Becoming the Dark Prince - Stalking Jack the Ripper Series #3.5 by Kerri Maniscalco

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  Elogios a série #1 de vendas do N ​ ew York Times​,  Rastro de Sangue        

“Um  mistério  maravilhoso,  mas  um  tanto  horripilante…  Uma  reviravolta inesperada que fez valer a espera. Um indispensável."    —​ School Library Journal​ (*resenha de estreia*)    “Há  diversos  suspeitos  e  pistas  enganadoras,  bem  como  tensões  crescentes… Um mistério teatral e intenso."   — ​Kirkus Reviews     “Maniscalco  criou  uma  protagonista  séria,  perspicaz  e idealizadora em  Audrey  Rose,  cuja  coragem  irá  torná-la  querida  aos  leitores  que  procuram  um  suspense  histórico  envolvente.  Inúmeras  distrações  e  uma  pitada  de  romance envolvem essa história horripilante, mas cativante.”  — ​Publisher’s Weekly     “Audrey  Rose  é  uma  jovem  mulher  ansiosa  para  usar  seu  cérebro  e  desafiar  as  regras  da  Sociedade…  Esse  mistério  faz  homenagem  a  clássicos  como  Sherlock  Holmes,  de  Doyle,  e  Frankestein,  de  Mary  Shelley,  e  irá  satisfazer  os  leitores  que  buscam  por  um  mistério  histórico,  uma  heroína  astuta, e um pouco de romance.”  — ​School Library Connection     “Audrey  Rose  é  uma  feminista  engenhosa  e  astuta,  que  se  recusa  a  se  sujeitar às regras de gênero da era Vitoriana. Essa paisagem gótica e sombria  é  povoada  com  personagens  diversificados  e  voláteis  que  irão  manter  os  leitores  cativados.  Um  mistério  envolvente  com  uma heroína fascinante, e o  toque certo de romance.”   — ​Kirkus Reviews     “Cada  frase  desse  romance  destila  degeneração.  Os  espaços  e  as  performances  do  Circo  Luz  do  Luar  são  exuberantes,  embora  perigosos;  lindos,  mas  assustadores.  É  fácil  de  entender  como  Audrey  Rose  se  encanta 

tanto  com  o  Circo  e  seus  artistas,  porque,  enquanto  leitores,  somos  colocados sob o mesmo feitiço… Magistralmente elaborado."   — ​Hypable     “Audrey  Rose  Wadsworth  prefere  calças  a  vestidos  de  baile,  autópsias  ao  chá  da  tarde,  e  bisturis  à  agulhas  de  tricô….  A  visão  de  Maniscalco  das  invenções  científicas  na  recente  era  industrial  serve  como  uma  ótima  primeira incursão aos clássicos vitorianos.”   — ​Booklist                                                               

   

  Becoming the Dark Prince    Kerri Maniscalco                           

   

  Copyright 

Os  personagens  e  eventos  neste  livro  são  fictícios.  Qualquer  semelhança  com  pessoas reais, vivas ou mortas, é coincidência e não intencional por parte do autor.     Copyright © 2019 by Kerri Maniscalco  Cover © 2019 Hachette Book Group, Inc.   Cover design by Liam Donnelly   Cover artwork by Shutterstock and Wild Textures     O  Hachette  Book  Group  apoia  o  direito  de  livre  expressão  e  o  valor  do  direito  autoral. O propósito do direito autoral é encorajar escritores e artistas a produzirem  os trabalhos criativos que enriquecem nossa cultura.     A  reprodução,  o  upload  e  a  distribuição  desse  livro  sem  permissão  é  um  roubo  da  propriedade  intelectual  do  autor.  Se  você  gostaria  de  permissão  para  usar  o  material  deste  livro  (para  outros  motivos  além  de  resenhas)  por  favor  contate  [email protected]. Obrigada por apoiar os direitos do autor.    JIMMY Patterson Books / Little, Brown and Company   Hachette Book Group 1290 Avenue of the Americas, New York, NY 10104   JimmyPatterson.org   twitter.com/Jimmy_Books   facebook.com/JimmyPattersonBooks     First ebook edition: July 2019     JIMMY  Patterson  Books  is  an  imprint  of  Little,  Brown  and  Company,  a  division  of  Hachette  Book  Group,  Inc.  The  Little,  Brown  name  and  logo  are  trademarks  of  Hachette  Book  Group,  Inc.  The  JIMMY  Patterson  Books®  name  and  logo  are  trademarks of JBP Business, LLC.     The  publisher  is  not  responsible  for  websites  (or  their  content)  that are not owned  by the publisher.    The  Hachette  Speakers  Bureau  provides  a  wide  range  of  authors  for  speaking  events.  To  find  out  more,  go  to  hachettespeakersbureau.com  or  call  (866)  376-  6591.  

  Photographs courtesy of Shutterstock.     ISBN 978-0-316-42870-5     E3-20190702-JV-NF-ORI                                                                             

       

Sumário         

Capa   Elogios à série #1 de vendas do New York Times, Rastro de Sangue   Página de Título   Copyright   Epígrafe  Antes  Um  Dois   Três   Quatro   Cinco   Seis   Sete  Oito   Nove     Sobre o autor   JIMMY Patterson Books for Young Adult Readers   Novidades 

“O Príncipe das Trevas é um cavalheiro.”  — Rei Lear, Ato 3, Cena 4  William Shakespeare 

  ANTES  Cabine do Thomas  RMS Etruria​[1]  4 de Janeiro de 1889  A  chuva  tamborilava  seus  dedos  contra  a  escotilha  da  minha  cabine,  a  meio  caminho  de  me  enlouquecer  completamente  enquanto  eu  tentava  —  e  falhava  —  contar  cada  gota.  O  ritmo  amaldiçoado  era  demais  para  acompanhar.  Me  virei  de  lado, empurrando meu travesseiro para debaixo de  minha  cabeça,  e  encarei  a  tempestade  furiosa  do  lado  de  fora.  O  céu  ainda  era  do  preto  azulado  perigoso  da  noite e provavelmente permaneceria dessa  forma  mesmo  horas após o amanhecer. Ou talvez o clima me surpreendesse,  tal como outros acontecimentos recentes.  Lá  fora,  as  cordas  rilhavam;  o  som  era  como  o  de  fantasmas  abrindo  portas.  O  ​RMS  Etruria  me  inquietava.  Ou  talvez  fosse  o turbilhão de emoções  revolvendo  fundo  dentro  de  mim  que  me  deixava  desconfortável.  O  ciúmes  era  um  amante  desprezível  de  se  ter.  Ela  parecia  crescer  sempre  que  eu  pensava  no  sorriso  malicioso  que  Mefistoféles  ostentava  como  outra  máscara perto de Wadsworth.  Ele  era  particularmente  insuportável  depois  das  performances  noturnas  do  Circo.  Pior  ainda,  os  passageiros  pareciam  encantados  com  a  enganação.  Como  se  tomar  o  nome e a ​persona de um demônio de uma lenda  fosse  algo  a  ser  aplaudido.  Como  se  encobrir  sua  identidade  com  máscaras  tolas  tanto  no  palco  quanto  fora  dele  fosse  um  mistério  com  o  qual  se  deleitar. Eu  odiava suas risadas fáceis e suas roupas brilhantes, reluzindo como  estrelas no céu da noite.   Eu  odiava  suas  barganhas  egoístas  e  a  percepção  de  que  tudo  era  um  jogo.  Eu  realmente  odiava  quão  arduamente  ele  tentava  seduzir  a  garota  que eu adorava. Bem na minha frente.   Mas,  acima  de  tudo,  eu  odiava  a  terrível  fera  que  as  ações  de  Mefisto  despertava  em  mim.  Em  parte  porque,  devido  à  linhagem  Drácula  de minha  mãe,  e  parte  porque  isso  parecia  regozijá-lo,  meu  pai  me  chamava  de  monstro.  Ele  dizia isso com tanta frequência que era quase fácil de acreditar.  Especialmente  assim  que  tomei  fascínio  pelo  estudo  dos  mortos.  Quem,  senão  uma  criatura  desprezível,  escolheria  um  destino  tão  sombrio?  A 

corroída  preocupação  misturada  ao  desconcertante  conhecimento  de  meus  ancestrais  romenos  era  suficiente  para  plantar  as  sementes  do  medo  —  de  que,  espreitando  em  algum  lugar  abaixo  do  meu  exterior  frio,  uma  fera  aguardava, esperando devorar o cavalheiro que eu fingia ser.   Ponderei  se  eu  odiava  Mefistoféles  por  causa  do  intenso  desejo  de  soltar  o  monstro  sob  minha  pele.  Passei  uma  mão  pelo  cabelo,  despreocupado  que  os  fios  despontavam  caoticamente  agora.  Aversão  própria  à  parte,  o  mestre  de  cerimônias  não  era  bom  o  suficiente  para  Audrey Rose Wadsworth.  Não que eu tivesse qualquer direito a oferecer tal opinião​. Eu  ainda  não  acreditava  que  Wadsworth  queria  o  pavão  pomposo  que  era  o  mestre  de  cerimônias,  e,  sinceramente,  seus  esforços  para  ganhá-la  deveriam  ser  divertidos.  O  que  me  fez  pensar  na  agonia  de…  algo…  ainda  crescendo em mim com o pensamento.   Eu  deduzi  tão  logo  que,  qualquer  fosse  o  vínculo  entre  eles  —  ao  menos  da parte dela — havia nascido de uma barganha. Eu apenas ainda não  resolvera  por  completo  o  mistério  do  que ele oferecera que era importante o  suficiente  a  ponto  dela  omitir  partes  da  verdade.  Wadsworth  era  uma  força  incontível  enquanto  investigava  um  crime,  mas  havia  algo  mais  a  incentivando. Algo pessoal.   Espioná-los  me  daria  os  detalhes  necessários,  mas  eu  não  conseguia  tolerar  a  ideia  de  espionar  a  pessoa  que  eu  amava  como  um  depravado.  Eu  havia  prometido  que  ela  seria  sempre  livre  para  escolher  seu  próprio  caminho, e me recusava a agir de outro modo por causa dele.   Garras  imaginárias  arranhavam  meus  sentidos,  provocando-me  a  agir.   Maldição.  Eu  precisava  de  ajuda.  Eu  estava  permitindo  que  pensamentos  desse  tolo  —  que  nomeara  a  si  próprio  em  homenagem  a  um  demônio  barganhador  de  um  mito  de  Fausto,  e  tão  obviamente  adotara  a  mesma p ​ ersona​ obscura nos palcos — penetrassem em mim como vermes.  Escrever  a  minha  irmã,  Daciana,  por  auxílio  no  assunto  seria  prudente,  mas  a  carta  não  poderia  ser  enviada  do  mar,  e  eu  não  teria  uma  resposta  até  que  chegássemos  em  Nova  Iorque,  de  qualquer  maneira.  Eu  mesmo  precisaria  esclarecer  essas  emoções.  Suspirei  e  esfreguei  uma  mão  pelo  meu  cabelo  de  novo.  De  todos  os  quebra-cabeças  complexos  que  o  mundo  oferecia,  quem  haveria  de  imaginar  que  minhas  emoções  seriam  o  maior desafio da minha vida?  O  temporal  cessou  abruptamente  sua  investida,  chamando  minha  atenção para o silêncio imediato. Era um descanso do clima que eu não podia  resistir.  Olhei  para  o  relógio.  O  amanhecer  ainda  estava  a  algumas  horas 

distante,  porém  eu  devia  ter  refletido  sobre o mestre de cerimônias do Circo  Luz  do  Luar  mais  do  que  eu  esperava.  O  filho  do  diabo  que  ele  era.  Pulei  da  cama  e  rapidamente  me  vesti.  Eu  precisava  de  ar.  Se  as  nuvens  se  separassem,  talvez  eu  desse  sorte  e  visse  as  estrelas.  Desejei  uma  estadia  agradável  com  duas  das  minhas  constelações preferidas — a Ursa Menor e o  Cisne.  Eu  não  esperava  ninguém  acordado  tão  cedo  —  ou  tão  tarde,  dependendo  da  perspectiva  —,  especialmente  com  a  ameaça  de  outra  tempestade  se  aproximando.  Eu  deveria  saber  melhor  do  que  aplicar  essa  noção  a  Audrey  Rose.  Nada  tão  trivial  quanto  o  clima  a  manteria  enjaulada,  não  quando  ela  tinha  uma  meta  a  alcançar,  e  o  assassinato  de  uma  jovem  a  resolver.  Eu  sabia  que  a  disposição  teatral  dos  corpos  para  descoberta  a  enfurecia.  Qualquer  um  com  um  pingo  de  compaixão  desprezaria  a  referência  extravagante  às  cartas  de  tarot  que  o  assassino  usara.  Mas,  Audrey  Rose sentia tão profundamente que a necessidade de acertar todas as  injustiças  a  consumia.  Era  visível  no  fogo  de  seus  olhos  verde-mar,  duas  brasas  gêmeas  que  pareciam  prometer  vingança  por  todos  aqueles  que  haviam sido terrivelmente injustiçados, tanto em vida quanto em morte. Eu  lutei  contra um sorriso. Era uma das qualidades que eu mais amava  nela. Eu—  Repentinamente,  parei  de  andar  conforme  ela  e  sua  prima  se  aproximavam  da  outra  extremidade  do  convés,  sem  dúvida  em  direção  à  cabine  compartilhada.  Ela  parecia  relaxada,  alegre.  Seu  braço  estava  enlaçado  no  de  Liza,  seus sorrisos contagiosos enquanto riam alto demais, e  prontamente silenciaram-se antes de caírem novamente na risada.   Eu  parei,  considerando  dar  meia-volta  antes  que  elas  me  avistassem,  quando  minha  atenção  se  fixou  em  suas  roupas.  As  meias  escuras  rendadas  mostravam  suas  pernas,  e  o  corpete  vermelho  e  preto  decotado  era  respingado  com  o  número  certo  de  lantejoulas  para  atrair  estrategicamente  o  olhar  para  suas  curvas.  Eu  engoli  em  seco  e  praguejei  sob  minha  respiração.  Ela  estava  vestida  como  uma  das  artistas  do  Circo  da  Luz  do  Luar, e era um sonho.   E eu estava encarando como um tolo apaixonado.   Ouvi  a  voz  de  Daciana  na  minha  cabeça,  ralhando  comigo  por  ficar  boquiaberto  com  algo  tão  mundano  quanto roupas. Com grande esforço, me  forcei  a  pensar  claro  e  logicamente.  E  certamente  parar  de  olhar  a  seda  delineando o formato de seus quadris.   — Oh, Sr. Cresswell! 

Liza  as  apressou,  encurtando  a  distância.  O  rosto  de  Audrey  Rose  demonstrava  choque  quando  ela  olhou  para  cima  e  me  viu.  Eu  estudei  sua  expressão  atentamente,  animado  ao  ver  que  eu  era  uma  surpresa  bem-vinda.  Preocupei-me  que  ela  talvez  pensasse  que  eu intencionalmente  estivesse  passando  por  sua  cabine  para  checá-la.  Na  verdade,  não  percebi  que  estava  indo  nessa  direção.  Estive  deveras  consumido  pelos  meus  próprios pensamentos.   Liza  alternou  o  olhar  entre  nós  e  mordeu  o  lábio,  tentando  evitar  um  sorriso  enquanto  se  separava  da  prima  e  corria  até  a  porta.  Ela  soltou  um  bocejo  exagerado,  não  enganando  ninguém  com  sua  atuação  e  fingindo  cansaço.   —  Estou  ​tão  exausta  —  disse  para  ninguém  em  particular,  —  estarei  aqui, dormindo profundamente.   Ela  piscou  para  Audrey  Rose  e  deslizou  para  dentro,  deixando-nos  a  sós.  Algo  curioso  aconteceu  com  a  minha  pulsação  —  ela  disparou.  Medo  e  desejo  me  percorreram.  Uma  mistura  confusa  a  qual  eu  precisaria  analisar  depois,  quando  estivesse  sozinho.  Por  ora,  eu  precisava  lembrar  como  respirar e agir como o cavalheiro que eu tentava me convencer que era.   —  Cresswell.  —  Ela  balançou  para  frente,  estreitando  os  olhos.  —  É  realmente você?   Eu lancei um dos meus olhares mais charmosos.   —  Não  se  preocupe,  Wadsworth.  Às  vezes  também  não  consigo  acreditar que eu sou real.   Seu  olhar  se  moveu  para  meus  lábios  e  parou  ali.  Uma  expressão  próxima  de  desejo  passou  por  seu  rosto.  Era  o  mesmo  olhar que ela me dera  quando  nos  beijamos  em  sua  cabina  algumas  noites  atrás.  Eu  recordei  o  calor de seu corpo, a sensação de sua pele macia, o sabor dela…    Eu  respirei  fundo  e  me  concentrei  em resolver equações matemáticas.  Pensei  em  numeradores  e  denominadores.  Conjurei  raízes  quadradas.  Qualquer  coisa,  ​qualquer  coisa  para  me  impedir  de  notar  meus  batimentos  cardíacos  acelerados  e  o  jeito  que  ela  me  deixava  nervoso  e  excitado  ao  mesmo tempo.   E  então  ela  lambeu  os  lábios  devagar  —  como  se  tivesse  deduzido  a  febre me atravessando, destruindo minha intenção de libertá-la.  Foi  necessária  toda  a  minha  força  de  vontade  para  me  manter  a  uma  distância  decente.  Uma  palavra  ou  súplica  dela  era  tudo  que  precisaria.  Era  mais  do  que  luxúria.  Mais  do  que  uma  necessidade  física.  Eu  reverenciava  cada  parte  dela.  Se  ela  me  pedisse,  eu  libertaria  cada  um  dos  meus  desejos,  dando-lhe  prazer  de  um  modo  que  a  deixaria  muito  ciente  do  quanto  eu  a  estimava.  

Uma  vez  que  isso  acontecesse,  não  haveria  como  negar  a  profundidade  dos  meus  sentimentos.  Quão  completo  e  loucamente  eu  a  amava.  Um  fato  mais  sólido  e  tangível  do  que  qualquer  outro  na  história  do  mundo.  Eu  transformei  minha  expressão  em  uma  máscara  de  gelo,  escondendo  as  chamas  ardentes  e  furiosas  atrás.  Eu  queria  que  ela  me  escolhesse sem ser influenciada por meus sentimentos.   —  Thomas?  —  Ela  perguntou,  seu  foco  teimosamente  fixo  em  minha  boca.  —  Sim?  —  Minha  voz  saiu  um  pouco  áspera,  e  eu  limpei  minha  garganta.  Eu  estava  começando  a  achar  difícil  pensar,  respirar​.  Eu  contemplei o olhar em seus olhos — no qual ela parecia mentalmente passar  seus  dedos  pelo  meu  cabelo,  gentilmente  afastando  minha cabeça para trás,  me possuindo divertidamente. Eu—  Mil novecentos e setenta e dois divididos por sete...  —  Thomas,  você  está  bem?  Você  parece  um  pouco  pálido.  —  Ela  não  estava  ciente  disso,  mas  quando  ela  dava  sua  atenção  a  algo,  a  força  era  arrebatadora. — Por que você está se esgueirando tão cedo?  Para  me  salvar  dos  meus  demônios.  Para  me  libertar  da  jaula  do  meu  quarto  e  dos  medos  que  ameaçam  ser  minha  destruição.  Para  sentir  as  pontadas  formigantes  da  neve  no meu rosto e esquecer que não há uma cura  para  a  minha  condição.  Seu  olhar  era  uma  carícia  palpável  enquanto  ela  lentamente  o  desviava  para  baixo,  acendendo  uma  profunda  necessidade  masculina que assustou até a mim.  —  Não estou esgueirando, estou perambulando, Wadsworth. — Eu dei  um  sorriso  preguiçoso.  Era  um  esforço  manter  meu  tom casual, me impedir  de  aliviar  seu  desejo  igual.  Embora,  a  julgar  pelo  desejo  crescente  em  sua  expressão  e  o  jeito  que  ela  movia  seu  corpo  em  minha  direção,  talvez  ela  tivesse atiçado essas chamas sozinha. — Por que v ​ ocê ​está se esgueirando?  Eu  iria  provocá-la  mais,  perguntando  se  ela  estava  voltando  de  um  encontro  noturno,  e  senti  um  chute  invisível  violento  no  estômago.  Me  amaldiçoei  por  pensar  na  atrocidade  e  forcei  minha  mandíbula  a  permanecer fechada, para que não fizesse de mim um tolo ainda maior.   De  todos  os  momentos  para  imaginar  o  mestre  de  cerimônias  com  os  braços em torno dela…  —  Você  está  divagando.  —  Seus  olhos  espertos  se  estreitaram  novamente,  concentrando-se  na  minha  expressão.  —  Você  descobriu  uma  pista? Houve outro assassinato?  Eu  balancei  minha  cabeça,  sem  confiar  em  mim  mesmo  para  falar.  Imagens  dela  enrolada  em  outra  pessoa, seus cabelos derramando como um  segredo  sobre  o  peito  dele  ainda  me  atormentavam.  Eu  mantive  meu  olhar 

em  seu  rosto,  me  recusando  a  mirar  sua  fantasia.  E  a  extensão  de  pele  que  revelava.  Apesar  dos  meus  melhores  esforços,  quando  uma  rajada  de  vento  atravessou  o  convés,  eu  olhei.  Eu  só  queria  ver  se  ela  estava  com  frio  e  precisava  do  meu  casaco,  mas seu corpete estava tão apertado que o inchaço  de  seus  seios  roubou  meus  sentidos.  Eu  queria  rasgar  as  cordas  e  o  espartilho e passar minha…  Novecentos  e  noventa  e  oito  mil  dividido  por vinte e seis eram trinta e oito  mil, trezentos e oitenta e quatro e​—  Como  se  minha  mente  tivesse  conjurado  um  balde  de  água  gelada  imaginária  para  jogar  sobre  mim,  eu  subitamente  ponderei  quem  havia  a  ajudado  a  vestir  a  fantasia.  Ciúme  se  contorceu  dentro de mim, arrebatando  todo  o  meu  bom  senso  e  toda  a  decência.  Eu  expirei  lentamente,  minha  respiração  enrolando-se  em  espirais  de  fumaça.  Eu  imaginei  que  parecia  como o dragão ao qual meus ancestrais haviam se dado o nome.  O  pensamento  arrancou  a  tolice  de  mim.  Eu  não  era  um  monstro  cuspidor  de  fogo,  nem  jamais  seria.  Eu precisava focar nela, não nas minhas  inseguranças.  Eu  precisava  confiar  nela,  mesmo  quando  não  entendia  qual  era  seu  objetivo.  Se  eu  conseguia  fazê-lo  em  nosso  espaço  de  trabalho,  não  havia  razão  para  que  eu  não  conseguisse  deixar  de  ser  um  tolo  ciumento  agora.   Ela se aproximou.   — Você está bem?  Eu  ainda  estava  lutando  contra  a  vontade  de  caçar  o  mestre  de  cerimônias  e  jogá-lo  no  mar,  esforçando-me  para  superar  minhas  inseguranças  para  que eu pudesse ter o tipo de relação romântica construída  na  totalidade  que  eu  ansiava,  tentando solucionar uma série de assassinatos  horripilantes,  e tentando me impedir de me tornar o monstro o qual meu pai  me  convencia  que  eu  era  ao  libertar  a  garota  que  eu  amava.  No  momento,  aquela  garota  estava  tornando  a  última  parte  extremamente  difícil,  quanto  mais ela parecia querer envolver seus braços em torno de mim.  Eu  ansiava  por  tocá-la.  Primeiro  sua  mente,  depois  seu coração e, por  fim,  seu  corpo.  Eu  desejava  possuir  cada  centímetro  do  espaço  entre  nós  e  preenchê-lo  com  cada  emoção  que  eu  havia  suprimido  ou  ignorado.  Eu  queria  desnudar  minha  alma  só  para  ela,  e  então  fazer  o  mesmo  com  as  minhas roupas, dando-lhe tudo de mim. Cicatrizes e todo o resto.  —  Thomas?  —  Ela  perguntou  de  novo,  franzindo  a  sobrancelha  em  preocupação. — Você está bem?  Eu ergui um ombro.   — Nunca estive melhor. 

Ela  estremeceu,  e  eu  sabia  que  não  era  minha  mentira  óbvia  que  a  afetou.  Eu  tirei  meu  casaco  e  o  coloquei  sobre  seus  ombros,  as  juntas  dos  meus  dedos  acidentalmente  raspando  no  topo  de  seus  seios  ao  abotoar  um  botão  em  seu  peito.  O  contato  enviou  chamas  ardentes  pelo  meu  corpo,  tão  rápido  quanto  um  relâmpago.  Ela  prendeu  a  respiração  e voltou sua atenção  para  cima. Aconteceu tão rápido que eu não tive tempo de afastar o desejo do  meu rosto.   Dei um passo para trás conforme uma mescla invernal de chuva e neve  começou  a  cair.  Ela  se  moveu  comigo,  uma  caçadora  avistando  sua  presa.  O  problema era que eu queria ser pego mais do que eu queria correr.  —  Eu  pensei  em  você  hoje,  —  ela  murmurou,  me  prendendo  com  um  olhar que prometia todos os tipos de coisas lindamente perversas. — Eu bebi  absinto  e  dancei  sozinha.  Não  se  preocupe,  —  ela  balançou para frente, e eu  fiquei  imóvel  enquanto  ela  colocava  as  mãos  no  meu  peito  e  lentamente,  cuidadosamente,  as  movia  para  repousarem  sobre  meu  coração,  —  não  foi  inapropriado. Estou salvando essa honra para você. Lembra-se?  Eu  teria  que  estar  morto  para  esquecer  quando  eu  comentara,  não  muito  tempo  atrás,  sobre  beber  vinho  e  dançar  inadequadamente  juntos.  Inspirei  devagar,  tentando  formar  um  pensamento  coerente,  uma  tarefa  se  provando  particularmente  complicada.  Sentimentos  conflitantes  lutavam  por  supremacia.  Aquela  inveja  persistente,  pura  e  fervorosa  ao  imaginá-la  dançando  com  outra  pessoa,  superada  apenas  por  uma  satisfação  avassaladora de que ela estivera pensando em mim.  Eu  odiava  o  ciúmes,  —  fazia  sentir-me  monstruoso  e  descontrolado.  Ela  merecia  melhor.  Eu  também.  Nosso  cortejo  não  era  oficial  ainda;  contudo,  eu  não  acreditava  no  direito  de  dá-lo  a  outro.  Era  terrivelmente  antiquado. Eu preferiria que ela me ​escolhesse.  —  Eu  fechei  meus  olhos  e  imaginei  estar  dançando  com  você,  —  Audrey  Rose  disse.  Seu  olhar  verde  era  hipnotizante  conforme  ela  me  puxava  para  perto,  levantando  sua  cabeça.  —  Tornava  mais  fácil…  atuar. Eu  não  acho  que  seja  muito  boa  nisso.  O  palco  não  é  lugar  para  mim.  Mas,  eu  queria tentar. Eu pensei que poderia ajudar essas mulheres.   Peças  perdidas  finalmente  fizeram  sentido.  Ela  não  estava  ficando  atraída  pelo  mestre  de  cerimônias;  ela  estava  fazendo  parecer  que  sim.  Esperança  ressurgiu  e  então  quebrou-se  contra  a  costa  da  minha  insegurança.  Eu  deixei  de  lado.  Ela  estava  aqui,  chegando  mais  perto,  encarando  minha  boca  como  se  fosse  uma  obra  de  arte  que  ela  adoraria  estudar.  Eu  teria  que ser um tolo para arruinar tudo ao permitir que a dúvida  se instalasse.   — Talvez você devesse parar de atuar e aproveitar-se de mim agora.  

Ela  ergueu  uma  sobrancelha,  fingindo  surpresa,  mas  o  rubor  agradável em sua pele entregou seus verdadeiros sentimentos.   — Atrevido.   Eu  estendi  minha  mão,  um  sorriso  genuíno  se  contraindo  em  meus  lábios.   —  Minha  cara  Wadsworth,  eu estava falando sobre dançar comigo. No  que v ​ ocê ​estava pensando?  — Em beijar você.  Eu  abri  minha  boca,  um  comentário  sarcástico  na  ponta  da  língua,  e  então  se  enfraqueceu.  Eu  não  estava  esperando  tamanha honestidade bruta.  Essa  era  uma  artimanha  que  ​eu  usava.  Seu  sorriso  era  devagar  e  satisfeito  enquanto  eu  piscava  estupidamente.  Ela  queria  me  surpreender,  e  sabia  como  atingir  seu  objetivo.  Eu  não  pude  evitar  senão  despencar  sob  seu  feitiço.  Ela tocou meus lábios com a ponta dos dedos, o olhar obscurecendo.  — Você irá?  Meus  batimentos  cardíacos  aceleraram.  Eu  não  queria  nada  mais  do  que  capturar  sua  boca  com  a  minha,  beijar  a  incerteza  que  vagueava  nas  profundezas  do  meu  coração,  dar  a  ela  o  carinho  que ela merecia. Conforme  eu  me  inclinava  para  dar  a  ela  tudo  pelo  qual  ela  havia  pedido,  eu  farejei  o  menor  indício  de  álcool​.  ​No  último  momento,  eu  mudei  de  ideia.  Quando eu  beijasse  Audrey  Rose,  eu  queria  ter  certeza  de  que  ela  verdadeiramente  desejava que eu o fizesse.  Intencionalmente  enganando-a,  eu  a  puxei  para  perto  de  mim,  e  nós  dançamos  —  perto  demais  e  ainda  assim,  não  perto  o  suficiente  —,  enquanto  flocos  de neve caíam. Nós valsamos pelo convés até que seus olhos  se  fecharam,  e  eu  a  levantei  em  meus  braços  e  carreguei-a  até  sua  cabine.  Coloquei  ela  debaixo  das  cobertas  e  pressionei  meus  lábios  em  sua  testa. De  alguma  forma,  nossa  noite  dançando  sob  as  estrelas  e  neve  era  mais  significativa do que compartilhar sua cama.   — Boa noite, Audrey Rose.   Ela  provavelmente  não  se  lembraria  disso  pela  manhã,  mas  eu  esperava  que  ela  achasse  que  foi  um  sonho  maravilhoso.  Uma  memória  a  qual  um  dia  eu  pintaria  para  que  pudesse  olhar  para trás, distante no futuro  e ser preenchido com a mesma sensação de afeto e paz.  Em  vez  de  ficar  distraído  com  ciúmes  e  barganhas  que  não  importavam  no  final  das  contas,  eu  desejava  estar  prestando  mais  atenção  no pesadelo que estava prestes a se desdobrar. 

No  curto  espaço  de  quatro  dias,  ela  estaria  em  meus  braços,  sangrando.  E  eu  finalmente  me  tornaria  o  príncipe  das  trevas  que  meu  pai  sabia que eu seria, me lançando sobre todos.                                                                            

         

  Palco clássico com fumaça 

 

  UM    Salão de Jantar  RMS Etruria  8 de Janeiro de 1889    Sangue  respingava  sobre  minhas  mãos  em  jorros  quentes  e  ritmados.  Por  um  momento  prolongado,  eu  fiquei  inerte,  e  então  meu  mundo  se  reduziu  à  uma  equação.  Estéril.  Familiar.  Calmo.  O  oposto  exato  dos  meus  arredores.  O  caos  reinava  no  palco,  e  eu  estava  semiconsciente  de  um  confronto acontecendo atrás de nós.   Jian,  o  poderoso  Cavaleiro  de  Espadas,  se  juntara  a  Mefisto  para  prender  Andreas  no  chão,  mas  o  cartomante  assassino  não  estava  se  rendendo  tão  facilmente.  Eu  observava  enquanto  cada  um  dos  artistas  do  Circo  Luz  do  Luar  lutava  com  ele,  libertando  tanto  sua  raiva  quanto  sua  mágoa no homem que havia sacrificado a trupe para executar sua vingança.  Uma  cólera  sombria  e  efervescente  surgiu.  Eu  nunca  havia  sido  particularmente  violento,  escolhendo  usar  meus  talentos  para  deduzir  o  impossível  a  fim  de  ​acabar  com  a  violência,  mas  parte  de  mim  queria  se  juntar  à  briga  e  lançar  um  ataque  feroz  no  homem  que  investira  uma  faca  em Audrey Rose. Eu também queria vingar cada uma das mulheres inocentes  cujas vidas ele roubara — tudo em nome da morte de sua noiva.   Eu  fitei  a  faca  na  perna de Audrey Rose, imaginando como seria cortar  a  garganta dele com ela. Eu nunca desejei ter o sangue de alguém em minhas  mãos  antes,  mas,  agarrando-me  à  garota  que  eu  amava,  seu  sangue  vital  derramando  em  mim  e  no  chão,  eu  rezei  pela  chance  de  devolver  o  favor  a  ele,  dez  vezes  mais.  Eu  iria  estripá-lo  enquanto  ele  ainda  respirava  e  alimentá-lo  com  suas  entranhas.  Jack,  o  Estripador  estremeceria  com  a  minha crueldade, a brutalidade com que eu o abriria e estriparia.   Andreas  conseguiu  dar  um  soco  no  estômago  de  Mefisto  antes  que  Jian  o  dominasse.  Ele  estava  tão  perto  que  eu  quase  podia  agarrá-lo…  mas  então Audrey Rose soltou um suspiro quieto e engasgado.   Eu me voltei para ela. Eu precisava ​focar.  Eu  firmei  meu  maxilar  e  examinei a ferida. Havia sangue demais, uma  indicação  de  que  sua  artéria  femoral  havia  sido  atingida.  Eu  não  podia  arriscar  remover  a  lâmina  até  que  o  fluxo  de  sangue  parasse.  A  faca  era  provavelmente a única coisa impedindo que ela sangrasse até a morte. 

Com  isso,  um  tremor  rápido  e  repentino  invadiu  meu  peito.  Pânico.  Minha  mente  se  transformou  em  uma  arma  estéril e apática. Se eu pensasse  na  garota  deitada  sob  mim,  seus  olhos perdendo o foco lentamente, eu seria  consumido  pelo  medo.  Se  eu  permitisse  o  terror  em  meu  coração,  poderia  muito  bem  assinar  sua  sentença  de  morte.  Logicamente,  eu  sabia  disso;  emocionalmente, eu estava falhando.   —  Wadsworth,  —  eu  disse,  forçando  uma  calma  em  meu  tom  que  eu  mesmo não sentia, — fique aqui. Fique comigo.   Ela  lutou  para  olhar  para  mim,  seus  olhos  reluzindo  com  um  brilho  forte.  Quando  ela  finalmente  focou  no  meu  rosto,  sua  expressão  se  tornou  pacífica.  Eu  queria  abrir  meu  corpo  e  dar  a  ela  tudo  que  ela  precisava  para  sobreviver, mesmo se significasse sacrificar meu próprio sangue.   — Eu não estou… indo… a lugar nenhum.”  Ao  longe,  eu  estava  ciente  do público correndo de seus lugares e vozes  gritando.  Mulheres  chorando.  Um  desarranjo  de  saltos  e  botas  nos  chãos  de  mármore.  Portas  batendo  contra  as  paredes  conforme  os  passageiros  entravam  no  corredor.  Eu  apertei minha mandíbula tão forte que escutei um  estalo  agudo.  Olhei  de  relance  para  cima  enquanto  Anishaa,  a  cuspidora  de  fogo,  jogava  uma  corda  para  Mefisto,  e  Houdini  usava  seus  talentos  para  prender Andreas. Distrações.  —  Thomas…  —  a  voz  de  Wadsworth  era  fraca.  Muito  fraca.  Uma  estranha  e  violenta  onda  de  emoções  ressurgiu,  ameaçando  me  engolir.  —  Não me deixe.   Como se isso fosse possível.   — Jamais.  Lágrimas  caíram  sobre  ela.  Eu  estava  atônito  demais  para  considerar  que  eu  estava  chorando.  Ela  estava  fria.  Sangue  manchava  meus  dedos.  Eu  precisava  estancar  o  sangramento logo, ou ela morreria diante de mim. Seus  olhos  se  fecharam.  Por um segundo seu peito parou de subir. Tudo dentro de  mim virou gelo.   Memórias  da  perda  da  minha  mãe,  observando  a  vida abandonar suas  uma  vez  brilhantes  feições,  me  acometeram.  Eu  era  muito  jovem,  muito  inexperiente  para  salvá-la  então.  Eu  não  deixaria  que  a  Morte injustamente  roubasse  alguém  que  eu  amava  novamente.  Gentilmente,  eu  coloquei a mão  no  rosto  de  Wadsworth.  Sem  resposta.  Meu  coração  ainda  devia  estar  funcionando,  porque  eu  tive  a  certeza  de  sentí-lo  partir  ao meio. Eu bati em  seu rosto de novo, e de novo, e seus olhos nem mesmo piscaram.   — Audrey Rose! — Gritei. — Olhe para mim!  Eu  arranquei  minha  gravada  e  apertei  sobre  sua  ferida  como  um  torniquete,  com  cuidado  para  não movimentar a faca. Eu tinha que reduzir o 

fluxo  até  que  ela  fosse  levada  à  enfermaria,  e  que  eu  pudesse  remover  a  lâmina em segurança.   Se  eu  continuasse  repetindo  o  que  precisava  ser  feito,  talvez  eu  permanecesse calmo.  —  Audrey  Rose!  —  Minha  voz  era  feroz.  Ela  não  respondia.  A  morte  era  iminente,  mas  eu  batalharia  até  que  me  levasse  primeiro. — Mefisto! —  Gritei,  sobressaltando  o  mestre  de  cerimônias  de  onde  ele  estava,  sobre  um  então  dominado  Andreas.  Ele  correu  até  o  meu  lado,  sua  pele  marrom  clara  parecendo pálida atrás de sua máscara. — Chame o Dr. Wadsworth. Agora!  Apesar  de  todos  seus  defeitos,  ele  não  hesitou.  Ele  desviou  dos  passageiros,  empurrando  e  acenando  até  desaparecer  no  corredor.  Eu  desviei  para  os  outros  artistas  que  haviam  se  juntado  em  um  círculo  protetor.  Jian  e  Sebastián  guardavam  Andreas.  Anishaa  e  Cassie  —  a  trapezista  que  tinha  tentado  derrubar  um  saco  de  resina  em  Andreas  antes  que  ele  pudesse  atacar  —  caíram  de  joelhos  ao  nosso  lado.  Elas  se  preocupavam  com  ela.  No  tempo  que  eu  estive  cozinhando  em insegurança,  Audrey  Rose  fizera  conexões  genuínas  enquanto  tentava  solucionar  o  mistério. Eu engoli o nó repentino subindo em minha garganta.   —  Eu  preciso  de  antisséptico,  —  eu  disse.  —  E  uma  agulha  e  linha.  Panos  limpos  e  uma  vasilha  de  água  morna.  Se  não  pudermos  encontrar  álcool,  o  fogo  servirá  para  esterilizar  a  lâmina.  —  Anishaa  piscou  para  afastar  as lágrimas, e então ela e Cassie reviraram o salão de jantar em busca  dos  suprimentos.  Eu  precisaria  fazer  a  cirurgia  agora.  Aqui.  O  tempo  estava  quase acabando.   —  Fique  comigo,  Wadsworth.  —  Eu  apertei  a  mão dela. — Eu seguirei  você para além da morte e a arrastarei de volta, se for preciso.   —  Aqui!  —  Anishaa  correu  até  parar  e  me  entregou  uma  agulha  e  fio.  Cassie  estava  um  momento  atrás,  com  um  jarro  de  água  e  uma  garrafa  de  álcool  que  ela  devia  ter  furtado  das  cozinhas.  Eu  havia  me  esquecido  de  que  ainda  estávamos  em  um  salão  de  jantar.  Eu  não  entendia  como  elas  tinham  se  movido  tão  rápido  para  adquirir  os  itens. Medo e amor eram motivadores  poderosos.   —Eu  preciso  de  fogo,  —  eu  disse,  virando  para  Cassie.  —  Aqui,  coloque  o  máximo  de  pressão  possível  na  ferida.  — Eu me recusava a deixar  meu  aperto  afrouxar  até  que  Cassie  tivesse  suas  mãos  firmemente  no lugar.  Para  o  crédito  dela,  ela  nem  sequer  piscou  para  o  sangue  jorrando por entre  seus  dedos.  Seu  maxilar  estava  rígido,  seu  olhar,  determinado.  Ela  faria  o  que  fosse  preciso,  independente  de  quão  assustador  fosse.  —  Anishaa,  quando  eu  remover  a lâmina, preciso que você jogue álcool na ferida e me dê  a  agulha  e  a  linha.  O  Dr.  Wadsworth  vai  chegar  logo,  e  ele  assumirá.  —  Eu 

olhei  para  cima.  —  Todos  sabemos  como  proceder?  Assim  que  eu  tirar  a  lâmina, será um inferno. — Cassie sacudiu seu olhar para cima.   — Já não estamos no inferno?  —  Verdade  o  suficiente.  —  Eu  respirei  fundo,  me  firmando.  —  Um.  Dois. Tr-  —  Thomas.  —  O  Dr.  Wadsworth  apareceu  na  minha  frente,  seu  rosto  severo. — Permita-me.   Parte  de  mim  não  confiava  nele,  não  confiava  em  ninguém  com  a  tarefa  impossível.  O  que  era  absurdo.  Ele  havia  me  ensinado  tudo  que  eu  sabia sobre cirurgia. Eu me afastei, esperando por instruções.   —  Segure  a  perna dela pelo tornozelo e pela parte superior da coxa, —  ele  ordenou.  Eu  fiz  como  foi  dito,  tomando  o  lugar  de  Cassie.  Alguém  se  moveu  ao  meu  lado  e  segurou  seus  tornozelos.  Eu foquei em aplicar pressão  o  suficiente  em  sua  coxa  sem  machucá-la.  O  doutor  cuidadosamente  puxou  a  faca,  assegurando-se  de  removê-la  na  mesma  direção  em  que  havia  entrado.   Ele  queria  causar  o  mínimo  de  dano  na retirada. O Dr. Wadsworth e eu  tínhamos  feito  muitos  treinos  em  recolocar  membros  e  dedos  graças  ao  nosso  trabalho  secreto,  mas  dar  pontos  em  uma  artéria  se  mostraria  complicado,  até  para  ele.  Se  ele errasse, ela poderia sangrar internamente. A  lâmina  escorregou  livre  e  o  sangue  jorrou,  respingando  em  meu  rosto.  O  sangue  não  pulsava  em  intervalos iguais, indicando que os batimentos delas  estavam desacelerando.   —  Anishaa!  —  Eu  gritei.  Sem  hesitar,  a  artista  despejou  o  álcool  na  ferida,  e  Cassie  lhe  entregou  um  pano úmido. — Umedeça a ferida com água  agora!  O  sangue  empoçava  rápido  demais  para  que  víssemos  com  clareza.  Uma  mão  pousou  no  meu  ombro,  mas  eu  me  recusei  a  desviar  o  olhar  de  minha  tarefa.  Eu  tinha  que  segurar  sua  perna  firme  o  suficiente  para  estancar o sangramento, eu tinha que—  —  Thomas.  —  A  voz  calma  do  Dr.  Wadsworth,  porém,  era  um  comando.  Eu  parei  para  fitá-lo.  —  Você  pode  soltar  a  perna  dela  agora.  Coloque a haste cauterizadora nas chamas.   Eu  não  queria  deixá-la.  Parte  de  mim  sentia  que  se  eu  deixasse,  Audrey  Rose  escorregaria  para  sempre  de  meu  aperto.  Mas,  discutir  destruiria  a  garota  que  eu  amava.  Eu  balancei  minha  cabeça  em  consentimento  e  me  apressei  para fazer como havia sido instruído. O doutor  tinha  muito  mais  experiência  com  veias  e  artérias.  Se  alguém  pudesse  salvá-la, seria ele.  

As  coisas  se  moviam  em  um  borrão  de  precisão  entremeado  com  pânico.  Eu  seguia  instruções  mecanicamente,  alheio  a  qualquer  coisa  que  não  a  voz  do  doutor.  Não  havia  nada  além  de  ciência  e  determinação  agora.  Eventualmente,  o  caos  tanto  no  salão  quanto  no  chão  à  minha  frente  se  igualaram.  O  Dr.  Wadsworth  vociferou  para  alguém  me  ajudar  a  segurar  a  perna  dela  firmemente  enquanto  ele  levava  a  haste  até  o  membro.  Eu  dificilmente  notei  quem havia vindo em assistência. O sangue abruptamente  cessou. Era como uma torneira sendo fechada. O par de mãos que ajudaram a  segurá-la  desapareceu.  Depois  de  adicionar  mais  antisséptico no interior da  ferida,  o  Dr.  Wadsworth  habilmente  costurou a pele junta, acenando para eu  aplicar  uma  pequena  quantidade  de  de  adstringente  assim  que  ele  terminasse a tarefa.   Mefisto  surgiu na vista. Seus braços estavam cruzados e sua expressão  estava  cuidadosamente  controlada,  mas  ele  não  podia  esconder  o  puxão  de  sua  jugular  conforme  olhava  para  Audrey  Rose.  Eu  via  o  que  ele  estava  tentando  esconder  —  o  sangue  em  suas  mãos.  Era  ele  quem  havia  me  ajudado  a  segurá-la.  Por  alguma  razão,  apesar  de  quão  duro  ele  lutou  para  chegar  ao  doutor,  aquilo  fazia  eu  querer  avançar  nele.  Ele  não  tinha  direito  de  se  preocupar  com  alguém  que  ele  tentara  ganhar  através  de  um  jogo  de  manipulação.  Ele  e  suas  barganhas  amaldiçoadas  e  sua  agenda  secreta.  Eu  poderia estrangulá-lo ali mesmo.   —  O  que  foi  agora?  —  Ele  perguntou,  seu  tom  destituído  da  provocação habitual.  O  Dr.  Wadsworth  empurrou  seus  óculos  no  nariz,  deixando  uma  mancha  carmesim  em  seu  rosto. Ele respirou fundo, sua expressão abatida e  gasta.   —  Agora  nós  esperamos  e  observamos.  —  Eu  parei  de imaginar todas  as  maneiras  que  eu  estrangularia  Mefisto  com  as  correntes  de  Houdini,  focando  em  vez  disso  na  palidez  que  se  agarrava  a  Audrey  Rose  como  um  fantasma  indesejado.  Julgando  pela  extensa  poça  carmesim  em  torno  dela,  se  ela  sobrevivesse  pela  noite,  seria  um  bendito  milagre.  Conforme  eu  me  levantava,  minhas  chances  de  me  tornar um assassino em série — um papel  do  qual  quase  todos  em  Londres  já  me  acusavam  —  eram  muito maiores do  que  ela  abrir  os  olhos  novamente.  Naquele  momento,  se  eu  queria  reconhecer  isso  ou  não,  eu  entendia,  um  pouco,  como  Andreas  havia  planejado  e  executado  sua  vingança.  Se  Audrey  Rose  morresse…  seria  necessário pouco esforço para libertar a besta dentro de mim.       

     

Tendas vaudeville clássicas                                                             

  DOIS    Enfermaria  RMS Etruria  9 de Janeiro de 1889    Quase  vinte  horas  sem  dormir  depois,  sons  da  equipe  do  navio  preparando  para  atracar  quebraram  o  ritmo  dos pensamentos entrando e saindo do meu  cérebro  enquanto  eu  sentava  vigilante  na  enfermaria.  Várias  horas  atrás, eu  havia  exaurido  cada  medo  e  agora  passava  para  assuntos  triviais.  Eu  imaginei  as  tendas  que  o  Circo  Luz  do  Luar  tinha  montado  nos  deques  de  passeio  —  o  que  parecia  momentos  atrás  em  vez  de  dois  dias  —  sendo  rapidamente desmontadas para um novo público. Uma nova cidade.  Nós  havíamos  finalmente  chegado  a  Nova  Iorque,  e  não  conseguia  reunir  um  único  grama de excitação. Eu havia sonhado de visitar essa cidade  desde  que  podia  me  lembrar,  deslumbrado  pelas  promessas  de  me  tornar  alguém  novo.  Reinventar-me.  Perseguir  sonhos  que  poderiam  parecer  estranhos  para  outros,  mas  que  eram  inteiramente possíveis na América. Às  vezes,  parecia  que  ninguém  mais  queria  deixar  seu  passado  para  trás  tanto  quanto  eu.  Nova  Iorque  era  o  lugar  perfeito  para  me  transformar  em  quem  eu  desejasse.  Eu  não  precisava  ser  o  príncipe  das  trevas  que  meu  pai  me  acusava  de  ser,  nem  estava  preso  na  imagem  do  estranho,  insensível  jovem  que  havia  perdido  a  mãe  cedo  demais.  Aqui,  na  América,  eu  podia  ser  simplesmente Thomas Cresswell.   No  momento,  pensando  nas  ruas  movimentadas  e  infinitas  possibilidades,  Nova  Iorque  possuía  pequeno  apelo.  Qual  bem  havia  em  correr  do  destino  quando  ele  balançava  de  volta  e  o  acertava  na  mandíbula,  não  importava  o  quê?  Eu  invejava  minha  irmã  em  alguns  aspectos.  Sua  associação  com  a  Ordem  do  Dragão  —  um  antigo  grupo  de  nobres  cavalheiros  que  procuravam  proteger a ordem e seu país de invasores, e cujo  nome  nosso  ancestral  Vlad  Dracula  tomara para si — permitia-lhe a mesma  liberdade  que  eu  buscava.  Recusando  a  oferta  de  me  juntar  às  suas  fileiras  secretas  pode  ter  sido  uma  decisão  precipitada.  Uma  da  qual  eu  ainda  não  conseguia me arrepender.   Eu  parei  de  pensar  e  foquei  no  aqui  e  agora.  Eu  sentava  em  uma  cadeira que alguém havia puxado para perto da cama em algum momento da  noite.  Ou  o  professor  ou  a  Liza.  Uma  eternidade  relembrando  os  fatos  mais  obscuros,  perdida  no  meu  pânico  por  observar  Wadsworth.  Nada  mais 

importava  nas  primeiras  horas.  Nada  senão  desejar  que  seu  corpo  se  remendasse  sozinho,  fazendo  todos  os  tipos  de  promessas  para  Deus  para  ela se recuperar.   Eu  encarei  ela  com  a  mesma  intensidade  agora,  observando  o  suave  subir  e  descer  do  seu  peito.  Não  era  muito,  mas  ela  sobreviveria  à  noite.  Eu  entrelacei  meus  dedos  aos  dela,  engolindo  em  seco.  Sua  pele  era  um  tom  mais  escuro  do  que  o  de  um  cadáver  e  quase  tão  frio  quanto.  Uma  lenta  e  consistente  batida  vibrou  em  meu  peito.  Insistente.  Brava.  Temerosa.  Ela  podia nunca acordar, e tudo por me salvar.   —  Sua  corajosa  e  tola  alma.  —  Eu  lutei  contra o ardor em meus olhos.  —  Você  devia  ter  deixado  a  faca  me  atingir.  —  Se  ela  morresse…  ​Eu juro que  eu pegaria a faca que Andreas usara e a enfiaria em seu coração amaldiçoado.  —  E  depois  que  você  o  esfaquear,  então  o  quê?  —  O  Dr.  Wadsworth  perguntou,  sua  voz  áspera.  Eu  me  refreei  de  me  sobressaltar.  Eu  não  havia  notado  que  ele estava parado no quarto. Eu também não havia percebido que  dissera  a  última  parte  em  voz  alta.  Eu  desviei  minha  atenção  para  ele,  e  ele  balançou  a  cabeça.  —  Você  honraria  o  sacrifício  dela  sendo  trancafiado  que  nem  um  cachorro?  Você  acha que isso a deixaria feliz? Eu não achei que você  fosse tão tolo, garoto.   —  Ela  não  está  morrendo,  —  eu  quase  rosnei  para  ele.  Eu  não  sabia  o  que  estava  emergindo  de  mim,  —  mas,  o  monstro  que  eu  havia  tentado  destruir  se  fortaleceu,  procurando  alguém  para  atacar.  Eu  contei  os  segundos  tiquetaqueando  no  relógio,  usando  a  distração  para  me  acalmar.  Um momento depois, eu falei, mais suave, — ela não pode morrer.   O  Dr.  Wadsworth  caminhou  para  a  beirada  da  cama,  sua  expressão  afável.   —  Um  dia  todos  iremos  morrer,  Thomas.  É  um  destino  comum  que  compartilhamos. Cada um de nós.   Eu enrolei meus dedos em punhos.  —  É  um  destino  que  todos  devemos  compartilhar  aos dezessete anos,  Professor?  Um  lampejo  de  azul-gelo  chamou  minha  atenção.  Liza  deslizou  para  dentro do quarto, sua face solene.   —  Eu  ouvi  vozes  altas  e…  —  Seu  olhar  disparou  para  sua  prima  e  sua  garganta  subiu  e  desceu  conforme  ela  engolia  seu  luto.  —  Você  precisa  tomar  um  pouco  de  ar  fresco,  Sr.  Cresswell?  Você  não  saiu em — Eu a lancei  o  que  eu  pensei  ser  um  olhar  incrédulo,  mas  deve  ter  sido  mais  feroz.  Ela  ergueu as mãos. — Era somente uma sugestão.   Ela andou para os pés da cama, assistindo atentamente conforme o Dr.  Wadsworth  checava  o  pulso  de  Audrey  Rose.  Eu  havia  feito  aquilo  alguns 

momentos  antes  deles  entrarem  —  ainda  estava  muito  devagar.  O  doutor  tocou  seu  bigode,  um  hábito  distraído  que  indicava  que  ele  estava  perdido  em  pensamentos.  Eu  não  precisava  usar  nenhuma  habilidade  de  raciocínio  dedutivo  para  saber  que  ele  estava  preocupado.  Além  da  fratura  na  perna,  Audrey Rose tinha perdido uma quantidade significativa de sangue.   Eu  me  sentei  de  volta  na  cadeira.  Eu  imaginava  que eu parecia prestes  a  pular  através  do quarto e ferir qualquer intruso indesejado e tentei relaxar.  Eu  fixei  meu  olhar  na  mão  ilesa  de  Liza  e  ergui  minhas  sobrancelhas.  Com  tudo  que  tinha  acontecido  no  palco  durante  o  ​finale,  ​eu  havia  me  esquecido  da  ameaça  que  Wadsworth  tinha  recebido.  A  carta,  acompanhada  de  uma  lembrança  terrível,  era  mais  uma  ilusão  lançada pelo artista do Circo Luz do  Luar. Outro truque sem sentido e enganador.   —  Eu  não  achava  que  era  o  seu  dedo,  —  eu  disse.  —  Estava  começando  a  mostrar  sinais  de  rigidez  cadavérica.  Você  não  tinha  desaparecido tempo o suficiente para isso acontecer.   —  Que  dedo?  —  Ela  franziu  o  cenho.  —  Eu  não  tenho  a  menor  noção  do que você quer dizer.   Enquanto  o  Dr.  Wadsworth  continuava  sua  inspeção  médica,  eu  rapidamente  contei  para  Liza  do  dedo  cortado  que  havia  sido  usado  para  atrair  Audrey  Rose.  Eu metodicamente expliquei o bilhete, a ameaça, e como  havia  sido  projetada  para  nos  desestabilizar  em  submissão.  Quando  eu  terminei, ela recostou contra a moldura da porta e levou uma mão à testa.   —  Pobre  Audrey  Rose,  —  ela  finalmente  disse,  parecendo  um  pouco  indisposta.  —  Eu  não  consigo  imaginar  o  que  ela  passou.  De  quem  você  imagina que era o dedo?  Eu  dei  de  ombros,  minha  atenção  se  dispersando  para  a  cama.  A  respiração  de  Audrey  Rose  engasgou  antes de suavizar novamente. Eu quase  me lancei ao seu lado, mas me segurei.   —  Outro  corpo  foi  encontrado  na  área  de  carga  durante  o  ​finale.  ​Está  faltando  um  braço  inteiro,  então  é  lógico  pensar  que  partes  dele  foram  usadas. Na verdade, eu—  —  Thomas,  —  o  Dr.  Wadsworth  avisou.  —  Basta.  Você  teve  algum  sucesso em aplicar o tônico em Audrey Rose?  —  Mínimo.  —  Eu  me  curvei  para  frente  e  esfreguei  minha  testa.  —  Talvez alguns conta-gotas cheios.   — Se ela não se mover logo, teremos que considerar...  Eu  contei  até  cem,  meu  foco  convergido  para  aquela  única  tarefa.  Eu  não  queria  ouvir  nada  mais,  e,  eventualmente, eu fui deixado sozinho com a  metade moribunda da minha alma.    

—  Eu  admito  que,  se  ela  acordar,  essa  vigília  pode  pesar  a  seu  favor.  Você  ao  menos  dormiu?  —  Eu  olhei  para  cima  bruscamente,  ainda  me  sentindo  muito  feroz  para  tolerar  qualquer  um,  ainda  mais  esse  tolo  imprudente.   — Você é um ser humano desprezível.   O mestre de cerimônias ergueu as sobrancelhas.   —  Você  soa  como  meu  pai  e  meu  irmão.  Por  que,  exatamente,  eu  sou  tão terrível, agora?  —  Você  ainda  está  tentando  manipulá-la  enquanto  ela  se  agarra  à  vida.  Tudo  com  o  que  você  se  importa  é  coletar  prêmios.  Malditos  fogos  do  inferno, você não se importa com o que e ​ la​ quer.   —  É  mesmo?  —  Ele  bufou.  —  Eu  vim  aqui  para  ver  como  vocês  dois  estavam,  e  isso  é  uma  manipulação.  —  Ele  balançou  a  cabeça.  —  Se  é assim  que  você  gostaria  de  ver,  eu  estou  no  jogo.  Me  diga,  como  é  o  velho  ditado?  ‘Ganhando  a  mão  dela’.  Ou  ‘ganhando  afeto  dela’  ou…  Você  é  um  sujeito  inteligente. Você consegue ver um padrão aqui.   —  O  termo  operativo  que  você  usou  é  ‘velho’.  Ganhar  é  um  modo  arcaico  de se ver o amor. O coração dela não é uma rodada barata de cartas. O  amor não é um jogo. É uma escolha.   Um sorriso vagaroso se espalhou por seu rosto.   —  Cuidado,  agora,  Sr.  Cresswell.  Sua  inexperiência  está  aparecendo.  As mulheres gostam de serem perseguidas. Isso as excita.   —  Eu  não  vou  argumentar  sobre  algo  tão  ridículo  aqui,  agora.  —  Eu  estiquei  minha  mão,  acariciando  uma  mecha  úmida  de  cabelo  do rosto dela.  —  Se  você  realmente  a  ama,  ou  tem  afeto  por  ela,  por  que  não  tentar  ser  honesto? — Eu voltei minha atenção para ele. — Eu lhe direi por que. Porque  você  teme  que  ninguém  amará  o  homem  por  trás  da  máscara.  Então  você  recorre  a  trapaças  e  ilusões.  Você  exerce  manipulações  e  chama  isso  de  romance.  Fazer  com  que  alguém  caia  com  você  nos  lençóis  não  é  nada  para  se  gabar.  É  você  quem  é  terrivelmente  inexperiente  com  cortejo  e amor. Por  que você não iria querer alguém que entenda o verdadeiro você?  Ele firmou o maxilar, olhar firme.   — O que o faz pensar que ela não conhece o verdadeiro eu?  Eu  bufei  então,  não  me  dignando  a  responder.  Ele  esperou  mais  de  uma  semana  para  confessá-la  seu  verdadeiro  nome.  Eu  não  poderia  me  imaginar me escondendo do mundo mais literal e figurativamente.   —  De  todos  os  modos,  conquiste-a  se  você  sente  real  afeto,  —  eu  disse.  —  Mas,  faça  isso  como  um  homem  digno  de  receber  seu  amor.  Sem  artimanhas.  Sem  ilusões.  Livre-se  de  suas  mentiras  e  seja  vulnerável.  E  se  você não pode fazê-lo? Você não a merece.  

Ele  pareceu  considerar  minhas  palavras.  Algo  que  eu  não  esperava  cruzou suas feições — arrependimento.  —  Você  deve  se  considerar  muito  corajoso.  Devo  encontrar  um cavalo  branco brilhante para você cavalgar?  Eu lhe dei um olhar frio.  —  Isso  não  é  um  conto  de  fadas.  Eu não sou um cavaleiro protetor, ou  algum príncipe moralmente íntegro.  —  Se  você  se  proclamasse  um  ou  outro,  eu  saberia  de  algo,  com  certeza.   — E o que seria?  — Que você é um vilão e um mentiroso. Tal qual eu.   Nós  ficamos  em  silêncio  após  aquilo.  Ele  se  moveu  para  o  outro  lado  da cama, olhando para ela. Era difícil decifrar a nova expressão em seu rosto.  Eu  não  sabia  se  ele  estava,  de  fato,  arrependido  de  suas  ações,  ou  se  ele  se  arrependia de não as esconder melhor.  —  Você  nunca  se  cansa  de  ser  tão  admirável?  —  Ele  perguntou.  —  É  um  modo  tão  tedioso  de  viver.  Correndo  por  aí,  salvando  donzelas  em  perigo.  —  Se  você  acha  que  a  parte  admirável  é  fácil,  ou  vem  naturalmente,  você  é  mais  ingênuo  do  que  eu  pensei,  —  eu  disse, em um raro momento de  verdade  para  com  ele.  —  Eu  luto  contra  meu  egoísmo  inerente  porque  eu  a  amo.  Eu  quero  ser  melhor  não  somente  para  ela,  mas  também  para  mim  mesmo.  Eu  quero  ser  o  tipo  de  homem  que  ganha a confiança e o amor dela,  e então luta para manter-se evoluindo em uma pessoa ainda melhor.  Mefisto  me  encarou  como  se  eu  tivesse  acabado  de  destravar  um  dos  segredos  mais  estimados  do  universo.  Ele  limpou  sua  expressão  não  muito  depois,  como  se  ele  não  pretendesse  expôr  tanta  vulnerabilidade,  mas  eu  vi  mesmo assim. Talvez ele ficasse melhor, agora que sabia melhor.  Audrey  Rose  se  mexeu,  e  o  restante  da luta esvaiu-se de mim. Mefisto  não  importava.  Sua  tentativa  de  cortejá-la  não  importava.  Ele  não  era  nada  comparado às distâncias que eu iria apenas para vê-la segura e feliz.   —  E  ela  dificilmente  precisa  de  um  cavaleiro  para  salvá-la.  Ela é mais  provável  de  aparecer  e  salvá-lo,  e  então  bater  em  você  por  ser um idiota, —  eu  disse,  enfim  olhando  para  cima.  Mas,  o  mestre  de  cerimônias  havia  desaparecido mais uma vez.            

     

 

Mãos de um prisioneiro                                                           

 

  TRÊS    Enfermaria  RMS Etruria  9 de Janeiro de 1889    — Thomas.  —  Sim,  Dr.  Wadsworth?  —  Eu  não  tirei  minha  atenção  de  Audrey  Rose.  Sua  respiração  estava  ficando  cada  vez  mais  uniforme.  A  última  vez  que  eu  chequei  o  seu  pulso,  quatro  mil,  trezentos  e  setenta  e  oito  segundos  atrás, também apresentou melhoras. Ela estava lutando de volta.   —  Você  é  requisitado  para  falar  com  Andreas,  —  ele  disse.  Antes  que  eu  pudesse  argumentar,  ele  continuou,  —  Liza  está  esperando  no  corredor,  e ficará com Audrey Rose enquanto estivermos fora.  —  Eu...  —  Eu  queria  ser  a  primeira  pessoa  que  ela  veria  ao  acordar,  mas  era  um  desejo  egoísta.  Eu  precisava  ajudar  a  interrogar  o  homem  responsável  pelas  brutais  matanças  que  estivemos  investigando.  E  pelo  quase  assassinato  de Wadsworth. Eu pressionei um beijo casto em sua mão e  então  segui  o  doutor  em  direção  ao  corredor.  Meus  músculos  doíam.  Eu  percebi que não havia me movido por horas.   Nós  viajamos  para  dentro  do  navio,  para  além  das  salas  que  continham  os  caixotes  do  Circo,  mais  fundo  ainda  do  que  a  sala  de  máquinas.  Nós  passamos  por  membros  da  equipe  que  rolavam  carrinhos  de  bagagem  pelo  corredor,  de  onde  seriam  indubitavelmente  enviados  para  hotéis e casas ricas.    Quando  chegamos  à  prisão,  eu  esperei  que  fosse  algum  tipo  semelhante  à  uma  masmorra  suja.  Mas,  na  verdade,  era  uma  pequena  cela  com  barras  e  um  cântaro  de  água  e  um  copo,  uma  cama  pequena,  um  balde  para  dejetos,  e um decente travesseiro e cobertor. Andreas se esparramou na  cama,  sem  a  máscara  do  Circo.  Ele  apoiou  sua  cabeça  loira  em  uma  mão  pálida e nos olhou quando entramos no espaço.  —  E  então?  —  Ele  perguntando,  soando  entediado.  Aparentemente,  não éramos tão divertidos para um assassino. — O que querem agora?  Eu  cruzei  meus  braços  para  evitar  alcançar  através  das  barras  e  estrangulá-lo.   —  Conte-me  sobre  o  corpo  no  caixote.  —  Ele  deu de ombros e caiu de  volta na cama.  

—  O  que  tem  ele?  Eu  não  te  disse  por que exatamente eu escolhi essas  vítimas?  Ou  você  estava  muito  ocupado  chorando  sobre  a  sua mulher morta  para se lembrar dos detalhes?  Eu  bati  nas  barras,  o  metal  retinindo.  O  Dr.  Wadsworth  tocou  meu  braço,  mas  eu  o  afastei.  Eu  respirei  fundo,  afastando  minha  raiva.  Eu  não  o  deixaria me abalar. De novo.   —  Eu  me  lembro  de  que  você  é  um  covarde.  Você  foi  vítima  de  circunstâncias  infelizes,  e  em  vez  de  levar  seu  luto  ao  tribunal, você decidiu  matar  e  mutilar  mulheres  inocentes.  Você  não  teve  coragem  para  lutar  contra  os  homens  que  você  julgava  culpados  pela  morte  de  sua  noiva.  —  Eu  sorri  conforme  ele  deslizava  para  fora  da  cama,  sua  face  se  avermelhando  em  um  tom  doentio,  e  seus  punhos se cerrando. — Acredito que isso cubra a  maior  parte.  Agora,  responda  a  minha  pergunta.  O  corpo  no  caixote  era  diferente. Explique como você executou aquela vítima.  Ele  caminhou  para  o  jarro  e  se  serviu  de  um  copo  de  água,  zombando  de  mim  o  tempo  inteiro.  Eu  sorri  de  volta.  Não  era  eu  que  estava  preso  em  uma  jaula.  E  ele  deveria  desejar  não  ter  a  má sorte de cruzar o meu caminho  enquanto ele não estivesse em segurança atrás das barras.  — Eu a cortei, assim como as outras.  —  E  o  caixote?  — Eu perguntei, o observando atentamente. Ele estava  mentindo.  Estranho  que  ele  ocultasse  a  verdade,  quando  ele  estava  sendo  tão  orgulhoso  em  compartilhá-la  mais  cedo.  —  Por  que  depositar  o  corpo  dela lá?  Ele  encarou  a  água,  sem  encontrar  meu  olhar.  Outro  sinal  de  desonestidade.  Eu  havia  interrogado  múltiplos  homens  culpados,  e  quase  todos tinham dificuldade de manter o olhar.   —  Eu  iria…  —  Ele esfregou a mão pelo rosto. — Eu não sei. Eu não me  lembro de fazer aquilo, mas se tem um corpo, eu devo tê-lo feito.   —  Por  que  você  roubou  os  pedaços  de  tecido  dos  quartos?  —  Perguntei, estreitando meus olhos.  Seu olhar recaiu para a esquerda antes de responder. Outra mentira.   — Eu não roubei.  —  Mentira,  —  eu  disse,  satisfeito  quando  ele  fez  uma  careta  para  mim. — Por que pegá-los? Eles tinham significado para você?  —  Não,  —  ele  disse,  admitindo  a  verdade,  por  fim.  Ele  suspirou.  —  Eles  não  significavam  nada.  Eu  apenas…  peguei  eles.  Eu  gostava  de  como  eles pareciam. Eu—Eu queria fazer um traje com eles para o show.  Ele  se  lançou  em  uma  história  sobre  pequenos  roubos  na  Bavária,  e  como  isso  foi  o  catalisador  para  que  ele  se  juntasse  ao  Circo  Luz do Luar. Eu  o  examinei  à  procura  de  algum  de  seus  hábitos  de  quando  ele  mentia.  Ele 

não  mostrou  sinais  deles.  Quando  ele  terminou,  eu  apontei  com  o  queixo  para  o  Dr.  Wadsworth.  Se  ele não tivesse mais questões, eu havia terminado.  Andreas  não  matara  a  pessoa  encontrada  no  caixote,  o  que  significava  que  tínhamos um problema maior em mãos.  Nós  estávamos  subindo  as  escadas  para  o  andar  superior  quando  eu  finalmente falei.  — Há um segundo assassino neste navio, Professor. E seu método é—  —  Não.  —  Seu  tom  não  admitia  mais  argumentos.  —  Eu  já  conversei  com  o  capitão,  e  ele  se  recusa  a  admitir  a  possibilidade.  Eu mencionei o fato  para a polícia, e eles pareciam mais entretidos do que preocupados.    Inspirei  profundamente  conforme nós chegamos ao andar superior do  navio  e  continuamos  pelo  corredor  sombrio.  Eu  não  estava  surpreso  —  ninguém  queria  acreditar  que  outro  Jack,  o  Estripador,  era  possível.  Especialmente  na  cidade  deles,  e  no  despertar  de  outra  tragédia  indescritível.  Ao  virarmos  a  esquina,  passando  pela  câmara  que  guardava  os  caixotes  do  Circo  Luz  do  Luar,  Mefisto  surgiu  no  corredor  e  gesticulou  para  mim.   Que  maravilha.  Outra  oportunidade  para  cometer  um  homicídio antes  do  dia  acabar.  O  Dr.  Wadsworth  parou,  alternando  o  olhar  entre  mim  e  o  mestre  de  cerimônias,  silenciosamente urgindo para que eu agisse como um  cavalheiro  apropriado,  e não acabasse em uma cela ao lado de Andreas. Era o  pedido  mais  cruel  que  ele  já  havia  feito,  mas  eu  inclinei  minha  cabeça,  em  concordância.   —  Eu  estive  pensando  na  nossa  conversa,  —  Mefisto  disso,  cruzando  seus  braços  assim  que  o  doutor  estava longe o suficiente para não escutar. O  traje  dele  naquele  dia  era  uma  cor  escura  de  berinjela,  com  franjas  prateadas.  Era  horrível.  —  Eu… É possível que eu tenha deturpado a situação  um  pouco.  —  Eu  o  encarei  até  ele  suspirar.  —  Eu  normalmente  sou  consumido  por  fazer  barganhas,  e  desempenhar  um  papel  para  as  pessoas,  Eu...  —  ele  exalou,  e  mesmo  com  sua  estúpida  máscara,  eu  vi  a  verdadeira  pessoa  por  trás  dos  artifícios  e  jogos.  —  Eu  nunca  deveria  ter  feito  aquela  barganha  com  ela,  sabendo  que  ela  estava  apaixonada  por  você.  Eu  deveria  ter sido decente e a ajudado de qualquer forma, sem amarras.  Era  mais  do  que  eu  esperava.  À contragosto, eu o respeitava um pouco  mais.   — Quais, exatamente, foram os termos que você ofereceu?  —  Eu  a  ensinaria  truques  de  mão,  e  garantiria  acesso  aos  artistas,  para  que  ela  pudesse  descobrir  se  o  assassino  era  ou  não  um  dos  meus.  —  Ele  estendeu  uma  mão,  e  roçou  as  unhas  no  peito.  —  Eu  também  posso  ter 

adoçado  a  proposta  ao  prometer  separar  a  Liza  e  o  Houdini.  Outra  manipulação  deplorável,  mas  eu  a  justifiquei  pelo  bem  maior  que  iria  fazer.  A  Liza  precisava  voltar  para  casa  e  para  sua  família;  essa vida do Circo não é  para  ela.  Por  mais  que  eu  respeite  o  Houdini,  eu  não  queria  vê-la  jogar  sua  vida fora.  —  E,  em  troca,  você  ganhou  o  quê,  exatamente?  Acesso  a  Audrey  Rose?  —  Eu  estreitei  meus  olhos,  analisando-o  rapidamente.  —  Ah,  você  verdadeiramente queria que ela resolvesse o mistério, não queria?  Ele me deu um sorriso preguiçoso.  —  Eu  queria,  é  claro.  E  não  machucava  que  eu  desesperadamente  queria  beijá-la.  Eu  me  comportei  mal.  Eu  não  repetirei  aquele  ato  novamente. — Ele ficou ereto, e balançou dois bilhetes do nada. — Para você  e  a  Srta.  Wadsworth.  Caso  vocês  decidam  algum  dia  visitar  o  show  novamente,  por  favor,  o  façam  sem  cobranças.  Eu  prometo,  sem  assassinatos,  sem barganhas desagradáveis. Eu ofereço somente amizade de  agora em diante. Para ambos.  Eu peguei os bilhetes e os enfiei no meu casaco.   —  A  Audrey  Rose  ainda  está…  —  Eu  não  consegui  me  fazer  falar.  —  Você irá esperar e dizer adeus?  Ele  tirou  a  máscara  e  a  jogou  para  dentro  do  quarto.  Sem  ela,  ele  parecia  muito  próximo  da  minha  própria  idade.  Talvez  alguns  meses  mais  velho.  Eu  ponderei  sobre  o  caminho  que  sua  vida  havia  tomado,  os  problemas  que  ele  deve  ter  enfrentado  para  perder  seu  senso  moral  enquanto  ainda  jovem.  Ele  e  eu  não  éramos  tão  diferentes.  Talvez  pudéssemos  ser  cordiais  um  dia.  Ele certamente parecia tão solitário quanto  eu havia sido.  —  Eu  acho  que  é  melhor se você transmitir meus cumprimentos a ela,  —  ele  disse,  finalmente  encontrando  meu  olhar.  —  Se  serve  de  alguma  coisa,  eu sinto muito por qualquer mágoa que eu causei a você, Sr. Cresswell.  Embora  seu  discurso  precise  de  melhorias,  —  falou,  seu  sorriso  se  assentando  de  volta  no  lugar,  —  eu  aprecio  sua  sinceridade.  Se  você  necessitar da minha ajuda no futuro, gostaria de oferecê-la.                  

  QUATRO  Enfermaria  RMS Etruria  9 de Janeiro de 1889    Em  um  momento  eu  estava  perdido  em  pensamentos  desoladores,  me  culpando  pelo  que  havia  acontecido  com  Audrey  Rose,  e  no  seguinte,  suas  pálpebras  estavam  tremeluzindo.  Levou  um  momento  para  que  ela  abrisse  seus  olhos  totalmente,  e ela soltou um som assustado quando eu me inclinei  sobre a cama e peguei a sua mão.  Sua  expressão  se  iluminou  tanto  quanto  podia,  e  então,  rapidamente  se  dissipou  conforme  seu  olhar  vagava  sobre  mim.  Eu sabia como eu estava.  Olhos  avermelhados.  Cabelo  bagunçado.  Expressão  selvagem.  Tinham  sido  as vinte e quatro horas mais longas de minha vida.   —  Eu  pensei…  —  Eu  segurei  sua  mão  como  se  a  força  disso  fosse  mantê-la  ali,  naquele  quarto  e  naquele  mundo,  pela  eternidade.  —  Eu  pensei  que  havia  te  perdido  para  sempre,  Wadsworth.  No  que  diabos  você  estava pensando?  Ela  juntou  as  sobrancelhas,  aparentemente  se  esforçando  para  se  lembrar dos eventos do último dia e meio.   — O que aconteceu?   Você  quase  se  matou  por  mim.  Você  levou  uma  facada  no  fêmur.  Você  quase  arrancou  meu  coração  do  meu  peito  enquanto  você  estava  morrendo.  ​Eu  respirei fundo.   —  Além  de  você  correr  para  me  salvar  da  morte  certa?  Levar  uma  facada  precariamente  perto  da  sua  artéria  femoral?  —  Eu balancei a cabeça,  me  recompondo.  Agora  não  era  hora  de  ficar  chateado  com  atos  tolos.  Eu  fixei  meu  maxilar.  —  A  lâmina  entrou  tão  profundamente  que  acertou  o  osso,  Audrey  Rose.  O  seu  tio  foi  capaz  de  removê-la  enquanto  eu  e  Mefistoféles  a  segurávamos,  mas  não  podemos  ter  certeza  do  quanto  do  osso foi fraturado. Até agora, não acreditamos que esteja estilhaçado.   Ela  recuou.  Eu  cerrei  meus  dentes,  adivinhando  que  a  dor  dela  havia  reaparecido  com  a  menção.  Minha  mãe  comumente  reclamava  de  dores  e  pontadas,  e  sua  expressão  era  semelhante.  Eu  daria  qualquer  coisa  para  tirá-la  dela,  para  voltar  no  tempo  e  pará-la  de  ser  minha  heroína  às  suas  custas.  —  Parece  que  todos estiveram ocupados, — ela disse, tentando aliviar  o clima. — Que dia é hoje? 

—  Você  ficou  apagada  por  apenas  uma  noite.  Nós  chegamos  ao  porto  em  Nova  Iorque.  —  Eu  queria  dizer  mais.  Contar  a  ela  o  quão  desesperadamente  fora  de  controle  eu  me  senti,  como  minhas  emoções  quase  roubaram  todo  senso  de  razão  e  lógica,  mas  em  vez  disso,  eu  me  concentrei  em  desenhar  pequenos  círculos  em  sua  mão.  O  movimento  me  acalmou quase tanto quanto pareceu acalmá-la. — Andreas confessou tudo.  Ela ficou quieta por um momento.  — Até mesmo o corpo encontrado no caixote?  Eu assenti.  — Ele explicou por que aquela vítima era diferente das demais?  Eu  foquei  na  manga  do  seu  robe,  enrolando  o  tecido  em  seus  pulsos.  Talvez  fosse  a  hora  errada  para  discutir  assuntos  estressantes.  Ela  havia  acabado  de  acordar  depois  de  vinte  e  quatro  horas  inconsciente.  Eu  era  verdadeiramente um tolo que não sabia nada sobre as pessoas.  —  Thomas?  —  Ela  perguntou,  sua  voz  suave.  —  Eu  estou  bem.  Você  não precisa me tratar como se eu fosse feita de porcelana agora.  Como se ela não fosse a pessoa mais corajosa ou forte que eu conhecia.   —  Não  é  você,  —  eu  disse,  suspirando.  Nunca  era  a  hora  certa  para  discutir  assassínio,  mas  Audrey  Rose  podia  lidar  com  o  que  eu  diria  em  seguida. Mesmo que ​eu​ não estivesse totalmente pronto.  —  Quando  nós  perguntamos  ao  Andreas  sobre  aquele  crime,  ele  alegou  não  ter  conhecimento  dele.  Ele  estava  na  prisão  até  os  detetive-inspetores  virem  buscá-lo.  Eles  não  têm  certeza  de  onde  ele  será  julgado  ainda,  já  que  a  maioria  dos  crimes  ocorreu  no  mar.  Talvez  precisemos voltar à Inglaterra.   Ela  me  encarou  como  se  não  conseguisse  entender  totalmente  a  complicação.  Embora,  talvez  ela  estivesse  começando  a  perceber  surgir  o  mesmo padrão que eu estava vendo.   — Mas, por que ele não teria confessado pelo—  —  Eu  e  o  seu  tio  acreditamos  que  é  possível  que  tenha  havido  um  segundo  assassino  à  bordo,  — eu disse, expondo o fato com rápida precisão.  Às  vezes,  um  corte  preciso  era  o  mais  gentil.  —  Os  passageiros  já  começaram  a  desembarcar,  e  se  o  Andreas  não  cometeu  aquele  assassinato,  então—  —  Então  nós  acabamos  de  entregar  um  assassino  inspirado  no  Estripador para a América.   Seus  olhos  se  arregalaram  conforme  a  compreensão  se  assentava.  Nenhum  de  nós  falou.  Eu  podia  somente  imaginar  os  pensamentos  passando  por  sua  mente,  os  medos.  As  memórias  acerca  de  seu  irmão,  das  quais ela tentava tanto escapar.  

Eu  tinha  passado  boa  parte  das  últimas  horas  tentando  encontrar  outro cenário possível, mas falhei.   Na  verdade,  quanto  mais  eu  contemplava  as  cenas dos crimes, quanto  mais  eu  me  concentrava  nos  detalhes,  mais  claro  ficava  que  era  precisamente  o  que  havia  acontecido.  Eu  tinha  poucas  dúvidas  de  que  um  Estripador  Americano  estava  perambulando  pelas  ruas  de  Nova  Iorque  naquele exato momento.  —  Por  enquanto,  —  eu  falei,  —  vamos  esperar  estarmos  errados,  e  que Andreas estava simplesmente se sentindo pouco cooperativo.   Wadsworth  saiu  de  seu  devaneio  e  encontrou meu olhar. Ela sabia que  era  uma  mentira,  mas  não  insistiu  no  assunto.  Talvez nós dois quiséssemos  ficar  perdidos  no  faz  de  conta  que  o  Circo  Luz  do  Luar  havia  trazido  para  nossas vidas. Ao menos, por enquanto.   —  Foi  ele quem roubou o tecido? — Ela perguntou. — Ou foi um crime  não relacionado?  —  Ele  admitiu  o  roubo,  aparentemente  ele  é  um  ladrãozinho  quando  não  está  matando  por  vingança.  É  um  hábito  antigo  que  ele  trouxe  consigo  da  Bavária.  Ele  costumava  roubar  roupas  das  pessoas  para  quem  ele  lia  a  sorte.  Uma  mulher reconheceu uma peça de roupa desaparecida e denunciou  para a polícia, por isso ele foi embora e se juntou ao Circo.  —  Falando  nisso…  O  que  aconteceu  com  o  Circo  Luz  do  Luar?  —  Ela  hesitou por um instante. — Como estão Mefistoféles e Houdini?  —  Ambos  se  despediram  de  você.  —  Eu  estava  impressionado  com  quão  calma  minha  voz  soava,  embora  meu  coração  fosse  outro  caso.  Eu  mantive  minha  expressão  neutra,  conforme  eu  a  analisava  por  sinais  de  decepção.  Eu  acreditava  que  Mefisto  deveria  ser  mandado  para  o  outro  lado  do  continente  até  que  ele  lidasse  com  seus  problemas,  mas  se  ela  estivesse  triste  por  sua  ausência…  —  Mefisto  manda  suas  desculpas,  e  dois  bilhetes  para  a  próxima  apresentação,  de  graça.  —  Seu  sorriso  era difícil de decifrar.  —  Ele  e  Houdini  disseram  que  não  iríamos  querer  perder  o  que  eles  estão  fazendo, vai ser—  —  Espetacular?  —  Ela  completou,  aquele  mesmo  olhar  sarcástico  em  seu  rosto. Eu não tinha ideia se ela estava mascarando alguma tristeza, ou se  ela  estava  realmente  bem  com  a  rápida  partida  do  mestre  de  cerimônias,  mas eu ri, de qualquer maneira.  —  Para  o  bem  deles,  eu  espero  que  sim.  Eles  precisam  encontrar  algo  para  abafar  os  múltiplos  assassinatos  cometidos  pelo  famoso  cartomante.  Embora,  conhecendo  Mefisto,  sei  que  ele  encontrará  um  jeito  de  trabalhar  com  isso.  A  infâmia  atrai  a  maioria.  Todos  somos  fascinados  pelo  macabro.  Deve ser nossas sombrias e perturbadoras almas humanas. 

—  Estou  feliz  que  tenha  acabado,  —  ela  disse.  —  Eu  sinceramente  espero que as famílias estejam em paz.  Eu  assenti,  mas ela estava perdida em seus pensamentos privados, me  levando  a  pensar  novamente  o  quanto  ela  poderia  ter  desejado  escolher  um  caminho diferente para si mesma.  —  Liza! — Ela se impulsionou para frente, estremecendo, e então caiu  para  trás,  tirando-me  de  minhas  preocupações.  —  Onde  ela  está?  Ela  está  bem?  Por  favor,  por  favor  me  diga  que  ela  está  viva.  Eu  não  posso  aguentar  isso.   Eu  fiz  menção  para  ela  se  inclinar  para  frente  e  ajeitei  os  travesseiros  para  apoiá-la  melhor.  Eu  gentilmente  a empurrei de volta, não encontrando  resistência  conforme  ela  deitava  contra  eles.  Um  pouco  da  tensão  diminuiu  as linhas de rugas em volta de sua boca.   —  Ela  está  bem.  Andreas  a  drogou  e  a acorrentou em sua cabine. Mas,  ela está se recuperando. Muito mais rápido do que você.  Ela soltou a respiração, afundando ainda mais contra os travesseiros.  — Não estou preocupada comigo.  Claro que ela não estava. Ela nunca se preocupava consigo mesma.   Eu contei até vinte.  —  Mas,  eu  estou.  Tem  algo  mais  que  você  deveria  saber…  sobre  o  seu  ferimento.  —  Eu  preferiria  ser  largado  sobre  brasas  quentes  do  que  dar  as  notícias.  Eu  encarei  minhas  mãos  inúteis.  Eu  estivera  atado  e  incapaz  de  bloquear  a  maldita  faca.  —  Você  será  capaz  de  andar,  embora  seja  possível  que manque permanentemente. Não há como determinar como vai se curar.  E  eu  temia  que  fosse  lembrá-la  permanentemente  da  terrível  decisão  que  ela  havia  tomado.  Uma  súbita e avassaladora culpa emergiu em mim. Eu  a  sufoquei.  O  ar  parecia  ter  engrossado.  Eu  puxei  meu  colarinho,  tentando  aliviar  o  medo  que  continuava  enfiando  suas  garras  em  minha  garganta.  Talvez  ela  sempre  associasse  minha  presença  à  sua  ferida.  Talvez  a  mera  visão  de  mim  fosse  perturbadora.  Minha  vida  começou  e  terminou  nos  poucos batimentos até ela responder. Ela sorriu timidamente.  — O amor não sai barato, — ela disse. — Mas, o custo vale a pena.  Eu  pulei  do  meu  assento,  incapaz  de  manter  minhas  emoções  sob  controle,  e  soltei  suas  mãos.  Se  eu  não  saísse  agora,  eu  apenas  tornaria isso  mais difícil.  O  amor  não  deveria nunca custar algo a alguém. Deveria ser uma troca  gratuita.  O  que  havia  acontecido  —  ela  quase  se  destruiu  por  mim.  Eu  não  valia tudo isso.  —  Você  deve  descansar  agora.  —  Eu  não  conseguia  encontrar  seu  olhar  verde  e  inquisidor,  embora  eu  os  tenha  sentindo  em  mim  como  um 

golpe  físico.  —  O  seu  tio  estará  aqui  em  breve  para  discutir  os  preparativos  da viagem. E eu sei que Liza tem pisoteado do lado de fora, também.  Eu  me  movi  rapidamente  pelo  quarto,  antes  que  eu  perdesse  a  coragem de fazê-lo.  — Thomas… — Ela falou, a voz suave e magoada. — O que-  — Descanse, Wadsworth. Eu irei retornar logo.  Eu  peguei  meu  chapéu  e  sobretudo,  precisando  ficar  lá  fora  com  o  vento  frio  limpando  meus  pensamentos.  Foi  preciso  toda  a  minha  força  de  vontade,  mas  eu  consegui  sair  do  quarto  sem  voltar  atrás.  Ela  precisava  se  livrar  de  mim  —  eu  era  como  uma  toxina  vagarosa,  a  corrompendo  lentamente com o tempo.   Ir  embora  era  a  ação  mais  altruísta  que  eu  já havia feito, e eu me senti  miserável.                                                       

   

                                             

Punho de dragão 

 

  CINCO    Convés superior da primeira classe  RMS Etruria  9 de Janeiro de 1889    Eu  agarrei  o  corrimão,  ignorando  a  pontada  da  temperatura  quase  congelante  do  metal,  e  me  concentrei  em  contar  cada  passageiro  que  desembarcava.  Eu  havia  contado  até  cinquenta  e  dois  antes  de  olhar  de  relance  para  Audrey  Rose.  Sua  atenção  estava  teimosamente  fixada  na  multidão  abaixo,  o  músculo  em  sua  mandíbula  tão  tenso  quanto  sua  postura.  Eu  queria  envolvê-la  em  meus  braços  e  me  pressionar  contra  ela,  inalando  seu  perfume  floral  e  beijando-a  até  que  ela  retornasse  daquele  lugar  frio  e  distante  para  o  qual  ela  havia  se  retirado.  Mas,  eu queria que ela  escolhesse seu caminho — Mefisto ou eu — sem interferência.  Mesmo que isso me matasse.  Ela  prendeu  a  respiração,  e  a  minha  decisão  de  lhe  dar  espaço  se  dissolveu.   —  Eu  estarei com você em breve, Wadsworth. Você nem perceberá que  eu estou longe.  Eu  me  mantive  parado,  esperando para ela negar. Chamar-me de tolo.  Exigir que eu ficasse. Ela não o fez. Em vez,  — É isso? É tudo que você tem a dizer?  —  O  fato  é  que  sou  necessário  aqui,  em  Nova  Iorque,  como  o  representante  do  seu  tio.  —  Eu  respirei  fundo  e  me  forcei  a  continuar  encarando  os  passageiros.  Eu  precisava  deixá-los  ir.  —  Eu  me  juntarei  a  você assim que puder.  Com o canto do olho, eu vi uma lágrima rolar em sua bochecha.  Minha decisão vacilou.  Furiosamente,  ela  a  limpou,  deixando-me  para  adivinhar  suas  emoções exatas.  —  Você  não  deveria  dizer  algo  como  ‘Eu  sentirei  sua  falta  terrivelmente,  Wadsworth.  As  próximas  semanas  serão  uma  tortura  lenta,  estou certo disso.’ Ou alguma outra esperteza do Cresswell?  A  batalha  que  eu  vinha  lutando  cessou.  Eu  a  encarei,  tentando  meu  melhor para manter minhas emoções sob controle.   —  Claro  que  irei  sentir  sua  falta.  Será  como  se  meu  coração  estivesse  sendo  cirurgicamente  arrancado  de  meu  peito  contra  a  minha  vontade.  — 

Eu  respirei  fundo  novamente.  —  Eu  preferiria  ser  apunhalado  com  todas  as  espadas no arsenal de Jian. Mas, isso é o melhor para o caso.  Se  eu  repetisse  isso  o  suficiente,  eu  talvez  acreditasse  logo.  A  expressão  esperançosa  em  seu  rosto  desapareceu.  Eu  não  estava  certo  se  a  imagem  de  uma  lâmina  tão  cedo  após  seu  ferimento  ou  a  menção  do  caso  a  irritara.  —  Então  eu  te  desejo  bem,  Sr.  Cresswell.  —  Sua  voz  era  cortante.  A  agudeza  cortou  meu  coração  dolorido.  —  Você  está  certo.  Ficar  chateada  é  bobagem quando nos encontraremos de novo em breve.  Eu  queria  alcançá-la.  Puxá-la  para  os  meus  braços  e  lutar  por  seu  amor.  Mas,  fazer  isso  seria  ir  de  encontro  a  tudo  que  eu  prometi a ela antes.  Eu  não  a  manipularia  de  qualquer  maneira.  Uma  sensação  estranha  se  assentou  em  meu  centro,  porém,  atingindo  minha  consciência.  Algo  não  estava  parecendo  certo  —  eu  não  conseguia  escapar  da  preocupação de que  eu havia perdido algo importante.  Eu  hesitei,  repassando  os  últimos  momentos  em  minha  mente,  tentando  decifrar  cada  nuance  de  sua  expressão,  cada  mudança  de  tom.  Eu  tinha que estar deixando algo passar—  —  Sr.  Cresswell?  —  Um  detetive  educadamente  limpou  a  garganta,  destruindo o restante do nosso tempo juntos. Eu não conseguia evitar, senão  sentir  que  eu  estava  perto  de  desvendar  algo  importante  e  escondi  minha  irritação.  Eu  desviei  meu  olhar  de  Audrey  Rose  e  o  afirmei.  —  Nós  estamos  colocando  os  corpos  em  terra,  agora.  Requisitamos  sua  presença  a  caminho  do hospital.  Parte  de  mim  queria  dizer  a  ele  para  prosseguir  sem  mim.  Eu  precisava  de  mais  um  momento  para  resolver isso. Exceto que eu não estava  certo  de  que  outro  momento  teria  importância.  Eu  não  conseguia  me  forçar  a  perguntar  a  Audrey  Rose  se  ela  desejava  prosseguir  com  um  cortejo  com  Mefistoféles.  E  eu  não  pensava  que  outros  sessenta  segundos  me  ajudariam  a resolver o enigma de seu humor sombrio.  O policial educadamente esperou.  Eu  assenti,  o  movimento  parecendo  mecânico enquanto minha mente  girava  em  outras  direções.  —  Claro,  —  eu  me  ouvi  concordar.  —  Estou  ao  seu dispôr.  O  detetive  sorriu  para  Audrey  Rose  e  desapareceu  pela  porta  novamente.  Eu  não  conseguia  me  forçar  a  desviar  o  olhar.  Eu não queria ser  confrontado  com  a  realidade  de  nossa  situação.  Eu  estava  em  território  perigoso  —  um  pequeno  indício  de  desapontá-la,  e  eu  nunca  seria  capaz  de  continuar  indo  embora.  Eu  desliguei  todas  as  emoções,  congelando  aquele 

calor  ardente  em  meu  núcleo.  Não  seria  eu  quem  dificultaria  as  coisas  para  ela. Ela tinha todo o direito de escolher seu próprio caminho.  E eu tinha todo o direito de me fechar e me proteger da mágoa.  —  Adeus,  senhorita  Wadsworth.  —  Eu  senti  minha  compostura  quebrar,  junto  com  meu  coração.  —  Foi  um  absoluto  prazer.  Até  nos  encontrarmos novamente.  Eu  precisava  me  mover  rapidamente,  mas eu não conseguia me forçar  a  agir.  Havia  um  senso  avassalador  de  injustiça,  mas  eu  não  tinha  ideia  se  era  o  monstro  dentro  de  mim,  irado  por  perder  esta  batalha.  Eu  abaixei  a  ponta  do  chapéu,  desesperado  para  roubar  mais  um  segundo,  e  então  obriguei  minhas  pernas  a  se  moverem.  Eu não sabia pelo que eu esperava —  talvez  que  ela  chorasse  e  me  xingasse  ou  bloqueasse  meu  caminho.  Que  ela  me  dissesse  que  eu  era  um  tolo  e  então me beijaria até ambos recuperarmos  nossos  sentidos.  Eu  percebi  que  minha  hesitação  era  esperança.  Esperança  de que ela fosse fazer qualquer uma dessas coisas. Mas, ela não fez.  Eu  desafiei  um  último  olhar  para  ela  conforme  eu  passava.  Ela  assentiu,  lábios  franzidos.  Não  haveria  declarações  devastadoras  de  amor.  Ela  estava  me  deixando ir. A realidade colidiu em mim, e eu lutei contra uma  agitação  crescente  em  meu  estômago.  Eu  me  movi  para  frente  de  novo,  parando  no  batente  da  porta.  Meus  dedos  tamborilavam  um  ritmo  picado  familiar.  Um,  dois,  três,  um,  dois,  três.  Egoísmo.  Essa  era  parte  do  monstro  me zombando. Eu não me sujeitaria àquele monstro.   Não por ela, não por ninguém.  Eu  me  forcei  em  direção  ao  corredor  e  corri  as  escadas  abaixo,  meu  pulso  batendo  no  ritmo  em  que  meus  sapatos  acertavam  os  degraus.  Se  eu  corresse  rápido  o  suficiente,  talvez eu descobrisse a fórmula para escapar de  um coração partido.  Eu  cheguei  até  às  docas  antes  de  perceber  o  quão  tolo  eu  era.  O  amor  era  nobre.  Mas,  era  também  um  guerreiro.  Não  desistia  e  fugia.  Não  se  rendia  para  um  cretino  pomposo  em  trajes  de  lantejoula  e  morais  decadentes.  Eu  seria  o  pior  tipo  de  parceiro  se  eu  não  lutasse contra alguém  assim.  Dizer  a  Wadsworth  o  quanto  eu  a  amava  não  era,  de  modo  algum,  egoísta.  Pelo  contrário.  O  oficial  acenou  com  uma  mão  na  frente  do  meu  rosto.   — A delegacia fica logo-  —  Eu  tenho  um  assunto  urgente  para  tratar,  —  eu  disse,  nem  um  pouco  arrependido  por  interrompê-lo.  —  Eu  te  encontrarei  no  necrotério  em duas horas.   Em  vez  de  esperar  por  uma  respostas,  eu praticamente corri em torno  do  quarteirão,  movendo-me  tão  rapidamente  quanto  as  ruas  lotadas 

permitiam.  Carruagens  retumbando  sobre  os  paralelepípedos,  mulheres  usando  boinas,  e  homens  vestindo  ternos  elegantes  passavam.  Eu  rapidamente  examinei  as  lojas,  lembrando que Lorde Crenshaw mencionara  uma  loja  nessa  vizinhança  que  fazia  algo  do  qual  eu  precisava.  Três  portas  para  baixo,  eu  encontrei.  ​Raising  Cane​[2]​.  ​Um  estranho  trocadilho  bíblico,  porém inteligente.  Um sino tocou acima quando eu abri a porta. Um homem tão enrugado  quanto a madeira a qual ele talhava me olhou de cima a baixo.   — Em que posso ajudar?  Eu  olhei  em  volta  do  pequeno  recinto.  Bengalas  com  punhos  modelados  em  formato  de  serpentes,  águias,  grandes  animais  como  leões  e  elefantes  —  e  uma  deslumbrante  rosa  de  ébano. Eu a tirei da prateleira e me  dirigi ao velho senhor.  —  Eu  preciso  de uma bengala personalizada como essa. Eu gostaria de  um punho de cabeça de dragão. Em madeira de jacarandá, se for possível.  O  homem  assentiu  e  pegou em mãos um caderno esfarrapado, tirando  um lápis de trás de sua orelha.  — Qual a sua altura?  Eu juntei minhas sobrancelhas.  — Um pouco mais de cento e oitenta e seis centímetros.  O homem revirou os olhos.  — Em inglês, garoto.  Eu  não  me  incomodei  em  apontar  que  eu  ​estava  ​dando  a  medida  inglesa. Eu fiz um breve cálculo.  —  Seis  pés  e  uma  polegada.  Mas,  a  bengala  não  é  para  mim,  —  eu  acrescentei,  abaixando  minha  mão  para  a  medida  correta.  —  É para alguém  que  tem  cerca  de  —  eu  mentalmente  fiz  a  conversão  —  cinco  pés  e  cinco  polegadas.  — Ok. — O homem aquiesceu. — Sua mulher?  Eu  abri  a  boca,  pronto  para  lançar  uma  prédica  de  razões  pelas  quais  aquela frase era ofensiva, mas suspirei.   — Minha parceira. Ela foi ferida em uma luta de facas.  Ele  parecia estranhamente impressionado conforme ele voltava para o  bloco  de  notas.  Enquanto  ele  fazia  anotações,  eu  perambulei  pelo  recinto,  inspecionando o artesanato de suas bengalas. Todas eram lindas.   Ele tossiu e me chamou de volta.   — O que acha disso?  Ele  virou  o  bloco  de  notas,  me  mostrando  um  breve  rascunho  do  projeto. Era quase perfeito.  

—  Posso?  —  Perguntei,  apontando  para  o  lápis. Ele balançou a cabeça  e  me  entregou.  Enrolei  o  corpo  do  dragão  na  parte  superior  da  bengala.  Então,  adicionei  dois  rubis  no  lugar  dos  olhos.  Minha  homenagem  ao  meu  dragão  preferido  em  nossa  casa  romena  —  Henri.  Eu  rabisquei  uma  lâmina  estilo  estilete  no  outro  oposto,  e  então  virei  o  caderno  de  volta.  —  Você  consegue  confeccionar  de  modo  que  apertando  o  olho  de  rubi,  uma  lâmina  escondida seja liberada?  Ele franziu o cenho, considerando.   — Ela estará entrando em outra luta de facas?  Eu pensei a respeito durante uma fração de segundo.  — Tudo é possível. — Eu sorri ironicamente. — Você consegue fazer?  —  Claro  que  consigo,  garoto.  —  Ele  pareceu  levemente  insultado.  —  Mas, Roma não foi construída em um dia. Me dê uma ou duas semanas.   Eu  paguei  pela  bengala  de  punho  de  flor  e  deixei  um  depósito  e  um  endereço  para  entrega  da  customizada.  O  jacarandá  era  um  tributo  a  minha  mãe,  e  o  dragão,  um  reconhecimento  a  minha  ascendência  Drácula.  Eu  esperava  que  Audrey  Rose  não  se  importasse  em  portar  um  símbolo  da  minha  família  —  porque  eu  sinceramente  esperava  que  ela  concordasse  em  se tornar parte dela.  Meu  trabalho  completo,  eu  saí  da  loja  e  corri  de  volta  para  o  Etruria​,  esperando  não  estar  atrasado  demais  para  dizer  à  garota  que  eu  amava  o  quanto ela significava para mim.                                   

  SEIS    Convés superior da primeira classe  RMS Etruria  9 de Janeiro de 1889    —  Mas,  e  se  ele  estiver  indo  embora  por  causa  do  acidente?  —  A  voz  de  Audrey  Rose  soava  tão  frágil.  Foi  preciso  uma  grande  quantidade  de esforço  para  me  segurar  conforme  eu  me  aproximava  por  trás  dela.  Como  ela  podia  temer  aquilo?  Eu  engoli  o  nó  em  minha  garganta,  e  Liza  finalmente  me  notou  por  cima  do  ombro  da  prima.  Seus  olhos  se  arregalaram  levemente.  Eu  levei  um  dedo  aos  meus  lábios,  esperando  que  ela  não  revelasse  minha  presença ainda. — E se ele—  —  Com  licença,  —  Liza  disse,  indicando  para  o  extremo  oposto  do  navio.  —  Eu  acho  que  vi  a  Sra.  Harvey  acenando  de  lá.  Eu  devo  ir  até  ela  imediatamente.  Eu  sufoquei  minha  risada.  Liza  era  muitas  coisas,  mas  uma  atriz  não  era seu melhor talento.  —  Sério?  —  Audrey  Rose  esfregou  seu  rosto  e,  mesmo  sem  ver  sua  expressão, eu podia imaginar o quão irritada ela estava.   Parte  de  mim  queria  abraçá-la,  e  a  outra  parte  queria  rir.  Naquele  exato  momento,  ela  se  virou,  a  irritação  proeminente  em  suas  expressões,  até  que  seu  olhar  encontrou o meu. Ela piscou, como se incerta de que eu era  real,  e  então  lentamente  balançou  a  cabeça  para  a  figura  da  prima  em  retirada.  Uma  lágrima  rolou  por  sua  face.  Seguida  de  outra.  Qualquer  piada  com  a  qual  eu  a  deslumbraria  me  abandonou  enquanto  eu  tentava  solucionar  a  causa  de  suas  lágrimas.  Era  difícil  decifrar  se  ela  estava  satisfeita, ou brava com a minha chegada súbita.  —  Cresswell.  —  Seu  queixo  se  ergueu,  e meu maléfico coração vibrou.  — Eu achei que você tivesse negócios a tratar.  Seu tom estava misturado com uma raiva a qual eu não antecipara.  —  Eu  tinha.  Você  vê,  eu acabei por perguntar ao Lorde Crenshaw onde  ele  havia  mandado  fazer  tão  linda  bengala,  quando  eu  e  seu  tio conduzimos  nosso  interrogatório  final.  Imagine  a  minha surpresa quando ele disse que a  comprara  aqui,  em  Nova  Iorque.  Há  uma  loja  no  final  do  quarteirão,  na  verdade.  —  A  distância  entre  nós  era  insuportável.  Eu  dei  um  passo  mais  para  perto  enquanto  apontava  para  a  rua.  —  Acredito  que  esta  rosa  supere  àquela que o Mefistoféles tentou de dar. 

—  Eu…  —  ela  juntou  as  sobrancelhas, claramente impressionada com  meu charme e inteligência. — O quê?  Talvez  nem  tão  impressionada,  ainda.  Eu  joguei a bengala para cima e  a  peguei  com  a  outra  mão,  graciosamente  me  abaixando  em  um  joelho  conforme  eu  oferecia  o  presente,  e  minhas  desculpas.  Eu  a  examinei  cuidadosamente  conforme  ela  encarava  a  bengala.  Ela  piscou,  e  duas  vezes  já  eram  demais,  e  engoliu  em  seco.  Ou  ela  havia  amado,  ou  eu  a  havia  lembrado  de  seu  ferimento  e  a  chateado.  O  ar  subitamente  ficou  denso  demais para respirar. Eu lutei para manter o medo longe do meu rosto.  — Thomas, é—  Se  ela  dissesse  que  havia  odiado,  eu  poderia  me  jogar  ao  mar  por  ser  tão tolo.  — Quase tão bonito quanto eu?  Sua  risada era calorosa e imediata, e a expressão eufórica em seu rosto  acalmou meus nervos.  — De fato.  Eu  pensei  sobre  as  duas  últimas  horas.  Os  últimos  dez  dias.  Nós  precisaríamos  ser  honestos  com  nossos  corações  de  agora  em  diante.  Sem  mais muralhas.   —  Nosso  trabalho  sempre  será  importante  para  cada  um de nós. Mas,  você  tem  meu  coração  por  completo,  Wadsworth.  Não  importa  o  quê.  O  único  jeito  de  ser  tirado  é  na  morte.  E  mesmo  então,  eu  lutarei  com  cada  pedaço de mim para manter seu amor próximo. Agora e para todo o sempre.  Ela  estendeu  a  mão  lentamente,  e  então  passou  os  dedos  pelo  meu  cabelo.  Nada  jamais  foi  tão  bom.  Eu  quase  me  inclinei  em  direção  ao  seu  toque, lutando em uma batalha perdida conforme eu fechava meus olhos.   —  Sabe  o  quê?  Eu  acredito  que  esta  seja a rosa mais preciosa que eu já  recebi.  —  Meu  truque  de  mágica  foi  bastante  impressionante,  também.  Você  acha  que  o  Mefistoféles  me  aceitará?  Eu  poderia  praticar.  Na  verdade,  nós  deveríamos  performar  um  ato  juntos.  —  Eu  ofereci  um  braço,  e  nós  começamos  a  caminhar  pelo  convés  superior,  com  sorte  em  direção  a  um  futuro  juntos.  Eu  me  segurei  a  ela,  e  prestei  atenção  em  como  nos  movíamos.  Eu  não  queria  machucá-la  mais ainda só porque eu estava sendo  egocêntrico.  —  O  que  você  acha  dos  ‘Incríveis  Cressworth’?  Tem  uma  sonoridade agradável.  —  ‘Cressworth’?  Você  realmente  combinou  os  nossos  nomes?  E  por  que  o  seu  vem  primeiro?  —  Ela  parou,  tempo  o  suficiente  para  me  dar  um  sorriso  provocante.  Uma  fagulha  se  acendeu  em  meu  núcleo,  e  eu  fui  subitamente  arrebatado  pela  sensação.  Amor  profundo,  inquebrável.  —  Eu 

acho  que  a  parte  mais  incrível  da  nossa  performance  seria  não  fazer  o  público cair no sono com a sua inteligência.  — Mulher diabólica. Qual nome você sugere?  — Hmm. Eu suponho que temos tempo o bastante para descobrir isso.  — Mmm. Falando nisso, eu estive pensando.  — Sempre uma coisa preocupante.  —  De  fato.  —  Eu  não  mais  conseguia  me  impedir  de  puxá-la  para  perto,  esperançoso  de  nunca  nos  separarmos.  —  Nós  nos  espreitamos  em  becos  de  Londres,  exploramos  labirintos  de  castelos  cheios  de  aranha,  sobrevivemos  a  um  circo  mortal…  —  Eu  me  aproximei  o  suficiente  para  nossos  lábios  se  tocarem,  se ela os quisesse. Eu rezava para que ela quisesse.  —  Talvez  agora  nós  pudéssemos  tentar  uma  das  minhas  sugestões.  Posso  oferecer—  — Apenas me beije, Cresswell.  Eu lhe dei um sorriso lento, antes de juntar minha boca à dela.  Eu  queria  que  fosse  doce,  para  simbolizar  amor  e  perdão,  mas  ela  tinha  outras  ideias,  as  quais  eu  estava  mais  do  que  feliz  em  satisfazer.  Ela  agarrou  minha  lapela  com  sua  mão  vazia,  me  puxando  para  perto.  Seus  lábios se abriram levemente, convidando a minha língua a acariciar a dela.  Eu  compeli,  testando-a  completamente,  sendo  arrebatado  pela  sensação dela, parecendo calorosa e radiante e viva sob o meu toque.                                       

 

  SETE    Sala de estar  Quinta Avenida, cidade de Nova Iorque  13 de Janeiro de 1889    Os  raios  solares  se  espalhavam  pelo  tapete  turco  na  sala  de  estar  de  Lady  Everleigh,  como  uma garrafa de conhaque tombada. Seu calor me esquentou  tanto  quanto  o  álcool  era  conhecido  por  fazê-lo. Wadsworth e eu estávamos  ambos  engajados em uma tarde de leitura. Foram quatro dias de ócio na casa  de  sua  avó,  e  não  havia  como  ficar  farto  de passar o tempo com ela, fazendo  as  coisas  mais  mundanas.  Ela  estava  consumida  por  algum  jornal  científico  de  engenharia,  e  eu  estava  aproveitando  um  dos  primeiros  romances de um  dos  meus  autores  favoritos.  A  única  coisa  que  estava  faltando era o afago de  um  animal  de  estimação.  Eu  preferia  gatos,  mas  cães  eram  agradáveis,  também. Eu não tinha certeza se era possível ficar mais contente, mas—  — Nós precisamos discutir o Mefistoféles.  E  lá  se  foi  o  meu  dia.  Cinco  palavras  as  quais  eu  gostaria  de  eliminar  para  sempre  do  mundo.  Eu  forjei  um  sorriso  preguiçoso,  e  abaixei  o  meu  livro.  Eu  podia  ser  racional  e  civilizado,  especialmente  depois  da  trégua  que  o  mestre  de  cerimônias  havia  oferecido  antes  de  partir.  Eu  estava  quase  certo disso.  —  Tudo  bem.  Eu  vou  primeiro.  —  Ela  parecia  hesitante  com  o  meu  tom  entusiasmado,  mas  assentiu.  Meu  sorriso  aumentou.  —  Se  você  pensa  que  há  um  universo  no  qual  eu  não  fantasiei  sobre  as  mil  maneiras  diferentes,  nas  quais  eu  gostaria  de  testar  meus  bisturis  nele,  eu  acredito  que  você  não  me  conheça,  Wadsworth.  Eu  nunca  antes  desejei  tanto  derramar  sangue  do  que  quando  eu  vi  o  que  ele  tentou  fazer  com  você.  Pronto. — Eu suspirei alto. — Eu me sinto muito melhor.  Eu  percebi  que  minhas  mãos  estavam  fechadas  em  punhos,  e  me  concentrei  em  estabilizar  minhas  emoções.  Eu  respirei  fundo,  e  rolei  meus  ombros  para  trás.  Quando  olhei  para  ela  novamente,  esperei  ver  medo.  Eu  havia  estilhaçado  uma  parede  que  estivera  construindo  por  quase  uma  década,  e  agora  todas  as  minhas  partes  horrendas  estavam  expostas.  Eu  fiquei  desconcertado  de  ver  a  ternura  em  suas  feições.  Podia  muito  bem  revelar  a  besta  por  completo,  agora.  Ela  tinha  o  direito  de  me  ver  no  meu  pior, e então escolher se deseja partir, ou não. 

—  Eu  posso  apenas  imaginar  o  doce  sabor  de  satisfação  que  isso  traria,  destruir  o  que  tentou  me  destruir.  Todo  dia  eu  luto  para  manter  esse  monstro  enjaulado.  Seria  muito  mais  fácil  sucumbir  a  esses  desejos  e matar  todos que me aborreceram.  Eu esperei para que ela fugisse do cômodo, agarrasse sua bengala e me  batesse  enquanto  gritava  sobre  um  homem  insano  sentado  na  sala  de  estar  de  sua  avó.  Ela  permaneceu  estóica,  sua  expressão,  pensativa.  Definitivamente, não era a expressão que eu esperava.  —  Já  que  estamos  sendo  sinceros,  há  algo…  —  Sua  voz  se  desfez  enquanto  girava  o  anel  de  sua  mãe.  Eu  imediatamente  comecei  a  resolver  equações  em  minha  cabeça,  esperando  me  distrair  do  que ela estava prestes  a  dizer.  Ela  respirou  fundo  e  encontrou  meu  olhar.  —  Ayden  me  beijou.  Na  noite  em  que  nós  discutimos.  Foi  apenas  por  um  segundo,  e  eu  me  afastei,  mas…  —  Ela  encarou  suas  mãos.  —  Se  é  de  algum  conforto,  eu  pensei  em  bater nele.  Os  números  em  minha  cabeça  cessaram,  e  então  se  estilhaçaram.  O  quarto  ficou  assustadoramente  silencioso,  exceto  pelas  constantes  batidas  do  meu  coração.  Eu  não  estava  surpreso  que  ele  tivesse  tentado  tomar  vantagem  dela.  Nem  estava  bravo  com  ela.  Eu  estava  furioso  que  ele  havia  propositalmente  esperado  até  que  ela  estivesse  o  mais  vulnerável  para  se  lançar  em  seu  coração.  Era  a  ação  de  um  covarde.  Eu  tranquei  minha  mandíbula  para  me  manter  de  dizer  a  coisa  errada.  Quando  ela  olhou  para  cima, enrijeceu.  — Diga algo, por favor.  Eu  respirei  fundo.  Eu  queria  aliviar  a  situação,  mas nós precisaríamos  ter uma discussão verdadeira, cedo ou tarde.  —  Ele  é  uma  pessoa  terrível.  —  Eu  dei  um  meio sorriso, satisfeito por  estar  sendo  tão  educado.  Wadsworth  franziu  o  cenho.  —  Ele  tomou  vantagem  de  sua  inexperiência.  Ele  forjou  uma  situação  onde  ele  poderia  se  inserir  no  papel  de  consolador  e  herói,  tudo  isso  enquanto  criava o caos que  a  colocou  naquele  caminho.  Eu  não  estou  brava  com  você, Wadsworth. Mas,  eu  adoraria  bater  em  Mefisto  com  uma  bengala  por  ser  tão  canalha, mesmo  que ele tenha feito as pazes comigo.  Ela  me  estudou  cuidadosamente,  seu  olhar  frio  e  afiado  como  uma  lâmina.  —  O  que  você  quer,  Thomas?  —  Ela perguntou, erguendo o queixo. —  Sem provocações ou esquivos. Diga-me o que você verdadeiramente quer.  Sua pergunta me surpreendeu, e eu respondi sem me segurar.  —  Eu  quero  você.  Eu  quero  lhe  dar  prazer,  tanto  mental  quanto  fisicamente,  todos  os  dias  e  todas  as  noites  pelo  resto  de  nossas  vidas.  Eu 

quero  ser  a  razão  pela  qual  você  sorri.  —  Eu  observei,  satisfeito,  enquanto  um  leve  rubor  subiu  por  seu  pescoço.  Ela  desejava  aquilo,  também,  pelo  visto.  —  Eu  quero  passar  horas  e  anos  de  minha  vida  descobrindo  jeitos  de  fazê-la  feliz. Eu quero que você sinta a mesma coisa por mim. Não porque eu  demande  isso  de  você,  mas  porque  cada  pedaço  seu me deseja. Eu quero que  nossa  paixão  incendeie  o  mundo  ao  nosso  redor,  invejando  até  mesmo  as  estrelas.  Ela  não  parecia  estar  respirando.  Eu  me  preocupei  que  eu  havia  ido  longe demais, quando ela respondeu baixinho.  —  Há  algo  mais?  E  quando  à  raiva?  Você  acha  que  podemos  superar  meus erros?  Eu considerei minhas emoções com precisão. Era hora de me despir.  —  Eu  odeio  que  haja  uma  chance  de  que  você  goste  de  outra  pessoa.  Eu  nunca  detestei  tanto  algo  em  minha  total  existência, mas eu me recuso a  me  tornar  o  monstro  que  meu  pai  acredita  que  eu  seja.  Eu  nunca  irei  me  impor  sobre  você,  mesmo  que  uma  besta  selvagem  e  descontrolada  dentro  de  mim  implore  por  uma  chance  de  destruir  qualquer  um  ou  qualquer  coisa  que possa roubá-la.  — Eu não sou um item para ser roubada, Thomas.  — Verdade. Mas, eu nunca conheci o ciúmes até que eu fui introduzido  a  ele  a  bordo  do  Etruria.  Eu  quero  negar,  fingir  que  eu  sou  algum  tipo  de  máquina  perfeita  e  insensível  que  não  se  importa,  mas  essa  é  uma  mentira  terrível.  Eu  me  importava.  Eu  me  importava  tanto  que  eu  queria  socar  uma  parede, por mais insensato e idiota que fosse. Eu considerei empurrar aquele  tolo  pomposo  do  mestre  de  cerimônias  do  convés,  sabendo  que  ficaria  regozijado  com  seu  afogamento.  Daria-me  um  prazer  incomparável  só  de  imaginar  seu  desaparecimento.  Você  não  faz  ideia  da  força  que  é  necessária  para  manter  aquela  besta  dentro,  lembrar-me  de  que  esse  não  é  o  tipo  de  pessoa  que  eu  quero  ser.  Nem  agora,  nem  nunca.  Eu  não  me  tornarei  um  monstro  por  você.  O  tipo  de  amor  que  eu  desejo  não  é  cruel,  ou  possessivo.  Não  espere  que  eu  aja  dessa  maneira.  Eu nunca irei implorar, ou usar táticas  subversivas  para  conquistar  seu  coração.  Eu  o  irei  merecer,  porque  você  deseja  me  dá-lo  por  sua  própria  vontade,  ou  eu  não  o  terei  de  modo  algum.  Eu  nunca  a  irei  manipular.  Ninguém  deveria.  E  se  eles  o  fizerem?  Não  são  dignos do seu tempo.  —  É  isso  o  que  você  pensa?  —  Ela  perguntou,  sua  voz  mortalmente  baixa.  —  Que  eu  me  permiti  ser  manipulada?  Você  sequer  parou  para  considerar  que  eu  sabia  exatamente  quais  tipos de jogos ele estava jogando?  Que  eu  tentei  entrar  no  jogo,  mesmo  quando  ele  escrevia  as  regras?  —  Seu  olhar poderia ter congelado o Atlântico. — Eu não sou perfeita, Cresswell. 

Não,  ela  não  era.  Mas,  tampouco  eu o era. Ou, qualquer um no mundo.  Mas,  ela  era  perfeita  para  mim.  Era  isso  que  eu  diria,  se  ela  não  tivesse  continuado seu discurso emocionado.  —  Eu  cometo  erros.  Eu  sei  que  tipo  de  pessoa  você  é,  e  eu  sabia  do  primeiro  momento  que  eu  o  conheci,  quem  Mefistoféles  era.  Sim,  eu  ainda  podia  imaginar  ser  amiga  dele,  mesmo  depois  dele  ter  tentado  manipular  a  situação.  Eu  não  acredito  em  odiar  alguém  porque  eles  fizeram  más  escolhas.  Talvez  eu  ​seja  ​ingênua,  mas  eu  sempre  espero  que o melhor vença  em  alguém.  Talvez  um  dia  isso  mude,  mas  por  ora?  Eu  gostaria  de acreditar  que a redenção seja possível, mesmo que isso me faça a maior tola.  Eu estiquei uma mão, inutilmente.  — Audrey Rose, eu não queria—  —  Se  você  e  eu  iremos  continuar  juntos,  nós  precisamos  fazê-lo  sabendo  que  somos  imperfeitos.  Eu  o  machucarei,  Thomas.  Espero  que  nunca  da  mesma  forma  de  novo,  mas  sem  dúvida chegará um dia em que eu  realmente  bagunçarei  as  coisas.  E  eu  quero  você  de  todos  os  jeitos  em  que  você  me  quer,  seu  tolo.  Eu o quero tanto que me leva a total… — Sua atenção  se  fixou  em  meus  lábios,  sua  mente  parecendo  perdida,  enquanto ela lutava  contra o desejo que eu via em seu olhar, — …distração.  Seu  foco  permaneceu em minha boca, e qualquer coleira com a qual eu  havia  conseguido  me  domar  escorregou.  Aproximei-me e a puxei para mim,  tomando  cuidado  com  seu  ferimento.  Eu  não  queria  brigar  sobre  pessoas  que  não  importavam.  De  qualquer  forma,  estava  feliz  que  ela  tinha  experiência  para  se  afastar.  Agora,  eu  sabia  com  certeza  que  ela  havia  me  escolhido.  Não  porque  eu  era  a  única  opção,  mas  porque  ela  verdadeiramente m ​ eq ​ ueria.  Eu  pensei  sobre  a  bengala  de  dragão  que  eu  havia  encomendado,  a  razão  pela  qual  eu  queria  presenteá-la  com  aquele  símbolo  em  particular.  E  ainda  assim…  Não  parecia  o  tempo  certo  para  falar  sobre o assunto. Haveria  tempo o suficiente para outras discussões sérias. Por ora...  Eu rocei meu polegar sobre seu lábio inferior, memorizando o formato  de  sua  boca.  Eu  podia  olhar  para  a  curva  de  seu  lábio  superior  por  horas,  mesmerizado  pelo  feitiço  que  lançava  sobre  mim.  Deslizei  minha  mão  ao  longo  de  sua  mandíbula  e  seus  olhos  se  fecharam,  um  som  de  contentamento escapando.  Meu  pulso  rugiu como um rio furioso em resposta, mas eu me contive.  Eu  escorreguei  minha  mão  em  seu  cabelo,  angulando  seu  rosto  em  direção  ao  meu,  saboreando  cada  falha  em  sua  respiração,  cada  palpitar  do  meu  coração.  Parecia  que  havíamos  esperado  um  milênio  para  chegar  aqui.  E  eu  perecia  na  leve  provocação  antes  de  nosso  beijo.  Eu  rocei  meus  lábios  nos 

dela,  uma,  duas  vezes.  Cada  roçar  ganhando  um  pouco  mais  de  pressão.  Eu  me  movi,  antes  que  nossas  bocas  fizessem  aquele  contato  final,  beijando  o  canto de seus lábios, sua bochecha, ao longo de seu queixo.  Eu  desenhei  círculos  lentos  na  lateral  de  seu  corpete  e  ela  arqueou  ao  meu  toque,  me  incentivando  a  descer.  Eu  queria  deslizar  meus  dedos  ao  longo  da  sedosidade  de  suas  meias,  sentir  as  camadas  de  suas  saias  escovar  a  minha  pele  enquanto  eu  explorava  seu  corpo  do  modo  que  ela  parecia  implorar  para  eu  fazer.  Eu  levei  minha  boca  de  volta  para  a  dela  e  a  beijei,  lenta e lascivamente, saboreando a sensação dela.  Ela respondeu com um suspiro, um pedido.  — Thomas. Por favor.  Eu  quase  me  desfiz.  Nosso  beijo  se  aprofundou.  Minha  língua  varreu  sua  boca,  provocando,  suavemente.  Ela  gemeu,  e  me  puxou  parcialmente  para  cima  dela,  derrubando  os  livros  do  canapé. Eu não pude evitar que uma  risada nervosa escapasse.  —  Calma,  Wadsworth.  Eu  iria  querer  me  tomar,  também,  mas  se  não  formos cuidadosos, iremos alertar toda a criadagem.  —  Eu  não  ligo, — ela disse, lançando um sorriso maléfico. Ela enrolou  seus  braços  em  torno  de  meu  pescoço  e  me  trouxe  para  perto.  Dessa  vez,  passando suas mãos pelas minhas costas. Seu toque quase me libertando.  Tomando  cuidado  com  seu  ferimento,  eu  me  posicionei  entre  suas  pernas  e  retomei  minha  atenção  a  cada  lugar  que  ela  direcionava.  Eu  usei  cada  método  de  dedução  que  eu  conhecia  para  descobrir  se  ela  havia  gostado,  e  o  fazia  novamente.  Eu  derramei  beijos  e  os  trilhei  com  a  língua,  adorando cada arrepio que vinha com a atenção.   Quando  ela  tomou  minha  mão  e  a  colocou  em  sua  coxa,  minha  respiração  parou.  Eu  sabia  precisamente pelo que ela estava pedindo. Eu não  lhe negaria nada.  Eu  tracei  uma  lenta  linha  em  direção  a  sua  panturrilha,  e  então  deslizei  para  baixo  de  suas  saias,  meu  coração  martelando  conforme  eu  subia. Eu nunca havia feito isso antes.  — Você tem certeza?  Um sorriso perplexo cruzou seu rosto.  — Você está com medo? Ou, isso é demais para você?  — Nada disso.  Eu  sorri  contra  seus  lábios  conforme  ela  se  angulava  em  minha  direção,  sua  respiração  se  tornando  errática  quando  eu  comecei  a  desenhar  formas  ao  longo  de sua coxa nua. Antes que eu pudesse provocá-la, sua boca  estava  na  minha,  e  todos  os  meus  pensamentos  se  voltaram  a  deduzir  cada  mudança sutil de seu corpo. 

Logo,  ela  sussurrava  meu  nome  como  uma  oração  de  novo, e de novo.  Eu  não  parei  até  que  seu  aperto  em  minhas  costas  diminuiu,  e  seus  sussurros  se  dissiparam  em  doces  beijos.  Nós  nos  deitamos  na  sala,  respirando  profundamente,  ruborizados  dos  beijos,  e  sorrindo  como  dois  tolos apaixonados. Eu nunca havia estado mais contente na minha vida.  — Eu te amo, Thomas.  —  Claro  que  sim.  Eu  sou  o  alto  e  sombrio  herói  dos  seus  sonhos,  se  lembra?  —  Eu  pressionei  meus  lábios  contra  sua  têmpora,  e  a  puxei  para  o  enlace de meus braços. — Eu te amo, também. Pelas mesmas razões.  Ela  enterrou  o  rosto  em  meu  peito,  estremecendo de rir, e eu me senti  um pouco mais apaixonado.  Nós  havíamos  resistido à tempestade que era o RMS Etruria, e ficamos  impossivelmente  mais  fortes.  Isso  me  dava  esperança  para  o  nosso  futuro.  Eu  não  somente  havia  provado  para  mim  mesmo  que  não  era  o  monstro  de  ninguém, como Audrey Rose me escolhera.  Eu  não  o  repetiria,  mas  no  fim,  eu  não  podia  negar  me  sentir  grato  pela provação.  Mesmo que a constante sensação de homicídio persistisse.  Só um pouco.                                           

  OITO    Sala de estar  Quinta Avenida, cidade de Nova Iorque  14 de Janeiro de 1889    Wadsworth  balançou  a  cabeça,  seus  lábios  em  uma  linha  determinada.  Liza  era  sábia  o  suficiente  para  não  olhar  em  minha  direção  por  assistência.  Ela  havia  tentado  algumas  vezes,  mas  Audrey  Rose  não  aceitou.  Eu  deixei  meu  lápis  de  lado,  olhando  para  o  diagrama  de  um  sapato  que  eu  havia  feito,  satisfeito com as medidas e estilo.  —  Ah,  não,  —  Audrey  Rose  grunhiu  para  a  grande  peruca  empoada  que  Liza  segurava.  —  Não,  não,  não.  Eu  ​não  irei  usar  essa  peruca  horrorosa  novamente.  Eu  engasguei  com  uma  tosse,  ganhando  um  olhar  rápido  de  ambas as  garotas. Eu ergui uma sobrancelha.  —  A  peruca  empoada  era  muito…  Maria  Antonieta.  Combinava  com  você.  Audrey  Rose  praguejou.  Foi  uma  extensa  série  de  palavrões  imundos.  Eu estava tentando — e falhando — não cair na risada.  —  Não  é  engraçado,  Cresswell! Eu deveria estar me recuperando, indo  devagar.  Isto,  —  ela  gesticulou  para  a  bagunça  de vestidos espalhados pelas  cadeiras e pelo chão da sala de estar, — não é conducente à paz.  Liza cruzou os braços.   —  Se  nós  não  fizessemos  peças  para  o  seu  proveito,  você  morreria  de  tédio.  O  tio  nos  baniu  de  levá-la  ao  teatro  até  que  sua  fratura  estivesse  menos…  qualquer  que seja o termo adequado… então nós trouxemos o teatro  até você. Agora pare de ser complicada. Esta peça requer uma peruca.  Eu  me  escondi  atrás  do  meu  caderno  de  desenhos,  fazendo  um  péssimo  trabalho  ao  evitar  que  meus  ombros  tremessem  com  a  risada  reprimida.  Uma  almofada  voou  através  da  mesa  de  centro  que  me  separava  de  Audrey  Rose.  Eu  olhei  para  cima,  surpreso  ao  vê-la  dissolver  em  um  ataque  de  risos.  Algo  apertado  se  desfez  em  meu  peito,  trazendo  um  pouco  de rubor às minhas bochechas. Eu adorava quando ela se libertava.  —  Ugh!  —  Liza  disse,  jogando  suas  mãos  para  o alto. — Eu preciso de  alguém  para  cantar  em  soprano  neste  papel.  Minha  voz  não  alcança  as  mesmas oitavas, e irá soar ridícula. Você deve vestir a peruca. 

As  garotas  se  entreolharam  —  uma  silenciosa  batalha  travada  entre  elas.  Eu  admirava  o  quanto  Liza  amava  sua  prima.  Ela  nunca  a  deixou  cair  em  desespero,  e  nunca  forçava  quando  a  Wadsworth  estava  frustrada  de  fato.  Liza lia as pessoas tanto quanto eu o fazia, mas em um nível emocional.  E  ela  estava  certa  de  continuar,  agora.  Wadsworth  estivera  particularmente  desassossegada  a  manhã  inteira.  Alguns  dias  são  piores  do  que  outros,  e  a  temperatura  baixa  e  as  mudanças  no  barômetro​[3]  sempre  pareciam  causar  mais dor.  Às  margens  dos  meus  projetos  experimentais  de  sapatos,  eu  estive  fazendo  anotações sobre os padrões climáticos na última semana e possíveis  relações com o aumento nos sintomas de Wadsworth.  Eu  não  acho  que  ela tenha percebido, mas eu sutilmente observei cada  estremecimento,  cada  pequena  pausa  que  ela  dava  ao  se  reacomodar  no  canapé  ou  na cama. Sua perna a incomodava mais do que ela admitia. Eu não  tinha  nada  com  o  que  comparar  pessoalmente,  mas  lembrei  minha  mãe  falando  abertamente  sobre  suas  dores  crônicas  antes  de  morrer.  Ela  havia  me  dito  que  uma  das  partes  mais  difíceis  de  sua  condição  era  a  persistência  da dor — como isso afetou seu humor, gradualmente.  Eu  era  muito  jovem  e  inexperiente  para  ajudá-la, então, mas esse não  era o caso agora. Eu suspirei e estiquei a mão.  — Dê-me a peruca. Eu irei mostrar a vocês duas como se faz.  Audrey Rose endireitou-se, estreitando os olhos.  — Você canta? Desde quando?  Desde  nunca.  Mas,  eu  estava  disposto  a  tentar  se  isso  a  faria  rir  tão  abertamente de novo. Eu dei de ombros.  —  Eu  sou  um  homem  de  muitos  talentos e mistérios, Wadsworth. Por  favor,  tente  não  parecer  tão  surpresa.  É  bastante  prejudicial  para  o meu ego  frágil.  Quinze  minutos  depois,  Liza  me  fizera  sentar  em  um  banco  de  piano,  vestindo  a  peruca  empoada  com  laços  rosas  e  pássaros  falsos,  lábios  escarlates  e  uma  pinta/verruga  na  minha  bochecha  esquerda.  Eu  nem  mesmo  tive  a  oportunidade  de  encantar  a  Wadsworth  com  as  minhas  habilidades de canto antes que ela caísse em um ataque de risos.  Eu  cruzei  meus braços. Meu traje azul claro saído da corte do Rei Louis  XVI  estava  apertado  em  minhas  costas.  Eu  rezei  para  não  arrebentar  a  costura.  Liza  se  jogou  no  canapé  ao  lado  de  Audrey  Rose,  mordendo  o  lábio  tão forte que eu pensei que ela fosse se machucar.  —  Vocês  duas  são  seres  humanos  terríveis,  —  eu  disse,  mantendo  uma  faceta  séria.  —  Não  fiquem  tão  surpresas  quando  Satã  as  levar  diretamente ao inferno. 

Qualquer  controle  que  elas  tinham  —  que  era  muito,  muito  pouco  —  se  estilhaçou.  Liza  agarrou  Audrey  Rose  forte,  ofegante de tanto rir. Eu fingi  estar  insultado  e  ergui  meu  queixo,  determinado a manter aquele sorriso no  rosto da Wadsworth, com o sacrifício de minha dignidade remanescente.  Eu  respirei  fundo,  estufando  o  peito  com  grande  exagero,  e comecei a  tocar o piano. Eu gritei, com a minha voz mais alta e clara:    Sing a song of sixpence,   A pocket full of rye,   Four-and-twenty blackbirds,   Baked in a pie.     [Cante uma canção de seis centavos,  Um bolso cheio de centeio,  Vinte e quatro melros  Em uma torta, assados.]    Eu  segurei  minha  própria  risada  conforme  Audrey  Rose  tombava  de  lado,  lágrimas  saindo de seus olhos. Fingindo não notar o quão horrendo era  o meu tom, eu adicionei um floreio aos acordes da canção de ninar no piano.    When the pie was opened, the birds began to sing,   “Wasn’t that a dainty dish to set before the king?”   The king was in his counting house, counting out his money.   The queen was in the parlor, eating bread and honey.     [Quando cortaram a torta, os pássaros começaram a cantar,  “Não era um prato saboroso para, ao Rei, dar?”  O Rei estava no escritório, com o dinheiro contado.  A Rainha estava na sala, comendo pão e melado.]​[4]    Liza  caiu  do  canapé,  aterrissando  em  uma  pilha  de  vestidos  descartados.  Milagrosamente,  eu  mantive  uma  faceta  série  enquanto  eu  terminava  o  resto  da  música,  levantava,  e então me curvava profundamente  pela  cintura.  Minha  peruca  amaldiçoada  caiu  sobre  as  teclas  do  piano,  e  as  garotas choravam de tanto rir.    Uma  hora  depois,  eu  servi  duas  fatias  de  tortas  de  chocolate  e  menta.  Uma para Wadsworth, uma para mim. Ela olhou para a sobremesa e sorriu.  — Você está me mimando, Cresswell. 

Eu  despedacei  a  casca  de chocolate externa da minha e gemi enquanto  afundava minha colher no recheio de mousse.  —  São  por  puras  razões  egoístas,  já  que  me  permite  me  mimar,  também.  —  Naturalmente.  —  Ela  balançou  a  cabeça.  —  Eu  não  fazia  ideia  de  que  você  podia  cantar  tão…  alto.  Diga-me,  —  ela  provocou,  —  qual  gato  vadio lhe deu lições enquanto filhote?  Eu bufei, rindo.  —  Eu  a  deixarei  ciente  de  que  todos  os  gatos  vadios  no  mundo  se  ofenderam com isso.  Nós  focamos  em  nossos  doces,  e  eu  terminei  o  meu  com  uma  xícara  forte  de  espresso.  O  amargo  do  café  combinou  bem  com  o  açúcar,  e  eu  me  encontrei  desejando  por  mais  de  cada  conforme  eu  abaixava  minha  xícara.  Talvez eu estivesse nervoso para me pronunciar sobre o próximo assunto.  —  Então?  —  Ela  perguntou,  tirando  minha  atenção  dos  pensamentos  de doces​. — ​ Sobre o que está ponderando, agora?  Eu ergui uma sobrancelha, tentando não mostrar minha surpresa.  — Como você sabe que estou ponderando?  —  Você  está  encarando  profundamente  seu  prato vazio. Como se você  esperasse  que  algo  aparecesse,  para  poder  organizar  seus  pensamentos  antes de compartilhá-los.  Ela  me  deu  um  olhar,  satisfeita  consigo  mesma,  quando  eu pisquei de  volta.  Ela  realmente  estava ficando muito boa em me ler. Eu estiquei minhas  pernas, enrolando.  —  Eu  estive  pensando  sobre  o  que  conversamos  na  Romênia.  Sobre…  —  Eu  passei  uma  mão  pelo  cabelo.  —  Sobre  se  você  gostaria  ou  não  de  começar um cortejo formal.  Ela ficou rígida. Meu coração desacelerou.  — Você está pedindo permissão para escrever para o meu pai?  —  Sim.  —  Eu  encontrei  seu  olhar,  inabalavelmente  —  Eu  gostaria  de  formal  e  publicamente  cortejá-la.  Eu  gostaria  de  ser  seu,  oficialmente,  se  você me aceitar.  Ela  mordeu  o lábio, e pela minha vida, eu não conseguia decifrar se ela  estava  satisfeita, temerosa, ou procurando por uma desculpa para adiar meu  pedido.  Ela  rapidamente  alcançou  minha  mão,  e  a  segurou  contra  seu  coração.  Estava  batendo  como  um  tambor  de  guerra.  Eu  juntei  minhas  sobrancelhas, e ela riu.  —  É  claro  que  eu  te  aceito,  Thomas!  —  Ela  levou  minha mão aos seus  lábios  e  a  beijou,  seu  sorriso  aumentando.  —  Depois  de  tudo  que  aconteceu  no  Etruria…  Eu  estava…  —  ela  suspirou.  —  Eu  não  estava  certa  de  que  você 

ainda  gostaria  de  me  cortejar.  E  então,  quando  você  não  disse nada depois...  eu  pensei  —  eu  esperava que você fosse perguntar depois que discutíssemos  o  Mefistoféles.  Quando  os  dias  se  passaram,  e  você  não  falou  nada,  eu  não  pensei que você quisesse.  Eu a estudei atentamente.  — Você pensou que eu tinha mudado de ideia sobre nós?  —  Honestamente?  Eu  não  podia  ter  certeza.  —  Ela  ergueu um ombro.  —  Eu  cometi  erros  que  te  afetaram.  Você  tem  todo  o  direito  de  mudar  de  ideia  e  fazer  suas  próprias  escolhas  por  causa  deles.  Eu dificilmente poderia  te culpar se você não quisesse mais nada comigo.  Era eu quem havia ficado muito rígido.  — E você teria me deixado ir?  Ela  abriu  a  boca  e  a  fechou,  considerando  suas  palavras,  cuidadosamente. Ela enfiou uma mecha de cabelos pretos atrás da orelha.  —  Você  sempre  me  deixou  escolher.  Teria  sido  difícil,  mas  eu  faria  o  mesmo por você. Sempre.  De  alguma  forma,  quando  eu  não  estivera  prestando  atenção, nós nos  movemos  para  perto  um  do  outro.  Nossos  joelhos  tocaram,  o  contato  enviando um raio de sentimentos através de mim. Meu pulso vibrou.  —  Eu  ainda  escolho  você,  Audrey  Rose.  —  Uma  lágrima  escorregou  por  sua  bochecha.  Eu  gentilmente  a  afastei.  —  Você  concordaria  se  eu  mandasse uma carta para o seu pai pedindo por um noivado, também?  Sua  resposta  foi  um  beijo.  Do  tipo  que  despedaça  paredes  e  as  troca  por luz.                               

  NOVE    Quarto do Thomas  Quinta Avenida, cidade de Nova Iorque  20 de Janeiro de 1889    Eu  encarei  o  pote  de  tinta,  palmas curiosamente úmidas conforme eu rolava  o  bico  da  pena  por  entre  as  pontas  de  meus dedos. Eu havia passado a maior  parte  da  última  semana  mentalmente  praticando  as  palavras  exatas,  a  precisão  da  pontuação,  e  onde  eles  cairiam.  Como  o  pedaço  de  pergaminho  ficaria  com  o  espaço  em  branco  entre  as  palavras. As vírgulas e os pontos de  exclamação  que  nunca  expressariam  meu  entusiasmo  propriamente.  As  pausas  que  eu queria fazer, os pontos que eu faria em favor de por que eu era  um  pretendente  perfeito.  Poderia  não  ser  matematicamente  provável,  mas  eu  estava  certo  de  que  ninguém amava outro alguém tanto quanto eu amava  Audrey Rose.    Caro Lorde Wadsworth, estimado Barão de Somerset,     Eu  lhe  escrevo  sob  grande  pressão.  Eu  pareço  não  conseguir  pedir  adequadamente  para  cortejar  formalmente  sua  filha,  e  devo  me  livrar  de  minha  miséria  de  uma  vez.  Por favor, envie  uma  ninhada  de  morcegos  vampiros  para  me  despachar  o  mais  cedo  possível. Seria uma clara melhora em relação a esta  carta…     O pretendente estúpido, porém esperançoso de sua filha,   Thomas      Eu  amassei  o  pergaminho  e  o  joguei  na  lata  de  lixo.  Eu  não  havia  tido  tanto  problema  pedindo  sua  permissão  para  que  nós  frequentássemos  a  escola  forensíca  na  Romênia.  Isso  não  deveria  ser  diferente.  Exceto  que  era.  Muito  diferente.  Eu  fechei  os  olhos  e  tentei  me  imaginar  falando  com  o  Lorde  Wadsworth  em  pessoa.  Eu  me  imaginei  falando  que  eu  queria  me  casar  com  sua  filha.  Eu  queria  tomá-la  em  meus  braços  e,  egoistamente, 

nunca  deixá-la  partir.  Eu  queria  acordar  ao  seu  lado  todas  as  manhãs  e  cair  na cama juntos à noite…  Eu  não  achava  que  seria  uma  boa  ideia  dizer  em  voz  alta  esses  ​exatos  desejos.  Eu  abaixei  a  caneta  e  esfreguei  minhas  têmporas.  Desesperançoso.  Eu  estava  terrivelmente  desesperançoso  em  assuntos  do  coração.  Eu  precisava  de ajuda. Eu peguei minha caneta de volta e rapidamente rabisquei  outra carta, muito mais fácil de ser escrita.      Querida Daci,     Eu  desejo  pedir  a  mão  de  Audrey  Rose,  e  temo  enfiar  o  pé  na  boca,  em  vez  disso.  O  gosto  de  solas  de  couro  não  combina  comigo.  Você  sabe o que eu penso de tolos, e eu sou o pior tipo  deles. Por favor, ajude.     Seu irmão extremamente inteligente, porém idiota,  Thomas      Pronto.  Se  pelo  menos  todas  as  cartas  pudessem  ser  tão  simples  e  diretas.  Eu  afastei  o  medo  e  a  dúvida  de  mim.  Eu  pensei  em  como  Audrey  Rose  e  eu  nos  sentíamos  a  respeito  um  do  outro  —  quão  forte  a  nossa  ligação  havia  se  tornado.  Eu  nos  imaginei  envelhecendo  juntos,  sentados  nos  jardins  de  uma  casa  de  campo,  o  ar  do  mar  salgado  e  refrescante,  enquanto um cadáver nos esperava em nosso necrotério particular.  Talvez  um  dia  houvesse  crianças,  se  Audrey  Rose  as  desejasse.  Ou,  talvez  nós  tivéssemos  um  bando  de  gatos  e  cães  para  mimar.  Qualquer  que  fosse  o  caminho  que  escolhêssemos,  nós  o  faríamos  juntos.  Nosso  futuro  pertencia  somente  a  nós.  Nosso  passado  pode  ter  nos  moldado,  mas  nós  éramos  os  mestres  de  como  ele  continuaria  a  fazê-lo em nosso presente. Eu  apenas  seria  um  monstro  se  eu  me  permitisse  ser  um.  Eu  também  era  livre  para escolher outro caminho. Um que era completo de amor, risada e luz.  Sonhos.  ​Eu sempre escolheria os sonhos ao invés dos pesadelos. Luz ao  invés  de  escuridão,  e  amor  ao  invés  de  ódio.  E  eu  continuaria  a  fazer  essas  escolhas  sempre.  Cada  um  de  nós  detinha  o  poder  para  decidir  nossos  próprios destinos.  Eu  não  estava  mais  sob  o perigo de me tornar o príncipe das Trevas —  a  ameaça  com  a  qual  meu  pai  gostava  de  me  provocar.  Eu  era  Thomas 

Cresswell,  e  eu  era  mais  do  que bom o suficiente para pedir a mão de Audrey  Rose.  Ela  e  eu  viajaremos  o  mundo  juntos,  como  iguais,  e  enquanto  poderia  haver  outro,  algum  dia,  que  estaria  disposto  a  permitir  aquela  liberdade  a  ela, ela não precisava de minha permissão.  Eu  sorri  para  o  pergaminho,  sem  mais  incertezas.  Eu  levei  minha  caneta  ao  papel  e  comecei  a  escrever.  As  palavras  se  derramaram  de  mim,  rápidas  e  verdadeiras.  Eu  não  estava  mais  escondendo  quem  eu  era  e  pelo  que  desejava.  Eu  sabia  antes  de  terminar  o  último  traço  da  caneta  como  eu  assinaria  a  carta.  Eu  não  iria  esconder  nada,  e  sustentaria  cada  aspecto  de  quem eu era.      Caro Lorde Wadsworth,     Eu  lhe  escrevo hoje para formalmente solicitar uma audiência  o mais breve possível. Eu desejo discutir o importante assunto  do  possível  cortejo  e  noivado  de  sua  filha.  É,  de  certo  modo,  inconvencional,  então  imploro  por  seu  perdão  em  ser  tão  ousado,  mas  eu  já  perguntei  a  Audrey  Rose se ela permitiria o  pedido.  Eu  percebo  que  você  sabe  tanto  quanto eu que ela não  toleraria  menos  de  um  pretendente  em potencial. Igualdade é  algo  que  todos  nós  devemos  receber  livremente.  Ou,  ao  menos, eu firmemente acredito que sim.  Eu espero que lhe agrade — tanto quanto a mim — que ela me  encorajou  a  lhe  enviar  essa  carta  imediatamente.  Eu  quero  que  você  saiba  que  estou  completamente  apaixonado  por  sua  filha,  senhor.  Suas  qualidades  admiráveis  vão  muito  além  da  beleza,  embora  eu  pudesse  certamente  escrever  mil  sonetos  para  isso.  Sua  mente  e  alma  me  tem  cativo  —  e  eu  estou  disposto a ficar prisioneiro pelo resto de minha vida.   Eu  gostaria  de  nada  mais  do que ter Audrey Rose como minha  parceira  em  vida,  para  sempre,  se  você  nos  oferecer  sua  benção. 

  Respeitosamente,   Thomas James Dorin Cresswell,  filho de Sua Graça, Lorde Richard   Abbott Cresswell, Herdeiro de Drácula      PS    Estou  enviando  junto  duas  passagens  de  primeira  classe  para  cruzar o Atlântico a bordo do próximo navio, caso você prefira  falar  em  pessoa,  embora  eu  deseje  uma  viagem  mais  agradável  do  que  a  que  recentemente  experienciamos.  Nós  ansiosamente  esperamos  sua  chegada  na  casa  de  sua  sogra,  aqui em Nova Iorque.                                                   

      [1]​

RMS  é  a  sigla  para  Royal  Mail  Ship,  navios  mercantis  contratados  pelo  Correio  da  Coroa  Britânica  para  entregarem  correspondências  além-mar,  principalmente  entre  a  Inglaterra  e  os  Estados  Unidos.  Em  tradução  literal  -  Navios  do  Correio  Real  (NCR).  Contudo,  RMS  parece  ter  uma  sonoridade  melhor  e  mais  agradável de se ler, por isso decidi manter a sigla original.   [2]​

O  trocadilho  está  em  ‘Raising  Cane’,  que  se  assemelha  muito,  em  som,  a  ‘Raising  Cain’,  uma expressão 

que  significa  ‘causar  uma  bagunça,  fazer  o  inferno  na  terra,  ou  até  mesmo  se  comportar  agressivamente.  Infelizmente,  a  tradução  não  mantém  o  trocadilho.  Cane  significa  bengala.  Raising  pode  apresentar vários  significados, como criar, erguer, levantar. Em tradução literal, teria-se “Criando a Bengala”.  [3]​

Medidor de pressão atmosférica 

[4]​

A  tradução  literal  seria:  ‘Quando  cortaram  a  torta,  os  pássaros  começaram  a  cantar,/“Não  era  uma 

sobremesa  saborosa  para  servir  ao  Rei?”/O  Rei  estava  na  casa  bancária,  contando  seu  dinheiro./A  Rainha  estava  na  sala,  comendo  pão  e  mel.’.  Porém,  modificou-se  a  estrutura  das  frases  e  algumas  palavras  para  manter as rimas. 

 

SOBRE O AUTOR    Kerri  Maniscalco  cresceu  em  uma  casa  semi-assombrada perto da cidade de  Nova  Iorque,  onde  seu  fascínio  com  os  cenários  góticos  começou.  Em  seu  tempo  livre,  ela  lê  qualquer coisa na qual consegue colocar as mãos, cozinha  todos  os  tipos  de  comida  com  sua  família  e  amigos,  e  bebe  chá  demais  enquanto  discute  os  melhores  pontos  da  vida  com  seus  gatos.  Seu  primeiro  livro  nesta  série,  Rastro  de  Sangue,  estreou  em  #1  na  lista de mais vendidos  do  New  York  Times,  e  Príncipe  Drácula  e  O  Grande  Houdini  foram  ambos  best-sellers  ​do  New  York  Times  e  USA  Today.  Ela  está  sempre  animada  para  falar  sobre  paixões  fictícias  no  Instagram  e  no  Twitter  ​@KerriManiscalco​.  Para novidades sobre os Cressworth, verifique k ​ errimaniscalco.com​. 

JIMMY Patterson Books for Young Adult Readers James Patterson Presents Stalking Jack the Ripper by Kerri Maniscalco Hunting Prince Dracula by Kerri Maniscalco Escaping from Houdini by Kerri Maniscalco Capturing the Devil by Kerri Maniscalco Gunslinger Girl by Lyndsay Ely Twelve Steps to Normal by Farrah Penn Campfire by Shawn Sarles When We Were Lost by Kevin Wignall Swipe Right for Murder by Derek Milman Once & Future by Amy Rose Capetta and Cori McCarthy Sword in the Stars by Amy Rose Capetta and Cori McCarthy Girls of Paper and Fire by Natasha Ngan Girls of Storm and Shadow by Natasha Ngan The Maximum Ride Series by James Patterson The Angel Experiment School’s Out—Forever Saving the World and Other Extreme Sports The Final Warning MAX FANG ANGEL Nevermore Maximum Ride Forever The Confessions Series by James Patterson Confessions of a Murder Suspect Confessions: The Private School Murders

Confessions: The Paris Mysteries Confessions: The Murder of an Angel The Witch & Wizard Series by James Patterson Witch & Wizard The Gift The Fire The Kiss The Lost Nonfiction by James Patterson Med Head Stand-Alone Novels by James Patterson Expelled Crazy House The Fall of Crazy House Cradle and All First Love Homeroom Diaries For a preview of upcoming books and information about the author, visit JamesPatterson.com or find him on Facebook, Twitter, or Instagram.

First, she STALKED… Then, she HUNTED… After a narrow ESCAPE… Finally, she’s about to CAPTURE the killer Unless he gets to her first.

Read the New York Times bestselling series by Kerri Maniscalco that Kirkus Reviews called “A gripping mystery with a compelling heroine and just the right touch of romance.”

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Becoming the Dark Prince - Stalking Jack the Ripper Series #3.5 by Kerri Maniscalco

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