Natal Com Neve - Lisa Swallow

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NATAL COM NEVE UM ROMANCE INGLÊS NATALINO

LISA SWALLOW

Copyright © 2015 Lisa Swallow Editado em inglês por Hot Tree Editing Traduzido por Elessar Books LLC Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico, incluindo sistemas de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão por escrito da autora. A única exceção será feita a eventuais críticos que queiram citar excertos curtos em uma resenha. Este livro é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são resultado da imaginação da autora e foram usados ficticiamente. Quaisquer semelhanças com pessoas, vivas ou falecidas, eventos ou lugares, terá sido mera coincidência.

Natal com Neve (Um romance inglês natalino) Natal com Neve é um livro de leitura rápida, no gênero romance, escrito por Lisa Swallow, uma autora best-seller do jornal USA Today. Sadie começou as festas de final de ano da pior maneira possível. Depois de perder seu emprego uma semana antes do Natal, e começar uma briga em uma loja de brinquedos, ela decide largar os enfeites natalinos e viajar mais cedo para Cotswolds, onde pretende passar um Natal tranquilo em família. Ela não contava com as complicações originadas pelo casamento de sua irmã, na época do Natal. Nem com Jaime, irmão do noivo e padrinho. O rico e charmoso Jamie é tudo aquilo que Sadie tenta evitar. Mas, o padrinho carrega um segredo que irá mudar o Natal de todos. Na região coberta de neve de Cotswolds, será que Sadie conseguirá ter um Natal feliz afinal? Assine sua mala direta aqui: http://eepurl.com/Po81D

1

Os compradores da hora do almoço percorrem os corredores da loja de departamentos, agarrando as ofertas de Natal. Executivos envergando sóbrios ternos olham perplexos as exóticas peças de lingerie de seda ou engasgam com a mistura de perfumes na seção de cosméticos. Eu suspiro diante da falta de originalidade deles e fico com pena de suas esposas, namoradas ou amantes. Toda véspera de Natal, todo ano, eu faço a mesma coisa. Os dias e meses se misturam até ficarem impossíveis de distinguir, enquanto o volume de trabalho no escritório de advocacia nunca diminui, e as festas de final de ano chegam, sorrateiras, e me encurralam em situações como esta. As multidões e o calor são ruins, mas ouvir Michael Buble cantando músicas de Natal é o pior. Vai ver que a loja toca essas músicas para as pessoas entrarem e saírem o mais rapidamente possível. Chego à seção de brinquedos e fico surpresa ao ver que algumas mães imprudentes trouxeram os filhos ao paraíso de todas as crianças. Um homem que faz compras sozinho, agarrando uma lista na mão, caminha com lentidão pelos corredores com ar confuso. A loja está repleta de pés que se arrastam, de olhares vazios… Se neste instante começasse um apocalipse zumbi, acho que não daria para notar a diferença. Não preciso de listas. Estou procurando apenas um item que me trouxe até a loja de departamentos John Lewis. Quando prometi para minha sobrinha que compraria um Bugalugs, nunca pensei que estaria embarcando numa Busca ao Santo Graal. Meu irmão morreu de rir, desejando-me sorte, quando prometi à Imogen que levaria para ela, não apenas o brinquedo mais cobiçado do ano, mas a versão mais difícil de encontrar – a do arco-íris. Desde então, entendi a reação dele. Os bonecos de pelúcia robotizados são objetos raros no Reino Unido. A popularidade do brinquedo aconteceu inesperadamente, o que significa que não fabricaram em número suficiente. Hoje é véspera de Natal e esta é minha última chance. Ouvi dizer que esta loja John Lewis recebeu a última entrega dos bonecos antes do grande dia. Não tenho muito tempo porque vou me encontrar com minha irmã, Lottie, para o que promete ser uma semana exaustiva. Até entendo que ela queira um casamento com todo o romantismo do Natal. Mas, casar dois dias depois do Natal? Louca. Preciso entrar e sair da loja rapidinho. A viagem até Cotswolds deve levar algumas horas e não quero dirigir no escuro. Lottie já se instalou na casa de campo do noivo em Cotswolds, e já está entrando em pânico tentando planejar o casamento ao mesmo tempo que tenta organizar o Natal com seus futuros sogros. Conhecendo ela como conheço,

Lottie vai estar um caco quando o dia do casamento chegar, então decidi passar o Natal com ela para ajudar. Não passamos os últimos Natais juntas, então estou ansiosa para passar este com ela. Caminho em silêncio pelos corredores da loja, juntando-me à multidão de olhar arregalado à procura de presentes, e desvio de uma mãe que tenta impedir que seu filho escale as prateleiras. Lá está. Quando localizo a embalagem característica do boneco não consigo evitar comemorar com um silencioso - 'uhu!'. Normalmente, tenho esse tipo de reação quando consigo arrancar uma super barganha por um par de sapatos Jimmy Choo numa liquidação ou ao desencavar uma bolsa Prada enterrada numa pilha de importados numa loja de usados. Nunca imaginei que ficaria tão feliz por encontrar um boneco de pelúcia feio. O último boneco de pelúcia feio na prateleira. Dou um passo para o lado, com cautela, olho rapidamente por cima do ombro e agarro a caixa, segurando-a com força contra meu peito. Sigo até o balcão da loja, colocando, toda orgulhosa, o brinquedo na frente da moça do caixa. Ela está usando brincos em forma de árvore de Natal que piscam vermelho e verde, mas a expressão da moça não se ilumina nem um pouco. Nem mesmo ao ver o troféu que coloquei à sua frente. - A senhora tem direito a um livro grátis ao comprar este brinquedo. – diz ela num tom sem brilho, apontando para algum lugar atrás de mim. - Tudo bem. Só quero o boneco. – respondo, abrindo a carteira. A moça me encara e percebo que seus olhos têm uma maquiagem carregada. - A senhora deveria aproveitar. Esses livros custam mais de dez libras, normalmente. - Nossa! Tudo isso? Ela faz que ‘sim’ com a cabeça e o enfeite de papel prateado que tem na cabeça sai fora de lugar. Sem conseguir resistir a uma pechincha, deixo o Bugalugs sobre o balcão e volto até a prateleira de livros onde uma coleção me espera. Será que a Imogen já tem algum desses? Será que consigo trocar depois, se ela já tiver? Depois de alguns minutos de indecisão, agarro o livro mais próximo, com uma princesa cor-de-rosa na capa. Imogen adora cor-de-rosa e com certeza vai gostar deste. Quando viro de novo de frente para o balcão, vejo um homem alto batendo papo com a moça do caixa. A expressão de tédio dela transformada em interesse, ela ri de alguma coisa que ele diz, enquanto enrola no dedo seu longo cabelo escuro.

Não consigo ver muita coisa do homem além de seu casaco caro, calça social cinza escuro e sapatos brilhantes. Esse tipo de roupa me faz lembrar os caras do escritório de advocacia onde trabalho. Ou melhor, trabalhava. O cabelo castanho curto e os ombros largos me lembram o chefe paquerador que dispensei na festa de final de ano. Depois de me recusar a fazer sexo com ele sobre sua mesa de trabalho, perdi meu emprego por um motivo sem fundamento, uma semana mais tarde. O cabelo deste cara é mais escuro e mais curto, mas a julgar pela reação da Garota dos Enfeites, ele deve ser tão paquerador quanto. E ele está segurando meu Bugalugs. - Com licença. – volto ao balcão pisando duro e com o coração acelerado. – Esse brinquedo é meu. Quando o homem vira, seus olhos cor de mel me examinam sem disfarçar o interesse, antes de cerrar as sobrancelhas. - Seu? - O Bugalugs é meu. – respondo esticando a mão. O homem aperta a caixa com mais força. - Acabei de comprar este aqui. - Como assim? – viro para a moça do caixa. – Você vendeu meu boneco para outra pessoa? A garota segura uma sacola, pronta para guardar a compra dele. - Pensei que ele era seu marido. Ele disse… - Disse o que? Ele já pagou? - Paguei. - Mas isso é meu! Percebo com horror que estou parecendo a criança que estava berrando na seção de Legos a poucos instantes atrás. - Acredito que a senhorita irá perceber que o brinquedo me pertence, uma vez que já paguei pela mercadoria. A linguagem formal e o modo esnobe de falar me deixam mais irritada. Depois de dar uma boa medida nele, chego a um veredicto: terno caro sob o casaco longo, o cabelo castanho tem um leve ondulado e os dentes perfeitos combinam bem com a estrutura óssea sem falhas e postura impecável. E, provavelmente, com sua vida perfeita — e sua esposa. Ele usa aliança. O flerte sutil com a garota, seguido pelo descarado interesse com que ele me examinou da cabeça aos pés, e seu modo tão seguro de si, me irritaram ainda mais. Que idiota arrogante e esnobe. Mais um dos muitos que tive o desprazer de conhecer nos últimos anos.

O comentário metido dele joga pelo chão qualquer vontade que eu tinha de agir com maturidade. - Eu tirei o boneco da prateleira, coloquei a caixa sobre o balcão e fui procurar um livro. Porque você vendeu o brinquedo para outra pessoa? – indago à garota. - Ele disse que era seu marido. – retruca moça. Meu queixo cai, mas ele responde. - Não disse isso! - Eu perguntei se o senhor estava com ela. – diz a moça apontando para mim. – E o senhor disse que sim. - Como assim? - repito. Os cantos de seus lábios cheios estremecem enquanto ele tenta conter um sorriso. - Não disse que era casado com você. Aperto os dentes de raiva ao perceber que, a ideia de estar com alguém tão inferior quanto eu, é uma piada para ele. - Preciso desse brinquedo. Devolva para mim. – digo, estendendo a mão. O homem entrega o brinquedo à atendente que, bem depressa, coloca a caixa na sacola. Como é que é? Basta um sorriso sexy e ela obedece sem piscar? Isso não vai ficar assim. - Preciso desse brinquedo. – eu protesto. – Ele é meu! - Acho que preciso dele mais do que você. – diz o homem, pegando a sacola sem olhar para mim. - Não estou nem aí para o que você precisa. – olho com desprezo, da cabeça aos pés, para o homem vestido com roupas elegantes. – Aliás, duvido que você precise de alguma coisa! - Minha filha quer um Bugalugs e prometi que compraria. - Mas, não pode roubar o meu! Quando percebo que outras pessoas estão, a uma distância segura, observando nossa discussão, percebo o absurdo da minha reação. Sinto meu rosto pegar fogo, mas mantenho meu olhar duro, duelando com o dele e ignorando a descarga de adrenalina. Qual é a sua, Sadie? Brigando em público por causa de um brinquedo? Não há raiva nos olhos dele, apenas um ar exasperado, incomodado. - Olha só. Não estou brincando. Preciso mesmo deste boneco. – diz ele tirando a carteira do bolso. – Eu pago para você. O dobro do valor. - Ela não vai poder comprar este porque já está pago. – acrescenta a moça do caixa, que ganha um olhar atravessado de mim. Preparada para um confronto mais sério, meu coração batendo acelerado de

raiva, não arredo o pé. Nunca. Não achei que ele o faria, como fez. Não voltou atrás o suficiente para me devolver o brinquedo, mas o bastante para aguçar minha curiosidade. - Não quero seu dinheiro. Quero isso. – digo, apontando a sacola. - Jesus Cristo! - ele quase grita. Depois, respira fundo e solta o ar com exasperação. – Pega a porcaria da sacola! Acabe com a Natal da minha filha! - Não seja melodramático! - Você tem filhos? – pergunta, olhando para minhas mãos. - Não? Sim? - Não, é para minha sobrinha. - Bom, esse brinquedo é para minha filha. Não vou encontrar com ela no Natal. Eu bem que queria, mas não posso. Isto seria para compensar minha ausência. Quando ela abrisse o presente, lembraria de mim. Paisley iria brincar com o boneco durante todo o dia de Natal e saberia que eu a amo. - Mostrar quanto ama comprando um brinquedo? – meu cérebro entra em modo de descanso, deixando a boca assumir o controle enquanto o passado invade minha mente. – Você não pode abandonar sua filha no dia de Natal e esperar que um brinquedo substitua você! Ele arregala os olhos e seu rosto fica vermelho. - Se você não tem filhos, não faz ideia do que está dizendo. Eu me preparo para responder, mas algo na reação dele me faz parar. Sua auto-confiança fraqueja e, enquanto ele se recompõe, percebo que uma certa mágoa brilha no fundo de seus olhos. Ele gesticula para a moça atrás do balcão. - Tudo bem. Me reembolse e dê o brinquedo para a senhorita. Eu poderia argumentar que o brinquedo era meu, para começo de conversa, continuar dando uma bronca nele por ter roubado meu presente, mas o que vi nos olhos dele me deixa muda. Mágoa. Posso voltar depois do Natal. Imogen pode esperar. - Quando você receberá sua próxima entrega? – pergunto para a Garota dos Enfeites. - Primeira semana de janeiro. - Certo. – evito olhar para o homem ao meu lado, mas seu olhar penetrante faz meu couro cabeludo arrepiar. – Tudo bem. Volto depois. Coloco no ombro a alça da minha pequena bolsa marrom e, sem outra palavra, sem olhar para trás, saio da loja. Eu fiz a coisa certa. Agora preciso achar os porta-guardanapos que a Lottie insistiu para eu levar.

2

Até eu conseguir chegar na cidadezinha perto de Cheltenham, já deu quatro da tarde e o dia acabou. Essa droga de inverno inglês. No próximo ano, vou viajar para algum lugar quente. Qualquer lugar. Sonho acordada com uma ilha tropical onde garçons sarados e sem camisa servem bebidas ao lado de uma piscina refrescante. Oba, é pra lá que eu vou. Atravesso a pequena cidade, passando pelos pálidos prédios de pedra onde guirlandas natalinas adornam as portas e árvores de Natal enfeitam o pequeno pátio da igreja. As montanhas Cotswold oferecem o pano de fundo perfeito para a cena natalina que visualizo: as luzes do vilarejo acessas enquanto um coral entoa canções de Natal em volta da árvore. Tão diferente da minha vida atual na cidade grande ou na cidade industrial onde cresci. A estrada afunila quando deixo a vila para trás. Posso ver campos no lugar de casas e logo chego na murada estrada de acesso à casa. Os pneus do carro esmagam os pedregulhos enquanto atravesso o portão aberto e me aproximo da casa de campo inglesa. A casa pertence à família do meu futuro cunhado há muitas gerações e Charlie recentemente mudou-se para cá com Lottie. Hoje em dia, a família está no ramo imobiliário e Charlie passa a maior parte de seu tempo na Europa, vendendo castelos na França ou algo do gênero. Não presto muita atenção quando Lottie me presenteia com as estórias de suas viagens pela Europa. A grande construção de pedras, típica da região das Costwolds, destaca-se no meio dos jardins que rodeiam a estrada de acesso. Há três carros estacionados na frente da espaçosa garagem: um Range Rover, um Audi e um BMW. Todos têm placas personalizadas. A placa do pequeno Audi diz: ‘Senhora G’. De duas uma: ou a mãe de Charlie já está aqui ou ele tem 100% de certeza que minha irmã estará no altar daqui a alguns dias. Ou na sala de jogos, ou sabe-se lá onde eles irão oficializar o casamento. Lottie aparece antes mesmo de eu sair do carro e corre na minha direção. Ela me abraça apertado, enquanto seus longos cabelos castanhos se agitam ao redor. - Sadie! – segurando meus ombros, ela estuda meu rosto. -Você está pálida? Está tudo bem? - Tudo. O dia foi longo. Nem todo mundo pode pegar um bronzeado visitando a Flórida por duas semanas. – respondo, gesticulando com a mão indicando todo seu corpo. A rosto bonito, e bronzeado, de Lottie se abre num sorriso largo. - Só melhorando o bronzeado para o casamento! – diz, dobrando a manga

do suéter. - Lottie! Bronzeamento artificial? Essas coisas dão câncer. - Spray, tolinha. - Ah, tá bom. - Você deveria tentar. Posso arrumar alguma coisa para você. - Hoje é véspera de Natal. Seu casamento é daqui a três dias. - Sei disso, mas a Becca atende na casa dela. É só uma hora daqui. Podemos dar um jeito no seu cabelo também. - Não tem nada errado com meu cabelo. Até fiz luzes. – inclino a cabeça para mostrar – E manicure. Olha só! Lottie inspeciona minhas unhas. - Bonitas. Gostei da francesinha cor de prata. Espero para ver se Lottie vai perguntar e, quando não o faz, decido acabar com a tortura de uma vez. - Não vou trazer ninguém para o casamento. - Oh, pensei que você… - Não estou mais com o Paul. Na verdade, nunca fomos um casal. Saímos juntos algumas vezes durante um mês. – percebendo seu olhar de simpatia, completo - Não, sério. Tô bem. - Você trabalha demais. - Às vezes, mas prefiro passar meu tempo livre com amigos. A vida fica menos complicada desse jeito. - Eu também pensava assim, daí… - ela abre um sorriso bobo – Aconteceu Charlie. Um dia você vai conhecer um Charlie e mudar de ideia. - Sadie! Charlie caminha até nós de braços abertos, pronto para um abraço. Só encontrei o cara duas vezes na vida. Uma, bem embaraçosa, na primeira noite que ele dormiu na casa da minha irmã, enquanto eu também estava lá. A outra foi na festa de noivado. Eu retribuo seu abraço apertado e ele dá alguns passos para trás, sorrindo. - Lottie não parou de falar de você o dia todo. Charlie é um ex-jogador de rugbi, mas ainda mantém a boa forma, com braços fortes e a camisa esticada sobre o peito largo. Sua aparência intimidante é compensada pelo rosto amistoso e pelo cabelo ruivo. A profusão de sardas sobre seu nariz e rosto dão um toque infantil à sua expressão. Charlie abre o porta-malas do meu carro e, sem esforço, joga minha mala cheia por sobre seus ombros largos. Minha irmã caçula olha para ele com olhos brilhantes, e nesse momento, digo para mim mesma esquecer minha própria bagagem emocional e curtir o casamento natalino deles.

Apesar do tamanho do imenso saguão de entrada, a casa tem um ar aconchegante. As paredes estão enfeitadas com guirlandas vermelhas e prateadas. Vislumbro uma árvore de Natal através da porta que dá para a cozinha. Meu estômago ronca quando sinto o aroma do assado. Não como nada desde o café da manhã. Espero que os sogros dela não demorem muito. - Vou levar você até seu quarto. - Charlie diz quando Lottie volta para a cozinha. – Mais tarde a Lottie pode te mostrar o resto da casa. O amplo hall leva até uma escada coberta por carpete. Apesar da fachada antiga, por dentro a casa foi decorada com pinturas modernas e fotos de família, ao invés de quadros pintados à óleo que eu imaginava ser uma regra em casas de campo como esta. Charlie abre a porta de um quarto grande. Vigas de madeira escura atravessam o teto baixo e o quarto é dominado por uma grande cama com dossel. Há um pequeno sofá próximo à janela. Caminho até ela e observo a vista do vilarejo. - Nossa. - Sua irmã andou redecorando. - diz Charlie gesticulando para a coberta floral que combina com as cortinas vermelhas. – Não é bem meu gosto, mas ela queria que o quarto de hóspedes fosse especial. - Bem a cara da Lottie. - Prefiro ficar fora da decoração. Só quero que ela transforme esta casa num lar e seja feliz aqui. – ele coloca minha mala sobre a cama. - Bem, vou deixar você se trocar. Estamos na cozinha, tomando uma bebida, esperando meus pais e meu irmão chegarem. Junte-se a nós quando estiver pronta. Bebidas. Perfeito. - Obrigada, Charlie. - Por nada. Se precisar de alguma coisa é só dizer. Charlie sai, seus passos pesados ecoam pelo corredor. Lá fora, o crepúsculo torna-se escuridão e dou um sorriso ao ver as luzes de Natal no meio das árvores. Estou surpresa que a Lottie tenha se contentado com festões e guirlandas. Ela adora o Natal e eu meio que esperava encontrar um Papai Noel inflável. Jogando-me sobre a cama, chuto os sapatos para longe. Havia duvidado que o noivado duraria. Lottie e Charlie se conheceram menos de seis meses antes de ficarem noivos. Ela trabalhou como cabeleireira no casamento de um amigo dele e ficou cautelosa quando ele mostrou interesse. Charlie cobriu minha irmã de presentes e romance até que ela sucumbiu e abriu mão de seu estilo de vida livre de jovem solteira. Garota de sorte. Apaixonada e coberta de mimos por um homem rico e

bonito. Ela quer filhos. Eles terão uma vida perfeita. Um pouco diferente de nossa casa pequena e mãe solteira. A mamãe pode ser tão estúpida às vezes. Sair de férias bem no Natal em que a filha vai se casar. Até entendo as razões de a mamãe preferir passar o Natal ao sol do que com estranhos. Ela vai para a Grécia todo ano no Natal, mas neste ela bem que poderia ter ficado na Inglaterra. Lottie faz de conta que não se incomoda, mas sei que queria as duas famílias juntas no Natal. Não temos ideia de por onde o papai anda. Não o vemos há mais de cinco anos. Isso me deixou na inusitada posição de levar minha irmã ao altar. Ela poderia ter escolhido um tio. Ou mamãe. Mas, escolheu a mim. Será que vai ter algum solteiro interessante nesse casamento? Estou precisando me divertir. Pega mal estar curiosa para saber se o irmão do Charlie é bonito? Afinal, é tradição rolar alguma coisa entre o padrinho e a dama de honra, não?

3

Um pinheiro de dois metros de altura, artisticamente decorado em prata e azul, preenche um canto da enorme cozinha. A cozinha é decorada no tradicional estilo de fazenda inglês, contando até com o fogão Aga, na frente do qual Lottie está nesse momento. O rico aroma do assado, que senti ao chegar, mistura-se com a vela de canela queimando no centro da mesa. Uma variedade de travessas cobertas com hors d'oeuvre cercam a vela. Lottie dá voltas pela cozinha, pegando itens na geladeira e verificando seu livro de receitas a cada dois minutos. - Me avise quando der cinco minutos. - diz Lottie apontando para o relógio de Charlie. - Querida, senta. - Charlie abraça minha irmã pela cintura ao mesmo tempo que entrega uma taça de vinho para ela. – Está tudo sob controle. - Essa é a primeira vez que vou encontrar sua família. Lottie assopra uma mexa de cabelo que caiu no seu rosto. - Eles vão adorar você. Já te disse. - Eles estão atrasados. Porque estão atrasados? - Estão vindo em um carro só e Jamie atrasou para pegar a mamãe e o papai. Ele ligou e disse que logo chegam aqui. - Tá vendo? Então, preciso estar pronta. - Deixa eu te ajudar. – responde ele, pegando a colher de madeira da mão dela. Como parece que ninguém vai me servir vinho, eu mesma pego a garrafa de tinto sobre a mesa, completando também a taça de Charlie. Charlie enxota Lottie para longe das panelas e ela se junta a mim à mesa da cozinha. - Ele tem razão. Você estará cansada demais para curtir o casamento, se continuar desse jeito. - aperto sua mão. – A irmã mais velha chegou para te forçar a relaxar. Lottie enxuga a testa com as costas da mão. - Sabe o que é? – ela chega mais perto. – Os pais dele são muito finos. Eu não sou. - E? Você é a mulher que ele ama e, se ele é um cara legal, tenho certeza que os pais também são. - Assim espero. Sem conseguir resistir aos pratos à nossa frente, pego um petisco. Lottie segue meu exemplo e nós duas sorrimos espalhando farelo por todo lado. Ouvimos uma buzina e Charlie pede licença antes de sair. - Nem acredito que você está casando com um C Grey! – digo eu.

Vejo o pânico que surgiu em sua expressão ao ouvir a buzina se dissipar ao piscar várias vezes. - Nem começa. Essa piada já perdeu a graça, Sadie. - Cara, seria hilário se ele fosse o CEO da empresa. – tomo um gole de vinho. – Você nunca me disse se ele tem um helicóptero enorme. Lottie joga uma azeitona na minha cabeça. - Fica quieta! - Então? – ergo a sobrancelha. - Sadie... - Não? - Ele tem um iate. - Tá vendo… como assim? Espera, tá falando sério? Ela sorri e joga o cabelo sobre o ombro. - Sul da França. St Tropez, meu bem. - Legal. Então, acho que o tamanho do helicóptero dele não importa, né? Quando dou risada, ela não se junta a mim. Ao invés disso, sua expressão parece de alguém acuado e ela levanta correndo da cadeira. Oh, não. Viro a cabeça. Um casal mais velho examina nós duas com atenção. Charlie está em pé ao lado deles, braços cruzados à altura do peito. Felizmente, ele está brigando para não rir. A senhora magra usando calça social e jaqueta Barbour nos olha com curiosidade. - Charlotte? – pergunta ela, com um sotaque que lembra o da rainha, olhando para nós duas. - Lottie. Olá. - Lottie limpa as mãos na calça jeans. - Você não tem um helicóptero, tem? – o homen indaga ao Charlie. - Não, pai. Será que ele está brincando? - Essas coisas são caras. Além disso, você precisaria de um piloto, a menos que faça um treinamento. - Não vou comprar um helicóptero. - Ótimo. Eles são perigosos. – completa a mãe de Charlie. – Não quero saber de você voando em um. - Sadie parece bastante interessada em helicópteros. Ouvi dizer que Jamie está comprando um. Será que o dele é grande suficiente? - Charlie pergunta e pisca, mas Lottie lhe dá uma cotovelada e sussurra alguma coisa. Nessa altura, a piada já virou totalmente contra mim porque o rosto do pai dele tem a mesma expressão de gozação de Charlie. Morrendo de vergonha por ter arruinado o primeiro encontro da minha irmã com seus sogros, afundo na cadeira com minha taça de vinho, enquanto as

apresentações prosseguem. - Vamos nos arrumar para o jantar! - Lottie me convida.

M eu vestido de chiffon vermelho termina um pouco acima dos joelhos, com um decote suave e um corte que me favorece sem revelar muito. Espero. Por garantia, coloco um cardigan curto e preto por cima. Mudando de ideia, tiro o casaco leve e o coloco sobre a horrível colcha de motivo floral. Terminando a maquiagem, faço biquinho no espelho para checar o batom e coloco os brincos em forma de árvore de Natal. Estes não piscam. Não vou tão longe assim. Meu cabelo escuro é o oposto do loiro de Lottie. Sou mais alta e naturalmente mais magra também. Gosto de me manter assim visitando a academia todos os dias. Ao me inclinar para checar o espelho, percebo que o decote está muito revelador. Preciso do cardigan. Meu telefone bipa com a terceira mensagem de Lottie em dez minutos. Pelo menos ela parou de me dar sermão por causa do meu comportamento. Além disso, agora pareço respeitável. Uma onda de calor me envolve quando entro na cozinha. Lottie está ainda fuçando nas panelas e nem acreditar quando vejo que suas luvas de cozinha são decoradas com coelhos. Charlie não está com ela e ouço vozes abafadas vindas de alguma sala vizinha. - Lottie, deixa isso comigo. Vai ficar com seus convidados." Ela olha por sobre o ombro, suas bochechas estão cor de rosa. - Isso é só a véspera. O almoço de Natal vai ser um pesadelo! - Como assim? Ninguém está esperando que você faça o almoço. É a véspera do seu casamento. - Vai ver que a mãe dele espera. - sussurra Lottie, apontando a sala de jantar com a cabeça. - Não seja tão dura consigo mesma. Ninguém espera que você seja perfeita! Os olhos de Lottie estão brilhando e, quando ela enxuga uma lágrima com um dedo, caminho até ela e pego suas luvas de cozinha - Você. Vai lá tomar vinho e se divertir antes de estragar sua maquiagem e aparecer lá com nariz escorrendo.

- Preciso apresentar você ao Jamie, e... - Vai. Daqui a pouco você me apresenta. - Quando te apresentar, por favor, não diga nada. - O que você quer dizer com isso? - Mantenha seu senso de humor sob controle. - Não sabia que eles estavam ouvindo quando falei do helicóptero! Ou que iriam deturpar meu comentário tão inocente. - Ah tá bom, Sadie. Lottie desiste e vai para a outra sala enquanto assumo o trabalho de mexer nas panelas. Ela está louca em casar no Natal. Eu vou fugir quando resolver casar. O estresse e o drama são demais para mim. Acho que não seria do tipo Elvis em Vegas, mas uma bela praia tropical onde meu novo e sarado marido, sem camisa, me traria bebidas na piscina. Dou risada de mim mesma. Seria perfeito. Que pena que não tenho nenhum candidato no momento. Tudo está sob controle. Os vegetais estão cozinhando no vapor, o molho está pronto e o cordeiro está cozinhando no forno. Porque a Lottie estava entrando em pânico? Vou até a sala de jantar. Nossa. Ela é do tamanho do piso térreo da minha pequena casa. Uma enorme mesa de carvalho domina o espaço e cinco pessoas ocupam cadeiras ao seu redor. O irmão de Charlie está de costas para mim e posso medi-lo bem. Cabelo escuro com leve ondulação, não é tão largo nos ombros quanto Charlie, mas tem músculos bem definidos a julgar pelo tecido azul que se estica para cobrir suas costas largas. Lottie se levanta. - Esta é minha irmã, Sadie. Desculpa não ter apresentado vocês antes. Sadie, estes são Victoria e Donald. A senhora de cabelos ruivos como os de Charlie sorri e o homem quase careca acena com a cabeça. - Eu disse para você parar de se desculpar. - diz Victoria. - Olá, Sadie. - E este é meu irmão mais velho, Jamie. - Charlie diz. A essa altura, o homem já se virou na cadeira para olhar para mim. - Oh! – eu o reconheço na hora. Jamie leva mais tempo procurando no meu rosto por algo que se conecte com uma lembrança. O ladrão de brinquedos. - Olá, Sadie. – seus olhos cor de mel se iluminam e o canto de sua boca se curva numa expressão divertida. - Olá. - Vocês se conhecem? - pergunta Charlie. - Não. – respondo rápidamete.

O sorriso de Jamie aumenta e percebo que seu olhar percorre com rapidez meu corpo de cima a baixo. - Na verdade, não. Nos encontramos uma única vez, numa situação embaraçosa. Seu olhar continua fixo no meu e não desvio meus olhos. Ele pode ter o sotaque do Colin Firth, mas isso não funciona comigo. Trabalho com tantos caras que se parecem com Jamie, e falam como ele, que ele não me afeta. O cara é casado e fica me encarando com esse interesse todo. Safado. Lottie agarra uma taça vazia e fecha a cara para mim. - Ótimo! Sadie, vinho? Branco ou tinto? Não entendo a súbita urgência dela. - Branco. - Na cozinha. - O vinho? - Isso. – sua expressão endurece. – Deixa te mostrar. Ela me empurra para a cozinha e abre com violência a porta da geladeira. Tem comida suficiente lá dentro para alimentar o vilarejo todo e vinho suficiente para ajudar a comida a descer. - Não acredito em você! – acusa ela enquanto abre a garrafa. - Nossa, Lottie. Qual é? Tudo que eu disse foi ‘oi’. E eles parecem legais. - Jamie! – ela bate a garrafa na mesa. – Não acredito que você dormiu com o padrinho — o irmão do noivo. - Como é que é? – quase engasgo. – Do que diabos você está falando? - Situação embaraçosa? Você sabia que ele é casado? - Eu não fiz sexo com Jamie! - Fala baixo! - Pare de me acusar de coisas ridículas! Lottie pega uma taça e enche de vinho. - Então, como você o conhece? O que foi tão embaraçoso? - Lottie, nunca tive contato físico com seu futuro cunhado. Jesus, eu tenho escrúpulos. Não durmo com homens casados. - Então, o que aconteceu? - É uma estória esquisita. - o timer do forno distrai Lottie. – Você vai dar risada. Prometo. Te conto enquanto servimos o jantar. Ela pega as luvas de forno novamente. - Você precisa controlar esse estresse. Deixe parte da organização por minha conta. Não é para isso que serve a dama de honra? Porque raios ela quis fazer um casamento na época do Natal?

4

O verniz educado e a atmosfera desconfortável diminuem conforme a refeição progride. Estou sentada de frente para o Jamie e passo uma quantidade excessiva de tempo tentando não fazer contato visual. Quando nossos olhares se cruzam, seu escrutínio interessado continua o mesmo e fecho a cara para ele. Lottie relaxa depois de mais alguns copos de vinho. Ela não tem nada com que se preocupar. Os pais de Charlie são amistosos. Além disso, é impossível não gostar de Lottie. Quando está em seu estado habitual, ela é alegre e as pessoas se aproximam dela imediatamente. Trabalhando como cabeleireira, ela aprendeu a lidar com todos os tipos de pessoas e sua preocupação sobre os pais de Charlie é incomum. Victoria ajuda Lottie a tirar os pratos e ouço as duas conversando sobre casamento enquanto caminham para a cozinha. Eu levanto e recolho as tigelas de legumes meio vazias. - Você acabou não nos dizendo no que trabalha. – observa Donald. – Você é cabeleireira também? - Eu? Não. Sou bacharel em direito. - Jura? - diz Jamie e fico indignada com a surpresa em seu tom de voz. - Sim, juro. – marcho até sua cadeira e pego seu prato. Ele olhou mesmo para meus seios? Puxo o topo do meu vestido com minha outra mão e dou uma boa medida nele em troca. Jamie não tem o porte de jogador de rugby, nem o nariz que já foi quebrado mais de uma vez, que o Charlie tem. Seu cabelo está bem cortado e ele é mais formal. Mais bonito também. Coisas que eu não deveria notar ou apreciar já que ele é casado. Os olhos de Jamie desta vez mostram algo diferente da diversão de antes: uma intensidade que tira meu fôlego. Não sou de ficar encarando homens, mas algo nos olhos de Jamie me prende a atenção. Me forço a olhar para outro lugar, ignorando o aroma delicado de sua colônia que merece ser cheirada mais de perto. Depois, brigo comigo mesma por me imaginar chegando mais perto desse homem. Cheirada? Quantos anos eu tenho? Não sou mais criança. Olho para a mão dele e a aliança de ouro no seu dedo. O que será que aconteceu com a esposa e a filha? Jamie me disse que não iria ver sua filha no dia de Natal, mas o resto de sua família está aqui. Ninguém mencionou o porquê. Preciso perguntar à Lottie. Na cozinha, não tenho chance de perguntar a Lottie onde elas estão, porque ela está envolvida em conversas de casamento com Victoria. Feliz por isso tirar um pouco da pressão sobre mim, eu fico em pé, segurando um pano de louça na mão, até ser expulsa.

Os homens se retiraram para a sala de estar para tomar uísque. É mais uma sala enorme com mais uma árvore de Natal. Será que sobrou alguma árvore na cidade? Estou surpresa por ela não ter colocado uma no meu quarto. O fogo crepita na lareira próxima, enfeitada por uma grinalda, aumentando o espírito de Natal. Sento em uma ponta do sofá e relaxo, permitindo sentir o espírito de Natal, finalmente. Perder o emprego uma semana antes do Natal é uma merda, mas ao menos não sou obrigada a trabalhar entre o Natal e o Ano Novo. Não estou preocupada em encontrar um novo emprego porque tenho amigos em outros escritórios de advocacia e uma boa reputação. Eu poderia usar essa oportunidade e tirar umas férias já que não visito lugar nenhum há alguns anos. Fecho os olhos e absorvo a paz, escutando o crepitar do fogo. Bem melhor do que ficar em casa assistindo repetições de filmes de Natal. Sussurro uma canção de Natal para mim mesma enquanto os homens discutem carros. O sofá afunda quando alguém senta perta de mim e volto à realidade com um sobressalto. - Você canta também? - Jamie dá um gole em sua bebida. – Você poderia cantar para nós. - Não. E você? Talvez você devesse cantar. - Não. Ele sorri de uma forma que interrompe meu batimento cardíaco por um segundo. Um sorriso genuíno, com direito aos cantos dos olhos sorrindo também. Jamie está perto. Ainda mantém uma distância respeitável, mas está próximo. Esticando um braço nas costas do sofá, ele vira de frente para mim. Ele veste uma camisa polo preta de mangas longas, com o logo Ralph Lauren, que serve perfeitamente no seu corpo atlético. Será que ele tem muitos músculos por baixo da camisa? Eu pisco para me concentrar. Homem casado. Pessoa rude que roubou meu brinquedo. - Sua esposa vem passar o Natal conosco ou o casamento? – pergunto, encarando ele com determinação. - Ah. Não. - Jamie traça a borda da taça com o dedo indicador. – Minha filha está com minha esposa, Delphine, na França. - Passando o Natal? - Evidente que sim. Penso em perguntar porque e onde elas estão, mas a brusca mudança em sua expressão não estimula novas perguntas. - Ela gostou do brinquedo? Sua filha. - Paisley. Não faço ideia. Dei o presente para ela esta tarde, antes da partida

delas. Ela só vai abrir no dia de Natal. Se Jamie escolhesse pedir desculpas agora, eu o perdoaria. Mas, o fato de que ele não pede, acaba me incomodando. Optando por ignorá-lo, tomo meu drinque e rezo para minha irmã terminar logo na cozinha, assim tenho uma desculpa para pedir licença e ir para meu quarto. - A mãe de Delphine está doente e ela precisou voltar para a França. - ele faz uma pausa. – A ausência dela é um assunto delicado para minha família. Peço a gentileza de não mencionar Delphine novamente. - Jura? Se sua esposa vem ou não, e as razões para isso, não são da minha conta. - Verdade. – ele estica a mão para mim. – Seu copo está vazio. Jamie caminha até a cozinha e fico observando sua figura alta e confiante. Percebo que testemunhei novamente a mesma vulnerabilidade que ele deixou escapar hoje na loja. Meu copo com uma nova dose e Jamie não voltam, então, canso de esperar por minha irmã e vou até a cozinha. Jamie está em pé na pia, mangas arregaçadas, lavando os pratos. Definitivamente, o cara tem muitos músculos embaixo da camisa. Casado. Não vejo minha irmã. Victoria olha para mim, interrompendo o gesto de colocar a louça na máquina de lavar. - Onde está a Lottie? - Foi dormir. - responde Victoria. - Às dez da noite na véspera de Natal? Ela adora a véspera de Natal. - Ela estava exausta, coitada - explica Victoria. Atrás dela, Jamie gesticula “bebeu todas” e sorri. Ah, certo. Mal posso acreditar que elas levaram quase uma hora arrumando a cozinha. - Deixe que eu termino. – eu digo à Victoria. Vai ser mais rápido. - Tem certeza? – pergunta ela. - Não falta muita coisa, agora. E o Jamie está ajudando. Pego algumas tigelas que estão no balcão da cozinha e coloco na pilha dentro da pia. Victoria sai da cozinha. Porque será que homens fazendo trabalhos domésticos ficam tão sexy? Casado. - Você está bem domesticado. – pergunto a Jamie. - Depois de cinco anos de casamento, preciso ser. – espremendo as placas de sabão de seus longos dedos, ele olha para fora da janela. – A previsão diz que vai nevar. A Lottie gosta de neve? - Acho que ajudaria a dar um clima natalino ao casamento de conto de fadas

dela. - Hm. A não ser que metade dos convidados não consiga chegar por causa das estradas bloqueadas. - Não pensei por esse ângulo. - Sou um cara muito prático. - ele volta a exibir aquele sorriso de amolecer as pernas e olho ao redor buscando uma distração. - Belo relógio. - o Rolex está ao lado da pia e pego para olhar. Definitivamente não é falso. Jamie ri. - Não uso imitações. - Você não precisa usar, considerando todo o dinheiro que sua família tem. - Correndo o risco de parecer um cliché, dinheiro não é tudo, sabia? - Verdade. Preferiria não ter dinheiro, mas ser feliz. O movimento dos músculos em seu braço bem torneado me distrai. Porque estou imaginando que estou acariciando ele? Quantas taças de vinho tomei? - Não está procurando um marido abastado, então? Coisa estranha para ele dizer. Marido sarado? - Acho que sim. Quero dizer, aparência não deveria ser importante, mas eu não descartaria um cara em forma. Jamie franze a testa. - Um cara em forma? - Um marido sarado? - Eu disse marido abastado! – a gargalhada dele normalmente me irritaria, mas é contagiante demais para eu resistir e esqueço meu próprio embaraço. – O vinho afetou sua audição? - Oh, meu Deus. Acho melhor parar de beber. Sua risada subitamente é substituída por uma expressão bem diferente. - E se fosse sarado e rico? Esses olhos. Ele não deveria olhar para mim desse jeito. Eu não deveria retribuir o olhar como se fosse uma adolescente apaixonada. Mas, não tem como negar aquela tensão que surge entre duas pessoas, como se você nunca mais fosse olhar para outra pessoa da mesma forma. - Que tal sincero e fiel? – eu pergunto. Ele desvia o olhar. - Concordo. Jogo o resto dos talheres na cesta e fecho a porta da máquina de lavar louças. - Acabei aqui. Jamie não fala nada.

5

Abro as cortinas para uma manhã de Natal típica de Cotswold: coberta de neve. A neve cobre as montanhas baixas e o casario da vila, à distância, está branco. Os galhos das árvores estão envergando com o peso e várias polegadas de neve cobrem o muro de pedra que circunda o jardim. Jamie estava certo. Espero que pare de nevar ainda hoje. A paisagem de cartão de Natal é linda, mas nada prática. Depois da extravagância da noite passada, acabei acordando tarde hoje, mas a casa está silenciosa. Acho que a Lottie deve estar sofrendo com a ressaca também. Já passava das dez da manhã quando consegui me arrastar para fora da cama, vestir um suéter largo azul e calça de moleton. Agora, com as mãos cheias de caixas embrulhadas para presente, desço as escadas. Em qual árvore de Natal será que devo colocá-los: A, B ou C? O chão de pedra está frio sob meus pés descalços, quando caminho até a cozinha para checar a árvore que está lá. Não. Nada de presents embaixo desta aqui. Será que os presentes estão na sala de jantar? Também não. Sala de estar. Abro a porta e descubro que Jamie está sentado no sofá, de costas para a porta, falando alto ao telefone. - Que horas? – pergunta ele. Eu fico na dúvida. Ele está aqui dentro procurando privacidade. Não posso simplesmente invadir e colocar meus presentes na pilha que, aliás, apareceu da noite para o dia. Literalmente. - Você não pode fazer isso! – berra no ouvido de quem está do outro lado da linha. Eu não deveria ficar ouvindo. De verdade. Mas, estou muito curiosa para saber o que rola com ele. De verdade. Jamie se levanta e passa a mão pelo cabelo. - Quero falar com a Paisley, Delphine! A esposa. Agarro os presentes e começo a sair de fininho. - Você não pode me proibir de falar com minha filha no dia de Natal! Ela vai pensar que não dou a mínima pra ela! – ele faz uma pausa enquanto a outra pessoa responde. – Não vem com essa estória pra cima de mim. Coloca a Paisley no telefone agora. A força de sua raiva me choca. Eu não queria estar na pele da pessoa que tirar ele do sério. Eu serei essa pessoa se não sair antes de ele me descobrir aqui.

Na cozinha, coloco os presentes sobre a mesa e ligo a cafeteira. Estranho a Lottie não estar por aqui se preocupando com o almoço de Natal. Já que levantei antes, posso diminuir o estresse dela se começar a ajudar. Pego um saco de cenouras na geladeira e um descascador. A neve continua caindo, grossa e rápida. Eu tinha pensado em fazer uma caminhada matinal até a vila, mas agora acho pouco provável. Até gosto de caminhar na neve, mas só depois que já está no chão, não enquanto os flocos ainda estão caindo sobre mim. Alguém abre a porta da cozinha com um estrondo e dou um pulo antes de ver o rosto estressado de Jamie. - Não sabia que estava aqui. – resmunga ele, virando-se para ir embora. - Está tudo bem? – chamo de volta. - Ótimo. – responde ele sem se virar. Claro. Volto para minhas cenouras. Alguns minutos depois, ouço Jaime xingando no hall de entrada e a porta da frente fechando com uma batida. Sua figura encurvada caminha pela neve, vestindo um longo casaco escuro, com a neve cobrindo seu cabelo. Observo enquanto se aproxima dos portões e algo toca meu coração. Não sei exatamente o que rola com Jamei e a esposa, e parece que ninguém na casa faz ideia do está acontecendo. Não sei, mas tenho minhas suspeitas. Se ele bateu boca comigo na loja por causa de um brinquedo para Paisley, o fato de a esposa não deixar ele conversar com a filha deve estar machucando. Meu casaco está pendurado no hall. Posso estar fazendo uma loucura, mas agarro meu casaco e gorro e saio correndo atrás dele. As pegadas grandes de Jamie deixam uma trilha fácil de enxergar na neve e piso sobre elas para manter meus pés secos o máximo de tempo possível. Quando consigo alcançar o portão, ele já está na metade do caminho que leva até a vila. - Jamie! - grito. A neve gira ao meu redor, o frio congela meu rosto e eu chamo de novo. Ele para e se vira. Caminho com dificuldade até onde Jamie está olhando para mim com uma expressão confusa. A neve cobre seus cabelos e longos cílios. - O que você pensa que está fazendo? - Resolvi te acompanhar na caminhada. - Prefiro ficar sozinho. – responde, enfiando as mãos nos bolsos. - Onde está indo? - Acho que o pub deve estar aberto. - Ótimo. Vou contigo.

Sua boca vira uma linha fina. - Eu disse que não quero companhia. - Não seja estúpido. – ele me acompanha quando caminho em direção ao outro lado da vila. – Qual é o melhor pub? - O Crown. - Certo. Vamos lá. – ignorando meus pés frios e molhados, eu passo a liderar a caminhada até a vila. - Mandona. – grita ele. - Tô com frio. Fico meio que surpresa quando ele me segue. - Gostei do gorro, aliás.

A s pequenas construções de pedra típicas de Cotswold ladeiam a estrada que leva até a vila. As ruas estão vazias e um silêncio tranquilo se mistura à neve. O pub The Crown fica aninhado entre uma pequena loja de conveniências e um açogue. Uma onda de calor, muito bem-vinda, nos recepciona quando entramos no pub de teto baixo. O aroma familiar de cerveja velha mistura-se ao da lenha queimando na lareira. O barman idoso nos observa enquanto nos aproximamos do bar. - Estão fugindo? – pergunta quando Jamie pede as bebidas – Deixaram as crianças com os avós? Jamie fica tenso e não responde. Eu aproveito para despistar o barman perguntando alguma coisa sobre como ele está passando seu Natal. Jamie paga o barman e escolhe uma mesa próxima. O barman continua conversando comigo e reclamando por ter que trabalhar no dia de Natal. Depois de dar uma resposta educada, sento com Jamie. O banco redondo de couro e o ambiente não são confortáveis, mas vou ficar aqui com ele. Afinal, ninguém deve ficar deprimido no dia de Natal. Jamie olha para sua caneca de cerveja enquanto brinco com minha vodca tônica. - Você tá bem? - pergunto. - Tô ótimo. - Mentiroso. Ouvi você xingando. É por causa da sua esposa? - Nossa, você vai direto ao assunto. – responde ele, erguendo a cabeça de sopetão.

- Só acho que é melhor você conversar sobre isso do que ficar remoendo o dia todo. A última coisa de que você precisa é sua família te perguntando o que há de errado com você. - Você quer dizer, fazendo o você está fazendo agora? Ignorando o comentário, tiro meu gorro. - Também ouvi você conversando ao telefone. - Ouviu o que? – ele fica tenso. - Você conversando com sua esposa. - É muita falta de educação da sua parte ficar ouvindo conversa alheia. - Você não estava exatamente falando baixo. Ele toma um longo gole de cerveja e fixa o olhar em um ponto na parede acima da minha cabeça. Suspiro e provo meu drinque. - Está ansioso pelo casamento? - pergunto. - Sim e não. Já causei problemas porque Paisley não está aqui. Ela deveria ser a daminha de honra. - Oh. - Por isso menti dizendo que a mãe de Delphine está doente. – ele gira a cerveja no copo, antes de tomar todo o resto. – Vou pegar outra. Tiro o casaco e estico os dedos dos pés. Pelo menos agora meus pés estão se aquecendo. Ao contrário da atitude dele. - Eu acho que você realmente está a fim de falar sobre isso. – digo quando ele retorna com o novo copo. Ele me encara fixamente com um olhar intenso. - O que você acha de mim, Sadie? - Que você ama sua filha. Que você se preocupa o suficiente com as outras pessoas para lavar a louça quando elas ficam bêbadas demais e precisam ir dormir mais cedo. Apesar de você roubar brinquedos de mulheres indefesas. Ele tenta, mas não consegue esconder um sorriso – o primeiro que vejo durante a manhã toda. - Interessante. - O que esperava ouvir? - Que sou um playboy paquerador. - Porque eu diria isso? Ele esfrega o queixo e a boca. - Porque minha esposa me deixou. Também porque olho para você de uma forma que eu não deveria fazer. Achei que essa seria sua conclusão depois de sua reação na noite passada. - Não sabia que sua esposa tinha ido embora. - Não é muito difícil concluir isso, é? – diz ele confuso, franzindo a testa.

- Não conheço você o suficiente para te julgar. - Mas você me julgou, não foi? - Você usa aliança, Jamie. Isso geralmente mostra ao mundo que a pessoa é casada. - Por enquanto, sim. – ele brinca com a aliança, girando-a no dedo. – Eu casei muito cedo. Trabalhei duro demais. A gente quase nunca conseguia se ver e o relacionamento esfriou. Ele continua bebendo em silêncio por alguns instantes. Porque será que ele está me contando tudo isso? - Um dia, para evitar mais uma discussão que já não aguentava mais, saí de casa. Quando voltei, no dia seguinte, ela tinho me largado. - Sinto muito. Ele dá de ombros. - Provavelmente eu mereci. Passei mais tempo no trabalho do que com minha esposa e Paisley. - Para onde a Delphine foi? - Para casa. Na França. Dois meses atrás. Mas, ela está passando o Natal na Escócia, não na França. Não faço ideia do porque. - Dois meses? Você não a vê há dois meses? E não contou para ninguém? - Vi duas vezes. A primeira vez, quando ela voltou, me disse que estava pedindo o divórcio e foi embora de novo. Ontem, vi Paisley e ela pela segunda vez em dois meses e só por uma hora. - Oh, isso é horrível. - Não, a parte horrível é que não estou nem aí para meu casamento. – a mágoa que vejo em seus olhos é como uma janela para sua dor e sinto um impulso de cobrir sua mão com a minha. – Só me preocupo com Paisley e o quanto tenho sido uma bosta de pai para ela. Agora, tiraram ela de mim. - Delphine não pode proibir você de ver sua filha. - Nós dois temos ótimos advogados. Eles podem protelar muito o processo. – ele tamborila a beirada da mesa. – Pelo menos, ela está só na França. - Jamie olha fixo para seu copo de cerveja. Tem alguma coisa que não encaixa. - Porque ainda não contou para sua família, se é tão definitivo? - Porque iriam surtar. Eles são antiquados e iriam me forçar a tentar salvar o relacionamento. Para dizer a verdade, se eu ainda amasse a Delphine, não a teria deixado ir embora para começo de conversa, certo? - Acho que sim. Quando a gente ama alguém, faz de tudo para dar certo. A música tocando na jukebox e o murmúrio de vozes baixas são os únicos sons por alguns instantes. Jamie está me colocando numa situação bastante

desconfortável ao me contar um segredo como esse, mas o coitado está lutando para manter isso para si. Ele não vai conseguir guardar por muito mais tempo, não no ambiente claustrofóbico em que estaremos nos próximos dias. - Você é ambiciosa, Sadie? Você disse que é uma paralegal. Tem planos de virar advogada? - Que bela mudança de assunto, Jamie. Eu queria acabar logo a escola e começar a trabalhar. Eu gosto do que faço, então não tenho planos para voltar a estudar. - Então, não tem planos de casar logo? - De jeito nenhum. Jamie estala dos dedos. - Exatamente! Se você encontrasse a pessoa certa, iria se esforçar para fazer o relacionamento dar certo, mas ainda não está na hora. Quantos anos você tem? Vinte? - Muito sutil, Jamie. – sorrio. – Tenho vinte e três. Ele sorri de volta e o brilho retorna ao seu olhar. - Dei mais importância ao trabalho do que ao amor, também. O único problema foi que já estava casado. Dormindo em quartos separados nos últimos dois anos, mas ainda casado. - Porque Delphine ficou se vocês não viviam como um casal? - Paisley. Meu dinheiro. Delphine queria ter o melhor e estava disposta a se contentar em ficar em segundo plano na minha vida. – ele recosta no assento. – Desconfio que ela está com outro cara. Talvez esteja na Escócia com ele. Não a culpo. - Ela parece meio mercenária. Eu não conseguiria ficar com um homem que não me amasse. - Ah, mas tenho certeza que o divórcio vai compensá-la, fazendo um rombo em minhas finanças. - Mas, você será mais feliz. - Serei mais feliz só que não poderei ver minha filha com tanta frequência. Talvez eu deva diminuir um pouco a carga de trabalho e curtir mais a vida para as coisas mudarem. - Charlie me contou que você é o responsável pelos negócios da família hoje em dia. - Pelo financeiro, sim. Faço o lado comercial, expandindo para o Japão e trabalhando vinte horas por dia. - Parece que está precisando de umas boas férias. - Preciso de um bom chute na bunda. Dou risada da piada dele e ficamos em silêncio por uns instantes.

- Me conte mais sobre você, Sadie, agora que sabe tanto sobre mim. - Moro e trabalho em Londres e acho que também trabalho demais. Não tanto quanto você. Afinal, a vida é pra ser curtida. Ele morde o canto dos lábios. - Tem namorado? Acredito que não já que está indo sozinha ao casamento? - Como sabe? Ele pode vir só no dia. - Não, a Lottie me disse... - A Lottie disse o que? - Que estava vindo sozinha. Ela perguntou pro Charlie e pra mim se tínhamos algum amigo gostosão vindo para o casamento. - Desgraçada! - Ela só estava tentando garantir que você tenha a atenção que você merece. No dia do casamento, me lembra de te mostrar alguns velhos amigos meus que você deve evitar. - Agradeço, mas não precisa. Sou boa para julgar o caráter das pessoas e sei de quais homens devo manter distância. Foi assim que perdi meu emprego. Giro o copo sobre a mesa sentindo a raiva subindo novamente por causa da forma injusta pela qual Roger me tratou. - O que aconteceu? - Resumindo? Um dos sócios me ofereceu uma promoção de eu desse para ele. O filho da puta é casado. Um cara boa pinta que, tenho quase certeza, já dormiu com metade das garotas mais jovens do escritório. Mandei ele passear. O queixo dele cai. - Ele não pode mandar você embora por causa disso. Deveria processá-lo por assédio sexual. - É perda de tempo brigar com gente assim. Eles têm poder e Roger sabe disso. Mas, tá valendo. Se ele não tivesse me mandado embora, eu teria pedido as contas. Só espero que o filho da puta leve o troco qualquer dia desses. - Gosto do seu jeito. - diz Jamie suavemente e fico irritada quando sinto que estou ficando vermelha. - Você fala como uma pessoa íntegra. - Comigo é assim. Sou transparente. - É mesmo? - Por acaso, está me paquerando, senhor com aliança de casamento no dedo? - Só estou usando hoje porque ainda não contei à minha família. Não tenho usado e só coloquei de volta ontem. Ao meu ver, não sou mais casado. - Mas, para a sua família, você ainda é. Isso quer dizer: nada de ficar me paquerando, Sr. Jamie Grey. Ele não é casado. Na prática, não é. Então, quer dizer que essa sensação

estranha que ele provoca no meu peito é permitida, certo? Posso fantasiar sobre o corpo dele com a consciência tranquila, né? Posso sentar-me com ele em um pub no dia de Natal e fazer de conta que isso é um ritual que sigo todos os anos com o homem da minha vida. Jamie torce o nariz. - Desculpa, mas seu cabelo tá me incomodando desde que tirou o gorro. Levo a mão à cabeça. - Do que você está falando? Jamie chega mais perto. - Tá todo bagunçado. Devo ter TOC ou algo assim. Ele passa sua mão grande no meu cabelo, fazendo correr um tremor da minha cabeça aos pés. Desta vez, quando nossos olhos se encontram, como aconteceu na noite passada, percebo que meu coração está em apuros.

6

Parou de nevar enquanto estávamos no pub, o que significa que a volta para a casa de Charlie através do vilarejo é bem menos encharcada. - Você acha que estamos em apuros? - pergunta Jamie quando chegamos na estrada que leva até a casa. - Porque? Ele mostra o relógio. - Está tarde. - Droga! Ficamos fora tanto tempo assim? Protegidos pelo conforto do pub, e cercados pela decoração brega de natal e o ambiente relaxante, nós acabamos batendo mais papo do que bebendo. Contei à Jamie sobre minha vida e meu trabalho em Londres e ele me contou sobre a vida dele. O mundo de Jamie é um lugar vazio, onde eu me sentiria solitária. Também não acho que ele esteja tão feliz quanto tenta parecer. - Dois drinques e um montão de palavras. Você é a primeira pessoa para quem contei o que aconteceu. Faz dois meses que ele guarda esse segredo? - Acho que deveria contar para as pessoas, a menos que esteja torcendo para Delphine voltar. - Não, vira essa boca para lá! A grande porta da frente se abre de repente e a guirlanda de pinhas fica meio torta. - Onde diabos vocês se meteram? Minha enfurecida irmã caçula aparece na porta, vestindo avental e uma cara feia. - Fomos fazer uma caminha, é óbvio. - respondo. - Você poderia ter deixado para fazer sua caminhada depois de me ajudar a preparar a comida. - A culpa é minha. Eu a convenci porque achei que Sadie estava precisando tomar um pouco de ar fresco. - diz Jamie, colocando um braço ao redor dos ombros de Lottie. – Agora, me diz o que posso fazer para ajudar. - Oh, não. Você não. Vocé é convidado. - Eu também! - reclamo. Lottie se livra do braço de Jamie, marchando de volta para a cozinha. Jamie pede desculpas mais uma vez antes de me presentear com outro de seus sorrisos que gostaria que ele parasse de me dar. Porque o fato de ele ter abraçado minha irmã, mas ainda não ter me tocado, dói?

O banquete de Natal que Lottie preparou era uma obra-prima que virou uma pilha de vasilhas vazias sobre a toalha. Por causa do tempo de preparo, acabamos sentando para almoçar às duas horas. Até lá, eu tinha comido mais castanhas e chocolate do que deveria. Depois da bronca que levei por causa do passeio, ajudei com os preparos e mal pude acreditar que a Lottie esperava que fossemos comer tudo aquilo que ela cozinhou. Ela não comprou nada pronto, então a cozinha estava lotada de molhos frescos e legumes preparados com sofisticação. Nada comparado com nosso jantar tradicional de Natal, quando éramos crianças: batatas assadas e couve-de-bruxelas queimada. Dentro da grande casa de pedra, cercados pela paisagem de cartão de Natal das Cotswolds, escutamos canções de Natal e trancamos o mundo real do lado de fora, para que Lottie tivesse o Natal dos sonhos dela. Seu rosto mudou de sério para relaxado, conforme a manhã progrediu, e preparamos a comida com a ajuda de Victoria. A melhor parte da tarde foi a atmosfera tranquila entre nós seis, mas tenho consciência do elefante na sala. Mais precisamente, da falta da esposa e da filha na sala. Mais cedo, Lottie havia reclamado dizendo que tinha comprado comida demais contando com Delphine e Paisley. Aparentemente, Lottie só descobriu que sua daminha de honra não estaria no casamento há uma semana atrás. Isso foi egoísmo da parte do Jamie porque ele sabia há muito tempo que a Paisley provavelmente não iria ao casamento. Sem querer, ouvi Victoria questionando Jamie sobre a mãe de Delphine e notei o pânico em sua voz quando Victoria sugeriu que ligaria para a mãe de Delphine para desejar Feliz Natal. Não faço ideia de como ele conseguiu persuadir Victoria a não telefonar. Jamie volta a sentar em sua cadeira e beber seu vinho tinto. Será que ele estava dizendo a verdade sobre não querer reatar com a esposa? Em minha opinião, essa geralmente é a razão para as pessoas não contarem aos outros quando se separam. Porque ele escolheu se abrir comigo? Apesar da situação difícil em que estou agora, no fundo, fiquei lisonjeada por Jamie sentir-se confortável o suficiente comigo para me contar. O chapéu de papel prateado na cabeça de Jamie está meio caído, o que torna a expressão dele mais relaxada, da mesma forma que a neve derrentendo

em seu cabelo fez durante nossa caminhada. A Lottie me mandou 'caprichar no figurino' para o almoço, então estou usando um vestido azul curto meio formal, mas confortável. Agora, tudo o que quero fazer é colocar um moleton e vegetar. Jamie segue o exemplo do pai e veste camisa e calça social, enquanto Charlie está usando jeans e um suéter cinza. Tenho certeza que a Lottie encheu o saco dele por causa de sua escolha de roupa. Ao contrário da noite passada, não evito mais olhar para Jamie sentado do outro lado da mesa, nem perco o ocasional olhar triste que ele tem. Quando nossos olhos se cruzam, compartilhamos mais do que dizemos. E a cada vez que fazemos isso, nossos olhos se demoram um pouco mais e meu estômago dá cambalhotas. O cliché do padrinho com a dama de honra fica mais forte a cada instante, mas como isso poderia acontecer se ninguém mais sabe que ele se separou? Jamie empurra o prato e levanta. Durante todo a refeição, ele pediu desculpas várias vezes e deixou a sala por cerca dez minutos. Cada vez que ele saía, o murmuro de irritação de Victoria ficava mais alto. - Jamie, não disse nada até agora, mas você está sendo rude. - reclama Victoria. Ele fecha a cara. - Desculpa. Estou esperando uma ligação. - Jesus, você está trabalhando no dia de Natal? - pergunta Charlie. – Qual é? Desliga um pouco. - Não estou com o tefone em cima da mesa, estou? – diz ele gesticulando para o espaço à sua frente. - É a quarta vez. Chega. – mordo meu lábio ao ouvir o tom de voz de Victoria, como se ela estivesse dando bronca em uma criança de dez anos de idade. Sem dizer uma palavra, ele sai. - Talvez ele esteja esperando para falar com a Delphine? - sugeri Lottie. - Jamie disse que falou com as duas hoje pela manhã. Fiquei chateada porque nem tive a chance de conversar com minha neta. – responde Victoria. - Podemos tentar mais tarde. - diz Donald, colocando a mão sobre a de sua esposa. - Jamie disse que elas estão ocupadas. Entendo que ela queira ficar com a mãe, mas Paisley merece passar o Natal com a família. Ela deveria estar aqui para o casamento. - Victoria dá um grande gole em seu vinho e seus olhos brilham. Dou uma olhada na direção de Lottie. O Natal não seria o mesmo sem um pouco de drama familiar induzido por bebidas alcoólicas. Não importa qual seja

sua classe social. Também não estou a fim de confusão por isso peço licença e saio da mesa. O lavabo do térreo fica logo depois da sala de estar. Através da porta aberta, vejo que Jamie está sentado à pequena mesa, com o telefone na orelha e o laptop aberto à sua frente. - O que você está fazendo? – pergunto. Ele nem olha para mim, mas responde. - Estou com um problema que não dá para esperar até amanhã. - Que tipo de problema? - Negócios. Tentei resolver durante a tarde toda. - Durante o almoço de Natal? Jamie! Dá pra entender porque sua mãe ficou tão puta da vida com você. Jamie olha rapidamente em minha direção. - Bem menos do que meu pai vai ficar se eu pisar na bola com esses caras. São nosso maior cliente e não dão a mínima para o Natal. - Aparentemente, você também não. Ele abre a boca para responder, mas recosta na cadeira e atende o telefone. - Alô? Até que enfim! O que tá rolando? Chacoalho a cabeça e a expressão dele diz que Jamie percebeu meu aborrecimento. Quando volto do lavabo, checo a sala. O laptop está fechado e o celular está sobre a mesa ao lado de Jamie. - Terminou? - indago. - Por enquanto. Tenho que checar os emails mais tarde... – ele faz uma pausa. – O que foi? - Agora entendo o que você quis dizer sobre você e o trabalho. O que vai acontecer no casamento do seu irmão? Por favor, não me diga que vai ficar fazendo ligações e checando emails. Jamie se levanta e pega o telefone, depois coloca de volta na mesa, resmungando alguma coisa que não consigo ouvir. Saio da frente da porta quando ele se aproxima. - Não vou fazer nada disso no dia do casamento. - Aposto que vai. - Aposta, é? - Jamie cruza os braços. – Você gosta de apostas? - Força de expressão. - Pois, aposto que consigo. - Eu aposto que não. Um músculo salta em seu rosto. - Se eu não atender o telefone, nem responder emails durante o dia todo,

você vai ter que passar a noite comigo. - Isso é fácil já que somos padrinho e dama de honra. - Eu não especifiquei qual noite. A intensidade em seu olhar aperta o meu estômago e nos arrasta ainda mais para o lado escuro. - Jamie... - Qual o problema? - Sua família ainda acha que está casado. – sussurro. – Você não pode começar a passar noites comigo assim do nada. - Com a minha concunhada? Claro que posso. - Claro que não. - suspiro. - Então, vou ter que aproveitar o casamento ao máximo, né? O padrinho tem direito a dançar com as damas de honra e isso inclui você. Porque Jamie está fazendo isso? Ele certamente percebeu minha atração por ele, como eu percebi a dele. Só de pensar em seus braços me envolvendo enquanto dançamos, seu rosto próximo ao meu, é suficiente para fazer meu corpo esquentar e criar todo tipo de pensamento indecente. Só Deus vai poder me ajudar se esse cara realmente me tocar. - Você está corada. – observa ele com um sorriso maroto. - Deveria se olhar no espelho. - Porque? - Seu TOC. – chego mais perto e arrumo o ridículo chapéu de Natal. – Estava torto. Péssima ideia. Jamie umedece os lábios enquanto olha fixamente para os meus. Mantenho minhas mãos no chapéu, sem perceber quanto que cheguei perto demais ou que posso sentir seu hálito em meu rosto. Imagino como sua pele seria quente se o tocasse, qual seria sensação dos lábios dele junto aos meus. Percebo que a respiração de Jamie fica mais rápida, como a minha. Nesse instante, sei que ele sente o mesmo que eu, essa sensação nova que me percorre. É algo que nunca senti antes, sem efetivamente tocar alguém. E percebo que a verdade nua e crua é que desejo Jamie. E seus olhos me dizem claramente que ele me deseja também. Acabo de arrumar o chapéu e dou um passo para trás. - Obrigado. – diz ele em voz baixa e meu coração martela tão alto em meu peito que não sei como ele não ouve. – Agora, você está muito corada. - Larga o trabalho e curte o Natal. – digo, depois de limpar a garganta. - Sim, senhora. – ele faz uma pausa. – Essa é a segunda vez hoje. - Segunda vez do que? - A segunda vez que você me manda fazer alguma coisa. As pessoas não

costumam fazer isso. - Bem, talvez elas devessem fazer. - Talvez. Gosto quando me manda fazer coisas. É uma novidade. O clima aumenta e preciso achar um jeito de esfriar, então, lançou-lhe um olhar desafiador. - Exceto quando mando você me dar o Bugalugs. - Bugalugs. – ele solta uma gargalhada. – Vou comprar um para você depois do Natal. Compro uns dez, se quiser. Clima interrompido, vou embora antes que algo aconteça para intensificar as coisas novamente.

7

Lottie concorda em deixar a gente trocar de roupa antes da próxima etapa da sua agenda: troca de presentes. Quando éramos crianças, Lottie acordava às cinco da manhã no dia de Natal e cinco minutos depois já tinha aberto todos os presentes. Mesmo depois de adulta, na maioria das manhãs de Natal, Lottie sempre queria abrir os presentes assim que todos acordavam. Não faço ideia de como ela conseguiu segurar até o fim da tarde. Nos reunimos na sala de estar, seguindo suas instruções precisas, e meu estado de embriaguez me leva a encher o saco de Lottie sobre a exatidão militar de sua agenda para o dia. Victoria e Donald sentam-se nas poltronas próximas ao fogo crepitante na lareira, forçando-me a dividir o sofá com Charlie e Jamie. Estou no meio dos dois, então, me aproximo mais de Charlie. Afinal, não terei uma reação física se nossas coxas se tocarem. Lottie senta-se no chão perto da árvore sem tentar esconder a felicidade estampada em seu rosto enquanto separa e organiza os presentes embrulhados em cores brilhantes. Eu tive que encarar a difícil tarefa de comprar presentes para pessoas que eram totalmente estranhas e quase acabei comprando valespresente. Fico feliz em não ter caído na tentação porque ninguém fez isso. Os presentes são previsíveis. Lottie me comprou o mesmo perfume caro de todos os anos e eu comprei para ela a echarpe de marca que ela fez questão de deixar muito claro que queria ganhar. Os futuros sogros dela me compraram uma caixa sofisticada de sabonetes e gels e outra cheia de chocolates. Compartilhando a mesma falta de originalidade, comprei a mesma coisa para eles. Charlie sussurra alguma coisa no ouvido de Lottie antes de dar-lhe uma pequena caixa. Ela dá uma risada nervosa, bate no braço dele, e o beija. Ao abrir a caixa, Lottie suspira diante dos brincos de diamante, entusiasmada com a ideia de usá-los no dia do casamento. Jamie está sentado, em silêncio, músculos rígidos, e fico com o coração apertado ao vê-lo assim. Ele deveria estar abrindo presentes com a filha. Natal é uma festa para crianças e ele está sofrendo. Tenho que me controlar para não tocar Jamie, para mostrar a ele que percebo sua dor. - Sadie. - Lottie me passa uma caixinha embrulhada para presente. - Já abri todos os meus, não abri? - Do padrinho para a dama de honra. – esclarece Jamie, emendando rápido. – Me disseram que era apropriado. - Mas, não comprei nada para você. Meu pior pesadelo se torna realidade. Eu sabia que a família deles passaria

o Natal aqui, mas a Lottie me disse para não comprar presentes para todos. Eu ignorei o conselho dela só no que se referia aos pais de Charlie. Olho feio para Lottie que faz um “me desculpa” com a boca. Com todos os olhares da sala concentrados em mim, abro com cuidado o papel de presente prateado e a caixa retangular azul. Dentro, um pingente de diamante em uma corrente de ouro brilha para mim e minha mão estremece ao segurar a joia. - Oh. – fico olhando para o colar, procurando as palavras. – É lindo. Obrigada, Jamie. - Não tinha certeza da cor que as damas de honra iriam vestir, então achei que um diamante seria neutro. - Que lindo gesto! - exclama Victoria. – Não acha, Donald? Não posso ficar evitando olhar para Jamie. Quando o faço, vejo que a expressão tensa deixou seu rosto, substituída pelo olhar doce que se fixa no meu. - Será que isso compensa pelo Bugalugs? Lottie dá uma gargalhada. - Sadie me contou essa estória. - Você contou para ela que você praticamente saiu no braço comigo por causa de um brinquedo? - Não fiz nada disso! – retruco, fechando a caixa. - Quer dizer que você preferiria um brinquedo ao invés de um colar de diamante? - Isso mesmo. Ele não consegue segurar a risada e meu peito se enche com aquele calor familiar por ter conseguido tirar a expressão carregada que escurecia o rosto de Jamie até momentos atrás. - Toda garota gosta de diamantes. Além disso, sei que a Lottie quer que todas as suas damas de honra estejam deslumbrantes. - Todas que vierem para o casamento. - interrompe Victoria. A expressão alegre de Jamie desaparece. - O que quer dizer com isso? - Sabe muito bem o que eu quero dizer. - Não, continue. Pode dizer. – ele responde, colocando o copo sobre a mesa. – Eu arruinei o casamento porque sua neta não está aqui. - Não, está tudo bem. – garante Lottie. – Ninguém estragou nada. - Você ficou chateada quando conversamos sobre a Paisley não vir. – Victoria corrige Lottie, sem tirar os olhos do filho. - Estava um pouco bêbada. Sempre fico emotiva quando bebo. – a voz de Lottie soa próxima do desespero. Acredito que, assim como eu, sabe onde essa

conversa vai chegar. O clima fica tenso e fico irritada porque eles estão estragando o dia favorito de Lottie. - Querida, acho que você bebeu um pouco demais. Não vamos brigar. Donald tira o copo de vinho da mão da esposa. – Casamentos sempre deixam as pessoas mais emotivas. E não há nada que Jamie possa fazer sobre Paisley agora. - Você acha que não está sendo difícil para mim também? – Jamie gesticula com a mão, mostrando as pilhas de papéis de presente rasgados e presentes amontoados. – Não preciso de você me falando merda. - Jamie! – a mãe dele engasga. - Olha, Lottie, me perdoe. Adorei passar o Natal aqui, você é uma anfitriã excepcional, mas tá muito difícil para mim. Mãe, você não tá ajudando em nada. - Jamie levanta. – Tudo o que eu queria hoje era estar com minha filha. Não preciso de ninguém me jogando na cara que ela não está aqui. - O que houve, então, Jamie? - rebate Victoria. – Tenho certeza que tem mais coisa por trás dessa estória que você não contou para a gente. Concentro minha atenção nas minhas mãos. Tem álcool e emoções demais no ar. As vozes vão ficando mais altas e abafam as músicas de Natal que estão tocando. - Não tem nada mais para contar. - antes que sua mãe possa responder, Jamie sai da sala, batendo a porta atrás de si. Quando Victoria vai atrás dele, Lottie faz uma careta tentando conter as lágrimas. Ótimo. Chamo atenção de Charlie com um olhar e aponto para Lottie com a cabeça. A raiva na voz de Jamie me preocupa. Só espero que isso não termine em um confronto familiar. - Vou pegar outra bebida. – digo. – Mais alguém quer uma? Quando eles respondem gesticulando com as cabeças que ‘não’, eu saio de fininho. Não quero beber, na verdade. Então, me refugio no quarto. A decisão de Jamie de esconder de sua família a verdade não faz sentido para mim. Se ele contasse a estória real, haveria mais simpatia e menos briga. E se esse clima continuar assim durante todo o casamento? Deito na cama para tirar um cochilo e imagens dos lábios de Jamie sobre os meus invadem minha mente. Ele precisa contar a verdade para a família dele.

8

Acordo depois do que parece ter sido um coma induzido por excesso de comida e aperto os olhos para enxergar a hora. Isso foi mais do que um cochilo. Só pretendia dar um tempo aqui de meia hora, mais ou menos, até que as coisas se acalmassem. Será que a Lottie ainda está lá embaixo, sozinha e chateada? Não tenho a menor vontade de testemunhar mais uma rodada do drama ou dos segredos da família Grey, mas preciso dar uma força para minha irmã. Lottie está sentada sozinha na sala de jantar. A maioria do que sobrou do almoço foi retirada, mas uma garrafa de champanhe pela metade está colocada ao lado do copo cheio dela. - O que tá pegando? - pergunto. - Faz uma hora que não vejo ninguém. - Nem o Charlie? Ela torce o nariz - A mãe dele está... aborrecida. - Oh. - Quer beber? - Lottie pega outra taça e a garrafa, mas eu nego com a cabeça e ela coloca a garrafa de volta. – Tava tudo indo bem até... aquela hora. - Duvido que esse vai ser o último capítulo do drama pelos próximos dias. Desliga. Esses problemas são deles, não seus. Foca em seu casamento e ignore esse pessoal. - Eu deveria, mas Charlie está chateado também. – ela dobra um guardanapo amassado e coloca numa pilha que ela mesma criou. – Você acha que a Victoria está certa? Acha que tem mais alguma coisa rolando entre o Jamie e a Delphine? - Mais quem sabe. Eu. - Tenho minhas suspeitas. - De que? - Dele. – ela chega mais perto. – Acho que o Jamie está mentindo sobre a mãe da Delphine. Acho que a Delphine largou ele. - O que te deu essa ideia? - As poucas vezes que encontrei com os dois juntos, tinha uma tensão entre eles. Na segunda vez, Jamie se atrasou e eles tiveram uma puta briga na cozinha. Todo mundo sabe o que alguns homens estão realmente fazendo quando dizem que 'vão trabalhar até mais tarde'. – ela faz as aspas com os dedos para enfatizar. - Essa é uma conclusão e tanto para você fazer. - Ah, é? E a Paisley? Victoria tem razão. Ela deveria estar aqui. – ela toma outro gole de vinho. – Tem outra coisa. A Delphine nem pode falar comigo. O

Jamie é quem me deu a notícia sobre a Paisley. Ele é muito cauteloso. Não é um mentiroso muito bom. Charlie concorda comigo. O que devo dizer? Faço cara de surpresa e aceno com a cabeça, concordando com ela. Nesse ambiente claustrofóbico, Jamie não vai conseguir manter o segredo dele por muito mais tempo. - Dá pra sacar que ele é esse tipo de homem. – ela continua. – Todo sorrisos, flertando com todo mundo, usando a boa aparência para conseguir o que quer. Acrescente aí toda a grana que ele tem para se exibir e ele vai poder escolher mulher a dedo. Coitada da Delphine, aposto que ele traiu ela. - Lottie! Isso é uma coisa horrível para você dizer. Você mal conhece o cara. - Conheço o tipo. Você também. – ela acaba com o champanhe do copo e coloca mais. Senhor, não deixe que ela beba demais e se meta nessa estória. – Você já deve ter sacado. Eu percebi como ele trata você. - Como assim? - Ah, qual é! Olhares escondidos, sorrisos. Se não te conhecesse melhor, juraria que está curtindo a atenção dele. Minha irritação com Jamie aumenta. Que covarde. Agora, por causa dele, parece que estou correndo atrás de um cara casado. - Bom, não estou. - respondo. – Não vai fazer a gente brigar também, né? Lottie afunda a cabeça até encostar a testa na mesa. - Essa foi uma péssima ideia. Eu deveria ter passado o Natal com o Charlie e mais ninguém. - Você não tinha como adivinhar que isso tudo iria acontecer. – massageio o ombro dela, procurando sinais de que esteja chorando. Minha irmã deu um passo maior do que a perna e agora está sentindo as dores. - O que aconteceu? - Charlie entra na sala e vai direto até Lottie. - Querida, não deixe isso aborrecer você. Eles que se fodam. Eu dou risada. - Ele tem razão. Eles que se fodam. Charlie tira o cabelo de Lottie do rosto dela e coloca a cabeça na mesa também para pode olhar nos olhos dela. - Vamos para cama. - Ainda é cedo. – ela resmunga. Charlie sussurra algo, que fico feliz em não conseguir ouvir, e dá um beijo nela. Aproveito a deixa para me retirar também. Vou para cama também. Temos muita coisa para fazer amanhã, já que o casamento de Lottie será daqui a dois dias e uma boa noite de sono vai me ajudar a lidar com a organização do evento. Essa situação toda me deixou muito aborrecida. A Lottie se esforçou tanto

para o Natal ser perfeito porque esse é o feriado predileto dela. Eles deveriam ter deixado de lado os problemas de família. Quando passo pela cozinha, Jamie está em pé ao lado da pia enchendo um copo com água. Eu deveria ficar fora disso, mas minha irmã está aos prantos e a culpa é dele. - Porque está com essa cara? - Jamie me pergunta quando vira em minha direção. - Você. Jamie fecha a cara. - Nem vem você também! - Já contou a verdade para sua mãe? Porque acho que já passou da hora! - Nunca deveria ter contado para você. – ele se vira para sair e fico na frente dele para bloquear o caminho. - Bom, mas contou, e agora está acabando com o Natal da minha irmã. Não estregue o casamento dela também. Conte para sua mãe o que está acontecendo e acabe com essa tensão. - Não posso! - Não quer, não é? - Conto depois do casamento, ok? - E vai acabar com o dia do casamento da Lottie com toda essa tensão? Não, senhor. - O problema é meu. Deixa que eu resolvo. - Então, eu conto. Jamie bate o copo de água na mesa da cozinha. - Não se atreva! Fique fora disso. - Você é um covarde! - Que porra é essa agora? - Ou ainda tem esperança de que ela vai voltar para você? – aponto para a mão dele. – A aliança? Não quer contar pra ninguém? - Já te disse que não tô nem aí pra ela. - ele fecha a porta da cozinha. – E vê se para de berrar, porra. Já cansei de gritaria por hoje. O dia está sendo uma merda pra mim e… - Talvez se você tivesse contado a verdade para eles, sua família teria sido mais compreensiva com você, Jamie. - Você não conhece minha família. – caçoa ele. - Não, mas você não é mais criança. É um adulto, então comporte-se como tal. Enfrente sua família. - Nossa. - Jamie dá um passo para trás. – Você é impressionante mesmo, não?

Meu coração bate mais forte por causa de nosso confronto. Conflitos fazem parte do meu trabalho, mas, na vida pessoal, prefiro manter as coisas sobre controle. Não quero botar mais lenha na fogueira aqui, mas, também não consigo me livrar da imagem da minha irmã aos prantos no dia do casamento dela. - Sou mesmo. - Está me dizendo para ser mais homem? - Estou. Ele dá um passo à frente. - Para ser honesto? - Com eles e com você mesmo. A vida vai ficar mais fácil desse jeito. Jamie esfrega os olhos e suspira. - Você. - Que tem eu? - Não sei. Só sei que você, não sei exatamente porque, é a única coisa boa nesse Natal de merda. Queria que tivéssemos passado o dia todo naquele pub. - Você está aqui. Eu estou aqui. Somos os únicos que não formam um casal. É natural criarmos um vínculo. Você precisava de alguém com quem desabafar e eu estava por perto. - Vínculo? - ele ri. – Você é a mulher que me enfeitiçou e arrancou confissões de mim. - Enfeitiçou? Jesus, Jamie. Não seja ridículo. Você queria me contar. - Porque eu precisava contar para alguém e queria contar para você. Precisava contar para você. - Porque? A cada segundo que passa, e ele não responde, as bordas embaçadas da realidade, depois de um dia em que bebi demais, começam a virar um borrão. - Porque me sinto atraído por você, Sadie, e porque você estava lutando com sua atração por mim, pensando que eu era casado. - E porque acho que você é arrogante. - Como assim? Desde quando? - Você achou que seu charme funcionaria pra cima de mim. Eu vi como você tratou a garota na loja de brinquedos. E usou seu charme no pub. Você é do tipo de homem que tenta tirar proveito da forma como as mulheres reagem a você. Sim, você é um cara atraente, mas essa é uma péssima ideia por várias razões. Não só porque você é casado. - Jura? - Juro. Ele cola sua boca no meu ouvido. - E se eu beijar você para você decidir se essa ideia é mesmo tão ruim?

Dou um passo para trás. - Você ouviu alguma coisa do que eu disse? Quanto você já bebeu? - Só Deus sabe. – ele dá de ombros. - Bebeu demais da conta. Acho melhor eu ir embora. Jamie dá um passo atrás, esfregando a ponta dos dedos na boca. - Geralmente é o contrário. Elas é que me pedem. - Elas? - Todas as malditas garotas que mandei passear porque ainda respeitava meu casamento de mentira. A ideia de que ele tenha rejeitado toda e qualquer mulher que se jogou para cima dele não me convence, mas não digo isso a ele -. Oh, coitadinho de você. - Bom, a maioria delas trabalhava para mim e eu não queria criar nenhum escândalo. - ele aponta para mim. – Gosto de mulheres com amor próprio. Não precisa ser nenhum gênio para entender porque as garotas se atiram sobre ele. O ar de auto-confiança de Jamie e sua beleza deixaram meus hormônios malucos mesmo quando eu ainda pensava que ele estava fora do meu alcance. Mesmo agora, bêbado e todo desarrumado, estou muito tentada a fazer o que ele sugeriu. - Você não sabe? As mulheres adoram milionários chamados Grey. Jamie geme e se encosta na mesa da cozinha. - Você acha que já não ouvi isso um milhão de vezes? - A maioria dos homens tiraria vantagem dessa situação. - Não sou como a maioria dos homens. – apesar da bebedeira, Jamie consegue manter um olhar firme que me impressiona. - Vou acreditar em você. Ele se indireita. - Estou para me tornar seu… sei lá o que. Parente, de certa forma. Você vai me conhecer melhor. Não vamos poder evitar essa… coisa para sempre. - Acho que vamos ter que. Sua família já tem drama demais sem acrescentarmos mais esse. - Certo. Claro. - Jamie esbarra em meu braço ao abrir a porta da cozinha e tenho que engolir a reação do meu corpo traidor. Ele não é o único que bebeu demais. Afinal, que outro motivo eu teria para invadir a cozinha e confrontá-lo dessa forma? - Boa noite, linda. – diz ele antes de cambalear para fora da cozinha, levando seu copo de água. Ótimo. Era tudo o que me faltava. Ter que admitir que ele tem razão. Existe alguma coisa entre nós, cada vez que estamos juntos, e isso não vai sumir tão

cedo.

9

No dia seguinte, a casa está tranquila. Lottie e Charlie saíram para passar o dia fora. A crise de nervos pré-nupcial dela piorou hoje cedo e o Charlie entrou em cena para ajudar com os últimos preparativos. Ela deu sorte com o Charlie, já que ele é o tipo de cara que toma o lugar da noiva à beira de um ataque de nervos para assumir a organização do casamento. A maioria dos homens se esconderia. Apesar de que tenho a impressão de que ele está só fingindo ter interesse em buquês de noiva. Eu até me ofereci para ir com eles, mas fiquei aliviada quando, ao invés de me deixar ir com ela, Lottie forneceu uma lista de tarefas para eu completar em casa mesmo. O clima pesado de ontem parece que fez todo mundo querer sumir porque Donald e Victoria também saíram para passar o dia fora. O que significa que ficamos só eu e meu clima pesado com o Jamie. Passei a manhã e limpando e arrumando a bagunça de ontem. A Lottie vai ficar mais feliz quando chegar de volta e encontrar a casa toda arrumada. Eu checo a lista que ela me deu e vou ticando o que já fiz: checar os emails para saber se alguém cancelou de última hora, ligar para o serviço de bufê para confirmar o cardápio e checar pela terceira vez nesta semana, confirmar com a cabeleireira se ela consegue chegar às sete da manhã para fazer o penteado e a maquiagem. A neve continua aninhada nas montanhas e, apesar da entrada estar coberta por uma mistura de lama e gelo, os muros e os jardins ainda estão brancos. O sol, apesar de brilhante, não é quente o suficiente para derreter mais a neve. Mas, me dá coragem para sair de casa e respirar um pouco de ar fresco, antes que a neve volte a cair e me prenda dentro de casa. Minhas opções para me exercitar são reduzidas aqui porque não há academia de ginástica no vilarejo. Preciso arrumar um jeito de eliminar o estresse de ontem. Estou procurando minhas botas no hall de entrada quando ouço passos na escada acarpetada. Jamie entra no hall e arregala os olhos quando me vê. - Bom dia. - Boa tarde. Jamie checa a hora em seu relógio. - Boa tarde. Espero ver um sorriso envergonhado, mas encontro o mesmo olhar intenso de sempre. Um pedido de desculpas? Não. - Onde está indo? – pergunta ele. - Dar uma volta. - Ótimo. Vou com você.

Coloco minhas luvas. - Talvez que queira ficar sozinha. - Como eu queria fazer ontem e você me seguiu mesmo assim? Espertinho. - Bom, tô saindo. Você vai ter que ser rápido. Jamie veste seu casaco que estava no cabide e enfia os pés em um par de botas enlameado. - Tô pronto. Claro que ele está. Lá fora, o vento frio corta meu rosto e enrolo o cachecol mais apertado em volta do meu nariz. Jamie caminha pela neve ao meu lado. - Você não tem um gorro ou algo assim? - Não preciso de gorro. – ele estende as mãos grandes. – Nem luvas. Sou durão. A aliança reluz. - Certo. Claro que você é. - Estamos indo ao pub de novo? – pergunta ele. - Não, vou dar um passeio até o rio. - E depois o pub? Chacoalho a cabeça por causa de seu tom de voz cheio de esperança. - Quem sabe? Tenho uma lista de coisas para fazer para a Lottie. Seguimos por uma trilha de marcas de pés e de patas através de um campo grande. Nenhum de nós fala nada, mas estou hiper consciente da presença de Jamie. As palavras dele ontem na cozinha liberaram tantas possibilidades na minha mente. Todas inapropriadas. O silêncio se quebra quando nós dois tentamos falar algo ao mesmo tempo e depois paramos. - Você primeiro. – diz Jamie. - Não, vai você. - Sou um cavalheiro. Mulheres, primeiro. - ele olha para frente, mas vejo um músculo saltar no rosto dele. Enfio minhas mãos enluvadas nos bolsos. - Desculpe por aquilo que disse ontem à noite. Por chamar você de covarde. - Não se desculpe. É verdade. - Foi grosseria da minha parte. - Eu não ligo. Gosto da sua sinceridade, mesmo que seja meio brutal. Ficamos novamente em silêncio até chegarmos às margens do rio. A água corre pelas pedras escuras, fazendo um barulho alto, neste dia tão calmo. - O que você começou a falar há pouco? - pergunto. - Queria pedir desculpas também?

- Pedir desculpas pelo que? - Não se lembra? Jamie analiza meu rosto com tanta atenção que os cabelos na minha nuca ficam em pé. - Por querer te beijar? Porque eu preciso me desculpar por isso? - Bom, parece que não precisa, então. - Você tava gritando comigo para eu falar a verdade e eu te disse a verdade. - Não tava gritando. Ele para de andar. - Você ouviu o que eu disse? - Que você quer me beijar? - Não. - Tudo bem. – desvio o olhar. - Quero fazer muito mais do que te beijar, Sadie. - ele sussurra. – Desde que te vi usando aquele vestido vermelho na véspera do Natal. - Nem vem. Não vou pra cama com você assim, sem mais nem menos. Minha irmã iria surtar. - Sua irmã? Essa é sua única razão? Interessante. - Veja bem, tem ainda o fato de que eu tenho amor próprio e o pequeno detalhe de que você é casado, Jamie. Ele solta um suspiro exasperado que faz o ar frio ficar enevoado ao redor do rosto dele. - Já te disse. Meu casamento acabou. Decidi contar a verdade pra eles. Depois que o casamento terminar, eu converso com meus pais. - Depois do casamento? - Isso. - Então, acho que você não vai me beijar antes do casamento. Os olhos de Jamie brilham. - Quer dizer que você vai me beijar, então? - Não quis dizer isso... eu quis dizer que... Jamie coloca uma mão gelada em meu rosto e eu me encolho. - Isso é tão estranho. Vivo cercado por mulhers atraentes que não me interessam. Então, você invade meu Natal e, de repente, tem uma mulher que gostaria de conhecer melhor. - Porque você está relaxando longe do trabalho. Isso muda sua perspectiva. Logo, logo você volta para o modo trabalho. Provavelmente daqui a uma hora mais ou menos? Jamie deixa sua mãe cair ao lado do corpo. - Chama isso de relaxante? Eu não gosto da minha família. O Charlie até

que é legal, mas ele me irrita. Sou o mais velho, então todas as grandes expectativas ficaram sobre os meus ombros. Ele, por outro lado, pode fazer o que bem entender. - Sua família parecia estar bem junta, até ontem à noite. Ele levanta a gola do casaco para melhor proteger o pescoço e fica olhando o rio. - É daquele jeito que agimos normalmente. Até que minha mãe conseguiu manter as aparências por um dia inteiro. Fiquei impressionado. - Nunca imaginei. Vocês parecem uma família feliz. - Meus pais dormem em quartos diferentes e quase não conversam. O que você tá vendo aqui é uma enorme encenação. Parte do motivo de eu não querer dizer nada sobre meu casamento é porque prefiro ficar na minha. Como sempre faço. - E se enterrando no trabalho? - Tendo sucesso e mantendo o negócio da família para o meu pai largar do meu pé. Eu tento avaliar onde ele que chegar com essa conversa. Estamos sozinhos e ele está esperando que eu confesse o que não quis admitir ontem à noite. Ainda que eu não queira outra coisa além de ficar perto dele, precisamos manter distância. - Que raio de caminhada é essa sem sair do lugar. Vamos andar. - Sim, senhora. – responde ele em tom de brincadeira. - Para com isso. - Sim, sen… - ele faz bico e segura o braço no lugar onde meu tapa o acertou. - Nem doeu! - Porque consigo conversar contigo sobre meu casamento? - ele puxa o colarinho do casaco para proteger melhor o pescoço. - Às vezes, é mais fácil conversar com estranhos. - Não. É você. Você tem alguma coisa que ainda não consegui identificar. - Identificar? Eu não sou um problema que você precisar resolver. - Não, mas você é um problema. Lá vem ele com aquele olhar intenso que não consigo sustentar. Acabo olhando para outro lugar. O telefone de Jamie toca. - Você trouxe o telefone? - Claro. Sempre carrego meu telefone. – ele enfia mão no bolso. – Me dá dois minutos. - Grosso. Continuo caminhando e deixo Jamie para trás com o telefonema dele. Nos

finais de semana, sempre me ligavam do escritório, mas pelo menos eu conseguia ter um tempo para relaxar. Se não estava trabalhando e não havia nada urgente, desligava meu telefone. Problemas relacionados com trabalho sempre apareciam, mas nunca deixei meu trabalho tomar conta da minha vida. Sinto alguma coisa fria e úmida bater na minha cabeça e a neve escorrer pelo meu rosto. - Que merda? – grito, virando para ele. Jamie sorri, com as mãos nos bolsos. - Que foi? - Não se faça de inocente. - Não faço ideia do que você está falando. Percebendo um monte perfeito de neve à minha esquerda, abaixo, pego um punhado e faço uma bola. - Você tá muito longe. – grita Jamie. - Você acha é? – arremesso a bola de neve com toda a força do meu braço e acerto o peito dele. - Belo arremesso. – diz ele cambaleante e surpreso. Me abaixo novamente e faço outra bola de neve. - Você não vai ganhar de mim. Jogo netball duas vezes por semana e tenho ótima pontaria. – desvio da bola dele e lanço a minha que acerta o ombro dele. Quando Jamie caminha em minha direção, espero ver uma expressão de raiva, mas o mesmo sorriso aberto de sempre estampa seu rosto corado pelo frio. - Corre. - Como assim? - Corre. – ele chega perto de mim com duas passadas, agarra meus braços com uma mão e na outra traz um punhado de neve. – Eu disse que era para você correr. Eu solto um grito estridente quando ele empurra a neve por dentro da gola do meu casaco. O gelo vira água quando derrete na minha pele. - Jesus! Estico as mãos e cavo a neve. Meio rindo e meio irritada, agarro um monte de neve e caminho até ele. Jamie recua, me obervamdo. - Quero só ver se você se atreve. - Claro que sim. Jamie se abaixa e também pega um monte de neve e nós ficamos nos encarando. Medindo e provocando um ao outro, fazendo de conta, mas não arremessando. A última vez que participei de uma guerra de neve, eu tinha onze anos de idade. Se meus clientes pudessem me ver agora, jamais acreditariam que essa

sou eu. A expressão infantil no rosto de Jamie também não combina com sua fama de homem de negócios durão. No ar fresco da calma Cotswolds, minha vida de processos legais e falta de tempo parece sumir na distância. Uma sensação inebriante de liberdade me invade. É Natal e amanhã vou comemorar o casamento da minha irmã. Nesse momento perfeito, percebo como a vida é boa e deixo todo o resto para lá. Exceto a bola de neve na minha mão. Corro em direção ao Jamie, que joga sua bola de neve no chão para agarrar meu pulso e tirar a minha de mim. Rindo, luto com ele, virando meu braço para tentar retribuir jogando neve pela gola dele também. Meu peito pressiona contra o dele e os casacos entre nós não oferecem uma barreira suficientemente espessa contra meu desejo de continuar pressionando meu corpo contra o dele. Seu hálito quente embaça o ar e nós dois continuamos como que congelados pela neve, meu braço estendido onde Jamie o segura. Ele passa o outro braço em volta de minha cintura, me puxando para mais perto, fazendo nossos corpos se grudarem ainda mais. Jamie solta minha mão e segura minha cabeça, trazendo meu rosto em direção ao dele. - Eu já te falei o quanto quero te beijar? – seu hálito sussurra contra meus lábios. – Você nem me respondeu se queria que eu te beijasse. Antes que eu mude de ideia, pressiono meus lábios contra os dele. Frios. Experimento. Jamie hesita até eu começar a mover meus lábios contra os dele. Era só isso que ele precisava. Jamie enrola uma mão nos meus cabelos, puxando meu rosto para cima e os beijos ficam mais intensos. Todo traço de indecisão desaparece, substituídos pela possessividade de seus lábios. Cada polegada da minha pele parece ganhar vida conforme me entrego à sua paixão. Trocamos beijos cada vez mais intensos e desesperados. Nossas línguas se acariciam e o calor entre nós ganha intensidade. Eu andei negligenciando minha vida pessoal. Há meses que não beijo um homem. Faz muito mais tempo que ninguém me beija desse jeito. Imagino que este homem gentil é um amante exigente, mas que se preocupa em dar na mesma medida em que recebe. Perco a noção de tudo, exceto das sensações que nos envolvem: o beijo de Jamie, seus dedos enterrados em meus cabelos e a força da paixão que ele provocou e que agora me consome como um fogo intenso. Tudo o que eu quero é que ele me toque, que eu possa sentir suas mãos e seus lábios, sem me importar com o lugar onde estamos. Isso é tão bom e tão errado, ao mesmo tempo. Eu me afasto, apesar de que cada célula do meu corpo o deseja com uma força que me assusta. Preciso parar agora ou esse desejo vai nos seguir de volta até a casa.

Jamie esfrega seu polegar sobre meus lábios inchados. - Vou contar para eles. Hoje à noite. Depois, vou beijar você de novo tantas vezes, até perder a conta. Enfio meus braços por baixo da jaqueta dele e sobre seu peito. O coração de Jamie bate embaixo da minha mão. - Acho que essa é uma ótima ideia. - Contar à minha família que meu casamento acabou ou beijar você novamente? - Ambos. De preferência, não ao mesmo tempo. – digo, e solto uma risada, coração se sentindo leve. - Isso é uma loucura. – sussurra ele, colocando o queixo no topo de minha cabeça. - Eu diria que já faz muito tempo que você não faz alguma coisa louca. Esse é um bom começo. Caminhando de volta pelo campo, tento ignorar meu pescoço encharcado, mas a euforia causada pelo beijo dele me aquece no caminho de volta para casa enquanto andamos de mãos dadas. Parecemos dois adolescentes, roubando beijos e fazendo guerra de bolas de neve. Eu bem que preferiria passar mais tempo com Jamie, aceitar sua sugestão de visitarmos o pub, mas a Lottie vai me matar se ela chegar de volta em casa e eu não tiver dado conta da lista de tarefas. Há dois carros parados na entrada e fico desapontada. Tinha a esperança de passar mais tempo com ele antes das pessoas voltarem, mas duvido que iríamos nos comportar como precisamos. Jamie pára do lado de fora do portão, xingando em voz baixa. Ele solta minha mão e passa as duas dele pelo cabelo. - Não, não consigo lidar com isso agora. O que diabos ela está fazendo aqui? - Quem está fazendo o que? Agora que chegamos mais perto, consigo ver os carros. Um é o Range Rover de Charlie. O outro é um elegante Lexus preto com uma placa estrangeira. Jamie me deixa para trás e pula o portão, ao invés de abrir. Com o estômago pesado, sigo atrás dele. Uma garotinha sai correndo de dentro da casa, diretamente para os braços dele, que a pega no colo. Lágrimas inesperadas queimam meus olhos quando vejo uma mulher alta e elegante, com longos cabelos escuros, aparecer na porta. Sem olhar para trás, Jamie entra em casa com a filha agarrada ao seu pescoço.

10

Penduro meu casado no hall de entrada e tiro a neve que se acumulou nele durante minha guerra com Jamie. Não tenho nenhum direito de ficar chateada. Além do mais, isso pode até ser o catalizador que Jamie precisava para agir. Mas, porque a mulher que ontem se recusou a deixá-lo conversar com a filha resolveu vir até aqui? Tiro minhas luvas e gorro e enfio tudo nos bolsos do casaco, protelando o momento de encontrar com ela. Vozes abafadas chegam até mim vindas da cozinha: Lottie, uma menina e uma com sotaque francês. Não ouço a voz do homem que, há poucos instantes atrás, me beijava com uma paixão inimaginável. Tomando coragem, estampo no rosto o mesmo sorriso mecânico que costumo usar com os clientes e entro na cozinha. Delphine e Paisley estão sentadas à mesa, a menina come uma barra de chocolate e Delphine segura uma caneca de café com ambas as mãos elegantes. Jamie está em pé, encostado na pia, de braços cruzados, mas evito olhar em seu rosto. O rosto de Lottie está tão iluminado quanto as luzes da árvore de Natal que enfeita um canto do aposento, obviamente ignorando a tensão à sua volta. - Paisley veio para o casamento! – me informa ela, entusiasmada. Delphine chegou de carro hoje cedo. Nem acredito que elas estão aqui. - Nem eu. - Jamie responde em voz baixa. – E vindo da França, ainda por cima. Ele enfatiza a palavra França, mas Delphine não esboça reação. Mesmo assim, a Escócia também é longe para vir dirigindo. - Oh! Perdão. – diz Lottie. – Esta é Sadie, minha irmã. Sadie, estas são Delphine e Paisley. Eu me esforço para manter o sorriso falso. - Foi o que pensei. Prazer em conhecer. - Igualmente. - responde Delphine. Com seu cabelo castanho liso e maquiagem professional, essa mulher é linda. E aqui estou eu, toda desarrumada, jeans encharcado e cabelo úmido caindo sobre meu rosto sem maquiagem. Não exatamente a maneira como prefiro encontrar pessoas pela primeira vez. Ela usa um vestido azul que revela ossos angulosos na base do pescoço e sua figura elegante chega a ser quase magra demais. A aparência de top model de Delphine combina com a beleza clássica de Jamie. Eles formam o casal perfeito com uma filha linda. Paisley desce da cadeira e corre de volta para o pai. Quando Jamie a pega no colo, vejo que ela está agarrada a um boneco com as cores do arco-íris. O Bugalugs.

Meu coração se aperta e digo para mim mesma que é por causa do drama que estou presenciando, não por causa de meus sentimentos por Jamie. - Paisley ficou muito chateada por perder a cerimônia. Espero que a mudança não a pegue desprevenida. Decidi vir hoje cedo. - diz Delphine. - Não, não! - garante Lottie. – Mas, você deveria ter telefonado. Preciso arrumar o quarto para Paisley. Vocês ficarão aqui, né? Vou pedir ao Charlie para levar suas malas lá para cima. Se eu soubesse, teria colocado Jamie no quarto maior onde Sadie está. Delphine e Jamie trocam olhares. - Por favor, não se incomode comigo. Posso ficar em um hotel. - Não, insisto para que fique aqui. - Não me incomodo de trocar de quarto. – sugiro, achando que isso vai dar uma desculpa para Jamie dizer alguma coisa. Eles não vão querer ficar no mesmo quarto e ele vai ter que se explicar. - Isso é muito gentil da sua parte. – diz Lottie. Jamie coloca a filha de volta no chão e diz: -Vou procurar o Charlie. - Vou com você, papai! - afirma Paisley, correndo atrás dele. Apressada, saio da frente da porta. Ele não pode chegar perto de mim. Não de novo. Não ainda. O que devo fazer? Ou dizer? Manter uma conversa educada? Minha mente dá voltas procurando possibilidades. Será que Jamie estava mentindo? Delphine está na defensiva e evita as perguntas sobre seu Natal ou sua mãe, enquanto olha na direção que Jamie seguiu. Lottie está tão feliz porque a última peça do quebra-cabeças que são os seus planos de casamento, finalmente, se encaixou que nem percebe o que está acontecendo. Eu peço licença e saio.

M eia hora mais tarde, vou até a lavanderia levar o amontoado de roupas de cama que tirei do meu quarto e jogo tudo dentro de um cesto de roupas sujas. Nem Jamie, nem Delphine tentaram convencer Lottie a não mudar os quartos porque a Lottie me ajudou a tirar as roupas de cama antes de desaparecer novamente para ir arrumar o quarto que Jamie estava usando para eu ficar agora. O enorme armário com roupas de cama guarda uma variedade de itens

empilhados nas prateleiras e começo a procurar um para levar de volta. Ao tentar imaginar qual jogo de lençóis vai caber na cama, também imagino Delphine na cama com Jamie. Não. Isso não pode acontecer. Pode? A lavanderia fica nos fundos da casa e, por isso é um lugar perfeito para alguém se esconder: dos preparativos para o casamento, dos dramas da família, de Jamie. Interrompo minha busca por fronhas de travesseiro quando escuto duas vozes baixas conversando em francês, mas estão se aproximando. Oh, meu Deus. Eu não quero dar de cara com o Jamie e a Delphine. Fecho a porta com um surdo clique. Também não quero ouvir a conversa deles. O tom das vozes também aumenta quando passam a discutir em inglês. - Você é um estúpido! - acusa Delphine. – Não posso fingir que ainda gosto de você por dois dias inteiros. Não aguento nem olhar na tua cara. - Porque veio pra cá, então? - Paisley. Um de nós ainda se preocupa com a felicidade dela. - Não diga uma coisa dessas. - grunhe Jamie. – Eu tive que dizer à Paisley que ela não poderia vir ao casamento porque você não queria me dizer onde estaria, nem o que estava rolando. Minha família ainda não sabe sobre nós. - Você é ridículo! Você nunca se impõe com eles. - Vou contar a eles, mas só depois do casamento. Charlie vai me matar se mamãe ficar histérica de novo. - Sua mãe é uma manipuladora. Você deixa ela te controlar, mas depois quer controlar todo mundo à sua volta para fugir de seus próprios sentimentos. Jamie suspira. - Pode parar. Já ouvi tudo isso antes, Delphine. - Um dia, você ainda vai perceber o quanto é infeliz por estar sozinho. - Prefiro estar sozinho do que ficar com alguém que me faz sentir só. A conversa volta para o francês e as vozes se afastam. Me sentindo culpada por ouvir a conversa alheia, pego o primeiro jogo de lençóis que vejo e saio. As vozes param, ouço passos voltando e congelo de pavor. - Sadie? Agarro-me à roupa de cama quando Jamie se aproxima. As marcas de estresse no rosto dele são visíveis e sua respiração está acelerada. - Vim buscar roupas limpas para colocar no seu novo quarto. Jamie respira fundo e me puxa pelo braço para dentro da lavanderia. - Não vou dividir um quarto com ela. - Sério, isso não é da minha conta. - Mas, você ouviu minha conversa? - Sim, porque vocês estavam gritando.

Jamie fecha a porta e se encosta nela. - Minha cabeça está a milhão. Tiro o cabelo do rosto e resolvo fazer a pergunta que está acabando comigo. - A Delphine vai ficar para o casamento? - Não. Ela me colocou numa posição muito incomoda vindo até aqui. - Ela sabia que você ainda não tinha contado para sua família? - Sim. Não. Mais ou menos. Eu disse para ela que contaria a eles neste final de semana. Ontem, ameacei transformar o divórcio num processo longo e penoso se ela não me deixasse ver a Paisley e ela resolveu pagar para ver. Chacoalho a cabeça. - Porque você faz essas coisas? Porque não conta a verdade? - Quando você passa tempo demais construindo uma muralha de mentiras, fica muito difícil derrubar. Quanto mais tempo se leva, mais difícil fica. A situação é muito mais complicada do que você imagina. - Mas, é sempre assim, né? Olha, não quero ficar no meio de uma estória que não é da minha conta. – coloco minha mão na maçaneta e Jamie a cobre com sua mão. - Jamie. - Esta estória é da sua conta. Não quero magoar você. - Por causa de um beijo? Existe uma atração física entre nós e nos deixamos levar por ela. Foi isso. Não é nada sério. - Não. É sério para mim. – os dedos dele continuam agarrados aos meus. Preciso sair daqui antes que acabe mostrando a ele meus reais sentimentos. O quanto quero que ele me beije de novo, me abrace e alimente essa fantasia que criei de que esse homem pode ser meu. Minha mão está pegando fogo embaixo da mão dele e seu toque começa a incendiar todo meu corpo novamente. A respiração ofegante de Jamie, ainda por causa da discussão, faz meu cabelo descobrir meu rosto. Não tenho mais como me esconder dele. - Olha pra mim. - Tenho que ir. - Sadie. – levanto a cabeça. – Vou sair daqui agora e acabar com essa situação ridícula. - ele toca meus lábios. - Delphine tem razão. Você tem razão. Sou um covarde de merda. Segundos depois, a boca de Jamie cobre a minha. Os lençóis que continuo segurando, paralisada pela surpresa de sua atitude, formam uma barreira entre nós. Ele tira os lençóis das minhas mãos e joga em cima do balcão, puxando-me pelos quadris de encontro ao seu corpo, enquanto me beija com uma paixão crua, sua língua se enrosca na minha. Estamos de volta àquele momento no rio, como se as últimas horas não tivessem acontecido. Jamie acaricia minha nuca e eu agarro seus cabelos, segurando seu rosto, não quero que ele pare.

Sem interromper nosso beijo, Jamie me leva de costas até o balcão da lavanderia, onde ele me coloca sentada. Posicionando-se no meio das minhas pernas abertas, Jamie suaviza os beijos ao sussurrar meu nome. Agarro seus ombros, enterrando meus dedos em seu cabelo grosso quando ele beija meu pescoço. Jamie enfia a mão por dentro de meu suéter, o calor de seu toque gentil me consome e eu enfio minha mão por dentro da camisa dele. Quero sentir a pele dele contra a minha, quero me perder nessas sensações proibidas, mas que são tão boas. Jamie pressiona seu corpo rígido contra o meu e eu abraço suas pernas com as minhas, puxando-o para ainda mais perto de mim. - Sadie. – a voz dele está rouca e seus beijos são exigentes. – Isso que existe entre nós. Jesus, é tão difícil me controlar quando estou com você. Corro os dedos pelos seus cabelos enquanto ele traça uma linha no meu pescoço com sua língua. Respirando fundo, ele cola os lábios em um ponto sensível que pulsa na base do meu pescoço e agarra minha cintura. Devo ter ficado louca. Há poucos instantes atrás, este homem estava brigando com a esposa. A mulher que ele insiste que não faz mais parte da sua vida. Mas, eu não quero nem saber porque isso entre nós é muito mais forte. É real. Está fora de nosso controle. - Sadie! – berra uma voz estridente. – Oh, meu Deus! Eu sabia! Sou arremessada de volta ao planeta Terra pela voz da minha irmã e me esforço para sair dos braços de Jamie. Ela joga os lençóis que trazia num cesto de roupas sujas quando Jamie vira para encará-la. Graças a Deus, me controlei o suficiente para não tirar a roupa. - Seu filho da puta! - acusa Lottie. – Sua mulher está no quarto ao lado! Sadie, como pode fazer uma coisa dessas? Você mentiu pra mim! - Não é o que você está pensando. - Jamie arruma suas roupas de volta no lugar. - Ah, mas isso é exatamente o que eu imagino que é. Minha irmã está fazendo sexo com um homem casado na minha lavanderia. - Não estávamos fazendo sexo. - respondo, indignada por ter que esclarecer esse ponto. – Estou vestida! Lottie faz um barulho indicando que considera minha resposta como uma piada. - Eu falei para você que ele era o tipo. Só não esperei que você gostasse. Qual é graça? É a adrenalina? É porque é errado? - Meu casamento acabou. - esclarece Jamie. - Ha! Foi isso que disse para ela? A velha estória ‘minha mulher não me entende’? Você deveria pensar em sua filha!

- Calma, Lottie. Ela joga as mãos para o ar. - Eu não deveria ter convidado nenhum de vocês para passar o final de semana. Ela bate a porta atrás de si ao sair. Pulo do balcão. - Melhor eu ir atrás dela. - Acho melhor você esperar ela se acalmar primeiro. - Acalmar? Ela vai direto falar com o Charlie. Jamie faz uma careta. - Merda. Tem razão. - O tempo acabou, Jamie. Ele passa a mão pelos meus cabelos, da mesma forma que fez aquele dia no pub, e depois coloca a mão em meu rosto. - Espero que não tenha acabado para nós. Toco o rosto dele de volta. - Talvez um dia. Primeiro, vamos ver como a realidade do outro lado dessa porta vai nos tratar? Jamie levanta a mão e tira a aliança de ouro do dedo. - Quando você assistir o que está para acontecer, vai entender porque deixei as coisas como estavam por tanto tempo. Ele coloca sua aliança de casamento sobre o balcão e abre a porta. - Vamos lá.

11

Lottie se recusa a falar comigo, mas fico plantada na porta do quarto dela até que ela finalmente abre a porta. Ao invés de me ouvir, ela me dá um sermão, fazendo inclusive comentários maldosos sobre as outras duas damas de honra que estão para chegar nas próximas horas, dizendo que provavelmente Jamie vai tentar dormir com elas também. Me refugio no meu quarto e uma hora mais tarde, observo, pela janela, Delphine sair de carro com Paisley. O que foi que eu fiz? A Lottie vai me matar se a Paisley não voltar para o casamento. No começo da noite, escuto Victoria e Donald voltarem para casa e evito encontrar com eles. Cansada de me esconder dentro do quarto, pego um livro e vou para o jardim de inverno, na parte de trás da casa, e fecho a porta. No hall, cruzo com Jamie, que parece extremamente estressado e vejo que a família Grey se reúne na sala de estar. Sinto um misto de alívio e apreensão ao pensar no que ele vai enfrentar. Será que Jamie vai manter sua promessa e contar para a família? Com certeza. Em toda minha vida, nunca tinha visto a expressão “soltar os cachorros” ser encenada ao vivo e em cores da forma como vi nesta noite. Fico passada quando Victoria corre pela casa, berrando com Jamie e batendo portas. Ela grita com o bem-sucessido executivo de vinte e seis anos como se ele fosse um moleque que quebrou alguma coisa muito cara. Ainda escondida no jardim de inverno, rezo para Lottie não estar escutando a briga, mas aposto que até os moradores do vilarejo estão ouvindo. As vozes de Charlie e Donald ressoam pelo hall conforme eles tentam acalmar Victoria. Jamie, não. Quando ouço o som repetitivo de coisas batendo contra uma parede, seguido pelo barulho de vidros quebrando, fico pronta para sair da casa de uma vez. Essa mulher está louca. Não louca do tipo puta da vida, mas louca do tipo insana mesmo. Jamie havia feito alusões sobre a natureza controladora de sua família, mas eu tinha deduzido que ele estava se referindo ao pai e aos negócios. Pela lógica, o final do casamento de Jamie poderia aborrecer sua família. Pela ótica disfuncional da família dele, o divórcio é o pior desastre que poderia ter acontecido. A maior parte da gritaria de Victoria está ligada ao fato de que ela vai perder a neta, Paisley, porque Jamie não foi homem o suficiente para salvar seu casamento. Certamente, como avó, Victoria teria direito de continuar em contato com Paisley, independente do que acontecer entre Jamie e Delphine. Por outro lado, se Paisley fosse minha filha, eu teria minhas dúvidas. Se Delphine

alguma vez testemunhou esse tipo de comportamento de Victoria, acredito que ela também tenha dúvidas. Pobre Lottie. Quanto tempo vai levar para Victoria tentar controlar a vida de Lottie também? Pouco a pouco, as coisas se aquietam e me pergunto se já é seguro sair do jardim de inverno. Em determinado momento, cheguei a cogitar me trancar na lavanderia até a tempestade passar. Sem conseguir me concentrar no meu livro, fiquei respondendo emails e mensagens de texto e me distraindo, tentando sair desse mundo estranho e me refugiando no meu próprio mundo. Charlie aparece de repente, rosto ainda pálido. - Você viu o Jamie? - Não” Esfregando a mão no rosto em sinal de cansaço, ele se afunda ao meu lado, no sofá. - A Lottie me contou o que ela viu. Você e Jamie. - Oh. Claro que ela contaria para ele. - Ele é uma besta. Eu me mexo no sofa. Situação incômoda. - E sua mãe… ela está bem? - O papai deu alguma coisa para ela se acalmar. A gente não pode dar uma notícia como essa para ela assim, do nada. Minha mãe não sabe lidar com essas coisas. - Ela costuma fazer muito isso? - Ah, sim. E a gente nunca sabe quando e até onde ela pode chegar. Mesmo quando éramos crianças, se fizessemos alguma coisa que ela não gostasse, ou que não pudesse controlar, minha mãe colocava a culpa na gente por tornar sua vida insuportável. – ele me olha meio de lado. – Nunca falei para a Lottie sobre essas coisas porque não queria afugentá-la, mas agora acho que ela já sacou como minha família é. - Não acredito que a Lottie mudaria de ideia sobre casar com você por causa de sua mãe, Charlie. Ela está casando com você, não com sua mãe. - Às vezes, fico pensando que ao invés desse drama, teria sido melhor se mamãe tivesse espancado a gente quando éramos crianças. As cicatrizes que ela deixou são bem piores. Especialmente para o Jamie, ele é o mais velho e sempre teve que se comportar de acordo com os padrões de excelência dela. A cada palavra de Charlie, me aprofundo mais nesse mundo deles e entendo melhor as razões que fizeram Jamie relutar tanto em dizer a verdade. Sua criança

interior estava apavorada porque sabia que iria magoar a mãe, tinha medo do que ela poderia fazer, e para evitar isso, ele acabou machucando a si mesmo. Tendo crescido com uma mulher com esse tipo de comportamento, Jamie viveu num ambiente tóxico. Não é de se admirar que ele tenha se desligado de seus relacionamentos. - Numa ocasião em que eu tinha bebido mais do que deveria, eu disse pro Jamie conversar com alguém. Eu sabia que as coisas entre ele e Delphine estavam ruins. Eu assisti enquanto ele se afundava sob o peso do trabalho, mas Jamie negava isso. - Charlie solta uma risada leve. – Você sabe como são os homens. A gente não gosta de conversar. Eu deveria ter insistido mais com ele, mas não fiz isso. - Pelo que você me contou, sua mãe é quem precisa de ajuda. - É. – ele se levanta. - Desculpa, mas eu precisava conversar com alguém. Mesmo que talvez você não seja a pessoa mais indicada. - Amanhã, você acha que ela vai... - Se comportar desse jeito? Duvido. Ela nunca faz isso em público. Jamie não contou nada para meus pais sobre você. Pedi para ele dar um tempo. Você pode fazer a mesma coisa? Por favor. Concorco com um aceno de cabeça. Este encontro não foi acidental. Foi para me dar um aviso. Charlie vai embora e me deixa sozinha com minha confusão. Este Natal deveria ter sido uma comemoração feliz para todos entrarem no clima do casamento - o grande dia da Lottie. Mas, tudo que vi foram os dias se transformarem gradualmente num caos. A Lottie está certa. Ela não deveria ter convidado nenhum de nós para passar o Natal com eles. Desse jeito, meu primeiro encontro com Jamie teria sido no casamento. Teríamos evitado todo esse drama e o segredo dele teria permanecido escondido. A atração física entre eu e Jamie ainda teria sido a mesma. Mas, sob diferentes circunstâncias de tempo e lugar, longe do Natal e de casamentos, poderíamos escolher tomar uma atitude sobre essa atração ou não. Quanto será que a atmosfera criada pela nossa proximidade física, dentro da casa durante o Natal, influenciou o desenrolar dos acontecimentos entre nós dois? E o pior é que, de agora em diante, estarei sempre ligada à briga que arruinou o casamento da minha irmã.

12

Na manhã seguinte, acordo apreensiva pensando sobre o que o dia reserva para mim. E no tamanho da encrenca que eu me meteria se conversasse com a Victoria e pedisse para ela controlar as emoções. Não preciso me preocupar. Quando encontro Lottie na enorme suíte principal, ela já está usando a parte de baixo de seu vestido de seda e Victoria está ocupada com as outras duas damas de honra. Lottie está sentada em frente ao espelho, conversando com uma das damas de honra, Rachel, uma amiga dela dos tempos de escola. A cabeleireira está fazendo a mágica dela no longo cabelo de Lottie, cujo rosto está ainda pálido. - Sadie! Taylor pode começar a fazer sua maquiagem enquanto Becca termina o penteado de Lottie. - anuncia Victoria. Dou uma olhada na direção de Lottie que me responde dando de ombros. A mascara está de volta e Victoria voltou a ser aquela mulher respeitável e equilibrada. Vestindo um conjunto cor de creme, com um penteado impecável, ela está pronta para seu grande papel. Ela circula, excitada, garantindo à Lottie que vai até os fundos da casa para checar os preparativos. Eu me afundo na cadeira, aliviada, quando Victoria sai da sala. - Ela disse alguma coisa? – pergunto à Lottie. - Não. - O Charlie te falou alguma coisa sobre o que aconteceu ontem a noite? - Ele não quis tocar no assunto. O tom de voz seco de Lottie não é apenas por causa do nervosismo natural e ela olha fixamente para um ponto à sua frente. Com a maquiadora, a cabeleireira e duas damas de honra no quarto, não dá para conversarmos sobre a situaçao. - Jamie e Charlie estão se arrumando do outro lado da casa. Não quero ver Charlie antes da cerimônia. - Lottie vira para me encarar. – Caso você esteja se perguntando onde o Jamie está. - Lottie... Ela volta a olhar para frente. - Mamãe ligou para avisar que vai se atrasar. Como sempre. - Porque ela não dormiu aqui ontem à noite? - O voo atrasou para sair da Grécia. Se a mamãe soubesse o tipo de diversão que tivemos por aqui nos últimos dias, ela ficaria duplamente feliz por não ter vindo. Estou feliz de ter podido ajudar Lottie com os preparativos do casamento, mas a mamãe não se envolveu com quase nada. Lottie e a mamãe não costumam concordar muito uma com a

outra. Talvez as férias dela tenham sido uma boa ideia. - Como você está se sentindo? - pergunto. - Nervosa. Cansada. Não dormi bem. Estou parecendo um lixo. - Você está linda. – responde Rachel. – A Taylor vai esconder as olheiras! - Vamos começar o dia com champanhe então! – encho duas taças com a garrafa que está por perto. – Tenho certeza que é uma tradição. - Eu também. Já bebi um pouco. Todos nós bebemos. – a cabeleireira ri enquanto alisa o cabelo de Lottie. – Agora sente-se. Temos menos de duas horas e muito trabalho a fazer até você estar pronta. Este dia não é para brigar com minha irmã. Por isso, sento obedientemente em uma cadeira almofadada perto da janela. Enquanto Taylor faz minha maquiagem, perco metade do que ela me diz porque não estou prestando atenção. Minha cabeça está cheia de pensamentos sobre Jamie. O beijo. O caos. Como será que ele está? O que ele fez depois da briga? Mas, na maior parte do tempo, penso nos beijos que me tiraram do sério e nas suas mãos sobre meu corpo. - Sadie. – volto para a realidade com a voz de Lottie. – Você vai me ajudar a colocar o resto do vestido? - Claro. Estou surpresa que tenha esperado até agora. Nós fechamos o ziper e arrumamos o vestido de seda, alisando a saia rodada até ficar no lugar. Uma bainha em vermelho escuro acentua a barra do vestido longo branco, com um padrão semelhante entrelaçado no corpete. As primeiras lágrimas do dia começam. Minha irmã caçula. - Não se atreva! – os olhos de Lottie também estão brilhantes. – Vamos borrar a maquiagem. Os vestidos das damas de honra são do mesmo tom de vermelho que aparece no vestido de noiva de Lottie, com um decote bem-comportado e com o cetim longo se moldando ao corpo. A mulher que me encara do espelho não se parece em nada com o que eu havia imaginado. Fico com medo de me mexer e fazer o cabelo tão artesanalmente penteado cair todo sobre o meu rosto. Toco o colar de diamante que Jamie me deu. O pingente simples é perfeito sem ser chamativo. O que vai acontecer quando nos encontrarmos novamente? Carros vão enchendo a entrada conforme os convidados chegam. O sol brilha no grande dia da Lottie. Bebemos uma terceira taça de champanhe e o tom excitado da conversa aumenta. As outras duas damas de honra estão aqui, mas, falta alguém. - A Paisley ainda vem? - pergunto. - Sim. - Lottie pausa e recebo mais uma olhada feia. – A Delphine não vem. - Oh.

- Ela falou para o Charlie que não se sentiria à vontade. Não estou surpresa, você está? Dou uma olhada rápida para as outras damas de honra e percebo que estão ocupadas ajudando umas às outras dando toque finais à maquiagem. - Você não sabe a estória toda. - Você só sabe a versão do Jamie. - Agora não é a hora para termos essa conversa, Lottie. Ela afasta um cacho do rosto. - Não cause problemas. - Não vou. Prometo. Victoria aparece na porta trazendo uma Paisley que parece confusa, mas está vestida num pequeno vestido branco debruado em vermelho que combina à perfeição com o da noiva. Ela agarra a mão da avó, que segura um grande buquê de rosas vermelhas entremeadas com orquídeas brancas. Os olhos cor de mel de Paisley, iguais aos olhos do pai, e sua expressão preocupada também me faz lembrar Jamie. - Olá, Paisley. Você veio me trazer as flores? - pergunta Lottie. Paisley acena que sim com a cabeça e passa as flores da avó para a noiva. - Então, estamos prontas!

A cerimônia de casamento acontece no jardim de inverno, com as montanhas Cotswolds como pano de fundo atrás das paredes de vidro. Cadeiras estão arrumadas em fileiras, amarradas com fitas vermelhas, de frente para o oficiante, o noivo e o padrinho. Eles estão em pé ao lado das portas que dão para o pátio de pedra. Flores natalinas enfeitam as paredes e guirlandas brancas enfeitam o teto. Eu caminho com Lottie pelo corredor improvisado entre as cadeiras e mantenho minha concentração em minha irmã, que tropeça. Agarrando suas mãos trêmulas, não tomo conhecimento de Jamie até chegarmos no final do caminho e entregá-la ao Charlie. A expressão de Jamie tira meu fôlego. Ele está de boca aberta e olhos brilhantes e diz um 'uau' com os lábios apenas. Faço cara de brava para ele, convencida de que todos estão olhando para nós. Que tolice. É claro que todos os olhoras estão na noiva e no noivo. Eu também estou surpresa. Esse cara fica bem num terno. Bom, isso é uma

meia-verdade. O terno cinza feito sob medida, combinando com o de seu irmão, marca todos os lugares certos. O paletó abotoado tem uma rosa vermelha na lapela combinando com o buquê da noiva. Olhando para ele, lembro de ontem na lavanderia. Lembro como seu corpo atlético e musculoso pressionou o meu, o beijo, o desejo, e ... E me recuso a imaginar o Jamie nu enquanto minha irmã está fazendo seus votos nupciais. Paisley joga seu pequeno buquê de flores e corre para o pai. Jamie desvia o olhar para se abaixar e pegar a filha no colo. Baixo minha cabeça e escolho uma cadeira atrás dos noivos. Jamie senta-se com os pais, do outro lado do corredor. Minha mãe está na mesma fileira que eu com seu novo companheiro, Kevin. Aperto a mão dela, sussurrando que é ótimo vê-la e que ela deveria ter chegado mais cedo. A sala se aquieta e todos focam no casal à frente. O sol de inverno compareceu para brilhar nesse dia especial para eles. A choradeira começa enquanto a cerimônia progride, tão tradicional quanto o primeiro beijo dos noivos. O que mais me toca não são as palavras nem o momento, mas o fato de que Charlie e Lottie parecem estar perdidos um no outro, criando momentos de silêncio quando deveriam estar trocando votos. É como se ninguém mais existisse para eles nesse instante. É assim que o amor dever ser e meu peito se aperta de felicidade por eles. O homem grande em pé no altar compartilha seu coração gentil com todos ao lutar para conter as próprias lágrimas. Charlie e Lottie foram feitos um para o outro e, um dia, vou conhecer um homem que olhe para mim com a mesma adoração que vejo nos olhos brilhantes de Charlie. Dou uma olhada rápida para o lado, para o homem sentado do outro lado do corredor e quando Jamie vira a cabeça, meu estômago dá uma cambalhota. O sorriso que ele me dá diz que nada mudou desde ontem. Quem sabe onde nossa próxima decisão vai nos levar?

13

O resto do dia passa como um borrão misturando conversas educadas com parentes distantes, uma longa recepção com discursos demais, sessões de fotos num frio congelante e felicidade. Observo as interações de Victoria e Jamie e, para o resto do mundo, nada desagradável transparece. Mas, já conheço Jamie o suficiente para reconhecer quando a preocupação ameaça tomar conta de seu rosto. Victoria assegura-se de que Jamie e eu estejamos sempre separados, agrupando as famílias em direções opostas para as fotos e borboleteando ao redor do filho. Jamie passa a maior parte do tempo com Paisley sentada no seu joelho, demonstrando seu amor por ela com muitos beijos e abraços. Nos resta preencher o dia com olhares sutis, e alguns não tão sutis assim. Finalmente, a música começa e, com ela, a expectativa de dançar com Jamie, mesmo que vários membros da família não queiram que a gente dance. Jamie se aproxima e estende a mão para mim. Sonhei com o toque dele o dia todo. Não, queria estar de volta aos braços dele desde o momento que saímos da lavanderia. Quero conhecer cada centímetro desse homem. Jamie me leva para a pista onde Charlie e Lottie estão dançando, me abraça pela cintura e segura minha mão. Nossos corpos se tocam, o macio algodão da camisa dele contra meus ombros nus e eu estremeço. - Esperei o dia todo para poder te dizer como está linda. – sussurra ele. - Você também não está nada mal. – seu sorriso aumenta com meu elogio. A firmeza com que Jamie me segura contrasta com a maciez das suas mãos, enquanto ele me guia por entre os outros pares. Aproximo minha cabeça da cabeça dele para sentir melhor o seu perfume. Nossos movimentos são sincronizados como se já tívessemos dançado juntos centenas de vezes. Um ritmo natural se faz entre nós, que combina com a forma com que ficamos próximos nos últimos dias. Fecho meus olhos, perdida no calor de seu abraço e lutando contra o desejo de encostar meus lábios na pele dele. Não sei como estou conseguindo seguir a música porque só ouço o barulho do meu próprio coração batendo acelerado. - Você está bem? - pergunto. – Depois de ontem a noite. - Estou, agora que você está comigo. Me afasto um pouco para poder olhar em seus olhos e, com nossos olhares, dizemos tudo. Jamie aperta minha cintura, me trazendo para mais perto. Seus lábios encostam de leve em minha pele, enviando ondas de choque pelo meu rosto e todo o meu sistema nervoso. Quero enterrar meu rosto em seu peito, dançar a noite inteira com Jamie e que ele nunca me solte. Ondas de calor se

espalham desde os pontos onde seus dedos tocam a pele nua nas minhas costas, incendiando meu desejo de enterrar meus dedos ainda mais no corpo dele. Se concentrar o suficiente meu olhar nos olhos de Jamie, posso tentar ignorar a força bruta que eu sei estar escondida sob a fachada de homem civilizado que ele apresenta ao mundo. - Acredito que é minha vez de dançar com a dama de honra. – a música acaba e Charlie nos interrompe. Por trás de seu pedido existe um aviso. Jamie me solta. - Você quer dizer, na verdade, “não na frente da mamãe”? - Tudo está calmo, Jamie. Não estraga. Ela está bêbada. O rosto dele se endurece. - Que merda. Jamie se afasta a passos largos e fico tensa ao perceber como o clima mudou totalmente. Não. Isso não. Não agora. Na pista de dança escura, poucas pessoas notaram o que aconteceu. O clima de festa aumentou e existem muitas pessoas dançando porque o ritmo da música agora é mais agitado. Perto de nós, Lottie está virada para o outro gesticulando para uma amiga e Victoria está cuidando de Paisley, de costas para nós. - Isso tá errado. – digo ao Charlie e vou atrás de Jamie. Algumas crianças pequenas correm pela casa, gargalhando, e eu desvio delas. A mãe aparece e dá uma bronca no menino e na menina. Procurar pela casa toda tomaria muito tempo, mas ele não deve estar longe. Checo nas salas que usamos nos últimos dias, estão todas vazias. O jardim de inverno está escuro, mas as luzes brilham no pátio do lado de fora e vejo a figura de Jamie sentado em uma cadeira sob a beirada do telhado. A diferença de temperatura arrepia meus braços quando saio. - Volte para dentro, Jamie. Você não pode se esconder. - Não estou me escondendo. Estou me acalmando. - Jamie olha fixo algum ponto à sua frente. – Não vou mais aguentar calado as merdas dela. Você me abriu os olhos, me fez entender o que ando fazendo. Não vou mais me esconder. - Eu entendo, mas hoje é o casamento da Lottie... - A minha mãe pode ir embora se ela não gosta do que estamos fazendo. O casamento já acabou, com exceção da dança. Charlie e Lottie logo vão embora para o hotel. Não tem mais nada para minha mãe estragar. Cruzo meus braços para me proteger do frio. - Essa é uma mudança e tanto de atitude. - Quando você me chamou de covarde, me deixou puto da vida, mas a palavra ficou ecoando na minha cabeça. Como posso ser covarde se todos os dias eu me arrisco nos negócios? Se brigo pela minha filha? – ele se vira na

cadeira e a lua brilhante ilumina seu rosto endurecido. – Então, caiu a minha ficha. Eu me comportava como o moleque que ela ainda quer que eu seja. Me escondendo e me desligando. Não estava brincando quando disse que você me enfeitiçou. Talvez eu tenha escolhido a palavra errada, mas você quebrou a ilusão que eu tinha de que estava conseguindo lidar com todos os problemas da minha vida. - Não deixe que esses problemas controlem sua vida, Jamie. Lide com as coisas ao invés de se esconder. - É por isso que estou feliz por você ter aberto os meus olhos. Coloco minha mão no rosto dele e ele se vira para me olhar. - Jesus, você está tentadora nesse vestido. Me surpreendi em conseguir manter as mãos longe de você por tanto tempo. Na verdade... Dou um tapa na mão dele quando seus dedos deslizam pela minha bunda. - Não vou mais manter minhas mãos longe de você. Dou uma gargalhada e um passo para trás, entrando novamente em nosso pequeno mundo, longe do controle que outras pessoas querem ter sobre nossas vidas. Jamie agarra minha mão e me puxa de volta, aprisionando minhas pernas entre suas coxas fortes. - Desta vez, não fuja. - Não tenho intenção de fugir. - Ótimo. - ele se levanta e me abraça apertado. Eu abro os lábios quando Jamie me beija com inusitado controle. Faço a pergunta que está me incomodando o dia todo. - O que rola com a Delphine? - Nada. A estória do Natal era para me punir, mas ela não esperava que a Paisley fosse sentir tanta saudade de mim, por isso que ela resolveu trazer a menina ao casamento. Talvez eu não seja um pai tão ruim já que minha filha me ama. Eu afasto o cabelo do rosto dele. - Uma parte de mim está feliz por Delphine ter vindo e essa estória ter sido esclarecida. - Péssimo momento. - Verdade, mas agora você pode esquecer essa estória e tocar vida pra frente. - Com você? Aperto a mão dele. - Podemos tentar. - Você me disse que me ensinaria como colocar um pouco de loucura na minha vida. – ele encosta seu nariz no meu. – Para dizer a verdade, eu já te falei

como é louco estar na mesma sala que você? - Louco? - Louco de desejo de arrancar sua roupa e te mostrar o quanto você me excita. – ele me empurra até encostar na parede de tijolos. – Você está gelada. Acho que está precisando se enquentar. - Mais dança? - Não era bem isso que eu tinha em mente. Jamie cola seu corpo ao meu, baixando a cabeça até que sua boca prende a minha. Imediamente, a paixão se acende e eu arqueio meu corpo junto ao dele como se seus beijos pudessem me devolver o oxigênio que as chamas de nossa paixão queimaram. Seja lá o que for que existe entre nós, não parece que vai enfraquecer tão cedo. Luto contra o desejo que me consome, ao mesmo tempo em que Jamie me beija como se estivesse faminto. Seus lábios mordiscam os meus enquanto ele sussurra meu nome. - Jamie, a gente precisa parar. Viro a cabeça e ele enterra seu rosto em meus cabelos. - Seu gosto é viciante. Ele tenta capturar meu lábio entre seus dentes e luto para manter o autocontrole. Relutante, ele retira os dedos de onde estava segurando minha cabeça. - Acho que precisamos parar. Jamie dá um passo atrás e suspira, seu olhar escurecido pela paixão prende o meu. Deslizando os dedos sob o pingente de diamante, o frio de seus dedos congela minha pele. - Vou te dar os brincos para completar o conjunto. - Não. Não quero que faça isso. - Toda mulher gosta de diamantes. - Caros demais. Ele mordisca minha orelha e respiro fundo. - Você ainda não sabe? Tenho muito dinheiro. - Não me importa. Não compre. - Hmm. – ele larga o pingente. – Vou te dar de presente no próximo Natal. As borboletas no meu estômago fazem a festa. Jamie quer mais. Ele quer nós. No próximo Natal. Mas, nunca duvidei que ele quisesse. Pelo menos não depois daquele beijo na neve, quando ele roubou um pedaço do meu coração. - Ok, no próximo Natal. Ele esfrega meus braços com ambas as mãos. - Você tá gelada. Vamos entrar. Segurando firme na minha mão, Jamie me escolta de volta à sala principal. As pessoas que perceberam que estamos juntos murmuram, mas não a maioria.

Estou morrendo de medo de olhar para Victoria, mas porque deveria ter? Ela não vai fazer uma cena, como Charlie disse. Não vou permitir que ela estrague algo que nós dois queremos. Sento à mesa com Jamie, nossos dedos entrelaçados, no fundo da sala onde a música não é tão alta. - Tive uma ideia. - diz Jamie. – Deveríamos viajar de férias. Há muito tempo não tiro férias. - Eu estava planejando tirar férias. Quando? - Não sei. Daqui há duas semanas? Preciso acertar as coisas no escritório e você está sem emprego por enquanto. Vamos fazer essa loucura. Coloco a mão no peito dele e finjo engasgar de surpresa. - Você vai deixar o trabalho de lado? - Vou tentar. – cutuco ele. - Ok. Vou te levar para algum lugar onde não tenha internet. - Uma ilha tropical? - Se quiser. - Com piscina? - Claro. Coloco minha cabeça no ombro de Jamie. - Você vai me levar coquetéis sem camisa? - Vou te levar coquetéis sem roupa se você quiser. – ele beija meu cabelo. – Desde que você também esteja. Na minha mente, já estou lá. Jamie, eu, sol e privacidade. Beijada pelo sol e feliz. A intensidade do desejo que sinto por Jamie nesses últimos dias não se compara a nada que eu já tenha sentido antes, mas isso é mais do que apenas físico. A ideia de deixar Jamie por duas semanas estraçalha meu coração. - Vamos nos ver antes disso? - pergunto. - Em Londres? Todos os dias. Do contrário, te dou permissão para ir até meu escritório e me arrastar para casa. - Fechado. - E esta noite ainda está muito longe de terminar. Jamie me faz ficar em pé, me abraça e me dá um beijo para todo mundo ver. Eu não ligo. Quero descobrir se posso ser dele e se ele merece ser meu. - Você sabe o que o padrinho e a principal dama de honra sempre fazem, né? - Sei, mas não vai achando que isso vai acontecer esta noite, Jamie Grey! Ele aperta meu nariz. - Dançar. O padrinho merece mais do que uma dança com a mulher mais linda dessa sala. Porque? O que pensou que eu quis dizer?

Nós dançamos até que não sobra mais ninguém na pista. Uma noite que eu gostaria que continuasse para sempre. Finalmente, entendo como duas pessoas conseguem se perder uma na outra. Talvez seja a magia do meu Natal com neve. Talvez seja o romantismo do casamento com tema natalino que minha irmã escolheu. Seja o que for, trocou minha racionalidade por romance. De qualquer forma, se eu ouvir meu coração, isso pode dar certo.

Fim

Sobre a Autora Lisa é uma autora best-seller do jornal USA Today que escreve romances contemporâneos e usa o nome LJ Swallow para romance paranormais. Ela nasceu no Reino Unido, mas mudou-se para a Austrália em 2001. Hoje em dia, vive em Perth, no oeste da Austrália, com seu marido, três filhos e um cachorro Weimaraner chamado Tilly, aque frequentemente aparece nas mídias sociais de Lisa. A primeira publicação de Lisa foi um tocante poema sobre a chuva, seguido por uma estória cheia de suspense sobre sapatos. Depois desses enormes succesos aos nove anos de idade, houve um período de longo hiato em sua carreira de escritora, até que ela publicou seu primeiro livro em 2013. No passado, Lisa trabalhou como professora de Inglês na França, como redatora numa agência de publicidade na Inglaterra e teve seu próprio na Austrália. Hoje, ela passa seus dias com seus amigos imaginários. Assine sua mala direta aqui: http://eepurl.com/Po81D

@lisa_swallow_au

lisaswallowbooks lisaswallow.net [email protected]

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Natal Com Neve - Lisa Swallow

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