encontrar nenhuma informação sobre você. E acredite quando eu digo que isso é uma raridade. Não há uma única menção a uma garota chamada Sophie nas famílias do crime organizado dessa cidade. Você trabalha pra polícia? - Polícia? Essa é sua ideia? Eu sou uma policial disfarçada? Não seja ridículo. - Não – respondeu Dmitri com a voz controlada como se ele estivesse falando consigo mesmo – Isso não faz sentido, se fosse uma policial teria tentado me impedir de matar aqueles dois no metro. - Por que você não pode simplesmente acreditar em mim? – perguntou a garota frustrada. - Acreditar que nosso encontro foi um acaso? Que você me salvou sem ter segundas intenções. Não, eu não posso acreditar nisso. - Então o que vai fazer? Vai atirar em mim. - Haru acha que essa é a melhor alternativa, e ele tem razão. Você pode ter me salvado, mas ainda continua sendo perigosa.

Sophie sentiu seu maxilar se fechar de maneira tão intensa, que sentiu a dor escorrendo entre seus dentes, seus lábios estavam selados numa linha fina extremamente apertada. Ela detestava o fato de estar sendo ameaçada por aquele homem, estando completamente de mãos atadas e sem poder se defender de alguma maneira. - Espero que valha a pena morrer pelo segredo que você está protegendo. O som do disparo ressoou no ambiente, os ouvidos de Sophie sentiram a vibração como se alguém tivesse badalado um imenso sino bem ao lado de sua cabeça. Incrédula e levemente zonza, ela olhou horrorizada para o próprio corpo esperando enxergar seu sangue empapando suas roupas, a dor ainda estava ausente, mas ela sabia que essa não iria demorar para aparecer. Com olhos ainda frenéticos, Sophie correu seu olhar sobre o corpo milagrosamente sem ferimentos, e sentiu um misto de alívio, e ódio cruzar seus pensamentos quando percebeu que a bala havia se alojado no encosto do sofá bem ao lado do seu ombro. - Da próxima vez eu não vou errar. Seu corpo se levantou antes mesmo que ela tivesse se dado conta, ela tentou ataca-lo, mas ele apenas a segurou com força junto a si mesmo, como se tivesse durante todo aquele tempo esperando seu ataque. Ela percebeu que aquele havia sido um erro quando ele a imobilizou usando apenas uma mão livre, a outra continuava segurando a arma de maneira displicente, como se ele não precisasse se esforçar de maneira alguma para conte-la. - Eu me arrependo de não ter te ouvido noite passado – disse Sophie, sua voz carregada de ironia – Eu deveria ter voltado para meu quarto e deixado você sangrar até a morte. O aperto dele sobre seus punhos se intensificou, sentiu a palma dele se pressionar contra sua pele com força, e teve plena certeza que estava ganhando mais um hematoma.

- Mas você não me ouviu não é mesmo, olhou pra mim aquela noite como se me reconhecesse, mas como uma garota como você poderia me conhecer? A pergunta dele se perdeu em seu silêncio, pela primeira vez ela notou a proximidade que seus corpos se encontravam e sentiu seu corpo se agitar de maneira desconhecida -.Você está apenas complicando ainda mais sua situação. Se responder minhas perguntas, ainda pode sair viva daqui, e fingir que nós nunca nos encontramos. Os olhos de Dmítri eram glaciais, havia uma determinação de ferro por trás deles, ela soube que ele não estava mentindo, sentiu o medo deslizar como uma cobra em seu estômago. Precisava dosar suas palavras com extrema cautela, essa era sua única chance. - Pra quem você trabalha? – perguntou o assassino, tão próximo que ela pode sentir o hálito fresco dele contra suas bochechas. - Eu trabalhava para Domenico Bianchi – respondeu a garota com muita cautela – Na casa noturna dele, você com certeza já deve ter ouvido falar. Monte Vesúvio. - O que você fazia pro Bianchi? - Eu era a faxineira dele. - Faxineira? – perguntou Dmítri parecendo completamente incrédulo - Você pode conferir esse tipo de informação se quiser, vai descobrir que não estou mentindo. - Como uma faxineira como você poderia me reconhecer? A saliva pareceu se transformar em areia em sua boca, o coração de repente era uma pedra pulsante dentro de seu peito. Ela percebeu que sua vida dependia de sua habilidade em mentir em sua próxima resposta. - Eu procurei por você, ouvi os boatos no Vesúvio, o que os homens diziam quando achavam que mais ninguém estava prestando atenção. - E por que alguém como você iria querer me encontrar? – perguntou Dmítri

num sibilo. - Por que você acha que alguém iria querer encontrar um assassino? A risada dele soou pelo ambiente deixando Sophie perturbada. Ela não poderia estar preparada para o fato de que aquele som iria ser tão agradável a seus ouvidos. - É isso? – perguntou Dmítri enquanto um sorriso de deboche se espalhava por seus lábios – Você quer matar alguém? Seus lábios não formaram uma resposta, ela apenas permaneceu parada encarando o homem diante dela, até perceber que algo mudou em Dmítri, como se ele finalmente estivesse prestando atenção nela. - Você não está mentindo – disse ele parecendo levemente surpreso – quer realmente matar alguém. Os olhos azuis acinzentados percorreram seu rosto buscando algo que ela não sabia identificar. Ele estava tão próximo que ela podia sentir o perfume exalando de sua pele, sentiu-se extremamente consciente da posição que se encontravam e desejou poder se afastar embora uma parte dela, uma parte que a assustava e enojava na mesma medida, queria se aproximar ainda mais daquele homem. - Quem? – a pergunta ficou suspensa no ar entre eles, a voz de Dmítri era apenas um sussurro na escuridão próxima demais ao seu ouvido. Lá fora o sol já havia se posto e a única iluminação no quarto era um resquício da luz do final da tarde. Os lábios dela permaneceram firmemente selados um contra o outro, o aperto em seus pulsos se intensificou até se tornar quase insuportável, então ele simplesmente libertou seus braços separando-se dela. - Esqueça, um nome não faz diferença alguma. Meus serviços não estão a sua disposição. - Por que? Se considera bom demais pra aceitar minha proposta?

- Você pode não estar mentindo – respondeu Dmitri – Mas, também não está me dizendo toda verdade. Eu não estou interessado em seus problemas, vá pra casa e esqueça que me encontrou. Sem ao menos lançar um segundo olhar em sua direção, o assassino a sua frente guardou a arma em seu bolso e se encaminhou para a porta, sabendo que estava se colocando em risco Sophie interceptou seu caminho se colocando diante dele. - Você realmente não sabe quando desistir. - Eu chamo de persistência – respondeu Sophie. - Não, no seu caso é apenas burrice misturada com um desejo suicida - Você está enganado. Eu não tenho medo de você. O sorriso dele tornou-se mais amplo, ferino demais para ser considerado bonito, ele se aproximou-se dela novamente agora colocando os braços ao seu redor de seu rosto, enquanto ela se afastava dele encostando suas costas contra a madeira da porta atrás dela. - Se não tem medo de mim, então é mais ingênua do que eu poderia ter imaginado. As pontas de seus dedos roçaram uma mecha de cabelo que havia caído em seu rosto, muito delicadamente ele a afastou colocando-a de volta atrás de sua orelha. A proximidade deles deixou o coração de Sophie galopando como um louco em sua caixa torácica. - Você já atirou em mim, o que mais pode fazer? - provocou a garota - Um homem, e uma mulher sozinhos numa sala escura – respondeu Dmítri muito lentamente – Minha mente pode pensar em coisas bem interessantes. Embora eu tenha quase certeza que você não apreciaria todas elas. - Você não faria isso... - Se você acha isso a meu respeito então significa que realmente não me

conhece. Deixe-me provar o quanto você está errada. Os lábios dele capturaram os dela com possessividade não houve interlúdio apenas uma voracidade insaciável que percorreu seu sistema nervoso como um incêndio, deixando todo seu corpo ansioso por mais. Uma parte longínqua dizia para ela resistir, mas quando ele apertou seu queixo com firmeza reclinando seu pescoço para aprofundar o beijo abrindo seus lábios com maestria deixando que a língua penetrasse em sua boca, ela soube que não possuía forças para resistir aquele prazer. De maneira abrupta como havia iniciado Dmítri afastou-se dela, a respiração acelerada de ambos encheu o ambiente. - Vá para casa, e esqueça tudo o que aconteceu, você não pertence a esse mundo. Ela não teve tempo de lhe responder, suas pernas estavam trêmulas, e sua língua parecia ter se colocado ao céu de sua boca, antes de conseguir colocar seus pensamentos em ordem ele simplesmente saiu porta afora deixando-a parada como uma estátua feita de carne e osso para trás. Quando conseguiu se recuperar do que havia acabado de acontecer, Sophie abriu a porta do cômodo a raiva borbulhando em sua corrente sanguínea, percorreu o corredor da estranha lavanderia e quando chegou a frente da loja percebeu que apenas ela e a misteriosa senhora continuavam no local. Dmítri havia ido embora.

CAPÍTULO 6 A manto noturno havia caído pela cidade. As luzes multicoloridas brilhavam de maneira intensa ao redor fazendo com que a maioria das superfícies de vidros dos prédios, lojas e apartamentos refletissem como diamante. O táxi deslizou de maneira quase preguiçosa pelo trânsito fazendo o caminho que Sophie conhecia tão bem levando-a de volta pra sua casa. Precisou cerrar os dentes para conter a raiva que ainda estava muito viva dentro de si. Estivera tão perto, uma oportunidade tão perfeita e mesmo assim havia falhado. Não havia sido rápida o suficiente, não tivera a coragem necessária para realizar seu desejo. Fechou os olhos evitando olhar a imagens tão normais que transcorriam fora de sua janela, se ela pudesse voltar no tempo até o momento em que havia encontrado Dmítri sangrando nos fundos de sua casa, tudo então seria diferente. Ela teria o matado e não estaria naquele instante se sentindo tão miserável. Como se não fosse o suficiente saber que ela havia falhado em seu propósito, ainda tinha de suportar a vergonha de saber que ele havia deixado uma quantia em dinheiro para ela junto a Misako, a senhora que ela descobria mais tarde como se chamava e tomava conta da lavanderia. Uma espécie de pagamento, por sua prestação de serviços. As palavras ainda queimavam em sua memória. O desgraçado tinha tido a coragem de beija-la e depois lhe pagar, como se ela fosse uma espécie de prostitua. As unhas se fecharam com força dentro das palmas de sua mão. A memória do beijo dele, e do prazer que ela havia sentido agora faziam com que ela se sentisse enojada de si mesma. De todas as coisas que aquele homem podia ter

feito contra ela, beija-la havia sido a que mais lhe surpreendera. Em menos de uma hora ele havia sido capaz de interroga-la, atirar contra ela e por fim beija-la contra sua vontade, e ela não havia sido capaz de revidar uma única vez! A frustração era quase insuportável. Os pensamentos corriam em sua cabeça de maneira frenética, ainda incapaz de acreditar ou mesmo organizar tudo o que havia acontecido. Estava voltando para casa, porque simplesmente não sabia mais para onde ir, embora a perspectiva lhe parecesse bastante sombria. Não tinha a mínima ideia de como iria encontrar seu apartamento assim que chegasse, e não estava nem um pouco preparada para imaginar como ela iria resolver aquela situação como inquilina, o lugar estava completamente destruído e ela não tinha um único centavo para conserta-lo, já que fizera questão de não aceitar o dinheiro que Dmítri havia lhe dado. Seus últimos recursos seriam usados para pagar a corrida de táxi que naquele momento que estava levando de volta para sua vida, e ela ainda estava torcendo para que as coisas não piorassem, não tinha ideia do que faria caso alguém tivesse chamado a polícia e ela tivesse de prestar esclarecimentos sobre o tiroteio que ocorrera ali aquela manhã. Pediu para que o motorista a deixasse próxima a sua rua, pagou o homem que a deixou numa esquina e sem lhe dar muita atenção levou seu carro amarelo de volta ao trânsito. Ainda era cedo e as ruas estavam movimentadas de pessoas que voltavam do serviço ou saiam para jantar fora. A normalidade de toda aquela situação causou um desconforto em Sophie que iniciou a pequena caminhada em direção a seu apartamento. Sua mente era um caos de pensamentos que pareciam não possuir coesão alguma. Seu mundo parecia ter virado de ponta cabeça, e ela não sabia o que fazer para conserta-lo. Estava tão absorta e distraída que percebeu tarde demais quando alguém parou em sua frente lhe interceptando o caminho. - Olá Sophie, quanto tempo! Será que você está disponível hoje à noite? Tiziano gostaria de ter uma palavrinha com você. Sophie imediatamente se sentiu alerta ao reconhecer Sandro. O homem de meia idade, usando roupas sociais era o capanga pessoal de Tiziano Bianchi, filho de Domenico e futuro chefe de toda Máfia Italiana em Nova York. Definitivamente ela estava em perigo se um homem como aquele queria

conversar com ela. - Oi Sandro – respondeu Sophie tentando manter o rosto controlado – Será que eu posso saber o motivo desse interesse repetindo do Tiziano por mim? - Vejamos, você desapareceu. Simplesmente parou de trabalhar para nós – respondeu Sandro de forma displicente – o senhor Bianchi é um homem que se importa muito com seus funcionários. Sophie sabia que aquilo era o eufemismo do século, a única pessoa com quem Tiziano de fato se importava na vida era ele mesmo, e se Sandro estava ali significava que ela não tinha chances a não ser atender sua ordem disfarçada de pedido. - Bem eu estou cansada hoje, vamos deixar esse encontro para outro dia. Sophie tentou contornar o homem a sua frente, mas ele simplesmente cruzou seu caminho impedindo que ela continuasse seu trajeto. - Lamento que eu precise insistir. – Ele desviou o olhar e Sophie seguiu a direção de seu rosto encontrando um carro negro parado bem em frente a seu prédio. Dois homens que ela não conseguia reconhecer estavam do lado de fora olhando em sua direção. Toda a esperança que ela tinha de conseguir fugir dali morreu em seu peito. Sandro interpretou o silêncio dela como aceitação, com passos rápidos o capanga a conduziu em direção ao carro que estavam esperando por ela. Sem lançarem um segundo olhar em sua direção os homens entraram no veículo, Sandro sentou ao seu lado como se todos ali dentro fossem bons amigos e tivessem saindo para curtir uma noite agradável pela cidade, embora o silêncio fosse apenas interrompido pelos sons do tráfego nas ruas ao redor. Sophie sentiu o nervosismo preencher seu corpo quando percebeu que cada vez mais eles se distanciavam do bairro onde ela morava, o carro percorreu ruas agitadas com agilidade até ela perceber que eles estavam ao redor de Little Italy. Surpresa e desconfiança invadiram sua mente, o antigo bairro cheio de

restaurantes de comida típicas italianas era um dos lugares onde a Cosa Nostra, a máfia italiana se mostrava mais ativa. Havia visitado o lugar apenas uma vez, quando começara a sair com mais frequência com Fabrizio, ele havia levado para experimentar uma verdadeira pasta italiana num charmoso e pequeno restaurante que ficava nas redondezas. Ela lembrava-se de ter aproveitado bastante a noite e atmosfera do lugar, mas agora enquanto observava as ruas ao redor desfilarem por seus olhos, ela tentou prestar o máximo de atenção onde estavam indo e qual o caminho eles estavam percorrendo, tinha certeza que aquilo seria de máxima importância se ela quisesse ter uma chance de escapar daquele lugar. O carro parou diante de um imponente e belíssimo prédio com tijolos a vista vermelho, a fachada do lugar indicava que ali funcionava um restaurante de aparência sofisticada. Ao sair do carro o cheiro delicioso de especiarias e molhos atingiu seus sentidos, mas o nervosismo era tão intenso que ela não conseguiu sentir fome. Tentou sentir-se um pouco aliviada ao perceber que estavam num lugar público, mas quando Sandro a conduziu para a entrada que ficava nos fundos do restaurante, teve certeza que aquilo não poderia ser algo bom. As portas abriram em direção a um corredor bem iluminado, ali o cheiro de comida tornou-se ainda mais intenso assim como a temperatura e Sophie percebeu que aquela também deveria ser e entrada que levava a cozinha, quando um homem vestido todo de branco atravessou portas duplas de metal a garota soube que seu palpite estava correto. Tentou fazer contato visual, mas o homem simplesmente ignorou ela assim como Sandro que continuou seu caminho pegando um corredor que dava acesso a uma escada para o subsolo. Enquanto desciam o ambiente tornou-se mais ameno, e o cheiro apetitoso da comida desapareceu completamente. Ali os sons de seus passos eram abafados pelo carpete felpudo, as paredes possuíam um tom profundo de damasco. Uma música melodiosa com acordes de saxofone chegou a seus ouvidos. O corredor terminou diante de imensas portas de mogno escuro, Sandro abriu-as sem cerimônia e Sophie encontrou-se adentrando num lugar cheio de requinte. O salão era imenso o ambiente estava completamente decorado como se fosse

um antigo clube noturno da década de vinte. Cortinas em vermelho ornavam as paredes, o tecido rubi também decorava os tampos das mesas redondas. Rosas vermelhas e brancas estavam espalhadas por todo o lugar seu cheiro almiscarado permeando o ambiente. Havia um palco no canto mais afastado e algumas mulheres varriam e limpavam o lugar sem levantar os olhos de seu serviço, sentado na mesa mais distante apreciando diante de si um requintado prato de comida, encontrava Tiziano Bianchi. Eles o chamavam de “Príncipe”, Sophie havia visto ele apenas uma única vez e de relance, sabia apenas que havia algumas vezes dado alguns serviços para Fabrizio, embora ela não soubesse exatamente o que. Em vozes sussurradas diziam que era ambicioso e odiava sua alcunha, desejando mais do que nunca se tornar o rei que iria comandar toda máfia na cidade. Com a mão em suas costas Sandro levou-a em frente, até ela estar diante de Tiziano que parecia no momento mais interessado na comida em seu prato, do que em sua presença. Assim que ela esteve diante dele, todos os funcionários se retiraram como se aquele fosse um procedimento comum e padrão. Quando seus olhares se encontraram, Sophie notou que sentado daquela forma ele parecia realmente alguém da realeza. Vestia-se de maneira elegante, o terno num tom de azul petróleo parecia ter sido costurado sobre seu corpo, o rosto era elegante e bronzeado, havia um leve indício de barba por fazer em seu queixo quadrado, os cabelos eram volumosos e ondulados, lembrando-lhe os cachos que haviam sobre as cabeças dos pequenos querubins nas telas dos mestres renascentistas, quando ergueu os olhos em sua direção ela percebeu que eram de um profundo tom de azul-esverdeado. Como o mar em praias paradisíacas. - Com fome? – perguntou Tiziano estendendo o prato em sua direção – Está uma delícia, posso mandar alguém buscar algo pra você. A língua parecia muito pesada em sua boca, tentou controlar sua expressão e negou simplesmente com um aceno de cabeça. Como se eles tivessem todo o tempo do mundo Tiziano pegou a garrafa que havia sobre a mesa servindo-se uma taça de vinho. O líquido vermelho escuro

preencheu o campo de visão de Sophie fazendo com que um calafrio corresse por suas costas. Aquela cor havia estado muito presente em seu dia. - Você queria me ver – disse a garota por fim incapaz de suportar o silêncio entre eles. - Exatamente, peço desculpas se o pedido surgiu em cima da hora, mas fico feliz que tenha conseguido chegar até aqui. - Não era como se eu tivesse muita escolha. A taça parou a meio caminho dos lábios de Tiziano ele sorriu antes de engolir o líquido num único só gole. - Você é corajosa, isso eu não posso negar. - O que você quer Tiziano? – cortou Sophie perdendo o pouco que havia restado de sua paciência. Os olhos azuis-esverdeados percorrem seu corpo com interesse, embora ela percebeu que não houvesse malícia em seu olhar, havia apenas algo frio e calculista. - Quero que você trabalhe pra mim – respondeu Tiziano levantou-se de sua cadeira, dando a volta na mesa e parando diante dela. A proposta pegou Sophie completamente desprevenida, imediatamente ela ficou em alerta sabendo que nada de bom poderia resultar daquela conversa. - Você me chamou até aqui, para me oferecer um emprego de faxineira? - Não é exatamente isso que tenho em mente para o trabalho – respondeu Tiziano – Sei que você pode ter uma opinião ruim ao meu respeito, visto o que aconteceu com seu namorado, mas essa é uma grande oportunidade realmente. - E se eu recusar? - Então eu terei de ser... Como posso dizer? Bastante insistente.

Sophie sentiu o coração bater num ritmo lento em seu peito, naquele instante percebeu que precisava encontrar uma maneira de sair dali o mais rápido possível. - Veja bem Sophie, sou um homem de negócios. Acima de tudo eu busco o lucro das coisas. Construí o Dionísio para ser uma espécie de refúgio para homens como eu. Gente que precisa de um pouco de paz e tranquilidade depois de um dia difícil. - Essa também é uma outra forma pra você dizer que oferece aqui coisas que são contra as leis. - Eu nunca disse que seguia as regras da cartilha de boas maneiras da sociedade. Como eu falei eu me importo com os lucros não como vou obtêlos. - E o que isso tem a ver com isso? - Parece que coragem é sua única vantagem Sophie. Permita-me ser mais claro quero que você trabalhe no Dionísio, como uma de minhas garotas. O gosto ácido da bile manchou o fundo da garganta de Sophie, sentiu o horror tomar conta de suas faces enquanto encarava o rosto belo e controlado de Tiziano diante dela. - Eu não sou uma prostitua – respondeu a garota, com os dentes trincados tentando conter sua raiva. - Esse é um nome extremamente desagradável que não costumamos usar por aqui. Embora você pode chamar minha oferta do que quiser. - Você só pode estar louco se acha que eu vou participar de algo como isso. - Muito pelo contrário, foi por acreditar que você é uma garota inteligente que eu estou lhe oferecendo o emprego. Como eu disse uma oportunidade única. Porque você não lê o contrato com mais calma? Como se tivessem realmente tendo uma conversa de negócios Tiziano pegou um envelope amarelo que estava sobre a mesa, e colocou em suas mãos, os

dedos se fecharam no papel, mas quando seus olhos recaíram sobre as fotos que haviam lá dentro sentiu como se todo o ar tivesse sido expelido de seus pulmões. - Bela família – disse Tiziano pegando uma das inúmeras fotos ali dentro examinando com cuidado. O retrato exibia a imagem de um imenso sorriso no rosto de sua tia, enquanto ela olhava para os braços onde estava aninhado um bebe, uma garotinha que Sophie só conhecia por imagens. – Você também tem um primo não é mesmo? Você tem muita sorte. As palavras dele pairaram no ar, a ameaça estava implícita em cada letra. Os olhos dela se desviaram de maneira frenética por todas as inúmeras fotos espalhadas pela mesa de maneira aleatória, imagens de sua família de vários ângulos, retiradas de rede sociais, outras até mesmo que ela não conhecia, como se alguém tivesse os seguido, registrando seus passos de maneira metódica. O medo comprimiu seu coração com uma garra afiada. - Por favor, não os machuque – as palavras escaparam de seus lábios antes mesmo que ela conseguisse processar direito o que estava acontecendo. - Não tenho nenhuma intenção de machuca-los Sophie – respondeu Tiziano tranquilamente – Como eu disse sou um homem de negócios, pretendo negociar com você. Essas fotos apenas estão aqui para você pensar com cuidado na minha proposta. Despretensiosamente Tiziano tirou a pasta das mãos gélidas de Sophie, levou algum tempo para ela perceber que o tremor que sentia ao redor era causado pelo medo que chacoalhava seu corpo. - Agora que tenho sua completa atenção – continuou Tiziano – Podemos discutir melhor nossa negociação, você pode escolher trabalhar para mim aqui no Dionísio, ou pode me contar o que você estava fazendo com Dmítri Volkov essa manhã. Os olhos de Tiziano se fixaram nela como se ele realmente estivesse muito ansioso para ouvir sua resposta. - Você estava me seguindo? – perguntou Sophie sua voz apenas um

murmúrio no salão deserto. - Não – disse Tiziano parecendo realmente divertido com sua pergunta – Na verdade eu estava apenas de olho em Dmítri, podemos dizer que eu e ele temos alguns assuntos ainda pendentes para resolver. Fiquei surpreso quando descobri que de certa forma eu conhecia a pessoa que o havia ajudado. - Eu...apenas ajudei um homem ferido, não o conhecia. - E você realmente espera que eu acredite nisso. Você trabalhava na casa noturna do meu pai, algo assim não pode ser uma coincidência. - Mas é verdade! – respondeu Sophie sentindo-se frustrada, aquela era a segunda vez no mesmo dia que era chamada de mentirosa. Os olhos de Tiziano se tornaram frios, ele desviou-os focando seu olhar na garrafa de vinho sobre a mesa, por um momento Sophie teve medo de que ele usasse algum tipo de violência contra ela, mas de maneira controlada o homem a sua frente apenas preencheu a taça, depois ergueu-a diante de seu rosto apreciando a visão. - Ou você está dizendo a verdade, ou é a mentirosa mais habilidosa que já conheci. De toda forma não posso me dar ao luxo de sair perdendo em nossa negociação Sophie. Vou pedir que Sandro a acompanhe para que você possa se preparar, pode começar hoje mesmo. - Seu desgraçado! Não pode me obrigar a fazer isso! - Ah, mas eu não vou obriga-la a fazer nada Sophie, está tudo em suas mãos. Você pode escolher trabalhar pra mim como uma de minhas garotas, ou pode esperar que algum dos meus amigos vá fazer uma visitinha pra sua família na Florida. Soube que o tempo é ótimo essa época do ano por lá. - Eu já disse tudo o que sabia – a voz dela era uma lamúria, queria mostrar-se forte, mas o medo que as fotos de sua família haviam levantando dentro dela deixavam seus pensamentos caóticos. – Eu não conheço Dmítri Volkov! O som das portas se abrindo provocou um enjoo nada bem-vindo em seu

organismo, por cima de seu ombro ela percebeu a figura de Sandro se aproximando, e soube que não teria como fugir daquele lugar. Deixou que seu olhar repousasse sobre a figura de Tiziano, uma parte dela queria acreditar que tudo aquilo não passava de uma brincadeira. Uma horrenda e medonha brincadeira. - Eu lhe disse Sophie, não posso perder uma oportunidade e no momento, você é a única chance que eu tenho de conseguir me aproximar de Dmítri. Espero que o tempo que você passe sendo minha funcionária seja esclarecedor e por fim você possa me contar qual é a sua ligação com ele.

CAPÍTULO 7 A mão de Sandro apoiada em suas costas impedia que ela pudesse ter o mínimo desejo de virar seus pés em outra direção e sair correndo daquele lugar. Em silêncio ele a guiou para os fundos do salão. Atrás das portas daquele lugar havia um intricado de salas ligadas umas às outras, onde várias pessoas encontravam-se ocupadas. No canto mais afastado, atrás das cortinas, caixas de som e computadores estavam sendo ligados e preparados. Havia também um elevador pequeno de onde pessoas saiam carregando bandejas prateadas, eles vestiam-se como garçons com coletes negros e gravatas borboletas, e nenhum deles lançou um segundo olhar em sua direção. No meio do caos organizado, ela era apenas mais uma garota sem nome que ninguém estava disposto a ajudar. Ela caminhou por um corredor praticamente intransponível onde se encontravam araras cheias de roupas, sapatos e alguns produtos de belezas. Uma placa de madeira acima da pequena porta dizia que ali era o camarim. Sem nenhuma cerimônia Sandro entrou no lugar levando Sophie consigo. A sua frente estavam mais quatro meninas todas em idades próximas as suas que pararam tudo o que estavam fazendo para prestarem atenção nos visitantes. - Essa é Sophie – disse Sandro parecendo levemente entediado de estar fazendo algo como aquilo – Vai começar a trabalhar hoje, mostrem pra ela onde encontrar as coisas. O pedido que mais lembrava uma ordem não foi questionado, sem dizer mais nenhuma palavra Sandro deixou-a ali sozinha. Os olhares que ela recebeu das outras garotas foram desconfiados, nenhuma delas se aproximou ou tentou quebrar o incômodo silêncio que se instalou entre elas, lentamente quase todas elas voltaram sua atenção para o que estavam fazendo antes de serem

interrompidas, mas uma garota se aproximou dela de maneira quase hesitante. Ela era bonita de jeito quase dramático, o cabelo loiro longo e cacheado estava preso no alto de sua cabeça, o rosto era uma obra prima produzida pela maquiagem, os olhos eram delineados com esmero e os lábios exibiam um tom profundo de vermelho. Vestia-se com um vestido de paetês extremamente curto que exibia pernas longas terminando em saltos que pareciam belíssimos, mas deveriam ser uma tortura de usar. - Acho que um milagre vai ter que acontecer pra que você consiga trabalhar hoje garota – disse a loira em frente a Sophie, sua sobrancelha desenhada inclinada num arco perfeito. – Você está um horror. Não sabia dizer se o comentário havia sido dito de maneira maldosa ou não. Se esse fosse o caso ela não conseguia se importar nenhum um pouco, as palavras que escaparam de seus lábios foram as primeiras que apareceram em sua mente. - Eu nem ao menos queria estar aqui... Um suspiro exasperado escapou dos lábios vermelhos da desconhecida a sua frente, seus dedos alcançaram seu cotovelo, e ela levou Sophie para o fundo do camarim parando diante de uma cadeira com encosto branco. Sem muita delicadeza, fez com que ela se sentasse entregando-lhe um copo de água em suas mãos trêmulas. - Me conte uma novidade garota, nenhuma de nós queria estar aqui, mas não podemos ter tudo o que queremos em nossa vida não é mesmo? Agora beba a água vai se sentir melhor depois de se hidratar um pouco. Sophie não pensou em discutir, deixou que o líquido descesse por sua garganta ressequida, havia uma urgência para que ela conseguisse focar seus pensamentos, mas sentia como se houvesse uma névoa pesada sobre sua cabeça. Não era capaz de esquecer do medo que sentira ao perceber que Tiziano havia ameaçado sua família. - O que fizeram com seu cabelo? – perguntou a mulher loira atrás dela, seus

dedos com unhas perfeitas deslizando por suas mechas – Parece que alguém cortou isso com uma navalha. Foi a mesma pessoa que fez isso com seu rosto? Esqueça que eu perguntei isso... A propósito meu nome é Amy. Sophie teve dificuldade em tentar acompanhar o raciocínio de Amy, os dedos da loira continuavam em seu cabelo enquanto seu rosto bonito assumia uma expressão frustrada. - Vou tentar dar um jeito nisso, mas duvido que o resultado funcione... Os olhos delas se encontraram no espelho, os dedos de Amy pararam por um instante em seu cabelo. - Não faça essa cara – disse Amy sua voz um sussurro para apenas seus ouvidos – Às vezes a imaginação pode ser pior do que a realidade. - Por que você está aqui? – perguntou Sophie incapaz de controlar sua própria curiosidade. - Péssimas escolhas, do meu irmão – respondeu a garota loira, voltando a seu trabalho – De qualquer forma, se quiser ouvir um conselho meu não fale muito sobre sua vida aqui. Cada canto desse lugar tem ouvidos e qualquer informação pode ser considerada valiosa. Sophie olhou ao redor desconfiada, seu rosto seu olhar se fixou nas outras garotas que continuavam a se arrumar no fundo do salão, elas pareciam inofensivas, mas em quem ela poderia confiar naquele momento? Seus olhos recaíram sobre a porta, ela tinha certeza de que estava aberta, um único objetivo tomou conta de sua mente. Precisava fugir daquele lugar. - Não seja estúpida – disse Amy, seu olhar agora também estava fixo na porta – Não se iluda com a falsa sensação de liberdade, a porta não está trancada porque eles sabem que nenhuma de nós seria louca o suficiente de sair daqui. Acredite em mim você não chegaria até as escadas antes que alguém a encontrasse. Sophie sentiu o medo lentamente começar a ser substituído pela raiva em seu interior. Mesmo de mãos atadas ela não era capaz de aceitar que teria de se

submeter a chantagem de Tiziano. - Acredite em mim, nenhuma liberdade vale a pena pagar um preço tão alto. Sophie não respondeu, sentindo as unhas se cravarem nas palmas de suas mãos deixou que a loira atrás dela continuasse seu trabalho. Lentamente seus pensamentos estavam se focando em sua mente, ela não poderia desistir antes de ser capaz de tentar sair dali. Para ela liberdade era algo que não tinha um preço. As próximas horas passaram num borrão repleto de cores, cheiros e sons do qual ela mal pôde reconhecer todos. Amy se mostrou uma perfeccionista maquiadora, e cabelereira de mão cheia. Com uma tesoura sem pontas, ela tentou concertar o que Sophie havia feito aquela manhã no próprio cabelo. As mechas foram aparadas com habilidade, embora o cumprimento tivesse diminuído consideravelmente. As antigas ondas que caiam em suas costas agora ficavam logo acima de seus ombros. Eles foram lavados, escovados e somente depois Amy usou um modelador, deixando que os cachos agora caíssem ao redor de seu rosto de um modo muito mais marcante. No fundo do camarim, ela descobriu que havia um pequeno banheiro. Embora diminuto o lugar estava limpo e organizado, cumprindo as ordens de Amy, Sophie tomou um banho rápido, livrando-se de sua roupa que agora se encontrava numa situação deplorável. Teve quase que brigar exigindo um pouco de privacidade, pois Amy exigia que ela fizesse o serviço completo depilando o corpo inteiro. De banho tomado, seu corpo foi depilado, massageado com creme, seu cabelo foi moldado como se ela estivesse se preparando para seu baile de formatura. Seu rosto foi maquiado por Amy, seus dedos ágeis e delgados mostraram uma habilidade profissional. Seus cílios foram curvados recebendo uma generosa camada de rímel a prova d’agua já que Amy, queria ter certeza que seu trabalho não seria todo jogado fora quando o momento de elas deixarem o camarim chegasse. Seus lábios foram pintados até apresentarem uma coloração saudável e rosada, seu rosto debaixo da camada de maquiagem perdeu as pequenas manchas de sol e as olheiras características, embora em sua bochecha o tom levemente esverdeado de seu hematoma ainda pudesse ser visto se alguém olhasse com mais cautela de

perto. Quando ergueu seus olhos para encontrar seu reflexo no espelho Sophie sentiu que havia se enganado e estava observando outra mulher, quando mexeu os ombros e os cabelos encaracolados balançaram ao redor de seu rosto percebeu que era realmente aquela era sua imagem sendo refletida. O sorriso de satisfação que havia brotado em seus lábios morreu enquanto que a bile resolvia seu estômago. Nunca estivera tão bonita em toda sua vida, e sentia-se completamente enojada do motivo daquilo. Quase esquecido num canto da imensa mesa que Amy usava como penteadeira estava um relógio movido a pilhas, assim que os pequenos ponteiros se aproximavam das onze horas da noite os preparativos das garotas começaram a se tornar mais frenéticos. Dando um passo para trás Amy largou o spray de cabelo que havia acabado de usar em Sophie, enquanto um sorriso verdadeiramente satisfeito brilhava em seus lábios. - Eu poderia ser chamada de Santa Amy, depois dessa transformação. Com certeza acabo de produzir um milagre. Os lábios de Sophie esticaram-se para cima num sorriso contrariado, definitivamente a habilidade de Amy não podia ser negada. Sentiu-se entristecer ao perceber quais haviam sido os motivos que haviam feitos com que elas duas se encontrassem, tinha certeza de que os caminhos que as levaram a se conhecer fossem outros, talvez elas pudessem se tornar grandes amigas. - Agora venha, você precisa se apressar e escolher um vestido bonito antes que todos eles se acabem. Segurando Sophie pelo cotovelo Amy atravessou com a garota, o corredor até a porta que estava aberta em frente ao camarim. Ali uma pequena sala havia sido convertida completamente num closet gigantesco. As paredes eram revestidas com prateleiras repletas de itens, haviam araras que exibiam luxuosos vestidos e outros trajes nos mais variados tons de cores. Usando apenas roupas intimas as garotas caminhavam pelo lugar apinhando de

roupas, buscando algo que pudessem usar. Sophie não podia se importar menos com qual roupa vestir, seguiu Amy que parecia possuir uma destreza assustadora para navegar pelo lugar repleto de coisas, ela caminhou em direção a uma das araras que ficavam encostadas no canto mais afastado do quarto, com vozes animadas as garotas escolhiam seus vestidos, e davam suas opiniões sobre as roupas que gostariam de vestir, ela tentou ignorar a vergonha que sentiu quando percebeu que elas estavam se trocando ali mesmo. Os cabides metálicos retiniram quando Amy continuou afastando um vestido após o outro, seus olhos vasculhando na confusão de roupas algo que Sophie pudesse usar. - Nada de longo pra você – disse a loira – Mesmo com os saltos altos o caimento do vestido não ficaria bom. Ela deixou que seus olhos caíssem sobre as roupas ali expostas, deixou os dedos correrem sobre um tecido leve como uma pluma, sentiu um sorriso nascido do pleno nervosismo se formar em seu rosto. Toda aquela situação parecia ser um pesadelo interminável. - Aqui, acho que esse vai servir e a cor parece combinar com seu tom de pele. – Amy empurrou um vestido curto em suas mãos. O tecido era gelado e brilhante, olhando mais de perto percebeu que era feito quase inteiramente de pequenas contas prateadas, que pareciam mudar de cor dependendo da luz que as atingia. A contragosto ela achou a peça muito bonita, mas quando percebeu o tamanho do vestido decidiu que aquele não era o tipo de roupa que estava habituada. - Vamos logo se vista – disse Amy apressando-a enquanto despia e começava a se trocar ali mesmo. - Aqui? Você quer que eu me vista na frente de todas essas pessoas? - Ninguém está reparando Sophie, por favor somos todas mulheres.

Os dedos dela se apertarem contra o tecido do vestido apertando-o de encontro ao peito. Não se importava nem um pouco se aquilo pudesse amassar a roupa. - Tudo bem. - disse Amy parecendo contrariada – Volte para o camarim, nenhuma das meninas estará lá agora, mas seja rápida. Aqui e leve esses sapatos, acho que são seu número. Sem pensar duas vezes e com os braços ocupados Sophie refez seu caminho até o camarim, fechou a porta com seu ombro, e por um longo momento permaneceu parada na mesma posição tentando se controlar. O fôlego parecia estar preso em sua garganta, e embora ela sentisse seus pulmões se expandirem o ar parecia não ser o suficiente. Percorreu aquele mesmo cômodo pelo que parecia ser a milésima vez tentando encontrar uma saída, qualquer coisa que pudesse ajudá-la a sair daquela situação, mas tudo o que encontrou foram as mesmas paredes brancas sem ornamentos. Sem uma janela, ou algo que ela pudesse usar para fugir dali. O tecido em suas mãos parecia pesar como se fosse feito de ferro e não pano, sabia que logo as garotas voltariam até ali e não poderia continuar sem fazer nada. Deixou que os sapatos caíssem no chão e começou a se trocar tentando conter os enjôos que agitaram seu estômago. O vestido desceu sobre seu corpo ajeitando-se em suas curvas, as alças eram estreitas e deixavam seus braços a mostra, havia um profundo decote atrás de suas costas que chegavam quase a exibir seu sutiã, até mesmo isso tinha sido uma peça que Amy lhe dera para vestir. O cumprimento da peça terminava quase logo abaixo de sua virilha deixando a mostra muito mais de suas coxas do que ela se sentia confortável. Tentou conter a vontade quase insana de ficar puxando a barra para baixo. Os sapatos estavam no chão jogados de qualquer forma próximos de seus pés descalços, estavam um pouco gastos nas solas brancas, mas o verniz de seu tom escuro ainda era brilhante e o modelo clássico combinava perfeitamente com seu vestido. Definitivamente Amy, era uma mestra também no quesito moda.

O tremor percorria seu corpo, sabia que era de medo e nervosismo precisou pressionar os dentes muito forte em sua boca para que eles não batessem, usou uma das mãos para se apoiar em uma das mesas do camarim, perdeu o equilíbrio e ouviu o som de vidro se espatifando no chão. Seus olhos pousaram sobre os cacos transparentes que até um minuto atrás haviam sido um vaso, a cena formou uma ideia insana em sua mente. Ela se ajoelhou sem se importar se daquela forma pudesse se ferir, os cacos de vidros haviam se espalhados por todos os lados, lascas pequenas brilhavam de maneira resplandecente, mas Sophie as ignorou seu olhar fixo no maior pedaço de vidro. Sua ponta parecia afiada a base quadrada, a ideia de usar aquilo como uma arma surgiu-lhe claro como um raio de luz em sua mente. Sem pensar nas consequências, ela correu ainda descalça até as mesas do camarim onde estavam dispostos todos os produtos que as garotas usavam como maquiagem, encontrou o que procurava sentindo o coração bater de maneira mais leve dentro do seu peito. Sem perder tempo arrancou um pedaço considerável do papel higiênico enrolando o caco de vidro nele. A peça comprida e rombuda não era larga por isso Sophie não teve dificuldade de enfia-la na sola de seu sapato, calçando-o logo em seguida. Sentiu o vidro mesmo debaixo do papel higiênico picar seu pé, mas decidiu que preferia mil vezes enfrentar aquela agulhada a entrar novamente naquele salão desarmada. - Meu Deus Sophie você, ainda não se trocou? Estamos atrasadas – sem nenhuma cerimônia Amy entrou no camarim, agarrando a mão de Sophie e arrastando-a pra fora dali. Os passos de Amy a frente dela era apressados, a garota tentou conter o mancar em seu pé direito tentando ignorar a dor que agora começava a subir por sua panturrilha, para se distrair observou o grupo animado que estava ao seu redor.

Vestidas de forma elegante, as meninas exibiam um visual provocante e belo. Seus cabelos brilhavam, assim como suas unhas algumas exibiam até mesmo jóias, em seus pescoços e orelhas e Sophie teve certeza de que aquelas não eram imitações. Caminhavam como uma massa coesa, pelo cumpridor corredor atravessando portas trancadas. Quando percebeu que elas se aproximavam do salão onde havia se encontrado com Tiziano, sentiu as palmas de suas mãos tornarem-se gélidas. Como se tivesse pressentido o medo crescente em seu interior, Amy apertou seus dedos com força, um gesto silencioso para encoraja-la. Elas entraram no salão do Dionísio por uma porta que as levou em direção aos fundos do palco, agora a mesa de som parecia pronta pra ser iniciada, engolindo em seco seu olhar caiu em direção as pesadas cortinas vermelhas que escondiam sua vista do que havia atrás delas. Tinha certeza que não gostaria de descobrir de forma alguma. O rosto de Amy entrou em seu campo de visão bloqueando as cortinas, ela sentiu as mãos quentes da loira pousarem em seu rosto. - Não se martirize – pediu a bela loira, sua voz tão baixa que apenas ela podia ouvi-la – Não sofra durante todo o processo. Apenas deixe as coisas acontecerem. E aconteça o que acontecer não lute. - É dessa forma que você suporta? Você não luta? Por um instante muito fugaz ela viu a mágoa manchar os olhos claros da garota diante dela, desejou poder tomar de volta suas palavras pois não quisera feri-la, estava assustada e odiava a posição que se encontrava, mas desde que haviam se conhecido Amy não havia sido outra coisa além de bondosa. - Eu sou uma sobrevivente Sophie – respondeu a loira num sussurro - e acho que você também é. Apenas tente sobreviver essa noite.

Sophie queria discutir com ela, agarrar sua mão e forçar uma saída daquele lugar para as duas, mas naquele instante um garoto quase novo demais para estar num lugar daqueles saiu do palco entrando atrás da cortina erguendo uma mão indicando cinco dedos. Sophie não precisou decifrar aquele gesto, faltavam cinco minutos para o show que Tiziano havia armado para que ela participasse começar. - Agora me escute – pediu Amy com urgência – Tente copiar as outras meninas, sorria e não responda de maneira grossa pra qualquer um desses homens. É raro uma garota ser chamada pra um dos quartos na primeira noite. Sophie desejou por um instante possuir o otimismo de Amy, mas quando a música explodiu nas caixas de som inundando seu sistema nervoso abafando até mesmo as batidas frenéticas do seu coração, ela soube que nada de bom poderia acontecer com ela naquele lugar. As cortinas se abriram, praticamente empurrada pelas outras garotas Sophie entrou no palco sentindo mais do que nunca o vidro sob seu pé. A luz forte dos holofotes incidia diretamente sobre seus olhos fazendo com que um véu negro estivesse diante de todos os rostos que a observavam naquele momento. Podia divisar vagamente a silhueta das mesas, e os homens sentados nas cadeiras, haviam garçons que transitavam ao redor carregando garrafas e bandejas, o som da música se misturava ao murmúrio de vozes, onde nada podia realmente ser compreendido. Sophie teve de conter o pânico que rastejou como uma cobra dentro de seu estômago, a respiração saiu chiada, sua cabeça virou-se em ambas as direções, mas ela não podia encontrar ali uma única saída. Do seu lado direito um homem parecia cumprimentar os convidados de maneira efusiva ao microfone, tentou se concentrar em seus lábios para entender suas palavras, mas seus sentidos pareciam terem sido soterrados

pela avalanche de sentimentos que ardiam em seu peito. Ao seu lado Amy sorria de forma radiante, a maquiagem impecável dava-lhe um ar ousado e atraente, ela percebeu a loira acenar de forma sedutora para alguém na multidão, então quando ninguém estava percebendo deslizou um pequeno broche sobre seu ombro, exibindo o número vinte e dois. Os olhos de ambas se encontraram por um instante que pareceu se prolongar, e naquele olhar silencioso Sophie pode compreender o apelo de Amy. Comporte-se. A palavra parecia brilhar por trás de sua mente como uma placa em neon, mudou o peso de seu corpo sentindo debaixo de sua sola o toque frio do vidro. Desviou o olhar da garota loira ao seu lado, sabendo que não poderia realizar aquilo o que ela pedia, assim que tivesse uma chance buscaria uma maneira de fugir daquele lugar. -Senhores sejam bem-vindos a mais uma noite ao Dionísio, como sempre espero que possam encontrar aqui uma diversão paradisíaca! As palavras do anfitrião que Sophie não conheciam explodiram no microfone, o som ribombando em seu peito, a música aumentou de volume assim como o conversar das pessoas ao redor. -Como sabem aqui estão nossas anfitriãs que estarão dispostas a entretê-los durante toda a noite. E acredite em mim quando eu digo que as garotas sabem como agradar! Os risos deixaram-na com as pernas bambas, ela tentou conter seu medo cravando as pontas de suas unhas contra as palmas de suas mãos. -Hoje ainda é uma noite mais do que especial – continuou o anfitrião parecendo genuinamente satisfeito – Pois temos uma nova anfitriã. Por favor deem todos as boas-vindas a Sophie!

O som dos aplausos foi quase ensurdecedor, alguém empurrou seu corpo para frente do palco fazendo com que ela cambaleasse em seus sapatos de salto alto, antes que pudesse perceber o movimento, o microfone do anfitrião foi colocado diante de seu rosto enquanto sua voz melosa invadia seus ouvidos. -Quer dizer alguma coisa para os convidados hoje? Sentiu os dedos rangerem em sua boca, e o gosto de ferrugem na ponta de sua língua, percebeu que em sua raiva havia machucado o lado interno de sua bochecha. -Eu quero que todos eles vão pro inferno! - as palavras brotaram de seus lábios antes que ela pudesse pensar em suas consequências. O silêncio que invadiu o salão foi tão intenso que até mesmo a música por alguns instantes pareceu alta demais. Ao seu lado ela pode ver o olhar de horror que cruzou o rosto das garotas, principalmente Amy que se tornou pálida mesmo debaixo de toda maquiagem. A risada sem humor algum do anfitrião pairou no ar como algo completamente deslocado. -Vejam senhores – comentou o homem desconhecido, dando-lhe as costas e a ignorando como se ela não passasse de um inseto desagradável – A garota tem espírito, espero que exista alguém aqui essa noite que possa lhe mostrar um pouco de educação. Um calafrio percorreu as costas parcialmente nuas dela quando percebeu a ameaça contidas naquelas palavras. O nervosismo a impediu de prestar atenção ao resto do discurso do anfitrião, antes que pudesse perceber a bizarra apresentação tinha terminado e as garotas agora desciam do palco pela escada na lateral, começando a se infiltrar no salão enquanto homens iam ao seu encontro. Sophie não queria descer, sentiu como se as pernas tivessem criados raízes, mas uma mão foi colocada em seu cotovelo e ela foi puxada a contragosto.

-Por que fez isso? - perguntou num sussurro irritado Amy ao seu lado, levando-a em direção as escadas - Você não consegue compreender como isso só coloca em alvo em suas costas? Tentou argumentar, mas assim que abriu seus lábios elas alcançaram o patamar mais baixos das escadas, e ali Sandro estava parado como se tivesse as esperando. -Belo discurso o seu lá em cima garota –debochou o capanga pessoal de Tiziano. -Deixe ela Sandro, está nervosa é o primeiro dia – disse Amy ansiosa - não vai fazer mais nada do tipo prometo ficar a noite inteira de olho nela. -Bela tentativa, mas parece que a provocação dela agradou alguém. Um cliente requisitou a presença dela a noite inteira. A bile arranhou o fundo de sua garganta, o olhar que Amy lhe lançou era um pedido de desculpas repleto de amargura, sem dizer uma única palavra a loira largou seu cotovelo, e deixo-a sozinha com Sandro. O desespero deu-lhe coragem, ela deu um passo para trás se preparando para correr, mas Sandro foi mais rápido enfiando seus dedos sem nenhuma gentileza em seu antebraço. -Agora vamos Sophie, não faça uma cena, isso realmente vai me estragar o humor e não vai servir pra nada. Ninguém aqui vai te ajudar! As palavras do capanga não pareceram penetrar em sua mente enevoada, ela se debateu, e tentou machucá-lo, mas o homem era forte demais, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo Sophie foi simplesmente arrastada do salão. Sem perder tempo, e com passadas apressadas, segurando firmemente suas mãos Sandro a levou de volta ao mesmo corredor, mas agora seus passos os

levaram em direção a uma porta a direita, assim que atravessaram a pesada porta pintada num profundo tom de vermelho, todo o barulho de música e conversa ficou para trás, e Sophie compreendeu que aquele lugar era a prova de som. Ali embaixo seus gritos jamais seriam ouvidos. Tentando desesperadamente se soltar, ela foi levada por Sandro que praticamente a estava carregando até a última porta do cumprido corredor onde eles se encontravam. O desespero tomou completamente conta do seu ser, quando Sandro abriu a porta jogando-a de qualquer maneira quarto a dentro. Tropeçando nos próprios pés, Sophie perdeu o equilíbrio caindo de qualquer forma no chão, quando conseguiu se levantar escutou o som de uma tranca sendo acionado em suas costas. -Abra a porta! Abra a maldita porta! - o som de sua voz histérica foi acompanhado pelas batias de seu punho contra a madeira, mas todo seu esforço foi inútil. A sua frente a porta que a matinha cativa permanecia trancada. O som de sua respiração acelerada preencheu seus ouvidos, o peito subia e descia num ritmo rápido, deixou que suas mãos doloridas caíssem ao lado de seu corpo sentindo a impotência abraçar seus membros como uma pesada corrente. Desviou então o olhar ao redor para poder notar os detalhes de onde se encontrava. A suas costas o quarto era ricamente decorado, amplo com teto alto o lugar exibia o esplendor e aconchego que apenas o dinheiro podia proporcionar. No centro da parede mais afastada ficava uma imensa cama de casal de dossel, cortinas brancas e diáfanas caiam de maneira delicada até o chão, tudo parecia estar decorado em tons de branco e bege que contrastavam fortemente com a madeira escura dos móveis ao redor. O denso tapete felpudo abafou seus passos assim que ela se locomoveu pelo

cômodo, notou um cheiro delicioso e muito sutil pairando no ar, lembrava-lhe a fragrância de lavanda, mas seus sentidos estavam muito agitados para que pudesse ter certeza. Seus dedos deslizaram pelos lençóis que cobriam a imensa cama, a maciez deixou-a encantada, sentiu o corpo pesado e pela primeira vez deu-se conta de como estava exausta, tudo o que desejava era poder deitar-se naquele lugar e dormir até finalmente sentir-se novamente renovada, mas embora a imagem da cama e sus lençóis confortáveis fosse inofensiva sabia muito bem que não poderia estar mais enganada. Sentindo o medo novamente surgir em seu interior Sophie tirou os sapatos e com cautela retirou dali de dentro a arma que havia conseguido contrabandear. O caco de vidro brilhou de maneira quase inofensiva em sua mão, tentou encontrar uma forma de esconde-lo junto ao seu corpo, mas não havia nada em suas roupas extremamente curtas que pudesse usar para esconde-lo. Decidiu então que iria esconde-lo na parte interna de um dos criados mudos que ficavam ao lado da cama, e embora não tivesse nenhum desejo de usá-lo, faria o que fosse preciso para sair daquele lugar. O frio se infiltrou por seus pés, podia sentir um ardor incomodo na sola do pé direito, mancando levemente Sophie percebeu que havia uma porta que ficava no canto mais afastado no fundo do quarto, caminhando naquela direção abriu-a para encontrar um luxuoso banheiro brilhando em tons de branco e metal polido. A banheira de hidromassagem parecia tentadora, mas aquele não era um lugar seguro onde ela poderia aproveitar um banho relaxante. Abaixando a tampa do vaso, ela sentou-se e verificou o corte que o caco de vidro havia feito em seu pé. Estava bem melhor do que ela havia imaginado, a maioria do sangue já havia secado deixando uma camada enegrecida sobre sua pele, a dor era suportável,

tentando manter o nervosismo sobre controle a garota pegou uma das inúmeras toalhas brancas que estavam ao lado da pia e começou a limpar a ferida. A água quente ardeu sobre seu corte, mas após ele estar completamente limpo ela percebeu que não devia se preocupar pois era apenas um arranhão, largou a toalha de qualquer jeito no chão sem conseguir se importar se estava desarrumando o lugar. Seus olhos se encontraram com sua imagem refletida no espelho, e sentiu a faísca da raiva correr em seu sangue novamente. O cabelo embora tivesse agora um pouco mais volumoso e bagunçado, não havia perdido os cachos, a maquiagem sobre seus olhos escuros deixava-a com um ar misterioso e sedutor, o vestido agarrava as curvas de seu corpo deixando-o muito mais atraente e feminino. Estava linda como nunca havia estado antes em sua vida, apenas para ser vendida como um animal para um homem qualquer com o bolso cheio de dinheiro. O pensamento flamejou em vermelho em sua mente, sem pensar direito no que estava fazendo abriu novamente a torneira deixando que a água quente queimasse as pontas de seus dedos, agarrou mais uma toalha que estavam na perfeita pilha e começou a lavar o rosto com violência. Esfregou as bochechas, a testa os lábios até eles não exibirem mais nenhum tom do marcante batom vermelho, lavou os olhos retirando as sombras sobre eles assim como os cílios postiços. A toalha branca em sua mão assumiu uma tonalidade marrom horrível, quando voltou a encarar o rosto no espelho quase sorriu para a imagem ao reconhecer a antiga Sophie com suas olheiras.

O som característico de uma chave sendo girada na fechadura chamou sua atenção, sentiu as pernas ficarem moles como espaguete em água fervente e precisou apoiar as mãos nas pias para manter-se em pé. Com dedos trêmulos fechou a torneira diante dela, enquanto podia ouvir a

porta do quarto se abrir, desejou poder esconder-se ali dentro e nunca mais sair, mas aquela simplesmente não era uma opção. O medo era seu companheiro constante quando ela caminhou de volta para o quarto, para encontrar o homem que havia a comprado por uma noite. A figura estava parada diante da porta seu rosto ainda escondido na escuridão, ele deu um passo adiante para que ela pudesse finalmente reconhece-lo ficando embaixo da luz que vinha de uma das arandelas presas a parede. O coração dela falhou uma longa batida quando ela percebeu que o homem parado no quarto era Dmítri Volkov.

CAPÍTULO 8 -Seu desgraçado! - Seus pés se moveram como se tivessem um instinto próprio, ergueu seus punhos tentando acertá-lo, feri-lo de alguma maneira, mas o homem diante dela foi mais rápido, agarrando suas mãos e puxando seu corpo contra o dele, mantendo-a presa entre seus braços. Ergueu seu rosto encontrando seu gélido olhar cinzento, algo dentro das profundezas de sua cor de tempestade fez com que ela engolisse em seco as palavras que borbulhavam em sua língua. Segurando-a sem nenhuma dificuldade com apenas uma das mãos, a outra subiu para a alça de seu vestido abaixando-a com violência o tecido frágil se rompeu, e as lantejoulas deslizaram de seu braço para o chão se acumulando em seus pés. O medo enrolou-se em suas entranhas como uma cobra. Dmítri aproximou seu rosto dela, seus lábios pairando apenas alguns centímetros acima de sua orelha esquerda, a respiração dele lançou um calafrio que percorreu toda a extensão do seu corpo. -Se quiser sair desse lugar – murmurou o homem a sua frente, suas palavras frias encostando em sua pele como pequenos flocos de neve - Então trate de se comportar! A raiva borbulhou em seu sangue, deixando seus movimentos mais frenéticos, tentou com mais intensidade libertar-se da prisão de seus braços, mas ele moveu seu rosto aprisionando seus lábios num beijo violento. Ele devorou seus lábios com brusquidão, sua língua penetrou em sua boca,

acariciando com uma volúpia incontrolável, tentou combatê-lo, controlar as reações de seu corpo, mas o prazer e a surpresa a deixaram inerte numa onda avassaladora de sensações. O beijo terminou de forma abrupta assim como havia começado, a respiração dele pairou sobre a de Sophie pesada e ofegante, ele aproximou-a ainda mais de seu corpo, até eles estarem completamente unidos onde nem mesmo um fio de cabelo poderia ficar entre eles. Ele virou seu rosto na direção de seu pescoço, seu nariz percorreu a linha de seu queixo deslizando lentamente de uma maneira deliciosamente torturante. - O que está fazendo? - perguntou Sophie incapaz de reconhecer a rouquidão da própria voz. - Há uma câmera no canto esquerdo do quarto – informou Dmítri sua voz apenas um sussurro na semiescuridão - E posso te garantir que existe alguém muito interessado nesse momento nos observando, portanto se quiser sair desse lugar viva e saudável, aconselho a interprestar seu papel. -Você só pode estar louco! Ela puxou seus braços com brusquidão, desesperada para se afastar daquele homem, mas o aperto em seus punhos se intensificou ainda mais, até ela sentir a dor se expandido por seus pulsos. Sem nenhuma delicadeza, Dmítri agarrou seu queixo com a ponta de seus dedos, exigindo que ela olhasse em seu rosto. Sua face estava contorcida, ele parecia fazer um esforço monumental para conter a violência dentro dele. -Você acha que estou louco? Que tal avaliar melhor sua situação. Está num prostíbulo que costuma servir apenas o pior tipo de seres humanos, e acaba de ofender a todos os homens que estão lá fora e iriam adorar ensiná-la uma maneira melhor de usar essa sua boca. Sophie sentiu o rosto ficar gelado, as palavras de Dmítri eram verdadeiras

demais para que ela pudesse simplesmente ignora-lo. - E não é por isso que você está aqui? Para me ensinar uma lição? O que te faz tão diferente dos homens que estão lá fora? Os olhos gélidos dele percorreram seu rosto, por um momento ele pareceu muito interessado na alça solta de seu sutiã, mostrando um pedaço considerável de sua pele a mostra. - Parece que por mais que eu tente me afastar de você, meus esforços nunca são o suficiente. Considere isso minha forma de pagar por ter salvado minha vida, mas não precisa demonstrar muita gratidão, você não vai gostar de como as coisas vão acontecer. - O que você quer dizer com isso? - Tiziano está te observando, ele acha que de alguma forma nós temos alguma ligação. Desconfia que trabalha pra mim; e ele é o tipo de homem que vai usar qualquer coisa em seu poder pra me atingir. Nós estamos num embate velado a um longo tempo. Você é apenas um peão nas mãos dele. - Se ele acha que temos qualquer coisa em comum, então é mais estúpido do que você! - É você quem está sendo estúpida garota. Acha que ele vai acreditar em qualquer coisa que você disser? Embora você jure que me conheça apenas por uma coincidência, ele pode muito bem tortura-la se tiver a menor dúvida que você está mentindo, e agora que eu vim até aqui pra compra-la ele tem certeza que existe algo entre nós dois. As mãos dele soltaram de seus braços, lentamente ele se afastou dela dando um passo para trás, seu olhar percorreu todo seu corpo com atenção, como se pela primeira vez ele pudesse olhar com calma e apreciar a visão que tinha diante dele.

O olhar de apreciação dele enviou uma onda de calor que percorreu seu corpo, esquentando seus membros e deixando suas bochechas levemente ardidas, teve que conter com força o desejo que cruzar os braços sobre a frente de seu vestido tentando ocultar-se de seu olhar. Como se tivesse todo tempo do mundo Dmítri passeou pelo quarto, ela observou como ele olhava nos cantos do lugar procurando por mais câmeras, enquanto fazia isso ele tirou o elegante terno que estava usando, o tom profundo de azul escuro, parecia combinar perfeitamente com sua pele, deixando seus olhos ainda mais brilhantes. - O que está fazendo? - perguntou a garota confusa, quando percebeu que ele começava a desabotoar sua camisa. - Encenando. Como se tivesse se explicado totalmente o homem parou diante da poltrona que ficava ao lado da cama, retirou os sapatos com calma sentando-se de maneira muito confortável no móvel. A presença dele pareceu preencher todo o cômodo que antes Sophie julgara ser imenso. -Como uma das garotas de Tiziano você foi vendida essa noite, eu fui o comprador, mas sua sorte acaba aí. Senão interpretarmos nosso papel Bianchi ficara ainda mais desconfiado que temos algum tipo de relação, e você estará correndo ainda mais perigoso. -E você espera que eu passe a noite com você? Pra convencê-lo que não existe nada entre nós. -Espero que você seja esperta o suficiente para perceber que se encontra numa situação muito delicada, senão fizer isso você não conseguirá sair desse lugar. Sophie deixou que o silêncio pesasse sobre eles, seus olhos se desviaram para

a porta, mais do que nunca teve vontade de abri-la e sair correndo dali, desejava sentir o ar fresco da noite entrando em seus pulmões, ali embaixo era como se não conseguisse respirar de maneira correta, mas seus pés permaneceram de maneira muito firme plantados no chão. Tinha medo de estar sozinha naquele quarto com Dmítri, mas era o puro pânico que parecia engolfa-la quando pensava nos homens que estavam lá fora. Seus olhos se desviaram para o homem sentado na poltrona diante dela como um rei. Uma confusão de sentimentos inominados agitou-se em seu interior enquanto o observava. Medo, raiva, desejo. Tudo parecia tão complexo, o mundo havia se transformado num lugar estranho e perigoso. As palavras de Amy soaram com muita clareza no interior de sua mente "Somos sobreviventes" Desde o momento que havia sido trazida até ali, sentia que estava sendo arrastada para dentro de uma armadilha, e algo dentro dela lhe dizia que a única forma de conseguir se livrar daquela situação, era se colocar ainda mais em perigo confiando no homem diante dela. - Parece que finalmente você entendeu. Ela não foi capaz de sustentar seu olhar, desviou seus olhos focando nos dedos de seus pés, tentando evitar aquilo que ela sabia que era inadiável. - O que preciso fazer? - A pergunta pareceu pesar em sua língua, sua voz pareceu soar de maneira tão baixa que por um momento teve quase certeza de que Dmítri não era capaz de ouvi-la. -Venha aqui. Algo se agitou dentro dela, como se uma revoada de pássaros tivesse sido presa dentro das paredes de seu corpo, focou seu olhar nele tentando convencer seu bom senso que aquela era sua única forma de sobreviver. Aproximar-se dele custou cada grama de força de vontade que havia em seu corpo, com passos lentos ela cruzou os poucos metros que os separavam

parando muito próxima a ele. O olhar dele estava fixo nela, irritou-a profundamente que ele permanecesse tão plácido e calmo quando dentro dela parecia haver uma tempestade rugindo em suas entranhas. A beleza dele atingiu-a com a força de um golpe desleal, ele não parecia mais o moribundo sangrento que ela havia encontrado na noite anterior, com o rosto limpo e a barba feita, o cabelo um halo dourado contra o estofado escuro da poltrona, ele parecia algo sublime demais pra ser humano. - Sente-se – a palavra foi dita num tom autoritário, ela entendeu que era uma ordem, não um pedido, ele reclinou o corpo ainda mais para trás, seus olhos indicando o próprio colo. Sentiu a rebeldia crescer em seu peito, até sentir as palavras borbulharem em sua garganta, mordeu a própria língua tentando conter os instintos lutando contra si mesma. Com o corpo trêmulo ela se aproximou dele, passando duas pernas ao redor das coxas de Dmítri usando suas mãos nos ombros dele para se sustentar. O coração era um tambor dentro do peito ressoando em seus ouvidos. Sentiu as mãos de Dmítri deslizarem por seu corpo com uma avassaladora tranquilidade, os dedos dele trilharam o caminho de sua cintura, até pousarem muito delicadamente no topo de suas coxas. Sentiu a respiração ficar mais acelerada, quando ele se aproximou dela, os dedos amassando a parte da frente de sua camisa como se daquela forma pudesse manter seu equilíbrio. - Até onde essa encenação precisa ir? – perguntou Sophie tentando não se sentir muito distraída pelo toque de Dmítri. - Precisa ser bastante convincente, o suficiente para Tiziano acreditar que isso não é apenas uma manobra pra você conseguir escapar de suas garras. O rosto dele se aproximou de seu pescoço, ela sentiu o hálito dele roçar em sua pele exposta, deixando toda superfície de seu corpo sensível, como se tivessem vida própria seus dedos deslizaram pelos braços dele agarrando a

carne por debaixo do tecido, desesperada por saber como seria a sensação de tocar a pele dele. - Isso não parece certo – murmurou Sophie os pensamentos confusos em sua cabeça. - Não é fazendo o certo que você vai conseguir sair daqui, agora me convença que é isso o que você realmente deseja. Ele capturou novamente seus lábios dessa vez ela não ofereceu nenhuma resistência, abrindo-se a ele como se ansiasse como se precisasse de seu toque, as mãos dele percorreram seu corpo com desejo, suas costas o alto de suas coxas deixando um rastro insaciável para trás, um gemido brotou no fundo de sua garganta quando ela sentiu as mãos de Dmítri se enterrarem em seu cabelo, ajeitando sua cabeça para que dessa forma sua língua pudesse explorar toda sua boca. O beijo tornou-se sôfrego, quase doloroso quando eles se separaram ele mordeu seu lábio inferior até deixa-lo dolorido os olhos fixos no seus como uma tempestade em alto mar. Com o polegar ele percorreu o alto de suas bochechas, deslizando a ponta lentamente pelo seu lábio ainda intumescido de seus beijos, uma parte de sua mente queria se afastar-se daquele homem enquanto seu corpo parecia ansiar com sofreguidão por ele. - Bastante satisfatório para uma encenação. A vergonha queimou dentro dela, esquentando suas bochechas, tentou se afastar dele, mas suas mãos foram mais rápidas prendendo-a em suas coxas. -Você precisa parar de se ofender com cada frase que eu digo - Talvez então você precise passar mais tempo de boca fechada.

Os lábios dele se retorceram seu rosto assumindo uma expressão contrariada, ele agarrou suas mãos pousando-as sobre os botões de sua camisa. -Você sabe o que fazer – provocou Dmítri. Seu olhar recaiu sobre o corpo dele, de repente ela sentiu-se muito consciente da posição em que se encontravam, ela ajustou seu corpo, deslizando suas coxas sobre sua cintura, e a simples fricção de seus corpos deixou ela sedenta de algo que não sabia como nomear. Seus dedos deslizaram sobre os pequenos botões escuros, um a um ela os retirou afastando para as laterais de seu corpo sua camisa, revelando sobre sua pele um curativo extremamente bem feito sobre onde ela sabia que se encontrava sua ferida. -Está doendo? - perguntou Sophie, seus dedos correndo de maneira delicada sobre seu curativo. Ele respondeu negando-lhe com um aceno de cabeça, ela sabia que devia retirar suas mãos do corpo dele, mas como se tivessem vontade própria deslizou-as sobre seu tórax, encantada com a textura de sua pele. Ela não poderia dizer que ele era macio, a firmeza de seus músculos impedia que ela o descrevesse daquela forma, mas havia uma suavidade que revestia seu corpo, como um pedaço de veludo que cobria algo feito de metal. O calor dele pareceu atrai-la, sentiu-se encantada quando as pontas de seus dedos percorreram o ponto mais baixo de seu abdômen e ela observou ele se contrair sob seus dedos. Retirou as mãos do corpo dele apressadamente como se o contato tivesse a queimado, olhou em seus olhos assustada e sentiu o coração pular em seu peito quando reconheceu a fome por trás do seu olhar. Havia uma disputa dentro dela uma parte de sua mente, pedia para que ela ficasse longe daquele homem, odiasse-o com todas suas forças, mas naquele momento seu corpo parecia ser controlado por algo muito mais profundo, uma necessidade devastadora que ela não sabia como controlar, quando as

mãos dele subiram por sua coxa, tocando seu interior na parte mais sensível de suas pernas, apenas desejou que ele não parasse de toca-la. Os olhos dele se mantiveram fixos nela durante todo o instante, com a habilidade de alguém que havia retirado muitos vestidos, ele encontrou o zíper invisível que ficava ao lado de seu corpo, deslizando a peça com tranquilidade, puxando com cuidado o tecido sobre sua cabeça. O cabelo caiu em volta de seus ombros de maneira bagunçada, o ar gelado atingiu seu corpo fazendo com que ela tremesse em seu colo. Dmítri aproximou-se dela retirando a própria camisa, jogando-a em algum canto do quarto. Quando seus braços a enlaçaram ela sentiu suas peles se tocarem, e o desejo ardeu dentro dela queimando em seu baixo ventre. Ele aproximou seu rosto, seu nariz tocando seu pescoço deslizando de maneira tentadora uma linha de beijos sob sua clavícula, ela sentiu sua respiração acelerar encher o quarto, desejando tocá-lo, senti-lo contra seu corpo, enterrou seus dedos em seu cabelo, aproximando sua boca de seu corpo. Os dedos dele acharam o caminho para o feixo de seu sutiã, com habilidade ela sentiu a peça ser retirada de ser corpo, dessa vez ela não teve tempo de sentir o ar frio por sua pele pois as mãos de Dmítri pousaram de maneira possessiva sobre os seus seios. Seus dedos rodearam suas aureolas, brincando com os bicos de seus seios que se tornaram dois picos rígidos embaixo de suas mãos. Puxando seu corpo em sua direção ele aproximou seu rosto de seus seios, sua respiração acertando em cheio sua pele, então sua boca caiu sobre seu mamilo, rodeando-o de maneira lasciva com sua língua. O desejo percorreu seu corpo como um raio, ela deslizou seus dedos ainda mais apertando suas mechas com desespero, seus quadris começaram a se mexer contra ele buscando uma libertação.

Dmítri pousou as duas mãos em sua cintura num movimento rápido e fluído levantou-a erguendo seu corpo em seu colo, Sophie usou suas pernas para enlaço, com passos rápidos ele caminhou até a beirada da cama depositando seu corpo contra a maciez do colchão. O corpo dele ficou sobre ela, enlaçados de maneira quase perfeita, por um momento pensou que poderia sentir-se incomodada pela forma do corpo dele sobre a sua, mas o peso dele pareceu reconfortante e bem-vindo, como se eles fossem partes de um quebra cabeça que não encaixavam num longo tempo. Seus rostos estavam próximos, ele estava tão perto que ela podia enxergar a forma como sua íris negra parecia devorar o azul de seus olhos, ela podia sentir a fome refletida em seu olhar e sabia que se olhasse no espelho naquele instante veria o mesmo instinto sendo refletida em seus olhos. Suas mãos desceram para os ombros dele, delimitando o contorno de seu corpo, suas pernas continuavam ao redor de sua cintura, o volume da ereção dele apertava o centro dela e nada parecia mais certo. - Dmítri... - sua voz soou estranha a seus ouvidos o nome dele soando como um pedido, uma promessa. - Estamos fora do alcance da câmera – respondeu Dmítri, seus olhos se desviaram para seus lábios suas mãos ainda firmemente presas em sua cintura - Você não precisa mais encenar. Se não é isso o que você quer diga-me. O coração palpitou em seu peito frenético como as asas de beija-flor. Não sabia o que responder, não tinha mais certeza alguma, a única coisa que parecia mantê-la inteira naquele momento era o fato daquele homem estar segurando seu corpo. O tempo para responder pareceu desaparecer enquanto ela comtemplava seu olhar tempestuoso, não havia palavras que pudessem expressar o que ela sentia naquele momento, então apenas cruzou o mínimo espaço que os separavam capturando os lábios dele num beijo, se entregando a sua perdição.

A língua dela invadiu sua boca, buscando seus contornos, suas mãos deslizaram pelos músculos tensionados de suas costas, as mãos de Dmítri viajaram por sua pele, os dedos eram ligeiramente ásperos provocando sua cintura e o altos de suas coxas. O ritmo tornou-se insano, sua respiração transformou-se num gemido quando sentiu os dedos deslizarem sua calcinha para fora de suas pernas, o olhar dele caiu sobre seu corpo feroz e repleto de desejo, o peito dele subia num ritmo continuo agitado espelhando o seu. As mãos de Dmítri voaram para o fecho de sua calça, com rapidez ela observou ele retirar as últimas peças de roupa jogando-a ao lado da cama, o corpo dele foi exibido em toda sua glória diante dela. Sophie sentiu o rosto esquentar e achou que aquilo era algo extremamente vergonhoso, aquela não era sua primeira vez vendo um homem nu, mas nunca a experiência com o corpo masculino havia parecido tão real. Sentiu os dedos formigarem de desejo para tocar suas pernas torneadas, deslizar as unhas nos pelos dourados que cobriam sua virilha, a saliva tornou-se áspera em sua boca como areia quando concentrou sua atenção em seu membro exposto sem nenhum pudor diante dela. Esticando-se acima dela Dmítri alcançou um pote que ficava ao lado direito da cama sobre um dos criados-mudos, seus olhos seguiram seu movimento e observaram ele retirar do pequeno jarro repleto um pacote com uma camisinha. Os dedos dele rasgaram o plástico com destreza, deslizou sobre sua ereção a proteção, e colocou-se diante de suas pernas. Os olhos dele se encontraram, as mãos dele subiram por suas coxas incendiando novamente seu sangue com o desejo, a ponta do dedão dele deslizou por sua abertura lentamente, ela estava molhada o prazer espalhando-se como uma droga inebriante em sua corrente sanguínea. O toque delicado de seus dedos foi substituído por seu membro, as pernas se abriram num reflexo enquanto ela sentia a ereção penetrar em seu corpo.

Rangeu os dentes afundando o rosto em seu ombro quando a dor nublou todo o prazer, num movimento constante ela sentiu Dmítri se apossar dela, seu corpo se aprofundando cada vez mais. Um gemido profundo saiu dos lábios dele quando começou a mexer seus quadris, constantemente num movimento de pistão, ela sentiu o corpo dele contra o dela, unidos até a dor estar novamente afastada e o prazer voltar novamente a enlaçar seu corpo. Os lábios dele buscaram o dela, ele mordiscou seus lábios enquanto a penetrava, ela podia ouvir o som do choque de suas coxas ecoando no ambiente, os bicos de seus seios tornaram-se insuportavelmente sensíveis. Sentiu o prazer se acumular como uma onda no centro de seu corpo toda vez que sentia a estocada do quadril de Dmítri até ela ter certeza que não seria mais capaz de suportar conter tamanho prazer. O grito de Dmítri rasgou o silêncio do quarto, apoiando-se em uma das mãos, ela sentiu ele empurrar seu quadril com mais força, seus olhos se encontraram e ela percebeu o olhar vidrado dele suas pupilas tão dilatadas que o azul de sua íris não passava de uma sombra. Com a respiração acelerada ele fechou os olhos deitando sua cabeça contra seu pescoço, a mão dele subiu tocando sua garganta com um toque tão suave que ela pode sentir o coração ranger em seu peito, enquanto as lágrimas pinicaram seus olhos. O horror do que havia acabado de acontecer lhe atingiu com a força de um trem sem controle. Incapaz de conter seus sentimentos eles transbordaram para fora de seus olhos assim como suas lágrimas que escorreram pelos lados de seu rosto. - Sophie? - perguntou Dmítri confuso levantando a cabeça e olhando em sua direção – O que foi? Você está chorando? A pergunta, a confusão estampada no rosto dele apenas trouxe mais lágrimas aos seus olhos, um soluço escapou de seus lábios débil como seus

sentimentos, enquanto o choro desabava de dentro dela com toda sua força. - Sophie me responda o que aconteceu? Eu te machuquei? As mãos dele subiram para seu rosto, ele tentava secar suas lágrimas como se a visão dela o deixasse completamente desnorteado, ela podia jurar que ele parecia genuinamente preocupado, e arrependido. Chegar aquela conclusão apenas tornou suas lágrimas mais abundantes, agora seu choro era alto e desesperado, a mente era uma confusão caótica, as lembranças de Fabrizio inundaram sua mente como um turbilhão, fazendo com todas suas feridas se abrissem de uma única vez. Por trás das lágrimas observou a figura embaçada de Dmítri, a preocupação em seu olhar e quis gritar com ele até que sua voz tivesse desaparecido de sua garganta. Ele havia a machucado da pior maneira possível! Queria destruí-lo, queria promover nele o mesmo tipo de dor que naquele instante parecia corroer suas entranhas, mas quando seus dedos se fecharam ao redor de seu ombro, sentindo a calidez de sua pele, em vez de afasta-lo ela trouxe o corpo dele próximo ao seu, enterrando seu rosto ardido pelas lágrimas em seu peito, aspirando o aroma de seu perfume, e ouvindo seu estrondoso coração. Usou o corpo de Dmítri para se proteger, encolheu-se nele sabendo que aquilo era errado, e quando suas lágrimas finalmente tivessem acabado ela estaria arrependida, mas naquele momento, a presença dele, seus braços a seu redor, os dedos em seus cabelos, pareciam ser a única coisa no mundo que a mantinham completa. Tinha a nítida impressão que se afastasse dele naquele momento, iria se partir em milhares de pedaços, e nunca mais seria capaz de encontrar todos.

CAPÍTULO 9 Sophie abriu os olhos com dificuldade, a claridade baixa da luz do abajur refletiu diretamente em suas pupilas fazendo com ela levasse uma das mãos para frente de seu rosto. Os dedos roçaram em suas pálpebras ainda úmidas, virou-se na cama ouvindo o murmúrio dos lençóis sob seu corpo. Sentia-se exausta, e não apenas fisicamente, o peito parecia uma terra árida e inóspita, como se ao colocar todas suas lágrimas para fora não houvesse sobrado nada mais. O corpo era uma massa dolorida, e nem mesmo no curto intervalo de tempo onde seu cérebro havia desistido e ela cairá num sono agitado, havia sido o suficiente para ela se sentir minimamente recuperada. Ainda confusa, deixou que seu olhar pousasse sobre as paredes ao seu redor, sentiu falta da imagem tão conhecida e cotidiana das paredes mal pintadas de seu quarto. No luxo e opulência daquele lugar, sentia-se deslocada, perdida como se tivesse muito longe de casa. Uma respiração entrecortada balançou as mexas de seu cabelo sobre seu rosto, assustada Sophie virou o rosto e sentiu o coração falhar uma batida em seu peito quando observou o rosto de Dmítri apenas alguns centímetros de distância do seu. Ele parecia completamente adormecido, o rosto enfiado no travesseiro o cabelo um halo dourado contra os lençóis, estava completamente nu, e não parecia demostrar nenhum sinal de desconforto. Sophie tentou se afastar dele, e ficou surpresa quando percebeu que sua mão direita estava pousada sobre

seu corpo, como se mesmo durante o sono ele estivesse tentando alcança-la. O pensamento provocou um desconforto em seu estômago nada bem-vindo, deslizou o corpo para o mais longe dele, até estar completamente próxima a beirada da cama. A frustração cresceu em seu peito como um balão sendo inflado, abafando todos seus pensamentos, agora que a tristeza parecia algo muito longínquo, sentia os tentáculos da raiva a rodearem com muita firmeza. Havia sido fraca. Havia falhado. Admitir aquilo mesmo que fosse para si mesma era como constatar que havia uma ferida infecionada em sua pele. Há três meses atrás, em sua ingenuidade montara um plano, acreditando que poderia realiza-lo, que nada iria a impedir. Mas, estivera enganada. Havia estado em perigo, fora enganada, e por último havia rendido seu corpo ao assassino de Fabrizio. O desgosto parecia que ia corroer seus ossos. A vergonha inundou seu rosto, deixando ele ardido. Era uma covarde que nem ao menos tinha a coragem de levantar-se dali e encarar sua imagem refletida no espelho. Havia traído a memória de Fabrizio, da maneira mais vil possível, o desespero cresceu em seu interior, virou seu corpo de lado atraindo seus joelhos em direção ao seu peito, como se naquela posição ela pudesse se proteger de si mesma, e de suas escolhas. E agora? O que iria fazer? A pergunta brilhou em sua mente de maneira acusadora, seu plano, seu desejo tudo havia sido arruinado por ela mesmo. Até mesmo a vingança que ela tanto havia desejado agora não parecia lhe trazer nenhum conforto. Não queria desistir, o simples pensamento deixava um gosto árido em sua boca, mas como continuar? Tudo parecia tão confuso como se toda aquela

situação fosse um gigantesco nó, onde milhares de fios estavam entrelaçados, e ela não era capaz de desfaze-lo. Precisava de tempo embora isso fosse algo que ela não dispusesse no momento, colocar em ordem seus pensamentos, e então encontrar um momento onde encontraria Dmítri vulnerável, dessa forma não haveria a mínima possibilidade de ele escapar. Vulnerável... A palavra ressoou em sua mente sendo preenchida pela imagem de Dmítri dormindo tranquilamente, com todo cuidado do mundo Sophie virou seu rosto sobre seu ombro observando o sono pacífico do homem ao seu lado. Sem sombra de dúvidas ele parecia vulnerável, de uma forma que nunca havia estado antes, se ao menos ela pudesse encontrar uma arma. Seus olhos se deslocaram para a gaveta do pequeno criado mudo ao lado da cama, deslizou a mão muita delicadamente até deixa-la aberta, ali dentro seus dedos roçaram no vidro gelado. O caco de vidro pontiagudo brilhou contra a luz refletida do abajur, seus dedos se fecharam ao redor do material sentindo seu corte irregular. Sabia que o material era frágil, e quebradiço, que provavelmente estava longe de ser considerado algo perigoso ou mesmo mortal, mas sabia que não teria melhor oportunidade do que aquela. Deslizou seu corpo com cautela, até estar novamente ao lado de Dmítri, mordeu o lábio para conter o nervosismo esperando que seus movimentos não o acordassem. Aproximou-se tanto dele que pode sentir sua respiração compassada balançar os pequenos fios de seu cabelo contra seu nariz. Deixou que seu olhar vagasse pelo corpo dele de maneira objetiva. Onde poderia atingi-lo para provocar a maior lesão possível? A ferida em seu estômago coberta pelo curativo branco parecia uma boa opção, mas aquele homem havia sobrevivido a um tiro, como reabrir sua ferida poderia machuca-lo?

Ele parecia extremamente adormecido, sua respiração não passava de um ressonar quase inaudível, seus olhos se fixaram sobre seu peito, subindo e descendo de maneira constante, seu olhar então recaiu sobre seu pescoço, a pele ali era pálida e parecia sensível, a lembrança da fragrância dele invadiu suas memorias, deixando-a envergonhada, odiava o fato de conhecer o homem deitado ali tão bem que podia se lembrar do aroma de sua pele. Tentando manter seus pensamentos focados, deixou que seu olhar se focasse sobre seu pescoço, sua cabeça estava deitada num ângulo onde ela podia observa-lo de perfil, ali bem baixo de seu queixo ela podia enxergar a veia correndo como um rio numa tonalidade escura. Os dedos se apertaram contra o caco de vidro, a palma de sua mão estava gelada e escorregadia, aproximou-se ainda mais pairando sobre ele, sabendo que teria apenas uma única chance. Em sua mente, ela se imaginou levantando o vidro como um punhal, deslizando por sua garganta, lembrou-se da consistência viscosa do sangue, e de como suas mãos iriam ficar manchadas de vermelho. Mesmo assim sabia que aquele plano era algo muito arriscado, mesmo que a sorte estivesse ao seu lado e ela conseguisse machuca-lo, assim que percebesse que estava ferido, Dmítri iria reagir, e ela sabia que os reflexo dele eram rápidos, precisa acreditar que conseguiria machuca-lo de maneira razoável, para que com a perda de sangue seus movimentos se tornassem mais lentos. De alguma forma ela precisava imobiliza-lo. Olhar o quarto em busca de algo para amarra-lo parecia uma perda de tempo, num movimento delicado deixou que seu corpo se apoiasse contra ele, usando-o como peso, ela não tinha mais nenhuma preocupação com a própria segurança, desde que conseguisse sua vingança, não se importava mais com o que poderia haver depois. Debaixo de seu corpo Dmítri ainda dormia tranquilamente, ela estava tão próxima a ele que podia quase contar os longos cílios em suas pálpebras, dourados como seus cabelos, a boca era vermelha sedutora e bem esculpida,

precisou empurrar para o canto mais distante de sua mente a sensação que aqueles lábios haviam provocado em seu corpo. Moveu o braço lentamente como se de repente seu corpo pesasse uma tonelada, pousou o caco de vidro sobre sua jugular observando o pulsar da veia constante. Ordenou a si mesma a usar toda a força que possuía em seu braço deslizando sua arma improvisada sobre sua garganta. - Se deseja me matar sugiro que use isso como um punhal não uma navalha. A voz dele soou muito tranquila, suas palavras levemente arrastadas como se ele ainda estivesse lutando contra o sono. Sophie sentiu como se o coração tivesse saltado em seu peito, se alojando em sua garganta. Não ousou se mexer, incapaz de saber o que fazer permaneceu da mesma forma, a imagem de uma estátua eternizada em seu momento de agonia. A mão direita de Dmítri pousou sobre a sua com uma delicadeza assustadora, ele permanecia ainda de olhos fechados como se ainda tivesse aproveitando dos últimos resquícios do sono. - Aqui – disse ele pressionando sua mão até que o vidro tivesse cortado sua pele, e uma gota de sangue escorresse por seu pescoço – Viu como é ineficaz? Não vai conseguir cortar a pele com isso, muito menos uma veia. Pra causar algum dano precisa usá-lo como um punhal, rasgando a pele, não cortando-a. Os olhos de Dmítri se abriram encarando-a com atenção, antes que ela fosse capaz de reagir, ele girou seu corpo mudando sua posição prendendo-a sob ele. O vidro escorregou de sua mão, num canto muito longínquo de sua mente, ela ouviu o som dele batendo contra a lateral da cama pousando sobre o chão.

Acima dela Dmítri pairava como uma ameaça, seus olhos estavam tempestuosos e afiados, ela quase não podia acreditar que aquele era o mesmo homem que dormia placidamente apenas alguns minutos atrás a seu lado. A dor irradiou por seu braço como uma agulhada, Dmítri apertou seus punhos um contra o outro, enquanto deixava completamente a sua mercê os braços estendidos sobre sua cabeça. - Então essa é sua vingança? Uma tentativa patética de cortar minha garganta enquanto estou dormindo? Ela pode sentir o espanto tomar conta de sua expressão, o medo trouxe um desagradável tremor que tomou conta de seus membros, deixando-os mais lento, embora em sua mente os pensamentos tivessem se tornados frenéticos. Como ele havia descoberto sobre seu desejo de vingança? -Me solta – rosnou Sophie, tentando se livrar do aperto que a mantinha prisioneira sobre seu corpo. -Eu não a forcei a dormir comigo – respondeu Dmítri, ignorando completamente seu apelo – Se não queria que isso acontecesse bastava me dizer, e podíamos evitar todo o drama com o caco de vidro. - É por isso que você acha que eu tentei te esfaquear? – perguntou Sophie tentando conter sua incredulidade – Você é um idiota presunçoso! - Se não foi isso então qual o motivo? Eu não costumo dormir com mulheres e acordar, com elas em cima de mim tentando me matar. - Eu tenho um milhão de motivos pra te odiar! A lista é tão imensa que eu nem sei por onde começar, só o fato de estar aqui é culpa sua! Os olhos dele percorreram seu rosto com curiosidade, como se ele realmente estivesse avaliando sua resposta, o aperto em suas mãos diminuiu, mas não o

suficiente para que ela pudesse tentar se soltar, embora o desejo de arrancar aquele olhar superior do rosto dele deixasse seus dedos se contorcendo. - Talvez você devesse culpar sua teimosia – respondeu Dmítri por fim despreocupado – Se tivesse me obedecido e voltado para dentro do seu apartamento quando me encontrou então você não estaria aqui. - Muito obrigada pelo lembrete – respondeu Sophie sua voz repleta de escárnio – Acho que aprendi minha lição sobre não praticar boas ações. Agora me solte! Os olhos dele se desviaram para seus lábios, ele estava tão próximo que pode observar o jeito como a cor ondulou dentro de sua íris, o tom cinzento tornando-se mais azul, como um céu se abrindo após uma chuva tempestuosa. Com a mão livre ele trilhou o caminho que as lágrimas haviam feito sobre suas bochechas, ela ainda podia sentir os vestígios do sal que haviam secado sobre sua pele. - Assim está melhor, lágrimas não combinam com você. A frase dita de uma maneira tão simples e sincera pegou-a completamente desprevenida, a resposta implicante que ela havia preparado se dissolveu em sua língua, como pequenas bolhas, de repente se sentiu muito exposta, muito vulnerável diante daquele homem, como se ele pudesse enxergar partes dela que estavam muito distantes da superfície. Partes que ela tentava desesperadamente proteger. O toque de Dmítri escorreu por seu pescoço, as pontas de seus dedos roçaram em sua clavícula, até descerem para o alto de seus seios, seus lábios se partiram ao meio deixando que sua respiração acelerada preenchesse o pequeno espaço entre eles. Cativa como estava esperou o medo surgir em suas entranhas, mas seu corpo parecia ter se rendido aquele homem, a onda de prazer se concentrou em seu

baixo ventre, enquanto o calor e a umidade preenchiam seu centro. A virilidade dele pesou contra sua coxa, apertou as pernas uma contra a outra incapaz de confiar nas reações do seu próprio corpo. Sem pedir permissão a boca dele, desceu sobre seus seios, ele mordiscou a carne sensível daquela região, assoprando o bico rígido mergulhando a língua contra sua auréola, o prazer correu em suas veias como fogo, ela balançou a cabeça contra os travesseiros, tentando desanuviar os pensamentos mergulhados nas sensações que ele proporcionava a seu corpo. Os dedos dele continuaram seu trajeto até mais embaixo, lentamente ele percorreu sua cintura, circulando seu umbigo até alcançar o lado interno de suas coxas e por fim seu centro molhado. O indicador dele escorreu por sua fenda de maneira delicada meticulosa, a respiração ficou entrecortada em sua garganta, ela percebeu que seus dedos estavam agarrando o lençol como se dessa forma ela pudesse controlar a necessidade que crescia em seu interior. Os olhos dele se encontraram com os dela, firmes e ferozes enquanto ele deslizava o dedo cada vez mais profundamente em seu interior. - Diga-me se eu devo parar. – A voz dele havia diminuído uma oitava, tornando-se mais grave, pela primeira vez ela conseguiu ouvir o sotaque em suas palavras, e aquilo serviu apenas para deixa-la ainda mais excitada. As palavras ficaram presas em sua garganta, sabia que deveria mandar parálo, sabia que precisava afastar as mãos dele de seu corpo, mas havia uma necessidade real dentro dela, algo que iria enlouquece-la se ela não libertasse. Engoliu em seco selando os lábios firmes um contra o outro, o olhar de Dmítri sobre ela tornou-se feroz como se o desejo dele fosse em devora-la completamente. Ele deslizou um outro dedo para dentro dela, preenchendo seu interior, o gemido que escapou de sua garganta arrepiou os pêlos do seu corpo.

- Você está molhada, tão deliciosamente molhada...Deixe-me dessa ver te oferecer algum prazer... Num movimento ágil, ele soltou seus braços, usando ambas as mãos para abrir suas pernas amplamente, ele se deslocou para o centro da cama, e antes que ela pudesse reagir sentiu a língua dele penetrar em seu interior. O prazer estourou atrás de seus olhos como fogos de artifícios, as palavras que ecoaram em seus lábios eram incoerentes, arqueou as costas enquanto os dedos dele se afundarem na pele interna de suas coxas obrigando-a mantê-las abertas. A língua dele atacou com ferocidade seu sexo, Sophie ergueu os quadris deixando que ele tivesse um acesso maior a seu corpo, a língua dele rodeou seu clitóris, e quando seus lábios sugaram sua pequena perola, o clímax explodiu dentro dela, varrendo-a completamente como uma poderosa onda. Exausta ergueu seus olhos para encontrar o olhar de Dmítri preso aos seus, sentiu o rosto esquentar quando percebeu que os lábios dele estavam brilhantes de sua umidade. Dmítri ergueu-se em seus braços, pairando sobre ela seu membro ereto em toda sua glória masculina, como um antigo deus pagão sexual, sem desgrudar os olhos dela, ele manteve suas coxas abertas, enquanto a penetrava numa única estocada. Dessa vez não houve dor, apenas o prazer escorrendo por sua pele, o corpo dele pareceu se ajustar ao seu como se ambos fossem peças complementares de um quebra-cabeça. Ele se movimento sobre ela com agilidade, seus quadris balançando para frente e para trás num ritmo constante. Inebriada em êxtase Sophie ergueu as mãos, prendendo-a em seu cabelo, seu corpo era apenas uma carapaça entregue ao momento enquanto tudo o que era capaz de sentir era o prazer que se construía mais uma vez em seu

interior. O movimento dele se tornou frenético, os gemidos dele invadiram seus ouvidos, até que ela explodiu mais uma vez enquanto o corpo dele preenchia o dela. O grito de liberação dele foi tão intenso que ela pode ver as veias saltarem em seu pescoço enquanto ele se retirava do seu interior despejando sua liberação sobre a parte plana de sua barriga. Lentamente o mundo pareceu entrar em foco, percebendo que suas mãos ainda estavam emaranhadas em seu cabelo, afastou-as sem saber lidar com a proximidade de ambos. O silêncio entre eles pareceu retumbar em seus ouvidos, sem saber como reagir ela virou o rosto e agradeceu em silêncio por naquele momento não ter nenhuma lágrima surgindo em seus olhos. Com cautela Dmítri deslocou seu corpo afastando-se completamente virandose para o lado e sentando na cama de costas para ela. O nervosismo e a frustração a deixaram irritada, o remorso rastejou por debaixo de sua pele, mas dessa vez ela tentou impedi-lo de se infiltrar em seu sistema, estava cansada de ficar remoendo as próprias mazelas. Incapaz de continuar no mesmo lugar, levantou-se ignorando o corpo rígido, seus olhos buscaram as roupas espalhadas que estavam no chão, apanhou-as sem olhar na direção de Dmítri e se trancou dentro do banheiro para se limpar. O som da fechadura ressoou no pequeno ambiente fazendo com que ela se sentisse uma tola. Como se algo como aquilo fosse impedir o homem lá fora de alguma maneira. Desejou que seus problemas pudessem serem resolvidos de maneira tão simples como um simples girar de uma chave. Um suspiro pesaroso escapou de seus lábios, deslizou o vestido sobre seu corpo sem se preocupar com o fato de que não usava nenhum sutiã, uma das alças continuava completamente destruída, mas ao menos a outra servia para deixa-la minimamente apresentável, vestiu a calcinha que havia transformado num pequeno bolo amassado entre os dedos, e calçou os sapatos negros emprestados, tentando ignorar a dor debaixo da sola de seus pés.

Os olhos se encontraram com seu reflexo no espelho, a pele exibia um tom saudável e ruborizado, seus olhos estavam brilhantes seus lábios inchados e o cabelo era uma massa bagunçada sobre sua cabeça. Não havia dúvidas, de que ela era uma mulher que havia acabado de praticar sexo, a constatação daquele fato deixou-a com vergonha, incapaz de continuar observando a própria imagem, saiu do banheiro batendo a porta atrás de si mesma com um pouco mais de força do que pretendia. Dmítri também parecia ter aproveitado aquele momento para se vestir, usando as calças de alfaiate, e a camisa que parecia ter sido costurado especialmente para seu corpo, ele estava parado diante da cama, de costas para ela, absorto em pensamentos enquanto seus dedos seguravam com força o terno que estava em suas mãos. Atraída pela curiosidade Sophie caminhou em sua direção até parar ao lado dele, desviou seu olhar na direção que ele encarava em silêncio, e sentiu o rosto arder quando percebeu as pequenas gotículas de sangue contra o lençol branco que indicavam sua virgindade perdida. - Por que não me disse que era virgem? – a pergunta dita em voz baixa, parecia conter um timbre raivoso. Sophie deixou que seu olhar pousasse sobre Dmítri erguendo o queixo, respondeu com toda sinceridade possível. - Isso faria alguma diferença? Sua resposta pareceu enfurece-lo ainda mais e ela sorriu quando percebeu isso. Sabia que não era prudente irritar um homem como ele, mas sinceramente havia deixado a prudência a muito tempo para trás. Os olhos dele se desviaram para a alça arrebentada de seu vestido, seu olhar assumiu um tom de desprezo, sem pedir permissão Dmítri pegou o terno que estava em suas mãos depositando sobre seus ombros enquanto dizia:

- Se quiser sair daqui então me siga, fique quieta e não me desobedeça, e a não ser que queria chamar atenção de algum homem lá fora não tire esse terno. Sophie pensou em contraria-lo, mas o homem diante dela simplesmente não lhe deu oportunidade caminhando em direção a porta, a garota o seguiu sabendo que aquela era sua única oportunidade de deixar aquele lugar. De maneira automática ela observou Dmítri arrancar um cartão de plástico branco de seu bolso, passando num detector ao lado da porta que ela não havia reparado de início devido a seu nervosismo. O leitor digital emitiu um pequeno som eletrônico quando a porta se abriu mostrando o mesmo corredor silencioso. Como se conhecesse o lugar muito bem, ela seguiu Dmítri alguns passos atrás apertando com os dedos a borda do terno dele sobre seu corpo, embora o corredor parecesse silencioso, Sophie tinha certeza que aquela era apenas uma ilusão. Seus olhos se desviaram pelas inúmeras portas que eles atravessaram todas trancadas e silenciosas, num canto distante de sua mente ela pensou se Amy estaria atrás de alguma daquelas portas e se seria possível ajuda-la de algum jeito, embora naquele momento ela própria não se encontrasse numa boa posição. Uma melodia de saxofone chegou até seus ouvidos quando eles voltaram ao salão. O lugar estava praticamente vazio, apernas um velho idoso estava na pista de dança com uma garota, enquanto garçons e outros funcionariam limpavam as mesas e retiravam os arranjos de flores que já demonstravam sinais de desgaste. Dmítri atravessou o lugar como se fosse seu dono, parando diante de imensas portas, enquanto seu olhar pousava de maneira nada amigável em Sandro. - Saia da minha frente, não estou com paciência e preciso falar com seu chefe.

- Tiziano está ocupado – respondeu Sandro, tentando manter o olhar tranquilo, embora Sophie pudesse dizer que sua postura estivesse extremamente rígida – E você garota, saia daqui e volte para o camarim. Os dedos de Dmítri pousaram sobre seu ombro, o mais leve toque, ele deslocou seu corpo para frente dela, ficando completamente diante de Sandro. - A garota está comigo, então pare de lhe dar ordens, e a não ser que você queira um braço quebrado saia da minha frente. Ele avançou na direção de Sandro e Sophie não ficou nem um pouco surpresa, quando o homem deu espaço para ele se afastando para o lado, sem nem mesmo se preocupar em bater Dmítri abriu a porta entrando naquele lugar sendo seguido de perto. O calor atingiu seu rosto assim que ela adentrou o confortável escritório. Seus olhos percorreram todo o lugar com inegável apreciação se perdendo na imensidão de prateleiras repletas de livros com capas revestidas de couro. Sentado numa poltrona elegante, diante de uma lareira de pedra de aparência muito antiga, Tiziano parecia estar ignorando a presença de ambos propositalmente. Sophie observou Dmítri se aproximar do homem sentado, seu maxilar estava rígido e seus olhos voltaram a exibir o profundo tom de um cinza metálico, sua voz soou de maneira fria e distante quando ele perguntou: - Qual é o seu preço? Sem parecer nenhum um pouco incomodado com a intromissão de ambos Tiziano, rodou o copo que estava em suas mãos, o liquido âmbar faiscou refletindo a luz da lareira. - A garota não está a venda, não pretendo quebrar meu contrato com ela.

- Vá a merda Tiziano e responda a maldita pergunta. Os olhos azuis esverdeados de Tiziano recaíram sobre Sophie, um sorriso verdadeiramente divertido brincou em seu rosto enquanto ela a observa com atenção. - Não sei se te considero uma pessoa azarada ou sortuda Sophie por obter a atenção de Dmítri, mas de qualquer forma parabéns. A garota simplesmente ignorou o homem a sua frente, apertando contra si o terno sobre seus ombros. - Você sabe muito bem o que eu quero Dmítri – disse Tiziano – É claro que eu também sei que me dar essa resposta, ira colocá-lo numa situação delicada. Mas, tenho certeza que você será capaz de superar essa situação. A resposta de Dmítri foi em outra língua, pelo tom de sua voz ela pode ter quase certeza que ele estava praguejando, a risada sem nenhuma emoção de Tiziano pairou sobre o crepitar das chamas. - Foi seu pai – respondeu Dmítri por fim – Foi ele quem vazou a informação onde estavam o carregamento de suas drogas no porto. Tiziano ouviu a notícia como se ambos estivessem conversando sobre o tempo, mas Sophie percebeu como os nós de seus dedos se tornaram brancos enquanto ele apertava o copo em suas mãos. Ele bebeu num longo gole todo o líquido, deixando o copo cair sem nenhuma cerimônia no tapete em frente aos seus pés. - Sempre um prazer fazer negócios com você Demônio Branco. Dmítri se afastou de Tiziano agarrando Sophie pelo braço, seus olhos se fixaram no homem a sua frente, que parecia perdido em pensamentos enquanto observava o fogo diante dele.

- Se eu souber que qualquer um dos seus homens chegou perto dela, não vou me contentar apenas com a cabeça deles. - Ameaça registrada. – respondeu Tiziano alegremente, como se a conversa entre ambos fosse algo extremamente normal. Sem dizer mais nenhuma palavra, eles caminharam para fora daquele local, mas antes de saírem a voz de Tiziano chamou a atenção de ambos. - Dmítri, eu e você podemos estar num armistício, e te garanto que meus assuntos com a garota terminaram. Mas não posso dar essa mesma garantia em relação a meu pai. O olhar de Tiziano recaiu sobre Sophie, ele inclinou sua cabeça o fogo refletindo em seus cachos escuros, dando-lhe um ar trágico, ela se perguntou o que ele estaria pensando a seu respeito, e descobriu que não tinha nenhum tipo de curiosidade em descobrir, quando Dmítri a levou embora dali ela tentou guardar no canto mais profundo de sua mente as palavras que acabara de ouvir.

CAPÍTULO 10 - Você pode me explicar o que acabou de acontecer ali dentro? – perguntou Sophie enquanto era arrastada pelos passos rápidos de Dmítri. Tudo o que ela obteve como resposta foi o silêncio carrancudo de Dmítri. - Se não vai responder minhas perguntas então é melhor me soltar agora. Estou cansada de ser arrastada pra cima e pra baixo. Ela tentou soltar sua mão, mas como sempre sua força não foi párea para liberta-la, os dedos de Dmítri se cravarem de maneira ainda mais firme em seu braço, enquanto ele lhe lançava um olhar raivoso sobre seu ombro respondendo: - Será que você pode ficar quieta por pelo menos cinco malditos minutos? Deixe-me tentar tira-la desse lugar. Sophie mordeu a língua para conter uma resposta enviesada, simplesmente porque naquele momento não existia mais nada no mundo que ela mais desejava do que dar as costas aquele maldito lugar. Os passos de Dmítri soaram de maneira trovejante no corredor quando eles atravessaram as portas duplas do salão, o olhar cheio de desprezo de Sandro os seguiu até o momento onde eles viraram à esquerda no corredor. Encontraram poucas pessoas transitando por ali, mas todos abaixaram sua cabeça, e desviaram o olhar assim que se encontravam com Dmítri como se tivessem fazendo todo o possível para não estar em seu caminho.

O corredor que eles percorreram deu acesso a um outro salão requintado, como uma sala de espera, o local estava vazio embora Sophie pudesse imaginar que em algum lugar ali haviam câmeras que estariam muito interessadas em observar seus passos. Ela não reconheceu o lugar, as lembranças de quando chegara ali entrando pela porta de trás de um restaurante pareciam distante e muito confusas, duvidava que se entrasse novamente no labirinto que era aquele lugar pudesse de alguma forma se localizar. O ar gélido da madrugada atingiu sua face quando eles atravessaram as portas, o frio deixou suas pernas expostas trêmulas, mas ela não se importou nem um pouco, ergueu o rosto para cima observando os primeiros raios de sol começarem a tingir o céu da cidade e pela primeira vez pode ter noção de quanto tempo havia se passado. Inspirou profundamente a mistura de cheiros ao seu redor, deixando que tudo aquilo penetrasse lentamente em seu sistema. Não teve muito tempo para apreciar sua liberdade recém adquirida, os passos de Dmítri continuaram descendo a rua, enquanto ele ainda agarrava sua mão, ela o seguiu a contragosto até eles pararem diante de um moderno e extremamente ostensivo carro negro. Retirando as chaves do bolso Dmítri abriu a porta do carro, fazendo com que ela entrasse, sem dizer uma única palavra ele contornou o veículo, sentandose no banco do motorista, dando partida no carro, o motor vibrou com um rosnado potente, e logo eles estavam percorrendo o trânsito matutino da cidade. Sophie acomodou-se melhor no banco extremamente confortável, apreciando o cheiro de couro, com um toque o homem ao seu lado ligou o sistema de aquecimento, e ela não precisou mais da proteção do terno dele, para manter seu corpo aquecido. Eles permaneceram em silêncio, os olhos de Dmítri fixos nas ruas diante

dele, pareciam distantes, como se ele tivesse processando várias coisas em sua cabeça. Sophie decidiu que já era hora dela conseguir algumas respostas. - Será que você pode finalmente me explicar aquela conversa esquisita com Tiziano? Os olhos acinzentados se desviaram em sua direção, ela percebeu quando os dedos dele se contrariam contra o volante do carro, como se ele tivesse fazendo uma tentativa de permanecer calmo. - Não me olhe dessa forma – continuou Sophie – Eu quero saber, o que você quis dizer sobre me comprar se acha... - Talvez seja você quem me deva algumas explicações – interrompeu Dmítri – Fiz aquilo como uma maneira de liberta-la de Tiziano, pagar a dívida que você tinha com ele. Vai me dizer agora no que você estava envolvida? Drogas? - Você é um idiota – respondeu Sophie enquanto um sorriso de desprezo brincava em seus lábios – Um idiota completamente mal informado. - Se você estava trabalhando na casa de entretenimento particular de Tiziano Bianchi, isso significa que tinha alguma dívida com ele. Todos sabem muito bem como aquele homem comanda seus negócios. - Ele me chantageou! – gritou Sophie em resposta, todo o nervosismos que havia contido até aquele momento explodindo pra fora de sua garganta deixando suas palavras trêmulas e estridentes – E tudo isso foi sua culpa! Os olhos de Dmítri não se desviaram da estrada, ela detestou o fato dele conseguir se manter tão calmo e controlado mesmo quando ela gritava com ele, como se fosse uma adolescente birrenta incapaz de controlar os hormônios da idade. Mordeu os lábios tentando conter a indignação e manter uma linha de raciocínio com o mínimo de coerência.

- Depois que você simplesmente me deixou naquela lavanderia, eu voltei pra casa. Sandro já estava lá me esperando, ele deixou bem claro que Tiziano queria falar comigo e eu não tinha muita escolha a não ser obedece-lo. Desviou seus olhos para a paisagem que corria de maneira veloz em sua janela, embora sua mente tivesse focada nas lembranças da noite anterior. O medo que sentira, o desespero ao perceber o lugar onde estava, e perceber que não seria capaz de escapar dali. Encostou sua testa no vidro gelado do carro, fechando os olhos e deixando que o fluxo de palavras contasse sua história. - Tiziano me chantageou, ele tinha fotos da minha família, disse que mandaria algum de seus homens visita-los, eu precisava escolher entre trabalhar pra eles, ou contar qual era minha relação com você. Ela sentiu os olhos de Dmítri pousarem sobre ela, a sensação trouxe um sentimento estranho, uma proximidade que ela não queria de maneira alguma sentir vinda dele. - Qual foi sua resposta? - A verdade – respondeu Sophie num murmúrio – Eu não tinha nenhum motivo para mentir, mas claro assim como você ele não acreditou que eu tinha te encontrado por acaso. O silêncio se estendeu sobre eles, ao seu lado Dmítri assumiu uma expressão pensativa, como se tivesse avaliando suas palavras. - Tiziano Bianchi está em guerra contra o pai, pelo controle da Máfia Italiana – respondeu Dmítri, sua voz desprovida de qualquer sentimento – Fui contratado algum tempo atrás para acabar com uma operação que ele estava fazendo no porto. Exportação de drogas. Ele queria saber quem havia sido a pessoa que tinha vazado a informação dessa operação.

O murmúrio do couro preencheu o veículo quando Sophie virou-se seu corpo em direção a Dmítri, voltando toda sua atenção para ele. - Você acha que o pai dele foi quem vazou essa informação? Ele teria prejudicado o próprio filho de propósito? - Domenico Bianchi faria muito mais do que vazar informações se isso pudesse prejudicar Tiziano. Sophie entendeu o peso daquelas palavras, embora ela tivesse sempre orbitado ao redor do mundo da máfia, agora percebia que havia mergulhado num mundo desconhecido, perigoso onde as regras eram diferentes, onde famílias não eram sinônimo de união, mas podiam também se tornarem inimigos mortais, e a sobrevivência era a única coisa que importava. - Era isso então que Tiziano queria de você, queria a confirmação de que o pai havia vazado a informação. - Sim, uma informação que só o homem que havia me contratado pra fazer o serviço possuía. Sophie sentiu o fôlego ficar preso em sua garganta quando percebeu a verdade escondida por trás daquela afirmação. - Não acho que seja bom um assassino de aluguel revelar informações sobre o homem que o contratou. - Definitivamente não é algo bom – respondeu Dmítri, enquanto um sorriso ferino surgia em seus lábios – Mas, eu sei me cuidar. Sophie não duvidou de suas palavras, seus dedos brincaram com os pequenos e prateados botões no terno que agora estava sobre suas pernas, enquanto o nervosismo brincava em seu estômago como se ali fosse um campo de futebol.

- Dmítri – chamou a garota, odiando o tom vulnerável em sua voz, aquela era a primeira vez que dizia o nome dele em voz alta, a sensação era boa, o jeito que as palavras pulavam na ponta de sua língua, e tentou afastar essa sensação para o mais distante em sua mente – Por que está me contando tudo isso? O olhar dele estava preso no seu, pela primeira vez desde que haviam iniciado aquela conversa, ele desviara sua atenção do trânsito assim que ela dissera seu nome, não havia tido um único momento de hesitação. - Fiz minha parte para tentar mantê-la longe de todo esse mundo, mas já que isso não funcionou então ao menos estou tentando informa-la dos perigos ao seu redor, para que você consiga entender a gravidade da situação. Sophie baixou a cabeça apertando o tecido do terno em seus dedos, saber que ele estava tentando protegê-la fez com que a raiva borbulhasse em seu sangue, se ele estava esperando um agradecimento então ficaria extremamente decepcionado. Dmítri Volkov havia tirado muito dela, para que no final ela precisasse agradece-lo por sua proteção. Sophie deixou que o silêncio pairasse sobre eles, seus olhos se voltaram mais uma vez para a paisagem fora de sua janela. Ali fora a cidade continuava seu fluxo interminável. O sol despontou sobre as nuvens, os primeiros raios de luz se infiltrando pelos prédios. As ruas começavam a ficarem mais movimentadas enquanto o dia ia se tornando mais claro, percebeu que eles estavam rumando em direção ao norte da cidade, quando a paisagem se tornou mais elegante e sofisticada não teve dúvidas que eles estavam se aproximando do famoso bairro Upper East Side. As ruas se tornaram mais amplas, ali não havia pichações nos muros nem sujeira espalhada ao redor. Os prédios com arquitetura refinada disputavam espaços com antigos casarões que se mostravam bem conservados, a inconfundível cobertura verde do Central Park assomou em sua visão, não lhe dando sombra de dúvidas onde eles estavam.

Dmítri diminuiu a velocidade do veículo, entrando numa garagem subterrânea de um prédio ali nas redondezas. Sophie sentiu novamente ondas de nervosismo percorrerem seu corpo, mas tentou ignora-las, eles atravessaram uma garagem ampla e muito bem iluminada. A maioria das vagas estavam, vazias, mas os poucos carros ali estacionados deixavam claro o tipo de pessoa que frequentava aquele lugar. Sem dizer uma única palavra, o homem ao seu lado desligou o carro saindo logo em seguida, Sophie o seguiu detestando o fato de saber que aquela era sua única opção. Dmítri era um homem que estava acostumado a ser obedecido, o que fazia crescer em seu peito a infantil necessidade de contraria-lo a todo instante. Eles entraram num elevador moderno e espaçoso, o ar condicionado acariciou seu corpo com delicadeza, apenas a temperatura ideal para deixa-la confortável sem se sentir com frio. A música que saia autofalantes estrategicamente escondidos era requintada e não passava de um murmúrio, o gigantesco espelho em suas costas deixava bem claro o quão longe ela estava longe de casa. O vestido com uma alça faltando parecia um pedaço de pano que já vira dias melhores, seu rosto era uma perfeita bagunça assim como seu cabelo, seus olhos recaíram sobre Dmítri ao seu lado e tentou não se importar com o rubor que surgiu em suas bochechas quando percebeu a imagem que a figura de ambos passava ao serem vistas juntas. Vestido uma camisa social impecável, e calças de alfaiate não havia nada em sua aparência fora do lugar. Seus dedos se fecharam como um reflexo sobre o terno que ela estava segurando tentando conter a imensa necessidade que surgiu nela de derrubar aquilo no chão e pisoteá-lo até destruir o brilhante e caro tecido. Deu as costas para o espelho acusador, torcendo em silêncio para que

ninguém resolvesse pegar aquele elevador naquele momento, sabia que aquela era uma preocupação completamente inútil, mas a última coisa que precisava naquele momento era um estranho pensando que ela era a garota de programa de Dmítri. A viagem pareceu demorar uma eternidade, quando os números subiram acima da casa dos quarenta Sophie teve certeza que eles estavam indo em direção a cobertura, quando as portas duplas de metal do elevador se abriram num imenso hall de entrada feito todo em mármore suas suspeitas foram concretizadas. A opulência do lugar roubou seu fôlego, tentou conter o assombro que tomou conta de sua expressão até perceber que aquilo seria impossível. Ela sabia que existiam milhares de pessoas no mundo que viviam naquele tipo de luxo, mas definitivamente luxo não era algo que ela podia encontrar no seu dia a dia. O brilhante piso de mármore lembrava um tabuleiro de xadrez em branco e preto, a gigantesca porta de entrada era o único ponto de cor num ambiente completamente branco, Dmítri parou em frente a ele, levando seu dedo direito a um leitor eletrônico, fazendo com que a porta se abrisse sem um único ruído. Aparentemente chaves e cadeados eram coisas ultrapassados para os ricos. Ela o seguiu para dentro do seu apartamento sentindo-se cada vez mais deslocada quando percebeu que a riqueza desmedida também continuava ali. Paredes altas circundavam um ambiente completamente amplo e iluminado, mais adiante a janela de vidro do chão ao teto completava o lugar mostrando toda a imensidão da cidade ao redor. O som de seus passos ressoou na madeira escura que percorria todo o ambiente que era pelo menos duas vezes maior que seu antigo apartamento. Ela foi atraída pela janela de vidro como uma mariposa é atraída por objetos

brilhantes. Aproximou-se tanto que pode observar a pequena nuvem de sua respiração condensar no vidro. Desde criança havia sido atraída por lugares altos, para desespero de sua tia. Havia sido o tipo de menina que preferia montanhas russas a carrossel, algo que apenas havia continuado com ela ao longo dos anos até estar intimamente ligado a sua personalidade. Não sabia explicar o motivo de sua atração, mas tinha uma suspeita de que era o perigo que a atraia, mesmo sabendo que aquilo podia feri-la de alguma forma não conseguia evitar a emoção que sentia de estar tão próxima de um precipício. Olhou pra baixo buscando os pequenos pontos negros que se moviam lá embaixo. Dali de cima ela não podia distinguir nenhuma daquelas pessoas. Não saberia dizer se era um homem ou uma mulher, se aparentavam estar felizes ou tristes. Dali de cima até mesmo seus problemas pareciam pequenos. Um sorriso espontâneo brincou em seus lábios e uma risada cresceu em sua garganta até ela não ser capaz de conte-la. Deu as costas para a magnífica paisagem, encontrando o olhar incompreendido de Dmítri preso ao seu, como se ele tivesse tentando mais uma vez desvenda-la. - Minha tia costumava dizer que o crime não compensa – disse Sophie enquanto girava o corpo observando todo o ambiente ao redor – Acho que ela esteve errada todo esse tempo. A expressão do homem a sua frente permaneceu impassível, Sophie acreditou que ele não era capaz de compreender uma piada, nem que ela lhe desse um soco na boca. A pequena pitada de alegria que havia sentido alguns minutos atrás desapareceu, como uma bolha de sabão estourada no ar. - Onde você quer que eu deixe seu terno – perguntou a garota tentando preencher aquele momento estranho entre ambos.

- Deixe em qualquer lugar – respondeu Dmítri, os olhos dele percorreram a sala como se ele também estivesse vendo o lugar pela primeira vez. Ele parecia estar tão deslocado quanto ela. Sophie caminhou com cautela até o gigantesco sofá no centro do ambiente, depositou ali o terno com cuidado percebendo que nada naquele lugar parecia ter aparência de ter sido usado. O sofá num profundo tom de cinza parecia ser feito de um tecido que lembrava camurça, não havia nenhum vinco nele ou ruga, como se ele tivesse chegado da loja apenas alguns minutos atrás. A imensa televisão na parede ficava acima de uma lareira a gás, e ela duvidava que havia sido ligada um único dia em sua vida. Não havia nenhuma poeira ali, nenhuma sujeira, mas também não parecia haver nenhum movimento ou presença. Aquele apartamento parecia ser tão estéril quanto seu dono. - Você deve estar cansada – disse Dmítri, passando uma das mãos pelo cabelo – Há um quarto hospedes na segunda porta desse corredor. Você pode descansar depois conversaremos. Sophie formulou as palavras de protesto em sua língua, havia uma parte dela que queria simplesmente ignorar tudo isso pegar o mesmo elevador que havia a deixado ali e voltar para sua vida, mas sabia que aquele era apenas um desejo infantil. Não sabia mais onde estava sua antiga vida. Sentia o cansaço como um cobertor sobre seu corpo, deixando seus movimentos mais lentos. Sabia que nenhuma conclusão que tomasse naquele momento de estresse poderia ajuda-la no futuro, portanto indo contra todo seu bom senso, ela se viu concordando com Dmítri e seguindo ele pelo corredor. Dmítri a guiou até a porta do quarto, esperou que ele lhe dissesse algo, qualquer coisa seria melhor do que aquele estranho e onipresente silêncio, mas seu desejo mais uma vez apenas foi frustrado, sem dizer uma única palavra, ele se afastou indo embora deixando-a completamente sozinha naquele lugar.

Sophie tentou não se sentir muito ofendida, afinal no momento ela tinha preocupações mais urgentes. Girou a maçaneta dourada se deparando com um dos quartos mais lindo que já havia visto em sua vida. Fechou a porta atrás de suas costas, e mesmo sabendo que era uma bobagem decidiu que se sentiria melhor se ela permanecesse trancada. Entrou no quarto encantada com tudo ao redor, suas paredes brancas ornavam perfeitamente com a mobília esparsa mais elegante. Havia uma gigantesca cama bem no centro da parede, em seus pés ficava um, havia uma lareira no quarto de ladrilhos brancos e ao seu lado um divã com estofado num profundo com bege. Seus pés foram abafados quando ela pisou num felpudo tapete, retirou os sapatos e deixou que seus dedos se perdessem naquela maciez. O silêncio não incomodou seus ouvidos, e pela primeira vez depois de um longo tempo ela conseguiu finalmente respirar aliviada. Apreciou a solidão daquele momento, sabendo que pelo menos ali dentro ela não precisava se preocupar com aparências. Esperou que uma onda de tristeza a engolfasse, mas enquanto permaneceu ali parada como uma estátua percebeu que não era capaz de sentir nada a não ser exaustão. Caminhou em direção a única outra porta do ambiente dizendo a si mesma que aquele era o resultado de um choque. Haveria bastante tempo para ela se sentir triste, mas no momento o que precisava era de descanso. A porta de seu quarto deu acesso a um banheiro luxuoso decorado num estilo provençal, a banheira com pés de gato parecia lhe convidar de maneira muito atraente, mas se acabasse entrando ali dentro tinha impressão de que acabaria dormindo ali mesmo e correria um sério risco em morrer afogado. Preferiu optar pelo chuveiro, desejando mais do que nunca se livrar daquelas roupas. Descartou o vestido assim como um sapato num canto qualquer, entrando no imenso boxe de vidro, e deixou que o potente jato de água fumegante escaldasse sua pele. Lavou os cabelos, e a pele de todo o corpo com força

tentando retirar qualquer vestígio do lugar onde estivera. Sua mente misturou as lembranças de tudo o que havia acontecido na noite anterior com Dmítri, o toque de suas mãos a boca quente dele sobre seu corpo, o desejo que havia sentido entre suas pernas, seu corpo reagiu como se ansiasse por viver aquilo tudo novamente e Sophie sentiu a vergonha deslizar por sua pele, como a água que caia ao seu redor. Permaneceu no jato de água até as pontas de seus dedos começarem a se enrugar, deslizou pra fora do chuveiro envolvida numa nuvem quente de vapor. Seus dedos acharam pendurados ao lado do boxe toalhas brancas e imensas. Ela se envolveu naquela maciez sentido o corpo limpo e perfumado. Enxugou o cabelo diante do espelho, penteando as mechas molhadas com os dedos. Atrás da porta encontrou um roupão branco e decidiu que seria melhor dormir envolta naquilo do que nada. Deslizou o felpudo tecido sobre seu corpo, amarrando frouxamente a tira sobre sua cintura e voltou para o quarto. Se divertiu desfazendo a cama, e escolhendo entre os inúmeros travesseiros ali qual seria o ideal para dormir. Deitou-se erguendo o alvo edredom até seu queixo, o tecido era macio, mas grosso o suficiente para fazer com que ela não sentisse frio, a fragrância era suave e divina, lembrava-lhe mel e camomila. A luz solar invadiu a janela do seu quarto, deixando o ambiente completamente iluminado, lá fora ela sabia que devia ser uma bela manhã de primavera, por um momento Sophie se questionou se seria capaz de dormir com toda aquela claridade, mas aquele foi seu último pensamento coerente antes dela deslizar para um sono profundo.

Sophie percebeu que o sono escapava, piscou os olhos enfiando o rosto ainda mais na pilha extremamente confortável de travesseiros tentando manter sua consciência longe da realidade. Ainda de olhos fechados, percebeu que embora sentisse o corpo dolorido como se tivesse corrido uma maratona já

tinha dormido todas as horas que seu corpo julgava necessário para se recuperar. Abriu apenas uma fresta em seus olhos se espantando que o quarto estava mergulhado no lusco-fusco do final da tarde. O sol já havia descido no horizonte, e a luz que invadia sua janela era acinzentada e trazia pouco claridade. Mexeu-se na cama espalhando por todos os lados travesseiros e almofadas até alcançar o interruptor do abajur, a luz dourada invadiu o recinto deixando o lugar iluminado, Sophie coçou os olhos tentando espantar o resto de sono que ainda parecia grudado em suas pálpebras. Tentou apurar seus ouvidos, tentando notar se era capaz de ouvir algum outro som vindo do resto do apartamento, mas tudo estava completamente silencioso e tranquilo. Suspirou profundamente olhando com anseio para os macios edredons e travesseiros emaranhados ao redor de suas pernas, desejando poder se enfiar ali debaixo e fingir por mais algumas horas que o mundo lá fora não existia, mas seus planos foram interrompidos quando um grunhido vindo do seu estomago a lembrou que também precisava se preocupar com outras prioridades. Levantou-se a contragosto tentando espantar a preguiça que parecia agarrada em seus músculos, deixou que os pés tocassem o chão de madeira e ficou surpresa quando um calor agradável se irradiou pelas solas esquentando até seu calcanhar, com o piso aquecido ela não precisaria se preocupar em andar ao redor daquele lugar e ficar com os pés gelados. Fechou a porta do seu quarto atrás de si, tentando fazer o mínimo de barulho possível, por algum motivo não se sentia confortável naquele lugar, como se ela fosse um tipo de hospede indesejado. Refez o único caminho que conhecia voltando pelo corredor, até a sala de entrada, todas as luzes ali

estavam acesas dando uma aparecia de que o lugar estava ocupado, embora o silêncio fosse completo. Seus passos a levaram de volta a sala, a noite havia caído sobre a cidade, a maioria das luzes estavam acesas no prédio como milhares de ponto coloridos, mas não foi isso que lhe chamou atenção. Sentado no sofá parecendo o dono da casa, usando a mesa de centro como um apoio para seu notebook estava Haru. - Então aparentemente você ainda está viva – disse o rapaz, seus olhos fixos na tela a sua frente, enquanto seus dedos deslizavam com uma velocidade insana pelo teclado. Sophie parou exatamente onde estava, seus olhos percorreram a sala buscando a figura de Dmítri, sentindo-se imediatamente nervosa quando percebeu que ambos estavam sozinhos. - Parece que você não está muito satisfeito com isso – respondeu Sophie apertando as lapelas de seu roupão para tentar se sentir mais tranquila. Os olhos de Haru desviaram pela primeira vez da tela do computador, observando-a sobre a borda, ele havia perdido completamente a fachada amigável que ele havia mostrado na primeira vez que se conheceram. Não havia considerado o homem diante dela uma ameaça, mas agora percebia que isso era exatamente o que ele havia desejado. Por um momento ela se perguntou qual seria a verdadeira identidade de Haru. - Depende do que você chama de satisfeito – respondeu o rapaz afastando-se do computador e cruzando os braços diante dele. Haru vestia-se de um jeito despojado embora, a camisa extremamente larga e o jeans claro lhe davam uma aparência jovem. Pareciam roupas simples que qualquer pessoa poderia usar no dia-a-dia, mas ela tinha certeza que em suas etiquetas estariam o nome das marcas mais famosas da moda – Vamos esclarecer algumas coisas

Sophie. Eu não confio em você, portanto vou prestar bastante atenção nos seus próximos movimentos. Ela sentiu o maxilar trincar enquanto rangia os dentes, tentando conter a raiva que ameaçava borbulhar seu sangue, estava começando a se sentir extremamente irritada por estar sempre sendo ameaçada de alguma maneira. - Desculpe se não pareço preocupada com sua ameaça, não é a primeira que recebi essa semana. Os olhos de Haru tornaram-se gélidos, dois pedaços de obsidiana fixos em sua direção. Sophie precisou manter toda sua força de vontade para não desviar seu olhar, ou mostrar-se assustada. - Você parece bastante acomodada aqui – disse Haru, seus olhos escuros percorrendo sem nenhuma preocupação o roupão que ela estava usando – Não quero saber que tipo de jogo você está praticando, mas se fizer qualquer coisa pra prejudicar meu irmão, apenas sabia que eu não sou uma pessoa misericordiosa. - Seu irmão?... A porta do apartamento se abriu deixando aparecer a figura de Dmítri. Por um momento ele pareceu surpreso enquanto deixava seu olhar se fixar em ambos, mas logo se aproximou trazendo uma sacola branca em uma das mãos. - Pensei que já tivesse ido embora Haru – comentou Dmítri, passando por eles, depositando a sacola na mesa de jantar que ficava no cômodo a seguir. - Eu já estava de saída – respondeu Haru, fechando seu laptop jogando ele de qualquer forma na bolsa que estava a seus pés – Estava, apenas aqui trocando algumas ideias com Sophie. Os olhos de Dmítri voltaram em sua direção, eles pareciam alertas e

continham uma pergunta não pronunciada, Sophie desviou o olhar tentando se esforçar para soltar lentamente os dedos que haviam se transformado em garras na lapela de seu roupão. Sem lançar mais nenhum olhar em sua direção Haru levantou-se caminhando até Dmítri, embora tivessem a mesma estatura Sophie não pode deixar de notar como Haru aparentava ser mais esguio, embora ela tivesse uma suspeita que dificilmente sob aquelas roupas largas encontraria um copo de um sedentário. - Deixei as informações que me pediu no seu quarto – informou Haru, ignorando Sophie completamente agora – Shiro, não vá fazer nenhuma besteira. Incapaz de conter sua curiosidade Sophie percebeu como o rosto de Dmítri pareceu se tornar concentrado, ela reconhecia aquele olhar de determinação no rosto dele. Dmítri correu os dedos pelo cabelo respondendo em uma outra língua, deixando com que ela se sentisse ainda mais uma intrusa. Concentrou seu olhar nos seus pés, e pensou se aquela não era uma boa oportunidade de voltar para seu quarto, mas logo a conversa terminou sem que ela fosse capaz de entender uma única palavra, e Haru saiu do apartamento sem nem mesmo se preocupar em olhar em sua direção.

CAPÍTULO 11 A porta se fechou sem nenhum ruído deixando Sophie mais uma vez sozinha com Dmítri, voltou sua atenção para onde ele se encontrava e percebeu o loiro percorrer a elegante sala de jantar, puxando cadeiras colocando pratos e copos sobre a mesa como se aquela fosse apenas mais uma tarefa diária corriqueira. O nervosismo pareceu se afrouxar em sua barriga, e ela se aproximou se sentindo atraída pelo delicioso aroma de comida fresca que percebera vinha da sacola que Dmítri havia trazido. - Não ligue para as coisas que o Haru diz – comentou Dmítri, tirando da sacola brancas vários vasilhames de comida – Ele é paranoico. - Agora faz todo sentido – respondeu Sophie seus dedos se prendendo na parte de trás de uma das elegantes cadeiras que faziam conjunto na mesa de jantar – Ele me ameaçou, por que de alguma forma sou uma ameaça para o irmão dele, que eu tenho certeza de que não conheço. Os olhos de Dmítri se encontraram com os dela por sobre a comida, por um momento que passou rápido demais, ela podia jurar que havia um brilho de diversão por trás do cinza de tempestade. - Haru é meu irmão. Sophie tentou conter o espanto em seu rosto, mas percebeu que seria tarde demais porque seus lábios já estavam abertos de incredulidade.

- Mas vocês são.... Quero dizer claramente ele tem descendência asiática e você... - Não somos irmãos biológicos – explicou Dmítri enquanto colocava ao lado dos pratos talheres prateados extremamente belos – Mas, isso não faz diferença nenhuma pra nós. Sophie tentou conter a curiosidade que assomou no ponto mais distante de sua mente. Tudo no homem diante dela parecia envolto numa aura misteriosa, que embora ela não soubesse o motivo queria mais do que qualquer coisa desvendar. - De qualquer forma – disse Sophie tentando manter seus pensamentos controlados – Ele acredita que sou uma ameaça pra você. - Ele não está completamente errado, mas resolvi que no atual momento prefiro ficar com minhas chances. Dmítri estava parado na extremidade mais distante da mesa, as luzes das salas incendiam diretamente sobre seus cabelos deixando-os ainda mais dourados, as mechas estavam ainda úmidas, ela precisou conter o fôlego quando seu coração disparou em seu peito, quando o olhar dele se fixou completamente nela. - Você não confia em mim – disse Sophie, a afirmação não passou de um sussurro entre ambos. - Acredito que depois de tudo o que aconteceu entre nós o sentimento é mútuo. - Justo – respondeu Sophie tentando conter o sorriso que brincou em seus lábios. - Espero que esteja com fome.

Como se tivesse de prontidão, seu estômago escolheu exatamente aquele momento para reclamar. Tentou não se sentir extremamente mortificada quando percebeu que Dmítri poderia ter ouvido o quanto de fome ela estava. Eles se sentaram à mesa diante um do outro, era algo estranho para Sophie usar um móvel daquele tamanho apenas para duas pessoas, mas o homem diante dela não parecia nem um pouco incomodado. Sem perder tempo Dmítri destampou uma a uma, a variedade imensa de vasilhames, o cheiro divino de comida, assim como o vapor varreu o ambiente deixando Sophie literalmente com água na boca. - Espero que goste de comida italiana. Havia lasanha, nhoque ao sugo, macarrão a carbonara, e outros tipos de pratos da culinária italiana, que ela nem ao menos era capaz de reconhecer. Sentiu vontade de experimentar um pouco de cada, apreciando os diversos sabores, mas a vergonha a impediu. Serviu-se de um generoso pedaço de lasanha, enquanto Dmítri, preferia macarrão ao molho pesto e brócolis. Eles comeram em um silêncio que não era desconfortável. Os olhos dela se desviaram mais uma vez para a sacola que estava esquecida de qualquer maneira sobre a mesa, a logomarca em relevo de um famoso restaurante da cidade estampava sua superfície, ela não sabia que era possível encomendar comida num lugar tão sofisticado quanto a aquele, mas aparentemente o poder do dinheiro parecia não conhecer limites. O sabor delicioso do queijo e a massa cremosa, explodiu em sua língua. Em tempo recorde, ela terminou sua porção, e decidiu que ainda havia espaço para algo mais, decidindo que dessa vez iria experimentar o nhoque. A cadeira de Dmítri raspou levemente o chão enquanto ele se levantava e ia até a geladeira, abriu sua porta e de lá tirou uma garrafa de vinho num tom profundo de verde. Sophie o observou com os olhos quase semicerrados, não

queria ser pega o observando de forma tão constante, mas também não era capaz de suprimir a vontade de acompanhar seus movimentos, e tentar descobrir um pouco sobre o homem diante dela. Com habilidade Dmítri abriu a garrafa de vinho, fazendo um estrondo audível quando a rolha explodiu no ar, casualmente ele voltou para a mesa, colocando uma taça translúcida a frente de Sophie e completando-a até a metade com um vinho num tom profundo de vermelho escuro. Os dedos dela se fecharam sobre o cabo da taça, a leveza do material indicou que aquilo não era vidro, deixou que o líquido rubro encostasse em seus lábios, mas ordenou a si mesma a ir com calma. Definitivamente ficar bêbada perto de um homem como ele, não era uma opção segura naquele momento. Dmítri voltou a sentar em seu lugar embora agora sua atenção tivesse plenamente voltada em sua direção. Com dedos longos ela observou ele girar o vinho em sua taça, enquanto o bebericava. Por um momento ele pareceu perdido em pensamentos, o olhar dela se desviou para seu prato notando que ele parecia mal ter tocado na comida. O desconforto que já estava se tornando algo costumeiro pareceu preencher seu estômago. Ela podia sentir a tensão crescendo entre eles, até ficar tão espessa que poderia tentar corta-la com a faca que estava em suas mãos. - Você não parece estar com fome – comentou Sophie, esperando que aquilo não fosse algo muito ingênuo de se dizer – Há algum problema? Ele deixou a pergunta se pendurar entre eles, Sophie sentiu que apertava a taça em suas mãos com um pouco mais de força do que precisava, e havia se deslocado um pouco mais perto da extremidade de sua cadeira. Como se aqueles pequenos gestos pudessem conter seu nervosismo. - Parece que alguns homens de Domenico Bianchi, estiveram fazendo perguntas sobre você. Parecem estar bastantes interessados no seu paradeiro, depois da sua curta estada na casa noturna do filho dele.

- Eu não sei porque ele poderia ter algum interesse em mim – respondeu Sophie, tentando conter o medo que se agitou em seu coração – Nós apenas trocamos algumas palavras, duvido que ele iria se interessar por uma antiga funcionária. Os olhos de Dmítri prenderam-se ao seus, como se ele tivesse esperando encontrar ali alguma mentira. Sophie os encarou de frente, sabendo que tudo o que dizia era verdade, embora aquela verdade estivesse sendo moldada de acordo com sua vontade. - Haru acha que você está mentindo – respondeu Dmítri depois de levar o que havia sobrado do vinho aos lábios. Ela precisou focar seus pensamentos para que eles se mantivessem longe de seus lábios agora ainda mais rosados – Está frustrado, porque não conseguiu encontrar nada de incriminador sobre você. Até mesmo a história sobre sua família é verdade. - É por isso que ele estava aqui? – perguntou Sophie sem conseguir esconder a irritação em sua voz – Veio te entregar um dossiê meu? - Basicamente, eu precisava tentar descobrir o máximo de coisas ao seu respeito, não posso tomar uma decisão sem ter conhecimento de todas minhas opções. Mas, a verdade é que você é um beco sem saída, portanto eu decidi conversar com você. Descobrir quais são de verdade suas intenções. - Por que você acha que eu tenho algum interesse em você? – as palavras soaram firmes em sua língua, embora ela sentisse suas pernas trêmulas como macarrão na água. Sabia que naquele momento a caminhava que fazia era sobre uma fina camada de gelo. - Porque você ainda está aqui. – respondeu Dmítri. A ponta de seu garfo cutucou um pedaço que havia sobrado de comida em seu prato, bebericou mais um pouco do vinho sentindo ele esquentar seu corpo.

- Então essa é sua ideia de conseguir informações minhas? – perguntou Sophie, demonstrando uma tranquilidade que ela não sentia – Um jantar casual. - Eu estava com fome – respondeu Dmítri dando de ombros tranquilamente – E precisávamos conversar de qualquer maneira. - Essa é uma proposta unilateral? - perguntou Sophie. - O que quer dizer com isso? – respondeu ele estreitando seu olhar gélido. - Apenas que não é justo que eu responda todas suas perguntas como se isso fosse um interrogatório. Não sei, mais o que posso fazer pra que você acredite que eu não sou uma ameaça. - Se acredita em algo como justiça então é apenas uma garota ingênua. Pensei que depois de seu encontro com Tiziano essa seria uma característica que você teria perdido. Mas, se quer falar sobre sensatez, então dependendo de sua honestidade podemos chegar a um acordo. - Que tipo de acordo? – perguntou Sophie de maneira cautelosa. - Os homens de Bianchi estão te procurando, e acredite em mim isso não é algo positivo pra você – respondeu Dmítri de maneira séria – Além disso, eu não acredito completamente na palavra de Tiziano, ele pode muito bem resolver ir atrás de você e chantageá-la novamente, se decidir que terá mais a ganhar com isso. Eu posso protege-la disso.... Se você não for uma ameaça pra mim. O coração dela saltou em seu peito como uma corça perseguida por um predador, seu cérebro tentava processar todas aquelas informações enquanto ela tentava manter sua expressão controlada. - Por que você faria isso? – perguntou Sophie sua voz não passando de um sussurro – Por que me protegeria?

- É o justo, salvou minha vida – respondeu Dmítri, servindo-se de mais vinho. - Você não é ingênuo. Não acredita em justiça. Os olhos de Dmítri se fixaram nos seus de maneira insistente, ela se debruçou diante da mesa, traçando as mãos diante de seu corpo. A camiseta preta que ele usava ajustou-se em seu corpo, deixando que ela reparasse em toda sua forma, enquanto tentava controlar a atração que sentia por ele. - Depois de ontem, você vai ser alguém que será associada a mim. E isso pode trazer uma indesejada atenção. - Você tem inimigos? – perguntou Sophie tentando conter seu interesse. - Eu sou um mafioso, acho que você já sabe a resposta pra essa pergunta. A sinceridade dele, fez com que em o nervosismo crescesse em seu interior mordeu o lábio inferior enquanto recostava suas costas na cadeira, tentando colocar em ordem os pensamentos em sua cabeça. - Então eu respondo algumas perguntas e ganho sua proteção? Simples assim? - Temporariamente sim – respondeu Dmítri cruzando os braços em frente ao seu tronco - Isso é claro se você me convencer de que não é uma ameaça. Sophie desviou o rosto deixando que seu olhar pousasse na imensa janela que preenchia todo o cômodo, mesmo aquela distancia ela podia observar as luzes da cidade, sabia que lá embaixo o ritmo caótico agora estaria apenas intensificado com a chegada da noite. Observar aquela paisagem sempre lhe trazia uma sensação de tranquilidade, o fluxo continuo das coisas, o interrupto ir e vir, dava-lhe uma sensação de segurança, como se tudo ali ao redor fosse existir para sempre.

Havia desejado apenas uma oportunidade para estar ao lado daquele homem, concluir seu objeto, conseguir sua vingança com as próprias mãos. Os pensamentos se desviaram até as lembranças de Fabrizio, o sorriso dele o jeito que seus olhos se apertavam nos cantos, tudo estava lentamente de esvaindo de sua mente, tornando-se mais embaçado era como tentar segurar água contra os dedos, e a culpa disso era do homem sentado diante dela como se fosse um rei. Não poderia ter previsto nada daquilo, nada no mundo poderia ter a preparado para a loucura que sua vida havia se transformado, mas sabia que não seria capaz de desistir. Em algum ponto que não conseguia se lembrar com clareza, havia atravessado uma linha, deixando para trás toda a segurança, e conforto de sua antiga vida. Agora seu mundo era cinzento, certo e errado eram apenas conceitos tão mutáveis quanto os desejos das pessoas. Não queria fazer o certo, não se importava mais se o errado iria lhe condenar. Diante dela havia uma oportunidade, iria aceitá-la, e usar aquilo a seu favor. - O que você quer saber? – Os olhos dela se desviaram da janela focando-se no homem a sua frente. Agora que tomara sua decisão sentiu ela se acomodar em seu peito irradiando uma calma que recaiu sobre todo seu corpo. Não se daria o luxo de arrependimentos. - Sophie é mesmo seu nome? – perguntou Dmítri, seus olhos tão brilhantes quanto uma das luzes na cidade lá fora. Ela percebeu que ele estava completamente concentrado em sua figura. Um sorriso brincou nos cantos dos seus lábios, havia se preparado para mentir, mas aquela era uma pergunta que ela poderia responder de maneira sincera. - Pensei que Haru tinha vasculhado o bastante da minha vida, para saber meu nome de verdade. - Os papéis podem ser falsos – respondeu Dmítri simplesmente dando de

ombros – Sua família na Flórida poderia muito bem ser um disfarce elaborado. - Você acaba de contar a sinopse de algum filme de espionagem – rebateu Sophie servindo-se de mais um gole de vinho, o sabor encorpado deslizou sobre sua língua enquanto um calor delicioso se concentrava em suas bochechas – Não sou uma agente secreta ou coisa do tipo. Aquela é realmente minha família, embora quanto ao nome, possamos dizer que há uma pequena discrepância. O olhar de Dmítri se tornou mais sério, ela não conseguiu resistir a sorrir abertamente quando uma das sobrancelhas dele se ergueu em incredulidade. - Meu nome é Sophia, com a letra A no final – disse a garota colocando os cotovelos sobre a mesa, os cabelos roçaram em seu rosto com o movimento, Mas, quando me mudei pra cá ninguém me chamava desse jeito. Então acabei virando Sophie. Ás vezes até me esqueço desse detalhe. - Você é uma imigrante ilegal – disse Dmítri, sua voz tinha um tom de afirmação, como se ele não tivesse dito aquilo como uma pergunta. - Sim, assim como toda minha família – respondeu a garota, o vinho havia deixado sua cabeça mais leve e sua língua mais solta, em alguma parte de seu cérebro ela sabia que aquilo era algo perigoso, mas não conseguia se importar naquele momento – Bem, menos minha prima mais nova, ela nasceu aqui então tecnicamente ela é americana. A propósito eu sou brasileira. - Ah, então é daí que vem o sotaque – respondeu o homem a sua frente sorrindo de maneira sincera. - Não me olhe dessa forma, meu sotaque é quase imperceptível. - Se você está dizendo. Sophie bebeu um pouco mais do vinho até novamente deixar a taça vazia,

tentando ignorar a onda de calor que havia se alojado em suas bochechas, o fato de ter um leve acento sobre sua fala sempre a deixava constrangida. Uma das coisas que ela nunca havia se recuperado no colegial. - Nem todos podemos ser como você, - disse a garota tentando controlar sua vontade de agarrar a garrafa de vinho, usar seu gargalo bebendo o líquido diretamente dali – Ser um estrangeiro, e ter uma dicção perfeita. - Quem te disse que eu sou estrangeiro? – perguntou Dmítri, o olhar dele tinha um leve brilho de diversão que ela achou difícil de ignorar. - Mas... Seu nome é russo – disse Sophie confusa. - Eu tenho descendência russa, mas também nasci em solo americano. Portanto tenho nacionalidade dos dois países. E só pra constar sei falar fluentemente em ambas as línguas. Sem sotaque. - Também é rico – respondeu Sophie deslizando uma das mãos mostrando o apartamento ao redor – Sem contar no cabelo que pode matar qualquer mulher de inveja, e nos olhos exóticos. Será que é nesse momento que eu me jogo aos seus pés? Eu até faria isso, mas seu ego gigantesco está no meio do caminho. A risada de Dmítri preencheu o ambiente, como um sino balançando delicadamente. O som foi tão bonito e espontâneo que Sophie percebeu que havia sorrido de maneira sincera, pela primeira vez em muito tempo, e desejou poder ouvi-lo novamente. Pela primeira vez o olhar de Dmítri desviou-se dela, como se dessa forma ele pudesse se manter distante, a atmosfera que apenas alguns segundos atrás parecera tão descontraída e tranquila desapareceu como uma bolha de sabão. Quando ele voltou a falar, sua voz havia adquirido o tom firme de um interrogatório.

- Por que você trabalhava para Domenico Bianchi? Sophie mordeu os lábios tentando manter a calma, sabia que não podia mentir precisava que ele confiasse nela, portanto precisava lhe contar uma parcela da verdade, ocultando aquilo que era importante. - Eu saí da casa dos meus tios, quando minha prima nasceu – respondeu a garota, concentrado seu olhar no prato diante dela – As coisas tinham ficado difíceis com o nascimento dela, as despesas aumentaram e eu não queria dificultar as coisas ainda mais. Me mudei pra cá achando que seria mais fácil conseguir um emprego. Foi ingenuidade da minha parte, sendo uma imigrante ilegal. Foi sorte ter sido contratada como uma faxineira no clube de Domenico, mafiosos tendem a não ligar sobre o fato se você é uma imigrante desde que você faça seu serviço e olhe para o outro lado. O coração batia de maneira pesada em seu peito, tudo o que acabara de dizer era a verdade, apenas tinha omitido o fato de que havia sido Fabrizio, que havia conseguido o emprego pra ela. - Quanto tempo você trabalhou pra ele? - Seis meses, faz apenas um ano que cheguei a cidade. - Foi por isso que você estava me procurando? – perguntou Dmítri – Era alguém dali que você queria matar? Ela ergueu seu olhar trincando seu maxilar enquanto encarava o homem diante dele. Dmítri parecia calmo e contido e ela detestou o fato dele permanecer tão inabalável enquanto o ódio fazia seus membros tremerem. - Não – respondeu a garota, a palavra saindo de seus lábios como um sibilo. - Quem era o alvo? - Por que você está interessado agora? – rebateu Sophie – Disse que eu não

tinha como pagar seus serviços. - Porque tudo sobre você me interessa Sophia. O jeito que ele disse seu nome de verdade, a forma como soou quase como uma promessa provocou calafrios que percorreram todo seu corpo. Engoliu em seco incapaz de formular uma resposta enquanto observava Dmítri se levantar de sua cadeira e caminhar em sua direção. Os olhos dela percorreram seu corpo com avidez, a maneira que o jeans negro cobria suas coxas apertando seu traseiro, os coturnos extremamente masculinos e gastos em seus pés, até seu tórax onde a camiseta de gola vertical abraçava seu corpo delgado como uma segunda pele. Tudo nele era belo e letal, seu caminhar era elegante convicto, a imagem de um predador brilhou num canto da mente de Sophie deixando que a saliva em sua boca ficasse áspera como areia. Parou diante dela obrigando-a a ter de erguer o pescoço para encarar seu olhar que pareceu adquirir um tom prateado quando a luz da sala refletiu sobre ele, quase como se fosse mercúrio líquido. Um senso de autopreservação cresceu dentro da garota que queria se levantar e sair dali, sair do alcance daquele homem, mas seu corpo se recusou, como uma corça apanhada de surpresa na frente das luzes mortais do farol de um carro. Os dedos de Dmítri passearam por seu rosto, tão delicados que ela mal pode sentir seu toque sobre sua pele, deslizando sobre sua bochecha até alcançar a ponta do seu queixo. - Você realmente não tem ideia não é mesmo? Não sabe o que se passa em minha cabeça, quando penso que você estava lá fora me procurando. O quanto isso me deixa excitado.

Ela não conseguiu lhe responder, o coração era um tambor batendo num ritmo contínuo em seu peito, abafando o som de seus próprios pensamentos em sua cabeça. - Porque uma garota como você, iria precisar de um assassino? – sua voz tão baixa, caindo sobre ela como uma garoa fina e persistente – Quem você gostaria de matar? Sophie fixou seus olhos nele tão longamente que por um momento ela imaginou se ele poderia enxergar ali a verdade escondida em suas pupilas. Poderia ele ler em seu olhar a verdade para aquela resposta. - Não vai me dizer? – insistiu Dmítri os dedos pressionando seu queixo mantendo seu olhar cativo ao dela. O silêncio se prolongou entre eles, desviou o olhar do homem diante dela trincando o maxilar para manter os pensamentos firmemente presos atrás de sua língua. - Então é até aqui onde vai sua confiança. - Eu seria apenas uma garota ingênua se confiasse plenamente em você – respondeu Sophie ainda sem encara-lo. - Você aprende rápido – os dedos de Dmítri deixaram sua pele, e Sophie imediatamente sentiu falta do toque dele. Afastou esses pensamentos que não passavam de algo incômodo, prendendo os dedos nas abas de seu roupão. O gesto pareceu chamar atenção de Dmítri. Os olhos dele se prenderam na peça que ela usava, e de repente Sophie sentiu-se extremamente desconfortável, lembrando-se que aquela era a única peça de roupa que usava no momento. Como se também estivesse desconfortável, Dmítri correu os dedos por seu cabelo, afastando as mechas de seus olhos, Sophie apertou ainda mais os punhos tentando conter o impulso nada favorável de sentir novamente a

maciez de seus cabelos. - Amanhã resolveremos o problema de suas roupas, por enquanto eu posso te emprestar alguma coisa. Sem esperar uma resposta, ele virou as costas indo em direção ao corredor como se esperasse que ela o seguisse. Por um momento Sophie permaneceu parada na cadeira, confusa demais com a mudança de assunto, mas por fim conseguiu se recuperar e correu para acompanha-lo. Dessa vez eles percorreram todo o extenso corredor, ao final dele Sophie notou as portas duplas que separavam todo o lugar do restante da casa, como se aquela fosse uma parte mais reservada. Sentiu o nervosismo agitar seu estômago, quando percebeu que entraria no quarto de Dmítri. O sentimento era estranho e juvenil demais, decidiu que iria ignora-lo completamente e aproveitar aquela oportunidade para estudar o lugar buscando ali uma fraqueza, qualquer coisa que pudesse usar em seu benefício próprio. Dmítri abriu as portas sem nenhuma cerimônia, adentrando o lugar de maneira tranquila. O ambiente estava completamente mergulhado na escuridão, mas luzes automáticas se acenderam assim que ele deu passos curtos dentro do quarto. Sophie deixou que seus olhos se acostumassem com a luminosidade e sentiu o espanto tomar conta de seu rosto, quanto mais seus passos a levavam quarto a dentro. O lugar parecia completamente estéril, e vazio. As paredes exibiam um branco fosco comum, mas não havia nenhuma mobília, com exceção do imenso colchão jogado de qualquer maneira no chão e encostado a parede. Travesseiros e um edredom estavam jogados de qualquer maneira na cama improvisada, sua cor num profundo tom de preto parecia contrastar com todo o lugar ao redor. Incapaz de compreender a imensa ausência de coisas ao redor, Sophie caminhou pelo quarto, ouvindo o som leve produzido pelos próprios passos. O frio penetrou pelo tecido do roupão, e ela percebeu que ali

o sistema de ventilação era mais potente, o ar frio produzido pelo arcondicionado deixava todo o lugar gélido. A esterilidade de todo o ambiente deixou-a nervosa, como se aquele lugar refletisse um pouco de Dmítri, e ela não gostou nenhum um pouco do que encontrou ali. Como se o homem diante dela fosse tão vazio quanto aquele quarto. De costas para ela sem perceber sua inquietação Dmítri estava parado diante de uma porta aberta, Sophie percorreu o pequeno espaço que os separavam entrando num closet nada modesto e completamente masculino. Num espaço que era maior do que o antigo banheiro de sua casa, prateleiras num profundo tom de madeira preenchiam as paredes exibindo uma coleção variada de roupas. Camisas sociais, calças de alfaiataria, jeans e blusas compunham um guarda-roupa amplo e de extremo bom gosto, embora ela não pudesse deixar de notar que as cores predominantes eram o preto o cinza e as suas variações. Não havia cores alegres e vibrantes ali. Por um momento ela teve vontade de lhe perguntar se ele tinha algo pessoal contra o arco-íris. Os dedos de Dmítri percorreram suas roupas, como se ele tivesse indeciso do que poderia dividir com ela, para Sophie qualquer coisa ali estava de ótimo tamanho, e seria uma melhor opção do que continuar andando pelo apartamento nua, ou usando apenas aquele roupão embora ele fosse mil vezes mais confortável do que qualquer uma de suas roupas. Sem nenhum tipo de cuidado Dmítri retirou das prateleiras algumas camisetas, espalhando-as de qualquer forma, sem dobra-las para devolve-las em seu lugar. Ela se perguntou em silêncio se haveria alguma pessoa responsável por cuidar de todos os afazeres daquela casa. - Aqui, acho que essas podem servir, são o menor tamanho no meu guardaroupa – disse Dmítri entregando-lhe duas camisetas simples e brancas. Os dedos de Sophie tocaram o tecido sentido a maciez, o cheiro delicado de roupa recém lavada invadiu suas narinas, ela sorriu timidamente tentando

imaginar um homem como aquele estendendo roupa num varal. A imagem foi tão hilária e ridícula que ela precisou conter o desejo de rir em voz alta. - Branco? – perguntou a garota tentando provoca-lo de alguma forma – Essa é a cor que você escolheu pra mim? - Por que? Você não gosta? Sophie não conseguiu conter o sorriso que brincou em seus lábios, a expressão dele diante de sua pergunta parecia sinceramente confusa e quase constrangida. - Não tenho nada contra – respondeu a garota deslizando os dedos sobre a peça, sentindo a maciez do tecido de algodão natural – Mas, é verdade que não costumo ter quase nada nessa cor. Muito trabalhoso. - Eu nunca reparei em algo como isso. – respondeu Dmitri parecendo bastante surpreso. - Falou como um homem que nunca lavou uma única peça de roupa na vida. – disse Sophie abraçando as camisetas contra o corpo, e sorrindo – De qualquer, forma obrigada. Realmente serão úteis. O silêncio entre eles cresceu, fazendo com que o sorriso de Sophie morresse em seus lábios, de repente ela percebeu como Dmítri estava próximo, tentou afastar-se, mas seus calcanhares tocaram a parede atrás dela, o closet que minutos antes havia parecido imenso agora era um lugar que parecia pequeno demais para a presença de ambos ali. - Acho que acabei escolhendo a cor das roupas de maneira proposital sem perceber – comentou Dmítri sua voz soando tão baixa que Sophie teve dificuldade em ouvi-lo. - O que? – perguntou a garota confusa.

- Quando estava procurando a meu respeito, você não descobriu como eles costumam me chamar? – perguntou Dmítri se aproximando ainda mais dela, seus dedos agora percorrendo as lapelas de seu roupão. - Shiroi Akuma – respondeu Sophie – Embora eu não saiba por que. - É minha alcunha. Em japonês significa Demônio Branco. Talvez ao te dar minhas camisetas brancas, eu esteja querendo dizer que quero que você seja minha. Sophie sentiu o coração explodiu em seu peito, tentou controlar o espanto em sua expressão, tentando compreender completamente o significado daquela informação. - Você me surpreende Sophie, esse é o tipo de coisa que não havia passado por sua cabeça? Eu sei que você aproveitou a noite de ontem tanto quanto eu. - Me desculpe se eu estava tão nervosa com tudo acontecendo ao meu redor que não tive tempo de pensar na minha vida sexual – respondeu a garota irritada que suas bochechas estivessem vermelhas. - Você tem tempo para pensar agora – respondeu Dmítri simplesmente – Você vai ficar na minha casa durante esse mês enquanto vou protege-la, esperando que o interesse sobre você esfrie um pouco. Dessa forma poderíamos aproveitar nosso tempo juntos. A raiva vibrou em seu sangue, deixando os cantos de sua visão vermelhos, os dedos cavaram nas camisetas em sua mão tentando conter o tremor involuntário. - Esse então é o preço de sua proteção? Você acha que porque me comprou ontem a noite eu posso ser sua pros... - Eu não preciso de uma prostituta Sophie – respondeu Dmítri a interrompendo – Não sou um homem acostumado pagar por sexo, realmente

não preciso disso. Então faça um favor a si mesma e não se ofenda. O gosto acre invadiu sua língua, quando ela percebeu que a havia mordido. Fechou os olhos tentando conter a onda de sentimento que parecia afogar seu coração, enquanto tentava manter seus pensamentos em ordem. - Por que? – perguntou a garota num fio de voz colocando toda sua incredulidade naquelas palavras – Por que eu? - O que é tão difícil para você entender? – perguntou Dmítri usando a ponta de seus dedos para erguer seu rosto fazendo com que ela o encarasse – Eu sou um homem, e você é uma mulher atraente, não me parece algo complexo. Sophie balançou a cabeça numa negativa sentindo os fios de seu cabelo se agitarem contra seus lábios. As palavras eram uma massa confusa em sua cabeça e naquele momento era incapaz de formar uma frase coerente. - O que foi? – insistiu Dmítri forçando que ela olhasse em seus olhos – Você se arrependeu do que aconteceu ontem a noite entre nós? Não quer que se repita. Basta me dizer Sophie e vou me afastar de você. Ela pensou que a negação chegaria rápido a seus lábios, mas as palavras continuaram desaparecidas de sua língua, como se no fundo ela não tivesse nenhuma vontade de negar nada aquele homem. Seu corpo parecia ansioso por seu toque, os bicos de seus seios estavam sensíveis demais enquanto sua respiração acelerada os forçava a roçar contra o tecido do roupão. O aperto de Dmítri tornou-se mais intenso quase doloroso, seu pescoço foi inclinado para trás, e a única coisa que ela pode enxergar era a figura dele assomando sobre a sua em todo seu esplendor. - Diga-me que você não me deseja Sophie. A voz dele estava mais profunda, provocando seus sentidos, em algum canto de sua mente ela percebeu que seus dedos haviam soltado as camisetas, e

agora elas estavam caídas sobre seus pés, enquanto suas mãos haviam buscado o peito dele como apoio. - Eu desejo você completamente – disse Dmítri, aproximando seus rostos, deixando que seu hálito quente brincasse em seu pescoço – Quero sentir seu corpo novamente, a maciez de sua pele a firmeza dos seus seios, me enlouquece saber que debaixo desse roupão você está completamente nua. Você está molhada Sophie? As mãos dele deixaram seu queixo, rodando o contorno do seu corpo, pairando sobre sua cintura, ela sentiu a virilha dele ser pressionada contra seu corpo, sentindo seu membro inchado, fazendo com que o calor entre suas pernas se tornasse quase insuportável. - O que você quer Sophie? – provocou Dmítri, enquanto suas mãos acariciavam o topo de suas nádegas – Diga-me. - Você... Eu quero você. As palavras deixaram seus lábios como um sussurro, e no próximo segundo ela sentiu seus lábios serem dominados pelo beijo de Dmítri, o gosto de vinho em sua língua deixou um rastro quente que pareceu queima-la por dentro. Dessa vez não houve surpresa, a necessidade que havia dentro dela apenas aceitou a fúria já conhecida de seus lábios, do jeito que sua língua invadiu sua boca, sem esperar por seu consentimento. Sentiu os pés serem erguidos do chão, seu corpo foi carregado com extrema facilidade, ela não se importou nem um pouco para onde eles estavam indo, seu corpo apenas ansiava se livrar daquele roupão e sentir todo o toque dele sobre seu corpo. Os dedos dela se tornaram mais ávidos, ela deslizou suas mãos pelas costas dela, sentindo os músculos se retesarem debaixo de sua camisa, enquanto um gemido gutural vibrava em sua garganta.

Rápido demais o beijo foi interrompido, o ar invadiu seus pulmões enquanto ela piscava várias vezes percebendo que eles haviam parado apenas alguns passos do colchão no quarto ao lado. - Boa garota – murmurou Dmítri ainda a abraçando enquanto beijava sua têmpora. - Por que você parou eu pensei que... - Não vou leva-la pra cama hoje Sophie. – respondeu o homem que a tinha em seus braços olhando profundamente em seus olhos – Não me falta vontade, mas quero que você esteja totalmente segura sobre nosso acordo. Quero que você deseje isso tanto quanto eu. Sophie sentiu a vergonha inundar seu sistema, apagando toda a luxúria que parecia ter consumido toda a sanidade de seus pensamentos; como podia arquitetar um plano para matar aquele homem, se bastava um toque dele para que ela perdesse completamente toda sua concentração? - Volte para seu quarto. Descanse – disse Dmítri interrompendo sua linha de pensamento –Não precisamos ter pressa alguma. Sophie concordou com um aceno de cabeça, naquele momento seus pensamentos estavam muito confusos e muito distantes. Ela voltou para o closet onde havia deixado cair as camisetas, recuperou ambas e se encaminhou para sair daquele quarto. Seus dedos tocaram a maçaneta das portas duplas, mas sua atenção voltou para Dmítri que continuava parado no mesmo lugar onde ela havia deixado. Seus olhos estavam tempestuosos e fixos em sua direção, precisou lutar contra toda a atração que ele exercia sobre ela puxando em sua direção para deixar aquele quarto para trás, enquanto tentava ignorar a parte de sua mente que lhe dizia que independente do caminho que estivesse trilhando ambos estavam condenados.

CAPÍTULO 12 Sophie não sabia dizer com exatidão como havia alcançado seu quarto. Deitada na cama, observando o sol entrar gradativamente pela janela, tentando encaixar as embaçadas lembranças no lugar como um quebra-cabeça que estava faltando peças. Culpava o vinho, que fazia parecer com que seu cérebro estivesse envolto em algodão, e os beijos de Dmítri que haviam tirado todo o pensamento coerente de seu corpo. Um suspiro pesaroso escapou por entre seus lábios. Virou-se na cama sentindo a maciez da camisa percorrer seu corpo, enquanto deitava de costas deixando que seus olhos encarassem o teto perfeito acima de sua cabeça. Sentia-se como uma criança mimada, que tentava buscar em sua imaginação algo que pudesse usar como uma desculpa para permanecer na cama e faltar a aula. Não havia mais nenhum pingo de sono em seu sistema, mas ela continua ali procrastinando evitando o momento em que teria de continuar com o dia, ignorando a luz do sol que continuava seu curso interrupto incapaz de se importar com ela. Precisava tomar uma decisão, arquitetar um plano, sabia que nada aconteceria se continuasse ali deitada naquela cama, mas não sabia para onde ir, e dar o primeiro passo era assustador. Antes de conhecer Dmítri estivera tão certa em sua convicção de que ele deveria morrer, havia dito pra si mesma que aquilo seria justiça. Após a morte de Fabrizio ninguém havia sido indiciado pelo crime, a polícia pouco se importara em procurar o assassino, o caso havia sido encerrado como

latrocínio embora nada tivesse sido roubado. Sentira-se revoltada, abandonada e buscara de alguma forma fazer algo a respeito. Precisava admitir que havia sido ingênua. Matar uma pessoa parecia simples naquela época que ela estava dominada pelo ódio e o luto, mas agora as coisas tinham assumido um tom de cinza, como se o certo e o errado tivessem se misturado tão profundamente e ela não pudesse mais dizer onde começava um e terminava o outro. Ainda queria justiça pela morte de Fabrizio, sabia que nunca conseguiria descansar, se isso não acontecesse, mas as coisas haviam se complicado demais. Levantou-se da cama esticando o corpo dolorido, precisava colocar em ordem os pensamentos caóticos em sua cabeça, e se ficasse deitada ali mais alguns minutos tinha a impressão de que iria enlouquecer. Caminhou até o banheiro decidida a tomar um banho, retirou a camiseta que havia usado como camisola e não se lembrava na noite anterior de ter colocado dobrando-a e deixou sobre a pia. Tentou não pensar muito sobre a noite anterior e sobre o fato dela usar as roupas de Dmítri, a cabeça já estava cheia demais para que ela ainda tivesse de lidar com aquilo. A cascata de água quente despencou sobre suas costas como uma massagem em seus músculos doloridos, lavou os cabelos como o mesmo sabonete que usou no corpo deixando que o delicioso perfume de lavanda inundasse o banheiro junto com o vapor. Havia um nervosismo dentro dela que não lhe abandonava em momento algum, agora que se sentia completamente descansada, não conseguia se sentir tranquila naquele quarto. Saber que ela dividia o mesmo teto que Dmítri deixava seu corpo em alerta e os pensamentos frenéticos, como se ela estivesse num constante estado de alerta.

Os dedos com as pontas enrugadas fecharam o registro, deixando o ambiente silencioso. Com calma Sophie agarrou uma das brancas toalhas felpudas como nuvem enxugando o corpo. Seus pés descalços tocaram o chão de mármore, mas ela não se incomodou com a temperatura. Parou diante do balcão da pia, correndo a mão molhada sobre o espelho, enfrentando seu reflexo. A garota do outro lado era uma imagem conhecida. Os mesmos olhos comuns, o cabelo úmido grudado próximo as orelhas. Por fora ela parecia a mesma Sophie de sempre, mas por dentro sentia-se como fosse uma pessoa completamente diferente. Uma estranha que ela não conhecia. Se qualquer pessoa alguns anos atrás tivesse lhe dito que no futuro ela estaria planejando um assassinato, Sophie teria rido com prazer dizendo que aquilo não passava de uma piada de mal gosto. A vida havia sido boa com ela, não perfeita é claro, mas perfeição não existia. Se considerava uma pessoa pacifica e comum e estivera bem com isso tudo, até conhecer Fabrizio. Havia se apaixonado por ele, olhando agora em suas lembranças sabia que não havia nada que pudesse ter feito para evitar. Perder ele havia sido como perder seu próprio futuro. Uma parte de sua mente, provavelmente a parte mais sensata dizia que ela não estava sendo coerente, e Sophie precisava admitir isso, mas não queria ser coerente, não queria ser sensata. A única coisa que desejava era que a dor insuportável em seu coração parasse por apenas alguns momentos para que ela pudesse respirar com mais facilidade. Um suspiro pesaroso escapou de seus lábios, a garota diante dela repetiu seu movimento. Em sua mente, ela se perguntava se aquela dor seria mais suportável se Fabrizio tivesse morrido de uma maneira natural. Será que dessa forma ela teria aceitado mais facilmente? Teria ela conseguido seguir em frente?

Não conseguia encontrar uma resposta para aquela pergunta, e todas as vezes que seus pensamentos derivam naquela direção, a chama tão conhecida da raiva se acendia em seu interior. Fabrizio não morrera de maneira natural, havia sido assassinado, e ela conhecia seu assassino. Se não fosse por Dmítri então ela apenas seria a antiga e despreocupada Sophie. Era difícil não o culpar, mais difícil ainda não odiá-lo, mas agora depois de tudo o que havia acontecido entre eles, precisava encarar a realidade da mesma forma que fazia enquanto olhava seu reflexo. Ela desejava mata-lo? Ainda queria ver ele morto? As perguntas ecoaram em sua mente, se repetindo infinitas vezes se colidindo contra as paredes de seu crânio. Era assustador admitir para si mesma que não tinha mais certeza. Em alguns momentos sentia que matá-lo era a única solução, como se somente aquilo fosse lhe trazer um pouco de paz, mas aquela certeza não permanecia o tempo todo lhe indicando o caminho. Muitas vezes, tantas que nem ao menos gostava de admitir para si mesma sabia que ela estava se questionando, e cada vez mais aquilo a deixava confusa. Como se não bastasse agora Dmítri achava que eles poderiam ter algum tipo de relacionamento. As lembranças do beijo dele invadiram sua mente, de maneira tão vivida que pareciam como se tivessem pintadas em suas pupilas. Será que estava aquele desejo de poupa-lo era pelo fato de que eles haviam ido para cama? Estaria ela tão carente assim? A frustração a dominou quando percebeu que aquelas eram apenas mais perguntas que ela não era capaz de responder. Virou as costas para o espelho incapaz de encarar seu próprio reflexo. Saiu

do banheiro ainda enrolada na toalha com os pensamentos repletos de incertezas. Como ela poderia montar um plano se não sabia para onde devia ir? Seus pensamentos foram interrompidos quando ela notou as várias sacolas coloridas em cima da cama. Havia tantas que Sophie duvidou que fosse capaz de conta-las de uma única vez. Seus dedos encontraram o pequeno bilhete num pedaço de papel marfim que estava amarrado a maior sacola. A letra cursiva era forte e elegante, ela leu as palavras rapidamente o bilhete de Dmítri dizia que ele esperava que elas servissem. Ainda espantada Sophie deixou que seus olhos percorressem os logos e as marcas estampadas nas sacolas. Reconheceu a maioria e sentiu um notável, desconforto se instalar em seu coração quando percebeu a exorbitante quantia de dinheiro por trás daquilo. Sabia muito bem que com seu antigo salário de faxineira aqueles eram todos produtos que ela jamais teria condições de pagar. Não conseguia sentir-se confortável sabendo que tudo aquilo havia sido comprado com o dinheiro de Dmítri, mas a opção de continuar nua também não lhe parecia nenhum pouco favorável. Contrariada abriu as sacolas, revelando o conteúdo delas. Havia mais roupas do que ela seria capaz de usar em toda sua vida. Nada parecia ter sido esquecido. Calças, vestidos roupas de frio até mesmo peças intimas estavam ali para que ela escolhesse qualquer coisa a seu gosto. Sophie percorreu as peças apreciando o toque de cada uma. Tentou imaginar Dmítri escolhendo cada uma delas e não pode formar uma imagem em sua cabeça. Por algum motivo ele não parecia ser o tipo de homem que ia as compras no shopping, mas ela podia estar enganada, afinal o que realmente sabia a respeito de Dmítri Volkov? Seu olhar se perdeu no vazio, aquele era o problema não? A verdade era que não sabia nada sobre Dmítri, além do fato de que ele era o assassino de

Fabrizio. Durante todo o tempo que havia passado o procurando, a imagem dele havia sido confundida com a de um monstro sanguinário em sua mente. Alguém que merecia morrer. Havia sido fácil dessa forma odiá-lo, desejar sua morte. Havia sido simples. Em suas memórias lembrou-se da noite em que o encontrara caído ensanguentado no fundo do seu prédio. Ele não parecia mais um monstro, não era mais uma figura encapuzada carregando uma foice, um ser de outro mundo, apenas um homem como qualquer outro capaz de ser ferido. Sentiria ele remorso? Se arrependeria das mortes que tinha cometido? O coração palpitou no peito quase de maneira dolorosa, sabia que aquelas eram perguntas perigosas de se fazer, e apenas se sentiu ainda mais frustrada quando percebeu que não conseguia encontrar uma resposta para elas. Será que haveria algo a mais debaixo da figura do assassino que era Dmítri? Será que durante todo aquele tempo ela havia se enganado, conduzida por um ódio cego? Talvez se ela descobrisse mais sobre ele pudesse seguir em frente sem precisar sujar suas mãos. Eram muitas perguntas, incertezas o suficiente para deixa-la completamente ansiosa, mas por enquanto tentou empurrar aquela montanha de pensamentos para o fundo de sua mente e escolher uma roupa. Era hora de sair daquele quarto e voltar para o mundo real. A tarefa se mostrou um pouco mais complicada do que havia previsto. A imensa variedade de tecidos e estilos diferente, impediu que ela escolhesse algo logo à primeira vista. Passou um tempo apreciando os tecidos, e os cortes diferentes. Sophie podia muito bem ser uma menina sem muito poder aquisitivo, mas gostava de apreciar coisas bonitas e femininas. No final acabou optando por algo mais casual e confortável, a calça jeans tinha um tom desbotado de azul que ela apreciou, embora ficasse perfeita na

cintura teve de enrolar um pouco a barra, já que esse era um problema que ela conhecia muito bem por ser baixinha. Vestiu por cima uma blusa com mangas compridas num tom de rosa antigo. A gola era um pouco mais baixa revelando sua clavícula, mas o tecido era leve e fresco e seu toque extremamente delicado contra a pele. Encontrou também em algumas sacolas, pentes escovas e mais alguns itens de higiene pessoal. Penteou os cabelos que agora já estavam se acostumando ao novo comprimento acima dos ombros, e saiu do quarto, dizendo a si mesma que poderia organizar todas as coisas em cima de sua cama mais tarde. O corredor estava silencioso, assim como a sala onde na noite anterior havia encontrado Haru. Seu olhar deslizou para a imensa janela, e por alguns instantes ela permaneceu ali apenas observando os retalhos felpudos das nuvens brancas deslizarem pelo céu. Caminhou ao redor, se sentindo deslocada, mas não conseguiu encontrar em nenhum lugar a presença de Dmítri. Ele teria saído do apartamento? Foi até a cozinha entrando pela primeira vez no lugar. Ampla e extremamente limpa, o cômodo mais parecia ser algo que estava ali apenas para enfeite. Armários embutidos cobriam as paredes num tom de branco ofuscante, havia uma ilha no meio do lugar feita de mármore escuro. Todo o lugar notou Sophie parecia ser decorado com aquelas cores, o branco em contraste com o negro, se perguntou em silêncio se aquilo havia sido uma escolha pessoal de Dmítri, ou apenas um projeto padrão de algum design de interiores. Havia uma mesa de café da manhã posto sobre a ilha. Os olhos da garota percorreram todos aqueles produtos sem conter a surpresa com toda aquela abundancia; havia mais de três tipos de pão, suco de laranja café e leite. Sophie não era do tipo que sentia fome durante as manhãs, mas não conseguiu se conter e experimentar um pouco de cada coisa gostosa, até seu

estômago reclamar que aquilo era o suficiente. Durante todo o tempo, ela esperou que Dmítri aparecesse saindo de alguma porta, mas o apartamento continuou no mais profundo silêncio. Ela nunca havia sido do tipo de pessoa que se importava de ficar sozinha, mas a experiência de tomar um café da manhã daqueles sem nenhum som ao seu redor deixou-a levemente deprimida. Por um momento ela desejou caminhar até a sala e ligar a televisão, apenas para que o som do aparelho lhe fizesse um pouco de companhia. Lavou a pequena louça que tinha sujado, e decidiu que iria guardar na geladeira, os produtos que poderiam estragar se continuassem ali em cima. Desejou poder consultar um relógio, estava completamente perdida no tempo sem ter ideia alguma sobre as horas, mas já havia percebido que não pareciam existir relógios naquele lugar. Sophie decidiu que aquela seria uma boa oportunidade para ela explorar o lugar, com a ausência de Dmítri ela poderia conhecer melhor aquele apartamento e quem sabe se tivesse alguma sorte ainda pudesse encontrar ali algo que a ajudasse a desvendar o mistério por trás daquele homem. Animada agora que havia formado um plano, Sophie caminhou pelo lugar, percorreu o corredor do seu quarto, mas não encontrou nada demais ali. Havia pelo menos mais um quarto, desocupado e um escritório, havia mais uma porta, mas ali ela apenas encontrou um banheiro luxuoso. Sua pequena exploração havia sido muito mais rápida do que ela havia previsto, frustrada a garota voltou para a sala e decidiu que naquele momento o melhor que tinha a fazer era tentar explorar fora do apartamento. Ficou surpresa quando encontrou a porta aberta, abriu apenas uma fresta encontrando o belo hall de entrada vazio, se arrependeu imediatamente de não ter colocado nada nos pés além de meias, mas decidiu que não podia desperdiçar uma oportunidade como aquela, então simplesmente fechou a

porta atrás dela sem ruído e caminhou em direção ao elevador. As portas duplas se abriram assim que ela apertou um dos botões no comando eletrônico na parede, sem pensar nas consequências Sophie entrou ali dentro, escolhendo como destino o andar superior aquele. As portas se fecharam sem ruído, o trajeto foi muito mais curto do que a garota podia ter imaginado. As portas duplas se abriam diante dela, revelando uma cobertura que parecia ter sido transformada numa academia. O lugar parecia deserto, quando as portas estavam novamente para se fechar, Sophie colocou a mão entre elas, saindo do elevador decidindo que já que havia chegado até ali, ela muito bem poderia aproveitar a oportunidade para explorar o lugar. Caminhou pelo corredor de madeira clara, espelhos preenchiam uma parte do corredor que levava até um imenso salão repleto de aparelhos de musculação, sacos de areia tatames, e outras coisas voltadas para práticas esportivas. O som ritmado de algo sendo atingido chamou a atenção de Sophie, como se fosse atraída naquela direção, a garota caminhou pelo corredor até atingir o final, e conseguir visualizar completamente o lugar. A cobertura do prédio havia se transformado num paraíso para qualquer tipo de atividade física. Espantada a garota deixou que seu olhar varresse o lugar com assombro, percebendo que ali havia até mesmo um estande para pratica de tiros. No meio de tudo isso, alheio a qualquer coisa a seu redor, estava Dmítri extremamente concentrado enquanto surrava um saco de areia. Assim que o viu Sophie soube que deveria virar suas costas e ir embora, aquele parecia ser um lugar bastante pessoal e ela não queria parecer uma intrometida, mas de repente os pés pareciam terem criado raízes no solo e ela simplesmente permaneceu ali incapaz de desviar seu olhar em outra direção. O corpo dele movia-se com fluidez e elegância, embora ela também pudesse

perceber a força contida em cada golpe desferido contra o saco de areia. Havia uma camada de suor que cobria seus músculos, deixando sua pele rosada e levemente brilhante, mas quando ele se virou ficando de costas, ela não pode fazer nada a não ser observa-lo maravilhada. Uma imensa obra de arte em forma de tatuagem cobria toda extensão de suas costas. O desenho feito com extrema maestria exibia cores deslumbrantes. O estilo parecia oriental, mas era diferente de tudo o que ela já via visto em sua vida. Como uma paisagem, ela podia ver a noite, a lua, uma planície e criaturas que pareciam se aproximar no horizonte. A frente delas havia um monstro, com rosto retorcido maior e mais feroz que brandia uma espada e seu rosto parecia estar para sempre capturado num rugido silencioso. Depois do que Dmítri havia lhe contado sobre sua alcunha na noite anterior, ela não precisava de muito mais para compreender que aquela também era apenas mais uma representação dele. Os golpes dele foram subitamente interrompidos, e os olhos deles se encontraram enquanto o homem diante dela virava pra lhe enfrentar. O rubor tomou conta de suas bochechas, quando ela percebeu que ele havia a descoberto ali parada como uma estátua olhando em sua direção. - Desculpe – pediu a garota se sentindo realmente desconfortável – Eu não queria atrapalhar, estava apenas explorando o lugar. Não sabia que você estava aqui. - Está tudo bem, - respondeu Dmítri desfazendo as ataduras que cobriam seus punhos – Enquanto estiver aqui, você é livre pra caminhar por todo apartamento. Essa daqui é academia particular. - Essa academia é sua? – perguntou Sophie incapaz de esconder a surpresa em sua voz. - Tecnicamente todo o prédio é meu.

A garota fechou a boca com um estalo, percebendo tarde demais que ela havia a deixado aberta como uma simplória, os olhos dela ainda estavam fixos em Dmítri, e parecia que ela estava tendo uma dificuldade para não admirar seu corpo, resolveu que o melhor naquele momento seria focar sua atenção na parede atrás dela. Aquilo sim parecia algo inofensivo. - Você encontrou o café da manhã? Um sorriso brincou nos lábios de Sophie, como alguém poderia perder um café da manhã? - Sim obrigada, - respondeu a garota – Também encontrei as sacolas que você deixou no meu quarto, você não precisava ter comprado tanta coisa. - Eu não tinha ideia do seu gosto, além do mais dinheiro não é um problema. Sophie sabia que não deveria deixar aquela conversa se prolongar, ainda estava confusa e tudo parecia se tornar ainda pior quando ela ficava perto de Dmítri, mas como se houvesse um imã nele, ela foi atraída em sua direção. O homem diante dela também não parecia incomodado com sua presença, agarrando uma garrafa de água que estava num banco ali próximo, ele bebeu um gole profundo, como se estivesse sedento. - Falei com Haru essa manhã – informou Dmítri após saciar sua sede – Ele conversou com o proprietário do seu prédio, e concertou a porta que os homens que estava atrás de mim quebraram. Além é claro de lhe dar uma quantia de dinheiro para que ele não lhe criasse problemas no futuro. De qualquer forma o lugar é terrível você devia sair de lá. - É um ótimo lugar pelo preço cobrado – rebateu Sophie. - Eu já disse que dinheiro não é problema – respondeu Dmítri irritado. - Pode não ser um problema pra você, mas é pra mim! É difícil conseguir um

lugar com condições melhor com um salário de faxineira. - Se você ao menos não fosse tão estupidamente teimosa, e me deixasse ajudá-la! - Eu não quero sua ajuda Dmítri, as coisas já estão complicadas demais entre nós, pra eu aceitar seu dinheiro. Ele se aproximou dela cruzando os poucos passos que os separavam, Sophie tentou não ceder ao desejo de recuar e enfrentou seu olhar de tempestade furiosa. - Acho engraçado você dizer que não quer minha ajuda – comentou Dmítri num sibilo de voz – Sendo que foi você a pessoa que salvou minha vida. - Eu não fiz isso porque esperava algum tipo de compensação financeira – respondeu Sophie se sentindo ofendida. - Então o que você esperava Sophie? Eu não sei respondeu a garota em seus pensamentos. Às vezes queria que você estivesse morto, ás vezes a única coisa que desejo era ter deixado você lá fora se esvaindo em sangue na noite que nos encontramos. Ela mordeu a língua levemente tentando ocultar aquela verdade que borbulhava de maneira muito próxima a superfície. O estresse de toda aquela situação parecia ter se acumulado sobre ela, e não tinha mais certeza se seria capaz de conter todas aqueles pensamentos caóticos dentro de si. - Eu apenas fiz – respondeu por fim num murmúrio – Apenas te salvei. Isso era o certo a se fazer não? A mentira era pesada em sua boca, pressionando sua língua para baixo. Ela não tinha pretendido em nenhum momento salvar Dmítri aquela noite, tinha planejado matá-lo depois esconder seu corpo. A lembrança daquilo deixou

seu coração batendo enlouquecidamente dentro do seu peito. Se Dmítri era um assassino um monstro, o fato dela desejar matá-lo talvez mostrasse o quanto ambos eram parecidos. - Poucas pessoas se importam com o certo nessa vida – respondeu o rapaz por fim parecendo derrotado. Sophie deixou que seus olhos se fixassem na ferida que havia em seu abdômen, tantas coisas haviam acontecido desde que eles se encontraram que o tempo parecia ter se duplicado, como se um único dia tivesse valido por dois, até mais. Fora apenas três noites atrás que ela havia encontrado Dmítri, e tratado sua ferida? Parecia muito mais tempo. Ela não podia deixar de se impressionar com sua recuperação, no lugar de um horrendo talho grotesco e sangrento, uma cicatriz com bordas irregulares desenhava sobre sua pele, sendo fixada por grampos de metais. Agora que estava próxima a ele, e sobre a luz do dia, ela podia perceber que toda a extensão de seu corpo estava coberta por marcas. Cortes finos se mesclavam no meio de grosas cicatrizes nos mais variados formados. Ela nem ao menos podia imaginar o que estaria por trás de cada marca em seu corpo. - Você está bem? – perguntou Sophie surpresa ao perceber o tom verdadeiramente preocupado em sua voz – Você já pode fazer exercícios físicos? - Estou completamente recuperado, além disso aceitei um novo serviço essa manhã. Preciso estar pronto. Um calafrio percorreu as costas de Sophie quando ela compreendeu, o sentido por trás daquelas palavras, se ele havia aceitado um novo serviço, isso significava que Dmítri havia aceitado matar uma nova pessoa. Seus olhos se focaram em Dmítri, como se dessa forma ela pudesse ler a verdade oculta por trás daquelas nuvens de tempestade. Será que ela realmente estava se enganando? Não havia nada ali escondido além de um assassino de sangue

frio? - Por que você faz isso? – perguntou Sophie incapaz de conter a pergunta que brotou de maneira tão espontânea de seus lábios. – Por que você se tornou um assassino Dmítri? Os olhos dele se tornaram duros e distantes, os lábios se franziram numa linha fina, ela soube que ele não havia gostado nenhum um pouco de sua pergunta. - Por que não? É apenas um serviço – respondeu ele de maneira sarcástica. - Você não pode realmente pensar dessa forma – rebateu Sophie percebendo o quanto estava alterando sua voz – Ninguém escolhe se tornar um assassino! - Você tem razão, isso não é uma escolha, eu nasci dentro desse mundo, eu jamais poderia escolher algo além disso. As palavras pareciam terem se tornado pedras em sua boca. Sentiu que apertava as unhas contra as palmas de sua mão, como se dessa forma pudesse conter a muralha de sentimentos que parecia estar represada dentro dela. - Você não se importa? – perguntou ela num fio de voz – Nem ao menos com os que perderam alguém por suas mãos? Ali estava a pergunta dita em voz alta, pairando entre eles como um monstro invisível, o coração dela bateu lentamente em seu peito, como se ele estivesse se preparando para ouvir sua resposta. - Por que eu deveria me importar? Se alguém se lamenta por um dos meus alvos isso é mais do que eu terei quando morrer. Sentiu como se as palavras tivessem lhe atingido fisicamente, a dor irradiando do centro do seu peito amortecendo lentamente o sangue em cada parte de seu corpo. Não conseguiu encontrar uma resposta, naquele instante

nada do que ela pudesse dizer teria alguma importância. Desviou os olhos do rosto de Dmítri, não conseguiu suportar seu olhar de desafio, desejou arranca-lo a força usando suas unhas, mas engoliu em seco deixando que a raiva alimentasse sua força de vontade. Um toque de celular vibrou no ar ao redor deles, sem nenhuma pressa Dmítri estendeu sua mão alcançado o aparelho que estava ao lado de uma toalha num banco próximo. Sophie permaneceu no mesmo lugar onde estava sem se importar se aquilo era falta de educação. Seus pensamentos estavam imersos num caótico fluxo, sem fim nem início. - Sei que isso pode não ser nada Haru, mas ainda assim prefiro que você verifique – respondeu Dmítri ao telefone – Tenho um serviço hoje à noite, mas podemos conversar amanhã, é melhor fazer isso pessoalmente. Ela observou Dmítri encerrar a ligação, deixando o aparelho sobre o banco, o espaço entre eles pareceu se preencher se expandindo como se tudo que eles não tivessem dito um a outro ocupasse o espaço vazio. Dmítri parecia também estar desconfortável, seus dedos agarraram a toalha no banco enxugando o suor de seu rosto. - Precisamos conversar, Sophie, mas eu não tenho tempo agora... - Eu sei – respondeu a garota, orgulhosa de como sua voz soou firme e controlada, por dentro ela era uma massa em revolta – Eu estarei aqui quando você voltar. Dmítri se aproximou dela, entrando em seu espaço pessoal seu corpo pareceu se aquecer simplesmente com a presença dele, como se ansiasse seu toque, mas o coração em seu peito era uma pedra de gelo.

- Você não precisa pensar no que faço para viver – disse o rapaz num sussurro, seu hálito acariciando o alto de suas bochechas – Não precisa deixar que nada disso interfira na sua vida. Sophie pressionou as pálpebras juntas, como se dessa forma ela pudesse manter tudo o que lhe afligia fora da segurança do seu mundo interno. Quando abriu novamente seus olhos Dmítri continuava parado diante dela, tão sólido quanto a realidade ao seu redor. - Você pensou no que conversamos ontem à noite? - Sim – respondeu Sophie, embora a direção de seus pensamentos tivesse tomado um rumo diferente do que ela havia previsto – Mas, podemos conversar depois, eu não quero te atrapalhar. Ela percebeu que aquela não era a resposta que ele gostaria de ouvir, mas não se importou naquele momento ela não podia mais suportar continuar na presença de Dmítri. Ele se afastou dela lentamente, quase como se tivesse relutante em partir. Agarrou o celular que estava no banco, saindo da academia seus passos ressoando no piso de madeira, até desaparecerem quando as portas do elevador se fecharam. Somente quando percebeu que estava sozinha Sophie pode soltar o fôlego preso em seus pulmões. Uma calma assustadora pareceu se apossar de sua mente, como se a tempestade que havia tomado conta de seus pensamentos finalmente tivesse ido embora. Não havia mais dúvidas, não havia mais perguntas sem respostas. Sua decisão estava feita.

CAPÍTULO 13 Quando Sophie voltou apartamento apenas o silêncio a recebeu. O lugar parecia deserto a seu redor, a mesa de café continuava posta sobre a bancada e ela tinha certeza que havia sido a última pessoa a toca-la. Ao fechar delicadamente a porta trás de suas costas soube que estava sozinha naquele lugar. Dmítri havia saído realizar seu serviço, promover mais um assassinato. Parada em pé no meio da sala pela primeira vez Sophie contemplou com sinceridade a ideia de deixar tudo aquilo para trás. Quão fácil seria naquele momento calçar seus sapatos, chamar o elevador sair do prédio e simplesmente se perder na multidão de pessoas lá fora? O que realmente ela tinha a perder? Poderia simplesmente desaparecer. Contaria alguma mentira a sua família, algo que os mantivesse em segurança, compraria uma passagem assim que alcançasse a rodoviária mais perto, se manteria na estrada sempre em movimento. Se fosse realmente verdade que Domenico Bianchi estava atrás dela quanto tempo duraria esse interesse? Seis meses? Um ano? O tempo era implacável em algum momento eles iriam desistir, em algum momento ela estaria livre. Estaria em segurança. Os passos dela a levaram em direção a imensa janela, um sorriso triste brincou em seus lábios, estava se tornando um hábito permanecer ali observando aquela paisagem quando sua cabeça parecia repleta de pensamentos e ela não conseguia se concentrar.

Diferente de um quadro ali a imagem estava sempre em constante movimento, o jeito que as nuvens se moviam criando uma imagem que nunca se repetia, a forma como a luz incendia sobre os lugares. Hoje o céu não parecia tão azul, suas bordas estavam levemente acinzentadas, como se ela pudesse observar o horizonte e percebesse ali a concentração de nuvens de chuva. O cinza azulado trouxe a sua memória as lembranças de Dmítri, aquela parecia ser exatamente a cor de seus olhos. Se ela fosse embora, se deixasse simplesmente toda aquela confusão para trás, será que um dia seria capaz de esquece-lo? Será que um dia toda aquelas situações não seriam apenas lembranças ruins, como um pesadelo que desaparecia de sua mente no momento em que seus olhos se tornavam a abrir para realidade? A incerteza e as dúvidas pareciam roer sua sanidade como uma ferrugem constante. Haviam tantos, porém tantos talvez, e nenhuma certeza. Seus olhos se perderam na imensidão verde de várias tonalidades nas copas das árvores do Central Park, ali embaixo a primavera caminhava a todo vapor, deixando a luz solar mais aconchegante as árvores abrindo os primeiros botões, pintando a paisagem com um colorido bonito e enchendo o mundo com seu suave aroma. Dali de cima o mundo parecia tão vasto, suas fronteiras tão extensas, ela quase podia se convencer de que era capaz de fugir, se ela saísse daquele apartamento deixando tudo para trás seria como um novo começo. Uma nova vida, uma nova Sophie. Parecia ser a escolha mais certa, mais sensata. A parte racional de seu cérebro implorava para que ela ouvisse aquela que parecia ser a voz de sua razão. Então por que sentia que era tão difícil se afastar daquela janela? Num canto obscuro de sua mente, num lugar distante, o tipo de lugar onde as pessoas depositavam os pensamentos mais assustadores, soou uma voz que

tinha o seu timbre lhe perguntando. Era isso o que ela realmente desejava? Ela queria esquecer tudo aquilo? Esquecer Dmítri, apaga-lo de sua existência era como aceitar que ela também precisaria esquecer Fabrizio. Deixar a memória dele se perder, para que ela pudesse ter uma chance de continuar em frente. Não era justo, mas ela estava aprendendo que a máxima ‘a vida não é justa’ era uma verdade irrefutável. Tudo o que havia lhe sobrado de Fabrizio eram suas lembranças, como ela poderia abrir mãos delas para seguir em frente? Dmítri havia o matado, e nada do que ela fizesse poderia mudar isso. Aquele fato seria sempre como uma farpa cravada em seu coração. Talvez ela pudesse com o tempo aprender a conviver com a dor, mas sabia que aquela área estaria sempre sensível. Saber que Dmítri não sentia nenhum remorso, ouvir de seus próprios lábios aquelas palavras era como sentir alguém jogando sal em suas feridas. Ele era um monstro, e aquele também era um outro fato que ela não podia modificar. Então o que ela poderia fazer? Querer e poder eram duas coisas diferentes, havia escutado aquilo durante toda sua vida, mas não estava mais disposta a ficar de braços cruzados. Ela não queria esquecer Fabrizio, ou como ele havia morrido. Ela queria Dmítri morto, e faria qualquer coisa pagaria o preço que fosse para aquilo acontecesse, então ela soube o que precisava ser feito. Sophie precisava se tornar um monstro, assim como Dmítri. Três meses atrás quando ela havia decidido que desejava se vingar, havia dito para si mesmo que estava fazendo aquilo para ter justiça. Aquele pensamento havia acalmado sua consciência, tinha dito para si mesma que conseguiria sobreviver com o fato de ter matado um homem, pois ele mereceria morrer.

Sabia que o mundo seria um lugar melhor sem Dmítri Volkov, e isso havia bastado para tranquilizar sua consciência. Mas, agora as coisas eram diferentes. Ela não iria apenas matar Dmítri, iria engana-lo, traí-lo para que dessa forma ele acreditasse nela, para que ele não a enxergasse como uma ameaça. Precisava fazer com que ele acreditasse que ela o amava, apenas assim ele iria baixar sua guarda. Não havia nada de nobre naquele plano, nada de justo, ela apenas estava jogando com as cartas que tinha em suas mãos, para atingir seu objetivo. Nunca antes em sua vida ela havia sido tão egoísta. Durante todo aquele tempo ela havia tentando não pensar na forma como se corpo havia reagido a Dmítri. Sentira vergonha de si mesma, de ter ido para a cama com ele, de ter traído a memória de Fabrizio de maneira tão vil, então simplesmente havia deliberadamente trancado aquilo na parte mais afastada de sua consciência, um lugar onde ela tentaria esquecer aquilo, enquanto o ignorava como se nunca tivesse acontecido. Não mais. Ela iria aproveitar dessa abertura, estava bastante óbvio embora ela não conseguisse entender completamente as razões por trás aquilo que Dmítri queria continuar aquela relação entre eles. Sophie iria se aproveitar daquilo ao invés de tentar combater com todas suas forças. Teria de se perder para encontrar aquilo que desejava. Lentamente seus passos de afastaram da janela, ela soube que não sairia daquele apartamento, não iria embora buscando uma nova chance, uma nova vida, havia feito sua escolha e certo e errado eram algo que não lhe preocupavam mais. Quanto ao futuro, iria se preocupar com ele no momento que lhe batesse a porta no momento, o presente era a única coisa com que ela conseguia lidar.

A decisão lhe trouxe um certo alívio, sem se importar com as consequências, andou pelo apartamento como se aquela fosse sua nova casa, abrindo gavetas curiosa sobre o conteúdo nelas. Encontrou o controle da televisão e ligou o aparelho, passou por vários canais sem realmente se interessar por nenhum deles, mas ao menos encontrou um relógio num jornal que lhe indicava que já era meio da tarde. Não sentia fome alguma então decidiu pular o almoço dizendo para si mesma que faria um lanche mais tarde. Voltou para seu quarto e passou as próximas horas arrumando todas as roupas e sacolas que continuavam sobre sua cama. A tarefa deixou suas mãos ocupadas e sua mente mais calma. Dobrou peça por peça, com cuidado guardando uma por uma, na elegante cômoda que ficava ao lado de sua cama. Lentamente o móvel antes vazio ficou cheio, mas foi o suficiente para que no final ela tivesse tudo organizado. Jogou fora todos os papéis que haviam nas sacolas, mas decidiu que iria guarda-las simplesmente porque aquele era apenas um hábito antigo sem sentido. Quando voltou para a sala, o lugar estava todo tingido de laranja e rosa, as paredes brancas pareciam terem ganhado outra vida e deixando o lugar muito mais aconchegante. Foi até a cozinha e decidiu que aquele era um bom momento para fazer um lanche da tarde. Assaltou a geladeira fazendo um sanduiche com a maioria das coisas que encontrou ali dentro, comendo ele de pé em frente a ao balcão da cozinha como se aquela fosse realmente sua casa. As horas se passaram num conforto tranquilo, no final da tarde Sophie decidiu que iria tomar um banho, aproveitou o tempo e aquela tranquilidade para encher a banheira e usar alguns dos produtos de higiene que haviam em uma das sacolas que recebera aquela manhã.

Saiu do banho com a pele leve e macia, trocou de roupa para uma calça de moletom confortável, e uma das camisas de algodão que Dmítri havia lhe dado na noite anterior. Àquela altura, a garota já desconfiava que ele não voltaria para casa aquela noite, portanto não precisava se preocupar sobre o que ele iria pensar a respeito dela usar suas roupas mesmo após ele ter lhe comprado metade de todas as lojas do shopping. Cozinhou para si mesma algo simples, arroz e legumes ao vapor junto com um filé de frango. A sensação de estar ali era muito parecida com o que havia sentido nos primeiros dias quando se mudara para Nova York. Sua antiga casa estava sempre repleta de pessoas entrando e saindo, e embora ela adorasse o primo e os tios as vezes sentia falta de ter um espaço apenas para si, sem precisar ter de dividir o banheiro com ninguém. Comeu em frente a televisão assistindo qualquer programa de televisão aleatório que estivesse passando. Lá fora as luzes da cidade foram obscurecidas quando as imensas e ameaçadoras nuvens de chuva se fecharam sobre a cidade, os primeiros pingos foram esparsos e pequenos, mas logo a chuva desabou com força das nuvens deixando a janela repleta de pequenas gotículas embaçando completamente a visão por trás delas. Os trovões vieram acompanhados de raios quando a chuva ficou mais intensa, o programa que estava assistindo deixou Sophie entediada, desligando a televisão decidiu que iria procurar algo para ler no escritório de Dmítri O silêncio do lugar a deixou levemente incomodada, como se naquele cômodo com paredes pintadas num tom mais escuro e móveis grandes e masculinos a presença de Dmítri fosse mais forte, e ela não conseguiu se sentir bem-vinda. Ali a chuva era apernas um murmúrio suave, tentou não se importar tanto com a incomoda sensação que estava sendo uma pessoa muito intrometida, mas disse a si mesmo, que iria apenas emprestar um livro para que dessa forma o sono pudesse chegar de maneira mais fácil. Ela tomaria conta muito bem do livro e quando terminasse o colocaria em seu lugar.

A prateleira que ia do chão ao teto ficava na parte de trás do escritório, Sophie precisou erguer levemente sua cabeça para que seus olhos pudessem alcançar os títulos que estavam nas prateleiras mais altas. Ficou decepcionada quando percebeu que a maioria dos exemplares ali não eram livros acadêmicos, alguns ainda estavam em outras línguas. Frustrada deixou que seus dedos acabassem por escolher o exemplar bem conservado de Anna Karerina. Ela nunca havia lido o clássico, portanto talvez aquele fosse um momento propicio para começar. Voltou para sala, notando que a chuva havia se transformado numa tempestade, agora o vento acompanhava o barulho dos trovões deixando todo o ambiente ressoando com os sons da chuva. Sophie se acomodou no sofá, o edredom que trouxera do quarto serviu para deixar seu corpo aquecido, abriu o livro no colo tentando ignorar tudo ao seu redor e se concentrar na leitura. Não se considerava uma leitora de muita frequência, mas as vezes sentia vontade de mergulhar nas páginas de um livro, esperou que aquela história pudesse mantê-la entretida até o sono chegar, então os sonhos vieram entre o capítulo dois e a próxima página.

Ela não soube dizer muito bem o motivo que fez com ela acordasse, talvez tivesse sido a quase total ausência dos sons. Abriu os olhos muito alerta na escuridão, o mundo a sua frente estava repleto de sombras e mergulhado numa coloração azulada. Lá fora a chuva agora continuava caindo de maneira insistente, mas o vento havia ido embora assim como os trovões. Levantou-se com cautela, tirando o livro que havia ficado de qualquer forma sobre sua barriga. O apartamento parecia silencioso, mas de alguma forma não conseguia mais sentir-se tranquila ali, como se houvesse uma sensação estranha pairando lugar que fizera com que ela acordasse.

Os dedos se agarraram na borda do seu edredom, passou as mãos pelo cabelo tentando conter o nervosismo. Aquilo só podia ser uma grande bobagem da sua cabeça, não havia nada ali, ela estava sozinha e segura. Dmítri havia dito que aquele lugar era praticamente impenetrável. Os minutos se arrastaram indefinidamente, embora sua mente racional lhe dissesse que ela devia se levantar agarrar o edredom e voltar para seu quarto onde havia uma tranca em sua porta, como se tivesse observando a si mesmo num sonho lucido, Sophie se levantou do sofá pairando no meio da sala como se tivesse esperando por algo, mas nada aconteceu. Por um momento se sentiu como a estúpida e corajosa protagonista de um filme de terror que enfrenta o mal sozinha durante a madrugada. O que claramente era sempre uma péssima decisão que acabava em terríveis consequências para a protagonista. Uma sombra se mexeu muito lentamente no canto dos olhos de Sophie, por um momento achou que tinha visto a silhueta de uma pessoa andando em direção a cozinha, seus pés se moveram num instinto e ela caminhou em direção a sombra, enquanto seus dedos buscavam o interruptor da sala, para que ela pudesse enxergar o intruso. Um raio riscou o céu lá fora iluminando por alguns segundos todo o ambiente numa luz branco azulado. Sophie sentiu o coração pulsar em sua garganta quando notou a arma erguida apontada em sua direção. - Dmítri...? A voz dela mal pode ser ouvida sobre o barulho do trovão que se seguiu, ela permaneceu estática onde estava seu olhar preso no homem diante dela. Havia algo de errado com Dmítri, o olhar em seu rosto, era de um homem atormentado e perigoso. A luz se dissolveu, deixando que a escuridão os envolvesse novamente, os olhos dela tiveram dificuldades para encontrar os contornos do homem a sua

frente que parecia uma estátua. Um longo tempo se passou entre eles, antes dos braços dele se abaixarem tirando a arma de sua frente. O fôlego invadiu os pulmões da garota, num impulso ela percorreu o último passo que a separava do interruptor deixando que a luz dourada invadisse todo o apartamento. A cena diante dela, deixou seu coração pulsando insanamente. O sangue seco desfigurava as feições de Dmítri, havia uma mancha sobre sua bochecha, lhe dando a aparência de que ela era uma ferida em carne viva. O líquido vermelho também estava sobre seu terno, sua camisa, gravata, as mãos dele que ainda continuavam a segurar a arma num agarre de ferro estavam manchadas de rosa, como se ele tivesse tentado inutilmente se limpar de tudo aquilo. - Meu Deus você está ferido? As palavras saíram de seus lábios de maneira abruptas, ela tentou se aproximar dele, mas o rapaz apenas se afastou evitando seu contato, como se ele fosse algo desagradável. Sophie sentiu a rejeição como uma ferroada em seu peito e disse a sai mesma para não se importar com aquilo. Os olhos de Dmítri se desviaram dela, pairando sobre uma das paredes nuas da sala. - Dmítri – chamou Sophie novamente, tentando entender sua atitude estranha – Você está bem? Os olhos dele estavam alertas, ele praguejou em outra língua, mas Sophie teve certeza pela entonação de sua voz que aquelas palavras não eram um linguajar nada educado. Com a mão livre ela observou ele correr os dedos pelo cabelo desalinhado, deixando-os levemente manchados. - O que você está fazendo aqui? – perguntou Dmítri num rosnado.

Sophie tentou não se sentir intimidada, embora aquela fosse uma tarefa realmente difícil. Tentou controlar sua respiração, para que ele não conseguisse enxergar o quanto seu comportamento estava a assustando. - Você disse que eu podia ficar no seu apartamento... - Eu quis dizer o que está fazendo uma hora dessas acordada, você devia estar no seu quarto... - Eu acabei dormindo na sala – rebateu a garota irritada – Você não chegava mais! - Você estava preocupada comigo? – perguntou Dmítri, como se a simples possibilidade daquilo acontecer o deixasse horrorizado. - Seria tão difícil acreditar nisso Dmítri? – disse Sophie abaixando seu tom de voz. A resposta ficou estampada na expressão dele, incredulidade, horror, tudo misturado e exposto deixava exposto uma faceta que Sophie jamais imaginou poder imaginar no homem diante dela. Talvez fosse esse o motivo que a levou a se aproximar dele, embora suas pernas ainda estivessem trêmulas, e sua racionalidade estivesse lhe dizendo que aquilo era uma loucura, mas agora seu coração havia recuperado seu ritmo sólido e constante, e ela soube que precisava se aproximar dele, precisava se perder junto com Dmítri para realizar seu desejo. - Você está bem? – murmurou a garota, seus olhos fixos em Dmítri na tempestade em seu olhar que parecia um reflexo daquela que continuava a fustigar as janelas do prédio. Não houve uma resposta por parte dele, Sophie percebeu que não precisava de uma. O silêncio caiu ao redor deles como um manto, até que ambos se tornaram confortáveis com a presença um do outro. O momento se arrastou e

durante todo o tempo Sophie não desgrudou os olhos de Dmítri que parecia hipnotizado por sua presença. Lentamente a respiração dele diminuiu até ficar controlada como a dela, suas mãos deixaram sobre a bancada da cozinha a arma, como se ele finalmente tivesse se lembrado que estava seguro e não precisava mais dela. Os dedos de Sophie alcançaram suas mãos, enlaçando-as, o calor irradiou-se daquele ponto passando por todo seu corpo, até ela notar que estava com frio. Sophie levou ele em direção a cozinha, abrindo a torneira deixando que a água escorresse pela cuba de metal de maneira abundante. Dmítri desvencilhou seus dedos de Sophie, lavando as mãos de maneira quase furiosa, a água manchou os punhos de sua camisa, mas ele pareceu não se importar. Durante todo o tempo que não parecia ter nenhuma importância ali Sophie permaneceu esperando ele, o som da água na pia misturou-se ao barulho da chuva, como se tudo no mundo pudesse se resumir a água, e ela tivesse criado uma cortina densa que os separava completamente do que havia lá fora. As mãos de Dmítri perderam o tom carmim, adquirindo um tom rosado, até por fim exibirem apenas o vislumbre de sua pele pálida. Por um momento Sophie lembrou-se de acordar aquela manhã e encontrar aquele mesmo lugar exibindo uma cena muito diferente daquela. O suntuoso café da manhã, a tranquilidade que ela sentira apenas algumas horas atrás tinha escorrido junto com a água manchada de sangue. Ela também se sentia suja, enquanto seus olhos pousavam novamente em Dmítri, sabendo que de alguma forma suas mãos assim como as daquele homem nunca mais estariam limpas. Quando ele fechou a torneira o silêncio do ambiente pareceu muito alto, Dmítri secou suas mãos numa toalha que estava ali perto, os olhos da garota se deslocaram para o terno dele jogado de qualquer forma sobre uma das

cadeiras, havia furos perto das mangas, e um rasgo imenso em suas costas mostrando o forro, a peça estava completamente destruída, e por um momento ela imaginou aonde ele estivera, e o que teria feito para ter sofrido tamanho estrago. Ele não parecia ferido, pela primeira vez a garota conseguiu perceber que todo o sangue que manchava sua roupa, não era dele. Lentamente os dedos de Dmítri alcançaram os botões no alto do colarinho de sua camisa, ele os abriu num gesto mecânico tentando se desvencilhar da camisa, tentou então soltar os botões que prendiam os punhos de sua blusa, mas o tecido úmido e sua falta de atenção o processo se tornou difícil, até Sophie alcançar seu punho com suas próprias mãos, desabotoando sem maiores dificuldades. - Por que você está fazendo isso? – perguntou Dmitri, ele estava tão próximo, que sua respiração tocou o alto de suas bochechas. - Estou apenas te ajudando... - Eu sei disso... Mas, por que? Ela pensou em lhe contar uma mentira, enfeitar a verdade esperando que as belas palavras alcançassem seu coração, mas naquele momento as palavras que deixaram seus lábios eram verdadeiras. - Por que você me parece alguém que precisa de ajuda nesse momento. Os olhos dele se tornaram mais profundos, ela pode notar devido à proximidade deles o negro absorvendo o azul tempestuoso, ele se aproximou dela até as pontas de seus sapatos encostarem em seus dedos, e a borda da pia pressionar suas costas. A mão de Dmítri ergueu-se tocando o canto de seu rosto, o toque era cálido, quase carinhoso, ele parecia tocá-la como se tivesse medo de usar demasiada força, como se medisse cada aproximação com medo de que se fosse brusco

demais pudesse quebrá-la. Ele não sabia que ela já estava destroçada. Seu polegar roçou lentamente sobre sua bochecha, uma carícia deliciosa, que pareceu acordar todo seu corpo, deixando seus nervos alertas e ansiosos por mais. As pontas de seus dedos eram macias, mas ela podia sentir debaixo uma certa aspereza, ele era um homem que usava as mãos para a violência, e esse era o tipo de coisa que não se passava despercebido. - Você está parada na minha cozinha me ajudando de madrugada, - começou Dmítri enquanto acariciava seu rosto – Isso significa que você resolveu ficar? Sophie inclinou seu rosto para poder enxergar dessa forma completamente sua expressão, ele parecia ansioso e faminto. A parte racional do seu cérebro lhe disse que ela iria se arrepender, que não haveria volta depois que ela desse aquele passo em direção ao vazio, então quando ela levantou seus braços enlaçando-os em torno de seu pescoço, sentiu um pouco como se tivesse despencando de uma altura incalculável. - Acho que você já sabe a resposta pra essa pergunta – respondeu Sophie enquanto sua respiração acariciava os lábios dele. Sophie entreabriu os lábios deixando que a língua de Dmítri penetrasse em sua boca, dessa vez o beijo não foi urgente, mas firme lento como se eles tivessem todo o tempo do mundo, como se não houvesse mais nada além deles. As mãos de Dmítri tomaram posse de seu corpo, sentiu os dedos dele cavando sua cintura trazendo seu corpo mais para perto, ergueu-se nas pontas dos pés tentando acompanhar o beijo que se tornou mais intenso, os dentes dele arranharam seus lábios, a respiração ficou presa em sua garganta, as mãos dele se fecharam em seus ombros, naquele momento ele era a única coisa que suportava seu peso. As bocas dele se separaram, embora as mãos de Dmítri não parassem de

explorar seu corpo, os dedos dele brincaram com a barra de sua camisa acariciando a pele sensível se sua cintura. - Eu não posso ser gentil nesse momento – resmungou Dmítri com voz rouca o fôlego entrecortado enquanto olhava em seus olhos com sofreguidão. - Então não seja. Sophie puxou ele em sua direção, sua boca avida encontrando os lábios de Dmítri. Perder-se era fácil em seus braços, no calor do seu corpo, no aroma de sua pele, tudo parecia estar gravado em sua mente, mesmo de olhos fechados ela conhecia os contornos de seu corpo. Apertou seu corpo contra ele até sentir o calor irradiando em sua pele, e os botões aberto em sua camisa pressionarem seus seios. Ergueu as pernas enlaçando sua cintura, as mãos dele desceram para suas nádegas prendendo sua ereção contra o centro de seu corpo, o calor se acumulou no meio de suas pernas, deixando que seu beijo se tornar mais violento. Ele não teve dificuldade em sustentar seu peso, em algum lugar de sua mente percebeu que eles estavam andando, mas não se importava com o destino. A boca dele sobre a sua se movia com sofreguidão, às mãos de Dmítri se moveram com firmeza sobre seu corpo, seus dedos apertando sua pele deixando seu corpo quente como brasas. As mãos de Sophie percorreram o corpo de Dmítri, suas unhas marcando pequenas riscos vermelhos sobre sua pele pálida. A primeira vez que estivera com ele, tudo parecia ter sido rápido demais, tivera medo de explorar aquele desejo que até aquele momento ela não sabia que existia dentro de si. Agora alimentou o desejo deixando que sua chama crescesse até um ponto que acreditou que pudesse se queimar. Despiu a camisa de seu corpo, esquecendo-a completamente em algum lugar na sala, ainda presa de

encontro ao seu corpo, separou-se dele apenas alguns centímetros para deslizar sua mão para dentro do cós de sua calça, alcançando sua ereção sentindo a umidade molhar seus dedos. Dmítri lançou a cabeça para trás, quando ela o tocou palavras deixando sua garganta numa língua que ela não era capaz de compreender. Lentamente ela escorregou do corpo dele, tendo dificuldade em ficar em pé diante dele. Os dedos dele alcançaram a barra de sua camisa, a boca dele voltou para a sua, logo ela sentiu o ar gélido tocar seu corpo, sua calça escorregou por suas pernas formando um pequeno montículo a seus pés. Os picos de seus seios ficaram eriçados, atraindo a atenção de Dmítri que abaixou a cabeça, sugando-lhes para dentro de sua boca. Os dedos dela se perderam em suas mexas, ela arqueou a coluna deixando que ele se aproveitasse de seu corpo. O som da fivela de seu cinto chamou sua atenção, enquanto a beijava ele terminou de se livrar de sua calça, liberando sua ereção para que ela pudesse contempla-lo em toda sua glória. Seus dedos se fecharam sobre seu membro, a maciez da carne cálida deixou-a admirada, movimentou-a a mão para cima e para baixo sentindo o membro dele crescer em suas palmas enquanto a umidade deixava a ponta de sua ereção brilhante. Dmítri levantou seu rosto, virando-a de costas, Sophie usou as mãos para aparar seu corpo fixando ambas no vidro da janela. Os lábios dele desceram por pescoço, a língua roçando em sua pele, descendo em direção a sua coluna. Sentiu uma das mãos de Dmítri abrir suas pernas, seus dedos roçaram o interior de suas coxas e ele rosnou em aprovação quando sentiu a umidade entre suas pernas. O membro dele tocou suas nádegas, um calafrio de antecipação percorreu sua espinha, ela tentou se virar, mas as mãos de Dmítri pararam em seu ombro,

segurando-a naquela posição, ela estava a mercê dele, e isso a deixou assustada na mesma medida que a excitou. Dmítri se colocou dentro dela com firmeza numa única estocada, o grito entrecortado de Sophie pairou no ar entre eles, um misto de dor e prazer. Sentiu as paredes de sua vagina se apertarem ao redor de seu membro. As estocadas vieram fortes e rápidas, Sophie empinou suas nádegas em direção sentindo o impacto do movimento, o som de seus corpos de chocando. Os gemidos dele se transformaram em grunhidos, Sophie sentiu seu interior se convulsionar cada estocada, cada vez mais fundo e duro dentro dela. O prazer se construiu em seu interior, tão deliciosamente que ela soube que estava próxima de seu clímax. Empurrou ainda mais suas nádegas, até sentir que elas estavam na pélvis de Dmítri, eles estavam tão próximos que ela não podia dizer onde um começava e outro terminava. Os dedos dele correram sobre sua cintura, sua respiração acelerada em seu pescoço até alcançarem sua entrada, ela podia sentir ele se mexendo em seu interior, então sentiu os dedos dele encontrarem a pérola de seu clitóris. Estimulada tanto por seu membro quanto por seus dedos, ela deixou que sua cabeça caísse em seu ombro enquanto o orgasmo varria seu corpo, seu interior apertando violentamente Dmítri. Lá fora um raio cortou o céu, a luz perfurando até mesmo suas pálpebras fechadas. As estocadas dele se tornaram frenéticas, ela sentiu seus dentes morderem seu ombro, enquanto um grunhido gutural rasgava sua garganta enquanto sentia ele despejar-se dentro dela. Sophie sentiu os braços de Dmítri a ampararem, de repente percebeu que se não fosse por esse movimento talvez ela não fosse capaz de suportar o peso do próprio corpo, os braços tremiam assim como suas pernas, suas mãos continuavam fixas na janela, o corpo dele ainda enterrado dentro do seu pulsando, ela podia ver a condensação de sua respiração sobre o vidro, o

mundo parecia ter se resumido ao ruído da chuva e o fôlego de ambos acelerados. Os lábios de Dmítri depositaram um beijo terno em sua nuca, ela sentiu seu corpo ser erguido com facilidade, ele caminhou com ela depositando seu corpo gentilmente no sofá. Suas costas se afundaram no tecido macio, sua cabeça repousando sobre o travesseiro que havia trazido de seu quarto. Os olhos de Dmítri estavam fixos em seu corpo, percorrendo toda extensão deu rosto, havia um brilho misterioso por trás de sua íris que agora estavam prateadas, ela desejou descobrir o que estava escondido em seus pensamentos. Ele permaneceu ao lado do sofá estático, como se tivesse em dúvida do que fazer em seguida, dividido entre o desejo de se afastar e permanecer onde estava. Erguendo as mãos Sophie prendeu os dedos delicadamente sobre seu punho, num pedido silencioso, puxando-o em sua direção. A resistência dele foi logo vencida, com um suspiro pesaroso, ele deitou-se no sofá diante dela, seus corpos se encaixando com perfeição um ao outro. A mão de Sophie descansou sobre o peito de Dmítri bem no lugar onde seu coração residia, sob a ponta de seus dedos podia sentir a batida ritmada de seu coração, num compasso idêntico ao seu. Estremeceu levemente quando a temperatura do seu corpo diminuiu, mas sentia-se confortável demais para se mover em busca de alguma cobertura. As mãos de Dmítri puxaram o edredom sobre o corpo de ambos, fechando-os em um casulo particular, em nenhum momento ela se preocupou com sua nudez, parecia natural permanecer daquela forma diante dele, algo íntimo entre eles e embora aquilo fosse desconcertante de alguma forma incompressível parecia ser certo. As mãos de Dmítri pousaram em sua cintura, trazendo seu corpo para perto, Sophie encaixou seu rosto na curva de seu ombro aspirando seu perfume, o

barulho da chuva estava diminuindo, finalmente a tempestade estava indo embora, embalada por aqueles sons, caiu num sono profundo sem sonhos. Apenas escuridão.

CAPÍTULO 14 As pálpebras dela se abriram levemente, a luz se infiltrou por elas despertando-a de seu sono. Um suspiro aliviado escapou de seus lábios entreabertos, era a primeira vez que se sentia realmente descansada ao acordar. Como se aquela tivesse sido uma excelente noite de sono. Mexeu o corpo lentamente, tentando ainda aproveitar a deliciosa letargia que cobria seus membros, afundou-se ainda mais no sofá apreciando o calor morno que a envolvia. Sua cabeça continuava apoiada no peito de Dmítri, a mão dele repousava no alto de sua cintura, mesmo durante o sono eles haviam permanecidos abraçados, como se buscassem constantemente a presença um do outro. Sophie não sabia o que pensar sobre aquilo, era a primeira vez que acordava ao lado de outra pessoa, havia uma sensação de novidade que a deixava ansiosa, embora o sentimento não fosse de todo ruim. Ao seu lado Dmítri parecia dormir profundamente, o cabelo caia contra sua testa lhe dando um ar mais relaxado, os lábios estavam entreabertos e ele ressonava audivelmente, sem poder se conter a garota sentiu seus lábios se abrirem num sorriso espontâneo. Ele parecia tão calmo, os longos cílios faziam sombras sobre suas bochechas, deixando-o com uma aparência vulnerável, era quase impossível para ela relacionar aquela imagem, com a do homem parado diante dela na noite

anterior manchado de sangue. A lembrança fez com que o sorriso morresse em seus lábios, a deliciosa sensação prazerosa pareceu escorrer de seu corpo deixando para trás um vazio incômodo. Guardou-a a imagem em sua memória dizendo a si mesma para que nunca se esquecesse dela, para sempre se lembrar a verdadeira natureza do homem ao seu lado. Esticou seus dedos, deixando que eles deslizassem sobre o rosto de Dmítri contornando seu queixo, sentindo a maciez de seus lábios. Será que depois daquela noite ele iria confiar nela? Finalmente seria capaz de superar suas desconfianças? Sophie não tinha como saber o resultado que suas ações lhe trariam, tinha jogado fora todo o bom senso na noite anterior, decidindo tomar um caminho que não possuía retorno. Só podia desejar que tudo aquilo no fim das contas não fosse em vão. Os olhos de Dmítri tremularam levemente, debaixo das pálpebras ela pode ver seu olhar confuso e sonolento. Nunca antes ele havia lhe parecido mais belo.... Mais humano. - Desculpe – murmurou Sophie contra seu pescoço, deixando que sua mão caísse novamente perto de seu corpo interrompendo a carícia – Eu não queria te acordar. - Acordar? – perguntou Dmítri com voz embargada e sonolenta – Mas, eu não dormi. Espera eu dormi? O riso dela foi abafado pelo seu ombro, levantou o rosto contemplando a face confusa do loiro, seus olhos azuis percorreram todo o cômodo como se ele estivesse vendo-o pela primeira vez. O olhar dele recaiu sobre Sophie que continuava sorrindo de sua confusão.

- Bom dia – exclamou a garota beijando-lhe ternamente na bochecha. As mãos dele se apertaram como um reflexo sua cintura, Dmítri espiou sobre a borda do edredom franzindo os olhos quando a luz cinzenta da manhã atingiu sua visão. - Eu não acredito que já é de manhã – exclamou o loiro confuso – Que horas são? - Não tenho ideia – disse Sophie, - mas, não deve ser muito tarde. Você tinha algum compromisso hoje de manhã? -Não... Eu acho. Meu cérebro ainda está lento demais pra que eu tenha certeza. A risada borbulhou em sua garganta, ela tentou conter o riso, mas a confusão no rosto de Dmítri apenas acentuou seu desejo de rir mais. Definitivamente ele não era uma pessoa matutina. Os olhos tempestuosos recaíram sobre ela, a garota percebeu seu olhar se modificar tornando-se mais escuro e focados. - Você dormiu aqui também – disse Dmítri, suas mãos percorrendo seu corpo, como se ele precisasse ter certeza que ela era realmente real deitada ali ao seu lado. - Seu sofá é extremamente confortável, tenho certeza que nenhum de nós vai ficar com dor nas costas. Ela pensou que o comentário traria um sorriso aos lábios dele, mas sua expressão tornou-se mais intensa, como se ele estivesse tentando desvendar um enigma escrito em sua face. - O que foi? – perguntou Sophie incomodada – Meu cabelo não costuma ser algo muito agradável pela manhã.

Os lábios dele se fecharam sobre os dela de maneira lenta, o beijo foi quase casto nada mais do que o encostar de seus lábios, mas foi o suficiente para deixar seu corpo todo ansiando por mais. - Dmítri? Qual o problema? Por que está me olhando assim? - Você não foi embora – respondeu o rapaz percorrendo com o polegar seu lábio inferior – Ontem à noite quando você me encontrou na cozinha, pensei que iria sair por aquela porta e não voltar mais. Sophie compreendeu o que ele queria lhe dizer, a visão dele coberto de sangue realmente havia a assustado, mas não o suficiente para que ela se esquecesse de seus objetivos. Delicadamente Dmítri ergueu seu queixo, obrigando que ela encarasse seu olhar repleto de dúvidas. - Por que não foi embora Sophie? Não tem medo de mim? - Não – respondeu a garota com toda sua sinceridade – Não tenho medo de você Dmítri. - A maioria das pessoas me teme. Eu poderia machucá-la tão facilmente. - É isso o que você quer? – perguntou Sophie aproximando-se dele até que sua respiração alcançasse seus lábios. O olhar de Dmítri estava preso em seu rosto, sua respiração atingiu sua face, os braços dele se apertaram ao seu redor com firmeza, enquanto seus lábios beijavam seu rosto delicadamente. O suspiro que ele exalou foi como um reflexo de toda a frustração que ela também sentia se enroscar em seu peito. O nariz dele tocou levemente o seu, ele se afastou com o rosto nublado

enquanto um olhar cheio de dúvidas era refletido em seus olhos. - Isso está ficando um pouco mais complicado do que eu tinha previsto. Sophie sorriu e torceu para que ele não notasse a falsidade em sua expressão, naquele instante a última coisa que poderia incomoda-la era o futuro. - Não se preocupe com isso. Ainda temos tempo. O som de batidas rápidas na porta chamou a atenção de ambos. - Você está esperando alguém? – perguntou a garota confusa puxando o edredom sobre seu corpo tentando proteger sua nudez. Dmítri não lhe respondeu de imediato, seu rosto tornou-se rígido, e seu olhar recaiu sobre a arma que estava em cima do balcão, ela sabia que ele estava calculando quanto tempo levaria até conseguir alcança-la. - Dmítri! Você está ai? – gritou Haru sua voz sendo abafada atrás da porta do apartamento – Atenda o maldito telefone. Sophie suspirou aliviada, e levantou-se enrolando o edredom ao redor do seu corpo. Diante dela Dmítri agarrou a calça que estava jogado de qualquer forma sobre o tapete a vestido de qualquer forma. - Vá para o quarto Sophie, ele não deve demorar. Preciso conversar com meu irmão. A garota concordou com um aceno de cabeça, erguendo a barra do edredom como se fosse um vestido antiquado, correu em direção ao corredor, abrindo a porta e fechando-a em sua frente para que Dmítri imaginasse que ela tivesse protegida atrás daquelas paredes. Encostou suas costas no corredor, tentando controlar o ritmo acelerado de sua respiração. Sabia que era extremamente arriscado permanecer ali ouvindo aquela conversa, mas não podia mais deliberadamente se colocar numa posição onde não sabia quais eram todas as

peças que estavam no jogo. A porta abriu-se com um estalo, ouviu os passos apressados de Haru, e sua voz irritada soando na entrada do apartamento. - Por que você demorou pra atender a porra dessa porta? Qual é seu problema com tecnologia que não consegue atender nem o celular. Sophie nunca tinha ouvido Haru soar tão irritado, queria saber qual era o motivo que deixara tão nervoso. Medindo cautelosamente seus passos, a garota avançou pelo corredor, até estar apenas três metros da sala, dali ela podia ver as figuras dos dois homens sendo refletidas parcialmente na janela, enquanto ouvia com clareza sua conversa, enquanto ainda permanecia escondida no corredor. - Eu estava ocupado – respondeu Dmítri casualmente. – Se alguma coisa tivesse me acontecido você já estaria sabendo, não precisa de todo esse alarde. - Da última vez que você sumiu desse jeito eu te encontrei com um rasgo na barriga, me desculpe se acha que eu estou exagerando. Mesmo aquela distância Sophie podia sentir a tensão se construir no ar entre aqueles dois, imaginou o que existira entre eles para deixá-los tão nervosos um contra o outro. - Você fez um belo espetáculo ontem a noite – comentou Haru seguindo Dmítri até a sala de jantar – Todo mundo só fala disso, um verdadeiro massacre tão dizendo que vai até ganhar um nome ou coisa do tipo. Valeu a pena? Você ao menos conseguiu alguma informação? Mesmo com pouca nitidez Sophie pode perceber a expressão de Dmítri se nublar, sem dizer uma palavra ele guardou a arma que estava sobre a bancada no cós de sua calça, jogando no lixo os restos do pano de prato que havia

usado ontem a noite para enxugar suas mãos, e seu terno. - Nenhuma novidade – respondeu Dmítri dando de ombros – Todos eles dizem a mesma coisa. O Tsar está de volta a Nova York, mas parece que ninguém sabe ou pretende me dizer onde exatamente. - E você acha que vale a pena Dmítri deflagrar uma guerra por causa disso? Tem alguma noção de quantos homens você matou ontem a noite, pra nada? - Não me olhe desse jeito Haru, você sabe muito bem minha resposta. Não me venha agora com essa besteira de responsabilidade moral. A voz de Dmítri estava alterada, por instinto Sophie encolheu-se contra a parede naquele momento a última coisa que ela poderia desejar era ser descoberta ouvindo a conversa de ambos. O silêncio entre eles se estendeu enquanto ambos de encaravam, Sophie percebeu que tinha cravado as unhas na borda do edredom que segurava de encontro ao peito. - Yamaguchi mandou um recado – disse Haru, tentando controlar a irritação em sua voz, enquanto corria os dedos pelo cabelo – Eles não querem que você ultrapasse a linha e comece uma guerra de facções. - Diga pra eles que a Yakusa, pode muito bem ficar longe dos meus problemas. Isso é pessoal. - Você não pode estar falando sério. Está completamente fora de si, e vai acabar se matando! - Você sempre soube Haru que chegaríamos a isso. Sabe que não posso descansar enquanto ele não estiver morto - Ah claro – respondeu Haru com a voz cheia de sarcasmo – E parece que você está conseguindo lidar muito bem com isso, seus planos de vingança e

sua nova garota. Sophie sentiu o coração disparar em seu peito, não precisava ser extremamente inteligente para perceber a implicação contida na frase de Haru. - E desde quando você se interessa pela minha vida amorosa? – perguntou Dmítri se aproximando do moreno diante dele. - Desde quando você começou a usar a cabeça que fica embaixo da sua cintura! Você realmente confia nessa garota? Já parou pra pensar que ela pode ser alguém do Tsar? - Não seja ridículo! – rebateu Dmítri – Se esse fosse o caso, ela já colocado teria uma bala no meio da minha testa. - E enquanto isso não acontece, você passa seu tempo fodendo com ela. É realmente brilhante. O silêncio entre eles foi carregado de tensão, Sophie não conseguia entender completamente o conteúdo daquela conversa, mas tinha certeza de que se tratava de algo muito importante para Dmítri, e de alguma forma ela precisava descobrir mais a respeito. - Você está sendo paranoico Haru – disse Dmítri, agora a voz dele parecia estar controlada, a raiva abaixo da superfície – Sophie não é uma ameaça. Haru estava de costas, sua camiseta negra refletia de maneira difusa no vidro da janela, Sophie desejou naquele momento poder enxergar sua expressão e tentar decifrar os pensamentos escondidos por trás do seu olhar. - Você confia nela – a frase dita por Haru de maneira quase incrédula, não era uma pergunta, mas uma afirmação que ele não podia ter certeza se era real. A garota sentiu o coração bater pesadamente dentro de seu peito, como se de

repente o esforço de bombear sangue para seu corpo fosse algo difícil, empurrou o remorso para longe enterrando-o no canto mais afastado de sua mente, não podia se dar ao luxo de ter uma crise de consciência naquele momento. Na janela ela pode observar o rosto de Dmítri desviando seu olhar de Haru, ele não parecia disposto a lhe dar uma resposta. - Espero que você não esteja enganado Dmítri – continuou o rapaz colocando de maneira displicente as mãos nos bolsos de sua calça – Para o seu próprio bem. Sophie sentiu o gosto acre tocar a ponta de sua língua, estivera tão nervosa que sem perceber havia mordido a parte interior de sua bochecha. Precisava controlar seu nervosismo, ou do contrário não conseguiria lidar com tudo que estava acontecendo ao seu redor. - Aposto que você não veio na minha casa apenas pra me dar um sermão, aconteceu alguma coisa? – perguntou Dmítri aproximando-se da janela. - Você me disse para ficar de olho em Tiziano – respondeu o moreno, embora sua expressão não fosse nada agradável – Parece que suas suspeitas estavam corretas, ele vem tentando fazer alguns acordos para destronar o pai. Você acredita que o Tsar fez um acordo com a máfia italiana? - Tudo é possível – respondeu Dmítri num fio de voz – Não ficaria surpreso se Tiziano estivesse por trás disso, mas não acho que ele ainda tenha tanto poder. Se o Tsar está realmente em Nova York então alguém está ajudando para que eu não possa encontra-lo. Sophie apertou as costas ainda mais contra a parede, como se dessa forma ela pudesse se mesclar ao material, queria continuar ali ouvindo atentamente a conversa, mas cada vez mais eles se aproximavam da sala, e ela corria o risco de eles descobrirem que estavam sendo espionados.

Com todo cuidado do mundo controlando sua respiração a garota agarrou a barra do edredom contra seu peito, tentando provocar o mínimo de ruído possível enquanto refazia seu caminho lentamente de volta até seu quarto, a cabeça repleta de perguntas sem respostas. Abriu a porta com cuidado, esperando que os dois homens na sala estivessem ocupados demais para prestarem atenção no barulho da porta do seu quarto. Fechou-a atrás de si, lentamente, trancando em seguida, largou o edredom ali mesmo onde estava correndo até o banheiro para ligar o chuveiro deixando que o barulho na água correndo invadisse todo o ambiente. Se Dmítri viesse procurá-la ao menos teria uma desculpa que estava no banho. A água estava quente demais, mas ela quase não foi capaz de se importar com isso, lavou o corpo de maneira mecânica, enquanto sua mente estava muito longe dali, relembrando toda a conversa que havia escutado entre Haru e Dmítri. Quem era o homem que eles chamavam de Tsar? E por que Dmítri queria tanto encontrá-lo? Não precisava ser um gênio para entender que eles eram inimigos, mas havia algo diferente na voz do mafioso russo quando ele falava sobre aquele homem. Um frio glacial em seu timbre, um ódio latente e poderoso. Como se ele o conhecesse, e estivesse disposto a fazer qualquer coisa para destruí-lo. Sophie não tinha dúvidas, de que aquilo era pessoal, e se suas suspeitas estivessem corretas, então Dmítri não era o homem poderoso e inatingível que ela havia imaginado. De alguma forma esse Tsar tinha conseguido ferilo, descoberto sua fraqueza, a garota só precisava se aproveitar desse fato. Os dedos trêmulos fecharam o registro do banheiro, por um momento ela permaneceu ali enquanto as gotas escorriam por seu corpo, a adrenalina que sentira apenas alguns minutos atrás agora também escorria por sua pele deixando-a trêmula e com uma sensação de vazio incômodo em seu

estômago. Precisava parara de tremer, precisava se controlar, quando voltasse para aquela sala, iria encontrar de Dmítri e nada do que ela havia escutado podia transparecer em sua expressão. Não se considerava uma boa mentirosa, a mentira nunca havia tido muita serventia em sua vida, mas agora não tinha outra escolha, precisava que Dmítri acreditasse nela, mais do que isso precisava que ele confiasse na relação de ambos, somente assim ela tinha uma chance de descobrir sua fraqueza. Enxugou o corpo rapidamente tentando apurar os ouvidos para descobrir se Haru ainda estava no apartamento, se ela fosse encontra-lo então era ainda mais importante tentar convence-lo de que ela não era uma ameaça para Dmítri, principalmente agora que descobrira o quão desconfiado ele estava a seu respeito. Guardou aquela informação importante para nunca esquecer que precisava ser cuidadosa com aquele homem. Não quis perder tempo escolhendo uma roupa, abriu as gavetas da cômoda pegando a primeira calça confortável de yoga que encontrou e jogando por cima dos ombros uma blusa larga de mangas compridas. No banheiro secou os cabelos levemente com a toalha penteando eles e deixando que secassem ao natural. Com o coração batendo num ritmo descompassado, saiu do quarto, parando durantes alguns instantes em frente no corredor silencioso tentando se acalmar. A sala estava vazia quando ela chegou, olhou ao redor tentando encontrar Haru, olhou ao redor tentando encontra-lo, mas avistou apenas Dmítri de costas na cozinha. Sophie caminhou naquela direção, o loiro continuava da mesma forma como

alguns minutos atrás, a calça negra presa apenas por um botão na cintura delgada, o tronco nu com uma expressão nada agradável ele estava parado diante de uma cafeteira enquanto o delicioso aroma terroso do café invadia o ambiente. - Haru já foi? – perguntou Sophie displicentemente parando ao lado dele – Está tudo bem? - Não se preocupe com Haru – respondeu Dmítri ainda de costas pra ela – Ele tende a ser um pouco dramático quando ignoro suas mensagens eletrônicas. A mentira saiu com uma facilidade impressionante dos lábios de Dmítri, ela sabia que Haru estivera ali porque estava preocupado com o homem diante dela, porque na noite anterior ele havia promovido um massacre, tentou empurrar o desconforto que as palavras dele lhe provocaram. Não tinha o direito de se sentir chateada com Dmítri se ela também estava mentindo para ele. - Eu devia ter pedido que entregassem o café – murmurou Dmítri diante da cafeteria não parecendo nem um pouco satisfeito – Vou dormir em pé aqui. - Não seja mimado – respondeu Sophie enquanto um sorriso brincava em seus lábios. Era melhor que fosse daquele jeito, assim ela poderia fingir que sua vida não era uma bagunça completa – Vá se sentar eu preparo alguma coisa enquanto o café não fica pronto. O rosto de Dmítri virou em sua direção, enquanto ele erguia uma sobrancelha de maneira incrédula. - O que foi? – perguntou Sophie fingindo estar ofendida – Não me olhe dessa forma, eu sei me virar no fogão. - Bem eu não estava esperando que você cozinhasse pra mim, mas já que está propondo não serei louco de recusar.

- Ótimo, agora sente-se ali me deixe trabalhar. O rapaz pareceu contente em obedece-la, saindo de frente da cafeteira e sentando-se num dos bancos que ficavam diante da bancada de mármore. Sophie abriu a geladeira, pegando fatias de bacon e ovos, resolveu que independente do horário estava com vontade de comer um café da manhã recheado. - Você gosta de ovos mexido com bacon? – perguntou a garota de costas pra ele, enquanto esperava a frigideira no fogo esquentar. - Como toda pessoa em sã consciência. – respondeu Dmítri. Sophie olhou por sobre seu ombro deixando que ele visse seu sorriso debochado. Tentou não pensar na cumplicidade fácil que havia entre eles. Em como ambos pareciam extremamente confortáveis com a presença um do outro. O som da gordura do bacon fritando trouxe-a de volta a realidade. Era bom manter a mente ocupada enquanto trabalhava no prato que estava preparando. O som da cafeteira apitando indicou que o café estava pronto, com as mãos ocupadas Dmítri levantou-se pegando a garrafa cheia levando até a mesa e preparando o lugar para ambos com pratos talheres e canecas. Eles sentaram-se um ao lado do outro, o aroma delicioso de comida feito na hora, afrouxou o nervosismo que havia no estomago da garota, deixando que ele reclamasse apenas devido a fome. Serviram-se em silêncio, Dmítri despejou uma quantidade obscena de café em sua caneca, como se precisasse tomar tudo aquilo para realmente sentir-se finalmente acordado. Em seu prato Sophie colocou ovos, bacon bebeu um gole do café e tentou não relembrar nas inúmeras vezes que havia feito a mesma refeição com seus tios

e primo aos fins de semana, o único dia da semana que todos estavam em casa no mesmo lugar como uma família. Seus olhos se desviaram para a arma sobre a mesa ao lado do prato de Dmítri, ele havia deixado ali enquanto colocava a mesa, ela imaginou que devia ser incômodo andar pela casa com uma pistola presa em sua cintura. O objeto deixava bem claro que tudo aquilo ao seu redor era uma ilusão. O olhar de Dmítri recaiu naquela direção, com delicadeza ele retirou a arma da mesa, guardando-a novamente em sua cintura, tirando-a do seu campo de visão. - Desculpe por isso – pediu o rapaz sem olhar pra ela – Não vou deixa-las espalhadas pela casa se isso te incomoda. - A casa é sua Dmítri – respondeu Sophie um sorriso sem graça em seus lábios – Não quero ser um incômodo e ditar regras. - Você nunca me deixa esquecer o motivo pelo qual está aqui – comentou Dmítri estreitando seu olhar. Sophie percebeu a animosidade aumentar entre eles, para Dmítri o mundo era dividido entre extremos bruscos, como se ele fosse uma tempestade de verão que podia se formar quase que instantaneamente a seu bel prazer. - Isso me faz lembrar que ainda não tive tempo de te agradecer – respondeu a garota depositando sobre a bancada sua xicara de café. – Obrigada por me proteger. Ela estava próxima o suficiente dele para perceber o choque percorrer suas feições, seu rosto tornou-se pálido, como se ela tivesse lhe dito algo extremamente grosseiro. - Porra Sophie, não faça isso – murmurou o rapaz, sem conseguir esconder o timbre irritado em sua voz – Não depois de ontem a noite, não faça parecer

como se tivesse que me pagar agradecendo ou coisa do tipo... A vergonha a inundou como se alguém tivesse lhe jogado água quente nas faces, as mãos se apertaram no colo, desviou o olhar incapaz de suportar continuar olhando para Dmítri. A sua frente Dmítri encostou o corpo contra a cadeira, pela primeira vez desde que chegara ontem a noite ela notou como ele parecia estar cansado, um suspiro pesaroso escapou de seus lábios enquanto ele bagunçava mais uma vez as mechas de seu cabelo claro. - Sei que tudo isso está sendo mais complicado do que eu previra – começou o rapaz – Mas, você não precisa sentir que tem uma dívida comigo, eu não ... - Tudo bem – interrompeu a garota, aquela conversa estava se tornando intima demais, não queria deixar que a culpa que existia em seu coração se tornar-se insuportável – Nenhum de nós dois planejamos isso, mas não me arrependo do que aconteceu na noite anterior. Vamos apenas ir com cautela. Ergueu seu rosto para encontrar o olhar dele fixo ao seu, havia tanta intensidade em seus olhos, como se ele tivesse de alguma forma tentando ler seus pensamentos, Sophie ficou aliviada pelo fato daquilo não ser algo possível. Seus dedos agarraram novamente as alças de sua caneca, bebeu mais um gole de café que começava a esfriar e tentou mudar a direção do assunto. - Então você tem algum plano pra hoje? – perguntou ela displicentemente. - Não – respondeu Dmítri dando de ombros – Não havia planejado nada, talvez apenas não acredito que vá conseguir voltar a dormir, tinha pensando em passar algum tempo na academia. - Eu poderia acompanha-lo – disse Sophie tentando não soar de maneira muito interessada.

- Você? Eu não sabia que era do tipo atlética. - E sendo bem sincera não sou – respondeu a garota simplesmente – Mas, estive pensando enquanto estou aqui talvez você pudesse me ensinar alguma coisa, como defesa pessoal por exemplo. Depois do meu encontro com Tiziano sinto que aprender algo assim me deixaria mais tranquila. Ele a observou por sobre sua própria xícara de café, a garota pode visualizar a desconfiança por trás do seu olhar, mas logo ela desapareceu como se fosse uma nuvem soprada pelo vento. Tentou conter sua expressão para que não parecesse muito culpada. - Eu não sei, se sirvo pra ser um instrutor desse tipo de coisa, mas podemos fazer um teste. A euforia percorreu seu sistema como fogos de artificio, não conseguiu conter o sorriso que se abriu em sua face por completo. - Sério? Ótimo! Quando podemos começar? - Hoje mesmo – respondeu o loiro – Se você não tiver mais nada que queira fazer, podemos tentar alguns movimentos e você decide se realmente quer continuar com isso. - Certo, então me encontre na academia em quinze minutos, vou passar no meu quarto e pegar algumas coisas que preciso e podemos começar se estiver tudo bem pra você. Sophie concordou com um aceno de cabeça, o coração batia em seu peito num ritmo acelerado, Dmítri levantou-se da mesa indo em direção a seu próprio quarto, enquanto isso ela aproveitou para limpar a bancada. Colocou as xícaras e pratos na máquina de lavar guardando o resto dos alimentos que não tinham sido consumidos. Quando a cozinha estava novamente organizada foi em direção ao elevador fora do apartamento, tentando conter o

nervosismo que borbulhava em seu estômago. Quando as portas do elevador se abriram, tentou não se importar com o olhar de culpada que estava estampado em sua face, refletida por todos os espelhos daquele lugar. Será que Dmítri poderia nota-lo? Provavelmente não já que tinha concordado em treina-la. E havia sido tão fácil, ela nunca poderia imaginar algo assim. Seu plano estava saindo melhor do que ela poderia ter previsto. Dmítri estava realmente começando a confiar nela. ‘Espero que você esteja certo, para seu próprio bem’ As palavras de Haru voltaram para assombra-la, empurrou a culpa que estava se tornando cada vez mais frequente para um canto de sua mente muito distante, rangendo os dentes. Não ia deixar que algo como aquilo a impedisse de cumprir seu objetivo. Ela tinha chegado longe demais para desistir agora. As portas do elevador se abriram, interrompendo seus pensamentos. Sophie decidiu que aquele não era o momento para ela se perder em teorias, controlando seu nervosismo caminhou até o centro da academia sentando em um dos bancos ali vazios e esperou pacientemente pela chegada de Dmítri. Ele não demorou, quando entrou no recinto Sophie pode perceber que ele havia tomado um breve banho, sua pele estava mais rosada, e a aparência de cansado havia completamente o abandonado. Os cabelos úmidos estavam jogados de maneira displicente para trás deixando seus olhos azul tempestade aparentes. Dmítri caminhou até ela com confiança, seus movimentos pareciam calculados como se ele decidisse que iria executa-los com perfeição, embora houvesse uma graça natural em todas suas ações. - Você tem certeza disso? – perguntou o rapaz parando diante dela, - Sei que

é normal querer se proteger depois de tudo o que você passou, mas defesa pessoal é algo sério. Algumas semanas não farão muita diferença caso você realmente precise se proteger. - Pode ser pouco, mas qualquer coisa é melhor do que nada – respondeu a garota com confiança – Estou cansada de me sentir indefesa. O olhar de Dmítri recaiu sobre ela de maneira penetrante, como se ele tivesse avaliando suas intenções, sua força de vontade. Sophie sustentou seu olhar sabendo que precisava convencê-lo a lhe treinar de qualquer forma. - Bem, já que você insiste nisso então vamos começar. Embora não parecesse estar completamente convencido Dmítri se mostrou ser um professor exigente. Para o aquecimento Sophie foi obrigada a correr na esteira, até sentir o coração batendo tão enlouquecidamente dentro de seu peito, que ficou com medo que ele pudesse pular para fora de seu corpo. Seus músculos protestaram o tempo inteiro, enquanto seu fôlego pesado indicava o quanto ela estava fora de forma. Dmítri correu a seu lado tranquilamente, enquanto uma camada de suor apareceu em seu rosto e braços, o loiro continuou parecendo que havia acabado de sair do banho. Sophie o odiou um pouco mais por causa disso. Quando chegou à conclusão, de que não poderia suportar mais nenhum minuto, Dmítri interrompeu o exercício, dizendo que eles já haviam se aquecido o suficiente. Sophie desceu da esteira sentindo as pernas tremerem como folhas ao vento, com o coração batendo de forma ensandecida em seu peito, a garota aceitou a garrafa de água oferecida por Dmítri. Bebeu o líquido que pareceu apagar um pouco a secura em sua garganta. - Está pronta? – perguntou Dmítri.

Os dedos apertaram a garrafa quase vazia em sua mão direita, ela acenou concordando com a cabeça, naquele momento não confiava muito em seu tom de voz. Dmítri parou diante dela, eles se observaram parados em frente um ao outro no meio dos tatames que circundavam uma parte do local. - A primeira coisa que precisa levar em consideração sobre defesa pessoal é: avaliação. – começou Dmítri seu timbre de voz muito sério – Julgar de maneira adequada o perigo em que se encontra, o lugar onde está, e seu adversário sem subestima-lo, ou superestimar suas habilidades. - Isso parece simples. Acho que posso fazer isso. - Pode parecer simples – continuou Dmítri – mas, acredite em mim nada é o que parece quando seu sangue está sendo bombardeado por adrenalina. Digame, o que faria se eu fosse seu adversário? - Tentaria atacá-lo?- respondeu Sophie sem conseguir soar de maneira muito confiante – Usaria alguma coisa que tivesse ao meu redor como arma. - Se você tivesse diante de alguém com minhas características – respondeu Dmítri não parecendo nem um pouco satisfeito – Teria melhor chances se buscasse um jeito de fugir, não um confronto direto. - Fugir é algo que qualquer pessoa pode fazer – disse a garota irritada – Não é algo que se pode considerar como defesa pessoal. - Sua prioridade é se manter viva – rebateu Dmítri de maneira muito intensa – E as vezes fugir é a única opção. Ou você acha realmente que seria capaz de enfrentar um grupo de pessoas armadas? Foi fácil conseguir correr, quando estava sendo perseguida pelas ruas da cidade? As memórias inundaram a mente de Sophie, o coração pulou firme no peito enquanto o medo contorcia levemente sua barriga. Agora as lembranças

estavam levemente embaçadas em sua mente, mas a sensação de pânico e desespero que havia sentido enquanto corria seguindo Dmítri ainda pareciam estar muito vivas em seu sistema. Ela nunca havia parado para pensar realmente o que havia acontecido aquele dia. Achara que o fato deles terem conseguido escapar havia sido apenas um revés da sorte. Agora lembrando-se com mais cuidado, percebeu que Dmítri havia lhe guiado durante todo o caminho, como se soubesse exatamente para onde estava indo. Aquilo não havia sido uma fuga desesperada. Mesmo ferido Dmítri havia sido capaz de traçar a melhor rota de fuga para que eles escapassem. - Então você vai me ensinar a fugir? – perguntou Sophie um pouco desapontada. - Vou te ensinar a se manter viva, e sair ilesa caso não exista outra escolha e você precise entrar num confronto. Agora novamente, o que você faria se eu fosse seu oponente? - Fugiria? - Muito bem – disse Dmítri, parecendo satisfeito agora com sua resposta – Mas, caso isso não fosse uma opção, o que você faria? Sophie deixou que seu olhar percorresse a figura diante dela, tentando buscar um ponto fraco, mas não havia nenhuma ideia em sua mente de como ela seria capaz de confronta-lo de alguma forma. -Não sei – respondeu a garota com sinceridade. Dmítri se aproximou dela lentamente, ficando tão próximo que ela foi obrigada a erguer lentamente o pescoço para encontrar seus olhos. Os dedos dele se fecharam em torno de seu pulso enquanto ele lhe dava instruções. - Se o atacante estiver de frente, não tente soca-lo só irá se machucar seus dedos dessa forma e provocar pouco estrago, use o cotovelo para acertar seu

queixo, nariz ou garganta. De maneira paciente ele mostrou o movimento guiando seu braço para cima apontando a região que tinha descrito. - Seu oponente será mais alto do que você provavelmente, portanto faça um movimento debaixo pra cima, colocando toda a força que puder reunir. Sophie concordou com um aceno de cabeça, imaginando se realmente poderia usar algo como aquilo numa situação em que precisasse se defender. Seria capaz de controlar o pânico e realmente agir? - Se isso não for o suficiente – continuou Dmítri – use os joelhos e tente acertá-lo na virilha, isso provavelmente lhe dará a oportunidade para que você possa fugir. - Chutar alguém em suas partes intimas não me parece algo muito nobre – comentou a garota tentando soar de maneira divertida. - Não existe nobreza quando se está se defendendo, qualquer erro pode ser fatal. Sophie sentiu a saliva ficar mais expeça em sua boca, sabia muito bem o peso verdadeiro que as palavras de Dmítri possuíam. Eles se entreolharam longamente, a mão dele continuava sobre seu pulso o contato na região deixou sua pele sensível, pode sentir os batimentos de seu coração se acelerarem com expectativa e soube que Dmítri pode sentir a mudança de sua pulsação. - E se fosse você? – perguntou a garota num murmúrio de voz, verbalizando pela primeira vez um dos seus maiores temores – Se você fosse meu oponente, isso iria detê-lo? - Eu não serei seu oponente – respondeu o rapaz parecendo confuso.

O coração dela pareceu subir em seu peito se alojando em sua garganta. A mão de Dmítri continuava parada em seu pulso, será que ele era capaz de enxergar a verdadeira pergunta por trás de suas palavras. - Hipoteticamente, o que você está me ensinando aqui, poderia parar alguém como você? Alguém com o seu tipo de treinamento? Ela pode enxergar a verdade em seus olhos mesmo que ele não tivesse verbalizado. O azul acinzentado se tornando mais escuro, como se fosse a cor da lâmina de uma navalha. - Provavelmente não – respondeu ele com cautela,- Se eu fosse seu oponente, então isso não iria me parar. - Então como eu poderia me defender? – perguntou a garota tentando conter a frustração que parecia borbulhar em sua voz. - Você sabe a resposta Sophie. Você precisaria me matar. Por um instante sentiu como se todo o ar tivesse sido expelido de seus pulmões, de uma vez, deixou então que a dúvida que estivera durante todo aquele tempo acalentando em sua alma viesse a tona. - Como Dmítri? Como eu poderia matar alguém como você? Sophie estava próxima o suficiente dele para perceber o estreitar em seus olhos, e a dúvida que pareceu nadar em sua íris. Se aproximou dele até sentir seu hálito em suas bochechas, não havia nenhum resquício de medo dentro dela, e isso apenas deixou sua determinação ainda mais forte. - Por que? – perguntou Dmítri deixando que o aperto em seu punho se tornasse mais resistente – Por que você quer saber isso? Disse que não tinha medo de mim. - E não tenho – respondeu Sophie colocando toda a sinceridade que podia em

suas palavras – Mas, tenho medo do seu mundo, e você não é o único assassino que habita nele. O olhar de Dmítri se distanciou dela, focando-se na parede ao lado deles, por um instante ele pareceu perdido em pensamentos, como se pudesse enxergar ali naquelas paredes brancas algo invisível a seus olhos. A mão dele largou seu punho, ele se afastou dela quando voltou a encara-la havia um olhar resoluto em sua expressão. - Venha comigo. Sophie não teve nenhum desejo de questionar. Seguiu os passos dele até o fundo da academia, havia uma única porta ali que eles cruzaram em silêncio. Do outro lado a garota reconheceu uma sala ampla e estéril. As paredes exibiam um tom de cinza como se o acabamento tivesse sido apenas deixado no cimento. No fundo da sala, numa parede expostas ficavam armas dos mais variados tipos e tamanhos, a onda de nervosismo que percorreu seu corpo deixou-a levemente zonza, mas ela se aproximou junto com Dmítri sem conseguir desviar seus olhos do arsenal em sua frente. Os olhos acinzentados percorreram a parede exposta, como se ele tivesse diante de uma vitrine escolhendo com toda paciência do mundo um aperitivo que iria levar para casa. Os dedos dele por fim se fecharam sobre uma pistola simples de cabo completamente negro, ele virou-se para Sophie depositandoa em suas mãos com cuidado. O metal era liso e frio sobre seus dedos, sentiu o peso em suas mãos e ficou espantada, não era nada excessivo mas imaginou que sentiria os músculos reclamarem se ficasse segurando algo com aquele peso por um longo período de tempo. Não sabia dizer se estava carregada, ou mesmo se havia uma trava de segurança, seu conhecimento sobre armas era praticamente nulo, mas tinha

consciência de que ela apertasse aquele gatilho poderia matar alguém. - É dessa forma que você consegue me parar – disse Dmítri interrompendo seus pensamentos – De preferência com um tiro entre os olhos. A arma tremeu em sua mão, fechou os dedos em punho ao seu redor do cabo para manter a firmeza enquanto seu cérebro conjurava em uma imagem as palavras de Dmítri. - É isso? – perguntou a garota quase num sussurro. O lugar onde estavam era tão silencioso, que se sentia incomodada de deixar que o som de sua voz preenchesse todo o ambiente – Parece... simples demais. - É simples. Ao menos você pode dizer isso em teoria, é claro que na prática eu estaria me defendendo e isso dificultaria em muito o trabalho da pessoa. - Me mostre como se atira. – pediu Sophie num sopro de voz tão baixo que não teve certeza se Dmítri teria sido capaz de ouvi-la. Por um momento ela pensou que ele iria negar seu pedido, pegar novamente a arma de suas mãos e guardá-la levando-a embora dali mas para sua surpresa não foi isso o que ele fez. Com uma das mãos em suas costas ele a guiou até um estande, a cabine tinha o espaço suficiente para que ambos de posicionassem ali embora seus movimentos ficassem menos abrangentes. Dmítri colocou-se atrás dela, uma parede sólida contra suas costas, ele guiou suas mãos sobre o metal posicionando corretamente ambas sobre o cabo. O dedo indicador roçando de maneira suave contra o gatilho. A respiração dele contra suas orelhas, provocou arrepios nada inocentes em seu corpo, eles estavam tão próximos que por um instante imaginou se ele poderia sentir quão forte seu coração batia em seu peito. - Mantenha seus braços levemente flexionados – instruiu Dmítri – feche um

dos olhos e faça a mira, leve esse ponto até onde você deseja acertar no alvo a sua frente. Sophie fechou sua pálpebra direita, havia uma pequena saliência sobre o cabo da arma, como um buraco de agulha, olhou por essa pequena reentrância observando como o mundo parecia ter ficado completamente reduzido a silhueta contornada em negro diante dela. Não sabia dizer qual era a distância, mas o alvo de papel que imitava os contornos de um ser humano não passava de uma sombra no final do corredor naquela sala. Sua própria respiração de repente pareceu muito alta em seus ouvidos, desconcentrando-a, diante dela havia apenas o círculo branco no centro do peito daquela figura indicando o lugar onde deveria haver um coração. - Não feche os olhos – ordenou Dmítri tirando as mãos de cima das suas – E se prepare para o impacto. O som foi estrondoso, como se alguém tivesse explodido uma bomba dentro de seu crânio. Sentiu a vibração até mesmo em seus ossos, enquanto rangia os dentes, nas suas mãos a arma havia ricocheteado e o impacto fizera com que perdesse a mira que tão cuidadosamente havia feito. Ergueu os olhos buscando no alvo onde acertara, mas o papel continuava imaculado diante dela. Abaixou as mãos sentindo a decepção afundar em seu estômago. - Não se cobre tanto – disse Dmítri atrás de suas costas – Foi seu primeiro tiro. - Se você fosse meu oponente, não teria errado. A garota ergueu os olhos encontrando olhar de Dmítri sobre ela, ele estava tão próximo, e sua presença parecia ser tão reconfortante, por um momento o

desejo de largar a arma que pesava em suas mãos e enterrar seu rosto na curva de seu pescoço, pareceu consumir cada célula de seu corpo aterrorizando-a com sua intensidade. Os dedos de Dmítri retiraram a arma da mão dela, parecia tão natural para ele manejar algo daquela forma, como se aquele objeto fosse apenas mais uma extensão de seu corpo. - Eu treinei minha vida inteira pra isso. Não tenho o luxo de errar. Ela queria lhe dizer que também não possuía aquele luxo, mas manteve as palavras presas em sua boca, seus olhos recaíram novamente diante do alvo identificando um pequeno rasgo do lado superior direito. Estava do lado de fora da silhueta e não passava de um pequeno arranhão, mas havia sido ali que sua bala havia perfurado. A prática leva a perfeição. A frase recitada milhares de vezes por sua tia durante toda sua infância, invadiu suas lembranças. Fechou os punhos sentindo a determinação correr com um novo ânimo por seu sistema. Iria treinar arduamente, até que pudesse realizar um tiro daqueles sem dificuldade nenhuma acertando o centro do alvo. Porque logo chegaria um dia que não seria um pedaço de papel que estaria diante dela, mas o homem que lhe amparava suas costas, e nesse momento ela sabia que não poderia errar.

CAPÍTULO 15 Os dias que se seguiram entraram numa rotina quase automática. Sophie acostumou-se a acordar cedo, adorava observar a primeira luz da manhã tingindo seu quarto enquanto todo o mundo ao seu redor parecia estar ainda sonolento e envolto no silêncio. Aproveitava daquela tranquilidade e tomava um banho, logo em seguida estava na cozinha preparando um café, para ajudá-la a despertar por completo. Era nesse momento na maioria das vezes que Dmítri se juntava a ela. Saindo de seu quarto, usando uma roupa confortável, enquanto o aroma de seu pós-barba pairava sobre a cozinha. Ela já havia percebido que ele não era muito do tipo matutino, na maioria das vezes costumava esperar por ela sentado na mesa, embora sempre ajudasse preparando o lugar com pratos e talheres. Havia um entendimento silencioso entre eles, do tipo que não precisava ser preenchido com palavras sem significado. A cada novo nascer do sol sentia sabia que estava se perdendo um pouco mais de si mesma, se acostumando com aquela situação embora soubesse que ela era apenas temporária. Cada vez mais a voz de sua razão tornava-se difusa até desaparecer por completo em alguns momentos, enquanto seu coração tornava-se cada vez mais leve, no curto espaço que havia estado com Dmítri sentiu-se feliz como há muito tempo não se sentia. Constatar aquilo deixou-lhe com um gosto amargo na boca, e uma sensação de culpa que pesava em seus ombros, mas esses sentimentos pareciam apenas perturba-la quando estava sozinha em seu quarto, ou cozinhando no apartamento, quando Dmítri estava ao seu lado o mundo inteiro parecia ter se tornado um lugar agradável.

Havia sido fácil se aproximar dele, sentia-se confortável com sua presença, de um jeito que nunca sentira com nenhuma outra pessoa. Como se houvesse uma compreensão entre ambos, quando estavam juntos sentia constantemente o olhar dele sobre ela, seguindo-a pela casa, em poucas semanas ele parecia ter a desvendado por completo. Podia dizer apenas com um olhar se ela estava irritada, triste, feliz, e raramente ele se equivocava. E aquela também havia sido uma estrada de mãos dupla. Dmítri agora não era mais apenas um assassino, naquelas semanas aprendera que era um homem problemático, com um humor sarcástico e respostas ácidas, que gostava de beisebol e destetava sorvete de baunilha. A cada dia havia uma nova camada que ela descobria sobre sua pessoa, algo que o deixava mais humano, tirando a monstruosidade que ela julgara estar completamente em sua essência. E cada vez que isso acontecia sentia-se mais cativada. O medo passou a ter a mesma medida que sua felicidade. Podia sentir o coração escapando por entre as grades que havia criado entre seus dedos, buscando desesperadamente Dmítri, e aquilo lhe enchia de um pavor desmedido, e mesmo assim não conseguia evitar sorrir toda vez que ele lhe abraçava por trás depositando um beijo em sua nuca. Cada dia que se passava percebia que a armadilha que ela havia criado também começava a se fechar a seu redor. Desde a noite que Dmítri voltara de seu último serviço eles haviam começado a construir a rotina de um casal. Agora ela já sabia de cor o formato dos lábios dele, e como eles eram macios ao toque de sua língua. Havia descoberto lentamente cada centímetro de sua pele, explorando com uma curiosidade genuína seu corpo. Havia apreciado cada segundo daquela experiência sabendo que nunca mais seria capaz de apagar a imagem do corpo dele sob ela, enquanto ela sentada sobre seu quadril descobria o ritmo certo que levaria ambos ao clímax. Não havia mais culpa agora quando ele a tocava apenas sensações prazerosas, e isso acontecia o tempo todo. Eles andavam de mãos dadas enquanto se provocavam indo até a academia, se abraçavam enquanto ela preparava algo

para um jantar, e compartilhavam do mesmo espaço no sofá enquanto assistiam há algum programa de televisão. Na manhã do segundo dia em que ela estivera ali, ele havia lhe trazido uma cartela de anticoncepcionais. Sophie não questionou aquela decisão, apenas aceitou a pequena caixa, guardando em seu quarto, e tomando os pequenos comprimidos brancos todo os dias religiosamente. Ao menos nesse sentindo ela podia se sentir segura, sabendo que independente do que existisse entre eles, eles não iriam transformar aquilo em algo mais complexo trazendo outra vida ao mundo. O treinamento havia continuado e embora Sophie sentisse que seu corpo nunca mais iria se recuperar daqueles exercícios, começava a ver algum resultado em seus reflexos. Dmítri era um professor exigente que não se mostrava satisfeito enquanto ela não lhe mostrasse sua melhor performance. Ela havia passado a aproveitar aquele tempo, os pensamentos que sempre pareciam tão caóticos em sua mente, pareciam desaparecer durante aquelas horas enquanto ela se sentia apenas concentrada no próximo movimento, correndo, aparando golpes e buscando uma brecha para desafiar Dmítri. A noite eles dividiam a cama em seu quarto, embora ele nunca permanecesse a seu lado para dormir, ela não havia lhe perguntado o motivo receosa de que não pudesse lidar com a resposta dele. Tinha medo do desejo que sentia por querer que ele estivesse a seu lado, por isso toda a vez que acordava sozinha em sua cama, enquanto seus dedos passavam de maneira carinhosa sobre as rugas que ele deixara no lençol, repetia milhares de vezes em sua cabeça que aquilo era o melhor. Que precisava daquela distância entre eles embora algo dentro dele se rebelasse completamente contra esse tipo de decisão. Enquanto as horas gradativamente se acumulavam em dias, percebia com um assombro impotente a presença de Dmítri cada vez mais intrínseca dentro dela. Havia decorado a forma do seu corpo, a textura de seu cabelo, a entonação de sua voz quando ele lhe chamava pelo nome. As vezes tentava se lembrar de como era sua vida antes dele, como eram aqueles dias onde ela desconhecia de sua presença, e simplesmente não conseguia mais traze-los a tona; como se de repente ela não fosse mais capaz de imaginar um mundo onde Dmítri não existisse, a sensação era tão aterrorizante que ela empurrava tudo para o fundo mais afastado de sua mente, ignorando examinar aquilo como se dessa forma tudo aquilo fosse simplesmente desaparecer. Havia se

tornado uma perita em ignorar os fatos nos últimos dias, embora sua consciência lhe avisasse com uma frequência assustadora, que o caminho que ela trilhava era perigoso. Mas, era tão mais fácil ignorar, esquecer os problemas, sabia que tudo aquilo não passava de uma ilusão, uma brincadeira de faz de conta que ela mesmo havia iniciado, mas não havia se preparado totalmente para as consequências. Jamais teria como imaginar que ela iria se sentir tão bem ali, vivendo de maneira simples ao lado de Dmítri, e embora ela soubesse que seu tempo se esgotava rapidamente como areia numa ampulheta virada para baixo, havia uma parte dela cada dia mais forte que desejava poder parar o tempo, teria quebrado todos os relógios do mundo se isso fizesse com que os ponteiros nunca mais se movessem. Sentia-se dilacerada pelos seus desejos contraditórios, puxada em duas direções tão distintas que as vezes acreditava que seria rasgada ao meio. Quando estava com Dmítri só conseguia aproveitar sua companhia, saborear seus beijos, aproveitar seu toque, descobrir seu corpo, e tudo parecia tão certo e verdadeiro. A primeira vez que ele havia sorrido verdadeiramente pra ela, sem o sarcasmo ferino que lhe era tão característico, ela achou que seu coração havia parado em seu peito. Como uma adolescente descobrindo os primeiros sintomas da paixão. Quando estava sozinha tentava controlar as ondas de culpa que a assaltavam com mais frequência agora dizendo a si mesma como num mantra que não podia voltar atrás pois aquela era a decisão que havia tomado. Não se perguntava mais sobre certo ou errado, de alguma forma sabia que há muito tempo esses conceitos haviam ficado para trás, esquecidos numa época onde o mundo podia ser dividido entre o preto e o branco. A vida não era assim tão simples, tão dicotômica, as vezes chegava a desejar que ela fosse então talvez dessa forma quando olhasse para trás saberia dizer exatamente onde havia errado. O mundo era uma roda da fortuna, um caleidoscópio cinzento rodopiando constantemente, assim como os olhos de Dmítri que cada vez mais iam se tornando nítidos em sua memória em suas lembranças apagando cada traço ali dentro que um dia havia pertencido a Fabrizio, e talvez esse fosse o

motivo que fazia com que ela seguisse em frente, embora a cada dia a certeza de que não conseguiria escapar daquela situação ficasse cada vez maior. Havia uma parte dela que aceitava aquilo, sabendo que ela também tinha sua parcela de culpa. Ela havia se aproximado de Dmítri deliberadamente, e não fora capaz de conter os sentimentos que nutria em seu coração por ele. Sentimentos esses que lhe traziam tanta felicidade quanto sofrimento. A cada hora percorrido pelo ponteiro do relógio, a cada pôr do sol que tingia de carmesim as paredes do seu quarto, ficava com medo e tentava negar para si mesmo a incerteza de que talvez no recôndito mais profundo de seu coração, ela não desejasse que aquele sentimento inominado tivesse um fim.

CAPÍTULO 16 O impacto do disparo reverberou por todo seu braço até alcançar seus ombros, sabia que quando terminasse aquela sessão de tiros estaria com eles doloridos, mas não conseguia se importar naquele momento. Os estrondos produzidos pelos tiros foram abafados pelos fones protetores em seus ouvidos, mesmo assim ela podia sentir a vibração ainda correndo por seu corpo. Deixou que os dedos largassem o gatilho da arma, sentindo agora o característico peso que aprendera a se acostumar em suas mãos. Seus olhos se fixaram no alvo diante dela, as marcas eram visíveis contra a silhueta de papel, os tiros haviam acertado próximo a cabeça, e duas vezes o centro do peito, sabia que ainda precisava melhorar, mas, naquele instante seu progresso havia sido inegável. Seus olhos deixaram o alvo perdendo-se por um instante na arma que tinha em suas mãos, seus dedos buscaram a trava de segurança ao lado do cabo, um costume que havia aprendido com Dmítri e agora achava difícil não reproduzir. Algumas semanas atrás apenas o fato de segurar um objeto como aquele em suas mãos já havia sido o suficiente para deixa-la assustada, receosa de que pudesse se machucar, agora essas sensações estavam completamente controladas. Não sentia mais as palmas de suas mãos ficarem frias quando tocava o metal, os tremores haviam sido completamente substituídos pela firmeza em seus braços, agora fazer uma mira havia se tornado algo quase instintivo. Em suas mãos aquele era um instrumento que ela havia aprendido a manejar e poderia ser usado para se defender ou para atacar uma pessoa. O silêncio por trás de seus fones de proteção se tornou muito alto, retirou ele deixando que descansassem sobre a bancada em sua frente. O corpo dolorido reclamava do último treinamento, deveria descer e ir para o banho, começar a

preparar uma janta apetitosa, e por fim aproveitar uma noite de descanso. A quem ela estava enganando? Até onde mais ela iria empurrar aquela farsa? O mês estava terminando, a desculpa que ela tinha a permanecer naquele apartamento logo seria inútil e ela teria de ir embora. Logo ela não precisaria mais da proteção de Dmítri e então o que diria para continuar a seu lado? Quanto mais tempo até ela finalmente tomar uma decisão e fazer aquilo que havia se proposto? As perguntas se acumularam em sua mente, fazendo com que ela apertasse até sentir as juntas doerem a arma em suas mãos. Nos últimos dias Sophie havia sido bombardeada por aquelas mesmas perguntas, sem conseguir um descanso enquanto não era capaz de conseguir formular uma mentira para si mesma. Não precisava mais praticar sua mira num alvo de papel, aprendera a manejar suficientemente uma arma para usa-la de maneira correta. Ela não tinha mais desculpas para poupar Dmítri. O pensamento de matá-lo deixou seu coração disparado em seu peito. Fechou os olhos tentando se controlar, mas a única coisa que conseguiu foi inundar sua mente com as lembranças deles dois, retirando todo o ar de seus pulmões. Fúria, ódio, remorso, amargura, e tantos outros sentimentos que ela nem mesmo era capaz de discernir se misturaram em seu peito roubando sua voz. Queria gritar para o vazio até se sentir livre daqueles sentimentos mas sabia que nada disso seria o suficiente. A cada dia sentia como se houvesse uma loucura a espreitando por trás de seus próprios olhos, e aquilo a assustava imensamente. Afastou-se do estande de tiro, levando a arma consigo os passos soaram distantes a seu ouvidos a mente repleta demais de pensamentos para que ela prestasse atenção ao seu redor. Precisava guardar a arma em seu estojo depois coloca-la no armário como havia feito nas últimas semanas, mas seus braços não lhe obedeciam. Estava tão cansada, terrivelmente exausta. Naquele instante tudo o que ela

queria era que tudo aquilo terminasse. Ela não guardou a arma no estojo dessa vez, pegou as balas que sabiam ficarem numa das gavetas dentro do armário recarregando-a de maneira quase mecânica, os dedos se moverem sobre o metal aquecido quase que por instinto, ela repetira aquele processo tantas vezes que poderia realiza-lo de olhos fechados. Estava cansada de fingir, cansada de fugir de seus próprios pensamentos, cansada de mentir para si mesma, por isso quando saiu do estande de tiros aquela tarde carregava na cintura uma das armas de Dmítri. Não havia um plano em sua cabeça, agora que decidira que finalmente chegara o momento de terminar com tudo aquilo, não conseguia imaginar como seria o próximo passo. Um sorriso melancólico brincou em seus lábios enquanto ela estava dentro do elevador voltando para o apartamento, o peso da arma contra suas costas era uma acusação constante do tipo de pessoa que ela havia se tornado. O silêncio no apartamento a recebeu enquanto ela caminhou para seu quarto, Dmítri havia dito que estaria fora durante todo o dia. Sophie ficara tentada em perguntar o que precisava fazer, mas as palavras haviam morrido em sua boca antes que elas a pronunciassem. Depois de tudo ela não tinha nenhum direito de julgá-lo. Com a mão sobre a maçaneta na porta do seu quarto deixou que seu olhar percorressem o ambiente. Havia passado relativamente pouco tempo ali, mas já considerava aquele lugar um recanto próprio, o pensamento trouxe um desconforto em seu estômago. Aquele era o tipo de lembrança que ela precisava manter para justificar a arma que carregava em sua cintura. Aquela não era sua vida, aquele quarto era apenas uma mentira, e ela precisava acabar com isso. Fechou a porta atrás de si e caminhou até o criado mudo que ficava ao lado de sua cama, puxando a pequena gaveta vazia, deixou a arma ali dentro sem se preocupar que ela fosse descoberta, nas poucas vezes em que estivera em seu quarto Dmítri não havia perdido tempo olhando ao redor. Sabia que ali

ela estaria segura, só precisava agora encontrar a melhor oportunidade para usá-la. A decisão que havia tomado pesou em sua consciência, as perguntas rolaram dentro de seu crânio com tanta intensidade que por um instante tudo o que foi capaz de escutar foi o barulho incessante em sua mente. Caminhou em direção ao banheiro com passos mecânicos, dizendo a si mesma que estava apenas seguindo o plano, tentando se convencer de que aquela era sua escolha. Sentia-se entorpecida, a água escorreu por sua pele, mas não foi capaz de aquece-la como se o frio que sentisse emasse de seu interior. Os dedos fecharam o registro, enquanto o cabelo pingava em seus ombros, secou o corpo, depois deixou que o confortável tecido do roupão abraçasse seus membros doloridos. O vapor havia encoberto o espelho diante dela, fugiu dele sabendo que não seria capaz de suportar a visão do próprio reflexo. Não naquele momento. Sentou-se em sua cama, enquanto uma parte dela ordenava que ela continuasse se mexendo, precisa pensar num plano de fuga, decidir o que faria quando tudo aquilo tivesse terminado, mas sua mente era incapaz de obedecê-la, sentia-se esgotada e completamente vazia, agora que tomara sua decisão. Seus olhos fitaram longamente o teto sobre sua cabeça, acomodou-se na cama mesmo sabendo que seu estômago protestava com fome, não tinha nenhum animo naquele momento para fazer absolutamente nada. Fechou os olhos de maneira apertada como se dessa forma ela pudesse ignorar tudo o que acontecia a seu redor. Sua consciência foi levada pelo sono enquanto ela tentava descobrir o que iria fazer quando ela finalmente usasse a arma que havia trazido para seu quarto e toda a vingança que havia a mantido em pé finalmente tivesse sido saciada.

CAPÍTULO 17 O som de algo se chocando na escuridão foi o que a acordou. Sophie ficou ereta em sua cama, enquanto o coração batia descontroladamente em seu peito, o pesadelo que estava tendo em seus sonhos ainda pairava diante de seus olhos mesmo abertos enquanto ela tentava se acostumar com a escuridão ao seu redor. Sua respiração tornou-se mais amena, enquanto percebia a atmosfera por todo o cômodo. A luz leitosa da lua invadia a janela timidamente, deixando o ambiente envolto em sombras azuladas. Sophie correu a mão pelos cabelos ainda úmidos tentando dissipar o sono que ainda pairava sobre suas pálpebras. Não sabia que horas eram, mas tinha certeza que a noite já ia avançada, se recriminou por ter dormido num momento tão impróprio. O som de algo caindo e se partindo no chão, ecoou por toda a casa, Sophie levantou-se assustada abrindo apenas uma parte da porta do seu quarto. O corredor estava completamente mergulhado na escuridão, Sophie estreitou os olhos tentando enxergar alguma coisa, mas tudo o que pode divisar foram as formas das portas fechadas. O coração voltou a bater rapidamente em seu peito, muito longe quase se tivesse imaginando pode ouvir uma voz na escuridão dizendo algo que ela não era capaz de compreender. Seu corpo pareceu congelar no mesmo lugar, por um instante ela imaginou se aquilo não seria apenas uma continuação de um dos seus pesadelos, mas quando os sons se repetiram percebeu que eles vinham do quarto de Dmítri. Não havia luz alguma vindo debaixo de sua porta, ele realmente já teria voltado? Os barulhos se repetiram embora agora estivessem mais baixos,

pareciam palavras frases desconexas. Embora soubesse que deveria voltar para seu quarto, fechar sua porta e esquecer o que estava ouvindo Sophie ignorou isso e caminhou até o final do corredor. As portas duplas do quarto de Dmítri estavam fechadas, mas agora ela podia ter certeza que os sons que ouvira saiam daquele lugar. - Dmítri – chamou a garota com a voz controlada do lado de fora – Está tudo bem? Ela não obteve resposta, por um momento achou poder ter ouvido claramente a voz de Dmítri num chamado angustiado que deixou um calafrio percorrendo suas costas. Seus dedos se fecharam sobre a maçaneta embora soubesse que aquilo seria algo inútil, Dmítri sempre costumava deixar aquela porta trancada. Os dedos dela deslizaram junto com a maçaneta abrindo a porta sem fazer um único ruído, Sophie olhou pela fresta na porta, mas tudo o que conseguia visualizar ali dentro era a penumbra noturna. - Dmítri? Você está aí? O silêncio foi sua resposta, abrindo a porta um pouco mais a garota adentrou o quarto sentindo o coração bater pesadamente contra sua caixa torácica. Caminhou pelo cômodo, tateando a parede a seu lado o lugar estava completamente mergulhado na escuridão, as pesadas cortinas cobriam toda a janela interceptando qualquer pequena luz que ousasse adentrar naquele quarto. Sophie piscou várias vezes até seus olhos acostumarem com toda a escuridão, fixou seu olhar em seus pés e caminhou em frente tentando prestar muita atenção onde pisava. Os gemidos agora se tornaram mais audíveis, Sophie percebeu que Dmítri estava tendo um pesadelo, sua figura era apenas uma silhueta pouco visível sobre o colchão que ele usava como cama. Sua voz estava agitada enquanto ela falava numa língua que Sophie não era capaz de reconhecer nenhuma palavra.

A garota se aproximou dele com cuidado, seus passos quase não fizeram barulho sobre o piso de madeira, desejou que houvesse um abajur ao lado de sua cama para que ela pudesse liga-la e dessa forma espantar o ar tenebroso que parecia preencher todo aquele ambiente. Os gemidos e protestos de Dmítri se tornaram mais agitados, por um momento ela acreditou que ele fosse despertar, mas embora, seus movimentos tivessem se tornado mais intensos assim como seus gemidos, ele parecia continuar completamente alheio a tudo a seu redor perdido no pesadelo que dominava seu subconsciente. Delicadamente Sophie pousou a palma de sua mão sobre seu ombro sentindo a tensão sob seus músculos. - Dmítri – chamou a garota num tom de voz suave, tentando acorda-lo – Está tudo bem, é apenas um pesadelo. Os dedos dela apertaram com um pouco mais de força sua camisa sentindo o calor de sua pele, as pálpebras de Dmítri se mexeram como se lentamente ele estivesse recobrando sua consciência, mas quando seus olhos se encontraram ela percebeu que ele não a reconhecia. Por um momento ele apenas ficou a observando, como se tivesse tentando montar as peças embaralhadas de um quebra-cabeça, então ela sentiu a dor invadir seu braço, enquanto seu mundo era girado de ponta cabeça. Seu corpo foi jogado na cama com violência, a mão de Dmítri voou para sua garganta, tirando todo o ar de seus pulmões, deixando sua visão turva. - Dmítri... Suas unhas se cravaram na pele sensível do pulso dele, mas o aperto em sua traqueia apenas se intensificou, abriu a boca buscando sua própria voz mas apenas pode ovir espasmos vindo de seu peito, enquanto seus lábios abertos buscavam ar como um peice fora d’água. Usou o que restava de suas forças para tentar empurrar para longe o corpo dele que havia caído sobre o seu, mas o esforço inútil apenas deixou-a cansada e mais desesperada por ar, a dor que havia invadido seu sistema

agora era apenas uma sombra no fundo de sua mente, naquele instante não conseguia compreender por que aquilo estava acontecendo, apenas queria voltar a respirar. O silêncio caiu sobre eles como uma manta pesada, até mesmo seus murmúrios abafados tinham cessado, uma lágrima escorreu por seu rosto molhando os dedos de Dmítri em seu pescoço, que não pareceu sentir nada. Então era isso? Tudo acabaria dessa forma? A pergunta ecoou numa parte distante do seu cérebro, enquanto seus olhos se focavam em Dmítri, seu coração falhou uma batida quando notou o semblante ensandecido e cheio de raiva que ele exibia, como se a odiasse profundamente. Os lábios dela formaram o nome dele, ergueu seus dedos tocando seu rosto enquanto sentia as bordas de sua visão se borrarem. As mãos dele deixaram seu pescoço abruptamente, enquanto o ar invadia seus pulmões, ela se engasgou e tossiu rolando na cama enquanto suas mãos coçavam a garganta que ardia e doía como uma ferida exposta. A respiração acelerada de ambos inundou o ambiente, sua cabeça parecia leve demais sobre seu pescoço. Até mesmo respirar era doloroso, rodou sobre o colchão o cabelo caindo sobre sua face. Sentado sobre os próprios calcanhares Dmítri olhava-a de maneira horrorizada, como se não pudesse acreditar na visão diante de si mesmo, pela primeira vez desde que o conhecera, ela via medo estampado em seu olhar. Ela tentou formular seu nome, mas a garganta dolorida distorceu sua voz, fazendo com que suas palavras soassem apenas como grunhidos estendeu a mão para Dmítri, desejando toca-lo de alguma forma embora naquele momento não conseguisse ter certeza alguma sobre os sentimentos que pairavam sobre seu coração. Esperou que Dmítri fizesse algum movimento em sua direção, mas ele parecia congelado olhando em seus olhos, como se tivesse completamente perdido.

- Dmítri – chamou a garota, sua voz soando de maneira estranha e muito alta para seus ouvidos. O som pareceu desperta-lo de algum jeito, com agilidade o rapaz pulou pra fora da cama estendendo sua mão num impulso até o interruptor que ficava na parede, a luz branca inundou o quarto fazendo com que Sophie piscasse várias vezes para se acostumar com a claridade repentina. Ela tentou se mexer, usando o antebraço para ficar de pé, mas sentiu a ardência subir sobre seu braço enquanto a dor se espalhava por uma trilha de sangue, deixou que seu olhar recaísse sobre seu corpo, e ficou surpresa ao perceber como o tecido embaixo de seu corpo estava molhado, ergueu os dedos diante de seu rosto e percebeu que eles estavam manchados de sangue. As mãos de Dmítri puxaram-na sem delicadeza, seu corpo sendo erguido até seu colo como se aquilo não fosse nenhum esforço, ele correu com ela em seus braços até o banheiro, chutando a porta que se abriu com um impacto contra a parede. Sem dizer uma única palavra, ou lhe dar qualquer explicação, fez com que ela se sentasse sobre a pia, rasgando a manga de seu pijama e exibindo o braço ferido. - Dmítri- chamou Sophie tentando controlar o tremor em sua voz – Por favor, fale comigo você está me assustando! - Precisamos limpar a ferida – resmungou o rapaz enquanto seus dedos abriram de maneira frenética a torneira da pia atrás de suas costas – Preciso limpa-la, tem muito sangue caso tenha pegado uma veia... - Dmítri eu... - O que você estava fazendo? – perguntou o rapaz ainda sem olhar em sua direção – Não devia estar ali... como da última vez, por que tem tanto sangue? Sophie sentiu o coração disparar em seu peito, a dor era apenas uma lembrança incomoda quando os dedos firmes do rapaz diante dela tocaram sua ferida, o corte parecia feio, as bordas vermelhas desciam de maneira horizontal em cima de seu antebraço direito, mas não conseguia realmente se

importar com aquilo, sabia que seu cérebro ainda não havia sido capaz de processar todo o choque do que acabara de acontecer ali. - Dmítri por favor me responda. – pediu Sophie agora tentando conter as lágrimas que ardiam sob suas pálpebras – Você está me assustando! Dmítri! O grito rouco dela ecoou pelo banheiro, fazendo com que pela primeira vez o rapaz olhasse em sua direção. As mãos dele se tornaram estáticas sobre seu machucado, enquanto ela podia observar sem sombra de dúvida, o medo, e confusão estampado em seu olhar. Como se ela fosse a causa de tudo aquilo o rapaz se afastou de Sophie com tanta rapidez, que bateu as costas contra a parede, como se o espaço que houvesse entre eles não fosse o suficiente para mantê-los afastado. O coração batia de maneira descontrolada em seu peito, Sophie sentiu uma leve tontura deixar sua cabeça zonza, mas rangeu os dentes, sabendo que precisava manter toda sua atenção naquele instante. Ela podia observar a respiração agitada do rapaz diante dele, o suor havia feito com que a camisa branca que ele usava tivesse grudado em sua clavícula, as mãos estavam alaranjadas, mas ele não percebeu isso quando passou a mão no rosto como se tivesse de alguma forma com aquele gesto tentando manter o que havia sobrado do seu autocontrole. - Dmítri – começou Sophie. - Você não devia estar ali – cortou o rapaz a interrompendo – Eu disse pra você, nunca entrar naquele quarto! - Eu ouvi um barulho, não sabia que já tinha voltado. Você estava tendo um pesadelo – rebateu Sophie – Eu tentei acorda-lo! - Você precisa sair daqui – continuou Dmítri, sem parecer escutar uma única palavra do que ela dizia – Vou ligar para Haru, ele pode conseguir um lugar seguro eu só preciso... - Do que você está falando? – perguntou Sophie incrédula – Não vou sair

daqui! - Eu acabei de te esfaquear! Eu poderia ter te matado! – gritou o rapaz, sua voz ecoando muito pelas paredes do banheiro, enquanto se aproximava dela numa fúria como ela nunca tinha visto. Sophie esperou que o medo a engolisse completamente, mas embora seu coração continuasse batendo de maneira alucinada em seu peito, não era medo que agitava as profundezas de sua mente naquele instante. Deixou que seu olhar se cravasse em Dmítri, os olhos deles pareciam atormentados, como se ele não fosse mais capaz de conter a tempestade ali contida. - Está tudo bem – respondeu a garota num sussurro feliz em perceber que quando ergueu sua mão, ela não estava tremula – Estou bem, você não fez de propósito. Os dedos de sua mão esquerda roçaram de maneira suave o rosto do homem diante dele, por um momento ele pareceu completamente petrificado, então ele se quebrou diante dela. Os braços dele a enlaçaram com força, seu peito foi esmagado contra o corpo dele, enquanto ela podia sentir a respiração acelerada dele contra suas orelhas. - Sophie, me desculpe, eu não... Não queria machuca-la. A dor voltou a incomoda-la ligeiramente quando sentiu o braço dele esbarrar em seu corpo, um gemido lamurioso escapou de seus lábios sem que ela desejasse, Dmítri afrouxou o aperto sobre seu corpo, separando-os, enquanto olhava em sua direção com expectativa. - Sophie, acredite em mim eu nunca iria... - Eu sei – respondeu a garota sabendo que as palavras dele eram completamente verdadeiras – Eu sei que você não queria me ferir. Dmítri não pareceu confiar em sua resposta, seus olhos ainda pareciam atormentados pela dúvida, e Sophie imaginou se aquele, era o mesmo olhar

que ela exibia naquele momento. Ergueu seus dedos deixando que eles corressem como uma leve carícia por sua face aproveitando o toque de sua pele, tentando agarrar-se a qualquer coisa que o mantivesse perto dela, do contrário sentia que poderia enlouquecer completamente. Dmítri aproximou-se dela com uma tranquilidade ensaiada, como se tivesse com medo de que se fosse muito brusco pudesse assusta-la, encostou sua testa contra a sua até que suas respirações partilhadas foram a única coisa que podiam se ouvir no banheiro. O coração voltou a bater em seu peito num ritmo firme, constante ela deixou o momento a envolve-la por completo enquanto deixava que a presença de Dmítri aplacasse suas inseguranças e calasse momentaneamente todos os pensamentos em sua cabeça. Ele se separou dela com pesar, embora seu olhar jamais deixasse seu rosto como se tudo o que ele pudesse enxergar naquele instante fosse ela. O barulho da água jorrou pela pia novamente interrompendo seus pensamentos enquanto ele começava a limpar sua ferida. Seus toques eram tranquilos, suaves ela mal podia senti-los completamente sobre sua pele, como se ele tivesse com medo de ao toca-la lhe causar mais dor. Ele limpou sua ferida com uma toalha molhada, até que todo o sangue tivesse desaparecido de seu braço, Sophie desviou o olhar sem querer encarar o ferimento em seu antebraço. - O corte é cumprido – informou Dmítri, mas você não vai precisar de pontos. Sophie concordou com um aceno de cabeça, do armário que ficava debaixo da pia, ela observou ele retirar uma surrada caixa de primeiros socorros, ali dentro organizado de maneira eficientes estavam bandagens, esparadrapos, luvas. Como se tivesse feito aquilo milhares de vezes Dmítri enfaixou seu braço delicadamente enquanto prendia sobre o curativo um pedaço de esparadrapo. Ela tentou mexer o braço, mas a pontada de dor irradiou pelo movimento enquanto ela mordia o interior de sua bochecha para se controlar, o olhar que Dmítri lançou em sua direção foi repleto de preocupação. Ele remexeu mais

uma vez dentro da caixa de primeiros socorros, pegando um frasco pequeno cheio de comprimidos brancos e depositando dois nas palmas de suas mãos. - Beba isso, irão ajudar um pouco com a dor. Sophie não se incomodou em buscar um copo com água, colocou ambos os compridos em sua língua, fazendo um pequeno esforço enquanto os engolia com sua garganta dolorida. - Deixe-me ver seu pescoço – pediu Dmítri gentilmente. Sophie levantou a cabeça expondo seu pescoço, os dedos de Dmítri deslizaram por sua pele ardida leves como a caricia de uma borboleta. - Sophie eu... - Você não precisa continuar me pedindo desculpas. - Você não entende... Não percebe o perigo que corre estando perto de mim. Eu não quero imaginar o que teria feito se... - É por isso que você nunca passou a noite comigo? – perguntou a garota incapaz de esconder o tom acusador em sua voz. – Por isso que eu sempre acordava sozinha em minha cama? O olhar de Dmítri desviou-se do dela se focando na porta do banheiro, como se ao evitar olhar em sua direção, ele também pudesse evitar aquela conversa. Sophie sentiu a indignação borbulhar em seu sangue, estava cansada de nunca conseguir uma resposta, dessa vez ela precisava entender o que havia acontecido completamente. - Quando eu entrei em seu quarto, você estava tendo um pesadelo. Quem você estava esperando? - Ninguém, eu não esperava ninguém. - Não minta pra mim Dmítri por favor – pediu a garota colocando suas mãos em seu rosto e sentindo a aspereza da barba por fazer debaixo de seus dedos – Por favor, não faça isso depois de tudo o que acabou de acontecer.

- Sophie... - Você dorme com uma arma embaixo do seu travesseiro, é atormentado por pesadelos como eu nunca vi. O que está acontecendo? - Sophie não...Não faça isso – respondeu o rapaz, tentando se afastar dela saindo do banheiro. O formigamento incômodo viajou por seu braço, quando ela desceu da pia seguindo os passos de Dmítri, de volta até o quarto, ele estava parado diante do colchão que usava como cama observando a mancha de sangue escura que havia secado sobre seus lençóis. - Dmítri, você não pode fazer isso – disse a garota tentando controlar a frustação que deixava sua voz tremula – Não pode, simples me afastar e ficar em silêncio e me pedir pra esquecer como se nada tivesse acontecido. - E por que não? Acredite em mim será melhor pra você quando for embora e souber o mínimo possível. - E se eu não quiser isso? – rebateu a garota rangendo os dentes – E se eu não quiser esquecer? Não tenho nem o direito de fazer minhas próprias escolhas? Os olhos de Dmítri pesaram sobre ela, havia um verdadeiro assombro em sua face, como se ele não pudesse realmente compreender o que ela dizia. As mãos dele passaram sobre seus cabelos bagunçado as mechas alvas, a imagem dele era de um homem transtornado, e embora Sophie soubesse que estava o pressionando sabia que não poderia simplesmente sair daquele quarto sem uma resposta. Não era capaz de compreender o motivo mas desejava saber tudo sobre o homem diante dela, sobre os demônios que ele escondia de maneira tão profunda, como se dessa forma de algum jeito ela também pudesse compreender seus próprios medos. Ela se aproximou dele tão lentamente que nem ao menos se deu conta do movimento, desejou encostar sua mão diante de seu peito no exato lugar onde poderia sentir a pulsação de seu coração, mas não teve coragem de fazer isso, temia que qualquer movimento bruto pudesse afastá-lo ainda mais.

- Quem você estava esperando ataca-lo Dmítri? A pergunta saiu de seus lábios e ficou pairando entre eles como um fantasma, os olhos dele permaneceram fixos num ponto qualquer do quarto, desfocados como se ele tivesse observando algo que apenas ele era capaz. Ele permaneceu muito tempo em silêncio, tanto que Sophie começou a duvidar se realmente iria lhe responder de alguma forma, quando voltou a falar sua voz tinha um timbre carregado de emoção. - O Tsar... O nome ecoou uma vaga lembrança em sua mente, Sophie lembrava-se de ter ouvido na conversa que havia escutado entre Dmítri e Haru, semanas atrás. Não conseguia imaginar que tipo de homem poderia causar uma reação tão extrema em Dmítri. Um calafrio nada agradável percorreu suas costas, como se ela tivesse um mau pressentimento sobre aquilo. - Recebi informações ontem de que ele poderia estar fazendo uma reunião com a máfia irlandesa, próximo aos portos, - continuou o rapaz ainda sem olhar em sua direção – Mas, quando cheguei lá não havia ninguém. Tudo pode ter sido apenas uma pista falta. Desde que voltou para Nova York, a única coisa que ele tem feito é se esconder. - Por que você está o procurando? Ele é algum tipo de alvo? Os olhos de Dmítri se encontraram com os dela, por um momento ela imaginou enxergar algo como tristeza em seu olhar, mas a sombra se foi de maneira tão rápida, que ela acreditou que não havia passado de sua imaginação. - Ele é meu pai – respondeu o homem diante dela de maneira muito simples – E vou matá-lo. As pernas lhe faltaram obrigando que ela precisasse dar um passo para trás para continuar a se manter em pé. O ar em seus pulmões de repente, não parecia ser o suficiente, seus lábios se partiram, mas nenhuma palavra saiu deles, embora naquele momento sua mente fosse uma confusa caótica de dúvidas e perguntas.

- Por que? – perguntou Sophie por fim num fio de voz, - Por que você faria algo assim? - Vingança – respondeu Dmítri simplesmente. A palavra atingiu como o impacto de uma pancada, o coração disparou em seu peito, batendo descontroladamente. Percebeu que independente do que ouvisse naquele instante, seria capaz de simplesmente esquecer ou ignorar. Independente de quanto tempo se passasse. Dmítri não se aproximou dela, como se naquele instante o pequeno espaço entre eles parecia muito maior, separando-os completamente os dedos de Sophie formigaram do desejo de toca-lo, como se dessa forma ela pudesse apagar todo o pesadelo que era aquela noite e voltar no tempo, para a vida simples e pacata que eles haviam experimentado até aquele momento. Fechou os punhos ao lado de seu corpo, rangendo o dente, sabendo que não podia mais fugir. Precisa encontrar a resposta para as perguntas que atormentavam sua mente, ou então todo aquele caos iria se estender até ela perder por completo o controle de sua vida. - Por que? – perguntou a garota forçando a palavra a sair de seus lábios – Por que você quer se vingar? - Você não entenderia – respondeu Dmítri frustrado, deixando que a palma de sua mão corresse por seu rosto. Agora ele exibia uma expressão cansada, havia pequenas olheiras sob sua pele pálida que apenas serviam pra lhe acentuar a beleza dura de seu rosto. - O que poderia entender sobre vingança Sophie? Sentiu os dentes doerem em seu maxilar do quanto os pressionava um contra os outros. Como explicaria para ele? Como lhe dizer que vingança era o que havia a motivado a seguir em frente quando nada mais parecia possuir um sentido? - Você ficaria surpreso se soubesse. As palavras deixaram seus lábios antes mesmo que ela tivesse pensando em suas consequências, os olhos de Dmítri sobre elas eram inquisitivos, por um

momento ela se perguntou se ele poderia compreender o significado por trás de suas palavras, e sentiu o sangue esfriar em suas veias. Eles se encararam longamente por um momento em silêncio, dois estranhos que começavam a descobrir os segredos sórdidos escondidos em suas vidas. - Diga-me Dmítri – pediu Sophie lentamente – Por que você deseja se vingar do seu pai? - Por que ele matou minha mãe – os olhos deles estavam carregados quando ele lhe respondeu, a voz tão controlada que ele poderia estar simplesmente falando do tempo. Sophie sentiu as unhas rasparem na parte superior do seu colo, como se de alguma forma seus dedos tivessem tentando perfurar a barreira de sua pele buscando segurar os pedaços de seu coração que pareciam se partir ali dentro. - Você queria saber, não? – continuou o rapaz avançando em sua direção – Não me olhe dessa forma. - Como? – perguntou a garota com voz tremula, embora uma parte de sua mente lhe dissesse que ela não deveria mais continuar ali escutando aquilo. Devia se poupar de toda a tempestade a seu redor, ou então ela não seria capaz de deixar mais aquele lugar. Por um momento os olhos de Dmítri se focaram nas palmas de suas mãos, ela podia observar as manchas parcialmente apagadas de seu sangue sobre sua pele. Quantas vezes ela já vira aquelas mãos sujas de sangue? Sentia o fôlego ficar preso em sua garganta ao perceber que uma parte dela já havia se acostumado aquilo. - Meu pai nasceu na Rússia – contou o rapaz ainda sem olhar em sua direção – O pai dele era um alcoólatra, não conheceu a mãe. Juntou-se cedo a Bravta, uma maneira de conseguir dinheiro. Ele acabou se apaixonando pelo poder da máfia, mas não estava feliz então se mudou para Nova York em busca de mais oportunidade. Ele ergueu o rosto encarando-a de frente, Sophie sentiu as perguntas

morrerem em sua boca quando percebeu o ódio em sua face. - Ele conheceu minha mãe por acaso, ela era a filha mais nova de uma das famílias mais influentes da Bravta – continuou Dmítri – Eles se casaram, mesmo contra os desejos de sua família ela se mudou com ele pra cá. Foi nessa época que nasci. A mente de Sophie evocou imagens embaçadas, como se as palavras dele pintassem diante dela quadros onde ela podia enxergar a história de sua família. Um pai mafioso, uma mulher apaixonada, uma criança nascida no meio da carnificina. - Não demorou muito tempo pra que ele perdesse o interesse por ela. Minha mãe havia sido apenas um objetivo nos planos dele. - Mas por que matá-la? – perguntou Sophie sem conseguir conter o horror em sua voz. - Ele fez um acordo com a máfia italiana na cidade – respondeu Dmítri de maneira apática – Ele queria o controle da Bravta nova yorkina, e atacar a família da minha mãe controlava uma parte da Bravta em Moscou. Elimina-la era apenas descartar uma peça em seu tabuleiro. Ele teria me matado também aquela noite. Mas eu fugi. Eu tinha dez anos. Sophie fechou os olhos tentando conter os sentimentos que inundavam seu coração como uma avalanche, tentava encontrar palavras para lhe dar uma resposta, mas tudo soava frágil, apático, nada do que ela lhe dissera poderia de alguma forma amenizar aquela dor. - Como você conseguiu escapar? - Na noite em que matou minha mãe, ele realmente não estava preocupado comigo. – respondeu Dmítri – Acordei em meu quarto com os som dos disparos, fui até o quarto de minha mãe e encontrei ela morta em sua cama. Eu simplesmente fugi, sai correndo de casa. Alguns dias depois eu fui encontrado por Akito Yamaguchi, o pai do Haru. Custava uma imensa força de vontade para ele continuar Sophie podia dizer

isso enquanto observava as mudanças em suas expressões. O olhar repleto de raiva as vezes era substituído pela descrença, perda, dor. Ela não conseguia imaginar como seria viver aquele inferno nos últimos vintes anos. Quando voltou a falar a voz de Dmítri havia assumido um timbre ausente, como se ele tivesse contando a história de uma outra pessoa. - Yamaguchi me acolheu – explicou Dmítri – Ninguém acreditou em mim, ou pareceu se importar. Desde então meu pai assumiu a posição de Tsar, o grande líder da máfia russa em solo americano. Desde então o paradeiro dele se tornou incerto, já que ele fez muitos inimigos. - Ele nunca veio te procurar? – perguntou Sophie. - Quando eu ainda era uma criança, mas Yamaguchi nunca deixou que ele se aproximasse demais. Por algum motivo que ele nem mesmo o próprio Akito me contou, ele disse que iria me proteger, como um último desejo de minha mãe. - Suas tatuagens... – disse Sophie – Eu sempre me perguntei, por que você teria algo com um estilo tão asiático. - Eu fui criado dentro do clã Yamaguchi. Haru é meu irmão Aprendi com eles a me tornar um assassino, minhas tatuagens são uma homenagem a eles. Recebi deles a alcunha de Demônio Branco. O silêncio pesou sobre eles, como se até mesmo o ar ao redor de ambos estivesse carregado com seus sentimentos. Por um momento enquanto continuava o observando Sophie desejou cruzar a pequena distância que ainda os mantinha separados e tocar nele, apenas para sentir qualquer outra coisa além da miríade de sentimentos que parecia se avolumar cada vez mais em seu coração. - Agora você já sabe toda minha história – disse Dmítri, deixando que seus olhos tempestuosos pousassem nela – Nos meus pesadelos eu sempre revejo a noite em que meu pai matou minha mãe, é por isso que eu não queria que você dormisse comigo. Eu... apenas não queria ferir você. Os olhos dele se desviaram para o pequeno curativo em seu braço, debaixo

das bandagens havia uma pequena gotícula de sangue vermelha que se destacava claramente. O rosto dele assumiu uma expressão culpada, e Sophie sentiu seu coração se suavizar ao ouvir aquelas palavras, sabendo que ele só havia desejado estar longe dela para que assim pudesse protege-la. - Você não deveria saber de nada disso – respondeu o rapaz cansado, se aproximando dela até que fosse obrigada a erguer seu pescoço para olhar em seu rosto – Eu nunca deveria ter encontrado você, nunca deveria ter te arrastado pra esse mundo... As mãos dela se ergueram como se fossem movidas por uma vontade própria, agarrando a camisa que ele usava, fechou ambas em punhos sobre seu peito sentindo o batendo firme e constante do coração dele sob sua pele. - Por que você continua ignorando minhas vontades – perguntou Sophie com a voz cheia de frustração – Eu procurei você eu queria encontra-lo eu queria... ‘Matá-lo’ A palavra explodiu em sua mente e Sophie fechou os olhos, apertando os lábios firmemente um contra o outro para conte-la ali apenas em seus pensamentos. Pela primeira vez seu desejo havia sido abalado, a determinação que havia a levado até ali agora parecia fraca, risível, ao perceber que durante todo aquele tempo Dmítri era apenas uma pessoa consumida por um desejo de vingança. Assim como ela. - Você não deveria me proteger – sussurrou a garota mais para si mesma do que para o homem diante dela. As mãos de Dmítri pousaram suavemente sobre sua face, erguendo-a até ele estar tão próximo que ela podia enxergar cada cílio dourado em sua pálpebra, por um instante todo o calor que havia em seu corpo provinha daquele toque. - Você não entende Sophie eu quero isso. A garota chocou sua cabeça numa negativa embora as mãos dele permanecessem sobre seu rosto; Como ela poderia colocar aquilo em palavras, como dizer para Dmítri, que durante todo aquele tempo a única

coisa que ela havia desejado era prejudica-lo? Ele não iria perdoa-la. Nunca. - Você não deveria se preocupar comigo, esse objetivo esse desejo de vingança, isso só vai acabar te prejudicando. - Eu não me importo – respondeu o rapaz encostando a testa contra dela – Desde que eu consiga matá-lo então tudo terá valido a pena. Sophie queria urrar contra o mundo, seus dedos se afundaram na camiseta dele de tal maneira que por um momento imaginou que suas unhas poderiam furar o tecido. Ela conhecia muito bem aqueles argumentos, eles haviam sido usados milhares de vezes por ela mesma para acalmar sua própria consciência, como ela agora podia ser hipócrita e tentar fazer com que ele lhe escutasse. Queria gritar com ele, dizer que ela se importava, mas as palavras ficaram presas, incapazes de subirem até sua garganta dolorida, porque em meio a tudo aquilo, ela sabia muito bem que ela não deveria se importar. - Dmítri – o nome dele em seus lábios soou como uma súplica, um pedido de algo que ela não conseguia nomear, e antes mesmo que ela pudesse pensar em qualquer coisa os lábios dele se fecharam sobre os dela. O beijo foi cálido, tão suave que por um instante que ela imaginou que iria derreter com aquele contato, os olhos dela permaneceram abertos incapazes de se fecharem enquanto encarava o azul tempestuoso hipnotizante diante dela. Não sabia o que sentir, e quando as mãos de Dmítri desceram para a parte de trás de suas costas trazendo seu corpo mais para perto, foi com alivio que ele empurrou todas suas dúvidas, medo e perguntas para o canto mais afastado de sua mente. Seus calcanhares encostaram na base do colchão, ela deslizou seu corpo, até sentir que ele havia atingido a maciez dos lençóis, seus braços buscaram Dmítri, enlaçando o corpo dele junto ao seu como se aquele homem fosse uma extensão suas.

Os beijos deles viajaram por seu rosto, seus lábios o alto de suas bochechas suas pálpebras, o toque dele tão delicado e agora tão conhecido incendiou o desejo dentro dele. - Sophie.. Seu nome foi sussurrado num gemido rouco, a garota encostou sua face sobre o peito dele, ouvindo o batimento cardíaco constante, sentindo a firmeza do corpo dele ao seu lado espantar por um momento todas as dúvidas que pareciam se acumular dentro dela. - Só hoje – pediu ela o interrompendo – Me deixe ficar com você apenas essa noite. Ela sentiu o corpo dele se retesar junto ao seu, os dedos se prenderam no tecido de sua camisa, cavando sua pele, sabia que ele estava resistindo, mas naquele momento a única coisa que poderia suportar seria se afastar dele. Os dedos de Dmítri se infiltraram por seu cabelo, uma caricia deliciosa e intima, ela fechou os olhos tentando bloquear tudo ao seu redor, se concentrando apenas na sensação de estar rodeada por aquele abraço, sabendo que o tempo escorria rapidamente como grãos de areia numa ampulheta.

CAPÍTULO 18 O corpo estava completamente dolorido quando ela acordou, abriu as pálpebras com dificuldade enrugando o rosto quando a luz difusa do sol brilhou diretamente sobre seus olhos. Mergulhou o rosto contra o travesseiro, mas o movimento provocou uma pontada de dor em seu antebraço fazendo com que as lembranças da noite anterior fluíssem livremente sobre sua mente. O sono a abandonou por completo, Sophie ergueu o rosto encontrado o olhar de Dmítri sobre ela. Ela havia dormido usando seu ombro como travesseiro, notou pela primeira vez como seus corpos ainda estavam próximos, suas pernas jogadas sobre as deles, sua mão descansando sobre seu tórax. O rosto dele parecia relaxado embora as olheiras tivessem se tornado ainda mais vividas agora que o dia havia raiado, tinha certeza de que ela não pregara os olhos durante a noite, e aquilo deixou seu coração pesaroso. - Você está completamente amassada – disse Dmítri num sussurro de voz, deslizando preguiçosamente as pontas dos seus dedos pelo seu ombro, onde seu pijama havia escorregado – Mas eu gosto disso. - Me desculpe, se nós meros mortais não aparentamos como deuses gregos pela manhã – respondeu a garota, sentindo a garganta dolorida. - Como está seu braço? – perguntou Dmítri enquanto uma sombra de preocupação passava por seu rosto. - Está ótimo, não precisa se preocupar foi apenas um arranhão. Ele não pareceu estar convencido, os dedos do rapaz deslizaram por sua garganta tão delicadamente que ela mal podia sentir a caricia. - Não fique com essa cara – pediu Sophie, segurando a mão dele contra a sua

– Minha voz, logo vai voltar ao normal, e além do mais minha garganta não está mais doendo. Dmítri não pareceu acreditar em sua mentira, tentando fazer com que ele prestasse atenção em outra coisa Sophie deslizou ficando mais próxima dele, depositando um beijo em seus lábios. Havia uma tranquilidade latente que envolvia todo seu corpo, aquela era a primeira vez que ela acordava ao lado de uma pessoa, havia esperado sentir um pouco constrangida até mesmo incomodada, mas naquele instante a proximidade dele só deixava seu coração batendo de maneira leve em seu peito. - Você não dormiu nada. – comentou a garota percebendo como os olhos de Dmítri pareciam cansados. - Não queria correr o risco de machuca-la – respondeu o rapaz simplesmente com um aceno de ombros – Não, depois de ontem à noite. - Podemos remediar isso da próxima vez. – disse Sophie escondendo o rosto enquanto fechava os olhos aspirando o aroma fresco de menta agora tão conhecido da pele de Dmítri. - Vai haver uma próxima vez? A garota levantou o rosto encontrando o olhar confuso do rapaz em sua direção, as mãos dele haviam ficado estáticas sobre seu corpo, como se a fala dela tivesse o pegado de maneira desprevenida. As palavras ecoaram em sua mente, ressoando até que ela finalmente deixasse que seu significado a atingisse de maneira completa. Não havia futuro, não haveria uma próxima vez entre eles. Não deveria haver, e somente o fato dela perceber que dentro dela uma parte desejava que aquilo acontecesse, já era o suficiente para que o pânico se alastrasse sobre seus pensamentos como um incêndio numa floresta. Ela tentou lhe responder, provoca-lo fazendo alguma piada que iria simplesmente aliviar o clima entre eles, mas as palavras apenas se transformaram em suspiros em seus lábios enquanto ela se aconchegava mais ao corpo de Dmítri. Sentiu como se de repente todo o cansaço da noite

anterior tivesse querendo voltar e dominar seu corpo, e naquele instante a única coisa que ela podia desejar era permanecer naquele quarto silencioso com ele ao seu lado por apenas mais um único dia que fosse. Seu estômago escolheu aquele momento nada propício para reclamar em voz alta, e Sophie lembrou-se que estava sem comer a bastante tempo. - Estou morrendo de preguiça, mas preciso levantar e preparar algo para o café de amanhã, antes que acabe desmaiando de fome. - De jeito nenhum – respondeu Dmítri se levantando e apoiando seu corpo com seu antebraço enquanto virava em sua direção – Vamos sair e comer algo fora, você não vai cozinhar com o braço machucado. Um sorriso involuntário brotou em seus lábios, por um momento ela pensou em negar o pedido de Dmítri, mas então o que faria durante aquele dia? Continuariam ambos simplesmente fingindo que a noite anterior nunca havia acontecido? Que o passado que descobrira dele simplesmente era algo que poderia ser ignorado? Como uma poeira inconveniente varrida para o debaixo do tapete, e então ela iria subir para academia e continuar seu treino, sua sessão de tiro? Se fosse para fugir da realidade, que pelo menos por um dia ela fizesse aquilo longe daquele apartamento. - Tudo bem – respondeu a garota beijando os lábios de Dmítri – Mas, só hoje. Vou apenas tomar um banho. O rapaz concordou com um aceno rápido de cabeça, e a ajudou a se levantar. Sophie refez o caminho até seu quarto entrando no banheiro. A parte de cima de seu pijama havia ficado manchada de seu sangue, a garota descartou a blusa enquanto colocava ela no cesto de roupa para lavar, embora duvidasse que aquela manchava rosada tivesse salvação. Tomar banho com o braço enfaixado foi um problema, seus movimentos estavam mais limitados, ela não conseguiu lavar direito a cabeça, e acabou desistindo do processo no meio do caminho. Se permitiu um tempo ocioso ficando embaixo do jato de água do chuveiro, ignorando todas as dúvidas que martelavam de maneira incessante em sua mente. No momento ela não tinha resposta para nenhuma delas, portanto sabia que poderia continuar ali se

martirizando ou simplesmente se levantar e aproveitar o dia ao lado de Dmítri. Diante do espelho ela usou a mão esquerda para enxergar seu reflexo. Embora seu rosto ainda aparentasse estar um pouco abatido, pela primeira vez em muito tempo ela conseguia enxergar uma pontinha brilhante em seu olhar, que ela jurava que tinha perdido pra sempre. Sabia que todo seu bom humor provinha de uma mentira, uma ilusão com o prazo de validade muito curta, mas estava exausta de sofrer por tudo o que acontecia a seu redor. Depois da noite de ontem, ainda se sentia um pouco exausta emocionalmente e sabia que nenhuma decisão que tomasse naquele momento poderia ser a ideal, ou ela estaria correndo o risco de se arrepender amargamente depois. Os dedos de Sophie pousaram levemente sobre as manchas arroxeadas que haviam surgido em sua garganta, definitivamente ela precisaria usar um pouco de maquiagem para cobrir aquilo, não queria deixar Dmítri se sentindo ainda mais culpado. Saiu do banheiro parando em frente a sua cômoda enquanto uma sensação de expectativa e nervosismo parecia cobri-la por inteiro. Experimentou alguns vestidos, sabendo que começava a ficar sem tempo, mas por fim optou por uma calça jeans, e uma blusa branca sem mangas e de renda. Lá fora o sol parecia brilhar intensamente, as paredes brancas de seu quarto refletiam a luz deixando todo o ambiente claro e arejado. Maquiou-se diante do espelho, apenas o necessário no rosto para esconder suas olheiras e trazer um pouco de cor aos lábios e a face. Fez o melhor que pode para camuflar os hematomas em seu pescoço, mas suas habilidades não foram o suficiente, frustrada voltou a seu quarto buscando um lenço para usar como acessório, quando ouviu leves batidas na porta e Dmítri entrou. O fôlego ficou preso em sua garganta por um momento enquanto seus olhos percorreram seu corpo apreciando sua figura. Ele vestia-se de maneira simples, mas para Sophie aquilo só parecia ressaltar sua beleza clássica. A calça jeans num tom quase negro abraçava suas coxas graciosamente, enquanto a camisa branca com as mangas dobradas sobre o cotovelo lhe dava

um ar mais despojado. As mãos dela se imobilizaram por um momento sobre o lenço colorido que ela havia escolhido para usar sobre seu pescoço, como se por um instante a única coisa que seu cérebro fosse capaz de fazer, era admirar o homem diante dela. Dmítri se aproximou cautelosamente, como se depois da noite anterior ele não tivesse ainda muita confiança em como deveria se comportar, com medo de assusta-la ou coisa do tipo. O perfume amadeirado que ela já tão bem conhecia permeou o quarto por um instante, fazendo com que ela desejasse, apenas se enroscar mais apertado em seu corpo aproveitando aquela proximidade. Os olhos dele pareciam duas poças metálicos, o azul exibindo um tom cinzento que lhe fazia com que ela se lembrasse da aparência do mercúrio líquido. Seu coração se agitou em seu peito, quando delicadamente os dedos dele pousaram sobre sua pele, tirando do caminho o tecido diáfano do lenço. - Está doendo? – perguntou Dmítri, a voz carregada de emoções que ela não era capaz de compreender. - Não! – respondeu Sophie de maneira muito efusiva, balançando a cabeça negativamente, enquanto sentia os fios de seu cabelo se chocarem contra seu rosto – Parece bem pior do que realmente é. A expressão de Dmítri mostrava que ele não parecia acreditar nem um pouco em suas palavras, a carícia dele se tornou mais leve um toque tão sutil que deixo-a completamente estática apreciando a deliciosa sensação, era difícil que aquelas mãos que a tocavam de maneira tão carinhosa e reverente, eram as mesmas mãos que ele usava empunhando uma arma de maneira tão fatal. - Como está seu braço? – perguntou o loiro interrompendo sua linha de raciocínio – Trouxe o kit de primeiros socorros, imaginei que você teria tirado o da noite anterior para tomar banho. Os olhos de Sophie se desviaram para a pequena caixa que ele trazia em suas mãos. Usar uma bandagem em volta do braço, serviria apenas para chamar a

atenção, mas ela conhecia muito bem o olhar que Dmítri estava lhe lançando do tipo que não admitia ser contrariado. Segurando-a delicadamente pelas mãos Dmítri fez com que ela se sentasse em sua cama que continuava desarrumada da noite anterior, enquanto examinava de maneira muito atenta a ferida em seu braço. O corte em seu antebraço parecia muito melhor essa manhã, embora Sophie ainda sentisse a região sensível e dolorida sentia um certo alivio ao perceber que definitivamente ela não precisaria levar pontos. Com cuidado Dmítri limpou a região como havia feito na noite anterior, enfaixou novamente seu braço com uma bandagem limpa prendendo as pontas com um pequeno pedaço de esparadrapo. Sophie movimentou o braço, levantando e subindo embora sentisse uma pequena pontada, apenas para certifica-lo de que estava tudo bem. - Viu – disse a garota forçando um sorriso tranquilizador em seus lábios – Está ótimo, você não precisa se preocupar. - Você vai ficar com uma cicatriz. Sophie sentiu imediatamente o sorriso morrer em seus lábios, seus olhos se desviaram para o curativo que cobria sua pele, até aquele momento ela não havia parado para pensar nas consequências de ter se ferido daquela maneira. - Está tudo bem – respondeu a garota embora, não pudesse ter plena certeza de suas palavras. Pensar em cicatrizes naquele instante era imaginar um futuro onde ela teria de contemplar aquilo como uma marca imutável dos acontecimentos – Foi apenas um arranhão, e nem numa área tão visível assim. Ela percebeu quando o olhar de Dmítri se tornou mais gélido, a mão direita apertando com força a alça do kit de primeiros socorros até que suas juntas ficassem brancas. Ela percebia que aquela cicatriz seria algo muito mais complicada para ele lidar do que ela própria. - Você está apenas sendo ingênua – comentou o ele sem olhar em sua direção

- E você está sendo duro demais consigo mesmo. Você já me pediu desculpas, sei que não fez isso de propósito. Será que podemos evitar assuntos delicados ao menos por hoje? O olhar de Dmítri demonstrava claramente o quanto ele não parecia contente com aquela situação, mas por fim ele cedeu concordando com um aceno de cabeça, deixando o kit de primeiros socorros sobre seu criado mudo. Sophie sentiu seus lábios se abrirem num sorriso sincero, levantou-se da cama agarrando a alça da bolsa, estendeu a outra mão em direção a Dmítri, que segurou seus dedos com gentileza enquanto eles saiam do apartamento. Lá fora o dia estava agradável e ameno, o céu tinha um tom de azul pálido enquanto as nuvens desfilavam tranquilamente encobrindo parcialmente a visão dos prédios. Sophie deixou que seu olhar percorresse com avidez as imagens que desfilavam diante dela. Durante o último mês ela havia observado aquela cidade de suas alturas, daquela distância ela mal conseguia distinguir as pessoas, sua vida havia se tornado um caos tão generalizado que ela havia esquecido a saudade que sentira de estar num lugar como aquele, andando entre aquelas pessoas, conversando sobre amenidades, enquanto aproveitava simplesmente mais um dia. Prometeu a si mesma em silêncio, que independente do que acontecesse no dia seguinte, ela tentaria ao máximo afastar todas as dúvidas e preocupações de sua mente, e simplesmente aproveitar aqueles momentos ao lado de Dmítri. O carro estacionou diante de um pequeno e charmoso bistrô, o lugar de dois andares lembrava um pequeno apartamento, sua fachada possuía uma brilhante porta vermelha, com um toldo branco por cima, havia floreiras repletas de flores multicoloridas, que ficavam presas nas pequenas sacadas de ferro. - Não me parece o tipo de lugar que você frequenta – comentou a garota para o rapaz a seu lado, incapaz de conter a diversão em sua voz. - Não é meu tipo de decoração favorita, mas eles definitivamente fazem a melhor panqueca da cidade.

Ainda de mãos dadas Sophie caminhou com Dmítri para dentro do aconchegante café. O lugar estava quase vazio, devido ao horário próximo ao almoço, mas a garota não se importou com isso, escolheram uma mesa mais afastada, próxima a janela que dava para os fundos do lugar que havia sido transformado numa área verde onde algumas mesas ficavam ao ar livre. Havia pequenos pendentes de luzes enfileirados sobre o lugar e Sophie imaginou que aquilo deveria ficar lindo ao anoitecer, prometendo a si mesma que iria voltar lá. O pensamento deixou seu coração pesado, deixou que seus olhos pousassem sobre Dmítri, a luz da manhã caia muito clara sobre sua face, deixando seu rosto todo iluminado, ele estava deslumbrante. Rangeu os dentes em sua boca tentando conter a onda de emoções que tentavam assalta-la, sabendo muito bem que nenhum daqueles pensamentos caóticos a levaria a lugar algum. Precisava aceitar a realidade daquele momento, e acima de tudo não ser egoísta. Aquele único dia com Dmítri era tudo o que ela podia se conceder. Abriu o menu diante dela tentando focar seus pensamentos na variedade deliciosa de opções. Estava com fome então acabou optando por uma poção generosa de panquecas, com creme e morangos e um copo gigantesco de suco de laranja. Eles tomaram o café tranquilamente, enquanto conversavam sobre o cotidiano, em nenhum momento eles disseram algo sobre a noite anterior, o segredo descoberto que ainda parecia pairar entre eles. Ignoraram tudo aquilo, assim como o ferimento em seu braço, porque a realidade era pesada demais, e naquele momento a ilusão que eles haviam criado juntos deixava ambos mais leves. Sophie deixou o café com um imenso sorriso nos lábios aproveitando os últimos resquícios do doce, e um estomago muito mais aliviado. Dmítri queria leva-la para fazer compras, mas antes a garota insistiu que eles deviam passear no Central Park, já que o dia estava bonito demais para eles perderem tempo dentro de um shopping. - Você não acha isso muito clichê? – perguntou o rapaz, embora estivesse estacionando o carro naquele momento onde ela lhe pedira.

- Com toda certeza! Mas, quem disse que todo clichê é ruim? O ar estava quente, a brisa morna acariciou sua pele enquanto ela percorria as alamedas do parque com Dmítri a seu lado. O lugar estava movimentado, mas era tão grande que em momento alguns eles sentiram incomodados pelas pessoas. O dia estava radiante e a maioria das pessoas naquela cidade que podiam aproveita-lo estavam fazendo exatamente isso. Caminharam num silêncio tranquilo, nenhum dos dois sentindo vontade de preencher o momento com palavras vazias, os dedos dele eram gentis sobre sua mão, o calor dele tão conhecido e apreciado por seus sentidos. Eles passaram diante de um homem vendendo sorvete, e Dmítri comprou dois picolés, Sophie sorriu, mas não reclamou, eles se sentaram num banco ali próximos para aproveitarem da pequena iguaria. - Está quente demais – disse Dmítri, enquanto mastigava um pedaço generoso de seu picolé. - Você não parece gostar do calor – comentou Sophie. - Não tenho nada contra, quando estou debaixo de ar condicionado. Você por outro lado, não parece nem um pouco incomodada. - Isso nem chega perto do calor que faz na Flórida – respondeu a garota sorrindo – O que também não é nada se comparado ao calor do Brasil. - Acho que precisarei preparar meu psicológico então quando for visitar o país com você. As palavras foram ditas de maneiras inocentes, displicentes, mas o impacto que elas tiveram em Sophie, deixaram-na estática enquanto ela observava o rosto do homem ao seu lado e como a brisa primaveril bagunçava seu cabelo pálido. - Dmítri, eu... - Eu sei. – respondeu o rapaz sem olhar em sua direção – Eu disse a mim mesmo que não iria tocar nesse assunto, mas nunca foi muito bom em ser

sutil. Sophie sei que combinamos que você ficaria comigo apenas por um mês, mas as coisas mudaram, as coisas podem continuar mudando, você não precisa partir. - Você não pode estar falando sério... - Por que não? Você não quer ficar? Os olhos dele a pegaram completamente desprevenida, ele ergueu o rosto aproximando-se dela no banco, até que ela não tivesse escolha alguma a não ser encara-lo. O sorvete derreteu, pingando em sua mão, em alguma parte de seu cérebro ela sabia que precisava limpar suas mãos ou aquilo se transformaria numa tremenda sujeira, mas não conseguiu se obrigar a agir. - Me diga Sophie – pediu o rapaz num fio de voz, que apenas ela era capaz de ouvir – É isso o que você quer? Você poderia ficar comigo, não precisamos ficar em Nova York, você não teria que se preocupar com sua família, eles estariam seguros eu poderia garantir a segurança deles, a sua segurança. Os dedos dela se apertaram com tanta força sobre o cabo de madeira do picolé, que Sophie ficou surpresa por ele não ter se partido entre seus dedos. As palavras se misturaram em sua língua, de tal forma que ela não conseguia formar uma frase coerente. Como ela poderia fazer ele entender? O mesmo homem que ela havia jurado vingança, agora se oferecia para protege-la e sua família. O destino parecia ter um senso de humor extremamente distorcido. - Dmítri você não entende... - Não Sophie, me deixe ao menos terminar. Não sabemos se Tiziano ainda está interessado em você. Não podemos confiar totalmente nas palavras daquele italiano. Você poderia estar correndo algum tipo de perigo. - Eu não estou em perigo Dmítri – respondeu a garota impaciente agora, levantando-se de maneira irritada caminhando em direção a uma lata de lixo próxima e jogando ali o que havia sobrado de seu picolé. Havia perdido completamente o apetite. Dmítri não pareceu intimidado, o rapaz também se levantou agarrando seu

braço acima do cotovelo, fazendo com que ela não fosse capaz de ignora-lo. - Quem era a pessoa que você queria matar? A pergunta disparou todos os alarmes em sua cabeça, Sophie sentiu as bochechas ficarem frias e tinha certeza que naquele momento ela deveria estar branca como um papel. Ela jamais imaginaria que Dmítri iria lhe perguntar aquilo, depois de todo aquele tempo. - Por que você quer saber isso agora? – perguntou a garota sem conseguir esconder o tremor em sua voz – Você nunca esteve interessado. - É verdade, mas as coisas mudaram. Eu me interesso por tudo o que te diz respeito. Os batimentos de seu coração estavam tão frenéticos que ela conseguia sentir eles ribombando em sua garganta. Fechou os dedos de sua mão num punho, e imediatamente se arrependeu do movimento, o calor havia feito o açúcar deixar eles sujos e pegajosos. - Eu não queria me envolver com você – continuou Dmítri – Eu tentei afastala de todas as formas, você não é o tipo de pessoa que costuma fazer parte do meu mundo, mas aqui estamos, e pra ser bastante sincero eu não tenho vontade nenhuma de deixar você ir, mas não posso obriga-la a ficar comigo. Embora tenha momentos que é exatamente isso que eu quero fazer. - Dmítri por favor... Os dedos dele se apertaram em seu braço, ela cambaleou para frente, o braço dele amparou sua cintura, acabando com todos o espaço entre eles, se qualquer pessoa passasse ali naquele momento, iria imaginar que eles eram apenas mais um casal completamente apaixonados, e confundiriam sua respiração acelerada, e lábios trêmulos com êxtase apaixonante, quando na verdade o que dominava Sophie completamente naquele momento era o mais puro terror. - O que aconteceu Sophie? Quem te machucou? Deve ter sido algo terrível para você desejar a morte dessa pessoa. Se você me der um nome, eu

prometo que nunca mais terá de se preocupar com isso, essa é a minha maneira de dizer o quanto eu me importo com você. Sei que é doentio, mas eu só quero protege-la. Me dê um nome. As lágrimas sufocaram suas palavras, o rosto de Dmítri ficou embaçado diante dela, sentiu a garganta dolorida, se contrair doendo de maneira agoniante como se alguém tivesse jogado sal em suas feridas, mas nada se comparava a dor que sentia em seu coração naquele instante. - Foi Tiziano? Domenico? – insistiu Dmítri – Aquele filho da puta encostou um dedo em você? As lágrimas escorreram por seu rosto, pingando de seu queixo e molhando o lenço de seda em seu pescoço. Como ela poderia responder a ele? Como fazer Demitir entender que a mesma pessoa que havia dilacerado seu coração, era o mesmo homem que havia encontrado um meio de traze-lo de volta a vida. - Não posso – respondeu Sophie num fio de voz – Você não entende, mas eu não posso te dizer. - Por que não? – perguntou o assassino enquanto sua voz transbordava se frustração – O que mudou? Antes você queria meus serviços... - Por favor Dmítri, não me faça de contar isso, eu não suportaria. Ela viu decepção em seu olhar, percebeu que ao mentir para ele, havia também o machucado, finalmente ela havia encontrado uma vulnerabilidade na armadura que aquele homem usava e havia sido capaz de feri-lo. Devia estar se sentindo feliz, mas seu coração parecia árido naquele momento, como um deserto agora que as lágrimas haviam secado em seus olhos. Havia lhe dito uma mentira, porque sabia que a verdade o despedaçaria e ela não podia suportar ser a responsável por isso. - Você ainda não confia em mim. Os olhos dele se desviaram para o curativo em seu braço, o mesmo que ele fizera de maneira tão carinhosa apenas algumas horas atrás. Por um momento

Sophie achou que não conseguiria suportar aquilo. As mãos que seguravam seu corpo naquele momento, eram as mesmas que haviam lhe ferido, e depois cuidado de seus machucados, como se ela nunca pudesse se livrar daquele fardo, todas as coisas boas que experimentava com Dmítri, vinham acompanhada de seus piores temores. Ela queria lhe dizer que não era sua culpa, que ela confiava plenamente nele depois da noite anterior onde finalmente aprendera os motivos que haviam criado o homem que ele era hoje, mas as palavras morreram em seus lábios antes mesmo de que ela fosse capaz de dizer qualquer uma delas. Havia uma parte dela que dizia que era louca de confiar num homem como aquele, a parte em sua mente que estava mais preocupada com sua sobrevivência, e que sabia que Dmítri jamais a perdoaria se um dia descobrisse a verdade do motivo pelo qual ela se aproximara dele. - Me desculpe – respondeu a garota desviando seu rosto, afundando seu queixo contra seu corpo tentando conter os soluços que doíam em sua garganta – Desculpe. As mãos dele caiaram de seu braço gentilmente, ela não queria encontrar seu olhar, mas sua cabeça se ergueu como se tivesse vontade própria e seu coração se partiu quando ela percebeu o olhar dele se tornando mais gélido, enquanto se afastava dela se fechando completamente dentro de seus pensamentos. O sol já começava a perder seu calor, embora o parque continuasse ainda movimentado, ali perto havia um grupo de crianças que corriam atrás de uma bola, os gritos e risadas deles foram carregados pelo vento repicando como sinos, por um momento Sophie sentiu como se tivesse presa atrás de uma imensa e intransponível parede de vidro, onde o mundo real ficava do outro lado, mas era inalcançável, e embora ela tivesse tentado de todas as formas não conseguia fugir daquilo que sua vida havia se transformado. Eles voltaram para o carro em silêncio, mas dessa vez as palavras não ditas pareciam pesar sobre eles como uma cortina de ferro, desejou ter algum controle sobre o tempo, para que pudesse mexer nos ponteiros do relógio voltando para o início daquela manhã onde tudo parecia tranquilo e pacifico entre eles.

O pôr do sol caiu sobre a cidade tingindo o céu de laranja e vermelho, a visão era bonita, mas Sophie só conseguia sentir o mal-estar se remexendo em seu estômago, enquanto o dia se transformava em noite, o nervosismo deixou suas pernas inquietas, enquanto ela tentava de todas as formas pensar no dia seguinte. Dmítri a levou para jantar num dos restaurantes mais exclusivos da cidade, localizado na cobertura de um gigantesco prédio que parecia desafiar as alturas, eles se sentaram numa mesa ao ar livre, com apenas o céu noturno sobre suas cabeças. O coração da garota parecia ranger em seu peito enquanto a cena se desenrolava diante de seus olhos, como se ela tivesse vivendo um sonho, desesperada para não acordar. Eles não tocaram mais no assunto sobre sua permanência ao lado dele, embora ela ainda conseguisse perceber certa distância entre eles o jantar foi agradável. Não conseguiu prestar atenção na comida, o champagne explodiu em sua língua de maneira deliciosa, e ela percebeu após duas taças que seus dedos tremiam. Seus olhos buscaram Dmítri que estava sentado diante dela, como se ele fosse um apoio, a única coisa que poderia manter a firmeza sob seus pés, mas o olhar dele estava obscurecido o azul revolto como nuvens de tempestade. Engoliu o choro sentido a dor se alastrar novamente por sua garganta machucada ao perceber que o primeiro encontro entre eles mais parecia uma despedida. O vento noturno se intensificou e Sophie sentiu o frio se infiltrar debaixo da blusa sem mangas que ela usava. Embora ainda fosse cedo para a vida cosmopolita da cidade, eles se levantaram e deixaram o restaurante para trás. Sentada no banco do carro com Dmítri ao lado, Sophie apertou as alças da bolsa em suas mãos até sentir as unhas penetrarem contra o couro macio. O dia estava terminando, assim como sua luta contra o relógio, e ela havia perdido.

CAPÍTULO 19 Sophie mal prestou atenção ao trajeto de volta para o apartamento, absorta em pensamentos, mal conseguiu reconhecer a paisagem ao seu redor. O nervosismo havia se misturado ao champagne que bebera e agora ela começava a se arrepender amargamente daquela decisão. No carro o silêncio entre eles havia apenas se tornando mais intenso, embora no restaurante ela e Dmítri tivessem conseguido manter uma conversa leve, agora ela percebia que eles ainda não tinham conseguido deixar para trás totalmente o que acontecera no parque. Os olhos dela pousaram em Dmítri a seu lado, ele parecia concentrado enquanto manobrava o carro descendo a pista íngreme que levava até a garagem subterrânea do prédio onde morava. As luzes do farol do veículo, iluminaram seu rosto por um instante e Sophie percebeu que ele também parecia aborto em pensamentos, por um momento ela desejou colocar sua mão sobre seu braço, e pedir que ele dividisse suas preocupações com ela. A parte racional de sua mente logo a recriminou por tal pensamento, ela já tinha problemas demais para lidar naquele instante para se preocupar com Dmítri e seus sentimentos. Precisava decidir o que iria fazer no dia seguinte, ela havia roubado uma arma dele, e escondera no criado mudo ao lado de sua cama. O que iria fazer se ele descobrisse isso? Uma gota de suor deslizou por suas costas lhe dando um calafrio agourento, apenas alguns minutos atrás ela estava tremendo de frio no restaurante, mas parecia que seu corpo finalmente tinha sucumbido a loucura de cérebro incapaz de manter funcionando plenamente. Os dedos dela se fecharam sobre o lenço fino em seu pescoço, retirando-o, respirou profundamente como se dessa forma pudesse recuperar um pouco o controle que parecia escorrer entre suas mãos como areia.

Dmítri desligou o carro, e saiu sem dizer uma única palavra, Sophie começava a se incomodar com todo aquele tratamento de gelo, mas não era como se pudesse reclamar. Ela não era sua namorada, eles não tinham tido uma briga de casal ou coisa do tipo, não havia nenhum tipo de relacionamento entre eles, então não devia se sentir chateada. Iria simplesmente ignorar aqueles sentimentos de mágoa que pareciam rodear seu coração, e tentar conversar com ele quando estivessem na privacidade do apartamento. A decisão lhe promoveu um pequeno conforto, seus dedos buscaram a alça de sua bolsa, quando percebeu que não havia nada sobre seus ombros. - Droga – exclamou a garota se sentindo envergonhada – Desculpe, eu esqueci a bolsa no carro. - Tudo bem, vá busca-la não está trancado, vou chamar o elevador para nós. Sophie concordou com um aceno de cabeça, enquanto voltava para a garagem acelerando seu passo. As luzes florescentes se acendiam enquanto ela passava pelas vagas vazias enquanto outras exibiam carros dos mais variados modelos. Seus pés pararam diante do carro de Dmítri, os dedos pousaram sobre a maçaneta, ela se abaixou para pegar a bolsa que havia esquecido no banco da frente, o movimento não permitiu que ela observasse a sombra crescendo em suas costas. Uma mão caiu sobre sua boca com violência. Atordoada, Sophie tentou se livrar do agarre de ferro que sentiu cair sobre sua cintura. Ela foi içada do carro suas costas batendo contra um corpo masculino. Ela se debateu chacoalhando a cabeça, mas a mão sobre sua boca apenas continuou seu aperto ainda mais forte, até ela sentir os próprios dentes cortarem seu lábio inferior. O grito em sua garganta machucada foi abafado, enquanto o coração dela batia ferozmente em seu peito. O cabelo caiu sobre sua face, enquanto o homem que havia feito de refém arrastava seu corpo para longe do carro de Dmítri, a garota tentou acalmar seus nervos enquanto tentava respirar pelo nariz, lembrou-se de todas as aulas que tivera com Dmítri, de todas às vezes em que eles haviam ensaiado um

movimento como aquele, e então colocou em prática tudo o que havia aprendido. Os dentes dela se fecharam sobre os dedos do homem que a amordaçava, ergueu sua perna direita pisando com toda sua força no pé dele. Atrás de suas costas Sophie ouvir uma lamuria e soube que tinha conseguido acerta-lo, o aperto sobre suas mãos diminuiu, ela usou essa oportunidade pra impulsionar seu corpo para frente, o movimento foi rápido demais para seu captor tentar impedi-la, Sophie então ficou de frente para o homem chutando-o com toda sua força em sua virilha, dessa vez a lamuria dele foi muito maior, enquanto se ajoelhava no chão com ambas as mãos entre as pernas, Sophie aproveitou esse momento para chuta-lo no rosto. A cabeça do desconhecido foi jogada para trás num ângulo estranho, enquanto ele desabava diante dela parecendo estar desacordado. Sophie ficou por um momento parada ali, o corpo inteiro tremendo enquanto a adrenalina corria loucamente por suas veias, o que a despertou foi o tiro que ecoou como uma bomba por toda a garagem. - Dmítri... O coração era um tambor batendo entre suas costelas, sem pensar no que estava fazendo a garota correu, enquanto os sons de seus saltos eram martelados em seus ouvidos. Alcançou a entrada para o elevador com o ar faltando em seus pulmões, e a cena diante dela fez com que o medo paralisasse seus movimentos. Dmítri lutava contra um homem e parecia estar em desvantagem, aquela pequena distância Sophie podia perceber uma mancha de sangue se espalhar por sobre seu ombro. Ele havia sido ferido! O choque daquilo fez com que ela se mexesse, seus olhos recaíram sobre a arma no chão, não muito longe de seus pés, seu corpo se moveu antes que ela o mandasse, seus dedos se fechando sobre o metal frio da pistola enquanto ela a empunhava como praticara de maneira tão exaustiva no último mês. Sua mira não era precisa, suas mãos tremiam descontroladamente diante dela as silhuetas dos dois homens se confundiam, naquele instante ela poderia acertar qualquer um dos dois.

Ela poderia acertar Dmítri. O pensamento ecoou em seu cérebro de tal forma que pareceu subjugar por um instante tudo o que acontecia a seu redor. Ela tinha uma arma em suas mãos, Dmítri estava diante dela em sua mira, poderia acabar com tudo aquilo, concluir seu objetivo que ela tanto havia desejado. Poderia vingar Fabrizio. O dedo no gatilho exerceu a mais leve das pressões, o choque que percorreu seu braço foi conhecido, o tiro que ela disparou estourou no lugar, como um trovão. Os olhos de Dmítri ficaram presos nela. O choque tingia suas feições. Diante dele, o corpo do homem que o atacava caiu para frente sem expressão alguma. Sophie não sentiu a arma cair de suas mãos, mas de maneira muito longínqua ouviu o som do metal batendo contra o chão, não conseguia desviar seus olhos da cena diante dela. A forma como o corpo do desconhecido ficou estático no chão, seu rosto pressionado contra a superfície seu olhar vitrificado. O choque se abateu sobre ela, sua respiração se tornou rasa, entreabriu os lábios como um peixe fora d’água, buscando uma maneira de fazer com que o ar entrasse em seus pulmões. Seu rosto foi erguido, e seu corpo foi envolto num abraço apertado, Sophie ergueu os olhos confusa e trêmula, encontrando o rosto de Dmítri pairando sobre ela repleto de preocupação. - Você está bem? – perguntou o rapaz, enquanto suas mãos passeavam pelo seu corpo em busca de algum ferimento – Está ferida? Ela tentou lhe responder, mas seu cérebro parecia trabalhar de maneira lenta em sua cabeça, os olhos se desviaram novamente para o corpo do homem estendido no chão, como se ela não conseguisse aceitar aquela realidade. - Eu matei ele – murmurou a garota incrédula. - Não pense nisso – respondeu Dmítri com fervor, desviando seu rosto,

fazendo com que ela tivesse de olhar em sua direção – Não se culpe pelo que fez. As mãos dela se fecharam em volta do corpo de Dmítri, seus dedos se agarrando com força em sua camisa, como se com aquele gesto ela pudesse conter o sentimento animalesco que parecia crescer dentro dela. Havia matado uma pessoa. O corpo do homem ali estendido era sua responsabilidade, fizera isso para salvar o homem que a segurava naquele instante. Fechou os olhos enquanto tentava controlar os sentimentos frenéticos em sua cabeça. Ali estava sua resposta, ali estava o que ela durante todo aquele tempo havia se negado a acreditar porque não conseguia aceitar o que havia lhe acontecido. No momento em que poderia ter acabado com tudo aquilo, havia escolhido salvá-lo. Se apaixonara por Dmítri. Havia entregue seu coração, para o homem que jurara vingança. Os tremores em seu corpo se intensificaram, as bordas de sua visão tornaramse embaçadas, no peito o coração batia descontroladamente. Não sabia o que fazer, não sabia como agir, e naquele instante percebeu que não tinha controle nem mesmo de seus pensamentos. Tudo o que parecia manter o que havia sobrado de sua sanidade era a presença de Dmítri. - Não se mexa – ordenou uma voz atrás das costas de Sophie, deixando-a completamente petrificada. O abraço de Dmítri sobre seu corpo se tornou mais intenso, como se daquela forma ele pudesse protege-la. A garota olhou por cima do ombro, encontrando a figura de um homem vestindo um terno cinza apontando a arma em direção a ambos. - Afaste-se da arma – ordenou o desconhecido enquanto mantinha ambos em sua mira – E não pense em tentar nenhuma gracinha Dmítri, porque quem vai estar na minha mira é a garota que você está segurando.

Embora estivesse sendo ameaçada com uma arma, foi a expressão gélida e controlada de Dmítri que enviou calafrios por sua espinha. As mãos dele apertaram sua cintura até ela sentir a dor se irradiar no lugar, mordeu a parte interior de sua bochecha enquanto tentava controlar o medo que se remexia em sua barriga como um peixe. - Vamos Dmítri, eu não tenho a noite toda! A ordem do estranho homem ressoou na garagem vazia, por um momento Sophie ergueu seu olhar para as câmeras de segurança do prédio, como se aquilo pudesse lhe servir de alguma coisa. Alguém precisava estar assistindo aquelas cenas, alguém que poderia chamar a polícia e salva-los. Muito lentamente Dmítri moveu-se para trás, levando Sophie consigo, ele andou alguns passos se aproximando do cadáver colocando uma distância razoável entre eles e arma no chão que estava a seus pés. - Revista ele – ordenou o homem no terno cinzento. O desconhecido que havia tentado nocauteá-la surgiu das sombras, havia um filete de sangue que escorria de seu nariz, e um hematoma visível surgindo em sua face. Com olhos chispando de fúria ele retirou as mãos de Dmítri de Sophie, enquanto o loiro tentava de todas as formas mantê-la sob sua segurança. - Deixe ela ir! – pediu Dmítri, enquanto seus olhos revoltos como tempestades desafiavam a arma apontada pro seu rosto. - Fica quieto e se comporta, ou isso vai acabar mal pra sua menina. Sophie sentiu o coração ficar pesado em seu peito, quando o homem desconhecido desviou a mira de sua arma apontando diretamente para ela. Sua mão estava firme, ela podia perceber que o cano da arma apontava diretamente para o ponto entre suas sobrancelhas, exatamente como ela havia aprendido, se levasse um tiro ali, nem mesmo seria capaz de perceber a dor. Seus olhos se desviaram para Dmítri, pela primeira vez viu o medo ser refletido em seu olhar, e aquilo deixou seu coração doendo. Ele não temia por

sua própria segurança, e sim pela da garota que havia arquitetado um plano para matá-lo. O homem que havia tentando agredi-la, percorreu suas mãos gorduchas sobre o corpo de Dmítri buscando armas, encontrou apenas uma faca presa a seu tornozelo e o canivete que ele sempre trazia no bolso, sem dizer uma palavra ele guardou ambos, enquanto o silêncio era apenas quebrado pela respiração acelerada de Sophie naquele lugar. Sentiu a dor se infiltrar pelas palmas de suas mãos e percebeu que havia fincado a ponta das unhas em sua carne, desviou seus olhos desesperadamente para a câmera de segurança que continuava ligada, não era possível que ninguém estava assistindo aquilo? A resposta extremamente obvia explodiu em sua mente. Aquilo era uma emboscada. Quem tivesse organizado aquele plano, tinha pensando em todos os detalhes, para fazer com que o vigia que estivesse naquele momento no prédio, se tornasse parcialmente cedo naquele instante. Não adiantava cultivar nenhuma esperança de salvação. - Coloque isso sobre sua cabeça e fique quieta. A ordem foi dada com um forte sotaque pelo homem que ela havia agredido, ele empurrou um capaz negro sobre suas mãos, e Sophie demorou um segundo para entender completamente o que ele esperava dela. - Vamos logo com isso. A arma que continuava diretamente em sua direção, deixou seus dedos ainda mais trêmulos, o medo cresceu em seu interior impregnando-se a sua pele como se fosse uma segunda camada. Ela não queria obedecer às ordens daquele desconhecido, mas não tinha escolha, lançou um último olha em direção a Dmítri, e seu mundo todo foi substituído por trevas. Sua respiração soou muito alta em seus ouvidos, a claustrofobia apertou seus pulmões fazendo com que lágrimas brotassem em seus olhos. Ordenou a si mesma a não chorar pois sabia que nenhuma de suas lágrimas poderia salvala.

Seu corpo foi empurrado com brusquidão, ela tropeçou em seus próprios pés, caindo no chão com um baque forte ralando seus joelhos, mãos sem nenhuma delicadeza surgiram de algum lugar apertando seu braço enquanto a levantavam, e faziam com que ela andasse sem conseguir ver para onde se dirigiam. Tentou encontrar a voz de Dmítri, mas as pequenas frases que chegavam até seu ouvido pareciam abafadas, não conseguia distinguir nenhuma palavra, o som de seus sapatos parecia alto demais e os dedos em seu braço se apertavam com força como se tentasse forçá-la a aumentar o passo. Finalmente eles pararam, Sophie ouviu o som da porta de um carro sendo aberta, e isso a encheu com um medo agoniante, seu corpo foi erguido e jogado de qualquer forma dentro de um veículo. Suas pernas deslizaram sobre uma plataforma simples de metal, ela devia estar dentro de uma van, usou as mãos para se apoiar ao mesmo tempo que tentava encontrar Dmítri, mas suas tentativas apenas fizeram com que ela encontrasse um de seus captores que empurraram seu corpo com violência para a parte mais funda do carro. O som do motor reverberou pela garagem vazia, logo a garota percebeu que eles estavam em movimento. Seus dedos se moveram para a barra do seu capuz que terminava próxima a seus ombros, eles ficaram congelados ali, quando sentiu a ponta de algo afiado ser pressionado contra suas costelas. - Eu não faria isso se fosse você – disse um dos desconhecidos – Não mandei você descobrir sua cabeça, e estou esperando apenas uma desculpa para devolver um pouco do estrago que você me causou. Os dedos deslizaram do capuz sobre sua cabeça caindo de maneira inerte sobre seu colo, permanecer cega e alheia a tudo a seu redor enquanto era levada a uma direção completamente desconhecida era uma espécie de tortura, mas o medo do que poderia acontecer se ela desobedece um de seus sequestradores, era o suficiente para fazer com que ela deixasse que seu instinto de sobrevivência falasse mais alto. A van onde eles estavam percorreu as ruas da cidade, Sophie não tinha

nenhuma noção do trajeto que eles estavam fazendo, o medo apertou seu estômago como se ali dentro houvesse uma cobra se contorcendo. Dentro do veículo, o silêncio era apenas quebrado pelo tráfego, o som dos escapamentos dos carros, e suas buzinas ao redor, ela queria desesperadamente saber se estava tudo bem com Dmítri, mas não conseguia encontrar uma forma de fazer isso e ainda permanecer em segurança. Tentou concentrar seu foco no objetivo de acalmar seu nervosismo, enquanto estivesse naquele estado de pânico, seria de pouca ajuda para si mesma ou Dmítri, precisava focar sua mente para tentar buscar uma saída daquela situação. Não sabia dizer quanto tempo eles permaneceram em movimento, sentada sobre suas pernas sentiu os joelhos protestarem, até que um de suas pernas perdeu a sensibilidade, nesse momento o veículo onde eles estavam pareceu diminuir sua velocidade, Sophie ouviu suas rodas triturando pequenas pedras e imaginou que se eles estavam sobre cascalho, então deviam estar num lugar muito afastado da cidade. A porta foi aberta com brusquidão, ela ouviu a voz de Dmítri protestando, mas logo sua voz ficou mais distante, e ela percebeu que eles haviam se separado. Mãos violentas carregaram seu corpo para fora do veículo, ela foi obrigada a ficar em pé. O medo rastejou novamente sob sua pele, deixando uma camada de suor pegajosa sobre seu corpo. Ela foi empurrada em frente, enquanto o vento frio noturno fustigava seu corpo. Ao redor o silêncio parecia quase opressivo, o som de vários galhos de árvores chacoalhando na brisa, indicou que eles estavam realmente muito afastados da cidade ou de qualquer ajuda. Seu coração pareceu despencar dentro de seu corpo. Sophie continuou sendo empurrada até ouvir portas metálicas rangendo pesadamente, como se tivessem dificuldade em serem abertas. O vento pareceu ser interrompido, quando os passos dela ecoaram no que pareceu ser um chão de pedra, por algum motivo, ali dentro o frio parecia mais intenso e ela imaginou que aquilo poderia ser uma reação ao medo que a deixava completamente paralisada, porque agora finalmente eles haviam chegado a seu destino. Suas mãos foram puxadas para frente de seu corpo, ela tentou protestar, mas

o pano que cobria sua cabeça entrou em sua boca dificultando ainda mais sua respiração, sem poder fazer nada para impedir, seus punhos foram colocados ao lado um do outro, e amarrados com firmeza por algo que ela julgava ser uma corda. A se sensação de insegurança aumentou dentro dela, diminuiu os passos com medo de que qualquer movimento em falso ela pudesse mais uma vez cair, e agora isso seria pior se ela não pudesse usar suas mãos para amparar a queda. As mãos bruscas de seus sequestradores a puxaram sempre em frente em direção ao que parecia ser o interior de um lugar completamente silencioso, tentou apurar seus ouvidos para ouvir qualquer coisa que pudesse lhe dar alguma dica de onde estava, mas tudo o que podia ouvir além de sua respiração era o vento soprando por uma superfície metálica. O coração batia descontroladamente dentro de seu peito, como se quisesse se libertar da prisão que eram suas costelas, a preocupação com Dmítri parecia pesar em seu estômago deixando um gosto amargo no fundo de sua garganta, com os punhos cerrados cravou as unhas na carne de sua mão mais uma vez tentando usar aquela pequena picada de dor para focar seus pensamentos. Se ela se desse o luxo de se desesperar então realmente tudo estaria perdido. Seu corpo foi jogado contra uma cadeira, ela teve dificuldade para permanecer sentada enquanto seu equilíbrio parecia comprometido devido a suas mãos amarradas, seu corpo foi empurrado contra um encosto desconfortável enquanto mãos masculinas apertavam seu ombro, até que a dor viajasse por toda suas costas. O medo se contorceu em sua garganta, o coração disparado em seu peito era um lembrete constante de todo o pesadelo que ela estava vivenciando. O capuz que cobria sua visão foi retirado de sua cabeça, seus olhos se incomodaram com a claridade embora a única fonte de luz ali fosse os raios da luz, e algumas luzes fluorescentes acesas que não conseguiam iluminar todo o imenso e abandonado galpão onde eles se encontravam. Os olhos dela percorreram freneticamente o lugar, buscando uma rota de fuga, ao seu redor caixotes e velhas carcaças de carros estavam misturados a sombras, os vidros que ficavam muito acima de sua cabeça exibiam uma

coloração amarelada e uma película de poeira que parecia estar acumulada ali durante um longo tempo. Sophie não tinha nenhuma pista sobre o lugar onde se encontrava, mas havia uma certeza assustadora que começava a espalhar lentamente o pânico por todo seu sistema. Eles estavam longe de qualquer tipo de movimento, se algo acontecesse com eles ali, a garota duvidava que existiria alguém naquele lugar que pudesse impedir o pior. Uma figura de destacou saindo do meio das sombras e caminhando até ela pairando sobre sua cadeira, Sophie ergueu os olhos e sentiu todo o ar ser expelido de seus pulmões enquanto observava um rosto que nunca antes havia visto, mas reconhecia ali uma similaridade inegável. Com uma expressão serena, e olhos quase idênticos ao de Dmítri, o homem olhava em sua direção de maneira curiosa, como se ela fosse um interessante espécime que ele acabava de encontrar por um acaso do destino. Ninguém precisava lhe dizer que o homem diante dela era aquele que eles chamavam de Tsar, o chefe da máfia russa em Nova York. Aquele era o pai de Dmítri.

CAPÍTULO 20 - Soltem a garota. A voz ressoou na escuridão de maneira muito calma, algo que parecia completamente fora de lugar naquela situação, uma figura cruzou o limiar das sombras entrando dentro do raio de luz fornecido pelas luzes florescentes, Sophie sentiu o coração desacelerar em seu peito, enquanto o horror da situação tomava completamente conta dela. Ali parado diante dela de maneira displicente e lançando um olhar quase piedoso em sua direção estava Domenico Bianchi. O vento varreu o lugar, as paredes de metal ao redor que os protegiam rangeram em protesto, o som lembrava um lamurio crescente e aquilo deixou todo seu corpo coberto de calafrios. Ninguém se adiantou para cumprir as ordens de Bianchi, por um momento os olhos da garota percorreram os arredores até ela notar silhuetas de pessoas paradas por toda a extensão do galpão. Ela contou cinco, mas com todo o entulho ao redor duvidava que pudesse ter certeza Impaciente Domenico de adiantou retirando do bolso de seu paletó de risca de giz um canivete, Sophie se encolheu em sua cadeira, tentando se afastar dele, embora soubesse muito bem que não havia ali nenhum lugar onde se esconder. - Bianchi, seu maldito não ouse encostar um dedo nela! A voz de Dmítri estourou no galpão, atraindo a atenção de todos Sophie olhou em sua direção, estivera tão amedrontada que não havia percebido que ele também se encontrava amarrado logo a seu lado. Os braços dele estavam para trás atados a sua cadeira, até mesmo suas pernas estavam presas uma a

outra pelos seus tornozelos. Havia um hematoma que já começava a aparecer próximo a sua bochecha, e seu braço direito exibia agora uma mancha de sangue que havia molhado completamente sua camisa. Domenico não pareceu se incomodar nem um pouco com Dmítri, ele se aproximou lentamente de Sophie, como se tivesse dizendo a ela que não tinha nenhuma intenção de machuca-la, mas a garota sabia muito bem que não podia de forma alguma confiar naquele homem. Um lamurio choro brotou de seus lábios quando ela percebeu quão próxima a lâmina do canivete estava de seu corpo, preparou-se para sentir a dor do metal frio cortando sua pele, mas ela nunca chegou. O canivete de Domenico, cortou de maneira eficiente as cordas que mantinham suas mãos juntas, libertando-a completamente. Sophie sentiu seu corpo ficar muito estático na cadeira, ela não podia compreender o que estava acontecendo, as mãos de Domenico caíram de maneira muito gentil sobre seus ombros seu nenhum esforço ela viu seu corpo ser erguido da cadeira com um cuidado que a deixou assustada, ela foi enlaçada de uma forma extremamente paternal por Domenico que deixou seu estomago revoltado pelas náuseas. - Ah bambina, me desculpe pelo tratamento, parece que os homens de Alexei não conseguem cumprir ordens, veja o que fizeram a seu rosto. Os olhos de Domenico caramelos estavam fixos nela, ela tentou se afastar daquele homem, enquanto um pressentimento perverso brotava dentro do seu coração, mas seu corpo parecia não ter capacidade para obedece-la. - Está tudo bem agora minha cara Sophie – continuou Domenico, depositando um beijo casto em sua bochecha – Você cumpriu muito bem sua missão. As palavras dele deixaram um gosto amargo em sua garganta, enquanto o terror cobria completamente seu coração, seus olhos se encontraram com os de Dmítri do outro lado do galpão. Seu rosto estava pálido até mesmo seus lábios pareciam ter perdido a coloração, o único ponto que parecia vivo em seu rosto eram os olhos, e eles estavam repletos de incredulidade e desgosto. Sophie tentou argumentar, esforçou sua garganta formar palavras, mas seus

lábios pareciam terem perdido a habilidade de formar frases, enquanto dentro de sua mente ela gritava com todas as suas forças para que Dmítri não acreditasse nas palavras daquele homem. Os braços de Domenico deixaram seus ombros, ele virou-se em direção ao outro homem parado ali que observava tudo com um olhar atento e gélido dizendo. - Minha parte em nosso acordo está feita – disse Bianchi – Você, tem seu filho espero agora que cumpra sua palavra. Os olhos do Tsar, o homem chamado Alexei nunca abandonaram Sophie, como se ele não pudesse se importar menos com o que Domenico dizia. Ignorando o italiano de propósito, ele se aproximou dela tranquilamente como se fosse o dono do lugar, e pudesse fazer exatamente aquilo que desejava. Havia uma aura horrenda que o cercava, estava no jeito que ele andava, com as mãos displicentemente no bolso de sua calça. Vestia-se completamente com simplicidade diferente de Bianchi, uma calça jeans e uma camiseta escura que ressaltava a palidez extrema de sua pele. Sophie podia enxergar tatuagens desbotadas, que despontavam do colarinho de sua camisa, mas era o rosto que mais a impressionava. Havia ali a inegável semelhança com Dmítri; o formato do rosto, a cor dos olhos, mas em Alexei havia uma ausência de expressão uma distância, que ela não conseguia completamente explicar, quase como se tivesse dificuldade para acreditar que ele não era humano. Alexei parou diante dela ocupando completamente sua visão, ele era alto e seu corpo parecia o de alguém que havia passado a vida inteira fazendo exercícios físicos. Mais do que nunca Sophie quis se afastar dali dar um passo para trás, correr até estar completamente longe daquele homem, mas o puro terror havia paralisado suas pernas. Os dedos do Tsar se ergueram enquanto ele jogava com desprezo uma mecha de seu cabelo para trás, sem nenhum cuidado usou a mão para agarrar seu queixo virando-o para ambos os lados, como se tivesse a avaliando, como se ela fosse uma peça para ser exposta, comprada. Não um ser humano. - É difícil acreditar que meu filho se interessou por isso – as palavras dele

eram baixas, mordazes o sotaque carregado, os dedos dele apertaram seu queixo com força machucando o lugar – Não deveria estar surpreso, o garoto sempre foi uma decepção. Alexei largou seu rosto, enquanto uma expressão de nojo tomava conta dele, ele se virou rapidamente caminhando até Dmítri desferindo um soco tão forte nele que o som de carne sendo esmagada ecoou pelo ambiente. - Não! Não faça isso! Pela primeira vez desde que chegara ali Sophie conseguiu articular sua voz. Suas palavras pairaram no ar de maneira débil, sentiu uma pressão ser exercida em seu braço e percebeu que a mão de Domenico havia a segurado impedindo que ela se aproximasse de Dmítri, o olhar que ele lançou em sua direção havia perdido completamente o brilho piedoso assumindo algo completamente vil. O pai de Dmítri não parecia nem um pouco preocupado com Sophie, como se a única pessoa naquele cômodo fosse Dmítri, sua atenção estava completamente fixa nele, com uma das mãos ele ergueu a cabeça do filho puxando pelos cabelos, fazendo com que ele olhasse em sua direção. Sophie sentiu o coração se apertar dentro do seu peito quando viu o estado do rosto dele, o sangue escorria de maneira profusa de seu lábio partido, como se aquilo não fosse nada ele cuspiu no chão, o sangue manchando a ponta de seus sapatos, embora seu rosto exibisse uma expressão tranquila, e aquilo não lhe preocupasse de forma alguma. - Esperei mais de dez anos pra ter você assim, indefeso em minhas mãos Dmítri, e quem diria que eu só iria conseguir isso através de uma vadiazinha qualquer. Você é uma vergonha como filho, fraco igualzinho a sua mãe. - Diga o nome dela de novo seu desgraçado, e eu corto sua garganta! - É mesmo? – perguntou Alexei, o deboche permeando completamente suas palavras – E como vai fazer isso, amarrado nessa cadeira? Eu ganhei! Eu capturei você, posso fazer o que eu quiser!

Os dedos de Alexei deixaram o cabelo de Dmítri, ele se afastou dando um passo para trás, contemplando-o como se ele fosse sua obra prima, Sophie sentiu o asco subiu em sua garganta, enquanto o medo era como ácido corroendo seu estômago. - Por favor – pediu a garota se odiando ao perceber como sua voz soava frágil naquele instante – Não o machuque mais, por favor. - Você ouviu isso Dmítri? Seu bichinho parece que no final das contas se importa com você. Talvez eu deva lembra-la quem ela é de verdade. Sophie sentiu como se o tempo tivesse parado por um momento, seus olhos fixos em Alexei, notaram como os lábios dele se curvarem nos cantos num sorriso sádico, aquela era a primeira vez que ela via uma expressão tomar conta de seu rosto. Ele iria torturar Dmítri, contando-lhe toda a verdade sobre ela O movimento dele foi rápido, a garota não teve como se defender, num instante a mão do Tsar se fechou sobre seu braço, ele levou sem nenhuma resistência até deixa-la completamente diante de Dmítri. - Eu tinha pensando em acabar logo com isso – comentou o Tsar, enquanto seus dedos se apertavam ainda mais sobre seu braço – mas acho injusto você morrer Dmítri sem saber exatamente o motivo, então vamos garota conte pra ele. Conte o que ele fez. Conte como vocês se conheceram. O horror tomou conta de Sophie, sentiu o frio se espalhar por seu corpo, deixando as palmas de suas mãos trêmulas, os olhos de Dmítri estavam fixos nela, podia enxergar neles uma miríade de sentimentos que deixou seu coração rangendo dentro de seu peito. Dor, descrença, raiva. Fechou os olhos apertados, sabendo que era uma covarde por não conseguir mais suportar aquela expressão tão dolorosa em seu rosto. - Vamos – insistiu Alexei seus dedos cavando mais fundo na carne de seu braço enquanto ele chacoalhava seu corpo – Diga pra ele! Sophie trincou os dentes embora soubesse que aquilo não passava de uma atitude infantil, negou várias vezes com a cabeça, enquanto tentava conter as

lágrimas que começavam a pinicar sob seus olhos. Sentiu algo sendo pressionado contra sua têmpora o medo espalhando por toda sua mente, quando percebeu que aquele homem tinha uma arma apontada pra sua cabeça. - Pare com isso! - gritou Dmítri, forçando seu corpo para cima, enquanto a corda cortava mais ainda seu ombro ferido – Solta ela Alexei! - Por que garoto? Hein? – rebateu seu pai – Você vai se arrepender ainda por defender essa daqui! Se ela não quiser contar, então eu mesmo farei as honras. Na verdade, é uma história muito interessante sabe... O jeito que você matou o namorado dela. Sophie sentiu como se aquelas palavras tivessem a atingido fisicamente, mas nada podia se comparar ao assombro e horror que se apossou do rosto de Dmítri. O corpo dele pareceu diminuir na cadeira, como se ele tivesse por um instante ficado completamente paralisado. As lágrimas escorreram pelo rosto da garota, sua garganta se apertou enquanto um desespero avassalador crescia dentro dela, como se seu coração tivesse implodido dentro do seu peito. A dor foi tão intensa, que levou as mãos até o peito numa tentativa inútil de fazer aquilo parar, como se com aquele ato ela pudesse concertar os pedaços quebrados que jaziam ali dentro. - Sophie? – a voz de Dmítri soou incrédula, frágil até mesmo para seus ouvidos – Diga que isso não é verdade. As palavras a sufocaram ela tentou lhe responder, mas aquela verdade pesava em sua língua, e ela simplesmente não podia lhe contar mais uma mentira, não naquele instante. - É verdade – murmurou a garota num fio de voz, que mal pode ser ouvido sobre o som do vento – Me desculpe... A risada de Alexei explodiu no local de maneira ensandecida, ele largou o braço de Sophie, enquanto rodeava a cadeira de Dmítri, que parecia uma estátua em choque olhando em sua direção. - Você é realmente patético! – gritou o pai dele, enquanto brandia sua arma

no ar – Tão cheio de si mesmo, e não sabia que estava fodendo uma garota que desejava te ver morto! - Dmítri não é isso! – gritou Sophie correndo até ele segurando seu rosto em suas mãos erguendo-o obrigando que ele olhasse em sua direção – Você precisa me ouvir... Alexei agarrou seus braços separando-a de seu filho, por um momento ele ficou próximo demais, sua figura crescendo diante dela, enquanto sua aura assassina, deixava todo seu corpo tremulo de medo. - Não é isso? – perguntou o Tsar, calmamente como se todos ali tivesse tendo uma conversa extremamente civilizada – Eu estava enganado? Meu filho não é o assassino do seu namorado? Você não o procurou porque queria se vingar? As perguntas acertaram Sophie como se fossem golpes, o silêncio pairou no local, enquanto todas as pessoas ali dentro esperavam pacientemente sua resposta, até mesmo Dmítri havia erguido sua cabeça, e olhava em sua direção. - Responda – ordenou o rapaz amarrado a cadeira, olhando profundamente em seus olhos, como se houvesse apenas eles dois presos ali naquele pesadelo. - É verdade... – a resposta borbulhou em sua língua, a verdade azeda como algo estragado, cerrou os dentes enquanto tentava conter os sentimentos descontrolados que cresciam em seu interior. Dmítri desviou seu olhar, enquanto sua face assumia uma expressão enojada, Sophie sabia que ele tinha todos os motivos do mundo para odiá-la, mas aquilo não diminuiu a dor que sentiu em seu coração. - Apenas para esclarecermos algumas coisas – disse Domenico, pela primeira vez se manifestando desde que aquele assunto se iniciara – Talvez você deva saber, que o plano não é mérito da garota. Como se tivesse todo tempo do mundo ele se aproximou de Dmítri, pela

primeira vez, o olhar que lançou a ele era neutro, quase como se ele tivesse olhando para alguém conhecido. - Espero que não leve isso para o lado pessoal jovem Volkov – continuou o mafioso italiano – Você, vinha se tornando realmente um estorvo para minha organização, sua ligação com a yakusa o transformava num peão muito importante no jogo, e já que eu sabia que não seria capaz de compra-lo, então você precisava ser eliminado. Acredite em mim, eu sei tudo sobre filhos problemáticos Tiziano é uma dor de cabeça constante, então eu e seu pai resolvemos criar um plano. - Foi assim então que você a contratou? – perguntou Dmítri com voz cheia de escarnio, enquanto o sangue escorria de seu lábio partido – Quanto pagou pra ela heim? Espero que essa vadia tenha cobrado um valor razoável pela minha vida. As palavras doeram, Sophie mordeu os lábios para conter o choro lamurioso que ameaçava tomar conta dela, tinha a impressão que se desesperasse naquele momento nunca mais seria capaz de se recuperar. Domenico retirou o lenço branco que estava em sua lapela, com toda calma do mundo ele limpou o sangue da boca de Dmítri, como se aquele fosse um ato misericordioso. O tecido completamente alvo logo se tornou completamente sujo, o mafioso italiano simplesmente o descartou como se ele fosse um pedaço de papel qualquer. - Me desculpe pela intromissão – disse Domenico – mas eu odeio barbáries, e tento evita-las a maior parte do tempo. Onde estávamos? Ah sim a bambina Sophie. Ela realmente foi a catalisadora disso tudo. Lá fora o vento havia cessado, como se até mesmo ele tivesse interessado nos acontecimentos que se desenrolavam naquele galpão. Com toda calma do mundo Sophie observou Domenico se afastar de Dmítri, vindo em sua direção. - Você está enganado jovem Volkov se pensa que ela teria aceitado meu dinheiro, você teria descoberto qualquer atriz que eu tivesse contratado para engana-lo, teria matado a garota sem misericórdia. Para ganhar sua confiança

eu precisava de algo real, e mais ingênuo. Os olhos caramelos de Domenico se fixaram em Sophie novamente com seu olhar quase piedoso, a garota sentiu a raiva deixar seu sangue mais quente. - Você se lembra bambina? Quando nos conhecemos? – perguntou Domenico – Tão obstinada Dmítri, você teria a adorado. Me abordou no cemitério, me olhando diretamente nos olhos, como uma bendita mártir, me perguntou quem tinha matado seu namorado, ela queria um nome, queria vingança. Sophie fechou os olhos enquanto as memórias invadiam sua mente, parecia que tudo aquilo tinha acontecido a tanto tempo. Tudo estava envolto em neblina, até mesmo o ódio que ela sentira de Dmítri havia se desvanecido, e naquela época ela havia acreditado que aquele sentimento seria eterno, consumindo cada um dos seus dias. Como estivera enganada. - É claro que eu não lhe dei nome algum – continuou Domenico com sua história – Embora eu soubesse muito bem jovem Volkov, que era você que havia invadido um dos meus esconderijos e matado meus homens, eu queria eliminá-lo, mas não estava disposto a entrar em guerra com a yakuza, eu sabia muito bem que você é protegido do Yamaguchi, então como eu chegaria até você? Como faze-lo cair do seu pedestal? Então eu me lembrei de você Sophie. Os dedos de Domenico tocaram seu rosto de maneira tão suave que a garota levou alguns instantes para perceber que ele estava limpando uma das lágrimas que havia escorrido por seu rosto. O toque daquele homem provocou um asco completo em seu corpo, sentiu as unhas arranharem as palmas de sua mão do desejo que desfigurar o rosto diante dela. - Se vale de algum conforto jovem Volkov, Sophie não sabia de nada – continuou o mafioso italiano – Eu precisava testa-la, ver se a intenção dela era realmente verdadeira. Quando armei a primeira emboscada dizendo que tinha informações sobre seu pai, jamais imaginei que você iria realmente comparecer, dopei você, fiz com que fosse perseguido enquanto meus homens guiavam-no em direção a essa garota. Aquela foi a noite em que se encontraram pela primeira vez.

Os olhos de Dmítri se encontraram com os dela, repletos de ressentimentos, o rosto dele era uma máscara, ela podia dizer que naquele instante ele estava revendo em suas lembranças todos os diálogos que eles tiveram, todas as meias verdades que ela lhe respondera, juntando todas as peças do quebracabeça, compreendendo completamente o tamanho de sua traição. - Veja bem jovem Volkov – continuou Domenico sua voz suave e pegajosa como mel – Você pode me criticar mas tenho alma de artista. Eu gosto de criar cenários onde as pessoas possam realmente libertarem seu potencial. Foi assim pra mim com Sophie. Eu precisava elimina-lo a garota tinha dito que gostaria de se vingar, eu apenas criei a oportunidade para vocês se conhecerem. Se ela tivesse sido bem-sucedida em seu desejo ambos teríamos sidos beneficiados, senão eu também não precisaria me preocupar, caso você tivesse a eliminado, mas a coisa mais extraordinária aconteceu entre vocês dois, e nada poderia ter me preparado para isso. - Foi com curiosidade que acompanhei o desenrolar da história de ambos – disse Domenico de maneira simples, se afastando de Sophie e voltando a encarar Dmítri – Você acreditou na garota, julgou que ela não era uma ameaça, deixou que alguém se aproximasse de você, e durante todo esse tempo, eu sabia que ela era minha rainha para dar o xeque-mate em você. Eu poderia tê-la sequestrado que você teria vindo até mim desesperado. A tocaia dessa noite só mostra como você se tornou leniente. Baixou sua guarda por causa do amor, mas não posso culpa-lo meu jovem todo homem faz isso em alguém momento de sua vida. Pena que você tenha de pagar um preço tão alto por tal erro. A cabeça de Dmítri pendeu sobre seus ombros, como se ele tivesse sido completamente derrotado, Alexei se aproximou do filho erguendo sua cabeça, enquanto seu rosto contorcido pela fúria se postava diante dele. - Você ouviu isso rapaz – o Tsar, cuspiu suas palavras diante dele – Ouviu como esse italiano te transformou num fantoche? E tudo por que? Você é fraco, sempre foi fraco, sua mãe o estragou, uma criança barulhenta sempre carente. Devia ter ficado quieto na noite que eu a matei. Tudo teria sido mais simples para nos dois. Mas, não você tinha que fugir, se esconder com a escória da yakuza, bradar aos quatro ventos, sobre sua vingança. Não me parece tão valente agora heim?

Pela primeira vez desde que havia sido levada até ali, a raiva cresceu dentro de Sophie fazendo com que seu corpo se movesse sozinho, antes que ela pudesse perceber seus pés haviam se movido, e ela agarrava as mãos de Alexei, empurrando-o pra longe de Dmítri. - Chega – ordenou a garota, enquanto os olhos do mafioso russo pousavam sobre ela com espanto – Já chega! A dor explodiu em seu rosto, ela não conseguiu perceber o movimento, a mão de Alexei se abateu sobre sua face, deixando uma marca de ardor se espalhando por toda sua bochecha em direção a sua têmpora. - Não me toque de novo – disse Alexei de maneira muito tranquila, como se ele tivesse lhe dando um conselho valioso – A não ser que você queira um buraco em sua cabeça. Havia uma parte da mente de Sophie que se acovardou diante daquilo, dizendo para que ela se encolhesse e ficasse longe daquele homem, o golpe que ela havia desferido em seu rosto ainda estava fresco demais para ela saber que não era páreo para ele, mas contra todo seu bom senso, ela permaneceu de pé diante dele, o desafiando com o olhar. - Tire ela daqui. A voz de Dmítri atraiu a atenção de ambos, Sophie desviou seu olhar deixando que ele pousasse sobre o rapaz amarrado na cadeira, os olhos dele estavam brilhantes presos em sua direção, mas ela só conseguia distinguir raiva, ódio e desgosto nos seus olhos de tormenta. - Dmítri eu... - Saia daqui – repetiu o rapaz agora sendo mais enfático – Você não está satisfeita? Eu não quero mais ver você! Sai daqui! O gritou dele ecoou pelo galpão, rouco e alto como o uivo de um lobo deixando que calafrios percorressem seus braços, de maneira instintiva Sophie deu um passo para trás, sabendo que aquilo que enxergava nos olhos de Dmítri era ódio, e embora ela soubesse que isso era algo inevitável, seu

coração pareceu se dilacerar em seu peito. - Finalmente o garoto disse algo sensato, vamos deixar isso mais interessante soltem ele – o comando dado pelo Tsar logo foi obedecido, como se tivesse sido invocado um homem saiu das sombras atrás da cadeira de Dmítri, algo prateado brilhou em suas mãos e logo as cordas que prendiam o corpo e os tornozelos de Dmítri caíram debilmente no chão. - Quanto a você Bianchi – continuou o mafioso russo, dirigindo seu olhar a Domenico - Seu trabalho por aqui terminou, não precisa se preocupar com a minha parte no acordo. Seu filho não será um problema. Agora tire essa mulher daqui. A mão pesada do mafioso italiano caiu sobre o ombro de Sophie fazendo com ela se assustasse com sua repentina proximidade. - Vamos bambina – disse Domenico de maneira muito calma como se eles fossem ambos velhos amigos – Vamos deixar pai e filho conversarem. Sophie tentou forçar suas pernas a permaneceram estáticas, mas a pressão das mãos de Domenico sobre seus olhos apenas se intensificou, sendo parcialmente carregada para fora dali contra sua vontade, ela observou Dmítri ficar cada vez mais distante, seus olhos e toda sua atenção estavam fixos nele, enquanto medo pelo o que poderia acontecer com ele assim que ela deixasse aquele lugar, parecia apertar suas entranhas com uma mão de ferro. Em nenhum momento ele pareceu se importar com o fato de que ela estava saindo dali, nenhuma vez ele lançou um olhar em sua direção, parado de maneira muito tranquila sentado na cadeira, ele observou seu pai se aproximar dele, o homem que havia transformado toda sua existência num pesadelo. Sophie desejou chamar seu nome, fazer com que ele fosse obrigado a olhar em seus olhos, mas ele simplesmente pareceu ignora-la de tal maneira como se ela nunca tivesse existido em sua vida, como se tudo o que houvesse entre eles não tivesse passado de um sonho. Quando Domenico atravessou o galpão, a parede de metal ficou em seu caminho, a última coisa que ela pode enxergar foi o rosto muito tranquilo de Dmítri, como se ele não tivesse medo

algum. O coração em seu peito se apertou com o medo de que aquela tivesse sido a última vez que ela o vira.

CAPÍTULO 21 As mãos de Domenico eram pesadas sobre seus ombros, uma lembrança constante da terrível realidade a seu redor, as pernas de Sophie tremiam, os joelhos sofriam para sustentar o peso de seu corpo, mesmo assim seus passos eram forçados adiante embora ela não conseguisse compreender qual o caminho que estava trançando. Sua mente era uma confusão de pensamentos que ela própria não conseguia acompanhar, o coração em seu peito batia num ritmo entorpecido, como se tivesse simplesmente desistido de sentir alguma coisa, como se naquele instante não fosse capaz de sentir nada. As imagens desfilavam diante dela, como se tivessem a acusando silenciosamente. Os olhos repletos de descrença e ódio de Dmítri, pairavam em sua lembrança, um lembrete do que ela havia feito. Sentiu o gosto acre de sangue na boca, e percebeu que mordera a ferida sobre o lábio que havia sofrido do golpe que levara no estacionamento, a sensação viajou por seu corpo, mas não pareceu ser capaz de penetrar completamente sobre o estupor que cobria sua mente. Como se ela tivesse se tornado uma casca vazia. Na parte mais funda de sua mente, havia um pensamento que lhe criticava, deveria se sentir aliviada naquele instante. Afinal não era aquilo o que ela havia tanto desejado, sua vingança? Apenas no dia anterior ela havia roubado uma arma e a escondido em seu quarto, dizendo a si mesma que chegara o momento de usa-la? Como então sua decisão poderia ter mudado de maneira tão drástica em tão pouco tempo? Ela não desejava a morte de Dmítri?

A resposta para aquela pergunta fez com que ela afundasse ainda mais os dentes em seus lábios, talvez para conter as lágrimas que pareciam borbulhar em sua garganta, ou para se punir de alguma maneira. A quem ela estava se enganando com aquele tipo de pensamento? Precisava ser sincera consigo mesmo, e admitir que há muito tempo ela não desejava a morte de Dmítri. Seu desejo de vingança havia ficado para trás. Chegar aquela conclusão naquele momento apenas fez com seu coração se apertasse ainda mais em seu peito. Tudo o que estava acontecendo com Dmítri era sua culpa, e aquela era o tipo de consciência que fazia com que ela tivesse a vontade de se desesperar. O que ela tinha feito? O vento frio acertou seu rosto secando as lágrimas que brilhavam sobre sua bochecha. O céu estava completamente encoberto e ali fora do galpão Sophie pode pela primeira vez observar onde eles estavam. Estendendo diante dela vários metros à frente, o lugar parecia um grande desmanche de carros. Carcaças de veículos se amontoavam, suas formas se confundindo na escuridão, silhuetas destruídas e abandonadas sobre o cascalho, definitivamente o tipo de lugar que a maioria das pessoas costumava evitar. As mãos de Domenico deixaram seus ombros, o mafioso italiano, parou a seu lado como se eles tivessem todo o tempo do mundo, enquanto deslizava os dedos de maneira muito ágil sobre a tela de um celular de última geração. Por um instante Sophie sentiu o sangue ferver em suas veias, se ela era culpada do que acontecia a Dmítri naquele instante, então o homem a seu lado também dividia essa culpa. Naquele momento o ódio pareceu fincar raízes em seu coração. Domenico Bianchi era o tipo de monstro que usava uma máscara para enganar as pessoas, o tipo de homem que era capaz de condenar uma pessoa a morte, e depois simplesmente ignorar isso e mexer em seu celular como se aquilo fosse apenas mais uma noite normal em sua vida. A luz alta dos faróis de um carro brilhou sobre os olhos da garota, fazendo

com que ela tivesse de erguer as mãos para proteger do brilho. Um carro extremamente luxuoso, contornou de maneira eficiente o ferro-velho até parar diante de ambos. Dois homens de aparência séria usando roupas simples, com armas presas em suas cinturas saltaram do veículo. Em nenhum momento os dois estranhos olharam em sua direção, com passos que ecoaram enquanto eles esmagavam o cascalho, os homens se postaram ao lado de Domenico, numa posição de quem se esperava a próxima ordem. O coração De Sophie disparou em seu peito, sabendo que seu futuro ainda era incerto, e estava completamente nas mãos daquele homem que ela odiava. - Minha cara Sophie – começou Domenico, olhando em sua direção, mais uma vez assumindo uma postura paternal em relação a ela – Espero que possamos colocar os eventos traumáticos dessa noite para trás, e que esse seja um novo recomeço para você. - O que você vai fazer comigo? – perguntou a garota, tentou controlar o tremor em sua voz, mas ela soou de maneira baixa e esganiçada até mesmo para seus ouvidos. - Nada minha querida. Você me foi de extrema ajuda, portanto espero que você possa seguir seu caminho. Apague todos os acontecimentos dessa noite de sua memória, isso seria o ideal para sua própria segurança. Um sorriso lupino brincou nos lábios daquele homem, seus olhos cor de caramelo reluziram pela primeira vez de maneira gélida. Embora suas palavras fossem ditas numa voz calma e parecessem apenas um conselho para seu próprio bem, Sophie conseguia compreender muito bem a ameaça velada por trás delas. Domenico se aproximou dela, quebrando a pequena distância que os separava. Sophie tentou se mostrar firme e não se intimidar por ele, mais havia algo sobre aquele homem escondido debaixo da superfície de um perfeito cavaleiro que fez um calafrio correr seu corpo, a suspeita de que algo terrível poderia ataca-la a qualquer instante. Como o bote de uma cobra. - Seja uma boa menina Sophie, e esqueça sobre essa noite – disse ele numa voz muito baixa, apenas para que ela pudesse ouvir – Melhor ainda, esqueça

tudo sobre o que lhe aconteceu desde o momento que você conheceu Dmítri Volkov. Você teve sua vingança, e foi sortuda o suficiente para sair dessa situação com vida, não íamos querer mudar esse quadro não é mesmo bambina? Sophie não lhe respondeu, travou os dentes em sua mandíbula, numa atitude clara de desafio, embora soubesse muito bem que todo aquele estupido orgulho poderia lhe colocar numa situação muito complicada. A sua frente Domenico sorriu enquanto se afastava dela, como se tivesse sua atitude engraçada e pretensiosa, como uma criança tentando impressionar um adulto. - Um dos meus homens irá te levar para casa – disse Domenico, a dispensando com um aceno de mão, como se ele fosse algum tipo de rei medieval – Haverá uma quantia satisfatória em dinheiro a esperando em seu apartamento. Aceite-a como um gesto de minha boa vontade. Seus serviços também estão sendo dispensados. Espero que tenha uma boa e longa vida bambina. Domenico não esperou uma resposta sua, na verdade ele nem ao menos se dignificou em lançar um olhar em sua direção, como se ela fosse apenas mais um estorvo que ele havia deixado em outras mãos para ser cuidado, o homem entrou no elegante carro parado diante deles ignorando-a completamente, segundos depois o som potente do motor quebrou o silêncio noturno, enquanto o veículo se afastava dali levando embora o mafioso italiano. Assim que o carro se afastou e a luz dos faróis desapareceu na estrada Sophie sentiu o capanga de Domenico agarra-la pelo braço, arrastando ela para trás do galpão. - Ei. Me solta! – protestou a garota, forçando seu braço para baixo tentando dessa forma que ele o soltasse. - Vamos menina não seja teimosa, - respondeu o desconhecido – Você ouviu o chefe disse. Me deixa eu te levar embora daqui, acredite em mim você não querer ficar aqui quando esses russos começarem a se divertir.

O lembrete do que estava acontecendo naquele momento com Dmítri enviou uma nova onda de pânico, que deixou seu estômago embrulhando, desesperada a garota lançou um último olhar ao galpão, enquanto imagens de coisas grotescas e terríveis desfilavam em sua mente. Ela precisava fazer alguma coisa! Mas o que? E de que maneira? Os pensamentos pareciam se colidir em sua mente numa sucessão infinita de tão rápido que eles estavam surgindo, a respiração se tornou acelerada enquanto o medo viajava por todo seu corpo junto com sua corrente sanguínea. Por sobre o ombro, o homem que a continuava a empurra-la lhe lançou um olhar desconfiado, mas naquele instante Sophie não poderia ter se importado menos. Eles atravessaram toda a extensão do ferro-velho até chegarem a seus limites, ali ela conseguiu reconhecer a van que havia a sequestrado junto com Dmítri, havia um portão duplo de ferro que estava aberto e dava acesso, a uma estrada de terra que parecia contornar um pequeno bosque. Sem perder tempo, o homem abriu a porta de um dos carros comuns estacionados ali, fazendo com que ela se sentasse de qualquer forma no banco traseiro. A garota tentou conter o desespero que ameaçava engolfa-la por completo. Espantou as lágrimas que pinicavam em seus olhos se detestando por apenas conseguir chorar num momento como aquele. Ela precisava encontrar uma desculpa para voltar até o galpão, mas como faria isso? Como se livrar do capanga de Domenico. Sem perder tempo o desconhecido ligou o carro enquanto os pneus do veículo, derrapavam sob o cascalho do lugar, o carro balançou precariamente enquanto entrava na estrada de terra completamente esburacada. Sophie afundou as unhas no encosto do banco, sua cabeça estava voltada para trás enquanto ela olhava com desespero o vidro traseiro do carro, o som de sua respiração alta acelerada encheu o veículo, a cada metro que eles se afastavam aumentando sua distância de Dmítri. Desesperada a garota abaixou a cabeça contra o banco, enquanto deixava escapar a primeira coisa que vinha a sua mente caótica. - Por favor, eu vou vomitar, pare o carro.

- Meu deus menina, você não pode segurar? Logo você vai estar em casa... - Eu não posso segurar! Eu estou em choque – gritou Sophie em resposta enquanto se esforçava para convence-lo com os ruídos de ânsia que ela estava fazendo. Os olhos do capanga se encontraram com os dela pelo retrovisor, ela podia ver que ele estava desconfiado, e um pouco irritado, mas diminuiu a velocidade do carro, Sophie aproveitou aquele instante enquanto mantinha a cabeça, baixa para colocar a mão da maçaneta abrindo a porta e saindo do carro com ele ainda em movimento. Ele caiu de frente, sentindo o impacto percorrer todo seu corpo, ouviu o som dos pneus derrapando enquanto o carro parava de qualquer maneira na estrada pouco movimentada. Sophie levantou-se sentido as palmas de suas mãos arderem, ergueu o corpo que protestou, a dor se infiltrou por sua perna direita, ela apoiou seu peso no tornozelo direito, e sentiu ele protestar enquanto a dor viajava por toda sua perna. Rangeu os dentes sabendo que não tinha tempo para verificar o quanto machucada ela estava e se embrenhou alguns metros no pequeno bosque, fazendo um grande estardalhaço tentando chamar atenção do capanga. Com o coração acelerada em seu peito Sophie encostou suas costas contra um tronco de árvore mais espesso. Fechou os lábios com firmeza tentando evitar produzir qualquer ruído, a seu redor o bosque parecia muito tranquilo, nem mesmo o vento balançando suas folhas. As copas das árvores eram um pouco afastadas uma das outras, mas com uma noite sem lua, a garota mal podia enxergar alguns metros diante dela. A suas costas ela ouviu a voz do capanga de Domenico, praguejando em italiano, o som dos passos dele quebrando galhos e arrastando folhas, parecia ecoar por todo o lugar. - Vamos garota! Eu não tenho a noite inteira. Onde você está? A voz dele ecoou pela escuridão como um tambor. Ainda escondida, Sophie abaixou-se da maneira mais cautelosa que conseguiu, com as mãos frenéticas,

ela tateou todo o chão buscando algo que pudesse usar como uma arma, seus dedos se fecharam sobre um galho que parecia robusto, ela segurou-o contra as palmas de suas mãos sentindo seu peso. Ele era longo e alguns outros galhos menores saiam do seu centro, mas ela sabia que naquele instante não poderia conseguir nada melhor. Encostou seu corpo ainda mais contra o tronco da árvore, tentando fazer sua figura se mesclar com as sombras a seu redor, enquanto esperava pacientemente o capanga de aproximar. Os passos pesados dele, se tornaram cada vez mais próximos, Sophie apertou o galho com força em suas mãos ignorando os arranhões ardidos em suas palmas, e prendendo sua respiração. O homem que trabalhava para Domenico entrou no seu campo de visão, caminhando ao lado da árvore onde ela estava escondida, seu rosto estava voltado para frente, seu rosto exibindo uma expressão irritada. Sophie cerrou os dentes e se colocou de pé num único impulso assim que viu ele lhe dar as costas, usando toda sua força, ela ergueu o galho em suas mãos como um taco de beisebol acertando o centro do seu pescoço. O grito de dor dele foi abafado, ele ainda tentou se virar sua mão buscando alcançar a arma em sua cintura, mas Sophie não lhe deu chance, a garota o chutou com firmeza no joelho, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio, nesse momento ele caiu no chão e Sophie mais uma vez acertou sua cabeça em sua têmpora até ele estar completamente deitado no chão desacordado. Sophie não deu tempo para que sua consciência tomasse conta de suas atitudes. Se ela parasse naquele instante para se criticar, ou pensar no que acabara de fazer então iria entrar em desespero. Naquele instante a única coisa que podia fazer era seguir seu instinto, enquanto tentava uma maneira de realizar o impensável. A garota abaixou-se ao lado do corpo do capanga inconsciente, largou o galho que havia usado para acerta-lo enquanto com movimentos frenéticos, procurava em seu corpo, e no chão ao redor onde ele havia caído, a arma que sabia que ele estava carregando. O nervosismo deixou seus movimentos desajeitados, correu as mãos sobre a camisa do capanga, o peito dele se estremeceu levemente enquanto respirava,

Sophie sentiu uma onda de alívio inunda-la, ao menos ela não tinha matado aquele homem. Redobrou seus esforços, enquanto procurava a arma sabendo que precisava encontra-la, pois provavelmente ele não continua inconsciente por muito mais tempo. Seus dedos esbarram no metal gélido, a arma havia escorregado para um lugar parando numa das reentrâncias do solo próximo a seu pé. Fechou os dedos ao redor do cabelo, destravou-a conferindo que estava carregada, o peso em sua palma pela primeira vez lhe deu um pouco de segurança. Sem olhar para trás a garota refez o caminho que fizera até ali correndo de volta ao carro abandonado na estrada. Sophie ignorou a dor em seu tornozelo que parecia aumentar a cada passo que ela dava. Correu pelo bosque, tentando forçar seus passos a irem cada vez mais rápido, O terreno era acidentado, e cheio de pedras e galhos caídos no chão que dificultavam seus movimentos. Com o fôlego acelerado ela alcançou o carro que continuava estacionado de qualquer forma ao lado da estrada, o contornando e fazendo o caminho contrário, indo em direção ao galpão e o ferro-velho. A arma pesava em sua cintura, os cortes em sua mão doíam de forma insistente, mas era seu tornozelo que parecia disposto a tortura-la toda vez que seu pé tocava o chão. O simples fato de faze-la dar o próximo passo, era o suficiente para que uma dor aguda, subisse por sua perna enquanto ela continua correndo. Sophie trincou a mandíbula tentando ignorar aquela dor, ordenou a si mesma também ignorar completamente a parte de sua mente que dizia que ela estava cometendo uma loucura, que ao fazer aquilo acabaria morta. Não era estúpida, sabia muito bem que suas chances eram mínimas, não era o tipo de pessoa que tinha um complexo de heroína, mas depois de tudo o que havia acontecido, depois de tudo o que passara ao lado de Dmítri, simplesmente sabia com uma certeza avassaladora que inundava todo seu corpo, que ela não suportaria continuar em frente se não tivesse ao menos feito algo para tentar ajuda-lo. O som de carros inundou o silêncio da estrada, os faróis iluminaram a

escuridão, e a garota quase não teve tempo de interromper sua corrida, e voltar para a proteção das árvores ao redor. Sophie jogou-se no chão de qualquer maneira, rastejando para trás da primeira árvore que encontrou, sua respiração inundou seus ouvidos o coração martelando como um sino em sua garganta. Os veículos que ela havia avistado, passaram em alta velocidade na estrada levantando uma nuvem de poeira que pairou durante alguns segundos completamente ao redor. Por um instante o puro terror pareceu tomar conta dela. Se aqueles carros estavam indo embora isso significava que Dmítri estava... Nem mesmo em seus pensamentos a garota conseguiu terminar sua linha de raciocínio, afundou as mãos na terra a seu redor, enquanto tentava conter o soluço que havia brotado em sua garganta. Sentiu as pontas de seu cabelo batendo em seu pescoço, e percebeu que estava mexendo sua cabeça num movimento negativo, como se com aquele gesto ela pudesse contradizer seus próprios pensamentos. Levantou-se de maneira cambaleante, e pela primeira vez não se importou com a dor em seu tornozelo, com a respiração em frangalhos, ela voltou a estrada, aumentando o ritmo agora desesperado de sua corrida. Sabia que estava sendo impulsiva, se colocando em perigo embora tudo estivesse lhe indicando que era tarde demais, mas parecia não conseguir controlar suas pernas, como se ela precisasse encarar a realidade do pior com seus próprios olhos. Sua corrida terminou diante do enferrujado portão que dava acesso ao ferrovelho, o lugar parecia abandonado, agora os únicos carros a vista eram aqueles que estavam ali parados a muito tempo, suas carcaças deteriorando a céu aberto. Sophie andou pelo lugar com passos rápidos, embora tentasse ocultar seu corpo, se escondendo entre os carros ali, o galpão se erguia bem diante dela, as luzes fluorescentes podiam ser vistas parcialmente encobertas pela película de poeira que parecia permear todo o lugar. Aquilo acendeu uma pequena chama de esperança em seu coração, embora sua razão lhe dissesse em sua mente em altos brados que ela estava sendo simplesmente teimosa e estúpida.

Ignorou essa parte de sua mente, tentando se concentrar totalmente no que estava diante dela, parada na soleira da porta que levava até o galpão, Sophie se agachou por um instante enquanto desafivelava seus pés das sandálias que usava. Se alguém tivesse ali dentro, ela não queria alerta-lo de sua presença naquele instante. Sua cabeça parecia que estava se recusando a trabalhar, o frio se irradiou sob suas solas, e por um momento alívio a dor constante em seu tornozelo, tentando conter a respiração, a garota refez o caminho que havia feito ao lado de Domenico, ignorando completamente tudo o que havia a seu redor, focando-se apenas em frente, enquanto seus olhos se focavam nas portas diante dela. Quando atravessou o último salão, conseguiu visualizar a antessala que dava acesso ao lugar onde ela e Dmítri havia sido preso. Sons de passos, e alguns resmungos chegaram até ela, teve de usar toda sua força de vontade para não sair correndo dizendo a si mesma que se ela quisesse ter alguma chance de fazer algo ali, ela precisava usar sua cabeça. Seus passos calculados não fizeram nenhum som no chão feito de concreto, enquanto ela se abaixava ao lado de uma das portas, com toda cautela do mundo a garota empurrou seu rosto apenas alguns centímetros para que pudesse enxergar o que estava acontecendo do outro lado daquela soleira. O coração explodiu em seu peito quando ela notou a cena que se desenrolava diante dela. Caído e todo ensanguentado no chão, Dmítri tentava se ergueu de maneira precária. Seu rosto mal era uma máscara de machucados, sangue escorria profusamente do lado esquerdo de sua cabeça, se misturando com o que escorria de seus lábios que manchava completamente a frente de sua camisa. Acima dele, com as mangas de sua blusa erguidas até o cotovelo, estava seu pai, ele o rodeava enquanto olhava em sua direção de maneira completamente enlouquecida. - Vamos Dmítri! – provocou Alexei – Reaja, eu ao menos te dei uma chance de se defender, você não queria me matar? Fazer valeu sua vingança? É só me enfrentar, a arma está ali, pega ela me mate!

Os olhos de Sophie recaíram sobre o objeto que estava apenas alguns passos longe de Dmítri, ela percebeu o esforço que ele fazia para alcança-la, se rastejando no chão como se seu corpo não tivesse mais forças para conseguir se manter em pé, mas ele simplesmente não fosse capaz de desistir. Assim que os dedos dele resvalaram no cano da arma, Alexei o chutou com violência seu braço estendido, fazendo com que um grito gutural explodisse no recinto, Sophie teve de usar ambas as mãos para conter o grito que havia surgido em sua garganta de horror, e revolta. Aquele homem, estava o torturando e adorando cada minuto disso. Dmítri contorceu seu corpo, segurando a mão próxima a seu peito, seu grito se transformou num urro, mas isso pareceu apenas satisfazer ainda mais seu pai que continuou desferindo golpes contra ele. - Você é fraco – gritou Alexei pontuando cada palavra com um novo golpe – O que foi heim? Sua coragem acabou? Não sobrou nada depois de ter sido feito de idiota por uma garotinha? As mãos tatuadas do Tsar se infiltraram, debaixo dos braços de Dmítri, ajudando-o a ficar em pé, o rapaz pareceu odiar o contato, mas naquele instante estava impotente para se defender. Como se tivesse ajudando um companheiro a se levantar, Alexei segurou o corpo de Dmítri, enquanto usava sua mão direita pra erguer seu rosto, obrigando que o filho olhasse diretamente em seus olhos. - Você foi um erro sabia disso? – confidenciou seu pai numa voz que quase poderia ser confundida com carinho – Eu não tinha nenhuma pretensão de engravidar sua mãe. Mas, ela disse que estava se cuidando e eu acreditei. Não costumo me envolver em assuntos femininos. Ela queria ser mãe sabe, sempre quis aquela lá. Ter um bebe, pra brincar de boneca. As mãos do Tsar correram sobre o rosto de Dmítri, seus dedos tatuados apertando a ferida em seu lábio fazendo com que o sangue vertesse num fluxo maior. Em nenhum momento Dmítri reclamou, seus olhos pareciam duas chamas gélidas, como se lhe provocasse muito mais dor e incomodo, a proximidade com aquele homem do que as feridas que permeavam todo seu corpo.

- Quando você nasceu, eu não dei muita bola sabe – continuou Alexei – Sua mãe parecia contente também, e parou de encher meu saco. Você começou a crescer, e era tão parecido comigo, uma cópia na verdade, confesso que nos primeiros anos eu tive imensas esperanças pra você. Mas, o tempo mostrou como eu estava enganado. Você não passa de uma imagem minha com defeito. Mesmo aquela distância Sophie pode perceber como aquelas palavras haviam afetado Dmítri, por um momento ela se lembrou da noite anterior, do estado de terror noturno que ela havia encontrado Dmítri, da confissão que ele fizera como se tivesse vergonha de confessar uma fraqueza, algo inaceitável. Ali escondida como um rato, seu coração doeu de maneira excruciante ao perceber que o maior medo de Dmítri, era ser como seu pai. - Eu pensei que me daria mais prazer acabar com tudo isso – continuou o Tsar, largando seu filho em pé diante dele, limpando ambas as mãos em suas calças, como se tivesse se livrando de uma sujeira indesejada – Mas, eu estava enganado. Até nisso você me decepcionou Dmítri. Sabe as coisas poderiam ter sido tão diferentes entre nós. Se você não tivesse fugido e se aliado a escória da yakuza, tatuado seu corpo meu material genético com aqueles desenhos bárbaros, ter bradado aos quatro ventos que iria me matar, então talvez eu pudesse ter te perdoado. Mas eu sou um homem afinal, e meu orgulho vem em primeiro lugar, até mesmo do que o sangue. Horrorizada com o coração ecoando em seus ouvidos Sophie percebeu o Tsar dar as costas a Dmítri, e rumar em direção a arma que estava caída próxima a seus pés. Com uma certeza assustadora ela soube que iria usar aquela arma para matar o próprio filho, diante dela. Como se tivesse todo o tempo do mundo, ela viu ele se abaixar diante da arma enquanto dizia. - Faça-me um favor quando chegar ao inferno, de um olá a sua mãe, e diga pra ela me esperar, logo todos nós iremos nos reunir como uma grande família feliz. Os dedos dele deslizaram quase com reverencia enquanto tocavam o cano da arma, Sophie observou tudo aquilo como se tudo tivesse se desenrolando em câmera lenta diante dela, o frio irradiou sob a ponta de seus dedos ela percebeu que de maneira inconsciente havia tentando alcançar a arma em sua

cintura. Seu corpo se moveu antes que ela tivesse tomado consciência, por um instante lhe pareceu que ela era apenas uma expectadora de toda aquela situação, enquanto observava de maneira incrédula avançar adiante, enquanto uma certeza despontava na parte mais profunda de sua mente. Entre ela e Dmítri, apenas um dos dois conseguiria sobreviver aquela noite.

CAPÍTULO 22 - Largue a arma. A voz de Sophie viajou por todo o galpão, preenchendo o espaço vazio embora ela não estivesse alta. Ao redor deles o silêncio era tão espesso quanto uma cortina. Alexei e Dmítri olharam espantados em sua direção, como se ambos tivessem vendo uma assombração. O Tsar foi o primeiro a se levantar, seu corpo se erguendo lentamente em toda sua estatura, um sorriso verdadeiramente diabólico brilhou em seus lábios pálidos, o medo correu como gelo por suas veias, Sophie apertou ainda mais as mãos na arma que empunhava, suas palmas estavam suadas devido ao nervosismo os arranhões ali deixando aquela posição extremamente incomoda. Ela caminhou por todo o galpão, se aproximando deles com cautela. Os olhos de Dmítri fixos em cada um dos seus movimentos, mesmo aquela distancia ela percebeu como seus olhos se escureceram ao reconhece-la, em silêncio ela desejou ardentemente que tudo aquela loucura que ela estava fazendo não fosse em vão. - Ora menina – comentou o Tsar de maneira displicente, como se não sentisse nem um pouco ameaçado por sua presença, ou pelo fato dela carregar uma arma em suas mãos. – Parece que afinal de contas você realmente tem alguma coragem. Sophie rangeu os dentes em sua boca, o coração era batendo num ritmo frenético dentro do seu peito, era um lembrete constante de sua fragilidade. Precisava ganhar tempo, e encontrar uma forma de desarmar o homem diante dela. Pra isso ela precisava realizar algo impensável.

Os olhos dela se desviaram para Dmítri, ele parecia uma estátua parado daquela forma, a luz florescente se derramando sobre seus cabelos pálidos. Sabia que aquele era um movimento muito perigoso, mas em sua cabeça aquele era o único plano que havia criado para tentar salva-lo. Ela precisava ao menos tentar sabendo que todas as chances estavam contra ela. Respirando fundo a garota desviou lentamente o cano de sua arma, apontando-o diretamente para Dmítri, ela mirou diretamente em seu coração, usando os braços enquanto balanceava o peso de seu corpo abrindo ligeiramente as pernas. Exatamente como ele havia lhe ensinado. - Eu vou matá-lo. – disse Sophie tranquilamente, ficou feliz ao perceber que sua voz soou fria até mesmo a seus ouvidos. A risada histérica do Tsar encheu o ambiente como o guincho de um animal enfurecido, ferindo os ouvidos da garota, em nenhum momento os olhos dela se desviaram de Dmítri. Ele parecia não ser capaz de acreditar no que ela acabara de dizer, havia um assombro por todo seu rosto, mesmo por debaixo de todo o sangue que cobria sua face ela podia ver como ele se tornara pálido diante de suas palavras. - Você me odeia tanto assim? A voz de Dmítri soou de maneira quase melancólica como se ele não tivesse tido a intenção de lhe perguntar nada em voz alta. Sophie sentiu o coração se estraçalhar dentro de seu peito, a sensação foi tão real que ela se espantou pelo fato de ainda conseguir sentir ele continuar trabalhando, empurrando sangue, fazendo com que ele circulasse por todo seu corpo. Como era possível ele continuar funcionando, quando tinha a sensação de que ele havia sido partido em milhões de pedaços? Sentia como se seu rosto tivesse sido esculpido em pedra, as lágrimas haviam secado sobre sua bochecha, o desejo de chorar havia a abandonado completamente, como se ela tivesse chorado todas as lágrimas que era capaz. - Sim – mentiu a garota, enquanto olhava o rosto de Dmítri, apertando ainda mais a arma em sua mão.

Ele pareceu acreditar. Fechando os olhos demoradamente, como se tivesse sido derrotado com aquela única palavra. O silêncio preencheu todo o ambiente, até o Tsar os observava agora com atenção, um brilho de verdadeiro interesse brilhando atrás de seus olhos gélidos. Ele parecia estar se divertindo com aquilo, apreciando a dor estampada no rosto do filho, como se aquilo tivesse o fazendo sofrer muito mais do os golpes que ele havia recebido. - Você ouviu isso Dmítri? – perguntou Alexei, se aproximando do filho, como se quisesse aproveitar o espetáculo diante dele – Ela o odeia! Mas, como não iria odiá-lo não é mesmo? Você destruiu a vida da garota, matou seu namorado a sangue frio. Aposto que nem ao menos consegue se lembrar dele. Os olhos de Dmítri se abriram encarando o pai de frente, Sophie percebeu uma mudança em seu olhar, como se ele tivesse se fechado por dentro, seus olhos pareciam quase sem cor, quando ergueu seu rosto para contempla-la parecia que ele estava observando uma estranha. Sophie sabia que aquilo era necessário, a única chance que ela tinha de fazer seu plano funcionar dependia do fato de Alexei acreditar que ela estava a seu lado, e não era uma ameaça pra isso ela precisava enganar Dmítri, mentir para ele mais uma vez. Para salva-lo, embora isso destruísse ainda mais seu coração. Ele acreditara tão facilmente em suas mentiras, desde a primeira vez. Lembrou-se da noite em que eles haviam se conhecido, como o ódio parecia preencher cada um dos seus pensamentos, havia sido tão fácil tão simples odiá-lo naquela época. Quando esse sentimento havia desaparecido, quando dera lugar a outro que era exatamente o oposto? Não sabia dizer, era como se aquele sentimento estivesse sempre ali rondando as bordas de seu coração, crescendo a cada dia que havia passado a seu lado tomando cada espaço, se multiplicando sem que ela tivesse percebido, como se ele sempre estivesse ali, sem princípio sem fim. Foi esse pensamento que lhe deu força para sustentar o olhar raivoso de

Dmítri, segurando a arma em sua direção. Naquele momento ela podia reconhecer o ódio brilhando em seus olhos de tempestade, e disse a si mesma que estava tudo bem. Ele poderia odiá-la, poderia se sentir traído, poderia amaldiçoa-la o resto de seus dias sem nunca ser capaz de perdoa-la, desde que ele permanecesse vivo. Se isso se tornasse realidade, então ela suportaria o fato de nunca ter sido capaz de dizer a ele, quais eram seus verdadeiros sentimentos. - Por que não tornamos isso mais interessante? – perguntou o Tsar, contornando o corpo de Dmítri colocando-se atrás dele, aproximando seus lábios de seu ouvido, como se fosse um anjo maligno lhe contando segredos em seu ouvido. De maneira quase delicada Alexei depositou a arma nas mãos do filho, o metal negro reluziu em suas mãos pálidas, os dedos cobertos de sangue segurando-a com habilidade, um reflexo quase instintivo daquele ato. Como se aquilo tivesse se tornado tão normal, que ele não precisava mais racionalizar para conseguir executar. Por um momento Dmítri pareceu confuso, o contato com o pai fazendo com que o desconforto estivesse completamente evidente em sua face. Ele ergueu a arma junto com Dmítri, apontando-a diretamente para Sophie mirando exatamente em sua cabeça enquanto dizia: - Quando alguém te ameaça com uma arma, é assim que você responde. A mão de Dmítri sobre a arma não demonstrava nenhum tremor, lentamente os dedos do Tsar abandonaram deixando que ele segurasse a arma sozinho, se afastando apenas alguns passos e ficando atrás de seu filho enquanto um sorriso extremamente divertido e sádico se formava em seu rosto. - Vamos Dmítri – provocou seu pai – Atire na garota, ela está determinada a acabar com você. Sophie deixou que seu olhar pousasse sobre Dmítri, a distância que os separava não podia ser mais do que cinco metros, ela havia treinado com medidas duas vezes superiores aquela, eles estavam tão próximos que ela

nem ao menos precisava ajustar sua mira, fechando um dos olhos, não tinha como ela errar seu alvo. - Sophie – chamou Dmítri, enquanto mudava o peso de seu corpo de um pé para o outro – Por favor... não me faça fazer isso. Ela queria poder lhe responder, as palavras brincaram na ponta da sua língua, o fôlego preso em sua garganta. Será que ele entenderia os motivos que haviam a agir daquela forma? Não tinha certeza, naquele instante nada a seu redor parecia ser real, como se ela tivesse vivendo um pesadelo infinito. Seu dedo pesou sobre o gatilho, todos os sons ao redor por um instante pareceram desaparecer, o vento chacoalhando as placas de metal que faziam o papel de parede, o som das árvores balançando lá fora, a dor em seu tornozelo, e o frio que se infiltrava por debaixo de suas solas, tudo isso pareceu distante e longínquo como se tivesse acontecendo a uma outra e ela fosse apenas uma observadora. Em silêncio Sophie percebeu a postura de Dmítri se transformar, o sinal foi extremamente sutil, mas ela o conhecia, havia observado cada um dos seus pequenos gestos para saber como ele iria agir. Viu a mudança em seu rosto, o aperto mais firme sobre a arma, e soube que ele havia tomado sua decisão. Uma calma estranha se apoderou de seus sentimentos, percebeu que o coração havia diminuído o ritmo dentro de seu peito, como se finalmente ela tivesse parado de correr, e se debater contra as decisões do destino e finalmente tivesse aceitado trilhar o caminho que ela mesmo havia traçado para si. Não havia mais tempo para arrependimentos, ou hesitações a arma em sua estava pronta, assim como sua decisão. Enquanto olhava diretamente nos olhos azuis tempestuosos de Dmítri ela puxou o gatilho. O som dos disparos ressoou por todo o galpão, estrondosos e intensos, como se a terra tivesse partido ao meio sob seus pés. Por um momento nada pode ser ouvido, além do incomodo zumbido que parecia uma abelha insistente rondando a cabeça de Sophie.

As três pessoas ali presentes se entreolharam espantadas, como se tivessem tentando entender o que acabara de acontecer, até que desabando no chão como um terremoto, o corpo de Alexei desabou no chão, uma ferida sangrenta entre suas sobrancelhas. Sophie sentiu um sorriso sincero brotar em seus lábios, uma onda de orgulho percorreu seu corpo enquanto ela observava o corpo do homem morto diante dela. A face de Alexei caída no chão, estava voltada em sua direção, os olhos claros muito abertos, sua expressão de assombro para sempre marcada em suas feições. Os olhos de Sophie se voltaram para Dmítri, ele ainda mantinha seu braço erguido, a arma presa no ar um, a fumaça fina e branca saindo do seu cano. Os dedos da garota pareceram falhar, ela ouviu o som da arma caindo no chão antes de perceber que ela havia a soltado. Sentiu uma leve pontada do lado direito do seu corpo perto de seu estômago, a mão direita pousou sobre o local, sentiu a úmida molhar seus dedos, e quando os ergueu para observa-los melhor sobre a luz das lâmpadas naquele lugar, e percebeu como as pontas haviam se tingindo de vermelho. O sorriso que havia em seus lábios tornou-se mais aberto a garota ergueu o rosto, olhando ternamente em direção a Dmítri, enquanto dizia num fio de voz divertido. - Você não erra. Sophie não sentiu seu corpo atingir o chão, o impacto pareceu acontecer em câmera lenta, tentou usar os braços para aparar sua queda, mas seu corpo não parecia mais querer obedece-la. O calor se infiltrou por toda sua pele, como se ela tivesse sido tocada por um raio de sol, quando as mãos de Dmítri abraçaram seu corpo, ele virou-a de barriga pra cima, acolhendo sua cabeça com cuidado nos braços, ela podia enxergar seus lábios se movendo mas não conseguia entender direito as palavras que ele dizia. Sophie estreitou os olhos forçando-os ligeiramente, mas as bordas de sua visão pareciam embaçadas demais, havia um formigamento que começara na

ponta de seus dedos e parecia se espalhar por todo seu corpo. Ela se esforçou para tentar se levantar, mas a única coisa que conseguiu foi apenas mexer um pouco sua cabeça, a mera tentativa de movimento a deixou completamente exausta, enquanto um gosto acre e amargo de sangue deixava um gosto incômodo no céu de sua boca. As mãos de Dmítri deslizaram sobre seu rosto, ele retirou uma mecha de cabelo que havia caído diante de seus olhos, os dedos dele estavam trêmulos, seu rosto uma máscara de dor, e espanto, que deixou o coração pesado em seu peito. - Sophie... Vamos, me responda, não me deixe aqui não ouse... As palavras dele chegaram de maneira vagas até seus ouvidos como se ela tivesse as escutando de uma distância muito grande, e não ali em seus braços. Ela mal sentiu ele tocar em seu corpo, erguendo-o para que ela pudesse observar apenas seu olhar que estava repleto de uma tristeza indizível. - Por que fez isso? Por que você fez isso? As palavras de Dmítri chegaram até ela, embora ao seu redor agora ela não conseguisse ouvir mais som algum, tentou alcança-lo, tocar seu rosto, sentindo a calidez de seu toque que ela adorava tanto. Seus olhos se fecharam contra sua vontade como se ela não tivesse mais força para mantê-los abertos, enquanto perdia a consciência. A único arrependimento que carregava consigo naquele momento, era de não ter tido tempo para dizer aquele homem que seu coração pertencia a ele.

CAPÍTULO 23 A luz se infiltrou por debaixo de suas pálpebras, para Sophie o simples ato de abrir os olhos pareceu tomar uma grande quantia de tempo e esforço. Por um momento tudo o que ela pode fazer foi observar as pequenas partículas de poeira douradas que dançavam suspensas no ar, em frente a luz que vinha da janela. Com cuidado a garota mexeu levemente o pescoço, erguendo o rosto enquanto tentava compreender melhor o lugar onde estava. O quarto a seu redor parecia arejado, as paredes de teto alto possuíam um tom suave de pêssego, mas definitivamente aquele não era um lugar conhecido. A luz do fim de tarde invadia o recinto por uma alta janela que ficava ao lado de sua cama pintando todo o ambiente com cores calorosas, o silêncio permeava todo o lugar sendo interrompido apenas parcialmente por alguns murmúrios eletrônicos. Sophie tentou se levantar, mas seu corpo pareceu que ainda não estava muito disposto para obedece-la. O simples esforço deixou seu coração acelerado no peito, enquanto uma fina camada de suor recobriu toda sua face, a seu lado um pequeno apito surgiu da máquina que estava do outro lado de sua cama, pela primeira vez a garota compreendeu que estava num hospital. A percepção daquilo fez com que um choque de adrenalina percorresse todo seu corpo ao mesmo tempo que as imagens brotavam em sua mente numa sucessão rápida demais para que ela pudesse acompanhar. Podia sentir o frio da noite sob seus pés, visualizar o rosto assombrado de Dmítri, sentir o calor contra seus dedos da arma que ela usara para matar seu pai. Sua respiração se acelerou em seu peito se transformando num chiado agudo,

como se ela tivesse acabado de correr uma maratona. Seu corpo tremeu sobre a cama como se finalmente ela estivesse se dando conta do que havia acontecido. Naquele instante, ela não conseguia compreender como estava naquele lugar, sua última lembrança era de estar cercada pelos braços de Dmítri, enquanto ele amparava seu corpo. Ele havia atirado nela... Com urgência Sophie deixou que suas mãos caíssem debaixo das cobertas felpudas que protegiam seu corpo, sentiu uma picada incômoda quando percebeu que estava puxando o soro preso em seu braço, seus dedos correram ao lado de seu corpo procurando algo embora ela não tivesse muita certeza do que. Debaixo da camisola do hospital, ela pode sentir um curativo que cobria quase toda a área de seu tronco. Rangeu os dentes de dor quando seu toque se tornou mais insistente. Nada daquilo havia sido um pesadelo, aquele machucado apenas estava ali para fazer com que ela nunca se esquecesse disso. A porta de seu quarto se abriu, Sophie ergueu os olhos surpresa, esperando encontrar um médico ou uma enfermaria, a máquina a seu lado continuava a bipar num ritmo frenético, mas sentiu seu coração apenas gelar em seu peito quando reconheceu Dmítri a sua frente. A onda de sentimentos que invadiu seu peito foi contraditória, havia alívio, preocupação, raiva, tristeza, medo, cada um deles se misturando de tal forma que no final Sophie não podia dizer onde um começava e o outro terminava. Ela pode notar o espanto em seu olhar quando ele notou que ela estava acordada, mas logo aquilo foi substituído por uma expressão controlada e distante. Sem dizer uma única palavra, ele entrou em seu quarto fechando a porta atrás de si, e caminhando em direção a janela. As palavras não ditas pesaram entre eles, se expandindo dentro daquele quarto, deixando até mesmo o ar entre eles pesado. O silêncio entre eles era apenas quebrado pelos bipes eletrônicos que Sophie mal podia notar já que sua atenção estava completamente voltada para o homem diante dela. Parado em frente à janela, com o pôr do sol recortando sua silhueta, Dmítri

parecia uma obra de arte. Usava um terno cinza escuro, e uma camisa azul marinho que destacava a cor de seus olhos, quando ele finalmente deixou que seu olhar recaísse sobre ela, a garota pode observar seu rosto com mais atenção. Ele havia se barbeado, o cabelo levemente despenteado dava-lhe um ar despojado, ele seria a imagem da elegância e beleza se não fossem pelos hematomas que cobriam o lado direito de seu rosto num tom esverdeado subindo até sua têmpora. O nariz também estava um pouco inchado, e havia uma protuberância no meio que não existia antes, ela se perguntava quão sério teriam sido os machucados dele. - Você está bem? – a voz dele tirou Sophie de seus pensamentos – O médico logo estará aqui. - Estou bem – respondeu a garota, as palavras pareceram estranhas em sua língua, sua voz desarticulada, havia um gosto metálico em sua boca que embrulhava levemente seu estômago, mas ninguém havia lhe dito que levar um tiro não tinha nenhum desconforto. Dmítri se aproximou de sua cama, embora permanecesse a seu lado, uma figura distante e esquiva. Sophie sentiu seu coração se apertar em seu peito, enquanto a confusão embaralhava sua mente, queria que ele a tocasse, a abraçasse como fizera no galpão, queria sentir os lábios dele sobre os seus, para que ela soubesse que tudo estaria bem novamente, mas agora tudo aquilo não passava de um desejo tolo. O tempo das ilusões haviam terminado entre eles. - Você parece bem -disse Sophie odiando como o assunto entre eles parecia ter assumido um tom formal – Seu rosto está um pouco.... Quero dizer espero que você não esteja machucado. - Eu estou bem. Era uma resposta simples, direta Sophie sabia que não deveria se sentir chateada ou coisa do tipo, mas não conseguiu ignorar o sentimento que pareceu brotar de forma espontânea em seu coração. Ergueu seus olhos encarando o olhar tempestuoso de Dmítri, tentando encontrar ali dentro

alguma coisa, qualquer coisa que fizesse com que ela se sentisse mais próxima a ele. - Alexei está morto. Ouvir aquele nome novamente fez com que um calafrio de medo e nojo percorresse todo seu corpo. Em sua memória a imagem daquele homem ainda estava muito nítida, o terror acompanhando as imagens que desfilavam diante de seus olhos. Era difícil acreditar que o pai de Dmítri estava morto, ainda mais difícil era aceitar que ela havia sido a causa de sua morte. Sophie deixou que seus olhos pousassem em suas mãos que estavam sobre seu colo. Observou os pequenos arranhões vermelhos que agora pareciam quase todos cicatrizados e que ela ganhara em sua tentativa de salvar Dmítri. Aquelas eram as mãos de uma assassina? Não pareciam ser, mas haveria uma imagem que mostrasse de maneira óbvia algo assim? Ela era uma assassina, havia tirado a vida de um homem, devia se sentir culpada enojada, talvez ela devesse se sentir feliz aliviada, com o fato de que embora aquele não fosse seu desejo acabara com um homem que promovia apenas maldade no mundo, mas a verdade era que não sentia nada. Em seu coração quando pensava a respeito de ter matado Alexei Volkov a única coisa que era capaz de sentir era um entorpecimento que parecia preencher cada canto de seu peito. Ergueu os olhos tentando decifrar a expressão solene no rosto de Dmítri. Ele a odiava porque ela havia matado seu pai? A pergunta ressoou dentro das paredes de sua mente, mas ela não tinha coragem para colocar aquele pensamento em palavras. Não achava que estava preparada para ouvir aquela resposta. - Você está segura – disse Dmítri interpretando a confusão em sua expressão como medo – Ninguém sabe o que aconteceu aquela noite além de mim. A Bravta não irá em busca de retaliação. Também não precisa mais se preocupar com Domenico. Sophie concordou silenciosamente com um aceno de cabeça, embora não fosse aquilo que estivesse preocupando seus pensamentos. Claro que era um alívio descobrir que ela não precisaria temer por sua própria vida, olhando por cima de seu ombro todos os dias em busca do perigo, mas isso não

diminuía o peso das decisões que ela havia tomado. E agora ela teria de suportar sozinha essa responsabilidade. Dmítri devia ter assumido a responsabilidade da morte do pai. Ela gostaria de compreender como ele se sentia naquele instante, mas a proximidade que parecia existir entre ambos apenas alguns dias atrás agora não passava de um sonho. Como se naquele momento eles fossem apenas um estranho diante do outro. Embora tivesse milhares de perguntas rondando seus pensamentos, Sophie não conseguiu pensar em expressar nenhuma, o medo e a insegurança nadavam de maneira desconfortável em seu estômago, sentiu que suas unhas tinham cavado o tecido da coberta enquanto ela desejava poder simplesmente terminar logo com aquilo. Dmítri aproximou-se da cama sentando diante dela, na confortável poltrona de acompanhantes que ficava ao lado de sua cama. Os olhos dele pareciam enevoados, haviam pequenas olheiras sob eles, e por um momento a preocupação inundou seus pensamentos. Como ele estaria suportando sozinho os últimos dias? Os dedos dele percorreram as mechas bagunçadas de seu cabelo, lhe dando um ar ainda mais tranquilo, Sophie fechou as mãos num punho fechado contra seu colo, tentando conter o desejo quase insano de poder tocá-lo. - Eu imaginei milhares de vezes como começar essa conversa em minha cabeça. Mas, agora nada parece funcionar... - Dmítri eu... - Eu fui visitar o túmulo de Fabrizio. Sophie sentiu o choque tomar conta de sua expressão, como se alguém tivesse lhe jogado um copo de água fria diretamente em seu rosto. Seus lábios se mexeram de maneira involuntária, embora sua voz estivesse de maneira muito firme presa dentro de sua garganta. - Você não precisa parecer tão surpresa – continuou Dmítri – Eu achei justo

conhecê-lo depois de tudo o que aconteceu. Pela primeira vez desde que acordara Sophie sentiu as lágrimas marejarem seu olhar, lutou contra elas, tentando conter o desespero que inundava seu coração. - Por que? – perguntou a garota por fim, num murmúrio quase inaudível. - Eu não sei... – respondeu Dmítri simplesmente, encostando seu corpo contra o encosto da poltrona, fechando seus olhos levemente parecendo extremamente cansado – Você pode chamar de culpa talvez. Pedi para que Haru procurasse algumas informações dele, mas tudo pareceu simples demais. Eu nem ao menos era capaz de recordar seu rosto. Os olhos de Dmítri recaíram sobre ela furiosos como uma tempestade, como se ele tivesse a desafiando silenciosamente a odiá-lo ainda mais. Sophie sentiu seu coração se apertar. - Você me contaria algo sobre ele? – perguntou o loiro, quando o silêncio entre eles havia se tornado quase hostil – Eu realmente gostaria de saber. Sophie respirou fundo antes de lhe responder, como se precisasse daqueles instantes para sustentar todo seu ser, que parecia estar prestes a desabafar. Um sorriso tristonho surgiu em seus lábios enquanto ela buscava em suas lembranças algo que de Fabrizio que ela pudesse dividir, alguns meses atrás a mera ideia disso acontecer jamais teria passado por sua mente. Viver por si só já custava cada fibra do seu ser, lembrar-se dele era como uma tortura indescritível, agora tudo o que ela era capaz de sentir era uma saudade agridoce, que deixava um gosto pungente em sua língua e o coração levemente dolorido. Ela se perguntava se havia se aquilo era um sinal dela ter se tornado uma pessoa mais forte, ou um monstro insensível. - Ele era engraçado – respondeu a garota desviando o olhar de Dmítri, deixando que ele pousasse sobre os últimos raios de sol que entravam pela janela – Curioso, intrometido. Ele odiava cachorro quente, e dias frios. Ele me seguiu durante uma semana, antes que eu concordasse finalmente em sair com ele, quando eu finalmente concordei ele riu como se fosse uma criança e me abraçou dizendo que realmente não tinha ideia do que iria fazer se

continuasse sendo rejeitado. - Você o amava. A voz de Dmítri soou repleta de tristeza, não era uma pergunta apenas uma confirmação obvia do que estava diante dele, Sophie desviou seu olhar para ele, e sentiu o sorriso que havia nascido em seus lábios morrer quando percebeu a expressão destruída em seu rosto. - Sim – respondeu a garota tranquilamente, sabendo que aquela era a primeira vez que podia dizer aquilo sem sentir como se seu coração tivesse sendo rasgado dentro de seu peito – Eu o amava. - Você deve ter me odiado muito, para ter montado um plano como esse – respondeu o rapaz, a voz repleta de mágoa – Eu pensei que soubesse tudo sobre vingança, mas com certeza estava enganado. - Você acha que eu fiz isso tudo pra me vingar de você? – perguntou Sophie erguendo sua voz sem conseguir esconder o horror de suas palavras - E qual outro motivo você teria, pra deixar que as coisas entre nós chegassem tão longe assim Sophie? - Eu queria matá-lo Dmítri! – rebateu a garota gritando enquanto sua voz rouca, se chocava contra as paredes do quarto – Na noite em que nos encontramos, essa era a única coisa em minha cabeça! Eu nunca imaginei que nós iriamos... - E por que não me matou?– perguntou o rapaz a interrompendo, sua voz baixa a controlada soando de maneira gélida e implacável. As palavras borbulharam em sua língua, acima da superfície sedentas para deixarem seus lábios e serem ouvidas. Ela suportara aquilo durante tanto tempo dentro dela, a verdade presa como uma besta enjaulada dentro de seus pensamentos. Ela tentava controlar seus pensamentos, organizando-os em frases, para que Dmítri pudesse realmente compreender o que ela havia feito, e o motivo por trás daquelas escolhas.

- Eu não sei... – respondeu Sophie por fim, erguendo seu olhar para que ele pudesse enxergar o peso e a verdade em seus olhos – Eu queria. Eu achava que tinha coragem o suficiente, força de vontade, eu só precisava de uma única chance, e quando ela me foi dada, eu simplesmente não pude agir. Eu disse a mim mesma que era porque eu estava com medo de ser descoberta, medo da polícia, mas eu sei que isso não passava de uma desculpa sensata para que eu pudesse acreditar. Você quer a verdade? Essa é a verdade. Eu não sei porque poupei sua vida naquela noite. A máscara controlada que era sua expressão pareceu se fragmentar ao menos parcialmente, o olhar dele se tornou mais brando, como se ele tivesse querendo acreditar desesperadamente em suas palavras, mas ela ainda podia enxergar de maneira muito visível a mágoa nadando debaixo daquelas superfícies azuladas. Ela havia destruído a confiança que ele havia depositado nela. - Dmítri eu... - Por que você voltou Sophie? – perguntou o rapaz a interrompendo, seus olhos brilhando de maneira intensa. – Por que voltar ali? Por que se colocar em risco? Você tem ideia do perigo que correu? Você levou um tiro, eu atirei em você! Eu poderia ter te matado! - Você não sabe? – respondeu Sophie, enquanto sentia apenas uma de suas lágrimas romper a barreira de seu controle deslizando por seu rosto – Você ainda não sabe, realmente por que eu fiz isso? Por que iria querer te salvar? Dmítri levantou-se rapidamente, seu rosto assumiu uma expressão de assombro ficando pálido, ele se afastou da poltrona, de sua cama, dela como se não pudesse mais suportar aquela conversa. - Não diga isso – pediu ele, enquanto deslizava uma de suas mãos por sobre o rosto, como se com aquele pequeno gesto ele pudesse recuperar um pouco de autocontrole. – Você não sabe o que está dizendo. - É verdade- respondeu a garota sabendo que sua voz se tingia de teimosia – Meus sentimentos por você são verdadeiros.

- Você deveria me odiar. Onde está o ódio que disse que sentia por mim? Que fez com que você arriscasse sua vida em busca de uma vingança? Sophie sentiu os dentes se afundarem em seu lábio inferior, como ela poderia fazer ele compreender seus sentimentos, se não conseguia explicar nem mesmo para si mesma, como se apaixonara por ele? Não sabia o momento exato, não podia dizer quando aquele sentimento havia invadido seu coração, era como se ele sempre tivesse existido, sem princípio ou fim, apenas ali na parte mais funda e protegida dentro de seu peito, esperando pacientemente por ser encontrado. Como ela poderia dizer isso a ele? Como transformar aqueles sentimentos em palavras, quando tudo o que ela havia feito até aquele momento era enganalo, traí-lo. - Você não sente nada por mim? – perguntou a garota tentando conter os soluços que deixavam sua voz trêmula – Você realmente pode dizer isso Dmítri? - Eu não sei o que sentir – respondeu o homem diante dela, os olhos atormentados fixos em seu rosto – Nesse momento é como se todas as certezas que eu tinha tivessem simplesmente desaparecidos. Eu passei os últimos dias sem saber se você iria sobreviver, se eu teria de conviver com o fato de que eu tinha te matado. Você pode imaginar o que foi isso? Sophie não podia, mas o sofrimento que ele acabara de descrever estava marcado, em seu rosto, em sua expressão de assombro e incerteza, no brilho vitrificado de seus olhos cor de tempestade. Alguns meses atrás ela teria pago qualquer preço para ver o homem diante dela sofrer dessa maneira, mas agora era como se o próprio sofrimento desse fosse compartilhado com ela, um espelho do seu próprio coração torturado. Como as coisas entre eles podiam ter se transformado naquilo. Um suspiro cansado saiu dos lábios de Dmítri, o sol agora havia se posto por completo, o quarto estava mergulhado na penumbra cinzenta do entardecer, as paredes do quarto tinham adquirido um tom perolado leitoso, lá fora o silêncio era tão intenso que por um momento Sophie achou que presos dentro daquele lugar eles eram as únicas pessoas no mundo.

Dmítri se aproximou de sua cama com passos vacilantes, como se ele tivesse sendo dilacerado pelo desejo de ficar próximo a ela, e sair dali o mais rápido possível. Sophie sentiu o coração aumentar o ritmo dentro de seu peito com intensidade, como se ele ansiasse desesperadamente pela presença daquele homem. Por um longo instante eles apenas se encararam em silêncio como se não soubessem o que fazer um com o outro e com o sentimento que os havia unido. - Seria mais fácil se eu pudesse te odiar Sophie, dessa forma então eu saberia o que fazer com esse sentimento. As palavras dele deixaram o fôlego preso dentro de sua garganta, como se elas tivessem lhe causado um impacto físico. Ela sabia que havia sido ingênua de imaginar que poderia haver um futuro entre eles, um sentimento que pudesse prevalecer mesmo depois que ele tivesse descoberto tudo a seu respeito. A verdade era que ela podia ter salvo sua vida, mas destruirá seu coração no processo. A mão de Dmítri se mexeu na escuridão, os dedos delgados pairando apenas alguns centímetros sobre sua face, o olhar em seu rosto era de anseio, como se ele precisasse toca-la de alguma forma limpar as lágrimas que haviam secado sobre sua pele, mas tivesse medo das consequências de simplesmente toca-la. Por fim ele baixou a mão, virando o rosto em outra direção, e Sophie sentiu que ele se afastava dela, como se o simples fato de permanecer a seu lado fosse muito doloroso. - Espero que você se recupere logo. A frase foi dita de modo mecânico, quase ensaiado e Sophie podia notar embaixo daquelas palavras o verdadeiro real significado delas, Dmítri estava se despedindo.

- Dmítri ... Por favor... – o apelo soou quase infantil em seus lábios, e ela não conseguiu termina-lo porque não sabia o que lhe pedir, não sabia como fazer com que ele ficasse a seu lado depois de tudo que haviam passado. Os dedos de Sophie tentaram alcança-los, segurar em sua mão e fazer com ele lhe ouvisse embora ela ainda não soubesse o que dizer, mas naquele instante a única coisa que não podia suportar era o fato dele se afastar de sua vida. O espaço entre eles se tornou maior a cada passo que Dmítri dava se afastando, os poucos metros que os separavam de repente pareciam quilômetros e por fim uma distância intransponível. Ele saiu de seu quarto, sem olhar nenhuma vez em sua direção, Sophie observou a figura dele se afastar enquanto as lágrimas preenchiam completamente seus olhos, deslizando de maneira profusa por sua face. A porta atrás dele se fechou com um pequeno ruído, o silêncio preencheu seus ouvidos de tal forma que por um momento ela pode ouvir com clareza as batidas doloridas de seu coração dentro de seu peito. Sem que ela pudesse fazer nada, e por causa de todos os equívocos que cometera até aquele momento Dmítri havia ido embora. O remorso tinha um gosto ácido em sua língua, enquanto ela percebia com o peito repleto de arrependimentos que até mesmo em seu último encontro com ele, havia sido o ódio o tema da conversa de ambos ao invés do amor.

CAPÍTULO 24 Embora tenha passado uma temporada considerável se recuperando no hospital, Sophie não conseguia se lembrar muito bem daqueles dias. As memórias após a partida de Dmítri, eram lembranças difusas e borradas em sua mente. Ela se lembrava de como o médico havia a encontrado chorando profusamente, e de como aquilo havia o assustado achando que ela estava sentindo algum tipo de dor terrível por causa do seu ferimento. Ele tinha administrado nela um sedativo, e ela cairá num sono agitado repleto de imagens desfocadas. Sonhos haviam se misturados com pesadelos, durante toda a noite e quando ela acordou na manhã seguinte sentindo um gosto metálico em sua boca, e o rosto molhado percebeu que o caminho que se estendia diante dela seria difícil. Ela permaneceu no hospital por uma semana, os dias eram tediosos e longos demais para seu gosto, mas ela era bem tratada pela equipe que tentava mantê-la ocupada, embora tudo o que ela pudesse fazer era assistir televisão, e comer as três refeições diárias servidas. O médico que estava responsável por seu caso, um senhor simpático que usava um par de óculos muito grandes para seu rosto, havia a incentivado a dar pequenos passeios monitorados no jardim da instituição assim que percebera que ela já estava melhor. Ele dissera que a luz do sol ajudaria em sua recuperação, e ela não se sentiria tão entediada. Sophie havia tentado seguir seu conselho, numa sexta-feira quando a programação televisiva da manhã havia ficado completamente insuportável, ela se levantou avisou a enfermaria em sua mesa, no final do corredor do seu andar, pegou o elevador e foi até o térreo, onde ficava um jardim mais privativo daquele lugar. O sol acariciou seu cabelo, e quando seus pulmões se encheram pela primeira vez do ar fresco ali fora, ela sentiu como se finalmente tivesse emergindo das profundezas de um longo pesadelo.

As lágrimas pinicaram debaixo de suas pálpebras, mas aquilo havia se transformado em algo normal aqueles dias, ela sempre era invadida por ondas de sentimentos que deixavam seus olhos marejados e seu coração em frangalho. Ela havia feito um acordo com si mesma, lembrando que ela precisava sobreviver aquilo, ser forte e continuar em frente, embora naquele momento ela não soubesse como realizar nenhuma daquelas coisas. Por isso disse a si mesma, que precisava ir com calma, e se recuperar, e depois pensaria no resto de todas as coisas. Ela ainda não era capaz de enfrentar de frente as lembranças da separação de Dmítri, a despedida entre eles estava fresca demais, por isso ela havia enterrado aquelas memorias na parte mais profunda de sua mente. Durante o dia ela conseguia suportar as horas muito bem, havia feito amizade com alguns dos pacientes que estavam em quartos que ficavam no mesmo corredor que ela, e passava seu tempo conversando ou assistindo televisão com eles. A maioria das enfermeiras também eram gentis e um fonte de distração, era apenas durante a noite quando ela estava completamente sozinha em seu quarto, que via-se presa na armadilha que seu coração havia preparado para ela enquanto chorava lembrando-se de tudo o que havia lhe acontecido. Nas noites em que tinha um pouco de sorte ela costumava sonhar com Dmítri. As imagens dos momentos que havia dividido com ele enchiam seu subconsciente, inundando sua mente com as lembranças dos momentos bons que eles haviam compartilhado. Nas noites em que ela não tinha tanta sorte assim, ela era assaltada com pesadelos sobre o Tsar, neles ela era obrigada a assistir a si mesma assassinando o pai de Dmítri, inúmeras vezes, embora ele sempre voltasse e tentasse se vingar nela e no filho das piores maneiras possíveis, que sua mente era capaz de imaginar. Sophia dizia a si mesma que aprenderia a lidar com aqueles sonhos, com o tempo, tinha consciência que havia passado por acontecimentos traumáticos, mas como não era capaz de conversar sobre eles com ninguém, aquele era o jeito que sua mente encontrara de lidar com a situação no momento. De um modo geral ela sabia que estava se recuperando bem. No hospital as

pessoas não lhe faziam muitas perguntas, o médico que a tratava havia sido bastante profissional, mas em nenhum momento havia lhe perguntado como ela havia sido ferida por um tiro de arma de fogo. Ela sabia que aquilo com certeza tinha algo a ver com Dmítri e com a máfia, mas não tinha certeza de como ele tinha conseguido aquilo. Seu coração havia se enchido de apreensão nos primeiros dias, enquanto ela esperava que a polícia batesse na porta de seu quarto a qualquer momento, perguntando a respeito de seu envolvimento no tiroteio que acontecera no galpão abandonado e seu ferimento, mas isso nunca aconteceu. Com o passar dos dias as dores que pareciam estarem sempre presentes por todo seu corpo foram desaparecendo, os hematomas em seu rosto e seu nariz, também haviam perdido a sensibilidade, enquanto suas cores de um púrpura intenso, perdiam a tonalidade até que a pele ao redor de seu rosto e pescoço voltasse a assumir a coloração saudável de sempre. Seu tornozelo também, havia se recuperado da torsão que ela sofrera, e agora não doía mais tanto toda vez que seu pé tocava o chão. Os arranhões em suas mãos haviam sido os primeiros a cicatrizarem por completo desaparecendo de sua palma, embora Sophie tivesse certeza de que nunca poderia totalmente esquecer dos acontecimentos daquela noite embora suas cicatrizes estivessem se curando. Quando se sentia nervosa ou ansiosa por algum motivo, ela havia adquirido o estranho costume de deixar que as pontas de seus dedos corressem livremente pela pequena superfície acidentada da cicatriz que ficara no lugar onde Dmítri havia lhe acertado. Seu médico havia lhe dito mais de uma vez que com um ferimento daquela proporção era muito difícil não deixar nenhum tipo de marca para trás, ele havia lhe indicado um cirurgião plástico dizendo que aquilo poderia ser facilmente consertado, mas Sophie apenas havia o agradecido gentilmente, embora naquele momento aquilo fosse definitivamente a última das preocupações em sua cabeça. Era um dia quente e mormacento quando ela finalmente recebeu alta para deixar o hospital. Uma das enfermeiras lhe emprestou um vestido que ficou muito comprido, mas serviria o suficiente até ela chegar em casa, suas roupas haviam sido completamente destruídas quando ela chegara no hospital. Ela se despediu de todos, de maneira afetuosa, garantindo a todos ali que iria prestar mais atenção a sua saúde. Sophie tentou descobrir na recepção da instituição

qual era sua o valor de sua dívida por ter sido tratada ali, mas eles lhe informaram que todas suas despesas já haviam sido pagas. Sophie acenou com um aceno afirmativo de cabeça, deixando que o incômodo se assentasse lentamente em seu estômago, ela tinha certeza que aquilo era mais uma das medidas feitas por Dmítri. Em silêncio ela se perguntou se ele estaria sabendo que ela havia sido dispensada do hospital, se ele de alguma forma ainda se importava. Tentou afastar aqueles pensamentos de sua cabeça, sabendo que nada de positivo sairia dali ela ainda tinha um longo caminho pela frente, e por enquanto a única forma que havia encontrado de lidar com aquela separação era não deixar sua mente ficar presa naquele fato. Quando Sophie sentiu os raios de sol de um dia de primavera tocarem seu rosto, em frente ao hospital, embora tudo em sua vida naquele momento fosse uma bagunça completa assim como seu coração, ela soube que apesar de tudo sempre poderia voltar para casa. E foi exatamente isso o que ela fez. Voltar para a casa de sua tia deixou Sophie mergulhada numa nostalgia deliciosa e ao mesmo tempo dolorida. Na Flórida a primavera se desenrolava exatamente como em suas lembranças, o céu de um azul intenso o calor mormacento que só era quebrado quando os ventos trazidos do mar, conseguiam subir a costa. A casa de sua infância continuava do mesmo jeito, embora talvez agora ela achasse que os cômodos lhe parecessem um pouco menores, em suas memórias, aquele lugar parecia sempre ser tão vasto, o quintal verde no fundo de casa havia mais de uma vez se transformado numa floresta agora tinha perdido toda a magia e seu tamanho desproporcional, mas talvez isso fosse apenas sua confusão com as lembranças de sua brincadeira de infância naquela época. Os tios adoraram sua visita surpresa, embora ela pudesse ter reconhecido um olhar de preocupação no rosto de sua tia assim que ela desembarcou no aeroporto. Mas, Sophie apenas sorriu abertamente, deixando que as lágrimas de saudades enchessem seus olhos, ela tinha sentido falta de cada um deles, mas somente ali quando os braços de sua família estavam ao seu redor, ele percebeu a dimensão daquele sentimento.

Os dias que se seguiram foram alegres, repleto de bagunça, gritos e risadas. Seu primo havia se transformado num adolescente impertinente, que estava sempre disposto a lhe perturbar quando não estava trancado dentro do quarto jogando algum vídeo-game, Sophie sabia que aquilo era apenas uma fase e costumava implicar com ele, dizendo que a família jamais o descartaria mesmo ele estando tão insuportável. Ela conheceu sua prima mais nova, e foi inundada por um sentimento de amor à primeira vista. A pequena garotinha estava completando um ano e meio de idade, e parecia a coisa mais deliciosa de toda a face da terra. Mergulhada naquela familiaridade, nos sons e cheiros daquela casa, rodeada pelos rostos e vozes de sua família, Sophie sentiu pela primeira vez que estava realmente conseguindo melhorar, e se preparando para deixar os acontecimentos que haviam destruído em seu coração. Ali debaixo de um sol dourado, a beira mar as lembranças de uma cidade mergulhada em frio com seus prédios que pareciam constantemente desafiarem a gravidade, parecia quase um sonho distante. Ela não dividira em nenhum momento com sua família aquilo que havia vivido em Nova York, toda vez que algum de seus tios lhe perguntavam sobre a cidade ou como sua vida estava, ela dava resposta meio vagas e distantes embora tentasse manter a verdade até onde podia, para que eles não começassem a desconfiar tanto assim. Ela não lhes contou sobre Fabrizio, a máfia russa, sua busca por vingança ou sua habilidade recém adquirida de usar uma arma de fogo, todas essas coisas ela enterrou fundo dentro de sua mente, num lugar onde nenhuma delas pudesse tocar a família que ela tanto amava. Sophie sentia à medida que a primavera ia se despedindo e o calor da chegada do verão se aproximava que logo ela teria que tomar uma decisão. Os pesadelos agora haviam diminuído quase que por completo, ela não sentia mais nenhuma dor, e tudo o que sobrara de seu ferimento era uma cicatriz pálida em seu flanco, que estava constantemente encoberta por suas roupas mesmo quando ela estava morrendo de vontade de colocar um biquíni e tomar um banho de mar. Até agora ela havia conseguido escapar das perguntas de sua tia sobre o motivo pelo qual ela ainda não havia ido para praia, mas sabia que logo ela teria esgotado todas as desculpas do mundo.

Embora amasse sua família com todas as suas forças, ela podia perceber que eles haviam tomado um formato diferente desde que ela havia ido embora. Sua presença ali era apreciada, e nunca seria um estorvo, mas Sophie tinha plena consciência que sua presença ali também era um pequeno desequilíbrio para sua família. As férias de verão estavam prestes a começar, seu quarto em sua ausência havia se transformado num lindo quarto de bebê, ela estava dormindo no quarto do primo, que por enquanto parecia feliz em usar o sofá da sala porquê dessa forma ele podia continuar com seus jogos por toda a madrugada embora na manhã seguinte sempre acabasse levando uma reprimenda de sua mãe, mas Sophie sabia que aquilo não poderia continuar por muito mais tempo. Ela precisava retomar sua vida, embora naquele momento, ela nem ao menos soubesse por onde começar. Seus tios haviam lhe dado todo o apoio possível, e embora ela soubesse que onde quer que estivesse morreria de saudades dele, havia começado a perceber que a decisão de ter saído de casa havia sido algo acertado. No início ela havia ficado com receio de voltar a Nova York, a cidade que antes havia sido um grande sonho havia se transformado em algo complexo repleto de lembranças agridoces. Havia sido ali onde era conhecera Fabrizio, o mesmo lugar onde ela havia sido sequestrada e matado um homem, mas acima de tudo havia sido naquela cidade onde ela vivera com Dmítri. Sophie não podia negar o fato de que ele estava sempre em seus pensamentos, sob a superfície, lembrar-se dele era como tocar uma ferida ainda dolorida demais para ser esquecida, como se ela tivesse um espinho cravado em seu coração. Desejava encontra-lo, mas enquanto os dias se acumulavam um atrás do outro e o verão alcançava seu ápice havia uma certeza que ficada cada vez mais sólida e clara diante dela, embora seu coração ansiasse por Dmítri e pertencesse a ele, sabia que ele só iria reencontra-la se de alguma forma esse sentimento fosse correspondido. E naquele momento tudo o que Sophie possuía em suas mãos era uma incerteza quase paralisante, e a esperança em um reencontro que ela sabia muito bem poderia nunca acontecer.

EPÍLOGO Sophie apertou de maneira muito firme o cachecol vermelho ao redor de seu pescoço, antes de deixar a loja onde seu turno como vendedora havia acabado de terminar. Lançou as mãos para cima, acenando para uma de suas colegas de serviço que retribui o aceno com um sorriso cansado no rosto. As festas de fim de ano haviam terminado, e as lojas se encontravam repletas de pessoas tentando trocar os presentes recebidos que não haviam gostado, ou simplesmente comprando algo novo enquanto ainda estavam em clima de celebração. O fluxo de pessoas havia aumentado aqueles dias no shopping, deixando todo mundo em Nova York ligeiramente irritado, mas agora Sophia já havia se acostumado com aquilo, sabendo que todo aquele mal humor iria melhorar consideravelmente quando o inverno enfim terminasse levando a neve embora e sol voltasse a brilhar sobre a cidade. Quando alcançou a rua o vento gélido a engolfou por completo, acertando seu rosto como um impacto físico, o cabelo voou em seu rosto, e ela imediatamente se arrependeu de ter esquecido de prendê-lo, ele havia crescido completamente selvagem nos últimos meses, e a garota começava a pensar seriamente em corta-lo de novo. Abaixando a cabeça, e mirando de maneira firme, as pontas dos seus pés, Sophie refez o caminho que percorria quase todos os dias indo em direção a estação do metro. As ruas a seu redor estavam agitadas, embora a noite estivesse muito fria, o tempo invernal definitivamente não era algo que parecia assustar as pessoas daquela cidade. Tremendo de maneira involuntária a garota tentou se aconchegar ainda mais seu corpo debaixo do imenso casaco térmico, a caminhada até a estação não era muito maior do que um quarteirão de distância, mas sob aquele vento gélido, até mesmo cinco passos pareciam se

transformar em quilômetros. Sophie aumentou o passo e sentiu o rosto se abrir num sorriso discreto embaixo do tecido macio de lã de seu cachecol quando alcançou a plataforma do metro. O lugar estava praticamente vazio àquela hora da noite, algumas pessoas esperavam próximas ao trilho enquanto os vagões chegavam de maneira ruidosa, movimentando o ar quando se deslocavam rapidamente. Um pouco entediada, Sophie deixou que seus dedos alcançassem o celular que estava seu bolso, tentando ocupar aqueles poucos minutos enquanto esperava seu metro. Deslizou o dedo sob a tela de vidro, enquanto a desbloqueava e descobriu que havia uma nova mensagem da tia que ela havia esquecido de visualizar. Recentemente ela havia descoberto as redes sociais, e tinha se tornado muito mais presente da vida online de toda família, para desespero do filho adolescente. Sophie digitou rapidamente uma resposta, os dedos voando com agilidade sobre o teclado eletrônico, o barulho do vagão rangendo sobre os trilhos a distraiu ligeiramente, mas ela conseguiu enviar a mensagem antes de guardar o telefone novamente em seu bolso e embarcar. Entretida em seus pensamentos, a garota sentou-se num dos bancos vazios imaginando o que faria de jantar quando chegasse em casa, estava com fome mas tinha se esquecido de ir ao mercado no dia anterior, o que significava que talvez sua despensa estivesse bastante defasada e ela precisasse parar num supermercado antes de voltar para casa. O trem parou numa estação e um homem de terno escuro, entrou com passos apressados, caminhando em direção à frente do vagão. Como num reflexo Sophie sentiu o coração disparar em seu peito. Desde que ela voltara para Nova York, nunca havia conseguido superar totalmente o instinto que tinha de virar o rosto, procurando alguém toda vez que avistava um homem usando terno. Um suspiro pesaroso escapou de seus lábios enquanto ela erguia a mão esquerda pousando-a sobre seu coração, mesmo sob o pesado casaco ela podia sentir a agitação ali debaixo. Tentou se acalmar enquanto prestava atenção ao balanço ritmado do vagão se movendo sobre os trilhos do trem.

Embora quase um ano já tivesse se passado desde os acontecimentos na última primavera, Sophie ainda não havia conseguido superar todos eles. Era verdade que ela havia feito um razoável progresso, mas em alguns momentos como aquele, quando encontrava um homem usando um terno escuro, ou ouvia um barulho parecido com um alto estampido, não conseguia controlar as reações em seu corpo, as mãos tremulas e frias, os lábios secos e o coração que batia de maneira ensandecida dentro de seu peito. Ela regressara para Nova York, alugara um novo apartamento, conseguira um novo emprego, a vida era simples e cotidiana em sua superfície, mas debaixo de tudo aquilo, escondida na parte mais profunda de sua mente Sophie sentiase como se as coisas ainda não tivessem totalmente finalizadas, como se ela ainda estivesse esperando por algo, embora não soubesse o que. Quando saiu da estação perto de sua casa, o vento havia aumentado e alguns flocos de neves tardios deslizavam sobre um céu noturno repleto de estrelas. Sophie desistiu de ir ao mercado que ficava em seu bairro, sabendo que logo ele estaria fechado, como não tinha ideia do que comprar era mais provável que passasse um bom tempo entretida entre as diversas opções de produtos na prateleira até ser obrigada a comprar qualquer coisa e sair o mais rápido ali, porque o lugar estava fechando. Decidiu que pediria algo quando chegasse dizendo a si mesma que era um fim de semana e ela podia ao menos uma vez se dar ao luxo daquela indulgencia. O hall do pequeno prédio onde ela havia alugado um apartamento estava vazio, uma das luzes estava apaga sobre a porta e ela lembrou-se a si mesma pela decima vez somente aquela semana de reclamar com a sindica do lugar para conserta-la, a maioria das pessoas não ligava para uma lâmpada apaga, mas como Sophie trabalhava no horário noturno no shopping aquilo era algo que definitivamente era importante pra ela. Mesmo morando no segundo andar, a garota usou o elevador para chegar até seu apartamento, os lances de escadas ali eram poucos, mas além do fato de que ela vinha mentindo pra si mesma durante o último mês dizendo que se tornaria uma pessoa menos sedentária, seu plano de subir os poucos lances de degraus até seu apartamento não haviam passado de boas intenções nunca realizadas.

O elevador abriu as portas diante de um corredor silencioso com seu costumeiro rangido que indicava o quanto ele estava precisando de um pouco de óleo. Sophie sabia que aquele prédio não estava nas melhores condições, mas o aluguel era razoável ficava perto do seu novo trabalho e a vizinhança era bastante pacifica, a taxa de crime ali era uma das menores na cidade, algo que Sophia havia passado a dar bastante importância devido a seu histórico. A garota parou diante da porta levemente descascada de seu apartamento procurando na bolsa pendurado de qualquer forma contra seu corpo as chaves de sua casa, quando os dedos passaram mais de uma vez sobre sua carteira e o creme de mãos além de todas as tranqueiras a milhares de anos esquecidas ali dentro Sophie sentiu um pequeno aperto no peito ao perceber que mais uma vez havia esquecido suas chaves em seu trabalho. - Droga... A voz dela soou de maneira bastante frustrada no corredor vazio, irritada consigo mesmo a garota deixou que seus olhos caíssem por todo o ambiente como se ela pudesse num revés do destino encontrar suas chaves milagrosamente caídas a seus pés. Cansada e sem acreditar em sua desatenção monumental Sophie refez seus passos até estar novamente diante do elevador voltando para o térreo do seu apartamento. Como passava a maior parte do dia dormindo, e trabalhando durante a noite ela ainda não havia conseguido fazer nenhum tipo de contato mais amistosos com seus vizinhos, dessa forma ainda não podia confiar em nenhum deles para pedir ajuda naquele momento. Acordar a velha e ranzinza sindica do prédio que tecnicamente deveria ter uma cópia da chave também estava fora de cogitação. O único jeito que havia lhe sobrado era voltar lá fora enfrentar o frio, dar a volta até os fundos do edifício, subir pela escada de incêndio e abrir a janela de seu quarto, que ela tinha certeza que havia deixado apenas encostada. Sophie tentou conter sua irritação assim que o vento gélido chicoteou sua face novamente quando ela saiu a céu aberto. Ela gostava de pensar em si mesma como uma pessoa bastante esforçada, mas precisava reconhecer que organização não era um dos seus fortes. Prometendo a si mesma que aquela

era a última vez que ela subia as malditas escadas porque havia se trancado novamente pro lado de fora, a garota prometeu fazer um par extra de chaves para sempre deixá-los em sua bolsa. Maldição ela faria mais de um par, teria pares extras, tantos que nem ao menos precisaria se preocupar quando perdesse um porque sempre teria outro disponível. Sua respiração se condensou como uma nuvem felpuda e branca diante dela quando Sophie alcançou a parte de trás de seu prédio. O edifício de dez andares era um dos menores naquela região, a maioria das janelas dos andares estava ligada, a luz dourada refletindo no vidro iluminando os pequenos flocos de neve que ainda pairavam no ar. No primeiro andar onde ficava o apartamento da sindica o lugar estava completamente às escuras, pelo horário a garota não duvidava nem um pouco que ela já estivesse dormindo, o que era algo extremamente positivo já que ela tinha certeza que sua sindica não iria gostar nem um pouco de saber o que ela estava fazendo usando a escada de emergências sem realmente uma necessidade. Os dedos dela tocaram a barra de metal suspensa que ela precisaria puxar para alcançar a primeira plataforma de metal, Sophie sentiu o frio se irradiar por todo seu corpo, mas ela simplesmente continuou ali parada, como se tivesse esperando por algo acontecer. O vento rugiu de maneira mais intensa, uma mecha de seu cabelo balançou diante de seus olhos, confundindo sua visão, por um momento ela podia ter jurado ter enxergado olhos azuis no vidro diante dela. Com o coração batendo de maneira muito ruidosa dentro de seu peito, Sophie se virou olhando por sobre seu ombro, como se algo tivesse movendo seu corpo além de sua vontade. Sua respiração entrecortada ficou suspensa no ar, as nuvens se condensando cada vez mais rápida enquanto seus olhos tentavam compreender a imagem diante dela. Ele se aproximou com passos lentos como se não quisesse assustá-la, uma silhueta emergindo da escuridão. Toda sua mente racional dizia que ela deveria correr, se proteger, mas dentro de seu peito seu coração batia audivelmente em reconhecimento.

Dmítri parou diante dela, muito mais belo do que em sua memória, o rosto pálido parecia mais anguloso, os lábios de um tom profundo de vermelho devido ao frio se destacavam em contraste com a pele muito pálida como a neve que caia de maneia silenciosa ao redor de ambos. Sophie não se moveu, permanecendo muito estática com medo de que tudo aquilo não passasse de um sonho e ela pudesse despertar com o menor toque. Ele parou diante dela, cruzando a distância que os separava até que tudo o que ela podia enxergar era sua figura. Ele usava um comprido e sofisticado sobretudo aberto. Um cachecol cinza azulado como seus olhos estava pendurado em seu pescoço de maneira displicente. Sophie forçou seus lábios a se mexerem, mas não conseguiu produzir nenhum ruído, nenhuma palavra, embora sua mente tivesse fervilhando repleta de perguntas e emoções que ela ainda não era capaz de compreender totalmente. As mãos dele deixaram o bolso de seu sobretudo e pousaram como uma carícia intima sobre sua face, tão delicada e deliciosa enquanto a única coisa que ela podia sentir era o calor do corpo dele sendo transferido para o seu. Ele aproximou seu rosto dela, dolorosamente lento enquanto olhava o tempo todo em seu rosto, como se tivesse procurando ali uma negativa, como se estivesse lhe dizendo todo o tempo que ela poderia se afastar. Mas não era isso o que ela queria, então quando os lábios dele tocaram os dela, num beijo casto e repleto de sentimentos inomináveis Sophie sentiu que aquele sentimento quente e maravilhoso que havia florescido em seu peito se chamava alegria. Dmítri afastou-se lentamente dela, as mãos ainda sobre seu rosto, ele estava tão próximo que a respiração de ambos havia se misturado diante deles. Por um momento Sophie apenas permaneceu ali completamente engolfada pelo momento, enquanto ela observava de tão perto aqueles olhos de tempestade que sentira tanta falta. - Eu não consegui me esquecer de você durante um único dia que fosse –

disse Dmítri, sua voz tão suave e muito mais bela do que ela poderia se recordar – Durante todo esse tempo a única coisa que desejei foi estar a seu lado, e não conseguir isso me matou pouco a pouco até que eu fui completamente vencido. Eu deveria odiá-la, mas o que sinto por você é exatamente o oposto. O coração dela explodiu em seu peito, o fôlego preso em sua garganta, ela se moveu se jogando nos braços dele, apertando-o seu corpo tão apertado como se tivesse com medo de que ele não passasse de uma imagem conjurada por seu cérebro saudoso. Rodeada pelos braços de Dmítri, ela sentiu lágrimas de alívio descerem por seu rosto. Porque tudo o que havia em seu coração naquele momento por ele era exatamente o extremo oposto ao ódio, e tudo o que ela desejava era a ter a oportunidade de viver aquele amor a seu lado.

Fim.
Amor e Vingança

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