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PROGRAMA
NACIONAL DE
CAPACITAÇÃO DAS CIDADES
DAS CIDADES
CAPACIDADES CON HECER PARA CRESCER www.capacidades.gov.br
CADERNOS TÉCNICOS DE REGULAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE INSTRUMENTOS DO ESTATUTO DA CIDADE COLEÇÃO
VOLUME 6
TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR (TDC)
MINISTÉRIO DAS CIDADES Ministro de Estado ALEXANDRE BALDY Secretário-Executivo SILVANI ALVES PEREIRA Secretário Nacional de Desenvolvimento Urbano – SNDU GILMAR SOUZA SANTOS Diretora do Departamento de Planejamento e Gestão Urbana – DPGU DIANA MEIRELLES DA MOTTA Programa Nacional de Capacitação das Cidades - PNCC PAULO COELHO AVILA - Coordenador Colaboradores na produção e elaboração do Caderno Técnico CAROLINA BAIMA CAVALCANTI CLÉO ALVES PINTO DE OLIVEIRA LETÍCIA MIGUEL TEIXEIRA Revisão de texto CAROLINA DE SOUSA AQUINO INGRID ZWICKER
LINCOLN INSTITUTE OF LAND POLICY Diretor do Programa para América Latina e Caribe MARTIM O. SMOLKA Equipe de elaboração do Caderno Técnico FERNANDA FURTADO SONIA RABELLO ISABELA BACELLAR
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO – BID Representante no Brasil HUGO FLOREZ TIMORAN Housing and Urban Development Division (HUD) JASON ANTHONY HOBBS Projeto Gráfico e ilustrações MARCELO VASCONCELOS ALVES JUNIOR
CADERNOS TÉCNICOS DE REGULAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE INSTRUMENTOS DO ESTATUTO DA CIDADE COLEÇÃO
VOLUME 6
TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR (TDC)
©2017 Ministério das Cidades É totalmente proibida a reprodução total ou parcial deste material sem a prévia autorização do Ministério das Cidades.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Furtado, Fernanda; Rabello, Sonia e Bacellar, Isabela. Transferência do Direito de Construir: Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação/ Furtado, Fernanda; Rabello, Sonia e Bacellar, Isabela. Brasília: Ministério das Cidades, 2017. 6 vol. Coleção Cadernos Técnicos de Regulamentação e Implementação de Instrumentos do Estatuto da Cidade. Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano, Programa Nacional de Capacitação das Cidades e Lincoln Institute of Land Policy. ISBN: 978-85-7958-072-7 1. Transferência do direito de construir. 2. Solo criado. 3. Desenvolvimento urbano. 4. Estatuto da Cidade 5. Política urbana. 6. Gestão urbana. 7. Planejamento urbano 8. Furtado, Fernanda; 9. Rabello, Sonia e 10. Bacellar, Isabela.
APRESENTAÇÃO Este Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação da Transferência do Direito de Construir constitui o Volume 6 da coleção de “Cadernos Técnicos de Regulamentação e Implementação de Instrumentos do Estatuto da Cidade”. A Transferência do Direito de Construir (TDC), definida no Estatuto da Cidade, é um instrumento regulamentado por lei municipal que permite ao proprietário de um determinado terreno urbano exercer em outro local, ou alienar para este fim, o direito básico de construir quando esse direito não puder ser exercido, no todo ou em parte, no terreno de origem em virtude do interesse público. No âmbito do planejamento urbano municipal, a TDC facilita a obtenção de imóveis para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, para a preservação do patrimônio histórico e cultural, e também nos casos vinculados ao interesse ambiental, paisagístico ou social. O Ministério das Cidades, por intermédio da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Lincoln Institute of Land Policy (LILP), apresentam esta publicação com o objetivo de auxiliar os governos locais na regulamentação e aplicação da transferência do direito de construir para promover e apoiar o desenvolvimento urbano.
Alexandre Baldy Ministro das Cidades
Martim Oscar Smolka Associado Sê nior e Diretor do Programa para Amé rica Latina e Caribe do LILP
Hugo Flóres Timorán Representante do Bid no Brasil
SUMÁRIO 09
Lista de Abreviaturas e Siglas
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Introdução
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Caracterização geral da Transferência do Direito de Construir a. Definição e conceituação b. Antecedentes c. Fundamentos no Brasil d. Os coeficientes de aproveitamento na TDC e. A TDC no Estatuto da Cidade
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Regulamentação da Transferência do Direito de Construir a. Introdução b. Questões relativas à TDC segundo suas finalidades c. Alertas sobre as bases para regulamentação da TDC d. Definição de áreas ou imóveis transmissores e receptores e. TDC direta e indireta f. Fórmula de equivalência entre terrenos transmissor e receptor g. Cuidados na aplicação conjunta da TDC e da OODC h. Elementos necessários para a regulamentação da TDC
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Implementação da Transferência do Direito de Construir a. Introdução b. Estrutura administrativa para aplicação e gestão da TDC c. Documentação para a aplicação da TDC d. Estipulação de prazos para a implementação da TDC e. Passos necessários para a implementação f. Interação com outros instrumentos
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Tira-Dúvidas
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Referências
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Anexo
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APAC - Área de Proteção do Ambiente Cultural APP - Área de Preservação Permanente art. – ar go CA – coeficiente de aproveitamento CEPAC – Cer ficados de Potencial Adicional de Construção CF – Cons tuição federal CVM – Comissão de Valores Mobiliários EC – Estatuto da Cidade EUA – Estados Unidos da América HIS – Habitação de Interesse Social ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços inc. - inciso IPHAN – Ins tuto do Patrimônio Histórico e Ar s co Nacional IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano ISS – Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo OODC – Outorga Onerosa do Direito de Construir OUC – Operação Urbana Consorciada PD – Plano Diretor PEUC – Parcelamento, Edificação ou U lizações Compulsórios RGI – Registro Geral de Imóveis STF – Supremo Tribunal Federal TAU - Transferencia de Aprovechamientos Urbanís cos TDC – Transferência do Direito de Construir TDR- Transferable Development Rights TPLD - Transfer de Plafond Légal de Densité ZAC - Zones d'Aménagement Concertés ZEIS – Zona de Especial Interesse Social
INTRODUÇÃO Este Caderno Té cnico tem como objetivo apresentar o instrumento de polıt́ica urbana conhecido como Transferê ncia do Direito de Construir (TDC), situando seu entendimento nos marcos do Estatuto da Cidade (EC), Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, e das diretrizes contidas no seu art. 2º. A partir das bases conceituais estabelecidas pelo EC, os instrumentos de polıt́ica urbana devem ser regulamentados pelos entes federativos, e aplicados pelos municıp ́ ios brasileiros, de forma a adequá -los à s suas realidades regionais e locais, segundo suas especi icidades. Esses instrumentos sã o meios de operacionalizaçã o da polıt́ica urbana municipal, materializando assim os princıp ́ ios constitucionais, e as diretrizes da polıt́ica urbana nacional. O instrumento da TDC - previsto no art. 35 do EC - consiste na autorizaçã o dada por lei municipal para que a administraçã o pú blica faculte ao proprietá rio de um determinado terreno urbano exercer em outro local, ou alienar, para este im, o seu direito de construir bá sico, quando, por razõ es de interesse pú blico, esse direito nã o puder ser exercido, no todo ou em parte, no terreno de origem. Importa destacar que a TDC é um dos instrumentos que contribui para dar efetividade ao princıp ́ io da justa distribuiçã o dos ô nus e benefıćios decorrentes do processo de urbanizaçã o, previsto no já referido art. 2º, inc. IX do EC; isto porque a TDC tem estreita relaçã o de dependê ncia com outro instrumento previsto no EC: a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). E atravé s da OODC que se de ine a cobrança de contrapartidas pelo exercıćio, pelos interessados, de direitos de construir acima do patamar bá sico de aproveitamento do terreno, denominado de Coe iciente de Aproveitamento bá sico (CA bá sico). E a implantaçã o da OODC, com a ixaçã o do CA bá sico - como elemento estruturante deste sistema de polıt́ica urbana - que permite articular os dois instrumentos. No â mbito do planejamento urbano municipal, a TDC é um instrumento alternativo que pode facilitar a obtençã o de imó veis para a implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios, assim como ser utilizada para compensar os proprietá rios cujos imó veis sofreram restriçõ es construtivas especı́ icas e especiais de interesse pú blico, que impeçam sua edi icaçã o até o CA bá sico adotado, conforme explicita o art. 28 do EC. O poder pú blico municipal, ao decidir adotar a TDC, precisa estar informado quanto à necessidade de conhecer os alcances e limites da aplicaçã o do instrumento, para o seu adequado funcionamento, e para evitar efeitos indesejados. Nã o menos importante é a compreensã o, pela coletividade, de que a TDC é um instrumento a ser aplicado segundo inalidades de interesse pú blico, e que a sua concessã o, como um benefıćio, consiste em uma opçã o da administraçã o municipal. A concessã o do benefıćio da TDC deve ocorrer dentro das á reas delimitadas pelo Plano Diretor, e em imó veis considerados necessá rios para as inalidades de utilizaçã o nas quais o interesse pú blico se sobreponha ao interesse privado. E de fundamental importâ ncia alertar à s administraçõ es municipais e aos legisladores que a TDC é um instrumento a ser utilizado em condiçõ es muito especı́ icas, consistindo em uma exceçã o mais do que em uma regra.
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Essas e outras questõ es sã o desenvolvidas ao longo deste caderno, que tem como objetivo elaborar a estrutura de entendimento das bases conceituais da TDC, o alcance de sua aplicaçã o, seus limites e desa ios, que possam servir como subsıd ́ io à sua regulamentaçã o e implementaçã o pelos municıp ́ ios brasileiros. Para isso, o texto aborda e discute fundamentos jurıd ́ icos e urbanıśticos essenciais para a compreensã o dos propó sitos e das formas de aplicaçã o do instrumento, explorando os seus potenciais benefıćios para o processo de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras.
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CARACTERIZAÇÃO GERAL DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR
Caracterização Geral Caracterização Geral da TDC a. De inições e conceituação A Transferê ncia do Direito de Construir (TDC) é um dos instrumentos disponıv́eis para apoiar a execuçã o da polıt́ica urbana municipal, dando e icá cia à s diretrizes previstas no art. 2º do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 2001. Essas diretrizes decodi icam os princıp ́ ios estabelecidos no art. 182 da Constituiçã o federal de 1988, especialmente o de que a polıt́ica urbana municipal tem como objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funçõ es sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. A TDC está referida no Estatuto da Cidade no art. 4º, alı́nea “o”, como um dos instrumentos de cará ter jurıd ́ ico e polıt́ico do planejamento urbano. E o art. 35 dessa lei especi icou suas caracterıśticas, ou seja, seu objeto legal, bem como as bases de sua aplicaçã o. SEÇAO XI Da transferê ncia do direito de construir Art. 35. Lei municipal, baseada no Plano Diretor, poderá autorizar o proprietá rio de imó vel urbano, privado ou pú blico, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pú blica, o direito de construir previsto no Plano Diretor ou em legislaçã o urbanıśtica dele decorrente, quando o referido imó vel for considerado necessá rio para ins de: I – implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios; II – preservaçã o, quando o imó vel for considerado de interesse histó rico, ambiental, paisagıśtico, social ou cultural; III – servir a programas de regularizaçã o fundiá ria, urbanizaçã o de á reas ocupadas por populaçã o de baixa renda e habitaçã o de interesse social. § 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietá rio que doar ao Poder Pú blico seu imó vel, ou parte dele, para os ins previstos nos incisos I a III do caput. § 2º A lei municipal referida no caput estabelecerá as condiçõ es relativas à aplicaçã o da transferê ncia do direito de construir. O Estatuto da Cidade consolidou, em â mbito nacional, um conjunto instrumentos de polıt́ica urbana, fruto de experiê ncias municipais anteriores. Dentre esses instrumentos está a TDC¹, que já se fazia presente em vá rios Planos Diretores municipais desde inais da dé cada de 1970. A sua utilizaçã o está documentada em diversos estudos té cnicos e acadê micos que abordam esse e outros instrumentos relacionados aos direitos de construir.
1. O instrumento da TDC aparece també m em algumas experiê ncias como TPC - transferê ncia do potencial construtivo -, embora, como veremos mais adiante, isso possa resultar em uma interpretaçã o inadequada do instrumento.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
O instrumento da TDC consiste na autorizaçã o, dada por lei municipal, para que a administraçã o pú blica faculte ao proprietá rio de um determinado terreno urbano exercer em outro local, ou alienar para este im², o seu direito de construir (bá sico) quando, por razõ es de interesse pú blico de inidas nos incisos I a III do art. 35 do Estatuto da Cidade, esse direito de construir (bá sico) nã o possa ser exercido, no todo ou em parte, no terreno de origem. Limites urbanís cos máximos Direito de construir básico
Terreno 1 Restrição parcial à edificação
Terreno 2
Terreno 3 Restrição total à edificação
Terreno 4
A igura 1 contempla diferentes possibilidades da transferê ncia do direito de construir. No terreno 1, há restriçã o parcial do direito de construir bá sico em funçã o, por exemplo, da proteçã o do imó vel como patrimô nio cultural ou ambiental, e quando esta proteçã o impeça que edi icaçõ es no lote atinjam á rea correspondente ao direito de construir bá sico; neste caso, a concessã o da TDC é feita parcialmente, como veremos adiante. No caso do terreno 3, há restriçã o total do direito de construir bá sico, para utilizá -lo, por exemplo, como uma praça pú blica, ou como uma á rea de preservaçã o permanente; aı́, o direito de construir a ser transferido corresponde à totalidade do direito de construir bá sico. Os terrenos 2 e 4 - receptores do direito de construir transferido de outros terrenos - devem estar em á reas consideradas aptas ao adensamento construtivo.
2. José Afonso da Silva (2006) distingue a TDC interlocativa e a TDC intersubjetiva. A primeira situaçã o é quando o proprietá rio do imó vel urbano, nas condiçõ es estabelecidas pela lei municipal, com base no Plano Diretor, exerce em outro local, de sua propriedade, o direito de construir. A segunda, quando direito de construir previsto no Plano Diretor ou em legislaçã o urbanıśtica dela decorrente é alienado, nas mesmas condiçõ es, para outro proprietá rio. A TDC intersubjetiva é també m interlocativa.
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Figura 1: Diferentes possibilidades da TDC
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Direito ou Direitos de Construir³? O art. 28 do Estatuto da Cidade, ao diferenciar o coe iciente de aproveitamento bá sico dos coe icientes má ximos, consolidou o conceito de que – no direito urbanıśtico brasileiro – já nã o se deve mais falar em direito de construir, mas sim em direitos de construir. A partir desta norma nacional geral, infere-se que há o direito de construir correspondente ao coe iciente de aproveitamento bá sico, mencionado no §2º do art. 28, e pelo qual o poder pú blico nã o cobrará qualquer contrapartida, e os direitos de construir adicionais à quele direito bá sico, que correspondem aos coe icientes má ximos de aproveitamento, para cujo exercıćio o interessado deverá solicitar a obtençã o da sua outorga mediante pagamento de contrapartida (art. 28, caput). Ora, se para o exercıćio da edi icabilidade dentro do coe iciente bá sico nã o é cobrada qualquer contrapartida, deduz-se que essa é uma faculdade que está dentro da esfera patrimonial privada. E importante lembrar que o direito de construir bá sico, contido na esfera patrimonial privada, ainda pode estar també m sujeito à s limitaçõ es dos regulamentos administrativos, como previsto no art. 1299 do Có digo Civil. Por outro lado, o interessado pode desejar construir alé m do coe iciente bá sico de uso do imó vel. Mas, para tanto, terá que obter da municipalidade estes direitos adicionais ao bá sico por meio de outorga onerosa. E como a municipalidade nã o pode outorgar o que nã o é seu, especialmente cobrando contrapartida, deduz-se que o potencial construtivo de um terreno acima do coe iciente bá sico é um recurso urbanıśtico pú blico. Portanto, podemos considerar que o antes conhecido “direito de construir” é agora bipartido em “direitos” de construir, a saber: o direito de construir bá sico, decorrente do coe iciente bá sico de uso do imó vel, e que está dentro da esfera patrimonial privada, e os direitos de construir adicionais, que correspondem aos coe icientes de edi icabilidade acima do bá sico 6 até o má ximo, e que sã o recursos urbanıśticos pú blicos, colocados à disposiçã o dos interessados na sua obtençã o onerosa, mediante pagamento de contrapartida a ser determinada pela lei. CA Recursos urbanís cos públicos
Direito de construir adicional
Recursos privados
Figura 1: Recursos privados e recursos urbanísticos públicos
Direito de construir básico
3. No Brasil, como em muitos paıśes de lın ́ gua latina, a palavra “direito” pode ter dois signi icados: 1. Pode signi icar que algué m tem um direito pró prio, um direito subjetivo, que pode ser por ele exercido; 2. pode signi icar tã o somente uma referê ncia a uma tipologia de legislaçã o, cujo conjunto congrega direitos e obrigaçõ es, por exemplo: direito civil, direito trabalhista, direito aeroná utico, direito urbanıśtico. Para compreender melhor esta diferenciaçã o semâ ntica, reporta-se à diferença de uso em inglê s das palavras law e rights, que re letem os dois signi icados diferentes no uso da palavra “direito”. Neste trabalho, ao se referir a direito ou direitos de construir, o uso da expressã o está rigorosamente no segundo caso, ou seja, signi icando apenas a legislaçã o referente à quelas condiçõ es relativas à s possibilidades de se construir.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
A TDC é um instrumento de aplicabilidade complexa, tanto urbanisticamente, quanto juridicamente, pois trata, de modo geral, da transferê ncia do direito de construir bá sico, do titular do domın ́ io (no todo ou em parte) que nã o se realizou; o exercıćio de uma faculdade de uso bá sico de imó vel urbano que nã o pode ser materializada na forma de uma construçã o agregada ao solo. Trata-se, portanto, de se transferir, para outro imó vel, parte ou a totalidade da faculdade 4 de uso bá sica, nã o exercida pelo titular do domın ́ io em seu imó vel . Daı́ porque o procedimento para a realizaçã o dessas operaçõ es de TDC deve ser detalhadamente previsto em todos os seus aspectos formais e procedimentais. Assim, a lei que regulamentar a incidê ncia do instrumento deve incorporar o má ximo de elementos possıv́eis sobre os casos de incidê ncia da TDC e as formas previstas para sua operacionalizaçã o, de modo a dar segurança té cnica e jurıd ́ ica a todos os atos administrativos realizados quando da sua aplicaçã o. A previsã o da TDC pode abarcar, como já mencionado, uma grande diversidade de situaçõ es, como os casos de transmissã o ou nã o da propriedade dos terrenos para o poder pú blico, e a existê ncia ou nã o de benfeitorias, combinados com as diferentes inalidades previstas no Estatuto da Cidade. Alé m disso, para sua aplicaçã o, faz-se necessá rio estabelecer previamente na legislaçã o uma sé rie de condiçõ es especı́ icas, tais como: os casos em que o municıp ́ io pretende aplicar o instrumento, a de iniçã o das á reas e imó veis transmissores e receptores do direito de construir bá sico, a forma pela qual a TDC se articulará com outros instrumentos de polıt́ica urbana, como se dará a participaçã o social, dentre outros crité rios. b. Antecedentes Os antecedentes internacionais da transferê ncia do direito de construir remetem a variados entendimentos das suas funçõ es. Esse constitui um mecanismo sujeito a diferentes apropriaçõ es, que vem sendo adotado e adaptado em diversos paıśes segundo seus contextos e especi icidades. Isso ocorre mesmo nos paıśes que inspiraram as experiê ncias mais recentes: Espanha, França e Estados Unidos da Amé rica. De fato, em uma compilaçã o da experiê ncia internacional da TDC, Zulma Bolıv́ar (2013) apresenta sua utilizaçã o como té cnica de gestã o na Espanha, como mecanismo de regulaçã o na França, e como ferramenta para a preservaçã o de á reas sensıv́eis a alteraçõ es urbanıśticas nos Estados Unidos da Amé rica (EUA). Apesar de importantes diferenças como sua utilizaçã o em casos individuais ou dentro de planos urbanos , a TDC e instrumentos similares percorrem, em comum, trê s passos ou etapas do processo de regulaçã o urbanıśtica. Em primeiro lugar, a atribuiçã o a um terreno, de forma equâ nime a outros na mesma zona ou em situaçõ es similares, de um determinado direito de construir bá sico; em um segundo momento, a restriçã o a este direito, por razõ es especı́ icas de interesse pú blico; e, inalmente, a possibilidade da utilizaçã o, em outro terreno, daquele direito de construir restringido.
4. O Có digo Civil de 2002 de ine, em seu art. 79, que “Sã o bens imó veis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou arti icialmente” e, em seu art. 92, que “Principal é o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente; acessó rio é aquele cuja existê ncia supõ e a do principal”. Daı ́ conclui-se que a construçã o seria o acessó rio que aderiria ao principal, o solo, objeto da propriedade inscrita no Registro Imobiliá rio.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Na Espanha, a té cnica da TDC 5 é a base para a gestã o do processo de urbanizaçã o, em particular do parcelamento do solo. Ela é aplicada dentro de um plano urbano para redistribuir os aproveitamentos entre os terrenos, e obter á reas para a implantaçã o de equipamentos urbanos e á reas verdes. Mas seu uso també m serve à preservaçã o do patrimô nio paisagıśtico, histó rico, cultural ou arquitetô nico. 6 Na França, a idé ia da TDC se concretizou em conjunto com a versã o francesa da OODC, na segunda metade dos anos de 1970. Esses instrumentos permitiram a construtores e promotores imobiliá rios a compra do direito de construir de lotes vizinhos porventura afetados por restriçõ es de aproveitamento urbanıśtico, como alternativa ou complementaçã o da aquisiçã o à municipalidade de direitos de construçã o adicionais acima do coe iciente de aproveitamento bá sico. Apesar de o instrumento ter sido substituıd ́ o na regulaçã o urbana francesa por outros de 7 concepçã o urbana mais integral , a noçã o da TDC continua a ser aplicada em outras situaçõ es, como por exemplo, na preservaçã o de á reas naturais no entorno de á reas adensá veis. Esta situaçã o pode ser ilustrada pelo caso da estaçã o de esqui de Praz de Lys Sommand, citado por Vincent Renard (2001), no qual o direito de construir oriundo das á reas preservadas foi transferido para o complexo hoteleiro de esqui. 8 Nos Estados Unidos da Amé rica encontramos as principais referê ncias à TDC . Embora presente em algumas cidades do paıś desde ins da dé cada de 1970, é curioso observar a trajetó ria de utilizaçã o do instrumento, pois sua aplicaçã o majoritá ria, hoje, nã o é a mesma de suas experiê ncias iniciais. O instrumento, em suas primeiras aplicaçõ es, foi usado para a preservaçã o de importantes marcos arquitetô nicos e histó ricos em grandes cidades, em resposta à s pretensõ es de seus proprietá rios de substituiçã o dessas construçõ es por novas edi icaçõ es em altura (torres). Como exemplo, há os casos da edi icaçã o do Bank of California em Sã o Francisco, uma construçã o de 1908, relatado por John Costonis em sua famosa publicaçã o 9 sobre o tema - Space Adrift (apud Schnidman, 1978, p. 537), e o da Grand Central Station de Nova Iorque, que adquiriu grande notoriedade devido a seu valor afetivo para muitas famıĺias cujos patriarcas chegaram à cidade nessa estaçã o ferroviá ria. Nos dois casos, como em outros similares naquele paı́s, os ı́ndices construtivos atribuı́dos ao imó vel restringido foram redistribuıd ́ os entre terrenos adjacentes.
Contudo, pouco a pouco, e com mais força a partir dos anos de 1990, o instrumento passa a ter como principal funçã o contribuir para resolver a crescente questã o da manutençã o de á reas livres, cinturõ es verdes, á reas agriculturá veis no entorno das cidades, e á reas de conservaçã o ambiental. Outro aspecto considerado é o uso do instrumento para conter o espraiamento urbano caracterı́ s tico das cidades norte-americanas. Nesse caso, sã o de inidas á reas transmissoras (as que se pretende preservar, usualmente fora da zona urbana), e á reas receptoras (as passıv́eis de adensamento no interior das cidades).
5. Transferencia de Aprovechamientos Urbanísticos (TAU). 6. Transfer de Plafond Légal de Densité (TPLD). O TPLD é tido, no Brasil, como a base conceitual para o Solo Criado, posteriormente renomeado de Outorga Onerosa do Direito de Construir. 7. Como as Zones d'Aménagement Concertés (ZAC), conceito similar ao das Operaçõ es Urbanas Consorciadas (OUC) do Brasil. 8. Transferable Development Rights (TDR). 9. Esta publicaçã o de 1974, incluindo uma igura explicativa da mecâ nica do instrumento, consta de publicaçõ es seminais sobre as discussõ es do solo criado e da TDC no Brasil.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
A partir dos anos de 1990, essas versõ es mais tradicionais da TDC vieram inspirar a inserçã o de instrumentos similares na legislaçã o urbanıśtica das cidades latino-americanas, ou até na regulaçã o nacional de paıśes como Mé xico, Colô mbia, Venezuela, Argentina, India, dentre outros. No Brasil, a formulaçã o conceitual da TDC, assim como da OODC, se desenvolveu a partir de meados dos anos de 1970; esta formulaçã o tem inspiraçã o mista, pois baseou-se na noçã o francesa de solo criado, associada à concepçã o da transferê ncia de direitos de construir, nos moldes norte-americanos. Há quem entenda que compensaçõ es edilıćias no pró prio lote seriam antecedentes da TDC, como nos casos em que, havendo expropriaçã o parcial do lote, o proprietá rio aceita ser pago, ou “compensado”, com a faculdade de construir, no restante do lote, a mais do que o ın ́ dice ordinariamente atribuı́do ao terreno remanescente. Poré m, neste caso, nã o há terrenos transmissores e receptores, e nem alienaçã o do direito de construir pelo proprietá rio; por isso, essa hipó tese nã o se caracteriza como um antecedente, estrito senso, da TDC. c. Fundamentos no Brasil A origem das discussõ es sobre a TDC no Brasil está ligada aos estudos e debates sobre “Solo Criado”, ocorridos a partir da segunda metade da dé cada de 1970. Esta noçã o foi, à é poca, disseminada a partir da publicaçã o de textos elaborados por estudiosos do tema.
“De um ponto de vista puramente técnico, toda vez que uma construção proporcionar uma área u lizável, maior do que a área do terreno haverá criação de solo. De um ponto de vista prá co, poderá ser considerado como SOLO CRIADO, a área construída que exceder uma certa proporção de área do terreno. Baseado neste conceito de SOLO CRIADO, podemos propor três novos instrumentos extremamente importantes para o controle do uso do solo, a saber: coeficiente de aproveitamento único; transferência de direitos de construir; proporcionalidade entre áreas construídas e áreas de uso público.” (Azevedo Ne o et al., 1977, pp. 9-10).
Essa noçã o parte do entendimento de que os direitos de construir de um terreno urbano, acima do coe iciente de aproveitamento bá sico, nã o é um atributo inerente à propriedade do terreno, mas uma concessã o do poder pú blico. Assim, de inindo-se o ın ́ dice bá sico como uma mesma proporçã o para todos os terrenos urbanos por meio de um coe iciente de aproveitamento em princı́ p io ú nico busca-se efetivar a equidade urbanı́ s tica entre proprietá rios. Esse tipo de mecanismo é capaz de minimizar o desequilıb ́ rio econô mico que resulta das normas urbanıśticas, que atribuem intensidades de adensamento diversas para os terrenos em razã o das decisõ es té cnicas do planejamento urbano.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
O fundamento do “Solo Criado” vai ao encontro do entendimento jurıd ́ ico, exposto anteriormente, de que os direitos de construir limitados pelos ın ́ dices construtivos adicionais acima do ın ́ dice bá sico - previstos por lei para um terreno urbano localizado em determinada zona - pertencem à coletividade. Deduz-se daı ́ que exista um ın ́ dice de edi icabilidade bá sico, atribuıv́el aos terrenos urbanos, que visa dar a todos os titulares de domın ́ io, um uso ú til bá sico à sua propriedade, conferindo-lhe, essencialmente, conteú do econô mico; isto porque, em regra, se pressupõ e que todo terreno urbano privado, para ter um uso ú til bá sico, tenha que edi icar algo. Deste modo, este ın ́ dice ou coe iciente bá sico constituiria, em princıp ́ io, direito subjetivo do proprietá rio ao exercıćio ú til de sua propriedade imobiliá ria, razã o pela qual nã o há cobrança, pelo poder pú blico, pelo exercıćio deste direito bá sico de uso. Poré m, é pró prio da funçã o pú blica de regulaçã o urbanıśtica atribuir adensamentos maiores ou menores para á reas e terrenos especı́ icos, sempre visando os interesses do planejamento urbano, observando sempre a infraestrutura instalada nas diferentes á reas da cidade, os equipamentos urbanos existentes, as á reas livres, as possibilidades de acesso a serviços urbanos e à qualidade ambiental. O conceito de Solo Criado permite entã o que o valor econô mico dos adicionais edilıćios, decorrente dessas regulaçõ es, que só sã o possıv́eis em funçã o de toda infraestrutura urbana pú blica instalada, e que tem um signi icativo valor econô mico, seja apropriado pela coletividade, por meio da aplicaçã o da Outorga Onerosa do 10 Direito de Construir (OODC) .
CARTA DO EMBU – 11 de dezembro de 1976 “Conclui-se que: 1. E constitucional a ixaçã o, pelo municıp ́ io, de um coe iciente ú nico de edi icaçã o para todos os terrenos urbanos. 1.1 A ixaçã o desse coe iciente nã o interfere com a competê ncia municipal para estabelecer ın ́ dices diversos de utilizaçã o dos terrenos, tal como já se faz, mediante legislaçã o de zoneamento. 1.2 Toda edi icaçã o acima do coe iciente ú nico é considerada solo criado, quer envolva ocupaçã o de espaço aé reo, quer a de subsolo. 2. E constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condiçã o de criaçã o de solo, que o interessado entregue ao poder pú blico á reas proporcionais ao solo criado; quando impossıv́el a oferta destas á reas, por inexistentes ou por nã o atenderem à s condiçõ es legais para tanto requeridas, é admissıv́el sua substituiçã o pelo equivalente econô mico. 2.1 O proprietá rio de imó vel sujeito a limitaçõ es administrativas, que impeçam a plena utilizaçã o do coe iciente ú nico de edi icaçã o, poderá alienar a parcela nã o utilizá vel do direito de construir. 2.2 No caso de imó vel tombado, o proprietá rio poderá alienar o direito de construir correspondente à á rea edi icada ou ao coe iciente ú nico de edi icaçã o.”
10. Ver o Caderno Té cnico de Regulamentaçã o e Implementaçã o da OODC.
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Todo esse conjunto de ideias urbanıśticas e jurıd ́ icas foi objeto de amplo debate té cnico, e seu conteú do resultou, em 1976, na “Carta do Embu”, documento inal de um Seminá rio sobre Solo Criado organizado pelo CEPAM – Centro de Pesquisas da Administraçã o Municipal (SP). Este documento é hoje considerado uma referê ncia nacional para o tema. As ideias consolidadas na Carta do Embu, como veremos, sã o as que irã o orientar as de iniçõ es adotadas pelo Estatuto da Cidade para a OODC e a TDC. Tais de iniçõ es estabeleceram uma necessá ria e estreita relaçã o entre esses dois instrumentos, ambos relacionados ao conceito de Solo Criado, e ao estabelecimento de um patamar bá sico comum de edi icaçã o para os terrenos urbanos. d. Os Coe icientes de Aproveitamento na TDC O ın ́ dice de edi icabilidade bá sico, atribuıd ́ o aos terrenos urbanos e que lhes confere um uso ú til econô mico mın ́ imo, foi incorporado ao Estatuto da Cidade, em seu art. 28, com a denominaçã o de Coe iciente de Aproveitamento bá sico (CA bá sico). A importâ ncia de se estabelecer o CA bá sico como um patamar de edi icaçã o que confere utilidade social e valor econô mico aos terrenos urbanos, foi objeto da Resoluçã o Recomendada nº 148 do Conselho das Cidades, aprovada em 07 de junho de 2013. Esta Resoluçã o, ao estabelecer diretriz de ordenaçã o territorial para os planos urbanıśticos das cidades brasileiras¹¹, relaciona o CA bá sico com os demais instrumentos que inter iram, direta ou indiretamente, sobre os direitos de construir, e o posiciona como princıp ́ io balizador da polıt́ica fundiá ria urbana municipal¹². A referida Resoluçã o n° 148/2013 decodi ica o art. 28 do Estatuto da Cidade, para permitir o entendimento de que os coe icientes de aproveitamento acima do CA bá sico correspondem a recursos urbanı́sticos pú blicos. Portanto, os coe icientes má ximos de aproveitamento, ou direitos de construir adicionais, nã o integram o conteú do patrimonial de domın ́ io privado, razã o pela qual o poder pú blico pode e deve cobrar contrapartida pela sua outorga aos interessados em utilizá -los. Por via de consequê ncia, os coe icientes de aproveitamento ou ın ́ dices construtivos acima do CA bá sico até os limites má ximos de aproveitamento, previstos em lei e comumente chamados de direitos de construir, nã o pertencem ao proprietá rio do terreno urbano, e, por isso, nã o sã o, e nunca foram, direitos adquiridos seus, e, nem mesmo, antes da licença de construçã o, um direito subjetivo à edi icaçã o. Deste modo, para se operacionalizar a TDC, e compatibilizá -la com a OODC, há que se entender que o proprietá rio somente poderá transferir, via TDC, um direito seu. Ou seja, ele nã o poderá transferir, ainda que a tıt́ulo de compensaçã o, o equivalente aos ın ́ dices urbanıśticos má ximos, ın ́ dices estes que estã o fora da esfera patrimonial privada, e que ele só pode adquirir mediante contrapartida. Daı ́ porque a TDC só ocorrerá dentro dos limites nã o exercidos do coe iciente de aproveitamento bá sico do terreno.
11. Ver art. 21, inciso IX da CF/1988. 12. Para mais detalhes, como a adoçã o de coe iciente ú nico e unitá rio ou de coe icientes menores que um em situaçõ es especiais, ver a Resoluçã o na ın ́ tegra em anexo.
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Assim, ao argumento usado para a OODC de que “... somente faz sentido prever a possibilidade de outorga onerosa (de todo modo, uma faculdade que assistirá ao particular interessado em edi icar para além do coe iciente básico de aproveitamento) se preexistir a noção de que a edi icação para além destes parâmetros constitui criação de solo à qual não corresponde um direito subjetivo do particular” (Marques Neto, 2002, p. 232), podemos adicionar o seu complemento em relaçã o à TDC: de que somente faz sentido prever a possibilidade da transferê ncia de direitos construtivos se preexistir a noçã o de que o direito patrimonial do particular estará no má ximo circunscrito ao CA bá sico de seu terreno urbano.
É o coeficiente de aproveitamento básico (e não os coeficientes máximos de edificabilidade) o parâmetro para incidência da autorização, pelo poder público municipal, de transferência de direito de construir pelo proprietário do terreno, quando sobre este coeficiente básico incidirem limitações administra vas que lhe restrinjam este uso básico, de forma parcial ou total.
No entanto, nem toda restriçã o imposta sobre o CA bá sico deverá ser objeto, necessariamente, de TDC. Imó veis especı́ icos podem ter um aproveitamento menor, como, por exemplo, os terrenos localizados em á reas de interesse ambiental em zonas urbanas. Nestas á reas, os lotes podem ter, em funçã o de suas especi icidades, maiores dimensõ es e coe icientes de aproveitamento mais reduzidos em relaçã o aos demais lotes urbanos. Por isso, sobre este aspecto particular, o §2º do art. 28 previu a possibilidade da adoçã o de um CA bá sico “ú nico para toda a zona urbana ou diferenciado para á reas especı́ icas dentro da zona urbana”. (grifos nossos) A autorizaçã o para negociaçã o do direito de construir bá sico entre proprietá rios, via TDC, como forma de compensaçã o em funçã o da incidê ncia de limitaçõ es administrativas sobre o terreno, apenas se explica em casos de incidê ncias especiais e anormais: situaçõ es especiais em que ique caracterizado evidente prejuıźo ao exercıćio de uso ou edi icaçã o no terreno, dentro do coe iciente bá sico, em funçã o de restriçã o imposta a um imó vel especı́ ico em relaçã o aos imó veis pró ximos, em determinada zona da cidade.
Toda TDC tem como limite de alienação, ou exercício em outro local, o coeficiente de aproveitamento básico, mas nem toda restrição ao CA básico é objeto de TDC.
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Alé m do CA bá sico, os chamados direitos de construir se relacionam també m com os limites má ximos de edi icaçã o, tal como estabelecido no §3º do art. 28 do Estatuto da Cidade. Os coe icientes de aproveitamento má ximos e demais ın ́ dices urbanıśticos¹³ sã o de inidos pelas normas de planejamento urbano em funçã o do modelo de ocupaçã o urbana pretendido, da capacidade de suporte da infraestrutura pú blica e equipamentos urbanos para o adensamento de cada á rea da cidade, e ainda como parâ metros de regulaçã o de densidades construtivas e habitacionais, segundo sua adequaçã o à s orientaçõ es de uso e aproveitamento das distintas zonas da cidade. Os direitos de construir adicionais ao CA bá sico, ao serem viabilizados pela normativa pú blica em funçã o da infraestrutura instalada, conforme diretrizes contidas no art. 2º do Estatuto da Cidade, especialmente no seu inciso VI, e até o limite má ximo de inido para cada á rea sã o, por consequê ncia, recursos urbanıśticos pú blicos, recursos de edi icabilidade que, por esta razã o, só poderã o ser exercidos se forem adquiridos. Esta aquisiçã o pode se dar de duas formas: a mais comum seria por meio da OODC, mediante pagamento de contrapartida ao poder pú blico; ou, entã o, o interessado poderá adquirir esses direitos de construir, mediante aquisiçã o e recepçã o da TDC, oriundos de outros setores da cidade.
PRINCÍPIOS JURÍDICOS O Estatuto da Cidade consolidou princıp ́ ios já há muito tempo existentes no direito brasileiro, em especial dois deles: o princıp ́ io que veda à Administraçã o conceder direitos e/ou vantagens, graciosa e nã o isonomicamente, a particulares, especialmente quando deles resulte proveito econô mico; e o princıp ́ io da vedaçã o do enriquecimento sem causa, princıp ́ io geral de direito que se encontra, atualmente, explicitado no art. 884 e seguintes do Có digo Civil brasileiro de 2002. Ora, é fato incontroverso que quando a legislaçã o urbanıśtica prevê , concede e permite usos e aproveitamentos má ximos diferenciados a terrenos urbanos, desta diversidade resultam, també m, patamares por vezes bastante diferenciados nos preços das propriedades imobiliá rias urbanas. Poré m, em funçã o dos princı́pios acima mencionados, e das diretrizes contidas no Estatuto da Cidade, impõ e-se uma intervençã o por parte do poder pú blico, no sentido de corrigir estas distorçõ es que causam nã o só iniquidades urbanıśticas, como també m enriquecimento sem causa. E sobretudo a diretriz contida no art. 2º, inciso IX do Estatuto da Cidade, que impõ e ao poder pú blico, quando no exercıćio de seu poder-dever de planejar e promover a urbanizaçã o de forma equâ nime para todos os cidadã os, proprietá rios ou nã o, que a OODC e, em decorrê ncia, a TDC, encontram seu respaldo conceitual. E neste dispositivo que se estabelece que a polıt́ica de desenvolvimento urbano deve atender à “justa distribuiçã o dos benefıćios e ô nus decorrentes do processo de urbanizaçã o”. (grifos nossos)
13. Indices urbanıśticos como taxas de ocupaçã o, gabaritos ou alturas má ximas, ın ́ dices de permeabilidade, recuos, afastamentos, tipos de uso etc.
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A principal consequê ncia deste comando implica equalizar o ın ́ dice de aproveitamento do terreno comum a todos os proprietá rios, atravé s do chamado coe iciente de aproveitamento (CA) bá sico. Assim, as possibilidades de construir acima do CA bá sico, limitadas ao estabelecido pelos ın ́ dices urbanıśticos má ximos, se tornam, de fato e de direito, nã o só recursos urbanıśticos pú blicos, como també m recursos econô micos da cidade, já que serã o outorgados onerosamente a privados, segundo o interesse e as possibilidades normativas da cidade. Daı ́ que é conceitualmente impreciso referir-se à TDC como Transferê ncia de Potencial Construtivo, ainda que tenha sido assim denominada em algumas legislaçõ es municipais. Eventualmente, ainda pode haver quem questione se os ın ́ dices urbanıśticos má ximos, permitidos e outorgados gratuitamente aos proprietá rios pelo poder pú blico em algumas legislaçõ es municipais, seriam, ou nã o, “direitos adquiridos” dos titulares de domın ́ io; estamos nos referindo aı ́à hipó tese em que os proprietá rios ainda nã o materializaram as construçõ es em seus lotes. Considerar que os proprietá rios teriam direitos adquiridos aos ın ́ dices de edi icabilidade apenas previstos em lei, mas ainda nã o realizados, é um entendimento juridicamente equivocado, mas compreensıv́el, já que mesmo nã o realizadas as construçõ es, o tã o somente fato de os ın ́ dices atribuıŕem, gratuitamente, coe icientes de edi icabilidade a maior, faz com que estes operem expectativas econô micas de aumento de preço privado do lote; ou seja, ganhos dos proprietá rios por fatos alheios à sua vontade ou esforço, gerados exclusivamente pela norma urbanıśtica, editada em funçã o dos interesses pú blicos e da infraestrutura urbanıśtica. A jurisprudê ncia brasileira, contudo, em dois julgamentos do Supremo Tribunal 14 Federal (STF), já se posicionou sobre essas questõ es. A primeira decisã o, no ano de 1985 , diz respeito à questã o da natureza jurıd ́ ica do chamado direito de construir, e se ele integraria, ou nã o, antes da edi icaçã o, o direito patrimonial do dono do terreno. A decisã o consolidou o entendimento de que a previsã o, na lei, de ın ́ dices construtivos nã o atribui ao proprietá rio “direito adquirido” ao exercıćio daquela faculdade. Restou, portanto, assentado que o chamado “direito de construir” é mera faculdade de direito, e que nã o há direito adquirido à construçã o senã o quando já tiver sido deferida a licença de construçã o, e iniciada a obra, e, ainda assim, nos termos dessa licença. A segunda jurisprudê ncia do STF essencial à compreensã o da maté ria – o Recurso 15 Extraordiná rio 387047 de 2008 - é muito mais recente, e diz respeito à natureza jurıd ́ ica do chamado solo criado. O caso decidido se deu a partir da legislaçã o municipal de Florianó polis, já que anos antes de a OODC a estar prevista no art. 28 do EC, aquele municıp ́ io já previra o instituto, com o nome de solo criado. Foi proposta a açã o para questionar a constitucionalidade, a legalidade, e a legitimidade deste instrumento frente ao ordenamento jurıd ́ ico nacional. Chegando a lide ao STF, depois de passar por todas as instâ ncias inferiores, a Suprema Corte reconheceu nã o só a legitimidade, como també m a constitucionalidade da cobrança da contrapartida por coe icientes de edi icabilidade superiores ao bá sico, na é poca chamados de solo criado, e hoje denominados, pelo Estatuto da Cidade, como Outorga Onerosa do Direito de Construir.
14. O leading case resolvido no Recurso Extraordiná rio 85002, cujo relator foi o Ministro Moreira Alves. 15. Teve como relator o Ministro Eros Grau.
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e. A TDC no Estatuto da Cidade A TDC está prevista no artigo 35 da Lei Federal nº 10.257, de 2001, o Estatuto da Cidade, e conté m vá rios elementos a serem detalhados para melhor entendimento dos alcances do instrumento, e das bases té cnica e legal para a sua aplicaçã o. i. O caput do artigo 35 do EC
Lei municipal, baseada no Plano Diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no Plano Diretor ou em legislação urbanís ca dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:
Observa-se que a adoçã o da TDC como instrumento da polıt́ica urbana é uma prerrogativa municipal. O municıp ́ io que vier a decidir incluir a TDC no seu rol de instrumentos deverá prevê -la em seu Plano Diretor e, posteriormente, aprovar lei municipal especı́ ica detalhando as condiçõ es 16 para sua aplicaçã o, conforme determina expressamente o pará grafo 2º do art. 35 .
§ 2° A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições rela vas à aplicação da transferência do direito de construir.
ii. Os incisos I a III do artigo 35
I - implantação de equipamentos urbanos e comunitários; II - preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagís co, social ou cultural; III - servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
Esses dispositivos da lei indicam as hipó teses de aplicaçã o da TDC. E importante observar que em qualquer dessas possibilidades, a aplicaçã o da TDC só se justi ica em razã o do interesse pú blico, e como uma prerrogativa do poder pú blico municipal. Vejamos como isto ocorre.
16. Os elementos necessá rios para a regulamentaçã o da TDC no Plano Diretor e na lei municipal especı́ ica estã o apresentados no item 3.h.
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A aplicaçã o do instrumento para a implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios constitui uma possibilidade de suprir di iculdades municipais na obtençã o de terrenos ou imó veis necessá rios à realizaçã o de projetos de obras pú blicas, como, por exemplo, para a implantaçã o de uma escola ou a duplicaçã o de uma via pú blica. Neste caso, o uso da TDC poderá evitar gastos de recursos inanceiros diretos pelo municıp ́ io e, com sua utilizaçã o, haver um impacto relevante na reduçã o do custo inanceiro dessas obras, por vezes inadiá veis. Ela també m pode possibilitar uma maior agilidade na obtençã o desses imó veis, como um mecanismo de substituiçã o à desapropriaçã o, desde que haja concordâ ncia dos proprietá rios. A TDC també m poderá ser utilizada como instrumento para obtençã o de terrenos direcionados aos programas de regularizaçã o fundiá ria, urbanizaçã o de á reas ocupadas por populaçã o de baixa renda e habitaçã o de interesse social. Vale ressalvar que a TDC se aplica somente em casos nos quais os imó veis já nã o tenham sido adquiridos por usucapiã o. Da mesma maneira como nos casos de terrenos necessá rios à implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios, a TDC para tais inalidades permite a desoneraçã o dos cofres pú blicos de gastos imediatos para a ixaçã o de populaçã o de baixa renda, podendo conferir maior agilidade a este processo. A utilizaçã o da TDC para tais inalidades pode permitir, sobretudo, a resoluçã o dos con litos fundiá rios em á reas de terceiros ocupadas por populaçã o de baixa renda para ins de moradia. Nos casos de preservaçã o, quando o imó vel for considerado de interesse histó rico, ambiental, paisagıśtico, social ou cultural, a TDC pode ser aplicada para a obtençã o, pelo poder pú blico municipal, dos imó veis protegidos, ou pode servir como compensaçã o, excepcional, à queles proprietá rios que, em funçã o da limitaçã o, vierem a ter o direito de construir bá sico restringido, ou até suprimido. Vale notar que ambas as possibilidades existem tanto no caso de terrenos que venham a ser usados como á reas de preservaçã o ambiental, como no caso de reconhecimento do valor cultural do imó vel pelo poder pú blico. Assim, a TDC pode funcionar, quando for o caso, como uma forma alternativa à desapropriaçã o, para aquisiçã o de imó veis de interesse pú blico, nos trê s casos indicados nos incisos do art. 35 do EC. Poré m, deve-se atentar que a TDC nã o pode ser utilizada como forma unilateral de pagamento de uma desapropriaçã o pelo poder pú blico, uma vez que a Constituiçã o federal de 1988 17 (art. 5º, XXIV) exige que a desapropriaçã o seja paga previamente em dinheiro . E imprescindıv ́ el esclarecer que a opçã o pelo uso da TDC, como forma de aquisiçã o da propriedade pelo poder pú blico alternativa à desapropriaçã o, é uma decisã o a ser aceita voluntariamente pelo proprietá rio do imó vel, já que cabe a ele, proprietá rio, optar por receber a indenizaçã o em dinheiro, ou fazer uma permuta do seu imó vel pela TDC.
17. Constituiçã o federal de 1988, art. 5º, XXIV – “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriaçã o por necessidade ou utilidade pú blica, ou por interesse social, mediante justa e pré via indenizaçã o em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituiçã o.”
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O municıp ́ io, ao utilizar a TDC como alternativa à desapropriaçã o, adquirindo um bem para qualquer das inalidades previstas no art. 35, incorporará o mesmo ao seu patrimô nio. No entanto, no caso do inciso III (regularizaçã o fundiá ria), os imó veis incorporados poderã o, eventualmente, ser objeto de cessã o ou transferê ncia a terceiros posteriormente, nos termos da legislaçã o pertinente. Tal como na Outorga Onerosa do Direito de Construir, mas vista pelo “outro lado da moeda”, a aplicaçã o da TDC nos casos relacionados ao caput do art. 35, dá concretude ao princıp ́ io da “justa distribuiçã o dos benefıćios e ô nus decorrentes do processo de urbanizaçã o”, diretriz prevista no art. 2º, inc. IX do Estatuto da Cidade, possibilitando compensar o proprietá rio em funçã o de interesses pú blicos especiais. O quadro a seguir apresenta as hipó teses previstas para o inciso II. Art. 35 - Hipóteses do inciso II (preservação) Propriedade do imóvel
A propriedade do imóvel con nua com o proprietário. (art. 35, inc. II)
Condição aplicada
Proprietário
Finalidade da TDC
A propriedade do imóvel é transferida para o poder público municipal. (art. 35, inc. II)
Restrição total (Ex.: preservação ambiental)
Restrição parcial Imóvel necessário (Ex.: preservação de para interesse edificação cultural) público
Recebe o direito de construir correspondente ao CA básico do terreno.
Recebe o direito de construir correspondente à diferença entre o CA básico do terreno e a área da edificação existente.
TDC como compensação a restrições especiais e anormais ao direito de construir básico.
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Por meio de doação (art. 35, § 1º referente ao fim previsto no inc. II)
Por Doação
Recebe o direito de construir correspondente ao CA básico do terreno + Indenização em dinheiro por benfeitorias.
Recebe o direito de construir correspondente ao CA básico do terreno.
TDC como alterna va à desapropriação.
Concessão de TDC como faculdade do poder público.
Quadro 1 – Aplicação da TDC nos casos previstos para o inciso II, art. 35 do Estatuto da Cidade.
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iii. O parágrafo 1º do artigo 35
§ 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao poder público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput.
Há que se entender que este pará grafo se refere a uma situaçã o diversa daquela disposta no caput do artigo35. Trata-se de uma ampliaçã o da aplicaçã o da TDC, embora para as mesmas inalidades previstas nos incisos I a III do caput do art. 5; mas, no caso deste §1º, haverá a aplicaçã o da TDC se houver doaçã o de imó vel por parte do proprietá rio ao poder pú blico. Mas, sendo ambos aplicá veis aos incisos previstos, é preciso entender em que sentido o pará grafo §1º do art. 35 se diferencia do caput do mesmo artigo. A primeira parte do caput do art. 35 trata de situaçõ es impostas aos proprietá rios pelo poder pú blico, destinada a casos em que os imó veis se apresentem como imprescindıv́eis aos interesses pú blicos descritos nos incisos I a III. Esta necessidade, tenha ela como resultado a transferê ncia do imó vel para o poder pú blico, ou no caso em que represente apenas uma limitaçã o que permita a manutençã o do imó vel com o proprietá rio privado, se concretiza mediante ato declarató rio do interesse pú blico, por parte do setor pú blico competente. Apó s esta declaraçã o formal, a lei faculta ao poder pú blico autorizar o proprietá rio a alienar, ou exercer em outro local, o direito de construir bá sico correspondente ao imó vel transferido ao poder pú blico, ou, no caso de imó veis edi icados sujeitos à preservaçã o, à parcela nã o exercida desse direito. Já o §1º do mesmo artigo trata de um ato voluntá rio por parte do proprietá rio do imó vel. O instituto da doaçã o está previsto no Có digo Civil brasileiro de 2002, em seu art. 538, como um ato de liberalidade do doador, ainda que haja encargo: “Considera-se doaçã o o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimô nio bens ou vantagens para o de outra” (grifos nossos). E importante destacar que o poder pú blico pode aceitar ou rejeitar a doaçã o ensejada pelo proprietá rio do imó vel, em funçã o dos interesses da municipalidade. Ou seja, esta possibilidade se refere, em geral, a iniciativa do particular que pode, ou nã o, coincidir com projetos pú blicos que sejam desejá veis, mas nã o imprescindıv́eis naquele momento. Assim, nesses casos, se nã o houver acordo quanto à TDC oferecida pelo poder pú blico ao proprietá rio como eventual encargo da doaçã o, esta poderá nã o se realizar, já que nã o é imprescindıv́el, mas apenas desejá vel. Poder-se-ia perguntar por que, ou em que situaçõ es um proprietá rio de imó vel urbano desejaria doar seu imó vel, e receber em troca, como eventual encargo da doaçã o, o direito de construir bá sico correspondente ao seu terreno, para exercê -lo em outro local ou aliená -lo. A resposta seria a de que pode haver situaçõ es nas quais ele já nã o possa, ou nã o queira, manter o imó vel. Sã o exemplos: um imó vel com uma edi icaçã o antiga e deteriorada cuja restauraçã o seja demasiado custosa; um imó vel cujo tombamento tenha restringido a sua adaptaçã o fıśica para os ins desejados pelo proprietá rio; um imó vel cuja tributaçã o anual nã o esteja ao alcance do proprietá rio, ou um terreno cujas caracterıśticas fıśicas tornem a construçã o difıćil e cara, mas que sirvam para o poder pú blico para os ins previsto no inciso I; e, uma hipó tese relativamente comum, um imó vel que tenha sido ocupado por populaçã o de baixa renda, e que interesse ao poder pú blico a regularizaçã o daquela situaçã o habitacional.
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Na hipó tese do §1º do art. 35, entende-se que o proprietá rio, doador do imó vel, quando oferece o seu imó vel ao poder pú blico está ciente que o benefıćio que poderá receber como encargo da doaçã o corresponde ao equivalente a seu direito de construir bá sico em TDC, havendo ou nã o edi icaçõ es ou outras benfeitorias em seu terreno. Cabe a ele avaliar se ter nas mã os o valor da TDC lhe é mais bené ico do que manter o imó vel em seu domın ́ io. Essa é outra diferença da condiçã o de necessidade pú blica expressa no caput do art. 35, pois aquela, quando funciona como forma de aquisiçã o alternativa à desapropriaçã o, precisa considerar o CA bá sico do terreno para ins de conversã o em TDC, e també m, separadamente, as benfeitorias nele realizadas, a serem indenizadas em dinheiro, ou que sejam reconstituıd ́ as pelo poder pú blico, caso haja essa possibilidade. Isto para que nã o se transforme a TDC em moeda de pagamento de quaisquer tipos de indenizaçõ es. O entendimento é que, no uso da TDC como alternativa à desapropriaçã o, nã o se deve absorver o valor da benfeitoria na concessã o da TDC, já que isso representará a perda de correspondê ncia em metros quadrados entre o terreno transmissor e o receptor, aumentando o risco de "inundar" a cidade com direitos de construir, sem vinculaçã o com os ı́ndices construtivos, e sem uma correta avaliaçã o do impacto do real exercıćio desse direito. Seria a transformaçã o da TDC em moeda, como já a irmado, o que seria vedado pelo sistema inanceiro do paıś. A TDC se refere, exclusivamente, a direitos de construir e deve haver um cuidado extremo em limitá -la a isso, sob pena de desvirtuar-se, e perder-se como instrumento de planejamento urbano para o qual foi elaborada. O pagamento pelas benfeitorias em dinheiro (ou, como opçã o, recompostas no caso de transferê ncia da propriedade somente de parte do imó vel) contribui para um maior comprometimento e responsabilidade do municıp ́ io, quando izer algum projeto que exija a incorporaçã o de terrenos de particulares. Imóvel a ser transferido ao poder público para os fins previstos nos incisos I a III do art. 35 do Estatuto da Cidade (TDC) Caput do art. 35: Necessário para fins públicos (incisos I a III).
§ 1º do art. 35: Doação (incisos I a III).
Inicia va do poder público
Inicia va do proprietário (ato voluntário)
TDC equivalente ao CA básico do terreno + Indenização em dinheiro por benfeitorias.
TDC equivalente ao CA básico do terreno
Caso o proprietário não aceite a TDC: Inicia-se processo de desapropriação.
Caso o proprietário não aceite a TDC: O projeto de interesse público não se realiza naquele local ou naquele momento.
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Quadro 2 – Diferenças entre o caput e o § 1º do art. 35 do Estatuto da Cidade.
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Duas especi icidades precisam ainda ser mencionadas. Em primeiro lugar, quando se tratar de gleba ainda nã o parcelada, há que se considerar o CA bá sico referente à á rea lıq ́ uida dos lotes, descontando-se os percentuais exigidos pelo municıp ́ io em suas normas, destinados à s vias pú blicas, à s á reas comuns pú blicas e aos equipamentos urbanos. Em segundo lugar, na utilizaçã o da TDC para a obtençã o de terrenos ocupados por populaçã o de baixa renda com vistas à realizaçã o de programas de regularizaçã o fundiá ria ou urbanıśtica dessas á reas, em qualquer dos casos, seja de interesse pú blico ou social, ou por doaçã o pelo proprietá rio, a TDC deve corresponder somente ao CA bá sico dos terrenos, já que as benfeitorias pertencem aos possuidores, e nã o ao proprietá rio do terreno. Tendo em vista as diversas possibilidades de aplicaçã o, podemos a irmar que o objetivo central da TDC é facilitar o cumprimento das funçõ es pú blicas do planejamento urbano municipal. As diversas formas de aplicaçã o da TDC tê m importantes relaçõ es e efeitos sobre o sistema de planejamento urbano municipal e seu conjunto de institutos urbanıśticos. Estas formas de aplicaçã o, bem como suas relaçõ es e efeitos, precisam ser detalhadas, para uma adequada regulamentaçã o e implementaçã o da TDC, o que será objeto dos pró ximos capıt́ulos. f. A TDC e sua relação com a OODC no sistema de planejamento urbano municipal Para a inserçã o do instrumento no sistema de planejamento urbano municipal, o primeiro elemento a considerar, como condiçã o essencial para a aplicaçã o da TDC, é que o CA bá sico dos terrenos já esteja de inido no â mbito do Plano Diretor. E importante ressaltar que a ixaçã o do CA bá sico nã o tem relaçã o com o planejamento urbanıśtico pú blico da cidade, ou seja, ele é deferido apenas para possibilitar o uso ú til bá sico isonô mico dos imó veis urbanos; nem possui conteú do iscal, conforme explicitado na Resoluçã o Recomendada do Conselho das Cidades nº 148, já mencionada. Em segundo lugar, a aplicaçã o da TDC somente faz sentido como complemento à instituiçã o das bases da OODC no planejamento urbano do municıp ́ io, já que ambas estã o conectadas por meio do CA bá sico. A TDC e a OODC devem entã o ser entendidas como instrumentos complementares: a TDC permite que o proprietá rio de um imó vel cuja á rea edi icada nã o tenha atingido o CA bá sico, possa alienar ou exercer em outro terreno o direito de construir correspondente ao CA bá sico restringido em seu terreno; a OODC, por sua vez, consiste na cobrança de uma contrapartida, paga ao poder pú blico pelo interessado em edi icar, para adquirir direitos de construçã o acima do CA bá sico.
A TDC deve ser u lizada em conjunto e de forma coordenada com a OODC.
A utilizaçã o da TDC e da OODC para os diferentes terrenos urbanos completa o entendimento de que o exercıćio de direitos de construir adicionais ao CA bá sico, em cada terreno urbano, nã o é gratuito, estando sujeito ao pagamento de uma contrapartida. Quando os dois instrumentos sã o aplicados de forma articulada, direitos de construir adicionais podem ser adquiridos do poder pú blico pelo interessado mediante a aplicaçã o da OODC, ou adquirido de particulares por meio da TDC.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
Em qualquer dos casos, “a possibilidade do exercıćio de direitos de construir adicionais aos de inidos pelo coe iciente de aproveitamento bá sico deve estar subordinada ao interesse pú blico”, conforme o art. 3º da Resoluçã o Recomendada do Conselho das Cidades nº 148.
Os direitos de construir adquiridos por meio de TDC sempre se originam de outros imóveis, ou seja, têm origem em propriedades par culares, enquanto os direitos de construir adquiridos por meio de OODC sempre provêm do poder público.
Outro elemento fundamental para a aplicaçã o da TDC (assim como da OODC) é a de iniçã o dos limites má ximos de edi icabilidade para as diferentes á reas urbanas. Ao contrá rio do CA bá sico, os limites má ximos devem ser de inidos segundo os objetivos do planejamento urbano. Estes, representados pelos coe icientes má ximos de edi icabilidade, tê m funçã o de regulaçã o urbanıśtica e, por isso, devem levar em consideraçã o a capacidade de infraestrutura e consequente adensamento de cada á rea urbana, alé m de outros crité rios como impactos de vizinhança e ambiental. En im, devem levar em conta para sua ixaçã o todas as diretrizes de planejamento urbano, especialmente as contidas no art. 2º do EC. Aqui, é preciso ressaltar um ponto muito importante: os limites má ximos devem ser respeitados em qualquer situaçã o, para evitar adensamentos excessivos ou indesejados em determinadas á reas, e, para isso, a aplicaçã o da TDC deverá estar coordenada com a OODC. Limites urbanís cos máximos TDC
CA básico
OODC
Terreno 1
Terreno 2
Terreno 3
A igura 3 apresenta diferentes possibilidades de aplicaçã o dos instrumentos da TDC e da OODC naqueles terrenos aptos ao adensamento. No terreno 1, os direitos de construir acima do CA bá sico sã o adquiridos pelo proprietá rio mediante o pagamento da OODC ao poder pú blico, enquanto no terreno 3, o proprietá rio adquire os direitos de construir de outro particular por meio da aplicaçã o da TDC. A opçã o pela compra de direitos de construir de particulares necessita que o terreno esteja em á rea de inida pelo Plano Diretor como receptora de TDC. No caso do terreno 2, ambos os instrumentos sã o utilizados de forma acumulada, sempre respeitando os limites urbanıśticos má ximos.
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Figura 3 – Diferentes possibilidades de aplicação da TDC e da OODC.
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Assim, TDC e OODC são duas alterna vas para a obtenção, sempre voluntária, de direitos de construir adicionais ao CA básico e limitados pelos índices máximos de edificabilidade.
Alé m da articulaçã o entre a TDC e a OODC, no que tange aos imó veis receptores de direitos de construir, é preciso també m delimitar, na inserçã o da TDC no sistema de planejamento urbano, as bases e efeitos no que se refere aos imó veis transmissores de direitos de construir. Finalmente, vale repetir que a TDC nã o pode e nã o deve representar uma nova fonte de recursos inanceiros para os municıp ́ ios. Alé m disso, é muito importante compreender que, aquilo que o poder pú blico deixa de gastar, por exemplo, com eventuais desapropriaçõ es, quando utiliza a TDC nos imó veis transmissores, deixa també m de obter por meio da cobrança da OODC nos imó veis receptores. Por isso, os crité rios para orientar as decisõ es pelo uso da TDC devem estar vinculados à necessidade de viabilizar as inalidades para as quais o instrumento foi elaborado.
CA básico TDC
Figura 4 – Atuação complementar da TDC e da OODC.
OODC
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REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR
Regulamentação Regulamentação da TDC a. Introdução O artigo 40 do Estatuto da Cidade, acompanhando o estabelecido na Constituiçã o federal de 1988 em seu capıt́ulo sobre a Polıt́ica Urbana, de ine o Plano Diretor como o instrumento bá sico da polıt́ica de desenvolvimento urbano a ser executada pelos municıp ́ ios. Por isso, nele devem constar todos os instrumentos de polıt́ica urbana que o municıp ́ io deseja usar, para operacionalizar sua funçã o pú blica de planejamento. Ressalte-se que nem todos os instrumentos citados no Estatuto da Cidade precisam estar obrigatoriamente previstos nos planos diretores municipais, mas somente quando o instrumento é relevante e ú til para o seu desenvolvimento urbano. A Resoluçã o Recomendada nº 34 do Conselho das Cidades dá esta orientaçã o, já que as cidades, em funçã o do porte do municıp ́ io, da sua histó ria e da regiã o onde se inserem, podem ter Planos Diretores com conteú do diferenciado. No caso da TDC, e de alguns outros instrumentos de polıt́ica urbana, o Estatuto da Cidade de ine, no inciso II de seu art. 42, que as disposiçõ es requeridas para o uso dos instrumentos fazem parte do conteú do mın ́ imo dos planos diretores municipais 18 . Assim, se o municıp ́ io pretender utilizar o instrumento, ele deve estar obrigatoriamente previsto no Plano Diretor, e deve estar acompanhado de ao menos alguns crité rios bá sicos para a sua implementaçã o. Dentre crité rios bá sicos a serem previstos nos planos diretores que pretendem utilizar a TDC, devem estar presentes: a delimitaçã o do alcance do instrumento dentro das hipó teses previstas no art. 35 e seus incisos, crité rios para a determinaçã o de á reas ou imó veis transmissores e receptores, as possıv́eis formas de utilizaçã o, e os processos decisó rios para decisã o de utilizaçã o, especialmente com a participaçã o de conselho participativo, entre outros parâ metros. As demais condiçõ es para a regulamentaçã o do instrumento podem estar contidas no Plano Diretor ou em legislaçã o municipal nele baseada, dependendo do contexto e da capacidade institucional de cada administraçã o local, como especi icado no item 4.b. Deve ser especialmente observada a relaçã o coordenada da TDC com a OODC pelos municıp ́ ios, tendo como elemento de ligaçã o o CA bá sico, o que facilitará , em muito, o processo de aplicaçã o de ambos os instrumentos.
18. Sobre o conteú do e abrangê ncia do Plano Diretor, ver Resoluçã o nº 34 do Conselho das Cidades, publicada no Diá rio O icial da Uniã o em 14 de julho de 2015, seçã o 1, p. 89, a qual emite recomendaçõ es e orientaçõ es quanto ao conteú do mın ́ imo do Plano Diretor.
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b. Questões relativas à regulamentação da TDC segundo suas inalidades Como apresentado, o uso do instrumento TDC tem como ponto de partida sua previsã o no Plano Diretor municipal, com a estipulaçã o, ali, dos crité rios bá sicos que orientarã o sua aplicaçã o. Assim como nã o é obrigató rio que o municıp ́ io se utilize da TDC, també m nã o é estritamente necessá rio que o municı́pio utilize o instrumento para todas as inalidades indicadas na lei federal. O crité rio para a escolha relaciona-se com as necessidades do municıp ́ io, a capacidade institucional de gestã o do instrumento e as pró prias caracterıśticas fıśicas da regiã o, como por exemplo, a existê ncia de á reas ambientalmente relevantes sob pressã o para ocupaçã o urbana. Para essa decisã o, os legisladores, os administradores e os té cnicos municipais, com a participaçã o dos conselhos de desenvolvimento urbano dos municıp ́ ios, devem considerar també m a aplicaçã o de outros instrumentos e mecanismos para atingir ins especı́ icos de interesse pú blico. Alé m disso, o municıp ́ io poderá ou nã o prever a faculdade municipal disposta no §1º do art. 35, da concessã o de TDC pela doaçã o de imó vel no todo ou em parte para quaisquer das inalidades previstas nos incisos I a III. Vale recordar, poré m, que, nesses casos de iniciativa do proprietá rio, o benefıćio da TDC refere-se ao CA bá sico integral da á rea doada, e que as eventuais benfeitorias nã o devem ser indenizadas, pois nã o se trata de aquisiçã o compulsó ria de propriedade e sim de uma liberalidade por parte do proprietá rio, conforme exposto anteriormente. i. Bases para a regulamentação da TDC para implantação de equipamentos urbanos e comunitários A aplicaçã o da TDC nesse caso visa facilitar a obtençã o de imó veis para a realizaçã o de programas e projetos urbanos que, como uma forma de aquisiçã o alternativa, pode ser, eventualmente, mais á gil e menos custosa do que o procedimento expropriató rio. Seja na situaçã o de aquisiçã o total ou parcial do imó vel, o Plano Diretor deve conter a previsã o de uso do instrumento para esta hipó tese especı́ ica. Quanto à lei especı́ ica da TDC, mencionada no caput do art. 35, seu objeto pode ser o tratamento mais detalhado das vá rias hipó teses de aplicaçã o da TDC, ou mesmo ela pode referirse a somente um projeto especı́ ico. Por exemplo, a lei poderá incluir itens como a ampliaçã o de vias para adequaçã o da mobilidade, para promoçã o de acessibilidade universal, a implantaçã o de parques, a implantaçã o de projetos de reabilitaçã o de espaços pú blicos, entre outros projetos de implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios, e para cada um deles, detalhar as formas e condiçõ es de sua aplicaçã o, bem como os procedimentos administrativos decisó rios para sua implantaçã o.
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Diferentemente da aquisiçã o de imó veis via expropriaçã o, em que o procedimento é compulsó rio em relaçã o à anuê ncia do dono, a opçã o de uso da TDC depende da aceitaçã o do negó cio jurıd ́ ico por parte dos proprietá rios. Isso signi ica que a prefeitura pode considerar interessante tornar a opçã o pela TDC vantajosa para o proprietá rio, o que deve ser previsto na forma e nos limites de inidos na lei especı́ ica. Assim, como o montante de metros quadrados de edi icaçã o disponıv́eis para a TDC está previamente determinado pelo CA bá sico estabelecido pela normativa urbanıśtica para o imó vel em questã o, outros fatores podem ser considerados para tornar atrativa a opçã o pela TDC, tais como a agilidade com que os recursos sã o 19 disponibilizados, o oferecimento de bô nus para as adesõ es imediatas , ou ainda a ampliaçã o do prazo concedido ao proprietá rio para a alienaçã o do direito de construir oriundo da TDC. Em todos esses casos, quando a transmissã o da propriedade do imó vel é indispensá vel, as eventuais benfeitorias devem ser indenizadas pelo poder pú blico, ou poderã o ser recompostas pelo poder pú blico, no caso de transferê ncia apenas parcial dos terrenos envolvidos. ii. Bases para a regulamentação da TDC para preservação de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural Trata-se do caso mais comum de aplicaçã o do instrumento no Brasil. Isso porque as cidades brasileiras, ao longo das ú ltimas dé cadas, tê m dado aos proprietá rios de imó veis coe icientes de aproveitamento má ximos generosos e gratuitos. Essas graciosidades pressionam os administradores municipais eleitos quando estes, em contraste com estas graciosidades urbanıśticas, restringem, em outros imó veis, os coe icientes de edi icabilidade, em funçã o da preservaçã o cultural ou ambiental do imó vel. A soluçã o mais corriqueira e imediata que tem sido encontrada para aliviar esta pressã o polıt́ica tem sido a de “compensar”, com a TDC, os proprietá rios restringidos nos ın ́ dices má ximos.
Para que haja uma situação de transparência e controle social na aplicação da TDC como mecanismo compensatório à imposição de limitações administra vas, o procedimento, o âmbito de incidência, sua abrangência, limites e hipóteses de incidência devem estar previamente regulamentados, e devem ser objeto de procedimento administra vo decisório formal e com publicidade.
19. O bô nus se justi ica para agilizar as adesõ es ao Programa, de modo a restringir as situaçõ es em que alguns proprietá rios atrasem a negociaçã o com vistas a aumentar seu poder de barganha. Mas é importante que os bô nus sejam cuidadosamente calculados segundo as caracterıśticas de cada á rea atingida e a possibilidade de absorçã o dos direitos de construir adicionais a serem transferidos mediante a TDC. Em Porto Alegre, para a emissã o de TDC no caso da ampliaçã o da 3ª Avenida Perimetral, um Plano de Incentivos envolvendo a concessã o de bô nus foi elaborado e aprovado pela Lei nº 409/1998 (UZON, 2013).
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Quando existe o interesse pú blico para a preservaçã o de um imó vel, pode haver um con lito entre as consequentes restriçõ es impostas e o exercıćio do direito de construir bá sico do imó vel. A TDC pode ser utilizada em situaçõ es excepcionais como um mecanismo auxiliar aos demais instrumentos de proteçã o. Cabe alertar que a aplicaçã o da TDC “compensató ria” se destina prioritariamente a casos individuais nos quais a restriçã o ao direito de construir bá sico de um imó vel con igure uma clara situaçã o de desvantagem em relaçã o aos demais imó veis da zona. Ou seja, nos casos em que a jurisprudê ncia brasileira tem, excepcionalmente, reconhecido cabıv́el eventual indenizaçã o por restriçã o anormal e especial à determinada propriedade. Consequentemente, em casos de conjuntos preservados, seja por tombamento, seja por qualquer outra forma de proteçã o, como a instituiçã o de á reas de preservaçã o cultural, nos quais as restriçõ es recaem de maneira mais uniforme sobre diversos imó veis, nã o cabe, em geral, a utilizaçã o da TDC. Isto porque estas restriçõ es gené ricas de conjuntos de imó veis decorrem de um zoneamento especı́ ico. Trata-se, portanto, da hipó tese prevista na segunda parte do §2º do art. 28 do Estatuto da Cidade, em que é prevista a possibilidade de um CA bá sico diferenciado 20 daquele gené rico da cidade . Em outras palavras, o uso da TDC nos casos de preservaçã o cultural corresponde a uma indenizaçã o, e só procede caso a limitaçã o administrativa cause, comparativamente aos demais imó veis, prejuıźo concreto, atual, e anormal, ao conteú do econô mico da propriedade; nã o cabem, portanto, indenizaçõ es, via TDC, a expectativas de prejuıźo futuro e eventual. Cabe observar que, quando o proprietá rio de um bem imó vel é indenizado por qualquer outra forma, em funçã o da limitaçã o administrativa por preservaçã o cultural, isso signi ica dizer que ele abriu mã o de ser compensado via TDC. Em outra situaçã o, se ocorrer, apó s a TDC, o cancelamento do tombamento, o direito de construir transferido nã o poderá ser restituıd ́ o ao imó vel de origem, uma vez que este tenha sido efetivamente exercido em outro local. Para garantir esse controle, alé m de prever em lei mecanismos como o averbamento da TDC na matrıćula do imó vel, é necessá rio estabelecer um trabalho conjunto entre a prefeitura e o ó rgã o responsá vel pelo imó vel ou conjunto protegido²¹.
O tombamento (por qualquer esfera de governo) não vincula, direta e necessariamente, o uso da TDC. A aplicação do instrumento compete ao município, devendo estar prevista no Plano Diretor e regulamentada pela legislação específica.
20. No Rio de Janeiro, por exemplo, desde 1992 foi instituıd ́ a a Area de Proteçã o do Ambiente Cultural - APAC, na qual os bens de valor excepcional sã o tombados; os que caracterizam o conjunto sã o preservados e os demais sã o tutelados. 21. Essa cooperaçã o se torna ainda mais necessá ria caso esteja prevista a possibilidade de TDC em imó veis protegidos em outras esferas que nã o a municipal ou, ainda, quando diversos nıv́eis de proteçã o (municipal, estadual e federal) coexistam em um mesmo imó vel ou conjunto.
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Finalmente, entendemos que o Plano Diretor do municıp ́ io que izer a previsã o do uso da TDC nestes casos, pode e deve indicar os casos em que, embora individuais, nã o será cabıv́el o uso da TDC. Trata-se, por exemplo, dos casos de grandes á reas existentes nos municıp ́ ios que tê m usos sociais, como á reas de clubes sociais e esportivos, á reas de grandes equipamentos sociais, como escolas privadas ou universidades, imó veis religiosos, á reas de condomın ́ ios especiais, em que a aprovaçã o dos mesmos, e até a cessã o ou doaçã o dessas á reas foram objeto de projetos especiais. Seria quase impossıv́el fazer um zoneamento especı́ ico para estas á reas que, sem dú vida, nã o podem ter um CA bá sico igual ao gené rico da cidade, já que estã o em situaçã o especial, por origem ou por programa. A deferê ncia de TDC para estas á reas se caracterizaria, na maioria das vezes, apenas como uma forma de que entidades venham a obter recursos inanceiros, o que nã o é o objetivo legal do instrumento. A TDC em imóveis de interesse ambiental Aplicam-se à preservaçã o ambiental as mesmas consideraçõ es apresentadas acima sobre a incidê ncia de uso de TDC à preservaçã o cultural. Portanto, na preservaçã o ambiental, a TDC só será cabıv́el nos casos em que exista um dano especı́ ico causado ao CA bá sico, por limitaçõ es administrativas, especı́ icas e anormais a um imó vel especial. Ou seja, para que a TDC ofereça a possibilidade de restabelecer a situaçã o de equidade com vizinhos, desde que o imó vel nã o seja de uso destinado, desde sempre, a um programa especial, como um clube, por exemplo. Alerta-se para o fato de que, de modo geral, as á reas de interesse ambiental dentro do perım ́ etro urbano possuem grandes dimensõ es, nas quais a concessã o indiscriminada da TDC pode ter o efeito indesejá vel de “inundar” a cidade de direitos de construir, prejudicando a aplicaçã o da OODC. Assim, recomenda-se que, no momento da aprovaçã o do zoneamento municipal ou da Lei de Uso e Ocupaçã o do Solo, se adotem, para essas á reas ambientalmente estraté gicas e importantes para a manutençã o da qualidade de vida e da polıt́ica ambiental na cidade, CA bá sicos diferenciados, inferiores ao CA bá sico geral, de inido para as demais zonas urbanas. No caso de imó veis com restriçã o total à edi icabilidade, o ideal é estabelecer a TDC em á reas onde haja o interesse pú blico na transferê ncia da propriedade para o municıp ́ io, para ins de melhor gestã o e conservaçã o. Caso se preveja a hipó tese de manutençã o de á reas com restriçã o total à edi icaçã o com o proprietá rio original, recomenda-se uma avaliaçã o cautelosa para averiguar o uso que será dado ao imó vel em relaçã o ao interesse pú blico que motivou a restriçã o imposta. A concessã o do benefıćio da TDC nas situaçõ es de preservaçã o ambiental deve també m levar em conta a situaçã o da normativa anterior do terreno. As situaçõ es deverã o ser consideradas caso a caso e, em se tratando de uma restriçã o total à edi icaçã o, é pertinente considerar se o terreno foi comprado ou parcelado antes da legislaçã o mais restritiva, como condiçã o pré via para a concessã o da TDC. Em todos os casos, o que deve ser levado em conta, precipuamente, é o interesse pú blico pela preservaçã o ambiental da á rea.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
iii. Bases para a regulamentação da TDC para programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social A utilizaçã o da TDC para estas inalidades está relacionada principalmente à resoluçã o de con litos fundiá rios urbanos, como a de terrenos privados ocupados por terceiros, desde que seja uma alternativa vantajosa e necessá ria para a polıt́ica habitacional da municipalidade. Nestes casos, o proprietá rio nã o reside no terreno, e este encontra-se desvalorizado por seu uso real. Assim, pode ser interessante para o proprietá rio receber a autorizaçã o para exercer em outro local, ou alienar, o direito de construir bá sico do seu terreno, via TDC. Há que se atentar para o valor reduzido do terreno na atribuiçã o de TDC. Vale mencionar també m que, dependendo das condiçõ es do terreno em questã o, ele poderá estar sujeito à aplicaçã o do instrumento do Parcelamento, Edi icaçã o e Utilizaçã o Compulsó rios (PEUC)²², alé m de poder ser designado como Zona de Especial Interesse Social (ZEIS) no Plano Diretor ou em lei especı́ ica. E importante destacar que a TDC nã o deve ser aplicada a imó veis cujos possuidores preencham as condiçõ es para a aquisiçã o da propriedade por meio de usucapiã o. Nessa situaçã o, há que se considerar que, juridicamente, os posseiros já tê m o direito de reivindicar a propriedade do imó vel, sendo a açã o de usucapiã o somente declarató ria, para im de registro da transmissã o da propriedade aos possuidores. Interesse público em promover a regularização fundiária
Terreno ocupado irregularmente por população de baixa renda Não preenche requisitos para ação de usucapião
Preenche requisitos para ação de usucapião
Poder público autoriza a TDC para o proprietário, recebendo o terreno para promover a regularização fundiária
Poder público não autoriza a TDC e proprietário perde o terreno por ação de usucapião
Vale lembrar mais uma vez, que no uso da TDC para im de transferê ncia de imó vel para regularizaçã o fundiá ria, a hipó tese deve estar prevista no Plano Diretor e, se for o caso, em lei especı́ ica, de forma a moldar as condiçõ es e limites urbanıśticos e inanceiros de sua incidê ncia, forma e procedimento decisó rio, e demais circunstâ ncias de execuçã o dessa polıt́ica habitacional, inclusive a modalidade de transferê ncia, ou nã o, da propriedade do imó vel aos moradores.
22. Para maiores detalhes, revisar o Caderno de PEUC e IPTU progressivo no tempo publicado pelo Ministé rio das Cidades (volume 2 desta Coleçã o).
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Quadro 3 - TDC e regularização fundiária.
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Deve entã o ser autorizada ao proprietá rio a transferê ncia da totalidade do direito de construir até o CA bá sico originalmente atribuıd ́ o ao lote, ou apenas o CA bá sico lıq ́ uido dos lotes quando se tratar de glebas nã o parceladas²³. Quanto à s eventuais edi icaçõ es existentes, há que se considerar que as moradias de baixa renda construıd ́ as por ocupantes de terreno de propriedade de terceiro, ainda que sem a anuê ncia do proprietá rio, constituem benfeitorias pertencentes aos ocupantes, nã o cabendo qualquer indenizaçã o ao proprietá rio a elas correspondente em funçã o deste negó cio urbanı́stico (regularizaçã o do terreno em face do proprietá rio). Ou seja, neste caso, somente devem ser indenizadas ao proprietá rio as benfeitorias originais de sua propriedade. Há també m que considerar, assim como na desapropriaçã o de imó veis para essa inalidade, que o valor do terreno (em metros quadrados) que será aplicado à fó rmula de cá lculo da concessã o da TDC deve re letir a sua desvalorizaçã o, em funçã o da condiçã o de ocupaçã o por terceiros, e nã o atender simplesmente ao crité rio de sua localizaçã o na zona de uso da qual faça parte. Em suma, independentemente da opçã o pelas inalidades possıv́eis de aplicaçã o do instrumento, estas devem ser adequadas ao interesse pú blico, de forma que os instrumentos possam ser considerados em um sistema mais amplo de planejamento urbano. c. Alertas sobre as bases para a regulamentação da TDC i. A TDC e o estado de conservação dos imóveis Alguns municıp ́ ios brasileiros que adotaram a TDC como instrumento de polıt́ica urbana para ins de preservaçã o de edi icaçõ es de valor artıśtico e/ou histó rico vinculam a concessã o da TDC ao estado de conservaçã o do imó vel a ser preservado. Outros utilizam a mesma ideia para a conservaçã o ou manutençã o de á reas de interesse paisagıśtico e/ou ambiental. As experiê ncias diversi icam-se em relaçã o ao momento da concessã o da TDC. Há casos em que a TDC somente é concedida para aqueles imó veis que já se encontram em bom estado de conservaçã o. Outros concedem a TDC com a inalidade de que o proprietá rio possa obter os recursos inanceiros para executar as obras no imó vel, ou para a manutençã o de á reas de valor ambiental. Em alguns casos, a TDC é concedida parceladamente, à medida que as etapas da obra ou da manutençã o sã o inalizadas. Nesses casos, a concessã o da TDC atua como uma forma de inanciamento para a manutençã o das edi icaçõ es ou dos elementos da paisagem. No entanto, se entendermos que a aplicaçã o da TDC, nas hipó teses de imó veis de interesse histó rico, cultural, paisagı́stico, ou ambiental, tem como causa ou motivaçã o geradora a compensaçã o pela incidê ncia da limitaçã o administrativa especial e anormal ao CA bá sico de aproveitamento de uso do imó vel, a prá tica de vincular a concessã o da TDC à comprovaçã o do bom estado de conservaçã o do imó vel suscita muitas dú vidas e discussõ es.
23. Descontadas as á reas de cessã o e doaçã o para sistema viá rio, equipamentos urbanos etc., segundo a legislaçã o municipal vigente sobre parcelamento.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
A conservaçã o das edi icaçõ es urbanas, preservadas ou nã o, é obrigaçã o de todos os 24 proprietá rios de imó veis . E assim tem sido durante estes oitenta anos de polıt ́ ica de preservaçã o do patrimô nio cultural e ambiental. Por isso, nã o há que se falar, em princıp ́ io, de indenizaçã o ou compensaçã o a tıt́ulo de conservaçã o do imó vel por meio da TDC. A polıt́ica de preservaçã o e conservaçã o de imó veis, quando necessá rio, pode e deve estar vinculada a uma estrutura planejada de fomento aos proprietá rios, quando for o caso. Isto porque incentivos à preservaçã o e conservaçã o devem considerar os vá rios nıv́eis de exigê ncias de conservaçã o, em funçã o da modalidade da preservaçã o (ex. tombamento artıśtico, histó rico, etnográ ico, paisagıśtico, individual, coletivo etc.), da situaçã o econô mica do proprietá rio, entre outros fatores. Há municıp ́ ios que usam també m isençõ es de impostos para este im, como isençõ es totais ou parciais de IPTU ou ISS. Há estados que praticam fó rmulas de incentivo com redistribuiçã o de ICMS. E a Uniã o tem programas especı́ icos de fomento, atravé s, por exemplo, de inanciamentos atravé s da Lei “Rouanet”. Tudo, en im, deve estar estudado, planejado, estruturado de modo a nã o transformar obrigaçõ es decorrentes da funçã o social da propriedade em fontes de indenizaçõ es ou compensaçõ es pelo poder pú blico. Por isso é que estas formas de concessã o de TDC sã o impró prias, como forma transversa de concessã o de fomento à conservaçã o de imó veis, pois trata-se de uso de um instrumento urbanıśtico de planejamento urbano para atender a uma outra inalidade legal, desconectando o instrumento da TDC de seu elo essencial a remanejamentos urbanıśticos concernentes ao CA bá sico, e à OODC. Para ilustrar esta assertiva, alertamos para casos já ocorridos em municıp ́ ios onde houve a concessã o da TDC por mais de uma vez, ao mesmo imó vel, passados alguns anos, e pelo fato do proprietá rio “necessitar”, mais uma vez, de novos recursos para conservaçã o do seu bem. Com isso, o municıp ́ io nã o só estaria transformando a TDC em uma moeda municipal, como també m estaria acarretando a geraçã o arti icial de direitos de construir desvinculados do sistema de planejamento urbano. Embora esta opçã o pareça absurda (já que, uma vez transferidos, os direitos de construir correspondentes deixam de pertencer ao proprietá rio do imó vel), ela pode ser concretamente encontrada em algumas das principais experiê ncias brasileiras.
Os direitos de construir de um determinado imóvel que já tenham sido transferidos não poderão ser objeto de nova transferência!
Finalmente, cabe acrescentar que é possıv́el també m que, em um sistema articulado entre a TDC e a OODC, como deve ser, parte dos recursos oriundos da OODC seja destinada a uma polıt́ica ou programa de conservaçã o de imó veis preservados, mediante uma polıt́ica de fomento, lembrando que é preciso haver crité rios claros e controle social para que o interesse pú blico esteja assegurado em todos os casos.
24. O Decreto-Lei nº 25 de 1937 é uma das principais leis que tratam do patrimô nio histó rico e artıśtico nacional e determina ao proprietá rio de edi icaçã o tombada conservar o bem, independentemente da concessã o de algum benefıćio ou de indenizaçã o decorrente do ato de tombamento. Há situaçõ es, no entanto, nas quais o estado de degradaçã o da edi icaçã o exige um montante de recursos excepcional para a execuçã o das obras de restauraçã o do bem tombado. Nesse caso, de acordo com o art. 19 do Decreto-Lei, o proprietá rio que nã o dispuser de recursos para a conservaçã o do imó vel deve comunicar ao ó rgã o que tombou o bem sobre a impossibilidade de realizar as obras; neste caso, o ó rgã o pode executar as intervençõ es ou desapropriar o bem.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
ii. CA básico e CA máximo para a concessão da TDC O instrumento da TDC apresenta-se como uma alternativa viá vel à desapropriaçã o para a obtençã o de terrenos por motivos de interesse pú blico, mas as vantagens da TDC em relaçã o à desapropriaçã o devem ser consideradas tanto para o proprietá rio quanto para o poder pú blico. Na desapropriaçã o, a indenizaçã o pela transferê ncia do imó vel para a administraçã o pú blica, que é praticada com base no valor de mercado do imó vel, é um dos pontos centrais do debate. Como alternativa à desapropriaçã o, a TDC també m está associada a esse debate. Existem experiê ncias municipais nas quais a TDC é concedida até o limite do CA má ximo, com a justi icativa de que este expressaria o valor de mercado do imó vel. Entretanto, esta interpretaçã o é contrá ria ao princıp ́ io da TDC, já que sua incidê ncia ocorre somente até o CA bá sico, que é o recurso que se considera vinculado à esfera patrimonial privada. E importante entender que vincular a concessã o de TDC ao CA má ximo, em qualquer situaçã o, é uma açã o contraditó ria por parte do poder pú blico municipal, pois gera confusã o ao dar um mesmo tratamento – equivocado – entre recursos da esfera patrimonial privada (o CA bá sico), e recursos urbanıśticos pú blicos, representados pela diferença entre o CA má ximo e o CA bá sico. O mesmo entendimento equivocado pode ser encontrado, na revisã o de experiê ncias com a TDC, para o caso da doaçã o de imó veis ao poder pú blico, de modo a oferecer ao proprietá rio que doa o imó vel uma vantagem em relaçã o à quele que permanece com o imó vel. Entretanto, nã o se pode esquecer que a doaçã o, tal como de inido na legislaçã o civil, é um ato voluntá rio do proprietá rio, que també m pode ter interesse pú blico subsidiá rio. Assim, como já mencionado, para estimular a opçã o do proprietá rio pela TDC frente à desapropriaçã o, ou mesmo em certos casos na doaçã o, pode ser considerado algum fator de incentivo, desde que este esteja totalmente desvinculado do CA má ximo. d. De inição de áreas ou imóveis transmissores e receptores Em cada autorizaçã o de TDC está envolvido um imó vel transmissor, cujo proprietá rio recebe a autorizaçã o para a transferê ncia de seu direito de construir até o CA bá sico que nã o tenha sido utilizado em seu imó vel, e um imó vel receptor, no qual os direitos transferidos podem ser exercidos. Esses imó veis podem estar localizados na mesma á rea ou zona urbana, ou em outras á reas ou zonas, conforme seja de inido na normatizaçã o da TDC. Nas á reas de inidas como receptoras, os direitos de construir podem ser adquiridos para serem utilizados em um ou mais imó veis, respeitada a quantidade de metros quadrados de direitos de construir advinda do imó vel transmissor, e os limites má ximos de edi icaçã o dos imó veis receptores.
Figura 5 – TDC gerada em um terreno transmissor e utilizada em terrenos receptores distintos.
TDC - direito de construir recepcionado TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 1
Terreno 2
Terreno 3
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
Da mesma forma, é també m possıv́el que os direitos de construir a serem adquiridos para um imó vel em á rea receptora sejam oriundos de mais de um imó vel em á rea transmissora, ou seja, há a possibilidade de se transferir parceladamente o direito de construir.
TDC - direito de construir recepcionado TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 1
Terreno 2
Terreno 3
A legislaçã o municipal, segundo crité rios do planejamento urbano, deve determinar as á reas ou imó veis transmissores e també m as á reas ou imó veis receptores de direitos de construir. Embora nã o seja incomum encontrar regulamentaçõ es municipais que apenas consideram a origem dos direitos construtivos passıv́eis de serem transferidos (por exemplo, por inalidade e nã o por á rea), é essencial de inir territorialmente a origem e o destino para o exercıćio desses direitos, pois ambos guardam relaçõ es com o adensamento construtivo das diferentes á reas urbanas. E també m relevante que as á reas transmissoras e receptoras sejam de inidas em conjunto, uma vez que elas devem funcionar de forma articulada na implementaçã o da TDC. Apesar de o Estatuto da Cidade nã o fazer referê ncia à de iniçã o de á reas transmissoras e receptoras, o Conselho das Cidades recomenda, na Resoluçã o Recomendada nº 34, que a legislaçã o municipal estabeleça essas á reas. Diversos aspectos de planejamento urbano e ı́ n dices urbanı́ s ticos devem ser considerados para um melhor controle do adensamento de cada zona da cidade, bem como para a garantia da utilizaçã o dos direitos construtivos advindos da TDC. A de iniçã o das á reas ou imó veis receptores deve considerar os locais onde o adensamento populacional e construtivo é desejá vel e deve ser estimulado, como por exemplo, nas á reas mais centrais dotadas de infraestrutura urbana e naquelas pró ximas aos principais corredores viá rios, que geralmente sã o servidas por transporte pú blico de massa. Algumas legislaçõ es municipais de uso e ocupaçã o do solo urbano de inem zonas de adensamento preferencial, com as quais as á reas receptoras de TDC podem també m estar articuladas.
A recepção da TDC está sujeita, em cada terreno, aos limites máximos dos coeficientes de aproveitamento definidos no Plano Diretor (conforme art. 28 § 3º do Estatuto da Cidade), válidos também para a OODC.
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Figura 6 – TDC gerada em diferentes terrenos transmissores e utilizada em um terreno receptor.
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Em alguns casos, as á reas transmissoras e receptoras podem ser de inidas em pares, ou seja, articula-se a á rea transmissora 1 com a á rea receptora 1, a á rea transmissora 2 com a á rea receptora 2, e assim por diante. Pode haver uma intençã o de manter um equilıb ́ rio do processo de adensamento ao longo do tempo entre as diversas zonas da cidade, e para isso é usual de inir á reas transmissoras e receptoras dentro de uma mesma zona da cidade. Esta consideraçã o de á reas transmissoras e receptoras dentro da mesma zona da cidade també m é importante quando houver obras pú blicas na zona transmissora, de modo a prevenir a valorizaçã o diferenciada entre imó veis transmissores e receptores, o que geraria um desequilıb ́ rio indesejado. Outra possibilidade quanto à de iniçã o das á reas de aplicaçã o da TDC é a sua utilizaçã o em todas as á reas da cidade, de forma coordenada com a aplicaçã o da OODC. Estando a OODC implantada em toda a cidade (exceçã o feita à s á reas consideradas nã o adensá veis), a TDC també m poderia ser aplicada em toda a á rea urbana, pois os proprietá rios que desejam construir acima do CA bá sico, até os limites má ximos de edi icaçã o, poderiam adquirir os direitos de construir adicionais por meio da OODC ou da TDC. Recomenda-se, no entanto, um estudo cuidadoso na aplicaçã o coordenada da OODC com a TDC, para que a aplicaçã o de um instrumento nã o comprometa a utilizaçã o do outro. Nos casos de terrenos necessá rios a obras pú blicas e implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios – de inidos, portanto, como transmissores de direitos de construir –, deve ser elaborado um projeto urbano que determine exatamente quais terrenos ou parcelas de terrenos serã o atingidos pelas obras. Este projeto permitirá de inir de forma conjunta os vá rios crité rios especı́ icos para a aplicaçã o da TDC, facilitando a gestã o do instrumento. Ressalta-se que, nesses casos, quando há previsã o de utilizaçã o apenas parcial do terreno, os direitos de construir poderã o ser aplicados na á rea remanescente do mesmo, respeitando-se os 25 limites má ximos de edi icaçã o . O mesmo poderá ser feito no caso de preservaçã o de edi icaçã o, se a norma local de preservaçã o permitir. e. TDC direta e indireta A TDC pode ser realizada de duas formas no que diz respeito à transmissã o do direito de construir bá sico de um terreno a outro: de forma direta e indireta. Na primeira, o direito de construir até o CA bá sico que nã o possa ser exercido em um determinado imó vel transmissor é transferido diretamente a outro terreno onde poderá ser materializado, mediante autorizaçã o dada pelo poder pú blico. Essa forma exige a vinculaçã o imediata da transferê ncia do direito de construir bá sico de um terreno transmissor a um terreno receptor. Ou seja, ainda que sejam emitidos documentos representativos do direito de construir transferido, é necessá ria a indicaçã o, no momento da transmissã o, do terreno que irá receber esses direitos, havendo a incorporaçã o direta dos mesmos ao terreno receptor em uma ú nica transaçã o.
25. Embora esta autorizaçã o nã o se con igure como TDC, como argumentado mais acima.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
A modalidade direta, em virtude da maior facilidade de gestã o e controle da aplicaçã o da TDC, pode ser mais adequada para os municıp ́ ios de menor porte que, em geral, dispõ em de um corpo té cnico reduzido. Nos municıp ́ ios de maior porte, pode haver a opçã o pela modalidade direta ou pela indireta. Transferência de direito de construir Limites urbanís cos máximos TDC - direito de construir recepcionado
CA básico
TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 1 (Transmissor)
Terreno 2 (Receptor)
Na transferê ncia indireta, nã o há vinculaçã o entre a autorizaçã o pú blica para a transmissã o do direito de construir bá sico e a recepçã o imediata desse direito pelo terreno de destino, o que permite a comercializaçã o secundá ria do direito de construir a ser transferido. Nesse caso, o documento comprobató rio, representativo de uma certa quantidade de metros quadrados de direito de construir, deve ser emitido pelo poder pú blico e entregue ao proprietá rio do terreno transmissor. Aqueles que adquirirem o direito de construir, ao exercê -lo em outros terrenos devem respeitar a normativa municipal relativa aos limites urbanıśticos má ximos em cada zona, que pode ser temporalmente mutá vel.
A TDC é sempre expressa, nos documentos comprobatórios, em metros quadrados de direito de construir.
O modelo indireto necessita de uma estrutura de gestã o na administraçã o pú blica capaz de exercer o papel regulador em todo o processo, com o controle dos documentos comprobató rios de direitos de construir disponıv́eis no “mercado”, bem como a manutençã o de uma base periodicamente atualizada dos valores relativos do metro quadrado dos terrenos em cada á rea transmissora e receptora da cidade. Deve ser observada a necessidade de controle dos estoques de direitos de construir disponıv́eis, para a gestã o da modalidade indireta da TDC. Ressalte-se que a modalidade indireta é mais recomendá vel para cidades onde a gestã o da OODC já esteja consolidada ou, ainda, para viabilizar a implantaçã o de equipamentos urbanos e comunitá rios no â mbito de um projeto urbano. Nesses casos, a modalidade indireta pode incentivar a opçã o dos proprietá rios pela TDC, tornando-a mais atrativa frente à desapropriaçã o (ver item 4.d).
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Figura 7 - TDC direta.
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Recepção do direito de construir no terreno 2 (momento 2)
Emissão de documento de TDC (momento 1)
Recepção do direito de construir no terreno 3 (momento 3)
Limites urbanís cos máximos TDC - direito de construir recepcionado
CA básico
TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 2 (Receptor)
Terreno 1 (Transmissor)
Terreno 3 (Receptor)
TDC indireta (Existência de um mercado secundário) Poder público emite CERTIDÃO DE TDC para o proprietário do imóvel transmissor
TDC direta (Exercer em outro local ou alienar) Manutenção da propriedade do imóvel.
Poder público AUTORIZA O PROPRIETÁRIO A EXERCER EM OUTRO LOCAL o direito de construir até o CA básico (total ou parcialmente).
RESTRIÇÃO AO DIREITO DE CONSTRUIR é ANOTADA na matrícula do imóvel transmissor no registro imobiliário.
Quadro 4 - Procedimentos da TDC direta e da TDC indireta.
Com transferência da propriedade do imóvel para o poder público.
Proprietário do imóvel transmissor ALIENA O DIREITO DE CONSTRUIR a terceiro.
Poder público emite CERTIDÃO DE TDC para o proprietário do imóvel transmissor.
Poder público emite CERTIDÃO DE TDC para proprietário do imóvel receptor.
Proprietário do imóvel transmissor ALIENA O DIREITO DE CONSTRUIR a terceiro.
Portador da cer dão ALIENA O DIREITO DE CONSTRUIR para outro interessado.
Adquirente do direito de construir e proprietário do imóvel receptor apresenta a CERTIDÃO DE TDC NO PROCESSO DE APROVAÇÃO DE PROJETO E LICENCIAMENTO DE OBRA.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
f. Fórmula de equivalência entre o terreno transmissor e o receptor O documento comprobató rio da TDC expressa os metros quadrados de direito de construir do terreno transmissor que poderã o ser transferidos para outros terrenos. Entretanto, no momento da de iniçã o do terreno receptor dos direitos de construir, é imprescindıv́el efetuar uma equivalê ncia que estabeleça a relaçã o entre os valores do metro quadrado do terreno transmissor, e do terreno receptor. Esta relaçã o, por sua vez, vai se re letir em um ajuste da quantidade de metros quadrados de direitos de construir entre os terrenos, por meio de uma fó rmula de equivalê ncia. A fó rmula de equivalê ncia objetiva compatibilizar a TDC entre terrenos e á reas de valores diferenciados. Considere-se, por exemplo, que um terreno transmissor tenha autorizada a transferê ncia de 200 m² de direito de construir, cujo valor do metro quadrado seja de R$ 500,00 à é poca da transferê ncia. Se este direito de construir for utilizado em um terreno receptor cujo metro quadrado custe R$ 1.000,00, ou seja, o dobro do terreno transmissor, é preciso efetuar uma equivalê ncia entre esses diferentes valores. Mediante essa equivalê ncia, será autorizada no terreno receptor, duas vezes mais caro, uma construçã o adicional de apenas 100 m², ou seja, a metade da metragem gerada no terreno transmissor. Assim, ica claro que as metragens de transmissã o e recepçã o devem ser inversamente proporcionais aos valores dos terrenos transmissor e receptor. TDC - direito de construir recepcionado
CA básico
TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 1 ($m²)
Terreno 2 ($$m²)
Figura 9 - O metro quadrado do terreno 1 vale a metade do metro quadrado do terreno 2.
O oposto é verdadeiro: se o metro quadrado do terreno 1 vale o dobro do metro quadrado do terreno 2, os metros quadrados de direito de construir a serem recepcionados pelo terreno 2 serã o o dobro dos metros quadrados de direito de construir originalmente atribuıd ́ os ao terreno transmissor.
TDC - direito de construir recepcionado
CA básico
TDC - direito de construir transferido Edificação até o CA básico Terreno 1 ($$m²)
Terreno 2 ($m²)
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Figura 10 - O metro quadrado do terreno 1 vale o dobro do metro quadrado do terreno 2.
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Para um melhor entendimento da sistemá tica da equivalê ncia de valores de terrenos transmissores e receptores e sua relaçã o com direitos de construir, esta relaçã o inversamente proporcional pode ser expressa em uma fó rmula. Nela, observa-se que o produto da quantidade dos direitos de construir recepcionados (TDCr) pelo valor do metro quadrado do terreno receptor (Vr) é igual ao produto da quantidade dos direitos de construir transferidos (TDCt), em metros quadrados, pelo valor do metro quadrado do terreno transmissor (Vt).
TDCr (m²) x Vr ($/m²) = TDCt (m²) x Vt ($/m²) TDCr (m²) = TDCt (m²) x Vt ($/m²) Vr ($/m²) TDCr = quan dade de metros quadrados a ser recepcionada Vr = valor do metro quadrado do terreno receptor TDCt = quan dade de metros quadrados a ser transferida Vt = valor do metro quadrado do terreno transmissor
Assim, para calcular a á rea adicional em metros quadrados de direitos de construir em um determinado terreno receptor (TDCr), multiplica-se a á rea em metros quadrados de direitos de construir autorizados para transferê ncia (TDCt) pelo valor do metro quadrado do terreno transmissor (Vt) e o produto é entã o dividido pelo valor do metro quadrado do terreno receptor (Vr). Vale ressaltar que a quantidade de metros quadrados a ser recepcionada nã o pode ultrapassar os limites urbanıśticos má ximos previstos para o terreno receptor. Caso isto ocorra, a quantidade remanescente de metros quadrados de direito de construir passıv́eis de TDC deverá ser utilizada em outro terreno. A equivalê ncia exige, alé m da previsã o legal da fó rmula, a avaliaçã o dos valores dos terrenos envolvidos na TDC, mediante uma base cadastral disponıv́el na prefeitura relacionada a uma tabela de valores dos terrenos, que pode ser aquela utilizada para o cá lculo do ITBI ou uma tabela especı́ ica para a aplicaçã o da TDC e da OODC. Em qualquer hipó tese, a tabela deve ser periodicamente atualizada e publicizada, bem como os negó cios jurıd ́ icos feitos com os direitos de construir originados de TDC. Uma alternativa é a utilizaçã o do cadastro territorial 26 multi inalitá rio , desde que este esteja permanentemente atualizado para este im.
26. O Cadastro Territorial Multi inalitá rio relaciona os dados do inventá rio territorial o icial e sistemá tico de um municıp ́ io (localizaçã o e dimensõ es, o valor e os proprietá rios dos imó veis) com as caracterıśticas ambientais, as redes de serviços, as normas urbanıśticas e o per il socioeconô mico dos habitantes.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
g. Cuidados na aplicação conjunta da TDC e da OODC A TDC e a OODC compartilham da mesma origem conceitual e sua aplicaçã o conjunta e coordenada contribui para a e icá cia do princıp ́ io da justa distribuiçã o dos benefıćios e ô nus do processo de urbanizaçã o, diretriz do Estatuto da Cidade, contida no art. 2º, inc. IX, como já apresentado. A noçã o de "solo criado" estabelece a articulaçã o entre os instrumentos por meio do CA bá sico. Tendo em vista o entendimento a respeito dos conceitos de direito de construir bá sico e adicionais, a aquisiçã o dos direitos adicionais ao CA bá sico pode ser realizada por meio de OODC ou TDC. Ao optar pela compra dos direitos de construir adicionais por meio da TDC, o proprietá rio, obviamente, nã o necessitará fazê -lo por meio da OODC. Para tal, no momento da aprovaçã o do projeto e/ou licenciamento do projeto/obra, o proprietá rio deve apresentar a certidã o relativa à compra dos direitos por meio de TDC. Contudo, cabe à municipalidade, sempre, o cá lculo de equivalê ncia dos metros quadrados do direito de construir entre os terrenos envolvidos na TDC. No entanto, por causa dessa estreita relaçã o conceitual e operacional entre esses instrumentos, deve ser observada uma sé rie de cuidados na regulamentaçã o da TDC em relaçã o à OODC. Esses cuidados sã o vá lidos tanto nas situaçõ es em que o municıp ́ io já conte com a OODC na legislaçã o municipal, como nos casos em que os dois instrumentos sejam adotados de modo concomitante no Plano Diretor. Um aspecto já mencionado, mas que vale a pena reforçar, é a necessidade de que os limites má ximos de edi icaçã o previstos para cada á rea urbana sejam observados quando da utilizaçã o conjunta da TDC e da OODC, evitando indesejados e excessivos adensamentos, ou seja, a aplicaçã o de ambos os instrumentos nã o deve ultrapassar os limites urbanıśticos má ximos. Um aspecto a ser observado, relativo à autorizaçã o para a utilizaçã o dos dois instrumentos nas mesmas á reas, diz respeito à s de iniçõ es sobre as formas de aquisiçã o de direitos construtivos por meio da TDC e da OODC. Tais formas devem ser equilibradas de modo a evitar que uma das formas de aquisiçã o predomine e iniba a outra, exceto se esta for uma açã o intencional, no â mbito das estraté gias do planejamento urbano. Vale ressaltar que pode haver uma concorrê ncia na escolha pela aquisiçã o de TDC ou de OODC, quando, por exemplo, a aquisiçã o de direitos de construir por meio de um instrumento se dê de forma mais simpli icada. Como ilustraçã o, podemos citar um caso em que a comercializaçã o de direitos de construir adicionais via TDC adquirida diretamente de particulares, a qualquer tempo, inibiu o interesse pela OODC, adquirida por meio de leilã o pú blico, em datas especı́ icas. També m deve ser considerado, como elemento comum à TDC e à OODC, a base de valores dos imó veis a ser utilizada para os dois instrumentos. E essencial uni icar estes valores mediante a adoçã o de uma tabela de valores comum a ser utilizada para a aplicaçã o das fó rmulas de cá lculo da TDC e da OODC. Para garantir o objetivo maior de ambas – implementar a justa distribuiçã o dos benefıćios e ô nus decorrentes da urbanizaçã o, diretriz que justi ica os instrumentos , esses valores devem estar pró ximos aos valores de mercado dos imó veis, podendo ser usada a base para o cá lculo do ITBI, se esta for permanentemente atualizada, ou uma base de valores especi icamente elaborada para a aplicaçã o da TDC e da OODC.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Para cumprir com os cuidados acima, é importante centralizar a gestã o da aplicaçã o da TDC e da OODC em um mesmo setor da administraçã o pú blica municipal, ou distribuir as atividades correlatas dos dois instrumentos entre setores especializados, de modo que cada setor tenha o controle dos mesmos crité rios para os dois instrumentos. Por im, como base para uma perfeita articulaçã o entre os instrumentos, é preciso utilizar os mesmos conceitos e terminologia jurıd ́ ica na regulamentaçã o da TDC e da OODC, de modo a evitar que ocorram questionamentos legais sobre a aplicaçã o de qualquer dos dois instrumentos. h. Elementos necessários para a regulamentação da TDC O Estatuto da Cidade determina a inclusã o de condiçõ es bá sicas da TDC no Plano Diretor e a elaboraçã o de lei especı́ ica para sua regulamentaçã o. Poré m, para a garantia da participaçã o social e da gestã o democrá tica na adoçã o da TDC pelo municıp ́ io, como condiçã o para a elaboraçã o, revisã o e aprovaçã o do Plano Diretor, este se apresenta como o instrumento legıt́imo para de inir todos os elementos bá sicos a serem posteriormente detalhados pela lei especı́ ica. Por isso, recomenda-se que antes da inserçã o da TDC na legislaçã o municipal, haja a revisã o do Plano Diretor para a previsã o de utilizaçã o do instrumento, de modo a permitir que o mesmo possa ser utilizado de maneira coerente com as diretrizes do Estatuto da Cidade. Um dos requisitos principais é estabelecer, com clareza e sem ambiguidades, a de iniçã o do CA bá sico dos terrenos urbanos e a forma como ele deve ser considerado na regulamentaçã o de instrumentos relacionados à gestã o de ın ́ dices urbanıśticos. Ainda que o Estatuto da Cidade determine a regulamentaçã o da TDC por lei municipal especı́ ica (§ 2º, art. 35) a inserçã o de condiçõ es bá sicas para a aplicaçã o da TDC no Plano Diretor visa assegurar a coerê ncia entre os instrumentos urbanıśticos de controle do uso e ocupaçã o do solo e os objetivos a serem alcançados com a aplicaçã o da TDC (art. 42 do EC). Alé m disso, o processo de revisã o do Plano Diretor amplia a discussã o com outros atores e contribui para a disseminaçã o de informaçõ es sobre o instrumento. Deve ser asseverada a transparê ncia dos processos e procedimentos da aplicaçã o da TDC. Assim como nos processos de elaboraçã o e revisã o do Plano Diretor, é importante que a lei especı́ ica para a TDC seja precedida por estudos té cnicos, com o envolvimento de especialistas oriundos dos diversos campos do conhecimento envolvidos na regulamentaçã o e aplicaçã o do instrumento, como os setores jurıd ́ ico, iscal, urbanıśtico e de planejamento, bem como do conselho de planejamento que assegure a participaçã o social. Por im, de forma a evitar resultados urbanıśticos indesejados, deve-se atentar para as inter-relaçõ es da aplicaçã o da TDC com outros instrumentos da polıt́ica urbana (como será abordado no item 4.f.), alé m da OODC, sempre respeitando os limites urbanıśticos má ximos.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
O que deve constar no Plano Diretor: Ÿ
Previsã o do CA bá sico adotado pela municipalidade, assim como as bases da OODC.
Ÿ
Consideraçã o dos parâ metros de inidos pela Lei de Uso e Ocupaçã o do Solo municipal (LUOS), tais como os limites urbanıśticos má ximos para cada zona urbana.
Ÿ
De iniçã o das inalidades da aplicaçã o da TDC no municıp ́ io, dentre as que constam no art. 35 do Estatuto da Cidade.
Ÿ
De iniçã o das formas de aplicaçã o da TDC: direta ou indireta.
Ÿ
Estabelecimento de crité rios (situaçõ es e condiçõ es) de quando deve haver, ou nã o, a transmissã o da propriedade do imó vel para o patrimô nio do municıp ́ io.
Ÿ
De iniçã o dos crité rios e indicaçã o das á reas onde a TDC pode ser aplicada, distinguindo-se as á reas ou imó veis transmissores e receptores e, se for o caso, combinando essas á reas.
Ÿ
As zonas de articulaçã o da TDC com a OODC.
Ÿ
Indicaçã o dos elementos necessá rios para a fó rmula de cá lculo e para a equivalê ncia entre terrenos transmissores e receptores de TDC.
Ÿ
Previsã o de procedimento deliberativo decisó rio formal e té cnico, para deferimento da TDC, cujos crité rios passem, preferencialmente, por um conselho de planejamento da cidade.
O que deve ser tratado em lei municipal especı́ ica: Ÿ
De iniçã o dos tipos de programas e projetos para cada uma das diferentes inalidades adotadas da aplicaçã o da TDC.
Ÿ
No caso da TDC com doaçã o do imó vel, determinaçã o dos crité rios e condiçõ es para que o poder pú blico aceite a doaçã o do imó vel.
Ÿ
Determinaçã o da tabela de valores adotada para a equivalê ncia de metros quadrados dos terrenos envolvidos na TDC. Quando a concessã o da TDC resultar na transferê ncia da propriedade do imó vel para a municipalidade, prever a forma de indenizaçã o das eventuais benfeitorias.
Ÿ
De iniçã o da fó rmula de cá lculo para a concessã o da TDC e para a equivalê ncia da transaçã o de direitos de construir entre terrenos com preços do metro quadrado diferenciados.
Ÿ
Determinaçã o de perı́ m etros, á reas e imó veis especı́ icos de inidos como transmissores ou receptores do direito de construir.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Ÿ
De iniçã o de mecanismos para equilibrar a utilizaçã o da TDC e da OODC.
Ÿ
Determinaçã o dos trâ mites do processo de solicitaçã o e concessã o de TDC.
Ÿ
Estipulaçã o de prazos para a utilizaçã o do direito de construir advindo de TDC e prazos para a alienaçã o de TDC, se for o caso.
Ÿ
Desenvolvimento dos crité rios e procedimentos para emissã o e utilizaçã o de certidõ es de TDC.
Ÿ
Previsã o de mecanismos de controle e gestã o da TDC, incluindo-se as atribuiçõ es das secretarias e ó rgã os responsá veis para tais funçõ es.
Ÿ
Elaboraçã o de normas especı́ icas para a aprovaçã o de projetos e licenciamento de obras com a utilizaçã o das certidõ es de TDC, a serem aprovadas por conselho de planejamento municipal que garanta a participaçã o social (art. 43 e seguintes do EC).
Ÿ
Consideraçã o a respeito da aplicaçã o da TDC nas Zonas de Especial Interesse Social, nas Zonas/Areas de Especial Interesse Urbanıśtico e outros instrumentos.
Ÿ
Estabelecimento de procedimento decisó rio especı́ ico para aprovaçã o de normativa, implantaçã o, e deferimento de projetos urbanos com TDCs, nos quais se garanta o encaminhamento té cnico e a participaçã o social, especialmente atravé s de ó rgã os colegiados de planejamento, e ampla publicidade.
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IMPLEMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR
IMPLEMENTAÇÃO IMPLEMENTAÇÃO DA TDC a. Introdução A implementaçã o da TDC trata, principalmente, da gestã o dos ın ́ dices urbanıśticos passıv́eis de transferê ncia, tanto no momento da autorizaçã o para a transmissã o quanto no momento da vinculaçã o ao imó vel receptor, do direito de construir transferido. A gestã o da utilizaçã o do instrumento exige alguma estrutura administrativa pró pria – cujo porte diferencia-se de acordo com o tamanho do municıp ́ io e a forma de utilizaçã o (TDC direta ou indireta). O controle pú blico se dá tanto em relaçã o à s á reas ou imó veis transmissores quanto aos receptores, com a emissã o de documentaçã o especı́ ica, como també m mediante a publicizaçã o do processo decisó rio. Portanto, cada municıp ́ io deve avaliar como adotar a TDC segundo suas possibilidades de gestã o do instrumento. E importante també m, para a implementaçã o da TDC, a previsã o da sua articulaçã o com outras polıt́icas pú blicas e consequente interaçã o com outros instrumentos do planejamento urbano local. E també m relevante, para uma efetiva implementaçã o da TDC, a participaçã o da sociedade na gestã o e no controle social das atuaçõ es urbanıśticas do poder pú blico, bem como o monitoramento da circulaçã o dos direitos advindos das TDC concedidas. A participaçã o contın ́ ua da populaçã o é fundamental para que o instrumento nã o seja apropriado de forma inadequada, tal como a autorizaçã o para a TDC sem sua vinculaçã o com os interesses pú blicos previstos em lei. O Conselho da Cidade ou de Polıt́ica Urbana local pode e deve atuar como iscal da administraçã o pú blica municipal quanto ao controle das autorizaçõ es para a TDC e do estoque de direitos de construir disponıv́eis para edi icaçã o nos terrenos urbanos das á reas receptoras. b. Estrutura administrativa para a aplicação e gestão da TDC A TDC é um instrumento de polıt́ica urbana que exige monitoramento constante e a participaçã o de diversos ó rgã os e secretarias. E importante, portanto, que as secretarias municipais estejam articuladas e informadas sobre os procedimentos da TDC. Cabe à administraçã o municipal, mediante procedimento administrativo regulamentado, autorizar a TDC aos proprietá rios dos imó veis transmissores e, posteriormente, a comercializaçã o dos direitos de construir para imó veis receptores, bem como manter um banco de dados para o controle das transferê ncias ocorridas e dos saldos de TDC em circulaçã o. No caso da transferê ncia direta, os procedimentos sã o menos complexos, pois envolvem um nú mero menor de etapas para o cumprimento do processo. Entretanto, a TDC indireta exige um controle pú blico mais efetivo. Nesse caso, é recomendá vel que a administraçã o local crie uma estrutura administrativa que seja responsá vel pela gestã o e monitoramento da utilizaçã o dos direitos de construir advindos da TDC.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
Uma estrutura administrativa especializada é particularmente importante no caso do uso da TDC para a realizaçã o de projetos urbanos ou obras pú blicas de grande porte, pois ela possibilita reduzir os tempos de efetivaçã o da concessã o da TDC e proporcionar um atendimento diferenciado aos proprietá rios de imó veis transmissores. Vale observar que na aplicaçã o da TDC nã o há qualquer arrecadaçã o pecuniá ria de cará ter tributá rio por parte do poder pú blico. Este atua somente concedendo as autorizaçõ es para a transmissã o e recepçã o da TDC, emitindo a documentaçã o pertinente. Em geral, a principal secretaria envolvida na regulamentaçã o e implementaçã o da TDC é a de urbanismo ou planejamento urbano, cujas atribuiçõ es principais no que tange ao instrumento sã o de inir os crité rios especı́ icos de planejamento urbano para a sua aplicaçã o e coordenar todo o processo de concessã o e monitoramento. A Secretaria de Fazenda municipal també m se apresenta como fundamental nas transaçõ es de TDC, fornecendo informaçõ es periodicamente atualizadas sobre os valores dos terrenos no municıp ́ io a serem utilizados nas fó rmulas de equivalê ncia. Alé m disso, os setores de aprovaçã o de projetos e licenciamento de obras precisam estar cientes da aplicaçã o do instrumento de forma a veri icarem a regularidade dos documentos de TDC para a concessã o de licenças de edi icaçã o. c. Documentação para aplicação da TDC O poder pú blico municipal deve fornecer documentos que certi iquem os direitos de construir que sejam objeto da TDC, garantindo segurança jurıd ́ ica à operaçã o, tanto para o proprietá rio do imó vel transmissor quanto para o adquirente desses direitos de construir. O documento a ser emitido pelo poder pú blico para o proprietá rio do imó vel transmissor pode consistir em uma certidã o que autorizará a utilizaçã o em outro terreno dos direitos de construir até o CA bá sico objeto de restriçã o no imó vel original, ou a sua alienaçã o a outro particular. Os direitos de construir correspondentes serã o expressos em metros quadrados relativos à á rea e zoneamento especı́ icos em que se encontra o imó vel transmissor, o que re letirá , futuramente, o seu valor. No caso da TDC indireta, a circulaçã o desta certidã o deverá ser regulada e autorizada pelo poder pú blico. A utilizaçã o da certidã o para a autorizaçã o do exercıćio de direitos de construir adicionais em terreno(s) receptor(es) se dará mediante a realizaçã o do cá lculo de equivalê ncia pelo poder pú blico. Vale observar que, no caso de transferê ncia de apenas uma parte dos direitos de construir de inidos na certidã o da TDC, novas certidõ es deverã o ser emitidas em substituiçã o à primeira, uma para que o adquirente possa exercer o direito de construir adicional no terreno receptor, a ser apresentada no momento da solicitaçã o de licença de construçã o, e outra para o proprietá rio original, com o saldo remanescente a ser utilizado em outro(s) terreno(s), dentro dos prazos previstos. Recomenda-se que todas as certidõ es relativas ao mesmo imó vel transmissor mantenham a mesma numeraçã o (por exemplo, 123, 123A, 123B), de modo a facilitar o controle do luxo e dos saldos de direitos de construir daquele imó vel.
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Os cartó rios de registro de imó veis estarã o envolvidos no processo de aplicaçã o da TDC, pois a restriçã o à edi icaçã o no imó vel que tenha recebido o benefıćio da TDC deve ser anotada como um gravame na sua matrıćula no Registro Imobiliá rio, de modo a tornar pú blica essa restriçã o a interessados compradores.
A faculdade de construir, quando ainda não materializada na forma de uma edificação, não é um direito real e, por isso, não consta da matrícula do imóvel no Registro Geral de Imóveis (RGI). Porém, quando da autorização para a TDC, para garan r a segurança jurídica das partes, a TDC deve ser averbada no registro imobiliário do imóvel transmissor, nos termos pactuados pelo poder público.
Por outro lado, cabe alertar que, quando da transferê ncia do direito de construir ao imó vel receptor, só caberá a averbaçã o da construçã o como um todo, na conclusã o da obra, e com a apresentaçã o dos demais documentos exigidos. Na certidã o de Transferê ncia de Direitos de Construir (TDC) devem constar: Ÿ
a identi icaçã o do imó vel, com endereço, matrıćula do IPTU, á rea do terreno, registro no RGI;
Ÿ
a identi icaçã o do(s) proprietá rio(s) das TDCs;
Ÿ
a zona urbana e parâ metros urbanıśticos onde se localiza o imó vel transmissor do direito de construir;
Ÿ
as razõ es para a concessã o da TDC, conforme as hipó teses previstas pelo municıp ́ io no Plano Diretor ou na regulamentaçã o municipal da TDC;
Ÿ
o(s) direito(s) de construir (total ou parcial) passıv́el de transferê ncia, expresso em metros quadrados, tendo como referê ncia o CA bá sico do terreno;
Ÿ
a data da autorizaçã o da TDC, que servirá como referê ncia para os prazos de utilizaçã o dos direitos de construir correspondentes.
A certidã o deve també m conter a previsã o para anotaçã o dos dados referentes ao adquirente, tanto no caso da TDC direta como da indireta, assim como as informaçõ es referentes a sua liquidaçã o, mediante vinculaçã o a terreno(s) receptor(es). Alerta-se que a aquisiçã o da TDC por particulares nã o deve interromper os prazos de inidos para a sua liquidaçã o. Finalmente, ressalte-se ser absolutamente imprescindıv́el que as prefeituras tenham e mantenham atualizados registro e banco de dados de todas as TDCs autorizadas e certi icadas, com ampla transparê ncia dos negó cios realizados, suas tabelas de conversã o e dados dos transmitentes e dos adquirentes. Estes dados urbanıśticos sã o pú blicos, e o acesso a esta informaçã o pode ser requerido e acessıv́el a qualquer cidadã o.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
d. Estipulação de prazos para a implementação da TDC A primeira referê ncia necessá ria sobre a estipulaçã o de prazos é a validade da equivalê ncia de valores entre os terrenos ou á reas envolvidas. O cadastro especı́ ico, referenciado na lei da TDC, com a base de valores dos terrenos urbanos deve, como já mencionado, ser periodicamente atualizado. Recomenda-se que essa atualizaçã o ocorra anualmente e que seja disponibilizada ao pú blico em geral. Outro elemento a considerar é que a passagem do tempo tem efeitos importantes sobre o processo de aplicaçã o da TDC, porque a estruturaçã o das cidades é dinâ mica. A revisã o do Plano Diretor, exigida a cada dez anos, pode alterar ın ́ dices urbanıśticos, de inidores de usos e aproveitamentos má ximos para as diferentes zonas da cidade, alé m de rede inir á reas de aplicaçã o de TDC, alterar perım ́ etros urbanos etc. Novas condiçõ es de uso e aproveitamento dos terrenos urbanos, por sua vez, incidem sobre os valores relativos dos terrenos e das á reas urbanas, valorizando relativamente mais certas á reas da cidade. Assim, para uma aplicaçã o adequada da TDC, devem ser de inidos, na lei, prazos associados à s etapas de implementaçã o da TDC. Duas situaçõ es devem ser consideradas na estipulaçã o dos prazos: (i) o tempo para que o proprietá rio que recebeu o benefıćio da TDC aliene os direitos de construir para outrem, ou para exercer o direito em outro terreno de sua propriedade; e (ii) o prazo para que o proprietá rio que adquiriu os direitos de construir os exerça, ou seja, vincule os direitos de construir a uma licença de construçã o. Assim, deve haver prazos diferenciados para os proprietá rios dos terrenos transmissores e dos receptores. A retençã o da TDC por longos perıo ́ dos, seja pelo proprietá rio que recebeu o benefıćio da TDC como por aquele que adquiriu os direitos de construir adicionais, pode trazer problemas de controle e regulaçã o dos estoques de direitos adicionais de construir por parte da Administraçã o Pú blica. Alé m disso, esta retençã o pode se con igurar como uma forma de especulaçã o aná loga à quela que se veri ica com terrenos urbanos ociosos. A manutençã o de terrenos urbanos sem uso e sua consequente retençã o especulativa vai contra o princıp ́ io da funçã o social da propriedade. Para combatê -la, foram previstos mecanismos constitucionais, posteriormente adotados també m no Estatuto da Cidade e à disposiçã o dos 27 municıp ́ ios . Certidõ es de TDC, representativas de direitos de construir, estã o també m sujeitas à retençã o especulativa, aguardando que outras intervençõ es pú blicas posteriores à quela que originou a TDC, tais como novos serviços e equipamentos urbanos na á rea que foi objeto da TDC, valorizem de forma diferenciada a á rea que foi objeto da TDC.
27. Ver o Caderno de Parcelamento, Edi icaçã o ou Utilizaçã o Compulsó rios (PEUC) e IPTU Progressivo no Tempo desta Coleçã o do Ministé rio das Cidades.
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Por isso, é importante estabelecer, por lei, mecanismos de regulaçã o dos prazos para a alienaçã o e utilizaçã o dos direitos de construir advindos da TDC. A forma recomendada para a aplicaçã o desses prazos é o estabelecimento de desá gios temporais, ou seja, de uma reduçã o gradual da quantidade de metros quadrados presentes nos documentos de TDC, com tempos de inidos. Assim, a lei municipal que normatiza o instrumento deve ser clara quanto aos prazos de que dispõ em os transmitentes e adquirentes para a utilizaçã o dos tıt́ulos relativos à TDC, os quais podem e devem ser direitos sujeitos a termos (prazos temporais de exercıćio), alé m das demais condiçõ es para sua utilizaçã o. No caso dos proprietá rios de terrenos transmissores, sugere-se como tempo adequado para alienar ou vincular a TDC a outro terreno, garantindo a integralidade dos metros quadrados, o equivalente ao dobro do prazo de licença de construçã o adotado no municıp ́ io. Apó s este prazo, recomenda-se que seja adotada uma reduçã o progressiva na quantidade de metros quadrados concedidos – por exemplo, de 20% a cada dois anos, de modo a representar um incentivo para a vinculaçã o dos direitos adicionais de construir a um ou mais terrenos receptores. Mas, para que exista um mercado que absorva bem essa dinâ mica temporal a favor dos portadores de TDC, é necessá rio que o municıp ́ io tenha implantado, em todo o seu territó rio, o sistema de vinculaçã o de construçõ es adicionais ao CA bá sico ao pagamento de contrapartidas, seja mediante a OODC ou a TDC. Quanto ao prazo de efetivaçã o dos direitos de construir pelo proprietá rio do terreno receptor, este pode estar vinculado ao prazo da pró pria licença de construçã o e suas possibilidades e condiçõ es legais de prorrogaçã o, prazo que geralmente varia conforme a categoria (edi icaçã o, parcelamento etc.), tipo e porte do empreendimento. A aplicaçã o de uma reduçã o gradual també m é adequada nesta etapa. Em qualquer situaçã o, a estipulaçã o de prazos e correspondentes reduçõ es da quantidade de metros quadrados oriundos da TDC deve estar, vale repetir, claramente de inida na lei especı́ ica da TDC. Esta deve també m conter a referê ncia ao perıódo de revisã o decenal do Plano Diretor do municıp ́ io, alertando para possıv́eis alteraçõ es que poderã o incidir sobre as condiçõ es de aplicaçã o da TDC, tais como a de iniçã o de á reas receptoras, a alteraçã o de ın ́ dices urbanıśticos nessas á reas etc., nã o só pelo Plano Diretor, como por legislaçã o urbanıśtica que o complemente. i. A valorização no tempo do direito de construir básico oriundo da TDC O efeito do decurso do tempo na valorizaçã o do direito de construir bá sico é especialmente importante no uso da TDC, para garantir a equidade entre os proprietá rios de terrenos localizados na mesma á rea da intervençã o, e como forma de tornar a TDC uma opçã o interessante para o proprietá rio, frente à alternativa da desapropriaçã o. Quando a TDC é utilizada como mecanismo de aquisiçã o alternativo à desapropriaçã o na obtençã o de imó veis para obras pú blicas, as certidõ es de direito de construir geradas, representadas por uma certa quantidade de metros quadrados, estarã o vinculadas à á rea onde estas obras pú blicas estã o sendo realizadas. Posteriormente, no momento da utilizaçã o dessas certidõ es nos terrenos receptores, deverá ser realizado o cá lculo de equivalê ncia entre o valor do metro quadrado na á rea de origem, e o valor do metro quadrado na á rea de destino, de modo a ajustar a quantidade de metros quadrados a ser utilizada no terreno receptor.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
Com o passar do tempo (e a efetivaçã o da obra pú blica), a á rea de origem estará , possivelmente, mais valorizada em termos relativos que outras á reas que nã o estejam na á rea de in luê ncia da intervençã o e, com isso, as certidõ es irã o re letir a possıv́el valorizaçã o gerada por aquela obra pú blica. Note-se que neste caso nã o se está permitindo a apropriaçã o privada da valorizaçã o vinculada a direitos de construçã o adicionais, mas somente aquela eventual valorizaçã o relacionada com o CA bá sico. A TDC permite que, especi icamente neste caso, o proprietá rio que optou pela transferê ncia se bene icie da valorizaçã o decorrente da obra sobre o direito de construir até o CA bá sico, assim como seus vizinhos que permaneceram com a propriedade de seus imó veis. Essa valorizaçã o viabiliza també m, pela equivalê ncia de valores, que o proprietá rio do imó vel atingido adquira outro imó vel no mesmo local. MOMENTO T0 Limites urbanís cos máximos CA básico
Área 1 Terreno 2 (Receptor) $/m²
Área 1 Terreno 1 (Transmissor) $/m²
Área 2 Terreno 3 (Receptor) $/m²
MOMENTO T1 Limites urbanís cos máximos TDC - direito de construir transferido do terreno 1 para o terreno 2
CA básico
Área 1 Terreno 2 (Receptor) $$/m²
Área 1 Terreno 1 (Transmissor) $$/m²
Área 2 Terreno 3 (Receptor) $/m²
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TDC - direito de construir transferido do terreno 1 para o terreno 3
Figura 12 - TDC e equivalência em metros quadrados, Edificação até o CA básico com base na valorização do solo.
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e. Passos necessários para a implementação Para o imó vel transmissor, os caminhos na utilizaçã o da TDC sã o de inidos de acordo com os propó sitos bá sicos do instrumento: como alternativa à desapropriaçã o para a obtençã o de terrenos necessá rios para projetos pú blicos, ou como compensaçã o por restriçõ es especiais ao direito de construir bá sico em virtude da preservaçã o de imó veis protegidos cultural ou ambientalmente. Os diagramas a seguir apresentam os principais passos necessá rios em cada uma dessas hipó teses. Poder público ELABORA PROJETO urbanís co
Poder público NOTIFICA proprietários cujos terrenos serão necessários para fins de interesse público e ORIENTA proprietários quanto à opção pela desapropriação ou por receber o bene cio da TDC, concedendo PRAZO para que os proprietários façam a opção
Proprietário opta pela DESAPROPRIAÇÃO
Proprietário opta pela TDC
Poder público dá INÍCIO AO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO
O poder público faz o CÁLCULO DA QUANTIDADE DE METROS QUADRADOS de direito de construir que podem ser transferidos
Poder público emite CERTIDÃO DE TDC Quadro 5 - TDC como forma de aquisição de imóveis alternativa à desapropriação – imóvel transmissor
Proprietário do terreno transmissor opta pelo EXERCÍCIO do direito de construir EM OUTRO LOCAL
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Proprietário do terreno transmissor opta pela ALIENAÇÃO do direito de construir
Transferência do Direito de Construir (TDC)
Poder público DETERMINA, em lei, AS ÁREAS OU IMÓVEIS TRANSMISSORES de TDC
Imóvel sofre RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR BÁSICO
Proprietário do terreno transmissor SOLICITA O BENEFÍCIO DA TDC
Poder público NÃO AUTORIZA TDC
Poder público AUTORIZA TDC
O poder público faz o CÁLCULO DA QUANTIDADE DE METROS QUADRADOS que pode ser objeto de TDC e emite CERTIDÃO DE TDC para o proprietário do imóvel transmissor
Proprietário do terreno transmissor opta pelo EXERCÍCIO do direito de construir EM OUTRO LOCAL
A RESTRIÇÃO AO DIREITO DE CONSTRUIR é anotada na matrícula do imóvel transmissor no REGISTRO IMOBILIÁRIO
Proprietário do terreno transmissor opta pela ALIENAÇÃO do direito de construir
No caso do imó vel receptor, a utilizaçã o da TDC depende da opçã o feita pelo proprietá rio do imó vel transmissor, que pode exercer o direito de construir em outro local, ou alienar esse direito a terceiros.
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Quadro 6 - TDC como compensação a restrições ao direito de construir básico – imóvel transmissor
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
Proprietário do terreno transmissor opta pelo EXERCÍCIO do direito de construir EM OUTRO LOCAL
Proprietário do terreno transmissor opta pela ALIENAÇÃO do direito de construir
Poder público emite CERTIDÃO de TDC para o proprietário do terreno transmissor
Proprietário interessado em adquirir o direito de construir DEFINE O TERRENO RECEPTOR
Proprietário do imóvel transmissor DEFINE O TERRENO RECEPTOR
Poder público realiza CÁLCULO DE EQUIVALÊNCIA do direito de construir com base nos valores dos terrenos envolvidos na TDC
Quadro 7 - TDC – imóvel receptor segundo a opção do proprietário do imóvel transmissor
Proprietário vincula o direito de construir ao terreno receptor
Adquirente vincula o direito de construir ao terreno receptor
Proprietário do imóvel transmissor EXERCITA O DIREITO DE CONSTRUIR em outro terreno de sua propriedade, mediante a construção
Adquirente EXERCITA O DIREITO DE CONSTRUIR no terreno receptor, mediante a construção
Após a construção, é feita a AVERBAÇÃO DA EDIFICAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL junto ao REGISTRO DE IMÓVEIS
f. Interação com outros instrumentos Os instrumentos jurıd ́ ico-urbanıśticos, orientados por princıp ́ ios e diretrizes contidos no Estatuto da Cidade, devem ser regulamentados e utilizados pelas administraçõ es municipais de forma harmô nica e inseridos em um sistema mais abrangente de planejamento urbano. Dessa forma, é importante veri icar as repercussõ es da aplicabilidade de cada um deles, quando aplicados para propó sitos comuns. A partir de uma aná lise integrada é possıv́el, inclusive, potencializar o uso de cada um dos instrumentos envolvidos. A relaçã o essencial da TDC é com a OODC, como já apresentado, e há també m uma relaçã o intensa com a desapropriaçã o, uma vez que a TDC é acionada como soluçã o alternativa à aplicaçã o desse instituto, respeitando-se as diferenças previstas em lei. Outros instrumentos cujos objetivos ou inalidades estã o relacionados diretamente com a TDC sã o as Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) e as Operaçõ es Urbanas Consorciadas (OUC).
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
i. TDC e Desapropriação O instituto jurıd ́ ico da desapropriaçã o por interesse pú blico é um dos meios para a incorporaçã o de bens de particulares ao patrimô nio pú blico, mediante o pagamento pré vio de indenizaçã o em dinheiro ao particular, conforme a previsã o constitucional do art. 5º, XXIV e 28 regulamentaçã o especı́ ica pelo Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 . Em geral, a utilizaçã o da desapropriaçã o gera insatisfaçõ es de toda ordem, tanto da parte dos proprietá rios afetados, quanto das administraçõ es pú blicas que, em muitos casos, enfrentam custosos processos judiciais que refutam, principalmente, o valor da indenizaçã o. A morosidade do procedimento administrativo da desapropriaçã o e a alta carga de burocracia envolvida, que podem in luenciar até mesmo o andamento das obras, é outro problema recorrente. A utilizaçã o da TDC como mecanismo alternativo à desapropriaçã o por interesse pú blico tem como propó sito facilitar a obtençã o de terrenos urbanos necessá rios a obras pú blicas. Como já mencionado, a TDC dispensa a utilizaçã o de recursos orçamentá rios diretos para o pagamento dos terrenos que seriam obtidos por meio de desapropriaçã o, que sã o, em geral, o item mais caro das obras pú blicas. Ademais, a adoçã o da TDC pode contribuir para agilizar os resultados da transferê ncia das propriedades ao poder pú blico e resolvem, de forma nã o con lituosa, a relaçã o com os proprietá rios, evitando-se processos judiciais. Tais instrumentos, ainda que possam ser utilizados para o mesmo propó sito, sã o bastante distintos. Enquanto a desapropriaçã o é um ato imperativo do poder pú blico para a aquisiçã o do imó vel, a TDC é uma alternativa oferecida ao proprietá rio, que opta pela TDC ao invé s de receber a indenizaçã o em dinheiro mediante o processo expropriató rio. O processo expropriató rio é um procedimento formal, de inido em lei, enquanto a TDC ocorre de forma negociada e consensual, ainda que seu procedimento seja regulamentado també m por lei. Difere també m a TDC da desapropriaçã o quanto ao benefıćio recebido pelo proprietá rio que perde a propriedade do imó vel. Na desapropriaçã o, a indenizaçã o é paga antecipadamente e em dinheiro; já na TDC, o proprietá rio recebe metros quadrados de direito de construir, os quais podem ser alienados ou exercidos em outro terreno. Cabe a cada administraçã o municipal avaliar qual instrumento adotar em cada caso.
28. Dispositivos legais brasileiros tratam outros tipos de desapropriaçã o, a saber: Desapropriaçã o por interesse social (CF/1988, art. 5º, XXIV; Lei Federal Nº 4.132/1962; Desapropriaçã o sançã o, ao im do procedimento de noti icaçã o para edi icaçã o ou parcelamento compulsó rio e aplicaçã o do IPTU Progressivo no Tempo (CF/1988, art. 182, § 4º, inc. III); Desapropriaçã o para ins de reforma agrá ria (CF/1988, art. 184 e Lei Complementar n° 76/1993); Expropriaçã o de glebas com cultivo de culturas ilegais de plantas psicotró picas (CF/1988. art. 243 e Lei Federal Nº 8.257/1991). (Essa sistematizaçã o encontra-se em Fernandes e Alfonsin, 2009, pp. 27-28).
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Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação
ii. TDC e Operação Urbana Consorciada A Operaçã o Urbana Consorciada (OUC) é um instrumento que reú ne intervençõ es e medidas coordenadas pelo poder pú blico para a promoçã o de uma transformaçã o de uma determinada á rea da cidade. Em sua previsã o legal contida no Estatuto da Cidade, os direitos adicionais de construçã o podem ser convertidos em CEPAC (Certi icados de Potencial Adicional de Construçã o), instrumento especı́ ico a ser utilizado nas OUC para a comercializaçã o dos direitos adicionais de construir dentro dos limites territoriais da operaçã o. Os recursos auferidos pela venda dos CEPACs serã o utilizados, portanto, obrigatoriamente, na á rea objeto da OUC. O CEPAC, como um instrumento de captaçã o de recursos inanceiros, pode ser considerado um instrumento em dois, pois cumpre funçõ es da OODC e da TDC. Atravé s dele, sã o capturadas as mais-valias fundiá rias urbanas e sã o obtidos os recursos para o custeio das obras, assim como a OODC. Alé m disso, os recursos oriundos da venda dos CEPACs també m podem ser aplicados para o pagamento de compensaçõ es decorrentes da obtençã o de terrenos necessá rios à s obras pú blicas, como a TDC. Vale recordar que o CEPAC tem sua circulaçã o regulada pela Comissã o de Valores Mobiliá rios (CVM). Tendo em vista a vasta possibilidade de utilizaçã o dos recursos advindos da venda dos CEPACs, nã o se justi ica, na OUC, a circulaçã o de dois tipos de documentos representativos de direitos de construir adicionais. Alé m disso, a permissã o de utilizaçã o da TDC dentro de uma OUC abriria a possibilidade de que este instrumento – que nã o tem controle externo ao poder pú blico municipal – fosse usado como substituto do CEPAC, o que comprometeria a geraçã o de recursos para a viabilidade das obras da Operaçã o. Em grandes obras viá rias ou de ampla intervençã o urbanı́stica, o instrumento recomendado é a OUC, para o que se exige um projeto, alé m de um programa urbanıśtico-social aprovado por lei especı́ ica. Entretanto, em se tratando de projetos menos complexos ou em intervençõ es urbanas em municıp ́ ios mé dios ou pequenos, é mais adequada a elaboraçã o de um projeto urbano ou projeto de alinhamento, sem a instituiçã o de uma OUC. Nesse caso, como alternativa ao uso do CEPAC, é mais conveniente a utilizaçã o da TDC de forma conjugada à OODC na á rea de intervençã o. E importante destacar que a OODC, quando aplicada a perım ́ etros delimitados, deve ser objeto de procedimento concorrencial; alé m disso, os recursos advindos da OODC nã o devem ser vinculados à á rea da intervençã o, e sim aos objetivos previstos em lei para o instrumento (EC, art. 31, que remete à s inalidades previstas no art. 26). Nessa situaçã o, a OODC atua como instrumento de recuperaçã o da valorizaçã o fundiá ria decorrente do exercıćio de maiores aproveitamentos urbanıśticos, e a TDC é aplicada aos casos de preservaçã o de imó veis, bem como nas á reas de especial interesse ambiental, ou como alternativa à desapropriaçã o nos casos previstos no EC.
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Transferência do Direito de Construir (TDC)
iii. TDC e Zona de Especial Interesse Social As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) compõ em o rol de instrumentos de planejamento urbano e habitacional a serem adotados pelos municıp ́ ios. Estabelecidas pelo Plano Diretor, as ZEIS sã o á reas da cidade para as quais sã o de inidos parâ metros urbanıśticos especiais com inalidades sociais, como a reserva de edi icaçõ es, glebas e terrenos desocupados, nã o utilizados ou subutilizados, para a execuçã o de Habitaçã o de Interesse Social (HIS) ou para facilitar a regularizaçã o fundiá ria de á reas ocupadas por populaçã o de baixa renda. Quando existe o objetivo de obter imó veis para tais inalidades, a TDC pode ser articulada à s ZEIS. Isso pode ocorrer, por exemplo, em casos de ocupaçã o irregular de terrenos por populaçã o de baixa renda nos quais os ocupantes ainda nã o se encontrem em condiçã o de aquisiçã o da propriedade do imó vel, nos casos previstos pela legislaçã o, ou em situaçõ es de con litos fundiá rios, e a prefeitura tenha interesse em regularizar a situaçã o em prol dos moradores. A prefeitura pode entã o propor ao proprietá rio do imó vel que ele aceite utilizar em outro local, ou alienar, o direito de construir bá sico referente ao seu imó vel, em benefıćio do programa municipal de habitaçã o.
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TIRA-DÚVIDAS
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TIRA-DÚVIDAS TIRA-DÚVIDAS Quais são os objetivos básicos da TDC? A TDC, segundo os seus fundamentos, visa compensar o proprietário de um determinado terreno urbano quando, por razões de interesse público, este direito de construir básico não possa ser exercido, no todo ou em parte. O instrumento também pode ser utilizado como uma alternativa à desapropriação, como pagamento da compensação ao proprietário pela perda do domínio de seu imóvel. Por que a TDC e a Outorga do Direito de Construir (OODC) devem ser concebidas e aplicadas conjuntamente? A TDC e a OODC devem ser aplicadas conjunta e coordenadamente, pois ambas partem do mesmo princípio de conferir maior equidade entre os proprietários de terrenos urbanos. A TDC, concedida àqueles proprietários cuja edi icação, por alguma limitação de interesse público, não atingiu o limite do CA básico, signi ica uma compensação pela restrição anormal e especial ao direito de construir. A OODC, como uma contrapartida do proprietário que edi ica além do CA básico até os limites urbanísticos máximos, recupera para a coletividade parte dos recursos urbanísticos públicos (direitos de construir adicionais ao CA básico), e dos quais tenha decorrido valorização pela atribuição diferenciada dos índices urbanísticos máximos. Para a aplicação de ambos os instrumentos, é essencial o estabelecimento do CA básico. O que é coe iciente de aproveitamento básico (CA básico)? Coe iciente de aproveitamento básico é aquele que de ine a utilização autorizada para todos os terrenos urbanos sem o pagamento de contrapartida. O CA básico é um patamar mínimo de edi icação que confere utilidade aos terrenos urbanos. O que são os limites urbanísticos máximos? Os limites urbanísticos máximos correspondem aos índices que orientam a maior utilização permitida para o terreno, combinando as condições urbanísticas pré-existentes (infraestrutura urbana) e a capacidade de investimentos futuro, visando a uma melhor distribuição dos “bene ícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”. Por que a TDC deve ser concedida somente até o limite do coe iciente de aproveitamento básico (CA básico)? Compreende-se que o direito de construir até o CA básico pertence ao proprietário, e representa o conteúdo útil da propriedade urbana. Por isso, somente o direito de construir até o CA básico pode ser concedido de forma não onerosa e, portanto, passível de ser compensado pela TDC quando houver limitações especiais e anormais ao mesmo. O direito de construir acima do CA básico até o CA máximo, ou os limites urbanísticos máximos que o representem, são recursos urbanísticos criados por ato do poder público, por lei, e por isso são bens pertencentes à coletividade, e colocados à disposição dos interessados em adquiri-los para ampliar o coe iciente de aproveitamento de seu imóvel para além do uso básico comum a todos.
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Os direitos de construir provenientes da TDC podem ser utilizados acima dos limites urbanísticos máximos? Os direitos de construir provenientes da TDC devem ser utilizados nas áreas receptoras dentro dos parâmetros urbanísticos máximos previstos na legislação urbanística como o gabarito, a altura máxima da edi icação, os recuos e afastamentos obrigatórios, a taxa de ocupação e o coe iciente máximo de aproveitamento do terreno, dentre outros. Uma vez que esses parâmetros são estabelecidos pelo planejamento urbano segundo critérios técnicos como, por exemplo, a capacidade da infraestrutura e serviços públicos disponibilizados para suportar e atender ao adensamento construtivo e populacional, cuidados ambientais e de qualidade de vida, e preservação do patrimônio cultural, os limites estabelecidos não podem ser ultrapassados. Deve-se também considerar que os direitos de construir advindos da TDC e OODC, quando utilizadas no mesmo terreno, são cumulativos, porém apenas até os limites máximos. Como a TDC relaciona-se com a desapropriação? A desapropriação é um instituto jurídico pelo qual o poder público adquire um imóvel por interesse ou necessidade pública, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. A TDC pode ser concedida ao proprietário como alternativa à desapropriação, sempre mediante a aceitação deste, como uma forma de compensação por terreno necessário para obras e equipamentos públicos, produção de habitação de interesse social ou regularização fundiária. Eventuais benfeitorias deverão ser indenizadas em dinheiro. Como a TDC relaciona-se com a usucapião? A TDC é um dos instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade que pode ser aplicado em programas de regularização fundiária e de habitação de interesse social. Usucapião é um instituto jurídico que confere ao possuidor de boa-fé a propriedade do terreno de terceiros pelo decurso de um determinado tempo e sob condições de inidas em lei. Não se deve aplicar a TDC a terrenos que já cumpram os requisitos para a aquisição do terreno por usucapião. Onde se pode utilizar a TDC? A TDC pode ser utilizada em toda a área urbana, estabelecendo-se as áreas ou imóveis transmissores e as áreas receptoras, segundo os critérios do planejamento urbano local. Tais áreas devem estar previstas no Plano Diretor. A TDC tem impacto sobre o adensamento? Os limites do adensamento construtivo são estabelecidos pelo planejamento urbano. A TDC não deve ser utilizada acima dos parâmetros máximos de edi icabilidade. A TDC pode in luir sobre o adensamento na medida em que pode ser utilizada para construir acima do CA básico nas áreas onde o zoneamento assim o permite, tendo como limite o CA máximo.
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É necessário que o imóvel seja tombado para a concessão da TDC? É necessário que esteja caracterizado o interesse público na preservação do imóvel. Desse modo, é necessário que o imóvel seja tombado ou que seja protegido por algum tipo de instrumento legal que impeça/restrinja de forma especí ica que o direito de construir básico seja atingido, e que desta restrição se exija, juridicamente, compensação. Por que é importante que haja prazo para a utilização da TDC? Uma das razões para o estabelecimento de prazos para a utilização da TDC é evitar que haja especulação com esses direitos. Além disso, cabe lembrar que os Planos Diretores devem ser revistos a cada dez anos, e o acúmulo de TDC não utilizada pode suscitar questionamentos judiciais mediante alterações na legislação urbanística, seja do Plano Diretor ou não, que afetem a aplicação do instrumento. Qual a diferença entre a Certidão de TDC e o Certi icado de Potencial Adicional de Construção (CEPAC)? O CEPAC é um título mobiliário de livre circulação no mercado, outorgado onerosamente pela municipalidade, utilizado para o inanciamento das grandes intervenções urbanas (Operações Urbanas Consorciadas), e que representa o potencial adicional de construção previsto em lei para imóveis inseridos em uma área delimitada em lei especí ica. A Certidão de TDC é um documento público que informa a quantidade de metros quadrados de direitos de construir básicos que o proprietário de um imóvel transmissor pode alienar ou exercer em outro local. A TDC e o CEPAC também se distinguem em relação à limitação territorial para sua utilização, pois enquanto o CEPAC é vinculado à área de intervenção de uma OUC, a TDC poderá ser utilizada em toda a cidade, nas áreas de inidas como receptoras (ou adensáveis) pela lei. Outra diferença é que não há uma limitação legal quanto à quantidade de TDC concedida, já que representam tão somente direitos de construir básicos, enquanto os CEPACs são emitidos em uma quantidade determinada pela lei da Operação Urbana Consorciada.
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REFERÊNCIAS AZEVEDO NETTO, Domingos Theodoro de; MOREIRA, Antonio Claudio Moreira Lima; AMBROSIS, Clementina de; NOGUEIRA FILHO, Dalmo do Valle. O "solo criado". C. J. Arquitetura, Revista de Arquitetura, planejamento e construçã o. FC Editora, Sã o Paulo, nº 16, 1977. BACELLAR, Isabela. Transferê ncia do Direito de Construir: questõ es e con litos na aplicaçã o do instrumento do Estatuto da Cidade. Dissertaçã o de Mestrado, PPGAU-UFF, 2007. BOLIVAR, Zulma. La transferencia de derechos de construció n como una alternativa. Lincoln Institute of Land Policy, Relató rio de Pesquisa, 2013. BRASIL. Có digo Civil brasileiro, 2002. ____. CONSELHO DAS CIDADES. Resoluçã o Recomendada nº 148, de 07 de junho de 2013. ____. CONSELHO DAS CIDADES. Resoluçã o nº 34 de 14 de julho de 2015. ____. CAMARA DE DEPUTADOS. Estatuto da Cidade. Guia para implementaçã o pelos municıp ́ ios e cidadã os: Lei 10257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da polıt́ica urbana – 2ª ed. – Brasıĺia: Câ mara dos Deputados, Coordenaçã o de Publicaçõ es, 2002. ____. Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil de 1988. ____. Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. ____. MINISTERIO DAS CIDADES. Conselho Nacional das Cidades, Resoluçã o nº 34, publicada no Diá rio O icial da Uniã o em 14 de julho de 2005, Seçã o 1, p. 89. ____. MINISTERIO DAS CIDADES. Portaria Ministerial 511, de 08 de dezembro de 2009. ____. MINISTERIO DAS CIDADES. Resoluçã o Recomendada nº 83 do Conselho Nacional das Cidades, de 08 de dezembro de 2009. ___. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Coordenadoria de Aná lise de Jurisprudê ncia. Recurso Extraordiná rio 387.047-5. Ementá rio 2317-4, 02 de maio de 2008 (p.799). ____. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Coordenadoria de Aná lise de Jurisprudê ncia. Recurso Extraordiná rio 85002, 1985, Relator Ministro Moreira Alves. CAMPOS, Yussef Daibert Salomã o de. O inventá rio como instrumento de preservaçã o do patrimô nio cultural: adequaçõ es e usos (des)caracterizadores de seu im. In: Revista CPC, Sã o Paulo, n.16, p. 001-208, maio/out. 2013. CJ ARQUITETURA, Revista de arquitetura, planejamento e construçã o, nº 16. Sã o Paulo: FC Editora, 1977.
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____. Tombamento e proteçã o aos bens culturais. Equacionando a nova propriedade urbana. In: PESSOA, Alvaro (Org). Direito do urbanismo, uma visã o só cio-jurıd ́ ica. Rio de Janeiro. Instituto de Administraçã o Municipal - IBAM, 1981, p. 167-187. _____. La Regulació n del Territorio y la Propiedad Inmobiliaria Urbana: evolució n conceptual en el derecho brasileñ o. In: AZUELA, Antonio (org.). La Ciudad y sus reglas. Mé xico. UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales, 2016, p. 259-285. RENARD, Vincent. Aplicaçã o de direitos negociá veis à gestã o do uso do solo urbano: as experiê ncias nos Estados Unidos, França e Nova Zelâ ndia. In: ABRAMO, Pedro (Org.). Cidades em Transformaçã o: entre o plano e o mercado – experiê ncias internacionais de gestã o do solo urbano. Rio de Janeiro: O Autor, 2001. p. 75-109. REZENDE, Vera L. F. M.; FURTADO, F.; OLIVEIRA, M. T. C.; BACELLAR, I. Revisã o bibliográ ica comentada dos fundamentos da OODC. Revista de Direito da Cidade, v. 1, p. 1, 2013. SCHECHINGER, Carlos Morales. Transferencia de Potencialidad de Desarrollo, el caso de la Ciudad de Mexico. Versã o preliminar, agosto, 2004. (mimeo) SCHNIDMAN, Frank. Transferable Development Rights (TDR). In: HAGMAN, Donald G.; MISCZYNSKI, Dean J. (Ed.). Windfalls for Wipeouts. Chicago: Planners Press, 1978. pp. 532-552. SEABRA FAGUNDES, Miguel. Aspectos jurıd ́ icos do solo criado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 129, jul./set. 1977. SILVA, José Afonso da. Direito urbanıśtico brasileiro. 4 ed. Sã o Paulo: Malheiros, 2006. UZON, Né ia. Transferencia del Derecho de Construir: La experiencia de adquisició n de suelo para la 3ª Perimetral de Porto Alegre, Brasil. Forum Latinoamericano sobre Instrumentos Notables de Intervenció n Urbana. Quito, Ecuador, Maio 5 a 10, 2013.
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ANEXO Anexo I - Resolução Recomendada nº 148, de 7 de junho de 2013 MINISTERIO DAS CIDADES CONSELHO DAS CIDADES DOU de 20/10/2014 (nº 202, Seçã o 1, pá g. 62) Recomenda a adoçã o do coe iciente de aproveitamento bá sico como princıp ́ io balizador da polıt́ica fundiá ria urbana municipal, a ser utilizado por todos os municıp ́ ios. O Conselho das Cidades, no uso das suas atribuiçõ es estabelecidas pelo Decreto nº 5.790, de 25 de maio de 2006, e considerando que o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, ao regulamentar o artigo 182 da Constituiçã o federal, determinou que toda propriedade deve cumprir uma funçã o social, segundo crité rios de inidos nos planos diretores; considerando que um dos efeitos colaterais da legislaçã o de uso do solo é valorizar diferentemente os imó veis, como resultado de sua capacidade legal de comportar á rea edi icada, gerando situaçõ es de injustiça; considerando que o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, de ine em seu artigo 28, § 1º que "coe iciente de aproveitamento é a relaçã o entre a á rea edi icá vel e a á rea do terreno"; considerando que o coe iciente de aproveitamento bá sico é aquele que de ine a utilizaçã o autorizada para todos os terrenos urbanos sem o pagamento de contrapartida; considerando que o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, de ine em seu artigo 28, § 2º que os Planos Diretores podem ixar coe iciente de aproveitamento bá sico ú nico para toda a zona urbana, cabendo ao Conselho das Cidades emitir orientaçõ es e recomendaçõ es sobre sua aplicaçã o segundo o artigo 3º do Decreto 5.790, de 25 de maio de 2006; considerando que segundo o § 1º, do artigo 1.228 da Lei nº 10.406/2002 - Có digo Civil, o direito de propriedade deve ser exercido em consonâ ncia com as suas inalidades econô micas e sociais; considerando que o coe iciente de aproveitamento bá sico nã o possui cará ter urbanıśtico ou iscal, consistindo em um patamar de edi icaçã o que confere utilidade social e valor econô mico aos terrenos urbanos de forma equâ nime;
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considerando que na de iniçã o de um patamar bá sico de utilizaçã o das edi icaçõ es, quanto mais uniforme for o coe iciente de aproveitamento bá sico, maior será a igualdade proporcionada à s propriedades urbanas; considerando que a utilizaçã o generalizada do coe iciente de aproveitamento bá sico possibilita, entre outras coisas: a) controlar e regular o preço da terra urbana; b) corrigir a injustiça da valorizaçã o diferenciada decorrente de decisõ es da normativa urbanıśtica, e c) de inir uma base para a geraçã o de contrapartidas, contribuindo para o inanciamento do desenvolvimento urbano de modo a atender, especialmente, a inalidades sociais. considerando que alé m de diretamente relacionado aos instrumentos do Estatuto das Cidades, o coe iciente de aproveitamento bá sico també m incide sobre a de iniçã o de á reas ambientais ou a demarcaçã o de ambientes de preservaçã o; considerando que de acordo com o Estatuto da Cidade a adoçã o do coe iciente de aproveitamento bá sico é obrigató ria no caso da utilizaçã o da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), a qual se traduz na cobrança de contrapartida pelo exercıćio do direito de construir acima do coe iciente de aproveitamento bá sico adotado; e considerando que o coe iciente de aproveitamento bá sico é essencial para a estruturaçã o de uma polıt́ica fundiá ria urbana municipal e é capaz de funcionar como princıp ́ io balizador desta polıt́ica, sua adoçã o deve ser assegurada por todos os municıp ́ ios que pretendam avançar na justa distribuiçã o dos benefıćios e ô nus do processo de urbanizaçã o, diretriz consagrada no Estatuto da Cidade, adota, mediante votaçã o, e seu presidente torna pú blica, a seguinte resoluçã o de Plená rio:. Art. 1º - Recomendar a adoçã o do coe iciente de aproveitamento bá sico como princıp ́ io balizador da polıt́ica fundiá ria urbana municipal, a ser utilizado por todos os municıp ́ ios até 2015. Art. 2º - De inir que o coe iciente de aproveitamento bá sico deverá ser unitá rio (um) e ú nico para toda a zona urbana. Pará grafo ú nico - Poderã o ser adotados, em funçã o do interesse pú blico local, coe icientes de aproveitamento menores do que 1 (um) para á reas de proteçã o ambiental ou patrimô nio cultural Art. 3º - A possibilidade do exercıćio de direitos de construir adicionais aos de inidos pelo coe iciente de aproveitamento bá sico deve estar subordinada ao interesse pú blico,
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§ 1º - Somente as á reas adequadamente servidas de infraestrutura, e por isso capazes de receber maior adensamento, poderã o ser passı́veis da atribuiçã o de direitos construtivos adicionais à quele de inido pelo coe iciente de aproveitamento bá sico. § 2º - Os limites má ximos de aproveitamento dos terrenos urbanos devem levar em consideraçã o, alé m da capacidade de infraestrutura, o impacto de vizinhança, o impacto ambiental e o modelo de desenvolvimento urbano local. § 3º - A outorga do direito de construir acima do coe iciente de aproveitamento bá sico deverá estar sujeita ao pagamento de contrapartidas que restituam à coletividade a valorizaçã o diferenciada recebida pelos bene iciá rios. § 4º - Na produçã o de habitaçã o de interesse social, a autorizaçã o para construir acima do coe iciente ú nico de aproveitamento bá sico nã o deve resultar em cobranças inanceiras adicionais. § 5º - O exercıćio dos direitos de construir adicionais, de inidos alé m do coe iciente de aproveitamento bá sico, ainda que previsto em lei, devem ser expressamente autorizados pela autoridade municipal responsá vel pelo licenciamento de empreendimentos, ouvido o respectivo Conselho Municipal, tendo em vista o impacto local causado pelo aumento da densidade construtiva. Art. 4º - Os recursos provenientes da cobrança do direito de construir acima do coe iciente ú nico de aproveitamento bá sico devem ser destinados à promoçã o de habitaçã o de interesse social, envolvendo, entre outros aspectos, a regularizaçã o fundiá ria plena e a provisã o de moradia digna. Art. 5º - O Ministé rio das Cidades deve constituir um banco de dados sobre os municıp ́ ios que adotam e aplicam o coe iciente de aproveitamento bá sico e promover atividades de formaçã o visando à difusã o desse instrumento. Art. 6º - Esta resoluçã o entra em vigor na data de sua publicaçã o. GILBERTO OCCHI - Presidente do Conselho
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Presidente da República MICHEL TEMER Ministro de Estado das Cidades ALEXANDRE BALDY Secretário Executivo SILVANI ALVES PEREIRA Secretária Nacional de Habitação MARIA DO SOCORRO GADELHA CAMPOS DE LIRA Secretário Nacional de Desenvolvimento Urbano GILMAR SOUZA SANTOS Secretário Nacional de Saneamento Ambiental ANTONIO HENRIQUE DE CARVALHO PIRES Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana INÁCIO BENTO DE MORAIS JUNIOR Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) JOSÉ MARQUES DE LIMA Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) MAURÍCIO JOSÉ ALVES PEREIRA Empresa Brasileira de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (TRENSURB) DAVID BORILLE
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