Jiddu Krishnamurti - A Arte de Aprender

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J. KRISHNAMURTI

a arte de aprender Cartas às Escolas

UNIVERSALISMO

Este é um diálogo entre nós, uma conversa entre dois amigos. Não é uma palestra para instruir, informar ou guiá-lo. Vamos conversar juntos sobre muitas coisas, certamente não para convencê-lo de coisa alguma, nem para informá-lo de novas idéias, novos conceitos, conclusões, ideais. Vamos olhar para o mundo inteiro assim como ele é, olhar para o que está acontecendo não somente nesta parte do mundo, mas também no resto do mundo. Juntos. E o orador quer dizer juntos mesmo. Você e ele vão observar, sem nenhum viés, sem nenhum preconceito, o que está acontecendo globalmente. Esta é uma conversa séria, não é algo intelectual, emocional ou devocional. Assim, devemos exercitar nossos cérebros. Devemos ser céticos, ter dúvidas; devemos questionar e não aceitar nada que alguém diz — incluindo todos os gurus e os livros sagrados. Chegamos a uma crise no mundo. A crise não é meramente econômica; é, antes de tudo, psicológica. Vivemos aqui na terra por mais de um milhão de anos e, durante esse longo período de tempo, passamos por todo tipo de catástrofe, todo tipo de guerra. Civilizações desapareceram; assim como as culturas que moldaram o comportamento do ser humano. Tivemos muitos grandes líderes, políticos e religiosos, com todas as peças que eles pregaram nos seres humanos. E depois dessa enorme evolução do cérebro humano, estamos onde sempre estivemos — um tanto primitivos, bárbaros, cruéis e sempre nos preparando para a guerra. Cada nação está armazenando armamentos. E nós, seres humanos, estamos presos na roda do tempo. Não mudamos muito; ainda somos bárbaros, com todos os tipos de superstições e crenças. No fim de tudo isso, onde estamos nós? Por favor, estamos conversando sobre essas coisas juntos. Não é que o orador esteja explicando tudo isso; é tão óbvio. Você e o orador estão juntos examinando — muito cuidadosamente, diligentemente — o que nos tornamos, o que nós somos. E perguntamos: O tempo nos transformará? O tempo, ou seja, outros cinquenta mil ou um milhão de anos, transformará a mente humana, o cérebro humano? Ou o tempo não tem nenhuma importância? Vamos conversar sobre essas coisas. Os seres humanos estão feridos psicologicamente. Os seres humanos por todo o mundo estão tomados por grande sofrimento, dor, tristeza, solidão e desespero. E o cérebro criou as coisas mais extraordinárias, ideológica, tecnológica e religiosamente. O cérebro é extraordinariamente capaz. Mas essa capacidade é muito limitada. Tecnologicamente estamos progredindo a uma velocidade extraordinária. Mas psicologicamente, interiormente, somos muito primitivos, bárbaros, cruéis, desmazelados, descuidados, e indiferentes ao que está acontecendo. Somos indiferentes não somente à corrupção acontecendo no meio ambiente, mas também à corrupção que acontece em nome da religião,

em nome da política, dos negócios e assim por diante. Corrupção não é somente passar dinheiro por debaixo da mesa ou contrabandear mercadorias para dentro do país. A corrupção começa onde existe interesse próprio. Onde existe interesse próprio, essa é a origem da corrupção. Estamos pensando juntos, ou você está meramente escutando o orador? Estamos indo juntos como dois amigos, fazendo uma longa viagem — uma viagem ao mundo global, uma viagem para dentro de nós mesmos: para dentro do que somos, do que nos tornamos, e por que nos tornamos o que somos. E precisamos fazer essa viagem juntos. Não é que o orador faz a viagem e mostra a estrada e o caminho no mapa para você. Mas, sim, que estamos juntos, e o orador quer dizer juntos mesmo. Pois ele não é um guru. Não se deve seguir ninguém no mundo do pensamento, no mundo da psique. Já dependemos demais dos outros para nos ajudar. E não estamos ajudando você. Vamos ser muito claros neste ponto: o orador não está lhe ajudando, pois você tem tido ajudantes em abundância. E não temos sido capazes de estar a sós, pensando as coisas por nós mesmos; não temos sido capazes de olhar para o mundo e para nosso relacionamento com o mundo, e ver se somos indivíduos mesmo ou parte da humanidade. Não exercitamos nossos cérebros, que é extraordinariamente capaz. Gastamos nossa energia, nossa capacidade, nosso entendimento intelectual em uma direção apenas — a tecnológica. Mas nunca entendemos o comportamento humano e por que somos como somos depois desse longo período de evolução. J. Krishnamurti

Sumário INTRODUÇÃO VOLUME I Carta 1 — O ponto não é o que pensar, mas como pensar claramente Carta 2 — A bondade só pode florescer em liberdade Carta 3 — A escola é um lugar de lazer Carta 4 — O medo destrói a sensibilidade Carta 5 — Nós aceitamos a guerra como um meio de vida Carta 6 — A ilusão de que somos seres humanos separados Carta 7 — Cada ação, cada relacionamento é um movimento de aprender Carta 8 — O sentimento de ser totalmente responsável pelas nossas ações Carta 9 — A constante preocupação consigo mesmo é negligência Carta 10 — Uma seriedade onde existe liberdade e felicidade Carta 11 — Ideais corrompem a mente Carta 12 — Educação é libertar a mente do eu Carta 13 — Indulgência com as coisas que não têm sentido é desperdício de energia Carta 14 — Por que a humanidade dá tamanha importância ao pensamento? Carta 15 — A inteligência não é acordada pelo desejo Carta 16 — Conflito é indicação de resistência Carta 17 — O bom não é o melhor Carta 18 — A dimensão que o pensamento não alcança Carta 19 — Quando você começa muito perto, então o mundo inteiro se abre

Carta 20 — O egoísmo é o problema essencial da nossa vida Carta 21 — O florescimento da bondade é a liberação de toda nossa energia Carta 22 — A mente pode se libertar da prisão que criou para si mesma? Carta 23 — Existe uma maneira de viver sem nenhum conflito? Carta 24 — A palavra nunca é a coisa Carta 25 — A arte de aprender é ler o livro que você é Carta 26 — A comparação é um dos muitos aspectos da violência Carta 27 — Valores colocam uma pessoa contra a outra Carta 28 — Quando o amor é tomado por prazer, o homem se separa da beleza e do sagrado Carta 29 — As diferenças ideológicas impedem a sobrevivência humana Carta 30 — Toda ação que jorra do pensamento impede a cooperação Carta 31 — Inteligência é a capacidade de perceber o todo Carta 32 — Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? Carta 33 — Uma boa sociedade não vem a existir através de qualquer ideal Carta 34 — Qual seria o primeiro passo? Carta 35 — O fazer é, talvez, a maior responsabilidade Carta 36 — Cada um está agindo como um espelho para o outro Carta 37 — Quando você é realmente, profundamente afetuoso, você está aprendendo

VOLUME II Carta 1 — Disciplina significa aprender Carta 2 — Por que o homem aceita e tolera a desordem? Carta 3 — A arte de pensar juntos Carta 4 — Na atenção não há ponto de foco Carta 5 — A questão real é a qualidade da nossa mente

Carta 6 — Não mudar o que é, mas compreender o que é Carta 7 — Todas as coisas vivas estão envolvidas no som do silêncio Carta 8 — Libertar a consciência da limitação Carta 9 — A atmosfera da intenção Carta 10 — É possível transmitir a qualidade da intenção? Carta 11 — Na investigação, satisfação não é a meta Carta 12 — O que é só pode morrer; não pode se tornar outra coisa Carta 13 — Liberdade não é o oposto de escravidão Carta 14 — O pensamento é o resultado do conhecimento e da ignorância Carta 15 — Austeridade, humildade e inteligência Carta 16 — O pensamento não é seu ou meu Carta 17 — Se você fere a natureza você está ferindo a si mesmo Carta 18 — Aprender traz igualdade entre os seres humanos

APÊNDICES O propósito da Escola Oak Grove Comece pelo outro lado Como vocês educam meu filho? O coração de cada Escola Discurso de Ommen

Fontes Nota

Introdução Estas cartas não são para serem lidas casualmente quando se tem um pequeno intervalo no meio de outras coisas, nem devem ser tratadas como entretenimento. Estas cartas são escritas seriamente e se você considerar a leitura delas, leia com a intenção de estudar o que é dito como se você estudasse uma flor olhando para ela muito cuidadosamente — suas pétalas, sua haste, suas cores, seu perfume e sua beleza. Estas cartas devem ser estudadas da mesma maneira — não lidas pela manhã e esquecidas durante o resto do dia. Você deve dar tempo a isto, brincar com isto, questionar, investigar sem aceitação, conviver com isto por algum tempo, assimilar como se fosse seu e não do escritor. J. Krishnamurti

VOLUME I

CARTA 1

O ponto não é o que pensar, mas como pensar claramente 1º de setembro de 1978

Como eu gostaria de manter contato com todas as escolas da Índia, com a escola Brockwood Park na Inglaterra e com a escola Oak Grove em Ojai, Califórnia, me proponho a escrever e enviar para todas elas uma carta a cada quinze dias, por quanto tempo for possível. É naturalmente difícil estar em contato pessoal com todas elas, então eu gostaria muito de escrever essas cartas e, assim, transmitir o que as escolas deveriam ser, transmitir para todas as pessoas responsáveis por elas que essas escolas não existem apenas para serem excelentes no plano acadêmico, mas muito mais do que isso. Essas escolas existem para o cultivo do ser humano total. Esses centros de educação devem necessariamente ajudar o estudante e o professor a florescer com naturalidade. O florescimento é muito importante, do contrário a educação se torna um mero processo mecânico, orientado para uma carreira, para algum tipo de profissão. Carreira e profissão, na atual sociedade, são inevitáveis, mas se colocarmos nossa ênfase nisso, então a liberdade para florescer murchará de maneira gradativa. Temos colocado demasiada ênfase em exames e em conseguir boas notas. Esse não é o principal propósito pelo qual essas escolas foram fundadas, o que não quer dizer que, em nível acadêmico, os estudantes serão inferiores. Pelo contrário, com o florescimento, tanto do professor como do estudante, carreira e profissão tomarão o lugar certo. A sociedade, a cultura na qual vivemos, nos encoraja e exige que os estudantes sejam orientados através de trabalho e segurança física. Isso tem sido uma constante pressão de todas as sociedades — primeiro a carreira, tudo o mais é secundário. Isso quer dizer: dinheiro em primeiro lugar, depois a complexidade de nossa vida diária. Estamos tentando reverter esse processo, porque o homem não pode ser feliz apenas com dinheiro. Quando o dinheiro se torna o fator dominante da vida, há um desequilíbrio em nossas atividades diárias. Portanto, se me permitem, eu gostaria que todos os educadores seriamente entendessem e vissem todo o significado disso. Se o educador entende a importância disso e, na sua própria vida, der um lugar apropriado, então ele pode ajudar o estudante,

que é compelido pelos pais e pela sociedade a fazer da carreira o mais importante. Portanto, eu gostaria, já nesta primeira carta, de enfatizar este ponto e sustentar que haja sempre nessas escolas um modo de vida que cultive o ser humano total. Como a maior parte de nossa educação é aquisição de conhecimentos, isso nos está fazendo mais e mais mecanizados, fazendo nossas mentes funcionarem em estreitos canais, seja o conhecimento que estamos adquirindo filosófico, científico, religioso, comercial ou tecnológico. Nosso modo de vida, tanto dentro como fora de casa, e a nossa especialização em determinadas carreiras estão fazendo nossas mentes mais e mais estreitas, limitadas e incompletas. Tudo isso leva a um modo de vida mecânico, uma padronização mental e, assim, gradativamente, o Estado — mesmo um Estado democrático — passa a ditar o que devemos ser. A maioria das pessoas atentas é naturalmente consciente, mas infelizmente elas parecem aceitar e conviver com isso. Assim, isso se tornou um perigo para a liberdade. Liberdade é um assunto muito complexo, e para compreender a sua complexidade, é necessário o florescimento da mente. Cada um naturalmente dará uma definição diferente para o florescimento humano, dependendo de sua cultura, de sua assim chamada educação, experiência, superstição religiosa — ou seja, dependendo do seu condicionamento. Aqui nós não estamos lidando com opiniões ou preconceitos, mas principalmente com o entendimento não verbal das consequências e implicações do florescimento da mente. Esse florescimento é o cultivo e o total desabrochar de nossa mente, de nosso coração e do nosso bem estar físico. Isto é, viver em completa harmonia na qual não há oposição ou contradição entre os três. O florescimento da mente só pode acontecer quando existe uma percepção clara, objetiva, impessoal, não pressionada por nenhuma imposição. O ponto não é o que pensar, mas como pensar claramente. Temos vivido séculos de propaganda a nos dizer o que pensar. Nisso está a maior parte da nossa educação e não na investigação do inteiro movimento do pensamento. Florescer implica liberdade. Como qualquer plantinha precisa de liberdade para crescer. Em cada carta nós trataremos deste assunto de diferentes formas ao longo deste ano; trataremos do acordar do coração — que não tem a ver com ser sentimental, romântico ou fantasioso, mas sim com a bondade que nasce da afeição e do amor; e trataremos do cultivo do corpo, ou seja, a alimentação correta, o exercício apropriado, o que irá trazer uma sensibilidade apurada. Quando esses três estão em completa harmonia — ou seja, a mente, o coração e o corpo —, então o florescer vem, naturalmente, sem esforço e com excelência. Este é o nosso trabalho como educadores, nossa responsabilidade — e educar é a maior das profissões na vida.

CARTA 2

A bondade só pode florescer em liberdade 15 de setembro de 1978

A bondade só pode florescer em liberdade. Ela não pode florescer no solo da persuasão de forma alguma, nem sob compulsão, e também não é resultado de recompensa. Ela não se revela quando existe qualquer tipo de imitação ou conformismo e, naturalmente, ela não pode existir onde há medo. A bondade mostra a si mesma no comportamento, e esse comportamento é baseado na sensibilidade. Essa bondade se expressa na ação. O total movimento do pensamento não é bondade. O pensamento, que é muito complexo, precisa ser compreendido e essa própria compreensão desperta o pensamento para sua própria limitação. A bondade não tem oposto. A maioria de nós considera a bondade como o oposto do mal ou da maldade e, assim, durante toda a história, em qualquer cultura, a bondade tem sido considerada a outra face daquilo que é brutal. Assim, o homem tem sempre lutado contra o mal na ânsia de ser bom, mas a bondade nunca pode vir a acontecer se existe alguma forma de violência e luta. A bondade mostra a si mesma no comportamento, na ação e no relacionamento. Geralmente nossa conduta diária é baseada ou em seguir determinados padrões — o que é mecânico e, portanto, superficial — ou de acordo com motivos cuidadosamente considerados, baseados em recompensa ou punição. Então o nosso comportamento, consciente ou inconscientemente, é calculado. Isso não é um bom comportamento. Quando a pessoa se dá conta disso, não só intelectualmente ou a nível verbal, então a partir dessa total negação surge o verdadeiro comportamento. O bom comportamento é, em essência, a ausência do eu, do meu. Ele se mostra pela gentileza, pela consideração para com os outros, em ceder sem perder a integridade. Portanto, o comportamento se torna extraordinariamente importante. Ele não é um assunto casual a ser desconsiderado ou um brinquedo de uma mente sofisticada. Ele vem das profundezas do ser e é parte da vida diária.

A bondade se mostra na ação. Nós temos que diferenciar entre ação e comportamento. Provavelmente ambos são a mesma coisa, mas para clarear eles precisam ser separados e examinados. Agir corretamente é uma das coisas mais difíceis a fazer. É muito complexo e precisa ser examinado bem de perto, sem impaciência e sem pular para alguma conclusão. Na nossa vida diária a ação é um movimento continuo do passado, interrompido de vez em quando por uma nova série de conclusões; essas conclusões então se tornam o passado; e a pessoa age de acordo com esse passado. A pessoa age de acordo com idéias preconcebidas ou ideais; assim, estamos sempre agindo ou a partir de conhecimento acumulado, o que é passado, ou a partir de um futuro idealista, uma utopia. Aceitamos essa ação como normal. Será mesmo? Nós a questionamos depois de ter acontecido, ou antes de agir, mas esse questionamento é baseado em conclusões anteriores ou recompensas ou punições futuras. Se eu fizer isso, eu irei obter aquilo, e assim por diante. Assim, estamos agora questionando toda a idéia de ação que usualmente aceitamos. A ação acontece depois de termos acumulado conhecimento ou experiência; ou agimos e aprendemos com essa ação — agradável ou desagradável — e essa aprendizagem de novo se torna acumulação de conhecimento. Assim, ambas as ações são baseadas em conhecimento, elas não são diferentes. Conhecimento é sempre do passado e, assim, nossas ações são sempre mecânicas. Existe uma ação que não é mecânica, repetitiva, rotineira e, portanto, sem arrependimento? É realmente importante para nós compreendermos isso — que onde existe liberdade e o florescimento da bondade, a ação nunca pode ser mecânica. Escrever é mecânico, aprender uma língua, guiar um carro é mecânico; adquirir algum tipo de conhecimento técnico e agir de acordo com ele é mecânico. Novamente, nessa atividade mecânica deve haver uma interrupção e, nessa interrupção, uma nova conclusão se forma, que de novo se torna mecânica. Devemos sempre ter em mente que a liberdade é essencial para a beleza da bondade. Existe uma ação não mecânica, mas você tem que descobrila, pois ela não pode ser contada a você, você não pode ser instruído sobre ela, você não pode aprender através de exemplos, porque então ela se torna imitação e ajustamento. Então você perde a liberdade completamente e não existe bondade. Penso que, por agora isso é o bastante, mas nós iremos continuar na nossa próxima carta com o florescimento da bondade no relacionamento.

CARTA 3

A escola é um lugar de lazer 1º de outubro de 1978

Devemos continuar, se me permitem, com o florescer da bondade em cada um de nossos relacionamentos, seja no mais íntimo ou no mais superficial ou nas questões comuns do dia-a-dia. O relacionamento com outro ser humano é uma das coisas mais importantes na vida. A maioria de nós não é muito séria nos relacionamentos, pois estamos interessados primeiramente em nós mesmos — e interessados no outro quando nos é conveniente, satisfatório ou gratificante sensualmente. Nós lidamos com o relacionamento à distância, por assim dizer, e não como algo no qual estejamos totalmente envolvidos. Quase nunca nos mostramos uns aos outros, pois não nos percebemos inteiramente, e o que mostramos ao outro no relacionamento ou é possessividade ou dominação ou subserviência. Existe o outro e eu — duas entidades separadas sustentando uma divisão que dura até a morte. O outro está preocupado consigo mesmo; assim, essa divisão se mantém por toda a vida. É claro que a pessoa demonstra simpatia, afeição e apoio em várias circunstâncias, mas esse processo separativo continua. E, a partir disso, surgem incompatibilidades, afirmações de temperamentos e desejos e, assim, existe medo e acomodação. Sexualmente pode haver um estar junto, mas essa peculiar e quase estática relação do você e do eu é sustentada com as brigas, as mágoas, os ciúmes e toda aquela luta. Tudo isso é geralmente considerado um bom relacionamento. Agora, pode a bondade florescer nisso tudo? No entanto, relacionamento é vida e, sem alguma espécie de relacionamento, a pessoa não pode existir. O eremita, o monge, por mais que possam se retirar do mundo, carregam o mundo consigo mesmos. Eles podem negá-lo, podem se reprimir; podem torturar a si mesmos, mas ainda permanecem em algum tipo de relação com o mundo, pois eles são o resultado de milhares de anos de tradição, superstição e todo o conhecimento que o homem acumulou por milênios. Assim, não existe escape de tudo isso. Existe o relacionamento entre o educador e o estudante. O professor mantém, sabendo ou não, esse senso de superioridade, e assim fica sempre em um pedestal, fazendo o estudante se sentir inferior, aquele que tem que ser

ensinado. Nisso obviamente não há relacionamento. A partir daí surge medo da parte do estudante, um senso de pressão e constrangimento e, portanto, o estudante aprende, desde muito jovem, esse sentido de superioridade; ele é levado a se sentir diminuído e, assim, por toda a vida, ou se torna o agressor ou fica continuamente cedendo, subserviente. Uma escola é um lugar de lazer, onde o educador e a pessoa a ser educada estão ambos aprendendo. Esse é o fato central da escola: aprender. Não queremos dizer com lazer o ter tempo para si mesmo, embora isso também seja necessário; não significa pegar um livro e sentar debaixo de uma árvore ou no próprio quarto, lendo casualmente. Não significa um estado plácido da mente; certamente não quer dizer estar à toa ou usar o tempo para sonhar acordado. Lazer significa uma mente que não está constantemente ocupada com alguma coisa, com um problema, com algum divertimento, com algum prazer sensorial. Lazer implica uma mente que tem tempo infinito para observar; observar o que está acontecendo em volta de nós e o que está acontecendo dentro de nós; ter lazer para escutar, para ver claramente. Lazer implica liberdade, que geralmente é traduzida por fazer o que se deseja, que é o que os seres humanos estão fazendo de qualquer maneira, causando muitos males, infelicidade e confusão. Lazer implica uma mente quieta, nenhum motivo e, assim, nenhuma direção. Isso é lazer e é somente nesse estado que a mente pode aprender, não somente ciência, história, matemática, mas também aprender sobre si mesma; e a pessoa pode aprender sobre si mesma no relacionamento. Tudo isso pode ser ensinado nas nossas escolas? Ou é algo sobre o qual você lê e memoriza ou esquece? Mas quando o professor e o aluno estão envolvidos em realmente entender a importância do relacionamento, então eles estão estabelecendo na escola um relacionamento apropriado entre eles. Isso é parte da educação, mais importante que apenas ensinar os conteúdos acadêmicos. O relacionamento requer uma grande dose de inteligência. Não pode ser adquirido nos livros, nem pode ser ensinado. Não é o resultado de vasta experiência acumulada. Conhecimento não é inteligência. A inteligência pode usar o conhecimento. O conhecimento pode ser astuto, brilhante e utilitário, mas isso não é inteligência. A inteligência vem fácil e naturalmente quando toda a natureza e estrutura do relacionamento é vista. Por isso é que é importante ter lazer — para que o homem ou a mulher, o professor ou o estudante possam conversar tranquila e seriamente sobre o seu relacionamento, no qual suas verdadeiras reações, suscetibilidades e barreiras são vistas, não imaginadas, não distorcidas para agradar ao outro ou reprimidas para apaziguar o outro. Certamente essa é a função de uma escola: ajudar o estudante a despertar sua inteligência e aprender a grande importância do relacionamento correto.

CARTA 4

O medo destrói a sensibilidade 15 de outubro de 1978

Parece que a maioria das pessoas desperdiça uma grande quantidade de tempo em discutir a clareza apenas verbalmente, e elas não parecem compreender a profundidade e o conteúdo além da palavra. Na tentativa de buscar a clareza verbal, muitas vezes tornam suas mentes mecânicas, suas vidas superficiais e frequentemente contraditórias. Nessas cartas não estamos interessados na compreensão verbal, mas nos fatos diários de nossas vidas. Esse é o fato central de todas estas cartas; não a explicação verbal do fato, mas o fato mesmo. Quando estamos preocupados com clareza verbal e, portanto, com a clareza das idéias, nossa vida diária é conceitual e não factual. Todas as teorias, os princípios, os ideais são conceituais. Conceitos podem ser desonestos, hipócritas e ilusórios. A pessoa pode ter inúmeros conceitos ou ideais, mas eles não têm nada a ver com os acontecimentos de nossa vida. As pessoas são alimentadas pelos ideais: quanto mais fantasiosos eles são, mais são considerados nobres. Mas, novamente, o entendimento dos eventos diários é, de longe, mais importante que os ideais. Se a mente da pessoa está abarrotada com conceitos, ideais, etc., o fato — o acontecimento presente — nunca pode ser encarado. Os conceitos tornam-se bloqueios. Quando tudo isso está claramente entendido — não um entendimento intelectual, conceitual —, a grande importância de encarar um fato, o presente, o agora, torna-se o fator central de nossa educação. A política é um tipo de doença universal baseada em conceitos, e a religião é romântica, uma emoção imaginária. Quando você observa o que está realmente acontecendo, tudo isso é um indicativo de pensamento conceitual e uma fuga da confusão, sofrimento e miséria da nossa vida diária. A bondade não pode florescer no campo do medo. Nesse campo há muitas variedades de medo: o medo imediato e o medo de muitos amanhãs. O medo não é um conceito, mas a explicação do medo é conceitual e essas explicações variam de um sábio para outro, ou de um intelectual para outro. A explicação não é importante, mas sim o que é estar realmente diante do medo.

Em todas as nossas escolas, o educador e aqueles responsáveis pelos estudantes, estejam na sala de aula, no campo de esportes ou nos seus quartos, têm a responsabilidade de cuidar para que aquele medo, em qualquer forma, não surja. O educador não deve despertar medo no estudante. Isso não é conceitual, porque o educador por si mesmo compreende, não apenas verbalmente, que qualquer forma de medo mutila e deforma a mente, destrói a sensibilidade, retrai os sentidos. O medo é o fardo pesado que o homem tem carregado sempre. A partir desse medo surgem várias espécies de superstição — religiosa, científica e imaginária. A pessoa vive em um mundo de faz-de-conta, e a essência do mundo conceitual nasce do medo. Dissemos anteriormente que o homem não pode viver fora dos relacionamentos, e relacionamento não é apenas na sua vida privada; se ele é um educador, tem um relacionamento direto com o estudante. Se existe qualquer tipo de medo nisso, então o professor não tem possibilidade de ajudar o estudante a estar livre do professor. O estudante vem de um passado de medo, de autoridade, de todo tipo de fantasias ou verdadeiras impressões e pressões. O educador também tem suas próprias pressões, medos. Ele não será capaz de produzir a compreensão da natureza do medo se ele mesmo não descobrir a raiz dos seus próprios medos. Não é que ele deva primeiramente estar livre de seus próprios medos a fim de ajudar o estudante a ser livre, mas que, no seu relacionamento do dia-a-dia, em conversa, na classe, o professor mostre que ele mesmo está com medo, assim como o estudante também, e assim, juntos, eles podem explorar a total natureza e estrutura do medo. Deve ser apontado que isto não é uma confissão da parte do professor. Ele está apenas expondo um fato sem nenhuma ênfase emocional, pessoal. É como ter uma conversa entre bons amigos. Isso requer uma certa honestidade e humildade. Humildade não é servilismo. Humildade não é senso de derrotismo; a humildade não conhece a arrogância nem o orgulho. Assim, o professor tem uma tremenda responsabilidade, pois essa é a maior de todas as profissões. Ele está produzindo uma nova geração no mundo, o que, novamente, é um fato e não um conceito. Você pode fazer um conceito de um fato e, assim, ficar perdido em conceitos, mas o fato sempre permanece. Estar diante do fato, do agora, do medo é a mais alta função do educador — não produzir apenas excelência acadêmica, mas, o que é de longe mais importante, a liberdade psicológica do estudante e de si mesmo. Quando a natureza da liberdade é entendida, então você elimina toda competição, no campo de esportes, na sala de aula. É possível eliminar totalmente as avaliações comparativas, tanto no campo acadêmico como no ético? É possível ajudar o estudante à não pensar competitivamente no campo acadêmico e, ainda assim, ter excelência nos estudos, em suas ações e em sua vida diária? Por favor, tenham em mente que estamos interessados no florescimento da bondade — que não tem possibilidade de florescer onde há

qualquer tipo de competitividade. Competição existe somente onde há comparação, e comparação não produz excelência. Essas escolas existem fundamentalmente para ajudar a ambos, o estudante e o professor, a florescerem em bondade. Isso requer excelência no comportamento, na ação e no relacionamento. Esta é a nossa intenção e o porquê dessas escolas terem sido criadas; não para produzir meros carreiristas, mas sim para promover a excelência do espírito. Na nossa próxima carta continuaremos com a natureza do medo; não a palavra medo, mas o medo mesmo, o fato real.

CARTA 5

Nós aceitamos a guerra como um meio de vida 1º de novembro de 1978

O conhecimento não levará à inteligência. Acumulamos grande quantidade de conhecimento sobre muitas coisas, mas agir inteligentemente a respeito do que temos aprendido parece quase impossível. Escolas, faculdades e universidades cultivam o conhecimento a respeito do nosso comportamento, do universo, da ciência e de todo tipo de informação tecnológica. Raramente esses centros de educação ajudam o ser humano a viver no dia-a-dia uma vida de excelência. Os eruditos afirmam que os seres humanos só podem se desenvolver através da vasta acumulação de informação e conhecimento. O ser humano tem passado por milhares e milhares de guerras; tem acumulado uma grande quantidade de conhecimento sobre como matar, mesmo que esse próprio conhecimento o impeça de pôr um fim a todas as guerras. Aceitamos a guerra como um modo de vida e aceitamos todas as brutalidades, violência e a matança como o curso normal de nossa vida. Sabemos que não devemos matar os outros. Esse conhecimento é totalmente irrelevante ao fato de matar. O conhecimento não nos impede de matar os animais e a terra. O conhecimento não pode funcionar através da inteligência, mas a inteligência pode funcionar com o conhecimento. Saber é não saber e a compreensão desse fato — que o conhecimento nunca pode resolver os nossos problemas — é inteligência. A educação nas nossas escolas não é somente a aquisição de conhecimento, mas, o que é muito mais importante, o acordar da inteligência que utilizará o conhecimento. Nunca é o inverso. O acordar da inteligência é o que nos interessa em todas essas escolas, e então a questão inevitável surge: como a inteligência pode ser acordada? Qual é o sistema, o método, a prática? Essa mesma questão implica que a pessoa está ainda funcionando no campo do conhecimento. Perceber que essa é uma questão errada é o começo do despertar da inteligência. A prática, o método, o sistema na nossa vida diária acaba levando à rotina, a uma ação repetitiva e, portanto, a uma mente mecânica. O contínuo movimento do conhecimento, mesmo que especializado, coloca a mente em um trilho, em um modo de vida limitado. Aprender a observar

e compreender essa estrutura total do conhecimento é começar a acordar a inteligência. Nossas mentes vivem na tradição. O próprio significado dessa palavra — transmitir como legado — nega a inteligência. É fácil e confortável seguir a tradição, seja ela política, religiosa ou uma tradição inventada pela própria pessoa. Então, não se tem que pensar ou questionar isso; é parte da tradição aceitar e obedecer. Quanto mais antiga a cultura, mais a mente está presa no passado, mais vive no passado. A quebra de uma tradição inevitavelmente será seguida pela imposição de outra. A mente, que tem por trás de si muitos séculos de uma tradição particular, recusa-se a abandonar o velho e aceita isso unicamente quando há outra tradição igualmente gratificante e segura. A tradição, em suas várias formas — da religiosa à acadêmica —, obrigatoriamente nega a inteligência. A inteligência é infinita. O conhecimento, mesmo que vasto, é finito como a tradição. Nas nossas escolas o mecanismo de formação de hábitos da mente deve necessariamente ser observado e, nessa observação, nasce o amadurecimento da inteligência. Faz parte da tradição humana aceitar o medo. Vivemos com medo, tanto a geração mais velha quanto a mais nova. A maioria de nós não se dá conta de que vive no medo. Somente ficamos conscientes desse medo permanente quando estamos passando por uma forma suave de crise ou estamos diante de um incidente destrutivo. Ele está lá. Alguns estão conscientes dele, outros o evitam. A tradição diz: controle o medo, fuja dele, reprima-o, analise-o, aja sobre ele, ou aceite-o. Por milênios temos vivido com o medo e, de alguma forma, arranjamos um jeito de continuar com ele. Essa é a natureza da tradição — agir sobre o medo ou escapar dele; ou sentimentalmente aceitá-lo e procurar um agente externo para resolvê-lo. As religiões brotam desse medo, e a ânsia que compele os políticos para o poder nasce a partir desse medo. Qualquer forma de dominação sobre o outro é da natureza do medo. Quando um homem ou uma mulher possui um ao outro, é o medo que está por trás — e esse medo destrói qualquer forma de relacionamento. É função do educador ajudar os estudantes a encarar esse medo, seja ele o medo dos pais, do professor, ou do menino mais velho, ou o medo de estar sozinho e o medo da natureza. Essa é a questão central para o entendimento da natureza e estrutura do medo — encará-lo. Encarar o medo não através de uma cortina de palavras, mas observar o próprio acontecer do medo sem qualquer movimento para fugir dele. A fuga do fato é camuflar o fato. Nossa tradição, nossa educação encoraja o controle, a aceitação ou a negação ou a racionalização bem hábil. Como professor, você pode ajudar o estudante e, assim, a você mesmo a encarar cada problema que surge na vida? No aprender, não existe nem o professor nem quem é ensinado; só há aprender. Para

aprender sobre todo o movimento do medo, a pessoa deve necessariamente abordá-lo com uma certa curiosidade que tem a sua vitalidade própria. Como uma criança que é muito curiosa, nessa curiosidade há intensidade. É o caminho da tradição conquistar o que não entendemos, subjugá-lo, esmagá-lo; ou adorálo. A tradição é o conhecimento e o terminar do conhecimento é o nascer da inteligência. Agora, percebendo que não existe nem o professor nem o aluno, mas apenas o ato de aprender da parte do adulto e do estudante, podemos, através da percepção direta do que está acontecendo, aprender o que é esse medo e tudo sobre ele? Você pode, se permitir que o medo conte a sua antiga história. Escute isso atentamente sem interferência, pois o que lhe está sendo contado é a história de seu próprio medo. Quando você escuta assim, descobrirá que esse medo não está separado de você. Você é esse próprio medo, a reação própria com uma palavra associada a ela. A palavra não é importante. A palavra é o conhecimento, a tradição; mas o real, o agora que está acontecendo, é algo totalmente novo. É a descoberta do novo no seu próprio medo. Estar diante do medo sem nenhum movimento do pensamento é o terminar do medo. Não um medo particular, mas é a própria raiz do medo que é desintegrada nessa observação. Não há observador, só observação. O medo é um assunto muito complexo, tão antigo como as colinas, tão antigo quanto a humanidade e ele tem uma extraordinária história para contar. Mas você deve saber a arte de escutá-lo, e existe uma grande beleza nesse escutar. Existe somente o escutar; a história não existe.

CARTA 6

A ilusão de que somos seres humanos separados 15 de novembro de 1978

A palavra responsabilidade deve ser entendida em todo o seu significado. Ela vem de responder, não responder parcialmente, mas totalmente. A palavra também implica uma referência ao passado, responder de acordo com o seu background, que significa reagir segundo seu condicionamento. Como é geralmente entendida, a responsabilidade é a ação vinda do condicionamento humano da pessoa. A cultura, a sociedade na qual a pessoa vive, naturalmente condiciona a mente, quer seja essa cultura local ou estrangeira. A partir desse background a pessoa responde e essa resposta limita a nossa responsabilidade. Se a pessoa nasce na Índia, Europa, América ou onde quer que seja, a sua resposta será de acordo com a superstição religiosa — todas as religiões são estruturas supersticiosas — ou de acordo com o nacionalismo ou com as teorias científicas. Tudo isso, que é sempre limitado e finito, condiciona a resposta das pessoas. E, portanto, há sempre contradição, conflito e o aparecimento da confusão. Isto é inevitável e produz divisão entre os seres humanos. A divisão, em qualquer forma, deve necessariamente produzir não somente conflito e violência, mas, por fim, a guerra. Se a pessoa compreende o real significado da palavra responsabilidade e o que acontece no mundo de hoje, ela vê que essa responsabilidade tem se tornado irresponsável. Na compreensão do que é irresponsabilidade, nós começamos a compreender o que é responsabilidade. Responsabilidade é pelo todo, como a palavra implica, não para cada um, não para com a sua família, não para com alguns conceitos ou crenças, mas pelo todo da humanidade. Nossas várias culturas têm enfatizado a separatividade, chamada individualismo, que tem resultado em cada um fazendo o que deseja ou estando comprometido com seu próprio talento particular e pequeno, por mais vantajoso que esse talento possa ser para a sociedade. Isso não significa o que os totalitários querem que se acredite, que somente o Estado e as autoridades que o representam sejam importantes, e não os seres humanos. O Estado é um

conceito, mas um ser humano, mesmo que viva nele, não é um conceito. O medo é uma realidade, não um conceito. Psicologicamente, um ser humano é a humanidade toda. Ele não só a representa, como é o todo da espécie humana. Ele é, essencialmente, a psique inteira da humanidade. Sobre essa realidade várias culturas têm imposto a ilusão de que cada ser humano é diferente. Nessa ilusão a humanidade tem estado presa por séculos, e essa ilusão tem se tornado uma realidade. Se a pessoa observar intimamente toda a estrutura psicológica de si mesma, ela irá descobrir que, do jeito que ela sofre, toda a humanidade sofre em diversos graus. Se você está sozinho, a humanidade toda conhece essa solidão. A agonia, o ciúme, a inveja e o medo são conhecidos por todos. Portanto, psicologicamente, um ser humano é como o outro. Pode haver diferenças físicas, biológicas. Um é alto ou baixo e assim por diante, mas, basicamente, um ser humano é o representante de toda a humanidade. Portanto, psicologicamente, você é o mundo; você é responsável por toda a humanidade, não por você como um ser humano separado, que é uma ilusão psicológica. Como representante de toda a raça humana, sua resposta é total, não é parcial. Portanto, a responsabilidade tem um significado totalmente diferente. Nós temos que aprender a arte dessa responsabilidade. Se compreendermos o significado completo de que nós psicologicamente somos o mundo, então a responsabilidade se torna um poderoso amor. Então nós iremos cuidar da criança, não apenas na idade tenra, mas cuidar que ela compreenda o significado da responsabilidade por toda a sua vida. Essa arte inclui o comportamento, as nossas maneiras de pensar e a importância da ação correta. Nessas nossas escolas a responsabilidade para com a terra, a natureza e para com os outros é parte da nossa educação — não meramente a ênfase nos assuntos acadêmicos, ainda que eles sejam necessários. Então podemos perguntar o que o professor está ensinando e o que o aluno está recebendo e, mais amplamente, perguntar o que é aprender. Qual é a função do educador? É meramente ensinar álgebra ou física, ou é despertar no estudante — e, portanto, nele mesmo — este enorme senso de responsabilidade? Podem os dois estar juntos? Ou seja, os assuntos acadêmicos que ajudarão numa carreira e essa responsabilidade por toda a humanidade e a vida. Ou eles devem ser mantidos separados? Se eles estão separados, então haverá contradição na sua vida; o estudante se tornará um hipócrita e, inconsciente ou deliberadamente, manterá sua vida em dois compartimentos definidos. A humanidade vive nessa divisão. Em casa a pessoa é de um jeito, e na fábrica ou no escritório assume uma face diferente. Nós temos perguntado se os dois podem se mover juntos. É possível? Quando uma questão desse tipo é colocada, a pessoa deve investigar as implicações dessa questão, e não se é ou não possível. Portanto, é da maior importância como você aborda essa questão. Se você a aborda a partir do seu background limitado — e todo condicionamento é

limitado — então será uma compreensão parcial das implicações de tudo isto. Você deve necessariamente se aproximar dessa questão de forma nova. Então você descobrirá a futilidade da própria questão porque, assim que você a aborda de forma nova, você verá que esses dois se encontram, como dois córregos formando um rio formidável, que é a sua vida, sua vida diária de total responsabilidade. É isso o que você está ensinando, dando-se conta que o professor tem a maior de todas as profissões? Essas não são meras palavras, mas uma sólida realidade, que não pode ser desprezada. Se você não sente a verdade disso, então você realmente deve ter outra profissão. Então, você viverá nas ilusões que a humanidade tem criado para si mesma. Portanto, nós podemos indagar novamente: o que você está ensinando e o que o aluno está aprendendo? Você está criando essa peculiar atmosfera na qual o real aprendizado acontece? Se você entendeu a imensidão da responsabilidade e a sua beleza, então você é totalmente responsável pelo estudante — o que ele usa, o que ele come, a sua maneira de falar e assim por diante. Dessa questão surge outra: o que é aprender? A maioria de nós provavelmente nunca faz essa pergunta ou, se a faz, responde a partir da tradição, que é conhecimento acumulado, um conhecimento que funciona com ou sem habilidade para ganhar a nossa vida diária. Isso é o que temos ensinado, é para isso que existem todas as escolas comuns, as universidades, etc. O conhecimento predomina, o que é um dos nossos maiores condicionamentos e, portanto, o cérebro nunca está livre do conhecido. É sempre uma adição ao que já é conhecido e, assim, o cérebro nunca é livre para descobrir um modo de vida que pode não estar baseado de modo algum no conhecido. O conhecido dirigese para uma trilha larga ou estreita e a pessoa fica nessa trilha pensando que há segurança nela. Essa segurança é destruída por esse próprio conhecimento limitado. Esse tem sido o modo de vida humano até agora. Assim, há um modo de aprender que não põe a vida dentro de uma rotina, de um canal estreito? Então, o que é aprender? Devemos ser muito claros sobre as vias do conhecimento: primeiro adquirir conhecimento e depois atuar a partir desse conhecimento (tecnológico e psicológico), ou agir e, dessa ação, adquirir conhecimento? Ambas são aquisições de conhecimento. O conhecimento é sempre passado. Há um jeito de agir sem o peso enorme do conhecimento acumulado do homem? Há. Não é aprender como nós o temos conhecido; é pura observação — observação que não é contínua e que então se torna memória, mas observação de momento a momento. O observador é a essência do conhecimento e impõe ao que ele observa o que tem adquirido através da experiência e das várias formas de reações sensoriais. O observador está sempre manipulando aquilo que ele observa, e o que ele observa é sempre

reduzido ao conhecimento. Então, ele está sempre preso na velha tradição de hábitos. Assim, aprender é observação pura — não somente de coisas exteriores a nós mesmos, mas também do que está acontecendo dentro; observar sem o observador.

CARTA 7

Cada ação, cada relacionamento é um movimento de aprender 1º de dezembro de 1978

Todo movimento da vida é aprender. Nunca há um tempo no qual não exista o aprender. Toda ação é um movimento de aprender e todo relacionamento é aprender. A acumulação de conhecimento, que é chamada aprender e com a qual estamos tão acostumados, é necessária até um certo ponto, mas essa limitação nos impede de compreendermos a nós mesmos. O conhecimento é mensurável — mais ou menos conhecimento —, mas no aprender não existe medida. Isso é realmente muito importante de compreender, especialmente se é para você perceber o total significado de uma vida religiosa. O conhecimento é memória e se você tem observado o real, o agora não é memória. Na observação não há lugar para a memória. O real é o que está de fato acontecendo. O instante seguinte já é mensurável e esse é o caminho da memória. Para observar o movimento de um inseto é preciso atenção — isso se você está interessado em observar o inseto, ou seja lá o que for que lhe interesse. Novamente, essa atenção não é mensurável. É responsabilidade do educador entender toda a natureza e estrutura da memória, observar essa limitação e ajudar o estudante a ver isso. Aprendemos dos livros ou de um professor que tem muita informação sobre determinado assunto, e nossos cérebros ficam preenchidos com essa informação. Essa informação é sobre as coisas, sobre a natureza, sobre tudo que está fora de nós. Quando queremos aprender sobre nós mesmos, voltamo-nos para os livros que falam disso. Assim, esse processo continua interminavelmente, e nos tornamos gradualmente seres humanos de segunda mão. Esse é um fato que se observa por todo o mundo, e essa é a nossa educação moderna. O ato de aprender, como assinalamos, é um ato de observação pura e essa observação não está contida dentro da limitação da memória. Aprendemos a ganhar a vida, mas nunca vivemos. A capacidade de ganhar a vida toma a maior parte de nossa vida; dificilmente temos tempo para outras coisas. Encontramos tempo para falar de futilidades, para nos divertir, para jogar, mas isso tudo não é viver. Existe um campo — que é o viver real — totalmente negligenciado.

Para aprender a arte de viver devemos ter lazer. A palavra lazer é muito mal compreendida, como dissemos na nossa terceira carta. Geralmente significa não estar ocupado com as coisas que temos que fazer — como ganhar a vida, ir ao escritório, ir à fábrica, etc., e somente quando isso acaba é que há lazer. Durante o lazer — isso que é chamado de lazer — você quer se divertir, relaxar, quer fazer as coisas de que realmente gosta ou que exigem sua capacidade máxima. O seu ganhar a vida — seja lá o que você faça — está em oposição ao que é tido como lazer. Assim, há sempre esforço, tensão, e a fuga dessa tensão é o lazer, que é quando você não está sob pressão. Durante esse lazer você pega um jornal, abre um romance, conversa, joga, etc. Esse é o fato real. Isso é o que está acontecendo em todo lugar. Ganhar a vida é a negação do viver. Assim, chegamos à questão: o que é lazer? Lazer, como é entendido, é uma pausa na pressão de ganhar a subsistência. A pressão de ganhar a vida ou qualquer pressão que nos é imposta geralmente consideramos como sendo ausência de lazer, mas existe uma pressão muito maior em nós, consciente ou inconsciente, que é o desejo — entraremos nisso depois. A escola é um lugar de lazer. É somente quando você tem lazer que você pode aprender. Ou seja, aprender só pode acontecer quando não há qualquer tipo de pressão. Quando você é confrontado com um perigo ou uma cobra, há um tipo de aprender a partir da pressão do próprio fato do perigo. O aprender sob essa pressão é o cultivo da memória que lhe ajudará a reconhecer um perigo futuro, e então se torna uma resposta mecânica. Lazer implica uma mente que não está ocupada. Só assim existe um estado de aprender. A escola é um lugar de aprender e não apenas um lugar de acumular conhecimento. É realmente importante entender isso. Como dissemos, o conhecimento é necessário e tem seu próprio — e limitado — lugar na vida. Infelizmente essa limitação tem devorado toda a nossa vida e não temos espaço para aprender. Estamos tão ocupados com nossa subsistência que isso tira toda a energia do mecanismo do pensamento, de tal forma que no fim do dia estamos exaustos e precisamos ser estimulados. Nós nos recuperamos dessa exaustão através do entretenimento — religioso ou outro qualquer. Essa é a vida dos seres humanos. Os seres humanos criaram uma sociedade que exige todo o seu tempo, toda a sua energia, toda a sua vida. Não existe lazer para aprender e assim a vida se torna mecânica, quase sem sentido. Assim devemos ser bem claros em relação ao entendimento da palavra lazer — um tempo, um período, quando a mente não está ocupada com o que quer que seja. É um tempo de observação. É só uma mente desocupada que pode observar. Uma observação livre é o movimento de aprender. Isso liberta a mente de ser mecânica. Assim, será que o professor, o educador, pode ajudar o aluno a entender tudo que implica a questão de ganhar a vida e toda pressão por trás disso? O aprender que ajuda você a adquirir um trabalho com todo o medo, a apreensão

do amanhã, a ansiedade que ele provoca. Porque o próprio professor compreendeu a natureza do lazer e da observação pura — de modo que ganhar a vida não se torne uma tortura, um grande esforço por toda a vida — ele pode ajudar o aluno a ter uma mente que não seja mecânica? É responsabilidade total do professor cultivar o florescimento da bondade numa atmosfera de lazer. Por essa razão as escolas existem. É responsabilidade do professor criar uma nova geração para mudar a estrutura social de modo que ganhar a vida deixe de ser a preocupação exclusiva. Então, ensinar se torna um ato sagrado.

CARTA 8

O sentimento de ser totalmente responsável pelas nossas ações 15 de dezembro de 1978

Em uma das cartas anteriores falamos que a responsabilidade total é amor. Essa responsabilidade não é por uma nação particular ou por um determinado grupo, uma comunidade ou por uma divindade particular, ou por alguma forma de programa político, ou por seu próprio guru, mas por toda humanidade. Isso precisa ser compreendido e sentido profundamente; essa é a responsabilidade do educador. Quase todos nós nos sentimos responsáveis pelas nossas famílias, crianças e assim por diante, mas não temos o sentimento de estarmos totalmente interessados e comprometidos com o ambiente ao redor de nós, com a natureza, ou totalmente responsáveis pelas nossas próprias ações. Esse cuidado absoluto é amor. Sem esse amor não pode haver nenhuma mudança na sociedade. Os idealistas, ainda que possam amar seus ideais ou seus conceitos, não têm produzido uma sociedade radicalmente diferente. Os revolucionários, os terroristas não têm, de forma alguma, mudado fundamentalmente o padrão da nossa sociedade. Os revolucionários fisicamente violentos têm falado sobre liberdade para todos os seres humanos, formando uma nova sociedade, mas todos os jargões e slogans têm torturado ainda mais o espírito e a existência. Eles têm distorcido as palavras para ajustá-las ao seu próprio ponto de vista limitado. Nenhuma forma de violência tem mudado a sociedade no seu sentido mais fundamental. Grandes governantes, através da autoridade de uns poucos, têm produzido algum tipo de ordem na sociedade. Mesmo os totalitários têm superficialmente estabelecido uma aparência de ordem através da violência e da tortura. Nós não estamos falando sobre esse tipo de ordem na sociedade. Estamos dizendo definitivamente e o mais enfaticamente possível que é somente a total responsabilidade por toda humanidade — que é amor — que pode transformar profundamente o estado atual da sociedade. Qualquer que seja o sistema existente nas várias partes do mundo, ele é corrupto, degenerado e completamente imoral. Você tem apenas que olhar ao seu redor para ver esse fato. Milhões e milhões são gastos com armamentos por todo o mundo e todos

os políticos falam de paz enquanto preparam a guerra. As religiões têm declarado repetidamente a santidade da paz, mas elas mesmas têm incentivado guerras e formas sutis de violência e tortura. Existem inumeráveis divisões e seitas com seus sacerdotes, rituais e todo esse disparate que continua em nome de Deus e da religião. Onde há divisão necessariamente há desordem, briga, conflito — quer seja religioso, político ou econômico. Nossa sociedade moderna é baseada na avidez, na inveja e no poder. Quando você considera isso tudo como realmente é — esse comercialismo esmagador —, percebe que tudo isso indica degeneração e imoralidade básica. Mudar radicalmente o padrão da nossa vida, que é a base de toda sociedade, é a responsabilidade do educador. Nós estamos destruindo a terra e todas as coisas que estão nela estão sendo destruídas para nossa gratificação. A educação não e meramente o ensino de várias matérias acadêmicas, mas o cultivo da total responsabilidade no estudante. Não nos damos conta, como educadores, que estamos formando uma nova geração. A maioria das escolas está somente Interessada em transmitir conhecimento. Não estão, de jeito nenhum, interessadas na transformação do homem e de sua vida diária, e você — o educador nas nossas escolas — precisa ter esse profundo interesse e o zelo por essa responsabilidade total. Então, de que maneira você pode ajudar o estudante a sentir essa qualidade de amor com toda a sua excelência? Se você não sente isso profundamente em si mesmo, é sem sentido falar sobre responsabilidade. Como um educador, você pode sentir a verdade disso? Ver a verdade disso produzirá naturalmente esse amor e a total responsabilidade. Você tem que ponderar sobre isso, observar isso diariamente na sua vida, nas suas relações com sua esposa, seus amigos, seus alunos. E no seu relacionamento com os estudantes você falará sobre isso a partir do seu coração — não buscando meramente a clareza verbal. O sentimento por essa realidade é o maior presente que o homem pode ter e, uma vez que ele esteja vivo, você descobrirá a palavra apropriada, a ação certa e o comportamento correto. Quando você leva em conta o estudante, verá que ele vem a você totalmente despreparado para tudo isso. Ele vem a você assustado, nervoso, ansioso para agradar ou na defensiva; vem condicionado por seus pais e pela sociedade na qual ele tem vivido os seus poucos anos. Você tem que ver esse passado dele; você tem que estar interessado no que ele realmente é, e não impor sobre ele suas opiniões próprias, julgamentos e conclusões. Ao considerar o que ele é se revelará o que você é; portanto, você descobrirá que o estudante é você. Agora, será que você, ensinando matemática, física etc. — matérias que o aluno deve saber por ser o jeito de ganhar a subsistência —, pode transmitir ao aluno que ele é responsável pelo todo da humanidade? Ainda que ele possa estar

trabalhando por sua própria carreira, seu próprio modo de vida, isso não fará sua mente estreita. Ele verá o perigo da especialização com todas suas limitações e sua peculiar brutalidade. Você tem que ajudá-lo a ver tudo isso. O florescimento da bondade não se encontra em saber matemática e biologia ou em passar nos exames e ter uma carreira bem sucedida. Ele existe fora disso e, quando existe esse florescimento, a carreira e as outras atividades necessárias são tocadas por sua beleza. Agora, nós colocamos a ênfase na pessoa e desconsideramos inteiramente o florescimento. Nas nossas escolas estamos tentando juntar esses dois aspectos, não artificialmente, não como um princípio ou padrão que vocês estão seguindo, mas porque vocês estão vendo a verdade absoluta de que esses aspectos devem fluir juntos para a regeneração do homem. Você pode fazer isso? — não porque você concorda em fazê-lo após conversar sobre isso e chegar a alguma conclusão, mas sim por ver com o olhar interior a extraordinária gravidade da questão; ver por você mesmo. Então o que você fala terá significado. Então você se torna um centro de luz não aceso pelo outro. Como você é a totalidade da humanidade — o que é uma realidade, não uma afirmação verbal —, você é completamente responsável pelo futuro do homem. Por favor, não considere isso como um dever. Se você o faz, esse dever é um monte de palavras sem nenhuma realidade. É uma ilusão. Essa responsabilidade tem sua própria alegria, seu próprio humor, seu próprio movimento sem o peso do pensamento.

CARTA 9

A constante preocupação consigo mesmo é negligência 1º de janeiro de 1979

Parece que, como estamos interessados em educação, há dois fatores que precisamos ter em mente o tempo todo. Um é a diligência e o outro é a negligência. A maioria das religiões tem falado sobre a atividade da mente, para ser controlada, moldada pela vontade de Deus ou por algum agente externo; e a devoção a alguma divindade, feita pela mão ou pela mente, necessita de uma peculiar qualidade de atenção na qual a emoção, o sentimento e a imaginação romântica estão envolvidos. Essa é a atividade da mente que é o pensamento. A palavra diligência implica cuidado, vigilância, observação e um profundo senso de liberdade. A devoção a um objeto, a uma pessoa ou a um princípio nega essa liberdade. Diligência é a atenção que produz naturalmente cuidado infinito, interesse e o frescor da afeição. Tudo isso exige grande sensibilidade. Nós somos sensíveis aos nossos próprios desejos ou às nossas feridas psicológicas, ou somos sensíveis a uma pessoa particular, vendo seus desejos e respondendo rapidamente às suas necessidades; mas esse tipo de sensibilidade é muito limitada e dificilmente pode ser chamada de sensibilidade. A qualidade de sensibilidade que estamos falando acontece naturalmente quando há a responsabilidade total que é amor. A diligência tem essa qualidade. A negligência é indiferença, preguiça; indiferença para com o organismo físico, para com o estado psicológico e indiferença para com os outros. Na indiferença existe insensibilidade. Nesse estágio a mente se torna preguiçosa, a atividade do pensamento se retarda, a rapidez da percepção é negada e a sensibilidade é uma coisa que fica incompreensível. A maioria de nós é às vezes diligente, mas muito mais frequentemente negligente. As duas não são opostas realmente. Se o fossem, a diligência ainda seria parte da negligência e, portanto, não seria verdadeiramente diligência. A maioria das pessoas é diligente em relação aos seus próprios interesses pessoais, quer esse interesse pessoal seja identificado com a família, com um grupo particular, uma seita ou nação. Nesse interesse próprio existe o germe da negligência, embora haja uma constante preocupação consigo mesmo. Essa

preocupação é limitada e, portanto, ela é negligência. Essa preocupação é energia contida dentro de limites estreitos. A diligência é a libertação da ocupação pessoal e traz uma abundância de energia. Quando a pessoa compreende a natureza da negligência, a diligência passa a existir sem qualquer esforço. Quando isso é inteiramente compreendido — não apenas a definição verbal da negligência e da diligência —, então a mais alta excelência em nosso pensamento, ação e comportamento se manifestará. Mas, infelizmente, nunca exigimos de nós mesmos a mais alta qualidade de pensamento, ação e comportamento. Nós quase nunca desafiamos a nós mesmos e se eventualmente o fazemos, temos várias desculpas para não responder inteiramente. Isso indica uma indolência da mente, uma fraca atividade do pensamento, não é mesmo? O corpo pode estar preguiçoso, mas nunca a mente com sua rapidez de pensamento e sutileza. A preguiça do corpo pode ser facilmente entendida. Essa preguiça pode existir porque a pessoa está trabalhando excessivamente ou por causa de indulgência excessiva ou tem feito esporte muito puxado. Assim, o corpo requer repouso, o que pode ser considerado preguiça, embora não o seja. A mente vigilante, estando alerta, sensível, sabe quando o organismo precisa de repouso e cuidado. Nas nossas escolas é importante entender que a qualidade de energia que é diligência requer o tipo de comida adequada, o tipo de exercício adequado e sono suficiente. O hábito, a rotina é o inimigo da diligência — o hábito do pensamento, da ação, da conduta. O pensamento em si mesmo cria seu próprio padrão e vive dentro dele. Quando esse padrão é desafiado, ou ele é desconsiderado ou o pensamento cria um outro padrão de segurança. Esse é o movimento do pensamento — de um padrão a outro, de uma conclusão, uma crença a outra. Essa é a própria negligência do pensamento. A mente que é diligente não tem hábito, não há padrão de resposta. É um movimento sem fim, nunca se enredando nos hábitos, nunca se prendendo a conclusões. O movimento tem grande profundidade e volume quando não há o limite produzido pela negligência do pensamento. Como nós estamos agora interessados em educação, de que maneira pode o professor transmitir essa diligência com sua sensibilidade, com seu cuidado abundante no qual a preguiça de espírito não tem lugar? É claro que está entendido que o educador está interessado nessa questão e vê a importância da diligência ao longo dos dias de sua vida. Se ele está interessado, então como ele começará a cultivar essa flor da diligência? Ele está profundamente interessado no estudante? Ele realmente toma a total responsabilidade por essas pessoas jovens que estão em seu encargo? Ou ele está lá meramente para ganhar sua subsistência, preso na miséria do ter pouco? Como nós apontamos nas cartas anteriores, ensinar é a mais alta capacidade do homem. Você está lá e você tem os estudantes diante de você. Você é indiferente? Será que os seus problemas pessoais, em casa, estão desperdiçando a sua energia?

Carregar problemas psicológicos de um dia para o outro é um desperdício total de tempo e energia, indicando negligência. Uma mente diligente encara o problema assim que ele surge, observa a natureza dele e o resolve imediatamente. Arrastar um problema psicológico não resolve o problema. É um desperdício de energia e do espírito. Quando você soluciona o problema assim que ele surge, então irá descobrir que não existe problema realmente. Assim devemos voltar à questão: como um educador nessas ou em qualquer outra escola, você pode cultivar essa diligência? É somente nisso que o florescimento da bondade passa a existir. É sua responsabilidade total e irrevogável — e nela está esse amor que naturalmente vai encontrar um jeito de ajudar o estudante.

CARTA 10

Uma seriedade onde existe liberdade e felicidade 15 de janeiro de 1979

É importante que o professor se sinta seguro nessas escolas tanto do ponto de vista econômico quanto psicológico. Alguns professores podem estar dispostos a ensinar sem muita preocupação com sua posição econômica; eles podem ter vindo pelos ensinamentos e por razões psicológicas, mas cada professor deveria se sentir seguro no sentido de se sentir em casa, de se sentir cuidado, sem preocupações financeiras. Se o próprio professor não se sente seguro e, portanto, não se sente livre para dar atenção ao estudante e à sua segurança, ele não será capaz de ser totalmente responsável. Se o professor, em si mesmo, não está feliz, sua atenção ficará dividida e ele será incapaz de exercitar toda sua capacidade. Assim, torna-se importante que escolhamos os professores corretos, convidando cada um deles para passar algum tempo em nossas escolas, para descobrir se ele ou ela pode alegremente se juntar ao que está sendo feito. Isso deve ser mútuo. Então o professor, estando feliz, seguro, sentindo que está em casa, pode criar no estudante essa qualidade de segurança, esse sentimento que a escola é o seu lar. Sentir-se em casa implica que não há sentimento de medo, que ele está protegido fisicamente, sendo cuidado, que está livre, não é? A proteção, mesmo que o estudante possa ter objeção à idéia de ser protegido, resguardado, não significa que ele está encerrado em uma prisão, confinado e observado criticamente. A liberdade, obviamente, não significa fazer o que se quer, e é igualmente óbvio que não se pode nunca fazer totalmente o que se quer. A tentativa de fazer o que se quer — a chamada liberdade individual, que é escolher um curso de ação de acordo com o próprio desejo — trouxe confusão social e econômica no mundo. A reação a essa confusão e o totalitarismo. A liberdade é um negócio muito complexo. Devemos abordá-la com atenção total, pois a liberdade não é o oposto da servidão, ou um escape das circunstâncias em que estamos presos. Não é liberdade de algo ou evitar o

constrangimento. A liberdade não tem oposto; ela existe por si mesma. O próprio entendimento da natureza da liberdade é o despertar da inteligência. Não é um ajustamento ao que é, mas o entendimento do que é e, assim, ir além dele. Se o professor não entender a natureza da liberdade, ele apenas irá impor aos estudantes os seus preconceitos, suas limitações, suas conclusões. Dessa forma, o estudante naturalmente irá resistir ou aceitar através do medo, tornando-se um ser humano convencional, seja tímido ou agressivo. É somente no entendimento dessa liberdade de viver — não a idéia dela ou a aceitação verbal dela, que se torna um slogan — que a mente é livre para aprender. Uma escola, afinal de contas, é um lugar onde o estudante está basicamente feliz, não está intimidado, ameaçado pelos exames, não está compelido a agir de acordo com um padrão, um sistema. É um lugar onde a arte de aprender está sendo ensinada. Se o estudante não é feliz, ele é incapaz de aprender essa arte. Memorizar, gravar informação é considerado aprendizado. Isso produz uma mente que é limitada e, portanto, pesadamente condicionada. A arte de aprender é dar o lugar apropriado à informação, agir com toda habilidade de acordo com o que foi aprendido, mas, ao mesmo tempo, é não ficar psicologicamente amarrado pelas limitações do conhecimento e imagens e símbolos que o pensamento cria. Arte quer dizer colocar tudo em seu lugar apropriado, não de acordo com algum ideal. Entender o mecanismo dos ideais é aprender a arte da observação. Um conceito formado pelo pensamento, tanto no futuro quanto de acordo com o passado, é um ideal — uma idéia projetada ou uma lembrança. É um jogo de sombras, é fazer uma abstração da realidade. Essa abstração é um evitar o que está acontecendo agora. Esse escape do fato é infelicidade. Agora, como professores, podemos ajudar o estudante a ser feliz no sentido real? Podemos ajudá-lo a se interessar pelo que está realmente acontecendo? Isso é atenção. O estudante está sendo atento ao observar uma folha que treme ao sol. Nesse momento, forçá-lo de volta ao livro é desencorajar a atenção; enquanto ajudá-lo a observar completamente aquela folha o faz ficar desperto, consciente da profundidade da atenção, na qual não existe distração. Da mesma forma, porque ele acabou de ver o que implica atenção, ele será capaz de voltar ao livro ou a seja lá o que esteja sendo ensinado. Nessa atenção não existe compulsão, nem ajustamento. É a liberdade na qual existe observação total. Pode o próprio professor ter essa qualidade de atenção? Só assim ele pode ajudar outra pessoa. A maioria de nós luta contra as distrações. Não existem distrações. Suponha que você está sonhando acordado ou que a sua mente está vagando; isso é o que na realidade está acontecendo. Observe isso. Essa observação é atenção. Assim, não existe distração.

Isso pode ser ensinado aos estudantes, essa arte pode ser aprendida? Você é totalmente responsável pelo estudante, você deve criar essa atmosfera de aprendizagem, uma seriedade na qual existe um senso de liberdade e felicidade.

CARTA 11

Ideais corrompem a mente 1º de fevereiro de 1979

Como já apontamos inúmeras vezes nessas cartas, as escolas existem principalmente para produzir uma profunda transformação nos seres humanos. O educador é inteiramente responsável por isso. A menos que o professor perceba esse fator central, ele estará apenas instruindo o estudante a se tornar um homem de negócios, um engenheiro, um advogado ou um político. Existem tantos desses que parecem ser incapazes de transformar tanto a si mesmos quanto a sociedade em que vivem. Talvez, na atual estrutura da sociedade, advogados e homens de negócios possam ser necessários, mas quando essas escolas surgiram, a intenção era — e continua sendo — transformar o homem profundamente. Os professores nessas escolas deveriam realmente entender isso, não intelectualmente, não como uma idéia, mas porque eles vêem, com o seu ser inteiro, toda a implicação disso. Estamos interessados no desenvolvimento total do ser humano, não apenas na acumulação de conhecimento. Idéias e ideais são uma coisa, e o fato, o acontecimento real, outra coisa. Os dois nunca podem ocorrer juntos. Os ideais têm sido impostos sobre os fatos e distorcem o que está acontecendo para ajustar ao que deveria ser, o ideal. A utopia é uma conclusão tirada do que está acontecendo e sacrifica o que é real para ajustar ao que tem sido idealizado. Esse tem sido o processo por milênios e cada estudante e todos os intelectuais deleitam-se em idealizações. Evitar o que é, é o início da corrupção da mente. Essa corrupção impregna todas as religiões, a política e a educação, todos os relacionamentos humanos. O entendimento desse processo de evitação e ir além dele é o nosso interesse. Os ideais corrompem a mente: eles nascem de idéias, julgamentos e esperança. Idéias são abstrações do que é, e qualquer idéia ou conclusão sobre o que está realmente acontecendo distorce o que esta acontecendo, e assim a corrupção acontece. Os ideais tiram a atenção do fato, do que é, e assim direcionam a atenção para o fantasioso. Esse movimento de afastamento do fato leva aos símbolos, imagens, que então assumem uma importância que nos absorvem totalmente. Esse movimento para longe do fato é a corrupção da mente. Os seres humanos são indulgentes com esse movimento nas conversas, em seus

relacionamentos, em quase tudo que eles fazem. O fato é instantaneamente traduzido em uma idéia ou uma conclusão que então dita as nossas reações. Quando algo é visto, o pensamento imediatamente faz uma cópia e ela se torna o real. Você vê um cachorro e o pensamento torna isso em seja lá que imagem você possa ter sobre cachorros, e assim você nunca vê o cachorro. Isso pode ser ensinado aos estudantes: a permanecerem com o fato, com o que realmente está acontecendo na hora, seja psicologicamente, seja externamente? O conhecimento não é o fato; é a respeito do fato, e isso tem o seu lugar próprio, mas o conhecimento impede a percepção do que realmente é; então a corrupção acontece. É realmente muito importante entender isso. Ideais são considerados nobres, são exaltados, de grande e importante significado, e o que está realmente acontecendo é considerado algo meramente sensorial, mundano e de menor valor. As escolas por todo mundo têm algum propósito elevado, algum ideal; assim elas estão educando os estudantes em corrupção. O que corrompe a mente? Estamos usando a palavra mente englobando os sentidos, a capacidade de sentir, e o cérebro que armazena todas as memórias e experiências como conhecimento. Esse movimento total é a mente. O consciente, tanto quanto o inconsciente, é a chamada superconsciência — a totalidade disso é a mente. Estamos perguntando quais são os fatores, as sementes da corrupção em tudo isso? Dissemos que ideais corrompem. O conhecimento também corrompe a mente. O conhecimento, particular ou generalizado, é o movimento do passado, e quando o passado obscurece o presente, a corrupção acontece. O conhecimento, projetado no futuro e direcionado ao que esta acontecendo agora, é corrupção. Estamos usando a palavra corrupção querendo dizer isso que está fragmentado; dividido, aquilo que não é tomado como um todo. O fato nunca pode ser fragmentado; o fato nunca pode ser limitado pelo conhecimento. A completude do fato abre a porta ao infinito. A completude não pode ser dividida; não é contraditória em si mesma; não pode dividir a si mesma. Completude, totalidade, é movimento infinito. Imitação, ajustamento, é um dos grandes fatores de corrupção da mente; o exemplo, o herói, o salvador, o guru, é o fator mais destrutivo da corrupção. Seguir, obedecer, ajustar nega a liberdade. A liberdade está desde o início, não no fim. Não é ajustar-se, imitar, aceitar primeiro e depois encontrar a liberdade. Esse é o espírito do totalitarismo, seja do guru ou do sacerdote. Essa é a crueldade, a dureza do ditador, da autoridade, do guru ou do sacerdote mais elevado. Assim, autoridade é corrupção. Autoridade é a fragmentação da integridade, do todo, do que é completo — a autoridade de um professor em uma escola, a autoridade de um propósito, de um ideal, daquele que diz “Eu sei”, a autoridade de uma instituição. A pressão da autoridade em qualquer forma é o fator

deformante da corrupção. Autoridade basicamente nega liberdade. É função de um verdadeiro professor instruir, apontar, informar, sem a corruptora influência da autoridade. A autoridade da comparação destrói. Quando um estudante é comparado com outro, ambos estão sendo feridos. Viver sem comparação é ter integridade. Você, professor, fará isso?

CARTA 12

Educação é libertar a mente do eu 15 de fevereiro de 1979

Parece que os seres humanos têm uma grande quantidade de energia. Eles já estiveram na lua, já escalaram os picos mais altos da terra, eles têm uma energia prodigiosa para a guerra, para fazer os instrumentos de guerra, uma grande energia para os avanços tecnológicos, para acumular o vasto conhecimento que o ser humano tem reunido, para trabalhar todo dia, energia para construir pirâmides e para explorar o átomo. Quando se considera tudo isso é impressionante perceber a energia que o homem tem despendido. Essa energia foi colocada na investigação de coisas externas, mas o homem tem dado muito pouca importância para a investigação de toda estrutura psicológica de si mesmo. É preciso energia, tanto externamente quanto internamente, para agir ou para estar totalmente silencioso. A ação e a não-ação requerem grande energia. Nós temos usado a energia positivamente em guerras, em escrever livros, em operações cirúrgicas e para trabalhar dentro do mar. A não-ação requer muito mais ação que a chamada ação positiva. A ação positiva é controlar, apoiar, escapar. A não-ação é a atenção total da observação. Nessa observação aquilo que está sendo observado sofre uma transformação. Essa observação silenciosa exige não apenas energia física, mas também uma profunda energia psicológica. Nós estamos acostumados à primeira dessas duas, e esse condicionamento limita a nossa energia. Em uma observação completa, silenciosa, que é não-ação, não existe gasto de energia, e assim a energia é ilimitada. A não-ação não é o oposto da ação. Ir trabalhar diariamente, ano após ano por tanto tempo, que pode ser necessário do jeito que as coisas estão, limita, mas não trabalhar não significa que você vai ter energia ilimitada. A própria indolência da mente é um desperdício de energia, assim como a preguiça do corpo. Nossa educação, em qualquer campo, restringe essa energia. Nosso modo de viver, que é uma luta constante para tornar-se algo, ou não, é dissipação da energia. A energia é fora do tempo e não é para ser medida. Mas nossas ações são mensuráveis e assim reduzimos essa energia ilimitada ao estreito círculo do eu. E a tendo confinado, então buscamos o imensurável. Essa busca é parte da ação

positiva e, portanto, é um desperdício da energia psicológica. Assim existe um movimento sem fim dentro dos arquivos do eu. Em educação o que nos interessa é libertar a mente do eu. Como dissemos em inúmeras ocasiões nessas cartas, é nossa função fazer surgir uma nova geração livre dessa energia limitada — que é chamada o eu. Deve ser mais uma vez repetido que essas escolas existem para fazer surgir isso, Na nossa carta anterior, falamos sobre a corrupção da mente. A raiz dessa corrupção é o eu. O eu é a imagem, a representação, o mundo que é passado de geração em geração, e a pessoa tem de lutar contra esse peso da tradição do eu. Isso é o fato — não as consequências desse fato ou como o fato chegou a existir— o que é bem fácil de explicar; mas observar o fato com todas as suas reações, sem motivo que o distorça, é ação negativa. Isso então transforma o fato. É importante entender isso bem profundamente; não agir sobre o fato, mas observar o que é. Todo ser humano está ferido tanto psicológica quanto fisicamente. É fácil lidar com a dor física, mas a dor psicológica permanece escondida. A consequência dessa ferida psicológica é construir um muro em volta de si mesmo, resistir a outras dores e assim se tornar amedrontado ou se retirar no isolamento. A ferida foi causada pela imagem do eu com sua energia limitada. Porque a imagem é limitada, ela pode ser ferida. Aquilo que não é mensurável nunca pode sofrer dano, nunca pode ser corrompido. Qualquer coisa que é limitada pode ser ferida, mas aquilo que é inteiro está além do alcance do pensamento. Pode o educador ajudar o estudante a nunca ser ferido psicologicamente, não apenas enquanto ele faz parte da escola, mas durante toda a sua vida? Se o educador vê o grande dano que vem dessa ferida, então como vai educar o estudante? O que realmente vai fazer para cuidar que o estudante nunca seja ferido ao longo da sua vida? O estudante vem para a escola já tendo sido ferido. Provavelmente não se dá conta dessa ferida. O professor, ao observar suas reações, seus medos e agressividade, vai descobrir o dano que foi feito. Assim o professor tem dois problemas: libertar o estudante de seus danos passados e prevenir futuras feridas. É esse o seu interesse? Ou você apenas lê esta carta, entende intelectualmente — o que não é entendimento de forma alguma — e assim não está interessado no estudante? Mas se você está interessado, como deveria estar, o que vai fazer com esse fato — que ele está ferido e que você tem que, a qualquer custo, prevenir feridas futuras? Como você aborda esse problema? Qual é o estado da sua mente quando encara esse problema? É também o seu problema, não é só do estudante. Você está ferido como também o estudante está ferido. Assim, os dois estão envolvidos. Não é um problema unilateral; você está tão envolvido quanto o estudante. Esse envolvimento é o fator central com que você tem de se defrontar, observar. Apenas ter o desejo de ser livre das suas feridas passadas e esperar nunca mais ser ferido de novo

é um desperdício de energia. A atenção completa, a observação desse fato não apenas vai contar a história dessa ferida, mas essa própria atenção dissipa, limpa a ferida. Assim a atenção é essa vasta energia que nunca pode ser ferida ou corrompida. Por favor, não aceite o que está sendo dito nestas cartas. Aceitação é destruição da verdade. Teste isso — não em uma data futura, mas teste enquanto lê essa carta. Quando você testa isso, não casualmente, mas com todo o seu coração, com todo o seu ser, então vai descobrir por si mesmo a verdade da questão. E somente então será capaz de ajudar o estudante a limpar o passado e ter uma mente que é incapaz de ser ferida.

CARTA 13

Indulgência com as coisas que não têm sentido é desperdício de energia 1º de março de 1979

Essas cartas são escritas com um espírito amigável. Elas não pretendem sobrepor-se ao seu modo de pensar ou persuadi-lo a ajustar-se ao modo que o escritor pensa ou sente. Elas não são propaganda. Elas são realmente um diálogo entre você e o escritor, dois amigos conversando juntos dos seus problemas, e em uma boa amizade não existe nunca qualquer senso de competição ou dominação. Você também deve ter observado o estado do mundo e da nossa sociedade, e que deve haver uma transformação radical no jeito com que os seres humanos vivem, na sua relação uns com os outros, na relação com o mundo como um todo; uma transformação em toda e qualquer maneira possível. Estamos falando um com o outro, estamos ambos profundamente interessados não somente em nossas próprias personalidades, mas também nos estudantes pelos quais vocês são inteiramente responsáveis. O professor é a pessoa mais importante na escola, pois o futuro bem-estar da humanidade depende dele. Essa não é uma mera afirmação verbal. É um fato absoluto e irrevogável. Apenas quando o próprio educador sentir a dignidade e o respeito implícitos no seu trabalho, ele irá perceber que ensinar é o mais alto chamado, maior que aquele do político, maior que o dos príncipes do mundo. Cada uma dessas palavras o escritor diz a sério, e assim, por favor, não as coloque de lado como se fosse um exagero ou uma tentativa de fazer vocês sentirem uma importância falsa. Vocês e os estudantes devem florescer juntos em bondade. Estivemos apontando a corrupção ou os fatores degenerativos da mente. Como a sociedade está se desintegrando, essas escolas precisam ser centros para a regeneração da mente. Não do pensamento. O pensamento nunca pode ser regenerado, pois o pensamento é sempre limitado, mas a regeneração da totalidade da mente é possível. Essa possibilidade não é conceitual, mas real quando se examina profundamente o processo de degeneração. Nas cartas anteriores exploramos alguns deles.

Agora temos de investigar também a natureza destrutiva da tradição, do hábito e dos processos repetitivos de pensamento. Seguir, aceitando a tradição, parece dar uma certa segurança à própria vida, tanto à vida exterior quanto à interior. A busca por segurança, de todas as maneiras possíveis, tem sido o motivo, a força motriz da maior parte das nossas ações. A exigência de segurança psicológica se sobrepõe à segurança física, e assim torna a segurança física incerta. Essa segurança psicológica é a base da tradição, transmitida de uma geração à outra através das palavras, através de rituais, crenças — sejam religiosas, políticas ou sociológicas. Nós raramente questionamos a norma aceita, mas quando o fazemos, invariavelmente caímos na armadilha de um novo padrão. Esse tem sido o nosso modo de viver: rejeitar um e aceitar o outro. O novo é mais atraente e o velho é deixado para a geração passada. Mas as duas gerações estão presas em padrões, em sistemas, e esse é o movimento da tradição. A própria palavra tradição implica ajustamento, seja tradição moderna ou antiga. Não existe boa ou má tradição: existe apenas tradição, a vã repetição de rituais em todas as igrejas, templos e mesquitas. Eles são totalmente sem sentido, mas a emoção, o sentimento, o romantismo, a imaginação emprestam-lhes cor e ilusão. Essa é a natureza da superstição e cada sacerdote no mundo encoraja isso. Esse processo de se abandonar às coisas que não têm sentido ou investir em coisas sem significado é um desperdício de energia que degenera a mente. Temos de estar profundamente atentos a esses fatos e essa própria atenção dissolve todas as ilusões. Também existe o hábito. Não há bons ou maus hábitos — somente hábitos. Hábito implica uma ação repetitiva que surge de não se estar atento. A pessoa cai no hábito deliberadamente ou é persuadida pela propaganda; ou, estando com medo, cai nos reflexos autoprotetores. Dá-se o mesmo com o prazer. Seguir uma rotina, por mais efetiva ou necessária que seja na vida quotidiana, pode levar, e geralmente o faz, a um modo de vida mecânico. A pessoa faz a mesma coisa à mesma hora todo dia sem que isso se torne um hábito quando existe uma atenção ao que está sendo feito. A atenção dissipa o hábito. É somente quando não existe atenção que os hábitos são formados. Você pode se levantar à mesma hora toda manhã e você sabe por que está levantando. Essa atenção pode parecer, para uma outra pessoa, um hábito, bom ou ruim, mas realmente para aquele que está atento, desperto, não existe hábito de forma alguma. Nós caímos nas rotinas ou hábitos psicológicos porque pensamos que é o modo de viver mais cômodo, e quando você observa de perto, mesmo nos hábitos formados no relacionamento — pessoal ou outro — existe uma certa qualidade de indolência, falta de cuidado e desconsideração. Tudo isso dá uma falsa sensação de intimidade, segurança e facilmente se cai na crueldade. Existe todo tipo de perigo no hábito: o hábito de fumar, a ação repetitiva, o emprego de palavras, pensamentos ou comportamento. Isso torna a mente totalmente insensível, e o processo degenerativo é encontrar alguma forma de segurança ilusória como uma nação, uma crença ou um ideal e se agarrar a isso. Todos

esses fatores são muito destrutivos para a segurança real. Vivemos em um mundo de faz-de-conta que se tornou uma realidade. Pode-se questionar essa ilusão tornando-se um revolucionário ou aderir à permissividade. Ambos são fatores de degeneração. Afinal de contas, o cérebro com suas capacidades extraordinárias vem sendo condicionado de geração em geração a aceitar essa segurança falaciosa, que agora se tornou um hábito profundamente arraigado. Para quebrar esse hábito nós passamos por várias formas de tortura, múltiplos escapes, ou nos atiramos em alguma utopia idealista, e assim por diante. É problema do educador investigar o condicionamento; e sua capacidade criativa se encontra em observar bem de perto esse seu condicionamento profundamente enraizado, bem como o do estudante. É um processo mútuo: não que você investiga o seu condicionamento primeiro e então informa o outro das suas descobertas, mas exploram juntos e descobrem a verdade da questão. Isso exige uma certa qualidade de paciência; não a paciência do tempo, mas a perseverança e o cuidado diligente da responsabilidade total.

CARTA 14

Por que a humanidade dá tamanha importância ao pensamento? 15 de março de 1979

Tornamo-nos demasiadamente espertos. Nosso cérebro vem sendo treinado para se tornar muito brilhante verbalmente, intelectualmente. Ele está abarrotado com uma grande quantidade de informação e usamos isso para uma carreira lucrativa. Uma pessoa esperta, intelectual, é enaltecida, distinguida. Essas pessoas parecem usurpar todos os lugares importantes no mundo: elas têm poder, posição, prestígio. Mas sua esperteza, no final, acaba por atraiçoá-las. Em seus corações elas nunca sabem o que é o amor, ou uma caridade profunda e generosidade, pois estão fechadas na sua vaidade e arrogância. Isso se tornou o padrão de todas as escolas de “alto nível”. Um menino ou menina que são aceitos na escola convencional ficam presos na civilização moderna e estão perdidos para toda a beleza da vida. Quando você caminha pelos bosques cheios de sombras, com a luz salpicada, e de repente se abre uma clareira, um espaço aberto, um campo verde rodeado por árvores majestosas ou um riacho borbulhante, você se pergunta por que o homem perdeu seu relacionamento com a natureza e a beleza da terra, com a folha que cai e com o galho quebrado. Se você perdeu o contato com a natureza, então inevitavelmente irá perder o relacionamento com outra pessoa. A natureza não é apenas as flores, o adorável gramado ou as águas que correm no seu pequeno jardim, mas toda a terra com tudo o que está nela. Achamos que a natureza existe para o nosso uso, para a nossa conveniência, e assim perdemos a comunhão com a terra. Essa sensibilidade à folha que cai e à árvore alta numa colina é bem mais importante que passar em todos os exames e ter uma carreira brilhante. Essas coisas não são o todo da vida. A vida é como um vasto rio com um grande volume de água sem começo nem fim. Nós tiramos um balde de água dessa rápida correnteza e essa água confinada se torna a nossa vida. Esse é nosso condicionamento e nosso inesgotável sofrimento. O movimento do pensamento não é a beleza. O pensamento pode criar o que parece ser belo — a pintura, a estátua de mármore ou um adorável poema — mas isso não é beleza. Beleza é suprema sensibilidade, não no sentido das

próprias dores e ansiedades, mas abraçando toda a existência do homem. Existe beleza somente quando a corrente do eu secou completamente. Quando o eu não está, a beleza existe. Com o abandono do eu vem a paixão da beleza. Estivemos conversando juntos nestas cartas sobre a degeneração da mente. Assinalamos, para o seu exame e investigação, algumas formas dessa deterioração. Uma das suas atividades básicas é o pensamento. O pensamento é um fragmentar da totalidade da mente. O todo contém a parte, mas a parte nunca pode ser aquilo que é completo. O pensamento é a parte mais ativa da nossa vida. O sentimento vai com o pensamento. Essencialmente eles são um, embora tenhamos a tendência de separá-los. E, tendo separado, damos grande importância ao sentimento, ao romantismo e à devoção, mas o pensamento, como a corrente de um colar, tece a si mesmo através de tudo isso, escondido, vivo, controlando e moldando. Ele está sempre lá, embora gostemos de pensar que as nossas emoções profundas são essencialmente diferentes dele. Nisso se encontra uma grande ilusão, um engano que é altamente considerado e que leva à desonestidade. Como dissemos, o pensamento é a realidade de nossa vida diária. Todos os chamados livros sagrados são produto do pensamento. Eles podem ser venerados como uma revelação, mas eles são essencialmente pensamento. O pensamento criou a turbina e os grandes templos da terra, o foguete e a inimizade no homem. O pensamento tem sido responsável pelas guerras, pela linguagem que a pessoa usa e pela imagem feita pela mão ou pela mente. O pensamento domina o relacionamento. O pensamento descreveu o que é o amor, o paraíso e a dor da miséria. O homem adora o pensamento, admira suas sutilezas, sua astúcia, sua violência, sua crueldade por uma causa. O pensamento trouxe grandes avanços na tecnologia e com isso a capacidade de destruição. Essa tem sido a história do pensamento, repetida através dos séculos. Por que a humanidade tem dado essa importância extraordinária para o pensamento? Será porque é a única coisa que temos, ainda que ele seja ativado através dos sentidos? Será porque o pensamento tem sido capaz de dominar a natureza, dominar o meio ambiente, porque tem trazido alguma segurança física? Será porque ele é o maior instrumento através do qual o homem opera, vive e se beneficia? Será que é porque o pensamento criou os deuses, os salvadores, a superconsciência, esquecendo a ansiedade, o medo, o sofrimento, a inveja, a culpa? Será porque ele mantém as pessoas juntas como uma nação, como um grupo, como uma seita? Será porque ele traz esperança para uma vida sombria? Será porque ele dá uma abertura para escaparmos do nosso dia-a-dia aborrecido e tedioso? Será porque, não sabendo o que será do futuro, ele oferece a segurança do passado, com sua arrogância, com sua insistência na experiência? Será porque no conhecimento existe estabilidade, a evitação do medo na certeza do conhecido? Será porque o próprio pensamento se colocou

em uma posição invulnerável, resistindo ao desconhecido? Será porque o amor é incontável, sem medidas, enquanto o pensamento é mensurável e resiste ao imutável movimento do amor? Nós nunca questionamos a própria natureza do pensamento. Aceitamos o pensamento como inevitável, como nossos olhos e pernas. Nunca investigamos a profundidade mesma do pensamento: e porque nunca o questionamos, ele assumiu a predominância. Ele é o tirano da nossa vida e os tiranos raramente são desafiados. Assim, como educadores, vamos expor isso à luz clara da observação. A luz da observação não somente dissipa a ilusão instantaneamente, como a claridade da sua luminosidade revela o menor detalhe daquilo que está sendo observado. Como dissemos, observação não é a partir de um ponto fixo, de uma crença, de um preconceito ou de uma conclusão. Opinião é algo bastante medíocre e assim, também, é a experiência. O homem cheio de experiência é uma pessoa perigosa, pois ele está enredado na prisão do seu próprio conhecimento. Assim, você pode observar com clareza extraordinária todo o movimento do pensamento? Essa luz é liberdade — não significa que você apreendeu isso e o emprega para sua própria conveniência e benefício. A própria observação do pensamento é a observação do seu ser inteiro, e esse próprio ser é construído pelo pensamento. Como o pensamento é finito, limitado, assim é você.

CARTA 15

A inteligência não é acordada pelo desejo 1º de abril de 1979

Vamos ainda tratar da totalidade da mente. A mente inclui os sentidos, as emoções instáveis, a capacidade do cérebro e o pensamento sempre inquieto. Tudo isso é a mente, incluindo os vários atributos da consciência. Quando o todo da mente está em operação, ela não tem fronteira, tem grande energia e ação sem sombra de arrependimento e promessa de recompensa. Essa qualidade da mente, essa totalidade é inteligência. Será que essa inteligência pode ser transmitida ao estudante e pode-se ajudar a ele, ou a ela, a rapidamente perceber seu significado? Certamente é responsabilidade do educador produzir isso. A capacidade do pensamento é moldada e controlada pelo desejo e assim ela fica reduzida. Essa capacidade é limitada pelo movimento do desejo: o desejo é a essência da sensação. A ambição limita a capacidade do cérebro, que é o pensamento. Essa capacidade é restringida pelas exigências sociais e econômicas, pelos motivos ou pela própria experiência da pessoa. Ela é limitada por um ideal, pelas sanções das várias crenças religiosas, pelo medo sem fim. O medo não está separado do prazer. O desejo — a essência da sensação — é moldado pelo meio ambiente, pela tradição, pelas nossas próprias inclinações e temperamento. E essa capacidade ou ação, que exige energia total, é condicionada de acordo com nosso conforto e prazer. O desejo é um fator premente em nossa vida, que não é para ser suprimido, evitado, adulado ou justificado, mas compreendido. Esse entendimento só pode surgir através da investigação do desejo e da observação de seus movimentos. Conhecendo o imperioso fogo do desejo, a maior parte das proibições religiosas e sectárias fizeram do desejo algo que deve ser reprimido, controlado ou subjugado — entregue em sacrifício, por assim dizer, a uma divindade ou princípio. Os inumeráveis votos que as pessoas fizeram para negar totalmente o desejo de forma alguma o aniquilaram. Ele está lá.

Assim, devemos abordá-lo de forma diferente, tendo em mente que a inteligência não é despertada pelo desejo. O desejo de ir à lua produz um conhecimento técnico enorme, mas esse conhecimento é inteligência limitada. O conhecimento é sempre especializado e, portanto, incompleto, enquanto nós estamos falando da inteligência que é o movimento da totalidade da mente. É nessa inteligência que estamos interessados — e despertá-la tanto no educador quanto no estudante. Como dissemos anteriormente, a capacidade é limitada pelo desejo. O desejo é sensação, a sensação de uma nova experiência, de novas formas de excitação, a sensação de escalar os picos mais altos da terra, a sensação de poder, de status. Tudo isso limita a energia do cérebro. O desejo dá ilusão de segurança, e o cérebro, que precisa de segurança, encoraja e sustenta toda forma de desejo. Assim, se não entendermos o lugar do desejo, ele leva a mente a se degenerar. É realmente importante entender isso. O pensamento é o movimento do desejo. A curiosidade para descobrir é impulsionada pelo desejo de maiores sensações e a ilusória certeza de segurança. A curiosidade produziu uma quantidade enorme de conhecimento que tem a sua importância na nossa vida diária. A curiosidade tem significado na observação. O pensamento pode ser o fator central de degeneração da mente, ao passo que o insight abre a porta para a totalidade da ação. Iremos entrar no significado completo do insight na próxima carta, mas por agora devemos considerar se o pensamento é um fator destrutivo à totalidade da mente. Nós afirmamos que ele é. Não aceite isso até que você o tenha examinado de forma completa e livre. O que queremos dizer com totalidade da mente é a capacidade infinita e seu vazio total no qual existe uma energia imensurável. O pensamento, sendo limitado por sua própria natureza, impõe sua estreiteza ao todo, e assim o pensamento fica sempre em primeiro plano. O pensamento é limitado porque é o resultado da memória e do conhecimento acumulado através da experiência. O conhecimento é o passado e o que foi é sempre limitado. A lembrança pode projetar um futuro. Esse futuro está amarrado ao passado, assim o pensamento é sempre limitado. O pensamento é medida — o mais e o menos, o maior e o menor. Essa medida é o movimento do tempo. Eu fui, eu serei. Assim, quando o pensamento predomina, por mais sutil, astuto e vital que seja, ele perverte a totalidade; e, no entanto, temos dado ao pensamento a maior importância. Se me permite perguntar, após ter lido esta carta, você percebe o significado da natureza do pensamento e da totalidade da mente? E se compreendeu, pode transmitir isso ao estudante pelo qual você tem inteira responsabilidade? Essa é uma questão difícil. Se você não tem luz, não pode ajudar outra pessoa a tê-la. Você pode explicar muito claramente ou defini-la em palavras bem escolhidas, mas isso não terá a paixão da verdade.

CARTA 16

Conflito é indicação de resistência 15 de abril de 1979

Qualquer forma de conflito, de luta, corrompe a mente — a mente sendo a totalidade da nossa existência. Essa qualidade é destruída quando existe qualquer forma de atrito, qualquer forma de contradição. Como a maioria de nós vive em um estado perpétuo de contradição e conflito, essa falta de inteireza leva à degeneração. Estamos interessados aqui em descobrir por nós mesmos se é realmente possível pôr um fim nesses fatores de degeneração. Talvez a maioria de nós nunca tenha pensado sobre isso; nós o temos aceitado como um modo de vida normal. Convencemo-nos de que o conflito traz crescimento — como a competição — e temos várias explicações para isso: as árvores na floresta lutam para chegar à luz, o bebê recém-nascido luta para respirar, a mãe sofre no trabalho de parto. Estamos condicionados a aceitar isso e viver dessa maneira. Esse tem sido o nosso modo de viver ao longo das gerações, e qualquer sugestão de que poderia haver um modo de vida sem conflito parece bastante inacreditável. Você pode escutar isso como um idealismo absurdo ou rejeitá-lo imediatamente, mas você nunca considera se a afirmação tem algum significado e se é possível viver uma vida sem qualquer sombra de conflito. Quando estamos interessados na integridade e responsabilidade de fazer surgir uma nova geração, que é a única função que temos como educadores, você pode investigar esse fato? E no próprio processo de educar, você pode transmitir ao estudante o que você está descobrindo por si mesmo? Conflito, em qualquer forma, é indicação de resistência. Em um rio de águas rápidas e fluentes não há resistência; ele flui contornando grandes blocos de pedras, atravessando vilas e cidades. O homem o controla para seus próprios fins. Liberdade, afinal de contas, implica ausência da resistência que o pensamento construiu em torno de si mesmo, não é? Honestidade é uma questão muito complexa. Em relação a quê você é honesto e por qual razão? Você pode ser honesto com você mesmo e assim ser franco com o outro? Quando a pessoa diz para si mesma que deve ser honesta, isso é possível? Honestidade é uma questão de ideais? Será que um idealista é realmente honesto alguma vez? Ele está vivendo em um futuro esculpido a partir do passado; está aprisionado entre aquilo que foi e o que deveria ser — assim,

ele nunca pode ser honesto. Você pode ser honesto consigo mesmo? Isso é possível? Você é o centro de várias atividades, às vezes contraditórias; é o centro de vários pensamentos, sentimentos e desejos que estão sempre em oposição uns aos outros. Qual é o pensamento ou o desejo honesto e qual não é? Essas não são questões meramente retóricas ou argumentos habilidosos. É muito importante descobrir o que significa ser totalmente honesto porque vamos lidar com insight e ação imediata. É absolutamente importante, se é que vamos captar a profundidade do insight, que tenhamos essa qualidade de completa integridade, essa integridade que é a honestidade do todo. A pessoa pode ser honesta em relação a um ideal, a um princípio ou a uma crença enraizada. Isso certamente não é honestidade. Só pode existir honestidade quando não há conflito ou dualidade, quando o oposto não existe. Há escuridão e luz, dia e noite; existe homem, mulher, o alto, o baixo, etc., mas é o pensamento que os torna opostos, que os coloca em contradição. Estamos expressando a contradição psicológica que a humanidade tem cultivado. O amor não é o oposto do ódio ou do ciúme. Se fosse, não seria amor. A humildade não é o oposto da vaidade ou do orgulho ou da arrogância. Se fosse, ela ainda seria parte da arrogância e do orgulho e, assim, não seria humildade. A humildade é totalmente divorciada de tudo isso. Uma mente que é humilde não tem consciência de sua humildade. Assim, a honestidade não é o oposto da desonestidade. A pessoa pode ser sincera na sua crença ou em seus conceitos, mas essa sinceridade gera conflito e onde há conflito não pode haver honestidade. Então estamos perguntando: “Você pode ser honesto consigo mesmo?” Você é uma mistura de muitos movimentos que se cruzam, um dominando o outro e raramente fluindo juntos. Quando todos esses movimentos fluem juntos então existe honestidade. Novamente, existe a separação entre o consciente e o inconsciente, entre Deus e o diabo; o pensamento produz essa divisão e o conflito que existe entre essas divisões. A bondade não tem oposto. Com essa nova compreensão do que é honestidade, podemos prosseguir com a investigação do que é insight? Isso é extremamente importante, pois talvez seja o fator que pode revolucionar a nossa ação e produzir uma transformação no próprio cérebro. Dissemos que o nosso modo de vida se tornou mecânico: o passado, com toda a sua acumulação de conhecimento e experiência — que é a origem do pensamento —, está dirigindo, moldando toda ação. O passado e o futuro são inter-relacionados e inseparáveis, e o próprio processo do pensar baseia-se nisso. O pensamento é sempre limitado, finito; mesmo que ele pretenda alcançar o céu, esse mesmo céu está dentro da estrutura do pensamento. A memória é mensurável, como o tempo. Esse movimento do pensamento nunca pode ser novo, fresco, original. Assim, a ação baseada no pensamento deve ser sempre fragmentada, incompleta, contraditória. Todo esse movimento do pensamento deve ser profundamente entendido em seu lugar

relativo das necessidades da vida, as coisas que devem ser memorizadas. Então, o que é a ação que não é continuidade da lembrança? É insight. Insight não é dedução cuidadosa do pensamento, não é processo analítico do pensamento nem tem qualquer relação com a memória cuja natureza é presa ao tempo. É percepção sem o percebedor; ela é instantânea. A partir desse insight a ação acontece. A partir desse insight a explicação de qualquer problema é acurada, completa e verdadeira. Não há arrependimentos, não há reações. É absoluta. Não pode haver insight sem a qualidade do amor. Insight não é um assunto intelectual a ser argumentado e demonstrado. Esse amor é a forma mais alta de sensibilidade — quando todos os sentidos estão florescendo juntos. Sem essa sensibilidade — não ser apanhado nos próprios desejos, problemas e toda a insignificância da própria vida — o insight obviamente é quase impossível. O insight é holístico. Holístico implica a totalidade, a totalidade da mente. A mente é toda a experiência da humanidade, o vasto conhecimento acumulado com suas habilidades técnicas, com seus sofrimentos, ansiedade, dor, aflição e solidão. Mas o insight está além disso tudo. Libertar-se do sofrimento, da aflição, da solidão é essencial para haver insight. O insight não é um movimento contínuo. Ele não pode ser pego pelo pensamento. O insight é inteligência suprema e essa inteligência emprega o pensamento como uma ferramenta. O insight é inteligência com sua beleza e amor. Eles são realmente inseparáveis: eles são um só, de fato. Essa é a totalidade que é a mais sagrada.

CARTA 17

A escola é um lugar onde se aprende a arte de viver 1º de maio de 1979

A escola é, afinal de contas, um lugar onde se aprende não só o conhecimento que a vida diária requer, mas também a arte de viver com todas as suas complexidades e sutilezas. Parece que nos esquecemos disso e ficamos completamente aprisionados na superficialidade do conhecimento. O conhecimento é sempre superficial e não se pensa na necessidade de aprender a arte de viver. Viver não é considerado uma arte. Quando a pessoa deixa a escola, ela pára de aprender e continua a viver daquilo que acumulou como conhecimento. Nunca consideramos que a vida é todo um processo de aprender. Quando observamos a vida, o viver diário é uma constante mudança, um constante movimento e a nossa mente não e rápida e sensível o bastante para acompanhar suas sutilezas. A pessoa aproxima-se da vida com fixações e reações preestabelecidas. Será que isso pode ser impedido nessas escolas? Não significa que a pessoa deve ter uma “mente aberta”. Geralmente essa mente aberta é como uma peneira que retém pouca coisa ou nada. Mas é necessária uma mente capaz de perceber e agir prontamente. Por isso entramos na questão do insight e sua ação imediata. O insight não deixa cicatriz na memória. Geralmente a experiência, como nós a entendemos, deixa o seu resíduo como memória e a partir desse resíduo a pessoa age. Essa ação fortalece o resíduo e, assim, a ação se torna mecânica. O insight não é uma atividade mecânica. Assim, isso pode ser ensinado na escola — que a vida diária é um constante processo de aprender e uma ação no relacionamento sem fortalecer o resíduo, que é memória? Para a maioria de nós, a cicatriz se torna o mais importante e perdemos o rápido fluir da vida. Tanto o estudante quanto o educador vivem em um estado de confusão e desordem, tanto exteriormente quanto interiormente. A pessoa não pode perceber ou, se está consciente desse estado, rapidamente trata de colocar ordem nas coisas externas, mas raramente se dá conta da confusão e desordem internas.

Deus é desordem. Considere os inumeráveis deuses que o homem inventou, ou o único Deus, o único salvador, e observe a confusão que isso tem criado no mundo, as guerras que isso trouxe, as inumeráveis divisões, as crenças, símbolos e imagens que separam. Isso não é confusão e desordem? Ficamos acostumados com isso, aceitamos essa coisa prontamente, pois a nossa vida é tão cansativa pela rotina e sofrimento que buscamos conforto nos deuses que o pensamento conjurou. Esse tem sido nosso modo de vida por milhares de anos. Cada civilização inventou seus deuses e eles têm sido fonte de grande tirania, guerras e destruição. Suas construções podem ser extraordinariamente belas, mas dentro há escuridão e uma fonte de confusão. Podemos colocar de lado esses deuses? Devemos fazer isso se vamos investigar por que a mente aceita viver em desordem política, religiosa e econômica. Qual a origem dessa desordem, a realidade dela — não a razão teológica? Podemos colocar de lado os conceitos de desordem e ficar livre para investigar a fonte real e da nossa desordem quotidiana — não investigar o que é ordem, mas desordem? Só podemos descobrir o que é ordem absoluta quando tivermos investigado minuciosamente a desordem e sua origem. Estamos tão ansiosos para descobrir o que é ordem, tão impacientes com a desordem, que somos capazes de reprimi-la, pensando que assim produziremos ordem. Aqui estamos não somente perguntando se pode haver ordem absoluta em nossa vida diária, mas também se essa confusão pode acabar. Assim, estamos, em primeiro lugar, interessados na desordem e qual é a sua origem. É o pensamento? São os desejos contraditórios? É o medo e a busca de segurança? É a constante exigência de prazer? Será o pensamento uma das origens ou a razão principal da desordem? Tenha sempre em mente que quem está fazendo essas perguntas não é apenas quem está escrevendo esta carta, mas você também. Você deve descobrir a origem da desordem e não esperar isso lhe ser dito por outra pessoa e, então, repetir verbalmente. O pensamento, como apontamos, é finito, limitado, e o que quer que seja limitado, mesmo que suas atividades possam ser extensas, inevitavelmente gera confusão. O que é limitado divide e, portanto, é destrutivo e confuso. Entramos o suficiente na natureza e estrutura do pensamento, e ter um insight dentro da natureza do pensamento é dar a ele o seu devido lugar e, assim, ele perde sua dominação poderosa. Será que é o desejo e os variáveis objetos do desejo uma das causas da desordem? Suprimir o desejo é suprimir toda a sensação — o que é paralisar a mente. Pensamos que esse é o caminho mais fácil e rápido de acabar com o desejo, mas não é possível suprimi-lo — ele é forte demais, sutil demais. Você não pode pegá-lo em suas mãos e alterá-lo de acordo com a sua vontade — o que é outro desejo. Falamos sobre desejo em uma carta anterior. O desejo nunca

pode ser suprimido ou transmutado ou corrompido pelo desejo certo ou errado. Ele permanece sendo sempre sensação e desejo, não importa o que você faça com ele. O desejo por atingir a iluminação e o desejo por dinheiro é a mesma coisa, embora os objetos variem. Pode-se viver sem desejo? Ou, colocando isso de forma diferente, os sentidos podem estar extremamente ativos sem que o desejo intervenha? Há atividades sensoriais tanto psicológicas quanto físicas. O corpo busca calor, alimento, sexo; existe dor física, etc. Essas sensações são naturais, mas quando entram no campo psicológico, começa o problema. E nisso reside a nossa confusão. É importante entender isso, especialmente quando somos jovens. Observar as sensações físicas sem reprimir ou exagerar, e estar alerta, vigilante para que elas não se infiltrem no campo psicológico interior, a que elas não pertencem —, aí está a nossa dificuldade. Todo o processo acontece de forma tão rápida porque não vemos isso, não entendemos isso, nunca realmente examinamos o que acontece de fato. Existe resposta sensorial imediata a desafios. Essa resposta é natural e não está sob domínio do pensamento, do desejo. Nossa dificuldade começa quando essas respostas sensoriais entram no campo psicológico. O desafio pode ser uma mulher ou um homem ou alguma coisa agradável, apetitosa; ou um belo jardim. A resposta a isso é a sensação e quando essa sensação entra no campo psicológico, o desejo começa e o pensamento, com suas imagens, busca o preenchimento do desejo. Nossa questão agora é: “Como impedir que as respostas físicas naturais entrem no psicológico?” Isso é possível? Só é possível quando você observa a natureza do desafio com grande atenção e observa cuidadosamente as respostas. Essa atenção total irá impedir que as respostas físicas entrem na psique interna. Estamos interessados no desejo e no entendimento dele, e não no fator brutalizante que é o suprimir, o evitar ou o sublimar. Você não pode viver sem desejo. Quando você está faminto você precisa de comida. Mas entender o desejo — que é investigar toda a sua atividade — é dar a ele o lugar apropriado. Assim ele não será uma fonte de desordem na nossa vida diária.

CARTA 18

O bom não é o melhor 15 de maio de 1979

O que o homem tem feito ao homem não tem limite. Ele o tem torturado, o tem queimado, matado, o tem explorado de todo jeito possível — religioso, político, econômico, etc. Essa tem sido a história do homem para com o homem; o esperto explora o estúpido, o ignorante. Todas as filosofias são intelectuais e, portanto, não totais. Essas filosofias escravizaram o homem. Elas inventaram o e a sociedade deveria ser e sacrificaram o homem aos seus conceitos; os ideais dos chamados pensadores desumanizaram o homem. A exploração do outro — homem ou mulher — parece ser o nosso modo de vida diária. Usamo-nos uns aos outros e cada um aceita esse uso. Dessa relação peculiar surge a dependência com toda a infelicidade, confusão e agonia que é inerente à dependência. O homem, exterior e interiormente, tem atraiçoado tanto a si mesmo como aos outros. Como pode haver amor nessas circunstâncias? Assim, torna-se muito importante para o educador sentir total responsabilidade no seu relacionamento pessoal, não apenas com o estudante, mas com o todo da humanidade. Ele é a humanidade. Se ele não se sente totalmente responsável por si mesmo, então ele será incapaz de sentir a paixão dessa total responsabilidade que é amor. Você, como educador, sente essa responsabilidade? Se não sente, por que não? Você pode se sentir responsável por sua própria esposa, por seu marido ou pelos filhos e desconsiderar ou não sentir nenhuma responsabilidade por qualquer outra pessoa. Mas se, em você mesmo, sente-se completamente responsável, não pode deixar de ser responsável pela humanidade inteira. Essa questão — por que você não se sente responsável pelo outro — é muito importante. Responsabilidade não é uma reação emocional, não é algo que você impõe a si mesmo — sentir-se responsável. Se for assim, isso se torna uma obrigação — e na obrigação perde-se o perfume ou a beleza dessa qualidade interior de responsabilidade total. Não é algo que você convida como um princípio ou uma idéia a se apegar, como o é possuir uma cadeira ou um relógio. Uma mãe pode se sentir responsável pelo seu filho, sentir que ele é parte de sua carne e de seu sangue e, assim, dar ao bebê, por alguns anos, todo seu cuidado, carinho e atenção. Esse instinto maternal é responsabilidade? Pode ser que

tenhamos herdado esse determinado apego ao filho do primeiro animal. Ele existe em toda natureza desde o menor passarinho até ao majestoso elefante. Estamos perguntando: esse instinto é responsabilidade? Se o fosse, os pais se sentiriam responsáveis pelo tipo correto de educação, por um tipo de sociedade totalmente diferente. Cuidariam para que não houvesse guerras e para que eles próprios florescessem em bondade. Assim, parece que um ser humano não está interessado no outro, mas está preocupado apenas consigo mesmo. Essa preocupação é irresponsabilidade total. Suas próprias emoções, seus próprios desejos pessoais, seus próprios apegos, seu sucesso, sua evolução — isso inevitavelmente vai gerar crueldade aberta ou sutil. Esse é o caminho da responsabilidade verdadeira? Nessas escolas aquele que dá e aquele que recebe são ambos responsáveis e, assim, eles nunca podem cair nessa peculiar qualidade de separação. A separação egóica é talvez a própria raiz da degeneração da totalidade da mente na qual estamos profundamente interessados. Isso não significa que não haja relacionamento pessoal, com a sua afeição, sua ternura, seu encorajamento e apoio. Mas quando o relacionamento pessoal se torna o mais importante e somos responsáveis apenas por algumas pessoas, então a maldade começa; a realidade disso é conhecida por todo ser humano. Essa fragmentação do relacionamento é o fator degenerador em nossas vidas. Fragmentamos o relacionamento de tal forma que ele fica sendo apenas com uma pessoa, com um grupo, uma nação, com certos conceitos, etc. Aquilo que está fragmentado nunca pode abarcar a totalidade da responsabilidade. Estamos tentando apanhar o maior a partir do que é pequeno. O melhor não é o bom e todo o nosso pensamento está baseado no melhor, no mais — o melhor nos exames, melhor emprego, mais status, deuses melhores, ideais mais nobres. O melhor é o resultado da comparação. O melhor quadro, a melhor técnica, o maior músico, o mais talentoso, o mais bonito e o mais inteligente dependem dessa comparação. Raramente olhamos para um quadro, para um homem ou uma mulher por eles mesmos. Existe sempre essa qualidade de comparação inata. O amor é comparação? Você pode dizer alguma vez que ama este mais que aquele? Quando existe essa comparação, isso é amor? Quando existe esse sentimento do mais, que é medida, então o pensamento está em operação. Amor não é movimento do pensamento. Essa medida é comparação. Por toda a nossa vida somos encorajados a comparar. Quando na sua escola você compara B com A, você está destruindo ambos. Assim, é possível educar sem nenhum sentido de comparação? E por que comparamos? Comparamos pela simples razão que medir é a característica do pensamento e do nosso modo de vida. Fomos educados nessa corrupção. O melhor é sempre mais nobre do que aquilo que é, do que aquilo que está

realmente acontecendo. A observação do que é, sem comparação, sem medida, é ir além do que é. Quando não há comparação, há integridade. Não é que você seja verdadeiro com você mesmo, o que é uma forma de medição, mas quando não existe nenhuma medida realmente, existe essa qualidade de totalidade. A essência do ego, do eu, é medição. Onde há medida, há fragmentação. Isso precisa ser profundamente compreendido, não como uma idéia, mas como uma realidade. Quando você lê essa afirmação, você pode fazer uma abstração disso como uma idéia, um conceito, e a abstração é outra forma de medida. Aquilo que é não tem medida. Por favor, dê seu coração para entender isso. Quando você compreender todo o significado disso, o seu relacionamento com o estudante e com sua própria família se tornará algo bem diferente. Se você perguntar se essa diferença é para melhor, então você será pego pela corrente da medida. Então você está perdido. Você achará a diferença quando estiver usando a palavra não comparativamente. Quase toda palavra que usamos tem esse sentido de medida, assim a palavra afeta as nossas reações e as reações aprofundam o sentido de comparação. A palavra e a reação estão inter-relacionadas, e a arte está em não ser condicionado pela palavra, o que significa que a linguagem não está nos moldando. Use a palavra sem as reações psicológicas a ela. Como dissemos, estamos interessados em nos comunicar sobre a natureza da degeneração de nossas mentes e, portanto, sobre a nossa maneira de viver. Entusiasmo não é paixão. Você pode ter entusiasmo sobre algo um dia e perder esse entusiasmo no dia seguinte. Você pode se sentir entusiasmado para jogar futebol e perder o interesse quando ele não mais o divertir. Mas a paixão é algo inteiramente diferente. Não há defasagem de tempo nela.

CARTA 19

Quando você começa muito perto, então o mundo inteiro se abre 1º de junho de 1979

Em geral, os pais têm muito pouco tempo para seus filhos, exceto quando são bebês. Eles os enviam para as escolas locais ou internatos e deixam que os outros tomem conta deles. Os pais podem não ter tempo ou a paciência necessária para educá-los em casa. Eles estão ocupados com seus próprios problemas. Assim, nossas escolas se tornam o lar das crianças e os educadores se tornam os pais, com toda a responsabilidade. Escrevemos sobre isso anteriormente e não é demais repeti-lo: a casa é um lugar onde existe uma certa liberdade, um senso de estar seguro, cuidado e acolhido. As crianças nas nossas escolas se sentem assim? Que elas estão sendo acompanhadas cuidadosamente, que muita consideração e afeição lhes são dadas, que há um interesse em relação ao seu comportamento, sua alimentação, suas roupas e suas maneiras? Se for assim, a escola se torna um lugar onde o estudante sente que está realmente em casa, com todas as implicações disso — que há pessoas ao redor dele atentas às suas tendências e inclinações, à sua forma de andar, que cuidam dele tanto física quanto psicologicamente, que o ajudam a ser livre das mágoas e do medo. Isso é responsabilidade de cada professor nessas escolas — não de um ou dois. A escola toda existe para isso, para uma atmosfera na qual tanto os educadores quanto os estudantes estão florescendo em bondade. O educador precisa de lazer para estar quieto consigo mesmo, para juntar a energia que foi despendida, para estar atento aos seus próprios problemas pessoais e resolvê-los, de modo que ao encontrar novamente os estudantes ele não leve o rumor, o ruído de sua agitação pessoal. Como apontamos anteriormente, qualquer problema que surge nas nossas vidas deve ser resolvido instantaneamente ou o mais rápido possível, pois os problemas, quando arrastados de um dia para outro, degeneram a sensibilidade de toda a mente. Essa sensibilidade é essencial. Nós perdemos essa sensibilidade quando estamos meramente instruindo o estudante em uma matéria. Quando só a matéria se torna importante, a sensibilidade desaparece, e então você realmente

perde contato com o estudante. O estudante então é um mero receptáculo para informação. Dessa forma, a sua mente e a do estudante se tornam mecânicas. Geralmente somos sensíveis aos nossos próprios problemas, aos nossos próprios desejos e pensamentos e raramente somos sensíveis aos outros. Quando estamos constantemente em contato com os estudantes, existe a tendência de impor a eles a nossa própria imagem ou, se o estudante tem a sua própria imagem forte, existe conflito entre essas imagens. Torna-se assim muito importante que o educador deixe em casa suas imagens e se dedique às imagens que os pais ou a sociedade impuseram ao estudante, ou a imagem que ele mesmo criou. É apenas na prática que pode haver relacionamento e geralmente o relacionamento entre duas imagens é ilusório. Problemas físicos e psicológicos desperdiçam a nossa energia. O educador pode estar seguro fisicamente nessas escolas e, ainda assim, estar livre dos problemas psicológicos? Entender isso é realmente importante. Quando não existe esse senso de segurança física, a incerteza produz agitação psicológica. Isso estimula o embotamento da mente e assim a paixão, que é tão necessária na nossa vida diária, definha, e o entusiasmo toma o seu lugar. O entusiasmo é uma coisa perigosa porque nunca é constante. Ele surge em ondas e se vai. Isso é tomado erroneamente por seriedade. Você pode estar, por algum tempo, entusiasmado com o que está fazendo, estar impetuoso, ativo, mas a dissipação é inerente a isso. Novamente, é essencial que entendamos isso, pois a maior parte do relacionamento está propensa a esse desperdício. Paixão é inteiramente diferente de luxúria, interesse ou entusiasmo. Interesse em alguma coisa pode ser muito profundo e você pode usar esse interesse para obter lucro ou poder, mas esse interesse não é paixão. O interesse pode ser estimulado por um objeto ou por uma idéia. Interesse é autocondescendência. A paixão é livre do ego. O entusiasmo é sempre a respeito de alguma coisa. A paixão é, em si mesma, uma chama. O entusiasmo pode ser despertado por outra pessoa, por algo fora de você. A paixão é a culminância da energia que não é o resultado de qualquer tipo de estimulação. A paixão está além do eu. Os professores têm esse senso de paixão? — pois a partir dela vem a criação. Ao ensinar as matérias descobrem-se novos jeitos de transmitir informação sem que essa informação torne a mente mecânica. Será que você pode ensinar História — que é a história da humanidade — não como sendo a dos indianos, dos ingleses, dos americanos, etc., mas como a história do homem, que é global? Então a mente do educador está sempre fresca, impetuosa, descobrindo uma abordagem inteiramente nova para ensinar. Nisso o educador está intensamente vivo e a paixão está junto com essa vivacidade. Isso pode ser feito em todas as nossas escolas? Pois estamos empenhados em criar uma sociedade diferente, com o florescer da bondade, com uma mente não mecânica. A educação verdadeira é essa, e você, educador, irá assumir essa

responsabilidade? Nessa responsabilidade repousa o florescer da bondade em você mesmo e no estudante. Somos responsáveis pelo todo da humanidade — que é você e o estudante. Você deve começar aí e abranger a terra toda. Você pode ir bem longe se começa pelo mais perto. O mais perto é você e o seu estudante. Geralmente começamos com o mais distante — o princípio supremo, o mais alto ideal, e ficamos perdidos em algum sonho nebuloso do pensamento imaginativo. Mas quando você começa muito perto, com o que está mais perto, que é você, então o mundo todo está aberto, pois você é o mundo e mundo além de você é só a natureza. A natureza não é imaginária: é realidade, e o que está acontecendo com você agora é real. Você deve começar a partir do real — com o que está acontecendo agora — e o agora é sem tempo.

CARTA 20

O egoísmo é o problema essencial da nossa vida 15 de junho de 1979

A maioria dos seres humanos é egoísta. Não estamos conscientes de nosso próprio egoísmo; este é nosso modo de viver. E se a pessoa percebe que é egoísta, esconde isso cuidadosamente e se ajusta ao padrão social que é essencialmente egoísta. A mente egoísta é muito astuta. Ou ela é brutal e abertamente egoísta ou ela toma muitas formas. Se você é um político, o egoísmo busca poder, status e popularidade; identifica-se com uma idéia, uma missão e tudo para o bem comum. Se você é um tirano, o egoísmo se expressa em dominação brutal. Se você tem inclinação religiosa, o egoísmo toma a forma de adoração, devoção, adesão a alguma crença, a algum dogma. Ele também se expressa na família; o pai vai ao encalço de seu próprio egoísmo em todos os caminhos de sua vida e o mesmo faz a mãe. Fama, prosperidade, boas aparências formam uma base para esse rastejar escondido do eu. Ele está na estrutura hierárquica do sacerdócio, não importando quanto proclamem o amor de Deus e sua adesão à imagem autocriada de sua divindade particular. Os capitães da indústria e o pobre funcionário têm essa sensualidade entorpecedora e expansiva do eu. O monge que renunciou ao mundo pode vagar pela face da terra ou se enclausurar em algum monastério, mas não largou esse movimento sem fim do eu. Eles podem alterar seus nomes, vestir mantos ou assumir votos de celibato ou silêncio, mas eles, por dentro, ardem com algum ideal, com alguma imagem ou símbolo. É a mesma coisa entre os cientistas, filósofos e professores universitários. Aquele que faz trabalhos pelo bem comum, os santos, os gurus, o homem ou a mulher que trabalha incessantemente para os pobres — eles todos tentam perder-se em seu trabalho, mas o trabalho é parte disso. Eles têm transferido o egocentrismo para suas obras. Começa na infância e continua até a idade avançada. O conceito do conhecimento, a humildade praticada pelo líder, a esposa submissa e o homem dominador, todos apresentam essa doença. O eu identifica-se com o estado, com grupos sem fim, com infindas idéias e causas, mas permanece o que era no começo.

Os seres humanos têm tentado várias práticas, métodos, meditações para serem livres desse centro que causa tanta miséria e confusão, mas como uma sombra, nunca é capturado. Está sempre lá e escorrega através de seus dedos, através de sua mente. Algumas vezes é fortalecido ou enfraquecido, de acordo com as circunstâncias. Você o encurrala aqui e ele reaparece lá. Gostaria de saber se o educador, que é tão responsável pela geração futura, entende não verbalmente que coisa enganosa é o eu — quão corruptora, deturpadora, quão perigosa é para nossas vidas. Ele pode não saber como se livrar disso, pode nem estar atento que está lá, mas, uma vez que ele vê a natureza desse movimento do eu, pode ele ou ela convir suas sutilezas ao estudante? E essa não é a sua responsabilidade? O insight no funcionamento do eu é mais amplo do que o aprendizado acadêmico. O conhecimento pode ser usado pelo eu para sua própria expansão, sua agressividade e sua crueldade inata. O egoísmo é o problema essencial da nossa vida. O ajustar-se e o imitar são partes do eu, assim como a competição e a insensibilidade do talento. Se o educador nessas escolas tomar seriamente essa questão em seu coração — o que espero que aconteça — então como ele irá ajudar o estudante a não ser egoísta? Você poderá dizer que isso é uma dádiva dos deuses ou tentar descartá-lo por achar impossível. Mas se você é sério — como deve ser — e é totalmente responsável pelo estudante, como fará para libertar a mente dessa energia imutável e aprisionante — o eu que tem causado tanto sofrimento? Você não explicaria, com grande cuidado — o que implica afeição —, em palavras simples quais são as consequências quando ele fala com raiva ou quando bate em alguém ou quando ele pensa em sua própria importância? Não seria possível explicar-lhe que, quando ele afirma insistentemente: “Isso é meu” ou se gaba: “Eu fiz isso”, ou evita através do medo certas ações, ele está construindo uma parede, tijolo por tijolo, ao redor de si mesmo? Não seria possível, quando seus desejos, suas sensações sobrepujarem seu pensamento racional, indicar-lhe que a sombra do eu está crescendo? Não seria possível dizer-lhe que onde o eu estiver, sob qualquer disfarce, o amor não haverá de estar? Mas o estudante poderia perguntar ao educador, “Você percebeu tudo isso ou está apenas brincando com palavras?”. Essa questão, em si mesma, poderia despertar sua inteligência e essa própria inteligência dará a você o sentimento certo ou as palavras certas para responder. Como um educador, você não possue status; você é um ser humano com todos os problemas da vida, da mesma forma que o estudante. No momento em que você se colocar a partir do status, estará, de fato, destruindo a relação humana. Status implica poder e quando você o busca, consciente ou inconscientemente, entra num mundo de crueldade. Você tem uma grande responsabilidade, meu amigo, e se assume totalmente essa responsabilidade — que é amor —, então

as raízes do eu se acabam. Isso não é dito como um encorajamento ou para que você sinta que deva fazer isso, mas como todos somos seres humanos, representando toda a humanidade, somos total e inteiramente responsáveis, quer escolhamos ou não. Você poderá tentar esquivar-se, mas, nesse mesmo movimento, dá-se a ação do eu. A clareza da percepção é a liberdade do eu.

CARTA 21

O florescimento da bondade é a liberação de toda nossa energia 1º de julho de 1979

O florescimento da bondade é a liberação de toda nossa energia. Não é o controle ou supressão da energia, mas, sim, a total liberação dessa vasta energia. Ela é limitada e restrita pelo pensamento, pela fragmentação de nossos sentidos. O próprio pensamento é essa energia colocando-se dentro de um sulco estreito, um centro do eu. O florescer da bondade só pode acontecer quando a energia está livre, mas o pensamento, por sua própria natureza, limita essa energia e assim ocorre a fragmentação dos sentidos. Por consequência, existem os sentidos, as sensações, os desejos e as imagens que o pensamento cria a partir do desejo. Tudo isso é uma fragmentação da energia. Esse movimento limitado pode perceber a si mesmo? Ou seja, os sentidos podem ter percepção de si mesmos? Pode o desejo ver que ele surge a partir dos sentidos, a partir da sensação, da imagem criada pelo pensamento, e pode o pensamento perceber a si mesmo e ao seu movimento? Tudo isso implica a questão: pode o corpo físico, em sua inteireza, ter percepção de si mesmo? Vivemos pelos nossos sentidos. Um deles é normalmente dominante; a audição, a visão, o paladar parecem estar separados uns dos outros — mas eles estão de fato separados? Ou será que damos maior importância para um ou para outro — ou melhor, que o pensamento dá maior importância? Uma pessoa pode escutar boa música e se deleitar com ela, e ainda assim, ser insensível às outras coisas. Outra pessoa pode ter um paladar sensível e ser completamente insensível a uma cor delicada. Isso é fragmentação. Quando cada fragmento é consciente apenas de si mesmo, então a fragmentação é mantida. Dessa forma, a energia é dissipada. Se for assim, como parece ser, existe uma percepção, que não seja fragmentária, de todos os sentidos? E o pensamento faz parte dos sentidos. Isso implica: pode o corpo perceber a si mesmo? Não quero dizer que você deva ter a percepção de seu próprio corpo, mas o próprio corpo perceber a si mesmo. É muito importante descobrir isso. Não pode ser ensinado por outra pessoa, senão será uma informação de segunda mão, que o pensamento impõe a si mesmo. Você deve descobrir por si mesmo se o organismo inteiro, a

entidade física, pode perceber a si mesma. Você pode ter consciência do movimento de um braço, de uma perna ou da cabeça e, através desse movimento, sentir que você está percebendo o todo, mas o que perguntamos é: pode o próprio corpo perceber a si mesmo sem nenhum movimento? É essencial descobrir isso, porque o pensamento impôs seu padrão sobre o corpo — o que pensa ser o exercício correto, a comida correta, etc. Assim, há a dominação do pensamento sobre o organismo; existe, consciente ou inconscientemente, uma luta entre o organismo e o pensamento. Dessa maneira, o pensamento está destruindo a inteligência natural do próprio corpo. O corpo, o organismo físico tem sua própria inteligência? Ele tem quando todos os sentidos estão atuando juntos, harmoniosamente, de tal forma que não há pressão, não há exigências emocionais ou sensoriais do desejo. Quando estamos com fome, nós comemos — mas, normalmente, o gosto formado pelo hábito dita o que comemos. Assim, a fragmentação acontece. Um corpo saudável pode ser formado somente através da harmonia de todos os sentidos, o que é a inteligência do próprio corpo. O que perguntamos é o seguinte: a desarmonia traz um desperdício de energia, não traz? Pode a inteligência própria do organismo — que tem sido suprimida ou destruída pelo pensamento — ser despertada? Lembranças prejudicam o corpo. A lembrança do prazer de ontem faz do pensamento o mestre do corpo. O corpo então se torna um escravo de seu mestre, e a inteligência é negada. Assim há conflito. Essa luta pode expressarse como preguiça, fadiga, indiferença ou em respostas neuróticas. Quando o corpo tem sua própria inteligência, livre do pensamento, apesar do pensamento fazer parte do corpo, essa inteligência protege seu próprio bem-estar. O prazer domina nossa vida — seja nas formas mais rudes ou nas formas mais educadas. E o prazer é essencialmente uma lembrança — aquilo que tem sido ou a antecipação daquilo que pode acontecer. O prazer não está nunca no momento. Quando o prazer é negado, suprimido ou bloqueado, dessa frustração, atos neuróticos, como a violência e o ódio, acontecem. Então o prazer busca outras formas e saídas; satisfação e insatisfação surgem. Estar cônscio dessas atividades, tanto físicas quanto psicológicas, requer uma observação do movimento total de nossa vida. Quando o corpo percebe a si mesmo, então poderemos fazer uma pergunta adicional e talvez mais difícil: será que o pensamento, que construiu toda essa consciência, pode perceber a si mesmo? Na maior parte do tempo, o pensamento domina o corpo e, assim, o corpo perde sua vitalidade, inteligência, sua energia intrínseca e, portanto, tem reações neuróticas. Será que a inteligência do corpo é diferente da inteligência total, que só pode surgir quando o pensamento, tendo consciência de sua própria limitação, encontra seu lugar adequado?

Como dissemos no começo desta carta; o florescimento da bondade pode acontecer apenas quando há a liberação da energia total. Nessa liberação não há atrito. É somente nessa suprema energia não dividida que existe esse florescer. Essa inteligência não é filha da razão. A totalidade dessa inteligência é compaixão. A humanidade tem tentado liberar essa imensa energia através de várias formas de controle, através da disciplina exaustiva, através do jejum, através das renúncias e sacrifícios oferecidos a um Deus ou a algum princípio supremo, ou por meio da manipulação dessa energia através dos vários estados. Tudo isso implica a manipulação do pensamento em direção a um fim desejado. Porém o que estamos dizendo é bem o contrário de tudo isso. Será que isso tudo pode ser transmitido ao estudante? É sua responsabilidade fazer isso.

CARTA 22

A mente pode se libertar da prisão que criou para si mesma? 15 de julho de 1979

É do interesse dessas escolas dar origem a uma nova geração de seres humanos, que sejam livres da ação egocêntrica. Nenhum outro centro educacional está comprometido com isso e é nossa responsabilidade, como educadores, criar uma mente que não tenha conflito dentro de si mesma e assim termine com a luta e o conflito no mundo ao nosso redor. Será que a mente, que é uma estrutura e um movimento complexo, pode livrar-se da rede que ela mesma tece? Todo ser humano inteligente pergunta se é possível acabar com o conflito entre os homens. Alguns se aprofundaram nessa questão, intelectualmente; outros, vendo a desesperança disso, tornam-se amargos, cínicos, ou direcionam seu olhar para algum agente externo para livrá-los de seu próprio caos e miséria. Quando perguntamos se a mente pode livrar-se da prisão que criou, não é uma questão intelectual ou retórica. Perguntamos com toda a seriedade; é um desafio ao qual você deve responder não conforme sua conveniência e conforto, mas de acordo com a profundidade desse desafio. Isso não pode ser adiado. Um desafio não é perguntar se é possível ou não, se a mente é capaz de libertarse; o desafio, se tem algum significado, é imediato e intenso. Para responder a ele, você deve ter essa qualidade de intensidade e urgência — o sentimento disso. Quando há essa abordagem intensa, então a questão tem grandes implicações. O desafio está exigindo de você a mais alta excelência, não apenas intelectualmente, mas com todas as faculdades de seu ser. Esse desafio não está fora de você. Por favor, não o exteriorize — o que significa fazer dele um conceito. Você exige de si mesmo a totalidade de sua energia. Essa própria exigência afasta toda forma de controle, contradição e qualquer oposição dentro de si mesmo. Implica uma integridade total, completa harmonia. Essa é a essência do não ser egoísta. A mente com suas respostas emocionais, com todas as coisas que o pensamento agregou, é nossa consciência. Essa consciência, com todo seu

conteúdo, é a consciência de todos os seres humanos, modificada, não inteiramente similar, diferente em suas nuanças e sutilezas, mas as raízes de sua existência são basicamente comuns a todos nós. Os cientistas e os psicólogos estão examinando essa consciência e os gurus estão brincando com ela para seus próprios fins. Os que são sérios estão examinando a consciência como um conceito, como um processo laboratorial — as respostas do cérebro, ondas alfa, etc. — como algo fora deles próprios. Mas nós não estamos interessados em teorias, conceitos e idéias a respeito da consciência; nós estamos interessados em suas atividades na nossa vida diária. Ao entender essas atividades, as respostas diárias, os conflitos, nós teremos um insight na natureza e estrutura de nossa consciência. Como indicamos, a realidade básica dessa consciência é comum a todos nós. Não é a sua ou a minha consciência particular. Nós a herdamos e a estamos modificando aqui e ali, porém seu movimento básico é comum a toda a humanidade, Essa consciência é a nossa mente com toda a sua complexidade de pensamento — as emoções, as respostas sensoriais, o conhecimento acumulado, o sofrimento, a dor, a ansiedade, a violência. Tudo isso é nossa consciência. O cérebro é antigo e está condicionado por séculos de evolução, por todo tipo de experiência, pelas acumulações recentes do conhecimento expandido. Tudo isso é a consciência em ação, em todos os momentos de nossa vida — a relação entre os seres humanos com todos os prazeres, dores, confusão dos sentidos contraditórios e a gratificação do desejo com sua dor. Esse é o movimento de nossa vida. Nós estamos perguntando, e isso deve ser enfrentado como um desafio, se esse movimento ancestral pode ter um fim — pois isso se tornou uma atividade mecânica, uma forma tradicional de viver. No fim existe um começo e só então não existirá nem fim nem começo. A consciência parece ser um assunto muito complexo, mas em realidade é muito simples. O pensamento agregou todo o conteúdo de nossa consciência — sua segurança, sua incerteza, suas esperanças e seus medos, a depressão e a euforia, o ideal e a ilusão. Uma vez que isso é apreendido — que o pensamento é responsável por todo o conteúdo da nossa consciência —, a questão inevitável surge: pode o pensamento ser detido? Muitas tentativas, religiosas ou mecânicas, foram feitas no sentido de pôr fim ao pensamento. A própria exigência de acabar com o pensamento é parte do movimento do pensamento. A própria busca por uma superconsciência é ainda a medida do pensamento. Os deuses, os rituais, toda a ilusão emocional das igrejas, templos e mesquitas com suas maravilhosas arquiteturas, é ainda o movimento do pensamento. Deus é alçado aos céus pelo pensamento. O pensamento não criou a natureza. Ela é real. A cadeira é real e feita pelo pensamento; todas as coisas que a tecnologia gerou são reais. Ilusão é tudo aquilo que se afasta da realidade dos fatos (aquilo que está realmente

acontecendo agora), mas podem se tornar uma realidade porque vivemos das ilusões. O cachorro não é feito pelo pensamento, mas o que queremos que ele seja é o movimento do pensamento. O pensamento é medida. O pensamento é tempo. A totalidade disso é nossa consciência. A mente, o cérebro e os sentidos são parte dela. Perguntamos: pode esse movimento chegar a um fim? O pensamento é a raiz de todo nosso sofrimento, de toda nossa feiúra. O que estamos pedindo é o fim disso — as coisas que o pensamento agregou —, não o fim do pensamento em si mesmo, mas o fim de nossa ansiedade, pesar, dor, poder e violência. Com o fim disso, o pensamento encontra seu lugar próprio e limitado — o conhecimento e a memória que precisamos ter no dia-a-dia. Quando os conteúdos da consciência, que foram agregados pelo pensamento, não estão mais ativos, então existe um vasto espaço e assim há a liberação da imensa energia, que estava limitada pela consciência. O amor está além dessa consciência.

CARTA 23

Existe uma maneira de viver sem nenhum conflito? 1º de agosto de 1979

Pergunta: Se puder perguntar, o que você considera como sendo uma das coisas mais importantes na vida? Tenho pensado consideravelmente sobre esse assunto e existem muitas coisas na vida que parecem ser importantes. Gostaria de fazer essa pergunta com toda a seriedade. Krishnamurti: Talvez seja a arte de viver. Estamos usando a palavra “arte” no seu sentido mais amplo. Como a vida é assim muito complexa, é sempre um tanto quanto difícil e confuso eleger um aspecto e dizer que é o mais importante. A escolha em si, a qualidade diferenciadora, se posso indicar, leva-nos a mais confusão. Se você disser que isto é o mais importante, então você relega os outros fatos da vida a uma posição secundária. Ou tomamos todo o movimento da vida como sendo um, o que se torna extremamente difícil para a maioria das pessoas, ou tomamos um aspecto fundamental no qual todos os outros podem ser incluídos. Se você concordar com isso, então podemos prosseguir com nosso diálogo. P: Você quer dizer que um aspecto pode cobrir todo o campo da vida? Isso é possível? K: É possível. Vamos entrar nessa questão bem devagar e hesitantemente. Antes de tudo, nós dois devemos investigar e não devemos chegar imediatamente a alguma conclusão — o que é, geralmente, um tanto quanto superficial. Estamos explorando juntos uma faceta da vida e, no seu próprio entendimento, podemos cobrir toda a extensão da vida. Para investigarmos, devemos estar livres de nossos preconceitos, experiências pessoais, e conclusões predeterminadas. Como um bom cientista, devemos ter uma mente desanuviada de conhecimentos que tenhamos já acumulado. Devemos nos aproximar disso como se fosse a primeira vez, e essa é uma das necessidades em uma investigação não só de uma idéia ou de uma série de conceitos filosóficos, mas de nossa própria mente, sem nenhuma reação contra aquilo que

está sendo observado. Isso é absolutamente necessário; caso contrário, sua investigação fica colorida por seus próprios medos, esperanças e prazeres. P: Você não está pedindo demais? É possível ter uma mente como essa? K: A própria urgência de investigar — em si mesma — e sua intensidade libertam a mente de seu colorir. Como dissemos, uma das coisas mais importantes é a arte de viver. Existe uma maneira de viver o nosso quotidiano que seja completamente diferente da que normalmente vivemos? Todos conhecemos a maneira usual. Existe uma maneira de viver sem nenhum controle, sem nenhum conflito, sem nenhum ajustamento disciplinar? Como descobrir? Só posso descobrir se toda a minha mente estiver enfrentando exatamente o que está acontecendo agora. Isso significa que só posso descobrir o que significa viver sem conflito, quando o que está acontecendo agora puder ser observado. Essa observação não é um negócio intelectual ou emocional, mas sim uma aguda, clara e perspicaz percepção, na qual não há dualidade. Existe apenas o fato e nada mais. P: O que você quer dizer com dualidade neste caso? K: Que não há oposição ou contradição no que está acontecendo. A dualidade surge somente quando existe um escapar do que é. Essa fuga cria o oposto e assim surge o conflito. Existe somente o fato e nada mais. P: Você está dizendo que, quando uma coisa que está acontecendo agora é percebida, a mente não deve vir com associações e reações? K: Sim, isso é o que queremos dizer. As associações e reações ao que está acontecendo são o condicionamento da mente. Esse condicionamento impede a observação do que está acontecendo agora. O que está acontecendo agora é livre do tempo. O tempo é a evolução do nosso condicionamento. É a herança do homem, o fardo que não tem começo. Quando há essa observação apaixonada do que está acontecendo, aquilo que está sendo observado dissolve-se no nada. A observação da raiva que está acontecendo agora revela toda a natureza e a estrutura da violência. O insight é o fim de toda a violência. Não é substituído por qualquer outra coisa e nisso reside nossa dificuldade. Todo nosso desejo, nossa urgência, é de encontrar um fim definitivo. Nesse fim há um sentido ilusório de segurança. P: Existe uma dificuldade para muitos de nós na observação da raiva porque as emoções e reações parecem ser inextricavelmente parte da raiva. Não se sente raiva sem associações, sem conteúdo. K: A raiva tem muitas histórias por trás. Não é um evento solitário. Tem, como você indicou, muitas e muitas associações. Essas próprias associações, com suas emoções, impedem a verdadeira observação. Com a raiva, o conteúdo é a raiva. A raiva é o conteúdo; não são duas coisas separadas. O conteúdo é o

condicionamento. Na observação apaixonada do que está verdadeiramente acontecendo — ou seja, as atividades do condicionamento —, a natureza e a estrutura do condicionamento são dissolvidas. P: Você está dizendo que quando um evento está acontecendo, existe a imediata e rápida corrente de associações na mente? E se vemos instantaneamente isso começando a acontecer, essa observação pára isso instantaneamente e isso se acaba? É isso o que você quer dizer? K: Sim. É realmente muito simples, tão simples que você perde a sua própria simplicidade e assim a sua sutileza. O que estamos dizendo é que qualquer coisa que esteja acontecendo — quando você está caminhando, falando, meditando —, o evento que está acontecendo é para ser observado. Quando a mente divaga, a própria observação disso põe fim a sua divagação. Então não há distração em qualquer situação, em qualquer momento. P: Parece que você está dizendo que o conteúdo do pensamento não tem essencialmente qualquer significado na arte de viver. K: Sim. A lembrança não tem significado na arte de viver. O relacionamento é a arte de viver. Se há lembrança no relacionamento, isso não é relacionamento. O relacionamento é entre seres humanos, e não entre suas memórias. São essas memórias que dividem e assim existe o confronto, a oposição entre você e eu. Assim o pensamento, que é lembrança, não tem qualquer lugar no relacionamento. Essa é a arte de viver. O relacionamento é com todas as coisas — com a natureza, com os pássaros, com as rochas, com todas as coisas ao nosso redor e acima de nós — com as nuvens, com as estrelas e com o céu azul. Toda a existência é relacionamento. Sem isso não se pode viver. Por termos corrompido o relacionamento, vivemos em uma sociedade que está se degenerando. A arte de viver pode nascer somente quando o pensamento não contaminar o amor. Nessas escolas, o professor pode estar inteiramente comprometido com essa arte?

CARTA 24

A palavra nunca é a coisa 15 de agosto de 1979

A maior arte é a arte de viver, maior do que todas as coisas que os seres humanos criaram — pela mente ou pelas mãos —, maior do que todas as escrituras e seus deuses. É somente através dessa arte de viver que uma nova cultura pode vir a existir. É responsabilidade de cada professor, especialmente nessas escolas, criar isso. Essa arte de viver só pode vir da liberdade total. Essa liberdade não é um ideal, uma coisa para ocorrer depois. O primeiro passo na liberdade é o último passo. É o primeiro passo que conta, não o último. O que você faz agora é muito mais essencial do que você fará em alguma data futura. A vida é o que está acontecendo neste instante, não em um instante imaginário, não o que o pensamento tem concebido. Assim, é o primeiro passo que você dá agora que é importante. Se esse passo vai na direção correta, então toda a vida se abre para você. A direção correta não é em direção a um ideal, a um fim predeterminado. Ela é inseparável disso que está ocorrendo agora. Isso não é uma filosofia, uma série de teorias. É exatamente o que a palavra filosofia significa — o amor à verdade, o amor à vida. Não é algo que se aprenda na universidade. Estamos aprendendo sobre a arte de viver na nossa vida diária. Vivemos de palavras e as palavras se tornam nossa prisão. As palavras são necessárias para nos comunicarmos, mas a palavra nunca é a coisa. O real não é a palavra, mas a palavra ganha toda importância quando toma o lugar do que é. Você pode observar esse fenômeno quando a descrição se torna a realidade em vez da coisa em si — o símbolo que adoramos, a sombra que seguimos, a ilusão à qual nos agarramos. E assim as palavras, a linguagem, moldam as nossas reações. A linguagem torna-se a força que nos compele e nossas mentes são moldadas e controladas pela palavra. As palavras — nação, Estado, Deus, família e assim por diante — cercam-nos com todas as suas associações e, assim, nossas mentes tornam-se escravas da pressão das palavras. Pergunta: Como evitar isso? Krishnamurti: A palavra nunca é a coisa. A palavra esposa nunca é a pessoa; a palavra porta nunca é a coisa. A palavra impede a percepção verdadeira da coisa ou da pessoa, porque a palavra tem muitas associações. Essas

associações, que de fato são lembranças, distorcem não apenas a observação visual, mas também a psicológica. As palavras então se transformam numa barreira ao livre fluxo da observação. Tome as palavras “Primeiro Ministro” ou “funcionário”. Elas descrevem funções, mas as palavras “Primeiro Ministro” têm um tremendo significado de poder, status e importância, ao passo que a palavra “funcionário” tem associações de falta de importância, pequeno status e nenhum poder. Assim a palavra impede você de olhar os dois como sendo seres humanos. Existe um esnobismo enraizado na maioria de nós, e ver o que as palavras tem feito em nosso pensar e, sem escolha, ficar atento a isso, é aprender a arte da observação — observar sem associação. P: Entendo o que você está dizendo, mas, por outro lado, a velocidade da associação é tão instantânea que a reação ocorre antes de percebermos. É possível impedir isso? K: Essa não é uma pergunta incorreta? Quem vai impedir isso? Será um outro símbolo, uma outra palavra, uma outra idéia? Se for, então não vimos o total significado da escravidão da mente pelas palavras, pela linguagem. Veja bem, usamos as palavras emocionalmente; é uma forma de pensar emocional, à parte do uso de palavras técnicas como metros, números, que são precisas. No relacionamento e na atividade humana, as emoções têm um papel relevante. O desejo é muito forte, sustentado pelo pensamento que cria a imagem. A imagem é a palavra, é a representação, e isso acompanha o nosso prazer, o nosso desejo. Assim, toda a nossa forma de viver está moldada pela palavra e suas associações. Ver esse processo inteiro como um todo é ver a verdade de como o pensamento impede a percepção. P: Você está dizendo que não há pensamento sem palavras? K: Sim, mais ou menos. Por favor, tenha em mente que estamos conversando sobre a arte de viver, aprendendo sobre isso, não memorizando as palavras. Estamos aprendendo; não eu ensinando e você se tornando um discípulo tolo. Você está perguntando se existe pensar sem palavras. Essa é uma questão muito importante. Todo o nosso pensar é baseado na memória, e a memória é baseada em palavras, imagens, símbolos e representações. Tudo isso são palavras. P: Mas o que uma pessoa relembra não é uma palavra; é uma experiencia, um evento emocional, uma imagem de uma pessoa ou lugar. A palavra é uma associação secundária. K: Nós estamos usando a palavra para descrever tudo isso. Afinal, a palavra é um símbolo para indicar aquilo que aconteceu ou está acontecendo, para comunicar ou evocar algo. Existe um pensar sem todo esse processo? Sim, existe, mas não deve ser chamado de pensar. Pensar implica uma continuação da memória, mas a percepção não é uma atividade do pensamento. É realmente

um insight em toda a natureza e movimento da palavra, do símbolo, da imagem e seus envolvimentos emocionais. Ver isso como um todo é dar à palavra o seu devido lugar. P: Mas que significa ver o todo? Você diz isso com frequência. O que quer dizer com isso? K: O pensamento é em si mesmo divisivo porque é limitado. Observar inteiramente implica a não interferência do pensamento — observar sem o passado, como conhecimento, bloqueando a observação. Então o observador não está presente, pois o observador é o passado, a própria natureza do pensamento. P: Você está pedindo a nós para pararmos o pensamento? K: Novamente, se posso indicar, essa é uma pergunta errônea. Se o pensamento diz a si mesmo para parar de pensar, cria dualidade e conflito. Esse é o próprio processo divisor do pensamento. Se você realmente apreender a verdade disso, então naturalmente o pensamento fica em suspensão. O pensamento, assim, tem seu próprio lugar limitado. O pensamento, então, não se apropriará de toda a extensão da vida, como está fazendo agora. P: Senhor, vejo que é necessária uma atenção extraordinária. Posso ter essa atenção, sou suficientemente sério para dar toda a minha energia a isso? K: A energia pode ser realmente dividida? A energia despendida em ganhar o sustento, em ter uma família e em ser suficientemente sério para apreender o que está sendo dito é a mesma energia. Mas o pensamento a divide e assim nós despendemos muita energia no viver diário e muito pouco na outra coisa. Essa é a arte em que não há divisão. Isso é o todo da vida.

CARTA 25

A arte de aprender é ler o livro que você é 1º de setembro de 1979

Por que estamos sendo educados? Talvez você nunca tenha feito essa pergunta, mas caso tenha, qual é sua resposta? Muitas razões nos são colocadas para a necessidade de sermos educados, argumentos que são razoáveis, muito necessários e mundanos. A resposta usual é para se ter um trabalho, ter uma carreira bem-sucedida ou tornar-se habilidoso com as mãos ou com a mente. Grande ênfase é dada à capacidade da mente para buscar para si mesma uma boa e lucrativa carreira. Se você não é intelectualmente brilhante, então a habilidade de suas mãos se torna importante. A educação é necessária, dizem, para sustentar a sociedade como ela é, para se ajustar a um padrão definido pela assim chamada ordem estabelecida, seja tradicional ou ultramoderna. A mente educada tem grande capacidade para acumular informações sobre quase todas as áreas — artes, ciência e assim por diante. Essa mente informada é escolástica, profissional, filosófica. Essa erudição é grandemente elogiada e honrada. Essa educação, se você for estudioso, esperto, ágil em seu aprendizado, irá assegurar-lhe um futuro brilhante; o brilhantismo desse futuro depende de sua situação social e de seu ambiente. Se você não é tão brilhante nesse modelo de educação, você se tornará um trabalhador, um operário ou terá que achar um lugar na camada mais baixa dessa sociedade complexa. Essa é geralmente a maneira pela qual somos educados. O que é educação? É essencialmente a arte de aprender, não apenas a partir dos livros, mas a partir do inteiro movimento da vida. A palavra impressa tornouse absolutamente importante. Você está aprendendo o que outras pessoas pensam, suas experiências. A biblioteca é mais importante do que o homem que a possui. Ele próprio é a biblioteca e admite que está aprendendo através da leitura constante. Essa acumulação de informações, como num computador, é considerada como sendo uma mente educada e sofisticada. E há aqueles que não lêem absolutamente nada, e que menosprezam os outros e estão absorvidos em suas próprias experiências egocêntricas e opiniões assertivas.

Reconhecendo tudo isso, qual será a função de uma mente holística? Nós queremos dizer por mente todas as respostas dos sentidos, as emoções — que são inteiramente diferentes do amor — e a capacidade intelectual. Damos uma importância fantástica ao intelecto, agora. Queremos dizer por intelecto a capacidade para raciocinar logicamente, com ou sem sanidade, objetiva ou pessoalmente. É o intelecto com seu movimento de pensamento que traz fragmentação a nossa condição humana. É o intelecto que tem dividido o mundo linguisticamente, em nacionalidades e religiões — tem separado os homens. O intelecto é fator central da degeneração do homem pelo mundo afora, pois o intelecto é apenas uma parte da condição e capacidade humana. Quando a parte é exaltada, louvada e honrada, quando é considerada absolutamente importante, então a vida da pessoa, que é relacionamento, ação e conduta, torna-se contraditória, hipócrita; então surgem a ansiedade e a culpa. O intelecto tem o seu lugar, como na ciência, mas o homem tem usado o conhecimento científico não apenas para seu benefício, mas também para criar instrumentos da guerra e poluição para a Terra. O intelecto pode perceber suas próprias atividades as quais trazem degeneração, porém ele é completamente incapaz de pôr um fim ao seu próprio declínio, por ser essencialmente apenas uma parte. Como dissemos, educação é a essência do aprender. Educação é o aprender sobre a natureza do intelecto, sua predominância, suas atividades, suas vastas capacidades e seu poder destruidor. Aprender sobre a natureza do pensamento, o qual é o próprio movimento do intelecto, não a partir de um livro, mas a partir da observação do mundo ao seu redor. Educação é aprender o que está acontecendo exatamente, sem teorias, preconceitos e valores. Os livros são importantes, mas o que é muito mais importante é aprender sobre o seu livro, a sua própria história, porque você é toda a humanidade. Ler esse livro é a arte do aprender. Está tudo lá: as instituições, as pressões, as imposições e doutrinas religiosas, sua crueldade e sua fé. A estrutura social de todas as sociedades é a relação entre os seres humanos, com toda sua ganância, suas ambições, violência, seus prazeres e suas ansiedades. Está lá se você souber olhar. Não é um olhar para dentro. O livro não está lá fora ou escondido dentro de você. Está em todo o seu redor; você é parte desse livro. O livro lhe conta a história do ser humano e deve ser lido em seus relacionamentos, em suas reações, em seus conceitos e valores. O livro é o próprio centro de seu ser e o aprender é ler esse livro com um cuidado especial. O livro lhe conta sobre a história do passado, como o passado molda sua mente, seu coração, seus sentidos. O passado molda o presente, modificando a si mesmo de acordo com o desafio do momento. E nesse interminável movimento do tempo, os seres humanos estão presos. Esse é o condicionamento humano. Esse condicionamento tem sido o infindável fardo do homem, de você e de seu irmão. Os filósofos, os teólogos, os santos têm aceitado esse condicionamento, têm deixado que as pessoas o aceitem, se aproveitando dele; ou têm oferecido meios

de fugas em fantasias de experiências místicas, de deuses e paraísos. A educação é a arte de aprender sobre esse condicionamento e como sair dele, como se libertar desse fardo. Existe uma saída a qual não é uma fuga, a qual não aceita as coisas como são. Não é um evitar do condicionamento, não é a supressão dele. É a dissolução do condicionamento. Quando estiver lendo ou ouvindo isso, esteja atento se você está ouvindo ou lendo com a capacidade verbal do intelecto ou com o cuidado da atenção. Quando existe atenção total não existe passado, mas apenas a pura observação do que está realmente acontecendo.

CARTA 26

A comparação é um dos muitos aspectos da violência 15 de setembro de 1979

Somos capazes de esquecer ou desconsiderar a responsabilidade do educador para criar uma nova geração de seres humanos que sejam psicologicamente, interiormente, livres de misérias, de sofrimento, ansiedades e esforços. É uma responsabilidade sagrada, que não deve ser facilmente colocada de lado para dar espaço às nossas próprias ambições, status ou poder. Se o educador sente essa responsabilidade — a grandeza, a profundidade e a beleza dessa responsabilidade — ele descobrirá a capacidade para ensinar e para sustentar sua própria energia. Isso exige grande diligência, não um empenho esporádico e ocasional, e essa mesma responsabilidade profunda acenderá o fogo que o manterá como um ser humano total e um grande professor. Como o mundo está se degenerando rapidamente, deve haver em todas essas escolas um grupo de professores e alunos que estão empenhados em criar uma transformação radical nos seres humanos através da educação correta. A palavra “correta” não é uma questão de opinião, avaliação ou de algum conceito inventado pelo intelecto. A palavra “correta” denota ação total na qual todo motivo autocentrado cessa. Quando prevalece essa própria responsabilidade e o empenho — não só do educador, mas também do estudante —, os problemas que se autoperpetuam são afastados. Não importa quão imatura seja a mente, no momento em que você aceita essa responsabilidade, essa própria aceitação permite o florescimento da mente. Esse florescimento está no relacionamento entre o estudante e o educador. Não é um negócio unilateral. Quando ler isso, por favor, dê sua total atenção e sinta a urgência e intensidade dessa responsabilidade. Por favor, não faça disso uma abstração, uma idéia, mas, em vez disso, observe o fato em si, o que efetivamente acontece ao ler isso. Quase todos os seres humanos desejam poder e riqueza em suas vidas. Quando existe riqueza há um senso de liberdade, e se busca o prazer. O desejo de poder parece ser um instinto que se expressa em várias formas. Está no sacerdote, no guru, no marido ou na esposa, ou num menino que subjuga o outro. Esse desejo de dominar ou de se submeter é um dos condicionamentos do homem,

provavelmente herdado do animal. Essa agressividade — e o render-se a ela — perverte todos os relacionamentos ao longo da vida. Esse tem sido o padrão desde o começo dos tempos. O homem aceita isso como uma maneira natural de viver, com todos os conflitos e misérias que isso traz. Basicamente o medir está envolvido nisso, o mais e o menos, o maior e o menor — o que é essencialmente comparação. A pessoa está sempre se comparando com a outra, comparando uma pintura com outra; existe comparação entre o poder maior e o menor, entre o tímido e o agressivo. Começa praticamente no nascimento e continua por toda a vida — essa medição constante de poder, posição, riqueza. Isso é encorajado em escolas, colégios e universidades. Todo seu sistema de classificação é esse valor comparativo de conhecimento. Quando “A” é comparado com “B”, que é sabido, brilhante, assertivo, essa comparação em si mesma destrói “A”. Essa destruição toma a forma de competição, de imitação e ajustamento aos padrões estabelecidos por “B”. Isso traz — consciente ou inconscientemente — antagonismo, ciúme, ansiedade e até medo; e essa torna-se a condição na qual “A” vive pelo resto de sua vida, sempre medindo, sempre comparando psicológica e fisicamente. Essa comparação é um dos muitos aspectos da violência. A palavra “mais” é sempre comparativa, como é a palavra “melhor”. A questão é: pode o educador colocar de lado toda comparação, toda medição, ao ensinar? Será que ele pode tomar o estudante como ele é — não como deveria ser —, não fazendo julgamentos baseados em avaliações comparativas? É somente quando existe comparação entre o chamado esperto e o chamado tolo, que existe essa qualidade de tolice. O idiota é um idiota por causa da comparação ou porque ele é incapaz de certas atividades? Nós estabelecemos certos padrões que estão baseados na medida e aqueles que não os alcançam são considerados deficientes. Quando o educador põe de lado a comparação e a medição, então está interessado no estudante como ele é e seu relacionamento com o estudante é direto e totalmente diferente. Realmente é muito importante entendermos isso. O amor não é comparativo. Não tem medida. A comparação e a medição são os caminhos do intelecto. Isso cria divisão. Quando isso é basicamente compreendido — não o significado verbal, mas a verdade presente nisso —, o relacionamento entre o professor e o aluno passa por uma mudança radical. Os principais testes de medição são os exames, com seus medos e ansiedades que afetam profundamente a vida futura do estudante. Toda a atmosfera da escola passa por uma mudança quando não existe senso de competição, de comparação.

CARTA 27

Valores colocam uma pessoa contra a outra 1º de outubro de 1979

Uma das peculiaridades do ser humano é o cultivo de valores. Desde crianças somos encorajados a estabelecer para nós mesmos certos valores que ficam profundamente enraizados. Cada pessoa tem suas próprias intenções e propostas duradouras. Naturalmente os valores de um diferem dos valores do outro. Eles são cultivados pelo desejo ou pelo intelecto. Eles são ilusórios, confortantes, consoladores ou factuais. Esses valores com certeza encorajam a divisão entre os homens. Valores são nobres ou ignóbeis de acordo com os preconceitos ou intenções da pessoa. Sem fazer uma lista dos vários tipos de valores, por que os seres humanos têm valores e quais são suas consequências? O significado da raiz da palavra valor é força. Mesma raiz da palavra valour, valentia. Força não é valor. Ela se transforma em um valor quando é o oposto de fraqueza. A força — não a força de caráter, que é resultado da pressão da sociedade — é a essência da clareza. O pensar claro é sem preconceitos, sem tendências; é a observação sem distorção. A força, ou valour, não é algo a ser cultivado como você cultivaria uma planta ou uma nova espécie. Não é um resultado. Um resultado tem uma causa e quando existe uma causa isso indica uma fraqueza; as consequências da fraqueza são resistência ou submissão. A clareza não tem causa. A clareza não é um efeito ou um resultado; é a pura observação do pensamento e de toda sua atividade. Essa clareza é força. Se isso é claramente entendido, por que os seres humanos têm projetado valores? Será que é para servir como guia em suas vidas diárias? Será que é para dar-lhes um propósito, porque senão a vida ficaria incerta, vaga, sem direção? Mas a direção é estabelecida pelo intelecto ou pelo desejo, assim, a própria direção torna-se uma distorção. Essas distorções variam de homem para homem, e o ser humano se agarra a elas no mar agitado da confusão. Pode-se observar as consequências de se ter valores: eles separam o homem do homem e colocam uma pessoa contra o outra. Em última instância, isso leva à infelicidade, à violência e, no fim, à guerra.

Os ideais são valores. Os ideais de qualquer tipo são uma série de valores — nacionais, religiosos, coletivo, pessoais —, e pode-se observar as consequências desses ideais enquanto vão acontecendo no mundo. Quando se vê a verdade disso, a mente está livre de todos os valores e para essa mente existe apenas clareza. Uma mente que deseja ou se agarra a uma experiência está no encalço da falácia do valor e, assim, se torna fechada, reservada e criadora de divisão. Como educador, será que você pode explicar a um estudante a importância de não ter quaisquer valores, sejam quais forem, mas sim viver com clareza, o que não é um valor — você pode? Isso pode ser criado quando o próprio educador sentiu profundamente a verdade disso. Se o educador não a compreendeu, então isso se torna meramente uma explicação verbal sem nenhum significado profundo. Isso deve ser comunicado não apenas aos estudantes mais velhos, mas também aos mais jovens. Os estudantes mais velhos já estão gravemente condicionados pela pressão da sociedade e pelos pais com seus valores; ou eles próprios projetaram seus próprios objetivos, os quais se tornaram sua prisão. Com os mais jovens o que é mais importante é ajudá-los a livrarem-se de pressões e problemas psicológicos. Agora, aos mais jovens estão sendo ensinados problemas intelectuais complicados; seus estudos estão se tornando mais e mais técnicos; são-lhes dadas cada vez mais informações abstratas; várias formas de conhecimento são impostas aos seus cérebros e, desse modo, condicionando-os desde a infância. Ao passo que estamos interessados em ajudar os mais jovens a não terem problemas psicológicos, a serem livres do medo, da ansiedade, da crueldade, a terem carinho, generosidade e afeição. Isso é muito mais importante do que a imposição de conhecimento às suas mentes jovens. Isso não significa que a criança não deva aprender a ler, a escrever e assim por diante, mas a ênfase é na liberdade psicológica e não na aquisição de conhecimentos, apesar dela ser necessária. Essa liberdade não significa que a criança faça o que quiser, mas é para ajudá-la a entender a natureza de suas reações e seus desejos. Isso requer um considerável insight por parte do educador. Pois afinal, você quer que o estudante seja um ser humano completo, sem quaisquer problemas psicológicos, senão ele fará mau uso de qualquer conhecimento que lhe seja dado. Nossa educação é para viver no conhecido e assim ser um escravo do passado com todas as suas tradições, memórias e experiências. Nossa vida é do conhecido para o conhecido, assim nunca há o libertar-se do conhecido. Se uma pessoa vive constantemente no conhecido não há nada novo, nada original, nada que não seja contaminado pelo pensamento. O pensamento é o conhecido. Se nossa educação é o constante acumular do conhecido, então nossas mentes e corações tornam-se mecânicos, sem aquela imensa vitalidade do desconhecido. Aquilo que tem continuidade é conhecimento, é eternamente

limitado. E aquilo que é limitado fica eternamente criando problemas. O fim da continuidade — que é o tempo — é o florescer do atemporal.

CARTA 28

Quando o amor é tomado por prazer, o homem se separa da beleza e do sagrado 15 de outubro de 1979

Os professores ou educadores são seres humanos. A função deles é ajudar o estudante a aprender, não apenas esta ou aquela matéria, mas entender toda atividade de aprender; não apenas reunir informações sobre os vários assuntos, mas ser, em primeiro lugar, um ser humano completo. Essas escolas não são apenas centros de aprendizagem, mas elas têm de ser centros de bondade e têm de fazer surgir uma mente religiosa. Por todo o mundo os seres humanos estão se degenerando, em maior ou menor escala. Quando o prazer, pessoal ou coletivo, se torna o interesse dominante na vida — o prazer do sexo, o prazer de afirmar a sua própria vontade, o prazer da excitação, o prazer do interesse próprio, o prazer do poder e do status, a exigência insistente de preencher o próprio prazer —, existe degeneração. Quando as relações humanas se tornam casuais, baseadas no prazer, existe degeneração. Quando a responsabilidade perdeu todo o seu significado, quando não existe cuidado para com o outro ou pela terra e as coisas do mar, essa desconsideração pelo céu e pela terra é uma outra forma de degeneração. Quando existe hipocrisia nos altos escalões, quando existe desonestidade no comércio, quando mentiras fazem parte do quotidiano, quando existe a tirania de uma minoria, quando predominam apenas as coisas, existe a traição de toda a vida. Matar, então, se torna a única linguagem da vida. Quando o amor é tomado por prazer, então o homem se separa da beleza e do sagrado da vida. O prazer é sempre pessoal, é um processo de isolamento. Embora a pessoa pense que o prazer é algo compartilhado com o outro, realmente, através da gratificação, é uma ação do ego, do eu, que fecha e isola. Quanto maior o prazer, maior o fortalecimento do eu. Quando existe a procura do prazer, os seres humanos estão explorando uns aos outros. Quando o prazer se torna dominante na nossa vida, o relacionamento é explorado para esse propósito, e assim não existe relacionamento de fato com o outro. Então, o relacionamento se torna uma

mercadoria. O impulso por preenchimento está baseado no prazer, e quando esse prazer é negado, ou não encontra meio de expressão, então existe raiva, cinismo, ódio ou amargura. Essa incessante busca de prazer é realmente insanidade. Tudo isso indica que o homem, apesar do seu vasto conhecimento, das suas capacidades extraordinárias, de sua poderosa energia, de sua ação agressiva, está em declínio, não indica? Isso é evidente pelo mundo afora — esse autocentramento calculado, com seus medos, prazeres e ansiedades. Qual é então a responsabilidade total dessas escolas? Certamente elas devem ser centros para aprender um modo de vida que não seja baseado no prazer, nas atividades autocentradas, mas no entendimento da ação correta, na profundidade e beleza do relacionamento, e no sagrado de uma vida religiosa. Quando o mundo à nossa volta é assim tão completamente destrutivo e sem sentido, essas escolas, esses centros, têm de se tornar lugares de luz e sabedoria. Criar isso é responsabilidade daqueles que estão encarregados desses lugares. E isso é urgente, desculpas não têm sentido. Ou os centros são como uma rocha em meio às águas do fluxo de destruição ou eles irão com a corrente da decadência. Esses lugares existem para a iluminação do homem.

CARTA 29

As diferenças ideológicas impedem a sobrevivência humana 1º de novembro de 1979

Em um mundo em que a humanidade se sente ameaçada por revoltas sociais, superpopulação, guerras, endurecimento, insensibilidade e violência aterradora, cada ser humano está mais que nunca preocupado com sua própria sobrevivência. Sobrevivência implica um modo de viver saudável, feliz, sem grande pressão ou tensão, esforço. Cada um de nós traduz sobrevivência de acordo com seu próprio conceito particular. O idealista projeta um modo de vida que não é o real; os teóricos, sejam marxistas, religiosos ou de qualquer outro tipo de convicção, estabeleceram padrões para sobrevivência; os nacionalistas consideram que a subsistência só é possível em um grupo ou comunidade particular. Essas diferenças ideológicas, ideais e crenças são as raízes de uma divisão que está impedindo a sobrevivência humana. Os homens querem sobreviver de uma determinada maneira, de acordo com suas respostas estreitas, limitadas, de acordo com seus prazeres imediatos, de acordo com alguma crença, de acordo com algum salvador religioso, profeta ou santo. Todas essas coisas de forma alguma podem trazer segurança porque elas são, em si mesmas, divisoras, exclusivistas, limitadas. Viver na esperança de uma sobrevivência de acordo com a tradição, seja antiga ou moderna, não tem sentido. As soluções parciais de qualquer tipo — científicas, religiosas, políticas, econômicas — já não são capazes de garantir à humanidade a sua sobrevivência. O homem tem se preocupado com sua própria sobrevivência individual, com a de sua família, de seu grupo, sua nação tribal, e porque tudo isso cria divisão, a sua sobrevivência fica ameaçada. As modernas divisões de nacionalidades, de cor, de cultura, de religião, são as causas da incerteza de sobrevivência do homem. Na agitação do mundo de hoje, a incerteza leva o homem a se voltar para uma autoridade — a do especialista político, religioso ou econômico. O especialista inevitavelmente é um perigo, pois sua resposta acaba sendo sempre parcial, limitada. O homem não é mais um

indivíduo, separado. O que afeta a uns poucos, afeta a humanidade toda. Não existe escape ou modo de evitar o problema. Você não pode mais se retirar, viver à margem da totalidade da difícil situação humana. Colocamos o problema, a causa e agora temos de encontrar a solução. Essa solução não deve depender de nenhum tipo de pressão — sociológica, religiosa, econômica, política ou de qualquer organização. Não temos possibilidade de sobreviver se estivermos interessados apenas na nossa própria sobrevivência. Todos os seres humanos no mundo inteiro hoje estão inter-relacionados. O que acontece em um país afeta os outros. O homem se considera como um indivíduo separado dos outros, mas psicologicamente um ser humano é inseparável da humanidade toda. Não existe essa coisa de sobrevivência psicológica. Quando existe esse desejo de sobreviver ou de preenchimento, você psicologicamente está criando uma situação que não apenas separa, mas que é totalmente irreal. Psicologicamente você não pode estar separado de outra pessoa. E esse desejo de estar separado psicologicamente é a própria fonte de perigo e destruição. Cada pessoa afirmando a si mesma ameaça sua própria existência. Quando a verdade disso é vista e entendida, a responsabilidade do homem sofre uma mudança radical não apenas em relação a seu meio ambiente imediato, mas em relação a todas as coisas vivas. Essa responsabilidade total é compaixão. Essa compaixão age através da inteligência. Essa inteligência não é parcial, individual, separada. A compaixão nunca é parcial. Compaixão é o sagrado de todas as coisas vivas.

CARTA 30

Toda ação que jorra do pensamento impede a cooperação 15 de novembro de 1979

Temos de considerar muito seriamente, não somente nessas escolas, mas também como seres humanos, a capacidade de trabalharmos juntos; trabalhar junto com a natureza, com as coisas vivas da terra, e também com os outros seres humanos. Como seres sociais, existimos para nós. As nossas leis, nosso governo, as nossas religiões, todos contribuem para acentuar a separatividade no homem que, por séculos, tem como resultado colocar o homem contra o homem. Torna-se cada vez mais importante, se queremos sobreviver, que exista um espírito de cooperação com o universo, com todas as coisas do mar e da terra. Pode-se ver em todas as estruturas sociais o efeito destrutivo da fragmentação acontecendo — nação contra nação, um grupo contra outro grupo, uma família contra outra família, um indivíduo contra outro. Religiosa, social e economicamente é a mesma coisa. Cada um luta por si, por sua classe ou seu interesse particular na comunidade. Essa divisão de crenças, ideais, conclusões e preconceitos está impedindo o florescimento do espírito de cooperação. Somos seres humanos e não identidades tribais exclusivistas, separadas. Somos seres humanos prisioneiros de conclusões, teorias, crenças, fé. Somos criaturas vivas, não rótulos. É a nossa condição humana que nos faz buscar comida, roupa e abrigo em detrimento de outros. Nosso próprio pensar é separativo e toda ação que jorra desse pensamento limitado vai impedir a cooperação. A estrutura econômica e social, como é agora, incluindo as religiões organizadas, intensifica a exclusividade, a separatividade. Por fim, essa falta de cooperação causa guerras e a destruição do homem. É somente durante as crises e desastres que parecemos nos aproximar uns dos outros, e quando eles terminam, voltamos para a nos sa velha condição. Parece que somos incapazes de viver e trabalhar juntos harmoniosamente. Será por causa do nosso cérebro — que é o centro do nosso pensamento, nosso sentimento — ter se tornado, por necessidade, tão condicionado à sua própria sobrevivência pessoal, desde os tempos antigos, que surgiu esse processo de

isolamento e agressividade? É porque esse processo de isolamento identificase com a família, com a tribo, e se torna nacionalismo glorificado? Todo isolamento não está ligado à necessidade de identificação e a preenchimento? A importância do ego não tem sido cultivada, através da evolução, pela oposição de eu e você, de nós e eles? Todas as religiões não têm enfatizado a salvação pessoal, a iluminação pessoal, a realização pessoal, tanto no plano religioso quanto no mundano? A cooperação tem se tornado impossível por que estamos dando tanta importância ao talento, à especialização, à realização pessoal, ao sucesso — tudo enfatizando a separatividade? Será por causa da cooperação humana ter se centrado em algum tipo de autoridade — do governo ou religiosa —, em torno de alguma ideologia ou conclusão, que então inevitavelmente causa seu próprio oposto destrutivo? O que significa cooperar — não a palavra, mas o espírito de cooperação? Você não tem possibilidade de cooperar com outra pessoa, com a terra e suas águas, a menos que você em si mesmo seja harmonioso, não fragmentado, não contraditório; você não pode cooperar se você mesmo está sob tensão, pressão, conflito. Como pode cooperar com o universo se você está preocupado consigo mesmo, com seus problemas, com suas ambições? Não pode haver cooperação se todas as suas atividades são autocentradas e você está ocupado com seu egoísmo, interesse próprio, com seus desejos e prazeres secretos. Enquanto o intelecto com seus pensamentos dominar todas as suas ações, obviamente não pode haver qualquer cooperação, pois o pensamento é parcial, estreito e permanentemente divisor. A cooperação exige grande honestidade. Honestidade não tem motivo. Honestidade não é algum ideal, alguma fé, crença. Honestidade é clareza — a percepção clara das coisas como elas são. Percepção é atenção. Essa mesma atenção joga luz, com toda a sua energia, naquilo que está sendo observado. Essa luz da percepção produz uma transformação na coisa observada. Não existe sistema através do qual você aprenda a cooperar. Não é para ser estruturado e classificado. A própria natureza da cooperação exige que haja amor e esse amor não é mensurável, pois quando você compara — que é a essência da medida —, entrou o pensamento. Onde está o pensamento, não está o amor. Agora, isso pode ser passado para o estudante e a cooperação pode existir entre os educadores nessas escolas? Essas escolas são centros de uma nova geração com uma nova visão, com um novo sentido de sermos cidadãos do mundo, interessados em zelar por todas as coisas vivas deste mundo. É sua grave responsabilidade a de fazer surgir esse espírito de cooperação.

CARTA 31

Inteligência é a capacidade de perceber o todo 1º de dezembro de 1979

A inteligência e a capacidade do intelecto são coisas inteiramente diferentes. Talvez essas duas palavras derivem da mesma raiz, mas para podermos deixar claro o significado completo da compaixão, precisamos ser capazes de distinguir a diferença de sentido que essas duas palavras têm. O intelecto é a capacidade de discernir, de raciocinar, imaginar, criar ilusões, pensar de forma clara e também pensar não objetivamente, pessoalmente. O intelecto é geralmente considerado como sendo diferente da emoção, mas usamos essa palavra intelecto para referirmos a toda capacidade humana envolvida no pensamento. O pensamento é a resposta da memória acumulada através de várias experiências, reais ou imaginadas, que são armazenadas como conhecimento no cérebro. Assim, a capacidade do intelecto é pensar. Pensar é limitado, sob qualquer circunstância — e quando o intelecto domina as nossas atividades tanto no mundo exterior quanto no interior, naturalmente nossas ações têm de ser parciais, incompletas. Isso traz arrependimento, ansiedade e dor. Todas as teorias e ideologias são em si mesmas parciais, e quando os cientistas, técnicos e os chamados filósofos dominam nossa sociedade, nossa moral — e assim a nossa vida diária —, então nunca somos confrontados com a verdade do que realmente está acontecendo. Essas influências distorcem, dão cor às nossas percepções, ao nosso entendimento direto. É o intelecto que encontra explicações tanto para o procedimento correto como para o incorreto. Ele racionaliza o mau comportamento, a matança e as guerras. Ele define o bem em oposição ao mal. O bem não tem oposto. Se o bem fosse relacionado com o mal, então a bondade teria em si mesma as sementes do mal. Então ela não seria bondade. Mas o intelecto é incapaz, por causa da sua capacidade de dividir, de entender a plenitude do bem. O intelecto — o pensamento — está sempre comparando, avaliando, competindo, imitando; assim, nós nos tornamos ajustados, seres humanos de segunda mão. O intelecto tem proporcionado benefícios enormes à humanidade, mas também tem causado grande destruição. Ele tem cultivado as artes da guerra e tem sido incapaz de remover

as barreiras entre os seres humanos. A ansiedade é parte da natureza do intelecto, como o é a mágoa, pois o intelecto — que é o pensamento — cria a imagem que então é capaz de ser ferida. Quando se compreende toda a natureza e o movimento do intelecto e do pensamento, podemos começar a investigar o que é inteligência. Inteligência é a capacidade de perceber o todo. A inteligência é incapaz de separar, uns dos outros, o intelecto, os sentidos e as emoções. Ela os considera como um único movimento. Porque a sua percepção é sempre total, ela é incapaz de separar o homem do homem, de colocar o homem contra a natureza. Porque em sua própria natureza a inteligência é total, ela é incapaz de matar. Praticamente todas as religiões têm dito para não matar, mas elas nunca impediram que se matasse. Algumas religiões têm mesmo dito que as coisas da terra, incluindo as criaturas vivas, foram colocadas aí para o uso do homem — portanto destrua e mate. Matar por prazer, matar por comércio, matar por nacionalismo, matar por ideologias, matar em nome da sua fé, tudo isso e aceito como modo de vida. Como estamos matando as coisas vivas da terra e do mar, estamos nos tornando cada vez mais isolados, e nesse isolamento ficamos cada vez mais ávidos, buscando prazer sob todas as formas. O intelecto pode perceber isso, mas é incapaz de uma ação completa. A inteligência, que é inseparável do amor, não matará nunca. Não matar, se é um conceito, um ideal, não é inteligência. Quando na nossa vida diária a inteligência está ativa, ela vai nos dizer quando cooperar e quando não. A própria natureza da inteligência é sensibilidade e essa sensibilidade é amor. Sem essa inteligência não pode haver compaixão. Compaixão não é fazer caridade ou reforma social. É livre de sentimento, romantismo e entusiasmo emocional. É tão forte como a morte. É como uma grande rocha, imóvel em meio à confusão, miséria e ansiedade. Sem essa compaixão, nenhuma nova cultura ou sociedade pode surgir. A compaixão e inteligência andam juntas; elas não estão separadas. A compaixão age através da inteligência. Ela nunca pode agir através do intelecto. A compaixão é a essência da totalidade da vida.

CARTA 32

Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? 15 de dezembro de 1979

Os seres humanos, por todo o mundo, têm feito do intelecto um dos fatores de maior importância na nossa vida diária. Observamos que os antigos hindus, os egípcios e os gregos, todos eles consideravam o intelecto como sendo a função mais importante na vida. Mesmo os budistas deram importância a ele. Em cada universidade, faculdade e escola pelo mundo todo, seja em um regime totalitário ou nas chamadas democracias, o intelecto tem um papel dominante. Queremos dizer por intelecto a capacidade de entender, de discernir, de escolher, de pesar, ponderar, e toda a tecnologia da ciência moderna. A essência do intelecto é todo o movimento do pensamento, não é? O pensamento domina o mundo tanto na vida exterior como na interior. O pensamento também criou o mundo, todos os rituais, os dogmas, as crenças. O pensamento também criou as catedrais, os templos, as mesquitas com sua maravilhosa arquitetura e os santuários locais. O pensamento tem sido responsável por uma infindável tecnologia em expansão, as guerras e os materiais bélicos, a divisão dos povos em nações, em classes e raças. O pensamento tem sido e provavelmente ainda e o instigador de tortura em nome de Deus, da paz, da ordem. Ele também tem sido responsável pela revolução, pelos terroristas, pelo princípio supremo e os ideais pragmáticos. Vivemos pelo pensamento. Nossas ações são baseadas no pensamento, nossos relacionamentos também estão fundados no pensamento, assim o intelecto tem sido adorado em todos os tempos. Mas o pensamento não criou a natureza — o firmamento com suas estrelas em expansão, a terra com toda sua beleza, com seus vastos mares e campos verdes. O pensamento não criou a árvore, mas ele a tem usado para construir a casa, para fazer a cadeira. O pensamento usa e destrói. O pensamento não pode criar o amor, a afeição e a qualidade de beleza. Ele tece uma rede de ilusões e realidades. Quando vivemos unicamente pelo pensamento, com todas as suas complexidades e sutilezas, com seus propósitos

e direções, perdemos a grande profundidade da vida, pois o pensamento é superficial. Embora ele tenha a pretensão de mergulhar profundamente, o próprio instrumento é incapaz de penetrar além de suas limitações próprias. Ele pode projetar o futuro, mas esse futuro nasce das raízes do passado. As coisas que o pensamento criou são reais, existem de fato — como a mesa, como a imagem que você adora —, mas a imagem, o símbolo que você adora são formados pelo pensamento, incluindo todas as muitas ilusões — românticas, idealistas, humanitárias. Os seres humanos aceitam e vivem com as coisas do pensamento — dinheiro, posição, status e a luxúria de uma liberdade que o dinheiro traz. Isso é todo o movimento do pensamento e do intelecto — e através dessa janela estreita de nossa vida olhamos para o mundo. Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? Essa tem sido a investigação de muitas religiões e esforços científicos e filosóficos. Quando usamos a palavra religião, não estamos nos referindo ao absurdo das crenças, dogmas, rituais e estrutura hierárquica. Ao falar de uma mulher ou um homem religioso, nos referimos àqueles que se libertaram de séculos de propaganda, do peso morto da tradição, moderna ou antiga. Os filósofos que se contentam com teorias, conceitos e jogos de idéias, não têm possibilidade de explorar além da janela estreita do pensamento, nem o cientista com suas capacidades extraordinárias, com seu pensamento talvez original, com seu imenso conhecimento. O conhecimento é o depósito da memória e deve haver liberdade do conhecido para explorar o que está para além dele. Deve haver liberdade para investigar sem qualquer laço, escravidão, sem qualquer apego à experiência própria, às próprias conclusões, a todas as coisas que o homem impôs a si mesmo. O intelecto deve estar tranquilo, em quietude absoluta, sem nenhum tremor, nenhum movimento do pensamento. A nossa educação agora está baseada no cultivo do intelecto, do pensamento e do conhecimento — que são necessários no campo da nossa ação diária, mas que não têm lugar no nosso relacionamento psicológico uns com os outros, pois a própria natureza do pensamento divide e destrói. Quando o pensamento domina todas as nossas atividades e todos os nossos relacionamentos, ele produz um mundo de violência, terror, conflito e miséria. Nessas escolas, todos nós — tanto os jovens quanto os mais velhos — devemos dar atenção a isso.

CARTA 33

Uma boa sociedade não vem a existir através de qualquer ideal 1º de janeiro de 1980

Temos de entender, desde o início desse novo ano, que primeiramente estamos interessados no aspecto psicológico da nossa vida, embora não iremos negligenciar o lado físico, biológico. O que a pessoa é, interiormente, irá produzir uma sociedade boa ou a deterioração gradual do relacionamento humano. Estamos interessados nos dois aspectos da vida, não dando predominância a um ou ao outro, embora psicologicamente, ou seja, o que somos interiormente irá ditar o nosso comportamento, o nosso relacionamento com os outros. Parece que damos importância muito maior aos aspectos físicos da vida, às atividades do dia-a-dia, sejam relevantes ou irrelevantes, e negligenciamos completamente as realidades mais profundas e mais vastas. Assim tenham em mente que nessas cartas estamos abordando nossa existência do interior para o exterior, não o contrário. Ainda que a maior parte das pessoas esteja interessada no exterior, nossa educação deve se interessar em criar uma harmonia entre o exterior e o interior e isso não tem possibilidade de acontecer se nossos olhos estão fixados apenas no exterior. Por interior queremos dizer todo o movimento do pensamento, os nossos sentimentos — razoáveis ou não —, o que imaginamos, as nossas crenças e apegos — felizes ou infelizes —, nossos desejos secretos com suas contradições, nossas experiências, desconfianças, violência, etc. As ambições escondidas, as ilusões a que a mente se agarra, as superstições da religião e o conflito aparentemente interminável dentro de nós mesmos fazem parte da nossa estrutura psicológica. Se formos cegos a essas coisas ou as aceitamos como uma parte inevitável da nossa natureza humana, permitimos que exista uma sociedade da qual nos tornamos prisioneiros. Isso é realmente importante entender. Temos certeza que cada estudante, por todo o mundo, vê o efeito do caos ao redor de nós e espera escapar disso através de algum tipo de ordem exterior, mesmo que, dentro de si mesmo, ele possa estar em completa desordem. Ele quer mudar o exterior sem mudar a si mesmo, mas ele é a fonte e a continuação da desordem. Isso é um fato, não uma conclusão pessoal.

Assim, em nossa educação, estamos interessados em mudar a fonte e a continuação da desordem. São os seres humanos que criam a sociedade, não os deuses no céu. Assim, começamos com o estudante. A palavra mesmo quer dizer estudar, aprender e agir. Aprender não somente de livros e professores, mas estudar e aprender sobre si mesmo — isso é educação básica. Se você não conhece a si mesmo e está enchendo a sua mente com muitos fatos do universo, está meramente aceitando e continuando a desordem. Provavelmente como estudante você não está interessado nisso. Você quer se divertir, seguir seus próprios interesses, e apenas sob pressão você é forçado a estudar, aceitando as comparações inevitáveis, e os resultados tendo em vista algum tipo de carreira. Esse é o seu interesse básico, o que parece natural, pois seus pais, e avós, seguiram o mesmo caminho — emprego, casamento, filhos, responsabilidade. Desde que esteja a salvo, em segurança, você se importa muito pouco com o que acontece a seu redor. Esse é o seu relacionamento real com o mundo, o mundo que os seres humanos criaram. O imediato é muito mais real, exigente, importante que o todo. O seu interesse e o do educador são e devem ser o de entender o todo da existência humana; não uma parte, mas o todo. A parte é apenas o conhecimento das descobertas físicas. Assim aqui, nestas cartas, começamos com você, o estudante, em primeiro lugar, e com o educador que o está ajudando a se conhecer. Essa é a função de toda a educação. Precisamos criar uma sociedade boa na qual todos os seres humanos possam viver em paz e felizes, sem violência, com segurança. Você como estudante é responsável por isso. Uma sociedade boa não surge através de algum ideal, de um herói ou um líder ou de algum sistema cuidadosamente planejado. Você tem de ser bom porque você é o futuro. Você vai fazer o mundo, do mesmo jeito que é agora, apenas modificado, ou um mundo no qual você e os outros possam viver sem guerras, sem brutalidades, com generosidade e afeição. Assim, o que você vai fazer? Você entendeu o problema, o que não é difícil; então, o que você vai fazer? Em sua maioria, vocês são instintivamente amáveis, bons e querem ajudar, a menos, é claro, que tenham sido muito maltratados, marcados e deformados, o que espero que não. Assim, o que vocês vão fazer? Se os educadores forem o que devem ser, eles vão querer ajudá-lo e então a questão é: o que vocês vão fazer juntos para ajudar você a estudar a si mesmo, a aprender sobre si mesmo e agir? Vamos parar aqui com essa carta e continuar na próxima.

CARTA 34

Qual seria o primeiro passo? 15 de janeiro de 1980

Vamos continuar com o que estávamos dizendo na nossa última carta, onde apontávamos para a responsabilidade de estudar, aprender e agir. Quando somos bem jovens e talvez inocentes, dados a brincadeiras agitadas e jogos, a palavra responsabilidade nos parece um tanto assustadora e um fardo cansativo. Mas estamos usando essa palavra para indicar cuidado e interesse pelo nosso mundo. Quando usarmos essa palavra, os estudantes não deverão ter qualquer sentimento de culpa se não tiverem demonstrado esse cuidado e atenção. Afinal de contas, seus pais, que se sentem responsáveis por vocês e pelos seus estudos para que se preparem para a vida futura não se sentem culpados, embora possam se sentir desapontados ou infelizes se vocês não alcançarem as expectativas deles. Temos de entender claramente que, quando usarmos a palavra responsabilidade, não deve haver sentimento de culpa. Estamos tendo um cuidado especial usando essa palavra — livre do peso infeliz de uma palavra como dever. Quando isso estiver claramente entendido, então poderemos usar a palavra responsabilidade sem o peso da tradição. Assim, vocês estão na escola com essa responsabilidade de estudar, aprender, agir. Esse é o principal objetivo da educação. Em nossa última carta, colocamos a seguinte questão: “O que você irá fazer consigo mesmo e com sua relação com o mundo?” Como dissemos, o educador, o professor também tem a responsabilidade de ajudá-lo no entendimento de si mesmo, assim como do mundo. Perguntamos isso para vocês descobrirem por si mesmos qual é a sua resposta. É um desafio ao qual você deve responder. Você tem de começar consigo mesmo, entender a si mesmo, e em relação a isso, qual seria o primeiro passo? Não seria a afeição? Provavelmente quando você é jovem, você tem essa qualidade, mas muito rapidamente parecemos perder isso. Por quê? Não é por causa da pressão dos estudos, da pressão da competição, da pressão de tentar atingir um certo nível nos seus estudos, comparando-se com outros e talvez recebendo provocação de outros estudantes? Todas essas pressões não estariam forçando vocês a ficarem preocupados consigo mesmos? E quando estão assim preocupados consigo mesmos, vocês inevitavelmente perdem aquela qualidade de afeição. É muito importante entender como gradualmente as circunstâncias, o ambiente, a

pressão de seus pais ou o seu próprio impulso de se ajustar vão reduzindo a vasta beleza da vida em um pequeno círculo de vocês mesmos. E se perdem essa afeição quando ainda são jovens, existe um endurecimento do coração e da mente. É raro manter essa afeição por toda a vida, sem corrupção. Então essa é a primeira coisa que vocês devem ter. Afeição implica cuidado, um cuidado diligente com qualquer coisa que façam; cuidado com o seu modo de falar, vestir e comer, como vocês cuidam do corpo; cuidado em seu comportamento sem distinções de superior ou inferior; como vocês consideram as pessoas. Polidez é consideração pelos outros, e essa consideração é cuidado, quer seja para com o seu irmão mais novo ou para com a irmã mais velha. Quando cuidam, a violência em todas as formas desaparece de vocês — sua raiva, seu antagonismo e seu orgulho. Esse cuidado implica atenção. Atenção é ver, observar, escutar, aprender. Existem várias coisas que vocês podem aprender nos livros, mas existe um aprender infinitamente claro, rápido e sem qualquer traço de ignorância. Atenção requer sensibilidade e isso dá profundidade à percepção que nenhum conhecimento, com sua ignorância, pode dar. Isso você pode estudar, não em um livro, mas com a ajuda do educador; você tem de aprender a observar as coisas ao seu redor — o que está acontecendo no mundo, o que está acontecendo com um colega seu, o que está acontecendo naquela pobre aldeia ou favela e com aquele homem que está lutando para sobreviver ao longo daquela rua suja. Observação não é um hábito. Não é uma coisa que você treina a si mesmo para fazer mecanicamente. É o olhar sempre novo do interesse, do carinho, da sensibilidade. Você não pode se treinar para ser sensível. Novamente, quando você é jovem, é sensível, ágil em suas percepções, mas, outra vez, isso se desvanece à medida que envelhece. Você tem de estudar a si mesmo e, talvez, o seu professor irá ajudá-lo. Se ele não o fizer, não importa, porque é sua responsabilidade estudar a si mesmo e assim aprender o que você é. E quando existe essa afeição, suas ações nascerão a partir da pureza da afeição. Tudo isso pode soar muito duro, mas não é. Negligenciamos todo esse lado da vida. Estamos tão preocupados com nossas carreiras, com nossos próprios prazeres, com nossa própria importância, que negligenciamos a grande beleza da afeição. Há duas palavras que devemos sempre ter em mente — diligência e negligência. Nós diligentemente aplicamos nossa mente para adquirir conhecimento a partir de livros, professores, passando vinte ou mais anos de nossa vida nisso e negligenciando estudar o significado mais profundo de nossa própria vida. Temos ambos, o exterior e o interior. O interior exige maior diligência do que o exterior. É uma exigência imediata, e essa diligência é o estudo afetuoso do que somos.

CARTA 35

O fazer é, talvez, a maior responsabilidade 1º de fevereiro de 1980

A crueldade é uma doença infecciosa e a pessoa deve, rigorosamente, se proteger contra ela. Alguns estudantes parecem ter essa infecção peculiar, e gradualmente, eles, de alguma forma, dominam os outros. Provavelmente eles sentem que isso é muito viril, pois os mais velhos são frequentemente cruéis em suas palavras, em suas atitudes, em seus gestos, em sua soberba. Essa crueldade existe no mundo. A responsabilidade do estudante — e, por favor, lembrem-se com qual significado estamos usando essa palavra — é evitar qualquer forma de crueldade. Uma vez, muitos anos atrás, fui convidado a falar em uma escola na Califórnia e, assim que entrei na escola, um menino de mais ou menos dez anos passou por mim com um pássaro grande, cujas pernas estavam quebradas, preso em um alçapão. Eu parei e olhei para o garoto sem dizer uma palavra. Sua face expressava medo, e quando acabei a palestra e vim para fora, o menino — um estranho — se aproximou com lágrimas em seus olhos e disse: “Senhor, isso nunca acontecerá novamente”. Ele estava com medo que eu contasse ao diretor e que houvesse um drama a respeito disso, e como não falei nada, nem para o garoto nem para o diretor sobre o incidente cruel, sua consciência da coisa terrível que havia feito o fez perceber o tamanho do ato. É importante estar consciente de suas próprias atividades; se existe afeição, então a crueldade não tem lugar na nossa vida em momento algum. Nos países ocidentais você vê aves cuidadosamente alimentadas para depois, na estação de caça, serem abatidas por esporte e então comidas. A crueldade da caçada, matar pequenos animais, tornou-se parte da nossa civilização, assim como a guerra, como a tortura, e os atos de terroristas e sequestradores. Nos nossos relacionamentos pessoais, íntimos, existe também muita crueldade, raiva, agressão mútua. O mundo se tornou um lugar perigoso para se viver e nas nossas escolas, qualquer forma de coerção, ameaças, raiva, deve ser total e completamente evitadas, pois tudo isso endurece o coração e a mente, e a afeição não pode coexistir com a crueldade.

Você entende, como estudante, quão importante é perceber que qualquer forma de crueldade não somente endurece seu coração como perverte seus pensamentos, distorce suas ações. A mente, como o coração, é um instrumento delicado, sensível e muito capaz, e quando a crueldade e a opressão a tocam, então há um endurecimento do eu. Afeição, amor não têm nenhum eu como centro. Tendo lido isso e tendo entendido o que foi dito até agora, o que você fará a respeito disso? Você estudou o que foi dito, você está aprendendo o conteúdo dessas palavras; qual é então sua ação? Sua resposta não é meramente estudar e aprender, mas também agir. A maioria de nós sabe e está consciente de todas as implicações da crueldade — e do que ela realmente faz tanto exterior quanto interiormente — e deixa tudo como está, sem fazer nada a respeito, pensando uma coisa e fazendo justamente o contrário. Isso não somente gera muito conflito, mas também hipocrisia. A maioria dos estudantes não gosta de ser hipócrita; eles gostam de ver os fatos, mas nem sempre agem. Assim a responsabilidade do estudante é ver os fatos a respeito da crueldade e sem qualquer persuasão ou sedução, entender o que a crueldade implica, e fazer alguma coisa a respeito disso. O fazer é, talvez, a maior responsabilidade. As pessoas geralmente vivem com idéias e crenças totalmente sem relação com suas vidas diárias e isso, naturalmente, se torna hipocrisia. Assim, não seja hipócrita — o que não significa que você deva ser grosso, agressivo ou excessivamente crítico. Quando existe afeição, inevitavelmente existe cortesia, sem ser hipócrita. Qual é a responsabilidade do professor que estudou, aprendeu e age em função do estudante? A crueldade tem inúmeras formas. Um olhar, um gesto, um comentário incisivo e, acima de tudo, a comparação. Todo nosso sistema educacional está baseado na comparação. “A” é melhor que “B” e assim “B” deve se conformar com isso ou imitar “A”. Isso, em essência, é crueldade, e a sua última expressão são os exames; assim, qual é a responsabilidade do educador que vê a verdade disso? Como irá ele ensinar qualquer matéria sem recompensa e punição, sabendo que deve haver algum tipo de relatório indicando a capacidade do estudante? Pode o professor fazer isso? É compatível com afeição? Se a realidade central da afeição está presente, existe qualquer lugar para a comparação? O professor pode eliminar nele mesmo o tormento da comparação? Toda nossa civilização está baseada na comparação hierárquica, tanto exterior quanto interiormente, o que nega o sentimento de afeição profunda. Podemos eliminar de nossas mentes o “melhor”, o “mais”, o estúpido, o esperto, todo esse pensamento comparativo? Se o professor entendeu o tormento da comparação, qual é a sua responsabilidade em seu ensinar e nas suas ações? A pessoa que realmente compreendeu o significado dos tormentos da comparação está agindo a partir da inteligência.

CARTA 36

Cada um está agindo como um espelho para o outro 15 de fevereiro de 1980

Em todas essas cartas estivemos constantemente assinalando que a cooperação entre o educador e o estudante é da responsabilidade de ambos. A palavra cooperação implica trabalhar junto, mas não podemos trabalhar juntos se não estamos olhando na mesma direção, com os mesmos olhos e a mesma mente. A palavra “mesmo”, como a estamos usando, em nenhuma circunstância implica uniformidade, conformidade, nem aceitar, obedecer, imitar. Em cooperação uns com os outros, trabalhando juntos, o estudante e o professor devem ter um relacionamento que é essencialmente baseado na afeição. A maioria das pessoas coopera se elas estão construindo, se elas estão participando de jogos ou estão envolvidas em pesquisa científica, ou se elas estão trabalhando juntas por um ideal, uma crença ou algum conceito que é levado adiante para algum benefício pessoal ou coletivo; ou elas cooperam ao redor de uma autoridade religiosa ou política. Para estudar, aprender e agir, a cooperação é necessária entre o professor e o aluno. Ambos estão envolvidos nessas coisas. O educador pode conhecer muitas matérias e fatos. Ao transmiti-los para o estudante, se não há a qualidade da afeição, isso se transforma em um esforço entre os dois. Mas não estamos apenas interessados no conhecimento do mundo, mas também no estudo de si mesmo no qual existe aprendizagem e ação. Tanto o educador como o estudante estão envolvidos nisso, e aí a autoridade cessa. Para aprender sobre si mesmo o educador não está apenas interessado em si mesmo, mas também no estudante. Nessa interação com suas reações, a pessoa começa a ver a natureza de si mesmo — os pensamentos, os desejos, os apegos, as identificações, etc. Cada um está agindo como um espelho para o outro; cada um está observando no espelho exatamente o que ele é porque, como assinalamos anteriormente, o entendimento psicológico de si mesmo é muito mais importante do que a acumulação de fatos e seu armazenamento como conhecimento para ser hábil na ação. O interior sempre supera o exterior. Isso precisa ser entendido claramente, tanto pelo educador como pelo estudante. O

exterior nunca mudou o homem. As atividades externas, revolução física, o controle material do ambiente não mudaram profundamente o ser humano, seus preconceitos e superstições; profundamente, os seres humanos permanecem como têm sido por milhões de anos. A educação correta é para transformar essa condição básica. Quando isso é realmente compreendido pelo educador, embora ele possa ter matérias para ensinar, seu interesse principal deve ser a revolução radical na psique, em você e em mim. Aqui vem a importância da cooperação entre os dois que estão estudando, aprendendo e agindo juntos. Não é o espírito de time ou o espírito de família ou a identificação com um grupo na ação É uma investigação livre dentro de nós mesmos sem a barreira daquele que sabe e daquele que não sabe. Essa é a barreira mais destrutiva, especialmente em assuntos de autoconhecimento. Não existe líder nem seguidor nessa matéria. Quando isso é compreendido totalmente — e com afeição —, então a comunicação entre o estudante e o professor se torna fácil, clara e não apenas no nível verbal. A afeição não carrega pressão, nunca é tortuosa. É direta e simples. Tendo dito isso tudo, e se ambos estudaram o que foi dito, qual é a qualidade da sua mente e do seu coração? Há uma mudança que não é induzida por influência ou por mera estimulação que pode proporcionar uma mudança ilusória. Estimulação é como uma droga; ela enfraquece e você está de volta aonde você estava antes. Qualquer forma de pressão ou influência também age da mesma forma. Se você age sob essas circunstâncias, você não está realmente estudando e aprendendo sobre si mesmo. A ação baseada em recompensa e punição, influência ou pressão, inevitavelmente produz conflito. Isso é assim. Mas pouca gente vê a verdade disso, e assim desistem ou dizem que é impossível em um mundo prático, ou dizem que isso é idealismo — algum conceito utópico. Mas não é. É eminentemente prático e realizável. Assim, não sejam desencorajados pelos tradicionalistas, os conservadores, ou por aqueles que se agarram à ilusão que a mudança pode vir apenas do exterior. Quando você estuda e aprende sobre si mesmo, daí vem uma força extraordinária, baseada na clareza, que pode se opor a todo o absurdo da ordem estabelecida. Essa força não é uma forma de resistência, nem uma obstinação ou vontade autocentrada, mas é uma observação diligente do exterior e do interior. É a força da afeição e da inteligência.

CARTA 37

Quando você é realmente, profundamente afetuoso, você está aprendendo 1º de março de 1980

Cada um de vocês vem para estas escolas com seu próprio background — seja ele liberal ou tradicional — com ou sem disciplina, obedecendo ou relutando e desobedecendo; revoltado ou conformado. Seus pais são ou negligentes ou verdadeiramente cuidadosos com vocês; alguns podem se sentir bastante responsáveis, outros não. Vocês vêm com todos esses problemas, com famílias desintegradas, incertos ou assertivos, querendo as coisas do seu jeito ou timidamente submissos, mas interiormente rebeldes. Nessas escolas vocês são livres, e todos os distúrbios da sua vida juvenil vêm à tona. Você quer tudo do seu jeito e ninguém no mundo pode ter tudo do seu jeito. Você tem de entender isso bem seriamente — você não pode ter tudo do seu jeito. Ou você aprende a se ajustar com entendimento, com a razão, ou é arrebentado pelo novo ambiente no qual entrou. É muito importante entender isso. Nessas escolas os educadores cuidadosamente explicam e você pode conversar com eles, ter um diálogo, e ver por quê certas coisas têm de ser feitas. Quando se vive em uma pequena comunidade de professores e estudantes é necessário que tenham um bom relacionamento uns com os outros, amigavelmente, afetuosamente, e uma certa qualidade de compreensão atenta. Ninguém, especialmente nos dias de hoje, vivendo numa sociedade livre, gosta de regras, e as regras se tornam totalmente desnecessárias quando você e o educador adulto entendem, não apenas verbal e intelectualmente, mas com o coração, que certas disciplinas são necessárias. A palavra disciplina tem sido distorcida pelas pessoas autoritárias. Cada ofício tem sua própria disciplina, sua própria habilidade. A palavra disciplina vem da palavra discípulo — aprender; não se ajustar, não se rebelar, mas aprender sobre suas próprias reações, seu próprio background e sua limitação, e ir além disso. A essência do aprender é movimento constante, sem um ponto fixo. Se há um ponto fixo, ele se torna seu preconceito, suas opiniões e conclusões e você já começa em desvantagem,

então você pára de aprender. Aprender é infinito. A mente que está constantemente aprendendo está além de todo conhecimento. Assim, você está aqui para aprender e para se comunicar. Comunicação é aprender uns com os outros, entender uns aos outros, e isso termina quando você toma uma posição definitiva sobre um ato trivial ou não muito bem pensado. Quando se é jovem, existe um impulso para se ajustar, não se sentir de fora; aprender sobre a natureza e a implicação do ajustamento traz a sua própria disciplina peculiar. Quando usamos essa palavra, por favor, tenham sempre em mente que tanto o estudante quanto o educador estão em um relacionamento de aprendizagem, e não de afirmação ou aceitação. Quando isso é entendido claramente, regras se tornam desnecessárias. Quando isso não está claro, então as regras têm de ser feitas. Você pode se revoltar contra as regras, contra lhe ser falado o que fazer ou não fazer, mas quando você entende rapidamente a natureza do aprender, regras desaparecerão totalmente. É somente a pessoa obstinada, que quer se autoafirmar, que cria regras: o que deve e o que não deve ser feito. O aprender não nasce da curiosidade. Você pode ser curioso sobre sexo; essa curiosidade é baseada no prazer, em algum tipo de excitação, nas atitudes dos outros. Acontece o mesmo com a bebida, com as drogas e com o fumo. Aprender é muito mais profundo e abrangente. Você aprende sobre universo não a partir do prazer ou da curiosidade, mas a partir do seu relacionamento com o mundo. Nós dividimos o aprender em categorias separadas, dependendo das exigências da sociedade, ou das suas próprias inclinações pessoais. Não estamos falando de aprender sobre alguma coisa, mas da qualidade da mente que está querendo aprender. Você pode aprender como se tornar um bom carpinteiro ou um jardineiro ou um engenheiro, e quando você adquiriu a habilidade nessas coisas, reduziu sua mente em um instrumento que pode funcionar talvez habilmente e em um certo padrão. Isso é o que é chamado aprender. Isso dá uma certa segurança financeira e talvez seja tudo que a pessoa queira, e assim nós criamos uma sociedade que nos dá aquilo que pedimos. Mas quando existe essa qualidade extra de aprender não sobre alguma coisa, então você tem uma mente e, com certeza, um coração que são eternamente vivos. A disciplina não é controlar ou subjugar. Aprender implica atenção, que é ser diligente. É apenas a mente negligente que nunca está aprendendo. Sendo superficial, descuidada e indiferente ela se força a aceitar tudo. Uma mente diligente está ativamente vendo, observando, nunca afundando em valores e crenças de segunda mão. A mente que está aprendendo é uma mente livre, e a liberdade exige a responsabilidade de aprender. A mente que está presa em suas próprias opiniões, entrincheirada em algum conhecimento, pode exigir liberdade, mas o que ela quer dizer por liberdade é a expressão de suas próprias

atitudes e conclusões pessoais, e quando ela é frustrada, clama por autopreenchimento. Liberdade não tem nada a ver com preenchimento: é livre. Assim, quando cada um de vocês vem para estas escolas, ou para qualquer escola, deve haver essa gentil qualidade de aprender e com ela vai junto um grande senso de afeição. Quando você é realmente, profundamente afetuoso, está aprendendo.

VOLUME II

CARTA 1

Disciplina significa aprender 15 de novembro de 1981

Cada profissão tem sua disciplina, cada ação tem sua direção e cada pensamento tem sua finalidade. Esse é o ciclo no qual a mente humana está presa. Sendo uma escrava do conhecido, a mente está sempre tentando expandir o seu conhecimento, a sua ação dentro desse campo, seus pensamentos buscando seus próprios fins. Em todas as escolas, a disciplina é considerada como uma estrutura para a mente e sua ação e, nos últimos anos, tem havido revolta contra qualquer forma de controle, restrição ou contenção. Isso tem conduzido a toda forma de permissividade, falta de modéstia e à busca de prazer a todo custo. Ninguém tem qualquer respeito pelo outro. Parece que perderam todo tipo de dignidade pessoal e integridade profunda. Bilhões são gastos em drogas, em destruir os seus próprios corpos e mentes. Essa total permissividade tornou-se respeitável e aceita como norma de vida. Para cultivar uma boa mente, uma mente que é capaz de perceber o todo da vida como uma unidade não fragmentada — e, assim sendo, uma boa mente —, é necessário que nas nossas escolas um certo tipo de disciplina deva existir. Devemos juntos entender as odiadas e desprezadas palavras “disciplina” e “regras”. Para aprender, você precisa ter atenção; para aprender, deve-se escutar não só com o ouvido, mas com uma compreensão interior do que está sendo dito. Para aprender é necessário observar. Quando você ouve ou lê essas afirmações, tem de prestar uma atenção que não é imposta, que não está sob qualquer pressão nem expectativa de recompensa ou punição. Disciplina significa aprender, não se ajustar. Se você quer ser um bom carpinteiro deve aprender a usar as ferramentas apropriadas nos diferentes tipos de madeira, e aprender de um mestre em carpintaria. Se você quer ser um bom médico, deve estudar por muitos anos, aprender todos os fatos relativos ao corpo e seus muitos aspectos, as curas, etc. Cada profissão exige que você aprenda sobre ela o mais que você puder. Esse aprender é acumular conhecimento sobre ela e agir o mais habilmente que você puder. Aprender é a natureza da disciplina. Aprender por que se deve ser pontual às refeições, o tempo apropriado para o descanso, etc., é aprender sobre ordem na vida. Em um mundo desordenado, onde existe tanta

confusão política, social e mesmo na religião, nossas escolas devem ser centros de ordem e de educação da inteligência. Uma escola é um lugar sagrado onde todos estão aprendendo sobre a complexidade da vida e sua simplicidade. Assim, aprender exige aplicação e ordem. Disciplina nunca é conformidade, assim não tenha medo da palavra nem se rebele contra ela. As palavras tornaram-se muito importantes na nossa vida. A palavra Deus tornou-se extraordinariamente importante para a maioria das pessoas; ou a palavra nação, ou o nome de um político, etc. A palavra é a imagem de um político; a imagem de Deus é construída por milhares de anos de pensamento e de medo. Vivemos com imagens criadas pela mente ou pela mão habilidosa. Aprender sobre essas imagens, que a pessoa aceitou ou criou para si própria, exige autoconsciência. Educação não é apenas aprender sobre assuntos acadêmicos, mas educar a si mesmo.

CARTA 2

Por que o homem aceita e tolera a desordem? 15 de dezembro de 1981

Uma escola é um lugar de aprender e, assim, é sagrado. Os templos, as igrejas e mesquitas não são sagrados porque eles pararam de aprender. Eles acreditam; eles têm fé e isso nega inteiramente a grande arte de aprender, ao passo que escolas como essas para as quais esta carta é enviada devem estar inteiramente devotada ao aprender, não somente sobre o mundo ao nosso redor, mas essencialmente sobre o que nós seres humanos somos, por que nos comportamos do jeito que o fazemos, e sobre a complexidade do pensamento. Aprender tem sido a velha tradição do homem, aprender não apenas dos livros, mas sobre a natureza e estrutura da psicologia de um ser humano. Como negligenciamos isso inteiramente, há desordem no mundo, terror, violência e todas as coisas cruéis que estão acontecendo. Nós colocamos em primeiro lugar os assuntos do mundo e não os assuntos interiores. O interior, se não é entendido, educado e transformado, sempre irá se sobrepor ao externo, por mais bem organizado que se possa estar política, econômica e socialmente. Essa é uma verdade que muitos parecem esquecer. Estamos tentando politicamente, legalmente e socialmente trazer ordem ao mundo exterior, no qual estamos vivendo, e interiormente estamos confusos, incertos, ansiosos e em conflito. Sem ordem interior a vida humana estará sempre em perigo. O que queremos dizer com ordem? O universo, no sentido supremo, não conhece a desordem. A natureza, por mais que seja aterrorizante para o homem, está sempre em ordem. Ela se torna desordenada somente quando os seres humanos interferem nela, e é apenas o homem que parece estar em constante luta e conflito. O universo tem seu próprio movimento em relação ao tempo. Somente quando o homem tiver ordenado a sua vida ele perceberá a ordem eterna. Por que o homem aceitou e tolerou a desordem? Por que será que seja lá o que ele toque decai, torna-se corrupto e confuso? Por que o homem se afastou da ordem da natureza — os ventos, os animais e os rios? Devemos aprender o que é desordem e o que é ordem. Desordem é essencialmente conflito, contradição

interna e divisão entre vir a ser e ser. Ordem é um estado no qual a desordem nunca existiu. Desordem é escravidão ao tempo. Tempo para nós é muito importante. Vivemos no passado, nas memórias passadas, nas feridas e prazeres passados. Nosso pensamento é o passado. Está sempre modificando a si mesmo como uma reação ao presente, projetando a si mesmo no futuro, mas o passado profundamente enraizado está sempre conosco, e isso é a qualidade de amarração do tempo. Nós precisamos observar esse fato em nós mesmos e estarmos atentos ao seu processo limitante. Isso que é limitado deve estar sempre em conflito. O passado é o conhecimento derivado da experiência, ação e respostas psicológicas. Esse conhecimento, do qual a pessoa pode estar consciente ou não, é a própria natureza da existência do homem. Assim o passado se torna sumamente importante, seja ele tradição, experiência ou lembrança com suas inumeráveis imagens. Mas todo conhecimento, seja no futuro ou no passado, é limitado. Não pode haver conhecimento completo. Conhecimento e ignorância vão juntos. Ao aprender sobre isso, o próprio aprender é ordem. Ordem não é algo planejado, a que se possa aderir. Em uma escola a rotina é necessária, mas isso não é ordem. Uma máquina que está bem construída funciona com eficiência. A organização eficiente de uma escola é absolutamente necessária, mas essa eficiência não é um fim em si mesmo, a ser confundida com a libertação do conflito — que é ordem. Como irá o educador, se ele compreendeu profundamente tudo isso, transmitir ao estudante a natureza da ordem? Se a sua própria vida interior está em desordem, e ele fala sobre ordem, não só será um hipócrita, o que é em si mesmo um conflito, mas o estudante vai perceber que isso é dupla mensagem, e então não irá prestar atenção ao que está sendo dito. Quando o educador é imutável em seu entendimento, essa mesma qualidade vai ser percebida pelo estudante. Quando se é completamente honesto, essa mesma honestidade é transmitida ao outro.

CARTA 3

A arte de pensar juntos 15 de janeiro de 1982

Considero que é importante aprender a arte de pensar juntos. Os cientistas e os seres humanos mais incultos pensam. Eles pensam de acordo com a sua profissão, especialização, e de acordo com sua crença e experiência. Todos nós pensamos objetivamente ou de acordo com a nossa inclinação particular, mas parece que nunca pensamos juntos, observamos juntos. Podemos pensar sobre alguma coisa, um problema particular ou uma experiência semelhante, mas esse pensar não vai além de sua própria limitação. Pensar juntos —, não sobre um assunto particular; mas a capacidade de pensar juntos é inteiramente diferente. Pensar juntos é necessário quando você está enfrentando a grande crise que está acontecendo no mundo, o perigo, o terror; a derradeira brutalidade da guerra. Observar isso, não como um capitalista, um socialista, da extrema direita ou da extrema esquerda, mas observar isso juntos exige que compreendamos não só como chegamos a esse estado deteriorado, mas também que juntos percebamos uma saída. O homem de negócios ou o político olha para esse problema a partir de um ponto de vista limitado, ao passo que estamos dizendo que precisamos olhar a vida como um todo, não como um inglês, francês ou chinês. O que significa olhar para a vida como um todo? Significa observar o ser humano, nós mesmos, sem qualquer divisão de nacionalidade, ver a vida como um único movimento sem princípio e sem fim, sem tempo, sem morte. Isso é uma coisa difícil de entender porque pensamos a partir não da totalidade, mas da parte. Nós fragmentamos o todo, esperando entendê-lo a partir de uma de suas partes. A arte de pensar juntos precisa ser estudada cuidadosamente, examinada para ver se é realmente possível. Cada um se agarra ao seu próprio modo de pensar, de acordo com suas próprias reações particulares, sua experiência, seu preconceito. Essa é a maneira pela qual estamos condicionados, o que impede a capacidade de pensar juntos. Pensar juntos não significa unanimidade. Nossas mentes podem se unir em torno de um ideal, uma conclusão histórica ou algum conceito filosófico, e trabalhar por ele, mas isso é essencialmente baseado na autoridade.

A liberdade é a essência do pensar juntos. Você deve estar livre de seu conceito, preconceito, etc. Eu também devo estar livre e nós nos juntamos nessa liberdade. Isso significa largar todo o nosso condicionamento. Implica atenção completa sem qualquer passado. A presente crise mundial exige que abandonemos totalmente nossos instintos tribais que se tornaram nossos nacionalismos glorificados. Pensar juntos implica que abandonemos totalmente o interesse pessoal que se identifica como um inglês, um árabe, um russo, etc. Então, o que faz um ser humano ao se defrontar com esse perigo da separação, do interesse em si mesmo? Existe o movimento expansionista de um poder ou outro, economicamente, politicamente, ou de um ou dois líderes neuróticos e intolerantes. O que faz um ser humano ao se deparar com isso? Ou você se afasta disso e se recolhe na indiferença ou você se filia a alguma atividade política ou se refugia em algum grupo religioso. Você não pode escapar disso. Está aí. O que faço? Recuso o atual padrão de estruturas sociais, os procedimentos irreligiosos absurdos. Rejeito tudo isso. Assim, estou totalmente isolado. Esse isolamento não é um escape, nem algum tipo de torre de marfim, alguma ilusão romântica. Porque vejo a futilidade, a divisão, a busca de interesses próprios do nacionalismo, do expansionismo, da vida irreligiosa, rejeito a destrutividade total dessa sociedade. Assim, fico sozinho. Como não estou contribuindo psicologicamente para a consciência destrutiva do homem, estou na corrente daquilo que é bondade, compaixão, inteligência. Essa inteligência está agindo, confrontando a loucura do mundo atual. Essa inteligência irá agir onde quer que exista a ruindade.

CARTA 4

Na atenção não há ponto de foco 15 de fevereiro de 1982

Devemos considerar juntos o que queremos dizer por atenção. A maioria de nós aprende o que é concentração; desde a infância somos compelidos a nos concentrar em algo que geralmente não gostamos. Isso cria uma espécie de rebelião por termos sido forçados a fazer algo de que não gostamos. A educação se tornou um afunilamento de muitos assuntos no nosso cérebro, condicionandonos a nos ajustarmos. Milhões e milhões de pessoas por o todo mundo são educadas e não encontram emprego. Todo padrão da sociedade na qual vivemos se tornou tão anormal, tão perigoso, que devemos encontrar uma nova forma de viver juntos. Isso requer sensibilidade e observação e pensar muito objetivo. A pessoa se pergunta se essa concentração, que é um reduzir da percepção, irá ajudar a produzir uma qualidade de mente diferente. Para que vocês estão sendo educados? O que vocês se tornarão como seres humanos? A mediocridade prevalece desde a mais alta estrutura política à mais alta instituição religiosa. Vocês estão sendo educados para se encaixar dentro desse padrão? Vocês irão se tornar seres humanos medíocres sem qualquer paixão, em conflito com vocês mesmos e com o mundo? Isso é realmente uma questão séria que vocês têm de se perguntar. Pode esse ser humano concentrado, agressivo, competitivo, produzir uma ordem diferente na nossa existência? Como dissemos, devemos considerar o que significa estar atento. Esta pode ser a chave para uma existência harmoniosa. Como as coisas estão, o intelecto, toda a atividade do cérebro, que é o pensar, domina a nossa existência. Isso naturalmente causa contradição em nós mesmos, um comportamento estranho. Quando apenas uma parte de todo nosso ser predomina, isso inevitavelmente produz um comportamento neurótico. Atenção é a percepção desse domínio do intelecto, sem o impulso instintivo de controlá-lo, e sem permitir que a emoção tome o lugar do intelecto. Essa percepção produz sutileza, claridade da mente. Existe uma diferença entre concentração e atenção. Concentração é focar toda a sua energia em um determinado ponto. Na atenção não existe ponto focal. Nós estamos muito familiarizados com a concentração e não com a atenção. Quando

você presta atenção ao seu corpo, o corpo — que tem sua própria disciplina — se torna quieto; ele fica relaxado, mas não desleixado, e ele tem a energia da harmonia. Quando existe atenção, não existe contradição e, portanto, nenhum conflito. À medida que você lê isso, preste atenção no jeito que você está sentado, na forma que está escutando, como está recebendo o que a carta está dizendo a você, como está reagindo ao que está sendo dito, e por que está achando difícil prestar atenção. Você não está aprendendo como prestar atenção. Se você está aprendendo como prestar atenção, então isso se torna um sistema, que é ao que o cérebro está acostumado e, assim, você faz da atenção algo mecânico e repetitivo, ao passo que a atenção não é mecânica ou repetitiva. Ela é o modo de olhar para toda a sua vida sem o centro do interesse em si mesmo.

CARTA 5

A questão real é a qualidade da nossa mente 1º de outubro de 1982

O futuro de todo ser humano, tanto dos jovens quanto dos mais velhos, parece ser desolador e assustador. A sociedade mesma tornou-se perigosa e totalmente imoral. Quando um jovem se defronta com o mundo, fica preocupado e bem temeroso com o que irá lhe acontecer no decorrer de sua vida. Seus pais o enviam à escola e, se eles têm dinheiro, à universidade — e se preocupam se ele se estabelecerá em um emprego, se casará, terá filhos, etc. Parece que os pais, pelo mundo todo, têm muito pouco tempo para seus próprios filhos. Poucos anos após o nascimento, eles perdem seus filhos, têm muito pouco relacionamento com suas crianças. Os pais se preocupam com seus próprios problemas, ambições, etc., e os filhos ficam à mercê de seus educadores, que, por sua vez, precisam ser educados. Os educadores podem ser excelentes academicamente, estando também interessados que seus alunos atinjam as mais altas qualificações (mais uma vez academicamente), que a escola tenha a melhor reputação, entretanto os educadores têm seus próprios problemas. Seus salários, exceto em uns poucos países, são baixos e, socialmente, eles não são altamente considerados. Assim, aqueles que estão sendo educados passam por momentos difíceis com seus pais, educadores e seus colegas de classe. A maré da luta, da ansiedade, do medo e da competição já se instalou. Esse é o mundo que eles têm de enfrentar: um mundo com superpopulação, um mundo subnutrido, com guerra, terrorismo crescente, governos ineficientes, corrupção e a ameaça de pobreza. Essa ameaça é menos evidente em sociedades bem organizadas e ricas, mas é sentida naquelas partes do mundo onde existe tremenda pobreza, superpopulação e indiferença dos governantes ineficientes. Esse é o mundo que os jovens têm de enfrentar e, naturalmente, eles estão realmente com medo. Eles têm idéia de que deveriam ser livres; não dependentes das rotinas, não deveriam ser dominados pelos mais velhos, e se afastam de toda autoridade. Liberdade para eles significa escolher o que querem fazer, mas estão confusos, incertos e querem que lhes mostre o que deveriam fazer.

No mundo oriental as famílias, os pais, participam bastante da vida deles. A unidade familiar ainda existe lá. Embora os jovens possam estar ganhando a vida em diferentes partes do mundo, a família é o centro de suas vidas. Isso está rapidamente desaparecendo no mundo ocidental. Assim, o estudante está preso entre seu próprio desejo de ser livre para fazer o que quiser e a exigência de ajustamento às necessidades da sociedade para que ele se torne um engenheiro, um cientista, um soldado, ou algum outro tipo de especialista. Esse é o mundo que eles têm de enfrentar e, através da educação, se tornar parte dele. É um mundo amedrontador. Todos nós queremos segurança física e emocional e isso está se tornando cada vez mais difícil e doloroso. Assim, nós, da geração mais velha, se nos importamos com nossas crianças, devemos perguntar, então, o que é educação. Se a presente educação, como se coloca universalmente agora, é prepará-los para viver em constante esforço, conflito e medo, devemos nos perguntar: qual é mesmo o significado disso tudo? Será que a vida é um movimento, um fluxo de dor e ansiedade, com lampejos ocasionais de alegria e felicidade, e o verter de lágrimas não derramadas? Desafortunadamente nós, da geração mais velha, não nos fazemos essas perguntas, assim como os educadores não o fazem também. Assim, educação, como é agora, é um processo de enfrentar uma existência enfadonha, estreita e sem sentido, mas nós queremos dar um sentido à vida. A vida, aparentemente, não tem sentido em si mesma, mas queremos dar um sentido a ela e, assim, inventamos deuses, várias formas de religião e outros entretenimentos, incluindo nacionalismo e meios de nos matarmos uns aos outros, para escaparmos de nossa vida monótona. Essa é a vida da geração mais velha e será a vida dos jovens. Agora, nós, pais e educadores, devemos encarar esse fato — e não escapar com teorias, e buscar outras estruturas e formas de educação. Se a mente não está clara acerca do que estamos enfrentando, iremos inevitavelmente — consciente ou inconscientemente — cair na inércia do que fazer sobre isso. Existem milhares de pessoas que nos dirão o que fazer: os especialistas e os insanos. Antes de compreendermos a vasta complexidade do problema, queremos operar sobre ele. Estamos mais interessados em agir do que ver a questão no seu todo. A questão real é a qualidade da nossa mente: não seu conhecimento, mas a profundidade da mente que enfrenta o conhecimento. A mente é infinita, pertence à natureza do universo, que tem sua própria ordem, tem sua própria imensa energia. Ela é eternamente livre. O cérebro, como é agora, é escravo do conhecimento e, assim, e limitado, finito e fragmentário. Quando o cérebro se liberta do seu condicionamento, então o cérebro é infinito, só então não existe divisão entre a mente e o cérebro. Educação, então, é liberdade do condicionamento, liberdade do seu vasto conhecimento acumulado como

tradição. Isso não nega as matérias acadêmicas que têm seu lugar apropriado na vida.

CARTA 6

Não mudar o que é, mas compreender o que é 15 de outubro de 1982

Como dissemos, a educação deve ser não só eficiente nas disciplinas acadêmicas, mas deve também investigar o condicionamento da conduta humana. Essa conduta é o resultado de muitos, muitos séculos de medo, ansiedade, conflito, e a busca por segurança tanto interna como externamente, tanto biológica quanto psicologicamente. O cérebro é condicionado por esses processos. O cérebro é resultado da evolução, que é tempo. Somos o resultado desse passado acumulado, tanto religiosamente quanto na nossa vida diária. Ele está baseado em recompensa e punição da mesma forma que um animal, um cachorro, é treinado. Nosso cérebro é um instrumento extraordinário, de grande energia e inúmeras capacidades. Veja o que ele tem feito no mundo externo, no mundo que nos cerca. O cérebro o dividiu em várias raças, religiões e nacionalidades. Ele fez isso para ter segurança. Ele busca essa segurança no isolamento religiosamente, politicamente, economicamente, na unidade da família, em pequenas unidades e associações. Ele busca essa reação de proteção em organizações, em instituições e na ordem estabelecida. O nacionalismo tem sido uma das maiores causas da guerra. Nossos políticos estão interessados na manutenção do nacionalismo com a sua economia, e dessa forma se isolam. Onde existe isolamento deve haver oposição, agressão, e a boa relação entre as nações parece ser a de comércio, troca de armamentos, a de equilíbrio do poder e a manutenção do poder nas mãos de uma minoria. Esse é nosso governo, seja ele totalitário ou democrático. Temos nos empenhado em produzir ordem na nossa sociedade através da ação política, e assim nos tornamos dependentes dos políticos. Por que os políticos se tornaram assim tão extraordinariamente importantes, como os gurus, como os líderes religiosos? Será que é por termos sempre dependido de agentes externos para colocar nossa casa em ordem, sempre dependendo de forças externas para controlar e moldar nossas vidas? A autoridade externa de um governo, dos pais, de qualquer tipo de líder especializado parece nos dar alguma esperança no futuro. Isso é parte da nossa tradição de dependência e aceitação. Isso tem sido

a longa tradição acumulada que tem condicionado o nosso cérebro. A educação aceitou esse caminho e, assim, o cérebro se tornou mecânico e repetitivo. Não será, então, função do educador compreender a tremenda energia acumulada do passado — embora sem negar sua necessidade em certas áreas de nossa vida? Como educadores estamos interessados em criar o florescimento de seres humanos bons, não estamos? Isso não é possível quando o passado continua, mesmo que modificado. Quais são, então, os fatores do nosso condicionamento? O que é isso que tem sido condicionado, e quem é esse que condiciona? Quando colocamos essa pergunta, estamos atentos para o nosso próprio condicionamento e dessa atenção fazemos a pergunta — o que tem grande vitalidade —, ou estamos fazendo uma pergunta teórica e problemática? Não estamos interessados em questões hipotéticas de modo algum. Estamos lidando com realidades — o ser real, o que é. Estamos perguntando qual é a causa desse estado dos seres humanos. Pode existir uma causa, ou muitas causas. Muitos córregos pequenos deságuam em um grande rio. A profundidade, o volume e a beleza são muito importantes e não seguir cada córrego até sua origem. Assim, estamos interessados, em nossa investigação, na totalidade da nossa existência, não em um aspecto particular dela. Quando compreendemos a vastidão da vida, com suas complexidades, só então podemos perguntar qual é a causa do nosso condicionamento. Sentimos que, primeiro, é importante compreender, não verbal ou intelectualmente, mas perceber que a vida é a mulher, o homem, a criança, os animais, o rio, o céu e a floresta — tudo isso. Sentir isso, não a idéia, mas ver a imensidão e a beleza disso. Se não captamos o seu significado — que todo movimento da vida é um —, quando perguntamos qual é a causa do condicionamento, nós produzimos a fragmentação da vida. Assim, primeiro nos damos conta que esse movimento dos céus, a terra, a existência humana, é indivisível. Só então chegamos ao particular. Quando os céus, a terra e o ser humano são um vasto processo unitário, então investigar a causa do nosso condicionamento não será fragmentária, divisiva. Então podemos perguntar qual é a causa; então a pergunta tem profundidade e beleza. Para encontrar a causa devemos andar juntos e investigar a natureza e a estrutura do ser humano. Independente do biológico, do orgânico que, entregue a si mesmo, tem sua própria inteligência natural, suas reações autoprotetoras, existe o campo psicológico inteiro — as respostas interiores, as feridas interiores, os medos, as contradições, o impulso do desejo, os prazeres efêmeros e o peso do sofrimento. A psique quando está desordenada, confusa e bagunçada, naturalmente afeta a existência biológica. Então a doença é psicossomática. Estamos interessados na investigação da nossa natureza interior, que é muito complexa, não estamos? Essa investigação é, realmente, auto-educação — não mudar o que é, mas compreender o que é. Novamente, isso é importante de se

compreender, é importante viver com essa questão. O que é —, é muito mais importante do que o que deveria ser. O entendimento do que realmente somos é muito mais essencial que transcender o que somos. Somos o conteúdo da nossa consciência. A nossa consciência é uma complexidade, mas a sua própria substancia é movimento. Isso deve ser claramente entendido — que não estamos lidando com teorias, hipóteses, ideais, mas com nossa própria existência quotidiana real.

CARTA 7

Todas as coisas vivas estão envolvidas no som do silêncio 1º de novembro de 1982

Como já assinalamos, estamos profundamente envolvidos na nossa vida diária como educadores e como seres humanos. Somos primeiro seres humanos e depois educadores: não o inverso. Como um ser humano, com uma profissão especial — de educar —, a vida do professor não é somente na sala de aula, mas está envolvida com a totalidade do mundo externo, assim como com as suas próprias lutas internas, as ambições e os relacionamentos. Ele é tão condicionado quanto o estudante. Embora o condicionamento deles possa variar, ainda é um condicionamento. Se você o aceita como inevitável e se deixa levar por ele, então, além disso, você está condicionando os outros. Existem muitas pessoas que aceitam o condicionamento, tentando modificar suas limitações, mas como educadores vocês estão interessados — não estão? — em criar uma existência social diferente; uma geração futura que percebe a futilidade das guerras e do assassinato organizado; uma geração que está interessada no relacionamento global, sem o isolamento nacionalista; uma geração que está envolvida com a verdade. Certamente essa é a função de um verdadeiro educador. A consciência humana está condicionada. Qualquer homem atento iria aceitar esse fato, mas muitos de nós não estamos conscientes disso e talvez nem o educador. Uma das funções de um professor é dar-se conta de seu condicionamento e investigar se é possível estar livre de suas limitações. Assim temos de entrar nessa questão do que é dar-se conta, concentrar, dar atenção total. É muito importante entender o significado dessas coisas. Perceber, dar-se conta, implica sensibilidade: ser sensível à natureza, às colinas, aos rios e às árvores que estão à sua volta; perceber aquele pobre homem que desce a estrada; ser sensível aos seus sentimentos, às suas reações, à sua espantosa e degradante pobreza; ser sensível ao homem que está sentado perto de você ou ser sensível ao nervosismo de seu amigo ou irmã. Essa sensibilidade em si mesma não tem escolha; não é crítica. Não há avaliação julgadora. Você é sensível à nuvem sobre a qual você não pode fazer nada. Essa sensibilidade

é resultado de tempo e prática? Se você admite pensamento e prática, então esse mesmo pensamento e prática matam a sensibilidade. Aprenda a observar sensivelmente; aprenda o que significa sensibilidade; capte isso em vez de cultivá-lo. Não pergunte como pegar; pegue isso. Na própria percepção você é sensível. Não há resistência na sensibilidade. A sensibilidade é ao imediato e ao que não tem limite. Concentração é o processo de resistência. Todo educador sabe o que significa concentrar. O educador está preocupado em encher o cérebro com conhecimento de várias matérias para que o estudante passe nos exames e arranje um emprego. O estudante também tem isso em mente. O educador e o estudante encorajam um ao outro na forma de resistência, que é concentração. Assim a pessoa está construindo a capacidade de resistir, de excluir, e gradualmente se torna isolado. Concentração é o focar da própria energia no quadro-negro ou em um livro e evitar distração. A própria palavra distração implica concentração. Na verdade, não existe distração. Há apenas resistência que é chamada de concentração e qualquer movimento que nos distancia disso é considerado distração. Assim, nisso há conflito, luta e resistência. Essa resistência vai inevitavelmente produzir a limitação do cérebro, o que é o nosso condicionamento. Perceber todo esse movimento com sensibilidade é mover-se para uma área diferente — que é ser atento. O que é isso, ser atento? Se realmente compreendemos o significado da sensibilidade, do dar-se conta, da limitação da concentração — não intelectualmente ou verbalmente —, mas a realidade desses estados, então podemos perguntar o que é ser atento. Atenção envolve ver e ouvir. Ouvimos não só com nossos ouvidos, mas também somos sensíveis às tonalidades do som, à voz, às implicações das palavras — ouvir sem interferência, captar instantaneamente a profundidade de um som. O som tem um papel extraordinário nas nossas vidas: o som de um trovão, uma flauta tocada à distância, o som inaudível do universo; o som do silêncio, o som da própria batida do coração; o som de um pássaro e o som de um homem andando no asfalto; a cachoeira. O universo é repleto de som. O som tem o seu silêncio próprio; todas as coisas vivas estão envolvidas nesse som do silêncio. Estar atento é ouvir esse silêncio e mover-se com ele. Ver é um negócio muito complexo. Vemos casualmente com nossos olhos e rapidamente passamos adiante, nunca enxergando os detalhes de uma folha, sua forma e estrutura, suas cores, a variedade de verdes. Observar uma nuvem com toda a luz do mundo nela, acompanhar um riacho murmurando colina abaixo; olhar para o seu amigo com a sensibilidade na qual não há resistência e ver a si mesmo como você é, sem as sombras da negação ou da aceitação fácil; ver a si mesmo como parte do todo, ver a imensidão do universo — isso é observação: ver sem a sombra de si mesmo.

Atenção é esse ouvir e esse escutar, e essa atenção não tem limitação, não tem resistência, assim ela é sem limite. Estar atento implica essa vasta energia: ela não está fixada em um ponto. Nessa atenção não há movimento repetitivo; não é mecânico. Não há questão de como manter essa atenção, e quando a pessoa aprende essa arte de ver e ouvir, essa atenção pode focar a si mesma em uma página, em uma palavra. Nesse sentido não há resistência, que é a atividade da concentração. A desatenção não pode ser aperfeiçoada em atenção. Dar-se conta da desatenção é o fim dela: não que ela se torne atenta. O fim não tem continuidade. O passado modificando a si próprio é o futuro — a continuidade do que tem sido — e encontramos segurança na continuidade, não nos términos. Assim, a atenção não tem a qualidade de continuidade. Qualquer coisa que continua é mecânica. O vir a ser é mecânico e implica tempo. A atenção não tem qualidade de tempo. Tudo isso é uma questão tremendamente complicada. Devemos entrar nisso gentil e profundamente.

CARTA 8

Libertar a consciência da limitação 15 de novembro de 1982

Parece que pensamos que a educação termina quando deixamos a escola ou o colégio. Parece que não lidamos com o todo da existência humana como um processo de auto-educação que é constante e que talvez nunca tenha fim. Assim a maioria de nós limita a educação a um período muito pequeno e pelo resto de nossas vidas continuamos assim embotados, aprendendo apenas umas poucas coisas que são absolutamente necessárias, caindo em uma rotina — e, é claro, existe sempre a morte esperando. Essa realmente é a nossa vida — casamento, filhos, trabalho, prazeres passageiros, dor e morte. Se isso é toda a nossa vida — o que pelo visto é —, então qual é realmente o sentido da educação? Nunca fazemos essas perguntas fundamentais; provavelmente elas são muito perturbadoras. Mas já que somos professores em colégios e escolas, devemos perguntar qual é o propósito da educação e da aprendizagem. Sabemos que ela nos dá algum tipo de trabalho, mas fora a ocupação física com suas responsabilidades, o que queremos dizer com ensinar e o que é ser um professor? Como é geralmente entendido, um professor, tendo já estudado certas matérias, informa os estudantes sobre elas. É isso ser um professor — apenas passar conhecimento? Assim estamos investigando a natureza do professor e de quem é ensinado. Quem é um professor? Quais as implicações de ensinar, sem contar o currículo? Muito poucos são professores dedicados. Eles são dedicados em ajudar os estudantes em seus estudos, mas certamente um professor tem um significado bem maior. O conhecimento deve inevitavelmente ser superficial. Ele é o cultivo da memória e o emprego dessa memória eficientemente, e assim por diante. Sendo o conhecimento sempre limitado, será que é função do professor ajudar o estudante a viver toda sua vida apenas dentro da limitação do conhecimento? Primeiramente devemos nos dar conta que o conhecimento é sempre limitado, como o são todas as experiências. Esse uso do conhecimento com todas as suas limitações pode ser muito destrutivo. É destrutivo nos relacionamentos

humanos. No relacionamento o conhecimento — que é a acumulação de vários incidentes, experiências, reações — cultiva a imagem da outra pessoa e obscurece a realidade dessa pessoa e o relacionamento. Quando existe uma continuidade, uma tradição, formada pelo conhecimento e passada de geração a geração, então o passado, que é a acumulação do conhecimento, obscurece o real presente vivo. Quando o conhecimento se torna uma rotina, mecânico, ele torna o cérebro limitado, rígido e insensível. Quando o conhecimento é usado para apoiar o nacionalismo através de guerras, então ele se torna bestial, espantosamente cruel e totalmente imoral. Conhecimento não é beleza, mas o conhecimento é necessário para perfurar um poço. Todo o mundo tecnológico está baseado no conhecimento e esse mundo está tomando conta de nossas vidas. Se deixarmos o conhecimento ser a única autoridade, e esperarmos uma ascensão através do conhecimento, então estamos vivendo em uma ilusão fatal. Estamos dizendo que o conhecimento tem seu lugar na vida quotidiana, mas quando o conhecimento é a única substância da nossa vida, então nossa vida deve estar confinada à atividade mecânica. Será que a única função do professor é comunicar conhecimento — como é agora —, passar informação, idéias, teorias e expandir essas teorias, discutindo os vários aspectos delas? Será essa a única função de um professor? Se isso é tudo pelo que um professor se interessa, então ele é somente um computador vivo. Mas certamente um professor tem uma responsabilidade muito maior que essa. Ele deve se interessar pelo comportamento, pelas complexidades da ação humana, por um modo de vida que seja o florescimento da bondade. Certamente ele deve estar interessado no futuro de seus estudantes — e qual é o futuro para esses estudantes? Qual é o futuro do homem? Qual é o futuro da nossa consciência que é tão confusa, perturbada, desordenada, em conflito? Devemos viver perpetuamente em conflito, sofrimento e dor? Quando o professor não está em comunicação com o estudante sobre todas essas questões, então ele é apenas uma máquina muito viva, engenhosa, perpetuando outras máquinas. Assim estamos colocando uma pergunta muito fundamental: o que é um professor? A profissão dele é a maior no mundo, embora seja a menos respeitada, pois se está interessado profundamente, seriamente, o professor está produzindo o descondicionamento do cérebro humano — não apenas o seu próprio cérebro, mas também o do aluno. Ele está condicionado e o aluno está condicionado. Isso é um fato, quer ele admita ou não, e no relacionamento com o aluno ele está ajudando, tanto o estudante quanto a si mesmo, a libertar a consciência da limitação. Um relacionamento é um processo de aprendizagem. Um relacionamento não é um negócio estático, mas um movimento vivo e assim ele nunca é o mesmo. O que ele foi ontem não é hoje. Quando no relacionamento o ontem domina, então o relacionamento é o que foi e não uma coisa viva. O amor não é o que foi.

Quando existe no relacionamento entre o professor e o estudante esse elemento de companheirismo, de mútuo descondicionamento e humildade, é natural a afeição e a sensibilidade. Um professor poderia dizer que tudo isso é impossível. Quando as autoridades escolares exigem que haja cinquenta estudantes em uma sala de aula onde acontece todo tipo de estupidez, então o que é que vai fazer o professor? Obviamente ele não pode fazer nada. Mas estamos falando sobre escolas onde isso não ocorre. Então o professor pode estabelecer esse relacionamento e, aí, está profundamente envolvido com o florescer dos seres humanos.

CARTA 9

A atmosfera da intenção 1º de dezembro de 1982

Parece que muito poucos professores percebem sua grande responsabilidade, não apenas em relação aos pais, mas também em seu relacionamento com os estudantes. O que é esse relacionamento? Como a pessoa vê esse relacionamento? É comunicação de informação? É a afirmação verbal de certos fatos, e o relacionamento é superficial, casual e passageiro? O professor é um exemplo? Eu sou, como professor, uma influência? Se for um exemplo que alguns de meus estudantes devem seguir, então me torno um tirano; então disciplina se torna ajustamento. Eles me imitam, meu jeito, meus gestos, etc. Mas não quero que me sigam, não quero influenciá-los. Quero que entendam como todos nós somos influenciados, moldados para nos ajustarmos a um padrão. Minha percepção, minha intenção é ajudar meus alunos a serem livres de todo tipo de influência, boa ou ruim, de modo que vejam por si mesmos o que é a ação correta. E não que lhes seja dito o que é ação correta, mas que tenham a capacidade e o impulso para ver o falso e o verdadeiro. Ou seja, meu interesse é, primordialmente, cultivar a sua inteligência para que possam ir ao encontro da vida e de toda sua complexidade, inteligentemente. Vejo isso não como uma meta, mas como uma realidade imediata. Sei que eles são influenciados por seus pais, pelos seus colegas e pelo mundo ao redor. Jovens são facilmente influenciados. Podem rebelar-se contra isso, mas consciente ou inconscientemente existe pressão e o peso dessa pressão. Assim, me pergunto, como professor e como ser humano, de que maneira posso produzir a qualidade e a energia dessa inteligência. Começo a ver que devo ser tanto introvertido como extrovertido no mundo da ação e, interiormente, não devo ser egocêntrico, mas devo ter olhos e ouvidos para as sutilezas da vida. Ou seja, devo ser capaz de proteger e, ao mesmo tempo, cultivar a generosidade, devo ser tanto o que dá como o que recebe. Vejo isso tudo se sou um professor realmente dedicado, no verdadeiro sentido da palavra. Para mim, ser professor não é uma profissão; é alguma coisa que deve ser feita. Assim, me torno muito mais atento ao mundo, para o que está acontecendo nele e, interiormente, compreendo a necessidade de ir acima e além de um interesse egocêntrico. Vejo isso como um movimento integral, o

exterior e o interior, indivisível como as águas do mar que vêm e vão. Agora minha questão é: como posso ajudar o estudante a perceber isso? Sensibilidade implica ser vulnerável. A pessoa é sensível às próprias reações, às próprias feridas, à própria existência bloqueada; ou seja, ela é sensível a si mesma, e esse é um estado vulnerável em que existe, na realidade, egoísmo e, portanto, a capacidade de ser ferida, de se tornar neurótica. É uma forma de resistência que é, essencialmente, concentrada no ego. A força da vulnerabilidade não é egocêntrica. É como um broto tenro da primavera que pode suportar ventos fortes e florescer. Essa vulnerabilidade é incapaz de ser ferida, quaisquer que sejam as circunstâncias. A vulnerabilidade não tem um centro como o ego. Ela tem beleza, vitalidade e um poder extraordinário. Como ser humano, em mim mesmo e como professor, vejo tudo isso tão claro quanto possível, mas como professor não sou tudo isso. Estou estudando, aprendendo. Como professor estou me relacionando com meus alunos e, nessa relação, estou aprendendo. De que maneira vou transmitir tudo isso para meus alunos, que são condicionados, descuidados, brincalhões, travessos como todas as crianças? Ensino as matérias e estou imaginando se posso transmitir tudo isso através da matemática, da biologia, da física. Ou são duas coisas distintas e as matérias são apenas coisas para serem memorizadas? Vejo que a outra coisa não é cultivo de memória; assim, tenho um problema: de um lado, o cultivo da memória em história, etc., para passar nos exames e, finalmente, ter uma profissão e, de outro lado, tenho um vislumbre de que a inteligência não é mecânica, não e o cultivo da memória. Esse é o meu problema. Estou me perguntando se essas duas coisas são separadas. Ou se a inteligência, se despertada desde o começo da vida da pessoa, pode incluir a memória e não ser escrava dela? O maior inclui o menor. O universo contém o particular. Mas o particular não pode permanecer na sua esfera estreita. Estou começando a compreender esse fator importante, pois sou um professor dedicado, que está utilizando o ensinar como ponto de partida para algo mais. Assim, fico imaginando o que fazer com essas crianças que estão diante de mim. Elas não estão interessadas em nada disso. Elas estão prontas para mexer umas com as outras, para competir umas com as outras, são invejosas, etc. Agora, você que está de fora, entende meu problema? Você tem de entender, porque também é um professor, à sua maneira — em casa, no campo de esportes ou nos negócios. Somos todos professores, de um modo ou de outro, por isso não me deixe com meu problema. É seu problema também, assim, vamos conversar a respeito. Nós dois vemos, espero, que estamos nessa situação difícil: que o principal, e o mais importante, é provocar essa inteligência em todas as crianças e alunos pelos quais somos responsáveis. Não me deixe sozinho para resolver esse problema; vamos, então, conversar sobre isso. Em primeiro lugar, quero que

você e eu compreendamos o problema. Deixe de lado as crianças e os alunos por um momento. Enxergamos que o estudante deve, futuramente, ter uma profissão e, por isso, deve entender o mundo, as necessidades do mundo, sua desordem implícita e sua crescente destruição e declínio? Ele tem de encarar esse mundo não como um especialista, o que o faria incapaz de enfrentá-lo. Tudo isso implica aquisição de conhecimento e a disciplina cuidadosa do conhecimento. Visto que o mundo é como é, o aluno tem de agir em uma certa direção e, a maior parte do tempo, ele está ocupado com isso, talvez oito ou dez horas por dia. Também tem de estudar e aprender sobre todo o campo psicológico que não tem sido investigado por ninguém. Aqueles que, de alguma forma, investigaram, relatam o que descobriram e isso se torna conhecimento que o estudante meramente segue. Esse não é o modo cuidadoso de investigar a si mesmo. Assim, você e eu temos essa questão. Você pode estar superficialmente interessado, mas, como professor, estou realmente interessado. Também sou condicionado; não sou assim tão vulnerável, de acordo com o que falamos aqui. Tenho meus problemas de família, etc., mas minha dedicação excede esses problemas todos. Que devo fazer — ou não fazer? Isso requer não agir, mas criar com outros professores uma atmosfera de intenção, não é? A intenção não é uma meta a ser atingida mais tarde. A intenção é uma atividade sempre presente na qual o tempo não está envolvido de forma nenhuma.

CARTA 10

É possível transmitir a qualidade da intenção? 15 de dezembro de 1982

A intenção é bem mais importante do que alcançar um resultado, um fim. A intenção não é apenas uma conclusão intelectual e ideológica, mas, muito mais que isso, é um presente ativo, vivo. É o pavio que está queimando em uma lamparina de óleo. Ele não pode ser extinto, nenhuma brisa pode apagá-lo. O pavio é firme e o óleo não é alimentado por nenhuma influência ou fonte externa. Não tem causa, e assim a chama, o pavio e o óleo sempre permanecem. Essa é minha intenção como um professor dedicado e deve ser a de vocês também, como pais, e de toda a humanidade, pois isso é do interesse de todos. O vital na chama da intenção é produzir um ser humano livre, bom, inteligente, extremamente capaz. Vocês não podem escapar dessa intenção. Vocês estão envolvidos nela tanto quanto eu estou. Vocês podem se esquivar, desconsiderar, negligenciar isso, mas vocês são tão responsáveis quanto eu. O futuro é nossa responsabilidade, assim esse é nosso problema imediato. O meu e o seu problema é cultivar uma inteligência compreensiva da qual todas as coisas fluem. Posso ver isso com os olhos da mente como o fator central, pois nenhuma pessoa inteligente, no sentido que estamos usando essa palavra, iria querer ferir alguém intencionalmente. Essa pessoa trataria toda a humanidade como trataria a si mesma, sem essa terrível divisão destrutiva. Também posso sentir de um jeito vago, não sentimentalmente, que essa inteligência é totalmente impessoal, não é sua nem minha. Posso sentir sua tremenda atração e sua verdade. Agora, de que forma eu posso cultivar isso em meus alunos e em mim mesmo? Estou usando a palavra errada — cultivar. Cultivar implica atividade do pensamento, implica atingir algo, um esforço, um trabalho. Assim estou começando a perceber que inteligência é totalmente diferente da atividade do pensamento. O pensamento não tem relação com ela. Ela não pode nascer do pensamento, pois o pensamento é sempre limitado. Tendo então colocado isso — o que não é percepção vaga, mas uma intenção ardente — me pergunto: é possível, para mim, transmitir ao estudante a qualidade dessa intenção? Posso fazer isso através da matemática ou da

biologia, ou qualquer outra matéria? Sabendo que os cérebros dos estudantes estão condicionados, ajustados, limitados, vamos dizer que sou um professor de matemática. Matemática é ordem, ordem infinita. Ordem é o universo, é inteligência. A ordem não é estática, é um movimento vivo. Nossa vida é movimento, mas produzimos desordem em nossa vida. Assim, vou falar com os estudantes não só sobre matemática, mas sobre ordem na vida deles e na minha. Negação da desordem é ordem. Um ser humano estando confuso, desordenado, incerto, ao tentar estabelecer ordem só cria mais desordem. Vejo isso muito, muito claramente, assim vou ajudá-los e ao ajudá-los estou ajudando a mim mesmo. Essa ordem não pode ser buscada como fazemos com a matemática — passo a passo. Assim, a primeira coisa é se dar conta que o pensamento nunca pode produzir a ordem — faça o que fizer — através de legislação, administração ou compulsão. Matemática não é desordem. Matemática em si mesma é basicamente ordem. A ordem é independente do pensamento. O pensamento não pode produzir ordem: quanto mais ele tenta fazer isso, maior a confusão. O pensamento é capaz de ver a ordem da matemática, mas essa ordem não é o produto do pensamento. Podemos ver a enorme beleza e majestade de uma montanha, mas o ser humano que vê isso pode não ter nenhuma dignidade, majestade, beleza. Agora, com tudo isso, eu mesmo devo estudar essa ordem e desordem antes que possa transmiti-la aos meus alunos. O estudo de um livro sobre qualquer matéria específica é muito diferente do estudo de mim mesmo, que sou desordenado, confuso. O livro se revela frase por frase, capítulo por capítulo, chegando a uma ou outra conclusão. O livro é visível e pode-se passar talvez anos no seu assunto. Mas não estou estudando um livro, estou estudando um livro que não está impresso, que não pode ser lido pelos olhos de outra pessoa. Assim, devo descobrir como estudá-lo. Você está fazendo isso junto comigo agora, assim, não caia fora. Estou estudando por interesse próprio e também para comunicá-lo ao estudante. Não é que eu estou estudando somente para mim mesmo. O livro e o assunto em si mesmo são palpáveis, tangíveis. As palavras transmitem um certo significado definido, mas estudar esse assunto tênue, vivo e mutante — que é a minha própria qualidade de cérebro, que viveu e ainda vive em desordem, confusão e medo — é muito mais difícil que ler um livro. Requer rapidez, sutileza, mover-se sem deixar uma marca. E tenho essa qualidade? Ao colocar essa questão para mim mesmo, estou somente estudando quem faz a pergunta, ou também a intenção por detrás da questão? Assim, estou estudando o fenômeno todo muito cuidadosamente, nunca chegando a uma conclusão definida. Essa vigilância constante, nunca permitindo que qualquer sombra passe despercebida, sem ser observada cuidadosamente, vai fazendo o cérebro — toda a atividade do pensamento — aquietar-se sem se tornar embotado. Faço um descanso e retomo novamente. O descanso é tão importante como renovar a observação. Estou captando o perfume dessa

inteligência, a extraordinária sutileza dela, e assim todo o organismo físico está se tornando mais vivo, alerta, e está começando a ter um ritmo diferente. Ele está criando a sua própria atmosfera. Agora posso ir para a aula debaixo de uma árvore ou para a sala de aula para ensinar matemática, sabendo que os estudantes têm de ser aprovados nessa matéria, e nos primeiros cinco ou dez minutos falar com eles explicando muito cuidadosamente o que venho estudando, como é possível para eles estudar isso também. Estou ensinando a eles a arte de estudar. Estou realmente muito interessado em comunicar a eles a minha intenção profunda e eles estão envolvidos em meu ardor. Explico a eles como abordar essa questão da inteligência passo a passo. Aponto a ordem e a beleza de uma árvore, que não é produzida pelo pensamento. Insisto para que eles vejam isso muito claramente — que a natureza e o céu e os animais selvagens da floresta não são produtos do pensamento, embora o pensamento possa usá-los para sua conveniência própria ou para a destruição. O pensamento em sua atividade produziu uma grande destruição e também uma grande beleza passageira. Durante cada oportunidade, sem aborrecer os estudantes e a mim mesmo, falo sobre essas questões com humor e seriedade. Essa é a minha vida, pois essa inteligência é suprema. A ordem não tem causa, portanto é sempre permanente; mas a desordem tem uma causa e isso que tem uma causa pode ter um fim.

CARTA 11

Na investigação, satisfação não é a meta 1º de janeiro de 1983

O descontentamento não leva necessariamente à inteligência. A maioria de nós tem algum tipo de insatisfação, não está satisfeito com a maior parte das coisas. Podemos ter dinheiro, posição e alguma forma de prestígio no mundo, mas existe sempre o germe do descontentamento. Quanto mais você tem, mais você quer. A satisfação nunca está satisfeita. O descontentamento é como uma chama: quanto mais você a alimenta, mais ela absorve. É curioso como facilmente a satisfação encontra seu preenchimento temporário e se apega a ele, embora ele logo se desvaneça e o querer mais volte de novo. Parece que essa é a constante oscilação de um objeto de satisfação a outro, tanto física quanto interiormente. O “mais” é a raiz do descontentamento. Essa chama tanto conduz à saciedade, indiferença e negligência, quanto a uma investigação mais ampla e profunda. Na investigação a satisfação não é o objetivo. A investigação é sua própria fonte que nunca se esvazia. É como uma nascente e ela nunca pode esquecer-se de si mesma através de nenhum tipo de satisfação. Essa chama nunca pode ser abafada por qualquer tipo de atividade para realização pessoal, seja interna ou externa. A maioria de nós tem essa pequena chama que é geralmente abafada por algum tipo de ganho, mas para que seja permitido a essa pequena chama arder furiosamente, a medida do mais deve terminar totalmente. Só então a chama consome todo senso de gratificação. Como educador venho me interessando por outro problema. Não posso ter uma escola só para mim. Na escola tenho muitos colegas. Alguns são extremamente brilhantes — não estou sendo condescendente. Outros variam em termos de embotamento, embora sejam o que se chama de cultos, com diplomas, etc. Talvez um ou dois de nós esteja tentando ajudar o estudante a entender a natureza da inteligência, mas sinto que a menos que todos nós estejamos juntos cooperativamente, ajudando o estudante nessa direção, aqueles professores que não estiverem interessados no cultivo da inteligência irão naturalmente agir como um impedimento. Esse é o problema de alguns de nós; isso acontece a

maior parte do tempo nos centros educacionais. Assim meu problema é — e mais uma vez deixem-me repetir que isso não está sendo falado de forma complacente, de jeito nenhum — como é que nós, uns poucos, vamos lidar com essa maioria? Qual é a nossa resposta a eles? Isso é um desafio que precisa ser encarado em todos os níveis da nossa vida. Em todas as formas de governo existe a divisão entre minoria e maioria. A minoria pode estar interessada na população inteira e a maioria interessada em seus próprios interesses restritos e particulares. Isso acontece por todo o mundo e está acontecendo no campo da educação. Assim, como vamos estabelecer uma relação com aqueles que não estão totalmente comprometidos com o florescimento da inteligência e da bondade? Ou tudo isso é um só problema de despertar a chama em toda a escola? É claro que a atitude autoritária destrói toda a inteligência. O senso de obediência somente cria medo, que em si mesmo inevitavelmente afasta o entendimento da verdadeira natureza da inteligência. Assim, qual o lugar da autoridade em uma escola? Temos de estudar a autoridade e não meramente afirmar que não deveria haver autoridade, mas apenas liberdade, etc. Temos de estudar isso como estudamos o átomo. A estrutura do átomo é ordenada. A obediência, o seguir, o aceitar a autoridade — seja ela cega ou consciente — deve inevitavelmente produzir desordem. Qual é a raiz da obediência que gera autoridade? Quando a pessoa está em desordem, em confusão, a sociedade se torna totalmente caótica; então essa própria desordem cria autoridade, como tem frequentemente acontecido na história. Será o medo a raiz da aceitação da autoridade, o estar em si mesmo incerto, sem clareza? Então cada ser humano ajuda a produzir a autoridade que nos vai dizer o que fazer, como tem acontecido em todas as religiões, todas as seitas e comunidades: o problema permanente do guru e do discípulo, um destruindo o outro. O seguidor então se torna o líder. Esse círculo está se repetindo eternamente. Estamos estudando juntos, no verdadeiro sentido da palavra, qual é a causa da autoridade. Se cada um de nós vê que é o medo, a estupidez ou qualquer outro fator mais profundo, então o estudo da causa — tanto de forma verbal quanto não verbal — tem significado. Ao estudar pode haver uma troca de pensamento e a observação silenciosa da causa da autoridade. Então esse mesmo estudo revela a luz da inteligência, pois a inteligência não tem autoridade. Ela não é sua inteligência ou minha inteligência. Uns poucos de nós podem ver profundamente isso e realmente sem qualquer engano, e é nossa responsabilidade que essa chama seja espalhada seja lá onde estivermos, na escola, em casa ou em um governo burocrático. Seja lá onde vocês estiverem — ela não pertence a um lugar determinado.

CARTA 12

O que é só pode morrer; não pode se tornar outra coisa 15 de janeiro de 1983

Nosso cérebro é muito velho. Evoluiu através de incontáveis experiências, acidentes, morte, e a continuidade do florescimento do cérebro tem acontecido por milênios. Ele tem uma variedade de capacidades, está sempre ativo, vivendo e se movimentando nas suas próprias memórias e ansiedades, cheio de medo, incerteza e sofrimento. Esse é o ciclo interminável em que ele tem vivido — os prazeres passageiros e a atividade incessante. Nesse longo processo ele tem condicionado a si mesmo, moldando o seu próprio modo de vida, ajustando-se ao seu próprio ambiente, como algumas poucas espécies têm feito. Combinando ódio e afeição, matando os outros e, ao mesmo tempo, tentando descobrir uma vida cheia de paz. O cérebro é moldado pela atividade infinita do passado, sempre modificando a si mesmo, mas a estrutura básica de dor e recompensa permanece quase a mesma. Esse condicionamento tenta moldar o mundo externo, mas interiormente segue o mesmo padrão, sempre separando o eu e o você, nós e eles, ser fendo e tentar ferir: um padrão no qual a afeição passageira e seus prazeres é o nosso jeito de viver. Observar isso tudo sem julgamento de valor se torna necessário se é para acontecer alguma mudança viva e profunda; se é para perceber, sem escolha, a complexidade de nossa vida: ver exatamente o que é. “O que é” é muito mais importante que o que deveria ser. Existe sempre o que é e nunca o que deveria ser. O que é pode apenas findar. Não pode se tornar alguma outra coisa. O findar tem mais significado que o que está além do findar. A busca pelo que está além é cultivar o medo; a busca pelo que está além é evitar, é fugir do que é. Estamos sempre atrás do que não é, alguma outra coisa que não o que está presente. Se pudéssemos ver isso e permanecer com o que é, não importando quão agradável ou quão desagradável ou amedrontador isso possa ser, então a observação, que é pura atenção, dissipa isso que é. Uma de nossas dificuldades é que queremos prosseguir e dizemos para nós mesmos: “Entendo o que você está falando — e daí?” O “e daí” é escapulir do que é. E “o que é” é o movimento do pensamento. Se for doloroso, o pensamento tenta evitá-lo, mas se é

agradável, o pensamento retém e tenta prolongá-lo, assim esse é um dos aspectos do conflito. Não existe o oposto, mas apenas o que realmente é. Como não existe oposto, no sentido psicológico, a observação do que é não acarreta conflito. Mas nosso cérebro está condicionado pela ilusão dos opostos. Claro que existem opostos: luz e sombra, homem e mulher, preto e branco, alto e baixo e assim por diante. Mas aqui estamos tentando estudar o campo psicológico do conflito. O ideal cria conflito. Nós estamos condicionados por séculos de idealismo, o estado ideal, o homem ideal, o protótipo, o Deus. É essa divisão entre o protótipo e o real que cria conflito. Ver a verdade disso não é um julgamento de valor. Tenho cuidadosamente estudado o que foi dito nesta carta. Entendo sua lógica, o senso comum, mas a força do passado é tão pesada que a intrusão constante e persistente da ilusão cultivada, do ideal do que deveria ser, está sempre interferindo. Estou me perguntando se essa ilusão pode ser totalmente afastada ou se deveria aceitá-la como uma ilusão e deixá-la morrer? Posso ver que quanto mais luto contra, mais estou dando vida a isso, e é muito difícil ficar com o que é. Agora, como um educador, como pai e como professor, é possível comunicar esse sutil e complexo problema do conflito nos seres humanos? Que vida maravilhosa seria, sem conflito, sem problemas. Ou melhor, assim que os problemas aparecem — o que parece ser inevitável — lidar com eles imediatamente e não viver com eles. O método da educação tem sido sempre cultivar a competição e assim cultivar o conflito. Assim vejo, em minha responsabilidade com os estudantes, acumular-se um problema após o outro. As dificuldades me submergem e assim começo a perder a visão do que é um ser humano bom. Estou usando a palavra “visão” não como algum ideal, não como uma meta no futuro, mas como a realidade profunda e verdadeira da bondade e da beleza. Não é um sonho fantasioso, algo para ser conquistado, mas a própria verdade disso é um fator libertador. Essa percepção é lógica, razoável e totalmente sadia. Não tem nenhum traço de sentimentalismo ou frivolidade romântica. Agora, estou diante da aceitação total do que é e vejo meus alunos presos na negação do que é presente. Assim, há uma contradição aqui e se não sou cuidadoso e atento na minha relação com eles, irei produzir conflito, uma luta entre eles e eu. Eu vejo, mas eles não vêem — é um fato. Quero ajudá-los a ver. Não sou eu que vou percebê-la, mas é para cada um deles perceber a verdade, que não pertence a ninguém. Qualquer forma de pressão é um fator corruptor, como em dar ou ser um exemplo; assim tenho de ir muito gentilmente e interessá-los em investigar o fim do conflito — se é possível ou não. Isso me tomou agora talvez uma semana ou mais para entender, para compreender o significado disso. Posso não estar vivendo isso, mas compreendi seu esquema

delicado e ele não vai escapar de mim. Se eles pegarem apenas o perfume disso, e como uma semente viva. Estou descobrindo que paciência não tem nada a ver com o tempo, enquanto impaciência é da mesma natureza do tempo. Não estou tentando alcançar um resultado ou chegar a alguma conclusão. Não estou subjugado por nada disso; existe um fator regenerador.

CARTA 13

Liberdade não é o oposto de escravidão 1º de fevereiro de 1983

Liberdade é muito necessária em nossa vida. Liberdade não é, obviamente, fazer o que você quiser, embora isso tenha sido considerado liberdade, e tenha sido considerado nosso modo de vida. Nós nos sentimos frustrados, reprimidos quando nossos desejos são negados. Disso vêm nossos ressentimentos, os sentimentos que remoemos e, assim, uma revolta contínua. Temos seguido esse curso de vida e podemos ver, se somos sensatos, o que ele trouxe para o mundo: caos total. Alguns dos psicólogos nos encorajaram a seguir nossos impulsos sem nenhuma restrição, fazer o que queremos imediatamente, racionalizando essa atividade como necessária para o crescimento de cada um. Esse tem sido realmente o apelo por muitas gerações, embora tenha havido restrição exterior, e agora é chamado de liberdade permitir à criança fazer o que ela quiser, etc., para subir na vida, e isso é a sociedade. E talvez agora vá haver uma inversão: controle, repressão, disciplina e restrições psicológicas. Essa parece ser a história da humanidade. Somado a isso tem o computador e o robô — a tecnologia que está sendo desenvolvida nessa direção, na esperança de produzir, e provavelmente irá produzir —; um computador com um cérebro humano que pode pensar mais rápido e com mais exatidão e, portanto, liberar o homem das longas jornadas de trabalho. O computador também está gradualmente se encarregando da educação de nossos filhos. Professores altamente qualificados e doutores nas diversas áreas podem dar aula informando a matéria aos estudantes sem que o professor realmente esteja presente na sala. Isso também vai nos dar certa liberdade. Com exceção dos estados totalitários, uma liberdade maior vai acontecer ao homem, e assim, talvez permitir que ele faça o que ele queira. Dessa forma podem surgir, para o homem, guerras, conflitos e desgraças ainda maiores. Quando a tecnologia e os computadores, junto com os robôs, dominarem e se tornarem parte da nossa vida diária, então, que será que vai acontecer com o cérebro humano que até agora tem estado ativo em luta física e exterior? O cérebro irá ficar atrofiado, trabalhando apenas duas horas ou mais?

Quando o relacionamento é entre máquinas, o que irá acontecer com a qualidade e vitalidade do cérebro? Ele irá buscar alguma forma de entretenimento, religioso ou de outro tipo, ou ele permitirá a si mesmo investigar os vastos recessos do próprio ser? A indústria do entretenimento está juntando mais e mais força e muito pouco da energia e capacidade humana se volta para o interior, de modo que, se não estivermos atentos, o mundo do entretenimento vai nos conquistar. Então devemos perguntar: o que é liberdade? Tem sido dito frequentemente que a liberdade estará no fim de uma disciplina drástica e de um controle civilizado — civilizado no sentido da literatura, da arte, museus e boa comida. Isso é apenas a camada externa de um ser humano confuso e decadente. A liberdade é escolher entretenimentos? A liberdade é alguma forma de escolha? Sempre consideramos liberdade como sendo liberdade de alguma coisa: da dependência, da ansiedade, da solidão, do desespero e assim por diante. Talvez essa maneira de considerar a liberdade somente conduza a maiores e mais refinados estados de penúria e sofrimento, e à feiúra do ódio. A liberdade não é escolher e seguir um líder político ou religioso — o que obviamente nega a liberdade. A liberdade não é o oposto da escravidão. A liberdade é o terminar: não dar continuidade ao que tem sido. A liberdade em si mesma não tem oposto. Depois de ter lido e estudado isso, qual é meu relacionamento, não com o estudante e com minha esposa e filhos, mas com o mundo? Para realmente entender a profundidade da liberdade precisamos de muita inteligência e, talvez, amor. Mas as atividades do mundo não são inteligentes e nem o meu grupo de crianças. Eu passo a maior parte do dia com eles; e tenho essa qualidade de liberdade, com sua inteligência e amor? Se a tenho, meu problema é muito simples Essa própria qualidade irá operar, e o que pensava ser um problema, deixará de sê-lo. Mas, de fato, não a tenho. Posso fingir, colocar uma máscara amistosa, mas tudo isso é muito superficial. Minha responsabilidade é imediata. Não posso dizer a mim mesmo que esperarei até alcançar a liberdade e essa afeição, amor. Literalmente, não tenho tempo, pois meus alunos estão na minha frente. Não posso me tornar um eremita: isso não vai resolver nenhum problema, meu ou do mundo. É preciso que caia um raio do céu para quebrar essa incrustação, esse condicionamento, para ter essa liberdade e amor; mas não há trovoada, raio nem céu. Posso me permitir chegar a um impasse e ficar deprimido com esse assunto, mas isso é fugir do problema — me fechar completamente dentro de mim mesmo e, assim, ser incapaz de encarar a realidade. Assim, quando realmente vejo a verdade, que não há nenhum agente externo para ajudar-me neste dilema, que nenhuma influência exterior, nenhuma graça, nenhuma oração irá ajudar nessa questão, então, talvez, eu tenha uma energia incontaminada. Essa energia, então, pode ser a liberdade e o amor.

Mas, será que tenho a energia da inteligência para desmantelar as coisas que os seres humanos por todo mundo — e eu sou um deles — têm construído psicologicamente em torno deles mesmos? E tenho a persistência para atravessar isso tudo? Estou colocando essas questões para mim mesmo e as colocaria de maneira muito mais gentil e benevolente aos meus alunos. Enxergo bem claramente tudo que isso implica e devo ir tateando. A verdadeira resposta está na inteligência e no amor. Se você tem essas qualidades, saberá o que fazer. A pessoa deve se dar conta da verdade disso muito profundamente, senão, de um jeito ou de outro, iremos todos perpetuar a confusão entre os homens.

CARTA 14

O pensamento é o resultado do conhecimento e da ignorância 15 de fevereiro de 1983

Inteligência não é consequência de disciplina. Não é um subproduto do pensamento. O pensamento é o resultado do conhecimento e da ignorância. Não pode haver disciplina sem amor. A disciplina do pensamento, embora tenha certo valor, leva ao ajustamento. Ajustamento é um modo de disciplina, como é geralmente entendido — imitar e seguir um padrão. Disciplina realmente significa aprender, não se curvar a um modelo; desde a infância nos é dito para nos moldarmos a uma estrutura social ou religiosa, para nos controlarmos, para obedecermos. Disciplina é baseada em punição e recompensa. A disciplina é inerente a cada assunto: se você quer ser um bom jogador de golfe ou de tênis, isso exige que você preste atenção a cada lance e responda rápida e graciosamente. O próprio jogo tem sua ordem intrínseca e natural. Essa ordem instrutiva foi embora da nossa vida, que se tornou caótica, sem escrúpulos, competitiva, procurando o poder e todos seus prazeres. Disciplina implica aprender a complexa totalidade do movimento da vida — social, pessoal e além do pessoal, não é? Nossa vida é fragmentada e nós tentamos entender cada fragmento ou integrar cada fragmento. Reconhecendo tudo isso, a mera imposição de disciplina e certos conceitos fica completamente sem sentido, mas sem uma certa forma de controle, a maioria de nós se torna um bárbaro furioso. Certamente a inibição nos contém, nos compele a seguir uma tradição. A gente se dá conta que deve haver uma certa ordem na nossa vida; é possível ter ordem sem nenhuma forma de compulsão, sem qualquer pressão e, essencialmente, sem recompensa ou punição? A ordem social é caótica; existe injustiça, o rico e o pobre, etc. Cada reformador tenta produzir igualdade social e, ao que parece, nenhum deles obteve sucesso. O governo tenta impor ordem pela força, pela lei, pela propaganda sutil. Embora tentemos pôr uma tampa, a panela continua fervendo.

Assim, nós devemos abordar o problema de forma diferente. Nós temos tentado de tudo para civilizar, amansar o ser humano, e isso também não tem tido muito sucesso. Cada guerra indica barbarismo, seja uma guerra santa, seja uma guerra política. Assim, devemos voltar à questão: pode haver uma ordem que não seja resultado de um pensamento engenhoso? Disciplina significa a arte de aprender. Para a maioria de nós, aprender significa guardar na memória, ler muitos livros, ser capaz de citar vários autores, colecionar palavras e assim escrever, falar ou transmitir as idéias próprias ou de outras pessoas. É atuar eficientemente como engenheiro ou como cientista, como um músico ou um bom mecânico. A pessoa pode ser excelente no conhecimento dessas coisas e assim tornar-se cada vez mais capaz de ganhar dinheiro, posição e poder. Isso é geralmente aceito como aprender: acumular conhecimento e agir a partir desse conhecimento; ou, através da ação, acumular conhecimento, o que acaba sendo o mesmo. Essa tem sido nossa tradição, nosso costume, e, assim, estamos sempre vivendo e aprendendo dentro do campo do conhecido. Não estamos sugerindo que existe alguma coisa desconhecida, mas, sim, termos uma compreensão das atividades do conhecido, suas limitações, seus perigos e sua continuidade sem fim. Essa é a história do ser humano. Nós não aprendemos com as guerras; repetimos as guerras, e a brutalidade e a bestialidade, com as suas perversões, continuam. Somente se enxergarmos, de fato, a limitação do conhecimento — quanto mais amontoamos conhecimento, tanto mais bárbaros estamos nos tornando —, podemos começar a investigar o que é a ordem que não é imposta de fora, nem auto-imposta, pois ambas implicam ajustamento e conflito sem fim. Conflito é desordem. A apreensão de tudo isso é atenção, não concentração, e atenção é a essência da inteligência e do amor. Isso naturalmente traz a ordem que não contém compulsão. Agora, como educadores, como pais — que é o mesmo —, não é possível para nós transmitirmos isso para nossos filhos e estudantes? Eles podem ser muito novos para entender tudo isso que acabamos de ler. Vemos as dificuldades e as próprias dificuldades vão nos impedir de captar a questão maior. Assim, não estou fazendo disso um problema: estou justamente muito atento para o que é ordem e o que é caos. Esses dois não têm relação um com o outro. Um não nasce do outro. E não estou negando um e aceitando o outro. Mas a florescente semente da percepção trará a ação certa, correta.

CARTA 15

Austeridade, humildade e inteligência 1º de outubro de 1983

Em todas as civilizações, existiram umas poucas pessoas que estiveram interessadas e desejosas de criar seres humanos bons; umas poucas que não estiveram envolvidas em estruturas sagradas ou reformas, mas que não fizeram mal para outro ser humano; que estiveram interessadas no todo da vida humana, que foram gentis, não agressivas e, assim, foram verdadeiramente entidades religiosas. Na civilização moderna, por todo o mundo, o cultivo da bondade quase desapareceu. O mundo está se tornando mais brutal, pernicioso, cheio de violência e engano. Certamente, é nossa função como educadores produzir uma qualidade de mente que seja fundamentalmente religiosa. Não queremos dizer pertencer a certa religião ortodoxa, com todas suas crenças fantásticas, seus rituais repetitivos. O ser humano tem sempre tentado descobrir alguma coisa além desse mundo de ansiedade, sofrimento e conflitos intermináveis. Em sua busca daquilo que não é do mundo, ele inventou, talvez inconscientemente, Deus e muitas formas de divindades, e os intérpretes entre si mesmo e aquilo que ele projetou. Existiram muitos intérpretes, altamente sofisticados, talentosos, estudados. Historicamente, desde os tempos antigos, esse ciclo tem continuado: Deus, o intérprete e o homem. Essa é a verdadeira trindade na qual o ser humano ingenuamente tem estado preso. O mundo tem sido demais e cada ser humano quer algum conforto, segurança e paz. Assim, os seres humanos projetaram a essência disso tudo em um agente exterior e isso também estamos descobrindo que é uma ilusão. Não sendo capazes de ir além e acima de todas as limitações dos esforços humanos, estamos retornando ao barbarismo, destruindo-nos uns aos outros, interior e exteriormente. Será que, como um grupo pequeno, podemos começar a pensar sobre essas coisas e, libertando-nos de todas as superstições inventadas das religiões, descobrir o que é uma vida religiosa e, assim, preparar o solo para o florescimento da bondade? Sem a mente religiosa não pode haver a bondade. Existem três fatores para se entender a natureza da religião: austeridade, humildade e diligência.

Austeridade não significa reduzir toda a vida a cinzas através de uma severa disciplina, reprimindo cada instinto, cada desejo, e mesmo a beleza. A expressão externa disso no mundo asiático é o manto amarelo e a tanga. No mundo ocidental é o voto de celibato, total obediência e se tornar um monge. A simplicidade de vida é expressa em vestimentas e uma vida estreita e restrita em celas, mas, interiormente, a chama do desejo e seus conflitos estão queimando firmemente. Aquela chama é para ser posta de lado por uma fidelidade estrita a um conceito, a uma imagem. O livro e a imagem se tornam símbolos de uma vida simples. Austeridade não é a expressão exterior de uma conclusão baseada na fé, mas a compreensão da complexidade interior, da confusão e da agonia da vida. Essa compreensão, não verbal ou intelectual, requer uma percepção atenta e muito cuidadosa, uma percepção que não é a complexidade do pensamento, mas clareza — essa clareza produz sua própria austeridade. Humildade não é o oposto de vaidade, não é se curvar a alguma autoridade teórica ou a um alto sacerdote. Não é o ato de entregar-se a um guru ou a uma imagem, que são ambos a mesma coisa. Não é o sacrifício, a negação total de si mesmo a algum ser físico ou imaginário. Humildade não está associada à arrogância. Humildade não tem nenhum senso de possessividade interior. Humildade é a essência do amor e da inteligência, não é uma conquista. E o outro fator é a diligência: cabe ao pensamento estar atento às suas atividades, seus enganos, suas ilusões; cabe a ele discernir o real do falso, onde o que é real é transformado no que deveria ser. É estar atento às reações ao mundo exterior e às respostas sussurradas interiormente. Não é observação autocentrada, mas ser sensível a todo relacionamento. Acima e além de tudo isso é inteligência e amor. Quando os dois existem, todas as outras qualidades se seguirão. É como abrir o portão à beleza. Agora, retorno, como educador e como pai, à questão que está sempre no meu caminho. Meus alunos e meus filhos têm de encarar um mundo que é tudo, menos inteligência e amor. Essa não é uma afirmação cínica, mas é assim, evidente e palpável. Eles têm de encarar a corrupção, a brutalidade e a completa insensibilidade. Eles estão com medo. Sendo responsáveis (estou usando essa palavra com muito cuidado e com uma intenção profunda), como faremos para ajudá-los a encarar tudo isso? Não estou perguntando a ninguém, mas estou fazendo a pergunta para mim mesmo, assim, pelo questionar, me torno mais claro. Estou muito incomodado com isso e, certamente, não quero uma resposta confortadora. Questionando a mim mesmo, sensibilidade e clareza começam a se mostrar. Eu me preocupo muito com o futuro desses estudantes e dessas crianças e, ao ajudá-los a usar as palavras, a inteligência e o amor, estou reunindo forças. Ajudar um menino ou uma menina a ser assim é suficiente para mim, pois o rio começa, nas altas montanhas, como um pequeno córrego, solitário e distante, mas vai ganhando forças e se transforma em um imenso rio. Assim, devemos começar com muito pouca gente.

CARTA 16

O pensamento não é seu ou meu 15 de outubro de 1983

O que nós somos o mundo é. Na família, na sociedade, nós fizemos esse mundo com sua brutalidade, crueldade e rudeza, sua vulgaridade, esse mundo onde nos destruímos uns aos outros. Também estamos nos destruindo psicologicamente, explorando-nos uns aos outros para satisfazer nossos desejos e obter gratificação. Nunca parecemos nos dar conta, a menos que cada um passe por uma mudança radical, que o mundo continuará como tem sido por milhares de anos, mutilando-nos uns aos outros, matando-nos uns aos outros e espoliando a terra. Se nossa casa não está em ordem, não há possibilidade de esperar que a sociedade e os nossos relacionamentos uns com os outros estejam em ordem. É tudo tão óbvio que nós negligenciamos isso. Descartamos isso não somente como sendo simples, mas muito trabalhoso também, assim nós aceitamos as coisas como são, caindo no hábito da aceitação, continuamos. Essa é a essência da mediocridade. A pessoa pode ter um dom literário, reconhecido por uns poucos, e trabalhar pela popularidade; a pessoa pode ser um pintor, um poeta ou um grande músico, mas na nossa vida diária não estamos preocupados com o todo da existência. Podemos talvez, estar aumentando a grande confusão e miséria humana. Cada um quer expressar seu pequeno talento próprio e se satisfazer com isso, esquecendo-se ou negligenciando a total complexidade dos sofrimentos e problemas humanos. Novamente aceitamos isso, e torna-se o modo de vida normal. Nós nunca estamos de fora e permanecemos fora. Nós nos sentimos incapazes de permanecer de fora ou estamos com medo de não estar na corrente do lugarcomum. Como pais e educadores, fazemos da família e da escola o que nós somos. Mediocridade realmente significa ir apenas até a metade do caminho e nunca alcançar o topo da montanha. Queremos ser como todo mundo e, naturalmente, se queremos ser um pouquinho diferentes, mantemos isso cuidadosamente escondido. Não estamos falando de excentricidade: isso é uma outra forma de auto-expressão que cada um está fazendo do seu próprio jeitinho. Excentricidade é tolerada somente se você é bem abastado ou talentoso, mas se você é pobre e age de forma estranha, você é tratado com desdém e ignorado.

Mas poucos de nós são talentosos; somos trabalhadores aguentando nossas profissões particulares. O mundo está se tornando mais e mais medíocre. Nossa educação, nossas profissões, nossa aceitação superficial da religião tradicional está nos tornando medíocres e um tanto piegas. Estamos interessados aqui na nossa vida diária, e não na expressão de um talento ou alguma capacidade. Como educadores, o que inclui os pais, podemos romper com esse modo de vida mecânico e cheio de esforço? Será o medo inconsciente da solidão que nos faz cair nos hábitos: hábito de trabalhar, hábito de pensar, o hábito de aceitação geral das coisas como elas são? Estabelecemos uma rotina para nós mesmos e vivemos o mais próximo possível desse hábito; assim, gradualmente, o cérebro se torna mecânico, e esse modo de vida mecânico é a mediocridade. Os países que vivem de tradições estabelecidas são geralmente medíocres. Assim, estamos perguntando a nós mesmos de que modo a mediocridade mecânica pode terminar e não formar um novo padrão que gradualmente irá se tornar medíocre também? O uso mecânico do pensamento é a questão: não como pular fora da mediocridade, mas como o ser humano deu tanta importância ao pensamento. Todas nossas atividades e aspirações, nossos relacionamentos e desejos são baseados no pensamento. O pensamento é comum a toda humanidade, quer se trate de uma pessoa de grande talento, quer se trate de um aldeão sem nenhum tipo de educação. O pensamento é comum a todos nós. Não é do Oriente nem do Ocidente, dos vales ou das terras altas. Não é seu nem meu. Isso é importante de compreender. Nós o fizemos pessoal e, com isso, intensificamos a limitada natureza do pensamento. O pensamento é limitado, mas quando o fazemos nosso, nós o fazemos ainda mais superficial. Quando vemos a verdade disso, não há competição entre o pensamento ideal e o pensamento trivial. O ideal se tornou todo importante e não o pensamento da ação. É essa divisão que gera conflito, e aceitar o conflito é medíocre. São os políticos e os gurus que alimentam e sustentam esse conflito e, assim, a mediocridade. Novamente chegamos à questão básica: qual é a resposta dos professores e dos pais — o que nos inclui a todos — à geração vindoura? Podemos perceber a lógica e a sanidade do que é dito nestas cartas, mas a compreensão intelectual não parece nos dar a energia vital que nos impulsione a sair da nossa mediocridade. O que é essa energia que nos fará nos movermos agora, não no futuro, que nos fará sair do lugar-comum? Certamente não é entusiasmo ou compreensão sentimental de alguma percepção vaga, mas uma energia que se sustente a si mesma em quaisquer circunstâncias. O que é essa energia que deve ser independente de qualquer influência exterior? Essa é uma pergunta séria que cada um está colocando para si mesmo: existe tal energia, totalmente livre de toda causação? Agora, deixe-nos examinar isso juntos. As dimensões sempre têm um fim. O pensamento é o produto de uma causa que é o conhecimento. Aquilo que tem

dimensão tem um fim. Quando nós dizemos que entendemos, isso geralmente significa uma compreensão verbal ou intelectual, mas compreender é perceber sensivelmente aquilo que é, e essa mesma percepção é o morrer do que é. Percepção é essa atenção que está focando toda energia para observar o movimento do que é. Essa energia de percepção não tem causa, como inteligência e amor não tem causa.

CARTA 17

Se você fere a natureza você está ferindo a si mesmo 1º de novembro de 1983

É certo que os educadores estão atentos para o que está acontecendo no mundo. As pessoas estão divididas racialmente, religiosamente, politicamente, economicamente e essa divisão é fragmentação. Isso está produzindo grande caos no mundo — guerras, toda espécie de logro em termos políticos, etc. Existe a expansão da violência e o homem contra o homem. Esse é o real estado de confusão no mundo, na sociedade em que vivemos, e essa sociedade é criada por todos os seres humanos com suas culturas, suas divisões linguísticas, suas separações regionais. Tudo isso está gerando não apenas confusão, mas também ódio, muito antagonismo e mais diferenças linguísticas. Isso é o que está acontecendo e a responsabilidade do educador é realmente muito grandiosa. Ele está interessado, em todas estas escolas, em produzir um ser humano bom, que tenha um sentimento de relacionamento global, que não seja nacionalista, regional, separado, religiosamente agarrado às tradições velhas e mortas que não têm mais valor nenhum. Sua responsabilidade como um educador se torna mais e mais séria, mais e mais comprometida, mais e mais interessada na educação de seus estudantes. O que essa educação está fazendo de fato? Está realmente ajudando o homem, suas crianças, a se tornarem mais interessados, mais gentis, generosos, não para voltar aos velhos padrões, à velha e hodienda perversidade deste mundo? Se o educador está realmente interessado — como deve estar —, então, ele tem de ajudar o estudante a descobrir sua relação com o mundo, não o mundo da imaginação ou da sentimentalidade romântica, mas o mundo real no qual todas as coisas estão acontecendo. E, também, para descobrir sua relação com o mundo da natureza, o deserto, a selva ou as poucas árvores que o rodeiam, e os animais do mundo. Felizmente os animais não são nacionalistas, eles caçam apenas para sobreviver. Se educador e estudante perdem seu relacionamento com a natureza, com as arvores, com o mar ondulante, cada um irá certamente perder seu relacionamento com o homem.

O que é a natureza? Existe muita conversa e empenho para proteger a natureza, os animais, os pássaros, as baleias e os golfinhos, para limpar os rios poluídos, os lagos, os campos verdes, etc. A natureza não é criada pelo pensamento como a religião é, como as crenças são. A natureza é o tigre — esse extraordinário animal com sua energia, sua grande sensação de poder. A natureza é a árvore solitária no campo, os gramados e o bosque; é aquele esquilo que, timidamente, se esconde atrás de um galho. A natureza é a formiga e a abelha e todas as coisas vivas da terra. A natureza é o rio, não um rio particular, seja o Ganges, seja o Tâmisa ou o Mississipi. A natureza é todas as montanhas, com seus picos nevados, com os vales azuis escuros e as serras que vão ao encontro do mar. O universo é parte desse mundo. A pessoa deve ter sentimentos por tudo isso, não destruir, não matar por prazer, não matar animais para a própria mesa. Nós matamos o repolho, os vegetais que comemos, mas deve-se traçar a linha em algum lugar. Se você não comer vegetais, então, como irá viver? Assim, devese discernir inteligentemente. A natureza é parte da nossa vida. Crescemos a partir da semente, da terra, e somos parte disso tudo, mas estamos rapidamente perdendo o sentido de que somos animais como os outros. Será que podemos sentir aquela árvore, olhar para ela, ver sua beleza, escutar o som que ela faz; ser sensível à plantinha, ao matinho, àquela trepadeira que está crescendo no muro, à luz nas folhas e às muitas sombras? Devemos estar atentos a tudo isso e ter um sentimento de comunhão com a natureza ao redor. Podemos viver em uma cidade, mas sempre existem árvores aqui e ali. Uma flor no jardim vizinho pode estar mal-cuidada, cercada de muito mato, mas olhe para ela, sinta que você é parte de tudo isso, parte de todas as coisas vivas. Se você fere a natureza está ferindo a si mesmo. Sabe-se que tudo isso já foi dito antes de diferentes maneiras, mas parecemos não prestar muita atenção. Será que estamos tão presos na nossa rede de problemas, nossos próprios desejos, nossos próprios ímpetos de prazer e dor, que nunca olhamos em volta, nunca olhamos a lua? Olhe para ela. Olhe com todos seus olhos e ouvidos, seu sentido olfativo. Olhe. Olhe como se você estivesse olhando pela primeira vez. Se você puder fazer isso, aquela árvore, aquele arbusto, aquela folhinha de relva, você estará vendo pela primeira vez. Então você poderá ver seu professor, sua mãe e seu pai, seu irmão e sua irmã pela primeira vez. Existe um sentimento extraordinário nisso: a maravilha, o estranhamento, o milagre de uma nova manhã que nunca aconteceu antes, nunca acontecerá depois. Esteja realmente em comunhão com a natureza, não verbalmente preso na sua descrição, mas seja parte dela, esteja atento, sinta que você pertence a tudo isso, seja capaz de ter amor por tudo isso, admirar um gamo, o lagarto na parede, o galho quebrado no chão. Olhe para a estrela vespertina ou para a lua nova, sem a palavra, sem meramente dizer quão bonita ela é e lhe dar as costas, atraído por outra coisa, mas observe aquela estrela solitária e a lua delicada como se fosse pela primeira vez. Se existe tal comunhão

entre você e a natureza, então você pode comungar com o homem, com o menino sentado perto de você, com o seu educador ou com seus pais. Perdemos todo o sentido de relacionamento no qual existe não apenas a afirmação verbal de afeição e interesse, mas também esse senso de comunhão que é não verbal. É um sentimento de que estamos todos juntos, de que somos todos seres humanos, não divididos, não partidos, não pertencentes a um grupo particular ou raça ou a algum conceito idealista, mas que somos todos seres humanos, nós estamos todos vivendo nesta terra linda e extraordinária. Alguma vez você acordou pela manhã e olhou pela janela ou saiu para o terraço e olhou para as árvores e a manhã nascente? Viva com isso. Escute todos os sons, o murmúrio, a brisa delicada entre as folhas. Veja a luz naquela folha e observe o sol aparecendo sobre a montanha, sobre o gramado. E o rio seco, ou aquele animal pastando e aquelas ovelhas nas montanhas — observe-os. Olhe para eles com afeição, um sentimento de cuidado, um sentimento de que você não quer machucar coisa alguma. Quando você está em tal comunhão com a natureza, então, seu relacionamento com os outros se torna simples, claro, sem conflito. Essa é uma das responsabilidades do educador, não meramente ensinar matemática ou como lidar com um computador. Muito mais importante e estar em comunhão com outros seres humanos que sofrem, se esforçam e têm a grande dor e o sofrimento da pobreza, e em comunhão com aquelas pessoas que passam em seus carros caros. Se o educador está interessado nisso, ele está ajudando o estudante a se tornar sensível, sensível ao sofrimento das outras pessoas, às lutas de outras pessoas, ansiedades e preocupações, e às brigas que a pessoa tem em família. Deve ser responsabilidade do professor educar as crianças, o estudante, para estar em tal comunhão com o mundo. O mundo pode ser muito grande, mas o mundo está onde você está; esse é o seu mundo. E isso produz uma consideração natural, afeição pelos outros, cortesia e um comportamento que não é rude, cruel, vulgar. O educador deve falar de todas essas coisas, não apenas verbalmente, mas ele mesmo deve sentir isso — o mundo, o mundo da natureza e o mundo do homem. Eles estão inter-relacionados. O homem não pode escapar disso. Quando destrói a natureza, ele está destruindo a si mesmo. Quando ele mata o outro, está matando a si mesmo. O inimigo não é o outro, mas você mesmo. Viver em tal harmonia com a natureza, com o mundo, naturalmente produz um mundo diferente.

CARTA 18

Aprender traz igualdade entre os seres humanos 15 de novembro de 1983

Pela observação talvez se aprenda mais que pelos livros. Livros são necessários para se aprender um assunto, seja matemática, geografia, história, física ou química. Nas páginas dos livros vem impresso o conhecimento acumulado dos cientistas, dos filósofos, dos arqueologistas, etc. Esse conhecimento acumulado, que se aprende na escola, no colégio ou universidade — se a pessoa tem a sorte de ir para universidade —, tem sido acumulado através das idades, desde tempos muito antigos. Existe uma grande quantidade de conhecimento acumulado da Índia, do antigo Egito, Mesopotâmia, dos Gregos, dos Romanos e, naturalmente, dos Persas. No mundo ocidental, assim como no mundo oriental, esse conhecimento é necessário para se ter uma carreira, para se fazer qualquer trabalho, seja mecânico ou teórico, prático ou alguma coisa que a pessoa deva conceber, inventar. Esse conhecimento trouxe grande quantidade de tecnologia, especialmente no último século. Existe o conhecimento dos assim chamados livros sagrados, os Vedas, os Upanishades, a Bíblia, o Corão e as Escrituras Hebraicas. Assim existem os livros religiosos e os livros pragmáticos, livros que irão ajudar a pessoa a ter conhecimento, a ter habilidade, seja um engenheiro, um biólogo ou um carpinteiro. A maioria das pessoas em quaisquer escolas, e particularmente nestas escolas, adquirem conhecimento, informação, e para isso é que as escolas têm existido até agora: para se adquirir uma grande quantidade de informação sobre o mundo lá fora, sobre os céus, por que o mar é salgado, por que as árvores crescem, sobre os seres humanos, sua anatomia, a estrutura do cérebro, etc. E também sobre o mundo ao redor, a natureza, o ambiente social, a economia e muito mais. Tal conhecimento é absolutamente necessário, mas o conhecimento é sempre limitado. Não importa quanto ele possa evoluir, adquirir conhecimento é sempre limitado. Aprender é parte da aquisição de conhecimento sobre vários assuntos, de forma que a pessoa possa ter uma carreira, um trabalho que possa agradála ou um trabalho que as circunstâncias, as exigências sociais a forçaram a aceitar, embora a pessoa possa não gostar muito daquele tipo de trabalho.

Como dissemos, aprendemos muito pela observação, observar as coisas por perto, observar os pássaros, a árvore, observar os céus, as estrelas, a constelação de Orion, a Ursa Maior, a estrela Vespertina. Aprendemos apenas pela observação, não somente as coisas ao redor, mas observando as pessoas, como elas caminham, seus gestos, as palavras que usam, como estão vestidas. Você não observa apenas o que está do lado de fora, mas observa a si mesmo, por que pensa isto ou aquilo, seu comportamento, como se conduz na vida quotidiana, por que os pais querem que você faça isso ou aquilo. Você está observando, não resistindo. Se resistir, você não aprende. Ou se chega a algum tipo de conclusão, a alguma opinião que pensa que é correta e se agarra a isso, então, naturalmente, você nunca irá aprender. Liberdade é necessária para aprender, e curiosidade, um sentimento de querer saber por que você e os outros se comportam de uma certa maneira, por que as pessoas ficam bravas, por que você fica chateado. Aprender é extraordinariamente importante porque o aprender não tem fim. Aprender por que os seres humanos se matam uns aos outros, por exemplo. Claro que existem explicações nos livros, todas as razões psicológicas por que os seres humanos se comportam de uma determinada maneira, por que os seres humanos são violentos. Tudo isso tem sido explicado em livros de todos os tipos por eminentes autores, psicólogos, etc. Mas o que você lê não é o que você é. O que você é, como se comporta, por que fica bravo, com inveja, por que fica deprimido, se você observa a si mesmo, aprende muito mais que nos livros que dizem o que você é. Mas veja, é mais fácil ler um livro sobre si mesmo que observar a si mesmo. O cérebro está acostumado a adquirir informação de todas as ações e reações externas. Não é muito mais confortável ser dirigido, que outras pessoas lhe digam o que deve ser feito? Seus pais, especialmente no Oriente, dizem com quem você deve se casar e arranjam o casamento, dizem que carreira você deve seguir. Assim o cérebro aceita o jeito mais fácil, mas o jeito mais fácil nem sempre é o jeito certo. Eu me pergunto se você notou que ninguém mais ama o trabalho que faz, exceto, talvez, uns poucos cientistas, artistas, arqueologistas. Mas a pessoa comum raramente ama o que está fazendo. Ela é compelida pela sociedade, pelos pais ou pelo impulso de ter mais dinheiro. Assim, aprenda observando muito, muito cuidadosamente o mundo externo, o mundo fora de você, e o mundo interior, ou seja, o seu próprio mundo. Parece que existem duas maneiras de aprender: uma é adquirindo uma grande quantidade de conhecimento, primeiro através dos estudos e então agindo a partir daquele conhecimento. Isso é o que a maioria das pessoas faz. A segunda é agir, fazer alguma coisa e aprender através do fazer, e isso também se torna acumulação de conhecimento. Realmente as duas maneiras são a mesma coisa: aprender de um livro ou adquirir conhecimento através da ação. Ambas são baseadas no conhecimento, na experiência e, como dissemos, experiência e conhecimento são sempre limitados.

Assim tanto o educador quanto o estudante devem descobrir o que é de fato aprender. Por exemplo, você aprende de um guru, se é um guru saudável, correto e não um fazedor de dinheiro, não desses que querem ser famosos e correr o mundo para fazer fortuna através de suas teorias meio desequilibradas. Descubram o que é aprender. Hoje em dia aprender está se tornando mais e mais uma forma de entretenimento. Em algumas escolas ocidentais, quando acabam a escola primária, a escola secundária, os estudantes nem mesmo sabem ler ou escrever. E quando sabem ler e escrever e aprendem sobre vários assuntos, acabam sendo apenas pessoas medíocres. Sabem o que a palavra medíocre significa? O significado da raiz da palavra é ir até a metade da montanha, nunca atingindo o topo. Isso e mediocridade: nunca exigir a excelência, o ponto mais alto de si mesmo. E aprender é infinito, realmente não tem fim. Assim, de quem você está aprendendo? Dos livros? Do educador? E talvez, se a sua mente for brilhante, pela observação? Até agora parece que você está aprendendo do que vem de fora: aprendendo, acumulando conhecimento, e a partir desse conhecimento está agindo, estabelecendo uma carreira e assim por diante. Se você está aprendendo de si mesmo, ou melhor, se está aprendendo observando a si mesmo, seus preconceitos, suas conclusões definitivas, suas crenças, se está observando as sutilezas do próprio pensamento, sua vulgaridade, sua sensibilidade, então você se torna o que ensina e o que é ensinado. Então você não depende de ninguém interiormente, de nenhum livro de nenhum especialista — embora, é claro que se está se sentindo mal com algum tipo de doença, você deve ir a um especialista, isso é natural, isso é necessário. Mas depender de outra pessoa, não importa quão excelente ela seja, o impede de aprender sobre si mesmo e o que você é. E é muito, muito importante aprender o que você é, porque o que você é produz essa sociedade que é tão corrupta, imoral, na qual a violência se espalha enormemente, essa sociedade que é tão agressiva, cada um buscando seu próprio sucesso, sua própria maneira de preenchimento. Aprender o que você é não através dos outros, mas pela observação de si mesmo, sem condenar, sem dizer “Isto e assim mesmo, eu sou assim, não posso mudar” e continuar. Quando você observa a si mesmo sem nenhuma forma de reação, de resistência, então o próprio observar atua; como uma chama, ele queima toda a estupidez, todas as ilusões que a pessoa tem. Assim, aprender se torna importante. Um cérebro que cessa de aprender se torna mecânico. É como um animal amarrado em uma estaca que pode se mover apenas de acordo com o comprimento da corda, a correia que está amarrada na estaca. A maioria de nós está amarrada a uma estaca peculiar de nós mesmos, uma estaca e uma corda invisíveis. Você se movimenta dentro das dimensões da corda e é muito limitado. É como um homem que fica pensando em si mesmo o dia inteiro, sobre seus problemas, seus desejos, seus prazeres e o que gostaria de fazer. É conhecida essa constante ocupação consigo mesmo. É muito, muito

limitada. E essa própria limitação engendra várias formas de conflitos e infelicidades. Os grandes poetas, pintores, compositores nunca estão satisfeitos com o que fizeram. Estão sempre aprendendo. Você não pára de aprender depois de passar nos exames e começar a trabalhar. Existe grande força e vitalidade em aprender, especialmente sobre si mesmo. Aprender, observar a ponto de não haver nenhum lugar que não tenha sido descoberto, observado em si mesmo. Isso é realmente ser livre do seu próprio condicionamento particular. O mundo é dividido pelos condicionamentos: você como indiano, você como americano, você como inglês, russo, chinês, etc. A partir desse condicionamento existem as guerras, a matança de milhares de pessoas, a infelicidade e a brutalidade. Assim, tanto o educador quanto quem está sendo educado estão aprendendo no sentido profundo dessa palavra. Quando ambos estão aprendendo, não existe nem educador nem alguém para ser educado. Existe apenas aprender. Aprender liberta o cérebro e o pensamento do prestígio, da posição, do status. Aprender traz igualdade entre os seres humanos.

APÊNDICES

APÊNDICE 1

O propósito da Escola de Oak Grove Em um mundo que é destrutivo e que está se degenerando, torna-se mais e mais importante haver um lugar, um oásis, onde se pode aprender um modo de vida que é um todo, que é sadio, que é inteligente. No mundo moderno, a educação tem se preocupado não com o cultivo da inteligência, mas do intelecto, da memória e suas habilidades. Nesse processo pouco acontece além da transmissão de informações daquele que ensina para quem é ensinado, do líder para o seguidor, produzindo um modo de vida mecânico e superficial. Nisso não há quase nada de relacionamento humano. Uma escola certamente é um lugar onde se aprende sobre a totalidade, o todo da vida. A excelência acadêmica é absolutamente necessária, mas uma escola inclui muito mais que isso. É um lugar onde tanto quem ensina quanto quem é ensinado investigam não somente o mundo exterior, o mundo do conhecimento, mas também seu próprio pensar, seu próprio comportamento. A partir disso, eles começam a descobrir o próprio condicionamento e como o condicionamento distorce o seu pensar. Esse condicionamento é o eu, ao qual é dado uma tremenda e cruel importância. A libertação do condicionamento e de sua miséria começa com essa percepção. É somente em tal liberdade que um verdadeiro aprender pode acontecer. Nesta escola é responsabilidade do professor sustentar, junto com o aluno, uma investigação cuidadosa para com as implicações do condicionamento e, assim, terminá-lo. Uma escola é um lugar onde se aprende a importância do conhecimento e também as suas limitações. É um lugar onde se aprende a observar o mundo não a partir de uma conclusão ou de um ponto de vista particular. Aprende-se a olhar para a totalidade dos esforços humanos, sua busca pela beleza, sua busca pela verdade e sua busca por um jeito de viver sem conflito. O conflito é a própria essência da violência. Até agora, a educação não tem se interessado por isso, mas nesta escola nosso propósito é compreender a realidade e sua ação, sem nenhuma crença, teoria ou ideal preconcebido (que produzem uma atitude contraditória na existência).

A escola está interessada na liberdade e na ordem. Liberdade não é expressão dos próprios interesses ou desejos ou escolhas. Isso inevitavelmente conduz à desordem. Liberdade de escolha não é liberdade, embora possa parecer que seja; nem ordem é ajustamento e imitação. A ordem só pode acontecer com a percepção de que escolher é, em si mesmo, a negação da liberdade. Na escola se aprende a importância do relacionamento que não é baseado em posse ou apego. É aqui que se pode aprender sobre o movimento do pensamento, sobre o amor e a morte, pois tudo isso é a nossa vida. Desde os tempos antigos o ser humano tem ansiado por algo além do mundo da matéria, algo imensurável, algo sagrado. É o propósito desta escola investigar essa possibilidade. Esse movimento inteiro de investigação sobre o conhecimento, sobre si mesmo, sobre a possibilidade de algo além do conhecimento, produz naturalmente uma revolução psicológica e, dessa revolução, vem inevitavelmente uma ordem totalmente diferente no relacionamento humano, que é a sociedade. A compreensão inteligente disso tudo pode produzir uma mudança profunda na consciência da humanidade. J. Krishnamurti

APÊNDICE 2

Comece pelo outro lado Não sei se vocês pensaram mais um pouco sobre o que estávamos discutindo a última vez que nos encontramos aqui. Falávamos sobre responsabilidade. Penso que deveríamos falar sobre isso um pouco mais, não acham? Penso, se posso salientar — por favor, corrijam-me, não sou um oráculo —, que atingimos um certo ponto em Brockwood e deveríamos abrir as portas para alguma coisa nova, um novo fluxo. Não significa que o que fizemos até agora não esteja correto. Estávamos tendo uma conversa com aqueles de nós que vão estar permanentemente em Brockwood, que farão do lugar o seu lar, seu trabalho, que vão passar sua vida lá, e criar aquele espaço, todos nós juntos. A começar dessa base, que podemos fazer? Temos um belo lugar, uma escola, estudantes, e atingimos um certo ponto a partir do qual devemos nos mover em direção a espaços mais amplos, rios mais largos. Que podemos fazer? Dado tudo isso, o ambiente, pessoas que estão realmente interessadas, que entendem alguma coisa dos ensinamentos, dado que o terreno está lá, podemos produzir seres humanos que realmente têm a qualidade do gênio? Por favor, sejam pacientes comigo, posso estar usando mal as palavras. Podemos criar seres humanos que são realmente extraordinários, tudo o que a humanidade deveria ser? Podemos criar isso? Essa é realmente a questão. Envio-lhes meu filho, minha filha. Eles vieram de uma família bem decente, um tanto séria, um tanto religiosa, uma família intelectual, pessoas assim chamadas morais. Envio-os a vocês. Quero que se destaquem de certo modo — moral, intelectual e religiosamente. Quero que sejam livres, não derrotados, não corrompidos pelo dinheiro; pelo sexo, por todas as coisas que acontecem no mundo. Quero que sejam fundamentalmente revolucionários. Não no nível político, mas no verdadeiro sentido da palavra, revolucionários religiosos, o que significa que serão seres humanos inteiros e isso então afetará todos os aspectos de suas vidas. Envio-os esperando que vocês criem isso, que irão transformá-los em seres humanos inteiros, mas não de acordo com um padrão ao qual serão ajustados à força ou um ideal de acordo com o qual irão viver. Para que tenham suprema inteligência e saibam o que fazer quando crescerem. Agora — enquanto um grupo de pessoas empenhadas, interessadas, que irão dedicar suas vidas a isso — podemos juntos ajudar a realizar isso? Não estou

dizendo que vocês não o estão fazendo, mas sinto que atingimos um ponto onde temos de cavar muito mais fundo, abrir muito mais os diques. Dissemos que temos o background, o prédio, os estudantes, o lugar. Temos algum dinheiro, e estou perguntando, se temos crianças nesse fluxo, será que podemos criar pessoas que são excelentes em qualquer coisa? Sabem, quando digo: “Será que podemos fazê-lo”, o “podemos” não é no sentido de sermos capazes; a questão é o que deveria ser feito. Como é que vamos derrubar, expandir, cavar fundo, abrir as barreiras para que as águas possam fluir? Isso é tudo que estou perguntando. Não estou dizendo que não tenhamos feito isso. Esse é um ponto. E também, estamos — estou apenas perguntando, não estou dizendo — estamos ainda trabalhando no campo tradicional? Sabem o que quero dizer com campo tradicional? Ser amável, o que é necessário; estar interessado em cada pessoa, o que é necessário; dedicar nosso tempo a cada estudante, o que é necessário; exames são necessários ou não, de acordo com o estudante; alimento, cuidado, tudo isso. Chamaria tudo isso de tradicional. Qualquer grupo de professores que seja bom, moderno e altamente inteligente quer fazer isso. Estamos ainda trabalhando na área da tradição? Não sei, estou apenas perguntando. Vocês podem levar adiante a tradição, alargando as tradições que têm se tornado estreitas, mas ainda é dentro dessa área. Estamos ainda trabalhando dentro da área da tradição? Um momento, um momento, estou deixando isso claro para mim mesmo. Ou estamos trabalhando numa área que não está limitada pela tradição? Se pudermos chegar a isso, então a tradição poderá ser usada ou não, que terá um efeito muito diferente. Não sei se estou conseguindo me comunicar. Entendo isso, mas estou tentando conseguir palavras para isto. Vejam, posso ser um pouquinho tradicional? Não gosto de falar sobre isso, mas é o seguinte: há a boa tradição, que existe pelo mundo todo. Ela está sendo destruída, mas existe e adquiriu tremenda importância. E há também alguma coisa — que existe — de natureza diferente daquela. Vamos chamá-la — detesto essas palavras —, vamos chamar isso de santo, no momento. Não reajam a essa palavra. Existem essas duas áreas, a tradicional, que não é santa, e aquela que é. Podemos desarrolhá-la? Entendem o que estou dizendo? Porque quando ela é libertada, faz coisas maravilhosas. Eu me pergunto se estou transmitindo alguma coisa. Isto soa insano? Não é uma questão de sentir. Digamos, por exemplo, que a guerra com todo o seu ódio existe, ou não? Ela não se dissipou, está no ar. Não é que você apenas tenha um sentimento a respeito dela, ela existe. Ódio, brutalidade, violência, matança, está no ar, na atmosfera, no lar. Isso existe. Exércitos se preparam para a guerra, governos se preparam para ela, assim, ela existe. Por ignorância ou não, ela existe. E também há um campo no qual a bondade — vamos por ora dar-lhe esse nome — no qual a bondade existe. Existem aqueles que de fato são

profundamente religiosos, no verdadeiro sentido dessa palavra, que não matarão. Isso existe também. Assim, esses dois campos existem. E há alguma coisa que vai além dos dois. Não gosto de dar-lhe um nome ainda, estou apenas investigando. Olhem, detesto falar disso, mas aqui está. Há esses dois campos tradicionais. O homem emprega a maior parte do seu tempo e suas capacidades no campo do ódio, do antagonismo, da guerra, tudo isso. E um pouco nesse campo da bondade, um pouco, mas não inteiramente. Emprega mais suas capacidades naquele em vez de empregar nesse campo da bondade. E existe uma energia, deve haver, que não pertence a nenhum dos dois, porque os dois são controlados pelo homem. Não olharam para isso? Guerras por todo mundo, por séculos e séculos, têm criado uma determinada atmosfera, não tem? E também tem havido boas pessoas, e isso também tem criado uma atmosfera. Esses dois campos estão dentro da percepção humana, das capacidades do homem. E estamos tentando nos mover de um campo para outro, o da bondade. Estamos tentando nos mover deste para aquele, mas isso me parece ser ainda tradicional. Quero me mover para alguma coisa diferente. Temos empregado nossas energias nesses dois campos e penso que há Outra área — se pudermos tocá-la, isso nos dará uma energia que não pertence a nenhum dos dois campos. Não sei se estou transmitindo alguma coisa. Mary Zimbalist: Você está sugerindo que os dois campos emanam do homem? Krishnamurti: Sim, sim. MZ: Enquanto a Outra... K: A Outra área não. Isso faz algum sentido? E creio que podemos tocá-la, e quando a tocarmos, transformaremos o que estamos fazendo. Vejam, isso é colocado em termos diferentes por pessoas religiosas, não pelos cientistas, não pelos artistas, mas pelas pessoas que, na realidade, são profundamente religiosas. Não pelos santos — santos são criados pelo homem —, mas por aquelas pessoas que foram além dos dois campos. Agora, creio que se pudermos abrir a porta para essa Outra área, ela irá operar. Ela é tão real quanto a atmosfera, quanto a estrutura da guerra, o mal, a destruição, tão real quanto as pessoas tentando ser boas, amáveis, os Quakers, tudo isso, ela é tão real quanto isso. Faz algum sentido? Essa é a razão por que pergunto se estamos ainda operando nesses dois campos. Rejeitamos a guerra, o ódio, o antagonismo e tudo o mais, mas ainda estamos tentando ser alguma coisa construída pelo homem. Há uma Outra energia não criada pelo homem. Posso praticar a meditação, posso praticar o bem, posso amar outra pessoa completamente, mas ainda está dentro do campo das coisas criadas pelo homem. Agora, podemos ir para a Outra área?

Agora vocês perguntam, “Como faço para ir para ela — se é que ela existe?”. Obviamente, vocês não podem chegar a ela por meios criados pelo homem, virtudes criadas pelo homem, votos de celibato, castidade, pobreza feitos pelo homem. Isso foi tentado na Índia, no Japão, na Europa, por toda a parte. Estou lhes dizendo isso. Quando o escutam, qual é a sua reação, o que sentem? Vocês conhecem o campo da guerra — vamos chamá-lo assim por enquanto. Conhecem a área, o campo da bondade. Sabemos o que esses dois campos significam para nós. E, como venho apontando, esses dois são criados pelo homem, portanto são materiais, materialistas. E o homem tem procurado alguma coisa além do material, além desses dois campos. Esses dois são insatisfatórios; eles não satisfazem uma pessoa profundamente inteligente. Obviamente. E, assim, ele se pergunta: “Há uma área onde coisas criadas pelo homem possuam pouco espaço?”. Conheço esses dois campos muito bem. Tenho estado neles, conheço todas as suas complicações, todos os seus problemas, toda a sua maldade, todos os seus sofrimentos, as suas afeições. Conheço-os muito bem, e eles são insatisfatórios. Não que eu queira satisfação ou gratificação, mas é como um assunto insignificante. Quero contemplar o céu, não o estreito céu criado pelo homem. Podemos — como um grupo — discernir isso? “Discernir” no sentido de entrar em contato com ele — não espiritualismo e misticismo, esse blablablá todo, não me refiro a isso. Reconheço esses dois campos como criados pelo homem e por isso totalmente incompletos; assim, há alguma coisa que seja totalmente completa? E pode a minha mente encontrá-la, captá-la, olhar para ela? Vejam, os hindus traduzem isso como um estado chamado Brahma, que se pode atingir quando os dois campos são completamente descartados. Estou colocando isso do meu jeito, eles não o fizeram desse jeito, eles têm a sua própria terminologia, seus próprios meios de expressão. Os cristãos — os cristãos verdadeiros, não os falsos — têm dito isso do seu próprio modo, que o homem deve ir além disso tudo. Assim, eu me pergunto, como se aqui eu fosse um professor com um grupo de vocês. Digo que tenho tentado os dois caminhos tradicionais na escola. Tenho tentado tudo isso, e não estou satisfeito com esses dois. Eles não me dão a chama, a paixão, o impulso, o fogo. Se me dão alguma coisa, ainda sou um reformador social. Quero fogo, paixão, para criar a partir dessa paixão. Estamos falando sobre isso para que possamos descobrir. Precisamos expor o problema muito claramente para nós mesmos. O problema é este: temos estado — e podemos ainda estar — trabalhando nessa área criada pelo homem. Nossa educação é nessa área, nosso contato é ainda mais ou menos dentro dela. Agora pergunto se podemos chegar a essa Outra área a partir da qual milagres acontecem. Não reajam à palavra milagre, a partir da qual alguma coisa nova acontece? Não sei como colocar tudo isso. Vejam, o homem tem passado por todas essas coisas. Um bom cientista diz: “Eu quero achar uma área, ou um

estado, do qual toda a vida flui”. Estou colocando isso de modo diferente; estou dizendo, uma área onde está o começo de todas as coisas. Vocês precisam descobrir. Podemos nós, como grupo, chegar a esse estado? Do contrário, estaremos caminhando nesse campo da bondade. Podemos, como um grupo, encontrar isso, uma nova abordagem, não essa coisa tradicional? Não posso ir adiante para tornar-me cada vez melhor, cada vez mais amável, cada vez mais atencioso. Vocês podem ter uma escola de primeira classe pela via tradicional. Quero dizer, por tradicional, pessoas realmente excelentes que são absoluta, profundamente boas, no sentido amplo da palavra e não no sentido burguês, pessoas que jamais matarão, essa coisa toda. Isso é ainda muito pequeno. Não tem essa centelha do divino, do eterno ou qualquer outro nome que queiram lhe dar. Agora, pode a centelha dessa coisa pegar fogo e arder em nós? Do contrário, estaremos brincando com o tradicional. Não estou dizendo que não seja necessário, mas não terá essa profundidade da ordem. Isso é geralmente o que acontece. Estou tentando transmitir-lhes que, para mim, esses dois campos não são bons o suficiente. Digo, pelo amor de Deus, saiam dessa maldita área porque desde o princípio a humanidade está tentando produzir seres humanos que irão reformar a sociedade torná-la melhor. Mas sinto que isso não é o bastante. Isso não abre meu coração nem dá um grande espaço para o meu cérebro. Isso é tudo. Assim, digo a mim mesmo: “Meu Deus, como conseguir isso?”. Minha responsabilidade é conseguir isso e então isso vai operar aqui. Então criarei uma escola sem igual na terra. É necessário trabalhar em um dos campos tradicionais no ensino, mas não terei minhas raízes neles. Não sei onde tenho minhas raízes; posso não ter absolutamente raízes, isso pode ser a coisa verdadeira. Por não ter raízes, estou aberto para o céu Inteiro. Entendem? Como faço para falar ainda mais sobre isso? Assim, vocês não podem pertencer a esses dois campos. E isso significa que vocês têm as águas eternas? Olhem. Quando menino, fui criado como um hindu, desde os oito anos: a tradição, a mãe, o pai eram pessoas extraordinariamente ortodoxas, vivendo muito simplesmente, meditando, indo ao templo. Então pessoas me adotaram e também ao meu irmão. Disseram, há o Mestre que nos diz que este menino vai ser... Etc. Cuidaram dele, ele foi assistido, zelaram por ele, jamais lhe sendo permitido ficar só porque as pessoas poderiam corrompê-lo. Ele foi cuidadosamente cuidado. Então tudo isso desapareceu. E disseram, este vai ser o Instrutor do Mundo. E eu era apenas um rapaz de quatorze, treze anos, que nada sabia disso tudo. Vocês entendem do que estou falando? Isso entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Não fui condicionado como um hindu, como um teosofista. Mas disseram, esse Instrutor, que é eterno e tudo o mais, vai falar por

seu intermédio. Entendem? Eles traduziram isso como uma pessoa. Entendem do que estou falando? Traduziram isso como uma pessoa com quem se encontravam num plano diferente, que lhes passava mensagens e assim por diante. Escutem bem isso. Não é uma pessoa. A pessoa torna-se muito pequena quando você está falando do céu. Agora, se foram educados nisso, ou acabam condicionados ou destruídos. Entendem do que estou falando? Estão todos escutando? E vocês podem agora, todos vocês, podem ser isso? Entendem do que estou falando? A fim de serem responsáveis pela coisa mais sagrada. Não sei colocar isso de outro modo. Entendem do que estou falando? É tudo tão novo para vocês! Entendem do que estou falando? Quero que meu filho tenha as águas da vida. Águas, não rios criados pelo homem ou águas criadas pelo homem, mas águas que não tenham começo nem fim e de uma profundidade imensurável. Quero que ele tenha isso e é sua responsabilidade. E digo-lhes. “Vejam, não fiquem brincando para sempre com esses dois campos tradicionais”. E compete a vocês descobrirem. Isso é criatividade, não é? Esperem, mostrarei isso a vocês. Vocês são os educadores em Brockwood, e envio-lhes meu filho. E digo-lhes: “Não trabalhem nesses dois campos porque morrerão de velhos antes que façam algo, que produzam algo. E é sua responsabilidade como seres humanos criar isso no menino. Criem isso! Não me perguntem como”. Mas isso e criação, não é? — como criar um bebê no ventre de vocês. Vocês não dizem: Como vou criar isso? Vocês têm a casa, o dinheiro, os estudantes, tudo, e digo, “Pelo amor de Deus, não trabalhem nesses dois campos, porque nunca criarão nada neles”. Digo, “Produzam isso, é sua responsabilidade”. Vocês podem fazê-lo? Não, não é “Vocês podem?” — essa é a pergunta errada. Vocês sentem a imensa responsabilidade disso? Se sentirmos, todos nós juntos, então já fizemos isso. Não somos responsáveis pelo campo tradicional, mas seremos enquanto dissermos: “Agora que devo fazer? Como isso deve ser transmitido? Que vou fazer com esta criança, que é condicionada, que fuma, que bebe, que quer fazer todas as coisas pelas minhas costas?”. Professor: Você usou a palavra “santo”. Sinto que todos aqueles que estão aqui passaram muito tempo no trabalho de olhar para si mesmos, mas parece que... K: Não quero olhar para mim mesmo. Acabei com isso. Desculpe. T: Mas então como alguém encontra isso, essa santidade? Qual a relação? K: Como posso lhes mostrar? Não olhem para as montanhas, olhem além delas. Além das montanhas está a coisa real. E você diz, “Meu caro companheiro, como posso olhar além das montanhas quando tenho visão curta, quando sou raivoso,

quando sou ciumento; quando sou isso, como posso olhar além?”. Ele diz: “Pelo amor de Deus, não comece por aí, comece pelo Outro lado”. E você diz, “Que é que você quer dizer com ‘pelo Outro lado’? Não conheço o Outro lado, não sei como começar por lá”. Então você, mais uma vez, está de volta com o mesmo princípio. Olhem, senhores, estou nessa margem de um rio largo e temos construído casas aqui, bonitas escolas; temos boas crianças, militares corruptos. Nesta margem temos feito todas as coisas que o homem tem criado. E ainda estamos funcionando nesta margem e alguém se aproxima e diz: “Pelo amor de Deus, amigos, não façam isto porque jamais deixarão esta margem, vão para a Outra margem. Vão para a Outra margem e todas as coisas facilmente ficarão em ordem”. E você diz: “Devo tomar um barco, nadar, que é que tenho de fazer?”. E ele diz: “Simplesmente vá para a Outra margem”, e os deixa. O que é que farão? O que é que irão fazer? O fazer é que é a coisa criadora, entendem?, e não: “O que é que tenho de fazer”. Não sei colocar isso de modo mais claro. Digamos que você seja um cientista olhando através de um microscópio. Você tem olhado através do microscópio e visto uma porção de coisas, e alguém se aproxima e diz, “Não olhe através do microscópio, essa é uma área muito limitada; afaste o seu olhar e olhe”. E isso é tudo. Ele o deixa aí. E o cientista diz: “Certo, eu tenho olhado através do microscópio. Isso acabou. Agora vou olhar porque estou realmente interessado, fervendo por olhar, não perguntando como olhar, ou o que é que tenho de fazer, ou o que é que tenho de dizer, ou quais são os instrumentos para olhar, ou se meus olhos estão claros. Eu vou arder por olhar”. Deixo meu filho aos seus cuidados. E você é responsável. E volto cinco anos mais tarde, eu quero uma resposta. Entreguei meu filho, meu dinheiro, meu sangue, e você é responsável. Quero uma resposta sua. Se você é responsável, não pode dizer: “Sinto não ter feito isso”, ou: “Eu não posso”, ou: “Alguma coisa aconteceu, que você não entenderá”. Quero uma resposta sua. Se você é responsável pela vida de outra pessoa, não tem tempo para pensar sobre a sua vida. A sua vida é a vida dessa criança. Mas se você se sentir responsável, então as coisas acontecem.

Como vocês educam meu filho? Eu me pergunto até onde fomos na questão que estávamos conversando outro dia. Estávamos dizendo que a forma do homem abordar a educação, a vida, qualquer coisa, tem sido até agora ao longo de caminhos tradicionais — o bem e o mal, isso deve ser feito e aquilo não deve ser feito, isso é correto, aquilo é errado — não é? Estávamos tentando ver se havia uma maneira de abordar a educação, a vida, qualquer coisa, a partir de um ponto de vista diferente, de uma dimensão totalmente diferente. Não sei até que ponto vocês mesmos investigaram e discutiram o assunto. O que sentem, ou o que pensam? Como traduzir isso em ação, em ensino? Como recebemos os estudantes, que são condicionados, que possuem toda sorte de preconceitos, necessidades, impulsos? Por favor, apenas escutem, não reajam imediatamente. Nossa responsabilidade não é para com a criança, para com os estudantes; nossa responsabilidade é para com aquela Outra área, sobre a qual conversamos outro dia; e essa responsabilidade nós traduzimos em ação na nossa própria vida e na vida da comunidade, da escola. Isso faz algum sentido? Não traduza essa responsabilidade como sendo para com Deus. O cristão, o hindu, o mundo tradicional inteiro diz, “Seja responsável para com Deus, para com o Supremo, para com o Altíssimo, para com o Nobilíssimo, para com o Imensurável”, e eles traduzem essa responsabilidade nisso. Não podemos agir usando tais palavras ou símbolos. Agir, penso eu, exigiria que se tivesse lazer em Brockwood, e não estar ocupado da manhã até a noite. Todos ao redor de Krishnamurti estão ocupados da manhã à noite, fazendo uma coisa ou outra; não têm um momento de lazer para se sentar, observar, olhar para si mesmos, meditar, estar quietos. Professor: Você tem de se sentar e observar para fazer isso, Krishnaji? Krishnamurti: Não, não se sentar, mas ter um momento de lazer. P: Ao agir, a pessoa não está fazendo isso? K: O agir é a partir do lazer e não que você esteja fazendo isso ao agir. Agora vamos ser claros. O que há de errado com o lazer, ter lazer para observar as árvores, as flores, a si mesmo? Deve-se ter lazer, observar, estar quieto, não

é? Não se pode trabalhar, estar ocupado, sob pressão desde a manhã até à noite. Não se deve ter algum tempo para si mesmo? Para muitos, tempo para si mesmo é meramente indolência, preguiça; nesse estado ficam paralisados. Não estou falando desse desperdício de lazer. O problema é esse. Vejo que a tradição não tem mais significado, no sentido em que venho usando a palavra tradição. Nesse campo podemos cavar e cavar e cavar e tornarmo-nos um pouco melhores, mas isso é totalmente não-sagrado, não-criativo; é algo terrível. Agora quero sair desse lugar. Quero me mover para uma dimensão na qual a energia — a chama criadora da energia — é sempre abundante; sempre abundante, esteja eu cansado, entediado, ela está sempre lá. E sou responsável por isso; minha mente está completamente comprometida com isso; e a responsabilidade, sua própria chama, é isso. Vejo à minha volta pessoas ocupadas com a tradição, e digo que, ao longo desse caminho, jamais se criará uma mente diferente. Agora, como um grupo que estará permanentemente em Brockwood, que está comprometido com Brockwood como sendo sua casa, seu trabalho, toda sua vida, será que vemos isso? Porque esta é uma comunidade, com uma escola, um centro educacional, de tipo diferente. Portanto, estamos todos interessados nisso? O que não significa que me retiro e, interessado nisso, saio sozinho para um passeio com o fim de aí permanecer. Isso tudo é muito estúpido. Mas minha responsabilidade é com isso, e não cavar mais fundo ou ampliar o movimento tradicional. Na trincheira do movimento tradicional, posso ser muito esperto; posso educar as crianças a serem muito mais inteligentes, um pouco mais honestas, mais isto e mais aquilo, mas é ainda dentro da área tradicional, o que, para mim, é uma abominação. Isso está claro para todos nós? Quero estar bem seguro que isso está claro, no sentido não-verbal, que a energia tradicional é um desperdício de energia. A Outra área não é um desperdício de energia. Ao contrário, vocês possuem mais e mais de uma diferente dimensão de energia. E aqui estamos comprometidos com isso, responsáveis por isso; e devemos ter lazer, tempo, espaço, quietude, para descobrir como traduzir isso em ação no ensino. Trago-lhes meu filho, e quero que ele cresça nos caminhos não-tradicionais. Deixo-o sob os seus cuidados, e torno isso muito claro: caminhos nãotradicionais; não “Faça isto, não faça aquilo”, “Isto deveria ser, isto não deveria ser”; tudo isso está fora de cogitação. Digo-lhes isso. O que farão? Como educarão o menino para ter essa percepção, essa realidade em sua mente e em seu coração; para ter essa dimensão, para que cresça com essa chama? Agora, como podemos criar isso? Penso que para compreender isso devemos ter esse tipo de conversa, que significa lazer, que significa que não podemos estar ocupados o dia inteiro desde a manhã até à noite. Precisam sentar-se, discutir, investigar e dizer, “Veja, o que

isso significa?”. O que significa isso de abandonar a tradição e discutir, indagar, ver o que podemos fazer para descobrir ou chegar a essa dimensão? P: Minha tendência é responder a essa pergunta a partir dos campos tradicionais A e B; o campo A sendo bom, amável, generoso, mais polido e o B sendo violento, brutal. Penso em ações, razões e objetivos. K: Sim, isso tudo é tradição. Agora, considerem isso como uma diversão, como se estivessem brincando, como chegarão a Outra dimensão ou, tendo essa Outra dimensão, o que farão, como educarão meu filho? Quando estão nessa Outra dimensão, é como uma chama. Os campos tradicionais não são uma chama. P: Estamos operando em A ou B agora? K: É isso o que quero perguntar-lhes. Vocês os abandonaram? P: Mas se dois ou três de nós estivermos reunidos ao mesmo tempo, como você colocou, responsáveis pela Outra área, então essa Outra dimensão estará presente. K: Presente, exatamente. Responsáveis pela Outra área. Estamos juntos nisso? Para isso devemos ter tempo para sentar, pôr de lado todas as nossas preocupações, ficar juntos, investigar isso tudo e dizer “O que é que isso significa?”. Penso que a energia criadora surge dessa dimensão, não da dimensão tradicional. A dimensão tradicional pode criar um quadro, mas o quadro é nada ou o pintor é nada. Mas estamos lidando com seres humanos. Somos seres humanos e estamos lidando uns com os outros; e pode a chama dessa Outra dimensão penetrar no estudante, na criança? Quero que o meu filho possua essa chama quando ele deixar a escola. Vocês são responsáveis pelo meu filho. Como farão para que essa chama esteja no interior dessa criança? Olhem, há um rio para ser atravessado. Estou neste lado do rio. Fiz todas as coisas neste lado do rio. Durante séculos adorei os deuses do outro lado do rio, que são minhas projeções, e vejo a inutilidade de tudo isso. Assim digo que é a partir da Outra margem que devo operar. Perguntar como chegar lá é a abordagem tradicional. A mente deve encontrar-se na Outra margem ao abandonar toda atividade nesta margem. P: O problema é que poderíamos desejar estar na Outra margem. K: Isso tudo é um ardil, isso tudo é pueril, construir uma imagem dela, ficar preso, ter visões, exorcismos. Tudo isso é este lado. Eu quero — não eu — me encontrar nessa Outra margem. E quero que meu filho chegue a essa margem. Isso é educação, não essa coisa toda. Agora, como isso é possível? O que vou fazer? Vamos, senhores, trabalhem nisso com afinco, com suas entranhas. Desculpem!

O que vou fazer? Tenho um bebê muito bonito, uma criança muito bonita, rosto bonito, gentil, calmo. Crianças são adoráveis; e crescem e se tornam esses monstros. Quando atingem a puberdade, algo lhes acontece, perdem todo seu encanto. Quero impedir isso. P: Se você fosse um estudante e eu visse que você estava operando num modo A ou B, poderia agir para impedi-lo de fazer isso ao ser um espelho, de modo que você veria claramente o que está fazendo. K: Veja o que acontece. Você está bloqueando. Isso irá resolver? Isso irá produzir em mim aquela dimensão? Você ainda continua pensando em termos tradicionais — faça isto, não faça aquilo, isto deve ser, aquilo não deve ser, o que é um bloqueio. E o pobre coitado consegue olhar para o espelho? Senhor, quero achar um caminho totalmente diferente. Há um caminho que não seja através de exemplo, de autoridade, de imitação, sem o bloqueio de sua resistência? Esses são todos caminhos tradicionais. Aplicar, mudar, modificar e ampliar, esse é o caminho tradicional. Tudo isso implica recompensa e punição. Abandono esse modo de olhar porque vejo que isso não tem valor. Agora que é que devo fazer? Quero que o menino tenha uma dimensão que jamais ficará presa na tradição. Quero que ele não tenha quaisquer problemas desde a infância até a morte. A criança tem problemas quando vem a nós. Ele está condicionado. Quando uso a palavra “condicionado”, ela inclui isso tudo. Se ele cresce nisso, fica preso para o resto da vida. Agora, ele vem a mim, e a minha responsabilidade é para com o Outro, e digo que no Outro não há problema — sexo, bebida, nenhum problema — porque essa inteligência é de uma vitalidade tremenda. É uma chama e essa chama consome todas as coisas. Assim, ele vem com problemas. O que vou fazer para que, quando deixar a escola, sua mente jamais crie um problema sobre qualquer coisa? Essa é a maneira de viver — mas não como uma idéia. Se for responsável para com essa Outra dimensão, minha responsabilidade se traduz em cuidar para que o menino nunca tenha um problema. Agora, o que vou fazer? Como posso ensinar-lhe isso? Como posso transmitir-lhe isso? P: Sendo totalmente responsável para com esse Outro sobre o qual estivemos conversando. K: Eu sou. P: A questão é, e eu sou? K: Não, olhe senhor, isso é do nosso interesse. Nas palestras no pavilhão, quero comunicar alguma coisa. Muito poucas pessoas apreendem isso, mas conversam e continuam. É minha responsabilidade não apenas para com isso, mas também para lhes transmitir isso. É uma responsabilidade tanto lá como

aqui. Vocês são adultos e vêm aqui para escutar, assim há uma resposta de vocês, mas a criança não tem uma resposta. Ela não tem esse tipo de mente, ela nem ao menos o escutará. Ela dirá “sim senhor, não senhor”, mas está presa à tradição. Certo? Agora o que vou fazer? Essa é a questão. Não traduza isso. Olhe para o problema. Tenho esta menina ou menino, condicionados, que quer ir ao bar, tomar cerveja, fumar e tudo o mais. O que vou fazer? O que seu cérebro diz, senhor? P: Estou olhando para a questão, se sou diferente da criança. K: Claro que é. Você é responsável por isso. Você saiu desta margem; não está operando nesta margem, apenas na Outra. E a pobre criança não tem nem esta nem a Outra margem. Não percebe qualquer das duas, mas só percebe suas pequenas exigências. Assim, como ela irá lidar com isto? Quer tornar-se um engenheiro porque seu pai é um engenheiro qualquer — e isso continua. Que você vai fazer? P: Sem absolutamente me sentir como sendo um exemplo ou tentando buscar oportunidades para falar ou para me relacionar, ainda assim quero ter muito tempo junto da criança ou das crianças, o que significa que tenho que dar muitas oportunidades a isso. K: Você está dizendo que, por estar ali, por entrar em contato com a criança, com o estudante, o mero companheirismo, a simples atenção, olhando um para o outro, o mero senso de proximidade — não física, você entende, você está dizendo que isso é um requisito primordial? Investigue isso. Apenas investigue isso. É necessário. Você não é tradicional; por favor, isso é absolutamente importante. Você não funciona nesta margem, absolutamente; você está ali na Outra margem, em uma dimensão diferente. Essa coisa está operando, ardendo em você, e o estudante vem a você. Isso é uma das coisas necessárias. Obviamente. Isso é tradição? Você está ali; há proximidade, companheirismo. O que isso significa? O que acontece entre você e o estudante? Você está ali com essa chama, ardendo, não que você esteja apenas despertando ocasionalmente. Ela está ali, você está ali, sua mente está ali, seu cérebro está ali. Companheirismo. O que é que acontece ali? P: A criança se sente mais segura. K: Ah! A criança — por favor, apenas escutem —, a criança vem a você insegura, condicionada, querendo tantas coisas, querendo seu amor, querendo seu companheirismo, querendo segurança; ela quer uma dúzia de coisas. Pergunto o que acontece entre o homem que vive e funciona nessa Outra dimensão e a criança? O que acontece? Vamos! Estou próximo a você, sentado junto de você e você está vivendo nesta dimensão. O que acontece entre nós? O que está acontecendo entre nós agora? Somos bem amigos, pessoas bem decentes. O

que está ocorrendo agora entre nós. Você está funcionando pelas vias tradicionais agora? Você está funcionando, pensando, operando em termos do que fazer? Estamos falando sobre companheirismo: nesse companheirismo entre você e eu agora, você está pensando no que fazer? P: Senhor, entre você e eu, exatamente agora, se não estou entendendo inteiramente alguma coisa que está ocorrendo quando você está falando, tudo que posso fazer é apenas receber isso. K: Senhor, já esteve num bosque onde há absoluto silêncio? Absoluto — há um pequeno zunido de cigarras e um pouquinho de ruído, mas há um senso de um silêncio tremendo. Você esteve lá, não esteve? Agora você está nessa Outra dimensão, e sou seu companheiro. O que foi que aconteceu comigo? Tenho consciência de um extraordinário senso de algo que não tenho sido capaz de tocar. Estou consciente de alguma coisa que não sei traduzir em palavras. Não sou capaz de descrevê-la. Estou consciente de alguma coisa extraordinária. Agora, nesse estado, não tenho problemas. Não estou condicionado; não estou dizendo “Oh, meu Deus, minha mulher está fugindo com alguém”, ou “Desejo dormir com alguém”. Nada disso acontece, estou simplesmente nesse estado. Agora, por que esse estado acontece? P: Bem, estou com alguém onde as outras atividades não acontecem. K: Sim, e isso significa o quê? Você cresceu. Estamos ambos observando alguma coisa dessa Outra dimensão; estamos os dois conscientes de alguma coisa dessa Outra dimensão. Significa que ali ambos estamos fora, ambos temos um sentimento disso. É muito simples porque temos trabalhado nisso durante os três ou cinco últimos dias ou vários dias ou vários meses. Mas você tem uma criança, um aluno, como você vai criar essa coisa? Não é um relacionamento, não é um companheirismo, não é uma amizade, não é minha afeição por você ou meu amor por você, ou querer ajudar; tudo isso foi afastado. Agora, como você vai trazer o estudante para essa Outra dimensão? Alguém entende do que estou falando? Isso acontece entre duas pessoas. Você e eu temos vivido esses últimos meses em Brockwood. Discutimos essas coisas de diferentes maneiras. Você se tornou sensível a isso; pensou sobre isso; você derrubou o seu próprio conhecimento, o seu próprio treinamento específico; o seu próprio ponto de vista. Você se moveu; não teria escutado isso no início. Teria dito: “Que disparate você está dizendo”. Agora você está começando a escutar e está sem vontade até de responder — quando, antes, teria feito. Enquanto estamos conversando, você também vê — logicamente, intelectualmente — que os campos tradicionais A e B não têm mais valor; assim, você já se moveu. Não mais opera nos campos A e B. Você o pode fazer ocasionalmente, mas está fora dessa categoria. Assim, você abriu a porta para alguma coisa. Coloque isso desse modo. E você e eu

nos encontramos. Há um companheirismo sem motivo, que não tem a sensação de: “Oh, meu Deus, ele é meu grande amigo, meu único amigo, preciso estar com ele”. Nada disso existe. Assim, você já observou ou atingiu essa Outra dimensão. Por enquanto. Por enquanto, está bom o suficiente. Agora, sou a criança, sou o estudante. Como você vai levar o estudante, vai me levar até essa Outra dimensão. Você entendeu minha pergunta? P: A criança tem de ser levada aonde ela não conhece nada — no sentido que ela pensa que conhece. De que outra forma você a levará a alguma outra coisa? Ela pensa que conhece. K: Ela pensa que conhece. Há essa criança; fique com ela assim como ela é, não como você quer que ela seja. Ela é isso, ela é o que é — o produto dos pais que brigaram, e assim por diante. Tudo isso está depositado na pobre criança. E você está nessa Outra margem e quer que ela chegue a essa Outra margem. P: Faça o que está fazendo agora. K: Nossa situação é diferente, porque somos pessoas supostamente amadurecidas. Temos conversado muito sobre tudo isso. Temos lido, discutido, falado disso ou daquilo; assim, estamos mais ou menos abertos, mas a criança, o estudante, não. E — escutem isto — ele vai para casa, e volta a vocês. Provavelmente fica aqui por três anos, e então vai embora, atirado aos leões; assim, vocês têm um período muito curto para trabalhar. Olhem, temos dois problemas: a criança, o estudante chega condicionado; e há alguma qualidade para que a mente nunca seja condicionada? Estou tentando descobrir se há algum catalisador que despedaçará todo o seu condicionamento, não em três anos, mas assim que ele entre na sua sala. Isso não é tradição. Estou interessado nisso, não em como descondicionar, isso leva tempo. Demora muito. Estou interessado em que, no momento em que o estudante se aproxime de Brockwood, do prédio, da sala, a coisa deva ser despedaçada. E é minha responsabilidade criar essa chama, de maneira que, nessa chama, o seu condicionamento seja destruído instantaneamente. Se eu nego a tradição, isso deve acontecer. Acompanham o que estou dizendo? Sua responsabilidade, vivendo nessa Outra dimensão, é dinamitar o meu condicionamento — não através do tempo, mas no momento em que me aproximo de você; assim que chego perto de você alguma coisa acontece. Isso aconteceu com vocês? Entrando nesta sala, sentados, conversando assim, vocês e eu, seu condicionamento foi despedaçado? Aqui estamos, sentados juntos. Somos companheiros; não estou em oposição a vocês, vocês não estão em oposição a mim. Estamos sentados juntos conversando sobre essas coisas, e a própria atmosfera, a própria essência disso põe abaixo outras coisas que não são essenciais.

P: Você sugere que aqui nós acabemos com o nosso condicionamento, mas que para fazer isso deve haver uma chama. K: Não, não, não. Olhe. Olhe! Antes de tudo, dissemos que funcionamos sempre no campo A e B, e isso não criará uma mente nova, uma mente ardente, uma mente que é realmente excelente no grau mais elevado. E, assim, digo: “Está bem, abandono isso; e não quero nem mesmo sentir-lhe o cheiro, tocá-lo, olhar para isso, está acabado; porque isso não fez nada no mundo” — o mundo sendo os seres humanos. E eu tenho operado — esta mente tem operado — nesta margem do rio. E estou dizendo, se ela opera na Outra margem, acabou-se. E temos sempre perguntado: “Como posso cruzar o rio?,” o que é tradição — ser transportado por um barqueiro, por um guru, por um salvador, por um Cristo, por uma pessoa ou outra que nos leve lá. Isso é completamente tradicional, estúpido; abandono isso. No próprio abandono disso, estou lá. Abandono total. E então vou até você e digo: “Meu amigo, você é parte dessa comunidade de Brockwood, venha para essa Outra margem, mas não me pergunte como, porque o ‘como’ é estar de volta à tradição. Não me pergunte o que você tem de fazer, porque se perguntar, estará de volta novamente”. É por isso que, antes de pedir-lhe para vir para a Outra margem, eu digo, “Você descartou completamente a tradição”? Eu posso discutir isso, ter um diálogo, uma série de discussões e assim por diante, talvez durante dois ou três meses, até que vocês vejam isso, porque quero que saiam disso. Minha paixão é essa. E trago-lhes meu filho. Ele observou-nos — a mim e a minha mulher — brigando, batendo um no outro, toda a estupidez que acontece. E ele vem aqui, e está condicionado. E é sua responsabilidade, estando nessa Outra margem, quebrar esse condicionamento. Não através do tempo, quebre-o instantaneamente, para que ele diga: “Sim, eu sei agora, eu entendo, tenho um sentimento de que quero pôr tudo isso para fora”. No momento em que vocês negam o todo desta margem tradicional, não há mais nada. Como um pai, não me importo com o que façam, mas tudo que quero é que vocês, como um grupo de professores comprometidos com isso, transformem meu filho. Naturalmente, não quero que batam nele, mas tendo estabelecido tudo isso, é sua responsabilidade, seu movimento criador. É possível ingressar na sua comunidade, na sua presença, e por causa dela o condicionamento definhar — por causa de sua presença, de sua atmosfera, do tremendo senso de vida aqui? Estou falando sobre ter um grupo de pessoas que são completamente dedicadas, completamente responsáveis, que estão completamente com aquela chama. Estranhos milagres acontecem. Por que vocês todos estariam aqui sentados com este sujeito que nasceu em uma reles cidadezinha? Como isto

acontece? Isto é um milagre. Certo? E, se vocês sentem isso, estarão vendo algo maravilhoso acontecendo. Agora, enquanto estiver aqui em Brockwood, vou persistir nisto — desculpem — a fim de que tenhamos lazer para sentar e conversar, investigar isto; e vocês não devem vir com uma mente que diz: “Meu Deus, deixei a comida no fogo, preciso sair correndo”, ou: “Tenho de responder aquela carta”. Vocês devem vir todos juntos, tendo lazer. Vocês devem vir com a mente sem tensão, não impelida de um lado para outro, mas quieta. P: Não importa como estamos, em que margem nos encontramos, ainda temos de operar com uma certa quantidade de tradição. K: Claro P: Estamos agarrados a ela. K: Não, tenho de abandonar a tradição. P: Você tem de ter um teto sobre sua cabeça. K: Eu tenho de abandonar a margem da tradição, então terei um teto ou não, mas a coisa é mover-se para aquela margem. Essa é a coisa principal. Então educarei meu filho de maneira totalmente diferente. A própria ação de ensinar álgebra será a... Você abandonou a margem da tradição? Não digo que sim nem que não. Minha insistência é: você a abandonou? Se a abandonou, você está nessa Outra coisa. Se essa Outra coisa operar, você usará qualquer ferramenta; não canhões, mas usará álgebra, seja o que for que você ensinar, como um meio de transmitir o Outro. P: Não vejo como você faz isso. K: Essa é a nossa coisa criadora. Estou consumido pelo Outro, queimando com ele, e tenho um aluno que deve ser capaz de ler, que deve ser capaz de escrever. Tenho esta criança, condicionada. Como posso, vivendo na Outra margem, criar nele essa chama, essa alguma coisa, que o ajudará a escrever? Como pode isso acontecer? Penso que estamos ficando confusos com isso. Se vocês dizem que nenhuma criança em Brockwood precisa aprender qualquer coisa, apenas estar na nossa presença, estar conosco, não fazer coisa alguma, não aprender, não ler, não fazer nada — isso produziria a chama na criança? Digamos, vocês são o grupo e têm essa presença, esse Outro. Estão fervendo com ele, e ele está lá em Brockwood. E eu lhes envio meu filho, sabendo que desejo que tenha essa presença, essa coisa. Algum homem sensato, pai sensato, lhes enviaria o filho, enfrentando o mundo como ele está? Não o fariam. Mas eles o enviaram, e vocês têm de criar essa coisa nele, fazer essa coisa ferver nele. Se a fervura transborda

dele mesmo, dos seus olhos, dos seus ouvidos, qualquer coisa em que ele puser as mãos, florescerá. Entendem o que estou dizendo? Coloquemos isso de outro modo: vocês podem criar um gênio, o que é a mesma coisa — gênio não na estúpida tradição, escrever um poema maravilhoso, mas embebedar-se até morrer, não chamo a isso de criação. Não estou falando daquelas pessoas que são chamadas “criativas” e consideradas gênios. Não as considero geniais, em absoluto. Apenas possuem um certo dom e dominam esse talento até morrer, enquanto o resto é podre. Desculpem! Agora, na sua presença, vocês podem criar essa coisa, um gênio? Gênio sendo quem tem essa chama e o que quer que ele toque, seja matemática, pintura, virá dessa coisa, o que significa que essa coisa é toda a sua vida. E isso é simplesmente um gesto; pintar, escrever é um gesto; ele não se importa se faz isso ou não. Se a margem tradicional for abandonada, interiormente, totalmente, então vocês estarão na Outra margem; então essa chama está ali. E se todos nós possuirmos essa chama, criaremos essa coisa com a qual a criança arderá. Desculpem, continuo repetindo isso: Por que ele não deveria aprender matemática? Aprender matemática é tradição? Aprender é tradição? Vocês estão aprendendo agora, não estão? Isso é tradição? Mas, se vocês estão aprendendo, e ainda vivendo no mundo tradicional, vocês transformam esse aprender em tradição. Isso é tudo.

APÊNDICE 3

O coração de cada escola Sunanda Patwardhan, amiga e colaboradora de Krishnamurti na Índia, em seu livro A Vision of the Sacred, conta que: Krishnamurti sustentava que um Centro de Estudo deveria ser o coração de cada escola, para inspirar a comunidade através de um diálogo e investigação contínua. Sentia uma tremenda urgência de criar Centros de Estudo para adultos em cada um dos lugares ligados a ele. Por volta de 1980, Krishnamurti começou a sentir que havia muitas escolas, e que muito pouco tinha sido feito para criar Centros de Estudo. /.../ Falou detalhadamente sobre sua visão de um Centro de Estudo — em 26 e 27 de janeiro de 1984, em Vasanta Vihar, ditou o seguinte: Esses centros devem durar mil anos, sem serem poluídos, como um rio que tem capacidade de limpar a si mesmo; o que significa nenhuma autoridade para os seus habitantes. Os ensinamentos em si mesmos têm a autoridade da verdade. É um lugar para o florescimento da bondade, onde há comunicação e cooperação que não são baseadas no trabalho, no ideal, ou em autoridade pessoal. Cooperação implica que não seja em torno de algum objeto ou princípio, ou crença, etc., mas, sim, um compartilhar de insight. Ao vir para esse lugar, cada qual no seu trabalho — no jardim ou fazendo alguma outra coisa — pode descobrir algo enquanto está trabalhando. Ele comunica isso e tem um diálogo com os outros moradores, para que, sendo questionado, possa ver o peso da verdade de sua descoberta. Assim, há uma comunicação constante e não uma realização solitária, uma iluminação ou entendimento solitário. É responsabilidade de cada um criar esse sentido — o de que, ao descobrir algo basicamente novo, isso não é pessoal, mas é para ser compartilhado com todas as pessoas que estão lá. Não é uma comunidade. A própria palavra ‘comunidade’ é um movimento agressivo, ou que se separa do todo da humanidade. Mas isso não significa que toda a humanidade venha a esse lugar. É essencialmente um centro religioso — de acordo com o que Krishnamurti diz ser religião. É um lugar onde a pessoa não apenas está ativa fisicamente, mas onde

existe uma observação interior contínua. Assim, há um movimento de aprender onde cada um se torna o professor e o aluno. Não é um lugar para sua própria iluminação, ou para servir à sua meta de preenchimento — de forma artística, religiosa ou qualquer outra; em vez disso, é um lugar para nutrir e apoiar uns aos outros para o florescer em bondade.

APÊNDICE 4

Discurso de Ommen Jiddu Krishnamurti nasceu em maio de 1895, na Índia. Foi educado dentro da Sociedade Teosófica e tratado como veículo para encarnação do Messias, do Bodhisatwa Maitreya. Para isso foi colocado como chefe da Ordem da Estrela do Oriente. Em agosto de 1929, aos 34 anos, dissolveu a Ordem da Estrela, saiu da Sociedade Teosófica, e seguiu seu caminho único, percebendo e sustentando a verdade com total compromisso e integridade. Ainda por mais 56 anos viajou pelo mundo, sendo e falando, escrevendo e encontrando muita gente. Deixou uma extensa obra publicada em livros, áudios e vídeos; fundou escolas e Centros de Estudo na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Índia. Morreu em fevereiro de 1986, aos 90 anos de idade, na Califórnia. Sua última palestra havia sido em janeiro, em Madras. Excertos do discurso que proferiu em Ommen, em 1929. Vocês devem se lembrar da história do diabo e um amigo que estavam descendo a rua, quando viram à frente deles um homem abaixando-se e pegando do chão algo brilhante, que ele olhou e colocou dentro do bolso, feliz da vida. O amigo do diabo perguntou-lhe: “O que esse homem pegou?” “Ele pegou um pedaço da verdade”, o diabo respondeu. O amigo comentou: “Então isso é um mau negócio para você”. O diabo respondeu: “De jeito nenhum. Eu vou ajudá-lo a organizá-la”. Sustento que a verdade é uma terra sem caminho, e você não pode aproximar-se dela por nenhum caminho, por nenhuma religião, por nenhuma seita. Esse é meu ponto de vista e eu o sigo de modo absoluto e incondicional. Não tendo limites, não sendo condicionada e não sendo acessível por nenhuma espécie de caminho, a verdade não pode ser organizada; nem se deve formar nenhuma organização para levar ou forçar as pessoas a enveredarem por determinado caminho. Se vocês criam uma organização com esse propósito, ela se tornará uma muleta, uma fraqueza, uma servidão, mutilará o indivíduo e o impedirá de crescer, de firmar sua unicidade, que reside no descobrimento, para si mesmo, da verdade absoluta, não-condicionada.

A partir do momento em que vocês seguirem alguém, vocês deixarão de seguir a verdade. Não me preocupa saber se vocês prestam ou não atenção ao que digo. Quero fazer certa coisa no mundo e vou fazê-la com pertinaz concentração. Só me preocupa uma coisa essencial: libertar o homem. Desejo libertá-lo de todas as gaiolas, de todos os temores, e não fundar religiões, novas seitas, nem estabelecer novas teorias e novas filosofias. Porque sou livre, não-condicionado, total, não a parte, não o relativo, mas a verdade total, que é eterna, desejo que os que procuram compreenderme sejam livres, não me sigam, não façam de mim a gaiola que se converterá em religião, em seita. Desejo que sejam livres de todos os medos — do medo da religião, do medo da salvação, do medo da espiritualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria vida. Todos vocês dependem, para sua espiritualidade, de outra pessoa; para a sua felicidade, de outra pessoa; para sua iluminação, de outra pessoa. Quando digo: busquem dentro de vocês a iluminação, a glória, a purificação e a incorruptibilidade do ser, nenhum de vocês se dispõe a fazê-lo. Pode ser que haja uns poucos, mas muito, muito poucos. Mas aqueles que realmente desejam compreender, que estão buscando o eterno, o sem começo e sem fim, caminharão juntos com maior intensidade, serão um perigo para tudo o que não é essencial, para as irrealidades e as sombras. E eles se concentrarão, tornar-se-ão a chama, porque compreendem. Este é o corpo que precisamos criar e este é o meu propósito. Por causa dessa compreensão real, haverá uma amizade verdadeira. Por causa dessa amizade verdadeira haverá uma cooperação verdadeira da parte de cada um. Não em virtude da autoridade, não em virtude da salvação, mas porque compreendem realmente e, portanto, são capazes de viver no eterno. Isso, sim, é maior que todo o prazer, do que todo o sacrifício. Meu único propósito é tornar o homem absoluta e incondicionalmente livre.

Fontes Epígrafe That Benediction is where you are — Last Bombay Talks 1985, KFI, Chennai, Índia, 2001, 1ª a Palestra — excerto.

Apêndice 1 GROHE, F., The Beauty of the Mountain — Memories of Krishnamurti. KFT-UR, Inglaterra, 1991, p. 29, 30 e 31.

Apêndice 2 Encontro com educadores no Chalet Tannegg, Gstaad, Suíça, em 28 de julho (Bulletin 76) e 30 de julho de 1974 (Bulletin 77), KFT-UK, Inglaterra, 1999.

Apêndice 3 PATWARDHAN, S., A Vision of the Sacred. USA, Edwin House Publishers, 1999, p. 110 e 111.

Apêndice 4 LUTYENS, M., Krishnamurti — The Years of Awakening. USA, Avon, 1975, p. 293 a 297 — excertos.

Nota As Cartas foram enviadas para as seguintes escolas fundadas por Krishnamurti:

ÍNDIA Rishi Valley School Rishi Valley 517352 Chittoor District Andhra Pradesh

Rajghat School Rajghat Fort Varanasi 221001 (UP.)

The School — KFI — Madras, Damodhar Gardens Besant Avenue Adyar, Madras — 600 020

The Valley School ‘Haridvanam’ 17th KM. Kanakapura Road, Thatguni Post, Bangalore — 560 062

Bal-Anand, ‘Akash Deep’ 28 Dongersi Road Bombay — 400 006

USA The Oak Grove School P.O. Box 216 Ojai, California 93023

INGLATERRA Brockwood Park Bramdean, Nr. Alresford Hants. S024 OLQ
Jiddu Krishnamurti - A Arte de Aprender

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