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Grupo Editorial - - - - - - - - - - - - - - - Nacional
O GEN I Grupo Editorial Nacional re(me as editoras Guanabara Koogan, Santos, LTC, Forense, Método e Forense Universitária, que publicam nas áreas científica, técnica e profissional. Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras que têm sido decisivas na formação acadêmica e no aperfeiçoamento de várias gerações de profissionais e de estudantes de Administração, Direito, Enfermagem, Engenharia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Educação Física e muitas outras ciências, tendo se tornado sinônimo de seriedade e respeito. Nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí-lo de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livreiros, funcionários, colaboradores e acionistas. Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o crescimento contínuo e a rentabilidade do grupo.
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ssenc1a RenatoDani Professor Aposentado do Departamento de Clínica Médica da FMUFMG. Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina. Titular da Academia Mineira de Medicina. Coautora:
Maria do Carmo Friche Passos Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Doutorado em Gastroenterologia pela Harvard Medicai School (EUA). Belo Horizonte, MG.
Quarta edição
GUANABARA KOOGAN
Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelos autores até a data da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicionalmente, os leitores podem buscar por possíveis atualizações da obra em http://gen-io.grupogen.com.br.
Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2011 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional
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D184g 4.ed. Dani, Renato Gastroenterologia essencial I Renato Dani, Maria do Carmo Friche Passos.- 4. ed.- Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. Inclui índice ISBN 978-85-277-1834-9 1. Gastroenterologia. 2. Aparelho digestivo - Doenças. I. Passos, Maria do Carmo Friche.
II. Título. 11-1941.
CDD: 616.33 CDU: 616.3
Colaboradores
Adávio de Oliveira e Silva Professor Livre-Docente do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP. Diretor Clínico do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEPI) do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP.
Américo de Oliveira Sllvério Mestre em Medicina. Professor substituto da disciplina de Gastroenterologia da Universidade Federal de Goiânia. Chefe do Serviço de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva Alta do Hospital Geral de Goiânia. Goiânia, GO.
Adérson Ornar Mourão Cintra Damião Professor Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP. São Paulo, SP.
Ana Beatriz de Vasconcelos Membro da Clfnica Céu Aberto, do Ambulatório de Estimulantes do Grupo Interdisciplinar de Estudos Álcool e Drogas, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Psicóloga do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. Psicóloga do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. São Paulo, SP.
Adilton Toledo Ornellas Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Adriana Athayde lima Stehling Gastroenterologista titulada pela FBG. Endoscopista titulada pela SOBED. Membro do corpo cllnico do Hospital Biocor. Belo Horizonte, MG.
Ana Flávia Passos Ramos Gastroenterologista. Médica Assistente da Clínica de Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte e da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Mestranda em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG.
Adriana Porta Miche Hirschfeld Pediatra titulada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Médica Assistente do Grupo de transplante hepático do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, e do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP.
Ana Karla Gaburri Mestre em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Professora Assistente de Gastroenterologia da Universidade Metropolitana de Santos. Santos, SP.
Adriano Miziara Gonzalez Professor de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo. Research Fellowship in Liver and GI Transplant, Department ofSurgery ofthe University o f Miami, Florida. Médico do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Aécio Flávio Meirelles de Souza Mestre em Gastroenterologia pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Gastroenterologia (IBEPEGE). São Paulo, SP. Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Chefe do Serviço de Gastroenterologia e Coordenador do Centro de Referência em Hepatites do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
André Gustavo Santos Pereira Médico do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) d o Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. André Luiz Tavares Pinto Professor Associado da disciplina de Gastroenterologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Mestre em Gastroenterologia pela Universidade Federal de São Paulo, SP. Juiz de Fora, MG. Andréa de Faria Mendes Médica da 18' Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Professora Auxiliar de Ensino da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, RJ.
Ahmed Abu-Shanab Research Fellow, Alimentary Pha.rmabiotic Centre, University College o f Cork, Ireland.
Andreia Maria Camargos Rocha Professora Associada, Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Gastroenterologia pela UFMG, Belo Horizonte, MG.
Alexandre Rodrigues Ferreira Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da UFMG. Doutor em Medicina. Gastroenterologista Pediátrico do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. Endoscopista pediátrico do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG. Belo Horizonte, MG.
Angelo Alves de Mattos Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e do Curso de PósGraduação em Hepatologia da UFCSPA. Presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Presidente da Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado, Porto Alegre, RS.
Aloísio Sales da Cunha Professor Emérito do Departamento de Clínica Médica da UFMG. Belo Horizonte, MG.
Angelo Paulo Ferrari Junior Professor Adjunto e Chefe do Setor de Endoscopia da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP.
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Colaboradores
Angelo Zambam d e Mattos Membro do Serviço de Gastroenterologia Clínica e Cirúrgica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da UFCSPA, Porto Alegre, RS. Arnaldo Bernal Filho Médico do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Arnaldo José Pontello Neves Gastroenterologista do Hospital Israel Pinheiro, do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, M G. Augusto Paulino Nettot Chefe da 13• Enfermaria da Santa Casa do Rio de Janeiro. Professor Titular e Chefe do Departamento de Cirurgia da Escola de Medicina Souza Marques, Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina, Rio de Janeiro. Briane André Vertuan Ferreira Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Bruno Sq uárcio Fernandes Sanches Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Biocor. Belo Ho rizonte, M G. Carlos Augusto Gom es Professor Adjunto Doutor responsável pela Disciplina de Cirurgia do Sistema Digestório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Membro Titular da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), Juiz de Fora, M G. Carlos Henrique Diniz de Miranda Professor Auxiliar do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Assistente Efetivo do Serviço de Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG. Carlos Sandoval Gonçalves Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFES. Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes do Centro Biomédico da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, ES. Celso Marques Raposo Júnior Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Celso Mirra de Paula e Silva Gastroenterologista. Membro do Arnerican College o f Gastroenterology. Ex-Presidente da Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Claudemiro Quireze Junior Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo. Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO.
Aparelho Digestivo (ICAD) do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Daniella Cavalcanti Pós-Graduada em Gastroenterologia pela PUC do Rio de Janeiro. Médica Residente de Clínica Médica da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ. Daniella Ribeiro Einstoss Korman Gastroenterologista. Capitã Médica e Endoscopista da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Dario Ravazzi Ambrizzi Chefe do Serviço de Cirurgia e Traurnatologia Buco-Maxilo-Facial da FAMECA, Catanduva, SP. Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital Heliópolis de São Paulo, SP. David Corrêa Alves de Lima Diretor da Clínica BIOGASTRO - Núcleo de Gastroenterologia e Vídeoendoscopia Digestiva. Membro da SFED (Sociedade Francesa de Endoscopia Digestiva). Membro da ASGE (Arnerican Society o f Gastrointestinal Endoscopy), Belo Horizonte, MG. Dorina Barbieri Livre-Docente em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ex-Chefe da Unidade de Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Clinicas da FMUSP. Professora do Curso de PósGraduação do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP. Dulciene Maria de Magalhães Queiroz Professora Titular do Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Belo Horizonte, MG. Eamonn M. M. Quigley Professor do Medicine and Human Physiology, Alimentary Pharmabiotic Centre, Departrnent ofMedicine, Cork University Hospital, Cork, Irlanda. Ex-Presidente do World Gastroenterology Organization. Ex-Presidente do Arnerican College of Gastroenterology. Cork, Irlanda. Edivaldo Fraga Moreira Chefe da Clínica Endoscópica do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG. Eduardo Botelho de Carvalhot Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da FMUFMG. Belo Horizonte, MG. Eduardo Figueiredo Benedetti Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Eduardo Nacur Silva Mestre em Cirurgia. Cirurgião geral da Santa Casa de Belo Horizonte. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Belo Horizonte, MG. Eliza Maria de Brito Mestre em Gastroenterologia. Professora Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da UNIFENAS, em Belo Horizonte. Membro do Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG.
Cristiane Maria Freitas Ribeiro Médica Patologista do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. Médica Assistente do Departamento de Anatomia Patológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP.
Elmar José Moreira Lima Gastroenterologista em Belo Horizonte, MG.
Dan Linetzky Waitzberg Professor Associado da Disciplina de Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Livre-Docente, Mestre e Doutor em Cirurgia pela FMUSP. Diretor do Instituto de Cirurgia do
Elson Vidal Martins Junior Mestre em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Professor Assistente da Disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, SP.
Colaboradores Eponina Maria de Oliveira Lemme Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Chefe da Unidade de Esôfago e do Ambulatório de Doenças do Esôfago, Serviço de Gastroenterologia do Hospital Clementino Fraga Filho, UFRJ - Rio de Janeiro, RJ. Evandro de Oliveira Souza Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Fábio Heleno de Lima Pace Mestre e Doutor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Fábio Rosa Moraes Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Fausto E. Lima Pereira Professor Titular de Patologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) da UFES, Vitória, ES.
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Gifone Aguiar Rocha Professor Associado, Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina/UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFRJ, Belo Horizonte, MG. Gilberto Perón Júnior Médico Assistente do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Gilda Porta Professora Livre-Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP. Médica Hepatologista Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP. Médica do Grupo de Transplante Hepático do Hospital A. C. Camargo e do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP. Glaciomar Machado Professor Titular de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ph.D. pela Universidade de Brístol, Inglaterra. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina (cadeira 18). Presidente da Organização Mundial de Endoscopia Digestiva - OMED {1998-2002). Presidente Honorário da Organização Mundial de Endoscopia Digestiva - OMED (2005). Rio de Janeiro, RJ. Graziella Mattar Vieira de Alvarenga Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Endocrinologista do Hospital Socor. Belo Horizonte, MG.
Fauze Maluf Filho Mestre em Medicina pelo Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas da USP. Endoscopista do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. Chefe do Serviço de Endoscopia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, SP.
Guilherme Santiago Mendes Hepatologista e Gastroenterologista. Preceptor da Residência de Gastroenterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG.
Felipe de Souza Atan Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Guilherme Tarameli dos Santos Cecilia Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Fernando Augusto Vasconcellos Santos Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Cirurgião do Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG) e do Instituto Alfa do HC da UFMG - Belo Horizonte, MG.
Gustavo Miranda Martins Assistente da Clínica Gastroenterológica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Ex-Estagiário do Serviço de Hepatogastroenterologia do Hospital Sainte Marguerite, Marselha, França {Serviço do Prof. José Sahel). Belo Horizonte, MG.
Flávia Costa Cardoso Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Heitor Rosa Doutor em Medicina. Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. Chefe do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das Clínicas da UFG. Ex-Diretor da Faculdade de Medicina da UFGO. Goiânia, GO.
Flávio Antonio Quilici Professor Titular de Gastroenterologia e Cirurgia Digestiva da Faculdade de Medicina do CCV da PUC-Campinas. Mestre em Medicina e Doutor em Cirurgia pela Unicamp. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Ex-Presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Síndrome do Intestino Irritável, Campinas, SP. Francisco César Nassar Tribulato Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Francisco Leôncio Dazzi Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Fred erico Passos Marinho Gastroenterologista titulado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia. Mestrando em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. Gerusa Maximo de Almeida Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Henrique Eloy B. Câmara Membro do Serviço de Cirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Cirurgião em Belo Horizonte, MG. Hilton Muniz Leão Filho Médico Radiologista Especializado em Imagens do Abdome e Pelve. Setor de Radiologia do Hospital do Coração, Parte de Medicina Interna. São Paulo, SP. Isaura Ramos Assumpção Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Assistente da Unidade de Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP, Médica Assistente da Unidade de Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP. São Paulo, SP. Jaime Natan Eisig Doutor em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Grupo de Estômago do Serviço de Gastroenterologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP.
VIII
Colaboradores
Jander Toledo Ferreira Membro do Grupo de Esôfago e Estômago e do Grupo de Fígado, Vias Biliares, Pâncreas e Baço do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Cirurgião do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Jean Rodrigo Tafarel Gastroenterologista titulado pela FBG. Endoscopista titulado pela SOBED. Doutor em Ciências Médicas pela Escola Paulista de Medicina, da UFSP. Curitiba, PR. Joffre Marcondes de Rezende Professor Emérito da Universidade Federal de Goiânia. Goiânia, GO.
Juliana Becattini Gu erra Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Bacteriologia da FMUFMG. Professora da Universidade de Itaúna, MG. Belo Horizonte, MG. Juliano Machado de Oliveira Mestre em Gastroenterologia pela Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Professor Assistente de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Julio Maria Fonseca Chebli Doutor em Gastroenterologia pela UNIFESP. Professor Associado e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Pesquisador do CNPq. Juiz de Fora, MG.
Joffre Rezende Filho Professor Assistente Doutor do Serviço de Gastroenterologia e Hepato logia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Mestre em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo). Goiânia, GO.
Katia Valéria Bastos Dias Barbosa Mestre e Doutora em Gastroenterologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, MG. Médica do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Professora Assistente de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
Jorge Marcelo Padilla Mancero Mestre em Gastroenterologia pelo Hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo. Médico Assistente do CETEFI, do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP.
Laura Cotta Omellas Halfeld Doutora em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).
José Alves de Freitas Doutor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina, São Paulo. Professor Titular de Clínica Médica I da Faculdade de Medicina de Catanduva e Diretor da Faculdade de Medicina de Catanduva. Catanduva, SP. José Celso Ardengh Médico Assistente do Setor de Endoscopia e Ecoendoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein. Médico Voluntário do Setor de Endoscopia Digestiva da Disciplina de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). São Paulo, SP.
Leonardo Reuter Motta Gam a Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Liano Sia Moreira Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Socor. Membro dos Serviços de Endoscopia Digestiva dos Hospitais Mater Dei e Governador Israel Pinheiro (IPSEMG). Gastroenterologista titulado pela FBG. Endoscopista titulado pela SOBED. Belo Horizonte, MG.
José Dayrell de Lima Andrade Professor da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG. Preceptor da Residência de Clínica Médica no Hospital Regional de Barbacena (FHEMI G). Ex-Estagiário no Serviço de Hepatogastroenterologia do Prof. Jose Sahel no Hôpital de la Conception, em Marselha, França. Barbacena, MG.
Liliana Andrade Chebli Gastroenterologista pelo Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Núcleo de Pesquisa em Gastroenterologia. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
José de Laurentys Medeiros Professor Titular de Semiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Belo Horizonte. Chefe da Clínica Gastroenterológica da Santa Casa de Belo Horizonte. Titular da Academia Mineira de Medicina. Belo Horizonte, MG.
Lincoln Eduardo Villela Vieira de Castro Ferreira Doutor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina- Universidade Federal de São Paulo, SP. Médico do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
José de Laurentys Medeiros Junior Gastroenterologista e Endoscopista do Hospital da Polícia Militar de Belo Horizonte, MG.
Lisandra Carolina M. Quilici Cirurgiã do Aparelho Digestivo e Endoscopista. Cirurgiã do Hospital da PU C. Campinas, SP.
José Galvão Alves Chefe da 18" Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Gama Filho e da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Professor de pós-graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia N acionai de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFMG. Rio de Janeiro, RJ.
Lorete Maria da Silva Kotze Doutora em Gastroenterologia Clínica pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Titulada como Especialista em Gastroenterologia, Gastroenterologia Pediátrica e Clínica Médica. Professora Adjunta Aposentada da Disciplina de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta do Curso de Medicina do Setor de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná. Professora do Curso de Especialização em Adolescência da PU C-Paraná. Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Cajuru da PUC-Paraná. Membro Internacional do American College o f Gastroenterology. Curitiba, PR.
José Mauro Messias Franco Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG). Sócio-Titular da FBG e da SGNMG. Belo Horizonte, MG. José Sahel Professor de Gastroenterologia e de Hepatologia da Universidade do Mediterrâneo (Aix-Marseille II). Marselha. Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hôpital de la Conception, Marselha, França.
Lucas Cagnin Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Lucas Souto Nacif Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Colaboradores
Luciana Dias Moretzsohn Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo de Propedêutica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG. Luciana Diniz Silva Professora Associada, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenadora de Projetos de Pesquisa e Extensão do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte, MG. Luciano Cézar Ribeiro Magalhães Gastroenterologista e Endoscopista. Professor Assistente da Faculdade Federal de Medicina de Montes Claros, MG. Luis Fernando Dutra Diniz Gastroenterologista e Endoscopista Titulado. Sete Lagoas, MG. Luiz Augusto Carneiro D'Albuquerq ue Professor Titular do Departamento de Gastroenterologia, Disciplina de Transplante de Fígado, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor Cirúrgico do CETEFI, Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Luiz Cláudio Miranda da Rocha Endoscopista Assistente do Hospital Mater Dei e do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais. Especialista em Endoscopia do Aparelho Digestivo titulado pela SOBED. Curso de Especialização em Endoscopia Digestiva em Lyon, França. Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. Luiz de Souza e Silva Júnior Professor da Universidade de Ciência da Saúde de Alagoas. Médico do Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL. Luiz Gonzaga Vaz Coelho Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Subchefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte, MG. Luiz Roberto Kotze Médico Patologista, titulado pela Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). Médico colaborador do Grupo de Pesquisa em Doenças do Sistema Digestório da PUC-PR. Patologista do Laboratório CITO PAR. Curitiba, PR. Luiz Ronaldo Alberti Endoscopista e diretor-técnico da Clínica Biogastro de Belo Horizonte. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da UFMG. Mestre e Doutor em Cirurgia pela UFMG. Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia e da SGNMG. Membro Adjunto do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Membro da SOBED. Belo Horizonte, MG. Maiza da Silva Costa Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Maraci Rodrigues Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Assistente do Departamento de Gastroenterologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP. Ex-Estagiária do Departamento de Pediatria - Divisão de Gastroenterologia e Nutrição da UCLA, Los Angeles, California. São Paulo, SP. Marcela Mendes Assumpção Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP.
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Marcelo Henrique de Oliveira Especialista em Gastroenterologia pelo Serviço de Gastroenterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG, Belo Horizonte). Barbacena, MG. Márcio Guimarães Moreira Dias Gastroenterologista e Endoscopista. Patos de Minas, MG. Marcos Vinicius Perini Assistente Doutor do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal. Hospital das Clínicas, FMUSP. São Paulo, SP. Maria Clara Freitas Coelho Assistente Voluntária da VI Enfermaria de Mulheres da Santa Casa de Belo Horizonte, MG. Maria d a Penha Zago Gomes Professora Adjunta de Clínica Médica do Centro Biomédico da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, ES. Maria de Lourdes de Abreu Ferrari Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado e Coordenadora do Ambulatório de Intestino Delgado do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Belo Horizonte, MG. Maria do Carmo Friche Passos Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Doutorado em Gastroenterologia pela Harvard Medica! School (EUA). Belo Horizonte, MG. Maria Elizabeth Calore Neiva Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Maria Ermelinda Camilo Professora Auxiliar e Diretora do Centro de Nutrição e Metabolismo da Faculdade de Medicina de Lisboa. Lisboa, Portugal. Maria J uliana Louggio Cavalcanti Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP. Marisa Fonseca Magalhães Professora Auxiliar do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Assistente Efetiva do Serviço de Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte, MG. Marta Carvalho Galvão Médica do staff da 18" Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital São Zacarias do Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro. Professora Assistente de Radiologia da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques e da Universidade Gama Filho. Mestre em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ. Mauro Bafutto Mestre em Gastroenterologia pela Universidade Federal de São Paulo. Professor Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, Goiânia. Diretor Clínico e Pesquisador do Instituto Goiano de Gastroenterologia. Goiânia, GO. Mounib Tacla Membro do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Gastroenterologia (IBEPEGE) e do Instituto de Gastroenterologia de São Paulo (IGESP). Chefe da Unidade de Gastroenterologia do Hospital do Coração. São Paulo, SP.
X
Colaboradores
Naisa Oliveira Alvim Mattedi Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Priscila Lopes Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Natália Cordeiro Médica Residente de Clínica Médica da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ.
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Patrícia Barbosa Ferrari Pediatra Titulada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Pediatra da Triagem Neonatal do Estado do Paraná, Fundação Ecumênica da Proteção ao Excepcional. Curitiba, PR.
Raul Carlos Wahle Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Paula Amorim Novais Mestre em Gastroenterologia pela UFRJ. Médica do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ. Rio de Janeiro, RJ.
RenatoDani Professor aposentado do Departamento de Clínica Médica da FMUFMG. Ex-Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Israel Pinheiro, do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. T itular da Academia de Medicina de Minas Gerais. Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina. Ex-Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia e da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Belo Horizonte, MG.
Paula Hugueney Cruz Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Renato Ferrari Letrinta Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Paulo Cesar Andriguetto Mestre em Cirurgia. Coordenador Geral da Residência do Hospital Nossa Senhora das Graças de Curitiba. Preceptor de Residência em Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da UFPR. Cirurgião Assistente Estrangeiro da Faculdade de Medicina de Montpellier, França. Curitiba, PR.
Renato Mitsunori Nisihara Ph.D. Professor Titular da disciplina de Microbiologia e Imunologia Médica do Departamento de Medicina da Universidade Positivo. Professor Responsável pela disciplina de Microbiologia e Imunologia Médica do Departamento de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR).MembrodoGrupoDocenteEstruturantedoCursodeMedicinada FEPAR. Pesquisador do Grupo de Pesquisa do Laboratório de !munopatologia da Universidade Federal do Paraná e Responsável Técnico do Laboratório de Imunopatologia da UFPR. Consultor do Setor de Imunologia do Citolab, Laboratório de Citologia Clínica e Histopatologia. Curitiba, PR.
Patrícia Lofêgo Gonçalves Médica do Serviço de Gastroenterologia, Centro Biomédico, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória, ES.
Paulo Fernando Souto Bittencourt Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da UFMG. Endoscopista Pediátrico do Instituto Alfa (HC da FMUFMG) e do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG. Paulo Gustavo Kotze Médico Coloproctologista. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Médico do Serviço de Coloproctologia da Aliança Saúde do Hospital Universitário Cajuru (PUCPR). Mestre em Ciências da Saúde pelo Setor de Ciências Biológicas da Pontificia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, PR. Paulo Herman Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Chefe do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. Paulo Roberto Savassi Rocha Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Chefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG. Paulo Villar do V alie Chefe do Setor de Imagens da Casa de Saúde São José. Rio de Janeiro, RJ. Pedro Duarte Gaburri Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Universidede Federal de Juiz de Fora, MG. Penélope Lacrísio dos Reis Menta Mestranda do Programa de Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da UFMG. Nutricionista do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Alfa de Gastroenterologia (Hospital das Clínicas da UFMG). Belo Horizonte, MG.
Renato Rocha Passos Chefe de Clínica da 13" Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor Auxiliar da Universidade Gama Filho. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da Fundação TécnicoEducacional Souza Marques. Rio de Janeiro, RJ. Ricardo Cesar Rocha Moreira Cirurgião Vascular e Endovascular. Diplomado pelo American Board of Surgery. Mestre e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná. Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Universitário Cajuru da PUC do Paraná, em Curitiba. Membro T itular e Ex-Mestre do Capítulo do Paraná do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Regional do Paraná. Curitiba, PR. Ricardo Guilherme Viebig Mestre em Gastroenterologia pelo IBEPEGE, São Paulo. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Editor Consultivo da Revista Arquivos de Gastroenterologia. São Paulo, SP. Ricardo P. B. Ferreira Gastroenterologista pelo Serviço de Gastroenterologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. T itular da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Professor de Gastroenterologia da Universidade do Estado do Amazonas e do Centro Universitário Nilton Lins. Roberto Franceschelli Neto Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Colaboradores
XI
Roberto Pimentel Dias Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG). Belo Horizonte, MG.
Clínica e Disciplina de Estágio Obrigatório Profissionalizante do Centro de Farmácia da UFPR. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da UFPR. Curitiba, PR.
Roberto Santoro Meirelles Médico Gastroenterologista em Belo Horizonte, MG.
Taiane Costa Marinho Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Rodrigo d e Oliveira Peixoto Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia do Sistema Digestório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE). Rodrigo M. Quera Gastroenterologista, Clínica Las Condes, Santiago do Chile. Honorary Lecturer, Department o f Gastroenterology, U niversity o f Chile Hospitais and Clinics, Santiago, Chile. Rodrigo Maced o Rosa Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia e Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Coordenador da Residência Médica e Estágios em Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa de Gastroenterologia - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Rodrigo Vianna, MD Diretor do Programa de T ransplante Intestinal e Multivisceral, Professor Associado do Departamento de Cirurgia. Indiana University Health and Clarian Transplant Institute, Indianápolis, USA. Rogério Luiz Coutinho Lopes Professor Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. Rogério Luiz Pinheiro Professor Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG.
Thiago Beduschi, MD Fellow do Programa de Transplantes, Departamento de Cirurgia, Indiana University Health and Clarian Transplant Institute, Indianapolis, USA. Vânia Luiza Cochlar Pereira Professora Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ. Mestre em Gastroenterologia pela UFRJ. Rio de Janeiro, RJ. Verônica Desirée Samudio Cardozo Médica do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Victor B. Koehne Gastroenterologista e Endoscopista. Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. Vitor Antonino Mendes d e Sá Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Evangélico de Belo Horizonte. Gastroenterologista e Endoscopista. Belo Horizonte, MG. Vitor Arantes Membro de Serviço de Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa de Gastroenterologia (Hospital das Clínicas da UFMG). Especialização em Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada e Terapêutica Endoscópica na Universidade Autônoma de Barcelona. Research Fellow em Ultrassom Endoscópico, University ofTexas Medicai Branch, Galveston, EUA. Mestre em Gastroenerologia pela Faculdade Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG.
Sandra Beatriz Marion Valarini Médica Gastroenterologista e Endoscopista T itulada. Mestre em Medicina de Urgência pela PUCPR. Professora de Medicina da PUCPR, Curitiba, PR.
Walton Albuquerque Coordenador Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa de Gastroenterologia (do Hospital das Clínicas da UFMG) e do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais. Endoscopista Assistente do Hospital Felício Rocho. Membro Titular da SOBED e do CBC. Especialização em Endoscopia em Lyon, França. Doutor em Gastroenterologia pela FMUFMG.
Shirley Ramos d a Rosa Utiyam a Ph.D. Professora Associada do Departamento de Patologia Médica da Universidade Federal do Paraná. Professora da Disciplina de Imunologia
Washington Luiz dos Santos Vieirat Doutor em Gastroenterologia. Assistente da Clínica Gastroenterológica da Santa Casa de Misericórdia, Belo Horizonte, MG.
Dedicatória
Dedico este livro a Lucia Soares de Albuquerque, verdadeira irmã mais velha, amiga em todos os momentos, falecida dias antes de seu centenário, e a Célio Diniz Nogueira, grande mestre de cirurgia, grande amigo.
R. Dani
Para meus mestres da vida, diletos pais, Abelardo e Mariinha. Para meus mestres de iniciação na ciência e na arte de Hipócrates, nos exemplos luminosos de José de Laurentys Medeiros e Luiz de Paula Castro, bússolas orientadoras que me conduziram ao saber sábio e de prática aprendizagem com um Vaz Coelho. Com especial reconhecimento ao professor Renato Dani, pelo generoso convite que me abre as portas deste livro de referência para toda a gastroenterologia brasileira, por ele magistralmente concebido.
Maria do Carmo Friche Passos
Meus filhos e netinhos Há muitos anos um árabe, homem importante entre os seus, dirigiu a um arqueólogo inglês, de nome Austen Henry Layard, as palavras de espanto e respeito que verão adiante. O que motivou toda a emoção e admiração do xeique foram as descobertas trazidas à luz do dia pelo arqueólogo. Esse inglês, nascido de família modesta e mais tarde nomeado Sir, desenterrou das areias do deserto maravilhas de um passado remoto, testemunhas palpitantes do esplendor da perdida civilização assíria. Ele é um bom exemplo de como um homem de poucos recursos materiais, mas determinado, transforma sonhos em realidade. Layard continuou o trabalho do francês Paul-Émil Botta, pioneiro no campo da arqueologia mesopotâmica, com quem se encontrara e cujas conversas muito o influenciaram. O francês era, também, um médico como o trisavô, o bisavô, o avô e a avó de vocês, meus netos, o que não deixa de gerar um certo ar de empatia... Botta constitui outro belo exemplo de como nada interfere entre um homem e seu sonho, se o espírito é forte. Agora, fechem os olhos, imaginem-se sobre uma duna no deserto do Iraque e ouçam o árabe: "Meu pai e o pai de meu pai, antes de mim, abriram aqui as suas tendas ... Há doze séculos que os verdadeiros crentes -Alá seja louvado, só eles possuem a verdadeira sabedoria! - se estabeleceram neste país, e nenhum deles jamais ouviu falar em
palácios subtem1neos, tampouco aqueles que os precederam. Então, eis que aparece um franco, de um país afastado muitos dias de viagem, vai ele diretamente ao lugar, pega um bastão e traça uma linha para cá, uma linha para lá. Aqui, diz, está o palácio, e acolá está o portão. E mostra-nos o que, durante toda a nossa vida, esteve sob os nossos pés, sem que nada soubéssemos. Maravilhoso! Maravilhoso! Aprendeste isso pelos livros, por artes mágicas, ou pelos vossos profetas? Di-lo, ó Bei! Diz-me o segredo da sabedoria!" Assim discursou o aturdido xeique Abd-Al-Rahman. Eu também queria saber esse segredo e meu coração se aquece ao imaginar que - quem sabe? -vocês o descubram. É possível que o caminho para lá chegar inclua ter um espírito aberto e desarmado, inteligência, curiosidade, observação crítica e simplicidade. Simplicidade de espírito para reconhecer que pouco se sabe e que sempre devemos buscar aprender mais; humildade para perceber que a verdadeira sabedoria é mais que erudição, mas que, ao mesmo tempo, permita sentir cada alvorada como um reinício e cada dia como outro momento para se procurar o que toda a vida esteve sob os nossos pés. Com o amor do Renato
Apresentação
O Brasil é um país suficientemente importante em Gastroenterologia para ter, em língua portuguesa, um bom tratado de doenças do aparelho digestivo, como, de fato, existe. Um destes foi editado por Renato Dani e Luiz de Paula Castro, e conta com várias edições. A presente obra, Gastroenterologia Essencial, é mais compacta que o livro anterior, urna atualização crítica, motivada pelos mais recentes progressos em Gastroenterologia. Penso que Renato Dani é, realmente, a pessoa apropriada para redigi-lo. Eu o conheço há mais de 40 anos. Foi um dos primeiros colaboradores do meu Serviço de Gastroenterologia Clínica e do Grupo de Pesquisas em Patologia Digestiva de Marselha, setor este muito orientado para o pâncreas. Rapidamente, me dei conta das qualidades que fazem dele um pesquisador internacionalmente conhecido: é detentor de uma inteligência viva, bastante cético para rejeitar, sem dar maior atenção, o inútil e o falso, ainda que revestidos de uma roupagem que impressiona, assim como tem a capacidade de identificar o relevante- e apreendê-lo. Juntos, em meu laboratório, estudamos os efeitos da refeição simulada sobre a secreção pancreática do homem, o que tinha sido descrito apenas no cão, por Pavlov (fase cefálica da secreção pancreática). Voltando a Belo Horizonte, ele
soube utilizar os meios de que dispunha, analisando prospectivamente um material patológico enorme, em comum com o seu amigo Célio Nogueira. Exploraram a anatomia patológica, a epidemiologia, a clínica, a cirurgia, enfim, a patologia pancreática brasileira sob múltiplos aspectos, bem como seu papel nosológico. Fizeram isso tão bem que permitiram conhecer as doenças do pâncreas melhor do que em diversos outros países mais equipados. Após sua iniciação, Renato Dani não se deixou repousar. Ele compreendeu que métodos sofisticados de pesquisa, como a biologia molecular, não tornam inútil a pesquisa clínica, como muitos imaginam. De fato, não é raro observar que trabalhos complexos e bem elaborados não se aplicam a nenhum problema preciso. Multiplicando as conferências no Brasil e em numerosos países da América e da Europa, ele pode ser considerado, sem favor, um dos responsáveis pela vitalidade da pesquisa em Gastroenterologia no Brasil. Ninguém duvide que este livro, que traz uma visão precisa sobre múltiplos aspectos da patologia do aparelho digestivo, se compare aos bons similares publicados na literatura internacional. Henri Sarles
Marselha.
Prefácio à Quarta Edição
Esta quarta edição de Gastroenterologia Essencial apresenta algumas diferenças se comparada com a anterior. A primeira e mais importante novidade é a inclusão da professora Maria do Carmo Friche Passos como autora associada. A doutora Maria do Carmo é Professora Doutora da Faculdade de Medicina da UFMG. É um nome bastante conhecido da Gastroenterologia nacional, sobretudo entre aqueles que se interessam pelas doenças funcionais do aparelho digestivo. A sua inclusão certamente valoriza o nosso livro e é muito bem-vinda.
diagnóstico. Um exemplo edificante desses fatos é o livro de Zachary Cope (1881-1974), Early diagnosis of the acute abdomen, publicado a primeira vez em 1921, com inúmeras edições. Foi atualizado apenas em seus comentários sobre exames complementares modernos, por William Silen, professor de Cirurgia da Harvard School o f Medicine. Este livro é uma obra-prima de Medicina Clínica e continua tão atual e útil quanto o era em 1921, justamente por privilegiar a clínica. A última edição, a vigésima, é de 2000.
O texto foi todo revisto para ficar conforme as normas do mais recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. A Editora Guanabara Koogan, por sua vez, utilizou um programa de computador que padroniza os termos mais usados em Medicina, para uniformizar a grafia dessas palavras nos livros que edita. Particularmente, estranhamos algumas poucas palavras, mas todas foram pesquisadas pela Editora e se encontram justificadas no vernáculo.
Dois colegas faleceram durante os trabalhos de preparação do livro, e lamentamos profundamente essas mortes e a falta que farão: o Professor Doutor Washington Luiz dos Santos Vieira, falecido por ocasião da 3ª edição, e o Professor Doutor Augusto Paulino Netto, durante a feitura da quarta edição. Ambos foram muito importantes em edições passadas e estão incluídos nesta. Manifestamos aqui a nossa saudade e respeito.
Do ponto de vista científico, o livro foi revisado integralmente. Dois capítulos foram excluídos, por não serem mais relevantes para a Gastroenterologia clínica ou por tratarem de um teste propedêutico já rotineiro; outros tiveram a colaboração de novos autores ou, ainda, foram incluídos por versarem sobre conhecimentos recentes, como o caso do 113, Transplante de
Intestino e Multivisceral. Os capítulos que seguem essas normas são: 23, 25, 34, 35, 50, 76, 92, 105 e 113. O livro é fartamente documentado com figuras em preto e branco e, em relação às edições anteriores, conta com mais ilustrações coloridas. Queremos insistir no fato de que, apesar dos avanços dos testes diagnósticos, o exame clínico é fundamental. Devemos ouvir os doentes, interrogá-los e proceder ao exame físico cuidadoso. Muitas vezes, o doente, ao contar a sua história, nos entrega o
Finalmente, queremos, mais uma vez, agradecer aos colaboradores, nacionais e estrangeiros, pelo esplêndido trabalho ao escrever os seus capítulos. Agradecemos, também, aos leitores, e estamos abertos para suas sugestões e críticas. Não poderíamos deixar de agradecer à diretoria do GEN I Grupo Editorial Nacional- do qual faz parte a Guanabara Koogan -, na pessoa de seu diretor-presidente, Sr. Mauro Koogan Lorch, que sempre nos prestigiou e tratou com distinção. Agradecemos também ao pessoal técnico da área da saúde: Sérgio Pinto, Robson Domingues, Aluisio Affonso, Juliana Affonso, Maria Fernanda Dionysio e Beatriz Carneiro, dentre outros que trabalharam no livro. A todos que nos apoiaram e incentivaram, o nosso muito obrigado.
Os autores.
Prefácio à Terceira Edição
Esta terceira edição da Gastroenterologia Essencial pretende seguir a mesma orientação das edições precedentes: compacta, informativa e atualizada. A boa acolhida das duas edições anteriores justifica a atual e constitui, para o autor e colaboradores, motivo de muita satisfação. Algumas mudanças foram introduzidas visando atender leitores e tratar de matéria que foi menos ventilada na segunda edição. O livro aumentou um pouco, agora tem 112 capítulos. Como sempre, os colaboradores fizeram um belo serviço, sobretudo se considerarmos que é muito mais difícil escrever compactamente do que sem limites. Aproveito, portanto, para agradecer a todos que escreveram para as três edições e dizer-lhes da minha admiração e gratidão. Sou particularmente reconhecido aos amigos Adávio de Oliveira e Silva, Luiz Gonzaga Vaz Coelho, Lorete Maria da Silva Kotze, Mounib Tacla e à "turma" de Juiz de Fora. O entusiasmo deles contagia e impulsiona. Não posso deixar de mencionar os meus residentes, que, através dos anos, constituíram motivo de orgulho e um estímulo continuado.
Em 2004 faleceu o professor Liberato João Affonso Di Dio. Foi uma grande perda para o ensino e a pesquisa, tanto no Brasil, quanto na América do Norte. Fui seu monitor de Anatomia Humana na Faculdade de Medicina da UFMG e quero dar-lhe o meu adeus nestas páginas. Ao Sr. Mauro Koogan Lorch, diretor da Guanabara Koogan, um verdadeiro gentleman, minha gratidão por sua confiança e muitas gentilezas. Ao Sr. Sérgio Alves Pinto, o meu muito obrigado por seus cuidados e dedicação para fazer o melhor possível editorialmente. Finalmente, expresso minha esperança de que o livro continue a ser útil a médicos e estudantes que se interessam pela Gastroenterologia.
RenatoDani Verão de 2006.
Prefácio à Primeira Edição
Este livro foi encomendado pelo Sr. Mauro Koogan Lorch, da Editora Guanabara Koogan. Ele desejava uma obra que fosse compacta, atualizada, de leitura amena, e que servisse a estudantes, clínicos e especialistas. Na realidade, ele estava propondo uma tarefa bastante difícil e, por isso, a minha primeira resposta foi um assustado não. No Natal de 1996, o Sr. Mauro renovou o convite e, com seus argumentos envolventes e simpáticos, acabou por obter a temerosa aquiescência deste escriba. Antes do sim definitivo, porém, procurei ouvir colegas que poderiam me auxiliar a cumprir aquele contrato tão específico. Assim, expliquei ao Adávio de Oliveira e Silva de que se tratava, e perguntei-lhe o que achava. A resposta foi o que o Adávio é: uma explosão de dinâmico otimismo e entusiasmo. Com essa positiva injeção de ânimo, convidei, em seguida, colaboradores reconhecidamente respeitados por seus conhecimentos e experiência, e entreguei a eles, e a seus grupos, algumas partes do livro. Ao Pedro Gaburri, Aécio Meirelles e Adilton Ornelas, encomendei a primeira seção do livro; ao Márcio Tolentino, confiei doenças do esôfago; ao Luiz Gonzaga Vaz Coelho, o bloco do estômago; à Lorete Kotze, a patologia do intestino delgado; ao Adávio, o fígado; ao Mounib Tacla, as alterações do intestino grosso; e, a outros colegas, capítulos isolados. Creio que os leitores concordarão em que todos os colaboradores, nacionais e internacionais, se saíram muito bem, como era de se esperar, e agradeço a cada um o seu esforço e competência. O meu amigo, Professor Henri Sarles, de Marselha, escreveu a "Apresentação". Fiz questão de convidá-lo porque tenho por ele o maior respeito e afeição. O Prof. Sarles é líder de uma prestigiosa escola de Gastroenterologia, com discípulos atuantes por todo o mundo, muitos aqui no Brasil. A sua cultura é algo de notável, não só médica, mas humanística, o que faz dele um homem à altura das melhores tradições da escola francesa. É um homem que é quelqu'un et quelque chose. O atual comandante dessa Escola de Marselha é o Prof. José Sahel, de renome internacional, que também colabora neste livro, e que mantém a tradição de nossa escola. Os leitores notarão que o Prof. Sarles usou, a meu respeito, palavras fraternas, exageradas, tais como um amigo se refere a outro, mas que, não obstante, me deixaram emocionado e grato. Reconheço que muito devo
a minha formação profissional ao Prof. Sarles, a cuja escola tenho a honra de pertencer, e, também, aos Professores Luigi Bogliolo e, especialmente, João Galizzi; deste, fui assistente por muitos anos, e não conheço quem lhe seja superior em decência, retidão e respeito a seus semelhantes; aquele introduziu-me na pesquisa experimental e ensinou-me a ser crítico. Durante a impressão do livro, perdemos Eduardo Botelho de Carvalho, colaborador em nossos livros médicos e colega na Faculdade de Medicina da UFMG. Faleceu prematuramente, aos 44 anos, em plena efervescência de uma carreira em franca ascensão. Realmente, lamentamos muito. Devo assinalar a paciência do Sr. Sérgio Alves, ocasionalmente necessária, durante a gestação da obra; é sua a responsabilidade por todo o trabalho gráfico envolvido na feitura deste livro. Ao agradecer à Guanabara Koogan a confiança em mim depositada, pergunto-me se o Sr. Mauro aceitou o trabalho terminado como aquilo que imaginara, pois muito compacto o livro não ficou, afinal são 100 capítulos... Reconheço, ademais, que alguns destes acabaram mais longos do que eu desejava, mas achei que estavam tão informativos que não deveria podá-los. Sobretudo, tenho a esperança de que os colegas encontrem em suas páginas respostas para as indagações do dia a dia, e até mesmo algumas informações que serão parte rotineira da formidável medicina que se prenuncia para o século XXI. Lembro que, apesar de muito cuidado com as informações relacionadas à terapêutica, esse é um território muito movediço, e alterações podem aparecer a qualquer momento. Gostaria de terminar esse prefácio citando o padre Antonio Vieira (Lisboa, 6/2/1608- Salvador, Bahia, 18/7/1697), ao escrever sobre a arte de semear, num franco anunciar de Guimarães Rosa: Nas outras artes, tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitetura, tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte: caia onde cair.
Renato Dani Belo Horizonte, verão de 1998.
Sumário
PARTE
I
Generalidades, 1
1 Hemorragia Digestiva Aguda A lta e Baixa, 3 Laura Cotta Orne/las Halfeld, Juliano Machado de Oliveira e Adilton Toledo Orne/las 2 Sangramento Gastrintestinal Crônico, 17 Pedro Duarte Gaburri, Ana Karla Gaburri, Adilton Toledo Orne/las e Aécio Flávio Meirelles de Souza 3 Diarreia Aguda e Crônica, 26 Juliano Machado de Oliveira, Laura Cotta Orne/las Halfeld e Adilton Toledo Orne/las
4 Halitose, Eructação e Soluço, 40 Adilton Toledo Orne/las, Juliano Machado de Oliveira e Laura Cotta Orne/las Halfeld
5 Alterações Motoras do Aparelho Digestivo, 46 Ricardo Guilherme Viebig
6 Aparelho Digestivo e AIDS, 59
13 Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmáticas, Síndrome de Boerhaave, Lesões Causadas por Comprimidos e Síndrome de Mallory-Weiss, 127 David Corrêa Alves de Lima, Si/as de Castro Carvalho, Rodrigo Macedo Rosa e Luiz Ronaldo Alberti
14 Acalasia e Megaesôfago, 140 Eponina Maria de Oliveira Lemme, Paula Amorim Novais e Vânia Luiza Cochlar Pereira
15 Tumores do Esôfago, 152 José Mauro Messias Franco, Fernando Augusto Vasconcellos Santos e Marcelo Henrique de Oliveira
PARTE
111
Estômago e Duodeno, 161
16 Anomalias Congênitas, 163 Marisa Fonseca Magalhães e Maria do Carmo Friche Passos
Luis Fernando Dutra Diniz e Renato Dani
17 Dispepsia Funcional, 165 7 Parasitoses Intestinais, 75 Pedro Duarte Gaburri, Aécio Flávio Meirelles de Souza, Ana Karla Gaburri e Elson Vida/ Martins Junior
8 Estomatites, 85 José Alves de Freitas e Dario Ravazzi Ambrizzi PARTE
11
Esôfago,97
9 Anomalias Congênitas, 99 Renato Dani e Daniel/a Ribeiro Einstoss Korman
10 Doença por Refluxo Gastresofágico, 102 Eliza Maria de Brito e Luciana Dias Moretzsohn 11 Membranas, Anéis e Divertículos do Esôfago, 113 Vitor Antonino Mendes de Sá 12 Comprometimento do Esôfago por Infecções, Radiação e Agentes Químicos, 118 Paulo Fernando Souto Bittencourt, Edivaldo Fraga Moreira e Walton Albuquerque
Ana Flávia Passos Ramos e Maria do Carmo Friche Passos
18 Gastrite, 172 Luiz Gonzaga Vaz Coelho e Maria Clara Freitas Coelho
19 úlcera Péptica Gastroduodenal, 182 Ricardo P. B. Ferreira e Jaime Natan Eisig 20 ú Icer a Péptica He/icobacter pylori-negativa, 194 Bruno Squárcio Fernandes Sanches, Graziella Mattar Vieira de Alvarenga e Renato Dani 21 Divertículos, Vólvulo, Dilatação Aguda, Corpos Estranhos (Bezoares), Ruptura Gástrica e Crohn, 201 Carlos Henrique Diniz de Miranda e Maria do Carmo Friche Passos
22 Infecções Crônicas: Tuberculose, Sífilis, Micoses e Herpes, 206 Lucia na Dias Moretzsohn e Maria do Carmo Friche Passos
XXVI
Sumário
23 Polipose Gástrica, 210 Celso Mirra de Paula e Silva
37 Tumor Estromal Gastrintestinal, 417 Mounib Tacla
24 Tumores do Estômago, 215 Luiz Gonzaga Vaz Coelho, Washington Luiz dos Santos Vieira' e Rogério Luiz Pinheiro
25 Doenças Eosinofílicas do Aparelho Digestivo, 227 Mauro Bafutto e Joffre Rezende Filho 26 Outras Doenças do Duodeno, 238 Luciana Diniz Silva e Penélope Lacrísio dos Reis Menta
PARTE
V
Intestino Grosso, 421
38 Colite Microscópica, Colite Pseudomembranosa e Colite Radiógena, 423 Mounib Tacla e Renato Dani 39 Constipação Intestinal e Fecaloma, 429 José Alves de Freitas e Mounib Tacla
40 Síndrome do Intestino Irritável, 442 PARTE
IV
Intestino Delgado, 247
27 Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso, 249 Dorina Barbieri, Maraci Rodrigues e lsaura Ramos Assumpção 28 Síndrome de Má Absorção Intestinal, 266 Lorete Maria da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Renato Mitsunori Nisihara
29 Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes, 278 Patrfcia Barbosa Ferrari, Sandra Beatriz Marion Valarini, Jean Rodrigo Tafarel e Lorete Maria da Silva Kotze
30 Doença Celíaca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes, 294 Lorete Maria da Silva Kotze e Shirley Ramos da Rosa Utiyama
31 Doença lmunoproliferativa do Intestino Delgado, Doença de Whipple e Outros Distúrbios no Transporte de Nutrientes, 331 Maria de Lourdes de Abreu Ferrari, Aloísio Sales da Cunha e Lorete Maria da Silva Kotze
32 Doença de Crohn, 347 Lorete Maria da Silva Kotze, Paulo Gustavo Kotze e Luiz Roberto Kotze
Maria do Carmo Friche Passos
41 Doença Diverticular do Cólon, 449 José Alves de Freitas e Mounib Tacla 42 Apendicite Aguda e Outras Doenças do Apêndice, 456 Mounib Tacla 43 Retocolite Ulcerativa, 460 José Alves de Freitas, Adérson Ornar Mourão Cintra Damião e Mounib Tacla
44 Tuberculose Intestinal, 476 Mounib Tacla
45 Megacólon, 478 José Alves de Freitas, Mounib Tacla e Renato Dani
46 Tumores Benignos Colorretais, 483 Mounib Tacla 47 Tumores Malignos Colorretais, 490 Mounib Tacla e Arnaldo José Ponte/lo Neves
48 Obstrução Intestinal, 502 Renato Rocha Passos, Augusto Pauli no Nettot e Paulo Vil/ar do Valle
49 Pseudo-obstrução Intestinal, 514 Victor B. Koehne
33 Síndrome do Intestino Curto, 381 Paulo Cesar Andriguetto PARTE
34 Insuficiência Vascular Mesentérica, 391 Ricardo Cesar Rocha Moreira 35 Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado, 402 Ahmed Abu-Shanab, Rodrigo M. Quero e Eamonn M. M. Quigley (Tradução: Lorete Maria da Silva Kotze) 36 Tumores do Intestino Delgado, 406 Lorete Maria da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Paulo Gustavo Kotze
VI Anus e Reto, 521
50 Doenças Anorretais, 523 Flávio Antonio Quilici e Lisandro Carolina Quilici
PARTE
VIl
Fígado, 573
51 Conduta Diagnóstica em Pacientes com Doença Hepatobiliar, 575 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho e Leonardo Reuter Motta Gama
Sumário
52 A Icterícia como Síndrome: Não CoIestática e Coi estática, 585 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Fábio Rosa Moraes, Raul Carlos Wahle
53 Hepatite Aguda Vira I, 592 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Gerusa Náximo de Almeida, Flávia Costa Cardoso, Raul Carlos Wahle
54 Hepatite Vira I Crônica, 600 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Maria Elizabeth Colore Neiva, Gerusa Máximo de Almeida, Raul Carlos Wahle 55 Hepatite Crônica Não Viral, 620
Luiz de Souza e Silva Júnior, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Gagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Maiza da Silva Costa, Adávio de Oliveira e Silva
56 Hepatite Aguda Fulminante, 631 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Taiane Costa Marinho, Maria Juliana Louggio Cavalcanti, Maria Elizabeth Colore Neiva, Arnaldo Berna/ Filho, Raul Carlos Wahle
57 Cirrose Hepática, 643 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Guilherme Tarameli dos S. Cecília, Maria Juliana Louggio Cavalcanti, Francisco César Nassar Tribulato, Raul Carlos Wahle
58 Encefalopatia Hepática, 664 Adávio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wahle, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Maria Ermelinda Camilo, Ana Beatriz de Vasconcelos, Morcela Mendes Assumpção, Francisco César Nassar Tribulato, Taiane Costa Marinho, Dan L. Waitzberg
XXVII
59 Ascite Hepatogênica, 673 Adávio de Oliveira e Silva, Evandro de Oliveira Souza, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Briane André Vertuan Ferreira, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Francisco Leôncio Dazzi, Raul Carlos Wahle
60 Síndrome Hepatorrenal e Síndrome Hepatopulmonar, 684 Heitor Rosa e América de Oliveira Silvério
61 Peritonite Bacteriana Espontânea, 692 Angelo Alves de Mattos e Angelo Zombam de Mattos
62 Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico, 698 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wah/e, Taiane Costa Marinho, Renato Ferrari Letrinta, Arnaldo Berna/ Filho, Paula Huheney Cruz, Briane André Vertuan Ferreira, Fauze Maluf Filho
63 Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição, 71 O Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Paula Hugueney Cruz, Lucas Souto Nacif, André Gustavo Santos Pereira, Raul Carlos Wahle
64 Colangite Esclerosante Primária, 719 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Taiane Costa Marinho, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula HugueneyCruz, Guilherme Tarameli dos S. Cecília, Raul Carlos Wahle, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro
65 Hemocromatose Hereditária, 728 Adávio de Oliveira e Silva, Luiz de Souza e Silva Júnior, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Hilton Muniz Leão Filho e Raul Carlos Wahle
66 Doença de Wilson, 736 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Arnaldo Berna/ Filho, Ana Beatriz de Vasconcelos, Raul Carlos Wahle
67 Doença Hepática Alcoólica, 740 Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Ana Beatriz de Vasconcelos, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Felipe de Souza Atan, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Maltedi, Paula Hugueney Cruz, Raul Carlos Wahle
XXVIII
Sumário
68 Doença Vascular do Fígado, 749 Aécio Flávio Meirelles de Souza, Kátia Valéria Bastos Dias Barbosa, Fábio Heleno de Lima Pace e Lincoln Eduardo Vil/ela Vieira de Castro Ferreira
80 Colecistites, 908 Renato Dani e Henrique Eloy B. Câmara
81 Síndrome Pós-colecistectomia, 913 Eduardo Nacur Silva e Renato Dani
69 Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica, 762 Guilherme Santiago Mendes
70 Fígado e Gravidez, 767 José de Laurentys Medeiros eJosé de Laurentys Medeiros Junior
71 Fígado e Drogas, 775 Aécio Flávio Meirelles de Souza, Kátia Valéria Bastos Dias Barbosa, Fábio Heleno de Lima Pace e Juliano Machado de Oliveira
72 Doença Cística Hepatobiliar, 800
82 Disfunção do Esfíncter de Oddi, 917 José Galvão Alves, José Celso Ardengh, Angelo Paulo Ferrari Junior e Marta CaNa lho Galvão
83 Colecistoses, Coleperitônio, Peritonite Biliar, Hemobilia, Bilemia e Parasitos Biliares, 927 Paulo Roberto Savassi Rocha e Rogério Luiz Coutinho Lopes
84 Tumores de Veskula, Vias Biliares e Ampola de Vater, 939 Renato Dani e José Dayre/1 de Lima Andrade
Marcos Vinicius Perini e Paulo Herman
73 Abscesso Piogênico do Fígado, 806 Adávio de Oliveira eSilva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Roberto Franceschel/i Neto, Renato Ferreira Letrinta, Lucas Souto Nacif, Raul Carlos Wahle e Hilton Muniz Leão Filho
74 Tumores Benignos do Fígado, 809 Adávio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wah/e, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Priscila Lopes, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro e Hilton Muniz Leão Filho
75 Tumores Malignos do Fígado, 822 Carlos Sandoval Gonçalves, Maria da Penha Zago Gomes, Patrfcia Lofêgo Gonçalves e Fausto E. L. Pereira
76 Doenças do Fígado na Infância, 853 Gilda Porta e Adriana Porta Miche Hirschfeld
77 Transplante de Fígado, 865 Adávio de Oliveira eSilva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Jorge Marcelo Padilla Mancero, Francisco Leôncio Dazzi, Adriano Miziara Gonzalez, Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior, Evandro de Oliveira Souza, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro, Arnaldo Berna/ Filho, Renato Ferrar/ Letrinta, Luiz A. Carneiro D'Aibuquerque
PARTE IX
Pâncreas, 965
85 Anomalias do Desenvolvimento, 967 Julio Maria Fonseca Chebli, Li/ia na Andrade Chebli, André Luiz Tavares Pinto
86 Deficiências Enzimáticas Isoladas Congênitas, 974 RenatoDani
87 Classificação das Pancreatites, 976 RenatoDani
88 Pancreatite Aguda, 980 RenatoDani
89 Complicações da Pancreatite Aguda, 996 José Galvão-Aives e Marta CaNalho Galvão
90 Nutrição e Pancreatite Aguda, 1007 Julio Maria Fonseca Chebli, Li/ia na Andrade Cheb/1, Carlos Augusto Gomes, Rodrigo de Oliveira Peixoto
91 Pancreatite Crônica, 1013 Renato Dani e Eduardo Nacur Silva
92 Pancreatite Autoimune, 1024 José Galvão Alves, Natália Cordeiro, Daniel/a Cavalcanti e Marta CaNalho Galvão
93 Cistos Pancreáticos, 1029 RenatoDani
PARTE VIII Vias Biliares, 893 78 Anomalias Congênitas, 895 RenatoDani
79 Litíase Biliar, 898 Renato Dani e Henrique Eloy B. Câmara
94 Tratamento Endoscópico das Doenças Pancreáticas, 1042 José Sahel e Gustavo Miranda Martins
95 Tumores do Pâncreas Exócrino, 1052 Lia no Sia Moreira e Renato Dani
Sumário
96 Tumores Neuroendócrinos do Pâncreas, 1068 José Galvão Alves, Augusto Paulino Netto (in memoriam), Marta Carvalho Galvão, Andréa de Faria Mendes, Daniella Cavalcanti e Natália Cordeiro
XXIX
105 Pancreatite Crônica Paraduodenal (Groove pancreatitis), 1166 RenatoDani
106 Farmacoterapia, Aparelho Digestivo e o Paciente Geriátrico, 1168 PARTE X
Miscelânea, 1077
97 Alergia Alimentar, 1079 Renato Dani e Eduardo Botelho de Carvalho (In memoriam)
98 Fístulas Digestivas, 1086 Renato Dani e Eduardo Botelho de Carvalho (in memoriam)
99 Abscessos lntra-abdominais, 1097 Renato Dani e Bruno Squárcio Fernandes Sanches
100 Tumores Carcinoides do Trato Gastrintestinal, 11 11 Luciano Cézar Ribeiro Magalhães, Renato Dani, Márcio Guimarães Moreira Dias
101 Esquistossomose Mansônica, 1124 Guilherme Santiago Mendes
102 Doenças do Peritônio, 1130 José de Laurentys Medeiros e Maria do Carmo Friche Passos
103 Obesidade, 1138 José Dayrell de Lima Andrade e Renato Dani
104 Terapêutica Endoscópica em Patologia Biliar, 1151 Glaciomar Machado
Márcio Guimarães Moreira Dias, Renato Dani e Elmar José Moreira Lima
107 Imunidade, Inflamação e o Aparelho Digestivo, 1179 Roberto Pimentel Dias
108 Terapêutica da Dor Abdominal, 1200 Renato Dani e Roberto Santoro Meirelles
109 Dor Torácica não Cardíaca (de Origem Indeterminada), 1205 Joffre Rezende Filho e Joffre Marcondes de Rezende
110 Flora Gastrintestinallndígena, 121 1 Dulciene Maria de Magalhães Queiroz, Luciana Diniz Silva, Andreia Maria Camargos Rocha e Gifone Aguiar Rocha
111 Diagnóstico e Tratamento das Complicações em Endoscopia Digestiva, 1216 Walton Albuquerque, Luiz Cláudio Miranda da Rocha, Vitor Arantes e Alexandre Rodrigues Ferreira
112 Abdome Agudo, 1244 Frederico Passos Marinho e Adriana Athayde Lima Stehling
113 Transplante de Intestino e Multivisceral, 1258 Rodrigo Vianna e Thiago Beduschi
fndice Alfabético, 1263
•
ssenc1a
Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa Laura Cotta Orne/las Halfe/d, Juliano Machado de Oliveira e Adilton To/edo Orne/las
• INTRODUÇÃO
• MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A hemorragia digestiva (HD) é uma das causas mais frequentes de hospitalização de urgência. A sua incidência tem se mantido estável nas últimas décadas, pois, apesar da melhora na abordagem propedêutica e na terapêutica, principalmente da úlcera péptica gastroduodenal, que é a causa mais importante, a população tem envelhecido e aumentado a incidência de comorbidades que predispõem a HD. O quadro clínico da HD pode corresponder a várias situações diferentes. A razão de tal diversidade é que o sangramento pode decorrer de múltiplas lesões e de vários segmentos do trato gastrintestinal. O sangramento também pode ser maciço ou leve, evidente ou oculto. A HD manifesta-se clinicamente de uma ou mais das seguintes formas: alta (proveniente do trato gastrintestinal superior), baixa (proveniente do trato gastrintestinal inferior), oculta (desconhecida pelo paciente), ou obscura (proveniente de local desconhecido no trato gastrintestinal). HD aguda é aquela de aparecimento recente (arbitrariamente definido como menos de 3 dias de duração), podendo levar à instabilidade dos sinais vitais, anemia e/ou necessidade de transfusão sanguínea. HD crônica consiste em sangramento por um período de vários dias, frequentemente com perda de sangue lenta ou intermitente. Pode se manifestar com sangue oculto ou visível nas fezes, anemia, sem repercussão hemodinâmica. Este capítulo refere-se apenas à HD aguda, tanto alta quanto baixa. HD alta é aproximadamente cinco vezes mais frequente que HD baixa. A HD é mais comum em homens, idosos e portadores de doenças crônicas. Pode apresentar uma evolução autolimitada em cerca de 80% dos casos, o que não diminui sua importância, pois algumas vezes evolui mal e leva ao óbito. Em vista disso, é preciso ficar alerta para os critérios preditivos de um prognóstico desfavorável ou de risco de ressangramento, a fim de serem tomadas medidas corretas e em tempo hábil, visando à preservação do equilíbrio hemodinâmico e da vida. Embora a conduta dos pacientes com HD tenha apresentado inúmeros avanços nas últimas décadas, os seguintes princípios clínicos se mantêm constantes: avaliação imediata e estabilização hemodinâmica do paciente; determinação da fonte do sangramento; parada do sangramento ativo; tratamento da doença de base; e prevenção de sangramento recorrente.
A HD aguda manifesta-se através de hematêmese (vômitos de sangue vivo ou em "borra de café"), de melena (fezes negras, tipo alcatrão, malcheirosas), de hematoquezia (eliminação pelo reto de sangue vermelho vivo, ou de cor vinhosa, ou de coágulos recentemente formados). A hemorragia digestiva aguda alta (HDAA) é definida como aquela que se instala em consequência de lesões localizadas proximais ao ligamento de Treitz, manifestando-se, na maioria das vezes, através de hematêmese e/ou de melena. A hemorragia digestiva aguda baixa (HDAB) é causada por lesões situadas distalmente ao ligamento de Treitz e identificada, mais frequentemente, através de hematoquezia. A primeira etapa na conduta do paciente com HD é a avaliação da gravidade do sangramento, conforme o Quadro 1.1. Levando-se em consideração o volume das perdas sanguíneas, a HD pode ser caracterizada como maciça, moderada ou discreta. Maciça, quando há perdas muito elevadas, com repercussões hemodinâmicas importantes e apresentando pressão arterial sistólica com o paciente em posição supina abaixo de 90 mmHg, frequência cardíaca acima de 100 bpm e perdas sanguíneas acima de 2.000 mf ou mais de 40% da volemia. Moderada, quando se exterioriza por hematêmese, melena ou hematoquezia, mas com repercussões hemodinâmicas discretas, pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg, frequência cardíaca abaixo de 100 bpm e perdas sanguíneas abaixo de 1.500 mf ou entre 20 e 40% da volemia. Caracteriza-se como discreta quando não tem repercussão hemodinâmica, as perdas sanguíneas são inferiores a 1.000 mf ou de, no máximo, 20% da volemia. São ainda incluídos nesse grupo os sangramentos gastrintestinais crônicos inaparentes, com sangue oculto nas fezes e/ou anemia ferropriva (ver Capítulo 2).
• REANIMAÇÃO Dependendo da intensidade do sangramento, serão instituídas medidas mais ou menos enérgicas para reanimação dos pacientes. A conduta nos pacientes hemodinamicamente instáveis é a seguinte: colocação de dois cateteres intravenosos calibrosos 3
4
Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
-------------------------· ------------------------Quadro1.1 Avaliação da gravidade da hemorragia digestiva aguda PAsistólica (posiçãosupina)
FC
Perda sanguínea
% volemia perdido
Discreta
>90 mmHg
< 100bpm
90 mmHg
< 100bpm
Maciça
100bpm
me < 1.soo me > 2.000 me
Hemorragia digestiva
< 1.000
20%- 40% >40%
PA = Pressão arterial; FC = Frequência cardíaca.
imediatamente e infusão rápida de solução cristaloide com o objetivo de restaurar e manter os sinais vitais normais. Além disso, está indicada suplementação de oxigênio, monitoramento dos sinais vitais e do débito urinário. Pacientes com hematêmese significativa e contínua ou aqueles que podem não ser capazes de proteger a via respiratória por alguma razão e estão sob risco de aspiração devem ser considerados para intubação endotraqueal. Os pacientes hemodinamicamente instáveis e/ou portadores de comorbidades graves necessitam de transferência para unidade de terapia intensiva. A transfusão de glóbulos vermelhos está geralmente indicada em todos os pacientes com sinais vitais instáveis, sangramento contínuo ou sintomas de baixa oxigenação tecidual. O objetivo deve ser a manutenção do hematócrito acima de 30% em pacientes idosos ou portadores de enfermidades nos quais as perdas sanguíneas impliquem risco maior, como as coronariopatias, ou acima de 20 a 25% nos pacientes jovens e saudáveis. Nos pacientes com hipertensão portal, o hematócrito não deve subir acima de 27 a 28%, para não elevar a pressão venosa portal. Pode-se utilizar plasma fresco congelado ou concentrado de plaquetas, ou ambos, nos casos de coagulopatias e que requerem transfusão de mais de 10 unidades de glóbulos vermelhos. Hematócritos seriados devem complementar a avaliação clínica dos pacientes. Quando as transfusões sanguíneas não forem mais necessárias, deve ser feita suplementação de ferro após avaliação diagnóstica.
• ANAMNESE EEXAME FÍSICO Embora cerca de 80% das HD cessem espontaneamente, a abordagem diagnóstica necessita ser dinâmica e associada a cuidados terapêuticos, com o objetivo de preservar o equilíbrio hemodinâmico e a vida. A magnitude do sangramento nem sempre está relacionada com a etiologia, estando ligada principalmente à idade do paciente, ao uso prévio de medicamentos capazes de lesar a mucosa ou de alterar o estado da coagulação do sangue, ou, ainda, à presença de enfermidades preexistentes. Inicialmente, deve-se fazer uma anamnese bem orientada, no sentido de confirmar a existência do sangramento e o uso dos medicamentos citados anteriormente. Outros aspectos referemse à história de hemorragia anterior ou existência de sintomas ou condições que possam produzir lesões capazes de sangrar. Arguir sobre cirurgias prévias, radioterapia, etilismo, uso de tóxicos e procedência de áreas onde prevaleçam certas doenças, como a esquistossomose mansônica. Sinais e sintomas que podem auxiliar na determinação de hipóteses diagnósticas são: dor abdominal, náuseas, vômitos, mudança do hábito intestinal, anorexia e perda de peso.
A aparência do sangramento é útil no esclarecimento de sua origem, mas pode induzir a erros. Quando o sangue é vermelho vivo e reveste as fezes, sugere origem retal (hemorroidas e fissuras, principalmente). Melena indica que o paciente sangrou no mínimo 50 a 100 mi de sangue há pelo menos 14 h e relaciona-se mais à HDAA, embora mesmo lesões do cólon direito, com trânsito lento, possam apresentar melena. A presença de hematoquezia é mais comum nas lesões do cólon, do reto e do canal anal, e menos frequente em hemorragias profusas do delgado ou proximais ao ligamento de Treitz, com trânsito acelerado. Em uma série de 80 pacientes com hematoquezia de vulto, 74% tinham lesões no cólon, 11% eram casos de HDAA, 9% com lesões provavelmente originárias do intestino delgado e 6% sem origem identificada. A hematêmese é mais sugestiva de HDAA, mas a peristalse reversa pode produzi-la em lesões da parte alta do intestino delgado, distais ao ligamento de Treitz. Vômito com sangue vivo geralmente indica sangramento gastrintestinal alto significativo, mesmo em pequena quantidade. Pacientes com vômito em borra de café habitualmente não estão com sangramento ativo, mas é provável que tenham sangrado recentemente. Falsas HD podem ocorrer em vômitos de estase, fezes avermelhadas pela ingestão de beterraba, fezes negras pelo uso de sais de ferro ou de bismuto, alimentos contendo sangue animal, sangramento originário na cavidade oral, epistaxe ou hemoptise. O exame físico visa a estimar o volume perdido, através da repercussão hemodinâmica, verificando-se a frequência do pulso e a pressão arterial com o paciente deitado, assentado e em posição ortostática, se possível. Atenta-se para a cor das mucosas visíveis e a presença ou não de sudorese. Propicia também meios para identificar sinais de hipertensão portal, insuficiência hepática, malformações vasculares, vasculites e coagulopatias. A detecção de dor à palpação abdominal, linfadenopatia, massa abdominal e esplenomegalia também são importantes no diagnóstico. Ruídos intestinais exacerbados sugerem HDAA. O toque retal deve ser realizado de rotina durante o exame físico em todo caso suspeito de HDAB, pois permite identificar patologias anorretais e, com isso, evitar que exames mais complexos sejam realizados. O exame físico pode fornecer importantes informações sobre a localização do sangramento, enquanto a história clínica é mais útil na determinação da etiologia. Lavagem com sonda nasogástrica tem sido utilizada com a finalidade de diferenciar HDAA de HDAB, no entanto não esclarece a etiologia do sangramento, nem é confiável para determinar a atividade da hemorragia. Quando positiva, pode ser decorrente de trauma pela sonda e, quando negativa, mesmo com um aspirado aparentemente colorido por bile, não exclui HDAA. Portanto, o seu uso tem sido desestimulado e não afeta a evolução do paciente. A única exceção seria na presença de hematoquezia em paciente com instabilidade hemodinâmica e possibilidade de HDAA.
Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
• EXAMES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais nos fornecem dados sobre o grau do sangramento, a sua possível origem e orientam a terapêutica. Devem incluir o hemograma e a contagem de plaquetas. O hematócrito solicitado logo após o início da hemorragia geralmente não reflete a perda sanguínea, pois o seu valor vai se reduzindo à medida que o fluido extravascular penetra no espaço vascular para restabelecer o volume, e tal processo não se completa antes de 24 a 72 h. O hematócrito seriado pode indicar sangramento persistente ou recorrente. Podem ser úteis também as dosagens séricas de ureia, creatinina, proteínas totais e frações, aminotransferases, bilirrubinas, eletrólitos, gasometria e o estudo da coagulação.
• DIAGNÓSTICO Como a anamnese e o exame físico são importantes, mas não esclarecem a etiologia do sangramento, são geralmente necessários exames complementares. Os principais exames disponíveis para diagnóstico de HD são: endoscopia, exames radiológicos com contraste baritado, cintigrafia e arteriografia. Alguns exames também se enquadram na categoria de procedimentos terapêuticos, como endoscopia e arteriografia.
• TRATAMENTO Os objetivos principais do tratamento na HD são a parada do sangramento e a prevenção do ressangramento. As formas de terapia disponíveis para atingir tais objetivos são: farmacológica, endoscópica, angiográfica e cirúrgica. A conduta varia de acordo com a etiologia, as condições gerais do paciente, a gravidade do sangramento e está em constante evolução com o desenvolvimento de novas técnicas.
• HEMORRAGIA DIGESTIVA AGUDA ALTA • Etiologia As causas de HDAA estão relacionadas no Quadro 1.2. As doenças têm frequência variável conforme a região estudada e o tipo de amostragem utilizado. Varizes esofagogástricas e gastropatia hipertensiva serão consideradas no Capítulo 62.
• Úlcera péptica gastroduodenal É a causa mais frequente de HDAA (cerca de 50% dos ca-
sos). Os fatores mais importantes que predispõem a úlcera péptica e sangramento são: acidez gástrica, Helicobacter pylori e uso de AINH. Embora tenha havido redução tanto de hospitalização quanto de mortalidade por doença ulcerosa péptica na década de 1990, a mortalidade por HD causada pela doença tem se mantido estável, provavelmente devido ao balanço entre aumento do uso de AINH e redução na prevalência do Helicobacter pylori combinada a aumento do uso de redutores da acidez. A incidência de sangramento por úlcera duodenal é aproximadamente o dobro daquela por úlcera gástrica. O ressangramento é mais intenso nas úlceras de maior diâmetro e mais profundas, nos portadores de coagulopatias, quando há coexistência de outras enfermidades e, principalmente, quando se desenvolve durante urna hospitalização.
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----------------T--~------------
Quadro 1.2 Causas de hemorragia digestiva aguda alta Frequentes Úlcera gástrica Úlcera duodenal Lesão aguda da mucosa gastroduodenal Varizes esofágicas Lesão de Mallory-Weiss
Menos frequentes Erosões gástricas/gastropatia Esofagite Lesões de Cameron Lesão de Dieulafoy Telangiectasias Gastropatia hipertensiva portal Ectasia vascular antral gástrica (estômago em melancia) Varizes gástricas Neoplasias úlcera esofág ica Duodenite erosiva Fístula aortoentérica Hemobilia
Hemosuccus pancreaticus Doença de Crohn
• Gastropatia hemorrágica e erosiva Consiste em hemorragia subepitelial e erosões, geralmente restritas à mucosa, onde não existem vasos sanguíneos calibrosos e, portanto, não causam sangramento volumoso. São incluídas neste grupo as lesões de estresse observadas em pacientes críticos, como ocorre na insuficiência respiratória aguda, na insuficiência renal aguda, nos queimados com mais de 35% de área corporal atingida, nos processos expansivos cerebrais, nas septicemias, nos pós-operatórios de grandes cirurgias, bem como as lesões que se desenvolvem associadas ao uso de ácido acetilsalicílico, etanol e AINH. A HD é a mais importante e mais temida complicação da gastropatia, com maior mortalidade em pacientes hospitalizados do que naqueles casos admitidos primariamente por sangramento digestivo, pois surge como um agravante da doença básica que determinou a hospitalização, embora, também, em cerca de 80% dos casos, cesse espontaneamente.
• Lesão de Mallory-Weiss É diagnosticada em aproximadamente 5 a 15% dos pacientes
com HDAA e está frequentemente relacionada com esforços de vômitos ou tosse, caracterizando-se por uma laceração longitudinal ou elíptica localizada na região da junção esofagogástrica, podendo comprometer a mucosa gástrica e/ou esofágica (Figuras 1.1 e 1.2). A hemorragia surge quando a lesão atinge um plexo venoso ou arterial. Tem pior prognóstico quando ocorre em pacientes com hipertensão portal. Na maioria das vezes, a lesão cicatriza em 24 a 48 h.
• Fístula aortoentérica É de ocorrência rara, mas tem mortalidade elevada. Localiza-
se com mais frequência no duodeno distai ou jejuno, podendo estar além do alcance do endoscópio convencional. Resulta de comunicação direta entre a aorta e o trato digestivo, provocada por aneurisma, aortite sifilítica ou tuberculosa, pós-enxerto aórtico (de aparecimento precoce ou tardio- entre 4 e 10 semanas, até 14 anos), úlcera penetrante, invasão tumoral, traumatismo abdominal e radioterapia. Causa HD maciça, que leva ao óbito
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Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
Fi g ura 1.1 Lesão de Mallory-Weiss. (Esta figura encontra-se reprodu zida em cores no Encarte.)
Fi gura 1.3 Lesão de Dieulafoy com sangramento em jato, localizada na pequena curvatura do corpo gástrico. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
melancia" deriva do fato de apresentar pontos avermelhados, formando faixas, que partem do piloro para o antro, lembrando as listras de uma melancia. As listras vermelhas representam vasos mucosos ectasiados e saculares. Os pontos avermelhados também podem ter distribuição mais difusa e comprometer o estômago proximal, sendo usado o termo ectasia vascular gástrica difusa neste caso. Pode ser idiopática, mas associa-se com cirrose e esclerose sistêmica, entre outras doenças. O perfil mais comum do portador de ectasia vascular antral é de mulher com mais de 70 anos, com anemia por deficiência de ferro, que apresenta sangramento crônico (Capítulo 2).
• Tumores gastrintestinais
Fi gura 1.2 Lesão de Mallory-Weiss em paciente com hematêmese causada inicialmente por lesão de Dieulafoy. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Os tumores de esôfago, estômago e intestino delgado proximal respondem por cerca de 5% dos casos de HDAA, geralmente representando, no caso dos malignos, seu estágio final, quando o tumor reduz seu suprimento sanguíneo e há ulceração da mucosa (Figura 1.4).
quando não diagnosticada e tratada a tempo. Pode ser diagnosticada por tomografia computadorizada ou arteriografia.
• Lesãode Dieulafoy Ocorre quando uma artéria submucosa anormal calibrosa fica exposta na superfície mucosa e depois se rompe, sem formação de úlcera no local. Localiza-se, em geral, na parte alta da pequena curvatura do estômago, próximo à junção esofagogástrica, embora ocorra em outras áreas do trato digestivo. Sua etiologia é desconhecida, mas pode ser atribuída à isquemia da superfície mucosa. A HD é frequentemente maciça e recorrente. A lesão pode ser de difícil identificação, exceto quando está sangrando ativamente ou apresenta estigmas de sangramento recente (Figura 1.3).
• Ectasia vascular gástrica É uma causa rara de HD, que pode ser confundida com a
gastropatia hipertensiva, pois ambas podem ocorrer em cirróticos. O termo ectasia vascular gástrica antral ou "estômago em
Fi gura 1.4 Linfoma gástrico com sangramento at ivo. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
• Hemobilia É uma hemorragia que tem origem no trato hepatobiliar. Deve ser lembrada em pacientes com HDAA com história recente de traumatismo do parênquima hepático ou do trato biliar, biopsia percutânea ou transjugular, colangiografia percutânea trans-hepática, colecistectomia, biopsia biliar endoscópica, além de colelitíase ou colecistite, tumor hepático ou de dueto biliar, aneurisma de artéria hepática e abscesso hepático. Pode-se suspeitar de hemobilia através de duodenoscopia, quando se observa o sangue saindo através da papila duodenal, sendo o diagnóstico confirmado através de colangiografia retrógrada endoscópica, cintigrafia utilizando hemácias marcadas com tecnécio99 , ou arteriografia seletiva da artéria hepática (Figura 1.5).
• Hemosuccuspancreaticus É o sangramento através do dueto pancreático, mais frequentemente causado por pancreatite crônica, pseudocisto ou tumor do pâncreas. A hemorragia ocorre quando um vaso sanguíneo é envolvido, formando uma comunicação entre o vaso e o dueto pancreático. Pode surgir também em consequência de terapêutica endoscópica, visando ao pâncreas e ao dueto pancreático, ou de drenagem de pseudocisto. Deve-se suspeitar de hemosuccus pancreaticus quando existem sintomas sugestivos das doenças citadas, sendo confirmado através de tomografia computadorizada, pancreatografia retrógrada endoscópica, arteriografia ou exploração cirúrgica.
• Diagnóstico de HDAA Os seguintes exames complementares podem ser utilizados para auxiliar no diagnóstico etiológico da HDAA.
• Radiografias de tóraxedeabdomesimples
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zado nas primeiras 24 h da admissão (endoscopia precoce). A EDA tem como objetivos confirmar o diagnóstico, definir a etiologia, orientar a terapêutica, fornecer prognóstico a respeito da persistência ou da possibilidade de ressangramento, além de permitir a realização de procedimentos hemostáticos, que comprovadamente melhoram o prognóstico do paciente. Para a úlcera péptica gastroduodenal, a EDA fornece informações valiosas sobre o risco de ressangramento ao identificar úlceras próximas da pequena curvatura alta do corpo gástrico e da parede posteroinferior do bulbo duodenal, que podem atingir artérias mais calibrosas, provocando HD volumosas. Identifica estigmas endoscópicos de ressangramento, que estão associados a taxas altas de recorrência se não tratada a lesão, ocorrendo frequentemente nas primeiras 72 h: (1) sangramento ativo (90% de recorrência) (Figura 1.6); (2) vaso visível (50% de recorrência) (Figura 1.7); (3) coágulo aderido (25 a 30% de recorrência). Tais achados implicam terapêutica endoscópica, maiores cuidados clínicos e permanência dos pacientes sob vigilância hospitalar. Entretanto, quando no exame endoscópico se encontra coágulo plano ou úlcera com base limpa, são remotas as chances de ressangramento. A EDA somente deve ser realizada quando se tiver condições de oferecer segurança e eficácia do procedimento. Os pacientes devem estar hemodinamicamente estáveis. Aqueles com sangramento maciço ou rebaixamento do nível de consciência devem ser submetidos a intubação traqueal antes do exame. Caso os pacientes apresentem sangramento ativo ou sangue que prejudica a visualização endoscópica, o estômago deve ser lavado com sonda orogástrica calibrosa. A administração de eritromicina 30 a 90 min antes da EDA, na dose intravenosa de 250 mg em bolus ou 3 mg/kg durante 30 min, comprovadamente melhora a visualização endoscópica por estimular a motilidade gástrica e promover o esvaziamento do conteúdo do estômago. A disponibilidade de endoscópio terapêutico fa-
Devem ser feitas em casos suspeitos de perfuração visceral concomitante, obstrução intestinal ou aspiração pulmonar.
• Endoscopiadigestiva alta (EOA) É o exame mais importante quando se suspeita de HDAA, com grande sensibilidade e especificidade, devendo ser reali-
Figura 1.5 Arteriografia seletiva em caso de hemobilia secundária a ferimento por arma de fogo: pseudoaneurisma em ramo secundário da artéria hepática, tratado por embolização.
Figura 1.6 Úlcera gástrica com sangra mento ativo. (Cortesia do Dr. Lincoln E.V.V.C. Ferreira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
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Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
tante, internados em UTI. Os pacientes sem risco imediato de recorrência da HD (não apresentaram hemorragia de vulto e a úlcera tem coágulo plano ou base limpa) podem ser alimentados precocemente e não necessitam permanecer hospitalizados, pois é remota a chance de ressangramento.
• Medidas específicas • Úlcera péptica gastroduodenal
• Terapêutica endoscópica É considerada como o método mais efetivo para controle
Figura 1.7 Úlcera gástrica com vaso visível. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
cilita bastante o procedimento. Antes de iniciar a endoscopia, devem ser preparados os materiais necessários para realização de hemostasia.
• Arteriografia seletiva Este exame só é conclusivo quando o sangramento é superior a 0,5 mf/min, sendo realizado através de um cateter introduzido na artéria femoral, que alcança seletivamente a artéria gástrica esquerda. Permite ainda atuar terapeuticamente através da administração de substâncias vasoconstritoras ou da embolização vascular.
• Cintigrafia Indicada nos casos de HD não elucidadas através das medidas anteriores, principalmente na HDAB e no sangramento gastrintestinal crônico, podendo detectar perdas sanguíneas tão baixas quanto 0,1 mf/min. São feitos mapeamentos abdominais após a administração intravenosa geralmente de hemácias marcadas com tecnécio99 • As pesquisas devem ser feitas 1 e 4 h após a injeção, bem como 24 h depois, sendo de grande utilidade nos sangramentos intermitentes. A desvantagem do método é sua acurácia, muito variável, pois o sangue extravasado movimenta tanto no sentido peristáltico quanto no antiperistáltico, podendo induzir a erros de localização, além de não identificar a etiologia. Entretanto, como tem grande sensibilidade, poderia ser usado previamente à arteriografia, porque pacientes com cintigrafia negativa provavelmente também não terão êxito com a arteriografia, que exige maior perda sanguínea por minuto.
• Exames radiológicos com contraste baritado Estes exames só têm indicação diante de falha dos outros meios diagnósticos para elucidar a origem da HD, principalmente pela sua impossibilidade de demonstrar o sangramento ativo.
• Tratamento Os portadores de HDAA maciça ou moderada, os que apresentam estigmas preditivos de ressangramento, devem ser hospitalizados, e aqueles com repercussão hemodinâmica impor-
da HD por úlcera. Está indicada para os casos em que os sinais endoscópicos são preditivos de recorrência do sangramento ou de mau prognóstico (sangramento ativo, vaso visível e coágulo aderido), com significativa melhora da evolução dos pacientes, incluindo redução de ressangramento, transfusão sanguínea, necessidade de cirurgia, tempo de hospitalização, custo e mortalidade. A hemostasia pode ser feita através de métodos térmicos (laser, heater probe, eletrocoagulação mono ou bipolar, coagulação com plasma de argônio), mecânicos (colocação de clipes metálicos, ligadura elástica, endoloops) e de injeção de substâncias através de um cateter ao redor do ponto de sangramento e diretamente nele. As substâncias mais usadas para injeção são o álcool absoluto, que desidrata e provoca reação inflamatória imediata, e a solução de epinefrina 1:10.000, visando à vasoconstrição e à formação de coágulo. São usados também solução salina, água, dextrose, cola de fibrina, trombina, cianoacrilato, além de agentes esclerosantes (etanolamina, morruato de sódio, polidocanol). Estudos que compararam as diversas modalidades de hemostasia endoscópica em pacientes com lesões ulcerosas de alto risco geralmente demonstraram que sua eficácia foi semelhante. Entretanto, a terapia de injeção e os métodos térmicos (eletrocoagulação bipolar e heater probe) são mais utilizados na prática por serem mais fáceis de aplicar, e os endoscopistas apresentarem maior experiência com eles. Publicações demonstraram que a combinação da injeção de epinefrina com termocoagulação ou com métodos mecânicos, como terapêutica inicial, foi mais efetiva em conseguir a hemostasia e prevenir o ressangramento do que a utilização só da epinefrina. Outra publicação, na qual1.169 pacientes com HDAA foram tratados endoscopicamente, mostrou 8,7% de recorrência do sangramento, dos quais 48 pacientes foram submetidos ao retratamento endoscópico combinado, como proposto anteriormente, e 44 encaminhados para cirurgia. Embora tenham ocorrido dois casos de perfuração visceral atribuída à termocoagulação, as complicações foram menores entre os que repetiram a terapêutica endoscópica do que entre os encaminhados para cirurgia. As complicações mais frequentes da terapêutica endoscópica são a reativação do sangramento e a perfuração visceral. Todos os pacientes com úlcera péptica devem ser investigados para a presença do Helicobacter pylori. No entanto, durante o episódio de sangramento ativo, o teste da urease tem sensibilidade reduzida. Os pacientes com teste positivo devem ser tratados para erradicar a bactéria, pois está comprovado que a erradicação do Helicobacter pylori previne a recorrência da úlcera péptica e da HD.
• Antagonistas dos receptores H1 ebloqueadores da bomba protônica Estudos experimentais indicam que o pH ácido retarda a coagulação sanguínea e aumenta a dissolução do coágulo por enzimas proteolíticas, como a pepsina. A elevação do pH intragástrico pode facilitar a agregação plaquetária. No entanto, o
Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
efeito dos antagonistas dos receptores H2 nas úlceras sangrantes tem sido desapontador, provavelmente por não promoverem inibição ácida máxima, sendo o seu uso em tais casos desaconselhado. Os bloqueadores de bomba protônica propiciam maior redução da acidez intragástrica que os antagonistas dos receptores H2 e mostraram-se como os únicos agentes farmacológicos com evidência suficiente de eficácia na prevenção de ressangramento por úlcera em pacientes de alto risco, o que os torna preferenciais na escolha terapêutica. Como grande parte dos pacientes também é submetida a tratamento endoscópico, o efeito dos bloqueadores de bomba protônica deve ser considerado como somatório ao da terapêutica endoscópica. Pode ser administrado omeprazol ou pantoprazol em bolus de 80 mg, ambos seguidos preferencialmente de infusão contínua de 8 mg!h durante 72 h, após a hemostasia endoscópica. Depois de cessarem os vômitos e feita a realimentação, pode ser administrado, por via oral, o omeprazol, de 40 mg, a cada 24 h. Ele pode ser substituído por lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol ou esomeprazol. Entretanto, ainda não se esclareceu qual o agente farmacológico, a via de administração, a dose ou a duração do tratamento mais eficaz. Após o controle do sangramento, o tratamento clínico deverá ser orientado conforme descrito no Capítulo 19.
• Somatostatina e octreotídio Atuam reduzindo a pressão venosa portal e o fluxo arterial para o estômago e o duodeno, enquanto preservam o fluxo arterial renal. Metanálise que incluiu 1.829 pacientes com HDAA não varicosa concluiu que tais medicamentos reduzem o risco de sangramento contínuo e a necessidade de cirurgia, e que eles são mais eficazes em sangramento por úlcera péptica do que por outras causas. Podem ser considerados nos casos de HD de vulto antes da endoscopia e nos casos de fracasso do tratamento endoscópico ou na sua impossibilidade, ou ainda diante da impossibilidade cirúrgica. A somatostatina é administrada por via intravenosa, na dose de 50 a 250 !J.g em bolus, seguida de 3,5 !J.g/kg/h, em solução salina, até 48 a 72 h após cessada a hemorragia. O octreotídio tem vida média mais longa, menor custo e maior resistência à degradação enzimática. Pode ser administrado por via intravenosa, inicialmente em bolus de 100 !J.g, seguido de 25 !J.g/h IV. A via subcutânea, com administrações a cada 8 h, pode ser uma alternativa. • Tratamento angiográfico Embora seja raramente indicado em pacientes com úlcera sangrante, pode ser útil naqueles que apresentam hemorragia intensa, persistente, em que a terapia endoscópica não é bemsucedida ou não está disponível, e a cirurgia é muito arriscada. Pode ser realizada aplicação intra-arterial de vasopressina ou oclusão seletiva da artéria sangrante com agente embolizante. Complicações do tratamento angiográfico são: isquemia, infarto, perfuração e abscesso em órgãos-alvo ou não. • Cirurgia Está indicada quando o sangramento não responde ao tratamento habitual. A decisão precisa ser individualizada, mas a cirurgia deve ser prontamente indicada quando sua protelação represente risco de vida para o paciente. Recomenda-se ao menos uma tentativa de retratamento endoscópico antes de indicar cirurgia no caso de ressangramento após terapia inicial, utilizando as mesmas técnicas ou métodos diferentes. Durante a cirurgia, pode ser realizada apenas sutura da lesão sangrante ou procedimento mais invasivo para redução da acidez, com o objetivo de prevenir recorrência. A decisão por intervenção
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cirúrgica deve levar em conta as condições locais de endoscopia, cirurgia e terapia intensiva.
• Gastropatia hemorrágica e erosiva A profilaxia da gastropatia e da HD é preocupação não só de gastrenterologistas como de todo profissional médico. A profilaxia para as lesões de estresse pode ser feita em pacientes de alto risco através da tentativa de elevar o pH intragástrico acima de 4, com a utilização de antiácidos, inibidores dos receptores H2, bloqueadores da bomba protônica, embora a prescrição destes últimos seja relacionada com o risco de pneumonia. Em face disso e de um melhor conhecimento da fisiopatologia da doença, voltada principalmente para alterações no metabolismo oxidativo da mucosa, as medidas profiláticas têm se dirigido mais no sentido de manter uma ventilação pulmonar adequada e estabilização hemodinâmica dos pacientes com risco previsível. Pode-se usar também o sucralfato (4 a 6 g/24 h), por sua ação citoprotetora, com menor incidência de pneumonia nosocornial. Entretanto, as lesões associadas ao uso de etanol, ácido acetilsalicílico e AINH têm sua prevenção dificultada, principalmente quando se leva em consideração a relação custo/benefício para manter, por períodos prolongados, os inibidores dos receptores H2, os bloqueadores da bomba de prótons ou o sucralfato. Os AINH com ação inibidora seletiva da ciclo-oxigenase-2 também estão associados a HD por úlcera, mas em menor proporção que os demais AINH. No entanto, o seu uso foi reduzido devido à possibilidade de aumento do risco de doenças cardiovasculares. O tratamento clínico das HD por gastropatia inclui o uso dos inibidores dos receptores H2 ou dos bloqueadores da bomba de prótons, conforme descrito anteriormente para as úlceras pépticas gastroduodenais. A somatostatina e o octreotídio podem ser prescritos com as mesmas restrições, indicações e doses citadas em relação à ulcera péptica gastroduodenal. Durante o exame endoscópico, pouco se pode fazer para tratamento das lesões sangrantes, exceto quando um pequeno número de erosões isoladas são a causa do sangramento. Nos casos rebeldes, pode ser tentada a farmacoterapia angiográfica, através do cateterismo seletivo da artéria gástrica esquerda, e a administração de vasopressina diluída em soro glicosado, na dose inicial de 0,2 mf/min nas primeiras 24 h, seguida de 0,1 mf/min nas 36 h seguintes. Esse procedimento pode desencadear algumas complicações, como: retenção hídrica, hiponatremia, hipertensão transitória, bradicardia, arritmias, edema agudo pulmonar e isquemia miocárdica. Nos casos de HD persistente ou recorrente, a cirurgia deve ser indicada, desde que viável. A vagotomia seletiva, com piloroplastia e sutura das lesões sangrantes, é uma das cirurgias mais adequadas. Nos casos de HD incontrolável, a gastrectomia total pode ser o último recurso eficaz em mãos experientes. No entanto, o tratamento cirúrgico está associado à elevada mortalidade.
• Ectasia vascular antral (estômago em melancia) Nos casos raros de hemorragia maciça, a terapêutica endoscópica permite debelá-la e, na falha desta, a antrectornia é a opção definitiva. Coagulação com plasma de argônio, aplicado em várias sessões, reduz o risco de ressangramento e a necessidade de transfusões sanguíneas.
• Lesão de Mallory-Weiss Na grande maioria dos casos (80 a 90% ), a HD cessa espontaneamente, mas alguns são controlados com a terapia endos-
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Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
cópica, além da terapêutica sintomática para vômitos ou tosse e o uso de drogas que visam a elevar o pH intragástrico.
• Fístula aortoentérica
·-
Quadro 1.3 Variáveis de mau prognóstico em paàentes com hemorragia digestiva aguda alta
A fistula aortoentérica apresenta mortalidade elevada, e o único tratamento definitivo é a cirurgia.
Idade avançada Maior número d e co mo rb id ades
• Lesão de Dieulafoy
Sangra mento por varizes Choque ou hipotensão na admissão Sangue vivo nos vômitos ou nas fezes
A terapia endoscópica é eficaz para hemostasia na maioria dos casos. Tem sido proposta a terapêutica combinada, usando métodos de injeção, térmicos e/ou mecânicos, como medida eficaz para controlar o sangramento e prevenir a sua recorrência em mais de 95% dos casos (Figura 1.8). A ecoendoscopia tem sido usada para identificar a lesão ou conferir o resultado da terapêutica endoscópica. Os casos de sangramento persistente podem exigir procedimento terapêutico por radiologia intervencionista ou cirurgia.
Maior número de unidades de sangue transfundidas Sangramento ativo no momento da endoscopia Sangramento por úlcera > 2 em Sangramento em jato ou vaso visível à endoscopia Sangramento em paciente previamente hospitalizado Necessidade de cirurgia de emergência Coagulopatia intensa
• Tumores gastrintestinais Os malignos, quando se apresentam com HDAA, têm geralmente prognóstico sombrio. A terapia endoscópica para coibir o sangramento (principalmente através de métodos térmicos e de injeção) tem caráter temporário, pois geralmente eles voltam a sangrar. Algumas lesões polipoides sangrantes podem ser tratadas com polipectomia. Toda lesão de aspecto maligno deve ser biopsiada. A ressecção cirúrgica da lesão é opção de tratamento, mesmo que frequentemente paliativo em termo de cura da neoplasia. Arteriografia, radioterapia e quimioterapia constituem outras opções de caráter paliativo.
• Hemobilia O tratamento deve ser dirigido para a causa da hemorragia, podendo ser realizado através de ressecção do segmento atingido ou de embolização arterial.
• Hemosuccuspancreaticus A HD, neste caso, pode ser tratada através de embolização arterial, mas, se o processo persiste, pode-se tentar a ligadura do vaso sangrante, a ressecção de um pseudocisto ou até a pancreatoduodenectomia em casos de hemorragia maciça.
• Prognóstico A mortalidade por HDAA tem se mantido estável nas últimas décadas em aproximadamente 7 a 10%, embora tenha havido melhora nos cuidados de terapia intensiva e na conduta terapêutica. A justificativa para tal fato seria o envelhecimento da população e a maior proporção de comorbidades em pacientes com HDAA. Pacientes com HDAA raramente morrem pelo sangramento propriamente dito, mas devido à descompensação de outras enfermidades. Vários estudos tentaram definir fatores preditivos da evolução dos pacientes com HDAA e estabelecer escores prognósticos. Tais fatores prognósticos se aplicam principalmente a sangramento por úlceras pépticas, que correspondem à maioria das causas de HDAA. As variáveis dos diversos estudos são semelhantes e facilmente reconhecidas pelo médico na admissão dos pacientes (ver Quadro 1.3).
• HEMORRAGIA DIGESTIVA AGUDA BAIXA • Etiologia A Hemorragia Digestiva Aguda Baixa (HDAB) corresponde a aproximadamente 24% dos casos de HD, predomina no sexo masculino e a sua incidência aumenta com a idade, notadamente naqueles pacientes com mais de 60 anos, sendo causada principalmente por doença diverticular dos cólons, angiodisplasias e colite isquêmica. Entretanto, na criança, o divertículo de Meckel é a causa mais comum. As principais causas de HDAB são relacionadas no Quadro 1.4.
• lesões vasculares
Figura 1.8 Lesão de Dieulafoy da Figura 1.3 após hemostasia endoscópica com clipes metálicos e aplicação de coagulador de plasma de argônio. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
São causas importantes de HDAB a isquemia mesentérica e a colite isquêmica. A isquemia visceral secundária a exercícios fisicos prolongados é uma causa rara de HDAB em atletas. Vasculites causadas por periarterite nodosa, granulomatose de Wegener e artrite reumatoide podem causar sangramentos digestivos em consequência de ulcerações e processo necrótico, algumas vezes precipitados pela terapêutica com irnunossupressores, que causa trombocitopenia. Fístulas aortocolônicas são mais raras que as já citadas para o duodeno, mas aneurismas aórticos ou aortoilíacos, bem como aqueles resultantes de enxerto aórtico, podem causar HDAB de vulto e fatais.
Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 11 --~------------~----------------
Quadro 1.4 Principaiscausas de hemorragia digestiva agudabaixa Lesões vasculares lsquemia mesent érica Colite isquêmica Vasculites Fístula arteriovenosa Angiod isplasias Tumores vascu lares Telangiectasias hereditárias Malformações arteriovenosas
Tumores Benignos Adenomas Fibromas Leiom iomas Hamartomas Malignos Adenocarcinomas Carcinoides Linfossarcomas Leiomiossarcomas
Doenças inflamatórias e infecciosas Retocolite ulcerativa Doença de Crohn Enterocolite act ínica Enterocolite bacteriana
Divertículos Do intestino delgado Do cólon De Meckel
Lesões anorretais Hemorroidas Fissuras Pro lapsos
Outras causas Lesões traumáticas Lesões iatrogên icas Discrasias sanguíneas
• Tumores Os pólipos e os tumores malignos são causas pouco frequentes de HDAB, sendo mais relacionados com sangramentos gastrintestinais crônicos. Todavia, podem ser responsáveis por até aproximadamente 17% dos casos de HDAB. Infelizmente, tais casos são geralmente relacionados com formas avançadas da doença. As remoções endoscópicas dos pólipos também podem causar HD imediatamente e até 3 semanas depois, correspondendo a cerca de 2 a 6% dos casos de HDAB. A maioria dos casos de hemorragia pós-polipectomia pode ser acompanhada com tratamento conservador, algumas vezes necessitando de tratamento endoscópico.
deira participação é passível de dúvidas quan do levamos em consideração a propedêutica empregada. Embora os divertículos sejam prevalentes no cólon esquerdo, em um levantamento no qual o meio diagnóstico usado foi a arteriografia a hemorragia localizou-se em 60% dos casos no cólon direito, e no mesmo percentual no cólon esquerdo, quando foi usada a colonoscopia. Essas observações permitem também inferir que as maiores hemorragias se instalam no cólon direito, pois necessitam ultrapassar 0,5 mi/min para serem demonstradas por arteriografia. Quanto ao mecanismo pelo qual os divertículos sangram, estudos histológicos mostram que provavelmente seja devido a ulcerações ou erosões no óstio ou na cúpula dos divertículos, atingindo ramos intramurais da artéria marginal que irriga o cólon, dando-se menos importância às inflamações e diverticulites. O uso prévio de AINH pode desencadear o sangramento de divertículos. No intestino delgado, raramente causam HD. O diagnóstico de HD por doença diverticular é frequentemente de exclusão, pois em poucos pacientes se identifica hemorragia ativa ou estigmas de sangramento recente no divertículo (Figura 1.9). Do mesmo modo que são utilizados na úlcera péptica gastroduodenal, também nas úlceras diverticulares examinadas por colonoscopia podem ser descritos estigmas indicativos de prognóstico. Em um estudo, a presença de coágulo aderido com hemorragia ativa ou de vaso visível não sangrante em associação com úlcera diverticular é forte indicador de hemorragia importante. Esses achados foram relacionados mais frequentemente com maior número de episódios de HD (3,5 episódios em média), com hemoglobinemia mais baixa, exigindo maior número de unidades de hemotransfusão, e, ainda, terapêutica invasiva, quando comparados às úlceras diverticulares sem esses estigmas. Tais achados permitem concluir que pacientes portadores de divertículos com úlceras de base limpa que sangraram têm baixo risco de ressangramento, prevendo-se assim uma alta hospitalar mais breve. A HD por doença diverticular habitualmente cessa espontaneamente e não apresenta recorrência na maioria dos pacientes. O risco de ressangramento parece aumentar com o decorrer do tempo e ser proporcional à intensidade do sangramento inicial. Os divertículos de Meckel, que constituem a maior causa de HDAB em crianças e adultos jovens, não têm a mesma im-
• Doenças inflamatórias e infecciosas Diversas doenças inflamatórias podem ser causa de HDAB, como: colites por irradiação, doença de Crohn e retocolite ulcerativa. Entre as colites infecciosas, algumas raramente causam HDAB, como a febre tifoide, a colite pseudomembranosa, a colite por citomegalovirus e a tuberculose intestinal. A colite por irradiação pode causar HD entre 9 e 15 meses após a radioterapia, mas já foram descritos casos mais tardios, entre 3 e 4 anos; afeta mais frequentemente o reto, após radioterapia pélvica.
• Doença diverticular A doença diverticular dos cólons constitui a causa mais frequente de HDAB (cerca de 40% dos casos), mas a sua verda-
Figura 1.9 Divertículo co lô nico com coágu lo aderido. (Esta fig ura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
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Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
portância após os 30 anos. Consistem em anomalia congênita que ocorre entre 1 e 3% da população e está localizada entre 20 e 80 em da junção ileocecal. A HD é provocada pela presença de mucosa gástrica heterotópica, encontrada em cerca de 50% dos casos, que secreta o ácido clorídrico e ulcera a mucosa no próprio divertículo ou em áreas ileais adjacentes. O diagnóstico geralmente é feito por cintigrafia, e a conduta terapêutica é cirúrgica, com ressecção do divertículo.
• Angiodisplasias São vasos ectasiados, vistos na mucosa ou submucosa do trato gastrintestinal, com incidência no cólon entre 1 e 2%, à colonoscopia ou à necropsia, predominando no cólon direito e em idosos (Figura 1.10). Estudos histológicos têm mostrado que há um fino revestimento mucoso ou presença de ulcerações como possíveis explicações para a HD. São responsáveis por aproximadamente 11% dos casos de HDAB. Têm sido descritas em associação com insuficiência renal crônica, doença arterioesclerótica cardiovascular, doença de von Willebrand, doença pulmonar obstrutiva crônica e cirrose hepática. Quando se suspeita da existência de angiodisplasia, deve-se evitar o uso de opioides como sedativos para a colonoscopia, porque eles reduzem o fluxo sanguíneo mucoso, mascarando sua detecção. Grande avanço no diagnóstico dessa doença foi obtido com a introdução da cápsula endoscópica, conforme foi demonstrado na Figura 1.11. • Lesões anorretais Embora nem sempre sejam relacionadas entre as causas de HDAB, as hemorroidas têm sido responsabilizadas por 5 e 10% dos casos de HDAB por alguns autores e apresentam-se de modo intermitente ou maciço, sendo o sangramento observado mais frequentemente durante a defecação. Como a doença hemorroidária tem prevalência considerável na população, outras causas de sangramento devem ser excluídas antes de responsabilizá-la pela HDAB. • Medicamentos anti-inflamatórios não hormonais(AINH) Sabe-se, desde a década de 1930, que os AINH são capazes de lesar a mucosa gastroduodenal. Entretanto, só nos últimos
Figura 1.1 O Angiodisplasia de cólon direito com sangramento ativo. (Cortesia do Dr.lincoln E.V.V.C. Ferreira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Figura 1.11 Angiodisplasia de cólon ascendente demonst rada pela cápsula endoscópica. Paciente de 82 anos, que, no espaço de 1 ano, teve quatro episódios de hemorragia digestiva. Colonoscopias descreveram apenas alguns divertículos de cólon esquerdo, sem sangramento. O exame pela cápsula endoscópica mostrou, além da lesão descrita, outra menor no j ejuno. (Cortesia do Dr. Roberto Santoro - Serviço de Gastrenterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro Filho). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
anos, estudos bem dirigidos comprovaram que podem produzir diversos tipos de colites (eosinoffiica, pseudomembranosa e colagenosa), bem como exacerbação de doenças preexistentes, como colite ulcerativa e doença de Crohn, além de estenoses e úlceras de delgado e de cólon, podendo resultar em HD agudas ou sangramentos crônicos. A ação lesiva dos AINH sobre a mucosa do trato digestivo tem mecanismo incerto, mas a hipótese central seria através de alterações na síntese das prostaglandinas, acreditando-se ainda em uma ação pré-sistêmica ou tópica, alterando a integridade da mucosa. A introdução no mercado de AINH de desintegração entérica permitiria poupar a porção proximal do trato digestivo de sua ação pré-sistêmica, transferindo para o intestino delgado e cólon essas ações deletérias. Algumas publicações descreveram a recuperação de resíduos de uma formulação com indometacina de liberação lenta em áreas de perfuração do íleo e do cólon, bem como fragmentos de um comprimido de diclofenaco em áreas de ulceração e estenose do cólon.
• Síndrome da imunodeficiênciaadquirida (AIOS) A etiologia da HDAB em portadores de AIDS é diferente da observada nos pacientes em geral. Alguns relatos descreveram que os portadores dessa afecção têm como causa, em cerca de 23% dos casos, hemorroidas e fissuras anais, associadas frequentemente a trombocitopenia, e, em mais de 70% dos casos, ocorrem lesões retais, principalmente colite por citomegalovírus. Foram descritos, ainda, colite bacteriana, histoplasmose colônica e sarcoma de Kaposi do cólon. Entretanto, é incomum que o óbito se relacione com HDAB.
Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa
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• Diagnóstico da HDAB A real incidência de HDAB é difícil de ser determinada pela falta de padronização dos métodos de investigação. Além disso, algumas estatísticas não incluem os sangramentos orificiais. A confirmação de que uma determinada lesão seria responsável pelo sangramento muitas vezes é motivo de dúvida, tanto assim que existe uma tendência em separar os achados em "origem provada" e "origem potencial". Em muitos casos, a localização da HD relaciona-se a uma evidência circunstancial, como, por exemplo, quando se encontra uma determinada lesão como fonte potencial de sangramento em um paciente com hematoquezia. Entretanto, a correlação etiológica pode ser falsa, com mais de uma causa como provável origem do sangramento. Portanto, há necessidade de padronização dos métodos de pesquisa, principalmente se levarmos em conta que um determinado caso clínico pode exigir solução cirúrgica, que precisa ser corretamente indicada. Assim, foi proposto um esquema para a ordenação diagnóstica da HDAB, descrita no Quadro 1.5. Destaque-se, ainda, que a sua apresentação clínica é variável, o que dificulta a comparação entre as diversas publicações a respeito da HDAB. Formas maciças, que exigem cirurgia de urgência ou rapidez para restabelecer o equilíbrio hemodinâmico e salvar a vida, são pouco frequentes, predominando as apresentações leves a moderadas. Não há padronização para a abordagem diagnóstica dos pacientes com HDAB. O Quadro 1.6
Quadro 1.5 Critérios de prioridades no diagnóstico de certeza da hemorragia aguda do cólon- avaliação pré-cirúrgica Nível I: diagnósti co definitivo A: lesão sangrando ativamente localizada por endoscopia ou art eriografia. B: estigma de sangramento recente identificado por endoscopia (vaso visível não sangrante, coágu lo aderido). C: cintigrafia com hemácias marcadas positiva e confirmada por IA ou IB.
Nível li: diagnóstico presuntivo/evidência ci rcunstancial A: sangue vivo localizado em segmento eólico que possui fonte potencial para sangramento. B: cintigrafia positiva d irigida ao cólon e colonoscopia que mostra fonte potencial para sangramento na área descrita pela cintigrafia. C: hematoquezia confirmada e colonoscopia que demonstra uma fonte potencial de sangramento no cólon, complementada com endoscopia digestiva alta negativa.
Nível lU: diagnóst ico equivocado A: "hematoquezia" ou sangue eliminado pelo reto (sem especificação de cor) e colonoscopia que demonstra uma ou mais fontes potenciais de sangramento. Adapt ado de Zuckerman, GR & Prakash, C. Acute lower intest inal bleedi ng. Part 11: Etiology, therapy, and outcomes. Gastrointest. Endosc., 1999; 49:228·38.
--------------------------------T -------------------------------Quadro 1.6 Abordagem de um paciente com hemorragia digestiva aguda baixa PACIENTE COM HEMATOQUEZIAAGUDA GRAVE
Avaliação e tratamento inicial de emergência
Aspiração nasogástrica
Aspirado abundante de bile sem sangue
Colonoscopia L..
Fonte identificada
Tratamento apropriado
Exame negativo
Cessou a hematoquezia?
Estudar o intestino delgado
Todos os outros tipos de aspirados
Negativa
Endoscopia digestiva alta
TGI superior (fonte)
Tratamento apropriado
Diagnóstico dificultado pelo vulto do sangramento
Não
+
Arteriografia (precedida ou não de cintigrafia) Avaliar a possibilidade .. c1rurgica
Adaptado de Zuccaro, G. Management ofthe adult patient with acute lower gastrointestinal bleed ing.Am. J. Gastroenteral., 1998; 93:1202·8.
14 Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa apresenta um algoritmo com a abordagem de um paciente com hemorragia digestiva aguda baixa. Os seguintes exames complementares são os mais utilizados para definição etiológica da HDAB: retossigmoidoscopia, colonoscopia, arteriografia seletiva, cintigrafia, cápsula endoscópica de intestino delgado, enteroscopia e outros.
• Retossigmoidoscopia Pode ser indicada, de início, em todo caso de HDAB, permitindo excluir doenças do cólon distai e anorretais. Além de oferecer chance de encontrar a lesão sangrante (Figura 1.12), a retossigmoidoscopia flexível pode identificar indícios de sangramento recente (sangue vivo no reto ou sigmoide). Entretanto, a sua utilização após a introdução da colonoscopia de urgência tornou-se questionável, pois a presença de lesão distai não exclui outras lesões colônicas sangrantes. A realização da anuscopia deve ser estimulada por ser um exame de baixo custo e ideal para detectar lesões anorretais.
• Colonoscopia Mesmo diante da reconhecida importância da EDA no diagnóstico e na terapêutica da HDAA, a colonoscopia só foi utilizada para a HDAB nos últimos anos. A colonoscopia de urgência foi relatada, pela primeira vez, nos anos setenta, mas não foi aceita de imediato como procedimento de eleição para HDAB, sendo realizada, em geral, quando o sangramento havia cessado e o enema opaco ou a arteriografia era negativa. A relutância inicial ao seu uso, em virtude do risco potencial de complicações, foi aos poucos sendo superada. A partir da década de 1980, passou a ser indicada precocemente nos casos de HDAB, como recurso propedêutico e terapêutico, desde que o preparo do cólon VO tornou-se eficaz e seguro. Entretanto, ainda costuma ser indicada em pacientes que sangram, sem preparo prévio, com o objetivo de localizar sangramento ativo em um determinado segmento eólico, ou, então, fazendo apenas o preparo através de enema. Contudo, o preparo anterógrado permite melhor visualização da superfície mucosa, favorece a identificação da etiologia sem reativar o sangramento e aumenta a segurança do procedimento por reduzir o risco de perfuração. Tal preparo é bem tolerado e seguro, mas pode desencadear insuficiência cardíaca e desequilíbrio hidreletrolítico em pacientes com comorbidades. Portanto, a colonoscopia só deve ser realizada
após a estabilização hemodinâmica do paciente, assegurando, assim, boa tolerância ao preparo e à sedação para o exame. O tempo entre a admissão dos pacientes e a realização da colonoscopia varia, nos diversos estudos, entre 12 a 48 h. Estudos mostraram que a colonoscopia precoce está associada a menor tempo de hospitalização. As vantagens da colonoscopia de urgência incluem a maior probabilidade de detectar lesão sangrando ativamente ou estigma de sangramento recente e a possibilidade de a lesão ser passível de tratamento endoscópico. Portanto, a colonoscopia de urgência tem sido recomendada como procedimento diagnóstico de escolha na maioria dos pacientes com HDAB, devido a alta acurácia diagnóstica, baixo índice de complicações e potencial terapêutico. O momento mais indicado para a sua realização, no entanto, ainda não foi determinado. A capacidade de identificação do local responsável pelo sangramento durante colonoscopia apresenta ampla variação nas publicações sobre o tema (acurácia diagnóstica entre 48 e 90%). Isso ocorre principalmente devido à falta de padronização dos critérios na definição dos achados endoscópicos, sendo sugerida uma ordenação destes, conforme descrito no Quadro 1.7. Quando a suspeita se volta para o intestino delgado, a colonoscopia permite estudar as porções distais do íleo ou visibilizar o sangue saindo através da válvula ileocecal. Para as porções proximais, pode ser tentada a enteroscopia.
• Arteriografia seletiva Pode ser proposta nos casos de sangramentos de intestino delgado ou de cólon, embora a colonoscopia seja o método mais seguro e eficaz para a definição de uma HD produzida por lesão do íleo distai e cólon. Tem a vantagem de não depender de preparo para o cólon e poder ser usada como medida terapêutica, visando a estancar o sangramento. Contudo, pode causar complicações sérias, como: trombose arterial, reações ao contraste e insuficiência renal aguda. Deve-se começar o estudo pela artéria mesentérica superior, porque as principais causas de sangramento estão localizadas nessa área (doença diverticular e angiodisplasia) e, se for negativo, passa-se, então, para o território da artéria mesentérica inferior e tronco celíaco. Como a maioria das HDAB cessa espontaneamente, a arteriografia deveria ser reservada para casos em que a colonoscopia não foi possível e para aqueles em que há sangramentos persistentes ou recorrentes, cuja etiologia não foi identificada, e nos quais a localização da lesão e a terapia efetiva podem salvar a vida.
• Cintigrafia Deve ser lembrada com o mesmo destaque e as mesmas restrições feitas anteriormente em relação à HDAA. As vantagens
-----------------~----------------Quadro 1.7 Critérios para diagnóstico colonoscópico do local sangrante 1. Local com sangramento ativo 2. Vaso visível não sangrante 3. Coágulo aderido 4. Sangue vivo localizado num segmento colônico S. Divertículo ulcerado com sangue vivo nas imediações 6. Ausência de sangue vivo no íleo terminal, mas encontrado no cólon
Figura 1.12 Retite actínica com sangramento ativo. (Esta figu ra en-
contra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Adaptado de Zuckerman, GR & Prakash, C. Acute lower intestinal bleeding. Part 1: Clinicai presentation and d iagnosis. Gastrointest. Endosc., 1998; 48:606-17.
Capítulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa da cintigrafia são: boa sensibilidade, segurança, o fato de não ser invasiva, sem risco de reação a contraste e de baixo custo. As suas desvantagens são: falta de capacidade terapêutica e dúvidas sobre sua acurácia. Cirurgia não deve ser indicada com base apenas na cintigrafia. Esse método é de grande importância nos pacientes mais jovens, quando há suspeita de divertículo de Meckel, com relato de sensibilidade e especificidade, respectivamente, de 85 e 95%.
• Cápsula endoscópica de intestino delgado O recente desenvolvimento da cápsula endoscópica permitiu a visualização não invasiva do intestino delgado. São obtidas duas imagens por segundo por aproximadamente 8 h, que é o tempo de duração da bateria. As imagens são transmitidas, sem fio, de uma cápsula descartável deglutida pelo paciente para um gravador de dados, fixado à sua cintura e, depois, essas imagens são transferidas para um computador e analisadas pelo endoscopista. A principal indicação da cápsula endoscópica é HD de origem obscura (não detectada por EDA ou colonoscopia), oculta ou não. Em diversos estudos, a cápsula endoscópica se mostrou mais sensível que outros exames não invasivos do intestino delgado, incluindo exames radiológicos contrastados, tomografia computadorizada e enteroscopia. A acurácia da cápsula endoscópica para detectar lesões no intestino delgado é de aproximadamente 70%. Atualmente, deve ser considerada a primeira escolha para investigação de sangramento de origem obscura, como o caso ilustrado na Figura 1.11.
• Enteroscopia Até o início deste século, dispunha-se apenas da enteroscopia denominada push enteroscopia, que consiste na introdução por via anterógrada de um endoscópio, que pode ser o colonoscópio pediátrico ou o enteroscópio convencional, permitindo atingir apenas o jejuno proximal, raramente o jejuno médio. Novas tecnologias permitiram o desenvolvimento de métodos específicos para procedimentos endoscópicos diagnósticos e terapêuticos no intestino delgado. Tais procedimentos são realizados com endoscópios especializados disponíveis em poucos serviços de endoscopia no momento e incluem: enteroscopia de duplo balão, enteroscopia de balão único e enteroscopia espiral. São técnicas diferentes, mas baseadas no manejo de um overtube sobre endoscópio longo, com sanfonamento das alças intestinais sobre o aparelho. Permite visualização de todo o intestino delgado em até aproximadamente 86% dos pacientes, com baixa incidência de complicações. Pode ser utilizada a via anterógrada e/ou retrógrada. No entanto, são procedimentos demorados e cansativos, realizados com anestesia. A conduta mais preconizada é a realização inicial de cápsula endoscópica para localização da lesão sangrante, seguida de enteroscopia para seu tratamento.
• Outros métodos de imagem Os exames contrastados de intestino delgado ou do cólon têm menor destaque na HDAB, pois não permitem identificar com segurança o local sangrante e podem interferir no desempenho de outros exames, como a colonoscopia. No entanto, podem ser indicados quando a HD cessa e não se sabe a causa. Para o intestino delgado, além do trânsito intestinal, pode ser feita uma enteróclise, que é um exame com duplo contraste, consistindo na passagem de uma sonda nasogástrica e injeção de contraste baritado associado a metilcelulose. Merece destaque para o estudo do cólon, além do enema opaco, a colonoscopia virtual, estudo do cólon por tomografia computadoriza-
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da, introduzido em 1994, que permite a localização de pólipos e tumores colorretais, mas com as mesmas limitações para a localização do ponto sangrante. A angiografia por tomografia computadorizada pode ser útil na identificação de ectasia vascular colônica.
• Tratamento A terapêutica clínica da HDAB deve seguir os mesmos critérios citados anteriormente para a HDAA, sendo mandatória a hospitalização para hemorragias moderadas e maciças. Na maioria das vezes, a HDAB cessa espontaneamente, mas os pacientes com sangramento contínuo ou recorrente necessitam de intervenção que debele a hemorragia. As opções terapêuticas são mais limitadas que na HDAA.
• Medidas específicas • Terapêutica endoscópica Deve-se lançar mão de exame endoscópico, por profissional experiente, logo após a admissão e estabilização hemodinâmica do paciente. São encontradas alterações durante colonoscopia de urgência, com maior frequência, do que em procedimento eletivo. Cerca de 10 a 15% dos pacientes submetidos a colonoscopia de urgência por HDAB recebem algum tratamento endoscópico. A hemostasia pode ser realizada com eficácia, usando-se métodos de injeção, térmicos (laser, heater probe, eletrocoagulação mono ou bipolar, coagulação com plasma de argônio) e/ou mecânicos (clipes metálicos, ligadura elástica). O tratamento endoscópico deve ser realizado com cautela no cólon direito, que apresenta a parede mais fina, com o objetivo de evitar perfuração colônica.
• Terapia angioterápica Nos casos de insucesso do tratamento endoscópico, pode ser realizada arteriografia com objetivo de interromper o sangramente. Injeção intra-arterial de vasoconstritores (vasopressina) era considerada o tratamento angiográfico de escolha para HDAB, principalmente por doença diverticular e angiodisplasia. Todavia, complicações maiores com vasopressina ocorrem em 9 a 21% dos pacientes, e o índice de hemorragia recorrente após infusão de vasopressina pode ser de até 50%. Atualmente, a embolização arterial superseletiva com diversos agentes substituiu a vasopressina intra-arterial para tratamento da HDAB. Pode haver controle do sangramento em 44 a 91% dos casos, com menor incidência de complicações maiores comparada à vasopressina. A recorrência do sangramento com embolização superseletiva varia de 7 a 33%.
• Cirurgia A cirurgia pode ser necessária para tratamento de HDAB contínua ou recorrente e tem sido realizada em 15 a 25% dos pacientes. A cirurgia de urgência, visando a conter a hemorragia e preservar a vida, deve ser precedida de criteriosa pesquisa no sentido de localizar o ponto sangrante. Quando a ressecção segmentar é feita às cegas, ou baseada apenas em cintigrafia, está sujeita a recorrência do quadro hemorrágico e tem morbidade e mortalidade aumentadas. Entretanto, quando a arteriografia ou a colonoscopia têm êxito na identificação do local lesado, a ressecção segmentar produz melhores resultados. Em um estudo de casos submetidos previamente à arteriografia seletiva, após 1 ano da cirurgia a incidência de ressangramento foi de
16 Capítulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 14% naqueles que foram guiados pela arteriografia e de 42% quando a ressecção foi realizada após arteriografia negativa. Portanto, nos casos de emergência, quando se faz uma laparotomia exploradora, é desejável que o ato cirúrgico seja guiado por um exame endoscópico intraoperatório. Geralmente, a cirurgia é recomendada nos seguintes casos: (1) pacientes que necessitam de mais de quatro unidades de concentrado de glóbulos vermelhos dentro de 24 h; (2) pacientes com HD persistente e que exigem mais de dez unidades de hemotransfusão durante o surto de sangramento; (3) portadores de hemorragias recorrentes; (4) portadores de doença diverticular que voltam a sangrar após um episódio inicial, com perdas entre 20 e 40% da volemia. Como esses critérios são relativamente arbitrários, a decisão cirúrgica nos casos de sangramentos maciços deve ser guiada também por outras variáveis, como a concomitância de outras enfermidades e a situação clínica de cada paciente. As intervenções cirúrgicas mais indicadas são: (1) ressecção segmentar de emergência para uma fonte conhecida de sangramento persistente; (2) ressecção segmentar eletiva para uma fonte conhecida de sangramento, como adenocarcinoma do cólon, ou para sangramento recorrente de uma lesão identificada, como divertículo do cólon; (3) colectomia subtotal, com anastomose ileorretal, para fonte desconhecida de sangramento. As ressecções segmentares para fontes desconhecidas devem ser evitadas porque são acompanhadas de risco de ressangramento, com maior morbidade e mortalidade.
• Cuidados específicos .,.. Angiodisplasias. Aquelas que sangram necessitam de tratamento endoscópico imediato. O melhor tratamento para pacientes com HDAB e angiodisplasia é o endoscópico. Os seguintes métodos são eficazes e seguros: eletrocoagulação, terapia de injeção, heater probe, laser e coagulação com plasma de argônio. Contudo, a terapêutica endoscópica para hemostasia é sujeita a ressangramento, principalmente quando são lesões múltiplas, exigindo mais de uma sessão de hemostasia. A complicação mais temida com o tratamento endoscópico é a perfuração colônica, principalmente no cólon direito, que tem a parede mais fina. Para as angiodisplasias múltiplas de cólon e/ou delgado, tem sido proposta a terapêutica hormonal com a associação estrógeno-progesterona (1 mg de noretinodrel e 0,005 mg de mestranol/dia), com relatos de resultados profiláticos favoráveis, ou, ainda, o octreotídio, utilizado com êxito no controle e prevenção de sangramento de angiodisplasia do intestino delgado, na dose de 100 ~ 2 vezes/dia SC. A arteriografia deve ser considerada em casos de sangramento contínuo ou recorrente, com insucesso da endoscopia para seu controle. Tal procedimento permite identificar as lesões sangrantes e tratá-las. Na refratariedade das medidas anteriores, deve-se considerar a indicação cirúrgica. .,.. Doença diverticular dos cólons. A terapêutica endoscópica, visando à hemostasia através de métodos térmicos, mecânicos ou injeção de epinefrina, tem sido descrita com sucesso, mas usada em pequeno número de casos, em face da dificuldade
de localizar com precisão o ponto sangrante. No insucesso da colonoscopia e da terapia endoscópica, deve ser tentada a localização da área hemorrágica por cintigrafia e/ou arteriografia seletiva. Caso haja localização do ponto de sangramento, pode ser tentado tratamento angiográfico. A cirurgia de emergência deve ser reservada para os sangramentos incontroláveis. Entretanto, quando não se tem êxito nos procedimentos anteriores para localizar o ponto lesado, haverá maior segurança se for feito um exame endoscópico durante o ato operatório.
• Prognóstico As variáveis clínicas que predizem a intensidade da HDAB são semelhantes às descritas para a HDAA (Quadro 1.3). No entanto, a HDAB difere da HDAA quanto à gravidade de sua apresentação. Em um levantamento entre os membros do Colégio Americano de Gastroenterologia, demonstrou-se que a HDAB apresenta-se menos frequentemente com choque que a HDAA (19 e 35%, respectivamente), exigindo menos hemotransfusão (36 e 64%, respectivamente). A mortalidade varia de 2 a 4%.
• LEITURA RECOMENDADA Adler, DG, Leighton, TA, Davila, RE et ai. ASGE guideline: The role of endoscopy in acute non-variceal upper-GI hemorrhage. Gastrointest Endosc, 2004; 60:497-504. Appleyard, M, Glukhovsky, A, Swain, P. Wirelless-capsule diagnostic endoscopy for recurrent small bowel bleending. N. Engl. ]. Med., 2001; 344:232-3. Arnott, IDR & Lo, SK. The Clinicai Utility ofWideless Capsule Endoscopy. Digestive Diseases and Sciences, 2004; 49:893-901. Davila, RE, Rajan, E, Adler, DG et a/. ASGE Guideline: the role of endoscopy in the patient with lower-GI bleeding. Gastrointest Endosc, 2005; 62:656-60. Jensen, G & Machicado, GA. Diagnosis and treatment of severe hematochezia: the role of urgent colonoscopy after purge. Gastroenterology, 1988; 95:1569-74. Johnson, CD & Ahlquist, DA. Computed tomography colonography (virtual colonoscopy): a new method for colorectal screening. Gut, 1999; 44:301-5. Jutabha, R. Approach to the adult patient with lower gastrointestinal bleeding. In: Slivka, A. UpToDate, Inc., Waltham, MA; 2009. Jutabha, R & Jensen, DM. Treatment of bleeding peptic ulcers. Em: Feldman, M. UpToDate, Inc., Waltham, MA; 2009. Lau, JYW, Sung, JJY, Lam, YH et ai. Endoscopic retreatment compared with surgery in patients with recurrent bleeding after initial endoscopic control of bleeding ulcers. N Engl JMed, 1999; 340:75 1-6. Rocckey, DC. Gastrointestinal Bleeding. Em: Feldman, M, Friedman, LS, Brandt, LJ, Sleisenger, MH (eds.). Gastrointestinal and Liver Disease. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2006. p. 255-300. Rossini, FP, Arrigoni, A, Pennazio, M. Octreotide in the treatment ofbleeding due to angiodysplasia of the small intestine. Am J Gastroentero~ 1993; 88:1424-7. Schafer, ME & Lo SK. Navigating beyond the ligament ofTreitz: an introduction to learning enteroscopy. Gastrointest Endosc, 2010; 71:1029-32. Wallace, JL. Nonsteroidal antiinflammatory drugs and gastroenteropathy: The Second hundred years. Gastroenterology, 1997; 112:1000-16. Zuccaro, G. Management of the adult patient with acute lower gastrointestinal bleeding. Am J Gastroenterol, 1998; 93:1202-8. Zuckerman, GR & Prakash, C. Acute lower intestinal bleeding. PartI: Clinicai presentation and diagnosis. Gastrointest Endosc, 1998; 48:606-17. Zuckerman, GR & Prakash, C. Acute lower intestinal bleeding. Part li: Etiology, therapy, and outcomes. Gastrointest Endosc, 1999; 49:228-38.
Sangramento Gastrintestinal Crônico Pedro Duarte Gaburri, Ana Kar/a Gaburri, Adilton To/edo Orne/las e Aécio Flávio Meirel/es de Souza
Nos últimos anos, alguns avanços têm ocorrido no reconhecimento desta forma de hemorragia digestiva, embora ela se constitua quase sempre em um grande desafio para os gastroenterologistas. Sua manifestação pode se dar de forma evidente ou imperceptível, podendo sua origem se localizar em qualquer segmento do tubo digestivo, não identificada após as avaliações propedêuticas iniciais. Denomina-se hemorragia gastrintestinal obscura quando se trata de sangramento evidente para o médico ou o paciente, e hemorragia gastrintestinal oculta para os casos manifestados por anemia crônica ferropriva sem evidência macroscópica do sangramento, o qual é consequente à perda digestiva prolongada com pesquisa de sangue oculto positiva nas fezes. Fazem-se necessárias perdas gastrintestinais acima de 100 a 150 mf/24 h para que se modifique a coloração das fezes, motivo pelo qual o sangramento pode se dar por longos períodos sem que seja notado, levando à anemia crônica como sua única manifestação. Em termos gerais, a causa mais frequente de anemia ferropriva no sexo masculino é a perda sanguínea gastrintestinal, enquanto nas mulheres, no mundo ocidental, as perdas ginecológicas, quando excessivas, superam as digestivas em frequência. Algumas pistas clínicas podem indicar a possibilidade diagnóstica de associação de condições e enfermidades, como: idade acima de 50 anos e neoplasias malignas; insuficiência renal crônica e angiodisplasias/ectasias vasculares; diarreia crônica e doença celíaca; além de AIDS e sarcoma de Kaposi ou colite por citomegalovírus.
• HEMORRAGIA GASTRINTESTINAL CRÔNICA OBSCURA Manifesta-se por perda sanguínea reconhecível pelo paciente ou equipe médica, porém sem que a causa seja identificada pelos processos propedêuticos, sobretudo endoscópicos, do trato digestivo superior e do cólon, havendo hoje maior conscientização dos gastroenterologistas de que se torna indispensável a investigação apurada do intestino delgado nesses casos. Não raramente, os episódios de sangramento se repetem, sem que haja identificação da etiologia. As manifestações clínicas dependerão da intensidade das perdas, mas não fogem às tradicionalmente conhecidas e abordadas no Capítulo 1. O maior
desafio nessas circunstâncias é a identificação da sede e do tipo da lesão responsável pelo sangramento, para que se possa adotar o tratamento mais apropriado, seja clínico ou cirúrgico.
• Etiologia No Quadro 2.1, estão enumeradas as causas mais frequentes de sangramento intestinal crônico e que, embora predominem no intestino delgado, podem se localizar em outros segmentos do trato gastrintestinal. As ectasias vasculares ou angiodisplasias têm a sua frequência aumentada com a idade, sobretudo após os 50 anos. São mais comuns no cólon direito e podem ocasionar hemorragias copiosas (Figura 2.1). Os tumores ocorrem em idade mais precoce, predominando entre os 30 e 50 anos, e incluem os liomiomas, leiomios-
-----------------~-----------------
Quadro 2.1 Causas de hemorragia gastrintestinal crônica de origem obscura Intestinodelgado
Outras sedes
Ectasias vasculares
Ectasias vascu lares
Tumores
Lesão de Dieulafoy
Hemobilia
Varizes gástricas
Fístula aortoentérica
Ectasia vascular gástrica antral
Hemosuccus pancreaticus
Hemangioma
Divertículos duodenojejunais Divertículo de Meckel Ulcerações medicamentosas ou infecciosas Varizes duodenais Sarcoma de Kaposi Doença de Crohn Vasculites Modificado de Rockey, OC. Chronic Gastrintestinal Bleeding. Em: Grendell, JH, McQuaid, KR, Friedman, SC. Current Diagnosis and Treatment in Gastroenterology, 1996.
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Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
Figura 2.1 Angiodisplasia do ceco. (Cortesia do Dr. Lincoln E.V.V.C. Ferreira.)
Figura 2.2 Lesões de Cameron. (Cortesia do Dr. Lincoln E.V.V.C. Ferreira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
sarcomas, adenocarcinomas, linfomas, tumores carcinoides e hamartomas. Dor abdominal, emagrecimento e semioclusões intestinais podem acompanhar ou preceder as hemorragias de causas tumorais, em geral mais abundantes nos liomiomas e liomiossarcomas. As fístulas aortoentéricas ocorrem em portadores de aneurisma, ou com enxerto aórtico, em geral infectado por Staphylococcus aureus, que determina processo inflamatório adjacente à parede duodenal e ruptura, com hemorragia copiosa, para dentro do lúmen intestinal. A úlcera péptica penetrante, os tumores e traumas abdominais são causas mais raras. As hemorragias em pessoas com menos de 25 anos têm no divertículo de Meckel sua principal causa. Ulcerações na mucosa ileal adjacente ao divertículo com mucosa gástrica ectópica constituem a razão mais comum de sangramento gastrintestinal crônico na infância. A hemobilia se acompanha de icterícia e dor no hipocôndrio direito, e ocorre em consequência de trauma acidental, ou provocado, ou, ainda, cirúrgico das vias biliares, biopsia hepática, litíase biliar, tumores, lesões vasculares, distúrbios de coagulação, dentre outras causas. Sua ocorrência deve ser considerada em doentes com icterícia, hematêmese e/ou melena e ausência de lesões do estômago e duodeno. Hemosuccus pancreaticus decorre de sangramento no dueto pancreático principal, resultante, na maior parte dos casos, de ruptura de uma artéria no interior de um pseudocisto. É devido, na maioria dos casos, a pancreatites, pseudocisto ou tumores pancreáticos. Na presença dessas condições, a ocorrência da hemorragia deve despertar a suspeita clínica, sendo sua demonstração concreta realizada através de arteriografia, por meio da qual também se pode realizar a embolização terapêutica do vaso sangrante. A constatação endoscópica da saída de sangue pela papila pode caracterizar a ocorrência de hemosuccus pancreaticus ou hemobilia. A lesão de Dieulafoy corresponde à existência de um vaso submucoso dilatado que se rompe para a luz gastrintestinal, ocasionando hemorragias copiosas. Cerca de 1 a 5% das hemorragias gastrintestinais altas teriam essa etiologia, estando a lesão quase sempre localizada a 6 em do esfíncter esofágico inferior, ao longo da pequena curvatura gástrica. Sua ocorrência pode se dar também em outros segmentos do tubo digestivo. As varizes gástricas e duodenais são causas comuns de hemorragias digestivas copiosas, quase sempre secundárias à hi-
pertensão portal. Seu colabamento logo após o sangramento pode dificultar o reconhecimento endoscópico. A gastropatia portal hipertensiva é encontrada em doentes com hipertensão portal, podendo sua importância ser subestimada em presença de volumosos cordões varicosos gastresofágicos. A escleroterapia ou ligadura elástica das varizes pode agravar a gastropatia e aumentar o risco de sangramento (Figura 2.2). As mesmas lesões vistas comumente no estômago podem ocorrer também ao longo do intestino delgado como enteropatia portal hipertensiva. A ectasia vascular gástrica an trai (estômago em melancia) é uma condição rara, idiopática, associada a sangramento agudo ou com perda de sangue prolongada e não perceptível nas fezes . Em alguns casos, se associa à cirrose hepática e hipertensão portal, possível razão da ocorrência dos vasos dilatados e tortuosos que se localizam no antro e convergem para o piloro (Figura 2.2).
• Diagnóstico A identificação da causa da hemorragia requer a associação de dados clínicos, laboratoriais e o emprego de métodos propedêuticos invasivos. A anamnese e o exame físico constituem os primeiros passos no diagnóstico, em busca da sede do sangramento. A ocorrência de melena sugere uma lesão nas partes mais altas do tubo digestivo, enquanto a hematoquezia quase sempre se relaciona a lesões no cólon distai e reto. No entanto, a intensidade da perda sanguínea pode modificar essas apresentações, gerando hematoquezia, a partir de lesões altas com hemorragias copiosas, e melena, em sangramentos lentos e prolongados do cólon direito. Esplenomegalia pode sugerir hipertensão portal ou hemopatia. A sequência de investigações deve seguir uma ordem determinada pelos resultados que forem sendo obtidos sucessivamente. Uma lavagem gástrica pode ser útil ao demonstrar a presença de sangue no estômago. Os próximos passos são a endoscopia digestiva alta, a retossigmoidoscopia flexível ou a colonoscopia. Se estas não forem esclarecedoras e o sangramento continuar ativo, pode-se usar 99 o teste com hemácias marcadas com tecnécio , e que permite identificar sangramentos acima de 0,1 mR por minuto. Em al-
Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
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Figura 2.4 Arteriografia mesentérica revelando várias fases da identifiFigura 2.3 Radiografia contrastada de estômago e duodeno mostran-
do estenose irregular na 3a porção duodenal por adenocarcionoma de duodeno.
guns casos, os exames radiológicos demonstram a existência de tumores em locais não acessíveis à endoscopia alta convencional. A Figura 2.3 constitui um exemplo dessa situação. Caso o sangramento tenha cessado após os exames já citados, pode-se recorrer a recursos endoscópicos mais sofisticados, com a utilização de aparelhos capazes de atingir o jejuno e o íleo: a enteroscopia. Exame contrastado convencional do intestino delgado ou a enteróclise, em que se usa contraste diluído e instilado por sonda nasogástrica, poderão ser empregados, mas sua eficiência é inferior aos procedimentos endoscópicos. A enteróclise, a enteroscopia e mais recentemente a videoendoscopia por cápsula são os principais recursos propedêuticos para a investigação do intestino delgado. Parece bem estabelecido que a cápsula endoscópica está se tornando o método de escolha na avaliação de pacientes com sangramenta gastrintestinal obscuro ou oculto, após a realização de endoscopia digestiva alta e colonoscopia não elucidativas. A enteroscopia é capaz de identificar a fonte exata do sangramento obscuro em 32 a 38% dos casos, enquanto a cápsula endoscópica o faz em 66 a 69%. Esta última tem seu uso indicado, não só nas hemorragias digestivas de origem desconhecida, mas também nas anemias crônicas de causa não identificada e nas doenças inflamatórias intestinais. Nestas últimas, vale realçar a ocorrência de sangramento gastrintestinal intenso, às vezes com choque hipovolêmico, na doença de Crohn de localização jejunal. Devem ser lembradas, ainda, as arteriografias, a tomografia computadorizada e a cintigrafia com hemácias marcadas com radioisótopos, como recursos complementares para a investigação diagnóstica. A arteriografia é capaz de reconhecer sangramentos em volume acima de 0,5 mf por
cação de tumor hipervascularizado, responsável por sangramento ativo para o lúmen intestinal: tumor est romal no jejuno proximal. (Cortesia do Dr. Renato Dan i.)
minuto e ainda permitir o uso de procedimentos terapêuticos durante sua realização. A Figura 2.4 evidencia uma arteriografia com demonstração de sangramento ativo, em paciente com um tumor estromal do jeuno proximal e hemorragia crônica de repetição. A impossibilidade de se detectar a causa, após o emprego dos recursos anteriormente citados, constitui indicação para laparotomia exploradora, com enteroscopia peroperatória, visto que, na maior parte dos casos, a lesão responsável pelo sangramento se localiza no intestino delgado. Nas situações de emergência, a laparotomia constitui-se em recurso extremo. Importante destacar que esta atitude deve ser empregada após se esgotarem todas as buscas do diagnóstico exato, exceto se uma lesão única for identificada previamente, já que a hemorragia pode ser causada por lesões múltiplas, gerando o risco de se repetir o sangramento mesmo após a intervenção. A cirurgia é capaz de identificar cerca de 70% das causas de hemorragia, em tais circunstâncias. A Figura 2.5 corresponde a uma lesão encontrada em paciente do sexo feminino, com repetidos episódios de melena, gerando anemia acentuada, com 12 meses de evolução, durante os quais repetidas endoscopias gastroduodenais foram realizadas sem localizar a sede da hemorragia. Uma colonoscopia demonstrou que o sangramento provinha de lesão localizada acima da válvula ileocecal, e a arteriografia mesentérica, demonstrada na Figura 2.4, sugeriu tratar-se de extensa lesão tumoral. Alaparotomia, foi identificado um tumor localizado 15 em abaixo da junção duodenojejunal, que, ao exame histológico, mostrou tratar-se de um tumor estromal ulcerado do jejuno. A Figura 2.6 corresponde a uma angiodisplasia no jejuno proximal identificada por
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Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
exame com cápsula endoscópica. O sangramento gastrintestinal obscuro pode se fazer de forma insidiosa, em grau leve a moderado, ou abundante, sem que sua sede de origem seja identificada em exames endoscópicos do esôfago, estômago e duodeno e da colonoscopia, restando a enteroscopia e o exame com cápsula endoscópica para exame do intestino delgado como recursos diagnósticos. Como se sabe, 5% das lesões que ocasionam sangramento gastrintestinal acham-se localizadas no delgado. Estudo comparativo entre os dois métodos evidenciou que a cápsula endoscópica tem a vantagem de inspecionar todo o intestino delgado, enquanto a enteroscopia permite, além do diagnóstico, intervenções terapêuticas, fazendo com que ambos os procedimentos sejam valiosos. A enteroscopia muitas vezes encontra dificuldades técnicas em ultrapassar as várias flexuras do delgado. Quando realizada no peroperatório, o cirurgião pode auxiliar a condução do aparelho através do intestino, facilitando sua progressão. Outros dois casos de abundante melena de repetição ilustram a importância da videocápsula endoscópica, tendo sido ambos esclarecidos pelo seu emprego: foram reconhecidas lesões compatíveis com a doença de Crohn jejunoileal em ambos os casos. As imagens dessas lesões são mostradas nas Figuras 2.7, 2.8 e 2.9, onde se vê, na primeira, secreção sanguinolenta fluindo pelo jejuno de um homem de 21 anos, cujo exame foi realizado na vigência do sangramento; na segunda, erosões lineares recobertas por coágulos, enquanto lesão aftoide linear não sangrante é vista na Figura 2.9, ambas do mesmo paciente. Na Figura 2.10, podemse ver, após 6 meses de uso de imunomodulador, em exame de controle, lesões aftoides superficiais no jejuno. Outro caso semelhante ocorreu em uma mulher de 32 anos com melena recorrente e anemia intensa, cujo exame com cápsula endoscópica mostrou diversas lesões aftoides, com aspecto também compatível com doença de Crohn jejunoileal, como se vê nas Figuras 2.11 e 2.12. Vale destacar que hemorragias copiosas são pouco frequentes na doença de Crohn, mas esta enfermidade tem grande tendência a hemorragias abundantes quando acomete o jejuno com lesões ulcerosas múltiplas e profundas. Em pacientes idosos, as angiodisplasias e ectasias vasculares podem ser
numerosas, se estendendo ao longo do intestino delgado. Em mulher com mais de 70 anos e episódios de melena volumosa e repetitiva, levando a anemia grave, encontramos incontáveis ectasias, como visto na Figura 2.13. Muita atenção a esses pacientes deve ser dada, em relação ao uso de anti-inflamatórios
Figura 2.6 Angiodispla sia no j ejuno proximal identificada com a cápsula endoscópica. (Cortesia do Dr. Renat o Dani.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Figura 2.5 Lesão tum oral do jejuno proximal responsável por hemor-
Figura 2.7 Sangramento ativo identificado por exame com cápsu-
ragia crônica evidente, correspondente a tum or estromal do intestino delgado- mesmo caso da Figura 2.4. (Co rtesia dos Drs. Renato Dani e Rodrigo Romualdo.) (Esta figu ra encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
la endoscópica em paciente com doença de Crohn, hemorragia digestiva copiosa e choque hipovo lêmico. (Cortesia do Dr. Frederico Bati sta de Oliveira.) (Esta figu ra encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
Figura 2.8 Extensa úlcera recoberta por coágulo no jejuno do mesmo paciente da Figura 2.7. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
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Figura 2.10 Erosão superficial no j ejuno do mesmo paciente da Figura 2.7 após 6 meses de azatioprina, sem outros sangramentos. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
a cápsula endoscópica deva ser o primeiro recurso a ser usado na investigação do jejuno e íleo, a enteroscopia com duplo balão é capaz de evidenciar algumas lesões não identificadas ao exame com a cápsula. Portanto, os dois exames podem ser complementares, com vantagens e desvantagens para ambos, como visto no Quadro 2.4. Outro fato relevante foi a criação de uma cápsula que se dissolve espontaneamente após cerca de 40 h (Cápsula M2A Patency), não criando o risco de obstrução intestinal permanente, nos casos de ser retida em segmentos com estenose.
• Tratamento
Figura 2.9 Erosão linear do j ejuno no mesmo paciente da Figura 2.7. Não estava sangrando neste momento. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
não hormonais e ácido acetilsalicílico, responsáveis por elevado percentual de hemorragias digestivas, com maior risco nos idosos. Pelos fatos anteriormente descritos, pode-se deduzir a grande importância do exame com cápsula endoscópica para investigar lesões do intestino delgado. Porém, estudo realizado na China, incluindo 218 pacientes dos quais 116 com sangramento gastrintestinal obscuro, demonstrou que, embora
As medidas de tratamento da hemorragia digestiva alta e baixa estão enumeradas no Capítulo 1 e também se aplicam ao sangramento gastrintestinal crônico. Algumas causas do sangramento gastrintestinal crônico aparente e recorrente são, porém, mais difíceis de contornar. Exemplo disso são as ectasias vasculares, por sua multiplicidade e extensão. O emprego de terapêuticas com fórmulas hormonais e do ácido aminocaproico apresenta resultados discrepantes em estudos distintos, por vezes desapontadores. Recente experiência com o emprego da associação de estrogênio e progesterona (1 mg de noretinodrel e 0,005 mg de mestranol, 2 vezes/dia) demonstrou excelente resultado na prevenção de novos episódios de sangramento em doentes de ambos os sexos, com ectasias vasculares ou com hemorragias de origem obscura, respeitadas as contraindicações para o uso destes hormônios. A somatostatina e o octreotídio podem ser alternativas válidas em hemorragias por ectasias vasculares. O octreotídio de liberação prolongada pode ser aplicado em injeções mensais. A gastropatia hipertensiva portal tem seu risco de sangramento reduzido com o uso de medidas que diminuem a hipertensão portal, como betabloqueadores ou shunts portossistêmicos, cirúrgicos ou transjugulares. A ta-
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Ca pítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
Figuras 2.11 e 2.12 Várias erosões jejunais identificadaspor exame com cápsula endoscópica em paciente com repetidos episódios de melena e anemia grave, portadora de doença de Crohn e assintomática há 3 anos; houve recuperação das taxas hemáticas com uso de azatioprina. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Estas figuras encontram-se reproduzidas em cores no Encarte.)
• HEMORRAGIA GASTRINTESTINAL CRÔNICA OCULTA • Anemia ferropriva
Figura 2.13 Incontáveis ectasias vasculares j ejunoileais identificada s em exame com cápsula endoscópica em paciente idosa, com repetidos episódios de melena e anemia grave secundária. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
lidomida tem sido aconselhada nestas circunstâncias, mas, no Brasil, a droga só é aprovada pelas autoridades sanitárias para o tratamento da hanseníase. Quando as lesões são acessíveis ao alcance dos aparelhos existentes, o tratamento endoscópico pode ser uma das alternativas mais eficazes.
O sangramento gastrintestinal crônico oculto é habitualmente identificado quando a pesquisa de sangue oculto nas fezes se faz positiva ou na ocorrência de anemia crônica ferropriva. Algumas lesões do tubo digestivo podem sofrer perda crônica de sangue, ocasionando uma anemia por carência de ferro, com baixos níveis de ferro sérico e ferritina constituindo sua manifestação clínica mais proeminente, e obrigando ao diagnóstico diferencial com outras entidades, que também se manifestam da mesma forma. A anemia resultará de perda de ferro superior à capacidade do intestino delgado em absorvê-lo e aparecerá quando seus estoques normais no organismo forem esgotados. Pacientes com anemia moderada não apresentam queixas, mas, em casos mais intensos, adinamia, fadiga fácil, dispneia de esforço, palidez e taquicardia, especialmente em pacientes idosos, junto a sintomas de má irrigação de órgãos vitais, até mesmo com infarto miocárdico e isquemia cerebral, podem ocorrer. Em alguns pacientes, a taxa de ferro diminuída pode ser detectada antes do aparecimento da anemia, levando à identificação das lesões gastrintestinais mais precocemente. A Organização Mundial de Saúde define a anemia por deficiência de ferro como a condição em que a hemoglobina se encontra abaixo de 13 g/dê para homens e 12 g/df para mulheres que ainda menstruam.
• Etiologia Anemia ferropriva, em homens e em mulheres pós-menopausa, tem quase sempre sua origem em perda gastrintestinal crônica. Qualquer lesão do tubo digestivo pode ocasionar esse tipo de sangramento. Nos países ocidentais, sua principal causa é a úlcera gástrica ou duodenal. As varizes esofagogástricas,
Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
quando sangram, o fazem de forma exuberante, exceto nos pacientes submetidos a escleroterapia ou ligadura elástica, nos quais se pode encontrar um teste positivo para sangue oculto. Outras causas incluem esofagite intensa, gastrite erosiva, câncer gástrico e ectasias vasculares. Se o sangramento for pequeno, nas lesões altas, a reabsorção do ferro pode impedir o aparecimento da anemia. A ausência de lesões que justifiquem o sangramento após uma endoscopia digestiva alta e uma colonoscopia indica que a causa deve se localizar no intestino delgado. Angiodisplasias e tumores são as causas mais comuns de sangramento crônico originado nesse segmento intestinal, mas a doença celíaca, a gastrenterite eosinojflica, a doença de Whipple, a endometriose e divertículos também podem ser sua causa. Uma elevação isolada das transaminases, sem outros indicadores de doença hepática, ou uma anemia ferropriva podem ser as únicas manifestações de doença celíaca. O achado de anticorpo antiendomisial ou antitransglutaminase tissular positivo reforça a indicação para biopsia do intestino delgado, em face da sua elevada especificidade nessa enfermidade. Os tumores benignos e malignos do jejuno e do íleo são outras causas que devem ser consideradas. úlceras do intestino delgado, causadas pelo uso de anti-inflamatórios não hormonais, endometriose e divertículos, também devem ser considerados como possíveis causas. No Brasil, a ancilostomíase é uma causa relativamente frequente, sobretudo na zona rural. No cólon, sobretudo no direito, o carcinoma, os pólipos, as ulcerações e ectasias vasculares são outras possíveis etiologias. Entretanto, embora o carcinoma do cólon seja uma das causas mais frequentes desse tipo de sangramento, é importante registrar que, em cerca de 40% dos casos, a lesão responsável se situa no trato gastrintestinal alto, acima da junção duodenojejunal. Doenças inflamatórias intestinais e doenças intestinais isquêmicas devem também ser consideradas. Em 20% dos casos, há atrofia gástrica com acloridria, sugerindo que uma má absorção de ferro possa existir. Em doentes com varizes esofagogástricas ou com divertículos no cólon, um exame de sangue oculto positivo deve fazer suspeitar de que outra doença possa ser a causa do sangramento, uma vez que, em ambas as circunstâncias, a hemorragia, quando ocorre, é geralmente copiosa e o sangramento não é oculto. Vale notar que a faixa etária em que é mais comum a doença diverticular do cólon coincide com a do carcinoma, sendo este a causa mais comum de sangramento oculto.
• Diagnóstico Na ausência de sintomas específicos, sobretudo em pacientes idosos, a investigação deve começar pelo estudo do cólon, por meio de colonoscopia preferencialmente, ou enema baritado complementado por retossigmoidoscopia flexível. Se lesões não forem reconhecidas com esses procedimentos, a pesquisa deve se dirigir para o trato superior. Os sintomas digestivos podem ajudar a orientar o encaminhamento propedêutico quanto à opção inicial para a colonoscopia ou a endoscopia digestiva alta, realizando-se esta última caso a primeira tenha sido normal. É aconselhável repeti-las, se forem ambas negativas. Se não se conseguir ainda identificar uma causa, deve-se investigar o intestino delgado através de enteróclise e/ou enteroscopia e da videoendoscopia por cápsula endoscópica. Como já citado para os casos de sangramento gastrintestinal obscuro, esta última ganhou grande aceitação, constituindo-se no mais prático procedimento endoscópico para estudo do intestino delgado, embora ainda seu custo elevado para a nossa população e a suspeita de obstrução intestinal sejam barreiras que impedem
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seu uso mais frequente. Nos últimos anos, a enteroscopia com enteroscópio de duplo balão vem tendo sua utilidade mais bem reconhecida. Este processo vem sendo mais comumente empregado e tendo seu valor cada vez mais reconhecido em vários países. Se, mesmo assim, esses exames forem negativos, deve-se reavaliar o diagnóstico do tipo da anemia, e, caso os mesmos achados laboratoriais se mantiverem, outros testes diagnósticos devem ser realizados, como a cintigrafia para pesquisa de divertículo de Meckel, a tomografia computadorizada e a arteriografia seletiva.
• Tratamento O tratamento da anemia consiste na reposição de ferro, sendo o sulfato ferroso, por seu baixo custo e boa tolerância, uma escolha apropriada. A reticulocitose, em resposta à medicação, ocorrerá em 1 a 2 semanas. Um tratamento específico deverá ser dirigido para a causa do sangramento e irá variar de acordo com o seu tipo e localização. A cirurgia poderá ser necessária em condições como tumores, e as ectasias vasculares não acessíveis aos endoscópios.
• Sangramento fecal oculto Alguns casos de sangramento gastrintestinal oculto são detectados pela presença de sangue oculto nas fezes. Perdas entre 0,5 e 1,5 mf/dia podem se originar em diversas lesões do trato gastrintestinal. Podem ocorrer ou não queixas digestivas associadas, mas, em geral, seu achado é constatado quando se investigam anemias de causa obscura, doentes com queixas digestivas variadas, ou mudança de coloração das fezes, mal definidas. Vale frisar que o aspecto das fezes, com características típicas de melena, só ocorre quando mais de 150 mi de sangue são derramados dentro do estômago.
• Etiologia Várias são as situações em que os testes para pesquisa de sangue oculto nas fezes podem ser positivos, estando as principais enumeradas no Quadro 2.2. As causas mais comuns incluem as neoplasias e os processos ulcerativos do trato digestivo superior. Além dessas, existem várias condições que podem gerar resultados falso-positivos, como uso de medicamentos, ingesta de carnes vermelhas, frutas e vegetais, especialmente crus, como mostrado no Quadro 2.3. A perda de hemoglobina deve estar acima de 10 mglg de fezes/dia. O uso de anticoagulantes pode raramente ocasionar exames positivos, por perda de sangue pela mucosa, consequente à hipocoagulabilidade, mas, na grande maioria dos pacientes que usam tais medicamentos, o teste positivo para sangue oculto indica a ocorrência de lesões preexistentes no tubo digestivo. Os carcinomas de cólon e os pólipos são os principais responsáveis por testes de sangue oculto positivo, mas qualquer enfermidade que atinja a mucosa gastrintestinal pode ser causa do sangramento. Uma vez constatado o exame positivo, é necessária uma investigação diagnóstica rigorosa em busca da etiologia. • Diagnóstico Os testes da hemoporfirina, do guáiaco e imunoquímicos podem ser empregados para a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Sua utilidade na identificação precoce de neoplasias ulceradas do tubo digestivo deve ser considerada. Na detecção de lesões altas, podem não ser tão eficazes como para as lesões do cólon, pois, em casos de sangramento mais discreto do tubo digestivo superior, a reabsorção dos produtos da digestão sanguínea
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Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
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Quadro2.2 Causas de perda de sangue oculto pelas fezes
Quadro 2.3 Causas de sangue oculto nas fezes, falso-positivo
para fonte intestinal Esôf ago/est ômago
Esofagite Gastrite erosiva Gastropatia hipert ensiva
Perdas extraintestinais Epistaxe
Úlcera pépt ica Tumores malignos
Sangramento gengiva I
Pólipos Lesões de Cameron
Hemopt ise
Doença celíaca Doença de Whipple
Faringite
Med icações cau sando irr itação g ást rica Acido acet ilsa licílico Anti-inflamatórios não esteroides
Intest ino delg ado
Doença de Crohn Tumores malignos e benignos
Vitamina C
Pólipos Ancilostomíase
Consumo de carne vermelha (hemog lobina não humana)
Estrong iloid íase Tuberculose Colit e ulcerativa Colit e isquêmica Cólo n
Ati vidade exógena da peroxid ase Consumo de f rutas (figos, grapefruit, melões) Vegetais crus (couve-flor, brócolis, abóboras, pepino, repolho) Adaptado de Rockey, DC. Primarycare: occult gastrintestinal bleed ing. N. Engi. J. Med.. 1999; 34 1:38-46.
Tumores malignos Pólipos Úlcera cecal idiopát ica Amebíase
Fígado/vias biliares/ pâncreas
Hemobilia
Hemosuccus pancreaticus Ulcerações Qualquer lo calização no tubo d ig estivo
Hemangiomas
Extra intest i nai s
Epistaxe
Ectasias vasculares Angiod isplasias
Hemopt ise Adaptado de Rockey, DC. Primary ca re: occult gastrintest inal bleeding. N. Engi.J. Med., 1999; 341:38-46.
no intestino delgado pode levar a resultados negativos. Aqui também, o resultado positivo deve encaminhar à busca da etiologia inicialmente no cólon, por serem os testes de pesquisa de sangue oculto mais apropriados às perdas intestinais baixas. A sigmoidoscopia flexível, a colonoscopia ou o enema baritado podem ser empregados, embora a colonoscopia permita, além de visualização mais acurada, sobretudo de lesões menores, também a realização de biopsias e, às vezes, a extirpação endoscópicada lesão. Se a investigação do cólon for negativa, deve-se proceder à endoscopia digestiva alta, que será capaz de identificar a causa em 75% dos casos, nessas circunstâncias. Caso exames hematológicos demonstrem urna anemia ferropriva, deve-se proceder como já demonstrado para essa condição.
---------------------------------~--------------------------------Quadro 2.4 Vantagens e desvantagens dos métodos diagnósticos
Método
Vantagens
Desvantagens
Raios X, int estino del gado ou ent eró clise
M ínimo desconforto e risco
Não identificam todas as lesões Enteró clise-tubo desconfortável
Cintilografia com hemácias marcadas com Tc99
Boa para sang ramento intenso
lnespecífica, falsa localização e não localização de alguns casos Não identifica a causa
Cintilografia para di vert ículo de Meckel
Boa em pacientes jovens para achar o d ivertículo
Apenas específica para d ivertículo de Meckel
Angiografia
Boa para sangramento intenso Perm ite intervenção se a sede é loca lizada
lnvasiva, risco de infarto intestinal com embolização Menor chance de achar a causa que com a endoscopia Risco de reação ao contraste endovenoso
Entero scopia
Visualização d ireta e é possível intervenção t erapêutica
Invasiva, risco endoscópico, desconfortável, não visualiza parte do jejuno e íleo
Cá psula end oscó pica
Perm ite visua lização da maior parte do intestino delgado Não invasiva
Nenhuma intervenção é possível Interpretação das imagens pelo médico demanda longo tempo
Adaptado d e Mitchell SH, Schaefer DC, Dubagunta S. A New View of Occult and Obscure Gastrointestinal Bleed ing. Am. Fam. Physician, 2004; 69:875-81 .
Capítulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico
• Tratamento A causa e a localização da sede do sangramento é que vão determinar o tipo de terapêutica a ser empregado, obedecendose aos mesmos critérios para as condições com anemia ferropriva já citados aqui. O tratamento endoscópico, permitindo a ressecção de pólipos, além do aspecto terapêutico, reveste-se de um grande papel profilático, sobretudo quando se consideram as neoplasias do intestino grosso. Nos casos em que não se consegue identificar a sede da lesão, após o emprego de todos os recursos diagnósticos disponíveis, o tratamento se restringe à reposição de ferro para a correção das taxas hematológicas.
• LEITURA RECOMENDADA Barkin, JS & Ross, BS. Medicai therapy for chronic gastrintestinal bleeding of obscure origin. Am. J. Ga.stroenterol., 1988; 93:1250-4. Bashir, RM & Al-Kawas, FH. Rare causes of occult small intestinal bleeding. Ga.strointest. Endose. Clin. N. Am., 1996; 6:709. Cave, D, Wolff, R, Mitty R et al. Validation and initial management of video capsule endoscopy findings performed for obscure gastrintestinal bleeding. Ga.strointest. Endose., 2003; 57:AB 165. Dickey, W, Kenny, BD, McMillan, SA et al. Gastric as well as duodenal biopsies may be useful in the investigation of iron deficiency anaemia. Seand. J. Ga.stroenterol., 1997; 32:469-72.
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Ian, DR, Arnott, P, Simon, KL. The Clinicai Utility ofWireless Capsule Endoscopy. Dig. Dis. Sei., 2004; 893:901. Kepczyk, T & Kadakia, SC. Prospective evaluation of gastrintestinal tract in patients with iron-deficiency anemia. Dig. Dis. Sei., 1995; 40:1283-9. Lau, WY, Yuen, WK, Chu, KW et al. Obscure bleeding in the gastrintestinal tract originating in the small intestine. Surg. Gynecol. Obstet., 1992; 174:119-24. Mcintyre, AS & Long, RG. Prospective survey of investigations in outpatients referred with iron deficiency anaemia. Gut, 1993; 34:1102-7. Mitchell, SH, Schaefer, DC, Dubagunta, S. A New View ofOccult and Obscure Gastrintestinal Bleeding. Am. Fam. Physician, 2004; 69:875-81. Mujica, VR & Barkin, JS. Occult gastrintestinal bleeding: general overview and approach. Ga.strointest. Endose. Clin. North Am., 1996; 6:833-45. Rex, DK, Lappas, JC, Maglinte, DD et al. Enteroclysis in the evaluation ofsuspected small intestinal bleeding. Ga.stroenterology, 1989; 97:58-60. Rockey, DC. Chronic gastrintestinal bleeding. Em: Grendell, JH, McQuaid, KR, Friedman, SC. Current Diagnosis and Treatrnent in Gastroenterology. Stanford, Appleton and Lange, 1996. Rockey, DC. Primary care: occult gastrintestinal bleeding. N. Engl. f. Med., 1999; 341:38-46. Rockey, DC & Cello, JP. Evaluation of the gastrintestinal tract in patients with iron-deficiency anemia. N. Engl. J. Med., 1993; 329:1691 -5. Rollins, ES, Picus, D, Hicks, ME et al. Angiography is useful in detecting the source of chronic gastrintestinal bleeding of obscure origin. A.J.R. Am. J. Roentgenol., 1991; 156:385-8. Rõsch, T. Capsule Endoscopy. Endoseopy, 2003; 35:816-21. Voeller, GR, Bunch, G, Britt, LG. Use oftechnetium-labeled red blood cell scintigraphy in the detection and management of gastrintestinal hemorrhage. Surgery, 1991; 110:799-804.
Diarreia Aguda e Crônica Juliano Machado de Oliveira, Laura Cotta Orne/las Halfeld e Adilton Toledo Orne/las
• INTRODUÇÃO Muitos pacientes apresentam queixas relativas ao hábito intestinal. Alguns desses referem frequência evacuatória acima da média e outros, abaixo. Portanto, é importante definir o que é hábito intestinal normal, ou melhor, saudável. A evacuação de fezes consistentes 1 a 3 vezes/dia ou até a cada 2 a 3 dias é considerada normal. Em algumas situações, os pacientes podem alternar o ritmo intestinal, mantendo-se nos parâmetros normais da frequência evacuatória, porém com desconforto. Nesses casos, deve-se avaliar adequadamente o paciente. Diarreia consiste em alteração do hábito intestinal por diminuição de consistência das fezes e aumento da frequência e do volume das evacuações. Apesar de a quantificação do peso fecal diário ser a forma mais precisa para se definir diarreia, esta medida é pouco prática e restrita ao academicismo necessário às pesquisas. Habitualmente, o peso médio diário das fezes é de 100 g/dia. Alterações intestinais são caracterizadas por variações na consistência e pela presença de produtos patológicos nas fezes. Estes são definidos pela presença de muco, pus, sangue, resíduos alimentares ou fezes brilhantes e/ou flutuantes (esteatorreia). Os três primeiros estão frequentemente associados a diarreias de origem inflamatória, enquanto os dois últimos, às síndromes disabsortivas, conforme descrito adiante neste capítulo. A investigação das características clínicas da diarreia auxilia na compreensão da fisiopatologia envolvida no processo e até mesmo das etiologias mais prováveis. Em muitos casos, terapêutica sintomática e especifica pode ser introduzida com esses dados iniciais. Sempre que possível, no entanto, devese definir a etiologia para se conduzir a terapêutica de forma mais dirigida.
• FISIOLOGIA EFISIOPATOLOGIA O intestino tem a função de secretar substâncias que auxiliam no processo digestivo e de absorver líquidos, eletrólitos e nutrientes. Fisiologicamente, a absorção de nutrientes e líquidos excede a secreção, e o intestino delgado é predominante nessa atividade. O intestino delgado recebe, aproximadamente, 26
10 i de líquidos por dia (ingesta, secreções de saliva, gástrica, biliar, pancreática e intestinal), absorve cerca de 6 i no jejuno e 2,5 i no íleo. O cólon recebe do delgado em torno de 1,5 i, e apenas 100 mi são eliminados nas fezes. A capacidade absortiva total do cólon é de 4 a 5 i /24 h e, quando essa quantidade é ultrapassada, surge a diarreia. O principal mecanismo pelo qual a água é absorvida e secretada se faz segundo o gradiente osmótico criado pelo transporte ativo do sódio. O sódio é absorvido associado ao cloro ou a alguns nutrientes. A absorção de Na•Jcl- pelas vilosidades leva a água passivamente através da mucosa. Isso se dá pela menor concentração de sódio no interior do enterócito em relação à luz intestinal. Essa via é inibida pelo cAMP e GMPc, que sofrem estimulação da adenilciclase e guanilciclase do enterócito. Essas enzimas podem ser ativadas pelas toxinas bacterianas. A absorção acoplada de Na• com glicose, galactose e aminoácidos é ativa e não sofre influência dos agentes infecciosos, por isso é utilizado para restaurar as perdas nas diarreias infecciosas. A secreção entérica depende da secreção ativa de Cl-, que se acompanha da eliminação de Na• e Hp para o lúmen intestinal pelas células das criptas. Assim, a água acompanha o movimento do Na+, e a absorção se faz pelas células do ápice das vilosidades intestinais, enquanto a secreção é realizada pelas células das criptas. Diversos agentes estimulam a secreção ou inibem a absorção, como as prostaglandinas, o peptídio vasoativo intestinal (VIP) e o peptidio calmodulina, enquanto as encefalinas atuam no sentido de estimular a absorção de água e eletrólitos. No cólon, há vários mecanismos de transporte de sódio, através dos quais ocorre a absorção de água. A absorção e a secreção acontecem concomitantemente com predomínio do conteúdo absorvido. A diminuição da absorção ou aumento da secreção ou a alteração de ambas produzem diarreia. Muitos microrganismos alteram o equihbrio de absorção e secreção no intestino delgado e são capazes de provocar diarreia. Alguns produzem enterotoxinas que ativam o mecanismo secretor e outros, por alterarem as vilosidades, prejudicam a absorção. No íleo distai e cólon, a diarreia é causada principalmente por invasão e destruição do epitélio, que resulta em ulceração, infiltração da submucosa com eliminação de soro e sangue. Além disso, podem estimular resposta inflamatória local, que resulta na produção de vários secretagogos, como as
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
prostaglandinas e interleucinas, e contribuem para a perda de líquidos para o lúmen intestinal. A fisiopatologia da diarreia envolve cinco mecanismos básicos, sendo possível a concomitância de mais de um deles no desencadeamento de determinado tipo de diarreia: a. Diarreia Secretora: resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das enterotoxinas bacterianas. Pode também resultar da produção excessiva de hormônios e outros secretagogos, como no gastrinoma (gastrina), na síndrome carcinoide (serotonina, prostaglandinas, calcitonina), na cólera pancreática (VIPomas), no adenoma viloso, na insuficiência adrenal e no hipoparatireoidismo. b. Diarreia Osmótica: o processo da digestão determina fisiologicamente a transformação do conteúdo intestinal em material isosmótico. Distúrbios da digestão presentes nas deficiências de dissacaridases, que mantêm um conteúdo hiperosmolar, determinam a passagem de líquidos parietais para o lúmen intestinal e, consequentemente, diarreia. O mesmo pode acontecer pela ingestão de agentes osmoticamente ativos como a lactulose, o manitol, o sorbitol e os sais de magnésio. c. Diarreia Motora: resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopatias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas. Surge, também, por redução da área absortiva consequente de ressecções intestinais ou de fístulas enteroentéricas. d. Diarreia Exsudativa/Injlamatória: decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa resultantes de processos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume e da fluidez das fezes. É encontrada nas doenças inflamatórias intestinais, neoplasias, shigelose, colite pseudomembranosa, linfangiectasia intestinal. e. Diarreia Disabsortiva: resulta de deficiências digestivas e lesões parietais do intestino delgado que impedem a correta digestão ou absorção. Este processo pode causar diarreia com esteatorreia e resíduos alimentares.
• CLASSIFICAÇÃO Existem várias formas de se classificarem as diarreias. A definição que apresenta maior relevância clínica é a que distingue tipos de diarreia de acordo com seu tempo de evolução. Assim, define-se como aguda a diarreia que tem duração máxima de 30 dias, habitualmente ficando restrita a 2 semanas. A diarreia é considerada crônica quando tem duração superior a 1 mês. Essa distinção auxilia na conduta médica desde a avaliação de etiologias mais frequentes até as necessidades de terapêuticas , . . . . . emp1ncas lmc1a1s. As diarreias agudas devem ser consideradas como urgência médica devido aos riscos inerentes especialmente relacionados com a desidratação habitual nesses casos. A principal etiologia é a infecciosa. Contudo, são processos autolimitados, na maioria das vezes, e a conduta primordial é a manutenção da homeostase com o equilíbrio hidreletrolítico. As diarreias crônicas apresentam condições etiopatogênicas muito mais complexas, porém raramente necessitam de abordagem emergencial. Com isso, a necessidade de tratamento empírico inicial é reduzida e o médico tem condições de conduzir investigação adequada. Outra forma também muito utilizada na prática clínica de classificar diarreia é em relação ao local do trato gastrintestinal
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--~~~~~~--T --~~~~~~--
Quadro 3.1 Diagnóstico diferencial de diarreia alta (delgado) ebaixa (cólon) Aspecto
Delgado
Cólons
Volume
Grande
Pequeno
N2 de evacuações
Pequeno
Grande
Muco e pus
Ausentes
Podem ocorrer
Dor abdominal
Hemiabdome dir. mesogástrio
Hemiabdome esq. h i pogástrio
Náuseas
Mais frequentes
Mais raras
de sua origem. Denomina-se diarreia alta a originada no intestino delgado e baixa a relacionada com o intestino grosso. A importância dessa classificação está na diferenciação de causas mais frequentes em cada local, dirigindo melhor conduta médica investigativa e terapêutica iniciais. A maioria das etiologias que causam problemas ao trato gastrintestinal alto desencadeia diarreia de padrão secretor. Por outro lado, as diarreias baixas costumam apresentar padrão inflamatório. O Quadro 3.1 traz as principais características desses dois tipos de diarreia.
• DIARREIA AGUDA A diarreia aguda geralmente manifesta-se como quadro de instalação súbita em resposta a estímulos variáveis, sendo os principais associados a agentes infecciosos com evolução autolimitada. A prevalência mundial dessa afecção é de 3 a 5 bilhões de casos/ano, associada a 5 a 10 milhões de mortes/ano. Os dados oficiais do Brasil (www.datasus.gov.br) revelam que 5 em cada 1.000 mortes no país em 2007 foram causadas por diarreia aguda infecciosa. Trinta por cento dessas mortes ocorreram em menores de 14 anos e 50%, em maiores de 60 anos. A prevalência real da enfermidade é difícil de ser definida devido à subnotificação. O organismo saudável possui mecanismos de defesa que permitem resistir aos agentes lesivos e que incluem: (1) o suco gástrico, que é letal a muitos organismos pelo baixo pH; (2) a motilidade intestinal, que dificulta a aderência dos microrganismos à parede do intestino; (3) os sistemas linfático e imune, que promovem a defesa celular e humoral contra os agentes nocivos. A falha desses mecanismos e/ou a alta agressividade do estímulo agressor do intestino causam a diarreia.
• Etiologia Como o processo é autolimitado, a definição etiológica nem sempre altera a conduta médica na diarreia aguda. Entretanto, em casos mais graves ou em situações especiais, medidas específicas podem ser necessárias. Como citado anteriormente, o mecanismo de geração da diarreia aguda na maioria das vezes está associado à agressão por microrganismo. Porém, outras causas como sobrecarga de solutos hiperosmolares por abusos alimentares ou fármacos (diarreia osmótica) e estímulos de peristalse exacerbados como os induzidos por estresse emocional nas síndromes funcionais (diarreia motora) também podem acarretar quadros agudos. Os agentes infecciosos mais comumente envolvidos nos quadros de diarreia aguda são expostos no Quadro 3.2. Nas popu-
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Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
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Quadro 3.2 Causas mais frequentes de diarreia aguda infecciosa Viral
Bacteriana
Protozoária
Rotavírus
Shigella
Giardia
Norovírus
Salmonella
Entamoeba histolytica
Calicivírus
Campylobacter
Cryptosporidium
Astrovírus
Escherichia co/i
Coronavírus
Yersinia
Herpes simples
Clostridium difficile
Citomegalovírus
Clostridium perfringens Staphylococcus aureus Bacillus cereus Vibrio Chlamydia Treponem a pal/idum Neisseria gonorrhoeae
Adaptado de Park, SI & Giannella, RA. Approach to the adult patient with acute diarrhea. Gastroenterology Clinics ofNorth America, 1993; 22:483·97.
lações mais pobres, predomina a etiologia bacteriana e, nas de melhor nível social, prevalece a viral. Os mecanismos fisiopatológicos das diarreias infecciosas são o secretório ou o inflamatório. Alguns microrganismos estão mais associados ao estímulo secretório e outros, ao inflamatório. No Quadro 3.3, os agentes agressores estão divididos de acordo com o tipo de lesão e suas diferenças laboratoriais.
Essa distinção é de grande valia, pois favorece o diagnóstico diferencial e ajuda na conduta terapêutica.
• História clínica Na história do paciente, devem-se investigar o local e as condições em que a diarreia foi adquirida. Deve-se investigar a ingestão recente de água, frutas ou verduras potencialmente contaminadas, alimentos suspeitos, viagens recentes, presença de pessoas próximas também acometidas, uso recente de antibióticos e outros fármacos, história sexual, banho em locais públicos e contatos com animais. Na avaliação da origem da diarreia, há que se considerar o período de incubação no caso de infecções intestinais que podem levar de horas a 2 semanas. A apresentação clínica da diarreia aguda é bastante semelhante, independente do agente causador. Entretanto, algumas diferenças podem ocorrer de acordo com a fisiopatogênese envolvida. A diarreia inflamatória apresenta espectro clínico mais grave e exige tratamento mais criterioso. É causada por bactérias invasivas, parasitos e bactérias produtoras de citotoxinas que afetam preferentemente o íleo e o cólon. Promove ruptura do revestimento mucoso e perda de soro, hemácias e leucócitos para o lúmen. Manifesta-se por diarreia, em geral de pequeno volume, com muco, pus ou sangue, febre, dor abdominal predominante no quadrante inferior esquerdo, tenesmo, dor retal. Algumas vezes, apresenta, no início da evolução, diarreia aquosa, que só mais tarde se converte em típica diarreia inflamatória, quando os microrganismos ou suas toxinas lesam a mucosa colônica.
---------------------------------T --------------------------------Quadro 3.3 Di arreia aguda- características etratamento específico Tipo de diarreia
Inflamatória (cólon)
Não inflamatória (delgado)
Prindpais agentes
Laboratório- diagnóstico espeáfico (quando indicado)
Shigel/a
Leucócitos fecais; Coprocultura
Ciprofloxacino 500 mg 12/12 h/5 d TMP·SMZ* 160/800 mg 12/12 h/S d
Salmonella não tifoide
Leucócitos fecais; Coprocultura
Ciprofloxacino SOO mg 12/12 h/3 a 1O d TMP·SMZ* 160/800 mg 12/12 h/3 a 1O d
Entamoeba histolytica
EPF**; ELISA para E. hystolitica
Met ron idazol SOO mg 8/8 h/7 alO d Secnidazol ouTinidazol2 g/dia/3 d
Escherichia co/i
Leucócitos fecais; Coprocultura
Ciprofloxacino SOO mg 12/12 h/5 d TMP·SMZ* 160/800 mg 12/12 h/S d
Campylobacter
Leucócitos fecais; Coprocultura
Eritromicina 250 mg 12/12 h/5 d Ciprofloxacino SOO mg 12/12 h/5 d
Yersinia
Leucócitos fecais; Coprocultura
Tetracicl ina 500 mg 6/6 h/5 d Ciprofloxacino SOO mg 12/12 h/5 d
Clostridium difficile
Leucocitose; Leucócitos fecais; Toxinas (ELISA)
Met ron idazol 250 a 400 mg 8/8 h/1 O a 14 d Vancomicina 12S mg 6/6 h/1 Oa 14 d
Vírus
ELISA para rotavírus
(EIEC e EHEC)***
Tratamento específico (quando indicado)
Intoxicação alimentar
Giardia
EPF**; ELISA para Giardia
Met ron idazol 250 mg 8/8 h/S d Nitazoxanide SOO mg 12/12 h/3d
Escherichia co/i
Coprocu ltura
Ci profloxaci no SOO mg 12/12 h/5 d TMP·SMZ* 160/800 mg 12/12 h/S d
(EPEC, EAEC e ETEC)****
*TMP·SMZ = Trimetoprima + Sulfametoxazol. **EPF = Exame parasitológico das fezes. ***ElEC e EHEC = Escherichia co/i enteroinvasiva e Escherichia co/i êntero· hemorrágica. ****EPEC. EAEC e ETEC = Escherichia co/i enteropatogênica, Escherichia co/i enteroagregativa e Escherichia co/i enterotoxigênica.
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
A diarreia não inflamatória é, em geral, moderada, mas pode provocar grandes perdas de volume. É causada habitualmente por vírus ou por bactérias produtoras de enterotoxinas e afeta preferentemente o intestino delgado. Os microrganismos aderem ao epitélio intestinal sem destruí-lo, determinando diarreia secretora, com fezes aquosas, de grande volume e sem sangue; pode estar associada a náuseas e vômitos. As cólicas, quando presentes, são discretas, precedendo as exonerações intestinais. Na avaliação clínica, além de definir o padrão da diarreia aguda, devem-se também avaliar possíveis complicações, especialmente a desidratação. Relato de boca seca e sede, diurese concentrada, oligúria, associados a achados ao exame físico de pele e mucosas desidratadas e hipotensão postural com taquicardia, demonstram desidratação e sua gravidade. Sinais de toxemia indicam quadro mais grave e necessidade de maior cuidado clínico. Desta forma, presença de febre alta, taquipneia, vasodilatação periférica com hipotensão e pulsos rápidos e finos são sinais de alerta. O exame físico do abdome normalmente exibe dor leve difusa à palpação, com possibilidade de descompressão brusca levemente dolorosa em situações de maior distensão de alças e dor mais intensa. Os ruídos hidroaéreos estão frequentemente aumentados. Dor localizada, sinais de irritação peritoneal intensa, massas ou visceromegalias, distensão abdominal importante e ausência de ruídos são achados que devem direcionar para avaliação cuidadosa pela possibilidade de outras afecções abdominais.
• Diagnóstico Na maioria dos casos, a avaliação clínica é suficiente para definição diagnóstica e para determinar a gravidade do quadro. O estado imunológico do hospedeiro também é importante na conduta diagnóstica e terapêutica. Exemplos disso são: deficiência de IgA e giardíase, acloridria e salmonelose, transplantados e infecção por citomegalovírus, AIDS e criptosporidíase, idosos residentes em asilo e infecção pelo Clostridium difficile, imunodeprimidos e candidíase intestinal.
• Exames laboratoriais
• Hemograma Em pacientes que evoluem com formas mais graves da diarreia aguda, podem-se encontrar anemia e hemoconcentração. Nas diarreias por vírus, linfocitose pode estar presente. Leucocitose com neutrofi.lia e desvio à esquerda é frequente nas infecções bacterianas mais invasivas com diarreia inflamatória.
• Função renal eeletrólitos
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alguns casos de diarreia inflamatória, a pesquisa pode ser negativa no início do quadro.
• Coprocultura A realização da coprocultura deve ser reservada para casos suspeitos de diarreia infecciosa por bactérias invasivas, na presença de sangue oculto e leucócitos fecais ou para os casos de interesse epidemiológico. Quando a coprocultura é solicitada, o laboratório deve ser informado sobre o agente etiológico suspeito, a fim de adequar o meio de cultura. Alguns parasitos intestinais devem ser lembrados e pesquisados, embora, algumas vezes, possam ter evolução típica de diarreia crônica.
• Pesquisa de toxinas e antígenos de patógenos Pesquisa de toxinas no diagnóstico de algumas bactérias pode ser mais útil do que a tentativa de sua cultura. O principal exemplo são as cepas patogênicas do Clostridium difficile que produzem as toxinas A e B. Essas toxinas podem ser identificadas nas fezes por teste por ELISA que comprova a presença de infecção pelo microrganismo. Na infecção viral pelo rotavírus, a pesquisa de antígenos virais nas fezes por ELISA é a melhor forma de confirmar presença do microrganismo. Giardia e Cryptosporidium também podem ser identificados pelo mesmo método. O uso da PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) é outra metodologia para pesquisa de antígenos nas fezes para diagnóstico de inúmeros microrganismos. Entretanto, sua aplicabilidade clínica ainda é muito restrita pela pouca disponibilidade da tecnologia e pelo seu alto custo.
• Exames de imagem Radiografia simples do abdome, nos casos mais graves, é útil para avaliar complicações como íleo paralítico e megacólon tóxico. • Endoscopia A retossigmoidoscopia flexível deve ser feita nos pacientes com clínica de proctite (tenesmo, dor retal) e, também, se há suspeita de colite pseudomembranosa. Nesses casos, a biopsia é importante para excluir doença inflamatória intestinal.
• Tratamento A imunidade do hospedeiro, na maioria das vezes, é capaz de eliminar infecção gastrintestinal, sem necessidade de terapêutica específica. Assim, o objetivo terapêutico está relacionado com a reposição das perdas hidreletrolíticas.
É o teste mais utilizado na avaliação de diarreia aguda e
• Reidratação Na maioria dos casos, a reidratação oral é suficiente. A solução deve conter glicose, para favorecer a absorção do sódio. Quando as perdas forem mais importantes, a reposição deve ser feita com soluções contendo eletrólitos (Na+, K+, HC0 3- e Cl-) em concentrações aproximadas daquelas perdidas na diarreia. Para tal, os produtos existentes no comércio são satisfatórios. As soluções isotônicas, usadas para repor a transpiração de atletas, podem ser utilizadas, sobretudo em pacientes sem sinais de desidratação, como prevenção. Para os pacientes hipovolêmicos, deve-se fazer hidratação venosa com soluções isotônicas contendo glicose e eletrólitos.
identifica processos inflamatórios mais intensos. Entretanto, a simples presença dos polimorfonucleares nas fezes não caracteriza diarreia infe.cciosa, pois estes são encontrados também em outras afecções do intestino grosso. Do mesmo modo, em
• Dieta O paciente deve ser orientado para continuar alimentandose durante o episódio de diarreia. Aqueles que têm náuseas
A desidratação causa hipovolemia que altera a perfusão renal, fazendo com que haja elevação da creatinina e, principalmente, da ureia em depleções volêmicas mais importantes. Essa complicação da diarreia deve ser prontamente diagnosticada principalmente em pacientes idosos. O distúrbio eletrolítico tem relação com perdas entéricas e deve ser corrigido quando presente.
• Estudo das fezes
• Leucócitos fecais
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Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
e vômitos devem dar preferência aos líquidos em pequenas quantidades de cada vez, para garantir a reposição das perdas. Os alimentos visam à reposição calórica, compensando assim o estado catabólico produzido pela diarreia, e, ao contrário do que se acreditava, não agravam o quadro diarreico, nem pioram a sua evolução. Alguns alimentos devem ser evitados temporariamente por causa de seus efeitos sobre a dinâmica intestinal, como, por exemplo, aqueles que contêm cafeína, capazes de inibir a fosfodiesterase e, assim, elevar os níveis intracelulares de cAMP. O mesmo ocorre com alimentos que contêm lactose, já que pode haver deficiência transitória de lactase. Alimentos com maior teor de gordura e as frituras também podem ter sua absorção reduzida e agravar a diarreia.
• Agentes antidiarreicos Em alguns casos, é recomendável reduzir o número das evacuações, especialmente nas diarreias infecciosas, notadamente naquelas não inflamatórias. Os adsorventes caulim e pectina, embora aumentem a consistência das fezes, têm pequeno efeito sobre o seu volume. As fibras solúveis medicinais como o Psyllium (uma medida até 3 vezes/dia) e absorventes de água como a policarbofila de cálcio (1 a 2 comprimidos até 4 vezes/dia) também podem ser usados para reter água e aumentar a consistência das fezes, diminuindo os episódios diarreicos. Porém, também têm efeito limitado nesses casos. O subsalicilato de bismuto tem efeito variado, é bactericida e antissecretor por bloquear o efeito das enterotoxinas, além de estimular a reabsorção intestinal de sódio e água. Devido a seu baixo custo, eficácia e segurança, representa boa opção para o tratamento sintomático da diarreia aguda infecciosa. Administrado para adultos na dose de 30 mf, ou 2 comprimidos de 30 em 30 min até completar 8 doses, costuma ser eficaz em muitos casos de diarreia não inflamatória. Os derivados sintéticos do ópio (loperamida e difenoxilato) inibem a motilidade intestinal, aumentam o tempo de contato para a absorção de água e eletrólitos, e com isso diminuem o número das evacuações intestinais e as cólicas. Esses medicamentos devem ser evitados nos casos de disenterias e nos pacientes com febre alta e toxemia, pois poderiam agravar a evolução da doença e precipitar o aparecimento de megacólon tóxico. Além disso, podem facilitar o desenvolvimento da síndrome hemolítico-urêmica nos pacientes infectados com a Escherichia coli êntero-hemorrágica. A dose inicial da loperamida é de 4 e, posteriormente, 2 mg após cada evacuação diarreica, não devendo ultrapassar 16 mg/dia e, no máximo, administrada por 2 a 3 dias. O difenoxilato deve ser usado na dose de 4 mg na primeira tomada e depois 2 mg até 4 vezes/dia e por até 2 dias. Os pacientes devem ser alertados de que essas drogas mascaram as perdas hídricas e de que eles devem fazer reposição de líquidos adequada durante a terapêutica. O racecadotril é agente antissecretor que funciona através da inibição da encefalinase, enzima responsável pela inativação do neurotransmissor encefalina. Essa ação seletiva protege as encefalinas endógenas, que são fisiologicamente ativas, e reduz a hipersecreção de água e eletrólitos causada pelas toxinas bacterianas. Por isso, é recomendado associado às soluções reidratantes orais, principalmente em crianças. A dose habitual para adultos é de 100 mg, 3 vezes/dia durante 2 a 3 dias.
• Terapêutica antimicrobiana Como a maioria das diarreias infecciosas tem evolução autolimitada, o uso de antibióticos deve ser restrito a condições específicas. O emprego rotineiro deve ser evitado porque eles
podem prolongar a eliminação de fezes com bactérias patogênicas e contaminar o meio ambiente. Além disso, expõe os pacientes aos efeitos adversos dos antibióticos e promove o desenvolvimento de resistência bacteriana com seleção de bactérias como o Clostridium difficile. Seu uso deve obedecer a regras bem definidas, seja para reduzir o tempo de excreção de determinados tipos de bactérias, como a Shigella, seja para eliminar as infecções persistentes ou o estado de portador, como na giardíase, amebíase, cólera, ou, ainda, para apressar a recuperação na diarreia dos viajantes. O uso empírico, por exemplo, do sulfametoxazol-trimetoprima (TMP-SMZ) ou de quinolona, pode ser efetuado em pacientes com quadros clínicos importantes de disenteria e possível bacteriemia, até que se obtenha o resultado da coprocultura. A escolha do produto a ser administrado obedece aos parâmetros indicados no Quadro 3.3. No caso das diarreias agudas causadas por protozoários, o tratamento deve ser orientado como descrito no capítulo sobre parasitoses intestinais.
• Situações específicas de diarreia aguda • Intoxicação alimentar A intoxicação alimentar resulta da ingestão de alimentos contaminados por bactérias, fungos, vírus, parasitos ou substâncias químicas, tendo como destaque o envolvimento de uma coletividade que fez uso do mesmo alimento. A intoxicação surge, principalmente, em decorrência de substâncias químicas ou de toxinas pré-formadas por agentes infecciosos. Para o diagnóstico, deve-se prestar atenção no intervalo relativamente curto entre a ingestão do alimento suspeito e o início dos sintomas: quando for inferior a 6 h, a suspeita é da intoxicação pela toxina pré-formada por Staphylococcus aureus e Bacillus cereus; se, entre 8 e 14 h, sugere intoxicação por Clostridium perfringens; mas se, inferior a 1 h, deve-se pensar em intoxicação por uma substância química. Entre as causas infecciosas, merecem destaque as citadas a seguir.
• Intoxicação por Staphylococcus aureus Resulta de alimentos submetidos à cocção inadequada ou mal refrigerados, que constituem fonte ideal para a proliferação de agentes infecciosos e de rápida produção de toxinas. Os pacientes apresentam náuseas, vômitos intensos, cólicas e diarreia aquosa. Podem evoluir para desidratação aguda e choque hipovolêmico. Em geral, a diarreia é autolimitada e cessa dentro de algumas horas. O tratamento inclui reposição hidreletrolítica VOe sintomáticos, mas casos graves exigem hidratação IV.
• Intoxicação por Clostridium botulinum A toxina produzida por essa bactéria causa o botulismo e resulta da ingestão de enlatados, peixes crus, mel, entre outros que contenham toxina pré-formada, esporos ou a própria bactéria. Por isso, deve-se ter cuidados especiais no manuseio dos alimentos e em sua industrialização. Embora possa ser destruída por fervura durante 10 min, a toxina botulínica é a mais potente toxina alimentar. A clínica depende da quantidade de toxina ingerida e da resistência do hospedeiro. Assim, os sintomas podem ser discretos ou intensos e levar ao óbito em poucas horas. O período de incubação varia de 12 a 72 h após a ingestão do alimento contaminado. Cursa com náuseas, vômitos e diarreia, que se associam com repercussões neurológicas e se assemelham ao efeito do curare. Essas repercussões iniciam com alterações da visão (visão turva, diplopia, arreflexia pupilar), seguindo-se de
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
sensação de fraqueza, tonturas, vertigens e complicações na mecânica respiratória. A recuperação, quando ocorre, se faz, em geral, após 1 semana. O prognóstico depende da recuperação muscular, mas a mortalidade é alta. O diagnóstico diferencial deve ser feito, principalmente, com miastenia gravis e síndrome de Guillain-Barré. O tratamento específico é com antitoxina e medidas de suporte; o paciente pode necessitar de respiração assistida.
• Intoxicação por C/ostridium perfringens Esta bactéria produz enterotoxina que causa diarreia aguda e autolimitada. Tem origem em diversos tipos de alimentos contaminados, em especial carnes de aves e de gado. Diferentemente da intoxicação por Staphylococcus aureus, essa intoxicação predomina no inverno, mas o quadro clínico e cuidados terapêuticos são semelhantes. • Diarreia pelo rota vírus O rotavírus foi o primeiro agente identificado como importante causa de gastrenterite viral, principalmente em crianças entre 6 meses e 2 anos de idade, mas os adultos também podem ser atingidos. É o agente viral mais comum como causa de gastrenterite endêmica. Biopsias obtidas após a inoculação do vírus para induzir gastrenterite mostraram encurtamento de vilosidades da mucosa do duodeno e do jejuno, nas quais havia grande infiltração da lâmina própria de células mononucleares. A microscopia eletrônica e a imunofluorescência evidenciam numerosas partículas de rotavírus no citoplasma das células epiteliais da mucosa atingida. O estômago e o cólon têm acometimento não significativo. As crianças infectadas pelo rotavírus reagem de modo variado, desde portadores assintomáticos até formas graves com desidratação e evolução para o óbito. A febre, geralmente baixa, e os vômitos precedem a diarreia. A febre pode persistir por até 1 a 2 dias, e os vômitos, em geral, não ultrapassam o 3° dia. A diarreia é aquosa, profusa, de cor amarelada a esverdeada e raramente contém muco. O número de evacuações pode ser de 8 ou mais por dia. A duração média da gastrenterite é de 8 dias, mas pode haver crises mais prolongadas. Sintomas respiratórios estão presentes em torno da metade dos casos. A recuperação é integral, mas têm sido descritas diarreias prolongadas e com outros distúrbios, como intolerância à lactose e a carboidratos. A doença aguda é associada à diminuição dos níveis das enzimas da borda em escova da mucosa, como maltase, sacarase e lactase, com consequente má absorção e presença de substâncias redutoras nas fezes. Os adultos adoecem mais frequentemente quando estão em contato com crianças infectadas. O rotavírus pode ser agente causal da diarreia dos viajantes. Os sintomas são similares, mas os vômitos tendem a ser menos intensos. Os imunodeprimidos, como os transplantados de medula, podem apresentar formas graves e mais prolongadas ou evoluir para o óbito. Entretanto, o rotavírus não é causa comum de diarreia grave nos portadores do HIV. A gastrenterite pelo rotavírus pode causar complicações como enterocolite necrotisante, invaginação intestinal, atresia das vias biliares, complicações neurológicas como convulsões e encefalopatia. O rotavírus pode ser isolado por coprocultura, mas esta tem a desvantagem de ser muito laboriosa. Outros testes para pesquisa de antígenos virais têm sido usados como PCR e ELISA. Este último é o mais difundido por ser um meio rápido e de baixo custo. O rotavírus é detectado nas fezes desde o início
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do quadro diarreico até 4 a 8 dias, mas há relatos de detecção por até 25 a 30 dias. A infecção viral tem normalmente evolução autolimitada e deve ser tratada com medidas para o alívio dos sintomas e terapêutica de suporte, como reidratação oral ou intravenosa, de acordo com a repercussão do quadro clínico. No Brasil, a partir de março de 2006, a vacina contra rotavírus foi incluída no calendário vacinal da criança. Utiliza-se a vacina monovalente feita do vírus atenuado de sorotipo mais frequente [sorotipo G1P(8)]. Ela apresenta ação cruzada contra outros sorotipos e tem eficácia global contra gastrenterite pelo rotavírus de 85%. A vacina é administrada por via oral em duas doses aos 2 e 4 meses de vida. Com essa medida, espera-seredução das diarreias agudas da criança, responsáveis por grande percentual da mortalidade infantil no Brasil.
• Diarreia dos viajantes É definida como diarreia infecciosa aguda que acomete indivíduos que viajam de área industrializada e com boas condições de higiene para outra com piores condições sanitárias. Ela é destaque nos viajantes internacionais que se dirigem de países com elevado padrão de infraestrutura sanitária para algumas regiões da América Latina, África e Ásia. No Brasil, com a grande desigualdade social entre as regiões, esse tipo de diarreia também pode acometer viajantes de áreas mais industrializadas para aquelas mais empobrecidas. Inicia-se em geral de modo abrupto, com 4 a 6 evacuações por dia, associadas a cólicas e náuseas. Habitualmente, é autolimitada, mas pode ser progressiva, evoluindo para disenteria e, até mesmo, para a diarreia crônica. Pode ser causada por bactérias em cerca de 80% dos casos, e a Escherichia coli enterotoxigênica é a principal causa na América Latina. Além desta, são relacionadas também Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Aeromonas, Plesiomonas, Vibrio parahaemolyticus, os vírus Norovirus e Rotavirus, os protozoários Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Cryptosporidium, Microsporidium e Cyclospora cayetanensis. A prevenção é a principal arma contra a diarreia dos viajantes e relaciona-se aos cuidados com água utilizada para higiene pessoal, como o simples ato de escovar os dentes, devendo-se usá-la fervida ou com soluções cloradas ou iodadas, além de evitar legumes e frutas cruas. A quimioprofilaxia (com antibióticos ou subsalicilato de bismuto), embora eficaz, não deve ser rotineira, por causa de seu custo, efeitos adversos, resistência bacteriana, e pela falsa sensação de segurança que induz a abrir mão de cuidados básicos. O tratamento deve seguir os mesmos parâmetros já citados, reservando-se a prescrição de antibióticos para os casos graves e com diarreia prolongada. O uso empírico, guiado por parâmetros demonstrados no Quadro 3.3, pode ser indicado para pessoas que têm compromissos inadiáveis, como atletas e conferencistas. • Diarreia pela Escherichia coli A Escherichia coli (E. coli) é uma das bactérias que integram a flora bacteriana do intestino, mas, quando alguma cepa sofre alterações genéticas, pode tornar-se patogênica. O trato gastrintestinal e as vias urinárias são seus alvos preferidos. As cepas de E. coli reconhecidamente associadas à diarreia aguda são: E. co li enterotoxigênica (ETEC), E. coli enteropatogênica (EPEC), E. coli êntero-hemorrágica (EHEC), E. coli enteroinvasiva (EIEC) e E. coli enteroagregativa (EAEC). O diagnóstico da infecção pela E. coli é presuntivo pela apresentação clínica. Os testes específicos para sua detecção são a
32 Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica coprocultura ou pesquisa de antígenos ou toxinas nas fezes, normalmente por técnica de PCR. Contudo, tal avaliação complementar habitualmente é pouco disponível e cara, ficando restrita a situações específicas e à pesquisa científica. O tratamento de uma forma geral visa a estabilização clínica com reposição hidreletrolítica e uso de sintomáticos. Em casos mais intensos, antibioticoterapia pode ser necessária. Os antibióticos de escolha estão relacionados no Quadro 3.3.
• E. co/i enterotoxigênica (ETEC) Produz duas classes principais de toxinas: a toxina termolábil (TL) e a toxina termoestável (ST). A TL é semelhante em estrutura e mecanismo de ação àquela produzida pelo Vibrio cholerae, estimulando a adenilciclase, que leva ao aumento da cAMP intracelular. A ST estimula a guanilciclase que eleva a concentração intracelular de GMPc. Em ambos os casos, há aumento na secreção de água e eletrólitos e inibição da absorção destes com desencadeamento de diarreia aquosa. Os sintomas surgem após curto período de incubação, com presença de náuseas, vômitos e diarreia aquosa. O quadro pode durar cerca de 24 h ou estender-se para 4 a 5 dias. Como é uma diarreia autolimitada, a terapêutica baseia-se na reidratação oral. Na maioria das vezes, não se faz nem a identificação da bactéria nem a administração de terapêutica antimicrobiana.
• E. co/i enteropatogênica (EPEC) As bactérias aderem e destroem as microvilosidades, reduzindo, assim, a área absortiva. Está associada a casos esporádicos de diarreia principalmente de recém-nascidos, mas pode também atingir adultos. As crianças podem apresentar quadros clínicos graves, com vômitos e desidratação. Quando a diarreia é persistente, pode levar à desnutrição. Além da terapêutica sintomática e da reidratação, os antimicrobianos indicados são as quinolonas: norfloxacino (400 mg), ou ciprofloxacino (500 mg), ou ofloxacino (400 mg)- todos duas vezes/dia durante 3 a 5 dias.
• E. co/i êntero-hemorrágica (EHEC) Esta bactéria foi identificada nos anos 1980 nas fezes de pacientes que ingeriram hambúrgueres em uma cadeia de fast food. Posteriormente, um estudo relacionou-a com a síndrome hemolítico-urêmica, que apresenta a tríade: anemia microangiopática, insuficiência renal e trombocitopenia. A maioria dos estudos relaciona a EHEC com disenteria e síndrome hemolítico-urêmica, identificando-a com o sorotipo O157:H7. Estudos retrospectivos com E. coli estocadas sugerem que essa infecção é uma doença emergente, pois não tinha sido descrita antes dos anos 1980. Existem surtos esporádicos em todo o mundo, mas com aparente concentração no Oeste do Canadá e nordeste dos EUA. Coloniza o gado, que é a fonte principal de transmissão e, por isso, está ligada com a ingestão de hambúrguer. Pode também contaminar verduras e sucos não pasteurizados, além de alimentos contaminados com fezes de animais. Pequena quantidade de bactérias pode causar doença. As citotoxinas Shiga Stx1 e Stx2 são determinantes da infecção, mas não há necessidade de ambas estarem presentes no organismo para causar a doença. A maioria das cepas de EHEC também produz uma êntero-hemolisina, embora não esteja evidente a relação entre esse fator e o quadro clínico. Cursa com diarreia com sangue em cerca de 90% dos casos. Entretanto, pode iniciar com quadro mais brando e tornar-se hemorrágica durante a evolução clínica. Tem período de incubação de 3 a 5 dias. Os sintomas declinam entre 5 e 10 dias,
com recuperação do paciente. Porém, cerca de 10% das crianças com menos de 10 anos de idade desenvolvem a síndrome hemolítico-urêmica. Em pacientes idosos, costuma estar associada à terapêutica quimioterápica. As dificuldades para a identificação da EHEC retardam o seu diagnóstico e os estudos epidemiológicos. A EHEC 0157:H7 pode fermentar, não rotineiramente, o sorbitol, ao contrário da maioria das E. co li. Usando-se o ágar Mac Conkey sem o sorbitol, identificam-se cepas EHEC não fermentadoras de sorbitol, mas as cepas não 0157 não são detectadas. A pesquisa da toxina Shiga é o método gold standard para a EHEC, mas não revela se grupo é 0157 ou não 0157. O bioteste em cultura de tecido pode demonstrar o rápido efeito citopático produzido pela toxina, mas os laboratórios não têm esse recurso de rotina. O teste do anticorpo monoclonal detecta tanto a citotoxina Stx1 como a Stx2 em amostras de alimentos, de fezes e em coprocultura. Essas citotoxinas podem ser identificadas pelos testes de DNA ou PCR. Ainda é controverso se o tratamento da EHEC diminui ou aumenta o risco da síndrome hemolítico-urêmica. Existem evidências de que os antibióticos induzem maior liberação de toxinas Shiga ao eliminar as bactérias, aumentando com isso a chance da complicação. Algumas pesquisas, como as de Wong et al., constataram que, em crianças abaixo de 1Oanos, há maior incidência de síndrome hemolítico-urêmica nas tratadas com antibiótico em relação ao grupo controle. Mas outros autores, como Proulx et al., não correlacionaram o uso de antibióticos com o desenvolvimento da síndrome. Existe, entretanto, consenso de que a terapêutica com antibióticos não seria benéfica, podendo ser até prejudicial. Por isso, a terapêutica de suporte é a mais indicada e seria a primeira escolha.
• E. co/i enteroinvasiva (ElEC) A EIEC tem como característica a habilidade de invadir as células do epitélio intestinal, multiplicar dentro delas e atingir as adjacentes, produzindo pequenas ulcerações. A diarreia por EIEC parece ser pouco frequente ou subdiagnosticada. O quadro clínico é semelhante ao da shigelose. Pode apresentar apenas diarreia aquosa, mas pode evoluir com quadro febril, fezes sanguinolentas, cólicas e tenesmo. O tratamento antibiótico deve ser feito com quinolonas de forma semelhante ao descrito para EPEC ou com sulfametoxazol-trimetoprima (TMP-SMZ).
• E. co/i enteroagregativa (EAEC) Entre as bactérias capazes de causar diarreia, a EAEC é a que foi descrita mais recentemente. Esse grupo de bactérias foi reconhecido no final dos anos oitenta, quando amostras de E. coli oriundas de diarreias que ocorreram em países em desenvolvimento foram examinadas em cultura de tecido. Sua presença foi mais evidente em casos de diarreia persistente, em casos esporádicos como em surtos diarreicos, do que em fezes de pessoas sem diarreia. Sua presença também foi comprovada em portadores de HIV que apresentavam diarreia persistente. Como não existe modelo animal para essa infecção, não está muito claro o seu mecanismo patogênico. Sabe-se, entretanto, que ela produz inflamação intestinal e induz a liberação de interleucina-8 pelas células do epitélio intestinal. Uma citotoxina em cepas de EAEC já foi identificada em cultura de tecidos. A diarreia é desencadeada pelas bactérias ao se agregarem ao epitélio intestinal. A tendência é a tentativa de erradicá-la com ciprofloxacino (500 mg, duas vezes ao dia), tanto em imunocompetentes, como em portadores de HIV, uma vez que estudos comparativos mos-
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
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traram que houve redução significativa no tempo de duração da diarreia naqueles que receberam antibioticoterapia.
nalidíxico 55 mg/kg/dia dividido em quatro doses. Todas essas opções devem ser administradas por 5 dias.
• Diarreia infecciosa invasiva Pela potencial gravidade dessas condições clínicas, serão descritos seus principais agentes: Shigella e Salmonella. Também podem causar diarreia invasiva E. co li enteroinvasiva (discutida anteriormente), Campylobacter e Yersinia.
• Diarreia por Salmonella
• Diarreia pela Shigella A shigelose é a causa mais comum de diarreia bacteriana em todo o mundo. Essa bactéria é resistente à ação do ácido clorídrico; por isso, mesmo em pequeno número, passa pelo estômago e tem acesso ao intestino delgado onde se multiplica e chega ao cólon onde exerce sua ação patogênica. Assim, não necessita de sua replicação, nos alimentos contaminados ou na água, para tornar-se infecciosa. A transmissão ocorre por propagação de pessoa a pessoa, bem como através de alimentos e água. A Shigella é causadora da disenteria clássica, que consiste em febre, cólicas, diarreia com muco e sangue. Vômitos são pouco frequentes. O período de incubação é de 1 a 7 dias. O quadro clínico característico inicia com febre, anorexia, mal-estar e diarreia aquosa e, posteriormente, fezes com muco e sangue e tenesmo. O número de evacuações intestinais varia de 8 a 1Opor dia, mas pode ser mais frequente e em volume pequeno. Há perda pouco expressiva de líquidos, o que é característica das infecções do cólon. O vulto da infecção varia com o sorotipo da bactéria causadora. A S. sonnei causa distúrbios moderados, que podem ser limitados à diarreia aquosa. S. dysenteriae ou S. flexneri causam geralmente sintomas disentéricos. Também o estado de saúde do hospedeiro interfere na repercussão da infecção, que tende a ser autolimitada naqueles com bom estado geral. Todavia, a shigelose pode desenvolver complicações diversas, no próprio intestino ou sistêmicas, sendo mais frequentes nas infecções por S. dysenteriae. O quadro disentérico clássico pode ser chave para a suspeita diagnóstica da shigelose, mas ele pode ocorrer na doença inflamatória intestinal e em outras diarreias infecciosas como naquelas causadas por Salmonella, Campylobacter, Yersinia, EIEC ou por Clostridium difficile. Os leucócitos fecais estão presentes em mais de 70% dos casos. A coprocultura deve ser feita em amostras de fezes colocadas no meio de cultura imediatamente. Obtém-se melhor resultado com a parte mucoide das fezes. Outras técnicas mais sensíveis podem ser utilizadas como aPCR. Estudos comparativos mostraram que, apesar de ser em geral infecção autolimitada, a antibioticoterapia reduz o tempo de doença, com alívio mais rápido dos sintomas e do risco de disseminação interpessoal. Aqueles pacientes não tratados podem abrigar a bactéria por até 6 semanas, mesmo mantendo-se assintomáticos. A indicação terapêutica com antibióticos deve ser guiada pela apresentação clínica e pela presença de comorbidades que tornem o paciente mais vulnerável para infecção grave. Deve ser feita de modo empírico nos pacientes com suspeita de shigelose que se apresentam toxemiados, nos idosos, nos portadores de HIV, nos trabalhadores de clínicas e de hospitais e nos casos de bacteriemia. A escolha do esquema terapêutico pode ser feita conforme indicado no Quadro 3.3. Em crianças, a escolha é de TMP/SMX 10/50 mg/kg/dia divididos em duas doses diárias por 5 dias. Outras opções são a ceftriaxona 50 a 75 mg/kg/dia, ou a furazolidona 5 a 8 mg/kg/dia dividida em quatros doses, ou o ácido
A Salmonella é um bacilo gram-negativo que coloniza ou infecta diversos animais, inclusive o ser humano. A infecção pela Salmonella pode causar: gastrenterite; febre entérica (febre tifoide e paratifoide); bacteriemia e infecção endovascular; infecção focal como a osteomielite; estado de portador crônico assintomático. Com base nos avanços científicos que demonstraram altos níveis de similaridade de DNA, todas as espécies de Salmonella de importância clínica passaram a ser classificadas como uma única, a Salmonella choleraesuis. Assim, os organismos como S. typhi, S. choleraesuis e S. enteritidis, que anteriormente representavam espécies diferentes, baseando-se na estrutura antigênica, nas características bioquímicas e nos tipos de hospedeiros, são agora sorotipos individuais de uma mesma espécie. As salmo nelas são facilmente reconhecidas em laboratórios de bacteriologia clínica. Elas crescem tanto em condições aeróbicas como anaeróbicas. Elas são oxidase-negativas e, virtualmente, todas são lactose-negativas. Muitos laboratórios identificam a Salmonella pela combinação de antígenos e reações bioquímicas. Colônias suspeitas são aglutinadas usando-se antissoro dirigido contra os antígenos O e H (flagelar), que permitem a identificação do sorogrupo. Somente a S. typhi, a S. paratyphi C e algumas cepas como S. dublin e S. citrobacterfreundii possuem antígeno capsular polissacáride Vi, o qual pode ser rapidamente identificado por estudos de aglutinação.
• Salmonelose tifoide (Salmonella typhi eSalmonella paratyphi) A epidemiologia dos dois sorotipos é muito diferente. A S. typhi é rara nos países desenvolvidos, sendo adquirida em outras áreas e em geral é identificada em viajantes. A S. paratyphi ocorre de modo crescente, mesmo nos países desenvolvidos, desde a 2• Guerra Mundial. Outros sorotipos também estão associados à febre tifoide, como S. paratyphi B, S. paratyphi C e S. typhimurium. Têm alta especificidade para humanos, transmitidos após contato com indivíduos agudamente infectados ou portadores assintomáticos ou, ainda, de alimentos ou água contaminados por fezes. A febre tifoide persiste como problema de saúde global, principalmente no Sudeste Asiático, na Índia, na África e na América do Sul. Por isso, é necessária implementação de medidas preventivas, como cuidados na manipulação de alimentos, tratamento do lixo e da água. A vacinação contra a S. typhi é indicada apenas a grupos de risco elevado devido à exposição profissional ou viagem para áreas de alta prevalência. A Salmonella tem sua transmissão relacionada com reservatórios animais e produtos agrícolas, especialmente ovos e aves. Pode passar através dos ovários das aves aos ovos intactos. Assim, ovos com aparência normal podem transmitir a doença. Os produtos industrializados, nos quais são utilizados muitos ovos em mistura, representam risco potencial de disseminar a doença a milhares de pessoas. Outros produtos, como carne, leite, aveia e suco de laranja não pasteurizado, também podem transmitir a doença. As febres tifoide e paratifoide, também conhecidas como febres entéricas, constituem doenças sistêmicas graves com febre persistente e sintomas abdominais. O quadro clínico se manifesta entre 5 e 21 dias após a contaminação. O período de incubação é dependente do status imunológico do hospedeiro, de sua idade e acidez gástrica. Os sintomas são inespecíficos, como dor abdominal, febre e calafrios, além de sintomas sistêmicos.
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Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
Por isso, muitas hipóteses diagnósticas podem ser levantadas, devendo-se excluir, por exemplo, malária e leishmaniose. A apresentação clássica da febre tifo ide consiste em: 1) Primeira semana: febre alta e bacteriemia. 2) Segunda semana: dor abdominal, rash cutâneo (manchas avermelhadas) no tórax e no abdome. 3) Terceira semana: hepatoesplenomegalia, hemorragia digestiva e perfuração intestinal. Essa última é resultante de hiperplasia linfoide das placas de Peyer na região ileocecal e pode causar bacteriemia e peritonite. A bradicardia, ou seja, a clássica dissociação pulso-temperatura, embora não permita firmar o diagnóstico, deve ser sempre lembrada. A febre tifoide pode evoluir para choque séptico, alterações nos níveis de consciência, psicose aguda, mielite e rigidez. Pode também complicar com pneumonia, convulsões febris, tosse, artralgias e mialgias. A mortalidade era em torno de 15% na era pré-antibióticos, mas, atualmente, reduziu para menos de 1,5% dos casos. O diagnóstico deve ser confirmado através do isolamento da bactéria sempre que haja suspeita clínica. A hemocultura é positiva entre 40 e 80% dos casos, sendo maior na primeira semana, com queda progressiva até a terceira semana de doença. A coprocultura é rápida e simples, com máxima positividade em tomo da terceira semana de doença. Tem grande utilidade no controle dos portadores crônicos de Salmonella. A mielocultura pode atingir 98% de positividade e deve ser lembrada quando a hemocultura for negativa. A reação de Widal, desde a sua descrição em 1896, continua a ser útil, mas pode ser positiva em pacientes com passado de infecção e ser influenciada por vacinação prévia. Novas tecnologias, como o teste ELISA, têm importância, mas falham não atingindo os níveis de sensibilidade e especificidade desejados. O hemograma revela anemia e leucopenia e, às vezes, até leucocitose. O desenvolvimento e rápida disseminação de cepas resistentes aos antibióticos cloranfenicol, ampicilina e TMP/SMZ, que eram considerados de escolha para a erradicação da Salmonella typhi, têm sido observados em várias partes do mundo. Tal constatação foi feita em viajantes procedentes de diversas regiões para países do primeiro mundo. Em face disso, passou-se a preferir as quinolonas e cefalosporinas de terceira geração. As quinolonas são bactericidas e concentram-se intracelularmente e na bile, conseguindo rápida remissão dos sintomas. Todavia, já têm sido descritos casos de resistência ao ciprofloxacino, e, por isso, alguns estudos foram dirigidos à azitromicina, que também se concentra nos tecidos e nas células. A opção de esquema terapêutico é habitualmente de uma única droga, mas a escolha e a duração do tratamento é ainda motivo de pesquisa e dependem de diversos fatores como a idade dos pacientes e a gravidade dos sintomas. Os esquemas mais seguros para adultos são: (1) Ciprofloxacino 500 mg VO ou 400 mg IV, 2 vezes/dia, durante 7 a 10 dias; (2) Ceftriaxona 1 g 2 vezes/dia, IV, durante 7 a 14 dias; (3) Azitromicina 1.000 mg inicialmente, seguidos de 500 mg VO, dose única diária, durante 7 a 14 dias; (4) Cloranfenicol500 mg VOou IV, 3 vezes/dia, durante 14 dias. Diante do risco de recaída, após o tratamento os pacientes devem ser monitorados por até 4 semanas, sendo aconselhável a realização de coprocultura de controle. O uso de corticosteroides deve ser reservado apenas para tratamento inicial de casos graves da febre tifoide com toxemia. A recaída é ocorrência previsível, mesmo em indivíduos com a imunidade preservada. Quando o tratamento é feito com o
cloranfenicol, que é agente bacteriostático, há relatos de 10 a 25% de recaídas. Entretanto, com os novos antibióticos, a incidência é bem menor, entre 1 e 6%. A escolha do antimicrobiano deve levar em consideração a sensibilidade bacteriana, como as cefalosporinas de terceira geração, com uso por período mais longo. Portador crônico é definido pela excreção de bactérias nas fezes por mais de 12 meses após infecção aguda. Ocorre mais nos casos de S. typhi do que nos de não typhi e é mais comum em portadores de colelitíase ou de outras anormalidades do trato biliar. O portador crônico não desenvolve doença sintomática, sugerindo que haja equilíbrio imunológico. A colonização intestinal permite que haja excreção de bactérias nas fezes, com potencial risco comunitário, principalmente se esse portador manipula alimentos. Por isso, deve ser tratado com objetivo de erradicar a bactéria. No passado, usavam-se esquemas com altas doses de ampicilina (4 a 6 g/dia) combinados com colecistectomia, mas nem sempre o êxito era obtido. Assim, prefere-se uma quinolona, como o ciprofloxacino 500 mg 2 vezes/dia durante 4 semanas. A colecistectomia deve ser indicada posteriormente se o paciente tem colelitíase. Os casos de perfuração intestinal ocorrem, em geral, em torno da terceira semana de febre. O quadro clínico consiste em dor abdominal, distensão, peritonite e bacteriemia por agentes aeróbicos e anaeróbicos. A indicação terapêutica nesses casos é a ressecção do segmento afetado com cobertura antibiótica para a peritonite.
• Salmonelose não tifo ide A Salmonella é uma das principais causas de gastrenterite transmitidas através de alimentos. As principais fontes são ovos e carnes. As aves são os carreadores mais frequentes dessas bactérias, mas o ser humano também pode ser portador assintomático e responsável por transmissão interpessoal. Este subgrupo de salmonelas é causador de diarreia indistinta das demais causas de diarreia infecciosa invasiva. Agride preferencialmente mucosa ileal e também cólon. Na maioria dos casos, o quadro é autolimitado, com febre habitualmente nos 3 primeiros dias e diarreia por até 1O dias. O espectro de apresentação pode variar de assintomático a diarreia associada a dor abdominal e vômitos com possibilidade de toxemia e infecção extraintestinal. Quando evolui com bacteriemia, pode causar arterite, endocardite, meningite, artrite e osteomielite. O tratamento é ditado pela gravidade clínica e pelas comorbidades, sendo, na maioria dos casos, desnecessária a antibioticoterapia.
• Diarreia pelo Clostridium diffidle O Clostridium difficile é uma bactéria gram-positiva, anaeróbia, considerada a principal responsável pela enterocolite pseudomembranosa. Foi descrita pela primeira vez em 1935 por Hall e O'Toole, quando estudavam a flora intestinal de recémnascidos saudáveis. Recebeu esse nome por causa da dificuldade de isolá-lo e cultivá-lo. Foi encontrado em metade dos casos estudados, sugerindo tratar-se de comensal inofensivo e não patogênico. A enterocolite pseudomembranosa foi descrita em 1893 por Finney, cirurgião do Hospital Johns Hopkins, nanecropsia de uma mulher jovem submetida a gastrectomia, sem relacioná-la ao Clostridium difficile. Em 1977, Larson e colaboradores descobriram uma citotoxina nas fezes de pacientes portadores de colite associada ao uso de antibióticos, e, pouco depois, Bartlett e colaboradores correlacionaram essa toxina com o C. difficile. Os casos de colite pseudomembranosa aumentaram no final da década de 1960 e início da de 1970, com
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
a introdução da lincomicina e da clindamicina. O C. difficile tem tendência a colonizar o intestino humano quando a flora normal é alterada, principalmente por terapia antibiótica. Ele é capaz de sobreviver por longos períodos no ambiente hospitalar, facilitado pela forma de esporos resistentes ao calor. Portadores assintomáticos são comuns entre os idosos, que são, por isso, reserva potencial. O C. difficile é responsável por 50 a 70% das diarreias nosocomiais associadas ao uso de antibióticos e que ocorrem até 6 semanas após sua administração. Podem ocorrer sem uso prévio de antimicrobianos. Os antibióticos mais frequentemente associados à colite por C. difficile estão relacionados no Quadro 3.4. A colite pelo C. difficile é doença mediada por toxinas. A toxina A (enterotoxina) é o principal fator patogênico, enquanto a toxina B (citotoxina) tem pequeno ou nenhum efeito deletério. A toxina A é capaz de lesar o epitélio por reação inflamatória, a qual envolve exsudação de material proteico com neutrófilos e monócitos e formação de pseudomembranas. Estudos histológicos mostram que as pseudomembranas são formadas de material necrótico, muco e células inflamatórias que cobrem a superfície epitelial em área ulcerada. O quadro clínico varia de portadores assintomáticos, formas discretas e autolimitadas até formas fulminantes. A apresentação característica é de diarreia aquosa, com 10 a 12 evacuações/ dia, por vezes com raias de sangue. Fezes francamente hemorrágicas ocorrem raramente. Pode haver distensão abdominal com descompressão dolorosa. Os casos graves podem evoluir para megacólon tóxico, perfuração e alta mortalidade. Distúrbios eletrolíticos contribuem para a morbidade. As ulcerações extensas resultam em perdas de proteínas com hipoalbuminemia, principalmente quando o quadro se prolonga. São descritas outras complicações, como derrame pleural, ascite e a síndrome hemolítico-urêmica. Pode haver leucocitose que, algumas vezes, atinge cifras elevadas. Em cerca de 50% dos casos, são detectados leucócitos fecais. A coprocultura anaeróbia exige prazo de 3 a 5 dias, é dispendiosa e inespecífica, pois a colonização assintomática pode ocorrer em pacientes hospitalizados. O teste ELISA, baseado em anticorpos específicos mono e policlonais para toxinas purificadas A e B, tem boa sensibilidade, exige só 4 h e é menos dispendioso. O exame endoscópico (sigmoidoscopia flexível ou colonoscopia) tem sua limitação pelo desconforto que causa aos pacientes, mas é de grande valia, pois permite visualizar a área que habitualmente é mais atingida (reto e as partes distais do cólon), com evidência de mucosa friável, edemaciada, eritematosa, e as pseudomembranas, que são placas branco-amareladas, além de propiciar a coleta de biopsias da área atingida. Em portadores de colite crônica (doença inflamatória intestinal, colite linfocítica ou colite microscópica) infectados pelo C. difficile, a pseudo membrana pode estar ausente, dificultando a definição
----------------T---------------Quadro3.4 Antimicrobianos associados à colite por Clostridium diffici/e Frequênáa
Antibiótico
Comum
Ampicili na, amoxicil i na, cli nda miei na, cefalospori na
Ocasional
Penicilina, eritromicina, trimet oprima-sulfametoxazol, quinolonas
Rara
Tetraciclina, met ronidazol, vancomicina, aminog licosídios
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diagnóstica. Radiografia simples de abdome pode demonstrar a presença de dilatações colônicas nos casos de megacólon tóxico, e a tomografia computadorizada do abdome pode evidenciar espessamento do cólon. Como a diarreia pelo C. difficile está vinculada a outra condição mórbida, a terapêutica visa, inicialmente, à manutenção do estado geral do paciente, reposição hidreletrolítica, bem como à retirada do antibiótico ao qual foi associado o aparecimento da doença. Deve-se evitar uso de drogas antidiarreicas, como loperamida ou defenoxilato, pelo risco de prolongar ou aumentar a gravidade do quadro e pela possibilidade de megacólon tóxico. O tratamento antimicrobiano é importante na eliminação da infecção. As drogas de escolha são o metronidazol VOou intravenosa (apresenta excreção entérica) ou a vancomicina exclusivamente VO, conforme descrito no Quadro 3.3. Em cerca de 1O a 20% dos casos, pode haver recaídas com necessidade de outro esquema terapêutico. Assim, alguns autores propõem prolongar a terapêutica ou associar drogas como a rifampicina 600 mg, 3 vezes/dia. A colestiramina 4 g, 3 ou 4 vezes/dia, e lactobacilos 1 a 2 g, 4 vezes/dia, podem ter papel adjuvante em casos de difícil controle. Nos pacientes com evolução progressiva associada a complicações como infarto e perfuração intestinais, há indicação . . para ctrurgta.
• DIARREIA CRÔNICA Enquanto a diarreia aguda está relacionada principalmente aos agentes infecciosos e, por isso, predomina entre as populações mais pobres, a crônica ocorre com expressiva frequência mesmo nos países industrializados. Nos EUA, estima-se que a prevalência de diarreia crônica seja de 5% da população adulta. Existem inúmeras causas de diarreia crônica, ligadas ora ao intestino delgado, ora ao cólon, criando dificuldades na sua identificação e terapêutica. Por isso, é necessário ter bom conhecimento de suas diversas etiologias, abreviando o sofrimento dos pacientes e reduzindo custos com propedêutica e terapêutica.
• Etiologia As principais causas de diarreia crônica são síndrome do intestino irritável (SII), doença inflamatória intestinal (DII), síndrome de má absorção e infecção crônica. Esta última, mais relevante em regiões de condições sanitárias inadequadas, com possibilidade de infecções bacterianas, por protozoários ou helmintos. Portadores de imunodeficiências apresentam frequentemente diarreia associada a infecções oportunistas crônicas. O câncer colorretal pode apresentar-se com diarreia crônica, habitualmente com sinais de perda de sangue. O uso de medicamentos também deve ser investigado. Algumas drogas têm efeito secretório direto no intestino delgado e no cólon, principalmente a fenolftaleína e os derivados antraquinônicos como o sene. O uso excessivo de dissacarídios não absorvíveis, como o sorbitol, em dietas com restrição de açúcar pode causar diarreia osmótica à semelhança de laxativos, como o manitol e o sulfato de magnésio. Tumores neuroendócrinos produtores de neurotransmissores com ação secretagoga, como o VIP (peptídio vasoativo intestinal) nos VIPomas e a serotonina na síndrome carcinoi-
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Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
de, estão associados à diarreia crônica e intensa. Apesar de constituírem enfermidades mais raras, devem ser lembrados nessas situações. A maioria dessas condições será descrita separadamente em capítulos deste livro. Neste capítulo, tais enfermidades serão abordadas apenas em linhas gerais.
• História clínica A definição diagnóstica exclusivamente pelo quadro clínico é mais difícil na diarreia crônica devido a suas possíveis etiologias de grande complexidade. Entretanto, a avaliação clínica acurada pode direcionar a investigação complementar, minimizando custos e exposição do paciente. A caracterização da diarreia como alta (intestino delgado) ou baixa (cólon), conforme discriminada no Quadro 3.1, é uma das formas de classificar e guiar a sequência de propedêutica complementar. Na qualificação da diarreia, devemos ter atenção para portadores de incontinência anal. Esses indivíduos apresentam o que denominamos pseudodiarreia. Existe aumento na frequência das evacuações por incapacidade de conter as fezes na ampola retal. Nesta condição, não há aumento da quantidade de água nas fezes nem de seu volume global; portanto, não há diarreia. Ausência de perda ponderai e de sinais de desnutrição, presença de sintomas predominantemente diurnos, alternância do hábito intestinal com períodos de constipação intestinal, além de crise de dor associada à distensão abdominal e aliviada pela evacuação são sugestivas de síndrome do intestino irritável (SII). O início dos sintomas, habitualmente, ocorre em períodos de instabilidade emocional e predomina em adultos jovens. Nestas condições, deve-se evitar investigação invasiva.
Alguns fatores de risco para doenças específicas podem ser encontrados na história. O médico deve pesquisar: viagens a áreas endêmicas para parasitoses; sintomas precipitados ou agravados por uso de determinado alimento, como a lactose (intolerância à lactose) ou o glúten (doença celíaca); comorbidades como o diabetes de longa data e hipertiroidismo que podem cursar com diarreia; história familiar de doença inflamatória intestinal (DII) ou doença celíaca que apresentam risco de herança genética; exposição a fatores de risco para contaminação pelo HIV; uso de álcool em doses potencialmente lesivas ao pâncreas; abuso de produtos dietéticos com sacarídios não absorvíveis; história medicamentosa. Ao exame físico, podemos encontrar sinais extraintestinais de determinadas doenças. Na DII, além de massas inflamatórias abdominais, podem ocorrer lesões perianais, lesões cutâneas, aftas orais, olho vermelho e artropatias. Nas síndromes de má absorção e no câncer de cólon, devemos procurar sinais de desnutrição, como edema e anemia.
• Diagnóstico A orientação do diagnóstico necessita seguir parâmetros clínicos objetivos, em função da complexidade da propedêutica específica. Quando necessária, a solicitação de exames complementares deve guiar-se inicialmente pelas características do quadro diarreico, se diarreia alta ou baixa, conforme Figura 3.1. Devem-se avaliar as alterações de caráter funcional na SII. Em casos de dúvida, exames gerais que demonstrem ausência de acometimento sistêmico como hemograma completo sem anemia, leucocitose ou plaquetose e provas de atividade inflamatória (p. ex., proteína C reativa e VHS) normais reforçam o diagnóstico de diarreia funcional.
Diarreia crônica
Síndrome do intestino irritável
f-
I
I
Diarreia alta
Diarreia baixa
Triagem: Hemograma completo Hemácias e leucócitos fecais Provas de atividade inflamatória
Gordura fecal
c} Síndrome de malabsorção Doença inflamatória intestinal Infecção prolongada Câncer de cólon c::::>
Doenças infecciosas HIV Drogas
Figura 3.1 Roteiro diagnóstico de diarreia crônica.
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
• Exames laboratoriais Exames laboratoriais gerais são muito úteis na avaliação inicial da diarreia crônica, especialmente para avaliar presença de atividade inflamatória e/ou comprometimento nutricional. • Hemograma Todas as séries hematológicas podem fornecer informações valiosas na pesquisa de diarreia crônica. Na série vermelha, presença de anemia pode estar relacionada com disabsorção ou com perdas. Em enfermidades que promovem perda sanguínea, encontraremos sinais de deficiência de ferro com microcitose e hipocromia. Nas síndromes de má absorção, o local do trato gastrintestinal (TGI) acometido determina a deficiência de nutrientes específicos. Assim, doenças que acometem o delgado proximal causam dificuldade de absorção de ferro e ácido fólico com formação de hemácias disfórmicas (poiquilocitose) com micro e macrocitose concomitantes. Doenças que lesam o íleo ou que causam insuficiência pancreática dificultam a absorção de vitamina B12 com consequente macrocitose. Alterações da série branca sugerem diarreia de origem inflamatória. Quando há predomínio de eosinofilia, parasitose intestinal é o diagnóstico mais provável. Porém, devemos considerar a possibilidade de síndrome eosinoffiica acometendo o TGI com diarreia crônica, especialmente quando há histórico relevante de atopia. A plaquetose é marcador inespecífico de processo inflamatório crônico e pode ser encontrada em portadores de DII. • Provas de atividade inflamatória Proteína C reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS) e a -1 glicoproteína ácida são bons marcadores de atividade inflamatória. Apesar de inespecíficos, no contexto de diarreia crônica são importantes preditores de DII. • Perfil nutricional/metabólico A albumina é nutriente nobre e de meia-vida longa. Sua deficiência está associada a condições com perda nutricional significativa. O perfil lipídico também se altera na desnutrição e na disabsorção. Em diarreias mais intensas, alterações hidreletrolíticas e disfunção renal são frequentes e devem ser pesquisadas. • Marcadores específicos O anticorpo antiendomísio IgA e o antitransglutaminase tecidual IgA têm alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de doença celíaca. O antitransglutaminase, apesar de discretamente superior ao antiendomísio, é menos disponível e mais caro. O antiendomísio tem especificidade e sensibilidade em torno de 95% e é útil na triagem de suspeitos de doença celíaca antes da realização de endoscopia para biopsia de delgado proximal. Anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) e anticorpo anticitoplasma de neutrófilo perinuclear (pANCA) podem auxiliar no diagnóstico diferencial de retocolite ulcerativa (RCUI) e doença de Crohn. Entretanto, não devem ser usados na avaliação diagnóstica inicial dessas doenças devido à baixa especificidade e sensibilidade. O ASCA tem sensibilidade de 40 a 76% para doença de Crohn e o pANCA, de 60 a 65% para RCUI. Os hormônios tireoideanos (T3, T4 e T4livre) e o tireoestimulante (TSH) nos casos de suspeita de diarreia secundária ao hipertiroidismo definem o diagnóstico.
37
• Estudo das fezes A coleta de fezes para análise encontra frequente resistência por parte dos pacientes. Muitos consideram desagradável o ato de manipular as fezes para a amostra e alguns se sentem envergonhados ao imaginar a possibilidade do diagnóstico de parasitose intestinal. Por isso, muitos médicos deixam de solicitar essa avaliação. Entretanto, a análise das fezes pode traduzir vários problemas do TGI e é valiosa ferramenta diagnóstica. • Pesquisa de agentes infecciosos A maioria das parasitoses intestinais é assintomática nos adultos. A Entamoeba hystolitica e a Giardia lamblia são os agentes infecciosos mais frequentes como causadores de diarreia crônica. O exame parasitológico das fezes tem baixa sensibilidade para estas infecções. A coleta de múltiplas amostras e a análise rápida ao microscópio aumentam a sensibilidade, mas esta não ultrapassa 60%. A pesquisa de antígenos de Giardia por ELISA tem sensibilidade de até 90% com grande valor nos casos suspeitos. Em imunocomprometidos, especialmente em HIV positivos, Cryptosporidium e Isospora belli devem ser lembrados para que se façam métodos específicos para sua detecção. • Sangue oculto A expressiva frequência de exames falso-positivos e falsonegativos coloca em dúvida sua segurança no sentido de indicar a presença de lesão orgânica como causa da diarreia. Entretanto, os achados conjuntos de sangue oculto e de leucócitos fecais reforçam o diagnóstico de diarreia inflamatória. Além das colites, neoplasias malignas também devem ser consideradas. Com o desenvolvimento da imunocromatografia de captura a pesquisa de sangue oculto tornou-se mais sensível e específica. Essa técnica possibilita a detecção de sangue em níveis tão baixos quanto 6 Jlg de hemoglobina/g de fezes em apenas 5 min. Nesta reação imunológica, não há possibilidade de falso-positivos por fatores da dieta ou reação com hemoglobinas de outras espécies que ocorre para os testes utilizando guáiaco. • Leucócitos O método-padrão para sua pesquisa nas fezes (coloração pelo Wright e microscopia) tem sua acurácia dependente da experiência do examinador. A pesquisa de leucócitos fecais é considerada positiva quando há três ou mais polimorfonucleares por campo. A lactoferrina fecal é marcador para os leucócitos fecais, é altamente sensível e específica para as diarreias agudas infecciosas e para a enterocolite pseudomembranosa por C. difficile, mas para as diarreias crônicas sua utilidade não está bem definida. • Gordura A análise qualitativa se baseia na pesquisa microscópica de gordura corada pelo Sudan III. Uma alternativa é o método semiquantitativo, o esteatócrito, usado principalmente em pediatria, com resultados que se correlacionam melhor com o método quantitativo de Van de Kamer. Na análise quantitativa, o paciente deve receber orientação e recursos técnicos que permitam a coleta das fezes em segurança e sem contaminação por urina. Deve ingerir de 70 a 100 g de gordura por dia durante o período de coleta das fezes, de 2 a 3 dias. A excreção normal corresponde a cerca de 9% da gor-
38
Capítulo 3 I Diarreia Aguda e Crônica
dura ingerida, ficando em torno de 7 g/dia. Valores superiores a esse são considerados anormais e significam esteatorreia. Entretanto, valores entre 7 e 14 g/dia de gordura fecal têm baixa especificidade para diagnosticar defeito primário de digestão ou absorção. Valores acima de 14 g/dia são mais específicos para comprovar má absorção.
fezes diarreicas. Em algumas etiologias, a mucosa está normal à macroscopia, e a biopsia é essencial para o diagnóstico, como na colite colágena e colite linfocítica. Colites infecciosas também podem ter o diagnóstico confirmado pela colonoscopia, como colite pseudomembranosa pelo C. difficile, colite amebiana e tuberculose intestinal.
• Eletrólitos e osmolaridade
• Cápsula endoscópica É ferramenta de grande valia na investigação de doenças de grande parte do delgado, inacessível aos métodos endoscópicos habituais. A visualização da mucosa pode definir diagnóstico de enterites em geral. Como desvantagem em relação aos demais métodos endoscópicos, a impossibilidade de coleta de material para análise restringe sua acurácia em determinadas situações.
As concentrações de eletrólitos são medidas nas fezes após sua homogeneização (por meio manual ou mecânico) e centrifugação da amostra para obter um sobrenadante para a análise. Casos de diarreia não esclarecidos podem necessitar da averiguação do gap osmótico do fluido fecal, que analisa a participação de substância osmoticamente ativa nas fezes, servindo para estimar a contribuição que os eletrólitos e outros elementos têm na retenção de água no lúmen intestinal. Na diarreia secretora, os eletrólitos não absorvidos são os responsáveis e, na osmótica, são os outros elementos osmoticamente ativos, como os carboidratos. A osmolaridade teórica no intestino delgado distai é estimada em 290 mOsm/f., porque é equilibrada com a do plasma. O gap osmótico é maior(> 125 mOsm/ f.) na diarreia osmótica e menor ( 7 em+ tortuosidade e grande retenção do meio de contraste
Grau 111
Diâmetro do esôfago distai > 7 em. Sem tortuosidade
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Quadro 14.4 Classificação de Rezende (1982) Megaesôfago
Adiados
Grau I
Diâmetro do esôfago normal, com trânsito lento e coluna retida de meio de contraste de nível plano
Grau 11 Grau 111 Grau IV
A mudança no padrão da disfagia, que se torna rapidamente progressiva e com grande perda de peso, deve levar à suspeita do desenvolvimento de carcinoma epidermoide de esôfago como complicação da esofagite de estase secundária à AC, sendo a EDA fundamental para a confirmação diagnóstica. Monilíase esof ágica pode estar presente, resultante da asso ciação de baixa imunidade (causada pela desnutrição) e estase com esofagite, além de perda das defesas da mucosa.
• Esofagomanometria (EM) A esofagomanometria (EM) é método padrão-ouro para o diagnóstico da AC. Além de confirmar o diagnóstico (em ge ral, sugerido pela EDA e/ou esofagografia), é realizada com o objetivo de avaliar o relaxamento e a pressão do esfíncter eso f ágico inferior (PEEI) pré- e pós-tratamento, além de orientar o local de posicionamento do cateter da pHmetria prolongada, em casos nos quais este exame for utilizado.
Pequena/moderada dilatação, retenção evidente da coluna baritada e contrações terciárias
Grande dilatação do órgão, grande retenção do meio de contraste, hipotonia ou atonia Grande dilatação com tortuosidade (dolicomegaesôfago)
com carcinoma epidermoide esofágico). A junção esofagogás trica (JEG) encontra-se geralmente fechada, com luz virtual e pode oferecer alguma dificuldade na progressão do aparelho. O achado de líquidos ou resíduos alimentares no interior do esôfago, apesar do jejum adequado, é comum e sugere o diag nóstico (Figura 14.2). Nos estágios mais avançados, encontra se dilatação e/ou tortuosidade esofágica. Dificuldade excessiva na progressão pela JEG deve fazer sus peitar da possibilidade de infiltração tumoral local (pseudoa calasia), sendo importante o exame minucioso do fundo gás trico para exclusão de massa tumoral. Em casos suspeitos, não esclarecidos pela EDA, a ultrassonografia endoscópica pode identificar mais precocemente a infiltração tumoral.
Figura 14.2 Endoscopia digestiva alta evidenciando dilatação e es tase alimentar em esôfago. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 14 I Aca/asia e Megaesôfago
145
Corno a AC é doença de musculatura lisa, os achados ma
po controle e portadores de doença de Chagas em um estudo
nométricos ocorrem nos dois terços distais do órgão. Os mais m i portantes são: falta de relaxamento ou relaxamento incom
(Dantas et ai., 2000). Com emprego de cateter com transdu tor em estado sólido, foi demonstrada pressão do esfíncter
pleto do EEI e aperistalse do corpo esofágico (Figura 14.3).
superior semelhante em ambas as acalasias, porém menor do que no grupo controle, na acalasia chagásica (Abrahão-Junior
Relaxamentos ausentes ocorrem quando não existe que
et al., 2001).
da da PEEI após a deglutição. Relaxamentos incompletos são identificados quando a PEEI cai em relação à PEEI basal, mas
• pHmetria esofágica prolongada (pHm)
8 mmHg. Por
a pressão residual não atinge valor menor que
vezes, os relaxamentos são completos, porém de curta duração
A pHm não é um exame habitualmente solicitado para pa
(tempo de relaxamento < 6 s). A média da PEEI tende a ser maior em pacientes com AC,
cientes com AC virgens de tratamento. Entretanto, ela pode ser
quando comparada a grupos controles assintornáticos. A hi
tações clínicas encontradas na doença e que exijam diagnóstico
pertensão do EEI é encontrada em cerca de 40 a 60% dos pa
diferencial, por exemplo, com a sensação de refluxo retrosternal e a queixa de pirose. Como referido, a pirose pode ser observa da em 27 a 48% dos pacientes com o diagnóstico de AC. Nos
empregada para o diagnóstico diferencial de algumas manifes
cientes portadores da doença. A forma chagásica geralmente apresenta PEEI menor do que a de pacientes com AC idio pática.
pacientes com AC sem tratamento prévio, essa queixa pode
Em relação ao corpo esof ágico, a perda da peristalse pode
ser justificada, na maioria dos casos, pela presença de estase e fermentação alimentar, levando a alterações características na pHm. Entretanto, alguns pacientes exibem pHm com padrão
ser registrada como ausência de contrações ou contrações si multâneas, em geral de baixa amplitude (< 30 mrnHg), algu mas vezes de caráter repetido. Mais raramente, as contrações
de refluxo gastresofágico (RGE) verdadeiro, não relacionado
simultâneas atingem amplitude mais elevada do que as habi
com a estase de alimentos, havendo relato de prevalência em até 20% dos casos (Shoenut et al., 1997), o que pareceria inicial mente um paradoxo, visto que na AC o EEI é frequentemente
tualmente registradas, sendo esta entidade denominada AC
v1gorosa.
hipertenso e com falhas no seu relaxamento, o que dificultaria
Estudos comparativos entre AC idiopática e AC chagásica demonstram que a amplitude e duração das contrações são se
sua ocorrenc1a. •
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melhantes em ambas as etiologias (Abrahão-Junior et al., 2001;
Por outro lado, o RGE é uma das complicações mais fre
Dantas et al., 2001). Quanto ao esfíncter superior, há referência à pressão de
quentes, tanto do tratamento cirúrgico quanto do tratamento por dilatação pneumática, com incidência variável de aproxi
repouso com valores semelhantes na acalasia idiopática, gru-
madamente 13% e 4 a 8% dos casos, respectivamente. O estudo
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Figura 14.3 Esofagomanometria de paciente com acalasia. No canal distai (PS), o EEI com relaxamentos incompletos. Nos quatro canais pro ximais (P1 -P4), aperistalse do corpo esofágico (distância entre os canais 5 em). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
146 Capítulo 14 I Acalasia e Megaesôfago pHmétrico permite avaliar a incidência dessa complicação, as sim como analisar alterações gráficas que sugerem permanência de acúmulo de resíduos alimentares esofágicos nos pacientes não adequadamente tratados. Em pacientes com AC, a análise gráfica da pHm pode dife renciar o RGE verdadeiro da queda do pH esofágico devido à estase aimentar. l No RGE verdadeiro, a queda do pH para ní veis de refluxo ácido (em geral, pH 1 a 2) acontece de maneira abrupta com retomo lento ao pH normal do esôfago (em tor no de 6,5), enquanto, na presença de fermentação alimentar no interior da luz esoágica f (Figura 14.4), essa queda é lenta, acontece geralmente no período noturno e o pH não atinge valores abaixo de 3,0 (Crookes et al., 1997). A pHmetria, na maioria dos pacientes com AC não tratada, demonstra refluxo fisiológico mínimo ou ausência completa de episódios de refluxo, a que chamamos de pHmetria negati va. Recentemente, foi conduzido um estudo prospectivo (No vais & Lemme, 2010) em que foram analisadas pHmetrias de 94 pacientes com acalasia não tratada. Demonstrou-se que 82% apresentavampHm negativa, 14% exibiam pHm com padrão de fermentação e em 4% evidenciou-se padrão de RGE verdadeiro. Cerca de metade dos pacientes apresentava queixa de pirose, mas este sintoma não se correlacionou com qualquer um dos padrões de pHm. Analisaram-se também os padrões de pHm pós-tratamento, em 85 dos pacientes randomizados para dois grupos de intervenção terapêutica, dilatação pneumática da cárdia e esofagomiotomia laparoscópica a Heller com fundo plicatura. Foi observado que RGE verdadeiro foi mais comum no grupo de pacientes submetidos à dilatação do que à cirur gia (31 x 4%) e houve correlação deste padrão de pHm com a presença de hipotensão do EEI (PEEI < 10 mmHg). A pirose não foi um bom preditor da incidência de RGE ou fermenta ção alimentar esofágica, uma vez que não se correlacionou com qualquer padrão pHmétrico. Com base nesta e em outras observações, é sugerida a reali zação de pHmetria prolongada pelo menos no período pós-pro cedimento, com o objetivo de diagnóstico do RGE verdadeiro antes de manifestações clínicas mais exuberantes ou surgimento de esofagite. Enfaiza-se t esta recomendação principalmente na queles em que a PEEI à manometria pós-procedimento situar se abaixo de 10 mmHg.
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Manometria de alta resolução (MAR)
A ultrassonografia de alta frequência é um método que per mite avaliação de espessura da parede esofágica, podendo ser acoplada ao registro manométrico simultâneo. Nos diferentes distúrbios motores esofágicos de definição conhecida, tem sido encontrado espessamento da musculatura esofágica, registrado tanto na camada circular como na longitudinal. Este espessa mento na acalasia é maior do que o observado nos demais dis túrbios motores (Mittal, 2003). Um estudo empregando USIAF em pacientes com AC idiopática, AC chagásica, esofagopatia chagásica e controles assintomáticos demonstrou que nos três grupos de pacientes existe espessamento da camada muscular, registrada no corpo esofágico distai. Este espessamento é maior na AC idiopática do que na AC chagásica e o de ambas
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Figura 25.1 O eixo de eosinófilos-mastócitos. Eosinófilos são ativados por eotaxin-1 , que está expresso na lâmina própria. Também são ativa dos por alergênios e/ou patógenos do lúmen intestinal ao atravessar a barreira epitelial. Eosinófilos podem atuar como APC para os linfócitos Th2. Citocinas derivadas linfócitos Th2, incluindo IL-4 e IL-13, estimulam a produção de anticorpos pró-alérgicos da classe lgE. Eosinófilos tam bém são ativados por citocinas (incluindo IL-5, secretada pelas células Th2), e degranulação subsequente leva ao aumento da permeabilidade epitelial e ativação de mastócitos através da secreção pelos eosinófilos de MBP, SCF e NGF. Mastócitos também são ativados pela secreção de IL-4 e IL-13 a partir de células Th2, e por lgE e lgG4 secretada pelas células B. Mastócitos ativados secretam histamina e serotonina (também um quimiotático para eosinófilos), que, juntamente com fatores de desgranulação de eosinófilos, levam à estimulação neural e contração do músculo liso, o que leva a sintomas gastrintestinais como dor abdominal e flatulência. Abreviaturas: APC. células apresentadoras de antígenos; IL-5, IL-1 3, MBP, a proteína básica principal; NGF, fator de crescimento neural; SCF, fator de célula-tronco; Th2, células T helper. Adaptado de Po well, N, Walker, MM, Talley, NJ. Nat. Ver. Gastroenterol. Hepatol., 201 O.
Capítulo 25 I Doenças Eosinoílicas f doAparelho Digestivo 229 •
DOENÇAS EOSINOFÍLICAS DO APARELHO DIGESTIVO
As doenças eosinofílicas do aparelho digestivo podem dida ticamente ser classificadas em: 1) Doença Eosinofílica Gastrin testinal Primária (DEGP) e 2) Doença Eosinofllica Gastrintes tinal Secundária (DEGS). •
Doença eosinofHica gastrintestinal primária
As doenças eosinoffiicas gastrintestinais primárias (DEGP) são afecções em que a presença de sintomas gastrintestinais ocorre associada a aumento do número de eosinófilos na mu cosa, na ausência de outras causas reconhecidas de eosinofilia tecidual, tais como drogas alérgicas, câncer e infestações para sitárias. As DEGP incluem esofagite eosinofllica, gastrite eosi noffiica, enterite eosinofílica e colite eosinofílica. A maioria dos pacientes (80%) são atópicos, e mais de 15% dos pacientes têm um parente de primeiro grau com uma das formas da doença. • Esofagite eosinofllica • Introdução A esofagite eosinofílica (EE) é a mais comum e mais estu dada das DEGP primárias. Foi descrita pela primeira vez há cerca 30 anos em um paciente com disfagia e marcada infiltra ção esofágica por eosinófilos. Até recentemente, a eosinofilia esofágica foi atribuída, especialmente, à esofagite de refluxo ácido, mas, nos últimos 5 anos, a EE (também conhecida como esofagite alérgica primária ou esofagite eosinofílica idiopática) tem sido considerada uma importante e prevalente entidade clínico-patológica independente, ocorrendo tanto em crianças como em adultos. Os principais sintomas são disfagia e impactação aimentar, l e, em crianças, dor epigástrica e vômitos são também comuns. Alguns pacientes podem desenvolver estenose esofágica. O nú mero de eosinófilos no esôfago necessários para o diagnóstico da EE é discutível e esta definição tem sido dificultada por di versos estudos utilizando diferentes critérios histológicos. No entanto, uma recente reunião de consenso recomendou que > 15 eosinófilos por campo de alta definição (CAD), na ausên cia de doença do refluxo gastresofágico (DRGE), são suficientes para o diagnóstico. • Definição A EE é uma doença na qual os sintomas digestivos altos es tão associados a infiltração eosinofílica do epitélio escamoso ou dos tecidos mais profundos do esôfago, e nem os sintomas nem a eosinofilia respondem à administração de um inibidor de bomba de prótons (IBP). • Epidemiologia A EE é uma doença que tem distribuição mundial, compre valência ainda não conhecida, mas que parece ser crescente. É mais comum no sexo masculino, contudo pode acometer pa cientes de todas as faixas etárias. Em um estudo populacional realizado entre 2000 e 2003, foi demonstrado que a incidência anual (diagnosticada por pedia tras) da EE foi aproximadamente de 1/10.000, com uma pre valência de 4.296 casos por 10.000 crianças no final de 2003. Observou-se também um padrão familiar típico, levantando a possibilidade de uma predisposição genética ou exposição a um fator ambiental comum desconhecido.
Um estudo realizado pelo grupo de pediatria de um hospital da Filadélfia encontrou EE em cerca de 10% das crianças com DRGE não respondedoras ao tratamento com IBP. O grupo de gastropediatria do Hospital Boston Childrens demonstrou que 6% das crianças com esofagite apresentavam EE. Estudo observacional realizado na Suíça durante 16 anos documentou uma prevalência de 1/4.000 em indivíduos adul tos, enquanto na Austrália foi observada uma prevalência de 1/70.000. Outro estudo epidemiológico realizado na Suécia en volveu mais de 1.000 pessoas da população em geral, que pre encheram um questionário sobre os sintomas gastrintestinais e, posteriormente, foram submetidas à endoscopia digestiva alta com biopsia da mucosa. Demonstrou-se que 4,8% dos in divíduos apresentavam eosinófilos no esôfago, e, em 1,1% de les, encontraram-se > 15 eosinófilos por campo. Embora este estudo defina uma prevalência significativa de eosinofilia eso fágica, é provável que estes dados superestimem a prevalência de EE, na medida em que correlacionam somente dados his tológicos com sintomas. Por outro lado, a conscientização e a experiência com o diag nóstico clínico em adultos e em centros pediátricos, juntamente com um provável aumento real na n i cidência da doença, são razões bastante plausíveis para explicar o recente crescimento do número de diagnósticos de EE na prática diária. • Fisiopato/ogia A estreita correlação com atopia, em combinação com o au mento de imunoglobulina E (IgE) específica positiva no soro ou em testes cutâneos alergenioalimentares, sugere que há um processo inflamatório alérgico patológico na EE. A inflamação alérgica é caracterizada pela ativação de um subgrupo de célu las T auxiliares (Th), denominadas células Th2, que definem os perfis específicos de citocinas pró-alérgicas, nclui i ndo IL-4, IL-5 e IL-13, que promovem a formação de anticorpos IgE e recru tamento, maturação e ativação de mastócitos e eosinófilos. Além de uma abundância de eosinófilos no esôfago, a EE também é caracterizada pela infiltração de células T e uma maior expressão de citocinas Th2, incluindo IL-5. A impor tância potencial de IL-5 tem sido destacada em estudos prelimi nares em que o antagonismo específico do IL-5 com o anticorpo monoclonal mepolizumabe resultou em redução expressiva no número de eosinófilos no sangue periférico e no esôfago. Per fis de expressão gênica a partir de biopsias do esôfago também têm demonstrado que a eotaxin-3 (CCL26) está presente em maior quantidade em pacientes com EE, em comparação com pacientes de controle. Além disso, em um modelo animal de EE, a ausência do receptor eotaxin-3 (CCR3) nos eosinófilos impede o acúmulo dessas células no esôfago e protege ratos de desenvolver a doença. Os principais alergênios alimentares relacionados são leite, soja e ovo. Existem evidências de que alergênios ambientais também podem estar envolvidos. A patogênese dos anéis da mucosa associados à esofagite eosinofílica é desconhecida. Especula-se que a liberação de his tamina, fator quimiotático eosinofílico, ou a liberação do fator de ativação plaquetária pelos mastócitos na parede do esôfago, em resposta aos alergênios, podem contribuir para formação destas estruturas anelares. Tem sido demonstrado que essas substâncias promovem liberação e ativação da acetilcolina que, por sua vez, pode provocar a contração das fibras musculares na muscularis mucosa, resultando na formação dos anéis. .,.. ANATOMIA PATOLÓGICA. A mucosa esofágica normal é composta por um epitélio escamoso estratificado que contém
230 Capítulo 25 I Doenças Eosinofílicas do Aparelho Digestivo linf ócitos, células dendríticas e mastócitos, e habitualmente os eosinófilos não estão presentes. Inflamação eosinofílica do esôfago pode ser encontrada em uma série de doenças, incluindo a DRGE, gastrenterite eosino filica, síndrome hipereosinofílica, alergias alimentares, doença inflamatória inte.stinal, infecção parasitária e doenças do colá gene. Até o momento, nenhum estudo definiu claramente o limite superior do número de eosinófilos no epitélio de adultos e crianças. Normalmente, esse número é provavelmente infe rior a cinco por campo, estando limitado ao esôfago distai. Em crianças com DRGE, o número de eosinófilos no esôfago pode ser significativamente maior, além de que os eosinófilos esof ági cos podem se estender até a mucosa do esôfago proximal. Neste sentido, é necessário que a DRGE deva ser excluída como causa de eosinofilia esofágica antes de fazer o diagnóstico da EE. Nos casos sugestivos de EE, algumas alterações histológicas características têm sido descritas: 1. Epitélio geralmente contém uma infiltração densa de mais de 15 ou 20 eosinófilos por campo de alta defini ção (CAD). 2. Os eosinófilos podem ser encontrados frequentemente ao longo da camada superficial do epitélio. l (> quatro eosinófilos aglo 3. Microabscessos eosinofíicos merados) podem ser vistos em 40 a 50% das seções do tecido afetado. Os abscessos se correlacionam com a presença de exsudato esbranquiçado ou pápulas identificadas, muitas vezes, ao exa me endoscópico. Esses padrões de eosinofilia estão geralmente associados à hiperplasia intensa da camada basal. Estas alterações geralmen te persistem, apesar do uso de inibidores da bomba de prótons (IBP). As anormalidades histológicas podem se estender desde o esôfago proximal até a parte distai. Os tecidos gástricos e duo denais são normais, sendo esta característica a que diferencia esofagite eosinofi.1ica das outras doenças eosinofílicas gastrin testinais. Esta distinção é importante, tendo em vista que os tra tamentos para estas outras doenças podem ser muito diferentes. Além disso, estudos sugerem que a patogênese da EE, quando associada às outras doenças eosinofílicas gastrintestinais, seja
diferente, possivelmente mediada pela eotaxin, enquanto, na esofagite eosinofílica isolada, como já descrito, esta mediação é feita preferencialmente pela IL-5. Não se sabe ainda se a inflamação se estende até os níveis mais profundos dos tecidos esof ágicos, porque geralmente as biopsias da mucosa são limitadas em sua profundidade. En tretanto, alguns pesquisadores sugerem que a extensão da in flamação eosinofílica possa alcançar a submucosa e a camada muscular. Essas observações, se confirmadas, podem dar sus tentação à especulação de que os eosinófilos e seus mediadores são capazes de induzir alterações motoras no esôfago, resultan f ica, presente em parcela significativa do em dismotilidade esoág desses pacientes.
• Características clínicas
e disfagia. Nos adultos, o diagnóstico ocorre habitualmente entre a 3a e a 4i décadas de vida, sendo a disfagia o sintoma mais característico, geralmente intermitente, e frequentemente acompanhada por impactação alimentar. Os sintomas podem estar presentes durante muitos anos, e sua característica intermitente pode dificultar ou retardar o diagnóstico. Cerca de metade dos pacientes com EE apresentam sintomas alérgicos, incluindo eczema, rinite alérgica e bron cospasmo. Há também estreita correlação com a história de doenças alérgicas na família.
Tem sido descrita melhora parcial dos sintomas após o blo queio da secreção de ácido, o que, frequentemente, dificulta a diferenciação com DRGE, mas, nos casos de EE, mesmo após o uso de altas doses de IBP, a eosinofilia esof ágica persiste. Diante de uma biopsia esofágica demonstrando um grande número de eosinófilos por campo (mais de 15 ou 20), além da DRGE, uma série de outras doenças precisam ser descartadas, como doenças inflamatórias intestinais, doenças do colágeno, reação de hipersensibilidade a drogas, infecções parasitárias, condições malignas, síndrome hipereosinofílica e doenças au toimunes. Alguns fatores capazes de diferenciar a EE de DRGE já fo ram descritos: 1) idade jovem; 2) disfagia; 3) alergia alimentar documentada; 4) anéis esof ágicos; 5) sulcos lineares; 6) placas esbranquiçadas ou exsudato; 7) ausência de hérnia hiatal; 8) eosinófilos aumentados na mucosa; e 9) presença de degranu lação destes eosinófilos. O Quadro 25.1 evidencia as principais características que diferenciam EE e DRGE.
• Exames complementares
.,.. EXAMES LABORATORIAIS. A presença de eosinofilia é co
mum, variando nas diversas séries entre 30 a 100%, assim como estão aumentados os níveis séricos de IgE em 20 a 60% dos pacientes. Testes cutâneos para alergia e testes RAST (radioallergosor
bent) são utilizados para avaliar a sensibilidade aos alergênios de trigo, milho, carne, leite, soja, centeio, ovos, frango, aveia e batata. Entretanto, a evidência definitiva de que um alimento está causando esofagite eosinofílica depende da resolução dos sintomas e da normalização da biopsia com uma dieta de elimi nação, bem como do retorno dos eosinófilos ao esôfago, após a reintrodução do aimento. l .,.. ESOFAGOGRAMA. Vários achados radiológicos são suges tivos de esofagite eosinofílica, mas nenhum deles é considerado patognomônico. Pode ser visualizada a presença de anéis, di minuição do calibre esofágico, estreitamento da luz e estenoses nos casos mais graves.
.,.. ENDOSCOPIA. A mucosa pode ser normal ou com caracte
rísticas inespecíficas de inflamação, tais como eritema, edema e friabilidade. Com base nestes resultados, pode-se imaginar a dificuldade em distinguir a EE da esofagite péptica, o que
enfatiza a necessidade de obtenção de biopsias do esôfago em todos os pacientes suspeitos.
Aspectos endoscópicos, tais como granularidade, perda da visualização vascular, sulcos lineares verticais e horizontais, pla
A EE é mais comum em homens, e a relação homem/mu lher é de 4:1. Os sintomas podem variar com a idade. As crianças peque nas geralmente são levadas ao médico para avaliação de retar
cas esbranquiçadas, ulcerações, estenoses, muitas vezes proxi mais, e formações anelares dando um aspecto de corrugamento
do de desenvolvimento e recusa alimentar, enquanto, em fases posteriores, queixam-se mais de vômitos, regurgitação, dor re troesternal e epigastralgia. Adolescentes e adultos apresentam se, muito frequentemente, com queixa de pirose retroesternal
Embora nenhuma destas características seja patognomônica, estes dados tomados em conjunto podem representar evidên
ou "esôfago enrugado" ou "traqueização", sugerem francamente o diagnóstico de EE.
cias de inflamação eosinofi.1ica aguda (granularidade e exsuda tos) e inflamação eosinofílica crônica (fissuras verticais).
Capítulo 25 I Doenças Eosinoílicas f do Aparelho Digestivo 231
T·------
Quadro 25.1 Aspectos de diferenciação entre EE e DRGE
------
EE
DRGE
Prevalência de atopia
Muito alta
Normal (possivelmente)
Prevalência de sensibilização alimentar
Muito alta
Normal (possivelmente)
Sexo prevalente
Masculino
Nenhum
Dor abdominal e vômitos
Comuns
Comuns
I mpactação alimentar
Comum
I ncomum
pHmetria esofagiana
Tipicamente normal
Anormal
Erosôes lineares à EDA
Muito comuns
Ocasional
Envolvimento do esôfago proximal
Sim
Não
Envolvimento do esôfago distai
Sim
Sim
Hiperplasia epitelial
Muito aumentada
Aumentada
Níveis de eosinófilos na mucosa
> 20/campo
0-7/campo
IBP
Resposta irregular
Resposta adequada
Glicocorticoides
Resposta adequada
Sem resposta
Eliminação de antígenos alimentares específicos
Por vezes, resposta satisfatória
Sem resposta
Dieta elementar
Por vezes, resposta satisfatória
Resposta inadequada
Aspectos característicos
Clínicos
Exames complementares
Histopatologia
Tratamento
Adaptado de Domingues, GRS, Domingues, AGL.J. Bras. Gastroenterol., 2006.
A
B
c Figura 25.2 Aspectos endoscópicos da esofagite eosinofílica. A. Formações anelares no esôfago. B. Sulcos lineares verticais. C. Placas e exsudato esbranquiçado. O. Aspecto histológico da infi ltração eosinofílica (H & E X 1 00). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
232 Capítulo 25 I Doenças Eosinofílicas do Aparelho Digestivo Biopsias do epitélio esoágico f após doses altas de inibição de bomba de prótons, dadas durante no mínimo 4 semanas, são necessárias para o diagnóstico. Caracteristicamente, há mais de 15 ou 20 eosinófilos/CAD. Dada a propensão de esofagite eosinofílica afetar o esôfago proximal, as biopsias devem ser realizadas em todo o comprimento do esôfago. Além disso, um número mínimo de cinco biopsias tem sido sugerido como forma de reduzir os erros de amostragem. É interessante tam bém realizar biopsias da mucosa do estômago e duodeno, que estão normais na EE, afastando assim a possibilidade de uma doença eosinofílica mais extensa. .,.. pHMETRIA ESOFÁGICA. Vários estudos têm demonstrado que pacientes com esofagite eosinoffiica geralmente apresentam monitoramento do pH esofágico normal. Portanto, a presença de esofagite grave, intratável, que se encontra após o bloqueio de ácido agressivo, na presença de uma pHrnetria normal, é virtualmente diagnóstico de esofagite eosinoffiica. O mais im portante é que o monitoramento do pH normal praticamente elimina a DRGE como uma etiologia da esofagite refratária. Nos últimos anos, entretanto, tornou-se evidente que há pacientes com esofagite eosinoffiica que apresentam refluxo gastresofá gico subjacente. Este achado pode explicar por que alguns pa cientes podem ter uma resposta parcial após o uso de IBP. .,.. MANOMETRIA ESOFÁGICA. A fisiopatologia da disfagia associada à esofagite eosinofílica não é bem compreendida. Muitos estudos, utilizando manometria estacionária, demons traram peristaltismo normal na maior parte dos casos. Algu mas séries descrevem a ocorrência de contrações terciárias, aperistalse, contrações simultâneas, espasmo difuso e esôfago em quebra-nozes. Quando se empregou manometria de 24 h, diversos estudos demonstraram um percentual significativa mente maior de peristaltismo ineficaz, de contrações de alta amplitude (> 180 mmHg) e contrações isoladas em relação aos controles. A observação mais importante dos estudos é que a atividade peristáltica esofágica anormal estava correlacionada com momentos de disfagia. Assim, é possível que o caráter in termitente da disfagia possa, de fato, estar associado a alterações motoras do esôfago. .,.. ECOGRAFIA ENDOSCÓPICA. Como os sintomas da doença sugerem disfunção motora e, em geral, as biopsias permitem apenas amostras da mucosa superficial, o ultrassom endoscó pico (EUS) pode ser utilizado para determinar se a inflamação do esôfago se estende para além da mucosa.
• Tratamento Após o diagnóstico, todos os esforços devem ser feitos para idenificar t os alimentos que estão associados a sintomas e infil tração eosinofílica. Nos pacientes com EE por atopia, devem se evitar alimentos e/ou aeroalergênios identificados nos tes tes alérgicos. Embora este ipo t de dieta melhore os sintomas e seja capaz de reduzir o número de eosinófilos em biopsias da mucosa eso f ágica de pacientes com EE, muitas vezes esta medida é insatis fatória. A identificação destes alimentos, por vezes, é dificil e os pacientes, com frequência, não conseguem correlacionar seus sintomas com a ingestão de alimento específico. Isso ocorre porque a antigenicidade na EE está ligada a uma resposta de hipersensibilidade retardada ou mista. A recorrência dos sin tomas após a ingestão de antígenos que causam a EE pode le var vários dias, ou até semanas, para o seu surgimento. Assim, apenas a adoção de uma dieta restritiva pode não ser medida terapêutica suficiente para a remissão da doença. Muitas vezes, é recomendada uma consulta a um alergista para realização de testes cutâneos e RAST. Nos casos em que
se identifica um alimento alergênio, este deve ser eliminado da dieta. Se a restrição alimentar não melhorar os sintomas, pode-se indicar a ingestão exclusiva de uma fórmula baseada em aminoácidos que tem se mostrado eficaz tanto na melhora
dos sintomas como na redução da infiltração eosinofi1ica. Di versos autores sugerem que a dieta elementar deva ser usada durante 4 semanas, seguida pela adição de grupos de alimentos individuais a cada 5 a 7 dias. Estão enumeradas adiante as linhas gerais da orientação die tética para os pacientes portadores de EE, e a conduta na rein trodução dos alimentos é sugerida no Quadro 25.1.
1. Remover os alimentos agressores conforme testes alérgicos ou história clínica. a. Opção alternativa: se nenhum alimento for identificado, remover os que mais provavelmente apresentarem aler gênios (leite, soja, ovo, trigo, noz). 2. Repetir biopsia da mucosa esofágica em 4 a 6 semanas. i iciar dieta elementar. a. Se a biopsia for anormal, n b. Se a biopsia for normal, reintroduzir os alimentos (um por vez) a cada 5 a 7 dias. c. Se os sintomas recorrerem, retirar o alimento; caso con trário, acrescentar 2 ou 3 alimentos. d. Na ausência de sintomas, a repetição da biopsia é neces sária para documentar a continuação da resolução da doença. e. Repetir biopsias endoscópicas da mucosa esoágica, f depois de 4 semanas, para evidenciar resolução da doença. f. Após resolução, reintroduzir um novo alimento cada 5 a 7 dias (Quadro 25.2). g. Se os sintomas não se desenvolverem, repetir biopsias endoscópicas após a reintrodução dos grupos de cinco alimentos. h. Se houver recorrência da presença de eosinófilos na biop sia, remover o último alimento introduzido. Sempre que possível, deve ser indicado também o acom panhamento de um nutricionista para garantir que a relação calórica, de proteínas e de micronutrientes seja adequada. A nutrição enteral pode ser necessária em casos muito compli cados e graves da doença. Os corticosteroides inibem a síntese e secreção de citoci nas que influenciam a diferenciação de crescimento e ativação de eosinófilos. Os pacientes que não respondem apenas com o tratamento dietético ou aqueles que não toleraram a restri ção alimentar podem se beneficiar com o uso de corticosteroi des sistêmicos ou tópicos. É recomendado o uso do corticoide VO para os pacientes que apresentam quadros mais graves, principalmente quando existe disfagia importante. Na maioria das vezes, indica-se a metilprednisolona na dose de 1,5 mg/kg, 2 vezes/dia, por um período de 4 semanas, seguindo-se então a redução da dosagem de forma gradual, durante um período médio de 6 semanas, até a sua suspensão total. Com o objetivo de se evitarem os efeitos colaterais que re sultam do uso crônico de corticoide sistêmico, a maioria dos pacientes pode ser tratada com corticoide de uso tópico, sendo o dipropionato de fluticasona o mais uilizado. t Dessa forma, o corticoide é administrado na forma de aerossol pela VO, sendo o paciente orientado a não utilizar o espaçador para a realização dos puffs da fluticasona e, ainda, deglutir o medicamento para promover a sua deposição na mucosa esofágica. A dose pode variar conforme a gravidade do caso e o nível de resposta do paciente. Tem sido sugerido o uso de dois puffs de fluticasona, 2 vezes/dia, durante um período de 6 semanas.
Capítulo 25 I Doenças Eosinoílicas f do Aparelho Digestivo
233
·------Quadro 25.2 Reintrodução dos alimentos em pacientes com EE
-------
A
B
c
D
Vegetais (não leguminosos)
Frutas cítricas
legumes
Milho
Cenoura, abóbora, batata-doce, batata, vagem, brócolis, alface
laranja, grapefruit, limão, lima
Feijão-de-lima, grão-de-bico, feijão branco/preto/vermelho
Frutas (não cítricas, não tropicais)
Frutas tropicais
Grãos
Ervilha
Melões
Carnes
Amendoim
Bagas
Peixe/crustáceos
Trigo
Tree nuts Amêndoa, noz, avelã, castanha-do-pará, noz-pecá
Carne de vaca
Maçã, pera, pêssego, ameixa, damasco
Banana, kiwi, abacaxi, manga, papaia, goiaba, abacate Cantaloupo, melancia
Arroz, avelã, cevada, centeio
Cordeiro, frango, peru, porco
Morango, amora, framboesa, cereja
Soja Ovo leite Cada novo alimento deve ser introduzido a cada 5 dias, começando com os alimentos da coluna A. Quando vários alimentos da coluna A foram introduzidos, alimentos da coluna B podem ser introduzidos da mesma maneira, progredindo para os alimentos das colunas C e D. Alimentos com conhecida sensibilidade devem ser evitados. Adaptado de Domingues, GRS, Domingues, AGL.J. Bras. Gastroenterol., 2006.
Este tratamento é particularmente atraente porque apenas 1% da droga é absorvida sistemicamente e sofre rápida trans formação hepática. O principal efeito colateral é a infecção por Cândida oral ou esofágica. Os pacientes devem ser instruídos a evitar alimentos ou líquidos por um período de 30 min após a administração da fluticasona e a lavar a cavidade oral para diminuir o risco da candidíase. O montelucaste é um antagonista seletivo que bloqueia o receptor D4 de leucotrienos presente nos eosinófilos, comu mente utilizado em pacientes com asma. Devido ao importante papel dos leucotrienos no recrutamento e perpetuação dos eo sinófilos na mucosa esofágica e contração da musculatura lisa, esse medicamento oferece uma nova alternativa ao tratamento medicamentoso da EE, sobretudo para aqueles que apresentam sintomas recidivantes e necessitam de uso crônico de corticoide. A dose habitual é de 30 mg/dia e os efeitos colaterais mais fre quentes com essa droga são mialgia e náuseas. Embora a droga não diminua o número de eosinófilos na mucosa esofágica, tem se mostrado capaz de reduzir a resposta inflamatória e, em al guns estudos, foi demonstrada indução da melhora sintomática e redução da necessidade da prescrição do corticoide sistêmico. Resultados de estudos randomizados, controlados por placebo, com maior número de casos, são aguardados para conclusões definitivas sobre o real papel deste medicamento na EE. Outra droga com grande potencial terapêutico é o mepoli zumabe, um anticorpo monoclonal humanizado contra a in terleucina-5, uma citocina que regula vários processos associa dos ao eosinófilo. Estudos preliminares bem controlados têm demonstrado bons resultados. Dilatação do esôfago e remoção endoscópica de alimentos podem ser necessárias em alguns pacientes com esofagite eo sinofílica. A dilatação deve ser conservadora, dado o risco de laceração e mesmo de perfuração. É recomendado que a dilata ção seja realizada n i icialmente com sondas de pequeno calibre, com revisão endoscópica do procedimento a cada mudança de calibre das sondas. Outra preocupação nos pacientes com EE se relaciona ao uso de propofol nos procedimentos endoscó-
picos. Em pacientes com reconhecida alergia ao ovo, este fár maco deve ser evitado. • Gastrenterite eosinofl1ica • Introdução A gastrenterite eosinofílica (GE) é uma doença pouco co mum, de causa desconhecida, caracterizada por infiltração eo sinofílica de camadas da parede gastrintestinal e, comumente, acompanhada por eosinofilia no sangue periférico. Muito pou co se sabe sobre essa doença eosinofílica gastrintesinal t primária (DEGP), bem como acerca do número exato de eosinófilos ne cessários para diagnosticá-la, o que é difícil de ser estabelecido, pois, ao contrário do esôfago, os eosinófilos são componentes normais no restante do trato gastrintestinal. Gastrite eosinofí lica, enterite eosinofílica e gastrenterite eosinofílica represen tam um grupo heterogêneo de desordens que com frequência se sobrepõem e apresentam variável grau de envolvimento nas diferentes camadas do estômago e do intestino delgado. Tendo em conta essa apreciável sobreposição, a heterogeneidade e a falta de definição de critérios diagnósticos, o termo gastrenterite eosinofílica é usado para definir qualquer uma dessas afecções. Na gastrenterite eosinofílica, além de um aumento do número de eosinófilos na mucosa, ocorre também ativação de citocinas, incluindo IL-3, IL-5 e GM-CSF. Não existe prova definitiva de relação causa e efeito com al gum tipo de transtorno alérgico ou hiperimune, embora isso tenha sido demonstrado em alguns estudos. No estômago, a gastrenterite eosinofílica se apresenta muitas vezes como nó dulos difusos. Esse achado não deve ser confundido com o granuloma eosinofílico do estômago, também chamado de he mangiopericitoma, que é, ao contrário da doença eosinofi1ica, uma alteração bem localizada. • Anatomiapatológica A lesão fundamental é representada por extensa infiltração inflamatória das camadas do estômago e/ou intesino t delgado, com predominância de eosinófilos. Há espessamento da ca-
234 Capítulo 25 I Doenças Eosinofílicas do Aparelho Digestivo mada muscular, sobretudo do antro, por vezes do jejuno. Esse espessamento da muscular gástrica pode simular hipertrofia pilórica e ser responsável, em alguns casos, por obstrução piló rica. O processo tende a ser difuso, formando nódulos mucosos, que podem ulcerar. Nos casos de acomeimento t importante do
pró-inflamatórios, incluindo o aumento da regulação dos sis temas de adesão, a modulação do tráfico celular, os estados de ativação celular, a liberação de citocinas (IL-2, IL-4, IL-5, IL-10, IL-12, IL-13, IL-16, IL-18 e o fator de crescimento trans formador [TGF-alfa/beta]), quimiocinas (RANTES e eotaxin) e
intestino delgado, a diferenciação com doença de Crohn pode ser muito difícil, sobretudo em bases clínicas. Já foram descri tas infiltrações eosinofílicas no fígado, na vesícula, no cólon, no esôfago, no peritônio e em outros órgãos, incluindo o pulmão em alguns pacientes com GE. A microscopia, nota-se aumento do número de eosinófilos (geralmente, > 50 por CAD) na lâmina própria. Frequente mente, grande quantidade de eosinófilos também é vista nas
mediadores lipídicos (fator ativador de plaquetas e leucotrieno (C4)). Além disso, os eosinófilos podem servir como células efetoras importantes, induzindo a disfunção e dano tecidual, liberando proteínas tóxicas (proteína básica principal), proteí na catiônica eosinofílica, peroxidase eosinofílica, neurotoxina derivada de eosinófilos e mediadores lipídicos, que apresentam alta citotoxicidade. A atopia está presente em um subgrupo de pacientes, já ten
camadas muscular e serosa. A infiltração eosinofllica pode cau sar hiperplasia das criptas, necrose epitelial e atrofia vilositária. Infiltrados de mastócitos e hiperplasia eosinofílica de linfono dos mesentéricos podem estar presentes. Análise histológica pode revelar deposição extracelular da proteína básica principal (MBP) e da proteína catiônica eosinofílica (ECP).
do sido demonstrado aumento total de imunoglobulina E (IgE) a alimentos específicos, aos testes cutâneos e testes RAST (ra dioallergosorbent). Foi observado que as células T da lâmina própria do duodeno desses pacientes proliferaram em resposta a proteínas do leite e secretam citocinas Th2 (IL-13). Outros estudos sugerem também um possível mecanismo não media do pela IgE.
• Patogênese
• Apresentação clínica e diagnóstico
A patogênese da GE não é bem conhecida. Existem, no en tanto, inúmeras evidências favoráveis à etiologia imunológica ou alérgica, que compreendem: a) aumento de eosinófilos no sangue periférico e infiltração eosinofílica do trato gastrintesti nal; b) incidência relativamente elevada de transtornos alérgi cos nesses pacientes (rinite sazonal, asma, eczema e urticária); c) sintomatologia desencadeada por determinados alimentos; d) testes cutâneos para anticorpo sensibilizado de pele correla
Embora a doença seja encontrada especialmente na popula ção adulta, casos pediátricos já foram descritos. As apresenta ções clínicas dependem do local onde predomina a infiltração eosinofílica. .,.. PREDOMrNIO DE INFILTRAÇÃO MUCOSA. Estes pacientes relatam náuseas intermitentes ou vômitos, disfagia quando o esôfago também está acometido, dor abdominal ou lombar, in
cionam-se, comumente, com a sensibilidade ao alimento sus peito ngerido i pelo paciente; e e) melhora dos sintomas com corticoterapia. Contudo, contrariando esses achados, o ecze ma atópico raramente tem sido observado nesses casos e a eli minação dos alimentos suspeitos não melhora os sintomas, quando os pacientes são acompanhados por longos períodos. Além disso, em recente estudo de revisão, foi mostrado que, em mais de 50% dos casos de GE, não havia nenhum elemento
tolerância a determinados alimentos, diarreia e perda de peso. Pode haver sangramento gastrintestinal, enteropatia perdedora de proteínas e má absorção, de intensidade variável. Asma ou rinite alérgica tem sido observada em até 60% dos casos. O exa me físico não costuma ser florido, mas podem ser observados eczema atópico, urticária e edema nos membros nferiores. i Os exames laboratoriais podem demonstrar anemia ferropri va, eosinofilia no sangue periférico (20 a 80%), hipoalbumine
alérgico implicado. Em um trabalho clássico, foram sugeridos três mecanismos para explicar a infiltração eosinofílica do trato gastrintestinal em pacientes sintomáticos e com suposta alergia a alimentos. A origem parasitária foi aventada por terem sido observados casos de gastrite eosinofllica associados à infecção por Eustoma rotundatum, Entamoeba hystolitica e ao Strongyloides sterco
mia, redução nos níveis séricos de IgG, IgA e IgM, esteatorreia, absorção alterada de d-xilose, sangue nas fezes e perdas pro teicas intestinais, que podem ser aferidas através da dosagem de alfa-1 antitripsina em amostra de fezes de 24 h. Os valores totais da IgE sérica podem estar elevados. As provas inflama tórias estão normais ou pouco alteradas. O exame radiológico do intestino delgado se apresenta normal na maioria das vezes,
ralis, sobretudo nas regiões costeiras do Mar do Norte, Japão
podendo, ocasionalmente, demonstrar espessamento de pregas e edema da mucosa. A biopsia jejunal mostrará infiltração da mucosa por eosinófilos. O diagnóstico vai se basear, sobretudo, na biopsia gastrin testinal. Particular atenção deve ser dada aos seguintes itens: (1) determinação do número de eosinófilos; (2) localização dos eosinófilos, especialmente intraepiteliais e/ou nas criptas intes tinais; (3) presença de grânulos eosinofílicos extracelulares; (4)
Churg-Strauss. Nesses casos, estudos in vitro mostraram que a proteína catiônica do eosinófilo é tóxica para uma variedade de tecidos, responsáveis por lesão tissular, sugerindo que os eosinófilos tenham importante papel patológico na gastren terite eosinofílica. Pesquisas recentes demonstraram que, além dos eosinófilos, os linfócitos T helper 2 (Th2), citocinas (interleucina [IL]-3, IL-4, IL-5 e IL-13) e eotaxin são fundamentais na patogênese
anormalidades patológicas associadas; (5) ausência de outras doenças primárias (i.e., vasculites). O diagnóstico diferencial inclui, principalmente, doenças que produzem má absorção intestinal ou enteropatias perdedo ras de proteínas, doença de Crohn, poliarterite nodosa, síndro me hipereosinofllica (lembrar-se de esquistossomose aguda), além de algumas parasitoses.
da GE. Os eosinófilos funcionam como células apresentadoras de antígenos por meio da expressão do complexo de histocom patibilidade da classe II. Além disso, podem mediar os efeitos
Neste grupo, os pacientes se apresentam com espessamento e rigidez das paredes do estômago e/ou do intestino delgado, e quadro clínico mais típico é de obstrução pilórica ou do intes tino delgado. É comum dividir este tipo de anormalidade em
e Península Americana. Entretanto, é bastante provável que esses casos nada mais representem que uma reação a corpos estranhos ou que estejam relacionados com o granuloma eosi nofílico e não com a gastrenterite eosinofílica. Alguns autores demonstraram a presença de grande núme ro de eosinófilos ativados e desgranulados em pacientes com síndrome hipereosinofílica e em pacientes com a síndrome de
.,.. PREDOMrNIO DE ACOMETIMENTO DA CAMADA MUSCULAR.
Capítulo 25 I Doenças Eosinoílicas f doAparelho Digestivo 235 ------
T------
Quadro 25.3 Diagnósticos diferenciais de gastrenterite eosinofílica Doença celíaca Síndrome de Churg-Strauss Dermatomiosite Granuloma eosinofílico (histiocitose X) Câncer esofágico Unfoma esofágico Origem esofágica (?) Esofagite Alergias alimentares Câncer gástrico Estenose pilórica úI cera gástrica Gastrite aguda Gastrite crônica Gastrite por estresse
Gastrenterite bacteriana Gastrenterite viral Doença do refluxo gastresofágico Giardíase Doença inflamatória intestinal Distúrbios da motilidade intestinal Perfuração intestinal Unfoma não Hodgkin Má absorção Poliarterite nodosa Polimiosite Esclerodermia Estrongiloidíase Síndrome de Zollinger-EIIison Síndrome hipereosinofílica
Outras condições a serem consideradas: drogas (ácido acetilsalicílico (AAS), sulfonamidas, penicilina, cefalosporina, carba mazepina, azatioprina, L-triptofano, sais de ouro); parasitas (Ancylostoma caninum, estrongiloidose, outras zoonoses), enteropatia ao leite de vaca e afins; gastrite granulomatosa. •
•
•
Da mesma forma, para os pacientes que apresentam acome timento da camada muscular gastrintestinal e que podem evo luir com quadro de obstrução intestinal, tem sido recomendada corticoterapia em doses mais elevadas. Cirurgias de ressecção ou de bypass devem ser evitadas, uma vez que não impedem a recidiva da doença. A dieta com restrições muito rigorosas não tem sido indica da, já que os estudos mais recentes demonstram que a supressão alimentar confere apenas alívio temporário dos sintomas. O prognóstico da GE é favorável tanto para pacientes adultos como para pediátricos. A resposta aos corticoides é excelente, embora a doença tenha, como já foi descrito, uma natureza re corrente. Raros casos de complicações graves e morte têm sido descritos na literatura.
•
Doença eosinofmca gastrintestinal secundária
As doenças eosinofílicas gastrintestinais secundárias (DEGS) são doenças com reconhecida eosinofi.lia gastrintestinal secun dárias a diversas condições clínicas, incluindo DRGE, alergias alimentares, reações a drogas, infecção e infestação gastrintes tinal, doenças inflamatórias intestinais e neoplasias.
• DRGE
duas formas. Uma, chamada "monoentérica", em que o pro cesso encontra-se confinado ao antro e piloro. Outra, denomi nada "polientérica", em que há predomínio de infiltração eosi nofílica difusa, em lençol, na submucosa, camadas musculares e subserosa. Os exames complementares revelam eosinofi.lia no sangue periférico na grande maioria dos pacientes, anemia, hipoprotei nemia secundária à perda de proteínas no intestino, floculação do contraste radiológico, estreitamento concêntrico ou irregu lar do antro, e múltipos defeitos de enchimento no estômago distai (imagens polipoides). O diagnóstico diferencial inclui pólipos e tumores gástricos (adenocarcinoma ou linfossarco ma), pólipos gástricos, poliarterite nodosa, enterite regional e granuloma eosinofílico (Quadro 25.3). .,.. PREDOM[NJO DE INFILTRAÇÃO NA SUBSEROSA. Nos casos de n i filtração na subserosa, ascite é um achado frequente, ob servando-se eosinofilia acentuada no líquido ascítico. Pode-se identificar espessamento da serosa no intestino delgado com infiltração eosinofílica da subserosa. Frequentemente, há envol vimento do estômago e do intestino delgado. Derrame pleural já foi relatado. Finalmente, tem sido descrita uma forma combinada em que o paciente apresenta tanto ascite como obstrução intestinal.
• Tratamento Nas formas com infiltração mucosa ou subserosa da GE, o tratamento se faz de forma semelhante, sendo sugerido iniciar prednisona na dose de 5 a 10 mg/dia, ou 10 a 15 mg em dias al ternados. Nas fases de exacerbação aguda dos sintomas, a dose deverá ser maior, recomendando-se 20 a 40 mg!dia, durante 7 a 10 dias. Em casos muito graves, a duração do tratamento pode ser prolongada. Como a doença se manifesta de forma a terapêutica deverá ser repetida a cada agudiza ntermitente, i ção clínica. O uso de corticosteroides tópicos como fluticazona e budesonida tem apresentado bons resultados. Outras drogas que foram usadas com bons resultados incluem cromoglicato de sódio e montelucaste.
Pacientes com DRGE podem apresentar um ligeiro aumento de eosinófilos na mucosa do esôfago. Esta infiltração eosino fílica pode representar uma resposta normal à lesão tecidual. Um aumento no número de eosinófilos tem sido observado em até 50% dos pacientes com esofagite. O número de eosinó filos se correlaciona com a gravidade da doença avaliada tanto por endoscopia como por anormalidades na pHmetria, mas em geral é menor do que nos casos de EE. A presença de anéis e de fissuras do esôfago observadas à endoscopia, bem como a formação de microabscessos eosinofílicos e a expressão au mentada da eotaxin-3 (CCL26) sugerem o diagnóstico de EE e não de DRGE.
• Alergias alimentares As alergias alimentares, m i unologicamente relacionadas, podem ser subdivididas em dependentes ou independentes da IgE. Pacientes com alergia alimentar 1gB-dependente apresen tam reação de hipersensibilidade m i ediata. Os anticorpos IgE apresentam alta afinidade aos alergênios alimentares específi cos, o que desencadeia a degranulação de mastócitos e a acumu lação de eosinófi.los ativados, basófilos, células T e citocinas na mucosa intestinal. Além disso, este processo alérgico é capaz de reativar células T CD4+ presentes no sangue periférico e na mucosa intestinal. Estas células T não apenas ativam eosinófi.los e mastócitos, mas também estimulam a secreção de citocinas, incluindo IL-4, IL-5 e IL-13. Estima-se que alergias alimentares possam ocorrer em cerca de 1 a 2% da população, considerando os testes sorológicos de medição de IgE alergênio-específicos. Os alergênios alimentares mais comuns incluem leite de vaca, amendoim, nozes, ovos de galinha, mariscos e peixes. Na alergia alimentar 1gB-dependente, o espectro clínico e a gravidade da doença são extremamente variáveis, desde sin tomas leves e transitórios até manifestações sistêmicas graves, incluindo anafi.laxia e choque. As alergias alimentares independentes de IgE se originam a partir de respostas imunes mediadas predominantemente por células. A doença celíaca é um exemplo de uma resposta media da por células contra um antígeno alimentar, independente de IgE. Na doença celíaca, células CD4+ TH são nadequadamente i
236 Capítulo 25 I Doenças Eosinofílicas do Aparelho Digestivo ativadas após a exposição ao glúten, o que resulta na elaboração de dtocinas Thl, incluindo a interferona. Outras reações media das por células são dirigidas contra a ingestão de proteínas na dieta, particularmente do leite, resultando na n i flamação eosi nofilica do TGI, proporcionando o surgimento da enterocolite e proctocolite eosinofílica. Estas doenças ocorrem geralmente em crianças e estão relacionadas com infiltração linfocítica da mucosa que, em resposta ao antígeno, secreta citocinas. Essas doenças têm um mecanismo de ação semelhante ao da doença celíaca e podem ser evitadas retirando-se a proteína específica da dieta. • Infecção e n i kstação gastrintestinal Os eosinófilos são considerados células efetoras importan tes na defesa do hospedeiro contra infestação por helmintos, e é frequente, nesses casos, o achado de eosinofilia periférica e tecidual. Os eosinófilos também possuem propriedades antibacteria nas que no TGI têm fundamental importãnda para a manuten ção da homeostase intestinal epitelial. Essas células produzem substâncias que são tóxicas tanto para bactérias gram-positivas como para gram-negativas. Os eosinófilos da lâmina própria gastrintestinal são rapidamente ativados, o que leva a uma rápi da resposta contra quaisquer microrganismos ou antígenos lu minais capazes de romper a camada epitelial intestinal. Apesar dessas interessantes observações, eosinofilia gastrintestinal não é comum após infecções virais, bacterianas e fúngicas. Algumas exceções incluem micobactérias, Isospora belli, Sarcocystis coc cidiomycosis, Dientamoebafragilis e HIV. • Doenças inflamatórias intestinais Em pacientes com doenças inflamatórias intestinais (DII), os neutrófilos são predominantes; contudo, eosinófilos ativados na lâmina própria da mucosa também estão presentes. O exato papel da presença dos eosinófilos na DII ainda é controverso. Especula-se que estas células realizem um pa pel de regulação do processo nflamatório i ou mesmo funções de reparação tecidual. Em pacientes com retocolite ulcerativa (RCUI), um número maior de eosinófilos na mucosa do intes tino associou-se a um curso clínico menos agressivo e a uma resposta favorável ao tratamento clínico. Há também evidências de aumento da ativação dos eosinófilos na lâmina própria em pacientes com RCUI durante as fases inativas da doença, suge rindo que essas células possam estar envolvidas na reparação do epitélio após a lesão inflamatória. Em resposta aos danos do epitélio intestinal, eosinófilos também secretam TGF-J3, uma citocina que promove o reparo do tecido e suprime a inflama ção intestinal. Eosinófilos e mastócitos também são capazes de n i fluenciar a fibrogênese, por meio da regulação da função de fibroblastos intestinais. Por meio deste mecanismo, essas células possivel mente exercem papel relevante na formação de estenoses na doença de Crohn. • Síndrome hipereosinofílica A síndrome hipereosinofílica (SHE) compreende um grupo heterogêneo de doenças que se caracterizam por apresentar um número excessivo de eosinófilos, tanto na circulação como nos tecidos, resultando em disfunção orgânica. A SHE é observa da, eventualmente, em pacientes com desordens mieloprolife rativas, mas, na maioria das vezes, a sua etiologia permanece indefinida. O comprometimento do trato gastrintestinal é comum, e cerca de 20% dos pacientes apresentam quadro de diarreia. A
SHE é uma causa bem reconhecida de gastrite, gastrenterite e colite eosinofílicas, mas, ao contrário das DEGP, observa-se infiltração eosinofílica também em outros órgãos, incluindo o coração, a pele e os nervos periféricos. • Doenças do tecido conjuntivo Eosinofilia na mucosa gastrintestinal é uma característica conhecida da vasculite sistêmica, particularmente da síndrome de Churg-Strauss. Nesta afecção, o comprometimento do trato gastrintestinal indica um prognóstico ruim, estando associado a complicações significativas, tais como: ulceração intestinal, isquemia, perfuração e hemorragia. • Dispepsia funcional Um estudo populacional realizado na Suécia, envolvendo mais de 1.000 pacientes, demonstrou a presença de um número significativamente maior de eosinófilos na mucosa duodenal de pacientes portadores de dispepsia funcional comparados a controles assintomáticos. Estes eosinófilos apresentavam de granulação, o que é indicativo de ativação. O grau de infiltra ção eosinofílica se correlacionou com o sintoma de saciedade precoce. Em estudo realizado no nosso meio, observamos um maior número de eosinófilos na segunda porção duodenal de pacien tes dispépticos funcionais, quando comparados a um grupo controle. Achados similares foram observados em crianças com sintomas dispépticos. Aumento do número de eosinófilos na mucosa também foi documentado em crianças com obstrução intestinal funcional. As drogas que antagonizam o eixo de eosinófilos-mastócitos, como anti-histamínicos, cromoglicato e os antagonistas dos receptores dos leucotrienos, apresentaram efeitos terapêuticos nessa população pediátrica com dispepsia funcional. Estes estudos têm estimulado considerável interesse na possibilidade de que os eosinófilos sejam células efetoras im portantes, em um subgrupo de pacientes diagnosticados hoje como portadores de dispepsia funcional. A replicação destes estudos, principalmente em adultos, é aguardada com grande expectativa.
•
LEITURA RECOMENDADA
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Outras Doenças do Duodeno Luciana Diniz Silva e Penélope Lacrísio dos Reis Menta
•
INTRODUÇÃO O duodeno (derivação latina do grego dodekadaktulon, parte
plasmócitos na lâmina própria é maior no bulbo duodenal em
comparação a outras regiões do intestino delgado. Focos de metaplasia gástrica normalmente podem recobrir porções da
do intestino com doze dedos de extensão) é um órgão quase todo retroperitoneal e com mobilidade restrita. Inicia-se na al tura da primeira vértebra lombar e pode ser dividido em quatro
superfície mucosa do bulbo duodenal.
porção ou descendente (lO a 11 em), terceira porção ou trans versa (8 a 9 em) e quarta porção ou ascendente (7 a 1 0 em).
•
porções: primeira porção ou bulbo duodenal (5 em), segunda
No duodeno, desembocam o colédoco e os canais excretores
pancreáticos. Dessa maneira, distingue-se do restante do in testino delgado tanto do ponto de vista anatômico como do funcional e cirúrgico.
O bulbo duodenal normal é uma estrutura triangular peque na com 3 a 7 em de comprimento e 2 a 3 em de largura, que conecta o antro gástrico ao duodeno descendente. O relevo mu coso do bulbo não apresenta pregas de Kerckring, característica que o diferencia das outras porções do duodeno. Sua superfície mucosa é relativamente lisa e com fino relevo vilositário do tipo reticular, ocasionalmente com pregas longitudinais paralelas, ou mesmo circulares cruzadas, que se desfazem facilmente com a insuflação de ar. O ápice é representado pela ponta do bulbo, onde se nota uma prega transversal, denominada angulus, a par
DEFESA DA MUCOSA GASTRODUODENAL O epitélio gástrico é constantemente agredido porvários fa
tores nocivos, inclusive está em contato com o ácido clorídrico e pepsinogênio/pepsina presentes no lúmen do estômago. Ain da, outros fatores se associam à lesão da mucosa gástrica, como
a infecção pelo Helicobacterpylori e a exposição a substâncias agressivas, como o etano! e os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Assim, vários mecanismos entram em funcionamen to com o objetivo de proteger a mucosa gástrica. Entre eles, destaca-se a camada de muco composta de água, mucinas, bi carbonato e peptfdios da familia trefoil (TFF) que reveste toda a mucosa gástrica. Os últimos abrangem três membros: TFFl, também denominado pS2, TFF2 ou spasmolytic peptide (SP/ TFF2), e TFF3 ou intestinal trefoilfactor (ITF). Esses peptídios
tir da qual começa a porção correspondente ao ângulo duodenal
são secretados em condições fisiológicas pelas células mucosas e são responsáveis pela manutenção da integridade do epitélio,
superior, ou flexura superior do duodeno, com as pregas circu lares de Kerckring. Na porção descendente, ou segunda porção duodenal, observa-se também mucosa aveludada de coloração
trientes, enquanto remove toxinas, e as junções intraepiteliais
alaranjada e pregas circulares. Na linha que delimita a parede posterior e mediai da porção duodenal descendente, é identi
ficada uma saliência da mucosa, cuja extremidade inferior, em relevo, representa a papila duodenal maior. Acima da papila duodenal maior, encontra-se outro relevo que corresponde à
papila duodenal menor. A histologia, o duodeno proximal (bulbo duodenal e por ção descendente do duodeno) também difere do restante do intestino delgado. Em indivíduos saudáveis, sem queixas em relação ao trato gastrintestinal, o exame histológico pode re
velar vilosidades com formas alteradas, ou ausentes, especial
mente nas áreas em que as glândulas submucosas de Brunner atravessam a muscular da mucosa para desembocarem junto ao lúmen das criptas de Liberkühn. O número de linfócitos e
238
especialmente o que reveste o trato gastrintestinaL Em adição, a microcirculação da submucosa, que fornece oxigênio e nu gástricas impermeáveis promovem outras linhas de defesa da mucosa gástrica.
No duodeno, a defesa da mucosa é amplamente atribuída à secreção de bicarbonato. Essa secreção envolve a troca apical de ânions Cl-/HCO;, que é mediada pelo gene regulador da
condução transmembrana da fibrose cística (CTRF). Além deste
aspecto, peptídios da família trefoil (TFF), especialmente o SP/
TFF2 que estão localizados nas glândulas de Brunner, interagem com as mucinas e facilitam a polimerização e a estabilidade do muco. Essa propriedade favorece a proteção da mucosa contra as agressões bacteriana, viral e medicamentosa e em doenças inflamatórias que interferem com a integridade do epitélio. Em conjunto, os TFF também participam na reconstituição e regeneração da mucosa.
Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 239 •
•
DUODENITES
Konorev et al. (2003) propõem uma sistematização baseada nos achados histológicos (achados específicos, inespecíficos e grau
Duodenite aguda
de gravidade), endoscópicos (quanto a localização e caracte rização) e etiológicos (ácido-dependente, droga-dependente, tóxica e idiopática). Do ponto de vista histológico, a duodenite crônica pode ser dividida em duas formas principais: primá
A duodenite aguda, à semelhança da gastrite aguda, é carac terizada por lesões erosivas e hemorrágicas, planas ou elevadas, associada aos seguintes fatores etiológicos: álcool, salicilatos, AINEs, estresse, especialmente após cirurgias de grande porte e nas unidades de tratamento intensivo. A duodenite aguda é identificada com relativa frequência em exames endoscópicos. Em geral, observa-se enantema da mucosa duodenal, que pode ser difuso ou focal e de intensidade variável, com ou sem achado similar na mucosa do estômago. Outras vezes, encontram-se erosões que podem ser numero sas e acometer não só a mucosa do bulbo duodenal, mas tam bém a da porção correspondente ao ângulo duodenal superior e, mais raramente, a da porção descendente do duodeno. O diagnóstico da duodenite aguda não pode ser feito somente pela aparência endoscópica do bulbo duodenal. A análise his tológica será necessária para documentar essa condição. Como dito anteriormente, nos indivíduos saudáveis, identifica-se uma celularidade aumentada na lâmina própria do bulbo duodenal, constituída principalmente por linfócitos e plasmócitos. Base ado nesse achado, para o diagnóstico histológico da duodenite são necessários indícios de lesão aguda do epitélio, em geral na forma de infiltrado neutrofílico das criptas ou da superfície epitelial. As lesões agudas da mucosa gastroduodenal podem assumir os seguintes aspectos: erosões ou úlceras agudas, ca racterizadas por pequenas soluções de continuidade da mu cosa, superficiais, lineares, arredondadas ou irregulares, ge ralmente múltiplas, não ultrapassando a muscular da mucosa; hemorrágicas, sob a forma de petéquias, sufusões, equimoses ou sangramento difuso de grandes extensões da mucosa, não associadas a lesões anatômicas evidentes. Esses achados podem repetir-se na duodenite crônica; assim a anamnese com ênfase na ingestão de medicamentos ou bebidas alcoólicas, o aspecto macroscópico das lesões aiados l aos achados histológicos são dados necessários para a determinação da cronologia do pro cesso inflamatório. Aproximadamente 50% dos pacientes que estão em uso de AINEs apresentam sintomas dispépticos que podem se associar a lesões da mucosa gastroduodenal. Dentre os fatores de risco implicados nessas lesões, destacam-se idade superior a 70 anos, história clínica e familiar de doença ulcerosa péptica, uso de AINEs s i oladamente ou em associação aos corticosteroides ou anticoagulantes e administração de doses elevadas de AINEs. Ainda, a infecção pelo H. pylori pode ser considerada como um fator aditivo para a lesão da mucosa gastroduodenal. Os inibidores de bomba protônica (IBP) e os antagonistas dos receptores H2, na dose de 20 a 40 mg, a cada 24 h, e 150 a 300 mg, a cada 12 h, respectivamente, são os medicamen tos de escolha para o tratamento das lesões duodenais agudas. Entretanto, a maioria dos estudos demonstra superioridade dos IBPs (20 ou 40 mg/dia) em relação aos antagonistas dos receptores H2 (150 mg 2 vezes/dia) na cicatrização de erosões ou úlceras gastroduodenais, quando administrados por um período de 4 a 8 semanas.
•
Duodenite crônica O duodeno, como o estômago, está sujeito a uma variedade
de condições inflamatórias crônicas. Apesar de não existir um consenso geral em relação à classificação da duodenite crônica,
ria ou duodenite não específica, a qual permanece restrita ao bulbo duodenal e à primeira porção do duodeno, e duodenite t associa-se a várias condições, secundária ou específica. A úlima como a doença de Crohn, sarcoidose, ingestão prolongada de ácido aceilsalicíl t ico e situações de estresse. Assim, a correlação entre achados clínicos, endoscópicos e histológicos permitirá a identificação de diferentes situações clínicas, como a doença péptica do duodeno, a doença de Crohn, a doença celíaca e as parasitoses duodenais. Outras enteropatias difusas, como doen ça de Whipple, amiloidose, mastocitose, gastrenterite eosinofí lica e linfangiectasias intestinais (doença de Waldmann), tam bém podem causar alterações do duodeno.
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Metaplasia e heterotopia gástrica no duodeno e hiperplasia das glândulas duodenais A metaplasia gástrica da mucosa duodenal resulta da trans
formação do epitélio colunar absortivo das vilosidades duode nais em outro tipo de cé l ulas adultas, semelhantes às presentes no antro gástrico, mais resistentes à secreção hiperácida do estô mago. Esse fenômeno pode ser interpretado como uma resposta de defesa à exposição ácida frequente e prolongada. A forma mais comum de metaplasia gástrica é a metaplasia de células gástricas mucosas, com a substituição do epitélio absortivo do duodeno pelo epitélio gástrico tipo mucoso secretor. A metaplasia gástrica é encontrada mais frequentemente em pacientes com úlcera duodenal, do sexo masculino e tabagistas. Tem sido reproduzida experimentalmente em cães e gatos atra vés da exposição do intestino delgado, ou do duodeno, a uma secreção hiperácida e é também observada em pacientes com a síndrome de Zollinger-Ellison. Entretanto, pode ser identi ficada em pacientes com dispepsia não ulcerosa, assim como em indivíduos saudáveis. A presença de metaplasia gástrica foi verificada em um ou mais locais no duodeno, em um estudo que envolveu voluntários saudáveis submetidos à endoscopia. A metaplasia gástrica duodenal ocorre quase que invariavelmente em associação com processo inflamatório da mucosa duodenal (duodenite histológica) acompanhada ou não de hiperplasia das glândulas de Brunner. A metaplasia gástrica pode ser encontrada em qualquer parte do trato gastrintestinal do esôfago ao reto e também nas vias biliares e no pâncreas. Existem dois tipos de metaplasia gástri ca: superficial e heterotópica, que ainda pode ser subdividida em congênita e adquirida. A metaplasia gástrica superficial não apresenta células fúndicas e envolve somente a camada de cé lulas epiteliais. A metaplasia gástrica heterotópica é composta por células parietais e principais funcionantes que se apresen tam macroscopicamente como ilhotas elevadas de mucosa di ferente da duodenal, isoladas ou agrupadas. O tecido gástrico heterotópico bem estruturado, descrito por James et al. (1964), é provavelmente de origem congênita e pode ser identificado no duodeno em aproximadamente 2% da população geral. A metaplasia de cé l ulas epiteliais mucossecretoras superficiais, descrita por Taylor (1927), é adquirida durante a vida e, como dito anteriormente, é em geral encontrada em associação com a úlcera duodenal. As áreas de mucosa gástrica metaplasiada não são, habitualmente, observadas ao exame endoscópico de
240 Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno rotina. Contudo, com o uso da cromoscopia, especialmente pelo azul de metileno, é possível a identificação dessas áreas. Outro mecanismo adaptativo ao ambiente ácido nas porções mais proximais do duodeno é a hiperplasia das glândulas duo denais, mais conhecidas como glândulas de Brunner. Essas es truturas, que produzem secreção rica em bicarbonato, cujo pH varia entre 8,2 e 9,3, participam do mecanismo de neutralização do quimo e estabilização do pH do conteúdo duodenal. Geralmente, as glândulas de Brunner estão em maior nú mero no bulbo duodenal e duodeno proximal e tornam-se es cassas no duodeno distal. A hiperplasia glandular ocorrerá na presença de hipersecreção gástrica e duodenite péptica. A en doscopia, observa-se aparência nodular, principalmente da mu cosa do bulbo e, menos frequentemente, naquela do duodeno pós-bulbar. Os nódulos apresentam-se únicos ou múltiplos, arredondados ou alongados, com diâmetro que varia entre 0,5 e 1,5 em. A histologia, a hiperplasia das glândulas de Brunner é caracterizada por aumento do número e do tamanho dos ácinos glandulares presentes na porção basal da mucosa do duodeno (Figura 26.1). A síndrome de Zollinger-Ellison e a insuficiên cia renal crônica são exemplos de condições clínicas em que se verifica a proliferação das glândulas duodenais. •
Duodenite péptica
A duodenite péptica está associada à exposição crônica da mucosa do duodeno à hipersecreção ácida gástrica. As mo dificações adaptativas da mucosa duodenal à hiperacidez são caracterizadas por graus variáveis de inflamação crônica e agu da, em geral acompanhadas por metaplasia gástrica e hiperpla sia das glândulas de Brunner. Ao exame anatomopatológico, a duodenite péptica é caracterizada pela presença de n i filtrado inflamatório constituído predominantemente por neutrófilos, mais acentuado nas regiões em que se observa erosão da muco sa. Ocasionalmente, pólipos inflamatórios hiperplásicos, com postos por epitélio metaplásico gástrico e glandular também podem ser identificados. A associação entre duodenite e úlcera duodenal está relacio nada com a hiperacidez gástrica e admite-se que a duodenite péptica preceda o aparecimento da úlcera duodenal. O H. pylori aparece como um fator importante associado à duodenite e à
Figura 26.1 Aspecto histológico da hiperplasia das glândulas duo denais (gentilmente cedida pela Dra. Lúcia Porto Fonseca de Castro). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
extensão das áreas de metaplasia gástrica do duodeno. Nos se res humanos, a bactéria não é encontrada na mucosa duodenal, mas, apenas e exclusivamente, em células da mucosa gástrica. A colonização do duodeno ocorrerá somente nas áreas de epitélio metaplásico, composto por células epiteliais mucossecretoras, o que provavelmente reflete a presença de uma adesina locali zada na superfície apical desse tipo de célula. Foi demonstrado, através da coleta de dois fragmentos de cada quadrante do bulbo duodenal, que pacientes com úlce ra duodenal n i fectados pelo H. pylori possuíam uma extensão das áreas de metaplasia gástrica quatro vezes maior quando comparados ao grupo controle, constituído por pacientes H. pylori-positivos assintomáticos. A densidade bacteriana e a frequência de cepas de H. pylori cagA-positivas também fo ram mais elevadas no duodeno dos pacientes ulcerosos. Em relação à análise histológica, a infiltração linfocítica (duode nite crônica) foi maior nos indivíduos com úlcera duodenal, e a infiltração de neutrófilos (duodenite ativa) foi somente veri ficada nos pacientes ulcerosos. Conclui-se que nessas regiões ocorre uma diminuição da resistência da mucosa, o que facilita a penetração e ação do suco gástrico e favorece a formação da úlcera péptica duodenal.
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DUODENITES PARASITÁRIAS
A OMS estimou, em 2001, que aproximadamente 2 bilhões de indivíduos no mundo estavam infectados por helmintos transmitidos pelas fezes. O significado em termos de saúde pública e o m i pacto econômico dessas infecções são difíceis de quantificar, embora a OMS tenha estimado que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo estejam n i fectadas por um ou poliparasitadas pelos seguintes agentes: Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Necator americanus e Ancylostoma duode nalis. No Brasil, as doenças intestinais causadas por parasitos ainda constituem um sério problema de saúde pública, apre sentando maior prevalência em populações de nível socioeco nômico baixo. Em determinadas regiões, encontra-se até 70% da população infectada, sobretudo crianças, que geralmente são poliparasitadas. Geralmente, as helmintíases intestinais interferem nas con dições nutricionais do hospedeiro e associam-se com atraso do crescimento e maior prejuízo do aprendizado escolar. En tretanto, na minoria de pacientes infectados, sintomas mais significativos podem ser identificados. Dentre eles, destacam se a enteropatia perdedora de proteína, a disenteria crônica, a anemia e o prolapso retal. Os protozoários que mais comumente infectam o trato gas trintestinal são Giardia spp., Entamoeba hystolitica, Cyclospora cayetanenensis e Cryptosporidium spp. A giardíase é considera da uma das infecções mais prevalentes no mundo. No período entre 1992 e 1997, foi verificado pelo CDC (Centersfor Disease Contrai and Prevention) que aproximadamente 2,5 milhões de indivíduos estavam infectados nos EUA. A OMS identificou, em 1997, que cerca de 50 milhões de indivíduos no mundo fo ram acometidos pela amebíase invasiva. O endoscopista, ao se deparar com qualquer processo infla matório no duodeno, deve colher sempre fragmentos de muco sa para análise histológica, bem como aspirar líquido duodenal para estudo parasitológico. Os parasitos mais frequentemen te relacionados com a duodenite são os seguintes: G. lamblia, Strongyloides stercoralis, A. lumbricoides, A. duodenale e Schis
tosoma mansoni.
Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 241 •
Duodenite por Strongyloides stercoralis
A estrongiloidíase acomete aproximadamente 30 a 100 mi lhões de pessoas no mundo e é endêmica no sul da Ásia, América Latina, África e no sudoeste dos EUA. No Brasil, a estrongiloidíase é encontrada em praticamente todo o territó rio nacional, chegando a comprometer 85% da população em certas regiões. É considerada urna afecção importante, pois, além da sua elevada frequência, pode causar quadros de evo lução grave e, às vezes, fatal. O agente etiológico, S. stercoralis, apresenta dois ciclos evo lutivos, denominados n i direto, ou de vida livre, e direto, ou partenogenético. No período de vida livre, as larvas rabditoides chegam ao meio exterior junto às fezes e, alcançando o solo, transformam-se em machos e fêmeas de vida livre. Essas formas realizam a cópula, e a fêmea n i icia a ovoposição. São produ zidos três tipos de ovos que, no solo, tornam-se embrionados e poderão dar origem a larvas rabditoides triploides (se trans formarão em larvas filarioides, infectantes); larvas rabditoides haploides (irão dar machos de vida livre); larvas rabditoides diploides (irão dar fêmeas de vida livre). No ciclo evolutivo di reto ou partenogenético, as larvas filarioides penetram na pele do hospedeiro, ganham a circulação sanguínea e chegam aos capilares pulmonares. Podem então ser expelidas junto com a expectoração ou ser deglutidas. A fêmea partogenética parasita o intestino delgado do homem, especialmente o duodeno e o jejuno, produzindo ovos que logo dão origem a larvas rabdi toides que saem dos ovos ainda dentro do lúmen intestinal e só depois são expulsas com as fezes. Em infecções graves, o verme pode ser encontrado no estômago e no reto. As alterações morfológicas da estrongiloidíase foram descri tas por De Paola, que as classificou em formas leve, moderada e grave. A forma leve é representada por enterite catarral, ca racterizada por congestão da mucosa, abundante secreção de muco e, às vezes, por hemorragia e microulcerações. A forma moderada mostra enterite edematosa, com espessamento da parede intestinal, tumefação de pregas e apagamento do relevo mucoso do delgado. Nas formas graves, encontra-se enterite ulcerada, com rigidez parietal consequente a edema e fibrose, além de atrofia da mucosa e formação de úlceras. Esse nematódeo possui a capacidade de replicar no hos pedeiro e causar, assim, ciclos de autoinfecção (penetração de larvas n i fectantes no interior do próprio n i testino ou da pele da região perianal), podendo ocasionar a perpetuação da infecção por período prolongado. As larvas infectantes do S. stercoralis na presença de imunossupressão natural ou indu zida, especialmente durante o uso de corticosteroides, podem invadir maciçamente a parede do intestino grosso e alcançar os pulmões (hiperinfecção) ou todo o organismo (estrongiloidía se disseminada). Os fatores de risco associados às formas dis seminadas estão relacionados com a alteração da imunidade celular. Terapias imunossupressoras (especialmente o uso de corticosteroides), transplantes de órgãos, doenças hematoló gicas malignas, n i fecção pelo vírus HTLV-I, desnutrição, dia betes melito, insuficiência renal crônica e consumo crônico de álcool são condições que favorecem a sua ocorrência em seres humanos. A infecção crônica pelo S. stercoralis pode ser clinicamente assintomática ou pode causar sintomas cutâneos, gastrintes tinais ou pulmonares. Como dito anteriormente, as manifes tações clínicas são relacionadas com a integridade do sistema imunológico do hospedeiro. Em relação ao acometimento do trato digestivo, observa-se sensação de plenitude gástrica pós prandial, pirose, diarreia e dores abdominais, principalmente
no epigástrio, que podem simular úlcera péptica duodenal ou cólica n i testinal. Alguns pacientes podem apresentar síndromes disabsortivas com esteatorreia. Os achados endoscópicos das lesões estão associados à gra vidade da parasitose. Nos casos leves, verificam-se edema dis creto, hiperemia e congestão da mucosa. Já nos casos graves, além desses achados, podem ocorrer friabilidade, sangramento, microulcerações, nodulações e desorganização do relevo muco so. A presença de ovos e larvas na intimidade da mucosa pode ser identificada através do exame histológico. Embora alguns estudos demonstrem que o exame do aspirado duodenal seja muito sensível, esse método invasivo de diagnóstico é reco mendado somente para crianças, em situações graves, como nos casos de imunossupressão acentuada. O método de Baermann-Moraes constitui técnica copro lógica por excelência para o diagnóstico da parasitose. A sen sibilidade desse teste varia de acordo com a quantidade de amostras de fezes examinadas, atingindo 100% quando sete amostras seriadas são analisadas. Adicionalmente, vários tes tes sorológicos têm sido empregados para o diagnóstico da estrongiloidíase. Dentre os métodos usados, destacam-se o ensaio imunoenzimático (ELISA), a imunofluorescência e o Western blot. Esses testes possuem sensibilidade e especificida de variáveis de acordo com o antígeno e os isótipos de imuno globulina usados e a população estudada. Recentemente, com o avanço das técnicas de biologia molecular, tem sido possível identificar S. stercoralis pela análise das sequências de DNA presentes nas fezes. A ivermectina (200 mcg/kg de peso corporal em dose úni ca) ou o albendazol (400 mg 1 vez/dia, por 3 dias) são con siderados os medicamentos de escolha para o tratamento da estrongiloidíase. Em um estudo em Zanzibar, na África, as dro gas anteriormente descritas foram comparadas e a taxa de erra dicação do S. stercoralis em 301 crianças tratadas foi de 82,9 e 45,0% com a ivermectina e o albendazol, respectivamente. •
Duodenite por Giardia Iomb/ia
A G. lamblia é um protozoário flagelado cosmopolita e sua prevalência independe de condições climáticas. O ciclo de vida da Giardia consiste em um cisto infectante e um trofozoíta mó vel. O cisto é oval ou elipsoide, medindo 12 1J.m de comprimento por 8 IJ.m de largura, e com parede de espessura que varia entre 0,3 e 0,5 IJ.m. A via de infecção no ser humano é por meio da n i gestão dos cistos. O trofozoíto tem formato de pera, com si metria bilateral, e mede 20 f.1m de comprimento por 1 O f.1m de largura e 1 a 2 f.1m de espessura. Possui dois núcleos situados na parte frontal do trofowíto e quatro flagelos que se originam de blefaroplastos situados entre os núcleos. O parasito tem como habitat natural no ser humano o duo deno e o jejuno proximal, podendo, eventualmente, ser encon trado na vesícula e nas vias biliares. Após a ingestão dos cistos pelo hospedeiro, considerados não infectantes, os trofowítos saem dos cistos no duodeno e podem ser encontrados livres no lúmen intestinal, aderidos às criptas duodenais e, ocasio nalmente, no interior da mucosa. A maioria dos pacientes adultos parasitados não apresenta sintomas importantes, porém casos de má absorção grave po dem ser identificados. Os fatores que contribuem para essa va riedade de manifestações clínicas incluem a virulência da cepa de Giardia, o número de cistos ingeridos, a idade e as condições do sistema m i unológico do hospedeiro no momento da infec ção. Patogenicamente, sua ação é mecânica, produzindo uma irritação considerável das microvilosidades, aderindo à super-
242 Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno fície da mucosa e formando um revestimento que interfere na absorção. É frequentemente encontrado em indivíduos com deficiência de IgA secretora, como nas disgamaglobulinemias com hiperplasia infoide l do intestino delgado. Nem sempre são evidenciadas alterações do ponto de vista endoscópico, sendo a mucosa, na maioria das vezes, aparente
dica. O exame endoscópico foi realizado em um período médio de 9,1 dias após o evento isquêmico, e as lesões mais comumen te detectadas foram úlcera duodenal, úlcera gástrica, gastrite e
mente normal. Porém, após um exame mais minucioso, obser va-se que as válvulas coniventes encontram-se espessadas em número razoável de pacientes. Nos pacientes com hipogama
produção diminuída de mucoproteínas e discinesia motora do estômago, que poderiam contribuir para o aparecimento das lesões do duodeno já foram identificadas.
globulinemia, entretanto, a mucosa pode mostrar numerosos nódulos, indicando a presença de hiperplasia nodular linfoide. O achado de pontilhado esbranquiçado da mucosa duodenal sugere o diagnóstico endoscópico de giardíase. Do ponto de vista histológico, as alterações da mucosa va riam de discretas a acentuadas, podendo causar enteropatia com lesão do enterócito, atrofia vilositária e hiperplasia das criptas. O achado mais expressivo é a infiltração aguda e focal das criptas intestinais, associado ao infiltrado de poimorfo l nu cleares na mucosa e lâmina própria. O exame de fezes frescas corados com iodo apresenta uma sensibilidade em torno de 50%, pois cistos e trofozoítos são eliminados de forma intermitente através das fezes. A análise do aspirado duodenal é outra forma de diagnóstico com sen sibilidade de 80%. Ainda, a pesquisa de G. lamblia nas fezes pode ser feita por meio de testes que empregam técnicas de imunoensaio (ELISA) e imunofluorescência, que apresentam sensibilidade e especificidade de 90 e 100%, respectivamente. Em adição aos testes que detectam antígenos nas fezes, tem sido possível identificar sequências do DNA de G. lamblia pre sentes nas fezes por meio de exames baseados em técnicas de biologia molecular. O tratamento da giardíase é feito com drogas do grupo dos nitroimidazóis, especialmente o metronidazol na dose de 250 a
500 mg, 3 vezes/dia, durante 5 a 7 dias, ou 2 g, diariamente, em dose única, por 3 dias e o tinidazol 2 g em dose única. Outras drogas como o albendazol e a nitazoxanida são também eficazes, mas devem ser administradas em doses múltiplas.
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LESÕES DUODENAIS AGUDAS EM PACIENTES COM INFARTO DO MIOCÁRDIO
esofagite. Geralmente, o dano da mucosa duodenal associa-se a anormalidades da microcirculação acompanhadas por isquemia e/ou hemorragia. Outras condições, como hiperacidez gástrica,
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OCLUSÃO DUODENAL ARTERIOMESENTÉRICA INTERMITENTE CRÕNICA
A síndrome da artéria mesentérica superior é uma condição pouco comum caracterizada por compressão extrínseca das pa redes do duodeno e suboclusão ao trânsito intestinal. A artéria mesentérica superior em geral forma um ângulo de aproxima damente 45° (faixa de 38° a 56°) com a aorta abdominal. Dis talmente à origem da artéria mesentérica superior, a terceira porção do duodeno cruza anteriormente a veia cava inferior e a aorta e permanece entre a artéria mesentérica superior e a aorta. Situações que determinem a redução do ângulo arteriomesen térico podem causar compressão do duodeno. Alguns fatores associados ao estreitamento desse ângulo podem ser citados: lordose lombar acentuada, visceroptoses, alterações anatômicas da artéria mesentérica superior e rápida perda de peso. A oclusão duodenal arteriomesentérica ntermitente i crô nica, também denominada Síndrome de Wilkie, acomete am bos os sexos com predomínio do sexo feminino. A faixa etária mais acometida é dos 1 O aos 30 anos. Os pacientes apresentam dor na metade superior do abdome, provocada pela estase e distensão duodenal, náuseas, vômitos alimentares e medo de alimentar-se. O emagrecimento pode provocar visceroptoses e o agravamento dessa condição. O alívio do desconforto epi gástrico é obtido com vômitos ou quando o paciente assume a posição de decúbito lateral direito ou genupeitoral. A croni cidade e a intermitência da sintomatologia digestiva agravam a irritabilidade emocional. A úlcera péptica, em aproximada mente 25% dos casos, pode coexistir com a oclusão duodenal arteriomesentérica.
A isquemia miocárdica mostra incidência, mortalidade e morbidade elevadas, podendo ser considerada um dos princi
O diagnóstico clínico é, em geral, difícil ou mesmo subesti mado. Através do estudo radiológico do estômago e duodeno, observa-se compressão extrínseca de orientação vertical entre a
pais problemas clínicos da atualidade. A hemorragia digestiva é também uma afecção grave que ameaça a vida, principalmente de pacientes idosos e com comorbidades. Vários estudos têm
terceira e a quarta porções duodenais e dilatação da segunda e da primeira porções do duodeno. A distensão da alça intestinal desaparece quando o paciente adota as posições descritas ante
demonstrado a presença de duodenite hemorrágica e necrose entérica em pacientes acometidos pelo infarto do miocárdio. A incidência de hematêmese e/ou melena após um evento de isquemia miocárdica não é bem determinada, porém existem vários fatores contributivos: insuficiência vascular associada ao choque e à insuficiência cardíaca; uso de medicamentos que poderiam lesar a mucosa gastroduodenal como os anti-inflama
riormente. A mensuração do ângulo arteriomesentérico pode ser realizada através da ultrassonografia e tomografia compu tadorizada do abdome. A maioria dos autores recomenda medidas conservadoras para o tratamento desses pacientes, incluindo, assim, nutri ção adequada, descompressão do trato gastrintestinal e posi cionamento adequado do n i divíduo no período pós-prandial
tórios não esteroides, anticoagulantes e trombolíticos. Khominskaia et al. ( 1991) estudaram as alterações histoquí micas e morfológicas da mucosa do estômago e duodeno de
(decúbito lateral esquerdo ou posição genupeitoral). Nos ca sos de desnutrição grave e vômito repetido, há necessidade de hospitalização para a correção dos distúrbios hidreletrolíticos
22 pacientes que faleceram devido à n i suficiência coronariana crônica. Foi observado que a mucosa gástrica e duodenal desses pacientes apresentava-se atrófica. Essa anormalidade da mucosa foi associada à vasoconstrição do território esplâncnico. Em um
e administração de dieta por sonda nasoentérica posicionada distalmente à obstrução ou através do uso da nutrição paren teral total. Raramente, recorre-se ao tratamento cirúrgico com anastomose jejunoduodenal. A lise do ligamento de Treitz e
estudo conduzido nos EUA, através da endoscopia digestiva alta foram avaliados 200 pacientes com quadro de isquemia miocár-
mobilização do duodeno por via laparoscópica também têm sido relatadas.
Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 243
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DIVERT(CULOS DUODENAIS
A doença diverticular do duodeno é identificada em apro ximadamente 2296 da população geral e em 0,016 a 5,296 dos pacientes submetidos a exames radiológicos do trato digesti vo superior. Os di vertículos são mais encontrados na segunda porção do duodeno; ocasionalmente, na terceira ou na quarta porções e, excepcionalmente, no bulbo duodenal. Em geral, são únicos, às vezes múltiplos, e de tamanho variado. Essas estru turas se formam por evaginação da mucosa através de pontos de menor resistência da parede intestinal Os divertículos são assintomá ticos em 90% dos pacientes, entretanto em 1096 dos casos estão associados aos sintomas de dor, distensão abdominal e hemorragia digestiva. Quando se encontram inflamados, configuram quadro de diverticulite e devem ser considerados no diagnóstico diferencial de abdome agudo. Quando grandes, podem provocar estase duodenal pela demora em seu esvaziamento e produzir desconforto epigástrico pós-prandial, ou sintomas que lembram a úlcera péptica e, mais raramente, sinais de suboclusão duodenal. Aproximadamente 70 a 75% dos divertículos duodenais são periampolares ou periva terianos e podem, ocasionalmente, complicar-se mecanicamente ou por processo inflamatório ou provocar doenças pancreáticas e biliares, inclusive icterícia do tipo obstrutivo. Os divertículos periampolares são frequentemente d i entificados em pacientes idosos submetidos à colangiopancreatografia endoscópica retró grada. O orificio da papila de Vater, observado através da duo denoscopia, pode estar localizado no colo ou mesmo na entrada do divertículo, o que dificulta sua cateterização. Não há indicação de tratamento de pacientes com divertí culos duodenais assintomáticos. As complicações são raras e a abordagem terapêutica deve ser individualizada. Na literatura, a mortalidade pós-operatória em cirurgias eletivas gira em torno de 8 a 1296 e pode atingir 20% em cirurgias de urgência.
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TUMORES DO DUODENO
Os tumores do intestino delgado são raros e representam 1 a 6% das neoplasias do tubo digestivo. O duodeno constitui somente 8% do intestino delgado em extensão, porém é a sede de 10 a 20% de tumores gastrintestinais. Através dos dados ci tados anteriormente, observa-se que as neoplasias do intestino delgado são raras, principalmente quando comparadas com as do estômago e do cólon. Em relação à escassez de lesões no in testino delgado e à resistência à transformação maligna, várias teorias foram propostas como possíveis explicações: o tempo i testinal diminui o tempo de contato dos rápido de trânsito n carcinógenos com a mucosa; a fluidez do quimo dilui as subs tâncias carcinogênicas; as concentrações aumentadas da enzima benzopireno hidroxilase eliminam potenciais carcinógenos; a ausência de bactérias passíveis de converter determinados nu trientes ingeridos em carcinógenos; as concentrações elevadas de imunoglobulina A e a presença de tecido linfoide desenvolvi do podem impedir o crescimento e a transformação tumoral. Os tumores do intestino delgado podem ser benignos ou malignos e ser derivados de qualquer célula do tubo digestivo. Através da revisão da literatura, verifica-se que a prevalência de neoplasias benignas e malignas é semelhante em séries ci rúrgicas, porém os tumores benignos são mais frequentes em séries de necropsia. Somente 50% dos tumores benignos se tor nam sintomáticos, enquanto 70 a 80% das neoplasias malignas produzem sintomas.
Os tumores benignos do intestino delgado apresentam-se como lesões isoladas ou múltiplas de vários subtipos que in cluem pólipos hiperplásicos, adenomas, tumores estromais, lipomas, hemangiomas, fibromas, angiomas, linfangiomas e neurofibromas. Esses tumores são caracterizados por cresci mento lento e apresentação clínica tardia. As duas manifes tações clínicas mais comuns são sangramento e obstrução in testinal Raramente, ocorre perfuração da parede do intestino, resultando em formação de abscesso ou de fístulas internas, peritonite ou pneurnatose intestinal. Cerca de um terço dos pacientes apresenta hemorragia digestiva, geralmente caracte rizada por sangramento oculto e intermitente e anemia ferro priva. A hemorragia maciça é extremamente rara. Os liomio mas e os hemangiomas são as lesões que mais frequentemente provocam sangramento. Através da esofagogastroduodenoscopia, já se identifica ram lesões elevadas no bulbo duodenal em 36 (0,4%) de 8.802 pacientes estudados. Neste estudo, as seguintes lesões foram observadas: pólipos hiperplásicos (42%), adenomas (5%), hi perplasia das glândulas de Brunner (3%) e heterotopia da mu cosa gástrica (8,3%). Em outro estudo, prospectivo, através de endoscopia, verificou-se a presença de pólipos duodenais em 27 (4,6%) de 584 pacientes. Em 16 casos, as biopsias endoscó picas demonstraram mucosa gástrica ectópica (sete pólipos) ou inflamação (nove pólipos). Em geral, essas lesões eram móveis, pequenas, múltiplas e localizadas no bulbo duodenal Três de sete pólipos recobertos por mucosa de aspecto normal foram diagnosticados como lipomas. Dois adenomas foram identifi cados no duodeno descendente (0,496 dos pacientes; 7% dos pólipos).
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Adenomas
Vários autores, através da endoscopia digestiva alta, de monstraram que 80 a 90% dos tumores duodenais benignos são adenomas, representando assim a neoplasia benigna mais comum do duodeno. Esse tumor possui forte potencial de de generação em razão do seu índice elevado de proliferação. Em geral, se apresentam como lesões únicas ou múltiplas, sésseis ou pedunculadas. À esofagogastroduodenoscopia, a superfície do tumor tem a mesma cor ou é mais pálida do que a mucosa ad jacente, porém é, em geral, lobulada, aveludada, apresentando projeções digitiformes, papilas ou franjas. Os prolongamentos digitiformes, às vezes pediculados, são formados por escasso estroma conjuntivovascular revestido por epitélio simples ou pseudoestratificado, com graus variáveis de displasia. Com base no seu padrão arquitetura!, os adenomas são subdivididos em três categorias: adenoma tubular (glândulas de aspecto tubular); adenoma viloso (glândulas de aspecto vilositário); adenoma tubuloviloso (combinação dos anteriores). O adenoma pode ser removido através da polipectomia endoscópica, e a vigilância endoscópica é obrigatória nesses pacientes. A abordagem cirúrgica é indicada na presença de neoplasia invasiva. Através de um estudo retrospectivo, foram analisados 32 pacientes que apresentavam 34 adenomas vilo sos. Os adenomas identificados em 22 pacientes (69%) foram ressecados totalmente. A incidência de transformação malig na foi de 4796.
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Leiomiomas
Os liomiomas destacam-se como tumores benignos mais co muns do intestino delgado e são encontrados, principalmente, no jejuno. São considerados a segunda neoplasia mais frequente
244 Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno no duodeno. São tumores submucosos mesenquimais, bem de limitados, não encapsulados, compostos por células fusiformes. Originam-se de células musculares lisas e apresentam marca dores imuno-histoquímicos positivos para desmina e actina de músculo liso e são CD34 e CD117 negativos. Esses achados são importantes em relação ao diagnóstico diferencial com os tumores estromais do trato gastointestinal, tema abordado no Capítulo 37. Têm localização subserosa e intramural e variam em tama nho de poucos milímetros a vários centímetros. Os métodos de imagem, em geral, são importantes para o diagnóstico dife rencial de tumores da submucosa. Através desses métodos, o liomioma, em particular, apresenta-se como lesão arredondada, regular, homogênea com áreas de calcificação. •
Lipomas
Os lipomas são mais comuns no íleo e podem ser caracteriza dos como lesões intramurais, geralmente pequenas, com menos de 4 em, únicas ou múltiplas, que se localizam na submucosa. São compostos por tecido adiposo bem diferenciado, envolvido por uma cápsula fibrosa. A aparência endoscópica é similar aos outros tumores da submucosa. A tomografia computadorizada, o lipoma apresenta o coeficiente de absorção negativo. •
TUMORES MALIGNOS DO DUODENO
Como descrito previamente, a incidência de tumores malig nos no intestino delgado é baixa e representa I a 2% das neo plasias que acometem o trato gastrintesinal t e 0,3% das neopla sias em geral. A maioria dos tumores é clinicamente silenciosa por longos períodos ou ocasiona sintomas/sinais inespecíficos, como plenitude, dor e distensão abdominal, presença de san gue oculto nas fezes, náuseas e vômitos. Geralmente, são des cobertos em fase avançada, ulcerados, produzindo obstrução intestinal parcial, diarreia crônica, hemorragia digestiva alta ou invasão e metástase em órgãos vizinhos, além de icterícia e comprometimento do estado geral dos pacientes. Os tumores malignos do duodeno localizam-se preferencialmente na se gunda porção. Os tipos de neoplasias malignas mais comuns do intestino delgado são os adenocarcinomas, os carcinoides, os linfomas e os sarcomas. Em um estudo conduzido nos EUA, foram analisados 328 casos de neoplasias do intestino delgado no período de 1966 a 1990. A incidência ajustada pela idade foi de 1,4/100.000 indiví duos. Os tumores foram classificados como carcinoides (41%), adenocarcinomas (24%), linfomas (22%), sarcomas (11 %) e 1% não foi classificado. Em relação à localização nos segmentos intestinais, o adenocarcinoma representou a neoplasia malig na mais comum do duodeno. As metástases a distância foram detectadas em 26 a 33% dos pacientes, sendo mais frequentes nos indivíduos acometidos por sarcomas e adenocarcinomas. A ressecção cirúrgica foi realizada em 49 a 79% dos pacientes e a sobrevida em 5 anos foi de 54%, variando de acordo com tipo de tumor, carcinoide (83%), adenocarcinoma (25%), linfoma (62%) e sarcoma (45%). Através de uma revisão do National Data Base, também realizada nos EUA, foram avaliadas 4.995 neoplasias do intestino delgado. Em relação à localização dos tumores nesse segmento, foi identificada a seguinte distribui ção: duodeno (55%), jejuno (18%), íleo (13%) e não especifi cado (14%). A sobrevida em cinco anos foi menor que a des crita no trabalho anterior, correspondendo a 30,5% (média de 19,7 meses). Ainda, nos EUA foram analisados 1.260 casos de
neoplasias do intestino delgado no período de 1980 a 2000 e o adenocarcinoma foi o tipo histológico mais comumente iden tificado no duodeno (200 casos, 52,7%). •
Adenocarcinoma do duodeno
t delgado mais pre O adenocarcinoma é o tumor do intesino valente, correspondendo a cerca de 50% das neoplasias nesse local. O carcinoma duodenal primário é raro e, geralmente, é identificado na segunda e na terceira porções do duodeno. É mais encontrado em homens do que em mulheres acima de 50 anos de idade, tendo pico de incidência aos 60 anos. As le sões pré-neoplásicas são semelhantes às do tumor do cólon, sobressaindo-se como fator de risco a doença de Crohn. A ma croscopia, observa-se mais frequentemente a forma polipoide e ulcerativa no duodeno e a forma estenosante no íleo. O tu mor pode originar metástases para linfonodos regionais, fígado, pâncreas e pulmões. Como é assintomático por longo tempo, o prognóstico é ruim. Clinicamente, a hemorragia ou a presença de sangue oculto nas fezes é a manifestação mais comum se guida por sinais de obstrução (Figura 26.2). Dentre os exames complementares, a endoscopia digestiva alta com biopsias pode ser considerada um exame diagnósti co inicial. Métodos de imagem da cavidade abdominal podem auxiliar no diagnóstico da lesão duodenal e na detecção de lin fadenomegalias e metástases. Outra ferramenta que pode ser empregada para o estadiamento da neoplasia é a ultrassono grafia endoscópica. A ressecção tumoral constitui a melhor forma de tratamento do adenocarcinoma do duodeno. A duodenopancreatectomia pela técnica de Whipple é o procedimento de escolha, uma vez que permite a ressecção em bloco com os linfonodos regionais. Entretanto, somente 30% desses tumores são ressecáveis. A so brevida, em cinco anos, de pacientes submetidos a esse proce dimento gira em torno de 40%. Ainda, para tumores pequenos da terceira e, especialmente, da quarta porções do duodeno, pode ser feita a ressecção segmentar com intenção curativa. A gastrojejunostomia é reservada aos pacientes com doença avançada em que não é mais possível a ressecção tumoral. O tratamento adjuvante com quimioterapia e radioterapia deve ser individualizado. A sobrevida em cinco e dez anos é de 39 e 37%, respectivamente, para as neoplasias primárias do duode no ressecáveis e correlaciona-se com a fase do diagnóstico. Os
Figura 26.2 lesão tumoral do duodeno. O exame histopatológico demonstrou adenocarcinoma periampular do tipo intestinal infiltrante em parede duodenal (gentilmente.cedida pelo Dr. Fernando Augusto). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 245 pacientes submetidos à cirurgia paliativa têm sobrevida que, geralmente, não ultrapassa 24 meses. Em um estudo conduzido na Alemanha, foram avaliados 1 8 pacientes (14 homens, quatro mulheres; idade média 58 anos) com carcinoma primário do duodeno. Os principais sintomas clínicos detectados foram dor no andar superior do abdome (61%), perda de peso (44%) e anemia (38%). Dez pacientes (56%) foram submetidos a ressecções curativas, oito operações de Whipple e duas duodenectomias segmentares. A sobrevida, ao fim de um, três e cinco anos após a ressecção, foi de 90, 66, 7 e 53,3%, respectivamente. Nos pacientes com tumores irressecá veis, que foram submetidos à cirurgia paliativa, a sobrevida foi nferior i a 25 meses. Em uma revisão realizada na Itália, foram avaliados 89 pacientes com adenocarcinoma duodenal, não ori ginário da papila de Vater, submetidos ao tratamento cirúrgico. A maioria dos tumores (62,9%) foi detectada na região periam pular. A ressecção curativa foi realizada em 65 (73%) de 89 pa cientes. A mortalidade no período pós-operatório foi de 10,1% e a sobrevida em cinco anos, de 25%. Em geral, a sobrevida dos pacientes com doença localizada, avançada localmente, e me tastática foi de 50,1, 22,2 e 8,6 meses, respectivamente. •
LEITURA RECOMENDADA
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Anoma l i as Congên itas de I ntestino Delgado e G rosso Dorina Barbieri, Maraci Rodrigues e /saura Ramos Assumpção
As anomalias congênitas de intestino delgado e grosso podem ser, de maneira geral e abrangente, relacionadas com as seguin tes situações de comprometimento da sua embriogênese: a) defeitos de posição do delgado e colo em virtude de pro blemas na rotação do intestino primitivo, ou de ausência ou de insuficiência na fixação do mesentério à parede abdominal posterior; b) defeito de desenvolvimento das paredes do tubo intestinal com prejuíw da permeabilidade de seu lúmen, manifes tando-se como atresia, estenose e duplicação; c) defeitos embriogênicos atingindo apenas determinadas linhagens celulares, tais como neurônios (megacolo con gênito), epitélio (pólipos),fibra muscular lisa (miopatias viscerais), tecido conectivo (doença de Ehlers-Danlos), vasos (hemangiomas); d) persistência de restos embrionários (divertículo de Me ckel); e) erros metabólicos moleculares com interferência prima riamente a aspectos defunções (doença meconial da mu
coviscidose). É importante assinalar que cada uma das anomalias pode
te e grande parte do transverso, e o hindgut, responsável pela formação do resto do transverso, descendente, sigmoide, reto e parte superior do canal anal. O midgut e seu respectivo mesentério têm um crescimento muito grande, formando alças que penetram no cordão umbi lical (S• semana) por falta de espaço na cavidade abdominal, e só mais tarde com o desenvolvimento desta (lo• semana) vol tam à cavidade peritoneal. Simultaneamente a este movimento, o midgut realiza um movimento em rotação anti-horária ao redor da artéria mesentérica superior, de modo que a porção cranial do delgado se posiciona atrás da artéria mesentérica superior, e a parte caudal ou colo se coloca anteriormente a esta artéria e ao delgado até atingir sua posição definitiva (to pografia normal final).
A fixação de algumas partes do tubo digestório à parede posterior do abdome se deve a encurtamento e reabsorção de seus respectivos mesos. É o que ocorre com o duodeno, ceco, ascendente e descendente. O delgado, o transverso e o sigmoi de mantêm seus mesos e suas respectivas inserções na parede posterior do abdome. Importante lembrar a inserção do me sentério, que segue uma linha oblíqua desde a altura do ângulo de Treitz até o ceco, formando uma espiral ao redor da artéria
estar associada a outras anomalias digestivas ou extradigestivas, nclusive i fazendo parte de síndromes clínicas específicas.
mesentérica superior.
As anomalias congênitas de intestino delgado e grosso po dem se manifestar já ao nascimento (atresia anorretal), ou mais
•
tardiamente na infância (estenoses) ou adultícia (hamartomas). Algumas, por serem assintomáticas, constituem achados oca sionais. Serão apresentadas, neste capítulo, as situações clínicas mais frequentes.
•
DEFEITOS DE ROTAÇÃO E DE FIXAÇÃO DO INTESTINO
Conceito Má rotação é a modificação da posição normal do intestino
em decorrência de alguma interferência neste processo rotató rio do desenvolvimento do tubo intestinal. Defeito defixação é definido como a insuficiente ou ausente fixação do mesentério na parede posterior do abdome.
•
Frequência
Muito comum, estimando-se que haja um caso para cada 6.000 nascidos vivos. É mais frequente no sexo masculino, com relação 2: 1.
De maneira sumária, embriologicamente o intestino primiti vo se divide em três partes: oforegut, ou intestino anterior, que dá origem à faringe, esôfago, estômago e duodeno (primeira e segunda porções); o midgut, ou intestino médio, que forma todo o resto do duodeno, todo o delgado, ceco, colo ascenden-
•
Etiologia
Nos casos isolados ela é desconhecida. Quando associada a defeitos de diafragma ou de parede abdominal a herniação do
249
250 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso intestino para dentro destes defeitos impede a rotação e fixação adequadas do intestino.
•
Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico de vólvulo do intestino delgado pelo ultras som gestacional (USG) é muito difícil. Quando ocorre oclusão arterial e necrose da parede intestinal, os sinais são mais evi dentes pela presença de perfuração e ascite.
•
Diagnóstico A apresentação clínica é muito variável, desde formas as
sintomáticas (de achado ocasional) até quadros clínicos gra ves, catastróficos. Ela ocorre em 30% no período pré-natal, de 50 a 75% nos primeiros meses de vida e em 90% até o fim do primeiro ano de vida. Os casos restantes podem aparecer em qualquer outra idade. Os sintomas apresentados são vômitos biliosos, dor e distensão abdominal no andar superior. A pal pação abdominal pode mostrar massa representada pelo in testino edemaciado. O vólvulo agudo do midgut, ou vólvulo agudo do intestino médio, é a forma clínica mais grave deste erro de rotação e fi xação do intestino. Nesta situação, o mesentério do delgado, englobando a artéria mesentérica superior, tem uma base bem estreita, formando um pedículo fino e muito móvel, facilitan do a torção das alças em torno da artéria mesentérica superior. Esta torção ocasiona obstrução da luz duodenal. Os sintomas são os já descritos anteriormente. Se a torção for muito intensa, ocasiona estrangulamento das artérias com isquemía e necro se do intestino, traduzindo-se clinicamente por hematêmese, evacuações com sangue, choque e septicemia. O quadro clínico agudo é muito sugestivo de obstrução intestinal e o estudo ra diológico simples mostra a imagem de bolha dupla (estômago e duodeno) com ausência de ar no resto do abdome, podendo ser confundido com atresia duodenal ou outro problema obs
trutivo em duodeno. O estudo radiológico contrastado alto não deve ser realizado para não piorar o sofrimento de alça e afetar a sua viabilidade. Pode ser feito um enema opaco que vai mos trar o ceco localizado à esquerda da coluna, mas nem sempre este achado é de fácil nterpretação. i O vólvulo de intestino médio pode ocorrer de maneira crô nica e intermitente, desenvolvendo crises de quadro doloroso abdominal e vômitos; eventualmente, má absorção intestinal e déficit de crescimento. O estudo radiológico contrastado alto mostra o duodeno e primeiras alças jejunais à direita da coluna e descrevendo uma espiral ou imagem em Z. Algumas vezes, há a formação de bridas, denominadas faixas ("bandas") de Ladd, ligando o ceco, situado alto, e o duodeno, provocando obstrução duodenal. O diagnóstico da má rotação n i testinal pode ser também realizado pelo ultrassom abdominal focando as posições da artéria mesentérica superior e a veia mesentérica superior. Em condição normal, a artéria mesentérica superior está à esquerda da veia mesentérica superior e, quando ocorre má rotação, a artéria mesentérica superior fica à direita da veia mesentéríca superior.
•
Condições associadas
Várias condições estão associadas à má rotação intestinal, como hérnia diafragmátíca, onfalocele, gastrosquise, atresias intestinais múltiplas, malformação do reto e ânus, além de al terações de trato geniturinárío.
Figura 27.1 Radiografia de estômago e duodeno de paciente com defeito de rotação e de fixação do intestino, mostrando o duodeno e as primeiras alças jejunais em forma de espiral e localizados à direita da coluna vertebral.
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Tratamento
O tratamento cirúrgico está sempre indicado na má rotação intestinal, inclusive nos casos crônicos e pouco sintomáticos, uma vez que não há como se avaliar qual paciente evoluirá para vólvulo, necrose e em qual idade. A videolaparoscopia, atualmente, tem permitido, além da confirmação diagnóstica, a correção total da má rotação, em qualquer faixa etária, além de ser possível fazer a distorção do vólvulo intestinal. Na forma aguda emergencial, o tratamento é cirúrgico, por laparotomia, para se aliviar a obstrução, não havendo a necessi dade de preparo do cólon, uma vez que a área de manuseio é ex trínseca à luz intestinal. Entretanto, nos casos crônicos, em que a cirurgia é eletiva, o preparo do cólon pode facilitar a dissecção. A cirurgia consiste em redução do vólvulo, rodando-se o intestino quantas vezes forem necessárias até exposição de ceco e ascendente, que deverão ser fixados. A cirurgia para correção de vólvulo com isquemia de alça é controversa na literatura, no sentido de retirada da alça com sofrimento imediatamente, ou desfazendo-se o vólvulo e aguar
dando-se por 12 ou 24 h a fim de se avaliar a viabilidade da alça intestinal acometida. Avalíações criteriosas devem ser feitas no sentido de se permitir o mínimo de ressecções, impedindo-se a instalação de síndrome do intestino encurtado, que piora bas tante o prognóstico. Em geral, o prognóstico é bom, exceto naqueles relaciona dos com complicações por isquemia, síndrome do intestino encurtado ou complicações decorrentes do uso de nutrição parenteral.
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 251 •
ATRESIA E ESTENOSE DO INTESTINO DELGADO
•
Conceito
Atresia é uma anomalia congênita do desenvolvimento do duodeno e do intestino delgado, resultando em obstrução com pleta do lúmen do n i tesino. t Estenose é quando esta mesma anomalia causa apenas o estreitamento do lúmen do intestino.
•
bas as localizações, duodeno e delgado, e podem ser simples ou múltiplas. Levando-se em conta o total dos casos de atresias e de es tenoses, a distribuição das frequências é a seguinte, respecti vamente: Duodeno
Jejuno
1leo
Atresias
40%
25%
35%
Estenoses
75%
5%
20%
Classificação segundo Gray e Skandalakis: Tipo I - obstrução do lúmen do intestino delgado, devido à presença de uma membrana constituída das camadas mucosa e submucosa. Tipo 11- presença de uma fenda separando o intestino del gado em porções proximal e distai, unidas entre si por um li gamento fibroso curto. Tipo IIIa - o defeito atinge também o mesentério com au sência de tecido de conexão entre os fundos cegos dos segmen tos do intestino. Tipo Illb - atresia do delgado proximal e ausência de artéria
mesentérica superior distai. O intestino delgado distai ao seg mento atrésico assume uma forma em espiral e recebe o supri mento sanguíneo da artéria ileocólica e cólica direita inferior. Tipo IV - atresias múltiplas do intestino delgado.
Etiologia
A etiologia da atresia e da estenose do duodeno e do jejuno, secularmente aceita como falha na recanalização do lúmen in
testinal, a parir t de seu estágio inicial de cordão sólido, levando a anomalias intrínsecas, incluindo a atresia (em fundo cego), a estenose (estreitamento), ou a formação de uma membrana mucosa, é, atualmente, de validade discutível. Para o duodeno proximal, que é derivado doforegut, a etio logia dessas anomalias não estão, ainda, bem esclarecidas. Para o duodeno distai, jejuno e íleo, todos oriundos do midgut, a etiologia dessas anomalias seria consequência de acidentes vasculares na vida intrauterina, proposta por vários autores nas últimas quatro décadas.
•
suspeitado na 26a semana de vida fetal e confirmado na 32• se mana. O USG não permite determinar o local da atresia, nem se ela é única ou múltipla e também não indica a extensão do intestino não comprometido.
•
Frequência
A frequência das atresias e estenoses do duodeno e do n i tes tino delgado juntas variam de 1:2.000 a 1:6.000 nascimentos. As atresias são mais comuns do que as estenoses em am
•
va obstrutiva que são: poli-hidrâmnio, aumento da biometria abdominal e retardo do crescimento fetal. Na atresiajejunoileal, observa-se também dilatação das alças intestinais, com mudança constante de forma e com movimen tos peristálticos intensos e incessantes. O diagnóstico pode ser
Diagnóstico pré-natal O diagnóstico pré-natal das malformações digestivas pode
ser realizado por meio do ultrassom gestacional (USG). Existem alguns marcadores n i diretos dos tipos de malformação digesti-
Diagnóstico As atresias e estenoses do duodeno e do delgado levam a
processo obstrutivo e subobstrutivo, respectivamente. Pode-se suspeitar da presença de obstrução do trato alimen tar alto do feto em toda grávida com poli-hidrâmnio, sendo confirmada pelo ultrassom pré-natal em cerca de 30 a 59% dos casos, já na 22ª semana de gravidez. Ao nascimento, os recém-nascidos com atresia duodenal podem apresentar como primeiro sinal vômitos, frequente mente biliosos, geralmente poucas horas após o nascimento. A inspeção mostrará abdome distendido e peristaltismo visível apenas no seu andar superior, devido a distensão do estômago, enquanto o restante do abdome será escavado. Poderá ocorrer, também, ausência de eliminação de mecônio. O recém-nasci do, geralmente, apresenta sinais de desidratação e distúrbios metabólicos. A colocação de sonda nasogástrica, além de evi tar a aspiração, através da saída de material bilioso, confirma a obstrução intestinal. Cerca de 15% dos casos de obstrução duodenal congênita ocorrem proximalmente ao dueto biliar e os vômitos não são biliosos. A estenose duodenal pode passar despercebida para os pais e para os médicos, até uma fase tardia da infância. Alguns casos de estenose duodenal não são reconhecidos até a vida adulta, e essa estenose é diagnosticada devido às complicações tardias, tais como megaduodeno, alterações de motilidade, refluxo duo denogástrico, gastrite, úlcera péptica, refluxo gastresof ágico, cisto de colédoco, colelitíase e colicistite. O diagnóstico de obstrução duodenal pode ser confirmado por raios X simples de abdome, em pé, revelando o sinal clássico de dupla bolha da obstrução duodenaL Se não se identificar a presença de gás abaixo do ligamento de Treitz, provavelmente o diagnóstico será de atresia duodenal. Em alguns casos, é pos sível constatar, em raios X simples de abdome, sinal evidente de calcificações, que sugerem associação com perfuração duo denal intrauterina. Os primeiros sintomas no recém-nascido são vômito bilio so e distensão abdominal progressiva e ausência ou retardo na eliminação do mecônio, geralmente manifestados nas primei ras 24 h de vida. Porém, em 20% dos casos, esta manifestação poderá se desenvolver no 2Q ou 3Q dia de vida. Em casos de diagnóstico mais tardio, o recém-nascido poderá apresentar desidratação, hiperbilirrubinemia não conjugada e pneumonia aspirativa. A distensão abdominal é observada em cerca de 78% dos casos das atresias jejunais e em 98% das atresias ileais. O grau de distensão abdominal é determinado pelo nível da obs trução: quanto mais baixo o nível da obstrução, mais pronun ciada e difusa será a distensão. Nos casos de diagnóstico tardio, ou na presença de perfuração intestinal, a distensão abdominal pode ser muito mais intensa, comprometendo a respiração do recém-nascido. O diagnóstico de atresiajejunoileal é confirmado por raios X simples do abdome, com sinais de obstrução intestinal em cerca de 95% dos casos. O diagnóstico de atresia jejunoileal é baseado
252 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso na interrupção da progressão sequencial do ar nas alças intes tinais, já na 3• hora de vida, e a presença de alças distendidas imediatamente proximal à atresiajejunoileal. Na atresiajejunal, nota-se diminuição da distribuição gasosa e a presença de nível líquido em alças do intestino delgado. Se o local da obstrução intestinal é completamente preenchido com fluido, o nível lí quido pode ser discreto ou ausente, e só se tomará evidente após descompressão intestinal com sonda nasogástrica. O enema opaco pode ser realizado com o objetivo de veri ficar o calibre do cólon, excluir presença de atresia colônica e, também, para localizar a posição do ceco como um indicador de defeito de rotação. O quadro clínico de estenose jejunoileal dependerá do nível e do grau da estenose, e o diagnóstico poderá ser retardado por muitas semanas ou até anos após o nascimento. Casos de este nose acentuada desenvolvem quadro semelhante ao da atresia, porém aqueles com estenose moderada evoluem com episódios intermitentes de quadros suboclusivos, com dor abdominal, vômitos biliosos e dificuldade no crescimento. O diagnóstico de estenose será feito se esta possibilidade for aventada e meticulosamente investigada, através de estudo radiológico contrastado que revelará a área estenótica. •
Condições associadas
As obstruções duodenais congênitas são acompanhadas de uma ou mais anomalias em cerca de 38% dos casos. Têm sido descritas as atresias e estenoses duodenais associadas à síndro me de Down (30-69%), doença cardíaca congênita (35%), atre sia esoágica f (8%), pâncreas anular (35%), ânus imperfurado (6%), má formações renais (5%), atresia biliar (2%), duplica ção jejunal (1 %), má rotações (36%), veia porta anteriorizada (4%), como também fístula retovesical, obstrução da junção ureteropélvica, genitália ambígua, sindactilia, síndrome de Cor nélia de Lange (2%), anomalias vertebrais (2%) e síndrome de VACTERL (4%). Em 5 a 12% dos casos de atresia jejunoileais, há associação com peritonite meconial. •
Tratamento
Embora a atresia duodenal seja uma emergência, o paciente deverá ser estabilizado hidroeletroliticamente e a operação será eletiva. A passagem de sonda nasogástrica é importante para descomprimir o estômago e afastar atresia esofágica. Deve-se iniciar a administração de nutrição parenteral e, a seguir, afastar as anomalias congênitas associadas mais comuns. A operação de escolha é a ressecção da parte atrésica termi i nal com anastomose terminoterminal. É importante a denti ficação da localização da papila de Vater, e a compressão com cuidado da vesícula, para se afastar a atresia biliar concomitante. Se houver presença de pâncreas anular, o tecido pancreático não deve ser dividido, para se evitar a formação de fistula. Nos casos de membranas duodenais, mais recentemente vem sendo usada a ablação endoscópica com laser. As atresias jejunais e ileais também são corrigidas cirurgi camente com a reaização l de ressecção da zona atrésica e anas tomose terminoterminal. A sobrevida dos pacientes após cirurgia das atresias duode nal, jejunal e ileal é de aproximadamente 90% e depende das anomalias associadas. Alguns casos complicam com septicemia e falência hepática secundária e com a NPP, particularmente aqueles casos associados à síndrome do intestino encurtado.
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AGENESIA DE CÓLON
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Conceito
Agenesia é a ausência total de formação de um órgão. A age nesia de retossigmoide é a única agenesia do trato gastrintestinal descrita no homem compatível com a vida. É rara, ocorrendo em 1/50.000 gestações. O sexo masculino é o mais acometido, na frequência de 2 a 3/1. A agenesia de cólon está sempre associada à anormalidade caudal (sirenomelia), estando o trato urinário inferior também ausente. •
Etiologia
Através de mecanismo não totalmente esclarecido, a por ção do trato gastrintestinal irrigada pela artéria mesentérica inferior não se desenvolve, e o cólon descendente termina em fundo cego. •
Diagnóstico
A agenesia de cólon está sempre associada a outras malfor mações graves, levando a prognóstico letal. •
Tratamento
Há o relato de apenas uma criança tratada cirurgicamente, com defeitos típicos de sirenomelia, em que o sistema genitu rinário estava presente, mas funcionalmente deficiente devido a inervação inadequada.
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ATRESIA E ESTENOSE DE CÓLON
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Conceito
Atresia e estenose de cólon são malformações congênitas do desenvolvimento deste órgão que levam à oclusão total ou parcial do lúmem do intestino grosso, podendo atingir múlti plas áreas ou uma única área. •
Frequência
As atresias de cólon são mais raras do que as de delgado, mas são 10 vezes mais comuns do que as estenoses colônicas. •
Classificação
As atresias de cólon podem ser classificadas em quatro tipos, à semelhança das atresias de delgado: Tipo I - oclusão por membrana de espessura variável. Tipo II - dois fundos cegos conectados por um cordão só lido. Tipo III - dois fundos cegos separados, e conexão mesen térica descontínua. Tipo IV - atresias múltiplas. As atresias tipo I são mais comuns em cólon descendente e sigmoide; as tipo II, em cólon ascendente associadas a vólvulo de cólon direito; e as tipo IV são extremamente raras.
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 253 •
Etiologia
Durante muito tempo, acreditou-se que as atresias ocorriam por falta de recanalização do intestino primitivo, entretanto hoje essa hipótese foi substituída pela teoria da interrupção vascular, que pode ser comprovada através das seguintes obser vações: o intestino do embrião não é sólido, a presença de lanu go e pigmento biliar no segmento pós-atresia comprova que esse intestino foi pérvio em algum momento da vida embrioná ria e, finalmente, porque a ligação experimental da vasculariza ção mesentérica em fetos de animais leva à atresia intestinal.
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Diagnóstico pré-natal O diagnóstico de atresia de cólon no período pré-natal é
muito difícil pelo USG. O poli-hidrâmnio costuma ser mode rado, pois a absorção do líquido amniótico ocorre suficiente mente no delgado.
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Diagnóstico
Ao nascimento, a criança pode apresentar grau variável de distensão abdominal, com falência na eliminação de mecônio
e desconforto respiratório variável com o grau de distensão abdominal.
Raios X simples de abdome na atresia colônica mostram dis tensão gasosa das alças intestinais, sendo tanto maior a quanti dade de alças distendidas e número de níveis hidroaéreos ob servados., quanto mais baixa a obstrução. Segundo Maksoud, o diagnóstico pode ser feito exclusivamente através de raios X simples de abdome, reservando-se o enema opaco para casos especiais de dúvida diagnóstica com megacólon agangliônico ou íleo meconial. Na estenose do cólon, por caracterizar uma síndrome semi obstrutiva dependente do diâmetro de abertura da estenose, os raios X simples de abdome demonstram níveis hidroaéreos e o enema opaco, alças estenosadas, com distensão das alças a mon tante. A colonoscopia pode ser útil no diagnóstico. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com doença de Hirschsprung, síndrome do mecônio espesso, íleo meconial, ou qualquer outra síndrome obstrutiva.
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Condições associadas Algumas síndromes genéticas específicas, como a sirenome
lia e atresias intestinais múliplas, t têm a atresia de cólon como parte integrante. A associação com defeitos de parede, vólvulo, má rotação e anormalidades vasculares ocorre em 1/3 dos pacientes, pois são estas, muitas vezes, as causas primárias das atresias.
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Tratamento
O tratamento das atresias e das estenoses é cirúrgico. Os cuidados pré-operatórios incluem a descompressão abdominal através de sonda nasogástrica aberta, termorregulação, correção dos distúrbios hidreletrolíticos e antibioticoterapia, se houver sinais de infecção. O uso de nutrição parenteral está indicado, uma vez que a criança deverá permanecer em jejum por tempo
colostomia proximal ou ileostomia. A reconstrução do trân sito intestinal poderá ser efetuada após o segundo semestre de vida. A desproporção entre os segmentos proximal e distal pode ocorrer, mas não acomete o funcionamento do segmen to distal. A introdução da dieta com água e glicose poderá ser iniciada após cinco dias da cirurgia, a fim de se estimular o peristaltis mo e se verificar a possibilidade de introdução de alimentação líquida. Essa dieta deve, a princípio, ser isenta de lactose ou, preferencialmente, do tipo elementar, com aumento lento e gradual do volume até a alta hospitalar. As melhoras tecnológicas que permitem diagnóstico e tra tamento adequados além do suporte nutricional, ventilatório e de controle de infecção têm permitido maior sobrevida destas crianças, com grande diminuição da mortalidade, sendo tanto melhor o prognóstico quanto mais baixo o acometimento do órgão. Apesar da baixa mortalidade relacionada com a atresia e estenose de cólon, deve-se estar atento para as malformações associadas que podem complicar o prognóstico.
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ATRESIA DE RETO E ÂNUS
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Conceito
As anomalias do reto e ânus ocorrem devido à falência da separação do reto e do sistema urogenital ou à falência da rup tura da membrana anal durante a fase de desenvolvimento do embrião. Essas anomalias em geral incluem conexões fistulosas entre o reto e o sistema urogenital. O ânus pode ser imperfura do, estenótico ou de localização anômala. As anomalias anor retais podem interferir com a continência, e/ou a eliminação fecal, ou ainda comprometer a integridade do trato urinário e genital. As anomalias que interferem com a passagem de fezes constituem emergência do período neonatal. Suspeita-se das outras anomalias pelos distúrbios anatômicos perineais ou pela passagem de material fecal através de uretra ou vagina.
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Etiologia
A atresia anorretal alta resulta da falha na separação da por ção cloacal do intestino primitivo em seio urogenital e reto. A atresia anorretal baixa resulta da separação incompleta
da parte inferior do seio urogenital do reto, ou da falência da ruptura da membrana anal. As atresias anorretais ocorrem na incidência de 1/5.000 nas cidos vivos, com predominância do sexo masculino, em uma relação de 3/1. A maioria dos casos são esporádicos e, apesar de não haver descrição de hereditariedade, existe recorrência em algumas famílias. A presença de anomalias anorretais é comum em inúmeras síndromes genéticas, e dois fatores são reconhe cidamente teratogênicos para essas anomalias, a talidomida e o diabetes materno.
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Classificação
As atresias anorretais têm anatomia bastante variada e são classificadas de acordo com o nível da atresia, e em subgrupos dependendo da presença ou ausência de fístulas:
prolongado após a cirurgia.
Altas - a atresia ocorre acima do músculo elevador do ânus e pode apresentar-se sem fístula ou com fístula re
O tratamento cirúrgico constitui-se na ressecção do segmen to atrésico ou estenosado, com sepultamento do coto distal e
touretral (mais comum em menino), retovaginal, reto vesical ou retocloacal.
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254 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso •
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Intermediárias - o reto termina com o músculo puborre tal, sem fistula ou com fístula retouretral (mais frequente em menino), retovestibular ou retovaginal. Baixas - a atresia ocorre abaixo do músculo puborretal, sem fistula ou com fístula perineal, anovulvar ou ano vestibular.
Diagnóstico pré-natal
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As duplicações do delgado são mais encontradas no íleo (30,5% dos casos) do que no jejuno (13%) e duodeno (4,3%). As duplicações múltiplas do delgado ocorrem em 15 a 20% dos casos. •
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Condições associadas
As anomalias anorretais podem ocorrer associadas a algu mas malformações urogenitais, esqueléticas, gastrintestinais, cardiovasculares, de parede abdominal, palato fendido, me ningomielocele e outras. •
1) Duplicações císticas fechadas, mais comuns: não se comu nicam com o intestino e são de menor comprimento. 2) Duplicações tubulares: comunicam-se com o lúmen in testinal através de uma ou duas bocas, geralmente não ultrapassam 20 em, embora eventualmente possam aco meter longos segmentos.
Diagnóstico
A simples inspeção do períneo permite detectar atresias anorretais; entretanto, detalhes dos defeitos anatômicos re querem estudos clínicos e radiológicos posteriores. Os achados perineais incluem ausência de ânus, localização anômala do ânus e fistulas. Em muitos casos, a genitália externa também é malformada. O exame perineal pode dar evidências da presença de inervação do esfíncter retoanal. O estímulo da contração da musculatura perineal seguida de uma contração na área anal pode indicar esfíncter n i tacto. A contração do músculo elevador do ânus tende a empurrar o ponto anal para a frente, a con tração do esfíncter externo causa uma retração puntiforme do ponto anal. A aparência externa perineal pode, em um pequeno grupo de crianças com atresia anorretal, simular normalidade, requerendo exame clínico minucioso para a detecção da ausên cia orificial em depressão cutânea no local do ânus. Raios X com a criança em posição invertida (invertograma) dão a distância entre o fundo de saco retal e a marca anal, atra vés do contraste pelo ar. Quando esta distância é n i ferior a 1 em (malformação baixa), a correção perineal é possível.
Tratamento
O tratamento das malformações é cirúrgico, sendo a opção cirúrgica definida pela presença ou ausência de fístulas e pelo sexo do recém-nascido. A cirurgia pode ser realizada em um único tempo nas mal formações baixas, ou em vários tempos nas malformações in termediárias e altas, com colostomia no primeiro tempo e, a seguir, correções das fístulas, malformações perineais e genitais até reconstrução do trânsito intestinal em uma última etapa.
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DUPLICAÇÃO DO INTESTINO DELGADO
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Conceito
A duplicação dos intestinos delgado e grosso é um desdo bramento do intesino t em determinado segmento do tubo di gestório e, morfologicamente, se caracteriza por estar sempre na borda mesenterial do intestino. Apresenta camada muscular bem desenvolvida e a camada epitelial semelhante ao epitélio de alguma parte do trato alimentar.
Classificação Podem ser classificadas em dois tipos (Ver Figura 27.2):
O diagnóstico, quando possível, é sempre tardio, na 34• se mana. A dilatação do cólon é situação pouco frequente. •
Frequência
A mucosa gástrica está presente em 10 a 20% das duplica ções do delgado. •
Etiologia A eiologia t da duplicação não está esclarecida.
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Diagnóstico pré-natal
O USG só detecta as duplicações císticas aparecendo como imagens arredondadas, hipoecogênicas, mudando de forma nos exames sucessivos. •
Diagnóstico
Os sintomas clínicos podem ser muito variáveis e dependem da localização da duplicação, do seu tipo (cístico ou tubular), e das estruturas adjacentes, estando os sintomas geralmente presentes no primeiro ano de vida, ou, mais raramente, com o advento de complicações, na adolescência ou adultícia. As duplicações císticas aumentam progressivamente de ta manho à medida que ocorre a produção de muco no interior de seu lúmen, e podem se apresentar com sintomas de obstrução intestinal, devido à compressão sobre o intestino adjacente, ou com sintomas secundários à ulceração péptica da mucosa ectópica. Algumas duplicações císticas intramurais podem ser responsáveis por ocorrência de intussuscepção. Outras dupli cações císticas pequenas são identificadas acidentalmente du rante uma cirurgia eletiva ou necropsia. As duplicações tubulares são longas e podem se comunicar com o lúmen do intestino adjacente na sua porção distal, pro ximal ou ambas. A duplicação comunicante pode ser assinto mática, porém pode apresentar sinais clínicos de obstrução intestinal, hemorragia, perfuração e, mais raramente, intus suscepção. O diagnóstico poderá ser feito com o auxílio do ultrassom de abdome com bons resultados, sendo alguns casos diagnosti cados no período pré-natal. Outros estudos radiológicos como raios X simples de abdome, enema opaco e trânsito intestinal i portantes para o diagnóstico diferencial com vól podem ser m vulo, atresia, estenose e outras obstruções congênitas dos in testinos delgado e grosso. •
Condições associadas
Podem ocorrer associações com defeitos vertebrais, como duplicação da coluna vertebral e espinha bífida. Outras associa-
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso ções incluem: retardamento mental, meningomielocele, pulmão direito bilobar, divertículo de Meckel e duplicidade genital e do trato urinário. •
Tratamento
O tratamento da duplicação sintomática do intestino del gado consiste na ressecção da duplicação, o que nem sempre é possível, dependendo de o suprimento sanguíneo ser comum ou não ao intestino adjacente.
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DUPLICAÇÃO DO CÓLON
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Conceito
As duplicações do cólon, que podem ser comunicantes ou não, seguem os mesmos padrões estruturais e variações daque las descritas para o intestino delgado. •
Etiologia
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Frequência
As duplicações de intestino grosso correspondem de 16 a 30% das duplicações intestinais. •
Classificação
As duplicações podem ser não comunicantes ou comum cantes com o lúmen intestinal, conforme Figura 27.2. As duplicações não comunicantes formam cistos, cujas pa redes contêm todas as camadas habituais do intestino (Figura 27.2A), e ocorrem três vezes mais frequentemente do que as comunicantes. As duplicações comunicantes podem se constituir de dupli cações tubulares que se localizam de forma adjacente ao com primento do segmento intestinal ou se estendem ao longo do seu comprimento (Figura 27.2B e C), ou ainda por septos que dividem o cólon em todo o seu comprimento ou em um seg mento localizado (Figura 27.2D e E). •
Os mecanismos patogênicos que levam à duplicação intes tinal ainda são bastante discutidos em literatura. A duplicação ocorreria na fase inicial do desenvolvimento do tudo gastrintes i testino primitivo se dividiria em duas tinal, quando então o n partes. Esse fato é reforçado pela coincidência de duplicação de ureter e bexiga nestes pacientes.
Diagnóstico
A duplicação colônica atinge principalmente ceco (52%), seguindo-se sigmoide (28%), transverso e descendente (8% cada um) e ascendente (4%), com igual predileção entre os sexos. Embora 10% das duplicações possam permanecer assinto máticas por toda a vida e se constituir apenas de achados ocasio nais, quando sintomáticas 25% delas se manifestam no primeiro
B - Duplicação tubular adjacente ao intestino, comunicação distai
A - Duplicação cística
II j
C
-
Duplicação tubular ao longo do comprimento proximal
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255
� -
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D - Duplicação por septo,
comunicação dupla
E Duplicação por septo estendendo-se por todo o cólon -
Figura 27.2 Configuração esquemática dos vários tipos de duplicação de intestino grosso (equivale, também, ao delgado).
256 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso mês de vida, 50% até os seis meses de idade e praticamente 90% terão se mostrado sintomáticas aos dois anos de idade. As duplicações do cólon, além de serem heterogêneas na sua forma de apresentação, podem ocorrer em qualquer segmento colônico associadas a fístulas ou não, portanto a sintomatolo gia vai depender da sua forma de apresentação, localização e presença de fístulas. Duplicações não comunicantes podem ser assintomáticas ou se apresentar com aumento de volume abdominal e massa palpável, uma vez que a mucosa do segmento é funcionante e há acúmulo de secreções intesinais t que não podem ser drenadas por falta de comunicação. Se o volume do segmento intestinal duplicado for grande, pode haver fenômeno compressivo e obs trutivo. O ultrassom de abdome neste caso mostra a presença de massa cística, correspondente ao segmento duplicado não comunicante. Duplicações comunicantes tubulares adjacentes ao lúmen (Figura 27.2B) permitem bom esvaziamento do conteúdo se cretado e menor possibilidade de sintomatologia. Entretanto, segmentos tubulares maiores que correm de forma adjacente ao comprimento do cólon (Figura 27.2C) permitem acúmulo de secreções e entrada de material fecal, com menor possibili dade de drenagem, levando mais facilmente à sintomatologia obstrutiva, com massa palpável na região acometida e risco de perfuração. O orifício de entrada desse segundo segmento fa vorece a ocorrência de invaginações e sangramento. Duplicações comunicantes com septo vão apresentar sin tomatologia condicionadas à permeabilidade dos lumens (Fi gura 27.2D e E). Se ambos forem pérvios, a possibilidade de
fenômeno obstrutivo é rara; no entanto, se um dos lumens terminar em fundo cego, a m i pactação de fezes ocorre, levando a aumento de volume abdominal, massa palpável correspon dente ao segmento, e processo suboclusivo que pode evoluir para oclusão. Duplicações que se comunicam com uretra, bexiga ou vagina levam à eliminação de material fecal por essas estruturas. Du plicações podem se comunicar com o períneo por intermédio
de ânus bipartido ou acessório, podendo o diagnóstico ser sus peitado pelo simples exame clínico do períneo. O enema opaco demonstra duplicação quando há comunicação distai, mas não contrasta aquelas duplicações com hóstio proximal, que poderá, no entanto, ser detectado pelo trânsito intestinal.
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Tratamento
Passarg e Stevenson acreditam que, muito embora as dupli cações possam ser e permanecer assintomáticas, e o diagnóstico ocorrer de modo ocasional, a ressecção cirúrgica está indicada, devido ao risco de quadro de abdome agudo grave, como perfu ração, vólvulo, sangramento e invaginação. Dois procedimentos podem ser adotados: ressecção do septo, se não há evidências de obstrução; ou ressecção da duplicação e do intestino adjacente a partir da inserção no mesentério. O prognóstico é bom, devendo-se estar atento às anomalias associadas, à correção e manutenção do equih'brio hidreletrolíti co e nutricional. Grandes ressecções devem ser evitadas devido ao risco de síndrome do intestino encurtado.
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DESORDEM DE DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO Estão incluídas neste item três condições: a) displasia neuro
nal intestinal; b) parada de maturação dos plexos mioentéricos; e c) doença de Hirschsprung. As duas primeiras condições são responsáveis por quadro clínico semelhante ao da síndrome de pseudo-obstrução intes tinal crônica e serão descritas juntas.
•
Pseudo-obstrução intestinal crônica
• Conceito
É uma síndrome caracterizada por episódios recorrentes
de manifestações clínicas sugerindo obstrução intestinal, na ausência de oclusão mecânica do intestino.
• Etiologia e classificação A pseudo-obstrução intestinal crônica pode ocorrer como uma doença primária ou como manifestação secundária de ou tra doença (p. ex., hipotireoidismo, esclerodermia). As formas primárias são congênitas e, sob ponto de vista histológico, podem corresponder a uma miopatia visceral ou a uma neuropatia visceral. Na displasia neuronal ntes i inal, t observa-se um defeito de desenvolvimento caracterizado por hiperplasia dos plexos ner vosos entéricos e uma anormal distribuição de elementos neu rais. Na parada de maturação dos plexos mioentéricos, estes podem se apresentar com número reduzido de neurônios, ou com número aparentemente normal, mas com alterações ul traestruturais. Em ambas as situações, a alteração funcional é a mesma, induzindo um movimento propulsivo ineficiente e incapaz de fazer o fluido intestinal progredir distalmente. Na minoria dos casos, são de caráter hereditário (autossômi co recessivo ou dominante), mas frequentemente representam casos esporádicos.
• Diagnóstico Figura 27.3 Enema opaco de criança com duplicação de sigmoide com comunicação distai.
Os pacientes apresentam quadro clínico variado. Em alguns pacientes, a apresentação é leve, com sintomas de desconforto,
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 257 distensão abdominal e hábito intestinal irregular, com longos períodos de constipação intesinal, t intercalados por diarreia. Po rém, há pacientes com sintomas e sinais graves, representados por vômitos de repetição, dilatação de alças intestinais e impos sibilidade em tolerar alimentos VO. O início dos sintomas, geral mente distensão abdominal, ocorre desde o nascimento. Os sin tomas podem melhorar com o aumento da idade do paciente. O exame inicial consiste em raios X simples e contrastados do intestino delgado e grosso, que poderão revelar dilatação ntestinal i segmentar ou generalizada. Se o estudo radiológico não for esclarecedor, há necessidade de se realizarem estudos manométricos e biopsias para averi guação histológica dos plexos neuronais. Dentro dos recur sos disponíveis, a manometria antroduodenal poderá mostrar alterações sugestivas do processo, assim como a manometria anorretal. O estudo histológico de mucosa (obtida por biopsia endoscópica ou pinças de sucção) e de peças cirúrgicas é im portante para a determinação do tipo de desordem neuronal ou glial do caso em estudo, através de colorações específicas e por imuno-histoquímica.
• Condições assodadas Anormalidades do trato urinário, em particular bexiga neu rogênica, podem estar associadas a pseudo-obstrução n i tes tinal.
• Tratamento Inicialmente, é importante estabelecer o tipo de distúrbio neuronal e a gravidade do caso para se estabelecer o esquema terapêutico. Este visa a atender o suporte nutricional adequado e a prevenir complicações. As complicações mais comuns são esofagite péptica e sobre crescimento bacteriano. Este último pode ser responsável por quadro de diarreia crônica e deve ser tratado com antibióticos e metronidazol em intervalos regulares, além de oferecer dieta hipofermentativa. Anorexia, náuseas e vômito são frequentes e impedem aporte nutricional adequado. Cerca de 50% dos casos em crianças se beneficiam com a dieta oferecida por gastros tomia e com infusão lenta de fórmulas elementares e semiele mentares, embora a oferta em bolo também seja possível em alguns casos. Se houver comprometimento intenso do estôma go, a sonda poderá ser colocada no jejuno. Estes estornas são úteis para a descompressão quando a distensão abdominal se tornar exagerada. Nutrição parenteral muitas vezes é requerida para a ma nutenção do estado nutricional, entretanto uma dieta enteral mínima deve ser mantida. Lembrar que a morbidade e mor talidade relacionadas com a nutrição parenteral são elevadas. Os distúrbios metabólicos mais comuns são hipopotassemia e hipocalcemia. É frequente os pacientes desenvolverem desnu trição proteico-calórica e hipovitaminose B12• Todas as drogas disponíveis atualmente no mercado para o tratamento da pseudo-obstrução intestinal crônica não são eficazes no controle dos sintomas clínicos. O uso de procinéti cos pode ser útil. Eles induzem a liberação de acetilcolina pelos neurônios entéricos que, por sua vez, vai esimular t os músculos, restabelecendo parcialmente o trânsito intestinal. Muitas novas drogas estão sob investigação, tais como ago nistas da serotonína, agentes antidopaminérgicos, antagonistas da colecistocinina, agonistas e antagonistas opiáceos e vários derivados macrolídeos. Os agonistas dos receptores da serotonina são apicados l na pseudo-obstrução intestinal por sua ação específica sobre o es vaziamento gástrico, com destaque o Tegaserode.
Há estudos experimentais em cobaias portadoras de pseudo obstrução intestinal utilizando marca-passo elétrico colocado no estômago e intestino, com o objetivo de estudar a indução da mo tilidade digestiva e sua possível aplicação futura nos pacientes. Nos casos em que o acometimento é restrito ao cólon, a colectomia total pode ser realizada, com cura total. Nos casos de pseudo-obstrução intestinal acometendo todo o delgado, e irresponsivos ao tratamento, indica-se transplante intestinal. Lembrar que o comprometimento de outros órgãos como fí gado cirrótico por NPP por tempo prolongado, gastroparesia, principalmente em crianças com gastrostomia por longo tem po, e acesso venoso imitado l por longos anos de NPP podem inviabilizar o processo de transplante.
• Complicações As crianças com pseudo-obstrução intestinal podem de
senvolver vólvulo e, às vezes, necessitam de correção cirúrgica de urgência.
•
Megacólon aganglionar
• Conceito O megacólon aganglionar, também conhecido como me gacólon congênito ou doença de Hirschsprung, é uma doença congênita que se caracteriza por suboclusão intestinal crôni ca primária, que ocorre por ausência congênita dos gânglios parassimpáticos mioentéricos de Auerbach e submucosos de Meissner.
• Etiologia O megacólon aganglionar ocorre por interrupção da migração craniocaudal dos neuroblastos da crista neural até a parede intes tinal, por volta da 12� semana de vida intrauterina, ocasionando incoordenação peristáltica e obstrução ao trânsito intestinal. Estudos recentes demonstram a existência de três genes res ponsáveis pela doença, e 10% dos casos tem características he reditárias e o restante se apresenta na forma de mutação livre. Estudos genéticos têm demonstrado casos familiares com gene autossômico dominante de penetração incompleta para a forma total e gene recessivo de baixa penetrância na forma clássica.
• Classificação De acordo com o comprimento e localização do segmento aganglionar, a doença pode ser classificada em quatro formas diferentes: •
Longa ou clássica - o segmento aganglionar se estende do reto até o sigmoide.
•
Total - o segmento aganglionar se estende por todo o có lon, podendo também o íleo terminal ser aganglionar. Curta - a aganglionose está restrita à porção distai do
•
•
reto. Ultracurta - a aganglionose restringe-se ao esfíncter n i terno do ânus.
• Diagnóstico pré-nata I Não pode ser feito pelo USG. A única possibilidade seria nos casos de aganginose l do colo total, o que provocaria dilatação do delgado e poli-hidrâmnio.
• Diagnóstico O megacólon aganglionar ocorre em
1/5.000 nascidos vi
vos, havendo predileção para o sexo masculino na proporção de 3,9/1 nos casos esporádicos.
258
Capitulo 27
I Anomalias Conglnltos de Intestino Delgado e Grosso
O megacólon aganglionar na forma clássica é a forma mais comum da doença e ocorre em 8096 dos casos. O transverso e o cólon direito estão acometidos em 10 a 2096 das vezes. O megacólon aganglionar total ocorre em apenas 396 dos casos, sendo a verdadeira incidência das formas curta e ultracurta desconhecida, devido aos critérios diagnósticos não uniformes empregados pela literatura. . O quadro clinico é variável com o comprunento do seg mento aganglionar. A forma clássica tem manifestação no período neonatal, com demora para ellminação de mecônio, distensão abdo�in� e, raramente, vômitos. A eliminação de fezes ocorre nas pnmeuas 24 h após o parto em 94% dos recém-nascidos normais e a ter mo. A ausência de eliminação de mecônio além desse tempo é altamente sugestiva de processo suboclusivo ou oclusivo nessas crianças. Realmente, Swenson constatou que 94% das crianças acometidas com megacólon aganglionar não evacuaram nas primeiras 24 h de vida. Entretanto, esse tempo para eliminação do primeiro mecônio em recém-nascidos pré-termo deve ser estendido para até 72 h sem significação patológica. Os r�cé� . nascidos em geral são bastante irritados, com baaa aceltaçao alimentar e desnutridos. A manipulação anal pode levar à eli minação de mecônio pelo recém-nascido, melhorando a disten são abdominal que, entretanto, logo se reinstala. O padrão de evacuações e distensão abdominal não responde ao tratamento cllnico, com dieta ou laxantes, exceção feita aos clisteres. A forma total tem quadro cllnico irregular e paradoxalmen te, em geral, é mais branda que a forma clássica, embora já es teja presente no período neonatal. A sintomatol? gia � ais l�e poderia ser explicada porque não há incoordenaçao peristáltica, uma vez que todo o cólon é aganglionar. Assim como na forma clássica. as crianças acometidas apresentam grave comprome timento ponderal. As formas curta e ultracurta têm sintomatologia leve, cons tituindo-se de constipação intestinal, com pouca ou nenhuma repercussão ponderoestatural, fazendo com que o diagnóstico muitas vezes ocorra mais tardiamente. A enterocolite é uma complicação grave do megacólon agan glionar, que pode ocorrer no recém-nascido ou mesm� no lac tente jovem e se caracteriza por diarreia profusa, f é tida co sangue e muco, intensa distensão abdominal e comprome timento do estado geral. . Perfuração do cólon ou apendicite podem ocorrer, compli cando a doença concomitantemente à enterocolite ou não, e são bastante sugestivas de megacólon aganglionar. A literatura refere que toda criança abaixo de dois anos com perfuração de cólon ou apendicite, mesmo com ausência de co�pação in testinal deve ser investigada para megacólon aganglionar. O toque reta! é de grande importância, pois caracteriza reto vazio. A presença de fezes em ampola retal só ocorre na consti pação intestinal do tipo funcional ou na forma ultracurta. Raios X simples de abdome são inespeclficos, podendo mos trar apenas fezes impactadas. O enema opaco é o exame de escolha, porque permite o diagnóstico pela demonstração de segmento estreitado distai, correspondendo ao segmento aganglionar, contrastando com o segmento dilatado proximal que corresponde ao segmento ganglionar normal, além de permitir avalia�o da_extensão d.o . cólon acometido. Entretanto, cuidados técrucos sao essenCiaiS para a realização do enema opaco:
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O exame deve ser realizado sem preparo prévio, pois o
preparo atenua a diferença de calibre entre o segmento acometido e o normal, uma vez que a dilatação do seg-
mento normal, ganglionar, é secundária ao acúmulo de
fezes.
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A quantidade de contraste deve ser pequena. pois gran des quantidades de contraste impedem a individualização dos segmentos. O perfil é a melhor posição para se realizar a radiografia, pois permite melhor visualização do retossigmoide. Na presença de estudo radiológico inconclusivo no re cém-nascido, repetir o exame após uma ou duas sema nas, pois as imagens tfpicas nem sempre estão presentes ao nascimento.
O enema opaco nas formas clássicas demonstra a diferença
de calibre entre a zona acometida (estreitada) e o segmento co Iônico ganglionar a montante (dilatado). Nas formas de agan glionose total, o enema opaco mostra cólon de calibre uniforme constante e apagamento das haustrações, não se observando diferenças de calibre entre os segmentos coIônicos e a zona de transição, uma vez que todo o cólon está acometido. Nas for mas curtas, o enema opaco é incaracterístico. A biopsia do reto e a manometria anorretal são os métodos mais fáceis e sensfveis para o diagnóstico da doença de Hirs chsprung. A biopsia da parede reta! cirúrgica ou a biopsia por sucção com coloração pela hematoxilina/eosina e por histoquímica pela acetilcolinesterase complementam o estudo, sendo confiáveis e seguras. A biopsia cirúrgica da parede reta! tem a desvantage di de exigir internação e anestesia geral, por se tratar de proce mento cirúrgico, mas permite a obtenção de fra gment repre sentativo, contendo submucosa e muscular, o que penrute, com segurança. pesquisar os plexos mioentéricos_de Aue�b�ch e os submucosos de Meissner. A biopsia por sucçao é maiS sunples, não requerendo internação e nem mesmo sedação, mas requer patologista experiente, pois o fragmento obtido dessa forma só representa mucosa e submucosa, sendo somente pos� í v el a �es . a devtdo colin tU quisa de plexos de Meissner. A presença de ace à hipertrofia de fibras colinérgicas pré-simpáticas que ocorre na doença é demonstrada através da coloração histoquímica com acetilcolinesterase e foi descrita pela primeira vez por Meier Ruge. Em criança maior de um ano, o padrão histológico clássi co consiste em fibrilas nervosas acetilcolinesterase-positivas em submucosa e muscular da mucosa e clara infiltração de fibras nervosas finas acetilcolinesterase-positivas em lâmina própria. De acordo com Brito e Maksoud, no recém-nascido e até o ter ceiro mês de vida este padrão clássico não é observado. Esses autores descrevem o padrão de recém-nascido que se caracte riza por troncos de fibras nervosas acetilcolinesterase-positiva em muscular da mucosa e submucosa, mas com ausência de atividade para acetilcolinesterase em lâmina própria. Padrão
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intermediário é encontrado entre essas idades. A manometria anorretal mede a pressão do esfíncter anal interno no momento em que um balão é distendido no reto. No individuo normal. essa pressão cai, enquanto, no paciente com a doença de Hirschsprung, essa pressão não cai ou, para doxalmente, se eleva. A acurácia diagnóstica é de 90%. A manometria anorretal está indicada principalmente na queles casos de forma curta e ultracurta, para diagnóstico dife rencial com constipação intestinal funcional, pois no megacólon aganglionar não ocorre resposta manométrica de relaxamento do esfincter interno ao aumento de pressão reta!.
• Condições associadas O megacólon aganglionar pode ocorrer isoladamente ou as sociado a diversas slndromes genéticas, principalmente àquelas
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 259 com falência de migração das células da crista neural, como adenomatose endócrina múltipla tipo 3, disautonomia fami liar, além de frequente associação com síndrome de Down, macro e microcefalia, surdez, ictiose, palato fendido, braqui dactilia e outras.
• Tratamento O tratamento é cirúrgico, estando indicado mesmo nos ca sos com evolução clínica favorável, devido ao risco de ente rocolite. O uso de clister para promover alívio da distensão das alças e para preparo cirúrgico deve ser bastante cauteloso, uma vez que o aumento de pressão na luz do cólon pode levar à ruptura de parede, além de facilitar bacteriemia com conse quente septicemia. O tratamento cirúrgico tradicional é realizado em dois tem pos. No primeiro tempo, é realizada colostomia ou ileosto mia, com boca única, dependendo do segmento acometido, na porção mais distal do segmento normal. A reconstrução do trânsito em segundo tempo está indicada a partir do segundo semestre de vida. Se as condições clínicas da criança forem boas, assim como se o preparo do cólon estiver adequado e houver certeza da extensão dos segmentos afetados, a cirurgia pode ser realizada em um único tempo. A presença de enterocolite contraindica a derivação, pois aumenta o risco de óbito por infecção, devendo-se manter trata mento clínico intensivo até que as condições clínicas da criança permitam derivação do trânsito intestinal. No paciente com aganglionose total, a reconstrução do trân
to, uma vez que, cada vez mais, se têm relatos do potencial de malignidade desses pólipos. Pólipos são tumores epiteliais que se projetam acima da mu cosa. São inúmeras as classificações dos pólipos intestinais utili zadas em literatura, mas, para o presente capítulo, utilizaremos a classificação de Cooper, que se baseia nas características his tológicas dos pólipos, podendo, dessa forma, ser classificados em pólipos neoplásicos e não neoplásicos. Os pólipos não neoplásicos podem ser, por sua vez, subdivi didos em: hamartomas, pólipos hiperplásticos e pólipos juvenis, enquanto os neoplásicos são representados por adenomas.
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Hamartomas - síndrome de Peutz-Jeghers
Hamartoma é um erro congênito do desenvolvimento tissu lar caracterizado pela mistura anormal de tecidos indígenas e que assume aspecto tumoral não neoplásico, primariamente, e pode estar presente já ao nascimento ou crescer excessiva mente no período pós-natal. Os pólipos do tipo hamartomas são formados por tecido glandular normal, entremeado por faixas de tecido muscular liso oriundo da muscular da mucosa. Das síndromes clínicas que apresentam pólipos hamartomatosos, a síndrome de Peutz Jeghers é a mais importante pela sua frequência.
• Conceito A síndrome de Peutz-Jeghers é uma doença genética, de caráter autossôrnico dominante, de penetrância variável e alta, que se caracteriza por pólipos hamartomatosos em todo o trato
sito intestinal é feita com a anastomose do íleo com o reto. En tretanto, a fim de se minimizar a diarreia consequente à perda do cólon, pode-se proceder à anastomose longitudinal do íleo terminal com a porção aganglionar do retossigmoide. Tal pro cedimento não compromete a motilidade intestinal e permite a absorção de água através da mucosa colônica. A anorretomiectomia está n i dicada para as formas curtas de megacólon agangliônico, mas o sucesso terapêutico nestes
gastrintestinal e pigmentação mucocutânea (palma das mãos, planta dos pés e mucosa oral).
casos é bastante discutível. Após a reconstrução do trânsito intestinal, é comum a in continência fecal, que em geral regride com o treinamento es fincteriano. Porém a incontinência fecal pode ocorrer de forma permanente e está em geral relacionada com traumatismos por ocasião da reconstrução do trânsito intestinal. A intolerância à lactose é comum nesses pacientes após a reconstrução do
Os sintomas digestivos podem ocorrer desde a idade escolar, porém a grande maioria dos pacientes inicia os sintomas por volta dos 30 anos de idade, com dor abdominal, sangramento digestivo, oculto ou não, e obstrução intestinal por intussus cepção. A hemorragia oculta a partir da ulceração dos pólipos é responsável pela anemia ferropriva dos pacientes. O trânsito intesinal t e o enema opaco demonstram a presen
trânsito, estando então indicadas, nestes casos, dietas isentas de lactose. No momento atual, o tratamento cirúrgico evoluiu muito com a introdução da cirurgia laparoscópica, nos centros que dispõem desse recurso. Dessa forma, os passos iniciais e poste riores se modificaram, assim como a indicação de colostomia descompressiva, em favor de cirurgia definitiva em tempo pre coce e com menos complicações. Muitos autores têm preferi
ça de pólipos em intestino delgado e cólons, respectivamente. O estudo endoscópico do tubo digestivo, alto e baixo, confirma a presença dos pólipos nesta região, não alcançando o delgado médio. Permite a coleta de pólipos para exame histológico que confirma o diagnóstico. A associação com tumores de pulmão, ovário, mama e úte ro ocorre em idade mais jovem em relação à população geral. Embora tenha sido considerada como de baixo risco de malig
do e obtido melhores resultados com a cirurgia videolaparos cópica transanal, que consiste no abaixamento transanal com mucossectomia. Esfincterectomia parcial do esfíncter interno é importante no resultado final.
nização, desde 1969 são relatados casos em literatura de câncer gástrico, de duodeno e cólon em pacientes com síndrome de Peutz-Jeghers. o método de colonos Neste último decênio, foi ntroduzido i copia virtual por tomografia computorizada. Esse exame permite detectar pólipos com dimensões iguais ou superiores a 1 em, não requer sedação e é de curta duração (15 min), e futuramente sua difusão facilitará o diagnóstico das poliposes colônicas.
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POLI POSES INTESTINAIS
Embora os pólipos intestinais não estejam presentes ao nas cimento na grande maioria dos casos, algumas condições serão discutidas neste capítulo devido às características hereditárias, às vezes presentes, e à sua importância quanto ao seguimen-
• Diagnóstico A pigmentação anômala nos lábios em geral aparece na in fância, e a pigmentação da mucosa da boca está presente em 80% dos portadores desta síndrome, precedendo as lesões cutâ neas, que são encontradas em menos de 5% dos pacientes.
• Tratamento Se não houver complicações decorrentes dos pólipos, como sangramento incontrolável clinicamente ou intussuscepção,
260 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso o tratamento é conservador, com seguimento adequado para detecção precoce de transformação maligna.
fase de lactente até a idade adulta, entretanto apenas 15% dos pacientes têm diagnóstico realizado acima dos 18 anos. Existe
A ressecção endoscópica seriada está indicada, porém a gran de quantidade de pólipos pode tornar o procedimento imprati
discreta predileção pelo sexo masculino, em uma frequência de 1,4 a 2/1. Apesar de acometer principalmente a raça branca,
cável. A ressecção de segmentos do trato gastrintestinal estaria condicionada às situações em que houvesse comprometimento
dois casos foram descritos na raça negra. Na experiência das autoras, foi verificado polipose juvenil colônica em uma meni
O prognóstico é bom, porém controles rígidos para detecção precoce de transformação maligna dos hamartomas são neces
teropatia perdedora de proteína, sangramento digestivo alto ou baixo e intussuscepção. São descritas associações com fístulas
sários, assim também como dos outros tumores que podem estar associados à própria síndrome.
arteriovenosas em cérebro, pulmões e fígado em aproximada mente 15% dos casos, telangiectasias hemorrágicas múltiplas
da viabilidade da alça, mas, sempre de modo racional, a fim de se evitar síndrome do intestino encurtado.
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Pólipo juvenil e polipose juvenil
• Conceito O pólipo juvenil ou pólipo inflamatório é constituído por dilatações císticas das glândulas, circundadas por edema e in filtrado inflamatório, com presença frequente de superfície ul cerada e formação de tecido de granulação. O pólipo juvenil pode ser único e ocorrer isoladamente no cólon, caracterizando o pólipo juvenil solitário ou múltiplo (po lipose), acometendo todo o cólon napoliposejuvenil colônica e ainda comprometendo todo o trato gastrintestinal na polipose
na de cor parda. O quadro clínico é variável, podendo ocorrer anemia crônica ferropriva, edema e hipoalbuminemia por en
de trato gastrintestinal e osteoartropatia hipertrófica. O trân sito intestinal e o enema opaco demonstram a presença de pó lipos, que também podem ser observados e ressecados através da colonoscopia e endoscopia digestiva alta. O diagnóstico de
certeza também aqui só será possível pela histologia. Ultras som de abdome, raios X de ossos longos e tórax e tomografia computadorizada de tórax são indicados para investigação das anomalias associadas.
• Tratamento O tratamento deve ser conservador, com ressecção endos cópica sempre que possível. A ressecção cirúrgica do cólon ou
A conceituação de polipose também é de extrema impor
segmentos de delgado está indicada para os casos de sangra mento e perda proteica incontroláveis cinicamente, l devendo-se
tância. Os pólipos juvenis sempre foram considerados lesões benignas quanto ao risco de neoplasias; porém, em 1974, Sa
ter em mente os riscos da síndrome do intestino encurtado em ressecções amplas. Devido ao risco aumentado de neoplasias, o
chatello et al. chamaram a atenção para a presença de displasias nesses pólipos e a maior incidência de carcinoma de cólon em pacientes e familiares com pólipos múltiplos em relação à po
controle endoscópico a cada ano é imprescindível. Alguns auto res discutem a colectomia total a partir da época do diagnóstico
juvenil generalizada.
pulação em geral. Com base nestes achados, a literatura vem discutindo o número de pólipos juvenis necessários para se
caracterizar polipose. Neste sentido, Giardello et al., em 1991, propuseram que três pólipos juvenis, ou qualquer número de pólipos em indivíduo com história familiar, fazem o diagnós tico de polipose juvenil e propõem rígido controle desses in divíduos devido ao risco de neoplasias.
devido ao risco de neoplasia. Entretanto, principalmente em criança, é considerado que o controle rígido por endoscopia e colonoscopia seja o adequado.
•
Pólipos neoplásicos - polipose cólica familiar
• Conceito Os adenomas são os representantes dos pólipos neoplásicos
• Etiologia
e podem ser classificados em tubulares, vilosos e mistos. São importantes clinicamente, pois são lesões reconhecidamente
Em 1970, Sachatello et al. chamaram a atenção, pela primeira vez, para o caráter hereditário da polipose juvenil, tanto colôni
pré-malignas. As síndromes clínicas com pólipos adenomato sos são a polipose cólica familiar, a síndrome de Gardner e a
ca como generalizada. Aproximadamente 1/3 dos casos de poli pose apresentam caráter autossômico dominante, enquanto os
síndrome de Turcot. A polipose cólica familiar pode ter mani festação precoce na infância, sendo as outras duas, embora de
restantes apresentam-se na forma de mutações livres. Esse fato é de extrema relevância, no aconselhamento genético do casal
caráter hereditário, de aparecimento mais tardio. Os pólipos intestinais não são obrigatórios nestas duas últimas síndromes,
que tem um filho afetado, pois enquanto o risco de recorrência na herança autossômica dominante é de 50%, na mutação livre
ocorrendo em apenas 35% dos casos. A polipose cólica familiar é uma doença de caráter heredi
o risco é praticamente desprezível.
tário autossômico dominante, descrita pela primeira vez por Menzel em 1821, embora 20% dos casos representem mutações novas. A criança, porém, não nasce com a doença, apenas herda a tendência das células epiteliais colônicas de se proliferarem
• Diagnóstico O pólipojuvenil solitário é bastante comum na criança e está restrito ao cólon. A sintomatologia consiste principalmente em sangramento retal, podendo haver protrusão do pólipo através do ânus ou mesmo autoamputação em até 10% dos casos. O toque retal pode permitir palpação de massa correspondente ao pólipo, quando de localização mais distai, e enema opaco
na adolescência ou fase adulta, desenvolvendo pólipos adeno matosos no cólon.
• Diagnóstico A sintomatologia raramente surge antes dos 10 anos de ida
à visualização de imagem correspondente ao pólipo. Entre tanto, o diagnóstico de certeza só será firmado pela histologia
de; na adolescência e no adulto jovem, os pólipos frequente mente aparecem. A sintomatologia se constitui de diarreia, que
característica após a exérese, por colonoscopia ou retossigmoi doscopia.
a princípio pode ser leve e intermitente, passando a intensa, com presença de muco e sangue, dor abdominal, emagrecimen
O diagnóstico da maioria dos pacientes compoliposejuvenil acontece na idade pré-escolar, embora possa ocorrer desde a
to e anemia. Se já existe a presença de carcinoma, pode haver obstrução intestinal e perfuração. O toque retal pode revelar a
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 261 presença de inúmeros pólipos. O enema opaco é importante mas, às vezes, não possibilita a visualização de micropólipos. A colonoscopia com ressecção ou biopsia do pólipo é exame obri gatório, pois o diagnóstico de certeza só é dado pelo exame his tológico que deve dar especial atenção à presença de displasias ou alterações para adenocarcinoma. A presença de hipertrofia do epitélio pigmentar da retina, segundo alguns autores, é um bom marcador da polipose cólica familiar, pois pode anteceder, em muitos anos, o aparecimento dos pólipos. • Tratamento O tratamento é essencialmente cirúrgico, uma vez que 60% dos pacientes já apresentam carcinoma no momento do diag nóstico. Três abordagens cirúrgicas são possíveis: a) cirurgia ampla com proctossigmoidectomia total com ileostomia ter minal definitiva; b) colectomia subtotal com excisão da mucosa retal e abaixamento transretal do íleo com reservatório; c) co lectomia total com preservação do reto e anastomose ileorretal. Entretanto, nesta última opção, devido à manutenção do reto (e, consequentemente, dos pólipos que podem ser cauteriza dos em seção única ou em várias), o controle colonoscópico a cada seis a 12 meses é imperioso para detecção de transforma ção maligna.
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DESORDEM DE DESENVOLVIMENTO DO TECIDO CONECTIVO Síndrome de Ehlers-Danlos
• Conceito A síndrome de Ehlers-Danlos é resultante de alterações con gênitas do tecido conectivo e se caracteriza por uma variedade de sinais e sintomas, incluindo hipermobilidade articular, fa cilidade de adquirir escoriações, hiperextensibilidade da pele, algumas vezes escaras atróficas, pseudotumores moluscoides e epicanto. • Classificação Há pelo menos 10 tipos da síndrome; no entanto, apenas o tipo IV apresenta sintomatologia gastrintestinal. • Etiologia da síndrome de Ehlers-Danlos- tipo IV A síndrome de Ehlers-Danlos - tipo IV é uma mutação no gene COL 3A1 do braço longo do crossomo 2, levando à anor malidade na produção do colágeno tipo III. Doença de herança autossômica dominante. • Diagnóstico Neste tipo IV, a hipermobilidade articular (em extensão e flexão) e a hiperextensibilidade da pele são menos acentuadas do que nos demais tipos. A pele é fina e transparente, dando ao dorso da mão aspecto senil (acrogeria) e no tronco permi te visualizar uma vascularização proeminente. Os cabelos são esparsos e os olhos, proeminentes. Em membros inferiores, a presença de hematomas é frequente, notando-se, também, em face anterior do joelhos, numerosas escaras nacaradas. A fragilidade do tecido colágeno das camadas musculares do tubo digestório condiciona a ocorrência de perfurações es pontâneas, com peritonite tamponada ou não, manifestadas como quadro abdominal agudo de repetição e de graus varia dos de gravidade.
A fragilidade das paredes vasculares leva à formação de aneurismas e ruptura de artérias, sendo as mais atingidas as artérias ilíacas, esplênicas e renais. A confirmação diagnóstica se faz por biopsia cutânea com a identificação do defeito de formação do colágeno III. • Tratamento Não há terapia específica direta do defeito molecular da sín drome de Ehlers-Danlos. A terapia de suporte inclui a preser vação da função articular, através de exercícios planejados e a prevenção da constipação intestinal pelo uso de dieta rica em fibras. O reparo cirúrgico dos vasos rompidos ou víscera interna é extremamente difícil devido à friabilidade dos tecidos. O quadro perfurativo intestinal recorrente, de acordo com a experiência das autoras, pode ser tratado, em alguns episódios, clinicamente, de modo expectante com suporte nutricional pa renteral e antibióticos, ou, em outros, com abordagem cirúrgica adequada ao processo. É aconselhável evitar exercícios intensos, por risco de ruptura de vísceras, assim como evitar gravidez, pois o risco de ruptura uterina é grande.
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ANOMALIAS CONGÊNITAS DOS VASOS DO INTESTINO DELGADO E GROSSO
As anormalidades dos vasos do intestino delgado e grosso incluem hemangiomas e telangiectasias. São responsáveis por um terço dos casos de perdas sanguíneas crônicas do intesti no. Representam um desafio ao médico devido à dificuldade na sua identificação e suas limitações terapêuticas, principal mente em crianças com anomalias vasculares amplas do trato gastrintesinal. t •
Hemangiomas
• Conceito São considerados neoplasias verdadeiras, pois representam um crescimento do espaço vascular com caráter regenerativo e proliferativo. • Frequência Um quarto dos casos de hemangiomas do intestino se ma nifestam no primeiro ano de vida. A maioria das crianças são diagnosticadas após os 12 anos de idade, depois de anos de sangramento intestinal e transfusões sanguíneas, sem esclare cimento etiológico. O intestino delgado é acometido isoladamente em cerca de 35% dos casos e, em conjunto com o intestino grosso, ao redor de 45% dos casos. • Diagnóstico Os hemangiomas capilares podem ser assintomáticos ou evoluir com fases de sangramento digestivo, alto ou baixo, in tercaladas por períodos assintomáicos. t Os hemangiomas ca vernosos costumam se manifestar com hemorragias profusas e, em algumas vezes, com sintomas de dor abdominal em decor rência de invaginação intestinal. Apresentam, também, perío dos assintomáticos. Em ambos os tipos de hemangiomas, pode ocorrer sangra mento discreto, oculto, de longa duração (anos) com desenvol vimento de anemia crônica de difícil diagnóstico.
262 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso A confirmação diagnóstica é sempre endoscópica, para os de regiões acessíveis por este método. Os hemangiomas capilares se mostram como manchas vermelho-vivas e os cavernosos, como lesões vinhosas, polipoides ou não. A presença de hemangioma cutâneo pode orientar na busca de hemangioma intestinal. Se a endoscopia não localizar o local de sangramento, deve se indicar cintigrafia com 99mTc enxofre coloidal (hemorragia ativa) ou com hemácias marcadas com 99mTc. Outro recurso complementar é arteriografia seletiva, de difícil execução em crianças muito pequenas.
• Tratamento Ver adiante. •
Telangiectasia
• Conceito Não são considerados tumores vasculares, mas ectasias da vascularização normal, preexistente, sem caráter de prolifera ção e regeneração.
• Frequência Sua frequência é de 1 a 2 para 100.000 da população geral.
• Diagnóstico Duas formas clínicas são de caráter congênito, mas de ma nifestação tardia, em geral na s• década. Uma delas érepresentada pela doença de Rendu-Osler-Weber, na qual as telangiectasias são localizadas na língua, superfície mucosa dos lábios, na face, conjuntiva, orelhas, dedos, nariz e em todo o tubo digestivo. O sangramento digestivo pode ser alto e/ou baixo, sem dor abdominal. Alguns casos são acom panhados de cirrose hepática e outros por fístula arteriovenosa pulmonar. A segunda forma congênita é a angiodisplasia que acome te principalmente o delgado alto e pode ter extensões muito amplas. O roteiro diagnóstico é igual ao indicado para os heman giomas.
• Tratamento
O divertículo de Meckel pode ser livre (74%), ou ligado (26%) por faixas fibrosas ao umbigo.
• Frequência Uma incidência de 1 a 4% é comumente descrita na popula ção geral e esse divertículo pode ser diagnosticado em qualquer idade. Segundo Soltero e Bill, o risco de o portador de divertí culo de Meckel desenvolver sintomas é em torno de 4 a 6% dos casos, e este risco diminui com a idade. A incidência no sexo masculino e no feminino é cerca de 2,7:1.
• Etiologia A falência na obliteração do dueto onfalomesentérico, o qual conecta o saco vitelino ao trato intestinal, da s• à 7• semana in trauterina, determina a ocorrência do divertículo de Meckel.
• Diagnóstico Mayo descreveu em 1933 que frequentemente se suspeita do divertículo de Meckel, e esse divertículo é pouco diagnosticado e raramente encontrado. Alguns casos de divertículo de Meckel são assintomáticos e diagnosticados acidentalmente em laparotomia por outras causas, como, por exemplo, devido à apendicite aguda. Quando manifesto, as formas de apresentação do divertí culo de Meckel são: a) quadro obstrutivo (30% dos casos) em decorrência da presença de bandas peritoneais ligando o divertículo ao mesentério ou ao umbigo, e, também, da presença de tecido pancreático ectópico. Em ambas as situações, é possível se desenvolver vólvulo ou invaginação; b) quadro de hemorragia digestiva (27% dos casos) e, destes, 60% manifestam-se em crianças menores de dois anos de idade. A causa da hemorragia em 96% dos casos é a presença de mucosa gástrica ectópica que provoca ulce ração péptica no próprio divertículo ou na mucosa ileal adjacente. Esta ulceração pode, também, se aprofundar, ocasionando perfuração e peritonite ou hemoperitônio. O uso de anti-inflamatório não hormonal pode agravar a ulceração péptica no divertículo com mucosa gástrica ectópica; c) diverticulite com perfuração ou não;
O tipo de tratamento nas anomalias vasculares intestinais depende de muitos fatores, incluindo tipo, localização e número de lesões. Pacientes com poucos hemangiomas em segmento intestinal bem definido podem ter tratamento cirúrgico. Quan do as lesões são múltiplas e limitadas pelo tamanho, poderá ser realizada fotocoagulação. Algumas vezes, é necessário repetir o tratamento.
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PERSISTENCIA DE RESTOS EMBRIONÁRIOS
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Divertículo de Meckel
• Conceito � um remanescente do dueto onfalomesentérico, sendo a
mais comum anormalidade congênita do n i testino delgado. Descrito pela primeira vez por Fabricus Hildanus em 1598, e, mais detalhadamente, por Johann Meckel em 1809. Em cerca de 90% dos casos, está localizado cerca de 20 a 80 em dajunção leocecal. i Possui, na sua formação, todas as camadas do intesti no e, frequentemente, contém um tecido ectópico, geralmente a mucosa gástrica.
Figura 27.4 A e B Raios X contrastados de intestino delgado mos trando a imagem do divertículo de Meckel (seta).
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 263 • Tratamento Quando encontrado ocasionalmente na laparotomia explo radora, seu tratamento continua controverso, particularmente na população pediátrica. Ele deverá ser ressecado se houver suspeita de mucosa ectópica ou se houver ligamento ao umbi go ou ao mesentério através de bandas fibrosas, como medida preventiva. O divertículo de Meckel complicado por sangramento, pro cesso inflamatório, perfuração ou obstrução deve ser sempre operado. A diverticulectomia está indicada se a complicação estiver restrita ao divertículo, sem comprometimento da parede intesti nal adjacente. Entretanto, se essa parede estiver comprometida, está indicada ressecção segmentar da alça com o divertículo e anastomose terminoterminal. Todos esses procedimentos po dem ser realizados com sucesso por via laparoscópica.
60min.
Figura 27.5 Imagem cintigráfica do divertículo de Meckel (seta).
d) quadro umbilical já no período neonatal, com granu lomas, drenagem de fluidos pelo umbigo e cisto um bilical. A cintigrafia para pesquisa de divertículo de Meckel é posi tiva em 85% dos casos. O uso de pentagastrina endovenosa ou cimetidine VO pode melhorar a positividade do teste. A colo noscopia e a endoscopia digestiva alta afastam outras causas de sangramento intestinal. A arteriografia e estudos contrastados devem apenas ser rea lizados se o sangramento persistir e se os exames anteriores foram normais.
• Condições associadas
Situs inversus totalis.
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DOENÇA DO MECÔNIO
São n i cluídas dentro deste item as doenças resultantes de ação nociva do mecônio que ou bloqueia o lúmen intestinal ou patologicamente se locaiza l na cavidade peritoneal. Embora grande parte dos casos de doença meconial esteja associada à mucoviscidose, outras condições podem ocasionar esta doença. Sob ponto de vista clínico, a doença do mecônio pode ser dividida em quatro categorias:
1 íleo meconial; 2 rolha de mecônio; 3 peritonite meconial; 4 equivalente tardio do íleo meconial. -
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As primeiras três situações manifestam-se logo ao nasci mento, mas a quarta pode surgir no paciente mucoviscidótico em qualquer período da vida.
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Íleo meconial
• Conceito
É uma obstrução n i testinal intraluminal que ocorre no perío do neonatal, caracterizada pela presença anormal de mecônio viscoso e espesso, levando à obstrução do intestino delgado, geralmente no íleo terminal, descrito pela primeira vez por Landsteiner em 1905.
• Frequência De todos os casos de obstrução intesinal t no recém-nascido, 9 a 33% são ocasionados por íleo meconial. Dos pacientes com íleo meconial, detectou-se mucoviscidose entre 25 e 80% dos casos; dentre os pacientes com mucoviscidose, 10 a 16% deles relatam íleo meconial ao nascimento.
• Classificação Pode ser classificado em duas categorias: 1) simples, ou não complicado, quando o mecônio anormal causa uma simples obstrução no íleo distal, onde se encontram muitas concreções de mecônio; 2) complicado, quando a massa de mecônio espes so funciona como um fulcro, levando ao desenvolvimento de vólvulo, perfuração e peritonite meconial cística gigante.
Figura 27.6 Peça cirúrgica de um divertículo de Meckel retirado de paciente do sexo masculino, de 1 2 anos de idade, com história de en terorragia intensa e indolor, decorrente de sangramento desse divertí culo. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
• Doenças associadas Além da fibrose cística, o íleo meconial pode estar associa do à doença de Hirschsprung, à insuficiência pancreática não
264 Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso mucoviscidótica, à atresia intestinal e à pseudo-obstrução intestinal crônica.
• Etiologia A análise química do mecônio espessado revela um aumento de até 50 vezes da albumina deglutida com o líquido amniótico. Nos casos de íleo meconial em pacientes com mucoviscidose, possivelmente esta superconcentração de albumina se deva à redução do teor de água do lúmen intestinal em decorrência da não secreção de cloro pelos canais de cloro das criptas intesti nais. Não havendo secreção de cloro, não há secreção de água. Além disso, a água continua sendo absorvida acompanhando l ulas vilositárias. a absorção de sódio pelas cé No íleo meconial dos não mucoviscidóticos, não se conhece a razão desta concentração proteica.
• Diagnóstico pré-natal O USG pode mostrar sinais sugestivos do íleo meconial a partir do 6" mês de vida fetal pela presença de magem i de massa hiperecogênica localizada na fossa ilíaca direita. A persistência dessa imagem além da 3oa semana constitui forte indício na confirmação desse diagnóstico, embora exigindo grande ex periência do examinador.
• Diagnóstico No recém-nascido a termo, a forma de apresentação mais frequente é distensão abdominal, vômitos biliosos e falha na eliminação do mecônio, mas o recém-nascido é capaz de to lerar várias refeições antes de desenvolver sinais de obstrução intestinal e, assim, o diagnóstico pode ser retardado por 24 ou 48 h. Raios X simples de abdome mostram sinais de dilatação de alças, comum a qualquer quadro obstrutivo, mas a presença de imagens em bolha de sabão no quadrante inferior direito, acres cida da ausência de níveis hidroaéreos na posição ereta, sugere o diagnóstico de íleo meconial. O enema opaco auxilia na con firmação diagnóstica, mostrando a presença de microcólon e, se houver refluxo ileal, aparecerá imagem de falha no enchimento ileal compatível com a presença de concreções de mecônio.
•
• Conceito A primeira descrição dessa entidade data de 1956, por Cla twothy et al. É definida como uma obstrução intestinal, geral mente ao nível do íleo terminal e cólon esquerdo, provocada por mecônio anormalmente espessado. Classicamente, é descrita em recém-nascidos com fibrose cística, mas pode ocorrer em outras situações como hipomotilidade colônica por hipermag nesemia, ou por alteração da motilidade colônica, nas miopatias viscerais, na síndrome pseudo-obstrutiva, na inércia cólica do recém-nascido e na doença de Hirschsprung.
• Diagnóstico O quadro clínico é de distensão abdominal com nenhuma ou pequena eliminação de mecônio. O enema opaco mostra defeitos de enchimento do cólon devido a uma ou mais rolhas de mecônio, ou cólon esquerdo com obstrução abrupta. O exame pode se tornar terapêutico, pois, com a eliminação do contraste, pode haver a eliminação da rolha de mecônio, embora, por vezes, seja necessária a rea lização de enemas sainos l para a desobstrução colônica. A realização de biopsia retal para se afastar megacólon agan gliônico é mandatória, além da dosagem de cloro no suor para se afastar fibrose cística.
• Tratamento A desobstrução com clister salino ou com Gastrografina é indicada, podendo-se adicionar N-acetilcisteína, que é um mu colítico, e favorece, através de contato prolongado com o me cônio, a sua fluidificação e consequente eliminação. Cuidados são necessários com volume e pressão na introdução da solu ção de clister, pois pode haver ruptura de parede intestinal e facilitação de disseminação bacteriana, levando à septicemia. O tratamento cirúrgico é bastante raro, reservando-se aos ca sos complicados com perfuração, ou com falência de resposta ao tratamento clínico.
• Tratamento O íleo meconial simples deve ser tratado de modo conser vador, conforme esquema instituído por Noblett em 1969, com enemas de Gastrografina diluído 3:1 ou 4:1 em água e adminis trados lentamente pelo reto. A maioria dos pacientes necessita de quatro ou mais enemas para liberar a obstrução intestinal. A solução chega no íleo terminal e se mistura com o mecônio espesso. Geralmente após 24 a 48 h, ocorre a passagem de me cônio semilíquido. Há registro de 11% de perfuração relacionada com o uso de enema com Gastrografina. Alguns autores diluem a Gastrogra fina a baixas concentrações, pois, reduzindo a osmolaridade, o risco de perfuração também se reduz.
Rolha de mecônio
•
Peritonite meconial
• Conceito A peritonite meconial é definida como uma peritonite assép tica e química, causada pela presença de mecônio na cavidade peritoneal devido à perfuração n i testinal e calcificação ainda na fase intrauterina. A primeira descrição foi feita em 1761 por Morgagni, mas a primeira operação bem-sucedida de que se tem relato é de 1943, por Agerty.
• Etiologia e patogênese A perfuração intestinal ocorre principalmente devido à obs
Outro método inclui o uso da N-acetilcisteína por sonda nasogástrica que permite a desobstrução em 30% dos casos. Alguns pacientes com íleo meconial, mau estado geral e con taminação do abdome com mecônio necessitam de gastrosto mia com dupla boca. Os casos complicados com vólvulo e atre sia necessitam de ressecção intestinal e anastomose primária.
trução intestinal, que pode ser causada por íleo meconial, atresia intestinal, estenose, vólvulo, faixas aderenciais peritoneais con gênitas, gastrosquise e megacólon aganglionar, embora possa
• Prognóstico
intestinais e calcificação. O local da perfuração, muitas vezes, não é encontrado devido às adesões. Se, entretanto, não existir tamponamento adequado e o mecônio continuar extravasando
A mortalidade com o tratamento conservador do íleo me conial é de cerca de O a 15%. A mortalidade para pacientes que apresentam perfuração intestinal é alta, ao redor de 50% dos casos.
não haver evidências de obstrução intestinal. O mecônio esté ril, extravasado através de uma perfuração intestinal, induz a uma peritonite química, devido à ação das enzimas digestivas nele contidas, levando à adesão fibrosa, aglutinação das alças
para a cavidade peritoneal, pode haver formação de aderência entre as alças do tipo fibrinoso, mais frouxo.
Capítulo 27 I Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e Grosso 265 • Diagnóstico pré-natal Pelo USG, se o examinador estiver atento a essa possibili dade, o diagnóstico pode ser realizado a partir da 26'1 semana pela presença de poli-hidrâmnio, ascite, massa hiperecogênica, dilatação digestiva e calcificação. Esses três úlimos t achados são nstávei i s e não obrigatoriamente simultâneos, e as calcificações, por serem minúsculas, exigem exame atento e minucioso. • Diagnóstico A sintomatologia ocorre logo após o nascimento, com gra ve e progressiva distensão abdominal, com eritema e edema de parede abdominal. O abdome pode estar tenso e distendi do, com massa palpável. A distensão abdominal pode levar a desconforto respiratório, e o sequestro hídrico pode provocar hipovolemia. Em recém-nascido feminino com peritonite meconial, pode ser visto mecônio na vagina como resultado da passagem do mecônio para os tubos falopianos e o útero. Em meninos com peritonite meconial, o escroto pode se aparecer escuro como resultado de passagem de mecônio intraperitoneal para dentro da bolsa escrotal e, às vezes, já calcificado. O achado ao exame radiológico simples de abdome é variável com o tipo de peritonite, sendo comum o aparecimento de cal cificações, que podem ocorrer em até 24 h após a perfuração. É m i portante a diferenciação entre calcificações intraperitoneais e calcificações intraluminais, que não têm significação clínica. • Tratamento Os casos sem sinais obstrutivos devem ter conduta expectan te, sendo a indicação cirúrgica reservada aos casos com sinais obstrutivos ou com sinais infecciosos, realizando-se ressecção dos segmentos atrésicos e inviáveis. O prognóstico é relativa mente bom, embora possam ocorrer novas obstruções. •
Equivalente do íleo meconial
Condição relativamente rara. Ocorre em pacientes mucoviscidóticos, com tratamento ina dequado em relação às enzimas pancreáticas. O quadro obs trutivo pode ser mais tardio, na época escolar, descrito como equivalente meconial, com sintomatologia de dor abdominal em cólica, vômitos, alteração no hábito intestinal, constipa ção intestinal, distensão abdominal e, às vezes, sangramento re tal. O tratamento é igual ao do íleo meconial simples. •
LEITURA RECOMENDADA
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Sín d rome de Má Absorção I ntestinal Lorete Maria da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Renato Mitsunori Nisihara
•
DEFINIÇOES
Os termos "sindrome de má absorção" ou "síndrome disab sortiva" podem ser definidos como qualquer síndrome etiolo gicamente relacionada com alguma anormalidade na absorção pelo intestino delgado. Com este embasamento, uma grande variedade de condições necessitam ser investigadas e diferencia das. Adicionalmente, como o conhecimento é contínuo, outras afecções poderão ser agregadas, no futuro. Considera-se a md digestão como resultante dos problemas concernentes à hidrólise do conteúdo luminal e má absorção ou disabsorção o impedimento ao transporte através da mu cosa. Entretanto, na prática clinica, má absorção é usada para descrever o resultado final de ambos os processos. Quando um amplo espectro de nutrientes está envolvido, denomina-se pan md absorçao ou pandisabsorção; e, se apenas um ou uma classe de nutrientes está implicado, m á absorção seletiva ou especlftca. Tais conceitos podem ser úteis no diag nóstico diferencial dessas doenças.
•
CLASSIFICAÇOES
Para facilitar o raciocínio, a condição principal é a de se incluir o caso sob um título geral da síndrome de má absor ção, como indicado nos quadros do capítulo. As listas não são e.xaustivas. Sabendo-se que o conhecimento relacionado com a etiologia de muitos distúrbios pode ser modificado, novas formas de classificação poderão surgir. Além disso, existe a possibilidade de se mudar o enquadramento da afecção. Estima-se que diariamente as pessoas consumam cerca de 2.000-3.000 calorias em alimentos. A maior parte dessa carga calórica está na forma de polímeros ou outros compostos com plexos que devem ser cindidos em pequenas moléculas para serem transportados através da mucosa do intestino delgado. Assim, protefnas são clivadas em oligopeptídios e aminoácidos; o amido é quebrado em monossacarídios; e as gorduras são transformadas em ácidos graxos e monogliceridios. Os pro cessos de digestão e absorção são complexos e, muitas vezes, prejudicados e podem originar cerca de 200 condições associa das a defeitos em tais processos, possivelmente gerando grande . preJwzo ao orgamsmo. .
266
'
A digestão e a absorção normais podem ser divididas em estágios sequenciais: • • •
•
hidrólise na membrana do enterócito; hidrólise e solubilidade luminais; absorção através da membrana do enterócito e proces samento celular; captação do enterócito para o sangue e a linfa.
No estágio luminal, proteínas, carboidratos e lipídios são hldrolisados por enzimas liberadas pelas glândulas salivares, estômago e pâncreas. A bile do figado participa do processo, criando um meio orgânico de solubilização envolvido na di gestão dos lipídios. A digestão continua ao nível da membrana celular, onde ocorre a hidrólise dos peptídios e dissacaridios pelas enzimas da borda estriada. A seguir, há absorção celular de aminoácidos, pequenos peptídios, monossacarídios, monogli cerídios e ácidos gr axos. Já dentro do enterócito, os nutrientes são processados. Água e pequenas moléculas também podem ser absorvidas por rota paracelular. Os nutrientes absorvidos são então transportados para dentro dos vasos sanguíneos e lin fáticos e, então, levados a órgãos distantes para armazenamento e/ou metabolismo. Qualquer alteração que afete algum desses estágios pode levar à má digestão e/ou má absorção. As Figuras 28.1 a 28.3 resumem a digestão, absorção e trans porte de nutrientes, e também demonstram as principais afec ções de acordo com a fase alterada. Obviamente, há algumas que alteram mais fases do que as assinaladas. O modelo idealizado por Campos, ao acompanhar os passos da fisiologia da digestão, absorção e transporte dos nutrientes, oferece uma sistemática que confere objetividade na aborda gem do caso clínico, consistindo em uma ordenação lógica e com aplicação didática ímpar. Tais propriedades a elevam ao nível de excelência e contribuem para facilitar o alcance dos objetivos apontados (Figura 28.4). Assim, do ponto de vista fisiopatológico, as causas de má ab sorção podem ser divididas em condições clinicas associadas a: •
impedimento da hidrólise luminar ou solubilização (ór gãos da djgestão:
Causas pré-epiteliais ou pré-entéricas; •
impedimento da função da mucosa (hldrólise na mucosa, captação e empacotamento através do epitélio colunar):
Causas epiteliais ou entéricas;
Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal 267
LÚMEN INTESTINAL DIGESTÃO
ENTERÓCITO
SANGUE - LINFA
DIGESTÃO/ABSORÇÃO
CAPTAÇÃO
TRANSPORTADOR
OLIGOE DISSACARIDIOS
DISSACARIDASES
GLICOSE E GALACTOSE
CARBOIDRATOS
GLICOSE
ENZIMAS PANCREÁTICAS
HIDRÓLISE Fibrose cfstica Síndrome de Shwachman Deficiência de amilase
· TRANSPORTADOR
�
-
BORDA ESTRIAOA
TRANSPORTE
Linfangiectasia intestinal Doença de Whipple
DIGESTÃO ABSORÇÃO Deficiência de lactase Má absorção de Deficiência de sacarase glicose e galactose Deficiência de isomaltase AMBAS
Agressões à mucosa Síndrome do intestino curto Doença celfaca Espru tropical
Figura 28.1 Digestão e absorção dos carboidratos da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de hidratos de carbono.
FÍGADO B. Solubilização micelar
PÂNCREAS A. Lipólise
AG
LINFÁTICOS O. Transporte
Esterificação
...
MG ENZIMAS PANCREÁTICAS
MUCOSA JEJUNAL C. Absorção
�-� /•').,.
SAIS BILIARES
LIPÓLISE SOLUBILIZAR MICELAR Fibrose cistica Doença colesática t do fígado Depleção do pool de ácidos bíliares Síndrome de Shwachman Deficiência de enteroquinase Pancreatites
Quilomfcrons
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BORDA ESTRIAOA
..
© I
Aos tecidos para utilização
I I APO �
FORMAÇÃO DE QUilOMiCRONS TRANSPORTE
ABSORÇÃO Abetalipoproteinemía Ressecção ileal Hipobetalipoproteinemia Doença celíaca Síndrome do intestino curto
Linfangiectasía intestinal Doença de Whipple
Figura 28.2 Digestão e absorção dos lipídios da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de gorduras.
•
impedimento à remoção dos nutrientes da mucosa (vasos linfáticos e estruturas ganglionares mesenteriais):
Causas pós-epiteliais ou pós-entéricas. Seguem-se as principais entidades que podem ser classifi cadas, predominantemente, em cada uma das etapas anterior mente apontadas (Quadros 28.1 a 28.5). É de suma importância o conhecimento das manifestações digestivas das doenças sistêmicas, que, em muitos casos, po dem se iniciar por disabsorção ou cursar com tal síndrome no decorrer de sua evolução clínica. Temos, como exemplos, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, cada vez mais fre quente; Doenças Endócrinas (diabetes, hiper ou hipotireoidis-
mo, hipoparatireoidismo e doença de Addison), Colagenoses (esclerodermia, vascuites l do lúpus eritematoso disseminado, poliarterite nodosa) e Amiloidose.
•
DIAGNÓSTICO
•
Diagnóstico da má absorção
A ordem de raciocínio, primária e essencialmente, consiste em caracterizar a situação observada em cada paciente com a maior acurácia possível, visando-se a chegar a um diagnóstico definitivo. O tratamento a ser instituído, para ser efetivo, deve
268 Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal LÚMEN INTESTINAL
ENTERÓCITO
SANGUE - LINFA
DIGESTÃO
DIGESTÃO/ABSORÇÃO
CAPTAÇÃO
PEPTIDASES
PROTEÍNAS
'--€:�r-+ DI E
TRIPEPTIDIOS
AMINOÁCIDOS
ENZIMAS PANCREÁTICAS
HIORÓLISE Fibrose cfstica Síndrome de Shwachman Deficiência de tripsinogênio Deficiência de enteroquinase
+--+
AMINOÁCIDOS +-+
BORDA ESTRIADA
DIGESTÃO Desconhecida
ABSORÇÃO Doença de Hartnup Intolerância à proteína com lisinúria Síndrome de Oasthouse Síndrome de Lowe
TRANSPORTE
Linfangiectasia intestinal Doença de Whipple
Figura 28.3 Digestão e absorção das proteínas da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de proteínas.
se basear nesse diagnóstico, e os efeitos da terapia ajudam a confirmá-lo ou a refutá-lo. O diagnóstico das síndromes de má absorção compreende quatro estágios: 1. Diagnóstico primário de má absorção; 2. Diferenciação entre estados disabsortivos secundários a outros distúrbios constitucionais ou secundários a proce dimentos cirúrgicos e os de origem alimentar primária; 3. O diagnóstico diferencial dos estados disabsortivos de vidos à falta de preparação para a absorção daqueles nos quais as funções absortivas do ntestino i delgado parecem anormais (enteropatias); 4. Diagnóstico diferencial das enteropatias.
• Diagnóstico primário de má absorção O diagnóstico de má absorção propriamente dito se baseia no tripé história, exame físico completo e estudo das fezes do
paciente.
• Má absorção secundária a distúrbios constitucionais ou drurgias O tratamento destas condições é principalmente dependente do reconhecimento da doença primária: Diabetes melito, doen ça de Addison, amiloidose, esclerodermia, tuberculose, neo plasias do intestino delgado (linfoma e carcinoide abetalipo proteinemia etc. Más absorções secundárias a operações abdominais: gas trectomia, alça cega, fístulas e anastomoses, ressecções intes tinais etc.
• Diagnóstico diferencial das disabsorções por falta de preparo à absorção Compreende as falhas na secreção gástrica, deficiência de enzimas pancreáticas, deficiência biliar.
• Diagnóstico diferencial das enteropatias a. Enteropatias altas; b. Enteropatias baixas. O Quadro 28.6 sintetiza os dados clínicos e os resultados de exames, destacando seus prováveis mecanismos.
1
2
3
•
EXAMES COMPLEMENTARES
São usados para confirmar má digestão e má absorção e, mais importante, ajudam a identificar a causa. Podem ser divididos quanto a disponibilidade, custos e grau de invasão. Pacien tes com pandisabsorção estabelecida tipicamente têm diversas anormalidades laboratoriais, ao contrário dos portadores de má absorção isolada que podem não apresentar qualquer alteração nos exames de rotina (Quadro 28.6). • DIGESTIVA (pré-epiteli al)
EPITELIAL
LAMINAR-MESENTERIAL (pós-epitelial)
Figura 28.4 Esquema das estruturas anatômicas envolvidas nos pro cessos de digestão e absorção dos nutrientes.
Exames laboratoriais habituais
A maioria dos exames gerais se destina à avaliação do estado nutricional e para se ter ideia do grau de espoliação e carências. Servem de base para a devida reposição dos componentes em deficiência.
Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal 269 -------
·-------
Quadro 28.1 Afecções gastrintestinais associadas com má digestão luminal Doença/Condição
Fisiopatologia
Estômago Desnutrição calórico-proteica
Diminuição da produção de ácido (hipocloridria)
Síndrome de Zollinger-Ellison
lnativação de enzimas pancreáticas por baixo pH duodenal Diminuição da ionização de sais biliares conjugados
Anemia perniciosa
Diminuição de fator intrínseco, má absorção de vit. B,2
Síndrome de dumping
Esvaziamento rápido do conteúdo gástrico para o intestino delgado Diluição de enzimas
Pâncreas Fibrose cística
Impedimento da secreção de enzimas e bicarbonato
S. Shwachman-Diamond
Impedimento da secreção de enzimas
Pancreatite aguda/crônica
Impedimento da secreção de enzimas e bicarbonato
Desnutrição calórico-proteica
Impedimento da secreção de enzimas
Deficiência de tripsinogênío
Impedimento da secreção de enzimas
Deficiência de lipase
Impedimento da secreção de enzimas
Deficiência de amilase
Impedimento da secreção de enzimas
Fígado Síndromes colestáticas
Impedimento da secreção de sais biliares com deficiente formação de micelas
Doença ou cirurgia ileal
Má absorção intestinal de sais biliares, pool deficiente de sais biliares
Intestino Deficiência de enteroquinase
Impedimento da ativação das enzimas pancreáticas luminais
Desnutrição calórico-proteica
Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes Produção de toxinas Desconjugação de sais biliares
Duplicação anatômica
Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Síndrome da alça cega
Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Síndrome do intestino curto
Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Pseudo-obstrução intestinal
Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
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·-------
Quadro 28.2 Afecções gastrintestinais associadas com má digestão na membrana do enterócito Doença/Condição
Fisiopatologia
Deficiência congênita de dissacaridase
Má digestão do dissacarídio específico com fermentação bacteriana no cólon
Lactase Sacarase-isomaltase Trealase Deficiência adquirida/tardia de dissacarídase
Perda da atividade enzimática por dano à mucosa ou perda da atividade com o envelhecimento
Lactase
Sacarase-isomaltase Glicoamilase
•
Exames e testes específicos para má absorção intestinal
•
Normal:
•
Aumentada:
•
Muito aumentada:
• Testes relacionados com gorduras (ver figura 28.1) • Pesquisa de gordura recai (Sudam 111) É procedimento simples que se baseia na detecção microscó pica de gordura nas fezes. Os resultados positivos são dados em cruzes, conforme o tamanho e número de gotículas de gordura em campo microscópico de grande aumento.
até 100 gotas/campo; diâmetro me norque 4 �-Lm até 100 gotas/campo; diâmetro de 4 a 8 �-Lm (esteatorreia moderada) mais que 100 gotas/campo; diâmetro de 6 a 75 1!ffi (esteatorreia acentuada)
Podem ocorrer resultados falso-positivos quando o paciente ingeriu óleo mineral ou, por ocasião da coleta, as fezes foram contaminadas com o uso local de substâncias oleosas. Em mãos
270 Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal -------
T-------
Quadro 28.3 Afecções gastrintestínais associadas com má absorção no enterócito Doença/Condição
Fisiopatologia
Má nutrição calórico-proteica
Dano X adaptação da arquitetura mucosa alterada Defeito de transporte de aminoácidos neutros Defeito no transporte de triptofano Defeito no transporte de metionina no intestino e rim Defeito no transporte de lisina e arginina (ligada ao X)
Doença de Hartnup Síndrome da fralda azul Síndrome de Oasthouse Síndrome de Lowe Má absorção de glicose-galactose Diarreia clorídrica congênita Abetalipoproteinemia Hipobetalipoproteinemia Doença celíaca Síndrome do intestino curto Síndrome de dano à mucosa Intolerância ao leite/soja
Defeito seletivo no sistema de cotransporte sódico de glicose e galactose Defeito seletivo no transporte de cloreto Ausência de produção de apolipoproteína B, lipoproteínas e quilomícrons Impedimento à produção de apolipoproteína Dano à superfície digestivo-absortiva Perda da superfície digestivo-absortiva, trânsito anormal Dano à superfície digestivo-absortiva Síndrome pós-gastroenterite
Espru tropical Doença de Whipple
Dano à superfície digestivo-absortiva Obstrução linfática. Impedimento no transporte de lipídios (?), enteropatia focal
Infecção/inflamação bacteriana Shige/la Sa/monel/a Campylobacter Cólera Giardíase Doença de Crohn Infecção viraI Rotavírus SIDA
Acrodermatite enteropática
Dano à superfície digestivo-absortiva, motilidade anormal
Perda secretária de água e eletrólitos Alteração da função epitelial secundária à aderência do parasita ou toxina (?) Dano à superfície digestivo-absortiva. Perda crônica de sangue Dano à superfície digestivo-absortiva Dano à superfície digestivo-absortiva Supercrescimento bacteriano Insuficiência pancreática exócrina e hepática Impedimento à absorção do zinco
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T------
Quadro 28.4 Afecções gastrintestinais associadas com alterações no transporte para o sangue e a linfa Doença/Condição
Fisiopatologia
Insuficiência cardíaca congestiva Linfangiectasia intestinaI
Distensão venosa Edema da parede intestinal Obstrução ao transporte linfático de lipídios e vitaminas lipossolúveis
Linfoma intestinal Síndrome carcinoide
Perda intestinal de proteínas Obstrução ao transporte linfático de lipídios e vitaminas lipossolúveis Obstrução ao transporte linfático de lipídios e vitaminas lipossolúveis
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T------
Quadro 28.5 Afecções gastrintestinais associadas com diversas alterações (miscelânea) Doença/Condição
Fisiopatologia
Síndromes de imunodeficiências Gastroenteropatia alérgica Gastroenterocolopatia eosinofílica
Flora bacteriana alterada Mecanismo imunológico desconhecido Mecanismo imunológico desconhecido
Drogas Metotrexate Colestiramina Fenantoína Sulfasalazina Antagonistas do receptor H2 da histamina
Dano à superfície mucosa por interferência na replicação enterocítica Bloqueio na reabsorção de sais biliares no íleo Má absorção de cálcio, gordura, ácidos biliares e vitaminas lipossolúveis Má absorção de cálcio e ácido fólico Má absorção de ácido f ólico Impedimento à liberação ácido/proteolítica de vitamina 812
Capítulo 28 I SíndromedeMáAbsorção/ntestinal 271 ------
·------
Quadro 28.6 Síndrome de má absorção intestinal - dados clínicos, de exames e mecanismos envolvidos Dados dínicos
Dados de exames
Mecanismos
perda muscular baixa estatura edema
t albumina sérica
alteração do metabolismo proteico
dores ósseas fraturas deformidade esquelética
raios X desmineralização óssea densitometria óssea alterada
osteomalacia
perda de peso fezes claras e volumosas
esteatorreia t colesterol
alteração na absorção de Ca e de vitamina D alteração na absorção e perda de gordura, vitaminas lipossolúveis e Ca alteração na absorção de vitamina K
sangramento, equimose
j TAP
parestesias neuropatia glossite anemia
macrocitose t vit. B12, megaloblastos t folatos microcitose hipocromia
fraqueza, tetania, parestesias
t Mg sérico
alteração na absorção de Mg
desidratação, nictúria
t volume plasmático
alteração no metabolismo da água
alteração na absorção de vitamina B1 2 alteração na absorção de ácido fólico alteração na absorção de Fe
t Na sérico t Ksérico alterações ECG
alteração no metabolismo do sódio alteração no metabolismo do potássio
queilite, neurite, glossite
t triptofano urinário
alteração na absorção do complexo B
distensão abdominal diarreia, flatulência
t ou achatamento da curva glicêmica?
alteração na hidrólise e t absorção de hidratos de carbono
lactose, sacarose ou maltose
experientes, tais resultados têm sensibilidade e especificida de altas, estando claramente correlacionados com a dosagem quantitativa de gordura fecal.
• Balanço de gorduranas fezes Esta prova consiste na avaliação quantitativa de triglicerí dios e ácidos graxos livres nas fezes. Para a realização do teste, administra-se ao paciente, durante seis dias, uma dieta conten do aproximadamente 35% das calorias em gordura. A partir do quarto dia até o sexto dia, as fezes são guardadas juntas em ge ladeira. Ao final da coleta, são homogeneizadas e a quantidade de gordura fecal é analisada pelo método de Van der Kamer que se baseia na extração e na titulação dos ácidos graxos de cadeia longa com NaOH. O peso de lipídios no espécime é calculado e expresso em gramas por 24 h. Considera-se normal quando ele for igual ou n i ferior a 5 gldia. Valores entre 5 e 7 gldia são considerados sugestivos de esteatorreia e acima de 7 g/dia são diagnóstico de esteatorreia. Alguns serviços adotam a dosagem da gordura fecal na vi gência de dieta habitual, pois no Brasil esta já é rica em gordu ras. Os valores considerados normais são: •
perda proteica entérica
t cálcio sérico
parestesias tetania
cãibras, arritmias fraqueza muscular
•
t absorção e ingestão
Crianças: 1,52 - 0,73 gldia; Adultos: 2,24 - 0,89 gldia.
O balanço de gordura, pelo método de Van der Kamer, é considerado o padrão-ouro para a avaliação da má absorção de gordura, mas apresenta dificuldades técnicas quando feito em crianças, particularmente naquelas ainda sem controle es fincteriano.
• Esteatócrito O esteatócrito é um teste de triagem semiquantitativo, re lativamente simples para se avaliar a má absorção de gordu-
ra. Apresenta uma correlação muito boa com o teste de Van der Kamer. Tem sido muito usado para avaliar a redução da esteatorreia em pacientes com fibrose cística em resposta à te rapêutica com enzimas pancreáticas. Embora não substitua a dosagem quantitativa da gordura fecal, é um teste rápido, viá vel, não oneroso e seguro para a triagem de esteatorreia, prin cipalmente para pacientes pediátricos.
• Determinaçãodae/astase-1 (EL-1) Relatos recentes indicam que a determinação da EL-1 nas fezes é um teste sensível, específico e não invasivo da função pancreática. Carrocio et al. compararam a acurácia diagnós tica da EL-1 fecal com a quimiotripsina fecal (FCT) para dis tinção entre má digestão de origem pancreática e má absorção intestinal. As fezes foram coletadas por 72 h em dieta comum e estes testes comparados com o esteatócrito. A acurácia diag nóstica foi de 92% para a EL-1 e 82% para a FCT, concluin do que a primeira é mais específica para demonstrar provável causa pancreática.
• Testes respiratórios O teste respiratório da trioleína marcada com 14C pode tam bém ser utilizado para estudo da má absorção de gordura, pois esta, depois de hidrolísada e absorvida, libera co2 marcado com 14C, permitindo medida da radioatividade no ar expira do. Dispensa o inconveniente da coleta de fezes de 72 h e tem sensibilidade e especificidade altas. Do mesmo modo que os anteriores, esse teste pode levar ao diagnóstico de má absorção, mas também não localiza em que fase está o distúrbio. Ponto importante a destacar é que a demonstração de gor dura fecal aumentada não discrimina o tipo de esteatorreia, devendo-se lançar mão de dados clínicos e de outras provas para se determinar a causa do problema.
272
Capítulo 28 I Slndrome de Md Absorção Intestinal
• Testes relacionados com carboidratos (ver Figura 28.2) • Prova da�rxilose A n-xilose é uma pentose que normalmente não é encon trada no organismo. A sua absorção ocorre principalmente em duodeno e jejuno proximal via mecanismo de transporte da glicose. No entanto, apresenta baixa afinidade pelos carre gadores e depende da integridade da mucosa intestinal. Como a sua absorção é independente de fatores intraluminares, tais como sais biliares, secreções exócrinas do pâncreas ou da pre sença de enzimas da borda em escova das vilosidades, a sua má absorção é indicativa de lesão da mucosa do intestino delgado proximal. Uma vez ingerida, metade da n-xilose é absorvida e metabolizada no figado e metade, excretada pela urina. Des sa forma, pode-se avaliar a sua absorção pela quantidade que é excretada na urina, durante um período de 5 h após a sua ingestão, ou pela o-xilosemia. Devido à dificuldade em se co lher urina, principalmente em crianças pequenas, a avalia ção da n-xilosúria praticamente não é realizada e prefere-se a determinação da o-xilosemia. A o-xilosemia é realizada da seguinte forma: após jejum de 8 h, é administrado aos pacientes 0,5 grama por quilograma de o-xilose dissolvida em solução aquosa a 10% até no máximo 25 g. Sessenta minutos após a administração da o-xilose, é coletada amostra de sangue ve noso. A o-xilose sanguínea é determinada pelo método colo rimétrico descrito por Roe e Rice. Consideram-se valores normais: •
Adultos: o-xilosemia: valor menor que 25 mg/dl é con siderado alterado Acima de 5 g na urina de 5 h; Crianças: n-xilosemia: valores acima de 20 mg/dl para crianças até 6 meses ou acima de 25 mg/dl para crian ças com mais de 6 meses e adultos indicam boa absor ção intestinal. o
•
Devido à interferência de fatores como hipermotilidade in testinal, uso de drogas, doença renal, ascite, mixedema etc., muitos autores relatam resultados falso-positivos e falso negativos, não mais preconizando a prova como há alguns anos atrás.
• Determinação dopH fecal A determinação do pH fecal é de fácil execução e é comu mente realizada com tiras de papéis indicadores de pH que são colocadas na parte líquida de fezes recém-emitidas. Normal mente, o pH das fezes está entre 6,0 e 7,0. Valores abaixo de 5,5 são indicativos de má absorção. O pH baixo deve-se à fer mentação dos hidratos de carbono que não foram absorvidos na parte proximal do intestino delgado, pela ação de bactérias anaeróbicas do cólon, com a consequente formação de ácidos graxos de cadeia curta. Se o paciente estiver recebendo anti bióticos que alterem a flora bacteriana, o resultado poderá ser falso-negativo. Deve-se também ressaltar que, nos lactentes que recebem leite materno, o pH das fezes geralmente é ácido.
• Pesquisa de substdncias redutoras
Fezes líquidas não necessitam de diluição, mas fezes pastosas ou firmes são diluídas em duas partes de água Dessa mistu ra, colocam-se 15 gotas em contacto com um comprimido de Clinitest®. Essa reação é positiva quando há mono ou dissaca rídios, à exceção da sacarose. Suspeitando-se de intolerância a esse dissacarfdio, acidifica-se previamente a mistura de fezes com ácido cloddrico, com o intuito de hidrolisar o açúcar em seus componentes redutores.
Recomenda-se sempre analisar concomitantemente o pH fecal e a presença de substâncias redutoras nas fezes. Deve-se lembrar que, ocorrendo a fermentação completa dos hidratos de carbono não absorvidos, detecta-se apenas alteração do pH
fecal.
• Provas de sobrecarga com dissacarídios (ladose, sacarose)
A prova de sobrecarga, com doses padronizadas de diferen tes açúcares, baseia-se na alteração da glicemia após a ingestão e absorção dos hidratos de carbono. O açúcar a ser investigado é administrado por via oral, após jejum de 6 a 8 h, na dose de 2 g/kg de peso corpóreo para os dissacarídios (lactose, sacara se ou maltose), no máximo 50 g, e de 1 glkg de peso corpóreo para os monossacarídios (glicose e frutose), em solução aquo sa a 10%. A cada 20 min, e até os 80 min, novas amostras de sangue são obtidas, e estabelece-se uma curva. As amostras de 20 e de 40 min devem estar, no mínimo, 20 mg acima do nível de jejum. Um aumento da glicemia superior a 34 mg/dé, em relação ao valor da glicemia de jejum, é considerado normal e o paciente é classificado como bom absorvedor. Quando o aumento variar de 20 a 34 mg/df ou não ultrapassar 19 mg/dl, os pacientes serão considerados pobres absorvedores ou não absorvedores, respectivamente. Estas provas de sobrecarga são bastante úteis. Entretanto, alguns fatores podem interferir no resultado, como, por exem plo, o tempo de esvaziamento gástrico. Em geral, o paciente com intolerância ao dissacarídio sente se nauseado, tem borborismos e alguns chegam a apresentar diarreia do tipo fermentativa logo após o término do teste. Caso seja determinado o pH das fezes, provavelmente ele estará áci do nessa situação.
• Determinação da atividade das dissacaridases Em fragmentos de mucosa do intestino delgado, é possível determinar-se o nível de atividade das enzimas que hidrolisam os dissacarfdios: lactase, sacarase e maltase. Na literatura, os fragmentos são colhidos ao nível do ângulo de Treitz, onde há padronização dos valores. Entretanto, com o advento das biop sias endoscópicas, na segunda e na terceira porções do duode no, alguns autores recomendam dosagens a esse nível. Poderá haver diminuição seletiva de uma enzima ou de mais de uma. Há necessidade de se estabelecer o padrão histológico para se caracterizar o problema como primário (mucosa normal) ou secundário (mucosa alterada).
• Testes respirat6rios: Prova do hidrogênio expirado A prova do hidrogênio expirado é um teste não invasivo, de tecnologia simples e acurada, sendo bem tolerada inclusive pelas crianças. Baseia-se no fato de que os açúcares não absor vidos, ao chegarem ao cólon, são fermentados por ação da flora bacteriana com produção de hidrogênio. Cerca de 16 a 20% do hidrogênio formado durante a fermentação é absorvido e elimi nado pelos pulmões, podendo ser medido por cromatografia ga sosa A quantidade de hidrogênio expirado reflete a quantidade de hidratos de carbono que não foram absorvidos no intestino delgado. O cólon produz virtualmente todo o hidrogênio cor póreo e demonstrou-se que o hidrogênio exalado aumenta após a introdução de pequenas quantidades de hidratos de carbono diretamente no órgão. O aumento correlaciona-se diretamente com a quantidade de hidratos de carbono que entram no cólon, e uma proporção constante de hidrogênio passa para a corrente sanguínea para ser excretada pela respiração. Um indivíduo em jejum normalmente expira pequena quantidade de hidrogênio devido à fermentação de alimentos
Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal 273 residuais e das fibras presentes no cólon. O valor basal de hi drogênio deve ser menor que 10 ppm (partes por milhão) em
condições adequadas de jejum. Após a administração da so brecarga do açúcar, a quantidade de hidrogênio aumentará se
creopatia crônica. Também pode ser de ajuda em situações de emergência, em relação a suboclusões ou oclusões.
• Trânsito intestinal
o substrato não tiver sido absorvido em n i testino delgado. Um aumento da concentração de hidrogênio de 20 ppm durante a
A visualização da superfície absortiva do intestino delgado por meio de raios X contrastado pode ajudar a definir qual a
realização da prova significa má absorção do açúcar. A prova do hidrogênio expirado, se realizada em condições
causa da má absorção. Salienta-se que grave má absorção pode estar presente sem que nenhuma anormalidade seja detectada nas radiografias; por isso, o exame radiológico não deve ser usa
técnicas adequadas, é atualmente considerada como o méto do de escolha para se avaliar a má absorção dos hidratos de carbono. Teste semelhante pode ser feito com lactose-14C, en contrando-se o co2 diminuído no ar alveolar quando houver deficiência de lactase.
• Testes relacionados com proteínas (Figura 28.3) Devido às dificuldades técnicas, provas de absorção de proteínas, peptídios e aminoácidos têm sido mais realizadas em pesquisas, não sendo usadas na prática para diagnóstico. As mais importantes são: determinação do nitrogênio fecal, testes de perfusão com macromoléculas e teste utilizando albumina marcada com 51Cr.
•
Exames específicos para determinadas afecções •
Anticorpos antigliadina (AGA IgG e IgA), anticorpos antiendomísio (EmA IgA) e antitransglutaminase teci dual são determinados no soro de pacientes com suspeita
•
•
de doença celíaca; Determinação de eletrólitos no suor é realizada para pes quisa de fibrose cística; Detecção de proteínas anômalas no sangue ou secre ções, como na doença imunoproliferativa do intestino delgado;
•
•
•
Dosagem do ácido 5-hidroxindolacético, na suspeita de tumor carcinoide; Hemoglobina glicosilada, perfil glicêmico ou curva gli cêmica para diagnóstico do diabetes melito; Dosagens de T3, T4 e TSH e anti-TPO na suspeita de doenças da tireoide;
da síndrome da
•
Pesquisa de anti-HIV para diagnóstico imunodeficiência adquirida;
•
Pesquisa de microrganismos na síndrome da alça estag nante;
•
•
•
•
•
•
Pesquisa de parasitos em suco duodenal na suspeita de giardíase ou estrongiloidíase; Testes para estudo da função pancreática, na suspeita de pancreopatias;
Detecção de alfa-1-antitripsina, usada como marcadorde perda proteica; Teste de calprotectina na avaliação de doenças inflama tórias intestinais; Pesquisa de lactoferrina fecal na suspeita de doença in flamatória intestinal; Detecção de pANCA e ASCA-IgA e ASCA-IgG para o diagnóstico diferencial entre doenças inflamatórias intes tinais como colite ulcerativa e doença de Crohn.
•
Exames de imagem
• Raios X simples do abdome
do como substituto dos testes funcionais. Portanto, o radiologis ta pode excluir algumas condições e sugerir outras, mas o diag nóstico definitivo vai depender da soma dos dados de história, exame físico, exames laboratoriais e de anatomia patológica. Os achados serão, independentemente da etiologia, em geral os que sugerem má absorção: edema de mucosa, floculação e/ou segmentação do contraste, dilatações de alças, hipo ou hipermo tilidade. Tais aspectos podem ser verificados na doença celíaca, doença de Whipple, hipobetalipoproteinemia etc. Em contrapartida, existem afecções que podem se apresentar com imagens bem sugestivas. Como exemplos, citam-se: a) doença de Crohn: espessamento da parede, hiperplasia do tecido linfoide, nódulos de tamanhos variados, ulcerações transversais, lesões tipo "pedra de calçamento", fístulas, estenoses, com áreas preservadas e lesões "em salto"; b) linfomas: falhas nodulares de enchimento, irregularida de na mucosa, ulcerações, aumento da distância entre as alças etc.; c) imunodeficiência comum variável: padrão nodular por hiperplasia linfoide; d) tuberculose intestinal: lesões estenosantes no íleo termi nal, lesões no ceco, falhas de enchimento; e) estrongiloidíase: sinais de inflamação aguda no n i testino proximal.
• Ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância
magnética do abdome Podem ser solicitadas para diagnóstico decausas biliopancreá ticas, detecção de massas ou aumento de linfonodos, complica ções da doença de Crohn etc.
• Raios X de tórax Têm importância para diagnóstico de afecções que cursam também com alterações no mediastino (linfomas, deficiência de IgA com timoma), pleura (tuberculose, metástases) parênquima e árvore brônquica (fibrose cística, tuberculose).
• Raios X dos seios da face São solicitados quando se têm casos de imunodeficiências que cursam com infecções de vias respiratórias superiores, como deficiência seletiva de IgA ou deficiência imunológica comum variável.
• Raios X de articulações Quando a má absorção advém de doenças do colágeno, são estudadas determinadas articulações, assim como quando há uma doença inflamatória (doença de Crohn) ou n i fecciosa (doença de Whipple), que também mostram artralgias e artrites nos seus quadros clínicos.
• Raios X de mãos e punhos para idade óssea
De modo geral, este exame é solicitado quando se deseja
A determinação da idade óssea é fundamental no estudo da
afastar causa pancreática para a má absorção, pois o encontro de calcificações em topografia do pâncreas fala a favor de pan-
má absorção de crianças e adolescentes, tanto por ocasião do diagnóstico, como no controle evolutivo dos casos.
274 Capftulo 28 I Sfndrome de Má Absorção Intestinal • Densitometria óssea
•
Várias são as afecções que cursam com má absorção e que determinam alterações no metabolismo do cálcio e da vitami na O, levando à osteopenia, osteomalacia e osteoporose, tais como a doença celiaca e a doença de Crohn. Este exame, além de dar uma ideia da massa óssea por ocasião do diagnóstico, serve para conduzir o tratamento no aspecto profilático de al terações ósseas futuras.
• • • • • •
As contraindicações absolutas são consideradas relativas
por muitos.
• Arteriografia
•
� solicitada na suspeita de insuficiência vascular ou na pre sença de tumores vasculares.
•
• • •
Endoscopia digestiva
•
Na maioria dos centros, se preconiza a endoscopia diges tiva alta, com estudo do esôfago, estômago, bulbo duodenal e a segunda porção do duodeno (no máximo, terceira porção), onde biopsias são realizadas e são diagnósticas em grande par te dos casos. Durante o procedimento, pode ser feita aspiração de suco gástrico e duodenal para a pesquisa de parasitos, prin cipalmente larvas de Strongyloides stercoralis e trofozoítos de
Giardia lamblia.
Por outro lado, o íleo terminal é visto e biopsiado através da colonoscopia. Apesar desses exames, uma grande extensão do intestino delgado, que pode ser a sede de enfermidades que cursam com má absorção, não é avaliada, a não ser em locais de grandes recursos. A enteroscopia (push enteroscopy) só tem va lor em cerca de 12% dos casos de pacientes com má absorção de origem n i certa e com dados histológicos de biopsias duo e n inconclusivos. Shackel et ai. afirmam que, em sua expe nê nc1a, somente 50% dos exames n i dicados por sangramento intesti nal de causa obscura foram positivos. No Brasil, Sobreira et aL identificaram lesões em 52,1% dos pacientes com sangramento oculto ou obscuro, predominando ectasias vasculares.
�
�is
• Cápsula endoscópica
Apesar do desenvolvimento de métodos laboratoriais de imagem e nos estudos de biopsias do intestino delgado, ainda assim as afecções que cursam com disabsorção podem apresen tar imensa dificuldade para o diagnóstico etiológico. O surgi mento da cápsula endoscópica (CE) tem se mostrado um novo método clínico de grande utilidade, devido à visualização di reta e sugestão diagnóstica das lesões de todo intestino delga do que poderiam ser perdidas pelos métodos anteriormente mencionados. O preparo do paciente é cômodo, por preconizar dieta sem resíduos 24 h antes do exame e jejum de 8 h. A ingestão pode ser reiniciada 2 h após a deglutição da cápsula. Recomenda-se dieta liquida nas próximas 24 h. Embora se saiba que, nos pacientes com diarreia o trânsi to pelo intestino delgado seja mais rápido, habitualmente não há comprometimento na qualidade das imagens detectadas pela CE. . Várias afecções podem apresentar aspectos macroscóptcos sugestivos que podem ser detectados pela CE. Merece desta que especial a melhoria do diagnóstico da doença de Crohn pela CE. As indicações para exame com a CE são: • •
•
doença de Crohn; colite indeterminada; polipose; alterações de doenças sistêmicas (AIDS); ingestão de AINEs; enterite actínica; distúrbios funcionais.
hemorragia de causa obscura; diarreia crônica e má absorção intestinal (incluindo doença celíaca); tumores;
• • • •
obstrução intestinal; pseudo-obstrução intestinal; disfagia; acalasia; divertículo de Zenker; gastroparesia; estenose pUórica; cirurgia gástrica; cirurgia intestinal.
Em geral, não ocorrem complicações com esse método, mas a principal preocupação é a retenção da CE em áreas de es tenose (doença de Crohn, enterite actinica, uso de AINEs e pós-cirurgias). A CE habitualmente pode ser retida por pouco tempo, mas, em alguns casos, tal processo é definitivo, embora normalmente não cause transtorno para o paciente, pois não provoca quadro suboclusivo. Contudo, recomenda-se retirá-la cirurgicamente. Em certas situações, pode-se colocar a CE com a ajuda de fibroscópios. Quanto ao uso da CE em pacientes pediátricos, o consenso inicialmente recomendava apenas naqueles que ultrapassavam o peso de 15 kg. Entretanto, estão surgindo relatos do uso da CE em crianças e adolescentes de menor peso, sem compli cações. Salienta-se que a cápsula localiza as lesões e pode sugerir sua etiologia. No entanto, não permite biopsia, sendo essa sua grande desvantagem. Entretanto, pode servir de guia para ex ploração cirúrgica.
•
Biopsia peroral do intestino delgado
Seja qual for o aparelho utilizado, impõe-se cuidadosa ma nipulação dos fragmentos para a devida orientação dos cortes. Pela natureza "cega" da obtenção dos fragmentos para análise histopatológica, o diagnóstico de doenças multifocais, porém não difusas, pode ser prejudicado, e nestes casos um resultado negativo não exclui o diagnóstico. Para a correta interpretação das preparações histológicas, é imprescindível a atuação con junta do clinico e do patologista, para que aspectos e s co� da lâmina sejam entendidos em função dos processos dinamt cos que representam.
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• Biopsia transendoscópica
Desde os anos oitenta, há aceitação geral da utilização da biopsia duodenal distai na investigação das doenças entéricas com ou sem má absorção. � possível suspeitar-se de afecções pela aparência endoscópica do duodeno. Exemplos: doença celfaca, lin.fangiectasia, doença de Crohn, doença de Whipple etc. A biopsia endoscópica tem vantagens sobre a biopsia com cápsula pela possibilidade de identificação da mucosa amos trada. Entretanto, o duodeno normal pode apresentar algumas alterações de comprimento de vilosidades e na densidade do infiltrado inflamatório, mesmo em pacientes normais, o que pode ser erroneamente interpretado como uma "duodenite".
Capítulo 28 I SíndromedeMáAbsorção/ntestinal 275 -------
·-------
Quadro 28.7 Dados de histologia em biopsias do intestino delgado Condição
Achado histológico
Condições em que a biopsia é normal SfNDROME PÓS-GASTRECTOMIA SfNDROME PÓS-ENTERECTOMIA HEPATOPATIAS INSUFICitNCIA PANCREÁTICA EXÓGENA INTOLERÂNCIA PRIMÁRIA À LACTOSE
Mucosa geralmente sem alterações histológicas
RETOCOLITE ULCERATIVA INESPECfFICA ANEMIA FERROPRIVA ENTEROCOLOPATIA FUNCIONAL
Condições em que a biopsia pode apresentar alterações não específicas SfNDROME DIARREICA PÓS-ENTERITE GASTROENTERITE AGUDA DESNUTRIÇÃO
ALERGIA À PROTEINA DO LEITE DE VACA ALERGIA À PROTEINA DA SOJA SfNDROME DA ALÇA ESTAGNANTE
DROGAS DEFICitNCIA DE FOLATO E VITAMINA B,1
Achatamento de vilosidades; aumento do número de células inflamatórias no córion mucoso; sinais de regeneração epitelial com diminuição da mucoprodução; aumento de plasmócitos; aumento de eosinófilos e exocitose de eosinófilos em alergias e reações a drogas; aumento discreto de linf ócitos intraepiteliais
ENTERITES POR ENTEROVIRUS, ROTAVIRUS, ADENOVIRUS ENTEROPATIA AUTOIMUNE
Condições em que a biopsia pode apresentar alterações diagnósticas ou achados característicos ENTERITE POR CITOMEGALOV!RUS
Inclusões virais características, ulceração
FEBRETI FOIDE E PARATIFOIDE
Infiltrado histiocitário, hiperplasia de placas de Peyer, úlceras profundas
YERSINIA
Inflamação granulomatosa ou supurativa, ulceração, hiperplasia linfoide
CLOSTR/0/UM 0/FF/C/LE
Erosão da mucosa com formação de exsudato fibrinoleucocitário em "vulcão'; pseudomembranas
TUBERCULOSE
Infiltrado granulomatoso; presença de bacilos álcool-acidorresistentes à coloração de Ziehi-Neelsen
MICOBACTERIOSE
Infiltrado granulomatoso ou histiocitário; presença de bacilos álcool-acidorresistentes à coloração de Ziehi-Neelsen
DOENÇA DE WHIPPLE GIARDIASE
Denso infiltrado histiocitário com células espumosas que coram positivamente à coloração de PAS Achatamento de vilos, aumento do infiltrado inflamatório do córion, trofozoítos na superfície
ESTRONGILOIDfASE
Inflamação aguda com eosinófilos e ulcerações, formas adultas e larvas, invasivas na mucosa
ESQUISTOSSOMOSE
Infiltrado eosinofílico, pseudopólipos inflamatórios, ovos viáveis e inviáveis, granulomas, adultos em vasos
CRIPTOSPORIDIOSE, ISOSPORIDIOSE
Atrofia de vilosidades, abscessos de criptas, microrganismos na superfície da mucosa ou intraepiteliais
MICROSPORIDIOSE
Inflamação leve da mucosa com achatamento de vilosidades, vacuolização do epitélio, microrganismos ao Warthin-Starry
PARACOCCIDIOIDOMICOSE
Inflamação granulomatosa, organismos com gemulação múltipla ao PAS
DOENÇA DE CROHN
Criptite, abscessos crípticos, inflamação transmural, úlceras aftosas, irregularidade de vilos, aumento do infiltrado mononuclear no córion, granulomas de padrão sarcoide, fibrose
LINFANGIECTASIA INTESTINAL
Linfáticos dilatados nas vilosidades, edema do córion, sem inflamação
ENTERITE EOSINOFfLICA
Forma mucosa: aumento de eosinófilos com degranulação, achatamento de criptas, abscessos crípticos
ENTERITE ACTfNICA
Fibrose, alterações isquêmicas, ectasias vasculares, telangiectasias, alterações vasculares
AMILOIDOSE
Depósitos de material amiloide em vasos, positivo às colorações de vermelho-congo ou cristal violeta
MACROGLOBULINEMIA
Deposição de material hialino acelular, eosinofílico, em canais linfáticos na ponta dos vilos e base da mucosa
DOENÇA CELIACA
Atrofia parcial ou total de vilosidades, difusa ou focal. Aumento do número de linfócitos intraepiteliais
DOENÇA DO ENXERTO-CONTRA-HOSPEDEIRO
Destruição de glândulas, apoptose, infiltração por linfócitos T, ulcerações
ABETALIPOPROTEINEMIA DEFICitNCIAS IMUNOLÓGICAS PRIMÁRIAS
Enterócitos vacuolados por acúmulo de gorduras citoplasmáticas, principalmente na ponta dos vilos
ENTERITE POR ANTI-INFLAMATÓRIOS
Pode simular doença de Crohn, erosões, ulcerações, forma com formação de "diafragmas"
LINFOMAS E DOENÇA IMUNOPROLIFERATIVA DO INTESTINO DELGADO
Infiltrados linfocitários densos e monótonos na mucosa, pode haver lesões linfoepiteliais, nodularidade ou formação de pólipos de acordo com o tipo de linfoma
Aparência diversa de acordo com a classificação dela, infecções oportunísticas
276 Capitulo 28 I Slndrome de Má Absorção Intestinal Atualmente, com a videoendoscopia, pode-se gravar o exame em fitas e realizar fotografias, para posterior discussão, o que realmente muito tem contribuído para esclarecimento diag nóstico de casos dificeis. •
Indicação e contraindicação da biopsia perora! do intestino delgado
Indica-se biopsia peroral do intestino delgado quando se suspeita de afecções que comprometem a mucosa da porção proximal. A contraindicação real é quando o paciente é porta dor de discrasias sanguíneas graves. • Valor diagnóstico da biopsia peroraI O Quadro 28.7 resume as alterações histológicas possíveis de serem detectadas nas principais afecções que cursam com má absorção intestinal. Seja qual for o aparelho utilizado, impõe-se cuidadosa ma nipulação dos fragmentos para a devida orientação dos cortes. Para a correta interpretação das preparações histológicas, é im prescindível a atuação conjunta do clínico e do patologista, a fim de que aspectos estáticos da lâmina sejam entendidos, em função dos processos dinâmicos que representam.
•
Avaliação cirúrgica
Parte 11
Eventualmente, esgotados os recursos propedêuticos dispo níves i e não se conseguindo chegar a um diagnóstico etiológico da má absorção, indica-se laparotomia exploradora. Salienta-se a importância de entendimento prévio entre clínico, cirurgião e patologista, pois, quase sempre, se trata de afecções tumorais, com ou sem complicações de urgência. Citam-se, como exem plos, o diagnóstico cirúrgico de um linfoma; e o estadiamento de uma doença imunoproliferativa do intestino delgado. Mui tas vezes, o tratamento cirúrgico de determinada enfermidade pode ser feito neste mesmo ato. O Quadro 28.8 (Partes I e li) resume a investigação das principais afecções que cursam com má absorção intestinal.
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Medida direta da atividade das dlssacaridases Testes respiratórios: H2; C14 ou C13 Testes de permeabilidade 23 RELACIONADOS A ABSORÇÃO DEPROTEINAS Determinação da alfa·l·antitrlpsina Determinação do nitrog�nio fecal Testes de perfus.\o com rnacrornoléculas Teste da albumina-CrSl 3. EXAMES ESPECfFICOS PARA DETE.RMINAOAS AFECÇOES Anticorpos antigliadina (AGA lgA e lgG); antiendomísio (EmA lgA) e antitransglutaminase tecldual (doença celfaca) Determinação de eletrólltos no suor (fibrose dstica) Determinação de imunoglobullnas {lmunodeficiências) Determinação de protefnas anômalas (doença imunoproliferava it do Intestino delgado) Determinação de ácido 5-hidroxlindolacético (slndrome carcinoide) Curva gllcêmlca ou perfil glicêmlco (diabetes melito) Dosagens hormonals (hiper ou hipotlreoldlsmo) Pesquisa de anticorpos (SIDA) Pesquisa de microrganismos (slndrome do crescimento bacteriano exagerado) Pesquisa de parasitas em aspirado duodenal Testes de funçao pancreática (secretlna-pancreozimina, pentolauril, bentiromlna)
Quadro 28.8 1nvestigação das principais afecções que cursam
com má absorção intestinal Parte I
HISTÓRIA CLfNICA
EXAME FfSICO
1 . EXAMES HABITUAIS PARA AVALIAçAO DO ESTADO NUTRICIONAL
E CAR�NCIAS; PARASITOSES INTESTINAIS
Hemograma, ferro sérko, ferrltlna Dosagens bioqufmicas: protefnas, colesterol, glicemia, folato etc. Tempode atividade de protrombina Exames parasitológkos de fezes 2. TESTES ESPEC[FICOS PARA MÁ ABSORçAO INTESTINAL 21 RELACIONADOS A ABSORÇAO DE GORDURAS Pesquisa de gordura fecal (Sudam 111) Balançode gorduras nas fezes (Van der Kamer) Testes respiratórios: triolefna-C14 Esteatócri to Pesquisa de elastase-1 2.2 RELACIONADOS A ABSORÇAO DE HIDRATOS DE CARBONO Prova da t>-xllose pH fecal, pesquisa de substâncias redutoras Provas de sobrecarga com dlssacarldios (lactose, sacarose, maitose)
EXAMES DE IMAGEM Raios X simples de abdome Trânsito intestinal Ulttasn so ografia Tomografia computadorizada do abdome Ressonância magnética do abdome Ralos X de tórax Raios X de seios da face Raios X de mãos e punhos para Idade óssea Raios X de articulações Densitometria óssea Arteriografia ENDOSCOPIA
Endoscopia digestiva alta (duodeno) Enteroscopia diagnóstica e terap�utica Cápsula endoscóplca Colonoscopla para avaliação do fleo terminal EXAME DO ASPIRADO GASTRICO/DUODENAL (pesquisa de parasitas) BIOPSIA PERORAL DO INTESTINO DELGADO
PESQUISA DE PARASITAS NO FRAGMENTO MACERADO
AVAUAÇÁO MORFOLÓGICA
Exame estereoscópico Exame hlstológico: hematoxilina-eoslna, paS, colorações especiais Microscopia eletrônica DETERMINAÇOEs ENZJMAnCAS Dosagens de dissacaridases Exame histoqulmlco
EST'UDO IMUNOLóGICO
lmunoftuorescência lmuno-histoqulmlca Função linfocitárta
ESTUDOS BIOOUIMICOS
Transporte de nutrientes Composição de elementos AVALIAÇAO CIRÚRGICA
Diagnóstlca (llnfomas, doença de Crohn etc.) Estadiamento (doença lmunoproliferatlva do Intestino delgado) Terapêutica
Capítulo 28 I Síndrome de Má Absorção Intestinal 277 Em síntese, depois de esmiuçada a anamnese, completo exa me fisico e conhecimento das características das fezes, devem-se
solicitar apenas as provas mais relevantes ! •
MANEJO E TRATAMENTO
Numerosas são as afecções que cursam com síndrome de má absorção intestinal. O médico necessita de profundo conheci mento da fisiopatologia e da clínica para diagnosticar corre tamente a causa do problema. Somente após a caracterização adequada da situação do paciente é que deverá ser instituído o tratamento, cujos resultados irão confirmar ou refutar tal diagnóstico. O tratamento das doenças que cursam com disabsorção se baseia primeiramente na identificação do processo. Em segundo lugar, se há desnutrição calórica/proteica e/ou deficiência de vitaminas, sais minerais, deve também ser instituído adequado aporte nutricional a fim de se manter ou restaurar o crescimento normal (reposição entérica ou parenteral).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentes fatores etiológicos desempenham papel na defla gração e no desenvolvimento de várias síndromes. No Brasil, as condições socioeconômicas podem expor as pessoas a subnu trição, infecções e parasitoses intestinais de repetição e deve-se levar em conta que essas peculiaridades podem modificar as manifestações clássicas das doenças descritas nos livros-texto estrangeiros. Outro aspecto de grande relevância é a aborda gem dos problemas emocionais, pois o paciente que tem diar reia crônica, em geral, apresenta limitações em suas atividades familiares, sociais e sexuais que podem desencadear transtor nos psicossociais. O ponto fundamental é o ajuste da dieta em relação à capa cidade digestiva e absortiva de cada paciente. De forma geral, o conhecimento em relação às síndromes de má absorção n i testi nal aumentou significativamente nas últimas décadas; contudo, novos estudos e pesquisas ainda serão necessários para melhor manejo dos pacientes. Os métodos de investigação têm sido aperfeiçoados e ou tros foram desenvolvidos para permitir estas diferenciações e auxiliam na determinação da etiologia. Tal diferenciação é de suma importância, uma vez que o desenvolvimento de linhas de raciocínio orientará a terapia: Tudo depende de acurácia
diagnóstica!
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LEITURA RECOMENDADA
Bloom, PD, Rosenberg, MD, Klein, SD et ai. Wireless capsule endoscopy (CE) is more informative than ileoscopy and SBFT for the evaluation ofthe small intestine (SI) in patients with known suspected Crohn's disease. Gastroen terology, 2003; 214(Supl 1):A203. Campos, ]VM. Estado dinâmico do intestino delgado no processo da absorção. 11. Conceituação atual e fisiopatologia da absorção entérica. Classificação geral das síndromes de má absorção. Rev Ass Méd Bras, 1965; 11:140-58. Carrocio, A, Verghi, F, Santini, B et ai. Diagnostic accuracy ·offecal elastase 1 assay inpatients with pancreactic maldigestion or n i testinal malabsorption: a collaborative study of the Italian Society of Pediatric Gastroenterology and Hepatology. Dig Dis Sd, 2001; 46:1335-42. Day, WD et al. (eds.). Morson and Dawson Gastrintestinal Pathology. Blackwell Publishing, 4. Ed., 2003, p. 324-39. Greenberg, NJ. Treatment ofmalabsorptive disorders. Em: Wolfe, MM. Therapy ofDigestive Disorders. Philadelphia, WB Saunders, 2000, p. 491-501. Hasan, M & Ferguson, A. Measurements of intestinal villi n i non-specific and ulcer-associated duodenitis - correlation between microdissected villus and villous epithelial cell count. J Clin Pathol, 1981; 34:1881. Kot.le, LMS. Biopsia perora! do intestino delgado. Em: Castro LP & Coelho LGV. Gastrenterologia. Medsi, Rio de Janeiro, 2004, p. 981-1000. Kotze, LMS. Diagnóstico etiológico das diarreias crônicas. Em: Kotze LMS. Diarreias crônicas. Diagnóstico e Tratamento, Editora Medsi, Rio de Janeiro, 1992, pp. 55-83. Kotze LMS. Doença Celíaca. Em: Lopes AC Tratado de Clínc i a Médica, Editora Roca, 1• edição, São Paulo, 2005, pp. 1036-55. Kotze LMS. Doença de Crohn. Em: Dani R. Gastrenterologia Essencial, 3• edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006, pp. 333-57. Kotze, LMS. O exame das fezes nas diarreias crônicas. Em: Kotze, LMS. Da i rreias Crônicas. Diagnóstico e Tratamento, Rio de Janeiro, Medsi, 1992, p. 45-53. Kotze, LMS. Síndrome de má absorção. Em: Dani R. Gastrenterologia Essencial, 3' edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006, pp. 257-72. Kotze, LMS & Pisani, JC. Endoscopia e biopsia perora! do n i testino delgado. Em: Koze t LMS. Diarreias Crônicas. Diagnóstico e Tratamento. Medsi, Rio de Janeiro, 1992, p. 85-112. Mannick, EE & Udall, JN. Maldigestion and malabsorption. Em: Wyllie, R & Hyams, JS (ed.). Pediatric Gastrintestinal Disease. Philadelphia, Saunders, 1999, p. 273-87. Odze, RD, Goldblum, JR, Crawford, JM (eds.). Surgical Pathology of the GI Tract, Lv i er, Biliary Tract and Pancreas. Saunders, 2004. Romaldini, CC. Provas de absorção n i testinal. Em: Kotze LMS & Barbieri D. Afecções Gastrintestinais da Criança e do Adolescente. Revinter, Rio de Ja neiro, 1" ed., 2003, p. 465-7. Shackel, NA, Bowen, DG, Selby, WS. Vídeo push enteroscopy n i the n i vestiga tion ofsmall bowel disease: defining clinicai indications and outcomes. Aus. N. Z. f. Med., 1998; 28:198-203. Sobreira, RS, Malheiros, APR, Teixeira, MG et ai. Técnica de "push"-enteros copia no diagnóstico do sangramento digestivo de origem indeterminada. G.E.D., 2004; 23:143-6. Trier, ]S. Intestinal malabsorption? Differentiation ofcause. Hosp. Pract., 1988; 23:195. Valle, J, Alcântara, M, Pérez-Grueso, MJ et ai. Clinicai features ofpatients with negative results from traditional diagnostic work-up and Crohn's disease findings from capsule endoscopy. f. Clin. Gastroenterol., 2006; 40:692-6. World Gastroenterology Organisation Practice Guidelines
F i b rose Cística, I ntolerâ ncia a Dissaca ríd ios e Outros Distú rbios na Digestão de N utrientes Patrícia Barbosa Ferrari, Sandra Beatriz Marion Va/arini, Jean Rodrigo Tafarel e Lorete Maria da Silva Kotze
Entende-se porfunçõesparciais da digestão o conjunto de atos que visam a modificações dos alimentos no aparelho digestivo para serem absorvidos, entregues às células de tecidos e órgãos para serem metabolizados, e ainda outras que têm por objetivo a expulsão, para o exterior, de detritos não aproveitados. Em síntese, trata-se de uma intrincada série de acontecimentos de natureza físico-química. As modificações químicas dos alimen tos constituem a digestão propriamente dita. Os processos mecânicos e físicos ocorrem na boca e no es tômago: mastigação e prensa no antro gástrico. Da mistura de saliva e suco gástrico, resulta, então, o quimo. No duodeno e jejuno proximal, ocorrem modificações osmóticas, emulsifi. cação e micelação das gorduras. As primeiras visam a tornar o conteúdo s i osmótico em relação ao plasma; as outras duas são realizadas pelos sais biliares, ácidos graxos e monoglicerídios. A sequência harmônica das diferentes fases da digestão leva os alimentos a uma desintegração em moléculas simples, do tadas de elevado grau de solubilidade e difusão; ou, no caso das gorduras, a um emulsionamento em partículas ultrafinas capazes de penetrar entre as microvilosidades dos enterócitos para serem absorvidas. Qualquer perturbação que possa ocorrer nessa sequência determina oferta ao intestino delgado de massa aimentar l mal preparada, acarretando rejeição de grande parte do material oferecido. Os nutrientes, ou seus produtos não aproveitados, serão excretados com as fezes. Fica claro que a malabsorção resultante não decorre de um efeito primário dos enterócitos. Secundariamente, em decorrência de fenômenos espoliativos e carenciais, ou por nadaptação i da mucosa às condições anôma las, pode haver alterações nas células epiteliais absortivas. As principais secreções digestivas são: a saliva, o suco gás trico, a bile, o suco pancreático e o suco entérico.
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SALIVA
Não se conhecem afecções que cursem com diarreias crôni cas produzidas exclusivamente por alterações na secreção sali var. Em determinadas enfermidades, pode haver modificações na saliva (p. ex., sialosquese na desnutrição). Em relação às demais secreções, o Quadro 29.1 resume as principais entidades e mecanismos envolvidos.
278
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Quadro 29.1 Anormalidades na fase pré-epitelial ou no lúmen intestinal, com consequente malabsorção Insuficiência exócrina do pâncreas •
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Pancreatite crônica Fibrose cística do pâncreas Ressecçôes pancreáticas Tumores pancreáticos Síndrome de Zollinger-Eilison
Deficiência de sais biliares •
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Redução do reservatório de sais biliares Ressecção externa do íleo Doenças inflamatórias do íleo Alterações químicas de sais biliares Síndrome da alça estagnante Gastrectomia Billroth 11 Chegada insuficiente de sais biliares ao intestino Obstrução do colédoco Produção deficiente de sais biliares Insuficiência constitucional Hepatopatias
Mistura insuficiente de bile com alimentos •
Gastrectomias
Aceleração do trânsito intestinal • •
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Drogas (principalmente catárticos) Doenças sistêmicas (hipertireoidismo, p. ex.)
SUCO GÁSTRICO
As alterações em volume, concentração e disponibilidade da secreção cloridropéptica podem estar relacionadas com a má absorção intestinal, tanto na sua insuficiência como no seu excesso.
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Insuficiência gástrica
A ausência ou indisponibilidade de suco gástrico no lúmen intestinal está relacionada, em geral, a procedimentos cirúr gicos. A principal anormalidade ocorre na função motora do
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 219 esvaziamento gástrico, consequente às ressecções totais e par ciais do estômago (com reconstrução a Billroth I ou II), e à vagotomia (troncular ou seletiva). Muitas vezes, a diarreia desaparece com a adaptação anatomofuncional; porém, em alguns casos, persiste e pode levar a quadros de malabsorção e desnutrição.
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Quadro 29.3 Mecanismos fisiopatológicos da diarreia pós-vagotomia Distúrbio da função regulatória do piloro Esvaziamento rápido do estômago Passagem rápida do quimo através do intestino delgado Digestão e absorção insuficientes
• Diarreia pós-gastrectomia Alterações anatômicas e fisiológicas pós-ressecção gástrica podem resultar na síndrome pós-gastrectomia em aproxima damente 20% dos indivíduos operados. A gastrectomia a Bil lroth li está mais frequentemente associada a essa síndrome. No entanto, com o crescente aumento de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, também tem se verificado aumento de com plicações gastrintestinais nesse grupo de n i divíduos. A ressecção gástrica causa alteração do reservatório gástrico, compromete a função digestiva e a de transporte. Essas alterações podem de terminar esvaziamento gástrico retardado ou rápido. Quando há retardo do esvaziamento, sintomas como plenitude, náuseas e vômito bilioso são mais frequentes. Quando há esvaziamento rápido, temos dumpinge diarreia. Clinicamente, há plenitude, desconforto abdominal e diarreia. Quando ocorre liberação de substâncias vasoativas e hormônios, como serotonina, bradi cinina e enteroglucagon, podem existir sintomas gerais como sudorese, taquicardia e lipotimia. Estudo brasileiro conduzido por Coelho-Neto et al. (2005), que avaliou complicações tardias em 59 pacientes gastrectomizados, mostrou que a prevalência de diarreia foi de 18,6% e de dumping, 3,4%. A diarreia pós gastrectomia ocorre por vários mecanismos que estão listados no Quadro 29.2. Devido à hipocloridria, resultante da gastrec tomia, pode haver alteração de absorção de ferro, levando à ane mia, bem como anormalidade da absorção de cálcio e vitaminas, especialmente D e B12• O diagnóstico da diarreia pós-gastrecto mia é clínico, mas o estudo radiológico do esôfago-estômago duodeno (seriografia) pode avaliar alterações anatômicas pós cirúrgicas que colaboram para a sintomatologia. A endoscopia pode ser útil para descartar outras anormalidades. O tratamento clínico baseia-se em fracionamento das refei ções, adequação dietética e utilização de moderadores do trân sito intestinal como loperamida. A substituição da gordura da dieta por triglicerídios de cadeia média pode ser benéfica, bem como a complementação com enzimas pancreáticas. Na pre sença de esteatorreia e supercrescimento bacteriano, devem-se utilizar antibióticos, sendo o metronidazol a primeira escolha, visto que a população de bactérias anaeróbias é predominante. Outros antibióticos utilizados são tetraciclina e quinolonas. Não havendo resposta à terapia clínica, deve-se considerar a possi bilidade de tratamento cirúrgico. A conversão da gastrectomia a Billroth II em gastrojejunostomia em Y de Roux deve ser a primeira escolha.
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Quadro 29.2 Mecanismos fisiopatológicos da diarreia pós-gastrectomia
Aumento do potencial osmótico no intestino exercido pelo alimento inadequadamente processado pelo estômago Alteração do sincronismo entre a chegada do bolo alimentar e a secreção biliopancreática na alça intestinal Hipocloridria e estagnação de alimentos na alça intestinal, levando a supercrescimento bacteriano com consequente desconjugação dos sais biliares Inadequada formação de micelas
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Supercrescimento bacteriano Aumento do conteúdo osmótico no cólon Denervação da vesícula biliar
A vagotomia troncular associada à piloroplastia pode deter minar diarreia em aproximadamente 25% dos pacientes ope rados, porém essa complicação é infrequente na vagotomia superseletiva. Atualmente, a vagotomia troncular raramente é empregada, porém lesão iatrogênica do nervo vago, sem o propósito de seccioná-lo, pode ocorrer em operações que en volvam o esôfago ou o estômago, causando complicações. A diarreia é o principal sintoma clínico, tendo intensidade e du ração variáveis. Nos casos de diarreia de longa duração, pode haver emagrecimento e sinais de desnutrição. Os mecanismos fisiopatológicos implicados na diarreia pós-vagotomia estão relacionados no Quadro 29.3. O diagnóstico é baseado na his tória de cirurgia prévia e exclusão de outras alterações que le vem à diarreia. O tratamento clínico é baseado na utilização de colestiramina, antidiarreicos, como loperamida, e, por vezes, antibióticos para inibir o supercrescimento bacteriano. O tra tamento cirúrgico é pouco utilizado, porém nas diarreias re fratárias pode ser tentada a inversão de um segmento do jejuno que produzirá movimento antiperistáltico e, com isso, redução do trânsito intestinal.
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Síndrome de Zollinger-EIIison - Gastrinoma
O gastrinoma é um tumor neuroendócrino produtor de gas trina, responsável pela síndrome de Zollinger-Ellison (SZE). Há dois tipos de gastrinoma: o esporádico, mais frequente, e o hereditário, associado à síndrome de neoplasia endócrina múl tipla tipo 1 (NEM 1). Geralmente, são tumores muito pequenos, localizados no duodeno ou no pâncreas. A hipergastrinemia determina aumento da secreção de ácido clorídrico e maior possibilidade de ocorrer doenças ácido-relacionadas. Estudo conduzido por Roy et ai. (2000), que avaliou a apresentação clí nica de 261 pacientes com gastrinomas, observou dor abdomi nal em 75% dos casos e diarreia em 73%, havendo coincidência dos sintomas em 55% dos pacientes. A perda de peso ocorreu em menos de 20% dos casos. Os mecanismos fisiopatológicos para o desenvolvimento de diarreia são a formação inadequada das micelas, uma vez que o pH intraluminal é excessivamente baixo e impede a ativação das proenzimas pancreáticas no duo deno e jejuno proximal, além da redução da absorção de sal e água devido à elevada concentração de gastrina. O diagnóstico é feito pela dosagem sérica de gastrina que normalmente apresenta níveis elevados (acima de 1.000 pgl mf), e pela detecção do gastrinoma por métodos de imagem como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou resso nância magnética abdominal. A localização do tumor por esses métodos nem sempre é fácil, pois a maioria das lesões é menor que 1,0 em. Outros métodos empregados no diagnóstico são a cintigrafia com somatostatina marcada e a ultrassonografia endoscópica.
280 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes O tratamento baseia-se na utilização de inibidores da secre ção ácida, preferencialmente os inibidores de bomba de pró tons, em uma dose que varia de 60 a 240 mg/dia durante tempo indeterminado. A eficácia do tratamento pode ser avaliada com a mensuração do débito da secreção ácida, que deve ser man tida entre 1 e 10 mEq/h, evitando, assim, a acloridria. Após o advento dos antissecretores, a gastrectomia tem sido tratamento de exceção. Indica-se tratamento cirúrgico para os gastrinomas esporádicos, localizados no pâncreas e maiores que 3,0 em de diâmetro, sem metástases hepáticas. Os fatores de risco associa dos à metástase hepática são o tamanho do tumor, localização pancreática e associação com NEM 1.
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BILE
A insuficiência biliar acompanha-se de esteatorreia. Os sais biliares são os detergentes mais importantes, portanto de fim damental importância na emulsifi.cação e micelação das gor duras.
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Colestase
A falência da excreção biliar que ocorre na colestase, seja intra-hepática (parenquimatosa) ou extra-hepática (obstru tiva), determina uma queda na concentração intraluminal de ácidos biliares. O processo de formação de micelas na diges tão dos lipídios fica prejudicado, resultando em má absorção de gorduras, inclusive de vitaminas lipossolúveis. Geralmente, são quadros diarreicos de pequena intensidade. O tratamento deve ser dirigido à doença básica.
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Ressecção ou disfunção ileal
nio-tauro-homocolato), associados a testes terapêuticos com colestiramina, têm demonstrado a importância da participação
da MAB na patogênese da diarreia sem, no entanto, excluir a
existência de outros fatores. O teste do SeHCAT tem se mostra do fundamental para o diagnóstico diferencial entre a diarreia pós-colecistectomia e a síndrome do cólon irritável. Trata-se de exame com custos elevados, sendo, muitas vezes, substituí do por prova terapêutica com colestiramina.
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Malabsorção de ácidos biliares em pacientes com diarreia crônica
Extensos estudos com o teste do SeHCAT têm sido reali zados em pacientes portadores de diarreia crônica sem causa detectável ou rotulados como fimcionais. Embora ainda não tenha sido possível estabelecer uma identidade fisiopatológica para a má absorção primária de ácidos biliares, foi verificada uma ncidência i razoável de casos em que a MAB está presente, e o tratamento do quadro diarreico crônico com colestiramina traz benefícios ao paciente. Um estudo prospectivo em porta dores de diarreia crônica associada à AIDS revelou a presença de MAB em 47% dos casos. Esses achados sugerem fortemente a realização desse teste, ou de prova terapêutica, mais precoce mente no curso da investigação da diarreia crônica.
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SUCO PANCREÁTICO A diminuição acentuada, ou ausência, do suco pancreático
acarreta muitos problemas, visto conter poderosas enzimas que exercem ação sobre nutrientes nobres, quais sejam carboidra tos, proteínas e gorduras. A consequência previsível é a má absorção de todos esses
Indivíduos com doença n i flamatória do íleo (doença de Crohn, tuberculose intestinal) ou uma ressecção ileal extensa (síndrome do intestino curto) apresentam captação ileal defei
nutrientes em graus variáveis, sendo clinicamente mais expres
tuosa dos ácidos biliares e, portanto, má absorção desses ácidos. Tais ácidos passam para o cólon e promovem uma diarreia se cretória mediada por mecanismo dependente do AMP-cíclico. Com a perda fecal dos ácidos biliares aumentada, ocorre um incremento compensatório da sua síntese, e o pool de ácidos biliares é mantido. Esses pacientes podem ser tratados com resinas que se ligam aos ácidos biliares, como a colestiramina, para evitar diarreia. Se a perda for muito intensa, pode exce der a síntese compensatória e ocorrerá uma redução do pool e, consequentemente, diminuição da concentração intraluminal de ácidos biliares, abaixo da concentração crítica necessária para a micelização das gorduras. Isso resulta em má absorção de gorduras e de vitaminas lipossolúveis. A reposição de bile ou ácidos biliares poderia levar a uma piora da diarreia causada por sua entrada no cólon. No entanto, existe relato de melhora
reia crônica são as pancreatites crônicas, de etiologia variável, porém mais comumente alcoólica; os tumores pancreáticos, as
importante da esteatorreia, sem piora do quadro clínico, com a administração de bile bovina a pacientes com ressecção de íleo terminal e cólon preservado.
nitas.
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Diarreia pós-colecistectomia
A má absorção de ácidos biliares (MAB) na diarreia pós colecistectomia é uma condição clínica bem conhecida, porém seu papel etiopatogênico não está esclarecido. O aumento da ciclagem êntero-hepática dos ácidos biliares após a colecistec tomia pode ser responsável pela diminuição de sua captação no íleo terminal. Testes diagnósticos com SeHCAT (75 selê-
siva a de gorduras, determinando esteatorreia. As principais causas da insuficiência pancreática com apresentação por diar
ressecções pancreáticas e a fibrose cística. A diarreia é secun dária à insuficiência exócrina do pâncreas que ocorre em 30 a
40% das pancreatites crônicas, 80 a 95% na fibrose cística e é relativamente frequente no câncer de pâncreas, devido à obs trução do dueto pancreático. A fisiopatologia da insuficiência exócrina de acordo com a sua etiologia, assim como alterações fisiológicas associadas, que afetam a eficácia dos tratamentos dietéticos e medicamentosos, estão detalhadas nos capítulos das doenças pancreáticas.
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Doenças pancreáticas na criança As doenças pancreáticas na criança geralmente são congê 1. Anormalidades anatômicas que causam sintomas pan
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creáticos são, costumeiramente, tratadas por cirurgia; Anormalidades bioquímicas encontradas com deficiên cias enzimáticas, fibrose cística e síndrome de Schwach man são bem manejadas com medicamentos;
3. Pancreatite aguda tem como causa mais frequente o trauma;
4. Insuficiência pancreática crônica habitualmente ocorre de modo secundário à fibrose cística do pâncreas. Por sua importância prática, será discutida em detalhes.
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 281 O diagnóstico da doença leva a aconselhamento genético e supervisão pulmonar adequada que podem tornar-se muito importantes como avanço terapêutico e melhora da qualida de de vida! •
Fibrose cística (FC)
• Introdução A fibrose cística (FC), ou mucoviscidose, é uma doença ge nética de herança autossômica recessiva, de caráter crônico e progressivo, que compromete as glândulas exócrinas de múl tiplos órgãos e sistemas, tais como o respiratório, o digestivo, o reprodutivo e o glandular. É a doença genética letal mais comum na população cau casiana, e a principal causa de óbito é o comprometimento pulmonar que ocorre em torno de 90% dos casos. A doença se caracteriza por n i fecção respiratória crônica, insuficiência pancreática, altos níveis de sódio e cloro no suor e outras com plicações associadas. A FC é causada pela mutação de um único gene, o gene da fibrose cística, denominado CFTR (cystic fibrosis transmem brane regulator), que codifica uma proteína de mesmo nome, responsável pelo transporte de eletrólitos pelas células epiteliais. A doença é decorrente da ausência, deficiência na produção, ou defeito da função, do polipeptídio produzido pelo gene de feituoso da fibrose cística. A identificação e o sequenciamento do gene alterado da fibrose cística e o conhecimento dos me canismos fisiopatológicos da doença são pontos fundamentais para novas estratégias terapêuticas e aconselhamento genéti co. O diagnóstico precoce, a partir do screening neonatal, e a melhor abordagem no tratamento da doença pulmonar e do estado nutricional foram responsáveis pelo aumento da sobre vida da doença. No Brasil, o Programa Nacional de Triagem Neonatal foi criado em 2001, a partir da Portaria n° 822, do Ministério da Saúde, e, no mesmo ano, o Paraná foi o primeiro estado a ser credenciado e já na fase III, ou seja, para diagnóstico de fenil cetonúria, hipoireoidismo t congênito, anemia falciforme e ou tras hemoglobinopatias e fibrose cística. No Brasil, atualmente apenas quatro estados estão credenciados na fase Ili para diag nóstico de fibrose cística, a saber: Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo. • lnc.idência A incidência da fibrose cística é de aproximadamente 1/2.000 a 1/5.000 na população caucasiana da Europa, EUA e Canadá. É menos comum em outros grupos étnicos, sendo encontrada em 1/17.000 na população negra e em 1/90.000 na população oriental. No Brasil, nos estados em que há a triagem neonatal para FC, a incidência é de 1/9.000 a 1/9.500 nascidos vivos. • Genética O gene da fibrose cística foi clonado em 1989 e se localiza no braço longo do cromossomo 7. Trata-se da doença autossômica recessiva mais frequente na raça branca, e 5% dos indivíduos desta etnia são portadores heterozigotos do gene. Mais de 1.700 mutações já foram identificadas como respon sáveis pela fibrose cística. Os tipos de mutações variam em sua frequência e distribuição em diferentes populações. A mutação mais comumente encontrada é a deleção de 3 pares de bases nitrogenadas que levam à perda da fenilalanina na posição 508, também conhecida como �F508del. Esta mutação é responsá vel por aproximadamente dois terços dos portadores de FC no
mundo, porém está presente em apenas 40% dos fibrocísticos brasileiros, provavelmente devido à miscigenação racial. A pre sença da mutação �F508del na forma homozigota está relacio nada com insuficiência pancreática, colonização precoce pela Pseudomonas aeruginosa e doença pulmonar mais grave. As mutações do gene da FC são classificadas em classes de I a V, conforme o tipo de defeito encontrado na proteína: ausência total de síntese (classe I), bloqueio no processamento (classe li), bloqueio na regulação (classe III), condutância alterada (classe IV) e síntese reduzida (classe V). As três primeiras classes estão relacionadas à insuficiência pancreática e a quadros clínicos mais graves, enquanto as duas últimas costumar ter sinais e sintomas mais brandos. Vários pacientes apresentam problemas mais leves, possivel mente associados à disfunção da CFTR, tais como infertilidade masculina, pancreatite recorrente, sinusite crônica e colangite esclerosante primária. Geralmente, tais pacientes apresentam concentrações de cloro limítrofes no suor e estes casos são de nominados doenças relacionadas com o CFTR, fenótipos par ciais que devem ser diferenciados da fibrose cística. Nem todas as mutações do CFTR causam doenças como a FC, ou outras doenças relacionadas com o CFTR. Algumas mutações podem não apresentar significado clínico ou ter re levância clínica ainda incerta. A presença isolada da mutação do gene CFTR, portanto, não pode encerrar o diagnóstico de fibrose cística ou das doenças relacionados com o CFTR. O diagnóstico deve ser sempre baseado na apresentação clínica, nas provas de avaliação da função do gene CFTR, tais como teste do suor e diferença de potencial nasal, e, finalmente, na análise genética. O genótipo de forma isolada também não pode ser usado para estimar a gravidade da doença, especialmente no que se refere ao dano pulmonar, já que o fenótipo é afetado por ou tros fatores genéticos e ambientais, além do tipo de mutação encontrada. Gêmeos monozigóticos podem apresentar quadros clínicos bem diferentes, apesar de apresentarem o mesmo tipo de mutação. Esta discrepância entre fenótipo e genótipo ocorre provavelmente devido a polimorfismos em outros genes não relacionados com o gene da fibrose cística. • Fisiopatologia A proteína CFTR está presente na superfície apical das cé lulas epiteliais onde constitui um canal de cloro dependente de AMP cíclico. Embora a função da CFTR seja principalmente relacionada com o canal de cloro, ela também exerce outras funções reguladoras. Em indivíduos normais, a CFTR promove o transporte ade quado do cloro da cé l ula para o lúmen glandular. Nos indiví duos fibrocísticos, as glândulas mucosas e as serosas não fun cionam adequadamente. Nas glândulas mucosas dos doentes, não há transporte adequado do cloro para o lúmen glandular, impedindo a hidratação adequada do fluido luminal e predis pondo as secreções viscosas que obstruem os duetos. Já nas glândulas serosas, como são as glândulas sudoríparas, há falha na reabsorção do cloro predispondo níveis elevados de cloro no suor. Os órgãos mais acometidos pela FC são o pulmão e o pâncreas. Esta alteração no líquido de superfície das vias respiratórias promove obstrução das vias respiratórias por rolhas de muco que favorecem a instalação da inflamação, colonização e in fecção, especialmente por algumas espécies de bactérias. Den tre os agentes infecciosos mais comumente encontrados, estão
Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Stenotropho monas maltophilia, bactérias do complexo Burkholderia cepa-
282 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes cia, micobactérias atípicas e Aspergillusfumigatus. A infecção
ção geográfica. Os sinais e sintomas da doença são sibilância,
broncopulmonar crônica ou recorrente leva à lesão pulmonar progressiva da fibrose cística e deve ser prontamente tratada. Os recém-natos nascem com os pulmões anatômica e his tologicamente normais e o trato respiratório é colonizado por
infiltrados pulmonares e bronquiectasias centrais. Quanto ao acometimento do pâncreas, a lesão já se inicia
bactérias da flora normal. Inicialmente, ocorrem dilatação e hipertrofia de glândulas mucosas seguida de metaplasia esca mosa do epitélio broncopulmonar, presença de rolhas de muco, alterações ciliares secundárias e infiltrados inflamatórios na submucosa. Ciclos repetidos de obstrução e infecção desenca deiam a formação de bronquiolectasias e bronquiectasias. Ao redor destas lesões, há artérias brônquicas dilatadas e de pare des finas que se rompem e causam hemoptise. Com a evolução do quadro clínico, a hipoxemia promove vasoconstrição da artéria pulmonar, hipertrofia da camada média e hipertensão pulmonar secundária ou corpulmonale. Com o passar dos anos, os agentes da colonização e infec ção são diferentes e seguem uma sequência tradicionalmente descrita. Quando lactente, o paciente portador de FC pode apresen tar exacerbações respiratórias por agentes virais, causadores de bronquiolites. A partir dos primeiros anos de vida, os pacientes são colo nizados por Staphylococcus aureus, seguido por Pseudomonas aeruginosa cepa não mucoide, Pseudomonas aeruginosa cepa mucoide e complexo Burkholderia cepacia. Estudos demons tram que, aos 3 anos de idade, 98% das crianças são colonizadas por Pseudomonas aeruginosa. Infecção persistente leva a geração e secreção de citocinas quimiostáticas que recrutam grande número de poimorfonu l cleares para as vias respiratórias. A Pseudomonas libera toxinas e elastases que clivam os polimorfonucleares, e estes liberam suas próprias proteases e elastases, ampliando o ciclo de infec ção e inflamação. A liberação do DNA dos neutrófilos enve lhecidos aumenta a viscosidade do muco, trazendo mais dano ao epitélio. A via respiratória do paciente portador de FC é propícia ao crescimento da Pseudomonas, por várias razões: microambiente permissivo com nichos hipóxicos de placas de muco, aumento da adesão bacteriana ao epitélio e redução do clearance bacteria no por mecanismos imunes inatos. Após anos de colonização, a Pseudomonas muda seu fenótipo do tipo não mucoide para o tipo mucoide, momento este que passa a produzir grandes quantidades de um polissacarídio denominado alginato. O al ginato facilita a proliferação bacteriana por estimular a adesão e a formação de microcolônias de bactérias, o biofilme, e inibe o processo imunológico de defesa do hospedeiro por dificul tar a opsonização, fagocitose e a penetração de anticorpos e antibióticos. Pacientes colonizados por Pseudomonas aeruginosa, caracte rística marcante desta doença, apresentam maior taxa e duração de hospitalizações e redução da função pulmonar à espirome tria. Apresentam declínio da função pulmonar, alguns evoluem de forma lenta e com pequenos danos e outros evoluem com rápidos e grandes danos pulmonares. O complexo Burkholderia cepacia é um grupo de pelo menos nove bactérias extremamente virulentas, transmitidas de pessoa a pessoa e com resistência inata à antibioticoterapia. Causam rápido declínio da função pulmonar, ou também podem desen cadear um quadro fulminante invasivo, denominado "síndrome da cepacia", em que há disseminação hematogênica e óbito. O Aspergillusfumigatus pode desencadear intensa resposta alérgica a fungos, quadro chamado de aspergilose broncopulmo nar que ocorre em 1 a 15% dos pacientes, conforme a localiza-
intraútero e se traduz por obstrução e dilatação dos duetos pancreáticos por secreções viscosas e lesão do epitélio que é substituído por tecido gorduroso e fibrose. Eventualmente, podem ocorrer calcificações intraluminais e formações císti cas, alterações que batizaram a doença como fibrose cística do pâncreas. Já as alterações inflamatórias não são habituais. O quadro clínico tradicional é a insuficiência pancreática exó crina que ocorre em 90% dos pacientes. A função endócrina é menos afetada, já que as ilhotas de Langerhans são inicialmente poupadas nos primeiros anos da doença.
• Quadro clínico Clinicamente, as manifestações da FC relacionam-se a uma disfunção epitelial multissistêmica, em todas as glândulas secre toras exócrinas, sejam elas do tipo seroso ou mucoso. As ma nifestações clínicas mais notáveis referem-se, particularmente, ao dano progressivo dos pulmões e pâncreas, cujos duetos são obliterados pelas secreções viscosas e espessas desses órgãos.
Essa obliteração acarreta compromeimentos t sequenciais que variam, em cada órgão, com a extensão e o grau de obstrução, que partem da inflamação e dilatação ductal à destruição dos tecidos nobres do órgão afetado. As secreções das glândulas serosas, como as sudoríparas e as salivares, não provocam, na síndrome clínica, alterações ex pressivas comparáveis às do pâncreas e dos pulmões. Em con
trapartida, é a determinação da elevação anormal da concen tração de sódio e cloro na secreção sudorípara que oferece a identificação comprobatória da enfermidade. Além do pâncreas e dos pulmões, os órgãos mais comu mente envolvidos, a FC envolve um largo espectro de sinais e sintomas descritos a seguir.
• Vias respiratóriassuperiores A totalidade dos pacientes se apresenta com pansinusite crônica, grande parte dos casos associada à polipose nasal e recorrente. A polipose nasal acomete 20% dos pacientes e pode ser o sintoma inicial da doença. Podem ocorrer também otite média crônica ou recorrente, anosmia, rouquidão transitória e defeitos da audição.
• Vias respiratórias n i feriores A tosse persistente é o sintoma primordial do comprometi mento de vias respiratórias inferiores e costuma se iniciar nos primeiros meses de vida. Inicialmente, é seca, coqueluchoide, noturna e compromete o sono e a alimentação. Com o passar do tempo, a tosse evolui para produtiva matinal com expecto ração variando de mucoide a purulenta. A progressão da doença leva a um quadro de insuficiência respiratória, com dispneia inicialmente durante a atividade fí sica e, depois,
ao repouso, inclusive. Pode se manifestar com
quadro de pneumonia de repetição, bronquiolite persistente ou de repetição, sibilância que não responde a broncodilatadores, atelectasias e bronquiectasias. A evolução é para insuficiência respiratória crônica e corpulmonale. Nos casos iniciais ou leves, o exame físico pode ser total mente normal. Nos casos avançados, podem-se encontrar ta quipneia, estertores crepitantes localizados ou difusos, tiragem estemal, aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, ba queteamento digital e cianose de extremidades.
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 283 Podem ocorrer exacerbações do quadro respiratório e estas devem ser reconhecidas para o tratamento imediato. Os sinais e sintomas são febre, piora da tosse, surgimento de expectora ção, mudança no aspecto e quantidade da expectoração, redu ção do apetite, menor tolerância ao exercício, agravamento ou surgimento de hemoptise, taquipneia, fadiga, sonolência. Além destes, são fortemente sugestivos a presença de esforço respira tório, aparecimento de ruídos adventícios ou piora da ausculta, perda de peso e sinais de aprisionamento de ar.
A infecção pulmonar crônica, associada à obstrução pro gressiva das vias respiratórias, gera maior trabalho respiratório, aumentando o gasto energético basal mesmo em pacientes com doença pulmonar leve.
• Pâncreas
A insuficiência pancreática ocorre em 60% dos pacientes no período neonatal, em 80% aos bebês com
6 meses de vida e em 90% dos
1 ano de idade.
O suco pancreático dos pacientes é liberado em pequena quantidade e com baixa concentração de enzimas pancreáticas e de bicarbonato. A deficiência de enzimas pancreáticas é cau sada inicialmente pela obstrução dos duetos devido à secreção espessa e, posteriormente, pela destruição progressiva da ar quitetura pancreática.
A insuficiência pancreática decorre da redução, tanto na quantidade, quanto na qualidade, das enzimas pancreáticas. Isso porque, além do teor reduzido de enzimas pancreáticas, es tas sofrem inativação no duodeno. Isso ocorre devido à deficiên cia de bicarbonato, que leva à acidificação do duodeno e inativa enzimas pancreáticas e precipita sais biliares, comprometendo a digestão das gorduras.
O quadro clínico se traduz por esteatorreia devido à má ab sorção intesinal. t Os achados clínicos são distensão abdominal, diarreia crônica com grande número de evacuações, consis tindo em fezes amolecidas, pálidas, em grandes quantidades, oleosas e fétidas. Como consequência, o paciente se apresenta com desnutrição proteico-calórica, apesar da ingestão calórica normal ou aumentada, e com deficiência de vitaminas liposso lúveis (Figura 29.1). Deficiência das vitaminas A, D, E e K leva a quadros de acrodermatite, anemia, neuropatia, cegueira noturna, hiper tensão intracraniana idiopática, osteoporose e desordens he. morrag1cas. A osteopenia inicia-se na n i fância, mas o quadro clínico geralmente se manifesta na idade adulta. A osteoporose pode ser secundária à deficiência de vitamina '
D, à inflamação crônica sistêmica e ao uso de corticoides. A desnutrição está fortemente associada à deterioração da função pulmonar. i Vários fatores influenciam o metabolismo da glicose, n cluindo gasto energético elevado, infecção crônica e aguda, deficiência de glucagon, disfunção hepática, lentidão do trânsito gastrintestinal e aumento do trabalho respiratório. As ilhotas de Langerhans do pâncreas endócrino não são primeiramente afetadas na FC, mas, com a evolução da doença, o pâncreas sofre autólise e as ilhotas são substituídas por tecido gorduroso. O pa ciente desenvolve insuficiência de insulina e intolerância à gli cose, provavelmente coexistindo com resistência insulínica. O diabetes melito associado à FC é bem diferente do diabe tes dos tipos I ou II. Diabetes melito relacionado com a fibrose cística ocorre em 30% dos pacientes acima de 25 anos, e 40% dos adolescentes apresentam alteração do teste oral de tolerân cia à glicose. Existe correlação clínica entre diabetes melito e
Figura 29.1 Paciente portadora de fibrose cística. Suor: sódio, 108,0 mEq/f; cloro, 93,0 mEq/f. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
284 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes doença pulmonar mais grave e estado nutricional precário. Os pacientes com perda de peso inexplicada ou redução da função pulmonar devem ser testados para diabetes.
•
heo meconia/
O tratamento é feito com reposição enzimática e melhora do estado nutricional.
• Doença do refluxo gastresofágico (DRGE) Pacientes com FC apresentam incidência aumentada de
Na fase intrauterina, todo o tubo digestivo se encontra co berto por uma camada de secreção mucosa mais espessa e vis cosa do que a habitual no pós-parto. O mecônio se apresenta excepcionalmente espesso e causa, junto à válvula ileocecal, obstrução do íleo terminal, e o qua dro clínico é, então, denominado íleo meconial. Ocorre em 10 a 20% dos recém-natos portadores de FC e é o sinal mais pre coce da doença. Todo paciente com quadro de íleo meconial é considerado portador de fibrose cística até que se prove o con trário. Este dado é verdadeiro em 90% dos casos. Manifesta se logo ao nascer ou nos primeiros dias de vida com ausência de eliminação de mecônio, distensão abdominal progressiva e vômito biliar, evoluindo, eventualmente, para perfuração in testinal e peritonite. A radiografia simples do abdome denota sinais de obstrução intesinal t distai com distensão de alças com níveis hidroaéreos, ausência de ar distal e aspecto em vidro fosco ou granuloso,
DRGE por alterações no esvaziamento gástrico e relaxamento inadequado do esfíncter esofágico inferior. O quadro de DRGE ainda é complicado pelo aumento da pressão intra-abdorninal devido à tosse e pelo rebaixamento do diafragma. A DRGE pode trazer complicações, agravando ainda mais a função pulmonar dos pacientes fibrocísticos.
• Manifestaçõeshepatobi/iares Assim como acontece nos outros órgãos, a secreção biliar espessa promove obstrução biliar, inflamação, fibrose biliar periporta e cirrose biliar focal. Um em cada quatro pacientes apresenta alterações labo ratoriais de dano hepático e colestase, apesar de geralmente ser assintomático. Podem ser encontradas esteatose hepática e colelitíase. A cirrose biliar focal geralmente ocorre aos 15 anos de idade e acomete apenas 5% dos pacientes que se apresen tam com hepatoesplenomegalia, ascite, edema periférico e hi
representada pela mistura do mecônio espesso com pequenas bolhas de ar. A radiografia contrastada mostra os segmentos do cólon, distais ao bloqueio, vazios e colapsados, revelando o aspecto de microcólon. O tratamento clínico é sempre a op
pertensão porta. O óbito por doença hepatobiliar ocorre em 2% dos casos.
ção inicial, e o tratamento cirúrgico fica restrito aos casos de falha terapêutica.
Além das já citadas, podem existir intussuscepção intestinal,
• Síndrome da obstrução intestinaldista/
(equivalente ao 11eo meconial)
Ocorre em
10 a 20% dos pacientes e é causada pela obs
• Outras causas de dorabdominal aderências intestinais decorrentes de procedimentos cirúrgicos, apendicite, abscesso apendicular, pancreatite (em caso de fun ção pancreática residual) e colecistite.
• Manifestações reprodutivas
trução intestinal, geralmente parcial, após o período neonatal, em geral em adolescentes e adultos. Assim como no íleo me
Pode haver atraso puberal nos pacientes com comprome timento nutricional. A esterilidade masculina ocorre virtual
conial, há obstrução da região ileocecal. O quadro está asso ciado com fezes volumosas, viscosas e mal digeridas e com a
mente em todos os casos devido à azoospermia por obstrução dos canais deferentes, tanto nos pacientes portadores de fibro
interrupção, ou o uso n i adequado, das enzimas pancreáticas. Clinicamente, o paciente se apresenta com dor abdominal
se cística quanto nos pacientes heterozigotos para a mutação
recorrente e fecaloma na fossa líaca i direita, distensão abdo minal e constipação intestinal. O tratamento do quadro de suboclusão é clínico.
• Prolapso reta/ O prolapso retal ocorre em cerca de 20% dos pacientes, em especial nos menores de 3 anos de idade. Lactente com pro
lapso retal deve ser sempre submetido ao teste do suor para
CFTR. Apesar de muitas controvérsias sobre o assunto, mulheres portadoras de FC apresentam fertilidade normal e podem com pletar uma gravidez a termo se tiverem suporte nutricional adequado e boa reserva pulmonar.
• Manifestaçõesglandularessudoríparas A perda excessiva de sódio e cloro no suor pode ser perce bida pelos pais como "beijo salgado". Especialmente quando
avaliar a hipótese de fibrose cística. O prolapso retal depende de vários fatores, tais como diarreia crônica, fezes volumosas,
expostos a períodos de muito calor ou na presença de vômito e diarreia, o paciente pode apresentar desidratação com alcalose
desnutrição proteico-calórica, tônus muscular diminuído e au mento da pressão intra-abdominal pela tosse. O tratamento é
metabólica hipoclorêmica e hiponatrêrnica.
clínico com melhora do estado nutricional e o tratamento da insuficiência pancreática.
• Constipação ntesti i nalcrônica A constipação intestinal pode ocorrer em aproximadamente
26 a 47% dos pacientes fibrocísticos menores de 18 anos, sejam eles portadores de insuficiência pancreática ou não. Os fatores de risco são secreção intestinal espessa, má absorção, redução da motilidade intestinal e histórico de íleo meconial.
• Edema hipoproteinêmico Ocorre em 5% dos recém-natos portadores de fibrose cís tica e é secundário à insuficiência pancreática e à desnutrição.
• Diagnóstico Os sinais e sintomas da FC podem ser gerais, independen tes da idade, ou específicos para cada faixa etária conforme disposto no Quadro 29.4. Na presença de sinais e sintomas característicos, os pacientes devem ser submetidos à dosagem de cloro no suor. Deve-se suspeitar de FC em qualquer idade em caso de his tória familiar sugestiva (paciente diagnosticado ou óbitos por doenças pulmonares), pele salgada, pneumopatias crônicas e/ ou de repetição, baqueteamento digital, distúrbios hidreletro líticos (especialmente, alcalose metabólica hiponatrêmica e hi poclorêmica) e isolamento casual de Pseudomonas aeruginosa de secreções respiratórias.
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 285 ------
·T
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Quadro 29.4 Sinais e sintomas da fibrose cística
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Quadro 29.5 Causas de resultados falso-positivos
e falso-negativos no teste do suor
Gerais (qualquer idade) História familiar positiva de fibrose cística
Resultado falso-positivo
Pele salgada
Dermatite atópica
Baqueteamento digital
Desnutrição
Tosse produtiva
Hipotireoidismo
Pneumopatia de repetição
Hiperplasia congênita da suprarrenal
Isolamento de Pseudomonas aeruginosa cepa mucoide de secreções respiratórias
Insuficiência de suprarrenal
Alcalose metabólica hipoclorêmica hiponatrêmica
Fucosidose
Neonatal
Displasia ectodérmica
lleo meconiai
Síndrome de Klinefelter
Icterícia prolongada
Diabetes insípido nefrogênico
Calcificações abdominais ou escrotais
Disfunção autonômica
Atresia intestinal
Privação do ambiente
Edema hipoproteinêmico
Síndrome de Munchausen por procuração (byproxy)
Lactente
Resultado falso-negativo
Manifestações respiratórias precoces com infiltrados persistentes ao raios X de tórax
Diluição da amostra
Desnutrição Anasarca ou hipoproteinemia Diarreia crônica Prolapso retal Distensão abdominal Colestase Pneumonia por Staphy/ococcus aureus
Síndrome de Mauriac
Quantidade insuficiente de amostra Desnutrição Edema periférico Hipoproteinemia Desidratação Mutações CFTR com função da glândula sudorípara preservada
Adaptado de O'Sullivan & Freedman, 2009.
Hipertensão intracraniana idiopática (deficiência de vitamina A) Anemia hemolítica (deficiência de vitamina E)
Infância Pansinusite crônica ou polipose nasal Esteatorreia Prolapso retal Dor abdominal recorrente e massa em fossa ilíaca direita (síndrome da obstrução intestinal distai) lntussuscepção Pancreatite crônica ou recorrente Hepatopatia
Adolescência e fase adulta Aspergilose broncopulmonar alérgica Pansinusite crônica ou polipose nasal Bronquiectasias Hemoptise Pancreatite recorrente idiopática Hipertensão portal Atraso puberal lnfertilidade com azoospermia secundária à ausência congênita bilateral de duetos deferentes Diabetes juvenil de fácil controle
Adaptado de O'Sullivan & Freedman, 2009.
As crianças também podem apresentar, dentre outros sinto
mas, íleo meconial, prolapso reta!, diarreia crônica, desnutrição ou déficits de crescimento especialmente se o apetite for voraz. Suspeita-se de FC nos adolescentes e adultos com pansinusite crônica ou polipose nasal, aspergilose, bronquiectasias, pan creatite, diabetes e infertilidade masculina.
suspeita diagnóstica pode ser clínica, baseada em sinais e sintomas compatíveis, ou pode ser realizada em uma fase pré-sintomática, a partir da triagem neonatal. Independen te do caso, estes pacientes devem ser submetidos a marcado res bioquímicos ou genéticos que demonstrem a disfunção do gene CFfR. Os critérios diagnósticos utilizados atualmente foram publi cados por Rosenstein e Cutting, em 1998, no consenso da Cystic Fibrosis Foundation e estão descritos no Quadro 29.5. O paciente precisa apresentar critérios clínicos e laborato riais, pelo menos um de cada. Os critérios clínicos são: sinais e sintomas compatíveis, ou história de irmão com fibrose cística, ou teste de triagem neonatal positivo. Os critérios laboratoriais são cloro no suor > 60 mEq/i ou mmol/i em 2 dosagens dis tintas ou identificação de duas mutações para FC ou demons tração de diferença de potencial nasal. A diferença de potencial nasal pode ser útil nos casos atípicos, entretanto este exame é tecnicamente difícil de ser realizado, além de não estar facil mente disponível. O diagnóstico neonatal tem vantagens como a melhoria do estado nutricional e, indiretamente, a melhora do quadro pulmonar, já que a função pulmonar aos 6 anos de idade está diretamente relacionada com o peso para idade. Além disso, evita várias complicações desencadeadas pelo diagnóstico e tratamento tardios e previne a mortalidade precoce. O diag nóstico precoce, entretanto, não evita a colonização bacteriana, porém permite o pronto tratamento das infecções bacterianas que levam ao dano pulmonar e, consequentemente, à maior morbimortalidade. Há controvérsias sobre os custos da triagem neonatal para o diagnóstico de um caso positivo. Alguns os consideram deA
286 Capitulo 29 I Fibrose Clstlca, lntolerdncia a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes masiadamente elevados e que estes recursos poderiam ser di recionados para treinamento e capacitação para o diagnóstico precoce. Outros consideram que os custos se pagam pelo me lhor controle nutricional, menor prejuizo da função pulmonar, possibilidade de encaminhamento para tratamento em um cen
tro de referência e aconselhamento genético, prevenindo novos
casos. Mesmo os países que realizam a triagem neonatal uni versal devem estar atentos aos sinais e sintomas da FC, já que até 10% dos exames triados podem ser falso-negativos. No Brasil, desde a Portaria n° 822, de 2001, apenas 4 esta dos estão credenciados na fase lll para realizar a triagem neo natal para fibrose dstica Dentre os países que não realizam a triagem neonatal, a idade ao diagnóstico pode variar bastante.
Nos países desenvolvidos, a idade ao diagnóstico gira em torno de 60% no primeiro ano de vida. Já no Brasil, a idade ao diag nóstico está em torno de 4 anos de idade, dado bem alarmante para um país onde a maior parte dos estados não dispõem da triagem neonatal. Nos países que realizam triagem neonatal, não é comum diagnosticar crianças com FC em idade avança da ou com sintomas clássicos de comprometimento pulmonar e desnutrição. A triagem neonatal no Brasil é feita a partir da medida do tripsinogênio (imunorreactive trypsinogen IRT) do sangue seco coletado em papel-filtro durante o período neonatal. O valor de corte é de 70 nglml. Concentrações de IRT > 70 ng/ml sugerem lesão pancreática devido ao refluxo desta enzima por duetos obstruídos, porém não são especificas para fibrose cís tica. Mesmo os pacientes com mutações das classes IV e V, que são associadas à função pancreática normal, apresentam IRT -
alterado para fibrose cfstica. A taxa sérica de IRT é 2 a 5 vezes maior nos pacientes portadores de fibrose cística do que em indivíduos normais. Neonatos com o primeiro exame alterado são suspeitos para fibrose dstica e devem ser submetidos a uma nova dosagem de IRT até o final do primeiro mês de vida, screening IRT/IRT. Al guns países optam por realizar imediatamente o teste para um grupo específico das mutações mais frequentes do gene CFTR
Figura 29.2 Prova de suor. Passagem de corrente eletroforética (mé
todo de Gibson e Cooke).
Os valores de cloro no suor estão discriminados no Qua dro 29.6 e as causas de erro no Quadro 29.7. A concentração de cloro no suor aumenta com a idade; en tretanto, dois exames independentes com valores acima de 60 mmoVl ou mEq/l fecham o diagnóstico de FC, independente da idade do paciente. Valores intermediários são considerados os que estiverem entre 30 e 59 para bebês abaixo de 6 meses
e entre 40 e 59 para indivíduos mais velhos. Valores normais para crianças abaixo de 6 meses são os abaixo de 30 m.Eqll. desde que a coleta do suor seja feita por métodos adequados, em crianças maiores de 2 kg, com mais de 36 semanas de idade
�
Quadro 29.6 Critériosdiagnósticos de fibrose ástica
e consideram positivo se houver mutações em ambos os alelos do gene, screening IRT/DNA. Apesar de a dosagem de lRT ser um excelente método de triagem neonatal, há casos de falso-positivos e de falso-nega i os. Falso-positivos acontecem em recém-natos com grande tv estresse perinatal (baixo valor de escala de Apgar), prematuros e da raça negra. Os falso-negativos estão associados a íleo me conial ou idade maior que 30 dias. Uma criança com duas do sagens de IRT alteradas é considerada de grande risco para FC, mas o diagnóstico será confirmado apenas pelo teste do suor. O teste do suor é realizado desde 1959, pelo método de Gibson e Cooke, e é o padrão-ouro para o diagnóstico da FC. :S realizado a partir da estimulação da face palmar do antebraço pela pilocarpina, seguida da iontoforese, coleta do suor e de terminação quantitativa da concentração de cloro ou sódio. :S um procedimento trabalhoso, porém de baixo custo e de alta sensibilidade e especificidade, desde que realizado de forma adequada, contando com período de coleta que dure entre 20 e 30 min e coletando idealmente 75 mg de suor, mas, no míni mo, 50 mg (Figura 29.2). Para simplificar o teste, alguns laboratórios realizam a coleta do suor por Macroduct* e analisam o teor de eletrólitos pela condutividade. Os valores de cloro encontrados no suor na
análise por condutividade são compatíveis com a análise tra dicional. A vantagem deste teste é a facilidade de realização, o menor tempo de coleta, a menor taxa de amostras insuficientes, o menor custo e a maior precisão.
Critérios clfnlcos
Marcadores de disfunção CFTR
Uma ou mais caracterlstlcas fenotfplcas: Sinusopatla ou pneumopatia crônicas Alterações gastrlntestlnals e nutricionais Sfndrome da perda salina Azoospermia obstrutiva História de Irmão com FC
Cloro no suor > 60 mEq/l ou mmol/l em 2 testes distintos
Teste de triagem neonatal positivo
Diferença de potencial nasal
•
•
•
•
Identificação de 2 mutações para FC
Diagnóstico de fibroseclst/ca: :t 1 critério clínc i o + 2: marcador de disfunção
doCFTR
CysricRbrosls Foundorlon. Rosensteln & Cutting. 1998.
�
Quadro 29.7 Valores de doro no suor (em mmolll ou mEq/l} Valorde cloro (mmoVl ou mEq/l) < 30 < 40 30 a 60 40 a 60 > 60
Significado clínico Normal em indivíduos< 6 meses Normal em indivíduos 70 nglmf)*
Testes do suor*
1 30-59 mmoi/C (intermediário)
;:: 60 mmol/f (alterado)
Diagnóstico improvável
Diagnóstico possrvel
Diagnóstico confirmado
Normal
Intermediário
Alterado
< 30
mmol/f (negativo)
i
i
Pesquisa de mutações
• Em duas dosagens. IRT: Tripsinogênio imunorreativo.
Figura 29.3 Algoritmo diagnóstico para fibrose cística. (Adaptado de Farrel, Rosenstein et ai., 2008.)
288 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes mucoides. A tomografia de tórax é indicada para avaliar os mesmos achados, entretanto é mais sensível e específica nas fases iniciais da doença. A espirometria demonstra inicialmente um padrão obs trutivo e, com a evolução da doença, um padrão restritivo associado. A pesquisa de microrganismos deve ser realizada de modo rotineiro para detecção de patógenos n i cipientes através da orofaringe, do aspirado traqueal ou do escarro induzido. A investigação complementar do quadro de exacerbação pulmonar demonstra radiografia de tórax com novos infiltra dos ou piora dos já existentes, leucocitose e redução da satu ração de oxigênio.
• Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da FC deve ser feito com discinesia ciliar primária, bronquiectasias de outra etiologia, bronquiolite obliterante, síndrome da imunodeficiênciahumoral, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), asma e doença pulmo nar obstrutiva crônica (DPOC) no caso de pacientes adultos.
• Seguimento O seguimento deve ser realizado durante toda a vida. O pa ciente portador de FC necessita de uma equipe interdisciplinar e deve ser submetido a consultas a cada 1 a 3 meses, conforme seu estado clínico. Em todas as consultas, devem ser realizadas a pesquisa de microrganismos e a medida da saturação transcutâ nea de oxigênio da hemoglobina. Devem ser solicitados anualmente os seguintes exames com plementares: radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome, hemograma completo, dosagem de transaminases, glicemia de jejum, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, coagulograma, hemo grama completo e proteína total e frações. No meio brasileiro, exames parasitológicos de fezes devem ser adicionados para verificar concomitância com parasitoses intestinais, causadoras frequentes de espoliação. Pacientes em uso de antibioticoterapia inalatória devem
e aumenta a sobrevida. Felizmente, o Ministério da Saúde auxi lia nas despesas com o custo da maioria das medicações. O tratamento se baseia em suporte nutricional adequado, controle de manifestações gastrintestinais, controle da infecção, controle de manifestações respiratórias.
• Suporte nutricional A ingestão energética deve ser aumentada para contraba lançar o maior gasto energético basal e as perdas alimentares pelas fezes. Vários fatores n i fluenciam no ganho de peso, tais como: genética, insuficiência pancreática, ressecção intestinal, perda de sais biliares, DRGE, inflamação, infecção, diabetes e aspec tos emocionais. O objetivo do tratamento nutricional é prevenir e tratar dé ficits nutricionais e suas complicações. É realizado a partir de dados de anamnese e exame físico à procura de sinais e sinto mas de déficits nutricionais e checar o uso da TRE, medidas antropométricas e testes laboratoriais. O tratamento consiste em educação nutricional, orienta ção dietética, suplementação diária de vitaminas A, D, E e K, suplementação de sais, especialmente no verão, e terapia de reposição enzimática (TRE). O aleitamento materno deve ser incentivado, pois confere benefícios duradouros. A dieta deve ser hipercalórica, hiperproteica e normo ou hi pergordurosa, atingindo 120 a 150% das necessidades diárias recomendadas. Em casos selecionados, quando não for possí vel ou suficiente a ingestão de calorias pela dieta tradicional, pode-se optar por suplementação oral, enteral, gastrostomia e nutrição parenteral. O potencial de crescimento das crian ças com FC é normal e este deve ser o objetivo do tratamento nutricional.
• Controle das manifestações gastrintestinais O tratamento do íleo meconial é feito à base de enemas de contraste, de preferência hidrossolúveis e não iônicos, e reali
ser submetidos semestralmente ao exame de rotina de urina e dosagens de ureia e creatinina. O teste oral de tolerância à glicose deve ser solicitado a partir dos 7 anos de idade, ou antes se a glicemia de jejum for alterada. A partir dos 6 anos, deve-se proceder à espirometria a cada 6 meses e à tomografia computadorizada de tórax a cada 2 a
zados sob controle de fluoroscopia. Na falência do tratamento clínico, indica-se o tratamento cirúrgico. O tratamento da síndrome da obstrução intestinal distai consiste no uso de soluções de lavagem balanceadas de ele trólitos com polietilenoglicol. A dose de enzimas pancreáticas deve ser reajustada, assim como deve ser estimulada uma dieta rica em fibras e uso de laxativos e mucolíticos para evitar re
3 anos, ou antes se for necessário. Além do calendário vacina! habitual preconizado pelo Mi nistério da Saúde, os pacientes também devem receber a vacina antipneumocócica (conjugada a partir de 2 meses e polissaca rídica 23-valente a partir de 2 anos) e vacinação anti-influenza anual. Embora ainda não haja consenso, as vacinas contra va ricela e hepatite A também devem ser recomendadas pelo ris co de dano nos órgãos especialmente acometidos pela fibrose
cidivas do quadro. O uso do ácido ursodesoxicólico em alta dose (20 mg/kgldia) deve ser indicado nos pacientes com evolução colestase-fibrose cirrose. Apesar da falta de evidências científicas conclusivas, ele aumenta o transporte dos ácidos biliares tóxicos endógenos e inibe sua absorção intestinal, estimula o fluxo biliar e tem efei tos citoprotetor e imunomodulador no fígado. A TRE deve ser instituída o mais precocemente possível, as
cística.
O tratamento da FC deve ser realizado em um centro es pecializado de referência, devido ao acometimento multissis têmico da doença e com o intuito de prevenir complicações e infecções. A equipe deve ser constituída por médico pneumolo gista, nutricionista, fisioterapeuta, enfermeira, assistente social
sim que for determinado o diagnóstico de fibrose cística com acometimento pancreático, independente da idade, o que ocor re em 90% dos pacientes. Alguns sugerem sua utilização nos casos de íleo meconial, antes mesmo do diagnóstico confirma do de fibrose cística, pois a TRE não interfere no diagnóstico e pode evitar e tratar a desnutrição. São utilizadas enzimas do tipo pancreolipases, contendo li pase, protease e amilase obtidas de pâncreas porcino ou bovi
e psicólogo. O tratamento precisa ser individualizado, levando em conta a gravidade e a localização dos órgãos acometidos. O tratamento iniciado o mais precocemente possível retarda a progressão do acometimento pulmonar, melhora o prognóstico
no. São encontradas em preparações comuns ou sofisticadas, muitas delas acidorresistentes, evitando a inativação pelo suco gástrico, e com concentrações mais uniformes e padronizadas. As enzimas artificiais possibilitam aumento da absorção de gor-
• Tratamento
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 289 ------
·T------
Quadro 29.8 Enzimas pancreáticas disponíveis no Brasil Apresentação comerdal
Lipase!cápsula (UI)
Pancrease"'
4.000
Cotazym"'
8.000
Ultrase0 4.500
4.500
Ultrase0 MT12
12.000
Ultrase0 MT18
18.000
Ultrase0 MT20
20.000
Creon 25.000
25.000
Adaptado de PRONAP. ciclo X, 2007/2008.
duras em 85 a 90% do conteúdo ingerido. O teor de enzimas do tipo lipase de cada preparação comercial está disposto no Quadro 29.8. A dose prescrita das enzimas varia conforme o paciente, a
dieta ingerida e o grau de acometimento pancreático. Reco
menda-se iniciar com doses baixas e ajustar a dose conforme a necessidade. Lactentes alimentados exclusivamente com fór mulas lácteas devem receber de 500 a 1.000 unidades (U) de lipase/g gordura ingerida na mamada. Crianças podem receber de 500 a 2.000 unidades de lipase/kg/refeição. Esta dose pode ser ajustada para cada refeição, levando em conta a densidade calórica e quantidade de alimentos consumida, os sintomas do paciente, o aspecto das fezes e o ganho ponderai. A dose máxima não deve ultrapassar 10.000 U lipase!kg/dia pelo risco de colonopatia fibrosante, grave complicação intes tinal associada ao uso de altas doses de enzimas, pancreáticas. Para pacientes que necessitam de altas doses de enzimas, é reco mendável associar inibidores da secreção ácida gástrica, como ranitidina ou omeprazol, para aumentar o pH intestinal e oti mizar a ação das enzimas. As enzimas devem ser oferecidas no início de todas as refei ções, e sua duração é de 45 a 60 min, então é recomendado que o paciente evite beliscas fora do horário das refeições. Os bebês podem receber os grânulos da enzima retirada da cápsula diretamente na boca, oferecendo a amamentação logo a seguir. Pacientes em pós-operatório, com sonda nasogástrica ou enteral ou em ventilação assistida devem receber as enzimas na forma de pó diluídas em pequena quantidade de água. O insucesso da TRE pode acontecer por má adesão do pa ciente, armazenamento inadequado do produto ou por comor bidades associadas, tais como parasitoses intestinais, n i tole râncias e alergias alimentares, diabetes, hepatopatia e doen ça celíaca.
• Controle da infecção A antibioticoterapia foi um dos fatores que mais contribuí ram para o aumento da sobrevida nas últimas décadas. O esque ma terapêutico de escolha deve ser direcionado para o diagnós tico microbiológico, ser usado em doses altas, preferencialmente bactericida, associando antibióticos com diferentes ações para evitar o surgimento de cepas resistentes. A estratégia terapêu tica é erradicar a Pseudomonas aeruginosa nas fases niciais i de colonização, antes da sua conversão para o fenótipo mucoide e consequente infecção crônica.
Os quadros de exacerbação respiratória, primeira cultura positiva ou infecção crônica, exigem antibioticoterapia na ten tativa de reduzir o declínio da função pulmonar e melhorar o prognóstico. A antibioticoterapia deve ser intravenosa por 14 a 21 dias. Nos casos de exacerbação leve, pode ser indicado o uso combinado de antibióticos orais e inalatórios. Os antibióticos mais utilizados no controle dos estafilococos sensíveis à meticilina (MSSA) são as cefalosporinas de primeira e de segunda geração, amoxicilina-clavulanato, macrolídeos, sulfametoxazol-trimetoprima e oxacilina, e dos estafi.lococos resistentes à metilicilina (MRSA), vancomicina, teicoplanina e linezolida. Os antibióticos utilizados para a infecção causada pela Pseu
domonas aeruginosa podem ser de uso oral, no caso de cipro floxacino, ou endovenoso, associando aminoglicosídio (ami cacina ou tobramicina), cefalosporina de terceira ou de quarta geração (ceftazidima ou cefepime) ou piperacilina/ticarcilina ou piperacilina-tazobactam, ou carbapenêmicos (imipenem, meropenem). Um dos esquemas antibióticos mais utilizados no meio bra sileiro é a associação de oxacilina, amicacina e ceftazidima para erradicação de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aerugino sa, frequente associação nos pacientes com FC. Os antibióticos inalatórios são muito utilizados no tratamen to da FC, porque apresentam boa eficácia, deposição local alta e menor toxicidade sistêmica. São utilizados no tratamento da Pseudomonas, na erradicação da primoinfecção e na terapia de supressão da n i fecção crônica. Os antibióticos inalatórios mais utilizados são tobramicina, gentamicina, amicacina e colistina. Devem ser utilizados após a fisioterapia através de nebulizador a jato com bocal. Podem ser usados de maneira isolada ou as sociados a antibióticos sistêmicos. O uso de antibióticos profi.láticos é contraindicado pela US
Cystic Fibrosis Foundation.
As recomendações de higiene e controle de infecção devem ser seguidas à risca para evitar a propagação de bactérias, espe cialmente das multirresistentes. Os profissionais da saúde devem evitar o contato de pacien tes colonizados e não colonizados, segregar em ambulatórios ou enfermarias os pacientes com bactérias multirresistentes, epidêmicas e viroses respiratórias; lavar as mãos com água e sabão e usar álcool a 70% em todos os atendimentos, utilizar luvas descartáveis para o atendimento de pacientes com secre ção, proceder à desinfecção de aparelhos após o uso, utilizar lençóis descartáveis. Os pacientes devem cobrir a boca e o nariz quando tossir ou espirrar, evitar apertos de mão, não compartilhar escovas de dente ou outros objetos de uso pessoal, lavar as mãos com água e sabonete antisséptico líquido em caso de tosse, antes e depois das refeições e após contato com equipamentos médico hospitalares, secar as mãos com papel descartável ou fontes de calor, usar máscara, em caso de tosse ou secreção, durante a fisioterapia, não compartilhar aparelhos de inalação e desinfetá los com frequência.
• Controle das manifestações respiratórias
A fluidificação das secreções é de fundamental m i portân cia, pois todas as complicações surgem a partir da presença de secreções espessas. A inalação com solução salina é um tratamento promissor, já que busca corrigir o defeito básico e não apenas tratar os sintomas. Promove e mantém a hidratação do muco, melhora a depuração mucociliar e reduz as exacerbações respiratórias, melhorando a função pulmonar e aumentando a qualidade de
290 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes vida do paciente. Além disso, apresenta poucos efeitos colaterais e é de baixo custo, permitindo seu uso com sucesso mesmo em países subdesenvolvidos. Antes da inalação com solução sali na hipertônica (NaCl 7%), é indicado o uso de salbutamol em spray oral 30 a 60 min antes. Estudos sugerem que a n i alação com solução salina deva ser mais efetiva no início da vida, antes que a doença pulmonar esteja estabelecida. A DNAse humana recombinante (rhDNAse, dornase alfa Pulmozyme®) é um mucolítico que diva o DNA dos núcleos de neutrófilos degenerados presentes no muco e reduz a vis cosidade do muco. :É usada por via inalatória por inalador a jato, através de bocal, na dose de 2,5 mg (1 mglmf), 1 vez/dia. Deve ser utilizada de modo contínuo para sustentar os bene fícios clínicos; apresenta alto custo. É reservada para os casos de presença de secreções brônquicas purulentas, espirometria com sinais de obstrução e exames de imagem de vias respira tórias com alterações estruturais. Em torno de 50% dos fibrocísticos evoluem com hiper-res ponsividade de vias respiratórias, e o tratamento é similar ao da asma atópica. A azitromicina é indicada por apresentar efeitos anti-in flamatórios, inibição da formação de biofilme e da aderência bacteriana. É provável que estabilize a função pulmonar, di minua as exacerbações e melhore o estado nutricional. Deve ser usada 3 vezes/semana, durante longos períodos, nas doses de 250 mg nos pacientes menores de 40 kg e de 500 mg nos maiores a partir de 40 kg. A oxigenoterapia deve ser reservada para os casos de insuficiência respiratória hipoxêmica, utilizando os mesmos critérios usados para pacientes portadores de DPOC. Dentre seus benefícios, estão redução da resistência vascular pulmonar, correção da policitemia, redução do número de hospitalizações, aumento da sobrevida e melhor qualidade de vida. A fisioterapia na prática clínica é medida muito eficaz, por auxiliar na depuração das secreções respiratórias, mas infeliz mente ainda não há estudos randomizados controlados para uma metanálise que comprove o seu papel. Deve ser empregada em todos os pacientes. Existem muitas técnicas empregadas na fisioterapia, tais como manobras de aceleração do fluxo expi ratório, drenagem postura!, expiração forçada eflutter, dentre outras. As técnicas fisioterápicas devem ser associadas e ajusta das conforme a idade e a necessidade do paciente. A tosse deve ser sempre estimulada, já que é o melhor mecanismo conhecido para eliminar as secreções. Atividade física deve ser preconiza da, pois também é um estimulante da tosse. • Transplantepulmonar O transplante pulmonar bilateral é a alternativa final para pacientes com doença pulmonar avançada, ou seja, quando a sobrevida por 2 anos é inferior a 50%. Após o transplante, não há reincidência da doença no órgão transplantado e a sobrevida pós-transplante em 5 anos é menor que 50%. • Outros tratamentos A terapia gênica foi motivo de grande entusiasmo, mas en contra-se distante da prática clínica. Um gene CFTR normal é introduzido dentro das células somáticas a partir de um vetor. O vetor inicialmente testado foi o adenovírus, porém apresentou resultados ruins devido à m i unogenicidade e baixa eficácia em introduzir DNA nas células epiteliais. Novos vetores não virais estão sendo testados; dentre eles, lipossomas e plasmídios. Uma nova perspectiva seria o uso de substâncias que esimu t lem o funcionamento da proteína CFTR, tais como genisteína, apigenina e IBMX.
Outras drogas estão em estudo, tais como agonistas dos re ceptores de canal de cloro não CFTR (denufosol), drogas com potencial anti-inflamatório (antagonistas da elastase neutro fílica), produtos que interferem na formação de biofilmes da Pseudomonas (dextrana inalatório), novos antibióticos ina latórios (carbapenêmicos e aztreonam) e a vacina anti-Pseu
domonas.
• Prognóstico O prognóstico está associado a vários fatores como genó tipo, idade de instalação dos primeiros sintomas, presença de insuficiência pancreática e grau de envolvimento pulmonar. As complicações costumam acontecer nos pacientes mais velhos, devido à evolução da doença. São elas: hemoptises re correntes, m i pactações mucoides brônquicas, atelectasias, em piema, pneumotórax, enfisema progressivo, fibrose pulmonar, diabetes melito, pancreatite, osteoartropatia hipertrófica, as pergilose broncopulmonar alérgica, DRGE, osteoporose e cor
pulmonale.
A taxa de sobrevida é inversamente proporcional ao acome timento pulmonar da doença. A insuficiência respiratória é responsável por pelo menos 80% dos óbitos. O óbito geralmente ocorre por uma combina ção de falências respiratória e cardíaca. Quando a fibrose cística foi descrita em 1938, a expectativa de vida era de apenas alguns meses. A média de sobrevida nos países desenvolvidos está ao redor dos 35 anos; entretanto, nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, os n í dices de sobrevi da são baixos. Nos EUA e no Canadá, 15 a 20% dos pacientes evoluem para óbito antes dos 1O anos de vida.
• Condusão O objetivo atual é preservar a função pulmonar dos pacien tes portadores de FC para que possam beneficiar-se de terapias futuras que permitam a correção do defeito básico e tornem a fibrose cística uma doença manejável.
•
SUCO ENTÉRICO
Enzimas produzidas pelas células do intestino delgado têm importante papel na complementação da digestão de vários nutrientes, principalmente de dissacarídios (Capítulo 28). •
Digestão na membrana do enterócito
Os carboidratos são hidrolisados por enzimas associadas à membrana dos enterócitos. O padrão de ingestão dos carboidra tos muda com a idade. Durante a infância, a quantidade maior da dieta corre por conta da lactose. Já na criança mais velha e em adultos, o amido constitui 60% dos carboidratos ingeridos, a sacarose 30% e a lactose 10%. Tais carboidratos complexos são hidrolisados a dissacarídios e monossacarídios. Os dissa carídios são hidrolisados a monossacarídios por dissacaridases específicas, localizadas na membrana da borda estriada das cé lulas epiteliais intestinais (Quadro 29.9). Os monossacarídios são então transportados através da membrana dos enterócitos. Quando há deficiência de dissacaridases da borda estriada, o dissacarídio mal digerido chega ao cólon com o conteúdo lu minai, onde é metabolizado por bactérias colônicas. Dióxido de carbono, hidrogênio, gases e ácidos orgânicos são produzidos com consequente distensão abdominal, flatulência e diarreia. Embora várias deficiências de dissacaridases tenham sido des critas, a mais comum é a deficiência de lactase.
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 291 T
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--�-----
Quadro 29.9 Digestão na membrana do enterócito* DEFICIENCIA CONGtNITA DE DISSACARIDASES
pois é produzida na região apical da vilosidade intestinal e sua concentração é inferior à das outras dissacaridases.
•
Deficiência de lactase/intolerância à lactose
Sacarase-isomaltase
•
Introdução
Trealase
O dissacarídio lactose é um carboidrato presente unicamen te no leite dos mamíferos. Intolerância à lactose (IL) é a for ma mais comum de má absorção de carboidratos. Isso ocorre
lactase
DEFICitNCIA ADQUIRIDA OU TARDIA DE DISSACARIDASES lactase Sacarase-isomaltase Glicoamilase ou maltase *Impedimento da digestão de um dissacarídio específico, levando à fermentação bacteriana no cólon.
porque a atividade intestinal da lactase, enzima necessária para hidrólise da lactose em glicose e galactose, diminui progressiva mente com o passar dos anos em todos os mamíferos, inclusive no homem. A população que hoje digere a lactose o faz graças à mutação genética ocorrida há 3.000 ou 5.000 anos e que se expressa como característica autossômica dominante. Sua pre valência é extremamente variável, sendo de 10% no norte da
•
Malabsorção de dissacarídios Entende-se por deficiência de ds i sacaridase a absoluta ou re
lativa diminuição na quantidade de uma enzima ativa disponí vel para hidrólise de um dissacarídio da dieta. Tais deficiências são geralmente seletivas ou específicas, marcadas pela redução
da atividade de uma única dissacaridase, como, por exemplo, no caso da deficiência congênita de lactase. Por outro lado,
deficiências de dissacaridases podem ser gerais, com redução na capacidade de digerir a maioria ou a totalidade dos dissa carídios, como, por exemplo, na doença celíaca, onde há lesão ntestinal i difusa. A lactose predomina na dieta láctea; a sacarose, no açúcar comum e nas frutas; e o amido, nos cereais. Para digerir os carboidratos, há necessidade de plena atividade das enzimas digestivas, donde a ação da amilase salivar, da alfa-amilase
pancreática e das oligossacaridases (/actase, sacarase e malta se) localizadas na borda em escova dos enterócitos. Seus pro dutos de digestão, os monossacarídios, são absorvidos quase totalmente pelo intestino delgado.
lactase - lactose ---7 glicose e galactose sacarase - sacarose ---7 glicose e frutose maltase - maltose ---7 glicose e glicose Em resumo, a digestão dos carboidratos completa-se na su perfície luminal do enterócito sob a ação coletiva de sete car boidrases. O destino de um dissacarídio da dieta depende da quanti dade ingerida, do tempo de contato com a mucosa intestinal e do nível da enzima disponível para sua digestão. Exceto para a lactose, a capacidade para a hidrólise intestinal do dissacarídio, sob condições normais, é tal que a absorção é completa. Quando ocorre malabsorção, há sintomas como borborig mos, dor abdominal, diarreia e flatulência. A intolerância ao dissacarldio é definida, então, como a ocorrência de sintomas à ingestão de um determinado dissacarídio. Lembrar que sinto mas de malabsorção ou intolerância podem ocorrer a despeito de atividade enzimática normal quando uma quantidade exage rada do dissacarídio é ingerida ou quando o trânsito intestinal está acelerado. Por tais razões, os termos "deficiência" e "into lerância" não devem ser usados indistintamente. Também se deve esclarecer que "intolerância ao leite" se refere à intolerância à lactose e é diferente de "alergia ao leite" quando se trata de problemas relacionados com a proteína do leite de vaca.
É importante salientar que, após uma agressão ao intestino, a
lactase é a primeira enzima a diminuir e a última a normalizar,
Europa, 25% nos EUA e 70% na Ásia e na África. No Brasil, a prevalência varia de acordo com a região e o método diagnós tico empregado, mas situa-se entre 45 e 50%. •
Tipos de deficiência de lactase A deficiência de lactase pode ser congênita, primária ou se
cundária. A forma congênita é muito rara, possui caráter autos sômico recessivo e foi descrita pela primeira vez em 1959. Nes tes pacientes, há ausência total da enzima desde o nascimento devido a alterações localizadas no cromossomo 2q21. Os sinto mas iniciam-se após a primeira amamentação e caracteriza-se por diarreia grave. A deficiência de lactase primária, também denominada de não persistência da lactase, é a principal causa de IL em todo o mundo, sendo também determinada geneti camente de forma recessiva. Ao nascimento, a atividade enzi mática é máxima, porém reduz-se gradualmente, chegando a níveis indetectáveis após alguns anos de vida. A taxa de perda da atividade da lactase depende da etnia. Os chineses e os ja poneses perdem 80 a 90% da atividade da enzima dentro de 3 a 4 anos após o desmame. A deficiência secundária ou adquirida refere-se à perda da atividade da lactase em pessoas com persistência da enzima e é mais comum em adultos. Isso ocorre como resultado de doen ças do trato gastrintesinal, t como doença celíaca, gastrenterite viral, infestação por Giardia lamblia, cirurgias, medicamentos e radioterapia (Quadro 29. 1 O). Estas condições promovem redu ção ou alteração nas microvilosidades intestinais, local onde se encontra a lactase. O tratamento da doença de base e a melhora histológica do epitélio intestinal nem sempre traduzirão uma reversão do quadro de intolerância com melhora enzimática.
T-------
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Quadro 29.10 Causas secundárias de intolerância à lactose Intestino delgado
Multissistêmica
latrogênica
Doença celíaca
Sindrome carcinoide
Quimioterapia
Doença de Crohn
Fibrose cística
Radioterapia
Doença de Whipple
Enteropatia diabética
Cirurgias
Parasitoses (giardíase)
Síndrome de Zollinger-EIIison
Colchicina
Gastrenterite viraI
Alcoolismo
Neomicina
Enteropatia do HIV
Deficiência de ferro
Canamicina
Síndrome do intestino curto Síndrome da alça cega
292 Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes IL é diferente de alergia ao leite, pois esta ocorre por reação alérgica a proteínas (lactoalbumina e lactoglobulina) ou caseí na, e aquela, à má digestão de carboidratos. A alergia ao leite ocorre em 1 a 2% das crianças e pode ser diagnosticada através de testes alérgicos cutâneos.
• Fisiopatologia A lactose (�-o-galactosil-o-glicose) é um dissacarídio for mado pela união de moléculas de glicose e galactose, sendo encontrada no leite dos mamíferos. Entre estes, destaca-se o leite humano, pois é o mais rico em lactose (7,2 g/ 100 mf). Para que ocorra sua absorção, é necessária a hidrólise promo vida principalmente pela enzima lactase, uma �-galactosidase
equivalente a um litro de leite de vaca) e coletam-se amostras do ar expirado a cada 15 min, por 180 min. Nos portadores de IL, há uma elevação de 20 ppm no hidrogênio expirado, o que indica fermentação da lactose pela flora colônica. Resultados falso-negativos ocorrem quando há o uso concomitante de anti bióticos, pois nesta situação existe redução da flora bacteriana fermentadora. Atualmente, é considerado o melhor teste, pois não é invasivo e é mais confiável que outros métodos. Dentre os testes fecais, utilizam-se a análise do pH fecal e a pesquisa de substâncias redutoras. Na IL, o pH fecal cai para valores inferiores ou iguais a 5,5. Resultados normais não ex cluem o diagnóstico, pois, se as fezes não forem frescas, os ácidos fecais podem volatilizar-se. A pesquisa de substâncias
localizada na borda em escova das células epiteliais do intesti no delgado, com alta expressão no jejuno médio. No feto já é possível detectar a presença de lactase, cuja expressão máxima ocorre ao nascimento. Após alguns meses de vida, a atividade da enzima começa a cair e esse descenso é progressivo até ní veis indetectáveis, como consequência da maturidade. Quando a lactose não é digerida adequadamente, é carreada para o cólon onde será fermentada pela flora local. Este processo produzirá
redutoras nas fezes indica má digestão de açúcares e é signifi cativa quando possui valores acima de 0,5%. Resultado falso negativo ocorre se houver bactérias colônicas consumidoras de açúcar.
ácidos orgânicos, dióxido de carbono, metano e hidrogênio e elevação da osmolaridade do lúmen entérico. O aumento da carga osmótica atrairá água para o interior do cólon, levando à diarreia aquosa ácida.
geralmente são necessários pelo menos 20 a 50 g de lactose para que apareçam sintomas. Assim, tanto alimentos sem lactose (à base de soja), quanto produtos com baixa quantidade deste açúcar, como leites de baixa lactose, margarinas e alguns quei jos, podem ser consumidos pela maioria dos pacientes. Iogur tes contendo lactobacilos acidófilos podem ser bem tolerados, porque a quantidade de lactose presente no leite é reduzida através da ação bacteriana. O Quadro 29.11 resume o conteú
• Manifestações clínicas As queixas clínicas ocorrem apenas se houver a ingestão de produtos contendo lactose. Os sintomas iniciam-se após 15 a
120 min da ingestão deste açúcar, podendo surgir diarreia aquo
sa, distensão abdominal, flatulência, borborigmo, desconforto abdominal (às vezes, referido como dor tipo cólica ou meteo rismo), náuseas e vômito. Destaca-se que alguns pacientes po dem ser oligo ou assintomáticos, mesmo com baixa atividade de lactase. Interessante observar que muitos pacientes não as sociam seus sintomas com a ingestão de lactose e outros não melhoram mesmo que a lactose seja excluída. No primeiro caso, a habilidade da flora colônica em fermentar a lactose, produ zindo gases em maior ou menor quantidade, pode ser uma das justificativas da variação da n i tensidade dos sintomas. No segundo caso, quando a lactose é excluída e os sintomas per sistem, deve-se suspeitar da associação com síndrome do in testino rritável. i
• Tratamento O paciente com IL primária deve ser tranquilizado e orien tado de que a base do tratamento é a correção da dieta, pois
do de lactose nos produtos lácteos mais consumidos no Brasil. Deve ser lembrado que a lactose é amplamente utilizada na in dústria farmacêutica, como excipiente de medicamentos, e na de alimentos, como espessante no preparo de carne de frango processada, salsicha, hambúrguer e outros produtos. Certos alimentos industrializados podem ter concentração de lactose maior que o próprio leite animal.
·------Quadro 29.11 Concentração de lactose em alguns produtos lácteos
-------
Alimento
% de Jactose por peso
• Diagnóstico
Leite huma no
7,2
A capacidade de digerir a lactose pode ser aferida através de métodos diretos e indiretos. O método direto é a dosagem bioquímica da atividade da lactase através de biopsias jeju nais. No entanto, este método é invasivo, pouco disponível e menos sensível que o teste respiratório com hidrogênio (ver Capítulo 28). Os métodos indiretos são o teste de tolerância à lactose, o
Leite de vaca integral
4,6
Leite de vaca semidesnatado
4,7
Leite de vaca desnatado
4,8
Leite de vaca em pó desnatado
52,9
Leite de cabra
4,4
Leite condensado
12,3
Creme de leite
2,2
Iogurte natural
4,7
Iogurte com frutas
4,0
Iogurte líquido
4,0
teste do hidrogênio expirado e a análise fecal. O teste de tolerância à lactose exige a ingestão de 50 g de lac tose seguida de coletas seriadas de sangue, a cada 15 ou 30 min (por até 2 h), para mensuração dos níveis séricos de glicose. Uma elevação da glicose plasmática em 20 a 30 mg/df em re lação ao jejum n i dica digestão normal de lactose. A IL é idealmente diagnosticada pelo teste do hidrogênio expirado, o qual se baseia na fermentação bacteriana da lacto se não absorvida e consequente formação do gás hidrogênio e de ácidos orgânicos. Após jejum noturno, mede-se o hidro gênio expirado através de cromatografia gasosa. Em seguida, ofertam-se ao paciente 2 mg de lactose/kg (máximo de 50 mg,
Queijo brie/camembert
Traços
Queijo muçarela
Traços
Queijo cheddar Queijo parmesão Queijo cottage Cream cheese Sorvete de creme
O,1
0,9 3,1
Traços 4,8
Capítulo 29 I Fibrose Cística, Intolerância a Dissacarídios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 293
O consumo de lactose com outros alimentos minimiza os sintomas, pois há redução do trânsito n i testinal, permitindo maior contato do bolo alimentar com a lactase residual. O mes mo ocorre com o consumo de leite integral em relação ao des natado, pois a gordura do primeiro retarda o esvaziamento gástrico, permitindo lento deslocamento do produto lácteo no delgado e assim maior tempo de digestão. Para os pacientes que não conseguem seguir a dieta, é possível utilizar a lactase em cápsulas, acompanhando a ingestão de alimentos, a qual está disponível comercialmente no mercado americano (Lactaid Plus ou Fast®). Recentemente, estudou-se o uso de um composto não ab sorvível, derivado da rifampicina, chamado rifamixina, no tra tamento da IL. Este fármaco atua sobre a flora anaeróbica do cólon, a qual é a principal formadora de hidrogênio, dióxido de carbono e metano. Doses de 800 mg de rifamixina ao dia, por 1O dias, conseguiram normalizar o teste do hidrogênio expirado e reduzir significativamente os sintomas destes pacientes por até 30 dias. No entanto, ainda não se sabe se a administração prolongada deste fármaco é benéfica. Nos casos de lL secundária, deve-se tratar a condição subja cente do paciente. Nessas situações, a lactose deve ser excluída por, pelo menos, 4 semanas e depois pode ser feito o reteste, quando ela é reintroduzida e os sintomas são avaliados. Pacientes com IL apresentam maior risco de osteopenia e osteoporose, tanto pela redução da ingestão de cálcio na dieta, quanto pela menor absorção deste devido à própria não diges tão da lactose. Desta forma, a avaliação da saúde óssea, através de densitometria mineral óssea de coluna lombar e fêmur, e o pronto tratamento dos processos de desmineralização com reposição de cálcio são tão importantes quanto o manejo da própria IL. •
LEITURA RECOMENDADA
Abell, TL & Minocha, A. Gastrointestinal complications of bariatric surgery: diagnosis and therapy. Am. J, Med. Sei., 2006; 331:214-8. Bruno, MJ, Haverkort, EB, Tytgat, GNJ, Van Leeuwen, DJ. Maldigestion associ ated with exocrine pancreatic insufficiency: implications ofgastrointestinal physiology and properties of enzyme preparations for a cause-related and patient-tailored treatment. Am. J, Gastroenterol., 1995; 90:1383-93. Campos, JVM & Kotz.e, LMS. Diarreia crônica por alterações na digestão dos nutrientes. Em: Kotze, LMS. Diarreias Crônicas. Diagnóstico e Tratamento, 1.• ed., Rio de Janeiro, Medsi, 1992. Carvajal, SH et aL Postgastrectomy syndromes: dumping and diarrhea. Gas troentero/. Clin. N. Am Jun, 1994.. Coelho-Neto, JS et al. Avaliação tardia de doentes gastrectomizados por úlcera péptica: manifestações clínicas, endoscópicas e histopatológicas. Arq. Gas troentero/., 2005; 42:146-52. Donowitz., M, Kokke, FT, Saidi, R. Evaluation ofpatients with chronic diarrhea. N. EngL J, Med., 1995; 332:725-9. Eagon, JC, Miedema, BW, Kelly, KA. Postgastrectomy syndromes. Surg. Clin. North Am 1992; 72:445-65. Maton, PN. Zollinger-Ellisonsyndrome. Recognition and management ofacid hypersecretion. Drugs, 1996; 52:33-44. Milewski, PJ. Towards selecting the vagotomy and avoiding diarrhoea. J, R. ColL Surg. Edinb., 1990; 35:11-5. Roy, PK, Venzon, DJ, Shojamanesh, H et al. Zollinger-Ellison syndrome. Clinicai presentation em 261 patients. Medicine, 2000; 79:379-411. Rudberg, U & Nylander B. Radiological bile acid absorption test "SeHCAT n i patients with diarrhea of unknown cause. Acta Radio/., 1996; 37:672-5. .,
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Fibrose cística
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Dissacarídios
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Doença Cel íaca e Outros Distú rbios na Absorção d e N utrientes Lorete Maria da Silva Kotze e Shirley Ramos da Rosa Utiyama
As anormalidades na absorção dos nutrientes, ao nível do en terócito, podem ser classificadas em:
A Alterações múltiplas, não seletivas, quando várias rotas estão comprometidas. Exemplos: doença celíaca, espru tropical, desnutrição, irradiação, drogas etc. B. Alterações únicas, seletivas, quando apenas uma rota está comprometida. Exemplos: síndrome de Hartnup, síndro me de Menkes, acrodermatite enteropática etc.
Neste capítulo, serão abordadas apenas as afecções que não estiverem descritas em outros capítulos e que tenham interesse na prática médica.
•
ALTERAÇÕES MÚLTIPLAS OU NÃO SELETIVAS
•
Doença celíaca
•
Conceitos Glúten inclui um conjunto de proteínas individuais que se
encontram nos cereais e se dividem em poliaminas e gluteni nas. As poliaminas que dão reação aos celíacos são gliadina (tri go), secalina (centeio), hordefna (cevada) e avenina (aveia). O glúteo é uma substância albuminoide, insolúvel em água que, junto com o amido e outros compostos, constitui a massa co esiva que permanece quando a pasta de farinha dos cereais é lavada para se removerem os grânulos de amido. A doençapor sensibilidade ao giúten pode ser definida como um estado de resposta imunológica, tanto celular como humoral, ao glúteo dos cereais citados, em indivíduos geneticamente suscetíveis. A intolerância ao glúten é permanente. Atualmente, esse conceito ampliou-se, podendo-se incluir pacientes nos quais a interação entre o sistema imunológico e o glúten pode se expressar em diferentes níveis. O mais comum e conhecido é a enteropatia ou lesão intestinal (doença celfaca), mas também o dano pode surgir na pele (dermatite herpetiforme), na mucosa oral (esto matite aftosa de repetição), nas articulaçôes (algumas artrites) ou no rim (nefropatia por lgA). A doença celfaca (DC) é a forma mais frequente de apresen tação. _e também conhecida como espru celiaco, espru não tro
pical, enteropatia glúten-induzida, enteropatia glúten-sensível, esteatorreia idiopática ou espru idiopático. 294
• Epidemiologia A DC acomete indivíduos de qualquer idade e de ambos os sexos, predominando no feminino, tanto em séries pediá tricas como de adultos. � classicamente descrita em indivíduos de raça branca, ocorrendo, com maior frequência, nos países anglo-saxônicos e nórdicos. Pode ser considerada de distribui ção mundial, pois tem sido relatada recentemente em nativos de diversos pa!ses e em minorias étnicas. Entretanto, no sul do Brasil, Utiyama et aL (2010), em estudo clínico/epidemiológico, não detectaram DC em indígenas Kaingang. Estima-se que atualmente a DC acometa cerca de 1 % da maioria das populaçôes. O aumento da incidência da DC nos últimos anos pode ser explicado pela maior disponibilidade dos testes sorológicos, principalmente com a determinação dos anticorpos antiendomísio (EmA-IgA) e antitransglutaminase (antitTG-IgA), e pela facilidade de biopsias através de exames endoscópicos nos pacientes positivos ou com alterações ma croscópicas detectadas durante a endoscopia. Desde que se iniciaram estudos em familiares assintomáticos de celíacos, por métodos não invasivos, até os dias atuais, com a triagem de anticorpos, estima-se que a frequência na popu lação geral está entre 1:70 e 1:200 indivíduos. No entanto, essa incidência varia de país a país e de região a região, inclusive no Brasil (Quadro 30.1). Estudo recente na Finlândia vem mostrando maior preva lência da doença com o aumento da idade, atingindo 1:47 indi víduos na população acima de 52 anos, o que caracterizou índi ces superiores aos da população geral nessa faixa etária (2,1 %). Dados semelhantes já vêm sendo observados no sul do Brasil por Kotze et al. (2010). Nass et al. (2008), do grupo das autoras, avaliaram a presença do EmA-IgA e antitTG-IgA em 233 familiares de 61 famílias de pacientes celíacos do sul do Brasil, através de seguimento de 8 a 10 anos, realizado em duas etapas (1997-2000 e 20062007}. Na última etapa, com EmA-IgA e já empregando tTG humana como substrato, encontraram 12,90% de positividade nos familiares de primeiro grau e 11,11% nos de segundo grau. Em três familias, detectou-se positividade em gêmeos. Mais re centemente, em um estudo relatando a experiência de 10 anos do mesmo grupo de pesquisa, na triagem de DC em pacientes, grupos de risco e populações, foi possível mostrar os familiares
Capítulo 30 I Doença Celíaca e Outros Distúrbios naAbsorção de Nutrientes 295
'f' Quadro 30.1 Dados sobre prevalência da doença celíaca Autor
País
Ano
N•casos
Prevalênda
Catassi et a/.
Itália
1996
17.201
1/210
Kolho eta/.
Finlândia
1998
1.070
1/130
Korponay-Szabo et a/.
Hungria
1999
427
1/85
Catassi et a/.
Saara
1999
989
1/56
Riestra et a/.
Espanha
2000
1.170
1/389
Carlsson et a/.
Suécia
2001
690
1/77
Hovell et a/.
Austrália
2001
3.01 1
1/430
Gomeseta/.
Argentina
2001
2.000
1/167
Cilleruelo et a/.
Espanha
2002
3.378
1/281
Antunes
Portugal
2002
536
1/134
Vancikova et ai.
Rep. Tcheca
2002
1.312
1/262
Fasano et ai.
EUA
2003
4.126
1/133
Maki eta/.
Finlândia
2003
3.654
1/99
Not et a/.
EUA
1998
2.000
1/250
Trevisiol et ai.
Itália
1999
4.000
1/400
Hovdenak et a/.
Noruega
1999
2.096
1/340
Rostami et a/.
Holanda
1999
1.000
3/1.000
Shamir et a/.
Israel
2002
1.571
1/157
Shahbazkhani et a/.
lran
2003
2.000
1/166
Brasília - BR Ribeirão Preto - BR Curitiba - BR São Paulo - BR
2000 2003 2006 2007
2.045 3.000 2.086 3.000
1/681
POPULAÇÃO GERAL
DOADORES DE SANGUE
Gandolfi et ai. Melo etal. Pereira et a/. Oliveira etai.
-
de celíacos como o grupo de maior risco ao desenvolvimento i da doença (Figura 30.1). Tais dados reforçam a mportância do rastreamento sorológico em todos os familiares de celía cos, enfatizando a indicação de biopsia intestinal nos positivos, mesmo na ausência de sintomatologia clínica. O que se pode concluir dos dados aqui apresentados é que a DC é um problema de Saúde Pública, mundial, e que neces sita de atenção pelas autoridades competentes, com progra mas de rastreamento como se faz para fenilcetonúria e outros defeitos metabólicos, como bem preconizam Rubio-Tapia e Murray (2010). • Etiopatogenia
A Figura 30.2 demonstra o envolvimento de fatores genéti cos, imunológicos e ambientais na etiopatogenia da DC. • Fatoresgenéticos
De acordo com King e Ciclitira, a DC é fortemente heredi tária, oligogênica e complexa. As doenças complexas consistem em afecções influenciadas por múltiplos fatores ambientais e genéticos e, potencialmente, por interações entre esses. Estudos com familiares de celíacos gradualmente ressaltaram o papel da genética na suscetibilidade à doença: •
•
a doença é farnilial, pois a lesão característica da mucosa entérica ocorre de 5 a 20% nos familiares dos pacientes, mesmo que os sintomas sejam mínimos ou inexistentes; há concordância de 70 a 75% da DC em gêmeos mono zigóticos;
•
•
•
•
1/275 1/417
1/214
-
há concordância de 1 1 a 20% da DC em gêmeos dizi góticos; há concordância de 30 a 40% entre irmãos HLA idên ticos; ocorrem múltiplos casos da doença dentro da mesma família; a doença é rara em determinados grupos étnicos (orien tais e negros).
A DC resulta de um efeito combinado de produtos de di ferentes genes, HLA e não HLA. O espectro de estágios pa tológicos e a heterogeneidade clínica observados na DC são compatíveis com sua natureza poligênica, considerando-se que diferentes genes de suscetibilidade podem contribuir nos dife rentes estágios para o desenvolvimento final da doença.
.,.. ASSOCIAÇÕES COM ANTfGENOS LEUCOCITÁRIOS HUMA NOS (HLA) NA DOENÇA CEL[ACA. Os genes do sistema HLA
ocupam uma região de 4 Mb no braço curto do cromossomo 6p21 e contêm aproximadamente 200 genes, dos quais mais da metade tem função imunológica. Três regiões separadas de genes são reconhecidas: os genes de classe I (HLA-A, B e C); a região de classe li, que inclui os genes para as cadeias a�a e � das moléculas apresentadoras de antígenos de classe 11 (HLA DR, DP e DQ), entre outras; e os genes de classe III, que co dificam proteínas do sistema complemento (C2, C4A, C4B e BF) (Figura 30.2), além do fator de necrose tumoral (TNF) e outras. As moléculas de classe I são encontradas na superfície da maioria das células nucleadas do organismo, enquanto as
296 Capítulo 30 I Doença Celíaca e Outros Distúrbios naAbsorção de Nutrientes
p < 0,0011'·21
>
.t: VI o 0..
p = 0,019(3)
·-
Familiares (N • 200)
Diabetes monto
(N" 104)
Sindrome do Oown (N"' 150)
CardiOf1liOP c_ ) c
__ )
_
_ _
.,. c
, ) .... c_-..� )
_ _
..
DR17 (DR3)
DR7 HLA-0081*0201
+
G = glutamina; P = prolina; A = alanina; L= leucina. Adaptado de Schuppan, 2000.
r Cadeia 13
AVEIA
CEREAIS TÓXICOS NA DOENÇA CELIACA
HLA-DQ2
Membrana plasmática
T------
HLA-DQA1*05
HLA-0081*0202
DR11 DR12 (DRS) HLA-DQ2 em eis
Figura 30.7 HLA-DQ2. (Adaptada de Kagnoff, 2007.)
HLA-DQA1*05 HLA-002 em trans
< "-
,; > {;;i
_ _
Capítulo 30 I Doença Celíaca e Outros Distúrbios naAbsorção de Nutrientes 301 disponibilidade no intestino delgado. Atualmente, esse peptí dio é considerado um "superantígeno celíaco" e é usado como peptídio modelo em estudos pré-clínicos. Devido ao seu alto conteúdo em glutamina e proximidade com prolina e resíduos hidrofóbicos de aminoácidos, as proteínas do glúten, especial mente a fração solúvel em álcool (gliadina do trigo, cecalina da cevada e hordeína do centeio) e também as gluteninas, são o substrato específico da enzima tTG. Os peptídios penetram na lâmina própria no intestino delga do, provavelmente após mudanças ocorridas nas junções ínti mas intercelulares, que resultam no aumento da permeabilidade intestinal, um evento precoce na patogênese da DC. Através de um processo de desaminação, a tTG converte a glutamina em resíduos de ácido glutâmico (carregados nega tivamente), gerando potentes epítopos imunoestimulatórios. Devido à carga negativa, a maioria desses peptídios de glúten resultantes se liga com maior afinidade às moléculas HLA-DQ2 (ou HLA-DQ8) das células apresentadoras de antígenos (APC) e leva a uma intensa ativação de clones de linfócitos T CD4+ glúten-específicos, presentes na mucosa intestinal de pacientes com DC, induzindo dessa forma a reação autoimune da DC. Os linfócitos B podem ser estimulados porque também atuam como APC, expondo peptídios de glúten desaminado aos linfócitos T específicos. Subsequente à ativação das células T CD4+, uma resposta Th1 e/ou Th2 se estabelece. As células da resposta Th1 libe ram primariamente citocinas como fator de necrose tumoral
a(TNF-a) e interferona "((IFN-y), que estimulam os fibroblastos ntestinais i a secretarem metaloproteinases de matriz proteolí ticas (MMP-1 e MMP-3), que causam a destruição da mucosa pela dissolução do tecido conjuntivo, com consequente atrofia vilositária e hiperplasia de criptas. A MMP-3 exerce papel cen tral na remodelação da mucosa, visto que degrada componentes da matriz não colagenosa, glicoproteínas e proteoglicanos, além de ativar a MMP-1, responsável pela degradação do colágeno fibrilar. Por sua vez, as citocinas da resposta Th2 direcionam a ativação e expansão clonal de células B para a produção de autoanticorpos (IgA e IgG) contra o glúten (gliadina), tTG e complexos gliadina-tTG. Outras citocinas como IL-18, lFN-a ou lL-21 parecem exercer um papel na polarização e manuten ção da resposta Th-1. A IL-21, produzida por células Th1 CD4+, foi caracterizada como um fator adicional da imunidade inata, ao atuar em conjunto com a interleucina (IL)-15. Por sua vez, a IL-15 n i terliga o sistema imune adaptativo à resposta imune inata na fisiopatogenia da DC (Figura 30.8). São recentes os progressos que permitiram compreender como linfócitos intraepiteliais (LIE) são ativados pelas proteínas dos cereais. De forma integrada à resposta imunológica adap tativa, estudos têm mostrado o efeito do glúten na imunidade inata na DC, com ativação predominante de LIE e células do epitélio intestinal. O peptídio a-2-gliadina p31-43, distinto do peptídio que induz a resposta adaptativa (33 mer-peptide), cons t estimulando titui o gatilho dessa reação no epitélio intesinal, as células epiteliais, bem como macrófagos/células dendríticas
Peptídíos de glúten o Clt Cl Clt T ranspotte pa e tran.s"celular fjl deg/úten
Q ,p �....,... ._ ....'I"'J .. .... ... � ..
Epitélio mtestmal
J
Peptfdios da glúten reagem no subepltéllo da lâmina própria
Lumen intestinal
o
ao o o
Degradação oe matriz 9 dEJmodelação da mucosa
MMP·1, ·3, -12+
� IL-21 Q Pepeldoos de glúten
CJ PePIIdiOS de g!óten ooamonados
Anticorpos contra o glútan e TG2
24
Normais
Normais
Lesão infiltrativa, DC e progressão ao 3
2
>24
Hiperplásticas
Normais
Lesão hiperplástica; pode indicar DC
3a
>24
Hiperplásticas
Atrofia leve
3b
>24
Hiperplásticas
Atrofia grave
Lesão destrutiva; espectro de alterações características de DC não tratada; pacientes podem ser ou não sintomáticos
3c
>24
Hiperplásticas
Ausentes
Tipo o
Classificação Marsh-überhuber, adaptada por Kotze, 1988.
Capítulo 30 I Doença Celíaca e Outros Distúrbios naAbsorção de Nutrientes 305
a
b a
tl ll 6 8 0
o
�nn--�N?fL b I�l 111
b c
I I
(/
o
11
I (!l!T!?J
I (]]Dof1íYJ { �-0==;o'oJ IV
Figura 30.11 Classificação de Barbieri et ai. para os achados histopa
tológicos nas afecções do intestino delgado proximal.
Após suspensão do glúten da dieta, a recuperação começa imediatamente, mas vilosidades digiiformes t podem demorar meses para aparecer (Figura 30.12). É possível o retorno da mucosa ao normal ou quase ao normal com dietas rigorosa mente isentas de glúten, porém o tempo necessário para que isso ocorra tem sido descrito como diferente e longo para os diversos autores. Se o tempo para recuperação da mucosa após dieta sem glú ten é variável, também o é a recidiva de alterações depois da sua reintrodução. Pode haver recidiva histológica em pacientes assintomáticos, porém o intervalo de 2 ou mais anos é aceito como necessário para a ressensibilização de um ndivíduo i po tencialmente sensibilizado. Nas biopsias sequenciais, notam se, já nas primeiras horas de contato com o glúten, infiltração celular, edema, hipertrofia das células endoteliais e aumento dos LIE. O pico de maiores alterações se dá nas primeiras 96 h, com dano aos enterócitos, seguindo-se encurtamento das vi losidades.
• Quadro clínico O quadro clínico na DC varia muito, dependendo da gravi dade e extensão das lesões, bem como da idade do paciente (Fi gura 30.13A a E). Podem-se encontrar desde sinais e sintomas de má absorção de apenas um nutriente (anemia, por exemplo); ou pandisabsorção, com repercussões graves à nutrição do indi víduo e ameaça à sua vida. Considerar que em países familiari zados com a DC a apresentação clássica com má absorção grave e caque.xia, descrita nos livros-texto, está cada vez mais rara. Os médicos devem lembrar-se deste diagnóstico ao atenderem pacientes com dispepsia e/ou sindrome do intestino irritáve� ou os especialistas em outras doenças autoimunes. O Quadro 30.4 sintetiza os efeitos do comprometimento dos principais nutrientes e suas manifestações clínicas. A DC pode ser diagnosticada em qualquer época da vida e se desenvolve em ciclos: a) pode surgir no lactente, relacionando-se com a época do desmame e/ou introdução de cereais na alimentação;
Figura 30.12 Histologia da mucosa entérica na doença celíaca. A,
Padrão celíaco com atrofia de vilosidades, hiperplasia de criptas e au mento do número de linfócitos intraepiteliais. 8, Mucosa em recupe ração, após dieta isenta de glúten. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
b) se persistir sem tratamento, pode regredir parcialmente na adolescência; não é comum apresentar-se pela primeira vez nesta fase, a não ser que haja fator desencadeante; c) pode aparecer ou reaparecer na idade adulta, geralmente na terceira ou na quarta década, principalmente durante gestações; d) pode surgir na idade adulta ou geriátrica, desencadeada ou não por algum fator, como cirurgias, infecções etc. De modo geral, sabe-se que os sintomas e sinais variam de acordo com a idade e com o tempo de exposição ao glúten. Pensa-se que se correlacionam mais diretamente com a exten são do comprometimento do que com a gravidade da lesão em qualquer segmento do tubo digestório. Diarreia. Varia de n i tensidade de caso a caso, dependendo do comprometimento intestinal. As fezes podem ser aquosas ou pastosas, volumosas, descoradas ou acinzentadas, oleosas ou espumosas, fétidas, flutuando ou não na água. Se intensa, leva à desidratação ou a distúrbios do equih'brio ácido-básico, principalmente nas crianças de baixa idade. A imensa maio ria dos celíacos tem diarreia, mas pode ocorrer constipação ntestinal. i Emagrecimento. Também depende da gravidade e extensão das lesões, reflete a má absorção, dependendo não só das áreas
306 Capítulo 30 I Doença Celíaca e Outros Distúrbios naAbsorção de Nutrientes -------
T
--------�-
Quadro 30.4 Efeitos do comprometimento dos principais nutrientes: aspectos clínicos, laboratoriais e mecanismos envolvidos Dados dínicos
Dados de exames
Mecanismos
Perda muscular
< Albumina sérica
Alteração metabolismo
Baixa estatura
Proteico
Edema
Absorção e ingestão
Dores ósseas
Raios X desmineral ização óssea
Perda proteica entérica
Fraturas Deformidade esquelética
Densitometria óssea alterada
Pa restesias Tetania
< Cálcio sérico Osteomalacia
Alteração absorção de Ca e vitamina D
Perda de peso Fezes claras e volumosas
Esteatorreia < Colesterol
Alteração na absorção e perda de gordura e vitaminas lipossolúveis e Ca
Sangramento, equimose
6
Deltavírus 3
Capítulo 53 I HepatiteAguda Vira/ 593 -------
T
--�-----
Quadro 53.2 Propriedades dos vírus humanos hepatotrópicos Vírus das hepatites humanas
Propriedades Forma
Tamanho (nm)
A
E
8
c
D
Esférica
Esférica
Esférica
Esf érica
Esférica
Não
Não
Sim
Sim
Sim
28
Envelope
42
32
43
38-50
Simetria capsídica
lcosaédrica
lcosaédrica
lcosaédrica
Desconhecida
lcosaédrica
local da montagem
Citoplasma
Desconhecida
Citoplasma
Desconhecida
Citoplasma
Proteínas capsídicas
3
-
1
--
1
-
-------
1
-
1
-
-
T-------
Quadro 53.3 Propriedades dos genomas dos vírus hepatotrópicos humanos Propriedades Ácido nucleico
linear ou circular Sentido
Tamanho (KB) Segmentado
locais de replicação
Vírus das hepatites humanas
A
E
8
c
D
RNA
RNA
DNA
RNA
RNA
linear
linear
Circular
linear
Circular
7,5
7,8
3,2
9,4
1,7
1
Não
Citoplasma
ND
1
Não
Não
Desconhecido
Núcleo
1
Não
Desconhecido
2
Não
Núcleo
ND = Não definido.
-------
T
------
Quadro 53.4 Propriedades biológicas dos vírus hepatotrópicos humanos Propriedades Títulos máximos Transmissão Cronicidade
Oncogenicidade
Curso fulminante Sorologia
Antígeno
Anticorpo Ácido nucleico
Vacina comercial
Vírus das hepatites humanas
A
1 os·9Jgm
E
8
c
?
109-'0/mf
106•7/ml
D
1 o•o·"Jmt
Oral-fecal
Oral-fecal
Parenteral!sexual
Parenteral
Parenteral
Não
Não
Sim
Sim
(?)
Não(?)
Não
Sim
Sim
Sim
Raro
Gestação
Raro
Raro
Incomum
Sim•
Sim•
Não
Não
Simb
Sim•·b
Sim•·b
Simb
Simb
Sim• Sim
Sim•
Simb
Simb
Não
Sim
Não
Simb
Simb Não
a = Nas fezes; b = No sangue.
Apresenta quatro subtipos antigênicos: adw, ayw, adr e ayr, que mostram distribuição geográfica peculiar. Variações do
transativador transcripcional. Inicia sua ação deletéria sobre o fígado ao se ligar às membranas dos hepatócitos replicando via
genoma geram as mutações que podem ocorrer nas regiões do core, pré-core, pré-S, ou no gene da polimerase ou no X, as quais podem induzir à hepatite fulminante, reduzir a res posta ao n i terferon, facilitar a perpetuação da doença ou a sua
transcrição e produção de RNA pregenômico, gerando nucleo capsídio, polimerase e partículas ccc (closed circular) DNA em nível nuclear após envelopamento de proteínas; suas expressões dependem de elementos eis e trans promotores de pré-S 1, pré
recorrência após transplante hepático. A partir da atuação da proteína HBX, tem atuação oncogênica se associando à evo lução para o carcinoma hepatocelular, ao atuar como potente
S2 e X, reguladas pela metilação de ilhas CpG identificada em fígados humanos dos portadores desse agente. Nestes, a lesão hepatocelular induzida se relaciona com linfócitos T citotóxi-
594 Capítulo 53 I Hepatite Aguda Vira/ cos, ao reconhecer antígenos específicos em associação com antígenos HLA classe I, causando apoptose de hepatócitos in fectados. É transmitido pelo sangue, por via sexual, por agulhas contaminadas e verticalmente da mãe para o filho, com período de incubação entre 14 e 90 dias. O vírus C é um vírus RNA pertencente à família Flaviviri dae, composto de genoma de fita única, com aproximadamen te 10.000 nucleotídios em sua composição. Tem apenas uma abertura de leitura, replicando através de uma RNA polimerase codificada pelo gene NS 5B. Apresenta seis grupos filogenéticos e seis genótipos principais, com inúmeras variantes. Os genóti pos 1 b e 4 são os mais agressivos, associados à baixa resposta ao tratamento com interferon, e o resultado deste tratamento é melhor com os portadores de genótipos 2a e 2b. Os vírus RNA mostram misturas heterogêneas de genomas mutantes, decor rência de taxas elevadas de erro na replicação do RNA. Isso constitui as quasiespecies, cuja importância reside no fato de que elas respondem heterogeneamente ao interferon-padrão ou peguilado. Uma menor heterogeneidade favorece a terapêutica antiviral, e vice-versa. A quantidade de partículas C no sangue circulante é muito menor do que a observada na infecção pelo vírus B. Atualmente, o vírus C é o maior responsável pelas he patites pós-transfusionais. Assim, o contágio pode ser feito por sangue transfundido, por agulhas contaminadas e, significativa mente menos do que na hepatite B, e quase negligenciável, por contato sexual, ou de forma vertical. Curiosamente, entretanto, no maior número de casos de hepatite crônica por vírus C o contágio não é identificado, constituindo a chamada infecção esporádica. O vírus C é considerado um vírus oncogênico, as sociando-se à instalação do carcinoma hepatocelular. O vírus D é um pequeno vírus RNA, com seu genoma com posto de fita única. Pode replicar de maneira autônoma, mas, em geral, necessita, para tal, da presença do B, de quem usa, para exercer tal função, o excesso da proteína proveniente do AgHBs, levando a que cursem com dupla infecção. Assume distribuição característica em indivíduos residentes em países do Mediterrâneo, Oriente e da região Amazônica, tais como Colômbia, Venezuela e Brasil, com a coinfecção sendo respon sável pelo advento de hepatite aguda. O vírus E, por sua vez, é um vírus RNA, sem envelope, ente ricamente transmitido, similar aos pertencentes à família Gali civiridae, tendo seu genoma com 7,5 kb, codificando proteínas estruturais e não estruturais, com oito diferentes genótipos sen do identificados em diferentes regiões da África, Ásia, Oriente Médio e América Central, assim representados: tipo 1 em Bur na, 2 no México, 3 na América do Norte, 4 na China, 5, 6 e 7 na Europa e 8 na Argentina, com uma outra variante descrita entre austríacos. Transmissão pessoa-pessoa é a regra; no entanto, reservatórios animais, como suínos, têm sido identificados (o que poderia significar que a hepatite por vírus E seria uma zo onose). Apresenta um período de incubação de 2 a 9 semanas, em média de 40 dias. A infecção por este agente no Brasil não parece ser comum. •
AGENTES VIRAIS MENOS FREQUENTES
•
Vírus da hepatite G
Esse agente vira! foi identificado em 1955, a partir da n i jeção do sangue de um cirurgião em um sagui. As n i iciais do cirurgião, GB, foram utilizadas para a denominação do agente. Isolaram-se dois tipos GBV-A e GBV-B em animais de experi mentação, e o GBV-C, ou simplesmente G, em seres humanos.
A partir daí, foi clonado, e classificado como um RNA vírus da família Flaviviridae, mantendo 29% de homologia com o VHC. Sua detecção em soro ou outros fluidos e tecidos depende do emprego de reação em cadeia de polimerase (PCR), técni ca sem sensibilidade e especificidade bem definidas. A partir da proteína E2 do envelope do seu genoma, empregada como antígeno, utiliza-se o método de ELISA para identificação de anticorpos específicos. Tudo indica que sua transmissão seja predominantemente parenteral, existindo dúvidas quanto à importância das rotas oral e sexual. Período de ncubação, i porcentagens de formas sintomáticas e evolução para cronicidade ou existência de por tadores assintomáticos são aspectos que não se encontram ain da bem definidos. Tem sido identificado entre 0,4 e 1,6% dos doadores voluntários de sangue, em associação com 15% dos portadores crônicos do VHC, em 20% dos doentes com cir rose criptogênica, em 26 a 31% dos dialisados e, finalmente, em 9 a 24, 43,6 e 31% dos transplantados de coração, fígado e rim, respectivamente. Apesar desses avanços, não se definiu ainda se se trata de um vírus realmente hepatotrófico, sendo recomendável pesquisá-lo naqueles pacientes que apresentam, sobretudo, hepatite pós-transfusional do tipo não A-E. Apesar desse aspecto, sabe-se que está associado a hepatite aguda, e a lesão hepatocelular instalada é, na maioria das vezes, de leve intensidade. Este fato tem levado alguns autores a insistirem em que raramente existem formas mais graves de necrose hepa tocelular com esse vírus. Entretanto, a participação do vírus G foi advogada na insuficiência hepática fulminante. Nestes raros casos, é possível que a presença do vírus G pudesse ser canse quente ao uso de sangue contaminado, empregado durante a terapêutica de urgência pré-transplante de fígado. •
Vírus da hepatite TT À semelhança do vírus GB-C, o vírus da hepatite TT recebe
essa denominação em referência às iniciais TT do paciente in fectado em que esse agente foi idenificado t pela primeira vez. Inicialmente, foi caracterizado como pertencente à família dos Parvovirus (não envelopados). Logo em seguida, passa a ser definido como sendo um DNA-vírus, com genoma circular, de sentido negativo, encerrando 3.739 pares de base, fazendo, então, parte da família dos circivírus humanos. Sua identifica ção em sangue tem sido realizada através da técnica PCR, a qual tem limitações, pois subestima a prevalência da infecção, já que tem sua atuação baseada na presença de anticorpos, com melhor capacidade de detecção dos genótipos 2 e 3, não do 1. No início, acreditava-se que a forma de infecção mais co mum era após a transfusão de sangue e de derivados. Tem sido identificado diversamente: entre 1 e 10% (EUA e Europa), 7 e 14% (Ásia), e em 62% dos brasileiros doadores voluntários. Sua positividade também tem sido observada entre 24 e 45% dos portadores crônicos do VHC e em 47% dos portadores de insuficiência hepática fulminante não A-G. A sua frequên cia varia, conforme se considerem categorias de pacientes, tais como os toxicômanos intravenosos, os homossexuais e prosti tutas, e n i divíduos não incluídos nessa classificação (5 a 13% X 4,5%). Existem evidências de que a contaminação não se pro cessa intraútero, mas pode ocorrer pós-parto. Ela também pode se dar através da rota oral-fecal, diferindo, todavia, das hepatites virais A e E, pela possibilidade aparente de evoluir para doença hepática crônica, o que não acontece com as hepatites A e E. Aumenta sua prevalência após transplante hepático de 1O para 20%. Casos comunitários têm sido descritos, ampliando-se a presença do TTV com o aumento da idade. O vírus apresenta
Capítulo 53 I HepatiteAguda Vira/ 595 tendência ao hepatotropismo, comprovado por: 1. são 1O vezes mais elevados os títulos no tecido hepático do que no sangue; 2. existe paralelismo entre infecção e necrose hepatocelular, tra
se celular. Na hepatite crônica, o mecanismo de lesão depende de linfócitos T citotóxicos que atacam o complexo molecular composto por antígenos virais e HLA (de histocompatibilidade) dispostos na superfície do hepatócito. É possível que outros fa tores intervenham, como lesão celular por citocinas. Na hepatite por vírus C, o mecanismo de lesão celular não é bem entendido,
duzida pela elevação dos valores séricos de aminotransferases: 3. existe paralelismo entre clareamento viral e normalização dos valores enzimáticos. A maioria dos indivíduos com TTV é constituída por por tadores assintomáticos, com pequena proporção desenvolven do hepatite aguda. Há dúvidas sobre o papel causal na doen ça crônica do fígado, não existindo evidências de que o vírus possa causar carcinoma hepatocelular. Esses aspectos levam a uma interrogação sobre a real capacidade de esse vírus lesar o fígado. Desde a descoberta do TTV, vários vírus com pequeno ge noma DNA foram descritos no Japão. Esses vírus foram deno minados Sanban, Yonban e TTV-similar minivírus. Nenhum
mas acredita-se que também seja imunológico. Não se sabe se o vírus é citopático. É possível, ademais, que uma exagerada variação de proteínas do envelope viral facilite uma evasão à resposta imunológica do hospedeiro, levando à persistência da infecção pelo vírus C.
•
A hepatite aguda viral é uma doença difusa necroinflama tória do fígado, que, em geral, evolui com menos de 6 meses
deles provou, até o presente, provocar doença em humanos.
•
ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
de duração. Pode ser histologicamente não distinguível da he patite crônica, o que toma o tempo de doença um critério di ferenciador muito importante, além do que as maiores modi ficações são lobulares e não de espaços portais. Caracteriza-se
MECANISMOS DE LESÃO CELULAR Aceita-se que a magnitude da lesão celular, nas hepatites
por comprometimento panlobular, acentuada celularidade e pleomorfismo de hepatócitos e necroses focais. Degeneração e eosinofilia ou corpos apoptóticos e balonizados dos hepatócitos
agudas, dependa da carga viral e da capacidade de multiplicação do agente viral. Por sua vez, tem importância a resposta des pertada pelo hospedeiro, classificada como: 1. não específica,
levam à necrose lítica. A regeneração traduz-se pela presença de mitose e/ou multinucleação dos hepatócitos, com variações de tamanho, forma e qualidade de coloração dos hepatócitos.
dependente da participação de interferon, complemento e lin fócito NK; 2. de células killer, como neutrófilos e macrófagos, as quais requerem anticorpos para sua atuação; 3. especificidade exercida pelos linfócitos T citotóxicos (CTC). Esses mecanismos atuam visando a eliminar o agente viral, precipitando a lise ce lular. Quando essas respostas se revelam eficientes e precoces, propiciam a cura sorológica e restituição total do parênquima,
O infiltrado inflamatório é constituído por células sinusoidais ativadas, sobretudo de Kupffer, enquanto nos espaços portais predominam linfócitos, plasmócitos e eosinófilos, com poucos neutrófilos. Casos mais graves traduzem-se por necrose multi lobular, em ponte ou submaciça. Colestase citoplasmática ou intracanalicular faz parte do quadro.
não facilitando a instalação de estado de portador ou de hepa tite crônica. Além desses efeitos, o vírus pode lesar a célula do hospedeiro ao interferir diretamente com o seu maquinismo, ou exercer toxicidade a partir de seus produtos.
Na hepatite por vírus A, a lesão do hepatócito provavelmente decorre de citotoxicidade mediada por células imunocompe tentes. Uma resposta imune exagerada pode gerar a hepatite
fulminante. Na hepatite por vírus B, o dano maior é causado pela reação do hospedeiro. A resposta imunológica é mediada por células e dirigida contra o antígeno core, que se expressa na
•
ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
•
Etiológicos e sorológicos
Encontram-se sumariados no Quadro 53.5. Os marcadores virais constituem chave importante para o diagnóstico das hepatites, razão pela qual devem ser bem co nhecidos.
superfície do hepatócito. A reação elimina o antígeno e o hepa tócito. No estado de hospedeiro sadio, a resposta imunológica é inadequada e há tolerância ao vírus. Esse estado de tolerância pode ser ultrapassado a qualquer momento, com a emergência
O anti-VHA IgM é um n i dicador de hepatite aguda por vírus A. Aparece precocemente e persiste por 3 a 6 meses. O anti-VHA IgG é marcador de infecção passada, prestando-se
de clones de células T reativas levando à inflamação e à necro-
mais para inquéritos epidemiológicos.
...
Quadro 53.5 Diagnóstico sorológico das hepatites agudas virais Marcadores sorológicos Significados Hepatite A
Hepatite B
Hepatite C Hepatite E
Hepatite D
Anti-VHA +
AgHBs
AgHBe
+
+
+
+
Anti-AgHBC (lgM) + +
Anti-VHC (lgG)
(lgM)
+
(lgG)
RNAVHC
+
Anti-VHE
Anti-VH
lgM
lgM
+
+ +
596 Capítulo 53 I Hepatite Aguda Vira/ O antígeno de superfície do vírus B (AgHBs) corresponde à proteína do envelope do vírus B. Indica infecção aguda ou crô nica. Quando desaparece do soro, significa clareamento viral. O anti-HBc, ou AcHBc (anticorpo anticore do vírus B), é uma proteína que circunda o DNA do vírus B. Por sua vez, é
cercada pelo AgHBs na partícula viral completa, ou partícula de Dane. Há três formas: a IgG, a IgM e a total. A positividade da i dica contato presente ou passado com o vírus B. A lgM total n indica nfecção i aguda, ou reativação do vírus na dependência de imunossupressão. Pode positivar-se também no curso de he patite crônica, significando uma reagudização. O anti-HBc IgG representa infecção passada, ou, quando associada ao AgHBs, sinaliza o estado de portador crônico. O antígeno "c", AgHBc, não é secretado no soro.
11> AgHBe e o AcHBe (antígeno e anticorpo "e" do vírus
8). O antígeno "e" faz parte do core viral e indica replicação.
Pode ser detectado na hepatite aguda e na replicação viral no curso de hepatite crônica. Quando presente em doente crôni co e associado ao AgHBs, ajuda a indicar tratamento antiviral. Seu anticorpo surge quando há resolução da hepatite aguda, ou quando cessa a fase replicativa em hepatite crônica. O AcHBs, ou anti-HBs, é o anticorpo contra o antígeno de superfície do vírus B. É um anticorpo neutralizador e indica nfecção i jugulada, ou resulta de vacinação contra hepatite B bem-sucedida, sobretudo se em título superior a 10 mUI/me. 11> DNA polimerase do vírus B. Indica presença do vírus B. É pouco sensível. 11> Ensaios de hibridização. Utilizam várias técnicas e de terminam partes específicas do DNA do genoma do vírus B. São bastante sensíveis e detectam o DNA no soro em faixa de
ral, náuseas, vômito, anorexia, artralgia e febrícula. Icterícia colestática faz parte do quadro, acompanhando-se de colúria, acolia fecal e prurido, mais comum entre idosos. Essa forma de apresentação mostra-se mais leve na C e mais florida na A e na B, sendo as manifestações extra-hepáticas mais comuns nesses dois tipos. Predomina, no entanto, a evolução assintomática, expressa algumas vezes apenas por manifestações gastrintesti nais sutis, em geral não valorizadas. A recuperação se processa entre 2 e 8 semanas. A evolução para a cronicidade traduz-se pela ausência de sinais e sintomas típicos, caracterizada apenas pela persistente elevação de níveis séricos de arninotransferases e expressão sorológica típica. Nas fases iniciais, além da icterícia, notam-se outros sinais, hepatomegalia dolorosa e, eventualmen te, esplenomegalia. Necrose maciça ou submaciça revela-se por colestase acentuada, distúrbios de coagulação e da consciência, insuficiência renal, pré-coma e coma hepático, sinais de exaus tão funcional do parênquima hepático, definido como hepatite aguda fulminante (Capítulo 56). A hepatite A costuma invo luir rapidamente na criança, mas pode demorar a resolver no adulto (hepatite aguda prolongada), sem que isso tenha uma significação ominosa. As hepatites por vírus B, C e D podem cronificar, mas a por vírus A nunca o faz. O vírus E manifesta se, sobretudo, em epidemias, mais comumente em países em desenvolvimento. O curso clínico assemelha-se ao da hepatite A. É responsável por elevada mortalidade entre grávidas, so bretudo aquelas que estão no terceiro trimestre de gestação. O diagnóstico é comprovado pela presença de anti-VEH IgM (e IgG para fins epidemiológicos) e testes de hibridização para o VHE RNA. Não há relato de evolução para a cronicidade.
1,5 a 20 pg/ml. Excelentes para distinguir uma fase replicativa
ASPECTOS LABORATORIAIS
da não replicativa.
•
to mais sensíveis do que os anteriores e indicam replicação
11> Testes por PCR (polymerasechain reaction) do DNA vi
ral. São extremamente sensíveis para detectar o DNA do vírus.
Classicamente, em qualquer dos tipos de hepatite aguda viral, ocorre elevação de níveis séricos de aminotransferases, sempre acima de 500 a 1.000 UI/.e, com valores maiores de alanina-aminotransferase (ALT). Acentuam-se também as con
Essa elevada sensibilidade acaba por tornar esses testes pouco confiáveis em separar estados replicativos e não replicativos, porque algum DNA será sempre surpreendido. Há uma ele vada relação entre a positividade desses testes e a presença de AgHBs no soro. O teste ELISA para hepatite C detecta a presença de anti corpo em duas regiões do genoma do vírus. É muito sensível,
centrações plasmáticas de gamaglutamiltransferase e, sobretu do, de fosfatase alcalina, principalmente nas formas colestáticas. Hiperbilirrubinemia, quando presente, ocorre sempre à custa da fração direta, em geral não ultrapassando 20 mg!dl. São normais a atividade e tempo de protrombina, mesmo naque les mais acentuadamente ictéricos. Agravamento da icterícia e alargamento do tempo de protrombina significam sempre
mas pouco específico, com relativamente grande incidência de falso-positivos. O anticorpo detectado não é um anticorpo neutralizador, isto é, não significa imunidade, cura da doença. O teste recombinante RIBA é menos sensível do que o anterior, mas é mais específico. Outros testes para diagnosticar o VHC são o bDNA quantitativo para o RNA do vírus C e o PCR. O C-RNA pode ser pesquisado no soro e no tecido hepático e constitui o padrão-ouro no diagnóstico da hepatite C.
necrose hepática mais extensa, que pode acompanhar-se de hipoglicemia e baixa síntese do fator V. Recomenda-se a repe tição de provas bioquímicas a cada 15 dias, até que ocorram normalização dos parâmetros laboratoriais e a seroconversão antigênica. O diagnóstico etiológico será sempre confirmado pela sorologia, conforme já foi explicitado.
11> Ensaios bDNA (branched-chain DNA). São testes mui
viral.
A hepatite por vírus D é diagnosticada por teste ELISA, que determina anticorpo contra o vírus D tanto no soro quanto no plasma. Esses anticorpos são das classes IgM (fase aguda) e IgG (infecção crônica). Há teste tipo PCR para surpreender o RNA do vírus D no soro e no tecido hepático. A hepatite E é pesquisada por teste ELISA, que detecta o anticorpo ao vírus E.
•
Sintomas e sinais
Os vírus A, B, C, D, E costumam apresentar o mesmo cur so clínico, que se traduz pelo aparecimento de mal-estar ge-
•
Diagnóstico diferencial
Os vírus não hepatotrópicos primariamente nf i ectam outros órgãos e tecidos, antes de envolverem o fígado como parte de uma infecção disseminada. Essas hepatites são causadas por vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes simples, varicela zoster, adenovírus, vírus do sarampo e da rubéola. Menos fre quentemente, são responsáveis os vírus da febre amarela, das febres de Lassa, Marburg, ebola e dengue, além dos reovírus,
rotavírus, hantavírus, injluenza (síndrome de Reye), paramo xivírus (hepatite de células sinciciais gigantes), e, talvez, o ví rus da imunodeficiência humana. A febre Q pode simular uma hepatite viral.
Capítulo 53 I HepatiteAguda Vira/ 597 •
•
sobretudo no período em que os doentes evoluem ictéricos. Recomenda-se suspensão de medicações hepatotóxicas e de
TERAPÊUTICA
ngesta i alcoólica, além de uma dieta nutritiva, mas respeitan
Medidas preventivas
do a tolerância do paciente. Internação hospitalar encontra-se indicada quando ocorrem distúrbios hidreletrolíticos em con
São fundamentais, nas hepatites virais A e E, de transmissão oral-fecal, a melhora das condições de higiene e saúde, sobretu do de saneamento básico, e de conservação e manipulação de alimentos, e o monitoramento dos pacientes já infectados. Es
sequência de vômitos incoercíveis, ou hipoprotrombinemia (40 a 50%), e nos casos que evoluem para a forma fulminante, traduzida pelo aparecimento de encefalopatia dentro de 8 se manas do início da icterícia. Esses deverão ser avaliados para
pecificamente nos casos das hepatites B, C e D, é indispensável melhorar a qualidade das hemotransfusões, privilegiar doado res voluntários e negativos para aqueles agentes virais. Deve-se promover orientação aos grupos de risco, combater as ativida des homossexuais promíscuas e alertar a população quanto a
um eventual transplante de fígado (Capítulo 77).
Tratamento medicamentoso (interferon a)
•
Cerca de 5% dos pacientes com hepatite aguda viral B evo
parceiros sexuais contaminados. Os narcoadictos devem ser exaustivamente informados sobre a utilização de agulhas e se ringas descartáveis e de uso próprio, individualizado. Encontram-se bem definidos os candidatos à imunização,
luem por mais de 12 semanas com sinais clínicos, laboratoriais e sorológicos que traduzem persistência da doença e replicação viral. Certamente, são os que tendem para a hepatite crônica. Visando a encurtar a evolução daqueles doentes com esse curso protraído da doença, alguns têm sido tratados com interferon
através de vacinas, disponíveis no comércio, contra os vírus das hepatites A e B (Quadros 53.6 e 53.7). Da mesma forma, há esquemas vacinais especiais para situações específicas (Qua dros 53.8 e 53.9).
a nas doses de 3 ou 1O MU, 3 vezes/semana, durante 3 meses,
o que permitiu a recuperação e interrupção do processo em todos os casos assim manuseados.
•
A hepatite crônica desenvolve-se em 60% ou mais dos pa cientes cursando com hepatite aguda pelo vírus C. Cerca de
Medidas de suporte
São comuns a todos os tipos de hepatites virais. Baseiam-se exclusivamente no repouso nas fases sintomáticas da doença,
50% desses evoluirão com doença estacionária, não progressi
va,
� -------
enquanto a outra metade caminhará insidiosamente para
� -------
-------
-------
Quadro 53.6 Candidatos à imunização contra hepatite viral A
Quadro 53.7 Candidatos à imunização contra hepatite virai B
Vacina para hepatite A, vírus inativado
Vacina para hepatite 8, recombinante
Imunização de rotina
Imunização de rotina
Crianças vivendo em comunidade de alto risco
Todos os recém-natos Crianças não vacinadas até idade de 1 1 anos
Grupos de risco
Trabalhadores deslocados para regiões endêmicas Homossexuais masculinos com múltiplos parceiros Utilizadores de drogas parenterais ilícitas Transfusões de fator VIII Indivíduos expostos a primatas não humanos Staffs de unidades intensivas de recém-natos ou excepcionais
Grupos de risco
Indivíduos com múltiplos parceiros sexuais Parceiros sexuais de contatos com indivíduos AgHBs Homossexuais masculinos ativos Utilizadores de drogas parenterais ilícitas Trabalhadores deslocados para regiões endêmicas (> 6 meses) Expostos a sangue e derivados Clientes ou staffs de comunidades fechadas Pacientes com insuficiência renal crônica Pacientes recebendo concentrados dos fatores de coagulação
Risco > de hepatite fulminante
> 30 anos com hepatopatia crônica
Risco > de transmissão
Manipuladores de alimentos
-
-----�---
�·
--------�--
Quadro 53.8 Dosagens e esquemas de vacinação anti-hepatite viral A (intramuscular) Grupo Crianças
HAVRJX® (2-18 A)
Esquema (meses)
VAQTA® (2-27 A)
Esquema (meses)
720 ELISA
O e 6-12
25 U/mR
O e 6-1 8
50 U/mR
O e 6-1 2
U/0,5 ml ou
360 ELISA U/0,5 ml
Adultos
A= Anos; U = Unidades.
(>18A)
1 .440 U/1,0 mf
0,1 e 6--1 2 O e 6-12
598 Capítulo 53 I Hepatite Aguda Vira/ -------
T-------
Quadro 53.9 Dosagens e esquemas de vacinação anti-hepatite viral B (intramuscular} Grupos
Esquemas (meses)
Mães AgHBs (2)
o-2,1 � 4 e 6-18
Mães AgHBs (1)
Recombivax HB®
Engerix B®
2,S mg/O,S me
1 0 mg/O,S me
s,o mg/O,S me
1 0 mg/O,S me
0,1 � 2 e 4-6
s,o mg/1 o,s me
1 o mg/1 o,s me
O,1 e 6
40 mg/1,0 me
40 mg/2,0 me
Nascimento 6 meses 2. DNA VHB sérico >1 05 cópias/m/. 3. Persistentes ou intermitentes elevações séricas de AST ou ALT 4. Biopsia compatível (escore � 4)
Subdivide-se em:
1. AgHBe (+), Anti-AgHBe (-)
2. AgHBe (-). Anti-AgHBc (+)
Estado de portador AgH Bs inativo Infecção persistente peloVHB Sem doença necroinflamatória
1. AgHBs (+) > 6 meses 2. AgHBe (-), Anti-AgHBe (+) 3. DNA VHB sérico < 1 os cópias/ml 4. Níveis persistentes >de ALT e AST S. Biopsia hepática com escore necroinflamatório (< 4)
Hepatite resolvida 1. História prévia de hepatite aguda Infecção prévia sem evidência ou crônica bioquímica, histológica ou 2. Presenças dos anti-HBc ou anti-HBs virológica de doença ou 3. AgHBs e AgHBe negativos infecção vira! em atividade 4. DNAVHB (-) S. Valores normais de AST e ALT
-
Infecção aguda
Recuperação
10-70%
I
t
t
Perinatal ou da criança
t
Infecção crônica
30-90%
Leve
..
99%
t
Infecção crônica
I
Recuperação
Adulto
1%
I
t
Moderada - Intensa
I C e irros
I I
Estádio de portador inativo
0,02-0,2%/ANO
2-1 %/ANO
t
I
•
Descompensação
Carcinomla hepatocelular
l
I
2-4%/ANO
2-4%/ANO
t
Morte ou transplante
3%/ANO
Figura 54.1 Curso clínico ou história natural da hepatite viral B (Fattovich, Zagni, Scatollini, 2004).
I
602 Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica ------
T------
Quadro 54.4 Padrões comuns de marcadores sorológicos nas diferentes fases da infecção pelo vírus da hepatite B Diferentes marcadores sorológicos Anti·AgHBc Fases da infecção
AgHBs
Período de incubação
+
Infecção aguda
+
Anti·AgHBs
Convalescença ou recuperação Com imunidade
Portador crônico (;:, 6 meses) (!> 6 meses)
+ +
Imunização pós-vacinação
lgG
AgHBe
Anti·AgHBe
+ + +
Janela imunológica ou recuperação Sem imunidade
lgM
+
+
+
+
+
+ +
+ +
+
+ +
+
+= Presente; - = Ausente; 2.000 UI/me Tenofovir + lamivudina ou 1 04 cópias e presença + ITRNN ou IPht de cirrose hepática VHB DNA < 2.000 UI/me ou 1 04 cópias/me
•
Fatorespreditivos de resposta ao tratamento com interferon
pegui/ado ala ou 2b
MonitorarVHB DNA
ITRNN = Nucleotídeos da transcriptase reversa; IPht = lnibidores de protease potencializados com ritonavir.
higroscópica, solúvel em água e pouco solúvel em álcool, de vendo ser tomada na dose de 15 mg/kg de peso e em total de 800-1.200 mg/dia, distribuída em duas tomadas. Tem ação an tiviral e imunomoduladora, promovendo, quando combinada ao Pegasys® ou ao Peg-Intron®, inibições de replicação do RNA subgenômico, do RNA VHC dependente da RNA polimerase
Estão expostos no Quadro 54.20. Recentemente, surgiram novas perspectivas quanto a certos marcadores genéticos indicadores de quais pacientes respon derão à terapêutica clássica envolvendo interferon peguilado a.. Entre estes, incluem-se os que exibem polimorfismos de nu cleotídeo único em região IL-18B codi.ficadora de interleucina28B ou interferon lambda 3. Também a interleucina IL-28 se encontra envolvida nessa resposta, codificando superfarnília da IL-10, interferons tipo IIl ou À, disparando sinais via JAK1/ STAT. Abre-se uma perspectiva importante, com impacto so bre o prognóstico e as novas estratégias terapêuticas, selecio nadoras de fármacos n i dutores de mutações com resistência e ausência de resposta ao esquema nstitu i ído. Além disso, será
Hepatite crônica C
Genótipos 2 ou 3
I
I
I lnterferon pegullado +
Ribavirina 800 mg/dia (24 semanas)
t
Determinar genótipo
t
Genótipo 1
f
Biopsia hepática
f
lnterferon peguilado + Rlbavirina 1 ,O a 1,2 g/dia (48 semanas)
I I
l
Genótipos 4, 5 ou 6
f
Biopsia hepática
f
I I
lnterferon peguilado + Ribavirina 1,0 a 1,2 g/dia (48 semanas)
Figura 54.7 Estratégia proposta de tratamento da hepatite crônica vi ral C com interferon peguilado e ribavirina (Pawlotsky, 2004).
612 Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica ------
�
------
Quadro 54.19 Cuidados ou vigilâncias maiores durante o uso combinado de interferon peguilado e ribavirina 1. Presença de reações psiquiátricas, tais como depressão, ideias ou tentativas de suicídio pretéritas ou na vigência do tratamento. 2. Presença de elevações progressivas dos níveis séricos de alanina
aminotransferase. 3. Presença de infiltrado pulmonar, pneumonite, pneumonia ou
dispneia. 4. Presença de distúrbios endócrinos como hiper ou hipoglicemia, hipercolesterolemia ou hipertrigliceridemia, hiper ou hipotireoidismo. S. Exacerbação de doença autoimune e da psoríase.
6. Presença de fenômenos de hipersensibilidade, tais como urticária, angioedema, broncospasmo e anafilaxia. 7. Presença de eventos cardiovasculares, tais como hipertensão,
arritmias, insuficiência cardíaca congestiva, infarto do miocárdio. 8. Presença de mielossupressão, com valores de neutrófilos, plaquetas e hemoglobina abaixo, respectivamente, de 1 .500 células/mm3, 90.000
células/mm3 e 12 g!dt.
9. Presença de distúrbios oftalmológicos, tais como lesões hemorrágicas
e algodonosas da retina, edema de papila, perda da visão.
1 O. Presença de efeitos teratogênicos pertencentes à atuação da ribavirina. Não tratar grávidas, pois não há definição de esse fármaco ser eliminado pelo leite materno. Também deve ser administrada com cuidado naqueles com clearance de creatinina < 5 0 ml/min ou quando creatinina sérica > 2 mg!dt.
-------
�
•
PERSPECTIVAS: FUTUROS ANTIVIRAIS
Acredita-se que o genoma do VHC é dotado de extrema complexidade, com genes codificando proteínas estruturais, os quais se combinam com o core e o envelope para formar a estrutura da partícula e das proteínas não estruturais voltadas à replicação. Pensando nesses fatores, os futuros fármacos deve rão ser altamente efetivos e ser administrados por via oral, sem induzir efeitos colaterais indesejáveis, comprometendo a qua lidade de vida daqueles assim conduzidos. Além disso, devem estar voltados a interferir sobre os passos que se estabelecem durante o ciclo de vida desse agente infeccioso, tais como: •
lnternalização viraI
Relaciona as participações de diferentes moléculas dispostas na superfície dos hepatócitos, tais como CD81, removedores do receptor B tipo 1 (SR-Bl), molécula 3-não n i tegrina específica das células dendríticas (L-SIGN ou CD290L), receptor de lipo proteína de baixa densidade (LDL-R) e, finalmente, receptor de asialoglicoproteína (ASGP-R), além de ICAM-3, molécula de adesão intercelular fígado-linfonodo específico, promotoras da internalização do VHC. •
Processamento viral pós-translacional
Nesta fase, o genoma VHC sofre translação e clivagem, for mando as proteínas El e E2 glicoproteínas do envelope, p7 gera dora de canais iônicos na membrana do retículo endoplasmáti co, além das NS3, NS4A, NS4B, NS4B-NSSA e NSSA-NSSD.
-------
Quadro 54.20 Fatores preditivos de boa resposta ao tratamento com interferon 2a ou 2b recombinante padrão em pacientes com hepatite crônica pelo vírus C Fatores ligados aos pacientes Sexo feminino Idade jovem Contaminação não transfusional Ausência de déficit imunológico Ausência de consumo excessivo de álcool
Fatores ligados à doença
Infecção recente Baixos níveis séricos de gamaglutamiltransferase Ferritina baixa Concentração sérica baixa de pró-colágeno tipo 111 Ausência de cirrose
Fatores ligados ao vírus
Viremia baixa (< 0,35 x 106 genomas/ml) Genótipo não 1 b
•
Replicação viral
Nela se encontram envolvidas proteínas virais, componen tes celulares e RNA formando um complexo, na dependência de atuações de NSSB-RNA dependente e RNA polimerase. São atuantes na síntese e disponibilidade das novas partículas virais, na dependência de atuação de NS3 helicase. •
Liberação viraI
Origina-se e estabelece-se no interior dos hepatócitos, mais precisamente no retículo endoplasmático e aparelho de Golgi, onde se processa a maturação e ocorre exportação dos vírions maduros para o espaço pericelular. Baseando-se no desenvolvimento dos sistemas, repicam l as pseudopartículas e de vírus infectantes, tornou-se possível não apenas o entendimento dos diferentes passos envolvidos no ci clo viral como vimos anteriormente, identificando anticorpos neutralizadores, novas drogas alvos atuando em diferentes pas sos da cinética viral, as quais serão comentadas a seguir: 1 . inibidores
possível personalizar a conduta, valendo-se de diferentes mo léculas antivirais. Também o polimorfismo genético da região promotora do receptor-I de interferon se associa com a evolução da tera pêutica com n i terferon em pacientes com hepatite crônica C. Possivelmente, esse comportamento guarda relação com inter ferência que exerce sobre moléculas envolvidas no clareamento viral, existindo evidências de que dois polimorfismos de nucleo tídeo único, sobretudo o ts379 2323 em MAPKAPK3 (cinase envolvida nas respostas mitogênicas), que se encontra hiperex pressa, inibem o gene da transcrição envolvido na transcrição, inibindo a atividade antiviral induzida pelo IFN-a.
de enzimas virais, tais como, de helicase NS3 em avaliação pré-clínica, de polirnerase (JIK-003, JTK109, NM-283, HCV-796 e R-803): a. de p7 (derivados de imunosugar de cadeia alquil longa; h. de ribozimas (Hepatazyme); c. de oligonucleotídeos antisense (ISIS14803); d. baseada em RNA, como siRNA e aRNA (fase pré-clínica); e. de protease serina NS3 (BILN-2061); VN950 e CSH503034; f. de glicosidase (Celgosivir) e UT231B; 2. ativadores imunes não específicos como albufe ron e interferons ômega e gama por via oral; 3. indutores de interferon oral como imiquimod e sesiquimod; 4. dos ligantes de receptores Toll-like como ANA245 (satoribi ne), ANA975 e Adilon; 5. análogos nucleosídicos, como levovirin e ciramidine; 6. inibidores de IMPDH como
Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica 613 VX-947 (merimepodib) e micofenolato mofetil; 7. anti viTais de amplo espectro, como amantadina e rimantadi na); 8. outros imunemoduladores como dicloridrato de
tem se baseado em um novo membro pertencente a essa classe
histamina, timosina alfa- 1, IL-10, IL-12; 9. imunização passiva HCig e, finalmente; 10. vacinação terapêutica: a. administrando E1; b. E1-E2; c. proteína de fusão do core encerrando NS3-NS4-NS5 e; d. vacina sintética IC41 (Quadros 54.21 a 54.23).
NS3/4A, enzima requerida para que ocorra replicação viral.
Baseiam-se seus desenvolvimentos e aplicabilidades nos di ferentes passos que estão envolvidos no ciclo vital do VHC, eventos ordenados de formas n i dependentes, tais como:
breakthrough viral, relacionado à seleção de variantes virais
•
de medicamentos, VX-950 ou telaprevir, um reversível seleti vo, de ingesta oral, atuando como inibidor de protease VHC Assim conduzidos, definiu-se redução de, pelo menos, 2 log10 em 28 pacientes tratados com telaprevir. Naqueles com títulos mais elevados, a dose de 750 mg ao dia baixou títulos em 4,4 log10 e clarearam definitivamente o agente, com alguns agindo que expressam menor sensibilidade ao fármaco. Tal compor tamento e a necessidade de estimulação de, pelo menos, uma centena de genes resultando em efeitos imunomoduladores levaram a que tais pacientes fossem conduzidos valendo-se de
PERSPECTIVAS MAIS SÓLIDAS ATUAIS
associação com interferon-a 2a peguilado e ribavirina. Ba seados nessa combinação, já foram realizados dois estudos randomizados cujos resultados estão discriminados nos Qua
No momento, em uso clínico bem definido em seres hu manos, a terapêutica-alvo antivírus da hepatite C (STAT-C)
dros 54.24 a 54.27.
------- ·-------
Quadro 54.21 Tipos de fármacos e compostos com várias fases de desenvolvimento clínico
Tipos de fármacos lnibidores de enzimas virais (pequenas moléculas) lnibidores de helicase NS3 lnibidores de polimerase NS5B
Inibidores de P7 Ribozimas Oligonucleotideos antisense
Compostos
Fases de desenvolvimento clínico
JTK-003 JTK-109 NM-283 HCU 796 R-803
I e pré-clínica I e 11 Pré-clínica I e 11 I I � 11
Derivado imuneglicídio
11
Hepatazyme
I e 11
1515-14803
11 Pré-clínica
siRNA e eiRNA lnibidores de protease NS3
Desenvolvimento de um agente sem dose definida ainda Inibe replicação em cultura de células Inibe replicação em cultura de células interrompida < 4,5 log10 do RNA VHC em 4 semanas associada ao PEG IFN Atividade antiviral em cultura de células Pobre de disponibilidade Eficaz em diarreia viraI bovina. Indefinido no VHC Toxicidade em animais. Interrompido < 1 log,0 em humanos > ALT (transitório)
Pré-clínica
Hipoexpressão pós-translacional de genes. Múltiplos f ármacos em avaliação
VX-950 SCH5034
Pré-clínica I � 11 11 I �li
Cardiotoxicidade animal. Eficácia em humanos. Dose ideal (?) < Precoce de 2 logw Necessário associar PEG IFN e ribavirina. < 1 log,0 em monoterapia. Potencializa com PEG IFN
Celgosivir Ut-231 b
11 11
BILN-2061
lnibidores de glicosidade
Comentários
Bloqueia maturação de virions ineficaz em< log,0
PEG IFN = lnterferon peguilado; < = Redução; > = Aumento.
-------
·
-------
Quadro 54.22 Tipos de fármacos e compostos com várias fases de desenvolvimento clínico
Tipos de fármacos
Compostos
Fases de desenvolvimento clínico
lmuneativadores inespecíficos (interferons)
Albuferon Cmega Gama
11 11 11
lmiquimod Resiquimod
Pré-clínica
lndutores orais de interferon ligantes de receptores To/1-Jike
11
ANA245 (isatoribine) ANA975 Actilon
IB
Comentários Ineficaz em < log,0 Atividade antiviral similar a IFN 1. Efeitos colaterais similares Ineficaz Aprovado para uso tópico em dermatologia Sem efeito antiviral ou indução de cítocína Análogo nucleosídico oral. Resposta Th1 Hiper-regula agonista TLR-7. Reduz log,0 Pró-droga isatoribine. > biodisponibilidade oral Agonista TLR-9 com sequências repetidas CpG < log,0. 1nduz síntese de IFN. Estudos em fase 11 para recorrentes e não respondedores
614 Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica T-------
-------
Quadro 54.23 Tipos de fármacos e compostos com várias fases de desenvolvimento clínico Fases de desenvolvimento clínico
Tipos de fármacos
Compostos
Análogos nucleosídicos
levovirin Viramidine
111
VX-497 (Merimepodib)
11
Micofenolato mofetil
11
Amatadina
11
Rimantadina
11
Tria/s em evolução com PEG IFN e/ou RBV em "virgens• e não respondedores Tria/s amantadina
IMPDH
Atividade de amplo espectro
Comentários Retardado desenvolvimento. Absorção e liberação indefinidas Pró-droga da RBV captação hepática dominante. Tria/s com PEG IFN em evolução lnibidor específico da IMPDH. Sem hemólise. Tria/s com PEG IFN e RBV em evolução Combinado a PEG IFN. Estudo em evolução
=
Outros imunomoduladores
Dicloreto de histamina Timosina a.1 ll-10 ll-1 2
11 11 e 111 11 e 111 11 elll
Ativador NK. Trials com PEG IFN e RBV em não respondedores Associada a PEG IFN ou isolada em não respondedores < ALT não interfere na fibrose. < Inflamação. > log,0 Falta de significado antiviral.Toxicidade significativa
Imunização passiva
lgVHC
11 e 111
Trial. Pós-T X F
Vacinação terapêutica
E1/E2 NS3-NS4-NSS IC41
------
Pré-clínica e I Fase I 11
T
------
Quadro 54.24 Esquema e resposta ao tratamento com e sem telaprevir Tempo Resposta viral (semanas) sustentada (%)
Grupos
Esquemas propostos
1 (N 75) com controle
IFNPa.2a + RBV + PLAC IFNPa.2a +RBV
12 36
41
2 (N 17) sem controle
IFNPa.2a + RBV + TPV
12
35
=
=
3 (N
=
79)
IFNPa.2a + RBV + TPV IFNPa.2a + RBV
12 12
4 (N
=
79)
IFNPa.2a + RBV + TPV IFNa.2a + RBV
12 36
61
Previne infecção em chimpanzés Combinada com adjuvante. > Resposta CD4'. CD8' Induz resposta T heiper
-------
T
-------
Quadro 54.26 Grupos, esquemas propostos e resposta viraI sustentada Tempo (semanas)
Resposta viral sustentada (%)
Grupos
Esquemas propostos
I (T12 PR24)
TPV + IFNPa.2a + RBV
12
69
11 (T12 PR12)
TPV + IFNPa.2a + RBV
12
60
111 (T1 2 P1 2)
TPV + IFNPa.2a
12
36
IV (PR48)
PLAC + IFNP + RBV
12
46
Hézode etai., 2009.
IFNPa2a lnterferon peguilado n2a (180 mcg/semana); RBV Ribavirina (1.000·1 .200 mg/dia);TPV Telaprevir [1.250 mg (1• d ia) e 750 mg, B/8 horas, nos dias seguintes]. =
=
67
=
McHutchinson et ai., 2009. IFNPa2a lnterferon peguilado a2a (180 mcg/semana); RBV Ribavirina (1.000·1 .200 mg/dia);TPV Telaprevir (1.250 mg (1• dia) e 750 mg, B/8 horas, nos dias seguintes). =
=
=
------- T-------
Quadro 54.27 Efeitos colaterais nos dois estudos segundo grupos ------
T
------
Quadro 54.25 Frequência de nível indetectável do RNA VHC
Grupos
durante e após tratamento {%)
Prove 1 (norte-americano)
Grupos
Grupo sem TPV(%)
Grupo com TPV(%)
Grupo sem TPV(%)
41
52
35
59
35
42
40
28
27
28
27
21
19
Semanas(%)
1
2
3
4a
11
59
81
12 a
45
71
68
29
24a
57
57
12
48a
47
24 a (após tratamento)
41
McHutchinson etal., 2009.
35
61
McHutchinson et ai., 2009; Hézode, 2009.
Prove 2 (europeu)
Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica 61 5 •
Prove 1 (estudo norte-americano) Resultados expostos nos Quadros 54.24 e 54.25.
•
Prove 2 (estudo europeu) Resultados expostos nos Quadros 54.26 e 54.27.
•
•
GRUPOS ESPECIAIS E DE PORTADORES DE COMORBIDADES GRAVES Grupos especiais em infectados crônicos com vírus da hepatite C
A discriminação desses grupos se encontra disposta no Qua dro 54.28, os quais merecerão descrição, em separado, a seguir: •
Crianças Nos EUA, a prevalência é de 0,2 e 0,4%, respectivamente,
de inflamação e fibrose leve ou ausente, e tendência à progres são mais rápida de sua doença histológica inexiste. Tem sido recomendado que a manipulação terapêutica desses pacientes deva ficar restrita à motivação dos pacientes, avaliada em fun ção do tempo de duração da infecção, da idade dos pacientes (não tratar maiores de 65 anos de idade), dos portadores do genótipo 1 e com títulos séricos elevados do RNA VHC. Mais recentemente, definiu-se que essa decisão também deverá ser tomada com melhor conhecimento sobre a história natural e o significado desse comportamento bioquimico. Tem essa última atitude a busca de predizer a evolução da doença. Frise-se, no entanto, que relatos convincentes quanto à condução desses pacientes com administração s i olada dos interferons a2a ou 2b, ou, ainda, combinada com ribavirina, são inexistentes. Indefi nição ainda existe quanto ao comportamento com relação ao curso desses, em função da expressão hepática de certos ge nes, tais como IL28B, de outras citocinas, do polimorfismo de MAPKAPK3, IFNAR1, IFNAR2, JAK1, tirosinacinase 2, STATl, além das cinases, MAPKAPK2 e MAP cinase p38. •
Usuários de drogas injetáveis
para crianças com menos de 12 e entre 12 e 19 anos de idade. No início, essa forma de contaminação nessa faixa etária ocor ria a partir de hemotransfusões e, embora baixa, observada em menos de 5% dos pacientes, pode ocorrer durante a gestação. Apesar desses baixos índices em população norte-americana socioeconomicamente elevada, ela pode atingir 14,5% dos des validos habitantes de Camarões. Tais crianças deverão ser tra tadas com associação de interferon a.2a e ribavirina, pois elas
Cerca de 80-90% dos pacientes são anti-VHC positivos. A opção de terapêutica deve envolver uma relação adequada mé dico-paciente e do grupo interdisciplinar envolvido na condu ção dos pacientes. Tratados com interferon alfa e ribavirina, o índice de aderência à conduta situa-se entre 33 e 96% e tole rância e eficácia em torno de 20-36%. Recomendável sempre que estrategicamente se preserve a sua individualidade, ma ximizando cuidados contínuos e prevenindo reinfecção, com
têm: 1. índices de respostas virológicas sustentadas tão altos quanto adultos; 2. toleram bem a associação de fármacos; 3. são melhores respondedoras quando apresentam forma leve da doença; 4. não deverão assim ser conduzidas quando tenham menos de 2-3 anos de idade; 5. na dúvida sobre esse aspec to recomendável, que se programem estudos randomizados, abrindo-se perspectivas para conduzi-los pela administração dos interferons peguilados a2a ou 2b, sob forma de monotera
eficácia do interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combi nados à ribavirina, sendo maiores do que os conduzidos com n i terferon-padrão.
pia ou combinada com ribavirina naqueles mais velhos (acima de 10 anos?). •
Níveis séricos normais de aminotransferases
Este comportamento tem sido observado em 30% dos porta dores do vírus da hepatite C, com cerca de 40% deles cursando com valores de alanina-aminotransferase que não ultrapassam duas vezes o limite superior normal. Em geral, têm baixo grau
------
T------
Quadro 54.28 Grupos espedais em infectados crônicos com vírus da hepatite C Grupos especiais 1 . Crianças 2. Níveis séricos normais de aminotransferases 3. Usuários de drogas injetáveis
4. Alcoolistas S. Esteatose hepática não alcoólica
6. Hemofílicos 7. Talassêmicos
8. Reclusos 9. Hepatite aguda 1 O. Expressão de hepcidina
•
•
Alcoolistas
Diferentes pesquisadores têm demonstrado prevalência do vírus da hepatite C variando entre 1 1 e 46% daqueles com do ença hepática alcoólica. Esses índices são confirmados pelas positividades séricas do anti-VHC e do RNA VHC, população em que não estão incluídos pacientes de risco maior, tais como hemotransfundidos ou narcoadictos. Tem-se definido que in gesta de álcool acima de 50 gldia aumenta em 34% a intensidade da fibrose hepática, e, entre esses, são maiores os títulos de RNA VHC séricos e de emergência de quasispecies, com mais baixos índices de resposta à terapêutica n i stituída. Nessa população, ainda não há definição quanto à eficácia do interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina. •
Esteatose hepática não alcoólica
Trata-se de um subgrupo de pacientes que cursam associa damente com obesidade, diabetes melito tipo 2 e fibrose he pática, quadro que é mais grave quando eles estão infectados pelo vírus da hepatite C. Dados relativos à evolução e melhor opção terapêutica nesses pacientes não se encontram ainda dis poníveis na literatura. Sabe-se, no entanto, que merecem uma monitorização clínico-laboratorial mais rígida, pois são propen sos a cursarem com cirrose e até carcinoma hepatocelular em fase mais precoce de sua evolução. Visando a evitar que assim evoluam, exige-se que todos eles reduzam o peso corpóreo e tenham tratado doenças associadas, tais como diabetes melito, hipertensão arterial e hiperlipidemias. •
Hemofílicos
No Brasil e, certamente, em todo o mundo, os hemofílicos tratados com concentrados de fatores de coagulação, antes de
616 Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica 1991-1992, foram infectados pelo vírus da hepatite C. Todos cursam com distúrbios da coagulação sanguínea, o que limita a realização de biópsia hepática. Tratamento combinado, inter feron a padrão e ribavirina, leva à negativação do RNA VHC em cerca de 35%, com efeitos colaterais incidindo em aproxi madamente 70% deles, abrindo perspectivas para que sejam conduzidos pelo interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina, sem que resultados de sua eficácia encontrem-se ainda disponíveis na literatura.
• Talassêmicos Entre estes pacientes, submetidos a múltiplas transfusões sanguíneas, a prevalência da infecção pelo VHC é muito alta. Caracteristicamente, eles podem apresentar múltiplos episó dios de hepatite aguda e elevada morbimortalidade em con sequência da tendência evolutiva da doença hepática crônica que apresentam, agravada pela maior deposição hepatocelular de ferro. Índice de resposta viral sustentada observada pós tratamento com interferon a padrão em monoterapia atinge 28% e, combinada à ribavirina, entre 46 e 72%, respectivamente entre pacientes ingleses e asiáticos, experiência ainda indefinida com interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina.
• Reclusos
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Quadro 54.29 Portadores de vírus da hepatite C exibindo comorbidades graves 1. Coinfecção com HIV-1 2. Coinfecção com VHB 3. Crioglobulinemia e cirrose 4. Autoimunidade S. Cardiopatas 6. Nefropatas
7. Mielossupressão 8. Neuropsiquiátricas 9. Pulmonares
10. Crioglobulinemia mista 1 1 . Transplante de fígado 12. Elevados níveis sanguíneos de colesterol 13. Outras expressões de comorbidades
•
Comorbidades graves em infectados crônicos com vírus da hepatite C
Nos EUA, cerca de 38 a 39% dos reclusos do sexo masculino são anti-VHC positivos, sem definição sobre a viabilidade de tratá-los ou qual o índice de resposta a qualquer modalidade terapêutica.
Este é um capítulo importante que envolve a vida de por tadores infectados crônicos com vírus da hepatite C, exibindo comorbidades graves (Quadro 54.29), as quais merecerão con siderações em separado.
• Hepatite aguda
• Coinfecção com HIV-1
Clareamento espontâneo do vírus da hepatite C ocorre em cerca de 10-25% dos indivíduos com infecção aguda. A maioria desses pacientes cursa de forma assintomática, com período de incubação de 6-28 e média de 1 O semanas, sendo menos graves aqueles com baixa carga viral e genótipo não 1. Controle desse quadro naqueles evoluindo com hipertransaminasemia deverá ser feito pela administração subcutânea precoce e em doses ele vadas do interferon a padrão sob forma de monoterapia, não existindo ainda relatos quanto à eficácia do interferon peguilado a2a ou 2b, s i olados ou combinados à ribavirina. O interessante nesses pacientes se prende ao comportamento dos portadores crônicos do vírus da hepatite B que cursam com infecção aguda (superinfecção) pelo VHC, que se traduz por: 1. supressão da replicação do vírus da hepatite B expressa em li nhagens especiais de cultura celular; 2. redução na expressão em hepatócitos do AgHBs ou, inclusive, encerramento da doença hepática crônica que apresentavam após clareamentro viral.
Essa eventualidade representa um grande problema de saúde pública. Índice de prevalência da coinfecção se situa entre 7 e 57%, ultrapassando 80% nos usuários de drogas ilícitas, 2% nos homossexuais e 15,2% nos bissexuais, e 98% dos infectados são hemofílicos. Nesses, é maior o risco de evolução para cirrose, com ndice í de mortalidade de 17,5% maior para co infectados, mais elevado naqueles com contagem de CD4 menor do que 500 células X 109/f., idosos e alcoolistas e carga viral elevada do vírus da hepatite C. Esses cursam com perspectiva maior de evoluírem para carcinoma hepatocelular, em idade mais tenra. São de risco maior para progressão mais rápida de infecção pelo HIV- 1 aqueles com elevadas concentrações de IgA e �2 micro globulina e contagem de CD8, cursando com hipoalbumine mia. Manipulação pré-transplante envolve antivirais altamente ativos (HAART) e interferon a sem definição ainda quanto aos interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ri bavirina, com a realização do transplante de fígado não sendo possível em alguns centros de hepatologia.
• Expressão de hepcidína Hepcidina é um peptídio composto de 25 aminoácidos pro duzidos no fígado, representando o produto do gene HAMP. A expressão desse hormônio é estimulada em resposta aos li possacarídios e na presença de interleucina 6, uma citocina inflamatória. Atua também na hiporregulação da ferroporti na, comportamento mediado a partir de vilos dos enterócitos, macrófagos reticuloendoteliais e hepatócitos, o que confere a ela papel importante na homeostase do ferro. Seus níveis sé ricos se associam com intensidade dos depósitos desse metal no fígado, os quais se encontram significativamente aumen tados em portadores do vírus C em fase de hepatite crônica, associando-se de forma significante com a idade mais avançada dos pacientes e de forma menos rígida com níveis séricos de aminotransferases.
• Coinfecção com VHB Não existem, no momento, guias de orientações ou algo ritmos conclusivos na literatura que respondam à terapia de consenso nesses pacientes. No entanto, a Secretaria de Vigilân cia em Saúde do Ministério da Saúde no Brasil recomenda: 1. em casos de AgHBe reagentes, os pacientes devem ser tratados segundo esquema clássico de interferon peguilado a2a ou 2b, associados à ribavirina, independentemente do genótipo do VHC, por 48 semanas.
• Crioglobulinemia e cirrose Cerca de 40% dos infectados pelo vírus da hepatite C cursam com crioglobulinas séricas, poucos com sinais clínicos de crio globulinemia, com risco maior para que desenvolvam cirrose,
Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica 617 gamopatia monoclonal, artrite, glomerulonefrite e linfomas. São pouco responsivos ao interferon a 2a, obtendo-se melhor pespectiva de tratá-los pela administração isolada de interferon peguilado a2a ou 2b ou combinada à ribavirina. Certamente, serão pacientes que merecerão uma mais rígida monitorização dos aspectos bioquímicos do fígado e da mielossupressão. • Autoimunidade Cerca de 1 a 2% dos pacientes com hepatite crônica C e tratados com interferon a, sobretudo aqueles com anticorpo antiperoxidase, desenvolvem hipo ou hipertireoidismo. Tais modificações desaparecem com suspensão da medicação ou adoção de terapêuticas específicas. Autoanticorpo antinuclear também pode ser encontrado nesses pacientes, ao mesmo tem po em que o uso do imunomodulador pode agravar outras doenças autoimunes, tais como, psoríase, diabetes tipo 1, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, hepatite autoimune e outras. Recomendável que tais pacientes nessas condições, atualmente, não sejam ainda tratados com interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina. • Cardiopatas Percentual importante de portadores do vírus da hepati te C foi infectado durante cirurgia cardíaca, sobretudo quan do submetidos à revascularização do miocárdio, com ou sem circulação extracorpórea, porém recebendo transfusões san guíneas no intra e no pós-operatório. Esses podem cursar no correr dos anos com eventos cardiovasculares, tais como hi pertensão arterial, arritmias supraventriculares, n i suficiência cardíaca congestiva e infarto do miocárdio. Tais distúrbios, embora não se constituam em contraindicações formais, de verão ser monitorados mais rigidamente, durante tratamento com interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina, buscando debelar o aparecimento de anemia ou elevação de valores séricos de triglicérides, colesterol, ou causar exagerada retenção hídrica. • Nefropatas Prevalência elevada de vírus da hepatite C identifica-se em candidatos ao transplante de rim, sobretudo naqueles em curso mais longo de hemodiálise, desenvolvendo mais rápida progres são para cirrose. Esses, quando têm um novo órgão implantado, apresentam risco maior de disfunção renal se tratados com as sociação de interferon peguilado a2a ou 2b e ribavirina, embora existam relatos de resposta aceitável quando tratados pelo uso combinado desses fármacos. No entanto, alguns recomendam que deverá ser evitado o uso de ribavirina naqueles com clea rance baixo de creatinina, quando a dose deverá ser reduzida para 100 a 300 mg, via oral por dia. • Mielossupressão Pacientes tratados com interferon-padrão ou interferon pe guilado a2a ou 2b isolados ou combinados à ribavirina podem cursar, em geral, com redução nas contagens no sangue peri férico de eritrócitos, leucócitos, neutrófilos e plaquetas. Essas alterações são mais evidentes naqueles com doença hepática avançada, sendo a anemia mais frequente quando em uso de ribavirina. Cerca de 20-25% evoluem com esse comportamento, sendo estas a razão principal de reajustes de doses naqueles tra tados com Pegasys®. Consegue-se a reversão do quadro através da administração subcutânea de Granulokine® e da trombo citopenia pela embolização radiológica parcial do baço. Dessa forma, promove-se o resgate e restabelecem-se os valores para além de 190-200.000 plaquetas, ampliando-se as chances de tratamento dessa população mais grave de pacientes.
• Neuropsiquiátricas Quadros depressivos, ideias e tentativas de suicídio são dis túrbios neuropsiquiátricos que acompanham pacientes com hepatite crônica e cirrose viral C, tratados com interferon a padrão ou interferon peguilado a2a ou 2b, associados à ribavi rina. É recomendável que esses pacientes sejam, então, subme tidos à avaliação de suas condições neuropsiquiátricas previa mente a instituições dessas medicações. Nos casos mais graves, recomenda-se a interrupção da administração dos fármacos, ao mesmo tempo em que se promove assistência psiquiátrica especializada. • Pulmonares É baixa a prevalência da fibrose pulmonar em naives infec tados pelo vírus da hepatite C. Sintomas pulmonares, incluindo dispneia, infiltrado pulmonar, pneumonia e pneumonite, têm sido observados quando da administração de interferon pegui lado a2a ou 2b isolados ou combinados à ribavirina. Nesses, essa terapêutica deverá ser descontinuada. • Crioglobulinemia mista Definida também como tipo li, em 70% dos pacientes de corre da presença do vírus da hepatite C, podendo cursar as sociada à glomerulonefrite membranoproliferativa, gerando proteinúria com síndrome nefrótica, hipertensão arterial e in suficiência renal. Mais raramente, mostra-se responsável pela instalação de neuropatia periférica, de infomas l e presença de altos títulos de fator reumatoide. • Transplante de fígado Os objetivos, quando são tratados pacientes com hepatite crônica ou cirrose induzida pelo vírus da hepatite C, são: 1 . impedir a progressão para cirrose expressa à biopsia hepática (escore de fibrose 5 ou 6); 2. m i pedir a descompensação hepá tica comprovada pelo aumento no escore Child-Turcotte-Pugh para 7 ou mais e os consequentes aparecimentos de varizes esofagogástricas hemorrágicas, ascite, síndrome hepatorrenal, peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia hepática e/ou carcinoma hepatocelular. Quando essa tendência inexorável se observa, deverão ser conduzidos pelo transplante de fígado. Reinfecção do novo fígado é a regra nesses pacientes com manifestações clínicas, sendo de expressão variável, estenden do-se desde ausência de sintomas com valores séricos normais de alanina-aminotransferase, à progressão para cirrose ou he patite colestática acentuada, com resultados desapontadores pós-retransplante. Tentativa de reversão dessa tendência se baseia na administração precoce, já na fase aguda da infecção, de interferon peguilado a2a ou 2b padrão combinado à riba virina pelo período de 6-12 meses, com resultados menos pro missores naqueles com o genótipo 1. A evolução dessa infecção em fígados transplantados tem apresentação variável, podendo assim ser expressa: a. fase agu da ou lobular; b. fase crônica; c. fase de hepatite colestática fi brosante; d. de variante autoimune, características expressas, respectivamente, nos Quadros 54.30 a 54.33. • Elevados níveis sanguíneos de colesterol Pacientes cursando com hipercolesterolemia, sobretudo os mais velhos (> 60-65 anos), fumantes, obesos e hipertensos arteriais cursam com maior risco de instalação de doença co ronariana e morte. A redução desse risco ocorre com controle farmacológico, gerando diminuição em 30% dessa tendência evolutiva nefasta. Estatinas mostram-se como fármacos efica-
618 Capítulo 54 I Hepatite Vira/ Crônica ------
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Quadro 54.30 Fase aguda ou lobular de infecção do fígado transplantado. Expressões •
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Surge comumente entre 4 e 1 2 semanas, podendo ser detectada já entre 1 O e 14 dias de pós-operatório Desarranjo lobular, hipertrofia das células de Kupffer, apoptose hepatocelular, linfocitose sinusoidal moderada, moderado infiltrado portal (mononuclear), esteatose macrogoticular periportal e hepatocitária, além de colangite linfocítica e alterações reacionais do epitélio biliar, as quais, quando presentes, são moderadas e focais, evidenciando-se reação imune com presença de linfócitos T he/per (tipo 1 ) definindo expressões histopatológicas ,
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São elevados níveis séricos de RNANHC
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Quadro 54.31 Fase crônica de reinfecção do fígado transplantado. Expressões •
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Surge comumente entre 6 e 1 2 meses de pós-operatório
Inflamação portal crônica, agregado linfoide periportal, atividade necroínflamatória ductular são frequentes, enquanto perivenulite central e lesão ductal são raras expressões histopatológicas Baixos os níveis séricos de RNANHC Não existe relação entre dano hepatocelular e genótipo viraI
--------�� Quadro 54.32 Fase de hepatite colestática fibrosante na
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infecção do fígado transplantado. Expressões •
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Instala-se comumente já no primeiro ano de transplante em pacientes com altas doses de imunossupressores e com elevados níveis séricos de RNANHC (> 30-SO milhões Ul/m.e) Lesão hepática se relaciona diretamente com a agressão viral, durante o maciço processo de replicação Extensa dilatação e degeneração hepatocelular, colestase, hipertrofia das células de Kupffer, necrose hepatocelular, fibrose expressiva e reação imune com presença de linfócitosT helper (tipo 2) são expressões histopatológicas
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Quadro 54.33 Variante"autoimune" de infecção do fígado transplantado •
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Forma agressiva de infiltrado de interface por plasmócitos e atividade necroinflamatória perivenular Representa uma variante autoimune ou indica rejeição aguda ou atual hepatite autoimune, ou combinação dessas possibilidades? Expressões histopatológicas típicas se associam com níveis séricos elevados de gamaglobulina, sobretudo da imunoglobulina G, maior frequência de cirrose, de antígeno leucocitário DR3 e anticorpo antimúsculo liso, resultante do disparo executado pelo VHC em pacientes geneticamente suscetíveis (?) A maioria vem a falecer de insuficiência hepatorrenal ou em consequência da hipertensão portal que se instala
recebamjluvastatína, na dose de 20-30 mg por dia, ou lovas tatina, promotoras de inibição da replicação viral, via depleção de pirofosfato geranil geranil pirofosfato, com baixa dos níveis séricos de AST e da carga viral ao fim de 6-12 meses. •
LEITURA RECOMENDADA
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Hepatite Crônica Não Vi ra I Luiz de Souza e Silva Júnior, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wah/e, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Gagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Maiza da Silva Costa, Adávio de Oliveira e Silva
A primeira classificação de hepatite crônica data de 1969. A partir de então, outras e diversas definições têm sido propos tas, sendo a última e mais bem aceita aquela organizada em Cancun, México, durante o Encontro Internacional para Es tudo do Fígado, em 1994. A hepatite crônica foi de.finida, en tão, como síndrome clínico-patológica decorrente de múltiplas etiologias, caracterizada por diferentes estágios de inflamação
A HAI relaciona-se com a resposta exacerbada exercida pe los linfócitos B, gerando elevação acentuada dos níveis séricos de IgG e intensa infiltração de plasmócitos em espaços portais, com indução de fibrose, cirrose hepática e até carcinoma hepa tocelular. Essa tendência pode ter sua evolução mais lenta com o uso de imunossupressores, como prednisona ou azatiopri na, mas, também, pode assumir, ao longo dos anos, inexorável
e necrose hepatocelular. Por sua vez, conceituou-se que a cro nicidade associa-se à persistência de atividade inflamatória, traduzida por elevação de níveis séricos de aminotransferases por mais de 6 meses. As causas dessa tendência evolutiva se encontram no Quadro 55.1 e serão comentadas isoladamente neste capítulo.
evolução, apenas abortada naqueles pacientes submetidos ao transplante de fígado, aspectos esses que serão considerados neste capítulo. Nos últimos anos, busca-se definir qual é o gatilho do desar ranjo imunológico verificado em linfócitos TCD4+ e CD8., os quais infiltram o flgado, associados a plasmócitos, com geração de anticorpos séricos. Alguns autores acham que este gatilho é acionado a partir da participação de vários fármacos (estatinas,
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HEPATITE AUTOIMUNE (H AI)
Representa uma doença inflamatória crônica hepatocelular, relacionada com a ruptura dos fenômenos da autotolerância, desregulados entre jovens, afetando, em geral, pacientes do sexo feminino, que cursam com hepatite agressiva de interfa ce, identificada em crianças ou adultos jovens, com 20% dos casos acometendo indivíduos com mais de 60 anos de idade. Testes sorológicos, indispensáveis para o diagnóstico, n i cluem o anticorpo antinuclear (ANA), anticorpos antimúsculo liso (SMA) e anticorpos para microssomo de fígado e rins tipo 1 (anti-LKM-1).
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Quadro 55.1 Causas de hepatite crônica não virai
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Hepatite autoimune Doença de Wilson Hemocromatose genética Deficiência de a1-antitripsina Fármacos lngesta alcoólica excessiva Colangite esclerosante primária Pós-transplante de fígado
620
anticorpos monoclonais, interferona �), toxinas e agente infec ciosos. Dessa forma, sensibilizam-se os indivíduos predispostos geneticamente a desenvolver a hepatite autoimune, evolução que se relaciona com a presença de curtas sequências antigêni cas comuns, frequentemente encontradas nesses agentes dispa radores, responsáveis pela quebra da autotolerância periférica que normalmente apresentam. Como consequência, instala-se resposta exacerbada contra antígenos expressos no fígado, sufi ciente para nduzir i uma agressão de natureza autoimune, a qual pode ocorrer sem existência de prévia lesão hepatocelular. Essa evolução relaciona-se com o recrutamento que o fígado seletiva mente realiza, induzindo a apoptose de linfócitos TCD8+ após uma resposta mune. i Nesse processo de sequestro dessas célu las, ocorre hiperexpressão de citocinas e moléculas de adesão, iniciando-se e perpetuando-se assim a agressão hepatocelular. A partir desses acontecimentos, surge a perspectiva do adven to de novos agentes terapêuticos bloqueando especificamente essas vias. Nessa cascata, é importante também a atuação das células T reguladoras, moduladoras da proliferação de CDS+ e supressoras da produção de IFNy. Esses avanços nos conhecimentos permitiram a identifica ção de diferentes expressões de hepatite autoimune. Assim, a HAI tipo 1 traduz-se pela presença no soro de autoanticor pos antinuclear, antimúsculo liso e antiactina, geradores de formação de imunocomplexos causadores de lesões submem branosas em hepatócitos, facilitando fenômenos ADCC e lise celular. Associam-se, por regulação genética, ao HLA de classe
Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 621 ll, sendo mais prevalentes os haplótipos HLA DR3 e DR4 na
cia com o autoanticorpo antimicrossomal fígado-rim presente, cujo antígeno pertence à família do citocromo-mono-oxigenase P450 II D6 (CyP2D6), o qual surge na superfície dos hepatóci tos dispostos em cinco sítios diferentes. Alguns desses pacien tes podem portar o autoanticorpo anticitosol hepático (LCl), com o anticorpo antirreceptor de asialoglicoproteína (ASPG-R) podendo ser identificado em qualquer dos outros tipos de he patite autoimune. Por sua vez, a HAI tipo 3 é identificada pela
lores séricos normais de ferritina e de saturação de transferrina em pacientes que não fizeram uso de drogas hepatotóxicas. São esses que têm valores sanguíneos normais de alfa-1-antitripsina e ceruloplasmina e que apresentam lesões histológicas típicas, tais como necrose periférica, lesão inflamatória lobular, necro se em ponte, hepatócitos em roseta e plasmócitos infiltrando o fígado, sem agressão aos duetos biliares. Critérios diagnósticos internacionais reforçam que, para que tal se confirme, deve-se empregar um escore proposto pela Associação Internacional para Estudo do Fígado, discriminado no Quadro 55.2. Existe uma predisposição genética determinante do início e progressão dessa doença, conforme discriminado no Qua dro 55.3.
presença do anticorpo antiantígeno solúvel do fígado (SLA/LP), exibindo forte tendência de progressão para cirrose hepática. Nos últimos anos, tem-se observado que portadores dos an tígenos antimicrossomal fígado e rim, e também do anticitosol hepático, são mais jovens e exibem maior atividade inflama tória e elevados valores séricos de bilirrubina e aminotransfe rase. Estes cursam com índice maior de apresentação aguda i são, em geral, e maior prevalência de cirrose. Os mais dosos
Deve-se frisar que, em qualquer desses pacientes, doenças autoirnunes concorrentes podem obscurecer ou ofuscar a pre sença de hepatite autoimune. Nos adultos, relata-se, sobretudo, esclerose sistêmica e polimiosite, neurite multiplexa e síndrome pluriglandular tipo 3, autoimune. Uma síndrome sequencial pode ser observada quando pacientes que cursam com hepatite autoirnune, alguns anos depois, desenvolvem colangite escle rosante primária. Essa evolução se observa em crianças, mas
antinúcleo-positivos. A confirmação do diagnóstico de hepatite autoimune baseia se: 1. na ausência sérica dos marcadores dos vírus das hepatites B e C; 2. na n i existência de ingesta alcoólica excessiva; 3. nos va-
também em adultos. Similaridades entre as duas condições in cluem parâmetros clínicos e bioquímicos e baixa frequência do haplótipo HLADR4. Outros parâmetros relevantes: 1. doença inflamatória intestinal mais comum na colangite esclerosante
Europa e nos Estados Unidos, e HLA DR13.01 no Brasil e na Argentina, em pacientes que cursam com baixos níveis de fator 4 do complemento. A HAI tipo 2 aparece, na maioria das vezes, ainda na infân
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Quadro 55.2 Sistema de escore recomendado para diagnóstico de hepatite autoimune Aspectos clínicos Sexo: Masculino Feminino Doenças imunológicas
o
+2 +1
Aspectos epidemiológicos Hemotransfusão/drogas Sim Não lngesta de álcool (Ajuste/Quantidade)
Autoanticorpos Títulos
Escore
< 1 :40
-2
+1
-1 -2 2
FAN, AML ou KLM-1
Escore
> 1:80
3 +3
1:80
+2
1:40
+1
< 1:40
AMA Presente Ausente
Aspectos histológicos
o
-2
o
Necrose periférica Hepatite lobular
+3
Anti-VHA (lgM) AgHBs ou Anti-HBc (lgM) RNAVHC Anti-VHC
-3 -3
-3 -2
Necrose em saca-bocados Rosetas Plasmócitos Lesões em duetos biliares (leves)
+2 +1 +1 -1
Outros marcadores virais
-3
Alterações graves em duetos biliares
-3
Aspectos laboratoriais HLA B8 DR3 ou DR4 Globulina, lgA ou 1gB 2 x normal 1,5-2 X normal 1 ,1 -1 ,5 x normal 1 1 x normal ,
FA:ALT < 3 x normal > 3 x normal
Diagnóstico Definitivo Provável
Resposta terapêutica
+1 +3 +2 +1
Completa
+2
Recorrência Ineficaz Parcial
+3 -2
o
o
+2 -2
Antes da terapêutica >15 10-15
Depois da terapêutica >17 1 2-1 7
FA = Fosfatase alcalina; ALT = Alanina·aminotransferase; FAN =Fator antinuclear; KLM·l =Anticorpo antifígado liso;AMA=Anticorpo antimitocôndria; AML = antimúsculo liso.
622 Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ ------
�
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Quadro 55.3 Predisposição genética à hepatite autoimune
�
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Quadro 55.4 Aspectos terapêuticos iniciais da hepatite autoimune Prednisona e azatioprina
Origens
Haplótipos
Europeus e norte-americanos
HLADRB1 *0301, D-30101, DR52, DRB1 0401 (DR4)
Japoneses e argentinos
DRB 1*0404 (DR4)
1
60
30
50
Mexicanos
DRB1*0404 (DR13)
2
40
20
50
Brasileiros
HLADRB1*13 e HLADR*8103
3
30
15
50
4
20
10
50
Uso perene e contínuo
20
10
50
Intervalos (semanas)
-
Contraindicaçôes relativas
autoimune, acompanhada de modificações histológicas biliares; 2. coagulopatia, hipoalbuminemia, hepatiteperiportal e presen ça do HLADR3 na hepatite autoimune. A predileção quanto à distribuição do gênero é interessante e não totalmente explicá vel, mas alguns dados merecem registros: a. doença se mostra autolirnitada nas mulheres e progressiva nos homens, fato não confirmado por todos os pesquisadores; b. mulheres exibem melhor resposta à terapêutica imunossupressora; c. crianças com colangite esclerosante primária dominante não respon dem bem à terapêutica imunossupressora, sendo significativo mencionar que a sobrevida de 10 anos reduz-se de 100 para 65% quando predominam sinais histológicos e radiológicos de
Doença óssea Psicose Obesidade Diabetes Hipertensão arterial Glaucoma Catarata Hipertensão arterial Depressão Necrose vascular femoral Hepatite colestática
Prednisona Azatioprina
Leucopenia Anemia Plaquetopenia Gravidez Malignidade Hepatite colestática Doença veno-oclusiva Pancreatite Míelossupressão Doença veno-oclusiva
compensada. É recomendável o acompanhamento clínico des ses pacientes, conforme discriminado no Quadro 55.5. Admite-se a falência da terapêutica quando: a. níveis séricos
i tensificação do agressão biliar. Mais preocupante ainda é a n desajuste imunológico que apresentam quando concomitan temente evoluem com outras doenças autoimunes, tais como: vitiligo, tireoidite, diabetes melito dependente de insulina, ur ticária pigmentosa, hipoparatireoidismo, doença de Crohn ou de Addison, e plaquetopenia.
de aminotransferases e de bilirrubina encontram-se acima dos valores do pré-tratamento; b. a atividade histológica apresenta se mais acentuada; c. existe desenvolvimento de sinais de des compensação, como ruptura de varizes esofagogástricas, ascite, encefalopatia e/ou carcinoma hepatocelular. Recorrência ou relapso define-se quando: a. o nível sérico de aspartato-aminotransferase encontra-se maior do que 3 vezes o valor normal, associado à acentuação da hipergamaglobuli
A HAI diagnosticada em suas fases iniciais tem excelente prognóstico, uma vez que se promova a remissão da ativida de inflamatória do fígado, com administração associada de corticosteroide e azatioprina, segundo discriminado no Qua dro 55.4. Define-se que houve remissão da doença quando o nível
nemia; b. comprova-se que a hepatite de interface e a fibrose são mais intensas que a inicial. Em virtude dessas limitações, torna-se recomendável que esses pacientes sejam manuseados, indefinidamente, com pred nisona nas doses de 7,5 a 10 mg/dia, associada à azatioprina na dose de 50-75 mg/kg/dia.
sérico de aspartato-aminotransferase encontra-se abaixo de 2 vezes o valor de referência, ao mesmo tempo em que os valores de bilirrubina e gamaglobulina estão normais, e a histologia de controle se apresenta normal ou próxima ao normal, ou, ain da, se traduz pela inatividade da cirrose mantida em sua forma
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Prednisona isolada (mg!dia)
�
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Quadro 55.5 Acompanhamento clínico de pacientes com hepatite autoimune Exames
Antes do tratamento
Durante tratamento, cada 4semanas
Sem remissão, cada 3·6 meses
Com remissão, cada 3 semanas (4 x)
Remissão pós-terapêutica, cada 1-6 meses
+
+
Físico
+
+
Biopsia hepática
+
+
Hemograma
+
+
+
+
+
Aminotransferases
+
+
+
+
+
GGtransferase
+
+
+
Gamaglobulina
+
+
+
Bilirrubina
+
+
+
+
+
Coagulograma
+
+
+
+
+
Autoanticorpos
+
+
Função tireoide
+
+
GGtransferase = Gamaglutamiltransferase. +
=sim;-= não; ±= talvez.
Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 623 Naqueles doentes com manifestações colaterais graves, refe rentes ao uso combinado de prednisona e azatioprina, é reco mendável redução com reescalonamento das doses, evitando se administrar esses medicamentos em doentes com intensa citopenia, doença maligna associada, rash cutâneo e infecções, com risco maior naqueles com deficiência da enzima tiopuri nameiltransferase t e, certamente, no advento de gravidez. Nes sa última eventualidade, existem riscos de malformação fetal e naquelas grávidas com anticorpos anti-SLA/LP e RO/SSA, ou com síndrome antifosfolipídios, 9% delas evoluindo para complicações maternas graves. Nessas gestantes, recomenda se a redução da dose de azatioprina, pois a placenta se mostra como a única barreira protetora aos efeitos lesivos exercidos pelos metabólitos 6-tioguaninanucleotídios. Não se recomenda formalmente n i terromper a terapêutica nessas mulheres, pois tal comportamento, quando adotado, se associa à reativação da doença e consequente hiperatividade do sistema imunológico, presente e detectado logo após o parto. Em casos nos quais inexista resposta bioquímica, ou diante da existência de efeitos colaterais graves com uso desses fárma cos, deve-se valer de drogas opcionais no tratamento da hepatite autoimune, conforme disposto no Quadro 55.6. Alguns autores ressaltam que essas últimas opções farma cológicas são medidas empíricas, traduzem o desespero de clí nicos e pacientes, não são isentas de risco. Além disso, não se encontram definidas claramente as doses e esquemas a serem empregados. Nesses doentes, o custo-benefício deve ser anali sado, sobretudo quando se sabe que o procedimento ainda não se encontra consagrado, nem definida a população-alvo a ser tratada com esses imunossupressores. Acresce que a eficácia está ainda indefinida e repleta de riscos, tais como: 1. evolução com efeitos colaterais graves; 2. do ponto de vista financeiro, os medicamentos são cerca de 1 O vezes mais onerosos do que a combinação terapêutica clássica, com o agravante de que pode postergar erroneamente a realização do transplante de fígado, que será apenas executado em fases mais avançadas, ou seja, no momento em que cerca de 30-80% dos doentes apresentam
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T -------
Quadro 55.6 Drogas opcionais no tratamento da hepatite autoimune Drogas
Doses
Ações
Ciclosporina
5-6 mg/kg/dia
Inibe liberação de linfocinas Suprime expansão clonal de linfócitos T he/per e expressão de receptores de IL-2
Tacrolimus
3 mg (2 vezes/dia)
Inibe geração de linf ócitos T citotóxicos e síntese de ácidos nucleicos
Micofenolatomofetil
1 g (2 vezes/dia)
Reduz proliferação de linf ócitosT citotóxicos
6-Mercaptopurina
1,5 mg/kg/dia
Metaból ito ativo da azatioprina, que inibe sínteses do DNA e da inosina monofosfato-desidrogenase
Ácido ursodesoxicólico
13-15 mg/kg/dia
Altera expressão HLA-1, inibe IL-2 e 4 e interferona y e reduz produção de óxido nítrico
Budesonida
3 mg (3 vezes/dia)
Segunda geração de corticosteroides, com baixa disponibilidade sistêmica
hepatoesplenomegalia, 40-60% têm cirrose compensada ou des compensada, 20% mostram varizes esofagogástricas e 50% ma nifestações autoimunes extra-hepáticas, situações que agravam a evolução pós-operatória. Conceitua-se hoje que, nesses, o im plante de um novo fígado permitirá uma sobrevida mais longa,
além dos 90% em 10 anos. O transplante também se impõe, uma vez que os pacientes desenvolvam sinais clínicos e laboratoriais de agravamento. A sobrevida de 5 anos chega a ultrapassar 90%, mas descreve-se risco maior de evoluírem com surtos de rejeição, ou de recorrência da doença, facilmente controladas pela administração de corticosteroides. Essa última tendência pode ocorrer em 20 a 30% dos doentes, traduzida por elevações dos níveis séricos de aminotransferases e de gamaglobulina e positivação de autoanticorpos. Confirma-se pelo encontro de alterações histológicas, como hepatite portal com plasmócitos e acentuada atividade inflamatória de interface. Tem sido re lacionada essa tendência à imunossupressão inadequada, mais comum entre receptores HLADR3 positivos recebendo fígado de doador HLADR3 negativo, sobretudo naqueles com hepatite autoimune do tipo I, ou que estavam evoluindo no pré-opera tório com atividade necroinflamatória intensa, ou expressavam, no fígado, a forma fulminante da doença. Naqueles que exibem essas características específicas, mostra-se maior o retorno da doença após o transplante.
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DOENÇA DE WILSON Descrita por Samuel Alexander Kinnier Wilson em 1912, é
considerada doença de herança autossômica recessiva, secun dária a um defeito genético ligado ao cromossomo 13, com um gene-candidato, designado ATP7B, presente, naquele cromos soma, na região onde se situa o locus do retinoblastoma. Tem recebido as denominações de degeneração hepatolenticular, ou doença de Wilson. Caracteriza-se pelo depósito excessivo de cobre em vários órgãos e tecidos, resultante da redução da excreção deste metal pela bile. Os principais tecidos acometidos são fígado, cérebro, hemácias, rins, córnea. Tem caráter familial, sendo a prevalência variável no mundo, com a consanguinidade contribuindo para sua instalação. A etiopatogenia da doença permanece obscura, mas sabe-se que, nesses pacientes, o gene ATP7B codifica uma enzima trans portadora de cátions, a adenosina trifosfatase, que se expressa no fígado, nos rins e na placenta. Encontra-se ainda indefinida onde se localiza essa proteína no hepatócito, supondo-se que seja na rede trans-Golgi. Mutações que nesse gene se instalam, resultam em transtornos do transporte do cobre do fígado para a bile, e consequente acúmulo do metal nas células parenquima tosas do fígado, com o mRNA sendo encontrado em coração, músculos, cérebro, pulmões e pâncreas. A idade do aparecimento desses distúrbios se mostra variá vel, ocorrendo predominantemente entre 15 e 20 anos. Existe um caso de paciente que, por ocasião do diagnóstico, tinha 76 anos. Esses distúrbios podem ser observados entre extremos de 6 e 50 anos de idade. No entanto, a exteriorização sob formas de insuficiência hepática aguda fulminante ou hepatite crôni ca ocorre mais frequentemente entre 8 e 18 anos, com cirrose podendo ser identificada já antes dos 15 anos. Esses doentes cursam com mal-estar generalizado, anorexia, sintomas ab dominais vagos, artralgias, amenorreia, puberdade retardada e icterícia discreta. Nessa fase, não se identifica o anel de Kay ser-Fleischer, e a biópsia mostra infiltrado expandindo espaços portais, necrose periférica e fibrose, com ou sem regeneração nodular. A apresentação clínica pode revelar-se também através
624 Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ de manifestações neurológicas ou psiquiátricas, exteriorizando se, em mais de 33% dos casos, em pacientes que são crianças,
lamina e observar se a taxa do cobre urinário se eleva, sem que tenha especificidade bem definida. Associação desses aspectos
adolescentes ou adultos jovens. O acometimento neurológico traduz-se principalmente por anormalidades da fala, deglutição,
tornou possível que diferentes pesquisadores em Leipzig, em 2001, construíssem um escore diagnóstico, conforme exposto
coordenação, tremor de extremidades e da cabeça, corioatetose, riso espástico, déficit de atenção. Podem ocorrer também altera ções psiquiátricas, isoladas ou associadas aos quadros hepático
no Quadro 55.7. Objetiva-se no tratamento desses pacientes tomar atitudes que reduzam os estoques corpóreos teciduais de cobre, reco
e neurológico, como mania, ansiedade, depressão, esquizofrenia e psicose, não sendo infrequentes crises de hemólise, tubulo
mendando-se diminuir a ingesta de alimentos que contenham elevados teores do metal, tais como moluscos, legumes, cogu
patias renais e, principalmente, a presença do anel corneano de Kayser-Fleischer, completando o quadro clínico complexo dessa doença metabólica. Não infrequentemente, desenvolvem
melos, nozes, chocolate e fígado. Nesse momento, já nas fases iniciais do tratamento, pode haver certa acentuação dos sinto mas, quando a D-penicilamina, um quelante de cobre, passa
hipercalciúria e nefrocalcinose, arritmias, cardiopatia, disfun ção autonômica, fibrilação ventricular e morte.
a ser administrada. Esse comportamento provoca um grande balanço negativo inicial, consequente à mobiização l n i tensa
Do ponto de vista laboratorial, diante da suspeita de doença de Wilson, deve-se pesquisar o nível sérico de ceruloplasmina, que, em 90% dos pacientes, está abaixo de 20 mg%, exigindo se, como atitude imperativa, mensurar a excreção urinária de cobre, geralmente superior a 100 mg/24 h, sendo a normal até
dos depósitos do metal, podendo gerar a eclosão de sintomas neurológicos. Esse f ármaco deve ser administrado na dose de
30 mg/24 h, não sendo esse considerado como o melhor teste diagnóstico. Quando possível, deve-se definir a concentração
pacientes mostram, consequente à síndrome nefrótica que eles têm. Além disso, são frequentes deficiência de piridoxina, in
de cobre no tecido hepático seco, em geral com valores acima de 50 mg/g de tecido, habitualmente ultrapassando 250 mg/g, enquanto em pessoas normais não atinge 10 mglg.
terferência com formações de colágeno e elastina, muitas ve zes sem precipitar manifestações cutâneas típicas. Preocupa também a eclosão de manifestações imunológicas, tais como
O anel de Kayser-Fleischer, identificado em pacientes com baixos níveis séricos de ceruloplasmina e cobre urinário alto, praticamente define o diagnóstico. Em geral, está presente em
plaquetopenia, lúpus eritematoso sistêmico, nefrite complexa, pênfigo, ulcerações orais, miastenia gravis, neurite óptica e sín
1-2 g/dia, 1 h antes ou 2 depois das refeições. Caso ocorra exa cerbação dos sinais e sintomas clínicos, exige-se redução dessa dose, sobretudo quando se acentua a proteinúria, que alguns
drome de Goodpasture, ocorrendo cerca de 90 dias após início, exigindo-se interrupção do uso do remédio, pois há risco de
pacientes com manifestações neurológicas e em 50% daqueles com doença hepática. Frise-se que a sua ausência, sobretudo quando se considera um paciente jovem, sem evidência de obs trução biliar, porém evoluindo com alterações do metabolis
hepatite fulminante. Doentes com manifestações colaterais próprias da intole rância, alternativamente, podem ser tratados pelo trientine, na
mo do cobre, não afasta a possibilidade de doença de Wilson. Caso existam dúvidas, recomenda-se administrar D-penici-
dose de 1,0 a 1,5 g/dia, também um quelante do cobre, o qual, embora seja eficiente, produz balanço negativo, traduzido por
-------
·-------
Quadro 55.7 Sistema de escore diagnóstico de doença de Wilson Sinais e sintomas típicos Anel de Kayser-Fieischer
Outros testes Escore
Presente
2
Ausente
o
Sintomas neurológicos
Cobre hepático (sem colestase) > 5 X LSN (> 250 llglg)
2
50-250 llglg
1
Normal (< 50 llglg)
Graves
2
Rodonina positiva
Moderados
1
(Grânulos)*
Ausentes
o
Cobre urinário (sem hepatite aguda)
Ceruloplasmina sériea
Escore
Normal
-1 1
o
Normal (> 0,2 g/.t)
o
1-2 X LSN
0,1-0,2 g/R.
1
> 2 X LSN
2
< 0,1 glf.
2
Normal mas > 5 x LSN (pós-DP)
2
Coombs negativo: anemia hemolítica
1
Análises das mutações cromossõmicas
Presente
1
2 mutações
4
Ausente
o
1 mutação
1
Sem mutações Escore total
Avaliação
4ou mais
Diagnóstico firmado
3
Diagnóstico possível, mais testes necessários
2ou menos
Diagnóstico improvável
t ico quantitativo; LSN = limite superior normal; DP = D·penicilamina. *Caso disponível, cobre hepá
o
Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 625 progressiva redução da cupriurese, mantendo esses pacientes clinicamente bem, com a sobrevida descrita para aqueles assim conduzidos da ordem de 2 a 15 anos. Ausência da resposta a essas opções leva a que os pacientes sejam tratados com sulfato ou acetato de zinco, variáveis de 75 a
desse distúrbio ainda permanece obscura, sendo, no entanto, mais prevalente entre ocidentais europeus, descendentes de an cestrais nórdicos célticos. Merece, por ocasião do diagnóstico, ser diferenciada de outras doenças relacionadas à sobrecarga de ferro, assim classificadas: 1.familiares ou hereditárias- não
250 mg/dia, com possibilidades de promover balanço negativo de cobre e reequilíbrio funcional. No entanto, após suspensão da administração, alguns doentes faleceram em consequência da instalação de necrose maciça do fígado. Esta complicação, no entanto, foi raramente descrita. Outra perspectiva reside na administração do tetratiomoli bedato de amônia, administrado na dose de 60-100 mg/dia, em duas tomadas, sendo até os dias de hoje empregado em pequeno
relacionada ao HFE, expressa nas formas juvenil ou neonatal, sendo autossômica dominante predominante entre habitantes das ilhas Solomon; 2. anemias com sobrecarga deferro indi vidualizada na talassemia sideroblástica ou hemolíticas crôni cas; 3. por sobrecarga dietética; 4. ou identificada naqueles com hepatite vira! C, doença hepática alcoólica e esteato-hepatite não alcoólica. Acomete geralmente homens que se encontram em torno
número de doentes. Atua n i terferindo com a absorção intes tinal do metal, além de formar complexos com o cobre sérico e torná-lo não tóxico. É necessária maior experiência com sua administração antes de consagrá-lo como arma importante do arsenal terapêutico. Na falência dessas medidas, e nos casos de hepatite fulminante que não melhoram com a terapia medi camentosa proposta, deve-se indicar o transplante de fígado, visando à reversão das graves manifestações decorrentes da
da quinta década, de vida, mais raramente mulheres após a menopausa, com manifestações cínicas l variáveis, traduzidas por acometimento multissistêmico, dependente do acúmulo do metal em vários órgãos e tecidos. As principais manifestações são artropatia, hiperpigmentação cutânea, sinais de hepatopa tia crônica, insuficiência cardíaca, diabetes, impotência sexual e hipogonadismo. As agressões hepatocelulares variam desde alterações dos níveis séricos de arninotransferases (AST, ALT),
-
precária síntese hepatocelular, com a taxa de sobrevida de 1 ano sendo de 79%, com o m i plante de um órgão que expresse a mutante ATP7B, por um órgão que expressa o produto nor mal da proteína do gene da doença de Wilson podendo corri gir o defeito no metabolismo de cobre. Entretanto, a reversão das manifestações extra-hepáticas da doença não é observada em todos os casos, e há pacientes vivos entre 2,5 e até 20 anos de pós-operatório.
até sinais de franca insuficiência parenquimatosa. Esses extre i stituição da terapêu mos serão evitados, se o diagnóstico e a n tica correta forem estabelecidos precocemente. A doença deve ser aventada em todo paciente com cirrose de etiologia obscura, principalmente do sexo masculino e acima de 40 anos, cursan do com diabetes melito ou não, com a incidência de carcinoma hepatocelular variando de 15 a 20%, sempre que cirrose já se encontre instalada.
Diante dessa grave tendência evolutiva, torna-se recomen dável que se promova nos parentes mais próximos o rastrea mento da doença, baseando-se nas dosagens do cobre sérico e urinário, do nível sanguíneo da ceruloplasmina e, se possível, pela mensuração dos depósitos hepáticos do metal e definindo se o sequenciamento genético do gene mutante ATP7B para início mais precoce das adequadas recomendações dietéticas, medicamentosas e monitorização progressiva.
O diagnóstico é baseado nos aspectos clínicos, bioquímicos e histológicos. Nos achados laboratoriais, observa-se aumento discreto do nível sérico das aminotransferases e do ferro; o nível de saturação de transferrina é significativo quando se encon tra acima de 50%, para mulheres, e de 60%, para os homens, podendo a ferritinemia estar elevada ou normal. A histologia identifica, nas fases iniciais, deposição de ferro nos hepatócitos periportais, sem quase nenhum comprometimento das regiões
identificadas na prática da hepatologia. Foi descrita pela pri meira vez em 1889, por Von Recklinghausen, em necropsias
centrolobulares, com posterior acúmulo no lóbulo, ductos bilia res e cé l ulas de Kupffer. Raramente, se observa necrose celular ou infiltrado inflamatório, com tendência evolutiva inexorável para hepatite crônica e cirrose, se os doentes não são adequa damente tratados. Outros métodos utilizados no diagnóstico são a ressonância magnética e a tomografia computadorizada de abdome, com ou sem mensuração hepática de ferro, ambas
de indivíduos cirróticos do sexo masculino, cursando com a maciça deposição de ferro nos hepatócitos. Trata-se de doença genética, herdada de forma recessiva autossômica, consequente à mutação gênica instalada no braço curto do cromossomo 6, comportamento observado em 70% dos pacientes com antíge no de histocompatibilidade HLA A3. Um gene candidato para a hemocromatose foi chamado HFE (antigamente HLA-H). A principal mutação disponível para avaliação do gene da HFE é
sem sensibilidade suficiente para rastreamento de pacientes as sintomáticos. Recomendável que essa sequência de avaliações seja feita nos familiares de primeiro grau de pacientes porta dores desse distúrbio metabólico, ou em indivíduos que sejam surpreendidos em exames de rotina com elevação dos valores de AST, ALT, hepatomegalia ou astenia. São esses que, diag nosticados em fases iniciais, deverão ser submetidos à rápida e segura remoção de ferro, com seguimento vigilante dos resul
resultante da substituição da tirosina por cistina no aminoácido 282 na alça alfa 3, abolindo a ponte dissulfídica nesse domínio, sendo denominada C282Y. Frise-se que cerca de 85% desses pacientes são homozigóticos para essa mutação, com 40 a 70% desenvolvendo manifestações orgânicas típicas da sobrecarga de ferro. A segunda mutação é marcada pela substituição do ácido aspártico pela histidina na posição H63D. Contribui para a hemocromatose hereditária em pequena porcentagem (1,5%),
tados da terapêutica adotada, buscando-se adotar algoritmos de condução (Figuras 55.1 e 55.2). O tratamento consiste em reduzir os estoques corpóreos de ferro, através da realização semanal de flebotomias de 450 mf (200-250 mg de ferro), até os estoques se exaurirem, o que ocorre, em média, por volta de 1-3 anos. O monitoramento deve ser feito pela determinação da taxa de hemoglobina, que deve estar abaixo de 11 g/%, e a ferritina abaixo do, ou no, limite in
em geral em pacientes heterozigóticos para C282Y e H63D. A doença caracteriza-se pelo aumento na absorção intestinal do ferro e seu consequente acúmulo no fígado, pâncreas, cora ção, suprarrenais, testículos, pituitária e rins. A etiopatogenia
ferior da normalidade. Outra alternativa de manuseio naqueles sem doença isquêmica do coração é manter a continuação das sangrias, desde que o hematócrito pré-sangria esteja acima de 35%, buscando manter o nível sérico de ferritina abaixo de 50
•
HEMOCROMATOSE GENÉTICA É uma das doenças metabólicas do fígado mais comuns,
626 Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ Sintomas
Assintomáticos
+
Adultos parentes de 1 ° grau
-1-
J..
-1-
Ferritina sérica 1ST
J.
1ST < 45% Ferritina NL
1ST � 45% Ferritinat
..)..
..)..
Genótipo
Nl = Normal; t = Maior; 1ST= Índice de saturação transferina.
Figura 55.1 Hemocromatose genética (HG). I. Algoritmo de condução (Tavi ll, 2001 ).
Genótipo
I
-!-
-!-
Heteroz.igótico C282Y/H63D
C282Y/C282Y
ou heterozigótico C282Y ou não
l
l
Idade > 40 anos Ferritina < 1 .000 ALT/AST ML
v
Excluir outra doença hepática ou hematológica biopsia?
..!-
? -'>
Flebotomia terapêutica
Idade > 40 anos ou Ferritina > 1.000 ALT/ASTi
+
I.;
Biopsia hepática
ML = alteradas.
Figura 55.2 Hemocromatose genética (HG). 11. Algoritmo de condu
ção (Tavill, 2001 ).
!J.g/L. Recomendável evitar ingesta de suplementos de vitami na C e, uma vez atingidos esses resultados, devem-se espaçar as sessões para cada 30 ou 60 dias. O uso de quelantes, como a deferroxamina, mostra-se ineficaz. O prognóstico depende basicamente da época do diagnóstico e início do tratamento, com sobrevidas longas em pacientes precocemente diagnosti cados e tratados. A evolução para insuficiência hepatocelular implica a realização do transplante de fígado, com a sobrevida de 1 ano sendo de 50-60%.
•
DEFICIÊNCIA DE a-1-ANTITRIPSINA Alfa-1-antitripsina (a.1-AT) é uma glicoproteína com ativi
dade antiprotease, sintetizada primeiramente no retículo endo plásmico dos hepatócitos, mas também produzida em fagócitos mononucleares e neutrófilos. Tem a função de inativar elasta se, tripsina e outras enzimas proteolíticas. Deficiência sérica se deve às várias mutações gênicas com combinações homo e heterozigóticas gerando alto risco de sua retenção em hepa tócitos e cé l ulas pulmonares, gerando enfisema pulmonar ou doença hepática.
A causa da doença hepatocelular é desconhecida, aceitando se atualmente que existe no homozigótico PiZ um bloqueio no final dos estágios de processamento de a.1-AT, resultando em seu acúmulo no retículo endoplasmático dos hepatócitos onde sofre polimerização aberrante, não sendo degradada. Formam se então agregados geradores de inclusões solúveis intracelula res, indutores de intensa resposta autof ágica dos hepatócitos, com consequentes lesões mitocondriais e excessivas expressões de caspase (proteases mediadoras de morte celular), causando hepatite crônica e cirrose. Nas crianças, esse processo se exa cerba na dependência de infecções frequentes, complementadas por fatores adicionais genéticos e ambientais. Desse processo, participa no retículo endoplásmico uma série de chaperones (mediadores de autofagia celular seletivos para a degradação de proteinas citosólicas alteradas nos lisosomas) disparadora de um processo ordenado de glicosilação, com formações de pontes de enxofre, as quais, em conjunto, daí migram para o aparelho de Golgi, para membranas plasmáticas e vesículas. Assim, a a.1-AT é secretada como uma glicoproteína de 35 kDa, em índice aproximado de 34 mg/kg/dia, induzindo conjuga ção com ubiquitina, sendo exportada para ser degradada em proteossomos. Quando não excretados e se avaliando por meio de microscopia eletrônica, é identificada sob forma de glóbulos PAS positivos, diástase resistente. O tratamento inicial da deficiência de a.1-AT é apenas sin tomático. A amamentação materna parece ser importante, ao menos até 1 ano de idade, assim como se crê que diminua as manifestações de doença colestática. Suplementação de vitami nas lipossolúveis, quando necessária. Evitar tabagismo, direto ou indireto. O tratamento farmacológico envolve: 1. administração de chaperones; 2. experimentalmente, hepatócitos de ratos expos tos às presenças de glicerol e ácido 4-fenilbutírico cursam com níveis aumentados de secreção de a.1-AT, acentuando os níveis plasmáticos em 20 a 50%; 3. também fenilbutarato de sódio e/ou cicloexamida, um inibidor de translação de proteína, e, finalmente, só a administração de lactasina leva à restauração do transporte e secreção; 4. alternativamente, valendo-se ex perimentalmente da administração de inibidores de glicosida se e monosidase ou da administração intravenosa de a.1-AT, nem sempre possível de ser realizada, consegue-se bloquear o distúrbio instalado. A terapêutica substitutiva com a.,-AT purificada é a única medida aprovada pela FDA para a doen ça pulmonar associada. Este tratamento não beneficiará um paciente hepatopata porque a doença não resulta de uma per da da função da a.1-AT, mau processamento dessa substância. Outra tentativa até agora aparentemente pouco útil foi usar chaperones, como o ácido fenilbutírico visando a aumentar a secreção de a.1-AT. Entretanto, nenhum aumento significativo da a.1-AT foi observado. As manifestações clínicas, por sua vez, relacionam-se com a faixa etária dos pacientes, com doença hepática sendo a rea tividade para 10-20% dos homozigóticos portadores do alelo 2 (Pi22). No recém-nato, a apresentação mais comum traduz se por quadro de colestase, que geralmente regride até os 6 meses de vida, com evolução para doença hepática já na in f ância, nos primeiros meses de vida, evidenciada por icterícia e hepatomegalia, excepcionalmente, em idade mais avançada; esse jovem paciente apresenta ascite, hepatoesplenomegalia, varizes hemorrágicas, manifestações próprias daqueles com cirrose hepática. São nesses que cursaram com hepatite neo natal, que, quando adultos, entre 20 e 50 anos, vai predominar o quadro respiratório de enfisema pulmonar e, naqueles mais idosos, o de hepatite crônica, cirrose hepática e/ou de carci-
Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 627 noma hepatocelular. Mais raramente, são encontradas mani festações clínicas de doença respiratória e hepática, associadas
entretanto, sugere-se reação de hipersensibilidade ou ação lesiva exercida por um metabólito. Os achados morfológicos
nessa faixa etária. Identificação e confirmação diagnóstica baseiam-se em ní vel sérico baixo de a1-AT, confirmam o diagnóstico em recém
são variáveis, podendo predominar hiperplasia de cé l ulas de Kupffer e infiltrado linfoplasmocitário, seguidos, poste
natos ictéricos ou naqueles com hepatite crônica, ou cirrose, traduzindo-se histologicamente por acentuada necrose perifé rica dos hepatócitos, presença de glóbulos intracelulares PAS positivos e a1-AT identificada por imunoperoxidase, predomi nantemente naqueles que são genótipos PiZ ou PiSZ. Recém-natos devem receber leite materno. Polimerização dessa proteína anormal (a1-AT) tem sido bloqueada valendo se de chaperones, moléculas competitivas, na tentativa de se impedir a formação do acúmulo dos agregados de proteínas mutantes nos hepatócitos. Falência dessa atitude leva a que, do ponto de vista evolutivo, defina-se que: 1. apenas uma minoria de crianças portadoras da doença são levadas ao transplante de fígado, sendo importante que elas, em geral no momento de serem assim conduzidas, ainda sejam jovens, sem doença pulmonar ou insuficiência renal, não diferindo o per e pós operatório do observado em pacientes na mesma faixa etária, porém com insuficiência hepática ou hipertensão portal, de outra causa; 2. adolescentes ou adultos, no entanto, mostram tendência a evoluírem com complicações, tais como hemorragia digestiva, ascite, edema, encefalopatia, distúrbios da coagula ção, peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia e síndrome hepatorrenal e com menor incidência de enfisema pulmonar. Obrigatoriamente nessa fase, esses doentes deverão ser con duzidos ao transplante de fígado, que, quando bem-sucedido, faz com que o nível sérico e tecidual de a1-AT retorne ao nor mal e a sobrevida de 5 anos ultrapasse 80%. Uma grande esperança para esses doentes repousa na tera pia gênica, esperando que se consiga uma substituição genética para a deficiência de a,-AT.
•
FÁRMACOS
O fígado desempenha papel fundamental no metabolismo de f ármacos e se constitui alvo frequente de lesões decorrentes da ação lesiva exercida por eles e seus metabólitos, que haviam sido ministrados com intenção terapêutica. Essa evolução se traduz evolutivamente desde a instalação de discretas manifestações de colestase e necrose hepática até formas mais graves, tais como hepatite aguda, insuficiência hepática fulminante e até doença hepática crônica. Essa evolução última, motivo de nossa pre ocupação nesse capítulo, ocorre entre 5,7 e 33%, com 2 a 3% deles requerendo admissão hospitalar. São mais susceptíveis os idosos, por apresentarem reduzida atividade do sistema enzi mático citocromo P450 e reduzida excreção renal, com maior tempo de circulação. Também as mulheres são particularmente predispostas, a mesma tendência observada naqueles indiví duos com depleção dos estoques de glutation nos hepatócitos. O mesmo mecanismo é também observado entre desnutridos, alcoólatras crônicos e com síndrome da imunodeficiência ad quirida. Nestes, a incidência de hepatite crônica, resultante dos efeitos lesivos por certos fármacos, mostra-se preocupante e merecerá comentários de forma isolada:
riormente, de necrose em ponte e nódulos de regeneração. Os sintomas instalam-se dentro de 7 a 180 dias de uso, com período médio de 90 dias a partir da administração. São pacientes que referem adinamia, desconforto abdominal, mal-estar geral e, nos casos mais graves, letargia e icterícia. O reconhecimento precoce da agressão exige interrupção da exposição e, nos casos de insuficiência hepática, tratamento suportivo e intensivo, sem administração de corticoide.
2. Nitrofurantoína constitui outra droga capaz de causar lesão hepática crônica. A evolução é assintomática, mas traduzida bioquimicamente por alterações de níveis séricos de AST e ALT, com a frequência da lesão hepatocelular sendo de 1:3.000 pacientes expostos, cerca de 33-67% evoluindo para hepatite crônica, o que já se observa após 6 meses de exposi ção. Cerca de 90% dos agredidos são mulheres acima dos 40 anos de idade, com mortalidade em torno de 8%. Relatam, em geral, astenia, fadiga, mal-estar, náuseas, anorexia e vô mito. Icterícia e hepatomegalia são identificadas nos casos graves. Deve-se a lesão a um fenômeno de hipersensibilidade que, histologicamente, se traduz por necrose periférica e em ponte, hepatite crônica e cirrose em 20% dos expostos. Esses cursam com hipertransaminasemia e hipergamaglobuline mia, ncluindo-se i também positividade de autoanticorpos (antinúcleo e antimúsculo liso). A terapêutica envolve sus pensão da administração, excepcionalmente indicando-se corticoide. 3. Dantrolene, um derivado da hidantoína, é capaz de causar lesão hepática principalmente em mulheres com mais de 30 anos de idade que utilizam dose igual ou superior a 300 mg/dia, com incidência que varia de 0,8 a 1,9%. Casos fa tais relacionam-se ao uso prolongado desse fármaco, com os sintomas iniciando-se entre 1 e 6 meses, com período as sintomático fazendo parte do quadro. Icterícia é observada
em 50%, e morte em 28%, causada por hepatite crônica ou insuficiência hepática fulminante. A recuperação histológica ocorre em 1-5 meses após interrupção de seu uso, restando sinais de cirrose inativa. Não há n i dicação de corticoidete rapra.
4. Isoniazida, droga usada rotineiramente no tratamento da tuberculose, induz aparecimento de alterações hepáticas variadas, expressando-se desde simples elevações de níveis séricos de AST e ALT e hiperbilirrubinemia até alterações histológicas que se estendem desde a necrose lobular fo cal até necrose periférica, excepcionalmente sendo maciça multilobular. São menos frequentes hepatite crônica grave e cirrose. A descontinuação do fármaco é a terapêutica de escolha, com o mecanismo da lesão parecendo ser por idios sincrasia.
5. Propiltiouracil, agente antitireoidiano, que raramente cau sa hepatite crônica. Quando ocorre, existe uso prolongado, com os pacientes referindo sintomas como anorexia, astenia, artralgia e hepatomegalia. Laboratorialmente, revela-se por elevação de níveis séricos de AST, ALT, fosfatase alcalina
1. Alfametildopa, droga anti-hipertensiva, introduzida para uso
e bilirrubina total. São baixos os títulos de autoanticorpos (antinúcleo e antimúsculo liso). Histologicamente, se tra
clínico em 1960. Evolução de agressão hepatocelular cursa desde quadro típico de hepatite aguda até cirrose, ncidin i
duz por alargamento de espaços portais, necrose periférica e fibrose, com ou sem regeneração nodular. A terapêutica
do mais frequentemente em mulheres obesas, além dos 50 anos de idade. O mecanismo etiopatogênico é desconhecido;
envolve descontinuação do medicamento e administração de corticosteroides.
628 Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 6.
Oxifenisatina foi empregada durante anos como laxante de uso amplo e baixo preço. A partir de 1971, passou a ser iden tificada como causa de hepatite aguda e crônica, algumas vezes de grave intensidade, evoluindo para cirrose. As mu lheres são afetadas quatro vezes mais que os homens, rela tando que fizeram uso deste fármaco pelo período de 12-36 anos, com média de 9 meses. Os pacientes referem astenia, mal-estar, anorexia, náuseas e icterícia, evoluindo com ele vação de níveis séricos de AST e ALT, cerca de 50-70% de les evidenciando anticorpos (antinúcleo e antimúsculo), e 30% com células LE positivas. Anatomopatologicamente, a lesão traduz-se por necrose periférica e em ponte, fibrose e regeneração nodular. Esta evolução se relaciona a fenômeno
imunológico, tipo hipersensibilidade. A interrupção do me dicamento leva a desaparecimento dos sintomas, regressão da agressão histológica, com permanência de leve fibrose. 7. Diclofenaco, derivado do ácido fenilacético, pode causar he patite, sempre acometendo mulheres acima dos 65 anos de idade, que referem icterícia após 3-11 meses do início da terapêutica. Todos os casos evoluem com elevação de níveis séricos de AST, ALT e de bilirrubina. Necrose em ponte pode ser identificada, relacionando-se com fenômeno de autoimunidade. A terapêutica envolve suspensão da droga e medidas de suporte. 8. A evolução para hepatite crônica pode também ser obser vada entre pacientes em uso crônico de sulfonamidas, clo metacina, halotano, paracetamol e aspirina, drogas que merecem ser lembradas como causadoras de lesão hepa tocelular prolongada. Tal tendência relaciona-se ao fato de que as drogas e/ou os xenobióticos são lipofílicos, absorvi dos no trato gastrintestinal, requerendo ser transformados em compostos solúveis a serem eliminados na urina e na bile. Nesse processo, se encontram envolvidos o sistema misto de oxidase ou mono-oxigenase presente no retículo endoplásmico do hepatócito, complexos citocromo c-re dutase e P-450, estando duas fases envolvidas na biotrans formação. São mais suscetíveis as crianças ou os idosos, as mulheres, os portadores de doença renal ou hepática, os infectados pelo HIV, bem como os obesos ou desnutridos, os alcoolistas ou aqueles que exibem um polimorfismo ge nético.
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INGESTA ALCOÓLICA EXCESSIVA Ingesta alcoólica excessiva se constitui em uma das princi
pais causas de doença hepática crônica em todo o globo. Mos tra-se mais frequente em grupos socioeconômicos mais baixos, mas presente também naqueles em classes afluentes. Nesses i gerido pode causar des pacientes, o etanol excessivamente n de quadro benigno de esteatose hepática até cirrose e carcino ma hepatocelular. O sexo feminino mostra-se mais propenso em relação à ingesta, com a evolução para a doença hepática crônica geralmente sendo observada entre homens quando a dose ultrapassa 40 a 80 g/dia por mais de 5 anos. Esses núme ros são bem mais inferiores para as mulheres, 20-30 g/dia; elas caminham para as complicações graves em tempo mais curto de eilismo. t Fatores predisponentes a essa evolução nefasta são de ordem genética, nutrição deficiente e associação com vírus das hepatites B ou C. Na hepatite crônica do alcoólatra, os exames bioquímicos não diferem muito dos das outras hepatopatias, porém com al gumas peculiaridades, predominando o nível sé rico de AST so bre as taxas de ALT. Aumento de valores de gamaglutamiltrans-
ferase se observa em 90% dos casos, sempre acompanhado de macrocitose. À biópsia hepática, observam-se, dependendo do estádio, algumas peculiaridades, como infiltrado inflamatório constituído por polimorfonucleares, corpúsculos de Mallory, esteatose, podendo apresentar esclerose da veia centrolobular, com ou sem nódulos de regeneração. O tratamento se baseia na interrupção da n i gesta do álcool e boa nutrição, além de medidas de suporte. Em casos mais avançados, já cirrotizados, tem sido indicado transplante hepático, devendo ser realizado apenas para aqueles com, no mínimo, 6 meses de abstinência, e amplo apoio psiquiátrico associado.
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COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA
A colangite esclerosante primária é uma forma de doença biliar menos comum que a cirrose biliar primária e a hepatite autoimune, porém mais frequente que as síndromes híbridas. Diferentemente do observado nas outras doenças hepáticas au toirnunes, tem predileção pelo sexo masculino (2:1), não exis tindo uma explicação plausível que justifique esse comporta mento preferencial. De etiologia desconhecida, o processo inflamatório é pre dominantemente linfocitário, com toda evolução relacionada com a agressão que essas células causam sobre o epitélio dos duetos biliares, alvos dos linfócitos T CD8+, o que lhes confere potencial patogenético. Tudo indica que essa evolução guarde relação com uma resposta imunológica TH2 pró-inflamatória exacerbada, sendo a natureza do alvo ainda incerta. São eles que evoluem com expansões dos espaços portais ocupados por linfócitos CD8+, dispostos ao nível das células epiteliais dos duetos biliares, uma forma de expressão dependente de uma resposta à hipersecreção de citocinas originárias da flora bacte riana intestinal anormal que apresentam. Em geral, cursam, em associação, com aumento significativo da relação CD4+:CD8+ no sangue periférico, como consequência de uma acentuada redução de células CD8+, comportamento relacionado à pre sença de TNFa e baixas respostas proliferativas a mitógenos. São elevados os níveis séricos de IL-8 e IL-10 e IgG, com cerca de 60-70% deles sendo anticorpos anticitoplasma de neutró filos (p-ANCA) positivos. Epifenômeno dessa cascata infla matória se traduz pela identificação de outros autoanticorpos inespecíficos, tais como antinúcleo (7-77%), anticardiolipina (4-66%), antimúsculo liso (13-20%), antiperoxidase tireoidia na (16%) e fator reumatoide (15%). Toda essa complexidade depende ainda da participação de alguns alelos do complexo de histocompatibilidade (HLA) e de polimorfismos, que também se identificam em genes reguladores da resposta imunológica, tais como ICAM-1 e CRSA32. Apesar dessas evidências, alguns ainda não aceitam que existam provas irrefutáveis de que o sistema imune-humoral exerça qualquer n i terferência na pa togênese da colangite esclerosante primária. Outros definem que tal evolução se relaciona com a presença de espécies de Helicobacter, de citomegalovírus, de reovírus tipo 3, bactérias e até fungos como Cândida. Clinicamente, esses pacientes cursam com surtos de dor ab dominal em cólica, no andar superior do abdome ou hipocôn drio direito, acompanhada de febre., astenia, calafrios, icterícia, prurido, colúria e acolia, tendo-se hoje a certeza de que cerca de 20-25% dos que apresentam essas características as desen volveram mesmo quando existia comprometimento apenas de pequenos duetos biliares. Achados comuns são hepatome galia e esplenomegalia identificadas ao exame físico, respecti vamente em 44-55% e 20-30% dos casos em diferentes séries.
Capítulo 55 I Hepatite Crônica Não Vira/ 629 Hipertensão portal se instala progressivamente, com 2-4% dos doentes cursando com ascite, enquanto 2,6-6% sangram por varizes esofagogástricas rotas, varizes que são identificadas em 7-36% deles. O quadro laboratorial é de colestase, traduzida por elevação
plantados, sendo reconhecida em torno de 8 a 12, ou 25 me ses de pós-operatório, expressando-se histologicamente por
sérica dos níveis de bilirrubina total e da fração direta, além da fosfatase alcalina e da gamaglutamiltransferase. A histopato logia pode se expressar sob forma de hepatite autoimune, so bretudo quando acomete crianças, antes que elas exibam sinais típicos de colangite esclerosante primária, quando ainda a co langiografia endoscópica retrógrada ou por ressonância mag nética mostram-se normais. Farmacologicamente, esses doentes têm sido conduzidos de forma errática, imprecisa, baseando-se
ratorialmente por elevação de níveis sanguíneos de fosfatase alcaina, l sem que perda do enxerto faça parte da perspectiva
nas administrações de ácido ursodesoxicólico em dose mais ele vada, D-penicilamina e opções ainda mais ineficazes, tais como emprego de penicilamina, prednisona, azatioprina, colchicina, pentoxifilina, nicotina oral, metotrexate e até ciclosporina A e tacrolimus (FK 506). De forma alternativa e desesperada, alguns têm tentado bloquear o aparecimento de surtos de colangite, realizando dilatações endoscópicas com balão e m i plante de próteses, por via radiológica ou endoscópica, visando a reduzir as incidências de febre, calafrios e queda do estado geral. Aque les assim manuseados deverão ser tratados profilaticamente e, após o procedimento, receber ciprofloxacina por via oral ou pa renteral. Irracionalidade maior na condução de tais pacientes é a realização de hepatectomias, visando a ressecção de estenoses biliares e colangiocarcinoma. Vale lembrar que a terapêutica definitiva apenas é possível com o transplante de fígado. Essa modalidade deverá ser empregada, sobretudo, naqueles que já apresentaram hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes esofagogástricas, ou gastropatia hipertensiva portal, ascite intra tável, com ou sem peritonite bacteriana espontânea, episódios recorrentes de colangite bacteriana, encefalopatia hepática e consumo muscular progressivo. Assim conduzidos, a sobrevi da de 5 anos atinge 80 e 40%, respectivamente, naqueles sem ou com colangiocarcinoma incidental identificado no intrao peratório ou no fígado explantado. Preocupante e também trágico nesses pacientes é que cerca de 14% deles evoluem no pós-operatório com lesões periductais e cicatriz fibrótica em casca de cebola peribiliar, relacionadas com a reconstrução em Y de Roux. Difícil nesses pacientes é diferenciar se tal evolução, inclusive traduzida pelos apareci mentos colangiográficos de zonas de estenoses, subestenoses e dilatações na árvore biliar presentes em 20-25% deles, decorre de lesões arteriais isquêmicas próprias das anastomoses bilia res realizadas ou instala-se em seguida aos repetidos surtos de colangite bacteriana que os pacientes podem apresentar, pro motores de redução funcional parenquimatosa progressiva. Tal evolução leva a que alguns precisem ser retransplantados, pois essa evolução pode traduzir recorrência da colangite es clerosante primária.
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PÓS-TRANSPLANTE DE FÍGADO
De frequência incomum, tem sua história natural e signi ficado clínico inde.finido, desconhecido. De etiologia indefini da, aventa-se que decorra de condições associadas, tais como toxicidade por f ármacos, repercussão de infecção sistêmica ou consequência de fatores hemodinâmicos. A maioria dos casos não parece progredir, podendo melhorar com o correr do tempo, porém com possibilidade de evoluir para perda do enxerto como resultado de evolução da hepatite crônica que apresentam. Observa-se aproximadamente em 10% dos trans-
atividade necroinflamatória e, algumas vezes, por infiltrado inflamatório portal constituído de plasmócitos e fibrose, com potencial evolutivo até cirrose. Em alguns, se expressa labo
evolutiva desses pacientes. Recentemente, alguns grupos têm descrito um tipo particu lar de disfunção tardia do enxerto, identificado em pacientes cursando com aspectos sorológicos e histológicos típicos de hepatite autoimune, sem que essa doença fosse a causa de seu transplante de fígado. Essa evolução se relaciona com infecções nduzidas i por citomegalovírus, vírus Epstein-Barr ou parvoví rus, os quais precipitam mecanismos, tais como estímulo po liclonal, aumento e indução de expressão de antígenos classes I e 11 do sistema HLA, interferindo também com células imu nerreguladoras. Difere do ponto de vista anatomopatológico da rejeição celular, recebendo a denominação de hepatite au toimune e de novo instalada 2 a 4 anos de pós-operatório.
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LEITURA RECOMENDADA
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prognosis in 273 patients with primary sclerosing cholangitis: a single center
Hepatite Ag uda Fu l m i na nte Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Taiane Costa Marinho, Maria Juliana Louggio Cavalcanti, Maria Elizabeth Ca/ore Neiva, Arnaldo Berna/ Filho, Raul Carlos Wah/e
Hepatite aguda fulminante (HAF) define-se como síndrome clínica, grave, que se caracteriza por sua sú bita instalação, em pacientes com fígado previamente normal, ou em alguns por tadores de doença hepática crônica. Em geral, assume evolu ção rápida, levando à insuficiência hepatocelular, traduzida por hipoglicemia, falência de múltiplos órgãos, coagulopatia e distúrbios do sistema nervoso central, estes representados por letargia, sonolência e coma. O índice de mortalidade chega a 80%. Vem ocorrendo uma reversão nessa triste história natural com o advento do transplante de fígado, a sobrevida atingindo 80-90% dos pacientes transplantados. Os aspectos evolutivos e terapêuticos serão comentados neste capítulo.
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CONCEITUAÇÕES DA SÍNDROME
A conceituação original de hepatite aguda fulminante foi feita por Lucke & Mallory, em 1946. Descreveram que ela se caracterizava "pelo agudo aparecimento de icterícia progressi va, redução volumétrica do fígado e coma hepático. Todos os doentes cursavam com alargamento do tempo de protrombina, hipertransaminasemia, além de aumentos nos valores sanguí neos de bilirrubina, nitrogênio e amônia, com insuficiência he pática grave instalando-se dentro de 8 semanas desde o início do quadro clínico". Cerca de 65 anos após, apresentaremos os avanços obtidos com o diagnóstico mais precoce e terapêuticas modernas, vol tados à interrupção da avassaladora evolução, que pode ser observada nessa doença, sobre a qual diferentes grupos de pes quisadores estabeleceram diferentes conceituações, baseando se no intervalo do tempo entre o aparecimento de icterícia e a instalação da encefalopatia, conforme discrimn i ado adiante.
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Insuficiência hepática fulminante
Indicativa de necrose parenquimatosa extensa grave, ocorre na ausência de doença hepática preexistente. Acompanha-se sempre de coma, estágios III ou IV, observado dentro de 8 se manas do início clínico da hepatite. Mais recentemente, esse conceito foi modificado e aplica-se desde que o tempo de ins talação do quadro neurológico ocorra dentro de duas semanas a partir do aparecimento da icterícia.
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Insuficiência hepática subfulminante Traduzida como de instalação aguda, complicada por coma
hepático, que se instala entre 2 semanas e 3 meses do apare cimento de icterícia, sempre acompanhado dos comemorati vos clínicos típicos, identificados nos pacientes que cursam com fígado devastado pela necrose hepatocelular severa que apresentam.
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Insuficiência hepática hiperaguda, aguda ou subaguda Essa é a forma mais recentemente proposta de conceituação
da hepatite aguda fulminante. Baseia-se no tempo de instala ção de sinais neurológicos característicos da falência cerebral, respectivamente entre O e 7, 8 e 28 ou de 29 dias a 12 semanas, com índices de sobrevida de 36, 7 e 14%. Características destes subgrupos estão dispostas no Quadro 56.1.
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DIVERSAS BIOLOGIAS Diversas etiologias responsáveis pela instalação de hepati
te aguda fulminante encontram-se discriminadas no Quadro 56.2.
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HEPATITES AGUDAS VIRAIS MAIS FREQUENTES A hepatite pelo vírus A representa a causa mais frequente de
hepatite aguda fulminante, com incidência maior entre expos tos ao vírus em fase mais avançada da vida. Observa-se entre 0,01 e 1% dos infe.ctados, diagnosticada pela presença sérica do anti-VHAigM, com sobrevida média em torno de 40%. Essa é a melhor evolução entre pacientes com doença induzida por vírus hepatotróficos. Um escore prognóstico desenvolvido para essa forma de doença inclui quatro aspectos tradutores de maior gravidade: alanina-aminotransferase < 2.600 Ul/i, creatinina
> 2,0 mg/dê e necessidade de assistência ventilatória sob entu bação orotraqueal, e uso de drogas vasopressoras.
631
632 Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante ------
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Quadro 56.1 Características dos subgrupos dos pacientes com hepatite aguda fulminante Subgrupos de insuficiência hepática
Características
Hiperaguda
Aguda
Subaguda
Encefalopatia
Sim
Sim
Sim
Duração da icterícia (dias)
0-7
8-28
29-71
Edema cerebral
Comum
Comum
lnfrequente
Tempo de instalação
Prolongado como agudo
Prolongado como hiperagudo
Menos prolongado
Bilirrubina
Menos elevada
Elevada como subaguda
Elevada como aguda
Prognóstico
Moderado
Ruim
Ruim
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Quadro 56.2 Diversas etiologias da insuficiência hepática fulminante Hepatites agudas virais mais frequentes Hepatite pelo vírus A (VHA) Hepatite pelo vírus B (VHB) Hepatite pelo vírus C (VHC) Hepatite pelo vírus D (VHD) - Coinfecção com VHB - Superinfecção com VHB Hepatite pelo vírus E •
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Hepatites por outros agentes virais Hepatite autaimune Hepatites químicas Envenenamento pela amanita Pha/aide e solventes industriais Toxicidade pelo acetaminofeno e halotano Reações idiossincráticas a outros fármacos - lsoniazida com rifampicina, trimetoprima com sulfametoxazol, barbitúricos, acetaminofeno, alfametildopa, tetraciclinas, quinolonas, amiodarona, anti-inflamatórios não hormonais, antidiabéticos orais, antirretrovirais •
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Miscelânea Rejeição hiperaguda ao fígado transplantado Pós-cirurgia bariátrica lsquemia hepática Gestacional Doenças linfoproliferativas Síndrome de Budd-Chiari Anormalidades vasculares cardíacas Pós-esforço físico excessivo sob condições adversas •
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Metabólicas (prevalentes em crianças) Síndrome de Reye Mitocondriopatias Galactosemia Tirosinemia hereditária tipo 1 Doença de Wilson Protoporfiria eritropoética Hemocromatose neonatal •
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te desconhecido associado). O diagnóstico é confirmado pela presença sérica dos anti-HBclgM e anti-VHDigM e RNAVHC, quando esses outros agentes participam da lesão hepatocelular. Essa evolução relaciona-se ao rápido clareamento dos AgHBs, pré-SI e pré-S2 e o precoce aparecimento de seus anticorpos, quando tipicamente tais marcadores tornam-se n i detectáveis no soro. Essa evolução é mais comum entre aqueles que exibem frequentes mutações no gene precore/core. Forma fatal de he patite aguda fulminante pode ocorrer naqueles pacientes que já cursavam com hepatite crônica, ou encontravam-se recebendo doses elevadas de quimioterápicos ou imunossupressores e que são AgHBs positivos. Estes podem apresentar desde a forma assintomática da doença até sinais clínicos e laboratoriais con dizentes com exaustão funcional do parênquima hepático. São dúbios os resultados expostos na literatura voltados à manipu lação desses pacientes, valendo-se de análogos nucleosídicos. Opapel do VHC na hepatite agudafulminante é controver
so em diferentes séries avaliadas. Mostra-se como responsável por índices baixos nos EUA e na Europa, variando de O a 12%, porém mais elevado entre asiáticos, em que atinge 43-59%. Por sua vez, a frequência descrita de coinfecção ou superin fecção de pacientes positivos para RNAVHC (PCR) e AgHBs evoluindo para hepatite aguda fulminante estende-se, por sua vez, entre 18 e 47%, sendo mais elevada entre asiáticos, em que atinge 43-59%.
Hepatite pelo vírus E
ocorre sob forma epidêmica em países em desenvolvimento, sobretudo afro-asiáticos. Nesses, a hepatite aguda fulminante caracteristicamente ocorre 9 vezes mais entre grávidas do que entre homens e não gestantes. Tem gravidade maior naquelas que se encontram no terceiro trimes tre da gestação. É causada por um vírus não envelopado de 32 nm, de transmissão oral-fecal, com período de n i cubação de 209 semanas, média de 40 dias, n i cidindo mais frequentemente
Indeterminadas ou criptogenéticas
em pacientes entre 15 e 40 anos de idade, com índice de casos fatais atingindo 0,2 a 4% na população geral, podendo atingir 8%, quando gestantes são acometidas.
Estima-se que, no mundo, trezentos milhões de indivíduos são portadores do AgHBs, com cerca de 1% evoluindo com
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hepatite aguda fulminante. Essa forma grave de necrose do pa rênquima hepático observa-se em diferentes situações, corno: 1. pacientes que se apresentam apenas com infecção pelo VHB; ou 2. quando existe coinfecção pelo VHC e VHD; 3. menos frequentemente, quando se superimpõe um outro agente viral desconhecido. A prevalência respectiva dessas condições entre italianos se situa em 39% (infecção única pelo VHB), 25% (coin fecção pelo VHC), 23% (coinfecção pelo VHD) e 13% (agen-
HEPATITES POR OUTROS AGENTES VIRAIS A infecção disseminada pelo vírus do herpes simples pode
ser identificada no soro pela técnica HSVDNA, valendo-se de reação em cadeia de polimerase; é capaz de levar à instalação de hepatite aguda fulminante, exigindo realização urgente de transplante de fígado. É recomendável que estes pacientes, no pós-operatório imediato, recebam altas doses de antivirais. En tretanto, frise-se que, mesmo assim sendo tratados, taxas subs tanciais de morbimortalidade têm sido observadas. Em crian-
Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 633 ças, a doença ocorre mais comumente nas primeiras 2 semanas de vida e, quase sempre, associada a doença sistêmica. Outros agentes virais, tais como citomegalovírus, adenoví rus, varicela e parvovírus B19, podem precipitar necrose extensa do parênquima com hepatite aguda fulminante, mais frequen temente observada em imunodeprimidos. Essa evolução pode também ser vista na presença de echovírus, dos vírus do saram po, NHV-6, da leptospirose, da febre amarela, da dengue, na febre de lassa e SEN-V, na doença causada pelo vírus Epstein Barr, que também pode ser identificado nesses pacientes, em geral cursando com anemia hemolítica e síndrome hemato fagocítica. Autores japoneses mostraram que pacientes com hepatite aguda pós-transfusional causada por esse DNA-vírus, com estrutura genômica similar à dos parvovírus, podem evo luir para insuficiência hepática fulminante. Entretanto, ainda é difícil definir com precisão sua participação na indução da necrose maciça dos hepatócitos. Para que se conheçam os de talhes fisiopatológicos, necessita-se ainda de melhores sistemas de marcadores de antígenos e de anticorpos, além da realização de estudos experimentais infectando chimpanzés ou outros ani mais suscetíveis. Tal como estamos, n i existem evidências cien tíficas válidas documentando a replicação viral intra-hepática ou evidenciando uma resposta excessiva desenvolvida por lin fócitos T citotóxicos, ou, ainda, a ação de citocinas capazes de promover a agressão hepatocelular extensa que alguns desses pacientes apresentam. Em torno de 40% dos portadores de paramixovírus apre sentam-se com n i suficiência hepática subaguda, enquanto os outros 60% evoluem com hepatite crônica ativa não responsiva à corticoterapia. Esse tipo de agressão ao fígado assume aspecto peculiar à microscopia eletrônica, ao serem identificados, no citoplasma dos hepatócitos, partículas pleomórficas de 150-250 nm, filamentos e outras partículas de 14-17 nm, com espículas perifericamente expostas, lembrando nucleocapsídio de para mixovírus, possível agente etiológico responsável pela agressão. Outros pesquisadores, no entanto, afirmam que essa evolução não se relaciona a um único tipo de agente etiológico e não sig nifica obrigatoriamente prognóstico reservado. No entanto, na descrição dos primeiros casos dessa entidade, 50% dos acome tidos vieram a falecer em IHF, enquanto os outros 50% foram conduzidos ao transplante de fígado e sobreviveram. •
Hepatite autoimune
Esse tipo representa menos de 5% dos casos de hepatite agu da fulminante. Em geral, o diagnóstico do distúrbio imunoló gico já era previamente conhecido, identificado em pacientes do sexo feminino jovem, portadoras de autoanticorpos séricos (antimúsculo liso, anticitosol hepático, anti-LKM- 1 e FAN). Eles podem, no entanto, faltar e o diagnóstico pode se base ar em aspectos histológicos e em uso de corticosteroides. Em uma fração menor, se define por ocasião da instalação de um quadro que se traduz por apresentação subaguda, com níveis séricos em geral não muito elevados de aminotransferases ou de bilirrubina. Ocorre em consequência da perda da tolerância contra proteínas teciduais autólogas, denominadas autoanticor pos. A destruição celular maciça se observa quando linfócitos T e B autorreativos são impropriamente regulados, linfócitos esses responsáveis pela tolerância aos antígenos que são pró prios dos indivíduos. Em qualquer situação em que indivíduos suscetíveis sejam expostos a um agente disparador (ambien te, vírus, fármacos) de autorreatividade a antígenos hepáticos, produzem-se necrose inflamatória hepatocelular e exaustão funcional parenquimatosa.
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Hepatites químicas
As hepatites agudas medicamentosas citolíticas lembram clínica e laboratorialmente as virais. Quando sintomáticas, re velam-se pela presença de sintomas inespecíficos como astenia, anorexia, rash cutâneo, vômito, icterícia ou não e, mesmo entre os assintomáticos, pela elevação dos níveis séricos de alanina arninotransferase. Histologicamente, expressa-se por necrose hepatocitária, predominantemente difusa, acompanhada de infiltrado inflamatório lobular e portal constituído por poli morfonucleares, linfócitos e eosinófilos. Quando essa agressão acentua-se e torna-se mais extensa e difusa, instala-se encefalo patia, evolução neurológica que costuma ocorrer em menos de 15 dias desde o aparecimento de icterícia. Esse comportamento se observa mais frequentemente entre aqueles em uso de drogas de ação hepatotóxica previsível, como o paracetamol, ou idios sincráticas, identificadas naqueles em uso de anti-inflamatórios hormonais, ou recebendo anestésicos halogenados, tais como halotano, enflurano e metoxiflurano. Mais recentemente, essa evolução tem sido observada em doentes tratados com leveti racetan, sinvastatina-ezetimiba, bicalutamide, sunitinibe, flu darabina-ciclofosamida/rituximabe. Preocupantes entre esses pacientes, são aqueles com hepa tite aguda fulminante induzida pelo acetaminofeno, nos quais a toxicidade medicamentosa se identifica entre 36 e 72 h após ingesta inadvertida, ou como tentativa suicida, sempre asso ciada ao uso combinado de doses elevadas de álcool. Cursam rapidamente com edema cerebral com hipertransaminasemia variável entre 800 UI/f. a 8.850 UI/f. e bilirrubina sérica total entre 10 mg/df. e 24 mg/df.. Confirma-se o diagnóstico pela identificação de adutos APAP-Cys presentes na circulação. Este quadro grave também é observado entre aqueles que consomem mais de 50 g de cogumelo do gênero Amanita phalloides, quando a hepatite aguda fulminante n i stala-se 4-8 dias após a ingesta, precedida pelo aparecimento de vômito e diarreia. Também essa evolução se observa entre manipuladores de solventes industriais e agentes químicos, tais como tetraclo reto de carbono, tricloroetílico e 2-nitroproprano. •
MISCELANEA
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Rejeição hiperaguda ao fígado transplantado
Este quadro é observado quando a barreira ABO é violada. Nesses casos, anticorpos pré-formados presentes na circulação do receptor no período pré-transplante dirigem-se contra antí genos expressos em células endoteliais do ffgado transplantado. Como consequência, instala-se fixação e ativação do comple mento, ocorrendo também progressão para IHF. De etiologia desconhecida, afeta gestantes que se encontram no terceiro trimestre de gestação. A tireotoxicose identifica-se em pacientes com hipertireoi dismo, em consequência da maior demanda metabólica que apresentam e da hipoxia centrolobular relativa; pode evoluir com sinais típicos de isquemia hepatocelular grave, com hiper bilirrubinernia e elevação dos valores séricos de aminotransfe rases e fosfatase alcalina. Associadamente, esses pacientes po dem exibir, nas formas mais graves, febre, delírio, taquicardia, hipotensão, vômito e diarreia. Histologicamente, evidenciam-se acentuada inflamação hepática, esteatose, necrose hepatocitária extensa, vacuolização de hepatócitos, presença de glicogênio nuclear, com ou sem cirrose. A não interrupção dessa evolução, através da administração de propiltiouracil, hidrocortisona e propranolol, pode levar à instalação de quadro de HAF.
634 Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante •
Pós-cirurgia bariátrica
Essa evolução nefasta pode se instalar após cirurgia bariá trica. Uma vez que a gordura visceral (omental e mesentérica) atua como mediadora da síndrome metabólica, sendo conside rada fonte de moléculas, geração de citocinas proinflamatórias e adipocinas, promove, após cirurgias, sobretudo pelas técnicas de Scopinaro e Fobi Capela, um acesso maior dessas moléculas via drenagem venosa portal. Como consequência, ocorre ex cessivo acúmulo herpático de lipídios, precipitando excessivo estresse oxidativo, peroxidação lipídica e disfunção mitocon drial, ou intensa inflamação. Nesses pacientes, e certamente naqueles predispostos (dependência genética?), a doença cur sa com necrose hepática maciça, colapso difuso do arcabouço reticulínico, aproximação de estruturas vasculares, metaplasia ductular regenerativa, múltiplos aglomerados de hepatócitos remanescentes, intensa atividade inflamatória, colestases intra celular e canalicular difusas e siderose graus lii ou IV. •
lsquemia hepática
Redução ou interrupção da perfusão sanguínea aos hepa tócitos precipita quadro de isquemia. Esse comportamento se observa nas lesões de artéria hepática e veia porta, e em pacien tes com insuficiência cardíaca. Em qualquer dessas situações, o baixo fluxo consequente à redução na pressão de perfusão leva à necrose hepatocelular. Esse comportamento também se iden tifica naqueles com arritmias graves, com doença venoclusiva, no choque hipovolêmico e em outros estados de baixo débito. Também pode ser observada em paciente que faz uso de dro gas hipotensoras, ou de cocaína (com resultantes infartos de miocárdio, dos rins e squemia i hepática), ou em pós-colapso vascular seguindo-se ao uso de heroína; nessa eventualidade, sempre acompanhada de sofrimento pulmonar.
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ma de plaquetopenia (síndrome HELLP) própria daquelas em excessiva produção de tirosina-cinase-1 (sftl), um fator an tiangiogênico gerador de distúrbio placentário, disfunção en dotelial, hipertensão e proteinúria. A outra se relaciona à dis função mitocondrial consequente a distúrbios de �-oxidação i filtração gordurosa de ácidos graxos materno-fetais gerando n microvesicular, que se acompanha de insuficiência hepatoce lular. Esta é observada mais no terceiro trimestre de gravidez, em torno de 34,5 semanas, média de 28-39 semanas. Tais pa cientes cursam com eclâmpsia, prenhez gemelar, o concepto é feto masculino, sendo mais comum entre nulíparas. Não infre quentemente, desenvolvem necrose hepática com hemorragia intraperitoneal, exigindo embolização da artéria hepática, em caráter de urgência.
Doenças linfoproliferativas
Doenças linfoproliferativas, tais como, infiltração leucêmica, ou durante invasão metastática maciça, geram isquemia e défi cit funcional hepatocelular ocasionado pela maciça presença de células tumorais, capaz de ser acompanhada de hepatite aguda fulminante. Quadro semelhante se observa também em porta dores de câncer de mama, melanoma, próstata e pulmão. Todos cursam com volumosa hepatomegalia e dor forte no hipocôn-
Síndrome de Budd-Chiari
Caracterizada pela obstrução ao fluxo venoso hepático de drenagem, situada em pequenas e grandes veias hepáticas ou segmentos sub hepáticos da veia cava inferior. Instala-se quan do existem lesões tumorais invasivas desse território (carci noma hepatocelular, de rins ou adrenais, liomiossarcomas ou mixomas, hiperplasia nodular focal volumosa, cistos hepáti cos ou doença hidatídica alveolar). Relaciona-se também com síndromes protrombóticas, fibrose ou estenose por membrana congênita, ou até uso de anticoncepcionais orais em pacien tes com deficiências de proteínas S e C, mutações do fator V e do gene da protrombina. Tem sido descrita em associação com doenças inflamatórias, tais como venulite granulomatosa, doença de Behçet, abscesso amebiano e como n i tercorrência evolutiva das doenças inflamatórias intestinais. Consequên cia dessa modificação hemodinâmica, traduz-se por aumento da pressão sinusoidal responsável por congestão hepática, hi pertensão portal e linfática. Dependendo da extensão desses eventos, são mais ou menos intensas dor abdominal surda de forte intensidade, localizada no hipocôndrio direito ou andar superior do abdome, ascite e hemorragia digestiva alta. Todas cursam com elevações de níveis séricos de aminotransferases, gamaglutamiltransferases e a gravidade pela redução da síntese hepatocelular (hiperbilirrubinemia, hipoalburninemia, hipo protrombinemia, com !NR alargado e fator V baixo). Todos esses aspectos bioquímicos se relacionam com congestão hepá tica, focos hemorrágicos e extensão da necrose hepatocelular. Confirma-se o diagnóstico, não apenas pelos aspectos histoló gico-laboratoriais, mas também pela identificação do obstáculo, valendo-se de ultrassonografia com Doppler, angiorressonância magnética ou angiotomografia computadorizada.
Gestacional
Duas formas de apresentação de hepatite aguda fulminante podem ser identificadas em gestantes, uma expressa sob for
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drio direito, identificando-se massas hepáicas t aos métodos de imagens ou infiltração sinusoidal microscópica à histologia.
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ANORMALIDADES VASCULARES CARDÍACAS São requerimentos básicos para funcionamento do fígado o
adequado fluxo sanguíneo e a boa oferta de oxigênio. A redu ção da perfusão sanguínea, arterial e/ou venosa portal costuma induzir a hipóxia centrolobular, gerando necrose hepatocitá ria, congestão sinusoidal e colestase. Esse processo é mais fre quentemente observado entre pacientes infectados, hipotensos (choque) e portadores de insuficiência cardíaca congestiva e com manifestações respiratórias. Eles desenvolvem elevação dos valores séricos de aminotransferases, bilirrubina total e desidrogenase lática, podendo, com o agravamento hemodi nâmico, evoluir para HAF.
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PÓS-EXERCÍCIO FÍSICO EXCESSIVO SOB CONDIÇÕES ADVERSAS
Alguns casos de doença hepática aguda com expressão leve ou moderada têm sido descritos em pacientes que realizam um grande esforço físico. As formas mais graves também ocor rem. A patogênese do processo relaciona-se com exercício fí sico excessivo, sob condições adversas, tais como temperatura e umidade elevadas, e, possivelmente, uso concomitante de ecstasy. A baixa perfusão sanguínea hepatocelular e a condição de hipermetabolismo geram degeneração microvesicular dos
Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 635 hepatócitos centrolobulares, causando congestão, hemorragia e presença de hemossiderina, além de sinais de colestase. Isso é acompanhado por elevação dos valores séricos de aminotrans ferases, alargamento de tempo de protrombina e aumento do INR. Rabdorniólise ocorre em 25% dos doentes, acompanhada de insuficiência renal. Na maioria dos casos, observa-se reso lução dentro de semanas a poucos meses. Casos mais graves são tratados pelo transplante de fígado, com maus resultados precoces e tardios.
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DOENÇAS METABÓLICAS (PREVALENTES EM CRIANÇAS) Síndrome de Reye
Trata-se de uma doença rara que se instala predominante mente em crianças, com história de ingestão de aspirina, visan do a combater sintomas gripais. A patogênese é multifatorial, relacionada possivelmente à predisposição genética, envolven do anormalidades de enzimas rnitocondriais, sem que evolução mais grave se correlacione com níveis séricos de salicilatos. Traduz-se histologicamente por esteatose microgoticular, sem infiltrado inflamatório, quadro que precede o aparecimento da hepatite aguda fulminante, expressa níveis muito elevados de bilirrubina, ultrapassando a 15 mg/dl', acompanhada de en cefalopatia e síntese hepatocelular comprometida. •
Mitocondriopatias
Mitocôndrias encerram mais que uma cópia de DNA, repli cação e codificação dependente de genes nucleares. Depleção nessas cópias leva ao aparecimento de distúrbios mitocondriais, gerando depleção energética dessas organelas intracelulares que afetam a cadeia respiratória, de oxidação e transporte de ácidos graxos, e deficiências de acilcoenzima desidrogenase ou das cadeias longas e curtas de 3-hidroacilcoenzima A. Como essas alterações podem precipitar evolução para hepatite aguda fulminante, é necessário que haja transplante de fígado. •
Galactosemia
Doença rara, de herança autossômica, consequente à defi ciência de galactose-1-fosfato uridiltransferase. Nessas crian ças, ocorre, após introdução do leite de vaca na alimentação, acúmulo hepático de galactose-1-fosfato, gerando esteatose, proliferação periportal de duetos biliares e deposição de ferro. Persistência na ingestão desse leite leva ao aparecimento de fibrose e cirrose hepáica. t É necessário o diagnóstico precoce, baseado na detecção de substâncias redutoras na urina e aivi t dade baixa da enzima em eritrócitos, antes que haja instalação de hepatite aguda fulminante. •
Tirosinemia hereditária tipo 1
Também uma doença herdada de forma autossômica reces siva, consequência de funcionalidade comprometida da hidro lase do fumarilacetoacetato. O gene dessa enzima se localiza no braço curto do cromossomo 15, com geração de mutações le vando a formações de compostos altamente reativos, tais como maleilacetoacetato e fumarilacetoacetato e succinilacetona, que, depositando-se no fígado, geram necrose maciça do parênqui-
ma, com comprometimento associado de rins, coração e sis tema nervoso central. •
Doença de Wilson (DW)
Também denominada degeneração hepatolenticular. Doen ça metabólica genética, autossômica recessiva, que se caracte riza por deposição de cobre em diferentes órgãos, como rins e olhos, mas, sobretudo, no cérebro e no fígado. Neste último, o excesso do metal leva ao aparecimento de hepatite crônica, fi brose ou cirrose e até IHF. Nesta última forma de apresentação, ocorre lesão extensa, com deterioração acentuada da função hepática. É chamada de forma fulminante da DW. Laboratorial mente, se expressa por baixos níveis séricos de cobre e de fosfa tase alcalina, além de elevadas concentrações de cobre na urina de 24 h. Os doentes evoluem com valores aumentados de arni notransferases e das proporções fosfatase alcalina:bilirrubina total e aspartato arninotransferase:bilirrubina total, abaixo de 2,0 e acima de 4,0, respectivamente. Quando presente, a ane mia hemolítica é Coombs-negativa. Os pacientes muitas vezes apresentam história familiar e podem evidenciar anel corneano de Kayser-Fleischer, identificado pela lâmpada de fenda. Exige se diagnóstico precoce, com realização, em caráter de urgência, de transplante de fígado. Quando não conduzidos dessa forma, a mortalidade atinge 100%. O curso prodrômico varia de 5 dias a 7 semanas, sem que a verdadeira duração possa ser rigidamente precisada. Todos exibem sinais histológicos de grave inflamação, com expansão de espaços portais e necrose periférica. Distribuição celular parenquimatosa, cirrose, acúmulo hepatocitário de cobre e em septos periportais, colestase, todas essas alterações podem ser evidenciadas. •
Protoporfiria eritropoética
Doença genética de herança autossômica recessiva, depen dente de defeito na enzima ferroquelatase, resultando na ex cessiva deposição de cristais birrefringentes de protoporfirina l ulas parenquimatosas do fígado. Quando ocorre de for nas cé ma excessiva, pode causar exaustão funcional do parênquima hepático e leva fatalmente à morte, evolução que poderá ser interrompida caso os doentes sejam submetidos a transplan te de fígado. Esses pacientes transplantados podem exibir, no pós-operatório imediato, disfunção autonômica traduzida por dor abdominal, hipertensão, taquicardia, retenção urinária, constipação, náuseas e vômitos. Cursam ainda com neuropa tia periférica, manifesta por paresia e paralisia, parestesias e extremidades dolorosas. O sistema nervoso pode apresentar-se comprometido, com estado mental preservado. Pode ocorrer paralisia progressiva com degeneração axonal de nervos moto res, evoluindo para mioclonia e coma. Hemólise n i traoperatória faz parte do quadro. •
Hemoaomatose neonatal
Trata-se de doença grave e geralmente fatal. É consequente à maciça e rápida deposição de ferro no fígado, precipitando an i stalação de quadro de HAF no período neonatal. O trans plante é a única forma de terapêutica eficaz, acompanhando-se, no entanto, de risco elevado de insucesso. Nesses pacientes, a distribuição do metal nos órgãos se assemelha ao que ocorre na hemocromatose genética, com envolvimento também do pâncreas, miocárdio e baço.
636 Capitulo 56 I Hepatite Agudo Fulminante •
Indeterminadas
• Criptogenétic.a Em cerca de 5096 dos casos de crianças com hepatite aguda fulminante, o agente responsável pela necrose maciça do pa rênquima hepático não é identificado. Essa frequência é mais baixa em adultos, definindo-se que essa evolução pode estar relacionada a etiologias diversas irreconhecíveis induzidas por infecções, doenças metabólicas, ações lesivas exercidas por fármacos ou toxinas e/ou geradas a partir de distúrbios imu nológicos.
•
ASPECTOS PATOGEN�TICOS. BIOLOGIA MOLECULAR
O funcionamento normal de hepatócitos e células não pa renquimatosas do fígado envolve perfusão sanguínea adequada, integridade de organelas presentes no interior dos hepatócitos, bem como da matriz extracelular. Todo esse sistema funcio na sob a égide de fatores de crescimento, citocinas, proteínas pró-apoptoicas e antiapoptoicas. Desequilibrio desse ambien te ocorre quando hepatite aguda fulminante se instala como consequência de extensa e universal morte dos hepatócitos e reduzida proliferação dessas células parenquimatosas e de suas organelas. Os mecanismos precipitadores dessa devastação não se encontram ainda completamente esclarecidos. No entanto, atualmente se sabe que mantêm similaridades com o observa do em pacientes cursando com choque séptico, síndrome que se expressa clinicamente por aspectos de inflamação sistêmica e progressão para insuficiência funcional de múltiplos órgãos e imunoparesia funcionaL Resultado desse comportamento se traduz morfologicamente pela morte dos hepatócitos, que pode ser de origem apoptoica ou necrótica, ou expressa como uma combinação dessas duas modalidades. Acascata de eventos responsáveis pela precipitação de apop tose está representada pela presença do neoantígeno M30, for mado a partir da clivagem proteolltica de citoqueratina 18 na posição Asp396 executada pela ação lesiva da caspase 3. Tal fenômeno se instala em qualquer membrana das organelas dos hepatócitos, com a morte dessas células se iniciando pelo en volvimento lisossomal, consequente a estímulos intracelulares despertados pela presença de ácidos graxos, radicais livres de oxigênio, ceramida, aminas básicas e agentes lisossomotróficos, aumentando o pH interno da organela, com ativação de caspase 3. Concomitantemente, se envolvem membranas externas mi tocondriais permeabilizando-as com participações de proteínas proapoptoicas BH3 de dom1nio único (Bid. Bim, Puma, Noxa, Bad, Bik, Bmfou Hrk) ou de multidomínio (Bax, Bak, Bok. Bcl xJ ou antiapoptoicas (Bcl-x.L, Mcl-1, Bcl-w, Bcl-2, Al, Boo). No predomínio de BH3, instala-se a morte por apoptose celular. Participam ainda do processo receptores específicos de TNFa e ligandes indutoras de apoptose (TRAIL}, as quais se associam na ativação da ligande Faz (CD95/Apo-l) expressa em linfó citos e células natural killer (NK) e NKT. De forma sumária, pode-se definir que, nessa situação, os pacientes cursam com nfveis circulantes elevados de Fas, TNFa/TNFRl e }NK, ativa ção intra-hepática de caspase e níveis circulantes e teciduais do neoantlgeno M30, cuja presença orienta para a necessidade de esses pacientes serem levados ao transplante de fígado. Participam ainda desse processo as células hepáticas estelares que, induzidas por IL-1, levam à produção maior de metalo proteinases, as quais se precipitam no espaço de Disse, induzin-
do colapso sinusoidal, morte de células parenquimatosas, com perda da capacidade funcional de síntese pelo fígado. Também experimentalmente em ratos, são elevadas as expressões e ativa ções de enzimas sintetizadoras de C4 (LTCH) e de glutation-S transferase mjcrossomal 2, responsáveis pela síntese e acúmulo de cisteinil leucotrieno no interior dos hepatócitos, contribuin do para instalação de hepatite aguda fulminante. •
ASPECTOS ANATOMO PATOLÓGICOS Caracterizam-se pela perda de parte expressiva dos hepa
tócitos, ou de todos eles, com consequente colapso das fibras de reticulina e aproximação dos espaços portais, sem necro se de coagulação, conforme observado nas necroses tóxicas e no fígado isquêmico. Os sinusoides apresentam-se repletos de eritrócitos, linfócitos e macrófagos. Infiltração inflamatória identifica-se em áreas lobulares e espaços portais. Sinais de rege neração iniciam-se a partir de hepatócitos periportais, os quais se apresentam balonizados, quando são visíveis formações de neodúctulos e neocolanglolos nos lóbulos colapsados.
•
ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
•
Clínicos
t aceito que, durante quadro de hepatite aguda fulminante,
ocorra
perda de 80-8596 da massa de hepatócitos, precipitando um estado hipermetabólico dependente da atuação de citoci nas, fatores de cre.scimento, hormônios e mediadores lipídicos. Acentuam-se as concentrações de catecolaminas sanguíneas e do consumo corpóreo de oxigênio. Nessas condições, todos evoluem com icterícia, febre elevada, vômitos, taquicardia e vasodilatados, sobretudo nas fases mais tardias, quando cursam com hipoglicemia, insuficiência renal, infecção pulmonar e aó dose metabólica. Tornam-se irritadiços, desinteressados, com raciocínio lento, letárgicos e sonolentos, evoluindo com hálito hepático,flappinge, finalmente, coma hepático. Esse quadro de encefalopatia estende-se do grau I ao IV (Quadro 56.3).
• Manifestações extra-hepáticas Encontram-se discriminadas no Quadro 56.4. •
Laboratoriais
Todos esses pacientes deverão ser avaliados periodicamente, segundo parâmetros laboratoriais (Quadro 56.5).
•
Quadro 56.3 Oassific.ação da encefalopatia na hepatite aguda fulminante Grau.s
Aspt 80%
Através de mecanismos vasogênicos, rompe-se a barreira hemoliquórica com extravasamento de plasma ao líquido espinal. Concomitantemente, circulam toxinas carreadoras de lesão celular, maior captação de água, com formação de edema e elevação da pressão intracraniana. Esse fenômeno é observado apenas nos graus 111 e IV da encefalopatia, quando ocorre perda da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral, com consequente hipoxia. São pacientes que cursam com hipertensão sistólica, com movimentos não harmônicos dos olhos e em postura de descerebração.
Coagulopatia
> 90%
Instala-se na dependência da reduzida síntese dos fatores de coagulação.Traduz-se, sobretudo, por alargamento dos tempos de protrombina do INR e de tromboplastina parcial ativada. Reduzem-se o número e função das plaquetas e atividade do fator V, com aparecimento da circulação dos produtos de degradação do fibrinogênio (PDF). Tais distúrbios são responsáveis pelos elevados índices de sangramentos digestivos.
Cardíacas
> 90%
Dependentes da elevada pressão intracraniana que apresentam, traduzindo-se por reduzida resistência vascular sistêmica, hipotensão dependente da vasodilatação sistêmica e baixos níveis de substâncias inotrópicas. São frequentes as arritmias.
Insuficiência renal
40-60%
Relaciona-se com a falência hepatocelular causadora de concentrações séricas maiores de substâncias vasoconstritoras e menores das vasodilatadoras. Tem caráter, portanto, funcional, precipitadora de baixa perfusão renal. Instala-se, mais frequentemente, naqueles em faixa etária mais avançada, nos que preenchem na totalidade os critérios prognósticos King's Col/ege Hospital, nos hipotensos, infectados, ou em quadro mais exacerbado de síndrome sistêmica à resposta inflamatória e com lesão hepatocelular induzida pelo paracetamol.
Infecção - sépsis
90%
Esse índice elevado relaciona-se com: 1 . menor capacidade funcional do SRE; 2. baixos níveis circulantes de fibronectina, opsoninas e quimioatractantes. Predominam organismos gram-positivos, sobretudo estafilococos e estreptococos e, menos frequentemente, gram-negativos. Cerca de 30% apresentam infecções por fungos.
Metabólicas
Pancreatite aguda
40-SO%
Traduzem-se, mais frequentemente, por hipoglicemia, hipopotassemia e hiponatremia. Na dependência da acidose lática, hiperventilam e evoluem com alcalose ou acidose respiratória com elevações da pressão intracraniana, depressão respiratória e infecção pulmonar.
25%
Hemorrágica e necrotizante. Provavelmente, de etiologia isquêmica.
·-------
-------
Quadro 56.5 Avaliação laboratorial na hepatite aguda fulminante Hematologia Hemograma completo Bioquímica Níveis séricos de glicose, bilirrubina total e frações, aminotransferase, gamaglutamiltransferase, fosfatase alcalina, desidrogenase lática, amilase, albumina, ceruloplasmina, globulina, alfa-fetoproteína, imunoglobulina, ureia, creatinina Metabólica Níveis séricos de sódio, potássio, cloro, cálcio, cobre, bicarbonato pH e gases, ácido lático, concentração urinária de eletrólitos Coagu/ograma Atividade e tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativado, fibrinogênio, plaquetas, tempo de lise de euglobulina e produtos de degradação da fibrina Viro/agia Pesquisas do anti-VHA lgM, AgHBs, anti-AgHBc lgM, anti-VHD lgM, anti-VHE lgM, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, herpes simples. Nos negativos para esses, rastrear as presenças de parvovírus 819, echovírus, febre amarela, dengue, Sen-v e Lassa Culturas Hemocultura (aeróbia e anaeróbia), ureia, fezes, escarro
A essa avaliação laboratorial, deve associar-se realização de ultrassom e mapeamento do fígado, com objetivo de defi nir volume e reserva parenquimatosa. Avaliam-se condições neurológicas através de eletroencefalograma e monitorização da pressão intracraniana. Necessário estudo radiológico do tórax.
•
ASPECTOS PROGNÓSTICOS
Pacientes com hepatite aguda fulminante excepcionalmen te sobrevivem, exceto quando ocorre restauração da massa de hepatócitos funcionantes. Quando esse comportamento não se observa, falecem em alguns poucos dias. Avaliação de pa râmetros clínicos, etiológicos, laboratoriais e, sobretudo, da coagulação permite distinguir aqueles que se recuperarão ape nas com medidas não cirúrgicas e os que se tornam candidatos ao transplante de figado de emergência (Quadro 56.6).
•
ASPECTOS TERAPÊUTICOS
A condução terapêutica desses pacientes exige atitude mul tidisciplinar voltada inicialmente ao equih'brio e manutenção da estabilidade hemodinâmica. Baseia-se na passagem de son da nasoenteral e vesical, acesso arterial, se possível, através do implante do balão de Swan-Ganz, monitorização cardiológica, eletroencefalográfica e da pressão intracraniana. Associada mente, devem ser submetidos à entubação endotraqueal, as sistência ventilatória e oxigenação adequada aqueles pacientes com encefalopatia grau III, bem como à descontaminação se letiva intestinal, administração de manitol e furosemide, e po sicionamento com ângulo cefálico de 20°, visando a manter a pressão ntracraniana i < 30 mmHg. A manipulação das complicações extra-hepáticas realiza-se segundo discriminado no Quadro 56.7. Falência dessas medidas e progressão para encefalopatia, coma, vasodilatação sistêmica, insuficiência hepatocelular e pulmonar têm levado a que, em alguns Serviços de Hepato-
638 Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante logia, esses pacientes sejam conduzidos, valendo-se de siste mas de suporte ao fígado. Experiência nesse campo se iniciou com emprego do sistema de hemodiálise, usando membranas voltadas ao clareamento da amônia, capaz de melhorar a in tensidade do distúrbio neurológico, sem redução nos índices
las de mercaptanas, ácido gama-aminobutírico, aminoácidos
de mortalidade. Estende-se essa experiência histórica através de realizações de exsanguíneo-transfusões e/ou plasmaférese. Avanço maior se consegue com sistema de hemoperfusão em pregando-se carvão ativado, na busca de remoção de molécu-
um fígado auxiliar proveniente de porco, babuíno ou de cadá ver humano, com resultados precários, o que, no momento,
de cadeia ramificada, e ácidos graxos. A inquietação dos pes quisadores diante dos precários resultados obtidos leva a que se busque fornecer condições de restauração desses pacientes, conduzindo-os através de perfusão extracorpórea a partir de
impede a adoção dessa medida terapêutica. Ampliam-se os avanços nessa área com o emprego de siste ma de diálises, valendo-se de fígados bioativados, absorvedo res de moléculas. Inicia-se a experiência com esse método em
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Quadro 56.6 Aspectos prognósticos para realização do transplante de fígado na hepatite aguda fulminante
2004, com o sistema encerrando coluna de hemoperfusão com carvão e hepatócitos de porco e 2% de células parenquimatosas humanas. Avanço técnico com outro dispositivo ocorreu com hepatologistas, hemodinamicistas, fisiologistas, tratando seus pacientes com o "Sistema Recirculante Absorvedor de Molécu
King's Col/ege Acetaminofen pH < 7,3 (Independente do grau de encefalopatia), ou todos os três dos seguintes Graus 111 -IV da encefalopatia TP > 100"ou (INR> 7,7) Creatinina sérica > 3,4 mg/dl Não acetaminofen TP > 100s ou INR > 7,7 (Independente do grau de encefalopatia), ou três dos seguintes Idade < 1 O ou > 40 anos Etiologia não A não B, halotano, reação idiossincrática a f ármacos, doença de Wilson Período de icterícia e encefalopatia > 7 dias TP > 50s ou INR > 3,85 Bilirrubina sérica > 1 7 mg/d.e Clichy (não acetaminofen) Idade < 30 anos + Fator V < 20% ou Idade > 30 anos + Fator V < 30% TP: tempo de
protrombina. pH: pH do sangue arterial.
las" (MARS), valendo-se de sessões terapêuticas de, pelo menos,
6 h, repetidas a cada 24 a 36 h, empregando-se um dialisador de alto fluxo de 150-200 mf/min, dotado de membrana com poros de 50 a 60 k.Da, impermeável à albumina. Essa proteína está presente no lado oposto da membrana em volume de 600 mf a 10%, tornando possível, assim, dialisar moléculas tóxicas circulantes. Assim tratados, a sobrevivência pós-transplante atinge 94%, reduzindo-se para 77% no grupo não tratado por esse sistema artificial de suporte. Recentemente, outro sistema, também se valendo de colunas de carvão e resinas trocadoras de ânions, tem sido empregado. Denominado na Europa, Prometeus, dotado de uma mem brana de 250 k.Da, disposta entre dois sistemas, valendo-se da própria albumina do paciente em tratamento, com medidas de anticoagulação sendo necessárias, administrando-se heparina e citrato. Dados da literatura se baseiam apenas em estudos não controlados ou retrospectivos, surgindo, no entanto, como perspectiva de conduta para tão graves pacientes.
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Quadro 56.7 Manipulação terapêutica das complicações extra-hepáticas nas hepatites agudas fulminantes Complicações
Manipulação terapêutica
Edema cerebral
Administração de quatro unidades de plasma e transfusão de plaquetas visando a implante do monitor de pressão intracraniana. Manutenção em ângulo de 20° para monitorização de perfusão cerebral. Os agitados e encefalopatas devem ser sedados com fentanil e curarizados. Dúvidas existem quanto à necessidade de hiperventilação, visando a manter perfusão sanguínea cerebral. Exigência prende-se ao manitol, na dose de 0,5 mg/kg em bolo, infundido em 1 O min, de forma que a osmolalidade não ultrapasse a 320 mOsm. Os não responsivos a essa atitude devem ser conduzidos pela administração tiopental e/ou dexametasona.
Coagulopatia
Envolve infusão de plasma fresco, quando INR > 1 O, e de plaquetas se o número estiver abaixo de 30.000-50.000/mm3•
Cardiovascular
Devem ser mantidos com pressão capilar pulmonar entre 12 e 14 mmHg, com pressão arterial média de 50-60 mmHg. Droga vasopressora envolve noradrenalina naqueles com débito cardíaco elevado e baixa resistência vascular sistêmica, na dose de 0,1 fl9/kg/min. Alternativamente, devem ser conduzidos pela infusão de esoprotenol (5 mg/kg/min) ou acetilcisteína (1 50 mg/kg/30 min) e manutenção de 150 mg/kg/24 h. Visa-se a manter o consumo de 02 > 150 ml (min/m2) e índice de extração> 150 m.e/min/m2•
Insuficiência renal
Manutenção das condições de perfusão renal nos hipovolêmicos, não se administrando antibióticos e antifúngicos nefrotóxicos. Alternativamente, deverão ser conduzidos pela administração de dopamina e/ou prostaglandina. Hemofiltração, hemodiálise e/ou plasmaférese, quando necessárias, deverão ser realizadas.
Infecção
Mostra-se mais frequente entre aqueles com insuficiência renal e em uso de tiopental. Deve-se combater infecção por S. aureus e fungos segundo culturas e antibiogramas específicos.
Metabólicas
Hipoglicemia deve ser vigiada e combatida pela infusão contínua de dextrose a 50% a cada hora, se necessário. Monitorização adequada de níveis séricos de fósforo e magnésio, com adequada correção. Acidose com pH < 7,1, devendo ser tratada com infusão de NaHCOl, monitorada a necessidade de regulação através da pHmetria, lactacidemia e nível sérico de sódio, visando a evitar a hipernatremia.
Hiperpotassemia
Deve ser combatida pela administração de resina troca-íons e até hemodiálise.
Pancreatite aguda
Envolve restauração de condições hemodinãmicas, sonda nasoenteral e infusão de bloqueadores de bomba de prótons.
Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 639 Alternativa a essa atitude baseia-se no emprego dos siste mas de fígado bioartificiais, valendo-se de hepatócitos promo tores de suporte metabólico. Tem sucesso limitado diante da carência ou falta dessas células parenquimatosas em número viável. Perspectivas surgem agora, a partir do conhecimento dos mecanismos moleculares básicos, envolvidos e relaciona dos à morte dos hepatócitos. Identificando-se, então, as vias de sinalizações responsáveis pela destruição, essas poderão ser então interrompidas, permitindo a restauração funcional dos hepatócitos e de suas organelas lesadas. Um desafio particular nesse sentido será a capacidade de inibição dos mecanismos precipitadores de apoptose e necrose, sem inibir o potencial regenerativo do fígado na busca de restaurar suas funções pleio trópicas, valendo-se de moléculas específicas. Perseguindo o proposto anteriormente pelo grupo aus traliano de pesquisadores, investigadores da Universidade de Hokkaido, em Saporo, no Japão, propõem uma nova criação de hepatócitos humanos imortalizados. Para tal, ativam telômeros dessas células, pela introdução da enzima humana telomerase reverse transcriptase (hTERT), inativação da via p16/RB ou do p53, valendo-se de proteínas estruturais E6/E7 provenientes do papiloma vírus humano tipo 16 (HPV16E6/E7 e hTERT), esta belecendo duas linhagens celulares HHE6E7T-1 e HHE6E7-2. Essas têm sido injetadas por via subcutânea, não induzindo de senvolvimento tumoral, com apenas a primeira linhagem sendo introduzida por via intraesplênica em ratos com insuficiência fulminante induzida por acetaminofeno. Abrem-se e ampliam se, assim, as perspectivas de que tais linhagens possam servir como possível fonte de transplante de hepatócitos. i viabilidade dessas novas propostas e a falência das An medidas anteriormente empregadas e descritas, bem como o aprofundamento da encefalopatia graus III ou IV, resultam em indicação de transplante de fígado de emergência. Sobrevida desses pacientes assim conduzidos amplia-se de menos de 20 para 56-92%, segundo diferentes experiências. Respondem e sobrevivem mais aqueles não infectados e com nível sérico de creatinina normal no período pré-operatório. Evolução pós operatória com índices maiores de mortalidade mais precoce ocorre quando índice de massa corpórea do doador ultrapassa a 25 kg/m2, um possível marcador de esteatose hepática. Essa tendência também se observa quando receptor ou doador têm mais de 60 anos de idade, ou se encontram em ventilação me cânica por ocasião da cirurgia e nível sérico de creatinina > 2 mgldf. Essa tendência também se observa quando se utilizam enxertos ABO incompatíveis ou de tamanho reduzido. Nesses graves pacientes, o risco de retransplante atinge 13%, evolução relacionada a não funcionamento primário do fígado, precipi tação de estenoses biliares intra-hepáticas, complicações em geral relacionadas com a qualidade do enxerto ou implante de órgão ABO incompatível. Recomenda-se que deverão ser excluídos da lista de trans plante de fígado para tratamento de pacientes com hepatite aguda fulminante aqueles que apresentam os parâmetros dis postos no Quadro 56.8. A principal limitação tomada dessa atitude terapêutica se relaciona com a baixa oferta de órgãos-cadáveres. Nesse caso, deve-se optar pela doação de lobo direito, intervivo, valendo-se de um parente próximo. Essa medida pode ser aplicada visan do a tratar pacientes adultos e crianças, com justificativas à sua realização estando discriminadas no Quadro 56.9. Diante desses avanços e premida pela carência de órgãos, a busca desesperada de salvar vidas que se encontram no imite l tem levado a que sejam conduzidas, valendo-se do transplan te de células-tronco adultas, ou originárias de medula óssea,
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Quadro 56.8 Exclusão da lista de transplante de fígado para tratamento de pacientes com hepatite aguda fulminante Idade acima de 70 anos (relativa) Existência de algumas doenças malignas extra-hepáticas Insuficiência severa de múltiplos órgãos, tais como rins, coração, pulmão Choque séptico não controlado Morte cerebral
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Quadro 56.9 1nsuficiência hepática fulminante. Transplante de fígado intervivos. Justificativas 1. Insuficiência hepática fulminante rapidamente progressiva 2. lndice de mortalidade na fila de espera por fígado de doador cadáver entre 40 e 62%
3. Insuficiência hepática fulminante entre não transplantados entre 80 e 85%
4. Transplante intervivos situa-se como alernativa desde 1992
técnicas que permitem a repopulação do fígado, com hepató citos maduros ou fetais, melhorando no momento o distúrbio neurológico que apresentam; esse certamente será um novo capítulo da moderna hepatologia.
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EXISTEM NOVAS PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS?
Na impossibilidade de executar tais procedimentos, tem sido proposto tratá-los adotando-se métodos alternativos, como o transplante de hepatócitos, conforme discriminado no Qua dro 56.10.
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Quadro 56.10 Insuficiência hepática fulminante. Outras alternativas terapêuticas. Transplante de hepatócitos 1. Devem ser injetados, pelo menos, 300 g de hepatócitos viáveis através do sistema venoso portal pós-punção transjugular 2. Adoção dessa modalidade terapêutica baseia-se em: a. Instalação da falência rápida de múltiplos órgãos b. Rápida instalação de hipertensão intracraniana e morte dos pacientes c. Prolongado tempo em lista de espera de novo órgão, em torno de 4-8 dias
3. Seu emprego visa a:
a. Remoção seletiva de moléculas neurotóxicas b. Fornecimento de fatores de crescimento aos hepatócitos nativos
4. Limitação ao sucesso da terapêutica: a. Hepatócitos são originários de fígados não aceitos para transplante b. Advento de complicações (48 h após) Hipoxemia por embolização pulmonar Suscetibilidade maior a infecções fúngícas e bacterianas consequentes à imunossupressão c. Sobrevida ainda curta dos pacientes: entre 24 h e 52 dias
640 Capítulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante ------
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Quadro S6.11 1nsuficiência hepática fulminante. Outras alternativas Terapia gênica Em interrogação � morte de paciente após infecção por adenovírus empregado como vetor
Xenotransplante
Limitação envolve a resposta imune ao órgão doado � rejeição hiperaguda via complemento transferência de infecções virais e dissseminação de retrovírus para outros membros da equipe médica
Implante de hepatócitos e células não parenquimatosas no mesentério, epíploon e veia porta, valendo-se de polímeros sintéticos, porosos, biodegradáveis Células-tronco progenitoras O sucesso relaciona-se a: aplicação concomitante de fatores de
crescimento, estímulos à angiogênese, aperfeiçoamento de técnicas de criopreservação. Discutível eficácia.
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Quadro S6.12 1nsuficiência hepática fulminante. Medidas terapêuticas de suporte pré-transplante. Comentários Outras medidas Hemoperfusão com carvão
Estudos controlados Comentários +
Hemoperfusão com resina Circuitos extracorpóreos
Sem benefício na sobrevida Reemerge em outros circuitos Extracorpóreos associados a hepatócitos Estudos preliminares inconclusivos
+
Sistemas bioartificiais
Estudos iniciais Pequenas casuísticas Resultados definitivos esperados
(BALS)
+ = Existentes; - = Inexistentes.
Alternativas outras a essas medidas estão discriminadas no Quadro 56.11. Caso tais medidas não possam ser tomadas, outras, também de exceção e de suporte à vida, podem ser adotadas de forma temporária, conforme apresentado no Quadro 56.12.
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Ci rrose He pática Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Guilherme Tarame/i dos S. Cecí/io, Maria Juliana Louggio Cavalcanti, Francisco César Nassar Tribulato, Raul Carlos Wahle
Cirrose hepática resulta da inter-relação entre diversos fatores etiológicos, que atuam ao longo dos anos, tais como, morte e regeneração celular, degradação e formação anormal da matriz extracelular. Trata-se de um processo que se caracteriza por formações de fibrose difusa, além de micro e macronódulos,
quente acúmulo de proteínas da matriz extracelular. Desse pro cesso, participam células endoteliais, cé l ulas de Kupffer, células estelares e perissinusoidais do espaço de Disse. Na vigência da perpetuação da agressão, ocorre capilarização dos sinusoides, onde se depositam continuamente laminina, colágeno tipo IV
estabelecendo perversão da arquitetura normal do parênquima. O diagnóstico confirma-se por meio de dados clínicos, labo ratoriais, anatomopatológicos, ou valendo-se de métodos de imagens como ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética, videolaparoscopia ou até pela cintigra fia. Representa a principal causa de morte em muitas partes do mundo, comportamento que se relaciona com a participação
e perlecans. Nessa situação, reduzem-se os microvilos dos he patócitos, instalam-se modificações fenotípicas das células de lto, as quais assumem aspecto miofibroblástico. Participam ainda do processo fatores liberados de macrófagos ativados, sobretudo IL-1, fator de necrose tumoral, prostaglandinas e substâncias inflamatórias outras, como fator de crescimento derivado de plaquetas, além de radicais livres de oxigênio in
de diferentes causas e manifestações clínicas, gravidade das lesões histológicas, reserva funcional parenquimatosa e oferta de possibilidades terapêuticas.
termediários, responsáveis pela ativação de lipócitos, os quais se encontravam quiescentes (Figura 57.1).
•
•
ASPECTOS PATOGENÉTICOS
Baseia-se em alguns parâmetros, mas, sobretudo, no diâme
A maioria das doenças crônicas do fígado associa-se a contí nua fibrogênese, resultante da lesão dos hepatócitos, com conse-
Toxinas, colestase, vírus, autoimunidade, doenças metabólicas
CLASSIFICAÇÃO ANATÔMICA
tro dos nódulos de regeneração e espessura dos septos fibrosos, gerando três tipos de cirrose: a. micronodular, representada por
Fibroblastos portais Ativam-se via estresse
Células estelares quiescentes e miofibroblastos Fatores de crescimento lntegrinas Citocinas
Colágenos t
TIMP-1 i
Colagenase .!. Radicais livres de 02
Proliferação fibrótica com regeneração nodular
Figura 57.1 Prováveis mecanismos envolvidos na fibrogênese na cirrose hepática.
643
644 Capítulo 57 I Cirrose Hepática nódulos pequenos, com pouca variação de tamanho, uniformes, com até 3 mm de diâmetro, sendo sempre observados septos finos de até 2 mm, que os separam e envolvem todo o lóbulo; b. macronodular, representada por septos de tamanhos variados, com nódulos atingindo diâmetros entre 3 e 30 mm, multilobu
lares, com deformação grosseira do fígado. Representa evolução da cirrose micronodular, uma vez que se perpetua a ação lesiva exercida pelo agente etiológico; c. mista, representada pela co existência, em um mesmo paciente, de micro e macronódulos (Figuras 57.1 a 57.6).
Figura 57.3 Visão microscópica de espaço portal alargado, com septos
fibrosos insulando hepatócitos e originando a regeneração nodular. Presença de macro e microvacúolos de gordura. (Esta figura encontra se reproduzida em cores no Encarte.)
Figura 57.2 Visão de fígado explantado. Observa-se cirrose mista do
ponto de vista macroscópico, expressa pela presença de macro e micro nódulos. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
-------
T-------
Quadro 57.1 Classificação etiológica da cirrose hepática Infecciosa
Hepatites B e D Hepatite C
Hepatite autoimune Alcoólica Obstrução biliar
Colangite crônica destrutiva não supurativa Colangite esclerosante primária Atresia de vias biliares Fibrose cística Hipoplasia intra-hepática Displasia artério-hepática (síndrome de Al agille) Sarcoidose
Figura 57.4 Visão microscópica de um macronódulo de regeneração
envolvido por um processo inflamatório durante hepatite crônica viral C. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte)
Fármacos Metabólica
Doença de Wilson Hemocromatose hereditária Deficiência de a,-antitripsina Galactosemia Glicogenoses Tirosinemia Porfirias Esteato-hepatite não alcoólica Cirrose da criança indiana
Vascular
Síndrome de Budd-Chiari Doença venoclusiva Telangiectasia hemorrágica hereditária
Criptogênica
Figura 57.5 Visão microscópica de necrose periférica, com infiltrado
inflamatório do parênquima e formando nódulos. (Esta figura encontra se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 57 I Cirrose Hepática 645 ----T -- ------
Quadro 57.2 Características evolutivas nas hepatites crônicas virais 1 . Após diagnóstico, incidência de cirrose induzida pelo vírus da hepatite B se situa entre 8 e 20%, com índice de descompensação hepática ao fim também de 5 anos sendo de aproximadamente 5%; 2. Na infecção pelo vírus da hepatite D em 5 anos, cirrose se instala em 70% dos casos, definida em todas as faixas etárias, evoluçãojá observada em 40% das crianças; 3. Aspecto diverso ocorre com os infectados pelo vírus da hepatite C. Assim, alguns se tornam cirró t icos em menos de 5 anos, evolução identificada em outros apenas após 20 anos de doença. Forma mais grave se instala naqueles que foram contaminados já em fase mais avançada da vida, entre alcoolistas, portadores dos vírus B ou HIV, narcoadictos e obesos.
Figura 57.6 Visão microscópica da cirrose hepática, com um macro
nódulo de regeneração envolvido por um espesso septo fibrótico. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
------
-
T------
Quadro 57.3 Características evolutivas na hepatite autoimune 1. Cerca de 30% dos adultos já se apresentam com cirrose por ocasião do diagnóstico;
•
CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA
•
Infecciosa
A perpetuação, durante alguns anos, de lesão celular imu nemediada mostra-se responsável pela nstalação i de hepatite crônica e cirrose em portadores dos vírus das hepatites B, D e C, com características dessa tendência evolutiva discriminadas no Quadro 57.2. •
3. No entanto, a presença de cirrose não influencia o índice de sobrevida de 10 anos, que se situa aproximadamente 92%; 4. Presença de cirrose já se identifica em torno de 50% das crianças ao serem diagnosticadas como portadoras de hepatite autoimune, com cerca de 15% delas sendo conduzidas pelo transplante de fígado antes dos 1 8 anos de idade; S. Cirrose se identifica em 30% dos idosos, com possibilidade de remissão
ocorrendo em 90% deles, quando conduzidos pela terapêutica imunossupressora.
Hepatite autoimune
Esta é uma forma de doença que se traduz por inflamação do fígado de causa desconhecida, que se caracteriza por hepatite periporta (necrose periférica), proeminente infiltrado inflama tório e infiltração dos espaços portais por plasmócitos. Toda essa evolução se relaciona com citotoxicidade imunecelular, mediada por anticorpos, que se dirigem contra proteínas nor mais de membranas hepatocíticas, onde autoantígenos especí ficos encontram-se hiperexpressos, sendo de risco maior a essa evolução pacientes HLA Dr3 e Dr4 positivos. Destes, mesmo tratados com imunossupressores (corticosteroides e azatio prina), cerca de 36% evoluirão para cirrose dentro de 6 anos a partir do diagnóstico, aspecto discriminado no Quadro 57.3. •
2. Daqueles que, histologicamente, evoluem com hepatite periportal, necrose em ponte ou multilobular, respectivamente 17 e 82% evoluirão para cirrose ao fim de 5 anos;
Alcoólica
Mecanismos patogenéticos de agressão hepatocelular em pacientes com n i gesta alcoólica excessiva (> 80 g de etanol/dia) relacionam-se com predisposição genética, estado hipermeta bólico de hepatócitos centrolobulares, em que se acumula mais acetaldeído, além de maior produção de colágeno pelas célu las de !to. Fazem parte desse processo radicais livres de oxigê nio, peroxidação lipídica, reduzidas defesas antioxidantes e de formação de glutation, e agressão exercida por citocinas, com ação mediada pelas células de Kupffer. Na dependência desses fatores, os doentes evoluem com lesões necróticas focais dos hepatócitos, inflamação, acúmulo de proteínas celulares, estea tose, fibrose e regeneração micro e, menos frequentemente, macronodular, com instalação de cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular ao fim de 20 ou mais anos, com características evolutivas dispostas no Quadro 57.4.
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Quadro 57.4 Características evolutivas na doença hepática alcoólica 1. Nas fases iniciais, são pacientes assintomáticos ou que cursam com fadiga discreta; 2. Progressão da cirrose traduzida por hipertrofia do lobo esquerdo do fígado, baço nem sempre paipável, mas já se identificam aranhas vasculares, edema periférico, ascite, consumo muscular, hiperbilirrubinemia, elevações de níveis séricos de aminotransferases, gamaglutamiltransferase, hipoalbuminemia e hipotrombinemia; 3. Risco de evolução relaciona-se com ingesta etílica maior do que 50-80 g/dia e entre infectados com vírus das hepatites Bou C, com carcinoma hepatocelular incidindo em aproximadamente 15% deles.
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Obstrução biliar
A colangite crônica destrutiva não supurativa é uma doença crônica do fígado resultante do insulto imunológico desenvolvi do por linfócitos citotóxicos sobre o epitélio dos duetos biliares, causando lesão hepatocelular e colestase progressiva. Mais de 90% desses pacientes são mulheres de meia-idade, portadoras do anticorpo sérico antimitocôndria, com características evolu tivas para cirrose estando discriminadas no Quadro 57.5. A colangite esclerosante primária é uma doença crônica, de etiologia desconhecida, cujos aspectos histológicos são repre sentados por inflamação de dueto biliar e fibrose. O diagnóstico confirma-se através da identificação de sinais colangiográficos
646 Capítulo 57 I Cirrose Hepática típicos, como estenose e dilatações de duetos intra e extra-he páticos. Predomina entre homens em torno dos 30 anos, sendo também observada em crianças. Em geral, 5-50% desses pacien tes apresentam colite ulcerativa, com características evolutivas discriminadas no Quadro 57.6. A atresia de vias biliares é uma doença idiopática, represen tada por obliteração completa, localizada ou difusa, dos duetos biliares a partir do hilo até o duodeno. Essa obstrução ao livre fluxo biliar leva aos aparecimentos de fibrose gradual, destrui ção de estruturas biliares intra- e extra-hepáticas. São anormali dades estruturais associadas à trissomia 18 e ao subtipo B12 do sistema antigênico leucocitário (HLA) humano. Os pacientes são crianças nascidas a termo, com icterícia já presente no se gundo dia de vida, exibindo níveis séricos elevados de fosfatase alcalina (> 600 UI/é), gamaglutamiltransferase (> 100 UI/é) e discretos de arninotransferases (100 a 200 UI/f). A histologia hepática revela transformação gigantocelular dos hepatócitos, proliferação e expansão de espaços portais, proliferação de due tos biliares, edema e fibrose portal. Expressa-se sob duas formas (Quadro 57.7), com características evolutivas específicas. Obrigatoriamente, esses pacientes devem ser operados pela técnica de portoenterostornia de Kasai, cuja falência implica a realização do transplante de fígado, visando a tratar colestase e colangite refratária, não impossível de ser realizado mesmo naquelas crianças que cursam com síndrome poliesplênica, anomalias da veia cava inferior, veia porta duodenal e situs in versus abdominal.
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Quadro 57.5 Características evolutivas na colangite crônica destrutiva não supurativa 1 . Progressão progressiva para cirrose se caracteriza pelas presenças prévias histopatológicas de lesões periportais, proliferação ductular, ductopenia, septos necroinflamatórios e fibrose; 2. Diagnosticada em sua fase inicial de evolução naqueles que cursam com níveis séricos elevados de fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase, comportamento que perdura em torno de 6 anos, com sobrevida de 5 anos em aproximadamente 90%, índice que se reduz para 30-70% naqueles com cirrose; 3. Sobrevida de 4, 2 e 1,4 anos se identifica naqueles que cursam com nível de bilirrubina sérica sendo, respectivamente, de 2,0, 6,0 e 10,0 mg/dl', com transplante de fígado permitindo sobrevida de 71 -75% ao fim de 5 anos de pós-operatório.
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Quadro 57.6 Características evolutivas na colangite esclerosante primária 1 . Sobrevida média desses pacientes após diagnóstico entre 9 e 17, e média de 12 anos; 2. Cerca de 76% ao fim de 6 anos se tornam cirróticos e 31% desenvolvem insuficiência hepática. São mais graves aqueles com idade além de 50 anos, que cursam com hepato e esplenomegalia; 3. Cerca de 6-30% cursam com colangiocarcinoma, carcinoma hepatocelular e/ou adenocarcinoma de vesícula biliar ou de cólon ao fim de 10-30anos; 4. Antes que atinjam esse quadro evolutivo mais grave, deverão ser conduzidos pelo transplante de fígado, com sobrevida de 1 e 5 anos sendo, respectivamente, de 90-97% e 85-88%. Nesses, existe o risco maior de cursarem com estenoses de via biliar e da artéria hepática ou recorrência da doença após alguns anos de pós-operatório, sendo necessário conduzi-los pelo retransplante.
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Quadro 57.7 Características evolutivas das duas formas clínicas de atresia de vias biliares
Tipo embriônico ou fetal (35%)
1. Aparecimento precoce sob forma de colestase neonatal; 2. Sem período livre de colestase após icterícia fisiológica; 3. Ausência de remanescentes de duetos biliares porta hepatis; 4. Anomalias congênitas associadas em 10-20% dos casos.
Tipo perinatal (65%) 1. Aparecimento mais tardio de colestase neonatal; 2. Intervalo livre da icterícia após icterícia fisiológica; 3. Remanescentes de estruturas de duetos biliares na porta hepatis; 4. Sem anomalias congênitas associadas.
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Afibrose cística é desordem generalizada das glândulas exó crinas, herdada como padrão autossômico recessivo, com gene defeituoso localizado no meio do braço longo do cromosso mo 7q31, produzindo um regulador anormal de condutância transmembrana. Todos os doentes cursam com frequência au mentada de antígenos HLA A2, C7, DR2 (DRW15) e DQW6, controladores da resposta imune mediada por linfócitos. Nesses pacientes, ocorrem produção e acúmulo excessivo de muco, fibrose biliar focal e, eventualmente, cirrose, com hipertensão portal em todos os casos. Cursando dessa forma, e com hiper tensão portal, deverão ser submetidos ao transplante de fígado, antes que desenvolvam insuficiência pulmonar, quando será necessário se associarem implantes de coração e de pulmão. Hipoplasia biliar intra-hepática, de etiologia desconhecida. Os recém-natos doentes cursam com sinais de colangite, coles tase e cirrose de rápida instalação, sendo idenificadas t em porta dores de doenças hepáticas, como deficiência de a1-antitripsina, anormalidades cromossômicos, tais como síndrome de Down, ou nas infecções intrauterinas por citomegalovírus. Displasia artéria-hepática ou síndrome de Alagille é doen ça genética, herdada como autossômica dominante, de pene trância variável, com os portadores cursando com rarefação de duetos biliares intra-hepáticos, com incidência de 1: 100.000 nascimentos. São pacientes com f ácies típica e acometimento multissistêmico, traduzido por estenose pulmonar periférica, lesão ocular com envolvimento do embriotoxo posterior e vér tebras em asa de borboleta. Colestase inicial faz parte do quadro e se traduz por: bilirrubina direta além de 6 mg/df, fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase ultrapassando, respectiva mente, 600 UI/f. e 200 UI/f, bem como hipertransarninasernia e hipercolesterolemia. O quadro histológico é traduzido por fi brose, ductopenia e cirrose inativa, com aspecto colangiográfico de colangite esclerosante primária. A resolução pode ocorrer na adolescência, com prognóstico dependendo das malformações. As indicações do transplante de fígado são cirrose e hiperten são portal, prurido intratável e comprometimento evolutivo. Alguns são operados antes e recebem transplante cardíaco. Sarcoidose é uma doença crônica, sistêmica, com envolvi mento hepático em 60 a 90% dos pacientes, traduzindo-se his tologicamente por granulomas não caseosos presentes ao nível do espaço portal. Durante longos anos, eles cursam assintomá ticos, alguns evoluindo com destruição progressiva de duetos biliares intra-hepáticos. São jovens caucasianos, geralmente do sexo feminino, que evoluem com cirrose do tipo biliar, e os pacientes são anticorpo antimitocôndria negativos. Progressi vamente, aqueles com mais de 40 anos de idade desenvolvem cirrose, 25% com hipertensão portal e colangite, com perspec tivas evolutivas de necessitarem de transplante de fígado.
Capítulo 57 I Cirrose Hepática 647 •
Fármacos
Diferentes fármacos e seus metabólitos podem produzir he patite crônica ativa e cirrose, sobretudo o.-metildopa, isoniazida, nitrofurantoína, dantrolone, diclofenaco e alguns outros. His tologicamente, essa hepatite se traduz por infiltrado inflama tório periporta, composto por linfócitos e plasmócitos, e com necrose periférica, existindo ou não granulomas não caseosos, A colestase ductopênica pode fazer parte do quadro, e um as pecto de cirrose biliar pode se observar naqueles pacientes em uso de clorpromazina. Por sua vez, metotrexato e vitamina A, arsenicais e cloreto de vinil podem levar à instalação de fibrose. Cirrosepode ser identificada em pessoas que usam também por tempo prolongado coralgil e tamoxifeno, amiodarona, maleato
de perexilina, cobloqueadores de canal de cálcio, cetoconazol, gríseofulvina, nimesulida,fenilbutazona, ibuprofeno, guinidina e outros. Relaciona-se essa evolução com a continuada exposi ção, levando a que cursem nas fases mais avançadas com sinais de redução funcional da síntese parenquimatosa e hipertensão portal, sendo necessário conduzi-los ao transplante de fígado. •
Metabólica
A doença de Wilson é um erro inato do metabolismo, ca racterizado por defeito na excreção biliar do cobre, com con sequente acúmulo do metal no fígado, cérebro e córnea. São acometidos pacientes jovens, que evoluem com deterioração intelectual, tremor, disartria, distonia, anemia hemolítica, he matúria e amenorreia. A doença hepática manifesta-se por insuficiência hepática fulminante, hepatite crônica ativa, e/ou cirrose, compensada ou não, observada, em geral, em pacientes que não responderam ao tratamento com penicilamina, trien tine ou tetratiomolibdato de amônia. Insuficiência hepatoce lular, tradução de necrose maciça presente nos cirróticos, sem ou com hipertensão portal avançada, leva-os ao transplante de fígado, com sobrevida de 1 ano atingindo 79% deles, com me lhora da qualidade de vida e alguns cursando com regressão dos sintomas psiquiátricos e neurológicos que apresentavam no pré-operatório. A hemocromatose hereditária (HH), doença herdada, rela cionada no gene HFE (6 p21.3) identificada pela ocorrência de, pelo menos, duas mutações, gerando pacientes positivos para fenótipos C282Y, H63D, homozigotos ou heterozigotos com postos. Todos cursam com níveis séricos elevados de ferritina (> 1.000 ng/mf) e índice de saturação de transferrina (> 40%), devendo ser tratados por flebotomias periódicas, até que índi ces de saturação de transferrina e de ferritina estejam, respec tivamente, abaixo de 5% e de 50 ng/rnf. Falência dessa resposta leva-os a cursar histologicamente com excesso de ferro sendo depositado nos hepatócitos distribuídos na zona 1 posterior mente periporta, gerando fibrose e cirrose hepática. Esse quadro é de evolução mais rápida naqueles com esteato-hepatite não alcoólica e portadores de vírus da hepatite C, com maior pro pensão ao desenvolvimento de insuficiência hepatocelular ou, até, carcinoma hepatocelular, levando-os a serem conduzidos pelo transplante de fígado. Nos últimos anos, tem-se definido que vários outros genes/proteínas, que não apenas o HFE, estão envolvidos na regulação da homeostase do ferro. Entre esses, incluem-se hemojuvelina, hepcidina (HAMP, 19 q13.1), recep tor 2 de transferrina (TfR2) e ferroportina 1 (SLC40Al.2q32). Nesses, existe também um aumento na absorção duodenal do metal, sob forma iônica, com heme, cruzando sob essa forma a membrana apical, transferindo-se para o sangue através da membrana basolateral, tendo acesso a veia porta atingindo o
fígado e gerando quadros anatomopatológicos semelhantes. Todos devendo ser conduzidos à semelhança do descrito ante riormente para os portadores do gene HFE, antes que cursem com diabetes, insuficiência cardíaca congestiva e também com neoplasia primária do fígado. Deficiência de O.rantitripsina (0.1-AT), um inibidor de pro tease sérica, bloqueadora de elastase neutrofílica, relaciona-se com a mutação que se instala no gene específico, disposto no cromossomo 14q3, com alelo M sendo normal e expressões mu tantes ocorrendo nos alelos S e Z, gerando acentuada deficiência sérica da enzima, causando enfisema pulmonar e doença hepá tica. Forma mais grave entre esses pacientes acontece com os que expressam o genótipo PiZZrelacionado com mutação iden tificada no códon 342, resultando na troca de ácido glutâmico por lisina. Nessa ú l tima eventualidade, as crianças acometidas cursam com colestase neonatal e, quando adultos, desenvol vem hepatite crônica e cirrose. Essas formas são histologica mente definidas pela presença de glóbulos intracitoplasmáticos (PAS+) revelados por m i uno-histoquímica, progressiva evolu ção para a cirrose, expressa sob forma de nódulos regenerativos envolvidos por espessas faixas de fibrose, com as características expostas no Quadro 57.8. A galactosemia é representada por uma série de doenças transmitidas por herança autossômica recessiva, expressão de deficiências celulares de três enzimas, galactose-1-fosfato uri diltransferase, galactoquinase e uridina difosfato (UDP) ga lactose-4-epimerase. Os defeitos de atividade dessas enzimas decorrem do estabelecimento de mutações em aminoácidos, gerando distintas expressões clínicas, que se revelam por des nutrição, retardo e precário crescimento somático, formação de catarata, doença hepática progressiva, retardamento mental, resultado de deficiências enzimáticas eritrocitárias, acarretan do intolerância à galactose da dieta. Modificações histológicas aparecem já nos primeiros 10 a 11 dias de nascimento, traduzi das por hepatoesplenomegalia e hipertensão portal, o que pode levá-las a aingir t a puberdade, cursando com insuficiência ova riana, déficits menstruais e da fala. A confirmação diagnóstica se processa pela excessiva presença urinária de galactose, além de 60 mg/di, exigindo-se mensuração de atividade eritrocitária de transferase, a qual pode ser caracterizada também por testes genéticos envolvendo cDNA, ou definindo mutações Q188/2. O tratamento envolve retirada dietética da galactose. Já nas primeiras semanas de vida, identificam-se esteatose, prolifera-
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Quadro 57.8 Características evolutivas na deficiência de a1-antitripsina (genótipo PiZZ) 1. Cerca de 10-1 5% desenvolverão doença hepática sintomática na infância; 2. Cerca de 5% das crianças acometidas permanecerão ictéricas e progredirão para cirrose descompensada e morte ao fim do primeiro ano de vida; 3. Cerca de 25% morrerão de complicações de cirrose entre 6 meses e 1 7 anos de vida, tendo cursado com hipertensão portal, colestase e retardo de desenvolvimento; 4. Outros 25% sobrevivem durante anos sem evidências de descompensação hepatocelular ou presenças de hemorragia digestiva alta, ascite ou síndrome hepatorrenal; S. Tentando evitar ou combater complicações advindas, deverão ser
conduzidos pelo transplante de fígado com receptor adquirindo fenótipo do doador, restaurando concentrações séricas normais de a,-antitripsina.
648 Capítulo 57 I Cirrose Hepática ção colangiolar periporta, transformação pseudoacinar, com a progressão para cirrose podendo ocorrer em 6 meses. As glicogenoses constituem-se em grupo heterogêneo de doenças, consequentes a distúrbios do metabolismo do glico gênio, cuja formação e degradação são reguladas por processo que envolvem, pelo menos, oito enzimas, cujas deficiências ge ram, pelo menos, 12 formas reconhecidas de doenças de arma zenamento desse carboidrato com apenas três tipos n i duzindo evolução para agressão hepatocelular, conforme discrimina do adiante: I. cursam todos com hipoglicernia, acidose láctica, hiperuricernia, hipofosfatemia, hiperlipidernia, neutropenia e disfunção plaquetária, com desenvolvimento de adenoma he patocelular em consequência da hiperglucagonemia que apre sentam; II. evoluem com déficit de crescimento, ausência de hipoglicemia, progressiva fraqueza muscular, aumento volu métrico dos rins, enquanto no fígado evoluem com esteatose, septos fibrosos, alguns evoluindo para cirrose; e III. conhecido como amilopectinose ou doença de Andersen, com crianças evoluindo em 3 a 5 meses, com distensão abdominal, sintomas dispépticos, hipotonia, atrofiamuscular, com o fígado exibindo depósitos citoplasmáticos PAS positivos, núcleo deslocado por inclusões glicogênicas, fibrose e cirrose rnicronodular, não in frequentemente conduzidos pelo transplante de fígado. Tirosinemia, desordem do metabolismo dos aminoácidos, representação do reduzido catabolismo de tirosina, um aminoá cido aromático essencial às sínteses de catecolaminas, melanina e hormônios tireoidianos. Representada por quatro erros inatos autossômicos recessivos definidos pelas seguintes síndromes: tirosinemia hereditária tipos 1, 2 e 3, e alcaptonúria. São crian ças que evoluem com níveis séricos elevados de tirosina (30 mg/ di) e excreção acentuada do composto irosil. t A forma aguda ocorre já no recém-nato, expressa por vômito, diarreia, anemia, com morte ocorrendo no primeiro ano de vida por insuficiência hepática. A forma crônica define-se pela presença de hepato esplenomegalia, colestase, fibrose pericelular e periporta, além de cirrose micro e, posteriormente, macronodular, com focos de displasia celular eventualmente complicada por carcinoma hepatocelular. A terapêutica se baseia em medidas dietéticas e, nas fases avançadas da doença hepática crônica, por meio do transplante de fígado. As porfirias são, por sua vez, doenças causadas por anor malidades na síntese do heme, resultado da deficiência de di ferentes enzimas relacionadas com deficiências enzimáticas específicas, herdadas de formas recessiva ou dominante, en volvendo dois grupos dependendo do tecido acometido, tais como eritrócitos ou hepatócitos. Doenças hepáticas resultam dessa desorganização, cinco delas localizadas exclusivamente nos hepatócitos, em duas outras, de modo combinado, encon tra-se comprometida a medula óssea, estrutura lesada apenas na última delas. São pacientes que cursam com manifestações clínicas neuropsiquiátricas, cutâneas ou hepáticas. Dessas, a mais frequente é aprotoporfiria eritro-hepática, na qual o exces so de produção de protoporfirinas não sofre eficaz clareamento hepatobiliar, levando à instalação de agregados insolúveis, que se depositam nos duetos biliares, promovendo colestase, fibro se e cirrose rnicronodular. A conduta envolve transplante de fígado, com sobrevida e melhor qualidade de vida, porém com persistência de distúrbios bioquímicos e a recorrência da lesão hepatocelular podendo ser observada. •
Esteato-hepatite não alcoólica (EHNA)
Tem características típicas que assim podem ser resumidas: 1 . é responsável por cerca de 60 a 80% dos casos de níveis séri-
cos elevados de aminotransferases e gamaglutamiltransferases de pacientes atendidos em ambulatórios ou consultórios de clínicas privadas; 2. é mais observada entre obesos, sobretudo naqueles com hipertensão arterial, hiperglicemia, hipertrigli ceridernia (> 150 mg/di) e com valores de HDL abaixo de 40 e de 50 mg/df, respectivamente, para homens e mulheres. São estes que demonstram risco maior de desenvolver essa síndro me plurimetabólica, que traduz resistência à n i sulina. De me canismo patogenético complexo, instala-se em consequência de: 1. redução da oxidação mitocondrial de triglicerídios; 2. baixa exportação hepática de ácidos graxos e lipídios; 3. síntese hepática maior de fosfolipídios e ésteres de colesterol; 4. acen tuadas produções de radicais livres de 02; 5. hipersecreção de leptina e grelina, as quais hiperestimulam células estelares do fígado e da matriz extracelular. Com história natural indefini da, tem estabilidade histológica entre 1 e 9 anos de evolução, comportamento notado em 54% dos pacientes. A cirrose é mais frequentemente observada na presença de infiltrado inflama tório, com a sobrevida de 5 a 10 anos nesses pacientes sendo, respectivamente, de 67 e 59%, mostrando tendência à expansão para carcinoma hepatocelular, levando-os a serem conduzidos pelo transplante de fígado. A cirrose da criança indiana tem sido também descrita entre norte-americanos e em habitantes de outros países, inclusive europeus. São acometidos entre 1 e 3 anos, mas também com 10 anos de idade, predominando no sexo masculino, na pro porção 3:1. A doença manifesta-se em três estágios; a. inicial, expresso por anorexia, irritabilidade, quadro febril, hepatome galia e distensão abdominal; b. intermediário, que se traduz por icterícia, esplenomegalia e sinais de hipertensão portal, com cirrose instalando-se entre 1 e 8 meses; e c. tardio, definido por sinais de descompensação expressos por colestase, hemorragia digestiva, infecções repetidas, edema, encefalopatia hepática e morte. Essa evolução ocorre entre 4 e 6 meses. Fatores patoge néticos são n i gesta de alimentos contaminados por aflatoxina e de leite encerrando cobre. Esse metal é identificado nas biop sias hepáticas em concentrações que ultrapassam 4.788 iJ,g/g de fígado seco, bem acima dos 1.400 iJ,g/g presentes em indiví duos normais. Histologicamente, expressa-se por: 1 . necrose hepatocelular; 2. corpúsculo de Mallory ocupando mais de 15% dos hepatócitos; 3. fibrose pericelular; 4. expansão dos espaços portais por células mononucleares e alguns neutrófilos; S. pro liferação ductular; e 6. cirrose rnicronodular. Tratados na fase compensada com 20 iJ,g/g!kg/dia de d-penicilamina, reduz-se a mortalidade de 93 para 53% em 18 meses de evolução. Reco mendável terapêutica antioxidante e, para aqueles em estágios mais avançados, o transplante de fígado pode ser realizado. •
Vascular
A síndrome de Budd-Chiari instala-se em consequência de obstáculo ao livre fluxo sanguíneo secundário a trombo se de veias hepáticas ou de veia cava inferior supra-hepática. É mais frequentemente observada em situações de hipercoa gulabilidade (policiternia rubra vera, hemoglobinúria paro xística noturna e síndromes neoplásicas, deficiências de an titrombina III e proteína C), em mulheres que se encontram em uso de anticoncepcional oral, durante ou após a gestação, e na presença de anticorpos anticardiolipina. Pacientes cursam com volumosa hepatomegalia, ascite tensa, como outros sinais típicos de hipertensão portal, instalando-se de forma aguda ou crônica. Histologicamente, traduz-se por dilatação e colageni zação dos sinusoides, desaparecimento de veias centrolobula res, lobulação reversa e cirrose. O diagnóstico confirma-se por
Capítulo 57 I Cirrose Hepática 649 meio de ultrassom com Doppler, angiorressonância magnética ou tomografia computadorizada e estudo histológico do fíga do. Esse mesmo distúrbio de drenagem venosa observa-se na insuficiência cardíaca direita crônica. A doença venoclusiva, por sua vez, é uma síndrome clínica
sanguíneo para o córtex renal em consequência da vasoconstri ção das arteríolas aferentes, com consequente desvio de sangue para a medular. Tais modificações resultam em importante di minuição da filtração glomerular, maior reabsorção tubular de sódio e água e retenção azotada culminando com a síndrome
caracterizada por icterícia, hepatomegalia e ascite, em geral pre sente em pacientes submetidos a quimioterapia com bussulfan, ciclofosfamida, carmustina e etoposide, associada a irradiação corpórea total. Instala-se também em alguns pacientes cerca de 3 semanas após o transplante de medula óssea. O quadro clínico e histológico assemelha-se aos anteriormente citados, em consequência da obstrução ao fluxo sanguíneo de deságue que apresentam.
hepatorrenal, um indicativo de mau prognóstico. Distúrbios hematológicos são frequentes na cirrose hepáti ca, tais como: 1. anemia, multifatorial causada por hemólise, deficiência na síntese de ácido fólico e absorção do ferro, ob servada sobretudo nos desnutridos; 2. leucopenia e plaquetope nia geradas a partir do hiperesplenismo; 3. redução na síntese dos fatores que compõem o complexo protrombínico (II, VI, IX, X), representada por baixa na atividade e alargamento no
Telangiectasia hemorrágica hereditária, doença herdada com
tempo de protrombina. Em geral, esses cursam também com baixos valores séricos de fator V, associadamente responsáveis pelo aparecimento de sangramentos espontâneos, equimoses e hematomas presentes ao menor trauma. Por sua vez, o fígado normal produz cerca de 10 g de albu mina/dia, nível que se reduz para 4 g/dia nos cirróticos. Essa hipoalbuminemia altera a pressão coloidosmótica plasmática, a qual, associada à hipertensão portal e à presença de substâncias
caráter autossômico dominante, com frequência estimada de 1 a 2:100.000 nascidos vivos. Os pacientes exibem telangiecta sias de pele e mucosas, com cerca de 30% apresentando fístulas hepáticas A-V. Como consequência, eles cursam com dor no hipocôndrio direito, hepatomegalia e insuficiência cardíaca de débito elevado. A angiografia hepática é típica e, histologica mente, traduz-se por estruturas vasculares portais e periportais dilatadas, volumosas e com paredes delgadas. Tem tendência a evoluir com fibrose secundária e trombose, e a coalescer for mando traves até as veias centrais. Desenvolve-se como res posta uma regeneração nodular, formando cirrose atípica, ou também definida como pseudocirrose, sempre acompanhada de hipertensão portal e insuficiência hepatocelular.
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Criptogênica
Constitui um grupo heterogêneo, de etiologia desconheci da, representando cerca de 5 a 15% das cirroses. São pacien tes negativos para todos os marcadores séricos, radiológicos e histológicos que definem as anteriores etiologias. Mecanismos patogenéticos são desconhecidos, e, histologicamente, a doença representa-se por ausência de espaços portais, arranjos vascula res anormais, septos fibrosos e regeneração nodular. Predomina entre mulheres, não infrequentemente nas fases avançadas da doença, sendo conduzidos pelo transplante de fígado.
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ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS A instalação da fibrose e da regeneração nodular no fígado
vasoconstritoras, leva à menor excreção renal de sódio e água, com formação de ascite. Nessa situação, encontra-se compro metido o transporte plasmático de diversas substâncias de baixo peso molecular, dependentes da atuação dessa proteína. As alterações nos aminoácidos plasmáticos, na cirrose hepá tica, dependem do grau de comprometimento celular e da ex tensão das anastomoses portocavas. Geralmente, as concentra ções plasmáticas de citrulina, metionina, tirosina, fenilalanina estão aumentadas, e as de leucina, isoleucina e valina, diminuí das. A redução dos níveis séricos desses últimos aminoácidos de cadeia ramificada, os quais são degradados na musculatura, l - hormônio que acelera a cap deve-se a uma baixa da insuina tação desses aminoácidos pela musculatura e fígado. Também a queda da capacidade de síntese hepática leva à incapacidade de conversão de amônia em ureia, ocasionada pela diminuição da atividade da carbamoil-fosfato-sintetase e da argininossuccina to-sintetase, com consequente menor clareamento da amônia e geração de hiperamoniemia. A alta incidência de infecções bacterianas em cirróticos pode ser explicada pela existência de importantes alterações nos me canismos de defesa contra as bactérias, dependentes da depres são funcional do sistema reticuloendotelial e dos granulócitos, baixos níveis de complemento e deterioração da imunidade
acaba por determinar o aparecimento da hipertensão portal, definida pelo aumento dos níveis pressóricos no sistema venoso portal acima de 5 mmHg da pressão da veia cava inferior. Com a instalação desse distúrbio hemodinâmico, forma-se extensa rede de circulação colateral, na tentativa de aumentar o retor no venoso para a circulação cardiopulmonar e aliviar o sistema portal, formando-se, assim, desvios da circulação portal para a sistêmica, representados, sobretudo, pelas varizes esofagogás
celular. São pacientes que exibem diminuição de alguns cons i tituintes do plasma que estão envolvidos com a resposta mune, como zinco, albumina e transferrina. A síntese desses aspectos fisiopatológicos encontra-se representada no Quadro 57.9.
tricas. Apesar dessa desestruturação, o fluxo hepático deve ser mantido, como tentativa de garantir o funcionamento hepáti co, o que se traduz pelo aumento do débito cardíaco com re dução na resistência arteriolar esplâncnica (aumento do fluxo sanguíneo para os órgãos abdominais) e acentuação da resis tência oferecida pelos vasos colaterais. São pacientes que evo luem ainda com anastomoses arteriovenosas intrapulmonares e portopulmonares (sistema ázigo-pulmonares, ao nível do hilo
A magnitude das manifestações clínicas está, obviamente, na dependência do grau de comprometimento celular hepá tico e da intensidade da fibrose. Alguns pacientes, sobretudo nas fases iniciais da doença, não apresentam quaisquer sinais ou sintomas, o que torna possível dividi-la em: 1. cirrose he pática compensada, muitas vezes pobre em sinais e sintomas, suspeitando-se da doença pela identificação de alterações fí sicas, como hepatoesplenomegalia e hipertransaminasemia,
pulmonar), levando à diminuição da p02 no sangue arterial e da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Por outro lado, a circulação renal, dependendo do estágio clínico, pode estar alterada, ocorrendo diminuição do fluxo
detectadas durante realização de exames físicos e laboratoriais de rotina. Nesses doentes, mostra-se comum a existência de história mórbida pregressa de hepatite sem etiologia definida, uso crônico de álcool ou sintomatologia vaga, tal como astenia,
•
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
650 Capítulo 57 I Cirrose Hepática -------
T-------
Quadro 57.9 Esquema simplificado das alterações fisiopatológicas na cirrose
i
/
Queda na produção de albumina
Obstrução intra-hepática
+
Diminuição da pressão oncótica
.
.
.. .
. .. . . . .
�-
.
.
. . ..
.
.
.
Alterações circulatórias
Aumento da pressão venosa portal .
.. .
�
Cirrose Hepática
.
.
.
.
.
.
.··
.
. .
··-
..
··.... .. .
.
. . .. ..
.
Diminuição do volume plasmático efetivo
. .
Renina
Angiotensina 11
Aldosterona
Estímulo aos receptores de volume
/
Aumento da atividade simpática
� -
�
�
+
Encefalopatia 1 hemorragia digestiva
.
Aumento da pressão intra-sinusoidal
I
··-....
.
.
Lesão hepatocelular levando à insuficiência hepática
Shunt portossistêmico 1 vasodilatação
..
..
..
.
Queda da drenagem linfática
Aumento da formação de linfa portal
r-------__ Aumento do fator natriurético
Queda de prostaglandinas e bradicininas
'
Aumenta absorção de Na (queda no Na urinário)
epistaxe, edema, lentidão de raciocínio, emagrecimento, sen do também encontrados febrícula, aranhas vasculares, eritema palmar e referências a episódios de diarreia, além de sintomas dispépticos diversos, tais como plenitude epigástrica ou flatu lência. Esses pacientes podem manter-se nessa fase por toda a sua vida, vindo a falecer por causas diversas, porém alguns, em poucos meses ou anos, geralmente evoluem para falência hepatocelular e hipertensão portal. Prever essa evolução é mui to difícil, sendo seu curso considerado individual, dependen te de inúmeros fatores, bem como da etiologia da doença; 2. cirrose hepática descompensada: não raramente, nessa fase o paciente é levado ao médico por apresentar complicações da cirrose hepática, tais como ascite, encefalopatia e hemorragia digestiva alta. Em geral, apresenta fraqueza progressiva, perda ponderai, com evidentes sinais de comprometimento de seu estado nutricional e diminuição de massa muscular. Pode ha ver episódios de bacteriemia, com febre causada por bactérias gram-negativas, necrose celular ou n i stalação de carcinoma he patocelular. Comumente, os doentes exibem hálito hepático e icterícia, do tipo hepatocelular ou causada por hiper-hemólise. Ao exame, identificam-se hiperpigmentação da pele (hemo cromatose hereditária), dedo hipocrático com unhas esbran quiçadas, telangiectasias aracniformes (na face e no tronco), eritema palmar, alteração na distribuição dos pelos pubianos
Ascite
(que adquirem forma ginecoide no homem e, na mulher, ten dem a desaparecer), ginecomastia, atrofia testicular, petéquias e equimoses, tremor de extremidades ouflapping. No abdome, detectam-se ascite e sinais de circulação colateral, esta podendo ser: a. tipo porta, rede venosa vicariante localizada nas regiões periumbilical, epigástrica e face anterior do tórax, com fluxo do abdome para o tórax; b. tipo cava n i ferior, formada atra i ferior, por vés das veias retais, com o fluxo da mesentérica n contracorrente, atingindo a cava inferior. O fígado pode estar aumentado, de volume, endurecido ou, então, diminuído e não palpável. Esplenomegalia pode ser evidenciada pela ocupação do espaço de Traube, ou palpação do órgão abaixo do rebordo costal esquerdo.
•
ASPECTOS LABORATORIAIS
Alguns destes estão representados no Quadro 57.10. O comportamento de alguns outros parâmetros merece ser citado neste capítulo, sobretudo no que diz respeito às proteí nas e enzimas séricas, tratadas logo adiante. A albumina apresenta composição homogênea, sendo sin tetizada exclusivamente no fígado; portanto, na cirrose hepá tica, encontramos baixos níveis séricos. Em geral, os doentes
Capítulo 57 I Cirrose Hepática 651 -------
T-------
Quadro 57.10 Aspectos laboratoriais diagnósticos nas cirroses Etiologias
Aspedos laboratoriais
Infecciosa Hepatites B e D Hepatite C
Hepatite autoimune Obstrução biliar
Cirrose biliar primária Colangite esclerosante primária Fibrose cística
AgHBs e Anti-VHD lgM e lgG (sorológicos e no tecido) RNAVHC (técnica PCR - sorologia e tecido) Hipergamaglobulinemia e autoanticorpos séricos específicos Hipergamaglobulinemia, anticorpo antimitocôndria VHS elevada e p-ANCA positivo Teste de suor
Metabólica Doença de Wilson
Cobre e ceruloplasmina séricos, excreção de CU" nas 24 h, concentração de Cu no fígado
Hemocromatose hereditária
lndice de saturação da transferrina e ferritina elevados
Deficiência de a,-AT
Nível sérico de a,-AT, fenótipo PiZZ
Galactosemia
Açúcar redutor urinário não glicose, nível eritrocitário de galactose-1 -fosfato uridiltransferase
Glicogenose
Ácido láctico, glicemia de jejum, nível enzimático muscular e hepático
Tirosinemia
Nível sérico elevado de tirosina
Porfiria eritro-hepática
Nível sérico de porfirinas, vírus das hepatites B e C
CU" = Cobre urinário.
evoluem com aumento da fração gamaglobulina e uma fusão beta-gama, consequente a elevados valores das imunoglobu linas. Na cirrose biliar primária, ocorre aumento isolado de IgM; na alcoólica, de IgG e IgA e, em menor grau, de IgM; e de IgM nas fases n i iciais das hepatites agudas. Concentrações reduzidas de Fluxo urinário; < OSMOL f Excreção de eletrólitos não > i
Complicações induzidas por diuréticos Encefalopatia hepática sem outro fator desencadeante
EFEITOS AQUARtTICOS •
•
__ __ __ __ __ __ __ __
> Níveis séricos de VP; > PA; > FGR
Insuficiência renal funcional com acentuação do nível sérico de creatinina em mais de 100% acima dos valores iniciais
Cefaleia, rubor facial, tonturas
H iponatremia (Na sérieo < 125 mmol/.e) Hipo (< 3 mmoi/R) ou hiperpotassemia (> 6 mmol/l) apesar de adoção de medidas corretivas
Conceituação obedece à ausência de resposta ao tratamento diurético em doses máximas e instituído por 7 dias:
cionamento desse sistema dependente também da presença de catecolaminas ou de serotonina e, sobretudo, do óxido nítrico_ Esta última molécula, juntamente com endoto.xinas geradas a partir de bactérias intestinais e citocinas, escapa ao metabolis mo hepatocelular, participando da gênese da ascite refratária.
Espironolactona (400 mg) e furosemida (160 mg)
Ausência de resposta terapêutica expressa por: Perda de peso menor do que 200 g nos últimos 4 dias de tratamento intensivo, e natriurese 1,5 mg/df) O implante do TIPS proporcionou:
Redução no gradiente portocava em 100% (20,9 para 1 0,9 mmHg) Redução na pressão da veia porta em 100% (29.4 para 21,8 mmHg) Desaparecimento parcial ou total em 69% (247 pacientes) Apenas 10% (36 pacientes) não responderam satisfatoriamente Tempo de resolução da ascite de 1 a 3 meses Diurético pode ser necessário para tratar edema, ou alguns doentes que responderam pior Encefalopatia hepática ocorreu em 46%, ou seu agravamento em 28% Tempo de seguimento variou entre 7,6 e 1 5,5 meses Disfunção da prótese: precoce (8%), tardia (27%) Mortalidade: menos de 30 dias (12%); mais de 30 dias (40%) Probabilidade de sobrevida (> 1 ano): baixa
A implantação do dispositivo de Le Veen proporciona a instalação de uma expansão volumétrica sustentada, supressão da síntese exacerbada de renina, aldosterona, norepinefrina e hormônio antidiurético. Dessa forma, restabelece-se a perfusão e o funcionamento renal, com ampliação da diurese e melhor controle da ascite. Deve ser evitado seu emprego em pacientes com história de ruptura de varizes de esôfago e não tratados adequadamente pela esclerose endoscópica, naqueles com insuficiência cardía ca ou graves distúrbios de coagulação e em hepatopatas com grande atividade inflamatória histológica do figado. Além des ses parâmetros, níveis séricos elevados de fibrinogênio, fosfata se alcalina, ureia, gamaglutamiltransferase, bilirrubina e baixa atividade de protrombina constituem fatores importantes para determinar o prognóstico da sobrevida m i ediata desses pacien tes: quando três ou mais destes se encontram alterados, deve se contraindicar essa atitude terapêutica cirúrgica, sob risco de elevado índice de mortalidade pós-operatória. Estudos controlados, no entanto, não têm demonstrado be nefícios da anastomose peritoniovenosa, quando comparada com a terapêutica clínica convencional ou com as paracente ses volumosas, com expansão de volume plasmático. Ressalve se, entretanto, que o número de readmissões foi considerado significativamente mais baixo em pacientes com a vá l vula de Le Veen. O índice cumulativo de ascite recorrente situa-se em torno de 22% aos 3 anos, dependente, sobretudo, da oclusão do cateter venoso, complicação atenuável com a adição de ti tânio na confecção da extremidade distai do cateter. A sobre vida atinge 72% ao fim de 2 anos, desde que os pacientes não apresentem sangramento por varizes, nem peritonite bacteriana espontânea. Recomenda-se que doentes com essas característi cas, sobretudo antes dos 50 anos, sejam submetidos ao trans plante de fígado. Atualmente, a aplicação da válvula tem sido reservada para: 1. doentes com ascite refratária; 2. pacientes que não são can didatos ideais ao transplante de fígado, por exibirem múltiplas cicatrizes abdominais cirúrgicas.
682
Capitulo 59 I Asclte Hepatogênica
• Transplante de fígado e combinado fígado-rim Cirróticos hemodinamicamente instáveis evoluem com asci te, e a probabilidade de sobrevida de 1 a 5 anos após a primeira apresentação atinge, respectivamente, 50 e 20%. Metade sobre vive mais de 28 meses, quando se encontra normal a atividade de renina plasmática, ou a excreção urinária de sódio é superior a 1O mEq/dl. Outros sinais prognósticos negativos são pressão arterial média inferior a 80 mmHg, concentração plasmática elevada de norepinefrina, parênquima hepático com volume reduzido, hipoalbuminemia, elevado gradiente hepatoportal e hiperbilirrubinemia. Nesses, a infecção espontânea do líquido ascítico representa a complicação mais grave detectada durante a evolução natural da doença. Observada em 10 a 15% desses pacientes, leva à morte, em algumas séries, 36 a 90% dos aco metidos. Entre os que escapam do primeiro episódio, surtos de recidiva dentro de 1 ano atingem 70%. Ocorre tal evolu ção porque existe reduzida atividade fagocítica do sistema re ticuloendotelial, baixas concentrações de proteína na ascite e menor atividade opsônica. Entre esses doentes, mostra-se maior o ndice í de hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes eso f ágicas e insuficiência renal funcionante. Todo esse processo se mostra reversível com o transplante de fígado, restaurando uma melhor qualidade de vida e ampliando a sobrevida. Preocupante também se mostra a definição sobre exis tência de lesões renais complicadoras da evolução da cirrose (Quadro 59.17). Nesses casos, exige-se uma participação associativa, envol vendo hepatologista, nefrologista, radiologista e anatomopa tologista. Esse time estará envolvido em definir a gravidade da insuficiência renal que apresentam os doentes, baseando-se no índice de filtração glomerular (Quadro 59.18). São, em geral, pacientes cujos rins, à ultrassonografia, são hiperecogênicos e menores do que 9 em de tamanho. Existin do dúvidas quanto a essa característica, é necessário proceder à biopsia renal, e, na existência de distúrbios de coagulação e/ ou plaquetopenia, deve-se valer do acesso transjugular. Assim estudados e comprovadas lesões renais definitivas, os pacientes deverão ser submetidos ao transplante combinado fígado-rim. Eles deverão ser conduzidos em regime de imunossupressão,
�
Quadro 59.18 Estágios funáonais de doença renal crônica lndice de filtração glomerular Estágios renal (me/min) Interpretações > 90 60-90
11
30-59
111
IV
Redução moderada do IFG Grave redução do IFG Insuficiência renal
15-29
v
IFG
Lesão renal com função orgânica preservada (IFG normal) Leve redução do IFG
500
Exclui a presença de SIP
Pa02 pressão parcial de oxigênio arterial; SIP intracardíaco. =
=
shunt intrapulmonar; SIC
=
shunt
Capítulo 60 I Síndrome Hepatorrenale Síndrome Hepatopulmonar 689
Figura 60.1 Ecocardiograma bidi mensional com contraste (EGBC) de um paciente com dilatação vascular intrapulmonar. A, Câmaras cardía
cas normais. 8, Presença de microbolhas no átrio e ventrículo direito. C, Opacificação tardia, pelas microbolhas, do átrio e do ventrículo es querdo.
A ECC é considerada como o método não invasivo de esco lha para a detecção das dilatações vasculares intrapulmonares. Permite excluir a presença de comunicações intracardíacas, quantificar o grau de opacificação do ventrículo esquerdo e, por intermédio da ecocardiografi.a transesofágica, pode localizar o maior local de dilatações vasculares (lobo superior ou n i ferior, direito ou esquerdo). i docianina verde, dextrose a 5% ou Esse método utiliza n solução salina, as quais, quando agitadas, formam microbo lhas, que são maiores que o leito capilar pulmonar normal (8 a 15 Jlm). Logo após a injeção dessas substâncias na veia antecubital, pode ser detectada a presença das microbolhas, que são ecogênicas, nas câmaras cardíacas direitas. Em condi ções normais, essas microbolhas ficam retidas no leito capilar pulmonar. Todavia, em pacientes com dilatações vasculares intrapulmonares ou anastomoses broncopulmonares, as mi crobolhas podem ser identificadas no átrio esquerdo em três
a seis ciclos cardíacos após o seu aparecimento nas câmaras cardíacas direitas (Figura 60.1). O seu aparecimento antes do terceiro ciclo sugere a presença de comunicação intracardíaca. A prevalência de ECC positiva (com dilatação vascular intra pulmonar) em hepatopatas crônicos é de 5 a 47%. A cintigrafia pulmonar com macroagregados de albumina marcada com 99mTc é outro método utilizado para a detecção da vasodilatação intrapulmonar, sendo mais específico que a ECC. A maioria dos macroagregados de albumina apresenta diâmetro superior a 20 Jlm, sendo, portanto, maior que o diâ metro do leito capilar pulmonar normal. Em condições nor mais, o pulmão capta a maioria dos radioisótopos, permitindo a passagem de apenas 3 a 6% dos macroagregados. Na presença de comunicações vasculares intrapulmonares ou intracardía cas, os radioisótopos não são totalmente captados na circula ção pulmonar, podendo ser detectados no cérebro, nos rins e no fígado (Figura 60.2). O método permite quantificar o grau de dilatação vascular, pela determinação da porcentagem de radioisótopos que escaparam da circulação pulmonar, e é par ticularmente importante para avaliar a contribuição da SHP na hipoxemia em cirróticos com pneumopatia. Entretanto, esse método é incapaz de distinguir as comunicações vasculares intrapulmonares das intracardíacas, além de possuir baixa sen sibilidade quando comparado com a ECC. A arteriografia pulmonar é o mais invasivo dos três méto dos e, por essa razão, o menos utilizado (Figura 60.2). Não é necessária para o diagnóstico, porém pode ser útil na escolha do tipo de tratamento.
•
Figura 60.2 Arteriografia pulmonar evidenciando extensas vasodila
tações arteriovenosas.
TRATAMENTO
Nas fases iniciais, a hipoxemia, em pacientes com a SHP, geralmente responde bem à suplementação de oxigênio, em fluxo baixo (2 a 4 ê/min), através de um cateter nasal. Poste riormente, uma suplementação progressivamente maior passa a ser necessária, e, então, pode-se oferecer o oxigênio através de cânula transtraqueal. Vários agentes terapêuticos têm sido utilizados no tratamen to da SHP, todavia sem uma melhora substancial. O objetivo da terapia farmacológica é limitar a vasodilatação pulmonar pelo uso de substâncias que inibem a vasodilatação ou que poten cializam a vasoconstrição. Foram relatados casos de pacientes tratados, com sucesso limitado, utilizando análogos da somatostatina, drogas anti-
690 Capítulo 60 I Síndrome Hepatorrenal e Síndrome Hepatopulmonar inflamatórias, almitrina ou inibidores das prostaglandinas, ini bidores da NO-S. Até o presente, não há nenhum tratamento farmacológico que, n i equívoca e consistentemente, melhore a oxigenação e altere a vasodilatação pulmonar associada à SHP. Ao longo da última década, o TIPS tem se consolidado como um tratamento eficaz em algumas complicações da hiperten são portal, como na prevenção do ressangramento por varizes esofágícas e no controle da ascite refratária. O seu uso em ou tras situações associadas à hipertensão portal ainda necessita de estudos controlados. O papel do TIPS no tratamento palia tivo da SHP ainda é controverso. Embora a maioria dos casos relatados de SHP que utilizaram o TIPS tenha experimentado
•
O prognóstico da SHP é reservado com uma mortalidade de cerca de 40% após 2,5 anos. Apenas o transplante de fí gado oferece uma melhor esperança em casos selecionados. De maneira geral, pacientes com P02, superior a 60 mmHg devem receber transplante tão cedo quanto possível. Aqueles com P02 inferior a 60 mmHg merecem uma avaliação rigo rosa pela equipe de transplante, que julgará o risco-benefício cuidadosamente. Finalmente, convém insistir em que não há no momento nenhuma droga que tenha provado ser eficiente por longos períodos.
melhora, existem relatos de insucesso dele. A oclusão de malformações arteriovenosas pulmonares con gênitas através do uso de cateter transcutâneo proxímal à fístula é um procedimento já estabelecido. Essa técnica é uma opção terapêutica para o manejo do shunt arteriovenoso intrapulmo nar, dito verdadeiro, como o presente na síndrome de Rendu Osler-Weber. Portanto, aplica-se especialmente nos pacientes com o tipo II da SHP. O emprego destes dois métodos, TIPS e embolização, no tratamento da SHP parece ser apenas uma medida paliativa, servindo como uma ponte para o TxH. Eles devem ser mais bem avaliados, especialmente nos pacientes com Pa02 < 50 mmHg, que sabidamente apresentam maior morbidade e mortalidade
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LEITURA RECOMENDADA
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Síndrome hepatorrenal
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pós-transplante. Até pouco tempo atrás, a presença de grave hípoxemía ar terial era contraindicação absoluta ao TxH; todavia, com os relatos de melhora da hipoxemia pós-transplante, a SHP é atu almente considerada uma indicação para a realização do TxH. A normalização da hipoxemia pode ocorrer em poucos dias ou demorar até cerca de 14 meses após o transplante. A morbidade e a mortalidade após o TxH parecem estar aumentadas neste subgrupo de pacientes. Arguedas e colabo radores acompanharam prospectivamente 24 pacientes, com SHP, submetidos a transplante. Destes,
PROGNOSTICO
7 (29%) morreram no
pós-operatório, 5 dos quais por complicações cardíopulmona res, e todos os óbitos ocorreram dentro de um período de 1 O se manas depois do transplante. Uma Pa02 < 50 mmHg isolada
ou em combinação com uma fração de shunt intrapulmonar
> 20%, estimado pela cintigrafia pulmonar com macroagrega dos de albumina marcada, foram fortes predítores de mortali dade pós operatória, sugerindo que aqueles pacientes com grave hipoxemia e um significativo shunt intrapulmonar, caracterís
ticas apresentadas pelos pacientes com SHP tipo li, devem ser
mais bem avaliados no pré-operatório.
Não obstante, existem relatos contrários, como o de Kim e colaboradores, que compararam as características pré-opera tórias e o seguimento após o transplante de
13 pacientes com
SHP e 65 controles, e não observaram diferenças significativas entre os dois grupos no que se refere a tempo de intubação orotraqueal, permanência na UTI, duração da hospitalização, taxa de complicações pulmonares e sobrevída em 3 meses. Su
geriram que a presença de SHP não afeta de forma significativa os resultados do TxH em círróticos. Portanto, embora, atualmente o TxH permaneça como a única terapia real para a SHP, a reversibilidade desta síndrome, após o transplante, ainda não é passível de previsão. Dentre as perspectivas futuras para o TxH na SHP, caberá uma melhor identificação do subgrupo de pacientes com melhores condi ções de beneficiar-se depois do procedimento.
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Perito n ite Bacteriana Espontâ nea Angelo Alves de Mattos e Angelo Zombam de Mattos
As infecções bacterianas permanecem como uma das compli cações mais frequentes e preocupantes nos pacientes com cir rose.
diversas; no entanto, a via hematogênica parece ser a mais aceita. A quebra de barreiras mucosas ou epiteliais (trato respirató
Sendo a hepatopatia crônica, provavelmente, uma das for mas mais comuns de m i unodeficiência adquirida, no senso
rio, trato urinário e a pele) pode servir como porta de entrada para o organismo infectante; contudo, a maioria dos microrga
genérico do termo, não é de surpreender que as infecções bac terianas sejam eventos comuns em sua história natural. Quando
nismos que causam a PBE são de origem entérica. Desta forma, o principal fator que desencadeia o surgimento da PBE parece ser a quebra da barreira mucosa intestinal, e o mecanismo pro posto, a translocação de bactérias entéricas para os linfonodos
avaliamos 541 internações consecutivas em nosso hospital, dos
426 pacientes com cirrose hepática, observamos a presença de infecção em 25% dos casos. Destas, as mais frequentes foram
mesentéricos e daí para a circulação sistêmica. Os três principais
(PBE), broncopneumonia e infecções de pele. No entanto, den
mecanismos para explicar a translocação bacteriana, que não podem ser excluídos em um paciente com hipertensão portal,
tre as infecções que acometem os pacientes com hepatopatia
são: alteração da flora intestinal, alteração da permeabilidade
crônica a de maior importância é a PBE. Entende-se por PBE a infecção do fluido de ascite sem
da mucosa intestinal e diminuição das defesas do hospedeiro. Assim, em decorrência da translocação bacteriana, poderá so
que haja um foco n i tra-abdominal aparente causador da in
brevir um quadro de PBE devido à n i capacidade do fígado em
infecção do trato urinário, peritonite bacteriana espontânea
fecção.
remover as bactérias da corrente sanguínea, pois os shunts por tossistêmicos, tanto n i tra quanto extra-hepáticos, permitem que
cientes descritas na literatura, observava-se o que poderíamos
as bactérias realizem um "curto-circuito", fugindo à captação
:É importante salientar que, já nas primeiras séries de pa
considerar variantes dessa doença. Assim, em alguns casos, tínhamos quadros em tudo semelhantes à PBE, porém com exame bacteriológico no líquido de ascite negativo (ascite neu trofílica - AN); em outros, tínhamos quadros silenciosos, com pequena resposta celular no líquido de ascite, embora com cres cimento de bactérias quando cultivado
•
(bacterioascite - BA).
A presença de líquido peritoneal, de ascite portanto, é par te crítica nesta síndrome, sendo condição sine qua non para o surgimento da PBE. O líquido peritoneal, que normalmente tem uma atividade antimicrobiana, perde parte dessa capacidade no doente cir rótico, tornando-se, assim, excelente meio de cultura. A opso
INCIDÊNCIA
nização, processo que envolve a superfície do microrganismo
A PBE e suas variantes constituem uma complicação que se
mental à fagocitose, está prejudicada no cirrótico, podendo ser baixo o índice opsônico do fluido de ascite.
desenvolve frequentemente em pacientes cirróticos com ascite, principalmente quando de etiologia alcoólica. A sua incidência oscila entre 4 e 27%. Têm um prognóstico ainda reservado, va riando a mortalidade de 20 a 30%, mesmo nas séries mais atuais. Em nosso meio, na última década, a prevalência da PBE girou ao redor de 11%, com uma mortalidade de 22%.
•
do sistema reticuloendotelial, que provavelmente é o maior local de remoção das bactérias.
Patogenia A patogenia da PBE ainda não está bem estabelecida. As
rotas prováveis para que a bactéria chegue ao peritônio são
692
invasor com imunoglobulina ou com o complemento, funda
Também foi demonstrado que a concentração de proteí nas no líquido de ascite é menor naqueles pacientes com PBE, havendo uma estreita correlação entre a atividade opsônica, a concentração de proteínas e os níveis de complemento. Assim, pacientes com concentração de proteínas no líquido de ascite inferior a 1 g/di têm maior risco de desenvolver PBE. Em resumo, poderíamos afirmar que, na patogênese da PBE, há o envolvimento de bactérias a colonizar uma ascite suscetí vel à infecção por déficit de sua atividade antimicrobiana en dógena (Figura 61.1).
Capítulo 61 I Peritonite Bacteriana Espontânea 693 Hemorragia digestiva
Alt. permeabilidade mucosa
Alt. flora intestinal
Translocação bacteriana
•
Bactéria em gânglio linfático mesentérico ..
I ITR• I
•
..
Bacteremia transitória
I 1ru·· I I I Celulite
•
lmunodeficiência Circulação colateral Bacteremia permanente Bacterioascite
��
Atividade opsônica inadequada na ascite
I
•
PBE
'Infecção do trato respiratório
I
Atividade opsônica
adequada na ascite
•
Resolução do processo
•
'*Infecção do trato urinário
Figura 61.1 Fisiopatologia da peritonite bacteriana espontânea.
•
DADOS CL[NICOS
apresenta, caso não seja tratada de forma precoce, é muito importante que seu diagnóstico seja feito de forma rápida e
A forma de apresentação clínica da PBE é extremamente pleo
adequada. Para tanto, é fundamental o estudo do líquido de ascite, motivo pelo qual todo paciente com ascite admitido
mór:fica, variando desde os pacientes assintomáticos até aqueles com quadro de peritonite franca. No entanto, a maior parte com preende aqueles casos com manifestações oligossintomáticas. Classicamente, a PBE é caracterizada por febre de n i ício abrupto, calafrio, dor abdominal, sinal de Blumberg presente e diminuição dos ruídos hidroaéreos. Náuseas, vômito e diarreia são achados comuns.
em hospital deva submeter-se à paracentese diagnóstica. Em bora, por motivos óbvios, o esclarecimento diagnóstico esteja centrado no exame bacteriológico, em decorrência dos resul tados falso-negativos e da demora em obtermos seu resulta do, é importante que tenhamos, a princípio, outros índices diagnósticos.
Este quadro se sobrepõe àquele encontrado em um paciente com hepatopatia crônica descompensada.
Dos parâmetros bioquímicos, parece-nos relevante a dosa gem de proteínas. Os pacientes com níveis de proteínas inferio
A gravidade dos sintomas parece estar diminuindo nos re latos mais recentes, presumivelmente em decorrência de um
res a 1 g/df, pela dificuldade em destruir as bactérias, parecem ter 1 O vezes mais chances de desenvolver infecção do líquido
maior índice de suspeita clínica e do uso mais rotineiro da pa racentese diagnóstica nos últimos anos.
ascítico. Assim, sua determinação pode selecionar possíveis candidatos a desenvolverem um quadro de PBE, permitindo,
Com frequência, os pacientes se apresentam com manifes tações frustras do tipo febre sem foco definido, encefalopatia portossistêmica, dor abdominal incaracterística, falta de res
então, que, nesta população, sejam utilizadas medidas profilá ticas, como consideraremos mais adiante.
ponsividade da ascite à terapêutica utilizada ou, simplesmente, um quadro de deterioração clínica.
•
TESTES DIAGNÓSTICOS
Tendo em vista as manifestações clínicas da PBE serem, muitas vezes, atípicas, bem como o prognóstico reservado que
Na realidade, o grande parâmetro prático no diagnóstico da infecção do líquido peritoneal parece ser o exame citológico do fluido de ascite, através da contagem dos polimorfonucleares (contagem g i ual ou superior a 250 células por mm3). Recente mente, foi publicado um estudo, sugerindo um papel de im portância para as fitas que detectam esterases leucocitárias no
exame de urina, quando estas fitas são utilizadas no exame do líquido ascítico. Assim, este exame proporcionaria um diagnós tico extremamente ágil de PBE, permitindo o início da antibio-
694 Capítulo 61 I Peritonite Bacteriana Espontânea ticoterapia empírica. No entanto, como foi demonstrado que a contagem automatizada de células, à semelhança do que ocor re no sangue, proporciona resultados semelhantes ao método manual clássico, é possível que a utilização de testes de triagem não ganhe um maior prestígio. Ressalte-se a necessidade da va lidação destes resultados por outros autores. Da mesma forma, entendemos ser de interesse um aprofundamento na utilização de técnicas de biologia molecular na avaliação diagnóstica do líquido de ascite. Um outro critério que deve ser levado em conta no diagnós tico da infecção do líquido de ascite é a diminuição do número de PMN com a terapêutica instituída. O exame bacteriológico é realmente o gold standard da PBE. É surpreendente o fato de uma única espécie de bactéria causar a infecção em 90% das situações. Outro aspecto interessante é a baixa população bacteriana nestas situações, havendo uma concentração média de 1 a 2 bactérias por mR, o que inclusive poderia explicar os frequentes resultados falso-negativos das culturas. A maior parte dos microrganismos responsáveis pela PBE são integrantes da flora aeróbica normal do intestino; 60 a 80% são bactérias aeróbicas Gram-negativas. A bactéria que mais frequentemente é isolada nos casos de PBE é a E. coli. Bacté rias como K. pneumoniae, S. pneumoniae e outras espécies de estreptococos são também encontradas com relativa frequên cia, sendo descrito, no entanto, um espectro muito grande de bactérias. É interessante notar que os anaeróbios não têm um papel de destaque na PBE, embora dominem a flora intestinal, em particular os bacteroides. A frequência dos anaeróbios nas cul turas gira ao redor de 5%. A explicação para isso poderia estar baseada no fato de esses germes não atravessarem a barreira mucosa intestinal, não sobreviverem à passagem pela corrente circulatória ou não proiferarem l no líquido de ascite. A infecção peritoneal com múltiplos microrganismos, ou com anaeróbios, muitas vezes estará na dependência de uma peritonite bacteriana secundária. Em vista de um terço de pacientes com PBE morrerem em até 7 dias após o diagnóstico, a velocidade com que a bacté ria é identificada pode ser crucial, já que a terapêutica poderá então ser reorientada. Por outro lado, torna-se fundamental que a sensibilidade das culturas aumente, evitando uma inter rupção prematura da antibioticoterapia, com sérios danos ao paciente. Em decorrência desses fatores, alguns autores, tendo o grupo de Runyon como incentivador, apregoam a realização do exame bacteriológico com inoculação do material coletado em frascos de hemocultura. O exame bacteriológico, quando feita a inoculação de 10 mR de líquido peritoneal em meio de hemocultura, à beira do leito, possibilitaria uma positividade que gira ao redor de 60 a 90% dos casos. Parece ser fundamental que a inoculação seja feita à beira do leito, já que teoricamente as bactérias poderiam ser destruídas no trajeto do material ao laboratório, em decorrência da refri geração inadequada ou pela aividade t antimicrobiana endógena continuada do fluido de ascite. Quando analisamos a globalidade dos casos por nós avalia dos de PBE e de suas variantes, obtivemos um exame bacterio lógico positivo em 63% dos casos.
•
DIAGNÓSTICO
Recentemente, os termos PBE comunitária e nosocomial têm sido utilizados. A PBE é tida como comunitária se os exa-
mes do líquido de ascite revelarem infecção já nos primeiros 3 dias de hospitalização; caso contrário, é considerada como nosocomial. Do ponto de vista prático, consideramos PBE aqueles casos em que o exame citológico mostra contagem de PMN superior ou igual a 250 células por mm3 e na ausência de fonte intra abdominal de infecção. Consideramos AN aqueles em que não há crescimento bacteriano na cultura do líquido de ascite, po rém a contagem de PMN é igual ou superior a 250 células por mm3, na ausência de fonte intra-abdominal de infecção. Nestes casos, não deve haver evidência do uso de antibiótico nos úl timos 30 dias que precederam a paracentese e deve ser excluí da a possibilidade de tuberculose e carcinomatose peritoneal, pancreatite e de ascite hemorrágica, com base em estudos apro priados do líquido de ascite. BA é considerada quando um mi crorganismo é isolado no líquido de ascite com uma população de PMN inferior a 250 células por mm3, sem haver evidência de fonte de infecção intra-abdominal.
•
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL É fundamental que a PBE seja diferenciada da peritonite
bacteriana secundária (PBS). Embora ambas possam ser infec ções letais, uma conduta conservadora em paciente com víscera oca perfurada ou uma conduta cirúrgica em um paciente com PBE são catastróficas. A PBE ocorre com uma frequência 10 vezes maior do que a PBS. Em 10 a 15% dos pacientes com infecção peritoneal, é encontrado um foco n i tra-abdominal de infecção. Duas formas de PBS podem ser reconhecidas, dependendo da existência de perfuração de uma víscera oca (úlcera péptica perfurada, ruptura de um divertículo de cólon) ou não (abs cesso perinefrítico, apendicite aguda). Clinicamente, não é possível a diferenciação entre a PBE e a PBS. A análise inicial do derrame peritoneal e a resposta de determinados parâmetros do líquido de ascite ao tratamento, porém, têm mostrado valor para definir se trata-se de PBE ou PBS. Peritonite associada a perfuração pode ser identificada com base na análise bioquímica do líquido de ascite, sendo caracte rizada por preencher, no mínimo, dois dos seguintes critérios: níveis de proteínas superiores a 1 g/dR; de glicose inferiores a 50 mgldR e atividade de desidrogenase láctica superior ao seu limite máximo normal no soro. Este critério peca pela baixa especificidade. No entanto, um antígeno carcinoembrionário na ascite maior do que 5 nglmé ou uma fosfatase alcalina no líquido peritoneal superior a 240 UI/R apresentam uma elevada acurácia no diagnóstico da PBS decorrente de perfuração. Uma amilase elevada no líquido peritoneal pode sugerir a perfuração de víscera oca. Em regra, a contagem de PMN é mais elevada na PBS. Embora, nestes pacientes, a infecção geralmente seja causada por mais de um microrganismo e com frequên cia anaeróbios, o resultado das culturas, sendo tardio, pouco auxilia nesta avaliação. Observe-se que o exame bacterioscó pico é mais frequentemente positivo na PBS, demonstrando múltiplos microrganismos. O isolamento de Candida albicans, na ausência de candidíase sistêmica ou de intervenção abdo minal, é sugestivo de perfuração intestinal. Na opinião de alguns autores, uma resposta após 48 h de tratamento, com diminuição do número de PMN e negativação do exame bacteriológico, seria de valor na diferenciação entre a PBE e a PBS sem perfuração.
Capítulo 61 I Peritonite Bacteriana Espontânea 695 Na realidade, esses critérios são utilizados não para indicar ab initio a necessidade de laparotomia, mas sim para que o
sintomáticos. Quando avaliamos a sobrevida de pacientes com bacterioascite, sem a utilização de antibioticoterapia, observa
clínico decida se deve ou não realizar uma investigação mais detalhada.
mos que ela foi semelhante à dos pacientes com ascite estéril. Nos casos assintomáticos, a paracentese deve ser repetida, sendo
Pacientes com PBS devem receber cobertura com antibió ticos para anaeróbios em adição à cefalosporina de terceira ge ração antes do tratamento cirúrgico.
introduzido o tratamento medicamentoso quando houver um aumento significativo do número de PMN.
•
TRATAMENTO
Embora seja de fundamental importância no tratamento da PBE a utilização de antibioticoterapia adequada, diversos auto res têm demonstrado a importância da função renal como fator preditivo no prognóstico desses pacientes. Quando avaliamos mais de 100 episódios de PBE, observamos uma mortalidade
Em reunião do International Ascites Club (IAC), foi esta belecido, como consenso, que deveriam ser tratados todos os pacientes com hepatopatia crônica que tivessem 250 ou mais polimorfonucleares (PMN) por mm3 no líquido de ascite. Pa
de 36 e 6,8% nos pacientes com e sem insuficiência renal, res pectivamente. Baseados no fato de que a PBE pode estar associada a um déficit da função renal e, ao partirem da premissa de que a ex pansão do volume plasmático preveniria esta disfunção, foi rea
cientes assintomáticos, em acompanhamento ambulatorial, mesmo que com celularidade elevada no líquido de ascite, por apresentarem melhor prognóstico, poderiam ser considerados
lizado um estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado, utilizando infusão de albumina endovenosa (1,5 g/kg de peso no
exceção a esta regra. A droga de eleição no tratamento é uma cefalosporina de
renal desses doentes. Constataram não só uma menor presença
terceira geração, preferencialmente a cefotaxima. A duração usual da antibioticoterapia em infecções graves varia de 10 a 14 dias. Na PBE, a duração do tratamento tem sido empírica. A PBE é caracterizada pela baixa concentração de bactérias e pela falta de invasão tecidual ou de um foco de
outros estudos para confirmar esses achados, é provável que a sobrevida desta população de pacientes possa ser aumentada
infecção. Assim, tratamentos de curta duração têm sido ava liados. Em um estudo randomizado, demonstrou-se não haver
1ll dia e 1,O g/kg de peso no 3ll dia) na profilaxia da insuficiência de hipovolemia e de déficit da função renal, como também uma queda na taxa de mortalidade no grupo que usou albumina, quando comparado ao grupo-controle. Embora se necessite de
com a utilização de expansores plasmáticos. Os pacientes com bilirrubina elevada (superior a 4 mg/df) e aqueles com déficit
diferença na eficácia do tratamento ou na recorrência da PBE quando foram utilizados cursos curtos (5 dias) de cefatoxima.
de função renal seriam os mais beneficiados. A utilização de expansores plasmáticos sintéticos, comparados com albumina,
Tem sido nossa rotina a manutenção da antibioticoterapia por um período de 7 dias. A dose preconizada é de 2 g de 8/8 h; nos pacientes com creatinina sérica superior a 3 mg/dê, o in tervalo de administração pode ser prolongado para 12 h. A despeito de eventuais variações na conduta, a dose mínima
leva um cirrótico ao choque séptico, parece mais comum que, em outras populações de pacientes, sobrevenha uma situação
em um estudo-piloto, não se mostrou eficiente em prevenir a deterioração hemodinâmica sistêmica. Quando um quadro infeccioso, relacionado ou não à PBE,
12/12 h, e a duração mínima do
de insuficiência adrenal relativa e choque refratário associado a ela. Em cirróticos com choque séptico e insuficiência adrenal
Nos casos de PBE não complicada, que não esivessem t em uso profilático de quinolonas, baseado no estudo capitaneado
relativa diagnosticada pelo teste da corticotropina, pode haver benefício quanto à resolução do choque e quanto à sobrevida quando se utilizam corticosteroides em dose de estresse, em
a ser utilizada seria de 2 g de tratamento, de 5 dias.
pelo grupo de Barcelona, poderia ser utilizado o ofloxacino na dose mínima de 400 mg de 12 em 12 h. Entendem-se por PBE não complicada aqueles casos em que a creatinina não ultra passa 3 mg!df, que não tenham sangrado, que não apresentem encefalopatia portossistêmica graus II-IV, sem sepse e sem íleo paralítico. Outra proposta de terapia oral poderia ser com o uso de ciprofloxacino. No entanto, o surgimento de um grande nú
bora mais estudos possam ser necessários. No que tange ao tratamento, é importante salientar que a sobrevida observada nos pacientes com PBE é substancialmen te mais curta do que aquela relatada em pacientes com cirrose submetidos ao transplante hepático. Assim, esse transplante deve sempre ser considerado naqueles pacientes que sobrevi
mero de infecções com bactérias resistentes às quinolonas torna seu uso discutível como droga de primeira linha. Tem sido descrito, entre outras cefalosporinas, que o cef
vem a um episódio de PBE.
triaxone, em uma dose de 2 g/24 h, é efetivo no tratamento da PBE. Da mesma forma, a associação da amoxacilina com o ácido
•
clavulânico parece ser uma opção viável e bastante econômica
PROFILAXIA
no tratamento destas infecções.
Como a infecção contribui para piorar o prognóstico dos pacientes hepatopatas, entendemos ser fundamental o estabe
Seja qual for a droga utilizada no tratamento, assim que o microrganismo for identificado, o programa de antibiotico
lecimento de medidas profiláticas para evitar sua ocorrência. A prevenção da PBE pode ter maior impacto na sobrevida dos
terapia, se necessário, deverá ser adequado aos resultados das culturas. A resposta ao tratamento deve ser avaliada pela repetição
pacientes com cirrose do que o tratamento daquela compli cação. A PBE, a bacteriemia e outras infecções tendem a ocorrer
da paracentese 48 h após o início do tratamento. Quando este foi eficiente, a contagem de PMN deve cair em 25 a 50%, e as
com mais frequência nos cirróticos após hemorragia digestiva. Por outro lado, a probabilidade de recorrência da PBE em cir
culturas tornam-se negativas. Os pacientes com AN devem ser tratados obedecendo aos
róticos é de 69% em 1 ano, e os pacientes com doença hepática mais grave e/ou concentração baixa de proteínas no líquido de
mesmos preceitos aplicados àqueles com PBE. Nos casos de BA, o tratamento deve ser instituído apenas naqueles pacientes
ascite são aqueles que apresentam maior risco de desenvolver um episódio de PBE.
696 Capítulo 61 I Peritonite Bacteriana Espontânea A profilaxia da PBE pode ser resumida da seguinte maneira: A. Cirróticos com sangramento gastrintestinal recebem anti biótico por 7 dias. Ressalta-se que nas recomendações da Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fí gado (AASLD), poder-se-ia utilizar uma quinolona por via parenteral enquanto o paciente estivesse sangrando de forma ativa. B. Cirróticos em recuperação de episódio de PBE recebem antibiótico cronicamente até o transplante ou até o de saparecimento da ascite. C. Para os cirróticos com ascite e com níveis baixos de proteína no líquido ascítico, isto é, abaixo de 1,0 g/df (alguns autores consideram 1,5 g/df), a vantagem de se n i stituir a antibioticoterapia profilática encontra-se in definida. Apesar dessa simplificação, alguns comentários são neces sários. Na reunião de consenso do IAC, ficou acordado que a profilaxia deveria ser sempre realizada nos pacientes cirróti cos com hemorragia digestiva e naqueles que já tiveram um episódio de PBE. A droga de escolha para a profilaxia foi o norfloxacino. Classicamente, a dose preconizada para doentes que apre sentaram PBE e para pacientes com baixas taxas de proteína no líquido ascítico é de 400 mg/dia, e, para aqueles que apre sentaram hemorragia varicosa, de 400 mg 2 vezes/dia, durante 7 dias. Um estudo comparando o papel do norfloxacino e da cef triaxona em pacientes com cirrose avançada com sangramento digestivo demonstrou ser esta droga a mais efetiva em prevenir a infecção. Os autores sugerem a utilização de ceftriaxone 1 gldia durante 7 dias em pacientes com sangramento digestivo e dois ou mais critérios de gravidade da cirrose, quais sejam: ascite, desnutrição importante, encefalopatia hepática e bilirrubina superior a 3 mg/df. Na publicação do IAC, para os pacientes com um nível de proteínas no líquido de ascite inferior a 1 g/df, não houve con senso sobre realizar ou não a profilaxia. O uso de antibióticos, de forma rotineira, nestes casos, poderia favorecer o surgimento de resistência bacteriana. Esta matéria, no entanto, é polêmi ca. Nas recomendações da AASLD, é indicada a profilaxia em tais circunstâncias. Existe estudo que, ao avaliar pacientes com proteínas baixas no líquido de ascite, demonstrou que aqueles com hiperbilirrubinemia e com plaquetopenia eram os que ti nham maior risco de desenvolver PBE. Talvez, então, seja esta a população que se beneficiaria com a antibioticoprofilaxia. Recentemente, foi publicado um estudo controlado com pla cebo, demonstrando ser a profilaxia primária com norfloxacino 400 mgldia benéfica em pacientes com ascite com proteína in ferior a 1,5 gldf e hepatopatia grave (Child > 9 com bilirrubina > 3 mg/df) ou disfunção renal (creatinina > 1,2 mgldf, nitrogê nio ureico sanguíneo > 25 mg/df ou Na+ sérico < 130 mEq/R), com redução da incidência de PBE e de síndrome hepatorrenal em 1 ano e, inclusive, aumentando a sobrevida desses pacientes. Um outro estudo recente, comparando a profilaxia primária com ciprofloxacino 500 mgldia contra placebo em uma popu lação de cirróticos com ascite com proteína inferior a 1,5 g/df, demonstrou redução da incidência de infecções e aumento da sobrevida no grupo-intervenção. Naqueles casos que desenvolvessem PBE na vigência da anti biótico-profilaxia, a droga a ser utilizada seria a cefotaxima. No entanto, em decorrência de uma maior frequência de bactérias gram-positivas, particularmente de Staphylococcus aureus resis-
tente à meticilina, a adição de vancomicina deve ser considerada quando há falha terapêutica. A dose preconizada é de 500 mg de 6/6 h, em infusão lenta, no mínimo em 60 min. Na tentativa de buscar uma profilaxia menos dispendiosa, tem sido proposta a utilização da sulfametoxazol-trimetoprima na prevenção da PBE. Utilizando dose dupla em cinco admi nistrações por semana, foi observada uma menor incidência de infecção, sem que, com isso, houvesse se constatado a pre sença de efeitos colaterais. Em recente estudo por nós reali zado, quando randomizamos uma população de pacientes para a realização de profilaxia, observamos não haver diferença na prevenção da infecção e na sobrevida quando a sulfametoxazol trimetoprima foi comparada com o norfloxacino. Assim, ela poderia ser uma opção viável a considerar-se, uma vez que, por ser menos onerosa e por ser disponível gratuitamente na rede pública, poderia contribuir para maior adesão ao tratamento e estender o benefício da profilaxia a uma maior parcela da população. A dose preconizada é de 160 mg de trimetoprima + 800 mg de sulfametoxazol, 1 vez/dia, por 5 dias na semana. No entanto, recente estudo sugere que a norfloxacina, ao con trário da sulfametoxazol-trimetoprima, tem importante efeito imunológico, tanto ao nível hormonal quanto ao celular, além do efeito bactericida intestinal amplamente conhecido.
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LEITURA RECOMENDADA
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Hemorrag i a Digestiva Alta no Ci rrótico Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho, Renato Ferrari Letrinta, Arnaldo Berna/ Filho, Paula Huhueney Cruz, Briane André Vertuan Ferreira, Fauze MalufFilho
Durante a evolução natural da cirrose hepática, ocorrem mo dificações anatômicas e anatomofuncionais do parênquima hepático e do sistema venoso portal, responsáveis pela drena gem do sangue proveniente do trato gastrintestinal, pâncreas, vesícula biliar e baço, em direção ao fígado. Mensurações de finem que o fluxo sanguíneo portal é de aproximadamente 1 .e por minuto e a pressão média, de 7 mmHg, facilitando o afluxo de cerca de 70% do oxigênio e da totalidade de fatores hepatotróficos necessários ao perfeito funcionamento do pa rênquima hepático. Cirróticos cursam com acentuada resistência intra-hepática, consequência mecânica da distorção da arquitetura hepática que eles apresentam, causada por fibrose, formações de nódu los, remodelação sinusoidal e oclusão vascular. Associam-se a esses eventos um componente dinâmico, dependente da ativa contração de miofibroblastos portais/septais, células hepáticas endoteliais ativadas e as células da musculatura lisa de vênulas portais. Também esse comportamento e o do fluxo sanguíneo aumentado, que se processa pelo território esplâncnico, têm intensidade e magnitude dependentes do balanceamento esta-
belecido entre potentes vasoconstritores, como endotelina-1, leucotrienos, tromboxane A2, além de outros, e da presença de moléculas vasodilatadoras, como óxido nítrico, anandamida, ou monóxido de carbono. Todos atuando sobre microvascu laturas hepática, esplâncnica e sistêmica, conforme disposto na Figura 62.1. Complicações próprias desse distúrbio apenas instalar-se ão, desde que a pressão portal, mensurável por cateterismo de veias hepáticas, ultrapasse 10 a 12 mmHg. Nessa ocasião, de senvolverão varizes esofagogástricas e ascite de pequeno ou grande volume, resistente ou não ao tratamento com diuré ticos administrados, isolados ou associados às paracenteses. Cada uma dessas formas de apresentação tem características próprias comentadas logo adiante em outros capítulos, e mais graves nos pacientes com baixa reserva parenquimatosa de fí gado, classificados como Child B ou C. Além disso, observa-se que, seguindo-se o desenvolvimento de hipertensão portal, ocorre abertura de microvasos e de co laterais venosas voltada a descomprimir o território hiperten so para a circulação sistêmica, hipotensa. Formam-se, assim,
DOENÇA HEPÁTICA CRÓNICA-FIBROSE
+
I
Microvasculatura hepática
Vasculatura esplâncnica e sistêmica
Vasodilatadores reduzidos (Cll, Nll, outros)
Nll, anandamida e outros vasodilatadores
+
Vasoconstritores aumentados (endotelinas, prostanoides e outros) Tõnus vascular reduzido
Tõnus vascular aumentado
'
Hipertensão portal Figura 62.1 Eventos sequenciais precipitando hipertensão portal (Groszma nn 2002). ,
698
Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Afta no Cirrótico
699
Cirrose Resistência fluxo portal
t - 1 0 mmHg
Hipertensão portal NaeHp Retenção
Ascite Varizes esofagogástricas
Vasodilatação Volume plasmático
t
Circulação hiperdinâmica Figura 62.2 Eventos sequenciais observados na instalação da hipertensão portal (Grozsmann, 2002).
as varizes esofagogástricas, além de ectasias venosas dispostas
renciação do valor entre as duas deve atingir, no máximo, 7 a
também no duodeno, cólon, reto, parede abdominal e retro peritônio. Tais modificações também têm sido descritas em doentes com forma leve de cirrose, com fibrose não cirróti ca (esquistossomose mansônica), fibrose congênita hepática e doenças autoimunes, tais como colangite esclerosante primária e cirrose biliar primária, ou nos que evoluem com trombose
10 mmHg. Observa-se risco maior de cursarem com ascite e
venosa portal, com, ou sem, transformação cavernomatosa. Também se formam colaterais em torno da vesícula biliar e duetos biliares, as quais podem causar necrose dessas últimas estruturas, formando áreas de estenose, com dilatações colan giectásicas semelhantes às observadas na colangite esclerosante primária. Toda essa evolução gera fenômenos hemodinâmicos, conforme exposto na Figura 62.2.
•
ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico dessas manifestações se baseia no emprego da endoscopia digestiva alta, constituindo-se no método respon sável, geralmente, pela primeira caracterização de hipertensão portal. Através desse método, identificam-se varizes esofágicas de pequeno, médio e grande calibres, lisas ou retilíneas. Preo cupa quando se evidenciam tortuosidade e sinais que n i dicam risco maior de sangramento, como manchas hematocísticas, ou sinais de cor vermelha. As varizes subcárdicas, em geral, com portam-se como as esof ágicas, porém aquelas de fundo cursam com mais episódios hemorrágicos, mesmo naqueles pacientes com baixa pressão portal, com índice maior de episódios de ressangramento. Gastropatia hipertensiva portal traduz-se pela presença do padrão em mosaico da mucosa gástrica, merecendo preocupação maior quando essas ectasias venosas também se distribuem pelo duodeno. Vasos intra-abdominais, como veia esplênica, mesentérica superior e inferior, além do tronco e ramos venosos portais di reito e esquerdo, são identificados através da angiorressonância magnética ou angiotomografia computadorizada. São métodos capazes de identificar também perviedade de veias gástricas e da umbilical, além de anastomoses espontâneas ou cirurgica mente construídas, visando a descompressão desses territórios potencialmente hemorrágicos. Mensuração de gradiente pressórico portal, definindo ver dadeira pressão portal, é obtida através de angiografia inva siva, valendo-se do acesso pela veia jugular com definição de valores conseguidos em veia hepática ocluída e livre. A dife-
ruptura de varizes esofagogástricas quando essa pressão ultra passa 12 mmHg.
•
IMPORTÂNCIA DESSES ACHADOS HEMODINÂMICOS E MORFOLÓGICOS
Clinicamente, pode-se definir com bastante certeza que: 1. 30% daqueles pacientes com cirrose compensada têm varizes esofagogástricas, índice que se amplia para 60% naqueles com a forma descompensada da doença; 2. risco anual de desenvol ver novas ectasias venosas é de 8% e de ruptura entre 2 e 70%, comportamento que depende da gravidade da doença hepática e do nível pressórico portal; 3. sangram mais aquelas varizes de grosso calibre, azuladas, tortuosas e que apresentam sobre sua superfície sinais endoscópicos, como manchas hematocísticas e do vergão vermelho. São mais graves as hemorragias desen cadeadas a partir da ruptura das varizes de fundo gástrico; 4. gastropatia hipertensivaportal tem sido conceituada como uma síndrome relacionada com as modificações da mucosa gástrica, observadas entre 7 e 98% dos cirróticos, sendo responsável por cerca de 4 a 38% dos episódios agudos hemorrágicos que tais pacientes apresentam, com ressangramento incidindo entre 62 a 75%, com outras características típicas encontrando-se discriminadas no Quadro 62.1.
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T -------
Quadro 62.1 Outras características típicas da gastropatia hipertensiva portal 1. Histologicamente, identificam-se dilatações de capilares e vênulas da mucosa gástrica íntegra e sem inflamação; 2. Mais comumente observada naqueles submetidos a escleroterapia ou ligadura endoscópica; 3. São inoperantes tratamentos com drogas antissecretoras, tais como inibidores de bombas de prótons; 4. Relacionada à hipertensão portal, o que faz com que tais pacientes sejam conduzidos pelas administrações de 13-bloqueadores, com ou sem nitratos associados; S. Na falência da atitude 4, tratá-los através de implante do tips ou realização de cirurgias descompressivas clássicas do sistema venoso portal.
700 Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico •
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A apresentação clínica da hemorragia digestiva alta depende da intensidade do sangramento. Hematêmese e melena são os sinais clínicos mais frequentemente observados, acompanhados ou não de instabilidade hemodinâmica (lipotimia, taquicardia e hipotensão). Nesses pacientes, mostra-se fundamental carac terizar o número e intensidade dos episódios de sangramento, a reserva funcional parenquimatosa e o uso por esses pacientes de drogas potencialmente hemorrágicas. Geralmente, a ma nifestação inicial é de melena, acompanhada de palidez cuta neomucosa, sinais clínicos de encefalopatia portossistêmica, com ou sem repercussões hemodinâmicas importantes. A cada novo surto, em consequência da menor perfusão sanguínea aos hepatócitos, reduz-se a reserva funcional hepática, insta lando-se ascite, infecções, distúrbios de coagulação, icterícia e insuficiência renal. Na vigência da hemorragia, considera-se o sangramento clinicamente significativo, quando existe neces sidade de transfusão de pelo menos duas unidades de sangue, ou mais, no período de 24 h, a partir da hora zero ou quando a pressão sistólica se situe abaixo de 100 mmHg, ou a mudan ça postural provoca queda pressórica superior a 20 mmHg, e/ou a frequência do pulso excedendo 100 bpm, já no início do atendimento.
to de substâncias vasodilatadoras, tais como, glucagon, pros taglandinas, óxido nítrico, fator natriurético atrial, ácidos bi liares, e vasoconstritoras como endotelinas e tromboxane A2. Como consequência, esses pacientes evoluem com alterações hemodinãmicas sistêmicas, caracterizadas por hipoxemia arte rial, síndrome hepatopulmonar, aumento do débito cardíaco, hipotensão arterial, redução da resistência vascular periférica, hipoperfusão com acentuada retenção renal de sódio e água, típicos do estado hiperdinâmico que apresentam. •
Fatores preditivos de sangramento
• Endoscópicos 1. Cerca de 65 a 70% dos cirróticos com VEG não sangram dentro dos próximos 2 anos a partir do diagnóstico, porém
50% deles poderão falecer no primeiro episódio; 2. cerca de 73-76% desses doentes exibindo VEG de grande calibre e si
nais vermelho-cereja à endoscopia (cherry-red spots) sangram,
versus 6% daqueles que não apresentam esses sinais, embora com varizes gástricas presentes. Tais aspectos são vistos na Figura 62.3.
• Métodos de imagens 1. Através do ultrassom com Doppler, se define que aqueles
Esses graves pacientes merecem ser tratados valendo-se do monitoramento de condições cardiovasculares. São esses que apresentam circulação sistêmica hiperdinâmica, que se traduz
cursando com um elevado índice congestivo (proporção entre
por débito cardíaco elevado, reduzida resistência vascular peri férica e hipotensão arterial. Associam-se resposta contrátil sis tólica e diastólica comprometida durante estresse, prolongado
e varizes gástricas, com evidências de fluxo hepatofugal con figurando também maior risco; 2. funciona como importante
intervalo QT e aumento de câmaras cardíacas. São distúrbios graves, responsáveis pela instalação de insuficiência cardíaca
do GHP, medido através de cateterismo ao nível de veias hepá ticas, traduzindo essa mensuração a verdadeira pressão portal
pós-implante de TIPS, ou de cirurgias maiores e, inclusive, do transplante de fígado. Mecanismos patogênicos responsáveis por essa evolução incluem mudanças biofísicas em membra nas dos cardiomiócitos, atenuação do sistema J3 adrenérgico estimulador e hiperatividade de sistemas inotrópicos negati vos, mediados via GMPcíclica, os quais contribuem para que cursem também com síndrome hepatorrenal. Acresce que, não infrequentemente, aqueles com síndrome metabólica e obesos cursam com elevações de níveis pressóricos arteriais, diabetes melito, hiperlipidemia e doença coronariana, mesmo em uso de betabloqueadores, drogas sensibilizadoras de insulina, es tatinas e diuréticos que atuam em túbulos contorcidos próxi mos e distais. Além desses distúrbios hemodinâmicos, evoluem com enfermidades tromboembólicas, resultantes de deficiên cias de proteínas S e C e antitrombina III, além das presen ças de anticorpos antifosfolipídios e elevadas concentrações de hemocisteína identificadas no sangue periférico. São esses doentes que cursarão com tromboses venosa portal e de veias profundas, ou com tromboembolismo pulmonar.
área da veia porta e o fluxo sanguíneo portal) têm maior risco de apresentarem sangramento, bem como a trombose portal,
fator preditivo de sangramento a ultrapassagem de 12 mmHg
(Figuras 62.4 a 62.7).
•
COMO DEFINIR A IMPORTÂNCIA DO SANGRAMENTO DIGESTIVO NO CIRRÓTICO Esses aspectos foram definidos no encontro de Baveno so
bre hipertensão portal, realizado em 1996, e obedece a certos parâmetros: •
Significado dínico do sangramento
a. Requerimento de duas unidades de sangue nas primeiras 24 h; b. pressão arterial sistólica menor que 100 mm.Hg, ou fre quência cardíaca além de 100 bpm e outros sinais de hipovole
mia ou choque traduzem quadro hemorrágico grave. •
Sangramento agudo sem controle dentro de 6 h
a. Administração de quatro ou mais unidades de bolsas de
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
sangue; b. incapacidade de elevar a pressão sistólica além de 20 mmHg da medida basal, ou acima de 70 mmHg; c. incapa
A veia porta se forma a partir da junção das veias mesenté
cidade de redução da frequência cardíaca a menos de 100 bpm;
rica superior e esplênica, com cerca de 70% do fluxo sanguíneo hepático derivando desse sistema, rico em fatores hepatotró
d. eclosão de novo surto hemorrágico expresso por hematême
•
ficos. No cirrótico, a hipertensão portal é classificada como si nusoidal, consequente à desorganização da arquitetura hepá tica causada pela necrose dos hepatócitos, fibrose e formação de nódulos de regeneração. A essas modificações anatômicas, associam-se alterações funcionais que levam ao não clareamen-
se; e. hematócrito abaixo de 27%, ou hemoglobina menor que
9 g/df. Enquadramento nesses itens exigirá estadiamento da gravidade da doença hepática, segundo critérios de Child-Pugh ou MELD, sendo recomendável associar avaliação da função renal e existência de sinais neurológicos que definam encefa lopatia hepática.
Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Afta no Cirrótico 701
Figura 62.3 Observar bem, no sentido horário, as varizes esof ágicas e gástricas, com sinais premonitórios ou preditivos de sangramento. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Figura 62.4 Arteriografia de tronco celíaco mostrando artérias he
Figura 62.5 Portografia arterial evidenciando tronco porta e esplênica
páticas irregulares, tortuosas, porém com distribuição normal até a periferia do órgão.
pérvia, com circulação colateral bem visível.
•
ASPECTOS TERAPEUTICOS
• Profilaxia primária Baseia-se em medidas terapêuticas que melhorem a arquite tura hepática, revertendo a fibrinogênese e suas consequências, valendo-se de:
1. tratamento específico das hepatites crônicas e
suas consequências, induzidas pelos vírus B e C, administrações de interferons peguilados e ribavirina e/ou aná l ogos nucleosí dicos; 2. depleção dos estoques corpóreos de ferro na hemo-
cromatose pela realização de sangrias; 3. quelação do cobre na doença de Wilson; 4; corticoides, azatioprina e outros imunos supressores na hepatite autoimune; 5. buscando melhorar o fluxo biliar com ácido ursodesoxicólico, administrado naqueles com cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária; e 6. abstinência alcoólica nos etilistas. Ampliam-se esses ob jetivos ao atuarmos melhorando a produção de óxido nítrico, valendo-nos de estatinas, suplementando tetra-hidrobiopterina, na busca de inibir o sistema vasoconstritor via COX-1/TXA2, medidas ainda consideradas experimentais.
702 Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico
Figura 62.6 Venografia hepática com cateter impactado, visando a
medir pressão de supra-hepática ocluída.
No entanto, na vida prática diária, deve-se levar em consi
Figura 62.7 Venografia hepática com cateter livre na luz do vaso, vi
sando a medir pressão de supra-hepática livre.
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deração que os cirróticos que nunca sangraram, ao apresenta
Quadro 62.2 Profilaxia primária da hemorragia por varizes esofágicas
rem sinais de hipertensão portal, caracterizados por achados
com isosorbide-5-mononitrato (150-5-MT)
endoscópicos de VEG de grosso calibre com risco iminente de sangramento (presença de manchas vermelhas e GHP acima de 12 mmHg), deverão ser tratados profilaticamente com betablo queadores. Nesses casos, deve-se administrar, VO, proprano lol na dose inicial de 20 a 40 mgldia, na tentativa de promover redução da pressão portal e vasoconstrição esplâncnica. Acei ta-se que os pacientes se encontram betabloqueados, e poten cialmente protegidos do risco de HDA, quando a frequência cardíaca é reduzida em 15-20% de seu valor inicial. Quando esse comportamento não é observado, deve-se ampliar a dose, a cada semana, em 1O mg, que pode provocar efeitos colaterais, tais como lipotimia e hipotensão arterial, comportamento que se encontra diretamente relacionado com a reserva funcional hepática e com a existência ou não de miocardiopatia, sobre tudo alcoólica. Atuando-se dessa forma, promove-se redução de hemorragia por ruptura dos vasos de grosso calibre em 40%,
1. Resultados no cotejamento com propranolol: a. 2 anos -resultados similares (sobrevida e sangramento) b. 5 anos - índice de mortalidade. Com 150-5-MT sobretudo de pacientes com < 50 anos de idade (Angelica et a/., 1997)
2. Resultados no cotejamento com nadolol (pacientes com ascite): a. 150-5-MT menos eficaz e gerando mais efeitos colaterais b. Sem significância estatística quanto à mortalidade c. 150-5-MT não deve ser usado (Salerno et a/., 1996)
3. Prevenção do ressangramento: a. 150-SM-T + betabloqueador melhor que: a 1. Escleroterapia em Child C (Villanueva et a/., 1996) a2. Escleroterapia + anastomose descompressiva em pacientes Child B (Feu et a/., 1 995) a3. Não há diferença estatística entre os grupos
4. Outra opção: Nadolol x nadolol + espironolactona: resultados similares entre os dois grupos (Abecasis et a/., 1 997)
principalmente nos pacientes Child A e B. Alternativamente, aqueles que evoluem com complicações próprias desse fármaco deverão ser medicados com os nitratos em doses de 20 a 40 mg/
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dia (Quadro 62.2).
Quadro 62.3 Agentes redutores da resistência intra-hepática
Mais recentemente, advoga-se o uso contínuo de vasodi latadores dotados
(Turnes, Abraldes, Bosch, 2003)
da capacidade de reduzir a pressão portal,
mantendo a perfusão sanguínea ao fígado, melhorando a fun ção hepatocelular. Inconveniente desse uso reside na compro vação de que tais efeitos estendem-se à circulação sistêmica, promovendo hipotensão arterial e baixa perfusão renal. Entre essas drogas, incluem-se os doadores de óxido nítrico, agentes antialfa-adrenérgicos, bloqueadores do sistema renina-angio tensina e dos canais de cálcio e dos receptores de endotelina, conforme apresentado no Quadro 62.3. Nessa fase, discute-se o emprego associado da escleroterapia
Doadores de óxido nítrico' Agentes antialfa-adrenérgicos'
evoluem com redução na ncidência i de hemorragia digesti
Bloqueadores dos receptores de endotelina
Bloqueadores dos canais de cálcio
va alta, outros estudos caracterizam índices mais elevados de morbidade e mortalidade em relação ao tratamento efetuado na vigência do sangramento, naqueles pacientes manipulados por via endoscópica.
lsosorbide-5-mononitratob V-PYRRO/NO NCX-1000 Prazosinb Clonidineb Carvedilolb
Bloqueadores do sistema renina-angiotensina losartanb lrbesartanb
ou da ligadura elástica das varizes esofagogástricas. Embora al guns estudos demonstrem que os pacientes assim conduzidos
T-------
Bosetan R048-5695 LU 135252 FR 139317
Verapamilb Nifedipineb Nicardipineb
Não há dadosdisponíveis para seu uso combinado com betabloqueadores não seletivos. bTestados em humanos. •
Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Afta no Cirrótico 103 • Vigência do sangramento
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Quadro 62.4 Drogas usadas de forma isolada visando o controle da ruptura de varizes esofagogástricas em cirróticos
Os cirróticos com HDA deverão ser internados na unida de de terapia intensiva, monitorados e procurando-se melhor e mais rápida estabilização hemodinâmica. Para tal, deve-se
(McCormick & McCormick, 1999)
conseguir acesso venoso central, através de cateter central ou promovendo-se dissecção venosa naqueles em que a ativida
Drogas
Dosagem e administração
de de protrombina se encontre abaixo de 50%, TTPA alar gado e contagem de plaquetas inferior a 50.000/mm3. A re
Somatostatina
250 !!g /h. lnfusão endovenosa por 5 dias
posição volêmica deverá ser realizada através da infusão de fluidos coloides e/ou hemoderivados de acordo com a neces sidade clínica. Exige-se monitoramento laboratorial através
Terlipressina
do controle seriado de hemoglobina, hematócrito, eletrólitos, provas de função renal e de reserva parenquimatosa hepática (albumina, bilirrubinas e parâmetros da coagulação). Todos os pacientes receberão antibióticos, principalmente as cefa losporinas de terceira geração, sobretudo doentes com ascite, visando-se a profilaxia da peritonite bacteriana espontânea. O exame endoscópico só deverá ser realizado, após se restaurar o equilíbrio hemodinâmico, objetivando definir a sede da he morragia e promover o tratamento local imediato nos casos de ruptura de VEG. Atualmente, no CETEFI, tratamos tais pacientes através da administração de terlipressina, um vasoconstritor arteriolar e esplâncnico, propiciando potente e rápido efeito, interrom pendo a HDA por ruptura de VEG. É recomendável aplicar a terlipressina em bolo intravenoso, na dose de 2 mg, seguindo
Octreotídio
Terlipressina Nitratos
Vasopressina +
Nitratos -
50 J.tg /h. Infusão endovenosa por 5 dias 1-2 mg em bolo a cada 4 h/2 dias 1 mg para pacientes com < 50 kg 1,5 mg para pacientes entre 50 e 70 kg 2,0 mg para pacientes com > 70 kg 1-2 mg em bolo a cada 4-6 h
1 O J.lg de nitroglicerina, adesivo trocado após 24 h
20 unidades (US) por 1 5 min (0,4 U/min) Infusão intravenosa até 1 2 h pós-interrupção do
sangramento
1 O J.lg de nitroglicerina, adesivo trocado após 24 h
Quaisquer das técnicas endoscópicas empregadas, na com plementação da terapêutica vasopressora, mostra-se eficaz, pro movendo efetiva e imediata parada do sangramento em 80 a 90% dos pacientes, permitindo adequado reequilíbrio hemodi
se aplicações a cada 4 a 6 h, reduzindo-se para 1 mg, a cada 4 h, caso o sangramento tenha sido interrompido. Atua após trans
nâmico e menor volume de hemotransfusão, com redução do número de episódios de ressangramento nos próximos 5 dias. Algumas complicações relacionadas com a escleroterapia en
formar-se em seu metabólito lisina-vasopressina, reduzindo sig nificantemente pressões intravarizes e portal e o fluxo em veia
doscópica (EE) chegam a 2-3%, caracterizadas por ulcerações, estenoses esofágicas ou ressangramento, que ocorrem até 6 me
ázigos e nas varizes esofágicas, permitindo o desenvolvimento do equilíbrio hemodinâmico. Atuando dessa forma, reduz a mortalidade em pacientes Child-Pugh C, com a vantagem de
ses após a parada do tratamento. Por outro lado, a ligadura (LE) promove erradicação mais precoce das varizes, redução
preservar a função renal, mas com o inconveniente de poder induzir complicações em caso de choque hipovolêmico grave, sendo contraindicada naqueles com coronariopatia e nos que cursam com arritmias cardíacas, doença vascular de extremi dade e com história de prévio acidente cerebral. Na ausência de interrupção da hemorragia ou existência de contraindicações à terlipressina, deve-se optar pela admi nistração de somatostatina, um peptídio endógeno que, em infusão n i travenosa contínua, promove vasoconstrição arte riolar esplâncnica, reduzindo o fluxo sanguíneo portal e, nas colaterais, diminuindo o GHP de forma muito segura. A dose utilizada é de 250 Jlg, intravenosa em bolo, seguida de infusão contínua de 250 Jlg/h, por 2 a 5 dias; induz potente redução da pressão portal, das varizes e no fluxo ázigo. Na ausência de resposta, dobra-se a dose, sendo raros os eventos colaterais in duzidos pela terlipressina, devendo se associar a escleroterapia endoscópica (EE). Recentemente, como alternativa, temos utilizado um aná logo sintético, o octreotídio, o qual apresenta vida média mais longa (1 a 2 h), sendo menos oneroso quando comparado à somatostatina, esta de vida média mais curta (1 a 2 min). O octreotídio é capaz de promover a interrupção do sangramento em 80-90% dos casos. Infunde-se uma primeira dose, em bolo, de 50 a 100 llg/h IV, e continua-se com dose de manutenção de
da incidência de ressangramento e menor extensão em profun didade da lesão tecidual esofágica. Tem, no entanto, algumas desvantagens, tais como índice maior de recorrência, risco de perfuração e estrangulamento de mucosa esofágica, complica ções que estão relacionadas, sobretudo, com a experiência do endoscopista. Nessa técnica, são menos frequentes os espasmos e obstruções esofágicas distais, embora possam ser observados . . . Ja nas pnme1ras semanas. O balão de Sangstaken-Blakemore deverá ser empregado ,
como última opção, ou seja, quando não se consegue a inter rupção do sangramento ativo em pacientes com instabilidade hemodinâmica grave, e diante da indisponibilidade do endos copista ou das drogas redutoras do GHP. Para que exerça sua eficácia terapêutica, após sua colocação deve-se injetar ar o sufi ciente para mantê-lo fixado no fundo gástrico, promovendo-se pressão de 15 a 25 mmHg no dispositivo esofágico. Ressalte-se que ele deverá ser mantido implantado não mais do que 24 h. Esse procedimento permite controle da HDA em 45 a 90%, sendo frequentes os surtos de ressangramento precoce, ocor rendo logo após sua retirada. São comuns complicações como ulcerações isquêmicas da mucosa esof ágica, necrose da asa do nariz e perfurações, complicações observadas em 10-20% da queles assim manipulados por mais de 72 h, com mortalidade de 70% em algumas séries estudadas, sobretudo quando assim são tratados pacientes Child C.
25 Jlg/h, por 24 a 48 h. Poucos efeitos adversos são observados, e a eficácia é semelhante à de tamponamento com balão, uso
• Profilaxia do ressangramento
de vasopressina, escleroterapia ou ligadura endoscópica (LE) realizados de emergência, com complicações sendo raramente
Essas medidas visam a impedir o aparecimento de novos surtos hemorrágicos e deverão ser tomadas logo após o con
observadas. A administração de vasopressina, associada a ni tratos, tem sido menos frequente (Quadro 62.4).
trole da HDA. Baseiam-se na realização de sessões de EE ou LE em intervalos de 15 dias, associadas à administração de dro-
704 Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico gas betabloqueadoras, nitratos e/ou octreotídio. Apesar dessas medidas, a recorrência do sangramento pode ocorrer cerca de 5 dias após interrupção do tratamento, relacionando-se esse comportamento ao GHP > 20 mmHg, concomitância com in fecção bacteriana, existência de trombose venosa portal, evo lução em choque, e naqueles Child-Pugh B ou C, e com níveis séricos elevados de alanina-aminotransferase (ALT). Também pode ser observado em 30-70% dos pacientes no primeiro sangramento, ampliando-se, além desses números, a partir de 2 anos após interrupção do sangramento. Advogamos iniciar, logo em seguida ao primeiro atendimento, a administração do propranolol, atitude que reduz esses índices de ressangramento para 10 e 20% nos primeiros 12 a 24 meses, respectivamente. Administram-se, inicialmente,40 mg, com doses variáveis e ascendentes que podem chegar a 240 mg/dia, dependendo da reserva parenquimatosa hepática, aderência do doente ao tra tamento, ou repercussões hemodinâmicas. Mais recentemen te, tem sido proposto conduzi-los valendo-se de novas opções farmacológicas redutoras da pressão portal, conforme é mos trado no Quadro 62.5. Frise-se que a mortalidade ao fim de 6 semanas da admis são ocorre sobretudo naqueles que, ao serem admitidos em vigência do sangramento, encontravam-se em choque hipo volêmico, ou eram portadores de carcinoma hepatocelular, ou cursando com encefalopatia hepática, ou infectados, ou clas sificados como Child-Pugh B ou C. Também essa evolução se observa naqueles com alargamento do tempo de protrombina, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, níveis séricos elevados de ureia e creatinina, e trombose venosa portal.
• Situações especiais •
Gastropatia hipertensivaportal (GHP)
O desenvolvimento dessa complicação é observado em 50% dos pacientes cirróticos (Figura 62.8), e ela é secundária à for mação de fístulas AV que se estebelecem entre a submucosa e
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Quadro 62.5 Novas opções de drogas redutoras da pressão portal em cirróticos humanos (Turnes, Abraldes, Bosch, 2003} Agentes farmacológicos
Propranolol ou nadolol
lsosorbide 5-mononitrato (ISMN)
Propranolol ou nadalol + ISMN ou carvedilol
Prazosin + propranolol Espironolactona + nadolol lnibidores do No
Evidências disponíveis e recomendações
Recomendável na profilaxia primária e no ressangramento por ruptura de varizes
Menos eficaz, apresentando mais efeitos colaterais do que os betabloqueadores. Não se mostra eficaz naqueles em que há contraindicação quanto ao uso de betabloqueadores Deve ser usado na profilaxia do ressangramento
Promove redução da GHP. mas amplia a necessidade de diuréticos. São necessários mais estudos para menor definições de eficácia Promove redução mais acentuada no GHP. Poucos dados que suportem seu uso clínico atualmente são disponíveis Não reduz GHP ou risco de eclosão do primeiro episódio hemorrágico
Melhora da hemodinâmica portal e da função renal
GHP = Gradiente hepático portal.
a muscularis mucosae do estômago, sobretudo quando o GHP se encontra além de 12 mmHg. A incidência geralmente se acentua após sessões repetidas de EE ou LE das VEGR Res ponsável por 10-20% das HDA em cirróticos, expressa-se ini cialmente sob forma de perdas microscópicas nas fezes, mas pode acentuar-se, evoluindo para situação de difícil controle, aspecto clínico que não raramente se observa também naqueles com colopatia hipertensiva (Figura 62.9). Apresenta resposta terapêutica baixa à infusão de drogas vasoativas. Nesse caso, a terapêutica ideal não cirúrgica consiste no implante do TIPS, uma prótese metálica, intra-hepática, de 8 a 10 mm, autoex pansível, introduzida por via jugular, que comunica a veia he pática com ramo da veia porta. Esse procedimento é realizado por radiologista intervencionista, com tempo de duração para seu implante variável, entre 90 e 120 min. Mostra-se capaz de interromper o sangramento ativo por VEGR ou GHP entre 90 e 100%, ao promover redução de 30 a 40% do GHP em relação ao nível inicial. Complicações precoces e tardias podem ocor rer, tais como encefalopatia hepática, observada em 16 a 20% dos casos, que costuma se n i stalar após 24 a 72 h do procedi mento; é mais comum em doentes acima de 50 anos de idade, sendo de leve intensidade e fácil controle clínico. Insuficiência cardíaca congestiva ou edema agudo de pulmão ocorrem ra ramente, sendo mais observados em cirróticos alcoólatras com miocardiopatia. Outra complicação é a insuficiência renal, pro vavelmente instalada pelo uso de grandes volumes de contraste intravenoso em pacientes com instabilidade hemodinâmica prévia e que fizeram uso anterior de drogas vasoconstritoras, em portadores de nefropatias, podendo ser evitada ao se pro mover hidratação adequada durante e após o procedimento. Anemia hemolítica surge em 12% dos casos, geralmente nos primeiros 3 a 4 meses, devido à presença da prótese e aumento do fluxo local. Obstrução ocorre entre 20 e 40% nos primeiros meses, elevando-se para mais de 50% ao final de 12 meses. Vi sando a detectá-la mais precocemente, deve-se proceder à rea lização de controle ultrassonográfico com Doppler do TIPS a cada 3 meses, para avaliação do fluxo e, se necessário, estudo angiográfico a cada 4 a 6 meses. Ao se comprovar redução do calibre, deve-se promover dilatação, valendo-se de balão de 8 a 10 mm, com colocação de nova prótese. Esse método tera pêutico tem sido utilizado como ponte para o transplante de fígado, ao permitir que pacientes evoluam com melhora do estado nutricional, redistribuição de volume hídrico, melhor controle do sangramento e da ascite refratária. Essa respos ta efetiva tem sido mais comumente observada nos cirróticos Child A ou B, com GHP não muito elevado e reserva funcional hepática satisfatória. •
Varizes gástricas
Ocorrem em 15-70% dos cirróticos com hipertensão portal acentuada, aumentando o risco de sangramento com a evo lução da doença. São responsáveis por cerca de 8-10% dos eventos hemorrágicos, representando controle clínico difícil e mortalidade alta. A terapêutica envolve a administração de betabloqueadores, como propranolol, associado ou não a ni tratos, conforme proposto na condução das varizes esofági cas hemorrágicas. Preferencialmente, deverão ser tratadas por sessões de injeção nas varizes de 5 a 8 mf de cola biológica (Histoacryl-Lipiodol), ou implante do TIPS (Figuras 62.10 e 62.11). Ressangramento será observado apenas nos casos em que a obliteração mostrou-se incompleta, podendo já ocorrer cerca de 3 a 4 dias após o procedimento. Reações colaterais ao procedimento traduzem-se por febre, sem sinais de infecção, e risco de tromboembolismo. O insucesso dessa opção leva ao
Figura 62.8 Observar, no sentido horário, varizes esofágicas de grande calibre com sinais premonitórios de sangramento, gastropatia hiperten
siva, varizes gástricas e, finalmente, as varizes gástricas após injeção de histoacril. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Figura 62.9 Observar, em todos os detalhes, os sinais típicos da colopatia hipertensiva portal (ver texto). (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)
706 Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico implante do TIPS, ou às cirurgias descompressivas clássicas do sistema venoso portal, como portocava ou mesentericocava, naqueles com falência da farmacoterapia. Essas opções atuam como pontes para o transplante de fígado, sendo recomendá vel que sejam executadas naqueles classificados como escore Child-Pugh igual ou superior a 7. Assim conduzidos, os refra tários às medidas clássicas de controle de hemorragia têm sua sobrevída ampliada entre 1, 2 e 3 anos para, respectivamente, 92, 92 e 86%, acima dos 20 a 60% anotados naqueles pacientes em que essa terapêutica não foi adotada. De forma resumida, considerando-se as três fases do trata mento não cirúrgico, pode-se concluir que: 1. HDA por VEGR no cirrótico cessa espontaneamente em 40-50% dos casos; 2. a mortalidade no primeiro surto é de 50%, dos quais 30% dos doentes estão hospitalizados; 3. a incidência de ressangramento eleva-se para 70% ao final de 2 anos, apesar do tratamento clí níco e endoscópico empregado, com mortalidade de até 80%; 4. a profilaxia secundária reduz essas taxas para 50 a 60%, mas sem interferir na evolução natural da cirrose hepática; 5. o TIPS é uma alternativa eficaz na emergência do sangramento, porém não representa tratamento definitivo por não interferir sobre evolução da doença de base; 6. a HDA em círróticos é uma com plicação clínica grave que promove agravamento da função he pática, redução da perfusão renal, incidência maior de infecções e falência de múltiplos órgãos, limitando o prognóstico do do ente. Todos esses aspectos reforçam a necessidade de conduzir esses pacientes, na impossibilidade de controle do sangramento através das medidas clínícas empregadas, adotando-se técnicas cirúrgicas (Quadro 62.6) que não envolvam a manipulação do
hilo hepático, medida útil precedendo a realização posterior do transplante de fígado. A descompressão do sistema venoso portal merecerá considerações em separado. •
Derivaçõesportossstêmi i cas (descompressão do sistema venosoportal)
As mais conhecidas e utilizadas são as anastomoses por tocava, mesentericocava e esplenorrenal distai, sendo as duas primeiras também chamadas de não seletivas, e a última, de seletiva. A anastomose portocava (APC) tem sido amplamente em pregada e é a técnica laterolateral mais eficaz, em correção da ascite presente no pré-operatório, sendo utilizada nas situações de vigênciahemorrágica ou eletivamente após controle do san gramento. A mortalidade é maior na emergência, situando-se em torno de 19%, com variações dependentes da reserva fun cional hepática, tempo operatório, volume de hemotransfu são e condições hemodinâmicas. Quando esses resultados são comparados com o escleroterápíco, não se verificam diferenças quanto à mortalidade, porém muitos casos de ressangramento após o tratamento endoscópico requerem o emprego de uma operação de anastomose, inclusive a portocava, com a finalidade de controlar a recorrência hemorrágica e de permitir melhor preparo para serem levados ao transplante de fígado. Por sua vez, a anastomose mesentericocava foi idealizada como um procedimento alternativo, mais simples e com menor risco cirúrgico (Figura 62.12). Consiste na interposição de uma prótese calibrada, variando de 8 a 12 mm, entre as veias mesen téríca superior e cava inferior. Os resultados apresentados são
Figura 62.1 O Observar a sequência empregada para injeção de histoacril sobre varizes gástricas. Observar também a intensa gastropatia
conjuntiva da hipertensão portal, nesse caso controlável pelo implante do TIPS, enquanto aguardava transplante de fígado, realizado cerca de 6 meses após (Figura 62.1 1). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Afta no Cirrótico
707
similares aos da APC quanto à mortalidade e às complicações pós-operatórias (ascite, encefalopatia etc.), com o inconvenien te de que 30% dos operados evoluem com trombose da prótese em 2 anos. Apesar disso, tem-se dado preferência a essa técni ca em pacientes portadores de ascite intratável, candidatos ao transplante hepático, considerando que as APC são construí das sem manipulação do hilo hepático. Com o intuito de obter melhores resultados no tratamento cirúrgico, valendo-se das duas técnicas anteriormente descritas, idealizaram-se as chamadas derivações portossistêmicas seleti vas, procurando-se descomprimir as varizes esofagogástricas e, ao mesmo tempo, manter o fluxo sanguíneo portal preservado, baseando-se no fato de que as alterações hemodinâmicas e a privação do sangue portal possam determinar pior qualidade
Figura 62.1 1 Fígado cirrótico após explante. ObservarTIPS implanta
do. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
de vida e menor sobrevida aos hepatopatas. Respeitando esses princípios, pacientes têm sido conduzidos através da anastomo se esplenorrenal distai, realizando-se inicialmente a dissecção da veia esplênica até sua junção com a mesentérica superior, com posterior anastomose terminolateral desta na veia renal esquerda, associando-se à ligadura das veias gástricas, direita
------
T ------
Quadro 62.6 Modalidades cirúrgicas empregadas no tratamento de varizes esofagogástricas rotas 1 . Derivações portossistêmicas
2.
Anastomose portocava Anastomose mesentericocava Anastomose esplenorrenal distai (Warren)
Desconexões azigoportais 3. Transecções esofágicas
e esquerda, e da gastroepiploica direita. Aqueles assim ope rados mostraram menor incidência de encefalopatia hepática pós-operatória em relação às operações não seletivas, porém com maior frequência de formação de ascite. Devido à maior dificuldade técnica, ao tempo operatório mais longo e, muitas vezes, à necessidade de habilidade e experiência do cirurgião, este, por sua vez, opta por não empregá-la em situações de • emergenc1a. •
• Desconexões azigoportais Essas operações foram descritas com o objetivo de dimi nuir a pressão portal de modo indireto, realizando-se espie-
Figura 62.12 Controle de anastomose mesentericocava por angiorressonância magnética. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
708
Capítulo 62
I Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico
nectomia, associada à ligadura das veias gástricas em seus dois
cirurgião. Assim atuando, obtêm-se resultados satisfatórios no controle do sangramento das varizes esofagogástricas, com uma
terços proximais e ao redor do esôfago inferior, sem ou com ligadura direta dos troncos varicosos. Essa opção não deverá
mortalidade semelhante à observada na APC. Nesse procedi
ser empregada nos cirróticos, pois evoluem no pós-operatório com elevados índices de trombose portal, recorrência hemor
mento, realiza-se abordagem direta das varizes, ao se utilizar um grampeador mecânico (stappler) para sutura da transecção
rágica e ascite. No Japão, vem sendo utilizada amplamente a
esofagogástrica, sem amplas áreas de desvascularização. Tal modalidade realiza-se através de uma gastrostomia em parede
técnica de Sugiura e Futagawa, baseada na realização da desco nexão esofagogástrica por acesso toracoabdominal, associada à esplenectomia, esofagogastrofundoplicatura e piloroplastia. Embora os autores descrevam resultados satisfatórios, tal ex periência não foi repetida no Brasil, o que limitou seu emprego no tratamento dos nossos pacientes. Importante ressaltar que as desconexões azigoportais devem ser evitadas nos pacientes cursando com ascite, icterícia, hipoalbuminemia e encefalopatia hepática. Nesses, a mortalidade com essa técnica, adotada nas situações de emergência, situa-se em torno de 13%, enquan to, eletivamente, naqueles com melhor reserva hepatocelular,
atinge 3%, com o inconveniente de, praticamente, inviabilizar a realização posterior de transplante de fígado.
• Transecções esofágicas Apesar das altas taxas de ressangramento, essas transecções
vêm sendo utilizadas nas situações de emergência por serem tecnicamente mais simples e não exigirem maior habilidade do
anterior do estômago. Alguns dados sugerem que, apesar das facilidades técnicas quanto à sua execução, este procedimento não demonstrou maior efetividade em relação à escleroterapia e às anastomoses portossistêmicas no controle de sangramen to agudo consequente à ruptura das varizes esofagogástricas. Apresenta, no entanto, o inconveniente de dificultar o trans plante de fígado, a ser realizado posteriormente, e acompanhar se de elevados índices de subestenose ou de estenose esofágica, implicando sessões repetidas de dilatações endoscópicas. Baseados na experiência da literatura e nos próprios avanços obtidos no correr dos anos, recentemente, em 2008, o "Gru po Investigações Biomédicas", da Universidade de Barcelona, construiu um algoritmo aplicado à manipulação de sangra menta agudo das varizes esofagogástricas rotas (Figura 62.13), estendendo-se desde a feitura do diagnóstico, à intervenção en
doscópica, às drogas vasoativas a serem empregadas e às opções cirúrgicas, conforme explicitado na Figura 62.13.
Suspeita de ruptura de varizes
I
+
Terapêutica com drogas vasoativas + antibióticos profiláticos
I
Ressuscltação e prevenção de complicações Endoscop ta •
I
Varizes sangrantes Ligadura endoscópica ou esderoterapia se ligadura não for possfvel
Sim
Continuar droga vasoativa por 2-5 dias Iniciar tratamento por longo prazo
Controle de sangramento
Não
t
Avaliar gravidade
Moderada
Intensa
Tamponamento com balão se incontrolável
Repetir endoscopia
�
Sangramento incontrolável
�
TIPS ou cirurgia descompressiva Figura 62.1 3 Algoritmo de manuseio do sangramento agudo de ruptura de varizes esofagogástricas (Bosch et ai., 2008).
Capítulo 62 I Hemorragia Digestiva Afta no Cirrótico 709 •
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Ci rrose B i l i a r Pri mária e Sín d romes de S u pe rposição Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Paula Hugueney Cruz, Lucas Souto Nacif, André Gustavo Santos Pereira, Raul Carlos Wah/e
Cirrose biliar primária (CBP) é uma doença colestática crônica, de origem desconhecida, caracterizada pela destruição dos due tos biliares intra-hepáticos, inflamação portal e fibrose, inexo ravelmente progressiva para cirrose, insuficiência hepatocelular e hipertensão portal. A doença não é muito comum, com sua prevalência estimada em 40 a 150 casos/1.000.000. Noventa por cento dos doentes são mulheres, em geral ao redor dos 50 anos. Os aspectos evolutivos são interessantes e típicos: 1. a doença pode estar presente por até 10 anos antes do aparecimento de quaisquer sintomas; 2. a sobrevida média atinge 10 a 12 anos, depois de tornar-se sintomática, e 5 a 6 anos após eclosão da icterícia; 3. a descompensação afeta 26% dos pacientes depois de 10 anos de diagnóstico; 4. existe indefinição a propósito de eventuais benefícios decorrentes das medidas farmacológicas, e a terapêutica definitiva é o transplante de fígado.
•
ASPECTOS HISTÓRICOS
Foi descrita pela primeira vez em 1851, por Addison e Gull, e confirmada de forma significativa em 1876, por Hanot. Avanços maiores no conhecimento da doença apenas ocorreram no século XX, exatamente em 1950, quando Ahrens et al. fizeram a primeira descrição compreensiva dos manifestações clínicas típicos e apenas 15 anos mais adiante, em 1965, Rubin et al., descreveram os aspectos histológicos que traduzem a destruição dos duetos biliares intra-hepáticos, denominando-a então "co langite destrutiva não supurativa". Nesse mesmo ano, Walker et al. associaram à doença a expressão sorológica, valendo-se de técnicas de irnunofluorescência para definir o marcador es pecífico dessa entidade, o anticorpo antimitocondrial, presente em 90% dos pacientes. A evolução nesses conhecimentos serviu para definir que tais eventos predominam entre mulheres, com extremos entre 20 e 80, sendo mais frequente entre aquelas com 40 a 60 anos de idade, com predileção de gênero e faixa etária típica se encontrando ainda indefinida na literatura.
•
ASPECTOS PATOGENÉTICOS
Embora a causa precisa da CBP não se encontre definida, mecanismos imunológicos parecem ser responsáveis pela des710
truição dos duetos biliares interlobulares intra-hepáticos. A causa da resposta imune anômala não se apresenta ainda total mente conhecida, porém anormalidades de m i unidade celular e humoral encontram-se envolvidas. Também estudos de famílias e de gêmeos têm demonstrado a participação de componente genético na instalação da doença. O fígado classicamente detém importante potencial tolero gênico ao acesso inevitável de certos patógenos, inclusive das células CD4 e CD8+T e seus receptores, as quais a ele chegam via artéria hepática e veia porta, passando então a reagir com epítopos de autoantígenos mitocondriais. Desse processo parti cipam células dendríticas que expressam IL-10 de baixa potên cia na sua capacidade de recrutar linfócitos, ao mesmo tempo em que cé l ulas sinusoidais endoteliais promovem supressão seletiva de expansão de cé l ulas T produtoras de IFNy e hipe rexpressão de IL-4 e CD4+, comportamento relacionado com a atuação moduladora de células NKT. Ruptura desse fenômeno desempenha um papel central como disparador da colangite autoimune identificada já no início da cirrose biliar primária. Nesses, a ativação antigênica de células CD8+ prepondera, re duzindo a capacidade tolerogênica do fígado, permanecendo, no entanto, atuantes células T reguladoras específicas (Tregs), na busca de perpetuação da autotolerância tanto naqueles com hepatite autoirnune quanto naqueles com cirrose biliar primá ria. Nessa, são importantes os colangiócitos, os quais expressam antígeno B relacionado com linfócitos CD40 e CD95, bem como fator a de necrose tumoral, nterferona-y, i IL-1, fator � de trans formação do crescimento. Ao lado disso, produzem também mediadores inflamatórios, tais como MCP-1 e IL-8, recrutando e ativando leucócitos, tendo o potencial de atuar como células apresentadoras de antígenos, ampliando a capacidade de ins talação da lesão tecidual. Tais eventos agressores geram então destruição apoptótica de colangiócitos, dúctulos biliares e de pequenos duetos biliares intra-hepáticos, resultando então em progressiva ductopenia, colestase lobular obstrutiva, fibrose e, finalmente, cirrose. Alguns autores afirmam que tal evolução geradora da que bra da autotolerância depende da participação de gatilhos dis paradores representados por múltiplos agentes infecciosos, tais como: Mycobacterium gordona e Chlamydia pneumoniae, Helicobacter pylori, Novosphingobium aromaticivorans e be tarretrovírus, aspectos contestados por outros. Mas define-se
Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição 7 1 1 que a suscetibilidade à instalação da doença relaciona-se com predisposição genética, com variações nos alelos imunorregu ladores do sistema HLA classe TI, associados à hiperexpressão dos CTLA-4 e receptor de vitamina D. Progressão mais rápida verifica-se na presença de alelos HLA-IID R81*0801, DQA1, 0401 a 1 e DQ�1*0402, polimorfismos em IL-1� antagonistas de receptor de interleucina e TNFa. Esses atuariam como estruturas moleculares ou compostos, servindo como autoantígenos responsáveis pela resposta imu nológica, induzindo a produção de colatos e levando à perpe tuação de autoimunidade. Essa tendência traduz possivelmente um comportamento herdado, ou seja, uma predisposição ao es tabelecimento de uma resposta pró-inflamatória em cascata. A história natural dessa doença heterogênea é extremamente variável, pois cobre um amplo espectro evolutivo, em que o diag nóstico pode ser realizado tanto naquelas doenças assintomáticas quanto nas que se encontramna fase intermediária ou no estágio avançado. Preocupante nessa evolução é a comprovação de que os índices de progressão são difíceis de serem definidos, com al gumas tendo alterações histológicas leves, enquanto outras evo luem rapidamente para cirrose, quando são sintomáticas. Esses aspectos serão comentados neste capítulo, traduzidos em: •
DOENÇA ASSINTOMÁTICA
Levantamentos recentes afirmam que 13% dos pacientes com CBP encontram-se assintomáticos por ocasião do diagnós tico, quando consideradas apenas mulheres acima dos 40 anos de idade, avaliadas porque referiam serem portadoras de doença da tireoide ou do colágeno, condições muitas vezes associadas à CBP. O diagnóstico também é realizado ao promover-se o rastreamento da doença entre familiares dos pacientes sabi damente portadores da doença, e na tentativa de identificação de causas de hepatomegalia ou de esplenomegalia, sobretudo nas mulheres que se encontram na quinta ou na sexta décadas da vida. Essa busca também é aconselhada em pacientes que cursam com níveis séricos elevados de fosfatase alcalina e/ou gamaglutamiltransferase, detectados durante exames de rotina, e na avaliação de pacientes com títulos de anticorpo antimito côndria acima de 1:40, sendo esses marcadores divididos em vários subtipos. O mais específico para a CBP é o E2, dirigido aos componentes E2 do complexo da desidrogenase do piruvato e outros complexos enzimáticos. Não são anticorpos específi cos, porém que se comportam como alvos que estão localizados na matriz mitocondrial interna, catalisando a decarboxilação oxidativa de vários substratos cetoácidos.
veis séricos de bilirrubina total, aminotransferases e fosfatase alcalina situam-se entre 2,2 e 4 vezes os valores normais. A co langiografia endoscópica retrógrada não mostra alterações, mas a biopsia hepática revela sinais anatomopatológicos típicos. O exame ultrassonográfico é, na maioria das vezes, suficiente para afastar obstrução biliar. •
ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
As alterações anatomopatológicas mostram similaridades com as que são observadas na doença doador versus hospedeiro e, sobretudo, na crônica do fígado transplantado. As modifica ções histológicas da CBP caracterizam uma colangite crônica não supurativa e destrutiva, alterações que são divididas em quatro estágios, conforme discriminado no Quadro 63.1. De forma resumida, pode-se afirmar que tal evolução se relaciona à destruição progressiva dos pequenos duetos biliares intra-he páticos, com inflamação portal levando finalmente à cirrose.
•
ASPECTOS EVOLUTIVOS
Há cerca de 20 anos, a sobrevida média do paciente sintomá tico atingia apenas 5 anos. Atualmente, se aceita que a doença se encontra presente já por 10 anos antes do aparecimento de quaisquer sintomas. A sobrevida média é de 10 a 12 anos, após os doentes tornarem-se sintomáticos, e 5 a 6 anos seguindo a icterícia. Os assintomáticos seguem o mesmo curso dos sin tomáticos, apenas com uma diferença, pois sobrevivem, em média, mais 4 anos que os outros. Recentemente, índices prognósticos têm sido propostos e validados, baseados no emprego de modelos matemáticos complexos e no teste de regressão proporcional de Cox, o qual permite que múltiplas variáveis clínicas sejam avaliadas simul taneamente. Os parâmetros estudados (descritos a seguir) são, em geral: idade em anos, presença ou não de cirrose ou colestase, níveis séricos de albumina, bilirrubinas e atividade de protrombina, presença de edema. 1. MODELO EUROPEU 2,5 1 x log. da bilirrubina sérica (!J.moVf) + idade em anos - 20/10 + 0,88 se cirrose presente - 0,05 albumina sérica (g/f)
--�------
•
Quadro 63.1 Aspectos anatomopatológicos da cirrose biliar primária
DOENÇA SINTOMÁTICA
O sintoma mais comum nos pacientes com CBP é a astenia, considerada, no entanto, como inespecífico. O mais típico é o prurido cutâneo, predominantemente noturno e envolven do toda a superfície corpórea, acometendo principalmente as palmas das mãos ou as plantas dos pés. Sua intensidade não se relaciona com a gravidade da doença hepática. Cerca de 90% desses pacientes são mulheres que se encontram entre 40 e 60 anos de idade, nas quais a doença evolui de forma insidio sa, sem a presença de icterícia. Nessa fase, encontram-se bem nutridas, com hepatomegalia; porém, nas fases mais avançadas, exibem xantomas, xantelasmas e lesões de pele próprias do ato de coçar. A progressão da doença se traduz por desnutrição, esteatorreia e osteoporose. Do ponto de vista laboratorial, ní-
T·--�------
Estágios
11
111 IV
Aspectos anatomopatológicos Inflamação dos espaços portais envolvendo duetos biliares
Existe destruição mais acentuada dos duetos biliares, os quais se encontram proliferados Identifica-se necrose perif érica, com inflamação permeando áreas portais para o interior do parênquima hepático
Caracterizado por fibrose estendendo-se dos espaços portais Definido como nódulos regenerativos envolvidos por fibrose Ductopenia
712 Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição
2.
Doenças associadas
MODELO CLÍNICA MAYO
Ceratoconju ntivite sicca
70-90
Esclerodermia e variantes Esclerodermia Cres Raynaud
15-20 3-4 7
Para calcular probabilidade de sobrevida por, pelo menos, T anos, calcula-se SO (") da tabela abaixo:
Quadro 63.3 Díagnóstico diferencial de cirrose biliar primária Incidência (%)
Doença da tireoide Lichen p/anus
Acidose tubular renal Câncer de mama
T
(anos) so
1
2
3
4
5
6
7
0,970
0,941
0,883
0,724
0,774
0,721
0,651
Assim, em pacientes com bilirrubina sérica de 2 mg/dê, a sobrevida era de 4 anos; com 6.0 mgldl, 2 anos; e, além de 1,0/dl, se reduz para 1,4 ano.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diferentes formas de doenças colestáticas evoluem com ca racterísticas de autoimunidade, podendo ser confundidas com CBP (Quadro 63.2). Convém ressaltar que casos anômalos de CBP já foram descritos, e que não apresentam AAM, mas exi bem fator antinuclear positivo, e são diagnosticados pelo exa me anatomopatológico de fígado. Esses casos podem induzir o médico a afastar intempestivamente a CBP e, portanto, levá-lo a um diagnóstico incorreto. Por outro lado, até 25% dos por tadores de hepatite autoimune podem ter anticorpo antimito condrial positivo, assim como alguns doentes com colangite esclerosante primária, miocardite ou doença hepática induzida por drogas, sendo muito rara a identificação do AAM em pa cientes com obstrução biliar mecânica.
•
------
Artrite/Artropatia
0,871 log. da bilirrubina (mgldf) - 2,53 log. da albumina (g/df) + 0,039 idade em anos + 3,28 log. do tempo de protrombina (s) + 0,859 se edema presente
•
T------
0,68 se colestase central presente 0,52 se não tratado com azatioprina Interpretação- Prognóstico de 5,5 ou mais n i dica sobrevida estimada sem transplante de fígado. Menor do que 1 ano; + +
DOENÇAS ASSOCIADAS
Várias doenças podem estar associadas à CBP, sobretudo as de etiologia autoimune (Quadro 63.3).
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15-20
8
15-20 5
60
Risco 4 vezes maior
Fazem parte desse quadro evolutivo glomerulonefrite, aci dose tubular renal, miastenia gravis, vitiligo, púrpura trom bocitopênica, lúpus eritematoso sistêmico e osteoartropatia hipertrófica pulmonar.
•
ASPECTOS TERAPÊUTICOS
Como a patogênese da cirrose biliar primária mostra-se indefinida, costuma-se ressaltar que não existe enfoque tera pêutico lógico capaz de melhorar o fluxo biliar, normalizar a expressão de proteínas do sistema HLA, bloquear o processo inflamatório em hepatócitos e células biliares e reverter a duc topenia, a fibrose ou a regeneração nodular. De forma empírica, elas têm sido conduzidas pelas administrações de corticosteroi des (prednisolona ou budesonida), visando a reduzir secreções de células TCD4+, IL-1, IL-2, IL-6 e fator a de necrose tumoral. Mais frequentemente, têm sido conduzidas valendo-se de: 1. Metotrexato - Esse agente antagonista do ácido fólico, dotado de atividade anti-inflamatória e imunossupressora, tem sido usado com sucesso no tratamento da psoríase. Estudos abertos realizados em pacientes com CBP, nos quais foi administrado na dose média de 7,5 mg/kg de peso corpóreo, mostraram: a) redução nos níveis séricos de enzimas que avaliam colestase e das taxas de bilirrubina; b) melhora da astenia e da histologia, aspecto evolutivo negado por outros. Quando recebem doses
T-------
Quadro 63.2 Diagnóstico diferencial de cirrose biliar primária Doenças
Aspectos
Cirrose biliar primária
Mulheres entre 40 e 60 anos. Prurido. Níveis séricos de fosfatase alcalina.
+ (95%)
Colangite esclerosante . primana
Homens. Associa-se a retocolite ulcerativa. A colangiografia sela o diagnóstico.
Negativo ou baixo título Negativo
Vários granulomas. Leves alterações ductais
Colangiopatia autoimune
Mulheres. FAN positivo (> títulos). Elevado nível sérico de fosfatase alcalina.
Negativo
Lesões de duetos biliares. Agregados linfoides. Discreta necrose periférica
.
5arcoidose colestática
Reações colestáticas a drogas +
Sexos iguais. Negros. Prurido. Níveis séricos >de fosfatase alcalina.
História pertinente. Usual dentro de 6 semanas do início da administração. Aparecimento agudo
= Positivo; AAM =Anticorpo antimitocôndria.
AAM
Negativo
Biopsia hepática Lesão de duetos biliares. Agregados linfoides. Necrose periférica. Proliferação ductal. Lóbulos intactos. Fibrose. Cirrose. Proliferação fibrótica ductular. Fibrose ductal.
Reação mononuclear portal algumas vezes com eosinófilos, granulomas, esteatose.
Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição 713 de 15 a 20 mglkg, cerca de 15% dos doentes desenvolvem rea ções colaterais, tais como acentuação da fadiga, úlceras na boca, alopecia, mielodepressão e pneumonite, sendo obrigados a re duzir ou interromper o tratamento. Mais recentemente, tem-se sugerido que o metotrexato, associado à colchicina e ao ácido ursodesoxicólico, amplia a ação benéfica observada naqueles que apenas fizeram uso do sal biliar. 2. Acido ursodesoxicólico Quando administrado a pacientes com CBP, protege os duetos biliares contra a lesão exercida por ácidos biliares hidrofóbi cos, ajudando na eliminação destes e de outras hepatotoxinas. Como objetivo, tenta-se bloquear a evolução para fibrose, cir rose e formação de varizes esofágicas, consequentemente, para a insuficiência hepatocelular, prolongando a sobrevida livre do transplantado. A dose recomendada é de 13 a 1 5 mg/kg/dia, de forma dividida (refeições e hora de dormir). Tratados des se modo, ampliou-se a sobrevida dos pacientes seguidos por cerca de 4 anos, mas a sobrevida foi ligeiramente mais baixa quando os doentes foram comparados com a população geral (controle) ao fim de 1O anos. Estudos controlados randomiza dos envolvendo 1.250 pacientes, avaliados através de metaná lise, não confirmaram o efeito terapêutico benéfico do ácido ursodesoxicólico, enfatizando que seu uso como terapêutica padrão necessita ser reavaliado. Os resultados de quatro estu dos controlados estão expostos no Quadro 63.4. Mais recentemente, definiram-se evidências de que o sistema renina-angiotensina se encontra hiperexpresso em fígado fibró tico, tanto de humanos quanto de animais. Nesses, essa evolu ção se relaciona com a proliferação de fibroblastos, infiltração de células inflamatórias, liberação de citocinas inflamatórias e de fatores de crescimento, tais como �1 de transformação do crescimento, interleucina-1�, proteína 1 quimioatractante de monólitos e do tecido conjuntivo. Tentativa de bloqueio dessa cascata de eventos tem-se valido de administração de moexi pril inibidor de angiotensina tipo li, iniciando-se com dose de 7,5 mg/dia durante 2 semanas, ampliando-se para 15 mg/dia na manhã e 1 h antes da refeição, sem que se mostrasse qualquer benefício com essa terapêutica, com a maioria dos pacientes não conseguindo completar 1 ano de tratamento. Atualmente, busca-se mudar essa história, valendo-se de nibidores i de calcineurina (ciclosporina A ou tacrolimus), vi sando a aumentar expressão de fator � de transformação do crescimento, supressor de funções de células T e de receptores
de IL-2 e IL-7 e transcrições de IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, TNF-a e IFN-y. Efeitos colaterais do primeiro fármaco são nefrotoxicida de, neurotoxicidade, hipertensão arterial, hipercolesterolemia e doenças linfoproliferativas, enquanto do segundo incluem-se pancreatite, diabetes, intolerância gastrintestinal, reações alér gicas e imunossupressão. Diante desses inconvenientes, outros irnunossupressores, tais como sirolimus ou rapamicina, inibi dores do sinal III de mTor e seu derivado everolimus, ou ini bidores de síntese de purinas como micofenalato mofetila e de pirimidina como leflunamida e seu derivado FX778, têm sido administrados de forma alternativa. Essas ofertas terapêuticas se expandem com o emprego de anticorpos monoclonais qui méricos humanizados, tais como OK73, alemtuzumab (Cam path IH), natalizumabe, bem como inibidores de receptores de quimoquinas ou de citocinas, tais como o recombinante humano IL-10, n i ibidor de TNFa ou de leucotrieno, tal como pranlukast, efeitos não exercidos pelos zafirkukast e montelu caste, todos hepatotóxicos. Menos agressivas e atuando como anti-inflamatórios e antioxidantes, estatinas beneficiam aqueles com cirrose biliar primária. Recomendável que se evite o em i dutor de carcinoma hepatocelular prego de bezafibrato, um n em ratos, bem como de fenofibratos, causa de hepatite aguda colestática e cirrose. Tipicamente, os pacientes evoluem com prurido que é um dos mais desagradáveis sintomas apresentados pelos pacientes com CBP. Interfere nas atividades diárias e com o sono, causan do significativa morbidade. A patogênese é desconhecida. Con siderou-se que se instalava em consequência da impregnação das terminações nervosas periféricas da pele por sais biliares. Atualmente, aceita-se que dependa de um tônus opioidérgico mais acentuado, e ao nível do SNC. Essa afirmação baseia-se em: a. presença maior de ligantes cerebrais agonistas de opioi des, levando ao aumento do tônus opioidérgico; b. aumento na neuromodulação e neutrotransmissão mediadas por opioides no SNC; c. o prurido pode ser revertido, pelo menos parcial mente, pela administração de antagonistas opioides. Estrate gicamente, deverão ser conduzidos segundo exposto na Figura 63.1 e no Quadro 63.5. Nos estágios iniciais, há níveis séricos discretamente eleva dos de colesterol VLDL e LDL, e mais pronunciados de HDL. Nas fases avançadas, os pacientes desenvolvem substanciais au mentos de colesterol LDL e reduzidas concentrações de HDL.
...
Quadro 63.4 Resultados de quatro estudos controlados utilizando ácido ursodesoxicólico {AUDC) no tratamento da cirrose biliar primária Efeitos do tratamento Autor (1•)
Duração Padentes (meses)
Dosagens (mg/kg/dia)
Sintomas
Bioquímica
Histologia
Prurido melhor (P < 0,03)
.j, BT, FA, AST .j, ALT, GGT
Melhor (P < 0,002)
Poupon
146
34
13-15
Heathcote
222
27
14
Undor
180
50
13-15
Imutáveis
.j,BT, FA, AST
Combes
151
24
10-12
.!- Astenia-prurido
.j, BT, FA, GGT, ALT, IGM
Imutáveis
(P < 0,001) ,
.j, BT, FA, AST, ALT (P < 0,001)
(P < 0,004) (P < 0,01) Inicial
Ausêndade resposta
Mortes Transplante eAUDC placebo
6 x 13
ND
ND
Melhor (P < 0,05)
Mudança em BT (P < 0,001)
12
19
7
12
Melhor (P < 0,05) doença
Mudança na BT
12
11
Sem diferença
(P < 0,01)
21 X 43 (P < 0,003)
(P
BT
=
0,001)
BT = Bilirrubina total; FA = Fosfatase alcalina; AST = Aspartato aminotransferase; ALT =Alanina aminotransferase; ND = Não definido; GGT = Gamaglutamiltransferase.
714 Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição Prurido
1• Linha
,
Diurno
Colestiramina ou colestipol com clorfeniramine
Diurno e noturno
Noturno
Colestiramina e clorfeniramine
Colestiramina e clorfeniramine
Ausência de resposta ou intolerância
Ir
Rifampicina 150 mg/dia
3• Linha
Naltrexone
4• Linha
Plasmaférese
s• Linha
Transplante de fígado
Figura 63.1 Estratégia de tratamento de prurido na doença crônica do fígado (Meia, Mancuso & Burroughs, 2003).
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�-------
Quadro 63.5 Comentários sobre farmacoterapia do prurido Fármacos
Comentários
Colestiramina
Agente não absorvível, solúvel em água, que se liga a ácidos biliares, bloqueando sua circulação êntero-hepática. Administrada por via oral na dose de 2 a 4 g até 1 6 g/dia (envelopes com 4 g), diluída em água e suco. Reações colaterais envolvem síndrome hipostênica, constipação, anorexia e esteatorreia, interferindo na indisponibilidade de fármacos como ácido ursodesoxicólico, tiroxina, digoxina e anticoncepcionais orais.
Colestipol Rifampicina Naltrexone e outros antagonistas opiosos Ondansetron
Outra resina trocadora de ãnions, polímero que também se liga a ácidos biliares. Bem tolerado na dose de 5 a 30 g/dia, sem efeitos colaterais gastrintestinais.
lndutorjunto com fenobarbital do sistema metabolizador de drogas, promovendo o metabolismo de composto pruritogênico, modifica a síntese de ácidos biliares no intestino, sobretudo de litocólico. Empregada em dose variável de 300-600 mg (2 a 3 comprimidos), via oral, ao dia.
Naltrexone deve ser administrado na dose diária de 50 mg/dia e nalmefene, 4-10 mg/dia. Reações colaterais são exacerbações dos sintomas iniciais, com aparecimento de anorexia, náuseas, cólicas, palidez, sudorese, hipertensão arterial.
Experiências pequenas, sem efeitos adversos importantes propostos na administração endovenosa (4-8 mg) ou via oral (24 mg/5 semanas).
Apesar desses valores anormais, o risco de doença arterioes clerótica não se mostra maior do que o da população em geral. Deverão ser conduzidos por meio de dieta hipogordurosa e administrações de clofibrate e colestiramina. Excepcionalmen te, pelo risco de hepatotoxicidade, valendo-se de estatinas nas doses de 10 a 20 mg, VO, à noite ao deitar. A osteoporose, por sua vez, revela-se como complicação frequente e de mecanismo desconhecido. Mostra-se mais acen tuada naqueles pacientes profundamente ictéricos. Nos casos
avan
çados da doença, há redução significativa da densidade mineral óssea, os doentes evoluem com dores dorsolombares e nas costelas, e com frequentes fraturas espontâneas. A per da média de massa óssea ultrapassa em duas vezes as médias observadas para idade, peso e sexo em relação a controles não hepatopatas. Recomendável diante dessa complicação tomar as seguintes medidas: a. evitar colestiramina (< absorção de vita mina D) e corticoideterapia (reduz massa óssea); b. repor vita mina D2 (50.000-100.000 U/semana) infusões IV de gliconato
Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição 715
de cálcio (1,5 a 15 mg/dia/12 dias); c. administração de cálcio oral (500 mg/2 vezes/dia/tempo indefinido); d. terapêutica com bifosfato oufluoreto, sempre associada à vitamina D2 (promove estimulação osteoblástica), com valor da administração paren teral de calcitonina ainda se encontrando indefinida. Hipovitaminoses deverão ser combatidas pela administração de: a. vitamina A (50.000-150.000 U/semana), desde que níveis séricos se encontrem baixos (atenção com hepatotoxicidade); b. vitamina K de preferência, reposição IM, de acordo com atividade de protrombina, tendo sido proposta terapêutica por longo prazo com a forma hidrossolúvel (VO, 5 mg/dia). Por sua vez, esteatorreia, caracterizada pela perda acentuada de gordura pelas fezes leva à desnutrição, ao emagrecimento, à astenia e à precária absorção de vitaminas lipossolúveis, como A, D, E, K. Os pacientes desenvolvem dificuldade de adaptação visual noturna, agravamento da osteopenia, aumento do tempo de protrombina e alterações neurológicas, tais como arreflexia, ataxia e perda de propriocepção. Manifestações cutâneas se expressam pela pele seca e espessa, sobretudo nos dedos, tornozelos e pernas. Há queixas de dores frequentes, sobretudo aos mais leves traumatismos, em conse quência da neuropatia xantomatosa periférica. Na hipertensão portal pré-sinusoidal, frequentemente, os doentes evoluem com varizes de esôfago. O sangramento diges tivo que pode ocorrer deve-se não apenas à ruptura dos cordões varicosos, mas também a hemorragia consequente a gastropatia hipertensiva e a úlcera duodenal. Por outro lado, carcinoma hepatocelular raramente se nstala i nessa forma de cirrose. Falência dessas atitudes traduz-se pelo agravamento do pru rido, instalação de osteopenia, deficiências de vitaminas lipos solúveis, desnutrição e evolução com hipertensão portal e sinais de insuficiência hepática grave. Esses deverão ser conduzidos pelo transplante de fígado empregado, sobretudo naqueles que, no índice proposto pela Clínica Mayo, já atingiram o escore de 5,0 pontos, quando a expectativa de vida é de 1 ano ou menos, conforme disposto no Quadro 63.6. O prognóstico daqueles assim conduzidos se revela exce lente, com índices de sobrevida, ao fim de 2 e 5 anos, respec tivamente de 75 e 68%, com índices de recorrência entre O e 50%, quando 26% deles exibem recorrência, cujos critérios de definição encontram-se expressos no Quadro 63.7 Fatores de risco para que essa evolução aconteça estão dis criminados no Quadro 63.8. Recomendável que sejam conduzidos valendo-se de ácido ursodesoxicólico, fármaco que, apesar de promover reduções -
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T
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Quadro 63.6 1ndicações do transplante de fígado na cirrose biliar primária Icterícia acentuada, com bilirrubina sérica além de 1 O mg!dl Ascite intratável Encefalopatia hepática Valor sérico de albumina abaixo de 3 g!dl Consumo muscular Peritonite bacteriana espontânea de repetiçâo Osteoporose em progressão Síndrome hepatopulmonar Ruptura de varizes esofagogástricas Carcinoma hepatocelular Prurido intratável Letargia acentuada
T------
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Quadro 63.7 Critérios de recorrência de cirrose biliar primária pós-transplante de fígado 1. Histológicos Destruição de duetos biliares por granuloma epitelioide Colangite e agregados linfocíticos Proliferação ductular Ruptura de membrana basal dos duetos biliares •
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•
Proteína associada ao cobre na ausência de colestase Rarefação de duetos biliares 2. Sorológicos Elevações de títulos de anticorpo antimitocondrial •
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•
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Quadro 63.8 Fatores de risco para recorrência de cirrose biliar primária •
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•
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Idade avançada do doador e/ou receptor. Tempos de isquemia fria ou quente são controversos. Variante genética em HCA classe 11, interleucina 12, e do receptor B de interleucina 12. Número menor de mismatches HLA-A, HLA-B e HLA-DR entre doador e receptor. Recorrência em torno de 128 e 62 meses, respectivamente, naqueles que recebem ciclosporina e tacrolimus. Cerca de 17% daqueles tratados com tracrolimus e prednisona com ou sem micofenolato. Expressão apicai epitelial intensa do anticorpo monoclonal murino C 355, naqueles com recorrência precoce.
em níveis séricos de fosfatase alcalina e aminotransferases, não influencia sobrevida do paciente ou do enxerto, sem evidências a esse respeito quanto ao uso de corticoide, sendo o retrans plante poucas vezes realizado.
•
SÍNDROMES DE SUPERPOSIÇÃO
Esse termo tem sido empregado com o objetivo de descre ver casos de pacientes com doença hepática crônica e que exi bem sinais clínicos, histológicos e bioquímicas superponíveis e pertencentes aos achados clínicos de diversas entidades. A esse respeito, existem dúvidas entre pesquisadores quanto a essas alterações constituírem simples coincidência ou representarem um comportamento híbrido, consequência de um distúrbio múltiplo de natureza autoimune. Essas síndromes apenas recentemente tiveram um posicio namento definido no campo da moderna hepatologia. Têm uma base patogênica que as caracteriza como resultantes da resposta imunológica despertada a partir de antígenos próprios, acarretando lesão a estruturas e a órgãos-alvo. Nesses pacientes geneticamente predispostos, tudo indica que o agente dispa radar do processo seja um agente infeccioso, indutor de uma resposta quando apresentado aos linfócitos T do hospedeiro. Dessa complexa resposta, participam citocinas, as quais, uma vez secretadas, afetam a imunerregulação. Essas citocinas são as interleucinas e o fator de necrose tumoral, gerados durante a resposta inflamatória instalada. Dessa forma, desencadeia-se uma cascata de eventos, na qual se encontram envolvidos: 1. moléculas de adesão; 2. recrutamento e ativação de leucócitos
716 Capítulo 63 I Cirrose Biliar Primária e Síndromes de Superposição e mastócitos; 3. maturação de leucócitos. A ação dessas molé culas é regulada por receptores específicos, com a resposta in flamatória de subestruturas celulares específicas dependente da participação de sinais extracelulares, de apoptose e, sobretudo, de moléculas do sistema HLA. Algumas dessas síndromes serão comentadas neste capítulo.
•
Cirrose biliar primária e hepatite crônica autoimune
Essa associação tem sido frequentemente observada, res ponsável por algo em tomo de 9-10% das síndromes de super posição. São pacientes que exibem um quadro misto clínico, bioquímico e histológico pertencente a ambas as condições. Caracteristicamente, inicia-se por sinais de colangite crônica destrutiva não supurativa, quando predominam colestase e pru rido em pacientes do sexo feminino, em torno dos 50 anos de idade, e com anticorpo antimitocondrial (M2) positivo. Alguns desses casos são controlados inicialmente pela administração de ácido ursodesoxicólico, mas, em seguida, passam a evoluir com elevação sérica de aminotransferases, e tomam-se positivos para anticorpos animúsculo t liso ou antinúcleo. Nessa ocasião, apre sentam à biopsia hepática, associadamente, necrose periférica e infiltrado linfocitário e plasmocitário importante, periporta e perisseptal. Os critérios típicos diagnósticos representativos da entidade estão representados no Quadro 63.9. As recomendações na condução de tais pacientes incluem: 1 . terapêutica isolada com corticosteroides ou ácido ursodeso xicólico não induz a normalização bioquímica definitiva. As sim, torná-los assintomáticos, com regressão dos parâmetros enzimáticos, só vai ocorrer com associação das duas drogas; 2. essa síndrome pode ser clinicamente reconhecida, uma vez que se defina resistência à terapêutica com ácido ursodesoxicólico em pacientes com cirrose biliar primária clínica, bioquímica e histologicamente diagnosticada.
•
Colangite esclerosante primária e hepatite crônica autoimune
Caracteristicamente, essas síndromes podem ser encontra das em um mesmo paciente. Todos exibem hipergamaglobu linemia e autoanticorpos circulantes inespecíficos, sobretudo antimúsculo liso e antinuclear. Mecanismos efetores geradores
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T-------
Quadro 63.9 Critérios diagnósticos da síndrome cirrose biliar primária e hepatite crônica autoimune Sintomas ou sinais, inclusive provas bioquímicas que indicam doença hepática crônica com mais de 6 meses de duração. Aspectos histológicos típicos de hepatite crônica autoimune.
Concentrações séricas elevadas de gamaglobulina e específica de lgG. Presença de autoanticorpos circulantes, sobretudo antinúcleo, antimúsculo liso e antifígado - rim em títulos iguais ou superiores a 1:40. Além desses, outros podem ser também identificados. Aspectos de comprometimento multissistêmico, com anormalidades imunológicas podendo ser encontradas em parentes de primeiro grau. Presença de haplótipos HLA tipos B, DR3 ou DR4. Exclusão de outras causas de hepatites crônicas, tais como induzidas por vírus ou fármacos. Resposta à terapêutica com corticoide.
de distúrbio autoimune diferem entre si, sendo dependentes, na primeira síndrome, da ativação de linf ócitos B e, na segun da, das células T. Histologicamente, alguns sinais são úteis na diferenciação entre ambas: 1. lesões em casca de cebola (fibrose concêntri ca periductal), com sinais de colestase e fibrose, são próprias da colangite esclerosante primária; 2. necrose periférica acen tuada, fibrose com presença de septos ativos e passivos, sinais evidentes de tentativa de regeneração hepatocítica, inflamação linfocítica e plasmocitária, e cirrose macronodular com intensa atividade são próprios da hepatite crônica autoimune. São pa cientes que, do ponto de vista colangiográfico, apresentam os sinais típicos de estenose e dilatação de grandes duetos biliares intra- e extra-hepáticos. Essa associação tem sido observada em crianças, em adolescentes e em adultos jovens. A terapêutica envolve a administração associada de ácido ursodesoxicólico e corticosteroide.
•
Colangite autoimune
Descrita inicialmente em 1987, a partir da observação de três mulheres com quadro clínico, laboratorial e histológico de cirrose biliar primária. Caracteristicamente, as três eram anti corpo antimitocôndria negativas, e anticorpos antimúsculo liso e antinúcleo positivas, com vias biliares à colangiografia endos cópica retrógrada sem alterações. Tipicamente, são pacientes com concentrações mais baixas de lgM e títulos séricos mais elevados de anticorpo aninuclear t (1:160-1:1.280), com cerca de 45% portando o anticorpo antimúsculo liso. Esse compor tamento é o inverso do observado naqueles doentes com cir rose biliar primária pura e com antimitocôndria positiva (M2). Apesar dessas diferenças, os sintomas nas duas síndromes são semelhantes, em ambas predominando mulheres com coles tase clínica e bioquímica, e que, tratadas com corticosteroides, apresentam rápida normalização dos valores de aminotrans ferases, enquanto os da fosfatase alcalina e gamaglutamiltrans ferase apenas regridem com administração associada de ácido ursodesoxicólico.
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Doença hepática autoimune e neoplasia
Essa associação foi recentemente descrita por autores ingle ses e observada em portadores de doenças mieloproliferativas e no câncer de cólon. Pode exteriorizar-se clinicamente por ocasião do diagnóstico da neoplasia, ou no decurso da doença hepática, sendo, possivelmente, precipitada pela quimiotera pia. Estudos histológicos do fígado revelam quadros de hepa tite aguda, subaguda ou crônica, cirrose biliar primária e co langite esclerosante primária. Sugere-se que seja considerada como uma síndrome paraneoplásica. Há necessidade da reali zação de estudos prospectivos, visando a definir mecanismos patogenéticos envolvidos e opções de manipulação terapêutica farmacológica.
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LEITURA RECOMENDADA
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Colang ite Esclerosa nte Pri m á ria Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Taiane Costa Marinho, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Guilherme Tarameli dos S. Cecí/io, Raul Carlos Wah/e, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro
Colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença hepática crônica, de etiologia desconhecida, caracterizada por fibrose in flamatória que oblitera duetosbiliares intra- e extra-hepáticos. Caracteristicamente, os pacientes são homens jovens e apre sentam estenoses e dilatações das estruturas ductais, evoluindo para estágio avançado de cirrose biliar, com tendência a cursa rem exibindo surtos de colangite bacteriana, hipertensão portal e colangiocarcinoma. Retocolite ulcerativa idiopática (RCUI) e, mais raramente, doença de Crohn estão presentes em, no mínimo, 70% dos casos. RCUI em geral se manifesta antes do início clínico da CEP, mas pode ser diagnosticada simulta neamente ou após o início da CEP. Em geral, a RCUI evolui silenciosamente ou com sintomas moderados. A CEP pode estar associada a outras enfermidades, como fibrose retroperitoneal, tireoidite de Riedel e síndromes de m i unodeficiência, sobretudo a AIDS, mas, nesse caso, a colangite esclerosante é secundária. História de trauma cirúrgico sobre a árvore biliar ou existên cia de neoplasia maligna primária do sistema biliar excluem o diagnóstico de CEP. Aspectos clínicos típicos, radiológicos, histológicos e terapêuticos, incluindo o transplante de fígado, fazem parte da história desses pacientes.
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ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
A presença de níveis séricos circulantes elevados de imuno globulinas; a identificação de autoanticorpos circulantes não organoespecíficos, sobretudo p-ANCA (anticorpo anticitoplas mático neutrofílico); a diminuição do clareamento hepático de irnunocomplexos circulantes; a ativação do complemento aumentada; a frequência elevada de antígenos do sistema HLA humano, HLA-BS, DR2, DR3 e DRw52a; a expressão aberrante de antígenos HLA de classe li nas células epiteliais dos duetos biliares; os achados histológicos de inflamação das células bi liares, agredidas por populações de linfócitos; e a possibilida de de controle dos surtos de colangite, por meio do emprego de imunossupressores, conferem à CEP uma base patogenéti ca autoimune. Outras alterações do sistema imunológico, tais como desequilibrio entre linf ócitos T auxiliadores supresso res, aumento na proporção CD4:CD8 e acentuado número de células B e imunocomplexos circulantes, são identificadas em todos os pacientes. Nas famílias desses doentes, também há
maior ocorrência tanto de CEP quanto de RCUI. O curso evo lutivo da doença é mais rápido nos portadores de HLA-DR4. Apesar dessas evidências que constituem fortes argumentos favoráveis à doença autoimune, a CEP ainda é rotulada como de etiologia desconhecida. Por sua vez, naqueles doentes que evoluem com RCUI asso ciada, o epitélio colônico torna-se permeável a produtos bac terianos tóxicos, tais como endotoxinas, as quais, por meio do sistema venoso portal, atingem o fígado, causando pericolangite e lesões de duetos biliares intra- e extra-hepáticos. Alguns autores também advogam que tal tendência evolutiva esteja relacionada com participação lesiva de citomegalovírus. Correlacionam essa participação ao encontro de corpos de in clusão típicos da presença desse agente infeccioso nos duetos bi liares daqueles com CEP. Aventou-se, contudo não foi possível comprovar, que tal desarranjo estivesse relacionado com presen ça do retrovírus tipo 3, mas com certeza existe a comprovação de que ele está relacionado com anormalidades imuno-humo rais, tais como hipergamaglobulinemia (elevação da secreção de IgM), níveis séricos elevados de m i unocomplexos ativadores do sistema do complemento, conforme citado anteriormente em pacientes com títulos elevados de anticorpos anticélulas endote liais colônicas, além de positividade para p-ANCA, antimúsculo liso, antinúcleo, anticolônicos e antiespaço portal. Apesar desses avanços, não se consegue definir com pro priedade que a CEP seja uma doença autoimune. A principal limitação na feitura dessa assertiva relaciona-se com a falta de um autoantígeno específico como alvo das respostas imunes exercidas por cé l ulas T e B.
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ASPECTOS CLÍNICOS
Diferentemente da cirrose biliar primária (CBP), os homens são mais afetados pela CEP do que as mulheres. São pacientes jovens, entre 25 e 45 anos, podendo ser a doença encontra da entre crianças com menos de 5 anos de idade. Aproxima damente 70% dos pacientes são portadores concomitantes de RCUI, mas o inverso é observado em apenas 5% dos casos. In teressante observar que, embora se aceite que a patogênese de ambas as doenças - CEP e RCUI - seja desconhecida, as duas têm características sorológicas e histológicas que definem uma 719
720 Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária evolução relacionada com distúrbios autoimunes. A CEP se expressa clinicamente de duas formas de apresentação discri minadas adiante. •
Doença assintomática
Em geral, a CEP é identificada durante avaliação de paciente com RCUI. Nesse caso, evidenciam-se hepatomegalia e nível
sérico elevado de fosfatase alcalina (Figura 64.1). A compro vação é realizada através da colangiografia endoscópica, ao se rem identificadas áreas de estenose e dilatação na árvore biliar intra- e/ou extra-hepática. Esse quadro radiológico também pode ser observado naqueles com doença inflamatória intesti nal, evoluindo ainda com valores normais de fosfatase alcali na no sangue periférico. Menos frequentemente, o diagnósti co realiza-se em exame rotineiro nos chamados check-ups ou durante doação sanguínea, ao se detectarem modificações de concentrações plasmáticas de enzimas como aminotransferases e gamaglutamiltransferase. •
Doença sintomática
A CEP é uma doença com tendência progressiva. Sintomas inespecíficos traduzem-se por astenia, anorexia, emagrecimento e outros que são rotulados como típicos, tais como dor surda ou em cólica no hipocôndrio direito, prurido, icterícia intermi tente, hiperpigmentação cutânea e xantomas. Febre e calafrios são menos frequentemente observados, mas podem aparecer quando há manipulação invasiva ou radiológica do trato biliar. A intensidade da colangite é inversa à da atividade da RCUI. Preocupa a evolução para o adenocarcinoma de cólon nesses pacientes com doença inflamatória colônica, e 6 a 30% de to dos os portadores de CEP desenvolverão colangiocarcinoma, em um período de 10 a 30 anos de evolução.
brose retroperitoneal, tireoidite, síndrome de Sjõgren, hepatite crônica ativa, hípus eritematoso, vasculite, púrpura tromboci topênica, histiocitose X, pancreatite crônica, artrite reumatoi de, doença de Peyronie, bronquiectasia, esclerose sistêrnica, nefropatia membranosa, pseudotumor de órbita, anemia he molítica, linfadenopatia angioblástica, fibrose cística, eosino filia, sarcoidose, nefropatia e doença dos mastócitos. Nesses, a doença inflamatória intestinal representa preocupação maior, pois, quando diagnosticada em conjunto, a CEP levará ao risco aumentado de adenocarcinoma de cólon e colangiocarcinoma. Rastreamento dessas neoplasias exige realização de colonosco pia anual, particularmente entre os pacientes em uso de imu nossupressores, ocasião em que a realização de biopsias seriadas definindo displasia celular de grau elevado exige a execução de proctocolectornia total como medida profilática, enquanto da neoplasia biliar, valendo-se de tomografia computadorizada.
•
A história natural desses pacientes é variável, quando se con sideram os assintomáticos e os sintomáticos. A sobrevida média varia, de acordo com a população estudada, entre 10 e 21 anos. Baseados em amplas séries, alguns centros de pesquisa têm es tabelecido modelos prognósticos, fundamentados em aspectos clínicos, bioquímicas e histológicos. Tem-se atribuído impor tância especial na definição de um escore e são os seguintes os parâmetros de gravidade considerados mais importantes: bi lirrubina sérica elevada, estágio histológico, presença de esple nomegalia e idade avançada. Esse modelo serve para selecionar e estratificar pacientes, auxiliar na determinação do momento do transplante e qualificar tratamentos propostos.
• •
DOENÇAS ASSOCIADAS
Várias doenças sistêmicas podem estar associadas à CEP. Entre elas, todas autoimunes, incluem-se doença celíaca, fi-
HISTÓRIA NATURAL
DIAGNÓSTICO
A CEP deve sempre ser considerada em pacientes com co lestase, sobretudo naqueles que evoluem com RCUI. O diag nóstico baseia-se em aspectos laboratoriais, colangiográficos e histológicos, conforme explicitado adiante. •
Aspectos laboratoriais
Classicamente, os pacientes com CEP evoluem com níveis séricos elevados de fosfatase alcalina, ultrapassando em 3 a 6 vezes o limite superior normaL Valores de bilirrubina são flu tuantes entre 3 e 10 mg!dl, excepcionalmente ultrapassando essas taxas. Sendo doença co!estática, os pacientes tipicamen te evoluem com hipercolesterolernia, hipercuprernia, concen trações aumentadas de ceruloplasmina e de lgM em 50% dos acometidos. Ocasionalmente, identificam-se anticorpos anti mitocôndria e/ou antinúcleo e p-ANCA positivo, exibindo ou não doença inflamatória intestinal. Percentual razoável dos pacientes cursa com eosinofi.lia, e há, nos surtos de colangite, leucocitose, acompanhada ou não de desvio para a esquerda e anemia. • Figura 64.1 Tomografia computadorizada mostrando fígado e baço com volumes aumentados, em paciente que se apresentou para ava liação pré operatória de cirurgia plástica. Cursava com valores séricos elevados de fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase. -
Aspectos histológicos
Embora não seja exigência definitiva ao estabelecimento do diagnóstico de CEP, o estadiamento histológico tem gran de importância (Quadro 64.1), sobretudo na elaboração dos modelos de sobrevida.
Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária 721 --�-----
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-------
Quadro 64.1 Aspectos histológicos na colangite esclerosante primária Estágios
Aspectos histológicos
I (portal)
Hepatite portal e/ou anormalidades de duetos biliares. Discreta inflamação periportal presente ou não e fibrose. Espaços portais não expandidos. Não essenciais: edema portal e fibrose podem estar presentes; lesões parenquimatosas leves ou ausentes.
11 (periportal) Fibrose periportal com ou sem hepatite periportal ou alargamento proeminente dos espaços portais; lâminas celulares neoformadas. Ambas as condições podem coexistir. Necrose perif érica fibrosante e biliar podem não ser identificadas. Não essenciais: edema portal e fibrose, proliferação de duetos e dúctulos, evidência de fibrose, agregados linfoides ou colangite pleomórfica.
111 (septal)
IV (cirrótico)
Fibrose septal ou necrose em ponta, ou ambas. Não essenciais: os aspectos dos estágios anteriores. Presença de necrose em ponte não é comum. Duetos biliares intensamente lesados ou ausentes. No parênquima, necrose perif érica fibrosante e biliar. Deposição de cobre pode estar presente.
Cirrose biliar. Não essenciais: podem ser os mesmos dos estágios anteriores, mas as alterações parenquimatosas são mais intensas do que no estágio 111. A maioria dos duetos biliares desaparece.
Figura 64.2 Fase inicial (I) da colangite esclerosante primária. Observa
se que as alterações em duetos biliares intra-hepáticos são delicadas. Arvore biliar extra-hepática preservada. CPER.
•
Aspectos colangiográficos É o método diagnóstico de escolha de CEP. Por meio desse
procedimento, define-se que o grau de obstrução é o mais forte sinal preditivo de instalação de icterícia, mas não de mortalida de ou de indicação para realização do transplante de fígado. A avaliação colangiográfica estabelece informações importantes sobre a extensão e gravidade da CEP em duetos biliares maio res, enquanto a biopsia avalia melhor a agressão aos pequenos duetos e ao próprio parênquima hepático. Classicamente, os aspectos radiológicos traduzem-se por áreas irregulares de estenoses curtas (0,5 em) ou longas (2,0 em), acompanhadas de dilatações, situadas na árvore biliar intra e/ou extra-hepática. Formações diverticulares podem ser iden tificadas. Esses aspectos são definidos por colangiografia endos cópica retrógrada (Figuras 64.2 a 64.5), ou colangiografia por ressonância magnética (Figuras 64.6 e 64.7) e/ou transparieto hepática (Figura 64.8).
• Resumo do diagnóstico O diagnóstico da CEP obedece a três critérios: 1. exclusão de causas de colangite esclerosante secundária; 2. aumento sérico da fosfatase alcalina além de 3 vezes o limite de referência, por um período mínimo de 6 meses; e 3. achados colangiográficos compatíveis com o diagnóstico.
O exame anatomopatológico de material colhido por biop sia hepática não é sempre necessário, exceto em casos que exijam avaliação do acometimento de pequenos duetos. En tretanto, o estadiamento dos pacientes é n i dispensável antes de alocá-los em qualquer regime terapêutico, com o estadia menta histológico da CEP dividindo os pacientes em quatro grupos:
Figura 64.3 Fase intermediária (11) da colangite esclerosante primária.
Observam-se alterações em ramos biliares intra-hepáticos com preser vação da árvore biliar extra-hepática. CPER.
722 Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária
Figura 64.6 Colangiorressonância magnética mostrando ilhotas da
árvore biliar intra-hepática com arquitetura comprometida; a extensão do processo não está, porém, bem definida. Colangite esclerosante pnmana. .
'
.
Figura 64.4 Fase mais avançada (111) da colangite esclerosante primária
com rarefações da árvore biliar intra-hepática e intensas deformações intra- e extra-hepáticas dos duetos biliares. CPER.
Figura 64.7 Colangite esclerosante primária. Observar que, nas fases
mais tardias da colangiorressonância magnética, ainda não existe uma definição precisa da totalidade do comprometimento.
Estágio I ouportal - Edema e inflamação portal, proliferação ductal, lesões que não ultrapassam a placa limitante. Estágio II ou periportal - Fibrose periportal, inflamação com ou sem proliferação ductular; pode haver necrose em saca-bocados. Estágio III ou septal - Fibrose septal ou necrose em ponte. Estágio IV ou cirr6tico Cirrose biliar secundária. -
•
Figura 64.5 Fase tardia (IV) da colangite esclerosante primária, com definição da árvore biliar intra-hepática e acentuada modificação da arquitetura da árvore biliar extra-hepática. CPER.
DIAGNOSTICO DIFERENCIAL
Imagens falso-positivas, geradas por exames diagnósticos colangiográficos, ocorrem em certas situações clínicas que mi-
Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária 723 esplenomegalia, varizes de esôfago, gastropatia hipertensiva e ascite; 2.Insuficiência hepatocelular definida pela identificação de edema, distúrbios da coagulação, osteopenia, deficiência de vitaminas lipossolúveis, encefalopatia e coma hepáico; t 3. Co langite, traduzida pelo aparecimento de febre, calafrios, sep ticemia e choque; 4. Estenoses isoladas ou múltiplas da árvore biliar, que levam à instalação de litíase intra- e extra-hepática, colangiocarcinoma e varizes periostomais nos doentes sub metidos à ileostomia ou colostomia, visando ao tratamento da colite ulcerativa. Essa tendência à transformação maligna relaciona-se, sobretudo, com a duração, extensão da doença e aparecimento das modificações celulares colônicas. Porém, o risco de malignização se mostra igual entre os portadores de RCUI que apresentam ou não CEP, sendo, no entanto, mais elevado naqueles com pancolite, e, no período pós-transplan te, relaciona-se com a imunossupressão ou presença de lesão precoce pré-transplante. Na literatura há dúvidas a propósito da evolução da CEP em relação à colectomia prévia, pois seus efeitos só foram avaliados em séries não controladas. De toda forma, são pacientes que parecem não ter modificado sua evo lução hepatobiliar, apresentando elevada morbimortalidade
Figura 64.81nvestigação complementar do paciente das Figuras 64.6
e 64.7 por meio da colang iografia transparieto-hepática.
peroperatória, relacionada com a presença de cirrose e hiper tensão portal. Como já mencionado, é muito preocupante, nesses pacien tes, o desenvolvimento do colangiocarcinoma. Quando se ins tala, ocorre rápido declínio clínico e acentuação da colestase. Elevam-se os valores séricos de CA19-9 (> 100 U/mf), obser vado em 80 a 89% desses doentes com a neoplasia. Associam-se aumento dos títulos de CEA, CASO, CA242 e CA125. A confir mação pode ser obtida por meio de métodos de imagens (Figu ras 64.9 e 64.10), e extensão do processo neoplásico pode ser de finida também pela ultrassonografia (Figuras 64.11 a 64.13).
metizam CEP. Alterações semelhantes podem ser identificadas na cirrose de outra etiologia, no carcinoma hepatocelular, na doença policística de fígado, na necrose hepática submaciça,
•
na trombose arterial intra-hepática, no carcinoma metastáti co e, até mesmo, na infiltração leucêmica ou linfomatosa do fígado. Do ponto de vista das doenças colestáticas, a CEP deve ser diferenciada da CBP, de lesão induzida por drogas, da dueto perua idiopática do adulto, da sarcoidose, da hepatite alcoólica e da cirrose de etiologia viral. Outras situações clínicas que exigem cuidadoso diagnóstico diferencial com a CEP são re
presentadas pela colangiopatia da AIDS, neoplasias dos duetos biliares, coledocolitíase, anormalidades congênitas, amiloidose, doença doadorversus hospedeiro, rejeição crônica de transplan te, lesões iatrogênicas das vias biliares, traumatismo, isquemia biliar, colangite que segue a trombose da artéria hepática após transplante defígado, e lesão causada pela infusão de fluxori dine na artéria hepática para tratamento de tumores malignos do fígado. Em todas essas situações, os sinais colangiográficos assemelham-se aos da CEP. Acentuada dilatação a montante, presença de massa polipoide ou progressiva formação estenóti ca localizada sugerem a presença de colangiocarcinoma, tumor observado em cerca de 8 a 10% dos pacientes, com média de sobrevida de 12 meses.
•
ASPECTOS EVOLUTIVOS
As complicações encontradas durante evolução da histó ria natural da CEP são a cirrose biliar e suas consequências, sobretudo:
1. Hipertensão portal, traduzida pela presença de
ASPECTOS TERAPÊUTICOS O enfoque terapêutico dos pacientes com CEP em geral as
semelha-se ao da CBP. A diferença reside apenas em que alguns poucos pacientes com CEP, selecionados rigidamente, podem ser manipulados através de terapêutica endoscópica, radioló gica ou cirúrgica sobre a árvore biliar, a saber:
•
Terapêutica medicamentosa ou farmacológica
Nos pacientes com CEP, identificam-se alterações no siste ma imunológico. A perpetuação da ação lesiva faz com que a doença progrida sob forma de inflamação, fibrose e cirrose bi liar colestática. Com base nesses aspectos, os pacientes têm sido manipulados através de agentes imunossupressores, tais como: corticosteroides, azatioprina e metotrexato (Quadro 64.2). Tentativas frustradas basearam-se no emprego de antifi bróticos, tais como d-penicilamina e colchicina. A limitação a i capacidade de esses fár quaisquer dessas medidas reside na n macos n i terromperem a evolução da doença e, sobretudo, na possibilidade de causarem efeitos colaterais importantes, tais como: diabetes, infecções, rarefação óssea, inibição da medu la óssea, toxicidade pulmonar, queda de cabelo e acentuação da fibrose hepática. Os surtos repetidos de colangite e riscos de septicemia têm levado os pacientes a serem continuamente tratados com corticosteroides e/ou norfloxacino. Tentando reverter essa tendência, mais recentemente foi n i troduzida a terapêutica com ácido ursodesoxicólico na dose de 10 a 15 mg/kg/dia, por tempo indeterminado. Apesar da existência de estudos randomizados, apenas dois, com peque-
724 Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária
Figura 64.9 Ultrassonografia revelando massa hete
rogênea, de limites imprecisos, ao nível da confluência dos duetos bi Iia res direito e esquerdo, caracterizando um colangiocarcinoma central. Ver dilatação da árvore biliar intra-hepática.
Figura 64.1 O Colangiorressonância magnética confirmando a interrupção, na árvore biliar intra- e extra-hepática, pelo colangiocarcinoma visto ao ul trassom (figura anterior).
Figura 64.11 Observar a extensão do colangiocar
cinoma, trombosando o ramo direito da veia porta. Doppler. (Esta figura encontra-se reproduzida em co res no Encarte.)
Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária 725
Figura 64.12 Ultrassonografia mostrando extensào
extra-hepática de um colangiocarcinoma, definindo linfonodos comprometidos.
----T ---
-------
Quadro 64.2 Emprego de imunossupressores no tratamento da colangite esclerosante primária Prednisona sistêmica ou nasobiliar não modifica evolução.
Azatioprina tem sido empregada em pequeno número de pacientes. Metotrexato: Efeito benéfico após 1 ano de tratamento. Não modifica evolução da doença.
Ciclosporina: resposta ineficaz, com ou sem RCUI.
T
-------
-------
Quadro 64.3 Emprego de ácido ursodesoxicólico no tratamento da colangite esclerosante primária
Figura 64.13 Paciente com diagnóstico confirmado de colangite es
clerosante primária e colangiocarcinoma associados à retocolite ulce rativa, além de adenocarci noma de ovário, este evidente ao ultrassom, como já mostrado.
na amostra de pacientes, definiram que essa droga se mostra promissora na manipulação dos pacientes com CEP. Apesar de o ácido ursodesoxicólico aparentemente não induzir efeitos colaterais, recomenda-se prudência naqueles casos com doença inflamatória intestinal, pois pode acentuar e agravar os surtos de diarreia (Quadro 64.3). Atualmente, têm sido abandonados os esquemas terapêu ticos medicamentosos que envolvem administrações de aza tioprina, ciclosporina A e metotrexato, surgindo perspectivas a conduzi-los pelo tacrolimus. Necessário tratar o prurido, a deficiência de vitaminas lipossolúveis e a esteatorreia. Esses pa cientes podem apresentar osteoporose, e, embora não se conhe ça nenhum tratamento específico para essa doença, recomenda se usar suplementos de cálcio e de vitamina D (intramuscular), assim como estrógenos. Avitamina K está indicada se o pacien te apresentar tempo de protrombina e RNI prolongados.
Administrado durante 1-2 anos, promove redução dos níveis séricos de bilirrubinas e enzimas colestáticas.
Promove melhora histológica e redução tecidual da expressão de HLA-1 .
Ampliação das estenoses em 16% dos seguidos por 3 anos.
•
Terapêutica radiológica ou endoscópica das estenoses
A manipulação radiológica ou endoscópica desses pacientes apenas é possível em 10 a 15% deles, nos quais se identificam estenoses dominantes na árvore biliar intra- ou extra-hepática. A escolha do acesso ou da técnica a ser empregada envolve: 1. equipe de médicos mais experientes em uma ou outra mo dalidade; 2. local e complexidade da estenose. Apesar desses cuidados, nem a endoscopia nem a dilatação percutânea, com ou sem implante de prótese, exercem influência sobre o índice de sobrevida. Apesar dessa limitação evolutiva, pode-se afir mar com certeza que aqueles assim conduzidos, e tratados com ácido ursodesoxicólico, têm redução dos surtos de colangite e dos níveis séricos de bilirrubina, fosfatase alcalina e gamaglu tamiltransferase. Deve-se, no entanto, ressaltar que os doentes
726 Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária assim manipulados deverão receber ciprofloxacino, ser avalia dos cuidadosamente no caso de suspeita de colangiocarcinoma, que surgirá em 10% dos pacientes, incluindo, em alguns casos, biopsia dirigida e citologia abrasiva.
•
------
�------
Quadro 64.5 Fatores preditivos de recorrência da colangite esderosante primária 1. Maior incidência do haplótipo HLA-DRB1*08
2. Idade mais avançada do receptor
Terapêutica cirúrgica
A cirurgia ortodoxa deverá ser evitada atualmente diante da possibilidade de tratamento definitivo por meio do transplante de fígado. A operação clássica está indicada apenas em pacientes não cirróticos cursando com acentuada colestase, ou com surtos recorrentes de colangite, causada por estenoses biliares extra
3. Sexo masculino
4. Coexistente doença inflamatória intestinal
S. Presença de cólon preservado após transplante
6. Ocorrência de rejeição celular aguda 7.
resistente a esteroide
Ausência de colangiocarcinoma precedendo o transplante
hepáticas, ou com grave estenose hilar, impossíveis de serem manipulados por acesso percutâneo ou endoscópico. Impor tante salientar que cerca de 25 a 30% dos portadores de CEP apresentarão colecistolitíase ou coledocolitíase. Se o paciente apresentar colecistite, a colecistectomia deverá ser realizada; nos casos de coledocolitíase, a esfincterotomia endoscópica com retirada dos cálculos está indicada.
de 90 dias após o transplante; 3. biopsia revelando colangite fi brosa e/ou lesões fibro-obliterantes dos grandes duetos, com ou sem ductopenia ou cirrose biliar. Torna-se emergência formal comprovar-se inexistência de estenose ou trombose de artéria hepática, rejeição ductopênica, incompatibilidade ABO doador receptor e estenose anastomótica isolada ou não anastomótica
• Transplante de fígado
É a opção terapêutica curativa para aqueles com CEP em fase
antes de 90 dias de pós-operatório. Alguns fatores preditivos
avançada de cirrose hepática. As principais indicações para ado
de recorrência estão dispostos no Quadro 64.5. Nesses pacientes com recorrência ou não da doença, os se
ção dessa medicação são: 1. icterícia sustentada ou progressiva em pacientes sem evidência colangiográfica de estenose ductal dominante ou presença de colangiocarcinoma; 2. emagreci mento, consumo muscular, presenças de surtos hemorrágicos repetidos não responsivos às medidas terapêuticas clássicas ou
guintes fatores preocupam: 1. pode ser observada evolução com surto de colite aguda causada por bactérias, parasitos, infecções oportunísticas, ou pseudomembranosa, s i quêmica ou provo cada pela própria doença inflamatória intestinal exacerbada; 2.
ascite intratável. O Quadro 64.4 apresenta o modelo matemá tico de sobrevida para pacientes com colangite esclerosante primária, adotado pela Clínica Mayo nos EUA.
instalação de neoplasia de cólon que pode surgir entre O e 74% depois de 11 até 60 meses de pós-operatório. Essa evolução se
A curva atuarial de sobrevida em pacientes submetidos à ci rurgia de anastomose biliar digesiva t era, respectivamente, de 75 e 55% aos 5 e 10 anos pós-operatórios. Esse índice amplia-se
(displásica), já presente no pré-operatório; 3. evolução com plicada e com recorrência turnoral no fígado que pode sobrevir quando o transplante é realizado em pacientes com colangio carcinoma diagnosticado no pré-operatório ou no fígado ex
para 89 e 85%, respectivamente, no mesmo período, quando eles são tratados pelo transplante de fígado. A recorrência da doença, no entanto, é observada em 10 a 27% daqueles assim conduzidos, com reaparecimento ocorrendo entre 6 e 60 me ses depois do procedimento. Diagnóstico dessa recorrência
traduz-se por: 1. diagnóstico confirmado de CEP no fígado nativo; 2. demonstrações de estenoses biliares não anastomó ticas da árvore biliar intra- e extra-hepática comprovadas mais
relaciona com irnunossupressão ou presença de lesão precoce
plantado (incidental).
•
OUTRAS FORMAS DE COLANGITE ESCLEROSANTE
Quadros radiológico, histológico, laboratorial e clínico de colangite esclerosante têm sido definidos entre pacientes tra tados com floxuridine intra-arterial ou com formalina, na ma
--------�
�--------�
Quadro 64.4 Modelo de sobrevida da Clínica Mayo para pacientes com colangite esclerosante primária O escore de risco, R, para um dado paciente se baseia na soma de: 0,53S iog. de bilirrubina sérica (mg/df) + 0.486 x estágio histológico* + 0,041 idade (anos) + 0,705 se esplenomegalia presente
Probabilidade de sobrevida do paciente em t anos, S (t), pode ser calculada pela equação: 5 (t) (5o (t)] e.p (R-3,326lt =
So (t), A probabilidade média de paciente com escore de risco 3,326 sobreviver t anos pode ser derivada da seguinte frequência: t (anos) 50 (t)
*Para estágios 1 escore 3.
1
0,951 e
2
0,915
3
4
5
6
7
0,871
0,844
0,799
0,751
0,741
2, use escore 1; para estágio 3, use escore 2; para estágio 4, use
nipulação dos cistos hepáticos por Echinococcus. Uma forma de colangite esclerosante também tem sido identificada após transplante de fígado, assim como em consequência de endoar terite, de isquemia do plexo arterial peribiliar e em portadores de síndrome de imunodeficiência adquirida, evoluindo com infecção por
Cryptosporidium. Nesses casos, entretanto, a co
langite é secundária e não primária.
•
LEITURA RECOMENDADA
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Capítulo 64 I Colangite Esclerosante Primária Campsen, J, Zimmerman, MA, Trotter, ]F et ai. Clinically recurrent primary sclerosing cholangitis following liver transplantation: a time course. Liver Transpl, 2008; 14:181-5. Dickson, ER, .Murtaugh, PA, Wiesner, RH et ai. Primary sclerosing cholangi tis: Refinement and validation of survival models. Gastroenterology, 1992; 103:1892-901. Duelos-Vallee, ]C & Sebagh, .M. Recurrence ofautoimmune disease, primary sclerosing cholangitis, primary biliary cirrhosis, and autoimmune hepatitis after liver transplantation. Liver Transpl, 2009; 15:S25-S34. Farges, O, Malassagne, B, Sebagh, M, Bismuth, H. Primary sclerosing cholangi tis: Liver transplantation or biliary surgery. Surgery, 1995; 117:146-55. Farrant, JM, Hayllar, KM, Wilkinson, ML et ai. Natural history and prognos tic variables in primary sclerosing cholangitis. Gastroenterology, 1991; 100:1710-7. Graziadei, IW. Recurrence of primary sclerosing cholangitis after liver trans plantation. Liver Transpl, 2002; 8:575-81. Heltzberg, JH, Peterson, JM, Boyer, JL. Improved survival with primary scle rosing cholangitis. A review of clinico-pathologic features an compari son of symptomatic and asymptomatic patients. Gastroenterology, 1997; 92:1869-74. Klompmaker, IJ, Haagsma, EB, Vervwer, R et ai. Primary sclerosing cholangitis and liver transplantation. Scand J Gastroenterol, 1996; 218:98-102. la:Laridis, KN, Wiesner, RH, LaRusso, NF. Primary sclerosing cholangítis. Em: Wolfe, MM (ed.). Therapy ofdigestive disorders. Philadelphia: Saunders, 2000. Lee, YM & Kaplan, MM. Primary sclerosing cholangitis. N Eng J Med, 1995; 332:924-33. Lindor, KD, Jorgensen, RA, Anderson, ML et ai. Ursodeoxycholic acid and methotrexate for primary sclerosing cholangitis: A pilot study. Am J Gas troenterol, 1996; 91:511-5. Ludwig, J, La Russo, NF, Wiesner, RH. The syndrome of primary sclerosing cholangitis. Prog Liver Dis, 1990; 9:555-66.
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Hem ocromatose Hered itária Adávio de Oliveira e Silva, Luiz de Souza e Silva Júnior, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Hilton Muniz Leão Filho e Raul Carlos Wah/e
A hemocromatose hereditária (HH) é uma das mais comuns doenças hereditárias diagnosticadas em populações de descen dência europeia, relacionada com o metabolismo do ferro. Foi reconhecida inicialmente por Trousseau, em 1865, e por Troi sier, em 1871, porém o avanço maior em seu conhecimento aconteceu a partir de 1996, quando Feder et al. identificaram duas mutações no cromossomo 6. A primeira delas resulta da
tino delgado, está presente nas células crípticas, modulando a captação de transferrina, ligada ao ferro, para que ocorra
substituição de tirosina por cisteína no aminoácido 282, defi nida como mutação C282Y. A segunda, por sua vez, é conse quência da substituição de aspartato por histidina no aminoá cido 63, definida como H63D. Homozigosidade para mutação C282Y é encontrada na maioria absoluta (85 a 90%) dos pacientes norte-europeus, for ma clinicamente relevante. Já os restantes 10 a 15% se mostram
Neste capítulo, daremos destaque apenas para a HH rela
sob a forma heterozigota C282Y/H63D. Tais pacientes, quando não adequadamente tratados, evoluem para fases mais graves e avançadas de doenças hepáticas. Essa forma da doença deve ser suspeitada em pacientes que cursam com níveis séricos elevados de ferro, ferritina e índice de saturação de transferrina (> 50%). O diagnóstico histológico confirma-se pelo índice total de fer ro tecidual > 1,9, sendo a prevalência entre europeus homo zigotos variável entre 1:85 e 1:700 indivíduos, predominando entre brancos. A evolução para o carcinoma hepatocelular é observada em cerca de 40% dos pacientes. A conduta clínica envolve a detecção precoce da doença e adoção da terapêutica adequada (flebotornia). Essas medidas, se n i iciadas antes do aparecimento de cirrose, restituem ao normal a expectativa de vida desses pacientes.
•
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
internalização desse complexo e sejam regulados os estoques corpóreos do metal, com a sobrecarga corpórea ocorrendo
nas formas familiares ou hereditárias, adquiridas ou iden tificadas nas causas miscelâneas, conforme explicitado no Quadro 65.2. cionada com o gene HFE, uma das formas mais comuns de doenças autossômicas recessivas, com fenótipo bem definido clinicamente, caracterizada por eritropoese normal, elevada saturação de transferrina e distribuição excessiva pelo parên quima de diferentes órgãos. Relaciona-se com a precária pro dução e/ou regulação e/ou atividade de hepicidina, gerando cinco diferentes distúrbios genéticos (Quadro 65.3).
•
ASPECTOS PATOGENÉTICOS
A homeostase do ferro é mantida preferencialmente a partir da sua absorção ao nível do intestino proximal, apenas ocor rendo de forma excessiva no indivíduo normal, quando existe deficiência corpórea desse metal. Na HH, entretanto, eleva se a absorção de ferro, especialmente em células parenqui matosas do fígado, pâncreas, articulações, testículos, pele e glândula pituitária. Como consequência, há lesão tecidual e comprometimento funcional desses órgãos. Esses pacientes podem cursar com: miocardiopatia, hipogonadismo, disfun ção de células das ilhotas pancreáticas, artropatia, fibrose he pática, cirrose e até carcinoma hepatocelular, na dependência de fatores que afetam a captação, absorção e transferência do metal (Quadro 65.4).
O gene responsável pela instalação da HH tem sido deno minado HFE (antigamente, HLA-H), o qual codifica uma mo lécula do sistema HLA- 1 que requer interação com uma ]32-microglobulina, no qual têm sido identificadas duas muta ções, uma resultante da troca de cisteína por tirosina na posição
proteínas reguladoras do metabolismo intracelular do ferro.
282 (Cys 282 Tyr), e a segunda, de histidina por aspartato na posição 63 (Hys 63 Asp), com prevalência global das mutações estando discriminada no Quadro 65.1.
ferritina, cujos níveis séricos se correlacionam com o intenso
O RNA mensageiro (mRNA) dessa proteína HFE tem sido detectado em todos os tecidos, exceto no cérebro. No intes-
728
Em todo esse processo, encontram-se envolvidas duas A primeira delas, um receptor de transferrina, glicoproteína dimérica de 190 kd, é responsável pelo transporte corpóreo do metal por meio do mecanismo de endocitose. A segunda é a armazenamento intracelular de metal que se observa nesses pacientes, sendo as concentrações de ambas as proteínas re guladas por seus respectivos mRNA.
Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária 729
De forma resumida, pode-se definir que, na HH, existem defeitos genéticos tanto na captação (receptor de transferri na) quanto no transporte e armazenamento (ferritina) do fer ro, sendo aceito, atualmente, que ambos os transtornos são capazes de agir funcionalmente de forma independente, de-
------
vendo estar envolvidos no mecanismo básico da doença. Por tanto, quando ocorre sobrecarga do metal no organismo, o complexo ferro-ferritina deposita-se nas cé l ulas parenqui matosas do fígado sob forma de aglomerados, denominados siderossomos, distribuídos predominantemente em torno dos canalículos biliares, onde se coram núcleos de partículas de ferritina, constituídas por FeOH2, envolvidas por haloferriti na e proteínas desnaturadas ou polimerizadas. Dessa forma, desestabilizam-se os lisossomos, facilitando a liberação de en zimas citosólicas mitocondriais e dos microssomos lesados. Nesses pacientes, a capacidade dos hepatócitos em manter o ferro sob a forma não tóxica é excedida, levando à formação de Fe++ com consequente geração de radicais superóxidos (02-),
T------
Quadro 65.1 Prevalência global das mutações do gene HFE (Merryweather-Ciarke, 1997; Powell etal, 1999) C282Y
Testados Populações
(N)
Reino Unido
413
Noruega
94
37
Dinamarca
38
Finlândia
Frequência alélica (%) 6,4 6,4
9,S o
Rússia
1S4
1,0
Itália
91
o,s
Grécia
196
1,3
África
S21
Ásia
242
11S
Alemanha
78
Espanha
118
Arábia Saudita lndia
Austrália América
Conclusões:
3,9
%
322*
o
o
0,7
Formas familiares ou hereditárias de hemocromatose Hemocromatose hereditária relacionada ao gene HFE
11,8
10.4
C282Y homozigosidade C282Y/ H63D heterozigosidade Hemocromatose hereditária não relacionada ao gene HFE Hemocromatose juvenil Sobrecarga neonatal de ferro Hemocromatose autossõmica dominante (ilhas Salomão) Outras mutações HFE
14,8 12,6
8,S
0,2
sobrecarga de ferro (Adams, 1999)
12,2
o
�------
Quadro 65.2 Nomenclatura e causas de doença por
11,2
26,3
o
------
12,8
3,2
21S
228*
H630
13,S 2,6
Sobrecarga adquirida de ferro
Anemias com sobrecarga de ferro Ta/assemia major Anemia sideroblástica Anemias hemoliticas crônicas Sobrecarga dietética de ferro Doença hepática crônica Hepatites crônicas virais B e C Doença hepática alcoólica
8.4 1,9
0,2 2,6
1 . A frequência da mutação C282Y é maior entre indivíduos de origem europeia, sobretudo do Reino Unido, da Irlanda e da costa ocidental britânica, e rara nas populações indígenas da África, das Américas do Sul e Central, da Ásia e de ilhas do Pacífico.
Esteato-hepatite não alcoólica Perfiria cutânea tarda Sobrecarga de ferro pós-transfusional
2. A frequência de heterozigosidade é aproximadamente
duas vezes a frequência do HFE. As amostras testadas foram originárias de várias fontes, não necessariamente representando a população normal.
Causas miscelâneas Sobrecarga de ferro africana Aceruloplasminemia
3. Nativos, população não branca.
-------
T-------
Quadro 65.3 Principais características de doenças genéticas induzidas por distúrbios do metabolismo do ferro (Deugnier eta/., 2008) Doenças genéticas
Genes
Cromossomos
Transmissão
Aparecimento (tempo)
Hemocromat6ticas
HFE Hemojuvelina Hepcidina Receptor 2 de transferrina Ferropoetina tipo B
HFE HIV HAMP TfR2 SLC40A1
6p21.3 1p21 19q13.1 7q22 2q32
AR AR AR AR AD
Tardio Precoce Precoce Tardio Tardio
Articular hepático Cardíaco endócrino Cardíaco endócrino Hepático Articular hepático
Ferropoetina tipo A (HIPO) Ceruloplasminemia (HIPO) Transferrinemia
SLC40A1 Ceruloplasmina Transferrina
2q32 3q23-2S 3q21
AD AR AR
Tardio Tardio Precoce
Raro Neurológico Hematológico
Não hemocromat6ticas
AR= Autossômica recessiva; AO= Autossômica dominante.
Expressão dínica
730 Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária ------
�
------
Quadro 65.4 Fatores que afetam a captação, absorção e transferência do ferro (Lombard, 2000} Integridade do enterócito Composição de ácidos graxos Integridade paracelular Estado redox do enterócito
Membrana celular e regulação da absorção
Dieta Ferro, heme, ácido ascórbico, fitatos Secreções do intestino delgado Bile, lactoferrina Transferrina Suco pancreático
provenientes da reação de Haber-Weiss, formando-se também radicais ferril ou perferril, Estes últimos, por sua vez, podem lesar os ácidos graxos poli-insaturados presentes em fosfolipí dios das membranas plasmáticas. Esses pacientes expressam, na membrana dos hepatócitos, maior número de receptores de transferrina, facilitadores da penetração intracelular de maior quantidade de moléculas férricas, promovendo maior trans crição do gene do colágeno, o pró-colágeno a.2• Como conse quência, esses pacientes evoluem com níveis mais elevados do mRNA. Assim é que nos estágios primários, secundários e terciários da HH, ocorrem no fígado, respectivamente, depósi tos maiores de colágeno tipo III, em nível da membrana basal (com formações de traves densas de tecido fibrótico, também compostas por moléculas do colágeno tipo I), presenças de citocinas e fatores de crescimento, com o ferro atuando como fator responsável pela hepatocarcinogênese, conforme se com prova in vitro e in vivo.
•
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Existe um curso natural relacionado com genótipo e poder de penetrância, gerando expressões bioquímicas e clínicas em função de quatro estágios: O. quando não existe expressão ge nética; 1. caracterizado apenas por índices tanto de saturação de transferrina, quanto de ferritina sérica elevados (mulher > 200 Jlg/mf.; homem, > 300 Jlg/mf.); 2. quando se define pre sença de sintomas típicos, tais como: fadiga crônica e artralgias e, finalmente; 3. o estágio mais avançado expresso por miocar diopatia, cirrose e carcinoma hepatocelular; em função desses aspectos, expressa-se a HH sob duas formas de apresentação: doença assintomática e doença sintomática. •
Doença assintomática
A identificação da doença nesses pacientes assume grande importância, pois, submetidos à remoção do excesso de ferro, evoluem sem lesão de órgãos onde costuma se depositar o me tal. Restaura-se, assim, a expectativa normal de vida, reduzin do-se os índices de morte e, consequentemente, ampliando-se a sobrevida. Evolução da doença se verifica em pacientes em que o valor da ferritina sérica ultrapassa 300 Jlg/f e 200 J.ig/f., com índice de saturação de transferrina além de 55 e 50%, res pectivamente, no homem e na mulher, processando-se então o depósito maior do metal em células parenquimatosas. Nesse caso, o estadiamento preciso da lesão hepática se processa con forme discriminado na Figura 65.1.
•
Doença sintomática
Apesar da elevada prevalência, é baixa a frequência de diag nóstico de HH. Essa falta de adequado reconhecimento pode ser atribuída à confusão dos sintomas com aqueles próprios de outras doenças, tais como os observados em cirrose hepática, insuficiência cardíaca congestiva, artrite e diabetes. Deve-se também à incompleta expressão fenotípica em algumas pesso as afetadas, sendo condição raramente observada na criança, porém já descrita em recém-natos. São pacientes que cursam com pigmentação escura e bronzeada da pele, hepatomega lia e hipogonadismo. A evolução da doença, com maior de posição de ferro em todos os órgãos e sistemas da economia corpórea, leva ao aparecimento de diabetes, geralmente in sulinodependente. Sinais clínicos como pele seca, perda de cabelo e atrofia testicular dolorida, com redução de libido, fazem parte do quadro. Arritmias, insuficiência cardíaca e ar tropatia encontram-se presentes nos pacientes precariamente tratados. Sintomas específicos e a sobrevida na HH, segundo diversas fontes, encontram-se expressos no Quadro 65.5. As complicações evolutivas mais graves são observadas naqueles pacientes em que os depósitos de ferro ultrapassam 20 mg, e todos os marcadores bioquímicas de sobrecarga do metal encontram-se alterados. •
RASTREAMENTO POPULACIONAL
Entre descendentes de norte-europeus, a prevalência es timada da HH varia de 1:85 até 1:700, enquanto, nos EUA (em habitantes de New England), atinge 1:459, com preva lência de 1:372 entre brancos. Outros autores definem como sendo de 1: 125-1:300, recomendando que o rastreamento da doença se inicie aos 30 anos, pois 50% dos homozigotos desenvolvem sintomas por volta dos 53 anos de idade. Com base no estudo de 12.258 pacientes da Clínica Mayo, cons tatou-se que 8 (0,07%) tinham saturação de ferro da trans ferrina sérica maior do que 62% e ferritina de, pelo menos, 400 Jlg/f. {Quadro 65.6). Nessa população, a prevalência de homozigotos foi de 1:3.000, cerca de 10 vezes menor do que o número anteriormente comprovado por outros pesquisa dores americanos. Esses fatos somados aos baixos custos do rastreamento, cer i divíduo, e os riscos que os homozigo ca de US$12,57 por n tos apresentam de evoluir para doenças graves definem que: 1. HH é doença subdiagnosticada, e eventos clínicos tardios podem causar risco de vida e tratamentos médicos excessiva mente onerosos; 2. níveis séricos elevados de transferrina séri ca precedem em 40 a 60 anos o desenvolvimento de sintomas clínicos, quando assumem história natural bem conhecida; 3. pacientes assintomáicos t devem ser acompanhados, por meio de testes séricos e teciduais que avaliam o metabolismo do fer ro. O diagnóstico estabelece-se pela saturação de transferrina > 60% e índice tecidual de ferro > 1,8. Outros critérios bioquí micos adicionais poderão ser acoplados à pesquisa, conforme discriminado no Quadro 65.6; 4. pacientes que exibem essa condição bioquímica deverão ser submetidos a sangrias, vi sando a remover o excesso de ferro corpóreo. Essa forma de terapêutica prevenirá o desenvolvimento de m i potência sexual, insuficiência cardíaca, cirrose e carcinoma hepatocelular, pro porcionando índice de sobrevida maior do que o atingido pela população cirrótica em geral; 5. no estudo mencionado, apesar desses cuidados, o diagnóstico de HH foi confirmado no pré transplante em 35% dos casos e suspeitado em 30%; 46% apre-
Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária 731 Sinais de suspeição ou sintomas de HH
'� Dosar ferritina sérica
�
� > 300 �g/.i
no homem
Valor normal
> 200 �gte na mulher
HH improvável
'"
'�
Excluir: Suplementação excessiva de ferro: interromper oferta Diabetes melito/hiperlipidemia: controle glicolipidêmico Doença Inflamatória ou reumatoide: tratar Excesso de álcool: iniciar abstinência Checar presenças de vírus das hepatites B ou C
'if
Reavaliar ferritina e índice de saturação de transferrina
'"
'"
fndice de saturação
Ainda elevada
de transferrina > 58%
"
'
US, TC, RM de fígado Enzimas hepáticas Teste de mutação genética
'if Biopsia hepática e estimativa tecidual do ferro
'" Hemossiderose graus I ou 11 Sinais de álcool ou hepatite HFE 282 Y +/- ou -/-
lndice de ferro hepático < 1,9
'"
'" Hemossiderose graus 111/IV
�
HFE C282 Y +/+
(ndice de ferro hepático
>
1,9
'�
Depletar depósito de ferro
Sangrias semanais
Interromper suplementação de ferro
Rastreamento familiar
Interromper ingesta de álcool
Interromper ingesta de álcool
US = Ultrassonografia; TC =Tomografia computadorizada; RM = Ressonância magnética. Figura 65.1 Investigação da sobrecarga de ferro (Lombard, 2000).
sentavam causas adicionais de doença hepática. Procedimentos de investigação e rastreamento e o valor presuntivo de testes laboratoriais encontram-se expressos no Quadro 65.6. Discute se a pesquisa de mutações (282Y e H63D) no rastreamento da doença, mas admite-se que o melhor é realizá-la em pacientes com alterações nos testes sorológicos para o estudo do meta-
bolismo do ferro, isso estando indicado entre os 18 e 30 anos de idade. Nos familiares mais próximos, sobretudo nos do sexo mascuino, l esses exames deverão ser executados a cada 5 anos, até que eles atinjam a idade de 15 a 20 anos, processando-se periodicamente talvez até que cheguem aos 50 anos, nos casos índices (Figura 65.2).
732 Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária T------
------
Quadro 65.5 Sintomas específicos e sobrevida na hemocromatose hereditária Média de idade (anos) Homens
Mulheres
Fontes
Rastreados Idade Proporção Expectativa normal de vida
37 0,06 72
37 0,04 78
Cruz VermeIh a CruzVermelha Tabelas canadenses
Não rastreados Aparecimento dos sintomas
54
59
Adams eta/.
Morte Insuficiência cardíaca Cirrose Diabetes Carcinoma hepatocelular
55 67 68
60 72 73 69
Adams etal. Adams eta/. Adams eta/. Adams etal.
64
T
Quadro 65.6 Procedimentos de rastreamento. Valor presuntivo dos testes Testes
Critério diagnóstico
Valor de referênàa
Sensibilidade (S)
Presuntivo
55%
0,92
Capacidade de ligação do ferro não saturado (UIBC) Saturação de transferrina (ST)
Estudos familiares
Ferritina + ferro
Estudos familiares
lndice de ferro hepático
Estudos familiares
Ferro corpóreo
Ferro renovado
55%
0,94
1,9
0,92
'� Parentes menores de 10-15 anos
'� Definir níveis séricos de ferritina e índice de saturação de transferrina
'Ir Se alterados, seguir sequência do Quadro 65.4
Fi gura 65.2 Rastreamento de pacientes de caso índice (Lombard, 2000).
0,93
50%
0,93
50% (H) SO%(M)
0,92
1,0 g (H) 0,3 g (M)
C282 OU H63D (+)
Sucesso do rastreamento
0,92
200 ll9t (H) 1 50 1-19.€ (M)
Caso índice com
Espedfiddade (E)
•
DIAGNÓSTICO
•
Aspectos laboratoriais
0,86 0,98 0,98
Relação com sexo S-0,9 E-1,0
1,0 (H) 0,3 (M)
Hemossiderina e ferritina são proteínas armazenadoras de ferro, sobretudo ao nível intracelular, com os pacientes devendo ser rastreados em busca do diagnóstico de HH pela determina ção dos níveis séricos de ferritina e da saturação da transferrina, não se constituindo o ferro sérico isoladamente um marcador confiável da doença. Laboratorialmente, os pacientes com HH apresentam dis cretas elevações de aminotransferases (entre 50 e 100 UI/f) e de gamaglutamiltransferase (entre 40 e 650 UI/.€). Todos referem história clínica compatível com distúrbios do metabolismo do ferro. O diagnóstico está confirmado quando a saturação de transferrina ultrapassa a taxa de 50% e o nível sérico de ferriti na excede 200 !!g/.€ e 150 !1-g/.€, respectivamente, no homem e na mulher. Esse é um parâmetro que define concentração to tal do ferro corpóreo. Níveis de ferritina superiores a 700 !!g/.€
Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária 733 se associam com bastante probabilidade à presença de cirrose hepática. Essa evolução histológica somente se observa quan do, pelo menos, 22.000 Jlg de ferro se encontram depositados por grama de tecido hepático, situação bioquímica já observada antes dos 35 anos de idade, mesmo naqueles que não ingerem quantidades excessivas de álcool. Em caso de dúvida diagnós tica, pode-se recorrer à pesquisa de mutações no gene HFE, utilizando PCR, e, se forem confirmadas as mutações C282Y e H63D, o diagnóstico positivo fica assegurado. •
Aspectos histológicos
A biopsia de fígado permitirá não apenas o estudo histoló gico, mas também a mensuração da concentração de ferro no tecido, tornando possível dessa forma calcular o índice deferro hepático. Este parâmetro permite distinguir indivíduos homo zigotos, heterozigotos e/ou aqueles que cursam com sobrecarga secundária de ferro. Essa deverá ser calculada dividindo-se os microgramas dosados de ferro hepático por 58, e o resultado novamente dividido pela idade do paciente (em anos). Um índi i dica HH, sendo este teste considerado dispen ce superior a 2 n sável quando a sobrecarga de ferro for de origem parenteral. Pacientes com HH desenvolvem fibrose e cirrose em conse quência de expansão dos espaços portais e sobrecarga de ferro em células parenquimatosas, fenômeno também observado nos alcoólatras, gerando confusão com os aspectos histológicos próprios da HH. O achado histológico é, quase sempre, de pro cesso inflamatório característico de uma hepatopatia crônica, porém, quando identificado, recomendam-se pesquisas de ví rus B ou C das hepatites, os quais podem cursar apresentando ferritina e índice de saturação de transferrina e de ferro sérico elevados. Ingestão excessiva de álcool representa fator que atua sinergicamente com o desenvolvimento de agressão hepato celular, e, nesses casos, histologicamente, se identificam ferro em células de Kupffer, esteatose e infiltrado inflamatório por tal. Esse acúmulo se instala na dependência de maior absorção do metal pelas células epiteliais da mucosa duodenal, fazendo com que o metal que circula livremente sature completamente a disponibilidade de transferrina. Promove-se assim excessiva deposição tecidual em cé l ulas de Leydig dos testículos, com produção baixa de testosterona, gerando perda de libido e im potência sexual. Pelo mesmo motivo, desenvolvem-se artrite, condrocalcinose, diabetes, insuficiência cardíaca congestiva e arritmias graves, complicações potencialmente reversíveis após realização de flebotomias repetidas. Portanto, o diagnóstico definitivo do excessivo depósito he patocitário de ferro realiza-se por meio da biopsia hepática que possibilitará quantificar a deposição do metal e estadiar a gra vidade da fibrose e da cirrose, se instaladas.
•
MÉTODOS DE IMAGEM
Sabemos que a biopsia hepática é uma técnica diagnóstica invasiva e não pode ser realizada repetidamente como medida de rotina, especialmente em pacientes cirróticos em quem a punção se mostra de risco elevado devido a potenciais com plicações. Por esta razão, os métodos de imagem vêm sendo empregados com frequência para o estadiamento da doença. Atualmente, a ressonância magnética é considerada o método mais promissor na mensuração dos depósitos de ferro hepático. Valendo-se dessa técnica, define-se a ocorrência da n i tensidade do sinal em T2, com fígado se mostrando extremamente escu ro. Recentemente, esse exame tem sido realizado, valendo-se
de sequências FRFSE, FSE, FSPGR e LAVA, ponderadas em T1 e T2, para a supressão da gordura em placas de cortes múl tiplos. Devem ser obtidas também sequências ponderadas em T1 com técnicas in-phase e out ofphase, com administração de contraste paramagnético {gadolínio), de acordo com protocolo da Universidade de Rennes. � possível assim quantificar a con centração hepática de ferro, considerando-se normal quando os depósitos estão abaixo de 37 a 60 Jlmol/g. No entanto, quando esses valores de depósito de ferro ultrapassam 50 a 300 Jlmol/g, o método atinge sensibilidade de 84 a 91% e especificidade de 80 a 100%. Além disso, é possível identificar a distribuição he terogênea da deposição do ferro no parênquima hepático. Nas formas mais avançadas, as estruturas vasculares portais, a es plenomegalia e os sinais de hipertensão portal encontram-se bem destacados. Essa atenuação não se correlaciona rigida mente com a concentração hepática do metal, mas tem uma sensibilidade de aproximadamente 60%. Importante ressaltar que esse mesmo aspecto pode ser observado nas glicogenoses e hepatopatias induzidas por amiodarona e agentes quimioterá picos, merecendo que se estabeleça um diagnóstico diferencial entre essas entidades.
•
TRATAMENTO
Ainda é discutível o real efeito benéfico das intervenções dietéticas em pacientes com HH, porém tem sido recomenda do que todos reduzam a ingestão de alimentos ricos em ferro, como a carne vermelha; devendo-se evitar também suplementos contendo o metal e encerrando vitamina C. O paciente deve ser orientado a reduzir ou abolir o álcool, sobretudo aqueles que já cursam com doença hepática, e a não fazer uso de chás de for ma regular, já que são, sabidamente, facilitadores do acúmulo corpóreo de ferro. Uma vez feito o diagnóstico de HH, com base na história clínica, em dados bioquímicas do metabolismo de ferro e na biopsia hepática, um programa de flebotomia terapêutica deve ser iniciado de imediato, já que a lesão tecidual hepática evolui rapidamente. Atualmente, alguns autores enfatizam que se deve proceder rapidamente às sangrias, baseando-se apenas em pa râmetros da bioquímica sanguínea, sem que seja necessário o estudo anatomopatológico. Cada unidade de sangue removida (450 mf) contém 200 a 250 mg de ferro. Um programa típico prescreve a remoção de uma unidade de sangue (300 a 400 mf) por semana. Em pacientes com sobrecarga corpórea de ferro elevada, da ordem de 20 a 30 g, pode haver necessidade de re tirar volume de sangue ainda maior para melhorar a sobrevida dos pacientes, sobretudo quando iniciada na fase pré-cirróica. t Atuando-se dessa forma, todo estoque do metal acumulado por 5 a 6 décadas desaparecerá dentro de 1 a 2 anos, eliminando se o excesso de ferro presente no fígado, avaliado em mais de 400 Jlmol/g de tecido seco, fator de risco ao desenvolvimento de fibrose., cirrose e insuficiência hepática progressiva. É reco mendável determinar o nível de hemoglobina antes da feitura de cada sessão, interrompendo a realização por 1 a 2 semanas, caso os pacientes permaneçam anêmicos. Deve-se ainda men surar a ferritina sérica e a saturação de transferrina a cada 8 a 12 flebotomías, buscando-se mantê-las abaixo de 50 Jlg/f. e 50%, respectivamente. Atingidos esses índices, esses parâmetros de vem ser mensurados apenas a cada 3 a 4 semanas. Embora não existam estudos randomízados e controlados acerca da real eficácia desse procedimento, sabe-se na prática que a realização de flebotomias periódicas em pacientes ho mozigotos com HH em fase precoce da doença hepática e em
734 Capítulo 65 I Hemocromatose Hereditária ------
�
------
Quadro 65.7 Prevalência de sinais e sintomas na hemocromatose hereditária. Relação evolutiva com flebotomia (N (McDonnell et a/., 1999) Descritos
=
2.851 pacientes)
Terapêutica (flebotomia)
Sinais I Sintomas
Pré-tratamento (%)
Melhora(%)
Piora(%)
Astenia intensa
45,5
54.4
17,2
Impotência ou perda da libido
25,8 25,7
Dor articular
Pigmentação cutânea
43,5
Arritmia cardíaca
23,8
Dor abdominal
20,3
Depressão
20,8
duzidos é menor quando comparada à de pacientes com cirrose de outra etiologia, respectivamente, ao fim de 1 e 5 anos, sendo de 54 e 33% versus 79 e 69%. Nesse, preocupa a evolução pós operatória, a qual não pode ser previamente definida, conside rando-se a miocardiopatia, complicação que costumam apre sentar, cursando no pós-operatório com complicações cardíacas e infecciosas responsáveis pelos elevados índices de mortalidade que apresentam. Porém, a confirmação de que foram conduzi dos em fase mais precoce da doença, valendo-se de flebotomias realizadas pré-transplante, pode reduzir os índices das graves complicações instaladas no pós-operatório.
12,7
34,0
27,8
58,8
4,1
•
9,2
6,2
10,1
22,3
11,9
40,8
10,3
estágio pré-diabético determina melhora clínica e expectativa normal devida (Quadro 65.7). Procedendo-se à adoção dessa estratégia, mostra-se interes sante comprovar que, a partir de então, alguns pacientes não mostram reacúmulo de ferro conforme esperado, sobretudo aqueles em uso de inibidores de bomba de prótons ou em uso de drogas anti-inflamatórias não esteroides. Importante res saltar o cuidado maior exigido pelos pacientes mais idosos, que devem ser sempre avaliados quanto à presença de úlcera péptica, doença colônica e hematúria, condições que podem levar à perda de ferro, exigindo-se investigação apropriada para aqueles que assim evoluem. Quando a flebotomia terapêutica está contraindicada, a dro ga mais utilizada para promover a quelação do ferro é o mesilato de deferoxamina. O ferro quelado é eliminado primariamente pela urina e, em menor quantidade, pela bile, misturando-se com as fezes. A droga é injetada lentamente no subcutâneo, em geral durante a noite, na dose de 1 a 2 g por dia. Há sugestões de doses maiores, da ordem de 50 mg por kg de peso. A intra venosa pode ser utilizada, mas a infusão tem de ser muito lenta para evitar hipotensão. Podem ocorrer transtornos oculares e auditivos, que regridem quando se cessa a terapêutica. O custo é alto, a quelação de ferro diária não é elevada e não se sabe ainda se a deferoxamina facilita eclosão de infecções fúngicas ou bac terianas. Estudam-se outros agentes queladores de ferro, entre estes o hidroxipiride-4 (composto 11), ainda sem uma conclu são definitiva sobre sua eficácia. Da mesma forma, procura-se avaliar a associação flebotomia!queladores de ferro, sobretudo para certos grupos de pacientes como os cardiopatas. Por outro lado, cerca de 40% dos pacientes com HH são alcoólatras. É possível que, dessa interação, dependa a insta lação mais rápida de fibrose e cirrose, forma de doença hepá tica crônica que se encontra associada à presença do CHC em cerca de 90% dos pacientes, a causa de morte de 15 a 30% dos pacientes. Nesse tipo especial de pacientes, exige-se o seguinte: 1. definição da presença associada dos vírus B ou C da hepatite; 2. suspensão da ingestão alcoólica; 3. monitoramento periódico do paciente por meio de ultrassom ou tomografia computado rizada e, sobretudo, da dosagem de alfafetoproteína, procedi mentos que devem ser realizados a cada 3 meses. A falta de resposta às flebotomias e a evolução para estágios avançados de doença hepática implicam a realização do trans plante de fígado. Frise-se que a sobrevida daqueles assim con-
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Doença de Wi lson Adóvio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Celso Marques Raposo Júnior, Nafsa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Arnaldo Berna/ Filho, Ana Beatriz de Vasconcelos, Raul Carlos Wah/e
...
A doença de Wilson (DW) denominada também degeneração
Quadro 66.1 Mecanismos de toxicidade tecidual pelo cobre
hepatolenticular é consequência do acúmulo excessivo de cobre
em hepatódtos, rins, cérebro, olhos, ossos e hemácias. Caracte risticamente, predomina entre pacientes jovens, traduzindo-se pela associação de doença hepática crônica e lesão neurológica dependente de degeneração dos gânglios da base, com presença de anel pigmentado verde- marrom na periferia da córnea (anel de Kayser-Fieischer). Trata-se de condição aut?ssômica �eces siva, com incidência de 1 em cada 30.000 nasodos e vanando entre 5 e 30 acometidos por um milhão de pessoas.
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ASPECTOS ETIOLÓGICOS
O cobre é um dos metais pesados essenciais ao desenvolvi mento de certas funções orgânicas, sendo componente de en zimas, tais como a lisil-oxidase, necessária ao funcionamento dos tecidos conjuntivos e ao cross-linking da elastina. Faz parte ainda da superoxidodismutase, removedora de radicais livres; da citocromoxidase, proteína transportadora de elétrons; da tirosinase, envolvida na formação de pigmentos; e do neuro transmissor dopa-� mono-oxigenase, da tirosinase e da ceru loplasmina, essas últimas voltadas às sínteses de tecido conjun tivo, melanina e ao metabolismo do ferro. A ingesta normal diária do cobre situa-se entre 1 e 4 mg, dos quais apenas 10% são absorvidos. Normalmente, é encontrado em ostras, amêndoas, amendoins, soja, gelatina e chocolate, sendo o metal absorvido no intestino delgado e transportado no plasma pela albumina, envolvendo-se nas gerações de ou tras proteínas, tais como a transcupreína e a alfa-1-antitripsina. Dessa forma, o metal é transportado ao fígado, incorporado à apoceruloplasmina para formar a ceruloplasmina, proteína que confere uma cor azulada ao plasma, com peso molecular de 132-kD, à qual se liga por seis átomos de cobre no sangue portal, acoplada a hlstidina. Sobrecarga hepatocelular do cobre ocorre de forma adquirida nas doenças colestáticas ou pode ser genética na DW, nosso enfoque neste capí�o. . Assim, pacientes com DW exibem um defeito de excreçao bi liar do cobre, fazendo com que o metal se acumule em lisossomos hepáticos. Desse modo, eles evoluem com retenção aumentada hepatocelular, cupremia baixa e nível sérico de ceruloplasmina reduzido. Esse comportamento também é observado em recém-
Mecanismos
Compr�õts
Menor geração de radicais livres
< Conteúdo de antioxidantes
> Orcula�o de lipideperóxidos > LesAo oxida tiva de mitocôndrias <
Concentra�o de cobre hepáko t mais elevada
(GSH e vitamina E)
Atividade de cltocromo a oxidase mitocondrial
Redistribui�o intracelular de cobre mitocondrial Respiração mltocondrial anormal > Libera�o de cákio para o àtosol < Prevenção da lesao mitocondrial e peroxidação lipldlca na presença de vitamina E
< =Menor.> Maior.
natos, em pacientes com sfndrome nefrótica e naqueles em uso de d-penicilamina. Os mecanismos de toxicidade tecidual por esse metal pesado encontram-se resumidos no Quadro 66.1. O gene que codifica a doença de Wilson recentemente foi identificado no braço longo do cromossomo 13 (pWD, l3q14.3). Mutações independentes desse gene têm sido descritas, po dendo ser responsáveis por diferentes expressões fenotípicas da doença. A análise de haplótipos de alelos de marcadores microssatélites determina o estado da doença em familiares dos pacientes (homozigotos, heterozigotos, normais). Todos os familiares de primeiro grau de portadores de DW devem ser examinados. São esses que cursarão com maior avidez pela intemalização do metal a partir da participação transmembrana da Ctrl e de outras proteínas também carreadoras, tais como, Hahl e a específica da DW (PDW). Esta última localiza-se na membrana de Golgi, de cujo processo de intemalização parti cipam glutatião e metalotioneína, responsáveis pela ligação do cobre com o citosol e com vesiculas secretorasque o conduzem até o canalículo biliar, visando a sua excreção.
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736
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MANIFESTAÇOES CL(NICAS A DW é uma afecção caracteristicamente identificada entre
adolescentes e adultos jovens, não existindo menção de casos
Capítulo 66 I Doença de Wilson 737 ------
T------
Quadro 66.2 Manifestações clínicas da doença de Wilson segundo alguns parâmetros
rapidamente progressiva, ou crônica. O eletroencefalograma (EEG) mostra alterações inespecíficas. Tais distúrbios estão re
Parâmetros Manifestações clínicas
Neurológicas Hepáticas
Anel de Kayser·Fieischer (%)
Ceruloplasmina sérica (20mg/dé) (%)
90
85
47
65
lacionados com o hiperfluxo do metal do figado para o cérebro, consequência da ação ineficaz da PDW nos neurônios.
•
Manifestações hepáticas
Traduzem-se por alterações que vão desde quadro de hepa tite crônica ativa até cirrose hepática, exprimindo-se por sinais -·
diagnosticados abaixo dos 6 anos de idade e raramente se ma nifesta após a quinta década de vida. Ela pode ser diagnosticada de forma rápida, quando existem sintomas hepáticos ou neuro lógicos associados ao anel de Kayser-Fleischer e baixos níveis séricos de ceruloplasmina. Outras formas de apresentação são definidas por sinais e sintomas típicos do ponto de vista neu rológico e/ou hepático (Quadro 66.2).
•
e sialorreia. Encontram-se particularmente comprometidos os gânglios da base, com a doença instalando-se de forma aguda,
Manifestações neurológicas O acúmulo de cobre no cérebro pode causar lesão neurológi
ca. Não existe explicação de essa agressão se relacionar com ní veis plasmáticos elevados do metal, ou ser efeito direto exercido pelos produtos do gene. Tais pacientes evoluem com voz lenta, disartria, astenia, tremores, incoordenação, ataxia, distonia, es pasticidade, rigidez e, às vezes, convulsões. Geralmente, esses
e sintomas típicos de redução da reserva hepatocelular (Figura 66.1). São pacientes que evoluem com hepatoesplenomega lia, icterícia, aranhas vasculares ou ginecomastia. Fases mais avançadas são marcadas por aparecimento de ascite, edema de membros inferiores e por surtos de infecção espontânea do líquido ascítico. No paciente com doença avançada, pode ha ver varizes esofagogástricas, gastropatia hipertensiva e varizes anorretais. A evolução para o carcinoma hepatocelular rara mente tem sido demonstrada. Uma forma mais grave se exterioriza sob forma de insuficiên cia hepática fulminante em paciente previamente cirrótico. Ca racteriza-se pela presença de icterícia rapidamente progressiva, ascite e insuficiência hepatocelular e renal, comumente evoluin do com hemólise aguda intravascular, resultado do excessivo acúmulo de cobre intra-hepático. O diagnóstico diferencial in clui a hepatite viral e a necrose maciça hepatocelular originária de outras causas (Quadro 66.3).
•
Outras manifestações
sinais são observados entre 10 e 50 anos de idade, ou mais. Não
raro, existe redução na capacidade laborativa, impulsividade,
Comumente, os doentes evoluem com aminoacidúria, gli cosúria, fosfatúria e uricosúria, além de reduzida excreção do
comportamento antissocial, paranoia, sinais psicóticos, disfagia
ácido p-amino-hipúrico, resultantes de lesões tubulares, acom-
Figura 66.1 Paciente de 1 8 anos, do sexo feminino, apresentou-se ao serviço com sinais de grave descompensação hepática e transtornos neurológicos. Diagnosticou-se doença de Wilson, já cirrotizada, e com hipertensão portal, como se vê na imagem laparoscópica. Três meses após, a paciente falecia em grave episódio de hemorragia digestiva alta, seguido de insuficiência hepática fulminante. Cortesia de Renato Dani. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
738 Capítulo 66 I Doença de Wilson -------
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Quadro 66.3 Aspectos típicos observados na insuficiência hepática fulminante desencadeada na doença de Wilson (Gitlin, 1998) 1. História familiar e consanguinidade entre pais são relevantes;
2. São elevados os níveis de cobre sérico, urinário e hepático;
3. São menos pronunciadas as elevações dos níveis de aminotransferases, sendo mais acentuadas as de bilirrubina total, sobretudo da fração indireta (1 00% de especificidade na doença de Wilson);
4. Proporção de fosfatase alcalina sérica/bilirrubina total < 20;
S. Desproporcional aumento de bilirrubina total > 18,0 mg/df;
6. Proporção de aspartato aminotransferase/alanina-aminotransferase > 4,0;
7. Nível sérico de fosfatase alcalina < 600 Ul/t e de aminotransferase entre 100e 500 UI/R;
8. Hemólise intravascular se revela extremamente comum.
panhadas, na maioria das vezes, por acidose tubular renal. En tre as expressões de agressão aos olhos, a mais comum delas é a presença do anel de Kayser-Fleischer. São pacientes que, em geral, cursam também com adinamia, anorexia, dores osteo articulares, nefrolitíase, anemia hemolítica, osteomalacia, con drocalcinose e poliartrite, além de distúrbios endócrinos, car diovasculares e cutâneos.
•
ASPECTOS LABORATORIAIS
•
Enzimas hepáticas Pacientes com DW podem evoluir, quando assintomáticos,
sem lesão hepática evidente e níveis séricos normais das enzi mas hepáticas. A maioria daqueles com lesão hepatocelular cursa com discreta elevação de valores séricos de aminotrans ferases e gamaglutamiltransferase, enquanto os de fosfatase alcalina costumam ser baixos.
• Marcadores do metabolismo do cobre Em geral, a ceruloplasmina e o cobre sérico apresentam valo res reduzidos. Assim, no paciente com doença hepática, a con centração de ceruloplasmina encontra-se abaixo de 20 mg/de. O diagnóstico de DW confirma-se pela elevada excreção urinária de cobre, ultrapassando 100 mg/24 h, a qual pode ser ampliada após administração de d-penicilamina (500 mg/2 vezes dia). Os pacientes cursam, em geral, com cupremia em torno de 1.000 a 1.500 mg/24 h. Deve-se frisar que 5 a 17% dos pacientes com DW apresen tam nível sérico de ceruloplasmina entre 20 e 30 mg/dR. Nesse caso, a confirmação diagnóstica deverá ser feita por meio da pesquisa do anel de Kayser-Fleischer e/ou biopsia hepática. Na dúvida, deve-se administrar dose de 2,0 mg de cobre radiomar cado, contendo 0,3 a 0,5 mC164Cu, diluído em 100 a 150 mf de suco de fruta, após período de jejum de 8 h. A pesquisa da con centração do marcador deve ser feita seriadamente, a cada 48 h, e a confirmação da DW ocorre quando não se verifica elevação secundária do nível sérico de cobre, normalmente observado ao fim de 6 a 20 h.
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Diagnóstico molecular
Pela identificação de marcadores microssatélites situados próximos ao gene da DW, pode-se construir um haplótipo,
n i formativo útil em estudos familiares e na identificação de casos pré-sintomáticos, portadores heterozigotos ou indiví duos não comprometidos. Além disso, mais de 100 mutações do gene DW foram des critas nos últimos anos, na Islândia, Taiwan, Costa Rica, Sicí lia, Reino Unido, EUA, Rússia e Suécia. A caracterização delas ocorre por meio de reação em cadeia de polimerase (PCR), com a relação genótipo/fenótipo sendo responsável pela for ma de apresentação clínica, neurológica ou de doença hepática aguda ou crônica.
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ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
O comprometimento histológico do figado traduz-se por es pectro amplo de lesões. Assim, a fase inicial, identificada como hepatopatia reativa inespecí.fica, é caracterizada por discreto infiltrado portal mononuclear, com núcleos repletos de gli cogênio, sinais esses observados em hepatócitos periportais. Outras formas de expressão são a hepatite aguda fulminante, a hepatite crônica persistente, a hepatite crônica ativa, a cirro se e o carcinoma hepatocelular. Interessante, do ponto de vis ta evolutivo, é a comprovação de que não há correlação entre a concentração de cobre hepático e a n i tensidade das lesões anatomopatológicas. A definição precisa da presença do metal em tecido é feita realizando-se colorações especiais pelo ácido rubeânico ou rodanina. Nesse aspecto, mostra-se importante definir que a concen tração tecidual de cobre no indivíduo sadio apresenta-se abaixo de 55 jlg/g de tecido seco, enquanto em pacientes homozigotos ultrapassa 250 !1-g/g. Resultados falso-positivos podem ocorrer em pacientes com cirrose biliar primária, cirrose da criança in diana, doença colestática crônica e no figado do recém-nato. Por outro lado, resultado falso-negativo é observado naque les doentes com DW em tratamento com agentes quelantes (d-penicilamina).
•
Terapêutica
A ausência de tratamento no passado fez com que, inexo ravelmente, pacientes com DW evoluíssem para a morte. Essa tendência evolutiva natural mudou a partir de 1956, quando passaram a ser tratados com d-penicilamina, na dose de 1 g/ dia VO, ingerida em quatro tomadas diárias, sempre cerca de
30 min antes ou 2 h depois das refeições. Desde que não surjam
efeitos colaterais, tais como rash cutâneo, leucopenia, plaqueto penia e proteinúria, a dose deve ser aumenta ra 1,5 a 2,0 g/ dap a dia, já nos primeiros 2 meses de tratamento. E recomendável administrar 25 mg de piridoxina ao dia, uma vez que a penici lamina tem efeito antipiridoxina. O monitoramento da terapêutica deve envolver basicamente três aspectos: 1. no primeiro mês, deve-se realizar, a cada 7 dias,
a contagem de eritrócitos, leucócitos e plaquetas no sangue peri férico, bem como exame de urina tipo 1, dosagens bioquímicas de aminotransferases, gamaglutamiltransferase, bilirrubina total e frações, além de atividade de protrombina, fator V e TTPA. A estabilidade do quadro laboratorial leva tal atitude a ser mensal, posteriormente a cada 2 a 3 meses e, finalmente, a cada 6 me ses; 2. cuprúria de 24 h deve ser mensalmente realizada. Caso se mostre abaixo de 300 mg/24 h, deve-se inferir emprego de dose inadequada, ou não aderência do paciente ao tratamento; 3. avaliação da presença de sintomas e sinais do comprometi mento neurológico, os quais podem exacerbar-se no nício i do tratamento, com tendência a reversão com o passar dos dias.
Capítulo 66 I Doença de Wilson 739 -------
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Quadro 66.4 lndice prognóstico em insuficiência hepática aguda na doença de Wilson Escore em pontos Parâmetros Bilirrubina sérica (mg/d€} Nível sérico de AST (UI/f)
Tempo de protrombina (prolongado em segundos)
o
1
2
3
4
18
< 100 300 >20
Interpretação - Escore em pontos > 7 deve·se considerar transplante hepático.
Quando não ocorre resposta benéfica à d-penicilamina, ou se ármaco, deve-se substituí-lo pelo triente existe intolerância ao f ne na dose de 1 a 1,5 g/dia, dividida em três tomadas. Tem efeito cuprurético menor, porém mostra-se clinicamente eficaz. Sinais de toxicidade são lesões de medula óssea, rim, pele e mucosas. Opcionalmente, sobretudo para os intolerantes a qualquer des ses dois fármacos, indica-se acetato de zinco VO, na dose de 50 mg, 3 vezes/dia, entre as refeições. Melhora significativa ocor re em torno de 83% daqueles assim conduzidos, gerando apenas efeitos colaterais gastrintestinais leves. Alternativamente, pode se optar pela administração de tetratiomolibidato de amônia VO, na dose de 30 mg, 2 vezes/dia. Essa orientação deverá ser mantida mesmo durante a gestação, com o risco previsível de a criança nascer com DW de aproximadamente 1:300.
•
Transplante hepático
Pacientes com evolução para insuficiência hepatocelular e hipertensão portal, na ausência de resposta à administração de d-penicilamina ao fim de 90 dias, aqueles que evoluem para a forma fulminante, ou que apresentam hemólise após suspensão da terapêutica medicamentosa devem ser conduzidos para o transplante hepático. Os que evoluem com encefalopatia deve rão ser submetidos àhemofiltração ou plasmaférese, enquanto aqueles que cursam com cirrose descompensada devem ser ava liados segundo n í dice prognóstico exposto no Quadro 66.4. A sobrevida de 1 ano após esse processo terapêutico situa-se em torno de 80%, embora alguns não apresentem melhora dos sinais de comprometimento neurológico, apesar da restauração da função hepatocelular, com o sucesso traduzindo-se também
pela restauração bioquímica e o retorno ao fenótipo normal, com recuperação total do quadro neurológico. Nem sempre, contudo, as equipes dispõem de órgãos prove nientes de doadores falecidos. Nessa situação, medidas defini das como alternativas fazem parte desse armamentário terapêu tico, conduzindo pacientes por meio de um sistema recirculante adsorvente de moléculas, voltado ao suporte extracorpóreo do fígado em falência. Este método terapêutico é capaz de pro porcionar reequilibrio hemodinâmico e da melhora da anemia hemolítica e da n i suficiência renal, existindo relatos de que alguns se recuperaram de forma perene, sem necessidade de serem transplantados.
Mais recentemente, outras medidas abrangem: 1. transplan te hepático de doador vivo, parente e heterozigoto para doença de Wilson, sem que tenha ocorrido recorrência de distúrbio me tabólico; 2. transplante ortotópico parcial de fígado (APOLT), com lobo auxiliar implantado levando a atrofia do nativo, cirró tico e regeneração do lobo implantado em 18 meses. Rotula-se essa atitude como geneterapia, preocupando ainda que exista com essa técnica risco de transformação maligna de hepatóci tos mutantes residuais.
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LEITURA RECOMENDADA
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Doença Hepática Alcoól i ca Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Ana Beatriz de Vasconcelos, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Felipe de Souza Atan, Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Ma/tedi, Paula Hugueney Cruz, Raul Carlos Wah/e
Abuso e dependência alcoólica são os mais sérios problemas médicos do mundo industrializado. Entre pacientes hospitaliza dos, a prevalência dessas condições varia de 25 a 60%, gerando gastos durante o ano de 1988, nos EUA, em torno de 116 bilhões de dólares, empregados, sobretudo, em tratar complicações da cirrose. A gravidade do problema também se observa em nos so País. Assim, acima de 50% das biopsias de fígado realizadas
movendo peroxidação de membranas biológicas, com forma ções de complexo acetaldeído-proteína e de aductos de DNA; b. exacerbação de estresse oxidativo formando radicais livres de oxigênio; c. geração de endotoxinas, com maior permeabilida de da mucosa com liberação e influxo de mediadores inflama tórios, tais como TNFa, IL-1, IL-6 e leucotrienos; d. ativações de células de Kupffer e polimorfonucleares; e. polimorfismo e
em nosso Serviço têm como objetivo definir aspectos próprios da doença hepática alcoólica (DHA), principal causa de mor bidade e mortalidade entre nossos pacientes. A expressão his tológica reflete a instalação de lesões agudas, como esteatose e hepatite alcoólica, ou crônica, tais como hepatite crônica ativa, esclerose da veia centrolobular, cirrose e, menos comumente, o carcinoma hepatocelular. Sabe-se, atualmente, que a evolução para a cirrose hepática
indução do Cyp2E1• Todo esse desarranjo comprova-se a se guir, envolvendo:
ocorre em cerca de 20% dos indivíduos que ingerem acima de 60 a 80 g de etano! por dia, durante mais de 8 a 10 anos. Essa evolução depende da suscetibilidade individual, associada a fatores ambientais, exposição a drogas indutoras enzimáticas, ou infecção concomitante pelos vírus das hepatites B e C. São lesadas, assim, as cé l ulas parenquimatosas e não parenquima tosas do fígado, com a regeneração, remodelação e reestrutu
é mais suscetível a esse tipo de agressão. Nele, o etano!, após absorção gástrica e intestinal, é oxidado até acetaldeído, con vertido em acetato e, finalmente, em co2, consumindo, para tal, 85% do oxigênio captado pelos hepatócitos. Essas transfor mações bioquímicas dependem da participação de três sistemas enzimáticos: a. álcool-desidrogenase e aldeído-desidrogenase, enzimas dispostas no citosol; b. sistema microssomal de oxida
ração completa dependendo de hormônios, de alguns fatores de crescimento e da perfeita comunicação intercelular. As mulheres são mais suscetíveis ao desenvolvimento de DHA, e, nelas, a doença instala-se em idade mais baixa, após mais curto período de exposição e ingestão de doses menores. Essa maior predisposição se relaciona à menor massa corpórea e maior proporção de tecido adiposo que apresentam. Parece que também guarda relação com a acentuada resposta do seu
ção do etano! (MEOS), presente no retículo endoplasmático; c. sistema catalase, distribuído pelos peroxissomos. A presença excessiva do acetaldeído leva a que os pacien tes evoluam com lesão de organelas, sobretudo mitocôndrias e microtúbulos, e interrupção do transporte e exportação de proteínas e gorduras. Nessa situação, os doentes desenvolvem balonização de hepatócitos e esteatose. Esses aspectos histológi cos guardam relação não apenas com a agressão às membranas
sistema de defesa aos neoantígenos formados a partir de hepa tócitos lesados, sendo, entre elas, além disso, mais elevadas a quantidade e disponibilidade de enzimas hepáticas metaboliza doras do etanol, cursando com níveis séricos mais acentuados de acetaldeído e radicais de O)ivres.
plasmáticas dessas subestruturas celulares, mas também com modificações instaladas em receptores que atuam na endocitose de macromoléculas ao nível hepatocitário. Tal comportamen to depende da participação de fatores nutricionais, genéticos, imunológicos, da destruição peroxidativa das membranas bio lógicas e de agressões virais, descritas a seguir.
•
PATOGENIA
Do ponto de vista de patogenia, atualmente se aceita que a DHA alcoólica esteja relacionada funcionalmente de forma resumida a: a. hepatotoxicidade exercida pelo acetaldeído, pro740
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Metabolismo do etanol
Embora o álcool ingerido em excesso possa determinar lesão em qualquer órgão, o fígado, em virtude de ser o principal res ponsável pela sua oxidação (80 a 90% em primeira passagem),
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Fatores nutricionais
Recentemente, postulou-se que a ingestão deficiente de proteínas, especialmente dos aminoácidos metionina e colina, estaria m i plicada na patogênese da DHA. No entanto, a suple-
Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica 741 mentação desses elementos, sobretudo a roedores e babuínos, mostra-se n i eficiente em prevenir o aparecimento de estea tose ou fibrose hepática quando existe perpetuação do abuso alcoólico. A má nutrição, sem alcoolismo, não causa cirrose. Entretanto, é de esperar que deficiências nutricionais do alco ólatra possam contribuir para a doença do fígado, além de lesar outros órgãos da economia. Por outro lado, o etilismo causa doença hepática em pessoas bem nutridas, o que dificulta o estabelecimento causal.
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Fatores genéticos
A influência de antígenos HLA da classe I na evolução da DHA é matéria controversa na literatura médica. Assim, alguns pesquisadores defendem uma associação com os antígenos B5, BS, B13 ou B40, aspecto negado por outros investigadores. Em uma população homogênea de pacientes portugueses, suge riu-se que o HLA-B5 conferia proteção, enquanto o A28 e o Bw35 definiam sensibilidade acentuada ao desenvolvimento de lesões histológicas típicas da agressão induzida pelo etano! e seus metabólitos.
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Fatores imunológicos
Ingestão excessiva de etanol leva à redução dos mecanis mos de defesa imunológica, expressa por granulocitopoese, quimiotaxia, fagocitose e citotoxicidade. Esse quadro de su pressão da imunocompetência agrava-se pelo eventual estado de desnutrição dos pacientes e da reduzida secreção de fator de necrose tumoral pelas células de Kupffer. Os doentes evo luem com níveis séricos elevados de IgA e de imunoglobulina ativadora de linfócitos B, responsáveis pelo aparecimento de hipergamaglobulinemia. Proteínas heat-shock são sintetizadas em células de mamífe ros como resposta protetora à agressão que sobre elas se instala. Têm função de reorganizar proteínas de.sestruturadas, a partir do estímulo lesivo exercido quando em temperaturas elevadas e na presença de citocinas, radicais livres de 02 e aldeídos pro duzidos a partir da peroxidação de ácidos graxos poli-insatura dos, presentes em membranas biológicas. No caso específico da DHA, o organismo perde sua capacidade protetora, a proteína torna-se imuneglobulina, sendo responsável pelo desenvolvi mento progressivo da lesão hepática observada nesses pacientes. Desse processo, participam também o fator de necrose tumoral a (FNTa), as interleucinas 1 (IL-1) e 6 (IL-6), além do fator j31 de transformação do crescimento (TGFj31). São citocinas geradas a partir de macrófagos e células endoteliais de n i diví duos que ingerem grandes quantidades de etano! a longo prazo, promovendo ruptura das comunicações intercelulares e inter ferindo na regeneração normal do parênquima. Níveis eleva dos, sobretudo de FNTa e IL-6, são causa de mortalidade em pacientes com hepatite alcoólica aguda. Também antígenos intracelulares, como os corpúsculos de Mallory, são capazes de despertar reação por anticorpos e pro mover sensibiização l de membranas dos hepatócitos, tornan do-os mais suscetíveis à agressão desenvolvida pelos linfócitos T citotóxicos, participando, assim, da resposta celular imune mediada.
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Destruição peroxidativa das membranas biológicas
Esses pacientes evoluem com níveis celulares elevados de dienos conjugados, baixas concentrações de glutation e aumen-
tada geração de radicais livres de 02, a partir de microssomos do fígado. A comprovação desses fenômenos ocorre em algu mas situações experimentais, tais como: 1. o fornecimento de dieta hipogordurosa acentua a peroxidação lipídica, traduzida por elevação nos níveis de 4-hidroxinonenol, aldeído que se forma a partir de ácidos graxos poli-insaturados, acentuando a fibrogênese hepática; ao mesmo tempo em que é reduzida a atividade do sistema celular de antioxidação, induzindo ao maior risco de instalação de lesão tecidual e de doenças ma lignas; 2. radicais livres, por sua vez, são formados na cadeia de transporte de elétrons, ao nível mitocondrial e do retículo endoplásmico, e de enzimas oxidantes, tais como oxidase NADPH, xantina-oxidase e ciclo-oxigenase. Para se protegerem desses efeitos lesivos, as cé l ulas recorrem a vários mecanismos antioxidantes de defesa exercidos pela superóxido-dismutase, glutation-peroxidase, catalase, a-tocoferol, ácido ascórbico e betacaroteno. Dessa forma, inativam-se radicais peróxidos li pídicos, hidroperóxidos e outros intermediários de oxigênio. A importância desses mecanismos patogenéticos na gênese da DHA não é admitida por todos os pesquisadores.
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VÍRUS DAS HEPATITES 8 E C
Pacientes alcoólatras mostram aumentada prevalência de vírus das hepatites B e C, quando comparados à população em geral. Apesar dessa comprovação, alguns acham que o VHB não participa da progressão da DHA, sendo os portadores desse agente, em geral, caracterizados como bebedores mais mode rados, cursando com menor incidência de hepatite alcoólica. Em nosso Serviço, considerando diferentes formas de agressão ao fígado por álcool, o AgHBs esteve presente em 20,5% dos casos, anti-AgHBs em 34,5% e anti-HBc IgG em 17,6%. Outros pesquisadores definem que 27% de seus pacientes com DHA são anti-VHC positivos, porcentagem que é reduzida para 5% entre alcoólatras que não apresentam lesão do fígado. Esses da dos nos levam a atribuir importância exponencial aos agentes virais na patogênese da DHA.
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ESPECTRO DA DOENÇA HEPATICA ALCOÓLICA
A agressão aos hepatócitos na DHA manifesta-se sob formas clínicas, laboratoriais e histológicas diversas. Mais comumen te, elas se expressam por meio do desenvolvimento de esteato se, hepatite alcoólica, hepatite crônica ativa, esclerose de veia centrolobular, cirrose e carcinoma hepatocelular. Relacionado com essa tendência evolutiva, pode-se definir que o espectro clínico mostra-se variável, cursando desde complicações le ves até outras mais graves, como icterícia, ascite, ruptura de varizes esofagogástricas, encefalopatia, peritonite bacteriana espontânea, síndrome hepatorrenal e até desenvolvimento de neoplasia primária de fígado. Tais aspectos encontram-se re sumidos no Quadro 67.1, características expressas em separa do logo adiante.
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Esteatose hepática
Esteatose hepática em ratos e, mesmo, em primatas sub-hu manos ocorre nas deficiências de colina e metionina. Depende também da menor ingesta de ácido orótico e carnitina, bem como da presença de lipoproteínas circulantes, sobretudo HDL. Clinicamente, manifesta-se por hepatomegalia de consistência variável, muitas vezes aumentada, com o fígado apresentando
742 Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica -------
�
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Quadro 67.1 Representação esquemática sobre espectro, prevalência e tempo de instalação de diferentes expressões de doença hepática alcoólica {Bode, 2002) lngesta alcoólíca excessiva
crônica
Esteatose hepática
Prevalência
Tempo de instalação
> 90%
> 2-3 meses
> 50%
3-5 anos
15-30%
> l O anos (5 � 30 anos)
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Hepatite alcoólica leve ou
intensa e fibrose
Cirrose
• Carcinoma hepatocelular
> 20 anos
bordas rombas e superfície regular. As vezes, esse aumento de volume do fígado pode ser doloroso. Quando se associam si nais inflamatórios, a denominação é esteato-hepatite. Do ponto de vista laboratorial, os doentes evoluem com níveis séricos de aminotransferases (AST, ALT) normais ou discretamente eleva dos, mas podem exibir taxas até 10 vezes superiores ao normal; sempre há alterações acentuadas de gamaglutamiltransferase. Não se modificam os valores de bilirrubina total e frações da albumina, nem a atividade de protrombina. O aspecto ao ul
trassom é típico, com fígado de textura hiperecoica, grosseira, e atenuação de feixes acústicos posteriores. Anatomopatologi
camente, revela-se pela presença de micro ou macrogotículas de gordura no citoplasma. Constitui-se em entidade isolada, ou pode ser detectada associada à fibrose perivenular, à hepatite ou à cirrose. A esteatose, em geral, é reversível em alguns dias ou semanas de abstinência, e instala-se em virtude das modi ficações que acarreta no sistema "redox" dos hepatócitos, oca sionadas pela oxidação do etano! e acetaldeído.
•
Hepatite alcoólica
Percentual significativo dos pacientes alcoólatras evolui com hepatite alcoólica (HA), síndrome inflamatória que traduz ne crose hepatocitária. Essa agressão às células parenquirnatosas depende da participação do álcool e seus metabólitos, n i du zindo reação de fase aguda, na dependência de modificações nos índices de secreção de FNTa, IL-1 e IL-6. Considerada como lesão potencialmente reversível, instala-se sobre fígados normais ou já cirrotizados. Para que se perpetue, participam deficiências nutricionais, que se instalam em indivíduos gene ticamente predispostos, cursando com distúrbios ao nível do sistema imunológico. Um grupo de pacientes revela-se pouco sintomático, ou assintomático, mesmo referindo história de ingesta alcoólica excessiva, exibindo hepatomegalia e níveis séricos de amino transferases elevados (AST, ALT). Forma mais grave da doen ça se expressa pelo aparecimento de icterícia, ascite, sinais de coagulopatia e, mesmo, encefalopatia, cursando ainda com dor
surda e suportável no hipocôndrio direito, fígado de consistên cia aumentada, febre e leucocitose. A mortalidade nessa situ ação é elevada, todos evoluindo com neutrofilia, metabolismo alterado de hidratos de carbono, de lipídios e de minerais, ou de elementos-traços. Apresentam, ainda, síntese aumentada de proteínas de fase aguda, tais como a proteína C reativa, amiloi de e a-1-antitripsina, comportamento mediado pelas linfocinas FNTa, IL-1 e IL-6. Do ponto de vista laboratorial, as formas mais graves tradu zem-se por: 1. níveis séricos de bilirrubina total sempre acima de 5 mg/dê, não raro ultrapassando 25 a 30 mg/dê; 2. níveis séricos de AST situados entre 100 e 400 UI/é. Cerca de 80% dos pacientes com DHA têm a proporção AST:ALT em torno
de 2, ou mais. Esse comportamento bioquímico depende de: a. menor concentração citosólica dessas enzimas nos alcoólatras crônicos; b. maior liberação de AST de fontes não hepáticas, como músculos e eritrócitos; c. menor concentração hepática de coenzimas, limitando a capacidade de correção quantitati va dessas enzimas no soro. Não há correlação entre níveis de aminotransferases e extensão da agressão necroinflamatória; 3. a fosfatase alcalina assume um comportamento variável, com tendência a níveis séricos elevados, quando há colestase; 4. a gamaglutamiltransferase comporta-se como o melhor mar cador de DHA, ao lado do aumento do volume corpuscular médio das hemácias. Indica sempre n i dução enzimática mi crossomal, determinada pelo etano! e seus metabólitos. Não tem valor prognóstico, mas revela-se útil no monitoramento da ingestão alcoólica; 5. menor reserva hepatocitária conse
quente à maior agressão tecidual; revela-se por níveis séricos de albumina baixos, alargamento do tempo de protrombina, trombina e redução do Fator V; 6. a progressão para cirrose, indicando atividade, define-se também pelo nível sérico eleva do de procolágeno tipo III e, histologicamente, traduz-se fun damentalmente por inflamação e necrose focal e difusa, mais acentuada na wna 3 de Rapapport. Um aspecto típico é repre sentado pela presença de hepatócitos aumentados de volume. Em decorrência do acúmulo de água, os lipídios e as proteínas que normalmente são excretados ficam retidos, e os hepatócitos tornam-se frequentemente balonizados; sobretudo na região centrolobular, o citoplasma mostra-se vesicular ou granular, e o núcleo permanece central, não devendo ser confundido com metamorfose gordurosa. Polimorfonucleares (neutrófilos) encontram-se nas vizi nhanças das cé l ulas necróticas e se relacionam com os cor púsculos de Mallory. Ocorre uma infiltração linfocítica na hepatite alcoólica, a população celular sendo constituída mais por linfócitos T supressores (citotóxicos) de que por linfóci tos auxiliadores, o inverso observando-se na fase cirrótica. Sua distribuição intra-hepática é variável, encontrando-se ao nível da placa limitante, no interior do parênquirna, em con tato direto com membranas plasmáticas, ou no próprio seio dos hepatócitos. Participam da agressão hepatocitária, junta mente com anticorpos circulantes e células killer (K). A par tir daí, são estimuladas a produção de fibroblastos e a síntese de colágeno. Corpúsculos de Mallory, por sua vez, são inclusões intra celulares e perinucleares, eosinofílicas, que devem ser distin guidas de mitocôndrias, e coráveis pela hematoxilina-eosina e pelo lugol-azul rápido. Há uma divisão desses corpúsculos em
tipo 1, quando constituídos de filamentos paralelos, tipo 2, se formados por fibrilas orientadas, e tipo 3, representado por ma terial granular e fibrilas dispersas. Formam-se a partir das agres sões exercidas pelo etanol e seus metabólitos sobre filamentos intermediários do citoesqueleto hepatocitário. Acumulam-se
Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica 743 nessas células como resultado de uma ação antimicrotubulina. Embora o seu encontro não seja essencial para o diagnóstico, a presença desses corpúsculos no fígado, em maior intensidade, ocorre nas formas mais graves de hepatite alcoólica. Importante frisar que eles estão também presentes em uma série de outras doenças, tais como doenças de Weber-Christian e de Wilson, cirrose biliar primária, cirrose da criança indiana e por obesi dade mórbida, carcinoma hepatocelular, e em pacientes que usam drogas, como griseofulvina e amiodarona. O desenvolvimento da hepatite alcoólica acompanha-se, em geral, de fibrose perissinusoidal, com deposição de tecido co lágeno no espaço de Disse. Como consequência, fica compro metido o intercâmbio de produtos entre hepatócitos e sangue, e eleva-se a resistência sinusoidal, aumentando a pressão in trassinusoidal. Nesse tipo especial de paciente, as células de Ito, armazenadoras de gordura, presentes nos sinusoides, tornam se transicionais e se transformam em fibroblastos produtores de colágeno e em miofibroblastos. Esses, formados por feixes de microfilamentos, sintetizadores de colágeno dos tipos I, III, IV e laminina, são encontrados em áreas perivenulares. Nessa situação, desenvolve-se necrose hialina esclerosante de veias centrais. Decisões existem a propósito da estratégia terapêutica a ser adotada nesses pacientes; além disso, existe necessidade de aná lise clínica rígida e de parâmetros bioquímicos que devem ser mensurados continuamente, construindo assim alguns siste mas de escores prognósticos usados na avaliação de pacientes com hepatite alcoólica, os quais se encontram discriminados no Quadro 67.2. Valendo-se da análise desses resultados, algumas conclusões têm sido obtidas: 1. sobrevida aos 28 dias de pacientes com MDF > 32 e tratados com placebo atingiu 68%, ampliando-se para 93% quando conduzidos pela corticoideterapia; 2. quando levados em consideração apenas os identificados com escore MELD > 1 1 , sobrevida de 30 dias foi de 45%, ampliando-se para 96% naqueles com MELD < 11; 3. pacientes com escore de Glasgow > 9 têm melhor sobrevida quando tratados com cor ticosteroides. Sendo, respectivamente, de 78 x 52% aos 28 dias e de 59 x 38% aos 84 dias, os quais atingiam 78 e 59% aos 28 e 84 dias, quando tratados com corticosteroides, reduzindo-se
para 52 e 38% no mesmo período para aqueles tratados pelo placebo.
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Hepatite crônica ativa
Cerca de 10% dos alcoólatras cursam com hepatite crônica ativa (HCA). Os aspectos histológicos são indistinguíveis da queles da n i duzida por vírus. A agressão ao fígado perpetua-se na dependência de mecanismos imunológicos, ou de infecção viral sobreposta. Adverte-se que, nas formas mais graves de DHA, a prevalência de marcadores do VHB atinge 27%, sen do o AgHBs encontrado em cerca de 3% dos casos. A presença dos marcadores anti-HBs e anti-HBc não se correlaciona com alterações clínicas, laboratoriais ou histológicas. Também não afeta a sobrevida. Essa elevada incidência de marcadores séri cos e teciduais correlaciona-se com o uso de drogas parenterais ilícitas e transfusões sanguíneas, estas, em geral, realizadas du rante episódios de hemorragia digestiva alta. Autores italianos sugeriram que os alcoólatras, portadores assintomáticos do vírus B, apresentam maior risco de desenvolver hepatopatia, mesmo quando consomem álcool em quantidade inferior a 80 g/dia. Por sua vez, pesquisadores japoneses observaram que os pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) e AgHBs positivos alcoólatras tinham idade significativamente menor que os AgHBs positivos não alcoolistas, sugerindo um papel de cocarcinogênio para o etanol. De uma maneira geral, pode-se definir que o risco de evolução para esse tipo de neoplasia pri mária de fígado é 5,8 a 8,0 vezes maior, respectivamente, para os alcoolistas moderados e intensos. Por sua vez, cerca de 38 a 54% dos alcoólatras cursam com marcadores sorológicos de vírus C, ndices í que se reduzem para 5% naqueles sem doença hepática. Essa evolução se relaciona ao claro sinergismo existente entre esse agente e o álcool, predis postos a cursarem com doença hepática mais grave, com idade mais jovem, cursando com menor sobrevida. Nesses, o risco de evolução para cirrose em tempo mais curto se amplia em 30 vezes, sem que tenha sido definida a precisa dose de etanol que tais pacientes passam a consumir ao dia, sem torná-los mais suscetíveis à agressão. Isso leva a que clínicos e hepatologistas orientem seus pacientes para que se abstenham mesmo do uso de doses moderadas de etanol.
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Esclerose de veia centrolobular e fibrose
Esclerose de veia centrolobular e fibrose constituem com plicação grave observada no decorrer da DHA, associada ao
T------
Quadro 67.2 Sistemas de escores prognósticos usados na avaliação de pacientes com hepatite alcoólica (O'Shea, Dasarathy & McCullough, 2010) Denominação dos sistemas Função discriminante Oemadrey (MOF) Escore MELO
Escore Glasgow
Interpretações (por prognóstico)
Elementos usados nas constru�es MOF = 4,6 (TP pacientes -TP controle+ bilirrubina total (mg/df)
Escore MELO = 3,8* log. (bilirrubina em mg/df + 1 1,2* log. (INR)+ 9,6* log. (creatinina mg/dt' = 64)
Escore*
Pontos 1
2
Idade (anos)
< 50
�50
Ureia (mmol/dl)
32 Se escore > 18 Se escore > 8
(Calculado dias 7 e 8 da internação)
744 Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica acúmulo do colágeno, que ocorre nos espaços de Disse e em tor no dos hepatócitos. Tudo indica que esses processos dependem da participação lesiva exercida por lipócitos, sobre células de !to, miofibroblastos e macrófagos, os quais são ativados como resultado da fagocitose de restos celulares. Desse processo, par ticipam também as linfocinas FNTa e IL-1 e estimuladores de substâncias fibrogênicas e inflamatórias, tais como o fator de crescimento derivado de plaquetas, prostaglandinas e as linfo cinas IL-8 e IL-1. Estas últimas reduzem a atividade do citocro mo P-450, aumentam a transcrição de colágenos I, III e IV e de intermediários de 02, estimulando a proliferação fibroblástica. A fibrose perivenular leva à obstrução do tipo pós-sinusoidal, precipitadora do aparecimento de hipertensão portal, com as cite, alterações que podem ser notadas mesmo antes de desen volver-se a cirrose. Essas alterações podem progredir de forma mais pronunciada naqueles pacientes que persistem na ingestão de álcool, mesmo na ausência de hepatite alcoólica.
•
Cirrose hepática Embora as consequências adversas da ingestão de álcool se
jam provocadas por quantidades extremamente variadas desse agente lesivo, tóxico, relatos descrevem que, para chegar à cir rose, seria preciso um aporte diário de 180 g de etanol por um período de 25 anos, evolução observada em cerca de 8-20% desses etilistas, sendo a quarta causa de morte, nos países oci dentais, entre 25 e 64 anos de idade. O mecanismo patogenético é complexo. Alguns atribuem importância à deficiência de colina e metionina, mas suplemen tações maciças dessas substâncias, a animais de experimentação, não impedem que se desenvolvam as lesões próprias da DHA. Mais recentemente, demonstrou-se atenuação da fibrose he pática álcool-induzida em babuínos previamente tratados com lecitina. Por outro lado, aceita-se que fibroproliferação hepática, visível na zona 3, depende de fatores solúveis liberados pelos macrófagos, com hiperexpressões de FNTa, IL-1, IL-6, IL-8, fa tor de crescimento derivado de plaquetas e prostaglandinas. São eles os responsáveis pela ativação de produtos intermediários de 02, coparticipantes do processo lesivo. Os doentes evolui rão obrigatoriamente com alterações imunológicas humorais, apresentando hipergamaglobulinemia policlonal, imunecom plexos circulantes e frações reduzidas do complemento. Do ponto de vista imunecelular, apresentam baixa de linfócitos T e CD8+ circulantes, assim como menores atividades supressoras de células K e de NK. Nesses pacientes, o processo de agressão ocorre de forma difusa, levando à instalação de fibrose, havendo conversão da arquitetura parenquimatosa normal para forma ção de nódulos regenerativos, gerando distinção em: 1. micro nodular, conhecida como portal, septal difusa ou de Laennec, com os nódulos sendo menores de 3 mm de diâmetro, confe rindo aspecto granular e superfície do fígado; 2. macronodu lar ou pós-necrótica, com nódulos maiores de 3 mm separados por espessas faixas de fibrose, gerando retração volumétrica do parênquima; 3. mista, em que coexistem pequenos e grandes nódulos. Em qualquer das formas de apresentação, existe rege neração ativa, comprimindo o parênquima circundante, com veias hepáticas mantendo contato com septos. Fazem parte desse quadro as presenças de esteatose, colestase e siderose. A hipertrofia mitocondrial traduz-se pelo aparecimento de he patócitos oncocíticos. Não são infrequentes achados típicos de "displasia de pequenas células", quando agrupamentos de hepatócitos ultrapassam três células de espessura. Não é raro que depósitos de ferro sejam identificados, assim como cor púsculos de Mallory e infiltrados inflamatórios.
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Carcinoma hepatocelular (CHC) Classicamente, define-se que o carcinoma hepatocelular
(CHC) instala-se como consequência de ampla variedade de alterações genéticas, envolvendo fatores de crescimento e seus receptores, perda de oncogenes supressores tumorais p16 e p53 e de fatores que controlam interação da matriz extrace lular e angiogênese. Tais modificações contribuem para um processo de múltiplos estágios que estimulam a oncogêne se, gerando a formação de um tumor hipervascular nutrido pela artéria hepática. Predomina entre homens na proporção de 4:1 em áreas de baixa e de 9:1 naquelas de elevada inci dência, tendência evolutiva mais frequentemente observada naqueles pacientes com polimorfismo genético do citocromo P450 2 e 1. Nesse processo, encontram-se envolvidos as citocinas pró inflamatórias, tais como interleucina 1, fator a de necrose tu moral e interferona y, mediadores solúveis, que também in terferem no estresse oxidativo, geração de radicais livres de 02 e de malonaldeído, além da secreção de proteína 1 a partir de monócitos (MCP-1, ou monocyte chemoattractant protein-1). Uma síntese desses mecanismos que levam a que o álcool atue como cocarcinogênico, iniciador, promotor e responsável pela progressão maligna entre etilistas crônicos está exposta no Qua dro 67.3. Nesses, as lesões pré-malignas expressam-se por modifi cações genômicas focais, mais frequentes quando presentes corpúsculos de Mallory e modificações das células ovais ori ginárias nos espaços portais após longa exposição ao etanol. Indefinição ainda ocorre com relação às mutações observadas no gene p53 nos nódulos regenerativos desses pacientes, sa bendo-se que são mais comuns naqueles com cirrose causada pelas infecções dos vírus das hepatites B ou C, potencialmen te responsável pelas lesões neoplásicas que vêm a apresentar mais tardiamente. No caso específico do vírus da hepatite B, alguns autores confirmam essa associação, enquanto outros a negam. Esse de sencontro nos resultados das pesquisas faz com que se exija urna mais precisa investigação sobre o assunto. No entanto, tem-se definido atualmente que, na integração aos hepatóci tos desse agente viral, ocorre a produção da proteína AgHbx, i fec a qual participa assim da hepatocarcinogênese nesses n tados, evolução que é mais frequentemente observada entre fumantes crônicos. Também tem sido observada, entre alcoólatras, uma elevada prevalência do anticorpo antivírus da hepatite C, existindo, nes ses pacientes, uma clara correlação entre os desenvolvimentos de cirrose e CHC, e ingestão e consumo diário de etano!. Essa evolução é provavelmente relacionada com a ação mutagênica induzida pela proteína core que se encontra presente no geno
ma desse agente viral. Nesses pacientes, o CHC se apresenta histologicamente bem definido. Assim, aquele bem diferenciado se expressa por den sidade celular aumentada e fino padrão reticular ou glandular, e esteatose. Por sua vez, aquele moderadamente diferencia do assume padrão trabecular, com hepatócitos eosinofílicos, núcleos redondos e exibindo nucléolos distintos e citoplasma eosinofílico, enquanto o pobremente diferenciado tem padrão sólido, não trabecular, proporção maior núcleo-citoplasma e células gigantes mono ou multinucleadas. Já no tipo indiferen ciado, as células malignas proliferam obedecendo a um padrão sólido ou medular.
Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica 745 -------
T -------
Quadro 67.3 Álcool na hepatocarcinogênese: ativação e inativação de pró-carcinógenos Álcool
Álcool
�
CYP 2 e 1
Carcínógeno
I=>
Radicais livres acetaldeído
�
Hepatócitos
t
Acetaldeído
Metilação
Álcool
�
ll
Ácido
retinoico ll
+
Hípometil ação de oncogene
�
=>IHepatócito inici doI =>I a
Hepatoma
de gene
t
u
Polimorfismo ADH/ALDH
DNA metilase
Álcool
Álcool
Álcool
Iniciação
Promoção
Progressão
+
i
I=>�
lmunossupressão
Hípermetilação
t
Ativação deAP1
ADH = Álcool desidrogenase; ALDH = Aldeído desidrogenase; CYP 2 e I = Citocromo P450 2 e J; CHC = Carcinoma hepatocelular.
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ASPECTOS TERAPEUTICOS A melhor terapêutica para um alcoolista é parar de beber,
não existindo medicamento que possa reverter progressão da DHA caso o paciente não interrompa o hábito etílico. Com prova-se o efeito benéfico da abstinência ao se demonstrar que aqueles que adotam esse comportamento melhoraram histo logicamente, têm reduzida a pressão portal, diminuem a pro gressão para a cirrose e são maiores os ndices í de sobrevida em qualquer dos estados em que se encontram. Essas mudanças já se identificam aos 3 me.se.s, em cerca de 66% dos pacientes. A essa atitude, deve-se associar uma suplementação dietética composta por baixo teor de gordura insaturada, maior ingesta proteico-calórica, oferta de polienilfosfatidilcolina. Atuando-se dessa forma, promovem-se: 1. redução do estresse oxidativo; 2. melhora do balanço nitrogenado; 3. bloqueio do processo infla matório da necrose hepatocelular, promovendo melhora fun cional do parênquima e das provas bioquímicas, com reduções da fibrose e da mortalidade. Es.sa evolução é menos represen tativa em pacientes do sexo feminino, preocupando também a comprovação de que mesmo naqueles submetidos à terapêutica comportamental de suporte ou sob tratamento com naltrexone ou nalmefene, opioides antagonistas, os índices de recidivismo ao fim de 1 ano atingem 67 a 81% desses pacientes.
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HEPATITE ALCOÓLICA Em torno de 25 a 50% dos pacientes hospitalizados por he
patite alcoólica encontram-se desnutridos, em geral n i gerindo menos de 200 kcal por dia. Isso ocorre seja por se encontra rem anoréticos, seja como decorrência direta do baixo valor
nutricional da dieta, ou da aumentada demanda metabólica induzida pelo álcool. A esses fatores, associa-se síndrome de má absorção, na dependência de agressão direta da mucosa intestinal pelo álcool e de eventual insuficiência pancreática. A reposição nutricional adequada proporcionará redução da morbidade e melhorará a atividade funcional do parênquima hepático. Exige-se suplementação de minerais traços, incluin do vitaminas A, D, tiamina, folato, piridoxina e zinco. Aqueles n i apetentes e não colaborativos deverão ser conduzidos via ali mentação por sonda nasoenteral durante, pelo menos, 30 dias, envolvendo 2.000 kcal/dia ou, inclusive, oferta de suplementos por via parenteral. Resultados dessas opções são discutíveis, com alguns descrevendo maior tipo de sobrevida, enquanto outros negam essa melhor evolução. Experimentalmente, em ratos, têm sido observados efeitos benéficos quando eles são nutridos com óleos vegetais poli insaturados (soja, girassol, milho e caroço de algodão). Teriam função na promoção de dessaturação e transformação de ácido araquidônico, predominante entre os fosfolipídios das mem branas plasmáticas. No que diz respeito à cirrose, nota-se efei to adverso quando o consumo é maior em poli-insaturados. Estes são responsáveis pela hiperprodução de radicais livres, que estão implicados no fenômeno de lipoperoxidação. Em tal situação, torna-se necessária a suplementação de S-adenosil L-metionina, por meio do uso de proteínas do ovo, carne e queijos. Promove-se, assim, maior oferta de glutation, capaz de proteger o hepatócito de produtos tóxicos exógenos ou endó genos. Desse modo, interfere-se nas reações de transmetilação, protegendo as mitocôndrias da agressão exercida pelo etanol e seus metabólitos. A redução na produção de IL-1 e FNT é obtida pela administração de ácido linoleico, abundante em peixes. Também bloqueio dessa tendência evolutiva pode ocorrer por meio da administração de fármacos que controlem e supri-
746 Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica mam a inflamação do fígado, reduzam a formação de colágeno, estimulem a regeneração hepatocitária e interrompam o proces so de agressão imunologicamente mediada. Esses objetivos são difíceis de conseguir, sobretudo naqueles doentes com fibrose acentuada e arquitetura n i tra-hepática seriamente danificada, mas com alguns merecendo considerações. •
Corticosteroides
Experiência com esses fármacos data de 39 anos. Assim é que, em 1971, se desenvolveu um estudo controlado com o se guinte desenho da intervenção terapêutica realizada. Prednisolona: 40 mg IV/10 dias, com início da redução 4 mg/dia/1 semana, 2 mg/dia/1 1 dias e, finalmente, 2 mg cada 3 dias/15 dias. Conclui-se mortalidade de 55% (6/11) ver sus 77% (710) com placebo. Desde então, mais 13 desses estudos randomizados foram conduzidos, até o ano de 1997, envolvendo 664 pacientes com hepatite alcoólica. Resumo das conclusões pode ser identifica do no Quadro 67.4. Mais recentemente, tem sido proposto que aqueles com es core MDF > 32 (Quadro 67.2), sem hemorragia digestiva alta, infecção ativa, pancreatite ou insuficiência renal, sejam con duzidos valendo-se de prednisolona (40 mg/dia/4 semanas, reduzida essa dose então por mais 2 a 4 semanas). Autores re velaram que 84,6% dos tratados sobrevivem, evolução obser vada em 65% dos conduzidos pelo placebo. São de risco maior aqueles com escore MDF > 54 tratados com esteroides. Assim conduzidos, visa-se a bloquear os mecanismos imunológicos de perpetuação da doença, reduzir a formação de colágeno do tipo I, melhorar o apetite e estimular a síntese de albumina. •
Propiltiouracila (PTU)
O metabolismo oxidativo do álcool n i duz a acentuada hi poxia centrolobular, em consequência do maior consumo de oxigênio. Esse quadro hipermetabólico é maior nos hepatopatas com anemia ou com insuficiência pulmonar, e acentua-se logo após a suspensão da ingestão alcoólica. É possível bloquear e reverter esse processo, em alguns pacientes, com a adminis tração de propiltiouracila em diferentes esquemas: 300 mg/dia durante 46 dias, 300 mg/día durante 90 dias, ou 300 mg/dia durante 180 dias. •
Terapia anticitocinas
Baseia-se em dados clínicos e laboratoriais, os quais enfati zam que portadores de DHA cursam com híperexpressão do TNFa, IL-6 e TGF�, cerca de 25% deles com células TCD8+ ativadas. O bloqueio dessas moléculas funcionalmente desre guladas tem sido proposto com o uso de terapia anticitocinas específicas, na tentativa de restaurar o sistema imunológico.
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Quadro 67.4 Sumário crítico dos 14 estudos controlados com corticosteroides entre 1971 e 1982 (Porter etal., 1971; Ramond eta/., 1972) 1 . Critérios diferentes de inclusão e exclusão
2. Doses e populações variadas, díspares
3. Diferentes métodos de avaliações estatísticas
4. Alguns mostraram melhora da sobrevida; outros a negam
Baseando-se na experiência de condução de pacientes com ar trite e doença de Crohn, esses etilistas têm sido conduzidos com: 1. pentoxifilina VO, um inibidor de fosfodiesterase inibidor de síntese de TNFa. e outras citocinas, reduzindo em 40% a morta lidade hospitalar daqueles assim conduzidos, porém cursando com maior incidência de síndrome hepatorrenal, causa de 50% das mortes verificadas em estudo clínico randomizado. Mais recentemente, têm sido conduzidos com infliximabe, anticorpo anti-TNF monoclonal quimérico, na dose de 5 mg/ kg associada a 40 mg/dia de prednisona, cotejados com aque les conduzidos apenas pelo corticosteroide. Foram incluídos apenas aqueles graves pacientes com HA e escore MDF entre 32 e 55, sem interferência no índice de mortalidade. Dose am pliada para 10 mg!kg em estudo francês cotejado com pacien tes tratados com prednisona (40 mgldia/4 semanas), sem que houvesse reversão do quadro evolutivo, precipitando infecções graves. Essa mesma limitação ocorreu com aqueles com esco re MELD > 15 tratados com etanercepte com índice maior de mortalidade aos 6 meses. •
Terapêuticas alternativas .,.. ESTEROIDES ANABOLIZANTES. Melhorando-se o balanço
nitrogenado, estimula-se o anabolismo, contribuindo-se para correção da desnutrição e supostamente promovendo-se rege neração hepática, sendo administrados sob forma de oxandro lona (80 mg/dia/30 dias) ou testosterona micronizada, também VO (200 mg/3 vezes/semana). Estudo revisional da Cochrane não demonstrou efeitos evolutivos benéficos no que diz respeito à sobrevida de 6 meses, sendo elevados os índices de trombose portal, contraindicando o seu emprego naqueles com HA. .,.. COLCHICINA. Administrada na dose de 1 mg/dia, VO, bus ca inibir a produção de colágenos, ampliar a atividade da cola genase hepática, ao mesmo tempo em que inibe inflamação e proliferação fibroblástica. Estudos randomizados do Veterans Affairs e revisional da Cochrane evidenciaram resultados nega tivos no que diz respeito à melhora da sobrevida de pacientes com DHA assim conduzidos. .,.. ANTIOXIDANTES. A produção de radicais livres de oxi gênio promotores de lipoperoxidação ocorre na dependên cia de atuações de diferentes sistemas enzimáticos, tais como, CYP2E1 da cadeia respiratória rnitocondrial, xantina oxidase e aldeído oxidase citosólicas. Assim geradas, ligam-se covalente mente a proteínas, formando neoantígenos e gerando resposta anticórpica específica. Tenta-se inibir essa evolução agressiva valendo-se da administração de vitaminas A, E, selênio, alopuri nol, desferrioxamina e nacetilcisteína, sem ampliar a sobrevida daqueles com HA grave. Nesse item, tem importância S-adenosil-1-metionína, uma forma ativada da metionina que desempenha papel na transa minação e transulfuração, visando a promover metabolismo de fosfolipídios com equilibrio funcional de membranas plasmá ticas dos hepatócitos. Funciona como doador de radical metil voltado a reações bioquímicas, envolvendo metilação do DNA. Administrado a pacientes com DHA, na dose de 1.200 mg/dia, cotejado com placebo, proporcionou maior sobrevida dos pa cientes ao fim de 24 meses de tratamento, excluindo-se desse estudo controlado pacientes CHILD-PUGH C. Náuseas e diar reia são os efeitos colaterais mais relatados. .,.. FLAVONOIDES. São dois, a silimarina (silibinina) e o cia nidanol-3, removedores de radicais livres de oxigênio e estabi lizadores de membranas biológicas. Avaliados a longo prazo, comprovou-se que eles não foram capazes de ampliar a sobrevi da daqueles assim conduzidos. Porém, alguns autores afirmam
Capítulo 67 I Doença Hepática Alcoólica 747 Enfatizar abstinência
I
Necessidade de fármacos estadiadores e reguladores de condições emocionais e psiquiátricas
I
Esteatose hepática
I
Avaliar e tratar comorbidades
Estadiar doença hepática
I
� e ie
H pat t
Fibrose Cirrose
alcoólica
� Avaliação e intervenção nutricional
I
Manipulação farmacológica Dieta hiperproteica Reposição vitaminas, micronutrientes
1. Corticosteroides 2. Propiltiouracil 3. Antilitocinas
4. Esteroides anabolizantes 5. Colchicina
6. Antioxidantes
I Considerar estudos controlados I Manipular consequências - complicações I Considerar transplante de fígado
Figura 67.1 Algoritmo terapêutico proposto para manuseio a longo prazo de pacientes com doença hepática alcoólica.
que tais fármacos são capazes de melhorar ou bloquear o apare cimento de alguns sintomas e melhorar as provas que definem agressão hepatocelular, referendando-se que existe risco maior de cursarem com anemia hemolítica quando conduzidos pela administração do cianidanol-3. Experimentalmente, tem-se demonstrado que a adminis tração dessa lecitina poli-insaturada a babuínos promove o se guinte: 1. atividade antioxidante, prevenindo a peroxidação lipídica; 2. atenua depleção de glutatião; 3. bloqueia a preci pitação da fibrose e acentua a atividade da colagenase; 4. pro move reconstituição e estabilização da membrana plasmática dos hepatócitos. Administrada a cirróticos VO, valendo-se de soja, encerrando elevadas quantidades de dilinoleoil fosfatidil colina, não se mostrou capaz após 24 meses de administração da reversão da fibrose hepática que esses pacientes com DHA apresentavam. Falência dessas medidas e evolução para insuficiência hepá tica ou sinais de hipertensão, tradução de instalação de cirrose envolvem, sobretudo, conduzir o manuseio de suas compli cações ou voltar-se a esse manuseio. Entre elas, é importante destacar ascite, síndrome hepatorrenal, peritonite, hemorragia digestiva e encefalopatia portossistêmica, as quais merecerão considerações em capítulos específicos deste livro. Essa rea lidade se mostra enfatizada no algoritmo voltado à proposta terapêutica a longo prazo de pacientes com doença hepática alcoólica (ver Figura 67. 1) .
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TRANSPLANTE DE FÍGADO (TxF)
Devem ser conduzidos a essa forma de tratamento os pacien tes que não responderam às opções terapêuticas aqui expostas.
Alguns autores acreditam que as limitações do TxF, nesse tipo de paciente, baseiam-se nos seguintes motivos: 1. eles sofrem não apenas de doença hepática, mas também cursam com com prometimento cerebral, miocardiopatia, deficiências vitamíni cas múltiplas e anormalidades da musculatura. Caso essas al terações estejam presentes e sejam clinicamente significantes, devem contraindicar o procedimento; 2. cerca de 50-75% dos pacientes não conseguem interromper definitivamente a n i gestão de álcool. Para aqueles compensados que permanecem abstinentes, a sobrevida ao fim de 5 anos é de 90%, reduzindo se para 70% nos que continuam a ingesta. Diante da gravidade da doença, com quadro evolutivo even tualmente dramático, aconselhamos o transplante de fígado para os seguintes pacientes: 1. os que evoluem com DHA, forma descompensada, sobretudo quando já se encontram abstêmios pelo período de 6 a 12 meses; 2. os que nunca se submeteram a tratamento antialcoolismo e apresentam surtos de hemorragia digestiva alta, ascite refratária, síndrome hepatorrenal, síndro me hepatopulmonar, peritonite bacteriana espontânea e/ou en cefalopatia; 3. os residentes em regiões onde há maior disponi bilidade de órgãos e não existam, na fila, candidatos portadores de doenças com melhor prognóstico pós-operatório, tais como cirrose biliar primária ou colangite esclerosante primária, por ocasião da doação do fígado; 4. os que desenvolvem carcinoma hepatocelular. Considerando a população com HA, o n í dice de complicações, no pós-operatório imediato do transplante, sobretudo as infecciosas, é maior do que o observado entre não alcoolistas, mas o resultado a longo prazo assemelha-se ao observado em portadores de cirrose de etiologia não alco ólica. Exige-se no pós-operatório que prossiga toda a assistência emocional e de apoio empregada no pré-operatório, e certa mente demandará o uso de drogas como naltrexone e outras ainda em avaliação, visando a impedir a recidiva do alcoolismo no pós-operatório. Essa preocupação se prende à constatação de que o índice de recidivismo se situa entre 1 1 e 49% ao fim de 3 e 5 anos, reforçando-se que, assim conduzidos, mesmo aqueles em vigência de hepatite alcoólica não têm sua evolução agravada após o implante do novo enxerto.
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LEITURA RECOMENDADA
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Doença Vascu l a r do Fígado Aécio Flávio Meirel/es de Souza, Kátia Valéria Bastos Dias Barbosa, Fábio Helena de Lima Pace e Lincoln Eduardo Vil/e/a Vieira de Castro Ferreira
•
INTRODUÇÃO
•
O fígado é ricamente vascularizado, o que o torna pouco vulnerável aos distúrbios circulatórios; no entanto, quando isso ocorre, as manifestações clínicas podem apresentar-se de ma neira variável, dependendo dos vasos sanguíneos envolvidos, da extensão da lesão hepática e da deficiência da perfusão hepática. As doenças vasculares que acometem o fígado, com exceção da trombose de veia porta em pacientes cirróticos, são eventos re lativamente raros em sua maioria. Este fato concorre para que as melhores evidências sobre diagnóstico e tratamento dessas doenças sejam embasadas em estudos de coortes prospectivos sobrepondo-se a estudos clínicos randomizados. A importância da abordagem adequada das doenças vascula res hepáticas recai sobre a significante morbimortalidade re sultante de erros e atrasos no diagnóstico acurado, o que m i plica perda do tempo oportuno para se iniciar a terapêutica apropriada. •
As principais etiologias das hepatopatias causadas pelas altera ções circulatórias do fígado estão relacionadas no Quadro 68.1.
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A síndrome de Budd-Chiari (SBC) agrupa um conjunto de alterações anatômicas e fisiológicas decorrentes da obstrução total ou parcial das veias hepáticas ou do segmento terminal da veia cava inferior, desde sua parte intra-hepática até o átrio direito, sendo a trombose o principal mecanismo responsável pela obstrução. A obstrução do fluxo de saída venoso hepático pode ser clas sificada de acordo com sua localização: veias hepáticas de pe queno calibre, veias hepáticas de grande calibre, veia cava in ferior e as combinações possíveis. São excluídas as doenças do pericárdio e a insuficiência cardíaca congestiva. A SBC pode ser subdividida em primária - quando relacionada com doenças venosas intrínsecas, tais como trombose e flebite, e secundária - quando causada por compressão ou invasão extrínseca, por exemplo tumores, abscessos e cistos. •
ETIOLOGIAS
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Quadro 68.1 Principais causas das doenças vasculares do fígado Síndrome de Budd-Chiari
Síndrome de obstrução sinusoidal (doença veno-oclusiva) Insuficiência cardíaca congestiva Hepatite isquêmica
Trombose da veia porta Peliose hepática
Aneurisma e trombose da artéria hepática Fístulas arterioportais intra-hepáticas Infarto hepático
Doença hepática induzida por radiação Malformações vasculares congênitas
SÍNDROME DE BUDD-CHIARI
Etiologia
A trombose venosa em geral ocorre quando vários fatores são combinados: fatores pró-trombóticos herdados ou adqui ridos, outros fatores trombofílicos e fatores locais. As principais etiologias da SBC estão listadas no Qua dro 68.2. A SBC está associada a fatores trombofílicos em cerca de 75 a 85% dos casos, e mais raramente com fatores locais. As desor dens mieloproliferativas são responsáveis por 35 a 50% dos ca sos, síndrome antifosfolipídica por 20%, deficiência de proteína C (10 a 20%), fator V de Leiden (25 a 30%) e hemoglobinúria paroxística noturna por 5%. Atualmente, a pesquisa de estados pró-trombóticos associados a SBC e outras doenças vasculares hepáticas não deve ser negligenciada. No Quadro 68.3, estão listados os principais fatores de risco trombogênicos e sua fre quência na SBC e na trombose de veia porta. A SBC é mais frequente no sexo feminino, e o uso de estróge nos, contraceptivos orais e a gravidez podem desencadear o seu desenvolvimento, embora, em geral, um fator pró-trombótico possa coexistir. A doença mieloproliferativa latente é respon sável por uma fatia importante de casos de trombose rotulados previamente como idiopáticos. A obstrução membranosa da 749
750 Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado �
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Quadro 68.2 Principais causas da síndrome de Budd-Chiari Obstrução não tumoral das VH e/ou da VCI Doenças mieloproliferativas
Hemoglobinúria paroxística noturna
veia cava inferior é rara no Ocidente, sendo frequente no Japão, na fndia e na África. Sua origem é controversa, sendo de natu reza congênita para alguns, mas o início da sintomatologia em torno da quarta década de vida e suas características patológicas são mais sugestivos de uma causa pós-trombótica.
Fisiopatologia
Deficiência de antitrombina 111, proteína C ou proteína 5
•
5índrome do anticorpo antifosfolipídico
A obstrução aguda das veias hepáticas determina dilatação sinusoidal, sufusões hemorrágicas e necrose hepatocitária, pre dominantemente na região centrolobular. As manifestações clínicas devem-se à aumentada pressão sinusoidal e à dimi nuição da perfusão sanguínea sinusoidal. Nos casos crônicos,
Mutação do fator V de Leiden - Mutação do fator 11- Mutação gene G20210A
Anticoagulante lúpíco
Anticorpo anticardiolipina
Doença de Behçet
Carcinoma hepatocelular
as lesões se mostram menos intensas, acompanhadas de fibro se centrolobular, podendo com a evolução observar-se cirro se hepática constituída. Em geral, não há homogeneidade das lesões através do fígado, sugerindo que o processo ocorra por etapas sucessivas. Frequentemente, há hipertrofia compen satória do lobo caudado, em virtude de a circulação fazer-se principalmente através das veias hepáticas acessórias, que vão diretamente deste segmento hepático à veia cava inferior. Esta
Câncer de supra-renal
hipertrofia pode levar a uma estenose e até a uma obstrução da veia cava inferior.
Gravidez
Contraceptivos orais
Outros medicamentos: ciclofosfamída, dacarbazina e vincristina
Obstrução tumoral das VH e/ou da VCI Câncer renal
Liomiossarcoma da veia cava inferior
Obstrução extrínseca das VH e/ou da VCI
•
Tumores hepáticos
A síndrome de Budd-Chiari tem um espectro de apresen tação clínica muito variável, refletindo o grau da obstrução e a velocidade desta. Acomete mais comumente as mulheres, geral
Císto hidático, equinococose alveolar
Abscesso amebiano, abscesso hepático Doença policística
mente na terceira ou quarta décadas devida, podendo ocorrer, entretanto, em criança ou idoso. É assintomática em cerca de 25% dos casos, sendo descoberta por elevações das aminotrans ferases ou por alterações ultrassonográficas. Podem ocorrer dor e febre que se relacionam com quadro de pileflebite aguda. Em virtude da hipertensão sinusoidal, há importante congestão si nusoidal centrolobular determinando hepatomegalia doloro sa, hipertensão portal aguda e maciça formação de ascite, com
Hematomas traumático ou espontâneo
Más formações da VCI
Obstrução membranosa
VH -veias hepáticas. VCI - veia cava inferior.
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�
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Quadro 68.3 Prevalência de fatores de risco trombogênicos em uma série de casos de pacientes rotineiramente pesquisados com trombose de veia porta (TVP) e síndrome de Budd-Chiari (SBC) Fatores de risco Doenças mieloproliferativas 5indrome antifosfolípide
Hemoglobinúria paroxística noturna
Doença de Behçet
Mutação do fatorV de Leíden
TVP
SBC
30-40%
40-50%
0-2%
0-4%
6-19%
0-31% 6-32%
Mutação do fator 11
14-40%
Deficiência da proteína 5
2-30%
Deficiência da proteína C Deficiência de antitrombina
Deficiência de plasmínogênio
4-25%
0-33% 6-32% 5-7%
0-26%
10-30%
0-26%
0-23%
0-6%
7-20% 0-4%
Gravidez recente
6-40%
6-12%
Hiper-homocisteinemia
12-22%
37%
Uso recente de anticoncepcional oral Genótipo TI677 MTHFR
Manifestações clínicas
12%
11-50%
6-60%
12-22%
insuficiência renal funcional. Em geral, a doença manifesta-se bruscamente, com a tríade clássica: dor abdominal, hepatome galia e ascite. Icterícia discreta, hipotensão arterial e oligúria são dados frequentes. Esplenomegalia pode desenvolver-se em metade dos pacientes. Em muitos casos, a síndrome se apresenta com um quadro clínico de cirrose hepática, sendo a manifestação principal a
hipertensão portal, com desenvolvimento de ascite, circulação colateral e, eventualmente, esplenomegalia. A ascite é de dificil controle, e evolução para óbito pode ocorrer devido às compli cações da hipertensão portal. A trombose das veias hepáticas é associada à trombose da veia cava inferior em cerca de 20% dos casos e com oclusão da veia porta em 15%. Na obstrução da veia cava inferior, há acen tuado edema de membros inferiores e formação de circulação colateral tipo cavo-cava. Nas obstruções membranosas da veia cava inferior, pode haver instalação de carcinoma hepatocelu lar, cujo mecanismo é ainda obscuro. As bilirrubinas séricas elevam-se tardiamente, mas podem atingir valores importantes. As aminotransferases situam-se, em geral, acima de 5 vezes o limite superior da normalidade e, mesmo, acima de 20 vezes. Os fatores de coagulação mostram se muito diminuídos, em geral abaixo de 50% dos valores nor mais e em geral inferiores a 30%. A análise do líquido ascítico é útil para o diagnóstico, pois, embora apresente um gradiente de albumina > 1,1, tem alta taxa proteica, maior que 2,0 g/l, e com celularidade inferior a 500 células/mm.
Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado 751 •
Diagnóstico
Baseia-se na comprovação da obstrução da drenagem venosa hepática e na avaliação das consequências dessa obstrução sobre o parênquima hepático. Para tanto, é necessário um alto índice de suspeição, pois as manifestações clínicas e laboratoriais são inespecíficas. Pode ser definido com técnicas de imagem não invasivas, cuja acurácia depende das características clínicas, duração da doença e localização do coágulo. ..,.. Ultrassonografia com Doppler colorido. É o teste de diagnóstico por imagem mais útil para a pesquisa da síndrome de Budd-Chiari, com sensibilidade de 85 a 95%. Sinais indiretos como ascite, hipertrofia do segmento I e modificações hepáticas variáveis, tais como hepatomegalia nas formas agudas e atrofia hepática nas formas crônicas, podem ser demonstrados com este método. A imagem direta dos obstáculos venosos, trom bose em particular, raramente é demonstrada. Dados mais es pecíficos incluem: •
•
•
díficuldade para visualizar a junção das veias hepáticas com a veia cava inferior; anomalias das veias hepáticas, como: espessamentos, tor tuosidades, estenoses ou dilatação de suas paredes; fluxo sanguíneo lento ou abolido nas veias hepáticas ou um fluxo invertido ou turbulento, e pela demonstração de veias hepáticas colaterais.
Figura 68.1 Síndrome de Budd-Chiari: trombose da veia hepática direita. Veia ázigos ectasiada. (Cortesia do Dr. Giuseppe D'lppolito UNIFESP - EPM.)
..,.. Tomografia computadorizada/angiotomografia. Mos
tra imagens específicas da perturbação da cinética n i trapa renquimatosa do meio de contraste, associadas às alterações morfológicas do fígado, em especial hipertrofia do segmento I. Observa-se opacificação não homogênea do parênquima hepá tico, em especial na sua periferia, enquanto a região peri-hilar e o segmento I se realçam de maneira homogênea, podendo ser hiperdensos em relação à periferia, que se realça pouco. Ocasionalmente, podem-se identificar trombos hiperdensos na veia cava inferior ou nas veias supra-hepáticas. Ascite está quase sempre presente (Figuras 68.1 a 68.3). ..,.. Ressonância magnética. Tem uma sensibilidade e espe cificidade de 90%. Demonstra alterações como hepatomegalia, redução no calibre ou não visualização das veias hepáticas, es treitamento luminal da veia cava n i ferior intra-hepática e ascite. O sinal do parênquima é heterogêneo, estando aumentado na fase aguda nas sequências em T2 e reduzido nas sequências em Tl e T2 nas fases subaguda e crônica. O realce pós-contraste é heterogêneo. Pode ainda evidenciar vasos colaterais n i tra hepáticos. ..,.. Venografia. Permanece ainda o teste de maior sensibili dade para o diagnóstico da síndrome de Budd-Chiari. Permite demonstrar as alterações das veias hepáticas, como obstrução ou estenoses, e ainda a circulação colateral intra-hepática, a qual se apresenta com aspecto de "teia de aranha", o que é bastante característico. No entanto, com o desenvolvimento constante de novas técnicas de imagem, a venografia tem sido reservada para os casos em que os testes não invasivos não confirmam o diag nóstico e, principalmente, para o planejamento terapêutico. ..,.. Biopsia hepática. É um m i portante procedimento, prin cipalmente na forma aguda e subaguda da doença, quando o diagnóstico não puder ser confirmado pelos meios propedêu ticos anteriores. Há congestão centrozonal, necrose e áreas de hemorragias. A cirrose é encontrada nas formas crônicas da síndrome. É de grande utilidade prognóstica, pois pacientes com cirrose definida se beneficiarão pouco das técnicas de re vascularização quando comparados àqueles com predomínio de congestão hepática, sem lesões mais importantes. Deve ser
Figura 68.2 Síndrome de Budd-Chiari: trombose de veias hepáticas e hipertrofia do lobo caudado. (Cortesia do Dr. Giuseppe D'lppolito UNIFESP - EPM.)
Figura 68.3 Síndrome de Budd-Chiari: trombose tumoral da VCI. Realce heterogêneo do parênquima hepático por inversão do fluxo portal. (Cortesia do Dr. Giuseppe D'lppolito - UNIFESP - EPM.)
752 Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado ressaltado ainda que o processo trombótico por vezes não en globa todas as veias e, assim, as lesões histológicas podem ser
octreotídio (Sandostatin®), deve ser seletivo, pois a pro longada diminuição do fluxo sanguíneo esplâncnico in
focais ou segmentares.
duzida pelo sangramento, associada à ação vasoconstriti va destes medicamentos, pode provocar a recorrência do processo trombótico ou aumentar a sua extensão.
•
Diagnóstico diferencial
•
Este é, sobretudo, feito com: •
insuficiência cardíaca direita;
•
pericardite constritiva; metástases e doença infiltrativa envolvendo o fígado;
• • •
•
hepática, com a erradicação da congestão centrolobular. As prin cipais medidas terapêuticas são mostradas no Quadro 68.4.
• Tratamento clínico • Ascite
É tratada pelos meios habitualmente utilizados nos porta
dores de hepatopatias crônicas, com dieta hipossódica e uso de diuréticos. Em geral, estes pacientes evoluem com ascite de difícil controle, sendo necessário o emprego de paracente ses repetidas, associadas a expansores plasmáticos, preferen temente albumina humana, para preservação e normalização da função renal.
• Hemorragia digestiva devido à hipertensãoportal Durante o sangramento ativo, o tratamento endoscópi co com ligadura elástica (preferencialmente) das varizes esofágicas ou esclerose destas é o de eleição. O uso de drogas vasoativas, como a terlipressina (Glipressin®) e o
-------
T-------
Quadro 68.4 Medidas terapêuticas na síndrome de Budd-Chiari Tratamento clínico
Manutenção do estado geral
Controle da ascite
Dieta hipossódica Diuréticos
Paracenteses
Controle da insuficiência renal funcional
Uso de anticoagulantes Uso de fibrinolíticos
Tratamento radiológico
Angioplastia com ou sem colocação de próteses Anastomose intra-hepática transjugular (TlPS)
Tratamento cirúrgico
Derivação portocava laterolateral Derivação mesentérico-cava
Derivação mesentérico-atrial
Derivação portocava laterolateral com shunt cavoatrial Membranotomia transatrial
Transplante hepático
em 25% do basal, sem provocar hipotensão arterial.
•
Os objetivos do tratamento são prevenir a progressão da trombose, promover a desobstrução venosa e preservar a função
•
(Inderal®) em dose fracionada, pela manhã e à noite. O objetivo é manter a frequência cardíaca em níveis entre 56 e 60 pulsações por minuto, ou reduzir os batimentos
doença hepática granulomatosa; doença hepática veno-oclusiva.
Tratamento
Na profilaxia do sangramento por ruptura das varizes esôfago-gástricas ou do ressangramento, devem ser uti lizados �-bloqueadores não seletivos como propranolol
Abordagem da condição trombótica de base O racional para a correção da desordem trombótica de base
é a redução do risco da extensão da trombose, evitando sua pro pagação para um território ainda não afetado dentro da área esplâncnica, preservar a circulação colateral e reduzir o risco do desenvolvimento de trombose em território extraesplâncnico. É necessária a compreensão da importância dos fatores trom bofílicos basais e o uso da anticoagulação precoce. Em relação à trombose do sistema venoso hepático, a evidência de beneficios com a anticoagulação é ainda mais convincente. Os principais argumentos a favor são: a alta prevalência de condições trom bóticas de base, que são sabidamente controladas com anticoa gulação, e o aumento na sobrevida, com a sua utilização.
• Medicamentos anticoagulantes As principais medidas terapêuticas anticoagulantes empre gadas são a heparina, na fase mais precoce, e os antagonistas da vitamina K, a longo prazo.
• Heparina A heparina não fracionada é empregada na fase mais preco ce, especulando-se, atualmente, que a de baixo peso molecular possa ser empregada com maior eficiência e com menor ris co de complicações (como plaquetopenia) em pacientes com função renal preservada. O objetivo é manter, na fase inicial, o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) entre 1,5 e 2,5 em relação ao controle. Na prática clínica, a heparinização deve ser iniciada e man tida da seguinte forma: .,.. HEPARINA NAO FRACIONADA (LIQUEMINE® 5.000/m.é'). A heparinização deve ser feita endovenosamente, com uma dose de ataque seguida por infusão contínua. São possíveis dois es quemas: um com doses baseadas no peso do paciente, outro com doses empíricas (mais simples e com resultados satisfatórios). Heparinização com doses baseadas no peso do paciente: • • •
Dose inicial de 80 u/kg, endovenosa Infusão contínua de 18 u/kglh Dose ajustada segundo resultado de TTPA colhido a cada 6 h: - TTPA < 1,2 novo bolus de 80 u/kg IV, aumento da infusão contínua em 4 u/kg/h; - TTPA entre 1,2 e 1,5 - novo bolus de 40 u/kg, aumento -
da infusão em 2 u/kg/h; - TTPA entre 1,5 e 2,3 - manter a infusão sem alterações; - TTPA entre 2,4 e 3,0 - redução da infusão contínua em 2 u/kglh; - TTPA acima de 3,0 - interrupção da n i fusão contínua por 1 h, seguida de redução da infusão contínua em 3 u/kg/h.
Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado 753 Após dois resultados de TTPA na faixa terapêutica, o exa me passa a ser realizado a cada 24 h. Se o TTPA sair da faixa terapêutica, retoma-se para o esquema anterior. Heparinização com doses empíricas: • • •
Dose inicial de 5.000 u endovenosa; Infusão contínua de 1.250 u/h; Dose ajustada segundo o resultado do TTPA colhido a cada 6 h: - TTPA < 1,2 - novo bolus de 5.000 u IV, aumento da infusão contínua em 250 ulh; - TTPA entre 1,2 e 1,5 - aumento da infusão contínua em 250 u/h; - TTPA entre 1,5 e 2,3 - manter a infusão sem alterações; - TTPA entre 2,4 e 3,0 - redução da infusão contínua em 250 u/h; - TTPA acima de 3,0 - interrupção da infusão contínua por 1 h, seguida de redução da infusão contínua em 250 u/h.
Após dois resultados de TTPA na faixa terapêutica, o exame passa a ser realizado a cada 24 h. Se o TTPA sair da faixa tera pêutica, retoma-se para o esquema anterior. A heparina deve ser mantida por um mínimo de 5 dias e não deve ser suspensa até que sejam atingidos níveis adequados de anticoagulação oral. Sugestão de preparo da solução de infusão de heparina: • • •
Soro glicosado 5% - 250 mf Heparina standard - 5 mf (25.000 u) 1 mf (= 20 gotas ou = 60 microgotas) = 100 u
Em caso de sangramento importante, o antídoto é o sul fato de protamina. Cada 1 mg de protamina reverte 100 u de heparina. A dose usual é de 50 mg de protamina em infusão venosa de 1 O min. .,. HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR. Já existem estudos comprovando a eficácia e a segurança de se tratarem tromboses venosas profundas com heparina de baixo peso molecular, com a vantagem da ausência de necessidade de monitoramento da dose pelo TTPA, sendo ajustada a dose padronizada de acor do com o peso do paciente. Seu emprego deve ser evitado em pacientes com função renal comprometida, sendo esta a sua maior limitação. Posologias das heparinas de baixo peso molecular:
A duração da anticoagulação está diretamente relacionada com a reversibilidade da causa trombótica de base, sendo, na maioria das situações, prolongada e definitiva. Vale ressaltar o estudo de Murad et al., abrangendo 171 pacientes, que obser vou maior tendência no aumento da sobrevida com a anticoa gulação no grupo de pacientes com melhor prognóstico no momento do diagnóstico. Pacientes mais graves se beneficia ram, principalmente, de procedimentos invasivos ou tiveram evolução desfavorável independentemente do tratamento com anticoagulação. •
Medicamentos trombolíticos
Medicamentos trombolíticos como estreptoquinase e uro quinase, entre outros, também têm sido usados, de modo lo cal e sistêmico, embora sua eficácia a longo prazo seja ainda ncerta. i Os melhores resultados são atingidos com trombólise local, seguida de angioplastia ou colocação de próteses metálicas para manutenção da patência da veia recentemente trombosa da. Devem ser reservados para as formas agudas da síndrome, pois, nas formas crônicas, os trombos já se encontram forma dos e não respondem a este tipo de terapia. Quando utilizados, deve-se ter em mente que procedimentos invasivos devem ser evitados, incluindo a paracentese, pelo risco de sangramento, o que dificulta mais o seu emprego. •
Tratamento por radiologia intervencionista
Consiste na angioplastia, isolada ou com a colocação de pró teses metálicas, e nas derivações portossistêmicas intra-hepáti cas transjugulares (TIPS). Angioplastia - tem sido usada para estenoses que envolvem segmentos curtos das veias hepáticas por via transcutãnea. Ain da que uma melhora imediata da obstrução possa ser obtida, a recidiva é comum. A colocação de próteses metálicas após a angioplastia tem tido sucesso em 80 a 90% dos casos. A inserção de prótese na veia cava inferior pode aliviar a compressão exer cida pela hipertrofia do lobo caudado, podendo ser seguida, se necessário, de cirurgia de derivação. A dilatação com balão das veias hepáticas também pode ser efetiva em alguns pacientes, embora geralmente múltiplas dilatações sejam necessárias.
Anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular
225 u/kg/dia, subcutânea de 12/12 h (cada 0,3 cc = 3.075 unidades) Enoxiparina (Clexane®) 2 mg/kg/dia, subcutânea, de 12/12 h (cada 0,2 cc- 20 mg)
(TIPS) - o objetivo de sua realização é produzir a descom pressão do segmento hepático congesto, mas apresenta um alto índice de obstrução a médio prazo. Seu uso é de grande uti lidade na obstrução aguda das veias hepáticas, melhorando a função hepática e atuando como suporte para um tratamento definitivo.
Dalteparina (Fragmin®) 200 u/kg/dia, subcutânea, de 12/12 h (1 ampola - 10 mf = 10.000 unidades)
•
Heparina
Posologia
Nadroxiparina (Fraxiparina®)
•
Antagonistas da vitamina K
A anticoagulação a longo prazo é feita com os antagonistas da vitamina K - varfarina; (Marevan® 5 mg). Este é n i iciado ainda sob o uso da heparina, que é mantida até ser obtido tempo de protombina eficaz, suficiente para produzir anticoagulação, medido pelos valores do RNI, que deve ser mantido entre 2 e 3. Em caso de prolongamento do tempo de protombina com RNI acima dos níveis terapêuticos desejados, pode ser empregada a vitamina K. Em caso de hemorragia grave, pode ser utilizado o complexo protrombínico total humano (Prothromplex-'f®) dose 0,6 x o aumento desejado da atividade de protrombina x peso corporal em kg, associado ou não ao plasma fresco.
Tratamento drúrgico
O objetivo do tratamento cirúrgico é restaurar o fluxo veno so hepático, promovendo a descompressão do fígado. Existem várias técnicas cirúrgicas descompressivas. Sua escolha depende da permeabilidade da veia cava inferior, frequentemente com prometida pela hipertrofia do lobo caudado, sendo necessário o estudo angiográfico e hemodinãmico pré-operatório. As prin• • • ctpa:ts opçoes ctrurgicas sao: ,
• • • • •
o
-
derivação portocava laterolateral; derivação mesentérico-cava; derivação mesentérico-atrial; derivação portocava laterolateral com shunt cavoatrial; membranotomia transatrial.
754
Capitulo 68
I
Doença Vascular do Fígado
Os resultados globais do tratamento cirúrgico em 5 anos são bons, com sobrevida em tomo de 85%. No entanto, a mortali dade peroperatória chega a atingir 25%, nos melhores centros. Muitos fatores estão relacionados com o sucesso do tratamento cirúrgico, tais como a natureza da doença subjacente, exten são da fibrose ou a presença de cirrose. O tratamento anticoa gulante está indicado após a cirurgia, para evitar a trombose do shunt, o que ocorre em tomo de 38% dos casos, estando ligado à duração da doença, existência de cirrose e ao tipo de derivação cirúrgica. Todos os pacientes que se recuperam e mantêm estabilidade após desenvolvimento da SBC devem ser monitorados para o surgimento de tumores (incluindo hepatocarcinoma) e trans formação da doença proliferativa de base. •
•
•
•
•
Transplante hepático
Está indicado nas formas fulminantes da síndrome de Budd Chiari, naqueles pacientes que se apresentam com cirrose hepá tica estabelecida, ou nos casos de falha do tratamento cirúrgico, apresentando 70% de sobrevida em 5 anos. Tem a vantagem, ainda, de promover a cura de várias patologias trombogênicas, como a deficiência de protelna C, Se antitrombina III, jáque o figado transplantado produz normalmente essas substâncias. •
Este algoritmo é baseado em evidências atuais que têm su porte em dois ensaios clinicos prospectivos - Birmingham, na Inglaterra, e Clichy, na França. Nestas coortes, a sobrevida mé dia atingiu 85% em 5 anos. Resumidamente, consiste em:
Evolução
A evolução é fatal em muitos casos, mas, recentemente, com a introdução precoce do tratamento anticoagulante e novas medidas de atendimento médico intensivo, o prognóstico tem melhorado. Em muitos casos, pode haver melhora das altera ções hepáticas, embora a ascite geralmente perdure, com neces sidade do uso de expansores plasmáticos rotineiramente, para tratamento da insuficiência renal funcional. A recuperação he pática completa pode ocorrer, mas, geralmente, há instalação de doença hepática crônica descompensada. Um algoritmo para a abordagem da síndrome de Budd-Chiari, baseado em proposta recente (Diretrizes AASLD, 2009), é sumarizado a seguir:
ALGORITMO PARA ABORDAGEM DA SINDROME DE BUDD.CHIARI
•
Diagnóstico por ultrassonografla com Doppler ou ressonância magnética Tratamento da asclte, da Insuficiência renal, da hipertensão ponat portossistêmica Apresentação
I
!
l
Aguda
!
I
Estável clinicamente
Anticoagutação D
Angloptastla TtPS Derlvaçao -
portossistêmica
TROMBOSE DA VEIA PORTA
� uma causa pouco frequente de hipertensão portal, sendo devida a um obstáculo localizado na veia porta, levando ao au mento da pressão no território portal, o qual é transmitido à veia esplênica, determinando esplenomegalia. A obstrução da veia porta e suas tributárias (TVP) pode estar relacionada com a invasão ou compressão tumoral ou ser ocasionada por fenô menos trombogênicos. Progressivamente, pode ocorrer apare cimento de neovascularização circulando o obstáculo, denomi nada cavemoma ou transformação cavemomatosa da porta, e que se desenvolve 1 a 12 meses após o início da obstrução. O infarto mesentérico é a mais grave complicação da trom bose porta, desenvolvendo-se quando o diagnóstico é tardio e os arcos venosos mesentéricos estejam trombosados. O diagnóstico precoce e a rápida terapia anticoagulante provocam a repermea bilização do sistema venoso em 2/3 dos casos, oque parece pre venir o infarto mesentérico e mesmo a hipertensão portal. Clinicamente, a TVP pode manifestar-se como duas enti dades distintas: TVP aguda e TVP crônica, que representam estágios sucessivos de uma mesma doença e que compartilham causas similares, porém diferem na sua abordagem. A trombose venosa portal é devido a problemas multifato riais, estando os principais relacionados no Quadro 68.5.
Sfndrome de Budd-Chiari Hepatomegalla dolorosa - Ascite súbita - Fator trombogênico?
Medidas de anticoagulação, tratamento da causa de base e terapêutica sintomática para as complicações: hiperten são portal, hemorragia digestiva e ascite; Busca sistemática por estenoses e/ou tromboses venosas de curta extensão, potencialmente elegíveis para angio plastia/próteses; Em pacientes não elegíveis ou com insucesso na angio plastia/prótese, a inserção de TIPS deve ser considerada; Em pacientes não respondedores a TIPS, o transplante hepático deve ser a opção, assim como, precocemente, para os pacientes em insuficiência hepática fulminante.
•
Fisiopatologia
No início da obstrução aguda da veia porta, há poucos danos hepáticos devido à compensação feita pelo aumento do fluxo arterial do figado. O sofrimento intestinal está relacionado com a extensão da trombose na parte proximal do sistema venoso portal. O envolvimento das veias mesentéricas é associado a congestão inte.stinal, isquemia e infarto, que pode evoluir com peritonite.
Crônica
l
Futmmante:
!
Enoefalopatia Coagulopatla
Reserva hepática satisfatória
1
1
Transplante hepático
Derivação portossistêmica
I
l
Cirrose descompensada
TIPS +
Transplante hepático
•
Manifestações clínicas
A TVP atinge tanto adultos como crianças, e é assintomá tica em 50% dos casos, sendo diagnosticada tardiamente, já após instalação do cavernoma portal. As manifestações típicas ocorrem em 20% dos pacientes e desenvolvem-se rapidamen te com: febre, dor abdominal com irradiação para o dorso, e íleo paralítico, sem defesa abdominal Frequentemente, é des coberta devido ao sangramento das varizes esofágicas, por es plenomegalia, ou de maneira fortuita. Os exames laboratoriais demonstram um quadro de resposta inflamatória sistêrnica,
Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado 755 ------
T------
Quadro 68.5 Princípais causas de trombose da veia porta Estados trombogênicos
Doença mieloproliferativa primária
Síndrome do anticorpo antifosfolipídico
alterações transitórias na perfusão hepática. .,.. Ressonância magnética. As sequências sensíveis a fluxo são úteis para o diagnóstico, identificando o trombo e, por ve zes, a circulação colateral. Pode-se ainda diagnosticar a trom bose por meio de angiorressonância. .,.. Arteriografia com esplenoportografia de retorno. Só é útil em determinadas situações ou no pré-operatório para visualizar no tempo venoso a situação da trombose e da cir
Hemoglobinúria paroxística noturna
Deficiência de antitrombina 111, proteína C, proteína S Mutação do fator V de Leiden Mutação do fator li G2021O Hiper-homocisteinemia
Uso de anticoncepcionais Gravidez e pós-parto
culação colateral.
Neoplasias
Estados inflamatórios
Onfalite neonatal, diverticulite, apendicite, colangite, pancreatite, abscesso hepático, úlcera duodenal, doenças inflamatórias intestinais
Lesão cirúrgica do sistema venoso portal
Derivação portocava, esplenectomia, TIPS, colecistectomia, gastrectomia, hepatectomia parcial, transplante hepático
Neoplasias de órgãos abdominais
Carcinoma hepatocelular, câncer de pâncreas
Miscelânea
Cirrose terminal, hiperplasia nodular regenerativa, quimioembolização, escleroterapia, linfadenite tuberculosa, alcoolização de tumores hepáticos, candidíase, actinomicose
mas as hemoculturas são negativas em geral, embora em 20% haja manifestações clássicas de septicemia com culturas sanguí neas positivas, em geral para bacterioides. Em 10% dos casos de trombose portal aguda, o diagnóstico é feito tardiamente, já no estágio de infarto mesentérico. Nestes casos, após manifestações de dor abdominal persistente, seguem-se íleo paralítico franco e hemorragia intestinal e, por vezes, defesa abdominal e líquido livre na cavidade abdominal. Acidose metabólica, insuficiência renal funcional, ou mesmo necrose tubular aguda e síndrome de angústia respiratória podem estar presentes. As provas funcio nais hepáticas na ausência de cirrose encontram-se normais.
•
Diagnóstico Deve ser suspeitado nos casos de dor abdominal, septicemia
de origem abdominal, hemorragia digestiva por hipertensão portal, descoberta fortuita de esplenomegalia ou varizes eso fágicas. A confirmação é feita por técnicas de imagem, as quais devem obedecer a um cronograma de custo benefício. .,.. Ultrassonografia com Doppler colorido. Permite um diagnóstico acurado, sendo um meio não invasivo e o mais sim ples para o diagnóstico. Pode demonstrar presença de material ecogênico na luz da veia porta, com expansão do seu calibre, ou ausência de fluxo no seu tronco. Além disso, em certos casos, há evidência de formações anoveladas ao redor da veia porta, características da transformação cavernomatosa. O exame com Doppler colorido permite demonstrar ausência de fluxo venoso mesmo quando o trombo não é visível ao ultrassom.
.,.. Tomografia computadorizada/angiotomografia.
reforço periférico na fase arterial e ausência de visualização da veia porta. Por outro lado, uma transformação cavernomatosa em geral n i dica uma trombose antiga. No caso de realce intenso no interior do tromba, deve-se suspeitar de tromba tumoral. Sinais n i diretos de trombose incluem shunts arterioportais e
É
mais útil para avaliar o provável tempo de formação do trom bo. Ele é considerado recente, com menos de 10 dias, quando um material hiperdenso é visível dentro da luz da veia porta. A fase de contraste venoso mostra uma aumentada atenuação do
•
Tratamento
Tem como objetivo tratar ou evitar a hemorragia digestiva e debelar a causa da trombose, quando possível. A terapêutica da hemorragia digestiva é basicamente a mesma da hipertensão portal de origem intra-hepática. No entanto, a diminuição do fluxo sanguíneo esplâncnico, devido ao sangramento e ao trata mento vasoconstritor, pode aumentar o efeito da trombose no sistema venoso portal e precipitar uma isquemia n i testinal. Na fase aguda, o uso de anticoagulantes deve ser instituído, para limitar a extensão da trombose e permitir a repermeabi lização da veia porta, o que é obtido em 80% dos casos. O tra tamento anticoagulante deve ser feito por pelo menos 6 meses e mantido se a causa trombogênica não puder ser removida. O único dado reconhecido atualmente como preditivo para recanalização da trombose é a extensão do tromba dentro do sistema porta. Em pacientes sem recanalização da veia porta, a anticoagulação permanente parece evitar novas tromboses do sistema porta sem aumentar o risco ou a gravidade de hemor ragia gastrintestinal. Ainda não existe consenso a respeito da te rapêutica anticoagulante para aqueles pacientes com trombose antiga. Trabalhos recentes têm sugerido que os anticoagulantes podem ser usados com segurança em um grupo restrito de pa cientes com cavernoma portal, levando em consideração: o risco de sangramento associado à idade do paciente. Este tratamen to deve ser feito, em geral, naqueles com menos de 50 anos de idade, com história de tromboses anteriores e presença de um fator protrombótico. Antibioticoterapia é indicada nos casos de pileflebite séptica e a drenagem cirúrgica do foco infeccioso deve ser realizada. As experiências relatadas na literatura com outras modali dades terapêuticas (tromboembolectomia cirúrgica, trombólise local ou sistêmica e a inserção de TIPS), no tratamento da TVP aguda, são extremamente limitadas. Não obstante, comparados com a anticoagulação s i olada, os procedimentos invasivos pare cem não ser mais efetivos e, paralelamente, mostram-se menos seguros. Nos casos de infarto mesentérico, intervenção cirúrgica do segmento envolvido deve ser feita com presteza.
•
Evolução
A repermeabilização espontânea da trombose raramente ocorre. A formação do cavernoma portal com desenvolvimento de hipertensão portal é o usual. O desenvolvimento de abscesso hepáico t frequentemente complica a evolução. Isquemia intes tinal localizada pode ocorrer, com formação de fibrose e este nose intestinal. O tratamento cirúrgico do infarto intestinal e da peritonite é ainda associado a taxas de mortalidade elevadas, em cerca de 50% dos casos.
756 Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado •
SÍNDROME DE OBSTRUÇÃO SINUSOIDAL
A síndrome de obstrução sinusoidal (SOS), antes conheci da como doença veno-oclusiva, caracteriza-se pela presença de edema e fibrose subendotelial das veias centrolobulares, pro vocando obstrução progressiva das vênulas intra-hepáticas, dilatação sinusoidal e atrofia dos hepatócitos. •
Etiologia
Patogenia
A alteração vascular básica é a lesão do endotélio das vênulas hepáticas, causada pela sua destruição direta ou pela inflama ção dele, produzindo edema e necrose das paredes venulares, com obliteração não trombótica e fibrose do vaso. Há dilatação sinusoidal, sufusões hemorrágicas e necrose dos hepatócitos, predominantemente na região centrolobular. A fibrose estende se da porção terminal das vênulas até os sinusoides. Arquitetura anormal com recanalização das veias e colestase centrolobular são dados proeminentes nas lesões crônicas. •
Manifestações clínicas
A manifestação aguda da doença ocorre, em geral, 2 a 4 se manas após a exposição ao agente tóxico. Há aparecimento de dor abdominal, ascite, hepatomegalia e icterícia, com progressão para cirrose nos pacientes não tratados. As aminotransferases encontram-se elevadas e é frequente a presença de insuficiên cia renal. O rápido ganho de peso e o aumento importante das
--------�--
•
Diagnóstico
Baseia-se, principalmente, nos dados clínicos. Após trans plante de medula óssea, dois ou mais dos seguintes eventos, ocorrendo dentro de 20 dias, têm sido empregados para esta belecer o diagnósico t (Critérios de Seattle): •
Embora com manifestações clínicas semelhantes àquelas da síndrome de Budd-Chiari, difere desta pela permeabilida de das veias hepáticas de grosso calibre e principalmente pela sua etiologia. As principais causas da SOS são apresentadas no Quadro 68.6. •
taxas séricas das bilirrubinas são fatores de mau prognóstico, com evolução fatal elevada.
T
------
• •
bilirrubina sérica superior a 2 mglde; hepatomegalia dolorosa; ganho ponderai, por acúmulo de líquido, superior a 5% do peso basal.
Na forma aguda, a ultrassonografia abdominal com Doppler é úil t para afastar uma obstrução trombótica das veias hepáticas ou da veia cava inferior. A tomografia computadorizada mos tra as mesmas alterações de perfusão do parênquima hepático encontradas na síndrome de Budd-Chiari. A biopsia hepática, quando as condições de coagulação permitem, pode ser de gran de utilidade. Há fibrose sinusoidal e perivenular, assim como esclerose subendotelial. •
Tratamento
É essencialmente de suporte clínico, não havendo terapia específica. Algumas opções incluem infusões de heparina, de fatores ativadores de plasminogênio ou de prostaglandinas. En tretanto, os efeitos colaterais têm limitado o uso destas substân cias. Trabalhos encorajadores têm sido encontrados com o uso do defibrotídio, uma substância com atividade antitrombótica e fibrinolítica. O emprego de TIPS pode produzir a melhora da doença hepática e renal, mas a sobrevida a longo prazo é rara. O transplante hepático tem sido empregado, principalmente nos casos devidos à n i toxicação por alcaloides pirrolidizíni cos, em virtude da extensa fibrose encontrada no momento do diagnóstico. Na ausência de terapêutica efetiva, tratamen tos profiláticos têm sido propostos, ainda em ensaios clínicos, utilizando-se ácido ursodesoxicólico, pentoxifilina e infusões contínuas em baixa dose de heparina após transplante de me dula, apresentando resultados promissores.
Quadro 68.6 Fatores etiológicos da síndrome de obstrução sinusoidal Alcaloides pirrolizidínicos
Ingestão acidental de plantas do gênero Crotalaria Cereais contaminados
Plantas medicinais: confrei, ervas chinesas
Quimioterapia e imunossupressores
Azatioprina, 6-mercaptopurina, nitrosoureia, bussulfan, ciclofosfamida, 6-tioguanina, dacarbazina, vincristina
Irradiação hepática
Dose superior a 1 2 Gy
Preparação para transplante de medula óssea Radioterapia + quimioterapia
•
A disfunção hepática é uma consequência da insuficiência cardíaca aguda ou crônica, e a frequência e a importância do envolvimento hepático estão intimamente relacionadas com i circulatória. As lesões hepáticas a gravidade da nsuficiência podem ser devidas ao aumento da pressão venosa secundário à insuficiência cardíaca direita, levando à congestão hepática, ou em virtude da diminuição do débito cardíaco, produzindo isquemia.
Medicamentos e toxinas
Vitamina A, contraceptivos orais, danazol, arsênico, inseticidas Injeção intra-arterial de FUDR
Doença hepática prévia
Doença hepática alcoólica, hepatites B e C, cirrose criptogenética
FUDR- 5 fluoro-2 deoxiuridina.
MANIFESTAÇÕES HEPÁTICAS DECORRENTES DA INSUFICIÊNCIA CIRCULATÓRIA
•
O FÍGADO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
A insuficiência cardíaca congestiva produz estase venosa e retenção de líquidos, com consequente congestão hepática, he patomegalia e alterações laboratoriais não específicas.
Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado 757 •
Etiologia
Todas as afecções cardíacas que determinam aumento da pressão venosa central podem ser responsáveis. Geralmente, o fígado congesto está associado à estenose mitral ou à pericar dite constritiva. Outras causas são enumeradas, tais como cor pulmonale crônico, cardiomiopatias hipertensivas, cardiopatias dilatadas e cardiomiopatias isquêmicas. A doença cardíaca de origem reumática, com estenose mitral e insuficiência tricús pide, é responsável por congestão hepática importante.
•
Fisiopatologia
O fígado está aumentado de tamanho, apresentando cor púrpura e superfície lisa. O aumento da pressão venosa central é responsável pela dilatação das veias supra-hepáticas, ocasio nando dilatação das veias centrolobulares e dos sinusoides, pro duzindo, assim, aumento da pressão portal e esplenomegalia. Há sufusões hemorrágicas e necrose hepatocitária na região centrolobular, edema e esteatose dos hepatócitos da região me diolobular, enquanto aqueles situados na região periporta são
Figura 68.4 1nsuficiência cardíaca congestiva com derrame pericárdico e ectasia da VCI e veias hepáticas.
poupados. Quase sempre, existe uma fibrose predominante em região centrolobular e, raramente, uma cirrose se instala.
•
Manifestações clínicas e laboratoriais
As manifestações clínicas da insuficiência cardíaca conges tiva predominam na maioria dos pacientes, mais do que as da doença hepática. Dor no quadrante superior direito do abdo me, hepatomegalia e sinais de insuficiência cardíaca congestiva são frequentes. O refluxo jugular é dado importante, embora inconstante, e a expansão sistólica do fígado é observada em casos de insuficiência tricúspide grave. A icterícia é discreta e ocorre em 70% dos casos, sendo mais mportante i nas cardiopatias graves. Esplenomegalia é encon trada em cerca de 40% dos casos, mas outras manifestações de hipertensão portal em geral estão ausentes, exceto na cirrose cardíaca grave associada à pericardite constritiva. Estes pacien tes podem apresentar ascite de grau moderado, GASA normal e com alto teor proteico, mas outros estigmas de doença hepática crônica raramente são encontrados. Os exames laboratoriais são normais ou pouco alterados. As bilirrubinas elevam-se moderadamente, geralmente em ci fras inferiores a 3 mg/di!, com predomínio da fração não con jugada. As aminotransferases estão normais ou discretamente aumentadas, em 5 a 30% dos pacientes, situando-se entre 2 e 4 vezes o valor máximo da normalidade, na maioria das vezes com predomínio da fração aspartato (AST) sobre a alanina aminotransferase (ALT). O tempo de protrombina está ligei ramente alargado em 80% dos casos, enquanto a fosfatase alca lina e a gamaglutamiltranspeptidase (GGT) estão normais ou pouco alteradas. Hipoalbuminemia está presente em 30 a 50% dos casos, não se correlacionando, no entanto, com o grau de lesão hepática, mas provavelmente com uma absorção intes tinal deficiente.
•
Figura 68.5 Grande dilatação da VCI e veias hepáticas, porfístula ilíaco cava, com insuficiência cardíaca congestiva.
A biopsia hepática não é fundamental para o diagnóstico, além de apresentar alto risco de provocar hemoperitônio.
•
Tratamento
O tratamento deve ser direcionado para a insuficiência cardíaca, o que provoca redução da hepatomegalia e normali zação dos testes hepáticos, a não ser quando uma cirrose cardía ca já se encontre presente.
Diagnóstico É eminentemente clínico. A ultrassonografia pode eviden
ciar hepatomegalia, dilatação das veias hepáticas e da veia cava nferior, i diferentemente do que ocorre na síndrome de Budd Chiari. A tomografia computadorizada detecta ainda edema periporta e realce heterogêneo e tardio do parênquima hepático após a injeção do meio de contraste (Figuras 68.4 e 68.5).
•
HEPATITE ISQUÊMICA
Hepatite isquêmica é o termo utilizado para caracterizar a necrose hepática difusa, de gravidade variável, produzida pela hipoperfusão hepática em virtude da insuficiência circulató ria aguda.
758 Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado ------ �------
Quadro 68.7 Principais causas de hepatite isquêmica Insuficiência cardíaca com ou sem choque cardiogênico Infarto agudo do miocárdio Cardiomiopatia dilatada
isquêmica é resultado da falência de múltiplos órgãos, e o prog nóstico é sombrio. Na insuficiência cardíaca crônica em que já exista lesão hepática prévia, a superposição de um evento agu do pode desencadear um quadro de hepatite fulminante, com altas taxas de mortalidade.
Corpu/mona/e
Embolia pulmonar
Arritmias cardíacas
Hipovolemia Hemorragia
Desidratação
Queimaduras
Crise falcêmica
Septicemia
Obstrução aguda e maciça das veias hepáticas
•
É uma afecção rara, caracterizada pela disseminação não sistematizada no parênquima hepático de cavidades císticas repletas de sangue, que se comunicam com os sinusoides, os quais se encontram dilatados, enquanto outros permanecem normais. •
Obstrução arterial
Transplante hepático
•
Etiologia
A hepatite isquêmica é produzida por patologias variadas e as principais estão relacionadas no Quadro 68.7. •
Fisiopatologia
Três fatores são responsáveis: s i quemia, congestão venosa passiva e hipoxemia arterial, ocasionando necrose hepatocitá ria centrolobular e sufusões hemorrágicas. As lesões histológi cas são semelhantes àquelas observadas na congestão hepática crônica, exceto pela ausência de fibrose, havendo regeneração hepática com a compensação circulatória. •
Manifestações clínicas e laboratoriais
Nos casos sintomáticos, o quadro clínico assemelha-se àque le de uma hepatite aguda viral, principalmente naqueles devi dos a arritmias cardíacas transitórias. Sua evolução é benigna, embora possa haver insuficiência hepática grave. A alteração nos testes bioquímicos é bastante característica com marcada elevação das aminotransferases, que ocorre 24 a 48 h após o episódio isquêmico, com AST > ALT, podendo atin gir níveis superiores a 100 vezes o limite superior da normalidade, com normalização rápida desses exames, em torno de 3 a 1 1 dias após a compensação da n i suficiência circulatória. Evolução simi lar é vista com a desidrogenase láctica. As bilirrubinas séricas são normais ou pouco alteradas, o mesmo ocorrendo com a ativida de de protrombina, enquanto a fosfatase alcalina permanece nos limites normais. Geralmente, há insuficiência renal funcional, com elevação das taxas séricas de ureia e de creatinina. •
Diagnóstico
Baseado em dados clínicos e laboratoriais. A biopsia hepáti ca não é necessária, mas, quando realizada, demonstra necrose centrolobular sem infiltração inflamatória. •
Tratamento e prognóstico
Se o distúrbio circulatório é estabilizado, a cura é rápida e completa. Nos pacientes gravemente enfermos, a hepatite
PELIOSE HEPÁTICA
Etiologia É variada. As principais causas estão no Quadro 68.8.
•
Manifestações clínicas e laboratoriais
Em geral, é assintomática, sendo descoberta de maneira for tuita. Pode determinar hepatomegalia, clínica de hipertensão portal, às vezes síndrome colestática e, excepcionalmente, he matoma intra-hepático ou hemoperitônio. As alterações labo ratoriais hepáticas são inespecíficas. •
Diagnóstico
A tomografia computadorizada demonstra múltiplas lesões hipodensas difusas, com realce tardio. Na ressonância magnéti ca, as lesões são hiperintensas em T2 e de sinal variável em T1 e nas sequências em densidade de prótons. Apesar dos métodos de m i agem, o diagnóstico é fundamentalmente anatomopatoló gico. Na forma típica, os lagos sanguíneos sem parede vascular própria apresentam-se distribuídos aleatoriamente, enquanto,
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Quadro 68.8 Principais causas de peliose hepática Medicamentosas
Contraceptivos orais Anabolizantes Corticoides
Azatioprina
Tamoxifeno Vitamina A
Infecciosas
Tuberculose SIDA
Doença de Crohn
Tumores hepáticos Adenomas
Hiperplasia nodular focal
Hemopatias
Hemopatias malignas
Doença das cadeias leves
ldiopáticas
Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado 759 nas formas menores, há dilatação m i portante dos sinusoides, com infiltração hemorrágica dos espaços de Disse.
•
Tratamento e prognóstico Estão intimamente relacionados com o fator causal.
•
ANEURISMA DA ARTÉRIA HEPÁTICA
São formações raras. Situam-se comumente sobre o tronco da artéria hepática ou de seus ramos principais e, mais rara mente, sobre as divisões intra-hepáticas, podendo ser únicas ou múltiplas.
•
Etiologia As principais causas estão listadas no Quadro 68.9.
•
Manifestações clínicas
Os aneurismas podem ser totalmente assintomáticos ou manifestam-se com dor abdominal, icterícia e hemorragia di gestiva. Uma apresentação não usual é a formação de uma fístula com um ramo da veia porta, ocasionando hipertensão portal.
•
Diagnóstico
O exame clínico é inocente na maioria das vezes, exceto pela presença de sopro sistólico na área hepática, em alguns casos. A radiografia de abdome, às vezes, demonstra calcificações das paredes aneurismáticas. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada permitem afirmar o diagnóstico (Figura 68.6 A e B). A ultrassonografia com Doppler colorido demonstra o fluxo sanguíneo turbulento provocado pelo aneurisma. A arteriografia é útil na pesquisa diagnóstica e terapêutica, com embolização do mesmo.
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Quadro 68.9 Principais causas de aneurisma da artéria hepática Traumatismos Acidental Cirúrgico
Biopsia hepática transparietal
Colangiografia transparietal
Procedimentos radiológicos intervencionistas
Ateromatosa Infecciosas
Figura 68.6 A e B Aneurisma de artéria hepática trombosado, levando à dilatação das vias biliares intra-hepáticas. (Cortesia do Dr. Giuseppe D'lppolito - UNIFESP - EPM.)
•
Tratamento
Os aneurismas intra-hepáticos são tratados através de em bolização angiográfica, enquanto aqueles da artéria hepática comum são tratados de modo cirúrgico.
•
FÍSTULAS ARTERIOPORTAIS INTRA-HEPÁTICAS
Colocam em comunicação a artéria hepática e a veia porta, ou os ramos desses vasos.
Etiologia
Endocardite
•
Sífilis
As causas são, com algumas exceções, as mesmas dos aneu rismas da artéria hepática. As principais estão listadas no Quadro 68.10.
Tuberculose
Miscelânea
Pancreatite e pseudocisto de pâncreas litíase biliar
Periarterite nodosa Congênitas
•
Manifestações clínicas
São assintomáticas ou, mais raramente, cursam com ma nifestações clínicas de hipertensão portal. É possível, às vezes,
760 Capítulo 68 I Doença Vascular do Fígado ------
T------
Quadro 68.10 Principais etiologias de fístulas arterioportais intraparenquimatosas Hepatocarcinoma
Doença de Rendu-Osler-Weber Pós-traumáticas
Aneurismas da artéria hepática latrogênicas
Biopsia hepática transparietal Cirurgia
Radiologia intervencionista
ldiopáticas
•
Tratamento É, em geral, feito com ernbolização angiográfica. As fístulas
pequenas, secundárias às biopsias hepáticas, geralmente se fe cham espontaneamente.
•
INFARTO HEPÁTICO O infarto hepático determina necrose hepática de exten
são variável, em virtude da obstrução da artéria hepática ou dos seus segmentos.
É urna entidade clínica rara,
em virtude
de a vascularização hepática ser feita tanto pela artéria hepá tica corno também pela veia porta. O infarto hepático pode ser intraparenquirnatoso ou subcapsular, e sua principal com plicação é a formação de abscessos hepáticos, ao passo que a ruptura é rara.
encontrar-se no exame hepático um sopro sistólico ou um so pro contínuo com reforço sistólico.
•
•
As principais etiologias estão citadas no Quadro 68.11.
Diagnóstico .,.. Ultrassonografia com Doppler colorido. Mostra sinais
indiretos nas lesões de alto débito, demonstrando a dilatação arterial e venosa segmentar, com fluxo pulsátil na veia.
.,.. Tomografia computadorizada. Demonstra a opacifica ção pelo meio de contraste venoso do ramo da veia porta ainda no tempo arterial, o que faz suspeitar o diagnóstico. Nas fístulas periféricas, há opacificação precoce segmentar de um território
•
tempo arterial e que desaparece no momento da parenquirno grafia portal (Figura 68.7).
.,.. Arteriografia. Pouco utilizada atualmente para a confir
É, no entanto, indispensável para o pla
nejamento terapêutico. Mostra opacificação precoce hepato portal de um território portal segmentar triangular na fase arterial.
Manifestações clínicas Completamente assintornático, ou cursando com dor epi
gástrica ou no hipocôndrio direito, náusea, vômito e icterí cia. Nas formas graves, há leucocitose m i portante, enquanto as aminotransferases elevam-se bastante, embora, por vezes, de modo transitório.
triangular portal, com base subcapsular, demonstrada desde o
mação diagnóstica.
Etiologia
•
Diagnóstico .,.. Ultrassonografia. Revela áreas hipoecoicas ou hipere
coicas inespecíficas.
.,.. Tomografia computadorizada. É o exame de escolha. As lesões são hipodensas e não se realçam após a injeção do meio de contraste. Podem ser em cunha ou arredondadas, geralmente periféricas, estendendo-se até a cápsula hepática, de localização central ou paralelas aos duetos biliares intra-hepáticos. Com a evolução, pode haver atrofia do segmento hepático e formação de coleções císticas, por necrose dos duetos biliares.
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T
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Quadro 68.11 Causas principais do infarto hepático Trombose da artéria hepática Pós-transplante hepático
Hipercoagulabilidade sanguínea Aterosclerose
Ligadura cirúrgica da artéria hepática Colecistectomia videolaparoscópica
Embolia da artéria hepática Endocardite
Tumoral
Embolização e quimioembolização
Figura 68.7 Fístulas arteriovenosas intra-hepáticas em portadora da doença de Rendu-Osler-Weber. Formações tubulares na porta hepatis e lobo direito, algumas com material de embolização. Foram realçadas na fase arterial precoce após injeção de contraste.
Aneurisma da artéria hepática Dissecção da aorta Toxemia da gravidez
Capítulo 68 I Doença Vascu/ardoFígado .,... Ressonância magnética. O infarto hepático aparece
como uma região em cunha, hipointensa em T1 e hiperinten sa em T2, sem realce após a injeção d.o contraste. •
Tratamento O tratamento da lesão causal é a principal medida. O
diag nóstico diferencial com abscesso hepático é importante, e anti bióticos adequados como as quinolonas ou o clavulanato devem ser usados para prevenir infecções secundárias. Em caso de traumatismo da artéria hepática, está indicada a embolização arterial percutânea. Após os primeiros meses da realização do transplante hepático, pode ocorrer trombose da artéria hepá tica, acarretando lesões isquêmicas da árvore biliar, sendo ne cessário frequentemente um novo transplante.
•
LEITURA RECOMENDADA
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Doença Hepática Gord u rosa Não Alcoól ica Guilherme Santiago Mendes
A esteatose hepática ocorre quando o volume de gordura acumulado no citoplasma dos hepatócitos, especialmente tri glicerídios, excede 5% do peso total do fígado. Essa gordura hepatocitária se acumula sob a forma de macrovacúolos e, em menor proporção, rnicrovacúolos. Esse acúmulo de gordu ra pode ser secundário ao uso de medicamentos, exposição a produtos químicos, desnutrição proteico-calórica ou a cirur gias de derivação jejunoileal. O vírus da hepatite C, genótipo 3, também pode produzir esteatose secundária. No entanto, a condição patológica que tem assumido proporções epidêmi cas é a esteatose hepática dita primária, essencialmente ligada à síndrome metabólica. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a síndrome metabólica pode ser definida pela presen ça de resistência periférica à insulina (glicemia de jejum ele vada, intolerância à glicose ou diabetes tipo 2), mais dois dos seguintes itens: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia (triglicerídios > 150 mg/df e/ou colesterol HDL < 36 mg em homens e < 40 em mulheres), obesidade (índice de massa cor poral > 30 kg/m2) e/ou obesidade abdominal (índice cintura quadril > 0,90 em homens e > 0,85 em mulheres), microalbu minúria (> 20 mcg/min). A literatura tem utilizado o termo doença hepática gor durosa não alcoólica (DHGNA) com o objetivo de incluir no mesmo espectro a esteatose, a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), a fibrose e a cirrose decorrentes da progressão da EHNA. Cabe discutir se a esteatose é, de fato, uma doença, já que a grande maioria dos pacientes com m i pregnação excessiva de gordura no fígado não vai desenvolver EHNA, fibrose ou cirrose. A esteatose constitui, efetivamente, uma condição de sobrecarga metabólica para o fígado, que pode produzir doen ça em indivíduos geneticamente predispostos. Assim sendo, o termofígado gorduroso não alcoólico (FGNA) poderia ser mais adequado e menos alarmante para muitos pacientes. Uma outra questão conceitual discutível é o que vem a ser não alcoólico. Embora não haja consenso, a maioria dos auto res concorda que o limite de consumo alcoólico semanal seja de 140 g, o que significa, na prática, cerca de 9 latas de cerveja, 8 doses de whisky ou 1,5 i de vinho. Esse número é baseado em estudos experimentais que indicam que o consumo acima de 20 g de etanol por dia, independente de outros fatores, é suficiente para produzir esteatose hepática. 762
•
EPIDEMIOLOGIA
O aumento alarmante de prevalência da DHGNA é paralelo à verdadeira epidemia de obesidade que tem assolado o mundo industrializado e os países em desenvolvimento. Estudos basea dos em necropsia estimam a prevalência da DHGNA em 20%. Outros, que se baseiam no diagnóstico por m i agem, apontam índices de 15 a 30%. Na população obesa (IMC > 30), a preva lência da DHGNA ultrapassa 60% e, entre os diabéticos tipo li, chega a 75%. Um estudo de Dixon et al. constataram, através de biopsia hepática realizada no peroperatório de pacientes com obesidade mórbida, prevalência de 95%. Na população pediátrica, a prevalência de DHGNA também tem aumentado. Esses dados são suficientes para dimensionar a DHGNA, hoje considerada a hepatopatia mais comum do mundo. No início dos estudos, a DHGNA era considerada uma doença essencialmente ligada ao sexo feminino, mas publi cações mais recentes têm demonstrado uma prevalência cada vez maior no sexo masculino. Em um estudo multicêntrico brasileiro, que incluiu 1.280 pacientes com DHGNA, 53% eram homens.
•
FISIOPATOLOGIA
Embora a patogênese não seja completamente compreendi da, o modelo fisiopatológico que ainda prevalece, proposto por Day e James em 1998, é o chamado "modelo dos dois golpes" (Figura 69.1). Com base nele, haveria duas etapas distintas e sequenciais na progressão da esteatose rumo à EHNA. O primeiro golpe seria determinado, a princípio, pelo aumen to da resistência periférica à insulina. Diante dessa dificuldade de utilização da glicose como fonte de energia, duas condições se estabeleceriam - hiperinsulinemia e aumento da atividade lipolítica no tecido adiposo periférico. Em decorrência disso, mais ácidos graxos passariam a circular e atingiriam o fígado para serem metabolizados. No fígado, os ácidos graxos procedentes da lipólise, além da queles provenientes da absorção entérica (quilomícrons) e do metabolismo de carboidratos e aminoácidos, podem seguir dois caminhos: a oxidação, com consequente formação de corpos
Capítulo 69 I DoençaHepática Gordurosa NãoAfco6/ica 763 Resistência à insulina
I
Estcatose
D.
I
Estresse ox:idativo
� Lesão hepatocclular
Figura 69.1 Modelo etiopatogênico dos "dois golpes�
cetônicos - o objetivo dessa via é a produção de energia para consumo; a esterificação, com consequente formação de trigli cerídios - o objetivo dessa via é o armazenamento de energia. Esses triglicerídios podem se combinar ao colesterol e fosfoli pídios para formar as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), que se constituem na principal via de excreção de tri glicerídios dos hepatócitos (Figura 69.2). A insulina pode nterferir i na sequência desses processos mi tocondriais. Sua ação determina uma redução da atividade oxi-
Tecido adiposo
AA
dativa - mais triglicerídios serão formados por esterificação. Ao mesmo tempo, a produção de VLDL é inibida, bloqueando-se, assim, a principal via de excreção hepatocitária de triglicerídios (Figura 69.3). A consequência disso é o acúmulo de triglicerí dios no citoplasma do hepatócito - a esteatose se estabelece. O primeiro golpe foi desfechado. O segundo golpe vem a partir do estresse oxidativo, que ocor re em decorrência do acúmulo progressivo de gordura hepa tocitária. A capacidade de oxidação mitocondrial é excedida e processos de peroxidação lipídica são desencadeados, geran do formas reativas de oxigênio e elétrons livres. Esses radicais livres são normalmente inativados por antioxidantes naturais - glutationa e vitamina E - mas, quando a capacidade de an tioxidação é superada, eles podem se envolver em reações quí micas que promovem ativação de citocinas. Os produtos da peroxidação lipídica, como o dialdeído malônico, e as cito cinas ativadas (TGF [3, TNF a, IL 8) estimulam migração de poirnorfonucleares, l formação de corpúsculos hialinos, morte celular e fibrose. O segundo golpe está desfechado e a doença hepática gordurosa, estabelecida. Embora esse modelo patogênico seja convincente para ex plicar a grande maioria dos casos, existem pacientes que não apresentam nenhuma condição metabólica aparente que de termine aumento da resistência periférica à n i sulina. Nessas situações, deve-se inferir sobre uma potencial síndrome me tabólica ainda não claramente manifesta - a história familiar pode ser contributiva. Outro aspecto a ser considerado é o en-
acetil CoA
oxidação ácidos
graxos
Glicose Quilomícrons
triglicerídios
esterificação
colesterol
I
fosfolipídios
VLDL
J c:l
excreção
Figura 69.2 Metabolismo hepatocitário dos ácidos graxos.
acetil CoA
Tecido adiposo AA
ácidos
Glicose
graxos
Qui lomícrons
trigl icerídios
esterifícação
colesterol
I
-.,:--� VLDL
fosfolipídios
Q I
excreção
Figura 69.3 Papel da insulina no metabolismo hepatocitário dos ácidos graxos.
764 Capitulo 69 I Doença Hep6tica Gordurosa Não Alcoólica volvimento de drogas que possam interferir com os processos mitocondriais de oxidação lipídica, como hormônios (estró genos e progestógenos), corticosteroides, amiodarona, ácido valproico, tamoxifeno, tetraciclinas, entre outras. A esteatose decorrente da inibição mitocondrial por drogas é predominan temente microvacuolar.
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HISTÓRIA NATURAL
Com base em estudos experimentais, estima-se que cerca de 20% dos pacientes com esteatose hepática possam desen volver EHNA e, desses, 25% evoluiriam para cirrose hepática. Considerando esses dados, menos de 10% dos pacientes com esteatose chegariam a um estágio de doença hepática avança da e insuficiência hepatocelular. Nos EUA, Adams et al. reali zaram um grande estudo sobre a história natural da DHGNA, acompanhando, por 23 anos, 420 pacientes. A ocorrência de cirrose, a taxa de mortalidade geral e o índice de mortalidade associado à doença hepática foram de 5, 12,6 e 1,6%, respec tivamente. Os fatores que determinam a progressão da esteatose para formas mais graves de lesão hepática não estão elucidados. Es tudos que dosaram anticorpos contra produtos da peroxida ção lipídica evidenciaram que títulos mais elevados estavam relacionados com as formas mais ativas da doença, indicando que o grau de estresse oxidativo seja preponderante. Sabe-se também que a condição inflamatória crônica que ocorre em pacientes com síndrome metabólica pode gerar uma produção anormal de adipocitocinas e outros fatores proinflamatórios a partir do tecido adiposo periférico e do próprio figado, alguns potencialmente estimulantes da fibrogênese. O fato de apenas uma minoria dos pacientes desenvolver fibrose hepá tica indica que a genética tenha papel determinante. A influência da leptina, hormônio produzido pelos adipó citos e que tem papel importante no metabolismo dos ácidos graxos, também tem sido objeto de estudos. Em humanos obe sos, os níveis de leptina são habitualmente elevados, provavel mente por uma resposta inadequada de seus receptores peri féricos. Esses níveis séricos elevados poderiam contribuir para o aumento da resistência periférica à insulina e para a maior formação de gordura hepática. Hoje admite-se que muitos dos casos de cirrose criptogênica possam, na verdade, tratar-se de cirrose consequente à progres são de EHNA prévia. A ocorrência de carcinoma hepatocelular em pacientes com cirrose por DHGNA está bem estabelecida. Embora a prevalência da DHGNA seja provavelmente maior no sexo masculino, há relatos que apontam o sexo feminino como fator de risco para a progressão rumo a formas mais graves de hepatopatia.
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APRESENTAÇÃO nrNICA
ssintomática Em cerca de A grande maioria dos pacientes é a 20% dos casos, pode haver queixas de desconforto e sensação de peso no hipocôndrio direito. Raramente, tal sintoma pode adquirir proporções de dor mais intensa, em geral em pacien tes muito ansiosos. O sedentarismo é habitual e elementos da síndrome me tabólica podem ser detectados com frequência - hipertensão arterial, dislipidemia, hiperglicemia, obesidade central, hiperu ricemia. O histórico familiar habitualmente revela mais casos de síndrome metabólíca. . .
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DIAGNÓSTICO
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Imagem
Como a maioria dos pacientes é assintomática, o diagnós tico faz-se, muitas vezes, a partir de um achado incidental de ultrassonografia (US). A US é um método de boa sensibilidade e especificidade, mas o seu desempenho cai quando o grau de esteatose é mais baixo. Há ainda o problema da subjetividade na interpretação da imagem, o que frequentemente gera discor dância entre examinadores. � importante ressaltar que a clássica m i agem do figado hiperecogênico não é sinônimo de esteatose hepática. Outras condições, como hemocromatose ou doenças fibrosantes de outra etiologia, podem produzir aspecto ecográ fico semelhante. A US não é um método que permite graduar a esteatose e nem afirmar o diagnóstico de EHNA. A tomografia computadorizada (TC) é também um exame bastante sensível, tem uma boa correlação com a histologia e pode ser útil na graduação da esteatose. No entanto, sua reali zação habitual é dispensável na sequência propedêutica - quan do realizada, mostra um figado com densidade mais baixa e vasculatura proeminente, mesmo na fase pré-contraste. A res sonância magnética (RM) tem se mostrado eficaz no diagnós tico e na graduação da DHGNA, sobretudo pelo seu recurso que permite distinguir água de gordura. Assim como ocorre com a US, não é possível afirmar o diagnóstico de EHNA com base na TC ou na RM.
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Laboratório
Os exames laboratoriais que mais frequentemente se alteram são a GGT, a TGP e a ferritina. A GGT é uma enzima sintetizada pelo fígado, que pode se elevar em qualquer situação de sobrecarga metabólica. Essa sobrecarga pode ser determinada por álcool, drogas e, frequen temente, excesso de gordura. Sua elevação s i olada não permite afirmar a existência de lesão hepática. A TGP geralmente se eleva em nfveis discretos, raramente atinge 5 vezes o limite superior da normalidade. Proporcio nalmente, se eleva mais que a TGO, o que é um diferencial em relação à doença hepática alcoólica. Nas situações em que já exista fibrose avançada, é comum que a TGO passe a predo minar. A elevação de TGP não é diagnóstico de EHNA - ela já pode estar elevada mesmo na fase de esteatose. A ferritina é uma proteína de fase aguda sintetizada pelo fíga do, que pode elevar-se em situações de estresse metabólico, le são hepatocelular ou sobrecarga de ferro. Como é frequente sua elevação na DHGNA, postulou-se, a princípio, que a associação com sobrecarga de ferro pudesse ser uma condição frequente, mas tal fato não foi sustentado por trabalhos subsequentes. Na maioria das vezes, a elevação de ferritina não se acompanha de aumento dos índices de saturação de transferrina - sua eleva ção ocorre por estresse oxidativo ou lesão hepatocelular e não por sobrecarga de ferro. A elevação do nível de bilirrubinas não costuma ocorrer, a não ser em casos de doença fibrosante avançada. Se houver evi dências laboratoriais de colestase, outras formas de hepatopatia ou colangiopatia devem ser inicialmente consideradas.
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Exames de exclusão
Diante da hipótese diagnóstica de DHGNA, devem-se sem pre realizar exames que afastem outras potenciais condições
Capítulo 69 I DoençaHepática Gordurosa NãoAfco6/ica 765 envolvidas. É rotina realizar marcadores de hepatite C (Anti HCV) e hepatite B (HBsAg, Anti-HBcigG), além de aferir as reservas de ferro (índice de saturação de transferrina). Pacientes que apresentam hipertransarninasernia devem realizar também marcadores de hepatite autoimune (FAN, ASMA, Anti-LKM, eletroforese de proteínas). A realização de outros exames mais específicos, como ceruloplasmina e alfal-antitripsina, pode ser individualizada, já que a prevalência da doença de Wilson e da deficiência de alfal-antitripsina é muito baixa. O diagnóstico de DHGNA pode, então, ser inferido a partir de evidências clínicas, ecográfi.cas e laboratoriais, mas sua con firmação e graduação são essencialmente histológicas.
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finida, o diagnóstico de histológico de EHNA não tem, ainda, implicações terapêuticas. A definição de urna dro ga comprovadamente eficaz para o tratamento da EHNA pode mudar essa assertiva e justificar a necessidade de biopsias mais frequentes. Diante dessas ponderações, uma proposta razoável, assumi da por muitos, é a de reservar a biopsia hepática para situações específicas:
Biopsia hepática
A necessidade da realização rotineira de biopsia hepática para o diagnóstico da DHGNA é terna de controvérsia. De fato, a biopsia é o único exame que permite afirmar o diagnóstico, es tadiar a DHGNA e estabelecer um prognóstico, já que pacientes com EHNA têm maior risco de progressão para cirrose. Atualmente, o sistema de graduação histológica proposto pelo Nonalcoholic Steatohepatitis Clinicai Research Network, em 2005, é o mais aceito pela literatura e o mais utilizado pelos patologistas (Quadro 69.1). Esse sistema determina um índice de atividade, que varia de O a 8, e é determinado pela soma dos escores atribuídos ao grau de esteatose, inflamação lobular e balonização. Índice igual ou superior a 5 permite diagnosticar EHNA. A fibrose é estadiada à parte. Embora a biopsia hepática seja o exame ideal para o diagnós tico, a sua realização em todos pacientes que, presuntivamente, tenham DHGNA é discutível, por vários motivos: •
A prevalência da DHGNA na população é muito alta, o que obrigaria um número enorme de biopsias hepáticas. Mesmo sendo um procedimento de custo aceitável e bai xo risco, complicações podem ocorrer;
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T------
Quadro 69.1 Sistema de graduação do Nona/coholic Steatohepatitis Clinicai Research Network Variável Esteatose
Inflamação lobular
Escore o
Menos de 5% dos hepatócitos
2
33 a 66% dos hepatócitos
1
3
o l
2
Balonização Fibrose
Descrição
3
o l
S a 33% dos hepatócitos
Mais de 66% dos hepatócitos Sem focos de inflamação
Menos de dois focos por campo de 200x Dois a quatro focos por campo de 200x
Mais de quatro focos por campo de 200><
Ausência de balonização
Poucas células balonizadas
2
Muitas células balonizadas
la
Fibrose perissinusoidal leve em zona 3
o
lb lc 2
3
4
Ausência de fibrose
Fibrose perissinusoidal moderada em zona 3 Fibrose portal/periporta
Fibrose portal/periporta e sinusoidal Fibrose com septos
Cirrose
A evolução de pacientes com esteatose hepática rumo à cirrose ocorrerá em urna minoria deles (estima-se que cerca de 5%); Como ainda não há uma terapêutica medicamentosa de
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Pacientes que têm diagnóstico provável, mas não apre
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sentam condição clínica de base predisponente (ausência de claros sinais de síndrome metabólica); Pacientes que tenham tido diagnóstico presuntivo, que tenham cumprido as orientações básicas (perda de peso, atividade física, correção da hiperlipemia!hiperglicemia),
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mas que mantenham os exames laboratoriais alterados; Pacientes de grupo de maior risco (obesos, diabéticos, sexo feminino, idade > 40 anos) - nesses casos, o diag nóstico histológico de EHNA e a documentação da maior chance de evolução para cirrose podem servir como fa tores esimulantes t à adesão terapêutica.
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TRATAMENTO Não há ainda evidências científicas suficientes para propor
uma droga de escolha para o tratamento da DHGNA. A pre tensão terapêutica baseia-se em duas premissas:
1. Diminuir a resistência periférica à insulina, bloqueando a primeira etapa da sequência patogênica. Com esse objetivo, dois grupos de drogas têm sido estudados: biguanidas (metfor mina) e glitazonas (rosiglitazona e pioglitazona). A metformina já foi testada experimentalmente e em peque nos grupos de seres humanos, demonstrando-se benéfica. É uma droga de custo acessível, com baixo potencial hepatotó xico e deve ser evitada apenas em pacientes com insuficiência hepática, devido ao risco de produzir acidose láctica. Embora os resultados preliminares sejam animadores, o número de pacien tes incluídos nos estudos é muito pequeno. Para pacientes com DHGNA e n i dícios claros de síndrome metabólica, a metformi na é uma opção interesante - na pior das hipóteses, seria bené fica para o controle de outras manifestações da síndrome. A rosiglitazona e a pioglitazona mostraram benefício histo lógico em pacientes com DHGNA, mas o volume de pacientes arrolados nos estudos também foi muito pequeno. A troglita zona foi abandonada devido ao seu potencial hepatotóxico. O custo das glitazonas é bem maior que o da metformina. 2. Reduzir o estresse oxidativo determinado pela esteatose, bloqueando a segunda etapa da sequência patogênica que leva à lesão hepatocelular. Com esse objetivo, já foram tentados o ácido ursodesoxicólico (AUDC), as vitaminas C e E, a betaína e a acetilcisteína. O entusiasmo n i icial com o AUDC foi arrefecido por um trabalho que não mostrou nenhum benefício histológico em pacientes com DHGNA que usaram o AUDC em dose terapêu tica por 2 anos. Os dados sobre as vitaminas E e C são muito controversos e não há justificativa para o seu uso rotineiro. A betaína e a acetilcisteína, por sua pretensa ação antioxidante, foram também propostas, mas sem trabalhos consistentes. O
766 Capítulo 69 I Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica rimonabanto, droga que antagoniza receptores canabinoides endógenos, surgiu como promissor no controle da obesidade visceral, mas seus efeitos colaterais neuropsíquicos têm invia bilizado o seu uso. Diante disso, o tratamento da DHGNA continua sendo ba
Albano, E, Moltaran, E, Occhino, G et ai. Review article: role ofoxidative stress in the progression ofnonalcoholic steatosis. Aliment Pharmacol 7her, 2005;
seado em medidas comportamentais:
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Redução gradual do peso, pois a perda acelerada pode agravar a sobrecarga hepática de gordura. Esse fato pode ser problemático em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica - aqueles que apresentem indícios pré-ope ratórios de cirrose e hipertensão portal não devem ser operados, pois podem descompensar-se gravemente no pós-operatório. Por outro lado, pacientes com condições pré-operatórias seguras podem se beneficiar muito da cirurgia bariática e apresentar grande involução da ati vidade histológica da EHNA;
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Atividade física, incluindo, além de exercícios aeróbicos, atividades que estimulem ganho de massa muscular. Esse é um aspecto importante, já que o aumento do percentual de massa magra eleva o gasto energético basal, acelerando o ritmo metabólico; Dieta, preferencialmente orientada por um nutricionis ta, buscando reduzir drasticamente o índice glicêmico, o consumo de carboidratos simples e de gorduras saturadas e hidrogenadas. A ingesta de gorduras insaturadas, so bretudo de origem vegetal, e de alimentos naturalmente ricos em antioxidantes, deve ser estimulada; Controle medicamentoso da hiperglicemia, preferencial mente com metformina ou glitawnas; Controle medicamentoso da dislipidemia. Nesse aspecto, as estatinas merecem uma consideração à parte. Embora, supostamente, devessem ser evitadas em pacientes com hipertransaminasemia, têm baixo potencial hepatotóxico e mostram-se benéficas nos casos em que a elevação de transaminases é motivada pela sobrecarga de gordura. Diante de um diagnóstico de DHGNA, pacientes com hiperlipemia podem ser tratados com estatina. O uso de fibratos, como a genfibrozila, também é desejável, se a hipertrigliceridemia predominar; O uso de drogas que auxiliem na perda de peso, como orlistate, é seguro - o manejo dessas drogas normalmente é feito por endocrinologistas. A sibutramina teve, recen temente, a sua prescrição imitada, l por supostos efeitos cardiovasculares indesejáveis. Inibidores de apetite, como femproporex, devem ser evitados, inclusive por seus efei tos hepatotóxicos.
É importante ressaltar que o paciente com DHGNA é, quase
sempre, uma vítima de seus maus hábitos de vida. Fazê-lo va
lorizar a própria saúde e acreditar que uma mudança de rumo pode evitar doenças, proporcionar mais qualidade de vida e fazê-lo mais feliz é o grande desafio do seu médico.
22:71-3.
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LEITURA RECOMENDADA
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Fígado e Gravidez José de Laurentys Medeiros e José de Laurentys Medeiros Junior
As alterações hepáticas encontradas na gravidez variam de ma
nifestações mínimas até quadros fatais para a gestante e/ou para o feto. O sinal que, habitualmente, alerta para a doença é a icterícia, em intensidade variável. A incidência de hepa topatia que se manifesta nas grávidas é em torno de 1:1.500 e, para algumas, 1:5.000 gestações, prevalência que deverá ser maior se considerarmos os casos leves, somente diagnostica dos por propedêutica especializada. Esse grupo de doenças, embora com maior frequência diagnosticado pelo obstetra, é importante para o internista, gastrenterologista, hepatologis ta e intensivista. Abordaremos os seguintes tópicos: Fígado e gravidez normal; Gravidez em hepatopata; Hepatopatias ini ciadas na gravidez; Hepatopatias exclusivas da gravidez; Rup tura hepática; Trombose - Síndrome de Budd-Chiari e infarto hepático; Gravidez e transplante hepático; Gravidez ectópica e fígado; Citrulinemia.
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FÍGADO E GRAVIDEZ NORMAL
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Exame físico
Por vezes, observam-se eritema palmar e aranhas vascula res, refletindo elevação dos níveis de estrógenos. As aranhas vasculares da gravidez são menos numerosas que nas hepa topatias e não foram observadas na raça negra. A presença de edema nos membros inferiores habitualmente não tem valor patológico quando originado da compressão venosa pelo útero gravídico; entretanto, pode ser a chave para o diagnóstico de pré-eclâmpsia. A apalpação hepática torna-se cada vez mais difícil no decorrer da gestação, pelo crescimento uterino. •
Exames laboratoriais
Mostram discretas alterações. A hipervolemia gravídica, à semelhança da diminuição dos níveis hemaimétricos, t condi dona, também, baixa da albumina plasmática. O colesterol e os triglicerídios se elevam, aumentando o poder litogênico da bile. A fosfatase alcalina se eleva à custa da fração placentária. Permanecem nos valores de referência a 5-nucleotidase, a ati vidade de protrombina, as aminotransferases e as bilirrubinas.
A GGT pode sofrer decréscimo, determinado pelos estrógenos e outros produtos gestacionais. •
Histologia do fígado
A microscopia hepática convencional não apresenta altera ções, enquanto a microscopia eletrônica, no último trimestre, evidencia proliferação do retículo endoplasmático liso, mito côndrias gigantes e aumento do número de peroxissomos.
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GRAVIDEZ EM HEPATOPATA
A fertilidade é, naturalmente, reduzida em hepatopatias crô nicas por deficiente ovulação. Admite-se que a amenorreia, nesses casos, seja, em parte, devida à deficiente metabolização da testosterona pelo fígado acometido. Com frequência, a ges tação é evitada pelo uso de anticoncepcional, salientando-se que a amenorreia decorrente de hepatopatia pode cessar após transplante hepático. •
Hepatites crônicas
Classificam-se pela etiologia e quadro histológico, parâme tros que, somados aos dados bioquímicos, permitem uma ava liação segura na indicação da terapêutica, pois o tratamento, se indicado, não deve ser interrompido. Etiologicamente, as he patites crônicas são classificadas em autoimunes, por vírus B, D, C, por drogas e doença de Wilson; a existência de hepatite G crônica e outras é discutível. Todas essas hepatites crônicas se manifestam clinicamente entre o primeiro e o terceiro tri mestres de gestação. Também a porfiria deve ser considerada, e se agrava durante a gestação. •
Adenoma hepático
Mecção de prevalência aumentada pelo uso crescente de anovulatório, é causa de hemorragia pelo crescimento do ade noma e ruptura. A gestação deve ser evitada em paciente que usa contraceptivo sem avaliação prévia rigorosa. O diagnóstico é estabelecido por ultrassonografia (US), propedêutica indica767
768 Capítulo 70 I Fígado e Gravidez da periodicamente nas mulheres em uso de anovulatório por longo tempo.
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Cirrose hepática
Quando descompensada, com varizes do esôfago e ascite, a gestação poderá agravar o quadro pela hipervolemia e com pressão venosa, ampliando a possibilidade de sangramento. Não está indicada a esclerose de varizes. A ocorrência de na timorto e de parto prematuro é maior. Ruptura de aneurisma
da artéria esplênica pode ocorrer na gestação, com ou sem hi pertensão portal.
risco. Uma vez confirmado que a mãe é portadora do vírus B e, especialmente, com HBe e/ou VHB DNA positivos, o recém nascido deverá receber globulina hiperimune para a hepatite B (0,5 mf!IM), na sala de parto, seguindo-se a vacina para a hepatite B (0,5 mi/IM) aos 7 dias do nascimento, 1 e 6 meses de vida. Medidas importantes, pois, quanto mais precoce se der a contaminação, maior a possibilidade evolutiva para hepato carcinoma. O término da gestação por cesariana é considerado mais eficiente na profilaxia da transmissão materno-fetal.
• Hepatite delta É de distribuição regional; o vírus, sendo defectivo, exige a presença do vírus B para a sua replicação. No Brasil, somente
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Hiperbilirrubinemias congênitas
As síndromes de Gilbert, Dubin-]ohnson e Rotor, pela be nignidade, não requerem cuidados especiais. Na síndrome de Dubin-Johnson, o nível de bilirrubina direta, como nos trau matismos e infecções, aumenta também na gestação, sem relato de ação lesiva para o feto.
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Doença hemolítica
As anemias megaloblásticas, drepanocitose e talassemia, embora sem alterações hepáticas, evoluem com icterícia, cha ve do diagnóstico, podendo ter seu curso agravado na gesta ção e exigindo algumas medidas, especialmente de correção da anemia.
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HEPATOPATIAS INICIADAS NA, MAS NÃO ESPECrFICAS DA GRAVIDEZ
Nesse grupo, a doença hepática manifesta-se em qualquer período da gestação, embora, às vezes, a hepatopatia preexista silenciosa, ignorada pela paciente antes da concepção. São mais frequentes as hepatites por vírus, cujo diagnóstico se tornou seguro com a utilização dos marcadores específicos.
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Hepatites por vírus
• HepatiteA De transmissão fecal-oral. É autolimitada, de evolução be nigna, não apresentando maior gravidade na gestação. Em sua forma colestática, quando no terceiro trimestre, deve ser dife renciada da colestase da gravidez. Não é transmitida ao feto, salvo se a mãe estiver em período de viremia no momento do parto. Normalmente, o recém-nascido é protegido pelo an ticorpo formado pela mãe. O diagnóstico é confirmado pela positividade do anti-HVA IgM no soro.
• Hepatite B O contágio materno se faz por diversas vias, podendo o vírus ser transmitido ao feto por via placentária ou durante o parto, pelo sangue das lacerações do canal de parto que banha o feto. As mães portadoras de HBsAg, quando com HBe e/ou VHB DNA positivos, apresentam a possibilidade de transmissão am pliada. Embora a hepatite B possa ser mais grave na gestante, é também autolimitada, e o potencial evolutivo para cronicidade e cirrose não é agravado pela gravidez. O diagnóstico, na fase aguda, é confirmado pela sorologia (HBsAg e anti-HBc IgM po sitivos). A pesquisa do HBsAg no pré-natal, mesmo na ausência de hepatite aguda, é importante, não se limitando ao grupo de
foi detectada na Amazônia Ocidental. Entre as hepatites vi rais, é a de evolução mais grave, pouco descrita na gravidez. A profilaxia consiste na prevenção da hepatite B. O diagnóstico é confirmado pela presença sorológica do HBsAg e anti-HBc IgM positivo, ao lado de anti-HVD positivo na coinfecção, e por HBsAg positivo, anti-HBc IgM negativo e anti-HVD po sitivo na superinfecção.
• Hepatite C Responsável pela maioria das hepatites pós-transfusionais em usuários de drogas, e frequente na chamada forma espo rádica; parece ser de pouca importância a transmissão mater no-fetal. Provavelmente, o risco de transmissão é aumentado quando a mãe apresenta viremia elevada ou, na coinfecção, em gestantes HIV positivas. As manifestações clínicas são pouco evidentes, a icterícia tende a ser ondulante e a bioquímica se melhante à das demais hepatites. O marcador sorológico é o anti-HVC e a detecção do RNA viral.
• Hepatite E Semelhante à hepatite A em sua epidemiologia e evolução, foi registrada no Brasil, até o momento, apenas na Bahia. É grave nas gestantes, quando 10 a 40% evoluem para forma ful minante, especialmente no 3.0 trimestre, impondo-se o diag nóstico diferencial com esteatose aguda da gravidez. O diag nóstico é confirmado afastando-se as hepatites A, B, C e D, pela negatividade dos marcadores específicos e pela presença de anti-HVE no soro.
• Hepatites G/GBffiV e SEN São de descrição recente; apresentam, ainda, controvérsias, sem relatos de acometimento na gestante.
• Hepatite pelo herpesvírus simples É de alta letalidade na gestante, evoluindo, com frequência, para a forma fulminante. Na história da paciente, encontram-se antecedentes de lesão cutânea herpética. Confirma o diagnósti co a histopatologia hepáica. t Recomendado o tratamento com aciclovir. Entretanto, o uso deve ser muito bem pesado, pois a segurança da droga na gestante ainda não está definida.
• Hepatites por citomegalovírus, mononucleose e outros vírus São raras, confirmadas por testes sorológicos próprios e exa me anatomopatológico, orientado pela clínica e epidemiologia. Na rubéola, recomenda-se acompanhamento pelo infectolo gista.
• Hepatite alcoólica Raramente, ocorre na gravidez. Suspeita-se dessa hepatite pela história de alcoolismo, icterícia, dor no hipocôndrio direi to, febre, hepatomegalia, leucocitose, elevação das aminotrans-
Capítulo 70 I Fígado e Gravidez 769 ferases, fosfatase alcalina e GGT. O diagnóstico de certeza é confirmado pela histopatologia, se possível, e pela negatividade dos marcadores das hepatites por vírus. A incidência de aborto é maior no primeiro trimestre.
• Hepatopatias por drogas São responsáveis somente por 1 a 2% de alterações do fíga do na gravidez. Não apresentam aspectos especiais diferentes das alterações causadas nas não grávidas, seguindo os padrões das hepatopatias estabelecidos para cada droga. O diagnósti co se faz pela anamnese cuidadosa e por exames laboratoriais, evidenciando se o quadro é hemolitico, hepatocelular ou co lestático. Os marcadores virais são importantes para excluir hepatites a vírus. A interrupção da droga é a chave diagnóstica e, na maioria das vezes, o mecanismo é por hipersensibilidade. Na profilaxia, devem ser evitados medicamentos sabidamente tóxicos para o feto e para a mãe.
• Tumores benignos e malignos São de baixa incidência na gestação. Entre os benignos, o adenoma, muito raro até 1960, aumentou sua prevalência após o uso de anovulatórios. O hemangioma cavernoso é o mais fre quente dos blastomas benignos, geralmente assintomático ou manifestando-se por mal-estar e dor no quadrante superior di reito do abdome. Raramente, pelo aumento de volume, causam hemorragia por ruptura. O diagnóstico é feito pelos métodos de imagem, que não utilizam radiação ionizante. O hepatocarcino ma pode estar associado à cirrose, sendo a letalidade próxima de 100% para a mãe e, consequentemente, para o filho.
• litíase biliar Manifestações clinicas de calculose na gravidez são pouco frequentes, sem predileção pelo trimestre da gestação. Os fato res desencadeadores são o aumento de colesterol, triglicerídios, a hipotonia da vesícula biliar e a redução dos ácidos biliares. A US é o método de escolha para o diagnóstico. A conduta, nos casos sintomáticos, cólica biliar, colecistite, colangite, obstru ção coledociana e pancreatite, é expectante quanto ao momento mais oportuno para a intervenção. Recomenda-se, como ideal para a cirurgia, o segundo trimestre. Em caso de urgência não resolvida clinicamente, a cirurgia se impõe, em qualquer perío do, à semelhança da apendicite aguda. A endoscopia com es fincterotomia e a colangiopancreatografia retrógrada têm sido utilizadas com cuidados especiais, seguindo-se a colecistecto mia após o parto. A videolaparoscopia é a primeira via de es colha (Figura 70.1).
• Infecções bacterianas/abscesso/parasitoses Outras doenças intercorrentes, como hepatites bacterianas, abscessos piogênicos e doenças parasitárias, não apresentam aspectos especiais, devendo-se seguir a conduta de rotina para tais situações.
Figura 70.1 Colelitíase sintomática, quarto mês de gestação, tratada com sucesso por colecistectomia videolaparoscópica (ultrassonogra fia). Os cálculos são identificados no interior do colecisto.
O diagnóstico diferencial, de maior importância, se faz com as hepatites por vírus. A evolução é benigna, normalizando-se os exames com hidratação, correção hidreletrolítica e nutricional. O uso de corticoides é indicado, mas com controvérsias. Pode reaparecer em gestações seguintes.
•
Colestase da gravidez
Doença hereditária, com traço dominante. Acomete 20% das gestantes. A etiologia é desconhecida, provavelmente li
gada a distúrbios hormonais do metabolismo estrogênico. A distribuição regional é curiosa e intrigante, sem explicações satisfatórias, talvez ligadas a alterações genéticas. Sua maior incidência é relatada no Chile e na Escandinávia (entre 20 e 27%) É rara na Ásia e entre os negros. O prurido, denominado prurido da gravidez, é a principal queixa, podendo ser a única .
manifestação na ausência de icterícia. Instala-se no segundo trimestre, aumenta gradativamente, atingindo o ápice após o sexto mês, e, se intenso, leva a escoriações por coçadura. Os exames laboratoriais mostram um aumento das bilirrubinas, com predomínio da direta, elevação da fosfatase alcalina (à cus ta da fração hepática), de 5-nucleotidase e GGT. A diminuição do fluxo de bile para o n i testino pode ser a causa de redução da atividade de protrombina e esteatorreia na dependência do grau de colestase. A histologia hepática mostra colestase focal de intensidade variável. O diagnóstico diferencial é feito com a forma colestática das hepatites virais, colestase por drogas e obstrutiva. O caráter familiar, recorrência em outras gestações e aparecimento após o uso de anovulatório são importantes para o diagnóstico (Figura 70.2).
• Tratamento
•
HEPATOPATIAS EXCLUSIVAS DA GRAVIDEZ
•
Hiperêmese gravídica
Consiste no uso de vitamina K1 e cuidados nutricionais para a mãe. Se o prurido for intenso, está indicado o uso de colesti ramina, S-adenosilmetionina (SAMe) e ácido ursodesoxicólico.
Caracteriza-se pela acentuação do quadro de náuseas e vô
O prognóstico é bom e as manifestações clinicas desaparecem
mito, que, frequentemente, acomete a gestante no primeiro tri
mestre, levando, por vezes, a distúrbios hidreletroliticos inten sos, exigindo tratamento em regime de internação. Alterações hepáticas são observadas, como discreta hiperbilirrubinemia, entre 2 e 4 mg, e aumento moderado das aminotransferases.
com o término da gestação. Raramente., há ocorrência de par to prematuro e natimorto. A gestante deve ser alertada para a possível ocorrência em gestações futuras e uso de anticoncep cional. O aparecimento concomitante com esteatose aguda da gravidez é descrito.
770 Capítulo 70 I Fígado e Gravidez FATORES GEI'ÉTICQS
.lJ.
Epidemiologia (fatores familiares)
Disfw1ção do estrógeno ou progesterona
Uso da progesterooa
.[l
c> Colestase {:::1
(como formação de hematomas periportais e subcapsulares). Etiologia não estabelecida definitivamente. Trata-se de uma doença sistêmica com isquemia uteroplacentária, assim como em outros órgãos e apresentando componente genético. O quadro histológico mostra depósito de fibrina e hemor ragia periporta, hemorragia subcapsular e formação de hema tomas, detectados por TC ou US.
Múltiplas gestações
• Infecção urinária
Figura 70.2 Colestase intra-hepática da gravidez - patogênese. (Mo dificada de Bacgy.)
Hemólise - elevação enzimática trombocitopenia (síndrome HELLP: hemolysis, e/evated liver enzymes, low platelet count)
Ocorre simultaneamente com a pré-eclâmpsia ou indepen dentemente, parecendo fenômenos inter-relacionados. As al terações hepáticas classicamente evidenciam hemorragia sub capsular e intra-hepática, sinusoides apresentando coágulos
•
Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia
Como a hipertensão arterial é a principal manifestação da pré-eclâmpsia, alguns autores usam a denominação de doen ça hipertensiva específica da gravidez (DHEG), reservando a denominação eclâmpsia para quadros mais graves (convulsões e coma). A denominação pré-eclâmpsia é clássica e adotada universalmente. São complicações sérias da gestação, mais fre quentes nas primíparas, manifestando-se no terceiro trimestre com acometimento multissistêmico. A suspeita diagnóstica se faz pelo ganho de peso, edema, hipertensão arterial e protei núria, iniciados no final do segundo trimestre. Os casos gra ves apresentam sintomas: (a) neurológicos (distúrbios visuais,
cefaleia e convulsões); (b) circulatórios (hipertensão arterial, insuficiência esquerda e edema pulmonar); (c) renais (oligúria,
de fibrina, com hemorragia nos espaços de Disse, que poderão levar a degeneração e necrose hepatocelular. Os hematomas são diagnosticados pela US, TC e ressonância magnética (RM) e requerem vigilância. O quadro, por vezes, evolui com mani festações graves, elevação acentuada das aminotransferases e fenômenos hemorrágicos, com formação de hematomas intra hepáticos nos espaços de Disse e subcapsulares, mimetizando abscessos (Figuras 70.3 A e B e 70.4). O tratamento exige moni toramento, interrupção da gravidez na vigência de viabilidade fetal, cirurgia de urgência, em caso de hemorragia intraperito neal e assistência em CTI nos casos graves.
•
Esteatose aguda da gravidez (EAG)
proteinúria e insuficiência renal); (d) digestivos, especialmente
O primeiro relato de esteatose hepática em gestantes coube a Tarnier, em 1856, que, entretanto, não a considerou como uma
hepáticos (náuseas, vômito, dor no quadrante superior direito
entidade nosológica. Em 1934, Stander e Cadden, referindo-se
do abdome e epigástrio) e hematológicos, por vezes intensos
à então denominada atrofia amarela aguda do ftgado na gra-
A
8
Figura 70.3 Síndrome HELLP. Observação no CTI do Hospital São Lucas. Aminotransferases acima de 5.000 U. Insuficiências hepática e renal (realizada diálise). Hemorragias. A. A tomografia computadorizada mostra graves alterações hepáticas difusas (seta). B. Aspecto após recupe ração completa.
Capítulo 70 I Fígado e Gravidez 771
Figura 70.4 Hematoma subcapsular na síndrome HELLP (seta). A evo lução foi favorável, com recuperação clínica. (Gentileza do Dr. Fernando Augusto de Vasconcellos Santos.)
videz, observaram uma paciente cuja necropsia não mostrou a necrose maciça dos hepatócitos, ressaltando a presença de degeneração gordurosa e discreta fibrose. Atribuíram a alte ração a uma agressão hepática que não progrediu no sentido da necrose maciça, sendo possivelmente, para eles, uma lesão inicial. Clinicamente, a sintomatologia era semelhante à atrofia amarela aguda de outras etiologias. Sheehan, em 1940, estudando a patologia da atrofia amare la aguda, considerou três tipos: (a) verdadeira atrofia amare la aguda (rara na gravidez), com necrose dos hepatócitos; (b) atrofia amarela aguda obstétrica, entidade definida clinicamen te, semelhante à primeira, porém com alterações patológicas distintas. À necropsia, todos os casos mostraram infiltração gordurosa maciça. Os hepatócitos encontravam-se repletos de finos vacúolos gordurosos, os núcleos, normais, e a necrobiose, ausente, mostrando aspecto inteiramente diverso da verdadeira atrofia amarela aguda de outras etiologias. Isso mostrava ser a
infiltração gordurosa uma doença diferente, ligada a distúrbio metabólico de lipídio. Uma das suas pacientes apresentou con
vulsões, edema e albuminúria; duas outras, hipertensão, albu minemia e edema; (c) o terceiro tipo de lesão, devido ao uso de clorofórmio, apresenta características próprias e diferentes das anteriores, não cabendo discuti-las neste capítulo, uma vez que é, apenas, de valor histórico. • Manifestações clínicas A sintomatología é iniciada entre a 30.a e a 38.a semana da gestação, com vômito; dor no hípocôndrio direito, seguindo se a icterícia; a prevalência é de 1:10.000 a 15.000 gestações. O diagnóstico diferencial é feito especialmente com as hepatites por vírus e doença biliar calculosa. Nos casos graves, pode ha ver distúrbios da coagulação, com hemorragia em diversos lo cais, sendo mais grave a coagulação intravascular disseminada. Outra séria complicação é a insuficiência renal. Se não tratada oportunamente, a evolução da EAG será para a encefalopatia. Salientam-se também distúrbios metabólicos, dos quais o mais grave e, às vezes, fatal é a hipoglicemia. Complicação também possível é a ruptura hepática.
• Exames de laboratório Os níveis de aminotransferases são elevados, em graus va riáveis, o mesmo acontecendo com a fosfatase alcalina, per manecendo a GGT nos valores de referência. À semelhança da pré-eclâmpsia, o ácido úrico eleva-se e a hiperbílírrubinemia se estabelece com o predomínio da fração direta. No hemograma, observam-se trombocitopenia, plaquetas gigantes, normoblas tos (provavelmente por hematopoese extramedular) e leucoci tose com neutrofilia. Alterações metabólicas são importantes, sendo a hípoglicemia da maior relevância, atingindo, em casos graves, níveis críticos, capazes de determinar alterações neu rológicas e morte. O diagnóstico diferencial é feito com afec ções da vesícula e vias biliares, hepatites virais e colestase da gravidez. O diagnóstico definitivo é feito pela histopatologia, nem sempre possível em razão dos distúrbios da coagulação, a menos que se utilize biopsia transjugular. Sherlock, entretanto, i dis considera que o exame anatomopatológico nem sempre é n pensável. A microscopia, em material corado pelo HE, mostra microvesículas, balonamento dos hepatócitos e macrovesículas. O achado dominante é a infiltração gordurosa mícrovesicular. O núcleo do hepatócito é geralmente denso e central, por ve zes observando-se híalino de Councilman, necrose e infiltrado inflamatório. A colestase tem sido descrita em graus variáveis, às vezes formando trombos biliares que alertam para o uso de drogas. Hipertensão portal, ascite e varizes esoágicas f são achados raros. A microscopia eletrônica mostra alterações do retículo en doplasmático e mitocôndrias pleomórficas. Em muitos casos, a infiltração gordurosa microvesicular é também encontrada no coração, nos rins e no pâncreas. Os métodos de imagens, como US, TC e RM, são úteis. O primeiro e o terceiro com vantagem da ausência de radiações ionizantes. São fatores que dificultam o diagnóstico: (a) evolução benigna, não se pensando na doença; (b) impossibilidade de biopsia pelas alterações da coagulação; (c) biopsia não foi indicada, em vista do desaparecimento da sintomatologia, ou feita tardiamente, em fase de recuperação; (d) não utilização de coloração específica para lipídio. A pre sença de esteatose no fígado do feto natimorto foi descrita em alguns casos (Prancha 70.1). • Etiologia Não está definida, provavelmente ligada a distúrbios do me tabolismo intermediário dos lipídios, alterações enzimáticas, mitocondriais e dos ribossomos, à semelhança de outras infil trações microvesiculares, como síndrome de Reye. Trabalhos recentes atribuem a doença a uma deficiência de 3-hidroxíacíl coenzima A desidrogenase. A baixa da enzima no feto determi na, na mãe heterozigota para a deficiência, alterações na oxida ção e nos ácidos graxos de cadeia longa, ao nível mitocondrial. Estudos recentes mostram ainda outras alterações genéticas. Admite-se que a pré-eclâmpsia seja fator condicionante ao apa recimento de EAG na mãe portadora de distúrbio genético. Na gestação, aumentam os níveis de triglicerídios no último tri mestre, o que pode facilitar a instalação da doença. A superposição de sinais e sintomas de pré-eclâmpsia, eclâmpsia, HELLP eEAG é referida por quase todos os autores. Minakami et al. consideram as síndromes como tendo a mesma origem. Outros autores negam a semelhança anatomopatoló gica, embora se refiram à associação do quadro clínico. Ríely considera as síndromes HELLP, EAG e ruptura hepática (RH) doenças associadas à pré-eclâmpsia. Muitos pacientes mostram a presença de esteatose, sem, entretanto, atingir a difusa distri buição microvesicular de lipídios, característica da EAG.
772 Capítulo 70 I Fígado e Gravidez
1A
18
2A
28
Prancha 70.1 1A. Esteatose aguda da gravidez. HE. Hepatócitos tumefeitos. Citoplasma granula r. Núcleo compacto central. 1 B. Suda n 111. 403.
Esteatose intensa. 2A. Sudan 111. 1 03. Esteatose moderada. 28. Sudan 111. 1 03. Esteatose moderada. Fígado do feto natimorto da mãe mostrada em 2A. 3. Hemorragia subcapsular na pré-eclâmpsia. Esteatose microvesicular discreta. (Laparoscopia Dr. Renato Dani.) 4. Laparoscopia (Dr. Renato Dani): fígado aumentado, pálido, aspecto de esteatose. Biopsia: microesteatose moderada. Exame realizado no 35.0 dia de evoluçào. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 70 I Fígado e Gravidez 173 • Tratamento e prognóstico Uma vez diagnosticada a EAG, a gestação deve ser monitora da. O término da gravidez interrompe o curso da enfermidade. O monitoramento permite avaliar a viabilidade fetal e inter romper a gestação no momento oportuno, pois a incidência de prematuro, feto morto e morte materna, embora reduzida com os cuidados gerais, é ainda preocupante. A certeza de mor te fetal constitui indicação imediata de esvaziamento uterino. Os casos graves exigem internação em CTI, onde o tratamento das complicações, especialmente hemorragia e hipoglicemia, é abordado com segurança. Também a diálise é utilizada em insuficiência renal. Em casos extremos, após esgotadas todas as medidas conservadoras, estando em risco a vida da paciente, n i dica-se a interrupção da gravidez. O transplante hepático é medida também utilizada com sucesso. Após a recuperação, o prognóstico é bom e a recidiva, an tes negada pela maioria dos autores, é hoje aceita. A evolução, inicialmente considerada de prognóstico sombrio, com morte de aproximadamente 80% de fetos e 70% das mães, caiu com o melhor conhecimento da doença e cuidados intensivos. As estatísticas mostram que o êxito letal caiu para 25% para os fetos e, aproximadamente, 15% para as mães.
•
O infarto hepático na gestação é, especialmente, ligado à pré eclâmpsia e HELLP, de diagnóstico difícil, simulando abscesso, sendo o diagnóstico orientado pela TC; o quadro é raro, asseme lhando-se à síndrome de Budd-Chiari, com ausência de ascite.
•
O transplante hepático tem sido realizado, com sucesso, du rante a gestação, em portadoras de hepatopatias graves, como hepatite fulminante, esteatose aguda da gravidez, síndrome de Budd-Chiari e pré-eclâmpsia. Por outro lado, pacientes trans plantadas engravidaram uma ou mais vezes, e a evolução foi tam bém favorável, na maioria dos casos, para a mãe e para o filho. No pós-operatório, são descritas complicações importantes, como rejeição do transplante, obstrução intestinal, pneumonia, pancreatite e infecção por citomegalovírus. Também nessas si tuações houve boa recuperação. Sabe-se que a ciclosporina é vasoconstritora placentária, proporcionando nascimento de fetos de baixo peso, sem re lato de teratogênese. O tempo de observação é, ainda, curto para melhor avaliação do efeito do transplante e da ação dos imunossupressores sobre o feto. Aconselha-se o espaço de 9 a 12 meses para uma gestação após transplante.
RUPTURA HEPÁTICA Ocorre, espontaneamente, na ausência de alterações pré
vias ou secundárias a diversas afecções, como pré-eclâmpsia, eclâmpsia, HELLP e EAG, abscesso amebiano; hemangiomas, adenomas, carcinomas e hematomas subcapsulares. Os dis túrbios da coagulação, traumatismo e congestão do fígado são fatores etiológicos m i portantes. É uma complicação temível, podendo levar ao hemoperitônio e choque. A queixa principal é a dor abdominal no hipocôndrio direito ou generalizada. A suspeita diagnóstica é confirmada pela US, TC, RM angio grafia e presença de sangue na cavidade abdominal através da ,
paracentese semiótica. A localização mais frequente é no lobo direito, no último trimestre, em gestantes idosas e multíparas. O diagnóstico diferencial inclui a ruptura de aneurisma da ar
GRAVIDEZ E TRANSPLANTE HEPÁTICO
•
GRAVIDEZ ECTÓPICA E FÍGADO A implantação de gravidez extrauterina no fígado é de ocor
rência rara. Quando presente, manifesta-se por tumoração, abdome agudo, hemoperitônio, ou é revelada pelos métodos de imagem (Figura 70.5).
•
CITRULINEMIA É defeito genético do ciclo da ureia. A deficiência de argi
ninossuccinase leva à citrulinemia. O início é agudo, evoluindo para coma e grave distúrbio da coagulação. Nem sempre regride com o parto, estando indicado o transplante.
téria esplênica. O tratamento é cirúrgico, por vezes emboliza ção arterial e cesariana, quando o feto se encontra no limite de viabilidade.
•
Trombose - síndrome de Budd-Chiari e infarto hepático
Hepatopatia ligada a distúrbio da coagulação, ocorrendo durante a gestação ou logo após o parto. A apresentação clínica consiste em hepatomegalia, dor no hipocôndrio direito e ascite, de início agudo, existindo a apresentação crônica semelhante à cirrose e suas complicações. Diversos fatores são descritos como capazes de precipitar a síndrome, como alterações hormonais e da coagulação, hemo globinúria paroxística noturna e uso de anticoncepcionais. O diagnóstico é orientado pelos métodos de imagem (TC; RM e ultrassonografia com doppler). A biopsia hepática é im portante, demonstrando congestão venosa central, dilatação sinusoidal e necrose, porém de indicação cuidadosa pelo risco de hemorragia. O tratamento é multidisciplinar pelo hepatologista, hema tologista e cirurgião. Enfatiza-se como decisivo o transplante hepático.
Figura 70.5 Gravidez hepática primária. Feto vivo, falecendo 1 O min após a ligadura do cordão. Comprimento 1 8 em (crânio-nádega). Apro ximadamente, 20 semanas de gestação. Diagnóstico por laparotomia de urgência. FI- fígado; VE- vesícula biliar; FE-feto; PL- placenta;CU - cordão umbilical. (Gentileza dos Drs. Maria de Fátima O. Bisi Santos e Pedro Augusto Bisi, Belém, Pará.)
774 Capítulo 70 I Fígado e Gravidez •
LEITURA RECOMENDADA
Bacgy e Ríely, CA. The liver in pregnancy. Em: Schiff, M. Disease ofthe Liver, 9'11 ed., vol. 2, Capítulo 55. Philadelphia, Lippincott, 2003. Dani, R, Mendes, GS, Laurentys Medeiros, J, Péret, FJ, Nunes, A. Study ofthe liver changes occurring n i pré-eclampsia and their possible pathogenetic connection with acute fatty liver ofpregnancy. Am J Gastroenterol, 1996; 91:292-4. Degli Esposti, S & Reinus, JF. Gastrintestinal and hepatic disorders in the preg nant patient. Em: Sleisenger & Fordtran's Gastrintestinal and Liver Disease. Philadelphia, Saunders-Elsevier, 2010. Hay, JE. Approach to the pregnant patient with jaundice. Em: Wolfe, MM. 7herapy ofDigestive Disorders. Philadelphia, WB Saunders, 2000. Laurentys Medeiros, J, Nunes, A, Oliveira, S, Amaral, V, Couto, VL, Correia, M. Esteatose aguda da gravidez. Relato de 14 casos e revisão da literatura. GED, 1996; 15:62-8. Minakami, H, Oka, N, Sato, T, Tamada, T, Yasuda, Y, Hirota, N. Pre-eclamp sia: a microvesicular fat disease of the liver? Am J Obstet Gyneco/, 1988; 159:1043-7. Pitella, AM, Nazar, A, Oliveira Rezende, L. Fígado na gravidez. Em: Galvão Aives, J & Dani, R: Terapêutica em Gastrenterologia. Rio de Janeiro, Gua nabara Koogan, 2005. Pockros, JP & Esrason, KT. Microvesicular fat diseases ofthe liver. Em: Bockus: Gastroenterology, 5.th ed., vol. 3, Capítulo 117. Philadelphia, WB Saunders, 1995.
Rahman, TM & Wendon, J. Severe hepatic dysfunction n i pregnancy. Q JMed, 2002; 95:343-57. Reyes, H, Sandoval, L, Wainstein, A, Ribalta, ], Donoso, S, Smok, G, Rosenberg, H, Menezes, M. Acute fatty liverofpregnancy: a clinicai study of 12 episodes in 11 patients. Gut, 1994; 35:101-6. Ríely, CA. Acute fatty liver ofpregnancy. Semin Liver Dis, 1987; 7:47-54. Ríely, CA. Hepatic disease in pregnancy. Am J Med., 1994; 96:1A-18S e 1A-22S. Rolfes, DB & Ishak, KG. Acute fatty liver of pregnancy: a clinicopathologic study of35 cases. Hepatology, 1985; 5:1149-58. Sheehan, HL. The pathology ofacute yellow atrophy and delayed chloroform poisoning. J Obstet Gynaecol Br Empire, 1940; 47:49-62. Sherlock, S & Dooley, J. Diseases ofthe LiverandBiliary System, 1o 90
15*
Retratamento
1 a 15
> 15
90
15*
Idem
>30
Idem
>30
*Exceto para os medicamentos lentamente metabolizados. Mod. de Danan, G. Définition et criteres d1mputation des atteintes hépatiques aigües médicamenteuses. Conclusion d'une réunion internationale de consensus. Gastroenterol ClinBiol, 1993; 77:18·21.
•
•
A biopsia hepática será realizada em casos específicos, para auxiliar no diagnóstico preciso, demonstrando le sões sugestivas de hepatopatias por drogas e permitindo ainda avaliar o prognóstico. Os critérios diagnósticos são sumarizados no Quadro 71.14.
PREVENÇÃO
A prevenção se inicia com a detecção da hepatotoxicidade da droga durante a fase anterior ao seu lançamento comer cial. No entanto, em virtude da baixa frequência de efeitos he patotóxicos, em torno de 1/10.000, muitas vezes são necessá rios vários anos de uso de uma determinada medicação para que ela demonstre todo o seu espectro de hepatotoxicidade. Algumas orientações podem diminuir o risco das hepatopatias induzidas por drogas: •
•
•
•
•
•
Evitar administrar uma droga comprovadamente res ponsável por doença hepática prévia. Evitar administrar medicamentos com a mesma família bioquímica e que possam produzir reações cruzadas entre eles, como os AINH, penicilinas, antibióticos macrolíde os, antidepressivos tricíclicos, derivados fenotiazídicos, entre outros. Evitar administração simultânea de várias drogas, que possam produzir n i dução ou inibição metabólica. Lembrar sempre que pacientes idosos, desnutridos, al coolistas crônicos, portadores de HIV e hepatopatas crô nicos são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos de muitos fármacos. Dosagem periódica das aminotransferases para detectar hepatotoxicidade nos pacientes que utilizam medicamen tos para os quais não se possuam alternativas terapêuti cas e, principalmente, para medicamentos utilizados de modo prolongado.
TRATAMENTO
A imediata suspensão da droga responsabilizada pela doen ça hepática é a principal medida terapêutica a ser adotada, e há evolução benigna de um modo geral. Nos caso graves, as medi-
das de sustentação inerentes à insuficiência hepática se fazem necessárias e, nas hepatites fulminantes, o transplante hepático está indicado. A utilidade dos corticoides nas formas m i unoa lérgicas ainda não foi comprovada. Seu uso pode ser conside rado quando não há normalização das enzimas hepáticas após 3 meses da retirada da medicação. Várias substâncias têm sido utilizadas em certas circunstâncias, como vitamina E, pentoxifi lina, ácido ursodeoxicólico, s-adenosilmetionina, n-acetilcisteí na, na expectativa não comprovada da diminuição dos efeitos tóxicos das citocinas, promovendo a regeneração hepática.
•
•
HEPATOTOXICIDADE INDUZIDA POR ALGUNS MEDICAMENTOS ESPECfFICOS E POR OUTRAS SUBSTÂNCIAS EM GERAL Analgésicos e anti-inflamatórios
• Acetaminofeno (paracetamol) É um dos analgésicos mais utilizados no mundo. Embo
ra com metabolização hepática, é de uso seguro em doses de 80 mg/kg em crianças e em 4 gldia nos adultos. É reconhecida mente um medicamento com hepatotoxicidade dose dependen te. Em doses acima de 150 mg!kg em crianças e 7,5 a 10 g/dia em adultos, provoca hepatite aguda grave por necrose maciça, podendo ocasionar a morte. Isso também ocorre em doses in feriores a 5 g!dia, desde que associado a fatores como etilismo crônico, que provoquem a n i dução enzimática do CYP2E1 en volvido na formação dos metabólitos tóxicos. Em 24 h após a ingestão, há sintomas gastrintestinais inespecíficos, seguindo-se uma fase latente de até 48 h, que pode sugerir a recuperação do paciente. Em seguida, há desenvolvimento de dor em quadrante superior direito do abdome, hepatomegalia, icterícia, podendo desenvolver-se encefalopatia hepática e, mesmo, coma decla rado. As ALT situam-se entre 10.000 e 50.000 UI/de. A apre sentação clínica assemelha-se à da hepatite alcoólica, mas as taxas muito elevadas das ALT alertam para a possibilidade de intoxicação por acetaminofeno. Há insuficiência renal em 20% e hepatite fulminante em 30%, podendo, no entanto, ocorrer recuperação, dentro de 5 a 10 dias. Necrose centrolobular de grau variado associada a esteatose difusa é o dado histológico.
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 783 Além do alcoolismo crônico, a má nutrição, o uso concomitante com a isoniazida, a qual tem a mesma via metabólica do álcool, também exacerbam os efeitos hepatotóxicos do acetaminofe no. Outros fatores que exacerbam estes efeitos hepatotóxicos não são totalmente esclarecidos. No entanto, pacientes idosos e adultos jovens podem apresentar doença hepática grave com doses menores, o mesmo ocorrendo com portadores de doen ças hepáticas.
• Tratamento O acetaminofeno normalmente é metabolizado por con jugação com glicuronídios e sulfatos, formando metabólitos nativos, i que são eliminados. Quando ingerido em altas doses, a via normal de metabolização torna-se saturada e ela se faz em maior proporção através do P-450. Há formação de um metabólito ativo, N-acetil-p-benzoquinoneína (NAPQI), que reage com a glutationa, formando ácido mercaptúrico. Haverá necrose hepática com a depleção da glutationa, seguindo-se a ligação do NAPQI com macromoléculas, danificando a função mitocondrial. Inicialmente, fazer um reconhecimento adequado da into xicação pelo acetaminofeno é fundamental para terapêutica correta, evitando lesão hepatocelular e insuficiência hepática grave. Avaliar se a n i gestão da droga foi intencional ou não, quantidade provável, tempo de uso e presença de fatores agra vantes, como utilização de outras drogas, chás ou toxinas. Se possível, os pacientes devem ter as concentrações plasmáticas da droga determinadas entre 4 e 24 h apos sua ingestão. Deve-se combater a absorção da droga, com lavagem gástrica e uso de carvão ativado nas intoxicações de até 4 h. A principal medida terapêutica é a utilização da N-acetilcisteína, usada em até 8 a 10 h após a ingestão do acetaminofeno. Isso é feito para aumentar a síntese da glutationa através do fornecimento da cisteína necessária. Usada na dose inicial de 150 mg!kg!peso, associada a 200 mi de glicose a 5% (SG) IV, por um período de 15 min. A seguir, 50 mglkg/peso em 500 mi de SG a 5%, em 4 h, seguidos por 100 mg/kg/peso em 1.000 mi de SG a 5%, em 16 h. Outra alternativa é o seu uso VO, na dose n i icial de 140 mg!kg/peso, seguida por 70 mglkg/peso em 17 doses sub sequentes, com intervalos de 4 h. Evidências recentes sugerem que mesmo a administração tardia da N-acetilcisteína é bené fica naqueles pacientes que desenvolvem lesão hepática grave. Neles, a terapêutica deve ser continuada até ocorrer melhora clínica e quando o RNI estiver abaixo de 2. O transplante he pático estará indicado em casos de hepatite fulminante. Hepatopatia crônica pode surgir em pacientes que utilizam dose diária de 3 a 8 g, evoluindo geralmente de maneira assin tomática, com leve aumento das aminotransferases, mas ara ridade desses relatos sugere que o significado desta associação permanece incerto.
• Ácido acetilsalicOico A lesão hepática manifesta-se quando seus níveis séricos es tão acima de 10 mg/di, mas, sobretudo, quando ultrapassam 25 mg/di. � assintomática ou evolui com elevação das ALT, mas evolução grave e mesmo fatal é descrita (Figura 71.1). Vários estudos têm demonstrado uma importante associa ção entre uso de AAS em crianças e aparecimento da síndro me de Reye, o que desencoraja seu uso nestes pacientes e em adultos jovens.
• Diclofenaco Elevações séricas das ALT são encontradas em 15% dos que o utilizam. A doença hepática ocorre em 1 a 5 casos por
Figura 71.1 Hepatite aguda por ácido acetilsalicílico, evidenciando necrose extensa. HE 400x. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
100.000 pessoas e manifesta-se principalmente em mulhe res idosas, que podem apresentar anorexia, astenia e, às ve zes icterícia. Quadros de hepatite aguda, colestática e mesmo hepatite crônica têm sido descritos. As manifestações clíni cas ocorrem em período tão curto quanto 1 semana ou após vários meses do início da terapêutica. As lesões histológicas são principalmente do tipo hepatocelular, possivelmente por idiossincrasia metabólica. Alguns pacientes desenvolvem an ticorpos antinucleares e, mesmo com a suspensão da droga, pode haver evolução para hepatite crônica ou cirrose. Em nosso Serviço, acompanhamos urna paciente que desenvol veu hepatite grave evoluindo para doença crônica após uso de diclofenaco por tem sido relatada.
15 dias. Reação cruzada com ibuprofeno
• Fenilbutazona As lesões hepáticas são do tipo hepatocelular e aparecem de 1 a 6 semanas depois de seu início. Em 50% dos casos, são antecedidas de febre, rash cutâneo, artralgia, náuseas, vômitos e dor abdominal. Há lesões hepatocitárias discretas, predomi nantemente centrolobulares, com colestase ou granulomas, mas necroses hepáticas maciça e submaciça têm sido descritas. O mecanismo é por hipersensibilidade e, às vezes, por toxicidade intrínseca desenvolvida pela droga.
• lbuprofeno Produz lesão hepática em 4% dos pacientes, que é do tipo he patocelular ou colestática. Foi descrito agravamento da doença hepática em portadores de hepatite C usando esta medicação, havendo melhora com a suspensão da droga. Há relato também de ductopenia associada à síndrome de Stevens-Johnson.
• Piroxicam Hepatite aguda grave com necrose hepática maciça ou sub maciça e icterícia colestática de longa duração têm sido re latadas com seu uso, acometendo preferentemente pacientes idosos.
• Naproxeno Raramente lesa o fígado, embora haja descrição de lesão hepatocelular, icterícia colestática e um caso de necrose he pática maciça.
784
Capitulo 77
I F/gado e Drogas
• lndometacina
A incidência de doença hepática é baixa, embora necrose maciça e esteatose microvesicular possam ocorrer, principal mente em crianças, que parecem ser mais vulneráveis, e seu emprego é contraindicado nesses pacientes, devido aos vários casos fatais por necrose hepática maciça terem sido relatados. •
lnibidores de COX 2
• Nimesulida
Provoca elevação das ALT em 1 a 6% dos que a utilizam, e
vários casos de hepatites agudas têm sido descritos, havendo casos de hepatite fulminante, particularmente quando a me dicação foi mantida, mesmo após inicio dos sintomas. Ocasio nalmente, colestase pura tem sido vista. O mecanismo parece ser imunoalérgico. A normalização hepática em geral se faz 2 a 17 meses depois da suspensão da droga. Embora a nimesulida
•
Antibióticos
• Ampicilina e amoxicilina
Determinam lesão hepática, com necrose ou icterícia co lestática em baixa incidência. Hepatite aguda, granulomas e colestase grave evoluindo com ductopenia têm sido relatados raramente. • Amoxicilina-ácido davulânico Esta associação pode causar lesão colestática, com ct i erícia, prurido, elevação discreta das ALT. Predomina em mulheres
idosas e se manifesta entre 1 e 4 semanas após a suspensão do medicamento, dados que devem ser valorizados. Sinais de hi persensibilidade slstêmica manifestam-se em 50% dos casos. A icterícia se normaliza entre 1 e 8 semanas, com recuperação completa entre 4 e 16 semanas _a um dos antibióticos mais as .
seja raramente implicada como causadora de hepatites graves, isso deve ser considerado quando utilizada prolongadamente, principalmente em pacientes idosos. Paciente com 18 anos foi
sociados a hepatopatias, produzindo manifestações tipo hepa tocelular, quando se manifesta até 1 semana depois do início da medicação, e colestátlca ou mista, quando aparece após 2 a 3 semanas.
atendida, em nosso Serviço, com hepatite aguda grave, icterícia, hipoalbuminemia e rebaixamento da atividade de protrombi
• Oxacilina
na após uso de nimesulida por 2 meses A histologia hepática
confirmou lesão aguda tipo hepatocelular.
Quando empregada IV durante mais de 7 dias, pode deter minar hepatite colestática. Portadores de HIV são particular mente suscetíveis, e o prognóstico é excelente com a suspensão
• leflunomida
terapêutica.
Aumentos moderados das ALT são descritos em 2 a 4% dos pacientes, tem sido responsabilizada por raros casos de hepatite aguda grave, sendo alguns fatais. Muitos casos ocorre ram após 6 meses de terapia. A administração da leflnnomida concomitantemente com metotrexato pode ocasionar fibrose hepática grave. •
Ticarcilina
Induz doença hepática raramente. No entanto, quando as sociada ao ácido clavulânico, pode produzir hepatite colestática de evolução prolongada. •
Anestésicos
Macrolídeos
• Estolato de eritromidna
• Halotano
A incidência de hepatites graves é de 1/10.000 indivíduos após o primeiro ato anestésico e de 7/10.000 depois de duas ou mais exposições. As manifestações clínicas iniciam-se em torno de 14 dias e em menos de 7 nas anestesias múltiplas. Dor abdominal difusa, náuseas, febre, artralgias, erupções cutâneas e eosinofilia podem ocorrer. As ALT atingem níveis de 500 a 10.000 UI/i, com discreta elevação das provas de colestase. São fatores de mau prognóstico: idade acima de 40 anos, curto período de latência, obesidade, icterícia pronunciada, presen ça de encefalopatia, redução da atividade de protrombina e do fator V. As alterações histológicas são semelhantes àquelas das hepatites virais e há formação de anticorpos séricos espe cíficos. Nos casos graves, a evolução fatal ocorre em 80% dos pacientes não submetidos ao transplante hepático. Para maior segurança. é recomendável um intervalo mínimo de 3 meses para novas exposições. • Enflurano Determinalesão hepática raramente, na taxade 1/800.000 das pessoas expostas. O quad ro clinico é semelhant e ao do halo
tano, n i clusive com evolução fatal, podendo haver reação cru
zada entre eles. • lsoflurano Numerosos casos de lesão
•
hepática têm sido mencionados
com este agente, embora com incidência menor que a do halota no, sendo o quadro clínico e os grupos de risco semelhantes.
Náuseas, vômitos, anorexia, dor em quadrante superior di reito do abdome manifestam-se 1 a 4 semanas após seu iní cio, seguidos de febre e icterícia, simulando colecistite aguda. Existem hepatomegalia, elevação discreta das ALT e impor tante da FAL e das bilirrubinas. Na histologia hepática, há necrose hepatocitária focal, infiltrado inflamatório, colestase centrolobular e presença de eosinófilos. Ductopenia é também relatada. Manifestações semelhantes, embora raras, têm sido descritas com etilsuccinato e lactobionato de eritromicina.
A suspensão da droga leva à regressão do processo de manei ra lenta, mas a sua readministração provoca recidiva precoce em 1 a 2 dias. • Roxitromicina
Hepatites colestática e mesmo fulminante têm sido des critas. •
Azitromicina
•
Claritromiclna
Determina hepatite tipo colestática, às vezes com evolução arrastada. Reação cruzada com uso de amoJâcilina foi vista por nós. Inicialmente, houve uma hepatite colestática induzidapor azitromicina. Um ano depois, desenvolveu-se quadro clínico e laboratorial semelhante, com a utilização de amoxicilina. A evolução foi benigna com a suspensão da medicação. Na dose de 250 a 500 mgldia, provoca elevação das arnino transferases em 5% dos pacientes. Hepatite colestática tem sido
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 785 descrita em pacientes que utilizam doses de 2 gldia. As mani
• Ceftriaxone
festações hepáticas iniciam-se 4 a 8 semanas após o início da
Seu uso leva à formação de barro biliar, que é dose-depen dente e constituído por sais de cálcio de ceftriaxone.
medicação, e as enzimas hepáticas normalizam-se em torno de 1 a 3 meses depois da sua suspensão.
• lmipeném e aztreonam •
Quinolonas
Elevações transitórias das ALT e da FAL são relacionadas com estes antibióticos, mas sem significado clínico.
• Ácido nalidíxico Provoca hepatite colestática e hepatocelular com muita fre quência, que se inicia em torno de 2 semanas após início do tratamento.
•
Agentes quimioterápicos
• Sulfonas Há desenvolvimento de necrose hepatocelular e colestase
• Fluoroquinolonas
em 5% dos pacientes, com manifestações clínicas 5 a 6 semanas
Colestase crônica e ductopenia têm sido vistas com o uso de flucloxacilina.
após seu início. Ocorrem febre, dermatite esfoliativa, linfade nopatia, icterícia e anemia do tipo hemolítica.
• Norfloxacino
• Sulfonamidas
Testes de funções hepáticas alterados são relacionados com o seu uso, após curto período de latência.
Raramente, determinam lesão hepática, que aparece 5 a 14 dias depois do início do tratamento. Há febre, acompanha da de náuseas, vômitos e icterícia, evoluindo para o óbito em
• Ciprofloxacino, levofloxacino, ofloxacino
10% dos casos. O mecanismo de agressão hepática é misto,
Hepatite colestática, insuficiência hepática grave são asso ciados raramente com estas substâncias.
com níveis séricos elevados das ALT. Colestase prolongada,
• Tetracidinas
• Sulfametoxazol-trimetoprima
evoluindo por mais de 2 anos, tem sido descrita.
Quando administradas por via intravenosa em grávidas ou
É descrito largo espectro de doença hepática, como hepati
1,5
te granulomatosa, hepatite colestática, necrose hepatocelular, acompanhada de fenômenos de hipersensibilidade, o que sugere um mecanismo imunoalérgico. Pacientes HIV positivos pare
em pacientes com insuficiência renal em dose superior a
g!dia, podem desencadear esteatose hepática difusa do tipo mi crogoticular semelhante à observada na esteatose aguda da gra videz e na síndrome de Reye. Em 2 a 3 dias, surgem náuseas,
cem ser mais suscetíveis. Colestase crônica pode ocorrer, por
das aminotransferases contrastando com moderado aumento
vezes, associada à fosfolipoidose hepática. É relatada hepatite fulminante, com manifestação clínica de hipersensibilidade,
das bilirrubinas, enquanto o tempo de protrombina encontra-se
requerendo transplantação hepática.
acentuadamente alargado. Colestase prolongada e ductopenia foram relatadas com seu uso.
• Sulfassalazina
• Minocidina
de hipersensibilidade. O quadro é benigno e do tipo hepatoce
vômitos, dores abdominais e icterícia. Há elevação importante
Alguns pacientes apresentam-se com quadro de hepatite aguda com curto período de latência e, por vezes, associada à
Raramente, causa lesão hepática, que se faz por mecanismo lular, embora haja relato de hepatite fulminante.
síndrome de Stevens-Johnson. Ocorre doença hepática crônica
• Mesalazina
indistinguível da hepatite autoimunetipo 1, com aparecimento de anticorpos antinucleares, rash cutâneo, fadiga e artralgias. O período de latência é longo, mais de 1 ano por vezes, após o
de hepatite crônica com características autoimunes.
n i ício da medicação. O prognóstico é variável. Há necessidade, por vezes, de transplante hepático e, mesmo, evolução fatal.
• Cloranfenicol Determina necrose hepática através de mecanismo não bem definido, com clínica semelhante à das hepatites virais, mais raramente com colestase. Ressalte-se que, por ser inibidor en zimático, pode alterar a ação de outros medicamentos quando
Seu uso pode produzir hepatite aguda e há relato de um caso
• Nitrofurantoína Determina, em baixa incidência, hepatite aguda colestática ou mesmo doença crônica por mecanismo imunoalérgico. A doença aguda aparece após algumas semanas, com febre, rash cutâneo, astenia e icterícia acompanhada de colúria, prurido, com evolução benigna em geral. A reexposição determina reci diva do quadro, mesmo depois de vários anos. A forma crônica assemelha-se à das hepatites autoimunes, com ALT pouco ele
usados concomitantemente.
vadas, anticorpos antinúcleo e músculo liso positivos às vezes. A doença regride com a suspensão da droga, mas sua manu
• Clindamicina
tenção leva à cirrose hepática.
Elevações moderadas das ALT, sem icterícia, são relaciona das como seu uso, podendo ser responsável por insuficiência aguda hepatocelular.
•
Agentes antifúngicos
• Cetoconazol •
Cefalosporinas
• Cefalexina Associada a aparecimento de hepatite granulomatosa.
Há elevação transitória das ALT em 5 a 1O % dos casos. Do ença declarada se instala 60 dias após o início do tratamento e mesmo 1 mês depois da sua suspensão, sendo raros os casos de hepatite fulminante.
786 Capítulo 71 I Fígado e Drogas
Figura 71.3 Histologia hepática em paciente com história de hepatite
Figura 71.2 Hepatite aguda por nitrofurantoína, exibindo necrose periporta com infiltrado linfocitário, contendo vários eosinófilos de permeio. HE 1 OOX. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
ag uda por terbinafina, 8 meses após a suspensão do medicamento. Presença de infiltrado inflamatório lobular, focal, com alguns eosinó filos de permeio, HE 400x. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
pacientes devem ter suas enzimas hepáticas monitoradas du rante seu tratamento antiviral. Recomenda-se que aqueles com ALT normais antes do início do tratamento devem repetir as
• Fluconazol � dotado de menor efeito hepatotóxico, com elevações assin tomáticas das aminotransferases em menos de 5% dos pacien tes, embora casos fatais tenham sido descritos em portadores
dosagens mensalmente durante os primeiros 3 meses. Se perma necerem normais, esses testes podem passar a ser feitos a cada
3 meses. Para os pacientes com doença hepática preexistente, esses exames devem ser realizados mais regularmente, ou seja,
do vírus da AIDS.
a cada 2 semanas inicialmente, e, desde que haja estabilidade, os exames podem ser feitos mensalmente. Aparecimento de
• ltraconazol
sintomatologia importante, elevação do lactato sérico ou apa recimento de disfunção hepática são sinalizadores de grave to
Raramente, causa lesão hepática, a qual é do tipo hepatoce
lular e colestática em menor frequência.
• Fludtosina Alterações das enzimas hepáticas são encontradas em 10% da queles que a utilizam, e hepatite é declarada ocasionalmente.
• Terbinafina são descritas. Avaliamos em nosso Serviço uma paciente com
hepatite aguda benigna, que, depois de 8 meses da suspensão do medicamento, apresentava elevações discretas das ALT e histologia hepática ainda com alterações leves (Figura 71.3).
Agentes antivirais Várias drogas usadas no tratamento da infecção pelo HIV
são potencialmente hepatotóxicas, devendo ser enfatizada, ain da, a importante associação de hepatite crônica B e C entre es ses pacientes. Além disso, a associação do uso de várias drogas, principalmente como no esquema HART, dificulta, por vezes,
o diagnóstico preciso da droga responsável pelas manifesta ções da hepatotoxicidade. Fatores de risco, como idade, sexo,
doença hepática concomitante, alcoolismo, fatores genéticos e contagem de CD4 inferiores a 200 céls./mm3, podem aumen tar o risco do desenvolvimento de doença hepática. Embora elevações das ALT inferiores a 5
• lnibidores da transcriptase reversa análogos nucleosídios (ITRN) Várias drogas usadas no tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana são potencialmente hepatotó xicas, embora a icterícia seja rara. Os nucleosídios zidovudi na (AZT), estavudina {d4T), zalcitabina (DDC), didanozine
(DDI) provocam elevações transitórias das ALT em 5% dos
Icterícia colestática pode desenvolver-se 4 a 6 semanas após seu inicio. Colestase crônica associada à ductopenia também
•
xicidade, e é recomendada a suspensão terapêutica.
UN sejam bem toleradas, os
pacientes. Insuficiência hepática grave associada à acidose lác tica é encontrada em portadores de HIV tratados com DDI, principalmente quando usado em doses elevadas. Já o AZT é associado à lesão hepatocelular e pode desenvolver esteatose microvesicular com evolução fataL
• lnibidores da transcriptase reversa não análogos nudeosídios (ITRNN) A nevirapina produz elevação das ALT em 8,5% dos pa cientes, o que é agravado com o tempo de exposição Em caso de elevações superiores a 5 UM, a droga deve ser suspensa. Alguns casos de hepatites com rash cutâneo e síndrome de Stevens-Johnson foram relatados. A delavirdina produz he patite infrequentemente. O efavirenz tem um perfil hepático
seguro, havendo descrição de elevação das aminotransferases em coinfectados com hepatite B ou C.
• lnlbidoras das proteases O uso de indinavir, saquinavir, ritonavir, valacidovir e nelfinavir ocasiona elevações das bilirrubinas e icterícia. He-
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 787 patite colestática é vista com emprego de valaciclovir, enquanto o ritonavir produz hepatite fulminante. O indinavir provoca icterícia hemolítica em 10% dos pacientes, dos quais apenas 1% apresenta elevação das aminotransferases. •
lnterferons
São glicoproteínas que, de acordo com sua origem, são clas sificadas em: a, � e y. Embora aparentemente desprovidos de hepatotoxicidade, determinam alterações das enzimas hepáti cas em 25 a 80% dos pacientes cancerosos sob sua terapêutica, dependendo da dose. Há relatos de hepatites granulomatosas e esteatose com seu uso, e podem induzir descompensação he pática em portadores de cirrose hepática e provocar elevações das aminotransferases e agravamento da doença hepática em portadores de hepatite C, com doença autoimune não diagnos ticada antes do seu emprego. •
Drogas anti-herpéticas
Elevações transitórias e reversíveis dos testes hepáticos são notadas com uso de fanciclovir, foscanet e genciclovir. •
Agentes antiparasitários
• Albendazol O uso prolongado induz elevações das ALT em 25% dos pacientes, e, mesmo, hepatotoxicidade importante. • Tiabendazol Induz hepatite colestática, e alguns pacientes desenvolvem uma progressiva síndrome de ductopenia e cirrose, semelhante à da cirrose biliar primária. Evolução fatal é possível, e o trans plante hepático está indicado nos casos graves. • Mebendazol e metronidazol Podem causar hepatites agudas tipo citotóxicas. • Pirimetamina-sulfadoxina (Fansidar) Necrose hepática maciça com evolução fatal pode ocorrer, evoluindo com dermatite esfoliativa e insuficiência renal. Ou tros casos similares também têm sido descritos. •
Drogas antituberculose
• Jsoniazida (INH) Produz alterações hepáticas assintomáticas, com elevações transitórias das ALT em até 20% dos pacientes. Doença seme lhante às hepatites virais ocorre em 1% dos pacientes, e a con tinuação do tratamento pode produzir hepatite fulminante. O mecanismo se dá por aberração metabólica, sendo mediada por metabólitos tóxicos, incluindo a acetil-hidrazina metabo lizada pelo CYP2El. As manifestações hepáticas aparecem a partir do segundo mês até 1 ano do início do tratamento, e em geral não há manifestações de hipersensibilidade. Com a suspensão da medicação, as ALT se normalizam em 1 a 4 se manas. Pacientes acima de 50 anos e os do sexo feminino são mais acometidos. A associação da INH com indutores do P-450, como a rifampicina, potencializa seus efeitos he patotóxicos pela maior acetilação, o mesmo ocorrendo com alcoolistas crônicos, em virtude da mesma via metabólica para ambas as substâncias. Hepatites fulminantes induzidas pela
sua associação com acetaminofeno em doses terapêuticas têm sido descritas. • Pirazinamida Induz lesão hepática em 10% dos pacientes tratados com a dose de 3 g/dia e em 1 a 3% naqueles que usam 2 gldia duran te curtos períodos. O mecanismo da hepatotoxicidade é seme lhante ao da INH. • Rifampidna Tem alta eficácia bactericida e é muito bem tolerada, mas é potente indutor enzimático, exacerbando a hepatotoxicidade de vários medicamentos. Interfere na captação e metabolismo das bilirrubinas, induzindo hiperbilirrubinemias transitórias. Em uma segunda fase, provavelmente por indução enzimáti ca, provocada pela própria droga, há uma ativação da sua via metabólica, com aumento na taxa de produção e excreção das bilirrubinas ligadas ao ácido glicurônico, com sua consequente normalização, o que reflete um reversível processo de compe tição entre o medicamento e a bilirrubina para a sua excreção. No entanto, pode produzir lesões hepáticas semelhantes às da hepatite vira! e, em casos graves, em que se verificou necrose hepática maciça, o período de latência não atingiu 7 dias. •
Outras drogas antituberculose
A estreptomicina e o etambutol raramente são associados a reações de hepatotoxicidade. Já o ácido para-aminossalicílico (PAS) pode produzir doença hepática tipo hepatocelular ou mista, em baixo percentual, em geral acompanhada de reações de hipersensibilidade. A etionamida tem também sido asso ciada à lesão hepática, mas de forma rara. •
Abordagem terapêutica em caso de hepatotoxicidade
Desde que o paciente apresente elevação das ALT superiores a 5 UN, ou, principalmente, se desenvolve quadro clínico de hepatite ictérica, as drogas devem ser suspensas. Isso coloca um problema médico importante, já que a mudança do esquema antituberculoso determina um tratamento mais prolongado, diminuição de eficácia e mesmo desenvolvimento de resistên cia para algumas drogas. Em virtude disso, tem sido proposta a reintrodução das drogas antituberculosas naqueles pacientes que não tiverem apresentado reações hepatotóxicas graves, o que deve ser feito após a normalização dos testes hepáticos, gradualmente e sob controle laboratorial rígido. Assim, po demos recomendar a seguinte conduta médica: 1) reiniciar com INH em doses pequenas, como 50 mgldia a cada 3 dias; a seguir, sucessivamente, 100 mg/dia durante 3 dias; 200 mg por 3 dias e aumento da dose até atingir-se o nível terapêuti co desejado; 2) se a função hepática se mantiver preservada, reintroduzir a pirazinamida por um período de 7 dias; 3) a rifampicina é a última droga a ser reutilizada, não só pela sua ação hepatotóxica imunoalérgica, a qual se manifesta nas pri meiras semanas de uso, diferente da INH que apresenta em geral efeitos mais tardios, mas também por ser ela uma forte indutora enzimática. Em caso de alteração das enzimas hepá ticas durante a reintrodução isolada de cada medicamento, confirmar-se-á sua responsabilidade pela hepatotoxicidade. Em casos de insuficiência hepática grave, que quase sempre evoluem com icterícia pronunciada, o transplante hepático de emergência estará indicado.
788 Capítulo 71 I Fígado e Drogas •
Drogas de uso em neuropsiquiatria
• Psicotrópicos e anticonvulsivantes • Clorpromazina Alterações hepáticas ocorrem em 0,5 a 1% dos pacientes entre 1 e 5 semanas após o início da medicação. Há náuseas, vômitos, dor abdominal, surgindo a seguir prurido e icterí cia, com aumento acentuado das taxas de bilirrubinas, FAL, GGT e discreta elevação das ALT. Há colestase centrolobu lar, necrose hepatocitária discreta, presença de eosinófilos, infiltrado inflamatório portal e, às vezes, granulomas, devido a mecanismos imunoalérgicos. O prognóstico é bom, com a suspensão da droga, mas, às vezes, requer vários meses para recuperação completa, simulando quadro de cirrose biliar primária, diferindo dela pela ausência de anticorpos antimi tocondriais. A reutiização l do medicamento pode provocar recidiva do quadro, o qual pode evoluir com colestase de lon ga duração.
• Haloperidol Provoca colestase, por vezes, acentuada, com infiltrado in flamatório portal em 1% dos pacientes. Síndrome ductopênica também é descrita.
• Sulpirida Há relato de hepatite colestática após um curto período de uso da medicação.
• Clozapina Antipsicótico usado no tratamento da esquizofrenia com hepatotoxicidade de pouca significância, embora elevações as sintomáticas e transitórias das ALT sejam encontradas em 30 a 50% dos que fazem seu uso. Icterícia é incomum, 0,06% em 136.000 pacientes tratados, havendo 2 casos (0,01%) de hepatite fulminante documentados.
• Risperidona Um novo antipsicótico tem sido incriminado raramente como indutor de lesão hepática.
• lnibidoresda MAO Há icterícia em 1% dos casos, colestase hepatocanalicular prolongada e mortalidade em até 15%.
• Antidepressivos tricídicos Amineptine, imipramina, desipramina, amitripitilina n i duzem alterações hepatíticas ou hepatocanaliculares em 10 a 25% dos pacientes, e sua reutilização provoca recidiva clínica. Reações de sensibilidade cruzada entre as várias substâncias também são descritas.
• Antidepressivos tetracíclicos Mianserina e maprotilina podem determinar hepatite do tipo colestática.
• lnibidores seletivos de recaptação da serotonina • Fluoxetina Seu uso prolongado provoca elevação das ALT em 0,5% dos usuários. É m i plicada também como responsável por lesão agu da do tipo hepatocelular, manifestada poucas semanas ou até 1 ano após o início da medicação. A recuperação depois da sua suspensão é completa, mas pode ser lenta.
• Paroxetina Tem sido responsabilizada por hepatites agudas e crônicas, com características de doença autoimune.
• Sertralina Casos de hepatite aguda são relacionados com seu uso.
• Venlafaxina Há poucos relatos de hepatotoxicidade com seu uso, haven do notificação de lesão tipo hepatocelular e colestática.
• Nefazodona Doença hepática aguda grave tem sido relatada, incluindo casos de hepatites fulminantes.
• Hidantoína Produz lesão hepatocelular ou mista, 4 a 6 semanas após seu início nos pacientes suscetíveis. Há febre, rash cutâneo, linfa denopatia, icterícia, hepatoesplenomegalia, além de leucocito se e atipia linfocitária semelhante à mononucleose. Nos casos graves, há presença de trombocitopenia e dermatite esfoliativa, com 40 a 50% de mortalidade devido à insuficiência hepática ou infecções cutâneas por estreptococos.
• Ácido valproico Determina aumento transitório e assintomático das ALT em 30 a 50% dos pacientes, 10 a 12 semanas depois do início da terapêutica, e evolução fatal ocorre em 1/20.000 dos usuá rios, com manifestações clínicas semelhantes às da síndrome de Reye. Há discreta elevação das bilirrubinas, com AST > ALT, redução dos fatores de coagulação e elevação das taxas de ureia. Há necrose hepatocelular em zona 3, esteatose microvesicular, lesão ductular e alterações mitocondriais. Crianças menores de 3 anos e uso concomitante com outros anticonvulsivantes são fatores preditivos.
• Carbamazepina Elevações das ALT ocorrem em 5 a 10% dos pacientes após 1 mês de seu início. A doença hepática frequentemente é acom panhada de manifestações de hipersensibilidade. Ocasional mente, pode haver associação com alterações hematológicas, como leucocitose, pancitopenia, agranulocitose, trombocito penia, insuficiência renal e pneumonites. Às vezes, o quadro clínico sugere colangite aguda com dor em andar superior do abdome, febre e ictérica, que pode ser prolongada. As altera ções bioquímicas são variáveis, e 30% dos pacientes apresentam manifestações do tipo colestático; 50% têm um predomínio hepatocanalicular e, em 20%, predomina a elevação das ALT. A recuperação em geral se faz com a suspensão da droga, mas evolução de colestase crônica com ductopenia, necessidade de transplantação hepática e mesmo evolução fatal é estimada em até 12%.
• Felbamato Um anticonvulsivante que tem sido associado a vários casos de hepatite fulminante. Monitoramento semanal das amino transferases e das bilirrubinas deve ser feito, com suspensão imediata do medicamento em caso de suas alterações. Deve ser reservado para os casos de epilepsias graves, não sendo re comendado em portadores de doenças hepáticas.
• Fenobarbital
É um potentendutor i enzimático, que pode determinar exa cerbação da hepatotoxicidade de várias substâncias. Raramen-
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 789 te, apresenta efeitos hepatotóxicos, podendo ser responsável por hepatite aguda, que é do tipo citotóxica ou imunoalérgica, poucas vezes fatal.
constante renovação, e é um desafio, muitas vezes, avaliar seu poder hepatotóxico. As principais substâncias causadoras de hepatotoxicidade são descritas a seguir.
• Topiramato Raramente envolvido com hepatotoxicidade, embora haja um relato de hepatite fulminante com seu uso, necessitando de transplante hepático.
• Metildopa Há elevação das ALT em 6% dos usuários. Hepatite aguda surge nos três primeiros meses, frequentemente acompanhada de fenômenos de hipersensibílidade. Em 15 a 40% dos casos, há anemia hemolítica com teste de Coombs+. Hepatite aguda grave, hepatite granulomatosa, colestase, hepatite crônica tipo autoimune e cirrose são encontradas.
• Tacrine Provoca elevações transitórias das ALT em 50% dos pacien tes e hepatite clínica em 13%, após 7 a 12 semanas do seu uso. Com sua suspensão, há normalização das ALT, as quais devem ser dosadas periodicamente. • Riluzol Usado no tratamento da esclerose lateral amiotrófica, provo ca elevação das ALTem 1 a 3% dos pacientes, de acordo com a dose (50 a 200 mg), ocorrendo, em geral, 2 meses após seu início e normalizando-se com a suspensão da medicação. • Tolcapone Altera as ALT em 3 a 5% dos pacientes e casos de hepati te fulminante foram relatados, o que recomenda a dosagem mensal das ALT durante o primeiro ano de uso e a cada 2 me ses a seguir. Deve ser m i ediatamente suspenso se houver apa recimento de icterícia ou alterações m i portantes das amino transferases. • Pemoline Este estimulante do sistema nervoso central apresenta es pectro de hepatotoxicidade variada, como elevação assintomá tica das ALT, hepatite aguda, hepatite crônica tipo autoimune i e hepatite fulminante, que se manifestam logo após seu nício ou mesmo após um 1 ano de tratamento. • Benzodiazepínicos Estas substâncias têm alta taxa de ligação proteica e apre sentam um baixo risco de hepatotoxicidade. Sinais de hepatite aguda são referidos com clonazepam. Lesão tipo colestática é descrita com uso de: alprazolam, clordiazepóxido, diazepam, flurazepam e triazolam. Os benzodiazepínicos devem ser usa dos com cuidado em portadores de doença hepática. A cirrose hepática altera a meia-vida do diazepam e do clordiazepóxi do em cerca de 3 vezes, produzindo um excesso de sedação. O lorazepam e o oxazepam, em virtude de não necessitarem de oxidação hepática, podem ser considerados desprovidos de hepatotoxicidade, mas os portadores de cirrose hepática apre sentam sensibilidade aumentada aos psicotrópicos, e maior atenção deve ser tomada ao prescrevê-los. •
Drogas com ações cardiovasculares
Na abordagem das doenças cardiovasculares, nos valemos de vários medicamentos de modo concomitante. Isso torna difícil o diagnóstico etiológico correto da hepatotoxicidade, que se instala em 5 a 35% dos pacientes cardiopatas. Em alguns casos, a lesão hepática é bastante característica, como ocorre com uso da amiodarona, produzindo esteatoepatite. Pelas ca racterísticas da gravidade das doenças cardiovasculares, se o medicamento responsável pelo dano hepático é absolutamente necessário e insubstituível, o risco-benefício deve ser avaliado e a medicação pode ser prosseguida com estrito controle clínico. As medicações usadas nas doenças cardiovasculares estão em
• Hidralazina Determina lesões hepáticas manifestadas 2 a 6 meses após seu início. As ALT elevam-se bastante, ao contrário da fosfa tase alcalina e das bílirrubinas. Por vezes, anticorpos anti-LM podem ser detectados no sangue. Insuficiência hepática ful minante tem sido relatada com a sua reintrodução. Evolução fatal com necrose hepática maciça foi acompanhada em nos so Serviço em um paciente, que, após um primeiro quadro de hepatite aguda benigna, reutilizou o medicamento inad vertidamente. •
lnibidores do canal de cálcio
• Diltiazem Determina lesão hepática por mecanismo de hipersensibili dade com elevação sérica das ALT, FAL e GGT. Na histologia hepática, há granulomas associados a infiltrado de eosinófilos e leucócitos polimorfonucleares no interior do espaço porta, além de esteatose leve. O verapamil e a nifedipina podem in duzir hepatites colestáticas ou mistas, após 2 a 3 semanas de tratamento. Esteatoepatites às vezes são encontradas com o uso da nifedipina. •
Bloqueadores AT1 da angiotensina 11
• Candesartana cilexetila Há relato de hepatite grave, iniciada poucas semanas após seu início, evoluindo com sinais clínicos de colangite, e histo logia hepática demonstrando colestase intra-hepática, além de ductopenia, que evoluiu satisfatoriamente após a suspensão do medicamento. A losartana tem sido incriminado raramente como causador de lesão tipo hepatocelular. •
lnibidores das enzimas de conversão
• Captopril É associado à hepatite colestática ou mista; o enalapril as socia-se predominantemente com hepatite do tipo misto. A manifestação cruzada entre estas drogas é possível. Manifesta ções de hipersensibilidade podem estar presentes, e a evolução é benigna com a suspensão da medicação. Hepatite aguda grave, com forma fulminante, foi descrita com o uso continuado de lisinopril e enalapril. •
Antiarrítmicos
• Amiodarona Elevações séricas das aminotransferases ocorrem em 14 a 82% dos pacientes que a utilizam prolongadamente, e altera ções hepáticas graves em 1 a 3%. Os pacientes podem ser as-
790 Capítulo 71 I Fígado e Drogas
A
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c
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Prancha 71.1 A. Hepatite aguda por metildopa. Arquitetura distorcida por infiltrado inflamatório com eosinófilos e necrose. HE 40x. B. Mesmo caso da figura A. Biopsia 6 meses após a suspensão da medicação, exibindo regressão do processo inflamatório. HE 1 OOx. C. Hepatite fulminante por hidralazina. Necrose hepática submaciça. HE 40x. D. Hepatite aguda por cocaína. Espaço porta com infiltrado inflamatório linfocitário com eosinófilos e necrose de placa limitante. HE 200x. E. Hepatite colestática por amiodarona. HE 400x. F. Hepatite aguda por diclofenaco. HE 1 OOx. G. Mesmo caso da Figura F, 6 meses após a suspensão da droga. Fibrose portal com atividade inflamatória e formação de nódulo. HE 1001 x. H. Mesmo caso das Figuras F e G, 2 anos após o início do quadro. Completa substituição do parênquima hepático por fibrose, com blocos de hepatócitos com degeneração balonizante. HE 1 OOx. (Estas figuras encontram-se reproduzidas em cores no Encarte.)
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 791 sintomáticos ou desenvolvem hepatomegalia, e raramente há icterícia, embora colestase grave ou cirrose também ocorram. A hepatotoxicidade desenvolve-se, às vezes, 1 ano após o início da medicação. A histologia pode ser semelhante à das hepati tes alcoólicas com fibrose portal, inflamação lobular e portal, colangite, proliferação ductular, presença de corpúsculos de Mallory, esteatose, citoplasma granuloso e regeneração nodu lar. A lesão é dose-dependente e, como a droga tem meia-vida longa, permanece no tecido hepático por vários meses depois da sua suspensão. Determinações rotineiras das ALT e sus pensão da terapêutica devem ser feitas em caso de elevações das mesmas. • Quinidina Provoca lesão hepática por hipersensibilidade, com apare cimento de febre 1 a 2 semanas após seu início e sintomas gas trintestinais inespecíficos. Os níveis das ALT e FAL se elevam, mas as bilirrubinas estão normais ou pouco alteradas. Existem necrose hepatocelular focal, infiltrado inflamatório e granulo mas hepáticos.
•
Hipolipêmicos
• Lovastatina, sinvastatina e pravastatina Induzem discreta alteração das aminotransferases em 1 a 5% dos pacientes e elevações prolongadas em níveis superiores a três vezes o normal, em 1 a 2% dos casos, em geral nos primeiros 3 meses do seu uso, o que não impede sua continuação, pois, em geral, elas se normalizam, mesmo com o prosseguimento da medicação. Hepatite colestática é produzida por estes agentes, além da atorvastatina e da fluvastatina. Insuficiência hepática grave é rara, e hepatite tipo autoimune tem sido relatada. • Ezetimibe Seu uso combinado com as estatinas produz elevação m i portante das ALT (> 3 UN) em 1,3% dos pacientes, ao passo que as estatinas usadas isoladamente afetam 0,4% dos pacien tes. Quando usado em conjunto, foi descrita hepatite colestá tica e autoimune.
• Procainamida Raramente, agride o fígado, o que se faz por mecanismo de hipersensibilidade. Há elevação das ALT e hepatite do tipo granulomatosa.
• Acido nicotínico Produz elevações transitórias das ALT, icterícia, colestase e hepatite. A lesão se manifesta após 6 meses ou anos do seu uso, sendo dose dependente, em geral superior a 2 g/dia. O uso concomitante de bebidas alcoólicas e sulfonilureia são fatores predisponentes.
• Diuréticos tiazídicos, ácido etacrínico e furosemida Os dois primeiros determinam icterícia do tipo hepatocelu lar, enquanto a furosemida, necrose hepatocitária mediozonal, com manifestação de hepatite aguda. A espironolactona não provoca lesão hepática em geral, mas determina elevações das aminotransferases em casos es porádicos.
• Fibratos Elevações assintomáticas das ALT são encontradas com o uso de muitos destes agentes. O genfibrozila produz lesão he patocelular, enquanto o fenofibrato pode ser responsável por hepatite aguda, ductopenia, fibrose e mesmo hepatite crônica autoimune, com presença de anticorpos antinucleares e anti músculo liso.
•
Bloqueadores adrenérgicos
• Propranolol Pode inibir o metabolismo hepático de várias drogas, haven do relatos relacionando seu uso com a precipitação de ence falopaia t hepática em portadores de cirrose hepática, fato não confirmado. Lesão hepática hepatocelular pode ser devida ao uso de propranolol e metropolol, enquanto colestase é pro duzida pelo atenolol. O labetalol desencadeia hepatite excep cionalmente, mas hepatite grave, com necrose hepática maciça e submaciça, e hepatite crônica são descritas. •
Anticoagulantes
• Fenindiona Determina necrose hepatocitária e icterícia colestática por hipersensibilidade. Agressão citotóxica mais intensa pode evo luir para o óbito por insuficiência hepática. Lesões hepáticas também têm sido descritas com outros cumarínicos. Elevação moderada e transitória das ALT tem sido observada com uso de heparina, que se normaliza mesmo com o seu prossegui mento. • Ticlopidina Este antiagregante plaquetário produz anormalidades fun cionais hepáticas em 4% dos pacientes, sendo reversíveis com a sua suspensão. Hepatite colestática também é descrita com seu uso.
•
Hipoglicemiantes orais
• Sulfonilureias Clorpropamida, glibenclamida, tolbutamida determinam colestase em 0,5 a 1% dos pacientes, além de granulomas hepá ticos e até ductopenia. A gliburida e a glicazida causam lesão do tipo hepatocelular. A glimepirida tem sido incriminada como causadora de hepatite colestática. • Biguanidas A metformina raramente produz hepatites agudas, tipo he patocanalicular ou colestase pura, que se manifestam 2 a 4 se manas após o início do tratamento. Deve ser evitada em cirró ticos Child B ou C pelo risco de acidose láctica. • lnibidores da alfa-glicosidase Acarbose produz lesão hepatocelular ou mista, provavel mente por idiossincrasia, sendo aconselhável monitoramento das aminotransferases durante a terapêutica. Hepatotoxicidade grave ocorreu quando usada em associação com gliburida. • Tiazolidinedionas A pioglitawna e a rosiglitazona não apresentam hepatoto xicidade significativa, embora tenham estrutura semelhante à da troglitawna, cuja comercialização foi suspensa em virtude da sua hepatotoxicidade. As alterações hepáticas são discretas e reversíveis, mas hepatite grave foi descrita com uso de rosi glitazona.
792
Capitulo 77 I Ffgado e Drogas
• Hormônios anabolizantes Fluoximesterona, metandrostenolona. metiltestosterona. oximetolona e noretandrolona são esteroides anabolizantes alquilados em c.7> que induzem quadros clínicos e histológicos de colestase, reversíveis com a sua suspensão. Podem produzir peliose hepática. hiperplasia nodular regenerativa. adenomas, hepatocarcinomas e angiossarcomas.
• Anticoncepcionais Determinam colestase na proporção de 1/10.000 pessoas, e as mulheres com história de colestase recorrente da gravidez são mais suscetfveis. A icterícia inicia-se ao curso dos 6 primei ros meses, acompanhada, geralmente, de prurido, que regride com a suspensão da droga. Em uso prolongado, determinam, às vezes, adenomas, hiperplasia nodular regenerativa, hepa tocarcinoma e, mais raramente, o tipo fibrolamelar, além de hemangioendotelioma. Incidência aumentada da síndrome de Budd-Chiari é descrita com seu uso. Tem sido sugerido que podem exacerbar condições tromboembólicas preexistentes, como as doenças mieloproliferativas inaparentes.
•
Antagonistas dos hormônios sexuais
• Tamoxlfeno � responsável por hepatite colestática. peliose hepática. cis tos hepáticos, esteatoepatite e cirrose hepática.
• Raloxifeno Icterícia colestática tem sido relatada com o uso deste me dicamento.
• Damazol
Elevações transitórias das aminotransferases, hepatite co lestática. peliose hepática, adenomas e hepatocarcinoma são . poss1ve1s com seu uso. '
•
Drogas antineoplásicas
• Metotrexato Provoca lesões hepáticas em maior incidência quando usado de modo contínuo e prolongado, que de modo intermitente. Em dose total superior a 1,5 g, é associado a significante aumento da sua hepatotoxicidade com ALT superiores a 40 vezes o nor maL Seu uso é mais relacionado com hepatopatia crônica que se instala de modo insidioso, pouco sintomática. A fibrose e a cirrose estão relacionadas com o acúmulo da dose e o tempo do seu emprego. A biopsia hepática inicial só está indicada em pacientes portadores de doença hepática prévia ou alcoolistas crônicos. As am.inotransferases não se mostram um bom mar cador durante a terapêutica, mas sua elevação é determinante para indicação da biopsia hepática. Os fatores que influenciam sua hepatotoxicidade estão listados no Quadro 71.15.
• 6-Mercaptopurina Determina icterícia e prurido em 6 a 40% dos pacientes, 1 a 2 meses após o início da terapêutica. A prevenção desses efeitos limita a dose diária ao máximo de 2,5 mg/kglpeso.
• 5-Fiuoruracila Raramente produz doença hepática quando usada VO. Seu derivado, a floxuridlna (FUDR), quando injetada na artéria hepática. produz elevação das enzimas hepáticas, e colangite esclerosante em 25 a 50% dos casos, 3 a 6 meses após início da terapêutica. O mecanismo da lesão ductal é devido à isquemia induzida pela n i fusão da FUDR e, possivelmente, também, pela desvasculari.zação cirúrgica, quando o cateter é inserido. •
Azatioprina
Hepatite colestática é vista em casos esporádicos, 1 a 18 me ses após seu início. �relacionada ainda com vários tipos de le sões hepáicas, t como: peliose hepática, síndrome de obstrução sinusoidal (doença veno-oclusiva), dilatação sinusoidal, hiper-
• Flutamida Elevação das ALT e insuficiência hepática grave são descritas com sua utilização. Avaliação hepática deve ser feita periodica mente e a droga suspensa em caso de alterações importantes.
• Ciproterona Determina elevação das aminotransferases em 5 a 30%, he patite citotóxica e, mesmo, cirrose hepática. Insuficiência he pática grave também tem sido descrita, e um caso de evolução fatal foi acompanhado por nós em paciente de 80 anos que utilizou a medicação por 3 meses.
•
Drogas antitireoidianas
• Proplltiuracil
Elevações das ALT são comuns após 2 meses do seu uso, geral mente transitórias e assintomáticas. Lesão hepatocelular às vezes ocorre, inclusive com necrose hepática maciça. Manifestações de hipersensibilidade sistêmica com febre, lesões cutâneas, linfade nopatias, eosinofilia. depressão da medula óssea e agranulocitose às vezes acompanham as alterações hepáticas, o que pode contri buir para evolução fatal. Estes fatos sugerem um mecanismo de hipersensibilidade para a hepatotoxicidade com esta droga.
• Carbimazol e metimazol Podem determinar hepatite colestática, surgindo 2 a 4 se manas após o início da medicação.
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Quadro 71.15 Fatores associados com o aumento da hepatotoxicidade pelo metotrexato Fortemente associados Etllismo ativo ou recente Insuficiência renal Doença hepática preexistente Uso diário de metotrexato
Possivelmente associados Obesidade com diabetes mellto Tratamento anterior com arsenlcals Hipoalbumlnemia Tratamento com metotrexato por mais de dois anos
Doses cumulativas (> 1.500 mg)
Fatores não associados Idade Sexo HLA
Extensão das lesões cutâneas da psorrase
Terapêutica com cortlcoldes (prévia ou concomitante) Diabetes mellto sem obesidade
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 793 plasia nodular regenerativa, esclerose hepatoportal. A peliose hepática e a síndrome de obstrução sinusoidal surgem princi
vação das aminotransferases, bilirrubinas e fosfatase alcalina.
palmente nos transplantados renais. Esta última atinge 2,5% dos pacientes, surgindo 2 a 9 meses depois do início da medicação, com curso insidioso e moderada alteração das enzimas hepáti
laboratoriais em 15 a 60% dos casos, mas a biopsia hepática é
cas, evoluindo para grave insuficiência hepática e hipertensão portal, que, se detectada precocemente, pode ser reversível.
Com a estreptozotocina, há lesões menos intensas, e alterações
normal ou mostra necrose focal e infiltrado inflamatório pe riporta discreto.
• L-Asparaginase
É hepatotóxica em cerca de 50% dos casos. Provoca altera
• Ciclofosfamida
É ativada no fígado até acroleína e mostarda fosforarnida, produtos altamente tóxicos, que raramente causam necrose he pática. Quando associada a outros agentes em transplantados de medula óssea, pode produzir doença veno-oclusiva. Foi visto por nós caso de insuficiência hepática grave, com evolução para o óbito após 2 meses de uso desta medicação.
ção dos testes hepáticos e esteatose difusa. Com a suspensão da droga, há normalização rápida das funções hepáticas.
• Mitomicina Produz elevação quase constante das aminotransferases
e, em doses elevadas, há necrose centrolobular. Síndrome de
obstrução sinusoidal é descrita em transplantados de medula óssea.
• Ciclosporina
É mais nefrotóxica que hepatotóxica, causando colestase em 10 a 86% dos pacientes, com proeminente elevação das bilirru binas e da GGT, sendo dose-dependente. É potente inibidora do CYPIIIA4 e, se usada concomitantemente com sinvastati na, eleva suas taxas séricas, podendo produzir miopatias. As i terferem com o metabolismo da principais substâncias que n ciclosporina estão listadas no Quadro 71.16.
• Vincristina Associada à radioterapia no tratamento de linfomas hepá ticos, pode induzir hepatites citotóxicas graves.
• Citodnas Sua hepatotoxicidade é dose-dependente. Os interferons alfa-2 e gama produzem lesão hepática quando usados em al tas doses. A interleucina-2 ocasiona colestase dose-dependente,
• Cisplatina Induz esteatose e colestase e, quando usada em altas doses, provoca lesão hepatocelular.
que regride rapidamente após a sua retirada.
• lnfliximabe Pelo menos, 34 casos de hepatite aguda com seu uso foram
• Citosina arabinosídeo Raramente, determina agressão hepática, que é do tipo co lestática. Síndrome de obstrução sinusoidal foi relatada em dois pacientes que a usaram.
bem documentados. Alguns casos tinham características au toimunes, com autoanticorpos elevados.
• Etanercepte e micofenolato mofetila Raramente, são responsáveis por hepatites agudas. O siro
• Dacarbazina Pode produzir síndrome de obstrução sinusoidal acompa
limus pode induzir elevações transitórias das ALT, mas existe relato de trombose porta desencadeada com seu emprego após
nhada de insuficiência hepática grave, que se desenvolve após o segundo ciclo da medicação, sugerindo mecanismo alérgico.
transplante hepático.
• Gencitabina
•
Elevações transitórias das aminotransferase.s, havendo relato ainda de um caso de hepatite fulminante.
Outras drogas que podem lesar o fígado
• Vitamina A Sua hepatotoxicidade é manifestada com doses diárias supe
• Nitrosureias
riores a 30.000 UI, sendo potencializada pelo uso concomitante
BCNU, CCNU e estreptozotocina são agentes antineoplá
de bebidas alcoólicas. Há náuseas, vômitos, alteração das provas
sicos metabolizados por enzimas microssomais. A hepatoto xicidade é maior para o BCNU e a estreptozotocina, com ele-
de funções hepáticas, hepatomegalia, hipertensão portal e asci te. Há esteatose macrovesicular, hipertrofia das células de Ito, fibrose perissinusoidal associada à fibrose portal e mesmo cir rose. Etretinato, um derivado sintético da vitamina A, produz
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·�-------
Quadro 71.16 Drogas que alteram o metabolismo da ciclosporina Concentração sérica aumentada
Concentração sérica diminuída
Amiodarona
Carbamazepina
Claritomicina
Fenobarbital
Diltiazem
Fenitoína
Eritromicina
Rifampicina
Fluconazole Cetoconazole Verapamil Erva-de-são-joão (Hypericum perforatum)
elevação das ALT em 8 a 40% dos pacientes, além de esteatose, hepatite crônica, fibrose hepática e, inclusive, cirrose hepática. Seu derivado, acitretina. também tem sido implicado.
• Cimetidina Elevações das aminotransferases são encontradas em 22
a
38% dos pacientes tratados com doses superiores a 1.200 mg/ dia, e hepatites mistas foram relatadas com seu uso, bem como com o da ranitidina, em doses habituais.
• Omeprazol Produz elevações transitórias das aminotransferases, que se normalizam mesmo com a continuidade terapêutica, embora lesões hepáticas agudas também tenham sido relatadas.
794 Capítulo 71 I Fígado e Drogas • Corticosteroides Sua hepatotoxicidade é muito rara, limitando-se principal mente ao aparecimento de hepatomegalia em virtude da estea tose hepática. Deve ser relembrado, no entanto, que substâncias como cetoconazol e anticoncepcionais aumentam os níveis sé ricos da prednisolona, enquanto drogas indutoras enzimáticas como rifampicina, fenobarbital, fenilidantoina, carbamazepina e algumas drogas chinesas como syo-saiko-to (TJ9) aceleram seu metabolismo, diminuindo a sua concentração, o que pode afetar o tratamento imunossupressor.
• Terfenadina Poucos casos de colestase crônica e ductopenia têm sido relatados.
• Nutrição parenteral total Provoca elevações das aminotransferases 2 a 3 semanas após seu início, bem como normalização em torno de 14 dias depois de sua suspensão. Em tratamentos prolongados, podem ocorrer elevações das bilirrubinas e da fosfatase alcalina, e, em neona tos, estas alterações são encontradas em 90% daqueles tratados por mais de 10 dias. Esteatose, esteatoepatite, colestase intra hepática e progressão para hepatite crônica e cirrose podem ser vistas, principalmente em crianças com tratamento longo. Barro biliar é encontrado em 50% dos pacientes tratados por 4 a 6 semanas e em praticamente todos os submetidos a esta terapia por 8 a 12 semanas.
• BCG A terapia intravesical pelo BCG pode produzir hepatites gra nulomatosas que implicam a sua suspensão.
• Radioterapia Provoca lesão hepática em doses superiores a 30 a 35 Gy. O quadro clinico se instala 1 a 2 meses após a irradiação, podendo, no entanto, ocorrer depois de 2 semanas ou tar diamente, em torno de 7 meses. Esse quadro se assemelha à sindrome de Budd-Chiari ou à síndrome de obstrução sinu soidal, com dor em quadrante superior do abdome, hepato megalia e aparecimento de ascite. A evolução é lenta, persis tindo sinais de doença hepática por meses após a suspensão do tratamento.
• Cocaína Tem hepatotoxicidade intrínseca que é dose-dependente, provocando febre, hipotensão arterial importante, rabdomió
lise e insuficiência renal. Há um rápido aumento das ami notransferases, que também se normalizam precocemente, alargamento do tempo de protrombina e retenção azotada. A histologia hepática demonstra necrose hepatocelular pre dominante em zona 1 e 2 e esteatose microvesicular. Conco mitante uso de etanol potencializa as lesões induzidas pela cocaína possivelmente dependente do sistema enzimático CP-450.
• Metanfetamina (ecrtasy) Pode produzir rabdomiólise, lesão hepática semelhante à induzida pela cocaína, com recuperação ocorrendo em 3 se manas a 3 meses, além de uma sindrome fatal de hipertermia. Vários casos de hepatite aguda, hepatite crônica com mani festações autoimunes, hepatites fulminantes evoluindo para o óbito ou necessitando de transplante hepático têm sido re latados.
•
Plantas medicinais
A medicina fitoterápica tem crescido em todo o mundo e, no Brasil, ela é praticamente desprovida de controle sanitário.
O aumento da sua popularidade é devido a vários fatores, entre os quais a crença de que os produtos naturais são isentos de toxicidade e adequados, portanto, para o tratamento de novas e antigas doenças para as quais ainda não se tenha ainda um tratamento satisfatório. Sua hepatotoxicidade é de difícil com provação, já que a automedicação é frequente e o paciente, em geral, não informa o uso dessas plantas a seu médico. O risco au menta com a utilização de compostos contendo várias plantas, com a seleção inadequada da porção atóxica da mesma e pela contaminação química ou por microrganismos, em virtude do armazenamento inadequado. A doença hepática induzida por produtos naturais varia desde alterações das enzimas hepáticas, até hepatites agudas, hepatite crônica, sindrome de obstrução sinusoidal e, mesmo, cirrose hepática. Além disso, muitos pro dutos naturais podem interagir com medicamentos tradicio nais, interferindo no seu metabolismo e modificando sua ação terapêutica ou exacerbando seus efeitos hepatotóxicos. No Quadro 71.17, estão listadas algumas plantas, com po tencial hepatotóxico, acompanhadas pela sua denominação popular mais frequente e principais tipos de lesões hepáticas produzidas por elas.
• Alcaloides da pirrolizidina Seu poder hepatotóxico é bem conhecido, produzindo sín drome de obstrução sinusoidal. Em altas doses, induz doença hepática aguda, inclusive fulminante, e, em exposição prolon gada, desencadeia hepatites crônicas e cirrose. A forma aguda apresenta-se com dor abdominal, hepatomegalia e ascite. As principais espécies implicadas são Heliotropium, Senecio, Cro talaria e Symphytum (confrei). Um paciente nosso, após uso de chá de confrei durante 2 meses, apresentou quadro de icterícia importante, hepatomegalia, ascite, com a histologia hepática confirmando sindrome de obstrução sinusoidal (doença veno oclusiva) (Figura 71.4).
• Germander Usada comumente para tratamento de dores abdominais, obesidade e como antipirético. Manifestação clínica de hepatite se manifesta 3 a 18 semanas após seu nício, i geralmente quando utilizada em doses superiores a 600 mg/dia. Uso prolongado induz hepatite crônica e cirrose hepática. Há necrose de zona 3 e melhora gradual em 2 a 6 meses depois de sua retirada.
• Ervas chinesas Cerca de 7.000 plantas medicinais são usadas na China e muitas delas são implicadas como causadoras de doenças he páticas. Várias delas estão em uso no Brasil. Algumas dessas plantas merecem citação especial. }in bu huan, usada como analgésico e sedativo, pode produzir hepatite aguda e, recen temente, foi descrita uma possível manifestação bioquímica e histológica de hepatite crônica. Syo-saiko-to, usada como antipirético, tornou-se popular recentemente, ao ser utilizada
em alguns países como tratamento alternativo da hepatite C, havendo, mesmo, relatos da diminuição da incidência do car cinoma hepatocelular em cirróticos tratados com essa substân cia e acompanhados durante 5 anos. Demonstrou-se que ela aumenta a produção das interleucinas 1B e 6 e do fator alfa de necrose tumoral e diminui a aumentada produção de interleu cina 4 e 5, frequentemente vista nos portadores de hepatite C. Por outro lado, há relatos de pacientes que agravaram a hepatite
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 795 -------
T-------
Quadro 71.17 Plantas mediànais potencialmente hepatotóxicas e suas principais manifestações hepatotóxicas Alcaloides da pirrolizidina
Valeriana officinalis (Valeriana)
Crota/ária, Senécia Heliotropium Symphytum officina/e (Confrei)
Hepatite aguda
Ervas chinesas: Jin bu huan, ma-huang, syo-saiko-to Hepatites aguda e crônica Fibrose - Colestase Esteatose microvesicular
Cassio angustifa/ia (Sene)
Margosa oi/ (Nim)
Plantaga ovata (lsabgol)
Germander (Erva cavalinha)
Piper methysticum (Cavacava)
Croton cajucara benth (Sacaca)
Come/lia sinensis (Chá verde)
Rhamnus purshiana (Cáscara-sagrada)
Larrea tridentata (Chaparral)
Síndrome de obstrução sinusoidal Hepatite aguda
Hepatite aguda Hepatite fulminante Hepatite crônica Cirrose Hepatite aguda Hepatite fulminante
Síndrome de Reye Esteatose microvesicular
Hepatite de células gigantes
Hepatite aguda Colestase Hepatite fulminante
Hepatite aguda Hepatite fulminante Hepatite crônica
Hepatite colestática Hipertensão portal
Colestase, colangite Hepatite crônica Cirrose
Figura 71.4 Presença de plugues biliares, infiltrado inflamatório lobular com degeneração balonizante, necrose perivenular, HE 400x, após uso prolongado de chá de confrei. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
C com seu uso. Ma-huang tem como constituinte a efedrina. É
relacionada com casos de hepatite grave. Acompanhamos um paciente com hepatite aguda com manifestação colestática que evoluiu para cura, mas com remissão arrastada da icterícia e normalização da GGT e fosfatase alcalina após 3 meses da sus pensão da droga. •
Sacaca (Croton cajucara benth)
Planta comum na Amazônia, usada popularmente para tra tamento da obesidade e hipercolesterolemia, pode causar hepa tites agudas, crônicas e mesmo fulminantes. Em um caso visto por nós, ocorreu hepatite aguda colestática grave, com norma lização demorada das provas funcionais hepáticas, em torno de
4 meses
após a suspensão da droga. Com a sua reintrodução, houve reaparecimento das manifestações clínicas e bioquímicas de hepatite aguda, semelhante à forma inicial, que evoluiu para cura após a retirada da substância. Esta evolução clínica sugere um provável mecanismo de hipersensibilidade. •
Chá verde (Carne/liasinensis)
É uma das bebidas mais consumidas no mundo, além de ser uilizada t como planta medicinal. Alguns poucos casos de hepa tite do tipo misto têm sido descritos com seu uso, normalmente de evolução benigna com resolução em torno de 2 meses, ha vendo relato, no entanto, da necessidade de transplante hepá tico em uma paciente, embora, neste caso, houvesse também
796 Capítulo 71 I Fígado e Drogas crito recentemente um total de 28 casos de hepatites induzidas por Herbalifé�, e, em dois, houve evolução para forma fulmi nante, necessitando de transplante hepático.
•
Toxinas ambientais e industriais As toxinas ambientais e industriais podem acarretar doença
hepática aguda, subaguda ou crônica, estando a manifestação clínica relacionada com o tempo da exposição e com a dose empregada. São drogas previsíveis, não se limitando apenas à produção de lesões hepáticas, havendo, também, alterações renais, gastrintestinais e cardiovasculares. As principais toxinas industriais e ambientais que podem produzir doença hepática estão incluídas no Quadro 71.18. Trabalhadores em contato com cloreto de vinila são mais acometidos por angiossarcoma hepático que a população em geral. A ingestão aguda de arsênico é associada à síndrome de
Figura 71.5 Hepatite aguda por chá verde. Nota-se infiltrado inflama tório portallinfocitário com presença de alguns eosinófilos e atividade necroinflamatória em placa limitante, HE 400X. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
obstrução sinusoidal. Seu uso crônico produz lesões hepáticas variadas, como fibrose, cirrose e angiossarcoma. Diversos casos de hepatite aguda devido à contaminação acidental com hidro
clorofluorcarbooo (HCFC) foram relatados. Estas drogas têm a mesma via metabólica do halotano, e anticorpos anti-P450 2El
abuso alcoólico. A nossa experiência restringe-se a dois pacien tes, um com hepatite colestática, que evoluiu para cura de modo arrastado, necessitando de 4 meses para normalização dos exa mes hepáticos, e outro com quadro citolítico, que evoluiu para cura em 30 dias após suspensão da droga (Figura 71.5).
• Cavacava (Pípermethystícum)
ou P58, que são associados às hepatites pelo halotano, também foram detectados em muitos pacientes.
•
Pesticidas Os pesticidas englobam as substâncias usadas como fun
gicidas, raticidas, herbicidas e inseticidas, entre outras, sendo
Vários relatos de hepatite aguda têm sido apresentados, al guns com evolução grave, evoluindo para transplante hepático e, mesmo, para morte.
relativamente baixa a incidência de lesão hepática aguda pelo seu uso. Podem causar também lesões hepáticas crônicas, e
• Sene (Cassio angustífolía)
lipossolúveis, que facilmente penetram na membrana celular, sendo estocados no seu interior. Os mais empregados são: DDT,
Utilizado como laxante, foi responsabilizado por hepatite aguda em um paciente que o utilizava em doses elevadas.
• Porangaba (Cordía salícífolía)
Conhecida também como cafezinho, chá-de-mato, chá-de bugre, chá-de-frade, tem como constituinte a alantoína. Foi responsável por lesão tipo hepatocelular em uma nossa pa ciente, com elevações discretas das aminotransferases e rápida
algumas delas, como o DDT, são potencialmente carcinogêni cas. Os inseticidas organoclorados são compostos não polares,
Aldrin, Lindane, Kepone e Mirex. Os animais de experimenta ção submetidos ao contato prolongado com essas substâncias
-------
Usado na constituição de muitos laxantes, tem sido rela cionado como causador de hepatite aguda, com presença de fibrose e células gigantes na histologia hepática.
--------�-
Quadro 71.18 Toxinas industriais e ambientais que podem produzir doença hepática
normalização com a suspensão do chá.
• lsabgol (Piantago ovata)
·
Tipo de lesão
Agente
1. AGUDA Citotóxica
CCw tricloroetileno, tricloroetano, tetracloroetano, fósforo amarelo, cobre, manganês, sais de ferro, selênio, antimônio, arsênico, Amanita pha/loides, micotoxinas
Vários casos de hepatite aguda têm sido relatados com seu uso, inclusive com hepatite fulminante.
Co/estática
4,4-d iaminidifenil-metano
• Poejo (Menthapulegíum L)
Necrose hepática
Trinitrotolueno (TNT), cloronaftalenos, dioxinas, hexaclorobenzeno, micotoxinas
Síndrome de obstrução sinusoidal
Alcaloides pirrolizidínicos (encontrados em algumas plantas, como: Senecio, Crotalaria)
• Valeriana (Valeríana offlcínallís)
Seu constituinte tóxico é a pulegona, que tem como via me tabólica o sistema enzimático CYP2E 1, e pode produzir hepatite aguda e, mesmo, hepatite fulminante. O tratamento é o mesmo da hepatite por acetaminofeno, com administração rápida de n-acetilcisteína.
• Herbalife® A combinação de ervas para induzir perda de peso tem sido reconhecida como potencial causa de doença hepática. Foi des-
2. SUBAGUDA (subagudaJ
3. CRÔNICA Cirrose
CC,., TNT, dioxinas, arsênico, micotoxinas, alcaloides pirrolizidínicos, cloreto de vinila (plástico PVC)
Carcinoma
Nitrosaminas, micotoxinas
Angiossarcoma
Arsênico, cloreto de vinila
Capítulo 71 I Fígado e Drogas 797 têm desenvolvido tumores hepáticos. Além do mais, o DDT e seus similares são muito estáveis e apresentam uma baixa so lubilidade, favorecendo sua permanência no meio ambiente por vários anos. Estas características, associadas ao seu grande poder indutor do sistema P-450, tornam essas drogas um sério problema ecológico. Certos herbicidas, como a dibenzodioxina e o paraquat, também podem ser responsáveis pelo desenvol vimento de necrose hepática.
•
MANUSEIO DE MEDICAMENTOS EM PORTADORES DE DOENÇA HEPÁTICA
A doença hepática pode alterar substancialmente a farmaco dinâmica de várias drogas, não só pela diminuição da atividade enzimática provocada pela própria insuficiência funcional do órgão, como também pela redução do fluxo sanguíneo hepático, desviado pelos shunts portossistêmicos intra- ou e.xtra-hepáti cos. Associa-se a esses fatores a hipoalbuminemia, observada, com frequência, em portadores de doença hepática. Os pacientes com hepatopatias agudas apresentam dimi nuição da atividade enzimática, devido à lesão parenquima tosa, havendo aumento da disponibilidade sistêmica de certas drogas pela redução do clareamento hepático. Nesses casos, o fluxo sanguíneo hepático está normal ou até aumentado, não afetando, inicialmente, o clareamento das drogas com altas ta xas de excreção, como o propranolol, mas principalmente da quelas que têm baixas taxas de excreção, como o diazepam, cuja eliminação está relacionada primordialmente com a inte gridade do hepatócito. Nos portadores de cirrose hepática, a disponibilidade dos medicamentos é mediada por numerosos fatores. A doença hepática crônica, com consequente diminuição da massa ce lular funcionante, acarreta redução da atividade enzimática, alterando a capacidade intrínseca do fígado para eliminar as drogas, modificando profundamente o metabolismo e a elimi nação de algumas delas. As derivações portossistêmicas pro vocadas pela hipertensão portal diminuem a eliminação das drogas, sobretudo daquelas com altas taxas de excreção, como o propranolol e a lidocaína. Elas retardam a sua eliminação pré-sistêmica pelo desvio do fluxo sanguíneo hepático, aumen tando, consequentemente, a disponibilidade sistêmica do me dicamento e, em virtude disso, podendo também aumentar os efeitos colaterais determinados por esses fármacos. A hipoal buminemia que ocorre na cirrose hepática relaciona-se com a taxa de ligação proteica das drogas, acarretando aumento do volume de distribuição da fração não ligada às proteínas séri cas, aumentando também a sua biodisponibilidade, o que tem sido demonstrado com certas substâncias, como o diazepam e a ampicilina, entre outras. Alguns medicamentos, como a digoxina, têm sua eliminação pouco alterada com a insuficiência hepática, porque são fraca mente metabolizados pelo fígado e têm alta taxa de excreção renal. Na maioria dos casos, as substâncias que requerem trans formação hepática para sua eliminação têm depuração altera da. Isso deve ser sempre levado em consideração quando são medicados portadores de hepatopatias, assinalando-se, ainda, como já foi descrito, que o comportamento dos pacientes com doença hepática aguda difere daqueles com hepatopatias crô nicas perante as drogas. Além do mais, os casos com doença descompensada, manifestada pela presença de icterícia, ascite ou encefalopatia, reagem diferentemente daqueles cuja lesão é menos grave.
Os derivados benzodiazepínicos, como o clordiazepóxido e o diazepam, são inicialmente oxidados (fase I) para, a seguir, serem conjugados com o ácido glicurônico (fase II), sendo eli minados na urina como glicuronídios. Os portadores de hepa topatias agudas e crônicas apresentam redução do clareamen to e aumento da meia-vida dessas substâncias. Os inibidores enzimáticos, como a cimetidine, que frenam a via oxidativa, reduzem o metabolismo do diazepam, prolongando sua eli minação, aumentando seus efeitos indesejáveis. Os compostos como o oxazepam e o lorazepam, que necessitam da fase oxi dativa, sendo conjugados diretamente com o ácido glicurôni co, não têm seu metabolismo alterado com a doença hepática. Inversamente ao que ocorre com outros derivados benzodiaze pínicos, eles não apresentam alterações metabólicas se usados concomitantemente com drogas inibidoras enzimáticas, sendo então os tranquilizantes mais seguros a serem indicados para os pacientes com insuficiência hepática. O meprobamato é uma substância que apresenta um pro nunciado aumento da sua meia-vida de eliminação nos cirró ticos e nos pacientes com hepatites agudas. Não há alterações significativas no metabolismo e elimina ção da clorpromazina nos cirróticos. Para explicar o aumento dos efeitos indesejáveis que ela acarreta, tem-se sugerido um provável aumento da sensibilidade cerebral dos hepatopatas a essa droga. A meia-vida de eliminação do fenobarbital está aumentada em até uma vez e meia, havendo redução da excreção urinária dos seus metabólitos. Alterações do metabolismo de outros derivados barbitúricos têm sido demonstradas, provavelmente relacionadas com a hipoalbuminemia que se observa em he patopatas crônicos. A morfina é metabolizada pela conjugação com o ácido gli curônico, sendo eliminada na bile e na urina. Os portadores de hepatopatias apresentam pequena alteração do metabolismo dessa substância, possivelmente relacionada com a taxa de al bumina sérica. No entanto, os pacientes cirróticos têm marcada sensibilidade para a morfina, de modo semelhante ao que se observa com a clorpromazina. O clareamento sistêmico da meperidina está diminuído nos portadores de hepatite aguda, em consequência da redução da atividade enzimática, como também nos hepatopatas crônicos em virtude de formação de derivações portossistêmicas. O metabolismo da fenilbutazona está pouco alterado nos hepatopatas, havendo discreto aumento da sua meia-vida plas mática, com redução na sua excreção. Os salicilatos apresentam metabolismo retardado em pa cientes cirróticos pela hipoalbuminemia e pela redução da eli minação pré-sistêmica. A transformação da prednisona em prednisolona, que é o composto ativo, é feita através do metabolismo hepático. Nos hepatopatas, uma menor concentração do composto ativo tem sido demonstrada, quando se usa prednisona, enquanto maiores níveis são obtidos com a prednisolona. No entanto, não se evidenciaram diferenças significativas nos resultados quando se utiliza qualquer das duas drogas. Os pacientes com hipoalbuminemia e que recebem tratamento prolongado com esteroides desenvolvem mais intensos e mais graves efeitos colaterais pela maior quantidade de droga livre não ligada às proteínas plasmáticas, duplicando esses efeitos indesejá veis quando a concentração de albumina sérica é menor que 2,5 g/100 mf. Algumas substâncias antimicrobianas têm seu metabolismo alterado nos portadores de doença hepática, geralmente com aumento da sua meia-vida de eliminação. Ampicilina, lincomi-
798 Capítulo 71 I Fígado e Drogas cina, clindamicina, rifampicina, isoniazida, cloranfenicol são exemplos de medicamentos que necessitam ser usados caute losamente nos hepatopatas. Outros antibióticos, como as pe nicilinas, e as cefalosporinas podem ser usados com segurança,
ca norteia o uso de muitos medicamentos nos portadores de insuficiência renal, os testes de função hepática não refletem,
devendo ajustarem-se as doses, no entanto, quando em pre sença de insuficiência hepatorrenal. As tetraciclinas devem ser evitadas, nos pacientes com grave insuficiência hepática, pelo seu potencial hepatotóxico. Dentre os medicamentos usados rotineiramente no trata mento das doenças cardíacas, a digoxina mantém seu metabo lismo e eliminação normal nos hepatopatas, enquanto a digito
No entanto, alguns conceitos têm contribuído para um uso mais racional dos medicamentos nos cirróticos. A classificação
xina apresenta ligeiro aumento na sua meia-vida de eliminação.
A quinidina, a lidocaína e o propranolol têm seu metabolismo alterado substancialmente, apresentando grande diminuição de seu clareamento, aumento de sua meia-vida de eliminação e de seu volume de distribuição. Devido a essas modificações meta bólicas, esses fármacos devem ser usados com extrema cautela nos pacientes com hepatopatias graves, devendo-se fazer um ajuste da dose do medicamento. O etanol é um indutor enzimático que aumenta a tolerância para os medicamentos em portadores de doença hepática. No entanto, os alcoolistas crônicos são mais sensíveis à ação de vá rias substâncias. Possivelmente, tal fato se deve à ação aditiva do etano! e dos medicamentos sobre o sistema nervoso central. O mais provável é que, quando ingerido em altas doses, ele iniba a metabolização de várias drogas. O paracetamol (acetaminofeno) é um analgésico seguro em pacientes não hepatopatas, nas doses de 80 mg/kg em crian ças e 2 g/dia para os adultos. Uma decisão clínica importante é a necessidade de utilizarmos medicamentos potencialmente hepatotóxicos em portadores de hepatopatias agudas ou crô nicas. Embora seja um dos principais responsáveis por grande parte das doenças hepáticas nduzidas i por drogas, ele é ainda considerado um medicamento seguro, desde que respeitadas as recomendações técnicas, não apresentando os efeitos colaterais do ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios não hormonais. Nos casos das hepatopatias agudas, os dados da literatura são contraditórios. O paracetamol começa a ser empregado antes das manifestações da doença, ficando difícil definir se as ma nifestações bioquímicas encontradas são de responsabilidade deste medicamento. Já nos portadores de hepatopatias crônicas com hipertensão portal, o acetaminofeno atinge a circulação sistêmica mais rapidamente que entre os indivíduos normais. Foi demonstrado também que o estado hemodinâmico dos pa cientes é um fator importante na concentração plasmática da droga, provavelmente pela diminuição da eliminação da pri meira passagem da droga, em virtude da formação dos shunts portossistêmicos. Para concluir, o paracetamol pode ser usado em portadores de hepatopatias, desde que respeitadas algumas orientações como: a) não ultrapassar 4 g/dia e espaçar as doses com intervalos de 6 h; b) em caso de alcoolistas cônicos, evitar a medicação se houver doença hepática concomitante, ou limitá-la a 2 g/dia; c) nos casos de hepatites agudas, não exceder 2 g!dia com doses cumulativas de no máximo 7 a 8 g. A maior dificuldade para o manuseio seguro de uma droga em um paciente acometido de doença hepática é a inexistência de um parâmetro confiável, que possa ser avaliado rotineira mente e que forneça uma relação entre o grau de insuficiência hepática e o ajuste a ser feito na dose da substância adminis trada. Enquanto a determinação das taxas de creatinina séri-
de modo satisfatório, a evolução do metabolismo das drogas usadas em hepatopatas.
de Child-Pugh é um método usado para acessar a gravida de da doença hepática e estimar seu prognóstico. Admite-se, também, que ele possa ser útil no ajuste da terapêutica a ser utilizada pelos cirróticos. Assim, pacientes com cirrose hepá tica compensada, Child-Pugh A, têm provavelmente mínimas alterações do clareamento das drogas. Neste caso, doses nor mais podem ser prescritas inicialmente para estes pacientes. Já aqueles com doença hepática grave, Child-Pugh C, neces sitam pelo menos de uma redução inicial de 50% da dose dos medicamentos que são metabolizados pelo fígado. As drogas eliminadas por glicuronização devem ser preferidas àquelas eliminadas por oxidação. A administração oral dos medica mentos, com altas taxas de excreção hepática, deve ser cuida dosa, com redução na sua dosagem usual, em virtude da pos sibilidade de maior concentração sanguínea. A sensibilidade aumentada dos cirróticos para muitos medicamentos como diuréticos, sedativos, aminoglicosídios, entre outros, deve ser lembrada no seu manuseio. Assim sendo, a administração de medicamentos aos pacientes com doença hepática deve ser cri teriosa, individualizando-se a dose de acordo com a resposta terapêutica a ser obtida.
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LEITURA RECOMENDADA
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Doença Cística H epato b i l i a r Marcos Vinicius Perini e Paulo Herman
•
INTRODUÇÃO
As lesões dsticas do fígado pertencem a um grupo hete rogêneo de doenças com diferentes etiologias, prevalências, manifestações clínicas e prognóstico. Podem-se classificar os
cistos em: cistos hepáticos simples, doença polidstica hepá tica, cistos neoplásicos (cistadenoma e cistadenocarcinoma), cistos parasitários (equinocócicos) e cistos biliares (cistos de colédoco). A maior parte das lesões cfsticas do fígado é achado de exames, sendo poucos os casos que realmente levam a sin tomas. A grande maioria das lesões diagnosticadas em exames de rotina apresenta bom prognóstico. As lesões maiores são as que geralmente levam a sintomas compressivos, hemorragia intracística ou peritoneal, compressão biliar e infecção. Raros são os casos de degeneração maligna (a partir dos cistadeno mas), ou choque anafilático (ruptura de um cisto hidático), ou choque hemorrágico (ruptura intraperitoneal). Iremos a seguir descrever as principais lesões císticas do figado. •
CISTOS HEPÁTICOS SIMPlES
•
Definição
Cisto hepático simples é definido como a formação cística contendo fluido claro e que não se comunica com o epitélio biliar. Embora bastante comum (podendo chegar até a 1% de incidência em necropsias), geralmente não atinge grandes di mensões e muito raramente provoca sintomas. Há descrições na literatura de cistos gigantes contendo até 17 (de fluido. Existe uma predominância no lobo direito e em mulheres (relação mulher:homem de 1,5:1 em pacientes assintomáticos e 9:1 em pacientes sintomáticos). Grandes cistos podem causar atrofia do lobo hepático com hipertrofia contralateral. Complicações como hemorragia espontânea, infecção, torção, obstrução biliar são mais comuns em cistos grandes. •
Diagnóstico
A distinção entre cisto simples, cistadenoma, cistadenocar cinoma e cisto hidático nem sempre é fácil. Entretanto, a dife renciação entre estas lesões é primordial em virtude dos dife800
rentes tratamentos e prognósticos. A ultrassonografia (USG) deve ser realizada e irá demonstrar área anecoica unilocular preenchida por líquido sem paredes visíveis, que. associada à clínica do paciente, permitirá a distinção entre diferentes lesões dsticas (abscessos, tumor maligno necrótico ou hemangiomas). A tomografia computadorizada (TC) irá demonstrar lesão bem delimitada preenchida por líquido com atenuação semelhante à água, sem alteração após a injeção de contraste intravenoso. Estas lesões costumam não apresentar septos. A ressonância magnética (RM) também demonstrará presença de líquido com atenuação de água (baixo sinal em Tl e alto sinal em T2). •
Histologia e aspirado
Amostra do tecido raramente é necessária para o diagnós tico; entretanto, quando presente, os seguintes critérios devem ser adotados: a. Camada externa de tecido fibroso denso fino. b. Camada interna composta por epitélio cuboidal ou colu nar com apenas uma camada de células, podendo estar ausente em parte do cisto. c. Ausência de estroma mesenquimal ou atipia. O líquido do cisto é estéril
e a citologia oncótica, negativa. Dosagem de CEA pode ser realizada (altos níveis de CEA po dem ser encontrados no cistadenocarcinoma), mas a verdadeira acurácia desta medida ainda não está bem definida. •
Tratamento
A maior parte das lesões dsticas não requer tratamento, entretanto lesões com mais de 4 em devem ser acompanhadas com USG, inicialmente a cada 3 meses e, depois, a cada 6 a 12 meses, com o intuito de avaliar a estabilidade das lesões. Se os cistos se mantiveram estáveis em 3 a 4 anos de seguimento, alguns autores não aconselham prosseguir com o seguimento. Se houver aumento no tamanho das lesões ou aparecimento de sintomas, a suspeita de tratar-se de outra entidade deve ser aventada (cistadenoma, cistadenocarcinoma ou outra lesão dstica neoplásica). Cistos simples geralmente causam sinto mas somente quando assumem proporções maiores, devendo se investigar outras causas quando de lesões menores. A pun-
Capítulo 72 I Doença Cística Hepatobiliar 801 ção percutânea com intuito de diagnosticar ou eventualmente aliviar os sintomas pode ser realizada; no entanto, índices de recidiva próximos a 100% são observados, o que explica a não aceitação deste procedimento pela maioria dos autores. A injeção de agentes esclerosantes (como álcool), derivação interna (cistojejunostomia), destelhamento ou ressecções hepá ticas são as formas de tratamento mais empregadas. A injeção de substâncias esclerosantes está associada a altas taxas de re corrência e complicações não desprezíveis. O destelhamento, quando n i dicado, é o procedimento de escolha, estando associa do a baixas taxas de recorrência e baixo índice de complicações. O destelhamento videolaparoscópico provou ser eficaz, com baixas taxas de complicações, principalmente por apresentar melhor recuperação pós-operatória e melhor efeito estético. Em algumas situações, a laparoscopia apresenta dificuldades técnicas, quando os cistos se encontram nos segmentos poste riores e superiores do fígado. Figura 72.1 TC: Cistadenoma biliar. •
CISTADENOMA Cistadenoma hepatobiliar é uma lesão cística do fígado rara,
considerada neoplásica, que acomete principalmente mulhe
•
res, localizada no fígado e eventualmente na via biliar extra hepática. A transformação maligna pode ser observada em até
15% dos casos, e a experiência na literatura mostra resultados de casos e algumas séries de poucos pacientes em centros es pecializados. Alguns autores sugerem que essas lesões apresen
CISTADENOCARCINOMA É proveniente da transformação maligna do cistadenoma.
Acomete mais comumente idosos, embora possa ocorrer em qualquer idade. Seu prognóstico é melhor que o do colangio carcinoma, muito embora tenha capacidade de metastatização local e a distância.
tam-se mais comumente no lobo hepático direito. São lesões que podem crescer e atingir grandes dimensões e, geralmente, requerem tratamento cirúrgico mais pelo risco de degeneração maligna do que pelo próprio tamanho. Os principais sintomas são sensação de peso no andar superior do abdome, descon forto abdominal e anorexia. Entretanto, muitos pacientes são assintomáicos. t
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Diagnóstico
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A distinção entre cistadenoma e cistadenocarcinoma pode ser difícil imagenologicamente. Os cistadenocarcinomas geral mente são multiloculares e apresentam espessamento em sua parede que pode levar à formação de massas que protruem para o interior do cisto. A punção para diagnóstico pré-operatório carreia risco de sangramento e mplantes i peritoneais, não sendo indicada rotineiramente.
A USG de abdome pode revelar lesão hipoecoica com pre sença de septos; parede irregular e espessada, com eventuais
debris ou formações nodulares no seu interior também podem ser observados. Estes achados devem ser diferenciados dos cis
tos simples com complicações como sangramento. A TC, o
cisto se apre.senta como massa hipoatenuante que pode ser uni ou multilocular, com septações. A parede do cisto é irregular e espessada, com realce ao contraste.
Diagnóstico
•
Tratamento
Quando da suspeita de cistadenocarcinoma, a hepatectomia regrada está indicada, não sendo recomendada a enucleação da lesão, pois é necessária uma margem de segurança; a necessida de da linfadenectomia hilar não está comprovada. Os resultados da quimioterapia sistêmica não são muito bem conhecidos.
O diagnóstico é estabelecido através do exame anatomo
patológico que irá demonstrar lesão cística multilocular, com parede espessada, revestida por células biliares cuboidais secre toras de muco ancoradas em parênquima estromal semelhante a tecido ovariano. O material do cisto apresenta geralmente cor achocolatado.
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Tratamento A ressecção, realizada através da cistectomia, é o tratamento
de escolha, uma vez que transformação maligna pode ser ob servada em até 15% dos casos. A remoção parcial e a aspiração estão associadas à recidiva e a pior prognóstico. A hepatec tomia deve ser considerada sempre que houver a suspeita de malignidade, uma vez que a diferenciação entre cistadenoma e cistadenocarcinoma nem sempre é possível.
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CISTO HIDÁTICO ( EQUINOCÓCICO)
Cisto hidático é causado pelas larvas do Echinococcus gra nulosus adquiridas de cachorros infectados. O Echinococcus granulosus é o menor dos cestódeos e apresenta tamanho que varia de 4 a 6 mm. É mais comumente observado no sul do Brasil e na Argenina t platina, onde a criação de caprinos é mais comum. O cão é o hospedeiro definitivo, albergando o verme adulto que libera as proglotes grávidas contendo os ovos que chegam ao ambiente junto com suas fezes. Esses ovos contami nam a água, o solo, e chegam às pastagens, onde são ingeridos pelos hospedeiros intermediários (ovinos, bovinos e suínos), nos quais se formam os cistos. Os ovinos desenvolvem a maior porcentagem de cistos viáveis. O homem é um hospedeiro aci dental e se infecta ao ingerir os ovos em vegetais ou na água
802
Capitulo 72
I Doença Clstico Hepotobilior ritônio (peritonite), para a árvore pulmonar (fistula brônquica e hidatidose pulmonar) ou podem infectar (abscesso). Quando ocorre a ruptura para a cavidade peritoneal, pode haver rea ção anafilática e eventualmente choque anafilático, sendo esta complicação a mais grave de todas. A tomografia computadorizada e a ultrassonografia são os métodos mais comumente empregados para o diagnóstico. As reações sorológicas mais empregadas são reação de fixação do complemento, m i unofluorescência indireta e EUSA.
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Figura 12.2 Clstadenocarclnoma do frgado à TC: paredes espessas e irregulares, nodosidades.
con taminada. Ele pode se infectar também pelo contato estreito com o cão portador. As lesões se constituem de cistos reple tos de fluidos e revestidos por membrana derivada do parasito contendo epitélio germinativo e acometem principalmente o figado, mas também podem ser encontradas no pulmão. O cisto pode ser dividido em três elementos: membrana (capa externa e capa interna chamada de germinativa), conteúdo {líquido claro que contém milhares de ganchos e uma grande quanti dade de antígenos) e membrana ao redor do cisto (membrana peridstica ou adventícia). O crescimento do cisto é lento (cerca de 3 mm/ano), e a calcificação da adventícia ocorre em até 40% dos casos. Como o crescimento é lento, geralmente os cistos cursam assintomá ticos até atingirem grandes proporções. No figado, acometem preferencialmente o lobo direito e crescem do interior do figa do para a periferia. Em cerca de 20 a 30% dos casos, os cistos são múltiplos, sendo, na maioria, únicos. O pulmão pode estar acometido em cerca de 15% dos casos.
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Diagnóstico
O diagnóstico se baseia na história clínica, epidemiologia, sorologia e nos exames de imagem. Leucopenia, trombocito penia e eosinofilia, associadas ou não a alterações nas enzimas hepáticas, podem ser encontradas. Cerca de 90% dos pacien tes apresentam envolvimento de apenas um órgão, e 70% têm um único cisto. O lobo direito do figado é o mais comumente afetado (cerca de 60 a 85%). Os pacientes geralmente são assintomáticos e os sintomas, quando presentes, são devidos a compressão, ruptura intraperi toneal, infecção e obstrução biliar. Em até 50% dos casos, pode haver algum tipo de complicação, representada pela ruptura para as vias biliares, infecção e ruptura para o peritônio. Quan do a ruptura do cisto acontece para o interior da via biliar, que ocorre em até 35% dos casos, pode existir icterícia obstrutiva, colangite ou pancreatite aguda. Dependendo da localização e do tamanho das lesões, pode haver compressão do sistema portal (resultando em hiperten são portal), da veia cava (edema de membros inferiores), da via biliar (icterícia) ou das veias hepáticas (síndrome de Budd Chiari). Os cistos hepáticos também podem romper para o pe-
Tratamento
O tratamento cirúrgico fica reservado aos casos de cistos grandes (> 1O em), cistos superficiais com risco elevado de rup tura, ou cistos com complicações (obstrução biliar, venosa, por tal ou infecção). A taxa de sucesso do tratamento cirúrgico gira ao redor de 90%. As contraindicações clássicas à ressecção são: condições clinicas precárias, idade avançada, mulheres grávidas, pacientes com múltiplos e difusos cistos, pacientes com cistos mortos ou calcificados. O tratamento cirúrgico deve promover a ressecção completa do cisto, através da cistectomia ou da hepa tectomia, sem que ocorra o extravasamento do líquido do cisto para a cavidade abdominal ou para a corrente sanguínea Para sso, i a punção do cisto, seu esvaziamento e a injeção de substân cia escolicida, além dos cuidados cirúrgicos, devem ser realizados com o intuito de diminuir a chance de ruptura do cisto. Solução de sódio a 20% pode ser utilizada para a esclerose do cisto, asso ciada à infusão de albendazol ou mebendazol intracística. A cistectomia e a ressecção hepática apresentam resultados a curto e a longo prazos melhores do que a marsupialização, drenagem interna ou externa e omentoplastia, quer seja pelo menor incüce de complicações pós-operatórias imediatas, quer pelo menor risco de recidiva da lesão. A aplicação de soluções esclerosantes no cisto (álcool, solução hipertônica ou formali na) não apresenta dados científicos contundentes defendendo seu uso. A injeção de albendarol intracisto mostrou ser efetiva na esterilização do cisto em apenas um estudo. O tratamento pré-operatório com agentes escolecidas, além de diminuir a chance de disseminação da doença por lesão inadvertida, pa rece facilitar a ressecção por diminuir a tensão no cisto. Se no intraoperatório houver lesão de um dos cistos com contami nação da cavidade peritoneal, o tratamento com albendazol ou mebendazol deve ser instituído. A Organização Mundial da Saúde recomenda o tratamento pré-operatório por aproximadamente 30 dias até no mínimo 4 dias antes da operação, devendo perdurar por cerca de 1 mês (albendazol) ou 3 meses (mebendazol) depois do tratamento cirúrgico. O tratamento medicamentoso de forma siolada não é sufi.cientepara a erracücação da doença, devendo ser utilizado associadamente à cirurgia. A ressecção pode ser realizada por laparoscopia, embo ra não haja nenhum estudo comparativo. As lesões localiza das nos segmentos anteriores do figado são as mais acessíveis por videolaparoscopia O pneumoperitônio parece aumentar a chance de cüsseminação peritoneal quando da ruptura aci dental do cisto. Outra técnica menos invasiva consiste na punção, aspiração, injeção (solução escolicida) e aspiração transcutânea. Reserva da para casos selecionados (paciente com alto risco cirúrgico, gravidez), apresenta baixas taxas de complicações e altas taxas de sucesso. A OMS considera a aspiração transcutânea mé todo factível, bastante útil e de emprego crescente nas áreas onde a hidatidose é endêmica e representa um problema de saúde pública.
Capítulo 72 I Doença Cística Hepatobiliar 803 inúmeros cistos, observada nestes pacientes, leva a um grande desconforto, n i terferindo diretamente na qualidade de vida dos pacientes. A ressecção hepática pode ser realizada em pacientes muito sintomáticos em casos selecionados, sendo reservada a centros especiaizados. l O transplante duplo (hepático e renal) pode ser realizado em pacientes com quadros de insuficiência renal crônica e doença hepática muito sintomática. Alguns estudos demonstraram que a utilização de agentes imunossupressores como o sirolimus pode reduzir o crescimento das lesões hepáticas por inibição do crescimento dos cistos. Já outros estudos mostram que a utilização de bloqueadores H2 e análogos da somatostatina podem também reduzir o cresci mento destas lesões.
Figura 72.3 Cisto hidático do fígado à TC. Múltiplas septações.
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DOENÇA POLICfSTICA HEPÁTICA
Trata-se de doença autossômica dominante que acomete ge ralmente pacientes com doença policística renal. A incidência de cistos hepáticos na doença policística renal aumenta com a idade, de aproximadamente 10% abaixo dos 30 anos para mais de 50% nos indivíduos com mais de 60 anos. A doença autos sômica policística hepática é diferente da doença policística renal, uma vez que não está associada a envolvimento renal ou aneurismas cerebrais. Duas mutações têm sido encontradas nesta doença: uma mutação no gene que codifica uma proteí na chamada hepatocistina e uma mutação no gene que codifica uma proteína no retículo endoplasmático. A maior parte dos pacientes apresenta função hepática pre servada e raramente eles apresentam dor ou infecção dos cistos. Dor aguda representa geralmente sangramento ou infecção. Do ponto de vista clínico, a grande hepatomegalia devido aos
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CISTOS BILIARES
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Definição
São dilatações congênitas da árvore biliar que podem ocor rer no interior do fígado ou na via biliar extra-hepática. São também conhecidos como cistos de colédoco (CC). Apresen tam incidência de 1:100.000 ndivíduos, i sendo mais comuns no Oriente do que no Ocidente, com uma relação mulher:homem de 3:1. Comumente diagnosticados em crianças, nos últimos anos número maior de casos tem sido descrito em adultos. Os achados histológicos variam de processo inflamatório crônico com áreas de fibrose e reparação até regiões com displasia e adenocarcinoma. Quando presente, o carcinoma é mais comu mente encontrado na parede posterior do cisto. Em portado res de coledocele (tipo 3), a parede do cisto pode ser revestida por epitélio duodenal. Várias são as hipóteses de formação dos cistos, e atualmente a mais aceita descreve a presença de jun ção pancreatobilar anormal. Esta alteração, presente em mais de 70% dos casos, pode contribuir para o desenvolvimento de alterações malignas. Ajunção anormal é caracterizada por um canal comum de cerca de 2 em e pode representar falha de mi gração do dueto em direção do duodeno. Este canal comum longo predispõe ao refluxo de suco pancreático para a via biliar, o que ocasiona altos níveis de amilase no suco biliar, levando à formação de lesões no epitélio, inflamação, distensão e for mação do cisto. •
Figura 72.4 Doença policística hepática à TC.
Classificação
Os cistos de colédoco podem ser classificados em cinco tipos, primeiramente descritos por Alonso-Lej et al. e posteriormente modificados por Todani et al. Tipo 1: dilatação cística do colédoco, é o tipo mais comum (50 a 80%) e pode ser dividido em tipos lA, lB e lC, de acordo com sua extensão. Tipo 2: é o tipo mais raro (2 a 3%) e é um verdadeiro diver tículo da via biliar extra-hepática. Tipo 3: é representado pela dilatação da porção intrapan creática da via biliar, denominada coledocele. Tipo 4: envolve os casos de múltiplos cistos, tanto ntrai como extra-hepáticos. No tipo 4A, há dilatação da via biliar intra- e extra-hepática (e é o segundo tipo mais comum de cisto de co lédoco). Já no tipo 4B, ocorre dilatação somente na via biliar extra-hepática. Tipo 5: presença de múltiplas dilatações intra-hepáticas sem dilatação extra-hepática. Também conhecida como doença de Caroli.
804 Capítulo 72 I Doença Cística Hepatobiliar
Prancha 72.1 Aspectos laparoscópicos de cistos hepáticos. (Cortesia do Dr. Renato Dani, Belo Horizonte.) A. Cisto simples do fígado em mu lher de 45 anos, sintomática. Uma agulha fina recolhe líquido para exame. 8. Doença policística do fígado com grande cisto no lobo direito e
outros menores, esparsos (não incluídos na imagem). O paciente, de 79 anos, queixava-se de dor no hipocôndrio direito, e ele próprio palpava tumefação local. C. Doença policística do fígado, com cachos de pequenos cistos e alguns maiores. O. Mesmo caso mostrado em A, sendo tratado por injeção de álcool absoluto, sob controle laparoscópico. E. Tratamento do grande cisto mostrado em 8, evidenciando a intervenção de destelhamento executada sob controle laparoscópico. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capítulo 72 I Doença Cística Hepatobiliar 805 •
Quadro clínico
Criança com CC apresenta-se geralmente com hiperbilir rubinemia associada à massa palpável no hipocôndrio direito. A tríade de dor, icterícia e massa abdominal é encontrada em cerca de 10 a 60% das crianças. Já nos adultos, dor abdominal crônica e intermitente é o sintoma mais comum. Icterícia in termitente e colangite são outros sintomas associados. Pancrea tite aguda tem sido descrita em até 20% dos pacientes com CC, quando do diagnóstico, enquanto a litíase biliar, em apenas 8%. Pancreatite e cálculos ductais têm sido descritos mais comu mente nos CC tipo 3. Outros sintomas mais raros como per furação, sangramento e cirrose têm sido descritos.
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Diagnóstico
O exame mais comumente empregado para o diagnóstico é a ultrassonografia abdominal, que demonstra dilatação das vias biliares extra-hepáticas sem fator causal aparente (cálculo, tumor). Dor abdominal em cólica associada à dilatação da via biliar à USG, com elevação de fosfatase alcalina ou hiperbilir rubinemia. A RM com colangiografia (colangiorressonância) tem sido o método mais empregado atualmente, em detrimento da CPER A RM também fornece informações úteis quanto à presença de junção pancretobiliar anormal, demonstrando sua presença em até 75% dos casos. Entretanto, é menos sensível para o diagnóstico do que a CPER. A ultrassonografia endos cópica também fornece detalhes sobre a presença de cálculos associados, espessamento da parede do cisto, presença de tumor associadamente e consegue visualizar ajunção biliopancreática. A ultrassonografia intraductal (ainda não disponível em nosso meio) é capaz de identificar alterações precoces da presença de processo tumoral, sendo mais sensível do que a CPER clássica. Cistos de colédoco estão associados a risco aumentado de câncer da via biliar, sendo esta incidência variável com a idade do paciente: cerca de 0,7% em pacientes com menos de 10 anos; 6,8% em pacientes entre 1 1 e 20 anos; e 14,5% para pacientes com mais de 20 anos. Em pacientes idosos, incidência de 50% tem sido relatada, principalmente naqueles com cistos dos tipos 1 e 4. Câncer é menos comum em pacientes com coledocele, sen do mais comum em pacientes cujo cisto é revestido por epitélio biliar e não duodenal. Estas incidências são superestimadas, uma vez que somente cistos sintomáticos foram analisados. Há ndí i cios de que o câncer de pâncreas também seja mais comum nes tes pacientes. Nos indivíduos que apresentam junção anormal dos duetos biliar e pancreático, além do cisto de colédoco, risco de câncer do pâncreas e da vesícula biiar l está aumentado.
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Tratamento A ressecção total do cisto é o tratamento de escolha. Além
de eliminar o risco de câncer, colangite e litíase, a pancreatite também é evitada. A ressecção completa do cisto deve ser ten tada, entretanto em alguns casos a parede posterior, devido ao processo inflamatório e fibrótico, não pode ser ressecada; para tal, podemos lançar mão de duas alternativas: a ressecção ex tramucosa do cisto ou a ressecção das paredes anterior e late rais, deixando-se a mucosa da parede posterior para ser caute rizada, ou realizar a mucosectomia. A porção intrapancreática dos cistos tipo 1 pode ser tratada com dissecção intramural ao longo da parede do cisto. Se deixada, esta porção intrapancreá tica pode ser sede de transformação maligna ou formação de cálculos. A ressecção parece diminuir o risco de transformação maligna. Uma das principais complicações do tratamento é a estenose da anastomose biliodigestiva, levando à colangite de
repetição e até à cirrose hepática que pode ocorrer em até 20% dos casos. Alguns autores advogam a realização de colecistec tomia profilática em pacientes com junção pancreaticobiliar anormal, devido ao risco aumentado de câncer de vesícula bi liar. Já pacientes com coledococele podem ser tratados com esfincterotomia endoscópica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lesões císticas do fígado podem ser difíceis de manusear, uma vez que o diagnósico t de certeza muitas vezes só é confir mado através do anatomopatológico. Entretanto, as característi cas clínicas associadas aos achados radiológicos geralmente são suficientes para diferenciar os cistos simples das outras lesões císticas. Punção aspirativa geralmente não é necessária. Contudo, outras características alertam para o diagnóstico de cistadenoma, cistadenocarcinoma ou cisto hidático. Cistos grandes assintomá ticos e não complicados podem ser acompanhados nos primeiros anos. Crescimento, sintomas, presença de septações ou suspeita de lesão tumoral geralmente indicam tratamento cirúrgico. A sintomatologia apresentada pelos pacientes deve ser dis tinguida entre as outras causas de dor abdominal. Quando atribuída aos cistos simples de grandes proporções com des conforto abdominal ou compressão de órgãos vizinhos, o des telhamento laparoscópico é o método de escolha. A punção e aspiração percutânea devem ser evitadas. Quando da cirurgia, a inspeção da parede do cisto e o envio da parede deste para estu do histológico devem ser realizados rotineiramente. Se houver suspeita de neoplasia no intraoperatório, congelação da lesão deve ser realizada. Hidatidose deve ser descartada antes de ope rar estes pacientes, pelo risco de disseminação peritoneal e cho que anafilático. Cistadenomas podem ser tratados pela simples enucleação, e os pacientes portadores de cistadenocarcinomas devem ser submetidos a hepatectomias regradas.
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LEITURA RECOMENDADA
Benhamou, JP & Menu, Y. Non-parasitic cystic diseases ofthe liver and intra hepatic biliary tree. Em: Surgery ofthe liver and biliary tract, 2nd edition, Blumgart, LH (ed.}, Churchill Livingstone Inc., Nova York 1994. p. 1197. Franko, J, Nussbaum, ML, Morris, JB. Choledochal cyst cholangiocarcinoma arising from adenoma: case report anda review ofthe literature. Curr Surg, 2006; 63:281-4. Gamblin, TC, Holloway, SE, Heckman, JT, Geller, DA. Laparoscopic resection ofbenign hepatic cysts: a new standard. JAm Co/1 Surg, 2008; 207:731. Garcea, G, Pattenden, CJ, Stephenson, 1 et a/. Nine-year single-center experi ence with nonparastic liver cysts: diagnosis and management. Dig Dis Sei, 2007; 52:185. Gigot, JF, Legrand, M, Hubens, G et a/. Laparoscopic treatment ofnonparasitic liver cysts: adequate selection of patients and surgical technique. World J Surg, 1996; 20:556. Koperna, T, Vogl, S, Satzinger, U, Schulz, F. Nonparasitic cysts ofthe liver: Re sults and options ofsurgical treatment. World J Surg, 1997; 21:850. Ooi, LL, Cheong, LH, Mack, PO. Laparoscopic marsupialization ofliver cysts. Aust NZ J Surg, 1994; 64:262. Shaib, Y & El-Serag, HB. The epiderniology ofcholangiocarcinoma. Semin Liver Dis, 2004; 24:115-25. Review. Tan, SS, Tan, NC, Ibrahim, S, Tay, KH. Management ofadult choledochal cyst. Singapore Med J, 2007; 48:524-7. Taylor, BR & Langer, B. Current surgical management of hepatic cyst disease. AdvSurg, 1997; 31:127. Watson, DI, & Jamieson, GG. Laparoscopic fenestration ofgiant posterolateral liver cyst. J. Laparoendosc Surg, 1995; 5:255. Wiseman, K, Buczkowski, AK, Chung, SW, Francoeur, J, Schaeffer, D, Scudamore, CH. Epidemiology, presentation, diagnosis, and outcomes of choledochal cysts in adults in an urban environment. Am J Surg, 2005; 189:527-31. Woon, CY, Tan, YM, Oei, CL, Chung, AY, Chow, PK, Ooi, LL. Adult choledochal cysts: an audit ofsurgical management. A N Z J Surg, 2006; 76:981-6. Zacherl, J, Scheuba, C,Imhof, Meta/. Long-term results afterlaparoscopic unroof ing of solitary symptomatic congenital liver cysts. Surg. Endosc, 2000; 14:59.
A bscesso Piogênico do Fígado Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Roberto Franceschelli Neto, Renato Ferreira Letrinta, Lucas Souto Nacif, Raul Carlos Wahle e Hilton Muniz Leão Filho
A coleção purulenta que se instala no parênquima hepático re cebe a denominação de abscesso piogênico do fígado (APF). No início deste século, ganhou importância clínica por se apresentar como complicação de processos infecciosos intra-abdominais, gerando índices de mortalidade próximos de 80%, mesmo quan do acomete pacientes jovens. Essa evolução negativa relaciona va-se com a época, desprovida de recursos diagnósticos e tera pêuticos eficazes. Atualmente, a despeito dos avanços médicos, o tema ainda se reveste de grande interesse, pois, com a amplia ção da sobrevida média da população, os idosos passam também a ser afetados como vítimas da longevidade e instalação dessa grave doença. Além disso, o APF pode constituir complicação evolutiva dos transplantes de fígado, consequente à trombose de artéria hepática, ou complicar a síndrome de imunodeficiência adquirida, novas fronteiras da medicina moderna.
diferentes autores. Essa evolução relaciona-se com a obstrução biliar, neoplásica ou não, a qual facilita a colonização e absce dação dos duetos biliares. A mesma tendência evolutiva se ve rifica em pacientes com litíase biliar, câncer da vesícula biliar, colangite esclerosante e doenças congênitas das vias biliares, em especial a doença de Caroli, e naqueles pacientes tratados por anastomoses cirúrgicas biliodigestivas. Esse mesmo com portamento pode ser observado após implante de próteses en doscópicas ou radiológicas, visando à manipulação de áreas de estenoses (colangite esclerosante primária, doença de Caroli), situação que facilita o refluxo de suco entérico para o interior do parênquima hepático. A veia porta constitui a segunda fonte mais frequente de infecção, pois, a partir dela, processos infecciosos abdominais, como apendicite aguda, empiema de vesícula biliar, doença de Crohn, retocolite ulcerativa idiopática, diverticulite, perfura
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ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Relatos iniciais, datados de 1938, apontavam para a apendi cite aguda como agente etiológico principal. Atualmente, com a possibilidade de chegar rapidamente ao diagnóstico dessa doença e do tratamento cirúrgico imediato, novas entidades ganharam importância na instalação dos APF; entre elas: co lecistite aguda, coledocolitíase e colangites secundárias a obs truções malignas do trato biliar. Essa mudança não amenizou, no entanto, a prevalência do problema, responsável por 20 de 100.000 internações hospitalares realizadas entre os anos de 1973 e 1993 no ]ohns Hopkins Hospital, nos EUA. Nesse perío do, houve mudança nos aspectos epidemiológicos em conse quência da
maior incidência dessas lesões entre portadores de neoplasia maligna tratados com elevadas doses de quimioterá picos, ou em diabéticos descompensados, ou como complicação de necrose em tumores primários ou metastáticos dofígado, ou seguindo-se à manipulação desses tumores através da quimio embolização intra-arterial hepática. •
ASPECTOS ETIOPATOGÊNICOS
A via biliar constitui a principal fonte de infecção do fíga do, responsável por até 38% dos APF, segundo experiência de 806
ção de víscera oca, abscesso pancreático ou esplênico, podem estender-se ao parênquima hepático, denominados abscessos
pileflebíticos. A artéria hepática pode, da mesma forma, permi tir o acesso de agentes bacterianos ao fígado, embora em me nores proporções. Por essa via, chegam bactérias provenientes de endocardite, de infecções odontológicas e de outros focos distantes, como os pulmões e as vias urinárias, podendo, du rante surto bacteriêmico, gerar a formação de um APF, conse quência, por exemplo, da trombose desse vaso seguindo-se ao transplante de fígado. A contaminação direta do fígado através de biopsia percutâ nea, ou após um traumatismo penetrante, ou pela propagação de um processo infeccioso contíguo ao órgão, acontece em pro porções menores, mas deve ser lembrada. Apesar do avanço dos conhecimentos a propósito da etiopatogenia dos APF, não se consegue identificar clinicamente o fator desencadeante em até 37% das vezes, índice que se reduz para 3 a 11%, quando consideradas estatísticas provenientes de necropsias, segundo dados procedentes da Cleveland Clinic Foundation. Os principais microrganismos responsáveis pelos APF são E. coli, Klebsiella e Streptococcus sp. O aparecimento de outros microrganismos, como Pseudomonas, Staphylococcus, anae
róbios e fungos, relaciona-se, em geral, com a manipulação cirúrgica ou radiológica das vias biliares, bem como com o emprego de antibióticos de largo espectro atualmente em uso
Capítulo 73 I Abscesso Piogênico do Fígado 807 rotineiro. São mais raras as presenças de Clostridium welchii, Proteus vulgaris e Yersinia enterocolitica.
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ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
As manifestações clínicas não mudaram, apesar da nova realidade epidemiológica dos APF, sendo a febre o sinal clíni co mais frequente, observada em 70 a 90% dos casos, acompa nhada ou não de calafrio. Dor abdominal, astenia, hiporexia, náuseas, perda ponderai e dor referida no ombro direito podem fazer parte do quadro. lcterícia pode estar presente, sendo tida por alguns como sinal de prognóstico desfavorável. Ao exame físico, comprova-se frequentemente o aumento do volume do fígado, que se apresenta com bordas rombas, superfície macia, e doloroso à palpação. Esse quadro é mais comum entre a quarta e a quinta década de vida, mas, não sendo raro, hoje, o acome timento de pacientes entre 70 e 90 anos de idade. Os pacientes evoluem com sinais de processo infeccioso grave, traduzido por leucocitose de 20.000 a 60.000 células, exibindo formas jovens no sangue periférico. São comuns as alterações nas provas de função hepática, traduzidas por ele vações dos níveis séricos de fosfatase alcalina e, às vezes, de gamaglutamiltransferase. Anemia é um achado frequente. As hemoculturas são de grande importância e, apesar de menos sensíveis que as culturas de bile e do parênquima hepático, são positivas em, aproximadamente, 60% das vezes. O correto ma nuseio do material a ser submetido ao exame bacteriológico é muito importante e n i clui o transporte imediato ao laboratório, na própria seringa usada para a coleta, semeada em meios de cultura para aeróbios e anaeróbios, exigindo-se, sempre, rea lização do Gram. O achado de bactérias a essa coloração, que não crescem em 2 ou 3 dias no meio de cultura, sugere forte mente bactéria anaeróbia. Os métodos de imagens possibilitam o diagnóstico do pro cesso infeccioso intra-abdominal na maioria dos casos. Radio grafias simples de abdome revelam ar na cavidade do abscesso em 10 a 20% dos casos, enquanto as de tórax são anormais em 50 a 80% dos pacientes. A ultrassonografia (US) do abdome, uilizada t rotineiramente a partir dos anos 70, identifica cerca de 80% dos APF. Tem ainda a vantagem de permitir a abordagem das lesões com finalidades diagnósticas (aspiração e cultura do conteúdo das coleções) e terapêuticas, através da realização de drenagens percutâneas. A tomografia computadorizada (TC), atualmente o método de imagem que melhor define as lesões, superando a sensibilidade do ultrassom, atinge 90% de sucesso, permitindo melhor definição das lesões pequenas (0,5 a 1 em). Além disso, o encontro de via biliar intra-hepática dilatada per mite a punção, com subsequente obtenção de colangiografi.as percutâneas, aspiração e exame do conteúdo e, finalmente, a colocação de drenos e próteses endobiliares de maneira segura e com morbimortalidade aceitável. A ressonância magnética não parece ser melhor que a TC. Em casos de dúvida, alguns pacien tes deverão ser submetidos à cintigrafi.a hepática, que, por sua vez, contribui para demonstrar áreas de hipocaptação do mar cador radioativo, as quais correspondem às coleções purulentas. A sensibilidade do método situa-se em torno de 70%. Macroscopicamente, os APF são multiformes, comporta mento relacionado com a etiologia, via de acesso (árvore biliar, veia porta ou artéria hepática) e condição do paciente. Loca lizam-se predominantemente no lobo direito, sob forma de massa única ou múltipla, de cor amarela e envolvida por tecido fibroso ou estabelecendo aderências com estruturas próximas, como pleura, pulmão ou peritônio. Nessa eventualidade, pode
surgir ascite. A localização, o tamanho e o número de abs cessos podem ajudar na determinação de sua origem. Aqueles decorrentes de infecção biliar tendem a ser múltiplos, peque nos, localizando-se em ambos os lobos do fígado. A infecção carreada pela veia porta implanta-se mais no lobo direito, e apenas ocasionalmente os abscessos são únicos. Os originados de focos infecciosos contíguos ao fígado são, em geral, solitá rios e acometem apenas um lobo (Figura 73.1). A histologia, identificam-se desintegração de hepatócitos e infiltração por polimorfonucleares, necrose perivenular isquêmica, esteato se e colestase canalicular. Os microabscessos também podem encerrar bactérias.
•
ASPECTOS PROGNÓSTICOS
Quando não são tratados, a mortalidade causada por APF é de 100%. Os abscessos são mais graves e exibem pior prog nóstico, quando os pacientes evoluem com hipoalbuminemia e icterícia; acometem aqueles com idade avançada ou portadores de desnutrição e síndrome de imunodeficiência adquirida; ou ncidem i após o transplante de fígado. Essa tendência evolutiva também se observa quando o APF é múltiplo, multiloculado, ou instala-se em consequência de neoplasia maligna das vias biliares e/ou traduz a necrose de tumores primários ou metas táticos do fígado. Esses podem romper-se para peritônio, cavi dade pleural ou pericárdio, originando abscessos subfrênicos ou
Figura 73.1 Abscesso piogênico do fígado em paciente de 47 anos, do
sexo masculino. Aspecto laparoscópico. Esse abscesso único localizava se no segmento IV. t nítida a elevação em cúpula na superfície do lobo esquerdo. No local onde se puncionou para colher material para exame bacteriológico, minou uma pequena quantidade de pus. Nesse caso, o cateter de drenagem foi colocado sob controle videolaparoscópico. Não se conseguiu determinar a origem. (Dr. Renato Dani, Belo Horizon te.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.).
808 Capítulo 73 I Abscesso Piogênico do Fígado interalças. �mbolos sépticos metastáticos podem implantar-se nos olhos, no cérebro ou nos pulmões. Esses parâmetros refor çam a indicação de que os pacientes serão mais bem tratados por equipes multiprofissionais, envolvendo hepatologista, in fectologista, radiologista intervencionista e cirurgião.
•
ASPECTOS TERAPÊUTICOS Os pacientes portadores de APF não raro vivenciam a com
plicação de uma doença preexistente. Por ocasião do atendi mento, encontram-se em geral sépticos e hipovolêmicos. Todos esses casos deverão ser conduzidos a Unidades de Tratamento Intensivo, visando a restabelecer a homeostase e corrigir as alterações do equih'brio ácido-básico e hidreletrolítico. É obri gatória antibioticoterapia de amplo espectro, baseada, de pre ferência, no resultado da cultura. Enquanto este não é obtido, deve-se adotar qualquer uma das opções terapêuticas envolven do administração intravenosa de: l. cefalosporina de segunda geração, com ou sem aminoglicosídio; 2. ampicilina (1 a 2 g de 6/6 h) e aminoglicosídio; 3. ticarcilina ou sulbactan, com ou sem aminoglicosídio; 4. imipeném; 5. cefalosporina de tercei ra geração. Em todos os casos, recomenda-se metronidazol IV (Flagyt 20
Locais onde ocorre África Central, Leste da Ásia (entre 24,5 e 35,5 casos/100.000 habJano)
Alta
10-20
Sudeste da Ásia, Leste e Oeste da África, Ilhas do Pacífico, Japão, Grécia (entre 13,5 e 18,3 casos/1 00.000 habJano)
Intermediária
5-10
Sudeste da Europa, Oeste da Ásia, África do Sul, Europa Oriental, região do Mediterrâneo (entre 5,6 e 9,8 casos/1 00.000 habJano)
Baixa
7S
Sudeste Asiático
6-S5
África
29-55
Brasil*
8-62
Modificado de Colombo 2000; *Gonçalves eta/., 1997.
Menos importantes
Infecção oculta pelo VHB Superinfecção com HIV
Discutível Uso moderado de etanoI
Discutíveis Genótipo Carga viral
ras de receptores para fatores de crescimento, favorece a ativa ção de proteínas quinases, que ativam a mitose. Ligando-se com o DNA, ativa oncogenes, como o myc (que favorece a mitose), reprimindo genes como o p53 e o pRb (inibidores naturais da mitose). Demonstrou-se ainda que hepatócitos em cultura pri mária, transfectados com os genes das proteínas não estruturais, n i cluindo a proteína do nucleocapsídio, são imortalizados. O papel da necrose e inflamação produzida pelo vírus C foi dis cutido anteriormente, no item Vírus da Hepatite B. Alguns fatores relacionados com o vírus, o indivíduo e o meio ambiente parecem influenciar no desenvolvimento tu moral em pacientes com infecção crônica pelo vírus C (Qua dro 75.5). Dentre eles, alguns serão comentados com maior detalhe.
• Cirrose
É o fator de risco mais importante de CHC, em pacientes com hepatopatia crônica causada pelo vírus C. A imensa maio
ria, talvez mais de 90% dos casos de CHC anti-VHC (+), tem
cirrose associada ao tumor. O índice anual de desenvolvimen to tumoral em pacientes cirróticos por vírus C varia de 3,7%, em europeus, a 7,1%, em japoneses, sendo mais frequente nos pacientes com doença avançada que nos cirróticos compen sados.
• Sexo masculino Independente de qualquer outro fator, o risco dos homens é maior. Embora uso de etanol, excesso de fe.rro, toxinas ambien tais possam ter influência, os mais importantes são os fatores hormonais e genéticos, modificando a resposta imunológica e determinando maior gravidade da hepatopatia em homens.
• Idade O risco aumenta com a idade. A média de idade dos pacien tes com CHC anti-VHC (+) é significativamente maior que nos pacientes com CHC HBsAg (+). Uma das razões da alta inci dência de CHC em determinadas regiões, como no Japão, pode ser a longevidade da população, já que é necessário um longo intervalo entre infecção e desenvolvimento do tumor.
• Genótipo
Os cirróticos com genótipo 1 teriam risco aumentado a lon
go prazo, mas isso ainda é discutível.
826 Capítulo 75 I Tumores Malignos do Fígado •
Carga vira/eALT
No Japão, tanto a carga viral como níveis elevados de ALT foram considerados fatores preditivos de CHC em pacientes com hepatite crônica C, possivelmente por desenvolvimento mais frequente e mais rápido de cirrose. Se confirmados, estes achados justificariam ainda mais os esforços para reduzir ou negativar carga viral nas hepatites crônicas C. •
Uso abusivo de etano/ O efeito sinérgico do etanol em pacientes com vírus C é bem
conhecido, com progressão mais rápida da fibrose e de menor i terferona: resposta da hepatite crônica ao tratamento com n A incidência de CHC é maior nos pacientes anti-VHC (+) que são alcoolistas, comparados com os não alcoolistas. Além dis so, o tumor aparece mais precocemente nos pacientes com os dois fatores etiológicos (média de idade menor que nos casos anti-VHC não alcoolistas). No entanto, o efeito do uso mode rado de álcool na evolução da hepatite crônica C permanece desconhecido. •
Superinfecçãopelo vírus 8 � relativamente rara em várias partes do mundo, como no
Japão, na Itália e no Brasil, mas não é incomum no Sudeste Asiá tico e, sobretudo, na África A maioria dos relatos indica risco maior de tumor com a superinfecção. Além disso, a chamada "infecção oculta pelo vírus B" em pacientes com hepatopatia crônica C também está associada a desenvolvimento mais rápi do de CHC. A integração do DNA do VHB poderia participar da gênese do tumor. • Etanol Embora não existam evidências de que o etanol seja um agente cancerígeno direto, o uso crônico e abusivo de álcool, mais de 80 gramas por dia, por mais de 1O anos, está associado a um aumento de risco de CHC, de aproximadamente cinco vezes em relação aos n i divíduos não alcoolistas. Já com uso moderado de álcool, o aumento de risco não é significativo. O aumento do risco de desenvolvimento do tumor ocorre tanto em regiões onde é alta a prevalência de alcoolismo e modera da a de hepatite viral (Itália e EUA), como também em países com baixa prevalência de alcoolismo e alta de hepatite viral (Formosa e África). O álcool pode ser causa primária de CHC ou agir como cofator, em pacientes com infecção crônica viral ou diabetes. Em pacientes alcoolistas com hepatopatia por vírus B ou C, não só a incidência do tumor é maior, mas também ocorre em pacientes com menor média de idade, indicando carcinogêne se acelerada. Em CHC anti-VHC (+), já se demonstrou que a presença de invasão de cápsula, trombose portal e metástases intra-hepática foram mais comuns nos pacientes alcoolistas. Além disso, o tempo que o tumor leva para dobrar de tama nho (doubling time) é significativamente menor nos alcoolistas. Existem também indícios de ação sinérgica entre alcoolismo e diabetes, aumentando o risco de CHC. O risco de paciente com cirrose alcoólica descompensada desenvolver CHC é de aproximadamente 1% ao ano. O risco de tumor no cirrótico não diminui com a abstinência, pelo menos nos primeiros anos. A parada do uso de álcool aumenta a sobre vida do alcoolista e a capacidade regenerativa do fígado, fatores que beneficiam o paciente, mas aumentam o risco de CHC. O etanol pode atuar em várias etapas da hepatocarcino gênese: a) favorecendo a produção e absorção de substâncias cancerígenas do meio externo ou geradas na flora microbia-
na residente (p. ex., nitritos e nitrosaminas); b) aumentando a transformação de pró-cancerígenos em cancerígenos, por maior metabolização hepática, resultante da indução do sistema de oxidases de função mista, do qual faz parte o sistema micros soma! de oxidação do etanol; c) agindo diretamente sobre o DNA, produzindo dano e impedindo reparo do DNA alterado, facilitando mutações; d) produzindo estresse oxidativo, gerando radicais livres que agridem o DNA, lesam o hepatócito, indu zindo necrose, inflamação, regeneração e fibrose; e) induzin do imunodepressão, com redução da atividade do sistema de defesa, favorecendo a sobrevivência de vírus oncogênicos e da própria neoplasia; f) causando deficiências nutricionais, sobre tudo de retinol, piridoxina e vitamina E, o que pode contribuir para o aparecimento de tumor. • Aflatoxinas Aflatoxinas (contração de Aspergilusjlavus e toxina) são to xinas produzidas principalmente por Aspergilusflavus e A. pa rasiticus, contaminando alimentos, especialmente grãos (amen doim, milho, soja, arroz, trigo, milho), estocados em condições que favorecem o desenvolvimento do fungo, como calor e umi dade. A toxina também pode ser ingerida através de produtos de animais alimentados com cereais ou ração contaminados. As afl.atoxinas (AFT), especialmente a B1, são potentes car cinogênicos para várias espécies animais. Em humanos, existem evidências epidemiológicas e moleculares ligando a toxina ao desenvolvimento de CHC, especialmente na África e no Sudes te Asiático, onde a contaminação com a toxina é comum. Já se demonstrou correlação inear l entre grau de contaminação pela toxina e incidência de CHC (evidência epidemiológica), e entre presença da toxina e mutação do gene p53 (evidência molecular). Estas evidências justificaram o reconhecimento da AFT como substância carcinogênica para humanos. A mutação de G por T, no "códon" 249 do gene p53, resulta em perda da função inibitória que o gene p53 tem sobre crescimento de tu mores, favorecendo o desenvolvimento e crescimento tumoral. A mutação é muito comum onde é alta a contaminação com a AFT, e raramente demonstrada onde a contaminação é baixa ou não existe. No Brasil, essa mutação foi observada em 24 e 28% dos casos de CHC diagnosticados em São Paulo e Vitória. A AFB1 é metabolizada no sistema microssomal, com for mação de metabólito ativo, a 2,3 epóxido da AFB1, capaz de se ligar ao DNA. A metabolização da AFB1 depende de vários fatores, como idade, estado nutricional, indução do citocromo P450, entre outros. A capacidade de metabolizar o epóxido carcinogênico, que é determinada geneticamente, pode estar relacionada com o risco de CHC e depende da epóxido hidro lase e glutation-S-transferase. Seletivamente, o 2,3 epóxido da AFB1 se liga a resíduos de guanina no DNA, formando um aduto com o N7 da guanina, e desta forma induz mutação G para T no DNA. A ligação é seguida por um evento excisional, que remove o complexo AFB1-guanina, que é excretado e pode ser detectado na urina. Nas regiões onde maior é a contaminação por AFT, é grande a prevalência de infecção pelo vírus B, e a interação sinérgica entre fatores químicos (toxina) e viral (VHB) explica o grande risco de CHC na África e no Sudeste Asiático. Apesar do papel preponderante do vírus B, mesmo quantidades modestas de aflatoxina são capazes de triplicar o risco de CHC em indivíduos infectados pelo vírus B. Na China, a presença de metabólitos de AFT na urina de portadores de infecção crônica pelo vírus B implica risco relativo de câncer. Há evidências sugerindo que o VHB sensibiliza o hepatócito aos efeitos carcinogênicos da afl.atoxina.
Capítulo 75 I Tumores Malignos do Fígado Como a contaminação com AFT está ligada a fatores de natureza econômica, o progresso recente de regiões da Ásia
827
• Cirrose biliarprimária. (o/angite esclerosante Na cirrose biliar primária, o CHC é complicação rara em
é a explicação para a diminuição de incidência de CHC nes tas áreas. O intervalo de tempo, relativamente pequeno, entre
mulheres, mas os homens têm risco maior. Na colangite escle rosante, a incidência do CHC, ao contrário do colangiocarci
aumento de desenvolvimento e diminuição de incidência do tumor sugere que a influência maior da AFT seja nas etapas mais adiantadas da hepatocarcinogênese.
noma, não é aumentada.
• Outrosfatores etiológicos
• Cirrose criptogênica. Esteato-hepatitenão alcoólica Embora a cirrose criptogênica possa ter várias etiologias ocultas, uma série de estudos indicam que a causa mais co mum desta forma de cirrose é a esteato-hepatite não alcoólica. Estudos epidemiológicos têm reconhecido que a obesidade e o diabetes do tipo 2 são fatores de risco para câncer, especial mente para o CHC. Análise multivariada mostra que a obe sidade é fator independente de risco para CHC em pacientes com cirrose alcoólica e criptogênica, mas não entre pacientes infectados pelos vírus B e C, com cirrose biliar ou autoimune. Recentemente, a esteato-hepatite não alcoólica em fase cirrótica tem sido implicada na etiologia do CHC. Com o aumento da prevalência de obesidade e possivelmente das formas fibrosan tes e cirróticas da doença esteatótica não alcoólica do fígado,
é possível que no futuro esta doença metabólica venha a ter papel mais relevante no CHC. Em regiões de baixa incidência de CHC, e com grande prevalência de obesidade, como nos EUA, a esteato-hepatite foi considerada fator de risco em 13% dos casos do tumor. Vários mecanismos, além da cirrose, po deriam explicar a relação esteato-hepatite-CHC: a resistência à insulina e o fator de crescimento insulina-símile são estimu lantes de crescimento celular; a produção excessiva de radicais livres predispõe a mutações; já se demonstrou que esteatose e resistência a insulina são capazes de produzir hiperplasia de hepatócitos em camundongos ob/ob; a peroxidação lipídica, induzindo replicação de células ovais, e a produção de 4-hi droxinonenal favorecem dano no DNA e ativação de fatores pró- e antiapoptose.
• Hemocromatose
• Hepaffte autoimune CHC complicando cirrose autoimune não é comum.
• Anticoncepcionais O uso de contraceptivos orais tem sido relacionado com o CHC, mas a relação causal é discutível. O tumor do fígado mais ligado a uso de anticoncepcionais é o adenoma hepatocelular, que pode ser ocasionalmente confundido com um CHC bem di ferenciado. Reposição hormonal aparentemente não é associada a risco maior. O uso prolongado de esteroides anabolizantes pode ocasionalmente provocar um tipo peculiar de CHC, sem cirrose, sem metástases e com hormônio dependência.
• Obstrução membranosa da veia cava nferior i No Japão e na África do Sul, esta rara anomalia congênita ou adquirida pode estar associada ao CHC. As razões que ex plicariam o desenvolvimento tumoral não são claras.
• (/oreto de vini/a e torotraste Exposição prolongada a cloreto de vinila e injeção de toro traste são causas raras de CHC, sendo mais relacionadas com angiossarcoma e colangiocarcinoma.
• Alterações moleculares que induzem a hepatocarcinogênese e
perspectivas de aplicações práticas do seu conhecimento
Os fatores etiológicos do CHC - VHB, VHC, álcool, afiato
xinas, esteato-hepatite não alcoólica - isoladamente ou em con junto, induzem alterações genéticas que se caracterizam pelo au mento da expressão de genes da proliferação celular (EGF, HGF, IGF, ras, myc, entre outros), da inibição da apoptose (surviviva, bcl-2), do complexo da telomerase e da angiogênese (VEGF, VEGFR, PDGF e PDGFr) e inibição da expressão ou deleção de genes supressores de tumor (p53, p16, p27), os necessários
Várias doenças genéticas podem evoluir para CH C, sendo a mais importante a hemocromatose, em que percentual signifi
para o surgimento de clones imortalizados, autônomos e capazes de autossustentação. A capacidade de invadir e dar metástases
cativo de pacientes acaba morrendo de CHC. O risco relativo de tumor é particularmente alto nos pacientes em fase cirrótica,
está relacionada com as alterações nos genes que controlam a diferenciação (p. ex., os da via do wnt/j3-catenina e da via do
calculado entre 20 e 200 (risco possivelmente superestimado), com incidência cumulativa em 5 anos de 21%. Existem, en tretanto, casos de CHC em hemocromatose sem cirrose, mas
hedgehog), nos que codificam moléculas de adesão e metalopro teases e seus inibidores. Há uma instabilidade dos cromossomos,
com fibrose. O ferro pode ser um fator carcinogênico, ou um cofator, talvez por gerar radicais reativos, induzindo mutações. Excesso de ferro em tecido é potencialmente tóxico, mutagê nico e mitogênico, sendo o fígado especialmente vulnerável. No entanto, com a doença em fase cirrótica, o tratamento com
com frequentes perdas (deleções de genes) ou ganhos (amplifi cações de genes), caracterizando a aneuploidia do CHC. São, portanto, numerosos os genes alterados no CHC, com alteração de numerosas vias intracelulares, mas não as mesmas em todos os casos, havendo variação especialmente em relação à etiologia do tumor. No entanto, as características morfológicas
depleção de ferro não reduz risco de CHC. De qualquer forma, paciente cirrótico com hemocromatose deve ser considerado
do CHC não se correlacionam com as alterações moleculares, estas as responsáveis pelo comportamento do tumor. Por essa
de risco para CHC, e seguido cuidadosamente.
razão, não existem marcadores morfológicos preditivos seguros do comportamento do CHC. Estudos experimentais têm mos
• Outras doenças hereditárias Além da hemocromatose, uma série de doenças hereditá rias estão associadas ao CHC, como tirosinemia, doença por depósito de glicogênio, deficiência de alfa-1-antitripsina e por firia cutânea tarda. Na doença de Wilson, o desenvolvimento de CHC é raro. Na deficiência de alfa-1 -antitripsina, associa ção com vírus B ou C tem papel mais m i portante na gênese do tumor.
trado que tumores diferentes apresentam um perfil de altera ções genéticas, demonstrado por técnicas especiais de biologia molecular (microarray, que permite o estudo da expressão de milhares de genes simultaneamente), que caracterizam a etiolo gia e o comportamento de cada tumor. Cada tipo de tumor tem um conjunto de alterações na expressão dos genes (o que se de nomina assinatura genética) que o caracteriza. Estudos de CHC humanos, uilizando t técnicas de microarray, têm mostrado que
828 Capítulo 75 I Tumores Malignos do Fígado as assinaturas genéticas do tumor se correlacionam melhor do que as características morfológicas com a evolução e a resposta terapêutica. Já se conseguem separar tumores mais agressivos, de pior prognóstico, de tumores menos agressivos, de melhor evolução. É possível que em futuro próximo essas técnicas de
um gene supressor de tumor, favorece a perda de mecanismos que impedem a transformação maligna. Vários deles têm sido identificados nahepatocarcinogênese humana e já existem ten tativas de caracterizar o perfil de seu comportamento em relação ao comportamento do tumor, o que seria mais fácil consideran
biologia molecular, ao mostrarem a assinatura genética do tu mor, possibilitem intervenções terapêuticas particularizadas para cada caso, aumentando a chance de sucesso. Alterações epigenéticas (alterações na expressão de genes sem alteração na sequência dos genes) são comuns no CHC. Hipermetilação de promotores, com inibição da expressão, é observada em genes que controlam o ciclo celular (nos genes p16, p27 e p53), em genes que controlam a diferenciação (nos
do que existem apenas cerca de 1.000 miRNA conhecidos, ao contrário dos cerca de 30.000 genes. Desse modo, assinaturas de miRNA nos CHC seriam mais facilmente obtidas do que as respectivas assinaturas genéticas. Os re,ceptores para os fatores de crescimento hiperexpressos ou hiperativados no CHC (EGFR, TGFaR) e os receptores para fatores angiogênicos (VEGFR) são receptores transmembrano sos com atividade de proteína tirosinoquinase que acionam mo
gene APC e caderina-1), entre outros. Hipometilação, com au mento da expressão, é frequente nos genes myc e ras. Mais recentemente, tem sido demonstrada a participação de RNA reguladores da tradução denominados micro-RNA (miRNA) na carcinogênese hepática. São RNA pequenos (17 a 24 nucleotídios), transcritos de genes específicos, que, trans feridos para o citoplasma, se hibridam com a extremidade 3' não traduzida de mRNA, nduzindo i a sua degradação ou impe
léculas auxiliares, geralmente outras proteínas tirosinoquinases, para transduzir o sinal. O conhecimento dessas vias de ativação tem possibilitado o surgimento de intervenções terapêuticas através de anticorpos monoclonais (cujos nomes geralmente terminam em mab de monoclonal antibody; p. ex., bevacizu mabe) ou moléculas inibidoras (cujos nomes terminam ge ralmente em ib, de inhibitor; p. ex., sorafenibe, erlotinibe) da atividade de proteína tirosinoquinase nesses receptores ou em
dindo a sua tradução. Esses miRNA podem, portanto, inativar a expressão de genes supressores de câncer ou de oncogenes, interferindo assim na carcinogênese: a inibição de miRNA, que inibe um oncogene, libera-o e a hiperexpressão de um, que inibe
proteínas tirosinoquinases transdutoras do sinal. A Figura 75.1 mostra um esquema resumido de algumas dessas vias, in clicando alvos do sorafenibe, inibidor de proteínas tirosina ou treonina quinases, utilizado no tratamento do CHC.
TGFa VEGF TGFaR
wnt
VEGFR
hedgehog
FR
Sm
dsl APC
•
axtn
GRK3
PKB
Ptc
Cos
Inibição da
�
K
apoptose
Proliferação
(> da sobrevivência)
celular
13-catenina
�
GRK sufu Gli
p-catenina
*