M. C. Andrews - [90 Dias 02] - Todos os dias

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M. C. Andrews nasceu em Manningtree, a menor cidade da Inglaterra. Há anos reside em Londres, onde trabalha como jornalista para um importante jornal, embora durante seus primeiros dias na capital britânica teve que realizar outros tipos de trabalho: desde camareira a guia turística, passando por babá à corretora free-lance para uma editora. É casada e mãe de duas filhas. Desde pequena, M. C. Andrews costumava dizer a seus pais que desejava ser escritora; seu marido e suas filhas sempre a encorajaram... Aí está Noventa Dias, a sua primeira novela, e Todos os Dias, a sua aguardada continuação. Encontrará mais informações em: www.noventadias.com

Todos os dias, de M. C. Andrews, é a tão aguardada continuação de Noventa dias, um dos grandes sucessos do romance erótico de 2012. Todos os dias é um romance erótico com todos os ingredientes para satisfazer às mais exigentes leitoras. Noventa dias não são suficientes para uma história de amor como a de Daniel e Amelia... Uma relação tão intensa e profunda tem que se viver Todos os Dias. Apesar de Daniel e Amelia desfrutaram dos noventa dias mais intensos e sensuais de suas vidas, Amelia o abandonou porque não se sentir capaz de lhe proporcionar o que ele tanto ansiava. Entretanto, a separação só

serviu para que ambos compreendessem que

se

necessitavam muito mais do que acreditavam, por isso decidem dar uma nova oportunidade. Mas um terrível acidente deixa Daniel em estado de coma e impede o reencontro. Quando desperta, Daniel deseja descobrir quem tentou acabar com sua vida, e pretende fazê-lo sem a ajuda de ninguém. Entretanto, Amelia está disposta a recuperá-lo, e se para convencê-lo que o pertence tem que dominá-lo, amarrá-lo em seu próprio desejo e excitá-lo até Daniel se perder a razão, o fará custe o que custar. Apenas quando conseguirem derrubar todas as barreiras que Daniel levantou para separá-los, aprenderão o que significa o “amor”.

Meu coração está sempre ao seu serviço.

Timon de Atenas

William Shakespeare

Tenho medo de dormir. Tenho medo de abrir os olhos e descobrir que tudo isto é um sonho, que Daniel continua em coma e que eu ainda estou aterrorizada pensando que ele nunca irá acordar. O cansaço ameaça me derrotar e deslizo a mão pelo braço dele numa tentativa de acalmar o meu coração. Daniel já não está em coma, não morreu por culpa daquele maldito acidente. Sinto a sua pele sob a ponta dos meus dedos, os pelos do seu antebraço, que me fazem cócegas, e percebo seu pulso sob a fita de couro que usa ao redor dele. Inspiro e expiro muito devagar. Cada vez me custa mais recordar por que discutimos, por que nos separamos. Por que eu o deixei, corrijo-me. Minha mandíbula treme e tenho que fechar os olhos por um segundo para conter as lágrimas. Quase o perdi para sempre! — Senhorita Clark? Viro a cabeça sobressaltada, ao ouvir o meu nome. Estou há uma semana no hospital, confinada neste quarto, mas há momentos em que me engano e sonho que Daniel e eu estamos no seu apartamento. Nos noventa dias em que estivemos juntos, ele apenas veio a minha casa. O apartamento que compartilho com Marina, minha melhor amiga. Sorrio levemente ao pensar nela e em Raff, não sei o que teria feito sem eles. Provavelmente teria desabado. — Senhorita Clark? - Repete o enfermeiro e meu cérebro por fim reage.

— Desculpe-me, - digo pigarreando, afastando por um momento os olhos de Daniel, para olhar o recém-chegado. Não importa muito o que pensem de mim, mas tampouco quero ser uma completa mal educada. — O doutor Jeffries me pediu que viesse procurá-la. Quer falar com você em seu escritório. Começo a negar com a cabeça e o enfermeiro, Ivo, de acordo com o crachá pendurado no bolso do seu jaleco, volta a falar: — Meu colega irá me esperar aqui e depois nós levaremos o senhor Bond para fazer uns exames, enquanto você não está. Dou-me conta de que Ivo não está sozinho e de que, realmente, há outro enfermeiro ao seu lado. Entram no quarto e se aproximam da cama em que eu estou sentada, ao lado de Daniel. — Que exames? - Pergunto, sem soltar a mão dele, que continua dormindo, mas ao contrário de quando ele estava inconsciente, agora noto como me aperta ligeiramente os dedos. — Uma ressonância magnética cranial e radiografias dos braços e das pernas, senhorita Clark. Estou seguro de que o doutor Jeffries lhe explicará, - acrescenta com certa exasperação. Suponho que tenha merecido isso, todas e cada uma das vezes que tiveram que levar Daniel para fazer exames, eu interroguei os enfermeiros, inclusive tentei acompanhá-los. Eu não gosto de me separar dele. Não sei explicar isso, mas estou convencida de que está melhor se eu estiver ao seu lado. E quero estar ao seu lado. — O senhor Bond recuperou a consciência depois de um coma relativamente longo e é de vital importância que monitoremos as respostas do seu cérebro, - explica-me Ivo com absoluta seriedade e o cretino sabe que me convenceu.

— Certo, - aceito murmurando. — Se importariam de me dar um minuto? - Pergunto-lhes, levantando-me da cama. — É claro que não, senhorita Clark. Vamos esperar por você lá fora. Abaixando ligeiramente a cabeça com muita educação, ou talvez porque viu quão alterada fiquei e, graças à sola de borracha de seus sapatos, saem em silêncio do quarto. Afasto-me da cama e aliso a minha calça e a camisa. Não adianta nada, são oito horas da manhã e acredito que eram seis quando tomei banho e me troquei. E depois de me vestir tornei a me deitar ao lado de Daniel com cuidado para não machucá-lo, mas me certificando de que ele notasse que eu estava ali. Calço as minhas sapatilhas pretas que, estão tão usadas, que parecem sapatos de dançarina, e vou ao banheiro para me certificar de que não estou parecendo com um mostro. Não uso maquiagem, a única coisa que me atrevi a usar nestes últimos dias são os brincos que Daniel me deu de presente quando passamos aquele fim de semana em sua casa de campo, e que, até então, eu tinha me negado a estrear. Penteio os meus cabelos, mais ou menos, e volto para o lado da cama. — Daniel, - sussurro, acariciando os seus cabelos, — tenho que ir falar com o doutor Jeffries, - explico-lhe e espero uns segundos. Nada me deixaria mais feliz que vê-lo abrindo os olhos de novo, mas os médicos já me explicaram que precisa dormir. — Voltarei logo. Acrescento, aproximando-me dos seus lábios. — Não se sinta tentado a me assustar novamente! Dou-lhe um beijo e saio antes de começar a chorar. Daniel necessita que eu seja forte, e não só para se recuperar do acidente e sair do hospital.

Balanço a cabeça, — Agora não é momento de pensar nisso. Deixo a porta aberta para que o colega de Ivo entre, enquanto este me acompanha ao escritório do médico que se ocupou de Daniel nos últimos dias. Ouço o outro enfermeiro desbloquear as rodas da cama e olho para trás uma vez mais, mas as únicas coisas que vejo são suas costas cobertas com um jaleco branco. — Não se preocupe, senhorita Clark, o senhor Bond ficará bem. Diz-me Ivo. — São só uns exames. Certamente ele estará de volta antes de você. Concordo circunstância

e teria

continuo

caminhando.

prosseguido

uma

Em

conversa

qualquer

outra

com

meu

o

acompanhante. Sou uma garota de uma cidade pequena, com boas maneiras, mas agora não estou com humor. Tenho um mau pressentimento atacando o meu estômago, igual ao dia em que saí do apartamento de Daniel. Ou igual àquela madrugada em que me ligaram, deste mesmo hospital, para me dizer que o senhor Bond, Daniel, tinha sofrido um grave acidente e que o estavam submetendo a uma operação de vida ou morte. Ligaram-me porque, se acontecesse alguma coisa, eu era a pessoa autorizada para tomar a decisão correspondente. Nunca me esquecerei daquele momento, o segundo exato em que meu coração parou. Não havia passado muitos dias desde aquela horrível ligação, embora sem dúvida, tenham sido os mais compridos de toda a minha vida. E me mudaram para sempre. Ivo se detém em frente à porta e bate. — Entre!

Entramos, mas o enfermeiro para na porta com a mão no trinco. — Obrigado, Ivo. — De nada, doutor. Se precisar de mim, estarei na sala de radiografias. O doutor Jeffries concorda e se despede do enfermeiro antes de se aproximar de mim para me receber. —

Senhorita Clark, Amélia. - Corrige-se ao se recordar que lhe

pedi que se dirigisse a mim pelo meu nome. — Parece cansada. — Por que me pediu para vir? - Pergunto-lhe, ignorando por completo sua preocupação por mim. — Aconteceu algo com Daniel? — Não, Amélia. - Detém-se e franze levemente a testa. — O estado do senhor Bond continua sendo crítico, mas tal como lhe falei, ontem, acreditamos que conseguirá se recuperar. É obvio que, temos que continuar lhe fazendo exames, como os que estão sendo feitos agora. E quando lhe dermos alta, terá que se recuperar, mas falaremos disso quando chegar o momento, você não acha? — Então, por que me fez vir até o seu escritório? - Não me esforço para dissimular o meu mau humor. O doutor Jeffries é um homem paciente e foi muito agradável comigo desde o primeiro momento, mas agora corre o risco de fazer parte da minha lista de pessoas não gratas (uma lista que aumentou drasticamente durante a última semana). — Na realidade, senhorita Clark, organizei este encontro a pedido de outra pessoa. Espero que não se incomode. Incomodar-me? Estou a ponto de lhe dizer exatamente o que penso de seus truques. Como se atreve a me manipular desta maneira? E por quê? Quem o convenceu a fazer esta montagem? O tio de Daniel?

— O detetive Erkel pensou que, tendo em vista as circunstâncias do momento, seria melhor assim. - Explica-me o médico depois de uma pausa e consegue me deixar perplexa. — O detetive Erkel? Que circunstâncias? - Balbucio. Neste momento, alguém bate à porta e a abre sem esperar pela resposta. O desconhecido me olha um segundo antes de se dirigir ao doutor Jeffries. É um homem muito corpulento, de rosto duro e olhos da cor do aço. Ele tem uns trinta e cinco anos e está mal barbeado e com o cabelo muito comprido para a sua idade. É loiro, mas não como o loiro dos adolescentes, parece um loiro encardido, com mechas castanhas e algumas um pouco mais claras que bem poderiam ser cinza. É muito atraente, suponho que as mulheres se viram para olhá-lo e, entretanto, não me produz nenhuma reação. Usa um terno azul escuro muito enrugado, assim como a sua camisa, e pelo bolso aparece um pedaço da gravata, que deduzo, tirou horas atrás. Esse uniforme delata sua identidade, sem necessidade de que as circunstâncias a confirmem. — Obrigado por sua colaboração, doutor Jeffries. - Estende a mão ao médico e este a aperta. — Avisarei a você quando terminarmos. — De nada, detetive. Estarei no quarto andar. Bom dia, senhorita Clark, irei vê-la quando tiver com os resultados. — Certo, doutor, - digo-lhe, sem afastar os olhos do detetive. Estarei esperando. O doutor Jeffries sai do seu escritório, deixando-me sozinha com o homem. Eu não gosto, mas como não tenho alternativa, cruzo os braços esperando que o loiro desalinhado me dê uma explicação.

— Jasper Erkel, pode me chamar de Erkel. - Estende-me a mão e eu a aperto, sem dizer nada. Ele me solta e continua falando. — Vamos nos sentar, senhorita Clark? Mostra-me o sofá de dois lugares que ocupa o lado do consultório médico. — Chame-me de Amélia. — Certo, por que não se senta, Amélia? - Vê que resisto à ideia e arqueia uma sobrancelha. — Olhe, não dormi a noite toda e quero me sentar, mas minha mãe me obrigou a aprender boas maneiras e não poderei fazê-lo até que você o faça, - levanta as mãos de novo e com a outra esfrega a nuca — se não se importar... Aceito e me sento em um extremo do sofá, ele ocupa o outro. Ouço ranger seus joelhos e soltando a respiração. — Obrigado, - resmunga e em seguida pega um caderno e uma caneta do bolso esquerdo da jaqueta. — Você conhece Jeffrey Bond? — O tio de Daniel? - Pergunto-lhe confusa. — Não, não pessoalmente. Por quê? Passa uma folha do caderno e lê algo antes de voltar a me olhar. — Alguma vez falou com ele? — Não, nunca. — E com Dimitri Vzalo? — Nem sequer sei quem é. - Cruzo os meus braços. — O que significa tudo isso? — Terminamos de processar as provas do Jaguar do senhor Bond. - Explica-me, depois de folhear novamente o caderno. — Os freios e o computador do carro foram adulterados.

— Oh, Meu Deus! – Balbucio. — Raff... Raff me disse... — Sim, o senhor Rafferty Jones veio ver-me faz uns dias. Interrompe-me o detetive, ao ver que gaguejo. — Falou-me das ameaças que o senhor Bond recebeu faz uns anos. Estamos investigando. — Acredita que o tio de Daniel está por trás do acidente? Pergunto-lhe de repente, ao juntar as coisas. Ele me responde com outra pergunta. — Quanto tempo faz que você conhece o senhor Bond? Refiro-me ao Daniel. — Uns meses. Arqueia outra vez uma sobrancelha. Começo a odiar este cara. — E consta como a pessoa de contato na sua apólice de seguro, em caso de acidente? — Eu não sabia. - Mais ou menos. — E eu não gosto do que está insinuando. — Eu não estou insinuando nada, Amélia. Sei que você não está por trás do acidente do senhor Bond. — Ou seja, você me investigou. — É óbvio, - afirma desafiador. — É o meu trabalho. O senhor Jones já me disse que o senhor Bond e você tinham uma relação muito especial, entretanto, comprovei que vocês há semanas não se viam antes do acidente. — Tínhamos discutido. — Entendo. O que pode me contar a respeito da relação do senhor Bond e do seu tio?

Eu mordo o lábio inferior, pensativa. Não quero trair a confiança de Daniel, mas morreria se por minha culpa não apanharem o culpado pelo seu maldito acidente. — Não muito e continuo sem entender por que me pergunta isso. Erkel resmunga e passa novamente a mão pela nuca. — Há anos estamos atrás do Vzalo e, o carro do senhor Bond é a primeira prova confiável que encontramos que confirma a sua presença na Inglaterra. — Sinto muito, não estou entendendo. — A adulteração do Jaguar do senhor Bond tem a assinatura da organização de Vzalo. Além disso, há uma testemunha que afirma que viu uma SUV preta bateando no carro do senhor Bond antes que se chocasse. — Quem diabos é esse Vzalo? E o que ele tem a ver com Daniel e comigo? Fecho os olhos por um segundo para afastar da minha mente a imagem dele se chocando contra aquele muro de pedra. É um milagre que tenha sobrevivido. — Para muitos, Dimitri Vzalo é um importante empresário. Para outros, um assassino e um terrorista que não hesita em vender seus serviços a quem pagar mais. Nunca pudemos lhe imputar nada. - Sorri enojado. — Nem mesmo uma multa de trânsito. - Olha-me durante um momento. — Quanto a sua pergunta sobre o que ele tem a ver com você ou com o senhor Bond, minha resposta é que não sei exatamente. A única coisa que eu posso lhe dizer é que: em uma das poucas fotografias que possuímos de Vzalo, ele aparece ao lado de Jeffrey Bond e que, tal como lhe comentei antes, encontramos a assinatura do seu trabalho no Jaguar.

— Receio... - Tenho que engolir em seco antes de continuar. — Receio que terá que falar com Daniel, detetive. Eu não sei nada sobre isso. — Teria falado com ele, - confessa exasperado, — mas o bom doutor Jeffries me impediu. E pensei que talvez você pudesse me ajudar. — Sinto muito. Começo a me levantar para sair, mas as palavras seguintes de Erkel me detêm. — O senhor Bond foi da Scotland Yard1 quando era mais novo. Volto a me sentar. — Encontrei um relatório enterrado no arquivo, ele denunciou seu tio pelo assassinato de sua irmã. O caso foi arquivado porque ficou comprovado que Laura Bond se suicidou e que Daniel Bond teve que receber vários meses de terapia para superar isso. O relatório do psiquiatra estabelece que, inclusive, era lógico que o rapaz inventasse o assassinato, para justificar o suicídio da jovem senhorita Bond. Pobre Daniel. — Mas você não acredita. - Sugiro, depois de olhá-lo nos olhos. — Eu li o registro e, digamos que tenho as minhas dúvidas. As circunstâncias que rodearam o suposto suicídio da Laura Bond não são claras. Além disso, o senhor Bond denunciou o seu tio novamente, anos mais tarde, embora desta vez por desfalcar dinheiro de uma de suas fundações. É óbvio que a família não é unida. No hospital, haviam me dito que Jeffrey Bond não apareceu por aqui. E o senhor Rafferty me confirmou que você mesma lhe tinha pedido que se ocupasse disso. 1

A Scotland Yard (também conhecida por New Scotland Yard ou Yard) é a sede central ou quartel general da Polícia Metropolitana de Londres (Metropolitan Police Service). Popularmente, o termo New Scotland Yard é usado como metonímia para designar a Polícia Metropolitana ou a polícia judiciária de Londres.

— Daniel não gostaria que ele viesse vê-lo. — Exato. — O que você quer, detetive? Tira um cartão do bolso oposto àquele onde guardava o caderno e me entrega. — Quero que fique atenta se algo estranho acontecer em torno do senhor Bond. E caso aconteça algo me chame imediatamente. — Terá que falar com Daniel. - Repito e guardo o cartão na mão. — É claro. A verdade é que levei meses pensando na possibilidade de ir ver o senhor Bond e lamento que sejam essas as circunstâncias que, finalmente, propiciem isso, então vou aproveitar. — Certo, ligarei se acontecer algo. - Aceito, desejando com todas as minhas forças que esse momento não chegue nunca. Tudo que quero é sair deste hospital e tentar reparar a minha relação com Daniel. E que ele se recupere. — Mais uma coisa. — Claro, diga-me. — O senhor Bond e você tinham discutido, tinham terminado o relacionamento. - Esclarece como se fizesse falta. — Logo você não sabe nada da sua vida ou da sua família. — O que quer dizer, detetive? - Coloco-me em pé para evitar gritar. — Apesar disso, você consta como a única pessoa autorizada para tomar uma decisão médica em relação a ele e todas as enfermeiras e médicos do hospital me disseram que não se afastou do seu lado nem por um segundo.

— Aonde você quer chegar? — Quando lhe derem alta, irá com ele? — É obvio. A única pessoa que poderia me impedir seria o próprio Daniel e estou disposta a fazer tudo o que esteja em minhas mãos para que não me impeça. — Tome cuidado, Vzalo é perigoso e não sei se vale a pena que brinque com a sua vida por alguém a quem mal conhece. Eu paro de repente em frente a ele. — Noventa, - digo-lhe. - Esse é o número exato dos dias que estive com Daniel, sem contar os que passo neste maldito hospital. – Eu o olho nos olhos. — E sabe de uma coisa? Bastou-me de apenas um, para saber que ele e eu nos pertencemos. Talvez você não entenda isso, detetive, mas sim, vale a pena. Guardarei o seu cartão e estarei atenta ao que acontecer. E quando Daniel estiver melhor, explicarei o que me contou. Algo mais? Parece-me que nunca estive tão furiosa como agora, nem me sentia tão valente e decidida a lutar por Daniel, nem tão disposta a protegê-lo. Abre-se a porta e entra outro desconhecido, que se apressa a fechá-la imediatamente. — Sinto muito. Jasper ligaram do laboratório, eles já têm os resultados que lhes pediu. — Desculpe o meu colega, Amélia, ao que parece, esqueceu suas boas maneiras no carro, - me diz o detetive. — Sou o agente Miller, senhorita Clark. — Muito prazer.

Erkel se levanta do sofá e guarda o caderno no bolso da jaqueta. Parece muito cansado, e não apenas porque não tinha dormido, tal como me disse. — Obrigado por sua ajuda, Amélia, - diz-me, estendendo a sua mão e me olhando de um modo diferente de antes, com respeito. — Ligue para mim se acontecer algo. — É claro, - respondo surpreendida por sua mudança de atitude. — Entendo isso, sabe? - Arqueio uma sobrancelha, e ele me explica. — Sei a que se refere, sei o que é pertencer à outra pessoa, mas isso não significa que não seja perigoso. De fato, é muito mais. Ele solta a minha mão e tenho a sensação de que está falando de algo completamente distinto da investigação.

A

conversa

com

Jasper

Erkel

me

deixou

muito

alterada.

Especialmente pela última frase que me disse quando nos despedimos. "Pertencer a uma pessoa." São as palavras que eu utilizei quando ele insinuou que não tinha sentido que me brincasse com a minha vida pelo Daniel. Pertencer a uma pessoa. Antes de Daniel nunca tinha pensado sobre algo assim. Realmente, provavelmente, se tivesse ouvido essa frase teria parecido absurda. Ilógica. E algo reacionária. Eu sou uma mulher independente, livre, inteligente, moderna, autossuficiente. Por que diabos iria querer pertencer a alguém? Ou por que diabos iria querer que outra pessoa pertencesse a mim? A resposta é simples. Avassaladora. Categórica. Porque essa pessoa é Daniel. Cheguei ao seu quarto e ele ainda não voltou, o que sem dúvida não ajuda a me tranquilizar. Pertencer à outra pessoa. Aproximo-me da janela e deixo minha vista vagar pelos telhados de Londres. Imediatamente lembro-me da primeira vez que fui ao seu apartamento, da primeira vez que me falou sobre o que implicaria se me entregasse a ele, e me tocou com gesto quase inconsciente o pulso onde estava acostumada a usar a fita.

Ele me deu de presente a chave do seu apartamento pendurada numa fita de couro e eu a atei no meu pulso. Nunca esquecerei seus olhos quando me viu usando, quando me disse que isso me marcava como sua. Tampouco me esquecerei do horror com que eu o olhei quando me tirou isso e me obrigou a devolver para ele. Não escolhi essas palavras, aleatoriamente, para me defender da insinuação do detetive Erkel. Daniel me ensinou o que significam e agora não posso pensar em nós de outra forma. Eu pertenço a ele e ele pertence a mim. A questão que realmente me consome por dentro, que ameaça me deixar sem ar, é que não sei se Daniel quer pertencer a mim. — Não importa, - diz-me uma voz gritando do meu coração e da minha alma, — ele disse para você que queria ser seu, que queria que o possuísse. E isso é exatamente o que vai fazer. Porque isso é exatamente do que ele precisa. Apoio a minha testa no vidro da janela e me amaldiçoo de novo por não ter sido capaz de tirar todas estas forças de mim mesmo quando ele me pediu isso. Se o tivesse feito, Daniel não teria sofrido esse acidente. Se tivesse feito, ele não teria estado a ponto de morrer. Deus, se nem sequer deixei que ele me explicasse o que queria exatamente. Talvez então tivesse entendido e não teria saído como uma covarde. — Basta, Amélia, - digo-me em voz alta. — Basta! Tenho que deixar de pensar em mim e me concentrar em Daniel. Sim, isso é exatamente o que tenho que fazer. Vou recordar tudo o que ele me fez, todas e cada uma das sensações que despertou em mim, o prazer que senti em seus braços ao saber que ele estava no comando, às reações do meu corpo ao dele. Daniel me demonstrou que eu lhe pertencia e me pediu que eu fizesse o mesmo com ele.

Vou lhe demonstrar isso, vou deixar claro que é assim e que nada, nem sequer meus medos ou o seu passado podem nos separar. Mas não vou me conformar com seu corpo, nem com seu prazer, que é o que ele me pediu que lhe entregasse, eu o quero todo. Inclusive o seu amor. Daniel não sabe o que fez e eu não vou lhe dar a oportunidade de descobrir. Eu sempre fui uma mulher muito decidida, embora até agora essa determinação só tenha sido utilizada na minha vida profissional. Porque até agora nunca tinha encontrado ninguém que despertasse o meu interior. Ouço girar o trinco e giro para trás, bem a tempo de ver os enfermeiros entrarem, empurrando a cama de Daniel. Ele continua dormindo, ou ao menos está com os olhos fechados. — Correu tudo bem? - Pergunto ao Ivo. — Perfeitamente, o doutor Jeffries virá vê-la dentro de algumas horas com os resultados. O senhor Bond não despertou e continua descansando tranquilo. - Coloca a cama em seu lugar e revisa uma última vez os monitores que tornou a conectar ao Daniel. — Avise-me se necessitar de algo. — Não se preocupe. Espero que os dois enfermeiros saiam do quarto antes de me aproximar de Daniel. Emagreceu, mas continua sendo o homem mais atraente que já conheci e, no mais profundo do meu ser, eu sei que se nunca mais o visse, não teria havido outro homem como ele na minha vida. Não poderia. Tem uma barba incipiente, o que faz que lhe marquem mais as maçãs do rosto e a forte mandíbula, que me seduziu assim que o vi. Sinto falta dos seus olhos.

Os olhos de Daniel são o segredo para decifrar a sua alma. Lembro-me da manhã em que o conheci. Quando o vi naquele elevador, sem saber quem era, fiquei completamente fascinada pelos seus olhos. Nunca tinha visto uns tão distantes e que queimassem tanto ao mesmo tempo. Ele ficou atrás de mim e senti a sua presença perto da minha pele. Eu estava muito nervosa, era o meu primeiro dia na cidade, meu primeiro dia no novo trabalho. Esperavam-me no Mercer & Bond, o melhor escritório de advogados de Londres e de todo o Reino Unido. Tinha conseguido a entrevista porque Patrícia Mercer é a melhor amiga de infância da minha mãe, mas minha incorporação dependia de obter o aval do outro proprietário do escritório. Nenhum trajeto no elevador tinha sido tão longo e tão curto ao mesmo tempo. Ele entrou no elevador no hall, igual a mim, não disse nada e se colocou ao fundo, com as costas pregadas no espelho. Em outro andar, entraram umas mulheres, e eu, a mulher a quem seu noivo lhe tinha dito que fora infiel porque era frígida, uma semana antes do casamento, tive vontade de lhes arrancar os olhos para evitar que elas olhassem para ele. Há homens que quando se sentem observados por uma mulher incham de orgulho, outros se ostentam abertamente e uns poucos se incomodam. Daniel não fez nada disso. Sem se mover de onde estava sua postura transmitiu àquelas mulheres que não estava interessado em seus olhares e que elas não eram bem-vindas, e para mim, que sabia que não tinha gostado que elas o olhassem. O elevador se deteve no andar onde se encontrava a sede do Mercer & Bond e se ele não tivesse me avisado, teria ficado ali olhando para ele para sempre! Saí do elevador convencida de que nunca mais voltaria a ver o atraente e distante desconhecido de olhar triste e penetrante. Mas

apenas uma hora mais tarde, descobri que era Daniel Bond e que ele tinha o meu futuro em suas mãos. Ao menos profissionalmente. Ele tentou fazer com que Patrícia não me contratasse e quando esta o obrigou a me contratar, recorrendo a uma das normas do escritório, Daniel se ofereceu a me encontrar trabalho em outro escritório de advogados se aceitasse a sair dali. Nunca disse a ele, mas se Patrícia tivesse me feito essa proposta, eu teria aceitado. Por que fiquei? Porque Mercer & Bond é um grande escritório? Não, fiz porque nenhum homem me tinha feito reagir como Daniel. Meses atrás, pensava que isso me convertia em uma mulher fraca, que meu futuro não podia depender do que um homem me fizesse sentir. Mas agora, sei que estava equivocada, que nunca tinha conhecido ninguém que me demonstrasse no que consiste o amor e o desejo. A vida. Daniel sabia. Soube desde o começo e por isso tentou resistir à atração que parecia irresistível entre nós. Passo uma mão pelos cabelos e me sento na cadeira que está ao lado da cama. Talvez ele não tenha resistido apenas por isso. Talvez soubesse que se tivesse a oportunidade de estar comigo, seus verdadeiros desejos terminariam por aparecer. Tinha medo de que eu não soubesse entendê-lo, de que não pudesse estar à altura. Fecho os olhos e me amaldiçoo de novo. Por desgraça, Daniel acertou. Falhei com ele. Nem sequer fui capaz de entendê-lo.

Entretanto, agora o entendo com absoluta clareza. Não é difícil. Nem obsceno. Simplesmente é a máxima expressão do amor: Daniel queria pertencer a mim. E eu o rejeitei. Levo minha mão ao rosto para secar uma lágrima. — Não chore! Abro os olhos subitamente e o meu coração sobe à garganta. — Daniel, - balbucio e aquela única lágrima de repente tem muita companhia. — Não chore, - repete. — Eu... - tenho que engolir em seco para poder continuar —... sinto muito. Não estou me desculpando pelas lágrimas e ele deve saber disso, porque demora vários segundos para responder e não afasta seus olhos negros dos meus. — Não, agora não. Vira o rosto, a emoção se desvaneceu de repente e olha para o frente. — Daniel... - começo. — Precipitei-me, Amélia. - Afirma terminante. — Não vou cometer o mesmo engano. — Mas... — É muito importante. Concordo e engulo em seco. Não quero alterá-lo, não acredito que seja a melhor coisa, tendo em vista as circunstâncias, e no fundo sei que ele tem razão. Agora não é o momento de falar sobre isso.

Necessitamos de muito mais intimidade do que este quarto de hospital pode nos proporcionar. — Certo, - aceito. — O doutor Jeffries virá daqui a pouco com os resultados dos exames que acabam de fazer em você. Ele volta à cabeça de novo, devagar, e demora vários segundos para responder. — Estou cansado. - Diz. — Acredito que dormirei mais um pouco. Talvez possa ir para casa e retornar mais tarde. Certamente você também precisa descansar. Que diabos ele está insinuando? Que não lhe faço falta, que não precisa de mim? Nem pensar. — Estou bem. Não se preocupe comigo. Você dorme, eu ficarei aqui sentada, - respondo, depois de decidir que o melhor para nós dois será fingir que não me dei conta do que pretendia dizer. — Vai, Amélia. Não há necessidade que fique aqui. Se não fosse por essas palavras que estão a ponto de partir o meu coração, teria morrido de felicidade só de ouvir novamente o tom firme da voz dele. Voltava a soar como antes, como o homem seguro e decidido pelo qual me apaixonei irremediavelmente e não vou permitir que me bote para fora. Ele disse-me claramente que precisava de mim e até que não me diga o contrário, nada nem ninguém me afastará daqui (e se me dissesse isso, talvez nem assim). —

Vou

ficar,

Daniel,

diretamente nos olhos.

-

asseguro

com

firmeza,

olhando-o

Os olhos dele brilham. E ele mesmo deve notar isso, porque inclina levemente o queixo para baixo e vira o rosto de novo para a janela, mas não repete que eu saia. Nós dois ficamos em silêncio; seu torso sobe e abaixa a cada respiração e as batidas do meu coração vão seguindo esse movimento. Senti sua falta. Eu passei os últimos dias, atemorizada, diante da possibilidade de que não despertaria e, entretanto, esse medo me parece ridículo comparado com o que sinto agora ao ver que Daniel quer se separar de mim. Uma parte de mim me diz que tenho que ser compreensiva. Que ele esteve a ponto de morrer em um acidente de carro e é, inclusive, lógico que queira ficar sozinho para pensar em tudo o que lhe aconteceu. Mas outra parte, a que habita em minhas entranhas e meu coração, me diz que não posso permitir isso, que, de verdade, precisa é que eu esteja ao seu lado e lhe recorde porque temos que ficar juntos. Nego com a cabeça e resolvo prestar atenção nessa segunda voz; é a mesma que me gritou que estava equivocada, na noite em que o abandonei. Embora deva ir com cuidado. Devagar. Com muita cautela e inteligência. O dia em que conheci Daniel, naquele elevador, eu o comparei, na minha mente, com uma pantera enjaulada. Agora essa pantera, além disso, está ferida e desconfia de todo o mundo, inclusive de mim. E com razão. Tenho que voltar a ganhar a sua confiança. Só assim conseguirei despertar de novo a sua paixão e, finalmente, obter o seu amor. Que estúpida fui por não ter me dado conta disso antes. Um homem que possui uma mulher como Daniel me possuiu em sua casa na Toscana, não faz só porque sente desejo. Trata-se de algo muito mais profundo e duradouro.

Não posso continuar remoendo os meus erros, tenho que ser forte e seguir adiante. E a julgar pela atitude de Daniel, vou precisar ser mais corajosa do que acreditava no começo. — Você lembra sobre algo do acidente? - Pergunto-lhe e me arrependo imediatamente, porque a respiração dele acelera durante um segundo. — Sim. - Acho que essa vai ser a única palavra que irá sair de seus lábios, mas me equivoco. — Por que não me lembraria? - Volta à cabeça e me olha com o cenho franzido. — Os médicos disseram alguma coisa para você? — Não, não, - apresso-me a lhe assegurar. — Não. O doutor Jeffries virá mais tarde e agora que... - tenho que voltar a engolir em seco —... agora que está acordado, podemos falar nós dois com ele. Não vou lhe dar a oportunidade de me tirar dessa conversa. — Ele lhe confirmará o que quiser. — Sei que não mentiria, Amélia. Essa pequena afirmação me reconforta um pouco, mas não consigo me livrar do temor que causa o seu distanciamento. — Quando me ligaram do hospital, na noite do acidente... - levanto uma mão e deslizo um dedo por cima da fita de couro que lhe atei faz dias ao redor do pulso. Seu pelo do antebraço fica todo arrepiado, mas é a única reação que consigo, —... disseram-me que eu constava como a pessoa de contato na sua apólice de acidentes. Não há necessidade que eu lhe pergunte o motivo. Daniel gira de novo o rosto e me olha novamente. — Antes era a Patrícia. Fecho os dedos da mão com a qual não o estou tocando até me cravar as unhas na minha palma. Apesar da intimidade que

compartilhamos, a vida de Daniel continua sendo um segredo para mim e me dói não saber que papel desempenhou Patrícia Mercer nela. Engulo o meu orgulho e me obrigo a não reagir. Vou ser forte, repito para mim mesma. — Quando mudou? Ele parece relaxar diante da minha atitude calma e em certo modo dominante. Não aceitei sua breve resposta e não lhe pedi que me explicasse isso, simplesmente lhe disse para ser mais específico. — A primeira vez que veio ao meu apartamento. — No mesmo dia que me deu a chave, - digo, sem esperar que ele me confirme isso. — Entendo. E é verdade. Para Daniel, entregar-me essa chave equivalia a um compromisso e em sua mente era mais lógico que eu fosse também à pessoa autorizada a tomar uma decisão em seu nome, no caso dele não poder. Se me houvesse dito isso, se me tivesse explicado o que de verdade sentia... Não, não vou me desculpar. Cometi um engano e agora tenho que arcar com as consequências. — Quando sair daqui... — Não, Daniel, - eu o interrompo agora. — Não é o momento. Falaremos sobre tudo isso quando estiver bem. Deslizo os meus dedos por cima de sua mão e os entrelaço com os seus. — Certo, - ele agora aceita, depois de me apertar levemente. Sinto uma opressão no peito, mas o breve instante de felicidade desaparece sem prévio aviso. Daniel solta os meus dedos e flexiona os seus para ocultar a rejeição.

— Tenho uma mão quebrada e também o joelho, não é? Pergunta-me, percorrendo os gessos com o olhar. — O que mais? — Um pulmão perfurado e tiveram que fazer uma cirurgia para eliminar um coágulo no cérebro, - respondo com a mesma frieza dele. — Terá que fazer fisioterapia para o braço e para a perna. O pulmão está cicatrizando bem e suponho que o médico nos falará mais tarde sobre o resto. — Só. — Sim, só. – Estou ficando furiosa. Acaso lhe parece pouco? — Para aonde ia com tanta pressa? E de onde vinha? Havia semanas que não sabia nada sobre você. Nem sequer Stephanie sabia onde estava. Não pode voltar a fazer isto comigo, Daniel! – Deixo escapar. Talvez ele tenha prática nisso, em manter a distância e controlar as suas emoções, mas para mim é custoso. E acho que depois de tudo o que aconteceu, mereço um descanso. Um beijo. Ou, no mínimo, um abraço. — Voltava para Londres. Não ia tão rápido, embora reconheça que provavelmente não tinha toda a atenção fixa na estrada. Um carro bateu em mim, um SUV. E o Jaguar perdeu o controle. - Franzindo o cenho como se estivesse tentando se recordar de algo. — O volante não respondia. — Oh, Meu Deus! – Minha voz treme e agarro a sua mão. Ele tenta soltar-se, mas não permito. Agora não. — Estava na Escócia, voltei fazia uma semana. - Faz uma careta e nega levemente com a cabeça. — Duas, eu acho. Parei uns dias, na minha casa no interior para pensar. — No que?

Olha-me como se eu fosse idiota, com uma sobrancelha arqueada, e não posso evitar me sentir reconfortada. — Você me machucou muito, Amélia. — Eu sei, - reconheço e noto que os meus olhos se tornam um borrão. Daniel assente e afasta a vista, embora não solte a minha mão. — Pensava que nunca me atreveria a lhe dizer isso. - acrescenta, mas tenho a sensação de que está falando para si mesmo. — Mas, agora já não importa! Não, claro que importa – grita a minha mente. -Talvez seja só isso que importe! — Também me disse isso, comigo mesma, - confesso em voz baixa. Volta-se de novo para mim e vejo que está furioso. A raiva só brilha um segundo nos seus olhos, mas esteve ali. Solta a minha mão e eu levanto a minha para o seu rosto, com cuidado, para tirar uma mecha do cabelo da sua testa. Assim que o meu pulso passa diante dos seus olhos, para imediatamente. Viu a fita. É possível que até agora não se desse conta de que a leva? Não. Quando abriu os olhos pela primeira vez, ele a viu e me perguntou o que significava. Jamais poderei esquecer aquele "Seu?" Nem o brilho do seu olhar quando eu lhe respondi "Meu". Talvez tenha esquecido. Talvez queira esquecer. Não sei qual das duas opções me revira mais as entranhas.

Daniel solta o ar devagar e eu afasto a mecha dos seus cabelos com os dedos. Não me diz nada, mas quando eu coloco de novo a minha mão sobre a cama, perto daquela engessada, ele se afasta da minha. Isto não pode continuar assim. Não é o lugar nem o momento adequado, entretanto, vou me levantar e obrigá-lo a me olhar nos olhos de uma vez por todas. Levanto-me. — Amélia, eu acabo de cruzar com o detetive Erkel que me disse que Daniel acordou. Pelos modos de invadir o quarto sem bater antes e com o rosto alterado, só poderia ser Rafferty Jones. E por isso não posso chutá-lo dali a pontapés. Viro-me e ao vê-lo, minhas lágrimas, que tanto lutei para conter diante de Daniel caem. Rafferty é o único amigo com quem posso falar sobre Daniel. Eles dois foram amigos também, faz muito tempo e acredito que, se ambos fizessem um esforço, poderiam voltar a ser. Eu conheci o Raff recentemente, e, acho que devido às emoções que compartilhamos durante este breve período, nossa amizade se cimentou muito rápido. Além disso, ele me ajudou muito durante esta semana; foi ele quem ligou para o tio de Daniel e quem se ocupou de manter Patrícia e o resto das pessoas do escritório longe do hospital. Raff corre para me abraçar. Ele é assim. — Sinto muito, Amélia. - Diz-me, suportando minhas lágrimas. — Acreditava que Erkel estava certo. Sinto muito, verá que Daniel acordará logo. Deveria ir para casa para descansar um pouco. — Estou acordado.

— Inferno, Daniel! - Raff me solta de repente e corre para se colocar na frente da cama. — Está acordado! - Exclama, sorrindo de orelha a orelha. — Que susto que você deu em todos, especialmente na Amélia. Ele se atreve a fazer o que eu não fui capaz e abraça Daniel. O gesto só dura um segundo, o tempo que levou para este ficar tenso. — Sinto muito. - Desculpa-se Raff ao se afastar, embora bastasse olhar para saber que não sentia nem um pingo. — Quando acordou? Está bem? O que dizem os médicos? Quando lhe darão alta? Ele se senta aos pés da cama e por um instante não me custa nada imaginar os dois, há dez ou quinze anos atrás, compartilhando o dormitório na universidade. Daniel franze a testa e, apesar de que tem quase meio corpo enfaixado e de que acaba de despertar de um coma de uma semana, consegue ser intimidante. — Desde quando me visita no hospital? Não tem nada melhor para fazer com o seu tempo, Rafferty? A gargalhada que ele solta alivia a nós três, mas eu decido seguir em silêncio, à espera de ver como se desenvolverá o encontro destes dois homens tão formidáveis. — Alegra-me ver que não mudou, Daniel. Segue sendo o mesmo presunçoso, mal educado de sempre. Inferno, eu acredito que inclusive senti falta de você. — Você também está igual, imbecil! — Bom, agora que nós terminamos com as frases emotivas. - Diz Raff sem deixar de sorrir. — O que lhe disseram os médicos?

— O doutor Jeffries virá mais tarde, - responde ele, ainda um pouco

distante.





que,

ao

que

parece,

tem

vindo

aqui,

frequentemente, e que tem a mesma opinião que eu sobre Amélia, por que não fica comigo um pouco enquanto ela vai descansar? Oh, não, Daniel pretende adotar o papel de namorado preocupado? É uma estratégia para que vá. Não é à toa que seja o melhor advogado da Inglaterra, mesmo sedado e se recuperando de um acidente quase fatal, sua mente não deixa de tramar para que consiga o que quer. É uma pena que tenha encontrado uma mulher que o ama e que não está disposta a se dar por vencida. — Daniel tem razão, Amélia. - O traidor do Raff acaba de passar para o outro lado. Típico dos homens. — Por que não vai para casa descansar um pouco? Eu fico e chamo você se houver alguma novidade. Olho para Daniel por cima do ombro do seu amigo e estou segura de que tenta reprimir uma careta de satisfação. O cretino vai ver. Possivelmente antes de nossa separação, antes do acidente, eu teria cedido a seus desejos sem pestanejar, mas agora não. Além disso, a situação é tão boa como qualquer outra para começar a lhe deixar claro como vão ser as coisas. — Está bem. - Digo, desviando o olhar de Daniel para Raff, para logo voltar para o primeiro. —

Irei até em casa por um momento.

Voltarei dentro de duas horas. - Pego a bolsa que tenho pendurada detrás da porta e também o casaco. — Direi à secretária do doutor Jeffries que me mande uma mensagem, vinte minutos antes da visita do médico. Estarei aqui quando for falar sobre os resultados dos exames. Coloco o meu casaco e olho para Raff. — Certifique-se de fazê-lo descansar também. - Digo-lhe. —

Claro,

desconfiança.

não

se

preocupe,

-

Concorda,

olhando-me

com

Durante a semana que estou no hospital, é a primeira vez que saio praticamente sem protestar e não é de estranhar que Rafferty se surpreenda com o meu comportamento. Concordo levemente e me aproximo da cama, onde Daniel não deixou de me olhar. Não paro nos seus pés, nem tampouco ao seu lado. Caminho até ficar pregada a ela e me sento no colchão. Meu quadril roça o do Daniel e, sem lhe dar tempo de reagir (porque tenho medo de que se afaste e medo de perder a coragem), agarro-lhe com o pulso em que usa a fita e seguro o seu braço. Apoio nossas mãos em cima do lençol com firmeza, a minha levemente em cima da sua, sem lhe soltar o pulso, e aproveito esse ponto de apoio para me inclinar para ele. Em circunstâncias normais, Daniel poderia tirar-me de cima dele em questão de segundos. Provavelmente agora também poderia, mas o peguei de surpresa e ainda está aturdido. Sigo me inclinando com cuidado para não pressionar nenhuma ferida e não me detenho até que meus seios toquem o calor que desprende do seu torso. Ele persiste em seguir olhando para frente, esquivando dos meus olhos. Aproximo-me ainda mais e respiro profundamente quando encontro o pescoço dele. Espero um segundo e sorrio trêmula ao ver que sua pele arrepia. Vamos ver quanto tempo mais pode continuar me ignorando. — Irei até a minha casa para buscar mais roupas. - Explico-lhe devagar. Tenho os lábios a poucos centímetros de sua orelha e com a mão direita sigo segurando seu pulso esquerdo. Movo o dedo indicador sobre a sua pele e percebo que fica sem fôlego. — Depois passarei pelo seu apartamento para pegar algo para você. Nem me ocorre lhe lembrar de que continuo com a sua chave. Volto levemente o rosto e durante um segundo olho para Raff, que descubro que está fora do quarto, com a porta entreaberta. Nem Daniel

nem eu nos tínhamos percebido que o nosso amigo teria o bom senso de nos deixar sozinhos. Fecho os olhos e os batimentos do meu coração ressoam na minha mente. Volto a me mover um pouco até notar que meu nariz roça a pele do Daniel. Suspiro e me detenho uns segundos para permitir que meu corpo e minha alma desfrutem dessa oportunidade que tinham acreditado que tinham perdido para sempre. Respiro devagar, porque não posso deixar de tremer, e apoio a testa no oco do seu pescoço. Notoo estremecer e sem poder me conter mais, deposito um breve beijo em sua clavícula. — Precisa de alguma coisa? - Pergunto-lhe, com o rosto ainda oculto em seu pescoço. Quero ver como ele reage, se fingirá que essa pergunta faz referência a suas coisas pessoais e a sua roupa ou se atreverá a se recordar o que me pediu no dia em que nos separamos. Ouço-o soltar o ar e me afasto devagar para poder olhar em seus olhos. Os únicos que não me mentiriam. Daniel continua evitando os meus. Jogo a cabeça para trás com o resto do meu corpo praticamente em cima dele, impedindo-o de se afastar de mim, ao menos fisicamente. Vejo que engole em seco antes de falar e quando o faz se mantém firme. — Não preciso de nada. — Olhe para mim, Daniel. - Levanto a mão que tenho livre, disposta a lhe voltar o rosto se ele insistir em se esquivar. — Olhe para mim! Solta de novo o ar lentamente e, devagar, vira-se para mim. Sustenta o meu olhar e pela primeira vez desde que despertou, vejo em seus olhos a determinação e o fogo que fazem de Daniel o que ele é: um lutador.

O meu coração está disparado e tenho um nó no estômago, talvez não possa voltar a comer nunca mais. Minhas costas se arrepiam, começando pela base e terminando justamente na nuca, e um calafrio me percorre todo o corpo. Tenho que seguir em frente. A mão com que tinha a intenção de obrigá-lo a me olhar se detém quase por vontade própria a poucos centímetros de sua mandíbula. Daniel a vê de lado e aperta os dentes sem afastar seus olhos dos meus. Um desafio. Abaixo a minha mão e lhe acaricio a maçã do rosto. Ele não se afasta, mas com os dedos da mão ilesa, cujo pulso eu continuo segurando, aperta o lençol cor verde água da cama até que os nódulos dos dedos fiquem brancos. Detenho-me na mandíbula de Daniel e com o polegar o seguro levemente o queixo. Deslizo a ponta pela barba incipiente que obscurece essa parte do seu rosto. Não o faço com força, mas me dou conta de que ele tenta se afastar de mim, eu o impeço, sem duvidar. Daniel não cede nem um milímetro e endurece mais o seu olhar, mas quando solta o ar, seus lábios tremem durante um segundo e meu torso está tão preso ao dele, que sinto como o seu coração está acelerado. Possivelmente sua mente queira me jogar daqui, deste quarto de hospital, do seu lado e provavelmente da sua vida, mas há outras partes dele que querem que eu fique. Fecho os olhos só por um segundo e desejo com todas as minhas forças que seu coração seja uma dessas partes. Abro-os e encaro de novo o seu olhar; forte, implacável, ferido. Poderia soltá-lo, afastar-me devagar e lhe acariciar a bochecha com ternura. Possivelmente poderia lhe dar um beijo na maçã do rosto ou na testa, um gesto carinhoso e terno ao mesmo tempo. Reconfortante. Mas Daniel não precisa de nada disso.

E a verdade é que eu tampouco. Escuto a minha voz interior e reivindico os seus lábios. Ele se surpreende e aproveito desse breve instante para deslizar a língua dentro da sua boca e recordar o seu sabor. Movo os lábios sem ocultar que me tremem, enquanto percorro em busca de uma reação. Daniel treme de novo e lhe capturo o lábio inferior com os dentes. Deslizo o polegar que tenho no seu queixo e lhe acaricio ternamente a mandíbula. Ele volta a soltar o ar e por fim sinto a carícia de sua língua na minha. Suspiro, incapaz de dissimular o alívio que me provoca receber de novo seus beijos, e solto o seu lábio para poder beijá-lo de novo. Isso não é um beijo, e sim uma luta, uma batalha para determinar qual dos dois deseja mais o outro. Daniel segue apertando o lençol. Talvez não possa fazer nada. Talvez queira que eu tome o comando. A escalada do desejo que se instalou em meu umbigo ao sentir a sensação dos seus lábios começa a queimar até se converter em um fogo ardente. Sigo sem entender isso, mas saber que este homem tão forte estava se rendendo a mim me faz sentir como se fosse à mulher mais sensual do mundo. A mais desejada. A mais amada. E ele agora quer acabar com essa sensação? Separo mais os lábios e aprofundo o beijo. Movo a língua pelo interior de sua boca sem deixar nem um centímetro descoberto. Aperto os dedos com os quais seguro o seu queixo e o mantenho imóvel. Justo nesse instante, eu sinto que ele estremece. Ouço um gemido. Meu ou de Daniel? Engulo e continuo beijando-o. Ele agora está correspondendo ao beijo, seus lábios tremem sob os meus e sua língua dança com a minha, mas ainda não me tocou.

Não saio deste quarto até que ele o faça. Ele precisa disso tanto quanto eu. Ou até mais. Daniel tem que se lembrar de que eu estou aqui de verdade. Ao seu lado. Que a nossa relação não é só paixão ou desejo, é muito mais. "Quero pertencer a você!" Suas palavras ressoam na minha mente e me dão a coragem da qual preciso para seguir em frente. Meus seios sobem e descem presos ao seu torso. A pele me queima e suponho que Daniel pode notar como estou excitada. Eu posso sentir cada um dos batimentos do seu coração. Umas batidas que não só me demonstram que está vivo, mas também que continua me desejando. Agarro-me a isso como se bastasse e abro mais os lábios para beijá-lo como espero que nunca o tenham beijado antes. Beijo-o com todo o meu ser, com a minha língua procuro a dele e a capturo, meus dentes golpeiam levemente os dele e os nossos lábios se esforçam para se tornarem escravos. Daniel está perdido neste beijo e eu quero me perder nele também, entretanto, sei que antes de sair daqui tenho que conseguir algo mais. Deslizo a mão até a sua nuca e enrolo os dedos nos seus cabelos. O seguro com força para deter por completo os movimentos de sua cabeça e lhe deixar claro que este beijo, e todos outros, pertencem a mim. Não sei explicar isso. Não sei o que se passa comigo. Sinto a necessidade irresistível de entrar em Daniel, de fazer tudo o que seja necessário para fazê-lo feliz. Ele tenta mover levemente a cabeça e eu lhe puxo os cabelos para impedi-lo. Daniel treme e geme. Eu também. Tudo que quero é cuidar dele e tudo que preciso em troca é que ele me permita isso. Que fique em minhas mãos. Oh, Meu Deus! Se isto é o que Daniel sentia quando eu me entregava para ele, é uma sensação maravilhosa! Única.

A mais excitante e demolidora que já senti. Dá medo e infunde um enorme respeito. E eu tive coragem de copiar isso sem pensar muito. Talvez esteja fazendo mal. Um horrível calafrio me percorre todo o corpo. Talvez isto não seja o que Daniel queira. Não, Amélia, não se renda. Aperto os dedos que tenho em sua nuca, com cuidado para não lhe causar dor, mas decidida a lhe demonstrar que suas reações me pertencem. Ele suspira e separa mais os lábios para que o nosso beijo siga aumentando de intensidade. Entretanto, eu quero que me toque, quero sentir a sensação da sua mão com a fita no pulso nas minhas costas, no meu cabelo, no meu braço. Em qualquer lugar. Esta situação me assombra. Daniel levou anos dominando as suas parceiras sexualmente e eu só sei o que ele me ensinou. Seja você mesma Amélia. Ele pediu a você que lhe desse o que precisava. Não pediu isso para nenhuma de suas outras mulheres. Confio mais em Daniel do que em mim. Se ele estava convencido de que eu era a única mulher adequada para ele, então eu sou. Não me permito seguir questionando sobre o meu comportamento. Farei isso quando estiver sozinha, agora vou seguir o meu instinto. E o meu instinto me diz para me afastar de Daniel e deixar de beijá-lo. Deslizo a língua pela última vez dentro da sua boca e termino o beijo. Afrouxo a mão com que lhe segurava o pulso com a fita e, sem afastar da minha, dou-lhe liberdade para que possa movê-la se assim desejar. — Eu gostaria que desejasse isso tanto quanto eu. - Tremo e jogo a cabeça levemente para trás, sem lhe soltar o cabelo da nuca e abro os olhos.

Ele também os abre. Tem as pupilas dilatadas e a respiração entrecortada. Os lábios úmidos e vermelhos. Afrouxo um a um os dedos que tenho enrolados nos seus cabelos, mas não movo a mão. Os olhos de Daniel estão completamente negros e as nervuras douradas que percorrem sua íris parecem arder em chamas. Solta o ar. Aliviado? Decepcionado? Reajo imediatamente e volto a fechar os dedos na sua nuca. Tiro de novo com força, o medo de estar me equivocando guia parcialmente os meus movimentos. Nunca nada me importou tanto quanto fazer o bem para Daniel. Só tenho uma oportunidade. E é esta. Aperto os meus dedos e um músculo da sua mandíbula treme. — Tem certeza de que não precisa de nada? – Eu o desafio com o olhar e rezo para que a minha voz não trema. Daniel sopra pelo nariz e seu corpo todo fica tenso. Praticamente suas íris desapareceram e tem a mandíbula tão apertada que temo que vá se romper. Fiz mal. Não acertei. O melhor será que o solte e saia daqui, eu penso, mas meus dedos se negam a me obedecer. Respiro fundo; apesar do fiasco, mantenho a minha dignidade e me disponho a me armar de coragem e me afastar dele. Justo neste momento, um segundo antes de Daniel falar, sinto que solta os dedos do lençol. — Venha aqui! - Balbucia ao mesmo tempo em que coloca a mão em minha nuca para me aproximar dele. Trememos. Ele tira os meus cabelos com um gesto inconsciente. Irremediável. Ele geme. Eu gemo. Nossas línguas travam uma batalha na qual as duas saem vencedoras e nos mordemos os lábios.

Daniel mantém a mão na minha nuca, eu a sinto tremer e me estremeço ao notar a sensação da fita de couro na minha pele. Em nenhum momento ele tenta tomar o controle, simplesmente, acariciame com as pontas dos dedos, como se fossem borboletas que me queimam com cada batida de suas asas. O sabor dos seus beijos volta a se meter dentro do meu corpo e de repente tenho vontade de capturar o seu lábio inferior entre os meus dentes para mordê-lo. Não quero lhe causar dano. Jamais seria capaz de machucar o Daniel, mas ao mesmo tempo quero que saiba o quanto estou furiosa pelo que ele estava tentando fazer. E, em certo modo, uma parte de mim quer vingar-se pela urgente dor que senti pelo acidente. Quero, não, preciso sentir que Daniel e eu estamos juntos, que ele me pertence por completo. Seus lábios tremem e noto o sabor de sangue. Mordi-lhe sem me dar conta? Ele não deixa de me beijar nem retrocede ofendido. Ao contrário. O coração dele acelera e durante uns segundos me rendo aos meus instintos e o beijo mais profundamente, deixando que essas poucas gotas de sangue se mesclem em nosso beijo. Estes sentimentos são muito complexos para mim. Muito intensos e confusos. Eu só queria que Daniel me tocasse, arrancasse dele uma reação sincera que me demonstrasse que continua sentindo algo por mim. Não estava preparada para este beijo. E talvez ele tampouco. Suspiro e depositando um leve beijo em seus lábios, justamente em cima de onde o mordi, afasto-me. Afrouxo devagar os dedos que tenho na sua nuca e ao retirar a mão, vejo que ele aproxima seu rosto da minha palma. Esse gesto que Daniel faz de um modo completamente inconsciente me tranquiliza e

reconforta. Eu suspiro aliviada apesar das emoções confusas dentro de mim. — Voltarei dentro de duas horas. — Certo. Levanto-me da cama e saio do quarto sem me virar para olhá-lo. Não quero correr o risco de lhe pedir perdão pelo que aconteceu. Uma parte de mim continua sentindo a urgente necessidade de voltar a ser a garota doce e perfeita de antes, a namorada ideal. Talvez agora esteja confusa, mas eu sei que ser essa garota de encomenda não me serve de nada e não me fará feliz. E, o mais importante, essa garota de encomenda não era a que Daniel queria. E eu tampouco. Seguro a tira da bolsa para que não caia do meu ombro e para dissimular que minhas mãos, que estão tremendo, e saio para o corredor. — Adeus, Raff, obrigado por ficar. - Digo-lhe sem me deter. Raff é meu amigo, mas não quero que me veja tão alterada. Não é só vergonha, na verdade não me envergonho de nada do que Daniel e eu temos, mas sim porque quero ficar só para mim com as sensações que me causou esse beijo. O primeiro beijo com o que reivindiquei o Daniel.

Pego um táxi na mesma entrada do hospital e lhe dou a direção do apartamento

que

divido

com

Marina.

Ou,

melhor

dizendo,

do

apartamento que ela aceitou compartilhar comigo. Marina é a minha melhor amiga, embora me envergonhe de reconhecer que durante uma época da minha vida me esqueci dela e a deixei de lado, durante o meu noivado com Tom. Agora todas essas lembranças parecem fazer parte de outra vida, de outra pessoa inclusive. Afastadas de mim como as ruas pelas quais circula o táxi. Respiro e me recosto no encosto do assento. Ainda estou alterada pelo beijo, receio que ficarei durante muito tempo, as perguntas e as dúvidas sobre Daniel me saturam a mente, a tal ponto que fecho os olhos para não pensar. Deixo que os sons do motor e da rádio que ouço ao fundo me embalarem e, como se estivesse em um filme, revivo uma lembrança absurda que acreditava quase ter esquecido: o dia em que rompi definitivamente o meu compromisso com Tom e decidi me mudar para Londres. Era primavera, sempre tinha desejado me casar em junho e há meses planejava o que, sem dúvida, seria o casamento perfeito. (É curioso como certas lembranças perdem todo o brilho e se convertem em grotescas com o passar do tempo). A minha família sempre gostou muito do Tom, especialmente o meu irmão Robert, que o considerava um dos seus melhores amigos. Irônico, penso agora, quando parti de Bloxham, tive que convencer Robert de que não valia a pena bater em Tom. Lembro que iria sair com o meu noivo para escolher as flores, mas a mulher da floricultura me ligou para cancelar o compromisso e eu,

graças a Deus, não liguei para o Tom para dizer-lhe, e decidi ir até o seu apartamento para ver se nós poderíamos sair para jantar juntos. Então o encontrei com uma loira de joelhos, praticando nele "o melhor boquete da história", segundo as suas próprias palavras. Durante semanas, essa imagem foi muito dolorosa para mim. Depois, chegou a me parecer patética, mas agora simplesmente é lamentável. O som de uma buzina me fez abrir os olhos e sorrio ao comprovar que, efetivamente, estou em Londres e não em Bloxham, casada com um imprestável. Talvez devesse agradecer ao Tom. Ele me obrigou a assumir a realidade muito mais do que eu teria tido coragem para fazêlo; porque apesar de saber que teria me casado com ele, também sei que, cedo ou tarde, eu o teria deixado e teria começado a minha verdadeira vida. Com o Daniel. Sim, sou uma romântica e por fim deixei de negar isso ou de me envergonhar por isso. Sou uma romântica e acredito firmemente na existência do amor, mas não nesse amor adocicado e infantil dos contos de fadas, mas o amor que domina todo o seu ser e o impulsiona a fazer algo apenas para possuir a pessoa amada. Para mim, o único homem que me faz sentir assim é Daniel e por isso nem me passou pela cabeça perdoar

Tom

ou

voltar

a

dar

uma

oportunidade

ao

nosso

relacionamento, quando ele me pediu algumas semanas atrás. Embora reconheça que o seu pedido fez muito bem para o meu ego. — Já chegamos senhorita. Olho para a direita e vejo que o táxi está parado diante da minha entrada.

— Aqui está. Pago a corrida e saio do veículo. O trajeto me tranquilizou. Foi muito bom recordar como era a minha vida quando Daniel não fazia parte dela. Entro no apartamento, às escuras e em silêncio, mas com rastros mais que evidentes de que Marina esteve ali; um par de tênis descansa junto ao sofá e há uma taça de vinho em cima da mesa. Vou direto para o meu quarto e pego uma bolsa esportiva com intenção de enchê-la com duas mudas de roupa, um pijama, o carregador do celular e a minha bolsinha de maquiagem. Concentrar-me nesses detalhes práticos evita que me assaltem de novo as dúvidas a respeito de Daniel e do que aconteceu no hospital. O beijo foi maravilhoso, mas não sou tão ingênua para acreditar que isso significa que já está tudo certo entre ele e eu. Nem de longe. Daniel cedeu aos meus lábios e aceitou o beijo, inclusive correspondeu, mas seus olhos insistiram em se distanciar de mim. Ouço girar a chave na fechadura e saio para o corredor para receber Marina. Há dias ando querendo falar com ela. Durante os noventa dias em que estive com Daniel, ela foi a única pessoa a quem contei, ligeiramente, o que Daniel estava me pedindo, e ela não me julgou, nem me olhou como se estivesse louca. Simplesmente me disse que tomasse cuidado. Quando as coisas entre nós dois mudaram, minha amiga me fez muita falta, mas durante esse período, Marina teve que ir a Itália para visitar a sua família. Agora quero saber sobre essa viagem. Igualmente quero perguntar por Raff. Não sei o que aconteceu na Itália, só que ele a acompanhou e que agora mal podem ficar juntos na mesma sala. — Olá? - Cumprimenta Marina, indecisa, ao entrar.

— Olá, Marina, estou aqui. — Vim assim que soube. Deixa a bolsa em cima da mesa de jantar e tira o casaco. Não posso evitar de sentir a mesma inveja que tenho sempre que a vejo. É muito bonita e usando seja o que for, fica sofisticada, mesmo usando jeans e uma camiseta, como é o caso de hoje. — Como você ficou sabendo? Sou tão má amiga que não tive a delicadeza de ligar para ela para colocá-la em dia sobre o estado de saúde de Daniel. Envergonho-me de mim mesma e me prometo que vou concertar isso. — Raff me mandou uma mensagem. - Levanta o celular que leva na mão e o sacode levemente, enquanto se aproxima para me dar um abraço. — Fico feliz por você, eu tinha certeza de que ficaria tudo bem. A generosidade de Marina me emociona e depois de abraçá-la com força, eu a solto e, agarrando a sua mão, dirijo-me com ela até o sofá. — Achava que Raff e você não conversassem. Ambas nos sentamos. Marina coloca uma almofada no colo para abraçá-la. É uma mulher alta e forte, uma italiana temperamental e decidida, segura de si mesma. E, entretanto, nesse instante parece uma menina pequena, que acabam de lhe dizer que Papai Noel não existe. — Não quero falar sobre isso. Fica pensativa durante um momento e tenho a sensação de que está relutante sobre essa frase. — Por quê? — Porque já não é importante. Não há nada sobre o que falar.

Arqueio uma sobrancelha e eu olho incrédula para ela. Ela suspira resignada antes de dizer: — Rafferty e eu não queremos o mesmo numa relação. - Move as mãos (realmente, os italianos e sua gesticulação, como é o caso de Marina) de um lado para o outro. — O que ele quer é impossível e nós dois decidimos que era melhor que não nos víssemos, pelo menos durante um tempo. — Por quê? O que quer Rafferty? - Ruborizo-me antes de acrescentar. — É como Daniel? Ainda fico incomodada de falar sobre esse assunto, inclusive com Marina. — Como Daniel? - Repete ela, confusa. — Ah, não! Daniel quer que você pertença a ele. Isso é romântico. E sexy. Neste momento poderia ter abraçado Marina, mas ela continua falando e me contenho. — Não posso lhe contar sobre o Raff, Amélia. Não é a minha história. Assim é Marina, leal e honesta. — Entendo isso, só me diga alguma coisa, está bem? - Procuro a mão dela em cima do sofá e a aperto. Ela assente com a cabeça e seus olhos umedecem. — Poderia ter me apaixonado por ele, sabe? Apaixonado de verdade, como você e Daniel. — Não podem arrumar isso? Balança a cabeça, embora desta vez seja para me oferecer uma negativa.

— Não, não há nada quebrado que tenha que ser arrumado, Amélia. Simplesmente, Raff necessita de muito mais do que eu posso lhe dar. Que qualquer mulher possa lhe dar, - acrescenta em voz baixa. Esta última frase me confunde, para mim, Raff nunca pareceu muito complicado. Na verdade, lembro-me da noite em que o conheci no baile de máscaras, tinha pensado que era o homem mais normal que já tinha conhecido em toda a minha vida, até aquele momento. Inclusive desejei me sentir levemente atraída por ele, para ver se assim podia me esquecer da traição de Tom e do incompreensível e ardente desejo que Daniel estava despertando em mim. Jamais teria imaginado que pudesse ser mais do que aparentava. Claro que possivelmente só se mostrou como era de verdade diante de Marina. Como Daniel comigo. — Basta de falar sobre mim. - Declara Marina com firmeza e vejo que as lágrimas estão desaparecendo para deixar aparecer um sorriso. — Conte-me como está Daniel. Quando lhe darão alta? — Ainda não sei, eles fizeram uns exames nele, nesta manhã e mais tarde o médico passará para nos dar os resultados. Agora, a única coisa que tenho certeza é que terá que fazer fisioterapia para a perna e para o braço. — Bom, estou certa de que irá se recuperar. E, você, como está? — Feliz. Assustada. Aliviada. Morta de medo. Marinha ri em voz baixa. — Feliz e aliviada eu entendo, a outra parte poderia me explicar? Por que está assustada? — Daniel e eu discutimos semanas antes dele sofrer o acidente. — Sei, você me contou isso. — Não contei o motivo.

Marina me olha intrigada e espera que eu continue. — Pediu-me que lhe fizesse o que ele faz comigo. Suspiro, abatida, porque sei que não estou me explicando bem. Ouço palavras como "submissão" e "dominação" na minha mente e as rejeito porque não refletem absolutamente o que ele quer da nossa relação. — O que Daniel fez com você, Amélia? — Ensinou-me o que significa se entregar a outra pessoa, deixar seu prazer nas mãos do outro. Não sei explicar isso Marina, mas pela primeira vez na vida me senti amada. Senti que podia confiar nele, que podia entregar-lhe tudo e que ele cuidaria de mim como se fosse o seu maior tesouro. — Invejo você! — No princípio não sabia se seria capaz de confiar tanto em Daniel, de obedecer às cegas as suas ordens, ou de lhe deixar que tivesse o controle das minhas reações. Mas quando consegui... – suspirei —... quando me rendi a ele e deixei que me guiasse, não só senti prazer, mas também entrei no seu coração e ele no meu. — Por que discutiram? Não sei se entendi completamente o que está me contando e reconheço que não sei se eu seria capaz de me entregar assim a outra pessoa. Vendar os olhos um dia na cama com seu parceiro sempre me pareceu uma maneira divertida de passar a noite, mas deixar que ele domine as minhas reações, que controle as minhas reações e os meus movimentos... - Negou com a cabeça. — Não, não seria capaz. Se Marinha não conseguia entender isso, certamente era porque eu não sabia explicar no que consistia o desejo de Daniel. E se não sabia explicar isso, então como poderia satisfazê-lo?

— Entregar-se assim a quem se ama é maravilhoso, libertador. Não se trata só de sexo, ou de uma questão física, é como se sua alma precisasse fazer feliz a da pessoa que está com você, para que você possa ser feliz, - concluo. É uma definição brega, mas a melhor que me ocorre neste momento. — Se for tão bonito, se entregou a ele deste modo tão profundo, diz-me Marina sem dissimular seu ceticismo. — Por que o deixou? — Porque Daniel me pediu que invertêssemos os papéis, - solto, confusa e zangada. Zangada? Ela me olha atônita e me dou conta de que parte da raiva que estou sentindo ultimamente se deve ao fato de que estou zangada com Daniel, por me ter obrigado a dar um passo maior. Por me ter exposto a outro desafio. Não lhe bastava que eu confiasse nele, queria que confiasse em mim mesma. — Daniel quer que o domine? Eu não gosto dessa palavra, mas acredito que neste momento vou usá-la. Se quiser que minha conversa com Marina avance, não tem mais remédio. — Sim. — Mas se Daniel é um dos advogados mais poderosos de Londres. — O que quer dizer com isso? - Pergunto-lhe, com uma sobrancelha

arqueada,

entendendo

perfeitamente

o

que

está

insinuando: que eu, uma garota praticamente abandonada no altar, e que acaba de começar a trabalhar como algo mais que uma estagiária em um escritório, aceite ser dominada é "normal", que isso aconteça a um homem forte e poderoso, não.

— Sinto muito, Amélia, não pretendia ofender você, - acrescenta ela, contrita e sinceramente. — É que, - levanta de novo as mãos, confusa. — Por quê? — Não sei, - confesso e não tenho mais jeito de conter um soluço. — Não sei. Começo a chorar. Aí é onde vai o problema. Não sei por que Daniel necessita que eu o possua. Não sei e isso está rasgando o meu coração, porque tenho medo de que seja pelo motivo equivocado. Aterroriza-me fazer-lhe mal e perdêlo para sempre. — Calma, calma! - Marina me abraça e me consola. — Tudo ficará bem, você irá ver, já, já. Separo-me dela nervosa e enxugo as lágrimas com as minhas mãos. Chorar não servirá de nada, prefiro escutar os conselhos da minha amiga, ou me desabafar com ela, antes de voltar para o hospital e me perder de novo nos olhos de Daniel. — Você não sabe, Marina. — Tem razão, mas sei de uma coisa. — Ah, sim? Qual? — Que você não vai se render. Está apaixonada pelo Daniel. Levanta um dedo e me faz calar antes que eu abra a boca. — Não, não negue. Você o quer e é por isso que está tão disposta a lutar por ele. — Se sabe tanto sobre o amor, por que você não luta pelo Rafferty? — Se pudesse, faria isso, acredite em mim, mas diferentemente de você, eu não tenho armas com que lutar. - Nega levemente com a cabeça e sei que deu o assunto por encerrado. — Veja bem, Daniel foi muito sincero com você. Eu não entendo nada sobre submissão, e

confiar tanto em outra pessoa me dá calafrios, é verdade, mas estou convencida de que deve ter sido muito difícil abrir-se para você dessa maneira. — Eu o rejeitei, Marina. – Puxo nervosamente o extremo do meu pulôver. — Rejeitei-o. Disse-lhe que não podia fazer isso e ele me expulsou do seu apartamento. Quando sofreu o acidente, havia semanas que não o via. — Talvez, mas não se esqueça de que continuava figurando na apólice de seguro dele. Apenas conheço Daniel, mas a julgar pelo que você me contou, se, de verdade, desejava expulsá-la da sua vida, teria tirado você disso. Não me parece que ele seja desses homens que fazem as coisas pela metade. Se não quisesse voltar a vê-la nunca mais, a teria tirado da apólice e a teria expulsado do escritório. E, entretanto, não fez nenhuma dessas duas coisas. Pense nisso. — Talvez não tenha tido tempo. — Não diga besteiras, Amélia. O que ele lhe disse quando despertou? – Olha-me como quando éramos pequenas e discutíamos por alguma tolice. — Ele expulsou você do quarto? Pediu ao pessoal da segurança do hospital que proibissem a sua entrada? — Não. — Viu? — Está distante e quando tentei falar sobre o assunto da nossa discussão, disse que não era o momento. — Deus, Amélia, ele acabou de despertar de um coma de uma semana! Esteve a ponto de morrer em um acidente! Não acha que deveria ser um pouco mais compreensiva? Ruborizo-me e abaixo a cabeça. Marina sempre foi brutalmente sincera comigo, por isso nos distanciamos quando eu me comprometi

com o Tom, porque ela não o suportava. Está claro que a minha amiga tem um sexto sentido para os canalhas, assim, me convém prestar atenção ao que diz. — Quero ser compreensiva. Eu sou, - corrijo-me. — Mas receio não fazer isso bem. E se eu estragar tudo, Marina? Você mesma disse isso antes, Daniel é um homem forte, decidido, que diabos eu sei a respeito do que ele precisa? Como vou ser capaz de fazer com que ele se entregue para mim do modo que ele disse? — Saberá. — Como? — Porque você quer, - diz-me sem mais. — Oh, vamos, Marina, este não é momento para frases sensíveis. Isto é sério. — Eu falo sério. Se você quiser, é certo que encontrará a maneira de ser tudo o que ele precisa. Deixe-se guiar por seu instinto. — Meu instinto? - Repito incrédula. — Meu instinto me diz que o abrace e que lhe pergunte o que tenho que fazer. Mas Daniel não quer isso, quer justamente o contrário. — Não sei o que dizer a você, Amélia, possivelmente está se preocupando muito. Talvez tenha que falar com ele e ver o que acontece. — Comprei vários livros para mim. — Livros? - Agora Marina está confusa. — Sim, sobre a dominação no sexo. Vários manuais e diferentes romances de ficção erótica.

— Ah, sim? - Minha amiga me sorri ao ver que tornei a ficar ruborizada. — E tudo bem? — Mal. Os manuais são frios e me dão arrepios na pele, há alguns aparelhos que parecem tirados de um filme de terror. Não me interprete mal, parece-me fantástico que haja gente que os use, mas não são para mim, nem para o Daniel. E os romances eróticos me pareceram divertidos, interessantes, sensuais inclusive, mas nenhum refletia o que sinto por ele. Nem o que vi nos seus olhos quando me pediu que o obrigasse a se entregar a mim. — Então aí está a sua resposta. O que está acontecendo entre vocês não se encaixa com nenhum manual porque é de verdade. Confie em você e nele, só assim saberá o que tem que fazer. Fico uns segundos pensando. Parece tão fácil... E tão difícil ao mesmo tempo. Só tenho uma chance e minhas únicas armas são os meus sentimentos e a confiança de que sou capaz de fazer Daniel feliz. De fazer com que ele se esqueça de todo esse passado que ainda não me contou e de lhe dar uma vida de verdade. — Tem razão, Marina. Tem razão! Levanto-me e dou-lhe um abraço e um beijo na sua bochecha, e saio apressada para o meu quarto. — Aonde você vai? - Pergunta-me do corredor e em sua voz detecto o sorriso que imagino em seus lábios. — Ao hospital, o doutor Jeffries não irá demorar a passar no quarto para comentar sobre os resultados dos exames e antes quero parar um segundo no apartamento do Daniel para buscar umas coisas. — Então o quê? Vai seguir adiante?

Levanto a vista e vejo que está apoiada no marco da porta, com os braços cruzados. — É obvio. Farei tudo o que for necessário, Daniel é meu. — De verdade não se incomoda? — O que? - Coloco o pijama dentro da bolsa e concentro toda a minha atenção de novo em Marina. — Pensar que ele a considera como sua propriedade? — Não sou propriedade dele, sou o centro da sua vida. É diferente. Você não gostaria disso? — De ser o centro da vida de um homem? - Fica pensativa. — Sim, acredito que sim, - responde, surpreendendo-se a si mesma. — Antes, quando me contou sobre o pedido de Daniel... — Sim? — Não quis insinuar que me parecesse ruim que se entregasse a ele. Nunca pensei que isso significasse que é fraca ou covarde. Pelo que você me contou, parece-me que das duas posições, você é a mais valente. — Sério? — Sério. Daniel tem que ser mais forte do que eu imagino, se está disposto a se entregar dessa maneira. E se teve coragem para fazer isso, é porque sabe que pode confiar em você, Amélia. — Obrigada, Marina. Significa muito para mim que tenha me dito isso. — Vamos, vá logo. Ligue para mim quando tiverem falado com o médico. Prometo ajudá-la com a mudança. — Não vá tão rápido, no momento não vou a nenhuma parte.

— No momento. Saio do apartamento de Marina muito mais decidida do que entrei. Certas frases não deixam de se repetir na minha cabeça e me dão ânimo, expulsando as minhas antigas dúvidas e inseguranças. Eu posso. Serei tudo o que Daniel precisa. Superaremos a nossa discussão, os nossos problemas e sairemos desta. Peço ao taxista que me espere, acabo de parar na frente da entrada do edifício de Daniel. O homem concorda e eu desço do táxi. O porteiro do luxuoso edifício sai ao meu encontro e me pergunta pelo Daniel. Reconforta-me saber que, aos olhos dos outros, nós somos um casal. É uma tolice, sei, mas me faz sentir bem. Se, é tão evidente, será mais difícil negar isso. Explico-lhe que recuperou a consciência e o homem me abraça inesperadamente. — Sinto muito, senhorita, - desculpa-se ao se afastar. — Espero que o senhor Bond se recupere logo. — Não se preocupe, - tranquilizo-o imediatamente. Daniel sabe ganhar o carinho e o respeito das pessoas que tem ao seu redor. — Eu lhe direi que você perguntou por ele. — Posso ajudá-la com alguma coisa, senhorita? — Chame-me de Amélia e não, só vou ao apartamento para buscar umas coisas. — Outro dia estiveram aqui uns senhores perguntando pelo senhor Bond. Meu sangue gela imediatamente. — Uns senhores? - Repito calma e dissimulo a minha preocupação. — Não lhes disse nada. Sei que o senhor Bond é muito cuidadoso com a sua intimidade.

— Eram jornalistas? Talvez não seja tão ruim quanto imaginava. Não seria a primeira vez que a imprensa se interessava pelo Daniel e, afinal, seu acidente teve muita repercussão pelo mistério que o rodeia. — Não acredito, senhorita Amélia. - O porteiro é da velha escola. — Se permitir dar a minha opinião, eles pareciam dois capangas. Usavam ternos escuros e gravatas, mas ambos tinham os pulsos tatuados e tinham outra tatuagem no pescoço. Expulsei-os do edifício e lhes disse que chamaria a polícia se voltassem a aparecer por aqui. — Fez você muito bem. Lembra-se de que dia foi isso? — Na quarta-feira passada, senhorita. Lamento não haver lhe dito isso antes, mas você não veio aqui e não tenho o seu número. — Tem um papel? Vou anotá-lo, - uma caderneta aparece diante dos meus olhos quase como mágica. Escrevo o número do meu celular e a devolvo. — Se voltarem, ou se acontecer algo incomum, o que for, ligue para mim. — É claro, senhorita. - Um carro para diante da entrada e lá dentro estão os proprietários de outro andar. — Não se preocupe. Se me desculpar... — Vá, vá. O porteiro se apressa a abrir a porta e eu entro no elevador. Quando chego ao apartamento de cobertura, respiro fundo antes de pôr um pé no corredor. Brinco com a chave que sustento entre os dedos e essas me tremem quando a deslizo na fechadura. Eu suspiro aliviada ao notar que elas servem. Por um instante temi que Daniel tivesse trocado.

O nó que tenho no estômago não se desfaz quando entro neste apartamento, cheio de lembranças. Tento não me entreter, mas meus olhos insistem em se deter em qualquer lugar carregado de significado. A janela da frente, àquela que Daniel me ensinou, pela primeira vez, o quão difícil era obedecer ao seu pedido mais simples: ficar quieta. O sofá onde estava sentado no dia em que lhe trouxe as madalenas de chocolate. A cama em que me vendou os olhos e fez amor comigo. O degrau onde se sentou naquela manhã, depois de me contar sobre a cicatriz que tinha na sobrancelha e que seu tio a tinha feito quando ele tinha dezessete anos. A cadeira da qual se levantou para me tirar a fita, no dia que lhe disse que não podia lhe dar o que queria. Na primeira noite que entrei neste apartamento o encontrei frio, carente da força que sempre emanava de Daniel. Hoje me parece vivo, cheio de sentimentos e os mais profundos desses são a tristeza e a dor. Tenho que sair daqui o quanto antes. Este lugar se impregnou da dor de Daniel, das noites que passamos aqui juntos que se perderam, desvanecidas para sempre. Não, nego-me a acreditar nisso e subo de novo a escada que conduz ao andar de cima. Arranco os lençóis da cama e, sem pensar nisso, atiro-os para um lado. Este quarto é o único lugar que compartilhei de verdade com Daniel, este e o da sua casa na Toscana, onde me amarrou de pé aos postes da cama. Isso agora não me basta, não me conformarei com isso. E ele tampouco. Daniel talvez não saiba, mas precisa de mim em todos os lugares, não só na cama, igualmente eu em relação a ele. Agacho-me para recolher os lençóis e, fazer algo tão doméstico como colocá-los na máquina de lavar roupa, faz com que fique animada. Colocarei outros limpos e comprarei flores. Marina tinha razão, penso com um sorriso, terá que me ajudar com a mudança.

Durante o trajeto para o hospital, faço planos, organizando mentalmente os passos que vou dar a partir de agora. A série de acontecimentos me parece absolutamente lógica. Primeiro, Daniel vai recuperar-se e a polícia irá descobrir quem está por trás desse horrível acidente. Depois, ele voltará para o escritório e eu seguirei com o meu trabalho no Mercer & Bond. Ganharei a confiança de Daniel aos poucos e ele terminará me contando sobre o seu passado. Viveremos o futuro juntos! Só falta a música de fundo. Oh, sei que teremos problemas, a paixão que sentimos um pelo outro é impossível de conter e de encaixar nos padrões habituais, mas ele irá me ensinar a lhe dar o que ele precisa. E quando estiver bem, voltará a me possuir, a fazer amor comigo com todos os seus sentidos, a dominar todas e cada uma das minhas reações com a sua voz tão rouca e o seu olhar penetrante. — Aqui estamos, senhorita. No Royal Hospital. A voz do taxista me arranca repentinamente da minha fantasia e ruborizo envergonhada. Como é possível que tenha estado pensando nos beijos e nas carícias de Daniel, quando ele ainda está deitado numa cama de hospital? — Senhorita, você está bem? — Sim, desculpe-me.

Apresso-me a lhe pagar e, carregada com a minha bolsa de viagem, desço do táxi. Digo-me que é normal que pense nos beijos de Daniel, que são tão únicos, que deixaram marcas na minha vida. Além disso, por mais elaborada que tenha sido a sua sedução e apesar de terem sido muito intensas as noites que compartilhamos, nada pode comparar-se à intimidade que tecem nossos beijos. É precisamente disso o que preciso agora: recuperar a intimidade com Daniel, estar novamente com ele em um lugar emocional em que ele se atreva a confessar de novo os seus desejos e eu me atreva a realiza-los. O meu celular vibra e o retiro do bolso da jaqueta. É uma mensagem da enfermeira do doutor Jeffries, confirmando que ele passará no quarto de Daniel dentro de meia hora. Cheguei bem a tempo! Giro pelo último corredor que conduz à ala onde ele se encontra internado e meus pés vacilam ao ver que o agente Miller está apoiado, negligentemente, na parede. Vê-lo não me agrada nada. Suponho que o doutor havia proibido o detetive Erkel e o seu colega de falar com Daniel. O meu sangue ferve e aperto o passo. A única coisa que evita que eu grite são os pacientes que se encontram nos outros quartos, e que não têm culpa da nossa tragédia particular. Miller levanta a vista e me vê, se afasta da parede e adota uma postura militar. Sabe que não vou parabenizá-lo pelo seu trabalho e está disposto a aguentar a pancada. Sustento o seu olhar e então compreendo que não vejo Erkel em nenhuma parte. Onde...? Nesse momento, a porta do quarto abre e aparece o detetive com uma expressão carrancuda. Em seguida a fecha de um modo parecido com a sua expressão.



Que diabos estão fazendo aqui?

-

Pergunto

a Erkel,

fulminando-o com o olhar. — O doutor Jeffries já lhe disse... — Boa tarde, senhorita Clark, também ficamos felizes em revê-la. — Não seja condescendente comigo, detetive. Prometi-lhe que lhe chamaria se acontecesse algo. Daniel precisa descansar. Se eu descobrir que por sua culpa... — Tranquilize-se. - Volta a me interromper, e ele levanta as mãos em sinal de rendição. — Só lhe fiz algumas perguntas sobre o carro que bateu nele. O senhor Bond está bem. — Como se atreveu a vir incomodá-lo? Apenas algumas horas atrás ele saiu do coma. - Continuo zangada. — Voltamos para hospital devido a outro assunto. Acredite ou não, nossas vidas não giram em torno deste caso, - acrescenta sarcástico. — Nos cruzamos com Rafferty Jones no elevador que nos comentou que o senhor Bond estava acordado e completamente recuperado. — E decidiram passar para cumprimenta-lo. — Exatamente, esse é o lema da polícia de Londres, as boas maneiras em primeiro lugar. — Se Daniel tiver uma recaída, me encarregarei de que me entreguem o seu distintivo numa bandeja! - Digo entre dentes, deixando perplexa até a mim mesma. Desde quando me atrevo a me levantar contra um detetive da polícia? — Espere um momento, senhorita Clark.

É óbvio que Erkel não gostou da minha ameaça, então jogo os ombros para trás, disposta a continuar com o enfrentamento verbal. Há horas venho querendo me descarregar em alguém e o detetive me parece o candidato perfeito. — Jasper! —O agente Miller coloca uma mão no antebraço de Erkel e este se detém completamente. — Estou convencido de que a senhorita Clark está nervosa pelo estado de saúde do seu prometido. Certamente pode compreendê-la, não é? O detetive desvia o olhar dos meus olhos para a mão do seu colega e muda radicalmente de atitude. A tensão que, até então, dominava seus ombros desaparece e ele dá um passo para trás. — Sim, é claro! O agente Miller aperta ligeiramente os dedos, que continua no antebraço do Erkel, e quase instantaneamente acrescenta: — Espero que me desculpe, senhorita Clark. Asseguro-lhe que o senhor Bond está bem. Eu o coloquei a par do que sabemos sobre o acidente e de nossas suspeitas. Assim como falei com você nesta manhã. Espero que, se acontecer algo mais, você ou o senhor Bond entrem em contato conosco imediatamente. Estou tão perplexa que demoro uns segundos para reagir. — Claro, detetive. O agente Miller o solta e ele volta para a parede.

— Temos que ir. - Diz Erkel. — Mesmo que não aconteça nada fora do normal, ligue para nós se recordarem de algo, por mais insignificante que lhes pareça. — Tenha um bom dia, senhorita Clark! - Despede-se o agente Miller ao passar ao meu lado. O detetive o segue e se limita a dizer adeus com um leve movimento de cabeça. Que homem estranho, passou de furioso a completamente calmo e só porque o agente Miller, um oficial de baixa patente e pelo menos vinte centímetros mais baixo que ele e menos musculoso, pediu isso! Talvez o tal Erkel tenha tendência a perder a calma e o seu colega o deteve antes que dissesse ou fizesse algo que pudesse lamentar mais tarde. Seja como for, não é importante. Abro a porta do quarto de Daniel e a primeira coisa que me chama a atenção é que Raff não está em nenhum lugar. — Onde está Raff? Daniel vira para mim e deixa de encarar a janela. Está pensativo e se mostra distante novamente. — Foi-se. — Como? Por quê? Supus que ficaria com você até que eu voltasse.

— E aqui está. Ele se foi só há meia hora. Estou num hospital, ligado a não sei quantas máquinas. Não quero ter babá nas vinte e quatro horas do dia. Recordo-me que Daniel acaba de despertar de um coma e que seu mau humor é mais do que justificado. Mesmo assim, reconheço que me custa morder a língua. — Encontrei-me com o detetive Erkel, - digo-lhe, numa tentativa de mudar o tom da conversa, enquanto me aproximo da cama. — Sim, passou para me cumprimentar. De onde sai tanto sarcasmo? Daniel levanta a mão que não está machucada para esfregar a testa e meu coração aperta. Ele tirou a fita! Engulo em seco, em busca da minha voz, e ele desvia o olhar para mim para crava-lo nos meus olhos. Sabe que eu vi, que me dei conta de que não a usa, e me desafia a enfrentá-lo. Sei o que está fazendo e não vou cair na sua armadilha. Quer discutir comigo, relembrar o nosso último encontro antes do acidente e provocar o que? Que o abandone? Que eu me vá daqui para sempre? Aperto os punhos até cravar as unhas nas palmas e me sento na poltrona de couro branco que está junto da cama. Não vou discutir com ele. Não vou discutir com ele. — Liguei para a Patrícia.

Tento que as sobrancelhas não me saiam da cabeça, mas receio que não consiga. — Ah, é mesmo? — Sim, queria que me colocasse a par dos assuntos do escritório. Não vou discutir com ele. O escritório está perfeitamente bem e ele sabe. Patrícia, apesar do meu ciúmes, é mais que capaz de dirigir aquele transatlântico sem se alterar e Daniel só esteve em coma por uma semana. Quando saí do hospital, supus que Raff e ele fariam as pazes e conversariam para relaxar, não que Daniel voltasse a se tornar o homem de aço e que seu amigo o deixaria nas mãos do detetive Erkel, para sair para resolver não sei qual assunto urgente! — Patrícia me disse que você não foi trabalhar desde... - Levanta as mãos para destacar-se a si mesmo. — Diga isso, desde que você sofreu o acidente. Vou discutir com ele. Tenho vontade de plantar a mão na cara do Daniel e este momento é tão bom como qualquer outro! — Boa tarde, senhor Bond, fico muito feliz que tenha começado a se recuperar. A saudação do doutor Jeffries, que entra radiante no quarto, com uma pasta na mão, interrompe-nos e estou tentada a agradecer-lhe.

Tenho o horrível pressentimento de que Daniel queria estar sozinho quando o médico chegasse. Que má sorte. — Como se sente, senhor Bond? — Como se tivesse sofrido um acidente de carro. Jeffries arqueia uma sobrancelha e o olha por cima dos papéis que está lendo. — A ressonância magnética do seu cérebro se vê livre de alterações e lesões. Não há nenhum coágulo e todos os índices estão dentro do normal, - nos explica. — Teremos que repeti-la dentro de uma semana e provavelmente iremos fazer uma, mensalmente, durante um ano, exceto se aparecer alguma complicação, eu diria que a sua cabeça está perfeita, senhor Bond. — Quando poderei sair daqui? Jeffries nem se altera, mas eu tenho que morder a minha língua para não dizer ao Daniel que ficou louco. — Não gosta de estar conosco, senhor Bond? Nesse instante gostaria de aplaudir o médico. — Não. — Entendo. - Volta a abrir a pasta, que tinha fechado segundos atrás, e lê um documento.

— A ferida do pulmão está seguindo seu

curso e, no momento, não podemos fazer nada mais pelo joelho e por

sua mão. Se ficar em casa com a ajuda necessária e for a um centro de reabilitação, não vejo nenhum inconveniente em lhe dar alta dentro de dois dias. — Um! — Isto não é uma negociação, senhor Bond. — Poderia sair daqui amanhã, - insiste ele. — Só tenho que assinar os papéis dizendo que eu assumo que faço isso sob a minha responsabilidade e nem você e nem ninguém poderá me deter! —Ele é sempre assim? - Pergunta-me o médico, olhando para mim exasperado. — Sempre! Embora quando sairmos daqui, deixarei claro para o Daniel o que penso sobre o seu comportamento. — Você tem razão, senhor Bond. Agora que está acordado, não podemos retê-lo contra a sua vontade. O hospital tem muito trabalho e nem a minha equipe e nem eu estamos dispostas a perder tempo. Olharei seu relatório e cuidarei da alta. Amanhã lhe trarei os resultados dos seus exames para que possa ir ao centro de reabilitação. Faça isso ou ficará coxo por toda a vida e não recuperará a mobilidade da sua mão. — Não se preocupe, doutor, eu me encarregarei pessoalmente de que não falte a nenhum compromisso. Irá a reabilitação.

- Afirmo,

olhando nos olhos de Daniel. — E irá a todas as revisões que você julgar necessárias.

O homem me olha e o seu alívio é mais que evidente. — Voltarei amanhã pela manhã. - Fecha de novo a pasta e olha para o Daniel por um segundo. — Tem que levar tudo isto mais a sério, senhor Bond. Esteve a ponto de morrer! Ele assente levemente e acredito que vi engolindo em seco, mas não tenho certeza. — Eu sei, doutor. Jeffries o olha confuso e ao final suspira e se separa da cama para se despedir de mim. — Até manhã, senhorita Clark. Você também deveria descansar. Baixa a voz e acrescenta: — Receio que uns dias muito difíceis esperam por você! — Obrigada, doutor. Até amanhã. Jeffries me sorri e sai do quarto sacudindo a cabeça. É certo que se pudesse, sacudiria Daniel até fazê-lo recobrar a razão. Espero o médico fechar a porta antes de me pôr em pé e me aproximar da bolsa que deixei ao entrar. Preciso me acalmar um pouco antes de falar com Daniel, e colocar a roupa no diminuto armário do quarto me ajudará a conseguir isso. Mas ao que parece, ele não está disposto a me permitir isso. — O que está fazendo?

— Guardando a roupa que trouxe. Se formos amanhã não nos fará falta, mas não quero que amasse na mala. Teremos que cortar o seu jeans, do contrário, será impossível que possa usá-lo com esse gesso. Entro no banheiro e deixo a nécessaire. Fico ali uns segundos e tento acalmar os batimentos do meu coração. Quando saio, Daniel levantou um pouco mais na cama e está praticamente sentado. Tem a cabeça inclinada e o olhar fixo em algo que está entre seus dedos. A fita. Fico com um nó na garganta que ameaça me sufocar e tenho que respirar várias vezes para afrouxá-lo. Não posso fingir que não vi ou que não sei o que significa. Há semanas venho dizendo a mim mesma que sou capaz de ser a mulher que ele precisa. Foi esta convicção que me permitiu seguir adiante, sem desmoronar. Daniel me quer. Mas e se não for assim? E se não me quiser mais? Qual é o Daniel de verdade, o que me pediu que o atasse e o possuísse ou o que acaba de tirar a fita que o marcava como meu e que praticamente evita o meu olhar? Tenho que saber, tenho que encontrar algo em seus olhos, em sua voz, que me ajude a distinguir o autêntico do falso. Seu beijo. Levo os meus dedos aos lábios ao recordar a carícia do seu fôlego, o tremor da sua boca, o sabor da sua língua. O beijo de antes era o beijo de um homem que precisa de mim, não o de um que quer me tirar do seu lado. Decidida, dirijo-me até ele e me sento de novo na cama, justamente ao lado da mão em que segura a fita. — Tirou isso sem a minha permissão.

— Tirou isso sem a minha permissão. — Repito, quando ele crava seus olhos nos meus. — Colocou em mim sem a minha! — Não precisava. Necessitava dela. Ainda não sei de onde tirei forças para lhe dizer isto, mas é como se dentro de mim soubesse exatamente o que tenho que fazer e o que tenho que dizer para ficar com Daniel, como se uma bússola invisível me guiasse. — Antes, quando disse que me precipitei, não me referia só a nossa última discussão. Nem ele nem eu tínhamos nos esquecido de minha última afirmação. Mas se Daniel soubesse que necessitava da fita, que continuava necessitando, por que a tirou? — Dê-me isso! - Colocando a palma da minha mão para cima. — Vou colocá-la em você novamente. — Não. O meu coração está batendo com tanta força, que provavelmente terei uma contusão no peito quando me despir. E o meu estômago não sei onde foi parar. Abaixo a minha mão, sem deixar de olhá-lo nos olhos, e luto para não desmoronar.

— Acha que assim está me punindo? - Pergunto-lhe, mas volto a falar antes que ele possa me responder. — Será que sou eu que precisa ver a fita no seu pulso para saber que você pertence a mim? - Seus olhos brilham e solta à respiração. — Você está errado, é você quem precisa dela e agora não vou voltar a colocá-la até que me peça. Daniel engole em seco e seus dedos apertam o couro. Por um receio de haver excedido, mas o lençol do hospital não consegue ocultar que começou a excitar-se e sigo adiante. —

Dê-me!

-

Repito

isso

com

voz

firme

e

ele

deposita

imediatamente a fita na minha palma da mão. Fecho os dedos e a apanho. — Está cometendo um engano, Daniel. Sabe tão bem quanto eu, talvez até mais. Você guardou esta fita, não eu. Você a usava ao redor do seu celular como se não pudesse se desfazer dela, não eu. Inclino-me para ele e me aproximo até ficar a poucos centímetros do seu rosto. — Coloquei isso em você porque você precisava dela, da próxima vez, terá que conquistá-la. Afasto-me justamente no instante em que ele umedece o lábio inferior. Eu gostaria muito de beijá-lo, mas a minha ameaça perderia toda a sua força se eu fizesse isso. E agora mesmo Daniel não necessita dos meus beijos. — Expulsei você do meu apartamento. Disse-me que não podia fazer o que lhe pedia. - Diz entre dentes. — Estava errada. Igual a você agora. Reconheça isso e terminemos com esta discussão de uma vez. Ele fica pensativo por um instante, logo aperta a mandíbula e sei que não vou gostar da sua próxima frase.

—Não. Nosso relacionamento acabou. Eu não deveria ter pedido nada a você, muito menos algo tão ridículo. - Assegura e, embora me olhe nos olhos, afasta os seus durante um instante. É muito breve, se não tivesse estado tão concentrada olhando-o, provavelmente teria perdido, mas me basta para saber que está mentindo. — Eu acho que me empolguei. - Outra mentira. — A verdade é que agora mesmo não voltaria a lhe pedir isso. Claro que quando me recuperar se quiser vir ao meu apartamento e desejar que amarre você à cama, estarei mais do que disposto. — Para! - Ordeno-lhe e ele obedece. — Zombe uma vez mais sobre o que aconteceu entre nós e sairei daqui para sempre! - Guardo a fita no bolso da minha calça e me levanto lentamente. — Não se atreva a menosprezar o que ambos sentimos quando me entreguei a você.

-

Acrescento, colocando as minhas mãos de ambos os lados da cabeça dele. — Não se atreva ou eu vou puni-lo! O torso do Daniel sobe e desce devagar um par de vezes. — Suas tentativas desajeitadas para parecer uma mulher dominante são patéticas! — Ah, é mesmo? Pois a julgar pela sua virilha ninguém diria isso, Querido! — Isso não significa nada, - desafia-me. — Então tampouco significará nada que lhe diga, que não pode se tocar sem a minha permissão, que esta ereção, bem como o resto do seu corpo, pertence a mim. - O olho nos olhos e descubro suas pupilas completamente dilatadas. — Não, tem razão, não significa nada. Estou disposta a ficar com a fita e a esquecer esta conversa, mas não tolerarei

que finja que o nosso relacionamento não é importante, ou que o reduza a um mero jogo sexual. - Levanto a mão direita e o seguro na mandíbula. — Entendido? Ele aperta os dentes e me fulmina com o olhar, entretanto, não tenta soltar-se e assente levemente. Tem a respiração tão entrecortada que é como se tremesse e neste instante recordo uma frase que me disse na noite em que discutimos. «Quero que me faça seu, quero ser capaz de me entregar a você como você se entregou a mim. E necessito da sua ajuda para conseguir isso.» Daniel é um homem forte, dominante por natureza e, não obstante, em seu mais profundo interior sabe que o que necessitava de verdade é se render. É mais complexo do que ele mesmo acha, por um lado precisa ter o controle e por outro precisa perdê-lo por completo. O brilho de seus olhos negros adquire agora um novo sentido para mim. O modo como aperta os dentes, como se tivesse com vontade de gritar comigo e de me expulsar daqui, também. Como a sua respiração entrecortada e a sua ereção, cada vez mais evidente sob os lençóis. Daniel está confuso. E precisa de mim, provavelmente quase tanto quanto eu preciso dele. — Tenho que fazer isso bem, - digo a mim mesma. — Tenho que lhe demonstrar que o entendo e que posso cuidar dele talvez até melhor que ele mesmo.

Daniel me ensinou que nada é proibido entre duas pessoas que se amam e se desejam como nós, agora é a minha vez de lhe ensinar que o amor que nasce dessa paixão e desse desejo é para sempre. E que esse amor pode enfrentar qualquer obstáculo. — Diga-me o que Erkel lhe disse. - Peço-lhe, sem lhe soltar ainda o queixo. Ele tenta afastar o rosto e para impedi-lo basta que eu aperte ligeiramente os meus dedos. — Diga-me isso e eu deixarei que me dê um beijo. Daniel me encara com o olhar e as suas veias do pescoço pulam. Não posso estar errada, por favor. — Ele me disse o mesmo que você: que encontraram evidências que confirmam que o computador do Jaguar foi manipulado por algum membro da organização de Vzalo. E também que têm uma testemunha que viu um SUV preto me jogar da estrada. Solto o queixo dele e o torso de Daniel sobe, ao inspirar profundamente. Afasto-me um pouco, mas fico sentada na cama, no mesmo lugar de antes. — Conhece o Vzalo? — Não pessoalmente. Sei que seus negócios incluem tanto investimentos legais como outros que nem tanto. E sei que é tão capitalista quanto perigoso. Se de verdade for ele quem está por trás do meu acidente, não desistirá. Voltará a tentar. Respondeu esta pergunta sem me olhar nos olhos, mas no último instante os desviou para mim por um segundo.

Está me protegendo. Meu coração relaxa um pouco ao comprovar que parte da sua atitude se deve ao fato de estar preocupado comigo. Teria que lhe dizer que não precisa, que sei me cuidar e que é impossível que Vzalo saiba sequer que existo, mas não o faço. Daniel não está disposto a me escutar, e se aprendi algo com este homem é escolher as minhas batalhas. E agora mesmo, o mais importante é lhe recordar que pertencemos um ao outro, com a fita ou sem ela. — Por que acha que Vzalo está atrás de você? Suspira antes de responder. Por fim entendeu que não vou deixar que ele me evite. — Não estou certo. Recentemente descobri que Vzalo e meu tio têm interesses comuns, por assim dizer. Suponho que se inteirou de que estava farejando e não achou nenhuma graça. — Acha que seu tio está ciente de tudo isto? — Não sei. - Fecha os olhos. — Provavelmente. — Você contou isso para Erkel? Daniel abre os olhos. — Não. — Por que não? — Minha relação com o meu tio é complicada. Quero comprovar umas coisas antes de falar com a polícia. — E antes de falar comigo?

— Agora não, Amélia. - Engole em seco e me olha. — Por favor! Pelo brilho dos seus olhos, pela força que desprende esse «por favor» me revelam que sabe que eu poderia lhe ordenar que me contasse isso. E que ele obedeceria. Tirou a fita, tentou me expulsar do seu lado e sei, sem dúvida nenhuma, que tentará manter a distância por todos os meios. E, entretanto, pertence a mim. Jamais me senti tão honrada como agora. Daniel merece alguém muito melhor que eu, uma mulher que não seja tão torpe e que tenha mais experiência. «Não, Amélia, Daniel merece uma mulher que o ame.» E nenhuma o ama ou o amará quanto eu. — Está bem. Assente e volta a afastar a vista. — Patrícia me disse que o divórcio dos Howell continua vivo. Muda de assunto. — Rufus tornou a aparecer no escritório? — Não, acredito que não. Martha teria me dito isso. Martha é a minha melhor amiga dentro do escritório. Sinto-me muito afortunada de ter feito uma amizade assim no trabalho. — Tem que voltar para o escritório, Amélia. Não pode passar o dia cuidando de mim. — Posso, mas tem razão, tenho que voltar para o trabalho. Concedo-lhe essa pequena vitória. — Patrícia me disse que tirasse todo o tempo que necessitasse, mas não quero abusar. Não me parece certo, depois de tudo o que tem feito por mim. - Patrícia Mercer não só me deu

a minha primeira oportunidade na cidade, mas também impediu que fosse embora quando Daniel e eu rompemos. — Irei perguntar a ela se posso trabalhar em casa e quando você estiver melhor, voltarei fisicamente para o escritório. — Pode voltar amanhã mesmo. Não preciso de você nas vinte e quatro horas. Levanto uma sobrancelha e vejo que ele volta a me olhar. Começo a acreditar que Daniel diz essas coisas de propósito para me provocar. Interessante. — Howell recorreu da sentença do divórcio. - Explico para ele, ignorando a sua provocação. — Ao que parece, a partilha de bens lhe parece injusta. David e Martha disseram que a ex - senhora Howell não tem com o que se preocupar, mas esse homem me dá arrepios. — Ligarei para o Rufus Howell assim que sair daqui. Deixarei claro que não quero que volte a se aproximar de você. A veia autoritária de Daniel aflora às vezes, mas tenho a sensação de que nesse sentido, e no que se refere a minha proteção, nunca cederá e sempre estará no comando. Ficamos em silêncio por uns segundos, ele está pensando, sei porque não deixa de franzir o cenho e de apertar e afrouxar os dedos da mão que não está quebrada. — Deve descansar. - Digo para ele. — Você também, por que não vai dormir na sua casa?

— Realmente, você ousa me dizer isso, depois da conversa que tivemos faz apenas uns minutos? — Precisa descansar. - Insiste, enfrentando o meu olhar. — E eu não necessito... — Não termine essa frase, Daniel. Advirto-lhe isso. Ponho-me em pé e pego o meu casaco e a minha bolsa. Ponho o primeiro e penduro a segunda no ombro. — Vou à cafeteria pegar uma garrafa de água. Não sei se demorarei uma hora ou dez minutos. Realmente, - aproximo-me dele, — não sei se voltarei. Talvez vá para casa dormir. Ou talvez passe a noite sentada em uma cadeira na sala de espera. Mas depende de mim, Daniel, não de você. Eu decido o que é que você necessita e o que eu vou lhe dar. E agora mesmo não sei se merece a minha companhia. Ele engole em seco e estremece ligeiramente o lábio inferior. — Disseme que não lhe bastava que eu quisesse você, que queria que eu o possuísse. Disse-me que queria ser todo meu, seu corpo, sua mente, sua alma. Tudo. Coloque na sua cabeça, que você me pertence, e não insista em se comportar como um homem médio ou normal. Esse não é você, Daniel. Você é o homem que me amarrou a uma cama e usou um chicote na minha pele que se encarregava por nós. Esse sim é você, Daniel, não se esqueça. E nunca mais diga que não precisa de mim. Seus olhos brilham e fico assustada por pensar que podem ser lágrimas. Não posso ceder, é muito importante. — Eu vou dar um tempo para você. Todo o tempo que você precisar, mas não irei a nenhuma parte e não vou deixar que continue nos repudiando. Feche os olhos e durma. - Ele os fecha, e fico sem

fôlego ao comprovar o efeito que as minhas palavras causam nele. — Amanhã estarei aqui para levar você para casa. Viro-me e me dirijo até a porta, sua voz me detém quando meus dedos já tocam o trinco. — Amélia! — Sim? - Não olho para ele, tenho medo de ver lágrimas nos seus olhos. — Disse-me que se contasse para você o que Erkel havia me dito, deixaria que eu a beijasse. Oh, Meu Deus! Daniel nunca saberá a vontade que tenho de me virar e fazer isso. De me deitar na cama ao seu lado e dormir abraçada a ele. Mas a bússola no meu interior me diz que isso não é o que eu tenho que fazer agora. Suspiro e apoio a testa na porta. — Isso foi antes que voltasse a me dizer que não precisava de mim. — Você me prometeu! — Não. — Se você não cumpre as suas promessas, como poderei confiar em você? — Se tivesse prometido isso, cumpriria. Não tente me manipular, Daniel. Feche os olhos e durma. Depois do que disse antes, não merece me beijar.

Ouço a sua respiração no meio do silêncio do quarto e tenho que apertar as mãos para conter a vontade de correr para ele e beijá-lo. Sei que isto é necessário, mas me dói muitíssimo atuar assim com ele. — Acha que merece me beijar? - Pergunto-lhe, incapaz de ficar calada por um segundo mais. Eu

nunca

me

comportei

assim

com

ninguém,

estou

completamente no escuro, meu instinto é o meu único guia. E Daniel foi o único professor que tive. Passam os segundos. Parecem eternos. — Não, não mereço. - Diz ele com a voz rouca. — Boa

noite,

Amélia. Quando voltar, se voltar, - se corrige depois de pigarrear, — estarei dormindo. Saio dali antes de começar a chorar. Oh, Deus, Daniel é realmente meu!

Tal como disse ao Daniel, desço à cafeteria para pegar uma garrafa de água. Por sorte, para mim, há uma máquina de venda e não tenho que pedi-la no balcão. Não me sinto capaz de falar com ninguém e seguro que se alguém me vir de perto, dar-se-á conta de que tenho os olhos cheios de lágrimas e que não deixo de tremer a mandíbula. Sento a uma mesa perto da janela e bebo um pouco para ver se consigo me acalmar. É um autêntico desastre. Mais da metade da garrafinha de água termina em cima da mesa e de minhas calças. Minhas mãos tremem tanto que fica impossível rosquear a maldita tampa e ao final o desisto. Acerto o desastre o melhor que posso e quando acredito que já o tenho mais ou menos sob controle, escondo a cara entre as mãos. Como diabos vou poder satisfazer ao Daniel se for incapaz de beber uma garrafa de água sem jogar a metade em cima de mim? Doem-me os dedos de quão forte os aperto, e o nó que sinto no estômago não afrouxou nem um centímetro. Noto uma opressão no peito que ameaça me afogar, e só o que quero é voltar para o quarto e me jogar nos braços de Daniel. Nunca tive um ataque de pânico, mas estou convencida de que é muito similar ao que estou sentindo agora. Tenho que pensar em outra coisa. Tenho que pensar em outra coisa.

No que? Daniel ocupa toda minha mente. Ele é o centro de minha vida. «E por isso vai ficar aqui e deixar que ele durma, tal como lhe disse que fizesse. Daniel necessita que tome o controle de suas decisões, de suas reações. E isso é exatamente o que está fazendo agora.» Tem certo sentido, mas e se for apenas uma estupidez? E se ao final resultar que tudo isto de tomar o controle é só um montão de tolices e que Daniel quer é que o abrace e o ajude a recuperar-se? Não, talvez se agora subo ao quarto e o abraço, ele me beije e estejamos bem durante um tempo. Mas depois, nenhum dos dois seríamos felizes. Daniel me deixaria, porque, embora não esteja disposto a voltar a reconhecê-lo em voz alta, necessita que o possua, que o domine por completo. E eu preciso dominá-lo. Oh, meu Deus, como é possível que não me tenha dado conta antes? Tiro as mãos do rosto e digo para enfrentar de novo à provação de beber um pouco de água. Desta vez consigo não me molhar. De todos os modos, coloco a mão no bolso em busca de um lenço e meus dedos se topam com a fita. Pego e fico olhando. Terá doído tirar a fita, me doeu quando ele me arrebatou isso, no dia que me jogou de seu apartamento. Aproximo-a do rosto e inalo profundamente em busca do aroma de sua pele. Não sei se estive presente ou se estou imaginando isso, mas me impregno dele e deixo que se deslize pelas fossas nasais para meu interior. A enredo entre

meus dedos e lembrança do dia em que Daniel me contou o que significa esta classe de fitas para algumas pessoas que praticam bondage. A pessoa dominante do casal entrega uma fita como sinal de que esta lhe pertence totalmente. Normalmente se leva ao redor do pescoço e é muito mais larga que a nossa, similar a um colar. Trata-se, explicou-me Daniel, de marcar uma pessoa como propriedade da outra e de que todo mundo saiba que são um casal e que se pertencem. Para muitos é um vínculo mais forte que o matrimônio, mais sagrado. Para outros, os que só recorrem a estas práticas sexuais como um jogo, trata-se de uma peça mais de fetichismo. Para mim e para o Daniel, esta fita simbolizava nossa relação. Noto que me escorrega uma lágrima pela bochecha e a seco furiosa. Ele tirou a fita porque está doído e porque quer me proteger. Os dois sentimentos são profundamente contraditórios e, entretanto, explicam à perfeição o que sente Daniel. Está magoado porque eu lhe disse que não queria lhe fazer feliz, porque me neguei a escutá-lo e a entender o que me estava pedindo. Porque neguei a ambos e menosprezei o que sentíamos o um pelo outro. Deus, nessa horrível noite, inclusive cometi a estupidez de dizer que queria que algum dia nossa relação fosse «normal». Normal, miúda tolice, como se algum dos dois estivesse disposto a conformar-se com isso. Por muito que me doa, agora sei perfeitamente que meu rechaço, minha negativa e minha covardia são os motivos principais para que Daniel tirasse a fita. O outro motivo, evitar que o tal Vzalo me relacione

com ele, é muito romântico, mas não consegue compensar o dano que me causa o primeiro. O pior de tudo é que eu sei que é minha culpa. Por isso vou demonstrar lhe que se equivoca, que fez bem em me pedir que o possuísse, que adivinhou minhas necessidades inclusive antes de que eu mesma as entendesse. E quanto ao Vzalo, se Daniel quer me proteger, então eu também tenho direito a protegê-lo, não? Esperarei que me conte o que aconteceu com seu tio, mas enquanto isso investigarei por minha conta. Não me graduei na primeira de minha promoção por minha cara bonita (que não é tanto), tudo, as transações, legais ou ilegais, deixam um rastro e se algo que me dou bem é procurar um papel em uma biblioteca. Além disso, o detetive Erkel me disse que podia contar com ele, assim quando encontrar uma pista, por pequena ou ridícula que seja, o chamarei imediatamente. De

repente

me

lembro

dos

dois

homens

que

foram

ao

apartamento do Daniel. Merda, como diabos me esqueci que comentar-lhe quando o vi antes? Merda. Merda. Levanto-me e saio correndo da cafeteria. Procuro o celular na bolsa e o cartão que Erkel me deu esta manhã na consulta do doutor Jeffries. Esta manhã? Tenho a sensação de que aconteceram vários meses de tão intenso como está sendo o dia. Encontro o cartão, é um milagre que com tudo o que me aconteceu não o tenha perdido, mas acabou a bateria do meu celular. Nem rastro de luz na tela. Ainda há telefones públicos? Estou em um hospital, tem que haver um. No quarto de Daniel há um telefone, mas não quero chamar

dali. Se está dormido, não quero despertá-lo. E se não o está, digamos que ainda não estou preparada para voltar a falar com ele. Encaminho-me para a entrada do hospital e olho o cartão. Doulhe a volta e descubro surpreendida que na parte posterior o detetive Erkel anotou o seu endereço pessoal. Sei onde é nessa rua, a menos de cinco minutos do hospital. Olho o relógio que há no vestíbulo, faz anos que não vejo e o do celular, logicamente, não está disponível. Dez e meia. Tão tarde? Sim, é muito tarde para me apresentar na casa de um desconhecido, mas como o detetive já me considera uma louca, não tenho nada a perder. E o único que me preocupa é Daniel e que esses homens não voltem a rondar por seu apartamento. Fechei o casaco até o pescoço, penduro a bolsa no ombro e saio à rua. Percorro o par de esquinas sem deixar de pensar no que vou dizer ao Erkel. Primeiro lhe contarei dos dois homens que foram bisbilhotar o prédio do Daniel e depois lhe pedirei que, por favor, não volte a falar com ele a sós. Tenho medo de que Daniel tente me manter à margem para me proteger. Também lhe direi que tenho intenção de investigar os negócios legais do Vzalo e de Jeffrey Bond e que lhe comunicarei algo que descubra. Por último, despedir-me-ei e lhe agradecerei por sua compreensão e por sua ajuda e suponho que não iria mal que me desculpasse por ter estado tão na defensiva nas duas vezes que falei com ele. Sim, é um bom plano. Assim seguro que o detetive me verá como uma advogada séria e profissional e não como a namorada louca e desesperada de Daniel.

Mas para variar, nada vai segundo o previsto. Detenho-me frente à casa e comprovo várias vezes a direção que tem anotada no reverso do cartão. Sim, não me equivoquei, estou onde tenho que estar. O problema é que esta entrada com vasos de cores e caixa de correio de metal não encaixa para nada com o detetive Jasper Erkel. É impossível que esse homem rude com aspecto de boxeador aposentado viva nesta casa. Se não tocar a campainha, nunca saberei. Abro a pequena grade de metal negro e subo os três degraus que me separam da porta. Respiro fundo e aperto o botão. Se me abre uma anciã com uma bata de flores, inventarei uma desculpa e me desculparei por incomodá-la a estas horas. — Senhorita Clark, que surpresa! - Exclama o agente Miller. Ele está surpreso? Eu acredito que terei que me agachar para recolher meu queixo do chão. — Agente Miller? - Pergunto como uma idiota, sem poder deixar de lhe olhar os peitorais. É culpa dele, que abriu a porta em jeans e sem camiseta. — Me chame de Nathan, senhorita Clark. Quer entrar? — Sim, obrigado, Nathan. - Para isso vim aqui, não? Embora agora tenho a sensação de ter entrado em um capítulo da dimensão desconhecida. — E você me chame de Amélia. — De acordo, Amélia. Sente-se no sofá, irei vestir-me e a avisar A...

— Por que diabos demora tanto, Nate? O detetive Erkel aparece pelo corredor, também vestido só com jeans. Oh, meu Deus, a terra me trague. — Amélia veio a falar contigo, Jasper – explica-lhe o agente Miller, Nathan, ao detetive Erkel, Jasper. Meus olhos vão como loucos de um ao outro até que se detêm na fita de couro que rodeia o pescoço de Jasper Erkel. Não posso apartá-los. Por mais que tente ir embora, para falar a verdade, não sei se o tento muito, não posso deixar de olhar essa fita. Não é um colar surfista, nem nenhum símbolo hippy ou do zodíaco. É uma singela fita de couro negro de uns três centímetros de largura, apertada ao redor do pescoço do detetive. Não tem nenhum nó, nem nenhum mecanismo de fechamento, é como se a tivessem costurado ao colocar. A pessoa que a colocou preocupou-se de que ficasse fixa na base do pescoço, para que não ficasse evidente por cima da camisa, mas ao mesmo tempo, é bastante larga para que resulte impossível ocultá-la por completo. A pessoa que fez isso está em frente a mim: Miller, um menino mais jovem que Erkel, e de cargo inferior na polícia. E menos forte. Entretanto, a fita deixa claro, ao menos ante aos meus olhos, que Nathan Miller possui o controle sobre Jasper Erkel. Trago a saliva. Erkel também. Sei o que significa o que estou vendo. Sei com a mesma certeza que sei meu nome. E o detetive sabe que sei. E não se envergonha.

Por que teria que fazê-lo? Pergunto-me imediatamente. Significa que eu me envergonho de pertencer ao Daniel? Não, é obvio que não. Lamento profundamente ter pensado isso de Jasper. Eu não tenho do que me envergonhar e Jasper Erkel tampouco. Aparto a vista da fita e a detenho um segundo nos olhos do detetive antes de olhar também para Miller. — Sinto muito me haver apresentado aqui sem avisar. Será melhor que eu vá, e que vá amanhã à delegacia de polícia., - digo nervosa. — Não, não se preocupe, Amélia. - Miller me assinala de novo o sofá que antes me convidou a me sentar e logo se volta para o Erkel. — Vá se vestir, eu farei companhia à senhorita Clark. O outro lhe sustenta o olhar uns segundos e logo gira sobre seu calcanhar para subir a escada que presumo conduz ao seu dormitório. Apenas meio minuto depois, reaparece vestido com uma camiseta e com outra na mão para o Miller. — Toma. - A lança pelo ar. — Obrigado, Jasper. O jovem agente passa o objeto pela cabeça e eu observo fascinada como o arisco Jasper Erkel sorri e se ruboriza ao receber o agradecimento de seu parceiro. Igual a Daniel. Eles dois se sentam no sofá que há na frente ao que ocupo e nesse preciso instante suas posturas trocam radicalmente e se faz

evidente que Erkel é o detetive com experiência e Miller, seu subordinado. — Aconteceu algo, Amélia? - Pergunta-me Erkel, alheio a minha confusão. Tenho tantas perguntas, estou tão aturdida por tudo, que acredito que meu cérebro vá estalar. «Concentre-se, Amélia. Tem que se concentrar.» — Sim, — respondo, depois de tragar saliva. Não posso deixar de olhar a fita e o rosto de ambos os homens. Faz uns minutos, Nathan Miller desprendia poder e autoridade e, entretanto, agora parece quase um novato da polícia. E Erkel justo o contrário. — O senhor Bond recordou algo sobre o acidente? - sugere este, ao ver que me fiquei calada. — Não, o sinto muito, - me desculpo, ruborizada. — Daniel não me disse nada que não lhes tenha dito quando foram vê-lo. - Esclareçome garganta. — Lamento ter estado tão agressiva quando o vi sair do quarto do hospital. Agora que o vi sem camiseta e que conheço um detalhe tão íntimo a respeito de sua pessoa, resulta-me impossível trata-lo de você. — Não passa nada. É compreensível, - fica em silêncio e vejo que desliza uma mão para trás para entrelaçar brevemente os dedos com os do outro homem. — Se acontecesse algo assim com Nate, acredito que me voltaria louco.

— Esta tarde fui ao apartamento do Daniel para procurar umas quantas coisas. - Tento reconduzir a conversação para o motivo de minha visita. — O apartamento de Chelsea? — Sim, - confirmo, antes de continuá-lo. — O porteiro do edifício me disse que faz uns dias, dois homens foram perguntar pelo Daniel. — Que homens? O que queriam? - Erkel tira um caderno do bolso traseiro de suas calças e um lápis. — Não sei, mas o porteiro me disse que levavam traje escuro, que ambos tinham tatuagens nos pulsos e um deles também no pescoço. Jogou-os do edifício e os ameaçou de chamar à polícia. — Chegou a fazer essa chamada? — Não, temo que não. — Bom, obrigado por nos contar isso. Amanhã mesmo iremos visitar porteiro com um de nossos desenhistas, para ver se podemos obter um esboço. E enquanto isso poremos a um carro patrulha vigiando o edifício, se por acaso voltam a aparecer por ali. — Obrigada. — Não me agradeça, é nosso trabalho. — Acredito que agora sim deveria ir. É tarde e não quero que Daniel passe a noite sozinho. - Ponho-me em pé e eles dois fazem o

mesmo. — Obrigada por terem me recebido a estas horas, não sei como me ocorreu vir a lhes incomodar tão tarde. — Está preocupada com o Daniel. - Me diz Miller. — E acho que se não fizer algo para tentar ajudá-lo vai ficar louca. Precisa protegê-lo e quando se deu conta de que tinha esquecido de contar ao Erkel algo que podia ser importante, veio para dizer-lhe sem se importar que hora era. — Exato. - Respondo, olhando-o confusa. Nathan mete as mãos nos bolsos e me sorri. — Eu teria feito o mesmo. Bom, eu o mais provável é que tivesse ido procurar a esses dois tipos diretamente, mas você fez o correto. — Quando voltar ao escritório, procurarei toda a informação que encontre a respeito do Jeffrey Bond. - Eu lhes digo, contando parte de meu plano. — Tome cuidado, Amélia. - Agora é Erkel que me fala. — Algo me diz que Jeffrey Bond não é trigo limpo. — Tomarei. Aproximamo-nos da porta. — Por que não acompanha a Amélia ao hospital, Jasper? - sugere Miller. — É obvio. - diz o outro homem, antes que eu possa me negar. — Não há necessidade. - lhes digo.

— Nós dois estaremos mais tranquilos se ele a acompanhar. - Me explica Miller com tom firme e descubro que me resulta impossível voltar a me queixar. — De acordo. Jasper desprendeu uma jaqueta do cabide e a está fechando. — Trata de descansar, Amélia. - Me diz Miller, antes de dirigir-se ao Jasper. — Esperarei acordado. Tome cuidado. Não lhe dá um beijo, mas levanta a mão e lhe acaricia brevemente a bochecha. Jasper fecha os olhos como se o gesto lhe acariciasse o coração e inclina a bochecha para a palma do outro homem. Eu aparto a vista, porque me parece uma das cenas mais íntimas e românticas que eu já presenciei. Ouço os passos do Miller afastando-se pela escada e o ruído da porta ao abrir-se. — Vamos? Jasper Erkel me estende o braço e eu o aceito. Essa noite já não pode ser mais estranha. Caminhamos em silencio durante uns metros. Não muitos. O Royal Hospital está muito perto e eu tenho um monte de perguntas. Não sei por qual começar. Não sei com qual me atrever primeiro. Este homem está investigando o acidente do Daniel e não quero dizer nada que possa incomodá-lo.

— O que quer saber? —A voz do Erkel me surpreende com uma mescla de ternura e bom humor que até agora não tinha detectado nela. — Pergunte-me o que queira. — Não quero parecer fofoqueira. E por nada do mundo quereria lhe ofender. Jasper ri e eu não posso evitar de sorrir. — Não acredito que nada do que me diga vá ofender-me. - Fica sério e se detém em meio da calçada. — Vi a fita que levava Daniel no pulso. Eu assento, em realidade não sei o que outra coisa fazer, e espero que continue. — E também vi que começava a tirar-lhe assim que me fui do quarto. Eu teria feito o mesmo. — Por quê? Talvez ele me ajude a entendê-lo. — Porque preferiria morrer antes que pôr ao Nate em perigo. Retoma a marcha e me aperta do braço para que o siga. -Não me permitiria isso. — Eu não sei como impedir Daniel. Erkel volta a deter-se e me olha

confuso. Arqueia uma

sobrancelha antes de formular sua seguinte pergunta:

— Quanto tempo faz que Daniel e você se pertencem? Ruborizo-me e durante uns segundos desejo com todas minhas forças que a terra me trague. Sei que tenho que me sobrepor, Jasper me oferece uma oportunidade única de falar com alguém que, ao que parece, tem um conceito similar ao de Daniel e meu sobre o amor. — Eu lhe pertenci durante noventa dias. Logo rompemos, porque Daniel me pediu, - engulo saliva e me obrigo a olhá-lo aos olhos, — pediu-me que o dominasse, e eu lhe disse que não podia fazê-lo. - O olhar do Erkel, a dor que vejo refletido nele durante um instante, confirma, que realmente, machuquei muito Daniel me negando. — Ele sofreu o acidente várias semanas mais tarde e se não fosse porque meu nome figurava em sua apólice de saúde, talvez não teria chegado a tempo. — Se não tirou seu nome dali, se pôs sua vida em suas mãos, então não rompeu de verdade contigo. - Me interrompe Jasper. — Quando cheguei ao hospital, vi que Daniel levava a fita ao redor do celular. Eu a tinha levado no pulso, mas ele me tirou isso quando lhe disse que não podia fazer o que me pedia. - Com um gesto quase instintivo, como se formasse parte de sua natureza, Erkel toca a fita de couro do pescoço. — Então a pus no seu pulso sem pensar e passei os últimos dias lhe rogando em silêncio que me perdoasse, lhe dizendo que sou capaz de lhe dar o que necessita. Mas agora despertou e tirou a fita. E não sei o que fazer. Tenho medo de voltar a me equivocar, de fazer algo ruim, de não saber lhe dar o que de verdade deseja. — Não vai se equivocar.

— Como sabe? Há momentos que acredito que o entendi, que sei exatamente o que devo fazer e dizer, para ser a mulher que necessita. Mas há outros momentos, a maioria por desgraça, que não consigo encontrar o sentido de nada. Daniel é o homem mais forte que conheço, o pouco que sei de seu passado me demonstra que é capaz de superar qualquer adversidade. É um advogado brilhante, proprietário de um dos escritórios mais prestigiosos de todo o Reino Unido. — E não entende por que necessita que você, uma garota de povo, lhe dê as ordens. Que tome o controle. Que lhe diga o que tem que fazer ou o que deve sentir e quando. Acaso acha que eu sou fraco porque permito que Nathan me possua quando estamos sozinhos, porque deixo que me dê ordens e me diga o que tenho que fazer? Porque, se for assim, digo-lhe que está muito equivocada e talvez deveria repensar a sério se de verdade entende o que Daniel está lhe pedindo. Ruborizo-me até a ponta das orelhas e concordo. — Eu gostaria de dizer que o entendo, - afirmo entre dentes, — mas não posso e isso está me matando por dentro. Erkel me olha nos olhos por um longo tempo e ao final me sorri com ternura e com certa lástima. — Sim, você entende, apenas acontece que ainda está com medo de assumir que ele a necessita tanto. Olhe-me, Amélia. Graduei-me na academia de polícia aos vinte e um anos e me passei quase dez infiltrado em uma gangue de narcotraficantes. Fui à guerra do Iraque e tive um esquadrão inteiro sob meu comando. E, entretanto, Nate pode fazer comigo o que queira. Ele me conhece melhor que ninguém, melhor que eu mesmo.

— Não vou contar-lhe nossa história, pertence só nos, mas deixa que lhe dê um conselho: se esqueça de todos os estereótipos e sente. Limite-se a ser sincera consigo mesmo, com seus sentimentos, reconhece em voz alta o que de verdade sente por Daniel e então saberá o que fazer. Asseguro-lhe que não há nada que valha mais a pena que se entregar a uma pessoa e que ela se entregue a você de corpo e alma. — Mas também vou ser honesto, não é uma relação que todo mundo possa suportar. É mais difícil e complexa que a do resto das pessoas, assim pense bem antes de devolver essa fita a Daniel. — Alguma vez se arrependeu? — De pertencer a Nathan? - Espera a que eu concorde antes de continuar: — Jamais. Embora se algum dia tirar esta fita — passa o dedo por ela, — será porque Nathan me fez muito dano. E me custaria muito deixar que voltasse a me pôr isso de novo. Engulo a saliva. Não vou contar-lhe que eu disse ao Daniel que não a porei de novo até que me suplique isso. Jasper não me contou sua história e eu também quero guardar a minha. — Já chegamos. - Assinala, ao nos deter frente ao Royal Hospital. — Amanhã acompanharei a um desenhista ao edifício de Daniel. Se lhe ocorrer algo mais, ou se acontecer algo, me chame. — Obrigada, Jasper. — De nada, foi um prazer, Amélia. Os manterei informados sobre o caso. Boa noite. — Boa noite.

Despede-se de mim e eu fico olhando como caminha a passo ligeiro de retorno a sua casa. Invejo a felicidade que desprende, a tranquilidade com que confronta sua relação com o Nathan Miller. A paz que parece rodear a ambos. O amor que vi em seus olhos quando tocou a fita no pescoço.

O doutor Jeffries passou pelo quarto de Daniel na primeira hora da manhã e me deixou uma pasta com as direções dos melhores fisioterapeutas de Londres, a medicação de Daniel, as datas das próximas visitas e a papelada da alta. Enquanto eu estava afogada em papéis, apareceram um par de enfermeiros para levar Daniel e lhe fazer uma última verificação. As duas horas que fico sozinha entre estas quatro paredes que cheguei a odiar, passei pensando no que vou fazer a partir de agora. Tenho que ser sincera comigo mesma. Reconhecer o que sinto pelo Daniel e reconhecer, ao menos a mim mesmo, o que desejo lhe fazer. Mas primeiro é ele e sua recuperação. Espero que não tarde em voltar, põe-me nervosa que estejam lhe fazendo tantos exames. Não posso tirar de cima a sensação de que vão descobrir algo horrível e que voltarei a perdê-lo. O celular toca e estou aliviada pela distração. — Diga? — Amélia, sou eu, Patrícia. Já deram o alta ao Daniel? — pergunta-me minha chefe. — Não, ainda não, mas já tenho os papéis, assim suponho que quando voltar dos últimos exames poderemos ir. — Não sabe quanto me alegro. Ontem, quando me chamou, quase me pus a chorar de emoção.

— Sim, a verdade é que está se recuperando muito bem. — Sabe quando pensa voltar para o trabalho? Aqui todos estamos sentindo muito a sua falta. Sei que entre o Daniel e Patrícia não há nada romântico, nem sequer sexual. Sei. Mas apesar disso, tenho vontades de espremer o telefone até rompê-lo. Suponho que se soubesse o que são exatamente o um para o outro, poderia entendê-lo e aceitá-lo, mas não sabê-lo está convertendo em uma paranoica. — Não, não sei. —Como tantas outras coisas. — Depende da recuperação. — Diga-lhe que tome todo o tempo que necessite. E você também. — Na realidade, acredito que eu voltarei para escritório na semana que vem. Ou antes, assim que Daniel esteja instalado. Embora seja só durante umas horas. Sempre que ele pareça bem, é obvio. — Claro que me parece bem! Também sentimos falta de você. Agora me sinto como uma cretina. — Obrigada, Patrícia. — Não sei se lhe deveria dizer isso por telefone, - sua repentina mudança de tom de voz fez meus pelos da nuca arrepiarem, — mas acredito que tem que sabê-lo. Não quero que esse homem pilhe ao Daniel despreparado. — Que homem? Aconteceu algo, Patrícia?

— O tio do Daniel veio ontem ao escritório. — O que? - Virtualmente saltei que a cadeira em que estava sentada. — Como? Por quê? — Disse a recepcionista que vinha para ver-me para inteirar-se sobre o Daniel. A pobre Suzie não tinha nem ideia de que o senhor Jeffrey Bond não tem esse tipo de relação com seu sobrinho e o levou diretamente ao meu escritório. Eu estava em uma reunião e o atendi assim que saí. Nós dois fingimos cordialidade e se foi ao fim de cinco minutos. Esse homem nunca gostou de mim. Quando era jovem, davame medo falar com ele, agora que não tenho por que aguenta-lo, dá-me calafrios. Não sei o que pretende, talvez só seja uma questão de dinheiro, mas queria avisar Daniel. Meu cérebro se deteve na meia explicação. — Você conhece o tio de Daniel desde que era jovem? - É a primeira pergunta que sai de meus lábios. — Sim, o conheci antes que ao Daniel, - diz direta. — Por que diz que nunca gostou dele? Imagino a Patrícia em seu escritório, arqueando uma sobrancelha antes de me responder. — Nunca se alegrou em nada pelo Daniel e quando fundamos o escritório, veio para ver-me e tentou me convencer de que não me associasse com seu sobrinho. Disse-me que algum dia a verdade sobre este

sairia

à

luz

e

então

nem

eu

nem

meu

escritório

nos

recuperaríamos. Pareceu-me um louco, um milionário desiquilibrado

porque lhe arrebataram seu brinquedo preferido. Não lhe fiz nem caso, claro. Evidentemente, tudo era falso, estou há anos associada com o Daniel e posso lhe assegurar que sua reputação é irrepreensível. A julgar por suas palavras, ela tampouco sabe nada dos motivos que causaram o distanciamento, o ódio, entre tio e sobrinho, mas está claro que seu instinto não lhe falha. — Obrigada, Patrícia, direi ao Daniel. — De nada. Cuida dele, Amélia. Sim, sou uma pessoa horrível. — Patrícia? - retenho-a antes que possa desligar. — Sim? — Daniel e você... - Sujeito o telefone com força. — Daniel e você... — Não, Amélia. Entre o Daniel e eu não há nada. Estamos juntos há quinze anos. Ele é o irmão caçula que teria gostado de ter. É um homem admirável e estou segura de que se perguntar, ele contará por que o quero tanto. Mas lhe prometo que não sou concorrência. Em realidade, já que estamos falando abertamente do tema, deixa que lhe diga que me alegro muito de que tenha encontrado a uma mulher como você. De verdade. Custa-me tragar saliva. — Obrigada, Patrícia. Lamento se a ofendi ao insinuar que podia haver algo entre vocês dois.

— Ofendida? Não me ocorre maior adulação. - Ri brandamente. — A meu ego não fica mal ao ver que ainda dou medo às garotas jovens. E não me incomodaria em atrair um homem como Daniel, se estivesse disponível, é claro. — Não o está. Ela volta a rir e esta vez me junto a sua risada. — Mensagem recebida. Volta para o escritório assim que possa, Martha e David agradecerão sua ajuda no caso Howell. Todos gostam de tê-la por aqui. — Eu gosto de todos. Ligarei para você. — Isso espero. Uma coisa mais, Amélia. O tio do Daniel, Jeffrey, é um grande manipulador e estou segura de que cedo ou tarde irá vê-la, assim tome cuidado. — Terei. Adeus, Patrícia. — Adeus. Desligo e teclo o nome do Jeffrey Bond no celular. Preciso lhe ver a cara. A imagem começa a desenhar-se. É incrível toda a informação que se pode encontrar de uma pessoa sem que esta saiba. Por sorte para meus nervos, há boa cobertura nesta parte do hospital, assim que a fotografia demora pouco para carregar. A olho e fico gelada.

Jeffrey Bond é uma versão de mais velha de Daniel. Tem seu mesmo rosto anguloso, o mesmo queixo e umas maçãs do rosto idênticas. A diferença de seu sobrinho, leva barba, uma barba perfeitamente recortada, da mesma cor quase prateada que seu cabelo. Tem um sorriso deslumbrante e, a julgar por esta fotografia, que comprovo que procede de um baile de gala beneficente, organizado em Edimburgo faz meio ano, está em excelente forma física para seus setenta anos! É um prazer saudá-lo, senhor Dorian Gray. — Já estamos de volta - exclama Ricky, um enfermeiro que conheci na noite do acidente e com quem tenho uma boa relação, entrando atrás do Daniel, que agora vai em uma cadeira de rodas. — Se comportou muito bem, embora reconheça que, possivelmente, eu gostava mais quando não me dizia quão ruins são minhas piadas. — Muda de piadas e lhe direi que são boas, - replica Daniel, fingindo estar muito sério. — Vá, vá, vejo que o senhor é exigente. — Muito exigente, - afirma ele, olhando a mim. Eu

não

posso

evitar

me

ruborizar

e

guardo

o

celular

imediatamente. Como pude acreditar que este descendente de Dorian Gray se parece com Daniel? Jeffrey Bond gela o sangue inclusive através de uma fotografia, em troca Daniel poderia me incendiar só com o olhar. Os olhos do Jeffrey Bond são vazios, enquanto que os do Daniel são complexos, talvez muito, mas transbordam mistério e uma série de sentimentos quase impossíveis de desentranhar.

Não, não se parecem em nada. Quase me para o coração um segundo, ao recordar uma coisa. O pai de Daniel e seu tio não eram irmãos biológicos, ambos eram adotados, daí que ao final se convertessem em amantes. Então, se Daniel se parece tanto com seu tio... Oh, não, tudo isto volta a ser muito para mim. Cada vez que acredito ter entendido algo, descubro que estou equivocada e que tudo é mais confuso do que pensava. Se Daniel confiasse em mim e me contasse a verdade... «Ganhe sua confiança, lhe demonstre que estará sempre ao seu lado e que não voltará a abandoná-lo quando mais necessitar.» — Aconteceu algo, Amélia? - pergunta-me ele. — Não, nada. - Sorrio-lhe. — Patrícia me ligou, manda lembranças e me pediu que cuide de você. Daniel me devolve o sorriso. É maravilhoso estar assim com ele. — De verdade quer cuidar de mim? —Seu sorriso travesso me avisa de que está tirando sarro de mim. — Diga ao Ricky que deixe que me levante desta maldita cadeira, não estou inválido. — Ordens do doutor Jeffries, eminência. - O enfermeiro lhe faz uma leve reverencia. — Teve bastante sorte que lhe tenham tirado o gesso e lhe tenham posto um novo, menos pomposo.

Desvio a vista para a perna de Daniel e vejo que, efetivamente, o gesso já não lhe chega até a virilha e que do joelho lhe saem uns pregos. Cortaram-lhe os jeans a essa altura e pôs o pulôver negro que lhe levei, com a manga arregaçada. Está muito bonito e meu coração não consegue acreditar que, por fim, não leva aquele horrível pijama hospitalar. — Não me dói, - afirma ele, ao ver onde se detiveram meus olhos. — Claro, é mais do que normal ter, - os conto, — quatro pregos no joelho. Se o doutor Jeffries disser que tem que ir na cadeira de rodas, irá na cadeira de rodas, - opino com firmeza. Daniel concorda e fica em silêncio. — Quais outras ordens me traz do doutor Jeffries, Ricky? pergunto ao enfermeiro. — Em realidade, nosso paciente do ano pode utilizar muletas. Ou melhor dizendo, uma muleta, - se corrige, assinalando o braço que Daniel tem engessado e na tipoia. — Ou uma bengala. Sempre e quando não fizer excessos. Tem o braço e o joelho engessado, do mesmo lado, o esquerdo, assim poderia apoiar seu peso no lado direito e tentar caminhar. Antecipo que vai querer ficar mais tempo em pé do que o recomendável, mas não posso evitar me alegrar de que demonstre tanta vitalidade e tantas vontades de recuperar-se. — Entendido.

— O gesso requer os cuidados habituais, evitar a água e pouco mais. E terá que vir dentro de uma semana para ver se podemos lhe tirar alguma das duas ou reduzir um pouco seu tamanho. - Me explica o enfermeiro com sua habitual eficácia. — Obrigada, Ricky, lhe asseguro que aqui estaremos. — Então, isto é tudo. - Ele junta as palmas e as esfrega. — Se já têm a bagagem preparada, senhores, será um prazer acompanhá-los à saída. Espero que tenham desfrutado de sua estadia no Royal Hospital e confio em não voltar a vê-los nunca mais na ala de cuidados intensivos. — O mesmo digo, Ricky – eu brinco e lhe dou um abraço. A noite que cheguei a urgências, não sei o que teria sido de mim sem ele ao meu lado. É como um gigante irlandês e me fez companhia quando eu era uma completa desconhecida. Lembro que depois de que me dissessem que Daniel estava em coma, escondi-me em um corredor, onde chorei desconsolada. Ricky me seguiu até ali, abraçou-me e logo me acompanhou de volta ao quarto onde estava Daniel sem me dizer nada. Nunca o esquecerei, mas tem razão, a partir de agora, prefiro ficar com ele, que tem idade para ser meu pai, ou meu tio avô, em uma cafeteria ou em um pub. Solto ao Ricky e vou para o banheiro, onde deixei nossas bolsas. — Se Importaria nos deixar a sós um minuto? - pede-lhe Daniel ao enfermeiro. — É obvio que não. Estarei no corredor.

Assinala a porta com um polegar e sai assobiando do quarto. Com minha bolsa pendurando no ombro e a do Daniel na mão, vou a seu encontro. Ele segue na cadeira de rodas e tem um olhar fixo e decidido. Tremo e me custa respirar. Este homem é a pessoa mais importante de minha vida. — Te aproxime um segundo, Amélia. Por favor. Outro “por favor”. Não me detenho até chegar a seu lado e me sento na poltrona branca onde passei tantas noites, para que nossos olhos fiquem à mesma altura. — Aconteça o que acontecer quando sairmos daqui - diz, — me alegro de não ter apagado seu nome da apólice. Se tivesse morrido... — Oh, Daniel, não continue. —Me rompe a voz e ele me agarra uma mão. — Se tivesse morrido, você é a única pessoa que quereria ter a meu lado. Entrelaço os dedos com os seus e os aperto. — Não teria permitido que morresse, — afirmo. Sei que é absurdo, que nem eu nem ninguém pode derrotar à morte, mas é o que sinto. — E agora não vou permitir que me afaste de seu lado. — Não, Amélia. As coisas mudaram.

— Nisso tem razão, Daniel, mudaram. Já não sou a garota covarde que se negou a escuta-lo e a reconhecer, para você e para si mesmo, eu também necessito que se entregue para mim. E você não morreu, Daniel. Está vivo e me pertence, assim, a pergunta que deve se fazer é a seguinte: está disposto a se entregar a mim de corpo e alma?

Não espero que Daniel responda minha pergunta neste mesmo instante. Basta-me vê-lo assentir e franzir o cenho. Não me corrigiu. Não me disse que lhe estou pedindo o impossível. Nem tampouco que foi um engano me pedir que o dominasse. Conformo-me com isso. De momento. Ponho-me em pé e empurro a cadeira de rodas até a porta para recolher depois as bolsas. Ricky deve ter me ouvido, porque abre e se ocupa ele de levar a cadeira do Daniel até a saída do hospital. E aí me levo outra surpresa dessas que ameaçam me fazendo chorar. — Olá, senhorita, deduzo que este cavalheiro é Daniel, equivocome? — Spencer! O taxista me abraça, diante do olhar atônito de Daniel e o sorriso de Ricky. Spencer é o taxista que me levou ao hospital na noite do acidente. Depois de receber a chamada da senhora Portland, a representante do centro, que se encarrega de comunicar as más notícias aos familiares e a que deveria ter urgentemente um curso de psicologia, estava tão alterada que desci à rua sem dinheiro. E se por acaso isso fora pouco, além de não lhe pagar o trajeto, o bom Spencer passou todo o momento me consolando e veio para ver-me no dia seguinte com um buquê de flores.

Spencer e Ricky são amigos, ao que parece jogam cartas juntos e suas respectivas esposas se conhecem, e o enfermeiro o chamou para me fazer uma surpresa. — Eu lhe disse que tudo ia sair bem. - Me diz, me abraçando com carinho. — Sim, é verdade, me disse, - respondo isso, depois de soltá-lo. — Deixe que o apresente a Daniel. — É um prazer, Spencer, - diz este, lhe estendendo a mão que não está engessada. — Me alegro de lhe haver dado a razão. — O prazer é meu, Daniel. Jamais tinha levado em meu táxi a uma pessoa tão destroçada e tão preocupada com alguém. Me partiu o coração quando a deixei na emergência. — Obrigado por ter cuidado dela. — Claro. Aonde querem que os leve? — Abre a porta do portamalas e guarda nele as bolsas. Ricky me entrega uma muleta com muita solenidade e eu me aproximo do Daniel, que a colhe com a mão boa e fecha os dedos ao redor da barra de metal. Respira fundo e aperta os dentes antes de apoiá-la no chão e colocar bem o braço no suporte. Levanta a vista, me olha nos olhos e pronuncia uma frase que acreditava que não ouviria nunca. — Necessito que me ajude, Amélia. Necessito de você.

Me enchem os olhos de lágrimas, mas as consigo conter. Esse é exatamente o motivo por que amo Daniel. Pelo valente que é, porque nunca tem medo. — Sempre que quiser. - Sussurro e me aproximo dele para rodeálo pela cintura, ajudá-lo a levantar-se da cadeira e dar o primeiro passo. O mais difícil. Tenho a cabeça pega ao lado esquerdo do torso de Daniel, esquivando a tipoia, com ambos os braços ao redor de sua cintura. Ouço como sua respiração se acelera e por um instante inala profundamente para me cheirar o cabelo. Solta o ar devagar e vejo que aperta os dedos que segura a muleta. Logo flexiona os músculos do abdômen e se impulsiona para cima. O coração lhe pulsa com força e, ao levantar a vista, vejo que tem a mandíbula apertada e a testa coberta de uma fina capa de suor. Dói-lhe. Muito, a julgar por sua cara e a de Ricky, mas não digo nada. Sei que Daniel precisa fazer isto por si mesmo, comigo ao seu lado, apoiando-o, mas sozinho. Confio nele. Solta de novo o ar entre os dentes e já está quase incorporado. A muleta se apoia firmemente no chão e ele mantém a perna engessada ligeiramente dobrada, como se fora a saltar coma perna coxa. Respira profundamente e termina de erguer-se. — Já pode me soltar, Amélia. - Aparto-me devagar e o olho nos olhos. — Obrigado.

— De nada. - Sorrio-lhe e coloco os dedos de uma mão em cima da que ele tem na muleta. — Me acompanha ao carro? O sorriso que me devolve é a única recompensa que necessito para saber que ao menos esta vez o tenho feito bem. Daniel coxeia até a porta do táxi, que Spencer nos deixou aberta, e espera a que eu entre primeiro. Depois, lança com cuidado a muleta para o interior e aceita a ajuda do Ricky para entrar no veículo. — Bom, aonde vamos? - pergunta-nos de novo Spencer, atrás do volante. — Aonde seja, longe deste hospital. - Diz Daniel. Tem os olhos fechados e a cabeça apoiada no respaldo do assento. Vejo que flexiona os dedos e que volta a apertar a mandíbula e imagino que o faz para reprimir a dor. — À rua Chelsea. - Daniel abre os olhos e me olha. — Para casa. O resto do trajeto o fazemos em silêncio. Spencer me sorri pelo retrovisor quando vê que entrelaço meus dedos com os do Daniel, mas este tornou a fechar os olhos. O táxi se detém o chegar a nosso destino e o porteiro do edifício sai a nos dar as boas-vindas. Evidentemente, Spencer se nega a nos cobrar a corrida. Daniel aceita, mas sei que amanhã, ou hoje mesmo, encarregará de lhe fazer chegar um presente mais que generoso a seu domicílio. Eu me conformo lhe dando um abraço e lhe dizendo que o chamarei para lhe pedir formalmente que me convide para uma dessas partidas de cartas.

Daniel agarra de novo a muleta. Eu caminho a seu lado se por acaso necessite de minha ajuda, mas tenho que me conter para não lhe rodear a cintura e lhe pedir que se apoie em mim. Erkel me disse que cometia um engano se acreditava que entregar-se a uma pessoa significava ser débil e agora sei que Daniel não gosta que o trate como se fosse. Mas está ferido, maldito seja, tem o joelho e o braço quebrados. E é meu. Vejo que aperta de novo os dentes e que lhe franze sua a testa. — Se precisa se apoiar em mim, diga-me. Ele assente sem dizer nada. — Digo-o a sério. Se o doutor Jeffries me disse que se você se exceder, terá que ficar com estes gessos mais dias do que os previstos, me zangarei contigo. Ouviste-me? - digo-lhe com voz firme mas mais baixa. — Ouvi, Amélia. - Dá outro passo e lhe treme um músculo da mandíbula. Se seguir assim terminará por romper um dente. — Tenho que fazê-lo. Tenho que chegar sozinho a minha casa. - Detém-se um segundo e se apoia na perna boa. — Quando o Jaguar começou a dar voltas e parecia que não ia parar, vi minha vida diante dos meus olhos. E quando por fim o carro se chocou contra aquele muro, notei que meu corpo ficava apanhado entre o metal da carroceria. Não perdi a consciência imediatamente e recordei uma época, faz muito tempo, em que me senti muito indefeso. Tenho que deixar de me sentir assim.

É a primeira vez que Daniel é tão sincero comigo e interpreto isso como ele iniciando a confiar de verdade em mim. Morro de vontade de lhe perguntar que época era essa, o que lhe tinha acontecido para seguir tendo tanto poder sobre sua pessoa. Mas sei que se o fizer ele tomará como uma traição e voltará a fechar-se em concha. — De verdade é tão importante para você? — De verdade. — De acordo, mas me peça ajuda se a necessitar. - Levanto uma mão e lhe acaricio a bochecha. E Daniel faz o mesmo que Erkel fez com Miller: move o rosto em busca de minha palma. — Não poderia suportar que você tivesse mais dano. - Aparto a mão e me coloco de novo a seu lado. — Vamos. Ele me sorri outra vez, acredito que só por estes sorrisos, já vale a pena passar por tudo isto e dá outro passo. E outro. E dez minutos mais tarde estamos em frente à porta do apartamento. — Ontem, quando vim pegar suas coisas, tinha medo de que tivesse trocado a fechadura. Abaixo, ele me confessou um de seus temores e sinto que tenho que fazer o mesmo. — Fui a Escócia no dia seguinte. - Espera

que eu termine de

abrir antes de continuar. — Mas embora tivesse ficado em Londres, não a teria trocado. Apesar de nossa discussão, sei que nunca teria entrado em meu apartamento sem que eu lhe convidasse. Entro e acendo a luz do vestíbulo. Daniel me segue coxeando e não se detém até chegar ao sofá, onde literalmente desaba.

— Quando estávamos juntos, só veio uma vez sem avisar, e ficou na porta sem entrar até que eu te disse que podia fazê-lo. Lembro esse dia perfeitamente. Foi quando lhe levei madalenas de chocolate. “Um momento.” — Quando estávamos juntos? —pergunto em voz alta. — Não volte a insinuar que agora já não o estamos, Daniel. Hoje não. — Antes, tudo era muito mais claro, - diz, depois de suspirar. — Eu sabia exatamente o que queria e quem era, o que necessitava para funcionar na vida. E você também. Agora tudo é confuso. Você antes levava a fita, agora eu não quero usá-la. Trago saliva para ouvir essa frase que evoca as palavras do Erkel: “Se algum dia tirar esta fita, será porque Nathan me terá feito muito dano”. — Você insiste em que está preparada para fazer o que antes se negou a escutar e eu duvido que esteja disposto a voltar a lhe pedir isso. E não podemos nos esquecer de que um dos homens mais procurados pela Scotland Yard manipulou o computador de meu carro e tentou me matar e que meu tio insiste em reaparecer em minha vida. — De tudo isso que disse, Daniel, o que me importa é que nenhuma só vez negaste que temos que estar juntos. Sim, talvez as coisas fossem muito mais claras antes, mas você mesmo me disse que não me deixasse cegar pelas etiquetas. Que fossem claras não quer dizer que fossem perfeitas, Daniel, porque tanto você como eu sabemos que não éramos. Mas podem chegar a sê-lo. Averiguaremos que diabos

pretende Vzalo de ti e nos ocuparemos de seu tio. Recuperará. Estaremos juntos. Todos os dias. - Silêncio. — Estou cansado, acredito que irei deitar-me um momento. Essa resposta não é nem um pouco a que esperava. Estou aprendendo a enfrentar à reticência de Daniel, a sua raiva, mas a seu desinteresse? Quantas barreiras mais tentará levantar entre nós? — Prepararei a cama. — Não entre em meu dormitório. Vá, este sim que é Daniel. Melhor. Me alegro de voltar a vê-lo, estou pronta para ele. — Ah, não, como me vai impedir isso? Sei que não deveria provocá-lo, mas não tinha mais jeito. — Amélia, não se atreva a entrar em meu dormitório. Agarra a muleta e tenta levantar do sofá. — Não se mova, Daniel. - Vejo que apoia a muleta no chão, me ignorando por completo. Largo as bolsas no chão, não sei por que ainda não as soltei, e me aproximo dele. Ponho-lhe a mão direita no torso e o seguro no sofá. — Não se mova. — Ah, não? E como me vai impedir isso? - Zomba de mim, arqueando uma sobrancelha. Ele o procurou.

Empurro-o de novo contra o sofá e o olho aos olhos. Dobro os dedos até me assegurar de que pode sentir minhas unhas através do pulôver. — Muito fácil, - Eu lhe digo em igual tom de desafio. — Não se mova. Daniel solta o fôlego entre os dentes e noto que empurra as costas no respaldo do sofá. Tem a cabeça jogada para trás que lhe treme o pescoço ao tragar saliva. Um a um, afrouxa os dedos com os que sujeita a muleta e o ruído do metal ao cair, indica minha vitória. Ele tem as pernas separadas, a engessada estirada a minha esquerda e a direita treme ligeiramente junto a minha coxa. Estou entre elas; sem que nenhum dos dois se dê conta, meu torso ficou pego ao dele. Levanto a mão do pulôver e a aparto devagar. Daniel respira com mais calma. Que equivocado está. Tenho a mão esquerda em sua cintura, retendo-o também. Abro os dedos com lentidão e deixo que se deslizem por debaixo do tecido, justo por cima do cós dos jeans. Os músculos de seu abdômen tremem sob minhas pontas e Daniel tem que voltar a tragar saliva. Vejo que fecha os olhos. Não é porque esteja excitado, que o está, conheço-o, fecha-os porque quer distanciar-se do que está acontecendo. Pelo que está sentindo ao render-se a mim. “Conheço Daniel.” Sim, conheço-o. Detenho a mão em seu abdômen sem fazer nada. Deixo que esses poderosos músculos sigam tremendo, perguntando-se se vou voltar a

acariciá-los. Ou se vou lhes cravar as unhas. Levo a outra mão até sua nuca e, depois de enredar os dedos em seu cabelo, os tiro dele. — Não vai olhar? Perfeito. Então terei que lhe contar isso porque por muito que o tente, não poderá evitar ouvir minha voz. De fato, Daniel, - lhe sussurro, presa ao seu ouvido, — estou convencida de que podia me ouvir todos os dias. Inclusive quando estava em coma. -Treme e vejo subir e baixar sua garganta. — Vai ficar aqui quieto e eu irei ao seu quarto e prepararei a sua cama. Não é a primeira vez que entro alí, Daniel. - Ele tenta soltar-se e baixar a cabeça para me olhar, mas o impeço. — Ah, não. Você escolheu esta postura, agora vai ficar assim até que eu diga o contrário. Daniel volta a deixar a cabeça imóvel e eu noto um calafrio por todo o corpo. O coração me pulsa descontrolado e me suam as palmas das mãos. Tenho a garganta seca, mas é uma sede que só poderia acalmar com seus beijos. Desejo-lhe. Oh, meu Deus, como lhe desejo. Mas ainda não. Nem ele nem eu estamos preparados para dar esse passo. — Estive em seu dormitório o outro dia para pegar sua roupa. Não sei por que lhe assusta tanto me deixar entrar nesta parte de sua vida, mas de momento vou respeitar. Não o obrigarei a me contar isso e poderá dormir sozinho. Mas isso é tudo o que vou permitir a você. Levanto uma perna do chão e coloco o joelho entre as pernas do Daniel, pressionando sua mais que proeminente ereção. Ele respira entre dentes e vejo que com os dedos aperta a almofada que tem ao lado até que os nódulos ficam brancos.

É uma sensação embriagadora, a mais afrodisíaca que nunca senti. Por um instante desejei poder sair de meu próprio corpo para ver a mim mesmo em cima de Daniel; sujeitando-o pelo cabelo da nuca, lhe jogando a cabeça para trás, retendo-o com apenas uma mão na cintura. Quero ir um passo mais à frente. Ver até onde podemos chegar antes de enlouquecer de desejo. Levanto a outra perna e me sento com cuidado, escarranchada em cima dele. Daniel aperta a mandíbula e fecha os olhos com força. No hospital tentou não me tocar e eu o beijei até derrubar suas defesas. O que posso fazer para que me olhe? O que necessita que lhe faça? Movo ligeiramente os quadris em cima dele. Está tão excitado que acredito que poderia fazê-lo ejacular com um par de movimentos mais, mas isso não teria nenhum sentido. Desvirtuaria por completo o que estou tentando que compreenda. — Irei preparar a sua cama e o ajudarei a se despir e a se pôr cômodo. Se quiser que lhe dê um banho, também me encarregarei disso. Solto o seu cabelo e não posso resistir mais a esse pescoço. Doulhe um beijo na garganta. Daniel fecha os olhos ainda com mais força. — Ficarei aqui contigo. Esta manhã pedi a Marina que colocasse minha roupa em uma mala e a mandasse para cá. Está no vestíbulo de baixo. Dormirei na cama de cima, na mesma onde me ensinou quão

maravilhoso é entregar-se a uma pessoa. Você pode dormir sozinho, Daniel. - Movo de novo os quadris e aperto a mão que tenho em seu abdômen. Suspiro e deixo que ele note que lhe necessito. — Se algum dia quiser que durma contigo, terá que me pedir, isso igual à fita. Igual a todo o resto. - Deixo de me mover e o solto a nuca. Meus dedos se deslizam por sua garganta até chegar a seus lábios. Os percorro com o polegar e ele os aperta. É tão teimoso. Dirijo-me a maçã do seu rosto e ali Daniel não pode evitar de girar levemente o rosto para sentir minha carícia. — Se quiser que me vá de seu apartamento, que o deixe sozinho com sua muleta, seus medos e todo o desejo que está sentindo agora, a única coisa que tem que fazer, é abrir os olhos e me pedir. Abra os olhos, olhe-me e diga que quer que me vá. Retiro a mão de debaixo de seu pulôver e coloco ambas sobre seu torso, treme igual a mim. O coração lhe pulsa tão rápido que inclusive me preocupa. — Se não me pedir isso, não irei. - A frase parece tranquiliza-lo e os batimentos do coração diminuem pouco a pouco. Ao que parece, seu corpo está mais disposto que sua mente a reconhecer que me necessita. — Não se mova, Daniel. Vou levantar-me, - explico isso, porque tenho a sensação de que nesta etapa de nossa relação nós dois nos sentimos igualmente confusos, — irei preparar seu quarto enquanto você fica aqui com os olhos fechados. - Concedo-lhe isso porque sinto que tem necessidade disso e o modo como respira aliviado me confirma isso. — Quando voltar, o ajudarei a trocar de roupa. Daniel assente e sorri. Estou convencida de que não se deu conta de que fez isto. Necessita-me muito mais do que acha. E eu dele, porque agora que sei o que é amá-lo assim, não imagino estar um dia sem fazê-lo.

Levanto-me devagar e fico olhando-o. Gostaria que pudesse lhe dar um beijo, mas agora não devo. Daniel precisa recuperar a calma. — Não se mova. Isso, muito bem. Respira já mais tranquilo, embora ainda não afrouxou os dedos com que segura a almofada. — Solta a almofada, Daniel. Abre os dedos imediatamente. — Arrumarei as coisas e lhe prepararei um banho. — Não. Ia sair, mas me detenho em seco. — Você disse que não? Ele segue com os olhos fechados e a cabeça jogada para trás. Toma seu tempo para responder, tenho a sensação de que está escolhendo as palavras adequadas. Não posso acreditar que tenha me tornado a dizer que não. O que se supõe que tenho que fazer agora? Castigá-lo? Isso sim que não vou poder fazê-lo. Controlar suas reações para lhe fazer sentir amado, para lhe ensinar a entregar-se por completo a mim é maravilhoso. Excitante. Mas castigá-lo, lhe fazer dano agora que está ferido, revolve-me o estômago só de pensar. Nos manuais que tenho lido sobre dominação (não consegui acabar nenhum), fala-se de distintas técnicas de castigo e a mim todas parecem dolorosas. Nas novelas eróticas também mencionam algumas,

sempre em meio de uma cena sexual, e estas, talvez,

as usasse se

fossem em circunstâncias adequadas. Mas Daniel e eu não estamos na cama. Sim, nós dois estamos excitados, isso é inegável, mas em realidade estamos discutindo. Ele tentou distanciar-se de mim outra vez, e eu... eu não tive mais remedio que lhe recordar que nos pertencemos. Acaso não o obtive? — Me responda, Daniel, você me que não? - repito com voz firme, me tragando as lágrimas. — Não quero me banhar. Odeio-o. Só gosto de nadar nas piscinas - acrescenta, com voz mais rouca. — Ou no mar. Ódio me banhar. Sinto muito. Levo-me uma mão ao rosto para secar a única lágrima que conseguiu escapar a meu férreo controle. — Não, não se desculpe, - me apresso a tranquiliza-lo de novo. A vulnerabilidade que me está demonstrando é entristecedora. Sinto como se me estivesse oferecendo o privilégio de visitar uma parte até agora desconhecida de seu coração. — Não sabia, obrigada por me contar isso. Obrigada. Separo-me do sofá para conter a vontade de abraçá-lo e passo por detrás dele, onde me detenho e lhe acaricio o cabelo com ternura. Não sei se é apropriado, mas sob a cabeça e lhe dou um beijo na testa. Ele sorri. O beijo foi apropriado.

— Não se mova, - repito de novo. — Arrumo as coisas e, se quiser, depois o ajudo a tomar banho. — Obrigado. Vou dali sem saber muito bem se me agradeceu por haver ralhado com ele, por lhe haver proibido de mover ou por havê-lo beijado. Ou pelas três coisas.

Eu não estava mentindo para Daniel quando disse que nunca tinha entrado em seu quarto. O que eu não contei é que fiquei meia hora plantada em frente à porta, sentindo-me culpada por entrar sem sua permissão. E eu acho que por enquanto é melhor não contar.

Cada vez que ele provoca uma discussão para causar nosso rompimento, sei exatamente o que tenho que fazer e como tenho que me comportar para tranquiliza-lo e lhe tirar essa ideia estúpida da cabeça. É como se uma parte de mim, a mesma que Daniel despertou quando me possuiu durante os noventa dias antes do acidente, estivesse perfeitamente sincronizada com suas necessidades. É uma grande responsabilidade saber que o bem-estar mais íntimo da pessoa que amamos depende de nós, de nossas decisões. Em algum momento me assaltam dúvidas, como quando lhe dei o beijo antes de ir, mas então o vejo com esse sorriso nos lábios e acredito que posso fazê-lo feliz. Ele mesmo me disse isso neste mesmo apartamento no dia de nossa discussão: — “Quero que me faça seu, quero ser capaz de me entregar a você igual como você se entrega a mim. E preciso da sua ajuda para conseguilo. Preciso me entregar a você desta maneira. Sei que só você será capaz de me obrigar a me desprender de meu passado e de me dar um futuro.”

Nessa declaração de amor, porque isso é exatamente o que eram essas palavras, Daniel não só me disse que precisava entregar-se, mas também necessitava que eu o obrigasse a fazê-lo. Era como se soubesse que ele sozinho não ia conseguir. Tinha necessidade de que eu o obrigasse a ser ele mesmo, a reconhecer sua natureza. Igual ao que ele tinha feito comigo. Guardo o último pulôver e tiro a colcha da cama para abri-la. Sigo sem entender por que Daniel não queria que entrasse neste quarto. Giro sobre meus calcanhares e observo ao meu redor. É o lugar mais espartano do apartamento. Não há nenhuma foto dele e nada que delate nenhum segrdo sobre seu ocupante. Não há chicotes, nem algemas, nem cintas de seda, Daniel guarda todos os artefatos sexuais no quarto do piso superior. O único onde eu dormi. A única coisa que me chama a atenção é uma pequena vela branca em cima da cabeceira. Não tem nada de especial. Aproximo-me e a levanto para cheirá-la. Nem sequer é perfumada. É uma vela esférica que talvez tenha sido presa um par de vezes, a julgar pela cor negra da mecha; junto a ela há uma singela caixa de fósforos. A coloco tal como a encontrei, porque não quero que Daniel pense que aproveitei para bisbilhotar. Saio do quarto e, ao passar pela sala, comprovo que ele segue com os olhos fechados e a cabeça arremessada para trás. Não sei se está dormido, mas passo por detrás do sofá sem fazer ruído e vou ao piso de cima para deixar minha bolsa. A mala que Marina me mandou eu subirei mais tarde. Não me detenho muito, porque essa casa me traz muitas lembranças e agora preciso manter a calma. Pensar na vez que fizemos amor de pé, nos olhando um ao outro no espelho do banheiro, não me ajudará muito.

Desço a escada e vou à cozinha. Ponho um pouco de água quente para ferver e preparar um chá; o remédio inglês para todos os males. Sirvo duas xícaras, coloco o açúcar na bandeja e me dirijo até a sala de jantar.

— Daniel. - Ponho uma mão no seu joelho e movo a perna brandamente. — Preparei um pouco de chá. Vamos, abra os olhos, fará bem beber algo quente. Ele volta a cabeça de um lado a outro e pisca um par de vezes. Está confuso, a medicação do hospital ainda faz efeito.

— Acabei dormindo. - Confessa um pouco envergonhado. — Não importa, precisa descansar. Hoje ficaremos em casa, mas amanhã chamarei o terapeuta que nos recomendou o doutor Jeffries. Tem que começar a fazer reabilitação quanto antes. Daniel se acomoda e agarra sua xícara para beber um pouco de chá.

— Amanhã vou ao escritório, quero revisar uns documentos e eu gostaria de falar com a Patrícia sobre minha última visita a Escócia.

— A primeira coisa que precisa fazer é a reabilitação. Não é necessário que vá ainda ao escritório; recentemente, mais precisamente há uma semana, teve um acidente de carro quase mortal e tem pouco tempo que teve alta, Daniel.

— Não sou nenhum inválido. Voltou a estar na defensiva.

— Não disse que é, - replico com firmeza. — O doutor Jeffries disse que tem que retornar com calma.

— Não posso retornar com calma, Amélia, tenho que averiguar o que diabos está tramando meu tio, e até que ponto está envolvido com o Vzlao.

— E para isso tem que ir ao escritório? — Sim, ali é onde guardo os documentos das empresas de meu tio e de Vzalo.

— Oh, meu Deus, ou seja, faz anos que esta atrás deles, por isso tentaram lhe matar.

— Não, não exatamente. Faz anos que vigio de perto meu tio, o Vzalo eu averiguei muito recentemente. Três ou quatro meses quando muito. Mas não é só isso. Patrícia precisa de mim e eu estou bem, deixando de lado um joelho e a mão, está claro.

— E o pulmão perfurado e o coágulo que tiveram que te tirar do cérebro, mas claro, isso são tolices.

— Não me trate como se fosse um doente, Amélia. Isto não tem nada que ver com o que aconteceu antes. Sim, gostei de muito que me puxou pelo cabelo, reconheço, e sim, excitei-me ao ver que tomava o controle, mas no que se refere ao escritório ou a minha vida, mando eu. Entendido?

— Por que pensa que Patrícia precisa de você?

Decidi lhe perguntar isso para ver se o desconcertava e acertei. Morria de vontade de lhe dizer exatamente o que penso de seu último discurso, de demonstrar quem manda, mas me ocorreu uma ideia que vou levar a prática.

— Mercer & Bond tem mais de duzentos casos ao ano, e é obvio que precisa de mim. Não me interprete mal, Patrícia é uma mulher muito capaz, mas meu nome não está na porta do escritório só de adorno.

— Que classe de relação existe exatamente entre Patrícia e você? — Somos sócios, a conheci quando eu ainda trabalhava na fiscalização e ganhei um julgamento. Fundamos o escritório juntos, embora tenha que reconhecer que foi ideia dela, e agora somos amigos.

— Essa é a versão oficial, a que qualquer um pode ler na página Web do escritório. Agora me conte a verdade.

— Essa é a verdade, - insiste ele. — A outra verdade. Conte-me, eu lhe ordeno. — Tive que tirar Patrícia da prisão por agressão. Foi há muitos anos, eu tinha um turno na guarda e me pareceu ver seu nome em uma das folhas policiais. Fui à delegacia de polícia, convencido de que seria casualidade, e de repente ali estava ela. Patrícia Mercer em pessoa em uma cela, com um olho arroxeado e o lábio ensanguentado. Aproximeime dela e se negou a me dirigir a palavra. Tentei de tudo, provocá-la, brigar, ser compreensivo, nada surtiu efeito. Eu não queria apresentar uma queixa contra ela, mas parecia que tinha quebrado o braço dele e se negava a colaborar. Frustrado, eu saí em busca dos agentes que

tinham efetuado a detenção. Era um homem e uma mulher e a agente me contou que o homem a quem Patrícia tinha quebrado o braço era em realidade seu noivo e que este antes tinha batido nela, daí o arroxeado e o lábio partido. Patrícia não só se defendeu, mas também deu ao tipo uma surra, assim que o muito indesejável a denunciou. E ela não se defendeu. Suponho que nesse momento lhe deu vergonha reconhecer que tinha deixado que esse sanguessuga a maltratasse, ou pensou que já se vingou o suficiente. Não sei.

— O que você fez? Daniel sorriu.

— Fui procurar o homem e o convenci a retirasse a queixa. — Como? — Disse-lhe que se não o fizesse eu não retiraria a mão da sua garganta a tempo para que pudesse respirar. Com a denúncia retirada, os agentes não tiveram nenhum inconveniente em soltar a Patrícia e em perder a folha de sua detenção. A sua maneira, ela é inclusive mais fria que eu, mas acredito que a partir desse incidente nos adotamos mutuamente.

— Por que não me contou isso antes? —perguntei atônita. Daniel encolheu os ombros.

— Faz muito tempo e a verdade é que não tem importância. — Claro que tem. Não me espanta que Patrícia o adore.

— É mútuo. — Tenho ciúmes dela. — Por quê? - Me olha como se me tivessem crescido duas cabeças.

— Tenho ciúmes da relação, de vê-los juntos, da cumplicidade que existe entre vocês. Daniel pensa durante uns segundos antes de responder.

— Não desejo a Patrícia. Nunca me senti atraído por ela. É como se fosse minha irmã mais velha.

— Ela se parece com a Laura? O rosto do Daniel muda e sei que cometi um engano ao mencionar a sua irmã.

— Como sabe seu nome? Eu não lhe havia isso dito. — Sim - balbuciou, — sim havia me dito isso. — Não, - afirma ele, terminante, — faz anos que não o pronuncio. De onde você tirou o nome?

— Da polícia. Daniel aperta os dentes.

— Disse-me que me daria tempo, que confiaria em mim. E, entretanto, se colocou a procurar em meu passado sem minha permissão, e nada menos com a polícia. Por acaso não teve bastante, tendo posto meu mundo de pernas para o ar, também tem que sacudir meu passado? Alguma vez terá o suficiente?

— Você me pediu isso, disse-me que eu era a única que podia lhe obrigar a se desprender de seu passado e lhe dar um futuro. — Quando lhe disse isso? — Sabe perfeitamente. — De minha irmã eu não quero me desprender, assim não se meta nisto. E não volte a falar de mim com a polícia. Não sou um menino pequeno que necessita seu amparo. - Agarra a muleta e tão furioso como está, consegue levantar-se com um único impulso. — E respondendo a sua pergunta, não, a relação que tenho com a Patrícia não se parece em nada a que tinha com minha irmã. Satisfeita? Não, não estou. Por que sempre que acredito ter dado um passo para frente com o Daniel, ele retrocede dois? Tenho medo de não apanhá-lo nunca. — Vou a meu quarto. Não venha para me ver. Prometeu-me antes que não entraria. Ou por acaso também vai a descumprir essa promessa? — Não, não entrarei. — Genial, se for verdade.

Mancou pelo corredor e o vejo desaparecer para o interior de seu quarto. Estou a ponto de me jogar e chorar, e para evitar, pego a pasta que o doutor Jeffries me entregou esta manhã e chamo o primeiro terapeuta da lista. Está muito ocupado, mas quando lhe digo de parte de quem chamo e que

o nome do paciente é Daniel Bond,

milagrosamente aparece um espaço em sua agenda. Brian Wise, que assim se chama, realiza visita domiciliar e marcamos uma entrevista para amanhã. Ligo para a portaria do edifício e peço ao porteiro que quando puder

me

suba

a

mala.

Poderia

ir

procurá-la,

na

realidade,

provavelmente teria que ir, mas me dá medo deixar Daniel sozinho no apartamento, e uma pequena parte de mim não quer afastar-me tanto dele se por acaso precise de mim. Claro que, a julgar pelo jeito como me olhou quando mencionei o nome de sua irmã, teria que estar morrendo para recorrer a mim. Por último, também chamo Marina para lhe agradecer, mas minha amiga não atende o telefone e acabo falando com a secretária eletrônica. Odeio essas máquinas, embora, no fundo, me alegro de não tê-la encontrado, não sei se teria sido capaz de lhe explicar o que está acontecendo sem derramar uma ou duas lágrimas, que por fim consegui conter. Me sentindo melhor depois de ter resolvido estas questões práticas, levanto-me da cadeira em que me sentei para fazer as chamadas e me dirijo à cozinha. Estou de pé quando ouço o distintivo ruído dos encanamentos, seguido ao cabo de uns segundos por um golpe seco. É como se algo muito pesado tivesse golpeado a parede. Ou alguém.

Daniel. Corro para seu quarto e vejo que os lençóis estão mexidos e que ele não está na cama. Outro golpe e o ruído de água. Sem duvidar um segundo, abro a porta do banheiro e fico petrificada na entrada. Daniel está completamente nu. Sua roupa está rasgada pelo chão e, a julgar por como está disposta, é mais que evidente que teve que brigar com ela para poder tirar. Vejo o cinto e os jeans cortados, literalmente destroçados, em outra parte o pulôver negro terminou feito um novelo ao lado de uma das prateleiras. Conseguiu cobrir o gesso da perna com o plástico protetor que nos deram no hospital e teve a mesma façanha com o braço. A única ajuda a que recorreu é a das tesouras, que agora também estão no chão. A ducha ocupa a metade do banheiro. Um box de cristal separa os dois espaços: numa parte o lavabo, as prateleiras e o vaso sanitário, e em outra parte, um chão de granito verde escuro delimita a ducha. Ali dentro caberiam ao menos quatro pessoas, mas agora só está Daniel e seu corpo desprende tanta força e tensão que parece ocupar tudo. A água cai a toda pressão do círculo de aço que há no teto e lhe golpeia as costas. Tem que doer, a pele dos ombros cheia de marcas avermelhadas assinalam o lugar exato onde incidem os jorros de água. E esta tem que estar muito quente, a julgar pelo vapor que empana o biombo e também o espelho do lavabo.

Tem a cabeça baixa e a frente apoiada na parede que fica diante, igual ao antebraço que não tem engessado. A perna em que apoia todo o seu peso está tremendo e o torso sobe e desce devagar, como se lhe custasse respirar e estivesse se obrigando a fazê-lo. Não sei se me ouviu e duvido que notou minha presença. Talvez precise estar sozinho. Deus sabe que eu também me sinto aflita por tudo o que está acontecendo, assim como ele, que é quem sofreu esse pomposo acidente e quem está enfrentando a uns desejos que até agora não sabia que tinha, e deve estar ainda mais. Sim, provavelmente o melhor será que eu vá, mas então o ouço balbuciar em voz baixa e tenho que ficar.

— Não posso. Não posso. - É o que está dizendo. A voz sai com dificuldade de sua garganta rouca e gravemente ferida. Está furioso. Então joga para trás o braço que tinha apoiado na parede, fecha o punho e, antes de que meu cérebro confuso consiga adivinhar o que pretende, solta um murro com todas suas forças. Esse é o ruído que ouvi antes. Meu Deus. Eu olho. A mão, que agora colocou sob o jorro de água, e vejo que tem os nódulos ensanguentados. Volta a fechar o punho e a jogar de novo o braço para trás.

— Não, Daniel, para!

Detém-se e se separa lentamente da frente da parede. Deixa que a água lhe caia nos olhos e sacode a cabeça para apartar-lhe

— Vai embora daqui agora mesmo. Ouço-o, apesar do ruído, porque a raiva que tinge suas palavras me impregna até os ossos. Nunca o tinha visto precisar tanto de mim e tão decidido a me tirar do seu lado. Dou meia volta e me dirijo para a porta. Fico atônita ao ver que tem fechadura. Se Daniel quisesse, teria impedido a minha entrada. Eu jamais conseguiria forçar essa porta. Convencida de que esse é o sinal que me faltava, aproximo-me dela e tranco-a, fechando os dois dentro. O clique ressoa no banheiro, onde o único que se pode ouvir agora é a contínua cadência da água e nossa respiração entrecortada. Uma pausa funda me prepara para o impacto de ver a fúria de Daniel dirigida para mim, mas quando, por fim, olho e compreendo, que nada do que eu tivesse feito teria me preparado para isto. Volta a ter o antebraço na parede, com a frente apoiada nele. Parece esgotado. A água segue caindo sobre as costas e, apesar de que estar quente, Daniel está tremendo. Minhas mãos decidem me despir antes inclusive que meu cérebro e lhes agradeço por esses segundos que me estão proporcionando. Ele nem sequer me olha, mas esta é provavelmente a primeira vez que está custando me despir em sua presença. Não me entretenho, na realidade, estou segura de que nunca tirei a roupa tão rápido.

Já nua, aproximo-me do box e entro no espaço da ducha sem dizer nada. Ele percebe minha presença imediatamente, apesar de que ainda não o tenha tocado.

— Saia daqui, Amélia. Não quero que me veja assim. Me parte o coração. Por que? Quero lhe perguntar. Ele é meu, aconteça o que acontecer, sinta o que sentir. Eu quero estar ao seu lado tanto quanto sinto que é o amor da minha vida e como ele acredita que este o destroçará para sempre. Mas sei que se o dizer não me acreditará. Tenho que demonstrar-lhe — Sshhh, tranquilo. Ponho

uma

mão

no

alto

das

costas

e

sinto

a

tensão

imediatamente, mas ele não se afasta e nem me pede que eu o faça. — Calma - repito, acariciando-o como se fosse um animal selvagem ferido gravemente. — Deixe que eu me encarregue de tudo. A água me salpica o torso e me queima a pele. Vejo que aparecem pontos vermelhos em meu corpo, mas apenas os sinto, o único que posso sentir é a dor e a angústia de Daniel. Tenho que encontrar o modo de fazer desaparecer esses sentimentos, embora seja só um momento, e não me ocorre nada mais poderoso que o desejo para conseguir.

— Lembra a primeira vez que vim ao seu apartamento. - Minha voz parece tranquiliza-lo. — Nessa noite me ensinou quão difícil é obedecer a uma pessoa. - Deslizo a mão pela omoplata muito devagar.

— Me pediu que me sujeitasse ao respaldo do sofá olhando a janela do duplex e que não me movesse. - Dou um passo para frente e meus seios lhe roçam as suas costas. Um tremor sacode seu corpo, mas não se move e segue em silêncio. — Se lembra? Daniel não me responde, mas assente levemente com a cabeça sem se afastar da parede.

— Contei-te alguma vez o que senti? - Daniel é muito alto para que possa lhe sussurrar ao ouvido nesta postura. Minha cabeça nem sequer chega aos ombros. Pego-me completamente a ele e coloco a mão esquerda em sua coxa. — Se apoie em mim. Não me incomodo que você sujeite todo o peso. - Empurro-lhe brandamente a coxa até notar que parte de seu peso descansa também em minha perna, muito bem. Ele solta o fôlego entre os dentes.

— Senti que queria lhe agradar. - Retomo minha confissão. — Que estava disposta a fazer o que fosse preciso para que você se sentisse orgulhoso de mim, que me desejasse uma milésima parte do que eu desejava você. Obedecer às suas ordens me liberou, senti que por fim podia ser quem era. Nunca havia me sentido tão bem, tão segura de mim mesma. Tão amada. - Me atrevo a acrescentar, apesar de Daniel nunca mencionar esse sentimento. Movo a mão direita para sua cintura e o sujeito com força até lhe cravar as unhas. Meus seios lhe roçam as costas e sei que ele pode senti-los.

— Quer se sentir assim, Daniel? – Mordo suas costas, primeiro brandamente e depois me assegurando de que lhe deixo minha marca.

Ele treme de novo. Afasto-me passo a língua por cima da pele que mordi. — Quer?

— Sim, - sussurra. — Por favor. Afasto-me um pouco e vejo que tem os ombros tão tensos que inclusive tremem e que está apertando tanto a mandíbula que terminará por fazer um estrago. Não posso tolerar que se comporte assim.

— De verdade, está disposto a me obedecer? Acha que será capaz? Retiro a mão que tenho em sua cintura e a deslizo até chegar a suas nádegas. As acaricio suavemente. Lentamente. Detenho-me na espinha dorsal e com os dedos percorro a linha que separa ambos os glúteos.

— De verdade acha que será capaz? — Sim. Treme tanto que tenho medo de que nós dois terminemos no chão, assim apoio com firmeza os pés no chão para evitar

— Fará tudo o que eu lhe diga? Passo a mão entre as nádegas até chegar a seu testículo. Estão tão apertados como o resto de seu corpo e os rodeio com os dedos.

— Me responda Daniel. Fará tudo o que eu lhe disser?

Aperto sem medo, sem machucar. Tem o membro tão ereto que vibra em cima de minha mão.

— Sim. Solto os testículo imediatamente e me parece ouvir um soluço escapando de seus lábios.

— Não será fácil. Tem que confiar em mim. Eu sei o que precisa, sei porque é o mesmo que eu necessito. Volto a lhe acariciar as nádegas e ele respira de novo mais tranquilo.

— Não pode me desobedecer de novo, entendido? Não diz nada e tampouco assente com a cabeça. Jogo a mão para trás e lhe dou uma palmada no glúteo. Daniel tenciona as costas como um arco e geme de prazer.

— Entendeu? — Outra vez. - Me pede entre dentes, lhe custando cada palavra. — Por favor. Dou-lhe outra palmada, mais forte que a anterior e me afasto para ver a marca de meus dedos em sua pele. Meu Deus, por que o resultado é tão excitante?

— Entendeu? - Ele segue tremendo e volto a apanhar seu testículo. — Responda-me, Daniel. Entendeu? - Ele assente. — Fará tudo o que eu te disser?

— Sim. — Diga-me isso. - Eu exijo, apertei de novo. — Quero saber se entende o que está me dizendo.

— Farei tudo o que me disser. — Me prometeu, com a respiração entrecortada. O solto os testículo e dirijo a mão para sua ereção. Percorro com um dedo e ele move os quadris para frente. Afasto a mão imediatamente e o sujeito pela cintura.

— Não se mova, Daniel. O tocarei quando eu quiser e onde eu quiser. Repete.

— Quando você quiser e onde você quiser. — Isso. Afasto os dedos de sua cintura e lhe acaricio os músculos do abdômen. Ele está completamente quieto.

— O tocarei quando eu quiser e onde eu quiser, porque só eu sei o que de verdade você necessita. Subo a mão até chegar a seu peito. Detenho a palma em cima do músculo que cobre seu maravilhoso coração e lhe atormento o mamilo.

— Vamos, Daniel, quero que repita. Mordo o mamilo e ele estremece.

— Só você sabe o que de verdade eu preciso. — Muito bem. Solto o mamilo e o recompenso depositando um beijo em suas costas. Sinto-o tremer e guio de novo minha mão para seu membro. Desta vez não o torturo, o aprisiono imediatamente entre os dedos e movo a mão para cima e para baixo. Daniel tenta adiantar os quadris uma só vez, mas se detém no mesmo instante em que nota que afrouxei os dedos.

— Sinta-o. - Diz com a voz rouca. — Por favor. — Me prometa que não voltará a tentar me jogar fora de sua vida e nem do seu lado. Ele aperta os dentes e todo seu corpo vibra de tensão contida

— Não posso. O meu coração deu um tombo e tenho vontade de gritar de dor. Ao menos não mentiu, penso. Talvez eu tenha me precipitado. Quando Daniel me possuiu pela primeira vez, não me pediu um impossível, só me disse que não me movesse. E, mesmo assim, eu fui incapaz de obedecê-lo.

Excedi-me, não posso lhe pedir que corra uma corrida quando está começando a andar.

— Está bem. - Volto a apertar os dedos ao redor de sua ereção e ele se relaxa um pouco. — Sshh, não aconteceu nada. É minha culpa, você está fazendo muito bem. Dou-lhe um beijo na omoplata e o ouço suspirar.

— Vou voltar a tentar. - Digo, sem deixar de tocá-lo. — Vou demonstrar que posso lhe dar o que você precisa, que sou capaz de cuidar de você. - Subo a mão que tenho na coxa da perna engessada de Daniel até sua cintura, para sujeitá-lo com força. — Você, em troca, só tem que me prometer uma coisa. - Levanto num momento essa mesma mão e lhe acaricio a nuca. Ele move a cabeça seguindo o movimento, procurando minhas carícias. Afasto-a, não porque queria deixar de tocá-lo, mas sim porque noto que ele volta a apoiar parte do peso em sua perna ferida. — Duas coisas, - me corrijo. Coloco de novo a palma na coxa e empurro a perna para trás até notar que voltou a descansar parte do peso em meu corpo. — A primeira: não volte a se machucar. Seu corpo me pertence. - Apuro os dedos ao redor de seu membro e o sinto tremer. — Seu prazer e sua dor são meus. Nada de se machucar, você está proibido. Se voltar a sentir a necessidade de dar um murro na parede, procure-me, pois tenho certeza que nós encontraremos um modo melhor de você desafogar. Não me importa ver você assim e me dói que queira me ocultar esta parte de você. Como se sentiria se eu tentasse lhe ocultar algo tão íntimo? - Não espero que me responda, o modo em que acelerou a sua respiração é resposta suficiente. — Pode me prometer isso, Daniel?

— Sim, lhe prometo isso.

Deslizei a mão acima e abaixo de sua ereção. Fascina-me senti-la tremer entre meus dedos. Excita-me ver que Daniel, efetivamente, não se moveu, que deixou seu prazer por completo em minhas mãos. Tenho o poder de negar-lhe de atrasá-lo ao máximo. Quero dar-lhe e fazê-lo feliz é a única coisa que me importa, mas antes devo ajudá-lo a superar a dor que o impulsionou a meter-se nesta ducha e golpear a parede até tirar sangre nas mãos.

— A segunda coisa que quero é que me prometa é que nunca vai mentir para mim. - Ele começa a negar com a cabeça, mas continuo antes que diga nada: — Não, me escute antes de acreditar que não sei que isto é exatamente o que precisa. Você não vai mentir nunca mais e tampouco vai me ocultar nada, porque eu nunca lhe perguntarei algo que não esteja disposto a responder. Conheço-o, Daniel, está dentro de mim. Quando entreguei-me, você, sem sabê-lo, também se entregou a mim, agora só estamos levando na prática. Ele moveu a cabeça de um lado a outro para seguir negando.

— É verdade e vou demonstrar isso por agora, sei o quanto está disposto a aceitar o aspecto físico de seu desejo, mas me basta isso para começar. Conheço-o, Daniel. Entregou-se para mim faz tempo, repito e movo com mais força a mão que tenho em sua ereção. — Estou convencida de que se lhe ordenar que não goze, não o fará. - Aperto os dedos e deslizo o polegar pela ponta de seu membro, em busca das gotas de sêmen prévias à ejaculação, que começam a acumular-se ali.

— Posso lhe masturbar durante horas, beijar suas costas, morde-lo. Pegar-lhe. E se lhe ordenar que não goze, não gozará. E sabe por quê? Porque você me pertence e quer me agradar. Ele separa os lábios para respirar e remove o antebraço para não gritar de prazer.

— Você me prometeu que não se faria mal, - lhe recrimino, afrouxando os dedos que estavam acariciando o seu membro.

— Sinto muito, sinto, - diz, afastando a boca imediatamente. — Sinto. Acreditava estar preparado para isto. - Acrescenta com o que parece um soluço. —Preciso de você, Amélia. Odeio não poder lhe ver o rosto e sei que tenho que remediar, mas agora Daniel está muito vulnerável e precisa que lhe demonstre que nada do que faça está errado, que aconteça o que acontecer, poderá contar comigo e eu estarei aqui. Amando-o.

— Calma, tranquilo, não aconteceu nada. Você se deu conta e consertou. - Volto a sujeitar seu membro entre minhas mãos, isso é o que importa. — Está fazendo muito bem. Ordenei que não gozasse e não gozou. - Sigo masturbando-o, mas com suavidade, deixando que desfrute de cada carícia, permitindo que sinta que eu o desejo tanto como ele. — Não goze Daniel, segue assim. Seu membro treme e permanece ereto. Tem os testículos completamente apertados contra o corpo. Se lhe der permissão, ejaculará imediatamente, mas sigo acariciando-o e o enlouquecendo de desejo. Daniel treme, o torso sobe e desce com cada respiração, aperta e afrouxa os músculos do abdômen e a perna em que se apoia vibra de tensão.

— Me prometa que será sincero comigo, que me dirá sempre a verdade e que responderá a todas minhas perguntas. Sabe que pode confiar em mim, querido. Acredite quando digo que nunca perguntarei nada que ache que não pode me responder. Pedi que você não se movesse e o tem feito à perfeição, - recordo. — Te pedi que não goze. -

Movo a mão para lhe demonstrar quão certa é minha afirmação. — Nunca pedirei algo que não possa fazer. Confie em mim e me prometa que me dirá a verdade. Me entregue essa parte de você. - Com a mão que não o estou masturbando lhe empurro levemente a cintura para que ele tenha a sensação de que está movendo os quadris. — Por favor, preciso tanto como você e sei que pode fazê-lo. Movo sua cintura um pouco mais, ao ritmo da mão que tenho em seu pênis.

— Eu te prometo isso. — Esta fazendo muito bem, querido. Afasto a mão de sua cintura e volto a levá-la à coxa da perna engessada, que sinto vibrar de um modo estranho sob minha palma. Sei que Daniel está muito excitado, ambos estamos, mas esse tremor não teve nada que ver com o desejo.

— Sua perna dói? Ele demora uns segundos para responder e noto a tensão nos ombros antes de fazê-lo.

— Não. — Não minta Daniel. Acabou de me prometer que sempre me dirá a verdade. Confia que saberei estar à altura de sua resposta. Ele segue em silêncio. Nós dois estamos completamente molhados e a água segue caindo sobre nós. Daniel tem a pele arrepiada, mas não é de frio e sim de desejo.

Sem lhe dar tempo se antecipar, dou-lhe um açoite sem deixar de masturbá-lo.

— É isto o que quer? Quer ejacular em minha mão enquanto bato em você, e reduzo o que está acontecendo entre nós a um jogo sexual? Movo mais rápido os dedos e me surpreendo ao descobrir o quanto furiosa e doída estou. Quão difícil vai ser o resultado de derrubar seus muros?

— Porque se for o que quer de verdade, não há problema.

Posso lhe dizer um par de tolices e o masturbar até o orgasmo. Gozará todo contente. Mas não conte comigo para mais nada. Eu não sou uma dessas mulherzinhas que são seduzias com seus jogos de posse. Eu sou de verdade e o que sinto por você é autêntico. E não deixarei que você goze até que o reconheça.

— Amélia, por favor, - sussurra entre dentes. — Por favor, o que? Meu corpo inteiro está grudado ao dele e tremo de raiva e de desejo. Estou cravando as unhas na cintura e a mão que o estou masturbando inclusive me dói da intensidade que imprimo em meus movimentos.

— Por favor, deixe que eu goze e converta isto em um áspero jogo sexual? Ou, por favor, me dê a oportunidade de lhe dizer a verdade? Se decida, Daniel. Se isto for só um jogo, quero saber o quanto antes para sair daqui. Oh, não se preocupe, me ocuparei de que goze, mas não voltaremos a nos ver mais.

— Não! Não vá.

Nunca o tinha visto tão excitado. Tem a pele do pênis esticada ao máximo e não deixa de escapar gotas de pré-ejaculação, mas nada mais. Está conseguindo conter seu orgasmo. Eu não sei se teria sido capaz. Sim, se Daniel me pedisse isso, seria capaz de me conter

— Já sabe o que tem que fazer se quiser que fique. Me diga a verdade, Daniel - lhe recordo. — A perna dói?

— Sim, muito. Solto sua ereção no mesmo instante em que termina de dizê-lo.

— Não! Não! Eu disse a verdade! - soluça exausto. — Eu sei querido, eu sei. Não estou lhe castigando. - Abraço-o pela cintura por detrás e lhe dou um beijo na coluna vertebral. — Vou cuidar de você, prometo isso, mas não quero que esteja sofrendo, explico devagar e ele parece acalmar-se. Minha intenção é me acalmar e pensar, e de repente me dou conta de que diante de mim há uma espécie de banco. Como pude estar tão cega. O muro em que Daniel esteve apoiado todo este momento termina em uma espécie de mureta, também de granito verde escuro. Em minha defesa direi que está tão bem integrado que parece fundir-se com a parede e com o chão, e com a água caindo a jorros em cima de nós é relativamente compreensível que não o tenha visto. Além disso, o desejo que embota meus sentidos, sem dúvida, tampouco, me ajudou.

— Dê a volta amor.

Daniel me obedece sem titubear.

— Sente-se. Coloco uma mão em um ombro e o empurro brandamente para baixo. Ele se senta no banco e eu o ajudo a estender a perna. Tem os olhos fechados e a cabeça apoiada na parede. Fecho a torneira da água. Há tanto vapor no banheiro que não notaremos o frio durante algum momento. E não quero que nada se interponha entre nossas peles, nem sequer as gotas da água. Deslizo a vista para baixo e me detenho em seu membro ereto. Com um dedo, o percorro da raiz à ponta e capturo na ponta uma gota de sêmen.

— Abra os olhos, Daniel. Ele os abre e os fixa nos meus.

— Tinha que ter me dito antes que doía, - brigo e vejo que ele aperta a mandíbula. — Por que não me disse?

— Porque não queria que deixasse de me tocar. — Você gosta que lhe toque? Antes não me permitia isso. Sempre me atava as mãos. Não faz falta que me explique por que, só me diga se você gosta.

— Eu gosto. — Me alegro. - Recompenso-o com um sorriso. — Eu gosto de muito de tocar você. Eu gosto de sentir como seus músculos tremem sob meus dedos, como você se move em busca de minhas carícias,

como se contém quando lhe ordeno isso. Isso é o que precisa, - afirmo,

— que não seja sua decisão. Ele se mantém inexpressivo, mas o brilho de seus olhos me confirma que acertei.

— Vai se masturbar diante de mim. Sim, Daniel, isso é exatamente o que vai fazer. Vai se masturbar diante de mim e vai me ensinar como você gosta que lhe toquem. Vai ensinar-me todos e cada um dos movimentos que lhe fazem perder o controle. E vai me dizer se você gostar de rápido ou lento, se prefere sentir um pouco de dor ou que as carícias sejam suaves. Vai se masturbar e me explicar o que sente a cada segundo. Seu membro tremeu diante dos meus olhos.

— E não vai mais gozar. Não tem direito a ejacular sozinho. Precisa de mim para alcançar o orgasmo. Repete.

— Não vou gozar. Não tenho direito de gozar sozinho. - Traga a saliva. — Preciso de você para alcançar o orgasmo.

— Bem feito, querido. Suas pupilas negras se dilatam ao ouvir a última palavra.

— Você fique aqui sentado, eu me apoiarei nessa parede. Assinalo a oposta. — E o olharei. Acha que poderá fazê-lo? Acaricio-lhe o cabelo.

— Eu confio em você, mas ainda não posso ler a mente. Se de verdade não pode fazê-lo, diga-me isso, quero cuidar de você e fazê-lo feliz, já pensarei outro modo de averiguar seus segredos. Posso tomar o mando, é o que ambos precisamos, mas não tenho poderes.

— Não quero decepciona-la, - resmunga. — Oh, amor, isso é impossível. É o homem mais maravilhoso do mundo, me excito só pensando em como tenho a sorte de estar contigo.

— Preciso de você, - traga saliva antes de continuar, — preciso ver você.

— Estou aqui, Daniel, não fui a nenhuma parte, - respondo confusa. Ele nega com a cabeça.

— Não, não é isso. Fecha os olhos e vejo que tenta encerrar-se de novo dentro de si mesmo.

— O que é Daniel? - pergunto lhe sujeitando pelo queixo. — Abra os olhos e me explique o que passa com você, juro que o farei.

— Não posso me masturbar sem pensar em você. Pediu-me que lhe explique como me tocar, mas não posso fazê-lo sem pensar em você. E se a tenho perto, não sei se poderei me conter. Precisarei toca-la e se não o fizer talvez não consiga terminar e então...

— Fique tranquilo, Daniel, fique tranquilo. - Coloco uma mão sobre o coração. — Não vai levantar-se deste banco porque eu lhe ordenei que ficasse aqui sentado. Ouviu? Não vai levantar-se, me dê a mão. Dá-me isso imediatamente e a guio até sua ereção. Se toque, ensine-me o que você gosta. Explique-me, me diga tudo o que lhe venha à mente. A única coisa que peço é que não me oculte nada. Pode fazer. Mantém seu olhar fixo no meu, não o afaste nem um segundo, aconteça o que acontecer. Afasto a minha mão da sua e sinto que Daniel começa a movê-la.

— Pode fazê-lo.

— Eu gosto de começar devagar, - diz Daniel entre dentes. — Imagino que não se atreva a me tocar, mas ao mesmo tempo não pode se conter. — Segue. Apoio-me na parede e mantenho o olhar fixo no dele. É o homem mais bonito e valente do mundo. — Se me excitar muito rápido me zango, - confessa, — e então me aperto até me machucar para me conter. Suas mãos fazem o que descreve suas palavras. — Sempre imagina alguém quando se masturba? Talvez estou aproveitando da debilidade que está me mostrando neste momento, mas se quero liberá-lo de seu passado, tenho que conhecê-lo. — Não. Nunca. Antes não pensava em nada. Executava os movimentos precisos para gozar e já está quase lá. - Move a mão de um modo distinto e compreendo o que está tentando me explicar. — Nunca tinha dado essa aula de poder a ninguém. — Quem tem o poder é você, Daniel. — É importante que ele saiba que é assim. — Não o esqueça.

— Imagino seus dedos sobre minha pele, me acariciando mais e mais rápido. Eu gosto que deslize o polegar pelo prepúcio e que utilize minhas primeiras gotas de sêmen para me masturbar mais devagar. Seus dedos me queimam, meu próprio sêmen faz com que escorregue sobre minha ereção até me fazer enlouquecer. Oh, Meu deus. Sinto que me encolhe o estômago e as minhas pernas tremem. Daniel tem a respiração entrecortada, mas eu não sei onde coloquei os pulmões. — Prossiga, - ordeno. — Quando achar que vou gozar, afasta a mão e me acaricia os testículo. - Faz exatamente isso. — Primeiro é delicada, mas quando eu começo a tocar os seus seios, me aperta com força. Levo uma mão aos seios e me dou conta de que meu corpo decidiu fazer realidade da fantasia de Daniel. Fecho o punho e me disponho a afastar a mão. — Não! - Exclama ele. — Por favor. Deixa que eu tenha isto, por favor. Não me moverei daqui e contarei o que sinto quando me masturbo. Obedecerei até a última de suas ordens, mas deixe que eu a veja. Deixe que eu siga imaginando que sou eu que a faz sentir assim. — É você, Daniel. Só você. De acordo, está bem. — Concedo. — Obrigado. — Mas não deixe de me olhar nos olhos nem um segundo. Espero que concorde e logo acrescento: — E não goze. Movo minha mão por cima de meus seios e ele volta a respirar.

— Que mais você gosta, Daniel? — Eu gosto que me aperte os testículos e que não me deixe ejacular. Deixe-me louco. Quero morder seus seios e devorá-los com beijos. Preciso sentir o tato de sua pele sob meus dedos, notar como treme. — Não, se não terminar de me contar o que você sente, deixarei de me tocar. — Detenho minha mão. — Estou a ponto de ejacular, estou tão excitado que tenho que apertar os dedos ao redor de meu pênis para dominá-lo. Preciso sentir essa pequena pontada de dor, se não, o orgasmo que resulta às vezes é inalcançável. Tenho que mover a mão para cima e para baixo, imaginando que é você, que me aperta para possuir cada uma de minhas reações. — Como? — Assim. Move freneticamente a mão por sua ereção, masturbando-se. Tem a testa molhada de suor e marcam seus tendões do pescoço. O torso vibra pelos movimentos repetitivos do braço. Seu pênis está ereto e clama por receber um pouco de paz. — Que mais? — Às vezes mordo o interior da bochecha para não gritar e porque essa dor me afasta durante uns segundos do final. — Não volte a fazê-lo nunca mais, —lhe ordeno.

— Outras vezes imagino que me crava as unhas nas nádegas. — E que bato em você, - sugiro. — Às vezes, - afirma. — E nos olhamos. Vai fechar os olhos, mas ele mesmo se detém antes de fazê-lo. — E o chicote? Imaginou alguma vez que eu o utilizo? —Não, - confessa entre dentes, — imaginei que me amarras. Que me queima com uma vela. A vela que tem ao lado da cama. — Alguma vez se queimou? — Não, não posso. Preciso que você o faça. — Que mais precisa? Vamos, Daniel, está muito perto, me diga que mais precisa para gozar. — Preciso imaginar seu aroma, seu sabor. - Move a mão desesperado, seu prepúcio não deixa de produzir pequenas gotas de sêmen, mas parece incapaz de chegar ao final. — Por favor, Amélia. Por favor. Ajude-me. Minhas pernas tremem ao me afastar da parede, mas caminho, decidida, até ele. — Só tinha que me pedir isso Daniel.

Deslizo uma mão entre as minhas pernas e suspiro ao notar quão excitada estou. Com dois dedos, tento capturar o aroma e a prova de meu desejo. As pupilas dele se dilatam até dominar sua íris ao ver que estou me tocando. — Deixe de se masturbar, - lhe ordeno e Daniel afasta a mão. Seu pênis treme diante de mim. — Separa os lábios. Abre a boca e seu fôlego quente acaricia meu rosto. —Não goze, - lembro, deslizando entre seus lábios meus dedos, úmidos de meu sexo. Daniel suspira de prazer e me lambe muito devagar. Treme todo seu corpo. Desliza a língua pelos meus dedos tentando capturar até a última gota de minha essência. — Me olhe. Não deixe de me olhar nem um segundo. É meu, lembra? Me abaixo devagar, até ficar de joelhos no chão. Não afasto a mão de sua boca e Daniel segue lambendo e sugando meus dedos, desesperado. Ouço seus suspiros e gemidos de prazer ressonarem no banheiro e compreendo que se quero fazê-lo meu de verdade preciso que se entregue muito mais. Agarro seu membro com a mão que tenho livre e o aproximo dos lábios. Com a língua capturo as gotas de sêmen que tem no prepúcio, igual como ele descreveu antes. Os músculos do seu abdômen esticam e flexiona os dedos da mão que não tem engessada. Noto seu olhar fixo em mim. Está me beijando os dedos que lambeu e devorou, como se precisasse deles para seguir vivo. Separo os lábios e aproximo seu pênis da minha boca.

Detenho-me um instante. Deslizo a língua pela lateral do membro e a detenho nos testículo. Os percorro do mesmo modo e sinto como se apertam ainda mais. Rodeio-o com os lábios e sugo com força para que sinta essa pontada de dor que diz necessitar. Já lhe demonstrarei quão equivocado está, que o único que precisa é para mim, mas hoje já avançamos muito. Sugo, devoro-o, percorro-o com a língua uma e outra vez. Daniel está no limite, todo seu corpo está tremendo e coberto por uma fina capa de suor. Não posso seguir atormentando-o. Afasto devagar os lábios de seu membro e o ajeito entre os dedos. Ele soluça sem dar-se conta. — Diga, Daniel. Diga que é meu e deixarei que goze. — Eu sou seu, Amélia. - Afirma sem titubear e neste preciso instante se dá conta do que disse. — Oh, Meu Deus. - Sua voz quebra. — Sou seu. Por fim ele entendeu. Ejacula sem prévio aviso. O sêmen que sai de seu membro não é nada ao lado das lágrimas que lhe escorregam pelas bochechas. Rodeiolhe a cintura sem me levantar do chão e me aproximo para que termine em cima de minha pele, que me marque como dele. Sei que Daniel precisa sentir que eu lhe ofereço a mesma vulnerabilidade que ele está me dando e não tento ocultar as lágrimas que também enchem meus olhos.

Seu orgasmo é eterno. Todo seu corpo se estremece com cada sacudida de prazer. O sêmen escorrega agora por meu torso e seu membro segue tremendo próximo a meu corpo. Daniel tem a boca entreaberta, mas de seus lábios não sai nenhum som. O que está sentindo é muito intenso, muito sagrado para lhe dar voz. Passam os minutos e noto que começa a se tranquilizar, assim que me levanto devagar do chão e sento a seu lado no banco. Ele está quieto, incapaz de acreditar no que fez e, ao mesmo tempo, mostrandose bastante valente para não querer negá-lo. Giro a torneira até dar a temperatura adequada da água e lhe lavo o torso e a perna em silêncio. Também me ocupo com cuidado de seu membro, que acaba de sobreviver ao orgasmo mais intenso e liberador de sua vida. Depois, ensaboo-lhe o cabelo com cuidado e lhe acaricio suavemente a nuca. Ele me olha com ternura e fascinação, como se fosse a primeira vez que me vê em muito tempo. Inclino-me e lhe dou um beijo nos lábios. Um gesto terno que está muito longe da descarnada entrega de antes, mas que é igual de intenso. Ocupo-me de meu banho em questão de segundos e depois retiro o sabão de ambos. Fecho a torneira e saio da ducha sem lhe dizer nada. Quando estou envolta em uma toalha, aproximo-me dele com outra e o ajudo a levantar-se. — Vamos. - Digo. — Tem que se deitar. Amanhã virá um fisioterapeuta muito exigente.

Acompanho-o ao seu quarto e o ajudo a se vestir com uma cueca e uma camiseta branca. Seu silêncio começa a me preocupar, mas vou cumprir minha promessa e confiar nele. Quando precisar me dizer algo, me dirá. — Boa noite, amor. - Dou-lhe um beijo nos lábios e me reconforta comprovar que Daniel me devolve isso sem duvidar. — Se precisar de mim, estarei lá em cima. Recolho as toalhas do chão e me dirijo para a porta. — Amélia? — Sim, Daniel? Volto-me com o coração apertado. — Eu gostaria de ser capaz de pedir que durma comigo. — Já me pedirá isso. Confia em você. É meu. Me olha nos olhos e concorda. — Sim, sou seu.

Brian Wise parece ter saido de Guantánamo, não de uma clínica de reabilitação. O fisioterapeuta impõe respeito com sua presença e suas diretrizes em relação à recuperação de Daniel são diretas e muito diretas. — Seu problema mais grave, senhor Bond, é que está você convencido de que é invencível. - Diz a Daniel, brigando como se fosse um menino pequeno, apesar de havê-lo chamado “senhor”. — Mas não o é. Ninguém o é. E até que meta na cabeça que se salvou por um milagre e que se algum dia pretende voltar a mover a perna e a mão como antes tem que fazer a recuperação, meu trabalho não servirá de nada. — Asseguro-lhe, senhor Wise. - Responde Daniel igualmente respeitoso. — Que sou muito consciente de minhas circunstâncias. Não foi você que ficou preso naquele carro. Mas não sou nenhum inválido e não vou começar a me comportar como tal, assim que lhe sugiro que melhore o tom que está utilizando comigo. — Daniel! — Não se preocupe, senhorita Clark. O senhor Bond não é o primeiro homem com complexo de super herói que cruza meu caminho. Ninguém está lhe tratando como se fosse um inválido e se de verdade olha assim, sugiro que venha um dia a minha clínica e comprove com seus próprios olhos. Esses inválidos, como você os chama, poderiam lhe dar lições de valor, coragem e força de vontade. No momento, você só

me parece um menino malcriado que se assustou porque viu que pode morrer. Mostre respeito pelas feridas que tem e por meu trabalho, e lhe asseguro que se recuperará. Daniel desviou o olhar para mim e eu demoro uns segundos em compreender que busca meu conselho. Concordo e ele solta o fôlego e aceita minha decisão. — De acordo, senhor Wise. Farei o que você disser. Comprometome a seguir suas instruções ao pé da letra. — Perfeito. - Wise junta às mãos e as esfrega. — A primeira coisas que temos que fazer é lhe tirar estes gessos. Daniel e eu o olhamos como se fosse louco. — Não me interpretem mal, antes o gesso era utilizado para tudo, assim como algo que ajudasse, mas agora o senhor Bond já tem os ossos soldados e o que tem que fazer é começar a exercitá-los. Bastará com que leve umas ataduras e com que não apoie a perna nem utilize a mão enquanto está em recuperação. E os pregos no joelho também ficam, sinto muito. — Você mesmo não pode lhe tirar os gessos? - Pergunto ao Wise. — Sim, claro, me deixe comprovar se tenho os aparelhos de tortura adequados. Procura em sua maleta e tira vitorioso uma espécie de serra em miniatura. — Uma das minhas preferidas.

— Está segura de que é o melhor fisioterapeuta de Londres? pergunta Daniel em voz baixa. — Segura. — Oh, vamos, senhor Bond, se tivesse vindo aqui e tivesse começado a lhe fazer bola e a tratá-lo com luva de seda, não me teria feito nem caso. — Talvez tenha razão, senhor Wise. — Me chame Brian, assim será mais fácil me insultar quando lhe estiver fazendo suar. — Chame a mim de Daniel, mas procure não me insultar. — Tentarei me conter. E agora, cale-se, não quero cortar sua perna por acidente. Daniel sorri e dou graças ao céu, ou ao doutor Jeffries, por nos haver recomendado o fisioterapeuta mais presunçoso, seguro de si mesmo e teimoso de toda a Inglaterra. Faz faltas essas qualidades para tratar com o Daniel. Brian corta o gesso e, depois de um ruído seco, parte-o pela metade e afasta as duas partes da perna. — Oh, meu Deus. —Levo a mão aos lábios ao ver as cicatrizes que lhe rasgam o joelho e que até agora estavam ocultas sob o gesso. — Deve ter doído. - comenta Brian. — Vou deixar que a pele respire um pouco antes de enfaixá-la de novo. Senhorita Clark,

importaria de me acompanhar à cozinha? Eu gostaria de lhe explicar como preparar as ataduras que vou pôr. — Claro, é obvio, e me chame de Amélia. Quando chegamos à cozinha, Wise abriu sua maleta, tirou umas ataduras e me passou sem nenhum olhar. — As ataduras são uma desculpa, a única coisa que tem que fazer é as apertar ao ver que afrouxaram. — De acordo, - digo intrigada. — Queria falar a sós com você porque, segundo minha experiência profissional, para que um paciente se recupere, tão importante é sua atitude como a da pessoa que está com ele. Não sei se me expliquei bem. — Perfeitamente. — Daniel é teimoso, mas tem muita força de vontade e está decidido a ficar bem em um tempo recorde, estou errado? — Não, não está errado. — Há pacientes cujos familiares tenho que aconselhar que pressionem o doente, que façam provocações para que não se acomode em sua enfermidade, mas no caso do Daniel é justamente o contrário. Não deixe que se exceda, uma coisa é fazer exercícios de reabilitação e outra extenuar os músculos. Tem que utilizar a bengala ou a muleta e procure que descanse, obrigue ele se for necessário. Se a lesão agravar, não haverá reabilitação e ficará desta forma para sempre.

Trago a saliva. — Entendido. — A mão não me preocupa muito. A julgar pelas radiografias, foi uma ruptura bastante limpa e os ossos se soldaram bem, mas esse joelho... é um milagre que possa sustentar-se em pé. Não pode forçá-lo de jeito nenhum. — Não se preocupe, Brian, asseguro de que não o faça. — Perfeito, me alegro de que estejamos de acordo. Voltamos os dois ao salão e Daniel arqueou uma sobrancelha ao nos ver. Estava com ciúmes. Eu gosto de vê-lo ciumento. — Vou tirar o gesso da mão e logo enfaixarei ambas as feridas. Hoje será melhor que não façamos nenhum exercício, mas amanhã pode comparecer a clínica às dez. — De acordo. — Como vejo que o dinheiro não é um problema em seu caso... acrescenta Brian, enquanto tira o gesso da sua mão. — Sim, já sei que é de mau gosto ser tão direto, mas não tenho tempo para tolices. - explica ao ver que Daniel o olha com ambas as sobrancelhas em alto. — Eu tampouco e eu gosto que seja direto. Em efeito, o dinheiro não é nenhum problema, continue. — Pensei que poderia comprar um par de barras de reabilitação e uns pesos e talvez inclusive uma maca. È fácil de encontrar algum lugar

onde as colocar. Assim poderia exercitar em casa e eu poderia vir aqui lhe fazer a reabilitação. —Me diga onde posso conseguir a classe exata de aparelhos que precisa, - ele pede, extremamente interessado. Brian está lhe enfaixando o joelho e vejo que aperta com força e que Daniel flexiona os dedos da mão. — Darei os dados do distribuidor que eu utilizo, mas demorarão vários dias para entregar. — De acordo; enquanto isso,irei à clínica. — Fantástico. Afasta-se para comprovar as ataduras. Depois de lhes dar o ok, começa a recolher suas coisas e deixa um cartão em cima da mesa. — Aqui poderá comprar tudo. Só lhes diga que tem o joelho roto e que Brian Wise é seu terapeuta e saberão o que precisa. Vemo-nos amanhã na clínica. Foi um prazer, Amélia, Daniel. - Se despede de ambos. — Não chegue tarde! Meus pacientes importantes fazem dez flexões a mais. Daniel ri. Sim, Brian Wise foi a eleição adequada. — Eu gosto dele. - Digo assim que o fisioterapeuta fecha a porta e, ao ver como escurece o olhar do Daniel, apresso-me a acrescentar. — Como profissional. Eu gosto como profissional. Acredito que é o fisioterapeuta perfeito para você.

Ele relaxa um pouco o nevoeiro, só um pouco. — Talvez, - reconhece. — É um irreverente. — Sim é, justo o que você precisa, Daniel. Exatamente o oposto do que tinha até agora. — Eu também começo a me dar conta disso. - Afasta o olhar um instante e, quando volta a fixá-lo no meu, o vejo firme e decidido, embora no fundo de seus olhos não conseguiu ocultar um pingo de medo. — Pensei que quando chegarem os aparelhos de tortura que Brian precisa, poderíamos colocá-los no andar de acima. Meu cérebro não consegue processar tal assalto e o coração para no meu peito. Poderíamos. No andar de acima. — O que lhe parece? - pergunta, ao ver que não digo nada. — Vai tirar a cama e o sofá? Antes de me permitir iludir, tenho que estar segura de que está insinuando o que acredito que está insinuando. — O sofá não, tenho-lhe muito carinho. E depois do que me disse ontem à noite, acredito que você também. Ruborizo. Desde que acordamos, é a primeira vez que um dos dois faz menção ao que aconteceu ontem à noite na ducha. Daniel fica em pé e agarra a muleta para aproximar-se de mim.

— Disse que se lembrava da primeira vez que veio a meu apartamento, quando lhe ordenei que não se movesse. Custa-me respirar quando ele está tão perto. — Não quero me desprender desse sofá por nada do mundo. - Ele acrescenta, muito perto de meus lábios. — E da cama? - insisto. — Quero te beijar. Eu morro por beijá-lo. — E a cama, Daniel, vai tirá-la? — Deixe que a beije. Estive tão absorta no que disse que não me dei conta de que está completamente imóvel diante de mim. Seus ombros desprendem tensão e treme ligeiramente o braço com que sujeita a muleta. Não vai se mover. Não me beijará sem minha permissão. — Vai tirar a cama? me responda. — Deixe que a beije. Arqueio uma sobrancelha e o olho furiosa. E excitada, embora este último tento ocultar. — Avisei para que não tentasse me manipular, Daniel. Se de verdade estiver disposto a se desfazer dessa cama e deixar que durma contigo, perfeito. Se não, não jogue com meus sentimentos. Quando

estiver preparado para enfrentar, de verdade, o que sentimos um pelo outro, diga-me isso. Não aproveite uma desculpa como essa. Estou lutando por você, Daniel, e exijo que faça o mesmo. Dormir com você, me beijar, tem que me pedir isso diretamente. Sem subterfúgios. — Me beije, por favor. — Assim está melhor. Levanto as mãos e seguro o rosto enquanto me ponho nas pontas dos pés. Mordo seu lábio inferior e noto que ele solta devagar o fôlego. Deslizo a língua muito devagar e espero que Daniel reaja. Mas ele segue imóvel e lhe dou um suave beijo nos lábios. E outro. Pequenos beijos cheios de ternura e de amor. Treme mais, inclusive, do que quando lhe mordi e começo a entender que são essas emoções que de verdade lhe dão medo e não que eu o domine. Acaricio-lhe as maçãs do rosto com os polegares e o ouço gemer. Outro beijo nos lábios, este um pouquinho mais longo, mas sem abrilos. Pouso minha boca sobre a sua e espero que Daniel absorva minha presença, que entenda que o nosso é para sempre. Começo a me afastar devagar e por fim separo os lábios em busca do beijo que de verdade quero lhe dar. Ponho-me ainda mais nas pontas dos pés para aprofundar o beijo tanto como me é possível, quero alagálo com meu sabor, me assegurar de que poderá recordá-lo em qualquer momento do dia. Encosto meu torso ao dele e nós dois estremecemos. Nossas línguas seduzem uma à outra e Daniel geme em meus lábios. Minha boca não quer afastar-se da dele. Ainda não o beijei o suficiente, mas sei que tenho que me afastar antes de que nenhum dos dois possa fazê-lo. Beijo-o com ternura uma última vez e, sem deixar de lhe acariciar as maçãs do rosto, ponho os pés no chão.

— Quer ir ao escritório? - Pergunto-lhe, porque ainda não estou acostumada a seu olhar depois que eu o beije ou o toque. Ele pigarreia antes de responder: — Sim. — Chamarei um táxi. Nem louca vou conduzir seu carro e você não pode ir andando até lá nem pegar o metrô. — De acordo. Afasto-me e chamo o porteiro para lhe pedir que nos busque um táxi. (Meio ano atrás, uma cena assim me teria parecido ridícula.) Volto onde está Daniel para pegar nossos casacos e ajudá-lo. Ele caminha apoiando-se firmemente na muleta e ficamos em silencio até chegar ao elevador. — Esta noite quero que durma comigo. - Me diz, olhando para frente. Estou tão surpresa que não posso evitar olhá-lo fixamente. Treme-lhe o músculo da mandíbula e tem as costas arremessadas para trás, como preparando-se para receber um golpe. Acreditava de verdade que ia rechaçá-lo? — Quero dormir com você. - Repete e o nó lhe sobe e desce pela garganta. — Tenho pesadelos e temo assusta-la, mas esta noite quero dormir com você. Diga-me que isso basta.

Oh, Daniel. — Daniel... - Levanto uma mão e lhe acaricio o rosto. Ele tenta afastar um segundo, mas depois se rende e busca a carícia. — É obvio que basta. Eu também quero dormir com você. Não se preocupe, se tiver algum pesadelo, nós vamos derrotá-lo juntos. O som do elevador marcou o final de nosso trajeto e essa demolidora conversa. No escritório todos estavam ansiosos para ver o Daniel. Eu observo, de um discreto segundo plano, como se ruboriza cada vez que alguém lhe aproxima para lhe dar um abraço e lhe desejar que se recupere logo. Ao que parece, nem ele, nem eu, tínhamos conseguido enganar a ninguém respeito da nossa relação e as pessoas do Mercer & Bond nos consideram um casal faz tempo. Suponho que não são os melhores advogados de Londres por nada. Daniel se encontra com Patrícia e sim, reconheço que sinto ciúmes, sigo acreditando que não sei toda a verdade sobre eles dois, mas confio nele e sei que o que sente por mim nunca sentiu por ninguém. De todos os modos, para evitar me pôr paranoica, aceito o convite de Martha de ir tomar um café com ela numa das cafeterias onde estava acostumada a tomar o café da manhã. — Tinha que ter me dito que estava com o senhor Bond e não com o Rafferty. Um momento, agora que é seu namorado, posso chamá-lo Daniel, não? — Não diga bobagens, antes já o chamava Daniel. - Rio.

— Sim, sei, só queria tomar ciência. Vá, vá, tenho que reconhecer que seu gosto em relação aos homens melhorou muito desde que mudou para Londres. Quando conheci o Tom nas bodas, custou-me muito acreditar que tinha estado a ponto de se casar com ele. Em troca, Daniel... Isso sim que o entendo perfeitamente. Se eu não estivesse casada... É brincadeira! Nós duas rimos. Realmente tive muita sorte de conhecer Martha. — Sim, quanto mais eu penso, mais me custa a entender o que vi em Tom. — Por certo, deixe que me desculpe de novo porque ele estava em minhas bodas. Juro que não tinha ideia de que estava saindo com a Barbara. — Não se preocupe. O mundo é um lenço, ou isso dizem. Além disso, foi muito bom vê-lo e falar com ele. Agora posso afirmar que definitivamente fechei uma etapa de minha vida. — Me alegro por você. — Obrigada. Vamos, me conte, como foi a sua lua de mel? O rosto de Martha se ilumina com um sorriso radiante e me relata as excelências dos hotéis e as praias de Tailândia. — Quando voltará para o trabalho? - Pergunta-me, de volta ao escritório. — Suponho que a semana que vem. Daniel começa a fisioterapia amanhã e quero acompanhá-lo.

— Deve ter passado muito mal no hospital porque não deixou que ninguém fosse visitá-lo? Coloco as mãos nos bolsos do casaco antes de responder. — Suponho que queria estar a sós com o Daniel. — Bom, seja como for, me alegro de que ele esteja se recuperando e de que você esteja tão feliz. Fazem um casal muito bom. A ele baba quando olha para você. — Não exagere. — Não exagero. E seus olhos escurecem. Daniel tem os olhos mais negros que já vi. Iguais aos de seu tio. Meu sangue gela. — Quando viu o tio de Daniel? - Pergunto a Martha, segurando-a pelo antebraço, antes de entrar no edifício do Mercer & Bond. — Ontem. Veio ao escritório e perguntou por você. Oh, Meu Deus. — Por mim? — Sim, disse que queria falar com você sobre o Daniel. Agora que penso... - meteu uma mão no bolso da jaqueta e tirou um cartão. — Deixou isto para você. Apanho parte do papel como se estivesse envenenado.

— Por que você o atendeu, onde estava a Patrícia? — Nos tribunais. Por que tinha a sensação de que Jeffrey Bond também estava ciente disso e que por essa razão tinha eleito aquele preciso instante para apresentar-se no escritório? — Aconteceu algo, Amélia? — Não, é obvio que não. - Vejo que não consegui convencê-la e me explico um pouco mais. — É que eu ainda não conheço o tio do Daniel, isso é tudo. — Bom, acredito que está a ponto de remediá-lo. Olhe, é aquele homem ali. Vejo um Rolls Royce onde acaba de descer Jeffrey Bond em pessoa. — Martha, sobe para avisar o Daniel. Rápido.

Tenho que reconhecer que Jeffrey Bond é um homem formidável. Nos seus setenta anos, tem os ombros tão largos e está tão forte como um homem de quarenta e as únicas coisas que delatam sua idade são as rugas que tem ao redor dos olhos e o cabelo e a barba grisalhos. Aproximo-me dele com passo firme e sem deixar de olhá-lo nos olhos e ele inclina a cabeça para indicar que me reconheceu e que está me esperando. — Boa tarde, senhorita Clark, é um verdadeiro prazer conhecê-la ao fim. - Me diz, quando me detenho diante dele. Leva luvas de couro negro, que não tira quando me agarra uma mão para aproximar-lhe aos lábios e me beijar o rosto. Um calafrio me percorre o corpo. — Lamento não poder dizer o mesmo, senhor Bond. Solta-me a mão e me sorri. — Vá, vá, ao que parece, desta vez o bom do Dany procurou uma mulher com garras de verdade. — O que quer? - pergunto-lhe, sem dissimular que não gostei do seu tom de voz ao mencionar Daniel. — Por que está me procurando?

— Um bom amigo meu a viu com meu sobrinho no baile de máscaras. - Me explica. Eu tento conter as náuseas que me provoca saber que uns desconhecidos espiaram um dos momentos mais românticos de minha vida. — Como bom tio que sou, perguntei quem era você. E tenho que lhe confessar, senhorita Clark, que não consigo entender o que faz uma boa garota do povo como você, com um homem como meu sobrinho. — Em vistas do que, decidiu vir me salvar? — Sim, é obvio, — puxa os punhos da camisa branca e aparecem umas preciosas abotoaduras de prata sob as mangas da jaqueta. — Daniel é perverso e retorcido. Tem umas necessidades... peculiares, acrescenta, me olhando aos olhos. — De pequeno já era assim. Destroçou-me a alma, mas durante um tempo tive que levá-lo ao psiquiatra. Fecho os punhos para conter a vontade que tenho de lhe dizer. — De verdade lhe pareço tão estúpida? A sério espera que acredite em toda esta fileira de mentiras? — Já sei, senhor Bond. Referia a seu papel de tio muito amante e preocupado por seu sobrinho. Deixe de pudor e de pantomimas. Nada do que você diga poderá me afastar do Daniel, assim me diga diretamente o que pretende e não nos faça perder o tempo a nenhum dos dois. Ou temo, senhor Bond, que irei daqui agora mesmo. — Daniel esteve internado num hospital psiquiátrico. Posso comprovar. Bravo! - Aplaude-me e me revolve o estômago. — Acredito que pela primeira vez na vida sinto ciúmes do bom Dany, senhorita Clark. - Solta uma gargalhada repugnante. — Não sabe quanto desfrutarei quando lhe deixar. Nem eu mesmo teria podido engenhar

uma tortura melhor para meu querido sobrinho. - Dá meia volta e faz um sinal ao chofer para que saia do veículo. — Diga ao Dany que deixe de farejar em meus assuntos. Ao Vzalo não tem feito nenhuma graça que falhou com o Jaguar. Oh, não me olhe assim, senhorita Clark, não me faça trocar a boa opinião que tenho de você. Ambos sabemos quem está atrás do acidente. Diga a meu sobrinho que se mantenha afastado de minhas coisas e de meus amigos. Sua última visita a Escócia levantou muitas suspeitas. — Ou o que? — Ou contarei a você, sua preciosa defensora, por que Laura se suicidou. O coração me sobe à garganta. — Se afaste dela, Jeffrey! O grito do Daniel retumba na rua. Ou talvez só em minha cabeça. Vejo-o avançar para nós com a muleta e jogando fogo pelos olhos. Treme de raiva e de fúria e, por um segundo, dirige ambas as emoções para mim. — Olá, Dany, vejo que segue tão patético e débil como sempre. Não se preocupe, a senhorita Clark o defendeu muito bem. Cuide para que esta não se suicide, menino? Daniel empalideceu e seu corpo desprende tanta ira que temo vá matar ao outro homem.

— Saia daqui, Jeffrey. Seus truques de psicologia já não me afetam. Se voltar a vê-lo perto de Amélia, encontrarei um modo de o destruir para sempre. — Não se eu o encontrar antes, Dany. Que tenha um bom dia, senhorita Clark. Pense no que lhe disse. Jeffrey Bond me sorri uma última vez e se mete em seu Rolls Royce para desaparecer no tráfico da cidade. Daniel se volta para mim e desata toda sua fúria. — Por que diabos se aproximou para falar com ele, Amélia? Tinha que ter me esperado. — Foram só uns minutos. — Ao Jeffrey basta isso, acredite. O que ele lhe disse? — Pediu-me para lhe dar uma mensagem. — Que mensagem? - resmungou, apertando a mandíbula. — Que deixe de farejar em seus assuntos. — Que mais? —Recua e me fulmina com o olhar. — Que mais? É impossível que se foi sem me ameaçar com algo. Que mais, Amélia? — Me disse que se não te mantiver afastado dele, me contará por que Laura se suicidou. Ele afasta a vista e solta uma maldição.

— Não volte a te aproximar dele, Amélia. Jamais. Entendido? Ah, não, é obvio que ia me aproximar do Jeffrey Bond. ia me aproximar tanto como fosse necessário para destruí-lo e impedir que fizesse mal ao Daniel ou a mim. — Reconheceu que Vzalo e ele provocaram seu acidente. Que diabos averiguou sobre eles, Daniel? — Nada. — Está mentindo, - sussurro — Está mentindo! — É obvio que estou mentindo! Tenho que protege-la. — Não! Temos que estar juntos, temos que confiar um no outro. Me conte o que sabe sobre Vzalo e Jeffrey, me explique o suicídio de sua irmã, assim seu tio não terá nenhuma arma para utilizar contra você. Sei que posso cuidar de você, que posso protege-lo. E você a mim. Mas para isso preciso saber a verdade. Apoiando-se na muleta, ele se afasta uns passos de mim. Pensa, nega com a cabeça e finalmente parece adotar uma decisão. — Disse-me que nunca exigiria que lhe contasse nada que não estivesse preparado para responder. — Seu tio o ameaçou. Confia em mim, Daniel. Conte-me tudo e asseguro que encontraremos um modo de enfrentá-lo. — Não posso, Amélia. Não posso.

— E o que pensa fazer? - pergunto-lhe, levantando as mãos. — Você vai seguir enfrentando sozinho os seus demônios? — Exatamente. — E quando precisar de algo mais? Voltará a se conformar em amarrar uma mulher a sua cama e lhe jogar um pó? — Bastou-me isso durante trinta e dois anos, assim, sim, me conformarei. — Não poderá, Daniel. Não poderá. - O peguei pelas lapelas do casaco e o puxei. — Precisa de mim. Sem mim nem sequer poderá se masturbar. — Isto não tem nada que ver com isso, Amélia. - Diz entre dentes, mas noto sua ereção. — É obvio que tem. O sexo é o único aspecto de nossa vida que está como tem que estar. É no único momento que reconhece que é meu. — Será que na realidade não o sou. Solto as lapelas e o empurro para trás. Cambaleia um pouco, mas mantém o equilíbrio. — Te juro, que quando se põe assim... — O que, o que me faria? Porque deixa que lhe diga que nada do que lhe ocorra poderá comparar-se com o que já me tenha feito.

Oh, Meu Deus, me encolhe o coração para ouvir a dor que destilam essas palavras. E estou segura de que Daniel não é consciente do que disse. Aproximo-me dele, que me observa com desconfiança. Coloco de novo as mãos em seu torso e me ponho nas pontas dos pés para beijá-lo nos lábios. Daniel suspira e treme da cabeça aos pés. Devolve-me o beijo, sua língua acaricia a minha sem temor e sua boca devora nosso gemido. Ele é o primeiro em afastar-se. — Tenho que ir, Amélia. — O que? Aonde? Em defesa do Daniel, tenho que reconhecer que demora uns segundos em me responder. É como se por um instante se expôs me dizer a verdade, mas ao final tivesse mudado de ideia. — Agora não posso lhe dizer isso mas confia em mim. Por favor. — Confio em você, Daniel, mas olhe para você. Está ferido e necessita uma muleta para caminhar. Não tenho nem ideia de aonde vai e me dá um medo atroz o perder para sempre. — Se não estivesse assim. - Me assinala a muleta e a mão enfaixada. — Sentiria o mesmo ou confiaria em mim? — Não faça isto. Sabe que confio em você. Ele toma ar e me olha fixamente aos olhos.

— Prometo a você que não me acontecerá nada. Se de verdade confiar em mim, demonstre-me isso. Tento entender o que está me pedindo, procuro em seu olhar a chave que me permita dar com a resposta acertada e protegê-lo ao mesmo tempo. — Está bem. De acordo. Vá aonde quer que tenha que ir. Daniel suspira aliviado. — Obrigado. — Mas esta noite, quando voltar ao apartamento... Porque vai voltar, não? — É obvio. — Esta noite, você terá que confiar em mim. Sem reservas. Sem limites.

Ver que Daniel pediu ao Frederick, o motorista da empresa, para levá-lo a um lugar desconhecido para fazer algo completamente misterioso, não me faz sentir nada bem. Admito, até mesmo, que estou tentada a parar um táxi e lhe pedir que o siga. Mas se faço isso, Daniel poderá acreditar que o traí que não confio nele. Então aperto os punhos e tento me acalmar. — Está tudo bem, Amélia? É Martha, que aparece no meio da calçada com o olhar preocupado. — Sim, estou bem. — E Daniel? Eu não sei e tenho vontade de sair correndo atrás dele, mas não posso. — Ele teve que sair, voltará mais tarde. - Respondo. Não quero envolver Martha na minha agitada vida sentimental. — Oh, bem. Você vai voltar para o escritório? David e eu gostaríamos que nos ajudasse com o Howell. O cretino apelou da sentença de divórcio. Diz que não pode pagar o que a sua ex - esposa lhe pediu. Como se possuir um castelo na Escócia fosse muito comum.

Escócia. — Tenho que ir, Martha. Sinto muito. — Ir? Agora? — Sim, desculpe, acabo de me lembrar de algo muito importante. - Peço desculpas a minha amiga e aceno para um táxi parar. — Eu estarei de volta na próxima semana, prometo. Pensarei no caso de Howell, tem que haver algo que podemos usar para convencê-lo a não recorrer e acatar a sentença. — Ligue para mim se você pensar em algo. David e eu estamos revisando os documentos do divórcio de cabo a rabo e até agora não encontramos nada. O táxi para e abro a porta. — Eu ligo para você. - Eu a abraço com o braço livre. — Vamos, vai embora! Martha sorri antes de se despedir e, quando fecho a porta, digo ao taxista que me leve para a Scotland Yard. O

prédio

da

polícia

de

Londres

é

impressionante.



atravessando a entrada me sinto intimidada, mas me dirijo decidida ao hall, onde se encontra a recepção. — Boa tarde, em que posso ajudá-la? - Pergunta-me uma policial muito amável.

Tiro o cartão da bolsa para que veja que não sou nenhuma louca e leio o nome como se soubesse de cor. — Eu gostaria de falar com o detetive Erkel, por favor. — Seria tão amável de me dar o seu nome, senhorita...? — Clark, Amélia Clark. A mulher digita umas teclas no interfone e alguém responde imediatamente. — Sim, a senhorita Clark está aqui. Quer falar com o detetive Erkel. Entendo. Obrigada. Deduzo que aguarda, porque toca umas teclas distintas, e espero sua resposta. — Espere aqui, senhorita, alguém virá buscá-la em alguns instantes. Eu suspiro aliviada e, depois de agradecer-lhe, sento-me em uma das poltronas do hall. Cinco minutos mais tarde, aparece o agente Miller. — Boa tarde, Amélia. É bom revê-la. Fico em pé para cumprimentá-lo. — Boa tarde, agente Miller. — Nathan, - ele me lembra. — Veio ver Jasper?

— Sim, queria lhe contar algo sobre o tio de Daniel. — Jeffrey Bond? — Ele arqueia uma sobrancelha e me olha muito interessado. — Sim, esta tarde ele veio me ver. Na verdade, acho que ele está me procurando há vários dias. — Temos que contar para o Jasper. Ele está em uma reunião, mas se você não se importar, podemos ir para outro lugar e esperar que termine. Aparentemente, eu não tenho influência suficiente para assistir a estes encontros das altas esferas. Graças a Deus! — Tenho que estar em casa daqui a duas horas, mas posso esperar até lá. Ou também posso lhe contar. - Eu sugiro. — Então, vamos. Se Jasper se atrasar, você me conta tudo e eu conto a ele mais tarde. Vamos a um pub não muito longe da delegacia de polícia e, a julgar pelo modo como o garçom cumprimenta Miller, o agente frequentemente vem aqui e eles lhe têm muita afeição. — Jasper e eu nos conhecemos aqui. — Oh, pensei que vocês tinham se conhecido na polícia. — Não, não realmente. - Nathan sorri. — Na verdade, quando nos encontramos na delegacia, ele quase teve um infarto. — Bem, acho que nenhum dos dois esperava por isso.

— Não, isso lhe asseguro. — Eu conheci Daniel em um elevador. Bom, não o conheci ali exatamente, mas foi onde o vi pela primeira vez. Eu ia a uma entrevista de trabalho e fiquei embevecida olhando para aquele atraente desconhecido. Ele teve que me avisar que o elevador tinha chegado ao meu andar. Naquele momento quis morrer de vergonha, mas logo me disse que não era para tanto, afinal, não ia voltar a vê-lo em toda minha vida. Mas não quero aborrecer você com a minha história, sinto muito. — Não, você não me aborrece. - Ele chama o garçom. — Eu vou tomar uma cerveja, já que não estou de serviço. E você? Água, uma taça de vinho, cerveja, chá? — Uma taça de vinho branco. - Escolho para a minha surpresa. — Boa escolha. Continue com a sua história, por favor. — Patrícia, a sócia da empresa que ia me entrevistar, é amiga de infância da minha mãe, então eu estava relativamente tranquila. Conversamos um pouco, ela foi muito agradável e ao terminarmos me disse que havia uma pequena formalidade: seu sócio tinha que dar a sua aprovação. — Deixe-me adivinhar, Daniel? — Ele mesmo. — Ah! E eu que pensava que a minha história com o Jasper fosse embaraçosa... — Ele tentou me convencer a ir trabalhar em outro lugar e quando não conseguiu, disse que faria todo o possível para me

despedir. — Vejo que no final mudou de opinião. — Mais ou menos. — Se serve de consolo, Jasper tentou pedir a minha transferência e trocar de parceiro. Eu movo as minhas mãos nervosa, não parava de suar e continuava inquieta, perguntando a mim mesma onde estaria Daniel. — Algo errado, Amélia? — Daniel me disse que tinha que lidar com uma coisa, mas não me deixou acompanhá-lo e também não contou o que iria fazer. Tem que apoiar-se em uma muleta para caminhar e só move bem uma mão. — E está preocupada com ele. E furiosa! Gostaria de lhe ordenar que não fosse a lugar nenhum e que lhe dissesse o que, diabos, ele está tramando sem você, ao seu lado, para protegê-lo. Nathan acaba de descrever perfeitamente como me sinto. — Sim, como sabe? — Porque Jasper fez algo parecido algumas vezes. — Eu vou ficar louca. Por um lado sei que tenho que confiar nele, mas por outro... — Por outro o prenderia à cama para sempre. Eu sei.

— Como Jasper e você fazem? Seu trabalho lhes põem em perigo constantemente e, além disso, ele é seu superior. Como é possível que aparentem tanta paz e tranquilidade quando estão juntos? — Direi ao Jasper que me disse isso. — Nathan esfrega a sua nuca, envergonhado. — Não sei Amélia. Não há nenhuma fórmula mágica que garanta a felicidade. Especialmente no nosso caso, acrescenta, olhando nos meus olhos. — Ele e eu tivemos um tempo difícil até aqui, mas aprendemos que uma coisa é o trabalho e a outra, nós. Em casa, Jasper sabe que vou cuidar dele, que anteciparei as suas necessidades, que tem que se entregar a mim para se sentir completo. Mas no trabalho, na delegacia de polícia, aprendi que ele sabe mais que eu, que seu instinto policial está mais desenvolvido do que o meu e, portanto, sou eu quem tem que confiar e seguir as suas ordens. Imagino que, no seu caso, seja um pouco parecido. — Sim, acho que sim. — A julgar pelo que Jasper me contou outro dia... - Bebe um pouco de cerveja e acrescenta: — Espero que você não se importe com isso. - Confirmo-lhe que não e ele segue: — Você nunca teve uma relação deste tipo com ninguém. — Não, nunca. — É claro que há certas coisas surpreendentes para você. Você passou sua vida assistindo aos filmes da Disney em que o príncipe valente, salva a donzela em perigo e, é difícil compreender que esse príncipe, então, peça à donzela em questão que o domine na cama. Uma coisa não está em conflito com a outra, por exemplo, Jasper é muito mais forte que eu e mais corajoso. O idiota inclusive ficou diante de uma bala por mim, mas em casa, necessita que eu esteja no comando. Não vou contar a fonte de sua necessidade nem a minha, mas acredito

que se você conseguir entender de onde nasce a sua e a de Daniel, entenderá todo o resto e deixará de se sentir tão confusa. — Sei, mas agora ele está ferido e há dois psicopatas que querem matá-lo. — Bem, certifique-se de que ele saiba que pode contar com você. Jasper sempre diz isso e ele me mataria se souber que contei isso para você, que nos momentos em que sua vida correu perigo, que são mais do que a minha saúde mental pode suportar, o que lhe deu mais força para confrontá-lo foi saber que ele pertence a mim. — Eu sei que Daniel pertence a mim, mas ele... Ainda tem dúvidas. Há momentos em que tem certeza, mas em outros... - Não vou lhe contar os detalhes. — Pois o pegue em um desses momentos de certeza e não o solte até que ele entenda que não pode seguir negando. — E como sei que isso é o que ele quer de verdade? E se tudo isso for só uma fase, uma moda passageira? — Por que diz isso? - Nathan olha para mim confuso. — A necessidade de dominar a pessoa que você ama ou de se submeter a ela não é uma moda passageira. É algo muito sério e não pode ser levado como brincadeira. Sim, há gente que o pratica como um jogo sexual, certo, mas esse não é o nosso caso. - Afirma, olhando nos meus olhos. Tenho que perguntar a alguém. Essa maldita pergunta há semanas vem me incomodando e Nathan parece um homem respeitoso, que levará a sério as minhas dúvidas. — No começo, Daniel era o dominante. Rompemos porque me

disse que precisava se entregar a mim, que eu o obrigasse a se render e eu lhe disse que não podia. E agora tenho medo de fazer isso, de levá-lo ao limite e que logo me diga que não é o que quer de verdade. E se ele não necessitar realmente de se entregar a mim e só estiver confuso? Nathan fica me olhando por um longo tempo e quando ele fala, suas palavras me deixam muda. — Quando vi você no consultório do doutor Jeffries, eu tive a sensação de que estava diante de uma mulher como eu e quando vi o Daniel no hospital, com aquela fita no pulso, entendi tudo. Talvez não signifique nada, não há nenhum radar infalível e sim, ouvi casos de pessoas que sentiram a necessidade de dominar e de ser dominadas. Quer que lhe diga se Daniel está confuso ou se realmente quer se entregar a você? Não posso, isso só você sabe. E acredito que já saiba essa resposta. — Tem razão, eu sei. Tenho que ir para casa. — Espere um segundo, o que você queria dizer ao Jasper? A atitude de Nathan muda completamente e ele tira uma caderneta e uma caneta do bolso da jaqueta. — O tio de Daniel me disse literalmente que Vzalo sabotou o Jaguar. — Merda, isso significa que não encontraremos prova nenhuma! — Eu pensei o mesmo. Mas, então ele me disse outra coisa, que dissesse ao Daniel que seus amigos não tinham gostado nada que ele farejasse nos seus assuntos da Escócia. Daniel foi a Escócia faz umas semanas. No táxi fiz uma lista dos arquivos que ele trabalhou no

computador. - Entrego um pedaço de papel. — Obrigado. - Ele diz, agarrando a nota — Daniel sabe? — Não. — Diga para ele, confie em mim. Jasper se parece muito com ele e lhe asseguro que ficaria furioso se descobrisse que agi pelas suas costas. — Mesmo se tivesse feito isso para protegê-lo? — Acredito que esse detalhe só pioraria as coisas. — Não sei o que Daniel averiguou na Escócia, mas sei que está, há meses, atrás do seu tio e seja o que for que encontrou é o motivo pelo qual tentaram matá-lo. — Merda! Voltarei agora mesmo para a delegacia e falarei com ele. — Obrigada, Nathan. — Não me agradeça por isso, você praticamente fez todo o trabalho. Tenha cuidado, Amélia, e nos chame, a mim ou ao Jasper, se acontecer algo. Eu não sou de dar conselhos, mas aqui vai um: respeite as decisões do Daniel, porque, e falo por experiência, se conseguir que um homem tão forte se entregue a você, ficará ao seu lado por toda a vida. Acredite em mim! Esvazio a taça de vinho para ver se assim me afrouxa o nó que sinto na minha garganta. — Ora, Amélia, que encontro tão inesperado. - Jasper me

cumprimenta realmente surpreso. — Olá, Nate. - Aperta-lhe o ombro e o tempo que deixa ali a mão demonstra que esse gesto significa algo mais. — Na delegacia de polícia me disseram que estava aqui. - Ele explica. — Amélia veio para falar com você. Descobriu algo muito interessante sobre Jeffrey Bond. —

Fico feliz. Na reunião, um dos vereadores me disse,

literalmente,

que

não

incomode

um

dos

patrocinadores

mais

importantes da sua campanha, quer dizer, o nosso prezado senhor Bond sênior. Quando me deu as costas, tive que me conter para não lhe dar um chute na bunda. — É bom, é sinal que nós estamos perto. Outro dia, Jasper pediu uma ordem para investigar uma das propriedades das empresas de Jeffrey Bond. - Ele me explica. — Diga ao Daniel que não procure mais por conta própria, que venha nos ver o quanto antes. — Tentarei. - Fiquei de pé e me despedi de ambos. — Muito obrigada por tudo, Nathan. Você me ajudou muito. — Já vai? Ainda não me contou o que você veio dizer. - Jasper nos olha confuso. — Vou lhe contar tudo, Jas. Amélia tem que ir. Eu vou, quero estar em casa quando Daniel chegar. Chego ao apartamento e, apesar de continuar preocupada com ele, alegro-me de que não tenha chegado. Procuro meu notebook e uma caderneta entre as coisas que Marina me mandou. Na caderneta anoto as poucas informações que fui recolhendo nos últimos dias sobre Daniel, seus pais, seu tio e a morte de sua irmã. Não são muitas, mas

agora que as vejo juntas são um relato arrepiante. Sublinho o que me contou o próprio Daniel: seus pais morreram em um acidente, seu pai e seu tio eram amantes, sua irmã se suicidou anos mais tarde e ele ficou com seu tio, que aos dezessete anos o atirou contra uma estante. Seu tio e ele se odeiam. Leva meses, anos talvez, investigando-o e, na Escócia, averiguou algo que pôs a sua vida em perigo. Reviso então a informação que tenho graças à polícia, mas que Daniel ainda não me contou: denunciou o seu tio pelo assassinato de Laura, embora depois que o internaram em um hospital psiquiátrico retirou a denúncia. Anos depois, denunciou o seu tio por um delito fiscal e o prejudicou muito financeiramente. Nunca menciona a sua irmã por seu nome: Laura. Tanto o seu tio como ele têm feito referência a algo que aconteceu no passado de Daniel e que o mudou para sempre. No tempo que passei com ele, aprendi o quanto é importante o que ele me diz, quanto, também, o que não me diz. Por que ele escolheu me contar estas coisas e não outras, pergunto-me, olhando para o que escrevi. Mas o que estou fazendo? Estou obcecada por informações, pelos fatos, quando teria que me concentrar no que senti quando me entreguei a Daniel pela primeira vez, no muito que eu o amei naquela noite, na Itália, ou na dor que sofri quando ele me abriu sua alma e eu o rejeitei.

Desde que Daniel despertou do coma, procurei uma desculpa para não fazer o que, de verdade, é necessário. Ouço o som da chave na fechadura. Não há mais desculpas!

— Olá, Amélia, desculpe o atraso. Nem sequer olho para o relógio. Todos os meus sentidos estão focados nele. — Nem mais uma palavra, Daniel. Ele para na porta e me olha confuso. Até agora sempre que tomei o controle foi porque ele me enfrentou, porque me provocou. É a primeira vez que eu o reclamo desde o começo. Daniel fecha a porta com a muleta e levanta uma sobrancelha. Ele não vai facilitar isso! — Faz uns meses, descobri que um dos negócios do Vzalo, no qual meu tio participa, é, na realidade, uma casa noturna especializada em sadomasoquismo e fetichismo. — Muito inteligente, contar para mim isto, precisamente agora, para ver se assim consegue controlar a situação. Como sempre. Sim, por fim me dei conta. — Do que está falando, Amélia? Estou dizendo que fui ver uma mulher que pode me proporcionar provas sobre Vzalo. — Muito bem. Amanhã chamaremos à polícia. Agora, cale a boca! Ele aperta os lábios com raiva.

— Sabe o quê? Sinto falta do Daniel sincero de antes. Sim, reconheço que houve dias em que não sabia se, ter conhecido você, tinha sido a melhor ou a pior coisa que tinha me acontecido na vida, mas ao menos sabia que era sincero comigo. Quando voltamos da Itália e me pediu que lhe obrigasse a se entregar a mim, a possuí-lo como você havia me possuído, eu fiquei assustada. Mas não pelas razões que você pensa. Entrei em pânico porque a minha mente foi inundada de imagens de tudo o que queria fazer com você, do prazer que queria que sentisse em minhas mãos, dos sentimentos que queria lhe arrancar. Foi muito, Daniel, e demorei uns dias para admitir que gostaria de fazer tudo isso que você tinha me pedido, que precisava dominá-lo. Mas o que você fez? Foi embora e me deixou sozinha durante semanas. Seco as lágrimas que correm pelas minhas bochechas. — Deixou-me sozinha, Daniel. E tinha prometido cuidar de mim. Disse que eu era sua! E eu acreditei e esperei. Esperei porque queria lhe dizer que sim, que você estava certo, que tinha visto algo dentro de mim que eu desconhecia e que não queria voltar a negar. Queria lhe dizer que era meu. Que eu o amava. Vejo-o engolir em seco. — Quando sofri o acidente, voltava para Londres. — Diz para mim, apertando os dentes. — Cale-se, Daniel! — Recordo-lhe. — Cale a boca! Durante esse tempo você me manipulou, fez com que eu acreditasse que tenho o controle quando, na verdade, você continua dominando o meu comportamento. Mas isto acaba aqui e agora. Devo estar fazendo o correto, porque o brilho que vejo em seus

olhos não pode ser fingido e agora mesmo estão ardendo. — Entendeu Daniel? É meu e vai fazer o que eu digo. Chega de jogos e de desculpas. Esta noite você se entregará para mim de verdade ou sairá da minha vida para sempre. Ele assente com a cabeça sem dizer nada. — Vá para o quarto e sente-se na cama! Aperta os dedos com que segura a muleta e, depois de me olhar nos olhos por um instante, dá o primeiro passo. Eu o sigo, observando suas costas, suas nádegas. Não lhe ofereço ajuda e tampouco fico em torno dele como se quisesse ajudá-lo com dissimulação. Simplesmente, caminho atrás, deixando que ele marque o passo. Tal como eu disse, senta-se na cama e espera que eu volte a falar com ele. — Vou despi-lo. Quando você obedecer melhor as minhas ordens e estiver recuperado de suas feridas, vou pedir que você se dispa sozinho, mas hoje quero fazer isso. Tenho que me assegurar de que o curativo não está frouxo. Daniel tem a cabeça baixa e o queixo apoiado no peito, que sobe e desce devagar. Nunca o vi tão tranquilo como quando segue as minhas instruções. Coloco-me entre as suas pernas e tiro o seu pulôver pela cabeça. Ele treme ao notar que meus dedos se deslizam pelo seu abdômen e pelo seu peito, mas não paro de acariciá-lo. No momento só quero despi-lo. No chuveiro lhe custou muito mais se distanciar de mim e não quero que tenha nenhuma proteção contra o que me disponho a

fazer. Eu me ajoelho e tiro as suas botas e as meias, desabotoo-lhe o cinto e abro o zíper das calças. Ele está muito excitado e isso porque é a primeira vez que toco nele. Com a palma da mão apoiada em seu peito, empurro-o com cuidado para trás para que ele apoie os antebraços na cama. — Levante os quadris! Obedece sem questionar e tiro a sua calça e a cueca. Detenho o olhar em seu joelho praticamente destroçado e me agacho para lhe dar um beijo. Daniel solta devagar o ar que retinha nos pulmões e flexiona os dedos sobre o lençol. Apesar de estar muito excitado, ignoro por completo a sua ereção. Levanto e coloco a minha mão na sua para que solte o lençol e entrelace os dedos com os meus. — Venha, deite-se na cama! Ele aperta os meus dedos e durante um segundo acredito que vai dizer não, mas, no final, ele se inclina para trás até ficar no meio do colchão. Sem lhe soltar a mão, levo-a até a cabeceira da cama e a amarro ali com uma das fitas de seda negra que ele mesmo usou para me amarrar. Quando estou convencida de que o nó está forte o suficiente, eu me viro e faço o mesmo com o pé ileso, ato-o à cama com a outra fita. Paro por um segundo. — Eu vou amarrar esta perna. Farei porque sei que é o que você necessita, mas se doer, embora seja só por um segundo, tem que me dizer. Eu preferia não atá-lo...

— Não, por favor. Levanto a vista para encontrar seus olhos. — Eu disse que não podia falar Daniel. - Eu o repreendo. — Amarre-me, por favor. Não faz calor, mas ele tem o peito coberto por uma camada de suor. Seu pênis treme ereto, junto ao seu abdômen, e o músculo da mandíbula está prestes a explodir. Seus olhos estão tão negros que parecem dois oceanos no meio da noite. Aproximo-me e passo os dedos pelo seu cabelo. — Fique calmo. Quanto necessita? Responda-me. Ele suspira, respira tranquilo e inclusive contém um gemido. — Muito. — Está bem. - Aceito. Volto ao pé da cama e lhe movo a perna ferida, várias vezes, até me assegurar de que está colocada de uma forma que não possa machucálo. Rodeio seu calcanhar com uma extremidade da fita e ato a outra ao pé da cama. Não lhe pergunto se quer que deixe livre a mão que falta, porque me olha com tanta ânsia e desespero que eu amarro, com muito cuidado, o seu punho à cabeceira.

— Isto é para você, Daniel. Tem que aprender a confiar em mim. Basta de tolices. Se doer, quero que me diga, certo? Está aqui porque finalmente está preparado para se entregar a mim, não porque qualquer um de nós goste de machucar o outro. Ele balança a cabeça e envolve a fita de seda com os dedos da mão ilesa. — Agora vou me despir e quero que você me olhe nos olhos o tempo todo. Ficarei nua porque você e eu somos iguais. Nós somos igualmente vulneráveis. - Enquanto falo, tiro a calça e a blusa. Fico de calcinha e sutiã e espero por uns segundos, mas nunca deixo de sentir o seu olhar sobre a minha pele. Não deixou de me olhar nos olhos. Vou até a mesa de cabeceira e acendo a vela. Daniel morde o lábio inferior e arqueia levemente as costas. É a imagem mais sensual e viril que eu já vi. Aproximo-me da entrada do quarto e apago as luzes. A luz da cidade que penetra pela janela e a vela, são mais que suficientes para que nos vejamos. Volto para a cama, Daniel segue os meus movimentos com os olhos. Sento ao seu lado, à altura da sua cintura e pego a vela da mesinha. — Vou fazer umas perguntas. - Explico olhando para a chama. — E você irá responder. Feche os olhos. Ele fecha e tenta controlar a respiração.

— Nas primeiras vezes que fizemos amor, porque não podia me olhar nos olhos? Sei que poderia ter feito, e não quero insultá-lo insinuando outra coisa. Nathan tinha razão, se quiser que Daniel se entregue a mim, tenho que respeitar a sua força. Aproximo-lhe a vela do peito e derramo umas gotas. Ele fica tenso e joga a cabeça para trás. Cerra os dentes e noto que respira com dificuldade. — Porque não queria me importar com você. É perigoso. — Por quê? Para quem? Derramo umas gotas mais para baixo, no caminho para o seu umbigo. Daniel geme e sua testa fica coberta de suor. — Para mim, para nós. Porque não queria feri-la ou ser ferido por você. — E eu fiz isso. Desculpe. - Sussurro. — Quando voltava para Londres, se não tivesse sofrido o acidente, o que teria me dito? Mais umas gotas logo acima da sua pélvis. Olho o membro de Daniel e vejo que está tão ereto, morrendo de vontade de fazer amor comigo! — Que você não precisava fazer nada e que nós poderíamos voltar a ser como antes. Ou sermos um casal normal.

— Teria sido feliz assim? Deslizo a vela perto da sua ereção para que sinta o calor que desprende da pequena chama, mas no final deixo as gotas de cera cairem no seu quadril. — Não, mas teria me conformado. Preferia continuar ter você ao meu lado que ficar sozinho, sem você. Sento sobre ele e Daniel volta a arquear as costas. — Abra os olhos e me olhe! Ele os abre, estão completamente negros e me devoram. — Não volte a se conformar com nada, nem sequer comigo. Inclino a vela para um lado e as gotas de cera caem em cima do seu peitoral. Aproximo a mão que não segura à vela sobre a sua ereção e capturo as gotas de sêmen que estão na sua ponta. Levo o dedo aos lábios e deixo a minha língua sentir o sabor de Daniel. Movo os quadris para que ele note o calor que desprende do meu corpo, o desejo que sinto. Guio a vela de novo para o seu peitoral e derramo mais cera que antes. Daniel aperta os dentes e todo o seu corpo fica tenso. — É verdade que esteve internado em um hospital psiquiátrico? Ele abre os olhos de repente e me olha assustado. Sim, continua muito excitado, mas o medo que sente também é evidente.

Aproximo a vela do braço que amarrei primeiro à cabeceira e não paro até chegar ao pulso, exatamente onde deveria estar a minha fita. Não derramo umas gotas de cera, mas sim guio a chama acesa até a parte interior do seu pulso. Tem que doer. A pele está ficando vermelha. — Sim. Afasto ligeiramente a vela, mas o suspiro que sai dos lábios dele não é de alívio, mas sim de tristeza. — Não queria que acreditasse que sou louco. - Sussurra pesaroso. — Jamais acreditaria em tal coisa, Daniel. Ele desvia os olhos do meu rosto para a marca avermelhada que tem no pulso e rezo para interpretar bem o que significa. Aproximo de novo a vela e volto a colocar a chama onde estava. Ele geme de prazer e fecha os olhos. Está consciente de que eu saberei determinar quanto é o suficiente, quando terei que afastar a chama para evitar que ela a machuque de verdade. — Quanto tempo...? Não posso nem terminar a pergunta. — Dez meses, até que fiz dezoito anos. Afasto a vela e vejo que a marca de antes está mais avermelhada, mas a pele segue intacta e não se queimou. — Está fazendo muito bem, amor. Só mais uma pergunta.

Derramo cera sobre seu esterno, justo entre os seus peitorais, e sinto que seu pênis vibra debaixo de mim. — Eu teria gostado da sua irmã? Daniel abre os olhos e tenta fixá-los nos meus, mas está tão excitado que lhe resulta impossível. — Sim, muito. Deixo cair umas últimas gotas ao redor do seu umbigo, muito perto do prepúcio, e ele estremece. — Agora vou me levantar. Ele me olha assustado. — Vou tirar as minhas roupas e fazer amor com você. Ainda não o senti dentro de mim desde que você despertou e sinto a sua falta. - Digo com sinceridade. Eu tiro o sutiã e a calcinha. Volto a sentar em cima dele e seguro seu pênis entre os dedos de uma mão. — Sabe o que o meu instinto está gritando, Daniel? Que o solte e cure as queimaduras da vela, mas não vou fazer isso porque sei o que você necessita. Você mesmo disse isso, mas eu o advirto que quando terminarmos, quando tiver lhe dado o que quer de verdade, eu vou examiná-las. Ele concorda.

— Não estava pedindo a sua permissão, simplesmente, estava explicando como vão ser as coisas. Eu não tenho que lhe pedir permissão. Seguro o seu pênis com mais firmeza e o deslizo para dentro de mim. Dói um pouco. Daniel está muito excitado e faz semanas que não entra no meu corpo. Movo os quadris devagar, para que deslize com mais suavidade. Eu tenho os olhos abertos e vejo que ele fecha os seus e joga a cabeça para trás. Pego de novo a vela que deixei no criado-mudo e derramo umas gotas no seu peitoral. — Abra os olhos e me olhe! Vou me mover em cima de você, quero sentir como se excita dentro do meu corpo, notar as primeiras gotas da sua ejaculação deslizando dentro do meu sexo. Moverei os quadris, tocarei os meus seios, farei tudo o que for necessário para alcançar o orgasmo. E você não vai se mexer. Começo a cumprir as minhas ameaças. Movo os quadris em círculo e noto que os seus tentam seguir os meus movimentos, apesar das fitas de seda que o imobilizam. Endireito-me um pouco e me detenho por um segundo para logo descer mais devagar. A cada movimento, o membro de Daniel estremece dentro de mim e produz mais gotas de sêmen que facilitam os meus movimentos, mas não se move. Suas pupilas negras estão fixas nas minhas e mordo o meu lábio inferior para não gemer. Ele faz o mesmo. Aproximo minha mão da sua boca para impedir que se machuque e ele morde meus dedos e os lambe. Eu gosto disso, isso me excita mais do que posso suportar. Mas eu

estou no comando e Daniel não pode tentar recuperar o controle cada vez que se assustar pela intensidade do que está sentindo. Derramo mais cera em seu peito. Ele solta meus dedos e joga a cabeça para trás. Seu pênis estremece de tal forma que acredito que vai se mover, mas se contém. — Não sei por que não ejacula. - Eu o provoco, erguendo-me até que seu membro está a ponto de sair do meu corpo. — Afinal, sempre que está a ponto de se render a mim completamente, tenta fazer algo para se libertar e retomar o controle. Se de verdade fosse meu, se de verdade estivesse disposto a me pertencer, não me provocaria desta maneira. Diga-me, Daniel, porque não se mexe? Movo os quadris com determinação, porque preciso alcançar o orgasmo. — Você gostaria de ser usado, que eu só recorresse a você para sentir prazer, que eu o mantivesse a margem do resto da minha vida? Responda-me! — Não. Umas gotas a mais de cera e ele fica tão tenso que acredito que vai se partir ao meio. — Então, porque tenta fazer isso comigo? — Tenho que protegê-la! — Proteja-me do seu lado e termine com esta tortura. Ambos estamos sofrendo, Daniel, não percebe?

Inclino-me para ele e enrolo os dedos da mão que está livre na nuca dele, obrigando-o a me olhar. Meus seios estão próximos ao seu peitoral e há apenas uns centímetros separando nossos rostos. Mantenho-o imóvel e aproximo a vela. Inclino-a ligeiramente e as últimas gotas de cera se deslizam entre nossos torsos, nos queimando, nos unindo de outro modo. — Sinto o mesmo que você, Daniel. Preciso do mesmo que você. Perdoa-me por não ter entendido isso quando voltamos da Itália. A cera me está queimando, mas vale a pena só para sentir seu coração pulsando no mesmo ritmo que o meu. — Volta a me pedir que faça você meu! — Deus, Amélia! Basta! — Não. - Solto o seu cabelo e aproximo a chama, que ainda queima do seu ombro. Ela queima. Eu sei. — Se entregue a mim! Não esconda a dor que sente, dê-me isso e eu a converterei em prazer. — Não. — Você quer. Precisa fazer. — Não. Levanta os quadris em busca do orgasmo, sabe que se ejacular eu ficarei furiosa e não posso permitir já que chegamos até aqui e não deixarei que se renda agora. Afasto a vela do seu ombro e a deslizo pelo braço que não

atormentei antes. Caem novas gotas de cera em seus bíceps. — Não pode mais, Daniel. Renda-se a mim, estou aqui para sustentá-lo. Todas as vezes que você precisar. Não posso queimá-lo mais, seu tronco está praticamente coberto de cera e tem duas marcas avermelhadas da chama da vela, uma na parte interior do pulso e outra no ombro. Ele deve notar que estou duvidando e move freneticamente a cabeça de um lado para o outro. — Não me abandone, Amélia! Por favor! Não se dê por vencida! — Fique calmo! - Solto o seu cabelo da nuca e acaricio sua bochecha. — Você é meu, recorda-se? Não irei a nenhuma parte. Olhe nos meus olhos, Daniel, e respire devagar. Muito devagar. Seu coração pulsa muito depressa e seu pênis está tão ereto que nunca me senti tão possuída. Faço círculos com os quadris e pouco a pouco ele vai se acalmando. A vela está apagando, mas a chama ainda arde. Daniel tem o braço e o bíceps tensos, marcados. Como seu pulso está atado em cima da cabeça, a sua axila fica descoberta. Aproximo a vela da parte interior do bíceps e espero que ele sinta a chama acariciando sua pele. — Concentre-se no calor que sente no braço, Daniel. A chama primeiramente esquenta a pele, mas aos poucos vai queimando você. Sussurro, ao mesmo tempo em que me levanto um pouco para descer depois lentamente sobre o seu membro. — Ela o queima, mas é uma sensação agradável. Prazerosa inclusive, embora em questão de segundos arda. Note que a pele se avermelha e que o fogo está devorando você. Dói, mas, você é incapaz de se afastar da dor, uma

parte de você necessita disso. Mas agora não, Daniel. Agora eu estou aqui. Seguro a vela sobre os bíceps para que a chama o queime durante um segundo. — Você já não necessita desta dor. - Afasto devagar a vela e a aproximo dos meus lábios. — Vou assoprar e quando a chama apagar, você se moverá dentro de mim e se renderá por fim. Sopro. O orgasmo de Daniel nos abala, provocando em mim o maior que já tive na vida, enquanto ele não deixa de repetir o meu nome. Às escuras, ainda preso à cama, exausto pelo desejo, sussurra: — Eu me rendo!

Pela manhã, despertamos mais tarde que o habitual e, Daniel vai à clínica de reabilitação de Brian Wise, sozinho. Quando acordamos nos sentimos um pouco desconfortáveis durante um momento, mas ele me deu um beijo, saiu da cama e foi preparar o café da manhã, então deduzo que estamos bem. Eu gostaria de acompanhá-lo à clínica, de estar lá para escutar os conselhos e as instruções de Brian, mas Daniel quer ir sozinho e depois do que passamos, ultimamente, finalmente aprendi que tenho que respeitar esse tipo de decisão dele. Agora estou em casa, revisando os arquivos Howell que Martha me enviou. Não fui ao escritório porque quero estar aqui se, por acaso, Daniel precisar de mim. Sei que na semana que vem terei que voltar para a minha rotina, mas espero que até lá a minha vida esteja menos dramática que agora. Olho o relógio do computador e vejo que faz mais de uma hora que Daniel deveria ter terminado. Não devo me preocupar, mas não posso evitar. O divórcio dos Howell não é suficiente para me distrair e não demoro a desistir. Em cima da mesa, onde improvisei o meu escritório, está o cartão que Brian nos deu e ligo para encomendar as barras e os pesos. Apesar de me deixar furiosa, eu admiro muito a determinação de Daniel de se recuperar. Como disse Brian, há pessoas que ficam deprimidas, outras recriam as lesões para conseguir a atenção dos seus entes queridos. Ele não: Daniel fica na defensiva se eu me preocupo demais ou insinuo que necessita da minha ajuda.

Ouço a chave e, como ontem, não posso evitar de sorrir. Daniel já está em casa. Estou impaciente para que ele me conte como foi, o que Brian disse sobre o joelho e a mão. Provavelmente vai querer tomar banho, mas talvez depois pudéssemos passear ou a... — Como diabos você se atreveu a ir falar com a polícia sem mim! Pergunta-me furioso, deixando cair à bolsa de esporte no chão. Eu fico em pé e me aproximo dele. — Não, não dê nem um passo a mais. - Ele me ordena, apertando os dentes. — Acreditava que pudesse confiar em você. — Pode confiar em mim! Estou em pé diante do sofá, mas a tristeza e o rancor que impregnam a sua recriminação me machucam. — Saía da clínica e sentia pela primeira vez em muito tempo que começava saber quem eu era que finalmente tudo parecia encaixar em minha vida, quando o detetive Jasper Erkel me ligou. Engulo saliva e Daniel coxeia até mim. Em qualquer outro homem, essa claudicação poderia parecer um sinal de debilidade, mas em seu caso só o faz mais forte. Mais decidido. — O que ele queria? — Não posso acreditar que você tem a coragem de perguntar isso. - Deixa cair à muleta ao chão e se coloca junto ao sofá. — Embora suponha que isso é a única coisa que importa para você, descobrir o

que pretende o meu tio, eliminar a ameaça que paira sobre a minha vida. — É obvio que eu me preocupo. - Digo, olhando-o nos olhos. — Não quero que aconteça nada de ruim com você. — Ontem de noite você encheu a boca para dizer como é importante que agíssemos juntos, que não ocultássemos nada entre nós. - Senta-se no sofá ao meu lado, mas seu corpo emana tanta raiva que não ouso tocá-lo. — Você me obrigou a fazer algo que não tinha feito e ir a um lugar dentro de mim que fazia muito tempo que não me atrevia a visitar. E tudo para nada! — Não, Daniel! - Minha voz fica embargada pelas lágrimas. — O detetive Erkel queria me comunicar que uma das empresas que investiguei na Escócia, e cujos nomes, ao que parece, você entregou para eles, ontem, é, na verdade, a cobertura que Vzalo utiliza para vender armas no mercado negro. Hoje mesmo o prenderão. — Isso é maravilhoso, Daniel! — Você me fez sentir como um idiota, como se eu não pudesse cuidar de mim sozinho. Eu já sabia dessa empresa, mas estava reunindo mais provas para poder apanhar não só Vzalo, mas também o meu tio e os outros possíveis sócios que os dois pudessem ter. Agora, por sua culpa, porque decidiu atuar sem me consultar, sem respeitar a minha decisão e o meu critério, meu tio não só tornou a escapar, mas também estará mais alerta do que nunca. Para que serve eu me entregar a você, confessar os desejos mais íntimos da minha alma, se depois sou menosprezado desta maneira? — Não, Daniel, você não entende. - Insisto com voz trêmula.

— Tem razão, eu não entendo. — Eu estava errada, sei disso. Sinto muito! —

Tenho

a

sensação

de

que

você

se

engana

muito

frequentemente, Amélia. Muito, talvez tenha chegado o momento de ambos, reconhecermos que não podemos continuar. Oh, Deus, não! O que eu fiz? Jasper e Nathan me advertiram de respeitar Daniel. Inclusive Marina, que não sabe nada deste tipo de relação, me disse que não podia tratá-lo como se estivesse indefeso. E isso é exatamente o que tenho feito. Frenética, desesperada para evitar que Daniel ponha um ponto final ao nosso relacionamento, volto-me para ele. — Não, Daniel. Você e eu temos que ficar juntos. Sabe disso perfeitamente! — Você realmente acha que falando assim vai conseguir algo? Ele zomba. — O tom autoritário, as ordens, só funciona quando desejo me entregar a você. E agora não me ocorre nenhum motivo que devesse fazer isso. Você falhou comigo, Amélia. Outra vez! — Você não me disse aonde foi e estava preocupada.

- Eu me

defendo. — Hoje iria contar isso, mas não tive tempo. — Não acredito em você! Eu me aproximo dele e em um ato quase instintivo o seguro pela nuca e o obrigo a me olhar.

— Tem que acreditar Daniel. É a verdade! Ele aperta os olhos, que estão completamente negros. Tem a respiração acelerada e umedece os lábios. — Não, não acredito! Seguro seu cabelo e sustento o seu olhar. — Sim, me excita que faça isto. - Reconhece, ele, furioso. — Certamente eu poderia gozar em questão de minutos e não me importaria. Mas nada mais. Não posso dar nada mais a uma mulher que não me respeita que não me conhece. Solto seu cabelo imediatamente. — Eu quero você fora daqui, Amélia. Eu demorarei mais duas semanas para voltar para o escritório, Brian tem razão, agora, o mais importante é me focar na minha recuperação e se Patrícia necessitar de algo, pode me ligar ou podemos nos reunir aqui. Quando voltar a trabalhar lá, terá que sair. A oferta que eu fiz no dia que nos conhecemos segue de pé. - Olho para ele confusa e sem conter as lágrimas. — Escolha o escritório que quiser da cidade e conseguirei que trabalhe lá. — Não pode me tirar assim da sua vida, Daniel. Você precisa de mim. — Claro que posso. Agora é tarde demais para que se preocupe com o que necessito ou não, você demonstrou que não é capaz de me dar isso. — Tudo isto é só uma desculpa. Sim, teria que ter contado que fui

falar com a polícia, mas você está exagerando. O que acontece é que está assustado pelo que aconteceu ontem à noite e não quer enfrentar isso. Ele abaixa a cabeça e respira fundo um par de vezes. Depois, estende a mão em busca da muleta que antes deixou cair ao chão e, quando a segura firmemente, apoia-se nela e fica em pé. — Não é nenhuma desculpa. Ontem à noite fiquei assustado, reconheço, mas me assusta ainda mais comprovar que me entreguei a uma mulher que não me merece. Vou descansar agora. Já sabe onde fica a porta. Em questão de minutos, minha vida desapareceu diante dos meus olhos. Daniel tem razão, não mereço a sua rendição. Como pude ser tão estúpida, tão presunçosa? Como pude exigir que me respeitasse e confiasse em mim, quando não estou disposta a fazer o mesmo com ele? Eu deveria saber que não poderia enganá-lo, que ele descobriria o que fiz. E que se sentiria decepcionado e traído. Não sei como sou capaz de recolher as minhas coisas, mas consigo. A verdade é que quase não tive tempo de me instalar. Subo ao andar de cima e acaricio o sofá pela última vez. Esta manhã, enquanto tomava o café da manhã, fantasiei com a possibilidade de atar Daniel nesse sofá, de vê-lo deitado em cima da pele negra, movendo e esticando esses músculos que tanto me enlouquecem. Essa fantasia já não se tornará realidade. Desço a escada praticamente correndo e, ao chegar lá embaixo, eu paro. Quero ver Daniel uma última vez, eu quero beijá-lo e pedir de novo que me perdoe. Suplicar que me desse outra oportunidade para demonstrar que sou a única mulher capaz de entendê-lo. Mas meus pés

se cravam no chão. Não servirá para nada. Ele não está disposto a me escutar e, como bem disse se não quer se entregar a mim, se não estiver disposto a se render, nada do que eu possa fazer servirá. Eu fui uma estúpida, venho pensando há dias que o mais fraco dos dois é o que se entrega, quando na realidade é justamente o contrário. Quando eu me entreguei a Daniel, o poder residia unicamente em minhas mãos, de mim dependia lhe obedecer, seguir suas instruções, abrir a minha alma e entregar meu desejo e, ao final, completar a ambos. Agora, o potente e forte dos dois é ele. E eu o tratei como se não pudesse se bastar. Minha própria condescendência e hipocrisia me dão náuseas. Não posso enfrentar Daniel se eu mesma sinto que não o mereço. Seco as lágrimas e procuro um papel na bolsa. Eu te amo, encontrarei uma maneira de ser digna de você e ganhar a sua rendição. Amélia

P. S. Encomendei os aparelhos de reabilitação, serão entregues na segunda-feira. Lamento não poder estar ao seu lado quando os utilizar, mas sei que sairá desta e irá se recuperar. É o homem mais valente que conheço e sinto não ter sabido demonstrar isso.

Carregando as minhas malas, saio do apartamento e da vida de Daniel pela segunda vez. E dói muito mais que a primeira.

Quando chego ao apartamento de Marina, topo com Rafferty na escada. Está

quase tão

alterado quanto eu e ambos

ficamos

surpreendidos de nos encontrar nesse estado. — O que aconteceu, Amélia? - Ele pergunta primeiro. — Daniel e eu discutimos. Ele me mandou embora. - Acrescento com um soluço. — Eu juro a você que esse homem é inacreditável, não sei por que se empenha tanto em boicotar a própria vida. — Foi minha culpa! - Vejo-o arquear uma sobrancelha. — É sério, Daniel não teve culpa. — E o que você vai fazer? - Ele cruza os braços e espera a minha resposta. — O que ele pediu. - Sim, pela primeira vez, vou fazer exatamente o que Daniel disse. Respeitarei a sua decisão. Demonstrarei que entendo o que sente e encontrarei um modo dele me perdoar. Nego-me pensar que nos separamos para sempre. — Já sabe que pode contar comigo para o que precisar. - Raff oferece. — Obrigada. E você o que faz aqui?

— Vim ver a Marina. - Responde direto. — E? — Não adiantou nada. — O que aconteceu na Itália? Sei que quando ela foi para lá, visitar a sua família, você a acompanhou e também sei que ela está triste desde que retornou. Quando conheci você, pensei que era o homem perfeito para ela, que formavam um ótimo casal. — Marina não lhe contou? — Não, me disse que era uma questão muito pessoal. Por isso estou lhe perguntando isso agora. — Eu gosto muito da Marina e reconheço que, quando a conheci, pensei que ela me bastaria, mas não é assim. Não posso enganar a mim mesmo, nem a Marina. — O que está dizendo, que precisa deitar com várias mulheres de uma vez ou que é incapaz de ser fiel? Não posso acreditar no que estou ouvindo. Raff parece um homem de princípios, com um código de honra muito estrito. Pelo visto, conhecer o caráter das pessoas é pior do que eu acreditava. — Não, nada disso. - Afirma visivelmente indignado. — Não sei se este é o melhor lugar para falar desse assunto. - Continuando, aponta para minhas malas e a escada em que estamos plantados. — Não vou me mover até que você responda. Marina é a minha melhor amiga, sem ela não teria me atrevido a vir para Londres e tentar

refazer a minha vida aqui, então fale! Não tenho muita paciência para pessoas que fazem mal aos meus amigos. — Fique tranquila, vou lhe contar. Talvez devesse me desculpar com o Raff, ele não tem culpa que esteja tão frustrada e doída. — Em minha vida só tive uma relação onde fui realmente feliz. Começa Raff. — E foi com duas pessoas, ao mesmo tempo, com Susan e John. Ele fica em silêncio e dá tempo para eu assimilar o que ele acaba de me dizer. Oh, Deus, ele tem razão, a escada não é o lugar para ter essa conversa, mas já é muito tarde para lhe sugerir outro lugar, porque continua contando a sua história. — Eu estava convencido de que estávamos os três juntos, que éramos, igualmente, importantes. Um trio em vez de um casal. - Afirma, olhando nos meus olhos sem se envergonhar e nem se justificar. — Mas me equivoquei e partiram o meu coração. — O que aconteceu? É óbvio que Raff ainda não se recuperou totalmente, porque a dor é mais que evidente em seu rosto. — Susan e John se casaram e têm dois filhos. E eu estou contando para você o meu sórdido passado em uma escada. — Sinto muito, Raff. Não tinha nem ideia! Ele encolhe os ombros.

— Pensei que bastaria estar com Marina, que com ela não sentiria necessidade de procurar nada mais, que poderia ser feliz. Mas, na Itália, aconteceu algo e entendi que não posso. E como não queria magoá-la, sendo infiel a ela, contei-lhe a verdade. — E ela o deixou. — É normal, na verdade, nunca pensei que fosse aceitar e dizer “de acordo, vamos procurar um homem que nos agrade”, - zomba de si mesmo. — Então, porque veio? Raff suspira antes de responder. — Sinto falta dela e me preocupo com ela. Quando Daniel estava no hospital, tinha uma desculpa para ligar de vez em quando, mas agora não. Não interprete mal, fico muito alegre que ele esteja se recuperando, mas agora tenho que ser mais criativo para ver a Marina. — Não lhe faça mal, Raff! — Eu iria preferir morrer antes disso, por isso renunciei a ela, mas continuo querendo e desejando que me dê uma oportunidade de ser seu amigo. Não seremos nunca um casal, isso já sei, mas espero que, com o tempo, ela permita que eu fique ao seu lado. — Tomara que você consiga. Marina é a melhor amiga que alguém pode ter na vida. — É melhor eu ir. - Diz Raff. — Esperam-me no trabalho e você certamente quer deixar estas malas.

— Sim. Desce uns degraus e volta a se deter. — Fico contente por ter lhe contado isso, Amélia. Espero que Daniel e você resolvam as coisas. Se precisar de mim, já sabe onde me encontrar. — Raff, ele falou com você, alguma vez, sobre a irmã dele? — Não muito. — Sabe onde está enterrada? — Não, na verdade não, mas suponho que deve ser em Hartford. Daniel vivia ali na infância. — Obrigada. Dou meia volta pensativa e subo a escada até o meu andar. Marina

e

eu

passamos

o

resto

do

dia

nos

consolando

mutuamente. Agora que sei toda a verdade sobre os motivos do afastamento dela e de Raff fica mais fácil entender o que diz e poder aconselhá-la. Claro que está mais que demonstrando que não sou ninguém para lhe dar conselhos. Ela me consola quando começo a chorar e conto que Daniel me expulsou do seu apartamento e os motivos porque fez isso. No dia seguinte, embarco de trem em direção a Hartford e ao chegar pergunto pelo cemitério. Hartford é um povoado pequeno onde

ainda recordam a trágica história dos Bond, e uma anciã me acompanha até a igreja atrás da qual encontro as lápides que estou procurando. A dos pais de Daniel contém só os nomes destes e, em letras menores, as datas de nascimento e a do acidente. A de sua irmã Laura tem uma pequena inscrição: Sempre sentirei sua falta, Daniel. Meu coração encolhe ao pensar nele com dezessete anos, pedindo ao homem da funerária que escrevesse isso na lápide. Não sei o que esperava descobrir vindo até aqui, talvez, simplesmente, sentisse a necessidade de estar perto de Daniel. Deposito o pequeno ramo de margaridas que comprei e passo os dedos pela lápide. — Você a conhecia? — Pergunta um homem atrás de mim. — Não exatamente. - Respondo. — Sou amiga da família. Acrescento, para justificar a minha presença ali e para que não pensasse que sou uma psicopata. Dou a volta e encontro um ancião limpando uma lápide em que coloca depois um buquê de flores frescas. — Você a conhecia? — A menina dos Bond? Sim, é claro! - Arranca uns espinhos e os deixa cair no chão. — Uma lástima, uma verdadeira lástima o que aconteceu a essa pobre garota.

— O que lhe aconteceu? — Não disse que é amiga da família? - Ele pergunta, levantando uma sobrancelha branquíssima. — Estou apaixonada pelo Daniel! - Confesso de repente. O ancião me avalia com os olhos. — Sempre gostei dele, era um bom menino. — Pode me contar o que aconteceu com Laura? O homem arranca mais espinhos e coloca um ramo de rosas vermelhas na tumba. Levanta-se do chão, onde estava ajoelhado, e acena para mim. — Venha comigo, sou muito velho para tanta umidade. Meu nome é Harry. — É um prazer conhecê-lo, Harry, eu sou Amélia. Caminhamos pelo cemitério, ele vai à frente e eu o sigo. — Depois do acidente, apareceu o tio dos jovens. Não sei o que aconteceu, mas Laura mudou completamente. Passou de uma garota doce e educada a estar sempre taciturna e a andar com más companhias. Seu irmão e ela brigavam constantemente. Poucos dias antes de morrer, Laura teve uma discussão horrível com Daniel no pub do povoado. Eu estava ali, por isso me lembro. — O que aconteceu?

— Daniel entrou feito uma fúria, acho que tinha dezessete anos, mas era alto e muito forte para um menino da sua idade. Laura era, alguns anos, mais velha que ele e estava bebendo, enquanto uns homens tentavam decidir quem iria com ela. Daniel entrou e a pegou pelo braço para tirá-la dali, mas a garota plantou os pés no chão. Daniel gritou que deixasse de fazer o que estava fazendo e ela respondeu que fazia para salvá-lo. Não sei a que se referia, mas o rosto do moço empalideceu e disse que não precisava do sacrifício dela, que podia se salvar sozinho. Laura riu com tristeza e disse que era melhor que tudo continuasse como estava. — E então? — Então, Daniel saiu, atirou uma cadeira antes de sair e não voltou. Uma semana mais tarde, todos nós fomos ao funeral de Laura e o menino tinha um olho arroxeado e várias marcas de arranhões no pescoço. Ninguém perguntou o que tinha acontecido. — E seu tio? Estava no funeral? — É claro! Lembro-me de ficar surpreso que tio e sobrinho se mantivessem a vários metros de distância, o tempo todo. Daniel está bem? Nunca vem aqui. — Sim, está bem. — Fico feliz. — Obrigada por ter me contado tudo isto, Harry. — De nada, espero que a ajude. Sei como é difícil superar a morte de um ente querido e é claro que Daniel continua sentido saudades da irmã. Sempre estavam juntos.

— Sim, ajudou-me. Obrigada novamente. Eu me despedi do homem e tomei o primeiro trem de volta para Londres. Cada vez tenho mais perguntas e menos respostas. Em vez de seguir investigando por minha conta, ou de confrontar Daniel, decido que o melhor modo de demonstrar que o respeito é esperando que ele me conte isso. É muito difícil tudo isso, mas me concentrar no trabalho ajuda e graças a Marina, Martha e aos vários documentos que se acumulam na minha mesa, consigo passar os dias. As noites são piores ainda. Não deixo de me lembrar de Daniel atado na sua cama, com a cera queimando a sua pele, dizendo que pertencia a mim. Ainda não consegui dormir sem chorar, mas aos poucos vou reconhecendo que tenho que esperar. Contei a Patrícia que Daniel voltaria em duas semanas e que eu sairia ao mesmo tempo. Sem entrar em detalhes, também disse a ela que Daniel tinha prometido encontrar um trabalho para mim em outro escritório da cidade, mas que eu não estava interessada. Junto com Marina, decidi que, durante um tempo, eu a ajudarei na ONG e depois veremos. Talvez procure um trabalho em uma grande empresa. Ainda não decidi. A única coisa que sei é que não vou sair de Londres. Patrícia não gostou e insistiu que eu ficasse. Eu disse que era o melhor para todos. Se algum dia Daniel e eu voltarmos a ficar juntos, prefiro não trabalhar com ele, e se esse dia não chegar nunca, não poderia suportar vê-lo, diariamente, e saber que o perdi para sempre.

Em meu último dia de trabalho, tenho a desgraça de ter que suportar o senhor Howell. Seu divórcio é o caso mais importante em que tive a sorte de participar no escritório. Mercer & Bond representam a agora ex - senhora Howell, que quis se divorciar devido às múltiplas infidelidades, de quem tinha sido o capitão da seleção inglesa de futebol e continua sendo o herói nacional. Antes de entrar na reunião, Martha me conta que Daniel ligou para David, o sócio que cuida do caso, e lhe mandou uns documentos que farão com que Ruffus Howell retire para sempre o recurso e pague tudo o que deve pagar a sua ex - esposa. Martha, igual a mim, não tem nem ideia do que são esses documentos, mas, a julgar pela expressão do senhor Howell ao abrir a pasta onde eles estavam Daniel tinha conseguido. Howell deixa a pasta sobre a mesa e, com cara de nojo, assina os documentos que David apresentou. — Espere um momento, senhorita Clark, eu gostaria de falar um segundo com você, se for possível. — Howell diz. Já estávamos todos de pé, então me detenho atrás da mesa e olho para Martha. Minha amiga segue David, mas deixa a porta aberta e posso vê-la me esperando no corredor. — Fale senhor Howell! — Diga ao Daniel que ele ganhou, mas que, no final, todos nós temos que pagar pelo que fazemos. Oh, não se preocupe, eu não vou fazer nada com o seu precioso namorado. - Afirma sarcástico, ao ver que me assustei. — Digo-lhe que de verdade, acredito que irei viver nos

Estados Unidos e não voltarei nunca mais para este país tão rançoso. Daniel acredita que foi muito cauteloso e mais preparado que todos os outros, mas há alguém que está esperando o momento adequado para atacá-lo. — E você está me avisando? Permita-me duvidar das suas boas intenções. — Não acredite que faço isso por bondade, por mim, Daniel poderia cair morto aqui mesmo, mas a pessoa que anda atrás dele também anda atrás de mim por outros assuntos e eu gostaria de me livrar disso. — O senhor Jeffrey Bond? — Pergunto. — Ele mesmo. Tome cuidado, senhorita Clark, essa família há anos vem se destruindo! - Ele fica em pé e sorri. — Tenha um bom dia!

Não posso tirar da cabeça o que Howel me disse, nem o sorriso de satisfação que vi em seu rosto. Quero ligar para a polícia, mas depois do que aconteceu da última vez, prefiro ligar antes para o Daniel. Que não atende. Ligo três vezes e em nenhuma delas consigo falar com ele. Na quarta vez me dou por vencida, resignada deixo uma mensagem na secretaria: - Sou eu, Daniel, não apague esta mensagem. Acabo de ver Howell e me insinuou que seu tio não se deu por vencido e que está tramando algo. Tome cuidado, por favor! Ligue para mim! Preciso de você! Amo você! Desligo antes de começar a chorar e procuro o cartão do detetive Jasper Erkel. Seu celular tampouco responde e vou ao posto telefônico da polícia, onde deixo o recado e peço à operadora que se assegure de que Erkel o receba. É certo que estou paranoica, mas prefiro ficar como uma histérica diante de todos a ter que me arrepender. Sei que Daniel não gosta que vá até o seu apartamento sem avisar e sem que ele tenha me convidado. Entretanto, agarro o meu casaco e digo a Martha que tenho que sair para fazer algo muito importante. Não entro em detalhes e ela não pergunta, provavelmente porque eu já tenho um pé praticamente no elevador.

O trajeto até o apartamento de Daniel parece eterno e não deixo de imagina-lo ferido gravemente em alguma parte. O porteiro me assegura que não viu ninguém e que Daniel saiu esta manhã bem cedo em direção à clínica de reabilitação. Subo ao apartamento de qualquer forma e entro com a minha chave. Não me dou conta de que há alguém escondido entre as sombras até que é muito tarde.

— Vamos lá, senhorita Clark, abra os olhos. Estou ficando aborrecido. Abro os olhos e descubro que estou sentada no sofá, com as mãos atadas com uma corda na minha frente e que tenho uma arma apontada para mim. E quem sustenta a arma é Jeffrey Bond em todo o seu esplendor. — Não grite ou irei atirar em você e perderá toda a explicação. — Howell. – Balbucio, furiosa. Caí em uma armadilha. Jeffrey Bond ri. — Não levou em conta. O bom Howell estava em dívida comigo e me fez esse pequeno favor. Embora, a julgar pelo tanto que estava contente, acredito que teria me ajudado de qualquer forma. E você é muito previsível, senhorita Clark. A verdade é que me decepcionou. — Agora sou eu quem está ficando aborrecida.

— Demorou exatamente meia hora para sair correndo para salvar o meu sobrinho. - Estalou a língua.

— Deveria ter pensado nisso

melhor. — O que é que quer? Deduzo que se ele só quisesse me matar, já estaria morta. — Dany há muitos anos vem me provocando, o Vzalo foi a gota d’água e decidi que já não quero continuar jogando com ele. Chegou o momento de pôr um ponto final e ele tem que pagar por tudo o que me tem feito. — Acredito que, na verdade, Dany não é seu sobrinho. - Provocoo. — Como pode machucar o seu próprio filho? — Muito bem, senhorita Clark, muito bem. Sim, Dany é meu filho, uma tremenda vergonha se me permite dizer isso. Foi um momento de fraqueza. Meu irmão não deixava de falar o tanto que a sua esposa era maravilhosa e não me ocorreu melhor maneira de lhe demonstrar que se equivocava senão me deitando com ela. O pobre nunca se recuperou de sua infidelidade e a partir de então eu o tive para mim apenas. — Você é repugnante. — Oh, vamos, não finja. Daniel é tão repugnante quanto eu. — Não. — Ainda não lhe contou o que aconteceu com a Laura nem por que ela se suicidou? Vá, esse menino é pior do que eu acreditava.

— O que é que quer? - Insisto. — Matá-la, é claro. Mas vou adornar um pouco, primeiro levá-la até a cama e açoitá-la. Meu sobrinho não é o único que há anos recolhe informação. Eu também estou a par dos seus gostos e tenho umas fotos maravilhosas que demonstram isso. Todo mundo irá acreditar que foi ele, talvez até mesmo o próprio Dany creia nisso. Estou certo de que, desta vez, irão prendê-lo por homicídio ou, talvez, fique louco de verdade. Ou se suicide, como a fraca da sua irmã. A questão é que desaparecerá da minha vida para sempre. Ouço uma chave na fechadura e vou gritar, mas não consigo a tempo, Jeffrey Bond se antecipa e aponta a arma para o recém-chegado. Daniel. — Entre, Dany, que surpresa, acreditava que chegaria mais tarde! Não importa, entre, entre. Daniel fixa seus olhos em mim, em busca de feridas. — Estou bem. - Asseguro-lhe. Apesar das circunstâncias, eu me alegro muitíssimo por revê-lo. Está andando melhor que antes, embora continue usando a muleta, e tem bom aspecto, exceto as olheiras que lhe obscurecem a parte inferior dos olhos. Fecha a porta e enfrenta o seu tio. — Solte Amélia, é a mim que você quer!

— Sim, mas o melhor modo de tê-lo é estando com ela. Não podia parar, não é? – Recrimina-o. — Tinha que chegar até o final. Suponho que nisto se pareça comigo. — Não me pareço com você em nada, Jeffrey. — Tanto ódio, tanta determinação... E tudo tão mal aproveitado. — Solta Amélia! - Repete Daniel. — Acalme-se! Eu não gosto tanto dela quanto gostava de Laura. Eu fico sem fôlego por ouvir essa insinuação e Daniel aperta os dentes. — Cale-se! — Por quê? Você não gosta de se recordar de Laura? Era tão doce, tão boa... Lembro-me do dia em que se deu conta de que eu gostava mais de você do que dela. Assustou-se tanto! - Diz com um sorriso e, para o meu horror, tenho a impressão de que está ficando excitado. Sua mãe lhe tinha contado mil histórias sobre mim, assim custou muito convencê-la de que eram inventadas. Disse-lhe que se fosse comigo e com os meus amigos, deixaríamos você em paz. E ela veio. A primeira vez chorou, mas gostou, e muito, a puta gritou e tentou arranhar um de meus amigos, mas no final deixou que fizéssemos tudo o que queríamos com ela. — Cale-se! Daniel tenta levantar a muleta, mas Jeffrey aponta firmemente à arma para ele.

— Por quê? É a verdade. Vinha toda noite, inclusive quando eu não ia procurá-la. Vinha porque queria, porque me desejava e gostava de tudo o que fazia. Foi uma pena que você se deu conta e colocou tudo a perder. - Percorre-o de cima abaixo com os olhos e sinto náuseas. Daniel engole em seco, duas vezes, e estremece ligeiramente a mão que apoia a muleta. — Embora reconheça que a noite que veio ao meu quarto e disse ao meu amante e a mim... Quem era ele? Não me lembro. Mas bom, tanto faz, disse-nos que podíamos fazer com você o que quiséssemos, essa noite será sempre uma das minhas favoritas. — Cale-se! — Mas logo em seguida sua irmã se suicidou e você me acusou de homicídio. Outra relação maravilhosa fracassada. Teria perdoado você, Dany. Se tivesse deixado de me provocar, de boicotar os meus negócios, de tentar me arruinar, eu o teria perdoado. — Não quero que me perdoe. Não quero nada de você, só que desapareça! Estava tão absorta em Daniel e Jeffrey que, até agora, não tinha me dado conta de que o último estava de costas para mim e parecia ter se esquecido de mim completamente. E ele não atou as minhas pernas. Ponho-me em pé com muito cuidado e Daniel me adverte com os olhos que não me mova e que não tente nada. Aparta o olhar para que Bond não suspeite e o vejo apertando a mandíbula. — Não vou desaparecer nunca, Dany. Estive dentro do seu corpo, sempre farei parte de você. Não se esqueça disso!

Tenho vontade de gritar e de abraçar Daniel, continuo avançando devagar até Jeffrey. Se me lançar em cima dele, seguro que posso derrubá-lo e fazer com que largue a arma. — Passei anos esperando que voltasse, mas agora é muito tarde, Dany. Tem que morrer. Não me importa se for preso ou se preferir suicidar-se como a sua querida irmãzinha, mas não posso tolerar que continue se intrometendo em meus assuntos. — Acalme-se, tio. - Diz ele, sarcástico e impassível. — Não terá que me aguentar mais, mas é você quem vai desaparecer. A polícia irá buscá-lo um dia. Tem tantos crimes para acusá-lo que não voltará a ver a luz do sol e, quando lhe acrescentarem sequestro e tentativa de homicídio, provavelmente, pegará a prisão perpétua. — Está mentindo. — Eu estou? Por que mentiria? Está me apontando uma arma. — Que posso dispará-la a qualquer momento. Ouço um clique e não penso, lanço-me em cima dele. Meu coração dispara e faço a única coisa que me ocorre para evitar enfrentar a possibilidade de viver sem Daniel. — Não, Amélia! Tudo acontece muito rápido, caio no chão e sinto uma pontada de dor no ombro. Aperto os dentes para contê-la e abro os olhos. Daniel está de pé com a muleta no alto e Jeffrey Bond no chão, com uma ferida na cabeça.

Não sou médica, mas sei que ele não sairá desta. A polícia derruba a porta do apartamento nesse mesmo instante.

Daniel está me esperando fora da sala de emergência. Por sorte, a bala entrou e saiu do ombro e não perdi muito sangue. Costuraram-me e enfaixaram a ferida e me disseram que descansasse durante alguns dias, mas tenho permissão para ir para casa. Onde quer que seja isso. Ponho um pé fora da cortina azul e os braços de Daniel me rodeiam com todas as suas forças. Sinto estremecer e acariciar os meus cabelos. — Estou bem, estou bem. - Sussurro. Acaricia as minhas costas e vejo que eu estremeço tanto quanto ele. Ao que parece, o detetive Erkel recebeu a minha mensagem e decidiu ver o que estava acontecendo no apartamento de Daniel, acompanhado de uma viatura. Ocuparam-se do Jeffrey, que morreu praticamente no ato, e nos levaram Daniel e eu, ao hospital. Amanhã serei obrigada a responder a todas as perguntas que eles quiserem, mas agora só quero estar com Daniel. Uma viatura nos acompanhou até em casa, por sorte já sem rastro de Jeffrey Bond. A única coisa que demonstra que aconteceu algo horrível na sala é o aroma de amônia. — Quantas horas nós ficamos fora? - Pergunto confusa. — Vou tomar um banho. - Diz Daniel.

Tirando o abraço que me deu na delegacia de polícia, não tornou a me tocar. Eu o deixo sozinho por uns minutos. Embora estejamos adiando, nós dois teremos que enfrentar a verdade. Não vou permitir ele se fechar em si mesmo. Entro no banheiro e encontro Daniel em uma postura quase idêntica àquela do primeiro dia, a diferença é que agora está chorando. Fico nua em silêncio. Minhas mãos não cooperam muito e me dói o ombro ao tirar a camiseta que alguém me emprestou no hospital para que não tivesse que ir com a minha manchada de sangue. Nua, colocome sob o jorro de água, sem me importar que molhe a atadura que cobre a ferida. — Daniel! - Sussurro, acariciando as suas costas. — Vire-se! Ele se vira e me beija. Apenas tenho tempo para reagir, seus lábios devoram os meus e nós dois nos entregamos a um beijo apaixonado. Este não tem nada a ver comigo dominando Daniel ou ele a mim, simplesmente, estamos agradecidos por estarmos vivos e termos um ao outro. Ele é o primeiro a se afastar, mas me mantém prisioneira entre o seu torso e a parede. — Jamais imaginei que estivesse aqui. - Começa. — Fiquei com tanto medo e tão feliz ao mesmo tempo. — Eu também. — Sempre acreditei no fato de que nunca seria capaz de dar tanto poder a uma pessoa. - Dá-me outro beijo e não esconde que continua chorando. — Pode me destruir, Amélia!

— E você pode me destruir também! Olha nos meus olhos com tristeza e se afasta. Observo-o enquanto se enxagua com rápidos movimentos e logo sai de debaixo da água e se seca com uma toalha. Daniel necessita de seus silêncios, assim eu os concedo contra a minha vontade e, eu também deixo que a água quente apague parte das lembranças desta tarde tão horrível. Quando saio da ducha, ele está me esperando com uma toalha. Envolve-me nela e me seca. — Eu gostaria de poder carregá-la, mas Brian me mataria se eu fizesse isso. - Diz-me com a intenção de me fazer sorrir. E consegue. — Dê-me a sua mão! Entrelaçamos os dedos e vamos para o seu quarto, que, algum dia, desejo poder dizer que é nosso. Acompanha-me até a cama e diz para eu me sentar. Ele permanece de pé, com o torso nu e a toalha atada à cintura. — O que Jeffrey disse é verdade. – Afirma valente. Levanto uma mão para fazê-lo se calar e ele se detém. — Se quer contar isso ficarei muito feliz em escutá-lo e lhe dizer, quando terminar que não me importa, porque eu amo você e nós nos

pertencemos. Mas não tem importância, porque posso dizer isso agora. Amo você, Daniel! Pertence a mim! - Ele aperta a mandíbula e adivinho o que sente. — Disse a você que nunca lhe faria uma pergunta que não pudesse responder, assim, me escute bem! - Respiro profundamente e o olho nos olhos. — O que aconteceu com a sua irmã? Ele me olha e solta ofegante. — Uma noite eu não conseguia dormir e fui beber água. Passei diante do quarto do meu tio e ouvi uns gritos. Entrei sem pensar, sem questionar o que podia encontrar lá dentro. — E o que viu? - Eu o levo para as suas lembranças. — A minha irmã atada em cima da mesa do meu tio, com um homem batendo com uma pá de críquete. Meu tio estava se masturbando enquanto os olhava. Oh, meu Deus, pobre Daniel! — Saí correndo sem fazer nada. Ouviu-me? Não fiz nada. No dia seguinte, fui ver Laura e lhe perguntei isso. Ela me disse que não doía tanto e que não estava tão mal. Insultei-a, disse-lhe de tudo. E a partir desse

dia

começamos

a

discutir

constantemente.

Antes

nunca

discutíamos por coisa alguma. Laura sempre tinha cuidado de mim, era a minha melhor amiga. Um dia, ouvi uns meninos dizerem que era uma vagabunda, que meu tio a cedia a seus amigos em troca de dinheiro ou de favores e perdi o controle. Fui procurá-la e a encontrei em um pub. Entre gritos e lágrimas, disse-me que fazia isso por mim, para que meu tio me deixasse em paz. — Não foi culpa sua, Daniel!

Ele não parece me ouvir e segue com o seu relato. — Saí do pub e fui procurar o meu tio. Estava com outro homem, mas não me importei. Disse-lhe que podia fazer o que quisesse. Qualquer coisa. Com qualquer dos dois. Durante toda a noite. Mas que, em troca, tinha que se esquecer da Laura para sempre. — Querido, não tem que me contar isso. — Sim, Amélia, eu tenho que terminar. - Diz para si mesmo. — Pois então, continue. — Ataram-me à cama, pegaram-me, obrigaram-me a que lhes praticasse sexo oral e asseguro a você que me esforcei em fazer isso bem para mantê-los afastados de Laura. Deixei que me penetrassem com seus brinquedos e depois, no final, quando já acreditava que não podia suportar nada mais, alternaram-se para me violar. Mas a verdade é que não foi uma violação, eu estava ali por vontade própria, assim aguentei tudo o que me fizeram e quando terminaram e me soltaram, voltei para o meu quarto. — Daniel, querido! - Contenho as lágrimas. — Na manhã seguinte, meu tio contou para Laura o que tinha acontecido. Tinha fotos. Fotos minhas deixando que me fizessem todas essas coisas e de mim, fazendo neles. Minha irmã desmoronou e ficou chorando e meu tio a deixou, ali, sozinha. Eu fui consolá-la, mas Laura saiu do meu abraço e me disse que, por minha culpa, seu sacrifício tinha sido em vão, que os horrores que tinha suportado não tinham servido para nada, porque, no final, meu tio tinha conseguido o que queria: eu.

— Estava destroçada, tem que entender isso, Daniel. Ela também era jovem e tinha passado por algo horrível. — Não voltei a vê-la com vida. Cortou seus pulsos em nossa banheira. Quando me aproximo de uma, não posso deixar de ver o sangue. A água do mar, de uma piscina... Obrigo-me a controlar isso, mas não acredito que possa olhar para uma banheira sem ver a minha preciosa irmã mais velha rodeada com o seu próprio sangue. — Não tem importância, amor. Não tem que se justificar. — O resto já sabe, denunciei o meu tio e como um estúpido lhe dei a desculpa perfeita para que pudesse me internar em uma ala psiquiátrica. Ali dentro não estive tão mal. - Encolhe seus ombros. — Fiz o jogo deles e fingi que me arrependia de tudo. E quando completei dezoito anos, fui embora. Minha mãe tinha deixado um fundo para nós, para Laura e para mim, então, assim que fui embora de Hartford, fui para a universidade. — É muito forte e muito valente, Daniel, sobreviveu a um inferno. - Morro por não poder tocá-lo. — Uma noite, em um pub, peguei uma garota e quando tentei me deitar com ela não pude me excitar. Resultou impossível. Então, algo dentro de mim se rompeu e disse a mim mesmo que se a atasse, que se ela fizesse tudo o que eu lhe ordenasse, conseguiria desfrutar e gozar. Continua com frieza. — E tentei isso. A garota gostou, era mais velha que eu e lhe pareci muito atrevido, mas eu entendi que nunca poderia estar com uma mulher de outro modo. Até que conheci você. — Por que me contou tudo isto? - Imagino, mas quero ouvir dos seus lábios. — Já havia dito que não me importava. Você pertence a mim, você com todo o seu passado e todo o seu futuro.

— Contei-lhe isso porque quero que me ate e que me obrigue a fazer tudo o que quiser. Tudo o que necessitar. Tenho que esquecer que meu tio foi o único que me dominou desse modo, o único que esteve dentro de mim. Coloco-me de pé e me aproximo dele. Tiro-lhe a toalha e a minha também. Nus de corpo e alma, eu olho nos seus olhos. — Seu tio nunca o dominou. Ele o violou, Daniel, o que é muito diferente. Em sua mente tenta justificá-lo, porque sabe que dói reconhecer que o seu próprio pai... - ele abre os olhos, mas não tenta negar isso, — violou e abusou de você! Acalme-se porque eu darei tudo o que você precisa, mas depois terá que se perdoar. Ele concorda. — Coloque as suas mãos atrás das costas! Obedece imediatamente e lhe amarro as mãos com uma de suas gravatas. Amarro forte para que sinta o nó. — A sua perna dói? Poderá se manter de pé? Nem se fosse louca, poderia lhe pedir que se ajoelhasse. — Dói um pouco. - Reconhece. — Venha! Estamos no meio do quarto e o guio até a parede. Coloco-o olhando para ela e deixo espaço suficiente para o caso de querer me colocar diante dele.

— Se precisar, apoie-se na parede. Certo? Daniel volta a assentir e eu fico atrás das suas costas. — Jeffrey Bond o violou. - Digo e lhe bato. — Diga isso! Ele aperta os dentes e se mantém em silêncio. — Abusou de você e da sua irmã? Continuo a lhe bater. Ele continua sem dizer nada. — Diga para mim, Daniel! Precisa dizer isso. Prendo-me a ele e lhe mordo na clavícula. Deslizo uma mão diante do seu torso e massageio seu membro com os dedos. Ainda não está excitado, para ele tudo isso é um castigo. — Não merece sofrer, Daniel! Começo a masturbá-lo devagar do modo que ele me explicou no primeiro dia. — Não merece sentir só dor. Lambo parte da sua coluna vertebral sem deixar de tocá-lo e ele, por fim, move ligeiramente os quadris. — Jeffrey Bond o violou, diga isso!

Outra palmada em um glúteo e o ouço gemer. — Jeffrey Bond me violou! — Muito bem, querido, está fazendo muito bem. - Beijo-lhe a omoplata e aperto os meus dedos com que envolvo a sua ereção. — Um pouco mais. — Não é culpa sua que Laura se suicidou. Diga isso! - Masturbo-o com força e capturo o líquido do prepúcio com um dedo para estendê-lo por seu membro. Com a outra mão o pego de novo. — Diga isso! — Deus! - Geme ele. — Não é minha culpa que Laura se suicidou. Dou-lhe outro beijo nas costas e vejo que as lágrimas lhe escorrem pela face. Daniel necessita disto, precisa chegar até o final. Afrouxo um a um os dedos com que lhe rodeio a ereção e deslizo a mão por sua cintura até chegar às suas nádegas. Nunca tinha feito algo assim, mas meu instinto me diz que é o correto e que Daniel deseja isso tanto quanto eu. — Jeffrey Bond não conseguiu estar dentro de você. Diga isso! Dou-lhe outra palmada com força e o ouço gemer. Continua em silêncio e desfiro outra palmada com uma série de beijos nas suas costas. Está empapado de suor e não para de tremer. — Diga isso! — Jeffrey Bond não conseguiu estar dentro de mim. — Isso, querido, já está quase lá.

Daniel soluça e lhe acaricio os cabelos da nuca por um segundo. Enrolo os dedos e os puxo. — A única que esteve dentro de você sou eu! Deslizo a outra mão entre as suas nádegas e o penetro com dois dedos. Daniel arqueia tanto as costas que acredito que vai quebrar-se. — Diga isso! Começo a mover os dedos devagar e um estremecimento percorre todo o seu corpo. Tem que apoiar a testa na parede que está diante dele e eu lhe rodeio pela cintura com a outra mão para que sinta que pode manter- se de pé. — Diga isso! A única que esteve dentro de você sou eu! Movo os dedos e encontro o lugar exato onde apertar para acabar com o que resta do controle de Daniel. — A única que esteve dentro de mim foi você, Amélia! — Um pouco mais, amor! — Não posso. - Mas o movimento frenético de seus quadris em busca dos meus dedos contradiz as suas palavras. — Claro que pode, sabe perfeitamente bem a última coisa que precisa dizer.

Sinto como se o corpo de Daniel se fundisse com o meu. Seu prazer depende de mim, o meu dele. — Deus, Amélia! Pertenço a você, sou seu para sempre! Para sempre! Para sempre! Deixo os meus dedos imóveis e lhe dou um único beijo nas costas. — Isso, Daniel. Para sempre! O grito dele poderia derrubar edifícios inteiros e ejacula com todas as suas forças sobre o chão e na parede. Eu o abraço todo o tempo, dando-lhe força quando necessita e o meu amor sempre. Quando termina, fica quieto por um tempo, sem se afastar de mim. Saio devagar e com cuidado do seu interior e tenho a sensação de que ambos procuramos um modo de prolongar esse instante, seu corpo inclusive tenta me reter. Ouço-o suspirar e logo se vira para me olhar. Engole em seco, várias vezes, antes de falar. — Me coloque a fita. Por favor! Atiro-me em seus braços e o beijo com toda a minha alma.

- Me coloque a fita! Meus olhos enchem-se de lágrimas. Nesses últimos dias cheguei a temer não ouvir nunca essas palavras. Daniel está diante de mim, nu, o torso sobe e desce a cada respiração. O suor lhe cobre o corpo e parece uma estátua de mármore. Continua com as mãos atadas às costas, seus bíceps como aço e seus tendões tremendo da tensão que tenta conter. — Me coloque a fita, por favor, Amélia! Sinto... — Sshh, sshh. - Aproximo os meus dedos dos seus lábios para lhe impedir de continuar. — Não, não, amor. Levanto uma mão e a aproximo do seu rosto e Daniel respira, aliviado, o ar escapa entre seus dentes e vira o rosto procurando o meu tato. E quando sua pele toca a minha palma, ele fecha os olhos e quase que suas pernas cedem. Abraço-o e coloco o meu rosto no seu peito. Talvez necessitasse que eu lhe sustentasse fisicamente, mas sem ele eu me derrubaria emocionalmente. — Sinto muito, Amélia! Sinto muito, perdoe-me, por favor! Perdoeme! Daniel tem a cabeça nos meus cabelos e está empapado de suor e as lágrimas que escorrem de seus olhos se mesclam com as que molham o meu rosto. Movo freneticamente as mãos para afrouxar a amarra e lhe soltar as mãos. No mesmo instante em que desfaço o nó, seus braços me rodeiam e me apego ainda mais ao seu corpo.

— Não, Daniel, você é quem tem que me perdoar! Sou eu quem tem que lhe pedir perdão. Sou eu quem deveria saber o que devia fazer para cuidar de você. É meu! - Afasto-me e coloco o seu rosto entre as minhas mãos. — Perdoe-me! Não voltarei a falhar com você! Acaricio-lhe as maçãs do rosto e lhe afasto os cabelos da testa. Seus olhos me olham com absoluta rendição, com um amor que não sabia que existia e me sinto a mulher mais sortuda do mundo. Vou passar o resto das nossas vidas lhe dando o meu amor, a paz e o controle que ele precisa. — Vamos! - Saio um pouco mais dos seus braços até entrelaçar os dedos com os dele. — Acompanho você até a cama. Daniel suspira e concorda. Entregou-se a mim e pôs o seu corpo em minhas mãos. — Sente-se, amor! - Eu o ajudo a se sentar na cama. A tensão abandonou seu corpo, suas extremidades cedem aos meus desejos sem a mínima resistência. — Fez muito bem. Amo você! Não se mova, já volto em seguida. Ele assente sem duvidar e levanta o rosto em busca dos meus lábios, pedindo um último beijo antes que eu me afastasse. Eu lhe dou, a boca de Daniel treme sob a minha, sua língua se rende, igual ao resto dele, às minhas carícias e nós dois suspiramos ao sentir que por fim encontramos o equilíbrio. A felicidade. É o primeiro beijo em que ele sabe que é meu, meu por completo. Eu sou dele, completamente dele, sem Daniel, não teria sentido.

Afasto-me devagar, lentamente, e cada segundo é tão intenso, tão repleto de sentimentos, que meu coração não pode se conter. — Já volto. Encaminho-me para sala, sentindo seu olhar nas minhas costas, notando como me acaricia com seus olhos. Pego a caixa que faz parte da minha vida desde aquele fim de semana em que fomos à casa de campo de Daniel. Ele me comprou uns brincos em um antiquário, umas joias antigas e preciosas que guardarei como um tesouro para sempre. A fita que rodeava essa caixa era a que ele tinha amarrado em minha mão e a mesma que agora me pede. O dia em que ele me devolveu isso a sustentei entre os meus dedos, acariciei-a como a um botão, em busca de restos do calor da sua pele. Passei horas com ela na mão e quando não tive mais remédio senão assumir que o tinha perdido, eu a guardei na caixa dos brincos. Não podia guardá-la em outro lugar. Sempre levo a caixa na minha bolsa, a mera ideia de me separar dela e da faixa que lá está me causa um profundo pesar. Se tivesse a faixa perto de mim, poderia tocá-la sempre que sentisse falta de Daniel. Sobretudo naqueles horríveis momentos durante os quais temi não poder voltar a lhe entregar! Os meus dentes rangem até que eu alcanço a bolsa, abandonando qualquer tentativa de aparentar que eu estou calma. Esvazio o conteúdo sobre o sofá. A caixa se destaca em meio à coleção eclética que são as minhas coisas pessoais.

Retenho a caixa na minha mão fechada por um instante. Respiro profundamente e fecho os olhos: é o momento mais importante da minha vida! Daniel pertence a mim! Agora e para sempre! Todos os dias! Abro os olhos, não quero perder nem mais um segundo. Minha vida até este momento talvez, tenha sido um desastre, vaguei perdida, sem saber qual era o meu rumo. Mas agora que o tenho, para amar Daniel e protegê-lo, cuidar dele, ajudá-lo a se livrar dos seus demônios e do seu passado para sempre, não vou ficar assustada de novo! Volto para o quarto com passos firmes e, ao entrar, vejo Daniel sentado tal como o deixei. Tem uma perna estirada diante dele, a que quebrou no acidente, e a outra está com o pé no chão. Uma mão se apoia nos lençóis atrás de suas costas, e sustenta quase todo seu peso, e a outra descansa ligeiramente sobre o seu abdômen. Mantém a expressão firme e o olhar fixo em mim, sem ocultar nada do que está sentindo. Vejo que seus lábios se umedecem e me dou conta de que fiquei imóvel na soleira da porta. Daniel me fascina tanto que meus pés se detiveram para observálo sem que eu me dê conta. Sorrio para ele com ternura e percorro os metros que faltam. Ajoelho-me entre as suas pernas e lhe dou um beijo na ferida. Ele solta o ar e sinto que ergue as costas. Ergue-se levemente e com a mão em que se apoiava acaricia os meus cabelos. — Olhe para mim, Amélia!

Eu acabo de lhe beijar uma das cicatrizes do joelho e ao ouvir o seu

pedido,

que

lhe

rasga

a

garganta,

procuro

seus

olhos

imediatamente. Daniel não titubeia, não lambe os seus lábios, nem respira fundo; sua voz soa firme e decidida. Solene. — Me coloque a fita! Suplico-lhe isso! Abro a caixa com os dedos inseguros, comprovando uma vez mais que ele é o mais forte de nós dois. Agarro-lhe a mão e a ato com a fita como fiz no hospital, consciente de que me atava ao Daniel para sempre. Mas a diferença é que, desta vez, ele me pediu isso. Ato-a e deposito um único beijo em sua mão antes de voltar a soltá-la. — Obrigado. - Diz ele. — Não voltarei a deixar que tire isso! — Beije-me, Amélia! Por favor! — Não voltarei a deixar que a tire, Daniel! Não voltarei a lhe dar motivos para duvidar de mim, amor. Você me deu de presente a sua rendição, entregou-se a mim por completo. - Levanto-me do chão sem me afastar das suas coxas. — E eu... - sussurro, acariciando o seu rosto, — passarei todos os dias da minha vida lhe demonstrando que mereço isso. — Beije-me, Amélia! Por favor!

Beijo-o porque não posso fazer outra coisa. Beijo-o uma e outra vez e, quando Daniel levanta a mão para me acariciar o rosto e noto o tato da fita de couro na minha pele, as lágrimas se juntam a esse beijo. Nossos beijos se tornam mais violentos, mais necessitados e frenéticos. O fôlego de Daniel me queima quando se afasta e eu sinto a necessidade de possuí-lo, ardentemente, de novo, dentro de mim. Interrompo o beijo e me afasto para olhá-lo nos olhos. Tenho que vê-los para saber se está preparado para estar comigo. Sua rendição foi muito intensa e não quero fazer nada que possa lhe fazer sentir que não fez o correto. Seu olhar penetra até a minha alma, confirmando que sou eu, e só eu, quem sabe de verdade o que ele necessitava. — Deite-se na cama, Daniel! Ele joga as costas para trás e se move até ficar deitado no centro do colchão. Não me questiona e do seu corpo só desprende desejo, nada de lembranças ruins. Deito ao seu lado e me aconchego face a face para lhe dar um beijo. Daniel separa os lábios e me beija com abandono. Enquanto ele está perdido no beijo, deslizo uma mão por seus cabelos e, quando as minhas mãos lhe roçam a nuca, acelera a sua respiração. Minha língua domina a sua e, antes de me afastar de seus lábios, tento me impregnar do seu sabor. Volto a olhá-lo nos olhos e uma ideia toma forma em minha mente. Um sonho, em realidade. Vejo-nos, a mim e a ele, deitados, nesta mesma cama, fazendo amor. No sonho, jantamos e nos deitamos,

há anos estamos juntos, mas bastam uns beijos para que nós dois achemos impossível dormir sem fazer amor! Não sei como, mas vejo o mesmo sonho nos olhos de Daniel e vejo também o seu temor. O temor que sente de não estar ainda preparado para uma coisa tão intensa, tão íntima. — Acalme-se, amor! - Inclino-me contra ele e deposito um beijo nos seus lábios. Ele se aferra aos meus e geme quando me afasto. — Sei o que precisa, acalme-se! Tenho que me voltar para a mesinha de cabeceira por um instante e, quando encontro o que procuro, volto a olhar para Daniel. Ele está tenso de desejo, sua ereção vibra alojada no seu abdômen e tem as pupilas completamente dilatadas. Seguro a vela com a mão esquerda e a acendo com a direita. É a vela branca que utilizamos na última vez, a única que usamos. Se Daniel a tivesse tirado, teria que castigá-lo. Eu o teria entendido, mas teria que lhe deixar claro que não podia me machucar dessa maneira. E se

a

tivesse

utilizado

sozinho,

também

haveria

me

sentido

decepcionada. — Eu não... - Começa ele, adivinhando os meus pensamentos. — Eu sei, amor. Sei que precisa de mim para fazer isso. Teria entendido se a tivesse utilizado sozinho. - Sorrio para ele. — Mas me alegro por não tê-lo feito. Eu tampouco posso fazer algo sem você! Sento-me com cuidado em cima dele, sua ereção se desliza por entre os lábios do meu sexo, torturando a nós dois. A vela agora está presa na minha mão esquerda e com a direita seguro seu membro ereto. Ergo-me o necessário e o deslizo para o interior do meu corpo.

— Vai fazer amor comigo, Daniel! - Digo-lhe, derramando as primeiras gotas de cera em seu torso. Ele se excita dentro de mim e aperta os dentes. Tem as mãos em ambos os lados do seu corpo, a ferida no acidente está enfaixada e a outra presa ao lençol. Mantém os olhos fechados. — Abra os olhos, amor! Derramo mais algumas gotas de cera justamente em cima do seu peitoral esquerdo. Espero que abra os olhos antes de continuar. — Levante-se um pouco! O único detalhe que delata a sua confusão é uma sobrancelha que se arqueia levemente, mas imediatamente apoia a mão boa na cama e se levanta da cintura para cima. Daniel é muito mais alto do que eu, assim eu rodeio o seu pescoço com ambos os braços. Meus seios acariciam seus peitorais e noto a cera que tem sobre eles ainda morna. Minhas mãos ficam nas suas costas, então, levanto a direita para enrolar os dedos nas mechas dos seus cabelos da nuca, empapados de suor e levo os meus lábios aos dele para beijá-lo. Os lábios de Daniel cedem ao se encontrarem com os meus, seus gemidos me pertencem e a sua língua suplica acariciar a minha. Começo a me mover devagar, a subir e abaixar, lentamente, e ele me segura suavemente pela cintura, entregando-se a mim de novo e me cedendo todo o controle. Noto que levanta os quadris.

Inclino a vela que tenho justamente detrás do seu ombro esquerdo e derramo a cera derretida por suas costas. Daniel se tenciona e se detém imediatamente, enquanto seu membro se estende até me possuir por completo. Retiro-lhe os cabelos para jogá-lo um pouco para trás e poder olhá-lo nos olhos. — Meu! Diga isso! Ele não me olha desafiador, continua excitado, rendido e apaixonado. — Seu! Derramo um pouco mais de cera no mesmo instante em que volto a beijá-lo. Daniel geme e me beija. E beija. — Vai fazer amor comigo! - Repito quando me desgrudo de novo para recuperar o fôlego. — Diga isso! — Vou fazer amor com você! O pego pelos cabelos com tanta força que Daniel tem que esticar os músculos do pescoço para poder falar. Seus ombros tremem de desejo e posso sentir os batimentos do seu coração no seu peito. — Eu vou beijar você, vou dizer o tanto que eu amo você e vou me mover em cima de você até que eu fique convencida de que vamos estar juntos para sempre. Preciso sentir que sou sua, Daniel, e a única coisa que pode me convencer disso é você, quando eu sinto você dentro de mim. Noto que seu desejo me pertence tanto quanto a sua alma.

Afasto-me um pouco e afrouxo os dedos que tenho em sua nuca. Seus olhos negros seguem cada movimento. Aproximo a vela do seu ombro e derramo ali umas gotas de cera, marcando o caminho até seu pescoço. Ele aperta os dentes ao sentir cada uma delas e sua ereção estremece dentro de mim. Começo a fazer tudo o que lhe havia dito. Beijo-o e lhe digo que o amo, passo as unhas pelo torso e me movo para cima e para baixo do seu poderoso membro, que começa a se umedecer desesperado. Ele não se move. Suas pupilas negras não se separam de mim nem por um instante, dilatando-se cada vez que eu gemo e suspiro mordendo o lábio inferior para reter o meu orgasmo. Nós dois estamos empapados de suor, meus mamilos estão tão excitados, que doem quando roçam no seu peito. Quando o beijo, ele se entrega por completo e, tenta morder o meu lábio para reter, umas gotas de cera aparecem em sua pele e retrocede imediatamente, mais perto do clímax que antes. Daniel não pode mais, seus gemidos cortam o ar e rivalizam o seu desespero com o meu. Aproximo a vela do seu rosto e paro de mover os meus quadris. Nós dois demoramos uns segundos para nos tranquilizar o suficiente para suportar o instante seguinte. — Amo você, Daniel! — Amo você, Amélia! - Responde ele. — Vou soprar a vela. - Explico-lhe e vejo que lhe volta a acelerar a respiração. — E quando a chama desaparecer, eu o beijarei e você gozará nos meus braços. Confie em mim. Você não está sozinho!

Sopro e o beijo. O orgasmo que o sacode é tão demolidor que tem que me segurar com todas as suas forças. E eu nele!

Na manhã seguinte acordo, sozinha, na cama, mas bem diferente daquelas noites, no princípio de nossa relação, porque agora sei que não tenho que me preocupar com a ausência de Daniel. Fico quieta e deitada por uns minutos, desfrutando da paz que flutua no ar ao meu redor. Ouço algo que me surpreende e tenho que aguçar o ouvido para me assegurar de que não continuo dormindo e não estou sonhando. Daniel está cantando? Na cozinha? Evidentemente,

sendo

como

ele

é,

é

afinado

e

conhece

perfeitamente a letra da canção. Meu Daniel, penso, é incapaz de fazer algo pela metade. Se cantar, não pode cantarolar uma cançãozinha de um anúncio, tem que cantar Nina Simone. Espreguiço mais uma última vez e me sento na cama. Tenho vontade praticamente incontrolável de vê-lo, de olhá-lo nos olhos e me assegurar de que está bem, mas basta baixar a vista para comprovar que não posso sair do quarto sem tomar banho. Depois da noite anterior, a melhor da minha vida, tenho o corpo ainda pegajoso de suor e de rastros de cera pelo torso. Levanto-me e vou até o banheiro. No caminho, vejo que na minha cintura ficaram marcados os dedos de Daniel e desejo com todas as minhas forças que estas marcas não desapareçam com o tempo.

Não demoro muito, não quero fazê-lo esperar e, além disso, é estranho estar nesta ducha sozinha. Quando termino, dou-me conta de que não tenho nada para vestir e, por um instante, dói-me o coração ao recordar que dias atrás Daniel me expulsou do seu apartamento e da sua vida pela segunda vez. Por sorte minha, sou burra, mas nem tanto, assim farei tudo o que for preciso para me assegurar de que não haverá uma terceira. Satisfarei todos os seus desejos, eu o seduzirei todos os dias até eliminar qualquer resto dos seus pesadelos da infância. Aprenderá a ser feliz ao meu lado. Saio do banho e me dirijo ao armário de Daniel em busca de algo para pôr. Finalmente escolho uma de suas camisetas brancas, porque cheiram a ele e me cobre até os joelhos. Penteio os cabelos para desembaraçá-los e não ficar parecendo uma louca, e vou ao seu encontro. Efetivamente, Daniel está na cozinha, cantando e preparando o café da manhã. Veste umas calças pretas de algodão, provavelmente as que deve utilizar para suas sessões de reabilitação, e uma camiseta branca idêntica à minha. Está de costas para mim e parece concentrado no fogão. — Ouvi você entrar. - Diz. — E se continuar a me olhar assim, eu vou queimar o café da manhã. — Como? — Como se quisesse me devorar! Engulo em seco antes de responder. Ele ainda não se virou para mim e basta ouvir a sua voz para que eu fique excitada.

Sim, definitivamente, perdi completamente a cabeça e o coração para este homem. — Prefiro comê-lo a comer umas torradas! - Atrevo-me a lhe dizer. É a primeira vez que flertamos desta maneira sem estar na cama ou metidos em uma situação tremendamente dramática. Eu gosto e ao mesmo tempo me assusta. Daniel se volta e me olha nos olhos. — Já sabe Amélia, que seus desejos são ordens para mim! Oh Deus, estou segura de que meu coração parou e se não tivesse uma cadeira diante de mim para me sentar, teria caído no chão. Seu sorriso, seus olhos negros, o desejo que destila de suas palavras, é quase muito. E quando abaixo os olhos e vejo a fita ao redor de seu pulso, estou tentada a lhe ordenar que deixe queimar a cozinha inteira e que faça amor comigo, imediatamente, aqui mesmo! Ele adivinha os meus pensamentos, porque muito lentamente, provocando-me com o seu olhar, levanta o braço do móvel da cozinha onde estava apoiado e aproxima a sua mão dos lábios e lambe a pele debaixo do couro. Tenho que fazê-lo pagar por essa provocação! — Venha aqui!

Daniel se afasta do móvel e se aproxima de mim com passo firme e decidido. Ansioso. — Beije-me! Abaixa-se imediatamente e seus lábios devoram os meus como se, há horas, estivesse sonhando em fazer isso. Eu me deixo levar pelo beijo durante uns segundos, mas movo uma mão em busca da sua ereção e quando a encontro eu a seguro e aperto entre os dedos. — Provocou-me! - Digo-lhe entre dentes. — Agora mesmo poderia proibi-lo de gozar. — Sim. - Ele reconhece sem tentar se afastar. Nesse momento toca o telefone com o timbre que identifica a chamada como procedente da portaria. O aparelho está perto da minha outra mão, assim eu o tiro do gancho com o olhar fixo em Daniel. — Bom dia! - Digo ao porteiro e este me devolve a saudação e me explica o motivo da sua chamada. — Sim, pode fazê-los subir. Obrigada. Recoloco no gancho e volto a me concentrar em Daniel, que agora está ainda mais excitado. — É a polícia, o detetive Erkel e o agente Miller querem falar conosco. Talvez tivesse que lhe ordenar que gozasse. - Sussurro, acariciando-o. — Não há nada que eu goste mais do que ver como se entrega a mim. - O que me diz Daniel? - Movo a mão mais devagar. — Teria que castigá-lo por me ter provocado, mas hoje é nosso primeiro dia juntos, assim eu deixarei você escolher. Porém não se acostume! Certo? - Deslizo os dedos até o seu testículo.

— Certo. - Engole em seco para poder falar. — Então, diga para mim, quer que eu o deixe gozar agora? — Não. - Responde, apertando os dentes, mas sem duvidar nem por um segundo. — Proíba-me isso. Por favor! — Por quê? - Ele nunca decide algo sem ter um motivo. — Digame ou o obrigarei a gozar! - Volto a acariciar o seu membro com força. — Vamos, Daniel, a polícia não irá demorar a chegar. — Preciso que me proíba porque preciso estar com você. Não quero gozar sem você! - Confessa-me, olhando nos meus olhos. — Está bem, amor, seus desejos são ordens para mim! - Repito a sua frase de antes. — Você está proibido de gozar. - Acaricio-o uma última vez e afasto a minha mão. — Isso, respire, fecha os olhos! Ordeno-lhe com a voz calma, para ajudá-lo a retroceder da vontade de gozar. — Muito bem! - Acaricio o seu rosto e lhe afasto os cabelos da testa. Isso sempre o tranquiliza. — Fez feito muito bem! A campainha nos interrompe, mas antes de abrir, olho nos olhos de Daniel, uma última vez, para me assegurar de que está preparado para receber os agentes. Por nada do mundo quero pô-lo em uma situação da qual possa envergonhar-se. Ele adivinha, como sempre, o motivo da minha preocupação e me responde antes que eu possa perguntar-lhe. — Vá abrir! Estou bem!

O detetive Erkel e o agente Miller deixam de lado qualquer formalismo e me abraçam nada mais. Daniel aparece em seguida ao meu lado, com ciúmes evidentes pela sua expressão e fulminando os dois policiais com o olhar. Com tudo o que aconteceu, esqueci-me de lhe explicar que conheço bem os agentes e sei qual é a situação deles fora do trabalho. — Não se preocupe, senhor Bond, nenhum dos dois anda atrás da senhorita Clark. - Diz Jasper Erkel com um sorriso, adivinhando o que acontece. — Estamos muito ocupados um com o outro para nos fixar em mais alguém, - ironiza. Daniel demora vários segundos para compreender o que o detetive está insinuando, mas olha sem desviar a vista deles por mais algum tempo e liga os pontos e relaxa. — Tem que nos desculpar, senhor Bond, mas tanto o detetive Erkel quanto eu nos afeiçoamos à senhorita Clark. - Explica Nathan. — Conhecemo-nos no hospital quando você estava internado e hoje em dia não é normal ver esse tipo de devoção por seu par. A explicação de Miller tranquiliza ainda mais o Daniel, que acaba sorrindo. — Entrem. - Digo-lhes eu ao ver que ainda estão na entrada. — Por favor! — Obrigado. - Responde o detetive. — Antes de tudo, Amélia, eu gostaria de me desculpar por não ter atendido ontem ao seu telefonema. Se tivesse feito isso, Jeffrey Bond não teria tido a oportunidade de prede-la e quase matá-la.

— Isso você não sabe, Jasper! - Chamo-o por seu nome ao ver quão afetado está pelo incidente. — Talvez tivesse matado você e me teria presa de qualquer forma. Ou ele tivesse matado nós dois. — Agradeço o que disse Amélia, mas tinha que ter feito melhor o meu trabalho. Teria que ter seguido o Bond ou, no mínimo, não deveria ter retirado à viatura policial desta casa. — Jasper, para a minha sorte, esta é a minha primeira experiência com um psicopata, - tento brincar, mas ao ver a cara de Daniel me dou conta de que não deve estar achando nenhuma graça, — mas não posso imaginar nenhum detetive melhor que você para este caso. Soube me escutar todas às vezes e seguiu todas as pistas apesar de levarem para um suspeito protegido pela prefeitura, - acrescento, ao recordar nossa conversa no pub. — Lamento lhe dizer isso, mas você tampouco é um super-herói. — Muito bem dito, Amélia. Toda noite eu lhe repito a mesma coisa. - Intervém Nathan, revelando parte dos seus sentimentos diante de Daniel. — Receio que isso não surta nenhum efeito. - Aproxima-se então de Jasper e lhe toca um segundo com um dedo a manga da jaqueta e eu juro que o vejo estremecer o homem maior. — Terei que trocar de tática. — Sobre o super-herói, ela o disse por mim, detetive Erkel. - Diz então Daniel. — Apesar de que, quando vi Jeffrey apontando para Amélia uma arma, acreditei morrer, ela tem razão: se você tivesse aparecido antes, talvez agora estivéssemos nós dois mortos. Assim não tem nada que se desculpar, estamos agradecidos que veio quando o fez. — Obrigado, senhor Bond.

— Chame-me de Daniel, se eu puder chamá-lo de Jasper. - Ele sugere lhe estendendo a mão. O detetive a aperta. — É claro. O agente Miller é Nathan quando sai do trabalho. — É um prazer, agente. - Saúda-o também Daniel. — A que devemos a visita de vocês? — Só queríamos lhes dizer pessoalmente que a promotoria não irá apresentar um processo contra Daniel. A morte de Jeffrey Bond será arquivada como legítima defesa. — Obrigado. - Suspira ele, aliviado. — Além disso, também queríamos que soubessem que graças à informação que nos facilitaram sobre o Vzalo e suas empresas, somada ao rastro digital que encontramos no Jaguar depois do acidente, pudemos prendê-lo por tantos crimes que não voltará a ver a luz do dia. — Esta sim, é uma boa notícia. - Alegro-me. — De toda forma, - intervém o agente Miller, — o nosso conselho é que mantenham a prudência durante um tempo, até que termine o primeiro julgamento e Vzalo esteja preso. — Certo. - Responde Daniel. — Talvez pudéssemos fazer uma viagem, o que você acha, Amélia? O meu coração acelera tanto que sou incapaz de responder.

— Amélia e eu temos uma casa na Itália. - Explica Daniel aos policiais, como se seu magnífico imóvel italiano também fosse meu. — Ninguém sabe onde fica. Este homem fará com que eu chore diante de Jasper e Nathan. Outra vez. — Isso seria fantástico! - Afirma Nathan. — Assim os dois poderão se recuperar com calma de suas feridas. - Acrescenta, olhando primeiro para um e logo em seguida para o outro e eu sei que não está falando só das feridas físicas. — Não iremos incomodá-los mais. - Diz Jasper atrás pigarreando. — Manterei vocês informados sobre o julgamento do Vzalo. Encaminha-se para a porta, mas de repente volta a se dirigir a nós. — Uma última coisa, Jeffrey Bond morreu sem testamento, sabia? Daniel demora vários segundos para responder. — Não, não sabia. O bastardo devia acreditar que não morreria nunca. — Você é o seu único herdeiro. Comprovamos isso como parte da nossa investigação. - Esclarece o detetive, apesar de não precisar. — Vai herdar toda a sua fortuna. — Não a quero. - Afirma Daniel terminantemente, apertando os dentes. Erkel o olha nos olhos por um segundo e logo lhe diz com respeito:

— Eu se fosse você, ficaria com ela e faria algo bom com isso. Pensa. Se a rejeitar, a prefeitura certamente encontrará algo a que dedicar tanto dinheiro, mas acredito que Amélia e você saberão encontrar uma causa para destiná-la. Daniel concorda sem dizer nada e quando os policiais partem, aproxima-se de mim e me diz: — Quero fazer algo para a Laura. - Engole em seco e se explica: — Se pegar o dinheiro do meu tio, criarei uma fundação com o nome dela. — É uma ideia maravilhosa, Daniel! Ponho-me nas pontas dos pés e o beijo. Ele me abraça e se entrega ao meu beijo, mas não demora a se afastar. — Deus! - Resmunga entre dentes. — Como a desejo! Mas a visita do detetive Erkel e do agente Miller fez com que eu me lembrasse de resolver um assunto pendente. — Que assunto pendente? - Pergunto-lhe. — Nada com o qual deva se preocupar. — Então eu o acompanho. - Ofereço-me imediatamente. — Não. - Apressa-se a me dizer, com firmeza, mas em seguida suaviza o tom e me explica os motivos da sua negativa. — Você tem que ficar aqui e comprar as passagens para a Itália. Tem que ligar para a Marina e lhe pedir para mandar as suas coisas novamente e, também, tem que ligar para o Brian para que ele lhe dê uma lista de exercícios para que eu possa continuar com a minha reabilitação enquanto estivermos fora.

— Tem razão, e eu tenho que ver a Marina antes de irmos. Ultimamente só lhe dou sustos e ela está passando por um mau momento com o Raff. — Marinha e Raff? Tem que me contar isso quando voltar. - Dizme com um sorriso. — Nós dois temos muito que fazer, assim é melhor nos vestirmos. — Está bem. - Suspiro, resignada. — Mas me deve um café da manhã!

Daniel sai do apartamento antes de mim, sem me revelar onde está indo ou em que consiste o seu misterioso assunto pendente. Tendo em vista que as ameaças de Jeffrey Bond e de Vzalo desapareceram, não fico muito inquieta com a sua saída, mas confesso que estive tentada a lhe ordenar que me contasse isso. Eu vou a pé até o apartamento de Marina, cada passo que dou serve para me assegurar de que tudo isto não é um sonho e que está acontecendo de verdade. Sinto-me como no dia da minha entrevista no Mercer & Bond, como se toda minha vida estivesse começando de verdade. Quem diria que eu conheceria um homem que sacudiria os alicerces do meu mundo em um elevador no meu primeiro dia de trabalho! Chego ao apartamento e Marina não está, assim, aproveito a sua ausência para fazer as malas. Quando já estou terminando, a porta se abre e aparece a minha amiga. Basta-me vê-la para saber que algo vai mal e corro para abraçá-la. É injusto que eu esteja feliz e ela tão triste! Tenho que encontrar um modo de ajudá-la. Marina desabafa e me confessa que, apesar de ter tentado evitar isso, está apaixonada por Rafferty, e que ele também está sofrendo, mas sabe que se desistir do que realmente precisa talvez seja feliz em curto prazo, mas eventualmente a trairia e ambos seriam muito infelizes. Eu a escuto e consolo, e o único conselho que lhe dou antes de me despedir dela é:

— Pense bem no que perderá se não lhe der uma oportunidade e no que ganhará se a der. Eu nunca tinha me imaginado amarrada por um homem e agora não trocaria a minha relação com o Daniel nem por mil relações "normais". Talvez formar um trio em vez de um casal não seja "normal", mas a questão é, se isso poderá fazê-la feliz. Marina me olha confusa e sei, por experiência própria, que é preciso tempo para assimilar esse tipo de ideia, então tudo o que posso fazer é lhe desejar sorte e confiar que, no final, saiba encontrar a sua felicidade. Volto para o apartamento trazendo as minhas coisas e, como Daniel ainda não voltou do seu misterioso assunto pendente, ocupo-me de comprar as passagens. Desta vez não vamos utilizar o avião privativo, eu quero relaxar com o Daniel e desfrutar de todos os detalhes da nossa viagem. E, tenho que confessar que apesar da chatice que são atualmente por todo o controle de segurança, os aeroportos sempre me pareceram românticos. Com este assunto também resolvido, disponho-me a ligar para o Brian para lhe pedir uma lista de exercícios para realizarmos na viagem. O

fisioterapeuta

está

sinceramente

alegre

com

a

nossa

reconciliação e eu demoro vários segundos para me recuperar da surpresa de Daniel ter contado para ele. Brian e eu nos despedimos e ele diz que me mandará a lista com todas as instruções necessárias pelo correio eletrônico. Feliz por ter resolvido tantas coisas em tão pouco tempo, penso que poderia ir à cozinha e preparar algo para comer, mas então ouço Daniel chegando e vou ao seu encontro. — O que aconteceu com você? - Exclamo horrorizada, vendo que tem um soco no rosto e rastros de sangue nos lábios.

— Estou bem. Não é nada. - Afirma ele, passando por mim. — Como pode dizer que está bem?! Um dos homens do Vzalo o atacou. Vou ligar para Jasper e Nathan. — Não foi um dos homens do Vzalo. - Detém-me ele, segurandome pelo braço. — Foi Howell, mas eu que comecei. Tenho que me sentar. — O que disse? Daniel se senta na cadeira à minha frente. — Fui ver Rufus Howell. - Começa, olhando-me nos olhos e acho que estes deixam claro para ele a minha opinião por ele não ter me contado sobre isso. — Você veio ao apartamento porque ele lhe disse isso. Ou melhor, porque ele insinuou isso para você. - Corrige-se. — Armou uma armadilha. E eu tinha que fazê-lo pagar por isso. — Oh, Daniel, o que você fez? - Acaricio-lhe o rosto ferido. — O que tinha que fazer. - Afirma firmemente. — A polícia não podia lhe fazer nada, Howell em nenhum momento lhe ameaçou ou lhe pôs em perigo. Não de um modo que se possa provar. Mas você poderia ter morrido por culpa dele e, sem você, eu também teria morrido! Aperta a mandíbula por um segundo antes de continuar. — Fui vê-lo e lhe deixei claro que não pode voltar a se aproximar de você. No início resistiu um pouco. - Sorri levemente. — Mas por fim recuperou a razão.

— Obrigada por me proteger, Daniel. - Digo-lhe, recordando que continua sendo um homem muito forte, cuja necessidade de cuidar das pessoas que ama nasce das profundezas de sua alma. — Dói muito? — Não, na verdade, fazia tempo que não me sentia tão bem. — Vou procurar o estojo de primeiros socorros para cuidar de você. - Tento me levantar, mas ele me puxa pela mão. — Tem estojo de primeiro socorros, não tem? Não quero que esses machucados infeccionem! — Antes de ir ver Howell fui noutro lugar. Volto a me sentar porque intuo que é importante. — Ah, é mesmo? Daniel concorda e solta a minha mão para meter a sua no bolso do jeans que colocou antes de sair. Saca uma caixinha de veludo preta que parece antiga, não de uma joalheria. — Quando meus pais morreram naquele acidente, Laura e eu passávamos dias trancados no quarto da mamãe. Naquela época, ela e meu pai já tinham deixado de fingir e praticamente viviam separados. Desvia o olhar para a caixinha por um segundo antes de se fixar nos meus olhos. — Minha mãe sempre usava dois anéis no dedo anelar da mão esquerda, dizia que um simbolizava Laura e o outro, eu mesmo. No dia do acidente tinha saído com pressa e se esqueceu de colocá-los. Abre a caixinha e vejo, lá dentro, um lindo anel de ouro com uma elegante pedra negra no centro, da mesma cor que os olhos de Daniel. Ele agarra o anel e o coloca entre os dedos.

— Enterrei Laura com o dela. - Explica. — Pedi ao homem da funerária para colocá-lo, escondido do meu tio. O meu... - engole em seco e se obriga a continuar, — eu mantive o meu com o resto das joias da minha mãe em um cofre no banco. Eu não as deixei em casa, porque receava olhar para elas e voltar a me sentir tão impotente como sempre, mas agora, com você, eu não tenho medo de nada. — Daniel... - sussurro. Ele pega a minha mão e a leva aos lábios para beijá-la. — Quero ir até Hartford antes de partir para a Itália e contar para a minha irmã o quanto estou feliz com você. Quero lhe dizer que o seu sacrifício não foi em vão e que me salvou de me tornar um monstro sem alma. E preciso que você venha comigo. — Claro, meu amor! — E depois quero que nós vamos à Itália para recuperarmos o tempo perdido. Quero voltar a me entregar a você, fazer amor na praia e quero ser tão feliz que seja impossível recordar de uma época em que eu não fui. - Respira profundamente. — Amo você, Amélia. Preciso de você. Pertenço a você como você pertence a mim. Quer se casar comigo e me fazer amá-la todos os dias da minha vida? Eu o beijo e Daniel desliza o anel no meu dedo. A caixa preta vai parar no chão, porque eu me sento escarranchada em cima dele e lhe jogo a cabeça para trás. — Todos os dias não serão suficientes! - Respondo, olhando-o nos olhos antes de beijá-lo e colar meu corpo ao dele.

— Tem razão! - Diz, ao se afastar para respirar. — Não serão suficientes. Volto a beijá-lo e tiro a sua camisa preta que colocou para sair nesta manhã. Em cima do peitoral esquerdo tem a marca da queimadura que lhe deixou a cera e me abaixo para lambê-la com a língua. Ele estremece e eu repito a carícia em todas as marcas que encontro no percurso. Quando chego à sua cintura, tenho que me ajoelhar diante de Daniel para poder continuar, mas então meus olhos ficam à altura do seu cinto e me lembro de que estou zangada porque ele se arriscou quando foi ver Howell. Sim, uma parte de mim se sente honrada dele ter se colocado em perigo para me proteger, mas a outra, a que Daniel ama de verdade, tem que lhe demonstrar que não pode voltar a fazer isso. Uma ideia toma forma em minha mente e, decidida, retiro o seu cinto. Em seguida, levanto-me e, agarrando as suas mãos, eu as coloco atrás do encosto da cadeira em que ele segue, obedientemente, sentado e lhe ato as mãos com o cinto do qual acabo de me apropriar. — Onde está o chicote que utilizou em mim na Itália? Aquele que encomendou para mim. Daniel tem que engolir em seco, várias vezes, antes de responder e tem uma proeminente ereção marcada sob sua calça. — No meu quarto. No nosso quarto, - corrige-se e, para recompensá-lo, dou-lhe um beijo. — Segunda gaveta do armário. Vou buscá-lo com o coração na boca e estou, tremendamente, excitada. Acaricio a alça de couro e passo os dedos pelas fitas que o formam.

— Vou fazer isso direito. - Afirmo, colocando-me de novo diante dele. — Você me ensinou bem! Daniel concorda e vejo que o jeans mal pode conter a sua ereção. Tenho pena dele e lhe desabotoo os botões da braguilha. Deslizo as unhas, por um segundo, por cima do seu membro e me afasto para não cair na tentação de terminar de despi-lo. Ergo ligeiramente o meu braço para trás e o golpeio com o chicote no peito. Espero uns segundos e, quando as linhas aparecem na sua pele e o ouço gemer, estremeço-me. Sei agradar o Daniel. — Mais? - Pergunto-lhe com a respiração entrecortada. Ele lambe o lábio inferior e seus olhos olham o anel que me pôs no dedo e que agora brilha em cima da alça do chicote. — Mais. Por favor! — Como é nossa primeira vez, vou confiar em você. Deixe-me saber quando você estiver no limite. A próxima vez não vai ser necessário isso, eu prometo. Mas agora preciso que me avise, não quero machucá-lo. Certo? Prometa-me que me dirá se for muito e eu prometo não parar até que chegue ao seu limite. — Eu prometo. - As pupilas negras cobrem a sua íris e o desejo o faz estremecer. — Mais, por favor! Ergo o braço para trás e lhe dou outra chicotada. As fitas cortam o ar e o gemido dele faz com que me dê conta de que acertaram seu peito.

— Uma coisa mais, Daniel. Aproximo-me de novo e prendo os dedos nos cabelos da sua nuca para captar a sua atenção. Está tão absorto pelo desejo e ansiando se entregar a mim que lhe custa concentrar-se, mas o som da minha voz consegue que faça. — Daniel! — Sim? - Pisca várias vezes antes de responder. — Não goze! Quero que goze dentro de mim. Diga isso! — Não gozarei! — Diga isso. - Repito e, para lhe mostrar que estou falando sério, abaixo-me ligeiramente e lhe mordo o pescoço. — Diga isso! — Não gozarei. Gozarei dentro de você! - Umedece os seus lábios e estremece. — Por favor, Amélia. Mais! — Sshh... Claro, amor! Volto a me afastar e retomo a posição anterior, a um metro de distância do seu peito. Ergo o braço para trás e as fitas golpeiam com força o meio de seus peitorais. Daniel volta a gemer. — Mais?

Vejo que seus ombros estão tensos e que aperta os bíceps. O músculo da mandíbula estremece e tem que respirar várias vezes para poder falar. — Mais um. Por favor! Concordo com o seu pedido doce, que corresponde ao meu mais profundo desejo e volto a mover o chicote para lhe acertar, desta vez, justamente em cima do coração. — Basta! Faça amor comigo! Por favor! — Todos os dias!

Há anos que Daniel e eu estamos juntos. Todos os dias. Ele carrega a fita no pulso da mão direita e eu um anel de casada na esquerda. Para nós, ambos os símbolos significam a mesma coisa, mas, provavelmente, a faixa sempre será uma parte especial da nossa história. Agora, estou grávida de uma menina a quem vamos chamar de Laura. Não trabalho no Mercer & Bond, no final, nós dois decidimos que o melhor seria que não trabalhássemos juntos. Custava-nos muito resistir um ao outro e nós passávamos, o dia, muito excitados. Trabalho com a Marina na ONG e lamento dizer que ela e Raff ainda não resolveram as coisas. Antes, teria parecido uma loucura incentivar a minha amiga a entrar em um trio, mas desde que Daniel me ensinou o que realmente significa o amor, não me parece tanto assim. Além disso, sempre há pessoas pelas quais verdadeiramente vale a pena ignorar todos os tabus. Durante o dia, Daniel se ocupa de tudo, eu acho que faz parte do seu DNA cuidar das pessoas que ama e protegê-las a todo custo, mas durante a noite se entrega a mim completamente. É como se precisasse disso, como se os meus cuidados e as minhas carícias lhe dessem forças para continuar. E eu preciso da sua rendição. Mas, hoje, vou tentar algo diferente. — Olá, querido, esta noite tenho uma surpresa para você! - Digolhe ao chegar em casa.

Ultimamente, ele chega antes de mim, porque está obcecado pelo quarto da filha. — Não me diga que finalmente encontrou aquele chicote. - Brinca, mas fica em pé (estava agachado, montando alguma coisa do móvel) e se aproxima de mim. — Faz dias que não usa a vela. Cola-se a mim, apesar da barriga, e noto que está excitado. — Porque não mereceu isso. Esse comentário o excita ainda mais. — Você vai me dizer qual é a surpresa? Sorrio e retiro um par de papéis retangulares da bolsa. — Vamos ao cinema. Vamos ter um encontro. - Daniel sorri e estremece os lábios, e sei que tornei a adivinhar o que necessitava. — Vamos ao cinema, de mãos dadas e vamos nos beijar como adolescentes na última fila. E se você se comportar bem, deixarei até mesmo que você me dê uns amassos. Certo? — E se me comportar mal? Introduzo novamente a mão na bolsa e retiro uma vela branca. Daniel sorri e me beija como só ele sabe fazer. A cada carícia, possuindo-me!
M. C. Andrews - [90 Dias 02] - Todos os dias

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