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Copyright © 2020 P.C.L Vasconcellos Todos os direitos reservados Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência e não é pretendida pelo autor. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito do autor. ISBN-13: 9781234567893 ISBN-10: 1477123454 Desenho da capa por: Art Painter Número de controle da Biblioteca Nacional: 2018675302 Impresso no Brasil
Contents Copyright Introdução Capítulo-1 Capítulo-2 Capítulo-3 Capítulo-4 Capítulo-5 Capítulo-6 Capítulo-7 Capítulo-8 Capítulo-9 Capítulo-10 Capítulo-11 Capítulo-12 Capítulo-13 Capítulo-14 Capítulo-15 Capítulo-16 Capítulo-17 Capítulo-18 Capítulo-19 Capítulo-20 Capítulo-21 Capítulo-22 Capítulo-23 Capítulo-24 Capítulo-25 Capítulo-26 Capítulo-27 Capítulo-28 Capítulo-29
Capítulo-30 Capítulo-31 Capítulo-32 Capítulo-33 Capítulo-34 Capítulo Final Epílogo About The Author Books By This Author
Introdução Os personagens e eventos retratados nesse livro, são totalmente fictícios. Qualquer semelhança com nomes, pessoas reais, vivas ou mortas, lugares e etc... são mera coincidência. Essa história tem caráter recreativo, não contém vínculo religioso de nenhum tipo. Portanto não busca ser fiel à nenhum livro ou crença existente. Mantendo assim sua única função de entreter os leitores. Em alguns momentos específicos da história, optei por inserir um Narrador, por achar que esses momentos precisavam de uma visão mais ampla do cenário. Porém, a história é contada em primeira pessoa. Desde já agradeço pela oportunidade, e desejo-lhes uma ótima leitura.
Michael “Sempre Estarei Com Vocês”
P.C.L Vasconcellos
Sinopse Michael, é o Anjo acompanhante da Morte, aquele que sempre está por perto, quando alguém mau está prestes a morrer. Ele recebeu sua missão. Estar ao lado de Mily nos próximos dias, até que Abaddon venha buscá-la. Ele nunca discute suas ordens, ele apenas as cumpre. E acompanhar Mily nos dias que antecedem a sua morte, era a sua missão. Ele fez o que lhe foi mandado, acompanhou a vida daquela jovem, trabalhadora e mãe solteira de um lindo menininho de belos olhos azuis. Que por ironia do destino, tinha nome de Anjo, Miguel, o Arcanjo. Incomodado com a situação, pois não via maldade naquela mulher, ele decidiu questionar ao seu superior, o motivo de ter sido enviado a ela. A informação lhe foi dada. Ela não era má, mas faria algo muito ruim, que arrastaria sua alma para o inferno. E ao saber disso, inconformado, Michael irá contra todas as suas convicções, para afastar Mily desse caminho. Ainda que com isso coloque em risco a sua própria alma.
Capítulo-1 "E teve um sonho no qual viu uma escada apoiada na terra; o seu topo alcançava os céus, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela." (Gênesis 28:12)
Michael Quando recebi essa missão, achei que seria apenas mais uma, como muitas que já realizei. Porém, não era. Assim que a vi, percebi que algo estava errado. Muito errado. Estou acostumado a acompanhar almas sombrias, seres humanos de auras negras, tamanha a podridão de seus espíritos. Mas ela... Sua aura era tão clara, que tive medo de que ela fosse capaz de me ver. Eu sei que não é possível, não quando estou na minha forma angelical, mas ela olhou diretamente em minha direção, e ficou ali, parada, como se... sentisse. Foi algo tão inesperado, que me escondi atrás das folhas das árvores próximas a mim. E quando finalmente ela se foi, eu fiquei com essa sensação estranha. Algo que não sei explicar.
Estou acompanhando os passos da jovem Mily, há dias. Simplesmente não compreendo o que estou fazendo aqui. A moça trabalha em dois empregos para sustentar ao filho pequeno, que ela ama de todo o seu coração. Eu a vi, apesar do cansaço da lida durante a semana, ir ajudar às freiras em uma feira beneficente, organizada pela paróquia próxima a sua casa. Mily e o filho costumam frequentar as missas aos domingos, nessa mesma igreja. O que me motivou a fazer o que irei fazer agora, foi vê-la ensinar ao pequeno Miguel, a oração do anjo da guarda. O Anjo da Guarda, esse, que a deveria estar guiando, orientando e protegendo, mas, no entanto, sou eu quem estou aqui. Michael é como me chamam. As criaturas das sombras não tem permissão para dizer o meu nome. Mikhael é meu nome Angélico. Anjo transitório, acompanhante da morte. Aquele que atravessa as almas malignas, após a morte, para seu destino final. Isso me deixou profundamente abalado. Afinal, onde estava o anjo da guarda dela? Preciso saber o porquê. Preciso dessa informação, ou não conseguirei concluir minha missão. Após orarem ao anjo da guarda, os dois adormeceram tranquilamente. E ver aquela pobre alma iludida, agradecer ao seu anjo protetor, sendo que ele sequer estava aqui, me fez entristecer profundamente. Eu saí da casa, estava me sentindo sufocado, olhei para o céu estrelado, e tomei minha decisão. Alguém teria que me dar uma explicação. Alguém teria que me dizer por que essa jovem foi abandonada dos cuidados divinos. Deixei que minhas asas me levassem aonde eu precisava ir. Quando atravessei os portões celestiais, notei os olhares sobre mim. Já estou acostumado, porém não deixa de ser uma sensação ruim. Sempre que preciso estar com meu superior, tenho que passar por isso. Os anjos celestiais me temem, ou não me veem com bons olhos, por vários motivos. Por eu poder caminhar nas trevas, e ainda assim ter livre acesso ao céu, ou por eu andar ao lado de Abaddon, o Anjo da morte. Mas acredito que o motivo maior, sejam minhas asas negras, que se sobressaem nesse lugar onde tudo é tão alvo e luminoso. Muitos acham que sou um anjo caído, mas não sou. Apenas tenho cumprido meu dever, sem nunca questionar. Até agora. Segui para a escadaria ao final do salão de entrada. Meu superior, o
Querubim Atheniel, se encontra na grande biblioteca celestial, onde estão o livro da vida, e os pergaminhos do destino. Os Querubins são considerados guardas e mensageiros dos Mistérios Divinos, têm a missão especial de transmitir sabedoria. No início da criação, foram colocados pelo Criador para guardar o caminho da Árvore da Vida. Atheniel é o responsável por designar minhas missões. É a ele que respondo. Subi as escadas e me ocorreu uma ideia, que talvez resolvesse meu problema, sem que eu precisasse incomodar Atheniel. No segundo lance da escada, estava o saguão dos Anjos da guarda. E eu estava mesmo com sorte, meu amigo e antigo orientador Eliel, estava parado próximo à porta principal. Meu amigo Eliel é um Anjo da guarda que tem a missão de orientar os jovens anjos. Os Anjos da guarda, recebem as ordens dos Coros superiores e as executam. Eles são os Anjos que estão mais próximos da humanidade. —Eliel! Eu o chamei, quando ele fez menção de atravessar a porta. Ele se virou para mim, e sorriu. Meu ser se encheu de alegria em voltar a vê-lo. A última vez que nos vimos, foi há muito tempo. —Mikhael! Meu amigo. Que felicidade voltar a vê-lo. Ele diz caminhando em minha direção, e me dando um abraço caloroso. —Verdade meu amigo. Tenho andado bastante ocupado. Ele me olha entristecido. —Eu imagino que sim irmão. O que não é um fato a se comemorar. —Não, não é. Nós caminhamos juntos pelo imenso salão, sendo foco da curiosidade dos demais anjos que passavam por ali. Eu tento ignorar, mas isso é algo que me incomoda profundamente. —Todas as vezes que venho aqui, é assim. Acho que por isso, tenho ficado mais tempo no submundo do que no plano celestial. Eliel me olha incrédulo. —Não repita isso Mikhael. Nem mesmo em pensamento. Você é um Anjo, é um ser celestial como qualquer um de nós. Sua missão é de suma importância para o equilíbrio da vida na Terra. E ela foi dada a você, porque não poderia ser dada a nenhum de nós. —Eu sei meu amigo. Só não gosto de me sentir diferente.
—Diferente? Ora essa, e por que você seria diferente, Mikhael? Pelas suas asas? —Você sabe o que pensam. —Mikhael, você é um dos poucos que tem o dom de caminhar nas trevas, e não ser tocado por elas. Esse é um dom dado a você pelo próprio Criador. Ninguém aqui descrimina você, nós temos muito amor por você. Acredite. —Obrigado Eliel. Você como sempre, não perde a oportunidade de me orientar. Eu digo sorrindo e tocando o ombro dele. —Eu fiz não é? Fazer o que, é o meu dom. Nós rimos juntos. —Mas diga-me Mikhael, queria falar-me? Ou é só uma visita de cortesia? Eu o olho apreensivo, sei que Eliel não gostará da minha questão, mas a vida da Mily depende disso. E ela não tinha mais ninguém olhando por ela. —Na verdade, estou com um problema em minha missão. Eu... gostaria de sua ajuda. Eliel me olha curioso. —Você? Com problemas? —Sim. —Se eu puder ajudar. —Minha missão no momento é acompanhar uma jovem, até que Abaddon vá buscá-la... Eliel me olha interessado, e eu estou envergonhado, não deveria estar questionando o que me foi designado a fazer. —Sim, Mikhael. Qual o problema com a jovem? Os olhos azuis de Eliel brilhavam intensos, e me incentivavam a continuar. —Essa é a questão. Não há problema algum, Eliel, ela é uma moça, com seus percalços da vida, mas nada que justifique a mim, na vida dela, muito menos Abaddon. Ela não é má, Eliel, muito pelo contrário, eu só tenho visto bondade nela, e isso me perturbou a ponto de vir aqui. O olhar de Eliel se tornou preocupado. Ele se sentou em uma das poltronas brancas dispostas por todo o salão, e eu me sentei ao lado dele. —Isso não é um problema Mikhael. Você está questionando as suas ordens. Ele me disse tão baixo, que quase não fui capaz de ouvi-lo. —Eu não...
—Está! E isso é muito perigoso Mikhael. Você é um anjo transitório, está sempre cercado pelo mal. Você não pode ter dúvidas do que é certo ou do que é errado. —E eu não tenho, exatamente por isso, estou aqui Eliel. A dúvida já está em mim, agora preciso de respostas. Eu estava a caminho da grande biblioteca, mas achei que você, seria uma melhor opção. Eliel me olha chocado com minhas palavras. —Você ia... questionar Atheniel?! Enlouqueceu? —Não vejo o porquê do seu espanto Eliel, ele é meu superior, se tenho problemas, ou dúvidas, não é o dever dele me orientar? —Santo Deus! Mikhael, você ouviu alguma coisa do que eu lhe disse? Você não pode ter dúvidas. Se as tem, é porque está questionando a sua missão, e isso o torna inapropriado para cumpri-la. —Atheniel pode me substituir? —Quem sabe não é? Fiquei apreensivo com o que Eliel me disse. Não gostei da ideia de ser substituído em uma missão. Na verdade nunca achei que isso fosse possível. Não conheço outros como eu.
Capítulo-2 "Eis que envio um Anjo diante de ti, para que te guarde pelo caminho e te conduza ao lugar que tenho preparado para ti." (Êxodo 23:20)
Michael Eliel me olha como se eu estivesse completamente louco. E eu o compreendo, também acho que enlouqueci, afinal, não é comum os anjos questionarem suas ordens. Mas eu nunca fui um anjo comum, não havia de ser agora. —Bom, então, a ideia de falar com Atheniel está descartada. Porém ainda preciso de respostas, Eliel. Ele me olha frustrado, eu quase ri. —Muito bem, o que podemos fazer? —Eu pensei em falar com o anjo da guarda dela. Talvez ele saiba por que sua protegida foi retirada dele. —Ah, sim, por que nós, anjos da guarda somos informados dos desígnios
divinos, não é verdade Mikhael? Eliel me diz em um sorriso irônico. —Não há uma chance de ele saber? —Tenho quase certeza que não. Mas, podemos tentar. Você sabe quem é? É claro que não. Ele mesmo responde, se levantando e andando em direção a grande porta a nossa frente. Eu o acompanhei pelo caminho que nos conduziu ao Jardim das crianças. Eu nunca tinha estado ali. Era uma visão extasiante. Um campo de grama verdejante se estendia pela imensidão, com muitas flores, de diversos tipos e cores. O ar é tomado de um suave perfume, e uma música delicada soa ao longe, o que nos inspira a paz. Sob as árvores, alguns anjos estão sentados rodeados por inúmeras crianças. Era ali que se iniciavam os ensinamentos angélicos. Aqueles eram pequenos anjinhos, dando início ao seu aprendizado. —Por que estamos aqui, Eliel? Eu perguntei, após me recompor de apreciar tamanha beleza. —Precisamos ver Jhaziel, ela saberá quem era o anjo da guarda da jovem. Eliel se deteve por um momento e eu acompanhei seu olhar. A sombra de uma macieira estava sentada Jhaziel, cercada por um pequeno grupo de crianças, ela sorria. Assim que nos viu, ela se levantou e caminhou até nós. A figura de Jhaziel sempre me comoveu, o olhar piedoso e a beleza de seus traços davam o verdadeiro sentido à palavra "angelical", o seu caminhar tem tanta leveza, que é difícil dizer se seus pés tocam o chão. Seus cabelos de um dourado mais brilhante que o próprio sol, balançavam com seus movimentos. Ela nos olha radiante e sorri. —A que devo a honra de sua nobre visita meu caro Mikhael? Abaddon o libertou de suas masmorras para visitar os velhos amigos? Ela diz rindo, e eu retribuo. —Tens toda a razão por estar magoada comigo. Mas te peço que não fique. Digo segurando sua mão. Ela sorri ainda mais. —Eu sempre o perdoo por me abandonar Mikhael. Mas veja, dessa vez substituí você, por todos eles. Jhaziel me diz apontando para as crianças que sorriem e acenam para nós. —Já meu querido Eliel, esse não me abandona nunca.
Jhaziel se une a Eliel em um abraço comovente. —Nunca minha querida, você é a nossa luz. Os olhos de Jhaziel se tomam de um azul ainda mais brilhante, lembravam o céu estrelado, que gosto tanto de observar quando estou na Terra. —Acredito que, para virem os dois até aqui, haja um motivo. Estou enganada? Ela perguntou olhando para nós dois. Eu ia esclarecer, mas Eliel não me deixou falar, fazendo sinal para que eu não o fizesse. —Viemos pedir um favor, querida. Se, estiver ao seu alcance. Eliel diz cheio de reticências. —Digam, se eu puder ajudar. —Precisamos encontrar o anjo da guarda de uma determinada mortal. Você é a responsável por encaminhá-los, pensei que pudesse nos ajudar. Jhaziel nos olha intrigada. —O que querem com ele? —Só precisamos fazer uma pergunta, querida, não se preocupe. O olhar desconfiado de Jhaziel não me passou despercebido. E seu olhar era direcionado a mim. —Diga o nome da mortal. Ela me perguntou fazendo um leve movimento, que fez surgir um pergaminho e uma pena branca em suas mãos. —Mily Maldonado. Nascida a treze de maio de 1992. Eu digo tentando não parecer ansioso. Mas o olhar que ela me dá me diz que não a convenci. Ela escreveu as informações no pergaminho e em seguida o rosto da jovem Mily se fez visível para nós. —Esta é a mortal a quem se referem? —Sim. É ela. —Bem, estão com sorte. Ela era uma das minhas protegidas. E quando eu digo "era", quero dizer que não é mais. Mily perdeu a minha guarda. Sendo assim, acredito que ela esteja sob a sua guarda agora Mikhael. Isso me diz uma coisa. Você já sabia disso, então, por que vens a mim? Eliel me dá um olhar apreensivo, se a princípio ele não me deixou contar minha questão a Jhaziel, agora, era inevitável. O semblante de Jhaziel tornou-se sério. Ela me olhou fixamente. —O que está acontecendo Mikhael? Sabes que Mily não tem mais um
anjo da guarda, por que querias saber quem a protegia? —Preciso saber o porquê, Jhaziel. Por que Mily perdeu a sua guarda? Ela me olha indignada. —Você acha que eu sei? —Não deveria? Afinal ela deveria ter a sua orientação e proteção até o fim da vida. Seu olhar agora é pura incompreensão. —Achas que a culpa é minha? —Ei, ei! Vocês dois! Parem com isso agora mesmo, estamos chamando à atenção, por favor. Não é culpa de ninguém. É apenas uma pergunta Jhaziel. E você já nos respondeu que não sabe. Muito obrigado, mesmo, por sua atenção. Eliel falava, mas Jhaziel continuou enfrentando o meu olhar e eu o dela. —Vamos indo Mikhael. Eliel me puxou pelo braço, eu me virei para ir, mas retornei. —Não lhe ocorreu, em momento algum, o porquê de uma jovem boa, caridosa, mãe amorosa e temente a Deus, ter perdido o seu anjo da guarda? Não lhe ocorreu, o que ela fez, para merecer isso? —Não é meu dever questionar os desígnios divinos Mikhael, e nem é o seu. Se Mily perdeu a minha proteção, é porque algo de muito grave ela vai fazer. E se você foi enviado a ela, é porque já está escrito no livro da vida, eu não seria capaz de influencia-la. A alma dela estará na escuridão. Eu reflito sobre o que Jhaziel me disse e vejo que ainda tenho um modo de saber. —Então ela ainda não fez? —Não no período em que eu a protegia. —Isso quer dizer que Mily ainda pode ser salva? Eu perguntei esperançoso, para uma Jhaziel sem convicção alguma. —Se já está no livro da vida Mikhael, é muito difícil que ela vá mudar de ideia. Eliel me diz desolado. —Se eu souber o que ela fará, posso influencia-la do contrário. Ainda tenho tempo. Abaddon está em outra missão. Jhaziel e Eliel se entreolham e depois olham para mim. —Você não é um Anjo da guarda Mikhael, não tens o dom da influência. Eliel disse se aproximando de mim. Jhaziel me olhou como se tivesse pensado em algo, mas desistiu de falar.
—O que foi Jhaziel? Sabes de algo que eu possa fazer? Diga-me, não terei paz, se simplesmente assistir aquela jovem ser levada pelas trevas, sem eu ter feito nada para ajudar. Eu estou sempre rodeado pelo mal, é meu dever impedir que pessoas más, façam mal a pessoas boas em seu período transitório. Acredito que estarei cumprindo a minha missão, se impedir que uma pessoa boa faça algo de mal, e se torne o próprio mal. Ela me olha indecisa, e busca orientação no olhar de Eliel. Ele balança a cabeça em sinal de positivo, e ela se volta para mim. —Tem um jeito. Um único jeito de você influencia-la. Eu a olho ansioso por ouvi-la, mas Jhaziel parece muito apreensiva. —Então me diga. Jhaziel suspira resignada. —Imaginando que você consiga descobrir o que Mily fará... e já lhe dizendo que isso é praticamente impossível. —Sim, continue. —Bem... você teria que se tornar humano. Mortal. As palavras de Jhaziel tiveram um impacto forte sobre mim. —Me tornar... mortal!? —Isso é só uma hipótese Mikhael, acalme-se. Eliel disse percebendo o choque em meu rosto. —Não, não é uma hipótese Eliel, é o único jeito. Ele teria que influenciala pessoalmente, como humano. Teria que se aproximar dela, tornar-se alguém importante para ela, alguém que ela escute e confie. Assim, em seu livre arbítrio, quando você pedir que ela não faça, pode ser que ela lhe ouça. Pode ser. Jhaziel fava e meu choque só aumentava. Tornar-me humano, um mortal, interagir diretamente com os mortais, isso só podia ser um pesadelo. —Mikhael, você está ouvindo? Eu ouvi a voz de Eliel me chamando. —Sim, eu...estou ouvindo. Os dois me olhavam preocupados. —Eu preciso ir. Falo com vocês depois. Eu me virei para ir, porém ainda precisava me certificar de algo, então voltei. —Somente vendo no livro da vida, eu saberia o que Mily fará? Os dois me olham em choque, praticamente em pânico.
—Você enlouqueceu Mikhael?! Sabes que não temos permissão para olhar o livro da vida! Queres ser banido para o inferno?! Jhaziel me disse em um fio de voz, parecendo temer que o próprio vento nos escutasse. —Eu já vivo no inferno Jhaziel. Eu disse apenas para constatar o fato. —Queres ser um anjo caído? Eliel me perguntou ainda mais apreensivo que a própria Jhaziel. —Eu não disse que farei isso, é apenas uma pergunta. Os dois se entreolharam mais uma vez. E aquilo já estava me irritando. —Bem, você pode perguntar... Jhaziel disse me olhando como se não devesse dizer o que diria. —A Atheniel? Eu perguntei. —A Abaddon! Eu fui obrigado a rir. Durante todos os séculos que o acompanho, aquele anjo nunca me dirigiu a palavra. —Abaddon não fala comigo. Isso seria pura perda de tempo. —E Atheniel irá tirá-lo dessa missão se for questiona-lo. Eliel me disse com o olhar apreensivo. E eu entendi a situação em que me encontrava. —Obrigado. Eu disse antes de deixá-los, e fiz o caminho de volta o mais rápido possível. Precisava ficar sozinho, precisava pensar. Eu voei de volta a casa da Mily. Ela e o filho ainda dormiam, haviam passado só alguns minutos da minha ausência na Terra. O tempo passa muito devagar aqui. Eu me sentei na poltrona ao lado da cama, e fiquei a observalos. Eram uma família. Uma pequena, mas bela família. Eu não consigo compreender, o que a Mily poderia fazer de tão grave, e mais ainda, o que a levaria a isso? Recostei-me no encosto da poltrona, e fiquei ali, zelando por eles. Mily podia ter perdido o seu anjo da guarda, mas ela ainda tinha a mim. Enquanto as pessoas de bem descansam, o mal espreita. Porém eu estou aqui, e nenhum mal à de toca-los.
Capítulo-3 "Ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?" (Mateus 26:53)
Mily —Miguel! Filho! Vamos, levante-se. Já estamos ficando atrasados. Miguel me olha com um olho aberto e o outro ainda fechado. —Mamãe, não podemos dormir? Só hoje? Eu rio da carinha preguiçosa dele. —Não, não podemos querido. Vamos, não podemos chegar tarde à escola. Deixe para dormir no sábado, está bem? Ele levanta ainda sonolento e vai para o banheiro. Todos os dias era essa luta para tirá-lo da cama. Como moramos um pouco longe do centro, temos que sair de casa bem cedo, se não quisermos nos atrasar. E hoje, já estávamos em cima da hora. Miguel irá completar sete anos daqui a alguns meses, e desde os quatro anos, estuda na mesma escola em que sou professora.
É uma correria todos os dias, mas não me queixo, poderia ser pior. Miguel poderia estudar em outra escola, e eu ter que ficar de um lado para o outro da cidade. Após praticamente ter que obrigar meu filho sonolento a beber todo o leite, conseguimos sair de casa. Atravessamos as duas pistas da avenida principal do bairro, e seguimos em direção à estação do metrô. Como ainda era bem cedo, o movimento estava tranquilo, sempre conseguíamos ir sentados. Em algum momento, que eu não percebi, um rapaz se sentou diante de nós. Quando ergui minha cabeça, ele já estava lá. Com tantos assentos vazio no vagão, ele escolheu sentar-se na nossa frente. Foi meu primeiro pensamento. Eu deveria ficar apreensiva, porém o olhar dele...era de um azul tão profundo, e transmitiam tanta paz, que era algo incompreensível. Eu queria ficar com medo, até acho que deveria, afinal, era um completo desconhecido, mas não consegui. E Miguel, como de costume, abriu logo um imenso sorriso para o estranho, que lhe retribuiu. Os dois iniciaram uma conversa, e começaram um assunto sobre a escola do Miguel, e foi nesse momento, que eu reparei em outros dois homens, sentados um pouco mais a frente. Esses, não eram nada amistosos, um negro de cabeça raspada e olhos ameaçadores e o outro tinha tantas tatuagens, que nem era possível decifrar o seu rosto. Eles olhavam para mim, e aquilo me fez tremer da cabeça aos pés. Então me dei conta, de que, se não fosse o estranho a nossa frente, agora seríamos, só Miguel e eu naquele vagão, junto com eles. —Qual o seu nome? Eu ouvi Miguel perguntar ao estranho, do qual ele já estava grande amigo. —Eu me chamo Gael, e você? —Eu sou Miguel. Mamãe disse que é nome de anjo. De um anjo poderoso. O rapaz dirigi seu olhar para mim, e sorri. Eu retribuí, agradecida por ele estar ali. —Gael também é nome de anjo, não é? Eu perguntei olhando fixamente para ele. O rapaz era de uma beleza desconcertante. Aparentava ter uns vinte anos, não mais. Os cabelos loiros lhe caíam em cachos acima dos ombros e a pele muito clara, não parecia
nunca ter tomado um pouco de sol. Vestia uma camisa de mangas compridas branca, calça caqui e sapatos sociais. Em um estilo formal demais para a idade que ele aparentava. Talvez estivesse indo para a faculdade, sei lá, mas não carregava livro algum. Na verdade ele não carregava nada. —Você parece entender muito sobre anjos não é? Ele respondeu minha pergunta com outra pergunta. Eu percebi. —Sim, sempre gostei muito do tema. Ele me olha ainda mais expressivo. —Acredita na existência deles? A pergunta era simples, sim, eu acreditava muito. Porém a questão pareceu-me muito mais profunda. —Nesse momento estou acreditando que você é um deles. Eu disse com um meio sorriso. Gael riu divertido, e a sua risada encheu todo o ambiente, Miguel e eu rimos também. —Posso perguntar por que acha isso? Ele me perguntou ainda rindo. Eu apenas olhei para os dois homens sentados adiante, e voltei meu olhar para ele. —Ah! Eles. Estão sempre nesse vagão. Se não gosta deles, mude seu horário. Ele me disse sério agora, e eu entendi o recado. —Não costumamos pegar esse metrô, saímos um pouco atrasados hoje. Ele me deu um sorriso encantador. —Então hoje foi meu dia de sorte. Ele disse sorrindo para Miguel, daquele jeito angelical. —Sabe quem é Miguel, o Arcanjo? Gael perguntou a Miguel, que balançou a cabeça negando. —São Miguel Arcanjo, é o general dos exércitos celestiais. Foi ele quem venceu a batalha entre os Anjos Caídos contra Deus. Gael falava e Miguel o olhava interessado. —Ele usou armas nessa batalha? —Miguel! Eu o repreendi. —Se ele usou armas? Bom, se você considerar uma espada de fogo flamejante como arma, sim, ele usou. Eu ri da forma como ele se saiu da questão.
—Uau! Nós dois rimos da carinha fascinada de Miguel. Aposto que a primeira coisa que ele irá fazer quando chegar em casa, será pesquisar a história de São Miguel Arcanjo na internet. Não sei por que nunca contei essa história a ele. O som do metrô anunciou a nossa estação, eu me levantei e dei a mão ao Miguel. Gael também se levantou, e nos acompanhou até a porta de saída. Quando o metrô parou, nós descemos, e ele ficou. —Tchau, Gael! Miguel se despediu do rapaz que nos olhava ainda na porta aberta. —Até Miguel. Eu lhe dei um último sorriso, e começamos a andar. —Mily!! Gael é sim nome de anjo. Nós paramos, e vimos à porta se fechar e o metrô partir lentamente, voltando a seguir seu caminho. Meu coração batia tão forte, que cheguei a ficar trêmula. Em minha memória, eu procurava o momento em que havia dito o meu nome a ele.
Na escola, o dia foi puxado. Estamos na semana de feira de ciências, e tudo estava sendo preparado para o evento final. Eu voltava do intervalo do almoço, quando fui pega pelo braço pela diretora da escola e minha amiga, Kelly. —Mily, você já soube? Ela me perguntou apreensiva. —Soube de quê? —A Raquel, está muito doente. Não poderá mais dar aulas, pelo menos não por enquanto. —Nossa! Coitada! É grave!? Eu perguntei ao entrar na minha sala de aulas, sendo seguida por ela. —Não disseram, só recebi um comunicado da família. Eu a olho desconfiada. —E já tem uma substituta? —Não, amiga. Vai sobrar para você, sinto muito. Eu olho para ela resignada. —Eu imaginei.
—É por pouco tempo Mily, prometo arranjar uma professora substituta o quanto antes. Mais até lá, você vai precisar ficar com as duas turmas. —Tudo bem, vai. Só seja breve mesmo, não é bom para os alunos, uma turma tão cheia. Ela beija meu rosto e sorri. —Vai ser rápido, você vai ver. Kelly saiu da sala, e as crianças já retornavam do recreio. Eu já estava com a turma da Raquel, o que incluía o Miguel, que era aluno dela. Passei todo o tempo de aula, na tentativa de explicar alguma coisa para as crianças, mas com uma turma de quase quarenta alunos, foi praticamente impossível. O que consegui, foi me desgastar, e perder um dia de aula dos meus alunos. Tomara que a professora substituta, apareça logo. Era só nisso que eu pensava na viagem de volta para casa. Quando chegamos, Miguel fez um lanche rápido, e foi logo para a casa da minha vizinha, Vera. Era ela quem olhava meu filho, enquanto eu trabalhava na cafeteria. Vera era um anjo em minha vida, ela amava, Miguel como se ele fosse um dos seus netos. E desde que fiquei sozinha, e precisei arrumar outro emprego para conseguir pagar as contas, era ela quem cuidava do meu filho, até eu voltar, normalmente lá pelas dez da noite. Já de volta em casa, quando Miguel e eu, nos ajoelhamos para fazer a oração ao anjo da guarda, como fazíamos todas as noites, pode parecer loucura, mas a imagem do Gael, me veio à mente. É claro que isso era coisa da minha cabeça, mas ainda assim, agradeço a Deus por ele ter estado conosco hoje. Santo Anjo do Senhor meu zeloso guardador. Já que a ti me confiou à piedade Divina. Hoje e sempre me governa, rege, guarda e ilumina. Amém.
Capítulo-4 "O anjo do Senhor é sentinela ao redor daqueles que o temem, e os livra." (Salmos 34:7)
Michael Passei muito tempo pensando sobre tudo o que Eliel e Jhaziel haviam me dito. Eu estava atormentado por aquela ideia. Nunca em meus séculos de criação, eu tomei a forma humana. Conheço anjos que já o fizeram, mas eu? Nunca imaginei que algum dia precisaria passar por isso. Porém, pesando os prós e os contras, não consegui ver alternativa. Jhaziel havia dito, que não há outra maneira de ajudar a Mily, de impedir que ela cometa um ato tão terrível que irá levá-la direto para o inferno. Eu estremeço, só de pensar nisso. Não sei o que essa jovem tem, mas minhas ações, minhas atitudes, até mesmo as minhas certezas, ficaram abaladas depois que a conheci.
Tenho certo receio de como será interagir diretamente com ela. Não sei o que esperar desse futuro, e não gosto de não saber. Pela manhã, acompanhei toda a rotina da Mily e do filho, até saírem de casa. Eu os acompanhei até o metrô, onde detectei que haviam duas criaturas de auras negras naquele vagão, a espreitá-los. Mily e Miguel se sentaram um pouco afastados deles, mas eu podia ouvir tudo o que eles falavam, ainda que sussurrassem. Eu podia ouvir até a podridão de seus pensamentos, e todos eles eram direcionados a Mily, e aquilo me causou tamanha repulsa que fui tomado de uma ira que jamais experimentei antes. Eu me levantei de onde estava sentado e fui em direção daqueles dois demônios disfarçados de seres humanos. Eu estava determinado a mandá-los direto para o inferno, e isso seria tão fácil para mim. Mas foi em meio ao caminho que eu fazia até eles, que o senti, e me virei imediatamente para onde Mily e Miguel estavam. Meu ser se encheu de paz ao vê-lo. E toda a ira, e os meus desejos homicidas recém-descobertos, haviam se esvaído de mim. Ele era um Anjo, disso eu não tinha dúvidas. Porém, tanto a Mily quanto o Miguel, podiam vê-lo. Um anjo na forma humana. Era a primeira vez que eu via um. E como ele naquele momento era um mortal, como eles, também não podia me ver. Eu me encostei à parede próxima aos dois homens, e fiquei observando aquele anjo interagir com a Mily e o Miguel, como se realmente fosse um deles. A estação onde Mily e o filho desciam chegou, e eles se foram. Eu deveria acompanhá-los, mas fiquei. Eu ainda o observava. Ele se virou, quando as portas se fecharam e sorriu. —Eu não posso vê-lo, mas ainda posso senti-lo. O Anjo disse, e se tomando de uma luz brilhante e intensa, suas roupas alvas e suas asas brancas, se tornaram visíveis para mim, e então ele podia me ver. —Quem é você Anjo? Eu perguntei me aproximando dele. —Você estava aí o tempo todo, já sabe quem eu sou. Não? Mikhael. Eu ergui a sobrancelha ao ver a ousadia daquele anjo fedelho. —Gael! Eu quero saber qual a sua hierarquia? Ele ri como se eu tivesse lhe contado uma piada.
—Sou um anjo da guarda, não está claro?! —Ora, um anjo da guarda! Finalmente! Onde você estava todo esse tempo? Eu tenho acompanhado a Mily e ao filho há dias, e nunca me deparei com você antes. Digo cruzando meus braços na frente do corpo. Ele me olha ainda com aquele sorriso irritante no rosto. —Eu sou anjo da guarda do pequeno Miguel, e sempre estou ao lado dele, quando "ele" precisa de mim, porém, tenho outros protegidos sob minha guarda. Eu gostaria, mais une presente, só o Todo Poderoso. —Sabe por que estou aqui, Gael? —Sim, eu costumava acompanhar Jhaziel. Mas a jovem Mily não é mais protegida por ela, e aqui temos você. Ele se sentou, e eu me sentei de frente para ele. Gael, me parecia ser muito jovem, eu nunca o tinha visto antes. Se bem que tenho evitado minhas idas ao céu com muita frequência. Eu o observava, e ele a mim. —Posso lhe fazer uma pergunta? Ele me olha expressivo. —Se também me conceder uma? Era bem abusado o anjo da guarda. Mas gostei dele. Em momento algum senti da sua parte, qualquer tipo de receio por estar diante de mim. E isso era muito raro. Não só as criaturas das sombras, mas também os Anjos, temiam estar na minha presença. —Muito bem, assim seja. Faça a sua pergunta primeiro. Eu disse a ele, e pelo canto dos olhos vi os dois homens de auras negras descerem do metrô. Porém aquilo não fazia diferença para mim. A podridão de suas almas já estava gravada na minha mente. Eu os encontraria, onde quer que eles estivessem. —Como ele é? Gael me fez sua pergunta, e eu não compreendi. —Ele? —Sim, o Anjo da Morte. Você o acompanha, não? Eu sorri. Foi inevitável. A curiosidade dos anjos mais jovens por Abaddon era inacreditável. Talvez pelo fato de Abaddon nunca, em hipótese alguma colocar seus pés no céu. Muitos não fazem ideia de como ele é. Eu acredito que se eles me temem, só pelo fato de andar com Abaddon. A maioria deles não suportaria olhar para Abaddon, tamanha a carga que sua
aura carrega. —Abaddon é um Anjo. E assim como nós, cumpre sua missão. —Ouvi dizer que ele nos mata só com o olhar. Gael disse temeroso, e eu tive que me conter para não dar gargalhadas da cara dele. —Histórias Gael. Abaddon não mata ninguém, é a missão dele levá-los quando é chegada a hora. Quem determina a morte é o Senhor e somente Ele. —Se você diz. Muito bem, faça sua pergunta, ainda preciso estar em outro lugar. Eu o olhei indeciso se devia ou não fazer a pergunta, porque com certeza ela levaria a questionamentos que eu não estava disposto a revelar. —Mikhael? —Como é estar na forma humana? Perguntei de uma vez. E vi a surpresa nos olhos de Gael. —Você quer dizer, mortal, como eles? —Sim. —Eu não fico por muito tempo. Somente em casos extremos, como hoje. Na forma humana, nossos sentidos ficam mais apurados, sentimos tudo com muita intensidade. É perigoso. Tem que ter muito autocontrole. —E nossos dons? —Permanecem, porém não devemos usá-los quando estamos mortais. Podemos perder o controle sobre eles. Eu apenas ouvi tudo que ele disse, mas aguardei pela pergunta. Meu mais novo amigo, Anjo da guarda, me parecia ser bastante curioso. E ela não demorou a vir. —Pretendes assumir a forma humana? Ficar Mortal? Eu desvio meu olhar do dele. —Ainda não decidi. —É ela, não é? Mily. —O que tem ela? —Eu senti a sua ira com os homens que pensavam em feri-la. Você se importa com ela. —E você não? —Não é minha missão protegê-la Mikhael. —Não foi o que pareceu ainda pouco. Você praticamente disse a ela que era um anjo. —Eu não... fiz isso.
Eu ergo a sobrancelha para intimidá-lo, e funciona. —Eu... apenas quis ser confiável, para que ela me ouvisse. As palavras de Gael me atingiram, e ele percebeu. —É o que você quer, não é? Se aproximar dela. Ter a confiança dela. —Eu preciso fazer isso Gael. Preciso me tornar alguém em quem ela confie. Eu simplesmente me vi dizendo a Gael, algo que eu não queria dizer nem para mim mesmo. Que a decisão já estava tomada, eu só ainda não conseguia aceitá-la. Ele me olha compreensivo. Como se entendesse os meus porquês, quando eu mesmo ainda tinha dúvidas. —Bem, eu estarei sempre por aí. Se precisar de mim, sabe como me encontrar. Ele sorri e pisca um olho para mim. —É sério que você acredita, que farei a oração do anjo da guarda? Gael se levantou e parou diante de mim com aquele olhar petulante que ele tinha. —Você conhece outro jeito de chamar um anjo da guarda? Bem, eu não conheço. Eu ia responder, mas ele simplesmente desaparece em meio a sua luz. Eu ri disso. Anjos jovens. Nunca quis contato com eles, pois me irritam profundamente. Porém, agora parece que estou preso a um deles. E para fazer o que preciso, definitivamente precisarei da ajuda dele. Isso será interessante. Eu, tendo que interagir com os mortais, e auxiliado por um anjo da guarda mirim. Senhor! Espero que tudo isso seja um plano seu.
Capítulo-5 "Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos." (Salmo 91:11)
Michael Acompanhei Mily e o filho durante toda a semana. Nossa! Chega a ser entediante. É sempre tudo igual. De casa para o trabalho, do trabalho para casa. Ela sequer muda sua rotina. Estou acostumado a lidar com demônios. Ter que libertar humanos possuídos por espíritos malignos. Atravessar os nove círculos do inferno acompanhando Abaddon. Porém, me vejo aqui. Preso a essa jovem, e sem saber por que. O que tenho percebido, é que tenho agido como um anjo da guarda dela, já que ela perdera o seu. Não que eu tenha algo contra os anjos da guarda. Dois dos meus melhores
amigos pertencem a essa hierarquia, mas acredito que meu lugar não seja aqui. Abaddon e eu pertencemos ao coro hierárquico das Dominações. Nos escritos divinos diz-se que algumas fileiras do exército angélico chamam-se Dominações, porque os restantes, lhes são obedientes ou temem. São enviados por Deus a missões mais relevantes e também, são incluídos entre os Santos Anjos que exercem a função de "Ministros de Deus". Por sua vez, eu nunca vi ou tomei conhecimento da existência de outros, como nós. Por isso decidi-me por questionar Atheniel sobre a real finalidade de minha presença aqui. Eu já estava determinado a isso, quando Mily fez algo que saiu da sua rotina. Não entendi a princípio que ela estava fazendo algo relevante, até perceber, que Mily parecia estar se escondendo, ao atravessar a cidade na tarde de sábado, para ir até um hospital. Eu a acompanhei e podia ver como ela estava apreensiva por estar ali. Mas apesar disso, Mily parecia ser conhecida da recepcionista, que a reconheceu assim que ela chegou ao balcão. —Olá querida. Achei que não viesse esse mês. Eu ouvi a alegre senhora saudá-la. E entendi que Mily tinha o hábito de ir até ali. Mas nunca tinha ido, desde que recebi a missão de acompanhá-la. —No fim eu sempre acabo vindo, não é? —É sim. Você tem um enorme coração. Outra no seu lugar já teria desistido. Mily deu apenas um sorriso triste ao comentário da senhora. Ela recebeu um adesivo de visitante, e seguiu para o elevador no corredor na lateral da recepção. Enquanto o elevador subia, eu a observava com atenção. Os olhos verdes grandes e sempre expressivos, tinham um brilho que me desconcertavam. Mily era muito bela, os cabelos castanhos lhe caíam em leves ondas até abaixo dos ombros, emoldurando o rosto de traços delicados mas muito marcantes. A pele clara tinha um leve rubor nas maçãs do rosto, o que lhe dava um ar de menina. Era uma mulher bonita, mas a meu ver era uma mulher comum. Porém, algo nela...eu definitivamente não sei explicar, mas há algo nela que me atrai, como nunca imaginei ser possível. E isso é algo que eu nunca senti. Eu continuei a observa-la, Mily parecia tensa, encostada a parede do
elevador, às vezes fechava os olhos, como se lembrasse de algo que a incomodasse muito. E naquele momento eu queria ter o dom de ler a mente dela, ouvir seus pensamentos. Mas não tenho. Pelo menos, não enquanto sua aura for tão clara, e sua alma tão pura. Meus dons só me permitem ouvir espíritos malignos, e isso me deixou frustrado, ouvi-la me pouparia todo o trabalho, e o risco de acabar afastado dessa missão. Mily percorreu um longo corredor de portas numeradas, até parar de frente para a última daquele lado. Ela segurou a maçaneta por um segundo, como se refletisse antes de gira-la. Eu podia sentir a sua apreensão, e acreditei saber por que. Quando ela finalmente entrou, eu entendi o que tanto me incomodava, desde que pus os meus pés naquele hospital. O paciente, o homem adormecido ao leito, parecia em coma profundo, mas isso não impediu que eu pudesse ver a sua aura sombria. Não consegui definir, se ele era um demônio, nem um espírito maligno. Mas ele era mau, isso eu pude sentir. Seu rosto era estranhamente familiar. E isso só me trouxe ainda mais dúvidas. Quem era ele para ela? Por que Mily se dispunha a visitá-lo, quando era evidente que isso não lhe agradava? Ela sentou-se na cadeira ao lado do leito, e ficou a observa-lo. Eu esperei que ela dissesse algo, que fizesse uma oração, mas não, ela apenas ficou ali, como se aquilo fosse uma obrigação. Eu olhei o boletim médico preso à cama do paciente, nele dizia que o homem, denominado André Torres, estava em coma profundo, por exatos sete anos, sem apresentar nenhum sinal de melhora em todo esse tempo. E era verdade, eu não consegui detectar nenhuma atividade de sua mente. Mas ele ainda estava ali. Eu podia senti-lo. Mily voltou para casa, e quando foi buscar o filho na casa da vizinha que costumava cuidar do menino na sua ausência, mentiu para Miguel, quando este lhe perguntou onde ela havia ido. —Eu precisei ir a escola, querido. Mas já estou de volta, agora vamos poder ficar bem juntinhos. Ela disse abraçando o menino, que retribuiu ao carinho da mãe. Os dois entraram em casa, e eu já não sabia mais o que pensar, era como se a imagem de inocência e pureza que eu tinha da Mily, tivesse se quebrado.
Mas eu tinha uma certeza, ela escondia algo, e eu precisava descobrir o quê. Eu pensei no lugar onde queria estar, e no segundo seguinte eu estava lá. De volta aquele quarto de hospital. Eu procurei pelo espírito do homem, mas não o encontrei, ele pode estar perdido na escuridão, afinal estava fora do corpo há muito tempo, ou pode estar se escondendo de mim, o que era mais provável. Eu me sentei na cadeira onde a pouco, Mily havia estado, abaixei minha cabeça e comecei a orar. —Santo Anjo do Senhor meu zeloso guardador. Já que a ti me confiou à piedade divina. Hoje e sempre me governa, rege, guarda e ilumina. Amém! Logo que terminei a oração, eu já podia sentir sua presença. E como eu já imaginava, Gael estava com seu sorriso torto e irritante na face. —Desculpa, mas, eu precisava absorver esse momento. —Eu ainda não vi onde está a graça. —Talvez você realmente não possa ver. Ele disse batendo no meu ombro ainda rindo. —Bem, você me chamou?! —Antes não o tivesse feito. Digo me levantando e indo até o boletim médico. Eu o peguei e estendi para Gael. —Quem é ele? Gael olhou o boletim, e em seguida voltou seu olhar para o homem a sua frente. —Por que você acha que eu sei quem ele é? Ele me diz colocando a prancheta de volta ao lugar onde estava. —Você tem a mania irritante de responder as perguntas que lhe são feitas com outras perguntas. Pode apenas responder ao que perguntei? Eu cruzo meus braços e o olho irritado. Gael andou até a lateral do leito, olhou o homem bem de perto, e depois se virou para mim. —Não sei quem ele é. Eu deveria saber? —E vamos a mais perguntas. Alguém já lhe disse que você tem o dom de irritar qualquer criatura vivente, seja ela mortal ou imortal? Ele ri. —Já me disseram algo parecido. Eu ando até a lateral do leito, onde Gael está.
—Você consegue senti-lo? Eu observei Gael estender sua mão direita e passar por sobre o corpo do homem, sem toca-lo. —Ele ainda está aqui, porém não agora. —Como?! —É estranho, parece-me que ele apenas saiu do corpo, mas o deixou aqui... —...Porque pretende voltar. Eu concluí, entendendo o que Gael quis dizer. E isso não me pareceu algo bom. — Muito bem, você já pode ir. Não preciso mais de você. Ele ri e me olha com seu olhar zombador. —Não é assim que funciona meu caro Mikhael. Você chamou por mim, fez a oração. Sendo assim, ficarei com você até o próximo dia. Sou seu anjo da guarda agora. Ele me diz nitidamente se divertindo com minha perplexidade. — Eu não preciso de um anjo da guarda. Enlouqueceu!? —Bem, não foi o que você disse quando fez a oração. Você me chamou, agora terá que me aturar, onde você for, eu irei. Isso só podia ser brincadeira desse moleque, que acha que pode brincar comigo. Mas ele não perde por esperar. —Muito bem, que assim seja. Aonde eu for, você irá. Porém é provável que você necessite de um anjo da guarda, no lugar aonde iremos. Eu disse lhe dando um sorriso, que fez com que o dele desaparecesse por completo. —Vamos, "Anjo da guarda".
Capítulo-6 "Deus envia anjos que se acampam ao nosso redor" (Salmo 34)
Michael Segui de volta a casa da Mily, acompanhado por Gael. Já era noite, mãe e filho já se preparavam para dormir, e pude ver como Gael ficou tocado, por vê-los orarem juntos a oração ao anjo da guarda. Nós ficamos ali, em silêncio por um tempo. Até Gael me questionar, era evidente que ele faria isso, mais cedo ou mais tarde. —Porque me trouxe aqui Mikhael? Ele perguntou se voltando para mim. —Para que você visse. Não é horrível que a Mily ore todas as noites para um anjo da guarda que ela já não tem? Gael me olhava sério, mas um leve sorriso surgiu em seu rosto. —Você está aqui, e a protege. —Eu não sou um anjo da guarda.
Seu sorriso se abre ainda mais, se ele soubesse o quanto isso me irrita, não o faria com tanta frequência. —Bem, você não permite que nenhum mal a toque, então você à guarda. E até onde sei você é um Anjo, ou estou enganado? Viu só, Anjo da guarda. —Acabou? Perguntei cruzando meus braços e sem um pingo de paciência, mas ele continua sorrindo, porém tão logo isso iria mudar. —Sim. —Pois bem, faça a sua coisa de anjo da guarda com eles, ficaremos ausentes por algum tempo. Eu digo, deixando pela primeira vez que Gael veja minhas asas negras. Normalmente as mantenho ocultas, quando estou fora do céu ou do submundo. Eu achei que iria intimidá-lo assim, normalmente é o que acontece. Porém ele parecia tão indignado com o que eu lhe havia dito, que acredito que sequer reparou nelas. —Eu não faço uma "coisa" de anjo da guarda. Eu estendo a minha aura protetora sobre os meus protegidos quando estou ausente. Gael me diz irritado. Eu ri disso, era bom pra ele saber como é. —E não foi isso que eu disse?! Digo debochado. Ele me ignora, estende suas mãos sobre Miguel e o cobre com sua luz. —Eu disse os dois. —Mily não é minha protegida. —E como você acha que Miguel estará protegido sem a mãe dele? Gael franze o cenho para mim. Agora ele estava mesmo irritado. —Você ainda irá me causar problemas. Ele diz me dando as costas, e estendendo sua luz sobre Mily. —Satisfeito? —Por hora. Agora vamos! Gael me olhava confuso. —Vamos aonde? —Apenas me siga. Se concentre em mim. Apenas em mim, entendeu? —Sim. Eu fechei os meus olhos, e logo estávamos descendo os degraus que nos levariam ao grande portal de entrada do submundo. Gael me seguia calado, mas diante do grande portal, ele se deteve. O
olhar focado nos dizeres gravados na imensa pedra que marcava o lugar. O Portal do Inferno não tem portas ou cadeados, nem mesmo guardas, somente um arco com um aviso que adverte: Uma vez dentro, deve-se abandonar toda a esperança de um dia voltar a ver o céu. "Deixai toda esperança, ó vós que entrais!" —O aviso é para os humanos. Mas, quando atravessarmos o portal, apague a sua luz. Gael me olha aterrorizado, eu estava achando muito hilário. —Por acaso sou algum tipo de lâmpada Mikhael? Minha luz é minha proteção. —Não aqui. As criaturas das sombras buscam pela luz incessantemente. Queres que todas venham para cima de você? —Eu não deveria estar aqui. Eu ri da sua expressão de desespero. —Foi você quem disse que me acompanharia aonde eu fosse. Bem aqui estamos, alguns chamam de inferno, outros de submundo, eu chamo de casa. Eu disse ainda rindo para um Gael nada feliz. —Se não pode apagá-la, diminua sua intensidade, e siga a minha sombra. Pise aonde eu pisar. Se fizer o que eu lhe digo, nada lhe acontecerá, eu garanto. Gael concorda e reduz a sua luz celestial. Ele me seguiu, e cruzamos o portal. Acho que ele não estava brincando quando disse que tinha que me acompanhar, se não ele já teria voltado, pelo tanto que está assustado. —Posso fazer uma pergunta? —Céus, apenas uma? Sério? —Estou nervoso, e quando estou nervoso eu pergunto. Eu ri. —Faça sua pergunta. Nós cruzamos o nono círculo bem rápido, pois ele era o mais tranquilo. Seguimos evitando as almas perdidas por ali. Ainda que algumas tentassem se aproximar de Gael, mas eu as impedi. O inferno é formado por Nove Círculos. Ele torna-se mais profundo a cada círculo descido, pois os pecados são mais graves. Portanto os pecados menos graves estão logo no início, e os mais graves no final. Abaddon costumava ficar no oitavo círculo. E era para lá que estávamos indo. Este círculo é todo em pedra e da cor do ferro, assim como a muralha que o cerca. Aqui estão os fraudulentos. Este círculo está dividido em dez
fossos, semelhantes aos fossos que defendem certos castelos, os fossos estão ligados entre si por pontes. Nós seguimos cruzando as em meio à escuridão, que só era assolada pela luz de Gael. —Porque você é diferente de nós? Gael me perguntou, quando atravessávamos a quarta ponte. —Acredito, que seja pela missão que me foi dada. Afinal, chamaria muita atenção, um anjo loiro de asas brancas irradiando toda essa luz, atravessando de um lado para o outro por aqui, você não acha? Gael me olha como se pensasse sobre o que eu lhe disse. —É, acho que sim. —Fiquei surpreso com sua pergunta. Eu jurava que seria, o que viemos fazer aqui? —Estava com saudades de casa? Gael disse em um meio sorriso. Eu dei uma gargalhada, realmente não esperava uma demonstração de bom humor, estando tão apreensivo por estar caminhando no inferno. —Você é hilário, Anjo da guarda. Mas, não. Viemos ver Abaddon, ainda que eu não tenha ideia de como vou convencê-lo a me ajudar. —E há uma razão para a minha presença aqui? —Com certeza. Abaddon ficará muito irritado com a sua presença, quem sabe assim eu consiga arrancar lhe algo. —Que coisa feia Mikhael! —Eu não disse que seria bonito. Mas você pareceu-me tão interessado por conhecer o Anjo da Morte. Decidi lhe dar a oportunidade única, de estar frente a frente com ele. Era inacreditável, mas Gael estava mudo. E nós atravessamos a sétima ponte. —Eu preciso saber o que a Mily fará, Gael. É o único jeito de poder ajudá-la. De impedir que sua alma seja condenada a passar a eternidade por aqui, ou em lugar pior. Você compreende isso? —Compreendo. Porém duvido muito que Abaddon irá compreender. —Vamos ter fé. Eu disse a Gael quando finalmente cruzamos a última ponte. Agora estávamos diante de uma grande pedreira negra, onde havia uma entrada para uma caverna. As runas antigas escritas por toda parte, eram semelhantes as que tenho gravadas pelo corpo. Serviam para afastar os espíritos malignos e
as almas perdidas, e impediam que as trevas nos tocassem. Os dizeres intrincados nas pedras, nos diziam que havíamos chegado à morada de Abaddon. Gael fez o sinal da cruz, e respirou profundamente. —Fique calmo, tenha em mente que Abaddon é um anjo, e por sua vez, é um ser celestial. Não tem muita paciência, mas, ignore. Eu disse em tom de brincadeira, e recebi um olhar fulminante do meu amigo Anjo da guarda. Acredito que Gael nunca mais será o mesmo, depois desse passeio. Eu só espero conseguir levá-lo de volta.
Capítulo-7 "Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque o Senhor está comigo a tua vara e o teu cajado me consolam." (Salmo 23:4)
Michael —Agora você deve usar toda a sua luz. Eu disse a Gael quando iniciamos a travessia do vão de entrada da caverna onde Abaddon estava. Ele me olha perplexo. —Agora preciso de proteção? Você disse que ele... —Abaddon não lhe fará nenhum mal, acalme se Gael. —Mas então? —Abaddon não irá mata-lo, mas sua carga espectral pode deixá-lo atordoado, se ele...se irritar muito. —Tá, tá, vamos logo com isso. Eu estava me divertindo ao ver como Gael estava nervoso, sinceramente
não imagino que ideia ele fazia de Abaddon, o Anjo da morte, mas o que eu sei, é que nada do que ele possa ter imaginado, fará justiça à realidade. Caminhamos por mais algum tempo em meio à escuridão quebrada pela luz de Gael. E quanto mais perto chegávamos do final do percurso, mais eu o sentia apreensivo. O que Gael não sabia, era que a percepção de Abaddon é muito maior do que a de qualquer um. Ele já esperava por nós. O estreito corredor escuro se abria em uma imensa cratera, onde, diferente do que qualquer um poderia imaginar, havia um jardim, com flores, pássaros, árvores frondosas, e também um lindo céu azul. Era uma ilusão, é claro, algo somente para agradar aos olhos, já que lá fora tudo era escuridão e dor. Gael me olha perplexo. Eu sorri para ele, e fiz sinal para que ele continuasse o caminho. —Tem um jardim no inferno? Ele me perguntou sorrindo, nitidamente mais tranquilo. —E um céu também. —Como isso é possível? —Na verdade não é. Nada cresce aqui, apenas morre. Mas esse é um dos dons de Abaddon, ele pode fazer você ver o que ele quiser que você veja. —Isso não me parece bom. —Facilita o trabalho. Nós contornamos algumas árvores e lá estava ele, o Anjo da Morte. Abaddon estava sentado na grama, próxima a sua cabana, lendo algo em um dos muitos livros de sua biblioteca pessoal. Suas asas negras tão grandes quanto as minhas, cobriam a grama ao seu redor. Gael parou os seus passos, e eu podia ver a imensa surpresa em seu rosto. Ele olha para mim, e para Abaddon adiante, que com certeza sabia da nossa presença, porém não se dignou a nos olhar. —Uma mulher!? Você nunca disse que Abaddon tinha a forma feminina. Isso não se faz Mikhael, tanto desespero pra me deparar com uma mulher? Ele me perguntou perplexo, e meu amigo anjo da guarda fez valer toda a viagem. Conseguiu chamar a atenção de Abaddon, só que não de uma maneira boa. Eu podia sentir a ira dela, e era tamanha que fui obrigado a me colocar na frente de Gael, quando Abaddon se levantou de onde estava, deixando o seu livro de lado, e caminhou até nós. A fúria em seus olhos, era realmente ameaçadora. Os olhos azuis faiscavam e seus cabelos em um tom de cobre, pareciam
labaredas de fogo balançando conforme ela andava em nossa direção. —Abaddon, calma! Ele não quis dizer o que disse, releve, Gael é jovem demais, foi a surpresa, só isso. Viemos conversar com você. Apenas isso. Eu tentei remediar a situação, mas Abaddon ainda nos olhava furiosa. Mas manteve seu olhar em mim, já em um misto de raiva e dúvida. —Saia!!! A voz ecoou de seus lábios e reverberou por toda a nossa volta. Confesso que eu mesmo fiquei nervoso, nunca havia escutado a voz dela em séculos de convivência. Eu sempre falava, às vezes durante horas, sei que ela me escutava, mas nunca respondeu a nada. —Abaddon... —Saia!!! Sua voz reverberou mais uma vez, fazendo com que os pássaros imaginários procurassem abrigo em árvores mais distantes. Eu saí da frente de Gael ainda apreensivo mas também estava curioso. E para minha surpresa ele não parecia com medo, e sim, envergonhado. Eu estava nervoso, muito mesmo. Pus-me ao lado de Gael, e Abaddon se aproximou um pouco mais dele, direcionando seu olhar furioso sobre ele. —Então, sou menos ameaçadora porque sou mulher? —Eu não quis dizer isso. Gael disse com seus olhos no chão, ele não ousava olhar para ela. —Então o que você quis dizer, Anjo? —Abaddon... Eu tentei afasta-la dele, pois sua energia poderia afeta-lo, mas o olhar mortal que ela me lançou fez com que eu me afastasse de imediato. —Diga!!! Gael ergueu sua cabeça e a olhou nos olhos, eu estava perplexo. Como ele podia ainda estar de pé? —Eu quis dizer, que você é bela, muito bela, nada de... manto negro ou uma foice, sabe... nada parecido com o que eu imaginava, perdoe-me. Eu achei estar ficando louco, mas acreditei ter visto a sombra de um sorriso nas feições de Abaddon, e isso foi perturbador. Por fim ela se virou e voltou ao lugar onde estava anteriormente, como se nada houvesse acontecido. Sua ira havia se dissipado totalmente. Como Gael conseguiu isso, eu não sabia. Porém me senti mais encorajado a fazer a pergunta que eu precisava fazer.
Eu deixei Gael onde estava, e fui até ela. —Preciso lhe fazer uma pergunta. E preciso de uma resposta. Ela me olha incrédula. Mas nada diz. Eu encarei o seu olhar. —A missão que recebi, a que estou executando agora... Abaddon mantém o seu olhar fixo em mim, mas eu não consigo mais sustenta-lo. —Há algo errado. A jovem não é má, ela não cometeu mal nenhum. Preciso saber por que a estou acompanhando. Ela inclina a cabeça como se pensasse no que eu disse, e depois volta sua atenção ao livro em suas mãos. Essa atitude me irritou bastante, ela simplesmente me ignorou. —Você ouviu o que eu lhe disse? Ela volta a me olhar parecendo irritada. —Se eu não souber o porquê de tudo isso, não irei cumprir essa missão. Eu irei impedi-la de fazer sabe-se lá o que, que ela pretenda fazer. Você está me ouvindo agora? O cenho franzido e a expressão de pura incredulidade me fez crer que sim, agora ela tinha me ouvido. —A mortal deve cumprir o seu destino. Ela disse se levantando e ficando diante de mim. —E que destino é esse que irá arrasta-la para cá? Por que uma jovem de aura limpa e de bom coração merece tão terrível castigo? Abaddon me olha como se não acreditasse em minhas palavras. —Isso é muito maior do que o seu senso de justiça Mikhael, apenas cumpra o que lhe foi designado. —Se Mily faz parte de algum desígnio divino, eu preciso saber, me diga, ou eu não cumprirei a missão. A fúria do seu olhar não me abalou, e dessa vez eu a enfrentei. —Ei amigos, o que é isso?! Vamos nos acalmar por favor. Gael chamou nossa atenção se colocando entre nós dois. —O que ele faz aqui? Abaddon me perguntou dirigindo seu olhar para Gael. —Ele é o anjo da guarda do filho da mortal. E hoje está me acompanhando. —Gael! Gael disse estendendo a mão para Abaddon em cumprimento. Se eu não
estivesse tão irritado, talvez tivesse rido da expressão de Abaddon acompanhando o movimento de sua mão com o olhar, e voltando a olhar para mim. Como quem diz: O que ele pensa que está fazendo? Eu balanço cabeça frustrado. —Bem, pelo visto foi uma grande perda de tempo ter vindo até aqui. Vamos embora Gael. Eu disse o puxando pelo braço, em direção à saída. —Foi um prazer conhecê-la! Ele disse para ela enquanto eu o puxava. —Cale a boca! Digo empurrando-o para que ele passasse a minha frente. —Mikhael!!! A voz de Abaddon nos fez parar antes de cruzarmos a saída. Eu me virei para ela. —A mortal deve cumprir o seu destino. Se impedi-la, haverá consequências. Consequências com as quais, você não poderá lidar. É um aviso. Eu a olhei desapontado. Em todos os meus anos de criação, sempre acreditei que o inferno era a morada final das pessoas más. Das almas sem salvação, daqueles que não herdaram o reino do céu. E é nisso que acredito, e sempre acreditarei. —Aquele que quiser salvar a sua própria vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim a encontrará. Eu disse a Abaddon citando a Bíblia, para que ela entendesse, que eu não desistiria de salvar a alma da Mily, nem que para isso fosse preciso eu perder a minha. —Não cite a Bíblia para mim Mikhael, não ouse citar a Bíblia para mim!!! Abaddon disse exaltando o tom de sua voz. Eu a respondi no mesmo tom. —Então não venha me dizer, o que eu posso ou não fazer. Eu não sirvo a você Abaddon. Eu não sirvo a você!!! Ainda puxando Gael pelo braço, nós cruzamos a saída. Fizemos todo o caminho de volta em silêncio. O que foi um grande milagre, tendo em vista os últimos acontecimentos, e Gael manteve-se calado durante todo o trajeto de volta. Quando chegamos à casa da Mily, nos sentamos na varanda ainda em silêncio. Eu pensava em tudo que Abaddon disse, tentava compreender, o que
poderia ser tão grave, para que o Criador aceitasse comprometer a alma de uma criatura por um bem maior. Qual seria o valor de uma alma? Eu estava perdido em meus pensamentos, quando Gael quebrou o silêncio que pairava entre nós. —Deu tudo muito errado, não foi? —Acho que sim. Mas eu não irei desistir dela. Eu fui criado para impedir que o mal se faça Gael, e é isso que farei. Gael me dá um leve sorriso. —Citar Mateus 16 para Abaddon, foi molecagem, Mikhael. Ela quase o fulminou. Nós dois rimos juntos. Uma forte luz brilhou a nossa frente, chamando a nossa atenção, e do clarão que se fez visível do meio dela, surgiu Jhaziel. Esplendorosa em suas vestes alvas e um leve movimento de suas asas brancas. Era uma visão extasiante. —Jhaziel! Eu disse me levantando e indo até ela, sendo seguido por Gael. —Queridos, é sempre um alento estar na presença de vocês. Porém estou aqui como mensageira. Jhaziel nos disse se aproximando um pouco mais de nós. Gael e eu trocamos um olhar apreensivo. —Atheniel desejava vê-lo Mikhael, e também a você Gael. Eu ia dizer-lhe algo, mas Jhaziel me fez calar com um sinal de sua mão. —Imediatamente. —Nossa! Para alguém que quase não fala, Abaddon foi rápido fazer a treta celestial, não?! Gael disse rindo de sua própria piada. Jhaziel e eu o olhamos incrédulos. Será que ele sabia quem era Atheniel? Eu acho que não.
Capítulo-8 "E, havendo lançado fora o homem, pôs Querubins ao oriente do jardim do Éden e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida." (Gênesis 3:24)
Michael Jhaziel me olhava vez ou outra, enquanto caminhávamos pelo salão de entrada do céu. Seu olhar acusador, já estava me irritando profundamente. —Pergunte de uma vez Jhaziel. Não fique me acusando com seu olhar. Paro no meio do caminho. Jhaziel e Gael também param. —É evidente que você fez algo que não deveria, Mikhael! E ainda colocou Gael nessa situação. —Eu não o obriguei a nada! Defendo-me ofendido. —Ele não me obrigou a nada. Gael disse se aproximando de Jhaziel.
—Eu o segui até o inferno porque estava como anjo da guarda dele. Gael saiu falando sem se dar conta do choque no rosto de Jhaziel. —Você o levou ao submundo!? Jhaziel me questionou em um fio de voz, e olhando ao redor para se certificar de que ninguém nos ouvia. —Onde você estava com a cabeça? Enlouqueceu de vez? —Eu estava com ele Jhaziel, nada se aproximou de Gael. —Nadinha. Quer dizer... Abaddon chegou bemmm perto, mas estou bem, eu acho. Gael diz olhando o próprio corpo, como se conferisse se faltava algo. Eu olho para ele incrédulo. —Assim você não está ajudando Gael, se não vai dizer nada de útil, é melhor que fique de boca fechada. Jhaziel nos olha ainda em choque. —Eu não estou acreditando Mikhael. Ela disse voltando a andar, e nós a seguimos. Subimos a escadaria que levava a biblioteca celestial em silêncio. E diante das portas douradas com grandes imagens entalhadas da batalha do Arcanjo Miguel contra Lúcifer, nós paramos. —Entrem, Atheniel os está esperando. Gael deu um passo à frente, mas eu o impedi de continuar. —Eu irei sozinho. —Mikhael... Gael tentou argumentar, mas eu o fiz calar. —Fique aqui com Jhaziel, eu irei, e falarei com ele. —Ele disse "os dois". Jhaziel disse com ênfase. —Eu sei o que Atheniel disse Jhaziel. Fiquem aqui. Eu empurrei uma das portas e passei por ela, deixando os dois para trás. Logo que cruzei a porta, eu o vi. Atheniel estava sentado atrás de uma grande mesa em madeira escura que havia no centro do lugar. Ao redor, incontáveis estantes repletas de livros muito antigos davam um ar realmente de biblioteca, como as existentes na Terra. Com a diferença de que só havia ele ali. Nós, Anjos, só tínhamos permissão para irmos a grande biblioteca, quando solicitados. Atheniel era o guardião do livro da vida, e dos demais livros existentes ali. Atheniel me olhava receptivo, não transparecia estar irritado ou qualquer
coisa do tipo. Enquanto caminhava até ele, eu observava sua figura imponente, austera. Os olhos de um azul extremamente profundos, pareciam enxergar através de mim, e eu não duvidava que ele fosse realmente capaz disso. Os cabelos lisos, loiros quase brancos, lhe desciam até abaixo dos ombros e emolduravam o rosto de traços finos e muito bem desenhado. Sua pele era tão alva quanto as suas vestes e asas, mas o que mais me chamava à atenção em Atheniel, era a intensidade da sua luz. Ele sozinho seria capaz de iluminar todo o inferno. E ela irradiava dele brilhante e intensa. Quando cheguei a sua mesa ele sorriu para mim. —Estava pensando quanto tempo mais vocês iriam discutir atrás daquela porta, ignorando totalmente o fato de que posso ouvi-los. Ele me disse ainda sorrindo e eu apenas retribuí. Ele fez sinal para que eu me sentasse, e foi o que fiz. —Jhaziel disse que desejavas me ver. —E achas que não há motivo? Atheniel me perguntou cruzando os dedos e apoiando as mãos sobre a mesa. —Abaddon queixou se de mim, eu imagino. Ele ri. —Queixou-se?! Ah não, não foi bem isso que Abaddon fez. Ela fez o inferno na minha consciência. E exigiu que eu o retirasse de sua missão. Eu olhei para Atheniel indignado, mas tentei conter minha fúria diante dele, porém não fui muito feliz nisso. —Exigiu?! E quem ela pensa que é para exigir algo relacionado a mim? Eu disse me levantando exaltado. Atheniel apenas ergueu a sobrancelha, em um nítido sinal de que eu estava passando dos limites, então voltei a me sentar, respirei fundo e voltei a olhá-lo. —Foi exatamente o que eu disse a ela. É inacreditável, séculos de silêncio entre vocês dois, e absolutamente do nada, temos um maremoto. Gostaria de saber como isso se deu. Atheniel falava mantendo seu tom comedido. Mas o olhar, me inspecionava, como se buscasse algo. —Abaddon não disse? —Sim ela disse, porém quero ouvir de você Mikhael. Diga-me, o que lhe atormenta em sua missão?
Essa era uma pergunta muito profunda, e acho que era exatamente isso, que ele buscava. Como dizer ao meu superior direto, aquele a quem respondo, que não concordo com o que me foi designado a fazer? E que mais do que isso, não estou disposto a fazê-lo. Ainda que hajam consequências para mim. —Mikhael! Minha audição é muito boa, porém não posso ler seus pensamentos. Ponha em palavras. Ele disse me fazendo olha-lo. —A jovem mortal que estou acompanhando... Mily, é o nome dela. Eu não sei por que fui enviado a ela Atheniel, Mily não é má, pelo contrário, eu nunca vi uma aura tão limpa quanto à dela. Por que ela merece ir para o inferno?! Foi o que questionei a Abaddon, o porquê. Atheniel continua me olhando profundamente e aquilo me incomodava. —Abaddon disse-me que ela deve cumprir seu destino. Como se houvesse algo maior acontecendo, como se o pecado que ela cometerá, fosse parte de algo, mas isso é justo? É justo que sua aura seja manchada e ela condenada por algo maior? Eu perguntei a Atheniel, tendo em vista que depois disso, eu provavelmente seria destituído dessa missão. —Mikhael, seu senso de justiça é o seu maior dom. A sua percepção de certo e errado é o seu farol na missão que você desempenha. Porém vamos analisar as suas dúvidas. A jovem Mily, é um ser humano, e como tal, é suscetível a erros, como todos eles são. Eles erram, pecam e se arrependem. O Criador os perdoa, e eles estão livres do pecado. A questão aqui está em que, essa jovem cometerá um pecado mortal, do qual ela não se arrependerá. E é por isso que seu destino será o inferno e não o céu. Mas é claro que sendo quem é, você sabe disso. Eu acredito que sua grande dúvida seja, por que ela? Poderia ser qualquer outro e você não estaria se questionando, mas o destino quis que fosse ela, e por motivos ainda ocultos para mim, você não se conforma com isso. Atheniel falava e eu o ouvia. E ouvir a verdade é sempre algo difícil. Porém não deixava de ser verdade, o fato de que se fosse qualquer outro na situação da Mily, eu não estaria questionando a minha missão. A grande pergunta era por quê? —Atheniel, serei sincero ao dizer-lhe, que não sei o porquê. Porém
acolho as suas palavras, sei que tens razão em tudo o que disse. Só que a grande questão é que não posso. —Não pode? Ou não quer? —Não quero, e não vou. Não permitirei que esse destino cruel se cumpra. Eu disse me levantando e o olhando fixamente. —Você não atentaria contra o livre arbítrio dela Mikhael, não você. Mily não será obrigada a nada, assim como também nunca lhe seria negado o perdão, porém ela tem o livre arbítrio. Cabe a ela escolher seu caminho. Ele me disse com certo pesar na voz. Como se Mily já estivesse condenada, só que ela não estava, não ainda. —Eu irei impedi-la Atheniel. Eu irei fazer com que ela mude sua escolha, por que não é justo. Essa é a minha visão do que é certo. Mily precisa ter uma chance de mudar sua escolha. Eu acredito que foi para isso que fui designado para essa missão, porque o Senhor me conhece, ele tudo sabe, e tudo vê. Ele não me colocaria ao lado dela, sabendo como penso. Eu disse tentando captar o impacto que minhas palavras causaram em Atheniel, mas ele continuou apenas a me olhar expressivo. —Você crê realmente nisso Mikhael? Ou é no que você quer acreditar, para justificar os seus atos? —É no que acredito. Eu disse sinceramente. Atheniel se levantou, apoiou as mãos sobre a mesa, e me olhava pensativo. —Eu deveria tirá-lo dessa missão Mikhael, eu deveria. Ele diz ainda pensativo. —Sim, deveria. —E corro o risco de estar interferindo em algo que possa estar acontecendo e que nós não sabemos. Eu sorri para ele nesse momento. A figura do Gael me veio à mente, e com certeza, ele não deixaria passar sem fazer uma pergunta. —Você é o guardião da Verdade, e não sabe o que está acontecendo? Eu perguntei em tom de brincadeira, mas no fundo, eu realmente desejava uma resposta. Atheniel me olhou surpreso, acho que até ele viu que aquilo não vinha de mim. Maldita convivência. —O fato de ser o guardião da Verdade, não significa que eu tenha permissão para sabê-la. Minha missão é guarda-la, assim como a sua é
cumpri-la. Ele disse sério, acho que não gostou da brincadeira, exatamente como eu odiava as do Gael. —Porém, sei de algo, que possa ajudá-lo. E que para mim, seja a única coisa que você desejasse saber, desde o momento em que atravessou aquela porta. Talvez com essa informação, você reconsidere qualquer bobagem que pretenda fazer. —E o que seria? Eu perguntei ansioso, demonstrando mais do que desejava. Atheniel contornou a mesa, e ficou diante de mim. —Mikhael, não podemos perder você, não quando já perdemos tantos de nós. Ele me disse entristecido. —Se eu não fizer o que acredito ser o certo, eu acabarei me perdendo. —Eu entendo. Ele disse colocando uma mão no meu ombro, e se afastou, foi até uma das estantes e pegou algo de lá, trazendo o até mim. Atheniel estendeu um rolo de pergaminho para mim, eu o peguei, o abri, e o li. Deus, isso não podia ser verdade.
Capítulo-9 "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos se não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine." (1 Coríntios 13:1)
Michael —Acredito que agora você possa compreender Mikhael. Eu olho para Atheniel tentando conter a dor e a decepção que sinto dentro de mim. —Mas... por quê? —Isso é algo que você ainda irá descobrir. E sem saber ao certo o que o move, acho prematuro lhe contar isso agora. Eu respirei fundo e lhe devolvi o pergaminho que ainda estava em minhas mãos. O pergaminho do destino da Mily. Eu não consigo acreditar que o que está escrito nele, possa ser verdade. Como uma alma tão doce e pura, pode cometer tamanha atrocidade, e não se arrepender?
—Imagino o que você esteja sentindo Mikhael, porém não se esqueça de que a jovem Mily é humana. Não a julgue sem saber dos motivos que a levarão a isso. E principalmente, não duvide da sua capacidade de julgamento, você não está errado quando diz que ela não é má. Ela realmente não é, e nem se tornará má com essa atitude. Mas a lei é para todos, sem exceções. Isso me leva a uma pergunta Mikhael. Você ainda será capaz de cumprir o seu dever, se o destino de Mily se cumprir? Atheniel me olhava profundamente, e por um segundo, por uma fração de segundo, eu duvidei da minha resposta, mas foi só por esse mínimo segundo. —Sim, eu serei. —Então vá, e faça o que você foi criado para fazer. Impeça o mal de prosperar. Eu ouvi suas palavras, e elas me deram forças. E antes mesmo de sair da presença de Atheniel, a decisão finalmente estava tomada. —Obrigado Atheniel, eu deveria ter vindo até você de imediato. Ele sorri para mim. —Tudo segue um propósito Mikhael, nada acontece por acaso, você tinha um caminho a percorrer até chegar aqui. Agora vá. Deixarei que Gael continue acompanhando-o, porém, espero que sejas mais como um exemplo a ser seguido, do que uma má influência. —Farei o meu melhor. Eu digo sorrindo. —Não esperaria menos que isso. Diga a ele que deve voltar aos seus protegidos, e peça a Jhaziel que entre. —Até breve irmão. —Até breve, precisando, sabe onde me encontrar. Eu retribuí ao sorriso que Atheniel me deu e saí. Do lado de fora encontrei Jhaziel e Gael com o olhar apreensivo. Os dois vieram ao meu encontro. Eu fiz sinal de silêncio para os dois e eles me entenderam de imediato. —Gael, Atheniel disse para que volte aos seus protegidos. Nos falamos depois. Gael me dá um olhar preocupado, mas apenas pôs a mão em meu ombro em sinal de apoio e se foi. Eu olhei para Jhaziel e ela me dava o mesmo olhar preocupado. —Atheniel quer lhe ver. Eu esperarei por você, ainda preciso lhe falar.
—Me aguarde no jardim das crianças, fará bem a você ficar um pouco lá. Eu balancei a cabeça em sinal de positivo, e a vi cruzar a porta e sumir atrás dela. Eu me vi por um tempo observando as imagens gravadas nas portas da biblioteca. A grande batalha entre o bem e o mal. O dia de maior tristeza no coração de Deus. Quando ele teve que ver seus filhos lutarem entre si. Ver irmãos levantando-se em armas, uns contra os outros. O dia em que Miguel Arcanjo baniu muitos dos nossos irmãos para o inferno, tornando-os Anjos Caídos. Esse dia não é comemorado, ainda que o bem tenha vencido. Ele é conhecido como o dia da grande tristeza. Quando muitos de nós se perderam guiados por aquele que foi criado para ser Luz, porém a ganância o tornou trevas. Lúcifer era o seu nome Angélico. Hoje ele não tem mais esse nome, porque até isso lhe fora tirado. Ele é inominável. Eu tomei a escadaria de volta ao saguão principal e me dirigi para o Jardim das Crianças, onde me sentei na grama sob uma grande árvore, e fiquei aguardando Jhaziel. Eu olhava a diante, mas em meus pensamentos eu via o rosto da Mily, e então eu me vi lendo novamente aquele pergaminho. E foi impossível conter a dor em meu peito. Eu ainda olhava a diante, quando senti a presença de Jhaziel ao meu lado. —Oh Mikhael, você está chorando. Eu só me dei conta disso quando a ouvi dizer. Eu olhei para Jhaziel e sequei os meus olhos, tentando sorrir. —Você sabe que quando um Anjo derrama uma lágrima, uma estrela se apaga no céu? —Me desculpe, mas acho que derramei algumas. —Por que Mikhael? Jhaziel me olha entristecida, eu seguro a sua mão e retribuo o seu olhar. —Eu finalmente sei o que a Mily fará, Jhaziel. E está sendo difícil lidar com isso. —Quer falar sobre isso? —Ela vai tirar a vida do pai do filho dela, Jhaziel! Mily irá matar o pai do próprio filho. Como isso é possível? Você a conhece desde o nascimento, me diz que eu não estou enganado quando vejo a pureza da sua alma? Me diz isso.
Eu segurava as mãos de Jhaziel, e o seu olhar me acolheu. —Você tem certeza disso? —Sim, Atheniel me mostrou o pergaminho. Jhaziel parece aturdida com o que lhe disse, mas não surpresa ou inconformada, como eu estava. —Você sabe por que Jhaziel? Por que Mily faria algo assim? —Não que justifique o que Mily fará, Mikhael, nada justifica tirar a vida de uma criatura viva. Mas acredito que sei sim, o porquê. Pensa Mikhael, o que faria uma mulher tirar a vida do pai do seu filho? Qual a única coisa que você imagina que tiraria Mily do prumo? —O filho! Eu disse finalmente conseguindo entender. Não que isso justificasse, porém explicava muita coisa. —O filho é tudo para ela Mikhael, eu já a vi lutar com unhas e dentes para protegê-lo. Se esse homem for uma ameaça ao menino, eu sinto lhe dizer querido, mas ela não irá mudar de ideia. Uma coisa me veio à mente, a lembrança do homem no hospital. A expressão sem emoção alguma no rosto da Mily. Apenas a obrigação de estar ali. —Jhaziel, o homem no hospital, a quem Mily visita. É ele, não é? O pai do filho dela? —Sim, é ele. —O que aconteceu? O olhar de Jhaziel tornou-se sombrio, como se a lembrança lhe fizesse mal. —Foi um acidente horrível. Mily estava grávida do pequeno Miguel, e o homem com quem vivia, que sempre foi uma criatura desprezível com ela, estava enfurecido com algo. Os dois brigaram, ele disse que assim que a criança nascesse, ela não o veria mais. Em meio à discussão os dois caíram pela escada. Eu estava com a Mily, ela teve apenas alguns arranhões, mas o homem ficou em estado grave, ele não se recuperou. Ainda está no hospital, não está? —Sim, ele está. Mas algo me diz, que não por muito tempo. Eu me decidi Jhaziel, tomarei a forma humana. Farei o que for preciso para impedi-la. Jhaziel me olha pensativa e aperta minhas mãos junto às dela. —Mikhael, você ao menos sabe por que essa jovem é tão importante para
você? Não passa pela sua cabeça uma razão para que você esteja disposto a perder a sua alma, pela dela? Acho que minha confusão foi à resposta para ela. Eu há tempos tento entender, por que Mily era tão importante para mim. Por que eu não suporto pensar que algo ou alguém possa fazer mal a ela. Mas as possibilidades eram impossíveis, pelo menos para mim. —Você não faz ideia, não é? —Jhaziel... —Mikhael, eu vou lhe contar uma história, que talvez você já tenha ouvido, mas como a maioria, também tenha ignorado. Eu olho para Jhaziel curioso, mas deixo-a prosseguir. —Você conhece a história da outra face? Já deve ter ouvido falar. —Sim, um conto de fadas para entreter os pequenos anjos. Eu digo incrédulo de que seja sobre isso que Jhaziel queira me falar. Ela sorri lindamente. —Não é um conto de fadas Mikhael, todos temos alguém que é a nossa face. Muitos levam vidas inteiras para encontrá-la, outros tem a sorte de encontrá-la logo no início da jornada... —Jhaziel, me desculpe, mas não acredito nisso. —Pois acredite, é real. Todos somos parte de alguém, porque o Criador não nos queria só, por isso nos ligou a alguém que é parte nós. —E com isso você está querendo me dizer... —Que pode ser que a Mily seja a sua face. Eu não estou acreditando no que ouço, acho que Jhaziel enlouqueceu de vez. —Jhaziel, não é só por ser uma história absurda, eu sou um Anjo, ela uma mortal. De onde você tirou isso? —E de onde você tirou que o Criador faz distinção entre seus filhos Mikhael? Somos todos criaturas de Deus. Eu ri, acho que mais de nervoso do que por estar realmente achando graça. Jhaziel continua a sorrir. —Atheniel disse que não é impossível. Mas ele acha que você saberia, se ela fosse a sua face. Eu acredito que não, porque você está em negação. Eu agora estou em choque. Atheniel acredita nessa história? Eu não estava conseguindo crer nisso.
—É real Mikhael, eu encontrei a minha face. Ainda que ele não saiba. —O que você quer dizer? —Acontece em tempos diferentes para cada um. E precisamos esperar que aconteça para os dois. —Eu não compreendo Jhaziel, se eu não estivesse nessa missão, nunca teria encontrado a Mily. Eu sou um Anjo, e ela humana. —E quem lhe disse que isso foi por acaso. Eu balanço a cabeça em negativo, nada daquilo fazia sentido. —Muitos anjos encontram suas faces quando elas vem para o céu, no fim de sua jornada mortal. Eu ri disso. —A Mily vai para o inferno Jhaziel! Digo exasperado, mas ela me olha com seu sorriso mais terno. —E aonde é que você vive Mikhael? Apesar de ser um Anjo, ela o encontraria aqui? A constatação desse fato me causou arrepios. Pensar que a Mily era parte de mim, e que por isso, eu fui colocado ao lado dela explicaria muito, mas ainda me parecia improvável. Parecia-me absurdo. —Quando jovem, eu acreditava que minha face era Abaddon. Eu esperava um dia ver sua aura brilhar para mim. Eu disse um pouco constrangido por admitir que algum dia acreditei que essa história pudesse ser real. Jhaziel me encanta com seu olhar brilhante. —E eu achei que a minha fosse você. Eu sorri comovido com a declaração dela. E ver como nossos pensamentos eram diferentes me tocou demais. Eu acreditava que eu era parte de Abaddon, por sermos iguais. Jhaziel acreditava que era parte de mim, porque quando jovens éramos como irmãos. Como irmãos de verdade. As faces não tem uma conotação sexual, como as almas gêmeas tem na Terra. A história diz, que ser parte do outro, significa que não estamos sós, que teremos um companheiro pela eternidade. Seja ele na forma feminina ou masculina. A aura brilha de uma forma diferente para a sua face. Mas cada um vê no seu tempo. Nos foi contado, que os únicos que viram suas auras brilharem ao mesmo tempo, foram Lúcifer e Samael. E eles eram como irmãos, e caíram juntos. —Quem é a sua face? Eu perguntei, e no imenso sorriso que se abriu em seu rosto, eu acreditei
saber de quem se tratava. —Eliel?! —Sim. Espantoso, não? Eliel tem muitos séculos de criação a mais do que eu, e ainda assim, fui eu quem vi a aura dele brilhar para mim, não o contrário. Você viu a aura dela brilhar, não viu? Jhaziel me perguntou com seu olhar fixo em mim, e a resposta para isso, ficou presa em minha garganta.
Capítulo-10 "Os anjos não são, todos eles, espíritos ministradores, enviados a Terra para servir aqueles que hão de herdar a salvação?" Hebreus 1:14
Michael Jhaziel continua a me olhar intensamente, eu desvio meus olhos dos dela. —Você não precisa dizer, se não quiser Mikhael. Porém, tenha uma coisa em mente. Isso afetará você de forma avassaladora, se tomar a forma humana. —O que você quer dizer com isso? —Se a Mily for a sua face de fato, você... não conseguirá evitar de sentir... Meu olhar confuso parece deixar Jhaziel ainda mais constrangida em me dizer algo que ela julga importante que eu saiba. —Sentir o que Jhaziel? Diga de uma vez. —Céus, Mikhael, eu não sei como te explicar isso direito, mas, entenda
que você será humano, e no entanto também será carnal. Eu olho para Jhaziel com o espanto tomando todo o meu corpo. —O que você está dizendo? Que eu sentirei desejos carnais por ela? Você enlouqueceu Jhaziel?! Eu sou um Anjo! —Você não vai conseguir evitar. Levantei-me de súbito ao finalmente entender, o que Jhaziel protelou tanto para me dizer. —Isso é proibido! Eu digo ainda em choque, e Jhaziel sorri para mim. —Não se ela for a sua face Mikhael, não se a sua aura brilhar para ela, como eu tenho certeza de que a dela brilha para você. —Chega dessa história Jhaziel. Mily não é parte de mim, eu não sou parte dela. Eu sou um Anjo, e ela uma mortal. Já chega desse assunto, eu quero saber como faço para me tornar humano? Como eu irei me aproximar dela? Jhaziel continua sorrindo para mim de forma irritante. —Muito bem, eu só precisava te avisar, para que você não ficasse... atormentado, quando começasse... a sentir. —Já chega Jhaziel. —Ok, ok. Vamos ver suas opções, está bem? Precisamos colocar você o mais próximo dela possível. Vou chamar Eliel, ele já esteve mortal, poderá nos ajudar. Eu vejo o sorriso radiante no rosto de Jhaziel, só ao mencionar o nome de Eliel, e também sorri. —Como é saber? Estar sempre ao lado dele, e não poder dizer? —Em breve você saberá. Ela me diz ainda sorrindo. Jhaziel fechou os seus olhos por alguns minutos e a luz intensa de Eliel se fez presente entre nós. Era assim que nos chamávamos, estando em nossa forma Angélica, bastava orar ao anjo, do qual necessitamos do auxílio, e ele nos vem em socorro. Em pessoa ou em espírito. —Mikhael, meu amigo. Que alegria revê-lo. Ele vem para mim em um abraço caloroso, e eu o retribuo. Eliel me olha sorridente como de costume, porém seu olhar para Jhaziel era algo inigualável. Era emoção, comoção, eu nem consigo descrever. E ver os dois juntos, agora que sei, era como se eles fossem apenas um. As duas faces de um mesmo ser. Observar os dois juntos foi comovente. Eu não consigo acreditar que ele não saiba. Eu nem consigo acreditar que nunca notei antes.
—Você precisa de mim, minha querida? Eliel perguntou ao beijar uma das mãos de Jhaziel que sorri comovida. —Sim, precisamos. Mikhael decidiu-se por tomar a forma humana, para tentar influenciar a mortal. Você já esteve na Terra nessa forma, explique a ele o que for preciso. Eliel me olha preocupado, e isso me deixou ainda mais ansioso. —Tem certeza de que deve fazer isso Mikhael? Você é uma Dominação, seus dons detêm muito poder, será necessário muito autocontrole para mantêlos ocultos. —Eu consigo. Digo determinado. Ele assentiu com a cabeça e se aproximou de mim. —Bem, já que estás decidido, o que você precisa saber, é que, ao tomar a forma humana, você será humano de fato. Isso quer dizer que será mortal, então não morra. Eliel me disse com ar brincalhão, mas eu fiquei assustado. Não me ative em nenhum momento sobre isso, que pela primeira vez em todos os meus séculos de criação, eu não seria mais imortal. E isso poderia complicar um pouco as coisas, no caso de eu acabar esquecendo desse fato em algum momento. Nós Anjos só podemos ser mortos por outro Anjo, o que é inconcebível, nós nunca tiraríamos a vida de um irmão. Nem mesmo Miguel Arcanjo, durante a grande batalha, tirou a vida dos anjos rebeldes, ele os baniu para o inferno, onde os aprisionou. Porém, com grande tristeza, pois ele sabia que isso seria pior do quê a própria morte. —Você está me ouvindo Mikhael? —Eu... estou, claro. Mas, só para tirar a dúvida. Se eu morrer na Terra, o que acontece de fato? Abaddon irá me buscar? Eu perguntei rindo ao final. Era mais por curiosidade, do que por preocupação. Porém, Eliel e Jhaziel trocaram um olhar de pânico que me causou arrepios. —O que acontece? Eu insisti sério agora. —Você irá renascer. —O que?! —Assim como os pequenos anjos, terá que passar por tudo outra vez Mikhael. Jhaziel me disse tentando conter sua apreensão, mas sem êxito. Eu voltei a me sentar, senti as pernas fraquejarem.
Eliel veio até mim, e se sentou ao meu lado. —Não pense nisso Mikhael, eu só precisava avisar, mas nunca aconteceu antes. Sua força e sua percepção estarão aumentadas consideravelmente, você sentirá o perigo a quilômetros. Eliel tentou me tranquilizar, e eu me senti agradecido por ele não usar o meu desconforto, para me fazer desistir. —Não posso usar meus poderes? —Em hipótese alguma Mikhael. Você não pode usar seus poderes na forma humana. Isso poderia criar uma catástrofe porque você não poderá controla-los, e também poderia mata-lo. —Nossa! Isso só piora. —Mas suas asas, em momento de extrema urgência, mesmo estando na forma humana, virão em seu socorro. —Entendi. Algo mais que eu precise saber? Jhaziel que ainda estava de pé diante de mim, se assentou ao meu lado, me deixando assim, entre os dois. —Não fique mortal por muito tempo. Isso o deixará fraco. Procure intercalar os períodos. Se ficar humano durante o dia, tome a forma Angelical durante a noite. Isso é muito importante Mikhael, você não conseguirá retomar a forma Angelical se estiver enfraquecido. Precisaria do auxílio de um Anjo Superior, e seu superior é Atheniel, e você sabe que Atheniel não sai da biblioteca. —Nesse caso?! —Somente um dos Arcanjos poderá restaurar o seu poder. Jhaziel me disse com seu olhar apreensivo. E minha frustração saiu em um suspiro. —Santo Deus! —Você ainda poderá nos sentir, mas não poderá nos ver. E os... demônios, também sentirão você. Por Deus Mikhael, não esqueça que você estará mortal, mantenha-se afastado deles. Eu sorri para ela, ao ouvir isso. —Farei o possível. Eu disse ainda rindo. —Você não é Mikhael na Terra, você é Michael. —Ok. Acho que compreendi tudo. Eu digo olhando para os dois. —Tudo...mesmo?
Jhaziel me perguntou. —Acredito que sim. Eu respondi entendendo a quê ela se referia. Ela sorri. —Pois bem, está pronto? Vamos ver aonde poderemos colocá-lo para que você fique o mais próximo da jovem possível. Porém é só o que podemos fazer Mikhael. Ela não o conhece, a aproximação, será por sua conta. Se bem que, se eu estiver certa, acredito que você não terá problemas com isso. Não é verdade? Jhaziel me disse com um sorriso insinuante na face, que eu fingi não notar. —Gael estará sempre por perto, qualquer dúvida, chame por ele. Gael tem experiência em ficar mortal. Em último caso, chame por um de nós, que iremos até você. Entendido? Se você nos chamar quando estiver mortal, você poderá nos ver por um breve período, não mais do que isso. —Farei o possível para não precisar incomodá-los. —Estamos aqui para ajudar, Mikhael. No que for preciso. Eliel me disse passando o braço pelo meu ombro. —Obrigado. Acho que estou pronto. Ainda em choque, mas pronto. Eu disse aos dois tentando sorrir. —Então vamos enviá-lo. Quando você descer, será um homem mortal, não esqueça de respirar. Ela me diz segurando meu ombro em sinal de apoio. —Estarei focado em não morrer. Acho que isso inclui respirar, não?
Capítulo-11 "Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu digo que os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste." (Mateus 18:10)
Mily Mais uma semana iniciou-se, e eu não tenho ideia de quando a escola arrumará uma professora substituta para o lugar da Raquel. Estou simplesmente exausta, e já quase sem voz, de tanto tentar colocar ordem em uma turma com alunos suficientes para duas classes. Além do meu cansaço, tem também o lado educativo, que não está a contento. Não consigo fazê-los prestarem a atenção em mim, com uma turma tão cheia. E meu filho ao invés de me ajudar, é o primeiro a colocar fogo nos colegas. Mas o que eu poderia esperar de uma criança de seis anos e meio? Ou
quase sete, que é como ele prefere dizer. Eu os observo correndo pela sala de aula, é isso mesmo, correndo. Estou cansada demais para ficar gritando, reclamando, ou mesmo me indispondo com eles. São só crianças, e estão fazendo o que crianças fazem quando estão juntas. Era nisso que eu pensava, quando a Kelly deu duas batidas na porta antes de entrar. Eu ri da cara de espanto dela ao ver a bagunça que os alunos estavam fazendo. —Minha nossa! Mily, como você aguenta isso?! —Na verdade essa sou eu não aguentando mais. Eu disse para ela, e fui até a frente da minha mesa para falar com os alunos. —Meus amores, vocês já brincaram bastante, está quase na hora de irmos para casa, então vamos deixar a sala do jeitinho que ela estava, ok. Cada um colocando as coisas nos seus lugares. Vamos, vamos! Aos sons de alguns resmungos, todos começaram a fazer o que eu disse, então me virei para minha amiga que me olhava espantada. —Achei que o mundo tinha acabado aqui dentro. Ela me diz rindo e se sentando na minha cadeira. Eu lhe dou um sorriso cansado. —Aquele era o meu momento de paz. Quando eu decidi deixar que eles fizessem o que quisessem. Ela ri ainda mais. —Colocar a sala abaixo?! —Mais ou menos isso. Nós rimos juntas. —Bem, eu tenho uma boa notícia para você. —Sério? Me diz que é a professora substituta Kelly, por favor? Eu perguntei unindo minhas mãos em súplica. —Infelizmente não amiga. Kelly me diz com o olhar triste. Eu suspirei resignada. Ela me olha sorrindo. —É um professor substituto. —Ahhhh!!! Não acredito! Eu gritei de animação, e dei alguns pulinhos, que logo parei ao perceber que estava chamado a atenção das crianças. —Jura Kelly? Meu Deus, obrigada.
Kelly ria de mim, se jogando para trás na cadeira. Eu nem liguei, estava aliviada, por finalmente ter minha turma de volta e poder dar andamento ao bimestre. —Você ao menos ouviu o que eu disse, Mily? Um professor, não te parece estranho, um homem dando aulas para a turma primária? —Pois para mim, ele poderia ser até um elefante, Kelly. O importante é que ele esteja disposto a enfrentar essas ferinhas. Nós rimos. —Bom, a administração me informou ainda há pouco. Ele na verdade será o novo professor de história do ensino médio, já que a Elisa está para sair em licença maternidade, mas ele se propôs a substituir a Raquel, enquanto a Elisa ainda estiver trabalhando. Eu olho para Kelly surpresa. —Ele se propôs?! —Isso. —Olha, nem o conheço, mas já gostei dele. Nós voltamos a rir juntas. Até meu corpo estava mais leve com essa notícia. —Ele começa amanhã, então amiga, peço que chegue um pouco mais cedo, porque é você quem vai explicar tudo para ele. Sabe que não entendo nada de planejamento de aulas. E você já está por dentro do trabalho da Raquel, fica mais fácil se for você. —Claro, sem problema nenhum. Eu terei o maior prazer em explicar tudo direitinho, pode ficar tranquila. —Então é isso. Amanhã iremos conhecer essa criatura louca, que se propôs a dar aulas para esses pestinhas. Eu olho para Kelly de cara feia, ela ri ainda mais. —Não chame meus bebês disso. Eles são todos uns anjinhos. —Ah, disso eu não tenho a menor dúvida. Era o céu ainda a pouco, não era? Kelly sai da sala às gargalhadas, eu balanço minha cabeça rindo dela. —Kelly! Eu a chamei antes que ela atravessasse a porta. —Você não disse o nome do novo professor. Ela me dá um imenso sorriso. —Michael. Mais um anjinho para a sua coleção. Ela me diz debochada, e sai correndo antes que eu responda. Eu ri da
palhaçada dela. "Michael" que nome lindo tem o meu salvador. Eu pensei rindo de mim mesma. O pobre homem não fazia ideia de onde estava se metendo. Acredito que ele seja um senhor de idade, com bastante paciência. Eu até queria sentir pena dele, só que não. Eu ri ainda mais com esse pensamento. —Tá rindo de que ma..., professora. Miguel me surpreendeu, parado atrás de mim. Eu ri da carinha encabulada dele, por quase me chamar de mamãe na sala de aula. Nós combinamos que enquanto eu estivesse dando aulas para a turma dele, ele deveria me chamar de professora, para evitar problemas com os demais alunos. Mas quando eu não sou a professora dele, tudo bem ele me chamar de mãe na escola. —Não foi nada querido, eu só estou feliz porque recebi uma notícia boa. —É, então conta. —Crianças, venham aqui, quero falar com vocês. Todos se juntaram, e sentaram-se no tapete colorido a minha frente com as carinhas curiosas. Eu sorri para eles. —Então, crianças, amanhã a turminha da tia Raquel, terá um novo professor, sendo assim, a partir de amanhã, quem era da salinha amarela, vai voltar para lá, ok? —Aaaaaaa!!! É claro que eles não gostaram disso. Ia acabar a farra. Eu ri das carinhas inconformadas deles. —Vejam pelo lado bom, vocês vão ganhar um tio, ele deve ser bem legal né? Deve saber tudo sobre vídeo games, futebol, super heróis... —E sobre coisas de meninas tia? Ele sabe? A pequena Karen me questionou com seus olhinhos azuis brilhantes, e me fez parar para pensar. —Bom, ele deve saber também, mas se não souber, todas as meninas podem vir aqui falar comigo, está bem? Sempre. —Eeeeeeeee!!! Ufa, acho que consegui contornar a situação, para que o novo professor não chegasse já com a turma em guerra. Despedi-me de cada um dos alunos como faço sempre, e Miguel e eu seguimos para casa.
Após o almoço, levei Miguel para a casa da Vera, e segui com o meu dia na Cafeteria. Coloquei meu avental cor de rosa prendi os cabelos em um rabo de cavalo, e me pus a limpar as mesas que estavam vazias. —Mily já vou indo, o café acabei de passar, e tem uma fornada de pães de queijo no forno, mas o Felipe está de olho. Fernanda me diz já quase da porta, parece atrasada para algo, pois sempre que chego é do seu costume ficar ainda aqui comigo por horas, me colocando a par de tudo que aconteceu pela amanhã durante o seu turno. —Está bem Nanda, não se preocupe. Ela acena para mim e sai afobada. Eu terminei de limpar as mesas e fui buscar o café para completar as xícaras dos clientes. Aqui na Café com Amor, o café é por conta da casa. Dona Silvia, que é a dona da franquia de Cafeterias, nos disse certa vez, que ninguém deveria começar o seu dia sem uma xícara de café. É claro que os clientes normalmente compram algo do cardápio, mas se não comprarem, também não tem problema. Todos são bem vindos aqui na Café com Amor. Esse é o nosso slogan. Segui com a jarra de café, por todas as mesas apenas completando as xícaras. Os clientes, muitos me eram conhecidos, moradores da cidade, funcionários das lojas das redondezas. Porém um cliente sentado bem ao fundo, me chamou a atenção. Ele estava lendo o jornal, e esse lhe cobria todo o rosto, não me permitindo vê-lo. Achei curioso, pois mesmo não o vendo, acreditei conhecê-lo. —Ei!!! Os dois rapazes da mesa onde eu estava gritaram, quando eu transbordei a xícara, e entornei café por toda a mesa. Me distraí olhando para o cliente oculto, e acabei fazendo uma grande sujeira. —Ah meu Deus! Me desculpem, me desculpem. Eu dizia aflita tentando secar a mesa o mais rápido possível, mas o estrago já estava feito. Os dois ficaram bem molhados, provavelmente queimados e muito bravos. Os clientes se levantaram e foram embora resmungando uma série de impropérios, enquanto três adolescentes que estavam na mesa ao lado, gargalhavam da minha situação. Eu olho para eles bem irritada, mas eles riem
ainda mais. Eu fui aos fundos da Cafeteria buscar um pano de chão e uma vassoura para limpar a bagunça que fiz, quando voltei, vi o cliente que antes estava com o jornal, sentado à mesa com os garotos que riam de mim. Ele estava de costas, e mais uma vez não pude ver o seu rosto. Quando me pus a caminho da mesa alagada de café, ele se levantou, deixou algumas notas sobre a mesa em que estava anteriormente e foi embora. —Tia, nós limpamos pra senhora. Dá isso aqui. Um dos meninos disse vindo até mim, enquanto eu ainda olha para além da porta já fechada. —O que?! Não, não. Eu vou limpar. Eu disse tentando pegar a vassoura de volta, sem êxito. —Nós vamos limpar tia, não esquenta não. O outro mais velho disse. Pegou o pano das minhas mãos e se ajoelhou para limpar o chão embaixo da mesa. Eu não entendi absolutamente nada, e a minha confusão devia estar na minha cara, porque o menino que parecia ser o mais novo do grupo me deu um sorriso e ficou ao meu lado, enquanto os outros dois limpavam a mesa e o chão. —Nós não estávamos rindo da tia, e sim daqueles dois. Eles são professores da nossa escola, e são uns verdadeiros "pés no saco". —De verdade. O menino que estava ajoelhado no chão confirmou. Eu ri disso. Os dois terminaram a limpeza, e quando saíram do banheiro, eu os acompanhei até a porta. —Meninos, o homem que se sentou a mesa com vocês. É um conhecido? Eu perguntei antes que eles se fossem. Algo naquele homem, despertou a minha curiosidade. Eles riram juntos. —Nunca vimos antes. O mais velho disse. —Mas ele nos disse o quanto foi...foi... Como foi mesmo que ele disse? Ah! Sim, "deselegante" ficarmos rindo daquele jeito, e que a tia com
certeza estava achando que estávamos rindo da senhora. —Ele disse mesmo isso? Eu perguntei atônita. —Sim. E nos disse que seria..."delicado" de nossa parte, nos oferecermos para limpar à bagunça para a senhora, como... um pedido de desculpas. O menino me disse um tanto quanto constrangido. Eu sorri para eles comovida, não só com o gesto deles, mas também com o do homem que era um completo desconhecido. —Obrigada. Foi mesmo, muita delicadeza. Eu dei um beijo no rosto de cada um deles, e os vi irem embora, todos vermelhos e implicando uns com os outros pela calçada. Eu gostaria de também poder agradecer ao desconhecido. Quem sabe um dia ele volte.
Capítulo-12 "Ainda que eu tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, mas se eu não tivesse amor, nada seria." (1Coríntios 13:2)
Michael Jhaziel me aconselhou, a esperar pela manhã seguinte para encontrar com a Mily na escola, segundo ela, um professor que dará aulas na mesma escola em que ela trabalhava, inspiraria confiança. Eu quis arrancar cada sopro de vida dela, quando ela me disse as gargalhadas, que eu seria um professor do jardim de infância. Tenho absoluta certeza de que Jhaziel fez de propósito. Ela jurou-me que não. Não que eu não goste dos pequenos, não é isso, só me falta paciência. Porém agora está feito, e terei que aprender a lidar com eles. Eu vi quando a Mily deixou o filho na casa da vizinha, e foi para seu segundo emprego. Eu a acompanhei na condução, em minha forma angelical,
e pelo pequeno percurso que ela faz do ponto onde desce, até a Cafeteria onde trabalha. Mily parece conhecer a todos nesse caminho. Ela sorri e acena para cada pessoa que passa por ela, e também cumprimenta os idosos que sempre estão sentados aos bancos da praça que fica ao lado do seu local de trabalho. Todos parecem gostar dela, e não é para menos. Sua força e determinação são encantadoras em uma moça tão jovem. Eu esperei que Mily entrasse na Cafeteria, e tomei a forma humana. Foi à primeira vez. Senti-me um tanto estranho nessa forma. Sentir o corpo como realmente parte de mim, foi... diferente. E entendi quando Jhaziel me disse para não esquecer de respirar, vez ou outra eu me sinto sufocar, porque não tenho esse costume. Nós Anjos até inspiramos e expiramos às vezes, mas não necessitamos de ar. E senti-lo entrar e sair dos pulmões pela primeira vez foi assustador, acredito que seja a sensação que um recém-nascido sinta ao despertar para a vida. Atravessei a rua e comprei um jornal de uma senhora sorridente que estava sentada na esquina. Eu retribuí ao sorriso, e saber que, ela realmente podia me ver foi uma sensação completamente nova para mim. Entrei na Cafeteria, e me sentei a uma mesa bem ao fundo, abri o jornal de forma que as pessoas ali, não pudessem ver meu rosto. Não que eu me importasse com elas, à ideia era proteger-me dela. Ainda que minha curiosidade por estar perto de Mily nessa forma me consumisse. Pretendia me ater ao plano original. Eu acreditei estar oculto, porém, mesmo sem vê-la de fato, eu podia sentir seu olhar. E outra sensação completamente nova me tomou por completo. Um coração, totalmente descompassado em suas batidas, pulsava dentro de mim, me fazendo perder o ar, que eu a pouco aprendi a controlar. O que isso poderia ser? Era o que eu me perguntava, porém fui tirado dos meus pensamentos pelos esbravejos de dois homens que saíram do lugar bastante enraivecidos. Pelo que pude apurar de onde estava, Mily acabara por derramar café nos dois, ao ficar prestando atenção em mim. Me senti culpado, porque agora a pobre moça teria que limpar toda a bagunça. Consegui conter meu ímpeto de ir até ela e me oferecer para limpar toda a sujeira em seu lugar.
Não, ainda não era a hora. Mily saiu do salão, e eu reparei nos meninos. Três garotos que riam às gargalhadas do acontecido. —Olá. Eu disse ao me sentar na cadeira ao lado do menino que aparentava ser o mais novo do grupo. Os três pararam com os risos de imediato, e me olharam um tanto assustados. Eu senti vontade de rir das caras deles, mas mantive meu olhar sério. Porém não consegui me impedir de pensar que minha simples presença os assustou, imagino como seria com as pobres crianças. —Foi muito deselegante da parte de vocês, ficarem rindo da moça, que só estava fazendo o seu trabalho, vocês não acham? Os três voltam a rir. —A gente não tava rindo dela tio. "Tio"? Isso só podia ser brincadeira. —Era dos bobões que saíram tudo cheio de café. O mais novo completou a explicação iniciada pelo que me pareceu ser seu irmão. E as gargalhadas continuaram. —Melhor assim, porém a jovem com certeza achou que estavam rindo dela. Ela merece um pedido de desculpas. —Sem problemas, nós pedimos desculpas pra ela. Eu ri disso. Em momento algum passaria pela cabeça deles, se oferecerem para limpar o lugar. Eu teria que ser mais específico. —Acredito que seria preciso mais que um simples pedido de desculpas. Vocês vão limpar a bagunça para ela. Os três me olharam por um momento e em seguida riram ainda mais, e aquilo já estava me irritando profundamente. —Por que a gente faria isso, tio? O mais velho me perguntou rindo de soluçar. Eu me inclinei um pouco sobre a mesa, ficando a centímetros dele, que me devolveu um olhar apavorado, engolindo as gargalhadas. —Porque seria delicado da parte de vocês fazerem isso, como um pedido de desculpas. As gargalhadas dos outros também cessaram por completo, e finalmente acho que me fiz entender. Os três me olhavam em pânico agora. Acho que exagerei. Eu coloco minha mão sobre o ombro do menino ao meu lado em um
gesto amistoso e lhe sorrio. —Afinal, gentileza gera gentileza, não é verdade? Eu disse citando uma frase que havia lido no jornal, há poucos minutos atrás, e lhes dando um sorriso amistoso, no que eles me retribuíram meio nervosos. Quando os três olharam a diante, senti a presença dela novamente no salão, então me despedi dos garotos, deixei o dinheiro para pagar o café sobre a mesa que ocupei, e saí da Cafeteria, antes que Mily se aproximasse. Eu tinha um sorriso idiota no rosto, como o de um menino travesso. Era uma pena não poder ficar, eu gostaria de ter visto a cena. Porém, decidi não voltar à forma angelical, ainda precisava me habituar à forma humana, para não fazer nada de errado diante dos mortais. Peguei um táxi, e segui para o endereço onde Eliel me disse que seria a minha casa. Eu achava desnecessário, já que pretendia tomar a forma angelical durante a noite, e estaria na escola durante o dia. Mas eles insistiram que eu precisava, então não quis discutir, até porque, com um deles já era difícil argumentar qualquer coisa, com os dois então, era praticamente impossível. O lugar que o taxista me indicou, ficava a algumas quadras da casa da Mily, isso era bom, eu poderia estar perto dela por mais tempo. Céus! Que tipo de pensamento era esse? Me sinto estranho, como se houvessem dois de mim, o Anjo e o Homem. Só espero que os dois não resolvam entrar em conflito dentro desse corpo. Peguei a chave que estava sob o tapete de entrada, e abri a porta. A casa era pequena, mas aconchegante. Deitei-me no sofá em couro preto ao canto da sala e fechei os meus olhos. Eu respirava e escutava os meus batimentos cardíacos. Tentei concentrar meu pensamento neles, mas ele sempre fugia para ela, para o rosto dela, o cheiro de flores que exalava dela e que agora eu posso sentir. Eu posso...sentir. —Oi!!! Eu dei um pulo do sofá, ao ouvir a saudação que quase caí do mesmo. —Mais que...coisa. Gael! —Ué, eu te assustei?! Gael já estava rindo da minha expressão assustada. E eu estava mesmo assustado, não o senti chegar. Eu, que sinto uma presença a quilômetros de distância. —Você não sentiu a minha presença Mikhael? Eu poderia ser um
Demônio! Gael diz se dobrando de tanto rir. —Às vezes tenho dúvidas se você não é. Eu digo o olhando sério. Ele continua às gargalhadas. —Pare de rir. Não teve graça. Eu só não estava... concentrado. —Ah, teve. Teve muita graça. Eu o ignoro e volto a me deitar com os olhos fechados. —Então, como se sente? Como está sendo a sua primeira vez? —Estranho. Ele ri. —No início é assim mesmo, depois você acostuma. Daqui a pouco, você será o mortal mais insuportável da face da Terra. Gael continua rindo, está se divertindo as minhas custas. —O que foi mesmo que você veio fazer aqui? Eu pergunto sem humor nenhum. —Viu, estamos no caminho certo. —Acho que nada, não é? Você não tem que proteger ninguém? —Sabe que não! Hoje ficarei com você. Sei que adora a minha companhia. E além disso, você não está acostumado a ser um mortal, pode acabar esquecendo de respirar. Ele diz tapando a boca para conter o riso, sem sucesso. —Gael, você presa esses seus olhos azuis? Se sim, acho bom você parar. Porque pode ser que eu acabe por arranca-los do seu rosto, sabe, sem querer. Me disseram que eu não tenho muito controle sobre a minha força. Pode acontecer se você continuar a me irritar. Eu digo fixando meu olhar no dele. E o sorriso se foi. Agora eu achei graça, e não consigo conter as gargalhadas. —Isso sim, não teve um pingo de graça Mikhael. —Cada um acha graça do que quer, não é verdade? Gael se ajeita no sofá do lado, e fica me olhando. —O que foi? —Está nervoso? Daqui a algumas horas você estará diante dela. —Se o fato do meu coração estar batendo alucinado aqui dentro, significar que eu estou nervoso, então sim, eu estou. Eu dormi ali mesmo no sofá, isso era algo novo, e a dor terrível que sentia em todo o corpo quando me levantei, também era. Eu não conhecia a dor física, e nosso primeiro contato foi horrível.
O dia já estava amanhecendo, e Gael já tinha ido. Eu vi um pedaço de papel dobrado sobre a pequena mesa de centro a minha frente. "Boa Sorte" É o que os humanos costumam dizer em um momento como esse. Porém sabemos que Sorte não existe, apenas o nosso Deus todo poderoso. Sendo assim, vá com Deus. Eu sorri olhando aquele pedaço de papel. Levantei-me, fui ao banheiro e achei curioso, mesmo sem nunca ter estado na forma humana, eu sabia exatamente tudo o que precisava fazer, e a fome também me atingiu. Olhei na geladeira e não havia absolutamente nada, nem nos armários. Eu teria que comer algo no caminho. Então me pus a terminar de me arrumar. Abri o guarda-roupas no quarto ao final do corredor. E ri ao me deparar com inúmeras peças de vestuário na cor preta. Jhaziel estava brincando comigo. Colado ao espelho havia outro bilhete. "Para o caso de sentires falta das tuas asas" Eu ri ainda mais. Isso era um complô. Já vestido para sair, notei uma chave e mais um bilhete sobre a cômoda que ficava ao lado da porta. Céus! O que seria agora? "Dirija com cuidado" Dirigir? E eu por acaso sabia dirigir? Eu peguei as chaves e saí da casa. O carro estava na garagem na lateral. Gostei da sensação de me sentar atrás do volante. E me surpreendi ao perceber que sabia dirigir. Isso estava sendo melhor do que eu imaginava. O vento no rosto, a sensação de liberdade era algo inigualável. Isso devia soar estranho vindo de alguém que pode voar. No entanto, era uma sensação diferente. No rádio tocava uma melodia suave, e em poucos minutos cheguei à escola onde a Mily lecionava. Estacionei no lugar indicado para os professores e saí do carro. Observei o prédio de construção antiga em estilo colonial, parecia ter sido reformado há pouco tempo. Pintado em azul e com grandes letras no alto da porta em madeira escura, onde se lia "Colégio Santa Inês". Encaminhei-me para a escadaria que se estendia diante de mim e comecei
a subi-la. E a cada degrau meu coração acelerava um pouco mais. Dentro do prédio, fui até a jovem que estava sentada atrás de uma mesa, distraída olhando algo em seu telefone. —Bom dia. Ela quase deixou o aparelho cair com o susto. Mas quando fixou seu olhar em mim, abriu um belo sorriso. —Bom dia, em que posso ajudá-lo? Seus olhos brilhavam intensamente, eu sorri de volta. —Sou o novo professor, Michael. Eu digo estendendo a mão para ela em cumprimento. —Olá Michael, Priscila. É um prazer conhecê-lo. —O prazer é meu. Ela sorri ainda mais. —Você pode me dizer onde encontro a diretora? —Ah! Claro, venha comigo, vou levá-lo até ela. —Obrigado. Seguimos pelo corredor a direita da recepção, onde haviam várias salas com as portas cada uma de uma cor, e nelas haviam nomes, que acreditei serem dos professores. Ao passarmos pela sala azul eu pude ler "Mily", e meu coração deu uma batida a mais. E isso já estava me incomodando. Ao final do corredor, viramos à direita e chegamos à sala da diretoria. —Você pode entrar, a diretora o está aguardando. —Obrigado. Eu disse já meio sem jeito para a moça que não parava de me sorrir. —Não tem de quê. Se precisar de mais alguma coisa, sabe onde me encontrar. Ela pisca para mim e se vai. Eu ri disso. Estou acostumado a terem medo de mim, não a ser cortejado despudoradamente. Olho para a porta fechada a minha frente, respiro fundo e dou duas batidas. —Entre! Me diz a voz feminina do outro lado. Eu virei à maçaneta e empurrei a porta, e no segundo seguinte entrei na sala. Quando olhei a diante, eu as vi. Mily estava acompanhada por outra mulher, mas eu não consigo
visualiza-la, eu só vejo... ela. Meu peito chega doer de tão forte que bate o meu coração, eu tento respirar, mas quando ela sorri para mim, isso é quase impossível. Sinto as mãos frias, e cada vez fica mais difícil respirar. Eu nunca a tinha visto brilhar tanto. Era uma luz tão intensa, tão pura, tão... fascinante. Ela chamava por mim. Eu nem sei como consegui conter as lágrimas. Foi até doloroso, mas consegui. Não havia mais como me enganar, não havia mais como negar. Era ela, Mily era a minha face.
Capítulo-13 "Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo perfeito." (Colossenses 3:14)
Mily O dia nem bem amanheceu, e eu já estava de pé. Arrumei tudo que precisava para adiantar, antes de acordar o Miguel. Foi na luta, mais conseguimos sair no horário que estabeleci para que pudéssemos chegar mais cedo na escola, como a Kelly me havia pedido. Eu não sei por que, mas estava ansiosa. Muito ansiosa. Talvez pelo fato de finalmente poder retomar meu trabalho com minha turma. No que já estávamos muito atrasados. Eu gosto muito do que faço. Ser professora era um sonho antigo, que um dia pensei que nunca conseguiria realizar. Engravidei muito cedo, e minha vida tomou um rumo completamente diferente de tudo que eu imaginei para mim. No fim, acabei terminando a faculdade por pura necessidade. Precisava
ter uma profissão para poder sustentar meu filho. Tive muitas dificuldades nesse percurso, mas também muita ajuda. Não sei o que seria de mim e do Miguel, se não fosse a Vera, minha vizinha. Que olhava meu filho para que eu pudesse estudar, e depois, para que eu pudesse trabalhar. Eu balancei a cabeça para afastar esses pensamentos. Relembrar o passado, não é algo que eu goste de fazer. O metrô parou em nossa estação, e descemos. Levei Miguel para a sala de recreação, pois ainda faltava algum tempo para o início das aulas. Ele aproveitou que a sala estava vazia, e correu para assistir tv. —Querido, não saia daqui, está bem? —Tá bom. Eu o deixei ali, e fui encontrar a Kelly. Ela já estava na diretoria. Quando abri a porta ela me olha sorridente. —Mily, que bom que conseguiu chegar antes do novo professor. Eu retribuo o sorriso. —Bom dia pra você também, viu. Eu digo rindo, e indo até sua mesa. —Ai, desculpa amiga. Eu estou enlouquecendo com tantas coisas na minha cabeça. É essa bendita feira de ciências que não acaba nunca, as provas do Fundamental estão para iniciar, e ainda tenho reunião com os pais do ensino médio para falarmos da formatura. Pensa em uma pessoa sobrecarregada. Kelly me diz tudo isso em meio às risadas, quase em um surto nervoso. Mas isso era característico dela. Mesmo nervosa, ela ria. —Ok, ok. Entendi. Mas pode ficar tranquila que eu vou lidar com o novo professor, está bem? Eu cuidarei de tudo que ele precisar para se ambientar. Já até conversei com as crianças ontem. —Ah, Mily, você fez isso? E eles? —Vão se acostumar. Ela me olha duvidosa. Eu ri. —Sei lá hein. Um homem? Eles estão acostumados a "Tia". Eu ri ainda mais da forma melosa que ela fala isso. —Pois eu tenho certeza que daqui a pouco, estarão acostumados ao "Tio". Digo a imitando. E rimos juntas.
Duas batidas na porta nos fizeram parar com os risos. Kelly fez sinal para mim, que devia ser o novo professor. Ela se levanta ajeitando o seu vestido preto colado ao corpo, joga os longos cabelos castanhos para trás, e se põe de pé ao meu lado. Nós respiramos juntas e rimos baixinho uma para a outra, antes de tomarmos nossa postura profissional. —Entre! Ela diz, e esperamos ver a figura do homem passar pela porta. E ele passou... Acho que o ar saiu pela porta no momento em que ele entrou, porque não havia nenhum nos meus pulmões. O coração tomado em um surto descompassado, parecia querer sair pela boca. Meu Deus, o que era isso?! Que homem era esse? Ele parecia... iluminado...e tinha os olhos fixos em mim, como se soubesse desse meu desequilíbrio extremamente inapropriado. Que eu não entendia, mas que também não conseguia evitar. Vendo que ele me olha, eu tento puxar o ar, e sorri. —Olá, você deve ser o Michael, o novo professor? Kelly vai até ele, que por algum motivo permaneceu parado a porta. Eu o vejo falando com a Kelly, que o cumprimenta, e anda com ele em direção a mim. Os dois conversam, mas eu não ouço, em meus ouvidos estão às batidas do meu coração. E quanto mais perto ele chega, mais descompassado ele fica. O homem era lindo, nada parecido com o que eu esperava. Ele era alto, com um corpo esguio, elegante, os cabelos negros que pareciam molhados estavam perfeitamente penteados, sem que um fio sequer estivesse fora do lugar. E os olhos? Eu nunca vi olhos tão profundos e expressivos, de um azul tão escuro que eram quase cinza. Todo vestido de preto, o que exaltava ainda mais a sua elegância. Mas não era só isso... Ainda tinha aquela luz... acho que eu estava delirando, porque quando ele parou diante de mim, e pude sentir a intensidade da sua presença, eu acreditei que já o conhecia. Eu já havia sentido aquela presença. Isso só podia ser loucura, se eu já tivesse visto esse homem, eu com certeza me lembraria. —Michael, essa é Mily. Ela também é professora, e é quem irá auxiliá-lo nesse seu início. Ele ouve o que a Kelly diz sem desviar os olhos de mim, e me sorri ainda
mais. —É um prazer, Mily. Ele me estendeu a mão e eu lhe estendi a minha, sem ter certeza se conseguiria dizer algo, eu só sorri de volta. Ele tinha os olhos mergulhados nos meus. Eles falavam comigo. E sentir o seu toque, quente e delicado, me fez estremecer. —O...prazer é todo meu. Eu por fim consegui dizer. Torcendo para que ele não tivesse notado o quão trêmula eu estava. —Bem, você pode mostrar tudo ao Michael, Mily? Daqui a pouco, as crianças irão chegar. Kelly fala comigo, e eu me viro para ela, e soltamos nossas mãos. Kelly me olha confusa, e me pergunta com os olhos "O que está havendo com você?" Como se eu soubesse a resposta para isso. —É claro, vamos. Eu vou lhe mostrar a sua sala. Venha... é por aqui, por favor. Eu digo ainda meio confusa, mas passo por ele e vou em direção à porta. —Seja bem vindo Michael. Qualquer coisa, estarei aqui. —Obrigado. Tenho certeza de que será uma belíssima estádia. Michael diz se despedindo da Kelly, que sorri para mim se abanando com uma folha de papel, fingindo um calor descomunal, enquanto Michael caminhava até mim. Eu contive o riso da palhaçada dela. Eu não sabia o dela, mas o meu calor era real. Nós saímos da diretoria, e tomamos o corredor das salas de aula, caminhando lado a lado. —Você...é professor há muito tempo? Eu me forcei a iniciar uma conversa, porque o silêncio estava me deixando ainda mais nervosa. —Não muito. E você? —Eu? Ah sim, há bastante tempo. Não me vejo fazendo outra coisa. Eu respondi e sorri em resposta ao sorriso que ele mantinha no rosto ao me olhar. Nós chegamos à sala amarela, que era a antiga sala da Raquel. Eu abri a porta e entramos. —Bem, essa será a sua sala. As crianças tem em média seis, sete anos... Eu comecei a falar, enquanto pegava os brinquedos e livros que estavam
fora do lugar e os guardava. Eu precisava me ocupar, para esconder o nervosismo que o olhar do Michael fixo em mim, me causava. Ele estava encostado à mesa, com os braços cruzados a frente do corpo, e parecia muito atento ao que eu fazia e dizia. —...Eles são tranquilos, você não terá muitos problemas. —Tenho certeza que não, mas se eu tiver, você estará aqui para me socorrer, não estará? Ele disse andando até onde eu estava, e parando a centímetros de mim. E lá estava a sensação de novo. —Desculpe mas... eu preciso perguntar... nós... nos conhecemos? Eu perguntei, e acredito que enlouqueci de vez. Michael me olhou tão intensamente que por uma fração de segundos, achei que a resposta dele seria sim. —Talvez de outras vidas. Ele me diz com seu sorriso desconcertante nos lábios. E que lábios, eu me peguei admirando eles. Céus, o que estava acontecendo comigo? Tenho me mantido longe de homens já faz muito tempo. Até porque minha última experiência não foi nada boa. Talvez seja isso. Muito tempo. Eu desviei dele, que ainda me olhava daquele jeito, e continuei catando os brinquedos pela sala. —Minha sala é bem aqui em frente, qualquer coisa, é só gritar. Tentei descontrair, ele riu divertido. Eu me abaixei para pegar um livro, e nossas mãos se tocaram quando ele também tentou pegá-lo. Nossos olhares se encontraram. Ele me ergue segurando a minha mão e se aproximou um pouco mais. —Eu vou gritar, se precisar, pode ter certeza. Ele disse inclinando o corpo para falar ao meu ouvido. A essa altura eu sequer respirava. Eu só sentia a mão dele ainda segurando a minha, e o calor intenso que emanava do corpo dele tão próximo ao meu. —Mamãe! Nós nos afastamos de imediato, ao ouvir o som vindo da porta. Eu estava constrangida, trêmula e ele sorria. Miguel entrou na sala e veio até mim. —Oi filho. Vem, deixa eu te apresentar ao seu novo professor. Eu disse, imaginando ver a surpresa no rosto de Michael. Era assim,
sempre que eu apresentava o Miguel como meu filho, todos se surpreendiam, talvez pela idade dele, e eu parecer tão nova. Porém ao contrário disso, ele não me pareceu surpreso. Michael se abaixou para ficar da altura dele e lhe estendeu a mão em cumprimento. —Olá, me chamam Michael. Miguel riu da forma diferente do professor se apresentar. —Olá, me chamam de Miguel. Eu ri, e Michael também. —É um prazer Miguel, tenho certeza que seremos grandes amigos. —Também tenho. Os dois soltaram as mãos, Michael se ergueu e me sorriu encantador. —É um lindo menino. —É sim, parece um anjo não é? Mas não se engane, ele só parece. Nós rimos os três. E a cada sorriso, eu me sentia mais encantada por esse homem que eu mal conhecia. Isso era algo novo para mim. Muito novo. E eu não conseguia definir se era uma coisa boa ou ruim. Eu só queria saber como eu ia fazer para aplacar todo esse... calor, dentro de mim pelo resto do dia.
Capítulo-14 "Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor." (1 Coríntios 13:13)
Michael Os dias estão passando devagar, e a cada um que passo ao lado da Mily, torna-se mais difícil conter tudo que sinto, preso dentro de mim. Tenho me concentrado em não cometer nenhum erro gritante perto dela ou das crianças, como por exemplo, criar o hábito de beber água, é estranho precisar fazer isso porque não sinto sede, isso é algo que não mudou com a forma humana. Certo dia eu estava distraído, lendo os pequenos textos que havia pedido para a turma escrever. Confesso que foi um meio de mantê-los quietos, pois percebi que quando estão escrevendo, eles param de conversar e de me fazerem tantas perguntas. Uma das alunas, a pequena Karen, foi quem me alertou para o fato,
quando se levantou para pegar água para si, e ao retornar, trouxe um copo para mim. Eu a olhei meio confuso, mas estendi a mão e peguei o copo com a água. Agradeci e o coloquei na mesa. Ela continuou de pé ao meu lado, e sorria para mim como se esperasse algo. —Você precisa de alguma ajuda? Eu perguntei olhando para ela, que continua sorrindo lindamente. —Preciso que beba a água toda. Eu sorri. —Não posso beber depois? —Não, não. Mamãe disse que temos que beber muita água, e o tio não bebe nenhuma. Eu fui obrigado a reconhecer que aquela garotinha era muito esperta, e que eu precisava ter cuidado com ela. A pequena Karen estava prestando muita atenção em mim. Eu bebi toda a água e lhe devolvi o copo, que pelo tom de rosa, deveria pertencer a ela. Karen sorriu mais largamente, como se acabasse de me fazer uma boa ação. E ela estaria fazendo, se eu realmente necessitasse de água. Porém fiquei encantado com o gesto dela. Fora o Miguel e a Karen, as demais crianças da turma, não se aproximam muito de mim. Eu tento ser o mais amistoso possível, porém elas têm um certo pé atrás comigo. E eu nem posso culpa-las por isso. Eu ri desse pensamento, eram só crianças. Hoje cheguei à escola bem cedo, pois havia combinado com a Mily de iniciarmos o planejamento de aulas para o próximo mês, já que eu ainda estava acompanhando o da antiga professora. Da janela da minha sala eu a vejo cruzar o pátio de mãos dadas com Miguel. Meu coração começa a enlouquecer com o simples fato de vê-la. E isso me fez lembrar de Jhaziel, em como me irritei com ela, quando me disse, que eu não poderia evitar de sentir. E Jhaziel tinha toda razão, não consigo. É muito, muito forte. E eu sei que ela também sente, Mily tenta disfarçar, mas os olhos dela a traem. Eu vejo que ela sente o mesmo que eu. E assim como eu, ela também não se permite sentir. Ela com os seus motivos, e eu com os meus. —Olá, bom dia. Mily me cumprimentou, assim que passou pela porta. O sorriso tímido que ela tem no rosto, me faz pensar em como seria beijá-la, tocá-la.
Santo Deus, eu só posso estar ficando louco. Eu sou um Anjo! Não posso ter esse tipo de pensamento, de...desejo. Preciso encerrar logo essa missão, antes que...eu acabe me tornando tão fraco, que não seja mais capaz de resistir. —Michael! —Sim, bom dia Mily. Eu respondi ao cumprimento um pouco tardiamente. Mily se aproximou um pouco mais da minha mesa, porém mantendo uma distância, que acredito que ela julga ser segura. Pobre Mily, ela não sabe que passo as minhas noites sentado ao lado dela, observando seu sono tranquilo, às vezes agitado. Que a acompanho até seu segundo emprego, que vou e volto com ela, que às vezes não consigo conter meu ímpeto de trocá-la, e acaricio os seus cabelos, sem poder sentir o seu perfume em minha forma Angelical. Não há uma distância segura de mim Mily. Eu a acompanharei até o inferno, se preciso for. Porém estou aqui, para impedir que isso seja necessário. —Atrapalho? Ela me pergunta com suas bochechas em um leve tom de rosa. Talvez ao notar como eu a olho intensamente. —De forma alguma, eu estava esperando por você. Isso saiu tão despretensiosamente da minha boca, e acredito que nunca disse nada tão verdadeiro. Eu tenho esperado por ela, por séculos, ainda que eu mesmo não soubesse disso. —Venha sente-se aqui, vamos ver se conseguimos terminar esse planejamento antes que as crianças cheguem. —Está bem. Ela vem até mim e se senta na cadeira que eu pus ao meu lado. —Então, você já tem ideia do que pretende para o próximo mês? Mily diz desviando o olhar do meu. Ah, Mily, não faça perguntas que eu não posso responder. Eu sei o que eu quero para a eternidade. —Michael, você está bem? Está parecendo longe. Ela me pergunta prendendo seu olhar no meu. —Longe? Não, eu estou aqui, bem ao seu lado. E é o que eu pretendo para o próximo mês.
As palavras foram saindo, e acreditei que Mily ficaria constrangida com a minha declaração, mas no entanto ela sorriu para mim. O seu sorriso lindo, meio de lado, como se aprovasse os meus planos. Nos concentramos em montar um plano de aulas para as crianças, e eu muitas das vezes me distraia olhando para ela, ouvindo a sua voz sem realmente estar prestando atenção ao que ela dizia, o que me fascina é o movimento dos seus lábios, e o perfume de flores que vem dela todo para mim. Isso era inebriante. —Bom, acho que já dá para você continuar daqui. Mas se precisar de mais alguma coisa, é só falar. —Claro, obrigado Mily. Mas acredito que não precisarei incomodá-la mais. Eu disse sem olhá-la, continuando a recolher os papéis e os colocar dentro da minha pasta, que estava sobre a mesa. —Não foi incômodo nenhum... Mily disse colocando a sua mão delicadamente sobre a minha. Nossos olhares se encontraram e sorrimos um para o outro. —...Foi um prazer poder ajudar. —Obrigado. Eu disse colocando minha outra mão por sobre a dela. —Talvez eu pudesse... agradecer toda a sua gentileza comigo de alguma forma? —Você não precisa agradecer. —Eu sei, mas eu gostaria. Se você quiser, é claro. Mily abaixa os olhos para nossas mãos unidas. —Michael, eu... —Você não precisa responder agora, amanhã, estarei no Live Book, umas oito horas. Se quiser me ver, estarei esperando. Ela se preparou para dizer algo, mas fomos interrompidos pelo som das crianças que começaram a chegar, arrastando suas mochilas coloridas e fazendo muito barulho na entrada. Mily se libertou das minhas mãos e ficou de pé, eu a acompanhei. —Eu preciso ir ver os meus alunos. Tenha uma boa aula Michael. —Você também. Eu a acompanhei com o olhar até vê-la cruzar a porta, e fiquei perdido ali naquele momento, até Miguel vir até mim. —Tio?
—Sim, Miguel. Como está? Ele me olha divertido com algo. —Eu? Estou bem e o senhor? Eu sorrio para ele e me abaixo para vê-lo melhor. —Eu estou ótimo. Obrigado por perguntar, mas já combinamos que não precisa me chamar de senhor, não foi? Senhor é só o altíssimo. Ele ri com seus olhos azuis alegres, e com a mão tira alguns fios de cabelo da sua franja loira que lhe caíram sobre eles. —Esqueci. —Está bem. Agora vá para o seu lugar, preciso falar com vocês. Eu às vezes ficava louco com tanto barulho que as crianças faziam, mas já estava começando a me habituar a ter que lidar com elas. Tornaram se raros os momentos em que eu quisesse esganar um ou dois deles. Eu ri disso olhando eles se ajeitarem em seus lugares. —Bem, crianças, tenham todos um bom dia. —Bom dia, Tio!!! Eles respondem todos juntos. Com isso eu ainda não estava acostumado. A ser o "Tio", me parece algo muito familiar, sempre me soa estranho quando os ouço me chamar assim. É como se eu acabasse por ter algum tipo de laço com todos eles. —Hoje vamos iniciar nosso novo plano de aulas. Um que é meu, não mais o da tia Raquel. Todos me ouvem com atenção. —Então, quem sentir alguma dificuldade, ou não gostar do novo plano, é só vir falar comigo, tudo bem? Eu olho os rostinhos atentos, que só balançavam as cabeças em concordância. —Muito bem. Eu adotei a sexta-feira como nosso dia da leitura. Então vamos ler muito hoje. Vocês podem escolher os livros que queiram que sejam lidos, ou podemos também contar histórias. O que preferem? Bom eles começaram a gritar quem queria os livros e quem queria as histórias. Definitivamente não foi uma boa ideia perguntar. —Ok, ok, vamos fazer da seguinte forma. Primeiro lemos um livro, depois contamos histórias, pode ser assim? —Simmm!!! —Então hoje como é o primeiro dia, eu vou escolher o livro. Eu caminhei até a pequena estante onde ficavam os livros da sala, e
escolhi um. —Alguém já leu esse? Nosso querido Jesus. Todos balançam as cabeças em negativo. —Então será esse. Eu me sentei no degrau que havia a frente da minha mesa, e as crianças se assentaram no tapete colorido a minha frente. E comecei a ler o livro para eles. Uma história tão conhecida para mim, que eu poderia contar-lhes sem precisar olhar as páginas, porém a história que eu conheço tem um final muito triste e doloroso. Então me ative a versão romantizada e infantil do livro. Sabendo que no futuro, eles iriam conhecer a verdadeira história do homem que morreu para livrar o mundo do pecado. Ainda que o pecado permaneça. Quando cheguei em casa Gael estava lá. Ele estava gostando muito dessa ideia de ter uma casa. Não me deixava mais em paz. Ele me olha com seu sorriso irritante, e eu sabia que lá vinha coisa. —O que é Gael? —Você a convidou pra sair! Eu nem acreditei que era o mesmo Anjo, que me diz todos os dias, que não pode sucumbir aos desejos carnais, que se aproximará dela só o necessário para cumprir a sua missão, que... —Você está me espionando?! Eu perguntei incrédulo da audácia daquele anjo fedelho. —Eu não estava te espionando, eu estava acompanhando o Miguel, e decidi ver se você precisava de algo. Ele me diz ainda com seu sorriso no rosto. —Ah, claro, muito conveniente. Eu digo jogando a pasta em qualquer lugar e me sentando no sofá. Não valia nem o trabalho me indispor com Gael, ele iria saber de uma forma ou de outra. —Eu fiz, fiz e já acho que não foi uma boa ideia. —Por que não? Se aproximar dela não faz parte da missão? —Porque agora estou nervoso, ansioso, e nem tenho ideia se ela irá aceitar. Ele senta-se ao meu lado no sofá e sorri. —Ela irá Mikhael. Assim como é pra você, também é impossível para ela resistir. —Isso faz a ideia me parecer ainda pior. Não sei mais por quanto tempo conseguirei conte-me, estando tão perto dela Gael.
Gael me olha compreensivo. —Jhaziel disse que não é proibido se vocês são a face um do outro. Então porque se priva de estar com ela, se é o que quer? —E depois, Gael? Como será? Como ficaremos quando eu tiver que ir? Como eu poderei seguir...sem ela? Eu não tenho a resposta para nenhuma dessas perguntas. —Talvez você não tenha, justamente porque não é importante. Você tem séculos de vida Mikhael, e nunca se sentiu parte de nada. Sempre se achou diferente. Agora você sabe que é parte de alguém, e vai ficar preocupado com o depois? O nome já diz, depois. Esqueça tudo que o faz se afastar dela, viva o hoje. Deixe o depois para amanhã, depois de amanhã, e depois. Pois o depois, pode nem chegar.
Capítulo-15 "O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (1 Coríntios 13:6-7)
Mily Os alunos já tinham deixado a sala de aula, só Miguel ainda brincava em um canto, enquanto esperava que eu terminasse de juntar minhas coisas para irmos embora. Era isso que eu fazia, porém me senti fortemente impelida a ir até a janela, e logo descobri o porquê. Lá estava ele. Michael descia as escadas e seguia em direção ao seu carro no estacionamento. Por mais que eu tentasse me manter distante, procurando apenas ser profissional, algo sempre me puxava para ele. Michael tem um magnetismo que me atrai, mesmo que eu me esforce para evita-lo, sempre acabo indo na direção dele. É o que tem acontecido nos dias que se seguiram, desde que o conheci.
Ele nunca tinha dito nada, até então, era só o olhar. O jeito que ele me olha, que me arrepia da cabeça aos pés. Mas hoje...ele deu um passo além, e eu não sei se estou pronta para segui-lo nesse passo. Eu o observo, e vejo os olhares das mulheres por onde ele passa. Não é possível que ele não repare. Porém Michael não desviou o olhar do seu objetivo, o carro. E antes de entrar no veículo, como se pudesse sentir, ele ergue seu olhar e encontra o meu. Ele acena para mim e segue seu caminho. E eu estou aqui igual a uma boba, sorrindo. —O que tanto você olha nessa janela, hein? A voz da Kelly, parando ao meu lado, quase me mata de susto, e me desvia dos meus pensamentos. —Kelly! Você quer me matar de susto mulher?! Deus do céu! Eu disse levando a mão ao coração, tentando acalmar minha respiração. —Humm, já vi o que a senhorita estava olhando. Aliás, quem né? Ela diz rindo da minha cara constrangida. —Para com isso Kelly, eu só estava... —Só estava olhando o Michael pela janela amiga, e quem não olha esse homem passar? Kelly estava às gargalhadas, e eu querendo enforcá-la. —Só que com uma diferença, não é? Porque todas nós olhamos para ele, mas ele, só tem olhos para você. Ela me diz ainda rindo, e eu não consigo conter o meu sorriso. —E você gosta né! Está brincando com o pobre. —Eu?! —Sim, está. Michael nem tenta disfarçar os olhares dele pra você, mas você, fica fingindo não ver. Fingindo pra ele, porque a mim, você não engana. Eu me sentei na beirada da janela e a olhei fixamente. —Ele me chamou pra sair. Eu disse e desviei o olhar. —Ah, meu Deus! Mily, e você me fala isso assim, sem estar gritando, pulando, soltando rojões??? Ela diz me sacudindo ao se sentar ao meu lado. —Eu não sei se vou, Kelly. Não sei se devo... —Não, nem continue Mily, pelo amor de Deus. Até quando você vai viver no passado amiga? Pretende viver sozinha pra sempre? Eu a olho e vejo como ela está decepcionada comigo. Mas só eu sei tudo
o que passei, só eu sei tudo o que sofri. E sim, tenho medo de passar por tudo outra vez. —Kelly, não é fácil para mim, depois de tudo o que passei com o pai do Miguel, simplesmente me envolver outra vez. Principalmente com alguém que eu mal conheço. Nós não sabemos nada desse homem. Eu digo, mas tentando arranjar uma justificativa, do que realmente acreditando no que digo. —E se ele fosse um conhecido Mily, isso mudaria alguma coisa? A resposta é não, não mudaria nada. Você fechou o seu coração, e não permite que ninguém entre. Bom você estava conseguindo isso até então, só que aí surgiu o Michael, e eu tenho certeza de que você está cogitando a ideia de deixá-lo entrar. Não está? Ele pode ser o seu príncipe encantado Mily, acorda! —O André um dia foi o meu príncipe encantado, Kelly. E ele só me mostrou que contos de fadas não existem. —Olha aqui, eu não vou permitir que você deixe a sua vida passar, sem pelo menos tentar mais uma vez amiga. Pelo menos mais uma vez. Se der errado de novo, tudo bem, você é cagada pra homem... Ela diz rindo, e me fazendo rir também. —...mas e se não der? E se for ele? Me diz, o que você sente quando olha pra ele? Eu penso por um segundo, e posso vê-lo com seu sorriso iluminado, e os seus olhos tão intensos, que mesmo que ele não diga uma palavra, eles falam comigo. —É estranho, porque mesmo ele sendo um completo desconhecido, eu sinto como se... —Como se...? —Como se nos conhecêssemos, mas não de agora, mas...de muito tempo. Minha amiga me olha sorridente. —Eu sabia, na verdade eu soube no momento em que vi vocês dois. Não parecia que vocês estavam se conhecendo naquele momento, parecia... um reencontro. —Como isso é possível Kelly? Eu tenho certeza de que nunca o vi antes. Mas eu sinto, e é muito forte. Isso me confunde, e me assusta. —Pois agora já chega Mily, chega de medo, vamos jogar uma pá de cal no passado, e olhar para o futuro. Eu me levanto e vou terminar de arrumar a minha bolsa. Kelly me segue.
—Não é tão fácil assim. —Ninguém disse que é fácil Mily. Você só precisa tentar. Eu respiro fundo e volto a olhá-la. —Eu praticamente disse a ele que não ia. —Você o que?! Tá de sacanagem comigo não é Mily? —Fala baixo, sua...doida. Eu a puxo para mais perto de mim, antes que Miguel resolva se inteirar do assunto. —Mily, que mulher em sã consciência diria não pra aquele homem? Meu Deus, se ele olhasse pra mim, como ele olha pra você, eu já estaria na cama dele, e não sou a única. Agora sou eu que estou às gargalhadas das loucuras que essa minha amiga diz. Ela ri também. —Mas fala, o que é "praticamente disse que não ia"? O que você disse? —Na verdade, eu não disse nem que sim nem que não. —E ele? —Disse que esperaria. Ela abre um sorriso enorme e eu a acompanho. —Então está decidido, você vai nesse encontro Mily. Eu olho para ela desanimada. —Eu não sei não, Kelly. E mesmo que eu quisesse ir, ainda tem o Miguel, não acho justo ficar deixando ele com a Vera, para eu sair à noite. Ela já fica com ele de segunda a sexta, vou ficar super sem graça. —Por isso não, querida. Não precisa incomodar a Vera, eu fico com ele, sem problema nenhum. Fico a noite inteirinha se for preciso. Ela me diz rindo da minha cara chocada. —Você pirou né Kelly? Eu digo cochichando, e ela se acabando de rir as minhas custas. —Você vai passar a sua noite de sábado cuidando do Miguel? E seu namorado, vai adorar isso, imagino. —Amiga, se não gostar eu mando pastar querida, aqui a fila anda, e anda rápido. Eu ri e ela ri comigo —Ninguém te merece Kelly. Deixa eu ir tá. Já estou quase ficando atrasada pra chegar na Cafeteria. —Então estamos combinadas. Amanhã à tarde eu chego lá, quero te ajudar a se arrumar. Vamos deixar você linda e irresistível para o seu
encontro. —Ai Kelly, só você mesmo viu. Agora preciso ir. —Vai querida, aproveita sua última noite de Celibato. —Kelly, sai daqui, sua louca. Eu começo a jogar tudo que vejo na minha frente em cima dela, que corre rindo até sair pela porta. —Doida! Eu vejo Miguel rindo de nós, sem ter ideia do que se passa. Eu amo a inocência das crianças. O restante do dia foi corrido, cheguei na cafeteria correndo e não parei até a hora de fecharmos. As sextas-feiras costumam ser bem agitadas. A cidade é cheia de escolas, cursinhos e duas grandes universidades, e todos gostam muito de se reunirem aqui, após as aulas. A Cafeteria fecha às oito da noite, sendo assim a garotada costuma ir para o outro point da cidade, que é o Live Book. Uma mistura de bar e livraria, aproveitando a essência intelectual dos jovens daqui. O lugar fica bem movimentado nos finais de semana. Eu observava o movimento de pessoas entrando e saindo do lugar, que fica próximo ao ponto de ônibus, onde estou. E pensar que amanhã à noite eu estarei lá com Michael, me fez tremer, não sei se de ansiedade ou de nervoso. Afinal são quase sete anos, nem sei se ainda sei o que fazer em um encontro. Na verdade, nem sei se é um encontro, Michael apenas me convidou para sair, em agradecimento. Essas foram às palavras dele. Sendo assim, não tenho porque ficar nervosa. Seremos dois colegas de trabalho, saindo juntos, apenas isso. Na tarde de sábado, era justamente isso que eu tentava dizer a Kelly. Pura ilusão. A pessoa parecia mais eufórica do que eu. —Nem vem com essa história Mily, fala sério! Imagina, sair com aquele deus grego, e ficar só de conversinha. Ela me diz indignada, eu estou rindo dela. —Vai, para de rir e vamos logo escolher a roupa, assim partimos para o cabelo, e a maquiagem. —Kelly, pelo amor Deus, menos. Maquiagem? É só um bar. —Sim amiga, é só um bar, mas é o Michael, foco ok? —Céus! Ela ri da minha cara e começa a revirar o meu guarda-roupas. —Mily, eu nem vou perguntar o que é isso. Misericórdia.
Eu estou dando gargalhadas da Kelly segurando meu macacão jeans em uma mão, e meu vestido xadrez na outra. —Deus! Eu devia ter trazido algo meu, esqueci completamente que você não tem vida social. Ela joga mais algumas peças de roupa em cima da cama e me olha indignada enquanto eu rio. —Olha, esse aqui acho que vai dar pra arrumar hein! Ela me diz tirando um vestido preto com mangas de renda e mostrando para mim. Eu continuo rindo. —Usei esse vestido no coro da igreja, ano passado Kelly. —Realmente é recatado demais. Porém, nada que uma tesoura não resolva. Eu não acredito, quando a louca da Kelly simplesmente arrancou as mangas e o forro de renda que cobriam o vestido até abaixo dos joelhos. —Kelly! Você destruiu o vestido! —Destruído ele era querida, olha agora. Hein, nada de renda que isso é coisa de velho. Mas agora deu uma visão. Os ombros vão ficar a mostra, mas ele é elegante e continua com sua essência recatada, e é preto. Você já reparou que Michael adora preto não é? Ele vai se sentir...à vontade. Eu olho pra ela e nem consigo responder a isso. Bem, o fato era que depois de arrumar o cabelo e as unhas, Kelly me ajudou com a maquiagem, e quando coloquei o vestido... não me reconheci no espelho. —Olha pra isso! Linda. —Nossa! Nem acredito que sou eu. —Mas é você amiga. É você, e não tem chance do Michael terminar essa noite sem estar completamente apaixonado por você. Se é que ele ainda não está. —Assim você me deixa ainda mais nervosa Kelly. Eu não tenho ideia do que fazer. Kelly segura minhas mãos e sorri, me fazendo sorrir também. —Não se preocupe com isso Mily, tenho certeza de que ele, sabe exatamente o que fazer. —Kelly! As gargalhadas dela só me deixaram ainda mais constrangida. —Vai amiga, pega sua bolsa e se liberte, pelo menos essa noite ok.
Eu respiro profundamente e sorrio para ela. —Ok. Eu chamei um táxi para ir até o bar, apesar de ser um trajeto bem curto, não dava para ir de ônibus, vestida desse jeito. Desci do táxi na frente do Live Book, e o movimento já. Mesmo passando pouco das oito da noite. Cruzei a entrada desviando das pessoas ali, e ignorando os olhares sobre mim. Dei uma olhada ao redor, mas não vi Michael em lugar algum. Talvez ele tenha pensado que eu não viria. Me senti entristecer, mas acho que foi melhor assim. Caminhei até o bar. Eu não queria admitir, mas estava decepcionada. —Uma água com gás, por favor. Eu pedi ao barman que me olhava sorridente. —Olá, a gatinha gostaria de companhia? A voz grave soou bem próxima a mim. Me virei e me deparei com um rapaz de belos olhos castanhos, que me olhava sedutor. Porém, em um segundo eu o olhava e no segundo seguinte eu já nem me lembrava da presença dele ali. Eu vi Michael passar pela porta, seus olhos encontraram os meus, e sorrimos um para o outro. —Então? Gostaria de companhia? O rapaz que parecia muito jovem, me fez voltar a olhá-lo. —Ela já tem companhia. A voz do Michael soou tão perto, que meu corpo inteiro estremeceu. Eu não fazia ideia de como ele atravessou o lugar repleto de gente pelo caminho, em uma fração de segundos. Nós ficamos presos no olhar um do outro, e nem sei dizer para onde o rapaz foi. O que eu sei dizer... Aliás eu nem sei mais o que eu ia dizer.
Capítulo-16 "Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe". (Mateus 19:6)
Michael O dia hoje, está sendo bem complicado. As horas parecem não passar. Estou lutando contra a vontade de ir à casa da Mily em minha forma Angelical, para acabar com essa ansiedade dentro de mim. O fato de não saber se ela irá me encontrar a noite, está me enlouquecendo. Eu nunca fui bom em lidar com a ansiedade quando Anjo, e nessa forma humana, me parece uma tortura. Já fiz tudo o que podia para mudar o foco dos meus pensamentos. Corrigi os trabalhos dos alunos, fiz o planejamento para o próximo mês absolutamente sozinho. Fiquei feliz com isso. Mesmo sem saber se ainda estarei aqui no próximo mês. E isso me faz pensar, se os pequenos sentirão a minha falta. Pode parecer loucura o que vou dizer, mas...eu sentirei a falta
deles. Eliel me diz para ter cuidado, e não me apegar, porém, acho que já aconteceu, e eu nem percebi, como ou quando foi. A tarde chegou, e me surpreendi ao ouvir a campainha tocar. Achei estranho, já que meus convidados simplesmente aparecem, não costumam utilizar a porta. —Um momento. Eu disse antes de ir até a porta, e abri-la. A perplexidade me tomou ao dar uma olhada nela, completamente vestida como uma jovem humana. —Você vai me convidar para entrar, ou ficaremos aqui mesmo, na porta? A voz delicada dela me fez voltar do choque inicial. —Ah, claro, me desculpe, entre. Jhaziel passou por mim com um sorriso travesso no rosto. Eu fechei a porta e a acompanhei com o olhar. Jhaziel se sentou no sofá e me olhava ainda sorrindo. —Por que você está aqui Jhaziel? E...mortal!? —Surpreso, Michael? —Sim, qual a necessidade disso? Porque não veio como de costume? Eu perguntei ficando de pé em frente a ela. —Vim ficar com você, até a noite, achei que estaria nervoso... ansioso. Sei bem como você é. Então vim lhe fazer companhia. —Gael andou falando demais, como de costume, imagino. Eu digo me sentando ao lado dela que ri. —Não se aborreça com Gael, Mikhael. Ele só quer o seu bem. Estava preocupado que você acabasse por não ir ao encontro, e pediu-me que falasse com você. —Eu não posso simplesmente não ir Jhaziel, se fui eu quem a convidei. —Exato, e eu estou aqui para garantir que você estará lá, por inteiro. O Anjo e o Homem, em toda a sua essência. —Não sei se posso fazer isso. —Por isso estou aqui, para enfiar nessa sua cabeça dura que você pode. Mikhael, você pode viver esse momento, e vai passar a eternidade arrependido, se optar por não viver. Ela é a sua face, não é? Jhaziel inspeciona meus olhos com os seus. Seria impossível esconder algo dela. E nem faz muito sentido tentar, quando ela já sabe, na verdade ela soube antes mesmo de mim.
—Sim, ela é. Porém isso não muda o fato de que sou um Anjo, e que tenho uma missão. E se eu não conseguir impedi-la de cumprir esse destino terrível, terei que vê-la ser levada para o inferno. Jhaziel me olha compreensiva, e pega minhas mãos nas suas. —Apesar de ser um Anjo, Mikhael, você tem tão pouca fé. E por ter pouca fé, você não consegue ver os laços do destino se desfazendo a sua volta. Será que você acredita mesmo que foi colocado ao lado dela por pura coincidência? Você nunca se sentiu em casa no céu, porque se acha diferente nós, você não gosta do inferno também, porque sabe que lá não é o seu lugar. Você não gosta de ser temido, você não assume, mas não gosta. Não vês como estás perfeitamente adaptado aqui, na Terra? Porque aqui você se sente bem, aqui você é igual a todos eles, e eles não o temem. Eu acredito que Deus viu a sua angustia Mikhael, porque você é o seu filho amado. Ele não quer ver você infeliz. As palavras de Jhaziel me comoveram profundamente. Ela tem esse dom, sabe exatamente o que dizer a cada um de nós. Ela sempre...sabe. —Então...eu fui colocado ao lado dela, para encontrá-la? —Eu acredito que foi muito mais do que isso. Eu acredito que você foi colocado ao lado dela, porque só você poderia mudar esse destino. Ninguém mais. E para isso acontecer, você vai precisar conquista lá, Mikhael, como homem. Você precisa ser para ela...o que ela é para você. A sua metade. Você entende isso? Eu respiro profundamente e concordo com ela. —Devo ignorar que sou um Anjo, e que não teremos um amanhã. —Um grande Sábio disse: "que o ontem é história, o amanhã é uma incógnita, mas o hoje... o hoje é uma dádiva, e é por isso que se chama presente". Mikhael, você é o único que tem a certeza de que terão um amanhã. Vocês terão a eternidade. Um sorriso despontou em meu rosto, e pela primeira vez, me sinto livre. Eu puxei Jhaziel para um abraço ao qual ela correspondeu. —Obrigado. Obrigado por...vir até aqui, por me conhecer tão bem, acho que até melhor do que eu mesmo. Ela me dá um lindo sorriso, e eu beijo suas mãos. —Deus não escreve certo por linhas tortas, Mikhael. Ele apenas escreve, quem determina o curso das linhas é você. —Entendi. Sabe, por um momento acreditei estar ouvindo Eliel falando.
A cada dia que passa, vocês estão se tornando um. —Eu espero pelo dia que isso realmente aconteça. Nós sorrimos um para o outro. —Agora vá se arrumar, fique ainda mais lindo do que você já é. E não se esqueça de se perfumar, os humanos gostam disso. Jhaziel me diz rindo do meu olhar interrogativo. —O quê?! Eu não tenho o costume de tomar a forma humana, mas acompanho meus protegidos de perto. —Entendi. Eu digo rindo para ela, antes de ir para o quarto. Quando voltei, e estava pronto para sair, Jhaziel já não estava. Mas deixou-me um bilhete sobre a mesinha de centro. Ela e seus bilhetes. "Aproveite a chance que a vida está lhe dando, Mikhael. Liberte-se". Suas palavras deixaram um sorriso no meu rosto, se era isso o que queria, ela conseguiu. Respirei profundamente, e saí deixando para trás os meus medos. A noite estava linda, o céu muito estrelado. Tentei me ater às coisas ao meu redor, ignorando as batidas do meu coração. Ainda estava me acostumando a isso. Essas reações tão intensas, tão emocionais. Dirigi até o bar de nome Live Book. Nunca havia estado lá, mas ouvi alguns alunos comentando sobre ser um bom lugar para se conversar, e encontrar os amigos. Achei que estaria mais vazio, por ainda ser cedo, porém não estava, demorei para conseguir um lugar para estacionar, e isso só me fez ficar ainda mais nervoso. Quando finalmente estacionei, me dirigi para a entrada. Onde haviam algumas pessoas bastante animadas. Já dentro do bar, ao olhar ao redor, não a vi de imediato, mas de alguma forma eu sabia que ela estava ali, eu podia sentir. E não estava enganado, quando olhei ao fundo, no bar mais afastado da entrada, eu a vi. Nós nos vimos, e sorrimos um para o outro. Eu caminhei até onde Mily estava sem reparar nas pessoas no caminho, sem desviar meu olhar do dela. Havia um sujeito ao seu lado, que nem sei dizer como ele era, porque simplesmente não o vi, só ouvi a pergunta que ele fez, e que Mily não respondeu, porque eu já estava ao lado dela. —Ela já tem companhia.
Eu disse, respondendo a ele. Não sei para que lado o cara foi. Mas também não me importei com isso. O sorriso que Mily tinha nos lábios estava me tomando o ar. —Oi. Eu disse me sentando no banco ao lado dela. Meu coração batendo tão forte, que tive receio de que ela pudesse escutar. —Oi. Mily me respondeu com sua voz doce e agora um pouco tímida. —Desculpe tê-la feito esperar. Não imaginei que o lugar pudesse encher tanto. —Não, eu...eu acabei de chegar. —Que bom que você veio. Ficamos um tempo nos olhando fixamente, nós não precisávamos de palavras. Nossas almas se reconheciam pelo olhar. —Pra ser sincera, eu quase não vim. Mily me diz abaixando os olhos. Eu ergui o seu queixo com a ponta do indicador, fazendo-a voltar a me olhar. —Mas você está aqui, e isso deve significar algo, não? —Sim. —E o que seria? Eu perguntei acariciando o rosto dela suavemente. Ela pôs a sua mão por sobre a minha ainda em seu rosto. —Que eu decidi deixar de lado, tudo o que eu usava como pretexto para me manter longe de você. Eu sorri para ela, suas palavras me deixaram feliz, e fizeram com que as batidas do meu coração aumentassem sua intensidade, tornando a sensação até um pouco dolorosa. —Fico feliz em ouvir isso, porque fiz o mesmo. Mily me sorri encantadoramente. —Você tem essa mesma sensação que eu tenho? De que... já nos conhecíamos? —Sim, desde a primeira vez que a vi. Acho que não fui muito bom em disfarçar o que senti naquele dia. Eu disse lhe dando um meio sorriso, e entrelaçando nossos dedos em nossas mãos ainda unidas, agora apoiadas sobre a minha perna. Ela sorri tímida. —Acho que eu também não.
—Na conclusão, somos péssimos em disfarçar. Eu disse a fazendo rir comigo. Mily e eu ficamos conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Ela me contou que conheceu a Kelly, quando ainda estavam na faculdade, e que são amigas desde então. Mas o assunto preferido dela era o filho. Era lindo ver o brilho nos olhos dela ao falar de Miguel, então passamos muito da noite falando sobre ele. Porém em momento algum, Mily falou sobre o pai dele. E uma hora ou outra eu teria que falar com ela sobre isso. As horas passaram e nem percebemos. Só nos demos conta, quando o bar já estava bem vazio. —Eu preciso ir Michael, acabamos esquecendo da vida aqui, e agora a Kelly nem poderá voltar para casa. —Vamos, eu levo você. Nós saímos do bar e caminhamos de mãos dadas até o carro. Eu abri a porta para que ela entrasse e entrei em seguida. —Para aonde vamos? Eu me senti idiota fazendo essa pergunta, mas Mily não podia saber que eu a seguia há meses, e estava cansado de saber onde ficava a casa dela. Mily foi me explicando o caminho e seguimos conversando até eu estacionar em frente a sua casa. Eu a ajudei a descer e ficamos nos olhando uma vez mais. —Eu não moro muito longe daqui. Eu disse pegando as mãos dela. —Mesmo? Como eu nunca o vi por aqui? —Me mudei há pouco tempo. —E está gostando? Eu não acredito que passamos a noite inteira falando de mim. Você não me disse nada sobre você. Eu ri. E ela tinha mesmo razão, até porque eu não tenho muito sobre o que eu possa falar. —Assim temos assunto para um próximo encontro. Eu disse beijando cada uma das suas mãos. E a senti tremer sob meus lábios, era bom saber que não era só eu que me sentia tão afetado por ela. —Quando quiser. Tive que ser muito forte e conter o meu impulso de puxá-la para mim e fazer o que eu tenho sonhado todos as noites, desde que me tornei humano. —Bom, já é tarde, é melhor eu ir. Nos vemos na segunda? Eu disse soltando a mão dela pouco a pouco. Mas antes que eu a soltasse,
Mily segurou a minha mão e veio até mim, e sem precisar de nenhuma palavra, passei um braço por sua cintura e a trouxe ainda mais para mim. Nós nos olhávamos a centímetros um do outro, ofegantes. E no segundo seguinte, nossos lábios se tocaram em um beijo suave, cheio de carícias, de descobertas. Como se fossemos dois adolescentes, se conhecendo, se descobrindo, até criar uma intimidade única. E beijá-la, trocá-la, foi algo tão natural, que me parecia impossível que nunca tivéssemos feito aquilo antes. Senti-me como um morto que é chamado de volta a vida. E naquele momento entendi que, fomos feitos um para o outro. E nada poderá mudar isso. Eu estarei ao lado dela, onde quer que ela vá. Quando afastamos os lábios em busca de ar, ficamos respirando juntos com nossas testas unidas. —Me desculpe, mas... eu esperei a noite toda por isso. Eu sorri da carinha envergonhada dela. —Então me desculpe por tê-la feito esperar tanto. Nós rimos, e nos beijamos mais uma vez. —Valeu apena cada segundo. —Eu concordo. Mily me deu um beijo suave e se afastou. Fazendo-me sentir saudades do seu calor. —Até segunda. —Até. Eu a vi entrar em casa. E fiquei ainda aqui pensando, que nem era preciso ter asas para chegar ao céu. Eu estava lá, e não queria mais voltar.
Capítulo-17 "Não foi o Senhor que os fez um só? Em corpo e em espírito eles lhe pertencem..." (Malaquias 2:15)
Mily Acordei na manhã de domingo, com os raios do sol entrando pela fresta da cortina. Eu tenho o costume de me levantar cedo, mas hoje passei da hora na cama. Olhei para o meu lado, e sorri ao ver meu pequeno ainda dormindo. Ele estava crescendo rápido demais, já não é o meu bebê. Porém para mim, ele sempre será. Levantei-me e fui para o banheiro, tomei um banho demorado, e não consegui evitar de lembrar do Michael, e daquele beijo. Deus, eu ainda não acredito que fiz aquilo. Mas o sorriso em meu rosto agora, não me deixa me arrepender. E eu estou sorrindo desde então.
Terminei o banho, e estava preparando o café, quando o celular tocou sobre a bancada. —Alô! Atendi ao ver o nome da Kelly na tela. —Oi amiga, bom dia. —Bom dia, mas você já está acordada? Ainda são oito horas. Ela ri do outro lado da linha. —Mily, posso te dizer que na verdade eu nem dormi. Como fiz o Dani ir até aí me buscar quase às duas da manhã né, ele não me deu sossego desde então. Foi embora agorinha, porque eu expulsei. Kelly me diz as gargalhadas, e me fazendo acompanhá-la. Algo que amo nessa minha amiga, é o seu alto astral. Ela ri até quando está triste. Nada no mundo consegue fazê-la deixar de sorrir. —E por que você expulsou o pobre Kelly? —Porque quero um pouco de paz. Mas combinamos de nos ver mais tarde. Têm que ser assim amiga. Não dá tudo de uma vez, dá aos pouquinhos, pra eles quererem mais. —Ai meu Deus, Kelly, você não presta, sabia? Eu digo rindo dela. —Ah tá, fala de mim, mas aprendeu direitinho, hein, dona Mily. Eu ainda não acredito que você beijou o Michael. —Deve ser essa sua má influência, só pode. Eu também não acredito que fiz isso. Nós rimos juntas. —Gostou da sensação? De tomar à iniciativa? —É, foi bom. Mas não consigo parar de pensar em como vou olhar para ele na segunda-feira. —Do mesmo jeito de sempre oras. —Finjo que nada aconteceu? —Claro que não, sorria desse seu jeitinho aí mesmo. Acredito que é disso que ele gosta. —Você acha mesmo isso? Eu pergunto me debruçando na bancada e sorrindo para mim mesma. —Sim, e ele respeita o seu jeito. Tanto que nem tentou nada, se não fosse o seu surto de Kelly, vocês sairiam daquele encontro na seca, não é verdade? Kelly fala as gargalhadas, e eu sou obrigada a rir com ela. —Acho que o assustei.
Eu digo ainda rindo. —Acredito que sim, mas soube remediar no final, graças a Deus. Agora é só deixar rolar. Mas eu liguei foi pra dizer amiga, que estou muito orgulhosa de você. Foi um grande passo, e eu imagino que não tenha sido fácil pra você. —Confesso que não foi difícil não. Eu digo rindo e ouço Kelly gritando do outro lado. Eu ri ainda mais. —Isso aí Mily. Vamos viver querida, sem medos, sem receios, só viver. Eu respiro profundamente. —Tá bom. Ninguém poderá me culpar por não ter tentado. —Isso aí. Agora eu vou dormir amiga. Nos vemos amanhã, está bem? Descanse, temos que finalizar aquela bendita feira. —Ok. Até amanhã amiga. Passei o dia vendo tv com Miguel, e na parte da tarde, me pus a corrigir os trabalhos das crianças, que seriam apresentados no final da feira de ciências. —Mamãe! Miguel me chamou parando em frente à mesa de jantar, onde eu estava corrigindo os trabalhos. —Sim filho. —Eu posso ter uma festa de aniversário? —Uma festa? Mas... Miguel, você disse que não queria, aí me diz isso assim, em cima da hora? Ele me sorri de lado, daquele jeito que ele sabe que consegue qualquer coisa de mim. —O Davi teve uma, e a Bia também. Eu achava que era coisa de criancinha, mas se eles tiveram, eu também posso ter, não é? Eu olho para ele e suspiro. —Falta pouco para o seu aniversário filho, não vai dar tempo de fazer nada muito elaborado. Podemos fazer um bolo, e chamamos alguns amiguinhos, tá bom? Aí, no ano que vem, fazemos uma festa de verdade, o que acha? Ele corre para mim e me abraça apertado. Eu o aperto junto a mim e beijo seus cabelos. —Obrigado mamãe. —Não tem de quê meu filho. O que eu não faço para ver esse sorriso no seu rosto hein?
Ele me sorri imensamente com seus olhinhos brilhantes. Na manhã seguinte quando chegamos à escola, Kelly já esperava por mim na porta. —Nossa, Mily, como vocês demoraram! —O quê!? Eu digo olhando o relógio no meu pulso. —Não são sete e meia Kelly, não surta. Ela me pega pelo braço e sai me puxando para o pátio, onde está acontecendo à feira de ciências já há algumas semanas. —Vem ver. Kelly me diz ainda me puxando. Chegamos ao pátio, onde os alunos já montavam os stands com seus trabalhos, e haviam vários pais observando. Como eram os dias das apresentações finais, o evento foi aberto a eles. —Ver o quê, Kelly? Eu parei próximo ao stand da minha turma e me virei para ela. —Olha lá. Todas aquelas mães sufocando o pobre do Michael. Ela me diz apontando para o lado oposto de onde estávamos. Eu acompanhei o seu olhar e o vi. Lindo, elegante e em sua infinita gentileza, Michael estava cercado por umas cinco mulheres, que riam ridiculamente de algo que ele disse. —O coitado está visivelmente constrangido. Tem gente que não tem vergonha na cara, não é? Eu virei para Kelly e ri da indignação dela. —Michael e bem grandinho, Kelly. Ele pode se defender de algumas mães afoitas. E além do mais, são mães dos alunos dele. Eu disse ainda rindo. Ela me olha chocada. —Você vai deixar isso? —Eu não sou dona dele Kelly, pirou? —Ainda não, mas vai ser. Então toma uma atitude, ou eu vou lá. Kelly me diz com as mãos na cintura e me olhando sério. —Você tá brincando né? —Não mesmo. Ela me diz com a sobrancelha erguida. Eu não estou conseguindo acreditar nisso. Acho que a Kelly enlouqueceu de vez. Eu a puxo para mais perto, quando ela ameaça ir até onde o Michael está. —Kelly, você é a diretora da escola, ficou doida?
Eu digo nervosa, e ela ri. —Duvida? —Santo Deus, Kelly! —Vai lá. Eu respiro fundo e olho para o Michael ainda cercado pelas mães dos alunos, e volto a olhá-la. —Vai. —Ai, tá bom, tá bom. Eu caminhei desviando dos stands espalhados pelo espaço, e segui até o Michael, porém só precisei cruzar a metade do caminho, para que ele me visse. Seu olhar se prendeu ao meu, e já comecei a ficar sem ar. Então mantive o foco em caminhar. —Com licença. Eu disse com um sorriso sem graça, parando ao lado do Michael. E não me passou despercebido os olhares de desagrado das mulheres sobre mim. Eu segurei no braço dele, que me sorriu lindamente. —Preciso falar com você. Eu disse me dirigindo unicamente a ele. —Claro. Com licença senhoras. Michael disse a elas que continuavam a me olhar indignadas. —Nós estávamos em meio a uma conversa aqui, não sei se percebeu? Uma das mulheres, a mais alta e loira, disse se dirigindo a mim. E eu não gostei nada do tom dela comigo. Eu encaixei meu braço no do Michael, em uma nítida demonstração de posse, fixei meu olhar nela, e tive que erguer a cabeça para isso, já que a mulher era muito alta mesmo. —Perdoe-me senhora, mas eu preciso dele agora. Com licença. Eu disse e o guiei para longe delas, sem esperar resposta. Nós caminhamos de braços dados em silêncio, até o corredor das salas de aula. Eu estava fingindo não ver o sorriso que Michael tinha no rosto. Enquanto que eu estava morta de vergonha. Meu rosto chegava a queimar. Entramos na minha sala, e eu fui até a minha mesa enquanto Michael fechava a porta. Eu estava muito constrangida. Não tinha ideia do que diria a ele para justificar a minha atitude. Afinal eu não tinha direito nenhum sobre ele. Eu fingia procurar algo em meio aos papéis sobre a minha mesa, e evitava olhá-lo, então não vi quando Michael se aproximou, e me segurando pela
cintura, me virou para ele, me fazendo olha-lo. —Você não precisa dizer nada, se é isso que a está perturbando tanto. Obrigado, por me salvar. Ele disse unindo sua testa a minha. —Me desculpe, eu não tinha o direito de agir como agi. Nós... não temos nada, não foi certo eu arrasta-lo de lá como se você fosse meu. Michael segurou o meu rosto com uma das mãos e colou o seu corpo ao meu. —O que eu preciso fazer para que você entenda que eu sou seu? Que não existe outra em meus pensamentos, e nem em meu coração? —Michael... —Shiuu, eu só preciso ouvir um sim. Eu o olhava com meu coração aos pulos, e a respiração ofegante. Eu ainda tinha dúvidas, eu ainda tinha medo. Porém não havia outra resposta que eu quisesse dar a ele. —Sim. Eu disse também tocando o rosto dele tão próximo ao meu que respirávamos o mesmo ar. Nós sorrimos, e seus lábios desceram suavemente sobre os meus. E nesses momentos, em que estava completamente envolvida pelos braços dele, eu não tinha medo de mais nada. Eu me sentia protegida, como se nada fosse capaz de me atingir, enquanto eu estivesse ao lado dele.
Capítulo-18 "O amigo ama em todos os momentos; é um irmão na adversidade." (Provérbios 17:17)
Michael Já fazem alguns meses que estou na Terra na forma humana. Ao contrário do que eu achava, até que tenho me adaptado bem, ainda que ouça o sermão de Jhaziel frequentemente, por não estar retomando minha forma Angelical sempre que deveria. O que acontece, é que, desde que Mily e eu assumimos uma espécie de... relacionamento, a verdade é que não tenho vontade de estar longe dela. Também não me sinto mais a vontade em passar minhas noites velando seu sono. Sinto-me invadindo a sua privacidade. Sendo assim, tenho ficado na minha casa durante a noite, mas sempre a acompanho durante suas horas de trabalho na Cafeteria. Por mais que ela reclame, por eu passar todas as tardes sentado a uma mesa do lugar, até o final do seu expediente, quando a
deixo em casa. Temos vivido momentos lindos, momentos que eu jamais imaginei poder viver. Mas trago comigo esse aperto no peito, toda vez que olho para ela, e que me vejo no seu olhar. Não consigo deixar de pensar, em como farei para partir, e deixá-la aqui, ao final da minha missão. —Tio, o Bruno não tá bem. A voz da pequena Karen me tirou dos meus devaneios. Eu olho para o rapazinho de belos olhos castanhos, que está sentado bem ao fundo da sala. —Por que você acha isso? Ele disse que não está bem? Perguntei voltando a olhar para ela. A pequena se inclina bem próxima a mim, para falar ao meu ouvido. —Ele tava chorando. Ela diz com a expressão triste. —Ok, volte para o seu lugar, está bem. E obrigado por se preocupar com seu amigo. Ela apenas me sorri, e volta ao seu lugar. Quando o sinal do intervalo soou, as crianças começaram a sair da sala. Vi quando Bruno se levantou com certa dificuldade da cadeira, e se encaminhou na direção da saída. —Bruno! Você pode vir aqui um instante? O menino que já tinha a pele muito clara, pareceu-me ainda mais pálido, quando chegou a minha frente. —Não está se sentindo bem? —Não é nada, tio. Ele me dizia que não havia nada, mas seus olhos diziam o contrário. Levantei-me e contornei a mesa. Fiquei abaixado na frente dele, tentando desvendar o que estava havendo. —A Karen me disse que você estava chorando. —A Karen é uma fofoqueira! Ele disse exaltado, quase indo as lágrimas, porém as conteve. —Ela é sua amiga, e se preocupa com você. E eu também. Segurei nos braços dele, para enfatizar o que dizia, mas Bruno se encolheu, como se sentisse dor, e aquilo me assustou. —O que foi? —Não foi nada, eu já disse. Bruno não me olhava, tinha a cabeça baixa, e os braços cruzados a frente do corpo.
—Então me deixe ver. Ele me olha, como se não tivesse mais escolha, e estende o braço para mim. Segurei a mão dele, e fui subindo a manga da blusa que ele usava, até acima dos cotovelos. Bruno me olhava assustado, talvez por eu não ter conseguido disfarçar a fúria que havia dentro de mim, ao ver o braço do menino, cheio de marcas avermelhadas, e algumas em um tom esverdeado, como se já fossem de algum tempo atrás. Suspendi a outra manga, e estava igual. Eu respirei fundo, tentando conte-me diante dele, mas confesso que tive que fechar os olhos, e respirar mais algumas vezes. —Quem fez isso com você, Bruno? —Eu caí, tio. Não foi nada, eu juro! Ele me disse em pânico. Eu olhei para ele e tentei sorrir. —Tudo bem, vá brincar com seus amigos. Bruno também tentou sorrir, mas parecia aliviado, por eu tê-lo deixado ir, sem mais perguntas. Ele se foi, e eu ainda tentando conter minha fúria, acabei esfarelando a caneta que estava sobre a mesa. Ela se desfez em minhas mãos, como se fosse feito de areia. Bruno podia não me dizer quem foi o covarde que o machucou daquele jeito, mas eu ia descobrir. Fechei meus olhos e chamei por Gael. Não demorou muito, pude sentir sua presença. —Você me chamou Mikhael? Gael perguntou se aproximando da mesa, mas se deteve por um momento, ao me olhar com mais atenção. —O que aconteceu?! —Preciso que faça algo para mim. —Diga, se eu puder ajudar. —Preciso encontrar um Anjo da guarda, mas sem a intervenção de Jhaziel. Gael me olha apreensivo. —E como você acha que vou fazer isso Mikhael? Não tenho os poderes de Jhaziel.
—Como você vai fazer não me importa Gael, apenas ache-o e traga-o até mim. Digo ríspido, o que o assustou. —O que aconteceu, Mikhael? Vejo que está com dificuldades para conter a ira que está em você. Eu respiro fundo mais uma vez. Isso era algo pelo qual nunca passei. Dificuldades para conter meus impulsos. Eu estava completamente fora de mim. —Você precisa tomar sua forma angelical Mikhael. Está perdendo o controle. É visível. —Pronto, já me sinto melhor. Eu disse me sentando, e respirando pausadamente. —Agora vai me dizer o que houve? Qual o motivo do surto? Eu ergo meu olhar para ele, em um aviso de que eu não estava para brincadeiras. —Alguém está machucando uma das minhas crianças, e eu quero saber quem é. Gael me olha fixamente e se aproxima um pouco mais da mesa, apoiando as mãos na mesma. —Suas crianças? Eu ouvi direito? —Você entendeu o que eu quis dizer. —Não, não, eu ouvi o que você disse Mikhael, elas não são suas crianças. O que você se tornou agora? Alguma espécie de Anjo justiceiro? Eu olho para ele indignado. —Eu não vou mata-lo, se é isso que lhe aflige Gael, só lhe mostrarei, que não pode machucá-lo. Ele respira insatisfeito. —E como você pretende fazer isso, se mal consegue se conter, e nem sabe quem é o infeliz? —Faça a sua parte, deixe que eu me preocupe com a minha. Agora vá, as crianças já estão voltando. O menino se chama Bruno, é um dos meus alunos. Acompanhe-o, até encontrar o Anjo da guarda dele, e tragao para mim. Seja breve. Gael acenou em concordância, e desapareceu em meio a sua luz, no mesmo momento em que as crianças retornavam a sala de aula. Daquele momento em diante, não consegui me focar em mais nada.
Passei à tarde no Café, mas sequer sei como cheguei até lá. Eu só via os olhos assustados daquele menino, e a dor no semblante dele, ainda estava em mim. —O que aconteceu, Michael? Você está distante. Está o dia todo assim, pensa que não percebi? É algo que eu possa ajudar? Mily pôs meu rosto entre suas mãos, e me deu um beijo suave, que conseguiu abrandar o que eu sentia. Eu a abracei forte e inspirei o seu perfume, que sempre me acalmava. —É só cansaço, não se preocupe. Amanhã estarei melhor. —Eu já disse que você não precisa ficar na Cafeteria comigo. Fica se cansando a toa. —Não, não vou deixar você. Não estou cansado de ficar no Café. É algo dentro de mim. Não tenho como explicar Mily. E eu realmente não tinha. Não era só a ira que eu estava com dificuldades para controlar, tudo estava elevado a níveis excessivos. A raiva, a angustia, a dor e o amor também. —Está bem, quando você quiser falar, estarei bem aqui. Eu a beijo como o homem apaixonado que eu sou nesse momento. Gostaria de poder dizer a ela, tudo que me pesa, tudo que me aflige, mas não posso. Esse é, e sempre será um fardo somente meu. Deixei a Mily em casa e fui para a minha. Tentei preparar algo para comer, mas desisti, não havia fome em mim. Lavei a louça que sujei e arrumei tudo no lugar. Eu ainda fazia isso, quando senti duas presenças que tomaram forma diante de mim. —Mikhael, eu a encontrei. Gael me disse sorrindo. Porém a jovem que o acompanhava, parecia em pânico. Era uma mocinha ainda mais jovem que Gael. Céus! Estavam mandando crianças para cuidar dos humanos! Suspirei ao observa-la. Os cabelos lisos de um amarelo brilhante lhe caíam em ondas bem definidas, até os ombros. Os olhos azuis me encaravam com nítida apreensão. —Olá! Eu tentei ser amistoso, mas sabia que minha fama me precedia, e seria difícil mudar minha imagem com um simples "Olá". —Qual o seu nome? Eu insisti, já que ela não respondeu ao cumprimento.
—Me chamam Nithiel senhor. Eu sorri para ela, e me aproximei um pouco. —Não sou seu senhor Nithiel. Sou seu irmão. Não precisa temer, só quero lhe fazer uma pergunta. Ela balançou a cabeça em concordância, finalmente me encarando. —Bruno é seu protegido, não é? —Sim. —Então você sabe quem o machucou? Nithiel abaixa a cabeça e esfrega suas mãos em um sinal de nervosismo. —Eu sempre faço o que posso para impedi-lo, mas ele é muito forte, não é sempre que consigo. E não tenho permissão para intervir diretamente, apenas amenizar. Ela me diz com a voz trêmula. —Eu sei que você faz o que pode Nithiel, não estou lhe acusando de nada, acalme-se. Só me diga quem? —O pai dele é um homem muito perturbado. E vez ou outra desconta sua ira sobre o menino e em sua mãe. Eu ouvi tudo o que Nithiel me disse, e foi com extremo esforço que consegui conte-me diante dela. Mas respirei algumas vezes tentando me acalmar. Afastei-me e fui até a janela, eu precisava de ar. Não entrava na minha cabeça, como uma criatura poderia ferir uma criança, seu próprio filho, sangue do seu sangue. Isso era algo impensável. Nós dois iríamos ter uma boa conversa, e depois dela, eu duvido muito que ele volte a machucar mais alguém. —Mikhael! A voz de Gael soou atrás de mim. —Sei que isso é horrível, que nenhuma criança deveria passar por algo assim. Porém, nossa missão é amenizar. Não temos permissão para intervir. Tão pouco para impedir que aconteça. Isso poderia alterar o destino deles e... —Gael, você pode ler para mim toda a cartilha dos Anjos da Guarda. Porém, lhe aviso que será inútil. Eu já lhe disse, NÃO SOU UM ANJO DA GUARDA! Eu disse exaltado ao me virar para ele. Gael me olha apreensivo, e Nithiel sorri abertamente. Acho que no fim das contas, acabei por conseguir melhorar a minha imagem. Eu fui até ela, peguei suas mãos delicadas e beijei cada uma delas.
—Você pode ficar tranquila, ninguém mais vai machucar o pequeno Bruno. Tem a minha palavra. —Obrigada. —Eu que agradeço. —Ok, agora vamos indo Nithiel, antes que Jhaziel perceba que não estás onde deveria. Gael disse já se preparando para partir. Nithiel foi até ele, mas antes de ir se voltou para mim. —Nós, os Anjos da Guarda não o tememos irmão Mikhael, nós admiramos você. Porque fazes o que não nos é permitido fazer. Impedir o mal. Você é uma inspiração para todos nós. As luzes dos dois se dissiparam diante de mim, e eu me vi com lágrimas nos olhos, eu as tentei conter, mas sem sucesso. A anjinha conseguiu me comover com suas palavras. Nunca me ocorreu algo assim, que eu pudesse ser... inspiração para alguém. Deus! Toda essa intensidade dentro de mim, está me deixando maluco.
Capítulo-19 "Eles os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes." (Mateus 13:42)
Michael Passei a noite inteira pensando em como faria para intervir na situação do pequeno Bruno, sem que eu acabasse por perder o controle e mandasse o desgraçado direto para o inferno. Na manhã seguinte, apanhei Mily e Miguel em casa e seguimos para a escola. Isso acabou por se tornar um hábito, já que minha casa ficava perto e íamos para o mesmo lugar. E isso também me facilitava na missão de acompanhar a Mily, aonde quer que ela fosse. —Se sente melhor hoje? Mily me perguntou, me olhando com seus olhos expressivos. Eles me diziam, o que muitas vezes ela não colocava em palavras, mas eu sabia. Ela tinha muitas dúvidas quanto a mim. E eu não a culpo. Sempre arranjo um
jeito de me esquivar de suas perguntas, ora com respostas evasivas, ora apenas desviando do assunto. Mas, as questões permaneciam entre nós, eu podia sentir. Porém não havia a menor chance de eu poder contar a ela toda a verdade, e sendo assim, eu estava levando como podia. —Sim, como eu lhe disse, era só cansaço mesmo. Eu respondi com um sorriso, ao qual ela retribuiu. —Michael, eu vou ter uma festa de aniversário! Miguel me disse entusiasmado. —Uma festa! Muito bom, e quando será? —Na próxima semana, no sábado. Mas meu aniversário é na sexta-feira. —Ok. Faremos um passeio especial na sexta-feira então. Depois que a sua mãe sair do trabalho. —Obaaa! Miguel diz ainda mais animado com a chegada do seu sétimo aniversário. Mily sorri para mim comovida. A princípio, ela ficou apreensiva em contar ao filho sobre nós, mas em uma tarde de sábado nós nos reunimos com ele em uma sorveteria da cidade, e contamos. Miguel ficou feliz, porém disse que não me chamaria mais de tio, quando não estivesse na escola. Essa foi a única condição que ele impôs. Nós rimos juntos a ele. Miguel é uma criança extremamente cativante, eu o conheço a pouquíssimos tempo, porém sinto como se fosse muito mais. —Você sabia, que sete anos é uma passagem importante da vida de qualquer criatura vivente. Eu disse ainda enquanto dirigia. —Não. Importante por quê? —Diz-se que é nessa idade que são recebidos os dons. Os humanos, começam a definir suas aptidões. Por exemplo, já começam a pensar no que serão no futuro, a apresentarem algumas habilidades em determinadas áreas. Os animais normalmente já são adultos nessa idade. E os anjos, recebem suas asas, e são designados para uma hierarquia do coro celestial. Eu simplesmente saí falando, sem me dar conta das expressões surpresas tanto da Mily, quanto do Miguel. —O que foi? Eu perguntei, já percebendo que havia falado demais. —Como você sabe de tudo isso?! Mily me perguntou com um sorriso questionador nos lábios. Eu ri para disfarçar meu nervosismo.
—Li em algum lugar. Afinal sou professor de história, eu leio bastante. A sobrancelha erguida e um meio sorriso, me faziam crer que não a convenci. Porém, o que mais ela poderia imaginar? Que sou um Anjo? Acho que não. —Minha nossa! Vou ser importante. Miguel disse as gargalhadas, e nos fazendo rir também. —Você é importante meu filho. Nunca tenha dúvidas disso, viu? Mily disse se virando para o banco de trás e segurando as mãos de Miguel. Chegamos à escola, e durante toda a aula, eu observava o Bruno. Ele já parecia mais animado. Sorria de algo que um dos colegas lhe disse, mas quando percebeu que eu o estava observando, desviou o olhar dos meus. No intervalo fui até a sala da Kelly, precisava da ajuda dela para por em prática o que pensei para colocar um ser humano desprezível de volta ao caminho da luz. —Entre! Ela respondeu quando bati na porta. —Bom dia Kelly, posso lhe falar por um instante? Eu perguntei entrando na sala e parando diante da mesa dela. —Claro, Michael. Sente-se por favor. Em que posso ajudá-lo? Ela me olha com um lindo sorriso no rosto. —Obrigado. Na verdade, eu queria lhe pedir que marcasse uma reunião com os pais dos meus alunos. E de preferência com ambos os pais. —Ok, mas...algum motivo em especial? Porque normalmente nossas reuniões são no final do bimestre. —Sim, eu sei. Mas eu gostaria de conhecê-los antes disso. Estou substituindo a professora Raquel, e acredito que muitos deles ainda não me conheçam. Kelly parece pensar em algo antes de me responder. —Muito bem, vou pedir para a coordenação enviarem os avisos na agenda das crianças. Podemos marcar para segunda, está bom pra você? —Está ótimo. Muito obrigado Kelly. Eu digo me levantando e retribuindo o sorriso que ela dirigia a mim. —É sempre um prazer ajudar. Eu a ouvi dizer antes que eu cruzasse a porta. À noite, após deixar a Mily em casa, eu estava pronto para ir a outro
lugar, e para isso precisava retomar a minha forma Angelical. Algo que há muito tempo eu não fazia. E isso foi assustador, pois depois de várias tentativas, simplesmente não consegui. Eu podia sentir a minha luz ir e vir sem conseguir se fixar em mim. E quando eu já estava tomado pelo desespero, fechei os meus olhos com força em uma prece desesperada, pedi ao Criador que restaurasse o meu poder, e no mesmo momento minha forma finalmente se fez. Eu já não precisava mais respirar, porém respiro, várias vezes tentando acalmar o meu espírito. E sorri ao ver a sombra das minhas asas refletidas na parede. Mikhael estava de volta, e havia alguém que estava prestes a me conhecer. E foi com esse pensamento que segui para aonde eu queria ir. Quando voltei a abrir os meus olhos, estava diante da casa do Bruno. As luzes estavam acesas, então esperei. Com o passar das horas, tudo ficou silencioso, e as luzes se apagaram. Atravessei a porta e me vi em uma sala grande, iluminada por um pequeno abajur. Dei uma olhada pela casa, e vi que o pai não estava. Fui ao quarto do Bruno, e o vi adormecido, e ao seu lado estava sentada Nithiel. Ela sorri ao me ver e eu retribuo ao sorriso. Aproximo-me da cama onde ela está sentada e me abaixo ao lado dela. —Está tudo bem por aqui? —Sim, o pai do menino ainda não chegou. É quando ele volta que tudo vira um inferno. Ela me diz entristecida. Eu pego uma de suas mãos e a seguro entre as minhas. —Hoje não será assim. Eu lhe prometi, lembra? Ela balança a cabeça em concordância. —O que pretendes? —Não se preocupe, apenas fique aqui. —Tá bom. Eu voltei à sala, apaguei o abajur e me sentei no sofá. Não demorou muito para eu perceber que alguém se aproximava da casa. Ouvi o som das chaves na porta e em seguida a figura do homem a atravessou. —Mas que inferno de escuridão é essa?! Porcaria de mulher que não faz nada direito!
Eu ouvi o homem resmungar, parecendo irritado ao trombar com o sofá próximo a porta. Nesse momento eu acendi a luz do abajur, e fui obrigado a rir da cara de espanto do sujeito ao ver que não havia ninguém ali. —Mas que... inferno é esse? Eu me fiz visível a ele, e o homem ficou tão pálido que achei que ele fosse morrer diante de mim. —Interessante você perguntar? Eu disse me aproximando devagar. Ele continua me olhando em choque. E era exatamente o que eu queria, ver o medo em seus olhos. Então dei mais alguns passos. —Você parece gostar muito do inferno, fala muito sobre ele. Talvez, eu possa lhe levar para conhecê-lo, pessoalmente. Eu disse a centímetros dele. O homem mal respirava, e piscava repetidas vezes, talvez tentando ter certeza de que realmente eu estava ali. —Que... quem... é você? —Eu sou alguém que você não vai gostar de conhecer, porém isso é algo, que não podes mais evitar. Porque foi você quem me trouxe aqui. —O que... quer comigo? Eu sorri, ao vê-lo quase cair ao tentar dar um passo para trás. Ele já iria descobrir quem eu era. Segurei sua cabeça com minhas mãos em cada lado do rosto, e me aproximei bem dele, o homem estava em pânico. —Eu vou levá-lo para conhecer o inferno. Porque você precisa saber o que é ter medo, para nunca mais ousar machucar ninguém. Ele ia dizer algo, mas eu inclinei sua cabeça para trás e o fiz ver. Na sua mente ele estava no inferno, em meio ao fogo incessante do primeiro círculo. As almas malignas se agarravam ao seu corpo o impedindo de sair, e quanto mais ele tenta é inútil, elas são muitas. Eu estou de pé a sua frente e o observo queimar com um sorriso no rosto. O homem implora por socorro, e tenta rastejar até mim. —Me ajude, por favor, por Deus. Ele grita. —Não ouse chamar por Deus!!! É aqui que você vai ficar, pela eternidade, queimando dia após dia, sem nunca ser consumido totalmente. Eu o deixarei aqui para sempre. —Não, não, por favor, eu imploro, por favor. Eu ri. —Quando espanca seu filho e sua mulher, acredito que eles peçam por
favor para que não os machuque. Isso algum dia o impediu? Alguma vez o fez parar? —Por favor! Ele grita quando as almas o puxam para mais perto do fogo. —Eu vou ajudá-lo, não porque você mereça, mas porque ainda não chegou a sua hora. Porém, agora você sabe o que o aguarda. Receba isso como uma chance, que não se repetirá. Você me entende? Eu digo andando em meio às chamas, me aproximando de onde ele está. —Sim, eu entendo, eu entendo. Ele grita me estendendo a mão. —Se ousares tocar no seu filho ou em sua mulher, uma vez mais, eu não me importarei por ainda não ser a sua hora. Eu o trarei pessoalmente e farei questão de vê-lo queimar. —Eu juro, juro que não farei mais. Eu juro, por favor! E ao dizer isso eu o soltei. O homem se afasta de mim caindo pelo caminho que tenta percorrer, tropeçando nos móveis e derrubando os objetos ao seu redor. O desespero em seus olhos, me diz que ele entendeu o recado. —Você não é real, não é!!! Ele grita se arrastando para longe quando eu dei alguns passos em sua direção. —Eu sou bem real, posso lhe garantir. E estarei observando cada passo seu. Eu espero que de hoje em diante, você seja o melhor pai que o seu filho poderia ter, porque se eu vir um arranhão naquele menino, um único arranhão que seja...bom, acho que você já entendeu. Não entendeu? —Eu entendi, entendi. —Melhor assim. Tenha uma boa noite. Eu digo o deixando ver as minhas asas se abrirem em meio a minha luz. Os olhos arregalados, o suor escorrendo pelo rosto e a palidez me fazem ter certeza de que o problema estava resolvido. —Nós ainda voltaremos a nos ver, cedo ou tarde. Eu disse e me fui.
Capítulo-20 "Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo." (2 Pedro 2:4)
Michael Acordei sentindo frio, mas não era um frio comum. Era um tremor que me percorreu todo o corpo causando calafrios até nos ossos. Uma sensação desconhecida para mim, porém acredito ser o que os humanos sentem ao ficarem diante da Morte. —Eu sei que você está aqui, mostre-se Abaddon! Eu disse me levantando da cama. Andei em meio à escuridão até a sala, no momento em que ela surgiu diante de mim. Envolta em sua aura negra, Abaddon desceu o capuz que cobria sua cabeça, me permitindo vê-la. Os olhos ardiam como duas bolas de fogo e por algum motivo a sua ira era direcionada a mim.
—O que faz aqui? Eu perguntei cruzando os braços a frente do corpo. —Eu precisava ver com meus próprios olhos, eu precisava ouvir você dizer, que se tornou um deles. Um humano, um...mortal. Ela disse com desprezo em cada palavra. —Por que os odeia tanto? Pergunto sabendo que não vou gostar da resposta, porém esta é uma dúvida que sempre tive. —Você quer um motivo? Um só? Pois poderia citar um milhão deles, a lista é mais extensa do que o próprio inferno. Mas lhe darei um. A dita "humanidade" humilhou e assassinou Cristo, da forma mais cruel e desumana existente na face da Terra. Eles podem ser tudo, tudo, menos humanos. Ela joga as palavras sobre mim, me fazendo literalmente sentir o peso de cada uma delas. —O Criador os perdoou! —Sim, e é por isso que Ele é Deus, e eu...sou a morte. E não desejaria o contrário, pois eu não teria misericórdia. Mandaria cada um deles para aguardar o juízo final no inferno. Todos, sem exceções, inclusive você. Eu estava chocado com tantas atrocidades ditas por um ser celestial. Abaddon estava mesmo com muita raiva. E não sei por que, mas senti a necessidade de me justificar. —Eu não me tornei mortal. Estou mortal, até cumprir a minha missão. —A sua missão? Aquela, que foi completamente ignorada por você? Ou essa, que você julga ser o certo a se fazer? Ela me olha tão intensamente que sinto meu sangue gelar. Minha forma mortal não é indiferente ao fato de Abaddon ser a morte, na verdade acredito que nenhum mortal seja. —Tenho permissão para estar aqui. —É claro que tem. Atheniel é conivente com essa sua loucura. Mas eu não. Eu não estarei ao seu lado quando as consequências das suas intervenções vierem. E não tardará. —O que você quer? Acredito que não tenha vindo até aqui só para dizer o quanto você me despreza. Ela fixa seu olhar em mim. —O selo foi rompido. —O que?!
Eu quase sufoquei, a menção daquelas palavras, procurei pelo ar em meus pulmões e não o encontrei. Ela ri. —Fraco! Foi nisso que você se tornou Mikhael? É patético. —Pare! Deixe de ser mesquinha, pelo menos uma vez. Eu disse exaltando o tom da minha voz. O olhar aturdido me diz que consegui atingi-la. —Como o selo foi rompido?! É impossível. Quantos? —Apenas um. Como, e quando? Não sabemos, mas o fato é que alguém saiu. A um Anjo Caído na Terra. —Miguel... já sabe? —Sim, ele restaurou o selo e fortaleceu os demais, porém acreditamos que seja apenas um, mas não é certeza, eles são muitos, estão espalhados pelos nove círculos, terei que inspeciona-los um a um, e isso levará tempo. Os selos celestiais foram proclamados pelos Arcanjos quando Miguel baniu os Anjos rebeldes para o inferno, eles são a única coisa que mantém os caídos e os demônios presos lá. Mil selos foram proclamados, e vedam todas as saídas, porém é comum, um ou outro espírito inferior ou até mesmo demônios primários conseguirem passar, e é esse o meu trabalho, levá-los de volta. Mas os Caídos nunca passariam, a não ser que os selos fossem rompidos. —Santo Deus! Eu disse me sentando no sofá que estava ao meu lado. —Mikhael, Miguel manda dizer que tenhas cuidado. Não sabemos quem ele é, mas ele sabe quem você é. E nessa... forma medíocre, estarás vulnerável. —Diga a Miguel, que agradeço pela preocupação. Terei cuidado. —Pois bem, está avisado. Ela recolocou o capuz a cabeça, e se preparou para ir. —Abaddon! Eu a chamei antes que ela se fosse. Ela se volta para mim. —Lúcifer...está lá? Eu olho para ela preocupado. —Sim, ele está. O que não quer dizer nada. —Como não? —Se Samael tiver saído, o estrago será o mesmo. Algo está por vir Mikhael, fique atento aos sinais.
—Eu ficarei. Eu a vejo desaparecer e todo o frio foi levado com ela. Essa foi uma experiência da qual nunca imaginei experimentar. Eu convivo com Abaddon, há quase um milênio, e nunca fui capaz de sentir a intensidade da sua presença. Agora imagino que estar ao lado dela nunca mais será como antes. Ela está sozinha, eu a deveria estar acompanhando. Por séculos em minha vida a considerei como única igual a mim, acredito que parte de toda essa frustração nela, seja porque ela considerava o mesmo, e agora me tornei algo que ela despreza com todas as suas forças. Pensar nisso me faz sentir ainda mais culpado, talvez se eu estivesse lá, fazendo o que é o meu dever, nada disso tivesse acontecido. Porém me lamentar, não irá restaurar o que já está feito. E nada nem ninguém me fará desistir de mudar o destino da Mily. O próprio Lúcifer pode vir em pessoa, e não será capaz de me deter. Passei o restante da noite em claro, vi quando o sol surgiu no horizonte, já era dia. E eu estava determinado a tocar no assunto sobre o pai do Miguel com a Mily. Ainda não sabia como faria isso. Mas eu faria. O dia na escola foi tranquilo. Bruno estava animado por ter sido convidado para a festa do Miguel, que deveria convidar apenas alguns dos amigos, porém acabou por estender o convite a toda a turma. O que estava enlouquecendo a Mily. O final de semana passou, e eu não consegui uma brecha para iniciar o meu assunto pendente com ela. E desde que estamos juntos, Mily não foi mais ao hospital. Acho que isso é uma coisa boa, talvez ela em fim esteja se libertando do passado. Na segunda-feira, tive que contar com Gael, para ficar de olho na Mily, já que precisei ficar na escola após o horário da aula, para a reunião com os pais. Ele como de costume resmungou bastante, mas acabou por fazer o que pedi. A reunião serviu ao meu propósito, que era única e exclusivamente para que o pai do Bruno me visse e assim tivesse a certeza de que eu era bem real. Foi hilário, quando o sujeito passou pela porta e se deparou comigo. Ele quase desmaiou. E eu como bom samaritano que sou, lhe entreguei um copo com água, enquanto a esposa o abanava preocupada. Eu sorri para ele. —O senhor vai ficar bem, respire, ainda não chegou a sua hora.
Eu disse piscando um olho para o homem, que já estava pálido, e não sei como ele conseguiu ficar de pé, e se dirigir ao seu lugar na sala de reuniões. Durante toda a semana, eu tentei conversar com a Mily, mas ela estava eufórica com a organização da festa, que acabou tomando proporções maiores do que ela imaginara. Sendo assim desisti, achei melhor esperar tudo se acalmar. Na sexta-feira, eu dirigia para a escola, enquanto Mily e Kelly conversavam sobre os últimos detalhes da festa. Kelly havia passado a noite ajudando a Mily, e pela manhã eu apanhei as duas. Miguel dormiu na casa de um amigo, e os pais do amiguinho os levariam para a escola. Quando chegamos, a Kelly se despediu e nos deixou a sós. Caminhamos de mãos dadas até a frente da minha sala. —Tenha uma boa aula. Ela me diz me dando um beijo suave e sorrindo para mim. —Você também. —Tudo acaba amanhã, está bem? Sei que não tenho te dado atenção, mas eu prometo, que depois dessa festa, dedicarei mais do meu tempo pra você. Mily me diz tocando o meu rosto com uma das mãos. Eu beijei a mão dela e lhe sorri de volta. —Promete? —Prometo. Mily foi para a sua sala e eu entrei na minha para aguardar a chegada dos alunos, que não demorou muito, já estavam entrando, com sua costumeira barulheira. Eu estava de pé, observando os alunos se ajeitarem em seus lugares, conforme iam entrando. Miguel foi o último a entrar. Ele passou pela porta e a forma que ele me olhou, me disse que algo estava errado. Muito errado. Porém nada poderia ter me preparado para o que aconteceu a seguir. O menino parecia em transe, os olhos azuis meio arregalados e sua pele normalmente muito branca, me parecia um pouco avermelhada. Eu notei tudo isso, mas ele não disse nada, apenas me olhava desse jeito. Fiquei nervoso com o seu olhar fixo sobre mim a todo o momento. Estava contando os segundos para o sinal do intervalo soar, e eu poder apurar, o que estava se passando com ele. O sinal soou, e as crianças começaram a sair. Eu me levantei quando a maioria dos alunos haviam saído, e agora eu realmente estava preocupado.
Miguel levou às mãos a boca, como se contivesse um grito de espanto. Parei os meus passos, e esperei o último aluno sair, ficando apenas nós dois na sala. —Miguel, está... tudo bem? Eu perguntei de onde estava, ele realmente parecia assustado. —Você está bem? Miguel continua me olhando assustado, mas retira as mãos da boca. —Elas... são... de verdade? Ele me perguntou apontando para algo atrás de mim. Eu me virei para ver a que ele se referia, mas não havia nada. —Elas? Ele balança a cabeça em concordância. Eu dou alguns passos na direção dele, e Miguel gruda as costas na cadeira, então parei, e tive que concluir, que, o que estava lhe causando tamanho espanto, estava em mim. Sentei-me na cadeira de uma das mesas a frente da dele, e o observei com atenção, o menino mal respirava. —Miguel, o que você vê? —Você tem...asas. Não é difícil imaginar, que agora o choque estava em mim. O sangue fugiu do meu rosto, eu podia sentir o corpo gelar. Eu não consigo ver as minhas asas, estando na forma humana. Como ele podia ver?
Capítulo-21 "Protege-me como à menina dos teus olhos; Esconde-me à sombra das tuas asas." (Salmos 17:8)
Michael —Asas!? A pergunta quase falhou ao sair da minha boca, eu estava estarrecido com o fato de Miguel poder enxergar as minhas asas, ainda mais eu estando na forma humana. —Sim, elas estão aí ó. Você não vê? Ele me perguntou apontando para as minhas costas. —Miguel, isso é... uma brincadeira sua, não é? Eu pergunto tentando sorrir e parecer tranquilo, porém o menino balança a cabeça veementemente me dizendo que não. Ele não estava brincando, e eu mais do que ninguém sabia disso. Mas ainda precisava fazer um teste. —Ok, está bem, digamos que isso seja verdade, e eu não estou dizendo
que seja. Mas... se você realmente vê, asas em mim, de que cor elas seriam? O seu olhar desviou do meu, e nesse momento ele pareceu concluir algo aterrorizante em sua cabeça infantil, o que o fez me olhar ainda mais assustado. A respiração ofegante e os olhos arregalados também me assustaram. —Elas são... pretas! Você é um demônio?! —O que?! Não! Eu disse indo até ele e me sentando ao seu lado, o que o impediu de correr, o que achei que Miguel estava a ponto de fazer. —Acalme-se Miguel, tente respirar devagar, vamos, respire. Olhe para mim, eu não vou lhe fazer mal, está bem? Confie em mim, eu não sou um demônio. —Você é o que então? Homens não tem asas. —Não, não têm. Eu respiro pausadamente junto com ele, procurando pensar em algo para dizer a Miguel, mas não há, ele realmente podia ver. Eu não tinha alternativa além de contar-lhe a verdade, para tentar tranquiliza-lo, e com isso ganhar algum tempo para descobrir o que estava acontecendo. —Eu sou um Anjo, Miguel. Não um demônio. Ele me olha claramente duvidando das minhas palavras. Eu também duvidaria se fosse ele. —Isso não é o que um demônio diria? Os Anjos tem asas brancas, pensa que eu não sei! Deus, o menino era bem esperto. Eu ri disso. —Você tem razão, Miguel, você tem toda razão. Mas, se você me prometer guardar o meu segredo, eu posso provar a você que sou um Anjo de verdade. Promete guardar segredo? —Eu não sei, tenho que contar pra minha mãe. Ela não gosta de segredos. —Por favor Miguel. Por favor. Peço segurando as mãos dele e o prendendo em meu olhar. —Tá bom, então prova. Eu sorri para ele e me pus a orar chamando por Gael, no que Miguel me olha curioso. —O que você tá fazendo?
—Você já vai ver. Eu esperei que Gael aparecesse em sua forma angelical, como de costume ele seria visível só para mim, porém a situação era muito mais grave do que eu poderia supor. Gael apareceu em meio a sua luz e o espanto nos olhos de Miguel deixou claro, ele também podia vê-lo. —Minha nossa! Ele disse novamente levando às mãos a boca. Mas agora não era só ele em estado de espanto, Gael me olhava aterrorizado. —Ele pode...como ele pode me ver? Gael me pergunta ainda em choque. —Eu não faço ideia. O fato é que ele vê. Miguel consegue ver as minhas asas Gael, como isso é possível? Eu pergunto aflito, a um Gael em pânico. —Eu conheço você. Miguel disse, nos fazendo nos voltarmos para ele. Gael se aproximou dele devagar, o olhou bem de perto, e lhe sorriu. —Sim, nos conhecemos no metrô, se lembra? —Sim, eu me lembro. Mas, você é um Anjo? Miguel perguntou tocando levemente nas asas de Gael, que me olha em desespero. —Sim, ele é Miguel. —E ele também. Gael disse apressado e apontando para mim. Miguel me sorri e seu olhar me comove. — Eu posso ver? Ele me pergunta já completamente a vontade em meio a dois Anjos. Crianças! —Sim. Claro que pode. Ele vem para mim e toca em algo que eu mesmo não consigo ver. —Gael fique mortal, pode aparecer alguém. Gael toma a forma humana e eu pego a mão de Miguel e o faço me olhar. —Miguel, você ainda consegue ver as asas dele? —Sim, ainda vejo, só não tem mais a luz. Ele diz calmamente. —Mikhael, você tem ideia do quão grave isso é? —É, eu tenho. Um humano que pode nos identificar, seja na forma humana ou angelical.
Digo olhando para o pequeno que agora parece encantado com as minhas asas. —Miguel, aconteceu alguma coisa diferente com você hoje? Gael perguntou se aproximando dele. —Diferente como? —Você só viu as nossas asas hoje, não foi? Antes você não via? —Não, ontem o Michael não tinha elas. Ele diz pensativo. —Então, você caiu, bateu a cabeça? Gael insiste, e Miguel nos olha divertido. —Eu não caí, nem bati a cabeça. Não ia me machucar bem no dia do meu aniversário. Quando Miguel disse isso, algo improvável, impossível, inimaginável, passou pela minha cabeça. —Sete anos! Eu disse como se fizesse sentido, mas não fazia, eu sabia disso. Ele era humano, nascido de uma humana, não havia a possibilidade. Gael me olha como se pudesse ler os meus pensamentos. —Isso não é possível Mikhael, ele é humano, eu o vi nascer, não faz sentido. —Eu não disse nada. —Mas pensou. —Você tem outra explicação? —Eu sei lá, de repente ele é alguma espécie de sensitivo, paranormal, eu não sei. Eu ri. —Isso não existe Gael. —O que é paranormal? Miguel perguntou rindo de nós. —Isso não existe Miguel. —Precisamos falar com Jhaziel, com o Arcanjo Rafael, com alguém Mikhael, isso é muito grave. Gael estava desnorteado, andando de um lado para o outro. —Eu sei. Falamos com Jhaziel primeiro, e depois veremos o que fazer. Ele concorda e se põe a orar e chama por ela. No mesmo instante sentimos sua presença tão marcante e comovente a nos banhar com sua intensa luz. E nosso caro Miguel também se sentiu
tocado por ela. A expressão em seu rosto mostrava puro encantamento. —Minha nossa! A exclamação característica de Miguel, fez com que Jhaziel nem se movesse, tamanho o susto que tomou. —Ele...ele... Ela tentou dizer, mas a voz nem saiu. Eu precisei ajudá-la. —Sim, Jhaziel. Ele consegue nos ver. Como isso é possível? É o que precisamos descobrir. Miguel continua a olhar Jhaziel fascinado, sem nem piscar. Ela percebendo o estado do menino, vai até ele e lhe dedica o mais belo dos sorrisos. —Você está bem? Jhaziel perguntou tocando lhe o rosto com delicadeza. Miguel sorri e balança a cabeça que sim. Ela volta até nós e nos olha apreensiva. —Como isso se deu? O que vocês fizeram?! —Eu não sei Jhaziel, ele simplesmente passou pela porta e podia ver as minhas asas. Eu não fiz nada. Você vê as minhas asas? —Sabes que não, você está mortal. Pelo certo, você nem as têm. Eu ri disso. —Miguel, de que cor são as minhas asas? Eu perguntei a ele que se aproximou, parando ao meu lado. —Eu já disse, são pretas. Você não acredita em mim não é?! Miguel me olha já aborrecido com tantos questionamentos. —Eu acredito em você Miguel. Eu digo bagunçado o cabelo dele. —Você já viu algo assim, Jhaziel? —Gael, eu não estou nem conseguindo raciocinar. Porém acredito que não. Ele é humano. Eles só nos veem, quando permitimos. —Ele está completando sete anos hoje. Isso lhe diz algo? Eu perguntei, e Jhaziel me olhou incrédula. —Achas que ele... é um Anjo? Jhaziel disse em um sussurro, para que Miguel não nos ouvisse. —Eu já lhe disse Mikhael, eu o vi nascer, ele não é um Anjo. Gael me reafirmou. Mas eu não tinha tanta certeza. —Bom, eu não sei o que ele é, o que eu sei, é que Miguel recebeu esse
dom, hoje, ao completar sete anos. Isso deve significar algo. —Sim, significa. E algo muito grave. Esse dom é um perigo Mikhael, não só para nós, mas para ele. Se alguma criatura das sombras descobre isso, que ele pode nos identificar...Deus! Jhaziel diz em desespero, me fazendo também temer por ele. —Jhaziel, deixe-me ficar com ele, até descobrirmos o que fazer. Gael pediu a Jhaziel, que o olha compreensiva. —É uma boa ideia Gael. Fique com ele, enviarei outro Anjo aos seus protegidos. Falarei com Rafael. Jhaziel me olha percebendo minha apreensão. O Arcanjo Rafael é o superior de Jhaziel, é a ele que os anjos da guarda respondem. É ele quem zela pela segurança deles quando estão em missão na Terra. E acredito que ele não gostará nada de saber, que há um humano capaz de identificar os anjos na Terra. Esse poder em mãos erradas, pode ser devastador. Ainda mais sabendo que um dos anjos caídos está aqui. —Jhaziel, diga a Rafael que eu estou com ele. Que ficaremos com Miguel o tempo todo. Nenhuma criatura das sombras irá se aproximar dele. Diga que ele tem a minha palavra. Nós três olhamos para Miguel, que agora estava escrevendo algo, sentado a sua mesa. —Diga a ele, que Miguel é só uma criança. Completo a encarando temeroso. —Eu direi. Pode ter certeza. O alarme soou indicando o final do intervalo. —Vocês precisam ir. Mas antes tome a forma humana Jhaziel, quero ver se Miguel também consegue ver as suas asas. Jhaziel tomou a forma humana, e o sorriso no rosto de Miguel dizia que ele ainda podia ver. As crianças começaram a chegar, e nem se importaram com a presença de Gael e Jhaziel na sala. Porém, eu não podia dizer o mesmo da expressão surpresa da Mily, parada a porta. —Mily, olha só você! Lembra-se de mim? Gael disse indo até ela, percebendo que eu fiquei meio que paralisado. —Sim, eu... me lembro, do metrô, é...Gael não é? Mily disse a Gael que a guiava pela mão até onde eu e Jhaziel estávamos. Seu olhar para mim era espantado e questionador. Eu sabia que precisava dizer algo, eu só não sabia o que. Mas tentei.
—Mily, essa é Jhaziel, e Gael... bom você já conhece. Eles são... —Irmãos, nós somos irmãos do Michael. Não é um mundo pequeno esse? Gael diz jogando o braço sobre meu ombro e sorrindo. —Ah! Minha nossa, é a sua família Michael! Mily disse encantada, enquanto eu ainda estava em choque e completamente sem coragem de encarar Jhaziel. Eu só penso no momento em que vou esganar Gael, que acabava de me arranjar uma “família”. —Por que você não me disse que tinha dois irmãos lindos? Mily abraçou e beijou o rosto de Jhaziel, que estava tão chocada quanto eu. —Mily, é...um grande prazer revê-la, digo... conhecê-la. Jhaziel disse comovida. —Eu estou encantada em conhecê-los. E não poderia ser em melhor momento. Estão todos convidados para o aniversário de Miguel, e não aceito um não como resposta, não é Michael? Deus, a situação ficava cada vez mais complicada! —Não já tem gente demais, Mily? Pergunto tentando ignorar o olhar reprovador que Mily e Jhaziel me davam. —O que é isso, Michael? É a sua família, é claro que eles estão convidados. Afinal o que são mais duas pessoas. Ela me diz sorridente. Então me dou por vencido e decido assinar minha sentença de morte de uma vez. Porém havia um teste que eu ainda precisava fazer, e para isso precisava dele. —Na verdade... são... três. Mily me olha surpresa e Jhaziel e Gael em choque. —Tenho... mais um irmão, Eliel. Se o convite e para a família, ele também virá. Mily sorri ainda mais. —Serão todos muito bem vindos. Mily foi falar com Miguel por um instante, e Jhaziel aproveitou a oportunidade para se aproximar e me dizer o óbvio. —Eliel... vai... te... matar. —Ah, eu sei.
Capítulo-22 "Então disse Jesus: Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas." (Mateus 19:14)
Michael Nem bem o dia amanheceu, e eu já estava de pé. Já era sábado, e algo me dizia que esse dia seria longo. E eu não estava enganado, quando saí do banheiro, eu sabia que ele estava lá. E na verdade, eu já esperava. Eliel estava de costas, olhando pela janela, parecia pensativo. Mas se virou, assim que entrei na sala. Todo vestido de branco, porém não era a sua túnica de costume, Eliel usava calça e camisa social. Ele estava mortal, e os olhos de um azul intenso brilhavam para mim. —Mikhael! —Eliel! Eu respondi como se a pronúncia do meu nome soasse como um
cumprimento. Porém, não foi o que me pareceu. —Não bastava envolver Gael e Jhaziel, em toda essa... história, mas tinhas que envolver também a mim? Ele me pergunta em tom acusador. —Me desculpe Eliel. Sei que já abusei da boa vontade de vocês, mas o fato é que o menino pode nos ver. —E em quê minha presença aqui, fazendo parte da sua "família" irá mudar esse fato? —Mudar, eu acredito que em nada, mas, pensei que talvez Miguel possa nos ver a mim, Gael e Jhaziel, porque temos uma ligação com ele. Eu por ser parte da mãe dele, Gael é o anjo da guarda e Jhaziel era o anjo da guarda da mãe dele. Temos bem ou mal um vínculo com ele. Eliel me olha um pouco menos aborrecido, acredito que entendendo no que pensei. —Achas que como não tenho vínculo algum com ele, Miguel não me verá como anjo, e assim ele não seria um perigo para todos nós. —Eu espero mesmo que seja isso Eliel, mas se não for, se ele puder ver você, não sei como resolver isso. Digo em um suspiro frustrado, me aproximando um pouco mais dele. —Talvez possa ser só uma fase. Algo da infância, que passará com o tempo. —Você já viu algo assim? Eu perguntei preocupado, mas ao mesmo tempo esperançoso. —Não um humano que pudesse nos ver. Mas, crianças que veem espíritos, e até mesmo atormentadas por demônios. Eu o olho incrédulo. —Achas que Miguel possa estar sofrendo algum tipo de possessão? Por Deus, Eliel, eu saberia, não? Ele me dedica um olhar irônico. —Saberia? Eu não sei Mikhael, não tomas sua forma angelical, seus poderes estão fracos, eu mal consigo sentir a sua luz. Será que você ainda é capaz de senti-los? —Eu retomei a forma Angelical, Eliel. Digo em minha defesa, o que o fez erguer uma sobrancelha. —E como foi? Eliel me questiona com seu olhar expressivo fixo em mim, e eu pude sentir novamente todo o desespero que senti naquele dia. Foi impossível para
mim sustentar seu olhar, então desviei dele e fui para a cozinha, mas ele me seguiu. —Como foi Mikhael? Eliel insistiu na pergunta, então me voltei para ele. —Foi difícil, no começo, mas... foi só isso. Depois, foi como se eu nunca tivesse deixado minha forma Angelical. —E achas que isso é bom? Pois eu lhe digo que não é, ficará cada vez mais difícil Mikhael, até que um dia, você não conseguirá. —Isso não vai acontecer. —Eu espero que não. Bom, como agora sou membro da sua “família”, ficarei aqui até encontrar o menino. Depois, voltarei aos meus afazeres, que são muitos. Os humanos se multiplicam a cada dia, quase não temos tempo para orientar os novos anjos. Eliel me diz voltando à sala e se sentando em uma das poltronas. —Obrigado Eliel. —Disponha. —Sabes se Jhaziel falou com Rafael? Estou preocupado com o que ele pode decidir fazer com Miguel. —Quanto a isso ainda temos tempo. Os Arcanjos estão em missão. Decidiram proclamar novos selos para substituírem os antigos. Estamos sob as ordens de Atheniel. E ele acatou o seu pedido. Deixará o menino sob a sua guarda e de Gael, até o retorno de Rafael. Esperamos já ter resolvido isso até lá Mikhael. Miguel, o Arcanjo, está possesso com a fuga dos anjos caídos, e qualquer anomalia na Terra, terá que ser eliminada, você sabe disso, não sabe? Eliel me disse apreensivo, por que acredito que ele saiba exatamente qual será a minha posição, quanto a isso. —Não me importa quantos Caídos estejam na Terra, Eliel. Não deixarei que nada aconteça ao Miguel, absolutamente nada! Eu digo me sentando ao lado dele. —E o que poderás fazer contra uma ordem do seu General? Enlouqueceu Mikhael, queres se tornar um deles? Um anjo caído? Um rebelde, traidor dos desígnios divinos? —Se for esse o meu destino, eu nada poderei fazer para impedi-lo. Eliel me olha chocado com minhas palavras. Eu mesmo não acredito que as proferi. Porém Miguel é filho da Mily, e ela é parte de mim e sendo assim ele também é, e eu não permitirei que nada de mal aconteça a ele. O Arcanjo
Miguel terá que entender isso. Ouço um suspiro de desagrado vir de meu amigo. —É melhor encontrarmos uma solução para isso, antes que eles retornem. —É o que espero. No início da tarde eu fui ver a Mily, deixei Jhaziel e Eliel em casa, para que eles fossem no horário da festa. Gael já estava lá, em sua forma Angelical. Como Jhaziel o instruiu, Gael não saia de perto do Miguel. O difícil era fazê-lo fingir que não o via, quando estivesse perto da mãe. Ajudei a Mily no que ela precisava, porém o tempo todo tinha que ficar de olho no Miguel. Ele estava eufórico com a festa, e não parava de conversar com Gael, o que no caso, parecia por muitas vezes que o menino estava falando sozinho. E era exatamente o que Miguel estava fazendo agora. Eu ia falar com ele, mas a Mily me parou. —Você está vendo aquilo? Ela me perguntou, me segurando pela mão, se referindo as gargalhadas que Miguel dava a alguns metros de onde estávamos. —Sim, ele está feliz. O que tem isso? Eu disse tentando parecer despreocupado. —Ele está assim o dia todo. Não parece que fala com alguém? Eu olho para ela divertido. —E com quem você acha que Miguel esteja falando, Mily? Ele é criança, deve ter um amigo imaginário, sei lá. Eu disse rindo, mas ela me olha séria. —Acha que meu filho tem um amigo imaginário? —Eu não acho nada, foi você quem disse que ele estava falando com alguém. Nós voltamos a olhar para Miguel que agora realmente conversava com o nada. E eu estava a ponto de arrancar cada fio de cabelo loiro desse "nada". Mily me olha preocupada. Eu ia dizer algo, mas fui salvo pela campainha. Aproveitei que ela foi atender, e fui falar com Miguel. —Oi. Eu disse me sentando ao lado dele. —Oi. Antes que você pergunte, eu ainda posso ver. Ele me diz com seu sorriso contagiante. —É, eu imaginei. Já que eu não estou vendo Gael, mas acredito que você sim.
Ele sorri com seus olhos sempre brilhantes. E nesse momento, me lembrei da hipótese maluca de Eliel. A aura de Miguel era tão brilhante como seus olhos, era impossível que algum demônio pudesse se aproximar dele. Alguns amiguinhos de Miguel já haviam chegado para a festa. Ele correu para recebê-los. Gael tornou-se visível para mim, eu me virei para a janela, para poder falar com ele, evitando assim que Mily acabasse por achar que tanto eu quanto Miguel, demos para falar “sozinhos”. —Gael, qual a parte de "seja discreto", que você não entendeu? É inacreditável! Mily daqui a pouco vai achar que o garoto está ficando louco. Ele ri da minha indignação. —Por que o drama, Mikhael? Miguel é criança, as crianças fazem essas coisas o tempo todo. —Tá tá, agora vai, encontre Eliel e Jhaziel, e venham de uma vez. Não vejo a hora disso tudo acabar. —Eliel ficou muito bravo? —Comigo? Um pouco. Com você, irás descobrir. —Ei, eu só quis ajudar, mas quem meteu ele na história, foi você, não eu. Gael se defende apreensivo, eu quase ri, mas me mantive sério. Gael precisava levar um susto. —Bom, resolva seu problema com ele, e venham, o quanto antes. —Tá bom. Gael se foi, e vi que os convidados não paravam de chegar. Em sua maioria eram meus alunos da escola, tinham alguns alunos da Mily também, e alguns pais que acompanhavam os filhos. As crianças corriam por toda parte do jardim, e eu as observava. —Oi Tio! Eu ouvi a saudação vinda do meu lado, e me abaixei para vê-la de perto. A pequena Karen me olhava sorridente e encantadora com seu belo vestido branco. —Oi princesa. Tudo bem com você? —Tudo. E com você? Eu lhe dou um sorriso comovido. É assim que sempre me sinto perto dela. Desde que nos conhecemos, a pequena Karen sempre fez questão de se aproximar de mim, de me dedicar uma palavra gentil, ou mesmo apenas um sorriso. Pode ser que ela nunca venha a saber como isso é importante para mim, mas ela faz sempre tanta questão disso, que às vezes acredito que ela
saiba. —Comigo também. Está gostando da festa? —Tô, só acho que tem muito menino. Ela diz fazendo uma careta engraçada, me fazendo rir. —Ora, mas é uma festa de menino, é natural que tenham muitos... —Olha! Ela é muuuito linda, parece uma princesa de verdade! A pequena me interrompeu parecendo fascinada com algo que lhe chamou a atenção. Eu acompanhei o seu olhar, e pude entender o seu estado de encantamento. Mily acabava de abrir o portão para Gael, Eliel e Jhaziel. Confesso que até eu fiquei extasiado com a visão. Olhei ao redor, e todo o foco da festa agora estava em Jhaziel. Linda! Mesmo em sua forma humana, ela parecia iluminada. Deus! Eles realmente não sabiam o significado de discrição.
Capítulo-23 "Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas da sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado." (Cânticos 8:7)
Michael De mãos dadas com a pequena Karen, fui receber meus "irmãos". Eu ri com esse pensamento, porque eles realmente o são. Porém se eu pretendesse apresentar toda a minha "família", com certeza precisaríamos de um lugar maior. —Sejam bem vindos! Eu ouço Mily dizer, fazendo com que eles entrassem. Juntei-me a ela e sorri para os três, tentando ignorar todos os olhares que nos acompanhavam. E eu nem poderia julgar as pessoas por estarem chocadas. Um deles, já chamaria bastante atenção, os três juntos, é como adentrar o próprio céu.
E eu vejo o espanto até mesmo no rosto da Mily. —Mily, Gael e Jhaziel, você já conhece. Eu digo, e ela beija e abraça os dois, sorridente. —É um imenso prazer recebê-los. —O prazer é nosso querida. Obrigada pelo convite. Jhaziel diz e também me dá um beijo no rosto em cumprimento. —Bem, esse é Eliel. Mais que um irmão, ele é um grande amigo. Eu digo o cumprimentando, e recebo um sorriso comovido de meu amigo de todas as horas. —É um prazer conhecê-lo, Eliel. Mily lhe dá um abraço caloroso no que Eliel corresponde. —O prazer é meu Mily. Você não faz ideia de como estou feliz por conhecê-la. A jovem que trouxe meu irmão de volta para a luz. Eliel diz segurando as mãos de Mily, que sorri lindamente, e me olha um pouco encabulada. Eu me distraio vendo os três conversarem com a Mily sobre a decoração, e sinto minha mão ser puxada. Por um momento me esqueci da pequena que ainda me acompanhava. Eu olho para ela que me sorri, e faz sinal para que eu me abaixe. Eu o faço. —Eu quero conhecer a princesa. Ela fala baixinho em meu ouvido. Eu sorrio para ela. —Jhaziel, tem alguém aqui que está ansiosa por conhecê-la. Jhaziel se volta para nós, e então vem até mim e se abaixa para ficar da altura da pequena. —Olá minha querida. Você é muito linda, sabia? Como se chama? Karen rapidamente me abandonou para se jogar nos braços de Jhaziel. Acho que perdi minha pequena admiradora. Sorrio vendo as duas saírem de mãos dadas. Mily encaminhou Gael e Eliel até uma das mesas que estavam dispostas por todo o jardim da frente. As crianças corriam por toda parte, e eu olhava a toda a volta, a procura de Miguel, que não vi. Gael percebeu minha apreensão e veio até mim. —Fique com Eliel, eu vou procurar por ele, e trago o até aqui. Eu assenti, e fui me sentar com Eliel, que para minha surpresa, sequer notou minha presença. Eu poderia pensar que minha luz realmente estivesse sumindo, como ele havia dito, porém acompanhei seu olhar, e pude ver o porquê de sua
distração. O olhar fixo em Jhaziel, como se só houvesse ela a sua frente. Eu sorri reconhecendo a expressão em seu rosto. —Parece um anjo, não?! Eu disse em um meio sorriso, chamando a atenção dele para mim. Eliel me olha, um tanto constrangido, o que me fez aumentar o sorriso. —Você está se tornando invisível Mikhael. Não o senti chegar. —Sei, talvez seja porque a sua atenção estava em outra presença, que não a minha. Eu digo com ar gozador, e Eliel me olha como se não soubesse do quê eu estava falando. —Há algo que você queira me dizer? —Eu? Não, só me lembrei de algo que Jhaziel enfatizou muito, quando decidi me tornar mortal, e que agora, acredito que seja o que está lhe ocorrendo. Os dois aqui, na forma humana. Ele me olha confuso. —E seria? —Sentir. Ela me disse que eu seria incapaz de me impedir de sentir. Que seria muito mais forte do que eu. E eu pude reconhecer nesse momento, pelo jeito que você olhava para ela. Você viu, não viu? E está sentindo. Perguntei fixando meu olhar em Eliel. Achei sinceramente que ele fosse negar. Mas a expressão dele me tocou profundamente. Ele estava emocionado, e desviou seu olhar do meu, voltando a olhar para Jhaziel, que andava pelo jardim acompanhada por Mily, e por várias crianças. Ela é claro, percebe os nossos olhares, e nos acena sorrindo. —Como eu demorei tanto para perceber? É tão... óbvio, faz tanto sentido. Eliel me diz com a voz embargada, como se estivesse contendo as lágrimas. Eu coloco minha mão sobre seu ombro, e ele me olha. —Acho que era tão natural pra você, que era como se você já soubesse. Ele sorri comovido. —Sempre me senti tocado por ela, mas, é Jhaziel, ela toca a todos que se aproximam dela. —Mas a você, mais do que a qualquer outro. Eliel se encosta a cadeira, passa as mãos pelo rosto, e volta a me olhar. —Foi assim também com você? Quando viu a luz dela? —Foi. Eu nunca esquecerei aquele dia. Eliel sorri.
Eu queria abraça-lo, dizer a ele que entendia o que ele estava sentindo, mas, não seria apropriado naquele momento. Gael retornou trazendo Miguel pela mão. Os dois pararam ao meu lado. Eu vi que Miguel nos olhava sorridente, e com seu olhar brilhante de sempre. —Miguel, deixe-me lhe apresentar a mais um dos meus irmãos. Eu o trouxe para mais perto de mim, e Miguel não parecia nem assustado, tão pouco surpreso. —Esse é Eliel. Eliel, esse é Miguel. Eu os apresentei, e observei quando Eliel estendeu a mão para cumprimentá-lo. Miguel também estendeu a sua ainda sorrindo. —Olá Miguel. É um imenso prazer conhecê-lo. Miguel balança a cabeça em positivo. Ele chegou bem perto de Eliel, e o olhou expressivo. —Você também é anjo né? Ele disse bem baixo, só para que nós pudéssemos ouvi-lo. E então estava comprovado, ele podia ver qualquer um de nós. Eliel levantou seu olhar para mim, encontrando a minha apreensão. —Diga-me, o que você vê? Eliel perguntou o sentando em seu colo. Miguel o olhava radiante. —Você também tem asas, como as do Gael. Ele diz colocando a mão na frente da boca, para que ninguém pudesse ver o que ele dizia. —Mas ainda acho as do Michael mais bonitas. Miguel diz sorrindo para mim, e confesso que fui pego de surpresa. Ele pula do colo de Eliel, e vem para o meu, que o recebo emocionado. —Minha nossa! Tem um monte de anjos na minha festa! Eu devo ser o menino mais protegido de toooodo o mundo. Ele diz às gargalhadas, nos fazendo rir também. Eu o abraço forte e ele me retribui. —Você é, Miguel. Você é. Digo dando um beijo suave em sua cabeça, tentando conter as minhas lágrimas. Miguel pula do meu colo, e corre para junto dos seus amigos que o chamam e eu me perco o observando. —Vejo que não foi só a mãe, que tomou seu coração para si, meu caro. Eliel me diz em um sorriso.
—O temido Mikhael, caçador de demônios, o Anjo Negro, acompanhante da morte. Completamente emocionado pelas palavras de uma criança. Se me contassem, eu juro que não acreditaria. Ele diz segurando em meu ombro. Gael ri, e eu não acho graça dos dois. —Miguel é um menino muito especial. Deve haver um propósito para que ele, e não outro, tenha recebido esse dom. Um dom nunca dado a nenhum de nós. —O problema é o momento em que ele foi manifestado. Se fosse em outro momento, talvez passasse despercebido. Porém estamos com problemas sérios, Mikhael. E esse dom de Miguel, pode ser usado contra nós. Eliel diz preocupado, e eu entendo a sua apreensão. —Miguel não será usado de forma alguma, Eliel. Nem que eu tenha que ficar na Terra, até o seu último sopro de vida. Eu o protegerei. Eu vejo o perplexidade nos rostos dos dois. —Ficar, como humano? Por todo esse tempo!? Atheniel nunca permitiria isso Mikhael. Enlouqueceu? Eliel me diz nervoso, o que tento ignorar. —Você vai perder os seus dons Mikhael. Ficará mortal para sempre! Gael me diz desolado, como se pudesse ver o futuro diante de seus olhos. —Eu não vejo alternativa. Os Arcanjos não permitirão que Miguel viva com esse dom, que pode nos colocar em perigo. Essa é a única saída que vejo. Isso se, eu conseguir a permissão de Atheniel. —Ele nunca irá permitir isso Mikhael. Eu descanso minhas costas no encosto da cadeira e respiro pesadamente. —Terei que convencê-lo. Tenho mais chances com ele, do que com os Arcanjos. Fiquei ainda mais um tempo com Gael e Eliel. Os dois tentando me dissuadir da ideia de falar com Atheniel. Por hora fui convencido por Eliel a esperar o retorno de Miguel e Rafael. Ouvirei o que eles decidirão, e só então tomarei uma atitude. A festa decorreu como deveria, a noite caiu, e todos nos reunimos para cantar o parabéns para Miguel. Apesar de tudo, foi um dia feliz. Pelo menos ele estava feliz, e mantinha sua inocência infantil intacta, sem fazer ideia, de que sua vida podia estar em sério risco. Alguns convidados já começavam a ir embora.
Miguel dormia em meu colo, enquanto Mily se despedia das pessoas. Despedi-me dos meus irmãos, e levei Miguel para o quarto. O deitei em sua cama, e ele nem se moveu, estava exausto. Sentei-me ao lado dele na cama, e fiquei o observando dormir de forma tão serena. —É bonito, não é? A voz de Gael se fez ouvir ao meu lado. —O sono tranquilo das crianças, sem medos, sem problemas ou preocupações. Apenas o descanso. —É sim. Apenas o descanso. Eu digo em um suspiro, me sentindo exausto. Não fisicamente, mas psicologicamente. Minha mente não para de pensar, nem por um segundo. Sinto a mão de Gael tocar meu ombro. —Vai descansar, tenta não ficar pensando no pior, tudo vai se resolver. Acredite. —Eu estou tentando. Obrigado Gael, fico mais tranquilo em saber que você está aqui com ele. —E com permissão para intervir, caso seja necessário. Gael me diz sorridente, enquanto eu o olho perplexo. —Intervir?! Achei que... —Isso mesmo, não podemos, mas recebi autorização do próprio Atheniel, em pessoa. Eu me levanto da cama ainda surpreso e o olho com mais atenção. —Seu superior é o Arcanjo Rafael, por que Atheniel está lhe dando ordens desse tipo? —Cara, o porquê, eu não sei, e também não fui estúpido de perguntar. O que sei, é que Atheniel é um Anjo Superior, e eu não posso desobedecer a uma ordem dele. —Entendo. Bom, fico ainda mais tranquilo que seja assim. Mas, qualquer problema, me chame imediatamente. Eu digo colocando minhas mãos em cada lado dos seus ombros. —Pode deixar, já ouvi isso hoje, de Jhaziel e Eliel também. Todos queremos esse pequeno a salvo. Eu fico comovido ao ouvir as palavras de Gael, e saber que não estou sozinho, é um alívio imenso. —Agora vá. Descanse, amanhã será um novo dia.
Gael me diz em um sorriso convincente. Eu o vejo se sentar na poltrona próxima a janela, e começar a ler um dos livros que Miguel deixou ali. Sai do quarto, e desci para ver onde Mily estava. A encontrei deitada no sofá, com os pés sobre almofadas. Eu me aproximei devagar, não queria assusta-la. —Oi. Muito cansada não é? Ela me olha com seu sorriso doce nos lábios. O que sempre me faz esquecer completamente quem sou, e ser apenas quem eu quero ser. Um simples mortal, completamente apaixonado por ela. —Não muito. Só os pés que doem um pouquinho. —Então vem, eu vou te levar lá para cima, pra você poder descansar. Eu a pego em meus braços, rindo da surpresa nos olhos dela, que também me sorri. —Eu tenho certeza que ainda posso andar, Michael. Mily me diz rindo quando começo a subir as escadas. —Eu tenho certeza que sim. Digo sorrindo enquanto subo os degraus. Mily abre a porta do quarto, para que possamos entrar. —Não faça barulho, está sendo bem complicado fazer Miguel se acostumar a dormir no quarto dele. A vida toda ele dormiu comigo. Ela fala baixinho ao meu ouvido, enquanto entramos no quarto. Eu a sento na cama, e fico abaixado diante dela. —E por que você quer que ele durma no quarto dele agora? Eu perguntei despretensiosamente, inocente, até posso dizer. Porém fui surpreendido pela resposta dela. —Porque eu quero que você fique comigo. Fica comigo Michael? Um pedido, em um sussurro, que pôs toda a minha existência a prova.
Capítulo-24 "E eles se tornaram uma só carne." (Gênesis 2:24)
Michael —Faz amor comigo. Senti o toque suave das mãos dela ao meu rosto. Eu fechei os meus olhos e me concentrei só em sentir. O calor, a suavidade da pele, o perfume. E me perdi em seus braços, que me acolheram com carinho. Eu me vi nos olhos dela, eu via muito mais do que ela mesma poderia imaginar. Eu via a intensidade de um amor, que acredito que a Mily ainda nem saiba que sente. Mas eu vejo, em cada olhar que ela dedica a mim. Na minha cabeça eu só tinha a certeza de que nunca antes havia me sentido inteiro. Sempre esteve faltando algo, e agora sei que era esse sentimento. Eu passaria toda a minha existência buscando por ela, se assim fosse preciso. Mas não foi, Mily estava aqui, diante de mim, com seus olhos brilhantes, a sua luz tão intensa e o coração batendo tão forte, que posso ouvi-
lo. E o meu não está diferente. Eu a apertei junto ao meu corpo e a olhei profundamente. E quando nos beijamos, eu me esqueci de tudo lá fora. Eu me esqueci de quem eu era. Não havia mais um Céu e uma Terra que nos separavam. Nada mais importava para mim. Só havia ela. E sempre seria essa a minha perdição ou a minha salvação, eu já nem sei dizer. Porque sou capaz de qualquer coisa por ela. Qualquer coisa para vê-la feliz, e se nesse momento, era a mim que ela queria, eu não teria forças e nem mesmo determinação para afasta-la. Eu seria dela de todas as formas que ela desejasse. E ela seria a única. Com a respiração ofegante, eu uni as nossas testas e sorri para ela. —Você vai precisar me ajudar com isso. Eu disse com meus lábios junto aos dela. Mily me devolveu o sorriso, me olhando curiosa. —Com o que você precisa de ajuda? Eu acariciei os seus cabelos e a beijei suavemente. —Eu nunca amei ninguém antes, Mily. Nunca senti por ninguém o que sinto por você. Ela parece surpresa com as minhas palavras. —Você nunca se apaixonou antes? Nunca teve alguém que fosse especial? —Nunca. Eu nem acreditava que isso era possível para mim. Mas...no segundo em que a vi pela primeira vez, no momento em que vi essa luz que emana de você, eu soube que... nada mais seria como antes. Digo tocando o rosto dela, que me fascina com seu olhar. Um olhar que me diz tantas coisas sem precisar de palavras, e acredito que ela possa ver em mim, o mesmo olhar. —Eu me apaixonei por você, Michael. E é algo tão forte, tão intenso, que às vezes me assusta. —Eu também me apaixonei por você, Mily. Não precisa ter medo, eu sempre... sempre estarei com você. Nessa vida, e em todas as outras. Por toda a eternidade. —É uma promessa? —É uma promessa. Nossos lábios se encontraram em um beijo diferente de todos os outros beijos que já havíamos dividido. Era um beijo sem culpa, sem pressões, ou qualquer tipo de preocupação com o futuro, porque temos a certeza de que ficaremos juntos, haja o que houver.
Eu a peguei em meus braços e a deitei sobre a cama, sem tirar meus olhos dos dela e me despi, não só das roupas, mas também de todo os medos, apreensões, culpa. Eu era dela agora, e ela era minha, para amar e proteger, com a minha vida se fosse preciso. Nós nos amamos, como um homem e uma mulher se amam quando estão completamente entregues a paixão e ao amor. Eu me deixei levar pelos sentimentos que habitavam dentro de mim. E uma noite foi pouco para expressar tanto sentimento. Mas era apenas a primeira. A primeira noite de amor de um anjo e uma mortal. Eu prefiro nos definir, como criaturas de Deus. E gosto de pensar que o criador não faz distinção entre seus filhos. E era nisso que eu precisava acreditar. Para manter em mim a certeza que tenho, de que não fomos colocados juntos, para que depois tivéssemos que nos separar. Eu não sei o que o futuro nos reserva, não faço ideia de tudo o que ainda teremos que enfrentar, mas de uma coisa eu sabia, de que nada seria capaz de me afastar dela. Nem mesmo a morte. Essa era minha companheira, e eu sabia lidar com ela. Eu pensava em tudo isso, abraçado ao corpo de Mily, que dormia tranquila junto a mim. Ela não fazia ideia do turbilhão de emoções que se passava comigo. E eu nem queria que ela soubesse. Gosto de vê-la tranquila, em paz. Meus dedos percorrem os fios dos cabelos longos e eu a beijo delicadamente, antes de por fim, conseguir dormir. —Mikhael! Mikhael! A voz soou distante, mas insistente. Eu tentei abrir os olhos, mas a claridade me cegava. —Mikhael! Agora a voz soava mais próxima a mim. Esfreguei os olhos com força, e me assustei ao perceber que eu estava na cama da Mily. À noite não fora um sonho, como acreditei ter sido. —Mikhael! Você está me ouvindo? Virei-me, na direção da voz, e vi Gael sentado na cama ao meu lado, a expressão apreensiva me fez acordar de vez. —Gael?! O que você está fazendo aqui? Onde está a Mily? Eu perguntei assustado, e já vestindo a minha roupa que estava espalhada pelo chão. —Mikhael, eu não sei aonde ela foi, mas Mily saiu apressada, depois de
receber um telefonema. Meu coração batia desesperado, algo me dizia que isso não era bom. —Você conseguiu ouvir alguma coisa. Dê-me uma dica de para aonde ela foi Gael. Pedi a Gael, já muito nervoso, enquanto calçava os sapatos. Eu queria que ele dissesse algo, queria que ele apontasse em outra direção, que não fosse a daquele hospital. Eu não queria acreditar que o dia enfim havia chegado. —Ela quase não disse nada, o telefone tocou, Miguel e eu estávamos descendo. Mily atendeu, e ficou muito nervosa. Pegou a bolsa e pediu ao filho que ficasse com você, que ela voltaria logo. Ela parecia assustada Mikhael, por isso corri até aqui. Gael falava enquanto me seguia descendo as escadas. —Tome a forma humana Gael, fique com o Miguel. Tome conta dele. Eu vou encontrá-la. Deus permita que não seja tarde demais. Eu disse saindo apressado, e deixando Gael apreensivo. Não mais do que eu estava. Se algo acontecesse, seria por minha culpa. Eu deveria estar acompanhando os passos dela, e no entanto, não foi o que fiz. Se for tarde demais, eu nunca poderei me perdoar por isso. Todo esse tempo ao lado dela para impedir que Mily fosse condenada ao inferno, e eu simplesmente coloquei os meus desejos carnais acima da minha missão. Eu me martirizava enquanto dirigia rumo ao hospital. Nem mesmo tentei tomar a forma Angelical, porque eu sabia que não iria conseguir. Acho que nunca me senti tão mortal quanto agora. Meu Deus, por favor, me dê à chance de salva-la!
Capítulo-25 "Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou lhe o coração." (Gênesis 6:6)
Mily Quando abri meus olhos pela manhã, eu achei que ainda estivesse sonhando. Ver que Michael ainda estava aqui, e que tudo tinha sido real me fez sorrir. Eu olho para o rosto dele, que dorme tranquilo, e suspiro de contentamento. E as imagens da noite anterior voltam a minha cabeça, uma a uma. E eu sorrio um pouco mais. Meu coração está tomado por um sentimento, que eu tenho certeza de que nunca havia sentido em minha vida. Quando Michael me disse que nunca havia amado alguém antes, eu fiquei surpresa, mas agora, tenho essa sensação dentro de mim, de que eu também
não. Dou um beijo suave nos lábios dele, que sorri ainda dormindo. Eu gostaria de continuar aqui com ele, nessa cama pelo resto das nossas vidas, porém eu tenho um pequeno, que já deve estar prestes a acordar e sua primeira ação será procurar por mim. Libertei-me dos abraços de Michael, e saí da cama sem que ele acordasse. Quando voltei do banheiro, ele ainda dormia, então decidi deixá-lo descansar um pouco mais. Desci a escada para o andar de baixo, e comecei a preparar o café da manhã. Vez ou outra eu parava e sorria como uma boba. Eu estava feliz, muito feliz. A mesa já estava posta, quando meu celular tocou em cima da bancada. Eu ri ao ver o nome da Kelly no visor. A criatura não me deu chance nem de tomar o café da manhã para me ligar. —Kelly, por que você está me ligando à uma hora dessas criatura? É domingo! Ela da gargalhadas do outro lado da linha, e eu rio também. —Amiga, bom dia. Desculpa, mas eu não consegui conter a minha ansiedade. Ela praticamente grita do outro lado. —E aí? Ouviu meus conselhos? Me diz que ouviu, Mily? Como que você namora com esse deus há tanto tempo, e ainda não o arrastou pra sua cama, mulher? Você não é normal amiga... —Eu ouvi. Eu digo a interrompendo, e ouço um silêncio do outro lado. —Você... ouviu? Ela me pergunta incrédula, e dessa vez sou eu quem estou às gargalhadas. —Ahhhh! Jura, Mily? Jesus!!! Quer dizer que... vocês... —Sim. E é só isso que irei dizer sobre o assunto. Eu digo rindo da gritaria dela. —Meu Deus, eu não estou acreditando amiga! Você não tem ideia de como estou feliz, feliz, feliz. Eu rio dela. Mas no fundo sei o quanto essa minha amiga torce por mim. —Eu sei amiga. E eu também estou muito feliz. Sinto-me livre, pela primeira vez em muito tempo. —Nossa! Eu posso imaginar, Mily, sete anos não são sete dias, né amiga?
É o fim do celibato, graças a Deus. Ela diz e gargalha da minha cara, que fica vermelha e ela nem pode ver. —Ninguém te merece Kelly. Eu digo rindo com ela. Conversei com minha amiga mais um pouco, até ela me dizer que agora já poderia ir dormir sossegada. Eu posso com isso? Só a Kelly mesmo. Desliguei o celular e estava colocando o café na garrafa térmica, quando veio outra ligação. Será que a Kelly esqueceu de dizer algo? Eu pensei, terminando de encher a garrafa e correndo para pegar o celular. Meu coração quase parou quando vi de onde era a ligação. O celular tocava na minha mão, e eu tentava respirar para conseguir atender. —Alô! Eu disse com a voz fraca. —Oi, bom dia. É do hospital San German, poderia falar com a senhora Mily Maldonado? A voz de uma mulher do outro lado solicita, e eu mal consigo segurar o telefone, de tanto que minha mão treme. —É... ela. —Olá senhora. O seu número está no contato do paciente André Torres. O setor de traumas pediu para informá-la que houveram mudanças no estado do paciente. Se a senhora puder vir até o hospital, aqui eles irão lhe colocar a par da situação. Eu ouço o que a mulher diz, mas sinto como se eu não estivesse aqui. Como se eu assistisse ao meu estado catatônico de fora do meu corpo. —Senhora! —Sim...eu, eu estou indo. —Ok, estaremos aguardando, tenha um ótimo dia. Eu coloco o celular sobre a mesa, e tento respirar, mas o ar me falta, porém eu insisto de olhos fechados, tentando retomar meu equilíbrio. Ouço barulho na escada, e vejo Miguel descendo. Eu pisco algumas vezes, para recobrar o meu raciocínio, e antes mesmo dele terminar de descer, eu vou até ele. —Bom dia mamãe. —Bom dia filho. Bom dia.
Eu digo abraçando o forte junto a mim, e não consigo conter uma lágrima, mas eu a sequei antes que ele pudesse ver. —Filho, a... mamãe vai precisar sair por um instante, mas eu...eu volto logo, está bem? —Pra onde você vai mamãe? —Eu volto logo querido. Fique aqui, está bem. O Michael está lá em cima, daqui a pouco ele vai descer, fique com ele, tá bom? —Tá bom. Eu beijo a cabeça dele, e o abraço mais uma vez. Saí em direção à porta, pegando a minha bolsa no caminho. Caminhei até a rua principal e chamei um táxi que passava. Disse a ele o meu destino, e me pus a pedir a Deus, para que não fosse o que eu estava imaginando. Ele não podia acordar, não agora, nem nunca. Era manhã de domingo, em poucos minutos estava atravessando a recepção do hospital. Fui direto ao setor de traumas, que era o setor responsável pelo caso do André. Ele está em coma a mais de sete anos, eu ainda estava grávida quando tudo aconteceu. Não era possível, não era possível! Eu entrei na ala onde havia uma médica sentada olhando alguns papéis. —Oi, bom dia. Eu disse me aproximando dela. —Bom dia. —Eu vim a respeito do paciente André Torres. Me ligaram ainda há pouco. Disseram que houveram mudanças no quadro dele? Eu disse tudo de uma vez, mal parando para respirar. —Olá, acalme-se, está bem, eu vou lhe explicar tudo. Venha comigo. A médica me guiou pelo corredor, e chegamos ao quarto onde André estava. Nós entramos, e eu o vi, parecia do mesmo jeito. Ainda dormia. —O que mudou? Eu pergunto impaciente. A médica se dirige para perto dos equipamentos que estavam ligados a André e faz sinal para que eu me aproxime, pois eu ainda estava junto à porta. —Veja. Ela aponta para o monitor que marca os batimentos cardíacos dele.
—Está vendo, essa linha marca os batimentos dele, que estão normais, sem alterações na pressão também. Mas olha, essa aqui marca a função cerebral, e desde que o paciente deu entrada no hospital, a função cerebral dele é mínima. Mas desde ontem, estamos acompanhando um aumento considerável dessas funções. Eu ouço o que ela diz, e tento conter o meu pânico. A minha vontade era de correr dali. —Ele vai acordar? Eu faço a pergunta que estava presa dentro de mim. A doutora me sorri. —Ele está acordando. Eu tenho que me segurar firme a beirada do leito para me manter de pé, ao ouvi-la confirmar o meu maior pesadelo. —A senhora está bem? Quer uma água? Vem, senta aqui um pouco. A médica me guia para a cadeira ao lado de André, onde tantas vezes eu me sentei, onde tantas vezes eu olhei para ele sem a coragem de fazer o que eu precisava fazer. Sem a coragem para fazer o que eu deveria ter feito, há muito tempo. A médica volta com um copo de água que eu bebi de uma única vez. —Obrigada. Já... me sinto melhor. Minto tentando sorrir. —Sei que deve ter sido um choque para você, afinal são sete anos. É normal que pensasse que ele não voltaria. —Quanto tempo? Tem uma previsão? —Não, não tem como precisar uma data, mas, se ele continuar evoluindo nesse ritmo, em alguns dias. —Dias! Eu repito perplexa. —Sim. Mas eu preciso alertá-la para que se prepare, pois não temos ideia de como ele vai acordar. Foram muitos anos em coma. Ele pode simplesmente acordar, como se nada tivesse acontecido, mas também há a possibilidade de haver sequelas. —Sequelas? —Sim, falta de memória, cegueira, paralisia dos membros. Não sabemos, só teremos como definir a real situação dele, quando ele acordar. Eu respiro profundamente. —Vamos aguardar os próximos dias, e rezar para que ele acorde bem.
Ela sorri para mim, e eu tento lhe retribuir, e me sinto péssima por isso. Ela é uma médica, fez um juramento de salvar vidas. E eu, estou aqui diante dela, envergonhada dos meus pensamentos. Mas nem mesmo esse sentimento iria me impedir. Não posso contar com a sorte de que André acorde sem memória, ou paralisado. Deus, o que eu estou dizendo, meu Deus. —Eu posso ficar um pouco aqui? Perguntei, quando a mulher se levantou para irmos. Ela me sorri, e toca o meu ombro gentilmente. —É claro, fique o tempo que precisar. —Obrigada. A médica saiu do quarto me deixando sozinha com ele. E é incrível que eu ainda sinta o mesmo frio que eu sentia quando vivíamos juntos. Levanto-me e me aproximo do leito. Eu olho para André, e vejo tanto do Miguel. Os traços delicados, os cabelos loiros que lhe caem pela lateral do rosto até os ombros. E os olhos de um azul tão límpidos quanto um céu sem nuvens. Assim dormindo, é até uma figura angelical. Eu ri com amargura desse pensamento. André nunca foi um anjo, ele estava mais pra um demônio disfarçado. Lindo, educado, cativante, sedutor, e monstruoso. —Eu não vou permitir, que você... se aproxime do meu filho. Eu digo me inclinando ao ouvido dele. —Não vou! Uma lágrima desce pelo meu rosto, seguida por outras tantas. —Adeus, André. Vou tentar guardar uma lembrança boa sua... aliás, eu tenho comigo a única. Espero que algum dia possamos encontrar o perdão. Digo tocando o rosto dele uma última vez. Eu seco as minhas lágrimas, e respiro fundo. A minha frente está o aparelho que é ligado ao respirador. Eu estendo a minha mão e seguro o botão que mantém o aparelho ligado. —Miguel, me perdoe, me perdoe. Eu queria poder dizer que sinto muito, mas...eu não sinto.
Capítulo-26 "E, depois dos sete dias, as águas do Dilúvio vieram sobre a Terra." (Gênesis 7:10)
Michael Quando estacionei o carro em uma das vagas em frente ao hospital, meu coração estava apertado em meu peito, eu mal consigo respirar. Corri pela calçada sem me importar com os olhares assustados das pessoas por quem eu passava. Cruzei as portas de vidro da recepção apressado, e tentei respirar pausadamente, não era minha intenção chamar a atenção para mim, afinal eu precisava passar despercebido por ali, ou não me deixariam subir. Acreditei estar com sorte, pois as duas recepcionistas estavam ocupadas, e o segurança junto ao elevador, estava dando alguma orientação a uma senhora, e não me viu passar. As portas se fecharam e eu contava os segundos olhando o marcador dos andares passarem um a um e ouvindo as batidas do meu coração aceleradas.
Encostado a parede do elevador eu orava, quando senti a temperatura cair bruscamente, e os andares pararam de passar. O elevador parou e eu senti o ar pesar em meus pulmões. Eu sabia o que viria a seguir, não demorou para que ela se fizesse visível para mim. —Abaddon! O que quer aqui? Se achas que irá me impedir de salva-la, desista, pois não vai conseguir. Despejo a minha ira e a minha indignação sobre ela. Abaddon me olha tão fria quanto o ar que nos rodeia. Ela desce o seu capuz negro e se aproxima alguns passos. —Te enganas se pensas que vim aqui impedi-lo. Não vim. Eu vim Mikhael, para reiterar meu aviso. Deixe a mortal cumprir o seu destino. Agora mais do que outrora é essencial que ela o cumpra. Meu olhar inconformado a tocou. —Por que Abaddon? Diga-me o porquê? Por que a Mily precisa matar esse homem? Diga-me, e eu posso pensar a respeito. Ela da uma gargalhada sem humor. —Quem você pensa que eu sou Mikhael? Alguém a quem você possa enganar? Não, não posso contar-lhe, pois se eu lhe contasse e ainda assim você a impedisse, não só o destino dela, mas o de muitos seria mudado, inclusive o seu. E eu não confio mais em você. —Então vá! Se não confias em mim, por que eu deveria confiar em você? Por que eu deveria ouvir o que me dizes? Digo exaltando o tom da minha voz. —Mikhael!... Ela segura meus ombros com ambas as mãos, e eu me sinto congelar. Ao perceber como sua presença me afeta nessa forma que ela tanto despreza, Abaddon se afasta, e só então eu volto a respirar. —...As consequências de tudo isso, talvez você não possa lidar com elas. Talvez... a mortal ir para o inferno, seja o menor dos seus problemas. E uma vez feito, não poderá ser desfeito. Abaddon recoloca o seu capuz, e me dedica um último olhar. Ela se vira para ir, mas eu pego a sua mão e ela se volta para mim uma vez mais. Acredito que espantada com o meu gesto. —Me diga, por favor. Diga-me por que ele tem que morrer, e eu lhe garanto que eu mesmo o farei. —Esse não é o seu destino Mikhael, é o destino dela, porém tudo está perto de mudar, eu consigo ver a roda da vida girando, mas ainda não sei o
que virá. Só o que posso dizer-lhe, é que tudo está ligado, desde o princípio. Abaddon me diz afastando sua mão do meu toque. Ela se vira, porém se detém por mais um momento, ainda de costas para mim. —Se esse destino não se cumprir, da próxima vez que voltarmos a nos ver, alguém importante pra você irá comigo, e isso não é algo, que você ou eu possamos impedir. Ela sumiu diante de mim, e aos poucos o ar voltou a se aquecer, e os andares voltaram a passar. Parar o tempo por curtos períodos, também é um dos dons de Abaddon. Eu respiro ofegante, puxando o ar, me sinto sufocar. Levo minhas mãos à cabeça que está a ponto de explodir. Eu sei que impedir alguém de cumprir o seu destino, causa consequências inimagináveis. Toda a roda da vida pode ser alterada e junto com ela, os destinos de muitas pessoas podem ser modificados também. Eu sei de tudo isso, Abaddon não precisava vir até aqui para me dizer isso, e eu tenho certeza de que ela sabe disso. Então eu só posso pensar, que ela queria me dizer algo. Acredito que ela me disse. Mas eu não tenho tempo para ficar pensando em nada disso agora. Eu fiz uma promessa a Mily, e eu irei cumpri-la. Não deixarei que nada de mal aconteça a ela e nem ao Miguel. Com as consequências, eu terei que lidar depois. Quando o elevador abriu as portas no quinto andar, eu saí, e caminhei a passos largos para o final do corredor onde eu já havia estado antes. As portas estavam todas fechadas, não havia ninguém por ali. Aproximei-me da porta onde eu sabia que a Mily estava, eu já podia senti-la. Pus a minha mão na maçaneta da porta, e a empurrei devagar. Eu a vi. Mily estava de pé ao lado do leito. Ela chorava, e sua dor me machucou profundamente. Ela tocou o rosto do homem com delicadeza, não parecia haver ódio nela, mas então... por quê? Deus, por quê? Mily parecia se despedir dele, e eu sabia exatamente o que isso significava, mas mantive a esperança em mim de que ela reconsiderasse por si mesma, sem a minha influência, assim eu não estaria interferindo no destino dela. Vi que ela se aproximou dos aparelhos, e minhas esperanças se foram junto com a intensidade de suas lágrimas. Mily estava sofrendo, eu podia ver, eu podia sentir. Mas ela acreditava fielmente que fazer aquilo era preciso. Ela parecia ciente de seu destino, e o aceitava. Mas eu não. —Mily! Por favor, não faça isso. Eu disse finalmente entrando no quarto. Mantive-me junto à porta, pois só
o que eu poderia fazer era pedir, implorar para que ela não fizesse algo tão terrível. Eu não poderia impedi-la de fato. Ela tinha o livre arbítrio, e eu nunca poderia ir contra ele. —Michael! O que...o que você está fazendo aqui? Ela me olha em desespero. O semblante carregado de dor de angústia. —Meu amor, vem comigo, vem. Vamos sair daqui, vamos... conversar em outro lugar. Eu disse estendendo a minha mão para ela, mas Mily não aceitou, ela só me olhava, parecia em choque. Então me aproximei mais alguns passos. —Não, Michael, não! Fique aí, fique aí! Mily diz nervosa e se aproximando ainda mais dos aparelhos, o que me deixou em pânico. —Mily, por favor, me escuta...me escuta! —Não, Michael, você... você não entende. Eu preciso fazer isso, ele não pode acordar, não pode. O choro se tornou ainda mais intenso, ela estava desesperada, e eu só queria abraça-la, toma-la em meus braços e dizer-lhe que ia ficar tudo bem. —Mily, pensa um pouco, meu amor. Pensa no seu filho, Mily, pensa no Miguel. Olha pra mim, querida... olha pra mim. Pensa no seu filho, por favor. Eu não sei o que esse homem lhe fez, eu não sei quanto mal ele pode ter te causado, mas ele é o pai do seu filho, Mily. Vem comigo, vamos embora agora, e nada disso nunca aconteceu. Eu me deixo levar pelas lágrimas, pois não consigo mais contê-las. Mily chora ainda mais. —Você não entende... é... por ele, Michael, é pelo Miguel que eu tenho que fazer isso. —Meu amor, me escuta. Você não tem que fazer isso, não tem. Eu estou aqui, e estarei sempre. Eu prometi, lembra? Não importa o que esse homem tenha feito, ele não vai mais fazer qualquer mal a vocês, Mily, eu te juro. —Você não pode me prometer isso, Michael, não pode. —Eu posso, e estou prometendo a você... Aproximo-me mais alguns passos parando a alguns passos dela. —... Você não precisa fazer isso, está bem, não precisa. Eu juro a você Mily, que se esse homem sequer pensar em fazer mal a você ou ao Miguel, eu juro pra você que eu mesmo farei isso. Olha pra mim, Mily. Mily me olha, com seu rosto banhado pelas lágrimas que ela tenta secar, e volta a olhar para o homem deitado ao leito. Ela parece em um conflito
interno. Uma grande batalha estava sendo travada dentro do seu coração. Mas eu já não via toda a sua determinação anterior. Ela me ouviu, em algum momento ela me ouviu. —Vem, amor, vem comigo. Nós iremos proteger o Miguel seja lá do que for. Juntos. Vem, você só precisa pegar a minha mão, Mily. Ela me olha tomada por tamanho desespero, parecendo só então se dar conta do que esteve a ponto de fazer. Mily chora descompassadamente, e estende a sua mão para pegar a minha. Eu a puxo para mim e a envolvo em meus braços. As lágrimas caem em um alívio sobre-humano. Eu sorrio em meio as minhas lágrimas abraçado a ela. Mily me ouviu, ela me ouviu. E agora ela estava salva daquele destino terrível. Eu em fim conseguia respirar. Sequei os olhos dela e a fiz me olhar. —Respira, meu amor, respira. Vamos sair daqui. Miguel está esperando por você, ele precisa de você, e eu também. Eu caminhei abraçado a ela para fora do quarto, e antes de fechar a porta, tive o vislumbre dos marcadores daquele monitor que apitavam em um ritmo constante, porém naquele instante eu o vi mudar de intensidade. Um arrepio percorreu todo o meu corpo naquele momento. Eu fechei a porta, e segui dali com a real sensação de que algo estava por vir. E foi difícil ignorar as palavras de Abaddon que ainda rondavam a minha cabeça. "Talvez...a mortal ir para o inferno, seja o menor dos seus problemas."
Capítulo-27 "Ao pôr do sol, Abrão foi tomado de sono profundo, e eis que vieram sobre ele trevas densas e apavorantes." (Gênesis 15:12)
Michael Já era quase noite, quando Mily acordou de um sono agitado. Ela não quis subir, acabou adormecendo ali mesmo, no sofá. Estava exausta quando chegamos do hospital, e não era para menos. Depois de todo o desgaste psicológico a que esteve submetida, era de se esperar até mais. Porém Mily tem uma força surpreendente, algo que acredito que vai além da capacidade humana. Talvez tenha sido por isso que meu destino tenha sido ligado ao dela, por ela ser muito mais do que apenas humana. Outra pessoa no lugar dela, estaria em choque, principalmente se viesse a saber, que esteve a um passo, a um pequeno passo de passar a eternidade no inferno. Acredito que com isso, ela não saberia lidar. Se bem que, a forma
como Mily olhava para aquele homem, eu acreditei por um momento, que ela soubesse, e estava resignada ao seu destino. Mas não tenho certeza disso, sendo assim guardarei essa informação só para mim. Mily e eu fizemos o percurso de volta do hospital para casa em silêncio. Ela só me fez uma pergunta. Como eu soube onde ela estava? Eu agradeci aos céus por ter me lembrado desse detalhe a caminho do hospital, e ter ligado para Kelly. Acabei por preocupa-la bastante, porém fora preciso. Eu imaginei que a única pessoa que saberia por tudo que Mily passou em sua vida, fosse ela. Gael estava fazendo o dever de casa com Miguel, na mesa de jantar. Os dois pareciam alheios a nossa presença. Eu acariciava os cabelos dela, que estava deitada com a cabeça em meu colo. —Eu preciso te contar o porquê de tudo aquilo. Mily disse com a voz baixa, porém sem se virar para mim. —Você não precisa fazer isso agora, nem precisa fazê-lo se não quiser. —Eu preciso. Ela se virou para mim, e vi uma lágrima escorrer de seus olhos. Eu a sequei com meu polegar, e me inclinei para beijá-la. —E eu estou aqui para ouvi-la. Sem questionamentos ou julgamentos. Apenas para ouvi-la. Ela respira profundamente, como se buscasse forças para se lembrar de algo que a machucou demais. —Eu tinha dezesseis anos, quando o conheci. Ainda cursava o colegial, cheia de sonhos, de planos para o futuro. Mas, também haviam os problemas em minha vida. Meus pais tinham morrido, a pouco mais de um ano, e eu fui morar com a minha avó paterna. E isso não foi algo que ela tenha gostado. "Mais uma boca para sustentar", era o que ela sempre me dizia, era assim que ela me via... Mily seca suas lágrimas e respira mais uma vez. Eu tento conforta-la segurando sua mão junto a minha. —...Era insuportável viver daquele jeito. Então, quando André apareceu na minha vida, eu o vi como minha salvação. Um anjo que Deus havia mandado para me tirar dali. Nós nos conhecemos em uma festa de rua, no bairro em que eu morava, e começamos a nos ver sempre, até começarmos a namorar. E foi aí que teve início o meu inferno.
Minha avó não aceitava de jeito nenhum que eu namorasse um cara mais velho do que eu. Ela dizia que eu ia acabar grávida e largada, com mais uma boca para ela sustentar. Deus! Se ela soubesse. Minha avó me proibiu de vê-lo. Então ele me chamou para morar com ele, e me convenceu de que assim como eu, ele também queria uma família. André era sozinho, nunca conheci um parente dele, e quando eu perguntava, ele dizia que não havia ninguém. Acredito que minha avó ficou aliviada por eu ter decidido ir embora, porque ela sequer tentou me impedir. Eu não o amava, mas estava feliz. Nós vivíamos bem no começo. Ele viajava muito a trabalho, então na maioria do tempo eu ficava livre, pra estudar, pra fazer o que eu quisesse. Mas um dia, ele voltou de uma das viagens eufórico com a ideia de termos um filho. Eu fiquei apreensiva com isso, nós não éramos casados, e eu ainda tinha os meus planos, de trabalhar, de cursar a faculdade. Mas ele não falava em outra coisa. André só pensava em ter um filho. E toda vez que eu fugia do assunto, percebia que ele ficava chateado, abalado mesmo. Por fim eu não achei justo magoa-lo, depois de tudo que ele tinha feito por mim. Então cedi, e engravidei. No início eu fiquei muito assustada, ficava vendo as profecias da minha avó sobre mim. Mas, André fazia tudo sumir, ele queria tanto aquele filho, que eu acreditei que não tinha chance de eu terminar como minha avó dizia. Mas... Mily se afastou de mim, se sentando no sofá. Ela esfregava as próprias mãos, eu as peguei novamente e a incentivei a continuar. —...Nos primeiros meses, foi o céu. Estávamos felizes, arrumamos tudo na casa para a chegada do bebê. André já não viajava mais, estava sempre ao meu lado. Mas com o passar do tempo, tudo mudou, ele começou a ficar ansioso, aflito e muito nervoso. Nada estava bom, eu não fazia nada direito, nem para dar o filho dele logo eu servia. Era o que ele me dizia com frequência. Eu achei que ele estivesse com algum problema, sei lá, no trabalho, ou que estivesse usando drogas, só podia ser algo assim. Porque de uma hora para a outra, eu não o reconhecia mais. A gente brigava praticamente todos os dias. Discutíamos por qualquer motivo. E uma coisa começou a me assustar profundamente. Sempre que brigávamos, ele se referia ao filho como dele. "É o meu filho", "você vai ver
quando o meu filho nascer", "você não vai sair com o meu filho na barriga". E era assim o tempo todo, eu virei uma prisioneira, não podia mais ir a escola, nem aos cursos, não tinha amigos, nem ninguém a quem recorrer. A impressão que eu tinha, era que, ele só queria o filho, nada mais. Eu era só um meio, para ele conseguir o que queria. Eu achava isso, mas não tinha certeza, até o dia do acidente...eu...eu já estava com sete meses, estava no andar de cima da casa que morávamos, quando ele chegou. Tinha passado dois dias fora, e voltou transtornado com alguma coisa que eu nunca soube o que era. Já chegou me insultando, me xingando, dizendo que eu não queria dar o filho dele, que eu estava fazendo de propósito. Eu ri daquilo, meu Deus, como era possível eu ter sido tão estúpida? Era o meu pensamento naquele momento. Então ele subiu a escada furioso, me pegou pelos braços, e começou a gritar comigo, que eu não iria rir depois que o filho dele nascesse, porque eu não iria vê-lo. Ele disse... que ainda bem que o filho não iria precisar de mãe, porque me aturar nunca esteve nos planos dele... Mily não consegue conter o choro, e eu a puxo para os meus braços para acalma-la. —Mamãe! Você está bem? Miguel perguntou de onde estava, vendo que a mãe estava chorando. Mily secou os próprios olhos e tentou sorrir. —Está tudo bem filho. Não se preocupe. Quando Miguel voltou a se entreter com seus cadernos, ela continuou, mas permaneceu abraçada a mim. —Eu tentei me desvencilhar dele, mas não consegui, e...eu não sei se...foi ele quem me puxou, ou se fui eu que o empurrei, eu só sei que caímos. Eu não tenho ideia de como saí ilesa daquela queda. André ficou por baixo de mim, e recebeu todo o impacto. Eu... consegui me arrastar até o telefone, e pedi ajuda. Ele perdeu muito sangue, tinha... uma poça por baixo dele. Achei que ele tivesse morrido. Quando a ambulância chegou, nos levaram para o hospital. Eu fiquei por pouco tempo, só tive alguns arranhões, mas André estava muito mal. Ele precisava de sangue, e o tipo dele, estava em falta no hospital. Estavam buscando em outros hospitais, mas aquilo iria demorar, e ele não tinha tempo. Eu disse ao médico que meu tipo sanguíneo era AB, como o dele, mas o médico não queria me ouvir de jeito algum. Eu estava grávida, não podia
doar. Eu sei que isso parece ilógico, tendo em vista, o que eu estive a prestes a fazer hoje. Mas eu fiz, pus em risco a minha gravidez, assinei um termo de responsabilidade, e doei o sangue para salvar a vida dele. —Você fez o que achou ser o certo. Eu disse a apertado mais junto a mim. —Eu também achava estar fazendo o certo hoje, Michael. E agora não sei definir, qual das duas fora à errada. Eu ter tentado salva-lo ou eu ter tentado mata-lo. Ela me olha com seu rosto tomado pela dor. —Ele vai acordar, e vai me tirar o Miguel. Eu tenho certeza disso. —Não, ele não vai Mily. Confia em mim. Ninguém vai tirar seu filho de você. Ninguém. Nós ficamos ali, abraçados, por um longo tempo. Me doía pensar em todo o sofrimento que Mily passou. Mas eu estava com ela agora, ninguém mais a faria sofrer. Depois de falar com a Kelly ao telefone, consegui fazer com que Mily subisse para o quarto, para descansar um pouco mais. Antes de subir, ela abraçou o filho e o beijou repetidas vezes, e por fim abraçou Gael, o qual, retribuiu ao carinho. —Obrigada por cuidar dele. —Somos família Mily, pode sempre contar comigo. —Obrigada. Eu a acompanhei até o quarto, a ajudei a se deitar, e a deixei descansar. —Você ouviu? Eu perguntei a Gael, ao me juntar a ele próximo a janela, onde ele estava. Miguel estava agora assistindo a um programa infantil na tv. —Não tinha como não ouvir. Ele me disse sério, como era raro vê-lo. —E o que acha de tudo isso? —Estranho. No mínimo. Ele se senta no beiral da janela, e me olha apreensivo. —Mikhael, eu posso não ter seus séculos de vida, mas convivo com os humanos, há muito mais tempo que você. E posso lhe afirmar, que essa obsessão do pai do Miguel, pelo filho, é muito incomum. —Acha que ela está mentindo? —Não, de forma alguma. Eu pude sentir a dor dela. Tudo o que disse, é a
verdade que ela conhece. Porém, duvido que seja a verdade toda. Eu respiro profundamente, e aceno em concordância. Era impossível ignorar a aura negra daquele homem. E todo o empenho de Abaddon em me convencer a deixá-lo morrer. Bem, se ele planejava algo antes do acidente, acredito que estamos mais perto de saber o que era agora, do que estávamos antes.
Capítulo-28 "A mim pertence a vingança e a retribuição. No devido tempo os pés deles escorregarão; o dia da sua desgraça está chegando e o seu próprio destino se apressa sobre eles." (Deuteronômio 32:35)
André "Você falhou comigo irmão", "Esperava muito mais de você". —Eu ainda não terminei. Tento dizer a meu irmão, porém ele me dá as costas e se vai, perdendo se na escuridão. Suas palavras ecoam em minha cabeça. Elas gritam em meus ouvidos. Eu não sou alguém que costuma falhar.
A dor em meus olhos é lancinante, mal consigo abri-los. Aquela maldita luz, depois de tanto tempo imerso na mais profunda escuridão, era
insuportável. Em meio à dor, meu corpo começou a se agitar, e senti dificuldades em respirar, me agitei ainda mais. Ouvi vários apitos soarem como alarmes disparando próximos a mim, e senti a presença de algumas pessoas ao meu redor. Eu não podia vê-las, mas as ouvia. —Pressão arterial elevando rapidamente. —Temos que estabilizar, como está a frequência cardíaca? —Subindo também. —Chamem à doutora Silvia, o paciente saiu do coma. Eu ouvi uma voz feminina gritar, e foi a última coisa que ouvi. Senti algo me picar, e mergulhei novamente no silêncio, e na escuridão.
Três dias depois Uma luz tênue foi se infiltrando em meio à escuridão em que eu estava envolvido. Aos poucos percebi, que eram meus olhos que iam se abrindo pouco a pouco. Já não doía tanto. As imagens começaram a tomar forma diante de mim. Pisquei algumas vezes, tentando ver com nitidez, mas não aconteceu, estava tudo embaçado. —Olá! Como se sente? Consegue falar? Virei minha cabeça devagar, na direção do som. As formas de uma mulher começaram a surgir diante de mim. —Meu nome é Silvia, tente dizer algo. Ela insiste. —O... lá! Eu me vi dizendo, com um pouco de esforço. Vejo traços de um sorriso nos lábios dela. —Consegue me ver? —Si...sim. —Isso é bom. Siga a luz com os olhos. A mulher acendeu uma pequena lanterna e deslizou de um lado para o outro e eu acompanhei. Ela pareceu satisfeita, e anotou algo em uma prancheta.
—Onde... estou? A mulher me olha apreensiva, parece incerta em me responder. —Em um hospital. Esteve em coma por muito tempo. Ao ouvir suas palavras reticentes, tudo veio a minha cabeça como uma avalanche de imagens se sobrepondo. Um rosto feminino, uma briga acalorada, uma queda. Ela estava grávida... —Meu...filho, meu meu filho! Eu tentei me mover, tentei me levantar, mas meu corpo não obedecia. —Acalme-se, por favor, acalme-se. A mulher dizia com seu rosto próximo ao meu, na tentava de me tranquilizar. —Meu filho! —Ei, acalme-se, seu filho está bem. Ele está bem, sua esposa também. Eu me acalmei, tentei respirar pausadamente, isso ainda me doía. A entrada do ar, queimava os meus pulmões. —O que... há... com... meu corpo? —É normal uma paralisia temporária nos membros. Você está imóvel há muito tempo. Logo logo o fisioterapeuta virá examina-lo, tudo bem, fique calmo. —Quanto...tempo? —Sete anos. Ela me diz com pesar na voz. Eu sorrio. —Por que sorriu, você quase morreu? —Meu...tempo aqui... ainda... não...chegou ao fim. Ela sorri concordando comigo. —Descanse um pouco, teremos muitos exames a fazer. Irei pedir para avisarem a sua esposa que acordou. —Não... não. —Precisamos avisá-la. Eu respiro, tentando conseguir falar sem me cansar tanto. —Não quero...que...ela me veja... assim. Podemos... esperar? —Está bem, podemos aguardar seus exames. Mas precisamos avisar alguém que você acordou. Tem algum outro parente? —Sim...meu... irmão. Pode... chamá-lo? —Está bem. A mulher anotou os números que lhe passei surpresa por eu me lembrar e saiu, me deixando só por um instante. Logo, outras pessoas entraram no
quarto, e como a mulher havia dito, iniciaram uma bateria de exames em mim. As vozes foram ficando distantes, me ative em lembrar... Mily, ela tentou se livrar de mim, mas ainda estou aqui. Sete anos! Sete anos meu filho já tem. Será que ela teve a decência de falar a ele, sobre mim? Por que será que acredito saber a resposta para essa pergunta? Talvez porque eu realmente saiba. Porém, meu filho logo conhecerá seu pai, e não haverá nada que Mily poderá fazer para impedir-me. Alguns dias se passaram, desde que acordei. Tenho realizado muitos exames, e exercícios de fisioterapia. É inútil, eu já disse. Mas eles insistem em me manter aqui por mais tempo. Já consigo me mover, meus braços e pernas estão em perfeito estado. Ouço algumas enfermeiras dizerem que é um milagre. "Milagre" para mim, isso é piada! Tenho permanecido aqui, aguardando o retorno de meu irmão. Ele veio me ver, assim que foi avisado de meu retorno. Agora ele só voltará, quando resolver tudo do que o incumbi. Em breve estarei fora desse lugar que já me prendeu por tempo demais. Ainda me sinto fraco, porém, logo me restabelecerei, e poderei seguir de onde parei. Mas alguns dias se passaram, e eu já caminho pelo quarto. —Isso é inacreditável! A doutora Silvia me diz, acompanhando-me com o olhar, enquanto caminho do leito até a janela do quarto. Eu apenas sorrio. —Não tem dez dias que você saiu do coma, e está andando. Já não tem vestígios da paralisia. Você sequer se parece com alguém que esteve em coma por sete anos. —Sempre tive uma boa recuperação. Eu digo retornando para o leito. Ela sorri, e me ajuda com as cobertas. —Deve ter sido daquele tipo de criança, que nunca teve um resfriado. —Nenhum sequer. —Bom, já podemos avisar a sua esposa? Você terá alta em breve. —Acho...que não quero que ela seja avisada. Gostaria de fazer lhe uma surpresa.
Eu digo em um sorriso sedutor. Silvia me olha encantada, deve me achar um romântico incurável, que deseja surpreender a mulher amada, ressurgindo da morte, quando ela já não tinha mais esperança. Patético! —Compreendo seu desejo, porém foi ela quem se responsabilizou pela sua internação, ela terá que assinar a sua alta. Continuo sorrindo, e penso rápido. Eu não permitiria que essa tola, atrapalhasse meus planos. —Mily e eu não somos casados legalmente. Ela não tem responsabilidade por mim. Meu irmão não poderia assinar? Pergunto segurando a mão dela entre as minhas, e mantenho o sorriso galanteador. Ela pisca algumas vezes um pouco tímida. —Tudo bem, se seu irmão se responsabilizar por sua saída, ele poderá assinar. Eu aumento meu sorriso. —Muito obrigado doutora. —Não tem de quê. Peça seu irmão para passar na recepção, para assinar os documentos. Ela me diz antes de ir em direção a porta. Ao cruza-la, ela quase tromba com meu irmão, que entrava. —Perdão! Meu irmão diz, se desculpando, e a doutora sorri. —Não foi nada. Nós a acompanhamos sair do quarto com sorrisos nos rostos. Ela bate a porta, e meu irmão vem até mim ainda sorrindo. —Conseguiu tudo que lhe pedi? Eu pergunto ansioso. Ele se aproxima um pouco mais. —Feres meu coração com essa pergunta irmão. Por acaso eu costumo falhar naquilo que me é solicitado? Sua falsa indignação me irrita, porém mantenho minha calma, afinal, até sair daqui ainda preciso dele. —Sua bela esposa, já deve estar para receber a intimação. Fique tranquilo. Apesar de todo esse... “contratempo”... Ele fala e aponta para mim e o leito do hospital. —...tudo se encaminhará como planejado. É só você não se envolver e mais nenhum... “acidente”.
Meu irmão fala debochando do meu estado. —Você os viu? Pergunto ignorando seu comentário. —Sim. —Todos eles? —Todos eles! Não pense que será fácil reaver seu filho a essa altura irmão. Mily não está só. —Eu também não.
Capítulo-29 "Mil poderão cair ao seu lado; dez mil, à sua direita, mas nada o atingirá." (Salmos 91:7)
Michael Alguns dias se passaram, desde o dia em que estivemos no hospital. Eu tenho tentado tranquilizar a Mily, digo a ela o tempo todo que ninguém irá tirar o Miguel de perto dela, mas é em vão, ela não tem mais paz. Vive sobressaltada toda vez que o telefone toca ou mesmo a campainha. Ela não consegue dormir direito, acorda no meio da noite assustada, e não fica sossegada até ir ao quarto do filho e ver que ele está lá, que Miguel está bem. Na escola, até os crianças já perceberam que ela não é mais a mesma. Eu estou preocupado com ela, e com a situação em si. No estado de desespero em que Mily se encontra, fico receoso de que ela volte a pensar em...
Não, não, eu não quero nem pensar nisso. Preciso ter certeza de que o destino dela realmente mudou. Tenho que estar com Atheniel, preciso ver o pergaminho do destino dela, só assim terei certeza de que o perigo já passou. Porém, me encontro impossibilitado de retomar minha forma angelical. Tenho tentado desde que, a meu ver, finalizei minha missão. Pelo menos no que diz respeito à Mily. Ainda temos que ver a situação do Miguel. E acaba que uma coisa depende da outra. Os Arcanjos continuam em missão, e eu necessito que um deles restaure o meu poder, para que eu possa voltar a minha forma. Até lá, não terei como ver Atheniel, já que ele não pode vir até mim. Sendo assim, tenho estado nesse constante estado de alerta. Pois, quanto mais tempo eu passo na Terra, e sem retomar minha forma angelical, mais dificuldades eu tenho tido para manter meus dons sob controle. Gael tem estado sempre conosco. Para todos os efeitos, meu irmão decidiu passar um tempo comigo. E assim tem sido. Quando saímos da escola naquela tarde, após participarmos de uma reunião com a diretoria, fomos direto para a casa da Mily, que já estava atrasada para ir ao Café. Enquanto ela subiu para se arrumar, eu e Miguel estávamos na sala. Gael chegou logo depois de nós, ele tem ficado com Miguel, enquanto acompanho Mily em seu trabalho. Mantive essa rotina, pelo menos até poder estar com Atheniel, continuarei a acompanhando. A campainha tocou no momento em que Mily descia os degraus um pouco apressada. Ela parou seu movimento, e pude ver sua expressão se tornar apreensiva no mesmo instante. —Deixe que eu atendo. Eu disse me dirigindo para a porta. Saí, e fui até o portão de grades, que me permitia ver a figura de um homem com cabelos grisalhos, vestido de terno e olhar sério. —Pois não? Perguntei ao abrir o portão. —Boa tarde, meu nome é Olavo Mesquita, sou oficial de justiça. Esta é a residência da senhora Mily Maldonado? —Boa tarde. Sim, é aqui. —Ela se encontra? Tenho uma ordem judicial para entregar a ela. Eu estava confuso, não entendia por que a Mily receberia uma ordem
judicial? —A senhora Mily se encontra? O homem me olha irritado, provavelmente por eu o estar fazendo perder tempo. Como se eu me importasse com isso, o que me importava, era como a Mily iria receber isso. —Sim, ela se encontra. Acompanhe-me por favor. O homem me seguiu até cruzarmos a porta. Mily e Gael me olham apreensivos, acho que acabei deixando transparecer minha própria apreensão. —Querida... Eu disse cauteloso, indo até onde Mily estava, e me colocando ao seu lado, para que ela soubesse que eu estava ali. —...esse senhor é oficial de justiça, e tem uma intimação para você. —Na verdade é uma ordem judicial. O homem me corrige, e eu quase não consigo conter minha vontade de chuta-lo porta a fora. Foi por muito pouco. Meu autocontrole estava por um fio. —Uma...ordem judicial? Mily me olha assustada, antes de pegar o envelope das mãos do sujeito. —A senhora assine aqui por favor. Mily assinou o recebimento, o homem nos cumprimentou educadamente e foi acompanhado por Gael até a saída. Eu podia ver as mãos da Mily tremerem segurando aquele envelope. Ela o olhava, sem ter coragem de abri-lo. —Quer que eu abra? Digo pegando suas mãos, e a fazendo me olhar. Mily apenas me entregou o envelope, e sentou-se no sofá, ela parecia em choque, nem parecia estar ali. Gael retornou, e se juntou a Mily no sofá. Ela estava pálida, e não parava de esfregar as mãos. Eu abri o envelope, e tirei as folhas de papel que estavam dentro dele. Era uma ordem judicial da vara de família. E isso não era bom. Eu me pus a ler o documento. —"A senhora Mily Maldonado está sendo citada na junta da vara de família do estado desta cidade, por ter impetrado junto à mesma, um registro de nascimento de uma criança, (seu filho), sem o nome do referido pai, deliberadamente. Sendo o mesmo, ainda vivo e conhecido da própria... Parei por um segundo para absorver o impacto daquelas palavras, e vi as
lágrimas caírem dos olhos de Mily. Eu estava perplexo, mas continuei a ler o documento. —...O referido pai através de seu representante legal, exige a reparação da mesma. E perante este juiz de direito, impetra esta ordem para que a criança receba o nome do referido pai no prazo máximo de três dias, sob penas cabíveis ao não cumprimento da devida ordem... Haviam outras questões ali, mas eu deixei os papéis caírem sobre a mesa de centro, e me sentei na poltrona ao lado do sofá onde Mily e Gael estavam. Eu precisei de uns minutos para voltar do meu estado de perplexidade, mas precisava me recompor, estávamos com um sério problema nas mãos. —Mily... —É verdade, eu... não registrei o Miguel com o nome do pai, eu fiz isso. Ela diz secando suas lágrimas, e tentando respirar. —Santo Deus, Mily, por quê? O homem estava quase morto! Por um acaso você tem noção de que isso é ilegal? —Eu fiz! Porque não queria que ele tivesse qualquer ligação com o meu filho, nem mesmo depois de morto! Mily me diz se levantando, e alterando o seu tom de voz. —Mas ele tem Mily, ele tem! Você querendo ou não, ele é o pai dele! E agora você deu ao homem, direitos legais para te processar! Eu também acabei alterando a minha voz com ela. Levantei-me exaltado, estava nervoso, e a minha capacidade de controle sobre minhas reações e emoções, estava quase zero. —Ei, ei! Acalmem-se os dois. Se exaltar agora, não vai ajudar a resolver o problema. Miguel está lá em cima, mas daqui a pouco ele desce. Vamos nos acalmar e pensar em uma solução, ok? Gael nos disse, estrategicamente se colocando diante de mim, para que Mily não visse a força que eu fazia para me controlar. Respirei fundo várias vezes. Fui até a janela, e tentei me acalmar. Porém Mily só tornou as coisas ainda mais difíceis para mim. —Eu te disse Michael, eu disse que ele viria tirar o Miguel de mim, eu disse! E a culpa disso tudo é de quem?! Hein, de quem? Mily atirou as palavras contra mim, com seus olhos banhados pelas lágrimas e pela dor, o que destroçou o meu coração. Ver que ela me culpava por tê-la impedido de matar o pai do próprio filho, me doeu profundamente. Mas eu me esforcei para tentar entender o que ela estava sentindo. E me
lembrei da promessa que fiz a ela. Caminhei até ela e a abracei forte, Mily chorou ainda mais. —Me desculpa, me desculpa. Você não tem culpa de nada disso. Fui eu, eu fiz isso, não queria que o Miguel tivesse nada daquele homem, nem o nome, nem nada. Mily me dizia por entre as lágrimas que eu tentava secar com minhas mãos. —Tudo bem, tudo bem. Nós vamos resolver isso, calma. Gael está certo, precisamos ter calma agora. Mily estava inconsolável, precisei dar um calmante a ela, para que dormisse, e descansasse um pouco. Liguei para o café e avisei que ela não iria nos próximos dias. Porque algo me dizia, que Mily não sairia do lado do filho por nada nesse mundo. —Preciso que faça algo para mim. Eu disse a Gael, quando voltei à sala e o encontrei lendo os papéis da ordem judicial. —Se eu puder ajudar. —Eu mesmo faria se pudesse, mas não posso. E também não deixarei a Mily sozinha nesse momento. —Está bem, diga do que precisa? —Quero que vá até o hospital em sua forma angelical, verifique se o pai do Miguel ainda está lá. —Acha que ele acordou? Mas o hospital não teria avisado? —Não se ele não quisesse. Alguém o está representando Gael, e por que fariam isso se não a pedido dele? Gael concorda comigo. Ele toma sua forma angelical e antes de ir ele se volta para mim. —Controle-se Mikhael, não se esqueça de que a Mily é humana. Cometer erros, é uma das características dos seres humanos. —Eu sei, estou tentando Gael, estou tentando. Ele acena concordando, e eu o vejo sumir em meio a sua luz. Não demorou muito até Gael retornar, e pela expressão dele, as notícias não eram boas. —Ele não está lá, não é? —Não, não está. Pelo que pude apurar, André teve alta e saiu acompanhado pelo irmão. —Irmão? Achei que a Mily havia dito que ele não tinha família!
—Foi o que pensei também. Porém está claro para mim, que a Mily não sabia nada desse homem. —Ele mentiu pra ela o tempo todo. Eu constatei apreensivo. Era nítido que o tal André tinha algo em mente ao se aproximar da Mily, eu só ainda não sabia o que. —Precisamos ficar atentos Mikhael, não podemos perder o Miguel de vista. Meu sentido de anjo da guarda está gritando. —Gael, eu fiz uma promessa a Mily, e pretendo cumpri-la. Eu a impedi de mata-lo, porém, se esse homem for de fato uma ameaça ao Miguel, eu farei o que não permiti que ela fizesse. Gael me olha perplexo, acho que até incrédulo de que tinha ouvido realmente o que eu acabei de dizer. Eu disse o que farei com convicção. Não me importarei com as consequências. Se o Miguel realmente estiver em perigo, o inferno haverá de conhecer mais um Anjo Caído. As asas negras eu já tenho.
Capítulo-30 "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos." (João 15:13)
Michael O dia amanheceu chuvoso hoje. As gotas de chuva que escorrem pelas vidraças, parecem refletir as lágrimas que vejo no rosto da Mily. Ontem a acompanhei ao cartório, para que Mily pudesse fazer a alteração no registro de nascimento do Miguel. Desde que a conheci nunca a vi tão abatida. Sempre que está só, ela chora, e eu não sei mais o que posso fazer para consola-la. O fato é que Mily tem verdadeiro pavor do tal André, ela não suporta sequer a ideia de vê-lo perto do filho. E toda vez que eu tento faze-la entender, que mais cedo ou mais tarde ela terá que aceitar isso, afinal, bem ou mal, ele é o pai do menino, ela se exalta e briga comigo. Prevejo dias sombrios que estão por vir, e acredito que eles não tardam a
chegar.
Hoje fazem exatos trinta dias, desde que Mily fez a mudança no registro do Miguel. Acreditei que assim que isso fosse feito, teríamos notícias do pai, porém isso não aconteceu. O que só faz com que Mily esteja ainda mais nervosa. O que ele estaria esperando? É o que me pergunto, e também vejo a dúvida nos olhos dela. Logo que cheguei à escola, fui avisado de que a Kelly pediu para me ver na diretoria. —Bom dia Kelly, queria me ver? A cumprimentei assim que entrei em sua sala. —Michael, bom dia querido. Queria sim, sente-se por favor. Ela me recebe sorridente como sempre. —Antes de te colocar a par do assunto, preciso te fazer uma pergunta. Kelly me olha séria agora, me deixando preocupado. —Faça sua pergunta. Digo um pouco aflito. —Michael, você gosta de trabalhar com as crianças, não é? Eu a olhei um tanto confuso, pois não imaginava o que eu poderia ter feito, para que ela pudesse ter dúvidas quanto a isso. —Sim, claro que sim. Acaso fiz algo que a fizesse pensar o contrário disso? Eu perguntei ainda mais preocupado. Tenho andado tão as voltas com todos esses problemas com a Mily e o Miguel, que tive receio de ter feito algo indevido. Porém se o fiz, não tenho ideia do que possa ter sido. Tenho sempre muito cuidado com tudo o que faço quando estou junto das crianças. Mas nos últimos dias tenho estado no meu limite. —Não, Michael, de jeito nenhum. Você é um ótimo professor, imagina! As crianças te adoram, e os pais são só elogios. —Mas então? —O que acontece, é que como deve se lembrar, você foi contratado para substituir a professora que sairá em licença maternidade. Você se lembra? —Sim, me lembro. —Era isso que eu precisava ver com você. Eu sei o quanto você gosta das
crianças, mas eu precisava perguntar, se você quer continuar com eles e ficar efetivo como professor do jardim de infância, ou se vai assumir o ensino médio, como era o seu contrato inicial? A professora vai sair em alguns dias. Acabei deixando esse assunto para depois, mas, agora teremos que ter uma definição. Eu respiro profundamente. Era realmente uma grande questão em minha cabeça. Eu me apeguei demais às crianças, em outra situação, eu nem pararia para pensar, porém, não sei mais por quanto tempo permanecerei aqui, e não quero que eles sofram com a minha ausência repentina. Talvez fosse melhor para eles, que eu me afastasse desde já. Só esse pensamento já me dói profundamente. —Michael?! —Kelly, será que eu... poderia pensar um pouco sobre isso? —É claro, nós não temos muito tempo, mas...tudo bem. Eu vou começar a procurar outra professora substituta. E quando você me der à resposta, definimos para onde ela vai. Está bem assim? Eu lhe dou um sorriso agradecido ao que ela retribui. —Obrigado Kelly, prometo não demorar a lhe dar uma resposta definitiva. —Muito bem ficamos acertados assim. Agora... tem outra coisa que gostaria de lhe falar Michael. —Pois não, o que é? —Mily, como ela está? De verdade Michael, porque tenho a impressão de que minha amiga está a ponto de um surto nervoso. Estou preocupada com ela. Kelly me olha expressiva, e aguarda minha resposta. Eu gostaria de ter uma resposta para essa pergunta, eu realmente gostaria. —Kelly, eu tenho feito o que posso para ajudá-la, para... que ela se sinta segura, tranquila, mas... como você tem visto, não tem dado muito certo. Acho que só o que podemos mesmo fazer, é isso, estar ao lado dela, dar força, para que ela tenha certeza de que não está sozinha. E torcer pra que tudo se resolva da melhor maneira possível. —Eu estou com medo Michael. Esse homem sempre foi um fantasma na vida da Mily, um pesadelo. E agora ele está de volta. Não vejo a Mily aceitando isso com tranquilidade, não vejo mesmo. Melhor seria se ele nunca tivesse acordado. Deus que me perdoe! Mas é isso. Eu pego as mãos dela, numa tentativa de tranquiliza-la.
—Vamos acreditar que tudo isso vai passar kelly. Ter fé, é o que nos resta. —Tá bom, vamos acreditar. Mas, se precisar de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo Michael, é só falar, está bem? —Ok, pode deixar. Despedi-me da Kelly, e fui para minha sala de aula, onde as crianças já me aguardavam com sua algazarra costumeira. Eu fiquei um tempo os observando parado à porta. Eles não haviam se dado conta da minha presença ainda. Alguns estavam correndo pela sala, outros apenas conversando. E eu me vi com lágrimas nos olhos ao me deter em cada rosto. Fiz exatamente o oposto de tudo que me foi dito para não fazer enquanto estivesse na forma humana. Eu me apeguei às crianças como se elas fossem minhas, me apaixonei pela Mily como homem, e me tornei tão mortal que nem consigo mais tomar a minha forma angelical. E há alguns dias eu me pergunto, como irei continuar longe de todos eles? Quando finalmente as crianças me viram parado a porta, aos poucos eles foram retomando os seus lugares, sem que eu precisasse dizer nada. Eu sequei os meus olhos e segui para minha mesa. —Bom dia crianças! —Bom dia tio Michael! Eu sorri com a saudação alegre que eles me dão todos os dias. Por fim, acho acabei mesmo me tornando o “Tio”. —Eu hoje gostaria de contar uma história para vocês. Vocês gostariam de ouvir? —Sim! Eles me respondem sorridentes e animados. Levantei-me, e me sentei no degrau à frente da minha mesa. Um pouco mais ao fundo da sala, estava Miguel e Gael ao seu lado, em sua forma angelical. Ele me olha curioso. —Bom, essa é a história de um Anjo. Esse Anjo, tinha uma missão... Eu comecei a contar, e todos me olhavam com seus olhinhos brilhantes e atentos em total silêncio. —...ele precisava ajudar uma pessoa aqui na Terra, então ele veio. Mas, para ajudar essa pessoa, esse Anjo precisou deixar de ser Anjo, por um
tempo. Mas um dia ele ia precisar voltar para o céu. E o tempo foi passando, o Anjo conheceu muitas pessoas aqui na Terra, ele fez muitos amigos. Amiguinhos pequeninos, assim... como vocês... Eu tentei conter as minhas lágrimas, fiz bastante força para isso e consegui. —... Ele gostava muito deles, e... de todos que ele conheceu no tempo que passou aqui. Mas a hora de voltar para casa, no céu, estava chegando, e o Anjo tinha que tomar uma decisão. Ele podia ficar mais um tempo com seus amiguinhos, pouco tempo, ou podia ir embora de uma vez, evitando assim, de que seus amiguinhos ficassem mais tristes com a partida dele. O Anjo precisava decidir, mas... ele não conseguia, então ele decidiu perguntar aos seus amiguinhos, o que eles preferiam. E a decisão seria deles. Então, se vocês fossem os amiguinhos do Anjo, o que acham que ele deveria fazer? Eu perguntei olhando os rostinhos de cada um deles e os guardando em minha memória. Cada olhar, cada sorriso. Mesmo que eu não voltasse mais a vê-los no futuro, eles sempre estariam em minhas lembranças, e em meu coração. —Eu ia querer que o Anjo ficasse pra sempre. A pequena Karen me respondeu com seu lindo sorriso. —Mas ele não pode ficar minha linda. Ele precisa... ir. —Então ele devia ficar o tempo que pudesse, para os amiguinhos ter mais tempo com ele, né? Ela me responde tranquilamente, enrolando um cacho de seu cabelo no dedo. Eu quase não consigo conter minha emoção ao ouvir suas palavras, mas fui rápido em secar o meu rosto, antes que eles percebessem. —Eu acho que ele devia se despedir, tio! É feio ir embora sem se despedir dos amigos. O pequeno Bruno respondeu, a umas duas mesas distante de mim. Eu concordei e ele me sorriu. —Também acho que ele devia ficar tio, os amiguinhos iam querer ficar com ele mais um pouquinho. E depois ele se despedia, aí ninguém ia ficar triste. Eu engoli as lágrimas presas em minha garganta, e sorri para a pequena Joyce, que sempre foi tão tímida, quase nunca falava comigo, mas hoje ela me falou o que sentia, e isso me deixou ainda mais tocado. E assim, um a um eles foram me dizendo o que achavam que o Anjo
deveria fazer, e foram unânimes em dizer que ele deveria ficar, e se despedir. Somente Miguel não deu sua opinião, ele parecia triste ao olhar para mim. Com certeza ele sabia, que não era apenas uma história, mas sim que se tratava da minha história. —E você, Miguel? O que acha que o Anjo deveria fazer? Eu perguntei fixando meu olhar no dele. Miguel se levantou da sua cadeira, e veio até mim, ele se sentou na minha frente, no tapete colorido e me deu um olhar compreensivo, eu poderia dizer que era até compadecido. —Minha mãe me disse, que todos vamos para o céu algum dia. E a minha mãe não mente. Então o Anjo e os amiguinhos, não precisam ficar tristes porque ele precisar voltar. Porque eles vão se encontrar de novo. Eu acho que ele devia ficar enquanto puder, e depois esperar por eles, lá no céu. Vai ser uma grande festa. O dia mais feliz de todos. Miguel me disse com lágrimas descendo dos seus olhos, e dessa vez foi... muito... muito mais forte do que eu. Eu o chamei para mim, o abracei forte e chorei. Chorei toda a saudade que eu já sentia. Eu estendi minha mão para Karen que estava chorando também, e ela veio para mim. Por fim todos vieram, e ficamos ali naquele abraço, que eu poderei viver dois, três até mesmo quatro milênios, mas eu nunca... nunca irei esquecer.
Capítulo-31 "Ora, naqueles dias, depois daquela aflição, o sol se escurecerá, e a lua não dará a sua luz.” (Marcos 13:24)
Michael O sol voltou a aparecer, depois de tantos dias chuvosos. Eu observava os raios que conseguiam passar pelas frestas da cortina fechada. Era manhã de sábado, e Mily ainda dormia ao meu lado. Passei algum tempo fixando a sua expressão serena em minhas lembranças. Mais uma, em meio a tantas que já guardo comigo. Ela parece em paz, e isso me deixou feliz. Saber que pelo menos enquanto está dormindo, Mily tem alguns momentos de paz. Eu a beijei suavemente, e me levantei. Antes de sair do quarto eu lhe dedico mais um olhar. Fui até o quarto do Miguel, e constatei que ele também dormia tranquilo.
Gael estava deitado na poltrona ao lado, parecia concentrado em algo que lia em um livro, não notou minha presença, ou fingiu não notar. Eu ia fechar a porta, quando ouvi sua voz. —Mikhael! Ele disse baixo, me fazendo retornar ao quarto e olhá-lo. —Sim. Eu o vejo se levantar e vir até mim. —O que foi aquilo ontem? Você me fez chorar, sabia? Sabe o que acontece quando um anjo chora? Gael me questiona com profunda indignação, o que me fez sorrir. —Perdão meu amigo. Eu tenho estado muito... emotivo nos últimos dias. Desculpe-me. Digo colocando minha mão em seu ombro. —Você acha, que já terá que voltar? Ainda não resolvemos a situação do Miguel. —Eu sei, mas os Arcanjos já devem estar retornando, e quando isso acontecer, teremos a resolução, então minha missão estará concluída. Gael me olha apreensivo, e eu o entendo. —O que você acha que eles resolverão? Miguel tem um dom, e não há como tirar isso dele. —Eu gostaria de ter a resposta para isso irmão, mas não tenho. Bem, eu vou descer, vejo você depois. Deixei Gael, e desci. O dia estava mesmo bonito. Eu pude constatar ao abrir as cortinas, e receber o calor dos raios de sol, quando abri a janela da sala. Eu ia sentir falta disso, de... sentir. Eu ainda contemplava a paisagem do jardim, quando a senti me abraçar. Mily uniu seu corpo ao meu, e apoiou seu rosto no meu ombro. Ficamos ali por um tempo, apenas sentindo um ao outro, em silêncio. Era como se ela pudesse ouvir os meus pensamentos. Como se soubesse o que se passava no meu íntimo. —Como se sente? Eu perguntei me virando para ela e há trazendo um pouco mais para mim. —Estou bem, a medida do possível. Mily me diz em um suspiro. Eu a beijo apaixonado, e a faço me olhar. —Eu estarei ao seu lado, enquanto eu puder. E quando eu não mais puder, eu ainda estarei.
—Eu sei. E agradeço a Deus todos os dias, por ter colocado você em nossas vidas. E eu nem sei dizer se mereço. Ela me diz com seus olhos entristecidos. Eu a beijo novamente e a abraço forte. —Se ele me enviou, é porque você merece. Mily me olha e sorri, no que eu retribuo. Juntos arrumamos a mesa para o café, e logo Miguel estava descendo para se unir a nós. E como já havia virado um hábito, alguns minutos depois, Gael tocava a campainha, e vinha tomar o café da manhã conosco. Achei melhor, para a sanidade da Mily, que Gael permanecesse na forma humana, quando estivesse na casa, assim ela não ficava tão preocupada pelo fato do Miguel não parar de falar sozinho. Estávamos todos a mesa, conversando sobre futilidades do dia a dia. Eu olhava pra eles com um sentimento de felicidade dentro de mim. Por ter tido a oportunidade de viver esses momentos. Miguel nos contava em detalhes, o desenho que tinha assistido com Gael na noite anterior, quando a campainha tocou. —Deixe que eu atendo. Eu disse já me levantando. Da porta, eu pude ver a mulher vestida de forma elegante, mas discreta, que me aguardava chegar até ela. —Pois não? Perguntei a olhando com atenção. —Bom dia senhor...? —Michael! Ela sorri simpática. Eu apenas a olho curioso por saber do que se trata. —Senhor Michael, esta é a residência da senhorita Mily Maldonado, sim? —Sim. —Pois bem, meu nome é Danielle, sou advogada, e represento o senhor André Torres. Preciso falar com a senhorita Mily, ela está? Meu suspiro de desagrado não passou despercebido pela mulher que me olhava atentamente. —Sim, ela está. Acompanhe-me por favor. Seguimos pelo caminho do portão até a porta em silêncio. Fiz sinal para que ela entrasse, e fui até onde Mily estava. —Mily, a senhora Danielle, deseja vê-la. Mily me olha preocupada, mas me da sua mão e segue comigo até a sala.
—Gael, você pode levar o Miguel lá para cima por favor? Eu pedi a Gael, que entendeu, e logo subiu a escada com um Miguel relutante, por não ter terminado de tomar o seu café da manhã. Quando os dois sumiram no andar de cima, eu apontei a poltrona para a mulher, que agradeceu e se sentou. Eu me sentei ao lado da Mily, que não soltou a minha mão, me deixando sentir o quanto ela estava nervosa. —Bem, como eu disse ao senhor... Michael. Eu sou representante do senhor André Torres, e vim para acertar com você, os detalhes para que meu cliente possa conhecer o filho. A mulher disse com o olhar fixo em Mily, e o meu estava fixo nela. Algo nessa mulher me incomodou desde que pus meus olhos nela. Ela parece ter notado, pois sempre que me olha, sorri meio sem jeito, mesmo que eu não retribua. —Onde ele está? Por que não veio pessoalmente? Mily estava se contendo para não se exaltar com a mulher a sua frente. Eu aperto um pouco a sua mão, em uma tentativa de acalma-la. —Meu cliente não sabia se seria bem recebido pela senhorita, por isso me enviou. Afinal, até alguns dias atrás, o menino sequer tinha o nome dele em seu registro de nascimento. Meu cliente ficou muito abalado com isso. —E o que ele quer afinal? Mily perguntou aflita. —O senhor André só quer o que é seu direito como pai. Ele quer conhecer o filho. Por hora é só isso. —Ah! Por hora. E o que devo esperar depois? Ele pretende tirar meu filho de mim, é isso? Mily diz exaltada e se soltando de mim. —Senhora, não é de meu conhecimento que meu cliente deseje a guarda do filho. O senhor André saiu a pouco tempo do hospital, ainda está se recuperando. Mas é o desejo dele conhecer o filho, esse é um direito dele. E isso pode ser com ou sem o seu consentimento. E é justamente isso que precisamos definir. A mulher diz sem alterar seu tom de voz, porém Mily já estava de pé, e a vi a ponto de estapear a advogada. Mas fui rápido em segura-la com força junto a mim. —Ele poderá conhecer o filho, e será consentido, não será... querida? Eu disse olhando nos olhos da Mily, que me olhava perplexa. Mas mantive meu olhar, torcendo para que ela entendesse, que colaborar era o
melhor a ser feito no momento, ou o que ela tanto temia, iria acabar acontecendo. —Mily, por favor, confie em mim. É o melhor a ser feito agora. Ela se solta de mim e volta a se sentar, eu a acompanhei. —Como seria isso? —Meu cliente sugeriu um encontro no Jardim Central. Seria algo... informal, um passeio apenas, por algumas horas. —Horas!!! —Mily... —Michael! Não vou deixar meu filho com esse homem durante horas... não vou! E você não vai me convencer disso. Mily me olha séria, eu pego as suas mãos, e sustento o seu olhar. —Mily, me ouça. Você quer perder o seu filho? Me responde, é o que você quer? Mily nega com a cabeça, com suas lágrimas descendo pelo rosto. —Então aceita o que o homem está pedindo. É só um passeio, se você não quiser ir, eu irei. Acompanharei o Miguel nesse encontro, e eu te garanto que não voltarei de lá sem ele. Querida você me ouviu? Eu perguntei secando os olhos dela, que me olha desolada. Mily balança a cabeça em concordância, e se abraça a mim. —Muito bem senhora, diga ao seu cliente, que a Mily concorda com o encontro. Eu digo, e a mulher me sorri novamente. E eu não consigo conter o incomodo que sinto, toda vez que ela faz isso. Por estar tanto tempo mortal, perdi completamente minha habilidade de ver a aura dos humanos. Mas meus instintos, não me enganam. Assim como o pai do Miguel, essa mulher também não tem uma aura limpa. Depois que a mulher se foi, passei boa parte do dia em uma missão bem difícil. Convencer a Mily de que ela precisava contar ao Miguel sobre o pai. Definitivamente isso não foi fácil. Mas por fim, consegui convencê-la de que não havia mais como mantê-lo alheio a tudo aquilo. O momento havia chegado.
Capítulo-32 "Ele e os seus anjos foram lançados à terra." (Apocalipse 12:9)
André Quando Danielle me contou a reação da Mily, eu não contive o riso. Foi exatamente como eu esperava. Em algum momento ela pensou, que realmente poderia se ver livre de mim? Pobre Mily! Sempre tola e ingênua. Sempre tão... manipulável. Enviar a Danielle, também me confirmou algo que eu já desconfiava, mas precisava ter certeza. Ele estava “cego”. Agora que tudo estava caminhando de acordo com os meus planos, eu mal posso esperar para ter meu filho comigo. Talvez eu diga a Mily, que trazer meu filho ao mundo foi a única coisa
certa que ela fez na vida. Talvez...
O dia já estava amanhecendo, e eu continuava concentrado em tudo o que eu tinha a fazer. Eu não dormi, apenas passava e repassava em minha cabeça todos os pontos, para que nada saísse diferente do que foi planejado. Mantive meus olhos fechados, precisava acalmar meu espírito. Apesar de tudo estar caminhando como eu esperava, ainda havia um ponto a ser esclarecido. E ter passado tanto tempo naquele maldito hospital, me impediu de concluir o que me foi determinado. Porém, em breve eu saberia se todos os meus esforços não foram em vão. Eu tenho quase certeza que não. Quando abri meus olhos, ele estava lá, sentado na poltrona a minha frente e me olhava com seu sorriso irritante de sempre. A figura esguia de pele e cabelos negros que lhe desciam por sobre os ombros, era imponente e ameaçadora, mesmo com seu olhar zombeteiro, e o sorriso que era pura afronta. Ele nunca sorria sinceramente, era mais uma forma de intimidação. Mas não para mim. —O que faz aqui? Não foi determinado que não nos veríamos mais? Eu perguntei o encarando sem humor. —Sim, estava. Mas eu vim ter certeza de que você está pronto, irmão. Sabes o quanto tudo isso é importante, não pode haver falhas, ou tudo pelo que lutamos será perdido. E isso, não pode acontecer. Estás pronto? —Eu estou pronto, hoje meu filho se unirá a mim. Digo confiante, mas meu irmão não me parece tão confiante quanto eu. —Duvidas?
—De você? Não. Porém há coisas que fugiram ao seu controle, por todo esse tempo que esteve longe. —Bobagem, estamos no tempo certo. —Assim espero. Seu primogênito deve se unir a nós o quanto antes. Não há tempo a perder. De minha parte tudo está acontecendo como o esperado. Eu sorri ao ouvir isso. —Onde eles estão? —Ah irmão, por toda parte, eu nem saberia dizer quantos são. Ele me diz sorridente. —Isso é bom. Meu irmão se levanta e me olha sério, com seus olhos que não expressavam absolutamente nada. —Tem certeza de que pode resolver isso sozinho? —Está tudo sob controle. Digo também me levantando. —Vá, e espere por mim. Logo meu filho e eu nos uniremos a você. Ele acena de acordo, ajeita o seu terno preto e me sorri mais uma vez. —Até breve irmão. —Até. Ele se foi, e pareceu levar o sol consigo, pois o céu se cobriu de nuvens negras após sua partida. Talvez fosse um prelúdio do que estava por vir. Por volta do meio dia, me encontrei com Danielle em um restaurante próximo ao local, onde em algumas horas, eu estaria diante de meu filho. O qual, a mãe pareceu querer me insultar e afrontar profundamente ao dar-lhe o nome de Miguel. —Vais mesmo sozinho a esse encontro? Danielle me perguntou, me trazendo de volta de meus pensamentos. —Ficará tudo bem, não há com o que se preocupar. Desde que você tenha feito tudo o que lhe disse, exatamente como eu disse. —Não sou nenhuma iniciante, fiz tudo como me orientou. —Então não teremos problemas. Porém, diga a seus amigos, que não toquem nela. Não a quero machucada, apenas cativa. Eu digo enfatizando meu desejo. Danielle sorri. —Quem vê até pensa que tem um coração aí dentro. —Achas que me importo com ela? Eu ri disso.
—Não minha cara. Mas ela é um trunfo valioso para mim. Tê-la em meu poder, pode ser o ponto chave da nossa vitória hoje. Tê-la, me dará controle sobre Ele. Então faça como eu disse. —Sim, não se preocupe, já acertei tudo. Meus amigos são eficientes. —Espero que sim. —E quando estiver com o menino, qual será o próximo passo? Danielle me pergunta curiosa. Eu olho para ela e sorrio, a criatura não imagina que, em momento algum, ela fez parte dos meus planos futuros. Eu só estava usando seus serviços, como já fiz inúmeras vezes. —Estaremos com meu irmão, e prosseguiremos daí. Minto. Ela me olha sorridente, e eu retribuo. —Posso fazer uma pergunta? —Sim. Digo levando à xícara a boca e bebendo um gole do café fumegante. —Por que você tem tanta certeza de que ela não virá com o menino? —Mily quis me matar, Danielle. Não uma, mas duas vezes. A pura e doce Mily, quis tirar a vida do pai do próprio filho. Duvido muito que ela tenha coragem de ficar cara a cara comigo. Ela é previsível, acredite. —Bom, se você diz, acredito. Eu vou indo. Desejo que tudo saia como o esperado. Nos vemos quando estiver com o menino. —É claro. Digo beijando sua mão. Eu a vejo deixar o lugar. Respiro profundamente e observo os ponteiros do relógio em meu pulso. —Só mais alguns minutos. Digo para mim mesmo. Deixei o dinheiro para pagar a conta sobre a mesa, e saí. Caminhei algumas quadras, sem notar as pessoas que passavam por mim. Eu sequer as via. Estava prestes a estar diante dele. Eu esperei tanto por isso, mais tempo do que deveria, porém, agora estava muito perto. Cruzei as duas avenidas que me separavam do Parque. O sol voltou a aparecer, e o lugar estava repleto de famílias. Crianças corriam por toda parte. Isso era bom, pelo menos para mim.
Eu sorrio observando o movimento, e caminho lentamente até o local combinado. Ainda faltavam alguns minutos, mas eu queria estar lá, quando ele chegasse. Chegando no lugar marcado, dei uma olhada ao redor. Ali não haviam tantas pessoas, eu reparava nisso, mas logo duas figuras que se aproximavam, chamaram a minha atenção. Eu sorri ao vê-lo se aproximar de mãos dadas com Ele. Era muito parecido comigo. Reparo com orgulho. Eles não tinham se dado conta da minha presença ainda, porém, quando os dois fixaram os olhos em mim, detiveram os passos. Eu notei as expressões dos dois. Foi nesse momento, que eu tive certeza. Meu filho podia me ver.
Capítulo-33 "Caia sobre mim a maldição, meu filho. Faça apenas o que eu digo: Vá e traga-os para mim". (Gênesis 27:13)
Narrador Foi com muito custo que Michael conseguiu acalmar a pobre Mily naquela manhã. Ela estava inconsolável. Em seus pensamentos, Mily só tinha as lembranças do seu último ano ao lado de André. Todas as suas palavras dirigidas a ela, em que ele deixava claro, que tiraria o seu filho, tão logo ele nascesse. E aquele aperto no peito a acompanhou por todos os sete anos de Miguel. Os mesmos sete anos, em que André esteve em coma no hospital. Mas no fundo ela sabia, que ele nunca desistiria. Não enquanto vivesse. —Fique tranquila querida. Olhe para mim. Michael segurou o rosto dela com as duas mãos, a fazendo olhá-lo nos olhos. —Confie em mim, Mily. Eu o trarei de volta pra você. Tens a minha
palavra. Você acredita em mim? Mily respirou fundo, tentando acalmar-se, e acenou a cabeça em concordância. —Eu confio em você Michael. Eu estou confiando a você, o meu bem mais precioso. —Eu sei disso. E cuidarei dele, com a minha vida se preciso, tenha certeza. Ele a beijou suavemente nos lábios, e a abraçou forte. No andar de cima, Gael observava o pequeno Miguel se arrumar em silêncio. Desde que Mily lhe contou sobre o pai, ele estava assim. Quieto e pensativo na maioria do tempo. —Você está bem? Gael perguntou, se aproximando e o ajudando a amarrar os cadarços do tênis. —Sim. —Entende o quanto esse momento é importante Miguel? Gael perguntou, se sentando ao lado dele na cama. Miguel o olha sério. —Você conhece ele? —O seu pai? —É. —Bom, conhecer, conhecer, não. Eu já o vi. —Então você também sabia, e não me contou. Pensei que fosse meu amigo. Miguel constatou com tristeza. —Miguel, isso não era uma coisa que eu poderia te contar. Só a sua mãe poderia fazer isso. Ela te contou, quando achou que deveria. Mily é sua mãe, e as mães sempre sabem o que é melhor para nós. Ainda que às vezes pensemos o contrário, mas elas sempre sabem. É como...um super poder, sabe? Gael diz sorrindo, e recebe um leve sorriso do pequeno em resposta. —Será que vou gostar dele? —Isso você só vai saber, quando o conhecer. Mas fique tranquilo Miguel, ninguém vai te obrigar a nada. Você terá todo o tempo que precisar para se acostumar a tudo isso. Tá bom. Miguel balança a cabeça, parecendo um pouco mais tranquilo. —Agora vamos, arrume esse cabelo, e coloque um belo sorriso nesse rosto. Afinal você vai conhecer o seu pai, quantas crianças gostariam de ter
essa alegria? Não é? Ele sorri. —Acho que sim. Gael o ajudou com o cabelo, e os dois desceram. Michael estava na sala, terminando de corrigir alguns trabalhos de seus alunos, mas parou quando o viu, e lhe sorriu. —E aí rapaz, pronto para irmos? Miguel correu para os braços de Michael, o surpreendo com um abraço, no que ele o retribuiu. —Ei, Miguel, o que foi rapaz? —Eu agora tenho um pai, mas eu ainda vou amar você. As lágrimas escaparam dos olhos do anjo, que o abraçou com mais força. —E eu vou te amar para sempre. Para sempre. Tudo bem? Miguel acena que sim, e os dois sorriem um para o outro. Mily também secava suas lágrimas, amparada ao ombro de Gael. —Já podemos ir? Michael perguntou secando o rosto de Miguel com as mãos. —Já. —Então vai lá dá um beijo na sua mãe, e vamos. O menino correu para os braços da mãe que o recebeu com seu coração apertado, mas tentou conter seu desespero diante de Miguel. Em seu íntimo, ela pedia, a todos os Anjos e Santos do céu, e implorava a Deus, para que tudo não passasse de mau pressentimento. —Tchau mamãe. Eu volto logo. Miguel disse sorrindo para a mãe, como se soubesse de sua apreensão. —Vai com Deus meu filho. Mily o soltou aos poucos, ele se virou para ir, mas se voltou uma vez mais para a mãe e lhe acenou com a mão. —Nós voltamos logo. Michael disse dando a mão a Miguel, e um olhar significativo para Gael. Na noite anterior, Michael o instruiu a ficar ao lado de Mily, contrariando as suas ordens, de não sair de perto de Miguel. O Anjo da guarda não gostou nada daquilo, mas era um pedido de Michael, seu irmão e amigo. Mesmo sabendo que estaria em sérios problemas caso algo acontecesse, ele não tinha como negar-se a um pedido dele. E agora vendo o estado em que Mily estava, ele o compreendia. Michael dirigiu para o centro da cidade. Era domingo, o trânsito estava
tranquilo. Vez ou outra ele olhava Miguel pelo espelho interno. O menino estava quieto, apenas olhava o caminho que passava pela janela. Para ele, era compreensível que Miguel estivesse nervoso. Afinal ele vivera até ali, acreditando que seu pai estava morto, e de repente, ele descobre que na verdade ele estava vivo, e queria vê-lo. Talvez, outra criança no lugar dele, com apenas sete anos, não compreendesse tudo aquilo. Talvez estivesse com medo, confusa. Mas não Miguel. —Tudo bem aí? Michael perguntou, em uma tentativa de mudar o foco dos pensamentos do menino. —Tudo bem. Já estamos chegando? Michael ri. Miguel agora parecia ansioso. —Estamos sim. Michael procurou um lugar para estacionar junto ao parque. Ao descerem, deu sua mão a Miguel, que respirou profundamente. —Fica tranquilo amigão. Eu estou com você, ok? —Ok. Os dois seguiram para o lugar, onde haviam marcado. Michael observava as famílias sentadas à beira do lago, e as crianças que corriam por toda a área gramada. A tarde estava com um clima agradável, um leve mormaço se estendia sobre o jardim, fazendo emergir o perfume das flores no ar. Ao cruzarem a parte mais movimentada, os dois se dirigiram para o outro lado do parque, onde ficava um pouco mais vazio. Somente alguns casais sentados sob as árvores por ali. Michael viu a figura do homem, a quem ele conhecia, a alguns metros dos dois. Ele sentiu o aperto em sua mão, causado pela parada súbita dos passos de Miguel. —Minha nossa!!! Miguel estava pálido, os olhos azuis em um brilho nervoso, desviaram do homem a alguns metros de distância que lhes sorria, para a expressão confusa de Michael. —Ele é amigo seu?! Miguel perguntou em um misto de surpresa e nervosismo. Tornando a confusão de Michael ainda maior. —O que?! Não, por quê?
—Ele tem asas! Iguais as suas. O coração de Michael pulou uma batida ao ouvir isso. Ele puxou Miguel para junto de si, e o olhou apreensivo. —Tem certeza disso Miguel? Asas? Como as minhas?! —Sim, são asas negras, como as suas, só que as dele são enormes. No mesmo instante em que Miguel concluiu sua impressão do homem a sua frente, que sorria ao vê-lo, Gael se fez presente ao lado deles. —Mikhael! Gael disse aflito se pondo ao lado de Miguel. —O que faz aqui Gael? Você deixou a Mily sozinha! Michael o olhou enfurecido. —Eu não vim, eu fui trazido Mikhael, eu sou um Anjo da guarda. É o que acontece quando meus protegidos estão em perigo. Mas não sou nenhum estúpido, Jhaziel está com ela. Michael respira um pouco aliviado. Os três observam o homem, que dá alguns passos na direção deles, ainda sorrindo. —Você o conhece? Ele é um demônio ou... Gael perguntou a Michael, que estava fazendo um grande esforço para dominar a tensão que tomava todo o seu corpo, quanto mais o homem se aproximava deles. —Ele é um caído. —O que?! Gael perguntou em choque e puxando Miguel para mais junto de si. —Azazel. Santo Deus, como eu pude não ver isso? E era isso. André era Azazel, um Anjo Caído. Um dos maiores colaboradores de Lúcifer, porém, ele era muito mais do que isso. Michael passou a mão de Miguel a Gael, e o olhou apreensivo. —Fiquem aqui. —Mikhael, ele pode ser perigoso, você não pode... —Fiquem aqui! Michael caminhou ao encontro de Azazel, no intuito de manter certa distância entre ele e Miguel. O sorriso que Azazel ostentava no rosto dizia a Michael, que ele também sabia quem ele era, e no entanto, ao contrário da maioria, ele não aparentava temê-lo. E isso aos olhos de Michael era bem ruim. A contar pelo fato de que
ambos estavam na forma humana, porém Michael não poderia usar seus poderes se preciso fosse, pois poderia criar uma catástrofe sem precedentes, e isso era algo que estava totalmente fora de questão, ainda mais com tantas pessoas nas proximidades. Mais alguns passos, e ambos pararam diante um do outro. O sorriso de canto e os olhos brilhantes de Azazel o saudaram. —Ora ora, se não é o anjo negro, acompanhante de Abaddon! Na Terra, e em carne e osso? Michael, não é assim que o chamam? Michael lhe devolveu um sorriso irônico. —Então sabes quem eu sou? E ainda assim, estás aqui. Corajoso da sua parte, ainda que não muito sábio. Eu gostaria de saber, com que propósito? —Meu propósito aqui é um só, mas tudo dependerá de como resolveremos isso. Se será em paz, ou não. Azazel desviou o olhar de Michael e os fixou onde Miguel e Gael estavam. Ele fez menção de dar um passo na direção deles, porém Michael se colocou em seu caminho. —Fique onde você está! Michael disse a ele com o maxilar trincado, tamanha era a força que fazia para conter sua ira. Se ele perdesse o controle por apenas um segundo, transformaria aquele anjo caído em cinzas sem nem mesmo piscar, porém, também atingiria todas aquelas pessoas a sua volta. Michael olhou ao redor, e pode notar que o parque estava ainda mais cheio do que quando chegara ao lugar. E tendo em vista que Azazel sabia que ele viria, com toda certeza, aquilo havia sido pensado por ele. —Ele é meu filho! E virá comigo. Esse é o ponto aonde chegamos Michael. Ele virá comigo. —O que o faz pensar que isso será tão fácil? Por que você acredita que eu permitirei que o leve? Achas que tem poder contra mim Azazel? Azazel riu com profundo escárnio da situação em que ele sabia que Michael se encontrava. —Você não usará seus poderes nessa forma, Michael, ou matará todos esses pobres mortais. E eu sei, que você não pode retomar sua forma angelical... Ele ri de forma zombeteira. —... Está apaixonado, por uma mortal, que patético. Mas, de certa forma
muito providencial para mim. Vês, você não pode me impedir. Azazel tenta passar por Michael, mas ele o impede, se colocando a centímetros dele, e o olhando bem dentro dos olhos. —Se você der mais um passo, eu lhe garanto que não me importarei com quantos mortais morrerão, mas eu o transformarei em cinzas, bem aqui, não lhe darei chance de voltar para o inferno, que era de onde você nunca deveria ter saído. A força das palavras de Michael atingiram Azazel, ele recuou alguns passos e voltou a encara-lo, porém não sorria mais. —Eu previ esse seu rompante, sabia? Acreditei que você poderia estar a tanto tempo convivendo com os humanos, que poderia ter adquirido um pouco ou muito, do egoísmo que é característico deles. Mas matar todas essas pobres pessoas inocentes? Sinceramente Michael, que decepção. —Vá, enquanto você pode!!!! Michael vociferou, o que fez Azazel se afastar um pouco mais dele. —Você não entendeu? Eu não vou sair daqui sem meu filho! Michael se virou para Gael. —Leve-o daqui!!!! O grito de Michael foi seguido por um relâmpago que emanou das mãos de Azazel e por muito pouco não atingiu Gael e Miguel. —Fique onde você está, Anjo da guarda! A voz de Azazel trovejou contra Gael, que colocou Miguel atrás de si, e os olhos dele se voltaram para Michael que avançava para ele com fúria transbordando de seus poros. —Eu não faria isso se fosse você. Azazel em um movimento das mãos fez surgir uma imagem, que fez com que Michael paralisasse. Dentro de uma bola de fogo que girava entre as mãos de Azazel, ele pode ver, Mily e Jhaziel caídas no chão, e duas criaturas das sombras as vigiavam. Michael se deteve e sentiu o ar lhe faltar. —O que...o que você fez?! Ele gritou em desespero. —Por enquanto nada. Nada. Elas estão vivas, mas isso pode mudar. Meus amigos, não tem nenhum apreço por anjos, tão pouco por mortais, se elas ainda vivem, é graças a mim, a mim! Você entendeu?! Michael.
A respiração ofegante, e os tremores que lhe percorriam todo o corpo na tentativa de manter seus poderes sob controle o estavam esgotando. Michael tentou respirar pausadamente e procurava pensar em algo. E enquanto pensava, tentou distraí-lo. —O que pretendes com tudo isso? Miguel é só uma criança, o que quer com ele? —Isso não é problema seu. Entregue-o a mim, e as duas estarão livres. Esse é o jeito fácil, porém sempre há o difícil. —Liberte-as agora!!!! A voz de Michael ecoou por todo o parque. Os punhos fechados com tanta força, que as unhas encravaram em sua carne fazendo com que o sangue pingasse. A terra sob seus pés começou a tremer como se um terremoto estivesse tendo início, o vento começou a se agitar sacudindo as árvores com violência. Os gritos das pessoas que corriam em busca de abrigo, o alertaram de que ele estava perdendo o controle. Azazel ficou assustado, estava em sua expressão. Ele sabia que o poder de Michael poderia destruí-lo, e era evidente que ele não estava conseguindo mais contê-lo. —Elas irão morrer Michael, controle-se ou eu darei a ordem!!! —Mikhael!!! Gael gritou quando Michael avançou na direção de Azazel, mas ele não parou, ele não o ouviu. Estava completamente fora de controle. —Pare!!! Azazel o alertou dando mais alguns passos para trás. —Pare!!! Agora!!! Azazel o viu cruzar a distância que os separava com as mãos em chamas, e em um chacoalhar do vento suas asas negras ficaram visíveis, os olhos faiscavam em ódio e ira. Azazel viu que não poderia para-lo, e fez a única coisa que ele julgou que o faria parar. Os raios percorreram suas mãos em um grande lampejo reluzente e atingiram Gael nas costas, quando ele instintivamente se virou para proteger Miguel. —Não!!! Michael correu para onde Gael estava caído, amparado por Miguel que chorava abraçado ao amigo.
—Gael! Gael, fala comigo, Gael! Michael o puxou para si, pressionando o local do ferimento, mas ele não respondia. As roupas brancas se tornaram vermelhas pelo sangue que jazia dele. —Gael, fala comigo por favor, Gael!!!! Eu vou matar você desgraçado! Michael gritou para Azazel que o olhava receoso, ainda mantendo a distância. —Você me obrigou a isso, você! Me entregue o menino, ou as próximas serão elas. Azazel fez com que Michael as visse uma vez mais. —Deixe o vir para mim, Michael, agora!!!! —Não! —Me deixe ir Michael. Ele vai machucar a minha mãe. Miguel se levantou e tentou se afastar mas Michael o impediu segurando o seu braço com força. —Não Miguel, não! —Me deixe ir. Miguel tentava se soltar do aperto da mão de Michael, mas não conseguia. —Miguel, sua mãe morreria por você, eu não o deixarei, entendeu?! —Me deixe ir! Miguel puxou o braço com toda a sua força, mas sem sucesso. —Não! Michael gritou com o menino que o olhava com lágrimas nos olhos, porém as lágrimas que escorriam por seu rosto se tornaram brilhantes diante dos olhos de Michael. As feições de Miguel se tornaram ainda mais belas do que já eram, e uma luz brilhante e intensa começou a irradiar dele mais e mais. —Liberte-me!!! Libertei-me Mikhael!!! A voz ecoou como um trovão e fez imediatamente com que a mão que Michael o segurava lhe soltasse. Não por vontade dele, mas por obediência, ele não pôde se impedir de solta-lo. Miguel lhe havia dado uma ordem. Uma ordem direta. Ainda com Gael sangrando em seus braços ele o viu caminhar em direção a Azazel.
A luz que irradiava dele se tornava mais forte a cada passo, e o sorriso vencedor no rosto de Azazel foi se desfazendo quanto mais ele se aproximava. —Liberte a minha mãe, demônio!!!! Miguel disse a poucos passos dele. Azazel riu. —Ela estará livre, tão logo você venha comigo. Venha! Ele lhe estendeu a mão. —Miguel não! Michael gritou de onde estava. O sangue ainda se esvaia do corpo de Gael, ele não podia deixa-lo. —Cale-se, eu sou o pai dele! Você não viu? Ele só obedece a mim. —Você... não é...meu pai. Eu não obedeço a você. Miguel disse o encarando. O que causou grande fúria em Azazel. —Já chega moleque! Você virá comigo, querendo ou não! Azazel disse dando alguns passos na direção dele, porém quando ele tentou se aproximar, a luz de Miguel se tornou ainda mais intensa, era insuportável para Azazel, ele não conseguia se aproximar mais. Miguel ergueu os seus olhos ao céu e exaltou a sua voz em um clamor. —Príncipe da milícia celeste, pela virtude divina... —Não, você não pode, cale-se! Garoto idiota! Azazel gritou, já tomado pelo desespero, pois ele sabia o que aquela oração significava. Porém Miguel continuou a orar como se estivesse em um transe. —...Precipitai ao inferno a Satanás, e a todos os espíritos malignos, que andam pelo mundo a perder as almas... —Pare!!! Pare!!! Azazel gritava, mas sua voz foi encoberta pelos trovões e relâmpagos que tomaram o céu, tornando o coberto por nuvens carregadas como se uma grande tempestade se aproximasse. —...Valei-me São Miguel Arcanjo. Valei-me! Vinde em meu socorro!!! As palavras de Miguel foram seguidas por um trovão estrondoso que ecoou do céu, as nuvens se abriram e uma intensa luz que se precipitou de dentro delas desceu em direção a Terra acompanhada por uma enormidade de relâmpagos que faiscavam por toda parte e transformaram o dia em noite. Um baque alto foi sentido e toda a terra tremeu sob os seus pés. E Ele se fez visível no meio deles. A espada flamejando em labaredas de fogo fincada no chão, anunciava:
Miguel o Arcanjo, general dos exércitos celestiais ouvira as preces de Miguel. Azazel o olhava com temor, porém havia muito mais naquele olhar que ambos trocaram, havia mais do que ele próprio poderia supor. —Feliz em me ver, irmão? O Arcanjo perguntou. O olhar fixo em Azazel. —Está bem longe de casa, irmão. Azazel respondeu a saudação do Arcanjo com ironia. Ele lutava contra os sentimentos conflitantes dentro de si. Um ódio terrível que o dominava e ao mesmo tempo, uma imensa saudade. Vê-lo novamente, depois de tanto tempo, foi impactante. Porém Miguel ainda era exatamente como Azazel o tinha em suas lembranças. Os olhos de um azul profundos como um abismo o encaravam. A armadura prateada reluzente refletia a sua luz intensa, e as asas brancas como as nuvens lhe caiam das costas e cobriam o chão ao seu redor. Os cabelos dourados lhe cobriam os ombros emoldurando o rosto de traços fortes. Era a figura mais bela que se poderia imaginar. —Você também. Mas acredito que agora você conseguiu o que queria, não é verdade? Miguel Arcanjo disse se aproximando alguns passos de Azazel, que o olhava enfurecido. —E o que seria? Se sabes tanto sobre mim, diga-me irmão? —Chamar minha atenção, pois bem, você conseguiu. Estou aqui, qual o seu propósito aqui? Continuas a ser o moleque de recados de Lúcifer, Azazel!? Diga-me, quais os planos de seu mestre? Azazel estava completamente tomado pelo ódio. Desde que fora banido para o inferno, nunca mais esteve diante do Arcanjo. Por mais que ele o tivesse chamado incessantemente, ele nunca o ouvira. E agora, com uma simples oração de Miguel, a mesma que ele fizera durante séculos e nunca fora ouvido, ele estava ali, diante dele. —Ele não é meu mestre! Ele é meu irmão. Miguel riu sem humor algum. —Seu irmão usou você agora, como sempre fez. Por que achas que de todos os lacaios que o servem, ele escolheu você Azazel? —Eu sei exatamente por que fui escolhido Arcanjo Miguel. Por que eu sou o único que você não pode atacar sem ferir a si mesmo.
Eu sou o único, contra quem você não tem poder. Azazel disse exibindo seu sorriso zombador. —Exatamente! Você continua sendo usado, como o capacho que sempre fora. Azazel se enfureceu com as ofensas ditas por Miguel e avançou contra ele, seus raios trepidando nas mãos, mas a poucos passos de alcança-lo, ele parou e riu de si mesmo. —Achas que sou idiota Miguel? Já que não podes atacar-me, achas que eu o farei? Pois eu não farei. Você terá que me impedir, Miguel Arcanjo, terás que me impedir, ou o garoto virá comigo. Miguel Arcanjo balançou a cabeça em negativo algumas vezes. —Azazel, Azazel. Quase funcionou não foi? O Arcanjo deu alguns passos ficando a centímetros de Azazel. —Por um segundo você esqueceu que também não pode me atacar sem ferir-se. Assim como você esqueceu o que éramos. Mas eu não esqueci, eu não esqueci a sua traição, eu não esqueci que você me apunhalou da maneira mais vil que uma criatura poderia machucar outra. Eu... não... esqueci!!! Miguel exaltou a sua voz, e relâmpagos reluziram a sua volta. —Era para você ter me seguido!!! Azazel também se exaltou. Mas o Arcanjo gargalhou incrédulo por ter ouvido tais palavras. —Esperavas que eu o seguisse? Eu?!!! O general dos exércitos celestiais, o seguisse na rebeldia, na traição contra o seu Criador? Azazel, se algum dia acreditei que Deus tenha cometido um erro, foi o de ter me ligado a você. —Você era parte de mim!!! —Era, e você de mim, mas isso não o impediu, impediu? Não. Você me traiu, escolheu segui-lo, e eu nunca o perdoarei por isso. —Eu não quero o seu perdão. —Então por que oras dia a pós dia em meu nome? Por que me chamas Azazel? O que ainda queres de mim? —Eu já quis o seu perdão, hoje, não mais. Eu só quero o meu filho, e eu não vou falar outra vez, ou ele vem comigo agora, ou a mortal inútil e a Anjinha da guarda preferida de Rafael irão morrer. O Arcanjo Miguel recuou alguns passos ficando ao lado de Miguel.
—És ainda o mesmo tolo de antes Azazel. Miguel Arcanjo riu. —Estou aqui, enrolando você com essa conversa fiada, com um propósito. As duas já estão livres, e seus amigos demônios, já devem ter voltado para junto de seu mestre. Se...Eliel teve misericórdia deles, o que eu duvido, já que você escolheu mexer com a face dele. Aliás, esse seu plano, foi uma sucessão de erros Azazel, você se deu conta? A expressão de ódio de Azazel não abalou o Arcanjo, que estendeu a mão para Miguel, que lhe deu a sua, se unindo a ele. —Você poderia ter escolhido qualquer mortal da Terra para gerar o seu filho, mas você quis me afrontar, então procurou a criatura mais pura, com a aura mais limpa que você pode encontrar. Mas, o que você não sabe, é que aquela mortal "inútil" como você disse, é a face de Mikhael. E você, eu odiando isso ou não, ainda era a minha. Azazel ri. —Eu era? Você acha que pode romper a nossa ligação? Sinto lhe dizer, irmão, mas você não pode. —Eu acreditava nisso. Mas eis que você me libertou. Eu não vejo mais a sua luz Azazel. Eu vejo... a dele. O Arcanjo se virou para Miguel e lhe deu um sorriso emocionado. Seu coração estava transbordando de alegria, ele finalmente estava livre. —Não! Isso não é verdade! Você está mentindo, é isso que você é, um mentiroso! Azazel disse exaltado. —Eu lhe devo um agradecimento Azazel. E só por isso, vou lhe conceder o direito de voltar para o inferno. Só, por isso. Eu lhe digo, vá, vá agora! Azazel gargalhou dobrando seu corpo para frente. Ele apoiou as mãos nos joelhos de tanto rir. —Achas que era só isso? Que meu irmão confiou só em mim para iniciar o seu domínio sobre esse mundo? Ele disse ainda rindo. —Você acha que venceu? Ah não, eu posso ter falhado em dar vida a um dos nossos, mas Samael não. As gargalhadas se intensificam. —Eu lhe garanto que ele não se deu ao trabalho de procurar por almas puras Miguel. Ele gerou seus filhos nas piores criaturas que vivem nessa
Terra. —Filhos!? O Arcanjo Miguel o questionou. Os Arcanjos já sabiam que Samael estava na Terra, mas ainda estava oculto para eles quais os planos de Lúcifer para enviar o seu irmão amado a Terra sem ele. Pois era notório que Lúcifer e Samael não se separavam nunca. —Diga-me, quais os planos de Lúcifer? E talvez o criador lhe tenha misericórdia Azazel. Diga-me! —Me acusas de ser um traidor Miguel, e agora esperas que eu traia a confiança de meu irmão? Não, eu não o farei. —Achas que Lúcifer perdoará sua falha? Achas que ele terá misericórdia? Eu estou lhe dando uma chance Azazel, uma chance de se redimir, pegue-a. —Não! Eu não vou voltar para aquele inferno, você terá que destruir-me, e sabemos que você não pode. Podemos não ser mais a face um do outro, mais você ainda é parte de mim, enquanto eu viver. Você não tem poder contra mim!!! —Eu não, mas ele sim. O Arcanjo se voltou para o lugar onde Michael estava, ainda sentado ao chão, abraçado ao corpo de Gael. —Mikhael! Eu, Miguel Arcanjo, príncipe das milícias celestes, seu general, restauro o seu poder! Destrua-o!!! A voz do Arcanjo ecoou como trombetas acompanhadas por trovões e relâmpagos que desceram do céu fazendo com que Michael se levantasse e os recebesse sobre si. As asas negras abertas em chamas, agitaram o ar a sua volta. Ele não era mais Michael, e sim Mikhael, o anjo negro acompanhante da morte. Azazel tentou se afastar, mas com um gesto de suas mãos, Mikhael o paralisou. Com a face aterrorizada, Azazel o viu caminhar em sua direção. O olhar ardendo em fúria, irradiava toda a sua ira. —Morra demônio!!! As palavras de Mikhael atingiram Azazel como labaredas ardentes. Mikhael segurou o rosto de Azazel com ambas às mãos em chamas, e vendo o pânico que o tomava, ele sorriu. —Queime! Obedecendo a ordem, o corpo de Azazel se tomou em chamas, e em
segundos se desfez em cinzas que voaram para longe com o vento. O Arcanjo foi até onde Azazel estivera, e se ajoelhou pegando um punhado de cinzas nas mãos. —Agora você está livre irmão. Lúcifer não poderá mais usá-lo. Eu o farei pagar, eu lhe juro. Miguel Arcanjo se ergueu e pois uma das mãos no ombro de Mikhael. —É bom tê-lo de volta. Mikhael lhe deu um aceno de cabeça. Miguel Arcanjo voltou a Miguel, que retirou a espada de onde estava e lhe devolveu. O Arcanjo lhe sorriu e tocou o rosto do menino com delicadeza. —Sabes que só um Arcanjo pode tocar essa espada? Miguel Arcanjo disse se abaixando na frente do menino. —É o que eu sou? Um Arcanjo? Miguel lhe perguntou com seu olhos brilhantes que comoveram o Arcanjo. Era um sentimento que há muito tempo ele afastara de seu coração, porque lhe causava grande dor. Amor. Ele novamente tinha alguém que era parte dele. E estava comovido com o sorriso que Miguel trazia no rosto. —É o que você é! Muito em breve estaremos juntos, por toda a eternidade. Agora, preciso que você durma. Miguel Arcanjo soprou na direção do menino que caiu em seus braços em sono profundo. O Arcanjo caminhou com Miguel nos braços até onde Michael estava. Ele havia retornado, e estava novamente sentado no chão abraçado ao corpo de Gael. Michael tinha o olhar perdido. Nem se deu conta de que o Arcanjo estava ao seu lado. —Mikhael! Miguel o chamou, só então Michael se virou para ele. O semblante tomado pela dor. —Ele se foi. Se foi. E a culpa é minha. —Mikhael! Gael é um Anjo da guarda, ele cumpriu o seu dever, proteger o menino era a missão dele. Ele está em paz. Você precisa encontrar a sua. —Paz? Eu nunca terei paz. Ele se foi por minha causa. Eu fiz tudo errado, fiz tudo que não deveria ter feito. Não há perdão para mim. Ao proferir essas palavras, quase que como cumprindo uma profecia, o ar se tornou gelado, as folhas das árvores e o próprio vento silenciaram.
Michael sabia antes mesmo de vê-la, o que aquilo significava. Ela o havia avisado. De dentro de sua aura negra Abaddon se fez visível a eles. Michael sentiu todos os seus músculos travarem. Estava com raiva de si mesmo, estava devastado pela dor da perda. Uma dor tão terrível, nunca antes experimentada por ele. —Você não vai levá-lo!!! Michael gritou, enquanto ela se aproximava deles. —Saia daqui!!! Eu já disse, você não vai levá-lo. Michael se abraçou ao corpo já sem vida de Gael. —Mikhael, deixe-o ir. Gael precisa se libertar desse corpo, ou ficará aprisionado nessa forma sem vida para sempre. Deixe que Abaddon o leve. —Não! —Mikhael! Abaddon se ajoelhou diante dele e o fez olhá-la. —Eu sei, você me alertou, você me avisou que eu não poderia lhe dar com as consequências das minhas ações, eu sei. Mas não é justo, fui eu que fiz tudo errado, não ele... não... ele. As lágrimas banhavam seu rosto, em seu coração só havia a culpa. —Deixe me levá-lo, eu cuidarei bem dele. Tens a minha palavra. Abaddon afastou os braços de Michael do corpo de Gael, passou sua mão no rosto dele e a levou até a mão de Gael. Abaddon se ergueu, trazendo consigo a alma de Gael, que a acompanhou para longe deles, deixando para trás seu corpo e caminhando com ela até desaparecerem por completo. O vento voltou a soprar, o corpo de Gael se desfez em cinzas por entre as mãos de Michael, e foram levadas por ele. Sendo seguidas pelo olhar devastado de seu amigo que ficara. —Eu espero vê-lo novamente, irmão.
Capítulo-34 "Houve então uma guerra nos céus. Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão, e o dragão e os seus anjos revidaram. Mas estes não foram suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus." (Apocalipse 12:7)
Michael Miguel o Arcanjo, me acompanhou quando retornei para a casa da Mily. Ele ainda trazia Miguel em seus braços. A casa estava silenciosa, porém, assim que sentiram nossa presença, Eliel e Jhaziel vieram até a sala, onde eu e Miguel estávamos. Jhaziel correu para mim, e me envolveu em seu abraço. —Eu sinto muito Mikhael. Não consegui detê-los. —A culpa não foi sua Jhaziel. O único culpado por tudo isso sou eu. Eu disse me afastando de seus braços. —Do que está falando Mikhael? Eliel me questiona se aproximando de mim.
—Ele está se culpando por ter impedido a jovem Mily de cumprir seu destino. Acha que por isso Gael se foi. Miguel Arcanjo respondeu, deitando Miguel delicadamente sobre o sofá. Ao deixá-lo, ele também se aproximou de mim, e me olhou sério. —Mikhael, o destino dessa jovem foi mudado no momento em que Abaddon o colocou ao lado dela. Não vês isso? Se Mily tivesse tirado a vida de Azazel, nós saberíamos tardiamente dos planos de Lúcifer para dominar esse mundo. Ele me diz com a mão em meu ombro. Eu respiro profundamente e tento aceitar isso, mas não será fácil. O fato é que meu amigo, meu irmão está morto, e eu não consigo tirar essa culpa de mim. —Tudo tem um propósito Mikhael. Nem a vida, nem a morte são em vão. Eliel me disse me dando um abraço caloroso. —Eu sei. —Bem, precisamos voltar, Miguel vem conosco? Eliel perguntou ao Arcanjo, tomando Jhaziel pela mão. —Não, eu ainda preciso resolver alguns pontos com Mikhael. Eu andei alguns passos até os dois, e os abracei, aos dois. —Obrigado. Obrigado por cuidarem dela. Eu disse ainda abraçado a eles. —Mily está dormindo lá em cima. Ela não se lembrará de nada do que houve aqui. —Está bem. Eu os soltei e me afastei. Os dois se foram deixando para trás apenas um rastro de luz, que se desfez aos poucos diante de mim. —Podemos conversar Mikhael? A um assunto importante que precisamos tratar, antes que eu vá. Miguel Arcanjo disse, me tirando de meus pensamentos. —Claro, eu só vou levar o Miguel para junto da mãe. Ela vai gostar de acordar ao lado dele. —Eu espero. Eu tomei Miguel em meus braços, e subi a escada para o andar de cima. O coloquei junto a Mily na cama. Eu fiquei alguns minutos olhando para os dois. Eles dormiam serenamente. Quando acordassem, não fariam ideia de tudo que se passou. Quando desci, o Arcanjo não estava na sala. Eu fui até a varanda, onde o encontrei sentado em uma das cadeiras dispostas por ali.
—Na forma humana? Eu o questionei, reparando que Miguel havia tomado à forma humana. Ele me sorriu. —Não o faço com frequência. Queria observar o céu, com olhos humanos. É... diferente. —É sim. Eu disse me sentando ao lado dele. —Sabes que estamos em um grande problema, Mikhael? Pelo que pude tirar de Azazel, Samael está espalhando essas crianças que podem nos identificar por toda a Terra. —O que ele pretende com isso? —Lúcifer quer dominar esse mundo, e a cada dia ele se torna mais forte, os selos não o deterão para sempre. Todas essas guerras, a violência, a falta de amor que assolam a humanidade, o fortalecem mais e mais a cada dia. Samael veio a Terra com o propósito de destruir os Anjos da guarda Mikhael. Sem eles, sem a proteção divina... santo Deus, será o fim deles. Eles estarão suscetíveis à influência das trevas, e ao domínio de Lúcifer. —E o que faremos? Não podemos permitir que isso aconteça. Eu perguntei ficando de pé. Miguel me acompanhou no movimento e me olhou expressivo. —Lúcifer, não contava em perder Azazel. Nisso ainda estamos em vantagem. Samael está sozinho, algo que nunca aconteceu antes, Mikhael. Vês a chance que temos de infringir um grande golpe em Lúcifer? Temos que encontrá-lo, e destruí-lo. O choque tomou todo o meu corpo ao ouvir as palavras do Arcanjo. Eu consigo entender o ponto de vista de Miguel, mas... destruir Samael?! A face de Lúcifer, a única criatura vivente que ele ama! —Não podemos apenas mandá-lo de volta? —Esse tempo já passou Mikhael. Não sabemos quantas dessas crianças ele espalhou por aí, temos que destruí-lo, e assim todas as suas criaturas serão destruídas com ele. Acredite em mim quando digo, Rafael não permitirá que os Anjos da guarda continuem na Terra, se uma dessas crianças ainda viver. Eu o olhei apreensivo. —E Miguel? O que acontecerá com ele? —Miguel foi um milagre Mikhael.
Um Arcanjo nascido de uma humana. Meio anjo meio mortal. Ele é parte de mim, nada acontecerá a ele. Porém, Miguel precisa cumprir sua jornada mortal, aqui na Terra. Nós não temos ideia dos poderes dele, nem da sua força. Miguel é uma criatura única, e ele pode ser a nossa chance de vitória, na batalha que está por vir. —Batalha?! —Sim, algo está por vir Mikhael, eu posso sentir. E se tivermos êxito em destruir Samael, a ira de Lúcifer será tamanha. E ela será totalmente direcionada a nós, tenha certeza disso. Nossas faces estarão aqui. Por isso vou lhe pedir algo, que acredito seriamente que não será nenhum sacrifício para você. —O que seria? —Vou pedir lhe que fique na Terra Mikhael. Até que Miguel conclua sua jornada mortal e possa vir para mim. Eu sorri, tomado por uma grande alegria. Meu coração disparado dentro do peito, o que me trouxe a lembrança de que eu também estava na forma humana. —Serei um Anjo da guarda então? Pergunto percebendo tamanha ironia. —Não irmão, você será um guardião. Faça o que preciso for para protegê-lo. Miguel pode ser a única salvação da humanidade. Eu restaurei seus poderes, mas... Miguel fecha os olhos e põe suas mãos sobre os meus ombros. —...Agora a forma humana não cessará seus dons. Você tem total controle sobre eles. Eu respiro profundamente, e posso sentir minha luz, mesmo estando mortal. —Obrigado. Você sabe o que significa para mim, poder...ficar. —Não me agradeça, estou lhe dando uma missão Mikhael. Destrua Samael e proteja o Miguel. —E eu a cumprirei. —Tenho certeza que sim. Miguel me dá um sorriso genuíno ao que retribuí. —Se precisar de mim, é só chamar que eu virei. Não te esqueças Mikhael, os dons de Miguel aumentarão quanto mais ele se aproximar da idade adulta. Não sei por quanto tempo poderei contê-los.
—Então algum dia ele irá lembrar? —Sim, não tardará, e teremos que guia-lo, sem ter a menor ideia do que ele será capaz. Será um desafio, para nós e para ele. —Estaremos prontos. —Sim, estaremos. Ele me diz sorridente. Um barulho de motor, nos fez os dois nos voltarmos para o portão. O carro estacionou, e vimos a Kelly sair do veículo. —Você tem visita. —Parece que sim. Espere aqui, ainda preciso lhe fazer uma pergunta. Miguel me acena com a cabeça e eu fui até o portão. —Kelly, que surpresa. Eu disse da forma mais natural que consegui, ao abrir o portão para que ela entrasse. —Michael, desculpe mas, eu até tentei avisar. Por que vocês não atendem o telefone? Estou ligando desde a manhã e nenhum dos dois atende, fiquei preocupada. Ela me diz aflita. Kelly me acompanha pelo caminho que leva a varanda, ela me questionava sobre a Mily, mas seus olhos encontraram a figura impactante de Miguel, que aguardava por mim na varanda. Mesmo na forma humana, ele era uma figura e tanto aos olhos humanos. Ele sorri para nós, e eu precisei pensar rápido. —Kelly, esse é... meu irmão, Miguel. Miguel, Kelly. Uma amiga. Quando eu disse a palavra irmão, Kelly me deu um olhar que embutida à pergunta: Mais um? Ora, mas o que mais eu poderia dizer? —É um prazer conhecê-la. Miguel disse beijando uma das mãos dela que sorriu lindamente em resposta. —O prazer é todinho meu. Kelly disse ainda sorrindo, a expressão completamente fascinada. Mas para minha surpresa, não parecia ser só ela. —Kelly, eu ainda preciso falar com meu irmão, mas... entre, Mily está lá em cima. Você conhece a casa, fique a vontade. Os dois soltaram as mãos, e só então pareceram se dar conta da minha presença.
—Ah, claro. Eu vou indo, foi... um imenso prazer conhecê-lo Miguel. —O prazer foi todo meu. Kelly entrou na casa, parecia um pouco tonta. E eu fiquei observando Miguel, que parecia verdadeiramente encantado pela figura dela. —Tudo bem? Perguntei fazendo com que ele me desse sua atenção. —Sim, por que não estaria? Ele me diz sorridente. —Bom, faça sua pergunta Mikhael, eu preciso mesmo ir. Eu o olho fixamente, mas a dor prende as palavras em minha garganta. Mas eu as forço a saírem. —Gael, o que... acontecerá com ele? Sei que ele irá renascer, porque não estava em sua forma angelical quando foi atingido, mas...ele ainda será o Gael que conhecemos? Uma pausa agoniante se deu, até que Miguel me respondesse, e pela expressão dele, julguei que não iria gostar da resposta. —Mikhael, Gael perdeu seu corpo físico, ele renascerá sim, porém não poderá mais ser um Anjo da guarda. —O que?! —Gael não poderá mais tomar a forma humana. —Mas...ser um Anjo da guarda é tudo o que ele é. Como ele poderá...ah Deus! Eu me sentei. Uma dor imensa se apoderou do meu coração. —O que ele será? —Isso dependerá dele. Há muitas coisas a se fazer no céu, Mikhael. Tenho certeza de que Gael encontrará algo que o inspire. —E demora muito? —Gael é jovem, alguns anos e ele estará exatamente como era. Não é como se fossemos eu ou você no lugar dele, nesse caso, seriam alguns séculos até estarmos totalmente restaurados. Miguel me deu um abraço apertado. —Fique em paz irmão, a batalha está apenas começando. Não se esqueça, se precisar de mim, não hesite em chamar. Preciso ir agora, ainda tenho que retirar as lembranças dos mortais que presenciaram o acontecido no parque. Eu acenei com a cabeça, e o vi desaparecer após retomar sua forma angelical. Meus pensamentos foram para aquelas pessoas no parque, mais cedo. Em
breve elas não se lembrariam de absolutamente nada. Será como se um dia fosse tirado de suas lembranças. Você já se sentiu assim? Como se faltasse algo? Como se tivesse perdido um dia da sua vida? Se sim, você com certeza presenciou uma batalha entre anjos e demônios. Elas acontecem o tempo todo. Eu mesmo já estive em várias. Mas com certeza você não vai lembrar. —Onde está aquele deus grego, que você chama de irmão, Michael? Não me diga que ele já foi embora? Kelly me surpreende, se sentando ao meu lado. Eu lhe sorrio. —Sim, ele já se foi. —Poxa, que pena. Agora me diz, ele é casado? Tem algum tipo de compromisso? Filhos? Eu não consegui conter o riso diante das perguntas da Kelly. —Não Kelly, meu irmão não é casado, mas, Miguel é um tanto quanto... inatingível. Ela me olha confusa. —Ele é gay? Ah não! —O que?! Não! Eu não consigo parar de rir e ela me olha séria. —Para de rir e me diz como o encontro de novo Michael? Acho que me apaixonei. —Céus Kelly, esquece isso, por Deus! —Ah querido, você não me conhece, quando eu enfio uma coisa na cabeça, não tem quem tire. Agora me diz, afinal, quantos irmãos você tem? A pergunta me deixou com um nó na garganta, porque isso é algo, que eu realmente não sei, porém não poderia dizer a ela. —Bom, que eu saiba, são só esses que você conhece. —E são todos loiros de olhos azuis, porque você não se parece com eles? As perguntas estão se tornando cada vez mais difíceis. —Acho que eu... sou a ovelha negra da família. Eu disse rindo, e me dirigindo para dentro da casa, em uma tentativa de que ela parasse com o interrogatório. —Volta aqui Michael, a Mily ainda está dormindo, você vai me explicar isso direitinho, volta aqui... Ela diz enquanto me segue para dentro de casa. Céus, Miguel, o que você foi me arrumar?!
Capítulo Final "Não insistas comigo que te deixe, e que não mais te acompanhe. Aonde fores irei, onde ficares ficarei!" (Rute 1:16)
Michael Trinta dias se passaram, desde que recebi minha nova missão. Destruir Samael, e proteger o Miguel e a Mily. Tenho estado com o Arcanjo Miguel, vez ou outra. Tenho tentado convencê-lo, de que devemos enviar Samael de volta ao inferno, ao invés de destruí-lo. Isso nos pouparia de muitos problemas. Comprometi-me, em encontrar cada uma das suas criaturas pela Terra, até que não restasse mais nenhuma que pudesse colocar em perigo os Anjos da guarda. Porém, não só Miguel, mas também o Arcanjo Rafael, estavam irredutíveis. Sendo assim, não tive mais argumentos.
Durante alguns desses meus encontros com Miguel, eu lhe pedi permissão para contar a Mily, sobre mim e sobre o Miguel. Ela ainda não se lembrava de nada daquele dia. Eu apenas disse a ela, que o pai do Miguel não havia aparecido ao encontro marcado. E é nisso que os dois acreditam, que o homem simplesmente desapareceu. —Achas que a mortal entenderá tudo isso? É bem provável que ela ache que você é louco. Miguel me disse com um sorriso debochado no rosto. —Eu acredito que ela entenderá, e se só a minha palavra não for o bastante, eu posso provar. Eu disse devolvendo o sorriso. —Muito bem Mikhael, você tem permissão para contar a ela. Porém, você, e somente você, será o responsável pelo que acontecer a ela por obter esse conhecimento, e o que ela fizer com ele, também será responsabilidade sua. Entendes isso? Ele me perguntou enquanto andávamos pelo grande salão de entrada do céu. —Eu entendo. E agradeço. Respondi quando paramos. —Isso lhe trará paz irmão? Contar a mortal quem você realmente é? —Sim, um pouco de paz. Miguel me sorri e toca meu ombro amistoso. —Espero que um dia, possas recuperar toda ela. Despedi-me do Arcanjo, e me pus a caminhar pelos corredores de grandes portas douradas com entalhes que lembravam grandes batalhas celestiais, e sem perceber, me vi atravessando a porta que levava ao Jardim das crianças. Eu as vi, sentadas sob árvores, outras cantavam acompanhando o coro de anjos. Algumas corriam pelo jardim, essas eram ainda bem pequenas. —Eu sei a quem procuras, Mikhael. Ele não está aqui. A voz serena de Jhaziel soou ao meu lado. —Quando ele estará? Eu perguntei me voltando para ela. —Eu não sei. Eliel disse que vai levar algum tempo. Ele... precisa querer. Meu coração apertou dentro do peito. Era como sentir a perda de Gael uma vez mais. Ele não poderá mais ser um Anjo da guarda, e isso era tudo que ele amava ser. —Será que ele vai querer... voltar?
—Vamos orar para que sim. Jhaziel me sorri, tocando o meu rosto. Eu lhe dei um abraço forte em despedida, e parti. Ao retornar para casa, me senti mais uma vez só. Já havia me habituado à convivência com Gael, e agora, ele não estava mais aqui. O cordão com um par de asas douradas, brilhava em minha mão para me lembrar disso. As asas de um anjo, de quem o sopro de vida foi tirado. O pequeno Miguel me pergunta por ele todos os dias, e o que eu digo, é que um dia ele irá voltar, mas... que eu não sei quando. A vida precisava seguir seu curso. Quando completamos um ano juntos, pedi a Mily em casamento. E eu não poderia ter ficado mais feliz, quando ela me disse sim. A cerimônia foi simples, mais emocionante. Um dia que ficaria em minha memória por todos os séculos e séculos que eu ainda vivesse. Pude contar com a presença de Jhaziel e Eliel. E olhar para eles, sempre me fazia lembrar de que faltava alguém.
Cinco Anos Depois Já fazia algum tempo que o Arcanjo Miguel não me chamava. Ele me pediu que seguisse a vida, e observasse com atenção o desenvolvimento do Miguel. Porém, essa noite, ele veio a mim, e me disse que finalmente encontraram Samael. Agora, cabia a mim cumprir a missão que me foi confiada. Levantei-me da cama devagar, não queria acordar a Mily, e acabar por preocupa-la. Desde que lhe contei, que sou um anjo, e que o Miguel também é, ela ficou em choque por alguns dias. Mas ao contrário do que imaginei, ela acreditou em mim. Mas desmaiou quando eu lhe mostrei as minhas asas negras. Acho que foi o susto, já era de se esperar. Nesses cinco anos, tenho sempre tentado explicar a ela, um pouco sobre o meu mundo, e o que no futuro, será também o mundo do Miguel. Ela tem tentado entender, mas sei o quanto tudo isso tem sido difícil para ela. Desci a escada vestindo meu casaco preto, era madrugada ainda. Eu pretendia ir e voltar, antes que a Mily sentisse a minha falta. Tomei minha forma angelical e pensei no lugar onde queria estar.
O lugar estava escuro, não parecia ter ninguém. O que constatei, assim que entrei. Uma pequena casa de madeira, em meio a uma floresta, afastada de qualquer cidade. Um bom lugar para alguém que estava se escondendo. Dentro da casa, haviam poucos móveis, apenas uma mesa de madeira escura com uma cadeira, um fogão velho com algumas panelas sobre ele, e na lateral próxima a pequena janela que deixava passar pelos frisos da madeira a luz do luar, havia uma cama de solteiro. Eu andei observando o lugar. O cheiro dele estava em toda parte. Era certo que Samael estava mesmo vivendo ali. Sobre a mesa, haviam algumas caixas de madeira, que chamaram minha atenção, três para ser mais exato. Peguei uma delas para ver o que tinha dentro. Meu corpo ficou petrificado quando a abri. Minha mão tremia ao retirar aquele cordão da caixa. Foi o leve tilintar das pequenas asas, que me fizeram voltar a mim. Eu nem sei dizer o sentimento que se apossou de mim, naquele momento. Ainda com aquele cordão em minhas mãos, eu abri a segunda caixa, e uma lágrima desceu pelo meu rosto, ao me deparar com outro cordão, meu peito doía, e era uma dor aguda, física, algo arrasador. Mas o que havia na terceira caixa, me fez sentir algo, que foi além da ira, da raiva, da dor. Era ódio, algo que nunca pensei que um dia poderia experimentar. A sensação de odiar alguém com todas as minhas forças. Eu peguei o cordão que havia naquela caixa, ele brilhava para mim. Três irmãos mortos, três anjos que perderam suas vidas. Mas aquele cordão, que brilhava para mim, significava que eu conhecia o dono dele. Quando o toquei, vi o sorriso no rosto angelical da jovem Nithiel. A anjinha da guarda do pequeno Bruno. Eu levei aquele cordão ao meu coração, e chorei. E foi em meio a minha dor, que eu senti a presença dele. A dor tamanha que estava em mim, juntamente com o ódio que eu sentia, era algo surreal. Samael não teve chance de se mover, quando atravessou a porta em sua forma humana. —Desgraçado! Eu o segurei pelo pescoço e o pressionei junto à parede ao lado da porta. Ele riu. Enquanto minhas lágrimas ainda molhavam meu rosto. —Vejo que viu meus presentes.
Eram para meu irmão, mas sinta-se presenteado também. —Cale-se! Ou arrancarei a sua língua, antes de transformá-lo em cinzas. Eu digo o apertando ainda mais. Samael se engasga com a falta de ar, mas continua rindo. —Termine logo com isso, Michael, já estou pronto para voltar ao meu irmão. Ele disse puxando o ar. E essa foi a minha vez de rir. Eu ri, de mim mesmo. —Eu cheguei a pensar..., eu cheguei a cogitar a ideia de desobedecer à ordem que me foi dada, e realmente mandá-lo de volta Samael. Mas você... Você despertou algo em mim, que jamais deveria ter acordado. E agora pagará por isso. Eu não vou manda-lo de volta para o inferno, eu terei prazer em transformá-lo em pó, em nada! Você nunca mais... verá... seu irmão. Eu disse cuspindo as palavras na cara dele. Os olhos arregalados me diziam que finalmente ele me entendeu. —Você não é louco a esse ponto! Atrairá toda desgraça e a ira de meu irmão sobre você, e sobre todos aqueles que você ama. Ele diz afobado, tentando aliviar o aperto da minha mão. —Achas que tenho medo de Lúcifer, achas?! Pois que ele venha de uma vez, assim, em breve, seu irmão irá lhe fazer companhia. No nada, porque é isso que você será, nada!!! —Você me julga, Michael, mas é igual a mim. Assassino de anjos. Azazel também era um Anjo, era seu irmão e você o matou!!! Ele grita, usando o pouco ar que ainda lhe resta. —Eu não mato Anjos! Eu mato... demônios!!! Como você. Queime desgraçado!!! Eu vou enviar as suas cinzas a seu irmão, no inferno!!! E esse será o meu presente para ele! As labaredas desceram das minhas mãos para o corpo de Samael que se incendiou diante de mim. Eu me afastei, e o assisti queimar devagar. Eu quis que seus gritos chegassem aos ouvidos de Lúcifer. Eu espero que tenham chegado. Porque ele, será o próximo. Foi a promessa que fiz aos meus irmãos que se foram. Eu saí da casa, antes que a mesma se transformasse em cinzas junto com o seu dono. Mas fiquei, e a observei queimar, até que só restasse pó. Em uma das caixas que eu tinha nas mãos, eu recolhi um punhado das
cinzas e as depositei ali. Lúcifer estava prestes a receber seu amado irmão de volta. Esse pensamento me fez sorrir.
O céu estava nublado, eu observava da janela da sala, parecia que ia chover a qualquer momento. Terminei de guardar os trabalhos corrigidos, que estavam espalhados sobre a mesa de jantar, e separei os que ainda precisava olhar. Eu ainda acompanhava a mesma turma. Simplesmente não consigo me separar deles. Afinal, eles eram as minhas crianças. Se Gael me ouvisse dizendo isso. Eu pensei em um sorriso. A cada ano a Kelly tenta me mudar para outra turma, mas eu a convenço do contrário. O que não é muito difícil, ela sabe o quanto amo aquelas crianças, sinto como se fossem todos filhos meus. Sendo assim, vou mudando de classe a cada ano, junto com eles. Mily estava na cozinha preparando o jantar, e Miguel no quarto assistindo TV. Eu ia me juntar a ele, mas senti uma presença. Uma presença muito forte, que fez meu coração se agitar. Esperei que em algum momento, alguém se fizesse visível para mim, mas, nada aconteceu. —Michael! Fecha às janelas, acho que vai chover. A voz da Mily me fez ir até a janela para fecha-la. Foi então que eu a vi, lá fora. Uma luz intensa e brilhante. Ela chamava por mim. Eu vi que a Mily estava distraída na cozinha, então saí, sem que ela visse. Ventava bastante, e alguns relâmpagos riscavam o céu. Eu saí na varanda, e me aproximei da luz. Meu coração batia acelerado, e eu não sabia por que. Com mais alguns passos, eu a toquei. E o vi tomar forma diante de mim. A emoção foi tão forte, que eu nem pensei, eu só... —Gael!!! Eu disse o puxando para mim. Para o meu abraço. Eu precisava ter certeza de que ele era real, e não mais um dos inúmeros sonhos que tive em que ele voltava. Ele me abraçou forte e ficamos um tempo assim.
—Irmão, você voltou! —Me disseram que você não vive sem mim. Gael me disse com seu olhar zombador e o mesmo sorriso irritante do qual eu sentia tanta falta. Realmente era ele. Não havia dúvidas. —Senti sua falta. Digo secando minhas lágrimas. —Eu também. Nós nos abraçamos mais uma vez. E fiquei um tempo olhando para ele, com minhas mãos em seu rosto. Acho que tentando acreditar que Gael estava mesmo de volta. —Como você está? Como se sente? —Eu estou bem Mikhael, nada do que aconteceu, foi culpa sua. Eu vim aqui para te dizer isso. Eu respiro profundamente e volto a abraça-lo. —Eu pensei que tinha perdido você. Ele ri, daquele jeito que só ele tem. —Você não tem tanta sorte. Eu sempre estarei com vocês. Mikhael, sempre. Eu uni minha testa a dele e ficamos assim. —Me perdoa. —Pelo quê? —Por você não poder mais... ser... —Um Anjo da guarda? —É. Gael se afasta um pouco de mim e me olha um pouco apreensivo. —Sobre isso, eu... preciso te contar uma coisa. Foi também por isso que eu vim. Queria que você soubesse por mim. Eu o olhei confuso. Percebi que Gael estava nervoso. —Diga, o que quer me contar? Ele respira e sustenta o meu olhar. —Eu não sou mais um anjo da guarda! Eu olho para ele ainda mais confuso. —Eu sei, e sinto muito. —Não, Mikhael, eu quero dizer que... —Que? —Bom, não pertenço mais a essa hierarquia.
—O que? Como?! Não sabia que isso era possível! —E não é, mas eu estou em alta conta com o Arcanjo Miguel, e com Atheniel também. Sendo assim eles me concederam esse desejo. Ele me diz em um sorriso radiante. Eu retribui. —Bem, se isso o deixou feliz, também fico feliz por você. —Você não vai perguntar a qual hierarquia pertenço agora? O olhar apreensivo que Gael me dava me causou arrepios. Cruzei os braços a frente do corpo, e o olhei com atenção. —Está bem Gael, a que hierarquia você pertence agora? Não me diga que também se tornou um Arcanjo? Eu disse tentando acalma-lo. Ele riu, mas a apreensão ainda estava lá. E isso começou a me preocupar. —Diga de uma vez Gael? A que hierarquia você pertence? —Bom, agora somos irmãos. —Nós sempre fomos irmãos Gael. Eu disse sem realmente ouvir o que ele havia dito, até ele repetir. —Não, agora nós somos iguais. Eu agora sou como você, Mikhael. Pertenço à hierarquia das Dominações. Minha cabeça girou, cheguei a sentir o chão fugir de baixo dos meus pés. —O que você disse? —Agora somos iguais Mikhael. Gael me diz se aproximando e segurando meus ombros. Ele me olha com seus olhos azuis brilhantes e emocionados. —Gael, o que você fez?! —Mikhael, eu gostaria de dizer que foi por você, mas... não foi. Foi por ela. Eu ainda estava perplexo, atordoado, não entendia mais nada do que Gael dizia. —Por ela? —Sim. E o sorriso no rosto dele me deixou em choque, ao me dar conta do que Gael estava me dizendo. —Ah meu Deus! Gael, você enlouqueceu?! —Ela é a minha face Mikhael. Abaddon, ela é a minha face.
Gael me diz isso com um sorriso comovente no rosto, tocado por uma grande emoção. Não havia brincadeira ali, nem ironia alguma. Não era uma piada, era real. —Deus! Você tem certeza disso? Abaddon?! —Sim, eu vi a luz dela brilhar para mim, na primeira vez que a vi. —Céus, ela sabe? Ele ri. —Não, ou sabe e nunca irá me dizer. Bom, mas eu estarei lá, ao lado dela. Por toda a eternidade. Eu o abracei forte. Era só o que eu poderia fazer. Abraça-lo e dar força para sua nova jornada. —Eu te desejo muita que Deus te acompanhe irmão, nesse caminho que você decidiu seguir. Espero que ela o veja, como você a vê. —Obrigado irmão. Nós nos afastamos, e secamos as lágrimas que molhavam nossos rostos. —Eu preciso ir. É meu dever agora acompanhar Abaddon, e você sabe que paciência não é uma das virtudes dela, não é? Nós rimos juntos. —Não mesmo. Eu disse ainda rindo. —Diga ao Miguel, que eu o amo de todo o meu coração. Assim que ele se lembrar de tudo, eu virei vê-lo. —Eu direi. —Até irmão. Nos veremos por aí. Eu toquei seu rosto uma vez mais, antes que ele se afastasse. —Gael! Eu o chamei antes que ele se fosse. —Então agora realmente teremos, um Anjo loiro, de asas brancas, e irradiando toda essa luz, andando para cima e para baixo, no inferno?! Eu disse em um meio sorriso. Gael gargalhou iluminando a minha alma. —Loiro sim, mas as asas... Ele disse e em um movimento fez suas asas se abrirem. E eu não acreditei no que estava vendo. —Ah! Meu Deus! Gael! As asas, eram enormes e negras, como as minhas.
—Isso, Mikhael, foi pra você! Até irmão. Gael movimentou suas asas e ao invés de simplesmente sumir, ele voou em direção ao céu. Eu fiquei olhando ele voar, com meus olhos molhados e o coração repleto de emoção e muito amor por aquele anjo fedelho. —O que tem lá? A voz da Mily, ao meu lado me fez olhá-la. Ainda tomado de emoção. Eu a abracei de lado, e apontei para o céu. —É Gael. —Ah! Meu Deus, Michael! Ele voltou! Eu sorri e a beijei suavemente. —Ele voltou. Alguns pingos de chuva começaram a cair. Nós corremos para dentro da casa. —Sobe e chama o Miguel. O jantar já está servido. Vou abrir um vinho, precisamos comemorar. Mily diz animada me enlaçando pela cintura e me dando um beijo apaixonado, ao que correspondi. —Está bem. Eu volto já. Afastei-me dela e subi os degraus de dois em dois. Meu coração estava leve, agora a felicidades estava completa. Abri a porta do quarto do Miguel, ele estava parado em frente ao espelho, eu paralisei quando o vi. Porém meu choque, não era nem a sombra do dele. Os olhos azuis arregalados e a pele tão pálida que parecia um fantasma. —Minha nossa!!! Você também tem!!! Ele me olhava e via as minhas asas, enquanto eu via as dele, tão alvas, quanto à pele dele estava naquele momento. Eu tento respirar, e dou alguns passos na direção dele, porém ele se afasta em pânico. —Calma Miguel, calma! Eu posso explicar! Santo Deus! Lá vamos nós, outra vez.
Fim
Epílogo "Eu subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembleia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo. Mas às profundezas do Sheol você será levado, eu o atirarei ao fundo do abismo!" (Isaías 14:12-15)
(Narrador) —Aaaaaaaaa!!!!! Um grito ecoou das profundezas do inferno. O som foi tão alto, tão agudo e sofrido, que pôde ser ouvido em cada um dos nove círculos, fazendo com que todas as criaturas que ali viviam, buscassem um lugar escondido para se abrigarem, em meio à escuridão. O terror as tomavam.
Em seguida a bela caixa em madeira entalhada, foi lançada longe, estilhaçando-se, deixando com que as cinzas que ali jaziam, se espalhassem pelo chão. A dor profunda sentida pela criatura, não foi capaz de fazê-la chorar. Era uma dor tamanha, esmagadora, mas ele era seco por dentro, não haviam lágrimas para derramar. Apenas ódio. Ódio ele tinha de sobra. A criatura travestida de homem rastejou até próximo, onde as cinzas de seu irmão haviam caído. Ele as pegou nas mãos, e mais um urro de dor foi ouvido. —Eles irão pagar, irmão!!! Ele gritou com sua face tomada pela fúria. Sua ira emanava de seus poros. —Eu lhe juro meu irmão! Eles irão pagar. Não haverá exército nesse ou em qualquer outro mundo, que será capaz de me parar. Eu os farei sentir, na carne, na alma, assim como eu estou sentindo. Lúcifer se ergueu do chão, ainda segurando aquele punhado de cinzas nas mãos. Uma gargalhada trovejou de sua garganta. —Eles aguardam o Juízo Final? Pois bem, eu serei o Juízo Final. Lúcifer caminhou até uma lateral, onde grandes labaredas de fogo queimavam sem cessar. Ele atirou as cinzas de Samael sobre o fogo, e levou a mão ao peito. —Sentirei sua falta irmão. Em breve a dor e os lamentos daqueles que o afastaram de mim, serão tão altas, que chegarão até você. Nesse dia, tenha certeza irmão. Eu estarei apenas começando. Ou eu não me chamo... Lúcifer.
Lúcifer “O Detentor da Vingança” Em Breve
AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por me conceder esse dom maravilhoso. Agradeço a minha fámilia por todo o apoio e compreenção. Agradeço também, a todos os meus leitores queridos, pois sem vocês nada disso seria possível. E as minhas parceiras dos IGs Literários, por todo o apoio e ajuda que têm me dado, eu agradeço de todo o coração.
About The Author P.C.L Vasconcellos
Patrícia Vasconcellos, brasileira, 41 anos, casada, mãe. Desde que aprendi a ler, sou apaixonada pelos livros, e por tudo que envolve Literatura. Aos 16 anos, incentivada por minha professora de literatura, comecei a colocar no papel, tudo que antes ficava apenas na minha imaginação. Tenho vários livros manuscritos, mas só agora decidi colocar minhas histórias a público, tendo como inspiração algumas autoras nacionais por quem tenho grande admiração. Desde então, não parei mais de escrever, e o retorno que tenho tido, está sendo uma grande surpresa para mim, e uma grande alegria, da qual tenho
tirado incentivo e inspiração para escrever novas histórias.
Books By This Author Herói Meg, uma linda jovem universitária de vinte e dois anos e muito dedicada aos estudos, conseguiu uma bolsa integral para terminar o curso de Engenharia, estava focada nesse objetivo e não queria distrações até vê-lo pela primeira vez. Brayan é ex-fuzileiro recém-chegado do Afeganistão, integrante do grupamento das Forças Especiais da Marinha em Missão de Paz junto a ONU, que no auge dos seus vinte e cinco anos já havia visto o pior da humanidade. Viveu no inferno por três anos, mas sobreviveu, e agora estava de volta ao seu lar. Ele decidiu terminar os estudos para poder voltar a se integrar à sociedade. Brayan voltou da guerra, mas lutava uma batalha interna todas as noites para trazer seu espírito de volta. Ele acreditava estar perdendo essa batalha até que viu o olhar de Meg, e isso abriu novas possibilidades para a vida dos dois. Uma paixão avassaladora, um destino traçado e um futuro feliz eram o que eles queriam, mas o mundo não é um lugar de paz. Um dia ruim, uma situação extrema, e Brayan se viu de volta para a guerra, e dessa vez sem saber se haveria retorno. Embarque nessa história apaixonante e descubra que ele não é apenas um homem, ele é um Herói.
Outono O sonho de Clara, sempre foi terminar a faculdade e trabalhar numa grande empresa, fazendo aquilo que ela mais gostava, Marketing. Ela lutou muito para chegar onde estava, era chefe do departamento de marketing de uma multinacional situada no Rio de Janeiro. Acabara de ser promovida, e já tinha um grande desafio nas mãos, criar uma imagem totalmente nova para sua empresa. Clara estava a ponto de surtar com tamanha pressão sobre si, mas seu chefe e
presidente da empresa, confiava em seu talento e tinha certeza de que ela iria conseguir. Vendo-a completamente estressada, ele decidiu dar-lhe um período de descanso, fora da cidade, para que com novos ares, novas perspectivas, ela voltasse renovada e pronta para fazer o seu trabalho. Rodrigo era médico, cirurgião cardíaco de um dos maiores hospitais de São Paulo. Tinha uma carreira estável e toda a sua vida estruturada naquela cidade. Tinha uma vida tranquila, se mantinha solteiro, pois julgava não estar na hora de se envolver. Ele só não contava com o destino, esse não marca hora, nem lugar. Apresentados por um casal de amigos em comum, Clara e Rodrigo vivem uma paixão avassaladora. Um romance com data marcada, era como eles chamavam, pois Clara em breve teria que partir. E esse era o combinado. Juntos até o fim do Outono. E nada mais.
Nem Era Um Conto de Fadas Embarque nessa viagem no tempo, e conheça Nora e Alexsandro. Nora, a filha mais velha de uma família de comerciantes, tinha uma vida boa, até seu pai começar a jogar, e perder todos os bens. Para salvar o patrimônio da família, Nora é dada em casamento a Alexsandro Montesquieu, um homem rude, rico e solitário, amigo de seu pai. Alexsandro apesar da beleza é um homem muito fechado, tem a alma marcada por perdas e dor. Quando Nora se vê casada por obrigação, com um homem que ela não conhece, para pagar a dívida da família, logo que chega ao castelo que será sua residência, se rebela contra o marido. Se ele achava que poderia comprala para tê-la em sua cama, e que teria uma esposa bela e obediente para exibir a sociedade, ele estava muito enganado. O que Nora não sabia, era que ele não a queria. Não do jeito que ela imaginava. E entender os sentimentos daquele homem passou a ser a meta dela. Venha se emocionar com essa história que fará você se sentir no Séc. XIX, onde os Contos de Fadas são reais.
Le e Ale Eu me chamo Alexandre, e gostaria de contar uma história para vocês.
É uma história, como muitas outras que vocês já devem ter ouvido, sobre um casal, que eram melhores amigos no mundo, e de repente se percebem apaixonados. Pois bem, essa até seria a minha história, se eu não fosse um idiota, tão estúpido, que não pude enxergar, o que estava na minha cara, o tempo todo. Essa é a história de como a perdi.