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'[mó
Introdução PARTE
:
I
1,
Classificação dos instrumentos 1.Quanto ao meio deprodução do som (ou quanto à cor) 2. Quanto àfuncionalidade
- 21
Capítulo 1 -
Capítulo 2 - Normas de escrita
'0
;
:
23 23 24 27
1. Sinais de dinâmica 2. Sinais de expressão
27 29 2.1 Articulação e fraseado ""."""."""."."""""""""".".""."".""""." .."""""".29 2.2 Tempo , 30 2.3 Caráter e estilo 31 2.4 Termos de apoio 31 3. Sinais deforma """",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 32 4.Algumas normas para a escrita da grade "'"'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 32 4.1 Proporção """""",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 32 4.2 Alinhamento : 33 4.3 Ordem dos instrumentos """'"''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''"""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 34
Capítulo 3 -A
base rítmica ."".".""".""""""""""."""."""""""""."""."""""."""""."""
39 1. Bateria 39 1.1 Escrita 40 1.2 Exercícios ""'"''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 47 2. Percussão (Ia parte) 47 2.1 Observações gerais 49 2.2 Exercícios 50 3. Baixo "",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 50 3.1 Diferenças entre o baixo elétrico e o contrabaixo acústico 51 3.2 Efeitos e recursos "'"''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 52 3.3 Funções do baixo 57 3.4 Algumas orientações na criação de uma linha de baixo 58 3.5 Integração baixolbateria 60 3.6 Algumas levadas básicas "'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 60 3.7 Exercícios """,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 62 4. Violãoe guitarra ""'"'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 62 4.1 Diferenças entre violão e guitarra , 63 4.2 Escrita 64 4.3 Recursos e efeitos """,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,"."""".""".".".""."."""""""""."" ..".""""..""""."."""""" 68
4.4 Observações gerais 4.5 Outros instrumentos da família do violão 4.6 Exercícios
71 72 74 74 75 76 79 92 95 97
5. Piano 5.1 Principais características das regiões do piano 5.2 Funções das mãos direita e esquerda 5.3 Escrita 5.4 Redução para piano 5.5 literatura sugerida para análises 5.6 Exercícios Capítulo 4 - Forma eplanejamento
101
1.Principais conceitos
:
1.1 Forma 1.2 Economia 1.3 Variedade
2. Planejamento com ajuda de gráfico 3. Exercício Capítulo 5 -Madeiras
1.Flauta
"""""'''''
(Jª parte)
"
:
,
1.1 Observações gerais 1.2 Efeitos e recursos 1.3 Outros instrumentos da família da flauta 1.4 Exercícios
2. Clarineta 2.1 Observações gerais 2.2 Outros instrumentos da família 2.3 Exercícios
:
:
3. Saxofone 3.1 Principais instrumentos da família do saxofone 3.2 Efeitos e recursos 3.3 Escrita 3.4 Outros instrumentos da família 3.5 Exercícios . Capítulo 6 - Soli (J1i.parte)
1. Soli a duas partes 1.1 Tipos de movimentos relativos entre duas vozes 1.2 Classificação dos intervalos 1.3 Análise melódica . 1.4 Considerações gerais sobre o soli a2 1.5 Construção de um exemplo prático 1.6 Exercícios .
~
..
101 101 102 103 104 106 109 111 112 114 117 12 O 120 121 123 125 125 125 128 128 130 130 133 133 134 134 137 140 142 146
2. Soli a trêspartes 2.1 Aspecto harmôníco 2.2 Aspecto melódico 2.3 Técnicas de rearmonização de intlexões 2.4 Considerações gerais sobre o soli a3 2.5. Construção de um exemplo prático : 2.6 Exercícios
3. 'Soli a quatro partes
_ _._ _ _._ _._ _ _ _. . .._
:
3.1 Tipos de espaçamento 3.2 limites para intervalos graves 3.3 Técnicas de reannonização de inflexões 3.4 Substituição de notas do acorde por tensões harmônicas 3.5 Construção de exemplo prático 3.6 Exercícios
4. Soli a cinco vozes 4.1 Considerações gerais sobre o soli aS 4.2 Outras possibilidades de escrita para cinco ou mais sopros 4.3 Exercícios Capítulo 7 -Metais
(ia parte)
,
2.1 Observações 2.2 Recursos e efeitos 2.3 Outros instrumentos da família 2.4 Exercícios
179 180 180 182 184 185 185 186 189 190 191
11
195
1. Trompete 1.1 Observações 1.2 Recursos e efeitos 1.3 Outros instrumentos da família do trompete 1.4 Exercício
2. Trombone
PARTE
.._.._
i4 7 __.._ .. 147 ._ 150 150 _ _ 154 156 159 159 160 163 163 166 168 171 171 172 173 • 175
Capítulo 8 - Escrita vocal
197
1. Tipos de canto 2. Possibilidades de escrita 2.1 Primeira situação: uma voz com acompanhamento instrumental 2.2 Segunda situação: coral a quatro partes 2.3 Terceira situação: solista com background vocal
3. Literatura vocal recomendada 4. Exercícios
198 200 200 205 209 211 212
Capítulo 9 - Soli (2ª parte)
215
1. Voicings especiais
215 215
1.1 Voicings em quartas
13
1.2 Voicings em clusters 1.3 Voicings em estruturas superiores 2. Escrita para big band 2.1 Instrumentação 2.2 Exemplos 2.3 Exercício Capítulo 10 -
:
Madeiras (2ª parte)
237 237 238 239 240 241 242 243
1. Oboé
1.1 Observações 1.2 Outros instrumentos dafann1ia do oboé 2. Fagote 2.1 Observações 2.2 Outro instrumento da família do fagote 2.3 Exercício Capítulo 11 -A
,
melodia
247
1. Melodia 1.1 Relação entre melodia e harmonia 1.2 Estrutura 1.3 Contorno/ponto culminante 1.4 Motivo
2. Transformações melódicas 2.1 Transposição 2.2 Aumentação 2.3 Diminuição 2.4 Inversão 2.5 Retrogradação 2.6 Combinações
3. Variação
:
• 3.1 Variação intervalar 3.2 Variação rítmica 3.3 Ornamentação : 3.4 Interpolação de notas dos acordes 3.5 Combinação de motivos 4. Algumas aplicações em arranjos
5. Tema e variações 6.Literatura sugerida para análises 7. Exercícios Capítulo 12 -Metais
(2ª parte)
1. Trompa 1.1 Observações 1.2 Recursos e efeitos
219 222 225 225 225 _.233
247 247 248 250 251 252 253 253 254 254 254 255 256 256 256 257 258 258 258 260 268 268 271 271 271 273
JI!t1'1OflJ.2ira {,.,
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1,
5
2. Tuba
2
ções 2. Recursos e efei: 2.3 Outrosinstrmnentos da família 3. Exercício ._ .._._ _ __._.._ _.._
" 6 6
2.10
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Capítulo 13 - Tipos de background 1. Background melódico 1.1 Observações 1.2 Contraste e semelhança 1.3 Linhas de notas-guia 1.4 Exercício 2. Background harmônico 2.1 Observações 2.2 Exercício 3. Background rítmico 3.1 Observações 3.2 Outros tipos 3.3 Exercício 4. Dois ou mais backgrounds simultâneos
2
281
,
281 282 284 287 288 289
:
289 291 291 292 294 296 296
Capítulo 14 - Cordas 1. Violino 1.1 Características 2. Viola .2.1 Características 3. Violoncelo 3.1 Características 4. Contrabaixo 4.1 Características 4.2 Observações gerais 4.3 Recursos e efeitos 4.4 Articulações 5. Escrita para grupos de cordas 5.1 Grupos de câmara 5.2 Orquestra de cordas 6. Literatura sugérida para análises 7. Exercícios
299 299 300 301 301 302
,
302 303 304 304 305 313 317 317 320 323 324
Capítulo 15 - Textura polifônica 1. Princípios básicos de contra ponto 1.1 Contraponto medieval 1.2 Contraponto renascentista (ou moda! ou palestriniano) 1.3 Contraponto barroco
lS
327 327 328
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3 -
(71
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'...Jilva
1.4 Contrapontos clássico/romântico
330
1.5 Contraponto atonal.................................................................... 1.6 Contraponto na música popular.......................... 2. Alguns exemplos de texturas polijônicas............................ 2.1 A 2 partes 2.2 A 3 partes 2.3 A 4 partes..................................... 2.4 A 5 ou mais partes................................... 3.Exercícios.................................................... Capítulo 16 -Harpa..
331 . 332 333 334 .. 335 .. 338 ....................................341 . 342 ..
345
1. Observações........... 2. Recursos e ejeitos............ 3. Exercício
.
Capítulo 17 - Percussão (21 parte) 1. Instrumentos de altura de som não definida 1.1 Bombo (ou gran cassa) 1.2 Tantã......................... .. 1.3 Panderola (ou pandereta).............................................. 2. Instrumentos de altura de som definida .. . 2.1 Tímpanos . 2.2 Xilofone.; 2.3 Vibrafone......................... 2.4 GlockenspieL........ 2.5 Sinos tubulares (ou carrilhão) . .. 2.6 Celesta................................................. 3. Exercício Capítulo 18 -
345 347 . 349
..
.. ..
.
351 351 351 351 352 . 353 353 354 356 357 357 ...................357 .. 358
Tratamento orquestral....................
.
1. Estrutura e evolução da orquestra sinfônica 2. Observações gerais 3.Projetofinal....
.
359 361 364
Coda......................
367
Bibliografia...
.
Apêndice l-Resumo Apêndice 2 -
dos instrumentos
369 .
Cifragem harmônica
Índice onomástico
359
.
.
371 375 .. 379
16
Wendell Nogueira d~ Silva
Introdução .,.
Um dos fatos que mais me motivaram a escrever este livro foi a ausência de publicações, em língua portuguesa, sobre o assunto. * Mesmo as estrangeiras existentes (em sua quase totalidade de origem norteamericana) trazem - em minha opinião - informações que pouco têm a ver com a realidade musical brasileira. Tais livros têm, invariavelmente, como objetivo central o ensino das técnicas necessárias ao arranjo para as chamadas big bands, as grandes orquestras de jazz. Não quero dizer com isso que tais técnicas também não possam ser aproveitadas em arranjos de nossa música - bem ao contrário: afinal, além de existirem big bands brasileiras, a escrita para grupos menores, com três ou quatro sopros (tão comuns na MPB), é baseada no mesmo método. A guestão é ue sem dúvida nenhuma sendo nossa música tão diversificada em ritmos (em quase infinitas variantes), ÍQstrumentações_~p..9ssibilidad~,-ª d~J2endência do estudo do arranjo de p'raticamente um só tiP9 de didática - ainda qut.iffiPs>rtante - torna-se al Q, n
>
(ete ...)
1.2 Exercícios 1) Fazer transcrições da bateria (somente os compassos iniciais, de modo que se caracterize a levada básica) de pelo menos quatro músicas brasileiras que tenham, de preferência, estilos diversos.
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(SAMBA)
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2.2 f.xercícios
VI
10
1) Acrescentar a cada uma das levadas básicas da bateria acompanhamentos de dois instrumentos de percussão (procure usar instrumentos apropriados a cada estilo; caso algum não esteja entre os abordados, escreva/crie sua própria notação).
r
;) ) J
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Q '---.
2) Escrever uma levada de samba-enredo para, pelo menos, 6 naipes» de instrumentos de percussão, de modo que formem uma pequena bateria de escola de samba (por exemplo, agogôs, tamborins, pandeiros, caixas, repiques e surdos). Fazer com que cada um tenha uma função bem definida tentando sempre imaginar o resultado do conjunto inteiro.
3. Baixo Inglês: bass Francês: basse Italiano: basso Alemão: Bass Abreviatura: bx O baixo é um instrumento transpositor' de oitava. Ao contrário do que acontece com as transposições de alguns sopros (como veremos mais adiante), a do baixo é usada apenas com o objetivo de facilitar sua leitura, já que evita a notação de um número exagerado de linhas suplementares ou de uma permanente indicação de "8ª acima". Assim, deve-se entender que tudo que é escrito para o baixo soa, na realidade, uma oitava mais grave.
50
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IV
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II
u II
o II
&
IV
III
II
III
7
Atualmente, é muito usado o baixo de cinco cordas e, mais raramente, o de seis. Exemplo 26 Baixo de 5 cordas (transposto)
1~2:~~n u
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V
3.1 Diferenças entre o baixo elétrico e o contrabaixo acústico Inglês: double-bass Francês: contrebasse Italiano: contrabasso Alemão: Kontrabass Abreviatura: CB.
o baixo elétrico
(ou simplesmente, baixo) surgiu na década de 50, da necessidade de se aperfeiçoar a captação do som do contrabaixo acústico, principalmente nas gravações que - comparadas com as de hoje - eram realizadas de modo incrivelmente precário. Sendo assim, todos os melhoramentos acústicos (principalmente maior intensidade e maior duração do som, possibilidades de obtenção de timbres diferentes) e anatômicos (menor espessura do braço, menor altura das cordas em relação à escalas e peso; formato e maneira de sustentar o instrumento mais cômodos) contam "a favor" do baixo. Evidentemente, o contrabaixo, que tem a mesma tessitura e afinação do elétrico, possui também, além do timbre inconfundível, suas particularidades, que não precisaram ser - digamos assim - "aperfeiçoadas" (para a sorte dos apreciadores de jazz e de bossa-nova). Aprincipal distinção entre eles, no entanto, é o fato de ser o contrabaixo um instrumento não temperado' (se desconsiderarmos o baixo fretless - "sem trastes" -, que é mais recente e não tão comum). As outras particularidades do acústico, porém, têm grande peso: a possibilidade de uso do arco (graças à curvatura de seu braço, que faz com que se possa tocar apenas uma corda, se assim se deseja. Ver Figura 1), e a técnica do capotasto - que é também utilizada pelo violoncelo, como veremos no capítulo sobre as cordas. Ela consiste em, a partir da 7ª posição (aproximadamente, onde o braço do instrumento junta-se ao corpo), usar-se o polegar como apoio - uma espécie de "pestana" de violão para que, com os outros dedos, as notas sejam tocadas. Isso permite que se alcance uma extensão bem maior que a do baixo elétrico, principalmente se forem usados harmônicos artificiais (assunto que abordaremos a seguir) e o arco.
51
Figura 1
,
;,Jrf
o o o o
a) braço do baixo
b) braço do contrabaixo
3.2 Efeitos e recursos 3.2.1 Harmônicos Este tópico serve, obviamente, não só ao baixo (e ao contrabaixo) mas também aos demais instrumentos - em especial os de corda. Antes de ir direto ao ponto, uma introdução se faz necessária: a série harmônica.
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13
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15
16
(ete)
(**) 1 (') • notas "desafinadas"em relação ao nosso sistema de temperamento (").
esta numeração representa as relações entre as freqüências dos harmõnicos e a da fundamental (1)
Como é sabido da física acústica, qualquer nota produzida - seja por vibração de corda ou de coluna de ar - é composta por um número infinito de outras notas, mais fracas e de freqüências mais altas que a sua, chamadas de harmônicos. Adisposição destes obedece a uma configuração fixa, a Série, não importando qual seja a altura do som usada como referência nem seu instrumento gerador. Desse modo, à primeira nota (OS números inteiros representam as relações entre as freqüências; por exemplo, a freqüência da segunda nota [OU primeira parcial] é o dobro da primeira [afundamental], e assim por diante) seguem-se sempre os intervalos de 8ª justa, 5ªjusta, 4ª justa, 3ª maior, 3il menor etc. EJ!1tese~ uer nota tocada or um instrumento não é a enas ela mas QSQQIyntode todo esse univ~~9.: Contudo, na prática, os harmônicos comportam-se de modo diferente, dependendo do tipo de instrumento, de sua construção, do material usado etc. Aflauta, por exemplo, tem na configuração de sua série os dois primeiros harmônicos mais destacados sonoramente; no caso do oboé, isso só acontece com os de número 4, 5 e 6 (os primeiros são muito fracos). É este o fato que mais influencia na formação do timbre, a característica mais mar cante e diferenciadora de um instrumento. Tomando, por exemplo, dÓI (freqüência de 64 Hz) como fundamental da série, obteremos os 16 primeiros harmônicos mostrados acima. Porém é importante destacar que, devido às limitações de nosso sistema de temperamento - que acaba se incompatibilizando com o, digamos assim, sistema natural - nem todos eles são "úteis" ao estudo da harmonia (e, por conseqüência, ao nosso presente assunto de arranjo), cuja teoria é totalmente baseada em intervalos temperados. As cinco primeiras parciais (dó, sol, dó, mi e sol) não apresentam, nas diferenças entre suas freqüências medidas e as acusticamente exatas, erros suficientemente grandes para serem percebidos pelo ouvido. Isso, porém, começa a acontecer a partir da nota de número 7 (sib) - que é um pouco mais baixa do que deveria - e depois nos números 11, 13 e 14 (etc., ad infinitum).
52
Talvez o fato mais interessante e importante que observamos na série harmônica seja que o interralos podem ser expressos por razões entre os números inteiros, que, como vimos, representam as freqüências dos harmônicos. Assim, temos: INTERVALO
RELAÇÃO ENfRE AS FREQO~NCIAS
8' justa 5' justa 4' justa 3' maior 3'menor
etc.
2: 1 3:2 4:3 5:4 6:5
Observações: a) É importante frisar que tal maneira de escrever os intervalos não se limita apenas aos harmônicos consecutivos, mas pode ser estendida a quaisquer outros. Por exemplo: a 6a menor (que ocorre entre os números 3 e 5, sol, - mi) é expressa pela razão 5 : 3. b) Obviamente, quanto mais próximo da fundamental um intervalo estiver, menos erro em relação à freqüência pura haverá. Desse modo, a 3ª menor, por exemplo, é mais acuradamente representada pela fração 6 : 5 do que por 7 : 6, ou mesmo por 14 : 12. Tudo isso já era do conhecimento dos gregos antigos. No século V a.C., o matemático Pitágoras descobriu, com ajuda do monocórdio (um instrumento muito simples, composto por uma corda presa nas extremidades por dois cavaletes fixos, e por um terceiro, móvel que pode deslocar-se, criando assim diferentes comprimentos para a corda), que havia uma relação entre as freqüências das notas e o comprimento do meio sonoro (no caso dos instrumentos de sopro, é o tamanho do tubo). Pitágoras observou que a freqüência da nota obtida era inversamente proporcional ao comprimento testado no monocórdio: assim, quando ele dividiu a corda pela metade, notou que esta vibrava duas vezes mais rápido do que quando solta, o que a fazia soar oitava acima de seu som fundamental. Com um terço da corda, a freqüência de vibração multiplicou-se por 3 (12a [ = 8ª + 5ª] acima), e assim por diante. Figura 2
A
':::!'
1/2
A
a) divisão em 2 partes (freqüência fundamental dobrada-s harmônico 21 8' acima da fundamental)
b) divisão em 3 partes (freqüência fundamental triplicada -7 harmônico 3/ 12' acima da fundamental)
c) divisão em 4 partes (freqüência fundamental quadruplicada-s harmônico 15' acima da fundamental)
4J
Pois é exatamente dessa maneira que se comportam os harmônicos do baixo, do violão, da harpa, do violino e mesmo do piano, entre outros. São obtidos quando, nos pontos (ou nós) vistos acima, o instrumentista toca levemente, com a mão esquerda, a corda. O som resultante é mais fraco, algo "etéreo", usado como efeito em levadas (no caso do baixo); até mesmo acordes formados por harmônicos funcionam bem - como contraste - em acompanhamentos normais de violão ou guitarra. Os harmônicos podem ser divididos em dois tipos: os naturais e os artificiais. Ambos obedecem às mesmas leis já referidas, diferindo apenas na maneira como são executados. --1:P Os naturais são os obtidos com base na corda solta. São exatamente os que Pitágoras conseguia em seu monocórdio, ao deslocar o cavalete móvel (que corresponde aos dedos da mão esquerda, em nosso
53
caso). Para o baixo (e instrumentos similares, como o violão) teremos então os seguintes harmônicos naturais: HARMÔNICO
POSIÇÃO DO NÓ
COMPRIMENTO DA CORDA
INTERVAlO RESULTANTE
1 (fundamental) 2 3.
(corda solta) Casa 12
X
(uníssono) 8' acima da fundamental 12' acima 15' (oitava da oitava) acima 15' + 3' maior acima
4 .5.
x/2 x/3 x / 4 (=metade da metade ) x/5
Casa 7 Casa 5 Casa 4 (aproximadamente)
Teoricamente, poderíamos continuar e obter todos os demais harmônicos da série, mas, a partir do número 5, começa a ficar impraticável fazê-Ia, devido à dificuldade de se encontrar o ponto exato dos nós, já que as distâncias tornam-se cada vez mais curtas. Vejamos, por exemplo, a notação dos harmônicos naturais da corda IV (fundamental mi). Existem várias, mas a considerada menos confusa é a mostrada a seguir, no Exemplo 27. Exemplo 27
t
t o estudante,
como exercício, pode encarregar-se das demais cordas.
--4:-- O que acontece nos harmônicos artificiais uma "diminuição" do comprimento da corda, fazendo com que novas séries harmônicas sejam criadas e, em conseqüência, novos harmônicos naturais. Isso é conseguido quando o instrumentista prende a corda na nota desejada com a mão esquerda, com o polegar da direita toca-a levemente no nó localizado 8ª acima (ou seja, na metade do novo comprimento) e, com um outro dedo, ataca a corda. O resultado é o nosso já velho conhecido, o harmônico de oitava (nl! 2 da série). Na verdade, este é o único tipo com aplicação prática (pelo menos para o baixo e o violão) entre os teoricamente possíveis. Como veremos mais adiante ao abordarmos a escrita do violino, também o harmônico artificial de 15l! (n 4) é de grande utilidade. Quanto à notação, a mais aconselhávelpor sua simplicidade - é a que indica somente o resultado final desejado. Como pode ser observado no Exemplo 28, trata-se exatamente da mesma maneira como se escrevem os harmônicos naturais. Cabe, assim, ao instrumentista a tarefa de escolher qual a melhor forma de executar um determinado harmônico. é
Q
Exemplo 28
r
~ o
I f):
r
f
~ o
J
Neste caso, por exemplo, apenas como harmônicos artificiais o mib e o rêb seriam possíveis.
54
Todo este assunto que abordamos, apesar de extremamente interessante e de importância vital para quase todas as áreas da música (além da harmonia, já mencionada, o contraponto a orqoestração e mesmo a história estão firmemente baseados na teoria da série harmônica), é muito extenso e complexo, impossível de ser totalmente explorado aqui. R~com~Qdo a
r:=:f""'1-
1
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I
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elou
...
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b) Mão esquerda Quando o piano trabalha sem o acompanhamento de um baixo, além das fundamentais dos acordes (ou suas inversões, caso sejam pedidas na cífragern), geralmente toca mais uma nota de importância harmônica - terça ou sétima - para facilitar a tarefa da mão direita, já sobrecarregada com a melodia. Exemplo 60
FlM9
Am7 I
~ 9-
~
9-
L I
')
o
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No piano acompanhado (ou seja, quando não há necessidade de se tocar os baixos), a mão esquerda fica apenas com as demais notas dos acordes. Exemplo 61 D7
Am7
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Gm7
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FlM9
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I
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A.
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baixo
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A
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I
,.
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Além disso, executa nas harmonizações arpejadas as figurações em ostinato (Exemplo 62a) e motivos do acompanhamento em geral (62b). Exemplo 62 (Obs.- mesma harmonia dos exemplos anteriores)
legato
Obs.: Normalmente, na partitura do piano, o pentagrama superior (o da clave de sol) pertence à mão direita, enquanto o da clave defá, à esquerda. Porém, algumas vezes, por razões próprias do arranjo, pode ser mais interessante e/ou prático alterar de alguma maneira tal disposição; assim, é possível encontrar como mostra o Exemplo 63 - passagens em que ambas as mãos atuam na mesma pauta (63a), trocas (63b) ou, devido a um registro demasiadamente grave ou agudo, o uso de duas claves iguais (63c).
Exemplo 63
m 3
3 (b)
78
5.3 Escrita a) Melódica
Melodias simples - é possível, mas dificilmente usada, tal escrita, a não ser como contraste a sagens mais densas (principalmente em arranjos para piano solo). Exemplo 64
h
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I
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Mais calmo
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Dobramentos - pode ser à 8ª (com uma ou ambas as mãos - respectivamente, Exemplos 65a e 65b), à 15" (65c) ou a mais oitavas de distância (obviamente, com as duas mãos). É possível também que cada mão dobre, por sua vez, as linhas oitava acima ou abaixo, o que cria um som muito poderoso em intensidade (Exemplo 65d), sem dúvida a força máxima que se pode ter para ênfase de um trecho melódico (nem é preciso dizer que tal recurso não deve ser usado exageradamente). Exemplo 65 (c)
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Obs.: a) O dobramento à oitava causa dificuldades na escrita e na leitura quando, devido à região em que é empregado, obriga o uso de um grande número de linhas suplementares. Para solucionar tal problema geralmente indicam-se as dobras com os termos italianos colla 8" (literalmente, com a oitava [acima]) e colla 8" bassa (com a oitava abaixo), como mostra o Exemplo 66.
Exemplo 66 (colla 8")
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Comentários • Devido ao andamento e ao caráter da peça, bem como ao tipo de arranjo - ou seja, para piano solista -, foi escolhido o espaçamento aberto para os voicings como o mais apropriado (ver p. 81). • Como também já foi dito, o número de vozes/partes não precisa (e nem mesmo deveria) ser constante. Desse modo, conseguem-se saudáveis contrastes de densidade (definição detalhada no próximo capítulo), fundamentais para uma boa escrita do instrumento. • Podemos observar o uso de imitações (discutiremos ainda bastante esta importantíssima técnica composicional no decorrer deste livro), em especial na voz mais grave. É dos recursos mais eficazes, nesse tipo de situação, para se diferenciar planos e dar coerência e unidade ao arranjo. • Também digno de nota o uso da dinâmica e, principalmente, do fraseado, bem de acordo com o clima exigido pela composição. Na segunda versão, o piano funciona como acompanhante de uma flauta que faz o tema da música (situação I.2).
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Comentários • Optou-se aqui por um acompanhamento arpejado e legato (devido ao do uso do pedal) de contorno praticamente constante, formando uma textura que envolve por completo a melodia principal da flauta. • As diferenças de dinâmica têm papel fundamental no equilíbrio entre ofoco e o segundo plano. Considerando-se a relativa fragilidade da flauta em seu registro médio (como será visto no Capítulo 5) e a grande extensão abrangida pelos arpejos do piano, ao arranjador cabe a correta escolha dos níveis de intensidade para cada instrumento, sob pena de se obter um resultado sonoro decepcionante, se não totalmente oposto ao intencionado (é óbvio que nada adiantará, se os instrumentistas não seguirem estritamente a dinâmica determinada em suas partes - algo que, infelizmente, não é tão raro assim na música popular, por culpa não só dos intérpretes, mas também dos arranjadores, que não têm o costume de escrever dinâmica e fraseado em suas grades). Como próximo exemplo, um samba bem sincopado, em andamento mais rápido. Do mesmo modo que o primeiro, inicialmente um trecho do tema e sua harmonia são apresentados (Exemplo 78), seguindo-se-Ihes duas versões de arranjo para piano diferentes.
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Comentários • Ê óbvio que, num arranjo como este, a linha do baixo precisa ser cuidadosamente elaborada, de
modo a se encaixar à parte do piano tanto rítmica quanto harmonicamente.
89
• Devido ao andamento e ao caráter sincopado da melodia (e, em conseqüência, do acompanhamento), optou-se pelo espaçamento fechado, que torna os acordes mais leves e ágeis. • Podemos também observar que, algumas vezes, as mãos juntam-se em determinadas figurações, mas em outras divergem, estabelecendo verdadeiros diálogos rítmicos. Tal alternância é de bom efeito em estilos como o de nosso exemplo. • Nos compassos 15-16, uma convenção une piano (harmonia e melodia) e baixo, um momento deforça que contrasta muito bem com o tratamento até então quase polirrítmico desses elementos. • Vale a pena atentar para o uso das pausas. Em acompanhamentos como o deste arranjo, são muito importantes, por contribuírem para uma maior transparência da textura, algo que é sempre bem-vindo. • Por se achar desobrigrada de tocar os baixos dos acordes, a mão esquerda pode passar a armar os voicings de uma maneira mais livre. Um bom exemplo, muito usado para acompanhar temas rápidos e sincopados (sejam sambas, bebops, salsas etc.), devido a seu caráter percussivo e também à sua sonoridade "picante", é aquele composto pelos intervalos de segunda e terça (maiores ou menores) adjacentes. A segunda quase sempre é formada pela fundamental e nona ou pela terça e nona do acorde (a nota seguinte seria então, respectivamente, terça ou quinta). Podemos observar tal voicing em diversos momentos de nosso arranjo (por exemplo, compassos 1,4, 7,9 etc.) , mas seu uso é mais uma questão de gosto do que propriamente uma norma estética. Outros tipos e/ou variações existem e devem ser experimentados pelo estudante de arranjo. Segunda versão: situação 11.2 (guitarra-solo, piano e baixo) Exemplo 80
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em geral a redução funciona como um esboço do trabalho final, que será utilizado apenas pelo é claro que todas as anotações podem ser feitas da maneira que melhor lhe convier; contudo, as dos instrumentos e certos sinais (por exemplo, + ou - [acrescentar ou retirar algum instrumento 1) praticidade e concisão, universalmente aceitos e empregados, como pode ser visto no exemplo anterior.
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5.5 Literatura sugeri da para análises Como foi dito anteriormente, a análise é complemento indispensável para aquele que deseja escreeer realmente bem para piano, sejam arranjos ou mesmo composições. O estudante deve tentar ao po adquirir as partituras sugeridas (ou, ao menos, trechos delas), e então estudá-Ias a fundo, em busca do maior número possível de informações; por exemplo, as diferentes texturas, os acompanhamento o contrastes de densidades harmônicas, os efeitos tímbricos, ocasionais empregos inusitados das regiões do instrumento etc. As comparações entre as peças dos vários compositores (ou entre as diferentes fases de um mesmo) também são de valor inestimável. Quando feitas da forma mais proveitosa, essas análises fornecem vasto material, que pode tranqüilamente ser adaptado às necessidades do arranjador e aplicado aos próprios trabalhos. Com a relação abaixo, pretendo apresentar um painel bem variado, ainda que - por incrível que pareça! - resumido da literatura universal para o piano (sem dúvida, o instrumento para o qual até hoje mais se escreveu). O maior número de exemplos pertence à música erudita, não só pelo enorme volume de composições existentes, mas também pela - infelizmente - escassez de boas partituras de piano na música popular editadas (certamente devido ao fato de os grandes pianistas serem também exímios improvisadores - em conseqüência, apenas por meio de transcrições [nem sempre boas] de discos podemos ter acesso às composições/interpretações de alguns virtuosi). Porém, tal fato não deve ser encarado como um problema intransponível, pois é sabido que os grandes pianistas (e compositores/ arranjadores) populares sofreram fortíssima influência de vários dos mestres da história da música. Podemos citar por exemplo, Debussy, fonte de inspiração para os maiores nomes do jazz (como Bill Evans), e mesmo da bossa-nova (as harmonizações de várias músicas de Tomjobirn mostram claramente tal influência - entre várias outras, como a de Chopin ou a de Villa-Lobos), ou, apenas para ficar entre os compositores mais modernos, Bartók, a quem a música de Chick Corea deve muito. Se continuarmos a pesquisar, descobriremos certamente que, por sua vez, Bartók e Debussy estudaram muito as obras de, entre outros, Beethoven, que se interessava muito pela música de Bach, que pesquisou a fundo as peças de Buxtehude, e assim por diante (é óbvio que esses são apenas alguns dos fios da extensa e complexa rede de influências que liga tais compositores). Esse formidável rio [por coincidência (?), o nome Bach, em alemão, significa riacho, ribeirão] de conhecimentos, correndo sempre e sempre, saciando a sede de saber de todos aqueles que se aproximam de suas margens, não pode jamais ser desperdiçado. a) Piano erudito BACH - Apesar de nada ter composto para o piano (que ainda não era totalmente aceito quando de sua morte), Bach escreveu bastante para os instrumentos de tecla existentes em sua época, principalmente o órgão, o clavicórdio e o cravo. Embora desprezadas por puristas, interpretações ao piano (destacandose as gravações do canadense Glenn Gould) de peças compostas originalmente para tais instrumentos soam perfeitamente bem, como se fossem a própria intenção do maior dos mestres. O cravo bem temperado, em dois volumes (em cada um, 24 prelúdios e fugas em todas as tonalidades maiores e menores), denominado pelo grande pianista alemão do século passado, Hans von Büllow, de O Velho Testamento do Piano, é uma obra-prima de vastas proporções, na qual praticamente se esgotam todas as possibilidades contrapontísticas do instrumento. Outras obras de destaque para o teclado: VariaçõesGoldberg, as Invenções (a duas e a três partes), as Suítes francesas e as Inglesas.
95
MOZART - suas sonatas para piano, variadíssimas em recursos harmônicos e de acompanhamento (sem contar sua simplicidade e beleza insuperáveis), serviram de inspiração para várias gerações de compositores, Beethoven em especial. BEETHOVEN - segundo o mesmo Büllow, suas 32 sonatas comporiam o Novo Testamento do Piano, tal a magnitude desse ciclo. É, sem dúvida nenhuma, um verdadeiro tratado sobre a escrita do instrumento, com todas os tipos de abordagens homofõnicas (ver as definições das texturas musicais no próximo capítulo) possíveis presentes, formando assim, com os 48 prelúdios e fugas (polifônicos) de Bach, de fato, a Bíblia do teclado. Outro conjunto importantíssimo de peças que deve fazer parte desta lista são as VariaçõesDiabelli, que assim como as Goldberg, de Bach, voltarão a ser mencionadas no Capítulo 11. SCHUBERT, MENDELSSOHN, SCHUMANN EBRAHMS - são compositores do chamado romantismo germânico (isto é, da cultura dos países de língua alemã, em especial Alemanha eÁustria, de enorme tradição musical). É interessante comparar suas peças para piano (há um grande número delas, quase todas valiosas para nossas análises) com as de seus predecessores, principalmente com respeito às inovações harmônicas. CHOPIN ELISZT- representam uma escola mais virtuosística (sem que com isso se queira dizer que seja sem conteúdo; bem ao contrário, principalmente se considerarmos a complexidade das relações harmônicas e a exploração dos limites expressivos do piano na música desses dois fantásticos instrumentistas/ compositores). Vale a pena se ter algumas das partituras de cada um deles para comparações com as dos outros já mencionados. DEBUSSY - considerado o principal nome do impressionismo, Debussy possui composições belíssimas para piano. Podem-se destacar, entre muitas outras, a Suíte bergamasque, Images, Estampes e os vários prelúdios e estudos. É interessante fazer-se nessas peças uma análise harmônica detalhada: descobre-se o porquê da influência sobre o jazz contemporâneo - acordes com nonas, décimas primeiras e décimas terceiras acrescentadas, os formados por quartas superpostas e mesmo aqueles semfuncionalídade (isto é, acordes que não mais têm entre si relações tonais). BARTÓK- compôs uma excelente obra didática, osMicrocosmos, em seis volumes de crescente dificuldade. Outro ciclo também muito útil para nosso estudo é For cbildren, que como o nome indica, tratase de um conjunto de pequenas peças simples baseadas em temas infantis da Hungria, sua terra natal. VILLA-LoBOS - como Bartók, inspirado nas cantigas de roda brasileiras, concebeu um esplêndido conjunto de peças para piano denominado Cirandas. Outra belíssima partitura para piano integra o ciclo dos Choros: o de nº 5, mais conhecido pelo sugestivo título de Alma brasileira. b) Piano popular CHlCKCOREA - possui um bom número de composições para piano editadas, entre outras: Lafiesta, Seiior Mouse, 500 miles bigb, Spai» etc. Há também o livro Children's songs (mais uma prova da influência bartokiana), um ótimo estudo das possibilidades pianísticas dentro da linguagem modal e harmonicamente quartal, tão característica de Corea.
96
BILLEVANs - podem-se encontrar algumas excelentes transcrições de gravações das peças de Btu-~•..."••.•..•. '" considerado um dos mais sofisticados pianistas e compositores da história do jazz. SeoTI]OPLIN- o nome principal do ragtíme (estilo americano do início do século, precursor do' Suas composições, de uma vivacidade e frescor impressionantes, fizeram caminho inverso ao habímal e influenciaram Stravinsky. Seu tema mais conhecido é The entertainer. ERNESTO NAZARETH - assim como ]oplin está para o jazz, Nazareth está para o chorinho. Dono de um estilo requintado, compôs uma infinidade de - assim chamados na época - tangas brasileiros, lundus, maxixes e valsas, que ajudaram formar a base para o desenvolvimento da música tipicamente carioca. Para as análises, é imprescindível que se tenha um bom número dessas partituras, principalmente se se deseja arranjar ou compor para piano dentro da linguagem rítmica brasileira. TOM]OBIM - É bom se ter tudo que se possa encontrar sobre Tom, desde que não sejam (infelizmente, mais comuns) transcrições "facilitadas", que acabam tirando o valor do maravilhoso senso pianístico desse grande mestre. É lógico que falta muita, muita coisa de qualidade ainda a se destacar, mas, além de não ser um dos objetivos deste livro esgotar o assunto, a lista acima serve mais como um "aperitivo" ou um ponto de partida para que o estudante interessado siga por seus próprios pés (e gostos) para novas listas eclaro! - análises.
5.6 Exercícios "I D o,J
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1) Fazer um arranjo para piano solo da música Yesterday, de ]ohn Lennon e Paul McCartney. 2) Usando como instrumentação de Tom ]obim.
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Levada - termo do jargão musical usado para designar um tipo de fórmula essencialmente rítmica, tocado em especial pela bateria e/ou pelo baixo, que define claramente o estilo do arranjo. É também usado, com idêntico sentido, o termo inglês groove. Convenção - frase (ou fragmento) de caráter fortemente rítmico que é dobrada por inteiro ou parcialmente pelos instrumentos da base (nem sempre todos, mas bateria e baixo não podem faltar). Dependendo da situação e da ênfase desejada, outros instrumentos melódicos podem juntar-se à convenção. Também muito comum entre os músicos populares é o termo: Virada, pequena frase rítmica, com um ou dois compassos de duração, que o baterista normalmente improvisa (às vezes é escrita) dentro do estilo da música, servindo, na maioria dos casos, de preparação para o início de uma outra parte, ou simplesmente como preenchimento. Pode ser também indicada pelo termo fill (em inglês, o verbo to fill significa "preencher, completar"). Naipe - no meio musical, normalmente é usado de forma equivocada para designar uma técnica de arranjo para sopros (o termo correto, soli, está detalhado na nota 10). Na realidade, naipe é tão-somente um grupo de instrumentos de mesmo tipo (por exemplo, diz-se: "o naipe das cordas", ou "o naipe dos saxofones" etc.). Instrumentos transpositores - a construção de instrumentos de sopro transpositores teve origem no século XVIII como uma forma de permitir que o trompete e a trompa pudessem ser mais usados nas formações instrumentais, já que, por não possuírem, na época, o sistema atual de válvulas e tubos (que faz aumentar o comprimento de sua coluna de ar), podiam apenas executar as notas pertencentes à série harmônica de suas fundamentais (mais detalhes no Capítulo 7). Assim, a solução era construir esses instrumentos em outras tonalidades (conseqüentemente, com diferentes comprimentos de tubo) além das assim chamadas "naturais", de modo que os músicos, usando sempre a mesma técnica aprendida, pudessem tocar todos da mesma forma. Mesmo com a mudança causada pelo uso das válvulas, que ocasionou a "unificação" desses conjuntos de instrumentos diatônicos no par cromático de hoje, a tradição manteve a transposição para eles (a trompa é afinada em fá e o trompete em sib) e para diversos outros instrumentos de sopro (mais tarde tal prática foi estendida a algumas famílias instrumentais, como a dos saxofones e a das clarinetas). Apesar de ser também tradicional a escrita na grade com todas as transposições, há uma corrente (principalmente entre os arranjadores) que prefere - com o objetivo de maior clareza e rapidez na leitura e em ocasionais revisões - a disposição dos instrumentos em suas alturas reais, deixando as transposições das partes cavadas (as partes individuais dos músicos) a cargo do copista. Há também - como é o caso do baixo, do violão, do flautim, do contrafagote etc. - a categoria dos instrumentos transpositores de oitava (ver explicação na p. 50).
5
Escala - (ou espelho) é o nome da peça de madeira que é colada ao braço dos instrumentos de corda e que serve de apoio para que a mão esquerda do intérprete toque as notas. É bem conhecido o termo italiano equivalente, tastiera.
6
Instrumento não temperado ...2...- iniciado no século XVIII, mas não universalmente aceito antes de 1850, o sistema de temperamento dos intervalos - isto é, a divisão da oitava em doze partes iguais - surgiu, não por acaso, praticamente junto do conceito de harmonia, permitindo, na música da época, o uso de tonalidades distantes a dó maior (o que não era viável até então), com isso possibilitando a evolução de técnicas harmônicas - como a modulação e o desenvolvimento das relações entre os acordes. Ao contrário do sistema "natural", neste, todos os semitons igualam-se. Assim, por exemplo, num instrumento dito temperado (como o violão), réb soa igual dói, o que não ocorre em um violino, instrumento não temperado (é importante destacar que, apesar disso, devido ao sistema hoje adotado, o violino, apenas para ficar nesse exemplo, precisa adaptar-se aos intervalos temperados, o que evita problemas em grupamentos instrumentais mistos). Bach contribuiu muito para a difusão desse sistema ao demonstrar, com sua composição O cravo bem-temperado - um conjunto de (em cada um dos dois volumes) 48 prelúdios e fugas em todos os tons existentes, maiores e menores -, sua perfeita exeqüibilidade. A divisão exata da oitava também tornou possível a construção de instrumentos, como o piano.
7
Limites auditivos - o ouvido humano, de um modo geral, consegue perceber freqüências que se encontram dentro de uma faixa entre 16 e 16 mil hz (embora certos autores cheguem a elevar tal limite agudo a cerca de 36 mil hzl).
99
Coma - termo da acústica, de origem grega. Consideram-se normalmente três tipos de comas, sendo que a mais conhecida é a chamada pitagôrica, que representa a relação entre sete oitavas justas superpostas (por exemplo dóo-dó7) e o intervalo dó-si#, conseguido através da soma de 12 quintas justas consecutivas (ou seja, dóO'solO' re, lâ ; .., mi#", si#6)' O resultado - (2)7/ (312)12 = 1,014 - a coma -, é um intervalo menor que um quarto de tom, mas, mesmo assim, perceptível ao ouvido. O termo também é empregado genericamente (como no caso do portamento) para designar qualquer outra distância inferior a uma segunda menor.
8
Rearmonização - processo de criar uma nova harmonia para um determinado trecho melódico. Pode ser realizada de várias maneiras: mantendo-se s função harmônica, incluindo-se acordes (por exemplo, dominantes secundários), ou mesmo por substituição pura, considerando-se apenas a compatilidade com a melodia.
9
Resolução por grau conjunto - movimento por intervalo de segunda (maior ou menor, ascendente ou descendente) de uma inflexão em direção a uma nota-alvo. Para maiores detalhes, ler "Análise melódica", na p. 137.
10
Acordes básicos e tríades superiores - termos próprios da harmonia funcional mais avançada, signar respectivamente os acordes compostos por suas notas básicas, ou seja, fundamental, terça, sempre, sétima ou sexta), e os formados por suas tensões (pelo menos duas). Exemplo: no tom IV grau, FlM (acorde básico) pode ter como tríades superiores Em (7-9-#11) ou G (9-#11-6), Capítulo 9, mais será falado sobre este assunto).
11
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16
usados para dequinta (e, quase de dó maior, seu entre outras (no
Soli - literalmente, {o plural de solo, palavra italiana que significa "só", mas, na linguagem musical, seria mais apropriada a definição de "conjunto ou grupo de solistas". Apesar de ser uma correta interpretação da palavra soli, esta é, no entanto, empregada mais freqüentem ente para designar uma técnica (que será abordada nos capítulos 6 e 9) de composição e arranjo para sopros. Consiste, principalmente, em utilízá-los em harmonizações de melodias, de modo que se movam de forma quase sempre paralela. Como se verá no presente capítulo, esse conceito também pode ser aplicado de modo análogo a instrumentos harmônicos, como o violão e o piano. Voicing - termo da língua inglesa usado para designar, em música, o "trabalhar com vozes", não necessariamente numanas, mas as que, num sentído mais amplo, compõem um determinado contexto musical (ver, na p. 82, a distinção entre vozes e partes). No caso presente, refere-se à construção de acordes na guitarra e/ou no violão, sob o aspecto da disposição das notas.
Há, além destes, uma enorme quantidade de símbolos e termos para indicar a digitação dos instrumentos de corda. Em 'especial, nos últimos tempos, métodos e livros de transcrições de solos têm contribuído muito para a escrita dos vários efeitos idiomáticos (e suas infinitas variantes) característicos da guitarra. A notação básica mostrada aqui neste livro (apesar de haver pequenas divergências com outras), é, sem dúvida, suficiente para o trabalho do arranjador. Clavícórdio - instrumento de teclado que tem como origem presumida o monocórdio de Pitágoras (ver p. 53). Seu funcionamento é similar ao do piano, pois possui, além das teclas e cordas, um sistema (embora mais rudimentar) de percutidores, chamados de tangentes, e abafadores de feltro. É geralmente confundido com o cravo e seus parentes próximos, a espineta e o virginal, embora estes tenham funcionamento diferente: ao se acionar a tecla, um dispositivo mecânico impele uma espécie de palheta que "belisca" a corda, produzindo, assim, o som. Além disso, alguns cravos possuem um outro teclado (são chamados de manuais), com até três registros (timbres) diferentes. Tanto o clavicórdio quanto o cravo (e a principal função deles na música barroca, conhecida por baixo-contínuo) começaram a cair em desuso a partir do final do século XVIII, com a invenção e aceitação geral do piano. Ostinato e baixo-pedal - são dois termos que têm seus significados muitas vezes confundidos, senão mesmo invertidos. O pedal, que, ao contrário do que se imagina, não necessariamente precisa ser usado no baixo, possui função essencialmente harmônica: em geral, trata-se de uma nota - na maior parte dos casos, tônica ou dominante da tonalidade - que é sustentada ou repetida enquanto acontecem mudanças de acordes. Serve como uma espécie de "freio" para o desenvolvimento harmônico, além de provocar, com o passar do tempo, aumento de tensão, devido à expectativa do que vai acontecer. O ouvido prepara-se instintivamente para uma nova situação, quase sempre a entrada de uma outra parte da música ou a recapitulação de alguma já apresentada. O ostinato é um recurso de acompanhamento rítmico, uma pequena frase (às vezes com fortes acentuações e nem sempre melodicamente constante: ritmo e contorno são os fatores que melhor o caracterizam), a qual, por causa de sua repetição contínua, obstinada (tradução do termo italiano), é facilmente compreendida e decodtficada pelo ouvido, sendo assim posta por este em um plano inferior de percepção, de modo a dar lugar a outros elementos musicais mais complexos. Apesar de também não ser obrigatoriamente usado no baixo, o ostinato consegue seu melhor efeito nessa região.
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Capí o Forma e planejamento
Dois dos mais importantes elementos da construção musical, os conceitos de forma e planejamento estão ligados de modo quase indissolúvel. Ê muito difícil conceber-se um bom arranjo (ou composição) sem que todas as etapas - entre elas, a arquitetura de sua forma - sejam predeterminadas, após um planejamento consciente e minucioso. Se, por hipótese, encomendássemos a, digamos, dez profissionais um arranjo para uma mesma música, com idêntica instrumentação, receberíamos por certo dez diferentes produtos finais, obviamente alguns melhores que outros. A comparação, é claro, dar-se-ia_ esse!1~almente dentro de critérios mais subjetivos do que técnicos, mas o que muitas vezes nos agrada, sem aparente razão, pode ser o equilíbrio na disposição das seções, a economia no uso do material, a coerência melódico-harmônica, a variedade e o contraste de densidades e texturas; ou seja, elementos q~e são rf!cionalmente imperéeptfveIS, a não ser a ouvidos e olhos muito bem treinados. Sem nenhuma dúvida, podemos afirmar que o arranjador que melhor se sairia em tal tarefa seria o que tomasse as mais acertadas decisões dentro do labirinto de escolhas que é o ato de compor-arranjar uma música. Ahabilidade que faz com que nos guiemos dessa maneira é chamada de senso deforma, e é inata como o é o jeito para desenho, a facilidade com matemática, o talento para esportes ou mesmo a "mão" para a culinária. Como estes, o senso de forma nasce nas pessoas nos mais diferentes graus de intensidade, e pode ser - nas menos dotadas - desenvolvido por meio de treinamento. Aexperiência e a maior segurança_ faz com qU.~...~Er~jador, pouc
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3.4 Outros instrumentos da família Somente a título de curiosidade, vale aqui citar outros tipos de saxofones, quase todos bastante raros: • Sopranino - afinado em mib (transposição terça menor abaixo da nota real); é uma oitava mais agudo que o alto, tendo igualmente forma de cachimbo; instrumento de uso restrito a solos. • Baixo - afinado em sib (transposição: oitava + nona maior acima); uma oitava mais grave que o tenor; em grandes ensembles de sopros é usado como voz mais grave das palhetas, em oposição à tuba, dos metais; devido ao tamanho de seu tubo e ao peso, seu simples manuseio chega a criar dificuldades para o instrumentista. • Contrabaixo - afinado em mib (transposição: oitava + décima terceira maior acima); uma oitava mais grave que o barítono; raríssimo.
3.5 Exercícios 1) Fazer vários exercícios de transposição para os saxofones soprano, alto, tenor e barítono. 2) Compor uma música, de estilo à livre escolha, para sax soprano, guitarra, baixo e percussão.
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Embocadura - é a posição que tomam os lábios do músico, sobre o bocal de um instrumento de sopro. Nas chamadas embocaduras livres, o contato é direto, com o fluxo de ar sendo controlado pela tensão exerci da por ambos os lábios que, ao vibrarem, influem diretamente na obtenção da freqüência do som desejado. Nas de palheta, estas (tanto as simples como as duplas) funcionam como meio vibratório, os lábios servindo de apoio e exercendo a pressão necessária para a vibração. Palheta - (em inglês, reed) nos instrumentos de sopro, é uma pequena peça de cana de uma qualidade especial (são plantadas e cultivadas com esse propósito definido). No caso do saxofone e da c1arineta, são usadas palhetas simples, isto é, uma única peça que é atada à boquilha (ver próxima nota) por uma espécie de cinta metálica, contra a qual vibra através da pressão do ar e da tensão dos lábios. Esse tipo de palheta é industrializado, vendido em caixas com diferentes graus de dureza que influem na sua capacidade de vibração e na qualidade do som obtido. Já as palhetas duplas, do oboé, do fagote ou do come inglês são manufaturadas pelo próprio instrumentista, a gosto pessoal, a partir do pedaço de cana bruta adquirido. São atadas, frente a frente, a um pequeno tubo que emerge do corpo do instrumento. A vibração dessas palhetas uma contra a outra acontece de forma semelhante à obtida pela ação dos lábios na flauta, por exemplo.
s Boquilha - peça de madeira (as mais antigas), ebonite, acrílico ou, mais recentemente, de metal, que serve para a sustentação da palheta nos saxofones e c1arinetas. Sua abertura, isto é, o ângulo que faz sua face superior com o eixo longitudinal da palheta, influi na amplitude da vibração desta, logo, na sonoridade do próprio instrumento: quanto mais aberta é a boquilha, mais brilhante e intenso o timbre se torna. O material com que é confeccionada também é importante para isso. Assim, é comum usar-se, no sax, boquilha de metal em estilos que pedem um som mais aberto, como o funk, o rock ou o jazz-fusion, e a assim chamada "de massa" (ebonite) no jazz tradicional, em que as nuances dinâmicas e tímbricas são mais desejáveis. É também bem conhecido o termo inglês correspondente, mouthpiece. 4
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Ataque - muito empregado no jargão dos instrumentistas de sopros, ataque (ou golpe de língua), significa a articulação de uma nota por meio de um movimento da língua semelhante a uma "chicotada" na base dos dentes ou um pouco mais acima destes (nos instrumentos de embocadura livre), ou na(s) palheta(s), para fazê-la(s) vibrar e, assim, iniciar a passagem da lâmina de ar. Combinando a pressão do ar exercida pelos músculos respiratórios com a precisão, a força e a velocidade do golpe de língua, pode-se dosar a qualidade e a intensidade do ataque. Sapatilhas - feitas de diversos materiais (feltro, escama de peixe, silicone etc.), as sapatilhas (pads, em inglês), colocadas sob as chaves, têm como função vedar a passagem do ar quando estas são pressionadas sobre os orifícios do instrumento. Antes de sua invenção (e a das chaves), tal tarefa cabia às pontas dos dedos, coisa bastante difícil de se realizar, principalmente em passagens melódicas rápidas. Enarmonia - palavra grega que atualmente é usada com significado diferente do original (na música da Grécia antiga, era o nome dado a uma escala formada por quartos de tom): aplica-se a duas notas ou a dois acordes que tenham, apesar de nomes diferentes, o mesmo som (ça va sans dire, considerando o nosso fisicamente "imperfeito" sistema de temperamento de intervalos). Por exemplo, as notas fá# e solb são enarmônicas. Harmônico de n" 3 - a c1arineta é o único instrumento de sopro que se comporta como um tubo fechado (todos os demais são considerados tubos abertos). Isso se deve a vários e complexos fatores, mas principalmente à combinação única da embocadura em palheta, com o formato cilíndrico de seu corpo (a flauta é cilíndrica, mas de embocadura livre; o sax é tocado com palheta, mas seu corpo tem formato cônico). A mais marcante particularidade de um tubo fechado é que apenas os harmônicos ímpares de uma nota fundamental sobressaem-se, quando ele é soprado (nos abertos, os pares e ímpares - é claro que em diferentes intensidades, de instrumento para instrumento - são igualmente obtidos). Além da óbvia implicação na individualidade timbríca da c1arineta, esse fato influi sobremaneira na construção e na execução do instrumento. Campana e tudel - partes de alguns instrumentos de sopro. O termo "campana", a extremidade oposta à do bocal do instrumento, é geralmente associado ao saxofone (o final do "cachimbo"), sendo "pavilhão" adotado
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para os demais (clarineta, trompete, trompa etc.). Já o tudel é o "pescoço" curvo que liga o corpo do saxofone (e o do fagote) à boquilha (ou ao bocal que sustenta a palheta dupla), sendo por muitos assim apropriadamente chamado. 9
Podemos citar, aqui, algumas das mais bem-sucedidas e famosas utilizações do saxofone na música erudita - como integrante de orquestra, em conjuntos de câmera ou como solista: Bolero (Ravel); Rapsódia para Saxofone alto e orquestra (Debussy): Sexteto místico e Choros nU7 (VilIa-Lobos); Quadros de uma exposição - O velho castelo (Mussorgsky, Ravel), entre outras.
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Capítulo 6
Soli (Jª parte)
A técnica do soli (também conhecida por "escrita em bloco") é, sem dúvida, a mais bem documentada de todo o estudo do arranjo. Apesar de, ao menos em tese, poder ser aplicada a naipes de quaisquer classes de instrumentos, é muito mais apropriada aos sopros (já foi mencionado um tipo de adaptação do soli à escrita melódica para guitarra e piano; veremos mais adiante que tal técnica é empregada também com ótimos resultados nos instrumentos de corda arcada, mas apenas como contraste em relação aos diálogos imitativos que caracterizam uma textura polifônica.Q.~~anj.Qpara vozes humanas também utiliza fre üentemente o soli como um excelente meio expressivo, como podemos constatar nos trabaljlos de grupos como os aipericanos The Swlngle Singers, L.A.Voices e The Manhattan Transfers). É interessante notar que a técnica do soli tem, certamente, origem na escrita coral que surgiu na música alemã após a Reforma realizada por Martinho Lutero -em 1517, da qual Bach - sucedendo a Pachelbel, S~hütz e Buxtehude -tornou-se o maior e incontestável dos mestres. Principalmente nos prelúdios a quatro partes- (a maioria harmonizações de hinos Já existentes na época), a tendência era de que as vozes se movessem com idêntico ritmo (na realidade, é raro encontrarem-se exemplos em que tal coisa aconteça na peça inteira. Mas podemos dizer que, ao menos essencialmente, esse é o procedimento principal da escrita para coro). Amúsica coral da Igreja protestante era, assim, homofônica e (teórica e relativamente) mais simples (e, desse modo, mais acessível ao povo) que a criada pelos compositores católicos contemporâneos, esta grandiosa e polifônica (em alguns casos, de uma complexidade impressionante). A partir do século XVI, a música instrumental começou a desenvolver-se bastante e, com isso, as técnicas composicionais usadas para vozes passaram, naturalmente, a ser empregadas do mesmo modo na escrita para instrumentos (graças também aos notáveis avanços conseguidos em sua construção). Surgiram os grupos instrumentais e, tempos depois, as orquestras sinfônicas e, com elas, a idéia de se juntarem instrumentos de mesma família em naipes, ideal para a aplicação de uma escrita "coral" adaptada. ~ Porém, a total transformação naquilo que hoje conhecemos por soli só aconteceria mesmo nas orquestras de jazz americanas, nas quais a escrita coral para sopros - já consagrada na música do Romantismo (século XIX) e ensinada nas classes de composição - foi novamente adaptada, desta vez ao ritmo sincopado, à harmonia e à melodia peculiares do estilo. Foi a partir daí que surgiu a, digamos assim, "regulamentação" dessa técnica, que passaremos a estudar nas próximas páginas deste capítulo. Veremos nesta primeira seção os soli a duas, três e quatro partes, bem como a cinco e a seis vozes.
1. Soli a duas partes A escrita em soli para dois instrumentos de sopro (que chamaremos, a partir de agora, para simplificar, de "soli a2") talvezseja a que mais difere do caso geral. Aexplicação para isso é simples: sem a dimensão harmônica que norteia a escrita para três ou quatro partes (e suas implicações diretas, como o espaçamento entre as vozes), as duas linhas podem ter consideravelmente maior liberdade de movimento, seja quanto à direção melódica, seja quanto à duração rítmica de suas notas. Vejamos, inicialmente, alguns conceitos básicos que nos servirão mais à frente.
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1.1 Tipos de movimentos relativos entre duas vozes Uma voz pode movimentar-se em relação a uma outra apenas de quatro maneiras diferentes: paralelamente (Exemplo 97a), similarmente (b), contrariamente (c) e obliquamente (d). Qual ou quais deles são bons movimentos? A resposta é: todos! A escolha depende de vários fatores, do resultado que se deseja, do contexto em que está inserida a idéia musical, da intenção do arranjador-compositor. Por exemplo, para uma textura polifônica, os movimentos contrário e oblíquo (que tendem a dar mais independência às vozes) são quase sempre os mais desejáveis. O mesmo não se dá numa linguagem tão oposta a esta quanto a do soli, onde o ideal é que haja - na maioria das vezes - uma espécie de "atrelamento" das partes à melodia principal (o que, afinal, nada é do que a própria "filosofia" das texturas homofônícas), o que faz com que os movimentos paralelo e similar - nesta ordem - melhor se adaptem. Seria simples assim, não fossem as (bem-vindas) situações alternativas enquadradas nos grifos acima, "quase sempre" e "na maioria das vezes". Tanto um movimento paralelo pode ser usado com excelente resultado num complexo contraponto a duas partes, como um soli pode ficar ainda mais interessante se houver, uma vez ou outra, entre os dois instrumentos, uma espécie de defasagem de movimentações, que quebre a constância esperada. Apalavrachave comum aos dois casos já foi bem discutida e teve frisada sua grande importância dentro do discurso musical no Capítulo 4: contraste. Voltaremos ainda algumas vezes a esse assunto. Exemplo 97
No paralelo, ambas as vozes movimentam-se na mesma direção e com o mesmo intervalo. No similar, apesar da direção ser idêntica, os intervalos diferem. Já o movimento contrário implica uma troca de sentidos: uma das vozes ascendente, a outra descendente, quaisquer que sejam os intervalos. No movimento oblíquo uma das vozes se sustenta enquanto a outra se move (também aqui, não importando o intervalo usado) .
1.2 Classificação dos intervalos Existem algumas classificações diferentes para os intervalos harmônicos, quase todas bem parecidas, divergindo apenas em poucos pontos. A que adotaremos parece-me a mais apropriada para os objetivos do presente capítulo: a) Consonâncias justas (ou perfeitas) - Uníssono] B" ] e 5iJ A oitava e a quinta são - não por acaso - os dois primeiros intervalos que aparecem na série harmônica (ver p. 52), e tem esse nome C'[usto") devido às simples e "perfeitas" relações entre as freqüências das notas que os formam (respectivamente, 2/1 e 312). Historicamente falando, sua utilização segue também a mesma ordem (no canto gregoriano, considerado a primeira expressão organizada da música ocidental, todas as vozes vinham em uníssono. Com o passar do tempo, por intermédio da técnica composicional do organum, 1 oitavas e quintas paralelas começaram a ser admitidas).
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b) Consonâncias imperfeitas - 3ª e 6ª- (maiores ou menores) Seu nome deriva das relações acústicas, mais remotas que as anteriores e que, como já vimos, dentro do sistema temperado, acumulam "erros" em relação às freqüências exatas medidas. Na história da música conquistaram o status de consonâncias bem depois dos intervalos justos.
c) Dissonâncias leves - 2ª Me 7ª-m Apesar do conceito "dissonância" ter mudado bastante (é claro que juntamente com o de "consonância", seu oposto) com o passar dos séculos, acompanhando a evolução técnica da música e do próprio ouvido humano, considera-se, no estudo do contraponto e da harmonia tradicionais (nos quais são baseados a harmonia funcional e o arranjo), que um intervalo dissonante representa instabilidade e tensão e que necessita ser resolvido (será detalhado mais adiante) - por meio da movimentação melódica de seus componentes -, em um consonante, símbolo sonoro de estabilidade e relaxamento. A sétima menor (que teve um papel importantíssimo na evolução da harmonia) e sua inversão, a segunda maior, são consideradas sonoridades - talvez por razões mais culturais do que propriamente físicas-acústicas - menos ásperas que a segunda menor e a sétima maior, sendo, por isso, para o ouvido médio, mais facilmente aceitáveis como estruturas verticais.
d) Dissonâncias acentuadas - 2ª m e 7ª M
e) Intervalos ambíguos - 4ª], 4ªaum. e 5ªdim. Têm esse nome por assumirem o caráter do contexto, uma espécie de "intervalos-camaleões". Por exemplo, numa passagem bem consonante, formada por terças e sextas, uma quartajusta passa tranqüilamente por consonância. Se já os intervalos predominantes forem sétimas e segundas, a mesma quarta soará tão dissonante quanto eles. Tal argumento é, contudo, por muitos contestado, pelo fato de ser a quarta justa uma inversão do intervalo de quinta, não havendo lógica, assim, em não classífícá-lo como consonância justa (é digno de nota que, à exceção desse caso, em todas as categorias os intervalos convivem com suas respectivas inversões: 8ª/uníssono; 3ª/6ª; ZªI7ª; 4ªaum./5ªdim.). Seria esta uma contestação perfeita, se não houvesse o fator - é sempre bom frisar - cultural, principal responsável pela - na falta de melhor termo - "discriminação" do intervalo (sua origem se deu na teoria do contraponto, transmitida mais tarde, por herança, à harmonia).
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Observações -
Os intervalos considerados sob a perspectiva do soli:
a) Os melhores, que devem ser empregados nos pontos de apoio, são os consonantes imperfeitos, ou seja, terças e sextas. Podem ser usados tanto paralela quanto alternadamente (o que resulta, às vezes, em movimento contrário entre as vozes). A escolha da melhor segunda parte vai depender de vários fatores, que serão discutidos mais adiante. Exemplo 98 (a) terças paralelas
(b) sextas paralelas
(~~_~~~:
(c) terças e sextas alternadas
~
I
b) Todos os demais intervalos (incluindo as consonâncias justas) podem ser utilizados, mas de forma bem mais limitada que os anteriores. O ideal é que "harmonizem" inflexões, se possível resolvendo em movimento contrário numa nota-alvo (maiores explicações no próximo tópico). Esse recurso deve ser usado com moderação e objetivo, seja este um contraste após uma série de consonâncias imperfeitas paralelas, ou a tentativa de uma melhor linha melódica para a segunda voz. Exemplo 99
c) O uníssono e a oitava (e em alguns casos, também a quinta justa) paralelos são bastante empregados, porém não como textura de soli, e sim como os já bem conhecidos dobramentos. Como veremos depois, têm função - quase sempre muito bem-vinda - de contraste expressivo, após uma frase ou um trecho escrito, dentro daquela técnica. Os dobramentos, contudo, são mais usados quando se deseja enfatizar uma determinada passagem melódica. Exemplo 100
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d) Há ainda a possibilidade de se ter solí baseados em um único tipo de intervalo, diferente de terça ou sexta. Obviamente, tal prática não é tão comum, sendo apenas usada com propósitos bem definidos. Um bom exemplo é o soli em quartas justas: como já foi descrito na parte referente ao piano (ver p. 80), uma seqüência de quartas paralelas cria um clima meio oriental que, dependendo da instrumentação escolhida (dois oboés, por exemplo), pode ser ainda mais intensificado; esse intervalo também é o preferido de compositores como Chick Corea, por se adequar bem à linguagem quartal de suas harmonias. Quintas e - bem menos - segundas também podem ser empregadas nessa espécie incomum de solí a duas partes. Exemplo 101
* A quinta dó-sol, usada aqui para finalizar a frase tonicamente, não destoa de modo algum do ambiente quartal predominante.
1.3 Análise melódica Importantíssima como fase inicial da elaboração de um soli (em especial, os a três e a quatro partes), a análise de uma melodia baseia-se no fato de que, considerando-se a harmonia do momento, uma determinada nota pode exercer três diferentes funções: nota do acorde, tensão harmônica (isto é, certas notas pertencentes à escala do acorde, além das que compõem a tétrade básica, por exemplo, nona ou décima-terceira) ou inflexão melódica (também chamada de nota de aproximação ou nota estranha ao acorde; existem vários tipos, que serão abordados a seguir). As tensões possuem, tanto quanto as notas do acorde, estabilidade harmônica, isto é representam pontos de repouso, não necessitando, desse modo, de nenhum tipo de continuação (ou, em outras palavras, não pedem resolução). Sendo assim, podemos agrupá-Ias - notas do acorde e tensões - numa única categoria, que chamaremos, a partir de agora, de notas estruturais (ou de - quando precedidas por inflexão - notas -aloo), São exatamente aquelas em que residem os apoios de uma melodia, onde - num soli a2 - empregaremos os intervalos de terça e sexta. Exemplo 102 E~
(•.
Fm
~~.
* ~
q~.
(melodia construfda apenas com notas dos acordes e tensões)
As inflexões são notas quase sempre não pertencentes ao acorde (existem raras situações em que se torna mais lógico interpretar uma tensão ou nota de acorde como inflexão do que como alvo. É óbvio que
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isso depende de circunstâncias bem especiais e de uma certa experiência e um apurado senso de observação, por parte do arranjador, no trato dos caminhos e tendências de linhas melódicas). Amaioria delas tem duração relativamente curta (embora vez ou outra surjam casos que desmentem ou pelo menos obscurecem tal regra) e acontece em posição métrica mais fraca do que a da nota-alvo para a qual se dirige (novamente, com algumas exceções), mas o que todas têm em comum é a obrigatoriedade da resolução (relembrando: movimento por grau conjunto) em uma nota-alvo, resultado de sua instabilidade harmônica. Algumas espécies de intlexões são preparadas, ou seja, vêm ligadas de uma harmonia anterior na qual eram estruturais, ou chegam de outra nota também por grau conjunto. Vejamos os principais tipos de intlexões existentes: a) Nota de passagem (abreviatura: NP) - talvez seja a mais comum: é preparada (por grau conjunto) e resolve numa nota-alvo de posição métrica mais forte que a sua. Exemplo 103 Am7
iF#
(NP)
(NP)
~~~ ~~~'ªê=
~~_~
~ ~
~
~
b) Bordadura (B) - caso especial de nota de passagem, diferindo desta apenas pelo fato de retornar à mesma nota que a preparou. Exemplo 104 (8)
~
c) Apogiatura (AP) - sua principal característica é ocorrer em posição métrica mais forte em relação à da nota-alvo. Além disso, não é preparada; em outras palavras, surge após pausa ou salto melódico. Exemplo 105
em7
f1
~6
(AP)
(AP)
~. ~
d) Escapada por salto (ES) - como o nome indica, vem de um salto e resolve na nota-alvo. Sua única diferença para com a apogiatura é a ocorrência de sua posição métrica, mais fraca que a da resolução. Há ainda uma variação, mais rara, a escapada propriamente dita (E): é o inverso daquela, pois o salto acontece após a preparação, sendo, assim, o único caso entre as intlexões em que a resolução não é feita por grau conjunto.
138
Exemplo 106
c
c
(~
~§~s~~~~
e) Suspensão (SUS) - é preparada através de uma ligadura de extensão. Assim, uma tensão ou nota de acorde sustentada por meio da barra de compasso (embora também possa ocorrer dentro deste, seja por ligadura, seja por simples síncope. O importante é a mudança de harmonia), transforma-se em inflexão metricamente acentuada sobre um acorde "estranho", o que a obriga a ser resolvida na notaalvo imediatamente abaixo (a sensação de relaxamento que advém da resolução esperada de uma suspensão deve-se principalmente a esse movimento descendente - sem dúvida alguma, mais um fruto de herança cultural. Contudo, existem alguns poucos casos em que uma resolução ascendente é mais satisfatória, como, por exemplo, em modo menor, o deslocamento de sensível-tônica). É também conhecida por retardo. Exemplo 107 F#m7
A7M
E7
~
D6
A'C#
(SUS)
(SUS)
l~~~ê.~ Observações - Aantecipação (ANT), embora não faça parte do grupo das inflexões, pode ser encarada como o exato oposto da suspensão: ocorre quando uma nota estrutural de uma determinada harmonia é antecipada (quase sempre por ligadura, mas há casos em que isso não acontece, como mostra o Exemplo 108b), o que faz com que seja tocada sobre um outro acorde ao qual não pertence. Como é apenas um "adiantamento" de uma nota-alvo, não precisa, obviamente, ser resolvida. Tem caráter muito mais rítmico do que harmônico ou melódico, sendo um dos mais importantes fatores na caracterização de certos estilos musicais (samba, jazz, salsa etc.), responsável direto pelo suingue destes e uma valiosa ferramenta na arte da variação rítmico-melódica. Exemplo 108
- Como pode ser visto em alguns dos exemplos anteriores, as inflexões tanto podem ser diatônicas quanto cromáticas. - Apesar de quase sempre as inflexões aparecerem isoladamente, existem alguns casos de combinações destas - fórmulas melódicas, consagradas pelo uso dentro da história da música. As mais conhecidas e importantes são a resolução indireta (Exemplo 109a) e o múltiplo cromático (l09b).
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Exemplo 109 D7M
(a)
(~~j~*
3
I
I] ~~& L-...J
3
(RI)
Am7
(b)
F6
G
3
(RI)
C
(~ !
~-~:j~ (4CR)
A resolução indireta (RI) nada mais é do que uma espécie de dupla bordadura: a nota-alvo é "cercada" acima e abaixo por duas inflexões, suas vizinhas. Essa abordagem pode ser feita diatônica ou cromaticamente, em todas as combinações possíveis. O fato mais importante é que as duas bordaduras seguidas não obscurecem a compreensão pelo ouvido do caminho em direção à nota-alvo. Descende de uma fórmula contrapontística oriunda da Renascença, a cambiata. O cromatismo é um dos recursos mais familiares ao nosso ouvido (é talvez o maior responsável pelos grandes avanços técnicos que permitiram a evolução incrivelmente rápida da teoria da harmonia, no final do século passado). Assim, torna-se fácil aceitar seqüências de duas, três, quatro ou mais notas cromáticas que se dirigem a uma nota-alvo. Dependendo do número dessas notas, podemos então ter duplos (2CR) , triplos OCR) ou quádruplos cromáticos (4CR) etc. -
Quanto ao soli a2, as inflexões identificadas na melodia principal (que quase sempre é dada e fica na voz mais aguda. Falaremos ainda mais sobre isso), em geral correspondem também a inflexões na segunda parte. Como foi adiantado no tópico anterior, intervalos diferentes das consonâncias imperfeitas podem ser - e, quase sempre, o são - empregados na "harmonização" dessas inflexões. Contudo, isso não deve de modo algum ser encarado como regra, pois, num caso real, há muitas variáveis em jogo, sendo que a principal destas, a condução das vozes, é o parâmetro ao qual todas as outras - incluindo-se aí o uso dos intervalos harmônicos subordinam-se. Os aspectos da construção de um soli a2 ficarão certamente mais claros com o próximo tópico e o exemplo prático do final.
1.4 Considerações gerais sobre o soli a2 a) A melodia principal de uma música, ao ser arranjada em soli, deve ficar com a voz mais aguda. A razão é que nós, naturalmente, tendemos sempre a prestar mais atenção em linhas mais altas, como no caso de uma cantora acompanhada por banda ou numa roda de choro, em que a flauta ou o bandolim - instrumentos mais agudos que os da base - tocam o tema. Se, num soli, a melodia é dada à voz mais grave, corre-se o risco de que ela seja ouvida, não desse modo, mas como mero acompanhamento da parte mais aguda. Contudo, algumas situações especiais podem permitir tal "troca" em relação ao procedimento convencional: se os timbres dos instrumentos do soli são diferentes (trompete e sax, por exemplo) e se a melodia principal é familiar ao ouvinte (ela pode já ter sido tocada algumas vezes, em diferentes texturas ou não, antes da seção em soli), seu reconhecimento na voz mais grave torna-se consideravelmente mais simples.
140
b) Pelo mesmo motivo, é bom que se evitem cruzamentos de vozes: o ouvido tende a ' permanecer com a linha mais aguda, não seguindo a melodia quando esta passa a ficar abaixo do acompanhamento. Evidentemente, como na exceção do ponto anterior, nos casos em que os timbres são diversos e que o tema já foi bem consolidado, a confusão resultante do cruzamento atenua-se bastante. Exemplo 110 (b) Tende a soar como:
(a) fi melodia principal
I't.! fi
~
--""""
I
I
I
~
I
I
I
acompanhamento
!J
c) Em finais de frases, às vezes pode ser mais interessante optar-se por intervalos que não sejam os de terça ou de sexta, de modo a se conseguir uma sonoridade um pouco mais picante, ou para se permitir o uso de uma determinada nota do acorde ou tensão. Nesses pontos, chamados, por alguns autores, "de importância vertical", as notas do soli assumem um papel totalmente harmônico, não sendo raro -lógico, dependendo da intenção do arranjador - o emprego de segundas, quartas, sétimas etc. como uma espécie de grifo, o que é mostrado no Exemplo llla. Idêntico tratamento pode ser dado a situações puramente rítmicas: em (b), as notas repetidas e acentuadas da linha principal são apoiadas por segundas maiores, que intensificam sua clara função percussiva. Exemplo 111 »»»
>
~. d) Quanto ao espaçamento das vozes, não há, no soli a2, limites rígidos como os do a3 ou do a4. No entanto, é aconselhável a escolha de instrumentos de registros, se não semelhantes, ao menos não discrepantes (como, por exemplo, tlautim e claronel): duas vozes em soli exageradamente aberto tendem a soar muito individualmente, "descoladas", o contrário do que dita o - digamos assim - "objetivo principal" da técnica em questão. Esse maior grau de independência entre as partes é muito mais apropriado a texturas polifônicas. e) Ocasionalmente uma intlexão pode ser atacada em apenas uma das partes (quase sempre isso acontece na melodia principal, mas nada impede o contrário), sustentando-se, na outra, uma nota estrutural. Desde que não seja usado em excesso (porque aí toda a textura correria o risco de perder a característica de soli) , esse recurso torna-se muito útil, pois costuma resolver problemas na condução das vozes, além de dar variedade ao todo.
141
-,--
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Exemplo 112 F
G7
em7
f) Em arranjos para dois sopros dificilmente é usada o tempo todo apenas a técnica de soli: melodia dobrada em uníssono ou oitava, tratamentos contrapontísticos ou mesmo uma das vozes em tacet? podem funcionar como excelentes contrastes a ela. O equilíbrio entre todas essas linguagens depende da intenção do arranjador, bem como - e principalmente! - de quão apurado seja seu senso de forma (ver Capítulo 4). O soli a2 também pode ser usado, ele próprio, como textura contrastante - além das outras citadas - em arranjos em que soli a3 ou a4 sejam predominantes (contraste de densidade).
g) Quanto a combinações instrumentais apropriadas para esse tipo de soli, existem várias, e muitas outras podem ser criadas, com resultados diversos. Dependendo do que se pretenda - se ambas as vozes devam soar amalgamadas ou bem individualizadas -, podem ser escolhidos, respectivamente, timbres semelhantes (ou iguais; por exemplo, duas clarinetas) ou não. Talveza mais usada e bem-sucedida de todas seja a que une trompete e saxofone (alto ou tenor), combinação consagrada em inúmeras gravações de pequenos grupos de jazz, e que teve sua expressão máxima, sem dúvida, nos duetos de Miles Davis e john Coltrane. h) É aconselhável que, na primeira fase da elaboração do soli, os instrumentos sejam escritos na mesma pauta (nos demais - a3, a4 etc. - é necessário ainda uma outra, com clave de fá), como é o caso de quase todos os exemplos mostrados até agora neste capítulo. Desse modo, torna-se mais fácil a visualização do conjunto, o que diminui a possibilidade de erros de escrita, além de fazer com que revisões eventuais fiquem mais simples. É óbvio que, na grade, as diferentes partes devem ser escritas da maneira tradicional, ou seja, nas pautas dos instrumentos correspondentes, com suas respectivas - quando necessário - transposições (rever o tópico "Redução para piano", p. 92).
1.5 Construção de um exemplo prático Usaremos o mesmo samba mostrado na p. 88 como exemplo para escrita de piano. Naquela ocasião, foi empregado apenas um fragmento do tema; para nosso arranjo dos sopros utilizaremos a idéia completa, de modo que haja espaço para diferentes texturas (além, é claro, da de soli, que é o objeto principal deste exemplo), como acabamos de comentar, na observação (f). Ainstrumentação adotada é trompete (ver tessitura e transposição no próximo capítulo - embora, como foi dito, isso não seja tão importante na primeira fase do arranjo, já que os instrumentos serão escritos no som real e na mesma pauta) e sax alto. Antes de qualquer coisa, porém, é imprescindível que
142
seja feita a análise melódica de todo o trecho, com a marcação de inflexões e antecipações (notas de acordes e tensões harmônicas - por motivo de simplificação - não precisam ser indicadas). O tema completo e analisado encontra-se no exemplo a seguir. Exemplo 113
J=
W
120
Dm79
D~7M9
(~~7 ~~ijC?~~~~
[i§]
E~7M
[~~~~~~---=-
~~~~
(') - bordadura em posição forte
143
Uma versão de arranjo para os dois sopros (a parte do trompete é a mais aguda, com as hastes das notas voltadas para cima) poderia ser a mostrada abaixo (obs.: a harmonia foi omitida por razões de clareza). Exemplo 114
144
Observando o arranjo, podemos fazer algumas considerações: A (compasso 3): uso de uníssono em contraste com a textura de soli, que antecede e que se segue a este trecho. Tal solução foi escolhida pelo fato de ser o fragmento uma espécie de anacruze da próxima frase (um dos dois instrumentos também poderia ficar em pausa). B (compasso 4): o paralelismo das terças é quebrado, em um breve movimento contrário entre as partes. Sempre a procura pela melhor condução melódica deve nortear o arranjador.
c (compasso
8): novamente uso de movimento contrário, porém com um outro objetivo: aqui, o de sublinhar a linha cromática usada para conexão a uma nova idéia.
D (compasso 8): o intervalo de sétima foi usado sem problemas por tratar-se de um ponto de importância vertical (ver p.141). Sendo o ré a nona do acorde, optou-se por dar-lhe o apoio da terça; além disso, a própria sonoridade do intervalo casa bem com a instrumentação, o estilo e a figuração rítmica, repleta de acentuações, síncopas e antecipações. E (compasso 11): usou-se aqui o recurso descrito na observação (e), p. 141, sem nenhum prejuízo para a textura de soli a2. A razão é puramente melódica. F (compasso 12): uma bordadura cromática em posição métrica mais forte que a da nota-alvo (apesar da harmonia ser C7, o si natural não choca-se de modo algum com o sib, pois resolve corretamente em dó) é acompanhada na parte do sax por uma nota de idêntica função (sol#). G (compasso 15): neste ponto, a textura passa a ser a uma parte, num solo do saxofone (contraste de densidades). Notar que a melodia original (Exemplo 113) foi transposta, neste trecho, uma oitava abaixo, de modo a tornar-se mais apropriada ao instrumento. H (compasso 17): o trompete entra com uma espécie de "resposta", de caráter fortemente rítmico, à frase anterior do saxofone, enquanto este sustenta a última nota, o que provoca uma saudável mudança defoco entre os instrumentos. Esse tipo de recurso - chamado de "background" - será abordado com mais profundidade no Capítulo 13. I (compasso 20): após esse diálogo, voltam trompete e sax ao mesmo ritmo - novamente em movimento contrário, sublinhando uma linha cromática (embora o saxofone não suba totalmente em semitons, o resultado sonoro é, na prática, idêntico).
J (compasso 26): desta vez, é a voz mais grave que se aproveita do fato de ser a melodia aqui uma nota longa, para movimentar-se, dando mais interesse melódico ao arranjo e, de certa forma, antecipando a próxima frase (princípio da imitação, que será discutido no Capítulo 11). L (compasso 29): solo do trompete. Formalmente, é uma espécie de "compensação" à frase dada ao sax (compassos 15-16), o que restitui o equilíbrio ao conjunto (obviamente esta é uma razão bem mais subjetiva do que técnica, uma sutileza derivada por completo do senso de forma do arranjador. Porém, nem sempre é mais interessante valorizar ao extremo a simetria das estruturas - às vezes, irregularidades construtivas, idéias justapostas sem correspondência, mudanças inesperadas de "rota" etc., trazem a pitada exata de variedade a uma composição, tirando-a do previsível, que quase sempre resulta em monotonia. É um assunto complexo, que necessita de muita reflexão).
145
M (compasso 33): breve trecho em uníssono, marcando o início de mais uma seção da música. N (compasso 35): o intervalo de segunda maior, alcançado por movimento contrário, é usado aqui como uma forma de intensificação do - assim considerado pelo arranjador - clímax da melodia; alguns fatores influem nessa escolha: além da proximidade do final, a nota anterior é a mais aguda da peça, e o repouso que fecha a frase - dá-se sobre uma tensão alterada (a décima primeira aumentada do acorde).
o (compasso
40): novo ponto de importância essencialmente harmônica - o final da música. Optou-se, aqui, pela consonância perfeita de quinta justa (ao invés de se continuar com a sonoridade das terças), em benefício de uma terminação melódica em movimento contrário. O próximo passo é a grade: ambos os instrumentos devem ser transpostos e escritos em suas pautas correspondentes, juntando-se aos demais, da base. Abaixo, os compassos iniciais da grade de nosso arranjo (aproveitaremos as partes de piano e baixo mostradas no Exemplo 80): Exemplo 115
J = 120
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trompete (Bb)
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~~ sax afio
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baixo
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bateria
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1.6 Exercícios 1) Escolher um bom número de melodias para analisar (sugestão: o melhor tipo de música para tal propósito é, sem dúvida alguma, o choro. Contudo é bom selecionar peças de outros estilos, até para que, enquanto da feitura exercício, observar - e, conseqüentemente, aprender - particularidades nas suas construções melódicas). 2) Fazer dois arranjos predominantemente seguintes músicas e instrumentações:
em soli a2 (à maneira do exemplo prático) com as
146
a) April in Paris (de Vernon Duke) , para saxes alto e tenor; b) Samba de verão (Marcos e Paulo Sérgio Valle) , para flauta e clarineta.
2. Soli a três partes Tendo como principal novidade em relação ao anterior a formação de acordes pelos sopros que o integram, o soli a3 pode ser melhor entendido se dividirmos seu estudo em duas etapas: consideraremos primeiro apenas o aspecto harmônico (construção dos voicings e espaçamento), e, em seguida, completaremos o quadro abordando considerações puramente melódicas, isto é, relativas à condução das vozes e ao tratamento das inflexões.
2.1 Aspecto harmônico
o soli a3 pode ser empregado em músicas cuja harmonia seja essencialmente formada por tríades ou por tétrades. Como há pequenas diferenças entre um tipo e outro, abordaremos cada um separadamente: 2.1.1 Tríades Urna nota de acorde ou tensão deste (não esquecer que, nesta primeira etapa, desconsideraremos a existência de inflexões, ou seja, por enquanto todas as notas serão estruturais) pode ser harmonizada de apenas duas maneiras: em espaçamento fechado ou aberto (são as mesmas definições dadas na p. 81). Essa nota será aponta do voicing - isto é, será dada ao instrumento mais agudo -, sendo as restantes, dispostas dentro da mesma oitava (no caso do espaçamento fechado) ou não (aberto), entregues aos demais componentes do soli, seguindo-se a ordem agudo-grave. Uma observação muito importante que deve ser feita em relação ao espaçamento aberto é que a sexta maior é o máximo intervalo harmônico que deve separar duas notas vizinhas. Distâncias além deste limite fazem "descozer" a textura de soli, soando o resultado como duas vozes superpostas a outra (ou vice-versa) , e não como uma estrutura única. Vejamos agora alguns exemplos de construção de voicings a três partes para diferentes tipos de acordes e notas de ponta. Exemplo 116
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* - espaçamento fechado ** - espaçamento aberto Obs.: Para a construção de um voicing, no caso de a nota da ponta ser uma tensão harmônica, esta deve ser considerada como substituta da nota do acorde imediatamente abaixo dela, procedendo-se, a seguir, a harmonização da forma convencional.
147
Exemplo 117
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As notas do acorde consideradas substituídas pelas tensões encontram-se indicadas entre parênteses. Podemos ver ainda que, nos voicings abertos do primeiro e do segundo exemplos, o limite intervalar estipulado de sexta foi ultrapassado. Assim, em ambos os casos, apenas o espaçamento fechado seria possível para tais notas de ponta. 2.1.2 Tétrades Uma tétrade pode perfeitamente ser expressa em três partes, como já foi anteriormente discutido: basta"apenas omitir, no momento de construir o voicing, a quinta (desde que esta sejajusta) ou afundamental do acorde (não devemos esquecer que o soli quase sempre vem acompanhado por instrumentos de base, sendo a fundamental, por isso, a nota mais enfatizada de todas, o que possibilita sua omissão nos sopros). Desse modo, as principais notas da estrutura - terça e sétima - permanecem. Vejamos na página seguinte alguns exemplos, nos dois tipos de espaçamento. Exemplo 118 f7M
G#m7
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(fechado)
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6-
Comentários • F7M: neste exemplo temos quatro opções de harmonização da nota lá, duas em espaçamento fechado e duas em aberto (em cada par, omite-se ou a quinta ou afundamental), porém, no terceiro caso, a distância entre a ponta e a segunda parte é um intervalo de sétima.
148
• G#m7: aqui só é possível uma harmonização fechada e uma aberta, já que a ponta é a quinto do
acorde, não podendo ser, assim, obviamente suprimida. Algo semelhante acontece com os voidn do acorde Ab6, cuja ponta é afundamental, o que deixa como única escolha a omissão da quinto. • D7: a segunda opção para o espaçamento aberto, como no primeiro exemplo, extrapola o limite de sexta entre as partes, sendo por isso deixado de lado. • Cm7(b5) e B7(#5): embora as pontas de ambos os exemplos estejam respectivamente com terça e sétima dos acordes, há somente a única opção (para cada espaçamento) de se retirar afundamental do voicing. A razão é o fato de suas quintas não serem justas - e sim, diminuta e aumentada -, sendo, por isso, importantes na definição de suas sonoridades harmônicas (para saber o porquê de ser a presença da quinta justa supérflua no voicing, o estudante deve reler as observações sobre acústica, pp. 52-55). Observações a) Quando a melodia aparece arpejada, não é necessário que, sob cada uma das notas da ponta, seja construído um voicing completo (isto é, que contenha a sétima do acorde): basta pelo menos um, permitindo que outros surjam triádicos. Isso dá ao arranjador maior liberdade, tanto na elaboração dos caminhos das vozes (que é o mais importante num soli) , quanto na disposição vertical destas. Exemplo 119
(*) voicings em triade
b) O intervalo de segunda menor entre as duas vozes mais agudas de um soli (quaisquer que sejam o número de partes que o formam) deve ser evitado. O motivo é que, ao soar simultaneamente com uma nota meio-tom abaixo, a melodia principal acaba por confundir-se com a da segunda voz, dada a proximidade entre elas (neste caso, a sonoridade vertical sobrepõe-se à fluência das linhas melódicas - que sempre deve estar em evidência -, chamando demasiada atenção para si). Além disso, como o soli refere-se principalmente a instrumentos de sopro, pode-se imaginar a grande dificuldade de se entoar essas notas perfeitamente afinadas. Tratando-se de tétrades, o estudante precisa ficar atento quando a nota da ponta de um acorde de sétima maior for a fundamental: em tal situação, seguindo-se o procedimento habitual na construção dos voicings, automaticamente surge entre os instrumentos mais agudos uma segunda menor (em espaçamento fechado, Exemplo 120a) ou uma nona menor entre as pontas (espaçamento aberto, Exemplo 120b; na prática - principalmente quanto à afinação - o resultado sonoro é idêntico), intervalos estes formados pela sétima e pela fundamental. Há duas boas soluções para o problema: a primeira, como vimos na observação anterior, seria usar momentaneamente uma estrutura triádica (ver no Exemplo 119). Porém, a alternativa mais empregada é a simples substituição da sétima maior pela sexta (maior) da escala do acorde (Exemplo 120c e 120d, respectivamente, espaçamentos fechado e aberto). No estudo da harmonia funcional, tal prática é bastante corriqueira.
149
Exemplo 120 F7M (a)
(c)
(b)
(d)
9m
2.2 Aspecto melódico Após uma análise melódica de um tema, conseguimos identificar notas estruturais e inflexões. Quanto às tensões harmônicas e as componentes dos acordes, acabamos de ver como são harmonizadas: simplesmente completando-se a harmonia sob a nota da ponta, seja em espaçamento aberto ou fechado. Já os voicings das bordaduras, notas de passagem, apogiaturas etc., que trabalham dentro de uma melodia em função das notas-alvo, devem ser construídos - pode-se chegar facilmente a esta lógica conclusão - como acordes-inflexões. Assim, breves rearmonizações irão ocorrer dentro de um compasso: ao se construir um voicing sob a inflexão - uma nota "estranha" ao acorde -, este tornar-se-à automaticamente um acorde também estranho à harmonia do momento. Como as inflexões geralmente têm duração curta e sempre resolvem numa nota-alvo, o ouvido consegue perceber tais acordes rearmonizados exatamente como o são: estruturas transitórias que se dirigem a pontos de apoio (os voícíngs-alvo), não os confundindo, de modo algum, com a - digamos assim - harmonia oficial. O principal objetivo é dar às vozes internas (ou seja, as que ficam abaixo da principal) movimento, se possível com idênticos (ou, pelo menos, similares) coerência, direção e contorno que são observados na melodia. Com tal orientação em mente, o arranjador, por certo, conseguirá bons resultados na elaboração dos voicings referentes às inflexões. Há um bom número de técnicas de rearmonização de inflexões, criadas de modo a sistematizar e simplificar o processo do soli. Contudo, tais técnicas não esgotam as possibilidades. É até interessante, em alguns casos, criar um voicing especial, que não se enquadre em nenhum dos tipos que veremos a seguir, de modo a permitir uma condução de vozes que melhor se adapte aos princípios descritos no parágrafo anterior. Este é um assunto importante, ao qual voltaremos mais adiante.
2.3 Técnicas de rearmonização de inflexões 2.3.1 Diatônica (será usado, a partir de agora, o símbolo [D] para melhor identificá-Ia nos exemplos) Consiste em considerar a inflexão como parte de um acorde da área subdominante quando a nota-alvo for harmonizada por acorde da área tônica, e více-versa (os conceitos de áreas, ou funções, harmônicas fazem parte dos tópicos iniciais da harmonia funcional). Assim - exemplificando no tom de dó maior -, se a harmonia do compasso (e, obviamente, a da nota-alvo) é C7M (I), a inflexão poderá ser rearmonizada com os acordes de F7M ou Dm7 (respectivamente, IV e II). É importante adotar o seguinte procedimento para a construção dos voicings: primeiro, o da notaalvo, e só então o da inflexão (esta recomendação vale também para as demais técnicas).
150
Exemplo 121 [Dl
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Em (a), a harmonia do compasso, F#m7, é o VI grau da tonalidade, portanto da área tônica. Assim, a apogiatura ré foi rearmonizada como 11grau, Bm7 (é digno de nota a omissão da sétima deste voicing: o objetivo é de se evitar a repetição da nota lá, na segunda voz. Mais adiante retomaremos a esse assunto). Em (b), temos quatro opções para o voicing da nota lá: uma, considerando-a como nota estrutural (a sétima do acorde) e as três restantes, como bordadura (apesar de ela fazer parte do acorde, é bem mais lógica esta última interpretação: funciona claramente como inflexão da nota-alvo). Como a harmonia do compasso é o IV grau Bb7M, seriam então possíveis para a rearmonização Dm 7 (VI), Am7 (11I) ou F7M (I grau, o escolhido no exemplo), todos eles contendo a nota lá. Notar ainda que ambos os sib da ponta foram harmonizados como tríades, para se evitar o intervalo de nona menor com a voz mais grave (ver a obs. b dap. 149). 2.3.2 Dominante [V] Nesta técnica, a inflexão é considerada como parte do acorde dominante secundário referente à harmonia a qual pertence a nota-alvo. Assim, se esta for harmonizada em Em7, por exemplo, o voicing da inflexão que a precede poderá ser construído em B7 (obviamente, a inflexão precisa ser afundamental, a terça, a quinta ou a sétima deste para que seja possível o uso da técnica). Exemplo 122 Af>e I
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As duas inflexões foram rearmonizadas, respectivamente, com Eb7 e C7. A resolução deste último voicing dá-se numa tríade - ao invés da tétrade esperada -, por razões puramente melódicas: afinal, a linha (da segunda voz) mijá é, sem dúvida alguma, bem mais lógica do que mi-mib, que seria utilizada caso se visasse apenas o aspecto vertical do soli (pelo contrário - nunca é demais frisar -, é a condução das vozes que deve nortear tudo na escrita para sopros: voicings, espaçamentos etc.). Além do mais, logo' em seguida surge a sétima do acorde, completando a harmonia do soli.
151
2.3.3 Diminuta [0] Caso especial da técnica dominante (já que os acordes diminutos aqui são empregados com/unção dominante - mais um assunto do curso de harmonia funcional), consiste em tornar a intlexão uma das partes de uma tétrade diminuta. Como no soli a3 utilizamos apenas três partes das harmonias, têm-se sempre duas opções de escolha dentro do acorde de sétima diminuta: por ele ser simétrico (é formado por três terças menores superpostas), tanto faz omitir-se fundamental, terça, quinta ou sétima. Essa escolha deve ser regi da - mais uma vez! - pela procura da melhor condução melódica. Exemplo 123
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2.3.4 Cromática [cr] É usada quando a intlexão encontra-se à distância de segunda menor da nota-alvo. Talvezseja a técnica que mais se aproxima dos objetivos melódicos do soli, pois, ao ser empregada, faz com que as vozes internas se movimentem com idêntico intervalo (obviamente, um semitom) e na mesma direção da linha de ponta. Assim, um voicing de igual disposição de vozes antecede o alvo, meio tom acima ou abaixo deste.
Exemplo 124
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F7M
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Apesar de o sib no final do primeiro compasso poder também ser interpretado como nota estrutural (afinal, é a sétima de C7), há a opção mostrada no exemplo - que me parece mais lógica -, considerando-o como intlexão. Assim, vemos que os semitons díatônícos' também podem - e mesmo devem - ser rearmonizados da mesma forma que os propriamente ditos cromáticos. 2.3.5 Paralela [li] Se a técnica cromática é usada para intlexões que se encontram a meio-tom de distância da notaalvo, pode-se facilmente imaginar que exista o mesmo tipo de procedimento para quando o intervalo for de segunda maior: justamente a técnica paralela. Como o nome indica, todas as vozes se movem
152
paralelamente à resolução da inflexão melódica, ou seja, um tom inteiro, resultando - como no caso da técnica anterior - num voicing de aproximação idêntico ao alvo. Contudo, terminam aí as semelhanças com a cromática, pois, ao contrário desta, não existe uma, digamos, tradição histórica nos movimemo por tom inteiro: o nosso ouvido acompanha e "aceita" muito mais facilmente os deslocamentos cromáticos - estão aí, como prova, a resolução sensível-tônica (aplicada também na teoria dos acordes dominantes secundários), os múltiplos cromáticos, os acordes diminutos, os de sexta aumentada etc. 'a prática do soli, a técnica paralela costuma trazer dificuldades para a obtenção de boas linhas internas. É mais aconselhável deixá-Ia como última opção (por outro lado, ela é bastante empregada em alguns dos tipos de soli que veremos na segunda parte referente ao assunto, o Capítulo 9). Exemplo 125
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2.3.6 Múltiplo cromático [ncr] (onde n representa o número de notas cromáticas que compõem a fórmula: 2cr, 3cr etc.) Nada mais é do que a seqüência de várias aproximações cromáticas. Aúnica recomendação a ser feita é que se deve rearrnonizá-las, a partir do voicing-alvo, da última para a primeira, de modo a serem evitados acidentes desnecessários e, em conseqüência, dificuldades para a leitura. Assim, numa cadeia descendente de cromatismos devem ser usados bemóis (e, se preciso, bequadros), enquanto estes últimos e os sustenidos ficam para as inflexões cromáticas ascendentes. Exemplo 126
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É interessante observar que a nota-alvo do segundo compasso (ré#) é uma tensão harmônica, a nona de C#m7. Como foi dito anteriormente, tal coisa é perfeitamente possível devido à relativa sensação de estabilidade (porém menor que a de uma nota do acorde, é claro) que as tensões impõem.
2.3.7 Resolução indireta [ri] Uma resolução indireta detectada na análise melódica deve ser rearmonizada através da combinação de duas das técnicas acima abordadas (ou então repetindo-se a mesma técnica em ambas as inflexões).
153
É claro que, dependendo do caso, a escolha pode tornar-se evidente, como, por exemplo, num movi-
mento por semitom de uma das aproximações (técnica cromática, sem dúvida), mas o arranjador deve sempre optar pela combinação que melhores conduções oferecer para as vozes internas. É ainda importante lembrar que cada uma das inflexões que formam a resolução indireta relaciona-se não com a outra, mas com a nota-alvo, fato que deve estar sempre na mente na hora da elaboração dos caminhos melódicos dos três sopros. Exemplo 127
c ~
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Gm
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11
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~
-
3
3
As técnicas escolhidas para as duas resoluções indiretas foram: diatônica + cromática (primeiro compasso) eparalela + dominante (segundo compasso). O estudante, como treinamento, deve tentar outras possibilidades.
2.4 Considerações gerais sobre o soli a3 a) Mudanças de espaçamento só devem ser feitas com propósitos bem definidos: como mais uma forma de contraste expressivo entre frases ou partes de um arranjo, para destacar um ponto de importância harmônica (fechando-se o voicing através de movimento contrário entre as vozes extremas, por exemplo), ou mesmo para melhorar a condução de uma das linhas - apesar de ser aconselhável tal uso apenas em situações de "emergência". Aalternância pura e simples dos espaçamentos fechado e aberto, como se costuma dizer, à maneira de sanfona, dificilmente deixa de resultar - na segunda e na terceira vozes - em linhas melódicas angulosas e pouco lógicas que, ao contrário do recomendável, afastam-se do contorno e da direção da melodia principal. b) Notas repetidas devem ser evitadas nas vozes internas, se a melodia não as tiver. Além do fato óbvio de, desse modo, não acompanharem a voz principal, para certos instrumentos, como os saxofones, tocar a mesma nota dentro de fraseados dos quais se espera fluência e articulação suingada, prejudica - fragmenta - a interpretação e, por extensão todo o soli. Existem duas boas soluções para remediar esse problema: pode-se trocar uma ou mais técnicas de rearmonização de inflexões existentes no trecho, conseguindo-se, assim, alternativas melódicas para este, ou simplesmente cruzar as vozes internas, como pode ser visto no Exemplo 128a. Contudo, quando a ponta intencionalmente repete notas (por exemplo, em backgrounds percussivos - ver Capítulo 13), o melhor é que os instrumentos restantes também repitam suas partes (Exemplo 128b). Em outras palavras, a regra é sempre se procurar que as linhas internas de um soli - seja ele a3, a4 etc. - aproximem-se o máximo possível das características da melodia principal.
154
Exemplo 128 (a) I
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(b)
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»
>
»
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• ••
••
~
c) Como já foi dito, as técnicas de rearmonização de inflexões nada são que maneiras de auxiliar na elaboração das linhas que se encontram abaixo da melodia principal. A diversidade dessas técnicas permite ao arranjador um bom leque de opções (há casos em que uma mesma inflexão pode ser rearmonizada de três ou mesmo quatro modos diferentes), mas é possível que, numa determinada situação, nenhuma delas forneça melodias internas satisfatórias. No entanto, este é um problema fácil de se solucionar: basta que, no trecho, criemos para as linhas os caminhos que mais nos agradem, pensando apenas horizontalmente - o voicing da inflexão em questão será assim conseqüência de tais caminhos. É possível até que nem mesmo forme um acorde "regular", como o que acontece quando se aplica alguma das técnicas: nenhum inconveniente, pois este fato não causa nenhuma estranheza na compreensão harmônica da passagem, mesmo porque, como sabemos, são instantes relativamente curtos, em pontos instáveis que imediatamente resolvem em notas-alvo, estas, sim, fortemente "ancoradas" na harmonia do momento. Afinal, não podemos nunca nos esquecer que instrumentistas deverão interpretar cada uma das partes: isso torna imprescindívelse é nosso desejo que o soli soe como se fosse tocado por apenas um instrumento - dar a cada músico melodias que sejam coerentes, sem movimentos ilógicos e que (na maioria das vezes) se assemelhem à principal; melodias que, enfim, não o façam sentir-se como mero "preenchedor de buracos harmônicos". Assim, a escolha da técnica a ser usada (ou, na falta de boas opções, o tratamento horizontal das partes) passa a ser totalmente subordinada a tal preocupação. Uma outra boa aplicação dessa alternativa melódica é na conexão de dois voicings em diferentes espaçamentos (Exemplo 129). Podemos ver, no trecho abaixo, que a intenção do arranjador foi sublinhar a antecipação que marca o fim da frase com uma mudança de espaçamento, de fechado para aberto. Para isso, procurou usar movimento contrário entre as pontas, o que o fez criar suas próprias linhas internas, desconsiderando as técnicas de rearmonização existentes para a inflexão fá (que, apesar de fazer parte do acorde, é bem mais logicamente assim interpretada do que como nota estrutural). O voicing resultante (mi-Iá#-fá), aparentemente sem nenhum sentido harmônico-funcional (como haveria se fosse aplicada a técnica diatônica ou a dominante, por exemplo), nada mais é do que um instantâneo vertical dos movimentos das três vozes.
155
Exemplo 129 [xl>
d) Diversas combinações instrumentais funcionam bem em soli a3: desde trios de flautas, de oboés, ou de c1arinetas (como se pode encontrar facilmente em partituras de sinfonias), de trompetes (em conjuntos de música caribenha, por exemplo) ou de saxes, a, até mesmo, grupamentos mistos, com as mais diversas combinações. uni destes é, devido às várias qualidades, sem dúvida alguma o mais empregado pelos arranjadores: trompete, sax (alto ou tenor) e trombone. Os dois metais, de ataque bem mais incisivo e de maior capacidade dinâmica, envolvem o saxofone que, por sua vez, acaba funcionando como uma espécie de argamassa, que dá coesão ao conjunto. Podemos encontrar tal formação em muitos estilos musicais, rock, funk, jazz, samba, reggae etc.
2.5. Construção de um exemplo prático Faremos, mais uma vez, uso do tema daquele nosso já velho conhecido samba, que foi mostrado na íntegra, juntamente com sua análise melódica, na p. 143, como exemplo de um arranjo de três sopros em soli. Da mesma maneira vista quando da elaboração do exemplo a duas partes, é sempre aconselhável utilizarem-se texturas diversas (uníssonos, solos - com uma ou duas vozes tacet, contramelodias etc.) como contraste expressivo ao soli. A título de exposição das possibilidades existentes, planejaremos o presente exemplo de modo diverso ao escolhido para o caso anterior. Como instrumentação, c1arineta, sax alto e sax tenor. Para facilitar sua visualização por completo, o exemplo foi escrito nas duas páginas seguintes.
156
Exemplo 130 Dm79 >
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Observações A (compasso 16): neste ponto, após iniciarem a frase de forma aberta, as três vozes convergem pars antecipação do compasso seguinte, alcançando-a em espaçamento fechado. Isto marca o começo ~;
158
uma nova seção - aproximadamente na metade do arranjo - onde os três instrumento ,-....:u.;~'1U= seu turno, atuarão brevemente como solistas, antes do retorno à textura de soli. B (compasso 25): é interessante notar, aqui, que o tenor imita a frase que acaba de ser tocada pelo sax alto, o que contribui ainda mais para o contraste desta seção central, de caráter semicontrapontístico em relação às outras. C (compasso 28): a volta ao sob - quase uma recapitulação - é preparada neste compasso, novamente através de movimento contrário entre as pontas, só que, desta vez, divergindo para o espaçamento aberto (notar o uso do intercâmbio de espaçamentos como recurso expressivo, marcando finais e entradas de idéias). É conseguido por simples condução melódica das três vozes em direção ao objetivo (ver o segundo parágrafo da observação [c], p.141). D (compasso 34): tendo-se como meta principal, mais uma vez, a mudança de espaçamento para grifar um ponto de importância harmônica (a nota so/# do compasso seguinte), a regra que impõe limites íntervalares entre as vozes não foi, aqui, excepcionalmente, considerada. A grande distância (décima menor) entre claríneta e sax alto, neste ponto, mesmo por ser de relativa brevidade, é tolerada se existe a intenção de apoiar os saltos da melodia principal com movimento quase escalar e em sentido contrário das outras duas (é evidente que se trata, aqui, como foi dito, da intenção demonstrada pelo arranjador, que poderia certamente ter-se decidido por caminhos até opostos, é bom sempre frisar). E (compasso 35): outra das regras vistas anteriormente foi aqui quebrada, a que diz que uma tensão harmônica na melodia principal deve ser harmonizada como se substituísse a nota do acorde imediatamente abaixo. Pois bem, neste caso, a tensão, a décima primeira aumentada do acorde substitui a quinta e não a terça, como deveria. Arazão desta quebra são essencialmente os caminhos melódicos pretendidos pelo arranjador para as linhas dos saxes alto e tenor, os quais as conduziram para as melhores opções harmônicas, respectivamente dó efá# (se a regra fosse observada literalmente, seria sacrífícada a idéia principal). Além disso, a terça e a tensão "convivem" perfeitamente bem no mesmo voicing (há, ainda, um outro fato que ajuda na escolha, ao qual voltaremos daqui a algumas páginas: apenas à tensão décima primeira aumentada, em acordes dominantes, é facultada a possibilidade de substituir tanto a nota do acorde acima quanto a que está abaixo, como acontece aqui no nosso caso).
2.6 Exercícios 1) Arranjar a música O ovo, de Hermeto Pascoal, para três flautas em soli, baixo e percussão. 2) Escrever para trompete, sax tenor e trombone (ver, no próximo capítulo, as extensões dos metais) em soli a3, mais base rítmica, um arranjo para a música lsn't she lovely?, de Steve Wonder.
3. SoU a quatro partes
o acréscimo
de mais uma parte ao soli traz - obviamente além de maior densidade possibilidades de se armarem os voicings dentro do espaçamento aberto. Veremos, a seguir, quais são essas opções.
159
novas
3.1 Tipos de espaçamento 3.1.1 Fechado Quanto a este, não há nenhuma mudança em relação ao que foi visto em relação ao soli a3, ou seja, basta que se construa o voicing a partir da nota da ponta, de modo que todas as quatro partes fiquem no âmbito de uma oitava. Exemplo 131 C7M
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Fm7
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3.1.2 Aberto
o espaçamento aberto pode ser dividido em quatro categorias, cada uma representando um determinado grau de "abertura": as três primeiras seguem uma ordem bem lógica e baseiam-se no mesmo procedimento, que consiste em se deslocar uma ou duas vozes (obviamente, não a melodia) oitava abaixo da posição que ocupariam em espaçamento fechado. Para esta técnica é comumente empregado o termo inglês to drop (literalmente, "cair"), mas, neste livro, ela será chamada de "ajuste de oitava". Assim, por exemplo, dependendo da preferência de terminologia, diz-se que no trecho do soli foi usado drop 2, ou então ajuste de oitava-2, quando a segunda voz fordeslocada uma oitava abaixo. Caso seja a terceira, ajuste-3 (ou drop 3), e segunda e quarta, ajuste-z=-; (drop 2+4). É evidente que a quarta voz não pode ser jogada sozinha oitava abaixo, pois se afastaria ainda mais das outras, ultrapassando o limite máximo de espaçamento do soli a4 (que veremos qual é, mais adiante). Aquarta categoria, separada das anteriores, é chamada de "spread" (não há um bom termo equivalente em português para spread- que pode ser traduzido por "espalhado" ou "estendido" -, razão pela qual será melhor usá-lo em inglês mesmo). Veremos os detalhes e exemplos de cada caso a seguir: Ajuste de oitava-2 (ou ajuste-2, ou, mais simplesmente, U) Como foi dito, consiste em se "jogar" oitava abaixo o que seria a segunda voz de um soli em espaçamento fechado. Usaremos o mesmo trecho mostrado no Exemplo 131, desta vez em ajuste-2, para melhor comparação. Exemplo 132 I
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160
Ajuste de oitava-3 (ajuste-3 ou 3,1,) Um pouco mais aberto que o ajuste-2 pela razão de ser a terceira a voz deslocada oitava abaixo. Exemplo 133
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Fm7 I
I
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Ajuste de oitava-2+4 (ajuste-Zs-i ou 2+4,1.) A segunda e a quarta vozes, em relação ao posicionamento fechado, passam para a oitava abaixo. Exemplo 134 Fm7 I
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I
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I
Se colocarmos lado a lado um mesmo acorde, escrito em espaçamento fechado e nos três tipos vistos acima, poderemos facilmente observar, na seqüência dos ajustes 2, 3 e 2 +4, uma espécie de crescendo de abertura de voicing. Este fato é, aliás, bem aproveitado em arranjos, como mais um dos recursos expressivos à mão. Exemplo 135
A7M I
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(2,1,)
(2+4,1,)
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~
~
Spread
o spread segue uma lógica diferente daquela dos outros tipos de espaçamentos abordados: nele, a principal característica é o fato da quarta voz ser, obrigatoriamente, o baixo do acorde pedido na cifragem
161
(ou seja, a fundamental deste, a menos que uma inversão seja exigida). O motivo é que, por ser bem grave, a melodia da quarta voz poderia chocar-se com a linha do baixo (instrumento), caso tocasse notas diferentes desta (é sempre bom lembrar dos problemas acústicos decorrentes de intervalos demasiadamente graves). As demais vozes devem ser armadas da maneira mais aberta possível, tendo-se sempre em conta o cuidado de conduzi-Ias em melodias lógicas e coerentes (de preferência, por grau conjunto). Como já se sabe, o espaçamento aberto é mais apropriado para andamentos lentos, e o spread não foge a esta regra: mais lento e com as vozes mais separadas, torna-se bem mais fácil perceber as diferentes linhas internas e, em conseqüência, eventuais falhas em suas conduções (sem falar no fato mais importante - já repetido algumas vezes aqui neste livro -, que é a consciência que o arranjador precisa ter de que tais linhas serão tocadas por instrumentistas e não por máquinas: a intenção - pelo menos a intenção deve ser sempre fazer delas melodias dignas de tal nome).
a) Como pode ser visto no exemplo acima, a escrita em spread assemelha-se ainda mais àquela usada por Bach para a música coral, descrita no início deste capítulo. Nela, devido à relativa lentidão do andamento e à densidade rarefeita da textura, torna-se natural- quase lógico - que as quatro vozes movam-se de forma bem mais independente (quanto ao ritmo) que a observada em um soli convencional. Assim, as diferentes notas estruturais das linhas internas costumam ser conectadas por inflexões, que nem sempre são articuladas simultaneamente (como o que acontece nas rearmonizações de inflexões em outros tipos de espaçamento). Apesar de nada haver contra o uso das técnicas (que, como veremos a seguir, são as mesmas do soli a3), esta prática quase contrapontística, tipo coral é, em spread, a mais apropriada. b) Quanto à quarta voz, a necessidade que esta tem de dar o baixo do acorde não a obriga a sustentar tal nota ou então a repeti-Ia (caso haja movimentação das outras vozes) enquanto durar a harmonia em questão. Seria demais ingênuo tal raciocínio, sem contar que resultaria em melodias paupérrimas, que já vimos - no estudo do baixo - serem de pouco valor musical, mesmo se considerássemos unicamente seu aspecto harmônico. Como pôde ser observado no Exemplo 136, o baixo precisa aparecer, sim, mas apenas nas mudanças de acorde, deixando a voz livre para movimentar-se com ajuda de inversões e/ou inflexões melódicas que liguem os diversos pontos estruturais (se nos lembrarmos do capítulo sobre a base rítmica, veremos que exatamente da mesma maneira se cria uma linha de baixo que satisfaça as funções melódica, rítmica e harmônica). c) O intervalo máximo permitido entre as vozes - nas mudanças de harmonias - é o de oitava (exceção: da quarta para a terceira, a distância pode ser de uma décima). Porém, dentro do mesmo acorde (ver Exemplo 136), permite-se uma maior flexibilidade desses limites.
162
d) o spread é empregado em músicas ou passagens que peçam profundidade e um certo peso no grave. É também eficaz como background harmônico (ver Capítulo 13), acompanhando um soli e) Por motivos evidentes é, dentre os diversos tipos de solil espaçamentos, o melhor para ser usado em arranjos com vozes humanas.
3.2 Limites para intervalos graves Os limites que veremos abaixo - pode-se bem imaginar quanto são importantes para o presente assunto - foram conseguidos de modo empírico e nos servirão como uma espécie de guia que se deve sempre consultar, quando da escrita para soli. Sem esse cuidado corre-se o risco de escrever algum intervalo que, se no papel nos parece perfeitamente claro, durante o show ou a gravação soará embolado, com harmônicos indesejáveis, e/ou trará grandes dificuldades para a afinação. Arazão de tais problemas está na nossa já velha conhecida série harmônica ou, para ser mais preciso, nos diferentes graus de simpatia que duas notas de um determinado intervalo - e, conseqüentemente, suas respectivas séries - podem ter (reler o tópico da p. 52). Os limites abaixo relacionados são principalmente dedicados a sopros, mas sua aplicação pode ser também estendida às demais classes de instrumentos. (2m)
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[*] - não há limite para a oitava
3.3 Técnicas de rearmonização de inflexões Não há nenhuma diferença no que se refere ao que foi tratado em relação às três partes. 3.3.1 Diatônica Exemplo 137
C#m7
(esp. fechado)
163
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(fechado)
164
3.3.6 Múltiplo cromático Exemplo 142
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3.3.7 Resolução indireta Exemplo 143 E~6 I
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(*) - uso das técnicas DIATÓNICA
E DIMINUTA
Pensando na ampliação desse sistema de técnicas de rearmonização - e, conseqüentemente, no número de opções para a criação de linhas internas cada vez mais melódicas (vale a pena aqui reler a observação c da p. 155) -, podem ser feitos os seguintes acréscimos (todos eles requerem do estudante um conhecimento mais aprofundado da harmonia funcionalprincipalmente dos assuntos "empréstimo modal" e "dominantes especiais". Vale a pena, neste momento, uma consulta ao quadro de cifragens harmônicas analítico-funcionais que se encontra no Apêndice 2): a) Na técnica díatôníca, além dos graus I, III e VI, poderão, a partir de agora, também ser considerados da área tônica os acordes 1m, bIII7M e bVI7M (ou seja- por exemplo, em dó maior-, respectivamente em 7, Eb7M e Ab7M). Para a área subdominante, ao lado de IV e 11,incluiremos #IVm7 (b5) [no exemplo em dó, F#m7(b5)], V7(sus4) [G7(sus4)], IVm7 [Fm7], IIm7(b5) [Dm7(b5)], bll7M [Db7M], bVII7 [Bb7] e bVI7M [Ab7M]. É interessante notar que este último grau (bVI7M) pode ser tanto usado como pertencente à área tônica quanto à subdominante! Isto se explica facilmente pela sua dupla funcionalidade harmônica: substituto do VI (e, portanto, tônico) ao mesmo tempo que é um dos componentes do grupo de acordes subdominantes menores (os que contém a nota bVI -láb, em dó maior). Para aqueles a quem tais informações parecerem um tanto obscuras, recomendo mais uma vez a consulta da literatura referente à harmonia (aliás, não só a funcional), matéria básica para este e quase todos - para não dizer logo todos! - os estudos musicais.
165
Exemplo 144 Gm7
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b) Na técnica dominante as inflexões poderão também ser consideradas partes de acordes "subv" que resolvem nos acordes-alvo (por exemplo, subV/IlI-7IJI). Exemplo 145
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c) Podemos também ampliar o número de possibilidades de rearmonização dentro da técnica diminuta, se considerarmos a inflexão melódica como tensão (ou seja, à distância de segunda maior acima de uma das notas de uma tétrade diminuta). Por exemplo, considerando o acorde D#07 (componentes: ré#, fá#, lá e dó), suas tensões -fá, láb,dóbe ré - formam igualmente uma tétrade diminuta, F7°, posicionada uma segunda maior acima daquela. Exemplo 146 ~ ~
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afá)
3.4 Substituição de notas do acorde por tensões harmônicas
o soli a4 permite
que - sob certas circunstâncias - substituamos, dentro das vozes internas, notas do acorde por tensões. Duas boas razões justificam tal aplicação: a) Como mais uma opção na hora de se escolher o melhor caminho para uma ou mais linhas (notar a freqüência com que é frisado esse verdadeiro mandamento da escrita para soli que é a
166
condução de vozes. Não à toa, mas com a intenção de destacar sua vital importan . ranjos para sopros), já que, ao se trocar uma nota por sua tensão correspondente pode-se c~rr. por exemplo, uma repetição indesejável; _ b) em pontos de importância harmônica (como por exemplo, um final de frase), uma tensão pode enriquecer ou temperar harmonicamente a sonoridade do voicing, assim destacando-o em relação à textura anterior (espécie de contraste puramente vertical). Veremos a seguir as condições necessárias para a realização de tais substituições, bem como exemplos das situações descritas acima. A principal recomendação a ser feita é que não se substituam notas de acordes que estejam abaixo de
fá2 (este limite para tensões, estabelecido por meio de meios empíricos, já foi mencionado quando do estudo sobre o piano. Ver pág. 83). Se isso for cuidadosamente observado, não haverá restrições para que, em quaisquer das três vozes mais graves, em todos os tipos de espaçamento, possam haver substituições (é óbvio que quanto mais aberto for o espaçamento, menos opções existirão). (limite grave para tensões harmônicas)
o
Tensões que podem substituir notas de acordes: • Nona - substitui afundamental em qualquer tipo de acorde, com exceção daqueles cuja escala contenha terça e nona menores (ou seja, acordes dos modosfrígio e lócrio, e demais meio-diminutos não diatônicos). Em acordes dominantes que a possuam em seu modo (mixo-b9, mixo-b9, b13 e dominantes alterados), a nona menor pode tranqüilamente substituir a fundamental. Exemplo 147 C7M ~
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Observações A (compasso 1): na terceira voz, terceira colcheia, foi empregada a substituição da fundamental pela nona (fá), de modo a se evitar repetição de nota. 13 (compasso 6): dentro do spread, que marca o que poderíamos classificar de segunda parte do tema, momentaneamente as três vozes mais agudas unem-se em um soli a3 fechado, de modo a sublinhar a resolução indireta réb-fâ-mib. Em seguida, retornam à escrita de spread normal.
c (compasso
7): o lá natural na quarta voz nada mais é do que uma nota de passagem cromática. Como já foi visto, no spread, pela relativa maior liberdade que se concede às vozes, é muito comum que estas façam uso de inflexões em momentos diferentes. D (compasso 8): a mesma liberdade descrita acima permite aqui que a segunda voz imite o motivo anterior apresentado pela melodia principal, num contexto quase contrapontístico. E (compasso 10): após a volta ao espaçamento fechado, que finaliza a "seção" em spread ao mesmo tempo em que prepara o ouvido para o final (compasso 9), há, neste momento, um interessante emprego da alternância de espaçamentos como efeito expressivo: aproveitando-se da melodia frisar uma única nota (fá#) , as outras vozes atacam em suas acentuações enquanto vão, gradualmente, abrindo, o que leva, principalmente o baixo, a notas cada vez mais graves, numa espécie de movimento oblíquo com a ponta. Uma análise minuciosa do arranjo (aliás, não só deste, como do maior número que se possa encontrar) pelo estudante quanto aos demais aspectos existentes em um soli (técnicas de rearmonização utilizadas, caminhos melódicos das vozes, planejamento dos espaçamentos etc.) certamente lhe trará ainda muitas informações úteis para seus próprios trabalhos (muitos, se possível), sendo, portanto, ingrediente fundamental para se adicionar à sua experiência.
170
1
3.6 Exercícios 1) Completar o arranjo do soli do Exemplo 150, transpondo os sopros, adicionando sinais de dinâmica e de articulação (não esquecer que são importantíssimos, já que podem contribuir tanto para a melhoria quanto até para uma desfiguração do conjunto; valea pena dedicar todo tempo e cuidados necessários para ter, na medida do possível, a melhor solução). Alémdisso, criar as partes da base (piano, baixo e bateria) dentro do estilo do jazz. 2) Fazer o arranjo da músicaAs rosas não falam (de Cartola) para flauta, duas clarinetas, clarone, violão, baixo e percussão (não se esquecer do planejamento da tarefa).
4. Soli a cinco vozes É possível perceber pelo título que, em relação ao soli a4, neste não há acréscimo de parte real, mas sim de apenas mais uma voz, que faz justamente o dobramento da melodia. O uso de uma quinta parte tornaria a sonoridade demasiada (e, na maioria das situações, desnecessariamente), densa, carregada, o que acabaria por prejudicar a clareza da percepção, não só das linhas internas como da própria melodia principal (embora em algumas circunstâncias - nos pontos de importância vertical, por exemplo -, um voicing com cinco partes possa ser empregado com propriedade. Falaremos sobre isso mais adiante). O dobramento - que é sempre feito uma oitava abaixo - é, portanto, uma tentativa de se equilibrar o som do conjunto, ao dar mais peso à ponta, compensando a entrada da quinta voz. Podemos, assim, concluir que o soli aS nada é além de uma variante mais reforçada do a quatro partes e, por isso, todas as considerações vistas para este último (espaçamentos, técnicas de rearmonização, substituições harmônicas etc.) permanecem valendo. Vejamos inicialmente o aspecto de um soli aS escrito nos diferentes tipos de espaçamento. .
Exemplo 151 (a) soli a4 [fechado]
(b) soli a5 [fechado]
(d) soli a5 [3J..]
(c) soli a5 [Ú]
(e) soli a5 [2+4J..]
(*) (*)
171
É fácil observar que, dependendo do espaçamento empregado, o dobramento muda de voz: quinta no fechado, quarta nos ajustes de oitava 2 ej, terceira no 2+4. A propósito deste último espaçamento, em (e), nos voicings assinalados, podemos ver que o limite intervalar grave para a quarta justa (ver p.163) foi consideravelmente excedido pelas duas vozes mais graves, o que tornaria inviável, na prática, o seu emprego para tal trecho melódico. O spread foi deixado propositalmente de lado nesta exposição, por ser ele objeto de uma das observações do próximo tópico.
4.1 Considerações gerais sobre o soli aS a) Sem dúvida nenhuma, a instrumentação mais apropriada para o soli aS é a seção de saxofones de uma big bando Formado por dois altos, dois tenores e um barítono, é como se o naipe dos saxes necessitasse de um pouco mais de peso e reforço da própria linha de ponta para poder melhor equilibrar a sonoridade do conjunto de sopros, que é ainda composto pelas (relativamente mais fortes) seções dos trompetes e dos trombones (ambas com quatro elementos cada). Podemos ainda encontrar ensembles menores - quase invariavelmente formados por saxofones -, como o americano Supersax que, utilizando a técnica do soli aS, especializou-se em intricadíssimos e perfeitamente executados arranjos de composições e solos do grande Charlie Parker. b) Como foi acima comentado, em certas ocasiões o dobramento pode ser interrompido para que o soli momentaneamente passe a conter cinco partes efetivas. Tais situações são aquelas em que a interrupção da dobra da melodia não vá causar seu enfraquecimento (por exemplo, finais de frases são perfeitos para essa mudança de escrita. Ver Exemplo 152a) ou que, por algum outro motivo, quase sempre estilístico, peçam uma sonoridade harmônica bem densa. Neste último caso, é até mais comum que o soli aS partes seja usado num trecho inteiro, e não apenas em uma nota. Apesar de ser possível, aconselho o estudante a empregar esse tipo de escrita com muita parcimônia, não apenas por apresentar grande dificuldade técnica de realização, mas, principalmente, por ser mais apropriada a certas situações/condições restritas, que nem sempre se apresentam facilmente: andamento lento (que torna o spread, naturalmente, a melhor opção de espaçamento, como pode ser observado no Exemplo 152b); estilo e linguagem harmônica, digamos assim, contemporâneos, acordes de pouca ou nenhumafuncíonalidade, com várias tensões (para uma melhor referência, podem ser citados alguns exemplos de composições que se enquadrariam em tais requisitos: Time remembered, de Bill Evans, Footprints, de Miles Davis, Insensatez eAna Luiza, de Torn jobim, Naima, de Iohn Coltrane, entre vários outros). Para se ouvir a sonoridade desse tipo especial (e, pelas condições exigidas vistas acima, algo raro) de escrita para sopros, recomendo o disco Yes,yes, nonet, do grupo do saxofonista americano Lee Konitz. Exemplo 152
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c) Quanto às possibilidades de substituição de notas dos acordes por tensões, em vozes internas que não sejam a do dobramento, são as mesmas do soli a4. No entanto, o arranjador deve reforçar sua atenção no sentido de evitar que tais substituições sejam feitas abaixo do limite grave para tensões harmônicas (ver p. 167).
4.2 Outras possibilidades de escrita para cinco ou mais sopros Além do já visto soli a4 com dobramento (bem como o mais raro aS partes), podemos obter uma boa quantidade de variantes no emprego de cinco ou seis instrumentos de sopro (é evidente que seria possível continuar a lista: sete, oito etc.; mas, na prática, torna-se muito difícil encontrar grupamentos tão grandesse já não o são, diante de nossa realidade musical, os de cinco e seis vozes'). Eis algumas delas: Cinco vozes Soli a4 + melodia independente - Aqui, a melodia principal não necessariamente se move com idêntico ritmo do soli (na maioria dos casos, este último é menos ativo, funcionando quase sempre como uma espécie de background daquela). Apesar disso, ambas as linhas - a principal e a ponta do solicostumam ter uma certa semelhança e encontram-se em alguns pontos (antecipações, por exemplo). Exemplo 153
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Exemplo 154
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Seis vozes Soli a6 - Nele, há dois dobramentos: o da melodia principal e o da segunda voz, ambos oitava abaixo. Pouquíssimo usado. Exemplo 155
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Outras possibilidades - Podemos, com seis vozes, obter várias alternativas de escrita: melodia independente ou linha de baixo acompanhada por soli aS, melodia e baixo envolvendo um soli a4, ou até mesmo um diálogo entre dois soli a3, numa espécie de contraponto (veremos, mais adiante, ser este um dos procedimentos existentes na escrita de arranjos para big bands), entre muitas outras. O Exemplo 156 mostra-nos um pouco dessas variantes que, não custa repetir, são de uso relativamente raro se comparadas com os outros tipos abordados. Exemplo 156 + soli a4
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4.3 Exercícios 1) Transformar o solí a4 do Exemplo 150 em um a cinco partes, adicionando mais um sax alto ao conjunto. Fazer adaptações, se necessário. 2) Arranjar a música A child is born (Thad jones) para soli aS partes (reler a obs. b da p. 172) e base. Instrumentação: c1arineta, sax alto, sax tenor, c1arone e sax barítono; piano, baixo e bateria. 3) Fazer um arranjo de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, para quinteto de saxofones, violão, baixo e percussão. Planejar de modo que o soli aS (vozes) seja predominante na peça, porém não se esquecendo dos contrastes de texturas (uníssono, soli a2, solo, imitações etc.) de modo a tornar o resultado o mais musical possível.
175
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3
Organum - palavra latina para designar a considerada primeira forma de polifonia da história, introduzida na Idade Média, e que foi usada pelos compositores durante o longo período, entre os séculos IX e XIII. Consistia, no início, em se adicionar a um canto gregoriano existente uma linha paralela escrita quarta ou quinta justa abaixo. Em estágios posteriores começaram-se a usar outros intervalos, não mais necessariamente paralelos, a incluir "embelezamentos" (ou melismas) melódicos na voz acrescentada, enquanto o canto sustentava notas longas, o que, somado a outros fatores, conduziu a música à chamada Ars Nova (em oposição à Ars Antiqua), o período artístico iniciado no século XIV,no qual ocorreram notáveis desenvolvimentos da polifonia. Tacet - termo oriundo do latim, significando, em linguagem musical, que um determinado instrumento deve permanecer em silêncio por todo um trecho. Semitons diatõnicos e cromáticos - os diatônicos são aqueles que pertencem à escala da tonalidade - no caso de um tom maior, são os existentes entre os graus IV-III e VII-I (por exemplo, em dó maior:fá-mi e si-dó). Os cromáticos abrangem todos os demais semitons possíveis (dentro do mesmo exemplo,já#-sol, mib-ré, dó#-ré etc.).
177
Metais
Os instrumentos de sopro da classe dos metais! são relativamente bem antigos. Eram, a princípio construídos de madeira, de ossos ou chifres de animais, sendo usados em ocasiões festivas, rituais religiosos ou mesmo nas guerras. Trombetas e trompas (embora muito diferentes dos modelos atuais) já eram conhecidos no início da Era Cristã. O trombone de vara, apesar de ter sido criado durante a Renscença, é, contudo, um dos instrumentos que menos modificações estruturais sofreu até os nossos dias. Com a invenção do sistema de pistões (c. 1815, embora a novidade não tenha sido adotada de imediato pelos compositores) aconteceu um grande impulso, tanto na construção quanto na evolução da técnica, dos trompetes e trompas (e de outros instrumentos de suas famílias), até então ditos naturais (ver nota 4, p. 99). Conseqüentemente, tal fato levou os compositores da época a explorar a seção dos metais com muito mais consistência, ousadia e profundidade, o que acabou por acarretar mudanças significativas até mesmo no pensamento musical do Romantismo, que se iniciava. As orquestras começavam a depender menos das cordas - que dominaram o cenário do Barroco e do Classicismo - apoiandose também nos sopros (como já vimos, as madeiras, igualmente, atravessavam uma fase de grandes aperfeiçoamentos), que, ao perderem as antigas limitações de dinâmica, registro, agilidade, articulação e mesmo de produção de notas (era o caso do trompete, como veremos), igualavam-se àquelas, possibilitando uma enorme variedade de combinações e de contrastes tímbricos, antes impensáveis. Ao contrário das madeiras, em que o sistema de obtenção das notas baseia-se principalmente no "encurtamento" do tubo por meio da abertura dos vários furos em seu corpo (como sabemos, a freqüência do som obtido varia proporcionalmente com a alteração no comprimento do tubo sonoro), nos metais, da combinação da pressão do diafragma com mudanças de tensão labial da embocadura, o instrumentista consegue tirar um número variável de harmônicos (normalmente - dependendo do tipo de instrumento e de alguns outros fatores - de sete a 12, embora tal número possa chegar até mesmo a 20!) a partir de uma determinada nota fundamental. Enquanto nos instrumentos mais simples, exatamente os naturais, há apenas uma fundamental, no trombone e nos que são aparelhados com o sistema de pistões (trompete, corneta, flügelhorn) ou com similar, composto por válvulas giratórias (trompa, tuba). Estas chegam a sete: devido à ação das válvulas, pistões ou da vara do trombone, o ar passa através de um sistema de extensões tubulares, fazendo que seu "caminho" aumente (e em conseqüência, variando o comprimento do tubo sonoro), o que vai corresponder a um acréscimo de seis semítons mais graves que a fundamental natural. É como se o instrumento se transformasse em sete, cada um afinado numa nota diferente, com suas respectivas séries harmônicas: isso possibilita ao músico executar passagens cromáticas, ou mesmo escolher, entre duas ou mais posições (é como são chamadas as alterações no comprimento do tubo), a melhor maneira de tocar uma determinada nota, o que antes era completamente inviável. Tomemos como. exemplo um fictício instrumento de metal afinado em sol! (ou seja, tendo esta nota como fundamental), suas sete posições seriam então: sol, solb (oufá#),fá, mi, mib (ré#), ré e réb (dó#). Aprimeira delas forneceria as notas' sol, ré3!sol3! si3! ré4,fá4 e sol, (consideremos, aqui, serem oito o número de harmônicos que o instrumentista pode comodamente obter). As demais posições apresentariam séries análogas, também com oito notas cada, completando todo o quadro cromático (obviamente, mais rarefeito no registro grave do instrumento - basta nos lembrarmos da configuração intervalar
179
da série harmônica para que isso seja bem compreendido). O estudante deve, como exercício, escrever as notas das seis posições restantes. Trataremos, nesta primeira parte relativa a metais, daqueles mais utilizados dentro da música popular: o trompete e o trombone.
1. Trompete
Inglês: trumpet Francês: trompette Italiano: tromba Alemão: trompete Abreviatura: tp. ou tpt. Como foi dito, o trompete moderno é relativamente bem recente. Apesar de existirem vários tipos, em diferentes afinações e tessituras, o mais usado é o que tem por fundamental a nota sib (quando dizemos "trompete", é a ele a que nos referimos). É um instrumento transpositor e, como a clarineta e o sax soprano, suas melodias devem ser escritas uma segunda maior acima do som real.
(transposto)
1.1 Observações
a) Em cada uma das posições do instrumento - que são obtidas por combinações de seus três pistões - o trompetista médio consegue emitir sete harmônicos. Contudo, tal limite pode ser excedido consideravelmente (o americano Maynard Ferguson, por exemplo, costuma explorar notas altíssimas em seus solos), embora não seja aconselhável fazê-lo em arranjos de soli. É interessante destacar que, até meados do século XVIII, era comum que certos músicos se especializassem em tocar apenas no registro extremo agudo do instrumento, como vimos anteriormente, o chamado "clarino" (assim como, é claro, existiam experts em notas graves). Então conseguia-se alcançar a vigésima ou a vigésima primeira parcial da série da fundamental. Entretanto tal prática acabou por cair em desuso no final do Classicismo. Abaixo, as notas que podem ser tiradas nas sete posições do trompete: (TRANSPOSTO)
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Obs.: 1) As posições estão indicadas por algarismos romanos, enquanto as digitações dos três pistões, entre colchetes, por arábicos (nos quais o "zero" significa que nenhum pistão deve ser acionado); 2) como foi dito anteriormente, as fundamentais das posições não estão presentes na relação acima (apesar de, sob circunstâncias muito especiais - principalmente em solos virtuosísticos - poderem ser produzidas); 3) as notas negras - o sétimo harmônico de cada série - são, por natureza (como já sabemos), de difícil afinação e, assim, evitadas normalmente.
b) Como pode ser facilmente visto no quadro acima (e pelo que já conhecemos da configuração dos harmônicos), no registro médio-agudo, algumas notas podem ser tiradas em duas posições diferentes. Isso torna-se um recurso útil em passagens tecnicamente difíceis ou na resolução de ocasionais problemas de afinação (que, aliás, são maiores nas posições que utilizam o terceiro pistão). Por exemplo: a nota dÓ4 pode ser encontrada nas posições I e V.O arranjador, contudo, não precisa se preocupar nem com a indicação de tais detalhes técnicos, tampouco com a escolha da melhor opção, que ficam inteiramente ao encargo do instrumentista. c) O trompete é muito versátil, apesar de tradicionalmente ser associado à música marcial ou de caráter heróico, ou de ter sido sempre deixado para momentos que exigiam bastante força e brilho. Ainda que tenha nesses usos, inegavelmente, sua maior característica, o trompete vem cada vez mais sendo empregado, em especial na música popular, nos contextos mais diversos, até mesmo como solista em baladas líricas. Possui grande agilidade e tem como ponto forte a precisão e a clareza no ataque das notas (mesmo sendo estas repetidas, o que, como vimos, em relação aos instrumentos de palheta é algo um tanto problemático). Tal fato deve-se principalmente a seu bocal, em forma de taça, que atua como uma espécie de amplificador de intensidade do fluxo de ar, posto em vibração pela ação dos lábios. d) A região aguda (acima defá4 - transposto) deve ser usada com economia, para pontos climáticos principalmente. Nela, o som do trompete é muito aberto e brilhante, o que torna difícil tocar-se suavemente e/ou com pouca intensidade dinâmica. A região média é cálida e expressiva, e a grave, apesar de ser pouco explorada pelos arranjadores, tem um timbre muito interessante, mais encorpado que o dos outros registros (aqui, contudo, os cuidados com a afinação, por parte do músico, precisam ser redobrados. A propósito, ver a próxima observação).
181
e) A notadó#3 (mostrada no Exemplo 157), em especial, costuma ser o "calcanhar de Aquiles" dos trompetistas. Tirada somente na posição VII, sempre que aparece em pontos de apoio com, relativamente, longa duração, exige que o instrumentista imprima maior pressão no diafragma, ou que altere sua embocadura (para, como se diz no jargão musical, "afinar no bico"), ou busque no abrir e fechar parcial de um dos pistões, uma forma de reequilibrar sua afinação em relação às demais notas (é óbvio que uma grande quantidade de fatores influi no maior ou menor sucesso de tais tentativas: a marca do instrumento, o tipo de bocal, o contexto harmônico em que está inserida a frase, sem falar no nível de apuração do ouvido do próprio músico etc.). Outra nota, o sol#4 costuma apresentar problema semelhante. Exemplo 157 (Transposto)
f) A tradição da escrita para o trompete (assim como para a trompa) manda que não se indique qualquer acidente na armadura de clave (embora seja feita a transposição normalmente), fazendo que as alterações eventuais sejam escritas diante de cadá nota. Esta convenção, a meu ver, um tanto sem sentido, felizmente não é muito empregada nos dias de hoje (ao menos na música popular), dada a complicação desnecessária que provoca. A seguir, um pequeno exemplo com as duas formas de notação. Exemplo 158 ~ l!
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transposto (escrita tradicional
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1.2 Recursos e efeitos Articulação efraseado - apesar de ser mais característico para o trompete a execução de passagens em non-legato, com pronúncia clara e separada das notas (em especial, em staccato), o instrumento se sai igualmente bem nos ligados de expressão. É aconselhável que o estudante, neste ponto, releia a observação a respeito da variedade dos matizes de articulação e fraseado das madeiras (p. 11 O), válidas da mesma forma para o trompete e o trombone (assim como para a quase totalidade dos demais sopros. É bom relembrar a importância de tais fundamentos para se conseguir explorar ao máximo a expressividade desses instrumentos). Ataques duplo e triplo - assim como a flauta, ambos os tipos fazem parte do idioma do trompete e contribuem bastante para sua agilidade.
182
Frulato - outro recurso tipicamente "flautístico" que, por causa da embocadura livre (isto é, a intermediação de palhetas), pode ser igualmente conseguido no trompete. Valem as mesmas ob ervações e notações vistas na p. 115. Trinados - são obtidos de duas maneiras diferentes: por meio da movimentação dos dedos (assim de maneira análoga à convencional, aquela das madeiras) ou de forma labial. O primeiro tipo exige uma atenção especial, pois os trinos entre posições que obrigam uma alternância de mais de um dos pistões (como é o caso mostrado no Exemplo 159a, no qual as notas são tocadas, respectivamente, com os pistões 2+3 e 1) são muito difíceis de se realizar claramente ou se tornam mesmo impossíveis. O segundo tipo é obtido numa posição fixa, a alternância do trino sendo feita por parciais consecutivas (Exemplo 159b). Obviamente, melhores resultados acontecem na região aguda do instrumento, onde os harmônicos apresentam-se em configuração quase escalar. Exemplo 159 (a)
(b)
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(posições V e 111)
(posição 11 )
Podemos ver, no segundo caso, que o trinado é entre a sétima e a oitava nota da série: apesar desta última não fazer parte da extensão normal do instrumento, não há grandes dificuldades para sua execução pelo trompetista médio. Glissandos - seguindo-se o mesmo raciocínio, os glissandos, no trompete (e na trompa, como veremos oportunamente), são obtidos em uma determinada posição fixa (ver Exemplo 160a). Por meio das alterações na embocadura, já comentadas, o músico faz com que os harmônicos da série se sucedam rapidamente, simulando um glissando diatônico real (na verdade, o efeito é bem semelhante), apesar do fato destes se disporem de forma quase arpejada (somente após a sétima parcial a série torna-se "escalar"). Há também outros tipos de glissando, aliás, até bem mais comuns, que são empregados em estilos populares - especialmente o funk, o rock e a salsa: diferenciam-se do que foi visto acima pelo fato de terem indefinido seu começo (Exemplo 160b) ou seu fim (Exemplo 160c, também conhecido pelos trompetistas por "recolhimento"). Quase sempre são, como demonstrado nos exemplos, respectivamente, ascendentes e descendentes. Numa variante deste último (Exemplo 160d), a "queda" é mais lenta (em geral, dura o compasso inteiro), sendo representada por uma linha ondulada. Esses tipos de glissando, quando empregados em inícios ou finais de frases, são bastante eficazes, em especial se tocados por dois ou mais trompetes, em soli ou em uníssono. Exemplo 160 (execução aproximada)
(~P'-I~~~ osiçao
183
Surdinas - de um modo geral, as surdinas, nos diferentes tipos de instrumentos, podem exercer duas funções distintas: a mais óbvia - e que muitos consideram erroneamente como única - é a de fazer diminuir a intensidade sonora; entretanto é a possibilidade de alteração do timbre do instrumento (causada pelo abafamento de certos harmônicos mais brilhantes da série) que torna, para os compositores e arranjadores, o uso das surdinas especialmente atraente. Esta é a razão do surgimento de um enorme número de tipos diferentes, introduzidos pelo jazz das big bands, desde as primeiras décadas do século. São quase todas fabricadas com metal (existem também modelos feitos de uma espécie de papelão ou mesmo de fibra); algumas são introduzidas no tubo pelo pavilhão, outras seguras pela mão esquerda, podendo, assim, o músico alternar as sonoridades abafada e aberta. Os principais tipos: a surdina propriamente dita (conhecida também por seu nome em inglês, straight mute) , que é empregada na música orquestral, a cup mute (em inglês literal, surdina em forma de xícara), também bastante usada, a uá-uá, aplunger, a barmon etc., além de muitas outras variantes destas. Como a maioria delas é pouquíssimo usada na música brasileira, não é tão necessário que o estudante memorize todas as suas particularidades sonoras: é muito mais prático e proveitoso procurar conhecer bem as duas principais, a de orquestra e a cup. Notação: na tradicão musical, a colocação e a retirada da surdina são indicadas através dos termos italianos, respectivamente, con sordino (abreviatura: con sord.) e senza sordino (senza sord.) , além das expressões 'preparare sord. s e 'alzare sord. " que servem como alertar o músico a respeito do instante a partir do qual deve ser aquela introduzida ou retirada do pavilhão do instrumento. Exemplo 161 (preparare sordino)
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con sord.
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> alzare sord.
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1.3 Outros instrumentos da família do trompete Sem considerarmos os antigos trompetes naturais, de diferentes afinações e comprimentos de tubo, podemos encontrar atualmente (com maior ou menor freqüência) alguns outros instrumentos semelhantes: Trompete em dó Obviamente não é transpositor. Utiliza a mesma técnica do afinado em sib, sendo apenas um pouco mais agudo (tem idêntica extensão à transposta deste último). Trompete piccolo Existem dois modelos, um afinado em ré, o outro em mib (o primeiro é mais usado). Suas transposições devem ser feitas, respectivamente, uma segunda maior e uma terça menor abaixo do som real. Nos dois casos, é a região aguda a mais aproveitada. São empregados muito mais na música erudita (em especial na execução de peças barrocas) do que na popular.
184
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Flüghelhorn Além de também ser afinado em sib, possui tessitura idêntica à do trompete. Diferencia- e deste principalmente pelo timbre, mais aveludado e suave, menos brilhante, como se fosse um trompete com um tipo especial de surdina (tem também algo da sonoridade da trompa). Por causa dessas características, o flüghelhorn é, muitas vezes, encarregado de executar temas de caráter lírico. Corneta com pistões É mais um instrumento de timbre entre o da trompa e o do trompete. O modelo mais empregado é
o afinado em sib (também tem as mesmas transposição e tessitura do trompete), mas, ainda assim, não é um instrumento muito comum. No jazz mais tradicional, podemos encontrar alguns poucos exemplos, como certos discos de Nat Adderley. Já na música erudita, talvez o caso mais famoso sejaA história do soldado, de Igor Stravinsky. 1.4 Exercício 1) Fazer um arranjo para o frevo Pombo-Correio, de Moraes Moreira, usando, além da base formada por guitarra, baixo e bateria, dois trompetes. Durante a peça, a melodia pode ser tratada das seguintes maneiras: solo, dobramento em uníssono ou oitava, soli a2 ou acompanhada por contracantos (rever o Exemplo 114). Como sempre, não se esquecer de marcar todas as articulações e os sinais de dinâmica e expressão.
2. Trombone Inglês: trombone Francês: trombone Italiano: trombone Alemão: Posaune Abreviatura: tbn. Como anteriormente se disse, é um instrumento bastante antigo - originado aproximadamente na metade do século XV- que se manteve quase inalterado até os dias de hoje. No início, era conhecido por sacabuxa (em certos museus europeus, existem ainda exemplares desse instrumento) e tinha um timbre mais suave e uma sonoridade menos possante que os do trombone moderno, mas sua forma e o dispositivo de obtenção das notas - a vara - já eram essencialmente idênticos ao do atual instrumento. Existem alguns outros tipos (que veremos mais à frente), mas o mais usado, ao qual nos referimos quando dizemos "trombone", é o que oficialmente é chamado de trombone tenor. Não é instrumento transpositor, apesar de ser afinado em sib (ou seja, esta é afundamental de seu tubo sonoro). Aseguir, podemos ver uma extensão relativamente cômoda para o instrumento (como já foi falado no caso do trompete, notas mais agudas podem ser obtidas, dependendo somente da habilidade/capacidade pulmonar e de embocadura do instrumentista):
185
2.1 Observações a) A função da vara do trombone é análoga à dos pistões do trompete: fornecer ao instrumento mais seis diferentes comprimentos de tubo -logo, suas sete posições -, cada uma delas com uma fundamental e seu próprio conjunto de harmônicos. Normalmente, um trombonista médio consegue emitir de 10 a 12 desses harmônicos, podendo, entretanto, dependendo de treino e das circunstâncias próprias da música (como por exemplo, andamento, intensidade rítmica, contexto harmônico etc.), ir um pouco além de tal número. O funcionamento do mecanismo da vara é bem simples: ela nada mais é do que uma extensão tubular em forma de "U" que se movimenta dentro de outra idêntica, com a curva invertida, alternado assim a coluna de ar. Quanto mais a vara afasta-se do corpo principal do instrumento, maior se torna o tubo sonoro e, portanto, mais graves as fundamentais obtidas. As sete posições com suas 12 primeiras parciais podem ser vistas a seguir. 1\
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Obs.: 1) As parciais de número 7 e 11, indicadas em preto, são, pelas razões acústicas já discutidas, difíceis de serem tocadas afinadas e, portanto, merecem atenção especial. Porém, graças ao mecanismo da vara, que faz do trombone um instrumento de afinação não fixa, o músico mais treinado e de bom ouvido pode corrigir uma nota defeituosa com relativa facilidade. Quanto a esse ponto, o trombone leva boa vantagem em relação ao trompete. 2) Como já foi falado, nem todos os instrumentos de metal conseguem emitir as fundamentais de suas séries harmônicas (reler o primeiro parágrafo da p.196). O trombone é um destes, embora apenas as fundamentais das posições I, 11 e III - e mesmo assim, sob certas circunstâncias (por exemplo, elas exigem do instrumentista uma embocadura mais relaxada que, por sua vez, precisa de um certo tempo de pausa para ser preparada) - sejam exeqüíveis. Essas três fundamentais (sib, lá e láb) são conhecidas por notas-pedal, devendo-se a dificuldade de sua execução ao fato de encontrarem-se fora da extensão normal do trombone. As fundamentais das posições IV, V, VI e VII (indicadas na página anterior por pequenos losangos) são, na prática, dificílimas, se não impossíveis, de serem obtidas, a não ser com a transformação do instrumento em trombone tenor-baixo (falaremos sobre ele mais adiante). Notas-pedal
b) Como o que acontece com a maioria dos instrumentos de sopro, a extensão do trombone pode ser dividida em três regiões:
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aguda
Uma das vantagens do trombone é o fato de não haver, entre as sonoridades de suas regiões, grandes diferenças de timbre ou de, principalmente, capacidade dinâmica (o que não acontece com a flauta, por exemplo). Contudo, seu registro mais expressivo é o médio, geralmente usado nos solos mais líricos e nas características melodias de caráter solene e majestoso. A região aguda é também muito empregada nos estilos populares (como num tema de samba, por exemplo), os quais, devido às acentuações e aos ritmos sincopados que quase invariavelmente possuem, pedem um ataque preciso e uma sonoridade mais forte e brilhante.
187
c) Em arranjos, o trombone pode ser encontrado nas mais diversas situações: como instrumento solista, em soli a duas partes (geralmente sendo confrontado com outro sopro de tessitura mais aguda, como um sax alto, por exemplo), na excelente combinação a três partes já mencionada, ao lado de um trompete e um sax, em soli a3 ou a4 com outros trombones (respectivamente, nas formações típicas de uma orquestra sinfônica e de uma big band), ou mesmo como a voz mais grave de um ensemble de sopros misto (por exemplo, flauta, trompete, clarineta, sax tenor e trombone), de escrita essencialmente polifônica. d) Uma limitação causada pelo sistema da vara é a relativamente maior dificuldade de se executarem passagens ritmicamente intensas (ainda mais em andamentos rápidos) que obriguem alternâncias de notas pertencentes a posições muito afastadas (por exemplo, I e VII). Nesses casos, pode acabar ocorrendo uma leve falta de sincronia entre os movimentos da mão (posições) e os da língua (articulação das notas), comprometendo a clareza da frase. Exemplo 162
e) Tradicionalmente, melodias para trombone por demais agudas (ou seja, aquelas que pedem o uso de várias linhas suplementares) são escritas em clave de dó na quarta linha (também conhecida por clave de tenor). Porém, na música popular, é comum os instrumentistas terem pouca ou mesmo nenhuma prática com tal notação, preferindo utilizar simplesmente a clave de sol. De uma forma ou de outra, o arranjador deve deixar essas alternâncias para trechos de maior duração; trocas de claves para apenas uma ou duas notas pode ser um "tiro pela culatra", dificultando mais do que ajudando a leitura do trombonista (compare, a seguir, as formas de escrita em [c] e [d]). Exemplo 163
~~~~~~~~ confuso
melhor
188
2.2 Recursos e efeitos
Portamento - é o mais característico de todos os efeitos possíveis no instrumento. Aliás, detido à vara, que desliza não cromaticamente, mas por todas as comas existentes entre duas notas (de maneira análoga ao que acontece com o contrabaixo acústico) , o trombone é o único instrumento de sopro capaz de executar portamentos reais. Uma observação importante deve ser feita: as notas envolvidas, além de precisarem estar em posições diferentes, devem ser parciais de idêntica ordem. No Exemplo 164, podemos ver o portamento entre as notas mi (harmônico de nº 6 da posição 11)e dó# (também nº 6, quinta posição). Exemplo 164
Outra consideração também é importante e bem lógica: como a maior distância que a vara pode percorrer é o caminho entre as posições I e VII, e o intervalo entre elas é o de quarta aumentada (ou seu enarmônico, a quinta diminuta), então este, igualmente, deve ser o maior limite para os portamentos. Exemplo 165
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~
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VII
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(Impossível _ estas notas não são parciais de mesma ordem)
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E é claro que há também a possilbilidade de o músico executar o que é informalmente chamado de glissando labial ou glissando de série harmônica, já descrito para o trompete. Neste, o instrumentista deve - dentro da mesma posição - alterar a embocadura, de modo a conseguir, bem rápida e sucessivamente, as parciais existentes entre dois limites (ver Exemplo 166). Exemplo 166
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VI
Surdinas - todos os modelos abordados anteriormente existem da mesma forma para o trombone. Contudo a surdina orquestral é de longe a mais empregada. Os demais recursos e efeitos vistos para o trompete - os tipos de articulação, o frulato, os trinos labiais - são, com maior ou menor dificuldade (que depende de inúmeras variáveis, como andamento, região, complexidade rítmica etc.), igualmente aplicáveis para o trombone.
189
2.3 Outros instrumentos da família Apesar de existirem outros tipos, como o contralto (afinado em mib, uma quarta justa mais agudo que o trombone) ou o contrabaixo (em sib, uma oitava mais grave), hoje em dia, além do tenor, apenas dois outros têm aplicação prática (principalmente na música orquestral, erudita ou popular): o já mencionado trombone tenor-baixo (equivalente ao baixo propriamente dito) e um modelo de tenor equipado com pistões (à maneira do trompete) ao invés de vara. Examinemos ambos os tipos mais detalhadamente. Trombone tenor-baixo
Na verdade, não é um outro instrumento, mas sim o resultado de uma engenhosa transformação do trombone comum, por meio da adição de um tubo que faz sua afinação descer afá (atenção: como todos os outros trombones, ele não é instrumento transpositor). Devido a sua praticidade, cada vez mais é empregado no lugar do trombone baixo comum (de idêntica afinação e extensão). Uma pequena válvula, ao ser acionada, permite ao músico utilizar o novo registro (e, obviamente, retornar a qualquer momento para o original). Sua maior vantagem é fornecer as notas que faltam entre o primeiro pedal (sib oJ e o limite grave (mi) da extensão normal do trombone tenor (ver a seqüência abaixo e o quadro de posições da pág. 20 1). Isso permite ao novo instrumento a execução de melodias bem mais graves, o que o torna perfeito para ocupar a função de baixo de um naipe de trombones, ou para melhor auxiliar a tuba na música orquestral.
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IV
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* Apesar de o trombone baixo possuir apenas seis posições (as distâncias em relação às do tenor ficam maiores), esta nota (que corresponde à sétima posição) também pode ser tirada por meio de um mecanismo especial. É normal que os instrumentistas que tocam o trombone tenor-baixo utilizem um bocal maior, mais apropriado para tais notas graves.
Trombone de pistões É um instrumento de mesma tessitura de seu similar, o trombone de vara. O sistema de pistões provoca algumas diferenças importantes entre eles:
a) Impossibilidade de executar o efeito mais idiomático associado ao nome "trombone" - o portamento; b) maior agilidade (pelo menos em tese); c) perda de peso e corpo na sonoridade do instrumento. Esta última, sem dúvida, é a que mais influi na preferência quase geral dos instrumentistas pelo trombone de vara, embora o de pistões venha sendo utilizado em estilos musicais caracterizados por andamentos rápidos e grande
190
intensidade rítmica (é fácil comprovar tal coisa em grupos de choro, orquestras de gafieira, bandas de frevo ou de bailes de carnaval) .
2.4 Exercícios 1) Criar uma melodia que seja formada principalmente por portamentos (consulte o quadro das posições do trombone, nas pp. 186 e 187, para não correr o risco de escrever algum impossível de ser tocado), de caráter bem expressivo, estilo e andamento à livre escolha, para trombone solista. O acompanhamento deve ser deixado para apenas um piano. 2) Fazer um arranjo da música Casa-Forte, de Edu Lobo, para base (guitarra, baixo e bateria) e uma seção de quatro trombones (um deles tenor-baixo) . Além de, obviamente, soli a4, utilizar outras texturas (por exemplo, uníssono, soli a3 + baixo independente etc.).
191
otas
I
2
A seção dos metais é assim conhecida nos seguintes idiomas: inglês: brasses; francês: cuivres; italiano: ottoni; alemão: Blecbblãser. É importante destacar que, na prática, raramente é possível emitir-se o primeiro harmônico de um instrumento de metal. Depende-se de fatores como a seção transversal do tubo - quanto mais estreito este é, menos condições tem de entoar sons graves - e de um maior relaxamento da embocadura, o que, em certas situações é muito difícil de se conseguir. Sendo assim, normalmente é o segundo harmônico, o de oitava, que inicia a série.
193
PARTE
11
EsC'ri
Avoz foi o primeiro instrumento utilizado pelo homem para expressar suas idéias musicais, certamente por meio da imitação dos sons da natureza (o canto dos pássaros, por exemplo). Durante o desenvolvimento das diferentes civilizações, a música vocal sempre teve papel preponderante em todos os campos: religioso, político, cultural. No Ocidente, sua evolução, firmemente apoiada pela Igreja católica, contribuiu para todos os avanços técnicos e caminhos percorridos pela música até hoje. Desde a textura monofônica do canto gregoriano, passando pelo organum (ver a primeira nota do Capítulo 6) e o descanto, até os mais intricados arabescos polifônicos dos motetos' da alta Idade Média, quase toda produção musical era feita exclusivamente para vozes. Os instrumentos, quando usados (por muito tempo foram proibidos nos serviços religiosos, sendo relegados apenas à prática popular), tinham como função única dar apoio às linhas vocais, dobrando-as ao uníssono ou à oitava. Alguns foram até mesmo criados em famílias, seguindo o modelo da divisão dos naipes de vozes humanas: as femininas soprano e contralto (ou alto), as masculinas tenor e baixo. Mesmo muito tempo depois da música instrumental ter conquistado a hegemonia, essa tradição permaneceu firme, como pode comprovar a existência dos vários tipos de saxofone, inventados, sabemos, no século passado. Além disso, vários termos criados originalmente para o canto - por exemplo, aria, arioso, cantabile, cantando, recitatioo etc. - são hoje em dia empregados igualmente para instrumentos, quase sempre para se enfatizar o desejo de uma interpretação expressiva, que se aproxime ao máximo do cantar. Permaneceram até mesmo certos procedimentos de construção melódica, motivados pelas limitações próprias da voz humana, como suas extensões relativamente curtas ou as dificuldades de afinação, após alguns tipos de saltos intervalares. Tais procedimentos (veremos alguns deles no capítulo "Melodia") enraizaram-se tão profundamente na tradição musical do Ocidente que, de técnicos, tornaram-se estéticos, parâmetros importantes para a composição de uma melodia, seja ela vocal ou instrumental. As extensões das quatro mais comuns categorias de vozes são: e
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e
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...
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- -
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Observações a) As extensões vocais mostradas acima (limitadas pelas notas brancas) resultam de uma média aproximada, já que variam entre os cantores. Aregião delimitada em cada uma das vozes (notas pretas)
197
é chamada de tessitura, a porção onde melhor se desempenham timbricamente. Não quer dizer que o arranjador deva considerar apenas estes últimos limites na escrita, mas é sempre bom evitar a utilização da extensão total (seja para o agudo, seja para o grave), principalmente na escrita para coro, onde se costumam encontrar excelentes cantores de técnica ap.urada junto a outros, medianos, e, mesmo, a inexperientes amadores. . b) Apesar do fato de o baixo ser, na realidade, a quarta voz do naipe, na prática - principalmente na música popular - é o barítono que costuma assumir tal papel, devido à dificuldade de se encontrarem indivíduos com vozes tão graves. A extensão e a tessitura do baixo são as seguintes: .o.
z :§@""~B :. B I~ - - - - - .
c) O tenor, assim como o violão, é escrito uma oitava acima do que soa. A razão é a mesma: facilitar a leitura, ao se evitar o uso de um número grande de linhas suplementares. Originalmente, sua escrita empregava a clave de dó na quarta linha (apropriadamente conhecida por clave de tenor) - assim como as da terceira e primeira linhas eram usadas para contralto e soprano, respectivamente -, mas hoje em dia usa-se mais a clave de sol com um pequeno oito na base, indicando a transposição de oitava. d) Ofalsete, muito empregado na música popular, é um recurso que permite às vozes masculinas (em especial, tenores) alcançar notas bem mais agudas que o limite normal, embora com uma considerável perda de consistência e de intensidade de voz. No entanto, vários cantores ou ainda, grupos vocais, como o Boca Livre - com quatro integrantes masculinos - costumam usar com muita propriedade o falsete, conseguindo uma sonoridade equilibrada e bem característica. Certos bonsfalsetistas chegam à nota mi4 (não transposta), praticamente o limite agudo para contraltos!
1. Tipos de canto De acordo com o que interessa aos objetivos deste capítulo, quanto à sua relação com o texto há basicamente dois principais tipos de canto: o melismático e o silábico. Neste último (Exemplo Ia) - chega a ser bem óbvio -, cada sílaba do texto corresponde a uma nota da melodia. É, sem dúvida alguma, mais usado que o outro (Exemplo 1b), formado pelos chamados melismas, espécies de vocalizes durante uma mesma sílaba. Historicamente falando, o tipo melismático, originário do canto gregoriano, predominou por vários séculos, no período em que a polifonia evoluiu até chegar ao auge, nos fins da Idade Média. Com a já anteriormente comentada simplificação da música religiosa implantada pelos protestantes (mais tarde acompanhada por um movimento semelhante - embora menos radical- dos contra-reformistas católicos), uma das tendências surgi das foi a da redução drástica no uso de melismas nos cantos, com o objetivo de torná-los mais claros e, com isso - segundo Lutero -, mais eficientes na comunicação dos fiéis com Deus. O canto melismático ressurgiria na música lírica, ainda, épocas depois, com uma outra roupagem: a coloratura, verdadeira moda durante um bom tempo entre os adeptos do belcanto'
198
operístico. Hoje em dia, os melismas são empregados muito mais como uma espécie de apoio ao can o silábico, adequando à melodia a métrica da letra (principalmente na escrita coral, quando as diferentes vozes, em ritmos mais ou menos semelhantes, devem seguir o mesmo texto), ou mesmo nos chamado vocais (os "aaah's" e "uuuh's" que todos conhecem bem). Exemplo 1 (a)
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té
(b)
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do -
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Além desses fundamentos, algumas outras observações música - devem ser levadas em conta pelo arranjador:
-
po
regras para a escrita da letra de uma
a) A notação tradicional para vozes dita que sílabas que ocupem frações do tempo (colcheias, semicolcheias etc) não devem ser unidas às outras, o que só é permitido aos melismas. Contudo, devido à confusão que costuma causar à leitura, tal prática não é levada muito em conta nos dias de hoje (ao menos na música popular): a notação seguiria, assim, os mesmos preceitos da de qualquer outro instrumento. Exemplo 2 (a) tradicional
(-Ah.di
(b) também aceitável
-a
lindo: -
pra
V1 -
ver ou _ mor- rer
, Ahdi lindo: ,-a
-
pra
V1 -
ver
ou _
mor - rer
,
b) Vocalizes (uma mesma sílaba, quase sempre vogal) são representados por linhas horizontais prolongadas (ligaduras de expressão podem ser usadas para indicar a necessidade de se emitir as notas em uma só respiração, exatamente como o que acontece com um instrumento de sopro - o que, aliás, não deixa ser a voz humana). Exemplo 3
~
eu
VI -
a - Ja - reI ------
199
a -deus ----
c) Duas ou mais sílabas que compartilham uma única nota devem ser ligadas. Exemplo 4
.• Ea u
ca
-
saon '-../
-
cor
deeua '--' '--'
dei
(Texto: •..•E a casa onde eu acordeI... j
d) Cabeças de nota em "x" podem ser usadas para indicar sons indefinidos (Exemplo Sa), efeitos percussivos (b) ou estilos declamativos de canto (c), como o rap (existe ainda uma forma híbrida, o Sprechgesang - em alemão, algo como "canto falado" -, em que as alturas das notas são indicadas normalmente na pauta, apenas com os "x" sobre as hastes (Exemplo Sc). Para se ter uma total idéia do que seja tal forma de cantar, recomendo a audição do instigante ciclo de canções Pierrot lunaire, de Arnold Schõnberg). Exemplo S
mas
não sei
lhe
di - zer
pa - pa - pa - pa - pa- ra- pa
(c)
(d)
~~~ªJê:~
o~
ar
2. Possibilidades de escrita Devido à longa tradição da música cantada, existem muitas possibilidades diferentes de tratamentos texturais para vozes: não só quanto à quantidade de partes, mas também quanto aos tipos de acompanhamentos possíveis (ou mesmo à ausência de qualquer um, como o que acontece em peças para coro à capela). Neste capítulo, abordaremos algumas dessas situações, certamente aquelas com as quais os arranjadores costumam mais se deparar: cantor(a) com acompanhamento; quarteto vocal (ou coral a quatro partes) e os chamados backing vocais (partes para vocalistas servindo de acompanhantes - além da base rítmica - a um cantor ou instrumento solista).
2.1 Primeira situação: uma voz com acompanhamento instrumental Consideremos um piano como instrumento acompanhante (embora, evidentemente, pudéssemos optar por um violão, um quarteto de jazz, uma orquestra sinfônica etc). A razão desta escolha deve-se principalmente à concisão (em comparação a um grupo de instrumentos), à extensão abrangente e ao
200
enorme leque de possibilidades expressivas e tímbricas que o piano oferece. Não é por acaso ter sido o instrumento preferido pelos grandes compositores de Lieder ("canções", em alemão) do Romantismo principalmente Schubert, Schumann e Brahms. Normalmente, o profissional encarregado de fazer um arranjo para voz solo acompanhada já se depara com a melodia pronta (é o que acontece em pelo menos 90% dos casos, na MPB). Dificilmente ele precisa criar uma; além disso, pouquíssimos cantores estão capacitados para solfejar partes vocais escritas (na realidade, são raros os que têm ao menos básicas noções de teoria). Apesar disso tudo, construiremos um exemplo prático partindo do nada, ou melhor, comporemos a melodia a partir de uma letra dada e, a seguir, o arranjo para canto e piano. Que motivos poderíamos ter para tal- pelo menos segundo a visão de alguns - "complicação desnecessária"? Ameu ver, bastaria um: o fato de tal conhecimento poder, um dia, ser útil! Consideraremos o pequeno texto abaixo: Não há um só que não se eSl2lillte Com teus vivos belos olhos em penumbra Eles seguem simples lei Que bem sei, mas me calo (Esperando que mais ninguém a descubra): Vão da sombra à luz num instante"
[9 sílabas] [12] [7]
[7] [12]
[9]
EmbDra nãD seja o caso de aos Ilpcofuadarmos, neste momento, nos aspectos da métrica poética e
assuntos correlatos, é sempre bom uma análise - ainda que superficialnosso exemplo, podemos ver algumas coisas interessantes:
da letra a ser musicada. Em
a) a simples contagem das sílabas dos seis versos nos mostra uma construção simétrica (versos 1 e 6; 2 e 5; 3 e 4), fato confirmado pelas rimas correspondentes. É aconselhávelembora não obrigatório - que a forma da linha melódica destaque tal intenção. b) É importante ainda observar as acentuações naturais do texto. Isso pode ser facilmente conseguido lendo-se em voz alta cada verso e sentindo-se os apoios métricos que têm certas sílabas (no exemplo, algumas encontram-se sublinhadas, justamente as que confirmam as identidades das rimas. Marcadas, elas servem de balizamento, e devem corresponder igualmente, nos compassos, a posições métricas de destaque. É claro que outras sílabas, menos óbvias, poderiam ser também determinadas, o que certamente criaria novas possibilidades de contorno rítmico para a melodia).
o tema mostrado abaixo seria, evidentemente, apenas uma das versões que poderiam ser criadas (basta considerarmos as opções existentes para estilo, caráter, andamento, tipo de voz, tonalidade, harmonia etc., sem falar do principal: os infinitos caminhos rítmico-melódicos possíveis): Exemplo 6 Adagio
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Observações a) Como pode ser visto, foi composta uma introdução de seis compassos para o piano. Ela é baseada em um dos motivos da segunda frase melódica (terças em semicolcheias) - o que contribui para a coerência do arranjo -, e situa-se na região médio-aguda, com caráter leve, contrastando com o acompanhamento que se segue após a entrada do contralto, escrito quase que por inteiro no registro grave do instrumento. b) A forma em três seções da canção, explicitada anteriormente, foi mais ainda destacada (e, em conseqüência, assim também a intenção do compositor) pelo piano. Comparar, por exemplo, os compassos 7-10 com 15-16 (nos dois finais, 17 e 18, há, aparentemente, uma quebra da correspondência com os compassos 9 e 10, mas trata-se, na realidade, de um simples direcionamento cadencial, digamos
204
ira
assim, "desobrigado" da necessidade de imitação e que em nada prejudica - muito pelo coIll1"'áriocoerência do todo). O trecho central (compassos 11-14) ganhou intencionalmente um acompanham contrastante, com síncopas na mão esquerda, remotamente aparentadas às da introdução. 10 compasso 14, o acorde arpejado funciona como pontuação, marcando o final do segmento e ajudando a voz iniciar a penúltima frase. c) Digno de nota o movimento contrário entre o baixo do canto, sublinhando o clímax da canção (compasso 17).
que desce cromaticamente -
e a linha
d) O portamento vocal, como o que ocorre entre os compassos 14 e 15, é um recurso de embelezamento dos mais eficientes (desde que - nem precisaria frisar - empregado com bastante economia) , que, em certos casos, também auxilia o cantor na entonação precisa de uma nota após um salto. e) Observar cuidadosamente como os diversos sinais de dinâmica, expressão e articulação foram usados em toda a peça, tanto para o contralto quanto para o piano. O arranjador precisa cada vez mais dominar os meios de comunicação de suas intenções, o que só se consegue, repito, com muita experiência, análise de obras musicais e esforço imaginativo.
2.2 Segunda situação: coral a quatro partes Basicamente, como já foi dito em pelo menos duas ocasiões, a escrita para coro divide-se em dois tipos principais, de longa herança histórica: o mais antigo, de origem polifônica, que teve em Palestrina (compositor italiano de música sacra do século XVI) um de seus principais mestres, e o segundo, tendendo mais à textura homofônica, levado ao apogeu por J. S. Bach. Na música popular, ambas as formas costumam ser empregadas - uma mais que outra, dependendo do texto, estilo, grupamento vocal e outros fatores - não sendo raro, em um mesmo arranjo, a combinação e a alternância dessas técnicas com fins expressivos. Apesar de ser o uso de tal intercâmbio de texturas, sem dúvida alguma, a forma mais apropriada e - ouso dizer - artística de se tratar o arranjo para grupo de vozes, penso ser-nos didaticamente mais útil a abordagem separada dos estilos vocais "homofônico" e "polifônico" (para simplificar, vamos chamá-los assim, a partir de agora). Além disso, a brevidade de nossa canção-exemplo deixa pouco espaço para que o uso de contrastes tão fortes tenha o efeito desejado. É o tipo de coisa, como muitas outras na música, que não pode ser ensinada: depende da experiência que se adquire pouco a pouco, com acertos e erros - passa mais uma vez pela lenta construção do senso deforma. O arranjador, como um perfumista, trabalha com essências concentradas, as quais - baseado em seu talento único, que advém do estudo e de suas experiências musicais, intelectuais, de vida - dilui e mistura para conseguir sua obra. Construiremos, inicialmente, uma versão de arranjo para coro a quatro partes de nosso exemplo considerando o aparentemente mais fácil dos tipos de escrita, o homofônico. Nele, aprincípio, as partes movimentam-se simultaneamente, com idênticos ritmo e texto, assemelhando-se bastante - como sabemos - ao soli a4 na posição spread.
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206
Observações a) Esta partitura poderia se destinar tanto a um coral misto quanto a um quarteto de ozes indicadas abreviadamente na grade as quatro categorias, soprano, contralto, tenor e baixo: S, A,T e B - em nosso caso, a parte mais grave pode ser tranqüilamente cantada por barítonos). Foi necessária uma transposição quinta acima do tom original, de modo que as quatro vozes pudessem atuar comodamente (em especial o soprano, que na escrita coral homofônica quase invariavelmente fica com a melodia principal). b) Apesar do tratamento do arranjo ser coral à capela (ou seja, sem acompanhamento instrumental), nada impede que os mesmos princípios sejam aplicados a trabalhos em que uma base harmônica atue apoiando o conjunto vocal. c) Duas pequenas mudanças na harmonia original foram efetuadas: no compasso 7 o acorde B7M substitui a inversão B7M!F# (a razão é a melhor condução das partes de contralto, tenor e baixo, em comparação com o que se conseguiria caso não houvesse a rearmonização); e, no compasso 12, a sétima maior do acorde, no soprano, vinda de um portamento apoiado por outros similares nas demais vozes, sairá certamente mais afinada sem a fundamental presente no voicing. Com o salto simultâneo, ela é substituída, no tenor, pela nona, o que acaba resultando sonoramente num acorde de Bm 71Dno segundo tempo do compasso (há ainda uma outra alteração nesse final- desta vez de ordem rítmica -, o corte na duração da última nota, que possibilita um acabamento mais apropriado para coro). d) As quintas paralelas que ocorrem entre baixo e tenor, no trecho dos compasso 5 a 8 - algo que, na teoria da harmonia tradicional é tido como um erro grave -, foram aplicadas conscientemente, mais como dobramento "instrumental" que complementação harmônica (que seria resultante de conduções melódicas falhas), um reforço na sonoridade dos voicings da passagem, que dá ao conjunto uma maior ressonância interna, servindo como uma espécie de grifo às palavras do texto "seguem", "lei", "sei" e "calo" (é importante, mais uma vez, deixar claro que esta escolha faz parte das muitas que o senso de forma dita ao arranjador, e que nem sempre são evidentes para aquele que observa de fora do processo). e) Em arranjos corais homofônicos normalmente a letra precisa ser escrita para apenas uma das vozes, já que, quase sempre, todas seguem o mesmo ritmo em canto silábico. Contudo, é claro, mudanças ocasionais podem ocorrer e são indicadas in loco (como as variantes da parte do baixo, nos compassos 3, 5,6 e 7 e de contralto, tenor e baixo, no compasso 9). Tais mudanças - desde que breves e não tão constantes - são insuficientes para trasformar a textura homofônica em polifônica. São, antes, um ótimo tempero, contraste sempre bem vindo para realçar momentos (que podem significar ou não passagens textuais) diversos. f) Com o objetivo de não congestionar visualmente a grade, indicações gerais de expressão e dinâmica são escritas, respectivamente, acima da pauta do soprano e sob a do baixo, a não ser, é claro, que se trate de algum sinal individualizado, o que não é tão comum nesse tipo de arranjo coral. Passemos a uma segunda versão - a outra face da moeda da composição coral - de caráter polifônico, escrita à maneira de um moteto: nesse caso, as vozes movimentam-se mais independentemente das outras, sendo interligadas pelo princípio condutor da imitação (ver Capítulo 11), e fazem um maior uso de melismas do que o que acontece no canto homofônico.
207
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Observações a) Uma das mais determinantes diferenças entre as duas maneiras de escrita é o tratamento dado à melodia principal: enquanto na homofônica esta encontra-se sempre na parte de soprano, a polifônica caracteriza-se por distribuí-ta entre todas as vozes, seja por simples segmentação da linha (uma frase para cada naipe, por exemplo), seja por intricados diálogos imitativos. Sem nos aprofundarmos nos as-
208
pectos técnicos, o que exigiria conhecimentos somente alcançados após longos estudos contrapontí ices (alguns de seus principais fundamentos serão destacados no Capítulo 15), ainda assim é possível uma análise proveitosa dos caminhos que utiliza a melodia em nosso arranjo: o tenor inicia-se com o primeiro verso passando, em seguida, o foco para o baixo, que é imitado quase canonicamente' pelas demais vozes de uma maneira conhecida como "em pirâmide", o que cria um efeito bastante interessante de crescendo de intensidade e densidade, uma espécie de ápice, contrastado imediatamente por uma textura mais rarefeita, em que a melodia se transfere para o soprano (compassos 5 e 6). Nos compassos 7 e 8, funcionando como pontuação, há um encontro momentâneo das quatro vozes quase em soli. O baixo assume o quinto verso (compassos 9 elO), acompanhado por um motivo subordinado no soprano, que é imitado pelo tenor. Na última frase, o diálogo acontece entre as vozes femininas e masculinas, que se juntam, por fim, na última palavra. b) Como pode ser facilmente visto, melismas foram abundantemente usados, em especial nas diversas situações de acompanhamento. São, como já dito, muito úteis para a acomodação do texto escolhido (ou fragmento deste) à idéia musical. c) Apropósito do tratamento do texto, é esta talvez uma das maiores dificuldades da escrita polifônica coral, já que se deve procurar evitar que, no emaranhado dos motivos melódicos em constante imitação, o significado poético - ao menos em sua essência - não seja perdido (este é um problema que não afeta o coral homofônico, já que, nele, quase sempre, as quatro vozes cantam simultaneamente a mesma letra). É importante, para isso, que não só haja um claro inter-relacionamento harmônico/intervalar entre tais motivos (o que acontece quando o tratamento contrapontístico é realizado corretamente), como também entre seus respectivos textos. As palavras usadas não precisam ser necessariamente idênticas (na realidade, isso só acontece em poucos casos - por exemplo, em imitações literais, ou pelo menos de mesmo ritmo), mas sim que transmitam idéias correlatas, de modo a não causar confusão ao ouvinte. Em praticamente todo o nosso arranjo, tal tipo de, permitam-me, "contraponto textual" predomina.
2.3 Terceira situação: solista com background vocal Embora seja a matéria deste caso mais pertinente ao Capítulo lIdo que ao presente, alguma coisa pode ser aqui adiantada. Faremos, como exemplo, um arranjo da canção utilizando um solista tenor, acompanhado por duas backing vocais (como são mais comumente chamadas as vocalistas no meio musical) de registro soprano. Exemplo 10 Adagio
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* Abreviatura de background, muito usada na terminologia musical. ** Bocca chiusa -- literalmente, em italiano, "boca fechada", ou seja, as notas devem ser assim emitidas pelos cantores, resultando numa sonoridade abafada, análoga à obtida por instrumentos
com surdina.
Observações a) Para simplificar, apenas as linhas das vozes foram' escritas, sendo que os dois sopranos dividem uma só pauta, já que funcionam quase sempre em bloco (somente no compassolO a voz mais aguda destaca-se da segunda, para realizar, em relação à linha principal, o mesmo movimento contrário dado anteriormente ao baixo do piano e ao barítono -- exemplos 7 e 8, respectivamente). b) Mais uma vez, houve a necessidade de transpor a tonalidade original para uma outra (no caso, síb maior), em que a tessitura da voz solista melhor se acomodasse. Além disso, tal medida permite que os sopranos trabalhem um pouco mais separados do tenor, dando mais clareza ao conjunto (esse assunto será detalhado no Capítulo 13). c) Como pode ser facilmente visto no exemplo, esse tipo de arranjo pede uma abordagem muito mais simples que a exigida para a escrita coral, homofônica ou polifônica: é importante que se trabalhe
210
com contrastes (som/silêncio) de uma forma bem econômica, evitando-se utilizar Q!!!S:-=:~E~:n:r::::s melódicos ou harmônicos que não sejam organicamente necessários.
3. Literatura vocal recomendada Assim como o piano, os diversos tipos de tratamento da música para vozes exigem um trabalho comp ementar de análise de peças dos mais variados compositores, estilos e épocas. Dessa maneira, o estudante passa a contar com um verdadeiro vocabulário de técnicas e possibilidades, que poderá adaptar a seus próprios trabalhos. Veremos algumas sugestões, separadas nas categorias abordadas na seção anterior.
Vozsolo (com acompanhamento instrumental) - Na infinidade de obras-primas existentes, sem dúvida são os já comentados Lieder de Schubert que praticamente esgotam as potencialidades de combinação de piano e voz (em todos os tipos). Entretanto, é aconselhável, pensando-se em abranger o maior painel estilístico possível, o exame de canções de outros compositores como Schumann, Brahms, Mahler, Debussy, Villa-Lobos, George e Ira Gershwin, Cole Porter, Iom jobirn etc.
A quatro partes - Na música popular, geralmente, os arranjos vocais a quatro partes, seja para um quarteto ou um grande coro, utilizam os dois tipos de tratamento textural existentes, o polifônico e o homofônico (este último, sem dúvida, em maior proporção), que quase sempre se alternam de forma contrastante. Tal noção de equilíbrio o estudante só poderá adquirir através da análise de muitas dessas partituras. Felizmente não é algo tão difícil consegui-Ias, já que há em atividade um bom número de corais (na maioria, amadores) especializados em MPB, com um repertório relativamente variado de arranjos de, desde canções folclóricas a músicas de Caetano Veloso, por exemplo. Antes de saber, porém, combinar as texturas, é preciso conhecê-Ias bem isoladamente. Análises minuciosas de diferentes obras para coro é uma das maneiras existentes para isso (é óbvio que necessita ser complementada por estudos rigorosos de contraponto e harmonia tradicional) . E o melhor meio de escolher tais peças é fazer a busca diretamente nafonte, ou seja, no repertório de compositores que dominaram cada tipo de escrita e que influenciaram as gerações seguintes. Podemos relacionar, então, na música vocal polifônica, Orlando di Lasso, Palestrina, Victoria, Byrd, Monteverdi, Frescobaldi, compositores renascentistas ou do início do período Barroco. Na escrita homofônica, como já foi várias vezes dito, Bach representa o mais alto grau (sem contar que possui também várias obras-primas nas quais a polifonia vocal predomina ou se alterna a momentos de homofonia. Alguns exemplos: os motetos, Missa em si menor, Apaixão segundo são Mateus, as cantatas etc.), sendo que seus corais, escritos para o serviço religioso luterano, formam uma referência obrigatória para todo aquele que deseja escrever para grupo de vozes. Além de Bach, outros compositores do Barroco alemão podem ser citados: Froberger, Pachelbel, Schütz, Buxtehude etc.
Vozesem background-
Podem ser encontrados em gravações muitos exemplos de BGvocal, nas mais diversas formações, mas são raríssimas as partituras de tais arranjos. Isso porque, na maioria das vezes, estes são criados informalmente, na ocasião dos ensaios - como se costuma dizer em jargão musical, "arranjos-de-boca". Contudo, certas boas transcrições das músicas dos Beatles trazem, além da harmonia, da letra e da melodia principal, seus arranjos vocais. Formam um excelente material para estudo, ainda mais comparativo: há uma grande variedade de tratamentos diferentes, num equilíbrio quase perfeito de simplicidade, beleza e criatividade.
211
4. Exercícios 1) Com base no texto dado na p. 201, criar suas próprias versões das situações abordadas no exemplo prático: canto e piano, coral a4 (homofônico e polifônico) e voz solista com BGvocal. Obs.: É interessante que, ao se criar a melodia a partir do texto, sejam tentadas soluções diferentes das obtidas no livro. 2) Fazer um arranjo para quarteto vocal (soprano, contralto, tenor e barítono), à capela, para a música Luz, de Djavan.
212
I
2
3
4
Moteto - etimologicamente deriva de "mot" C'palavra", em francês). Surgido no século
XIII, foi uma das primeiras formas musicais da História, com uma grande importância no desenvolvimento de todas as que lhe seguiram, inclusive as instrumentais. Há basicamente dois tipos de motetos, ambos ligados fortemente à música religiosa católica: o medieval e o renascentista (embora posteriormente compositores barrocos, como Bach, ou mesmo românticos - é o caso de Brahms -, tenham escrito motetos adaptados às suas próprias linguagens). O medieval era constituído de três partes: o tenor (de "tenere" - "manter, sustentar" em latim - que, na época, não significava o tipo de voz atual), o motetus (que nomeou a forma) e o triplus. Pode ser considerado como a evolução natural do canto gregoriano (que era justamente a parte feita pelo tenor), ao qual foram acrescentadas duas vozes. Obviamente, aos poucos, durante toda a Idade Média, as complexidades polifônicas se acentuaram, tornando-o bem diferente do modelo original. A partir do século XVI começou a ser difundido o moteto renascentista, a quatro ou cinco partes (todas elas de igual importância, ao contrário do que acontecia no moteto medieval), menos melimático, essencialmente imitativo e já dentro de um idioma quase tonal.
Belcanto - em italiano, "belo canto". Termo surgido no final do sécilo XVII (mas que teve seu máximo desenvolvimento durante o seguinte) para designar um tipo de interpretação operística baseada quase que inteiramente no virtuosismo dos cantores. Levado a situações extremas, esses verdadeiros malabarismos vocais chegavam a ser - ao menos para os intérpretes e o público - mais importantes que a própria composição. Um outro termo, a coloratura, é usado para nomear os rapidíssimos e difíceis arpejos, escalas e ornamentos em geral, usados pelos adeptos do belcanto (quando empregado ao lado do tipo de voz - por exemplo, soprano coloratura - indica um especialista em tal técnica).
Forma A-B-A' -
é como se costuma nomear formalmente uma composição em três partes, na qual, após a exposição da segunda, retoma-se a uma variante da primeira (nos casos mais simples, apenas a cadência final as diferencia; nos complexos, além de variações, elementos podem ser acrescidos ou suprimidos ao A inicial). Uma peça arquitetada nessa forma pode ter as mais diversas dimensões: desde uma breve canção folclórica a um movimento de uma sinfonia - como um scherzo, por exemplo.
Cânone - forma musical polifônica surgida aproximadamente no início do século XIII, mantida até o período Barroco e retomada pelos atonalistas dos primeiros anos de nosso século. Consiste numa imitação estrita de uma parte vocal ou instrumental (proposta ou dux) por outra (resposta ou comes), durante toda a peça (às vezes a imitação é suspensa no final para permitir uma cadência). Pode ser simples ou múltiplo (mais de uma proposta); a duas, três, quatro (etc.) partes; ter sua resposta a diversos intervalos de altura e de tempo ou por imitação por inversão, aumentação, diminuição, retrogradação etc.
213
Capítulo 9
Soli (2'1 parte)
Este capítulo acha-se dividido em duas seções, a primeira trazendo três técnicas de voicings, alternativas à escrita tradicional do soli, e a segunda tratando de vários aspectos referentes a arranjos para big bands.
1. Voicings especiais As técnicas que veremos a seguir, devido à linguagem harmônica que adotam, bem densa, com mais tensões que o habitual, são geralmente utilizadas - nem precisaria ser dito - em estilos musicais que peçam tais tipos de acordes, como a bossa-nova, o jazz contemporâneo (Gil Evans, Chick Corea, Wayne Shorter, Herbie Hancock etc), a MPB harmonicamente mais sofisticada (algumas músicas de Chico Buarque, por exemplo) etc. São três os tipos de voicings: os em quartas, os em clusters e os em estruturas superiores. Abordaremos cada um separadamente.
1.1 Voicings em quartas Antes de entrarmos nos fundamentos de tal técnica, convém estabelecer uma importante distinção entre dois termos freqüentemente empregados de forma equivocada, tendo às vezes mesmo seus significados trocados: harmonia quarta! e a harmonia (cujas partes são dispostas) em quartas. A primeira, tecnicamente não tona! (o termo "atonal'" seria talvez forte demais para designá-Ia), já que não se baseia no sistema harmônico tradicional de terças superpostas, é construída - como se pode bem imaginar - por superposição de quartas justas. Rigorosamente, foi usada por alguns poucos compositores modernos eruditos, tais como Schõnberg (a Música Popular praticamente desconhece a verdadeira harmonia quartal). O segundo tipo, bem mais comum, não passa de uma forma diferente de se dispor notas de um acorde convencional (bem como as tensões pertencentes a sua escala, se forem necessárias) de modo que se dê total preferência ao intervalo de quarta justa (ainda que outros intervalos, em um voicing, possam igualmente manter a sonoridade quarta!; o Exemplo 11 mostra três maneiras equivalentes de escrita de uma estrutura a três partes: a) duas quartas justas superpostas; b) duas quintas justas - a exata inversão de (a); c) uma quarta e uma segunda maior - esta última a inversão da sétima menor dá-sib. Obviamente, quanto maior o número de partes, mais numerosas serão as possibilidades de organizá-Ias no voicing). Exemplo 11
215
1.1.1 Aspecto harmônico É bem simples a aplicação desta técnica - bem como das demais - a um soli de sopros. Basta que sejam observados alguns pontos importantes:
a) As notas à disposição para um voicing qualquer deixam de ser apenas as pertencentes ao acorde em questão (como o que acontece no soli tradicional) e passam a contar também com suas tensões harmônicas (ou, em outras palavras, a "matéria-prima" é agora a escala do acorde). Disso advêm algumas conseqüências: as notas que comporão um determinado voicing não são mais escolhidas visando sua complementação harmônica (fundamental, terça, quinta e sétima), mas sim com o objetivo de que a estrutura/sonoridade quartal seja preservada. Desse modo, nos voicings convivem indiscriminadamente fundamentais, nonas, quartas, décimas terceiras etc., sem a "hierarquia" harmônica que havia na escrita do soli convencional (poderia ainda ser dito que, neste último, o que mais importa é o conteúdo - as notas definidoras da harmonia -, enquanto para as técnicas quarta!, em cluster e em estruturas superiores, é zforma, ou seja, a disposição intervalar que está ligada à sonoridade de cada uma). b) Já que nem sempre será possível num soli - seja por causa da nota da melodia, seja pela harmonia à qual está subordinada - dispor as demais partes em quartas ou em inversões destas (veremos mais adiante algumas dessas situações em exemplos), deve-se ter em mente a seguinte regra prática: quanto menor a densidade (= número de partes harmônicas) do voicing, maior deve ser o rigor na escolha dos intervalos que o comporão, de modo que seja preservada a sonoridade quartal. Por exemplo, num soli aS, uma terça ao lado de três quartas justas é perfeitamente tolerada, o que seria impensável num soli a3: mesmo sendo o intervalo restante quarta, a estrutura soaria como uma tríade perfeita, destoando completamente do "ambiente" desejado (ver Exemplo 12). O ouvido continua sendo o melhor juiz para tais situações. Exemplo 12 (a)
(b)
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II
2
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c) O procedimento de construção do voicing é o mesmo para qualquer número de partes que tenha o soli. Vejamos a seguir as etapas a serem cumpridas, considerando diferentes notas e tipos de acordes: 1) Analisar funcionalmente a harmonia Exemplo 13 E~m7
(11)
D7
(VN)
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Bm7 (VI) li
2) A partir da análise (no Exemplo 13, entre parênteses) obter a escala do acorde
216
Exemplo 14 Elm7 o
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(EÓUO)
* A respeito da nomenclatura dos modos e de outras escalas de acordes o leitor deve consultar a literatura da harmonia funcional
As notas pretas que podem ser observadas nos modosjônico e mixolídio - suas tensões décima .primeirajusta - são, como se sabe da teoria da harmonia, indesejáveis (em ambos os casos, por provocar choque de semitom com a terça), quando funcionam como notas estruturais sobre os respectivos acordes, sendo por isso deixadas fora dos voicings. A mesma coisa se aplicaria à sexta de um acorde cujo modo fosse eólio (no nosso exemplo, a nota sol da escala de Bm7), mas, pelo fato de a nota do acorde com que esta faz o intervalo de segunda menor ser a quinta - não tão importante harmonicamente quanto a terça -, sua inclusão no voicing é muitas vezes tolerada. Uma outra boa (e bastante usada) alternativa é considerar modos que possuem tais notas evitadas (jônico e eólio, por exemplo) como se fossem seus similares mais "brilhantes" (respectivamente, lídio e dórico). Assim, as notas disponíveis passam a ser sete, aumentado o número de possibilidades para a construção dos voicings quartais. 3) Construir o voicing usando quartas (ou suas inversões), de acordo com o número de partes escolhido Vejamos algumas dentre as possíveis armações de voicings para soli a3, a4 e aS: Exemplo 15 A7M jj,
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Comentários a) Como já foi dito, não é necessário que, na estrutura, sejam usadas apenas quartas justas: muitas vezes, a escolha dos intervalos apóia-se em fatores não diretamente relacionados à arquitetura dos voicings, tais como limitações de tessitura de algum instrumento (por exemplo, poderíamos supor que, no último voicing a cinco partes do Exemplo 15, a nota dó#, por ser demasiadamente grave para o quinto instrumento, teve que ser escrita uma oitava acima de onde deveria originalmente estar, "quebrando", assim, uma seqüência de quatro quartas consecutivas [ver Exemplo 16a]) , ou as próprias conduções melódicas das partes internas (Exemplo 16b - no caso, preferiu-se uma convergência das 4 partes, de uma formação exata por quartas superpostas [Dm7] , a uma bem mais compacta [C7M]; de qualquer maneira, a sonoridade quartal foi preservada).
217
Exemplo 16 (a) 1\
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Bm 7
Dm 7
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G7
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b) Sendo as tensões harmônicas, nas técnicas de voicings por quartas, clusters e estruturas superiores, indiscriminadamente empregadas (ao contrário do que acontece no soli comum), o limite para tensões apresentado na Parte I torna-se aqui sem efeito. Tais voicings possuem uma sonoridade propositalmente mais densa e menos clara (ou ainda, mais ambígua) que a convencional. Por outro lado, os limites para intervalos graves (p. 163) devem continuar a ser rigorosamente respeitados. 1.1.2 Aspecto melódico Apesar de, teoricamente, todas as técnicas de aproximação (rever p. 150) já vistas serem possíveis, sem dúvida alguma a mais apropriada para o soli em quartas (bem como para os demais) é «paralela (e seu caso especial, a cromática). É fácil ver o porquê: já que nesses tipos de voicings o fator mais importante a ser preservado é a disposição das partes, a melhor opção para a rearmonização das inflexões que ligam notas estruturais é, obviamente, a que fornece idêntica construção vertical. Exemplo 17
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Como pode ser visto no exemplo, a primeira etapa a ser cumprida é idêntica à do soli tradicional: análise melódica, que tem como objetivo detectar as inflexões existentes no trecho. A partir daí, após a construção dos voicings quartais sob as notas estruturais (seguindo-se o procedimento descrito nas págs.21 e 22), basta que se arme os das inflexões, de forma paralela a cada nota-alvo correspondente. 1.1.3 Construção de exemplo prático Para exemplificar o uso da técnica de voicing por quartas - e, mais à frente, também por clusters e por estruturas superiores -, utilizaremos um fragmento do mesmo samba empregado nos casos de soli a2 e a3 (Exemplos 113 e 130).
218
Exemplo 18
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Apesar de, no exemplo acima - devido a sua relativamente curta duração -, ter-se tratado apenas do soli em quartas, nem é preciso dizer que, para essas novas técnicas de voicings, a necessidade de se trabalharem os contrastes de texturas e densidades - algo que já foi amplamente comentado nos exemplos práticos do Capítulo 6 - continua (na verdade, talvez seja agora ainda mais importante e desejável, em razão do bem maior grau de densidade harmônica que tais tipos de voicings apresentam). Além das possibilidades já descritas e sugeridas (por exemplo, uníssono, diálogos imitativos etc.), o arranjador passa a ter até mesmo a opção de alternar o soli quartal com trechos em soli a4 ou a3 comum. 1.1.4 Exercício 1) Arranjar a música Desafinado (Newton Mendonça e Tom ]obim) para base de piano e baixo e 4 saxofones (alto, 2 tenores e barítono), predominantemente em solí quartal.
1.2 Voicings em clusters No jargão musical, cluster significa acorde formado por segundas adjacentes (o desenho de um "cacho" [de uvas, por exemplo 1 - a tradução literal dessa palavra inglesa - é o que nos sugere a formação de um acorde como o do Exemplo 19).
219
Exemplo 19 G79
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Um voicing em c1uster pode ser considerado ainda mais denso que um em quartas, já que, além de também ser constituído por uma mistura de notas do acorde e tensões harmônicas (na realidade, é um trecho de escala tocado simultaneamente), nele é bem mais marcante a densidade derivada da proximidade física das partes: os intervalos de segunda, maior e, principalmente, menor, são formados por notas cujos harmônicos são acusticamente pouco afins, o que cria uma impressão forte de "estranheza" a nossos ouvidos, acostumados às disposições mais "harmônicas" em terças e até mesmo em quartas. Uma comparação interessante pode ser vista no Exemplo 20: um mesmo acorde, com idênticos número de partes, nota de ponta e instrumentação, foi escrito em soli comum, em voicing quartal e em c1uster, resultando em três sonoridades bem diferentes, em ordem crescente de tensão. Exemplo 20
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Dm7
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Os voicings em c1usters têm, em especial no jazz contemporâneo, duas aplicações principais: backgrounds rítmicos bem intensos (aproveitando-se da sonoridade percussiva, própria do intervalo de segunda) e acompanhamentos em notas longas de melodias expressivas e lentas (este último tipo é quase uma marca registrada dos arranjos de Gil Evans e Thad Iones). O procedimento de construção dos voicings em clusters é praticamente idêntico ao visto no tópico anterior (e o mesmo ocorrerá para as estruturas superiores): após a análise harmônica e a determinação da escala de cada acorde estrutural, passa-se à terceira etapa, na qual a única diferença vai ser a disposição das partes, desta vez em segundas adjacentes. No exemplo abaixo, podemos ver os três passos necessários para se armar um voicing em cluster a quatro partes: Exemplo 21 Cm? (11)
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[1. análise]
(modo DÓRICO)
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~o [2. escala]
~n
~o~~~iJEI ~~~ [3. construção do voicing]
Observações a) Nem sempre é possível empregar somente intervalos de segunda nos voicings: o uso de uma terça (de preferência como o intervalo mais agudo) não chega a destruir o efeito do cluster quando o
220
soli tem quatro ou mais partes. Entretanto (assim como o que acontece com os quartais), a três partes tal risco já é bem mais concreto, devendo, assim, o emprego de terças nessas situações ser evitado. b) A segunda menor é aqui um intervalo bem-vindo, já que contribui ainda mais que a segunda maior para o aumento da densidade de um cluster. Apenas numa situação torna-se indesejável e é portanto, evitada: quando se encontra entre a nota da ponta e a segunda voz. O motivo de tal proibição é o mesmo dado anteriormente no estudo do soli tradicional, ou seja, o perigo de obscurecimento da linha melódica causado pela proximidade das notas. Exemplo 22
~i (ruim)
(melhor)
c) Por causa dos já bem conhecidos problemas acústicos causados por intervalos curtos na região grave, é bem mais comum que os voicings em clusters sejam empregados em registros relativamente mais agudos do que os em quartas e em estruturas superiores. Não devem ser nunca esquecidos os limites graves para as segundas menor e maior:
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(2m)
~
(2M)
d) Como o que acontece com os voicings quartais, para aqueles em clusters a mais adequada técnica de rearmonização de inflexões é a paralela. 1.2.2 Construção de exemplo prático Exemplo 23
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1.3.3 Exercícios 1) Fazer, para Dolphin dance (Herbie Hancock), um arranj o para três trompetes (tríades superiores), três saxofones - alto, tenor e barítono - (acordes básicos) e base (piano, baixo e bateria).
224
2) Usando os três tipos de técnicas de voicings estudados, arranjar a músicaAqui, óf, de Toninho Horta, para base (violão, baixo e percussão), trompete, sax alto, trombone e sax barítono. Já que este deve ser encarado como um arranjo real, e não apenas um exercício, é imprescindível que seja utilizado um bom número de texturas contrastantes, com objetivo de equilibrar o todo (os voicings em quartas,' clusters e estruturas superiores devem ser empregados com critério, resultado de um planejamento cuidadoso, em frases relativamente não muito longas).
2. Escrita para big band Nesta parte do capítulo veremos, e é bom que seja dito, não de forma aprofundada, a escrita para grandes as orquestras de jazz, universalmente conhecidas por big bands. Devido ao enorme número de possibilidades existentes para dobramentos, combinações de naipes, texturas, densidades etc., penso ser mais apropriado abordá-Ias através de exemplos, uma espécie de painel de situações, que sirva não só para formação de um verdadeiro vocabulário sobre o assunto, como para sugerir ao estudante novas alternativas, deixando-lhe a tarefa de desenvolvê-Ias.
2.1 Instrumentação Uma big band, em sua formação-padrão, ordem:
possui quatro seções, dispostas na grade na seguinte
(4) lI) TROMBONES (4) I)
TROMPETES
I1I) SAXOFONES (5: 2 altos, 2 tenores e barítono) IV) BASE (guitarra, piano, baixo e bateria) Apesar de ser essa a instrumentação standard, podem ser encontrados vários casos em que modificações - principalmente com objetivo de se variar o timbre do conjunto - são feitas nas seções de opros. O compositor, arranjador e regente americano Glenn Miller, por exemplo, costumava substituir o primeiro sax alto por uma clarineta. Além da mudança tímbrica do naipe (ficava mais suave, menos metálico), permitia à seção trabalhar num registro mais agudo do que o habitual. Essa sonoridade tornou-se a marca registrada da orquestra de Glenn Miller e, por extensão (já que acabou sendo muito imitada), do próprio estilo, o chamado swíng dos anos 40. Na escrita jazzística contemporânea para bíg bands (como acontece com as orquestras de GilEvans, Thad jones, Maynard Fergusson, entre outras), é bastante comum o emprego de instrumentos como piccolos, flautas, clarones, flügelhorns, trompas, tubas etc.
2.2 Exemplos Nesta seção, alguns trechos com diversas combinações e possibilidades de tratamento textural dos ês naipes de sopros serão mostrados e comentados (é bom dizer que a apresentação dos exemplos elecionados não obedece a qualquer ordem sistemática).
225
2) Usando os três tipos de técnicas de voicings estudados, arranjar a músicaAqui, ó! Horta, para base (violão, baixo e percussão), trompete, sax alto, trombone e sax barítono, deve ser encarado como um arranjo real, e não apenas um exercício, é imprescindível que ejautiliz:l:::c um bom número de texturas contrastantes, com objetivo de equilibrar o todo (os voicings em quartas, clusters e estruturas superiores devem ser empregados com critério, resultado de um planejamento . dadoso, em frases relativamente não muito longas).
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2. Escrita para big band Nesta parte do capítulo veremos, e é bom que seja dito, não de forma aprofundada, a escrita para grandes as orquestras de jazz, universalmente conhecidas por big bands. Devido ao enorme número de possibilidades existentes para dobramentos, combinações de naipes, texturas, densidades etc., penso ser mais apropriado abordá-Ias através de exemplos, uma espécie de painel de situações, que sirva não só para formação de um verdadeiro vocabulário sobre o assunto, como para sugerir ao estudante novas alternativas, deixando-lhe a tarefa de desenvolvê-Ias.
2.1 Instrumentação Uma big band, em sua formação-padrão, ordem:
possui quatro seções, dispostas na grade na seguinte
I) TROMPETES (4) 11) TROMBONES (4) 1Il) SAXOFONES (5: 2 altos, 2 tenores e barítono) IV) BASE(guitarra, piano, baixo e bateria) Apesar de ser essa a instrumentação standard, podem ser encontrados vários casos em que modificações - principalmente com objetivo de se variar o timbre do conjunto - são feitas nas seções de sopros. O compositor, arranjador e regente americano Glenn Miller, por exemplo, costumava substituir o primeiro sax alto por uma clarineta. Além da mudança tímbrica do naipe (ficava mais suave, menos metálico), permitia à seção trabalhar num registro mais agudo do que o habitual. Essa sonoridade tornou-se a marca registrada da orquestra de Glenn Miller e, por extensão (já que acabou sendo muito imitada), do próprio estilo, o chamado swing dos anos 40. Na escrita jazzística contemporânea para big bands (como acontece com as orquestras de Gil Evans, Thad jones, Maynard Fergusson, entre outras), é bastante comum o emprego de instrumentos como piccolos, flautas, clarones, flügelhorns, trompas, tubas etc.
2.2 Exemplos Nesta seção, alguns trechos com diversas combinações e possibilidades de tratamento textural dos três naipes de sopros serão mostrados e comentados (é bom dizer que a apresentação dos exemplos selecionados não obedece a qualquer ordem sistemática).
225
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Comentários - O trecho acima, uma espécie de convenção, da qual participam todos os instrumentos, é um excelente exemplo de uma das mais poderosas sonoridades que se pode obter com uma big bando - Entre os sopros, apenas as quiálteras estão em uníssono (ou em oitavas) , sendo os demais voicings escritos em espaçamento fechado (o estudante, como treinamento, deve analisar cuidadosamente, sob todos os aspectos possíveis, cada voicing - não só deste, mas também os dos próximos exemplos). -
A seção dos trombones, como reforço, dobra exatamente a dos trompetes uma oitava abaixo. Os
saxes foram escritos em soli a5, espaçamento fechado (o barítono dobra o 1º alto oitava abaixo), com exceção do acorde final, que está em spread. - É interessante ainda observar a maneira como a base rítmica se relaciona com os três naipes: os ataques dos acordes na guitarra e no piano, as acentuações da bateria e o dobramento do sax barítono pelo baixo.
- Este tipo de textura deve ser guardado para momentos importantes de um arranjo, que necessitem de tal ênfase (um grau ainda mais elevado de força poderia ser obtido se a banda tocasse a passagem inteiramente em uníssono/oitavas).
Situação 2: Tema + acompanhamento de uma das seções Exemplo 29
227
Comentários - Esta é normalmente sua relativa baixa densidade, solo x trombones, trombone empregadas alternadamente,
muito usada como textura contrastante (à anterior, por exemplo), devido à já que apenas duas seções atuam. Todas as demais combinações (trornpete x saxes etc.) também são boas, além da vantagem adicional de, ao serem darem ao arranjo uma maior variedade em termos de colorido instrumental.
- O espaçamento escolhido para o soli a4 dos trombones, fechado, deve-se tanto ao estilo (samba), quanto ao andamento e à natureza rítmica do acompanhamento adotado (abordaremos de forma mais aprofundada este assunto no capítulo sobre a escrita de backgrounds). O arranjador deve estar sempre atento às, digamos assim, exigências particulares de cada situação. - Variantes: a) ao invés de solista, a seção dos saxes (no caso de nosso exemplo) poderia vir por inteiro em uníssono; b) as linhas de saxes e trombones, cada qual na respectiva seção, em uníssono; c) ambas as linhas em soli (com iguais ou diferentes espaçamentos).
Situação 3: Sopros em três planos distintos Exemplo 30
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Comentários Com densidade instrumental semelhante à da primeira situação, esta textura tem, entretanto quase sempre um objetivo completamente diverso: enquanto a primeira é empregada em passagens que necessitam ter suas melodias sublinhadas (em outras palavras, onde fica patente a clareza do tecido musical), esta - que poderíamos chamar de "quase-polífônica" -, quando usada em determinado trecho, resulta num discurso de grande complexidade, no qual seus três planos sonoros dividem' a atenção do ouvinte (comparar também com a segunda situação, na qual, embora haja dois planos, apenas um está no foco principal, o do tema) . -
- As seções dos saxes e dos trompetes estão em soli a4, espaçamento fechado. Já a linha dos trombones aparece em uníssono: a decisão de como deve ser tratado cada naipe baseia-se, inegavelmente, no senso de forma do arranjador. Neste caso específico, seria desnecessário (antieconômico) escrever os três sopros em soli, além do fato de que a linha dos trombones perderia a clareza pretendida (é lógico que fatores complexos derivados do planejamento de forma e conteúdo do arranjo como um todo também influem na determinação do que seja ou não econômico. As decisões de um arranjador dependem menos de "palpites" do que se aparenta. Reler o Capítulo 4). - Na verdade, uma quarta linha é ainda adicionada ao conjunto no final do exemplo, linha esta formada pelo sax barítono e pelo trombone 4, em uníssono. Não foram, por acaso, deixados em pausa por oito compassos: a trama polifônica (ou, para ser mais preciso, quase polifônica) é tão intrincada que, para o ouvinte poder perceber todos os planos, é aconselhável que as novas idéias sejam introduzidas só após as antigas terem sido assimiladas (ou, pelo menos, terem sido ouvidas por um tempo suficiente para se tornarem, digamos, familiares). Esse tipo de técnica na escrita de melodias que se sobrepõem é muito empregada, por muitos, de uma forma intuitiva, mas se origina do contraponto tradicional (o melhor exemplo de sua aplicação pode ser encontrado na exposição de uma fuga). Situação 4: Saxofones em solí a5 Exemplo 31 J=66
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Comentários - Esta sonoridade é uma das mais características de uma big band. É usada principalmente como contraste a texturas mais densas, como as que vimos nas situações 1 e 3.
-
- A linha melódica que é usada para o soli dos saxes é, na grande parte dos casos, uma variação à maneira de um improviso jazzístico - de um dos temas da composição (assunto do Capítulo 11).
- Embora possamos encontrar exemplos em que a seção dos trompetes ou a dos trombones apareçam igualmente desacompanhadas em soli a4, sem qualquer dúvida, é a dos saxofones a mais empregada nesse sentido. A razão principal é, certamente, permitir que a cor do naipe, bem mais suave que as dos outros, soe de forma pura, já que, quando combinada com a dos metais, sempre é sobrepujada. Sem querer esgotar todas as possibilidades,* podemos ainda abordar algumas situações próprias de uma linguagem mais atual de escrita para big bands. Exemplo 32 Tempo rebato ",li
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Comentário ' - Aqui os metais formam um background rítmico em clusters para o improviso de piano. É um recurso bastante usado (é claro que não é necessário que o acompanhamento seja escrito em clusters, mas se o for, como já foi comentado, seu caráter percussivo torna-se mais acentuado), principalmente quando, ao se aproximar do final do solo, se deseja aumentar a tensão e preparar a entrada de um outro clima (como, por exemplo, a reexposição do tema principal, em tutti). Já os saxofones, por suas particularidades tímbricas e de articulação, se prestam melhor para backgrounds harmônicos, com notas de valores relativamente longos (ver também o Capítulo 13).
231
Exemplo 34
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Comentário - Este é um excelente exemplo do que se pode conseguir com o desenvolvimento de idéias básicas: no caso, foram combinadas as técnicas de voicings por quartas (na seção dos trombones, aproveitandose do fato de serem quartais os acordes básicos da música) e por estruturas superiores (em três dos saxes). É interessante notar que, como a harmonia da base não é do tipo convencional- isto é, acordes com terças, inter-relacionados funcionalmente etc. -, as tríades superiores foram escolhidas não por conterem mais ou menos "tensões" das escalas dos básicos, mas, sim, pelo colorido' criado. O que parece ser uma subversão da teoria ensinada, nada mais é do que uma saudável especulação, um passo adiante provocado pela necessidade (as exigências particulares de cada problema que se apresenta pedindo solução) e realizado com a ajuda da inventividade, do conhecimento, da experiência, do apuro técnico e da ousadia do bom arranjador. Partindo do exame minucioso das situações apresentadas, o estudante deve, ao mesmo tempo que ganha experiência na escrita de seus próprios trabalhos, colecionar e analisar o maior número possível de partituras dos grandes arranjadores (além dos já citados e entre muitos outros, temos os nomes de
232
Duke Ellington, john LaBarbera, Sammy Nestico, Rusty Dedrick, Don Sebeski, Nelson Riddle Fancy Bolan Bob Brookmeyer etc.), com o objetivo de não só localizar e confirmar a importância das situções abordadas neste capítulo, como descobrir outras, extraindo assim novas possibilidades.
2.3 Exercício 1) Arranjar para uma big band padrão (5 saxes, 4 trompetes, 4 trombones, piano, guitarra, baixo e bateria) a músicaÁgua de beber (Tom jobím e Vinícius de Morais). É imprescindível que seja feito um planejamento criterioso do arranjo, no qual devem ser previstos pelo menos três chorus, de modo que se possa experimentar boa parte das texturas sugeri das (bem como suas variações e outras, desenvolvidas pelo próprio estudante).
233
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1
2
Atonal - em sentido estrito, toda a música que não seja baseada nos fundamentos e leis do tonalismo. Foi um termo criado pelos críticos, de início de forma depreciativa, para designar a linguagem musical adotada pela chamada Segunda Escola de Viena - formada por Schõnberg (que preferia ser chamado "pantonalista"), Berg e Webern - em suas composições, nas primeiras décadas do século XX, em oposição às desenvolvidas por, principalmente, Debussy, Stravinsky e Bartók, todos - embora, é claro, num sentido bem amplo - praticantes da música tonal. Ao contrário do que acontece no sistema tonal, em que há uma estrutura hierárquica (que pode ser, dependendo do caso, forte ou ambígua), comandada pela Tônica, no atonalismo nenhuma nota tem proeminência sobre as outras. Sendo assim, a matéria-prima das composições atonais, fonte para melodias e acordes, é o total cromático, e não os diferentes tipos de escalas que são usados nas tonais. Até mesmo pela disposição triádica de suas partes, as estruturas superiores nos dão a impressão sonora - em comparação com os voicings em quartas e em clusters - de estarem mais "dentro" da tonalidade. Se recordarmos que as três técnicas de voicings usam idêntica matéria-prima harmônica, poderemos concluir que tal impressão baseia-se apenas na forma como as partes são arranjadas a intervalos, em cada um dos casos.
3
Na realidade, dificilmente três linhas como as do exemplo possuem idêntica importância estrutural dentro arranjo. Há quase sempre, em um dos planos, uma idéia principal à qual se subordinam as duas restantes. textura verdadeiramente polifônica a três partes, todas possuem o mesmo status melódico, além do fato de concebidas de modo que, em diferentes momentos, possam ser intercambiadas pelas vozes (técnica conhecida contraponto invertível ou duplo contraponto. Mais será falado no Capítulo 15).
4
Refiro-me aqui ao tipo de composição cujo encadeamento das harmonias baseie-se apenas na impressão sonora ou, em outras palavras, no colorido - que provoca (o que é determinado, obviamente, pelo gosto do compositor ou por algum outro propósito especial), e não nas relações funcionais mútuas. Um bom exemplo disso pode ser encontrado na música de Debussy.
235
de um Numa serem como
Capítulo 10
Madeiras (2'1 parte)
Os instrumentos de palheta dupla, que abordaremos neste capítulo, são um tanto raros na música popular. O oboé, o fagote e o corne inglês, seus três principais representantes, são normalmente empregados apenas em arranjos que contêm com aparato orquestral, ou naqueles com instrumentação camerística de origem tradicionalmente erudita, como é o caso de um trio de madeiras (flauta, clarineta e fagote) ou de um quinteto de sopros (flauta, oboé, clarineta, fagote e trompa). Não que haja, entre seus timbres e os diversos estilos populares, incompatibilidade de qualquer natureza: afinal, seria um atrativo a mais o emprego de sonoridades tão "exóticas" numa bossa-nova ou num blues, por exemplo. As razões desse afastamento são, na verdade, bem triviais: os instrumentistas populares que já tocam outro sopro (flauta, por exemplo) não se interessam em aprender oboé (ou fagote etc.), já que não há mercado para tal (no raciocínio do músico, é muito mais vantajoso - até mesmo economicamente - estudar sax ou clarineta, instrumentos já consagrados na música popular, do que partir para um "terreno incerto"). Não se pode tirar sua razão por pensar assim, mas, dessa situação acaba resultando uma espécie de círculo vicioso que só pode ser rompido com uma atitude, da parte dos arranjadores, um pouco mais questionadora e audaciosa (nem precisaria dizer que ela deve estar firmemente baseada no conhecimento, e não no experimentalismo vazio e "deslumbrado"). Os instrumentos de palheta dupla são conhecidos pelas civilizações orientais desde a Antigüidade. No Ocidente, seus antepassados foram a charamela, o dulcían e a bombarda, muito comuns nas músicas medieval e renascentista. No período Barroco é que são criados o oboé e o fagote, que, devido à cor bem peculiar de seus timbres, foram imediatamente incorporados às orquestras. Aprodução do som desses instrumentos dá-se através da vibração simultânea das duas pequenas palhetas, que são atadas face a face a um tudel e presas pelo contato direto dos lábios (ao contrário do saxofone e da clarineta, não há a intermediação da boquilha, que sustenta a palheta e serve de anteparo para sua vibração). Essas palhetas normalmente são, a partir de uma lâmina de cana, cortadas e desbastadas pelo próprio instrumentista (é lógico que só se consegue bons resultados após uma considerável experiência; até então, é comum que o estudante seja auxiliado pelo professor nessa tarefa), que acaba, assim, possibilitando-lhe a busca de um som bem particular (é mais uma diferença em relação ao que acontece com o clarinetista e o saxofonista, que adquirem suas palhetas já prontas). 1. Oboé Inglês: oboe Francês: hautboís Italiano: oboe Alemão: Hoboe Abreviatura: ob.
237
1.1 Observações a) O oboé é um instrumento não transpositor. Comparado com a flauta, que atua mais ou menos na mesma região, perde em agilidade e não possui, em seu idioma, tantos efeitos expressivos (ataque duplo de língua e o frulato, por exemplo, não funcionam muito bem com o oboé. Não é também seu ponto forte a articulação em legato - principalmente os de longa duração; entretanto, o staccato é uma de suas mais marcantes características). b) Aporção mais grave de sua tessitura não é muito confiável: são notas difíceis de serem articuladas suavemente, sendo assim, na maioria das vezes, evitadas. Exemplo 35
Na região superaguda, acima de ré, o oboé começa a perder as características tímbricas, além de sua sonoridade tornar-se "espremida" e bastante tensa. Essa nota é por muitos considerada um limite para uso em solos (exceção: dobramentos). Exemplo 36
c) Devido a seu timbre peculiar,' o oboé foi convencionalmente adotado como o instrumento que deve fornecer o ki-diapasão (freqüência de 440 Hz) aos demais da orquestra. Sendo seu som inconfundível e penetrante, pode ficar soando enquanto os outros músicos afinam por ele seus instrumentos. d) O sistema de palheta dupla exige uma menor quantidade de ar do que a necessária nos outros tipos de instrumentos. Além disso, muitos oboistas desenvolvem uma técnica especial, a chamada "respi. ração circular" (usada também por iogues e cantores), que lhes permite inspirar pelo nariz ao mesmo tempo que mantêm a pressão do sopro. e) O oboé pode ser empregado com sucesso nas mais diversas texturas musicais: • em uníssono com outras madeiras, piano, guitarra ou violino (este último dobramento foi usado intensamente no período Barroco, tornando-se uma de suas principais características sonoras). • numa orquestra, a seção de oboés conta normalmente com dois instrumentos que, somados a um come inglês, são quase sempre escritos em soli a3 em espaçamento fechado. • grupamentos camerísticos, como os já mencionados trio de madeiras e quinteto de sopros, além de várias outras combinações instrumentais que evidenciam as diferenças tímbricas (por exemplo, flauta, oboé, viola e violoncelo, ou oboé, trompa e clarone etc.), são excelentes para músicas de caráter contrapontístico.
238
1.2 Outros instrumentos da farru1iado oboé
Corne inglês Inglês: english born Francês: cor anglais Italiano: corno inglese Alemão: Englisch Horn Abreviatura: c.i.
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transposto
Observações: a) O corne inglês possui, apesar de em maiores dimensões, o mesmo desenho do oboé, com exceção de dois pequenos detalhes nas suas extremidades: o tudel é um pouco curvo enquanto o pavilhão apresenta-se em forma de bulbo (o que o faz ainda mais assemelhar-se aos seus antepassados orientais). b) É afinado emfá (sendo assim, sua transposição se dá uma quinta justa acima do som real), o que proporciona a um oboísta tocá-lo com idêntica técnica que usa para seu próprio instrumento, já que as chaves são as mesmas (com a exceção da mais grave, o sib 2 -transposto). c) Sua região grave, ao contrário do que acontece com o oboé, é expressiva, encorpada e de fácil execução, sendo, por isso, bastante explorada, tanto em solos (um excelente exemplo desse uso pode ser encontrado na Sinfonia do Novo Mundo, de Dvórak) quanto na que é, talvez, a maior aplicação do corne inglês: como voz mais grave de uma seção de oboés. Por outro lado, dificilmente sua tessitura mais aguda é empregada. d) Quanto à agilidade e às demais particularidades de articulação, assemelha-se bastante ao oboé .. Oboé de amor Inglês: oboe d'amore Francês: hautbois d'amour Italiano: oboe d'amore Alemão: Liebesoboe Abreviatura: ob-am
transposto
239
Observações a) Instrumento muito usado pelos compositores barrocos (ao lado de outras variantes, como o oboe da eaeeia - em italiano, "oboé de caça", que acabou dando origem ao corne inglês), deve seu nome, provavelmente, ao timbre que possuía, bem mais doce e suave que o do oboé convencional. Hoje em dia é raramente usado, a não ser quando se deseja uma sonoridade propositalmente antiga ou exótica (o que acontece muito na composição para cinema). b) É afinado em lá (transpõe-se uma terça menor abaixo do som real). Assim como o corne inglês, não possui a chave do sib. Heckelfone Inglês: Heekelphone Francês: hautbois baryton Italiano: heekelfono Alemão: Heekelphon Abreviatura: hck. Observações a) É afinado exatamente uma oitava abaixo em relação ao oboé (é, portanto, um instrumento transpositor de oitava - como o violão, por exemplo). b) Foi inventado por Wilhelm Heckel (daí seu nome) seguindo recomendações do compositor alemão Wagner, que sentia a necessidade de um instrumento da família do oboé no registro barítono para suas composições. O Heckelfone, entretanto, só foi empregado efetivamente no início do século XX, na ópera Salomé, de Richard Strauss (hoje em dia é ainda muito pouco usado).
2. Fagote Inglês: bassoon Francês: basson Italiano:fagotto Alemão: Fagott Abreviatura: fag.
Obs.: A nota entre parênteses mostra o limite teórico do instrumento, que, no entanto, raras vezes é escrito acima de sib3·
240
2.1 Observações a) O fagote é um instrumento de formato inusitado (são dois grandes segmentos de tubo cônico unidos lado a lado em sua base por uma junta em forma de U, e com um tudellongo e curvo que sustenta as palhetas na extremidade superior), derivado do renascentista dulcian. Com o tempo, foi sendo aperfeiçoado (as mais importantes mudanças ocorreram no século XIX), e, hoje em dia, são dois os modelos principais: o alemão e o francês, que têm pequenas diferenças de mecânica e sonoridade entre si. b) Como o oboé, não é transpositor. Escreve-se para o fagote nas claves defá (principalmente) de dó na quarta linha, quando se trata de trechos melódicos demasiadamente agudos.
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c) Suas três regiões possuem personalidades bem definidas: • grave: sonoridade encorpada, profunda e robusta. Seu grande incoveniente é a dificuldade de se tocar em dinâmicas pianíssimo epiano. • média: timbre bastante expressivo, embora com uma menor consistência sonora, se comparado com o da região grave. É, desde o período Barroco, o registro preferido pelos compositores para melodias solo e dobramentos. • aguda: quanto mais se sobe na escala, mais penetrante e tenso torna-se o som do fagote, o que é muitas vezes explorado com propósitos expressivos.' região grave
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d) Como todo instrumento de palheta dupla, a articulação non-legato do fagote é mais natural (e, conseqüentemente, idiomática) que a em legato, embora isso não queira dizer que esta última deva ser evitada. Contudo, ao escolher o fraseado para o instrumento, deve-se dar preferência às ligaduras mais curtas, ditas "de coloração" (ver Exemplo 37a), que quase sempre funcionam melhor do que as longas, 'picas de partes de flautas ou clarinetas. À semelhança do que acontece com o oboé, o staccatto (Exemplo -'-b) é um recurso de articulação dos mais característicos e explorados na escrita do fagote, tanto na região média (onde, sem dúvida, obtém os melhores resultados), quanto na grave. emplo 37 (a)
I f}= e) Os ataques duplo e triplo de língua e o frulato não fazem parte de seu vocabulário de efeitos. Já - êmolos e trinados (principalmente aqueles na região grave) devem ser, antes de escritos, pesquisados preferência, com o próprio instrumentista) com cuidado, já que, devido às particularidades de -ítação do fagote, nem todos são possíveis, e os que o são vão depender muito das condições do conno qual estão inseridos, principalmente o andamento e a atividade rítmica que os antecede e precede.
241
f) Enquanto o timbre do oboé evoca melancolia, o do fagote sempre foi usado - desde as primeiras 6~exas até os filmes mais recentes - çara ilustrar climas ou personagens grotescos, desajeitados ou cômicos (é na música composta para desenhos animados que estão, certamente, os melhores exemplos). g) Seu emprego como instrumento solista é raro (há relativamente poucos concertos para fagote' na literatura musical, quase todos compostos por Vivaldi), principalmente na música popular, o que é um tanto inexplicável, devido a sua grande expressividade melódica e a seu belíssimo timbre. Numa orquestra, em geral trabalha em dupla com outro fagote (ocasionalmente reforçados por um contrafagote - do qual trataremos a seguir), dobrando os violoncelos, as trompas e os trombones. Na música camerística, é muito usado como o baixo de ensembles de madeiras ou mistos (como o já comentado quinteto de sopros, por exemplo), existindo até em formações que, ao contrário do que aparentam, funcionam perfeitamente bem, como é o caso do quarteto de fagotes liderado por Noel Devos (professor e músico francês que, radicado já há muitos anos em nosso país, formou várias gerações de grandes fagotistas brasileiros).
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2.2 Outro instrumento da família do fagote Contrafagote Inglês: contrabassoon Francês: contrebasson Italiano: contrajagotto Alemão: Kontrajagott Abreviatura: c-fag som real
Observações a) O contrafagote é afinado uma oitava abaixo do fagote (seu tubo tem o dobro do comprimento deste último), sendo, portanto, com o objetivo de simplificar-se sua escrita, sempre transposto uma oitava acima do som real. b) É normalmente construído de madeira, mas existem também modelos em metal. c) Quanto à agilidade, perde um pouco, se comparado com o fagote. d) É o instrumento mais grave de toda a orquestra, e só tem realmente aplicação prática nos dobramentos orquestrais dos fagotes ou de linhas de baixo de tubas e/ou de contrabaixos (o contrafagote é o equivalente, nas madeiras, desses outros instrumentos graves, alicerces dos naipes dos metais e das cordas).
242
__ Exercício Usando um trio de palhetas duplas (oboé, corne inglês e fagote) à capela, fazer um arranjo gênuo, de Pixinguinha. Apesar de pouco ter sido dito sobre procedimentos contrapontísticos (o que. .,
não é objeto consistente deste curso), o estudante deve tentar criar, de forma, digamos, intuiti '(l . as melódicas (que devem respeitar a harmonia da música) bem definidas para cada um dos tres . trumentos. As frases do tema podem ser, inclusive, distribuídas entre eles, à maneira de um diálogo este é o importantíssimo princípio da imitação, do qual mais será falado no decorrer dos próximos pítulos)
243
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o timbre do oboé, desde
há muito tempo, tem sido associado à expressão de tristeza ou melancolia. É interessante notar como tal característica foi explorada nos tipos de música que adotam a psicologia como um dos fatores mais importantes de sua elaboração: primeiro a ópera, que acabou transmitindo seus principais parâmetros construtivos à composição para o cinema. Além disso, para o ouvinte comum, seu timbre (certamente por suas origens, somado à influência da música cinematográfica) é fortemente associado ao Oriente - em especial aos povos árabes. Infelizmente, em boa parte dos casos, tais associações são aproveitadas em arranjos e composições de forma óbvia e estereotipada.
- Aintrodução do baléA sagração da primavera, de Stravinsky, exemplifica tal uso perfeitamente: a melodia angustiada e insistente dada ao fagote, em seu extremo agudo, pretende ilustrar o início da primavera, o romper do inverno pela primeira floração. Caso esse tema fosse destinado a um outro instrumento, no qual pudesse ser tocado de forma mais confortável (aliás, tal solução foi surpreendentemente sugerida por vários críticos e compositores na época da estréia da peça, em 1913), a mesma impressão pictórica não seria, de modo algum, passada ao ouvinte. Concerto - forma musical na qual, de acordo com a denominação consagrada pelo Classicismo do século XVIII em períodos artísticos anteriores, concerto teve significados diferentes), um instrumento solista é acompanhado por uma orquestra. Com três movimentos e de caráter quase sempre virtuosístico, concertos - de Bach a hõnberg - foram escritos para os mais diferentes instrumentos, embora, numa maioria esmagadora, o piano e (bem mais abaixo) o violino tenham sido sempre os preferidos.
245
Capítulo 11
A melodi-a
É surpreendente
constatar que a maior parte dos profissionais - e me refiro aqui não só aos iniciantes, mas também a muitos arranjadores com considerável experiência - não explora bem a mais importante matéria-prima na elaboração de um arranjo: a melodia. A partir da partitura que contém o tema de uma determinada música e sua harmonização (seja extraída dos chamados songbooks ou transcrita de discos ou fitas), o que mais costuma acontecer é o arranjador adotá-Ia in natura e mantê-Ia inalterada pelos vários choruses da peça. Ele pode até mesmo construir um arranjo que, quanto à instrumentação e à forma, seja bastante interessante, com climas e texturas que reflitam um equilíbrio perfeito entre variação e coerência (reler o Capítulo 4). Mas, se passar ao largo das possibilidades que lhe oferece a melodia, estará desperdiçando uma fonte praticamente inesgotável de recursos que o ajudaria a alcançar o mesmo objetivo - um arranjo equilibrado, funcional, ousado, belo, enfim - de uma forma certamente muito mais artística. E quais seriam essas possibilidades tão negligenciadas? Todas elas se originam de uma única técnica - uma das mais importantes na composição musical: a uariação melódica. Por intermédio dela, o arranjador pode, por exemplo, adequar um tema às particularidades rítmicas de seu arranjo (principalmente se o estilo deste é diferente da música original) , ou tirar dos motivos da melodia idéias para linhas de acompanhamento, introduções, interlúdios etc. É óbvio que seria impossível, no exíguo espaço de um capítulo, abordar com toda a profundidade tal assunto, já que traz em si um grande universo e depende do préconhecimento de outras matérias - principalmente morfologia, harmonia e contraponto. Ainda assim, o que veremos a seguir será de grande utilidade, considerando-se os objetivos e propósitos de nosso curso. 1. Melodia
Antes de entrar nas considerações sobre a variação, convém nos voltarmos para a melodia propriamente dita. O arranjador/compositor precisa estar consciente de que, quando desejar modificá-Ia (ou seja, variá-Ia), deve fazê-lo sem que sua estrutura seja abalada:' quando isso acontece, a variação desconectase do tema - em outras palavras, o parentesco entre ambos deixa de ser reconhecido - e ela, conseqüentemente, perde por completo seu valor funcional. Assim sendo, torna-se fácil compreender a importância de se conhecerem os seguintes conceitos e fundamentos que regem a construção melódica. I.L Relação entre melodia e harmonia A esmagadora maioria das melodias traz "codificada" em suas notas a harmonização mais adequada para si. Cabe ao arranjador decifrar tal código, extraindo, por entre inflexões dos mais diferentes tipos, as notas estruturais da linha melódica (reler o Capítulo 6), os pilares que, em geral, estão firmemente alicerçados nessa harmonia latente. É óbvio que há casos bem simples, em que arpejos explicitam os acordes que devem acompanhá-Ios (ver Exemplo 38a), mas, normalmente - e em especial nas composições em estilos mais sofisticados (bossa-nova, por exemplo) - o emprego de inflexões e o repouso proposital da melodia em tensões harmônicas pode dificultar um pouco o imediato reconhecimento da harmonia que lhe é mais apropriada (Exemplo 38b).
247
Exemplo 38 (a)
C
F
G
~~I ~~~J
C
~~~~
Obs.: A simbologia adotada nesta análise melódica encontra-se a partir da p. 138.
1.2 Estrutura É assim chamada a rede de notas estruturais que forma uma espécie de "esqueleto" de sustentação de todo o tecido melódico. Como vimos acima, a estrutura de uma melodia mantém estreita relação com sua harmonia, de onde vem seu principal apoio (existem exceções, como a melodia mostrada no Exemplo 38b, que poderíamos chamar de "flutuante" ou "desenraízada'', isto é, remotamente ligada aos acordes que a acompanham. Não há nela uma harmonia latente que transpareça, como nos casos mais simples: esta é, por completo, fruto das intenções do compositor, "desfuncionalizada" e propositalmente apoiada nas sonoridades temperadas das tensões).
Exemplo 39 C
(a)
Am
G
C
melodia 11I"
4
______
9
I
J
....
I (=!uçlIo indàeta)
I ~
análise estrutural
~
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Em
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248
l'
G7
c
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••
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(b)
Resumo da estrutura:
li,~n~e~n~&O~nêl~ln ~e~n~e
~O~&~~
No exemplo anterior temos uma melodia simples e harmonicamente clara, juntamente com sua análise estrutural. Na notação especial que adotamos para tal análise (uma adaptação daquela desenvolvida pelo autor americano Felix Salzer") são utilizados os sinais rítmicos convencionais (semibreves, mínimas, semínimas, colcheias e, eventualmente, semicolcheias), porém, ao invés de expressar as durações, eles são aqui empregados com significado completamente diverso: indicam a "hierarquia estrutral" existente no trecho, ou seja, a proeminência que certas notas - pela funções que exercem na melodia - têm sobre outras. Assim, semibreves e mínimas são usadas para os apoios, semínimas para inflexões e colcheias para arpejos ou fragmentos destes (tais notas, assim como as inflexões, não interferem no principal fluxo estrutural; são, em certo sentido, "irrelevantes" em relação a ele, já que, perfeitamente enquadradas na moldura harmônica, servem apenas para dar maior movimento rítmico e variedade ao contorno melódico, através dos saltos e das eventuais mudanças de registro). É bom deixar claro que esse conceito de "esqueleto" estrutural não deve ser encarado como uma espécie de método de se obter melodias: nenhum verdadeiro compositor jamais pensaria em criar primeiro uma estrutura e depois enfeitá-Ia com inflexões e outras notas. Sua real função é, sim, revelar, através da análise, as particularidades, os pontos de apoio, as forças internas de uma determinada melodia, fazer-nos, enfim, conhecê-Ia a fundo para que possamos extrair o que de mais útil lá houver em benefício do todo da composição ou do arranjo a qual faz parte.
Observação: Existem ainda casos em que uma melodia apresenta-se como síntese de duas linhas, entre si complementares (ver Exemplo 40a). Essas melodias são comumente chamadas de compostas. Se separarmos as linhas como se fossem tocadas por vozes distintas (Exemplo 40b), tal textura surge claramente.
249
Exemplo 40 (a) Melodia composta
F
C/G
Dm
A7(!>13)
C
B7(!>9)
Gm
$ii~~ (b) Unhas separadas
$~~~~ ~~
1.3 Contorno/ponto culminante
o contorno
de uma melodia nada mais é que seu aspecto gráfico: resultado de saltos, longas linhas ascendentes ou descendentes, notas repetidas etc., o "desenho" de um determinado tema pode se apresentar das mais variadas formas. Abaixo podemos ver alguns exemplos de melodias com diferentes contornos. Exemplo 41
~~'ê ~
J.
I
250
.
(etc.)
1,~I_~o
(d)
(e)
['S~
(etc.)
Obs.: A análise estrutural das melodias (e/ou fragmentos) fica ao encargo do estudante, como exercício adicional.
o ponto culminante de um tema é seu clímax, a nota estrutural mais aguda. Analisando melodias de o andes compositores que nos soam equilibradas, dificilmente encontraremos a repetição de seus pontos culminantes' (esta condição é quase imprescindível para a construção de boas linhas melódicas - apesar de obviamente existirem exceções que confirmam a regra), que surgem, na maioria dos casos, próximos à cadência final. Contorno e ponto culminante são, portanto, conceitos que estão intimamente ligados, o que pode ser confirmado nas melodias do Exemplo 41 (e, é claro, em quase todas outras já compostas, sejam populares ou eruditas).
Motivo Como já comentado em outros pontos deste livro, o motivo é, numa melodia, a menor unidade for:::ID/construtiva que pode existir. Normalmente de curtíssima duração - de duas a seis notas (embora - ' tam motivos ainda maiores, resultantes da aglutinação de outros) -, motivos devem possuir uma _ rsonalidade bem marcante para que sejam facilmente reconhecidos e, portanto, tornem-se úteis ao nvolvimento das idéias melódicas (isto é, sejam aproveitados em imitações e variações). Essa persoidade, o sinal característico de um motivo, pode ser estabelecida tanto por seu contorno melódico seja, pelos intervalos que o compõem - de uma maneira geral, intervalos grandes são mais "reco, eis" que os pequenos), quanto por seu ritmo ou combinação de ambos. Embora uma grande parte - exemplos se enquadre neste último caso, como fator isolado é, sem nenhuma dúvida, o ritmo preaderante para que possamos reconhecer, em um arranjo ou composição, um motivo extraído da odia original que, de alguma maneira modificado, reapareça num outro contexto, emplo 42
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a
I
251
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I
d
Nos três fragmentos melódicos acima, podemos observar vários tipos de motivos: em 42a, o motivo a é essencialmente rítmico (poderíamos considerar ainda como parte dele a nota de apoio do tempo seguinte, mi), enquanto b se caracteriza não só por ser nota repetida (um tipo de motivo melódico dos
mais fortes que existe), mas também pelas posições métricas que ocupa (2º e 32 tempos) - sua personalidade resulta da soma desses dois fatores; em 42b temos um motivo ritmicamente forte (b); um outro, como no caso anterior, em notas repetidas (c), que se justapõe a um intervalar (a quinta descendete marcada com d), e um não tão importante (a), sem grandes peculiaridades que, por certo, terá um papel meramente secundário no decorrer do desenvolvimento da peça, se comparado aos dos demais; por último, em 42c, predomina por toda a frase a célula a, de ritmo muito marcante. Há ainda dois outros motivos rítmicos, b e c, que formam, por sua vez, uma outra unidade, d.
2. Transformações melódicas Uma transformação distingue-se essencialmente de uma variação por afetar a estrutura da melodia, a qual será aplicada de um jeito muito mais superficial. Em certo sentido, pode ser considerada como uma espécie de "operação matemática", que preserva o tema em sua essência, não o impedindo de retornar, mais à frente, em sua forma original. Já a arte da variação, por não ser de modo algum uma ciência exata, leva a melodia por caminhos sempre inéditos, cujo afastamento ou não da idéia inicial vai depender de muitos fatores: o compositor escolhe motivos, isola-os, fragmenta-os, justapõe-nos ou os troca de posição, suprime alguns ou acrescenta outros novos de conexão, enfim, molda o material melódico de acordo com as condições únicas que se apresentam a cada peça, com suas - também únicas - intenções construtivas e, principalmente, com seu senso deforma. Transformações melódicas são procedimentos característicos da música polifônica, com fins quase essencialmente imitativos (ou seja, a idéia original e sua transformação são aplicadas a vozes diferentes, em diálogos musicais). Teve seu apogeu nas composições dos chamados mestres flamengos/ apesar de serem ainda muito usadas até o período Barroco, principalmente por Bach.' Com a cada vez maior importância dada ao acompanhamento homofônico - e, conseqüentemente, à melodia principal, em detrimento de outras vozes, o que reduziu drasticamente o emprego das técnicas de imitação - e à dificuldade de sua adequação a determinados encadeamentos de acordes, as transformações foram perdendo o terreno para as variações, como técnica composicional, já a partir do início do século XVIII. Apesar de ser a quase totalidade da música popular estritamente homofônica, o que torna as transformações de pouco uso prático, é interessante abordá-Ias, não apenas por sua importância histórica (num sentido bem mais amplo do que o meramente cronológico, é claro), mas porque podem ser perfeitamente aplicadas de forma mais restrita (isto é, em fragmentos melódicos - veremos isso mais adiante) ou mesmo em arranjos que possuam texturas polifônicas. O fato de existirem pouquíssimos deles não significa, de modo algum, que haja alguma incompatibilidade entre os estilos populares e a escrita contrapontística - ao contrário, este é um campo vastíssimo de possibilidades e praticamente inexplorado. O que na verdade acontece é que não há muitos arranjadores com, pelo menos, razoáveis conhecimento e experiência na área do contraponto, talvez por esta matéria não ser considerada, pela maioria dos profissionais, como fundamental para sua formação - um grande equívoco, como sabemos. Vejamos, então, os principais tipos de transformações.
252
1.1 Transposição É a transformação mais conhecida e usada (embora sempre com outros propósitos, além dos
imitativos), em modulações ou na escrita das partes de instrumentos transpositores, como já foi visto. Pode ser feita de duas maneiras: estrita ou diatônica. Na estrita, o intervalo de transposição (uma terça maior; como exemplo o 43b) é aplicado a todas as notas da melodia a ser transposta. Na diatônica (Exem10 43c), a qualidade do intervalo muda (ou seja, passa, conforme o caso, de maior a menor, de justo aumentado etc.) para se adequar à tonalidade da música. :::Xemplo43 ) modelo
transposição literal (3' maior abaixo)
nansposíção
diatônica (34 abaixo)
entação ta, as durações de todas as notas da melodia são multiplicadas por um determinado fator, na lC&:~~ dos casos por 2 (embora sejam possíveis outros tipos, como a aumentação pelo triplo ou mesmo ores fracionários, por exemplo 3/2). Tanto quanto na transformação seguinte, a diminuição, as WIliCiI.:::tÇlS rítmicas são apenas aparentes, já que as proporções em relação ao ritmo original são rigoro-~.I: mantidas, coisa que o ouvido consegue facilmente perceber .
• -modelo do ex.43 aumentada ao dobro:
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~~* E;§
J.
~§~~*
§~. §~~u ~~~
253
2.3 Diminuição É exatamente o contrário da aumentação, ou seja, trata-se da redução dos valores das notas à metade (quase invariavelmente, já que a divisão por outros números, por exemplo, o 3, traria à melodia transformada figurações rítmicas extremamente complicadas). Adiminuição sempre foi menos usada do que a aumentação pelos compositores, por resultar numa aceleração da intensidade rítmica que dificilmente consegue ser controlada - "freada" ou, então, levada às últimas conseqüências."
Exemplo 45 Diminuição pela metade
2.4 Inversão Esta transformação foi das mais usadas pelos mestres polifônicos. Consiste em se inverter as direções dos intervalos (por exemplo, uma quinta ascendente transforma-se em quinta descendente), preservando-se todo o resto (principalmente o ritmo, o que torna facilmente reconhecível seu parentesco com a melodia de origem) . Pode ser feita de forma diatônica ou literal. Exemplo 46 Inversão diatônica:
2.5 Retrogradação Também chamada de "caranguejo", a retrogradação de uma melodia nada mais é do que apresentáIa de trás para frente (dessa maneira, a última nota torna-se a primeira; a penúltima, a segunda, e assim por diante). Ao contrário do que acontece com a inversão, é dificílimo perceber auditivamente a derivação de uma melodia retrogradada, pois um ritmo tocado ao contrário de modo algum é assim compreendido (existem algumas exceções: frases com valores constantes - semínimas, por exemplo - ou palíndromes rítmicas"). O uso da retrogradação praticamente se restringiu ao período da polifonia linear, sendo quase um artifício puramente intelectual; só podendo ser detectado na leitura da partitura - e não na audição da música -, era mais um desafio de maestria entre os compositores - ou uma espécie de "enigma" para os poucos iniciados - do que um recurso de real valor formal. Na prática atual, o processo de retrogradação é quase apenas uma curiosidade, não sendo conhecido, creio eu, nenhum caso de sua utilização na música popular. Exemplo 47
254
2.6 Combinações Transformações combinadas também são possíveis. Por exemplo: transposição + inversão, aumentação + retrogradação, inversão + retrogradação + diminuição etc. Exemplo 48 (a) Inversão + transposição
Entretanto, na prática musical homofônica, as transformações são muito mais freqüentemente empregadas em motivos ou grupos destes do que em melodias inteiras ou frases. O exemplo a seguir aproveita o trecho mostrado no Exemplo 42b. Nele, um suposto arranjo para quarteto de sopros, todo o material melódico usado no acompanhamento do tema deriva dos quatro motivos anteriormente identificados. É importante destacar que o Exemplo 49 tem por objetivo apenas apresentar de forma concentrada algumas possibilidades de transformações motívicas, e não ser um arranjo "pronto". Texturas assim obtidas quase sempre resultam numa certa redundância do discurso musical, isto é, poderíamos dizer que há coerência "em demasia"." Uma boa pitada de variedade - como já sabemos do Capítulo 4 - é imprescindível para equilibrar tais situações: por certo, conseguir-se-ia maior organicidade e fluência caso idéias contrastantes fossem mescladas às derivadas do material principal. Exemplo 49
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A(b) .fII.!... _
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L-J
D(c)
Obs.: a) As letras "A", "D" e "I" indicam, respectivamente, aumentação, diminuição e inversão dos motivos entre parênteses; b) as transposições, por serem facilmente identificadas, não foram marcadas no exemplo.
255
3. Variação Como já foi dito, o assunto variação não pode ser apresentado da mesma forma sistematizada que usamos para as transformações: além de não ser objetivo deste capítulo um mergulho apropriadamente profundo na matéria, já vimos que são incalculáveis as maneiras por meio das quais uma melodia pode ser variada. Contudo, algumas técnicas das mais usadas pelos compositores, de especial aplicação prática (assunto que abordaremos mais adiante) no trato dos estilos populares, podem aqui ser perfeitamente adiantadas.
3.1 Variação intervalar É a mais abrangente de todas, embora seja mais utilizada de forma restrita, isto é, sobre motivos
isolados (ou grupamentos destes), e não sobre frases melódicas relativamente longas. Já sabemos, do tópico "trasforrnações'', que, se a estrutura rítmica de um motivo é preservada, ele ainda será reconhecido, mesmo que a direção dos intervalos seja invertida. Podemos ir ainda mais adiante, estendendo tal, digamos, propriedade a quaisquer mudanças intervalares, sejam elas quais forem. É óbvio que quanto mais semelhante ao original seja um salto (isto é, quanto a tamanho e direção), mais estreito será o parentesco entre ambos. Contudo, cabe ao compositor e/ou arranjador, diante de uma determinada situação musical e com base nas próprias intenções construtivas, decidir se lhe é ou não interessante que tal semelhança apareça de forma tão evidente (muitas vezes torna-se mais útil, em prol de um melhor equíIíbrío entre coerência e variedade, que se "esconda" um pouco a derivação por demais óbvia do motivo variado, através de, por exemplo, escolha de direções e/ou amplitudes para os intervalos bem diferentes das originais). Uma boa ilustração da variação intervalar pode ser vista na melodia do Exemplo 42c : no segundo compasso, terceiro e quarto tempos, reaparece por duas vezes o motivo a, só que com contornos diferentes do original (terça ascendente), respectivamente quarta ascendente e segunda descendente, sem que isso interfira de modo algum no reconhecimento do parentesco. Afiguração rítmica do motivo possui uma personalidade bem forte que, por si só, garante a ligação. Obs.: Além da indicação do motivo por uma letra (geralmente seguindo a ordem do alfabeto), é comum que, nas análises fraseológicas, sejam identificadas suas possíveis variações, sendo para isso usada a mesma letra com um pequeno sinal para diferenciá-Ias (por exemplo, a, a', a", etc. ou a, aI' a2 etc.).
3.2 Variação rítmica À primeira vista, parece que esta técnica contradiz a anterior: afinal, pelo que já vimos, se o ritmo é o elemento-chave no reconhecimento de um motivo, variá-Ia implicaria em romper o elo de ligação com o modelo. Em parte isto é verdade, tanto que apenas em situações especiais (por exemplo, quando o contorno melódico possui personalidade suficiente para sustentar a idéia) a variação rítmica - ao contrário da intervalar - é empregada com sucesso em motivos isolados. Sua maior aplicação, restrita à música popular, é na remodelação de frases, se não do próprio tema por inteiro, de modo a adequá-Ias ao estilo escolhido para o arranjo. Nesses casos não há, normalmente, qualquer risco de perda de contato entre variação e origem, pois se pressupõe que a melodia já seja por demais conhecida e/ou possui um contorno bem marcante, que por si só garante o reconhecimento do tema pelo ouvinte. Assim, o que
256
se modifica são asjigurações rítmicas, que devem tomar novas feições características (por exemplo. passando de semínimas e colcheias de um rock para colcheias e semicolcheias sincopadas e antecipadas de um samba), e não as notas da melodia (embora seja, às vezes, necessário interpolar uma ou OUITa inflexão com o objetivo de se conseguirem fraseados estilisticamente mais orgânicos). Exemplo 50
~~ªr~~~q~~',i=ªr variações
(a) modelo
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I
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a
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variação
(b)modelo
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~~'í~-
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variação
~§f~J ~H a
~~, al
~~ (etc.)
3.3 Ornamentação Também conhecida por embelezamento melódico, esta técnica consiste na pura e simples adição dos mais diversos tipos de inflexões (notas de passagem, apogiaturas, resoluções indiretas, suspensões e, principalmente, bordaduras) às notas estruturais de uma melodia (seria, a grosso modo, o processo inverso da análise estrutural de um linha, onde as inflexões são subtraídas de modo a evidenciar seus alicerces), quase sempre servindo para conectar os pontos de apoio e/ou aumentar a intensidade rítmica da melodia (ver o Exemplo 52). Talvez seja o tipo de variação mais superficial existente, já que a estrutura melódica não é afetada." sendo, portanto, facilmente percebida pelo ouvido, apesar da "camuflagem" criada pelas várias inflexões. Foi muito usada pelos grandes compositores em obras baseadas totalmente na arte da variação (falaremos adiante mais sobre esse assunto). Exemplo 51
257
3.4 Interpolação de notas dos acordes Esta poderia ser considerada uma espécie de ornamentação da linha estrutural, na qual notas da assim chamada moldura harmônica, ao invés de inflexões, seriam acrescentadas. Sua principal contribuição ao resultado final é, igualmente, um acréscimo na atividade rítmica. Exemplo 52
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variação
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(etc.)
3.5 Combinação de motivos Alguns dos motivos de uma melodia podem ser reagrupados em ordens e de maneiras diferentes daquelas em que apareceram originalmente, formando, assim, novas unidades. No exemplo abaixo, o acompanhamento utiliza variações (melódicas e rítmicas) de dois dos motivos do tema principal, dispostos em outra ordem (e posições métricas) e em seqüência, o que cria, entre ambas as mãos do piano, um diálogo dos mais coerentes quanto ao material de motivo empregado. Exemplo 53
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(etc.)
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4. Algumas aplicações em arranjos a) Talvez o mais esperado emprego das técnicas de variações (usaremos, a partir de agora, este termo de uma forma generalizante, abrangendo igualmente as transformações) seja na reexposição de um tema (ou parte deste). É sempre mais interessante que esta seja feita não literalmente, mas com algum novo atrativo, alguma modificação. Porém, chega a ser inconcebível- como foi comentado na introdução deste capítulo - o fato de que poucos arranjadores preocupam-se verdadeiramente com isso. Alguns até, sentindo a necessidade de variedade, modificam a harmonia (rearmonização), mas deixam completamente de lado um recurso expressivo muito mais útil e de efeito bem mais contundente para a mesma finalidade, que poderíamos de forma análoga chamar de "remelodízação". Esta pode ser feita de várias maneiras, vejamos alguns exemplos:
258
- Alinha melódica original é modificada (inúmeras possibilidades, muitas delas utilizando as técnicas de variações acima abordadas); - o tema principal (com modificações ou não) é dado a um outro instrumento (quase sempre compondo uma nova textura - isto é, acompanhamento instrumental, harmônico e/ou rítmico - própria à situação criada); - há mudanças na levada rítmica (por exemplo, convenções) ou no próprio estilo da música, o que exige que o tema seja variado ritmicamente (assunto do tópico seguinte, letra b). b) Como já vimos, esta é uma aplicação bem específica da área popular, de grande praticidade. O arranjador com bom gosto e razoável experiência em variações melódicas precisa estar atento e pronto para moldar a melodia, de acordo com as condições de planejamento do arranjo (estilo, forma, instrumentação), sempre que sentir necessidade, evitando o comodismo (infelizmente bem comum) de tratar o tema como algo intocável, uma espécie de dogma que deve ser aceito sem qualquer contestação ou questionamento." No exemplo abaixo, a melodia original (a) é adaptada para dois estilos diferentes (é claro que o acompanhamento - principalmente o da seção rítmica - pode ajudar ainda mais a situar a variação no estilo escolhido, porém, para um melhor resultado, é fundamental que a linha melódica variada por si só já o faça). Exemplo 54 (a) Melodia original (.'6
"2 *~~o
Am.'
Dm?
O'
Fm'
~~§o
Em.'
Dm'~
~~~~
O'
C7M
~
Dependendo do estilo escolhido, podem ser necessárias modificações métricas (alteração de compasso) ou ônicas, de modo a não descaracterizá-Io. "Forçar a barra" para adaptar um tema a um estilo que lhe tenha pouca ou nenhuma afinidade (seria o caso, no emplo 54, de um baião ou um rock), mesmo após as mudanças sugeridas na observação acima, não costuma ser a boa idéia: quase invariavelmente o resultado torna-se apenas uma caricatura do que se pretendia obter. S.:
c
c) Introduções, interlúdios, pontes, codas etc. podem ser criados a partir do material temático, do mais coerência ao arranjo. Normalmente são escritos por último, que possibilita ao arranjador, sua concepção formal, "amarrar" idéias remotas e enfatizar motivos estruturalmente importantes, tando-os ao ouvinte. No exemplo seguinte, podemos ver uma introdução composta para o samba Exemplo 78 (Parte I). É importante notar as relações motívicas com o tema.
°
259
Exemplo 55 C7M
-
(etc.)
5. Tema e variações Foi uma das primeiras formas musicais, originada no período medieval, e, desde então, sempre muito apreciada pelos compositores, que a consideravam uma das melhores maneiras de expressar sua maestria no trato da variação melódica. Pode ser uma peça completa ou um movimento de sonata ou de sinfonia, por exemplo. Muitas vezes usa-se um tema já conhecido (como God saves the queen, o hino britânico, ao qual Beethoven acrescentou diversas variações para piano), mas é também comum que se componha uma melodia original. O que se considera quase como regra geral é ser o tema marcante, de memorização fácil, o que permite muito mais liberdade e ousadia, ao se variar. Tema e variações são, talvez, o melhor meio para que um arranjador-compositor se aprimore na arte da variação melódica: seja através de análises, de modo a adquirir um verdadeiro vocabulário de possibilidades (no próximo tópico veremos algumas sugestões a este respeito), seja através da própria composição, em que os conhecimentos apreendidos são aplicados. Vejamos um exemplo prático. Acanção infantil Se esta ruafosse minha foi escolhida como tema que, escrito para piano, é mostrado a seguir, juntamente com seis variações (sucedem-se os comentários sobre elas).
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Comentários - Variação I. A característica principal desta primeira é o emprego sistemático da técnica de embelezamento melódico. É de se notar (e isto vale para as demais variações) que a estrutura harmônica apresentada no acompanhamento do tema - excetuando-se algumas inversões eventuais - foi rigorosamente preservada. Este é, indubitavelmente, um fator importante para o reconhecimento do parentesco tema/variação, II porém não se trata de regra: apenas optei aqui, seguindo objetivos didáticos (afinal, o presente capítulo aborda, em essência, a melodia, não a harmonia), por dar total ênfase apenas às posibilidades de manipulação melódica do material temático que, por si só, já são numerosíssimas. - Variação 11. Nesta, a melodia, variada principalmente por acréscimo de notas dos arpejos, é dada à mão esquerda do piano, ficando o acompanhamento com a direita. O estudante deve observar por toda a peça como são modificados, variação a variação, diversos outros importantes elementos da expressão musical que, juntos, contribuem para a formação da personalidade de cada uma delas: além do acompanhamento (sem dúvida, o principal fator, por trazer novos desenhos rítmicos/melódicos que se combinam aos motivos apresentados pela melodia variada, dando-lhes ora coerência, ora contraste), ão se pode esquecer o caráter e o andamento, conceitos quase sempre interdependentes. - Variação Ill. Avariação aqui foi essencialmente de estilo: um maxixe, com suas figurações icas bem características.
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- Variação IV. Amudança na métrica original, de binária para ternária, resultou numa valsa. Além o, o ritmo harmônico foi alargado, o que fez dobrar o número de compassos da variação. - Variação V. É também possível, e de bom efeito, uma alteração no modo (no caso, de menor a maior) da melodia. Deve ser observado que, de acordo com o que foi dito acima, as funções rmônicas (ou seja, as relações hierárquicas entre os acordes) que sustentam a variação foram mantidas. - Variação VI.Esta última variação demonstra que o tema também pode ser tratado polifonicamente: cânone estrito à oitava, com um compasso de distância entre aproposta e a resposta (reler a nota 4 do ~ pítulo 8).
267
6. Literatura sugerida para análises É importantíssimo, para a complementação do estudo da melodia, que o estudante de arranjo habitue-se a analisar o maior número possível de obras dos grandes mestres. Só desse modo poderá ele conhecer técnicas e procedimentos que não se encontram em textos teóricos e reconhecer a aplicação daquelas já abordadas, sem falar no fato de que apenas análises podem dar a visão global de uma peça. Como foi anteriormente mencionado, por ser uma espécie de vitrine de possibilidades, a forma tema e variações é, sem dúvida, o mais apropriado meio de estudo, sendo, portanto a base de nossa lista de sugestões para análises. BACH
• Variações Goldberg, BWV988, para teclado. HAYDN
• Variações sobre o atual hino nacional da Alemanha (terceiro movimento do quarteto de cordas, op. 76, nº 3). MOZART
• Primeiro movimento da Sonata em lá maior para piano, KV.331. BEETHOVEN
• Variações Diabelli, op.120, para piano; • Nona sinfonia, quarto movimento; • qualquer outra das incontáveis séries de variações sobre hinos, árias de óperas etc., nas mais diversas instrumentações. SCHUBERT
• Segundo movimento do quarteto de cordasA morte e a donzela, D.810. BRAHMS
• Variações sobre um tema de Hãndel, para piano, op. 24; • variações sobre um tema de Haydn, para orquestra, op. 56a; • segundo movimento do sexteto de cordas, op. 18, nº 1; • quarto movimento do quarteto de cordas, op. 67. 7. Exercícios 1) Analisar estruturalmenteAutumn de sapato novo (André Victor Corrêa).
leaves (Johnny Mercer) e a segunda e terceira partes deAndré
2) Compor introduções paraMisty (Errol Gardner), Desafinado (Iorn jobim) e Gota d'água (Chico Buarque). 3) Escrever a melodia de Flora (Gilberto Gil) em ritmo de jazz, e a de Brasileirinho (Waldir Azevedo) em baião (num andamento não muito rápido). 4) Arranjar a cantiga de roda Atirei o pau no gato para piano e compor, em seguida, o maior número possível de variações do tema, nos moldes do Exemplo 56.
268
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Cabe aqui perfeita analogia entre uma melodia e uma casa: a derrubada de paredes, o acréscimo de um and~r, janelas ou de um cômodo são coisas possíveis de serem feitas, desde não se afetem os alicereces - sua sustenta~ao, enfim. Caso contrário, todo o edifício - o arranjo ou a composição - corre o risco de ruir. No exemplo musical, isso se daria principalmente pela absoluta falta de coerência entre as idéias, o que afetaria irremediavelmente a compreensibilidade pelo ouvinte (ver Capítulo 4). Felix Salzer em seu livro Structural bearing (numa tradução mais livre do inglês, "Percepção estrutural"), utilizando uma grand~ quantidade de exemplos tirados da literatura musical, aborda essa qU,estão da estrutura da m~l~dia ~e não apenas a da melodia: segundo o autor, a análise estrutural pode ser estendida a forma total da composiçao, nao importando o quanto ela dure) de uma maneira bastante consistente. É um livro aconselhável a todo aquele que deseja se aprofundar neste interessante estudo. Uma questão fascinante dentro do estudo da construção melódica é o efeito psicológico que provoca no ouvinte os movimentos - sejam eles por saltos ou escalares - ascendentes e descendentes feitos pelas notas. O compositor tcheco Ernst Krenek foi um dos que mais pesquisaram sobre o assunto. Desenvolveu uma interessante comparação entre os movimentos melódicos e os dos corpos físicos: assim como estes últimos, segundo ele, as melodias ficariam sujeitas a variações de "energia". Assim sendo, enquanto nas subidas essa hipotética energia seria armazenada, nas descidas haveria dissipação (que seriam - tanto o ganho quanto a perda - lentas ou bruscas, de acordo com o tipo do movimento, respectivamente, por grau conjunto ou por salto). Não se trata apenas de elocubrações teóricas, pois podemos constatar essas "trocas de energia musical" em várias situações: por exemplo, nas resoluções das suspensões (o efeito de distensão provocado pelo movimento da dissonância em relação à consonância nos soa mais eficaz descendente do que quando é ascendente - não é por acaso que este último é raríssimo. A evolução histórica da harmonia, e em especial, a lenta incorporação de sétimas às tríades, deve muito à resolução auditivamente satisfatória - portanto, descendente - da suspensão. Questão puramente física ou cultural? É difícil saber com certeza ...), ou na música para filmes, onde um aumento de tensão numa cena pode ser correspondido por - entre outras coisas - uma linha subindo em direção a notas extremo agudas, enquanto um relaxamento após um clima pesado quase sempre é sublinhado musicalmente por um movimento de descida (é óbvio que a instrumentação escolhida pode contribuir para o sucesso - ou o fracasso - de uma música incidental, mas o efeito psicológico de, repectivamente, tensão e relaxamento que tais movimentos causam sobre o espectador é direto e incontestável). Indo mais além nessa analogia com a física (e, talvez, já beirando o terreno da pura especulação), poderemos cheà conclusão, pelas leis da conservação de energia, que toda linha melódica busca o equilíbrio entre os somatórios e seus movimentos ascendentes e descendentes, ou seja, haveria a tendência de que os "picos" anulassem os "vaes", reduzindo todo o contorno melódico - num caso ideal - a uma linha horizontal: a tônica. Pode ser que tal ciocínio não leve a nada frutífero, de imediata - ou mesmo remota - aplicação (sinceramente, não sei...), mas, _ r certo, abre uma interessantíssima discussão no que se refere à teoria da melodia. estres flamengos - é como são conhecidos os compositores que, durante os séculos XV e XVI, na região de dres (atualmente, norte da Bélgica) desenvolveram uma notável escola de composição polifônica. Praticavam contraponto linear e modal bastante sostificado e imitativo. Alguns dos mais importantes dos mestres flamengos foram: Isaac, Lasso, Ockegehm, ]osquin des Prez e Wíllaert.
; Bach era um grande estudioso dos mestres antigos e tinha uma particular admiração por suas técnicas de composição polifônica. Em várias de suas obras foram aplicadas transformações das mais complexas e surpreendentes (ainda mais se considerarmos que em sua música apresentam-se, em perfeito equilíbrio, contraponto e harmonia), destacando-se a Oferenda musical, as Variações Goldberg e o esplêndido ciclo A arte da fuga. Existe em qualquer melodia a tendência natural de, ao se usarem notas de valores relativamente curtos, estas serem sucedidas por outras ainda mais rápidas, num crescendo - ao menos, em teoria - sem fim. Seria uma espécie de "lei da gravidade" rítmica, a qual exige do compositor grandes esforços para ser revertida.
- Palindrome -
recurso lingüístico para designar uma palavra (ou frase) que, não importando se lida no sentido normal ou da direita para a esquerda, é exatamente a mesma (por exemplo, asa). Na música, o termo palíndrome
269
aplica-se principalmente ao ritmo, com análogo significado. Por exemplo, a frase rítmica seguinte é uma palíndrome (sendo, assim, reconhecível quando retrogradada):
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É óbvio que existem exceções: poderíamos citar, por exemplo, a Invenção ns I a duas partes, em dó maior, de Bach. Nela, absolutamente tudo deriva dos motivos do tema principal (apresentado nos dois primeiros compassos). Esta invenção e todo o conjunto de 15, da qual faz parte, foi composta por ele com objetivos didáticos, de modo a mostrar a seus alunos como a economia no manejo do material da composição poderia ser levada ao extremo, sem de modo algum comprometer o que é mais importante numa obra de arte: a idéia criadora. Mas sim, quase invariavelmente, seus motivos, já que a inclusão de notas, de um modo ou de outro acarreta em modificações rítmicas. Mais uma vez, é a força da estrutura - o contorno melódico e, principalmente, sua harmonia latente - que sustenta o parentesco com o modelo. É bom deixar claro que a atitude de não contestar nem questionar
quase sempre deve-se menos a algum respeito perante às idéias originais do compositor do que à pura preguiça mental: afinal, o trabalho que exige uma cuidadosa adaptação melódica, principalmente se considerarmos estilos bem diferentes, desanima (assusta) os menos tenazes. E, a tempo, variar um tema com intenção de adequá-Io às condições de um arranjo jamais pode ser considerado "desrespeito" a seu compositor, nem sequer uma tentativa arrogante de "melhorã-lo": é, simplesmente, quando se faz necessário, um procedimento válido, útil e esperado de todo bom arranjador.
E, realmente, quase todos os compositores dos períodos Barroco e Clássico mantinham, em suas variações, basicamente a mesma estrutura funcional da harmonia exposta nos temas. Isso só começou a mudar com Beethoven, que fez da variação harmônica (algumas bastante surpreeirdentes, como se pode observar nas Variações Diabelli) mais um dos inúmeros recursos disponíveis da forma.
270
Capítulo 12
Metais (2ª parte)
dois instrumentos do naipe dos metais que faltam ser vistos, a trompa e a tuba, não são muito comuns ca popular atual. Entretanto, nos últimos tempos, há uma forte tendência para que sejam cada vez pregados, não só devido às qualidades únicas de seus timbres (principalmente o da trompa), mas :DIl::e:apela necessidade que às vezes surge (em especial em arranjos de grande aparato instrumental) de o dos metais se equipare à das madeiras e à das cordas, em relação a peso e tessitura. _1~.21·
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_ Como pode ser visto acima, a trompa usada atualmente é um instrumento transpositor afinado . portanto, escreve-se sempre uma quinta justa acima do som real). b) Sua origem remonta a instrumentos rudimentares construídos com chifres de animais (o que explica a denominação em italiano), com objetivos religiosos, militares e de caça; raramente musicais. Somente no século XVII surgiria a chamada trompa natural, de formato parecido com o da a moderna, porém, como o nome diz, sem capacidade de tocar notas que não pertencessem à série harmônica da fundamental do tubo (contudo, devido ao comprimento e à estreiteza deste, o trompista conseguia alcançar até o 16º harmônico, tornando possíveis, na região aguda, melodias por grau conjunto e mesmo algumas otas cromáticas). Logo foi inventado um engenhoso processo para permitir que uma mesma trompa udesse ser usada em músicas compostas nas mais diversas tonalidades: extensões tubulares (chamadas de roscas) eram conectadas ao tubo principal do instrumento original, afinado em dó, aumentando-o e, com isso, abaixando sua afinação de acordo com o comprimento de coluna de ar resultante. Assim eito, o trompista passou a contar, num único instrumento, com várias novas possibilidades de afinação: além de dó, ré, mib, mi.fâ, sol, lâb, lá e sib. Mas mesmo tal aperfeiçoamento não era de todo satisfatório, pois o desenvolvimento da harmonia 1 levava a trompa (na realidade, a seção dos metais, como um todo), aturalmente, a um plano inferior de importância, se comparada com outros instrumentos, como a darineta ou o violino. Em geral, o compositor reservava-lhe um papel de reforço, tocando apenas notas dos
271
arpejos da tônica ou da dominante em momentos de ênfase orquestral, ou então como solista de melodias bem simples, propositalmente de caráter "campestre" ou coisa parecida.' Apenas em 1815 surgiria o sistema atual de três válvulas rotatórias (análogo ao de pistões, do trompete), que transformou a trompa de natural em cromática. A seguir, o quadro de posições da trompa em fá: (TRANSPOSTO)
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Obs.: Os harmônicos de número 11 e 13 de cada posição, por serem difíceis de se afinar, são geralmente deixados de lado.
c) Um outro modelo, de invenção mais recente, a trompa de afinação dupla (sibja;, vem aos poucos, devido às vantagens que traz, suplantando a afinada emfá na preferência de músicos e compositores. Este instrumento possui uma quarta válvula, que permite uma imediata mudança no comprimento do tubo, transformando-o em mais curto ao se passar do sistema emfá ao em sib (portanto, uma quarta justa acima daquele). Aprincipal vantagem é, desse modo, ser possível tocar com muito mais facilidade as notas agudas do instrumento, sem, com isso, sacrificar seu timbre (a região extrema da trompa em fá tende a soar forçada e dinamicamente desequilibrada em relação a outros instrumentos que atuam na mesma tessitura). É bom destacar ainda que tal recurso é unicamente da alçada do instrumentista: o arranjador ou compositor escreve a linha melódica e a transpõe para fá (quinta justa acima), não lhe importando em que sistema esta será executada. O trompista, se optar pela mudança para sib numa determinada passagem, é que deve transpor, por sua própria conta, as notas do trecho em questão (ou seja, uma quarta justa abaixo do que está estrito). * d) Não é um instrumento tão ágil quanto o trompete ou o trombone (ainda assim pode executar passagens de considerável complexidade e rapidez). Isso se deve, principalmente, à seção transversal de seu bocal- cônica, em oposição àquela, em forma de taça, dos metais citados - que produz um ataque * Como exercício adicional, o estudante pode escrever o quadro de posições e notas - nos moldes daquele da página anterior -
da seção em sib da trompa de afinação dupla.
272
difuso, não tão preciso quanto o daqueles instrumentos. O que parece ser uma desvantagem ao esmo tempo lhe dá um timbre diferente de todos, aveludado e suave (embora também possa ser em - terminadas situações, bastante agressivo e tenso, aumentando ainda mais seu já extenso painel de sibilidades expressivas), de grande personalidade e beleza, tornando-o um dos instrumentos prefeos para solos e combinações texturais. 00
e) Por causa do timbre, é por muitos considerados um instrumento pertencente tanto ao naipe dos etais quanto ao das madeiras. De fato, a trompa combina excepcionalmente bem com os instrumentos última classe (em especial, com a clarineta), sendo talvez o melhor exemplo o já visto quinteto de TOS, uma das formações camerísticas mais consagradas dentre as existentes. Funde-se também, perítamente, com os demais elementos da seção dos metais, trompete, trombone e tuba, sobretudo em mpanhamentos harmônicos/rítmicos de um solista.' Numa orquestra, em geral, são usadas quatro mpas, dispostas aos pares em cada pauta: a primeira com a terceira e a segunda com a quarta;" a •- o é escrita, quase sempre, em posição fechada (em termos de ressonância, é este o espaçamento vantajoso para a escrita do naipe, devido às particularidades acústicas da trompa). Além de tudo . como já foi comentado, é um excelente instrumento para solos. o
A trompa é escrita, preferencialmente, na clave de sol, ainda que seja necessário empregar-se suplementares. A clave de fá deve ser guardada para passagens relativamente longas na região remo-grave do instrumento. f)
g) Dita a tradição que não são usados acidentes na armadura de clave quando da transposição para pa; todos que surgem, sejam os diatônicos, sejam os cromáticos, devem ser escritos in loco, na pauta. pítulo 7, vimos que, para o trompete, existia a mesma regra e que esta acabou, com o tempo, dando , maneira atual (ou seja, a mesma que vale para os outros instrumentos), bem mais prática e menos -....L.-"::;';L Contudo, para a trompa, a escrita tradicional ainda é, um tanto inexplicavelmente, a mais empregada. 1057
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os e efeitos [ma das mais marcantes características da trompa é o recurso que tem o instrumentista de introão direita na campana para conseguir mudanças tímbricas. De início, na trompa natura'J.,tal a uma outra finalidade, aliás, bastante útil: a alteração das notas. Descobriu-se que, quando o •• ~~bloqueava com a mão a passagem do ar pelo tubo, a afinação do instrumento caía. Tal bloqueio : •• -..."'."";....mínimo, apenas para corrigir levemente notas defeituosas (funcionando mais ou menos como o violino), de metade a três quartos da passagem do ar, descendo a afinação em meio-tom, ou
273
por completo, fazendo a nota baixar em um tom. Assim era possível, embora de uma maneira um tanto tortuosa (se compararmos com o sistema atual), conseguir todas as notas da escala cromática. Apesar de ser ainda hoje, vez ou outra, empregado tal recurso para modificações na altura do som (principalmente com o objetivo de corrigir a afinação do instrumento), sua maior aplicação está, sem dúvida, na alteração de sonoridade que provoca. Trata-se dos chamados sons bouchées (normalmente é adotado o termo em francês' ), conseguidos ao se tapar totalmente a passagem do ar (ao contrário do que acontece na trompa natural, ao se fazer isso na trompa cromática, a afinação sobe em meio-tom! O instrumentista encarregase de fazer, mentalmente, a transposição das notas do trecho em questão). O timbre resultante é bem peculiar, funcionando não só como contraste de cor em um solo de trompa (um excelente exemplo desse uso encontra-se no segundo movimento da peça Capricho espanhol, do compositor russo RírnskyKorsakov), como também um impactante efeito expressivo (tal sonoridade - em especial, quando se emprega uma seção de quatro ou mais trompas, em soli ou uníssono - é geralmente associada, na música de cinema, a "vastos espaços abertos", como, por exemplo, em cenas de uesterns, de filmes ambientados no mar ou no espaço sideral). A indicação do efeito pode ser feita de duas maneiras (ver Exemplo 58): a) em passagens mais longas, escreve-se acima da pauta a palavra "boucbée" acompanhada de uma linha pontilhada até o final (ao se retornar para o som normal, deve ser escrito sobre o pentagrama, como já sabemos, "di modo ordinario" ou "naturale"); b) são usados, para notas isoladas ou trechos relativamente curtos, os sinais + ("fechado", ou seja, bouché) e o C'aberto", ou, em francês, ouoerti. Tais símbolos foram empregados, com análogo objetivo, na escrita da bateria (rever p. 41). Exemplo 58 (a)
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b) Surdinas semelhantes às existentes para trompete ou trombone também podem ser usadas na trompa. São construídas, do mesmo modo, de vários materiais e formatos, e sua aplicação é geralmente deixada para melodias nos registros em que os sons bouchés não funcionam muito bem, isto é, abaixo do dÓ3 (transposto). limite inferior para os sons bouchées.
c) Cuiuré" - termo em francês usado para designar outro efeito bem característico da trompa: é conseguido ao se soprar fortemente o instrumento de modo a fazer seu metal vibrar, resultando num
274
· bre metálico, tenso e ressonante, bastante diferente do normal. Pode ser usado tanto com o pavílhão fechado (ou seja, boucbé), quanto aberto (ouvert), e sua indicação é feita da forma convencional (a avra "cuiure" sobre a pauta, acompanhada de linha pontilhada). d) Glissandos - mais até do que acontece no caso do trompete e do trombone, os chamados _ . sandos de harmônicos, na trompa, são recursos idiomáticos dos mais empregados. Além do fato de s a extensão da série harmônica de cada posição bem mais extensa do que as daqueles instrumentos, _ u efeito tímbrico é muito mais contundente e dramático, principalmente se executado por várias trompas uníssono. - emplo 59 9
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~ª'~*~~ e) Trinados - os trinados labiais, alternando-se harmônicos sucessivos que estejam separados r intervalo de segunda, em uma mesma posição, são também bem eficazes na trompa. O resultado é tes um efeito (muito interessante, por sinal, e bastante empregado como recurso expressivo) do que opriamente um trino convencional: suas notas não são ouvidas de forma clara e afinada, mas sim como a só coisa, numa espécie de murmúrio indefinido. f) Como o trombone, a trompa é também capaz de emitir notas-pedal. É bom destacar que vale aqui a esma recomendação feita anteriormente: tais notas devem ser deixadas para cadências e atacadas após a, de modo a permitir que o instrumentista prepare a embocadura, bem mais relaxada que a normal. (Transposto)
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2. Tuba Inglês: tuba Francês: tuba Italiano: tuba Alemão: Tuba Abreviatura: tba. -&
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2.1 Observações a) Apesar de existir um bom número de modelos de tubas, de tamanhos e afinações diferentes (algumas das quais veremos mais adiante), considera-se atualmente como representante principal a tuba emfá (portanto, é sempre a esta que nos referiremos ao falarmos "tuba"), cuja extensão é mostrada acima. b) Não é um instrumento transpositor (como vimos nos casos do trombone e do fagote, nem sempre a fundamental do tubo precisa ser afinada em dó para que o instrumento seja considerado não transpositor). c) Possui, como a trompa, um sistema de válvulas rotativas (embora alguns modelos possam apresentar pistões), porém com quatro destas, ao invés de três. A quarta válvula faz a afinação da fundamental descer em dois tons e meio (isto é, uma quarta justa), permitindo notas mais graves. Alguns modelos possuem ainda uma outra válvula, de análoga função (a descida, nesse caso, passa a ser de quinta justa). d) Seu timbre assemelha-se ao da trompa devido, principalmente, à forma cônica de seu bocal. Como aquela, perde em agilidade e em precisão de ataque, se comparada ao trompete ou ao trombone, embora, ainda assim, possa se sair bastante bem em passagens de relativa complexidade. e) Agrande necessidade de pontos de respiração freqüentes torna-se o principal problema na execução e na escrita para a tuba (é muito comum que se usem bastante pausas e que se prefira articulações em staccato - o que acabou se tornando até uma marca característica do idioma do instrumento - àquelas em legato).
o Além de seu emprego na seção de metais de uma orquestra
sinfônica, a tuba pode ser encontrada em várias outras cobinações instrumentais: atuando como o baixo de um grupo de dixieland.' em bandas de música, combinada às trompas e trombones de big bands mais modernas (como nas de GilEvans e Thad [ones) ou como a voz mais grave no chamado quinteto de metais, junto a dois trompetes, uma trompa e um trombone (esta formação camerística, de excelentes e inúmeras possibilidades, corresponde, para o naipe dos metais, ao quinteto de sopros - madeiras - e ao quarteto de cordas).
2.2 Recursos e efeitos a) As notas-pedal da tuba, bem sonoras, porém de difícil execução, são as seguintes:
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b) Um tipo de surdina orquestral, semelhante às existentes para trompete, trombone e trompa, pode ser também usada na tuba, embora isso não seja tão comum. c) Efeitos característicos dos metais, como trinados (principalmente os do tipo labial), ataques de língua duplo e triplo e frulatos são igualmente possíveis.
276
_. Outros instrumentos da família
Bombardino É o outro nome que se dá a um tipo de tuba mais aguda, afinada em sib (e também em outras tonalíes). É mais empregada em bandas de música que em orquestras, embora possam ser encontrados exemde seu uso em composições mais recentes - em geral, de grandes proporções instrumentais - quando deseja reunir tubas em uma seção própria (nesses casos, é comum também que se utilizem outros , como, por exemplo, a tuba wagneriana, que será vista adiante).
Oficleide Instrumento anterior à invenção da tuba, é hoje encontrado quase apenas em bandas." Curiosae ao contrário dos demais tipos de metais, o oficleide possui chaves, como as madeiras, ao invés de - ou válvulas. Sua tessitura e timbre são semelhantes aos do bombardino.
Tuba wagneriana Como o próprio nome sugere, foi um instrumento criado por encomenda para o compositor Richard _ er que desejava para algumas de suas óperas, com propósitos bem definidos, um timbre especial, E:!:-:::ti·mandamenteentre o da trompa e o da tuba. Existem em dois tipos, a afinada emfá e a em sib.
ousafone nado no início do século, por encomenda do compositor americano de origem portuguesa]ohn e Sousa, o sousafone é o aperfeiçoamento de um tipo de tuba já existente, o helicon, que tem o osto em forma circular (de modo a envolver o corpo do tubista de banda, dando-lhe mais cone sustentar o instrumento enquanto marcha), terminando com um largo pavilhão sobre a cabeça íco, Seu formato foi bastante popularizado, acabando por se tornar para a maioria, equivocada- imagem "oficial" do instrumento tuba.
zer um arranjo para quinteto de metais (dois tromperes, trombone} trompa e tuba) 00 choro "R::%'-:..:!'Jfacaré, de Píxínguínha.
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A partir do início do século XIX, com a evolução do romantismo, além das modulações cada vez mais freqüentes e dirigindo-se a regiões mais e mais distantes, e do emprego sistemático de acordes alterados que começaram a ocorrer dentro de uma peça, houve um conseqüente aumento na sofisticação das linhas melódicas, com um uso mais livre de inflexões não diatônicas. Essa tendência no uso de harmonia e linhas cromáticas fez o conceito de tonalidade, pouco a pouco, "esgarçar-se". Compositores como Wagner, Richard Strauss e Mahler contribuíram bastante nesse sentido, levando a vanguarda musical, quase que naturalmente, nas primeiras décadas do século XX, ao atonalismo (ver a primeira nota do Capítulo 9). É interessante notar como a música para cinema apropriou-se
dessa característica tímbrica da trompa. É claro que, bem antes da elaboração das técnicas de composição para filmes, tal associação ancestral trompa-campo (oriunda dos seus primeiros usos) foi bastante empregada nas óperas, o que lhe serviu de forte influência. Como foi falado na observação anterior, a única restrição - e ainda assim, dependo bastantes das circunstâncias seria o emprego de trompas em dobramentos a trompetes e/ou trombones em melodias ritmicamente intensas, sincopadas e percussivas, onde é necessário um ataque bem rápido e preciso.
Agrupando-se desse modo as trompas, tem-se que as ímpares tocam as partes mais agudas do voicing. Conta-se que tal tradição teve origem com Beethoven que, sendo amigo de um terceiro trompista de uma orquestra, designavalhe, em suas composições, linhas mais agudas em relação à segunda trompa e, portanto - digamos assim - "hierarquicamente" mais importantes.
; Não há, na terminologia musical em português, um bom correspondente para bouchée (talvez a melhor tradução fosse "fechada", mas, desse modo, poderia haver confusão com a indicação de surdina). A contrapartida de bouchée é o termo ouvert (literalmente, "aberto") Nos outros idiomas: stopped-open (inglês); obtuso-aperto (italiano) e gestopf-offen (alemão). 6
Brassy (inglês) e schmetternd
(alemão). Na Itália também é adotado o termo em francês.
Dixieland - é como se costuma chamar o estilo de jazz originado em New Orleans (sul dos Estados Unidos), no início do século XX. Caracteriza-se tanto pela instrumentação (a mais típica seria: clarineta, trompete, trombone, tuba, banjo e washboard - literamente, tábua de lavar roupa, usada como instrumento de percussão), quanto pela maneira de se tocar (os sopros mais agudos dialogam o tempo todo entre si, em complexos contracantos improvisados ao tema, sobre uma linha de baixo pulsante e contínua da tuba). 8
Nos regionais de choro das primeiras décadas do século XX, no Rio, o oficleide era um dos instrumentos de sopro preferidos para os contracantos que acompanhavam o solista - que, quase sempre, era uma flauta. Com o surgimento do saxofone no cenário musical carioca, este acabou desbancando o oficleide de seu papel coadjuvante.
279
Capítulo 13
Tipos de background
o termo background (em inglês, "segundo plano") é muito empregado no jargão musical para esignar, a grosso modo, tudo aquilo que, numa determinada peça, ocorre entre o solista (ofoco prínipal, ou o primeiro plano) e a base rítmica (que seria, então, o terceiro plano). Poderíamos também chamá-Ia de acompanhamento, embora este termo seja por demais abrangente, podendo designar, como sabemos, até o que fazem os próprios instrumentos da base. O background (a partir de agora usaremos, simplificar, a abreviatura "BG") pode surgir nas mais diversas texturas - sejam elas instrumentais uma flauta ou uma orquestra de cordas, por exemplo) ou composicionais (polífôníca, homofônica ou esmo monofônica) - e densidades. Pode também servir para realçar o caráter rítmico de uma música vês do uso de figurações características do estilo em questão. É importante destacar que o domínio da escrita de BG's só pode ser inteiramente conseguido com estudo do contraponto, já que trata, em essência, do inter-relacionamento de linhas (mesmo nos casos . simples). Apesar disso, penso ser possível abordar tal assunto de uma forma razoavelmente rofundada neste capítulo. O estudante de arranjo terá uma boa visualização das possibilidades existentes ~ ainda que não se interesse mais tarde pelo prosseguimento de seus estudos na área contrapontística (o e, na minha opinião, seria um grande equívoco, em se tratando da formação de um verdadeiro • jador; nunca é demais frisar. ..), conseguirá, com certo talento e experiência, compor, para seus ~-;ID~~I;)"i>,~\;"i> ,?~I;) TI\~~I;)"i> e}\c\enies. Basicamente há três tipos de BG's: melódico, harmônico e rítmico. Seguindo objetivos didáticos, veremos tais categorias separadamente, mas isso não quer dizer que, num determinado arranjo, apenas uma delas possa ser empregada ou que o estilo ou andamento da música exija um certo BG "correto'" ete. Na realidade, tanto dois, ou mesmo os três tipos, podem aparecer numa mesma peça (segundo os udáveis objetivos de contraste e variedade, já muitas vezes discutidos neste livro) ou mesmo ser com-
iusdos simultaneamente em um trecho, como até formas híbridas (isto é, que não possam ser enquadas numa só categoria pura, melódica, harmônica ou rítmica) podem ser tranqüilamente criadas. Em três capítulos anteriores - 8, 11 e, principalmente, 9 - o assunto BG foi mencionado e de , "as maneiras exemplificado. É, portanto, aconselhável que o estudante os releia (ao menos, os trechos questão), antes de prosseguir com a presente matéria.
Background melódico Poderia ser definido como aquele em que a melodia principal é acompanhada por uma outra, que ~é totalmente subordinada nos aspectos intervalar, rítmico e motívico. - plo 60
(etc.)
281
1.1 Observações* a) O BG não precisa ser necessariamente uma linha melódica pura: ele pode se tornar aponta de um soli (que, como sabemos, apesar de ser constituído por acordes, é antes de tudo, um recurso essencialmente melódico). Exemplo 61
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b) Pausas podem (e devem) ser utilizadas para ajudar tnpontuação/respiração das frases, dar à textura maior transparência, sem falar na economia de meios (ver Capítulo 4) que seu uso racional representa para o arranjo.' Exemplo 62
c) A análise preliminar da melodia principal é imprescindível para a construção de um bom BG: ela pode não só sugerir, pelo estilo, andamento etc., o tratamento apropriado para a linha do BG, como fornecer-lhe boa parte do material motívico (senão todo) para sua construção (ver Capítulo 11). d) É importante, para a clareza do todo (e, portanto, para a melhor percepção/compreensão do primeiro plano) que os movimentos do BG não se choquem com os da melodia principal, isto é, suas linhas devem manter entre si uma relação de complementação rítmica (a esse respeito, mais será falado no tópico referente a uma das técnicas de BG melódico, o "comentário", na p. 286).
* As observações b, c e e servem também para os BG's harmônico e rítmico.
282
emplo 63 (a) ruim (tema e BG movimentam-se quase ao mesmo tempo)
C7M
Am6
Em
p6
(etc.)
(b) melhor (o BG movimenta-se nas "respirações" das frases do tema) (etc.)
--------e) A dinâmica é um dos mais simples - mas não, por isso, menos eficazes - recursos que o arranjador tem à mão para ajudá-Io a melhor diferenciar os planos. É claro que seu uso não significa a solução de todos os problemas. É um absurdo pensar que se possa escrever qualquer coisa, por mais equilibrada que seja, deixando para depois, simplesmente, a distribuição de pianos, fortes e fortíssimos entre os instrumentos, esperando-se que tudo se acerte por milagre. Algo assim não funciona: a dinâmica é para ser empregada no acabamento, no polimento de uma partitura, para corrigir pequenos defeitos no equilíbrio geral, para destacar ou esconder trechos de algum dos elementos. f) Adistinção dos planos principal e secundário é mais bem conseguida quando há entre eles uma eparação física (ou seja, intervalar). Considera-se que a menor distância entre a melodia e o BG, em pontos de ataque simultâneo, deva ser de terça (a sonoridade vertical de segunda, principalmente, a menor, tira um pouco da atenção de que necessita o tema, que está em foco). Exemplo 64 Dm
Dm
Obs.: Deve ser frisado que não há qualquer problema com o intervalo de segunda maior (ré-mí) entre as linhas do tema e do BG, que aparece no primeiro compasso do exemplo, já que ela não se dá em ataque simultâneo das notas. Pela mesma razão, são permitidos cruzamentos das melodias, como o que acontece no último compasso.
283
1.2 Contraste e semelhança Dois dos mais importantes ingredientes da construção melódica, contraste e semelhança devem ser combinados - é bom que se diga, nem sempre nas mesmas proporções - de modo a criar-se uma linha de BG equilibrada, coerente e variada (a partir dos mesmos princípios do Capítulo 11). Contraste
o contraste entre melodia principal e BG observa-se, essencialmente, em três aspectos: registro, timbre e atividade rítmica (ver Exemplo 65). A razão de usá-los é diferenciar os planos, principal e secundário. O senso de forma do arranjador lhe dirá a intensidade do contraste necessário: em certos casos pode bastar apenas, por exemplo, a diferença de timbres; em outros, de modo a enfatizar ainda mais o tema (que, por algum motivo, esteja no trecho enfraquecido), talvez seja preciso empregar os três tipos combinados ete. O que não deve ser esquecido é que o foco está sempre na melodia principal: a situação ideal de equilibrio entre ela e o BG não é a de uma balança que tem os pratos no mesmo nível, mas sim, com um deles (o do tema) sempre levemente pendendo em relação ao outro (BG). Se a atenção do ouvinte é desviada, sem que seja esta a intenção do arranfador, do primeiro para o plano secundário, algo de errado aconteceu. Mesmo que a linha de BG seja interessante, tenha sido composta a partir de todos os parâmetros de construção melódica, com boas idéias etc., o que importa é a/unção que ela deveria exercer, isto é, de acompanhamento. Ao passar sem querer para o foco, o BG transforma-se, também sem querer, em linha principal, o que pode comprometer o trecho ou mesmo o arranjo (tal situação, no mínimo, denotafalta de controle do arranjador sobre seu trabalho). Exemplo 65 (a) contraste de timbres
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(b) contraste de registros ~ o
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(etc.)
elhança ambém pode ser chamada de coerência, e sua importância para a composição já foi, em outros o bem enfatizada. A semelhança entre as linhas principal e secundária pode ser obtida das mais ;rf;;;~~lS maneiras, dependendo muito dos elementos próprios apresentados por cada situação. Veremos ns aspectos e observações importantes que podem servir de parâmetros para que o estudante por si só, novas soluções em seus arranjos . ~""""'~T"'l
• Chega a ser óbvio, mas é muito importante destacar: o estilo e o caráter da música devem ficar - no BG. Ele não pode "falar numa língua diferente" do tema. _ atividade rítmica entre os dois planos não deve ser muito discrepante (isto é, se o tema aparece en:==nas e semínimas, por exemplo, o BG se tornaria por demais diferente - e, assim, chamaria para iada atenção - caso fosse escrito em semícolcheías'). _ üêncías' melódicas que apareçam no temapedem igualmente seqüências no acompanhamen"'_.
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c) Apesar de ser, a princípio, mais movimentado que as demais categorias, o BG rítmico também precisa permanecer, em relação à melodia principal, num plano secundário de percepção, Sendo antes percussivo que melódico, muitas vezes acaba não importando para o resultado geral quais notas farão ~'À\\~ Il~ 'i>\l'À \\\\\\'0. Il~ ~I;)\\\'À \\\i.1;) ~ 't'À't1;)\\\l~ ~'i>\'À 'i>~,'d~m't\\\'dll'd~\)'t 'd~~1\'d'i> \l\\\'d l\\)\'d, 'te~e\\Il'd 'i>\)'me\l\\\'d mesma harmonia e variados desenhos rítmicos). Nesses casos, o arranjador pode escolher aquelas (ou aquela) que não chamem, harmonicamente falando, muita atenção do ouvinte, ou seja, de preferência as quintas justas dos acordes ou suas fundamentais (as terças menores viriam logo a seguir). Devem ser evitadas, para a ponta do BG,* com o mesmo objetivo, as sétimas e, principalmente, as tensões. Exemplo 76
(eec.)
'(funk)
d) Como foi acima mencionado, os sopros são, de longe, os instrumentos mais usados em BG's rítmicos. Diversas formações são possíveis, a duas, três ou quatro partes, com mesmos timbres ou misturados; porém, sem dúvida nenhuma, a mais consagrada de todas é a que reúne trompete, sax (alto ou tenor) e trombone .
• . 'em precisaria ser dito que me refiro sempre a notas estruturais e não a inflexões.
293
e) Há uma espécie de "regra" no que se refere ao espaçamento de acordes para BG's rítmicos: quanto maisjuntas ficam as notas de um voicing, maispercussivo este será. Neste raciocínio, como foi mostrado no Capítulo 9, o caso extremo seria dispor os sopros do BGem clusters (ver Exemplo 33). Evidentemente, o arranjador deve estar preparado para as conseqüências que o uso de tal técnica acarreta (relembrando: alta densidade, não só física, como harmônica; aspereza sonora; difícil adequação a certos estilos musicais etc.).
3.2 Outros tipos a) Um outro tipo de BGrítmico, bem diferente tanto em constituição quanto em funcionalidade, é o já conhecido ostinato. Ao contrário do "naipe", não funciona muito bem em soli: é mais bem executado por um só instrumento ou por vários (não só de sopro, como de quaisquer outras classes), em uníssono ou oitavados. Pode aparecer em apenas um trecho ou durar toda a peça, até mesmo acompanhando as trocas de harmonia (ou seja, as notas que o formam mudam, deixando o modelo rítmico preservado). Apesar de sua repetição obstinada servir para aumentar a tensão do todo," o ostinato, depois de um curto tempo, passa para o plano de fundo, já que, devido à sua relativa ímobílídade,? tem facilmente seu "código decifrado" pelo ouvido, que pode, assim, dedicar-se mais ao que acontece no primeiro plano. Exemplo 77
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b) Riff: um recurso típico do idioma do blues e do rock, escrito em soli ou uníssono para grupo de três ou mais sopros (em geral, um ensemble misto de saxes e metais) ou para um trio ou quarteto de vozes. Consiste numa pequena frase, espécie de "resposta" ao que acabou de ser tocado e/ou cantado na melodia principal, que é repetido continuamente, sempre na pausa do tema, resultando num diálogo entre os planos. Apesar de também possuir uma melodia (construída a partir dos mesmos princípios descritos nas pp. 247251), é um BG de função essencialmente rítmica. Pode ser tanto escrito em solí quanto em uníssono/oitavas. Exemplo 78 EIo7 I
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c) Por último, o BG rítmico pode ser empregado com função de pontuar momentos de uma música, isto é, para enfatizar certas notas do tema, marcar finais de frases ou de partes etc. Apontuação, apesar de assemelhar-se um pouco ao assim chamado "naipe", não possui uma "vida própria" (em termos, é claro) quanto aquele, nem utiliza-se necessariamente de figurações características do estilo da música: ele é por inteiro subordinado à fraseologia do tema principal, quase sempre em cada uma de suas intervenções, consistindo em apenas uma nota (na maioria das vezes harmonizada em solí). Os instrumentos preferidos para essa variante de BG rítmico são, mais uma vez, os sopros (sendo que trompetes e trombones, por sua maior força, são os mais indicados), que, para um resultado mais eficaz, costumam ter seus ataques dobrados por bateria e/ou baixo. Exemplo 79 (a) BG sublinhando algumas nota!
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MartelIato Como o próprio nome sugere, o arco, geralmente próximo à sua ponta "martela" a corda sem deixá-Ia, em arcadas alternadamente ascendentes e descendentes curtas " secas e fortes entrerneadas , com paradas abruptas. E uma espécie de staccato exagerado, de maior peso. A notação convencional pode ser vista no exemplo a seguir. Exemplo 110
315
AlIa corda "À corda"; em italiano, significa basicamente que o músico deve manter o arco "com aderência" na
corda, articulando claramente cada nota, em seu valor rítmico total, sem, no entanto, marcá-Ias (é o que a diferencia do detaché). Exemplo 111 (~
alia corda
lE!!jEll~
,.~
mp (etc.)
Collegno Como indica o termo em italiano, é indicação de que a corda deve ser tocada com a parte de madeira do arco, ao invés do modo habitual, com a crina, geralmente em golpes curtos e rápidos (embora, mais raramente, possa ser usado também em arcadas contínuas), criando um efeito dramático e tenso, muito empregado na música erudita moderna (no trio de cordas op. 45, de Schõnberg, por exemplo) e nas trilhas orquestrais para cinema. Exemplo 112 collegno
normal
(~~*.~*§~ f
* ~
11ff
* No caso do collegno, é necessária uma pausa suficiente, quando se deseja voltar à posição normal do arco.
Ricochet Neste tipo de articulação, não há movimento de translação do arco (ou seja, nem arcada descendente ou arcadas ascendentes): torcendo o pulso direito, o instrumentista faz o arco cair sobre a corda de modo que a crina a golpeie e sobre ela ricocheteie por várias vezes (de acordo com o ritmo da melodia), produzindo uma sonoridade muitíssimo leve e de colorido único, usada principalmente em andamentos rápidos. A notação, pontos e ligaduras, é a mesma empregada para o jeté, tornando imprescindível, assim, a indicação adicional do termo para se diferenciar cada caso. Exemplo 113
316
5. Escrita para grupos de cordas Há basicamente dois tipos de grupamentos nos quais as cordas podem atuar: os camerístico e o orquestrais. Cada um possui uma linguagem própria e, portanto, necessitam de abordagens técni distintas, embora, é claro, estas possam ocasionalmente ser intercambiadas (quase sempre, por necessidades formais de contraste). A escrita para grupos de câmara costuma ser essencialmente contrapontística, o que a torna normalmente mais difícil que a usada para orquestra de cordas, que, em geral, é tratada de forma homofônica: poucas linhas - por vezes, apenas uma aguda e outra grave - harmonizadas em bloco ou dobradas ao uníssono ou a oitavas pelos vários instrumentos que a compõem (nem precisaria ser dito que, na música popular, os arranjos para orquestra de cordas são muito mais comuns do que os para quarteto, por exemplo). Trataremos desses dois tipos de escrita separadamente, a seguir. 5.1 Grupos de câmara Como seria inviável, por motivos de espaço e pelos objetivos deste livro, estudar aqui todas as possibilidades de combinações instrumentais, não só as já consagradas (como trio de piano, violino e violoncelo, por exemplo), quanto às mais incomuns, que poderiam ser criadas de acordo com a situação ou com a imaginação do arranjador (por exemplo, oboé, viola, sax barítono e contrabaixo), deixaremos de lado os grupamentos mistos e nos limitaremos àqueles formados apenas por instrumentos de corda arcada: duos, trios, quartetos, quintetos e sextetos. Quanto a estes grupos, há duas situações de arranjo possíveis: podem se apresentar à capela (recurso não muito comum na música popular em uma peça inteira, sendo mais empregado em pequenos trechos, como introduções, por exemplo, dando um contraste de grande efeito) ou acompanhados por instrumentos da base, o que normalmente cria uma interessante e rica superposição de texturas polifônica e homofônica. Acomplexidade inerente à escrita camerística, que acabamos de mencionar, exige do arranjador ou compositor um conhecimento razoavelmente aprofundado das técnicas contrapontísticas. Sendo assim, uma abordagem mais apropriada, aliada à explanação de vários princípios do estudo do contraponto, será feita no próximo capítulo - "Textura polifônica"* , em que alguns de seus exemplos são dedicados às formações instrumentais que serão vistas a seguir. Iremos nos limitar, por enquanto, a considerações técnicas quanto aos aspectos de instrumentação e a particularidades de cada um dos grupamentos. a) Solo -** como veremos mais à frente, nas sugestões para análises, Bach é a grande referência para esse tipo de escrita. Aparentemente simples e monojônica, mas, na realidade, bastante complexa - pois é baseada na síntese de duas ou mais linhas (muitas vezes até mesmo em diálogos imitativos) em um único instrumento -, tal técnica exige do compositor/arranjador (e, é claro, do instrumentista!) um preparo apuradíssimo. Aexploração ao máximo da tessitura, da agilidade e dos coloridos expressivos do instrumento e.principalmente, o emprego virtuosístico de cordas duplas, triplas e quádruplas fazem parte dessas texturas solo. Em arranjos, podem ser empregadas em introduções ou interlúdios (quase invariavelmente em tempo rubato, como mostra o exemplo abaixo). * É também aconselhável, para o mesmo fim, que o estudante relembre o que foi tratado no Capítulo 10 -
"Melodia" -, assunto imprescindível para tal tipo de linguagem, uma vez que, nela, a imitação e o desenvolvimento dos motivos têm um papel fundamental.
** Evidentemente, refiro-me, neste caso, apenas à escrita para instrumento solo à capela, já que, se este fosse acompanhado por outros instrumentos,
não haveria qualquer diferença em relação à música homofônica convencional.
317
Exemplo 114 Tempo robato (tango)
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U ~
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b) Duos - são possíveis várias combinações: dois violinos; violino e viola; violino e violoncelo; viola e violoncelo (embora não sejam muito comuns duetos de cordas sem violino) etc. Na escrita para duo, é interessante que se procure sempre alternar a direção dofoco entre os instrumentos (como já foi dito, exemplos práticos do próximo capítulo ilustrarão melhor esta observação). Contudo, até mesmo devido à necessidade de contraste, em certos trechos do arranjo, um deles (mais comumente, o mais grave) pode assumir um papel coadjuvante, tocando notas longas, pedais, ostinatos ou arpejos, acompanhando o outro - solista -, o que transforma momentaneamente a textura de polifônica em homofônica. c) Trio - é formado por um representante de cada instrumento: violino, viola e violoncelo. Na escrita para trio, surgem mais possibilidades, se a compararmos com aquela para duo, diminuindo, ao menos em tese, a carga devida a cada elemento. Obviamente, não é necessário (muito menos aconselhável) que todos toquem linhas de igual importância todo o tempo:* isso deve ser guardado para momentos climáticos especiais, que exijam grande densidade (não só a referente ao número de partes, mas a relacionada à complexidade das idéias). A necessidade de clareza, que facilita a compreensibilidade, faz com que o uso de imitação, a diferenciação de importância dos planos (ou seja, uma ou duas das linhas subordinadas a uma idéia principal), o emprego consciente e saudável de pausas (por vezes, deixando um dos instrumentos em silêncio por vários compassos), e contrastes em geral, sejam o tratamento mais adequado para a maior parte do arranjo. d) Quarteto - considerado por muitos como o mais nobre dos grupamentos instrumentais, é também o que exige mais do compositor, devido as suas imensas potencialidades em coloridos tímbricos e expressivos em geral. É formado por dois violinos (o primeiro encarrega-se, geralmente, das partes mais agudas e de maior dificuldade, sendo também, quase sempre, o spalla do grupo), viola e violoncelo. Quartetos de corda em arranjos na música popular costumam ser subexplorados, isto é, dificilmente utiliza-se mais do que um pequeno percentual de seus recursos. Na maioria dos casos, são tratados apenas homofonicamente: um deles (quase sempre o primeiro violino) toca a melodia, acompanhado pelos demais, não raramente em notas longas, tendo o violoncelo o papel de mero fornecedor de baixos de acordes. Em outros arranjos, os instrumentos são escritos inteiramente em soli, como se fossem sopros de uma big bando O tratamento polifônico, que é a verdadeira essência da escrita para quarteto, quase nunca é empregado (é óbvio que existem exceções, mas que servem apenas para confirmar a regra.). Não quero dizer com isso que apenas este tipo de tratamento seja aceitável. Bem ao contrário, minha intenção é, sim, enfatizar sua grande e fundamental importância, mas sem descartar qualquer outro tipo: tanto o acompanhamento homofônico quanto o soli, e todas outras texturas possíveis (ostinatos, uníssonos,
* Daqui em diante -
para quarteto, quinteto ete. -,
a tendência é levar ainda mais em conta esta observação.
318
etc.) precisam fazer parte do repertório de recursos daquele que arranja para quarteto.. .•••••.• n trastes é que dão vida, cor e movimento, elementos imprescindíveis ao discurso musical." O tl 115 dá uma idéia de como podem ser combinadas algumas das texturas descritas com esses obj L
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Exemplo 115
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319
(etc.)
No pequeno trecho mostrado (13 compassos), nada menos do que cinco texturas se alternam: ABCDE-
contraponto a quatro partes; os violinos acompanham, em soli, a linha formada por viola e violoncelo, oitavados; soli a quatro; contraponto a três partes; diálogo entre agudo (violinos em terças) e grave (viola e violoncelo em oitavas), o que resulta numa textura a duas partes reais.
e) Quinteto e sexteto - respectivamente, dois violinos, duas violas e um violoncelo (ou dois violoncelos e uma viola), e violino, viola e violoncelo aos pares. São formações muito mais raras (principalmente na música popular). Comparadas com aquela para quarteto, a escrita para quinteto e sexteto de cordas são normalmente mais simples. É difícil se ter em contraponto mais de quatro linhas - uma densidade demasiadamente grande pode obscurecer a textura, afetando a compreensão por parte do ouvinte. Por esta razão, nesses grupos de cordas, quase sempre uma ou mais linhas se apresentam dobradas (poderíamos até dizer que o quinteto e o sexteto são quartetos reforçados).
5.2 Orquestra de cordas Das mais diversas dimensões, as orquestras de cordas são, como já comentado, muito mais empregadas do que os grupos de câmara na música popular (especialmente em gravações). A escrita orquestral costuma ser incomparavelmente mais simples que a camerística - por vezes são usadas apenas semibreves, em linhas de notas-guia (ver capítulo anterior) nos violinos agudos, harmonizadas por violoncelos e viola, e com as fundamentais dos acordes sendo tocadas pelos contrabaixos." Exemplo 116 1\
div. n
8-
Vlns.
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P C.Bs.
P É óbvio que também há casos em que uma orquestra de cordas pode ser utilizada de forma mais
ousada, ainda que homofonicamente, com várias linhas, à maneira do que costuma acontecer com a seção de cordas de uma orquestra sinfônica.
320
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Exemplo 117
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C.Bs. I (etc.)
Vejamos agora algumas observações sobre particularidades da escrita para orquestra de cordas: a) Quando em backgrounds harmônicos, as cordas costumam soar mais bem espaçadas de forma aberta (ver o Exemplo 116). Evidentemente, situações especiais - como a intenção de um efeito diferente de colorido harmônico (Exemplo 118a), ou a necessidade de acordes percussivos (118b) - podem exigir voicings com disposições mais cerradas. Exemplo 118 con sord. (a).o.
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(b)
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b) Os contrabaixos, além da função primordial de dar os baixos da harmonia, são também bastante empregados em dobramentos de linhas dos violoncelos. Nesses casos, normalmente, escreve-se para ambos os naipes de instrumentos a mesma melodia: os contrabaixos, como se sabe, soam então uma oitava mais grave que os violoncelos, fazendo a linha ser enfatizada com grande profundidade.
321
Exemplo 119 ;=80
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c) Na escrita para orquestra de cordas, como já comentado, é mais comum trabalhar com poucas linhas, que dificilmente são subdivididas (em arranjos comerciais," por vezes, são apenas duas - uma aguda de violinos, e outra grave, com violoncelos e contrabaixos dobrados. Nesses casos, as violas costumam ser omitidas, o que, pessoalmente, considero falta de imaginação). A razão é que, ao se fazer isso, principalmente numa orquestra relativamente pequena, perde-se um pouco da sonoridade compacta que resulta da soma de vários instrumentos tocando a mesma melodia, já que o peso total seria distribuído por mais linhas de personalidade própria, naturalmente, enfraquecendo o conjunto." Porém, uma melodia que é subdividida em soli, embora não possa, obviamente, ter comparada sua força com a de um uníssono ou a de um dobramento à oitava, preserva uma boa parte do peso instrumental da linha, pois todos tocam com mesmo ritmo. É um tipo de efeito usado principalmente como contraste ou como ênfase. Exemplo 120
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d) Quando for necessária uma divisão do naipe dos violinos, é aconselhável que a linha dos.primeiros possua mais instrumentos que a dos segundos (por exemplo, no caso de haver na orquestra 12 violinistas, sete formariam com os primeiros e cinco com os segundos). Mesmo nos casos em que se deseje três ou
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mais divisões, é bom que se mantenha a mesma preocupação (assim, os 12 violinos dividi po distribuiriam em cinco primeiros, quatro segundos e três terceiros). Arazão é a necessidade linha principal (a mais aguda) mais peso, colocando-a inequivocamente no foco da seção das co e) Dos vários tipos de arcadas e articulações vistos, poucos são utilizados em orquestra de co (eles são mais apropriados à linguagem dos grupos de câmara, naturalmente mais virtuosística): 1 non legato, staccato, tremoli, sul tasto e ponticello, detaché, por exemplo. Contudo, em arranjos maís sofisticados - e, é claro, desde que venha organicamente da intenção do arranjador - outros efeito como collegno, martellatto etc., podem ser empregados sem qualquer restrição.
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Diversas formações para orquestra de cordas são possíveis. Vejamos alguns exemplos (as três primeiras referem-se às mais usadas para gravações na música popular, quase sempre como background): 12 instrumentos = 8 violinos + 2 violas + 2 violoncelos + 1 contrabaixo 15 instrumentos = 9 violinos + 3 violas + 3 violoncelos + 2 contrabaixos 20 instrumentos = 12 violinos + 4 violas + 4 violoncelos + 2 contrabaixos 10 instrumentos = 3 primeiros violinos + 2 segundos + 2 violas + 2 violoncelos + 1 contrabaixo (este seria o número mínimo de elementos para a seção de cordas de uma orquestra de câmara) • 64 instrumentos = 18 primeiros violinos + 16 segundos + 12 violas + 10 violoncelos + 8 contrabaixos (formação-padrão da seção de cordas de uma orquestra sinfônica) • • • •
6. Literatura sugerida para análises Podemos, à semelhança do que fizemos no tópico anterior, dividir este assunto pelos tipos de instrumentações a serem abordadas:
- Solo: as partitas para violino solo (principalmente a de número 2) e as suítes para violoncelo solo, compostas por Bach, são, sem dúvida nenhuma, o que de mais impressionante e belo foi escrito a respeito até hoje. O estudante deve ouvi-Ias e analisar suas partituras para ter uma idéia dos limites técnicos-expressivos de ambos os instrumentos. - Duas e trios: nesta categoria, recomendo para análise os 44 duos para dois violinos de Bartók e os três trios de cordas, op. 9, de Beethoven.
- Quartetos: como já discutido, são o que mais exigem do compositor/arranjador
em termos de conhecimentos, experiência e maestria. Sendo assim, sua análise torna-se imprescindível, não só para aqueles que desejam escrever especificamente para tal grupamento, como para os que têm por objetivo o domínio na escrita para qualquer outra formação, seja camerística, seja orquestral. Com este pensamento, os dezessete quartetos de Beethoven possuem extraordinárias qualidade, quantidade e variedade de material, formando um verdadeiro curso completo sobre a arte de escrever para cordas. Além desses, para comparação ou mesmo para detectar influências, o estudante pode (e deve) conseguir obras de outros grandes mestres na área, como Haydn, Mozart (anteriores a Beethoven), Schubert, Brahms, VillaLobos, Bartók e Schõnberg, e formar para si um interessantíssimo painel evolutivo-histórico-estilístico da composição para quarteto, acompanhando a espinha dorsal beethoveniana. Na música popular, infelizmente, pouco são usados quartetos de cordas, mas podem ser citados, como referência, alguns dos
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trabalhos do Kronos Quartet, entre eles um disco com arranjos de músicas de Piazzolla, ou o arranjo feito por George Martin da canção "Eleonor Rigby", para o disco Revolver, dos Beatles.
-Quintetos e sextetos: para análise destas instrumentações, o estudante pode procurar Brahms: seus dois quintetos (opp.88 e 111) e os especialmente belos sextetos (opp.18 e 36). É digno de menção, ainda, o sexteto Noite transfigurada, op. 4, de Schõnberg. - Orquestras de cordas: embora análises das seções de cordas de sinfonias seja bastante útil no que concerne ao espaçamento de voicings, às possibilidades de texturas e à distribuição de linhas, a orquestra que é normalmente usada na música popular, por possuir dimensões bem mais modestas e uma linguagem própria, exige uma abordagem diferente (no último capítulo voltaremos ao assunto, para falar da utilização de grandes orquestras em arranjos). É aconselhável ao aluno ouvir o maior número possível de gravações, principalmente as do período compreendido entre as décadas de 50 e 80. Tanto na MPB, quanto na música estrangeira (em especial, a americana), quase todos os discos empregavam cordas como background (no Capítulo 12, já falamos um pouco sobre isso). Há uma grande quantidade de arranjos, ainda que com fins comerciais, ousados e inovadores (é óbvio que existe também a contrapartida, arranjos medíocres, burocráticos, repletos de c1ichês ...). São especialmente dignos de nota o tratamento dado às cordas nos discos de Frank Sinatra (que contava sempre com arranjadores talentosíssimos como Claus Ogermann e Nelson Riddle), dos Beatles (onde há sempre um ar saudável de criatividade - por exemplo, o arranjo da canção Sbe's living home, para apenas uma pequena orquestra de cordas e harpa), ou à música para cinema em geral (podemos destacar, entre outros, Bernard Herrmann, o compositor preferido do afamado diretor Alfred Hitchcock). Embora seja muito difícil conseguir partituras desses arranjos, a simples audição crítica já revela muita coisa, e será de inestimável ajuda para a formação da experiência do estudante de arranjo.
7. Exercícios 1) Fazer um arranjo para trio de cordas da música Trilhos urbanos, de Caetano veloso. Obs: para um melhor aproveitamento, é aconselhável que este e o próximo exercício sejam feitos após a leitura do capítulo seguinte, que trata justamente da escrita de texturas polifônicas.
2) Arranjar a música Blackbird, de Lennon e McCartney, para quarteto de cordas. 3) Fazer um arranjo para orquestra de cordas (12 violinos, 4 violas, 4 violoncelos e 2 contrabaixos) da música Infância, de Egberto Gismonti.
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O arranjador normalmente não precisa se preocupar com a escolha das cordas nas quais as melodias serão tocadas, a menos que seja uma situação bastante específica, em que ele deseje (e, é claro, imagine) para uma determinada passagem uma unidade tímbrica, resultado de se tocar numa só corda (a sol, por exemplo). O que acontece normalmente é o instrumentista, orientado por sua própria experiência, decidir em quais cordas tocar, pelo que lhe parece ser o melhor caminho de execução, ou seja, pela digitação mais apropriada para fazê-lo, considerando-se as particularidades da melodia. - Spalla - em italiano, "ombro". Musicalmente, é a designação do principal violinista de uma orquestra ou de um grupo de câmara. O spalla é tradicionalmente o representante dos demais músicos perante o regente, sendo considerado o "segundo-em-comando". Suas principais funções são de ajudar na preparação da orquestra, nos ensaios específicos da seção das cordas (sendo o responsável pela determinação das arcadas e digitações necessárias) e, nos concertos, coordenar a afinação dos instrumentos. Os solos que eventualmente apareçam na partitura dos violinos são sempre feitos pelo spalla. 3 Comparando-se a abertura de dedos na mesma corda na primeira posição, temos que, enquanto a do violino é de quarta justa (sem se falar de extensões do dedo mínimo), a do contrabaixo não passa de uma segunda maior.
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A técnica do capotas to , por exemplo, que é empregada consistentemente na escrita para o violoncelo, no caso do contrabaixo é deixada apenas para tais solos virtuosísticos, já que não é tão exeqüívelos problemas de entonação e afinação que surgem de seu uso requerem um preparo técnico muito maior do que se exige ao instrumentista médio. Além disso, deve ser levado em conta que, em geral, a função primordial de um contrabaixo na seção de cordas, numa composição ou arranjo, é estabelecer os alicerces harmônicos da música, o que o faz trabalhar quase sempre em suas regiões grave e média. O que será tratado daqui em diante aplica-se igualmente à viola e ao violoncelo (em menor escala, também ao contrabaixo), embora em diferentes gradações. De uma maneira geral, o arranjador deve considerar que o que pode ser feito com o violino, em termos de agilidade, extensão melódica, cordas duplas, efeitos etc., será um pouco mais difícil de ser obtido nos demais instrumentos (às vezes, muito mais difícil, ou mesmo impossível em outras situações - a medida exata disso somente pode vir com a experiência).
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Isto é, quando se trata de um grupo grande de instrumentos - por exemplo, uma orquestra de cordasem que é preciso que todos os arcos se movimentem sempre de modo idêntico, não só por uma questão estética, mas, sobretudo, devido a sutilezas dinâmicas e de articulação desejadas. Nos casos de solos, trios, quartetos etc., o músico, em geral, executa os movimentos convencionais de maneira quase automática, sendo, na maioria das vezes, supérflua sua notação.
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É claro que, nas posições mais agudas, com o estreitamento dos intervalos, tremoli mais abertos podem ser conseguidos em todos os instrumentos. Para a viola, por serem as distâncias entre as notas - quando comparadas com as do violino - maiores, essa técnica é melhor aplicada em regiões um pouco mais agudas, em que há um maior estreitamento das posições. No caso do violoncelo, tal problema se agravaria se não existisse a técnica do capotasto, que faz com que o polegar seja usado como base para se tirarem os harmônicos artificiais (ele substitui a função do indicador do violino). O que se segue refere-se à escrita do violino. Para os demais instrumentos, como já foi comentado, aumentam progressivamente as limitações. Apesar de existirem muitos exemplos na literatura musical camerística de uso de cordas duplas, triplas e quádruplas de enorme dificuldade (algumas aparentemente impossíveis), é aconselhável que, para a viola e para o violoncelo (o contrabaixo, por sua tessitura muito grave, raramente emprega tais técnicas) se procure sempre as regiões mais agudas ou se dê preferência por cordas soltas, pelo menos até que se consiga uma razoável experiência e habilidade na escrita para tais instrumentos, o que possibilitará ao arranjador maiores ousadias. É, no entanto, bom que se diga que tudo vai 'depender do contexto: torna-se sempre mais fácil a execução de cordas múltiplas (isto é, duplas, triplas ou quádruplas) quando vêm de pausas ou de notas relativamente longas, quando são feitas no mesmo ou em posicionamento próximo ao do trecho anterior (e também do que se segue), ou quando
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o andamento não é demasiadamente rápido. É assim, como se vê, muito difícil se determinar algo como uma espécie de "receita" do que se pode ou não fazer - ou uma gradação das dificuldades - quanto à escrita de cordas múltiplas. Apenas a experiência pode dar ao arranjador habilidade para tratar com tantas variáveis. 11
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Na literatura especializada (bem como entre os próprios instrumentistas) há divergências quanto à nomenclatura e à descrição de algumas das técnicas de arcadas que serão mostradas a seguir. Tentei, na medida do possível, baseando-me também em meus próprios conhecimentos e experiência, conciliar as versões, destacando o que elas têm em comum. Em casos conflitantes, procurei sempre adotar a definição que possuísse respaldo de outros autores, ou a que - segundo meu critério - fosse a mais lógica e/ou de melhor senso. Deve ser sempre combatida a tendência que invariavelmente se apresenta ao estudante de música, a qual, a cada momento, impele-o a empregar tudo aquilo o que aprendeu. Este é um dos principais inimigos da economia de meios, elemento construtivo fundamental num arranjo, que teve sua grande importância destacada no Capítulo 4. Apenas aí, nessas combinações - ou seja, no simples correto manuseio do "preto-e-branco" -, o universo abrangido é enorme: pode se ter assim uma leve idéia do que é dominar realmente a escrita para cordas, usar de forma criativa, econômica e apropriada todas as demais cores e combinações possíveis, que nem chegaram ainda a ser apresentadas! A princípio, parece ser redundante exigir do instrumentista, por intermédio de um sinal especial, que toque o valor real de um deteminado ritmo escrito. Contudo, na prática, dificilmente as durações das notas são tocadas em sua plenitude: quase sempre há uma pequena cesura entre duas notas - uma respiração, um apoio ou preparação que acaba não sendo percebida (mesmo porque dificilmente é relevante). Desse modo, quando, por qualquer razão, for intenção do arranjador que os valores rítmicos de um trecho melódico soem exatamente como estão escritos, é que surge a necessidade de se ter um sinal próprio para isso, uma espécie de lembrete ao executante, a tenuta (ou tenuto). O contrário - isto é, um arranjo para quarteto escrito apenas contrapontisticamente - também não funciona, pois é muito difícil para qualquer ouvinte - leigo ou preparado - conseguir apreciar (e, num nível mais avançado, seja consciente ou inconscientemente, compreender) uma trama musical tecida apenas por complexas linhas e interrelações imitativas e/ou motívicas. É claro que também há o fator cultural, a nossa falta de costume com a música polifônica, mas a necessidade de se entermear texturas diversas é vital. Os contrastes homofônicos trazem ao ouvinte, além de outros coloridos e ambientes, um descanso, uma oportunidade para assimilar o tecido contrapontístico anterior e uma preparação para o próximo, até o "oásis" seguinte, e daí por diante, permitindo, no final, ao ouvinte, a compreensão (e, a conseqüente mais completa apreciação) da música. Como o estudante deve ter observado, o contrabaixo não é utilizado em grupos camerísticos. A razão é que, pelo timbre e o peso excessivo, se comparado aos demais instrumentos cordas arcadas, não se "casa" bem com aqueles, quando todos estão na situação de solistas, que é o que acontece na música de câmara. Num quinteto, por exemplo, formado a partir de um quarteto de cordas convencional mais um contrabaixo, este último soaria como um corpo estranho, desajeitado, atrapalhando a harmonia do conjunto. É evidente que há excessões, grupos camerísticos com contrabaixo, principalmente quando um piano também está presente, ajudando no equilíbrio. É o caso do quinteto em lá maior, mais conhecido como A truta, de Schubert, para violino, viola, violoncelo, piano e contrabaixo. Refiro-me aqui aos arranjos feitos segundo os padrões ditados pelo mercado fonográfico, quase todos baseados no que é feito na música norte-americana. Neles, os pontos principais, visando melhores vendagens de discos, são simplicidade e eficiência, o que faz com que "gorduras desnecessárias" (pelo menos, sob o ponto de vista dos produtores) sejam cortadas. Poderíamos aqui estabelecer claramente as principais diferenças de concepção das escritas para grupos camerísticos (tomando, como exemplo, o quarteto) e para orquestra de cordas: QUARTETO
Escrita essencialmente Multiplicidade
polifônica
de linhas
ORQUESTRA
Escrita homofônica Poucas linhas
Contraste de densidades
Massa sonora (contraste, quando existe, apenas entre som e silêncio)
AIternância do foco nos planos internos
Sempre em background
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Capítulo 1-
Textura polifõnica
Como já se comentou em várias partes deste livro, na música popular são muito raras as texturas polifônicas reais. Ela é essencialmente homofônica, e mesmo quando aparenta ser escrita de forma contrapontística, quase sempre se trata de simples disposição horizontal da harmonia, que se apresenta, assim, disfarçada em várias linhas melódicas. O verdadeiro contraponto é algo bem mais complexo, baseado em princípios que governam o interrelacionamento rítmico e intervalar das partes que compõem o tecido musical, com um pensamento harmônico totalmente diverso do habitual. Neste ponto,
° estudante
certamente poderia chegar a uma lógica conclusão: "Se então não são
usadas, na música popular - afinal, minha área de atuação -, por que deveria me preocupar em conhecer as tais texturas polifônicas?" Há pelo menos duas boas razões para isso: 1) Exatamente por não serem empregadas! O que existe, na realidade, é um vastíssimo campo inexplorado, apenas esperando pelos desbravadores. Não há nenhum fator inconciliável entre polifonia e a música popular, bem ao contrário. Seria até uma saudável injeção de sangue novo em certos estilos (alguns deles em particular, como o choro ou o tango, por exemplo, prestamse perfeitamente bem a um tratamento contrapontístico), que só não aconteceu até hoje, imagino eu, devido à pura incapacidade técnica (talvez com traços de ignorância e desinteresse) por parte dos arranjadores; 2) Mesmo que não houvesse uma aplicação prática tão evidente e imediata como a descrita acima, penso que bastaria a justificativa de aprender para saber. O verdadeiro Músico não necessita de outros estímulos senão a desinteressada e infindável procura do Conhecimento (mesmo porque - e os que estudam muito sabem disso - na música, tudo é correlato, todas as áreas se tocam em algum ponto, explicam-se, completam-se). Como também já foi várias vezes dito, o estudo apropriado da matéria exigiria um desvio enormepor certo, um capítulo com aproximadamente a metade do número de páginas deste livro -, o que, evidentemente, é impensável fazer. Volto, portanto, a frisar que o único caminho existente para o aprofundamento nas áreas de arranjo que necessitam de tratamento polifônico (a escrita para vozes e para grupos camerísticos em geral, por exemplo) é o inevitável estudo do contraponto. Este capítulo compõe-se de duas partes: a primeira é uma breve exposição dos princípios que regem a escrita contrapontística (apenas um resumo, que não pode substituir o estudo formal), enquanto a segunda trata de aplicações práticas desses princípios, apresentando análises de uma série de exemplos, tirados de situações reais, com as mais diversas densidades, instrumentações, estilos etc.
1. Princípios básicos de contraponto Penso ser mais interessante uma abordagem dos fundamentos do estudo do contraponto sob o ponto de vista histórico, já que este se apresenta, nos vários períodos artísticos, com algumas diferenças características. Ao final, trataremos do que poderia ser chamado de contraponto na música popular, um apanhado de vários dentre os princípios anteriormente vistos, adaptados à linguagem homofônica e aos estilos populares.
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1.1 Contraponto medieval Na realidade, no que concerne à música, o período artístico medieval pode ser subdividido. Afinal, ele abrange desde os primórdios da organização do pensamento musical do Ocidente, com a monofonia do canto gregoriano, passando pelo nascimento e lento desenvolvimento da polifonia (a partir do século IX), até seu apogeu, na chamada Ars Nova (aproximadamente de 1300 a 1450), quando eram compostas obras de enorme complexidade (é este último que normalmente se considera como o contraponto medieval ou linear). Os maiores compositores do período foram Machault, Philippe de Vitry,Binchois e Dufay. Principais características do contraponto medieval: a) Não havia ainda surgido a harmonia, muito menos o conceito de tonalidade. Todo o material melódico derivava dos modos litürgicos.' Notas cromáticas eram introduzidas ocasionalmente, num processo conhecido por musicaficta. b) Foi na Ars Nova que foi concebido um dos mais importantes recursos da escrita polifônica: a
imitação. Como já foi discutido, o uso de imitação dá coerência ao discurso musical. Foi talvez a maior contribuição do período (veremos, a seguir, que a técnica da imitação é o único fator comum a todos os tipos de contraponto) para a evolução da linguagem polifônica e, conseqüentemente, da própria música ocidental, pois possibilitou a criação das primeiras formas musicais (até então, as peças eram curtas, sem muita direção, ou então, quando cantadas, totalmente subordinadas à forma do texto, quase sempre religioso). É dessa época também o apogeu do emprego das transformações melódicas (ver o Capítulo 11). Feito com tal complexidade, fazia com que certas composições se assemelhassem mais a intricadas construções matemáticas do que musicais. c) Ritmicamente,* o contraponto linear tinha várias restrições. Várias fórmulas eram proibidas pela Igreja católica (que, na época, ditava as normas da criação artística), por estarem associadas à música profana, a suas danças, principalmente. Eram mais usadas as notas de longa duração do que as curtas, e não surgira ainda a idéia da separação dos compassos. d) Quanto às relações intervalares, há, no contraponto medieval, uma permissividade muito maior do que a de outros períodos. Por não haver ainda o conceito de harmonia, os intervalos entre as partes eram usados de maneira indiscriminada: embora consonâncias fossem empregadas em pontos estruturais, dissonâncias apareciam sem que houvesse a necessidade imperiosa - à qual os ouvidos das épocas posteriores se acostumaram - de serem resolvidas.
1.2 Contraponto renascentista (ou modal ou palestriniano) Tanto na música quanto nas demais artes, o período renascentista foi um dos mais fecundos e revolucionários da História. Seus principais compositores foram Palestrina, [osquin des Prez, Obrecht, Lasso, Ockeghem, Byrd e Victoria, entre outros.
* Na realidade, o ritmo, por ser uma questão referente apenas a estilo e época, é o que menos interessa a nossos objetivos imediatos -
consta aqui apenas a título de comparação evolutiva com os outros tipos.
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Características a) O modalismo ainda era a linguagem usada, mas foi durante o Renascimento que surgiram bases para a criação do tonalismo e da teoria da harmonia. b) Aimitação tornou-se mais e mais importante. Novas formas surgiram, vocais (o madrigal e o moteto a quatro partes, por exemplo) e instrumentais (o rícercare, a fuga etc.). c) Algumas fórmulas rítmicas continuaram proibidas. Foram adotados parâmetros da métrica da poesia grega (a cultura da Grécia clássica foi o principal padrão para o pensamento renascentista em todas as expressões artísticas, pintura, escultura, arquitetura, teatro, literatura e música). d) Com a organização dada à forma pela imitação, e por determinação da própria Igreja, no Concílio de Trento (reler a introdução do Capítulo 5), surgiu uma maior necessidade de clareza da escrita polifônica até então praticada: o número de partes (que no contraponto medieval era ilimitado, chegando, nos casos extremos, às dezenas) foi reduzido para quatro (soprano, alto, tenor e baixo); e, principalmente, o relacionamento vertical entre as partes começou a ser regulamentado. Apesar de bem mais retrito que nos períodos seguintes, o tratamento das dissonâncias (e de algumas das consonâncias atuais) pa~sava a exigir resolução, o que serviu de base para a elaboração da teoria do contraponto barroco.
1.3 Contraponto barroco Também é conhecido por contraponto tonal ou bacbiano. É, na realidade, aquele ao qual nos referimos, quando dizemos simplesmente "contraponto". A teoria que ainda hoje é ensinada nos cursos foi regulamentada durante o período Barroco, pelo compositor austríaco johann Fux. Sua elaboração foi baseada na prática do contraponto modal, acrescida das importantes inovações - que marcaram o início da música moderna - surgidas a partir do século XVII: a teoria da harmonia e o temperamento dos intervalos (ver a sexta nota do Capítulo 3). Com Bach (o principal compositor polifônico, não só do período, mas de toda a História), o desenvolvimento da linguagem contrapontística chegou a seu apogeu, num momento em que todos já começavam a se desinteressar pelo "estilo antigo", isto é, a polifonia. Outros grandes compositores (alguns deles mais voltados para a escrita homofônica): Monteverdi, Alessandro e Domenico Scarlatti, Andrea e Giovanni Gabrielli, Corelli, Vivaldi, Purcell, Lully, Couperin, Rameau, Buxtehude, Telemann, Hândel etc. Características a) O contraponto barroco tem à disposição as 12 tonalidades maiores e as 12 menores. É essencialmente diatônico, mas as modulações (ou, melhor dizendo, as passagens pelas diversas regiões harmônicas) são bastante empregadas, não apenas com o objetivo evidente de se transportar o discurso para outro ambiente tonal (até mesmo por meio da alternância dos modos maior e menor), como também, ao não se estabelecer claramente em nenhuma tonalidade, trazer coloridos diferentes à textura,' contribuindo para a variedade do todo. Excetuando-se as cadências, o pensamento harmônico neste tipo de contraponto não se baseia em estruturas verticais, os acordes, mas sim em espécies de "nuvens" tonais, fruto dos movimentos simultâneos das diferentes partes e da alternância entre a tensão e o relaxamento harmônico resultantes.
329
Exemplo 121
[fá maior]
[sol menor]
[ré menor]
[sol menor]
b) Aimitação continua sendo o principal elemento formal. O equílíbrío entre variedade e semelhança, indispensável para a inteligibilidade e o interesse da construção polifônica, dá-se por meio do "jogo" imitativo dos motivos - os principais, os subordinados, os contrastantes, os vindos de material novo introduzido -, que já teve sua importância destacada no Capítulo 11. Além das formas já existentes - .a fuga, por exemplo -, que acabaram sendo desenvolvidas na nova linguagem tonal, muitas outras surgiram, principalmente na música instrumental (que teve, no período Barroco, um impulso sem precedentes): o concerto grosso, o concerto para solista, a suíte, a sinfonia etc. É também dessa época o nascimento da ópera. c) Na teoria (mas raramente na prática) do contraponto barroco, persistiram ainda algumas poucas proibições a ritmos "dançantes", oriundas dos períodos anteriores. Mais importante foi a consolidação do já discutido (ver Capítulo 13) princípio do movimento-repouso entre as partes. Talprincípio, hoje incorporado de forma quase intuitiva ao pensamento musical, trouxe clareza e organização rítmica à textura polifônica, tornando possível uma melhor percepção e compreensão dos diferentes planos simultâneos. d) Quanto ao aspecto vertical, são adotados os mesmos parâmetros do contraponto modal, ou seja, os intervalos dissonantes (segundas, sétimas, quartas e trítono") podem ser usados, desde que devidamente resolvidos em consonâncias (oitavas, quintas, terças e sextas), posicionadas nos pontos de apoio. Há aqui uma outra diferença entre teoria e prática: enquanto nos tratados de contraponto só eram permitidas notas de passagem, bordaduras e suspensões (ver Capítulo 6), isto é, inflexões melódicas preparadas, na música "real" (principalmente a composta por Bach), também os demais tipos, sem preparação (escapadas e apogiaturas), foram pouco a pouco empregados, conquistando uma espécie de "jurisprudência auditiva", que permitiu muitos outros avanços (aliás este é o principal procedimento de evolução na música ocidental).
1.4 Contrapontos clássico/romântico Embora, com o início do período Clássico, tenha havido uma forte retração das práticas polifônicas (o pensamento musical dirigiu-se quase que totalmente para o desenvolvimento da ainda incipiente harmonia), alguns compositores - não por acaso, os maiores mestres do classicismo e do romantismo -, como Mozart, Beethoven e Brahms, continuaram a utilizar em suas composições também o contraponto. Beethoven, em especial, em seus últimos anos de vida, na mais completa surdez, criou obras-primas (como, por exemplo, o quarto movimento da sonata para piano, op. 106, ou a Grande fuga, op. 133, para quarteto de cordas), que podem ser tranqüilamente consideradas como parte de uma evolução natural do pensamento contrapontístico bachiano.
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Características (trataremos apenas do aspecto melódico-harmônico, não há nada de relevante a acrescentar):
já que rítmica e formalmente
o contraponto praticado no período homofônico, da metade do século XVIIIao final do século XIX, tem como principal diferenciado r em relação ao barroco a forte influência que a harmonia exerce sobre sua construção (ele servirá de base para a elaboração do contraponto na música popular, como veremos mais adiante). Assim, uma espécie de "moldura" harmônica legitima situações que anteriormente seriam consideradas incorretas. Em outras palavras, a assimilação cultural de certos clichês harmônicos (como cadências) ou acordes (por exemplo, o diminuto [ver Exemplo 122]) ampliou bastante o espectro intervalar, embora tenha, por outro lado, naturalmente diminuído ainda mais o grau de independência que as vozes do tecido polifônico já vinham perdendo, desde o período medieval." Exemplo 122 (b)
(a) I
1,. ~
I
~ )
,
I
3 @-3
3
5°
70
U
1,1')
No contraponto barroco (a) a quinta diminuta é sempre (ao menos na teoria) considerada como intervalo dissonante, sendo, assim, obrigatória sua resolução. No contraponto clássico (b), é também uma dissonância, porém, num contexto harmônico (no caso do exemplo, compondo um arpejo do acorde de sétima diminuta), adquire uma estabilidade semelhante à de uma consonância. O mesmo vale para a sétima diminuta, que lhe segue.
Além desse fator, o uso de inflexões cada vez mais, digamos assim, "ousadas" (por exemplo, apogiaturas e suspensões de longa duração), de cromatismos e modulações cada vez mais freqüentes e para regiões mais e mais distantes (ou seja, acompanhando a própria evolução da harmonia) tornou a composição polifônica, pouco a pouco, quase que totalmente subordinada à homofônica, chegando a um tal ponto (que coincide com o próprio esgotamento das potencialidades da harmonia, aproximadamente no final do século XIX) que sua existência deixou mesmo de ter sentido.
1.5 Contraponto atonal Essa espécie de beco sem saída, no qual desembocou o romantismo tardio, levou alguns compositores da vanguarda do pensamento musical a experimentarem, a partir do início do século XX, novos rumos. Uma dessas correntes - o atonalismo (reler a primeira nota do Capítulo 9) - só viu como caminho o rompimento por completo com o conceito tradicional da tonalidade. Tal rompimento, por conseqüência, abrangeu também a harmonia, representando uma radical retomada da linguagem polifônica, a única possível para as composições atonais, em níveis só comparáveis aos do período medieval. Os principais compositores atonais (e, mais tarde, dodecafônicos ou seriais) foram os austríacos Schõnberg, Berg e Webern. Não é possível, neste livro, tratarmos do que sejam os princípios da composição atonal ou serial: sem falar de que esta é apenas uma breve e despretensiosa explanação histórica do contraponto,
331
fugiríamos de nosso objetivos imediatos; além do que, precisaríamos usar termos e conceitos demasiadamete complexos e estranhos ao universo do arranjo. Sendo assim, basta dizer que, no contraponto atonal, deixa de existir a dicotomia consonância/dissonância e, conseqüentemente, tensão/relaxamento. A grande força de coesão dessa música está nos motivos melódicos. Todos os tipos de imitação (principalmente as transformações, por inversão, aumentação etc., que estavam meio esquecidas desde a Ars Nova) passam a ser extremamente vitais para a coerência do discurso e, portanto, para sua compreensibilidade. Nesse sentido, as imitações ao uníssono e à oitava são ainda mais úteis e utilizadas do que aquelas em outros intervalos (estas surgiram devido a necessidades dos contrapontos modal e tonal). O exemplo abaixo mostra uma típica textura dodecafônica a quatro partes. Exemplo 123 L
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Obs. - cltuiMla e trompa nõo estilo transposto.
1.6 Contraponto na música popular Na realidade, não existe uma teoria formal para um contraponto voltado para a música popular. Contudo, suas bases podem ser facilmente deduzi das a partir do estudo tradicional (o Barroco), e, principalmente, como já foi adiantado, da prática do período homofôníco. Seriam então suas principais diretrizes: a) Intervalos consonantes (usados em pontos de apoio): 8ª, Sª], 3ªM/m e (Y!M/m(4ª] e trítono, em certas circusntâncias. Intervalos dissonantes (usados, aprincípio, nas inflexões): 2ªM/m e 7ªM/m e demais intervalos aumentados e diminutos. b) Ajá mencionada "moldura" harmônica, contudo, faz com que um determinado intervalo adquira "pesos" diferentes, de acordo com a função que suas notas exercem no acorde (ver Exemplo 124). Isso pode, evidentemente, ser explorado pelo arranjador, como mais um recurso em sua paleta expressiva.
332
Exemplo 124
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A moldura na qual se insere o contraponto também permite que intervalos tradicionalmente dissonantes - como a sétima, por exemplo - adquiram um caráter de estabilidade. Exemplo 125 C7M
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c) Outro ponto determinante é o ritmo. Além do que já foi explanado a respeito de imitação e desenvolvimento de motivos - o que, aliás, continua aqui com a mesma importância de todos os demais tipos de contraponto -, há a questão única dasfigurações rítmicas características dos estilos populares, o que, por si só, é um fortíssimo fator de coerência. Assim, por exemplo, num choro ou num rock (ver os exemplos de texturas polifônicas, na próxima página), suas células mais típicas facilitam bastante a fluência e o interrelacionamento das diferentes partes (é algo que não existe em nenhum dos outros tipos de contraponto). d) As formas podem ser as mais variadas (é mais comum que se mantenha o que é convencionado para o estilo, por exemplo, o A-B-A-C-Ade um choro), embora possam ser adaptadas à linguagem musical popular estruturas polifônicas tradicionais - como a de uma fuga, por exemplo -, em introduções, interlúdios ou mesmo na peça inteira. e) É mantido o princípio do movimento-repouso.
2. Alguns exemplos de texturas polifônicas Vejamos agora situações em que a linguagem contrapontístíca é aplicada a diversos estilos, densidades e instrumentações. O estudante deve observá-Ias cuidadosamente, sob todos os aspectos (intervalar, rítmico, harmônico, instrumental), a fim de poder extrair desses exemplos o máximo de conhecimento, aplicando-os, na medida do possível, a seus próprios arranjos. Quase todos os seguintes exemplos foram concebidos para serem executados à capela, isto é, sem outro tipo de acompanhamento. Contudo, suas harmonias implícitas podem ser facilmente deduzi das (é esta uma das principais características do contraponto voltado para a música popular), tarefa que deixo ao estudante.
333
2.1 A 2 partes Exemplo 126
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334
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o verdadeiro
contraponto pressupõe uma igualdade de importância entre as partes. Uma das maneiras de demonstrar isso é na alternância do foco principal, como pode ser visto acima: a partir do compasso 10, a viola deixa o acompanhamento e assume o tema introduzido pelo violino (compassos 19), que passa então a tocar uma linha secundária.
2.2 A 3 partes A primeira textura a 3 partes que veremos é um interessante exemplo da adaptação de um estilo popular à estrutura formal da fuga. Foram seguidos, rigorosamente, todos os parâmetros do contraponto barroco (não só a forma, como as relações intervalares e o processo de modulação), com exceção do ritmo. Pois, justamente, são os motivos sincopados característicos que definem a peça como um choro, e não como uma tradicional fuga barroca. O trecho mostrado abaixo compreende a exposição do choro-fuga, seguindo o que é convencionado: uma a uma, as três vozes (flauta, clarineta e fagote) apresentam o sujeito (isto é, o tema principal) respectivamente, na região tônica, na dominante e, de novo, na tônica. 5 Após sua entrada, cada uma das partes permanece, em contraponto à entrada seguinte do sujeito, num crescendo de densidade. Exemplo 128
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335
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>
>
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(etc.)
Obs.: Para facilitar a análise, a c1arineta não está transposta. Pelo mesmo motivo, todos os demais exemplos que contem com instrumentos transpositores acham-se escritos nas alturas de som reais.
336
o próximo
exemplo mostra a introdução de um arranjo para quarteto de cordas. _·0 questão, apenas três instrumentos participam, formando uma textura colorida e ritmicamente i sante, sobre a qual o tema, no primeiro violino, em seguida, será tocado. Exemplo 129
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(etc.)
Em outro trecho do mesmo arranjo, cerca de 70 compassos depois, ressurge a idéia da introdução, já bem modificada. Desta vez, os violinos e a viola é que preparam o terreno para a reexposição do tema, pelo violoncelo. É bem interessante comparar as duas versões.
337
Exemplo 130
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2.3 A 4 partes Aescrita a 4 partes, seja polifônica ou homofônica, é a mais importante de todas (e a que mais exige do compositor, em preparo técnico e talento criativo). Ao menos em tese, permite que o conteúdo de um discurso musical seja expresso com toda a clareza, economia e plenitude possíveis, o que, em geral, é mais difícil de se conseguir (novamente: refiro-me aqui apenas ao plano teõríco) com três (principalmente, quanto à harmonia) ou cinco partes (como veremos mais a frente, sua alta densidade obscurece a compreensão das linhas individuais). Devido à relevância que tem o contraponto a 4 partes, selecionei, como ilustração, um número maior de exemplos (a tal propósito, o estudante deve também rever o Exemplo 9, capítulo 8). De início, no mesmo arranjo para quarteto de cordas dos casos anteriores, uma outra situação, desta vez a 4 partes reais:
338
Exemplo 131 ~
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(etc.)
Há aqui um intrincado e cerrado diálogo imitativo, quase canônico, entre os quatro instrumentos, centrado, principalmente, no motivo assinalado, (a).
o próximo
exemplo é o trecho de uma salsa, arranjada para quarteto se saxofones. Neste trecho, a idéia é, contrapontisticamente, bem menos elaborada que no caso anterior: o que se pretende é uma espécie de mosaico rítmico (na verdade, a textura está mais para heterofônica [reler a nota 3 do Capítulo 4] do que propriamente polifônica).
339
Exemplo 132
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.. (etc.)
No caso seguinte, uma outra situação: textura polifônica sobre homofônica. O exemplo aborda um trecho de um arranjo em que os quatro sopros, em contraponto, são acompanhados harmonicamente por violão e cavaquinho (além da percussão).
340
Exemplo 133
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2.4 A 5 ou mais partes Ao menos na música popular, dificilmente são utilizadas texturas polifônicas com mais de quatro partes. Há casos em que até podem participar cinco ou seis instrumentos, mas, quase sempre, eles o
341
fazem com propósitos de conferir colorido (isto é, uma espécie de revezamento tímbrico) ou como reforço rítmico e/ou harmônico (reler o que foi comentado, no capítulo anterior, a respeito de quintetos e sextetos de corda). Contudo, embora raríssima, não chega a ser impossível a existência de contrapontos a 5 ou mais partes reais. A grande densidade dessas texturas, porém, torna quase inevítável que a linguagem harmônica a ser empregada seja bem complexa - híbrida, quartal, poIítonal ou mesmo beirando a atonal-, quase todas estranhas ao universo popular.
3. Exercícios 1) Arranjar para duo vocal (soprano e tenor, por exemplo) a música Ovelha negra, de Rita Lee. Obs.: É aconselhável reler o Capítulo 8, a respeito das questões de texto, métrica etc.).
2) Arranjar o tema instrumental Adiós, Nonino, de Astor Piazzolla, para um trio formado por flauta, guitarra e contrabaixo. Obs.: A guitarra pode até tocar um outro acorde ocasional, mas o enfoque do arranjo deve ser contrapontístico.
3) Arranjar o choro Doce-de-coco, de jacob do Bandolim, para quarteto de saxofones.
342
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I
2
3
Modos litúrgicos - era um sistema de oito escalas, utilizado na música dos períodos medieval e renascentista. Cada um desses modos tinha como nota principal (chamadafinalís) um dos graus da atual escala diatônica de dó maior. Seus nomes derivam dos modos gregos (embora quase nada haja em comum entre eles): dórico, hipodórico, frígio hipofrígio, lídio, hipolídio, mixolídio e hipomixolídio. O início do período tonal marcou o fim desse sistema pela redução dos oito modos a apenas dois: o maior e o menor. Funcionam de uma maneira semelhante à que acontece com os acordes de empréstimo em relação aos diatônicos, na harmonia funcional: provocam um aumento das cores disponíveis da paleta sonora, sem que, com isso, o centro tonal seja de alguma forma enfraquecido. A quarta justa, o trítono e também, no tom menor (escalas harmônica e melódica), a quinta aumentada, adquirem diferentes status de acordo com o número de partes e sua posição: no contraponto a duas partes elas são sempre dissonantes, porém, no a três e a quatro, caso não sejam formadas com o baixo, são consideradas consonâncias (ver o exemplo abaixo). (consonante )
4
5
O mais perfeito equilíbrio entre as dimensões horizontal e vertical foi conseguido pela música de Bach, Enquanto o contraponto praticado nos períodos medieval e renascentista era muito mais apoiado na individualidade das melodias do que no seu inter-relacionamento (o fato de ser mais vocal do que instrumental contribuía para isso), no c1assicismo e no romantismo, as linhas eram totalmente subordinadas à harmonia do contexto. No contraponto bachiano (e há uma diferença com o de outros compositores barrocos), em certas peças e momentos, torna-se difícil distinguir se o que predomina é o pensamento vertical ou o horizontal, tão amalgamados estão. Este processo "piramidal" de aumento de densidade é uma engenhosa maneira de se dar ao ouvinte a oportunidade de mais facilmente perceber as diferentes melodias das vozes. Seria bem mais difícil compreender um tecido polifônico (a 4 partes, por exemplo) se todas começassem juntas.
343
Capí o 6
Harpa
A harpa (inglês, barp; francês, barpe; italiano, arpa; alemão, Harfe) tem origem bastante remota: sabe-se que já existia 3 mil anos antes de Cristo, na região da Suméria. Surgiu também, mais tarde, na Assíria, no Egito, na Grécia e em outras partes da África e Ásia. No Ocidente, apareceria no nono século de nossa era, na Irlanda, mas, na música moderna, só seria mesmo usada pela primeira vez em óperas de Monteverdi (século XVII). O sistema usado da harpa atual- com pedais de dupla ação, que será detalhado mais adiante - foi inventado em 1810, pelo francês Sebastian Érard. Ele permitiu que o instrumento, até então limitado a escalas diatônicas, pudesse tocar o todo cromático. No final do século XIX,surgiria ainda um outro modelo, a chamada harpa cromática, com dois quadros de cordas, um com apenas as notas díatônícas a dó maior (como as teclas brancas do piano), e o outro com as correspondentes às pretas. Contudo, esse tipo de harpa não conseguiu sobreviver à de Érard, sendo, hoje em dia, praticamente desconhecida.
Extensão ~~
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II
~u 1. Observações a) A harpa possui 47 cordas, afinadas na escala díatôníca a dó bemol maior. * Há sete pedais (ver a disposição que segue), um para cada grau da escala. Quando algum é pisado e, logo em seguida, preso a um pequeno entalhe abaixo da posição normal, um engenhoso mecanismo faz com que os comprimentos de vibração de todas as cordas correspondentes à nota do pedal em questão sejam levemente encurtados, resultando num aumento de meio-tom em sua afinação. Ao se colocar o pedal no segundo entalhe, a afinação sobe um outro semitom. Assim, por exemplo, se quisermos que a harpa toque a escala e dó maior, é necessário que todos os sete pedais sejam posicionados no primeiro entalhe (ver mais os no Exemplo 134). Sob o ponto de vista do harpista, esta é a disposição dos pedais: Db -
Cb -
(ilé esquerdo)
Bb / Eb -
Fb -
Gb - Ab
(pé direito)
* Para facilitar a rápida identificação das notas pelo instrumentista, as cordas dó têm a cor vermelha e as fá, azul.
345
Exemplo 134
D-C-B (1
1
/ E-F-G-A 1
1
1
1
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*
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D - C# - B / E - F# - G# - A
Db -
(1
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2
1
2
2
1)
/ Eb - F - G - Ab
* Posição do pedal, isto é: (O) normal; (1) pedal no primeiro entalhe; (2) segundo entalhe.
b) Um harpista médio pode fazer várias mudanças de pedais com considerável velocidade, porém muitas alterações simultâneas, oferecem grande dificuldade, se não são impossíveis. Para que seu trabalho seja facilitado, é tarefa do arranjador sempre procurar indicá-Ias na partitura (se possível, não acumulando todas para um único momento: ao distribuí-Ias, dá-se tempo ao harpista para que as realize sem afobação). Essa indicação é normalmente feita da seguinte maneira: Exemplo 135 G
c
C/E
9
(etc.)
D-C-B/E-F#-G-A
c) Apesar de ser capaz de conseguir todas as 12 notas da oitava, a harpa é um instrumento concebido para músicas tonais, diatônicas, ainda que com alterações cromáticas ocasionais. Como vimos acima, ela não é muito apropriada para músicas em que se tenha modulações bruscas e para regiões distantes, ou com harmonia complexa, com muitos acordes alterados e de empréstimo modal (num caso extremo, bem se pode imaginar, seria impossível utilizar uma harpa numa composição atonal ou dodecafônica). Por isso, mais do que acontece com qualquer instrumento, a enarmonia é de vital importância na escrita para harpa. No exemplo anterior, podemos ver que, apesar do acorde da primeira metade do compasso 3 ser sol maior com baixo em fá, foi dado para a harpa a nota mí#, já que não seria possível uma movimentação de pedal suficientemente rápida para abaixar o fá# que aparece na última semicolcheia do compasso anterior (no tempo seguinte, o pedal do mi volta para o primeiro entalhe). d) Embora também possa ser empregada em pequenos conjuntos instrumentais (um bom exemplo é o grupo Opus 5), utiliza-se mais comumente a harpa em gravações de arranjos com grande aparato orquestral. Sua sonoridade única e seus efeitos característicos (que serão detalhados mais adiante) são também de vital importância para a crrsçâo de certos ambientes em trilhas sonoras de filmes (por exemplo, para ilustrar cenas submarinas, sonhos dos personagens etc.). Ela é também muitas vezes usada para dobrar outros instrumentos, como flauta ou violino, emprestando-lhes um pouco de seu timbre "etéreo". Na música erudita, há alguns poucos casos em que a harpa possui um papel mais destacado do que o
346
convencional, na orquestra: podemos citar, por exemplo, o concerto para harpa e flauta solistas de ozart, a sonata para harpa, de Hindemith, e a belíssima sonata para trio de flauta, viola e harpa, de Debussy,
2. Recursos e efeitos a) Glissando - É um dos mais idiomáticos efeitos do instrumento. Glissandos podem ser feitos sobre qualquer tipo de escala (menos a cromática, obviamente), bastando que o arranjador informe ao harpista a prévia arrumação dos pedais (ver Exemplo 136). É comum que se escreva apenas a primeira oitava dos glissandos (Exemplo 136a) , com o objetivo de se dar ao instrumentista o ritmo com que este deve ser tocado (no caso de se desejar uma interpretação mais solta - em rubato, por exemplo - é necessária apenas uma linha ondulada, para mostrar o início e o fim da frase [ver Exemplo 136b]). Além dos simples, são também possíveis glissandos de notas duplas e de acordes de três sons (Exemplo 136c). Exemplo 136
-:
(a)
(b) -(;-
Tempo rubato
~
IV
~ J (escala ~
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harmônica de lá)
'1 __
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D - C - B I E - F - G# -A
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D - C# - B I E - F# - G -A
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D - c -Bb I Eb - F - G -Ab
b) Arpejos - Como o nome indica, é a marca registrada da harpa. Os acompanhamentos arpejados em ser feitos baseados em qualquer tipo de acorde, inversão e ritmo. Normalmente são executados m quatro dedos de cada mão.
347
Exemplo 137
(etc.)
D - C# - B I E - F#- G -A
c) Acordes - Podem ser realizados com ambas as mãos trabalhando num mesmo ritmo, em regiões diferentes (ver Exemplo 138a), ou, na mesma região, de forma alternada, para possibilitar uma seqüência rápida de acordes (138b). A amplitude intervalar máxima que os dedos de uma das mãos (polegar e anelar) podem alcançar é de, aproximadamente, pois vai depender do tipo de voicing, uma décima primeira justa. Exemplo 138 non-arpeggiato (*)
(a)
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(*)
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-
.1-150
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* Em geral, os acordes na harpa são executados em arpejos rápidos. Quando se deseja ataques secos, isso deve ser indicado na partitura com auxílio do termo italiano non arpeggiato.
d) Harmônicos - De sonoridade bastante delicada e doce, harmônicos na harpa costumam ser usados como um interessante efeito tímbrico, muitas vezes dobrados por outros instrumentos (como, por exemplo, flauta no registro médio-grave, ou cordas também em harmônicos). Embora outros tipos, ao menos teoricamente, sejam possíveis, apenas o harmônico de número 2 (isto é, oitava acima da fundamental da corda) tem aplicação prática. O instrumentista toca de leve o nó - na metade do comprimento da corda - com a palma da mão ou com os nós dos dedos, atacando a corda mais acima com o polegar. A mão esquerda pode tirar até três harmônicos simultâneos, enquanto a direita, devido a seu posicíonamento, apenas um. A notação tradicional para a harpa tem uma importante diferença em relação à que é utilizada para os demais instrumentos: a nota indicada (com um pequeno círculo sobre sua cabeça) corresponde a um som harmônico uma oitava acima, e não na mesma altura, como o que acontece normalmente (ver a comparação no Exemplo 139b). É claro que essa confusão de escrita traz alguns problemas na interpretação, sendo, portanto, aconselhável, quando for o caso, que se faça na partitura do harpista uma observação a respeito de como os harmônicos serão notados.
348
Exemplo 139
" tJ
~
~ o o o
" tJ
harpa:
(b) violino (p.ex.):
(a)
t
~
aotaçIo
reJUlt&do
~
o
resuIlado 00D0r0
Do
e
374
Cifragem harmônica
Este apêndice acha-se dividido em duas partes: na primeira lista, as cifragens absolutas dos acordes, divididos em tríades e tétrades; na segunda, a notação analítico-funcional adotada neste livro acha-se resumida em um quadro. Cifragem harmônica absoluta TRÍADES
NOME DO ACORDE
INTERVALOS FORMADORES
a) Maior
3M+3m
b) Menor
3M+3m
c) Diminuto
3m+3m
d) Aumentado
3M+3M
* Os símbolos universalmente
(*)
CIFRA
= 5J = 5J = 5' = 5+
(**)
X Xm
tX+
adotados para indicar a qualidade dos intervalos:
J - justo Mm+ -
**
maior menor aumentado o _ diminuto A letra "X" é aqui usada como variável, a ser substituída por quaisquer das sete letras/notas musicais, A, B, C, D, E, F, G.
Exemplos
TÉTRADES
NOME DO ACORDE
a) Maior com sétima maior
TRÍADE DE ORIGEM
Maior
INTERVALOS FORMADORES
[3M+3m] +3M
= 7M
CIFRA
X7M
b) Maior com sétima (ou dominante)
Maior
[3M+3m] +3m = 7 (*)
X7
c) Menor com sétima
Menor
[3m+3M] +3m = 7
Xm7
d) Menor com sétima maior
Menor
[3m+3M] +3M = 7M
e) Menor com sétima e quinta diminuta (ou meio-diminuto)
O Sétima diminuta
Diminuta Diminuta
g) Maior com sétima maior e quinta aumentada
Aumentada (**)
[3m+3m] +3M
=
[3m+3m] +3m
=1
7
[3M+3M] +3m= 7M
Xm(7M) Xm7(b5) ou
t
t7 X7M(#5)
* Por convenção, a sétima menor é chamada simplesmente de "sétima". ** A tríade aumentada dá origem apenas a uma tétrade, já que, se somarmos a ela uma terça maior, o resultado será, enarmonicamente,
uma oitava (ou seja, a repetição
da fundamental
375
da tríade).
Exemplos: ( )
C7M
(c) Cm7
(b) C7
(d)
Cm(7M)
(e) Cm7(J.s)
~~I~~~~Gi
(f)
c:Yl
(g) C7M(~S)
hi~~
Qj~~
Observações adicionais a) Tensões acrescentadas: Cm711
C7913
b) Alterações cromáticas de quinta ou de tensões são sempre indicadas entre parênteses: C7M(#11)
C7Ó>9)
,,
C7(J.s)
C7(#5)
C7(1.13)
~e
rt'i *I
li
~
Parênteses, por razão de clareza, também são empregados no acorde menor com sétima menor: Cm(7M)
~ ijl
I
c) Notações opcionais para os acordes dominantes aumentado e alterado: C7(#S)
ou
q
C7(#S»9)
C7+
ou
~
,
C7(#Sj9)
ou
C7(J.s»9)
q
ou
C7&S,I9)
d) Tríades com tensões adicionadas: C9
Cml!
e) Indicações de que uma das notas básicas de um acorde deve ser omitida: C7(s/5)
C(s/3) ou
~~~II~:~~ 376
cs
ou
C7a1t.
CIFRAGEMANALÍnCO-FUNCIO'AI.
CLASSES DEACORDES
GR~US
a) Diatônicos (Ex. em dó maior:) b) Dominantes secundários (Ex.:) c) "11" Relativos (Ex.:) d) Empr. da região dominante (Ex.:) e) Empr. da regiãosubdominante (Ex.:)
O Empr.
da região tônica menor
I
II
C7M
Dm7
III Em7
VIIV
V/V
VIVI
-
E7 o 11/11ou II /11
-
C7
D7
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Im7 Cm7
(Ex.:) g) Empr. da região subdomin. menor (Ex.:)
Ilm7(bS)* Dm7(bS)
Em7 ou
If
VI Am7
VII Bm7(bS)
-
VIII
V/l1I
-
A7
B7 UIVI ou II°/VI Bm7 ou BO
IV
V
F7M
G7
II/lII o li 11°/111 F#m7 ou
Ft
#IVm7(bS) F#m7(bS)
IIIIV
II/V
Gm7
Am7
-
-
-
-
Vm7 Gm7
-
bVll7M Bb7M
VUm7 Bm7
IIIm7(bS) Em7(bS)
-
bIII7M Eb7M
IVm7*
-
bVl7M*
bVlI7*
-
Fm7
-
Ab7M
Bb7
-
bII7M*
-
-
-
-
-
-
Db7M
-
-
-
-
-
#IY' F#o7 IVO
#VO
#VIo
vn-
G#07
A#07
-
-
h) Diminutos Função dominante (Ex.:)
#1° C#07
#UO
IUO
D#o7
Função cromática (Ex.:)
-
-
E07 bIIIo Ebo7
Função auxiliar (Ex.:) i) "subV" (Ex.:)
F"7 IVo
-
-
B07 bVIlo Bbo7
VO
-
-
-
F"7
G07
-
-
subVIVI
subV/V
subVIIV
subV/l1I
subVIII
subV
Bb7
Ab7
Gb7
F7
Eb7
Db7
-
-
1° C07
-
-
-
-
* Acordes que formam o grupo subdominante menor, isto é, os que possuem como fundamental da escala (em dó maior, a nota láb).
terça, quinta ou sétima, o sexto gmu abai: 'tido
Adderley, Nat, 185 Ângelo, Nelson, 296
Corelli, Arcangelo, 329
Azevedo, Waldir, 73, 268 Bach, johann Sebastian, 95, 96, 101, 103, 133, 162,205,211,213,245,252,268,269,270,297, 317,323,329,330,343 Barroso, Ary, 175
Couperrin, Armand-Louis, 329 Cristofori, Bartolomeo, 74 Davis, Miles, 142, 172,222
Bartók, Bela, 95, 96, 235, 323, 358
Deep Purple, 71
Bastos, Cristóvão, 361
Deodato, Elmir, 296
Corrêa, André Victor, 268
Debussy,Claude, 95, 96,132,211,235,347,358,361 Dedrick, Rusty, 233
Beatles, The, 211,296,324
Devos, Noel, 242 Dino "Sete Cordas" (Horondino Silva), 73
Beethoven, Ludwigvon, 76, 79, 92, 95, 96,101,260, 268,270,279,323,330,358,360,363 Benett, Tony, 361
Djavan,212 Dufay, Gillaume, 328 Duke, Vernon, 14
Berg, Alban, 235, 331 Binchois, Gilles, 328
Duprat, Rogério, 296, 361
Boca Livre, 198
Dvorák, Antonin, 239 Ellington, Duke, 233
Boehm, Theobald, 111 Boland, Fancy, 233 Brahms,Johannes, 76,96,101,201,211,213,323, 324,330 Brasil, Victor Assis, 127 Brookmeyer, Bob
Érard, Sebastian, 345 Evans,Bill,95,97,172 Evans,Gil, 215, 220, 225, 276 Ferguson, Maynard, 180, 225
Brouwer, Leo, 67
Frescobaldi, Girolamo, 211
Brown, james, 71
Froberger, J. jakob, 211
Büllow,Hansvon,95,96
Fux, johann joseph, 329
Buxtehude, Dietrich, 95,133,211,329
Gabrielli, Andrea, 329
Byrd, William, 211, 328 "Canhotoda Paraíba" (Francisco Soares de Araújo), 67
Gabrielli, Giovanni, 329
Canuto,José,127 "Cartola" (Angenor de Oliveira), 171
Gandelman, Leo, 134 Gardner, Errol, 268
Cazes, Henrique, 73
"Garoto" (Aníbal Augusto Sardinha), 67
Chopin, Fréderic, 95, 96
Gershwin, George, 122,211
Coltrane, [ohn, 127, 142, 172
Gershwin, Ira, 211
Corea, Chick, 95,96, 137,215,291
Gil, Gilberto, 74, 268
Gambale, Frank, 69
379
Gilberto, João, 72
Lutero, Martinho, 133, 198
Ginastera, Alberto, 67
Machault, Gillaume de, 328
Gismonti, Egberto, 79, 113,324,349
Mahler, Gustav, 279, 360
Gnattali, Radamés, 361
Malta, Carlos, 127
Goldsmith, jerry, 361
Manhattan Transfers, The, 133
Gould, Glenn, 95
Martin, George, 296, 324
Gordon, Dexter, 128
Martins, Marcelo, 127
Guerra-Peixe, César, 361
McCartney, Paul, 97, 324
Hancock, Herbie, 215, 224
Mendelssohn, Felix, 96
Handel, Georg, 268, 329
Mendonça, Newton, 219
Haydn, joseph, 268, 323, 359
Mercer, ]ohny, 62, 26~
Heckel, William, 240 Hendrix, Jimi, 71
Metheny, Pat, 70 Miller, Glenn, 225
Herrman, Bernard, 324, 361
Monteverdi, Claudio, 211,329,345
Hime, Francis, 361
Moraes, Chiquinho de, 296, 361
Hitchcock, Alfred, 324
Morais, Vinícius de, 233
Hollanda, Chico Buarque de, 215, 268, 296
Moreira, Moraes, 185
Horta, Toninho, 225, 296
Morelenbaum, ]aques, 361 Moura, Paulo, 127
Isaac, Hendrik, 269 "[acob do Bandolim" (Jacob Pick Bittencourt), 342 Mozart, Wolfang Amadeus, 79,96, 101,268,323, "João Pernambuco" (João Teixeira Guimarães), 67 347, 359 Mulligan, Gerry, 128 jobím, Antônio Carlos, 95, 97,102,113,172,211, 219,233,268,296,364
Mussorgsky, Modest, 92,132,358
Jones, Thad, 175, 220, 225,276 joplín, Scott, 97
Mutantes, Os, 296
Konitz, Lee, 172 Korngold, Erich, 361
Nazareth, Ernesto, 97 Nestico, Sammy, 233
Krenek, Ernst, 269
Obrecht, ]acob, 328 Ockegehm, Johannes, 269, 328
Kronos Quartet, The, 324 LaBarbera, john, 233 Lasso, Orlando di, 211, 269, 328
Nascimento, Milton, 296
Ogermann, Claus, 102,296,324
L.A. Voices, The, 133
Opus 5, 346 Pachelbel,Johann,
Led Zeppelin, 71
Palestrina, Giovani Pierluigi da, 205, 211, 328
Lee, Rita, 342 Lennon,]ohn, 97, 324
Paralamas do Sucesso, Os, 70 Parker, Charlie, 127, 172
Liszt, Franz, 92, 96 Lobo, Edu, 191,288,296
Pascoal, Hermeto, 101, 116, 159 Pass,Joe, 64
Lully,jean-Baptíste, 329
Piazzolla, Astor, 128, 324, 342
380
133,211
Summers, Andy,70 Pitágoras, 53,100 "Píxínguinha'' (Alfredo da Rocha Viana Filho), 58, Supersax, 172 74,120,127,277,361 Swingle Singers, The, 133 Police, The, 70 Tárrega, Francisco, 67 Porter, Cole, 211 Tchaikovsky, Piotr Ilyich, 358 Powell, Baden, 67 Telemann, Georg, 329 Prez, josquín des, 269, 328 Tiso, Wagner, 296, 361 Purcell, Henry, 329
TowerofPower,71
Rabello, Rafael, 73
Valle, Marcos, 147
Rameau, jean Phillipe, 329 Ravel, Maurice, 92, 132,358
Valle, Paulo Sérgio, 147 Veloso, Caetano, 324
Reis, Dilermando, 67
Victoria, Tomás Luis de, 211, 328
Riddle, Nelson, 233, 324
Vignoli,Jaime, 73
Rimsky-Korsakov, 274
Villa-Lobos, Heitor, 67, 95, 96,101,132,211,323
Rodrigo, Joaquin, 67 Rosza, Miklos, 361
Vivaldi, Antonio, 242, 329 Vitry,Phillipe de, 328
Sá & Guarabira, 296
Wagner, Richard, 240, 277, 279, 360 Webern, Anton, 235, 331 Willaert, Adrian, 269
Salzer, Felix, 249, 269 Santiago, Widor, 127 Sax, Adolphe, 125 Scarlatti, Alessandro, 329 Scarlatti, Domenico, 329
Williams, john, 361 Wonder, Stevie, 159
Schiller, Friedrich, 365 Schonberg, Arnold, 101, 102, 107,200,215,235, 245,316,323,324,331,360,361 Shorter, Wayne, 215 Schubert, Franz, 96, 201, 211, 268, 323, 326 Schumann, Robert, 96, 201, 211 Schütz, Heinrich,133, 211 Sebeski, Don, 233 Senise, Mauro, 127 Seincman, Eduardo, 102 Sinatra, Frank, 324, 361 Sor, Fernando, 67 Souza, john Philip de, 277 Stamitz, Carl, 359 Strauss, Richard, 240, 279, 360 Stravinsky,Igor, 97,119,185,235,245,352,358,361 Streisand, Barbra, 361
381
Alguns métodos pretendem ser simples demais e acabam deixando o estudante com "vácuos" de informação. Outros, ao contrário, atoIam-se tanto em normas e detalhes de procedimentos que sufocam a capacidade de elaboração criativa do aluno, deixando-o condicionado a fórmulas e sistemas. Os métodos que mais comprovam sua funcionalidade são aqueles com os quais, por meio de um constante diálogo com o autor, o estudante pode desvendar os "porquês" imediatamente, antes do "como fazer". Carlos Almada conseguiu trazer em seu método o equilíbrio ideal entre as duas coisas, na medida e na ordem certas. Finalmente vemos chegar ao Brasil, tão carente de literatura específica sobre música, um método realmente desenvolvido sobre essas bases. Que os estudantes façam ótimo proveito! Sérgio Benevenuto