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COLECCIÓN DESAFÍOS INTELECTUALES DEL SIGLO XXI
PRÁTICAS DOCENTES, METODOLOGIAS E INCLUSÃO UM OLHAR DESDE A COMPLEXIDADE DA ESCOLA À UNIVERSIDADE Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.)
Práticas docentes, metodologias e inclusão: um olhar desde a complexidade da Escola à universidade Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.)
Originalmente publicado em 2019 em Madri, Espanha, por Global Knowledge Academics como parte da coleção Desafíos Intelectuales del Siglo XXI. 2019, os autores 2019, Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.) 2019, Global Knowledge Academics
Reconhecimento – NãoComercial – SemObraDerivada: Não é permitido o uso comercial da obra original nem a criação de obras derivadas. Práticas docentes, metodologias e inclusão: um olhar desde a complexidade da escola à universidade / por Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.) ISBN: 978-84-15665-33-5
As opiniões expressadas em qualquer um dos artigos publicados neste livro são a opinião dos autores individuais e não a de Global Knowledge Academics, nem dos editores. Portanto, nem Global Knowledge Academics nem os editores são responsáveis e eximem-se de qualquer responsabilidade em relação com os comentários e opiniões exprimidos en cualquer um dos artigos deste livro. Este livro foi financiado pela Comunidade Internacional de Educação e Aprendizagem - www.sobrelaeducacion.com
Índice Prólogo Jenny Patricia Acevedo-Rincón
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I. As práticas docentes Contextualização em física A perspectiva dos discentes em uma escola de Referência em Ensino Médio de Pernambuco Adriano de Araujo Santos A educação na construção da identidade A partir do diálogo entre a História e a Literatura como uma das representações do negro Luiz Carlos de Sá Campos
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Dimensões do letramento matemático no bloco inicial de alfabetização do Distrito Federal Bárbara Ghesti de Jesus, Antônio Villar Marques de Sá
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O diálogo lítero musical Proposta para a formação do docente de música Luana Uchôa Torres
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O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a ótica do PNME Memórias e reflexóes de uma prática docente Simone da Conceição Rodrigues da Silva, Otília Dantas
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A coordenação pedagógica como articuladora da formação continuada do docente Marilsa Duarte Braga da Silva, Otília Maria A.N.A. Dantas
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II. A escola e suas relações
Violência na escola e ruptura nas relações dos sujeitos Cleonice Pereira do Nascimento Bittencourt, Inês Maria Zanforlin Pires de Almeida Biblioteca Escolar Acesso à cultura letrada Maria Marismene Gonzaga, Renata Junqueira de Souza
Contribuições da teoria histórico-cultural e da didática desenvolvimental para o planejamento de ensino de teatro Ana Lara Vontobel Fonseca
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105
117
III. Metodologias ativas e intedisciplinares Uso de Metodologias Ativas apoiadas por recursos digitais Rosimar dos Reis Bessa Couto, Vicente Willians do Nascimento Nunes, Maria Tereza de Moura
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Metodologias Ativas Um estudo de caso para o Ensino de Geometria Euclidiana na Licenciatura 141 Adriana Tiago Castro dos Santos, Maura Araujo Dias Prática docente e ensino-aprendizagem Metodologias interdisciplinares num processo de reflexão-ação Maylta Dos Anjos, Beatriz Brandão
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IV. Inclussão e ensino
O uso do software Gcompris como ferramenta pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem em uma perspectiva inclusiva 161 Cátia Almeida Nascimento, Amaralina Miranda de Souza O trabalho na infância e a exclusão do sistema educacional brasileiro Dalva de Oliveira
179
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a estudante com Transtorno do Espectro Autista Alex Bezerra Leitão, Sérgio Ricardo Alves Knust
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O uso de tecnologias e o processo de ensino-aprendizagem do estudante com Síndrome de Down no contexto da diversidade da sala de aula Silvana Souza Silva Aves, Amaralina Miranda de Souza Estudantes com Autismo na Educação Superior A experiência da Universidade de Brasília - Brasil Thaís Kristosch Imperatori, José Roberto Fonseca Vieira, Jeanne Michelle Matozinhos de Carvalho Ferreira Inclusão de crianças com diagnóstico de paralisia cerebral Contribuição do trabalho em rede Larisse Junqueira Mendes de Carvalho, Cecília Guarnieri Batista
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Práticas docentes, metodologias e inclusão: um olhar desde a complexidade da Escola à universidade Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.)
Prólogo
A
s práticas educativas propõem novos desafios para sus participantes. As necessidades nas práticas atuais pretendem (re) pensar os atuais sistemas educativos, o que sugere mudanças nas práticas profissionais docentes, nas metodologias e contemplar a inclusão desde a escola até a educação superior. Neste livro, Práticas docentes, metodologias e inclusão: um olhar desde a complexidade da Escola à universidade, pretende-se apresentar os diversos olhares das práticas educativas, nos contextos locais da escola e da universidade. O livro contém quatro seções nos quais os temas aprofundam nas práticas da escola e da universidade como universo complexo de relações entre seus participantes. A primeira seção apresenta um conjunto de cinco artigos que percorrem os caminhos da física, literatura, música, anos iniciais e o currículo sob o subtítulo das práticas docentes. Posteriormente, na segunda seção, são apresentados quatro artigos que destacam a escola e suas relações de complexidade. Em esta seção, os autores ressaltam a importância de outros espaços escolares como a biblioteca, a coordenação pedagógica e suas contribuições; ademais disto, propõe-se diversos tipos de sentimentos e comportamentos que caracterizam a violência e subjetividade na escola, via aporte teórico da psicanálise e Educação. Na terceira seção, são apresentados três artigos que identificam as metodologias ativas e interdisciplinares como sua base para o ensinar, refletir e agir. Nesta seção, são abordados os artigos que pretendem analisar abordagens outras que pretendem pela conexão entre saberes distintos e apoiam os processos de ensino-aprendizagem. Por fim, para concluir esta edição, apresentamos cinco artigos que convidam à continuar na abertura do olhar investigativo, frente ao campo da inclusão educativa. O conjunto de artigos pretende continuar o trabalho em crescente pesquisa sobre a atenção à diversidade e a inclusão, não só a nível da escola básica, senão transcender a espaços de formação como os oferecidos pelas universidades. É importante destacar aqui, que a inclusão começa a ganhar um espaço na educação superior, conforme exposto pelos autores ao contemplar a inclusão de estudantes com autismo. Jenny Patricia Acevedo-Rincón Universidade Industrial de Santander- UIS, Colômbia
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I. As práticas docentes
Contextualização em física
A perspectiva dos discentes em uma escola de Referência em Ensino Médio de Pernambuco Adriano de Araujo Santos, Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, Brasil Palavras-chave: Currículo; Planejamento; Ensino de Física; Escola de Referência em Ensino Médio
Introdução
Q
uando tratamos do ensino de Física, imediatamente pensamos em um conjunto de fórmulas e cálculos que são normalmente trabalhados nos últimos anos da educação básica, especialmente nos três anos do Ensino Médio. Apesar de todas as pesquisas e proposições teórico-metodológicas que apontem para a contextualização e o dialogo entre a teoria e prática como ferramentas que facilitem o desenvolvimento das aprendizagens nesse componente curricular, as aulas e provas mantêm a tradição de uma disciplina basicamente reprodutora de conteúdos pouco significativos para o universo dos estudantes. As reformas curriculares que se desenvolveram a nível nacional a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/96, e a reestruturação do currículo no Estado de Pernambuco desde 2012, com a publicação dos Parâmetros Curriculares para a Educação Básica do Estado de Pernambuco, destacam a importância e necessidade de resignificar os conteúdos disciplinares e aproximá-los da vida cotidiana. No que diz respeito a organização da rede estadual, em Pernambuco, desde o ano 2002, vem sendo implementada uma rede de EREM – Escolas de Referência em Ensino Médio, distribuídas em todos os municípios, com jornada: integral, aulas em todos os dias nos dois turnos; semi-integrais: com aulas em um turno e dois dias de contraturno; Escolas técnicas: com funcionamento igual às integrais tendo como foco a formação profissional, a partir de 2008, a ampliação do número de EREM tornou-se uma política de Estado e hoje são mais de 300. Esse conjunto de escolas, além de todas as orientações pedagógicas que dispõem as demais escolas da rede, possui um conjunto de orientações estruturadas para que o currículo priorize a contextualização, a avaliação formativa e a percepção do estudante como um sujeito integral, que possa se inserir na sociedade, sendo capaz de estabelecer seu próprio projeto de vida. Nossa escola tem apresentado alto índice de alunos abaixo da média, principalmente nas primeiras unidades do ano letivo e na disciplina de Física, o que nos indica a necessidade de investigar e propor ações que possam melhorar os índices como reflexo da melhoria na aprendizagem. 11
Contextu aliza ção em física. Santos
Assim, considerando a necessidade de reestruturar o currículo real deste componente curricular, no contexto da revisão anual do PPP da Escola, desenvolvemos esta pesquisa, com o objetivo de identificar a percepção dos estudantes sobre o ensino de física e sua relação com a vida cotidiana. Para tanto desenvolvemos uma breve reflexão sobre o currículo e sua importância para o campo educativo, tendo as seguintes perguntas como orientadoras do nosso trabalho: qual é a perspectiva dos estudantes sobre a relação entre a física e os temas da vida cotidiana? Quais são as contribuições que a física tem dado para a compreensão dos fenômenos naturais e sua relação com a vida social?
O currículo
O currículo é um dos elementos centrais do processo de ensino e de acordo com Gvirtz, S. y Palamidessi, M. (2000), “o significado pedagógico especializado do currículo está longe de definir uma referência inquestionável. No campo da educação, currículo é um termo polissêmico, uma palavra que se associa a uma pluralidade de significado” (p. 49). Das diversas concepções dadas ao termo, escolhemos uma das que consideramos mais representativas para os sistemas de ensino e que se aproxima das características de uma proposta que considere o currículo como um conjunto de conhecimentos que são trabalhados a partir da interação entre o professor, o aluno e os saberes. Para Gvirtz, S. y Palamidessi, M. (2000), um dos conceitos que teve forte influencia no meio académico, compreendia o currículo como um compendio de disciplinas, centrado no saber culto. O conhecimento está organizado em diversas partes, com ênfase no prescrito; esta concepção ainda segue arraigada nos diversos setores do campo educativo; outra perspectiva concebe o currículo como uma declaração de objetivos, um documento pelo qual são apresentados os resultados desejados; em meados do século XX, alguns autores defenderam uma proposta de compreensão do currículo como um plano integral para o ensino, que não se restringe a detalhar os conteúdos e objetivos, mas que fosse um instrumento de referencia para o fazer pedagógico no âmbito da escola, desde o macro até a sala de aula. Assim, longe de ser um documento com a prescrição de conteúdos e objetivos, o currículo deve ser percebido e vivido como um conjunto de conhecimentos, validados desde a ciência, a cultura e o político, que são apresentados e trabalhados pela escola desde a sala de aula até os projetos que são postos em prática fora dos muros da escola. Zabalza (2000, p. 14), trata o currículo nessa perspectiva, que o entende como: “o conjunto de pressupostos de partida, objetivos a serem alcançados e as medidas tomadas para alcançá-los; o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes, etc. que se considera importante trabalhar na escola ano após ano. E, claro, a razão para cada uma destas opções”. Considerando que o currículo seja dinâmico e que esteja de acordo com as demandas da sociedade contemporânea, acreditamos que a contextualização seja um dos elementos que favoreça a aprendizagem e aproximem o conhecimento escolar da vida cotidiana. 12
As prática s docentes
No âmbito da Secretaria de Educação, os Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco, no documento referente às concepções de educação que devem pautar as propostas pedagógicas das escolas da rede e o planejamento dos componentes curriculares, ressaltam o currículo como um campo conflituoso e que para sua elaboração foi necessário à convergência de ideias de representantes da Secretaria, das universidades e da comunidade escolar. A proposta curricular então afirma que “o currículo – stricto sensu – foi tomado como sendo um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências, traduzido em expectativas de aprendizagem” (PERNAMBUCO, 2012a, p. 23), portanto, esse conjunto de conhecimentos foi estruturado em expectativas de aprendizagens que os estudantes devem desenvolver ao longo do processo de escolarização, tendo uma proposta de conteúdos que são organizados desde os mais básicos até os mais complexos, num sistema de idas e vindas, no qual os estudantes retomam conceitos trabalhados anteriormente para poderem avançar naqueles que necessitam de vários aportes para sua compreensão. Os conceitos de currículo formal e real são definidos pelo documento, sendo o real, “aquele encontrado nas leis, nos parâmetros e diretrizes curriculares. A razão da existência de um currículo formal é que ele procura veicular, para todos, o patrimônio científico e cultural da humanidade, na busca de educação de qualidade para todos” (PERNAMBUCO, 2012a, pp. 29 e 30).. Fruto das escolhas dos grupos envolvidos em sua elaboração, o currículo formal reflete o tipo de sociedade que se deseja construir a partir do processo de escolarização ofertado, nesse caso na rede pública estadual. O outro conceito de currículo apresentado, o currículo real é definido como: Aquele que acontece no âmbito das escolas e, mais concretamente, no âmbito da sala de aula, está sujeito a uma série de injunções de ordem política, sociológica, administrativa, financeira, pedagógica, bem como a uma série de negociações que terminam por desenhar um perfil de estudante, nem sempre muito semelhante àquele traçado no currículo formal. (PERNAMBUCO, 2012a, p. 30).
É na articulação entre o formal e o real que desenvolvemos nossa pesquisa, pensando na base legal, no trabalho docente e como eles são percebidos pelos discentes.
A contextualização
Para estruturação dos princípios que orientam uma proposta curricular ou os planos de ensino dos diversos componentes curriculares, uma série de documentos oficiais fundamentam as bases conceituais e as questões mais práticas, como metodologias e procedimentos avaliativos. Neste sentido, os documentos que orientam a elaboração dos currículos regionais também apontam a contextualização como ferramenta para o ensino de Física: 13
Contextu aliza ção em física. Santos
Na contextualização dos saberes escolares, busca-se problematizar essa relação entre o que se pretende ensinar e as explicações e concepções que o aluno já tem, pois a natureza faz parte tanto do mundo cotidiano como do mundo científico. Todavia, os conhecimentos do aluno são freqüentemente inconsistentes e limitados a situações particulares. Assim, não se pretende com a contextualização partir do que o aluno já sabe e chegar ao conhecimento científico, pois esse não é apenas polimento do senso comum. O que se pretende é partir da reflexão crítica ao senso comum e proporcionar alternativas para que o aluno sinta a necessidade de buscar e compreender esse novo conhecimento. (BRASIL, 2006, P. 51).
A contextualização permite uma representação do mundo para que os estudantes possam analisa-lo, compreende-lo, indo mais além do senso comum, aproximando o universo real da ciência e como consequência a melhora da aprendizagem. Nos PCN + o ensino de Física é apresentado como: “como um conjunto de competências específicas que permitam perceber e lidar com os fenômenos naturais e tecnológicos, presentes tanto no cotidiano mais imediato quanto na compreensão do universo distante, a partir de princípios, leis e modelos por ela construídos” (BRASIL, SD, p. 59). Os Parâmetros Curriculares de Pernambuco (2012), destacam a contextualização como elemento necessário para o ensino de Física, que está inserido em um contexto social e cultural que deve dialogar com as ciências, as universidades e seu entorno, sem deixa-la cair na superficialidade que pode gerar conceitos distorcidos. O mesmo texto propõe que o ensino de Física: Deve contribuir para uma formação científica, histórica e humana que possibilite ao educando a capacidade de participação crítica na vida social. Assume, pois, um caráter fundamental para formar pessoas capazes de compreender o mundo em que vivem e nele atuar conscientemente. (PERNAMBUCO, 2012b, p. 32).
Reforçando a necessidade de integrar conhecimento teórico, escolar com a vida cotidiana dos estudantes:
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Voltado para a constituição de um saber significativo e de integração social implica não somente conhecer os princípios fundamentais da Física, mas também saber como chegamos a eles e por que acreditamos neles, uma vez que o conhecimento científico sobre a natureza exige entender como a ciência funciona, permitindo avaliar as características e os limites desse saber. (PERNAMBUCO, 2012b, pp. 33 e 34).
As prática s docentes
Assim, o conhecimento científico desenvolvido no ambiente escolar, não pode estar ancorado no senso comum, mas pode fazer dele um ponto de partida que leve a uma reflexão sobre a Física e as possibilidades de utilização desse conhecimento para compreender os fenômenos naturais e humanos que se entrelaçam na teia das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, concordamos com o que está posto nos PCN + (BRASIL, SD), ao estabelecer que: Quando se toma como referência o “para que” ensinar Física, supõe-se que se esteja preparando o jovem para ser capaz de lidar com situações reais, crises de energia, problemas ambientais, manuais de aparelhos, concepções de universo, exames médicos, notícias de jornal, e assim por diante. Finalidades para o conhecimento a ser apreendido em Física que não se reduzem apenas a uma dimensão pragmática, de um saber fazer imediato, mas que devem ser concebidas dentro de uma concepção humanista abrangente, tão abrangente quanto o perfil do cidadão que se quer ajudar a construir. (p. 61).
A contextualização assume um papel relevante ao aproximar o conhecimento escolar do universo dos estudantes, sem cair no senso comum, essa aproximação pode revelar um pouco da teia do conhecimento que entrelaça as Ciências da Natureza, a Linguagem e as Ciências Sociais, que mesmo estudando isoladamente os fenômenos não podem desconsiderar que eles são compostos de múltiplos fatores e que para sua compreensão é necessário entender os mecanismos que os conectam e que os constituem.
Metodologia
A metodologia triangulou técnicas qualitativas e quantitativas, pois no processo de coleta, tabulação e análise dos dados, recorremos a ferramentas das duas vertentes, de acordo com Chitarroni (2008), “a ideia da triangulação metodológica resulta fértil para superar antinomias e complementar entre si abordagens metodológicos diferentes. Diferentes métodos podem oferecer elementos complementares” (p. 416, tradução nossa). Para a coleta de dados, utilizamos uma entrevista semiestruturada, que de acordo com Sampiere (2014) “(...) são baseadas em um tópico ou guia de perguntas e o entrevistador é livre para introduzir questões adicionais para refinar conceitos ou obter mais informações” (p. 403), aplicada a 82 estudantes: 45 do primeiro ano e 37 do terceiro ano do Ensino Médio. A escolha das séries foi intencional, pois queríamos saber as perspectivas iniciais, dos alunos do primeiro ano passados apenas dois meses do início das aulas e as dos alunos que estavam terminando o processo de escolarização. O que pensam sobre o que aprendem e a aplicação dos conhecimentos na compreensão da vida cotidiana. 15
Contextu aliza ção em física. Santos
Resultados e análise
Pensar no ensino, em contextos tão diversos como temos atualmente, requer idas e vindas em teorias e especialmente o desenvolvimento de uma reflexão sobre a prática, os objetivos da educação e o percurso que o estudante faz até sua formação como cidadão capaz de ingressar no mundo do trabalho ou acadêmico. Como nosso objetivo estava relacionado à contextualização, perguntamos aos alunos sobre a relação entre os conteúdos de Física e a vida cotidiana. O que observamos é que os alunos (as) do primeiro ano têm melhores expectativas sobre esta relação, depois de três anos de estudo, a maioria dos estudantes não consegue ver relação entre a disciplina de Física e sua vida. Os gráficos seguintes sistematizam os dados desta categoria. Gráfico 01 e 02 – relação entre a teoria e prática no componente curricular Física
Fonte: Elaboração própria.
Para 84% dos alunos (as) dos primeiros anos os conhecimentos obtidos em Física tem alguma relação com a vida cotidiana, enquanto que, para os do terceiro o número cai para 62%. Acreditamos que no primeiro ano os docentes iniciam os estudos desse campo do conhecimento tentando apresentar a disciplina como algo mais próximo, contudo ao longo do Ensino Médio estas aproximações vão ficando mais raras o que justificaria a diferença entre as séries. A representação dos alunos sobre o que é estudar física é outra categoria que analisamos. Nela foi possível observar que no terceiro ano predomina a ideia de que estudar física é complicado (8 alunos (as)) e muito difícil (6 alunos (as)), surgiram outras respostas em menor número, como: importante, necessário e enfadonha. Os alunos do primeiro ano apresentaram um número maior de termos para representar o que é estudar Física; 23 termos foram utilizados. Destes destacamos os dois que mais se foram nominados: estudar o universo (8) e estudar os fatos do cotidiano (6). Mais uma vez, esse resultado pode estar relacionado a que os professores procuram associar os conceitos trabalhados a vida dos estudantes.
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As prática s docentes
Quando perguntamos sobre como utilizam os conhecimentos de Física, os estudantes do primeiro ano apresentaram mais situações, muitas delas ligadas aos conteúdos trabalhados, enquanto que os alunos do terceiro ano apresentam um número menor de situações e para 12 deles, não se usa Física em nenhuma situação, como observamos nos gráficos seguintes: Gráficos 03 e 04 – Utilização da física na vida cotidiana
Fonte: elaboração própria.
Fonte: elaboração própria.
Quando perguntamos sobre o uso da Física no cotidiano, os alunos do primeiro ano associaram esta relação aos conteúdos específicos trabalhados. Acreditamos que nesta série os professores procuram dar mais exemplos práticos, visto ser o primeiro contato mais aprofundado com esta área do conhecimento. Enquanto no terceiro ano, a maioria dos alunos não acredita que seja possível usar os conhecimentos em situações práticas e em 17
Contextu aliza ção em física. Santos
segundo lugar acreditam que só poderão utilizar os conhecimentos de Física em provas e no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.
Considerações Finais
A realização da pesquisa aportou elementos importantes para a reconstrução da proposta pedagógica para o ensino de Física, ao apresentar as expectativas dos estudantes sobre a disciplina e como se relacionam os conhecimentos adquiridos com a compreensão do mundo natural e social em que vivem. A partir do levantamento de dados e sua análise, podemos afirmar que, para a maioria dos estudantes, a disciplina de Física tem pouca relação com a vida cotidiana. Eles não veem sentido prático para este componente curricular. Nem conseguem observar as relações que existem entre os fenômenos da natureza e as diferentes estruturas sociais que se desenvolvem a partir da interação entre o homem e o meio. Neste sentido os PCN + (BRASIL, SD), destacam que: Os critérios que orientam a ação pedagógica deixam, portanto, de tomar como referência primeira “o que ensinar de Física”, passando a centrar-se sobre o “para que ensinar Física”, explicitando a preocupação em atribuir ao conhecimento um significado no momento mesmo de seu aprendizado. (p. 61).
A falta de compreensão das relações existentes entre a Física e o mundo que o rodeia, pode ser uma das causas do quantitativo de alunos abaixo da média que verificamos na escola, principalmente nos primeiros bimestres do ano letivo de 2016, tendo em vista que, ao não encontrar sentido nos conteúdos que estudam, não desenvolvem as atividades de forma conscientes nem estabelecem relações entre os diferentes conteúdos para resolver os problemas ou situações propostas pelos docentes. Ao analisarmos conjuntamente os resultados da pesquisa, foi possível desenvolver uma proposta de conteúdos e metodologias mais próximas da realidade dos estudantes, enfatizando a contextualização como uma ponte entre os conhecimentos prévios e científicos e atividades reflexivas e práticas tendo como ponto de partida situações problemas e não apenas a repetição de cálculos descontextualizados, conforme orienta os Parâmetros Curriculares para a Educação Básica do Estado de Pernambuco, quando afirma que “é essencial que a ênfase resida na compreensão de conceitos e em sua aplicação às situações concretas, fugindo ao enfoque matemático excessivo e à memorização de fórmulas com utilização repetitiva em exercícios numéricos artificiais” (PERNAMBUCO, 2012b, p.34). O processo de reflexão sobre a prática, quando realizado considerando também os discentes ganha um significado mais real e próximo da construção de uma escola mais participativa, plural e democrática. Considerando o modelo de educação integral, proposto pelo Estado de Pernambuco, acreditamos que, os estudos empíricos, sobre os diversos temas, desenvolvidos na rede, contribuem significativamente para o 18
As prática s docentes
estabelecimento de um currículo e de práticas pedagógicas dialéticas, nas quais professores e alunos interagem debatendo os conceitos e construindo o conhecimento. Nesse sentido, damos essa contribuição, que poderá servir de base para outros estudos, tanto em outros componentes curriculares, como abordando outros aspectos que envolvam o ensino e a aprendizagem nas EREM.
Referências
BRASIL. (2006). ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Vol. 2. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Brasília. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_02_ internet.pdf. __________. (SD). PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Brasília. Disponível em: http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf. CHITARRONI, H. (comp). (2008). La investigación en Ciencias Sociales: lógicas, métodos y técnicas para abordar la realidad social. Buenos Aires: Universidad del Salvador. GVIRTZ, S. Y PALAMIDESSI, M. (2000). El ABC de la Tarea Docente: Currículum y enseñanza. Aique. Buenos Aires. PERNAMBUCO. (2012a). Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: Conceções. Secretaria de Educação. Recife. ____________. (2012b). Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: Parâmetros Curriculares de Física para o Ensino Fundamental e Médio. Secretaria de Educação. Recife. SAMPIERI, R. H. (et al.). (2014). Metodología de la investigación. 6ª ed. México: Ed. Mc Graw Hill. ZABALZA, M. A. (2000). Diseño y desarrollo curricular. 8ª ed. Narcea, S. A. de Ediciones. Madrid.
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A educação na construção da identidade
A partir do diálogo entre a História e a Literatura como uma das representações do negro Luiz Carlos de Sá Campos, Universidade Estácio de Sá - UNESA, Brasil Palavras-chave: educação; negro; identidade; igualdade
Introdução
N
este artigo, procuraremos discutir alguns dos elementos que são deixados de lado nas salas de aula no ensino da História e Literatura brasileira, no que tange à valorização do negro e a sua contribuição, não só na construção da cultura brasileira, mas também na tentativa de apagamento da sua identidade no curso da história. Ressaltaremos que, embora existam diferentes configurações e arquétipos de Educação, entendemos a escola como um ambiente no qual há aprendizagem, e aquinhoamos mais que o conteúdo ministrado, pois nela são ainda apreendidas crenças, costumes e preceitos. Por outro lado, ela pode ratificar os preconceitos de gênero, classe social e racial. Daí a importância da associação entre a Literatura e a História como base deste artigo, uma vez que ambas possuem relação implexa e apresentam aproximações e afinidades. Embora um número expressivo de educadores dotados de consciência crítica enxergue a Educação como meio para enfraquecer a violência na sociedade e esparzir preceitos positivos entre os jovens, não podemos deixar de questionar se ela também não difunde essa mesma violência que deveria combater. O artigo pretende demonstrar também que a Literatura brasileira possui um catálogo fundado pelos manuais canônicos, no qual a existência do negro e outras representações revelam-se rarefeitas e obscuras, com insuficientes personagens na prosa, nos versos ou nas histórias fixadas na produção literária nacional, e gravados na memória dos leitores. Isso, haja vista que o nosso país é composto de uma nação multiétnica, com sua maior parte de afrodescendentes, fato que não deixa de incomodar e acender hipóteses que possam investigar essas razões. O presente artigo irá se debruçar sobre um dos autores da Literatura brasileira pouco lido e estudado no currículo do ensino médio e na graduação, que subjaz posição ideológica que revela e permite diálogos com a História das relações raciais, éticas e sociais e a cultura afro-brasileira que antecedem ao movimento de afirmação racial e social. Utilizaremos como corpus, a obra O presidente negro, de Monteiro Lobato, uma vez que o autor aborda e aponta como o negro é suprimido de sua representação histórica, política e cultural, e retratado somente como uma categoria racial biologicamente desconstituída, e também a descaracterização de outros sujeitos que abdicam de suas singularidades em nome do pertencimento, apresentado neste livro, e que é prática utilizada até hoje. 21
A educação na constr uçã o da identidade. L. C. S. Campos
Cultura, linguagem e discurso
Uma nova cultura foi desenvolvida com o deslocamento da Europa para as Américas, pelo contato com as várias hierarquias étnicas culturais presentes nos territórios, e com a vinda do negro1 para esse continente, que através de suas tradições e vernáculos influenciou, descentralizou e modificou os modelos europeus de alta cultura, enquanto modelo universal de cultura, gerando o que hoje denominamos de cultura popular. Stuart Hall, em sua obra Da diáspora, nos diz que: “a contemporaneidade é fascinada pelas diferenças sexuais, raciais, culturais e, sobretudo, étnicas”. Não há nada que o pós-modernismo global mais goste que um certo tipo de diferença, um toque de etnicidade, um certo “gosto do exótico” – que podemos também entender como sexual. A cultura popular negra é, por definição, um espaço de contestação estratégica. Não pode ser explicada ou simplificada nos termos que habitualmente são usados para defini-la, tais como alta cultura ou baixa cultura, resistência contra cooptação, experimental versus formal. Isto, segundo os críticos culturais da corrente dominante, que estão voltados somente para escrita, pois ela significa o domínio direto das modalidades culturais. Percebemos que o povo da diáspora desconstrói a escrita, encontrando a forma profunda, a estrutura de sua vida cultural na música, trabalhando e usando o corpo como se ele fosse o único capital cultural que possuíssem, como telas de representação. A cultura popular tem sua base em experiências, prazeres, memórias – principalmente –, e tradições do povo que estão ligadas às esperanças e aspirações locais, tragédias e cenários locais, e às experiências cotidianas das pessoas. Os repertórios da cultura negra, com certeza, eram os únicos espaços performáticos que restavam para os negros, pois eles haviam sido excluídos da corrente cultural dominante. Esses repertórios foram determinados por suas heranças – memórias – e também determinados criticamente pelas condições diaspóricas nas quais as conexões foram forjadas: o contato com ideologias, culturas e instituições europeias, mais o patrimônio africano: (...) conduziram a inovações linguísticas na estilização retórica do corpo, a formas de ocupar um espaço social alheio, a expressões potencializadas, a estilos de cabelo, a posturas, gingados e maneiras de falar, bem como a meios de constituir e sustentar o companheiro e a comunidade. (Hall, 2003, p.343)
Não temos como objetivo fazer o estudo da linguagem como a ciência a percebeu ao conceber recortes que foram, e ainda são, a base das correntes que estudam esse fenômeno linguístico. Compartilhamos, no entanto, do mesmo entendimento de que ela é organizada por uma agregação de formas orais e audíveis, de significantes nos quais os membros de qualquer sociedade conferem significados críveis em uma determinada condição e/ ou circunstância, pois ela é socializada a partir do seu conjunto de signos,
1 A utilização do sintagma “negro”, nesta parte do artigo não tem nenhuma implicação desdenhativa, depreciativo, insultuoso; porém somente para representar: afro-brasileiro ou o afrodescendente.
22
As Práctica s docentes
entendimento que nos leva a apontar que linguagem e cultura estão interligadas e que podemos ter a linguagem verbal e não verbal 2: A linguagem está na natureza do homem, que não fabricou. Inclinamo-nos sempre para a imaginação ingênua de um período original, em que um homem completo descobriria um semelhante igualmente completo e, entre eles, pouco a pouco, se elaboraria a linguagem. Isso é pura ficção. Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca a inventando. Não atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem e a linguagem ensina a própria definição do homem (Benveniste, 1976, p. 285).
A linguagem não é mais reprodutora daquilo que representa como no século XVI, pois não está mais afastada do mundo, em que conhecer era interpretar, pois a linguagem passa a representar o pensamento, como o pensamento passa a representar a si mesmo (Foucault, 2000, p. 107). Ela é a adequada operação da língua no discurso, a habilidade do homem em pronunciar o seu pensamento, cogitar sobre o universo e, principalmente, compor discursos. Michel Foucault, no seu livro A Arqueologia do Saber, ao estudar a correlação existente entre a palavra e o que ela representa, aponta que discurso é qualquer representação culturalmente construída pela realidade, e não uma cópia perfeita (Foucault, 2009, p. 52). Estes discursos elaborados produzem e/ou reproduzem uma concepção cultural sobre o acontecimento histórico que passa a ser aceito e/ou assimilado pelo indivíduo ou pelo corpo social como realidade. Diante do exposto, o discurso é o construtor do conhecimento ao estabelecer as regras de inclusão ou exclusão do que deve ser verbalizado ou não, assim como também do sujeito que é modelado e se posiciona de acordo com a definição estabelecida pelo discurso que, dependendo da categoria de pensamento e diretriz argumentativa, tornam-se verdades, enquanto diferentes modos de refletir, proceder e estar no mundo são marginalizadas.
Cotidiano: ambiente escolar e o real
Ponderar e investigar sobre o cotidiano é dedicar-se ao estudo das pequenas partes como na montagem de um quebra-cabeça. Os estudos norteiam e auxiliam aqueles que se concentram nos estudos da vida cotidiana, principalmente na área da Educação, pois possibilitam um mergulho mais profundo na análise do objeto da pesquisa, produzindo, por conseguinte, um entendimento melhor das situações reais e suas singularidades, principalmente, histórica, social e cultural (Oliveira, 2008, 50).
2 Émile Benveniste, linguista francês, aponta que o uso do vernáculo linguagem, na referência a textos não verbais, seria um erro. Em seu entendimento, a língua é um sistema de signos com um duplo valor de significação: semiótico e semântico. A linguagem, seria a semântica, ligada ao significado do discurso, e a língua, o significado da semiótica.
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No entanto, no ambiente escolar, espaço que deveria promover o diálogo sobre os matizes que compõem a nossa base cultural, nota-se, na verdade, a desvalorização dessa contribuição. Entendemos que houve um certo progresso na discussão sobre as diferenças nas escolas e que muitos educadores não preparam e promovem mais debates devido a uma série fatores que passam pela formação acadêmica deficitária, excessiva jornada de trabalho, estrutura física inapropriada e muitas turmas diferentes. Tais condições prejudicam a preparação das aulas, impedem ou diminuem o hábito da leitura pelos docentes que o tem e não permitem tempo para capacitação. Logo, é desse modo que o sistema permite a inexistência da reflexão e da discussão teórica nas escolas, que deveria ser promovida pelo professor. O livro didático passa a cumprir o papel do educador e a figurar como agente central da aula. Estabelecemos essa constatação com base no ensino médio da rede pública estadual. O livro deixa de ser um instrumento de pesquisa do aluno para ser abraçado, literalmente, como única verdade e cada palavra como um mantra, sem nenhum questionamento. Não há preocupação, por parte do professor, de fazer ajustes à realidade daqueles alunos ou aos objetivos que deveriam ser apresentados pelo docente, mas que não são realizados em virtude de diferentes fatores, principalmente os já mencionados anteriormente. Não pretendemos abordar sobre o uso ou não do livro didático ou emitir opinião sobre a sua função e importância, pois elas já são motivo de estudos, pesquisas e polêmicas. Vislumbramos, em nossos estudos, apontar algumas particularidades literárias e historiográficas didáticas, construídas a partir da homogeneização, que estão relacionadas diretamente às demandas sociais e políticas, na contemporaneidade. Isso, haja visto que, na maioria dos espaços educacionais, o manual didático é a única “literatura” responsável pela construção do conhecimento dos alunos: O livro didático é um dos responsáveis pelo conhecimento histórico que constitui o que poderia ser chamado de conhecimento do homem comum. É ele o construtor do conhecimento histórico daqueles cujo saber não vai além do que lhes foi transmitido pela escola de primeiro e segundo graus (Abud, 1984, p. 81).
Ele é um dos vários recursos utilizados no processo educativo, no entanto, entendemos que ele é um instrumento de pesquisa que deve ser utilizado e seu uso estimulado em qualquer ambiente, mas não do professor, pois este é responsável por conduzir o processo educacional de sua aula, e não o inerte livro didático:
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Os usos que professores e alunos fazem do livro didático são variados e podem transformar esse veículo ideológico e fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino autônomo. As práticas de leitura do livro didático não são idênticas e não obedecem necessariamente às regras impostas por autores ou editores ou por instituições governamentais. (Circe Bittencourt,1998, p.73).
As Práctica s docentes
Os livros didáticos difundem um conhecimento histórico característico a partir da visão do autor, das políticas educacionais implementadas e da editora, que tem como propósito final o lucro. Daí a importância da participação e do acompanhamento do professor, pois o aluno não é uma tábula rasa; ele chega à sala de aula trazendo dentro de si uma mescla de conhecimentos históricos e culturais captados no ambiente familiar, em seus grupos de amigos, pela televisão ou outras mídias, e vários outros. O docente atuará como mediador entre o livro, que esparge uma visão histórica, e o aluno, que traz em si um saber, cultural e histórico, que deverá ser valorizado e empregado, conforme for necessário na dinâmica das aulas, servindo dessa maneira não somente para que edifique o seu pensamento e aprendizagem, mas também para contrapor aos discursos que utilizam da homogeneização para excluir os diferentes, insular e rebaixar a(s) cultura(s) vistas e apregoadas como “diferentes”: Sendo um mediador entre o aluno e o livro didático, o professor precisa estar seguro de sua própria concepção de história, para interagir qualitativamente com qualquer metodologia de ensino ou instrumento didático – pedagógico que se lhe apresente. (Caimi, 2002, p. 29).
A representação do real, que é introduzida em muitos livros didáticos ligados às áreas humanas, especificamente nos de Literatura e História, é um procedimento decidido e compartilhado por uma categoria social que concede a percepção e qualificação do real. Sua apreensão não ocorre por ação objetiva e transparente, pois aquela ordem social procura atender às suas conveniências mais singulares. Tem como propósito autenticar um delimitado lugar social e a si mesmo como “única” representação, ou seja, sua hegemonia sobre os demais grupos, a partir da produção dos discursos dos seus conceitos e convicções. As representações são manifestadas pelos discursos: “as representações do mundo social, embora aspirem a universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam” (Chartier, 2002, p. 17). Desta forma, a elaboração de sentido produzida por esses discursos está diretamente relacionada à leitura da produção do texto, verbal ou imagético, feita pelo leitor: A problemática do “mundo como representação”, moldado através das séries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e a pensar o real. Daí, neste livro e noutros, mais especificamente consagrados às práticas da leitura. (Chartier, 2002, p. 23-24).
Enquanto educadores, devemos salientar que existem diversidades e várias maneiras de se enunciar os discursos, além de esclarecer e enfatizar que há uma pluralidade de leituras, e que os discursos que nos são apresentados como sólidos, podem ser liquidificados, pois foram arquitetados factualmente (Chartier, 2002, p. 26). 25
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Literatura e história
A Literatura e a História são narrativas que contemplam as representações estéticas e a realidade social; elas concebem uma representação sobre a realidade. Não há como conceber uma relação que não seja dialética entre elas, visto que, enquanto a Literatura “é um discurso que ‘informa’ do real”, a História será uma representação adequada, ou bem próxima, do real (Chartier, 2009, p. 24 - 25). Nosso objetivo não é a utilização de uma ou outra área como ferramenta de aprendizagem do conteúdo, mas, sim, como elas, a partir da enunciação que trazem, reiteram os sensos comuns do cotidiano. O Atlas da Violência de 20173 apontou que de cada 100 homicídios que ocorrem no país, 71 foram de jovens de corpos pretos e do sexo masculino. A pesquisa apontou também que o “indivíduo” de corpo preto possui chances 23,5% maiores de padecer por assassinato em comparação aos cidadãos de pele não negra, já subtraídos os fatores idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência. O mesmo ocorre em relação aos homicídios das mulheres negras. Embora tenha ocorrido uma diminuição de 5.3% na taxa de mortes das mulheres de um modo mais abrangente, os números apontam para o crescimento na taxa de mortalidade das de corpo preto. O que chamou atenção foi o crescimento assustador das mortes ocorridas por agressão, uma vez que do total dessas mortes o número de mulheres de corpo preto passou de 54,8%, em 2005, para 65.3%, em 2015; um crescimento de 10,5%, entre o decênio de 2005 a 2015. Ou seja, 65,3% dos assassinatos de mulheres ocorridos no país foram de mulheres de corpos pretos. Os dados apresentados pelo Atlas da Violência é a representação do real. Ele resgata e evidencia a força do discurso presente no Brasil desde o tempo da escravidão, em que o Decreto 13.331, publicado em 17 de fevereiro de 1854, proibia a admissão de indivíduos de corpo preto nas escolas públicas, assim como determinava que a “educação” dos adultos de corpo preto sujeitava-se ao desimpedimento dos professores. Tal discriminação e insulamento não são apresentados e discutidos nos livros didáticos de História no ensino da educação básica, mesmo após a promulgação da Lei 11.645/2008 – que alterou a Lei 10.639/2003 e obrigou a inclusão dos temas relacionados à História e cultura afro-brasileira e africana nas escolas – complementando a anterior ao acrescentar a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Indígena em todas as escolas públicas e particulares que atuam no ensino fundamental e médio. No entanto, diferente do decreto de 1854, a lei de 2008 não bastou, pois não contou com um fator primordial: a valoração dessas representações culturais. Processo inverso ocorreu no século XIX, que privilegiou a desvalorização, mantendo seu matiz até hoje. A nossa reflexão perpassa pelo questionamento de como podemos pensar sobre esses artifícios que tornam natural os preconceitos no ambiente escolar. Ele congrega variadas relações sociais no seu cotidiano, retratando a universalidade cultural da sociedade, a partir do microuniverso social que 3 Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017. pdf. Acesso em: 05 de maio 2018.
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a escola representa. Desta forma, o ambiente escolar poderá ser o espaço no qual a discriminação será reproduzida. Utilizamos como recorte o afrodescendente, pois o Brasil é o país que concentra a maior população negra do mundo fora da África, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2017, reitera essa afirmação ao apontar que 54,9% da população de mais de 207 milhões de brasileiros é composta por corpos pretos. Acreditamos que o saber historial não é uma forma basilar pronta e encerrada, mas sim a progressiva reformulação e concepção que ocorre segundo as questões e premências apresentadas pelo cotidiano. Isso porque a escrita da História é produzida e fundamentada nos fatos que se manifestam a partir de um conjunto de questões principais, uma vez que essa matéria é constituída de fatos e ao historiador compete recorrer às origens para esclarecê-las adequadamente. Lecionar e estudar História transcende o espaço da sala de aula, visto que se refere à aquisição de um conhecimento que irá conduzir o sujeito na formação de sua existência. Apontamos que a Lei 11.645/2008 não abrange de forma a valorizar as representações africanas e afro-brasileiras no cotidiano das escolas, pois há um processo de invisibilidade praticado geralmente pelo negro no intuito de sobreviver na maioria dos espaços físicos em que circula, principalmente no ambiente escolar. Outra forma de invisibilizar o negro é classificá-lo como pardo em sua certidão de nascimento, o que posteriormente irá constar em sua carteira de identidade. Sobre esse apagamento da identidade do afrodescendente, o livro O presidente negro, de Monteiro Lobato, já discutia e sinalizava a prática que vigorava no pensamento da sociedade daquela época, e que ainda perdura, sobre a miscigenação, item polêmico das teorias raciais, considerado como “mistura racial”, que produzia um tipo biológico social corrompido e mentalmente incapaz. Ela foi objeto de debate por um grupo que adotou as teorias raciais no estudo de Medicina Legal na Faculdade de Medicina da Bahia, instituição científica de grande importância no final do século XIX. Vale lembrar que dentre outros males, os casos de epilepsia, doença mental e alcoolismo eram vistos como consequência direta da miscigenação. Para manter a população saudável, fazia-se necessário evitar a miscigenação, visto que ser miscigenado significava estar doente, nascer doente, ou viver doente. Para outros seria justamente a miscigenação que permitiria à civilização brasileira, em médio ou longo prazo, tornar-se totalmente composta por brancos. Somente a partir da miscigenação é que se daria o processo de branqueamento, e a “raça branca”, considerada mais evoluída, corrigiria os sinais deixados na população pelas “raças inferiores” constituídas por negros e índios. Daí o estímulo à imigração europeia durante o final do século passado e a proibição para asiáticos e africanos, que eram impedidos de entrar no país. Por isso, o governo mantinha o policiamento nos portos brasileiros. Apresentada oficialmente em Londres, em 1911, no I Congresso Universal das Raças, pelo delegado brasileiro e diretor do Museu Nacional, João 27
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Batista de Lacerda, a tese intitulada Teoria do Branqueamento, apontava que a partir da miscigenação, até o ano de 2011, haveria o embranquecimento completo da população brasileira, totalmente avaliado pela “ciência”. A tese tomou forma de jurisdição de ideologia, transformando-se em lei, em 1921, pelas mãos dos deputados Cincinato Braga e Andrade Bezerra, que apresentaram projeto no Congresso Nacional, proibindo a imigração de “indivíduos humanos das raças de cor preta” no país. Seguindo a mesma linha de pensamento, o deputado Fidélis Reis propôs outro projeto, que proibia a “entrada de colonos da raça preta”. Os autores dos projetos afirmavam tratar-se de precaução. Naquele mesmo ano, diante da divulgação feita no Brasil e no exterior de que o governo do Mato Grosso concederia terras no interior de estado para os que se dispusessem a ocupá-las, os negros norte-americanos se interessaram pela proposta. Em todo o país, diversos jornais registraram as várias opiniões contrárias à imigração desses homens. Um deles trazia o seguinte questionamento: “Por que irá o Brasil, que resolveu tão bem o seu problema de raça, implantar em seu seio uma questão que não entra em nossas cogitações? Daqui a um século, a nação será branca” (apud Albuquerque; Filho, 2006, p. 207-209). Podemos perceber que no Brasil a ideia de “raça” passou a ser a circunspeção essencial e totalmente nefanda de classificação social, na qual as características físicas e culturais do ser humano, como a cor da pele, o formato do nariz e o tipo de cabelo, enfim, toda “marca” de origem racial, são justificativas para a desigualdade. Tais elementos serviram como base e foram apontados por Monteiro Lobato em O presidente negro, que traz o sugestivo subtítulo de O choque das raças. O presidente negro evidencia que no progresso da sociedade dos homens e no começo da Idade Moderna a existência simples, natural, é absorvida pelos mecanismos do poder estatal e a política torna-se biopolítica. Nota-se claramente, no romance, que o indivíduo, um simples ser vivente, torna-se artefato de apostas das estratégias políticas do poder soberano, que a partir deste biopoder, passa a dispor de corpos dóceis para suas manobras, ao falar da despigmentação da população negra. No romance, é certo, há palavras fortes e cheias de carga semântica preconceituosa, como “raça infeliz” e “superioridade mental dos brancos”. O livro contém diversas passagens nas quais o negro é retratado como ser selvagem, destacando uma posição de inferioridade diante da raça branca, daí à necessidade dele querer parecer cada vez mais com seu opressor. E é clara a necessidade de acabar com qualquer marca de diferença entre negros ou brancos: “Quase não havia distinguir um indivíduo do outro, pois tomar um homem ao acaso era ter nas mãos uma poderosa unidade de eficiência dentro de um admirável tipo ariano” (Lobato, 2008, p.116). O mesmo se dá com o tipo ideal de mulher: “Finas sem magreza, ágeis sem macaquice, treinadas de músculo por meio de sábios esportes” (Lobato, 2008, p. 117). Naquela época, os estudos sobre os negros eram vistos como subversão dos valores tradicionais, com forte tendência comunista; algo suspeito e pouco confiável para a direita nacionalista. A pesquisa de Artur Ramos, naquela época, contribuiu para o desmascaramento inclemente do nosso 28
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mestiçamento, encoberto como uma doença oculta por todos os brasileiros, que viviam consumidos pela nostalgia de serem “brancos europeus”. No início do século XX, precisamente em 1919, Gonzaga de Sá, personagem do livro de Lima Barreto, Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, revelou a triste realidade de um homem negro: “Olha, ninguém quer ser negro no Brasil” (Barreto, 1989, p. 32).
Considerações Finais
Neste artigo, um dos objetivos foi evidenciar que embora alguma medida tenha sido tomada no sentido de - mesmo que tangencialmente - jogar um pouco de luz sobre a importância e valorização do homem negro na sociedade brasileira com a criação de uma lei sobre o tema, o dispositivo legal não aborda o cerne da questão. Os conteúdos ministrados em sala de aula não discutem, identificam, analisam ou demonstram algumas das falas encontradas na prática docente, principalmente na rede pública estadual de educação, no cotidiano do ambiente escolar, no qual os alunos reproduzem os mesmos discursos excludentes diante do que lhe parecer ser diferente ou visto fora do “padrão”. A escola que vigora no país tem como base o ensino do colonizador e da matriz europeia de pele e olhos claros, em substituição as matrizes africanas. Por isso, apontamos como o ensino das disciplinas de História e de Literatura brasileira são relevantes no sentido de combater os discursos apresentados pelo senso comum e do enganoso pensamento racial que pôs e imputou ao cidadão negro condições, intensamente, desvantajosas na sociedade. Ele é ainda um embrião da minha pesquisa de Doutorado, com estudo sobre a prática docente e alguns dos discursos que, a partir da homogeneização, produzem desigualdades e exclusão, principalmente na rede pública de educação. Isso, levando-se em consideração que os preceitos de desigualdade e de exclusão têm sua composição, suas mutações e sua materialização construídos no âmbito dos conflitos das relações sociais, nas quais ocorrem a intervenção de grupos sociais formados em função do seu estrato social, gênero, etnia, língua (com suas variações), cidade/bairro, sexo, etc., que vêm sendo reproduzidos no ambiente escolar em virtude de um raciocínio hegemônico de normalidade, produzindo a discriminação, com eficácia que não se pode determinar o grau, já que ela varia de acordo o tempo histórico ou a sociedade. Isso porque, na desigualdade, o aspecto classe tem uma função predominante, embora a sua eficácia discriminatória dependa de outros aspectos ligados a especificamente à etnia e ao sexo. Neste sentido, apresentamos a obra O presidente negro, de Monteiro Lobato.
Agradecimentos
Gostaria de expressar agradecimentos a Educare - Universidade Corporativa Estácio -pela concessão de ajuda de custos para apresentação deste trabalho no VII Congresso Internacional de Educação e Aprendizagem. 29
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Referências
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Dimensões do letramento matemático no bloco inicial de alfabetização do Distrito Federal Bárbara Ghesti de Jesus, Universidade de Brasília, Brasil Antônio Villar Marques de Sá, Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: alfabetização; letramento matemático; narrativas; professoras.
Introdução
O
Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) da rede pública de ensino do Distrito Federal (DF), Brasil, atende aos alunos dos primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Fundamental e elenca como eixos norteadores do processo de ensino e de aprendizagem a alfabetização, os letramentos e a ludicidade. Na medida em que tais eixos são relacionados em igualdade de importância no processo educacional do BIA, questiona-se se os professores alfabetizadores estão aptos a equilibrarem o tempo e a importância destinados à alfabetização em língua portuguesa ao mesmo tempo e importância destinados ao letramento matemático. O objetivo geral do estudo foi identificar a compreensão de letramento matemático das professoras participantes da pesquisa; os objetivos específicos buscaram identificar a importância destinada ao letramento matemático no BIA; o espaço destinado ao letramento matemático na grade horária das professoras; além da relevância do letramento matemático para a promoção dos estudantes ao quarto ano, período subsequente ao BIA. Foram reunidas as narrativas de três professores do BIA, colhidas por meio de entrevistas individuais semiestruturadas e interpretadas sob a inspiração da análise do discurso. Deste estudo, depreendeu-se que, embora a alfabetização em português e o letramento matemático possuam espaços equivalentes na grade horária das professoras, a alfabetização em português é considerada fundamental para a aprovação dos estudantes do terceiro e último ano do BIA, em detrimento ao letramento matemático.
Desenvolvimento
Um dos precursores e defensores dos ciclos de aprendizagem foi o sociólogo suíço Philippe Perrenoud, que, ao perceber a diferença nos tempos e formas de aprendizagem escolar proporcionados pela desigualdade social, se atentou ao que chamou de “pedagogia diferenciada” (PERRENOUD, 2000): Presentes em todas as sociedades, as desigualdades reais de capital cultural apresentam-se, primeiramente, como capacidades desiguais de compreensão e de ação, revelando um poder desigual sobre as coisas, os seres e as ideias. Nem to-
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Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá dos os indivíduos que coexistem em uma sociedade, tanto as crianças quanto os adultos, enfrentam as situações da vida, sejam elas banais ou extraordinárias, com os mesmos meios intelectuais e culturais. Essa desigualdade existe tanto nas sociedades sem escola como nas sociedades altamente escolarizadas, mas a emergência da forma escolar modifica o estatuto, a natureza e a visibilidade das desigualdades sociais (PERRENOUD, 2000, p.18).
Portanto, os ciclos de aprendizagem têm como principal objetivo atender à individualidade do estudante, proporcionando o tempo e a forma de aprendizado de cada um com vistas ao acesso e igualdade de ensino a todos. Este estudo fez um recorte dentro do Bloco Inicial de Alfabetização do Distrito Federal voltado à aprendizagem matemática, denominada nos documentos que o regem por letramento matemático. Buscou-se o enfoque da pesquisa qualitativa, com estudo do documento oficial Diretrizes Pedagógicas do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) e análise das narrativas de três professoras atuantes no BIA, em busca das dimensões do letramento matemático, o tempo e a importância destinados a este componente escolar na prática das docentes. A importância deste estudo se evidenciou nos questionamentos apontados por Tardif (2014), quando confidenciou que a vivência do professor está intimamente relacionada à sua prática escolar, direcionando parte do processo pedagógico conforme sua experiência de vida, desde a sua condição de aluno até a sua condição de professor. Será que eles se servem de todos esses saberes da mesma maneira? Será que privilegiam certos saberes e consideram outros periféricos, secundários, acessórios? Será que valorizam alguns saberes e desvalorizam outros? Que princípios regem essas hierarquizações? (TARDIF, 2014, p. 21).
Tardif (2004) e Nóvoa (2014) coadunam na ideia de que o profissional professor tem em si marcas da sua vida desde quando estudante. Que essa bagagem tem muita força nas escolhas das práticas pedagógicas, simpatizando com esta ou aquela estratégia de ensino, baseada nas suas próprias memórias escolares. Nóvoa firmou que “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (2013, p. 17). Assim, importa investigar o espaço e a importância destinados ao letramento matemático no BIA, uma vez que suas diretrizes afirmam ter os vários componentes curriculares o mesmo espaço e importância dentro da grade curricular. De tal forma, este estudo procurou responder se os professores alfabetizadores estão aptos a equilibrarem o tempo e a importância destinados à alfabetização em língua portuguesa ao tempo e importância destinados ao letramento matemático. Para obter a resposta para tal questionamento, buscou-se como objetivo geral identificar a compreensão de letramento matemático das professoras participantes da pesquisa, perpassando três objetivos específicos: I. 32
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identificar a im-portância destinada ao letramento matemático no BIA; II. identificar o espaço destinado ao letramento matemático na grade horária das professoras; e, finalmente, III. identificar a relevância do letramento matemático para a promoção dos estudantes ao quarto ano, período subsequente ao BIA.
Bloco Inicial de Alfabetização
O Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) teve seu início no ano de 2005 na Coordenação Regional de Ceilândia do Distrito Federal, após a promulgação da Lei nº 3.483, de 25 de novembro de 2004, a qual estabeleceu o novo Ensino Fundamental (EF) de 8 para 9 anos de duração. Em 2009, o novo EF já estava implantado em todas as Coordenações de Ensino do DF. O BIA nasceu da necessidade do cumprimento à Lei Federal nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, em seu art. 5º, que estabelece: A reorganização do tempo e do espaço escolar, a fim de que se pudesse obter um processo de alfabetização de qualidade, bem como reafirmar um dos objetivos do Plano Nacional de Educação de 2001: a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública (DISTRITO FEDERAL, 20012, p. 9).
O objetivo do Bia, bem como de todo o EF, é a “formação integral do sujeito autônomo, crítico e solidário” (DISTRITO FEDERAL, 2012, p. 4). Assim, o BIA foi organizado em ciclos de aprendizagem e pensado a partir de escolas que proporcionassem “o avanço de todos com a qualidade de aprendizagem e respeito às questões individuais dessas aprendizagens” (DISTRITO FEDERAL 2012, p. 10). Tais ciclos preconizam a progressão continuada, evitando a retenção dos estudantes nos primeiros anos da alfabetização, ideia esta que também é defendida pelo próprio Ministério da Educação (MEC). Especificamente no BIA: A criança inicia a primeira etapa do Ensino Fundamental no primeiro ano aos seis anos de idade, segue para a segunda etapa com sete anos, chegando à terceira com oito. A retenção acontece, caso o estudante não alcance os objetivos do ciclo, apenas na passagem do terceiro para o quarto ano (JESUS, 2014, p. 19).
Na política da progressão continuada os estudantes que não alcançaram o êxito desejado dentro do primeiro ou do segundo ano do BIA são conduzidos ao próximo ano com o direito de iniciar os seus estudos do ponto de conhecimento onde pararam, considerando que a vivência em um longo ano letivo não foi em vão. Diferentemente da aprovação automática, a qual desconsidera a existência de quaisquer obstáculos e desafios, levando o estudante a iniciar o ano seguinte como se houvesse adquirido todo o conhecimento proposto no ano anterior. O BIA propõe um repensar na organização do tempo escolar, transformando o tempo cronológico, rígido em tempo peda-
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Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá gógico, circular, dinâmico, buscando a retomada de aspectos importantes do processo de ensino e de aprendizagem, ou seja, dos conhecimentos tratados nas diferentes situações didáticas com os estudantes. Deve-se lembrar, também, que as pessoas têm tempos diferentes de aprendizagem e, consequentemente, aprendem de formas diferentes. Nesse sentido, os professores devem criar oportunidades diferenciadas de aprendizagem para os estudantes e, para tal, é imprescindível que organizem o trabalho e o tempo didático em função de cada um deles, garantindo, assim, um ganho significativo na formação plena de futuros cidadãos (DISTRITO FEDERAL, 2012, p. 19).
Depreende-se assim que o BIA prescreve uma organização escolar que prioriza a individualidade do estudante, o tempo e a maneira de aprendizagem de cada um, com o objetivo maior de alfabetizar e letrar todos os estudantes ao final do bloco, no terceiro e último ano da alfabetização. Sobre a alfabetização e letramento, as Diretrizes Pedagógicas do BIA apoiam-se em conceitos que definem ambas como práticas complementares, designando a alfabetização como a aprendizagem do sistema de escrita e o letramento como as efetivas práticas de leitura e de escrita (FERREIRO, 2001). As diretrizes expressam que “todo estudante deve falar, ouvir, ler e escrever, seja qual for a área do conhecimento trabalhada” (DISTRITO FEDERAL, 2012, p. 24).
Letramento Matemático
Ensinar matemática, na alfabetização, pressupõe, resumidamente, a compreensão do sistema numérico decimal (SND) e seu uso nas operações básicas. No entanto, o letramento matemático procura ir além do uso dos números nas atividades escolares, alcançando o uso da numeração, da geometria, do sistema de medidas, do tratamento das informações e da resolução de problemas na vida cotidiana, em situações que ocorrem no dia a dia da criança. Para tanto, é importante que a Matemática desempenhe, equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas curriculares. (BRASIL, 1997, p.25)
Por isto, as Diretrizes Pedagógicas do BIA trazem a terminologia letramento matemático, no lugar da tradicional matemática, apenas. Fiorentini e Lorenzato (2012) definiram a matemática como prioridade aos conteúdos formais da disciplina e denominaram a educação matemática como “um meio ou instrumento importante à formação intelectual e social de crianças, jovens e adultos” (p. 3). Afirmaram ainda que a matemática se trata de uma área exata, enquanto a educação matemática integra as áreas
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socais ou humanas, pois está voltada ao ensino e à aprendizagem da matemática, por meio de métodos interpretativos e analíticos, objetivando a “formação integral, humana e crítica do aluno e do professor” (FIORENTINI; LORENZATO, 2012, p. 4). O letramento matemático, indissociável da educação matemática, é o ato de além de alfabetizar e letrar o estudante, seguindo a perspectiva que diferencia a alfabetização (processo de ler e escrever os signos) do letramento (compreender como funciona a estrutura da língua e a forma como é utilizada), difundida por meio dos estudos de Soares (1998). Assim como na educação da língua portuguesa, a educação matemática concluiu que não há progressão da aprendizagem na simples apreensão da técnica, ignorando a apropriação da sua devida utilização. Mais que utilizar a técnica em situações estanques, é preciso compreendê-la e utilizá-la nos diversos contextos sociais. Desta forma, o BIA é pautado na alfabetização e nos letramentos (de todas as disciplinas) utilizando-se da ludicidade como estratégia de ensino e aprendizagem. O perfil de saído dos alunos do BIA é de um estudante que compreenda a técnica matemática e a utiliza não só na vida escolar, mas também e principalmente, na sua vida como sujeito crítico e autônomo. O letramento matemático do Bloco traz, pautado no Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs, volume 3, quatro grandes blocos da aprendizagem matemática norteadores da Organização do Trabalho Pedagógico (OTP): Tabela 1. Blocos da aprendizagem matemática norteadores da OTP no BIA Blocos da Aprendizagem Matemática
Denominação
Área de estudo
Espaço e Forma (Geometria)
Formas e das posições dos objetos
Grandezas e Medidas
Relação espaço e forma objetivando a integração entre os conhecimentos geométricos e aritméticos
Números e Operações (Aritmética) Tratamento da Informação Fonte: Dos autores.
Representações de quantidades e da contagem
Organização, da interpretação e da comunicação de dados estatísticos e probabilidades
Importante ressaltar que, conforme as diretrizes que regem o BIA, esses blocos se inter-relacionam, não são estudados de forma separada ou estanque, eles coexistem, pressupondo um trabalho interdisciplinar1 e buscando a formação integral para construção da autonomia.
1 Possibilidade de quebrar a rigidez dos compartimentos em que se encontram isoladas as disciplinas dos currículos escolares (FRIGOTTO, 1995)
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Metodologia
Fiorentini e Lorenzato (2012) elencaram “dois tipos básicos de perguntas quando se faz pesquisa em EM2 e elas têm a ver com os objetivos mencionados” (p. 11). O primeiro tipo de perguntas são aquelas que surgem “da prática de ensino, ou melhor, da reflexão do professor-investigador sobre sua própria prática e sobre a prática de outros” (p. 11). O segundo tipo de perguntas são aquelas que derivam “de investigações ou estudos precedentes ou da própria literatura” (p. 11). Este estudo se guiou por perguntas do primeiro tipo. Surgiu da reflexão da autora sobre a sua prática e também sobre a prática de seus pares. Sob uma perspectiva qualitativa, eximiu-se da apresentação ou da análise de quaisquer valores numéricos. Ao contrário, priorizou-se a narrativa dos professores alfabetizadores atuantes no Bloco Inicial de Alfabetização, sobre as suas práticas escolares no que tange ao letramento matemático. Tal denominação foi utilizada por ser a mesma contida nas Diretrizes Pedagógicas que regem, sistematizam e normatizam o BIA. Como definição de pesquisa qualitativa, considerou-se a abordagem descrita por Minayo (2001) ao concluir que esta se contrapõe à representação numérica, à medida em que se fundamenta na subjetividade e no envolvimento do pesquisador com o objeto de estudo. As narrativas aconteceram por meio do que se considerou pertinente chamar de entrevista individual, pelo fato de que questões foram previamente pensadas para a manutenção dos diálogos no assunto de interesse do estudo, bem como para retomada do assunto específico, quando deles os diálogos se desviavam. Ao longo das entrevistas entre investigadora e participantes da pesquisa, houve a preocupação de confortá-las deixando-as à vontade para se expressarem naturalmente sobre o que acreditassem ser necessário, ou mesmo sobre o que simplesmente desejassem desabafar. O letramento matemático era retomado sempre que as professoras-participantes esgotavam suas confissões, confidências, angústias e inquietações. O que podemos denominar, conforme Barbier (1997) de escuta sensível. Portanto, embora denominadas entrevistas individuais e semiestruturadas, o que ocorreu de fato foi um diálogo amistoso entre professora-pesquisadora e professoras-participantes. A análise das narrativas foi realizada por meio da interpretação e compreensão inspiradas na perspectiva da análise do discurso proposta por Foucault (2007b), analisando a especificidade de cada uma das narrativas. Buscou-se o “mais” (FOUCAULT, 2007a) em que o pesquisador só poderá encontrar por meio do seu atento olhar e do seu sensível ouvir, subjetividades que dão a especificidade de cada narrativa, narradas por meio das diferentes experiências de cada narrador. Embora houvessem categorias previamente elencadas para a análise, não foram descartadas aquelas que surgiram pela espontaneidade dos professores-participantes, tornando-se também objetos de análise. 2 Educação Matemática
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Construção das informações de pesquisa
As Práctica s docentes
As informações foram colhidas por meio das narrativas de três professoras atuantes no Bloco. Dentro do BIA, duas já trabalharam em anos diferentes e uma tem experiência apenas no terceiro, mas as três já lecionaram também nos quartos e quintos anos. No ano deste estudo, 2017, cada uma se encontrava em um ano diverso. Porém, essa característica não influencia nos aspectos observados e por isto não serão descriminadas. Dias antes dos diálogos as professoras foram consultadas e a elas foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual elas consentiriam ou não suas participações. Para descrição das narrativas, as professoras foram identificadas como Ana, Eva e Lia.
Professora Ana
Ana, 40 anos de idade, fez no antigo segundo grau o curso acadêmico e depois, complementação pedagógica em magistério, nível técnico. Graduou-se em Letras e, posteriormente, fez complementação pedagógica em Pedagogia. Sua intenção era ter duas habilitações para ensino fundamental pelo curso magistério em nível de segundo grau e, para fundamental II e ensino médio, graduação em Letras. Porém, com a exigência de nível superior para atuar também no fundamental I, recorreu à Pedagogia. No início de sua carreira profissional optou pelas turmas de ensino médio, não se adaptou e procurou trabalhar com o ensino fundamental I. Trabalhou alguns anos em escolas da rede privada, depois na rede pública como professora substituta e hoje é professora efetiva da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), totalizando 12 anos de profissão como professora, especificamente há cinco anos dentro do Bloco Inicial de Alfabetização. Ana teve influência familiar para entrar na alfabetização, gostou, identificou-se e quis continuar alfabetizando: É muito mais fácil cronologicamente, você sabe os passos até o final do ano. Você sabe como vai começar, como você vai pro meio e como você vai chegar ao final. Então, eu acho mais fácil.
Ela caracterizou sua história com a aprendizagem matemática igual à trajetória da “maioria das pessoas”: Eu gosto muito da área de humanas, então, desde pequena que eu não tenho talento para o negócio da matemática. Não tenho habilidade para o cálculo, não tenho habilidade para nada. Você já cresce com isso, e ainda mais eu, porque assim, na minha época, só eram boon em matemática os meninos, as meninas não prestavam para o cálculo. Só depois que eu entrei na SEEDF que eu comecei a ter acesso a materiais e cursos. Hoje eu sou melhor em matemática do que quando eu era estudante.
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Como formação continuada tem dois cursos relacionados à matemática, um de extensão em ensino e aprendizagem matemática e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Ana relatou que em toda a sua vida sempre tirou cinco em matemática, “apenas para passar (de ano)”. Pois sempre soube que a matemática não seria uma necessidade em sua vida profissional: Só que quando você começa a dar aulas, você percebe que precisa ir além, precisa saber mais matemática.
Ana contou que sempre foi uma ótima aluna, mas que tinha nota baixa em matemática. Na sétima série ficou em recuperação pela primeira vez e foi em matemática. Para ela, isso foi um episódio muito vergonhoso na época. Tanto que não queria enfrentar a recuperação, o professor, os colegas, os vizinhos, a própria família. Ela lembrou que sua nota final em matemática foi 4,85 e que, por causa desses poucos décimos (0,15), teve de enfrentar a recuperação para não perder o ano escolar, que, a propósito, foi um ano de sucesso, com notas altas, acima de oito, em todas as outras disciplinas. Nesta ocasião, Ana tinha uma amiga que sabia muito de matemática e ofereceu aulas de reforço, Ana passou uma semana na casa da amiga estudando para passar na recuperação. Ressaltou que a prova, que supostamente avaliaria um ano inteiro de matéria, foi uma folha com cinco “sistemas” (achar o valor de x) para resolução. Ela narrou que fez a prova, acertou todas as questões, mas que ainda hoje lembra que foi muito revoltante. Sobre alfabetização e letramento, Ana afirmou serem coisas distintas: Alfabetização é uma coisa e o letramento é uma coisa que você faz além da alfabetização. É como se você oficializasse a sua alfabetização, tivesse usando. Você aprende e depois você vai praticar.
Esta mesma definição Ana considera para todas disciplinas, inclusive para a matemática. Ainda ressaltou que o seu letramento matemático foi inexistente, pois ela “apenas aprendeu o necessário para sobreviver”. Perguntei se para sobreviver dentro da escola da escola ou fora da escola e a resposta foi imediata: “dentro da escola, fora não!”. Sobre letrar matematicamente seus alunos, Ana acredita que: Acho que a frustação que eu vivi na idade escolar com matemática teve pra mim um efeito muito bom, porque eu prometi a mim mesma que meus alunos não vão aprender como eu aprendi [...] porque eles não merecem! Eles têm a chance de uma coisa que eu não tive.
Ana sente-se mais à vontade em relação ao ensino do conteúdo de matemática, ao que denominou “conscientização do número”. Acredita que o ponto de partida para o letramento matemático é a criança ter: 38
As Práctica s docentes
Consciência sobre o número, saber as classes, compor e decompor o número [...] quando a crianças está familiarizada com isso aí, o resto flui. Ela não tem dificuldade.
O conteúdo que menos gosta e que acredita ser muito cedo para ensinar são as medidas de capacidade: Não estou falando de noções, né? O quilograma, a questão do litro. Eu falo assim, quantas casinhas tem que andar pra frente, quantas casinhas tem até aqui, quantas casinhas você anda pra trás, transformar... Eu acho que para o final do Bloco, ela ainda não aprendeu as coisas primárias para entender isso.
Respondi que quando estudante vi este assunto na antiga quinta série, tentando lembrá-la de que este conteúdo não pertence aos anos de alfabetização, mas sem sucesso. Ana também narrou que os alunos trazem conhecimentos matemáticos de casa, por exemplo, a manipulação e o reconhecimento de cédulas e moedas. Disse que é uma vivência que a escola não proporciona, mas que eles aprendem em casa, “eles lidam muito bem com o dinheiro”. Afirmou que as crianças trazem um conhecimento muito útil de matemática à escola: Deus me livre de não considerar o que eles trazem de casa, tu não tem de onde partir. Tem que partir do que eles trouxeram.
Mas disse que não saber se o conhecimento matemático trazido de casa tem tem conexão com a matemática escolar. Também relatou que percebe uma predileção da matemática pelos estudantes de gênero masculino. Que por eles haveria aula de matemática todos os dias, mas que, para maior parte das estudantes de gênero feminino, as aulas de matemática nem existiriam: Eu percebo assim: os meninos adoram muito [...] as meninas, como eu, do mesmo jeito, “nossa tia, eu odeio! Eu não sei, tia,! Não adianta que eu não aprendo!”. Então, assim, eu vejo essa divisão entre meninos e meninas.
Reiterei perguntando se ainda hoje e ela respondeu:
Ainda hoje! Ainda na reportagem da semana passada sobre as Olimpíadas de matemática! A premiação tinha duas meninas e aquela fila quilométrica de meninos.
No cronograma das disciplinas, Ana relatou que a matemática e o português são igualmente favorecidos em tempo e espaço, somando inclusive, mesmo isoladamente, mais tempo que as outras disciplinas: Português e matemática têm muito mais tempo que as outras disciplinas. É melhor de trabalhar, tem mais material, e também mais um pouco de ciências. Como eu passei pelo PNAIC, inclusive o de ciências, abre mais a sua mente naquele ano
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Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá que você está estudando e no ano seguinte, mas depois vai se perdendo de novo. Porque a gente não tem um espaço devido, a gente não tem um lugar pra lavar um pincel, a gente não tem uma terra pra cavar, é tudo cercado, tudo sujo, tudo cheio de arame. Você não tem! E ciências, estudos sociais é você observar, depois você confrontar, mas você tem que observar.
Sobre a relação de importância entre português e matemática, Ana disse que cada ciclo tem suas metas e que é imprescindível que os alunos as alcancem. Que não precisa ser de “forma primorosa”, mas que pelo menos o mínimo. Que por mais que existam “alunos mais fracos”, existem requisitos que eles têm de ter. Perguntei especificamente sobre o ciclo de alfabetização, se um aluno que lê e escreve muito bem mas que não sabe matemática, não atingiu os requisitos mínimos exigidos para promoção ao quarto ano, se ainda assim ela o aprovaria: Sim, eu aprovaria. Matemática, você alcança ela no começo, no meio, no fim. Você não pode atrasar a criança. Ela tá alfabetizada, né? Acho que com a intervenções você consegue depois.
Lancei a mesma questão, porém invertendo as afirmações. Um aluno do terceiro ano, o último do bloco, que tem excelência em matemática, mas não lê ou escreve como se espera, seria aprovado? Se ele souber escrever sim. Se ele for alfabetizado mesmo com dificuldades na ortografia, mesmo com dificuldades na leitura, ele vai. Porque eu acho que precisa mesmo é ler e escrever.
Perguntei se ele seria aprovado pela excelência em matemática ou pela pouca leitura e escrita: Eu não tiraria ele do bloco de alfabetização se ele não estivesse alfabetizado em português.
Insisti perguntando se ela conseguiria o consentimento do conselho escolar para aprovar um aluno com excelência em matemática, mas sem a suficiência esperada em português: Olha, ficaria bem dividido, porque você bate de frente com a ideologia de cada professor. Mas a decisão final é minha. Só aprovo se souber ler e escrever, mesmo que seja muito, muito, muito bom em matemática. Mas isso eu estou falando de uma criança regular, regular mesmo. Sem nenhuma indicação para diagnóstico.
Professora Eva
Eva, 36 anos, trabalhava como professora há oito anos, estando há dois no BIA. Graduada em Pedagogia, com especialização em Orientação Educacional. Eva disse que sempre sonhou em ser professora, mas que antes de fazer Pedagogia, cursou três semestres de Fisioterapia. Relatou que era uma das 40
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melhores alunas de anatomia e que por isso começou a achar a morte muito natural. Porém, com o falecimento de seu avô, ela se desencantou com aquele universo e decidiu partir para a Pedagogia, ser professora: Eu falei: Agora eu vou ser professora, não quero mais. Vou fazer aquilo que sempre tocou lá no meu coração e talvez eu fugia. Aí eu larguei, tranquei fisioterapia e fui fazer Pedagogia. Sempre pensei em Pedagogia mesmo, porque eu nunca gostei de estudar. Então matemática, ciências, essas coisas assim, não ia dar certo.
Relatou também os motivos que a levaram à escolha da Pedagogia, que seria um curso mais fácil em vários aspectos tais como “facilidade do conteúdo”, por não haver matemática, “acessibilidade financeira” e “mercado de trabalho”. Perguntei então se ela não acreditava que se envolveria tanto com a matemática fazendo Pedagogia e Eva afirmou categoricamente que escolheu Pedagogia por não ter que estudar nem trabalhar com matemática: Sempre quis dar aulas para a Educação Infantil por quê? Porque a gente só ensina os números! Eu achava que não ia me aprofundar tanto na matemática, pensava que eu não era capaz. Então talvez ia muito para o lado da Educação Infantil por causa disso.
O processo de alfabetização na língua materna foi muito rápido, Eva entrou na escola com cinco anos e aos seis já lia e escrevia. O mesmo não ocorreu com a alfabetização matemática: A minha alfabetização matemática começou no meu primeiro ano de escola, junto com a de português, assim, falo das operações mais simples. Mas eu sempre tive muita dificuldade. Eu tive mais facilidade em ler e escrever do que na matemática.
Eva guarda uma lembrança especial da sua professora do terceiro ano: Porque eu era muito fraca em matemática. Aí, um dia depois da aula, ela veio, conversou comigo, me incentivou dizendo que eu era capaz, que eu escrevia tão bem! Escrevia assim, eu errava um pouco a ortografia. A gente lá tinha um caderninho de ditado, então eu errava um pouco as palavras, mas pouquíssimas. Ela sentou comigo e falou: olha, você vai fazer essa prova aqui, junto comigo, está bem? Aí, falou umas coisas bem bonitas [...], e foi quando eu consegui fazer a prova, as operações e tirei nota boa. Eu tinha nove anos, estava na (antiga) terceira série. Eu fiz a prova separada de todo mundo, depois do horário, porque a prova que eu tinha feito antes, eu não tinha respondido nada.
Sobre cursos de formação continuada, Eva diz que não teve oportunidade, ainda, de frequentar cursos. Relatou com pesar que na época dos cursos do PNAIC ela estava em coordenação, o que a impediu de participar.
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Eva narrou que sempre gostou mais da Educação Infantil, mas que depois que teve seus dois filhos, achou melhor procurar novas experiências, inclusive para auxiliá-los. Eva lembrou o fato de que as provas, à época, eram corrigidas de caneta vermelha e disse que ver suas provas de matemática causavam uma sensação muito ruim. Ainda ressaltou que sua lembrança mais marcante com a matemática foi o episódio relatado sobre a professora da (antiga) terceira série, dizendo que, embora as circunstâncias tenham sido ruins, foi uma experiência positiva. Entre alfabetização e letramento, Eva distinguiu uma relação: Antes, no meu tempo, a alfabetização era ba, be, bi, bo, bu. Não se tinha uma aula assim de escrever uma redação, não se trabalhava muito isso. E hoje não, a gente já trabalha de uma forma contextualizada, trabalhar por exemplo, dentro de um texto, uma determinada letra. Ver que aquela letra faz parte de um texto, que ela compõe um texto, uma frase, um apalavra. Eu não tive isso. Eu fui alfabetizada na cartilha, ba, be, bi, bo, bu. E isso me trouxe muita dificuldade para fazer uma prova de concurso, por exemplo. Depois de adulta eu tive que reaprender a ler, interpretar os contextos.
Em relação a ensinar o conteúdo de matemática do bloco, Eva disse que agora está satisfeita: Este ano foi um ano em que eu me superei, sabe? Todas as expectativas, até as minhas próprias. Porque eu fui coordenadora, então, eu ficava espiando as meninas... Este ano eu cheguei no terceiro ano, vi o conteúdo de matemática e falei: Pera aí! Eu lembro que a professora Lia fez isso, que a Ana fez aquilo... E quando eu tinha alguma dificuldade eu perguntava pra elas. A professora que trabalhava comigo tinha muita experiência, então ela me ajudava também.
A respeito da professora supracitada, que trabalhou junto com Eva, é a professora do mesmo ano e turno, ao contrário do que possa pensar, não trabalhavam na mesma sala, mas planejavam juntas as aulas de ambas as turmas. Eva disse que seus alunos amam as aulas de matemática, porque ela “dá” as aulas com empolgação:
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Eu mesma estou super empolgada, comprei durex colorido para fazer o quadro QVL; a gente aprendeu a fazer a tabuada com os dedinhos; então foi muito legal! Eu não sabia que eu tinha esse talento todo para ensinar matemática. As formas geométricas que eu odiava no tempo da escola, que para mim era um bicho de sete cabeças, eu dei para eles. Nós montamos as formas geométricas, procuramos na sala as formas geométricas que estávamos estudando. No livro didático tinham as formas para montar, nós montamos e guardamos tudo dentro de uma caixinha de sapato. Ficou lindo! Este ano eu até estou me encantando com a matemática.
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Mas, ainda assim, relatou que geometria é o conteúdo que se sente menos à vontade para ensinar: Mesmo não gostando eu estou empolgada, porque é como se eu tivesse aprendendo junto com eles. Eu me preparo antes, lógico! Porque se eu não me preparar eu não tenho coragem de chegar e dizer: hoje é aula de geometria. Eu não ia saber nem por onde começar.
Entretanto, o que mais se sente à vontade para trabalhar com seus alunos é a questão das “posições dos números”: Que cada número tem a sua casinha. Unidade, dezena e centena. Isso é bem legal. Sabe por quê? Porque com o tempo eu entendi que isso é a base de tudo para você entender a matemática. Se você não compreender isso, se a criança não compreender que o número tem uma casinha e que o 1, dependendo da casinha, vale cem, vale mil, vale um milhão, você nunca vai entender a matemática. Mas isso, eu só aprendi agora, quando eu comecei a ser professora.
Eva percebeu que seus estudantes não têm muita afinidade com matemática e que preferem outras disciplinas. Embora não diferencie por gênero, citou como exemplo duas estudantes meninas. Acrescentou que os pais não têm muito tempo disponível para os filhos, o que acaba comprometendo o sucesso escolar, uma vez que não têm apoio para realizar as tarefas da escola enviadas para a casa. Eva exemplificou uma situação especifica de quando seus alunos não gostavam da matemática: Eu percebo que eles não gostam da matemática quando ela está muito longe da realidade deles.
Completou tal afirmação exemplificando as aulas sobre o sistema monetário, que por ser do cotidiano deles e eles entenderem, são as melhores aulas. Esclareceu ainda que os alunos já chegam à escola com parte deste conhecimento, que é prático, que é diário e que não precisa estar na escola para aprendê-lo, mas que a escola sistematiza o conhecimento. Eva mostrou considerar o conhecimento prévio dos estudantes ao iniciar cada conteúdo. Sobre os requisitos necessários para a aprovação de um aluno do terceiro para o quarto ano, Eva definiu que a primeira condição é ler e compreender um texto, saber as posições dos números, como eles são formados e saber adição, subtração além da multiplicação: Ou seja, eles serem quase letrados. Mas assim, no básico, de acordo com a idade deles.
Eva aprovaria um aluno que soubesse ler e escrever mesmo que não compreendesse a matemática, mas não aprovaria um estudante com excelência
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em matemática, porém com baixo conhecimento da língua portuguesa e explicou: Eu cheguei até onde eu cheguei sem compreender muito a matemática. E olha onde eu cheguei: passei num concurso público! E nunca fui uma aluna excelente. Quantos colegas meus eram alunos magníficos e no meio do percurso desistiram? Não arrumaram uma profissão? Então, eu aprovaria um aluno sem ele saber matemática.
Dentro da grade horária, Eva, narrou ter matemática quatro dias da semana, sendo terça-feira o único dia em que não há matemática em sua turma.
Professora Lia
Lia, 36 anos e cursou o Magistério em nível de (antigo) segundo grau. Fez cursos rápidos de linguagem e alfabetização antes de trabalhar como docente; assumiu o cargo de professora efetiva da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal quando não havia a exigência de nível superior; cursou Pedagogia e especializou-se em Orientação Educacional. Lia faz questão de frequentar o maior número possível de cursos ofertados pela SEEDF. Escolheu cursar Pedagogia porque já trabalhava como professora da educação infantil e anos iniciais, gostava e queria seguir em frente, porém mais qualificada. Lia teve lembranças de uma alfabetização mecânica e tardia, entrou aos sete anos de idade na primeira série escolar, sem cursar a educação infantil: No início para mim era um deslumbre de ir pra escola. Eu venho de uma família muito pobre, então a questão do lanche também influenciava muito. [...] Mas me lembro de quando comecei a ler: a professora passava aquelas cartilhas, lembra? Trabalhava com cartilhas, o b-a: ba, o b-e: bé, aqueles textinhos bem curtinhos, bem específico da letra. Não tinha nenhuma contextualização em relação à minha vida, em relação à comunidade que a gente vivia, ali, próximo à escola. Não tinha essa contextualização. Era bem mecânico.
Lia contou que o primeiro livro que conseguiu ler foi o da Rapunzel, que isso a encantou, porque, primeiro, ela codificou aquelas letras e palavras e insistiu muito com a professora para emprestar a ela o livro:
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Depois de muita insistência, eu consegui que a professora me desse o livro, porque eu não tinha nenhum livro na minha casa. Não tinha, eu não lembro de ter nenhum livro em casa quando eu era pequena. Então eu lia esse livro na escola. A professora acabou me dando ele. Então ficava ali horas e horas decodificando. Depois de muitas vezes assim, decodificando letra por letra e juntando sílaba por sílaba, eu consegui ler realmente, eu consegui entender a história. Aí eu ficava lendo
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aquela história, interpretando e compreendendo, várias vezes. Nossa foi assim, lindo mesmo! Inesquecível!
Lia não se recordou de algum professor específico que a tenha marcado de alguma forma. Disse não ter muitas lembranças dos professores, mas que recorda muito da convivência com as outras crianças: Eu reprovei a quarta série. Só que eu não entendia porque eu tinha reprovado, porque eu ia sempre pra escola, estava sempre ali, mas na verdade eu não sabia nada. Só que eu não conseguia entender isso. Para mim, ir à escola todos os dias, já era o suficiente. Então eu não entendia o porquê de ter que fazer a mesma série outra vez.
Lia contou que ao chegar no Distrito Federal, na quinta série, começou a entender melhor o que era a escola. Contou que até em matemática ela melhorou, pois decorava o conteúdo e tirava boas notas: Mas assim, ainda era mecânico. Ainda era bem mecânico. Matemática mesmo, eu comecei a me dar bem, mas eu decorava o que estava ali, o que era ensinado. Eu decorava e depois conseguia fazer nas atividades, nas provas. Não era como agora, como a gente trabalha muito a leitura, a interpretação com as crianças, situações problemas. Naquela época não. Você tinha que saber fazer a continha, responder certo e pronto!
Lia recordou de ter compreendido o significado de ir à escola estudar quando entendeu o significado de aprender. Antes, nos primeiros anos escolares, ia apenas por diversão. Relatou que a partir do sexto ano começou a ver as fórmulas matemáticas e que ainda que não soubesse para que serviam, conseguia decorar e aplicar nas atividades e provas, mas que não era possível relacionar nada à sua vida fora da escola. Afirmou não ter traumas relacionados à matemática. Porém, ao chegar no segundo grau magistério, percebeu as lacunas em sua aprendizagem: Então assim, eu tinha muita dificuldade em didática da matemática. Só que, gente!, eu era tão bem em matemática e agora eu não estou conseguindo desenvolver na didática da matemática. [...] Foi quando eu percebi que o que eu tinha aprendido não era suficiente para eu poder ensinar. Eu tinha aprendido somente para mim.
Lia comentou que a confecção e a aplicação de jogos didáticos a auxiliaram na compreensão de conhecimentos que faltavam para que ela entendesse determinados procedimentos matemáticos. E que achou muito interessante que ao (re)aprender a matemática dos anos iniciais conseguisse compreender a matemática dos anos finais: Foi aí que eu consegui desvendar, porque às vezes você lê ali e você não compreende muito, mas você começa a construir e a ver a diferença em muita coisa que você tinha dúvida.
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Lia é professora há quinze, alfabetizadora há sete, não deseja sair do BIA, ela disse que gosta, que se realiza e que, por enquanto, não tem planos para desenvolver outros projetos fora do Bloco. Atualmente ela se sente mais segura, pode inovar em sala de aula, porque já tem vivências para saber o que dá certo e o que não dá. Em relação à sua história pessoal com a matemática, Lia reafirmou ser uma história tranquila, sem traumas. Mas ressaltou que quando criança não foi capaz de perceber a matemática, que é tão prática, em sua vida e que hoje ela compreende e tenta mostrar aos seus alunos que a matemática está presente em tudo: Eu não tinha essa compreensão, que a matemática fazia parte do meu dia a dia, que era legal gostar de matemática, que era bom, que a matemática era algo bom. Não era algo que você tinha que ir para a escola fazer e aprender. Quando você consegue perceber no seu dia a dia, acaba se tornando algo fácil e bom de ser estudado.
Lia recordou com pesar que mesmo indo ao mercado ou fazendo um bolo quando criança, mesmo assim não percebia que era matemática, que as operações que fazia na escola eram as mesmas que fazia no seu dia a dia. Sobre alfabetização e letramento, Lia disse que há uma forte relação entre eles: A criança pode ir muito bem, igual a mim, no início. Fui alfabetizada mecanicamente, eu decodificava, somente. Não tinha presença ali do letramento. Quando você é alfabetizado dentro da perspectiva do letramento, hoje em dia eu já vejo essa diferença, é diferente. A gente percebe um aluno mais crítico, mais participativo, que entende melhor o que está acontecendo à sua volta.
Lia, inclusive, estabeleceu esta relação também na área da matemática: Alfabetização está presente em tudo, principalmente no letramento matemático. Se a criança consegue ler, escrever e entender aquilo ali que ela está estudando e consegue perceber que aquilo faz parte da sua vida, que faz parte do seu dia a dia, ela vai fazer com mais facilidade, vai ser mais fácil a compreensão.
Lia estabeleceu uma diferença no ensino de sua época como discente e agora como docente. Disse que antigamente a ênfase era mesmo em linguagem, leitura e escrita tinham maior importância e que as disciplinas não tinham conexão entre si. Hoje Lia diz que procura facilitar ao máximo a compreensão de seus alunos, acredita que contextualiza as disciplinas com a vida das crianças e também entre elas mesmas. Disse que não é fácil, mas que tenta, sempre que possível, trabalhar a interdisciplinaridade. Lia lembrou da importância do uso de materiais concretos para o letramento matemático. Disse que o PNAIC foi um marco na sua própria 46
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aprendizagem e que não entende o porquê dos resultados pós Pacto não terem sido positivos: Eles (MEC3) falaram que ofereceram o PNAIC, que teve um investimento muito grande na formação de professores, mas que o retorno não foi o esperado.
Lia exemplificou sua hipóteses para o insucesso do PNAIC:
Eles ofereceram uma formação de excelência para uma estrutura ultrapassada.
Lia criticou o aspecto conteudista do currículo, mas ressaltou que se fosse possível fazer um trabalho interdisciplinar seria viável conseguir cumpri-lo. Ressaltou a importância das posições e formação dos números e a resolução de situações problemas. Lia contou da dificuldade de seguir o cronograma de estudo e conteúdos devido ao enraizamento de uma escola mecânica, onde tudo se decorava: Um dia, quando comecei a dar multiplicação, por conta própria já compraram logo uma tabuada para os meninos. O pai veio me falar: “professora, já é para a minha filha estudar a tabuada de quanto? Ela já sabe a do dois”. Eu falei: Como assim? Aí, o pai me disse que já tinha comprado a tabuada para filha, que tinha colocado uma na mochila e que em casa já estava tomando a tabuada dela. Aí, eu tive que explicar que primeiro eu gostaria que a filha dele entendesse o que é a multiplicação, porquê ela existe, por que e como a gente usa a multiplicação e que eu queria que ela aprendesse a construir a tabuada antes de decorá-la. Mas o pai queria tomar a tabuada da filha em casa e queria que eu tomasse a tabuada dela na escola. Exatamente como foi com ele. E comigo também!
Lia acrescentou que se lembra que a professora chamava um a um na mesa dela e tomava a tabuada em dias específicos da semana. Então ela decorava no dia anterior para responder corretamente, mas no dia seguinte já havia esquecido. Acrescentou ainda que somente no curso magistério compreendeu que 2x2, por exemplo, era o número dois repetido duas vezes e que por isso era igual a quatro. Lia destinou ao letramento matemático o mesmo tempo destinado ao português. Disse que essas duas matérias são mais trabalhadas que as demais. Principalmente porquê as formações são sempre de português e matemática e que as avaliações externas são sempre avaliadoras dessas duas disciplinas. Lia enfatizou que aprovaria um aluno para o quarto ano caso ele lesse e escrevesse bem, ainda que não soubesse matemática. Mas que não aprovaria um aluno que não soubesse ler e escrever, ainda que ele fosse excelente aluno em matemática. 3 Ministério da Educação
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Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Considerações finais
As narrativas mostram a compreensão de letramento matemático das professoras do BIA em seus discursos. Foi possível perceber que na prática escolar do BIA a matemática é considerada uma disciplina difícil de relacionar o conhecimento escolar com o conhecimento cotidiano, o que evidencia que o trabalho pedagógico se fundamenta na perspectiva do letramento. Entretanto, há um caminho traçado e que as professoras se esforçam em seguir. Muitas coisas as impedem, como por exemplo, a cultura formada pelos seus próprios anos quando discentes, seus traumas, suas empatias. A falta de conexão entre a matemática de casa e a matemática da escola, criou um imaginário de que existem duas matemáticas distintas. O que esclarece uma lacuna no ensino de matemática que remonta à época dos primeiros anos escolares das professoras e que persiste atualmente. Aproximadamente um período de três décadas de ensino engessado, descontextualizado. A Educação Matemática não está concebida na escola, mas aos poucos vai tomando forma, graças à percepção de professores que aceitaram os desafios de seguir em frente quando compreenderam que a matemática está presente em tudo. A questão de gênero (reforçada pela premiação na olimpíada de matemática) ainda que tenha sido contestada cientificamente, é socialmente aceitável e culturalmente compreendida, de acordo com a narrativa da professora Ana. A falta de relação entre os conteúdos matemáticos apareceu nos discursos travestidas de dificuldades de entendimento. Obstáculos pedagógicos são naturais quando a matemática não é contextualizada com a vida, quando apresentada de forma fragmentada, como se um conteúdo não dependesse do outro, tornando-a mais abstrata e mais incompreensível. Claramente se pode perceber nas narrativas que não há uma continuidade entre os conhecimentos da mesma disciplina, eles são apresentados e estudados de forma estanque. Quando integrados ao diálogo, alfabetização e letramentos são termos utilizados em todas as disciplinas, mas, quando a narrativa é espontânea, sem direcionamento, tais termos se incorporam apenas na aprendizagem da língua materna, o português. Contexto, dia a dia, foram palavras recorrentes nas narrativas e, geralmente, acompanhadas de expressões que denotaram a construção do conhecimento. Um pequeno passo para uma estrutura educacional em desenvolvimento, mas um grande passo para o professor que conseguiu associar ideia, necessidade e prática escolar na busca por melhor desenvolvimento intelectual de seus alunos. O espaço destinado ao letramento matemático na grade horária das professoras foi dividido em duas partes, metade para matemática e português e a outra metade para as demais disciplinas. Suas narrativas mostraram que muitos fatores corroboraram nesta divisão. Por exemplo, as provas 48
As Práctica s docentes
pensadas como medida de conhecimento, não só na escola como, principalmente, as avaliações externas que aferem somente estas duas áreas do conhecimento, considerando-as mais importantes. Estas avaliações externas, inclusive, se mostraram mais determinantes na organização do trabalho pedagógico que o próprio currículo escolar. Este é um desafio a ser superado, mas, para alcançar esta conquista, há um caminho longo a ser percorrido. As pedras no caminho são muitas, desde o sistema educacional até uma cultura tradicionalista estruturalmente forte e persistente. Embora a alfabetização em português e o letramento matemático possuam espaços equivalentes na grade horária dos professores, a alfabetização na língua portuguesa é considerada fundamental para a promoção dos estudantes em detrimento ao letramento matemático. A escrita e a leitura da língua portuguesa são primordiais para a aprovação de um estudante. Contradizendo assim, as diretrizes Pedagógicas do BIA, que trazem expressamente a igualdade entre as diversas áreas do conhecimento, além de explicitar o ensino pautado na alfabetização e nos letramentos, este último no plural, evidenciando que a alfabetização e o letramento estão em todas as áreas do conhecimento e ressaltando que não há hierarquia entre eles. As narrativas desvelaram que a autorreflexão das professoras foi inevitável quando confrontaram suas experiências discentes e suas práticas docentes, percebendo-se uma única pessoa. Relação determinante para que iniciassem no caminho do letramento matemático sob a perspectiva de, nas palavras delas: oferecer uma aprendizagem mais leve, de fácil compreensão e utilização no mundo real. Diferente do aprendizado maçante que lhes foi ofertado.
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Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
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O diálogo lítero musical Proposta para a formação do docente de música
Luana Uchôa Torres, Instituto Federal de Goiás, Brasil Palavras-chave: literatura e música; formação docente; currículo; licenciatura em música
Considerações iniciais
E
ste texto teve como fator motivador nossas observações realizadas durante o exercíco de docência no curso de Licenciatura em Música do Instituto Federal de Educação de Goiás (IFG), na cidade de Goiânia, localizada na região centro-oeste do Brasil. Realizamos uma pesquisa bibliográfica acerca da temática formação de professores de música no Brasil, e analisamos o currículo do curso de Licenciatura em Música do IFG, a fim de refletirmos sobre a contribuição das interrelações de duas linguagens artísticas – Literatura e Música – para a formação do docente de música. Salientamos que, embora este estudo se restrinja ao curso do Instituto Federal de Goiás, a proposta que apresentamos foi pensada de maneira a poder servir a outros cursos de licenciatura em música. Nesse sentido, as ideias aqui apresentadas podem ser utilizadas por outrem, e esperamos que assim o seja, posto que visamos a melhoria da formação do docente de música em todo o Brasil. Entendemos que repensar o currículo das licenciaturas é assumir uma preocupação em aprimorar a formação dos docentes. Nossa experiência na docência possibilitou proximidade com a realidade dos cursos de música no Brasil e, por consequência, gerou inquietação acerca das atuais condições das licenciaturas. Dentre os problemas que despertaram nossa atenção, destacamos o fato da prática da interdisciplinaridade ainda ser um obstáculo para os docentes de música formados no Brasil. No entanto, durante as atividades em sala de aula, percebemos o desejo dos estudantes em ampliar seus conhecimentos em relação à prática interdisciplinar. Por isso, optamos em buscar a solução para o problema por meio da interdisciplinaridade. O interesse no ensino da interdisciplinaridade é algo que já existe há muito tempo. Porém, no que diz respeito ao ensino de música no Brasil, essa prática ainda não corresponde ao esperado. Embora já exista uma legislação e documentos oficiais que exigem o trabalho interdisciplinar nas escolas brasileiras, a atuação dos docentes de música ainda precisa se desenvolver nesse sentido. Parte disso se deve às dificuldades que os professores têm para pôr isso em prática. Dificuldades, essas, que existem porque os professores não tiveram formação para realizar um trabalho interdisciplinar. Por esse ângulo, questionamos: Como as universidades brasileiras estão preparando o docente de música para o trabalho interdisciplinar? Como podemos fazer para nossos docentes de música colocarem em prática a exigência da legislação? 51
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
Procurando uma solução objetiva para o problema, se focarmos em diálogos entre campos diferentes de conhecimento, por que não aproveitar a aliança milenar entre literatura e música? Visto que essa aliança ocorre desde os tempos da antiguidade, por que não trazer isto para o âmbito da educação e formação do professor de música? Uma vez feito isso, como estruturar uma disciplina interdisciplinar que trabalhe literatura e música para preparar os docentes? Todas essas questões instigaram o início desse estudo. Contudo, evidentemente, não ousamos responder a todas de uma vez nesse breve texto. Assim sendo, apresentamos aqui uma proposta de disciplina e esperamos abrir espaço para se pensar novas proposições acerca desse tema. Mas, por que escolhemos exatamente o diálogo entre literatura e música? Ora, sem dúvida o assunto de formação do professor de música é de atual interesse dos pesquisadores brasileiros. Porém, ainda não impactaram no Brasil estudos que tratem sobre de que maneira uma relação interdisciplinar entre literatura e música pode contribuir para essa formação. Além disso, possuimos uma dupla licença: graduação em Letras e em Música. Esse fator nos proporciona fundamentos para realizar um trabalho interdisciplinar e permitiu experiência com ambas essas linguagens artísticas. Portanto, reconhecemos que é possível trabalhar suas confluências e correspondências, e que elas são importantes para o desempenho profissional dos que atuam em ambas as áreas. Afinal de contas, para trabalhar interdisciplinarmente, é necessário possuir conhecimentos gerais básicos das áreas. Logo, é importante que os professores tenham domínio do conteúdo e domínio do ensino desse conteúdo. Apontamos também o fato do estudo das interrelações lítero-musicais ser uma área que tem mais carência na formação dos professores de música no Brasil. Lembramos ainda que, os livros didáticos para o ensino de Artes, adotados nas atuais escolas públicas brasileiras, são carentes de abordagem interdisciplinar entre música e literatura. Além do mais, considerando que, além de compreender a relação de diálogo entre as áreas de conhecimento, o docente precisa ter atitude interdisciplinar, pretendemos despertar tal atitude nos futuros professores de música, estudantes do curso de Licenciatura em Música do Instituto Federal de Goiás. Para tanto, nossa sugestão é incluir na matriz curricular desse curso uma disciplina que trate, de forma didática, sobre as interrelações lítero-musicais. Nossa proposta, portanto, é que esse docente compreenda os princípios gerais da literatura além dos da música que aprendem nas atuais disciplinas da licenciatura, para que consigam dialogar essas linguagens
Em defesa da prática interdisciplinar no currículo das licenciaturas em música
A sociedade contemporânea exige um docente de música que consiga responder às demandas das novas realidades. Para tanto, é fundamental que novas reflexões acerca da formação desse docente sejam desenvolvidas, e 52
As Práctica s docentes
os caminhos de aprendizagem sejam modificados. Nesse sentido, enxergamos que, para atingir tal ponto, o percurso deve começar pela renovação do currículo dos cursos formadores de professores, aliada ao estudo interdisciplinar. De acordo com José Carlos Libâneo (2011, p. 9), há unanimidade entre os educadores “em reconhecer o impacto das atuais transformações econômicas, políticas, sociais e culturais na educação e no ensino, levando a uma reavaliação do papel da escola e dos professores”. Essa autor também nos lembra que, dentre as exigências da realidade contemporânea, uma delas é: “Modificar a ideia de uma escola e de uma prática pluridisciplinares para uma escola e uma prática interdisciplinares” (Libâneo, 2011, p. 32). Pois, a escola pluridisciplinar segue uma organização disciplinar, na qual as disciplinas são “justapostas e isoladas entre si, geralmente sem integração entre os domínios do conhecimento”. Esse tipo de organização dificulta o conhecimento interdisicplinar, porque lida com o conhecimento de forma fragmentada. Já a interdisciplinaridade, é interação, diálogo entre vários campos de conhecimento (Libâneo, 2011, p. 32) Nessa lógica, para que haja uma modificação na prática escolar, é preciso que haja primeiro uma mudança de atitude dos professores. Acerca disso, Libâneo (2011, p. 33) observa: “Uma mudança de atitude dos professores diante da rigidez da organização disciplinar implica compreender a prática da interdisciplinaridade em três sentidos: como atitude, como forma de organização administrativa e pedagógica da escola, como prática curricular.” Ou seja, essa atitude interdisciplinar envolve muito mais que apenas as relações entre as diciplinas. Envolve também as relações interpessoais na escola, “construção coletiva do conhecimento”, ou seja, envolve abertura de diálogo em amplo sentido. Por conseguinte, essa atitude deve incidir sobre vários ângulos, contemplando também a prática docente. A respeito disso, a autora Ivani Fazenda (1994) explica: A atitude interdisciplinar é uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor. Atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidos, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim de vida. (Fazenda, 1994, p. 82).
Consequentemente, para se obter sucesso no trabalho interdisciplinar, a formação do docente precisa ser condizente com tais exigências. Acreditamos que a formação inicial do docente deve ser ampla, de tal modo a possibilitar uma variedade de percursos profissionais a serem trilhados. Para 53
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
tanto, entendemos que é necessário reconhecer que essa formação não deve se limitar ao campo da área específica do docente. Ao contrário, deve haver, nos currículos das licenciaturas, uma integração entre as disciplinas e seus conteúdos, a fim de que o licenciando possa ter acesso às práticas interdisciplinares, dialogando com diferentes campos de saber. No entanto, nesse ponto, precisamos esclarecer que a proposta aqui exposta não diz respeito à prática da polivalência. Acerca disso, concordamos com Maura Penna (1995), quando ela pondera que: A escola só pode de fato promover a democratização se (e apenas se) ela se voltar para o desenvolvimento da familiarização com as linguagens artísticas, se assumir um trabalho que tanto permita o contato com diversificadas manifestações artísticas quanto desenvolva a percepção e a compreensão dos elementos básicos de cada linguagem. (Penna, 1995, p. 20).
Em décadas anteriores, prevaleciam no Brasil os cursos de Licenciatura em Educação Artística, no qual o licenciando estudava e se formava para uma habilitação artística vinculada à outras artes. No entanto, em meados dos anos 2000, a ideia de fortalecimento de conhecimentos específicos de cada área, de cada linguagem artística, na formação do professor, foi deixando de lado a ideia da polivalência. Isso resultou em criação de licenciaturas com habilitações específicas. Esse fator, é um dos que contribuiu para o desenvolvimento de estudos e pesquisas acerca da formação do professor de música no Brasil, uma vez que o olhar dos estudiosos se voltou para o entendimento da formação especifica do docente de música, distanciada da polivalência. Essa ideia da especificação se intensificou depois da lei 11.769/2008, a qual tornou obrigatório o ensino de música nas escolas de educação básica. No entanto, de acordo com Penna (2006), é preciso ficarmos atentos para que a especificidade e a ilusão de autossuficiência não sejam perda de relação com as outras áreas: O resgate dos conhecimentos próprios de nossa área – refletido na proposta curricular das licenciaturas específicas em música – é sem dúvida um avanço, diante do quadro brasileiro de esvaziamento de conteúdos correlato à implantação da Educação Artística. No entanto, é preciso ter cuidado para não cair em uma extrema disciplinarização, que compartimentalize o saber. (Penna, 2006, p. 40).
Em vista disso, o temor em relação a música perder sua autonomia se transformou no temor de ela perder o diálogo com outros campos artísticos, ou com outros campos de saber. Penna (2006) considera importante esse diálogo acontecer, a fim de que o docente amplie a compreensão da realidade. Especificamente em relação ao educador musical, em defesa de uma flexibilização dos currículos das licenciaturas em música, essa autora esclarece:
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As Práctica s docentes
A interdisciplinaridade, o diálogo entre campos do saber, não pode estar restrito à pesquisa ou à pós-graduação; pode e deve, a nosso ver, integrar e enriquecer a própria formação do educador musical, na licenciatura. Com isso, não pretendemos diluir os currículos das licenciaturas em música em generalidades, perdendo o domínio dos conteúdos que nos são próprios. (Penna, 2006, p. 41).
Nessa mesma esteira, argumentamos que os currículos desse cursos devem ser contruídos pensando numa organização de diálogos entre os campos de saber. No entanto, pontuamos ainda que tal diálogo não pode ocorrer se o docente não tiver domínio da sua própria área especícifica de conhecimento. Logo, ele precisa ter domínio dos conhecimentos gerais básicos da sua especificidade e da área com a qual realizará o diálogo. Para tal, deve ser fornecido ao licenciando possibilidades de práticas interdisciplinares dentro da sua formação inicial, práticas que permitam o futuro docente saber lidar com esse trabalho em sua atuação profissional. No entanto, infelizmente, verificamos formações em contextos fragmentados. Por isso é urgente que façamos discussões a respeito da concepção de formação do docente de música. Sendo assim, defendemos o estudo lítero-musical como um saber necessário para formação inicial do docente de música. Dessa maneira, os cursos de Licenciatura em Música possibilitarão ao estudante o contato com esse tipo de conhecimento. Tal contato pode acontecer por meio de disciplinas que abordem as relações entre as artes, as quais vibializam a ampliação do campo cultural do docente. Afinal, os diálogos entre linguagens artísticas, embora negligenciado pelas licenciaturas de música no Brasil, é imprescindível para a atuação do professor de música na realidade educacional brasileira do século XXI. Explicamos que, diferente do que geralmente se põe em prática nas escolas brasileiras, nossa proposta não é utilizar a música como subsídio para o aprendizado de outras disciplinas. Nem o contrário, que seria utilizar a literatura como subsídio. O que propomos, na verdade, é um entendimento das interrelações dessas linguagens artísticas, como meio de desenvolvimento das competências do licenciando de música. Nessa perspectiva, partimos da ideia de que música e literatura dialogam e produzem variados tipos de interrelações. Pela aliança que possuem, desde suas origens, julgamos que essas artes não devem ser distanciadas, muito pelo contrário. Essas duas linguagens artísticas, cujas origens remontam à Grécia Antiga, onde elas eram sinônimas, permanecem aliadas. Mesmo que tenham buscado suas autonomias estéticas, o laço permanece. Seja em uma canção, na ópera, ou em trabalhos interpretativos sobre alguma obra musical. Ou simplesmente pelos próprios elementos que possuem em comum em suas estruturas, tais como o ritmo e o som nos poemas. Desse modo, consideramos que essas aproximações devem ser aproveitadas em favor do docente de música e, para ele conseguir trabalhar esse diálogo das linguagens artísticas, é necessário que receba uma preparação. Por isso, sustentamos a ideia de incluir no currículo do licenciando em 55
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
música uma disciplina que trate desses aspectos, a fim de que no futuro, professor domine os recursos necessários para desempenhar tal trabalho didaticamente. Embora as relações entre literatura e música tenham origens remotas, os estudos sistematizados a respeito disso são mais recentes. Segundo Calvin Brown, só no século XVIII as relações entre música e literatura se tornaram um campo reconhecido de estudos (OLIVEIRA, 2002, p. 34). Brown teve atenção às questões metodológicas sobre essas relações, mas foi nos anos 70 que o professor e pesquisador Steven Paul Scher, nascido na Hungria, mas radicado nos Estados Unidos, procurou sistematizar esses estudos teóricos e metodológicos sobre o tema. Steven Scher, sugeriu denominar o estudo das relações entre literatura e música de Melopoética – do grego mélos (canto) + poética, pois entendia que esse estudo não se refere nem somente à música nem somente à literatura, porém é algo que trata de ambas simultaneamente. Ou seja, não é tratar simplesmente de uma das artes imitando a outra, é na verdade a relação delas, o hibridismo. Seguindo a tipologia da Melopoética, desenvolvida por ele a partir dos estudos de Calvin Brown, existem três categorias para as interrelações dessas duas artes: a literatura na música; a música e literatura; e a música na literatura. Para entendermos essa tipologia, verificaremos a Figura 1: Figura 1. Esquema Tipológico da Melopoética
Fonte: Oliveira, 2002. 56
As Práctica s docentes
Há algum tempo, essa ideia tem sido inserida em escolas de música. A respeito disso, o autor Steven Paul Scher (1992, p. xiv) comenta que dentro do ambiente crítico do pós-modernismo, o estudo das relações lítero-musicais se tornou um campo de pesquisa respeitado e também cada vez mais popular. No entanto, esse autor pondera que, pelo lado musical, isso tem acontecido de maneira bem mais lenta, embora a Melopoética tenha persuadido e aumentado a quantidade de mentes literárias nas escolas de música de diversas especialidades. A primeira categoria, do esquema tipológico, ocorre quando obras musicais usufruem da literatura em suas composições, tais como nos poemas sinfônicos e na música programática. Essas são músicas que tentam descrever, narrar situações, eventos e objetos, e para isso utilizam o texto literário como base (Sadie, 1994, p. 636). Nesses estudos, portanto, sengundo Oliveira (2002, p, 44)), incluem-se temas que “inicialmente pertencentes aos estudos literários, acabam por se projetar na música”. Baseada nos estudos de Robert Spaethling, Oliveira (2002) destaca alguns exemplos: [...] a análise do narrador onisciente na ópera de Wagner; do solista como protagonista; o estudo da imitação de estilos literários pela música – como a linguagem musical do Iluminismo e do Sturm und Drang; o uso de citações em composições musicais; formas de diálogo identificáveis na música de câmera e na sinfonia. (Oliveira, 2002, p. 44).
Quanto à segunda categoria, diz respeito à coexistência de texto e música, ou seja, à “palavra cantada”, como, por exemplo, na ópera, nos lieder, mélodies, canções, oratórios, cantatas, madrigais, baladas, Singspiel e no drama musical do compositor Richard Wagner. Nessa categoria, Oliveira (2002, p. 45) comenta que abrange-se também “o estudo da sinestesia, da melopeia, o conteúdo musical de vocábulos”. Finalmente, na terceira, conforme Oliveira (2002, p. 44), são os elementos musicais contribuindo para a construção do texto literário. Os possíveis objetos de estudos são a presença da figura do músico no texto literário, como por exemplo, o personagem Adrian Leverkühn do Doktor Faustus de Thomas Mann; a utilização de formas musicais, tais como o contraponto, forma sonata e fuga, dentro da estruturação literária; e ainda refere-se à música de maneira metafórica. A autora Oliveira (2002, p. 48) ainda nos lembra que essa primeira categoria trata do que Scher denominou word music e verbal music. Isto é, música de palavra e música verbal. A expressão “música de palavra” refere-se à prática literária de imitar a qualidade acústica da música, por meio de recursos como a onomatopéia, aliteração e assonância, próprios da linguagem verbal. Bem diferente é a “música verbal”, que consiste na “apresentação literária (em poesia ou prosa) de composições musicais, reais ou fictícias: qualquer textura poética que tenha como tema uma composição musical. Além de equivalentes verbais de partituras reais ou imaginárias, os textos constituídos pela música verbal podem sugerir uma
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O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres execução musical ou uma reação subjetiva por ela despertada. (Oliveira, 2002, p. 48).
Portanto, observa-se nessa terceira categoria o uso da música para a construção do texto literário de alguma maneira, sejam por temática, metáforas ou seus próprios elementos, formas e recursos. Especificamente em relação à poesia e a música de palavras, podemos tratar da sonoridade das palavras e da musicalidade: ritmo, frases, articulação, melodia, harmonia. Quanto à música verbal, seriam motivações, alusões, citações, intertextualidade, transposições de obras musicais dentro do texto literário. Na nossa proposta, a ideia é oferecer abordagem, de forma geral, nas três categorias tipológicas, mas com concentração maior na primeira e na segunda. Pois entendemos que a terceira categoria cabe melhor para o curso de Licenciatura em Letras.
A proposta de disciplina e suas expectativas
Nesse sentido, pensamos em uma disciplina abrangente, que aborde o diálogo dessas duas linguagens artísticas de forma didática e interdisciplinar. O intuito é que ela seja inserida no currículo do curso de Licenciatura em Música do IFG, a fim de que possa fornecer, aos futuros docentes, ferramentas de como trabalhar interdisciplinarmente em suas atuações em diversos níveis de ensino, e em contextos escolares e não escolares. Será, portanto, uma disciplina do terreno comparatista, na qual teremos como apoio teórico os estudos da Literatura Comparada e, mais especificamente, da Melopoética, onde se concentram os estudos que relacionam música e literatura. O procedimento será experimentar essa proposta de disciplina com os alunos do curso de Licenciatura em Música do IFG. Mas, a princípio, essa disciplina será inserida como um projeto de ensino e, ao longo de um ano – dois semestres, observaremos os efeitos na vida acadêmica dos licenciandos. Observaremos, por exemplo, suas performances musicais, suas atuações na disciplina de estágio supervisionado (que pode ser uma disciplina aliada à nossa proposta, sendo um lugar para os licenciandos praticarem os aprendizados interdisciplinares), e suas atuações na disciplina de história da música, análise musical e canto coral. Além de aproveitar a terminologia familiar às duas artes, utilizaremos as duas orientações genéricas, nas quais a Melopoética é estruturada. A primeira é técnica ou formalista, abrangendo noções teóricas, críticas e metodológicas. A segunda é cultural e “busca interpretar os fenômenos artísticos em função do contexto cultural” (Oliveira, 2002, p. 43). Essas duas formas de análise se complementam mutuamente e reforçam a importância da melopoética. Seguindo, portanto, esses fundamentos, nossa disciplina oferecerá uma abordagem estrutural e cultural; abordagem dos métodos críticos e teóricos; metodologias inovadoras; direções críticas; novas perspectivas dos mais recentes trabalhos musicais e literários. No que diz respeito à bibliografia, destacamos alguns autores e obras que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento de estudos 58
As Práctica s docentes
músico-literários. Como, por exemplo: Music and Literature (1948) de Calvin Brown; Musique et littérature: essai de poétique comparée (1994) de Jean-Louis Backès; Word and music studies: defining the field (1999) editado por Walter Bernhart, Steven Paul Scher, e Werner Wolf; Les arpèges composés: musique et littérature (1997) de Pierre Brunel; Word and music studies: musico-poetics in perspective (2000), editado por Jean-Louis Cupers e Ulrich Weisstein; Music and poetry: the nineteenth century and after (1984) de Lawrence Kramer; Musique et poétique à l’âge du symbolisme, variations sur Wagner: Baudelaire, Mallarmé, Claudel, Valéry (2005) de Eric Touya de Marenne; Miroirs de la musique: la musique et ses correspondances avec la littérature et les beaux-arts XIXe-XXe siècles – Tome II (1995) de François Sabatier. Em relação ao conteúdo a ser estudado, nos guiaremos também pelas linhas de pesquisa sugeridas por Jean-Louis Cupers, que, de acordo com Oliveira (2002), são quatro: - estudos de tipo histórico, técnico, ou estético, investigando as unidades analógicas e paralelos ou divergências estruturais entre artistas e obras diversas; - estudos de textos conjugando elementos musicais e verbais, como a ópera e lied; - estudos considerando a influência da música sobre a literatura, resultando em recriações literárias de obras musicais, ou no uso de técnicas ou efeitos musicais pela literatura e - estudos da utilização do texto literário pela música, com destaque para a chamada música programática .(Oliveira, 2002, p. 46).
De acordo com Oliveira (2002, p. 46), para Cupers, essas categorias não são estanques, e seus entrelaçamentos podem resultar em vários outros tipos de investigações. Tais como: - peças musicais compostas para acompanhar literatura dramática – pode-se certamente acrescentar aqui o estudo de trilhas sonoras de filmes; - o uso de técnicas tomadas de empréstimo, consciente ou inconscientemente, pela literatura à música, vice-versa; - a recriação de efeitos de uma arte por outra; - condições para a transposição da terminologia técnica de uma arte para a outra e - o papel das alusões literárias em uma obra musical. (OLIVEIRA, 2002, p. 46).
Nossa experiencia em sala de aula nos faz levantar as hipóteses de que essa disciplina será uma ferramenta importante para o desenvolvimento da competência estética do licenciando. Além disso, proporcionará uma melhor compreensão e interpretação de obras musicais e literárias, uma vez que tem por meta desenvolver estratégias de interpretação intertextual. Nesse sentido, permitirá ao licenciando reconhecer essas estratégias lítero- musicais em obras musicais; compreender o diálogo e correspondências 59
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
das artes, bem como os contextos histórico, artístico e sociocultural que permitiu e permite que esse diálogo aconteça. Nessa perspectiva, tal conhecimento fará parte da competência do futuro docente, o qual poderá preparar suas aulas com preceitos lítero-musicais apoiados em fundamentação teórica e, dessa maneira, romper com o tradicional e inovar didaticamente. Obviamente, esse trabalho interdisciplinar também possibilitará a formação do docente de música como um leitor, proporcionando um arsenal para ele ser capaz de elaborar textos literários ou de crítica musical, ou ainda de programas de concertos que explanem sobre relações lítero musicais. Dessa maneira, entendemos que nossa proposta é um caminho para o licenciando ampliar sua compreensão de música além do estudo da técnica, abrindo seus horizontes de reflexões.
Considerações finais
Consideramos que a revisão do processo de formação dos docentes de música nas universidades brasileiras é uma demanda urgente. É preciso repensar a concepção de educador musical que queremos formar. Os problemas precisam ser enfrentados, e julgamos que o melhor caminho é pela flexibilização, ousando alternativas de modificação dos padrões de ensino-aprendizagem já estabelecidos. Não resta dúvida de que, para enfrentar os desafios que emergem na sociedade comtemporânea; conseguir lidar com a interculturalidade em sala de aula; e ter uma boa formação, o educador musical precisa ter olhar aberto à diversidade e diálogos com outras áreas de saberes. Portanto, é preciso deixar claro que a atitude interdisciplinar faz parte das ferramentas necessárias para o docente compreender, produzir e ensinar música, ampliando as possibilidades do seu campo de atuação e respeitando a pluralidade e multiplicidade exigida pelo século XXI. Essa é nossa sugestão para colaborar com os estudos sobre a formação do professor de música no Brasil. Esperamos contribuir para pesquisas posteriores acerca desse tema, especificamente para reflexões concernentes a como o diálogo entre literatura e música pode contribuir para aprimorar a formação do professor de música. Que esse estudo possa suscitar mudanças efetivas, e assim tenhamos cursos de licenciaturas em música que enfatizem a interdisciplinaridade, que sejam afinados com as novas realidades, oferecendo ao futuro docente a oportunidade de ampliar seus saberes e competências.
Referências
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As Práctica s docentes
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O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a ótica do PNME Memórias e reflexóes de uma prática docente
Simone da Conceição Rodrigues da Silva, Otília Dantas Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: Currículo. Educação Integral. PROEITI. Prática Docente. Avaliação.
Introdução
E
ste artigo visa analisar o currículo em movimento do PROEITI (Projeto Piloto de Educação Integral em tempo Integral) da Secretaria de Educação do Distrito Federal\Brasil (SEDF) a partir da implantação e execução do Programa Novo Mais Educação (PNME) para desvelar o sentido de educação expresso no Programa, a ideologia subjacente, os atores envolvidos (professores e alunos) e as práticas pedagógicas derivadas deste discurso. O estudo de natureza qualitativa arquitetou sua epistemologia no método dialético mediante a pesquisa bibliográfica e de campo, fazendo juz à fundamentação teórica a partir das diferentes políticas de educação expressas no Brasil. Para a Secretaria de educação do Distrito Federal (SEEDF), a educação integral se constitui democrática e almeja a formação do homem como um todo, não só nos aspectos cognitivo, mas também afetivos, culturais e sociais. O Currículo em Movimento Educação Integral (DISTRITO FEDERAL, 2013), programa expresso pela SEEDF, articula-se nos moldes da educação integral. Para tanto, define, em seu arranjo, a ideia de um currículo integrado e contextualizado mediante todas as disciplinas. A esse respeito Santomé (1998, p. 95) nos lembra que: O currículo pode ser descrito como projeto educacional planejado e desenvolvido a partir de uma seleção da cultura e das experiências das quais, deseja-se que as novas gerações participem, a fim de socializa-las e capacitá-las para ser cidadão e cidadãs solidários, responsáveis e democráticos.
Pensar currículo é entender que trata da identidade da escola ao representar o discurso de uma cultura. Todavia, indagamos se esse currículo proposto pela SEEDF se concretiza no chão da escola que absorve o PROEITI. Tomando como aporte este questionamento Grundy (1987, p. 68) apud Sacristán (1998, p. 165) ressalta que, “[...] o currículo é uma prática, isso significa que todos os que participam nela são sujeitos, não objetos, isto é, elementos ativos”. Os eixos estruturantes que englobam o currículo abordam as questões administrativas, políticas, metodológicas, culturais, crenças, didáticas do professor, valores, tecnologias, etc. Por isso, “[...] o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais” (SILVA, 1998, p.12). Destarte, o Currículo em Movimento da educação Integral de Brasília fundamenta-se no Art. 27 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394 de 1996 que destaca: 63
O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a... S. C. R. da Silva Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão as diretrizes: I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; III - orientação para o trabalho. (BRASIL, 1996, sp.).
Criado em 2013, o PROEITI nasceu sob a herança do (Figura 1):
Figura 1. Origem do PROEITI
Fonte: Da autora.
Por outro lado, o currículo do PROEITI passa por processos, deliberações, sofre impactos, mudanças e a todo o momento se reconstrói para beneficiar a comunidade, visto que, o currículo é a cultura da escola. A cultura atrelada ao currículo parte da concepção de transformação defendida por Freire (2007), um transformar ligado a mudança, ou seja, mediante o seu saber. Somente a partir dessas primícias que o ser humano pode libertar-se, como sustenta Freire: (2007, p. 77): É como seres conscientes que mulheres e homens estão não apenas no mundo, mas com o mundo. Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de realizar a complexa operação de transformar o mundo através de sua ação, captar a realidade e expressá-la por meio de uma linguagem criadora. [...] Os animais simplesmente estão no mundo, porque são incapazes de objetivar. [...] Homens e mulheres são capazes de transformar, de produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se. Somente estes podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se.
Tendo em sua raiz paradigmática a perspectiva Freiriana, a educação integral deve se constituir transformadora. Logo, os educandos refletem sobre a ação e se assumem como sujeitos da sua própria história movida por uma consciência crítica. Dito de outro modo, os discentes se reconhecem como presença na terra e sendo assim, conseguem se libertar. Sobre isto
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As Práctica s docentes
encontramos em Vasconcellos (2002, p.99) que “Todo processo de educação escolar, por ser intencional e sistemático, implica a elaboração e realização de um programa de experiências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na escola. [...] entendendo por currículo este conjunto de atividades”. Assim, o currículo dialogado não deve se configurar como dominante e hegemônico, mas planejado e esboçado para transmitir costumes, hábitos, valores, conhecimentos e culturas. Partindo disso, poder-se-ia perguntar: Como se organiza e materializa o currículo do PROEITI no DF para se tornar uma ação transformadora e libertadora das práxis pedagógicas?
Currículo do PROEITI: Um saber que delimita a prática docente no DF
Com base na releitura da concepção de currículo, torna-se possível conhecer o que venha a ser o currículo do PROEITI: [...] o Projeto de Educação Integral em Tempo Integral (PROEITI)[...] um projeto que consolide e difunda os princípios que alicerçam as ações da Educação Integral, centradas em uma educação pública de qualidade referenciada nos Sujeitos Sociais. [...] Apresenta-se um modelo de escola contemporânea, onde a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educacionais, possam favorecer a aprendizagem significativa [..], (DISTRITO FEDERAL, 2013, p.5).
Notadamente, o ensino do PROEITI se constrói na e da práxis pedagógica, no dia a dia, aos quais professores e alunos devem se assumir como sujeitos sociais. Conceber o PROEITI como um ato político é entender que todas as esferas, os eixos estruturantes do currículo devem se consolidar mediante um “[...] ensino mais democratizado e participativo que constitui parte fundamental de suas plataformas, assim como um aumento imediato e substancial dos salários dos professores [...]” (APPLE, 2006, p.14). Teoricamente, o currículo do PROEITI somente se completa se houver a participação efetiva dos atores do processo, ao qual, envolve a aplicabilidade do programa na escola, isto é, fazer acontecer na prática, o que na teoria se permeia, haja vista que “O caráter pedagógico da prática educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no processo de formação humana [...]” (LIBÂNEO, 2013, p.24). Entretanto, é impossível haver uma ação de liberdade quando se prende um currículo a uma ideologia fora do campo da política e práxis social. Trata-se, portanto, de uma tendência autoritarista ainda presente na contemporaneidade. Destarte, para Santomé (1998, p. 22) “[...] o discurso da autonomia pode reduzir-se apenas à liberdade de escolha de estratégias para obter os objetivos impostos pelas estruturas centrais do sistema educacional [...]”. Depreende-se que a educação do PROEITI deveria ser destinada para o mundo, e quando se fala nesse termo refere-se ao mundo humano em si. Isto é, o professor deve preparar o novo ser para o mundo lá fora, e quando isso não acontece é negado explicitamente o direito político de liberdade enquanto ser que pensa e age no 65
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e com mundo. Por este motivo, que quando se aborda sobre a escola integral se remete ao termo cultura, pois, “[...] as escolas não apenas controlam as pessoas; elas também ajudam a controlar o significado [...]” (APPLE, 2006, p.103). E o significado é que somos, construirmos e vivemos a cultura imposta pela sociedade. O cerne do estudo aqui tratado é o currículo mediante a práxis do professor. Assim, pensando no seu significado cultural nos vem em mente os saberes e práticas do docente formador que constituem suas funções desempenhadas no âmbito do programa, mas numa perspectiva emancipatória. A esse respeito Therrien (2012, p. 130) recorda que: A emancipação docente e discente aparece como horizonte em constante “porvir”, um processo de apreensão do sentido da vida no mundo, cujo imperativo maior é a aprendizagem para a conquista da própria individualidade inserida na coletividade social. Isto significa educação para a liberdade no sentido freireano, conquista do “esclarecimento” Kantiano na passagem para a maturidade do ser humano, ou ainda autonomia e autodeterminação do olhar livre de preconceitos e limitações, aberto ao outro e à vida,.
A emancipação e autonomia docente permite que os saberes se constituam como parte integrante da tríade curricular da OTP (Organização do Trabalho Pedagógico) conforme a figura 2. Figura 2. Tríade Curricular da Organização do Trabalho Pedagógico - OTP.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do documento Sacristán (1998).
Avaliação é a base de toda prática pedagógica do sujeito formador. Quem avalia se transforma ao ser avaliado. Segundo Libâneo (2013, p. 216), “a avaliação é uma apreciação qualitativa sobre dados relevantes do processo de ensino aprendizagem que auxilia o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho”. Desse modo, sem um processo contínuo que envolve a avaliação diagnóstica e formativa no âmbito do saber curricular, não tem como modificar o já vivido, pois trata-se de um norteador da práxis do professor 66
As Práctica s docentes
no decorrer de sua profissionalização. Coordenar e gerir são dois verbos que muitas vezes se limitam a prática docente, haja vista que grande parte desses profissionais não detém a liberdade e a autonomia para construir o seu saber/fazer na escola, pois encontram-se amordaçados pelo Estado. Portanto, entendendo a tríade da OTP é possível compreender o objetivo central desse ato político porque o educador, no contexto do desenvolvimento do currículo no PROEITI, teria, em tese, três funções a serem conquistadas no campo de sua prática na escola, quais sejam: o pedagógico-didático, a autonomia e a liberdade no ofício de docente para se conscientizar que não só está no mundo, mas que com ele pode transformar a realidade da educação integral mediante o saber científico, (FREIRE, 2007). Todavia, para que tais primícias aconteçam na prática curricular, é preciso que haja autonomia não só docente, mas de todos os atores envolvidos nesse programa, pois, “[...] a falta de autonomia afeta a todos aqueles que participam nas práticas curriculares [...]” (SACRISTÁN, 2000, p. 48). Assim, delineamos os atores que participam do processo educativo de uma escola de PROEITI: professores, gestores, coordenador pedagógico, comunidade escolar e coordenador da educação integral. Na realidade, esses atores demonstram alienados, visto que apresentam um ideal romântico de escola, mas o belo não proporciona o firmamento. Entretanto, as relações embrutecedoras no âmbito da educação integral são muito fortes, por cinco motivos (Figura 3): Figura 3. Cinco motivos embrutecedores da Educação Integral.
Fonte: Da autora
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Ora, Arendt (2005, p. 190) destaca que “[...] a liberdade não é um problema da esfera política, mas o motivo que homens convivem politicamente organizados. Sem ela, a vida política seria destituída de significado [...]”. Abordar sobre currículo é levar a sua concepção a um papel político. Sendo assim, o modelo de educação integral vivenciada sob a ótica do PROEITI no DF pode vir a ser direcionado para um modelo totalitário, destituído de seu significado social, uma vez que o que prevalece no interior da escola é a burocracia que a cada dia vem se sobrepondo ao pedagógico. O saber docente é ofuscado em meio às relações de forças externas que vão além dos muros escolares. Destarte, entende-se que, neste contexto, a autonomia do professor corre sério risco de se perder em meio ao discurso da prática pedagógica. Que chão é esse ao qual pisamos? Que autoridade pode haver no PROEITI? Em suma, vale salientar que, os atores do programa PROEITI são responsáveis pela participação no Projeto Político Pedagógico da escola e pela tomada de decisões em relação às atividades programadas para o ano seguinte. Logo, devem se assumir como sujeitos e não se alienarem as conjunturas impostas pelo sistema. E, quando se refere a autoridade docente se remete a um processo de organização em que o professor se coloca em uma posição para que venha conhecer aquilo que é capaz de fazer e produzir na sociedade. Quanto a figura do professor no currículo da educação integral esboçada sob a ótica do PROEITI, adentra-se no mais intimo da escola para descobrir que educamos nossos alunos visando transformar o já sabido e não o desconhecido (RANCIÉRE, 2004). A carga horária dos diferentes componentes curriculares é definida pelo o Projeto Político Pedagógico (PPP) de toda escola de PROEITI e deve ter a rotina padrão viabilizada pelo Pré-projeto realizado pela SEDF. Quanto aos espaços curriculares disciplinares, estes podem ser agrupados em um ou dois turnos de modo que o currículo do PROEITI tenha a mesma formação com a Base Comum e Base Diversificada ministrada por dois professores regentes da SEDF, como sustenta o Programa (DISTRITO FEDERAL, 2013, sp.): Para que cada escola possa organizar-se nessa nova perspectiva, lembramos que cada turma será regida por 02 professores com 40h semanais de atividades. Nesse sentido, trabalharão com a mesma turma (05 horas de responsabilidade para cada um), sendo responsáveis pelo planejamento, registro diário, condução das atividades, avaliação das aprendizagens e desenvolvimento das crianças.
Deste modo, cada escola se constitui livre para organizar as atividades que irão ofertar na Base Diversificada tendo em vista que o princípio do PROEITI é proporcionar e valorizar a cultura da região. É importante lembrar que cabe aos professores regentes a responsabilidade por cada disciplina, mesmo que algumas delas sejam ministradas por um educador do Mais Educação, ficando claro que: 68
A implantação de escolas de tempo integral só faz sentido quando concebida uma Educação Integral em que o horário expandi-
As Práctica s docentes
do venha a representar uma ampliação de oportunidades e situações especialmente planejadas com a finalidade de promover aprendizagens significativas e emancipadoras. Nossa proposta não é apenas ampliar o tempo do estudante na escola. Não é reproduzir o que já existe e sim propor algo novo. Algo inovador. É aumentar quantitativamente, mas, sobretudo qualitativamente as novas aprendizagens, (DISTRITO FEDERAL, 2013, sp.).
Logo, podemos entender que se trata de um programa mportante para o crescimento social, cultural, político, e econômico da capital tendo em vista que atende a necessidade da sociedade. Portanto, somente quando se definir o papel da educação nas relações sociais é que a prática doente poderá dirigir e orientar a formulação de objetivos e meios do processo de educação integral (LIBÂNEO, 2013).
Diálogo de um currículo: Tecendo as redes do PNME para os saberes e práticas do fazer docente no PROEITI
O discurso expresso no currículo da SEDF está vinculado à ideologia corroborada no Programa Novo Mais Educação (PNME) que define a educação como o processo que reflete em seu arcabouço um mundo globalizado de modo que o currículo passa a ser dependente das forças internas e externas da escola. Sobre isto encontramos em Santomé (1998, p. 27) que: O mundo em que vivemos já é um mundo global, no qual tudo está relacionado, tanto, nacional como internacionalmente, um mundo, onde as dimensões financeiras, culturais, políticas, ambientais, científicas, etc., são interdependentes e onde nenhum de tais aspectos pode ser compreendido de maneira adequada à margem dos demais.
O mundo globalizado está subentendido no que a escola deveria representar e formar a sociedade. Mas, vale salientar que neste lócus professores, gestores, alunos, pais e comunidade podem se tornar cada vez mais reféns da ideologia de classes. A realidade é clara, a escola enquanto uma ação política pode vir a decretar o divórcio tutelado do currículo participativo na educação, de modo que o sistema pode superar o ócio da liberdade e trazer a teoria e a prática em dois currículos que levam a duas visões antagônicas. É importante lembrar que o currículo, ao qual se trata aqui é de cultura escolar. Portanto, entende-se que “[...] a cultura não é qualquer critério estético ou filosófico. A cultura é simplesmente o resultado de qualquer trabalho humano. Dessa forma faz mais sentido falar não em cultura, mas em culturas[...]” (SILVA, 1998, p. 61). Sendo assim, no que concerne a cultura para o perfil de entrada do sujeito que se pretende formar nas escolas de PROEITI, seria segundo o Programa Novo Mais Educação: Caderno de orientações pedagógicas (BRASIL, 2017, p. 7) a priorização de alunos: I. em situação de risco e vulnerabilidade social; II. em distorção idade/ano; III. com alfabetização incompleta; IV. repetentes; V. com lacunas de aprendizagem em Língua Portuguesa
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O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a... S. C. R. da Silva e Matemática; VI. em situação provisória de dificuldade de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática; e, VII. em situação de risco nutricional.
A SEDF tomou como norte o caderno de orientações pedagógicas do Programa Novo Mais Educação (PNME) publicado em 2017, para orientar as escolas de PROEITI nas práticas pedagógicas e na forma como devem selecionar os estudantes que iram estudar nesse programa. Entende-se que o aprender e ensinar devem está prescrito no PPP da escola, porque “[...] as aprendizagens que os alunos realizam em ambientes escolares não acontecem no vazio, mas estão institucionalmente condicionadas pelas funções que a escola deve cumprir com os indivíduos que a frequentam [...]” (SACRISTÁN, 2000, p. 89). Assim, a vulnerabilidade social é a porta de entrada para o ingresso do aluno no PROEITI e o perfil de saída do sujeito formado desse tipo de escolarização seria o de atingir a finalidade do PNME como expresso na figura 4. Figura 4. Finalidades do PROEITI – SEEDF para o perfil de saída do sujeito formado.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do documento Brasil (2017, p.5).
O aluno do ensino fundamental deve atingir o padrão mínimo ao final do processo, que é está alfabetizado e letrado em português e matemática,
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As Práctica s docentes
uma das formas que o governo entende que consegue aumentar a melhoria no ensino. Aqui entra o papel do professor, porque por mais que hajam projetos no PROEITI, o docente é a um indivíduo importante para alavancar o currículo da educação integral. Para Sacristán (2000, p. 281) “[...] a função de planejar o currículo é uma das facetas mais relevantes dentro do conjunto de práticas relacionadas com sua elaboração e desenvolvimento, recolhendo aspectos de ordem técnicas e pedagógicas [...]”. deste modo, planejar refere-se à busca e para aconteça-la faz-se importante o desvelamento da curiosidade dos sujeitos envolvidos no processo de conhecimento para que a organização curricular seja construída e consolidada no ambiente educacional como destaca Freire (2009, p. 32): A curiosidade como inquietação, indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção. [...] Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe impacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Nota-se que com o passar do tempo o professor foi perdendo essa autonomia, chegando ao PROEITI com a cartilha pronta e mecanizada, não tendo liberdade nem para selecionar os livros didáticos. Acredita-se que a cada dia essa autonomia foi sendo usurpada, na medida em que o professor apenas segue e reproduz o script do livro didático, ou seja, é uma estação de reprodução, pois o Estado “[...] requer um educador exímio na tarefa de acomodação ao mundo e não na de sua transformação [...]” (FREIRE, 2009, p.143). De acordo com Libâneo (2013, p.26) “A estrutura e funcionamento do ensino inclui questões da organização do sistema escolar nos seus aspectos políticos e legais, administrativos, aspectos internos da escola como a estrutura organizacional e administrativa, planos e programas, trabalho pedagógico.” Em detrimento a esse pressuposto, destacamos a organização curricular do PROEITI nas escolas do Ensino Fundamental I, estruturada a partir dos moldes apresentado pelo PNME, caracterizando na figura 5. Figura 5. Organização Curricular do PROEITI – SEEDF.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do documento Brasil (2017).
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O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a... S. C. R. da Silva
Isso se torna mais contundente se tivermos em vista que o PNME veio como uma cartilha pronta e estruturada para o professor determinandoendo tudo o que precisa fazer para acontecer o PROEITI na escola, e com isso acabam limitando a prática docente. Isto nos faz lembrar Sacristán (1998, p. 173) quando afirma que: Se uma margem de autonomia no professor é inevitável e também convém desenvolvê-la e prepará-la para seu melhor uso, de acordo com uma visão emancipatória da profissionalização docente, então as concepções dos professores adquirem um papel de primeira importância na modelação dos conteúdos, e em geral, todas aquelas perspectivas profissionais que se liguem mais diretamente com as decisões que o professor toma quando realiza uma prática, pois, serão, em parte, responsáveis pelos significados que atribua aos componentes do currículo e às formas de desenvolvê-los.
Eis, as razões pelas quais a forma como o currículo do ensino vem sendo organizado e colocado em prática deixa os professores reféns. Assim, “[...] é algo que diminui o papel dos professores e cria um processo educacional que permanece desconectado das vidas de muitas crianças[...]” (APPLE, 2006, p.28). Vale salientar que para Freire (2007) nem a escola e nem o professor emancipa alguém, os homens e mulheres se emancipam por si só, a partir do momento que adquirem a liberdade plena de cidadão, mas enquanto educador posso colaborar para que a sociedade se desenvolva nesse processo, pois, “[...] a emancipação progressiva do trabalho docente [...] é condição para o seu próprio desenvolvimento profissional e pessoal” (SACRISTÁN, 2000, p. 177). Mas, como desenvolver um currículo para a emancipação plena do individuo se o próprio professor está refém do sistema? Concluímos neste estudo que para o PROEITI acontecer nas escolas é preciso contar com a colaboração dos atores do programa, porém vale salientar que estes atores anteriormente citados atuam na deliberação para a implantação do PROEITI. Sendo assim, nem todo ator é executor da política de Educação Integral. Os executores dessa educação construída e permeada sobre o PNME são: coordenador, articulador, facilitador, mediadores e professores. Todo executor é um ator do PROEITI e atuam na execução do programa nas escolas. Cada um tem o seu papel. O coordenador é escolhido pelo secretario de educação e fica encarregado de estruturar todo o sistema do PNME no PROEITI das 17 escolas espalhadas pelas regiões do Distrito Federal. O articulador é o professor regente da instituição de ensino, escolhido pelo grupo escolar de professores e gestores tornando-se responsável por contratar e orientar os mediadores e facilitadores quanto à execução do programa. Os facilitadores são responsáveis por tornar a base diversificada mais atrativa e intuitiva no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Portanto desenvolvem aulas de música, artes, dança, balé, canto, teatro, entre outras atividades artísticas que visam aprimorar o fazer pedagógico na escola integral. Segundo Santomé (1998, p. 253): 72
As Práctica s docentes
Planejar, desenvolver e fazer um acompanhamento contínuo da unidade didática pressupõe uma figura docente reflexiva, com uma bagagem cultural e pedagógica importante para poder organizar um ambiente e um clima de aprendizagem coerentes com a filosofia subjacentes a este tipo de proposta curricular.
Os mediadores atuam juntamente com os professores regentes, tendo um para cada turma, no qual irão trabalhar semanalmente duas aulas de acompanhamento pedagógico. Tanto o professor como o mediador na hora do reforço de português e matemática deverá está juntos na sala. Para Libâneo (2013) o trabalho pedagógico exige uma manifestação peculiar no processo educativo mediante os meios de ações que ocorrem de forma intencional e planejada para a formação humana. Assim, o PROEITI, mediante o PNME, pauta por ações que visem à ampliação do tempo e espaços nas escolas do DF e a erradicação do fracasso escolar por meio de práticas pedagógicas “transformadoras”. Tais primícias permitem que a escola que atua com o PROEITI realize autoavaliações de sua prática pedagógica. Esta proposta considera os parâmetros individuais do professor mediador, tomando como eixo norteador do currículo em movimento o tripé: Como avaliar? Para quê avaliar? O que avaliar? Vasconcellos (2002, p. 124) salienta que: A educação, no autêntico sentido, qual seja, enquanto processo de humanização e personalização, de construção de identidade e cidadania, implica sempre práticas (Realização) que estão permeadas por algum nível de referenciação reflexiva (Elaboração), tanto no que diz respeito à orientação da atividade (plano de ação) e à intencionalidade (finalidade), quanto de interpretação de um dado contexto (realidade.
O ato de avaliar nasce e reflete práticas humanizadoras da figura docente no processo educativo de modo que orientar e refletir essa práxis requer uma intencionalidade permeada por princípios éticos e democráticos. Lembrando que o currículo em movimento da SEDF traz no PNME que a avaliação de uma escola integral deve ser formativa e diagnóstica, tendo como suporte a educação integral. Respondendo as questão apresentadas a pouco, ao final do ano letivo o programa oferece uma prova padrão para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos para tabular dados que comprovem ou não o avanço nas competências e habilidades de cada nível de escolarização. Lembrando que os professores regentes da turma não têm acesso às provas e no momento de sua aplicabilidade na turma, os professores são retirados da sala. Para Sacristán (2000, p. 166) “[...] a mediação não é realizada intervindo apenas diretamente sobre o currículo, mas também através de pautas de controle dos alunos nas aulas [...].” O professor deve ser visto como um mediador entre o aprender e o ensinar, portanto, deve ter clareza que a falta da sua intervenção no currículo do modo de estruturação da avaliação deverá acarretar no comprometimento da aprendizagem dos alunos. Sacristán (2000, p. 313) ainda ressalta que “[...] a avaliação para diagnóstico e controle democrático da qualidade do ensino e do currículo distribuído pode ser vista como uma ameaça para autonomia das partes [...].” 73
O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a... S. C. R. da Silva
Tomar como instrumento avaliativo provas e testes de psicogêneses é uma ameaça à formação do individuo e do professor. É importante que enquanto homens e mulheres na profissão de educadores assumam o seu papel de co-autores do processo educacional, e entendam que sem autonomia não há como transformar o ensino e muito menos promover uma educação libertadora para o PROEITI, porque é preciso “[...] entender a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos [...]” (FREIRE, 2009, p. 145). Sobretudo, às vezes o ensino no PROEITI se demonstra de forma técnicista, e a função da escola integral não deveria ser esta, mas sim uma formação ética e emancipadora, e então enquanto professor devo desvelar a práxis pedagógica e descobrir que educo porque me movo no mundo e porque como sujeito histórico projeto para o mundo algo novo.
Considerações Finais
O currículo na história da escolarização veio ocupando a cada dia o seu papel de ação política. Esse programa expresso no currículo em movimento da SEDF e colocado em prática nas escolas do DF sob a ótica do PNME foi um ganho e uma perda para a comunidade do Distrito Federal. Um ganho porque através dele o PROEITI conseguiu se fortalecer e adquirir verbas para o seu desenvolvimento e perda porque o professor recebeu uma cartilha direcionando sua prática pedagógica e a aprendizagem do aluno. Para Freire (2009, p.14) “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas [...]”. Isto revela que o professor de PROEITI não pode emancipar se ele mesmo não é emancipado. E como construir sujeitos históricos, como libertar e transformar se enquanto ‘eu’ me faço presença no mundo como um ser passivo, tendo em vista que a própria escola é um sistema de opressão uma vez que cria, automaticamente, mecanismos indiretos para controlar o aluno e o professor mediante notas, diários, planejamentos, provas, cartilhas, entre outros instrumentos de controle de aprendizagem. Destarte, pode-se afirmar que para a transformação acontecer em uma escola integral é preciso que primeiro o professor se emancipe. As conclusões dessa pesquisa nos levam a duvidar dessa educação que o PROEITI reverbera sobre a cidadania, a transformação, a emancipação, a libertação e humanização do sujeito/aprendiz por considerar que no formato em que o PROEITI tende a se apresentar, em um país capitalista e gestor de políticas neoliberais e extremamente comprometido com a Direita, é impossível se promover a Educação Integral promotora da emancipação e autonomia.
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Referências
As Práctica s docentes
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II. A escola e suas relações
A coordenação pedagógica como articuladora da formação continuada do docente Marilsa Duarte Braga da Silva, Universidade de Brasília, Brasil Otília Maria A.N.A. Dantas, Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: Coordenação Pedagógica, Docente, Formação Continuada. Saberes.
Introdução
A
coordenação pedagógica como articuladora da formação continuada do docente. Este tema forjou-se a partir dos seguintes questionamentos: qual o papel do coordenador quanto a formação continuada e em serviço dos docentes e os processos de ensino e aprendizagem? A pesquisa visa refletir sobre a importância da atuação do Coordenador Pedagógico como articulador da formação continuada do docente e dos processos de ensino e aprendizagem. Os resultados apontam para o entendimento de que o grande desafio dos educadores é reconhecer os seus pares e valorizá-los. A metodologia, de natureza qualitativa, apoiou-se numa pesquisa bibliográfica para configurar o espaço e a importância do Coordenador Pedagógico e sua relação formativa com o docente e como este trabalho pode refletir nos processos de ensino e aprendizagem. Os resultados apontam a Coordenação Pedagógica como articuladora da formação continuada contribuindo para a consolidação dos processos de ensino e aprendizagem ocorridos na escola. Ao pensar na educação como forma de emancipação humana como algo real e não utópico, procurei em minha história acadêmica e profissional como pedagoga os fatos que seriam mais relevantes e que me provocaram a escrever o presente artigo. Por conseguinte, o ensaio justifica-se em virtude do interesse que se fomentou, ao trabalhar como assistente da Coordenação Pedagógica do Ensino Médio de uma escola particular e vivenciar os desafios diários dos docentes e discentes quanto as metodologias de ensino, novas tecnologias, perguntas, fatores sociais, financeiros, emocionais e familiares que permeavam naquele lugar. Em meio a essas demandas e sentimentos, surgiu a figura do Coordenador Pedagógico. O Coordenador promove ao corpo docente e discente, através de suas inserções, refletir acerca dos determinantes acadêmicos, pessoais e sociais, afim de que este possa colaborar na inserção crítica e consciente no mundo. O tema aqui abordado torna-se importante, pois trará reflexões sobre a prática do Coordenador Pedagógico, pois entendemos que as relações interpessoais fazem parte da rotina desse agente escolar, que atua como articulador nas esferas escolares e familiares, ouvindo, olhando e dialogando com os atores da comunidade escolar que o busca. Sendo assim, o objeto de estudo se justifica quando Libâneo (2001, p.26), pontua que o “trabalho pedagógico é o núcleo das atividades escolares e 79
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representa todas as práticas educativas que se desenvolvem dentro da escola, envolvendo todos que atuam dentro desse espaço”, nesse sentido o coordenador pedagógico atua em várias instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista os objetivos de formação humana previamente definidos em sua contextualização histórica. Ele destaca que as atividades pedagógicas devem ser trabalhadas coletivamente, envolvendo docentes, discentes, família, comunidade local e que a figura do coordenador é imprescindível nesse processo, pois ele irá atuar como “articulador” dentro desse espaço. Compreender o outro em seus saberes e dificuldades, ter um perfil investigativo, no sentido de perceber os sujeitos em seu espaço de atuação, apresentar interesse e sensibilidade para auxiliá-los, é uma forma peculiar que ajudará o coordenador a promover a construção social na escola. Para trazer a figura do Coordenador Pedagógico nesta pesquisa, Soares (2012, pag.32), afirma: A função do coordenador pedagógico permite notar no cotidiano escolar que a organização do trabalho pedagógico é essencial, devendo assim, ser bem planejada e estruturada. Desse modo, há de se compreender que o cotidiano da escola deve ser organizado em função da aprendizagem e do sucesso escolar dos discentes, os quais dependerão de diferentes estratégias metodológicas planejadas e executadas. Estas devem estar em consonância com os pressupostos filosóficos e metodológicos definidos coletivamente no PPP, cuja elaboração deve ser sistematizada pelo Coordenador Pedagógico.
Independente do coordenador ser eleito ou não pelo colegiado como é o caso da escola pública, veja o que diz o item 18, letras “a” e “d” da Portaria nº 12 de 2014: “para o exercício das atividades de Coordenador Pedagógico Local, o professor deverá: a. ser eleito pelos professores da unidade escolar e d. atender ao Projeto Político Pedagógico da unidade escolar” (BRASIL, 2013, p.4) ou por contrato como no caso da instituição privada, sua essência deve ser preservada. É necessário que ele tenha consciência das suas práxis pedagógicas, tendo em vista que atuará nos seguimentos e com os sujeitos inseridos no processo de ensino e aprendizagem, orientando os docentes, contribuindo para a formação continuada desses profissionais. Antes de iniciar a discussão sobre a atuação do Coordenador para a formação docente, deveríamos nos questionar; afinal, quem deveria desenvolver a função de Coordenador Pedagógico em uma escola de Educação Básica? Ao pensar nesse viés defendemos a posição de que esse cargo deveria ser ocupado por um profissional com formação pedagógica por proporcionar à formação docente, conhecimentos necessários para o pleno desenvolvimento dos saberes e práticas inerentes ao exercício dessa profissão. Diante desse quadro, Franco (2012, p. 124-125) ressalta que: 80
No processo de sua formação, o pedagogo, ou seja, a de ser um pesquisador crítico da práxis educativa requer uma sofisticada
A escola e suas relações
formação; assim como a tarefa de formação de um professor crítico-reflexivo também a exige. Mas os focos da formação são diferentes: ao pedagogo, são os processos constituintes e intervenientes na práxis educativa; ao professor, a ênfase está nos processos dialógicos e dialéticos da relação aluno e conhecimento, quer na construção, quer na apropriação desse processo. Focos próximos e complementares, mas diferentes e que requerem olhares, metodologias, procedimentos e preparos diferenciados.
Nesse sentido, percebemos o quanto é relevante a formação do coordenador pedagógico para as relações interpessoais. Entendemos que sujeito deve atuar como articulador nas esferas escolares e familiares, sabendo ouvir, olhar e falar com todos os atores da comunidade escolar que o busca. Libâneo (2001, p. 26), pontua que o “trabalho pedagógico é o núcleo das atividades escolares e representa todas as práticas educativas que se desenvolvem dentro da escola, envolvendo todos que atuam dentro desse espaço”. Destarte, o coordenador pedagógico atua em várias instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista os objetivos de formação humana previamente definidos em sua contextualização histórica. Logo, as atividades pedagógicas devem ser trabalhadas coletivamente, envolvendo os docentes e discentes, a família e a comunidade local. Para nós, a figura do coordenador é imprescindível nesse processo, pois é quem irá atuar como “articulador” deste espaço. É muito importante na prática do Coordenador Pedagógico compreender o outro em seus saberes e dificuldades. Insistimos em afirmar que é necessário o coordenador pedagógico possuir um perfil investigativo no sentido de perceber os sujeitos em seu espaço de atuação (histórico do professor, do aluno e de todos os agentes que estão ligados direta ou indiretamente com a escola). Também é fundamental demonstrar interesse e sensibilidade para auxiliar o outro, pois, esta é uma forma peculiar que ajudará o coordenador a promover a construção social na escola. Outro fato importante na materialização do trabalho do coordenador pedagógico são os desafios enfrentados por ele referentes a transformação da prática educativa no sentido de promover aprendizagem significativa. É nesse momento que o Projeto Político Pedagógico se integra a este contexto para a viabilização dessa mudança: O Projeto Político Pedagógico entra justamente neste campo como um instrumento teórico-metodológico a ser disponibilizado, (re)construído e utilizado por aqueles que desejam efetivamente a mudança. É praticamente impossível mudar a prática da sala de aula sem vinculá-la a uma proposta conjunta da escola, a uma leitura da realidade, à filosofia educacional, às concepções de pessoa, sociedade, currículo, planejamento, disciplina, a um leque de ações e intervenções e interações. (VASCONCELLOS, 2013, p. 15).
Os itens a seguir esclarecem com mais propriedade o trabalho formativo do coordenador pedagógico na escola. 81
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A influência da história da educação na construção do coordenador pedagógico Para abordar o papel do trabalho na vida do coordenador pedagógico é preciso compreender primeiro a influência da educação neste cenário. A historiografia da educação brasileira tem seu início no período colonial, quando o Brasil é descoberto por Pedro Álvares Cabral e tomado pela civilização real portuguesa. O primeiro ensino ministrado no âmbito da escolarização do Brasil foi mediante a coordenação do padre Manuel da Nóbrega, a qual inferia o ensino aos povos indígenas por meio dos Jesuítas, que ministravam a catequese como um currículo que visava apenas impor o dogma religioso que naquela época, referindo-se ao cristianismo, como sustenta Aranha (2006, p. 202 e 203): A Ordem estabelecia rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos. Para tanto os jesuítas se espalharam pelo mundo, desde a Europa, assolada pelas heresias, até a Ásia, a África e a América. Logo descobriram que, diante da intolerância dos adultos, era mais segura a conquista das almas jovens, e o instrumento adequado para a tarefa seria a criação e multiplicação das escolas. Daí o traço marcante da influência dos jesuítas, a ação pedagógica que formou inúmeras gerações de estudantes, durante mais de duzentos anos (de 1540 a 1773).
No ano de 1759, em Portugal Marques de Pombal realiza a revolução na educação ao modificar as leis que regiam o ensino, de modo que tal conduta determinou a expulsão dos jesuítas das terras brasileiras – movimento conhecido como Reforma Pombalina. O ensino no Brasil passou a ter uma concepção laica e púbica, no qual o ensino era aplicado apenas aos filhos de nobres e ministrados por qualquer pessoa dotada de um certo conhecimento na leitura e na escrita e as aulas eram mediante as cartas régias. O cenário no Brasil se transformou com a instalação de Dom João VI e da Coroa Portuguesa aqui no Brasil, onde surgiram as primeiras academias oficiais de formação do saber: Academias Militares e Escola de Medicina, destinadas apenas aos filhos da burguesia. A classes menos favorecidas recebiam uma educação para o ofício do trabalho caracterizando a desigualdade e a desvalorização da humanidade como um todo. A consolidação da política nacional de educação no Brasil, foi estruturada em 1822 no império liderado por D. Pedro I quando implantou uma das maiores conquistas que o país teve naquela época, que foi a Constituição em 1827, como destaca Aranha (2006, p 378 e 379):
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A Assembleia Constituinte foi dissolvida e a Constituição, outorgada pela Coroa. Mantiveram-se o princípio de liberdade de ensino sem restrições e a intenção de “instrução primária gratuita a todos os cidadãos”. Finalmente, foi instituída a lei de 1827, “a única que em mais de um século se promulgou
A escola e suas relações
sobre o assunto para todo o país e que determina a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos.
O Ensino elementar ganhou destaque nos bancos escolares uma vez que instituiu em sua constituição o acesso em todos lugares. Apesar da legislação ter direcionado um ensino mais formalizado para os brasileiros, infelizmente a Constituição veio a fracassar nesse sentido, em virtude de questões econômicas, políticas e técnicos pedagógicas. O ensino secundário de caráter elementar permitiu que pela primeira vez no Brasil se tivesse a formação do professor para atuar nesse segmento, ou seja, no Ensino Básico, enquanto que o Ensino Superior deveria ser gerido pelo Império. Percebemos nesse diálogo a falta do Coordenador para a organização do trabalho pedagógico nas escolas de ensino elementar, uma vez que só existia o papel do professor para ministrar as aulas didáticas. Diante desse quadro damos um salto e mergulhamos no período de 1889 quando o Brasil deixa de ser Império para ser governado por um Presidente. A primeira República trouxe mudanças para a Educação Brasileira, tendo em vista que o regime previa: a centralização, formalização e autoritarismo do ensino do país como sustenta Aranha (2006), com a proclamação da República o Brasil passou a ser liderado pelas três grandes potências daquela época: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, tal movimento ficou conhecido como a política do “Café com Leite”, de modo que não se tratava de uma república democrática, mas regida pelo poder Oligárquico, ou seja, liderado por uma elite de fazendeiros e agricultores. O ensino ministrado naquela época de caráter secundário tinha um cunho de preparar a elite para o ensino superior e as classes menos favorecidas para atender o mercado de trabalho. Na década de 10 e 15 houve uma reforma que ficou conhecida como “Rivadávia”; seu nome era em virtude do atual ministro Rivadávia Correia, que implantou o distanciamento da União para viabilizar verbas, bem como a responsabilidade para com o ensino, decretando o declínio da escolarização brasileira. Outro marco ainda nesta época se deu a partir da concepção em que os novos professores e a escola davam na forma de ensinar, ou seja, criou-se pela primeira vez na escola brasileira o “grupo escolar” na sala de aula como forma de interagir, ensinar e mapear os alunos de acordo com a idade correspondente para a série. Tal postura trouxe uma certa exclusão dos discentes de modo que em nenhum momento se questionou ou cogitou haver a presença de um Coordenador Pedagógico que cuidasse das questões pedagógicas que se insere em todo contexto escolar. De 1920 a 1930 vivemos um período conhecido como “Escolanovismo” ou “Escola Nova” que se originou em São Paulo liderado pelas mãos dos intelectuais e artistas daquela época, que buscavam o aprimoramento da legislação e das diretrizes curriculares que concebesse o aluno como sujeito e não objeto, um ensino que almejasse a emancipação do aluno e não o ensino tradicional a qual se predominava. Nesse cenário destacamos Lourenço Filho e Anísio Teixeira como os responsáveis dessa militância. 83
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A esse respeito Aranha (2006, p. 530) ressalta que:
Os liberais democráticos eram os simpatizantes da Escola Nova, e seus divulgadores estavam imbuídos da esperança de democratizar e de transformar a sociedade por meio da escola. Para tanto, procuravam reagir ao individualismo e ao academicismo da educação tradicional, propondo a renovação das técnicas e a exigência da escola única (não dualista), obrigatória e gratuita. Eram conhecidos como educadores “profissionais”, devido à especialização de seus interesses, focados na educação, além de vários deles terem produzido obra abundante sobre o assunto e participado de reformas de ensino nos seus estados de origem.
Em consonância com a “Escola Nova” tivemos no Brasil por 15 anos o período da era Vargas. Foi um momento de explosão mundial da indústria no mercado de trabalho, de modo que as discussões de cunho educacional tratavam dos conceitos intelectuais que os alunos deveriam dominar, ou seja, a educação deveria ser para o capital e não para a formação do homem. Apesar dos anseios que levavam a educação no período da era Vargas para a formação do operário, não podemos negar o quão importante foi Getúlio Vargas para o governo brasileiro, uma vez que as leis e diretrizes da educação começaram a ser criadas de fato nesse período: Leis Trabalhistas, Conselho Nacional de Educação e Constituição de 1934, Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal e do Ensino Agrícola. Essas leis serviram como âncora para sustentar e dar um novo direcionamento no modo de ver, conceber e tratar a Educação Básica no Brasil. Não obstante a esse, em 1932 “o manifesto dos pioneiros da Escola Nova” foi o ápice para alavancar a educação como princípio ativo da formação integral do homem. Tomando como base os Estados Unidos, o movimento educacional criado conhecido como Escola Nova, trouxe para os professores a compreensão de uma atividade lúdica, a partir dos ideais de Montessori, Piaget, Dewey e Vigotysky, que concebiam o desenvolvimento da criança a partir da maturidade, da motricidade, do cognitivo, levando em conta as interações sociais para a construção do conhecimento. O manifesto colheu assinaturas, no qual: O documento defendia a educação obrigatória, pública, gratuita e leiga como dever do Estado, a ser implantada em programa de âmbito nacional. Um dos objetivos fundamentais expressos no Manifesto — que certamente fora redigido sob a inspiração de Anísio Teixeira — era a superação do caráter discriminatório e antidemocrático do ensino brasileiro, que destinava a escola profissional para os pobres e o ensino acadêmico para a elite. (ARANHA, 2006, p. 532).
Após o período Vargas o Brasil é tomado pelo populismo com o fim do Estado Novo, neste dado momento da história a classe menos favorecida ganha ainda mais destaque ao receber a gratuidade do Ensino Primário, bem como a manutenção dos estudos.
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A escola e suas relações
Nesse sentido, a história e a legislação brasileira nos deixa registrado que o trabalho do Coordenador Pedagógico no cenário da educação só começou a aparecer no período do Regime Militar no Brasil, porque foi criado em 1961 a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que posteriormente foi reformulada e renovada em 1971, mas somente em 1996 que de fato se promulgou a Lei se tornando em LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no qual passou a direcionar e trazer o papel docente na escola, como Domingues nos diz: Com as transformações políticas e econômicas da década de 1950 [...] surge a supervisão escolar, fato que coincide com a criação das habilitações em Pedagogia (1969), entre elas a de Supervisão Escolar. Com a posterior integração das concepções e funções da Inspeção e Supervisão, feita pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n, 5.692/71, o supervisor passa a assumir uma função fiscalizadora do sistema, bem como a de orientação pedagógica.
Percebemos que a figura do Coordenador Pedagógico surgiu a partir da criação do curso de Pedagogia, porém estava imbricada na função de inspecionar e supervisionar.
A organização do trabalho do coordenador pedagógico
Consideramos que para compreender e delinear a organização do trabalho do coordenador pedagógico nas escolas da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) se faz necessário trilharmos o caminho da fundamentação legal que rege e regulamenta a atuação e as práticas pedagógicas desse profissional. Assim, de acordo com a Portaria 561, de 27 de dezembro de 2017, apresentaremos algumas atribuições e requisitos para o exercício do Coordenador Pedagógico nas escolas públicas de educação (DISTRITO FEDERAL, 2017, pág. 8-9): Art. 44. Para o exercício das atividades de Coordenador Pedagógico Local o servidor deve: I - ser Professor de Educação Básica, integrante da Carreira Magistério Público do Distrito Federal; II - ser escolhido pelos servidores integrantes da Carreira Magistério Público do Distrito Federal da UE/ UEE/ ENE; III - ter, no mínimo, três anos de efetivo exercício em regência de classe ou, caso não atenda este requisito, ter sua escolha justificada por seus pares, por meio de registro em Ata; IV - conhecer e implementar o PPP da UE/ UEE/ ENE; V - ter habilitação compatível com a etapa/ modalidade da Educação Básica atendida na UE/ UEE/ ENE; VI - no caso do CEP – Escola Técnica de Saúde de Planaltina ter formação específica na área do curso de atuação e registro junto ao órgão de classe (Coordenadores Pedagógicos Locais de Estágio Supervisionado de cada Curso Técnico); VII - no caso da Escola Bilíngue LIBRAS e Português Escrito de Taguatinga (EBT), ser bilíngue (LIBRAS e Língua Portuguesa)
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as e ter aptidão comprovada, conforme Portaria própria. VIII no caso dos Programas de Educação Precoce, dos CEEs e do CEEDV, ter aptidão comprovada, conforme Portaria própria. IX - no caso das unidades escolares do Campo, ter, comprovadamente, curso na área de Educação do Campo, necessariamente certificado pelo EAPE ou pela UnB, considerando a necessidade de tal curso estar em conformidade com a implementação da política pública de Educação do Campo na SEEDF, estar matriculado ou, ainda, assinar termo de compromisso de que, mediante a oferta de curso de Educação do Campo pelo EAPE, nele matricular-se-á. §1º Fica vetado aos professores que atuam no Projeto Educação com Movimento atuar como Coordenador Pedagógico Local no Ensino Fundamental – Anos Iniciais. §2º O professor que foi contemplado no Procedimento de Remanejamento Interno e Externo com bloqueio de carência deve respeitar o disposto na Portaria nº 388, de 05 de setembro de 2017.
As atribuições do Coordenador Pedagógico na rede de ensino pública do DF, é composta por diretrizes que visam traçar o perfil e, para isto, dispõe de uma cartilha pronta e estruturada para o desempenho das suas funções. Nas escolas públicas para ser coordenador na Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio não há a necessidade de ter uma formação nesse quesito, exigindo-se, apenas, que seja da carreira de professor efetivo. De acordo com a Portaria (DISTRITO FEDERAL, 2017, p. 9) em seu Art. 45, §1º, “cabe aos Coordenadores Pedagógicos Locais participar de reuniões e de cursos de formação continuada promovidos pelo EAPE e pela SUBEB, recebendo instruções para o desempenho das atribuições específicas”. Os cursos ofertados por estas instituições da Secretaria de Educação visam preparar e aperfeiçoar os coordenadores uma vez que a cada novo período escolar há uma votação do corpo docente para eleger o coordenador. A Portaria (DISTRITO FEDERAL, 2017) ainda destaca que quando não há candidatos para o cargo de Coordenador Pedagógico no ano letivo, o Diretor da escola tem autonomia para solicitar junto a Regional de Ensino um professor da Rede para alocar no cargo que está vago na escola. Nesse sentido, constatamos que na atualidade algumas escolas públicas encontram-se com dificuldade para preencher a vaga de Coordenador Pedagógico. Notadamente, há algumas perdas que tornam os professores desmotivados à se interessarem ao cargo de Coordenador: • Perda das duas coordenações externas nas segundas e nas sextas-feiras. • Perda do direito a gratificação especial pelo cargo e no caso do professor alfabetizador. • Perda dos benefícios adquiridos por trabalharem no Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). Tais primícias corroboram com o crescimento das fragilidades da atuação do Coordenador Pedagógico da Rede Pública, pois a sua prática acaba sendo desqualificada em meio a tantos obstáculos que o leva a se preocupar 86
A escola e suas relações
apenas com as questões pessoais que envolvem o salário. Diante disso, nos questionamos, este profissional se comporta nas escolas públicas do DF? Isto posto, apresentamos no Quadro 1 o quantitativo de coordenadores das escolas públicas do DF. Quadro 1 - Quanto ao quantitativo de coordenadores por turma nas escolas públicas do DF: Modalidade/ Quantitativo de Etapa Coordenadores Educação Ensino Infantil Fundamental Anos Iniciais 06 a 15 turmas 16 a 29 turmas 30 a 45 turmas 46 a 59 turmas acima de 60 turmas
Modalidade/ Quantitativo de Etapa Coordenadores Ensino Ensino Médio Fundamental EJA 3º SegAnos mento Finais EJA 2º Segmento 1 6 a 15 turmas 1 Coordenador Coordenador Pedagógico Local Pedagógico Local 2 16 a 29 turmas 2 Coordenadores Coordenadores Pedagógicos Pedagógicos Locais Locais 3 30 a 45 turmas 3 Coordenadores Coordenadores Pedagógicos Pedagógicos Locais Locais 4 46 a 59 turmas 4 Coordenadores Coordenadores Pedagógicos Pedagógicos Locais Locais 5 acima de 60 5 Coordenadores turmas Coordenadores Pedagógicos Pedagógicos Locais Locais
Fonte: Distrito Federal (2017, p. 10)
O levantamento dos dados coletados nesta Portaria (DISTRITO FEDERAL, 2017) demonstra que o número de coordenadores por turma pode ser insuficiente para atender a grande demanda deste profissional, que além das atribuições inerentes ao seu cargo, ocorre eventualmente ter que exercer outras funções como: auxiliar professor, técnico administrativo, gestor, entre outras atividades que desvinculam a sua prática pedagógica. O papel do pedagogo na escola apresenta-se incorporado em um trabalho coletivo e desenvolvido por toda a comunidade escolar. Portanto, faz-se 87
A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
necessário que este Coordenador Pedagógico tenha uma visão macro e micro, oportunizando uma organização coerente e dinamizadora no ambiente educacional, além de se atender aos princípios administrativos que são de interesse da gestão escolar e do corpo docente, tendo em vista que busca atender os princípios pedagógicos e sociais no ano letivo. Sendo assim, segundo Pinto (2011) não basta ao professor atuante em uma escola de Educação Básica refletir sobre sua prática, pois essa reflexão deve estar totalmente articulada no contexto sócio histórico da instituição, tal pensamento permite trazer o significado social de sua práxis como Coordenador Pedagógico. Para desenvolver a formação continuada junto aos docentes que estão atuando na Educação Básica é necessário que o Coordenador Pedagógico apresente uma visão de totalidade da prática educativa. Segundo Pinto (2011) o trabalho pedagógico é caracterizado como um núcleo do centro das atividades escolares que representa também as práticas educativas desenvolvidas pelo professor dentro da escola, e aprimorar essas funções é tarefa do coordenador mediante a formação continuada.
A atuação do coordenador pedagógico nas escolas públicas da sedf/brasil
A pesquisa de campo foi realizada com 4 professoras que atuam como Coordenadoras de quatro escolas públicas da Secretaria de Educação do Distrito Federal/Brasil no qual foi possível analisar como os atores sociais envolvidos no processo educativo da escola compreendem o trabalho do Coordenador Pedagógico e como este profissional lida com o processo de formação continuada de docentes. Para analisarmos os dados coletados traçamos o perfil dos entrevistados para delinearmos a importância da experiência na atuação da prática pedagógica do coordenador na escola. No Quadro 2 é possível visualizar essa panorâmica. Quadro 2 – Identificação do Coordenador Pedagógico PROFESSOR FORMAÇÃO TEMPO DE ESCOLA ACADÊMICA ATUAÇÃO A B C D
Pedagogo
7 Anos
Escola Classe
Pedagogo
19 anos
Escola Classe
Pedagogo
Pedagogo
7 anos
8 anos
Centro de Ensino Fundamental I e II Escola Classe
Fonte: Pesquisa de Campo (2018), da autora.
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SEGMENTO Ensino Fundamental I (EFI) Ensino Fundamental I (EFI)
Ensino Fundamental I (EFI) Ensino Fundamental I (EFI)
A escola e suas relações
No quadro acima, podemos perceber que a maioria dos professores eleitos para desenvolver o papel de Pedagogo nas escolas públicas da Secretaria de Educação do Distrito Federal/Brasil, apresentam pouco tempo de serviço no órgão público. Um dos fatores que levam os professores antigos com mais de dez anos de carreira a não se candidatarem ao cargo de coordenador pedagógico é a perda da coordenação externa. Conforme ressaltado na página anterior, o professor que atua na regência tem direito a duas coordenações externas de três horas cada uma, de modo que tem levado aos professores recém ingressantes na carreira docente da SEDF a optarem pela coordenação pedagógica mesmo que não tenham experiência. Assim iniciamos a análise dos dados com a seguinte categoria (Quadro 3): Quadro 3 – Atuação do Coordenador Pedagógico na Educação Básica
Questão 1. Quais são as atribuições do coordenador pedagógico na educação básica? PROFESSOR A Eu sou professora efetiva da SEEDF, e temos uma portaria que regulamenta as atribuições desse profissional na escola da rede pública, no entanto, essa atribuição se diferencia de escola para escola. Na escola em que atuei como coordenadora pedagógica durante 2 anos as funções desenvolvidas por mim e pelos demais coordenadores eram: •
Abrir e fechar o turno;
•
Registrar ocorrência de briga, de criança que se machucou etc;
•
• • • • • • • •
Olhar a entrada e saída dos alunos para não se machucarem; Atender os pais e registrar reclamações;
Mediar conflitos entre professor e os pais; Organizar as festas da escola; Olhar o recreio;
Produzir bilhetes e entregar nas turmas;
Atender os alunos e aplicar advertências e suspensões;
Substituir professor em sala de aula quando falta;
Tirar cópias das provas, testes , atividades escolares e bilhetes; PROFESSOR B Formador, articulador, defensor do real processo de ensino e aprendizagem dos estudantes. 89
A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
PROFESSOR C
O coordenador pedagógico é uma liderança entre seus pares. Por isto, suas atribuições são de articular a gestão da escola com o corpo docente, assessorando os professores nos planejamentos e execuções das aulas, orientar o desenvolvimento dos projetos pedagógicos, acolher pais e estudantes no que se refere ao desempenho escolar e relacionamento com os docentes, fomentar a formação continuada no ambiente escolar entre outros. PROFESSOR D O coordenador pedagógico atua auxiliando os professores, fazendo o planejamento didático com a equipe de docentes, substitui professores, articula a formação continuada.
Fonte: Pesquisa de Campo (2018), das autoras.
Evidenciamos ao analisar as respostas dos sujeitos entrevistados que a atuação do Coordenador nas escolas públicas da SEEDF baseia-se em atividades administrativas, de monitoria, de supervisão, de auxiliar, de orientador educacional, professor substituto entre outras atribuições que não conferem ao papel do Coordenador. Percebemos nas falas dos professores B, C e D que ambos conhecem, de fato, as possíveis atribuições do Coordenador, mas nos questionamos se essa teoria acontece na prática. Para Libâneo (2001) o Coordenador Pedagógico é um profissional da educação que atua em várias instâncias da prática educativa seja ela direta ou indiretamente ligada a organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes que compõe os modos de ação e os objetivos da formação humana para o processo de ensino aprendizagem dos alunos. Após compreendermos como esses Coordenadores atuam na prática, poderemos analisar as atribuições de um Coordenador Pedagógico, como pode ser visualizado no Quadro 4. Quadro 4 – Atribuições do Coordenador Pedagógico
Questão 2. Entre as atribuições do coordenador pedagógico, você destacaria alguma? Qual? Justifique? PROFESSOR A • Auxiliar pedagogicamente os professores; •
Proporcionar formação continuada para os professores;
•
Mediar conflitos entre professor e os pais;
• • • 90
•
Viabilizar cursos e palestras como parte de sua prática pedagógica; Organizar as festas da escola; Organizar reuniões;
Conferir relatórios e diários;
A escola e suas relações
PROFESSOR B Articulador de saberes, pois com esse papel bem representado todos os envolvidos na aprendizagem significativa dos estudantes estariam capacitados para os desafios diários relativos ao sucesso escolar. PROFESSOR C Particularmente, entendo que o assessoramento pedagógico é uma das atribuições mais relevantes. É por meio dele que o coordenador acompanha o processo de ensino e aprendizagem, ficando mais próximo do professor e assim, contribuindo para a superação dos desafios cotidianos. PROFESSOR D A substituição de professores. Porque não deveria ser uma função do coordenador.
Fonte: Pesquisa de Campo (2018), das autoras.
Verificamos, mediante os discursos dos coordenadores, que a prática desse sujeito consiste em articular os diferentes saberes que englobam o fazer docente conforme ilustramos na Figura 1. Figura 1. Filtragem das atribuições do Coordenador Pedagógico
Fonte: Das autoras (2018)
O articulador que é exercido pelo Coordenador Pedagógico viabiliza a triangulação dos saberes pedagógicos os quais constituem a práxis na escola pública de acordo com a listagem abaixo: • Mediar – As relações pedagógicas e políticas na comunidade escolar. • Auxiliar – Proporcionar aos professores formação continuada. • Organizar - O todo articulado das atividades escolares (Festas, Reunião de Pais, Projetos Pedagógicos, Relatórios e o Projeto Político Pedagógico). 91
A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
Um dos fatores que podem influenciar para mediar a capacidade docente seriam os saberes necessários a prática do Coordenador Pedagógico, que segundo Orsolom (2010, p. 22) são: O saber, o saber fazer, o saber ser e o saber agir do professor. Esta atividade mediadora se dá na direção da transformação quando o coordenador considera o saber, as experiências, os interesses e o modo de trabalhar do professor, bem como cria condições para questionar essa prática e disponibiliza recursos para modifica-la, com a introdução de uma proposta curricular inovadora e a formação continuada voltada para o desenvolvimento de suas múltiplas dimensões.
Esses saberes são construídos ainda na formação acadêmica. Daí a relevância que uma formação pedagógica tem na preparação profissional do Coordenador Pedagógico, tendo em vista que proporciona todo arcabouço teórico para que na prática essa ação aconteça de forma efetiva, reflexiva, autônoma e transformadora da realidade social escolar. Acreditamos, que uma das práticas mais relevantes do Coordenador Pedagógico, é articular a formação continuada do docente. Diante disso, trazemos no Quadro 5 a práxis do Coordenador Pedagógico. Quadro 5 – O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada do Docente Questão 3. Como acontece o processo de Formação Continuada na escola e qual a sua participação nesse procedimento? PROFESSOR A Não acontece. Durante os dois anos em que estive na escola como coordenadora nunca houve uma organização para palestras e cursos para os professores, porque não é algo visto como atribuição do coordenador pedagógico. PROFESSOR B De forma voluntária os professores, coordenadores procuram a EAPE (organização, pertencente a SEEDF que é responsável por oferecer cursos de aperfeiçoamento) para se candidatarem as poucas vagas destinadas ao aperfeiçoamento. PROFESSOR C A formação continuada não é um processo formal, sistematizado. Geralmente é feito às quartas-feiras nas reuniões coletivas, mas, quem organiza é e equipe gestora ou o Pedagogo das equipes especializadas. O coordenador é só um participante. PROFESSOR D O processo de formação ocorre durante o momento da coordenação pedagógica e o coordenador fica “a frente” da formação, explicando os conteúdos, organizando oficinas, etc .
Fonte: Pesquisa de Campo (2018), das autoras.
Identificamos a partir dos relatos dos coordenadores que a formação continuada não é uma atribuição do coordenador pedagógico nas escolas 92
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públicas ficando a cargo da EAPE (Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação) e das equipes gestoras, de modo que a escola dá autonomia para o professor fazer ou não a formação continuada. Consideramos que a formação continuada é importante e deve ser vivenciada e desenvolvida com o grupo de docentes de uma instituição escolar. A esse respeito Pimenta (2001, p. 55) salienta: A organização da escola é competência tanto dos profissionais docentes como dos não docentes. Seria ingênuo advogar que o professor de sala de aula deve cumprir todas as funções que estão fora dela, mas que nela interfere, quer dizer, que afetam o trabalho docente, o que não significa que este só atue na sala de aula.
Pimenta nos reforça o quão importante é a atuação do Coordenador Pedagógico para promover de fato a formação continuada dos docentes na instituição, pois o professor é um profissional que deve dar suporte educacional visando a melhoria da aprendizagem dos alunos e essa formação deve ser possibilitada constantemente e não deve ser algo isolado e alheio a realidade da comunidade escolar. Para Cristov (2009, p. 10) “Educação continuada é um programa composto por diferentes ações como cursos, congressos, seminários, horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), orientações técnicas e estudos individuais”. Se analisarmos o ambiente escolar poderemos perceber que é muito difícil haver um desenvolvimento educacional eficaz sem a figura do Coordenador Pedagógico. A educação continuada assim, promovida por este profissional junto aos professores da escola tende a favorecer o processo de ensino aprendizagem dos alunos. Mas, de acordo com Garrido (2003, pág. 23): Cada educador é responsável por seu processo de desenvolvimento pessoal e profissional; cabe a ele o direcionamento, o discernimento e a decisão de que caminhos percorrer. Não há política ou programa de formação contínua que consiga aperfeiçoar um professor que não queira crescer, que não perceba o valor do processo individual-coletivo de aperfeiçoamento pessoal-profissional.
Muitas vezes o professor é convidado a desenvolver sua formação continuada, no entanto, alguns deles preferem manter-se em sua zona de conforto, ao invés de adentrar-se ao novo. Sobre isto Bruno e Silva (2009 p. 10) salientam que: Um programa de educação continuada pressupõe: • Um contexto de atuação: uma escola, um município, um país, uma sociedade... • A compreensão de que ela não será responsável exclusiva pelas transformações necessárias à escola, uma vez que isso depende de um conjunto de relações, mas poderá ser um elemento de grande contribuição para essas transformações;
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as •
As condições para a viabilização de suas ações, que podem ser resumidas em três grandes aspectos: vontade política por parte dos educadores e governantes, recursos financeiros e organização do trabalho escolar com tempo privilegiado para estudos coletivos e individuais por parte dos professores.
A proposta apresentada por estes autores nos mostra o ideal de formação continuada, mas, o que precisa ser feito para que este imaginado seja concretizado na escolarização brasiliense? Compreendemos que se faz necessário uma mudança cultural, social e política que quebre os paradigmas impostos pela sociedade e pelo estado, no caso pura utopia.
Considerações finais
Concluímos que é fundamental ao coordenador pedagógico centrar o seu trabalho na ação humana acreditando nas mudanças e ser capaz de aceitar e conviver com as diferenças, além de ser um sujeito atento aos saberes pedagógicos de tal forma que possa mediar, de forma organizada e coerente, a formação continuada do professor. O Coordenador Pedagógico atua em todas as esferas educativas e por sua formação humana, está atento aos anseios e desafios que a sociedade atual demanda sobre a escola e seus agentes. Entendemos que não é uma tarefa fácil, pois é necessário ao profissional que atua nesse cargo ter consciência dos enfrentamentos, estar vigilante às mudanças que ocorrem na sociedade e acima de tudo conhecer sua comunidade escolar, pois seu trabalho é coletivo e envolve todos os atores envolvidos no processo educativo. A atribuição do Coordenador Pedagógico é de dar suporte organizacional e pedagógico aos professores, bem como possui um importante papel na formação continuada dos docentes. Portanto, entendemos que essa formação deve ser viabilizada continuamente e nesse sentido, busca-se contribuir para a redução da evasão escolar, da reprovação, o aumento do rendimento escolar e a ênfase na formação integral do indivíduo lhes promovendo educação para transformação. Deste modo entendemos que conseguimos atingir ao objetivo deste artigo: refletir sobre a importância da atuação do Coordenador Pedagógico como articulador da formação continuada do docente e dos processos de ensino e aprendizagem.
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A escola e suas relações
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Violência na escola e ruptura nas relações dos sujeitos Cleonice Pereira do Nascimento Bittencourt, Universidade de Brasília, Brasil Inês Maria Zanforlin Pires de Almeida , Universidade de Brasília, Brasil palavras-chave: Violência; Subjetividade e Educação; Direitos Humanos; Laço social; Vínculos parentais; Psicanálise e educação;Trabalho docente
Trabalho docente, violência e psiquismo
A
organização do trabalho, e a maneira como ele se estrutura, é tema de interesse de diversas áreas, linhas de pesquisa, e autores de diferentes abordagens teóricas. Nesse texto, acionamos autores que se dedicaram a estudar a dinâmica do trabalho na subjetividade dos sujeitos, conforme defende Dejours (1987,2004) de maneira especial aqueles que o veem como estruturante psíquico (Dejours,2004; Enriquez,1999,2005) bem como, autores que analisam os impactos da violência escolar para compreender possíveis influências na subjetividade dos professores que vivenciam situações de violência no contexto da escola, e que se apoiam no aporte teórico psicanalítico. Ao considerarmos o trabalho docente qualificado pela OIT – Organização Internacional do trabalho em 1981, como sendo de riscos físicos e mentais, pensamos em sua dinâmica e estrutura organizacional que se caracteriza por ser uma profissão relacional, e, que responde a algumas demandas, conforme descrito por Pereira(2017) acrescentando também, dentre elas a de grande vínculo social (Enriquez,2006) e grupal. Corroboramos com Enriquez (1999) ao fazer referência à obra social de Freud: Psicologia das massas e análise do Eu (1921,1996) clareando a ideia de que o indivíduo não existe fora do campo social e que “o sujeito humano é um sujeito social”, e por isso entendemos que a profissão docente, ocorre no campo social da instituição escola. Nesse sentido, consideramos que ao vivenciar no contexto da profissão docente, situações que envolvem o fenômeno da violência, esses profissionais, os professores, vivênciam na sua organização de trabalho situações consideradas por Dejours, como ações que impactam o aparelho psíquico. A organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos e uma organização do trabalho que os ignora(DEJOURS, 1987, 64). Nesta perspectiva selecionamos artigos disponibilizados no Scielo (Scientific Electronic Library Online), tendo como descritores iniciais violência na escola, com essa demanda encontramos 358 artigos. Com o intuito de refinarmos a pesquisa, consideramos então, os descritores violência 97
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na escola, trabalho docente e subjetividade, não encontrando nenhuma produção com base nesses, assim apuramos para os descritores violência na escola, psicanálise e educação, trabalho e deparando-nos com o artigo de Carvalho (1998) que, dentre outros objetivos, propôs analisar com base no aporte teórico da psicanálise, as principais causas, “que, na escola, gerariam e manteriam situações de violência.”
Subjetividade e violência no campo psíquico dos sujeitos Iniciamos então, com a autora, um trabalho de análise de artigos disponibilizados na referida base de dados, e que trataram desta temática no campo da escola, fazendo referência à conexão psicanálise e educação e a produção de subjetividade a partir das interferências do fenômeno violência no campo psíquico dos sujeitos que habitam a escola cotidianamente. Fazendo um recorte pontual, ao que de subjetivo, afeta o professor em sua profissão e enquanto sujeito psíquico, tendo como ponto fundante, suas ações, enquanto profissional e os resquícios, ou seja, o que lhe sobra ao enfrentar em seu trabalho docente, “gatilhos” que mantém e produzem violências, verificamos com Dejours (1987) possíveis estratégias de enfrentamento que, enquanto trabalhadores, utilizam no contexto da profissão. Ainda mais, diante da constatação de que o número de artigos disponibilizados com os descritores iniciais eram muitos, porém poucos fizeram referência à violência como sintoma, decidimos acrescentar violência na escola, psicanálise e educação o que nos permitiu encontrar os trabalhos de Arreguy e Coutinho (2015), Bispo e Lima (2014) que por meio do viés psicanalítico discorrem sobre a violência no contexto da escola. Apenas, quando optamos por modificar e buscar pelos descritores: psicanálise e educação e professores, encontramos 22 artigos que fazem referência aos professores enquanto profissionais e ao fenômeno da violência como mais um elemento produtor de sintomas oriundos da profissão como o mal-estar docente, elaborado por Pereira(2017). Nessa perspectiva sentimos necessidade de abrir os descritores, acrescentando psicanálise e educação, professores e mal-estar. Por meio deles, os descritores, encontramos pesquisas e relatos de experiências, com uso de dispositivos clínicos Pereira(2017) e por eles o mal-estar e seus sintomas foram ditos e expressos por manifestações de angústias e medos.
Trabalho docente e expressões de subjetividade frente a violência na escola
Os impactos da violência nas relações, em qualquer contexto, têm refletido no sujeito singular e grupal, especialmente, quando tratamos do impacto na subjetividade dos sujeitos inseridos no mundo do trabalho, quando falamos das profissões tipicamente relacionais dentre elas ressaltamos a profissão de professor, médicos, psicólogos, entre outras. Para discutir os reflexos e impactos da violência no contexto da escola debateremos com os autores elencados, optando por iniciar com Carvalho (1998) que por meio do artigo intitulado A violência na educação formal, 98
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nos situa a partir do ponto de vista freudiano e kleiniano a respeito da origem da violência no humano, bem como as causas que geram e mantêm a presença da violência no contexto da escola. A autora nos indica que a violência pode ser presenciada em situações de ataque e de defesa. (Carvalho,1998), destacando ainda os impactos da violência nas relações discente-docente ponderando a pobreza e o sentimento de desconsideração dos professores em relação aos alunos,considera que ao compreender essas questões: Fica mais fácil a compreensão e até aceitação de atitudes antipedagógicas e violentas como as que muitas vezes temos presenciado. O professor tornou-se um profissional carente de apoio e compreensão, necessitando de uma reciclagem profissional para que se ponha no caminho da modernidade. (CARVALHO, 1998)
Dentre outras questões, importante observar os quase 20 anos da publicação do artigo, porém em parte, concordamos com Carvalho sobre a necessidade de formação profissional docente, ainda mais se auxiliados por um dispositivo clinico de escuta ancorado nas proposições de Pereira (2017), Almeida e Aguiar (2010) Arreguy e Coutinho(2015), no intuito de que aos profissionais professores lhes seja dado a oportunidade de lidar com o sofrimento social e psíquico(Enriquez,1999;Gaulejac,2006) oriundo das situações de violência que vivenciam/presenciam. Os estudos e resultados de pesquisas são apresentados a seguir. Ao discutir o fenômeno da violência, como um sintoma, Aguiar e Almeida (2010) em Violência na escola: reflexões acerca da(re)construção dos laços de autoridade no cotidiano escolar, problematizam à luz de pressupostos da psicanálise, advertindo-nos que, algumas iniciativas e ações referente ao trabalho docente, podem indicar “possibilidade de elaboração psíquica e enfrentamento das violências” autorizando entre outras questões a “(re)construção dos laços sociais”. Ao tratarmos do fenômeno violência como sintoma, nos reportamos à um sintoma que ocorre do laço e no laço social, portanto, advindo de uma relação grupal, uma vez que, “todo o sintoma é sempre a marca inevitável do social como tal e da sociedade particular na qual ele se expressa” (Enriquez,1999). Ainda mais, retomamos a categoria trabalho docente como elemento de elaboração psíquica e enfrentamento da violência no campo da escola, que impactam as relações, os laços sociais e por consequência os sujeitos. Em Representações sociais de professores do ensino fundamental sobre violência intrafamiliar, pesquisa realizada sobre o sofrimento psíquico de professores, Aguiar e Almeida (2006), indicam que a violência escolar pode estar ligada ao declínio da função paterna e possível perda do “lugar de autoridade” ocupado outrora pelo professor. A questão da autoridade também foi abordada por Pereira(2017), em De que hoje padecem os professores de Educação Básica? ao tratar da saúde do professor acometida pelo mal-estar originado por posições subjetivas elencadas como padecimento psíquico, depressão, stress, esgotamento, angústias, pânico e outros. O autor considera que: 99
Violência na escola e ruptura nas... C. P. N. Bittencourt e I. M. Z. P. de Almeida A destituição visível da autoridade de professores, o desinteresse discente generalizado, os confrontos e a banalização da agressividade e da violência intraescolar parecem atingir de chofre a saúde mental docente. Conforme narrado por vários, tal fenômeno ganhou a sala de aula e, concomitantemente às precárias condições de trabalho e à reduzida prática coletiva com colegas e gestores, isso vem se tornando o grande dilema que enfrentam para exercer o magistério. (PEREIRA,2017)
Arreguy & Coutinho(2015), em Considerações sobre afetos e violências no espaço escolar: conversações com professores, apresentam uma experiência de práxis psicanalítica desenvolvida em uma escola da rede pública do Rio de Janeiro - Brasil em que, empregaram dispositivos clínicos, possibilitando que professores falassem sobre o trabalho docente, e o mal-estar que os atinge no cotidiano da escola, relacionando-o com “afetos, à violência e às querelas de autoridade”, abordaram a violência enquanto sintoma social e a questão do desejo. Encontraram como reflexo do trabalho docente, professores com manifestações e expressões de angústias, descontentamento, sensação de impotência, sentimento de falta de autoridade, agressividade, desrespeito, inclusive pela política da própria instituição, e também, posições contrárias dos professores frente ao fenômeno da violência. Os depoimentos foram marcados pela presença de melancolia, e expectativas de encontrar formas para acabar com o mal-estar na educação. De outro modo, em Representações sociais de professores do ensino fundamental sobre violência intrafamiliar, Almeida et.al (2006), nos adverte que, quando os professores são confrontados com as violências oriundas do âmbito familiar e que necessitam diálogos constantes com os pais, sentem-se desautorizados e não se movem à “busca de solução situadas fora do contexto da escola”, indicando que essas ações são de âmbito privado. As autoras consideram que nessas situações há um “conflito” vivenciado por parte dos professores, que acaba por gerar mal-estar, causando destruição dos laços sociais e produção de novos sintomas. Efeitos esses, também tratados por Santos e Teixeira (2006), em Violência na teoria psicanalítica: ruptura ou modalidade de laço social? Ao proporem uma reflexão a partir da teoria psicanalítica sobre a violência, consideram que a violência está imbricada na estrutura do discurso capitalista onde “tudo é permitido, não há mais impossível, em lugar nenhum. É proibido proibir!” com efeitos subjetivos no campo psíquico do sujeito e do Outro contemporâneo produzindo assim uma “tensão intolerável” (Freud, 1930) e o sintoma violência (Santos e Teixeira,2006). Em Violência e ausência de psicólogos nas escolas, Arreguy(2014) faz referência a uma pesquisa em 65 escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, em que professores em resposta a um roteiro de entrevista discorreram sobre o comparecimento da violência e, em especial, com “ameaças a professores”, assim como, sobre existência de assaltos às escolas, agressões físicas e verbais, violência familiar, bullying os quais se sentem vítimas de violência simbólica e da invisibilidade institucional/social. 100
A escola e suas relações
A pesquisa discorre também que, na relação com os alunos os professores relatam conflitos que envolvem questões comportamentais e relacionamentos com os pais de alunos, inclusive com “culpabilização das famílias” em relação a responsabilidades quanto aos próprios filhos, com relatos de negligência atribuindo inclusive a elas “a causa da violência”. Em uma das situações alguns dos professores indicaram não haver violência na escola, o que a autora sugeriu ser uma espécie de defesa em relação à instituição. Nesse sentido, porém, pensamos considerar que a negação seja um mecanismo de defesa como proposto por Dejours (1987), ao sugerir em a Loucura do Trabalho que as doenças mentais produzidas pelo trabalho e que acarretam sofrimento originam mecanismos de defesas contra esse sofrimento. Reconhecemos que para Dejours (1987) “O que é explorado pela organização do trabalho não é o sofrimento, em si, mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento. A esse respeito Pereira (2013), no artigo Os profissionais do Impossível, faz uso dos conceitos impotência e impossibilidade engendrado na teoria dos discursos para nos chamar atenção a respeito do que Freud, em adaptação à frase de Kant, afirmava as impossíveis artes de governar, educar e curar, sustentada quando da escrita de Prefácio a uma “Juventude Desorientada” de Aichhorn(1925, 2006) e Análise Terminável e Interminável(1937). Pereira (2013), lembra Lacan(2005), para nos dizer que o professor vive a angústia de educar e se sente impotente diante de incertezas, ambivalências, das pulsões e manifestações da sexualidade de si e do outro, apresentando-se impotente frente as incertezas de seu ato. E nos convoca enquanto profissionais da educação a “rever esse lugar de impotência” que “os profissionais reclamam a si mesmos”. Assim também Enriquez(2001), ao escrever: “ são os únicos ofícios – diz o autor – que exprimem um poder nu sobre os homens, em outras palavras, um poder sem mediação”(Enriquez,2001,p.116). Pereira (2013), ressalta ainda que: Nenhum professor gosta de ter consciência, muito menos expor seus truques de manipulação de alunos, de seus tiques, suas manias, seus deslizes verbais, suas cóleras, seus momentos de sadismo ou de pânico, suas incoerências, suas ambivalências, suas despolitizações, suas reações de defesa e embaraço, de fragilidade e dúvida. É uma profissão, até mesmo por ser relacional, que requer uma cota considerável de narcisismo e, por isso, uma cota de orgulho - mesmo que seja pretensioso. Mas se for verdade que ensinar é fabricar artesanalmente saberes, provavelmente terão de abrir mão de certa arrogância narcisista que, quando não atendida, leva-os de chofre à sensação de impotência. (PEREIRA,2013)
Conclusão À guisa de conclusão, nos apropriamos das palavras do autor, para ponderar que, diante dos fenômenos de violência que cercea a escola e impacta a profissão docente causando mal-estar com reflexos na subjetividade 101
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dos profissionais e reveladas pelos diferentes dispositivos utilizados pelos autores pesquisados, diante das expressões utilizadas pelos mesmos para demarcar o que foi dito pelos sujeitos (professores) como necessidade de :“atuação em favor da palavra “silenciamento”, “fazer circular a palavra”, que possam fazer uso dela para se desvelar e fazer as pazes com sua posição de um “mestre do saber não todo” e fazer as pazes consigo mesmo diante do impossível e do imprevisível, no ato da profissão docente. Nas pesquisas e estudos dos autores convidados ao debate, podemos elencar como possíveis fatores que interferem na subjetividade do trabalho docente que vivenciam cotidianamente a violência, indicadores de mal-estar que produzem sintomas como angústias, ansiedade, medo que favorecem o esgotamento mental frente a perda da autoridade (função paterna). A respeito do desgaste físico e mental produzido pelo fenômeno da violência e constatado por meio dos trabalhos de Almeida, et.al(2006,2006b), Aguiar e Almeida (2006,2010), Pereira(2017) dentre outros autores, consideramos que, a violência como sintoma é um dos elementos que afetam a saúde psíquica e física do professor em seu trabalho docente, tantos nos aspectos físicos, quanto psíquicos, tendo como indicadores os sentimentos de melancolia, apatia, fúria, fobia, frustrações, etc. Faz-se necessário aos profissionais em suas experiências de trabalho terem dispositivos clínicos que os permitam fazer uso da palavra para que, possivelmente, ocorra desvelamento e liberação dos sofrimentos que os “marcam” e os subjetivam enquanto sujeitos.
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Biblioteca Escolar
Acesso à cultura letrada Maria Marismene Gonzaga, Universidade Estadual Paulista, Brasil Renata Junqueira de Souza, Universidade Estadual Paulista, Brasil Palavras-chave: biblioteca escolar; cultura letrada; aprendizagem; leitura
Introdução
A
biblioteca tem como finalidade preservar o legado cultural, base para estudos e mediação da cultura, favorecendo o acesso a conhecimentos políticos, técnicos, científicos e a outras ciências; fomentar a leitura, em especial, a leitura literária; oferecer espaço de encontros entre leitores, entre leitores e autores, troca de saberes, e outros eventos voltados para a disseminação da produção cultural acumulada. O compartilhamento de saberes é um momento especial para que a aprendizagem se efetive. De acordo com Vygotsky (1989), referenciado por Campello (2009), o processo de desenvolvimento depende de interações sociais, e o que se aprende nessas interações, influencia o desenvolvimento cognitivo. Assim, Rego (2013), na perspectiva de Vygotsky, complementa afirmando que construir conhecimentos implica uma ação compartilhada, uma vez que é pela interação com o outro que as relações entre sujeito e objeto de conhecimento se estabelecem. Ler e compartilhar a leitura com outras pessoas permite a construção de sentido, uma vez que os sujeitos se beneficiam da competência uns dos outros e, assim, se apropriam do texto escrito, proporcionando prazer e descobertas. Dessa forma, a biblioteca pode ser espaço de interação do sujeito com os livros e com os outros, espaço de diálogo com os estudos realizados em sala de aula, colaborando para o desenvolvimento de habilidades leitoras e ampliação da cultura letrada. Diante do exposto, surge a indagação: qual o tratamento dado à biblioteca escolar no projeto político-pedagógico em escolas dos anos iniciais da rede pública municipal de Presidente Prudente – São Paulo – Brasil? Nesse sentido, buscamos conhecer o conceito de biblioteca definido no projeto político-pedagógico da escola (PPP) e analisar o ponto de vista dos profissionais e comunidade escolar acerca da biblioteca, além de verificar como a constroem e a utilizam no planejamento pedagógico diário da unidade de ensino, de forma que a biblioteca escolar se constitua como um espaço de acesso à cultura letrada.
Trajetória metodológica
Trata-se de uma pesquisa documental e estudo de caso com abordagem qualitativa que consistiu na análise do projeto político-pedagógico da es-
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cola e entrevistas semiestruturadas com os profissionais da educação e comunidade escolar. A pesquisa foi realizada em uma escola de Ensino Fundamental, anos iniciais, da rede pública municipal de Presidente Prudente - São Paulo - Brasil. Foram utilizados dois instrumentos para a coleta de dados – um roteiro para a análise documental e outro, para as entrevistas, elaborados exclusivamente para o estudo. Os resultados foram analisados utilizando-se a técnica de análise do discurso. Com a finalidade de identificar a abrangência do ponto de vista dos participantes da pesquisa relativo à biblioteca escolar (BE) foram elaboradas questões acerca do conceito de biblioteca escolar e da razão de sua existência na unidade de ensino; a BE como ambiente pedagógico da escola; a quantidade de acervos literários para a implementação de projetos de incentivo à leitura; se houve efetivação, quais projetos foram trabalhados, coordenados por quem; e a respeito da participação do bibliotecário ou dos profissionais atuantes na BE no planejamento pedagógico diário da escola. Fizeram parte desse estudo dez entrevistados: profissionais que atuam na biblioteca escolar, professores, o orientador pedagógico, o diretor da escola e representante do Conselho de escola, segmento pais. Os entrevistados foram nomeados, respectivamente, B1e B2 (para as pessoas que atuam na biblioteca); P1, P2, P3e P4 (para professores); C (para orientador pedagógico), D (para diretor); M1 e M2 (para pais). Este artigo é recorte de um estudo mais amplo que buscou analisar o enfoque dado à biblioteca escolar no projeto político-pedagógico da escola e sua contribuição para o trabalho de formação de leitores, para o acesso a objetos informacionais e a bens culturais. Dessa forma, o presente estudo está vinculado ao projeto: “Biblioteca escolar e projeto político-pedagógico: um estudo de caso”, autorizado pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de Presidente Prudente – São Paulo - Brasil, e pelo responsável da unidade de ensino. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados e discussão
Discutimos aqui o ponto de vista dos participantes da pesquisa relativo à biblioteca escolar (BE). Procuramos verificar como os particpantes percebem a biblioteca escolar e como as ações voltadas para a formação do leitor se realizam nesse espaço. A biblioteca escolar deve ser o espaço de leitura, aprendizagem e vivência da literatura, pois ela desperta o interesse das crianças para ler, aprender, viver histórias lidas e ouvidas, contribuindo para a formação dos alunos e o acesso à cultura letrada. A apropriação dos textos escritos proporciona a ampliação da bagagem cultural por meio da disseminação do conhecimento históricamente acumulado. A biblioteca escolar é, por excelência, o ambiente destinado à aprendizagem, ao fomento da leitura e ao desenvolvimento das habilidades informacionais. Quando bem conduzidas, as atividades que se desenvolvem nesse espaço incentivam o gosto pela leitura e ampliam o conhecimento. Os depoimentos que se seguem mostram que o potencial da 106
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biblioteca escolar é percebido pelos entrevistados: “[...] pra ela aprender a ler, pra introduzir o gosto [...] pra que a criança tenha, mesmo, o desejo de ler, de conhecer mais o mundo, de ter mais acesso, saber lidar com os livros.” (P2). A biblioteca escolar também representa o local para aprimoramento dos co-nhecimentos, fonte de referência, de apoio à pesquisa e à leitura, conforme diz P4: “A biblioteca é fundamental para aprimorar os conhecimentos dos alunos, pra eles terem uma fonte de referência, de pesquisa, de leitura.” Definição semelhante é encontrada no Manifesto da IFLA/UNESCO (2005): “A biblioteca escolar, por ser parte integrante de todo processo educativo, deve dar suporte à formação de leitores, estimular a pesquisa e compartilhar ideias, buscando uma transformação da sociedade“. A biblioteca é um recurso histórico e ao mesmo tempo espaço de interação com os livros e de desenvolvimento das habilidades leitoras, pois “além de ser o local do acervo de livros, é o espaço de leitura que as crianças têm interação com os livros que estão lá. Então, além do acervo é um espaço de interação para que haja o desenvolvimento das habilidades de leitura”. (D) De acordo com Queirós (2012), a criança pode manipular o livro de cabeça para baixo, do meio para o fim, de cabeça para cima. Ela tem liberdade para fazer isso. “Só em liberdade inventamos e reinventamos o mundo. A liberdade é que conduz o leitor, leitura afora. [...]”. A criança é que elege a sua leitura e atribui ao objeto livro o que ele tem a lhe dizer. Na relação livro e criança, é o sujeito que fala. Nessa relação de interação com o livro, a criança vai adentrando na leitura e fazendo descobertas, pois, descobrir a leitura é um longo processo, que forma subjetividades. Para Queirós (2012), formar leitores é ajudar as pessoas no caminho dessa descoberta, é ensiná-las a gostar de ler, é ser o mediador do prazer que há em se descobrir, a si mesmo, lendo. O acesso à biblioteca e, consequentemente, aos livros, é uma oportunidade de as crianças se apropriarem da escrita, vivenciarem histórias, experiências e leituras de mundo diversas, desenvolvendo as habilidades leitoras e, por conseguinte, expandirem sua própria visão de mundo, seu conhecimento e desenvolverem a criatividade. Assim também pensa o segmento do Conselho Escolar, representado nessa pesquisa por pais de alunos. Para eles, a biblioteca é um espaço onde se encontram livros para ler, auxiliando nos estudos realizados em sala de aula. “É o espaço onde tem os livros pra eles lerem, onde eles podem ir, pegar livros, ajudar no que eles estudaram na sala de aula.” (M1). A biblioteca é uma oportunidade não só para a extensão do conhecimento aprendido na sala, mas também para fomento do currículo. Para M2, a BE, além de estimular, ofertar a literatura, a biblioteca escolar oportunizava a autonomia para a escolha. Ela é mais que um ponto de cultura, é espaço de estímulo à leitura onde o aluno pode fazer sua escolha. É espaço de autonomía: A biblioteca escolar é um ponto de cultura e referência para os alunos dentro da escola. Além da leitura diária que a professora faz, ela estimula o aluno e dá um ramo de títulos pra ele
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Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza poder escolher e ter autonomia. A BE é importante dentro da escola principalmente pra influenciar a leitura dos alunos pra que eles tenham autonomia de escolher, como escolher. (M2)
Nesse sentido, Martinez (2002) nos remete às suas lembranças de infância no que diz respeito à biblioteca da escola e à liberdade de escolha. Para a autora, a biblioteca da escola era um espaço acolhedor, com livros de qualidade. A liberdade de escolha, o livre acesso às estantes, o direito de ir e vir a qualquer momento naquele espaço, fizeram da biblioteca o seu espaço de desejo. Conforme conceituação da biblioteca escolar, os participantes da pesquisa argumentaram sobre a necessidade desse espaço na escola, mostrando as razões da existência de uma biblioteca na unidade de ensino, quando dizem que, se querem formar leitores, despertar o gosto pela leitura é preciso um espaço, ainda que seja na sala de aula, mas é necessário que ele exista. E acrescentam “quando você forma leitores, você forma cabeças pensantes, cabeças críticas. A intenção é a de que o sujeito tenha condições de melhorar o espaço onde ele vive e mais além” (P3). Os argumentos expostos justificam a necessidade de uma biblioteca na escola, visando à interação com os livros, à aprendizagem da leitura, à pesquisa, ao estimulo do prazer pela leitura, à aquisição de conhecimento e à transformação desse conhecimento para atuação social. Assim, a participação do bibliotecário na construção do projeto político-pedagógico, bem como no planejamento diário, proporcionará uma ação pedagógica integradora do trabalho da biblioteca e da sala de aula. Para Macedo (2005), caberá ao professor e também ao bibliotecário aproveitar todos os momentos para conduzir o sujeito a praticar leitura nos diversos aspectos, levando-o a despertar suas capacidades básicas e dos sentidos reais e figurados, de apurar a sensibilidade e a imaginação, para “ler a vida” à sua volta, para entender o social e o cultural. A biblioteca escolar potencializa as condições para a formação permanente do cidadão, oferecendo-lhe os primeiros serviços bibliotecários e capacitando-o a utilizar outros, individualmente, sempre que julgar necessário, além de poder propiciar o exercício de sua curiosidade, estimulando, assim, seu aprendizado contínuo e seu desenvolvimento. Nesse sentido, Campello (2010) esclarece que os bibliotecários envolvidos em projetos educativos em escolas de ensino básico procuram desenvolver o gosto dos alunos pela leitura. Essa é a principal preocupação desses profissionais. E, em relação às habilidades de pesquisa, eles buscam desenvolver várias delas. Ensinam os estudantes a usar a biblioteca, levando-os a perceber como ela é organizada, a saber como movimentar-se naquele espaço, com familiaridade e autonomia (Campello, 2010). Para os bibliotecários, a biblioteca escolar é modelo para que crianças e jovens venham a utilizar e usufruir de outros espaços informacionais semelhantes ao longo da vida (Campello, 2010). Dessa forma, a escola precisa incentivar seus alunos a descobrir as habilidades e as competências necessárias para seu crescimento pessoal, social e profissional. É nesse contexto que a biblioteca deve ser considerada relevante na escola de educação básica, para assegurar a formação comum e o 108
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desenvolvimento do educando para o exercício da cidadania. Por todo seu contexto histórico e comprometimento social, e pelo fato de a biblioteca estar instalada dentro da própria escola, ela se caracteriza como o o ambiente propício ao incentivo da leitura. É o local ideal para a formação do leitor, nesse sentido, deve ser pensada como um espaço de criação e de compartilhamento de experiências, um espaço de produção cultural em que crianças e jovens sejam criadoras de cultura. (Carvalho, 2005). Nesse sentido, como já vimos, conversar sobre as leituras leva à construção de sentidos e à apropriação dos textos. É, também, um estímulo à continuidade e permanência da leitura. Segundo Colomer (2007), é importante compartilhar as obras com outras pessoas, porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir sentido e, assim, sentir prazer e entender mais e melhor os livros. E, ainda, porque permite experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, levando a pessoa a sentir-se parte de uma comunidade de leitores com referências e cumplicidade mútuas. No discurso dos participantes da entrevista fica claro o conceito de biblioteca escolar, bem como a razão da sua existência na unidade de ensino. Nesse sentido, de acordo com Silva (2009), para que a biblioteca escolar cumpra a sua função de integrar-se ao processo de ensino e aprendizagem na escola, é necessário que haja um mediador, professor e/ou bibliotecário dinâmico, que estabeleça o elo entre a biblioteca e os alunos, a biblioteca e os professores e entre a biblioteca e o currículo da escola. Para Leal (2002), a biblioteca não existe para complementar, mas, sim, para ser o centro do currículo e da escola, de onde deve partir e para onde devem convergir as práticas escolares. Portanto, deve estar inserida no projeto político-pedagógico da escola. No projeto político pedagógico da escola pesquisada, a biblioteca escolar é percebida como espaço pedagógico. Entre as 11 salas de aula, encontra-se uma sala de leitura e duas salas de informática (Presidente Prudente, 2013-2015). A biblioteca escolar considerada como um espaço pedagógico da escola deve integrar-se ao sistema educacional, devendo participar de seus objetivos, metas e fins, constituindo-se, assim, essencial para o desenvolvimento do currículo escolar e apoio à ação pedagógica e cultural da escola, criando formas próprias de intervir na realidade escolar, no seu projeto político-pedagógico, buscando estratégias e ações a serem desenvolvidas pelo bibliotecário e pelo professor da sala de aula, bem como com toda a comunidade escolar. No que se refere ao ensino e aprendizagem, o Manifesto IFLA/UNESCO (2005) declara que “a biblioteca escolar propicia informação e ideias fundamentais para seu funcionamento bem sucedido na atual sociedade, baseada na informação e no conhecimento. A BE habilita os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve a imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis”. Do ponto de vista dos entrevistados, a biblioteca é considerada um espaço pedagógico da escola “Eles pegam os livros aqui, levam pra ler. Estão aprendendo. Ajuda na aprendizagem do que veem na sala de aula”. (M1) 109
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Em alguns desses discursos, ficam perceptíveis ações que foram ou são realizadas na BE, como a “hora do conto”, pesquisa, leitura e estudo, conforme se observa no discurso a seguir: Ela é um espaço de aprendizagem. É um espaço de convivência dentro da escola. É um espaço onde eles têm liberdade de escolha, onde pode ser feita uma hora do conto, onde eles podem até fazer uma brincadeira pedagógica literária. Então, ela é espaço de aprendizagem sim. (M2) De acordo com Campello (2010), a BE é vista como espaço de aprendizagem e pode ir além da ideia de aprender na biblioteca, mas aprender com ela, pois, ao reunir livros e outros recursos informacionais, ela reproduz de certa forma o ambiente informacional da sociedade contemporânea, denominado por algumas pessoas de sociedade da informação, caracterizada pela grande quantidade e variedade de materiais informativos. Para a autora, na biblioteca os estudantes se familiarizam com o aparato informacional ali disponível, assim preparando-se para usar outros espaços semelhantes, como outros tipos de bibliotecas (públicas, universitárias, especializadas), arquivos, museus, etc. Os recursos informacionais da biblioteca escolar precisam refletir a variedade de textos que circulam socialmente e contemplar narrativas que permitirão aos professores trabalhar situações de leitura compartilhada (Campello, 2010). Campello cita, também, o ponto de vista de Brandão e Rosa (2010) sobre a necessidade de se garantir um acervo de qualidade e diversificado, relativo a gêneros literários, para que as crianças ter acesso a diferentes tipos e gêneros de textos. Uma vez que elas têm a oportunidade de explorar uma boa coleção, capacitam-se para aprender de forma contínua. Essa capacitação ocorre, principalmente, por meio de uma mediação planejada. A mediação, a qualidade e diversidade do acervo, entre outros aspectos, fazem-se necessários para a implementação e desenvolvimento de projetos de incentivo à leitura. A respeito dos acervos literários e implementação de projetos de incentivo à leitura na escola, alguns entrevistados consideravam que o acervo literário disponível na biblioteca escolar era suficiente para implementação de projetos de incentivo à leitura, mas não descartavam a possibilidade de haver mais quantidade e mais diversidade de livros, no sentido de que maior quantidade e mais diversidade é ainda melhor. Também citavam projetos de leitura realizados há mais tempo e outros desenvolvidos atualmente. Percebemos trabalhos diversificados, em um deles, os alunos vão à biblioteca e selecionam as obras de acordo com que o professor deseja trabalhar - “Tem uma escala pra trazer as crianças, toda semana, à biblioteca, como ele também tem a possibilidade de vir à biblioteca, escolher os livros que ele quer trabalhar e levar pra sala de aula. Essa escolha às vezes se baseia no autor ou em alguns títulos que eles querem realmente trabalhar na sala de aula”(C); há, ainda, outro trabalho em que os alunos retiravam o livro na biblioteca, ou o professor levava uma caixa de livros para sala, os alunos liam em casa e, posteriormente, faziam discussão em sala de aula. Do ponto de vista de alguns professores, a biblioteca tinha grande acervo sendo, portanto, possível fazer o trabalho de leitura: “Essa aqui sim... O 110
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acervo dela é bem... é bem vasto, então... dá pra gente fazer um bom trabalho.” (P3) Foi destacado também sobre a reforma da biblioteca, o incentivo à leitura, a quantidade e a qualidade de acervos no seguinte discurso:“tem essa quantidade de livros, uma quantidade variada. É uma biblioteca boa. Tanto que incentivo meus alunos a virem” (P2). Um dos entrevistados do segmento pais disse: “Têm muitos livros, mas poderia ter mais. Sempre é bom que tenha mais.” (M1), confirmando o já exposto sobre os acervos. Outro, além de reforçar falas anteriores, comentou sobre a reestruturação e reorganização da BE, do envolvimento de alunos e professores nesse trabalho e de um projeto de leitura que vinha tendo uma continuidade dentro da escola há mais tempo. Classificou a biblioteca como boa e disse que mais qualidade e maior número de livros facilitariam aos professores a construção de projetos. E acrescentou: Nos três anos que meu filho tá aqui, sempre teve projeto de apoio e incentivo. Ano passado mesmo, meu filho participou da reorganização e reestruturação da biblioteca junto com a professora dele. Então ela foi reinaugurada... toda modelagem dela foi feita totalmente em cima de bases, e os alunos ajudavam. Meu filho foi um dos alunos que foi destacado para auxiliar a professora a reestruturar a biblioteca. Então, não tem como eu dizer o contrário, né. (M2)
Outro professor relatou que o acervo era bom, mas deveria ter mais: “É que sempre penso em algo a mais, em termos da qualidade de ensino cada vez melhor. A gente tem sempre que achar que precisa melhorar.” (P4). Diz também que deveria haver mais exemplares do mesmo título: “um volume maior de exemplares da mesma literatura, se tivesse uns dez exemplares de cada título, todos os alunos daquele mesmo ano, poderiam ler aqueles títulos. E o professor fazer um trabalho mais sistematizado.” (P4) O professor ou o bibliotecário quando se propõe a trabalhar um determinado tema pode optar por indicar um mesmo título para toda uma turma, possibilitando uma discussão e atividades com todos os alunos, ou também eleger títulos diferentes com o mesmo tema e trabalhar em grupo, ou trabalhar com títulos variados. A diversidade de títulos permite oportunidade de uma ampla escolha. O entrevistado seguinte não considerava o acervo grande, mas disse que a quantidade não o impedia de desenvolver projetos de leitura: “A gente não tem um acervo muito grande, mas nada que impeça que desenvolva algo. É questão do olhar... você pode enriquecê-lo, [...] eu já desenvolvi muitos projetos aqui. Até de lançar livros com eles”. E usei só material da biblioteca aqui. (P3) Já o diretor se limitou a responder somente a respeito do acervo. Em outros momentos da entrevista demonstrava seu ponto de vista a respeito dos projetos de leitura. Para ele não há acervos suficientes para o desenvolvimento de projetos de incentivo à leitura: “Olha, a gente tem o acervo do PNBE1, da biblioteca escolar do MEC.”; “eu penso que a gente tem um acervo 1 Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
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bem escasso, ainda, pra desenvolver um trabalho pedagógico com os alunos. Acho que nós temos que aumentar o acervo, além do acervo que nós temos”. (D) Quanto a aspectos relacionados a acervo, os três últimos discursos se aproximavam, e se diferenciavam, em parte, dos outros, de forma que temos pontos de vistas diversos a respeito do que é um acervo satisfatório para a realização de projetos de leitura. Nesse sentido, é necessária uma discussão relativa à quantidade e ao tipo de obras adequadas para compor o acervo da biblioteca, uma vez que a diversidade e a qualidade dos acervos são fundamentais em qualquer instituição que se propõe à inserção das crianças na cultura letrada. No que diz respeito à quantidade, a Lei nº 12.244 (2010) que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País – Brasil, declara que o acervo da biblioteca deve conter um título por aluno matriculado, no mínimo. Além disso, cabe ao sistema de ensino determinar a ampliação do acervo conforme sua realidade. De acordo com o documento Biblioteca escolar como espaço de produção do conhecimento: parâmetros para bibliotecas escolares (2010), o acervo da BE deve contemplar a diversidade de gêneros textuais e de fontes de informação destinadas aos diversos usos escolares. Além de livros impressos, a biblioteca escolar precisaria contar com revistas e outros materiais não impressos. A esse respeito, Campello e Silva (2010) reiteram que o acervo da biblioteca reflete a proposta de aprendizagem fundamentada nos textos autênticos: deve abrigar a variedade de discursos e seus portadores, manter-se atualizado e dinâmico, e acompanhar a produção acelerada dos recursos informacionais na atualidade. No que diz respeito aos projetos de incentivo à leitura da escola, quando perguntado se a escola desenvolveu trabalhos nesse sentido e, em caso afirmativo, quais e como foram realizados e quem os coordenavam, notamos que eram desenvolvidos, mas não houve homogeneidade nas respostas relativas aos tipos de projetos. Ficou evidenciada a realização de três projetos de leitura na escola. Um desses projetos, segundo o diretor, aconteceu com as turmas de primeiro ano: “é a contação de histórias realizado pela professora comunitária da escola. É um projeto que tá envolvendo só o primeiro ano. E é piloto”. (D) E justificou que esse projeto não abrangeu todas as turmas da escola por falta de pessoal qualificado na biblioteca, mas revelou que planejavam para que fosse realizado em todas as turmas. Girotto e Souza (2009) consideram que o mediador de leitura, deve ser aquele que lê, discute, promove e facilita a compreensão e o diálogo entre o texto e o leitor. Nesse sentido, as autoras propõem que, ao terminar a contação, se realizem atividades que envolvam diferentes linguagens, e que também partilhem e avaliem esse momento. (Girotto & Souza, 2009). Nas entrevistas, ficou evidenciado que a atividade de contação de histórias acontecia para todas as turmas até o ano anterior à realização da pesquisa, mas era o professor da turma quem fazia a contação: Além do empréstimo [...]. A biblioteca tem a hora do conto, no qual as professoras disponibilizam do ambiente da biblioteca, pra contar as histórias. (P4) 112
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À época da pesquisa, o referido projeto não estava vigorando devido a algumas dificuldades, como já exposto, por falta de pessoal qualificado. Outro projeto trabalhava gêneros literários por turmas/anos. Segundo o orientador, os professores desenvolviam o trabalho em sala de aula: “O ano passado a gente desenvolveu um projeto com algumas séries para trabalhar alguns tipos de gênero. Depois de trabalhada a leitura, a gente trabalha com a escrita.” (C) Nesse discurso, parece-nos que o trabalho com os gêneros tinha como finalidade desenvolver atividades de escrita. Quando o foco é a leitura, os gêneros oferecem várias abordagens e podem favorecer o desenvolvimento de práticas sociais leitoras na escola, de forma a aproximá-las daquelas com as quais a criança se depara no seu cotidiano. Para Silva e Martins (2010), os gêneros literários talvez sejam dos mais significativos para a formação de um acervo cultural consistente. De acordo com as autoras, os textos literários costumam propositadamente trabalhar com imagens que falam à imaginação criadora, muitas vezes, escondidas nas entrelinhas ou nos jogos de palavras, apresentam o potencial de levar o sujeito a produzir uma forma qualitativamente diferenciada de penetrar na realidade. E também podem provocar no leitor a capacidade de experimentar algumas sensações pouco comuns. É importante que o professor e o bibliotecário conheçam profundamente o acervo disponível na BE para assegurar aos alunos acesso a um repertório variado de gêneros literários. É preciso lembrar que o livro e a literatura são um patrimônio cultural coletivo a que todos têm direito (Cândido, 1995). Há um terceiro projeto, citado por parte dos entrevistados, no qual os alunos pegavam o livro na biblioteca e liam na sala, às vezes na biblioteca, e/ou em casa: “o projeto de troca de livros é um projeto de um todo da escola. (D); Tem o dia que é pra eles virem retirar os livros” (P1); “Tem o momento de vir à biblioteca, de empréstimo de livro” (P2); Eles têm aquele projeto de toda a semana as crianças virem à biblioteca. Elas pegam um livro e levam pra casa. (P3). Segundo uma das professoras, esse projeto fora implantado pela gestão anterior e todos os diretores que chegaram depois, valorizaram e deram continuidade. Um dos resultados da realização desse projeto foi o fato de que a biblioteca foi ampliada. No entanto, percebemos nas entrevistas um não envolvimento dos profissionais da BE nos projetos. As suas ações limitavam-se somente a fazer o empréstimo do livro: “A biblioteca só faz o empréstimo”. (B1); e, “A gente não participa, mas a gente tá dentro da escola, a gente sempre tá vendo” (B2). Elas tinham conhecimento dos projetos, em reuniões do conselho, ao ouvir relatos. Segundo Bortolin e Almeida Junior (2009), o bibliotecário escolar é responsável pela mediação pedagógica e, além da mediação da leitura literária e informacional, ao desempenhar sua função precisa dinamizar a BE de forma a promover a formação intelectual e social dos alunos. Sabemos que, em grande parte das escolas públicas brasileiras, não há o profissional bibliotecário. O espaço da biblioteca é ocupado por profissionais 113
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readaptados, ou seja, são na maioria das vezes, professores que não podem assumir a sala de aula devido a problemas de saúde. A escola pesquisada não foge a este fato. Muitos dos profissionais que atuam em bibliotecas escolares vão além das expectativas da sua habilitação, pois nem todas as redes de ensino promovem formação: nem no que diz respeito à parte técnica referente aos acervos, tampouco formação pedagógica, capacitando-os para atuação na BE. A respeito desse fato, muitas vezes a pesquisa realizada pelo Ministério da Educação do Brasil, no âmbito do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE (2008) corrobora o discurso do entrevistado, quando aponta que os responsáveis pela guarda e uso dos livros nas escolas, e pelas salas de leitura ou bibliotecas eram, frequentemente, professores readaptados. De acordo com Nóbrega e Mollo (2011), é muito recorrente que a biblioteca escolar seja gerenciada por funcionário não especializado, às vezes, afastado do contato direto com os alunos por motivos de saúde. Quando questionado aos participantes da pesquisa a respeito da coordenação dos projetos, inferimos que estes são gestados pela direção da escola, não só a atual, (como já visto) e posteriormente discutidos com os professores nas reuniões de planejamento. Não há uma indicação de que o projeto seja discutido pelo coletivo da escola. A declaração de um dos pais entrevistados mostrou que havia projeto de leitura na escola, pois ele já constatou, estando presente em apresentações na escola e também pelo fato de os filhos levarem livros para casa. No entanto, percebemos que não existia a participação direta dos pais: “Acho que sim. Porque eu já vi aqui apresentação de trabalhos – teatro, exposição de desenhos – a gente vê que foi lido o livro e eles fizeram os trabalhos. Eles levam livros pra ler em casa.” (M1) Não foi percebida uma discussão coletiva dos projetos de leitura. No entanto, conforme discurso dos professores, citado anteriormente, havia um projeto de leitura que era valorizado pelas gestões que assumiam a administração da escola, dando continuidade. Não houve indícios de que esse ou outro projeto era discutido pela comunidade escolar, tampouco no âmbito do projeto político-pedagógico da escola. De acordo com a análise documental, constava, no PPP um projeto de leitura mencionado no plano de ação que correspondia à incrementação do projeto de leitura já desenvolvido na unidade de ensino (Presidente Prudente, 20132015), inserido para a justificativa da solicitação de ampliação do acervo.
Conclusão
Para os entrevistados, a BE foi considerada como: um espaço criado para interação com os livros e de desenvolvimento das habilidades leitoras, vivência da literatura, pesquisa, aprofundamento dos estudos realizados na sala de aula, proporcionando à criança a expansão da leitura e da cultura; um espaço de estímulo à leitura onde o aluno pode fazer sua escolha. Espaço de autonomia. Assim, contribuindo para a aprendizagem e aprimoramento dos conhecimentos, para a educação, e para a cultura letrada. Portanto, ela 114
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é considerada necessária na unidade de ensino, proporcionando a interação com a cultura, aquisição e transformação desse conhecimento para atuação social. Todos os entrevistados consideraram a biblioteca como um espaço pedagógico da escola. Quanto ao acervo para o desenvolvimento de projetos de leitura, a maioria dos entrevitados considerou que havia acervos de qualidade e quantidade suficientes para o desenvolvimento de projetos de leitura, porém existiram opiniões diferentes. Houve quem pensasse que deveria ter mais exemplares do mesmo título; quem dissesse que o acervo não era tão grande, mas que era possível a realização de projetos de leitura e também quem considerasse o acervo insuficiente. Entre as solicitações registradas no PPP, uma delas foi a ampliação do acervo literário. No PPP estava registrado um projeto de leitura, e, conforme entrevistas, na escola eram desenvolvidos três projetos de incentivo à leitura: contação de histórias para as turmas de primeiro ano, (já planejavam ampliá-lo para outras turmas/ano); um projeto realizado com gêneros literários que acontecia na sala de aula; e um terceiro em que os alunos pegavam o livro na biblioteca e liam na sala, às vezes na biblioteca, e em casa. No entanto, esses projetos não eram discutidos pela comunidade escolar, principalmente no âmbito do projeto político-pedagógico da escola.
Referências
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Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza
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Contribuições da teoria histórico-cultural e da didática desenvolvimental para o planejamento de ensino de teatro Ana Lara Vontobel Fonseca, PUC-GO/ IFG, Brasil Palavras-chave: teoria histórico-cultural; teoria do ensino desenvolvimental; planejamento de ensino; ensino de teatro
Introdução
E
ste estudo versa sobre as contribuições da teoria histórico-cultural, fundada por Lev Semionovitch Vigotsky1 (1896-1934), e da teoria do ensino desenvolvimental, concebida por Vasili Vasilyevich Davidov2 (1930-1998) a partir das contribuições de Vigotsky, Aleksei Leontiev e Daniil Elkonin, para o planejamento de ensino de teatro na escola pública brasileira. O objetivo é oferecer aos docentes da arte dramática elementos para a preparação de aulas que promovam a educação estética dos estudantes, para que eles possam pensar artisticamente, por meio da aprendizagem de conceitos, na vivência teatral. Recorrendo ao caso particular do conteúdo tragédia, o artigo busca refletir sobre os métodos/ procedimentos para a organização de seu ensino na disciplina curricular Artes/Teatro, lecionada no Ensino Médio. A escolha do recorte justifica-se por ser um conhecimento de inquestionável relevância na compreensão da origem e evolução da arte teatral. Foi durante o século VI a.C., na Antiga Grécia, que os rituais dramatizados de caráter estritamente religiosos – que são práticas comuns percebidas em distintas sociedades primitivas – se desdobraram em atividades de caráter igualmente artístico, cujo objetivo era, através da representação dramática, expressar o terrível ou o grotesco do mundo físico e espiritual. O desenvolvimento dessas práticas gregas resultou na criação dos primeiros e mais importantes gêneros dramatúrgicos: a tragédia e a comédia. No decorrer dos séculos, a tragédia, em especial, ultrapassou os limites da religião e da arte, passando a fundamentar reflexões filosóficas e psicológicas, além de ser hoje uma expressão utilizada, principalmente, para designar catástrofes, fatos desastrosos e funestos da vida comum. Propor o ensino do conteúdo tragédia vai de encontro com a concepção de Vigotsky, seus colaboradores e seguidores, de que a educação se caracteriza pela apropriação dos bens culturais produzidos pela humanidade.
1 A grafia do nome de Vigotsky é encontrada em várias formas: Vigotsky, Vygotsky, Vigotski. Para esse artigo usou-se a grafia Vigotsky, mas nas citações diretas e referências manteve-se a original das obras usadas. 2 O sobrenome de Davydov é encontrado nas grafias: Davídov, Davýdov, Davidov, Davydov. Nesse artigo usou-se Davidov, mas nas citações diretas e referências manteve-se a grafia original das obras usadas.
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Contribuições da teoria hist órico-cul tural e da didática... A. L. V. Fonseca
Sabendo que a Escola é, muitas vezes, o único lugar onde os jovens brasileiros têm contato com a arte dramática e acesso ao patrimônio artístico-cultural, como as obras de Sófocles, Shakespeare ou Nelson Rodrigues, por exemplo, percebe-se a importância do ensino-aprendizagem de teatro na instituição escolar pública. Além disso, como a compreensão da arte não tem um método lógico, mas tem seu próprio método intrínseco em cada obra, seu ensino exige um planejamento especial, que consiste em vivenciar a arte na própria arte. Por meio dessa vivência se desenvolvem as habilidades artísticas que são, igualmente, as principais habilidades psíquicas superiores dos seres humanos, isto é, a percepção, a memória mediada, a atenção seletiva, o pensamento conceitual abstrato.
Polissemia do termo tragédia
Apesar da maioria dos dicionários de língua portuguesa definir tragédia como um gênero teatral, uma peça em versos criada e encenada na Grécia Antiga, que trata de assuntos sérios e cujo desfecho é, geralmente, funesto; no senso comum predomina a ideia de tragédia como sinônimo de catástrofe, desgraça e fatalidade própria da vida ordinária. Isso ocorre, muito possivelmente, porque os meios de comunicação, em especial a televisão, utilizam incessantemente o termo tragédia para se referir a todas as desgraças que ocorrem no mundo, de terremotos às chacinas, de crimes ambientais a infanticídios, de acidentes aéreos a atentados terroristas. Exploram uma série de imagens terríveis de forma explícita, sensacionalista, apelando para uma comoção inevitável. Com a insistência em repetir sem cessar as cenas trágicas, o público pensa saber tudo sobre o fato e, aos poucos, se cansa. Aquilo que era trágico passa a ser banalizado e, preferivelmente, esquecido. Nessa mesma linha de pensamento está o vínculo da tragédia com todo o mal, e o entendimento da ocorrência do mal como algo inevitável e irreparável. É comum escutarmos que acontecimentos racionais como uma guerra, por exemplo, que é algo extremamente organizado em seu planejamento, execução e consequências, seja tratado como um evento irracional, sem sentido e, em seguida, como uma tragédia. Isso é reflexo de uma cultura e de uma ideologia que, convenientemente, pode liberar de culpa os responsáveis dessas ações. Torna a definição de tragédia simplificada e alienada; diferente do sentido encontrado na arte trágica, onde o mal está presente e é dramatizado, no entanto, ele pode ser vivenciado e suportado. No senso comum, não há possibilidade de existência após a tragédia. Vale ressaltar que, do mesmo modo, há uma diferença importante entre a espetacularização da dor, explorada pela indústria cultural e pelos meios de comunicação, e a dor e violência mimetizadas na arte. Daí a importância de o professor mediar as reflexões das obras de arte a partir dessa fronteira com seus alunos. Embora a tradição acadêmica, especialmente europeia, não aceite que o termo tragédia esteja corretamente empregado para qualquer episódio doloroso da vida, essa apreciação pode ser vista como, igualmente, uma ideologia conservadora. Alguns teóricos, mais radicais, consideram que somente as obras clássicas, sobretudo as peças teatrais da antiguidade grega, podem 118
A escola e suas relações
ser denominadas tragédias. No prefácio da obra Tragédia Moderna, de Williams (2002, pp. 14-15), Iná Costa explica: “George Steiner e seguidores, apoiados em problemática leitura de Nietzsche (e Schopenhauer), haviam decretado a impossibilidade da experiência trágica nos tempos modernos [...]”. Segundo a estudiosa, eles criticavam duramente aqueles que utilizavam o adjetivo “trágico” para outras questões que não fossem relacionadas às tragédias clássicas. Na opinião de Williams (2002), a crítica desses acadêmicos é mais de ordem ideológica do que artística ou filosófica. Seu argumento é o de que, na tradição clássica, os textos narram as desgraças e os sofrimentos de pessoas importantes, deuses, heróis e homens das altas castas e estirpes, nunca de gente comum. Por esse motivo, os teóricos mais conservadores desconsideram que exista tragédia na Era Moderna, já que, a partir daí, os dramaturgos passaram a retratar a desdita de pessoas do povo. Para Williams, querer insistir que o que ocorre na vida do homem comum não pode ser trágico é uma alienação. Se no início era trágica apenas a morte de pessoas importantes, e a de um escravo ou servidor não passava de um incidente, essa visão mudou em certo aspecto na modernidade. Segundo o autor: “Ironicamente, a nossa própria cultura burguesa começou por, aparentemente, rejeitar essa visão: a tragédia de um cidadão poderia ser tão real quanto a tragédia de um príncipe” (Williams, 2002, p. 74). A ideia de tragédia como um acontecimento artístico impossível de ser experimentado na modernidade, o vínculo do trágico com o mal banalizado, e o senso comum de tragédia como fatalidade são definições esvaziadas de significado, que não abarcam toda a complexidade e riqueza que esse tema contém. O professor de teatro deve ultrapassar tais entendimentos empobrecidos, planejando cuidadosamente suas aulas, para que os alunos entendam a tragédia e o trágico além da obviedade.
Teoria histórico-cultural e teoria do ensino desenvolvimental
A teoria histórico-cultural, conhecida no Brasil como escola de Vigotsky, foi desenvolvida no início do século passado na antiga União Soviética, e corresponde à corrente psicológica que pressupõe o homem como um ser de natureza social, opondo-se às ideias naturalistas de que o ser humano é biologicamente dotado de pouca ou muita inteligência. Segundo Vigotsky (2007a), as funções psíquicas superiores não se desenvolvem espontaneamente nos seres humanos. Habilidades como a linguagem verbal e escrita, a memória, o autocontrole, o cálculo e o pensamento, devem ser vivenciadas, primeiramente, nas relações entre pessoas (interpsíquicas), antes de se tornarem uma atividade interna do sujeito (intrapsíquica). Conforme Vigotsky (2016), o pensamento mais elaborado se constitui em decorrência da aprendizagem, e esse processo intelectual está relacionado à formação de conceitos. Segundo o pesquisador, a aprendizagem em si não é desenvolvimento, mas quando corretamente organizada, ela propicia
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uma série de processos mentais que levam ao desenvolvimento psíquico. O filólogo russo foi o primeiro teórico a explicar a mente humana, e sua formação, a partir dessa abordagem que leva em conta o social, o cultural e o movimento histórico no modo de formação das habilidades cognitivas. De acordo com sua tese, o conceito pode ser entendido como o conjunto de atributos, propriedades e traços que, em suas relações, identificam algo. São características que permitem compreender objetos dentro de uma categoria. Em definitiva, raciocinar por conceitos é dominar os procedimentos mentais dos processos investigativos de determinada ciência/ matéria. Ainda segundo Vigotsky (2007b, p. 271): “o processo de formação dos conceitos ou dos significados das palavras exige o desenvolvimento de uma série de funções (o controle voluntário da atenção, a memória lógica, a abstração, a comparação e a distinção)3”. Essas funções intelectuais complexas não se aprendem e se assimilam de forma simples, através da memorização, por exemplo, mas quando há o uso de símbolos e palavras. O conceito é, justamente, a internalização do signo, da palavra e de seu significado. Assim, com base na teoria histórico-cultural, a forma simbólica (arte) deve ser estudada como conjunto das funções psíquicas superiores externas, que atuam nas internas. Ou seja, quando se trabalha na arte, se desenvolve a percepção, a imaginação, a memória, a criação, a abstração. As principais funções psíquicas superiores estão ali fundidas. Por consequência, a arte é uma ferramenta ideal para mobilizar as capacidades mentais do aluno. Continuando as ideias de Vigotsky, o psicólogo russo Davidov contribuiu com novas pesquisas sobre o desenvolvimento do pensamento humano, chamando atenção para a importância de compreender o processo de formação das funções mentais superiores na organização do ensino escolar. Pois, segundo a teoria do ensino desenvolvimental, através da atividade de estudo é possível desenvolver um tipo de pensamento especial, o pensamento teórico, que é diferente do pensamento empírico. Esse, como o próprio nome sugere, é proveniente da experimentação direta sobre o mundo real, construído a partir das práticas diárias, principalmente por observação e manipulação de objetos. Já o pensamento teórico pressupõe uma relação distinta entre sujeito e objeto, pois é formado por conceitos (científicos), que se relacionam a eventos pouco acessíveis pela observação direta cotidiana. Os conceitos científicos são conhecimentos sistematizados, que para aprendê-los e internalizá-los é necessário a mediação social de alguém que já domina esses conteúdos. O mesmo pesquisador explica que o pensamento humano é caracterizado pelo processo de abstrações e generalizações na formação de conceitos. Quando as abstrações tornam-se sistematizadas, o sujeito consegue pensar e atuar conforme o modus operandi daquele conteúdo. Segundo Davidov (2017), numa escola ideal para o futuro, que desenvolva as capacidades das crianças de forma multilateral, deve-se pensar em atividades de estudo que 3 Tradução nossa do original em espanhol: “El proceso de desarrollo de los conceptos o de los significados de las palabras exige el desarrollo de toda una serie de funciones (la dirección voluntaria de la atención, la memoria lógica, la abstracción, la comparación y la distinción)” (VIGOTSKI, 2007b, p. 271).
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A escola e suas relações
revelem e sirvam de fonte para as abstrações, generalizações e conceitos teóricos. Essas atividades possibilitam os estudantes a reproduzirem o objeto “pela revelação das condições gerais de sua origem (esses objetos podem ser reais e ideais, fixados em diferentes signos e palavras)” (2017, p. 219). Ou seja, pensar teoricamente por conceitos significa ter a capacidade de reproduzir mentalmente o objeto de estudo, seu conteúdo, sua essência e princípios gerais. Bem como, saber explicá-lo e utilizá-lo em situações concretas. Pois, conforme Davidov: “Os conhecimentos adquiridos no processo da atividade, em forma de verdadeiros conceitos científicos, refletem, essencialmente, as qualidades internas dos objetos e garantem que o indivíduo se oriente por eles durante a solução de tarefas práticas” (2017, pp. 219-220). Tanto o pensamento empírico quanto o teórico são abstratos. Porém, Davidov (1988) os distinguiu de forma qualitativa, explicando que o teórico é mais desenvolvido que o outro. Conforme o pesquisador, os conceitos teóricos apresentam as seguintes características fundamentais: a consciência, o uso arbitrário, a sistematicidade e a possibilidade de generalização. No processo de formação do pensamento empírico, o sujeito parte da observação e entendimento do concreto para ascender ao abstrato e, assim, realizar uma generalização conceitual empírica. Já com o pensamento teórico, o conceito é parte de uma atividade mental abstrata que ascende ao concreto. É um caminho de abstrações e generalizações, que parte do caráter mais geral do objeto para seu caráter mais singular. Na perspectiva da didática desenvolvimental, o ensino deve ser organizado de forma que priorize o desenvolvimento desse tipo de pensamento, através do movimento que parte do abstrato para o pensamento concreto de forma ascendente, para realizar generalizações teóricas substantivas. Assim, a estrutura das atividades de estudo deve ser aquela que faça os alunos percorrerem os mesmos caminhos investigativos dos cientistas quando obtiveram conclusões sobre seus objetos. Entretanto, estamos falando em ensino-aprendizagem de arte e não de ciência. Trata-se de uma educação estética e não científica. Contudo, é possível encontrar no sistema de Davidov subsídios igualmente válidos para a educação artística, uma vez que entendamos suas questões mais gerais. Por esse viés, as aulas de teatro devem ter como objetivo o desenvolvimento do pensamento estético dos estudantes, que se dará quando estes dominem as ferramentas mentais da arte, inerentes às próprias obras de arte. Desenvolver o olhar, a escuta, o movimento, o gesto, na vivência artística. Conforme Zoia Prestes (2012), “vivência” é a melhor tradução para o português do termo russo perejivanie, utilizado por Vigotsky no sentido de unidade entre personalidade e ambiente. Conforme a autora, a definição da palavra “vivenciar”, encontrada no dicionário Houaiss, como “viver (uma dada situação) deixando-se afetar profundamente por ela” (Prestes, 2012, p. 130), transmite corretamente o significado empregado por Vigotsky com o vocábulo perejivanie. Como a arte não tem um significado pré-estabelecido e unívoco, seu sentido é sempre produzido pelo receptor. Assim, é o próprio aluno que criará o significado da arte, na vivência artística, no contato direto com o teatro em 121
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suas diversas instâncias – na leitura do drama, na recepção do espetáculo e/ ou como ator que encena a peça. Por consequência, o pensamento estético de tragédia se dará de forma particular para cada um dos estudantes. Da experiência social que são as aulas de teatro, desenvolvem-se questões e entendimentos individuais, num movimento de pensamento que parte do externo para o interno. Nessa perspectiva, no planejamento pedagógico, o método de ensinar será determinado pelo próprio conteúdo em relação com o sujeito para o qual se ensina. Em relação ao estudante, deve-se entender seu desenvolvimento efetivo e seu desenvolvimento iminente. Conforme Vigotsky (2016), só haverá aprendizagem quando o ensino atuar nessa zona de desenvolvimento iminente. Pois, segundo o autor, não há ensino daquilo que o estudante já sabe, nem do que está muito distante de sua possibilidade de aprender. Portanto, o professor precisa avaliar o nível atual de desenvolvimento dos alunos, o que Vigotsky chamou de zona de desenvolvimento real ou efetiva, que diz respeito a aquilo que as crianças conseguem realizar/ pensar sozinhas, sem auxílio de outras pessoas. Mas, há outro indicador que deve ser observado no seu desenvolvimento, que é aquele nível onde a criança consegue realizar algo tendo a ajuda de alguém mais experiente. Sozinha ela ainda não é capaz, mas com o auxílio de outra pessoa sim. Essa condição foi chamada de zona de desenvolvimento próximo ou iminente. Nela, a criança está se preparando para, em breve, conseguir fazer de forma autônoma determinada atividade. Ou seja, o aluno do Ensino Médio que chega às aulas de teatro, já saberá empiricamente o que é uma tragédia, pois a entende pela própria vida social. Possui um conceito cotidiano desse conteúdo. No entanto, através das atividades de estudo, ele desenvolverá um novo conceito de tragédia, a partir da experiência artística, da leitura de textos trágicos e da apreciação de peças teatrais, por meio da mediação docente. Com isso, irá adquirir novas capacidades de diferenciar atributos próprios da arte trágica em relação à vida.
O planejamento de ensino
Uma questão fundamental para pensar o ensino escolar por meio da teoria histórico-cultural e da didática desenvolvimental, é entender que existe uma relação direta entre os conhecimentos disciplinares e o conhecimento pedagógico-didático. São os princípios e métodos que deram corpo a determinado conteúdo que constituem a sua metodologia de ensino. Além disso, é importante levar em consideração o contexto em que se educa e para quem se ensina, pois o aprendizado só será efetivo quando os sujeitos envolvidos tiverem intenção e desejo de aprender, pois veem ali uma necessidade de apropriação do conhecimento. Sendo assim, podemos destacar que quatro pontos básicos são essenciais para ensinar: 1) domínio do conteúdo; 2) didática do ensino do mesmo; 3) conhecimento dos níveis cognitivos dos alunos e suas características socioculturais (motivos, necessidades); e 4) conhecimento do contexto sociocultural da escola e da comunidade escolar. 122
A escola e suas relações
Conforme José Carlos Libâneo (2016), na elaboração do plano de ensino com base nessas teorias, o professor deve começar com a análise do conteúdo, onde se buscam as relações fundamentais, essenciais, identificando seu princípio interno, o seu “núcleo”. Após um estudo aprofundado da tragédia e seu percurso lógico-histórico4, ou seja, como a tragédia teatral era entendida, encenada, escrita em cada contexto em que ela prosperou enquanto arte, quais sejam: Grécia Antiga, na Inglaterra elisabetana5, na França do século XVII, e em vários países durante o século XX, incluindo o Brasil; o professor analisa qual o princípio interno, o cerne do conceito de tragédia que é mantido nos diferentes períodos e lugares. Nessa trajetória percorrida, chegamos ao entendimento de que a tragédia teatral diz respeito a um tipo específico de dramaturgia e/ou espetáculo cênico, cuja temática e estrutura do texto, formas de encenação e fruição, dependerão de aspectos culturais dos diferentes momentos históricos em que sucedeu. No entanto, todos os espetáculos trágicos são realizados por meio de atores/atrizes, em determinado espaço, diante de um público, com a finalidade de suscitar nesse último sentimentos/emoções/sensações/ ideias (em especial, a catarse) a partir da apresentação do trágico (conflitos/tensões/paradoxos de valores da vida humana, do ponto de vista do terror/morte/violência/sofrimento). O trágico corresponde a valores humanos primordiais e a tragédia teatral toca profundamente nesses pontos, através de uma estrutura dramática que tem como consequência promover no espectador a experiência estética. O trágico faz parte da existência humana, pertence ao real, e a tragédia o coloca em ação, o materializa, embora de forma efêmera, diante do espectador. Há, então, uma diferença entre o “trágico” como fenômeno vital, e a “tragédia”, como forma artística teatral que se apodera do trágico. Esse, na tragédia, diz respeito ao choque do ser humano com obstáculos externos e/ou internos limítrofes da vida. Trata-se do conflito entre dois polos. Essa tensão do trágico é tamanha, que é necessário transbordar na ação, para chegar-se na restauração. A restauração, ou reconhecimento (passar do desconhecimento para o conhecimento), pode implicar no sofrimento, morte ou destruição da personagem que vivencia em grau máximo o conflito. Com base nas principais obras de arte trágicas e nas teorias sobre a tragédia no estudo do seu movimento lógico e histórico, percebemos que alguns elementos se mantiveram constantes para o entendimento e produção da arte trágica no teatro: trágico (sentido antropológico); conflito (enfrentamento de forças antagônicas); ação (o pensamento materializado em ato pelos atores); espetáculo (mise en escène); peripécia (reviravolta súbita no sentido da ação); reconhecimento (tomar consciência da situação);
4 O movimento lógico e histórico, a partir da lógica dialética, busca revelar a essência dos fenômenos através de formas teóricas de pensamento. Segundo Pavel V. Kopnin (1978), na correlação entre o histórico e o lógico, o primeiro diz respeito ao processo de mudança do objeto, as etapas de seu surgimento e desenvolvimento, enquanto que o lógico é o meio através do qual o pensamento realiza essa tarefa (reprodução do processo histórico real), é o reflexo teórico do histórico, “reprodução da essência do objeto e da história do seu desenvolvimento no sistema de abstrações” (1978, pp. 183-184). 5 O período elisabetano ou isabelino é aquele associado ao reinado de Elisabeth I (1558-1603).
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catástrofe (conclusão lógica da ação, desenlace, podendo ser funesto ou não) e catarse (descarga afetiva, purgação de emoções pelo terror e piedade). Isso diz respeito ao segundo passo que o docente deve dar na planificação do ensino da matéria, que conforme Libâneo (2016, p. 377), é “construir a rede de conceitos básicos que dão suporte a esse núcleo conceitual, com as devidas relações e articulações”. Estamos diante de pontos que dizem respeito ao objeto artístico em si (o texto e a encenação da tragédia), bem como as implicações dessa arte no sujeito que a recebe. Pois, o fenômeno teatral (trágico ou outro) só existe quando há, num mesmo lugar e momento, a relação de três elementos primordiais: o ator/atriz, o texto (história, enredo) e o público. Portanto, para uma educação artística significativa, o professor de teatro lidará com questões próprias da estética da produção e da recepção. Isso significa o entendimento dos elementos do texto e da encenação (produção), em relação à percepção do espectador (recepção). O planejamento de ensino desse conteúdo deve levar em consideração esses princípios que são próprios do teatro e da tragédia, oportunizando que os educandos os vivenciem como atores, autores, diretores e espectadores, para que eles possam pensar e sentir o trágico em uma perspectiva dialética. Essa compreensão já fazia parte das reflexões de Vigotsky. Em sua Psicologia da Arte (2008), o autor explica que é impossível entender toda complexidade da arte somente pela subjetividade do receptor, bem como é impossível entender a produção artística através dos processos conscientes e inconscientes do artista. Para o pesquisador russo, cada pessoa é impactada pela arte de maneira individual, singular; porém, a obra de arte possui uma estrutura fundamental que é a sua mensagem, ainda que essa seja lida de diferentes formas por cada indivíduo. A próxima etapa no planejamento de ensino é a elaboração das tarefas de aprendizagem, as quais devem incluir, no caso da arte dramática, a prática de atividades cênicas (jogos teatrais), a fruição de espetáculos, e a pesquisa/ investigação/ reflexão da tragédia nos diferentes contextos históricos e culturais. Além disso, realizar a leitura de textos dramáticos, que talvez seja o material mais acessível para a escola. Nas tarefas de aprendizagem, o docente irá propor situações problemas, que ajudam o aluno no entendimento do conceito. Pois, conforme Vigotsky: “A formação dos conceitos surge sempre no processo de solução de algum problema que se coloca para o pensamento do adolescente. Só como resultado da solução desse problema surge o conceito” (2001, p. 237). Para exemplificar, numa aula que pretende contrapor a ideia cotidiana à ideia artística de tragédia, pode-se propor as seguintes atividades: 1) O docente elabora e apresenta para a turma um vídeo com trechos de espetáculos trágicos, bem como cenas de tragédias cotidianas apresentadas pelos noticiários de televisão; 2) Após assistirem o vídeo, o docente promove a discussão sobre as diferenças entre a tragédia no teatro e a tragédia na vida, e como a mídia explora o tema, através de questões que são colocadas ao grupo, tais como: Quais as diferenças e semelhanças entre as cenas teatrais e as das notícias? Por que algumas tragédias são consideradas dignas de 124
A escola e suas relações
notícia e outras não? Aquilo que uma tragédia teatral suscita no espectador é o mesmo que a notícia provoca no telespectador/ouvinte/leitor?; 3) Em seguida, divididos em grupos, os estudantes devem elaborar e apresentar uma dramatização curta, encenando o trágico nas três perspectivas: do ponto de vista da mídia, o trágico teatral e o da vida cotidiana. Nesse exemplo, nos três momentos da aula, os alunos são sujeitos ativos na construção de seu conhecimento, com o auxílio do docente. Na discussão entre o entendimento de tragédia pelo senso comum em comparação com o conceito teatral, eles realizarão operações mentais como análise, síntese, comparação, explicação, resolução de problemas e formulação de hipóteses. Pois, faz parte do planejamento de ensino: “Identificação das ações mentais, habilidades cognitivas gerais e específicas presentes no conteúdo e que deverão ser adquiridos pelos alunos ao longo do estudo da matéria” (Libâneo, 2016, p. 378). Dessa maneira, com a dramatização (modelação), na experiência como autores, atores e espectadores, eles desenvolverão o pensamento estético. Outras habilidades, importantes para o teatro e para a vida, igualmente se articulam nessas tarefas, como a criatividade, a expressividade corporal e vocal, o trabalho em equipe, a observação, a memória e a atenção. Libâneo (2009) ressalta a importância de o professor levar em consideração outros elementos no seu plano de aulas, na organização das tarefas de aprendizagem e atividades de estudo, que são os motivos dos alunos. Isso significa incluir no ensino dos conteúdos as práticas socioculturais vivenciadas pelos estudantes na família, na comunidade e na escola; vinculadas aos seus interesses e motivações. Segundo o autor: “Os alunos entram em atividade de aprendizagem se eles de fato tiverem motivos (sociais/ individuais) para aprender. O papel da escola e dos professores, portanto, inclui também formar nos alunos motivos éticos e sociais” (2009, p. 6). Nesse sentido, o professor de teatro, ao ensinar a tragédia elisabetana, por exemplo, pode selecionar um texto de Shakespeare a partir dos sentimentos humanos que sejam mais significativos para seus alunos. Pois, conforme especialistas na obra do dramaturgo inglês, é possível encontrar os principais anseios e afetos do homem moderno nas suas tragédias. Assim, vincula-se o texto aos interesses pessoais e sociais dos estudantes. De acordo com Davidov (1988), durante a fase escolar, os jovens ampliam seu horizonte intelectual e moral, elegem e selecionam suas amizades, fazem planos para a vida futura, formam qualidades ideológicas, morais e cívicas sólidas, além de desenvolverem convicções científicas, artísticas e políticas, com suas respectivas orientações de valores. Esses motivos sociais e individuais da atividade humana são imprescindíveis para a organização das tarefas de estudo, pois será muito mais eficaz a instrução, quando os conteúdos da matéria têm ligação aos motivos dos alunos para aprendê-los. Na adolescência, como nos demais estágios de desenvolvimento humano, há duas atividades principais, com as quais o jovem atua na realidade, formando sua psique. Elkonin (2017) explica que nesse estágio da vida desenvolve-se uma atividade especial, de comunicação, onde se estabelecem relações pessoais íntimas entre os jovens. Uma grande importância é dada as amizades entre os adolescentes que, em aspectos gerais, nelas 125
Contribuições da teoria hist órico-cul tural e da didática... A. L. V. Fonseca
reproduzem as relações morais e éticas dos adultos. É através dessa comunicação social entre os pares que o adolescente vai estruturando o sentido de sua vida pessoal, interna, constituindo sua autoconsciência. A partir daí, passa para uma nova atividade que é dirigida ao seu futuro: a atividade profissional de estudo. Ainda sobre as mudanças no psiquismo durante o último estágio da infância, segundo a periodização histórico-cultural do desenvolvimento humano, Pasqualini (2017) explica que a autoconsciência é uma neoformação que marca o primeiro período da adolescência. Além disso, existe uma ampliação nas relações sociais e a capacidade de pensar por conceitos, o que permite ao adolescente entender tanto a realidade externa, quanto a sua própria realidade interior. Assim, segundo a autora: [...] surge no adolescente a necessidade de conhecer suas próprias particularidades, o que o leva a realizar uma análise de sua personalidade como meio para organizar suas inter-relações e sua atividade social. Com isso, um fator novo e fundamental no desenvolvimento da personalidade na adolescência é que, pela primeira vez, o próprio adolescente converte-se em objeto de sua atividade, buscando influir sobre si mesmo, ou mais que isso, criar a si mesmo. (Pasqualini, 2017, p. 83)
Conhecer as atividades principais ou dominantes de cada estágio do desenvolvimento humano é de suma importância para a organização do ensino. Entretanto, essas atividades principais podem ser totalmente diferentes entre crianças e jovens da mesma idade, dependendo de seu contexto cultural. Em nosso país, especialmente por condições econômicas, a atividade principal do adolescente e do jovem de classe alta é o estudo, que divide espaço com a atividade de comunicação íntima social. Esse adolescente permanece na escola, conclui o ensino fundamental e médio, e segue para a universidade onde, só então, sua atividade principal será a atividade profissional de estudo. O mesmo não ocorre com o adolescente e jovem pobre, cuja atividade principal tem sido o trabalho. Durante o processo de planejamento de ensino, o professor ainda precisa, segundo Libâneo: “Prever formas de avaliação para verificar se o aluno desenvolveu ou está desenvolvendo a capacidade de utilizar os conceitos como ferramentas mentais” (2016, p. 378). Pensando nas aulas de teatro por essa perspectiva, o docente pode diagnosticar os conhecimentos prévios dos educandos e observar o processo contínuo dos mesmos em experimentar (fazer-participar), fruir (observar-participar) e refletir (analisar) as atividades artísticas propostas. Desse modo, o professor irá avaliar o desenvolvimento progressivo dos níveis de atenção, concentração, observação, comparação, síntese, valoração, modelação, etc., através do discurso verbal e cênico do estudante. Ao mesmo tempo, é de fundamental importância exercitar a capacidade de o próprio aluno avaliar-se a si mesmo e aos seus companheiros, propiciando que ele discorra criticamente sobre seus entendimentos, sobre suas vivências/criações artísticas e como espectador dos colegas em cena. 126
A escola e suas relações
Para concluir e sintetizar, elencamos, a partir das reflexões teóricas apresentadas, os principais objetivos de ensino (a atividade/ trabalho do professor), em relação ao conteúdo teatral tragédia, que precisam estar claros no planejamento pedagógico. São eles: Promover o avanço qualitativo no desenvolvimento dos estudantes sobre o conceito de tragédia, atuando em suas zonas de desenvolvimento iminentes; demonstrar que a arte trágica tem características e significados construídos no processo histórico-cultural, e que para desvendar tais significados é necessário compreender os códigos teatrais inseridos em cada contexto das relações e produções humanas; proporcionar situações-problemas para que os educandos recriem cenicamente os modelos trágicos mais relevantes; promover a fruição estética de espetáculos trágicos e/ou filmes/vídeos desse gênero, bem como a leitura dos textos teatrais, oportunizando o acesso ao patrimônio artístico-cultural; instrumentalizar os alunos com a linguagem teatral e oferecer espaços para a criação artística; fornecer aos estudantes o referencial necessário para a formação do pensamento generalizador sobre o conceito de tragédia, de forma que sejam capazes de perceber, compreender e interpretar tragédias a partir desse conceito; vincular os motivos dos jovens educandos na escolha dos textos trágicos que se aproximam de seus interesses; mediar as tarefas de aprendizagem, motivando e despertando o interesse pela compreensão do conceito de tragédia; mediar a criação artística pessoal e grupal, fornecendo apoio (materiais e técnicas) em todos os processos de ensino-aprendizagem.
Conclusão
A proposta de uma pedagogia do teatro com base na teoria do ensino desenvolvimental é a de uma educação estética, ética e política, não pensando em aprender através da arte, mas na arte. Na construção do planejamento nesses pressupostos, levam-se em consideração os conhecimentos dos estudantes, sua maneira de ser, agir, pensar, atuar, sem jamais dispensar o conteúdo disciplinar artístico. Pois, será ao aprender os conceitos próprios da arte, que o educando poderá entender melhor o contexto estético em que está inserido, e as manifestações artísticas que vivencia. Poderá refletir como as políticas públicas são muitas vezes responsáveis pelo seu acesso, ou não, aos bens artísticos e culturais, que são patrimônios da humanidade. Irá perceber que seu gosto estético não é algo natural e individual, mas algo construído socialmente e, atualmente, muito influenciado pelos meios de comunicação de massa. Nosso posicionamento é o de que os estudantes têm direito de conhecer as peculiaridades artísticas que envolvem esse gênero teatral em questão, ampliando, confrontando e modificando o conceito que já trazem sobre a tragédia, através da vivência artística e da experiência estética. Para tanto, o professor deve dominar sua área de atuação, ter repertório para exemplificar, expor, sugerir, comparar. Sobretudo, precisa saber elaborar atividades que ativem os processos de aprendizagem dos estudantes por eles mesmos. Pois, parafraseando Vigotsky (2016, p. 452): “Já é hora de colocar o aluno 127
Contribuições da teoria hist órico-cul tural e da didática... A. L. V. Fonseca
sobre suas próprias pernas, fazê-lo andar e cair, sofrer dor e contusões e escolher a direção”. Nesse artigo, tratamos de refletir e argumentar sobre o planejamento de ensino de teatro que desenvolva o pensamento estético dos estudantes, através da centralidade da atividade artística, caracterizada como uma experiência única. Com a apropriação de conteúdos teatrais, como o de tragédia, o estudante do Ensino Médio terá mais ferramentas para atuar em sua vida particular, social e laboral, pois teve a oportunidade de desenvolver durante seus estudos escolares esse tipo tão especial de pensamento, que é o estético. Dificilmente por outra via, que não pela escola, esse conhecimento poderia ser elaborado pelo estudante secundarista no Brasil. Por isso, estamos de acordo com as palavras de Vigotsky sobre a educação estética: “Observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho psíquico tão simples que não necessitava de nenhuma aprendizagem especial. E não obstante é aí que está o objetivo principal e o fim da educação geral” (Vigotsky, 2016, p. 351).
Referências
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III. Metodologias ativas e intedisciplinares
Uso de Metodologias Ativas apoiadas por recursos digitais Rosimar dos Reis Bessa Couto, Universidade Estácio de Sá, Brasil Vicente Willians do Nascimento Nunes , Universidade Estácio de Sá, Brasil Maria Tereza de Moura, Universidade Estácio de Sá, Brasil Palavras-chave: Metodologia Ativa; Tecnologia Educacional; Inovação Pedagógica
Introdução
A
Educação tem um papel de grande importância para o avanço de nossa humanidade, se somos a espécie que domina o planeta no qual vivemos, muito se deve ao fato de sermos capazes de produzir conhecimentos a partir de informações e experiências que vivemos. Além disso, também temos a capacidade de transferir o que sabemos e ajudar as demais pessoas a construírem e ampliarem esses conhecimentos. Se tivéssemos analisado a forma de viver (estrutura familiar, busca por alimentos, uso de recursos naturais etc.) de um grupo de leões selvagens no ano de 1918 e voltássemos a observar outro grupo de leões selvagens no ano de 2018 observaríamos as mesmas coisas, no entanto, se realizássemos essa mesma experiência com uma família de seres humanos o resultado seria bem diferente, pois observaríamos mudanças radicais nesse mesmo período de tempo. Essa comparação evidencia a importância da produção e compartilhamento de conhecimentos para a evolução de uma espécie. Segundo o biólogo Jean Piaget “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram”. Essa frase ressalta bem o papel da Educação que é o de promover e ampliar a produção de conhecimentos, algo vital para o progresso da humanidade. Além desse contexto, a presença cada vez maior de recursos digitais nas atividades desenvolvidas no âmbito profissional, acadêmico e pessoal tem promovido uma dinâmica ainda maior na produção de conhecimentos e, por conta disso, faz-se necessária à atualização das metodologias de ensino e aprendizagem.
Metodologias Ativas
O uso de Metodologias Ativas, não é algo novo, pois ao voltar no tempo, em 1923 o pedagogo francês Célestin Freinet já usava a proposta de educação baseada na ação do educando, como na atividade “Imprensa Escolar”, na qual os alunos produziam textos, com o uso do tipógrafo, que eram publicados e lidos pelos seus pares. As Metodologias Ativas ganham ainda mais importância em uma sociedade que exige não só o aprendizado de conceitos e conteúdos, mas, também, o desenvolvimento de competências. 131
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A editora de carreira Camila Pati publicou uma matéria na revista Exame em 2016, com o título de “10 competências que todo profissional vai precisar até 2020” na qual descreve as dez competências que serão necessárias para a formação integral de pessoas até o ano de 2020. Nessa matéria são listadas as seguintes competências: Resolução de problemas complexos, Pensamento crítico, Criatividade, Gestão de pessoas, Coordenação, Inteligência emocional, Capacidade de julgamento e de tomada de decisões, Orientação para servir, Negociação e Flexibilidade cognitiva. Nesse contexto, o uso de metodologias ativas deve promover não só a construção de conhecimentos, mas também desenvolver as competências supracitadas, e outras, como: capacidade de inovar e trabalhar de forma colaborativa. São diversas as Metodologias Ativas disponíveis e a escolha da que melhor atende tem relação direta com o que se espera alcançar.
Tipos de Metodologias Ativas
Existem diversas Metodologias Ativas e, cada uma tem a sua particularidade. No entanto, Além das competências listadas acima, ao usarmos Metodologias Ativas também colaboramos no desenvolvimento de outras competências como a criatividade, capacidade de trabalhar de forma colaborativa, autonomia, desenvolvimento da capacidade de autoria, inteligência Emocional etc. Figura 1. Tipos de Metodologias Ativas
Existem diversas Metodologias Ativas e, cada uma tem a sua particularidade. No entanto, Além das competências listadas acima, ao usarmos Metodologias Ativas também colaboramos no desenvolvimento de outras competências como a criatividade, capacidade de trabalhar de forma colaborativa, autonomia, desenvolvimento da capacidade de autoria, inteligência Emocional etc. 132
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Aprendizagem Baseada em Projetos – PBL
O objetivo da Educação é promover estratégias metodológicas que a mantenha contextualizada frente ao dinamismo das mudanças tecnológicas, econômicas, sociais e culturais. Nessa perspectiva o uso da PBL se torna algo muito pertinente. Embora não seja uma metodologia nova, pois, os registros de sua utilização data do ano de 1969, na Universidade de McMaster do Canadá, essa metodologia ainda se apresenta como “inovadora”. A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) é uma Metodologia Ativa que utiliza a “formulação de um problema” como ponto de partida para que alunos possam construir seus conhecimentos de maneira dinâmica seja individualmente ou em grupo. Nesta metodologia, os alunos são “orientados” a buscarem o entendimento de conceitos relacionados à temática (definidos pelos professores) e formular hipóteses e propostas inovadoras para solução desses problemas.
Gamificação
As indústrias que produzem games e a quantidade de jogadores crescem de forma exponencial, poucas são as crianças em idade escolar que não são jogadoras assíduas dos diversos tipos de jogos online ou não. Nesse contexto temos que explorar esse encanto pelos jogos em favor da Educação. A Metodologia Ativa Gamificação tem esse objetivo, usar a lógica e recursos dos jogos em prol dos processos de ensino e aprendizagem. Antes de falarmos sobre essa metodologia é importante enfatizar que ela é caracterizada não, necessariamente, pelo uso de jogos, e sim pela lógica e artifícios que regem os jogos (pontuação, disputa, ranking, recompensa etc.). Sendo assim, podemos afirmar que a Gamificação não é um jogo e sim uma metodologia que utiliza abstrações e metáforas originárias da cultura e estudos de videogames em áreas não relacionadas a videogames. Essa ideia é importante para diferenciar a Metodologia Ativa “Gamificação” de outra Metodologia Ativa chamada “Games em Educação”, que também será abordada mais adiante. Por ser uma Metodologia Ativa, além de tratar de conceitos e conteúdos a Gamificação também ajuda no desenvolvimento de habilidades e competências. Isso ocorre porque nessa metodologia trabalhamos com aspectos que os alunos já estão acostumados nos jogos.
Games em Educação
Neste tipo de metodologia, os games são usados como recurso pedagógico. A proposta é aproveitar o encanto e desenvoltura dos mais jovens em relação aos jogos em prol da Educação. Essa metodologia faz com que os jogos extrapolem o campo do entretenimento e se torne um aliado educacional, colaborando nos processos de ensino e aprendizagem. Para Prensky (2010), os games além de promover momentos de satisfação aos nativos digitais, podem gerar aprendizado de maneira prazerosa, pois 133
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o mesmo se dá em um ambiente livre de pressão e cobrança que são naturais no cotidiano escolar. Uma das principais queixas que temos em relação aos alunos está relacionada a falta de atenção que os mesmos dedicam as aulas. Fala-se muito em alunos que possuem “déficit de atenção”, mas o que se vê na realidade é um total desinteresse dos alunos pelas formas tradicionais de ensino, pois faltam irresistíveis atrativos que possuem os games. Nesse contexto o uso de games pode se uma proposta inovadora a melhoria do aprendizado.
Ciclo de Aprendizagem Vivencial (CAV)
O Ciclo de Aprendizagem Vivencial (CAV) é uma metodologia que utiliza a experiência como forma de aprendizado. Essa metodologia acontece em cinco etapas: A aprendizagem vivencial é estimulada pelo educador por meio de cinco etapas: Vivência, Relato, Processamento, Generalização e Aplicação.
Vivência
Nessa fase os participantes vivenciam uma atividade conduzida pelo educador/instrutor. Essa atividade deve ser ativa podendo ser um jogo, uma dinâmica, um estudo de caso, ou qualquer outra que envolva os participantes em uma possível experimentação. O material usado deve ser preparado e distribuído com antecedência para que os participantes possam ter a parte teórica no momento em que estiverem realizando as atividades propostas.
Relato
Nessa etapa os participantes irão relatar as suas impressões sobre a atividade realizada para o grupo. Eles podem usar recursos diversos para isso como uma dramatização, vídeo, apresentações etc. O tempo gasto nessa etapa deve ser o menor possível para não desmotivar o processo.
Processamento
Nessa etapa os participantes farão uma avaliação de seu desempenho na atividade proposta. Descrevendo os seus erros e acertos e quais as dificuldades encontradas na realização da tarefa. Os participantes também devem relatar qual o aprendizado foi adquirido. Este é o momento em que a presença do educador/instrutor é fundamental. Ele conduzirá com os participantes um diálogo embasado nas experiências, comportamentos, sentimentos e aprendizados que a atividade proporcionou. A forma que os participantes usarão nessa etapa para esses relatos deve ser previamente elaborada pelo condutor do processo.
Generalização
Essa etapa os participantes fazem a generalização do aprendizado com a sua vida cotidiana. São feitas analogias sobre o que foi trabalhado e situações vividas pelos participantes. 134
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Nessa fase serve para que os participantes entendam o objetivo prático da atividade proposta.
Aplicação
Na última etapa do CAV os participantes se comprometem a aplicar os conhecimentos ali trabalhados. Para isso é usado instrumentos como (Plano de Metas, Plano de Melhorias, Plano de Mudança, Contrato de Aprendizagem etc.). Esse tipo de Metodologia Ativa possibilita que os participantes possam contextualizar na prática o seu aprendizado.
Team Based Learning (TBL)
É uma estratégia instrucional desenvolvida para cursos de administração nos anos 1970, por Larry Michaelsen, direcionada para grandes classes de
estudantes. Procurava criar oportunidades e obter os benefícios do trabalho em pequenos grupos de aprendizagem, formando equipes de cinco a sete estudantes, que irão trabalhar no mesmo espaço físico (sala de aula). O trabalho em grupo é um recurso muito usado em todo tipo de metodologia. No caso da TBL ele se torna indispensável, pois, nesta metodologia a proposta de aprendizagem de forma colaborativa é o ponto principal. Um aspecto importante do trabalho em grupo (equipe) está no incentivo à discussão de ideias e posicionamentos entre os alunos. Esse exercício de dialética é importante na formação para vida. A possibilidade de que as equipes se tornem “cúmplices” pela aprendizagem dos seus pares também deve ser incentivada na TBL.
Sala de aula invertida
A Sala de Aula Invertida oferece uma nova dinâmica pedagógica na qual o protagonismo do processo de aprendizagem passa a ser do aluno. A aula invertida é uma abordagem híbrida (presencial e online) de ensino elaborada pelo educador americano Salman Khan e desenvolvida pelos professores de química Jonathan Bergmann e Aron Sams, em 2007, para resolver o problema de estudantes que participavam de competições esportivas e não podiam estar nas aulas. Podemos dividir essa metodologia em três etapas distintas: Figura 2. Etapas da Sala de Aula Invertida
Disponibilização do material na rede Na primeira etapa da Sala de Aula Invertida os conteúdos e conceitos a serem trabalhados com os alunos são disponibilizados em um repositório di135
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gital. Na atualidade temos diversos tipos de repositórios digitais e eles são, além de gratuitos, cada vez mais fáceis de serem usados.
Atividades dinâmicas em sala
Essa etapa ocorre presencialmente e deve ser dinâmica. O fato de já termos disponibilizado o material que será usado na aula com antecedência faz com que tenhamos mais tempo para propor atividades práticas aos alunos. Sendo assim, o tempo que não é usado para a apresentação de conteúdos pode e deve ser usado para que os alunos retirem dúvidas (pertinentes) e ampliem seus conhecimentos sobre os conteúdos. Nesta etapa devemos elaborar atividades dinâmicas nas quais os alunos possam explorar a criatividade e desenvolver a autonomia intelectual.
Produção de material (autoria)
Na última etapa da Sala de Aula Invertida devemos fazer com que nossos alunos exercitem a autoria na construção dos seus conhecimentos. Essas produções nos ajudam a avaliar de forma mais “concreta” o que os alunos conseguiram aprender dos conteúdos. Na primeira etapa da Sala de Aula Invertida o docente usa um repositório digital para disponibilizar o conteúdo da aula e nessa etapa podemos usar o mesmo repositório para que os alunos publiquem os trabalhos, corrigidos pelos professores. Essa disponibilização se faz interessante na medida em que os alunos podem estudar o conteúdo das disciplinas acessando trabalhos feitos por eles mesmos.
Ensino Híbrido
Essa metodologia combina atividades presenciais com atividades realizadas online por meio de recursos digitais. Um dos grandes equívocos que as pessoas comentem é achar que, somente, a disponibilização de material na rede e a realização de atividades presenciais já configura o ensino híbrido. Isso não é verdade, para que seja híbrido temos que ter atividades, nas quais os alunos sejam ativos, no ambiente presencial e no ambiente online. Diferente de outras metodologias ativas, no ensino híbrido a utilização de recursos digitais é obrigatória. Segundo Bacich (2015), Híbrido significa misturado, mesclado, blended. A educação sempre foi misturada, híbrida, sempre combinou vários espaços, tempos, atividades, metodologias, públicos. Esse processo, agora, com a mobilidade e a conectividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo: é um ecossistema mais aberto e criativo. Podemos ensinar e aprender de inúmeras formas, em todos os momentos, em múltiplos espaços. Híbrido é um conceito rico, apropriado e complicado. Tudo pode ser misturado, combinado, e podemos com os mesmos ingredientes, preparar diversos “pratos”, com sabores muito diferentes. (p.27). A presença dos recursos digitais no ambiente educacional é cada vez maior e, nesse contexto a proposta de ensino híbrido ganha cada vez mais espaço. 136
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
A contextualização dos processos educacionais é algo necessário para que possamos formar pessoas que, além de conhecimentos também tenham competências e habilidades necessárias para o nosso século. Dentro desse panorama devemos ressaltar que, mesmo as metodologias de ensino e aprendizagem que não são ativas têm sua importância, afinal, diversas gerações foram formadas com essas metodologias. Tal fato demonstra que as inovações pedagógicas não devem descartar tudo o que já foi feito, mas, ajudar na contextualização dos processos pedagógicos.
Implantação do Ensino Híbrido na Universidade
A Universidade Estácio de Sá é uma instituição privada de ensino superior com presença em todo o território brasileiro Ela conta com, aproximadamente cinco mil colaboradores administrativos e com um corpo docente com mais de oito mil profissionais. A Universidade oferece 86 diferentes cursos presenciais e a distância de Graduação e Graduação Tecnológica nas áreas de Ciências Exatas, Ciências Biológicas e Ciências Humanas além de 110 cursos de Pós-Graduação latu senso, cinco cursos de Mestrado e três cursos de Doutorado, avaliados pelo MEC/CAPES com elevados conceitos de qualidade, além de cursos livres e cursos voltados para a educação corporativa. Muito embora a Universidade tenha sido fundada em 1970 ela tem, como característica principal, a proposta de promover inovações pedagógicas. No primeiro semestre de 2018 foi iniciada a proposta de implantação do ensino híbrido para alguns cursos. Segundo o reitor da Universidade Ronaldo Mota (ex-secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) no futuro, educação a distância (EAD) e presencial não irão mais se diferenciar e que a diferenciação entre aluno presencial e a distância deve desaparecer o mais rápido possível. A tendência, segundo o reitor, é o domínio de um modelo flexível de aprendizagem. A Universidade Estácio está implantando sua nova geração de matrizes curriculares, comprometida com a qualidade de seus serviços educacionais e o aperfeiçoamento de seu Modelo de Ensino. Denominados de Currículos 118, as novas matrizes buscam a integração entre metodologias de aprendizagem mais ativas e o uso intensivo de tecnologias digitais, a fim de conferir protagonismo ao aluno na aprendizagem e mais recursos para o professor na mediação pedagógica. Entre as premissas dos novos currículos, encontram-se a reorganização da carga horária respeitando os critérios e os limites estabelecidos na legislação vigente; a consolidação dos núcleos comuns nos períodos iniciais, que reúnem cursos de uma mesma área de conhecimento; a introdução de disciplinas híbridas, com créditos presenciais e virtuais; a redução do número de disciplinas apenas on-line; a ampliação do escopo das Atividades Acadêmicas Complementares (AAC), com definição de ênfases temáticas mínimas, entre outros pontos. As disciplinas híbridas darão oportunidade de o aluno estudar determinado conteúdo tanto em aulas presenciais quanto no ambiente virtual, o 137
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SAVA, utilizando roteiros de estudos e recursos didáticos que o ajudarão a se preparar para aulas mais dinâmicas.
Caso de uso
No ambiente de sala de aula, foi proposta uma atividade, denominada de Construção Criativa, que requeria, inicialmente, a formação de pequenas equipes heterogêneas, propositalmente, visando gerar interação entre os alunos. Para dar prosseguimento à tarefa, foram apresentados alguns elementos essenciais que precisavam ser desenvolvidos para a execução da Construção Coletiva. A atividade foi dividida em etapas, e a primeira consistia em criar uma situação-problema, a partir da idealização de uma área produtiva recorrendo os conteúdos e terminologias conhecidas nas aulas expositivas. O segmento era livre, mas o professor devia atuar como um moderador para evitar que os alunos adotassem algo muito complexo, pois além da pouca experiência com o assunto, eles ainda precisavam administrar o tempo concedido para a finalização da tarefa. Todas as regras de execução para o desenvolvimento do trabalho foram apresentadas em sala e, em seguida, disponibilizadas no SAVA (plataforma da instituição que consiste em um ambiente de aprendizagem virtual do aluno), para que as equipes tivessem acesso durante a semana em que estariam aperfeiçoando o trabalho e preparando a apresentação. As regras contavam com a delimitação mínima de elementos representativos de custos e despesas a serem utilizados na produção, a quantidade (três) e a forma de apresentação dos indicadores que mensuram os gastos, estudados até o momento da realização da atividade, que devia contar com a definição, a representação das respectivas fórmulas e a efetiva aplicação dos mesmos no cenário construído pelas equipes. Após a aplicação das fórmulas os alunos chegaram aos dados que levaram ao resultado. O resultado encontrado condizia com a apuração dos gastos daquela produção. Durante a semana que tiveram para elaborar o material que utilizariam para fazer a apresentação à turma, após a aula onde a produção foi idealizada e teve seu resultado apurado, as equipes deveriam escolher um recurso digital para apoiar a reprodução e explicar o processo da Construção Criativa, sucedido do relatório que tinha o papel de comunicar o custeamento da produção do período aos gestores da empresa, sugerindo ações corretivas ou enaltecendo os pontos que ensejaram o bom desempenho. Para as apresentações, as equipes fizeram uso de recursos digitais como: Prezi, PowerPoint, Movie Maker e AutoCAD; proporcionando à turma um conhecimento mais aprofundado sobre essas ferramentas. Nesse Case, foram empregadas as Metodologias ativas TBL e PBL, já conceituadas anteriormente nesse trabalho e foi possível observar a fluidez na comunicação entre os pares, às dúvidas que os próprios alunos 138
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
desconheciam que tinham sobre os assuntos, o aumento na percepção de utilidade dos temas nas rotinas profissionais e um grande envolvimento do professor como orientador de processos e mentor dos conteúdos.
Pesquisa e análise de dados
Para a produção do artigo sobre o uso de Metodologias Ativas na UNESA foi realizada uma pesquisa aplicando um questionário estruturado contendo questões objetivas com uso da escala Likert em cinco níveis para a resposta e uma questão discursiva, respondido, presencialmente, por 246 alunos dos cursos da área de gestão, nos campi Taquara (R9) e Tom Jobim, situados, respectivamente, nos bairros da Taquara e Barra da Tijuca, respectivamente, ambos na cidade do Rio de Janeiro. E outro questionário estruturado, também contendo questões objetivas com uso de escala Likert em cinco níveis para a resposta e com discursivas, no formato virtual, para 224 docentes de todas as áreas de conhecimento, alocados em todas as regiões do Brasil. Para a análise dos resultados foram utilizadas ferramentas básicas de estatística como forma de quantificar e comparar as respostas. Considerando o total de docentes respondentes da pesquisa, observou-se que 85% desses afirmam já ter participado de pelo menos uma formação relacionada ao uso de Metodologias Ativas, porém apenas 69% se sentem seguros para fazer uso em suas aulas. Quando perguntado sobre quais as Metodologias Ativas usadas em suas aulas, a Sala de Aula Invertida foi a mais citada, correspondendo a 73%, seguida pelo Ensino Híbrido, com e 50,5% das respostas. A pesquisa permitiu observar que uma quantidade expressiva de professores confunde metodologia com recurso. Essa conclusão foi obtida a partir das respostas discursivas à questão que solicitava que fossem citadas as metodologias ativas utilizadas em suas aulas, onde se encontram respostas, como: “Utilizo o Kahoo e o Google Forms“ e “Plickers, Kahoot, Puzzle e Estudo de Casos” Já na pesquisa direcionada ao corpo discente, considerando o total de respondentes, 94% dos alunos disseram perceber quando é utilizada uma Metodologia Ativa nas aulas e 87% afirmam que a adoção da técnica contribuiu para a melhoria do seu aprendizado. Ao prosseguir com a análise, apurou-se que 78,8% dos alunos disseram sentir-se mais motivados em aulas nas quais foram empregadas Metodologias Ativas e 92,5% reconheceram que ao adotar esse tipo de metodologia em suas aulas o professor assume o papel de mediador e orientador no processo de aprendizagem. A análise das respostas apresentadas na questão discursiva do questionário possibilitou uma verificação da percepção de melhoria na qualidade das aulas e facilitação no processo de aprendizagem, ratificando as respostas anteriores, a partir de respostas, como: 139
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“Faz com que a turma tenha uma participação maior e se torne uma aula mais dinâmica.” e “Eles acabam fazendo com que os alunos fiquem mais ativos nas aulas e melhora a troca de aprendizado entre a turma.”.
Conclusão
Muito embora a maior parte dos docentes se considere segura para a utilização de Metodologias Ativas, ainda há dificuldade na distinção entre recurso e metodologia, pois muitas atividades descritas como sendo uma Metodologia Ativa são, na verdade, recursos. Os alunos perceberam que o uso de Metodologias Ativas tornou as aulas mais dinâmicas e participativas e reconheceram que o professor assume o papel de mediação e orientação, algo que favorece um melhor aprendizado. Cabe ressaltar que não houve crítica ao modelo tradicional de ensino, representado pelas aulas expositivas. Entretanto, convém destacar que há uma necessidade iminente de tornar o ambiente da aula mais vivo, desenvolto e criativo, e que os alunos valorizam a diversificação das metodologias adotadas nas aulas, primando pela interatividade que irá de encontro com uma atuação mais participativa dos alunos. Sendo assim, entendemos que, diante dos resultados obtidos, a mudança no formato das aulas é inexorável, devendo a instituição de ensino continuar seus investimentos em capacitação e treinamentos práticos e teóricos, primando pelo aprimoramento docente.
Referências
Bacich, L; Tanzi Neto, A; Mello Trevisani, F. (Org.). (2015). Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação. 2.ed. Rio de Janeiro: Penso, 2015. 270 p. Freinet, É. (1977). Itinerário de Célestin Freinet: a Expressão Livre na Pedagogia Freinet. Tradução Manuel Dias Duarte – Lisboa: Livros Horizonte, 156p. Freire, P. (2018). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 56. ed. Rio de Janeiro /São Paulo: Paz e Terra, 143 p. Pati, Camila. (2018).10 competências que todo profissional vai precisar até 2020. Disponível em: . Acesso em: 23 abril de 2018. Prensky, M. (2001). Digital Natives, Digital Immigrants. MCB University Press.
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Metodologias Ativas
Um estudo de caso para o Ensino de Geometria Euclidiana na Licenciatura Adriana Tiago Castro dos Santos, FMU, Brasil Maura Araujo Dias, FMU, Brasil Palavras-chave: Geometria; Metodologias ativas; Formação de Professores
Introdução
O
s resultados das avaliações institucionais da Educação Básica e do Ensino Superior no Brasil indicam que os alunos egressos, em geral, não concluem seus cursos com as habilidades e competências desejadas para o prosseguimento de seus estudos ou para ingressar no mercado de trabalho. Há que se considerar alguns fatos apontados pela pesquisa desenvolvida por (Gatti, 2010), em que um dos objetivos era traçar o perfil dos alunos ingressantes nos cursos de Licenciatura no Brasil. Os resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que mensuram o desempenho escolar anterior ao Ensino Superior, apontam que os alunos ingressam nas licenciaturas já com um índice de conhecimentos básicos abaixo do esperado. O mesmo estudo reflete, a partir da análise dos resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), sobre um cenário preocupante no que se refere à formação do professor de Matemática. Desta forma, é necessário que a formação inicial aponte caminhos e utilize estratégias para que os futuros professores sejam preparados para planejar e ministrar aulas que favoreçam o desenvolvimento das habilidades e competências esperadas para os alunos da Educação Básica. Neste contexto, a presente pesquisa aborda uma das faces deste problema, que é o Ensino da Geometria, um dos temas fundamentais para a formação do professor de Matemática. O ensino da Geometria foi negligenciado por muitos anos, não só no Brasil, mas no mundo; a pesquisadora (Pavanello, 1993) aponta que houve um abandono gradativo, na Educação Básica, dos conceitos desta em detrimento da Álgebra. Segundo (Fiorentini, 1995), entre as décadas de 60 e 70 perdurou-se o Ensino Tecnicista, no qual a finalidade da escola era preparar o indivíduo para a sociedade. Foi um ensino marcado pelo foco em treinamento de técnicas através da repetição de algoritmos. É também nesta época que se dissemina, no Brasil, o Movimento da Matemática Moderna, que propõe, segundo (Pavanello, 1993), um ensino da Geometria com uma abordagem das transformações geométricas. Ora, o ensino da geometria na abordagem tradicional já enfrentava grandes problemas em relação ao conhecimento do professor, aos métodos utilizados, à dificuldade em se estabelecer uma ponte entre a geometria prática indicada para a escola elementar e a 141
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abordagem axiomática introduzida no secundário. Assim, uma vez que os professores não estavam preparados, tanto do ponto de vista teórico quanto do metodológico, isso resultou em uma priorização do ensino da Álgebra. A combinação desses dois fatores contribuiu para o atual cenário problemático do ensino-aprendizagem da Geometria. Neste contexto, entendemos que, a partir do momento em que se pretende formar um professor capaz de ensinar com estratégias de ensino e aprendizagem bem-sucedidas, é necessário que tais estratégias sejam utilizadas por seus professores em sua formação inicial e que, além da compreensão do conhecimento matemático, haja reflexão sobre a prática docente. Assim, o propósito deste artigo é apresentar os resultados de um estudo de caso realizado com alunos do primeiro período do curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade brasileira. Neste estudo, propomos a utilização dos pressupostos das metodologias ativas, enfatizando a Flipped Classroom, conhecida no Brasil como Aula invertida, durante um semestre letivo na disciplina Geometria Euclidiana.
Níveis de van Hiele e o ensino da Geometria
A teoria dos Níveis de van Hiele foi desenvolvida por Dina van Hiele-Geldof e seu marido Pierre Marie van Hiele no fim dos anos 50, produto de duas teses de doutorado. Como Dina faleceu logo após o término da tese, foi Pierre que esclareceu e aprofundou-se sobre os níveis de aprendizagem em Geometria. Esta teoria foi difundida após chegar aos Estados Unidos, e vários artigos de Pierre foram traduzidos para o inglês. A teoria é fundamentada em três aspectos: a própria existência dos níveis, suas propriedades e o avanço de um nível para outro. O modelo de Van Hiele pressupõe que há cinco níveis de compreensão em Geometria, e são descritos com base nos comportamentos cognitivos dos estudantes. A tabela 1 apresenta uma descrição desses níveis (Usiskin, 1982): Tabela 1. Níveis de van Hiele Habilidades cognitivas
Nível básico
Comportamentos
Nível 1
Reconhecimento
Análise
Os objetos geométricos são reconhecidos pela sua aparência.
Nível 2
Ordem
As propriedades destes objetos são ordenadas em uma estrutura, mas a argumentação lógica ainda é informal.
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Os objetos geométricos são reconhecidos por suas propriedades, que são utilizadas para validar hipóteses.
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Nível 3 Nível 4
Dedução Rigor
Fonte: elaborado pelas autoras.
Há domínio do processo dedutivo e são feitas demonstrações formais.
As figuras são definidas por símbolos e relações. Diversas geometrias são construídas axiomaticamente.
Os níveis apresentam as seguintes propriedades (Silva & Candido, 2007): Propriedade 1: sequencialidade. Para que haja a compreensão de um tema em Geometria, o estudante deverá passar por todos os níveis do modelo em ordem, ou seja, não há como um aluno estar no nível 3 sem entender as características e propriedades dos objetos geométricos no nível 2. Propriedade 2: localidade dos níveis. Um aluno pode estar em níveis diferentes com relação a diferentes temas da Geometria. No entanto, se um aluno estiver, por exemplo, no nível 3 de um tópico da geometria, o tempo para que ele atinja o nível 3 de outro tópico é menor; essa progressão depende de como o professor conduzirá este aprendizado. Note-se que a passagem de um nível para o outro é independente da idade do estudante. Propriedade 3: linguagem. Cada nível tem uma linguagem e uma rede de relações específicas. O mau uso da linguagem pode trazer dificuldades para se atingir os resultados esperados. Propriedade 4: separação. Pessoas em diferentes níveis podem não se entender. (Usiskin, 1982) Sobre o avanço de um nível para o outro, a teoria aponta que há cinco fases sequenciais de aprendizado para cada nível e que, ao término da quinta fase, o estudante avançará para o próximo nível. (Silva & Candido, 2007) A Fase 1 – Interrogação ou Informação, é aquela na qual o professor indagará ao aluno quais as propriedades de um objeto de estudo. Deve-se ter cuidado com os símbolos utilizados em cada nível. Na Fase 2 – Orientação Dirigida, o professor apresentará situações em de aprendizagem organizadas a partir da sequência do grau de dificuldade em ordem crescente. As atividades devem apresentar enunciados em que o aluno consiga perceber por si mesmos, as propriedades, definições, conceitos e objetivos que o professor queira atingir. A partir da experiência das fases anteriores, na Fase 3 – Explicitação, os alunos poderão expor suas ideias na forma oral ou escrita. O professor mediará um diálogo entre seus alunos e os corrigirá caso haja necessidade. É o momento da formalização do tema estudado durante as outras fases. O professor apresentará atividades aos alunos que contemplem os conhecimentos estudados anteriormente na Fase 4 – Orientação Livre. As atividades deverão contemplar situações de aprendizagem elaboradas com um grau de dificuldade tal que os alunos possam mobilizar vários conhecimentos estudados anteriormente. Nesta fase, o professor deve interferir o mínimo possível, deixando os alunos livres para expor as suas ideias e conhecimentos. Para os Van Hiele, só saberemos se o aluno compreendeu um
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conceito quando são apresentados novos problemas e ele consegue resolver sem a ajuda do seu professor. Na Fase 5 – Integração, os alunos fazem análises e sínteses do que aprenderam. O professor pode auxiliar, com o objetivo de construir uma visão geral do que foi trabalhado nas fases anteriores. Os pressupostos desta teoria foram utilizados por Zalman Usiskin, professor na Universidade de Chicago, em seu projeto que avaliou estudantes do ensino secundário, utilizando testes realizados antes e após um curso de Geometria. Uma grande vantagem do trabalho de Usiskin é a facilidade de seus testes para medir os níveis de raciocínio que, por conterem questões de múltipla escolha, podem ser aplicados a uma grande quantidade de alunos.
Metodologias ativas
Atualmente, em uma era na qual os estudantes têm acesso praticamente irrestrito à informação por meio da internet – sendo que este acesso nem sempre é utilizado de maneira profunda ou crítica –, não podemos negar que uma das habilidades que se deseja desenvolver nos alunos do Ensino Superior é a habilidade de ser autônomo e protagonista da construção do seu conhecimento. Há muito tempo se discute que a sala de aula não deve ser idealizada por meio de um ensino tecnicista, em que os estudantes ouvem o que o professor tem a dizer e reproduzem técnicas, sem debater e refletir sobre os temas propostos em sala de aula. Estas concepções da gestão de sala de aula vêm ao encontro das ideias fundamentadas pelas metodologias ativas, em detrimento do ensino tecnicista que foi um dos elementos do cenário que promoveu o abandono do ensino da Geometria. Neste novo cenário, o papel do professor é alterado, passa daquele que ensina para aquele que faz aprender. As metodologias ativas possibilitam o desenvolvimento de habilidades em que alunos possam gerir o ritmo e as escolhas de sua aprendizagem de modo autônomo. O estudante passa a ser corresponsável por seu processo de formação, participando de atividades de leituras, debates, produção de testos, resolução de problemas e estudos de caso, de modo a desenvolver habilidades como síntese, análise e avaliação de conteúdo. (Valente, 2014) apresenta diversas metodologias ativas, como a Aprendizagem baseada na pesquisa, o uso de Jogos, a Aprendizagem baseada em problemas, a Flipped classroom – Sala de aula invertida e o Peer instruction (PI) – Instrução entre pares, sendo esta última desenvolvida pelo Professor Eric Mazur. As metodologias Sala de aula invertida e Peer instruction foram escolhidas para o presente estudo por terem características que podem favorecer a aprendizagem segundo a teoria de van Hiele. A Sala de aula invertida consiste na inversão sequencial das aulas tradicionais, ou seja, se troca a sequência ensino-estudo individual-avaliação por estudo individual-avaliação-ensino; nela, o professor aponta caminhos de aprendizagem para que os alunos tenham contato com o conteúdo antes da aula, por meio de vídeos, textos e atividades propostas, utilizando o tempo da aula para promover debates e validar as conjecturas levantadas. 144
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
A Peer instruction propõe que, com base nos tópicos estudados antes da aula, o professor proponha, num primeiro momento, um conjunto de perguntas para verificar os pontos mais problemáticos a serem trabalhados na sala de aula, que remete à fase 1 da teoria de van Hiele. O professor propõe novas questões (ou retoma as anteriores), sobre as quais os alunos debatem e chegam a um consenso (que tem pontos em comum com as fases 2 e 3 de van Hiele), o que faz com que eles precisem desenvolver linguagem e argumentação: além de trabalhar a propriedade 3, que é a linguagem inerente a cada nível, este debate entre pares concorda com a propriedade 4, uma vez que os alunos encontram-se em níveis de linguagem parecidos, o que pode favorecer a aprendizagem.
Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa é um estudo de caso de caráter qualitativo, e foi realizada com alunos ingressantes no curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade particular na cidade de São Paulo, durante um semestre letivo. A disciplina escolhida foi “Geometria plana e desenho geométrico”, que tem, entre seus objetivos, os seguintes: • Reconhecer objetos, qualidades e relações da Geometria plana e espacial. • Reconhecer polígonos, triângulos quadriláteros, circunferências e outros objetos geométricos por suas propriedades e relações métricas, e utilizá‐las para resolver problemas. • Construir a Geometria Euclidiana Plana axiomaticamente. • Realizar demonstrações simples. A carga horária total de 66h da disciplina é distribuída ao longo do semestre. As aulas são presenciais, uma vez por semana, com a duração de 3 horas diárias. Foram utilizadas metodologias ativas e os princípios da teoria de van Hiele, principalmente a Sala de aula invertida e Peer instruction, conforme descrito anteriormente. Iniciava-se cada novo tópico com propostas de leitura a serem realizadas antes de cada aula, bem como atividades matemáticas a serem feitas a partir da leitura, com o objetivo de verificar a compreensão da leitura, despertar a reflexão e elaborar questionamentos. Na aula, num primeiro momento, realizava-se uma discussão coletiva sobre os temas da leitura e os questionamentos levantados nas atividades. Num segundo momento, se propunham atividades em grupo ou individuais, com o objetivo de institucionalizar os conceitos matemáticos envolvidos. Por fim, a professora ajudava os alunos a produzirem uma síntese coletiva dos temas estudados. O tempo deste processo variava de um a três conjuntos de três aulas em sequência, conforme o tema era mais ou menos complexo. As leituras e atividades utilizadas foram inspiradas ou retiradas principalmente do livro “Fundamentos de Geometria Plana”, produzido pelo Centro de Apoio à Educação à Distância da Universidade Federal de Minas Gerais (CAED-UFMG), para o curso de Licenciatura em Matemática – modalidade à 145
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distância. Essa escolha deveu-se ao fato de que, por ter sido produzido para um curso à distância, tanto o texto quanto as atividades foram desenvolvidos de modo a promover a autonomia e o estudo individual, o que vai ao encontro das premissas deste estudo. Para a coleta dos dados, utilizamos um dos testes elaborados por (Usiskin, 1982) que constitui um questionário de 25 questões, sendo 5 de cada nível de van Hiele. A tabulação foi realizada como descrito no projeto do professor Usiskin. O teste foi aplicado para todos alunos da turma na primeira semana de aula. Além deste instrumento de coleta, utilizamos a avaliação escrita institucional que pontua 70% do aproveitamento dos alunos necessários para a aprovação. No dia da aplicação do teste, os alunos foram avisados dos objetivos do teste e que, ao final do semestre, fariam novamente o mesmo teste para verificar se houve avanço de nível. Ao final do semestre letivo os estudantes realizaram o teste novamente para constatarmos se houve progresso dos níveis dos estudantes. Apenas 8 alunos participaram dos dois testes por questões institucionais e, por este motivo, realizamos a análise dos protocolos desses alunos.
Resultados
Os resultados dos testes aplicados estão na tabela 2, considerando apenas os alunos que realizaram os dois testes: Tabela 2. Resultados
Participação nas Quantidade leituras e atividades de alunos Baixo índice de comprometimento
4
Alto índice de comprometimento
4
Fonte: elaborado pelas autoras.
Avançou de nível
Manteve-se no mesmo nível
1 aluno (avançou do nível básico para o 1)
3 alunos
2 alunos
2 alunos (1 manteve-se no nível básico e 1 manteve-se no nível 3)
Concluímos que, para os alunos que se comprometeram com as leituras e atividades, o resultado foi satisfatório, pois, de quatro alunos, apenas um, ou seja, 25%, não se beneficiou da metodologia, já que o outro que se manteve no mesmo nível já ingressou no curso com o nível 3. Dos alunos com baixo índice de comprometimento, três alunos, 75%, não avançam, e um avança muito pouco. Outro olhar sobre esses resultados vem da análise de uma questão da avaliação final da disciplina. (Figura 1)
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Figura 1. Questão da avaliação semestral
Fonte: produzido pelas autoras
Apresentamos a seguir as respostas de alguns alunos que não foram considerados na tabela 2. Figura 2. Resposta do aluno A
Fonte: dados da pesquisa
Na figura 2 vemos que o aluno reconhece o triângulo por sua definição (lados congruentes), e usa um fato que é consequência disto (ângulos da base congruentes) para resolver o problema. além disso, organiza os passos da demonstração em ordem lógica correta, ou seja, ele reconhece claramente a relação de causa e consequência. O mesmo ocorre com a aluna cuja resposta se encontra na figura 3, abaixo. Além disso, ela acrescenta fatos sobre a bissetriz na ordem correta, e começa a utilizar a linguagem simbólica. Desta forma, podemos inferir que estes dominam o processo dedutivo, ou seja, têm características do nível 3 de van Hiele. 147
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Figura 3. Resposta da aluna B
Fonte: dados da pesquisa
A figura tal abaixo mostra a resposta de um aluno que consegue reconhecer os objetos por suas propriedades e estabelecer as relações entre elas: reconhece que ângulos alternos internos são congruentes, mas não reconhece isto como uma condição de paralelismo. Ele inicia o processo de ordenação das propriedades, mas não domina o processo dedutivo. Assim, inferimos que ele se encontra no nível 2. Figura 4. Resposta do aluno C
Fonte: dados da pesquisa
Considerações Finais O propósito deste artigo foi apresentar os resultados de um estudo de caso realizado com alunos do primeiro período do curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade brasileira. Neste estudo, propomos a utilização dos pressupostos das metodologias ativas, enfatizando a Sala de aula invertida e a Peer instruction, durante um semestre letivo na disciplina Geometria plana e desenho geométrico. Para a análise dos resultados, utilizamos o teste desenvolvido pelo professor Zalman Usiskin, que utiliza a teoria dos níveis de Van Hiele para avaliar o processo de ensino e aprendizagem da Geometria. É preciso apontar uma falha na coleta de dados: os testes inicial e final foram realizados em somente uma oportunidade cada um; desta forma, os alunos que ingressaram tardiamente não foram avaliados, além dos que faltaram em uma ou outra data. Assim, dos 14 alunos que participaram regularmente da disciplina, apenas 8 foram avaliados pelo teste do professor Usiskin, o que prejudicou a análise. Sobre os alunos que não participaram dos dois testes, não podemos afirmar que mudaram de nível. No entanto, observando as atividades avaliativas 148
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ao longo do semestre, juntamente com o resultado do teste final, constatamos que houve uma progressão, uma vez que temos quatro alunos terminando o período no nível 3. Para além disso, é preciso também considerar as observações da professora ao longo das aulas. Nas semanas iniciais, todos os alunos afirmaram que o livro proposto pela professora era “muito difícil de ler”, ou “é uma linguagem com a qual não estamos acostumados”. Os grupos tinham grande dificuldade em discutir os temas propostos. Após algumas aulas, observamos que o grupo evoluiu gradativamente, e as discussões tornaram-se mais ricas na escrita da linguagem matemática, na intensidade da troca de ideias e qualidade na argumentação. Constatamos que os alunos se sentiram cada vez mais confortáveis para expor suas ideias. Criou-se uma cultura de estudo: a maioria dos alunos percebeu a importância de preparar-se antecipadamente para a aula, de construir argumentos para participar da discussão mais ativamente. Concluímos que o uso da metodologia da Sala de aula invertida favoreceu o desenvolvimento da autonomia dos estudantes frente às situações-problemas de Geometria. Uma vez que pretendemos seguir com a pesquisa no semestre seguinte, ajustaremos os procedimentos metodológicos, aplicando o teste inicial em vários momentos, conforme os alunos ingressarem no curso, de modo que os resultados sejam mais representativos.
Agradecimentos
Agradecemos gentilmente ao professor Zalman Usiskin, professor da Universidade de Chicago por fornecer autorização para a aplicação do teste de sua autoria para a realização dos desta pesquisa.
Referências
Fiorentini, D. (1995). Alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática no Brasil. Revista Zetetiké (Ano 3 - nº4). doi:10.20396/zet.v3i4.8646877 Gatti, B. A. (out.-dez. de 2010). Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e Sociedade, 31(113), pp. 1355-1379. doi:10.1590/S0101-73302010000400016 Pavanello, R. M. (1993). O abandono do ensino da Geometria no Brasil: causas e consequências. Revista Zetetiké. doi:10.20396/zet.v1i1.8646822 Silva, L., & Candido, C. C. (2007). Modelo de aprendizagem de geometria do casal Van Hiele. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatísitca da Universidade de São Paulo. Fonte: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/450026/mod_resource/content/1/Silva%20%20Candido%20-%20Modelo%20de%20Aprendizagem%20da%20Geometria%20do%20Casal%20Van%20Hiele.pdf Usiskin, Z. (1982). Van Hiele levels and achievement in secondary school geometry. Chicago, IL, Estados Unidos: The University of Chicago. Fonte: http://ucsmp.uchicago.edu/resources/van_hiele_levels.pdf 149
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Valente, J. A. (2014). Aprendizagem ativa no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. São Paulo: Departamento de Multimeios, Nied e GGTE Unicamp & Ced-PUC. Fonte: http://catalogo.educacaonaculturadigital.mec.gov.br/hypermedia_files/live/nucleo_de_base1/medias/files/classe_invertida.pdf
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Prática docente e ensino-aprendizagem Metodologias interdisciplinares num processo de reflexão-ação
Maylta Dos Anjos, Instituto Federal do Rio de Janeiro, Brasil Beatriz Brandão, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Palavras-chave: metodologias alternativas; metodologias interdisciplinares; ensino; aprendizado
Rios, quando ainda são rios, Conservam vegetação nas margens. Córregos são águas geralmente claras Que correm rasas entre as pedras. Por isso aprecio rios (...)
E
Viviane Mosé
ste trabalho procura contribuir para um ensino que contemple a temática abarcadora e interdisciplinar. Para tanto lança mão de conceitos que nascido em outros campos de análise, reconfigura o pensamento de educação e dá novo enlevo à discussão, propositando o tema dentro de um compêndio de ação e sentimento que enlevam à humanidade os sujeitos na vivência do processo ensino-aprendizagem. Ao perguntarmos de que forma a educação poderá contribuir para que a pluralidade dos saberes enriqueça o contexto socioeducacional e cultural, provocando uma maior diversidade no ensino, vemos que assinalado na contemporaneidade, temos a necessidade premente de se repensar o ensino no sentido de possibilitar-lhe maior contato com os subsídios que movimentam o debate socioeducacional e cultural constitutivo nesse processo e na diversidade em que se estabeleça no tempo adequado a cada individualidade. Entende-se que os professores não apenas aplicam, mas reinterpretam aos aspectos culturais que lhes são apresentados a partir de suas próprias leituras de mundo e que, por isso, precisam refletir sobre sua prática, de forma a desenvolverem um ensino que respeite as diferenças, o tempo de aprendizagem próprio a cada um dos seus sujeitos alunos e as várias metodologias que servem para traduzir o contexto e interpretar as nuances do processo educacional com metodologias próprias. A preocupação com a forma que se deve replicar o ensino e qual a aprendizagem acentua melhor a inteligibilidade dos fenômenos, tem levado a diálogos que expõem os preconceitos e a segregação social no mundo educacional. Observa-se que quando esses fatos ocorrem, no mais das vezes, de maneira sutil no cotidiano escolar, o processo ensino-aprendizado é ameaçado. Lidar com esse processo exige sensibilidade diante do trato cotidiano, e exige o uso de metodologias que integrem o saber e que não despertem a segregação e preconceito, bem como os discursos retrógrados, muito pelo
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Prá tica docente e ensino-aprendiza gem. M. Dos Anjos e B. Brandão
contrário, requerem metodologias interdisciplinares que ativem e efetivem a ligação vital entre os saberes. O ato reflexo, aponta que novos imperativos são demandados por metodologias que ativem a prática docente, não somente a partir da formação de educadores, mas como fato crescente que viabiliza práticas que unem e fortalecem olhares que se integram e se interconectam no campo do saber, da ciência e da prática docente. A prática docente, nesse quesito, ainda que indiretamente, pode ser um dos fatores responsáveis, por um desenvolvimento que esteja direcionado às finalidades de propiciar uma reflexão mais profunda, formadora, séria e compromissada do seu papel social e da ação pedagógica de professores que analisam e assumem uma formação interdisciplinar que integrem as diferentes visões de mundo compreendendo os vários signos da vida que se expressam a cada vez que buscamos perceber mais os fenômenos que circundam a vida. Com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva diversidade e pluralidade no ensino, a sociedade deve ser chamada a pensar a prática docente, para tanto diferentes autores têm trabalhado com a formação de professores nessa perspectiva e têm alertado, para a prática de sensibilizar acerca da importância do tratamento dessa questão para o enfrentamento dos desafios que advirão dela. A cultura é forte aliada para ampliar a discussão desse processo que envolve uma metodologia própria de análise e de abordagem no processo de aprendizagem. Método esse que requer uma visão mais global, uma análise mais aprofundada e refinada sobre os fatos e sobre os sujeitos ativos e passivos do processo social. A prática docente não pode ser dissociada das abordagens em que os saberes são trabalhados, bem como não pode ser dissociada dos problemas e das condições de trabalho que envolve a carreira docente, em cujo âmbito devem ser equacionadas a forma como são trabalhadas as formas pelas quais se deve conduzir o ensino e a aprendizagem. Outro fato dentro desse diálogo são as condições precárias de trabalho e condições improváveis para a prática de um ensino que redesenhe a interdisciplinaridade, como uma nova abordagem que amplie as conexões dos saberes e fortaleça os elos dos diálogos realizados no processo do ensino que fortaleça a aprendizagem, Assim, para garantir uma formação consistente das políticas socioeducacionais, faz-se necessária a ampliação de abordagens que unifiquem e deem mais vida aos saberes, ou seja, ajustar as decisões educacionais ao discurso que abra e alargue as condições de aprendizagem, assim se faz necessário trazer para o debate educacionais elementos que discutam a diversidade cultural e pluralidade no ensino para estabelecimento de novas noções e ações docentes que transcendem a forma pragmática de aprendizagem e que renovem fazeres nas formas sistêmicas que darão mais consistências ao ensino. Conforme Tavares (2003) a formação e a capacitação de docentes para a Educação Ambiental é, na atualidade, escopo prioritário. Trata-se de uma tarefa complexa que não pode ser abordada sem contextualizá-la nos problemas gerais do sistema educativo. 152
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
A interdisciplinaridade, como uma metodologia que permite mais proximidade entre os sujeitos e os objetos do conhecimento, possui mais potência democrática que empenha novas energias e qualidades aos processos educacionais, simplificando processos, Essa prática apresenta uma dimensão do processo educativo voltada para participação de seus atores, educandos e educadores, na construção de um novo paradigma que contemple as aspirações populares de melhor qualidade de vida socioeconômica e um mundo educacionalmente mais sadio. A garantia em termos de implementação e continuidade do processo de capacitação de professores, revela como as experiências vividas pelos professores nas diferentes oportunidades de formação dependerão, sem dúvida alguma, do nível de envolvimento dos mesmos no próprio processo de formação, na prática e na abordagem que levarão a efeito nas salas de aula e no relacionamento que se estabelece em torno dessa prática. As novas abordagens solicitam uma aproximação entre os diferentes sujeitos da aprendizagem, tanto o que ensino, quanto ao que aprende e nessa relação os dois podem desempenhar ao mesmo tempo essas atividades. A escola desempenha um papel fundamental na garantia de um futuro sustentável para todos, na medida em que tem o poder de, ao educar os alunos, formar os cidadãos sob uma lógica que integre mais os sujeitos e despertem para a realidade descortinando os discursos que estão no subterfúgio do pensamento. “A escola é seguramente um dos locais sociais onde essa tradução (ou este encaminhamento) pode e deve ser providenciado” (PENTEADO, 2001). Por isso, a prática pedagógica dos professores deve se integrar às novas abordagens e às novas ações que trabalham a díade ensino-aprendizagem, para promover o pensamento crítico de maneira ativa, construtiva e participativa, tendo por suporte a maturidade de uma abordagem que integra os diferentes vieses e ações do conhecimento. Na proposta de trabalhar um processo de reflexão que ponha em pauta como o ensino e, do outro lado como se aprende, vemos as forma e as maneiras de se ensinar e aprender como uma situação de alta empatia, que coerente à construção do conhecimento pelo sujeito, pode possibilita aos professores a realização de um trabalho que favorecesse o desenvolvimento da cidadania de forma intensificada, global, inclusiva e de uma maior vitalidade que admite o estabelecimento de relações e ações efetivas em que o professor é responsável pela boa interlocução na aula, mantendo explicativas mais analíticas e reflexivas do mundo em que as visões do senso comum sejam problematizadas por via de uma metodologia que caminha pelo lado de um patamar social que se alimenta da constitutiva democrática na legitimidade que garante essa existência. Grun (2004), lança mão a olhares interdisciplinares, assinalando o paradigma ecológico como uma das primeiras discussões que ganha terreno na prática interdisciplinar, em que o modo fragmentado e descontextualizado da realidade entra em xeque e começa a ter novas inserções no aspecto sistêmico e integralizado do ensino. Assinala ainda que as consequências da fragmentação redundam na falta de integração entre os saberes científicos. Vemos isso acontecer numa prática que se distancia, cada vez mais, de uma 153
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proposta de ensino contemporâneo, no qual as relações estão mais complementares e afinadas. Por isso, fazemos uma defesa às práticas que consideram e reconsideram os objetos do fazer e do analisar os contextos de uma autoria partilhada dos temas e temáticas que redundam em transformação e novos aportes para esses mesmo sujeitos Uma prática metodológica mais estanque, dificulta a compreensão da complexidade que envolve a sociedade. Pensar sob a perspectiva interdisciplinar das práticas dos professores nos remete a Nóvoa (2002), na “tentativa de encontrar o melhor método de ensino; a terceira caracteriza-se pela importância concedida à análise do ensino no contexto real de sala de aula, com base no chamado paradigma processo-produto”. (p.14) Como abordagem de ensino é importante perceber que o padrão cartesiano não apresenta a crise educacional de forma complexa e multifacetada. Assim, a educação não será, somente ensino, treinamento, instrução, mas especificamente, formação com construção de consciência crítica e capacidade de ação. É nesse sentido que a fala de Schön (2010) repercute nas novas tendências investigativas sobre capacitação de professores, introduzindo a concepção do professor reflexivo no processo de conhecimento profissional. O autor pondera que a complexidade da sala de aula comporta situações problemáticas que requerem decisões elaboradas pelo processo da reflexão na ação e da reflexão sobre a ação. A necessidade de ensinar e aprender evoca melhores metodologias que estejam mais adequadas as formas de vida contemporânea, formas essas que constituem sujeitos e processos que conferem inteligibilidade aos fenômenos históricos advindos de relações acontecidas dentro e fora da escola e que nos leva a pensar o que acontece nela. Na medida em que lidamos com as distintas metodologias de ensino, a prática interdisciplinar se coloca como uma das que mais aproximas os processos sociais, políticos, educacionais e culturais que formam e educam os sujeitos nas suas singulares subjetividades, sobretudo no tocante ao entendimento de elementos próprios daquilo que une o passado e presente no montante das mudanças acontecida nos saberes múltiplos e escolares. A construção realizada em torno de novas metodologias sinaliza um movimento interno tecido a partir de experiências interdisciplinares que dão novos sentidos e significados ao saber tornando-o mais concreto e vivenciado no plano da vida dos sujeitos escolares e da prática docente. A busca pelo entendimento das relações entre escola e método para consecução do ensino aprendizagem, revela-se nos diálogos, na pluralidade e diversidade cultural. Geradores de um contexto cultural que leva em conta as relações dialéticas que permeiam o contexto das relações e perpassam o contexto do ensino que se situa entre o conhecimento e o fazer dos sujeitos envolvidos na prática do que ensinar e do porquê aprender. Nóvoa (2010), assinala que não parece ser mais possível reduzir a prática docente às práticas estanques e estagnadas em racionalidades que rejeitam novas formas de aprendizagens que não integrem, coadunem, se integrem e que garanta superação de vulnerabilidades no mundo do ensino. Por possuir uma processualidade que caminha do linear ao complexo, 154
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
abarcando a apropriação do sentido da sua história pessoal e profissional, a ação docente não caminha sem lutas e conflitos, ela se localiza num território de disputa no ensino que se alia a um processo de novas identidades, que acomodam novas práticas que se traduz em mudanças”. Estamos diante de uma nova prática de metodologias estruturantes como oportunidades que estreitam os laços de conexão, como imperativos do que é ensinar, e para isso há que ser pensar nas abordagens inter, multi e pluridisciplinares. Para promover uma educação interdisciplinar há que se pensar no chão da escola que se constitui com as práticas docentes. Nesse sentido, cabe às ações docentes priorizar, como protagonistas, os sujeitos educacionais nas suas histórias, na sua formação como um educador que conceitue educação como caminho de aperfeiçoamento das sociedades no que é dialogal e ativo, nas diferenças produzidas de acordo com a produção e a recepção ideológica de signos educacionais. A prática interdisciplinar modifica, reconstrói estruturas educacionais que rompem processos racionalistas de dominação e subordinação do saber. A ação docente dentro de um compêndio interdisciplinar pode enriquecer as relações socioculturais e socioeducacionais, Para Nóvoa, cabe ao docente um diálogo que aprimore o conhecimento e que leve a questionar a realidade, problematizando e desnaturalizando o que aparentemente parece acontecer de forma natural, mas que é fruto de ações previamente pensadas e a desocultá-la, através do desenvolvimento dos conhecimentos acerca dela e do espírito crítico”. Desse modo, só entendendo a realidade dos educandos que pode fazê-los questionadores da realidade circundante. Por fim, consideramos fundamental buscar para uma nova ação docente, práticas interdisciplinares que aproximem os educandos, numa rica experiência de trocas, partilhas, conexões sistêmicas, que já têm um longo caminho percorrido na discussão da complexidade dos saberes que se complementam reduzindo limites e lacunas no ato de ensinar e no ato de aprender, propiciando maior empoderamento, autonomia e participação mais crítica na sociedade.
Conclusão
Conclui-se que a ação docente no processo ensino-aprendizagem tem que ser potencializada para que novas metodologias de ensino ganhe maior enlevo e fortaleça, retroalimentando esse processo. A abordagem interdisciplinar provoca encantamento e nos leve a querer ampliar nosso campo de ação, fortalecendo as chaves do saber, o aprofundamento do entendimento às dinâmicas educacionais. A abordagem interdisciplinar, como uma proposta de prática e ação educacional, requer uma ação pedagógica que leva em conta as singularidades do conhecimento. Para que essa prática aconteça, há que se superar a forma fragmentada pela qual os conceitos e questões de ensino têm sido abordadas nas escolas. O processo de ensino baseado no racionalismo tem dificultado a promoção de um trabalho que valorize os sujeitos diante de identidades a respeito da obra como um todo, como uma forma mais proximal e sistêmica, 155
Prá tica docente e ensino-aprendiza gem. M. Dos Anjos e B. Brandão
se faz possível diante de diferenças diversas, de conhecimento que se equilibram nas suas complementações e que se fortalecem na reflexão acerca do mundo e no respeito à pluralidade social, educacional e cultural. Dar atenção aos diferentes saberes relacionando-os entre si, é dar voz aos diferentes sujeitos da educação nas suas diferentes práticas docentes, que mediante a viabilização de sua presença no espaço escolar, respeita as suas particularidades do ensino e investe sobre esse para que a aprendizagem se efetue no sentido amplo, liberto e democrático. Como resultado deste estudo, podemos inferir que a abordagem interdisciplinar é na educação, em todas as suas instâncias, uma abordagem unificadora que confere qualidade e novas possibilidades de aprendizagem no ensino. Essa abordagem, dentro das propositivas de novas ações docentes poderá contribuir para que a pluralidade social, educacional e cultural dos processos escolares e formadores. De forma enriquecedora e articulada a ação docente no campo interdisciplinar parece possuir menos tensões e conflitos na escola. O conceito da prática docente envolvidas na proposta interdisciplinar, problematiza a educação para que se caminhe na direção a uma reconstrução socioeducacional que amplie os modos de ação e a prática docente. Ao se trabalhar as metodologias alternativas, como a interdisciplinar, no campo do processo reflexão-ação, favorece a conexão entre saberes distinto, que passa a ser a tônica auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. O saber docente como dimensão cognitiva é formador de um percurso formativo que evoca participação ativa, verbalização, escrita, troca de ideias, emancipação e refinamento de percepção e cognição, ocorrido, sobretudo, nas interações metodológicas que propiciam um aprendizado do mundo, do saber e da criação. As esferas constituintes dos saberes fortalecem a experiência docente e fundamenta o trabalho cotidiano do professor. Logo valoriza-se o conhecimento e o saber docente como dimensão cognitivas formadoras do processo ação-reflexão que tem a formação por vínculo do afeto, como ação de um aprendizado que aproxima os sujeitos. Nesse sentido, os professores percorrem suas práticas na sala de aula, como resultado de suas ações cotidianas e dos conteúdos apresentados. Ações que constituem percursos formativos se levantam em conhecimentos fortes, características essas de atividades que se faz em participação ativa de elaboração de pensamento, verbalização, escrita, troca de ideias, emancipação e refinamento de percepção e cognição. Buscamos, então compreender a metodologia interdisciplinar como possibilidade de maior empenho, desenvolvimento e ação didática que tem nas atitudes ativas maior autoria e abertura no campo de ação do ensino. Buscamos entender, também, como as atividades desempenhadas dentro de uma nova proposta metodológica podem cumprir elementos da ludicidade, curiosidade e interesse ao percurso escolar que resgate o ato exploratório integrado ao aprendizado. Portanto, nos atemos a díade ensino-aprendizagem na vertente das novas metodologias interdisciplinares num processo em que a reflexão e a ação sejam vividas no campo docente. 156
Referências
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
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IV.Inclussão e ensino
O uso do software Gcompris como ferramenta pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem em uma perspectiva inclusiva Cátia Almeida Nascimento, Universidade de Brasília, Brasil. Amaralina Miranda de Souza, Universidade de Brasília, Brasil. Palavras-chave: aprendizagem; ensino; perspectiva inclusiva; tecnologia.
Introdução
A
escola é um espaço social carregado de significados e princípios construídos ao longo de sua existência como instituição de formação sistematizada. Nesse processo de construção de identidade em uma sociedade cada vez mais tecnológica, surge um desafio que é o atendimento igualitário e democrático dos saberes, respeitando-se as singularidades de cada estudante. É importante ressaltar que a escola para todos é aquela cuja práxis educativa assegura que a alteridade será respeitada, independentemente dos arcabouços do sistema educacional. Nesse sentido, compreende-se que as práticas pedagógicas e os recursos tecnológicos aplicados no contexto escolar precisam ser pensados a fim de assegurar o respeito à individualidade de construção no processo de aprendizagem do estudante, bem como de considerar o seu contexto atual de vivência como significativo e orientador. A forma diferenciada de perceber o mundo e conceber a aprendizagem pode ser entendida como se o “diferente” fosse algo errado que necessita ser retificado. A aprendizagem deve ser considerada como um processo de construção individual. Nessa perspectiva, a escola deve estar preparada para trabalhar com o diferente, respeitando a diversidade contida nesse espaço. Mantoan (2004) enfatiza que as escolas devem estar organizadas em função do atendimento de todos os estudantes. Sendo esse espaço de construção social, é importante pensar ações pedagógicas que fortaleçam o estudante na construção individual do seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, vários estudos apontam as tecnologias digitais como facilitadoras do processo de ensino e de aprendizagem, considerando também que já fazem parte do cotidiano dos estudantes. Souza (1995) ressalta que a descoberta de novas formas de ensinar e aprender por meio da informática educativa é um desafio extremamente motivador. Reflexão essa que implica e demanda trabalhos de investigação voltados para a produção de meios e materiais, como também para a teorização a respeito de sua aplicação em relações educativas mediadas por esta tecnologia; enfatiza a autora que, apesar dos esforços envidados, a área da Educação especial apresenta graves carências no que diz respeito à exploração do computador como recurso didático. 161
O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza
Nessa concepção do uso da tecnologia como ferramenta pedagógica a convergência das mídias presentes nos software educativos, como por exemplo: imagens, sons e animações, caracterizam esses tipos de recursos como possibilidades de acesso que facilitam as várias formas de aprender e ensinar, permitindo maior flexibilidade e tornando a aprendizagem mais significativa. Valente (1991) corrobora que problemas complexos demandam soluções mais arrojadas e, por isso, o professor para alcançar as várias formas de aprender e interagir dos seus estudantes necessita de uma formação continuada e de conhecimento sobre o uso de tecnologias para fins pedagógicos. Gomes (2002) enfatiza que o uso da tecnologia possibilita a interação entre estudantes e professores. Essa relação pode ser um facilitador da percepção por parte dos estudantes de seus próprios processos cognitivos, além de criar ambientes de aprendizagem mais dinâmicos e mais democráticos do que a sala de aula convencional, o que favorece a aprendizagem pelo lúdico, pelo prazer e pela troca de convivência. Esses aspectos são primordiais à perspectiva inclusiva no contexto escolar, porque considera que as ações pedagógicas precisam assegurar a oportunidade de aprendizagem de todos os estudantes. As experiências do trabalho pedagógico realizado no contexto inclusivo revelaram vários desafios, dentre eles o de como garantir, na escola, a participação e aprendizagem efetiva de todos os estudantes. A falta de formação dos professores tem sido um dos mais fortes elementos justificadores recorrentes no discurso dos docentes diante das dificuldades encontradas nesse processo. Registra-se, em muitos casos, a falta de conhecimento de estratégias pedagógicas que possam desconstruir a ideia de que o impedimento está na dificuldade de alguns estudantes em aprender e, com isso, nenhuma ou pouca ação efetiva é realizada para mudar tal perspectiva. Portanto, o uso dos recursos tecnológicos como apoio às ações pedagógicas oferece significativa contribuição para a efetiva participação dos estudantes no processo de aprendizagem pelas suas possibilidades de funcionalidade e adequação as suas singularidades, bem como mostra a maior motivação na realização das atividades pela ludicidade desses recursos tecnológicos integrados às ações pedagógicas do professor. Nessa perspectiva, e na busca por conhecer novas ferramentas para enfrentar os desafios no processo de ensino e aprendizagem, surge à necessidade de estudar o uso de tecnologias como apoio ao trabalho pedagógico do professor. Foram realizadas buscas para identificar e eleger uma tecnologia de fácil acesso que pudesse ser inserida no processo de ensino e aprendizagem como recurso facilitador de apoio ao trabalho pedagógico dos professores no atendimento às diferentes formas de aprender dos estudantes. A opção escolhida foi o software livre educativo Gcompris, desenvolvido por um engenheiro francês Bruno Coudoin, no ano 2000. Segundo o autor, a palavra “Gcompris” é um trocadilho fonético, sonoro, com o termo “J’ai compris” ou “Eu compreendo” em francês. Esse software livre educativo já foi traduzido para muitas línguas e está disponível em: https://gcompris.softonic.com.br. Contém uma grande variedade de 162
Incl ussão e ensino
atividades com conteúdos curriculares da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, indicado para crianças de 2 a 10 anos. É disponibilizado gratuitamente para plataformas Linux, possui código-fonte aberto, e há versões pagas para Windows e MacOSX. (CAVALCANTI; FERREIRA, 2011). Assim, a perspectiva desse estudo é reconhecer as possibilidades de se produzir um conhecimento científico que seja operativo em termos interventivos e que diminua ou elimine as barreiras que possam existir no processo de ensino e aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento das potencialidades dos estudantes, considerando suas singularidades e dimensões emocionais, cognitivas e históricas, que beneficie a todos e de fato coloque a escola como um espaço social de acesso, acolhimento e descobertas.
Metodologia
A abordagem da pesquisa foi qualitativa por meio de um estudo de caso de caráter exploratório, pela dinamicidade e complexidade dos fatores que compõem o cenário educacional na perspectiva inclusiva, pois possibilita a análise interpretativa dos dados de maneira mais direcionada aos participantes. Segundo Gil (2007, p. 53), “uma análise de estudo de caso não deve meramente resumir o caso”. Ela precisa identificar questões e problemas-chave, propor e avaliar medidas alternativas e extrair conclusões apropriadas. A pesquisa foi realizada em uma classe de integração inversa, como são chamadas as classes que atendem estudantes com ou sem necessidades educacionais específicas. A classe era do terceiro ano do ciclo de nove anos do ensino fundamental, sendo essa classe composta por dezesseis estudantes de uma escola pública do Distrito federal, Brasília-Brasil, destaca-se o processo de conhecimento, o uso da tecnologia e as mediações docentes realizadas durante as atividades. As estratégias utilizadas foram, a observação participante, a entrevista semiestruturada com a professora regente e a roda de conversa com a turma.
Procedimentos
Atendendo aos objetivos da pesquisa no conhecimento de como estaria organizado o trabalho pedagógico direcionado ao uso da tecnologia no atendimento do contexto da diversidade, foi realizada uma conversa inicial com as professoras sobre a sistematização do planejamento para o uso do software e da realização das observações. A observação participante ocorreu na execução das atividades exploradas e planejadas pela professora regente para realização no contexto do laboratório de informática do uso do software. O primeiro encontro foi realizado para esclarecer os objetivos da pesquisa e para a organização dos encontros, a exploração do software Gcompris e suas especificidades como: conhecer sua história de criação, a composição das atividades distribuídas em ícones, enfim, obter informações iniciais que 163
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pudessem subsidiar a elaboração do planejamento sistemático pela professora regente com a classe. Nesse encontro foi enfatizado com a professora regente que a mediação no uso da tecnologia seria de responsabilidade dela, pois o objetivo da pesquisa era estudar o processo de apropriação da ferramenta pelo docente e sua utilização no processo de ensino e de aprendizagem. Assim, o papel da pesquisadora foi de acompanhar o processo de utilização do software, desde o planejamento sistemático, passando pela mediação, avaliação do uso, até a retroalimentação das ações. Nesse sentido, foi elaborado um formulário de registro das atividades planejadas para facilitar a análise de dados. Os pontos de registro do planejamento e execução da atividade foram os seguintes: 1- DATA; 2-CONTEÚDOS; 3-OBJETIVOS; 4-ATIVIDADES SELECIONADAS; 5-AVALIAÇÃO DA REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE e 6- INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES; A elaboração do planejamento foi de acordo com a mediação pedagógica que a professora regente desejava realizar, associando ao currículo formal as atividades selecionadas. Então, primeiro a professora trazia para o momento do planejamento os conteúdos ou as habilidades que ela desejava trabalhar com os estudantes, em seguida, buscava no software as atividades que poderiam ser correlacionadas, enquanto a pesquisadora observava esse processo de apropriação da funcionalidade educativa da ferramenta. Escolhida a atividade, a professora regente a realizava por várias vezes para conhecimento dos pré-requisitos, das informações que os estudantes teriam que ter acesso, nesse momento, a mediação docente se materializava no planejamento. Esse tempo e espaço se tornaram de suma importância para construção da intencionalidade educativa, fundamentais para a realização do estudo. Cabe ressaltar que, a princípio, foi pensada a ação conjunta entre a professora regente e a professora do AEE, no atendimento a estudantes com necessidades específicas-ENEE da classe, entretanto, a participação da professora do AEE não foi conforme o planejado inicialmente na pesquisa, pois surgiram alguns entraves, tais como: ela esteve de licença médica e quando retornou teve dificuldades em organizar a agenda para a participação e atendimentos a estudante com necessidades específicas da classe, devido à demanda da escola, assim, a professora regente assumiu desde o primeiro instante, com muita naturalidade, a responsabilidade do atendimento de todos os estudantes, independentemente de sua necessidade educacional específica. “Toda pesquisa é um processo vivo em que se apresentam diversas dificuldades para as quais o pesquisador deve estar preparado e diante das quais deve tomar decisões que podem alterar o rumo da pesquisa” [...] (GONZÁLEZ REY, 2012, p.87). Observou-se que a não participação da professora do AEE, embora não tenha alterado a continuidade da pesquisa, que não se direcionava especificamente aos estudantes com necessidades educacionais específicas, apontou que outras estratégias precisaram ser pensadas para que a estudante por ela atendida não ficasse excluída das atividades realizadas. Assim, evidencia-se que, quando existe a omissão de 164
Incl ussão e ensino
um serviço que por lei1 é garantido ao ENEE, pode haver a possibilidade de prejuízos ao processo de inclusão e de aprendizagem desse estudante. Assim, o cronograma com a organização dos encontros foi elaborado conforme a disponibilidade da professora regente, um dia para planejamento e conhecimento do software e um dia para realização da atividade junto com a classe. Com isso, concretizou-se uma rotina de planejamento sistemático permitindo a retroalimentação das ações pedagógicas. A organização dos principais pontos de registro bem como a exploração antecipada do software permitiu orientar a professora regente para o uso com intencionalidade educativa, que foi a sua demanda inicial. O registro, segundo Freire (2006), permite a sistematização de um estudo ou de uma experiência vivida, se caracteriza como um meio de tornar o educador consciente de sua prática de ensino, tanto quanto do compromisso que a reveste. Nos dois primeiros planejamentos, a professora direcionou as suas mediações para atividades que possibilitaram trabalhar tanto o conteúdo priorizado, quanto o conhecimento do software. Foi possível identificar, por meio da observação participante, que a professora regente se preocupava em direcionar as suas mediações de forma diferenciada em alguns momentos. Quando ela emitia um comando inicial, esperava que os estudantes o realizassem e, em seguida, ela caminhava pela sala com a preocupação de que todos os estudantes compreendessem o comando emitido, caso fosse necessário, ela repetia de outra forma o mesmo comando. Foi observado que nenhum estudante ficou em momento algum sem realizar a atividade proposta. Observou-se também que o foco da professora não era apenas na realização das atividades, mas que os estudantes verbalizassem quais eram as estratégias utilizadas para alcançar os resultados, sempre solicitando que eles socializassem com o grupo o caminho percorrido. Registrou- se que, durante o planejamento, a professora regente por diversas vezes se perguntava a quem e como cada atividade selecionada iria atender os estudantes da classe, a preocupação era com a aprendizagem de todos os estudantes, não só com o conteúdo a ser aprendido. Assim, em cada encontro havia a retroalimentação dos planejamentos com a avaliação das atividades realizadas anteriormente, com as demandas dos estudantes sempre como norteadoras das ações pedagógicas. Registrou- se que houve por parte da professora a preocupação em colocar os estudantes como partícipes de todo o processo de uso do software, eles avaliavam e se preocupavam em concluir com afinco as atividades propostas, demonstravam-se motivados a contribuir e em nenhum momento foi observado qualquer incidente que prejudicasse a realização das atividades. As observações participantes aconteceram nos momentos de utilização do software Gcompris: planejamento e execução das atividades. Foram realizados por semana dois encontros: sendo um para o conhecimento e 1 Segundo a resolução nº4/2009 do Conselho Nacional de Educação CNE/CEB no Artigo. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem.
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planejamento do uso do software; e outro para realização das atividades com a classe, durante os três meses de realização da pesquisa, totalizando 12 encontros com média de duas a três horas de duração. Na execução das atividades, foram realizados 10 encontros semanais de uma hora, tempo destinado à classe no laboratório de informática. As entrevistas com as professoras do laboratório de informática e a coordenadora da escola foram realizadas no decorrer da pesquisa, ficando por último a da professora regente e a do AEE, com intuito de analisar o processo de utilização do software. Por fim, foi realizada uma roda de conversa com os estudantes para que eles pudessem avaliar: o processo de uso, a participação deles, as interfaces do software dentre outras percepções na realização das atividades. Esse momento foi valioso, pois mostrou o envolvimento e a consciência com que eles se colocaram dentro do processo de ensino e de aprendizagem.
Discussão dos resultados
A metodologia usada para a análise dos dados coletados marcados em um determinado tempo e espaço foi à análise de conteúdo que segundo Franco (2012, p.10) [...] “seria a metodologia que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento”. A autora faz uma significação da análise de conteúdo de Bardin para o contexto educacional, que reúne um conjunto de técnicas de análise das comunicações com procedimentos sistematizados para descrição do conteúdo das mensagens produzidas possibilitando a interpretação. Para a interpretação dos resultados foi traçado um diálogo entre os dados obtidos, o referencial teórico e os objetivos do estudo, levando em consideração os fragmentos textuais que colaboram para responder as questões levantadas. Para esse artigo serão discutidas as três unidades de análise e apenas uma de suas categorias identificadas no estudo realizado2. Na unidade de análise Formação Docente será citada a categoria Alfabetização tecnológica. Na unidade de análise Mediação Pedagógica será mencionada a categoria Sistematização do planejamento e já na unidade de análise Tecnologia como ferramenta pedagógica a categoria mencionada será Potencialidades atribuídas ao recurso.
Formação docente
O conhecimento, atualmente, é um dos principais valores de seus cidadãos, e as formas de acesso em parte foram democratizadas, dando a esse conhecimento um caráter de transitoriedade que se esvazia muito rápido e exige dos profissionais em atuação uma permanente atividade de formação e aprendizagem. A capacidade de inovação profissional não consegue, em alguns casos, acompanhar o ritmo imposto pelas mudanças que se vive.
2 O estudo completo pode ser acessado no Repositório Institucional da UnB em www.repositorio.unb.br.
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Incl ussão e ensino
Assim, ser docente nesse contexto de transitoriedade exige ousadia aliada a diferentes saberes. Perrenoud (2001) corrobora que na era do conhecimento e numa época de mudanças, a questão da formação de professores vem assumindo posição de urgência nos espaços escolares. Nessa perspectiva, a formação continuada associa-se ao processo de melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos docentes em sua rotina de trabalho e em seu cotidiano escolar. Além disso, a formação relaciona-se também à ideia de aprendizagem constante no sentido de provocar inovação na construção de novos conhecimentos que darão suporte teórico ao trabalho docente. A coordenação pedagógica é um espaço valioso para a reflexão das práticas e para o fortalecimento do trabalho coletivo.
Alfabetização tecnológica
Os dados do estudo demonstram o desafio da alfabetização tecnológica como um conhecimento necessário à formação docente, sendo que a alfabetização tecnológica pode ser definida como a capacitação para atribuir funcionalidade às tecnologias dentro do processo de ensino e de aprendizagem, em diferentes contextos e com diferentes finalidades. A fala de Beta (coordenadora da escola) também se aproxima do que foi dito pelas professoras: “É um dificultador o professor mesmo mexer na tecnologia, a gente acha que já está normal assim, mas não, muitos ainda têm dificuldades de mexer. Falta experiência mesmo de mexer... Se tiver alguma coisa pede alguém, é quase uma alfabetização tecnológica que eles não tiveram e que eles não procuram”. (Coordenadora pedagógica da escola em entrevista semiestruturada).
Fica em evidência que a falta de conhecimento e de vivências para utilização da tecnologia distancia os profissionais do seu uso, em contrapartida, o pouco uso também não favorece a alfabetização tecnológica. Assim como consequência se priva os estudantes da oportunidade de acesso a recursos tecnológicos com funcionalidade educativa no contexto escolar. Compreende-se que o professor precisa conhecer as especificidades das diferentes tecnologias (potencialidades e restrições) e suas implicações no processo de ensino e de aprendizagem. “É esse conhecimento que dará condições ao professor de reconstruir a sua prática pedagógica numa visão integradora dos recursos tecnológicos, potencializando e promovendo uma Educação de qualidade e verdadeiramente inclusiva.” (PRADO, 2008, p.65). Alfabetização tecnológica significa preparar o professor para utilizar pedagogicamente as tecnologias na formação de cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas linguagens do mundo atual e futuro. Essa preparação contínua visa formar o profissional crítico e autônomo para atuar em uma escola que possa proporcionar a inclusão de todos a um mun-
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O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza do de larga produção e distribuição de informação e conhecimento. (LEITE; SAMPAIO, 2013, p.15)
Com as mudanças tecnológicas, as formas de aprendizagem também se diferenciaram, exigem novas perspectivas e favorecem saberes novos, tanto por parte dos professores quanto dos estudantes como cidadãos em um mundo globalizado. A escola, mais do que nunca, precisa ser um lugar de igualdade de condições de aprendizagem e de democratização do acesso à informação para professores e estudantes. Nessa perspectiva, os dados do presente estudo vão ao encontro do que Vasconcellos (2013) afirma: “O professor também é um pesquisador e precisa estar sempre lendo, buscando enfrentar com competência os problemas enfrentados no cotidiano da escola, a partir do trabalho coletivo constante e formação permanente.”. Destaca-se que a formação do professor acontece, principalmente, em seu contexto de atuação docente, ou seja, na sua prática cotidiana com muito estudo, leituras, pesquisas e reflexões constantes sobre sua prática e concepções pedagógicas, bem como sobre a nova configuração ditada pelas mudanças a que a sociedade está submetida. Entende-se, portanto, que cabe ao professor como profissional que lida com o conhecimento, estar atento à sua própria formação e contribuir com o coletivo do qual faz parte, tornando o contexto escolar um espaço de aprendizagem colaborativa.
Mediação pedagógica
Os resultados indicam o desafio dado ao professor de mediar o processo de aprendizagem na perspectiva da educação inclusiva atribuindo significado a informação que possibilite que o estudante tenha acesso ao conhecimento ou à habilidade que ele precisa adquirir. Registrou-se que a professora regente demonstrou a atitude de respeito à significação das informações dadas em diferentes momentos. Durante a primeira aula, no laboratório, quando foi explicar os passos para se acessar o software, ela usou um exemplo que facilitou o entendimento dos estudantes sobre o funcionamento do computador e a necessidade de desligar a máquina com segurança.
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Esse é diferente da nossa casa, é outro programa, eu entenderia a CPU como o cérebro, é onde ele pensa aqui “oh”. Aqui é só o que ele mostra para gente, é igual a nossa cabeça. Na nossa cabeça, tem um monte de coisas, mas aqui no rosto a gente mostra só algumas coisas. O que mostramos é uma coisa e o que a gente tá pensando é muito mais. Então, ninguém quando vai dormir tem uma tomada que puxa assim e “puff”, dormiu! Não, o nosso cérebro vai desligando aos poucos até a gente dormir... Vai pensando numa coisa, depois em outra, às vezes ouvindo uma história, vira para lado, vira pro outro, se ajeita. No computador, é a mesma coisa, se a gente aperta e vai direto pra desligar ele vai dá defeito, ele tem um processo pra ir parando de pensar aos poucos, entenderam?
Incl ussão e ensino
Esse sistema é diferente, então a gente viu até a tela do passarinho e deixa que a tia X desliga de manhã e a tia XX desliga à tarde. Entendido? Então, quando eu falar sair, a gente também tem que ler o que tá aparecendo na telinha, são frases curtas, coisas que todos dão conta de ler, se não derem conta, me chamem que leio pra vocês. Quando a gente clica em sair, ele pergunta assim: tem certeza que deseja sair? SIM ou NÃO. Quando a gente estiver usando, vocês vão entender melhor. (Professora regente no ato de mediar na execução da atividade registrada na observação participante).
Entende-se que quando um professor pensa em suas ações pedagógicas, tendo como princípio a diversidade dos estudantes, se preocupa em organizar experiências estimuladoras, que permitam a expressão das construções individuais, considerando a aprendizagem como processo. A professora regente, sempre muito atenta à participação dos estudantes, se preocupava não só em selecionar atividades que atendesse a aprendizagem de todos, mas também em deixar claro aos estudantes a importância deles nesse processo. Aí a gente vai planejar atividades que vocês estejam estudando na sala pra vocês também fazerem aqui no laboratório e depois vocês vão me contar se foi mais divertido, se não foi, se foi chato, se gostaram, se não gostaram, o que pode melhorar... Então vocês vão guardando aí e me contando o que vocês gostaram. Vocês também vão me ajudar. (Professora regente no ato de mediar na execução da atividade em registro de observação).
Fica em evidência que a relação estabelecida no processo de ensino e de aprendizagem reflete muito da prática do professor e da sua crença na possibilidade de fazer acontecer à inclusão efetiva e afetiva. Quando os estudantes se sentem parte de tudo que se realiza no contexto escolar também se responsabiliza de maneira mais consciente pelos próprios processos de aprendizagem, se sentem mais motivados a participar e persistem na conclusão das atividades. Compreende-se aqui a importância da mediação pedagógica como sendo as ações interventivas planejadas com objetivo pedagógico, buscando o acesso de todos os estudantes desde o uso do recurso tecnológico até o processo de aprendizagem. Ou seja, a ação docente de atribuir significado pela intencionalidade educativa ao recurso utilizado pelos estudantes. Entende-se que, diferente de ensinar, mediar requer mais que transferir, passa por criar possibilidades diferenciadas de aprendizagem a partir do conhecimento das necessidades singulares dos estudantes, com o uso do planejamento e da atitude de ação e reflexão.
Sistematização do planejamento
Entende-se aqui que o planejamento seja um instrumento que possibilita a superação de rotinas e alienação do professor sob o ato de ensinar. Esse ins169
O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza
trumento tem como finalidade organizar as ações pedagógicas destinadas ao contexto escolar em vários níveis. O planejamento não é um ato que se encerra por si só, não basta elaborar como resultado e sim como processo, onde reflete a dinâmica escolar no qual está inserido. A cada dia precisa ser alimentado e revisitado, com a coerência que o ato de ensinar exige. O ato de planejar, como todos os outros atos humanos, implica escolha e, por isso, está assentado numa opção axiológica. É uma “atividade-meio”, que subsidia o ser humano no encaminhamento de suas ações e na obtenção de resultados desejados, e, portanto, orientada por fim. O ato de planejar se assenta em opções filosóficas-políticas; E esses fins podem ocupar um lugar tanto no nível macro como no nível micro da sociedade. Situe-se onde se situar, ele é um ato axiologicamente comprometido. (LUCKESI, 2009 p.118).
O planejamento deve ser pensado como algo em constante movimento que auxilie a prática docente no caminhar entre a realidade e o desejado. Lugar que se constrói as mudanças almejadas que possibilitam o enfrentamento de todos os determinismos vigentes no contexto escolar. Assim “o planejamento só tem sentido se o sujeito coloca-se numa perspectiva de mudança” (VASCONCELLOS, 2005, p.118). Considera-se o planejamento como um lugar de reflexão da própria ação em movimento constante, agrega valor a esse instrumento dentro do contexto pedagógico. Vencer os entraves do cotidiano pode estar diretamente relacionado a articulações pensadas no ato de planejar. Nesse momento, o conhecimento docente pode ser articulado com a realidade vivenciada. Mas, como planejar se as demandas desse mesmo cotidiano engolem de forma avassaladora o sentido do planejamento sistemático como condutor da intencionalidade educativa? De acordo com as professoras a demanda da escola é muito intensa e causa entraves como a falta de tempo para planejamento e sistematização de ações pedagógicas voltadas para articulação do AEE com a sala de aula e do laboratório de informática no uso da tecnologia com planejamento sistematizado. A professora regente ressalta sobre as demandas do cotidiano: “Então quando a gente é engolida pelo trabalho e não explora a ferramenta (tecnologia utilizada) a gente não a trabalha direito. Então o planejamento é de suma importância [...]” (Professora regente em entrevista semiestruturada).
Evidencia-se que a tecnologia tem o seu valor nesse contexto quando bem planejada e de acordo com a condição de acessibilidade tanto do docente quanto do estudante, sendo válido destacar que nada substitui a ação humana de contextualização do recurso utilizado. Para a real condição de acessibilidade, é necessário que se tenha a disponibilidade em conhecer e fazer uso da tecnologia, aprender a utilizar pedagogicamente, visando inovação na prática. 170
Incl ussão e ensino
Ao iniciar a pesquisa, a professora regente declarou que:
“Bom, eu não conheço o software o suficiente para elencar as atividades associando ao meu planejamento. As duas vezes que levei a turma para o laboratório de informática eles usaram livremente. Mas agora quero resolver logo isso, organizar melhor esse tempo.” (Professora regente no momento da conversa inicial de apresentação da pesquisa).
Registra-se que as ações pedagógicas pensadas para o uso da tecnologia como recurso, quando planejadas pelo docente, permitiram potencializar as oportunidades de aprendizagem, favorecendo a participação de todos os estudantes, assim como as possibilidades, tanto do recurso quanto da ação docente de mediar, ampliando assim as condições de acesso e desenvolvimento de todos os estudantes e favorecendo a aprendizagem do docente em relação ao processo de mediação e de planejar de forma sistemática. Em determinado momento do estudo, a professora regente verbalizou que: “Agora que conheço o software, consigo localizar facilmente atividades que me interessam e que posso correlacionar com o meu planejamento; favorecer as crianças se envolverem. O tempo voa na realização das atividades”. (Professora regente no momento da retroalimentação do planejamento sistemático).
Observou-se que, em relação à adequação do planejamento ao atendimento a diversidade de demandas educacionais, a articulação entre os profissionais ainda reforça a ideia de ações imediatas conforme a necessidade apresentada do estudante e observada pelo professor no cotidiano escolar, sem um planejamento mais amplo e sim mais pontual. Registra-se que a consideração da professora sobre a diversidade como eixo organizativo dos planejamentos foi um fator a ser destacado. Enquanto planejava, ela falava como cada estudante iria realizar tal atividade, a intimidade e o conhecimento das singularidades na forma de ser e aprender facilita e alimenta o planejamento em todo o tempo. Vigotski (1997), nesse sentido, ressalta que a função do educador é organizar o espaço social e as possibilidades de aprendizagem dos seus estudantes. Assim, a organização do trabalho pedagógico perpassa pelo conhecimento das possibilidades dos estudantes, esse é o lugar onde o professor deve atuar, potencializando as possibilidades de aprendizagem com a sua mediação pedagógica.
Tecnologia como ferramenta pedagógica
Observou-se que a tecnologia ainda é percebida dentro do contexto escolar como algo muito distante da atuação do professor em benefício do estudante. Existem em muitas escolas, espaços organizados, máquinas, recursos, entretanto, os profissionais não se sentem preparados e nem mesmo estimulados para utilizá-los. Alguns ainda acreditam que tal utilização o visa 171
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o lazer ou descanso para as crianças e fazem uso desses recursos sem o menor planejamento. O significado daquilo que se trabalha, a intencionalidade deve ser pensada pelo professor ao planejar a atividade a ser realizada, prevendo dentro desse contexto a possibilidade de participação dos estudantes. A utilização de recursos tecnológicos por si só não é suficiente. É necessária a intencionalidade, conhecimento das especificidades dos estudantes para eleger os recursos adequados e, o mais importante, acreditar nas possibilidades de aprendizagem. (SOUZA, 2006)
Potencialidades atribuídas ao recurso
Observou-se que a tecnologia ainda é percebida dentro do contexto escolar como algo muito distante da atuação do professor em benefício do estudante. Existem em muitas escolas, espaços organizados, máquinas, recursos, entretanto, os profissionais não se sentem preparados e nem mesmo estimulados para utilizá-los. A desvalorização ou a subutilização da tecnologia como recurso pedagógico não promove a contextualização das ações do professor com a realidade dos estudantes, assim, “não contribuem para a melhoria do ensino e da aprendizagem, tal qual deveria ser a função”. (RAIÇA, 2008, p.27). Em uma roda de conversa realizada com os estudantes para avaliar o processo de uso do software educativo Gcompris, ficou em evidencia o quanto eles gostam do espaço da informática e da utilização das ferramentas. Ressaltaram com ênfase que a mediação da professora fez grande diferença na utilização do recurso que eles já conheciam e não sabia como explorar as possibilidades. Abaixo estão registradas algumas falas dos estudantes. •
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“Com a professora eu conheço mais jogos que eu consigo fazer”. “Do jeito da tia, porque sozinho eu nunca terminava a fase”. “A professora conduzindo, porque não fica bagunçado e a gente aprende mais.” “Eu prefiro com a professora escolhendo, porque, às vezes, eu não achava nenhum que gostava.” “Eu prefiro a professora conduzindo, porque não fica tão bagunçado também e aprendi mais coisas.”
Na roda de conversa a avaliação realizada pelos estudantes foi além da composição do software, eles se autoavaliaram nessa utilização, de forma muito natural, começaram a discutir sobre as habilidades que eles precisaram ter para realização das atividades, habilidades dadas ao autoconhecimento de autopercepção. Não se pode reduzir o conceito de aprendizagem à apropriação de conhecimento, a dimensão relacional de quem aprende com todo contexto em que se dá a aprendizagem precisa ser considerada. Não basta saber, é preciso que esse conhecimento aprendido possa ser transversalizado no que constitui a singularidade de quem aprende. 172
Incl ussão e ensino
Como afirma Moran (2008), as tecnologias possibilitam adequações curriculares importantes para o atendimento às especificidades dos estudantes, além de permitirem maior flexibilidade na organização do ensino e aprendizagem. “A gente não pode resistir, porque não adianta a criança chegar em casa ter computador, tablet, celular e chega na escola tem giz... Giz não, a gente tem uma lousa agora. Assim quadro e só os livros tradicionais e o papel. Ela também tem que experimentar a tecnologia do papel é lógico, mas a gente precisa avançar... A escola precisa mesmo e hoje você sabe que até o laboratório de informática o computador é meio obsoleto assim, eles estão muito no touch né? É interessante isso, mas quando a gente insere essas novas tecnologias, a gente insere mais no mundo da criança, agora tem que fazer essa tecnologia trabalhar pra educação não é só lazer porque em casa é praticamente só lazer. E aí a gente que levar pra que ele aprenda alguma coisa. Algumas crianças fizeram essa analogia: “Quando a professora organiza a gente aprende mais!” Então usar isso pra aprendizagem, usar isso como um coadjuvante dos conteúdos que a gente tem que fazer elas avançarem, nas habilidades, então é importante.”( Professora regente em entrevista semiestruturada).
Evidencia-se na fala da professora que a adequação dos recursos tecnológicos pode oferecer, no contexto escolar, versatilidade, quando utilizados de forma intencionalmente educativa, apoiando o professor na mediação do conhecimento a ser desenvolvido. No processo de ensino e aprendizagem o professor atua como “gerenciador do processo de aprendizagem, é o coordenador de todo o andamento, do ritmo adequado, o gestor das diferenças e das convergências”. (MASETTO, 2000, p.47). O significado daquilo que se trabalha, a intencionalidade deve ser pensada pelo professor ao planejar a atividade a ser realizada, prevendo dentro desse contexto a possibilidade de participação dos estudantes. A utilização de recursos tecnológicos por si só não é suficiente. É necessária a intencionalidade, conhecimento das especificidades dos estudantes para eleger os recursos adequados e, o mais importante, acreditar nas possibilidades de aprendizagem. (SOUZA, 2006). Existem mais de 141 atividades no software Gcompris na versão mais completa utilizada pelos estudantes, o que contribui para a versatilidade do software no atendimento a singularidade de demandas educacionais. Então, com tantas possibilidades de atividades, os estudantes podem ser contemplados em diferentes áreas do conhecimento e o professor recebe as mesmas possibilidades de explorar o conhecimento e o software como ferramenta pedagógica. Quando solicitada a avaliar as potencialidades e limitações do software, a professora regente verbalizou: “A gente não consegue explorar ele todo, todinho ele tem muitos jogos e a gente vai vendo a limitação de acordo com que vão interagindo com a criança, alguns são mais difíceis de
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O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza manusear outros são mais fáceis, mas eu acho que de forma global ele tem muito mais pontos positivos que negativos. Porque ele pode mesmo atuar como coadjuvante das nossas necessidades porque ele não trabalha só conteúdo também tem uma parte do lazer e tem a parte da emoção, da afetividade e do desenvolvimento da atenção que isso é super importante pra eles pra concentração da percepção de figura fundo da percepção de tempo da percepção de detalhes tudo isso que nosso mundo corrido a gente acha que a criança tem dificuldade, mas o mundo com excesso de informação faz a atenção ficar flutuante então esses jogos também trabalham essas coisas.”(Professora regente em entrevista semiestruturada).
A ação docente com ou sem apoio da tecnologia se não despertar a motivação, o desejo de realizar e a alegria em participar, torna-se uma ação vazia diante do conhecimento que necessita de dimensões sociais e afetivas para se concretizar.
Considerações finais
Esse estudo teve como objetivo analisar o uso do software Gcompris como ferramenta pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem na perspectiva inclusiva de oportunizar aprendizagem de todos os estudantes. Esse atendimento de todos, no contexto escolar, ainda é um grande desafio, por isso é necessário oportunizar o conhecimento sobre práticas e recursos que favoreçam a mediação docente consciente e sistematizada. Ficou evidente no estudo que as tecnologias ainda ocupam um lugar pouco valorizado entre os outros recursos utilizados na escola. A subutilização das ferramentas disponíveis contribui para professores cada vez mais sobrecarregados em um ciclo de atuação que desfavorece a aprendizagem tanto dos estudantes como também do professor. Foi possível constatar no estudo que o uso de tecnologia sem planejamento e mediação perde parte de sua funcionalidade educacional e o docente perde o espaço que lhe cabe no processo de ensino. A disponibilidade em aprender precisa ser uma constante na condição de ser docente, quanto mais o docente se dispõe a aprender, mais ele pode se colocar com competência como mediador do processo de ensino e de aprendizagem. Ser docente na era da tecnologia exige disposição para o conhecimento e estar aberto a refletir sobre a sua prática pedagógica. É um desafio ressignificar a ação docente sem perder o foco da importância no mediar o processo de aprendizagem. Assim, a utilização da tecnologia precisa estar a favor do docente como uma aliada, para isso é necessário que esteja clara a função de mediar para o docente, para significar o papel facilitador das tecnologias em favorecer o processo de aprendizagem dos estudantes e de ensino do docente. Para fazer sentido o uso do software na relação ensino e aprendizagem, os educadores necessitam definir com mais clareza em que situações eles podem se úteis ao trabalho escolar. (SOUZA, 2006). 174
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A mediação docente é um pressuposto essencial às ações efetivas que integrem tecnologia e aprendizagem formal. O grande desafio docente é o reconhecimento de que o trabalho pedagógico deve ser pautado na constante formação e busca por se fazer docente no fazer cotidiano de aprender junto com quem se pretende ensinar, com consciência de sua importância para articular o conhecimento com que trabalha ao recurso que pretende utilizar. Assim embora a tecnologia não possa ser considerada como uma salvadora dos problemas educacionais, ela pode se configurar em uma forte aliada do docente que deseja se atualizar e tornar a sua prática pedagógica mais significativa, lúdica e motivadora. Sendo assim a formação docente continuada e o investimento em políticas públicas educacionais as quais assegurem o ressignificar da prática pedagógica e a valorização do professor como aprendiz, são essenciais para mudanças efetivas de paradigmas sobre a funcionalidade da tecnologia na Educação e seu uso consciente para formação do ser cidadão na sociedade atual. Assim, o estudo apontou que, quando o professor se dispõe a conhecer as ferramentas, ele amplia as potencialidades pedagógicas assim como as suas possibilidades de mediação na organização do trabalho pedagógico com coerência e atento a contemplar a diversidade dos estudantes, valorizando a participação de todos no processo favorecendo o comprometimento dos estudantes, não só com a realização das atividades, mas também na constituição da autonomia em pensar sobre si mesmos. Foi possível observar que os estudantes apresentavam muita facilidade no manuseio da tecnologia e notável alegria ao realizar as atividades. A aprendizagem fluiu com mais sutileza, a troca entre os estudantes foi percebida, o prazer em conviver e acessar o conhecimento dessa forma ficou evidente. Ficou evidenciado no estudo que o software Gcompris pode ser inserido como ferramenta pedagógica desde que exista o conhecimento prévio de suas atividades e funcionalidades com que o professor irá significar o seu uso dentro do processo de ensino e aprendizagem por meio do planejamento sistemático, consideração da diversidade dos estudantes e da mediação que deverá realizar ao conduzir as atividades associadas ao currículo formal. Enseja ainda que os resultados desse estudo possam contribuir para reflexão do ser docente na era da tecnologia, da necessidade desse profissional conhecer as novas tecnologias com as quais irá trabalhar em suas potencialidades e limitações, ressaltando a importância do planejamento para a sistematização das mediações docentes e realização das atividades. Dessa forma, mostrando respeito e coerência com os estudantes com os quais trabalha e com a sua própria formação docente. Paulo Freire, mestre na leitura das relações pedagógicas, diz: “Escola é lugar de gente feliz”! Sim, ele está certo. Escola é lugar de pertencer pela sua singularidade, pelo seu contexto de vivência. Lugar de recomeçar, reinventar na incompletude que revela a competência de ir além. Alegria não é riso fácil, é sentir se bem, fazer parte, compartilhar, ter oportunidades de refletir, de aprender consigo e com os outros, na troca, no erro, na busca. Escola é 175
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lugar de autonomia, constituída sob a liberdade de se considerar cada um como único diante das oportunidades iguais! Mas é também o lugar da inovação, da criatividade, das descobertas, da colaboração, do despertar de novas formas de ensinar e aprender e de novas conquistas na convivência e aprendizagem com a riqueza da diversidade que a constitui.
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O trabalho na infância e a exclusão do sistema educacional brasileiro Dalva de Oliveira, Universidade Católica de Brasília-UCB, Brasil Palavras-chave: Educação. Infância. Trabalho Infantil. Exclusão.
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ste trabalho tem como objetivo identificar aspectos das relações estabelecidas pela escola com crianças e adolescentes trabalhadores. Os números do trabalho infantil no Brasil indicam 3,3 milhões de crianças envolvidas em diversos tipos de trabalho durante o ano de 2016, em desrespeito a Constituição Federal, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, inviabilizando a formação escolar dessas crianças e adolescentes. O número de crianças entre 5 e 9 anos de idade em situação de trabalho apresentou aumento significativo, corresponde em 2017 a mais de 80 milhões, de acordo com os dados divulgado pelo PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. O estudo é baseado em uma análise bibliográfica e documental, tem como contribuição os dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e os indicadores do PNAD Contínuo, publicado em novembro de 2017. Para o referencial teórico foram selecionados Arroyo, Vilela &Silva (2015); Ariès (2016) e Teixeira (1977). Os resultados indicam que o trabalho durante a infância é um dos maiores opositores a educação escolar, prejudicando a frequência e o desempenho nos estudos, além do desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo da criança ou adolescente em situação de trabalho. No mesmo sentido faz-se necessário identificar o papel da escola e da educação para equacionar os problemas de formação escolar e exclusão causados pelo trabalho na infância, para reverter o quadro de pobreza e abandono vivido por crianças e adolescentes trabalhadores.
Antecedentes históricos
De acordo com Ponce (2015), nas comunidades primitivas as crianças acompanhavam até determinada idade as mulheres do grupo, de início no colo da mãe e posteriormente não mais no colo e sob a responsabilidade de todo o grupo de mulheres. A partir de determinada idade se do sexo masculino passavam a acompanhar os homens do grupo e assim observavam, participavam e aprendiam as responsabilidades. Da mesma forma as meninas que continuavam acompanhando as mulheres. Na comunidade primitiva, de acordo com os registros e pesquisas, não havia preocupação com o acúmulo de excedente o que fazia da divisão do trabalho na comunidade voltada apenas para o consumo próprio do grupo. Neste momento da história o trabalho da criança pareceu ser voltado para o aprendizado da vida. 179
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O trabalho fazia parte da vida, como os ritos religiosos, as festas e convívio entre o grupo. Na Antiguidade as crianças escravas figuram nos livros de história com tratamento cruel, afastadas das famílias e sem perspectivas de futuro diferenciado. Não existia regulação, as concepções de ser humano no período contribuíram para a exploração e degradação das crianças escravas que além do trabalho excessivo eram, como qualquer escravo, molestadas física e mentalmente. Segundo Gonçalves (2007) no Brasil escravista a situação da criança não era diferente, os filhos dos escravos permaneceram escravos até a Lei do Ventre Livre. Com essa Lei as crianças nascidas nas senzalas se tornariam livres e até os 7 anos de idade deveriam permanecer nos engenhos sob a responsabilidade de seus senhores. Completos os 7 anos de idade deveriam ser recebidas em instituições que seriam criadas para essa finalidade, mas o Estado não criou tais instituições e os senhores de engenho também não tinham a obrigação legal de manter essas crianças em suas propriedades na condição de livres. Muitas dessas crianças foram abandonadas a sua própria sorte nas ruas das Províncias. Se durante esse período a história e a memória brasileira registram abusos nas relações entre senhores de engenho, seus capatazes, capitães do mato contra os escravos, sabemos que a condição da criança escrava no Brasil, apesar dos poucos registros, fora ainda mais abusiva considerando a situação dessa parcela da população desde o Brasil Colônia até a República, quando da abolição da escravatura. A infância em geral, não foi objeto de preocupação da sociedade colonial e republicana. Os abusos contra crianças eram algo comum e, até aceito, com naturalidade. Além de que a preocupação do estado era econômica, então, de acordo com Faleiros (2009), a situação social das crianças não se fazia importante naquele contexto. Na Idade Média as crianças acompanhavam seus pais para aprenderem o ofício. Caso seu pai fosse sapateiro aprenderia o ofício. Foi comum o trabalho de crianças nas Corporações de Ofício, também com a finalidade de aprender uma profissão como padeiro, marceneiro e etc. Neste período o trabalho na agricultura também era comum para ajudar a família na produção e pagamento dos impostos e aprender a lidar com a terra. A criança foi considerada como um pequeno adulto. Com o advento da Revolução Industrial e as mudanças, por ela ocasionadas, a escola adquire espaço como instituição educadora. Com a efetiva entrada da mulher no mercado de trabalho a existência de instituições para cuidar e educar da educação dos filhos dessas mulheres são importantes. Além da garantia dos cuidados e dos conhecimentos escolares, a organização da escola, se apresenta como importante para aprender a conviver na sociedade de organização capitalista. Porém, havia aí uma contradição, nesse mesmo período as crianças eram recrutadas para o trabalho. É importante observar que em todos os períodos da história, desde a antiguidade até a mais recente história do Brasil, as crianças e adolescentes trabalhadores são aquelas nascidas de famílias pobres. 180
Trabalho infantil e escola
Incl ussão e ensino
O trabalho durante a infância é um dos maiores opositores a educação escolar, prejudicando a frequência e o desempenho nos estudos, além do desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo da criança ou adolescente envolvido. Até o momento as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, elaborado em 2011, com objetivos a serem alcançados em 2016, não foram atingidas. Apesar dos mais de vinte anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção 138, da OIT, não é possível perceber uma resposta prática e abrangente, por meio das políticas públicas referentes ao tema, como pode-se observar os números alarmantes do trabalho infantil entre 5 e 17 anos apresentados a população brasileira, pelo IBGE em novembro de 2017: Figura 1. Trabalho infantil – PNAD, 2016
Fonte: IBGE
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O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira
Os dados publicados denunciam a situação do trabalho infantil, apesar dos números alarmantes a Rede Peteca – chega de trabalho infantil, publicou no início do mês de dezembro nota do Ministério Público do Trabalho solicitando esclarecimentos sobre a metodologia utilizada pelo IBGE, na realização da PNAD, que omite a real situação do trabalho infantil. Segundo a Rede Peteca, o MPT fez tal posicionamento motivado pela divergência dos números a menor por não corresponder ao número real e maior de crianças trabalhadoras. Mesmo que se tenha ajustes dos números informados para a aplicação de políticas públicas com números reais, é possível inferir, através dos dados disponibilizados, a realidade dura desses brasileiros, em relação a educação escolar e horas trabalhadas. Pois além do trabalho são submetidas a jornadas longas configurando fator relevante para a falta de rendimento escolar e a evasão. Além da necessária reflexão sobre o papel da escola para as famílias trabalhadoras, como propõe Arroyo: Que sentido político terá o acesso à escola para essas infâncias? (...)Tem todo sentido a defesa de toda criança na escola se for para garantir seu direito a conhecer essas verdades de seu precário e injusto sobreviver. Ocultar essas verdades com promessas vãs não é profissional. Não é ético. A passagem pela escola terminará acrescentando decepção com promessas frustradas. Diante do direito ao conhecimento dessas infâncias-adolescências trabalhadoras, filhos(as) da classe trabalhadora, aumenta o dever ético político das escolas de conhecerem as causas da pobreza e dos limites de seu sobreviver. (Arroyo, 2015, p.45)
Outro aspecto desumano revelado pelas pesquisas do IBGE ao longo dos anos e volta em 2017 é o trabalho de crianças e adolescentes sem remuneração, em diversas situações enquadrado dentro do trabalho escravo, principalmente o grupo de crianças de 5 a 13 anos de idade. Trabalhar e não ser remunerado é condição clara de trabalho escravo.
Figura 2. Trabalho e remuneração de crianças e adolescentes
Fonte: IBGE 182
É possível estabelecer metas?
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Apesar da Região Sul configurar na lista das regiões com melhor Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, apresenta os números mais altos de crianças em situação de trabalho infantil. Lembrando que o IDH considera, também, o fator escolaridade. Infelizmente as desigualdades são também denunciadas, qual escola estão inseridas as crianças e adolescentes trabalhadores? Teixeira afirma: Este dualismo entre educação para os dirigentes e educação para os dirigidos corrompeu, desde o início, o nosso conceito de educação democrática. E aqui se faz indispensável nossa análise, a fim de descobrir as razões por que nossa consciência democrática, a despeito de assomos por vezes vigorosos, se mostra tão débil e corruptível. Há, com efeito, algo de orgânico na falta de coerência e consistência nacional, na extrema tenuidade nacional. (Teixeira, 2009, p.111)
Figura 3. Nível de ocupação segundo as Regiões
Fonte: IBGE
As Nações Unidas partindo de amplo debate internacional elaborou a Convenção sobre os direitos da Criança da ONU (1989). Sabe-se que o Brasil é membro fundador da ONU criada em 1945, portanto participa e é signatário dos acordos, convenções e outros documentos provenientes dos debates internacionais promovidos pela organização. “Falamos uma língua e voz alta e outra em voz baixa.”(TEIXEIRA, 2009, p.111). A Convenção orienta as concepções a serem consideradas pelas Políticas Públicas dos países participantes da ONU. No Artigo 1 é definido o conceito de criança: Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo. Anteriormente, no campo dos Direitos Humanos e particularmente da criança a Convenção 138 da OIT, Organização Internacional do Trabalho, de 6 de junho de 1973 dispõe que: 183
O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira Todo Estado-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem. (OIT, 06/06/1973)
O trabalho infantil não é sequer colocado como possível para a Convenção 138 da OIT, como se percebe o trabalho passa a ser permitido para jovens. No Artigo 2º é fixada a idade mínima para ingresso no trabalho “não inferior a 15 anos de idade”. Na Constituição Federal de 1988 a idade mínima para admissão ao trabalho é de 14 anos na condição de menor aprendiz e garantido os direitos previdenciários e trabalhistas e o acesso à escola. No Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA Artigo 54 VI – é assegurada a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador. O ECA veda a participação dos adolescentes em trabalho inadequado a idade e que possa causar danos ao desenvolvimento físico e cognitivo dos jovens. Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho: I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II - perigoso, insalubre ou penoso; III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola. (ECA, 1990)
Os números do trabalho infantil revelam, ainda, de acordo com a Rede Peteca que, apesar das subnotificações entre os anos de 2007 e 2016 ocorreram 22.721 casos de acidentes de trabalho com crianças de 5 a 17 anos. Desses 558 foram acidentes graves, com queimaduras e até amputações e o registro de 204 óbitos.
Educação x trabalho infantil
Seguindo a leitura de Teixeira (1977) a escola comum para todos, nunca chegou ao Brasil. Quando do fim do Império a classe dominante ocupou a escola pública durante anos, conferindo a ela um caráter de escola de classe, com programas e currículos para um pequeno grupo de privilegiados e de caráter reprodutivista, conferindo classificação e status. Teixeira destaca a importância da educação como instrumento para igualar as condições de vida. Daí percebe-se a importante relação entre educação e trabalho na infância. A escola concebida no projeto de educação de Anísio Teixeira, atenderia às necessidades das classes trabalhadoras, na 184
Incl ussão e ensino
formação para a vida, na percepção do ser humano, na valorização das artes e culturas, na construção de programas e currículos para um mundo real. Assim o autor percebe a educação como “a maior invenção humana de todos os tempos”. No campo do direito, Oliva (2016) esclarece a incompatibilidade entre o trabalho infantil e as várias Leis que regulamentam a educação, inclusive a Constituição de 1988, que assegura educação obrigatória para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos e o compromisso internacional firmado pelo Brasil de erradicar o trabalho infantil. Para o autor é incongruente a existência de trabalho infantil com a obrigatoriedade de educação estabelecida pela legislação. Para entender melhor a proposição de Oliva observa-se: A educação básica desdobra-se, segundo a LDB, em pré-escola (dos 4 aos 5 anos, compreendida no conceito de educação infantil que, embora também garantida, é desenvolvida em creches e/ou estabelecimentos congêneres até 3 anos de idade, passando a ser obrigatória na pré-escola, a partir dos 4), ensino fundamental (com duração de 9 anos, ou seja, dos 6 aos 14 anos de idade) e ensino médio, que terá a duração de no mínimo três anos, o que implica dizer que, em situação normal, sem reprovação, o adolescente ingressará no ensino médio aos 15 anos e só o completará com 17 anos de idade. (OLIVA, 2016, p.62)
O autor lembra que com essa nova organização da educação básica a orientação é uma escola integral e de tempo integral. Escola integral essa com as características discutidas por Teixeira (1977) do que vem a ser essa educação integral, porém, não necessariamente de tempo integral. A escola de tempo integral é aquela de horário prolongado, em muitos casos indicada para crianças em situação de trabalho infantil, por garantir segurança social e formação escolar. Continuando o estudo de Oliva (2016) a Convenção 138 da OIT proíbe o trabalho antes da conclusão da escolaridade compulsória, portanto, de acordo com a referida Convenção, o trabalho de jovens no Brasil só poderia ocorrer após os 18 anos. Na interpretação do autor “a elevação da idade mínima para o trabalho, propicia a melhoria da condição social de crianças e adolescentes, especialmente se acompanhada da garantia de educação integral.”(p.65).
Considerações finais
Apesar de todas as proposições e compromissos assumidos para a erradicação do trabalho infantil o quadro real da situação não é animador. As metas assumidas para o ano de 2016, durante a elaboração do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente de 2011, não foram alcançadas. O número de crianças envolvidas com o trabalho infantil, de acordo com os dados do PNAD, publicados em novembro de 2017, apontam 1,8 milhão 185
O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira
de crianças de adolescentes em trabalho infantil. Esses números podem ser ainda maiores de acordo com correções na nova metodologia adotada pela pesquisa. As escolas, principalmente aquelas localizadas em comunidades mais carentes, se deparam com a situação de trabalho infantil. Diante da situação atual é importante voltar os olhos para a questão de tamanha importância que tende a ser agravada pela situação política e econômica do Brasil e do mundo. A situação de trabalho infantil traduz em prejuízos irreparáveis à vida das crianças que sofrem as consequências do trabalho na infância. Espera-se como registrou Teixeira (1977) que esses momentos de crise também sejam momentos de decisão, decisões essas voltadas para equacionar os problemas relacionados às desigualdades e pobreza e culminem com a erradicação do trabalho infantil em um futuro mais próximo do que tem indicado as pesquisas e os autores sobre o assunto.
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Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a estudante com Transtorno do Espectro Autista Alex Bezerra Leitão, Universidade de Brasília, Brasil Sérgio Ricardo Alves Knust, Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira; Teoria da Mente.
Transtorno do Espectro Autista e educação
O
conceito de Transtorno do Espectro Autista – TEA – foi lançado por Wing e Gould em 1979, após observarem que várias crianças apresentavam desvio de conduta e dificuldade na reciprocidade social e na comunicação, conforme explicam Belisário Filho e Cunha (2010). A partir de então, começou-se a usar o termo TEA para designar aqueles que têm características isoladas dos Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD – que, segundo os autores, correspondem a um grupo de disfunções no desenvolvimento cognitivo e social, que se manifesta em diferentes graus em um contínuo. Nesse sentido, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM 5 (2014) – explica que o TEA “é caracterizado por déficits em dois domínios centrais: 1) déficits na comunicação social e na interação social e 2) padrões repetitivos e restritos de comportamento, interesses e atividades” (DSM 5, 2014, p. 809). De acordo com o DSM 5, esses domínios centrais permitem que o diagnóstico seja classificado em três graus: leve, moderado e severo. Sujeitos1 com laudo médico de TGD, segundo Garcia e Mosquera (2011), possuem comprometimentos em várias áreas do desenvolvimento, tais como: interação social, habilidades de comunicação verbal e não-verbal (gestos) e percepções do ambiente. Além disso, apresentam estereotipias (balançar o corpo, bater as mãos), constante repetição de palavras (ecolalia) e dificuldades para entender metáforas (Garcia & Mosquera, 2011). Cabe destacar que, ainda de acordo com Garcia e Mosquera (2011), a literatura que trata de TGD opta pelo termo autismo para se referir aos sujeitos que têm laudo médico de qualquer um desses transtornos. Ao se falar, de forma genérica, sobre possíveis causas desencadeadoras de TGD, também é aceito usar o termo autismo proveniente da literatura e do senso comum, ainda que o DSM 5 (2014) trate esses transtornos apenas como TEA. 1 Consideramos o termo sujeito como sinônimo do ser humano constituído a partir dos processos de subjetivação, que ocorre por meio do contato com outros sujeitos em contextos diversificados, como nos movimentos sociais, nas instituições religiosas, nas práticas educativas, no convívio familiar, entre outros, conforme Spink (2011).
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Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
Belisário Filho e Cunha (2010) apontam que o termo autismo (autos, em grego, significa “si mesmo” e ismo, “doença, síndrome”) foi utilizado pela primeira vez em 1911 por Bleuler, para “designar a perda de contato com a realidade e consequente dificuldade ou impossibilidade de comunicação” (Belisário Filho & Cunha, 2010. p. 8). No entanto, somente em 1943 o psiquiatra austríaco Leo Kanner revelou estudo com onze crianças que possuíam distúrbios afetivos e sociais, com “a publicação do artigo intitulado Os transtornos autistas do contato afetivo” (Amy, 2001, p.31). Conforme mencionado por Amy (2001), Kanner (1943) percebeu que essas crianças eram ensimesmadas, nomeando-as autistas. Em 1944, Hans Asperger, médico pediatra também austríaco, observou um grupo de crianças atendidas na Clínica Pediátrica Universitária de Viena com distúrbios sociais parecidos aos do autismo. Borges e Shinohara (2007, p. 45) explicam que essas crianças, diferentemente do grupo observado e relatado por Kanner (1943), “mantinham a linguagem e a inteligência geral relativamente preservadas”. Contudo, esse grupo, que ficou conhecido como os Aspergers, apresentavam características do autismo, como limitações de suas relações sociais e emocionais, compulsividade, caráter obsessivo de pensamentos e tendência a ser guiado de forma alheia às condições do meio. Belisário Filho e Cunha (2010) explicitam que até a década de 60 do século XX os autistas ou os Aspergers eram considerados como indivíduos com transtornos emocionais, causados pela incapacidade dos pais de oferecerem afetividade necessária aos filhos. “Em decorrência desse modelo, surgiram expressões estigmatizantes como mãe geladeira” (Belisário Filho & Cunha, 2010, p. 12). Por conseguinte, ter um filho com esse transtorno trazia impacto emocional às famílias, em decorrência do sentimento de culpa dessa estigmatização, que não contribuía para a superação das dificuldades da família e da criança. Segundo Amy (2011, p. 58), há uma “proporção de cerca de quatro a cinco crianças autistas por 10 mil, em uma relação de 3 a 4 meninos para uma menina e uma taxa de incidência elevada entre os gêmeos monozigóticos”. Portanto, considerando que a população mundial é de 7,2 bilhões de habitantes, o percentual de sujeitos com TEA representa cerca de 1% das pessoas do nosso planeta, com grande prevalência para as do sexo masculino. Amy (2011) explica que as pesquisas sobre as origens do TEA ainda não possibilitam determinar todas as suas causas. Atualmente, segundo a autora, as hipóteses mais aceitas dizem respeito “à taxa muito elevada de um dos neurotransmissores: a serotonina, e, por outro, à taxa de estresse produzida pelo hormônio hipofisário” (Amy, 2011, p. 59). Conforme Garcia e Mosquera (2011), além da possível necessidade da manipulação de remédios, é fundamental que os sujeitos com laudo médico de TEA estejam em constante contato com terapias que propiciem o estímulo das conexões neurais, a fim de compensar falhas produzidas pela alta taxa dos seguintes neurotransmissores (substâncias químicas que ajudam as células nervosas a se comunicarem): a serotonina, que afeta a emoção e o comportamento, e o glutamato, que auxilia na atividade neural. Esse descompasso hormonal apresenta “prejuízo em regiões cerebrais como o cerebelo, a amígdala e o corpo caloso” (Garcia & Mosquera, 2011, p. 190
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108). Enquanto que o cerebelo envolve as atividades motoras de equilíbrio e de coordenação, a amígdala afeta nosso comportamento social e emocional, e o corpo caloso facilita a comunicação entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro. Grupta e State (2006, p. 30) explicam que “os genes desempenham um papel central na fisiopatologia do autismo” e que “a proporção de variância fenotípica a causas genéticas é calculada em aproximadamente 90%”. Entretanto, as causas do TEA, de acordo com Figueira (2012), não são possíveis de serem determinadas, apesar de alguns fatores de risco serem identificados, tais como: histórico familiar, infecções congênitas (rubéola, sarampo, herpes, papeira, varicela) e respiratórias durante a gestação, sangramento ou hemorragia pré-natais, pré-eclâmpsia e eclampsia, trabalho de parto prematuro, entre outros. De acordo com Tafuri (2003, p. 83), o autismo, como “síndrome neurobiológica”, tem ganhado espaço em pesquisas relacionadas ao TEA devido, principalmente, à “desfiguração do conceito de auto-erotismo2” (Tafuri, 2003, p. 86) promovido por Bleuler (1911), Jung (1910) e Kanner (1943). Para pesquisadores e profissionais que seguem esses três últimos autores, o autismo é uma síndrome e possui, portanto, natureza inata e orgânica, impossibilitando a cura em sujeitos com laudo médico de TEA. Em contraposição a essa visão, pesquisadores que retomam os estudos do auto-erotismo a partir das concepções de Freud não concebem o autismo como síndrome, mas como sintoma peculiar possível de ser curado. Tafuri (2003) explica que Maria, uma criança de três anos que ela acompanhou em seu consultório por onze anos, por exemplo, somente ecoava sons no início de seus atendimentos. Porém, a intimidade e a relação transferencial terapêutica estabelecida promoveram a constituição de sua subjetividade, pois houve “o ressurgimento da fala em Maria e, posteriormente, sua cura” (Tafuri, 2003, p. 198). Assim, a forma como a área da saúde mental tem lidado com o TEA demonstra que há divergências de abordagens prática e conceitual no tratamento dessa síndrome ou dos sintomas do autismo. Neste artigo, adotamos a concepção sintomática do Espectro Autista, pois acreditamos no estabelecimento do vínculo afetivo-cognitivo desses sujeitos com o outro, o que poderia levá-los a uma melhora significativa e, inclusive, à cura. Para tanto, é imprescindível dedicação e afeto de familiares e de amigos, além de trabalho contínuo de equipe multidisciplinar. Destacamos, ainda, que, como a literatura costuma trazer o autismo como um transtorno, optamos, nesta pesquisa, por identificar esses sujeitos como diagnosticados ou com laudo médico do TEA, pois é dessa forma que recebemos esses estudantes no Centro Interescolar de Línguas de Brasília – CIL de Brasília. Ou seja, só podemos fazer trabalho interventivo de adaptação curricular e atendimento da Sala de Recursos Generalista – SRG – em nosso contexto de pesquisa após recebermos esse laudo médico. Dessa forma, identificá-los 2 Segundo Roudinesco e Plon (1998, p. 46), o termo foi proposto por Sigmund Freud para “designar um comportamento sexual de tipo infantil, em virtude do qual o sujeito encontra prazer unicamente com seu próprio corpo, sem recorrer a qualquer objeto externo”.
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como sujeitos com laudo médico nos mostra a forma como eles chegam às nossas salas de aula; porém, a maneira como lidamos com o autismo e como trabalhamos em prol de uma educação inclusiva de qualidade pode nos impulsionar, com apoio de familiares e equipe multidisciplinar, a almejar a cura. Na década de 80 do século XX, novas pesquisas demonstraram a presença de distúrbios neurobiológicos, além de surgirem escolas específicas para pessoas com distúrbios cognitivos. Desse modo, o autismo e o Asperger passaram a ser estudados e compreendidos como Transtorno Global (ou invasivo) do Desenvolvimento. Não obstante, conforme ressaltam Belisário Filho e Cunha (2010), escolas específicas para crianças com transtornos cognitivos buscavam fazer intervenções educacionais, de forma a não expô-las ao meio social, reforçando seu isolamento. No Brasil, a criação de escolas especializadas começa a perder força somente com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9394/1996, que em seu parágrafo 1º do artigo 58 garante apoio especializado na escola regular. O atendimento aos alunos que têm laudo médico de TGD não deve acontecer, portanto, em centros de ensino especiais, mas sim no sistema regular de ensino, conforme explicita a Lei: “Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial (Lei nº 9394/1996, § 1º). Em relação à inclusão escolar de aprendizes que apresentam laudo médico do TEA, a Lei brasileira nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e as bases da educação nacional, sendo alterada pela Lei 12.796, de 4 de abril de 2013. De acordo com essa última lei sancionada, o artigo 4º explicita que é dever do Estado, com a educação escolar pública, garantir, conforme o inciso III, “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”. Esta pesquisa tem como participante de pesquisa – PP – um aluno de espanhol do CIL de Brasília – da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Esse estudante é amparado pela Lei 12.796/2013, pois possui laudo médico de TGD, sendo diagnosticado com o Transtorno ou Síndrome de Asperger. A implementação da educação inclusiva é, conforme explicitado anteriormente, recente no Brasil. Pais, gestores e professores têm atuado com objetivo de amenizar o isolamento social e histórico de estudantes com laudo médico de quaisquer dos TGD, proporcionando-lhes condições de acesso à educação e, consequentemente, à inclusão social. Na próxima subseção, discorremos sobre uma teoria que tem como finalidade ressaltar falhas de mecanismos básicos da mente de sujeitos com laudo médico de TEA, a fim de explicar seus comportamentos e domínios de linguagem.
Teoria da Mente
Imaginemos a seguinte situação: Ela entrou no quarto, ligou a luz, remexeu os papéis que estavam sobre a escrivaninha e saiu do quarto. Logo depois, ela 192
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foi à estante da sala de estar, abriu uma pasta com documentos, folheou os papéis e guardou a pasta no mesmo lugar. O que costumamos pensar quando presenciamos uma cena como a relatada? Normalmente, fazemos conjeturas do tipo ‘Talvez ela esteja procurando um documento importante’. Esse tipo de previsão do comportamento do outro, como explicam Caixeta e Nitrini (2002), é o que o primatologista Premack e o psicólogo Woodruff chamam de “Teoria da Mente” – ToM –, ao publicarem um artigo em 1978, no qual questionam se os seres humanos e os chimpanzés teriam o mesmo tipo de pensamento sobre o outro. De acordo com Tafuri (2003), o estudo da ToM “inaugurou uma das teorias mais difundidas entre os pesquisadores cognitivistas da atualidade” (Tafuri, 2003, p 109). Nesse estudo feito com humanos e chimpanzés, observou-se que ambos aprendem regras sociais; contudo, somente os seres humanos são capazes de fazer conjeturas e inferências baseadas em representações mentais (Tonelli, 2009). Conforme o autor, graças à ToM: além de conseguirmos fazer tudo o que animais sociais fazem sem ToM, somos capazes de – utilizando de um poderoso processador cognitivo social – negociar, enganar, ensinar, demonstrar e reconhecer emoções complexas, além de manipular pensamentos, permitindo uma previsão comportamental baseada neste mecanismo de inferência de emoções e crenças com consideráveis probabilidades de acerto (Tonelli, 2009, p. 128).
Portanto, a ToM explica como os estados mentais preveem o comportamento e as interações entre os seres humanos; ou seja, a capacidade que temos de inferir sobre estados mentais e comportamentos de terceiros pode ser explicada pela ToM. Belisário Filho e Cunha (2010) esclarecem que o termo teoria, aplicado à ToM, é resultado do que acontece ao nosso redor e nem sempre pode ser observável, já que precisamos “teorizar”, ainda que inconscientemente, sobre os estados mentais de intencionalidade do outro. Caixeta e Nitrini (2002) elucidam que a ToM permite que seres humanos desenvolvam “uma medida (isto é, um sistema de referências que viabilize comparações entre nosso mundo interno, subjetivo e o mundo externo, dos outros) daquilo que os outros pensam, sentem, desejam, acreditam, duvidam” (Caixeta & Nitrini, 2002, p. 106). De acordo com Baron-Cohen (1989), esse desenvolvimento da atenção compartilhada do eu com o outro é observável em crianças a partir dos 18 meses de vida, idade em que a ToM começa a se estabelecer nos seres humanos. Nas últimas décadas, psicólogos cognitivistas vêm realizando experimentos em sujeitos com laudo médico de TEA e têm observado que essa capacidade de percepção do outro, no entanto, constitui dificuldade marcante para essas pessoas (Tonelli, 2009). Assim, sujeitos diagnosticados com TEA podem interpretar a cena descrita no início desta subseção da seguinte forma: Acho que ela entrou no quarto, remexeu nos papéis, depois abriu uma pasta com documentos que estava na sala de estar porque eu a vi fazendo isso. 193
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Tomando como base a ToM, esse raciocínio ocorre devido à interpretação da literalidade dos fatos. De acordo com Tafuri (2003, p. 109), “a criança autista pode conversar com outra pessoa, mas não chega a fazer ideia da vida e das atitudes da pessoa com quem está conversando”. Essa falta de previsão da intencionalidade do outro é uma marca do sujeito com TEA, que possui atraso no processamento mental; ou seja, trata-se de falha no desenvolvimento cognitivo, explicada pela ToM. Belisário Filho e Cunha (2010) argumentam que o ambiente escolar é um meio social que permite desenvolver muitas competências relacionadas à ToM. Portanto, é primordial propiciar aos alunos que têm laudo médico de TEA “experiências promotoras de desenvolvimento das funções mentais e investir, como é próprio da educação, no potencial de cada um desses alunos em nos surpreender” (Belisário Filho & Cunha, 2010, p. 21).
Ações de agentes para facilitar o ensino a alunos com TEA
Costuma haver forte impacto por parte de gestores e de professores quando descobrem que estão diante de uma experiência nova e desafiadora ao receberem alunos com laudo médico de TEA. Em contextos escolares, os Aspergers, por exemplo, costumam apresentar “pouco compartilhamento social e/ ou interesse restrito; pausas estereotipadas, repetitivas e/ou pouco contextualizadas; pouco interesse em atender a solicitações em sala de aula, embora aptos a fazê-lo, entre outras” (Belisário Filho & Cunha, 2010, p. 35 e 36). Logo, é imprescindível que o contexto escolar proporcione, o mais breve possível, terreno previsível para estudantes diagnosticados com TEA, possibilitando-lhes desenvolver aspectos cognitivos úteis à sua convivência social. Belisário Filho e Cunha (2010, p. 23) ressaltam que “o grande valor desses rituais já inerentes à escola para a criança com TGD é o fato de que acontecem para todos os alunos e não são artificiais ou preparados exclusivamente para a criança com TGD, já que constituem regras de organização de um meio social real e, portanto, diverso”. Belisário Filho e Cunha (2010) ainda ressaltam que a convivência no ambiente escolar também é facilitada pela atuação de colegas da turma, que intervêm na aprendizagem de rituais por parte do aluno com laudo médico de TEA. Essas intervenções costumam acontecer de forma espontânea e alinham práticas escolares às situações comportamentais de rotina que, frequentemente, apresentam novidades. O reconhecimento por parte dos professores, dos gestores e dos alunos de que a escola é um contexto que proporciona a aprendizagem para o desenvolvimento da autonomia dos alunos deve ser estimulado pela comunidade escolar e constar no Projeto Político Pedagógico da instituição de ensino. Nesse sentido, os progressos e os retrocessos que costumam ocorrer devem estar interligados com o trabalho feito pela escola e com os aspectos extrínsecos a esse contexto de aprendizagem. Portanto, alterações na composição dos membros da família, mudança de residência ou alterações de medicamentos devem ser comunicados à escola, para que o processo pedagógico mantenha uma percepção holística com relação à aprendizagem desse aluno (Belisário Filho & Cunha, 2010). 194
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No interior da sala de aula, ainda de acordo com Belisário Filho e Cunha (2010), convém oferecer ao estudante com laudo médico de TGD participação por meio de trabalhos feitos com colegas de turma, mediante atividades em dupla ou em grupo. Para tanto, os autores (2010) ressaltam a importância da disposição das carteiras, de modo que esse aluno possa observar seus colegas, ao invés do alinhamento das carteiras em fileiras. Outro fator que deve ser observado é o tempo que um estudante com a Síndrome de Asperger leva para dar respostas ao aprendizado. Esse tempo costuma ser bastante variável, assim como a condição do aprendiz no envolvimento das tarefas escolares. Nesse sentido, conforme explicam Santos, Bispo, Pinheiro e Santana (2013, online), a redução do número de alunos por turma é imprescindível, já que é preciso adequar as carteiras, o tempo e o espaço da sala de aula quando se tem um aluno com laudo médico de TEA. Santos et al. (2013, online) ainda destacam que a disponibilidade do uso do computador é uma estratégia que pode favorecer a aprendizagem dos alunos diagnosticados com TEA. Além disso, eles sinalizam que, apesar de o fato de cantar músicas em sala de aula ser uma estratégia que promove a aprendizagem, sons altos costumam perturbar esses alunos. “Por esse motivo é que a voz (alta) do professor, a campainha da escola, o arrastar de cadeiras e mesas, o microfone ou qualquer outro tipo de barulho devem ser evitados ou ao menos amenizados” (Santos et al, 2013, online). De acordo com Ferreira e Tonelli (2016), atividades visuais, concretas e lúdicas na aprendizagem de língua estrangeira – LE – dos alunos com laudo médico de TEA também são importantes, posto que costumam trabalhar a autoconfiança desses alunos, além de o vínculo entre professor, aluno e turma começar a ser estabelecido pelo incentivo do reforço positivo. Para que esse vínculo ocorra, Ney (2016) destaca a importância de pessoal capacitado e especializado nas instituições de ensino para auxiliar o docente na organização das atividades propostas em sala de aula quando se tem alunos com diagnóstico de TEA. Esse profissional especializado deve acompanhar o trabalho feito pelo professor e auxiliar nas adequações e no atendimento a esses estudantes. Além disso, Ney (2016) salienta que o currículo da formação docente do profissional de Letras deveria oferecer disciplinas que tratassem dos desafios de professores de LE em contextos de inclusão escolar. Segundo a autora, os cursos de Letras costumam oferecer disciplinas que tratam os “distúrbios cognitivos, do desenvolvimento humano e da aprendizagem” de forma generalista. Assim, é preciso repensar o currículo de Letras, a fim de que disciplinas aplicadas ao ensino, à aprendizagem e à formação dos professores de LE estejam condizentes com os desafios da inclusão escolar. Posto isso, apresentamos um resumo com ações de agentes3 para o ensino de alunos diagnosticados com TEA, conforme consta na Tabela 1. 3 Almeida Filho (2017, online) classifica os agentes do processo de ensino e aprendizagem de LE em três categorias: os aprendizes; os professores; e os coordenadores, os diretores e os gestores de instituições de ensino, a comunidade escolar, as universidades, os governantes responsáveis pelas políticas públicas referentes às questões linguísticas, entre outros.
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Tabela 1. Ações de Agentes para Facilitar o Ensino a Alunos com TEA AGENTES
AÇÕES
Gestores, professores e comunidade escolar
Evitar bagunça no ambiente escolar.
Gestores e professores
Preparar contexto o mais previsível possível.
Gestores
Familiares
Professores
Estimular autonomia do aluno.
Minimizar ou diminuir barulho. Promover reforço positivo.
Adequar tempo e espaço para realização de atividades. Diminuir número de estudantes por turma.
Disponibilizar computador em sala de aula.
Contar com apoio de profissionais especializados.
Comunicar à escola alterações na composição dos membros da família, mudança de residência ou alterações de medicamentos.
Estimular realização de atividades em dupla e em grupo. Dispor as carteiras da sala de aula em formato de U.
Promover atividades que estimulem os estudantes a cantar.
Universidades Incluir no currículo de Letras disciplinas aplicadas.
Fonte: Elaborado pelo autor com informações extraídas de Belisário Filho e Cunha (2010), Santos et al. (2013), Ferreira e Tonelli (2016) e Ney (2016).
Portanto, essas estratégias e ações no ensino facilitam que aprendizes diagnosticados com TEA possam estar mais “abertos”, conforme afirma Krashen (1985, p.7), para receberem o “input compreensível” que parte do princípio de que adquirimos a língua de forma espontânea e simples, mediante a compreensão da mensagem. No entanto, para que esse input aconteça, o autor (1985) afirma que o filtro afetivo, que “é um bloqueio mental que impede os aprendizes de utilizarem plenamente o input que recebem” (p.3), precisa estar baixo. Dessa forma, conforme explica Paiva (2014, p. 32), “aprendizes pouco motivados, inseguros, ansiosos e com baixa autoestima teriam um filtro afetivo alto”, o que impediria o estabelecimento do input compreensível. Conforme abordado nesta subseção, o estudo do TEA nos possibilita compreender características de estudantes com laudo médico de TGD. A seguir, apresentamos o método utilizado para esta pesquisa.
Metodologia
O referencial metodológico deste artigo está pautado na pesquisa qualitativa na modalidade estudo de caso de caráter interpretativista. Apresentamos, a seguir, princípios da abordagem qualitativa e da modalidade pro196
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posta, instrumentos e procedimentos da coleta de dados, com o objetivo de promover sua triangulação. A pesquisa qualitativa, segundo Chizzotti (2006, p. 28), “implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que são perceptíveis a uma atenção sensível”. Dessa forma, a pesquisa qualitativa admite que a realidade é fluente e contraditória e que “os processos de investigação dependem do pesquisador” (Chizzotti, 2006, p. 26), que interpreta os fatos a partir dos significados apresentados pelos fatos. A modalidade estudo de caso de caráter interpretativista procura lidar com a “complexidade da atividade social e educacional e privilegia a investigação profunda, em lugar da abrangente” (Chadderton & Torrance, 2015, p. 91). Esse tratamento profundo dado pelo estudo de caso interpretativista nos permite fazer análises de estratégias de ensino de LE para alunos diagnosticados com TEA. Neste estudo, a mãe e o PP assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em 7 de abril de 2016. Para realizar análise do estudo de caso interpretativista deste artigo, propomos os seguintes procedimentos de coleta de dados: a modalidade da observação do pesquisador, a coleta de um documento de expressão oral do participante de pesquisa e a realização de entrevista com o professor do aprendiz. Na modalidade da observação participante, o investigado se aproxima do pesquisador. Segundo Fetterman (1998, p. 20), “assumir uma postura êmica” – observar o fato a partir da cultura e do olhar do outro – é imprescindível durante a exegese da realidade estudada pelo observador participante, a fim de tornar a interpretação mais verossímil. A coleta de documentos, de acordo com Flick (2009), pode ser motivada pelo pesquisador, que solicita que o participante de pesquisa elabore uma narrativa oral mediante um diálogo, por exemplo. Em posse desse documento, cabe ao investigador observar quais são suas características e em que condições específicas foram produzidos, para dar suporte à contextualização. A adoção de entrevistas na pesquisa qualitativa na área aplicada da educação, segundo Rosa e Arnoldi (2006, p. 29), é classificada em “Estruturadas, Semiestruturadas e Livres”. Neste artigo, adotamos entrevistas do tipo Semiestruturadas, que, segundo os autores, apresentam sequência flexível de perguntas, tendo em vista a dinâmica da entrevista. Enfim, para que a triangulação dos dados ocorra, utilizamos os seguintes instrumentos para a coleta de dados: notas de campo, gravações em áudio e sessões reflexivas. As notas de campo, segundo Flick (2009), são anotações feitas pelo pesquisador, que seleciona informações por meio de sua percepção. Ainda segundo esse autor, espera-se que, com as gravações em áudio, registros de eventos sejam feitos de forma mais naturalista. Já as sessões reflexivas, segundo Abrahão (2006), são um instrumento importante ao estudarmos o contexto escolar, uma vez que possibilitam discussão e reflexão crítica acerca de ações, concepções, crenças e processos que surgem em sala de aula. Por meio dos procedimentos de coleta e de análise de dados apresentados, propomos a triangulação desses dados que, de acordo com Stake 197
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(2011, p. 138), é um procedimento que combina diferentes fontes de evidência de dados, permitindo que uma “evidência forte dos significados corretos” aconteça, além de ”enxergar significados múltiplos e importantes”. Portanto, ela pode sustentar dados e mostrar que existem variáveis a serem descobertas, conforme podemos observar na seção a seguir, dedicada à apresentação e à análise dos dados.
Apresentação e análise dos dados
Para analisarmos os dados, apresentamos notas de campo da atividade de expressão oral realizada em sala de aula. Em seguida, refletimos sobre o diálogo estabelecido entre o professor e o aluno. Por fim, realizamos entrevista com o professor do PP, a fim de triangularmos os dados.
Notas de campo e documento de expressão oral
No dia 18 de julho de 2016, o professor recebeu os alunos em sala de aula e lhes solicitou que se organizassem em duplas ou em trios para fazerem entrevistas com o docente. Em seguida, o PP se juntou a duas colegas e disse que queria que seu grupo fosse o primeiro a realizá-la. Naquele momento, o aprendiz se mostrava bastante ansioso e eufórico, pois não conseguia se sentar e solicitava a presença do professor a todo instante. O docente tentou dar instruções da entrevista para a turma, mas o PP desejava saber quando começaria sua entrevista, se ele já poderia fazê-la e se ele falaria bem. Percebendo a ansiedade do aprendiz, o professor permaneceu ao seu lado, segurou em seu ombro e lhe pediu que se acalmasse. Então, o estudante se sentou, enquanto o professor mantinha a mão em seu ombro. A mão do professor sobre o ombro do PP foi uma estratégia importante para que ele se tranquilizasse, baixando seu filtro afetivo, tornando possível passar instruções para a turma. O docente explicou que aquela entrevista tinha como objetivo avaliar a oralidade dos alunos e que as perguntas que ele faria estavam de acordo com a unidade trabalhada em sala de aula, ou seja, eram perguntas e ponderações sobre festas do mundo hispano e sobre comemorações do Brasil. Após essas explicações, o docente começou a entrevista com o PP e com suas duas colegas de turma. Antes de fazer as perguntas, o professor solicitou que cada aluno lesse partes de um texto intitulado ‘Los Sanfermines de Pamplona’. A seguir, destaco a parte lida pelo PP: El reloj de la torre de San Fermín está a punto de dar la hora. Javier Ezonaga enciende el cohete. El encierro ha comenzado. Que el encierro conlleva un enorme riesgo es algo que hasta los menos aficionados conocen. El toro, aunque lo presenten algunos ingenuos increíblemente como un animal doméstico y maltratado, no deja de ser una fiera poderosísima que cornea con ciega furia a los que se ponen en su camino. (Seção gravada em 18 de junho de 2016).
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Durante a leitura do texto, o PP se posicionou na cadeira com a coluna ereta e fez sua leitura em voz alta. Às vezes o professor corrigia sua pronúncia e as colegas pediam que ele lesse mais baixo, mas o estudante parecia não os ouvir e empurrava o corpo para frente e para trás. Nossa impressão é a de que o PP usava a estratégia de falar alto para não ser interrompido ou distraído por seus interlocutores e procurava referências no corpo para conseguir cumprir com a leitura da tarefa. Desse modo, a única coisa que lhe importava era a leitura do texto, já que as vozes direcionadas a ele pareciam inaudíveis. Esse evento sugere que o aluno com laudo médico de TEA pode direcionar sua voz a si mesmo e as palavras das pessoas que estão ao seu redor podem não promover a interação requerida ou esperada, além de não lhe causar mudança de comportamento, como podemos observar na entrevista relatada a seguir. Após a leitura do texto, o docente, identificado no diálogo pela letra D, direcionou algumas perguntas ao PP e ocorreu a seguinte conversa entre professor e aluno: D: Bueno... está parte ya está. ¿Se maltratan a los animales en Brasil? PP: Sí. D: ¿En qué ocasiones? PP: La basurada*… D: ¿Cómo? PP: Cualquier maltrato en Brasil. Agresión, agresividades. D: O sea, ¿eso es algo que ocurre normalmente en Brasil? PP: Sí. D: ¿Y qué opinas de eso? PP: Tienes que tratar bien los animales. D: Perdón, se dice: ¡Hay que tratar bien a los animales! PP: Sí, hay que tratar bien a los animales. D: Bueno, vale. Contéstame: ¿Cuáles son las fiestas típicas de Brasil? PP: Fiesta de San Juan. D: ¿Y cómo son las fiestas de San Juan? PP: Se viste de caipira, se danza cuadrija. D: Cuadrilla. Esta es la palabra en portugués… PP: La fiesta de la Igresita de la trescientos ocho Sul: Nossa Senhora de Fátima. D: Sí, verdad… Hablando de iglesia, ¿conoces algún plato navideño de Brasil? PP: Yo como arroz, frijoles… Arroz y frijoles … Arroz, frijoles… Arroz… D: ¿Qué más? PP: Carne. D: Pero, ¿qué es lo que comemos normalmente en Navidad? PP: Sopa, caldo de gallina. caldo de gallina, de gallina… D: Bueno… ¿Te gusta ir de compras? ¿Qué sueles comprar? PP: Comprar las cosas que necesito y las que no necesito. D: Pero, ¿qué compras normalmente? ¿Cuáles son las cosas que te gusta comprar?
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Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust PP: Comida, alimentos, bebidas… D: ¿Te consideras una persona consumista? PP: La persona consumista me gusta porque las personas quieren consumir. D: Pero, ¿tú eres así? ¿Eres una persona consumista? PP: A veces, a veces, no siempre. A veces, de vez en cuando y siempre. D: ¡De vez en cuando y siempre! ¡Vale! PP: Sí, de vez en cuando, a veces y siempre. (Gravação do dia 18/07/2016).
No diálogo anterior, o professor perguntou ao PP se os animais eram maltratados no Brasil e ele respondeu afirmativamente, sem se prolongar (Sí). Então, o docente o indagou sobre ocasiões em que o maltrato aos animais ocorria (¿En qué ocasiones?), mas ele respondeu com a palavra inventada ‘basurada’, que parece estar relacionada a lixo (‘basura’). Em seguida, o professor disse não ter entendido a resposta do PP (¿Cómo?), que acabou dizendo algumas palavras relacionadas ao maltrato dos animais (Cualquier maltrato en Brasil. Agresión, agresividades), mas que não respondiam à pergunta feita. Nesse início de diálogo, quando o professor lhe fez duas perguntas sobre seu gosto pessoal (‘¿Te gusta ir de compras? ¿Qué sueles comprar?’), ele responde ‘Comprar las cosas que necessito y las que no necesito’. Insatisfeito com a resposta, o docente indaga novamente com mais duas perguntas: ‘Pero, ¿qué compras normalmente? ¿Cuáles son las cosas que te gusta comprar?’ Percebendo que não havia respondido o esperado pelo professor, conforme preconiza a ToM, o aprendiz respondeu ‘Comida, alimentos, bebidas…’, cumprindo, brevemente, com a previsibilidade de respostas às quatro perguntas que lhe haviam sido feitas anteriormente. Outra questão que vale a pena ser ressaltada é a repetição das mesmas palavras (ecolalia) no discurso do estudante. Quando o professor lhe perguntou ‘¿conoces algún plato navideño de Brasil?’, o PP lhe respondeu ‘Yo como arroz, frijoles... Arroz y frijoles... Arroz, frijoles… Arroz’. Mais adiante, ao ser indagado sobre o que normalmente comemos no Natal, ele disse ‘Sopa, caldo de gallina. Caldo de gallina, de gallina...’, como se as palavras lhe ficassem ecoando em sua mente e precisassem ser ditas novamente.
Entrevista Semiestruturada
No dia 12 de setembro de 2016, realizamos a entrevista Semiestruturada com o professor do PP. O docente, que trabalhava com o PP desde o início de 2016, manifestou, durante a entrevista, entusiasmo em participar deste estudo e se mostrou aberto a responder às perguntas. No dia 8 de setembro de 2017, nos encontramos novamente com o professor para realizarmos sessão reflexiva, com objetivo de discutirmos sobre informações da entrevista realizada. Para refletirmos sobre essa entrevista, apresentamos evidências de três aspectos (Linguagem, Comunicação e TEA) relacionados ao ensino e à aprendizagem do PP, conforme podemos observar na Tabela 2. 200
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Tabela 2 – Evidências dos temas da entrevista com o professor do PP EVIDÊNCIAS
Denotação
O que ele pergunta de vocabulário ele normalmente anota e guarda com ele. Na parte gramatical, eu vejo que às vezes é difícil de ele entender, mas na parte de vocabulário eu vejo que ele avança melhor. Ele entende mais o sentido literal mesmo. Por isso, ele gosta das coisas bem explicadas.
Conotação
Quando você explica uma coisa para ele que está no sentido figurado, às vezes ele entende e até fala. É até engraçado... Tem momentos que ele usa um sentido no lugar do outro.
Produção escrita
A questão de escrever ele sempre pede orientação. Daí eu deixo ele no computador, após explicar o tema e o que eu espero que ele escreva. Quando estamos corrigindo exercícios estruturais ou de vocabulário ele é bem participativo. Agora, se é para discutir algo, é bem mais complicado.
Ele tem pouco medo de errar. E essa é uma coisa que eu valorizo muito no estudante... Quando ele quer contar uma coisa, por mais banal que seja, ele gosta de contar coisas do dia a dia dele, e ele faz tudo em espanhol. Ele nunca me pediu para falar alguma coisa em português em sala de aula ou até fora da sala de aula.
Expressão oral
Comunicação
Linguagem
ASPECTOS TEMAS
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Estratégias de ensino Teoria da Mente Inclusão
Transtorno do Espectro Autista
Apoio da SRG
Diagnóstico
O nosso aprendizado com alunos especiais é no dia a dia mesmo. O que a gente lê no diagnóstico dele é importante, mas ajuda pouco em sala de aula. A realidade da sala de aula independe do que lemos no diagnóstico técnico do médico... É sempre uma surpresa! A Sala de Recursos sempre nos diz como são os alunos especiais e dá dicas reais de como trabalhar com eles. A Sala de Recursos é muito importante para esses alunos! Quando eu peço para os alunos lerem algo para discutirmos, o Igor não costuma participar muito, nesse momento ele fica quieto, ele se retrai. Então os colegas fazem os exercícios e vão ajudando, e eu também vou ajudando. Eu faço a pergunta ao Igor quantas vezes for preciso. Às vezes eu tenho que fazer a pergunta com outras palavras. Eu sempre o coloco sentado ao lado da minha mesa, é mais fácil assim. Ele gosta de escrever no computador e isso ajuda muito. Eu acho que ele trabalha bem em grupo, principalmente com os colegas que ele conhece. Tem duas garotas que estudam com ele desde o início do curso, então eu o coloco para trabalhar com elas, porque assim ele funciona melhor. Às vezes os colegas fazem alguma piadinha, mesmo que em língua portuguesa e está todo mundo rindo e ele me pergunta: “Por que todo mundo está rindo?” Às vezes ele fica até nervoso por não entender. O Igor funciona melhor com orientação do professor. É muito importante para ele entender o que você realmente quer que ele faça. Aqui tem turmas reduzidas e a inclusão acontece. Você tem um número de alunos que dá para trabalhar, dá para você acompanhar a evolução de cada aluno. É diferente do ensino regular, que você tem 30 ou 40 alunos. É boa a inclusão não só para ele, mas para os outros alunos também. No início deste semestre eu vi que dois ou três alunos novos olhavam para ele assim, meio com desconforto, mas logo depois eles passaram a ajudá-lo. Fonte: Elaborado pelos autores, com informações extraídas da entrevista com o professor. 202
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Sobre a linguagem do PP, o professor destaca que o aprendiz precisa que ela seja bem explicada para que o estudante possa compreender a orquestração de significados de acordo com a intencionalidade discursiva, já que o entendimento literal costuma prevalecer em detrimento da linguagem figura. Acerca da produção escrita comunicacional, a entrevista realizada com o professor demonstra que o PP possui facilidade na interação quando está corrigindo exercícios pontuais de gramática e de vocabulário, ou quando ele conta algo do seu cotidiano. No entanto, essa facilidade não acontece quando o professor propõe a discussão de algum outro tema para realização da expressão oral. Isso ocorre provavelmente porque a correção de exercícios pontuais de gramática e de vocabulário costumam ter um caráter binário, do tipo certo ou errado. Já a discussão requer o entendimento e a elaboração do seu próprio pensamento, que às vezes é dificultado pela falta de compreensão da intencionalidade das palavras, dos gestos e da entonação do outro, conforme preceitua a ToM. A respeito dos temas relacionados ao TEA, o professor manifesta seu descontentamento em relação aos diagnósticos médicos tecnicistas que chegam à escola, pois, segundo ele, não fornecem aos docentes meios ou estratégias para o trabalho em sala de aula. Em contrapartida, o professor elogia o trabalho da SRG, que dá suporte efetivo ao trabalho de docentes e de seus aprendizes. Durante a entrevista, o docente também menciona algumas de suas práticas exitosas para se trabalhar com esses estudantes, entre as quais destacamos: colocar o aluno ao lado de outros colegas para fazer os exercícios, dar assistência personalizada em sala de aula, reestruturar as perguntas para alcançar melhor desempenho do aprendiz, posicionar o aluno próximo à mesa do professor, disponibilizar computador para atividades escritas e propor trabalhos em grupos com colegas já conhecidos do estudante. Assim, o professor promove a redução do filtro afetivo desses estudantes diagnosticados com TEA, facilitando o processo de ensino e aprendizagem de LE. Ainda sobre o TEA, o professor ressalta a importância de ele precisar explicar e deixar evidente seus comandos ao PP. Isso ocorre pelo fato de o estudante perceber, de forma consciente ou inconsciente, que a intencionalidade do outro (ToM) nem sempre é clara para ele. É interessante notar que essa dificuldade de compreensão é notória quando seus colegas de turma contam uma piada, até mesmo em português, e ele não a compreende, o que ocasiona alteração no seu estado de humor, já que ele fica, às vezes, nervoso por não entender a razão pela qual seus colegas estão rindo. Por fim, durante a entrevista, o docente destaca que para se trabalhar com alunos com laudo médico de TEA a partir da perspectiva da inclusão, é imprescindível que as turmas tenham número reduzido de alunos, como ocorre no curso de línguas da escola pública na qual o PP estuda. Dessa forma, o professor tem condições de fazer acompanhamento da evolução de cada aluno e de dar assistência aos que mais precisam de seu apoio. De acordo com o docente, a inclusão é benéfica tanto para alunos que apresentam alguma necessidade educacional especial quanto para outros estudantes. 203
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Considerações finais
A análise da expressão oral do PP, das notas de campo explicitadas e da entrevista realizada com o professor nos possibilitam refletir acerca do ensino e da aprendizagem de LE de um aluno diagnosticado com TEA. Os dados apresentados e analisados neste artigo apontam que a inclusão qualitativa no ensino de línguas é possível. Para tanto, é importante que professores de línguas compreendam o funcionamento de aspectos relacionados à linguagem, à comunicação e ao TEA. De acordo com as notas de campo apresentadas, podemos perceber que o professor, ainda que assista o estudante de forma personalizada, explica de forma geral para os alunos da turma as atividades propostas, o que favorece a integração e a inclusão do aprendiz. Durante o atendimento personalizado, o professor usa estratégias como tocar no ombro do aprendiz ou ficar ao seu lado para tranquilizá-lo, diminuindo o filtro afetivo do PP. Essa atitude do docente promove diminuição da ansiedade e condições para que o estudante desenvolva sua oralidade. Sobre a expressão oral do PP, destacamos que o aprendiz fala com tom de voz bastante alto em sala de aula, como estratégia para não se dispersar com outros estímulos ou pessoas, concentrando-se em seu discurso. Outra característica marcante de sua fala é a repetição de palavras ou termos (ecolalia) e o proferimento de respostas que não estão de acordo com a intencionalidade da pergunta do seu interlocutor (ToM). Posto isso, ressaltamos que é fundamental que professores que trabalham com alunos com laudo médico de TEA identifiquem características relacionadas ao processamento comunicacional desses estudantes, a fim de ministrar suas aulas em prol de estratégias que facilitem o ensino e a aprendizagem de LE. De acordo com a entrevista realizada, fica evidente que o PP apresenta dificuldades de compreensão da linguagem conotativa, uma vez que a literalidade discursiva faz parte de seu pensamento. Em relação à sua produção textual, por exemplo, podemos observar que o aprendiz tem mais facilidade na correção de exercícios binários, do tipo certo ou errado. Já a elaboração do pensamento a partir do discurso do outro é uma dificuldade latente, o que é explicado pela ToM. Sobre o atendimento ao aluno com TEA, ressaltamos a relevância do suporte que a SRG fornece aos alunos com necessidades educacionais especiais, aos seus responsáveis e aos professores. O atendimento especializado e individualizado da SRG do CIL de Brasília é fundamental para que a inclusão ocorra satisfatoriamente e o professor tenha melhores condições de trabalho com esses alunos. Acerca das estratégias de ensino para alunos com laudo médico de TEA, destacamos o posicionamento do estudante ao lado de aprendizes com os quais ele tenha mais afinidade, a assistência personalizada do professor regente e de profissionais da SRG, a disponibilização do computador para a execução de atividades, a estimulação de trabalhos em grupo, a confecção e a aplicação de atividades lúdicas que estimulem a comparação e a memória, o posicionamento da carteira do aluno próximo à mesa do professor regente 204
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e a constante insistência do docente em reestruturar suas perguntas e direcionamentos de atividades. No entanto, saliento que outras estratégias podem ser traçadas pelos professores de LE, tendo em vista a dinamicidade e a variabilidade do Espectro Autista. Ainda sobre o TEA, cabe ressaltar que é latente a dificuldade da previsibilidade do comportamento e da intencionalidade do outro (ToM) por alunos que apresentam sintomas do Espectro Autista. Por isso, cabe ao professor de LE procurar estratégias de ensino com a intenção de reelaborar ou de reestruturar tanto suas perguntas quanto o direcionamento instrucional das atividades propostas em sala de aula, a fim de auxiliar no surgimento de terreno mais adequado para o entendimento do outro, favorecendo a criação de contexto mais empático para esses alunos.
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O uso de tecnologias e o processo de ensino-aprendizagem do estudante com Síndrome de Down no contexto da diversidade da sala de aula Silvana Souza Silva Aves, Universidade de Brasília , Brasil Amaralina Miranda de Souza, Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: Diversidade; estratégias pedagógicas; tecnologias; Síndrome de Down.
Introdução
A
inclusão traz no seu bojo a discussão sobre o sistema de ensino e a sua estrutura fundamental que possa produzir reflexões a respeito da necessidade de trabalhar com a especificidade de demandas educacionais presentes no contexto da sala de aula, para responder ás demandas, não só dos estudantes com necessidades educacionais específicas, mas de todos os estudantes, na compreensão de que, como sugere Budel e Meier (2012 p. 2017), “Incluir não é inserir, incluir deve ser um tsunami que eleve e envolva a todos”. Este é o desafio do trabalho pedagógico envolver a todos numa relação ética com suas singularidades. Este estudo apontou para a compreensão de que o grande desafio da inclusão está na construção do trabalho pedagógico permeado pelo diálogo, a articulação, a reflexão e a ação dos professores, na construção de estratégias variadas, com o objetivo de atender às necessidades educacionais de todos os estudantes presentes na sala de aula. Nesse sentido este trabalho traz um recorte do estudo de mestrado, realizado no âmbito do Programa de Pós Graduação em Educação da UnB e tem como objetivo analisar os elementos necessários para a organização do trabalho pedagógico dos professores da Sala Regular e do AEE para favorecer o processo de ensino-aprendizagem de estudante com necessidades educacionais específicas na perspectiva da educação para todos.
Metodologia
Da necessidade de se analisar o trabalho pedagógico realizado, no contexto de uma sala de integração inversa, o estudo se orientou pela abordagem qualitativa, tendo o estudo de caso como estratégia metodológica, considerada adequada para responder aos objetivos da pesquisa, que envolveu um contexto em ação. Sua importância é conhecer o caso em si, como ele é e como se faz. Nesse trabalho o estudo é descritivo e de caso único. Tem como propósito de proporcionar a ampla descrição de um fenômeno em seu contexto. (GIL, 2009). 207
O uso de tecnologia s e o processo de... S. S. S. Aves e A. M. de Souza
Foram utilizadas como estratégias para coleta de dados: análise documental, observação participante, entrevista semiestruturada inicial e final com os participantes para identificar, descrever e analisar a organização do trabalho pedagógico no atendimento as singularidades de uma estudante com Síndrome de Down no contexto da diversidade de demandas educacionais presentes na turma observada. Atendendo aos objetivos da pesquisa para conhecimento de como acontece o trabalho pedagógico, foram realizadas as entrevistas semiestruturadas inicial com as professoras da Sala Regular, professora AEE e com os pais da estudante, bem como a observação participante no contexto da sala regular e na sala de recursos multifuncionais. Foi realizada a análise documental dos seguintes documentos: Projeto Político Pedagógico da Escola, Adequação curricular e relatórios do desempenho da estudante Laura desde o primeiro ano na escola e registro das atividades no diário da Sala de Recursos Multifuncionais. As entrevistas semiestruturadas iniciais, a observação participante e a análise documental aconteceram concomitantemente. A observação participante ocorreu no desenvolvimento das atividades planejadas no contexto da Sala Regular e na Sala de Recursos Multifuncionais e nos momentos de construção do planejamento articulado, sistematizado e retroalimentado.
Contexto da Pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola pública do Distrito Federal que oferta apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental (Primeiro ao quinto ano). A escola, à época, atendia 572 alunos distribuídos nas vinte duas turmas nos turnos matutino e vespertino.
Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos foram selecionados a partir dos critérios estabelecidos pela pesquisa, levando em consideração os objetivos do estudo. Nesse sentido, foram definido o perfil dos sujeitos envolvidos: duas professoras uma do ensino regular e outra do AEE, uma estudante com necessidades educacionais especificas com síndrome de Down atendida pelas duas professoras e seus pais.
Planejamento articulado
A construção do planejamento e a organização do tempo e espaço da sala de aula que favoreceram a participação de todos os estudantes no processo de ensino e aprendizagem serão descritos para as reflexões produzidas sobre os seus resultados. O primeiro encontro teve como objetivo elaborar o planejamento articulado de atendimento da estudante. Depois da análise da adequação curricular e do Plano AEE como orientadores do planejamento em ação, ficou decidido que seria elaborado outro planejamento orientado por alguns elementos constantes desses documentos, com o objetivo de favorecer os 208
Incl ussão e ensino
pontos voltados para um trabalho colaborativo de articulação das ações das duas professoras. Apresenta-se, a seguir, a sistematização dos pontos mencionados que nortearam a mediação articulada das duas professoras no atendimento às demandas especificas da estudante: Quadro 1 - Pontos do registro da mediação articulada das professoras de AEE e da Sala Regular Pontos do planejamento articulado
Objetivos
1 – Descrição do desenvolvimento da vida escolar do estudante
Descrever o desenvolvimento escolar da estudante na perspectiva das duas professoras.
3 – Principais necessidades da estudante para serem trabalhadas.
Especificar as necessidades que na visão das Professoras são prioritárias
2 – Potencialidades e necessidades da estudante: Desenvolvimento psicomotor, afetivo, cognitivo, linguagem, aprendizagem, raciocínio lógico matemático.
Conhecer as necessidades e potencialidades da estudante.
4 – Objetivos convergentes e articulados do professor da Sala Regular e professor da sala de recursos.
Sistematizar e articular os objetivos em relação ao conhecimento mediado.
6 – Seleção de recursos de baixa e alta tecnologia.
Definir os recursos para orientar o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com o estudante.
8 – Definição de datas para retroalimentação do plano
Definir datas para retroalimentar o plano com as avaliações das ações e desenvolvimento da estudante.
5 – Organização do espaço de sala de recursos multifuncional e sala regular na busca dos objetivos: atividades pedagógicas a serem desenvolvidas nos dois ambientes. 7 – Envolvimento de outros profissionais no desenvolvimento do plano: coordenação pedagógica, fonoaudióloga, orientação.
Organizar os espaços pedagógicos.
Articular com outros profissionais para troca de conhecimento e ações pedagógicas
Fonte: Quadro elaborado pela autora para este trabalho.
É importante registrar que o trabalho de elaboração desse planejamento com as professoras foi permeado por questionamentos, desabafos, conhecimentos das singularidades das demandas educacionais, informações
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divergentes e convergentes sobre a estudante e o trabalho pedagógico a ser realizado; construção de ações pedagógicas no atendimento ás necessidades educacionais específicas da estudante e da diversidade de desenvolvimento e aprendizagem presentes no contexto escolar em estudo. Espaço e tempo importantes de diálogo e construção na afirmação da intencionalidade pedagógica buscada pela pesquisa que foram fundamentais para viabilização de todas as ações a serem realizadas. Os tópicos desse planejamento foram discutidos, direcionados e registrados no primeiro dia de planejamento. A partir do que foi identificado organizou-se a ação interventiva, considerando o tempo e o espaço da sala de aula com estratégias pensadas para melhor atender as necessidades e potencialidades, não só da estudante com necessidades educacionais especificas participante da pesquisa, mas dos demais estudantes integrantes da turma. No primeiro planejamento registrou-se que as discussões eram direcionadas pelos professores somente para atender às necessidades da estudante, ou seja, ás suas dificuldades. Ficava claro que havia uma culpabilização pela não aprendizagem que era delegada á estudante e à sua família. Registrou-se que as professoras demonstravam dificuldades para descrever as potencialidades da estudante, bem como para proporem estratégias de atendimento ás suas demandas educacionais. Com o trabalho colaborativo e as reflexões sobre as especificidades das demandas educacionais da estudante foram discutidas, estratégias de intervenção pedagógica para favorecer o processo de ensino- aprendizagem, considerando as suas principais dificuldades, entre elas a linguagem receptiva e expressiva1 que demandaram a necessidade de planejamento de ações articulas entre as duas professoras, nesse caso com a participação da pesquisadora. Assim foram elaboradas ações pedagógicas para o atendimento as especificidades das demandas não só da estudante, mas da turma incluindo a organização do tempo e espaço da sala de aula. Ficaram definidos no planejamento os objetivos convergentes das duas professoras, assim como cada espaço com os seus recursos de baixa e alta tecnologia poderiam estar organizados para apoiar o processo de ensino- aprendizagem da estudante. Nessa perspectiva, foi elaborado o planejamento onde cada professora elegeu suas estratégias de intervenção de forma articulada utilizando o espaço e o tempo das coordenações individuais e em muitos momentos a pesquisadora era solicitada a contribuir na dinâmica desse trabalho. Ficaram definidos no planejamento os objetivos convergentes e como cada espaço com os seus recursos de baixa e alta tecnologia poderiam estar organizados para atender as demandas especificas da estudante. No primeiro encontro para retroalimentação do planejamento em ação, a professora Ana2 destacou, aspectos como: a organização dos momentos 1 Segundo Ferreira; Ferreira; Oliveira o desenvolvimento da linguagem é dividido em duas áreas: linguagem receptiva e expressiva. Linguagem receptiva compreende gestos e palavras. Linguagem expressiva consiste na possibilidade de usar gestos, palavras, símbolos escritos e outros signos para a comunicação. Devido a Trissomia do Cromossomo 21, a criança com Síndrome de Down tem afetado o seu desenvolvimento da linguagem expressiva. 2 Nome fictício para preservar a identidade da participante
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da sala de aula que atendeu às necessidades de todos os estudantes e dela própria; maior envolvimento e participação da estudante Laura nas atividades propostas. Nesta retroalimentação do plano as professoras começaram a destacar as ações pedagógicas para atender a todos os estudantes. No segundo encontro para avaliação e retroalimentação do Planejamento o foco da discussão foram os avanços da estudante e a criação de estratégias, com foco nas suas potencialidades, com a atenção voltada para aspectos importantes a serem considerados no planejamento da ação pedagógica articulada, a saber:
a) Organização do espaço e do tempo escolar
Foi discutido durante o planejamento como seria a organização dos espaços de aprendizagem: Sala de Recursos Multifuncionais e Sala Regular, bem como a organização dos recursos de baixa e alta tecnologia que poderiam ser utilizados para favorecer a aprendizagem significativa de forma individual na Sala de Recursos Multifuncional e de forma coletiva na sala regular. Compreende-se que cada espaço de aprendizagem demanda mediações específicas no sentido de que na sala de Recursos Multifuncional o atendimento é mais individualizado e na Sala regular o atendimento é mais coletivo. A professora regente enfatizou que o seu grande desafio não é só atender as demandas especificas dessa estudante, mas também dos demais estudantes da turma. Desse modo, houve a necessidade da organização da sala regular para atender à diversidade de demandas educacionais específicas presente em sala de aula.
b) A rotina estabelecida no planejamento
Através de momentos se constituiu um orientador para a professora regente na organização do tempo e espaço da sala regular para o atendimento aos diferentes ritmos e tempos de aprendizagem e na organização do tempo e espaço. Os momentos foram planejados da seguinte forma: atividades abordadas no coletivo onde todos pudessem participar no grupo, em seguida atividades específicas para atender as necessidades do estudante a partir da atividade no coletivo elaborado segundo o nível de aprendizagem de cada estudante, e por último utilização de recursos de baixa tecnologia para manter a estudante participando das atividades pedagógicas. Com essa organização a estudante estava sendo solicitada a participar mais das atividades e a princípio percebeu-se no comportamento da estudante resistência as mediações da professora e a nova organização do espaço da sala de aula, mas depois observou-se o seu envolvimento na realização das atividades propostas no coletivo, no grupo e individualmente. Os encaminhamentos de propostas de atividades eram para toda turma, a partir do que estava sendo elaborado no coletivo. Dessa forma, a estudante sujeito da pesquisa foi envolvida igualmente aos demais estudantes.
c) As mediações articuladas das professoras
Percebeu-se que as mediações da professora da sala regular estavam acontecendo a partir de uma nova perspectiva da estudante construir e participar do processo de aprendizagem junto com seus colegas. A estudante com 211
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necessidade educacional específica era agrupada com o seu colega para realização das atividades pelo nível de construção do seu conhecimento da escrita e ou de número e não pela sua necessidade educacional específica. Foi possível verificar nas mediações realizadas pela professora regente na sala regular a preocupação em atender as diferentes demandas educacionais com o foco de que eram as suas ações que necessitavam ser reformuladas e reorganizadas o tempo todo. Percebeu-se durante as observações que a ênfase não era mais o comportamento da estudante, mas como o espaço poderia estar organizado para atender a demanda de todos. O gráfico a seguir apresenta os elementos fundamentais utilizados para a construção de estratégias pedagógicas com a utilização de recursos de apoio diversos para a dinamização do processo ensino-aprendizagem no contexto da sala de aula inclusiva.
Gráfico 1. Planejamento e Ações
Fonte: Gráfico elaborado pela autora mediante trabalho realizado na pesquisa 212
Incl ussão e ensino
O gráfico representa os elementos fundamentais do planejamento articulado. Inicia-se com o conhecimento das singularidades da estudante à criação de estratégias, utilização de recursos de baixa e alta tecnologia e organização do tempo e espaço dos ambientes de aprendizagem.
Discussão dos resultados
A intencionalidade da organização do contexto escolar a partir de um planejamento para o atendimento as necessidades educacionais dos estudantes no contexto realiza-se a partir de reflexões, debates, conhecimentos das especificidades dos estudantes e organização de recursos tecnológicos, do espaço e tempo em sala de aula. Situação que Freire (1987) pontua quando indica que o contexto escolar é lugar de encontro permeado pelo diálogo e solidariza o refletir e o agir e não se reduz a simples trocas de ideias a serem simplesmente absorvidas. O grande avanço desse diálogo articulado e sistematizado foi para além de atender somente às necessidades educacionais específicas da estudante, mas de todos os outros estudantes numa atitude ética e estética de encontrar ações pedagógicas para atender à diversidade da turma. Mantoan (2004) pontua que as escolas devem estar organizadas em função de atender todos os estudantes. Nessa perspectiva, o planejamento articulado e sistematizado reforça a ideia, portanto, de que a intencionalidade pedagógica se concretiza através do diálogo com compromisso direcionado para a criação de estratégias para melhor atender à diversidade presente no contexto escolar. Observou-se que Laura demonstrou sentir-se pertencente ao grupo, pois estava participando das atividades que despertaram seu interesse e envolvimento respeitando suas possibilidades para também contribuir com o grupo. A esse respeito Poulin e Figueiredo (2015) explicam: A ação educativa do professor deve se construir de uma reflexão, permitindo que cada membro desta comunidade de alunos descubra gradualmente a importância da sua própria participação ou a contribuição para si e para os outros no desenvolvimento do grupo. (POULIN; FIGUEIREDO, 2015. p. 30.628)
Foi possível verificar nas mediações realizadas pela professora regente na sala regular a preocupação em atender as diferentes demandas educacionais com o foco de que eram as suas ações que necessitavam ser reformuladas e reorganizadas o tempo todo. Nesse sentido as mediações passaram a priorizar a escuta e o diálogo com os estudantes em um processo de respeito. Para Freire (2014) o espaço pedagógico deve ser “lido”, “interpretado”, “escrito” e “reescrito” em um processo dinâmico, onde os princípios éticos e estéticos estejam presentes na relação entre os professores e estudantes. Com a organização dos recursos tecnológicos de baixa e alta tecnologia, do espaço e tempo da sala de aula foi possível perceber que todos os estudantes encontravam caminhos no seu processo de aprendizagem. Nesse 213
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sentido Vigotski (1997) reforça que as leis de desenvolvimento são as mesmas para todas as crianças, o que muda são os caminhos para alcançar esse desenvolvimento.
Conclusão
O estudo trouxe a reflexão da necessidade da construção de ações pedagógicas articuladas e colaborativas voltadas para o atendimento à diversidade de demandas educacionais presente em sala de aula. Pode-se registrar, de forma resumida, que houve um avanço na organização do trabalho pedagógico, a partir da intencionalidade do planejamento. O que no primeiro momento era enfatizado somente as necessidades e limitações da estudante, no último planejamento observado, foram considerados as potencialidades e a criação de estratégias para atender as demandas. Foi possível constatar que as mediações realizadas pela professora na sala de aula possibilitaram avanços no trabalho pedagógico que repercutiram nas intervenções pedagógicas das duas professoras, bem como na motivação e interesse da estudante diante das situações de aprendizagem proposta e organizada para o grupo. Foi possível identificar através da observação participante a preocupação da professora da sala regular em atender às necessidades da estudante com necessidades educacionais específicas a partir de um novo olhar. O foco não era mais somente o comportamento da estudante, mas como poderia se propor situações de aprendizagem com a clareza que tinha objetivos traçados e que não estava sozinha neste trabalho. Passou-se da formalização para a vivência do que foi sistematizado. O que foi construído durante o planejamento não se pode considerar como uma receita de bolo ou ainda recomendações sumária para todos os casos, mas uma reflexão e uma perspectiva para atenção em outras realidades de no sentido de que a construção de práticas pedagógicas no atendimento à diversidade é possível a partir de um diálogo permeado por informações troca de experiências e colaboração. Os elementos fundamentais do planejamento passam pela escuta e conhecimento das singularidades dos estudantes até a organização do espaço e tempo da sala de aula. Conhecer o outro na sua singularidade é uma atitude ética diante das diferenças, que nos torna sempre únicos e que a organização do espaço social possibilita situações reais de desenvolvimento para TODOS.
Referências
BUDEL, Gislaine Coimbra; MEIER, Marcos. Mediação da aprendizagem na educação especial. Curitiba: Intersaberes, 2012. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. 214
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GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas da pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2009. MANTOAN, Maria Teresa Égler. O direito a diferença nas escolas: questões sobre a inclusão escolar de pessoas com e sem deficiência, Revista de Educação Especial, v. 23, 2004. POULIN, Jean-Robert; FIGUEIREDO, Francileide Vieira de. Interação social de educação inclusiva. XII Congresso Nacional de Educação. Paraná: PUCPR. 2015. p. 30628-30631. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2015. VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Fundamentos da defectologia - Obras completas - Tomo cinco. Cuba: Editorial Pueblo Y Educación, 1997.
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Estudantes com Autismo na Educação Superior
A experiência da Universidade de Brasília - Brasil Thaís Kristosch Imperatori, Universidade de Brasília, Brasil José Roberto Fonseca Vieira, Universidade de Brasília, Brasil Jeanne Michelle Matozinhos de Carvalho Ferreira, Universidade de Brasília, Brasil Palavras-chave: educação superior; universidade; autismo.
Introdução
A
Constituição Federal de 1988 reconhece o direito ao atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Tem-se aí o compromisso com a educação inclusiva, que foi regulamentada posteriormente por diversas legislações, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) e a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Decreto nº 3.298/99). Em 2005, foi lançado o Programa Incluir – acessibilidade na educação superior, considerado a primeira política pública direcionada especificamente para o atendimento de estudantes com deficiência neste nível de ensino (Garcia & Michels, 2011). Por meio de chamadas públicas as instituições de educação superior (IES) apresentavam projetos com o objetivo de criar e/ou reestruturar núcleos de acessibilidade de modo a promover a eliminação de barreiras físicas e pedagógicas nas comunicações e informações, nos ambientes, instalações, equipamentos e materiais didáticos. As propostas selecionadas recebiam recursos do Ministério da Educação para efetivar ações no campo da acessibilidade (Ciantelli & Leite, 2016). Segundo Anache, Rovetto e Oliveira (2014), trata-se de uma ação afirmativa que visa promover o cumprimento dos requisitos legais de acessibilidade e garantir o acesso e a permanência de alunos com deficiência em igualdade de oportunidades. Em 2011, o Programa Incluir foi incorporado ao Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limites, que passou a realizar o repasse de recurso financeiro diretamente na matriz orçamentária das instituições a partir do número de matrículas (Brasil, 2013). Cabe destacar dois decretos que também tratam da inclusão de estudantes com deficiência na educação superior. O primeiro é o Decreto nº 7.234/2010, que inseriu o acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação como ação de assistência estudantil1. É importante 1 O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) tem como objetivos: democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior; minimizar os efeitos de desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; reduzir
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Estud antes com Autismo na Educação Superior. T. K. Imperat ori et al.
observar a inclusão explícita das pessoas com transtornos globais do desenvolvimento2. Assim, elas deixaram de ser classificadas na categoria “outros” (Castro, 2011) e tornaram-se público-alvo dos núcleos de acessibilidade. O segundo é o Decreto nº 7.611/2011, que estabeleceu as atribuições dos núcleos de acessibilidade no atendimento aos estudantes com deficiência: “Art. 5º [...] §5º Os núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior visam eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência”. De acordo com Ciantelli e Leite (2016), a promulgação de normativas expressa a preocupação por parte do Estado brasileiro em orientar as IES na criação de medidas institucionais para o acesso e a permanência desse público na educação superior. Destaca-se que a ampliação das políticas de inclusão e de assistência estudantil para pessoas com deficiência é apresentada como meta do Plano Nacional de Educação do período 2014 a 2024, aprovado pela Lei nº 13.005/2014. Esta questão foi ainda tratada na Lei nº 13.146/2015, chamada Lei Brasileira de Inclusão, que especifica medidas a serem adotadas nos processos seletivos para ingresso na educação superior visando a igualdade de oportunidade e condições com as demais pessoas; e na Lei nº 13.409/2016, a qual inclui as pessoas com deficiência na chamada Lei de Cotas para ingresso nas instituições federais de ensino superior. A ampliação de garantias legais aponta para a construção de um novo cenário. As matrículas de pessoas com deficiência na educação superior aumentaram significativamente nos últimos anos no Brasil, passando de 20.530, em 2009, para 35.891, em 2016. O maior quantitativo refere-se a estudantes com deficiência física, 12.784, seguido por baixa visão, 11,037. Os estudantes com autismo somam 642, sendo 255 com autismo infantil, 233 com Síndrome de Asperger, 103 com Transtorno Desintegrativo da Infância e 51 com Síndrome de Rett (INEP, 2017). Apesar do crescimento das pesquisas realizadas sobre a inclusão de estudantes com deficiência nas universidades (Castro, 2011; Oliveira et al, 2016; Anache, Rovetto & Oliveira, 2014), observa-se uma carência de estudos e dados referentes a realidade dos alunos com autismo, que ainda se centram nos processos escolares iniciais (Nunes, Azevedo & Schmidt, 2013; Silvestre & Vestena, 2015; Guedes & Tada, 2015). A proposta do presente artigo é contribuir com reflexões a partir da experiência vivenciada na Universidade de Brasília (UnB).
taxas de retenção e evasão; e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação. Para tanto, suas ações englobam as áreas de moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico, além daquelas destinadas aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação. 2 A classificação Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) é apresentada no Código Internacional de Doenças (CID-10) e engloba Autismo infantil, Autismo atípico, Síndrome de Rett, Síndrome de Asperger, entre outros. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) trouxe mudanças nos critérios diagnósticos de autismo e alterou a nomenclatura para Transtorno do Espectro Autista (TEA).
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Metodologia
Incl ussão e ensino
Esta pesquisa utilizou os dados dos estudantes com autismo cadastrados na Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência (PPNE)3 da UnB no segundo semestre de 2017. Criado em 1999, o PPNE tem o objetivo de estabelecer uma política de atenção permanente às pessoas com necessidades especiais na instituição (Souza, Soares & Evangelista, 2003). O público-alvo inclui estudantes com deficiências física, visual, auditiva, intelectual e múltipla, autismo, dislexia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O cadastro no PPNE é facultativo e exige apresentação de relatório médico que ateste a deficiência e/ou necessidade especial. Também é realizada uma entrevista de acolhimento com a equipe da Coordenação que visa compreender os elementos sociais do processo de ingresso e permanência do discente na universidade, dentre eles, trajetória acadêmica, situação socioeconômica e de saúde, e rede de apoio sociofamiliar. Busca-se um atendimento personalizado e que garanta acesso a serviços e direitos acadêmicos. A pesquisa documental foi realizada a partir de consulta no arquivo do PPNE, a qual se soma à experiência profissional dos autores por meio do acompanhamento acadêmico desenvolvido com os estudantes, reuniões realizadas com professores e coordenadores de curso e atendimentos a familiares e colegas dos discentes.
O perfil dos estudantes
No segundo semestre de 2017 estavam matriculados 17 estudantes com autismo na UnB. As idades dos alunos variam entre 18 e 27 anos, sendo que 70,5% tem de 21 a 25. Em relação ao sexo, a maioria é do sexo masculino, 82%. Quanto ao período de ingresso na UnB, todos ingressaram na Universidade após 2011, sendo 2014 o ano com maior quantidade de novos estudantes, 6, seguido por 2015 e 2017, com 3 cada um. Em relação aos cursos, é possível identificar uma grande diversidade: Arquitetura e urbanismo; Artes plásticas; Biotecnologia; Ciências Biológicas; Ciência da Computação; Ciências Econômicas; Ciências Sociais; Design; Engenharia Civil; Engenharia da Computação; Engenharia de Redes de Comunicação; Estatística; Geografia; Gestão do Agronegócio; História; Línguas Estrangeiras Aplicadas; e Museologia. Cabe observar que cinco estudantes ingressaram mais de uma vez na Universidade, porém, em nenhum destes casos os estudantes concluíram seu primeiro curso.
Análise dos dados
Entendemos que há uma trajetória acadêmica anterior à chegada dos estudantes na universidade, ou seja, foi percorrido um caminho no sistema
3 O Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais foi transformado na referida Coordenação no segundo semestre de 2017 por meio de Ato da Reitoria, sendo mantida a mesma sigla por já ser conhecida interna e externamente à universidade.
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de ensino (Ferreira, 2007). Isso implica o desenvolvimento de estratégias de estudo e de realização das atividades escolares. Entretanto, a educação superior apresenta novos desafios principalmente em relação à autonomia dada aos discentes e seu protagonismo na tomada de decisões. Tais desafios se expressam nas práticas cotidianas em sala de aula, na relação entre professor, estudantes e outros profissionais das IES e no respeito e acolhimento às diferenças (Ferrari & Sekkel, 2007). As situações vivenciadas pelos estudantes com autismo na UnB, assim como suas demandas e as ações realizadas para o seu atendimento, foram analisadas a partir de três dimensões: ambiente universitário; relações com colegas e professores; e atividades acadêmicas.
Ambiente universitário:
Por ambiente universitário compreendemos a estrutura física da universidade e as formas de acesso aos seus espaços. Os casos analisados mostram que o processo de adaptação à nova rotina, principalmente nos primeiros semestres após o ingresso na universidade, são os mais difíceis. Nunes e Araújo (2013, p. 197) apresentam as dificuldades vivenciadas por estudantes com autismo no início do semestre universitário: “O contexto não familiar, as disciplinas novas, colegas e professores desconhecidos causam, de modo geral, extrema ansiedade no aluno com SA (Síndrome de Asperger)”. Estas situações também foram encontradas na realidade da UnB. Localizar-se no campus, conseguir ir de uma sala a outra com autonomia, escolher uma carteira para sentar-se em sala de aula e lidar com turmas com grande quantidade de estudantes são os principais aspectos mencionados pelos alunos com autismo como geradores de estresse e ansiedade. Em relação à locomoção até o campus¸ observa-se que inicialmente é comum os discentes estarem acompanhados por familiares, passando a irem à universidade sozinhos no decorrer do curso. Em um dos casos analisados, houve o apoio profissional de psicólogos no desenvolvimento de habilidades que permitissem que o estudante aprendesse a utilizar transporte coletivo e tivesse maior autonomia para ir à universidade. O mesmo ocorre na locomoção interna ao campus4. A estrutura do campus universitário, com seus diversos prédios e grande fluxo de pessoas, por vezes, é um fator que causa desconforto nos estudantes com autismo. Nesse sentido, é possível identificar demandas por estudar em local protegido de barulho, salas com reduzida quantidade de alunos e reserva de assento na frente da sala para evitar distrações. Essas estratégias foram, em alguns casos, utilizadas durante a vivência escolar anterior e adequadas para o contexto universitário a fim de que os discentes se sentissem mais confortáveis em relação ao novo ambiente e obtivessem um melhor desempenho acadêmico.
4 A UnB possui quatro campus universitários: Darcy Ribeiro, Gama, Planaltina e Ceilândia. Todos os estudantes com autismo estão matriculados no campus Darcy Ribeiro, no qual o PPNE está localizado. Este é o campus mais antigo da Universidade e que concentra maior quantidade de cursos.
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Relações com professores e colegas:
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Para além de uma estrutura física adequada, conhecer as normas da instituição, as regras de convivência e construir vínculo com a equipe do PPNE, professores, coordenadores de curso e colegas, é essencial para que os discentes possam se sentir seguros e desenvolver sua autonomia. Assim, tratar das relações sociais que permeiam o processo universitário é imprescindível. Cabe notar que nos primeiros semestres após o ingresso dos discentes com autismo na Universidade, é significativa a presença de pais e/ou familiares em geral motivados por insegurança com o novo contexto e a busca por garantir proteção ao estudante. Inclusive foram registradas situações em que os familiares mediaram as relações com os professores e os colegas. Entretanto, observa-se que, na maioria dos casos, com o desenvolvimento dessa rede de apoio o estudante torna-se cada vez mais protagonista de tais relações. A realização de matrícula é o primeiro processo que exige a ação do discente. Isso porque deve ser realizado diretamente pelo estudante em um prazo previamente estabelecido no calendário acadêmico. As dúvidas sobre as disciplinas a serem cursadas, a escolha da turma mais adequada e, em alguns casos, dos professores que já possuem experiência com estudantes com deficiência, foi sendo amenizada com informação e orientação sobre os procedimentos acadêmicos. O quantitativo de disciplinas cursadas por semestre é variável. Foram encontradas situações diversas uma vez que para além da carga horária em sala de aula devem ser consideradas o interesse e a afinidade com determinado conteúdo e a realização de atividades extraclasse como leituras, resoluções de exercícios, pesquisas, entre outros. Cabe mencionar que a Resolução CEPE nº 048/2003, que dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares com necessidades especiais da UnB, prevê a possibilidade de prorrogação no prazo de permanência nos cursos. Desse modo, caso haja necessidade, o estudante com autismo pode se matricular em um menor número de disciplinas em relação ao previsto no currículo do curso por semestre. Percebe-se que há uma maior possibilidade dos estudantes exporem suas dificuldades acadêmicas a professores do que a colegas apesar de em alguns casos também expressarem medo de estigma ou de serem tratados de forma diferente. Ferrari (2016) relatou o caso de um estudante com autismo na Universidade Federal do Paraná que optou por não concorrer a vaga destinada a pessoas com deficiência no processo seletivo por ter medo de sofrer preconceito e pela falsa-crença de que a universidade não o aceitaria. Uma das ações do PPNE que auxilia esse processo de diálogo entre estudantes e professores é a elaboração de uma carta de apresentação, entregue ao docente pelo próprio estudante, na qual são sugeridas brevemente adaptações acadêmicas. Entende-se que cabe ao professor analisar quais as especificidades da sua disciplina e as possibilidades a serem construídas no processo de ensino/aprendizagem. 221
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As realização de reuniões entre equipe do PPNE, coordenadores de curso e professores são outro recurso utilizado no processo de inclusão e construção conjunta de atendimento a estudantes com deficiência. Elas ocorreram sempre mediante solicitação dos alunos e, em geral, após estes manifestarem dificuldades em compreender os conteúdos ou terem obtidos notas inferiores ao mínimo exigido para aprovação em avaliações. Na maioria dos casos, os professores se mostraram sensíveis às particularidades dos estudantes durante as conversas e receptivos ao diálogo. Percebe-se o desconhecimento dos docentes sobre o que é autismo e suas repercussões para a vivência acadêmica, assim como de métodos de ensino e avaliação mais flexíveis. Ferrari (2016) aponta que os docentes, mesmo aqueles de áreas de licenciatura, ainda não estão preparados para lidar com estudantes com deficiência e destaca que o diálogo entre os profissionais de apoio acadêmico e os docentes é fundamental para a construção de estratégias metodológicas que sejam mais inclusivas. Conforme Pieczkowski (2016), o contato com estudantes com deficiência foi uma possibilidade para muitos professores reavaliarem suas práticas em sala de aula. Este processo também foi identificado em alguns casos com docentes da UnB, que passaram a pensar em outras formas de avaliação para seus estudantes a exemplo da aplicação de trabalhos complementares e provas substitutivas. Observou-se que o apoio de colegas é de fundamental importância para a permanência dos estudantes com autismo na Universidade. Isso ocorre tanto no apoio para a realização de atividades acadêmicas quanto para a socialização. Entretanto, na maioria das vezes os estudantes não se sentem confortáveis de comentarem com colegas que possuem autismo. Segundo os relatos dos estudantes as principais dificuldades no convívio com colegas referem-se ao estabelecimento de vínculos de amizade, busca por interesses comuns e o desenvolvimento de uma conversa. Este último também foi apontado por Nunes e Araújo (2013). Segundo os autores, a conversação flui melhor se for do tema de interesse do estudante com autismo e não houver o uso de mensagens figurativas e não literais. O Programa de Tutoria Especial (PTE)5 contribui para o fortalecimento de vínculos interpessoais entre o estudante com autismo e seus colegas uma vez que tem como base o desenvolvimento de atividades acadêmicas conjuntas. Neste processo, cabe ao próprio estudante a indicação do colega que o acompanhará no decorrer da disciplina.
Atividades acadêmicas
As atividades acadêmicas referem-se à frequência nas aulas; rotina de estudos a exemplo de realização de leituras e aprimoramento de escrita, resolução de exercícios, acesso às plataformas de aprendizagem virtual; e
5 De acordo com a Resolução CEPE nº 10/2007, o PTE consiste no apoio acadêmico a estudantes com necessidades educacionais especiais, realizado por estudante da Universidade, sob a supervisor do professor da respectiva disciplina e da sua Unidade Acadêmica, com o acompanhamento do PPNE, da Diretoria de Acompanhamento e Integração Acadêmica do Decanato de Ensino de Graduação (DAIA/DEG) e do Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPP).
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realização de métodos avaliativos em geral, dentre eles, provas, atividades práticas, elaboração de relatórios e apresentação de seminários. No contexto universitário os estudantes tem um maior número de disciplinas e professores ao longo do curso, que utilizam métodos didáticos diversos. Enquanto que no sistema básico de educação os conteúdos são previamente definidos, os cursos da UnB não possuem grade curricular fechada, o que permite que o estudante escolha as disciplinas que irá cursar6. Em atendimentos realizados no PPNE, alguns estudantes afirmaram que se todos os docentes seguissem o mesmo padrão seria mais fácil saber como seriam avaliados e, consequentemente, se prepararem para as avaliações. De acordo com Nunes e Araújo (2013), ansiedade e dificuldade em funções como planejar, priorizar e selecionar, comuns a pessoas com autismo, podem prejudicar a realização de tarefas e cumprimento de prazos. O diálogo com os professores, assim como o acompanhamento sistemático ao longo da disciplina, tornam-se aliados no processo educativo e possibilitam melhor desempenho acadêmico. Pode-se citar como exemplo a alteração da metodologia utilizada por um professor, que consistia na entrega de um único trabalho completo ao final do semestre, por atividades parciais permitindo a avaliação no decorrer do período e um melhor direcionamento em relação a organização de ideias e estruturação de textos escritos. Para a maioria dos estudantes realizar apresentação de trabalhos orais é fator de ansiedade e tensão. Há também relatos de dificuldades na realização de trabalhos em grupo. Nesses casos, cabe ao professor analisar a pertinência destas formas de avaliação e, quando necessário, propor sua substituição.
Considerações finais
Este artigo buscou apresentar os desafios para a inclusão de estudantes com autismo na educação superior a partir da experiência vivenciada na UnB. Percebemos que a chegada deste público à Universidade nos anos 2010 tem levado a comunidade acadêmica a refletir e a propor ações que garantam o ingresso, a permanência e a diplomação na perspectiva da educação inclusiva. Tem-se, para além do marco legal e normativo, o desafio de se materializar práticas cotidianas abertas à diversidade. Isso significa ir para além do contexto de sala de aula e considerar o ambiente universitário e as relações sociais estabelecidas entre estudantes, professores, coordenadores, colegas e PPNE. Soma-se a isto atividades acadêmicas que sejam comprometidas com as especificidades dos estudantes.
6 As disciplinas do currículo dos cursos de graduação da UnB são categorizadas como obrigatórias, optativas e de módulo livre. As obrigatórias são aquelas que o estudante deverá ser matriculado e aprovado para integralização curricular do curso; as optativas são escolhidas pelo estudante dentro de uma lista ofertada pelo próprio departamento do curso ou por outros; e as de módulo livre, por sua vez, não são de abrangência restrita e não constam no currículo do curso. Dentre as disciplinas de módulo livre com maior demanda por matrícula estão as de idiomas e práticas desportivas.
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Dada a escassez de estudos sobre esta temática, ainda é necessário aprofundar estas análises que aqui foram realizadas de forma exploratória. Algumas propostas de futuras pesquisas a serem desenvolvidas referem-se ao conhecimento dos professores universitários sobre autismo e propostas de formação continuada; preconceito e relação entre estudante com autismo e seus colegas; e as mudanças na dinâmica familiar após o ingresso de um jovem com autismo na universidade.
Referências
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226
Inclusão de crianças com diagnóstico de paralisia cerebral Contribuição do trabalho em rede
Larisse Junqueira Mendes de Carvalho, Unicamp, Brasil Cecília Guarnieri Batista, Unicamp, Brasil Palavras-chave: Paralisia Cerebral. Trabalho em Rede. Educação Inclusiva.
Introdução
A
inclusão escolar de crianças com paralisia cerebral é um tema a muito discutido, por implicar e demandar mudanças no ambiente escolar e ao seu entorno. Diante dessa perspectiva, a articulação e formação de uma rede entre profissionais da Educação, Saúde e família é algo a ser pensado e elaborado, pois requer de todos os envolvidos um trabalho intenso que assegure a criança o direito à educação. No Brasil, a política de inclusão abre uma reflexão tornando-se objeto de pesquisa sobre a reformulação de práticas que necessitam ser adotadas no cotidiano escolar dos alunos com deficiência, porém visto ser um direito já consagrado legalmente, ainda segue-se frágil na prática, o que os fazem permanecer invisíveis nas salas de aula e no acesso à educação. Segundo Amiralian (2003), a inclusão é um movimento social que vem ocorrendo em diferentes partes do mundo, abrangendo todos os segmentos da sociedade contemporânea, evidenciando, assim, a sua amplitude. Nesta perspectiva, os movimentos sociais que politizam as diferenças, colocando-as no centro da luta pelo reconhecimento de direitos, têm um papel fundamental na construção de sociedades mais humanizadas. Com a implementação das políticas públicas de inclusão escolar, houve um aumento significativo no número de alunos com deficiência nas escolas regulares. Entretanto, são apontados problemas na implantação da política de inclusão (Matos e Mendes,2014). Diante desse quadro, tratar as condições necessárias para garantir o direito à educação dos alunos com deficiência no país significa refletir acerca da proposta de inclusão escolar e sobre a realidade da atual política nacional na perspectiva inclusiva. Não bastam leis que garantam a inclusão do aluno com deficiência nas escolas, são necessárias mudanças no sistema escolar, de modo a realmente atender aos objetivos enunciados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDBEN. É necessário que se criem caminhos abrangentes para todos os alunos, repensando mudanças pedagógicas, estruturais, arquitetônicas, criação de salas multifuncionais, capacitação do docente, ou seja, ressignificar a educação na atual perspectiva. Além disso, é preciso respeitar diferenças e promover o ensino igualitário. Desta forma, a educação inclusiva realmente será aprimorada. 227
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
As políticas públicas baseiam-se em um ideal de democracia, cujo principal objetivo é a efetiva ampliação de oportunidades para essa população marginalizada que precisa se constituir na sociedade. Outras considerações também são feitas por Freitas (2010), que salienta que a estrutura escolar foi historicamente construída com base no conceito de normalidade, mas que destaca como problema central a compatibilização entre uma realidade heterogênea e as práticas “normalizadoras”, em moldes que não estão preparados para a diversidade e a diferença. Neste sentido pergunta-se: como assegurar os direitos educacionais das pessoas com deficiência no contexto brasileiro? Discutir sobre as condições necessárias para se garantir o direito à educação da população atendida pela educação especial no país, hoje, significa refletir acerca da proposta de inclusão escolar desses alunos, mais especificamente sobre a política que induz à sua escolarização nas classes comuns das escolas regulares e sobre a realidade da atual política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva (Matos e Mendes, 2014,). Recentemente, o Brasil aprovou a Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, instituindo a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiências) de modo a assegurar e promover o exercício dos direitos e liberdades fundamentais desses indivíduos, representando um avanço no que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiências na sociedade (Brasil,2015). Esta lei reafirma no art. 27, Capítulo IV que: A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (Brasil,2015).
Constata-se a existência de legislação e de inquietações quanto à viabilização de uma educação inclusiva que se baseie nas transformações de paradigmas, nas mudanças relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem, na integração de saberes e nas redes de conhecimento que se formam (Freitas,2010) . Para isso, a proposta de um currículo inclusivo tende a fortalecer o aluno quanto aos seus direitos e coloca como dever das escolas a garantia da aprendizagem, em respeito às singularidades de cada indivíduo (Faria e Cavalcante,2015). Um aspecto a destacar, nesse contexto, refere-se às atitudes das pessoas em relação aos indivíduos com deficiência, um dos mais importantes fatores para a efetivação da escola inclusiva. Nesse sentido, De Vitta e Monteiro(2010) recomendam que professores e profissionais da saúde se relacionem e trabalhem de forma a adotar práticas educativas inclusivas. O trabalho em rede tem sido utilizado para falar das relações entre escola, família e instituições da saúde que estão envolvidos na inclusão, de forma a 228
Incl ussão e ensino
superar a fragmentação dos saberes e das políticas para atender os alunos com deficiência de forma integrada. Compreende-se por rede: [...] aquela que articula intencionalmente pessoas e grupos humanos, sobretudo como uma estratégia organizativa que ajuda os atores e agentes sociais a potencializarem suas iniciativas para promover o desenvolvimento pessoal e social (Gonçalves e Guará, 2010,p.14).
Para Gonçalves e Guará (2010), “construir redes significa apostar em relações humanas articuladas entre pessoas e grupos que, no debate das diferenças, possam ajustar intenções mais coletivas e produtivas para todos” (p.4). Os autores salientam que dessas interações surgem propostas e novos subsídios para enriquecer os debates a respeito da inclusão. A busca pela eficiência e efetividade requer um aprofundamento e um domínio sobre o campo em que se deseja atuar. Logo, a construção de uma rede demanda a contribuição de todos e também uma certa flexibilização para se adequar às mudanças que possam ocorrer. Os autores ainda destacam que a rede se fortalece na medida em que parcerias internas e externas são estimuladas, ampliando o grau de adesão entre todos. Esse fortalecimento é importante, e constitui uma das medidas necessárias para a realização dos ideais da educação inclusiva, de forma a concretizar as postulações de Marchesi (2004), quando destaca: O objetivo de criar escolas inclusivas que sejam de qualidade, atrativas e valorizadas por toda comunidade educacional exige muito mais que boas intenções, declarações oficiais e documentos escritos. Exige que o conjunto da sociedade, as escolas, a comunidade educativa e os professores, mais especificamente, tomem consciência dessas tensões e procurem criar as condições que os ajudem na consecução de tal objetivo (Marchesi, 2004,p. 30).
O projeto inclusivo merece atenção especial no caso de alunos com diagnóstico de paralisia cerebral. Rosenbaum et al. (2007) definem a paralisia cerebral (PC) da seguinte maneira: [...] um grupo de perturbações permanentes do desenvolvimento do movimento e postura, que causam limitação nas atividades, e que são atribuídas a alterações não progressivas no cérebro em desenvolvimento do feto ou lactente. As perturbações motoras da PC são sempre acompanhadas de comprometimento da sensibilidade, percepção, cognição, comunicação e comportamento; e a epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários (ROSENBAUM et al., 2007, p. 9).
Dentre os vários quadros de deficiência física, a PC se destaca por ser um grupo de desordens do desenvolvimento do movimento e da postura que causam limitações no desempenho de atividades. Esses distúrbios 229
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
motores podem vir acompanhados de alterações da cognição, comunicação, percepção e/ou comportamento, e/ou dificuldades de aprendizagem(Carvalho,2017) . Segundo Piovezanni, Rocha e Braccialli (2014), os alunos com PC possuem um desenvolvimento motor atípico e alterações posturais, problemas de coordenação motora e tônus muscular. Sendo assim, é importante discutir a melhor condição possível para essas crianças para que possam aprender e se desenvolver, integrando-se definitivamente no contexto escolar. O termo “paralisia cerebral” é uma nomenclatura tradicional, continua a ser adotada na literatura, embora não se trate, propriamente, de “paralisia” do cérebro. Diferentes autores consideram que as experiências nos primeiros anos de vida interferem e modificam a organização estrutural própria e funcionamento, por meio da inter-relação com o meio. De acordo com Basil (2004), a intervenção adequada em crianças com PC feita por profissionais da saúde e educação nos primeiros anos de vida é essencial para o desenvolvimento da capacidade funcional da criança. Sánchez (2005) observa que é preciso compreender o aluno com diagnóstico de paralisia cerebral, suas necessidades, habilidades e capacidades por inteiro, de modo indissociável, estabelecendo ações que ajudem a construir sua identidade e autonomia de modo integral. Salienta-se que, nesse processo, é importante a participação de uma equipe multiprofissional para o alcance de melhores resultados. Autores como Freitas et al. (2005), notam que incentivar a escolarização com o apoio de uma equipe multidisciplinar favorece o desenvolvimento, a saúde e a qualidade de vida das crianças com PC. No contexto educacional eles precisam participar junto aos demais, demostrar as potencialidades e interagir com o meio. Vieira et al. (2008) realizaram um estudo com o objetivo de conhecer o cotidiano e as dificuldades da mães com PC. Entrevistaram mães de dez crianças com PC, centraram as perguntas no conhecimento que elas traziam, em relação às condições de seus filhos, o dia a dia, o suporte profissional e familiar. Os resultados mostraram que as mães enfrentavam ao lado dos seus filhos as dificuldades diárias relacionadas à patologia, ao convívio social e ao apoio limitado da família. Notaram que as mães não recebiam colaboração nas atividades de vida diária e sentiam uma sobrecarga de responsabilidades, gerando estresse e interferência direta no relacionamento com os outros membros da família. As autoras consideraram que o apoio fornecido pelos profissionais da Saúde fez com que as mães conhecessem melhor a patologia de seus filhos. Destacaram que a intervenção da equipe interdisciplinar foi um caminho para amenizar o enfrentamento do problema, para a construção de um trabalho mais humanizado. Melo e Ferreira (2009) entrevistaram oito professoras de Educação Infantil de uma escola da rede de ensino público do município de Natal, RN. As perguntas se basearam no cuidar da criança com deficiência física e na contribuição do profissional da saúde. Os resultados mostraram que os professores, além de ensinar, precisavam ter informações sobre o que é PC e orientações sobre como cuidar. Os autores consideraram que o professor, 230
Incl ussão e ensino
em alguns momentos, precisava ser a extensão do corpo da criança, principalmente daquelas que possuíam comprometimento neurológico e necessitavam de apoio quanto à locomoção, higienização e alimentação. Assim, concluiu-se que as informações e orientações dos profissionais da saúde para os professores foi uma forma de apoiar a inclusão escolar.. Além dos aspectos destacados no artigo, cabe lembrar a necessidade de reorganização dos serviços educativos, de forma a incluir, por exemplo, o auxiliar de educação inclusiva, que pode contribuir com aspectos de locomoção, uso de tecnologia assistiva, higienização e alimentação. Em um trabalho realizado por Roriz, Amorim e Rossetti-Ferreira (2010) com profissionais da saúde, relacionado a crianças com diagnóstico de paralisia cerebral, foi destacado que o discurso desses profissionais está centrado nas incapacidades dessas crianças, o que dificulta o processo de inclusão escolar. Silva, Santos e Ribas (2011) realizaram estudo de cunho qualitativo e descritivo, em que foram observadas e avaliadas três crianças com diagnóstico de PC em três escolas públicas municipais de ensino fundamental em Curitiba. Os autores constataram que a participação dos fisioterapeutas foi fundamental no processo de inclusão no sentido de dar orientações de posicionamento do aluno na carteira, adequação de mobiliário e materiais, entre outras. Os gestores das escolas também foram orientados quanto à acessibilidade e as atividades físicas adaptadas para que os alunos pudessem realizar atividades em grupos. Considerou-se que as dificuldades desses alunos são desafios e não obstáculos e que o trabalho multidisciplinar é uma forma de beneficiar o desenvolvimento funcional do aluno com PC na escola. Para Rezio, Cunha e Formiga (2012), a PC gera alta prevalência de sequelas funcionais. Logo, é preciso propiciar um modo para que essas crianças consigam a sua independência funcional e motriz, facilitando a inserção escolar das mesmas. Isso pode ser obtido por meio de uma parceria entre os profissionais da saúde e os professores, de modo que possam trocar informações e orientações que melhorem o desempenho dessas crianças na inclusão escolar. De acordo com Baleotti, Santos e Zafani (2015), no que diz respeito à inclusão escolar, o trabalho destinado ao aluno com PC visa uma ação interdisciplinar, ou seja, é preciso criar uma interface entre os profissionais da saúde e educação. A participação dos profissionais da saúde nas escolas gera ações intersetoriais que complementam a proposta de inclusão escolar. A interlocução entre educadores, profissionais de reabilitação e saúde pode influenciar na elaboração e reelaboração de estratégias pedagógicas no processo de ensino-aprendizagem de crianças com PC, na opinião de Franco e Guerra (2015). Os autores notam mudanças significativas e conceituais na prática pedagógica e na construção de estratégias a partir do conhecimento compartilhado. Tendo em vista a importância da inclusão da criança com PC na escola, o presente estudo teve como objetivo caracterizar aspectos de uma experiência de trabalho em rede (família, escola, Instituição) ao longo do processo de 231
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
inclusão escolar e social de crianças atendidas em uma instituição de médio porte para pessoas com deficiência física.
Método
Foi adotada a abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas (TURATO, 2005). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Unicamp, parecer 1.244.253) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi centrada em 5 crianças PC (Quadro 1), seus pais, seus professores de atendimento escolar especializado (AEE) e os profissionais de uma instituição voltada para o atendimento de pessoas com deficiência física. Em relação aos familiares, a maioria havia concluído o Ensino Médio (exceto a família 3, e o pai de C1, que não tinham concluído o Ensino Médio ). As famílias tinham rendimento familiar entre dois e três salários mínimos. A maioria das famílias não tinha outros filhos (exceto a família 5, com 2 filhos). As professoras de AEE tinham concluído cursos de especialização na área. Os profissionais da instituição tinham especialização nas áreas de reabilitação e inclusão escolar.
C1 Alex
232
Jardim 4a0me I
Distribuição topográfica da paralisia cerebral / classificação
Diparesia espástica nível II
Meio(s) de mobilidade
Ano Escolar
Idade*
Nome fictício
Quadro 1 – Caracterização das crianças participantes
Funcionalidade do membro superior
Desenvolvimento cognitivo e linguístico
Comunica-se por gestos. Tarefas Realiza escolares: Preensão atenção e Marcha de forma identificação comu- funcional de figuras, nitária com soltar dificuldades ativo. com agruUso de lápis. pamentos e sequências (pouco tempo nas tarefas).
Incl ussão e ensino
C2 Roberto
5a0me
C3 8a5me Rafael
Jardim I
Atáxico nível I
Comunica-se por gestos. Tarefas escoRealiza lares: agrupa Preensão cores (não Marcha de forma nomeia), comu- funcional identifica nitária com soltar figuras (por ativo. exemplo Uso de lápis. animais), tem dificuldades com sequências.
Cadeira de rodas (cotidiano) Tetraparesia e 2ºano coreoatetóide marcha nível III terapêutica com andador
Preensão primitiva, soltar não é ativo e padrão não funcional acarretado pela movimentação involuntária (discinesia). Uso de alfabeto móvel (letras grandes) e tablet.
Preensão primitiva em garra, soltar ativo, o padrão espástico favorece Tetraparesia CadeiC4 a manuespástica ra de 9a10me 3ºano Silvia tenção da rodas nível IV preensão. Uso de alfabeto móvel (letras grandes) e tablet.
Comunica-se por gestos e utiliza bem a prancha de Comunicação Suplementar Alternativa. Desempenho na escola de acordo com a faixa etária.
Comunica-se por gestos e iniciou uso da prancha de Comunicação Suplementar Alternativa. Tarefas escolares: reconhece seu nome e letras do alfabeto, conta até 9.
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Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
Utiliza o membro preservado para Hemiparesia Marcha preensão C5 esquerda comu- apresentan10a11me 4ºano Irene nitária do padrão nível II compatível a sua idade. Uso de lápis *Idade no mês da coleta de dados (2015).
Fala fluente. Desempenho na escola de acordo com a faixa etária.
A coleta de dados foi feita por meio de entrevista semiestruturada, na instituição, envolvendo 5 mães, 5 professores de AEE e 11 profissionais da instituição. O roteiro da entrevista continha questões abertas, voltadas para o trabalho em rede, facilidades e dificuldades vistas pelos entrevistados, o envolvimento de cada um no processo e sugestões. As entrevistas com todos ocorreram individualmente, com duração média de 40 minutos; foram gravadas e posteriormente transcritas. O tratamento e a exploração dos dados coletados seguiram a análise de conteúdo conforme modelo proposto por Bardin (1977). A análise dos dados envolveu a transcrição das entrevistas e elaboração de quadros distribuídos por áreas temáticas, com base nos objetivos do estudo, refletidas nas questões apresentadas e agrupadas nas áreas temáticas: inclusão escolar – ações e resultados, dificuldades vistas no processo e sugestões de melhoria. Para cada área temática, foram feitos agrupamentos das falas em categorias. Buscou-se identificar e transcrever falas significativas, diante dos aspectos mencionados envolvendo a rede.
Resultados
Os dados apresentados consideram os núcleos de sentido identificados no conteúdo das entrevistas e organizados em áreas temáticas. Os quadros foram construídos com base em área temática, categorias (com indicação de participantes que apresentaram respostas classificadas em cada categoria), síntese de todas as falas das mães, dos profissionais da educação e dos profissionais de saúde agrupadas sob cada categoria, com indicação de seu autor, por exemplo P1. As áreas temáticas dos quadros foram: inclusão escolar (ações e resultados), com foco no trabalho em rede, profissionais envolvidos, dificuldades que se relacionam à aceitação e ao processo cotidiano de inclusão escolar e social das crianças com PC, assim como sugestões quanto à melhoria em toda a ação. A síntese das falas das mães quanto às ações e resultados da inclusão escolar pode ser vista no Quadro 2. 234
Incl ussão e ensino
Quadro 2 – Mães - Área temática: Inclusão escolar – ações e resultados: categorias e síntese das falas Categorias
Síntese das falas
Trabalho em rede M1, M2, M3, M4 e M5
Presença dos profissionais da instituição na escola. Trabalho em conjunto entre a escola, instituição e família. Contato direto entre a escola e a Instituição. Instruções técnicas oferecidas pela instituição. Trabalho em equipe entre a professora e os profissionais especializados.
Escola-equipe M2, M4, M5
Desenvolvimento da criança M1 e M5 Tecnologia assistiva M3
Presença de uma cuidadora1 para a criança na escola. Busca de recursos na escola para o aluno pelo cuidador. Inclusão do aluno nas atividades por parte das professoras, da professora da sala de recursos e da cuidadora.
Comunicação e interação com as outras crianças. Utilização de gestos para se comunicar. Apoio dado pela escola às atividades da vida diária (AVD). Motivação para realizar as atividades e se sentir incluída. Uso do tablete como forma de escrita.
No que se refere à área temática – inclusão escolar – , um dos aspectos mais ressaltados é o trabalho em rede, de acordo com M1 e M5. Transcrevem-se algumas dessas falas: No caso assim, é tudo um conjunto né, escola, Instituição e casa, quando a cuidadora (da escola) teve aqui (na Instituição), passaram prá ela algumas coisas e ela tem feito na escola também. M1 É um trabalho em conjunto, a professora sabendo das dificuldades que a Irene tem, eu mãe levando e os profissionais especializados indo à escola (refere-se aos profissionais da ADEFIP). M5
As mães ressaltam exemplos relativos ao desenvolvimento da criança, como exemplificado a seguir:
1 Em muitas escolas, o cuidador é funcionário da Educaçãoe tem como função fornecer apoios necessários à aprendizagem,à locomoção e à comunicação. (Resolução n. 2, de 11 de setembro de 2001, art. 8, IV d.).
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Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a (Refere-se às orientações da Instituição na escola). Foi bom porque ele, lógico, desenvolveu muito mais (fala sorrindo) até a comunicação dele, a interação dele com as outras crianças, mudou muita coisa. M1 (Refere-se às orientações da instituição na escola) A gente sente que ela assim, tem mais vontade de fazer as coisas, ela se sente à vontade, ela sabe com quem ela pode contar né, embora ela seja um pouco imatura né, nas atitudes dela, na escola, em casa a cobrança tem que existir sempre, mas assim, eu sinto que faz diferença prá ela, ela se sente motivada para fazer as atividades dela. Ela entendeu que ela não é só mais uma, ela faz a diferença, [...], ela viu que é importante para ela fazer tudo e estar incluída. M5
Em síntese, as mães, em geral, dizem que o trabalho em rede ocorre entre a Instituição e a escola e falam da presença e atuação do cuidador no ambiente escolar. Duas delas citam a evolução dos seus filhos nos aspectos motor, pedagógico e social. As principais dificuldades na inclusão escolar de acordo com as mães podem ser vistas no Quadro 3. Quadro 3 –Mães- Área temática: Dificuldades na inclusão escolar: categorias e síntese das falas Categorias Escola-equipe M1 e M5 Escola – adaptações do espaço físico M3 e M4 Escola-diversos M2 Desenvolvimento da criança M3
Síntese das falas
O papel do cuidador e a preparação da equipe. Ausência de adaptações arquitetônicas.
Falta de preparo e possibilidades de interação nas escolas e problemas no transporte. Não desenvolvimento de uma AVD com alimentação com autonomia).
No que se refere a área temática dificuldades, as mães dizem que algumas conquistas já ocorreram, porém ainda há muito a ser feito, principalmente por parte do poder público. Isso pode ser lido na transcrição das falas das mães 4 e 2. A questão do mobiliário depende muito de prefeitura que não colabora muito por conta da demora para disponibilizar os materiais. M4 O transporte está sendo muito difícil. M2
Em síntese, as dificuldades vistas pelas mães envolvem a divisão de papel do cuidador e também relatam o despreparo dos professores quanto a inclusão desses alunos. Duas mães citam que as dificuldades nas escolas estão relacionadas à adaptação de mobiliário e transporte. 236
Incl ussão e ensino
As mães também fazem algumas sugestões as quais podem ser vistas no Quadro 4. Quadro 4 –Mães- Área temática: Sugestões para a melhoria da inclusão escolar: categorias das falas Categorias
Síntese das falas
Mudanças na escola M2
Adaptações arquitetônicas e atitudinais.
Articulação família/ escola M5
Reunião com pais de alunos de inclusão e professores.
Articulação reabilitação/escola M4
Modelo de trabalho para todas as instituições e escolas.
Com relação às sugestões, as mais importantes são as mudanças arquitetônicas e atitudinais, uma maior articulação entre a instituição de reabilitação e a escola e também entre a família e a escola. Algumas das sugestões são transcritas na sequência. A Instituição tem ajudado muito no desenvolvimento psicológico estudantil, a fisioterapia tá ajudando bastante, a comunicação dela agora tá desenvolvendo bastante, eu acho este trabalho precisa ser para todas as crianças com deficiência. M4 Eu acho que deveria existir assim, uma reunião com os professores e os pais dos alunos que estão na inclusão, pra eles conhecer a gente e vê que a gente não tá ali cobrando uma coisa que a gente não tem ideia do que é, eu acho que seria interessante essa parceria. M5
Em síntese, as sugestões dadas pelas mães são: adaptações arquitetônicas e atitudinais nas escolas, o modelo de trabalho em rede para outras instituições e escolas que recebem esse público e reuniões frequentes com pais de alunos de inclusão e professores. As falas dos professores de atendimento educacional especializado e exemplos relativos à área temática Inclusão escolar – ações e resultados pode ser observada no Quadro 5.
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Quadro 5 – Professoras AEE - Área temática: Inclusão escolar – ações e resultados: categorias e síntese das falas Categorias
Trabalho em rede P1, P2, P3, P4 e P5
Escola-equipe P2, P3, P4 e P5
Síntese das falas
Orientação da escola por parte da instituição. Apoio da instituição (escola e família). Troca de experiências pelos profissionais envolvidos. Trabalho em rede incluindo as três pontas do triângulo.
Evolução no trabalho. Interesse em aprender. Ações e estratégias dos professores da sala de aula, sala de recursos e cuidadores. Colaboração por parte dos professores da sala de recursos para aprendizagem do aluno.
Interação com outras crianças. Concentração e atenção para executar as Desenvolvimento da atividades. criança A melhora da aprendizagem devido às adaptações P1, P2, P3 e P4 adotadas. Interesse em aprender conteúdos pedagógicos.
Os professores, em geral, falam sobre as orientações feitas pela instituição e como são utilizadas no âmbito escolar e no contato e conversas com as famílias. De forma genérica, ressaltam que as orientações têm sido positivas tanto para eles quanto para as auxiliares de educação inclusiva. Também falam sobre o trabalho da escola-equipe e o desenvolvimento da criança após as orientações realizadas pela instituição junto à escola. Algumas dessas observações são transcritas a seguir. O trabalho com a instituição tem sido maravilhoso, nos orienta, nos dá um respaldo com relação a família, então eu tenho total liberdade enquanto professora de chegar aqui; colocar prá instituição tudo que está se passando, sabe assim a orientação prá mim, prá as auxiliares que posso falar em nome delas é maravilhosa. P1 Ela participa das festas, a mãe está mais presente dentro da escola e a alegria brilha nos olhos dela... Por ver que a mãe está lá, porque isso é importante também prá criança, ver a família, dentro da escola participando de todos os eventos e programações que são propostas. P4
Em síntese, a maioria dos professores do Atendimento Educacional Especializado destacam que as orientações dadas pela Instituição partem das demandas vindas da escola e da família, citam as trocas de experiências 238
Incl ussão e ensino
(escola/Instituição) como forma de contribuição para inclusão dessas crianças. A maioria dos professores relatam que o desenvolvimento das crianças foi perceptível quanto à aprendizagem e interação social. Quanto às dificuldades encontradas no processo de inclusão escolar, a síntese das opiniões das professoras de atendimento educacional especializado pode ser vista no Quadro 6. Quadro 6 – Professoras AEE-Área temática: dificuldades na inclusão escolar: categorias e síntese de falas Categorias
Síntese das falas
Escola-equipe P1
Resistência da professora regente em aceitar as adaptações para a inclusão escolar da criança.
Escola-contato com família P1, P2, P3 e P4
Oposição e exigências por parte da família.
Escola- adaptações P2
A não aceitação por parte das mães com relação à comunicação Suplementar Alternativa como forma de comunicação.
De modo geral, todos mencionam que as famílias fazem muitas exigências em relação às suas crianças. São transcritas algumas dessas opiniões. A professora regente é muito resistente. Ela tem muitos anos de alfabetização e, por isso, ela mostra uma falsa segurança, eu acho ela muito resistente, a qualquer coisa que faz, o que vai orientar e que ela tem que fazer diferente, então ela não aceita e isso é difícil no trabalho. P1 Poderia muito ter esse trabalho em rede em todas as instituições, porque assim a orientações se estendem as auxiliares da educação inclusiva, as professoras de sala de recursos e professoras regentes. P1 É, eu acho que a gente tem que ter paciência, ir conversando com essas famílias, talvez fazer grupos, fazer os grupos com a psicologia junto, fazendo reuniões fazendo os projetos com a família, instituição, alguma coisa nesse sentido, pondo eles prá estudar, né pra conhecer e tentando fazer com que eles apoiem a escola, a Instituição de apoio que caminhem juntos. P2
Em síntese, as professoras ressaltam a proteção excessiva e a exigência da família com a escola. Uma das professoras do atendimento educacional especializado destaca a resistência que ainda existe em sala de aula vinda do professor regente em aceitar as adaptações para receber o aluno com PC. Também relatado, por uma das professoras, a dificuldade da mãe em receber outras formas de comunicação
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Os professores de atendimento educacional especializado também fizeram algumas sugestões que podem ser vistas no Quadro 7.
Quadro 7 –Professoras AEE- Área temática: Sugestões para a melhoria da inclusão escolar: categorias e síntese das falas Categorias
Participação das instituições P1
Participação da família P2, P3, P4 e P5
Síntese das falas
O trabalho em rede realizado por outras instituições.
Realização de reuniões com a família, instituição e escola no mesmo momento. Contato direto entre professores e família. A realização de um trabalho em conjunto.
Isso pode ser observado nas falas de algumas professoras:
Poderia muito ter esse trabalho em rede em todas as instituições, porque assim a orientações se estendem as auxiliares da educação inclusiva, as professoras de sala de recursos e professoras regentes. P1 Creio que as reuniões poderiam ser em conjunto com a família, a Instituição e a escola seria perfeito né, o que falta talvez é isso, porque nas conversas é a escola e a Instituição, mas fica ali ausência da família também. P5
As professoras sugerem que essa forma de trabalho em rede deva ser realizada por outras instituições. A maioria aponta que as famílias precisam ser mais atuantes na Instituição e na escola e as orientações conjuntas entre a instituição, escola e família são necessárias para que se crie ações capazes de gerar espaços de comunicação e colaboração entre os envolvidos no processo. As falas dos profissionais da saúde e exemplos relativos à área temática Inclusão escolar – ações e resultados pode ser observada no Quadro 8.
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Incl ussão e ensino
Quadro 8 – Profissionais da instituição - Área temática: Inclusão escolar – ações e resultados: categorias e síntese das falas Categorias
Trabalho em rede Enf, Fis1, Fis2, FO, Md, Pd, Pp, Psi, SS, TO1 e TO2
Síntese das falas
Uma maior eficácia do trabalho quando há a participação da família. A importância dos três pilares fundamentais (terapêutico, escolar e familiar). O contato direto entre a escola/instituição. A importância das sugestões de adaptações e atividades. Uma maior credibilidade do trabalho. Uma maior atuação por parte dos profissionais da saúde na assessoria escolar. O auxílio no enfrentamento das questões ligadas a inclusão da criança com deficiência.
As orientações da instituição com relação às demandas/dificuldades específicas por parte da escola. A função de ponte entre a escola e a instituição por parte do professor da sala de recursos. Escola-equipe FO, Fis2, Pd, Psi e TO2 As adaptações feitas a partir das observações da escola. A busca por informações quanto ao desenvolvimento da criança na reabilitação por parte da escola. Desenvolvimento da criança Enf, TO2, Pd, Psi e Fis1 Tecnologia assistiva FO
Uma maior evolução quanto as regras, limite e rotina. Observação do comportamento e de questões motoras de planejamento (coordenação motora fina). O conhecimento sobre os conceitos pedagógicos, atenção e memória. O não uso efetivo da Comunicação Suplementar Alternativa por parte da família, apenas por parte da escola.
De forma geral, para os terapeutas, o trabalho em rede voltado para a inclusão escolar de crianças com PC é respeitável em todos os aspectos. Isso pode ser observado nas falas de algumas terapeutas: Bom, eu acho que o trabalho em rede com a escola e família é fundamental, sem ele não tem como existir a reabilitação, ele tem três pilares fundamentais, o terapêutico, o escolar e a
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Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a família, sem um desses três não vai haver inclusão desse paciente na sociedade. Fis1 As escolas também estão sempre procurando a instituição, para saber como essa criança está desenvolvendo, se o trabalho da reabilitação junto ao trabalho da escola está sendo eficaz.TO2 Vejo que ganharam conceitos pedagógicos, estão mais atentos e compreendem o que é solicitado, vejo que as dificuldades motoras não são maiores por conta das adaptações oferecidas. Pd Vejo que os estímulos oferecidos pelo ambiente (escola) favoreceram o desenvolvimento dos nossos pacientes quanto a atenção, memória e a própria aprendizagem. Psi
Em síntese, os profissionais da Instituição relatam que o trabalho em rede é necessário e descrevem a importância das relações mantidas entre a saúde, educação e família. Também aparecem comentários críticos a respeito da relação família-terapeuta, quando não há aderência no uso de ferramentas que possibilite a interação da criança com o meio. Consideram que são colaboradores no processo educacional, por atuar de forma interdisciplinar, levando orientações específicas de cada profissional à escola de forma conjunta. Quanto as dificuldades na inclusão escolar, essas podem ser vistas no Quadro 9.
Quadro 9 –Profissionais da instituição- Área temática: Dificuldades na inclusão escolar: categorias e síntese das falas Categorias
Escola-equipe Md, TO1 e Fis1 Escola-adaptações TO1 e TO2
Escola-família Fis1, FO e Psi
Síntese das falas
Uma maior compreensão por parte dos professores quanto ao tipo de metodologia em relação às crianças. A interferência de outros profissionais. O sentimento de fiscalização relatado pelos professores. A aceitação de novas formas de aprendizagem. A adaptação de mobiliário e o problema da prescrição e da demora para o recebimento. A expectativa da família em relação à escola. As orientações a serem seguidas pela família e a adesão de regras trabalhadas na escola.
De modo geral, os profissionais notam que algumas professores se sentem receosos no processo de inclusão muito em virtude do desconhecimento de como realizar esse processo, da falta de adaptações nas escolas. Além disso, percebem que há professores e escolas que não desejam interferências de outros profissionais, apresentam resistência em aceitar sugestões.
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Quanto as famílias, há aquelas que criam expectativas, cobrando da escola uma evolução imediata da criança e ao mesmo tempo não seguindo as orientações dos profissionais em casa. Segue a transcrição de algumas falas: Faz parte da orientação que a escola também esteja adequada a receber essas crianças, porque os próprios professores têm dificuldades de compreender com essas crianças, como se elas tivessem uma doença, na verdade elas mal têm uma doença, elas têm limitações que são sequelas de uma lesão inicial. Md A dificuldade de adaptação de mobiliário, então assim, uma carteira mais adequada, uma cadeirinha que às vezes precisa colocar um antiderrapante, porque o C3, por exemplo, pode ser que ele escorrega da cadeira, então necessita de um antiderrapante, é até mesmo o próprio material escolar a gente dá uma olhada no que tá sendo usado e o que a gente pode oferecer de recurso pra estar melhorando nisso. TO1 A família é fundamental, ela conhece mais a criança do que os terapeutas e a escola, só que as vezes esse olhar afetivo vem muito com olhar assim é um pouco de dó mesmo, então o que acontece, quando a gente começa a mostrar prá eles que a criança é capaz, eles começam a trabalhar junto com a escola e com a Instituição a favor daquela potencialidade. Fis2
Em síntese, alguns profissionais da instituição notam que os professores têm dificuldade em compreender as crianças e adotar novas metodologias de aprendizagem e que, por vezes, sentem-se fiscalizados por profissionais de outras áreas e se sentem pressionados mediante expectativas da família. Também citam a dificuldade de adequação de mobiliário nas escolas mediante prescrição do profissional da saúde. Quanto as sugestões na inclusão escolar, essas podem ser vistas no Quadro 10. Quadro 10 –Profissionais da Instituição- Área temática: Sugestões para a melhoria da inclusão escolar: categorias e síntese das falas Categorias
Cursos de formação Fis2, Psi e TO2 Trabalho em rede Pd, Pp, TO1 e FO Participação da família Enf
Síntese das falas A necessidade dos cursos de formação continuada para profissionais da educação. A presença dos profissionais da saúde nas escolas (palestras, orientações).
A participação ativa das famílias nas reuniões com todos os profissionais (saúde e educação). A união das três pontas (escola, família e instituição) na elaboração de estratégias em prol de um único objetivo. A participação das famílias do trabalho realizado na escola e instituição.
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De modo geral, alguns terapeutas sugerem cursos de formação continuada para os professores, recomendam reuniões com a família e a escola ao mesmo tempo e uma maior integração entre as três pontas na busca de um mesmo objetivo. A transcrição das falas pode ser observada a seguir: Eu acredito na formação continuada, eu acredito que é por aí, eu acredito que esses professores devem se preparar para estudar, porque a família vai vir com outra demanda, né então não é a família que tem que sentar pra estudar, os técnicos são outros, e os técnicos tem que dar conta dessa demanda, então é sentar e vamos estudar, vamos ver o que está acontecendo e é isso que eu acredito. Psi E bom, eu acho que para melhorar, é melhorar a integração entre essas três peças. A família tem que ser abrir, e abrir mesmo, ser transparente com a Instituição com o histórico da criança, e tudo que ele reconhece o dia a dia, enquanto queixa, expectativa, a Instituição precisa estar atenta também, e as necessidades da escola, precisa ter contato de 1° grau, pra todo mundo disponibilizar, com um objetivo comum, para superar essa etapa. TO1
Em síntese, os profissionais do Centro de Reabilitação sugerem cursos de formação continuada para profissionais da educação e áreas afins que trabalham diretamente com essas crianças na escola. Recomendam que os profissionais da saúde trabalhem nas escolas dando orientações técnicas. Dizem que as famílias precisam ter uma participação ativa nas reuniões com todos os profissionais (saúde e educação).
Discussões
As sínteses e transcrições das falas selecionadas permitiram evidenciar que as relações estabelecidas pela Instituição junto à escola e à família são vistas como importantes para a prática de inclusão escolar. Os participantes disseram que a rede é um caminho para se construir relações de cooperação e parceria, visto que os profissionais da saúde podem se tornar colaboradores no processo de inclusão das crianças com PC. Essas evidências concordam com as colocações de Freitas et al. (2005), quando comentam que a inclusão escolar precisa ser feita com visitas regulares de associações ou instituições que apoiam, orientam e acompanham o processo. Consideram que a escola não deve ser unicamente responsável pela inclusão, precisando ser apoiada por profissionais de saúde e pela família. Os problemas vistos pelos professores, a divisão de papel do cuidador, autonomia da criança, atuação da família e a falta de mobiliário adaptado e transporte são dificuldades permeiam o processo de inclusão.Também é considerado que as mães querem participar de forma mais efetiva nos processos de reabilitação e educação dos seus filhos, porém visto, que precisam se sentir seguras em relação aos mesmos para que minimizem a exigência com a escola. 244
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Essas evidências estão de acordo com Vieira et al. (2008), que consideram o apoio de uma equipe multidisciplinar um caminho para a construção de um trabalho mais humanizado, criando condições de levar às mães informações por meio da educação em saúde. Elas demonstram necessitar de apoio durante o processo de adaptação e no período do cuidado à criança. Essa forma de atuação é capaz de melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos no processo. As soluções apontadas pelos entrevistados no que concerne as adaptações no ambiente escolar contribuem para lidar com as alterações citadas por Piovezanni, Rocha e Braccialli (2014), compreendem que os alunos com PC possuem alterações no desenvolvimento motor, problemas de coordenação motora e tônus muscular. Logo, é importante discutir a melhor condição possível para essas crianças para que permaneçam na escola. As sugestões relacionadas ao trabalho em rede, envolvendo profissionais da educação, saúde e família é visto como um modelo para redirecinar as escolas no processo de inclusão escolar e social das crianças com paralisia cerebral. De acordo com Gonçalves e Guará (2010), a rede tem como finalidade desenvolver o trabalho em conjunto entre os indivíduos, tornando as relações mais simples. Logo, esse tipo de estrutura seria um modo de reproduzir as inter-relações e conexões como uma “sociedade-rede”, articulando-se em parcerias. Conforme já mencionado, Baleotti, Santos e Zafani (2015) compreendem que a inclusão do aluno com PC requer a participação de diferentes profissionais, tais como os de Educação e os da Saúde nas escolas. Só assim os professores terão o apoio necessário para poderem atender essas crianças de modo efetivo. Assim, a rede de apoio para a criança com PC no processo de inclusão escolar busca estreitar os laços de afeto e conhecimento diante de tantas adversidades que se pode encontrar. São muitos os aspectos a ser considerado como a adaptação das escolas, o apoio de instituições, o preparo dos profissionais, a participação da família, entre outros. É evidente que o suporte dado pela instituição fortalece o processo de inclusão escolar, porém é preciso sempre lembrar que o processo de ensino-aprendizagem não é o único ponto a ser considerado, mas também o desenvolvimento funcional e a qualidade de vida do aluno.
Conclusões
Articular o ensino comum com os atendimentos especializados a esses alunos não é um trabalho fácil, mas possível. Tal tarefa é um desafio, porém não depende apenas dos professores e sim de toda a comunidade escolar, que precisa observar e instituir estratégias pedagógicas diferenciadas, para que a acessibilidade se torne real na perspectiva da atitude por meio da rede de apoio. Diante das dificuldades vistas em relação à inclusão faz-se pertinente buscar alternativas para os problemas que permeiam esse processo. Implantar o trabalho é um caminho a ser pensado, a rede constrói relações 245
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sendo capaz de elaborar práticas que reduzem as desvantagens relacionadas ao quadro da criança, para que não interfiram no desenvolvimento funcional do aluno ao longo do processo de inclusão. Sendo assim, com base nos resultados apresentados, a pesquisa revelou que o trabalho desenvolvido pela Instituição é capaz de fornecer subsídios aos profissionais da educação e aos pais que, por muitas vezes, se veem inseguros e confusos diante das dificuldades apresentadas no dia a dia do contexto de inclusão escolar. Por todos os fatores elencados, considerou-se que as famílias de crianças com PC e os profissionais da Educação, que recebem orientações dos profissionais da Saúde, conseguem minimizar as dificuldades encontradas no processo de inclusão e promover o desenvolvimento funcional das crianças, por meio da articulação entre os três pilares – família, escola e Instituição – alocando em prática uma escola inclusiva de qualidade.
Referências
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Jenny Patricia Acevedo Rincón. Possui graduação em Licenciatura en Matemáticas - Universidad Industrial de Santander (2001), mestrado em Docencia de las matemáticas - Universidad Pedagogica Nacional (2010) e doutorado em Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2018). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação matemática, aprendizagem situada, visualización, educaçao e estágio supervisionado. Este livro foi financiado pela Comunidade Internacional de Educação e Aprendizagem - www.sobrelaeducacion.com