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CHARLOTTE LAMB — PAIXÃO DIABÓLICA
Tudo o que ela sabia era seu nome — Lyn Sheriden — e que estava noiva de Jake Forrester, um homem atraente, que a havia socorrido e hospedado desde o dia em que a encontrou perdida, machucada e totalmente sem memória. Mas aquilo tudo era um mistério porque, embora a ajudasse, Jake parecia odiá-la. Se, na verdade, ela tivesse se comportado tão mal como ele dizia, Jake tinha motivos para desprezá-la. Mas agora ela sabia que era uma moça meiga e gentil. Como podia a perda da memória transformá-la, do dia para a noite, numa pessoa tão diferente? Quando teria fim aquele inferno em que vivia?
PAIXÃO DIABÓLICA Nova Cultural — 1978
(The Devil’s Arms)
CHARLOTTE LAMB
CHARLOTTE LAMB — PAIXÃO DIABÓLICA
Digitalizado por: Erika Santana
CAPÍTULO I Uma névoa fina descia suavemente sobre o pantanal, cobrindo como um véu transparente as árvores, os arbustos e as pedras, envolvendo com dedos finos a moça deitada na relva. Parecendo sentir o toque gelado, suas pálpebras estremeceram e um gemido lhe escapou da garganta. Depois de alguns instantes abriu os olhos, aturdia, e examinou a paisagem cinzenta e silenciosa. Sentiu um terror profundo. Onde estaria? Levantou0se com dificuldade, mas a vertigem obrigou-a a apoiar-se numa enorme pedra coberta de limo. Quando conseguiu vencer a tontura, olhou em volta, tremendo, e só então percebeu que a malha leve que vestia não era suficiente para lhe proteger do frio cortante. — Por que estou aqui? — sussurrou com os lábios trêmulos, enquanto uma expressão de terror se apoderava do seu rosto pálido. Tentou desesperadamente recordar o próprio nome... quem seria? O que estaria fazendo ali? O que teria acontecido? Não conseguindo mais suportar o vazio e o silêncio, começou a correr pelos campos desconhecidos, rasgando a névoa densa que parecia prendê-la como barras de ferro. As árvores e as pedras saltavam diante dela como animais ameaçadores. Diversas vezes tropeçou e caiu no chão molhado.
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Começou a sentir medo de jamais conseguir vencer o terrível silêncio e o vazio ameaçador que a rodeavam. Com o coração batendo furiosamente, esforçou-se para enxergar algo mais que a parede de neblina que corria a seu redor. Repentinamente, ouviu um som e parou petrificada, ao avistar um enorme cão negro que avançava na sua direção com os olhos faiscantes. Ao se aproximar, o cão parou como por encanto, mas sem desviar dela os olhos penetrantes. Com um suspiro, tremendo e sorrindo ao mesmo tempo, ela estendeu a mão para o animal e chamou. Ele não se moveu, apenas inclinou a cabeça altiva para o lado, pronto para avançar ao menor sinal. Do meio da neblina, por trás do cão, surgiu a figura de um homem alto, de olhar penetrante. Ela deu um suspiro de alívio, como um náufrago perdido há meses numa ilha deserta, ao avistar outro ser humano, e pensou consigo mesma: Graças a Deus! — Deitado, Sam! — ordenou o recém-chegado, estalando os dedos para o cachorro, que se deitou humildemente ao lado do homem. Ela protegeu com os braços o corpo esbelto, tremendo convulsivamente. — Estou com frio — disse, tentando sorrir, mas já começando a sentir medo do estranho parado a sua frente, alto, másculo, dominador, de olhar frio e pouco amistoso. Percebendo que ela usava uma roupa pouco adequada à temperatura, ele franziu a testa numa expressão irônica, quase demoníaca. — Que diabo deu em você para andar por aí sem um casaco num tempo como esse? — perguntou. — Eu... eu ... — o rosto dela empalideceu ainda mais e seus olhos verdes encheram-se de uma súplica muda. — Não consigo lembrar... Ele sorriu com ironia, colocando as mãos nos bolsos e jogando a cabeça morena para trás. O colarinho desabotoado deixava à mostra o pescoço viril. — Posso perguntar o que está fazendo aqui? — Eu... — Não conseguiu dizer mais nada, pois um soluço incontrolável a sacudiu. O homem se aproximou e levantou-lhe o queixo com uma das mãos, com a outra afastou a mecha de cabelo colada às têmporas da moça. Murmurou alguma coisa por entre os dentes e encarou-a como se a estivesse acusando.
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— Sofreu um acidente? Há sangue na sua testa. Foi uma queda? — Os olhos cinzentos revelavam uma hostilidade declarada. — ou foi algum homem que perdeu a cabeça e passou dos limites? Assustada por aquele tom agressivo, disse com voz incerta: — Não lembro de nada. Acordei caída no meio da neblina... não conseguia ver ou ouvir coisa alguma... — Seus lábios tremeram. — Pode parecer mentira, mas eu não me lembro de nada... — Você pode ter sofrido um choque ao bater a cabeça — disse, depois de um longo silêncio. Ela não conseguia entender o porquê da irritação, do antagonismo que sentia na voz dele. O cachorro aproximou-se, inesperadamente, e esfregou o focinho gelado na mão dela. — Oi, menino! — disse ela reanimada, grata por aquela oferta de amizade, acariciando-lhe a cabeça com suavidade. O homem franziu as sobrancelhas, como se o comportamento do animal o tivesse aborrecido. — Qual é a última coisa de que se lembra? — perguntou em tom ríspido. — Onde estava? Quem estava com você? — Não me lembro de nada — sussurrou — É como se meu celebro estivesse coberto de névoa... não sei nem mesmo quem eu sou, nem meu nome, onde estava, nada... — Absolutamente nada? — As palavras explodiram com violência. O rosto dele contraiu-se numa máscara dura e amarga, revelando os ossos fortes sob a pele morena. Ela sacudiu a cabeça com um murmúrio indistinto. Ele estendeu a mão e agarrou-lhe o braço com raiva, machucando-a. — Está querendo brincar comigo? — perguntou selvagem. — Não... — murmurou com voz quase inaudível, aterrorizada, por aquele comportamento incompreensível. Uma leve sensação de raiva misturou-se ao desespero que sentia. — Quem poderia achar graça em... em estar vivendo um pesadelo? No começo pensei que estivesse sonhando... não parecia possível que tudo fosse real. Então corri e corri... Ele continuou olhando para ela da mesma maneira, como se não fosse acreditar no que dizia. Ela devolveu o olhar com os lábios trêmulos e lágrimas nos olhos verdes. Ele encolheu os ombros largos, num gesto de irritação.
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— É melhor vir comigo. Vou levá-la ao hospital. Pode estar ferida e, quanto antes for medicada melhor. Só que com essa neblina vamos demorar um pouco para chegar lá. — Obrigada — disse com voz nervosa, sentindo que a raiva dele tinha desaparecido. O cachorro lambia a mão dela com doçura, em sinal de amizade. Ela sorriu de leve. O dono era duro e de poucos amigos, recusando-se a se envolver com os problemas de uma estranha. Mas o cão, ao menos, demonstrava um pouco de bondade, tão necessária a ela naquele mundo estranho em que fora lançada! — Sam! — gritou o homem irritado. Será que ele se opunha a que o cão mostrasse amigável com ela? O cachorro lançou um olhar quase de desculpas e caminhou até o dono. — Vamos! — disse com frieza. Mas ao ver que ela tremia, fez uma careta tirou o casaco azul que vestia e estendeu-o a ela. Neste gesto não havia gentileza, apenas irritação. O corpo dela doía de frio e de fraqueza. Podia quase sentir o ar gelado nos ossos. — Obrigada — disse com os dentes batendo, sentindo o calor do corpo dele através do casaco. Sua cabeça latejava dolorosamente e a frieza do estranho provocava nela um imenso desejo de chorar. Começaram a caminhar num passo que ela achou difícil de acompanhar. Desequilibrava-se e tropeçava com freqüência, sentindo a dor de cabeça aumentar cada vez mais. O homem parou e soltou uma exclamação irritada. Ela murmurou com voz ansiosa: — Desculpe... eu... eu não consigo andar mais depressa que isso. O olhar de ódio que o homem lhe dirigiu fez com que ele se encolhesse instintivamente. Então, inesperadamente, ele a pegou no colo como se ela fosse uma criança. — Não faça isso — ela protestou, tentando se soltar — Sou muito pesada... — Fique quieta — respondeu ele com aspereza, caminhando com tanta segurança como se conhecesse cada centímetro daquele chão, embora a neblina continuasse densa. Olhou ansiosa para o rosto contraído do homem, de linhas másculas e pele morena, sentindo a raiva e a tensão no peito forte contra o qual se apoiava. Concluiu que era um homem que desprezava a fraqueza dos outros e detestava envolver-se com desconhecidos, pois não tinha demonstrado senão raiva por ela, como se a acusasse de que acontecera.
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Estava exausta demais para manter os olhos abertos. Aos poucos, eles foram se fechando, até que ela mergulhou num sono leve, aconchegada ao ombro forte do desconhecido, sem perceber que estavam descendo uma colina coberta por uma camada de névoa ainda mais densa que a anterior. Só quando ouviu o latido do cão e a voz áspera que já estava começando a achar familiar é que começou a lutar para voltar daquele estado de semiconsciência. Sentiu que a depositava em um sofá e olhou em volta, piscando por causa das luzes fortes que a ofuscavam. Estava em uma sala confortável, de teto baixo. A primeira impressão que teve foi de calor e luz, tão agradáveis para seus olhos cansados da névoa gelada e vazia. Uma enorme lareira de pedra espalhava pela sala um calor reconfortante e várias lâmpadas refletiam seu brilho sobre a superfície polida dos móveis. Era um lugar acolhedor e agradável. Seus olhos encontraram um rosto novo. Sorriu com os lábios trêmulos, mas não recebeu nenhum sorriso em resposta. A mulher olhava-a com o mesmo antagonismo do homem que a encontrara no campo. Os dois eram parecidos, reparou a moça: os mesmos cabelos prateados e feições fortes. A mulher alisou as pregas da roupa cinza que vestia e disse com indiferença: — É melhor trazer um pouco de água quente para limpar a cabeça dela. O sangue coagulado talvez faça o ferimento parecer mais grave do que é na realidade. — Vou levá-la até o hospital — respondeu o homem, como se esperasse uma constatação. Seguiu-se um longo silêncio enquanto os dois olhavam um para o outro num ressentimento mudo. — Você deve saber o que está fazendo, Jake — disse a mulher. — Não tenho escolha — respondeu ele com indiferença — Ela pode estar ferida gravemente. Ferimentos na cabeça são muito perigosos. — Vou buscar água — disse a mulher, dirigindo-se para a porta. A moça olhou para o fogo em busca de um pouco de calor que não recebia das pessoas da casa. O cachorro descansou a cabeça no colo dela, deliberadamente, tentando lhe oferecer um pouco de conforto. Sentiu novamente as pálpebras pesadas e não fez qualquer esforço para resistir à sonolência que descia sobre ela. Vozes próximas penetravam em seu cérebro quase inconsciente.
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— Sam ficou fraco da cabeça? — perguntou a voz enérgica da mulher. — Acho que é porque ela está ferida — respondeu o homem — Ele sempre foi um idiota de coração mole. — Como o dono — disse a mulher. Depois disso a moça sentiu que lhe jogavam água morna sobre a cabeça e começou a voltar à consciência. Ao abrir os olhos, percebeu que a mulher examinava sua testa com atenção. — O que você acha? — perguntou ao homem, passando os dedos pelo ferimento. — Ferimento feio — disse o homem se aproximando — deve ter sido um golpe bem forte. — Não acho que seja tão sério — continuou a mulher com voz irritada — você sabe perfeitamente que é perigoso dirigir por aqui à noite. Por que não deixa para amanhã? — E deixar que ela durma aqui essa noite? — perguntou friamente. — Não faz nenhuma diferença — respondeu a mulher. — Como podemos ter certeza? — a voz era cortante — É melhor tirá-la daqui o quanto antes. — Desculpe se estou causando aborrecimento a você — disse a moça com voz fraca, já começando a recuperar a cor do rosto. — Não vamos deixar que nos aborreça mais do que o indispensável. — cortou o homem bruscamente. Os olhos dela encheram-se de lágrimas. Sentiu a voz presa na garganta. — Desculpe... A mulher terminou o curativo e se afastou com a bacia de água. O homem chamado Jack foi até a lareira, apoiou-se na parede de pedra e olhou para a moça. — Acha que está preparada para uma viagem longa? Vamos enrolar você em uns cobertores e colocar uma bolsa de água quente dentro deles para que se mantenha aquecida — disse com relutância tentando suavizar o tom de voz. — Agüentarei bem. — Quanto antes chegarmos ao hospital, melhor — continuou — se teve uma fratura vai precisar de tratamento médico. — Sim. — passou a língua pelos lábios secos. — Obrigada. — Afinal de contas ele estava fazendo tudo que podia para ajudar, pensou. O fato
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de demonstrar irritação não diminuía o valor da ajuda. Talvez ele não gostasse muito de gente. Qual era a palavra para isso? Misoginia? Mas a mente cansada dela não conseguia descobrir a palavra correta. Existe uma palavra para definir um homem como ele, pensou. Examinou através as pálpebras semicerradas. Era difícil definir a idade dele, talvez tivesse na casa dos trinta. Mais velho que ela... mas quantos anos teria ela? A pergunta insinuou-se na sua mente e provocou nova onda de desespero. Tentou dirigir novamente a atenção para ele. Era alto, forte, obviamente, pois não tinha tido a menor dificuldade em carregá-la pelo campo, esbelto e de feições bem marcadas, como a mulher... seria uma semelhança de família? Sentindo que o silêncio se prolongava constrangedoramente, perguntou: — Aquela senhora é sua mãe? — É — respondeu secamente. — São muito parecidos. — tentou sorrir, mas só conseguiu um sorriso nervoso e implorante de criança. — Muito — respondeu ele no mesmo tom seco, sem se abrandar com a súplica na voz dela. Era como tentar caminhar no meio da névoa densa, pensou. Não conseguia chegar até aquele homem. Ele se virou e olhou para o fogo, passando a mão pelos cabelos num gesto de irritação, os fios prateados misturados aos negros conferiam uma espécie de distinção ao rosto duro. O nome dele era Jack... foi o primeiro fato que conseguiu retirar do fundo da memória. — Jack de que? — perguntou. — O quê? — ele se virou surpreso. — Seu nome... sua mãe o chamou de Jack... qual é seu outro nome: — Forrester — disse friamente — Jack Forrester. — É fazendeiro? O rosto dele revelou subitamente um antagonismo profundo, muito maior que o anterior. — Sou pintor — respondeu como se a acusasse de alguma coisa. — Pintor... — não parecia combinar com ele — Pintor de quê? — Pinto retratos — respondeu secamente. A mulher voltou carregando cobertores e uma bolsa de água quente embrulhada num pedaço de flanela. — Se vão mesmo, é melhor saírem logo.
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Ele fez um sinal afirmativo com a cabeça e afastou-se da lareira. A moça subitamente sentiu-se invadida por um terror confuso. Examinou a sala quente e protetora e sentiu medo de ver-se outra vez perdida no meio da neblina. — Está pronta? — O tom de Jack não deixava margem para discussões. Impotente, deixou que ele a enrolasse nos cobertores, tomando-a nos braços e lavando-a para fora da sala iluminada. Um Land-Rover esperava no pátio enevoado. Ele acomodou-a no banco ao lado do seu, ajeitou os cobertores com cuidado e conversou em voz baixa com a mãe durante alguns instantes antes de entrar no carro. Enquanto o veículo se afastava, ela se virou para olhar as janelas amarelas da casa, sentindo que estava abandonando seu único porto seguro. Aos poucos foram sendo envolvidos pela névoa fria, que lhes provocava calafrios, embora estivesse bem aquecida pelas mantas. — Que lugar é esse? — perguntou com voz trêmula. A pergunta perseguia-a há muito tempo, mas até agora não tinha tido coragem de formulá-la. — Wind Tor. — Onde? — o nome não significava nada. — Minha casa fica nos pântanos de Yorkshire. — Yorkshire? — o nome não era totalmente estranho, o que a tranqüilizou um pouco. Cada fato novo era precioso. Agora tinha dois: o nome do lugar e o nome do homem. Parecia estar abastecendo a memória, proporcionando-lhe o alimento de que necessitava. O automóvel avançava vagarosamente e a tensão de Jack se transmitia a ela. O silêncio caía sobre eles cheio de presságios, atravessando as janelas embaçadas. — Talvez levemos horas — disse ele de repente — por que não dorme? Sem protestar, ela fechou os olhos, feliz por esquecer um pouco a névoa sinistra e dormiu como uma criança. O corpo adormecido foi se inclinando contra o homem, que o afastou com um gesto brusco. O movimento do carro fez com que ela se apoiasse novamente contra ele. Com um murmúrio aborrecido, ele a envolveu com um dos braços e deixou-a onde estava. Quando acordou, aproximavam-se de uma pequena cidade. O brilho das primeiras luzes despertou-a e um pequeno movimento atraiu a
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atenção do motorista que olhou para ela. Durante um instante seus olhares se encontraram, o dela suavemente sonolenta, o dele relutante. — Onde estamos? — perguntou novamente. — Estamos quase chegando — respondeu ele, sem fazer o menor movimento para afastar o pequeno corpo envolto nos cobertores. Percebendo que estava apoiada nele, afastou-se depressa. — Faz tempo que estou dormindo? — Um pouco — tinham chegado a uma rua bem iluminada, por isso ele acelerou mais o carro. Inesperadamente, outro carro surgiu do meio da neblina espessa, obrigando-o a uma freada brusca. Ela foi jogada pra frente e bateu a testa no vidro. Ele ajudou-a a recostar-se novamente e olhou-a quase com raiva. — Você está bem? Aquele imbecil não devia andar tão depressa nessa neblina! Um fio de sangue escorria da ferida reaberta. Delicadamente ele limpou o ferimento com um lenço. — Pelo amor de Deus, não foi culpa sua! Pare de pedir desculpas! Ele representava o único apoio a que podia se apegar. — Desculpe — murmurou com lágrimas nos olhos. — Não... — ele conseguiu controlar a explosão iminente e, muito delicadamente, ajudou-a a acomodar-se no banco. — Não se mova. Logo estaremos no hospital. Logo adiante surgiu o prédio longo e alto, de janelas iluminadas. Ele parou diante da porta principal, tomou-a nos braços e levou-a para dentro. Os olhos dela encheram-se de terror. — Jack... — murmurou suplicante. — Não me deixe sozinha, por favor... Os músculos do rosto dele se contraíram e os olhos cinzentos a examinaram enigmaticamente. — Não vou deixá-la. Essas palavras mágicas afastaram o medo e fizeram com que o rostinho assustado se descontraísse. Sob as luzes brilhantes da sala de emergência ele observou o rosto delicado, a curva suave da boca e os cabelos negros que caíam sobre a face adormecida da moça. Uma expressão de ódio selvagem estampou-se no rosto dele quando uma enfermeira se aproximou. Dois dias mais tarde, deitada num leito suave da ala lateral da casa de saúde, a moça observava o sol brilhante que entrava pela janela
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aberta, dando um brilho alegre ao chão encerado. O tique-taque do relógio sobre a porta, o ruído dos passos das enfermeiras pelo corredor, o som dos instrumentos cirúrgicos na sala de esterilização, os risos das mulheres na cozinha, tudo era familiar, agora. No momento estava sozinha no quarto, pois a outra paciente que lhe fazia companhia tinha tido alta no dia anterior. A cama vazia cheirava fortemente a desinfetante. No criado-mudo um buquê de crisântemos amarelos exalava um perfume suave. A porta se abriu e entrou uma jovem estudante de enfermagem. — O doutor já vem vê-la — os olhos azuis da garota brilhavam de alegria. — Agora preciso ir arrumar as outras camas. Até já. Suspirou tinha se tornado amiga da estudante, que gostava de passar por ali para conversar um pouco nos momentos de folga, que aliás não eram muitos, pois a enfermeira-chefe vigiava-a da manhã à noite. Tinha sido submetida a uma série de testes nos últimos dias, inclusive exames psiquiátricos, mas sua memória continuava rebelde, embora o ferimento já estivesse cicatrizado. Os médicos pareciam não ter pressa. Eram educados e amigáveis, mas não lhe davam qualquer informação sobre seu estado e ignoravam sua sensação de pânico e isolamento. A porta se abriu outra vez e o médico entrou apressadamente. Era um homem de quase quarenta anos, seco, que parecia estar sempre atrasado, sempre com pressa. Passou os olhos pela ficha dela e sorriu levemente. — Como está passando hoje? — Olhou para a freira parada atrás dele, séria e fria. — Muito bem, ela está se recuperando magnificamente. Não há lesões internas e nada a obriga a continuar aqui. Pode ir para casa quando quiser. Ela tremeu. Para casa? Ficou chocada com tanta falta de sensibilidade, mas sua mente confusa sentiu-se aliviada quando Jake entrou no quarto. Vinha visitá-la todos os dias e sua chegada era sempre recebida com alegria. Sentia-se tomada pela estranha sensação de que ele era o único laço que ainda a ligava ao mundo exterior, o único ser que não pertencia a esse triste mundo do hospital, seu lar no momento. — Ele vestia um casaco de lã e uma camisa marrom aberta no peito, demonstrando força e determinação no rosto viril. Aproximou-se dela e entregou-lhe um buquê de flores silvestres.
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— Obrigada — disse encantada. Cumprimentou o médico, que sorriu com cumplicidade. — Estava dizendo a ela que não há razão para continuar aqui. A amnésia é passageira, provavelmente provoca da pela batida na cabeça. Segundo os psiquiatras ela tem maiores chances de recuperar a memória se voltar a um ambiente familiar. — Entendo — Jake concordou. O médico sorriu para ela com simpatia. — Pode ir embora hoje mesmo, se quiser. — Depois disso saiu do quarto em companhia da freira. Ela olhou desamparadamente para Jake. — O que vou fazer? Ninguém me procurou... Será melhor avisar a polícia? Alguém em algum lugar deve estar se preocupando comigo. Jake sentou-se na beira da cama e olhou-a inexpressivamente. — Você me pertence — disse com indiferença. A surpresa foi tanta que ela só conseguiu abrir a boca e arregalar os olhos, incrédula. — Seu nome é Lyn — disse com calma. — Lyn Sheridan. Tem vinte e dois anos e não tem família. Seus pais morreram há muitos anos. Ela engoliu em seco. Lyn, o nome soava ligeiramente familiar. Ergueu os olhos, tentando adivinhar o que ele queria dizer ao afirmar, que ela lhe pertencia. — Se você sabia quem eu era, porque ninguém me disse? — Decidimos esperar para ver se a memória voltava sem nossa ajuda. Os médicos acharam melhor não forçá-la. No começo pensaram que a amnésia fosse conseqüência de um traumatismo craniano mas, quando descobrimos que não havia lesões que concluíram que a causa devia ser outra. Ela olhou para ele, espantada. — Que outra causa? Os maxilares dele se contraíram. — Quem sabe? Ela se sentou, amarrou o laço da camisola com os dedos trêmulos. — Fale sobre minha vida.... onde vivo? Em que trabalho? — Trabalhava como assistente em uma galeria de arte. Parou observou-a por alguns instantes. — Até que ficamos noivos. — Noivos? Os olhos verdes revelavam incredulidade. — Não, isso não é verdade! Por que não o reconheci quando nos encontramos depois do acidente? Por que se mostrou tão indiferente? Se houvesse alguma coisa
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entre nós, você não teria agido daquela maneira. Está mentindo... mentindo por piedade. — Seus olhos se encheram de lágrimas e ela escondeu o rosto nas mãos, soluçando. — Não quero piedade, quero a verdade! Ele se inclinou e abraçou-a, fazendo-a deitar a cabeça em seu ombro. — Estou falando a verdade — disse baixinho. — Por que está mentindo? — Afastou-se para poder examinar o rosto duro e sombrio. — Se me conhecesse teria demonstrado isso. Somos estranhos um para o outro. O rosto dele se contraiu. — Fiquei admirado quando a vi lá no campo. E também estava com raiva. Tínhamos tido uma briga alguns dias antes e pensei quê você estivesse em York. Assim que a encontrei fiquei furioso, mas quando vi sangue na sua testa levei-a imediatamente para Wind Tor, depois para o hospital. — E por que não disse que me conhecia? — Recordou claramente o antagonismo que ele demonstrara em relação a ela. A mãe dele também o comportamento estranho dos dois podia talvez justificar-se pelo que ele tinha acabado de contar. — No começo pensei que estivesse fingindo — comentou com indiferença. — Por que faria isso? — Havia razões. Não vamos falar sobre isso agora. Já lhe disse que tivemos uma briga Lyn. Perturbada e confusa, ela olhou pára ele. Se fossem noivos, certamente sentiria nele algo de familiar, mas tinha certeza de que jamais o vira antes. — Como foi que nos conhecemos? — Perguntou com cuidado. — Fiz uma visita à galeria de arte onde você trabalhava — respondeu. — Convidei-a para jantar e três semanas depois ficamos noivos. — Tão depressa? Ele sorriu com ironia. — Algumas pessoas agem depressa — disse em tom estranho. Ela corou, em dúvida quanto ao significado daquelas palavras. — Há muito tempo que estamos noivos? — Parecia impossível que tivesse se apaixonado por esse homem — desagradável e ríspido a ponto de concordar em se casar com ele. — Um mês — respondeu secamente. — Um mês? — Estava incrédula. Disse timidamente: — Mas... m a s
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é tão pouco tempo.. . mal nos conhecíamos, então. — Nós nos conhecemos melhor do que você pensa — acrescentou com aspereza. O sangue subiu ao rosto dela. O que será que ele queria dizer? Os olhos cinzentos transpassavam-na como se quisesse ler o que ia por trás dós olhos verdes e surpresos dela. De qualquer maneira — disse ele depois de um longo silêncio — não adianta nada falarmos sobre este assunto. Prometi ao doutor que cuidaria de você. Não pode voltar a viver sozinha naquele apartamento, precisa de alguém que tome conta de você. Não tem alternativa senão voltar para Wind Tor comigo. Capítulo 2 Wind Tor ficava num vale protegido na região dos pântanos. A construção maciça de pedra batida pelo tempo parecia flutuar no meio de um oceano interminável de urze. As poucas árvores que rodeavam a casa inclinavam-se na direção imposta pelo vento constante e já começavam a tingir-se de bronze por causa do outono. Alguns corvos que voavam por ali gritaram estridentes quando O Land-Rover se aproximou do pátio atrás da casa. Jake entregou a ela algumas roupas, dizendo que tinham ficado lá durante sua última visita. As roupas geralmente expressavam a personalidade do dono, mas aquelas a intrigavam. Será que algum dia teria realmente gostado delas? As calças de seda branca marcavam cada curva do seu corpo e eram tão justas que, ela mal conseguia abotoar o cinto. A blusa, profundamente decotada, deixava à mostra o início dos seios. Certo dia, no hospital, tinha se examinado no espelho do banheiro e experimentara um profundo sentimento de rejeição. A imagem, refletida parecia não combinar com ela. Jake olhou-a durante longo tempo, com ar enigmático. Ela sentiu claramente o antagonismo nos olhos dele. Corando, ela disse: — Devo ter engordado no hospital, porque a roupa quase não me serve. — Os lábios dele se contraíram com ironia. — Está procurando elogios, Lyn? Sabe perfeitamente que está estonteante.
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— Não queria elogios — gaguejou perplexa. Neste momento a freira e várias enfermeiras entraram para se despedir dela, que as recebeu com alegria, meio triste por deixa-las. Tinham sido gentis durante aqueles breves dias e já eram praticamente amigas. As conversas que tiveram sobre os namorados, os jovens médicos, os novos filmes e os pequenos detalhes de suas vidas enchiam-lhe o próprio vazio. — Você é uma boa ouvinte, Lyn — comentou a estudante de enfermagem, triste por vê-la partir. — Venha ver-nos quando voltar para o check-up. — Claro que virei! — prometeu Lyn. O mundo delas tinha se tornado o seu próprio mundo durante aquele período. Incrível como uma pessoa se adaptava rapidamente àquela atmosfera opressiva, pensou, passando a entender de temperaturas, pressão sanguínea, horários de visitas médicas e refeições. Janet, a estudante, lançou a Jake um olhar provocante. — Vai cuidar dela, não é Sr. Forrester? — As visitas de Jake a excitavas. O homem atraente e de olhar cínico era muito diferente dos visitantes habituais do hospital e Lyn percebeu que a garota já era ardente admiradora dele. — Sim. — respondeu ele brevemente, com uma inclinação de cabeça. Notando o ar desapontado da moça, Lyn abraçou-a, murmurando-lhe ao ouvido: — ainda bem que já vou embora, sua sereiazinha. Não gosto dos seus sorrisos sedutores para Jake! Janet ficou vermelha como um pimentão, mas esqueceu a frieza de Jake deu uma risada. — Você diz cada coisa! Depois que o carro partiu, Lyn virou-se várias vezes para acenar, com lágrimas brilhando nos olhos. A jovem estudante continuou acenando até que o automóvel desapareceu ao longe. Quando estacionaram no pátio dos fundos de Wind Tor, Lyn tentou reunir forças para o iminente encontro com a mãe de Jake. Relembrando o comportamento inamistoso da mulher, não se entiu muito entusiasmada com a idéia de revê-la. — Está se sentindo bem? — A voz de Jake era áspera. Ela fez que sim com a cabeça, incapaz de falar. A imensidão vazia do pantanal pesava sobre ela, forçando-a a encarar o vazio de sua própria mente. Jake observava atentamente a palidez do rostinho oval, a
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suavidade dos lábios rosados. — Por que não usou a maquilagem que levei? — perguntou bruscamente. Ela ergueu os olhos e balançou a cabeça: No hospital tinha examinado a caixa de pinturas sem nenhum desejo de usá-las. — Por que não? — tornou a perguntar. — Que comédia está representando agora, Lyn? Que jogo é esse? — O que está dizendo? — Passou a língua pelos lábios secos: — É que... as cores eram muito escuras, não gostei delas. Ele ergueu as sobrancelhas. — Entendo. Desculpe. Não combinam com a cor da sua roupa, não é? Trouxe o que você deixou no seu quarto... não havia mais nada lá. Ela sentiu as faces quentes. Seus olhos verdes revelavam surpresa. — Quarto? — A voz soou insegura. — Ficou conosco durante duas semanas, não lembra? — Os lábios dele se contraíram. Já lhe disse isso. Deixou algumas coisas e disse que mandaria buscar depois. — É claro. — Ela suspirou. O cão veio latindo ao encontro deles. De repente, parou e começou a rosnar para Lyn. Ela estendeu a mão sorrindo. — Sam... olá sam. Por um instante os músculos fortes do corpo esbelto do animal ficaram tensos, depois ele se aproximou e enfiou o focinho na mão estendida, abanando o rabo numa alegre excitação, Lyn ajoelhou-se e acariciou-o, sorrindo. — Oi menino! — Meu primeiro amigo, pensou, cheia de alegria. A amizade do cão era para ela, um alívio caído do céu. Jake ficou parado, observando-os com expressão dura. — Vamos entrar — disse asperamente — aqui fora está frio e você ainda não está completamente recuperada. Acho melhor ir imediatamente para a cama. Ela se levantou obediente e acompanhou-o até a casa. — Isto antes era a sede de uma fazenda? — Sim, mas antieconômica, porque as terras não são férteis. Criamos galinhas e colehos para nós apenas, já que mamãe gosta de ovos e carne. Entraram em uma vasta cozinha de fazenda. Fascinada, ela examinou as paredes imaculadamente brancas, as vigas de carvalho que sustentavam o teto e das quais pendiam réstias de cebolas e maços de
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ervas secas. Uma longa mesa de carvalho, já gasta pelo tempo, ocupava grande parte da cozinha. A sra. Forrester movia-se de um lado para o outro atarefada, enchendo de geléia alguns potes alinhados sobre a mesa. Lançou um olhar rápido e pouco amigável para Lyn. — Acho melhor ela ir para a cama — disse, dirigindo-se a Jake. — O quarto já está pronto. — Estou bem! — disse Lyn, não há nada de errado comigo, prefiro ficar aqui. — É, acho que prefere — comentou a Sra. Forrester novamente ocupada com os potes. — Venha! — ordenou Jake, segurando-a pelo braço. — Mas... — Lançou a ele um olhar suplicante. — Já lhe disse! — começou a senhora Forrester bruscamente. — Não a quero em volta de mim o dia todo. Sê faz questão que ela fique, então pode ficar. Mas tire-a do meu caminho, Jake! Magoada, trêmula, Lyn seguiu-o até o vestíbulo sombiro. Subiu atrás dele com passos incertos, parando de vez em quando. Ele abriu uma porta e ela entrou, olhando em volta com prazer. O vasto cômodo quadrado era mobiliado com peças antigas e sóbrias e representaria um refúgio seguro para ela naquela casa estranha. A decoração consistia numa grande cama de madeira entalhada, coberta com uma colcha de seda verde, cortinas estampadas em suaves tons de verde, azul e vermelho, e uma cômoda com tampa de mármore verde. Agradavelmente surpresa, Lyn se aproximou. Passou a mão pela superfície macia. Dando um toque de requinte ao móvel, um jarro e uma bacia de porcelana chinesa. Jake observava-a com expressão impenetrável. Ela se virou para ele e sorriu. — É lindo! Ele não fez comentários, mas seu rosto pareceu enfurecer ainda mais. — Suas roupas estão no armário. Ela abriu o guarda-roupa e examinou com incredulidade as roupas caras arrumadas com cuidado. Eram finíssimas, mas não se sentiu atraída por nenhuma delas, pois as cores eram muito fortes e os modelos muito chamativos. — Você deixou só uma camisola — disse Jake num tom que pareceu irônico. Ele abriu uma das gavetas da cômoda e retirou uma peça minúscula e transparente, que chegava, a ser quase indecente. Lyn olhou
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para ela e corou. — É melhor vestir isso e se deitar — disse Jake. — Daqui a pouco trago alguma coisa para você comer. — Não... não posso vestir isso — murmurou sem conseguir acreditar que algum dia tivesse usado aquilo. Os olhos dele encheram-se de zombaria. — Por que não? Já a vi com menos que isso. Ela quase perdeu o fôlego e arregalou os olhos. — Não acredito em você. — Engoliu em seco. — Como posso ter certeza de que éramos noivos? O que sei a esse respeito é o que você me diz. Estas roupas. . . não acredito que sejam minhas. . . algumas são indecentes! Ele examinou-a de alto abaixo com insolência. — Deixe disso, Lyn. A perda de memória não iria modificá-la tanto. Decentes? Duvido que algum dia tenha sabido o significado dessa palavra. — Foi outra vez até a gaveta e tirou alguma coisa que jogou violentamente sobre ela. — Se quer uma prova, aqui está. Agora vou descer e, quando voltar, quero encontrá-la na cama. Depois que ele saiu ela olhou horrorizada para a fotografia que tinha nas mãos. O rosto era o dela, mas a expressão parecia totalmente estranha. Estava estendida em um sofá, vestindo um minúsculo biquíni branco. Ao lado dela, envolvendo-a possessivamente pela cintura, estava Jake. Lyn continuou olhando para a foto, tentando descobrir ali o seu passado. Não havia como negar que a moça da fotografia era ela própria, nem que o ar de sofisticação era real. Mas o olhar provocante e a atitude sensual eram completamente estranhos a ela. Seria aquele seu verdadeiro eu? Perguntou-se, desesperada. Que espécie de pessoa seria? Atirou-se na cama, soluçando desesperadamente, perseguida pelos segredos do passado. Pela primeira vez sentiu medo de levantar o véu do esquecimento e descobrir a verdade sobre si mesma. Não queria ser como a moça da foto, de ar felino e sensual. . . mas os fatos ali estavam. As roupas, a hostilidade de Jake, a fotografia. .. a situação se tornava cada vez mais desagradável. Não ouviu a porta se abrir. Os soluços sacudiam seu pequeno corpo estendido na cama. De repente sentiu que tocavam seu ombro. Tentou resistir, pois não queria que a vissem chorando, mas Jake era forte e obrigou-a a virar-se.
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Ajoelhado na cama, inclinava-se sobre ela, observando o rosto molhado. Ela fechou os olhos, fungando como uma criança, tentando limpar com as costas das mãos as lágrimas que insistiam em correr. — Assim vai ensopar o travesseiro — disse com doçura. Ela gemeu pateticamente. — Desculpe. . . Jake levantou o corpo trêmulo dela e abraçou-a com ternura de encontro ao peito forre. Acariciou-lhe a cabeça recostada ao seu ombro até que os soluços cessaram e os músculos dela se descontraíram. Ela continuou ali deitada, respirando de encontro ao peito bronzeado tranqüila e feliz. A mão dele desceu dos cabelos até o pescoço delicado, sem interromper a carícia. Com um suspiro satisfeito, ela se aconchegou mais nos braços dele, meio adormecida. Agora as mãos de Jake lhe acariciavam as costas e ela relaxou completamente confiante. Subitamente a carícia cessou e ele se contraiu. Com um gemido ininteligível afastou-a de si. Ela abriu os olhos confiantes e sorriu com gratidão. Jake olhou-a com desconfiança. — Aprendeu bons truques, não é Lyn? — disse com ironia. — Meu Deus, você é tão convicente que me deixa espantado, mas não vai me enganar uma segunda vez. O que é que quer que quer, afinal de contas? Já sabe que não há nada que interesse a você aqui. — os olhos dele brilharam de raiva — Ou quer fazer comigo o mesmo que fez com aqueles outros idiotas antes de, se descartar de mim? As palavras amargas e iradas a pegaram de surpresa, provocando lágrimas de dor e incredulidade. — Jake, eu... — Ora, cale a boca! — explodiu — não quero mais ouvir suas mentiras. Não precisa continuar com sua representação, Lyn, não vou me deixar envolver pelo seu jogo. — Não estou representando — disse ela com tristeza. Sua palidez realçava ainda mais a mágoa dos olhos verdes. Ele a observava com uma expressão de rancor, mas o ar de fragilidade que via nos olhos dela fazia-o duvidar de que tudo fosse apenas uma representação. — Diabo — murmurou entre os dentes — Troque de roupa e vá para a cama, Lyn. — Não vou vestir essa coisa — disse teimoamente.
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Ele hesitou por um instante depois, saiu voltou com uma camisola florida. — É da minha mãe — disse secamente, jogando-a sobre a cama. Em seguida virou as costas e saiu. A camisola era um pouco pequena, mas mesmo assim fazia-a sentir-se confortável. Aconchegada entre as cobertas, o único ruído que ouvia além das batidas do seu próprio coração era o rufar das asas dos pássaros que voavam lá fora. O que teria acontecido entre Jake e ela para que ele se mostrasse tão amargo e revoltado? Dizia que tinham sido noivos e, no entanto, tratava-a com tanto rancor, revelando desconfiança e suspeita por trás de cada palavra. Será que ainda acreditava que a amnésia era uma mentira? Por que teria dito agora há pouco que ela estava querendo envolvê-lo? Mas envolvê-lo em que? Se ao menos conseguisse lembrar-se... que espécie de pessoa teria sido para inspirar tanto ódio? As flores da camisola trouxeram memórias da infância... Infância... a palavra, ecoava em seu cérebro. Por um instante, sentiu que uma lembrança se gitava no interior da sua mente vazia, desaparecendo logo em seguida sem que pudesse captá-la. A porta se abril e Jake entrou. Ela ergueu os olhos, corando. — Devia ter batido antes de entrar! Ele sorriu com sarcasmo. — Não me idiga que a aminésia transformou-a a esse ponto, Lyn! Ela arregalou os olhos chocada. O que será que ele queria dizer? Sem desviar os olhos ele disse: — Pare de fingir. Pode ficar aqui o tempo que quiser. Mas pelo amor de Deus, acabe com essa palaçada! Ele colocou a bandeja sobre à cama e saiu. Ela olhou para a comida, tremendo. Qual o tipo de relacionamnto que teriam mantido no passado? Será que costumava entrar no quarto dela com tanta intimidade? Começou a comer vagarosamente tentando esquecer as palavras amargas de Jake. A comida era simples, mas saborosa: peixe frito com vegetais. Esforçou-se para comer um pouco e depois afastou a bandeija. Será que algum dia se lembraria de alguma coisa? A névoa dos pântanos lá fora foi se adensando da sua cabeça, até que o sono tomou conta dela. Quando acordou as cortinas estavam fechadas e o quarto imerso nas sombras. Alguém tinha vindo buscar a bandeja enqnanto ela dormia.
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Levantou-se e caminhou pelo quarto, examinando a mobília. O lugar era agradável, mas Lyn estava começando a temer pelo futuro. Precisava recomeçar sua vida, mas como fazer isso se não recuperasse a memória? Em que poderia trabalhar para, se sustentar? Jake tinha dito que ela trabalhava na galeria de arte, mas que espécie de trabalho seria? Examinou as próprias mãos à procura de uma resposta que não obteve. Uma batida na porta assustou-a. — Entre — disse correndo de volta para a cama. Jake entrou e olhou-a com tal intensidade que ela corou. — Até que enfim acordou — disse — faz horas que está dormindo. Está com fome? Não almoçou muito bem. — A comida estava uma delícia, mas eu não tinha apetite — respondeu educadamente. — Você nunca foi de comer muito mesmo — ele disse e deu de ombros. — Jake, posso ajudar em alguma coisa? — perguntou ansiosa. — É aborrecido ficar aqui sozinha. Posso descer e ajudar sua mãe? Ele franziu as sobrancelhas escuras. — Ajudar minha mãe? — perguntou com ironia. — Em quê? — Cozinhando, por exemplo — sugeriu. — Sabe perfeitamente que não entende nada de cozinha. — Não entendo de cozinha? — À àbstração intrigou-a. Tinha certeza de que sabia cozinhar, uma certeza natural, instintiva. — Além disso, mamãe não quer você por perto — comentou , encolhendo os ombros. — Pode trazer o rádio para cima, se estiver aborrecida... — Prefiro ler um livro — disse sem pensar. Ele examinou-a com expressão impenetrável. — Que espécie de livro? — Qualquer um. Escolha você. — Está bem. — Saiu e voltou daí a instantes com uma pilha de livros e um rádio transistor. — Vista seu roupão que vou lhe mostrar o banheiro — disse sombriamente. Era um cômodo pequeno e escuro, com um aquecedor de água preso ao teto. Segundo Jake, o aparelho era temperamental e ruidoso, mas cumpria bem sua função. Ele deixou-a lá e saiu. Depois de tomar um banho reconfortante, ela voltou ao quarto ecomeçou a folhear os livros. Conhecia dois deles, que riu com ansiedade. Dickens... reconheceu as ilustrações excêntricas, exageradas, engraçadas. Será que trariam alguma
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luz à sua mente? Eram encadernados com um material vermelho, já gasto pelo, tempo. As folhas estavam amareladas. Começou a ler um deles e a sensacão de familiaridade persistiu, nas palavras e à história. Mas; embora fizesse um grande esforço, não conseguiu se lembrar de quando e onde o havia lido. Suspirou. Seriam lembranças da infância? Por que não conseguia se lembrar? O psiquiatra tinha dito que muitas coisas lhe pareceriam familiares: música, poesia, determinados fatos, mas que a memória ficaria temporariamente apagada. Olhando para ela sem curiosidade, por cima dos óculos, impessoal e distante, como se estivesse acostumado a fatos como esse, tinha dito: — É claro que, subconscientemente, você sabe quem é. Utilizando determinadas técnicas pode-se chegar à verdade, mas isso não é relevante. Você é que tem que trazer à tona o passado escondido por uma razão qualquer, você fechou a porta de ligação entre o hoje e o ontem, talvez paea se proteger. Quando cessar o desejo de esquecimento, a porta se abrirá voluntariamente. Lyn suspirou e tentou concentrar-se no livro, o que foi conseguindo aos poucos. Algumas horas mais tarde, Jake bateu à porta e entrou com um copo de leite quente, dizendo calmamente que era rora de apagar a luz. Ela se rebelou quando ele tirou o livro de suas mãos. — não estou cansada, já dormir muito hoje. — Você está aqui para recuperar forças — disse com firmeza. — Quanto mais descansar, mais depressa voltará ao normal. — E mais depressa irei embora da sua casa. — Exatamente! — Concordou ele. — Da minha casa e da minha vida para sempre! Ela ergueu o queixo, como um desafio. — Você me odeia, não é Jake? Você disse que fomos noivos... mas não vejo aliança alguma no meu dedo e suspeito de que essa história de noivado seja uma grande mentira. Olhos dele faiscaram de raiva. — Você tem um anel, Lyn. Fui suficientemente estúpido para lhe comprar uma safira esplêndida... e você imediatamente respondeu que preferia um diamante e que, mesmo isso não era bastante bom pra você. Ela piscou, surpresa. Sentiu o rosto quente. — Devia estar zangada quando disse isso. Gosto muito mais de
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safiras do que de diamante — mordeu o lábio. — Por que o anel não está comigo? Por acaso eu o devolvi a você? — Não, não devolveu. — Onde está então? — Com certeza na vitrine de alguma joalheria. Deve ter conseguido muito dinhei por ele. Os olhos dela brilhavam furiosamenete. — Jamais faria uma coisa dessas. Como ousa falar assim comigo? — Por que conheço o seu lado mercenário — respondeu selvagemete. Profundamente ferida pelo tom impiedoso, deitou-se e puxou as cobertas até a cabeça para esconder as lágrimas que teimavam em correr pelas suas faces. Momentos depois a luz se apagou e o quarto mergulhou na escuridão. — Boa Noite — disse Jake em tom de desprezo. Agitou-se durante muito tempo na cama sem conseguir dormir tentando desvendar o mistério que a envolvia. Será que a amnésia estaria ligada ao que acontecera entre ela e Jake? E se fosse, até a galeria de arte onde trabalhava antes? Talvez encontrasse alguém que pudesse despertar a memória adormecida. Mas se nem Jake nem a mãe dele, que a conheciam bem, quiseram ajudá-la, por que outra pessoa o faria? Lá fora o vento assobiava melancolicamente pelos pântanos, fazendo-a recordar o momento em que abrira os olhos e se encontrara naquele lugar deserto e inóspito, como um náufrago perdido numa ilha deserta, sem a companhia reconfortante de outro ser humano, sem sua própria identidade. Tremeu ao pensar nisso. Subitamente lembrou-se do hospital, da alegre estudante de enfermagem e de suas confidências, de todos os ruídos que a rodeavam lá. Qualquer coisa era melhor que aquele profundo isolamento. Exausta de tanto esforço mental, finalmente adormeceu. Ao acordar percebeu agoniada que a névoa tinha descido novamente sobre o lugar. Levantou-se e foi até a janela. Lá fora não se via nada e uma calma silenciosa cobria a casa. Só então percebeu que estava tremendo de frio e foi até o armário à procura da malha escura e do jeans que estava usando no dia do acidente. A Sra. Forrester devia tê-los lavado, pois estavam limpos e cheirando a lavanda. Na mesma gaveta encontrou um conjunto transparente de roupas íntimas. Instintivamente, olhou por baixo dele à procura do sutiã e da
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calcinha de algodão branco que estava usando no dia do acidente. Cinco minutos mais tarde, completamente vestida e sentindo-se mais normal, escovou os cabelos até que readquirissem o brilho natural e desceu. A sra. Forrester se virou quando ela abriu a porta da cozinha. — Seu café estará pronto em cinco minutos — disse com uma expressão dura no olhar. — Não imaginei que fosse levantar-se logo. O relógio da cozinha marcava oito horas. — Não quero incomodá-la — disse educadamente. — Posso preparar o café se a senhora estiver ocupada. A sra. Forrester lançou-lhe um olhar cínico e encolheu os ombros. — Sirva-se, então. Há uma jarra de suco de laranja na geladeira. Lyn notou um grande cesto de ovos sobre a mesa. — Posso cozinhar um ovo? — Se quiser... Lyn abriu algumas portas até encontrar uma panela, depois encheu-a de água e colocou-a no fogo. Retirou um pouco de sal de um pote, misturou-o à água e deu uma olhada para o relógio antes de jogar o ovo sobre a água fervendo. — O que Jake costuma comer de manhã? — perguntou depois de uma pausa. — Já comeu — respondeu a sra. Forrester, olhando friamente para Lyn. — E já saiu para o estúdio. Se está fazendo tudo isso por causa dele perdeu seu tempo. Lyn corou. — Só queria poupar trabalho à senhora. Sei que não me quer aqui, sra. Forrester, e me sinto mal por saber que estou dando trabalho. Acho que já estou em condições de voltar para... — suspirou — para onde vivo. Devo ter uma casa ou um quarto em algum lugar. — Um apartamento em York — disse a senhora Forrester asperamente. -Pelo menos é o que Jake diz. Mas, de qualquer maneira, não está mais vivendo lá. — Não estou mais vivendo lá? Quer dizer que deixei o apartamento? — Qualquer coisa assim. — Eram mais grunhidos que palavras. — Devo ter deixado algum endereço lá — disse Lyn, confusa. A sra. Forrester sacudiu a cabeça. — Eles não sabem para onde você foi. Terminando de cozinhar o ovo, Lyn passou uma grossa camada de manteiga sobre uma fatia de pão caseiro e sentou-se para comer. A sra.
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Forrester serviu-lhe uma xícara de chá escuro e forte, dizendo a contragosto: — Não há café, mas você pode tomar leite, se preferir. — Chá está ótimo — respondeu. Enquanto misturava açúcar ao chá pensou que não tinha mais um lar para onde ir. Cortou o pão em pequenos pedaços que foi comendo sem ver. Precisava encontrar um lugar para viver. Onde estariam suas roupas, seu dinheiro? Sim, porque em algum lugar do mundo devia possuir algo mais que a roupa que vestia agora: Não tinha um centavo quando foi encontrada, o que era bem estranho, pois dificilmente alguém iria para um lugar como aquele tão desprevenida. Certamente alguém, em algum lugar, devia estar procurando por ela. Quando voltou dos seus sonhos percebeu que a sra. Forrester a observava. Sorriu gentilmente. — O chá está uma delícia — disse, pensando que estava forte demais. — Você colocou açúcar — disse a mãe de Jake. — É mesmo? — Sorriu. — A senhora achaque eu não devia comer açúcar? Nunca me preocupei muito com o peso, pois acho que o trabalho é suficiente para manter a forma das pessoas. O rosto da mulher era indecifrável. Levantou-se e foi até a pia lavar alguns pratos. Lyn tirou a mesa e começou a enxugar a louça molhada. Andou de um lado para o outro procurando os lugares onde guardar cada coisa, sentindo uma estranha curiosidade, a respeito daquela cozinha: Uma agradável mistura de cheiros enchia o ar: cebolas, ervas, comida e pão. A neblina cobria as janelas como uma cortina, dando ao lugar uma atmosfera mais acolhedora. Quando a cozinha já estava em ordem, lançou um olhar suplicante à sra. Forrester. — Posso fazer um pouco mais de chá? Com certeza vai precisar assim que o pão estiver pronto. A sra. Forrester olhou-a com incredulidade. — Por que não? — perguntou com uma expressão estranha. Lyn fez o chá, consciente de que estava sendo observada todo o tempo. Encontrou pires e xícaras limpos, serviu o chá e sentou-se de novo. Olhando para o relógio, para evitar o olhar duro da outra mulher, disse distraidamente: — A massa já deverá estar crescida quando terminarmos. — O quê? — A sra. Forrester quase engasgou.
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— Está muito quente? — Lyn provou o seu chá. — É, acho que está um pouco quente. Desculpe. A face da sra. Forrester continuava dura e impenetrável. Só o ruído rítmico do relógio quebrava o silêncio pesado que caiu entre elas. Lyn afastou a xícara e olhou para o relógio. — Já podemos pôr o pão no forno — disse, erguendo-se. Olhou pelo visor, abriu a porta dó fomo e sentiu o calor na pele delicada do rosto. — Nunca usei um fogão como este antes. Como é que se mede a temperatura? — Pela prática — respondeu a sra. Forrester secamente. — Já está bem aquecido? A mulher fez um gesto afirmativo. Lyn retirou o pano que cobria as fôrmas e levou-as para o forno. A sra. Forrester observava-a atentamente. Olhando para o relógio, Lyn perguntou: — Quer que a ajude com o almoço agora? — Ia fazer só uns bifes... — Onde está a carne? Na geladeira? — Sim. Lyn abriu a porta da geladeira e encontrou a carne embrulhada em papel celofane. Depois de lavar e enxugar a carne, cortou-a em fatias e passou-as na farinha. Sentada, a sra. Forrester observava-a com ar de curiosa teimosia. Lyn fritou os bifes com desenvoltura, acrescentando fatias de cebola e cenoura cortada. Enquanto a carne fritava, lavou e cortou os vegetais com gestos seguros de pessoa acostumada a esse trabalho. Sabia exatamente o que fazer, sem necessidade de analisar suas ações. Quando a comida ficou pronta, colocou-a com cuidado numa travessa grande, sempre observada pela sra. Forrester. Enquanto lavava os utensílios que tinha usado, Lyn sentia o olhar hostil da mulher. Envergonhada, perguntou: — Fiz alguma coisa errada? Deixei de colocar algum tempero? — Os vegetais já estavam descascados e prontos. O que será que estava errado? — Pode descascar as batatas também? — perguntou a sra. Forrester com rispidez. — Claro! — respondeu Lyn, confusa. Começou a descascar as batatas e só então percebeu o cheiro. — O pão! — Abriu o forno, pegou um pano grosso e retirou as formas repletas de pãezinhos dourados e crescidos. Tirou-os da fôrma e colocou-os num cesto trazido pela sra. Forrester. — O
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cheiro está uma delícia, não é? — Sorriu. — Adoro pão fresco com manteiga. — Pão com manteiga lhe dá indigestão — resmungou a sra. Forrester, levantando-se e dirigindo-se à porta da cozinha. — Tenho trabalho para fazer. Gostei da representação, mas agora preciso continuar meu trabalho. Representação? Será que a sra. Forrester imaginava que ela estava fingindo ser dona de casa? Procurou desviar o rumo dos pensamentos, cobrindo os pães com um pano e terminando de descascar as batatas. Jogou as cascas no lixo, depois lavou e enxugou as fôrmas de pão. A cozinha estava impecável outra vez. Ouviu o ruído do aspirador na sala e perguntou, aproximando-se da porta: — Posso fazer mais alguma coisa? — Não é preciso — disse a sra. Forrester. — Já fez mais que o suficiente. — Seus lábios se contraíram num sorriso estranho e impiedoso. — Se não tem mais nada para fazer, pode arrumar sua cama. — Já arrumei quando levantei — respondeu Lyn, surpresa. — Claro — respondeu a sra. Forrester secamente. Lyn foi até a janela. — A névoa está desaparecendo, temos sol! — A luz do sol dava um brilho especial à neblina, produzindo filamentos cor de laranja no céu acinzentado. A casa parecia emergir do chão com espantosa solidez. — Jake pinta mesmo num dia como este? — perguntou, imaginando se ele teria saído para evitar a presença dela. — Não sei o que ele faz no estúdio — disse a mulher. — Ele nunca me disse e eu nunca perguntei. — Ele é um bom pintor — O rosto da sra. Forrester contraiu-se. — Quer saber se ganha muito dinheiro? O suficiente para nos manter e a esta casa. Ele não deseja mais do que isso. Não era isso que Lyn queria saber, mas não fez comentários, sentindo uma profunda hostilidade na voz da mulher. Depois de uma pausa, pediu: — Por favor, deixe-me fazer alguma coisa. Não estou acostumada a ficar sem trabalhar. — Não mesmo? — Outra vez o tom seco e incrédulo. — Tenho certeza de que não — tentou explicar. — Sei que... — fez um gesto, estendendo as mãos pequenas — sei que uso as mãos em algum trabalho. — Olhou suplicante para a outra mulher. A senhora deve entender. É como se elas pedissem para ser utilizadas.
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— Você é mesmo incrível! — comentou a sra. Forrester quase com admiração.— Está quase me convencendo, e pensei que eu fosse difícil de ser convencida. Bom, já que está oferecendo, pode fazer uma torta de maçã. Há maçãs no armário. — Pode deixar. — Lyn voltou à cozinha, procurou as maçãs e os demais ingredientes e começou a preparar a torta. A sra. Forrester entrou quando Lyn a estava colocando no forno. A temperatura já havia,diminuído desde que o pão tinha sido retirado e um cheiro agradável, enchia a cozinha. Lyn virou-se e sorriu. — E a carne? Vamos recheá-la? -Jake adora carne recheada — disse a sra. Forrester, observando Lyn atentamente. — Mas tem que ser bem macia. — Prefere fazê-la a senhora mesmo? — perguntou Lyn, incerta. — Não — respondeu a sra. Forrester, procurando conter sua satisfação. — A comida fica por sua conta. Vejamos como se sai. Lyn sentiu-se ferida pelo tom da mulher, que parecia desejar um fracasso, mas deu de ombros e dirigiu-se ao fogão. A carne já estava quase pronta quando Jake entrou pela porta dos fundos, acompanhado de Sam. Lançou um olhar indiferente a LYn, ao contrário de Sam, que correu alegremente para ela, abanando o rabo. — O almoço está pronto? — perguntou Jake à mãe,indo até a pia para lavar as mãos. — Não vai demorar — respondeu ela secamente. — A névoa está desaparecendo. — Estou vendo: Lyn sentou-se e Sam deitou a cabeça no colo dela, implorando por um carinho atrás das orelhas; sorrindo, acariciou-o e ele suspirou de prazer. Quando ela ergueu os olhos, encontrou o olhar cínico de Jake pousado nela. — Já estou bem melhor hoje — disse, desviando os olhos. — Talvez amanhã já possa ir para York e voltar a trabalhar. Se não me deixarem recomeçar, preciso encontrar outro trabalho e um lugar para morar. — Prometi ao médico que ficaria aqui até que recuperasse a memória — disse com voz tensa. — E é aqui que você vai ficar. — É muita bondade sua — disse tristemente. — Posso trabalhar para pagar os gastos que terá comigo. — Olhou para a sra. Forrester, que a examinava com a mesma expressão de desconfiança. — A senhora tem muito trabalho com a casa e precisa de ajuda. — Não vou recusar — respondeu a sra. Forrester.
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Jake olhou-a, surpreso: — Ela entende tanto de trabalhos domésticos quanto Sam disse com irritação. A mãe olhou-o significativamente. — Ela é mais esperta do que você pensa filho. Conhece muitos truques. Jake franziu a testa. — Sobre o que está falando? Sem dizer uma palavra, Lyn foi até o fogão e levantou as tampas das panelas. A comida estava pronta. Colocou a carne e os vegetais em travessas aquecidas, levando-as para a mesa. Jake observou-a durante todo o tempo e depois sentou-se sem fazer comentários. Lyn sentou-se e comeu um pedaço de carne. Durante cinco minutos Jake comeu em silêncio, depois cruzou os talheres e ficou esperando que ela erguesse a cabeça. Seu rosto estava cheio de ódio. — Você fez a comida. — Era mais uma afirmação do que uma pergunta. — Foi ela mesma — disse a sra. Forrester com prazer maldoso. — Não é uma maravilha? Os olhos de Jake soltavam chispas. — Sua cadelinha! -disse entre os dentes: — Sabia cozinhar muito bem e não nos disse nada, obrigando minha mãe a servi-la todo o tempo! A voz de Lyn ficou presa na garganta. Encarou-o, pálida e assustada. Não era de admirar que a sra. Forrester não gostasse dela e não a quisesse mais naquela casa. Incrédula, não conseguia abrir a boca para negar aquele absurdo. Por que teria agido assim antes? — Coma sua comida, querido — disse a srà. Forrester. — A sobremesa é seu doce favorito. Jake empurrou o prato. — Perdi a fome. A sra. Forrester olhou para Lyn. — Então traga um pedaço de torta para ele — disse em tom seco. Lyn obedeceu tristemente. Jake não acreditava no que via uma linda torta dourada, coberta de calda de caramelo, maçãs assadas e passas. Levantou-se sem dizer uma palavra e saiu batendo a porta. Lyn acompanhou-o com os olhos, trêmula, e acariciou a cabeça de Sam, deitado ao lado dela. Não conseguiu conter as lágrimas. A sra. Forrester levantou-se e disse com aspereza:
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— Nós duas precisamos de uma boa xícara de chá. CAPÍTULO 3 Enquanto tomavam o chá a sra. Forreste disse sombriamente: — Sou uma mulher compreensiva. Concordei que ficasse aqui porque Jake quis bancar o bom samaritano. E, embora achasse que ele a um tolo, não podia recusar acolhida a uma moça doente, mesmo que tenha leito muito mal a ele. Ainda não sei se sua amnésia é real ou não, mas garanto que por baixo de suas atitudes de madame se scondia umà ótima cozinheira. Parece que você vai ficar. Jake é o dono da casa e é ele quem manda. Aceito sua ajuda, se falava mesmo sério. — Claro que falava ... — disse Lyn com voz insegura. Reuniu toda sua coragem para enfrentar o olhar hostil da mulher e buscou um pouco de apoio em Sam, que continuava com a cabeça pousada sobre seu colo. — Então está combinado. Não sei que espécie de jogo esteve fazendo, mas vamos começar tudo de novo. Aqui há trabalho sufiiente para duas. Tratarei você da mesma maneira que me tratar está claro? Lyn fez que sim com a cabeça. — Obrigada. — Baixou os olhos e disse com humildade: — Olhe, sra. Forrester, não me lembro do que aconteceu antes... gostaria que acreditasse em mim e me perdoasse por tudo que fiz, ou disse antes. — Não vamos mais falar nisso. Não gosto de guardar ressentimentos. Disse que vamos começar de novo e é isso que vamos fazer. — Obrigada — disse Lyn, aliviada. A sra. Forrester se tevantou cornum gemido. — preciso dar comidas as galinhas. Quer lavar a louça para mim? — Claro.— Respondeu Lyn satisfeita, começando a tirar mesa. — Esse novo começo... — disse a mulher. — Sim? — Não se aplica a jake. O que você fez a ele não pode ser esquecido com tanta facilidade. Lyn sentiu uma pontada no peito. O que teria feito? Engoliu em seco. — Mas sra. Forreste... o que foi que eu fiz? — Jake não lhe disse? Lyn sacudiu a cabeça. — Bem, isso é problema dela — respondeu a mulher — pergunte a ele. — E começou a preparar a comida das galinhas aproveitando as cascas de batata.
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Lyn calou-se e começou a lavar a louça, sentindo o cérebro dolorido ao pensar em Jake. Quando terminou o serviço, a névoa tinha desaparecido completamente e ela foi até a janela admirar a paisagem marrom-vermelha. Sam gania tristimente, arranhando a porta com as unhas. — Por que não vai dar um passeio com ela? Sugeriu a sra. Forreste. Lyn achou a idéia agradável, chamou Sam e saiu. O cão latia pulava de contentamento na frente dela. Não tinha se afastado muito quando encontrou Jake. — Onde você pensa que vai? — Sua mãe sugeriu que eu levasse Sam para um passeio — murmurou confusa. — Você não conhece bem o lugar, é melhor que vá também. — Gritou chamando Sam: — Pare! Sentado! — O cão obedeceu imediatamente, desapontado. — Entre um pouco enquanto pego munha jaqueta. Lyn acompanhou-o, hesitante. O estúdio de jake ficava em uma construção baixa, anexa à casa. Por fora tinha a mesma fachade de pedar cinzenta da construção principal. O interior era branco sóbrio, mobilhado com simplicidade. Várias telas pendiam das paredes e sobre uma mesa grande acumulava-se farto material de pintura: pincéis, tintas, crayons, papel, etc. o que será que ele estava pintando atualmente? Notou uma tela sobre um cavalete, de costas para ela, mas não ousou aproximar-se ou fazer perguntas. Ele cobriu a tela com um pano e foi até a pía lavar as mãos. Lyn olhou em volta curiosa, e sentiu um choque ao deparar com uma pintura de si mesma, nua. Jake pereebeu o ar de espanto e sorriu com sarcasmo. — Sim, é você mesma, — disse com voz suave. — Bonita pintura, não? — Eu... eu posei assim? — cada fibra de seu ser protestava contra semelhante idéia. — Você insistiu — respondeu ele secamente. — Não! — protestou envergonbada, sacudindo a cabeça com incredulidade — Não acredito... você está mentindo! Lyn só notou que ele estava ao lado dela quândo sentiu que mãos fortes a agarravam pelos braços e a sacudiam violentamente, o rosto dele era uma máscara de ódio aterrorizante como a névoa fria e cinzenta. — Não sou um mentiroso! — gritou. — Mesmo que sua aminésia seja
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real, é impossivel que sua personalidade esteja tão mudada. Não sei se está querendo enganar a mim ou a você mesma, Lyn. Você veio aqui e pediu para posar para mim. Tentei recusar mas você riu e me chamou de antiquado e quadrado. O espanto e a dor de não conseguir atingir a verdade estamparam-se no rosto dela. A expressão dele tornou-se ainda mais dura. — Ainda não a conhecia bem naquela época... Claro quê já havia pintado nus antes, mas com você era diferente, ia ser minha esposa. A quem pretende enganar fingindp toda essa timidez agora? Sentiu institivamente que ele estava dizendo a verdade. Mas como podia ter feito aquilo? Olhou para o corpo claro e esbelto estendido sobre um sofá, para os lábios sensualmente entreabertos, prontos a morder a maçã vermelha e brilhante que prendia displicentemente em uma das mãos. Sentiu-se incrivelmente perdida e desamparada diante daquela Eva despudorada que se oferecia abertamfnte, e desviou o olhar. Jake libertou-a do pesadelo. — Se vamos dar um passeio é melhor nos apressarmos — disse com voz tensa. O rabo felpudo de Sam agitou-se ao vê-los sair. A um assobio de Jake saltou e correu adiante deles. O ar estava cheio do canto alegre dos pássaros e do murmúrio suave da urze batida peló vento. O céu tingia-se de um azul claro, mas ao longe, no horizonte, parecia persistir um brilho cinzento, como se a névoa ainda cobrisse o pantanal. Caminharam mais ou menos meia hora, parando de vez em quando para procurar Sam que desaparecia atrás dos coelhos. Jake quase não falou, parecendo imerso em seus pensamentos. Lyn ficou contente por aqueles momentos de silêncio, pois os poucos comentários dele eram tão dolorosos quanto um ferro em brasa sobre a pele. Sam deixou-se cair sobre a grama exausto, e Jake olhou para ela. — Quer descansar um pouco antes de voltarmos? Não devia ter feito você caminhar tanto em seu primeiro passeio. — Obrigada. — Sentou-se na grama, agradecida. Pequenas gotas de orvalho ainda brilhavam nas hastes longas das urzes e um cheiro fresco e bom subia da terra úmida. Um calafrio percorreu-lhe a espinha ao sentir que Jake se agachava ao lado dela. Arrancoú uma pequena haste de urze e mordeu-a nervosamente, sentindo um gosto amargo na boca. — Cansada? Ela sacudiu a cabeça, espalhando os cabelos negros sobre os ombros.
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— Você parece preparada para fugir a qualquer momento disse friamente. — Porque não deita e descansa? — Estou bem assim. Ele agarrou-a pelos pulsos derrubando-a. Antes que pudesse levantar-se, viu-se presa entre os braços dele. — Você é como um quebra-cabeças — disse lentamente. — Deve haver um jeito de unir as peças, mas não consigo decifrá-la. Ela ficou imóvel, sentindo o coração bater violetamente dentro do peito quando Jake lhe tomou uma mecha de cabelo entre os dedos deixando-a cair em seguida. — Você costumava usar o cabelo preso — disse com indiferença. — Muito sofisticaga e muito chique. Por que agora o deixa solto? — Não sei como penteava o cabelo antes — disse nervosa. — Deixo solto porque... sei lá... faço isso sem pensar. .. — Até o perfume dele é diferente — disse aproximando-se para sentir o perfume. — Trocou os perfumes sofisticados pelo sabonete. — Lavei-os no hospital. — Ah... — Colocou um punhado de cabelo entre os dentes e ela tremeu como se ele a tivesse agredido. Os olhares se encontraram. Ele soltou o cabelo dela e começou a acaficiar-lhe o rosto com a ponta dos dedos ágeis e finos, percorrendo os ossos da face, o nariz bem feito, as palpebras. Ela tremeu compulsivamente e fechou os olhos respirando com dificuldade, sentindo que a carícia continuava até o queixo e subia novamente para os lábios entreabertos. Cada toque lhe provocava um tremor sensual, como se ambos estivessem fazendo amor apaixonadamente. De repente, como se tivesse tomado consciência do que estava fazendo, ele retirou a mão e sisse bruscamente: — Vamos voltar ou mamãe vai pensar que nos perdemos. — Ajudou-a a levantar-se e assobiou chamando Sam. Não disseram uma só palavra durante o cminho, como na vinda, mas o silêncio agora era diferente. Nos momentos que estiveram tão próximos na grama, alguma coisa tinha acontecido, embora ela não conseguisse compreender o que havia mudado dentro dela e que a fazia tremer ansiosamente. A sra. Forrester olhou-os com ironia quando enraram na cozinha. — Gostaram do passeio? — perguntou secamente. — Sam se divertiu muito — disse Jake — perseguiu seis coelhos e
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aterrorizou todos os lagartos que encontrou no camunho. — Vou ajudá-la com a comida. — ofereceu Lyn, percebendo que as panelas já estavam no fogo. — Obrigada. — respondeu a mulher. — Então prepare uma salada. Está bem — disse Lyn, que já estava se acostumando e ia diretamente ao lugar onde as coisas estavam guardadas. Jake olhou significativamente para a mãe e disse: — Vou subir para tomat um banho. A sra. Forrester não fez comentários. A noite caía rapidamente e as mariposas começàvama sair de seus esconderijos esvoaçando ruidosamente em torno das janelas. Quando Jake voltou, o jantar ja estava pronto. Ainda estavâ com os cabelos molhados e usava uma camisa branca, Limpa e fresça. Sentaram-se todos em silênçio e serviram-se de fatias de presunto cozido, salada e pão. Sam dormia ao lado do dono, rosnando de vez e m quando, como se em seus sonhos ainda estivesse caçando coelhos. — As manhãs costumam ser sempre enevoadas por aqui? — perguntou Lyn, para quebrar o silêncio opressivo. — Geralmente — respondeu a sra. Forrester. — Especialmente no outono, quando o dia é ensolarado, à noite cai a névoa. — A senhora não se sente isolada? Não vi outras casas por aqui. — A casa mais próxima é a dos Lane — interrompeu Jake, como se estivesse fazendo uma acusação. — É uma fazenda? — perguntou intrigada pela expressao dele. A sra. Forrester pegou mais uma fatia de pão. — David Lane é nosso veterinário — disse calmamente. — Vive a uns quinhentos metros da estrada, mas não se vê a casa porque há, um bosque em volta. _ A senhora deve sentir solidão aqui — comentou, imaginando por que Jake a estaria olhando tão fixamente. — Estou acostumada — respondeu a mulher com tranqüilidade. — Vivi aqui toda a minha vida. Meu pai tentou aproveitar a terra, mas não teve muito sucesso, por isso vendemos a propriedade depois que meu marido mórreu. — Sorriu tristemente. — Os novos donos criam carneiros, jà que a terra não pode ser aproveitada para a plantação, e mal conseguem o suficiente para viver. — Deve ser bom viver na mesma casa durante toda a vida — comentou Lyn sonhadoramente. — É um lugar àgradável e acolhedor. A sra. Forrester lançou a Jake um olhar impenetrável.
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— É — respondeu friamente. Jake levantou-se sem dizer uma palavra e saiu batendo a porta. Lyn ficou tensa. O que será que tinha feito agora? Tinha dito alguma coisa errada? Olhou para a sra. Forrester em busca de uma expltcação, mas a outra ,disse simplesmente: — É melhor tirar a mesa. Lyn levantou-se e começou a trabalhar automaticamente. Enquanto lavavam a louça, a sra. Forrester perguntou, inesperadamente: — Jake disse alguma coisa durante o passeio? — Não — disse Lyn, sentindo que o sangue lhe subia às faces. — Nada. — Sei. .. — resmungou ela. Olhou em volta para ver se ainda havia alguma coisa por fazer. — Bom, terminamos por hoje. Por que não vai para a cama, menina? Você trabalhou muito é parece cansada. Aqui costumamos deitar cedo e levantar cedo. — Obrigada, acho que vou seguir seu conselho — disse Lyn, grata pela bondade que sentiu na voz da mulher.. — Boa noite. — disse com um sorriso nervosa. — Quer uma bolsa de água quente? Geralmente faz muito frio à noite. — Obrigada — disse Lyn, virando-se parâ pôr a chaleira no fogo, mas a mulher disse bruscamente: — Pode deixar que eu mesma esquento, vá deitar que daqui a pouco levo a bolsa para você. Lyn subiu para tomar um banho, vestiu a camisola quentinha e enfiou-se debaixo das cobertas. Alguns minutos mais tarde entrou Jake trazendo o bolsa de água quente. Não esperava que ele viesse e agradeceu timidamente, com os olhos baixos. — Você parece uma garotinha com essa roupa. — disse num tom brincalhão, sentando-se na cama segurando-lhe o queixo para que olhasse para ele. — Quando olho para você penso num espelho que distorce as imagens... não consigo descobrir o que é real em você, Lyn. — Os dedos dele se contrairam em torno do pescoço dela. — Pare de brincar comigo, pelo amor de Deus! — Não estou brincando — negou vivamente, constrangida pelo olhar de aço que se fixava nela. Os olhos dele brilharam de raiva. — Não? Foi muito clara quando disse o que pensava de mim na
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última discursão. — O que foi que eu disse — perguntou, ansiosa. A expressão dele tornou-se selvagem. — Quer realmente que eu repita? Nãó acredito que tenha se esquecido. — Não me, lembro, acredite — murmurou com uma voz insegura, suplicante. Ele murmurou alguma coisa ininteligível e se levantou. — Isso não importa mais, Lyn. Ela estendeu a mão e segurou o braço dele. — Jake, desculpe-me. Seja lá o que for que eu tenha dito, desculpe-me. — Desculpa-la? Meu Deus, jamais conheci uma pessoa tão cínica quanto você! — Devorava-a com o olhar. — Mesmo com essa camisola discreta você é sensual e sabe muitb bem disso. Qual é o problema? Está sentindo seu orgulho ferido porque recusei o que me ofereceu tão abertamente? Chocada e surpresa, deu um grito assustado quando ele tornoú a sentar-se na cama e segurou-a com mãos de ferro. Lutou para afastar-se daquele olhar de ódio: — Se foi para isso que voltou, não vou desapontá-la — disse cruelmente, inclinando-se e beijando-a com violência, obrigando-a a aceitar àquela exploração dos sentidos. Durante alguns momentos tentou lutar, afastar a cabeça, mas a força do ódio dele foi maior e forçou-a a ficar imóvel, de olhos fechados, impotente ante a pressão hostil de seus lábios. A medida em que ela se aquietava, o beijo dele foi se suavizando. Abraçou-a com mais força, ternamente, e uma sensàção de encantamento tomou conta dela. Murmurando, incoerentemente, entreabriu os lábios e envolveo-o com os braços. Quando ele finalmente se afastou, ela continuou de olhos fechados, repirando depressa, sentindo uma estranha vibração pelo corpo todo. Lentamente, foi abrindo as pálpebras e olhou para ele com, as pupilas dilatadas e um brilho febril nos olhos felinos. Jake afastou-a com violência e saiu do quarto, deixando-a trêmula e incrédula. Ela levou muito tempo para dormir naquela noite, pois seus pensamentos giravam num turbilhão confuso. O que será que havia feito e
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dito de tão grave para provocar nele toda aquela revolta? Será que Jake ainda pensava que a amnésia era fingida? Evitou cuidadosamente pensar nos próprios sentimentos, era mais fácil esquecer tudo o que havia acontecido, toda a emoção que o beijo dele provocara nela. A manhã seguinte foi muito semelhante à anterior — levantou cedo, desceu para a cozinha e ajudou a sra. Forrester com o trabalho doméstico, sentindo que as ações se tornavam cada vez mais fáceis e naturais. — Vou lhe dizer uma coisa — comentou a mulher. — Você é muito trabalhadora e sabe o que está fazendo. É difícil entender as pessoas. Para ser franca, não gostava muito de você quando veio pela primeira vez. Passava todo o dia à toa, lendo revistas, fazendo as unhas, torcendo o nariz toda vez que eu pedia para enxugar a louça para mim. Agora é uma moça diferente. — Riu, satisfeita. — Essa amnésia fez muito bem a você, menina! Lyn sentiu-se constrangida, A imagem que faziam dela não era nada agradável. — Talvez eu tenha dupla personalidade — comentou, meio brincando, meio sério. — É isso mesmo! — concordou a sra. Forrester, animada. Nem imagina como mudou! Usava roupas tão exageradas, pintura tão carregada... parecia até uma... — interrompeu-se e fez uma careta. — Bom, você sabe o que quero dizer, Ela sabia e pensou na quantidade de cosméticos que tinha encontrado no banheiro, todos muito escuros e totalmente em desacordo com a personalidade dela. O mesmo acontecia com as roupas. Eram excessivamente ousadas e coloridas, Não gostava de nenhuma delas, mas também não podia continuar usando todos os dias a mesma calça comprida e a mesma malha. Depois do almoço divertia-se dando comida às galinhas, vendo-as correr como loucas pelo galinheiro, quando notou que um carro se aproximava. Um jovem alto e bonito desceu e cumprimentou-a alegtemente: — Lyn! Não sabia que tinha voltado! Teria vindo antes, se soubesse. — Sorriu, com os olhos brilhantes... — Lyn. Parece muito ocupada. Finalmente conseguiram convencê-la a trabalhar na casa? — Gosto do trabalho — respondeu, constrangida com o olhar pousado sobre ela. Ele riu.
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— Ora vamos, Lyn, por que essa timidez? Jake está por perto? -Não. Para sua surpresa, ele a envolveu pela cintura e atraiu-a para perto de si, tentando beijá-Ia. Ela afastou o rasto, com raiva. — Pare com isso! Solte-me! — Empurrou-o com força, deixando-o perplexo. — O que é que há com você? — O rosto jovem ficou sério, — Que foi que fiz de errado? — Não tem o direito de me beijar! — explodiu ela. — Não tenho o direito! — estava incrédulo e furioso. — Não foi isso que disse da outra vez que estive aqui. Tentou me provocar até me deixar louco e sabe muito bem disso! Encarou-o, horrorizada. — Eu... estava noiva de Jake. — Isso não fazia muita diferença para você — disse com agressividade. O rosto dela ficou vermelho de vergonha. — Deixei que me beijasse... mesmo estando noiva de Jake? — perguntou com voz quase inaudível. — Sabe perfeitamente que sim — exclamou com raiva. — Por que agora ficou toda cheiâ de dengos? Ela não conseguiu responder. Como podia ter encorajado aquele homem a beijá-la se nunca o tinha visto antes? Estava horrorizada com o que acabava de ouvir e todo seu ser se revoltava com a idéia de ter tido uma aventura com um homem, estando noiva de outro. Será que Jake sabia? Será que era por isso que a odiava tanto? — Está bem, esqueça — resmungou irritado, percebendo que não ia obter resposta. Virou-se e entrou na casa sem dizer mais nada. Lyn ficou ali parada, olhando para as galinhas como se elas pudessem dar alguma explicação. Quando ergueu os olhos viu a figura alta de Jake aparecer na porta do estúdio. Achou que ele podia ter visto tudo e sentiu vontade de fugir. Estava usando uma camisa azul e velhos jeans que se ajustavam a ele como uma segunda pele, realçando os músculos fortes das pernas, seus olhos cinzentos a observavam com intensidade. — Quer dizer que David não está mais nas suas boas graças? — perguntou com sarcasmo. — David? — repetiu sem entender. -David Lane — respondeu friamente. — Nosso veterinário. Ela
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suspirou, sentindo-se completamente desamparada. — Não me lembro dele. — Mas ele parece lembrar muito bem de você... — Jake sorriu com desdém. Ela desviou os olhos, corando. — Então você viu... — Vi e ouvi tudo — disse asperamente. Uma enorme depressão apoderou-se dela. Sabia que ele não ia acreditar em nada que dissesse, mas falou mesmo assim. — Não me lembro de nada do que aconteceu antes do acidente, Jake, porém acho que já é tempo de saber a verdade. O que aconteceu? Preciso saber. Aparentemente, estávamos noivos, mas parece que as coisas não iam muito bem entre nós. Não consigo imaginar que um dia estivemos apaixonados um pelo outro. Os olhos dele eram dois pedaços de gelo. — Como é que chegou a esta conclusão? — perguntou com ironia. — Jake, por favor, conte-me o que aconteceu! — implorou. — Aconteceu David — respondeu Jake secamente. Ela respirou fundo. Esperava por isso, mas a confirmação foi dolorosa. Tinha preferido David a Jake? Vendo o homem viril e atraente parado diante dela, não podia acreditar. — Quer dizer que eu estava envolvida com David? — Entre outros — disse cinicamente. — Outros? — O rosto dela revelava uma incredulidade horrorizada. Caiu um pesado silêncio entre eles, suplicava a Jake com o olhar que desmentisse tudo que havia dito. Por fim conseguiu articular algumas palavras: — Quantos outros? — Perdi a conta. Ela deu um passo para trás, como se estivesse sido atingida por um tapa, ele estendeu os braços e segurou-a para que não caísse. — Venha sentar-se um ouço no estúdio — disse bruscamente. — É melhor afastar-se de David por enquanto. Levou-a para dentro do estúdio e fez com que se sentasse em um antigo sofá de veludo vermelho. — Coloque a cabeça entre os joelhos. Você parece que vai desmaiar. Ela baixou a cabeça, obediente, e ficou nessa posição durante alguns minutos, até que ele voltou com um copo de água misturada com licor. Lyn bebeu e fez uma careta.
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— Detesto licor. — Entregando o copo a ele, sacudiu a cabeça desconsoladamente. — Eu precisava saber a verdade — murmurou. — Quantos outros choques esperam por mim? Jake, preciso saber de tudo, será mais fácil receber o impacto todo de uma vez só. Ouvindo o ruído de um carro, lá fora, Jake foi até a janela e olhou para ela por cima dos ombros. — David está indo embora — disse. — Vem dar uma olhada em Sam de vez em quando. — Conte-me, por favor — implorou. — Não é fácil, Lyn. Nós nos conhecemos quando fui ver uma exposição na galeria onde você trabalhava. Sorriu para mim e convidei-a para jantar. Depois disso começamos a nos ver várias vezes por semana. Você entendia muito de arte, era muito bonita e parecia gostar da minha companhia. Logo a pedi em casamento. Ela baixou os olhos, o coração batendo loucamente. — Estávamos apaixonados? Ele deu uma gargalhada. — Durante algum tempo fiquei impressionado com sua beleza, Lyn. Como eu tinha muito trabalho no estúdio e pouco tempo para ir a York, achei que seria uma boa idéia que viesse para cá. Você concordou e ficamos noivos. Sentiu uma pontada no coração ao pensar que ele tinha estado apaixonado por ela e que ela tinha jogado fora uma charice preciosa como aquela. Que tola tinha sido! — Fiz sua pintura já na primeira semana. Fiquei surpreso quando me disse que já havia posado antes, mas como era um esplêndido modelo, não hesitei. — Encolheu os ombros. — Só que eu tinha outros trabalhos para terminar e não me sobrava muito tempo para vê-la durante o dia. Minha mãe me contou que você saía com David para nadar ou passear de carro, mas não me importei muito porque parecia uma amizade inocente. Um dia vim mais cedo para vê-la e mamãe disse que você e David estavam passeando pelo campo. Foi aí que descobri como é que vocês se divertiam. Trocamos palavras muito ofensivas, enquanto David observava tudo, desconcertado. Pedi-lhe que fosse embora, mas não o condenei, porque percebi que espécie de mulher você era. Em vez de envergonhar-se, parecia orgulhosa do que havia feito. Então, a mandei embora. Você arrumou suas coisas e partiu, dizendo que depois mandaria buscar o resto. Quando foi embora, mamãe me contou que pessoa preguiçosa e egoísta você era. Ela ficou feliz com o fim do noivado.
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— Outros, você disse — murmurou com voz rouca. — Havia outros? — Fiquei sabendo de tudo durante nossa discussão — disse J ake com amargura. — A lista que você enumerou me deixou tonto. Mais tarde minha mãe me contou que outros homens além de David tinham ido buscá-la em casa. — Então mentiu ao médico dizendo que éramos noivos — comentou, curiosa. — Achei estranho... você pareceu tão agressivo quando me encontrou... — Portei-me com muita consideração — disse Jake com voz tensa. — Você me disse coisas muito ofensivas da última vez que nos vimos. — Havia um brilho de aço nos olhos dele. — Aparentemente ficou ofendida porque eu não quis ir para a cama com vocêe insinuou que eu era impotente. — Não! — sussurrou com voz trêmula, cobrindo os ouvidos com as mãos. — Não diga mais nada, Jake, é horrível ouvir essas coisas sórdidas! Não posso acreditar... Não posso ter feito todas essas coisas! — Mas fez — disse Jake agressivamente, fazendo-a sentir-se a última das criaturas. Ela se virou para sair, mas ele se colocou diante da porta, olhando-a de uma maneira que a deixou petrificada. — No dia eméque a encontrei com David, senti apenas nojo por sua devassidão e sua vaidade. E depois que se foi, tirei-a da cabeça com facilidade, Lyn. Toda vez que olhava para seu retrato pensava quê, sem saber, havia retratado sua mente doentia. Quando a encontrei vagando pelo pântano, a única coisa que senti foi irritação pelo problema que me trazia. — Seu rosto era uma máscara de hostilidade. — Senti isso — murmurou ela. — Que você ficou irritado por se ver envolvido com meu problema. Ele começou a aproximar-se, olhando fixamente para os lábios rosados dela. Lnstintivamente Lyn se afastou, mas Jake continuou se aproximando inexoravelmente. Como nos movimentos de uma dança, ela foi se afastando, trêmula até que sentiu a parede contra as costas. Jake inclinou-se sobre ela, prendendo seu rosto entre as mãos fortes. — Jake, por favor... — suplicou. A tensão se transformando quase numa dor física. — Por favor o quê, Lyn? — murmurou com desprezo. — Sabe que você é uma grande atriz? Olhando-se para esses seus olhos suaves pode-se jurar que é inocente como uma criança. Você é perigosa, não percebe? Apesar ae tudo que sei a seu respeito, apesar de tudo que me
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fez, às vezes quase chego a me convencer de que está mesmo mudada. — Com a mão direita acariciou-lhe os cabelos, a nuca, as orelhas e a curva suave do pescoço. Ela prendeu a respiração, incapaz de se mover. Com os olhos em chamas ele tocou os lábios entreabertos dela. — Quero que tire a roupa e pose para mim outra vez, Lyn. — Solte-me, Jake, por favor! — pediu, sabendo que a intenção dele era insultá-la. — Não diga mais nada. Jake inflamou-se ainda mais. — Não quero soltá-lá, Lyn. Já a repeli uma vez, mas você voltou, não voltou? Agora vou aceitar o que me ofereceu uma vez. A súbita selvageria do tom dele deixou-a em pânico. Tentou libertar-se, mas isso o enfureceu mais ainda. Atirou-a contra a parede e pressionou o corpo másculo de encontro ao dela, sem piedade, procurando com ansiedade os lábios trêmulos que resistiam aos dele. Cada vez mais inflamados pela resistência dêla, esmagou-lhe a boca com os lábios, obrigando-a a render-se. Lyn lutou desesperadamente contra o desejo de entregar-sé, mas sentiu que suas forças se enfraqueciam, quando a mão dele se insinuou por baixo de sua blusa, acariciando-lhe o corpo macio com sofreguidão. Deu gemido de prazer e tocou de leve a pele quente do peito de Jake, deixando que seu corpo se colasse completamente ao dele. Jake tremia. Seus lábios desceram pelo pescoço dela, queimando como ferro em brasa. — Jake! — murmurou ela, traindo a própria emoção. Sabia que não seria capaz de resisti se ele a tomasse à força e mesmo com ódio. De repente ele pareceu tomar consciência do que estava fazendo. Empurrou-a com violência e afastou-se, deixando-a ali parada, trêmula e excitada. CAPÍTULO IV O incidente provocou uma profunda alteração no relacionamento deles. Jake e Lyn passaram a evitar-se, comporrtando-se formalmente quando se encontravam durante as refeições. A sra. Forrester via tudo em silêncio, sem se surpreender com a tensão que tomava conta de Lyn sempre que Jake se aproximava. Lyn fazia o trabalho da casa, lia, passeava com Sam e ouvia música à noite. Às vezes ajudava a sra. Forrester a montar um quebra-cabeça,
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silenciosamente, no mesmo ritmo lento com que a velha senhora fazia tudo. Jake normalmente passava as noites no estúdio, mas às vezes vinha sentar-se com elas para ler algum livro, sempre ignoràndo Lyn deliberadamente. Lyn acostumou-se ao ritmo tranqüilo e pesado do trabalho caseiro. O silêncio e a névoa não a deprimiam mais e gostava da nova vida. A única nota discordante em seu contentamento era o comportamento de Jake. A sra. Forrester agora a aceitava sem restrições e tinha se tornado sua amiga. Trabalhavam em harmonia, ligadas por uma espécie de empatia. Certa manhã a sra. Forrester sugeriu que Lyn fosse colher amoras para fazerem uma geléia no dia seguinte. Acompanhada de Sam, foi até as amoreiras mais próximas da casa, levando na mão uma enorme cesta de palha. Os galhos estavam carregados de frutos brilhantes que se destacavam entre as folhas. Distraída, só percebeu que o carro de David se aproximava quando Sam latiu. Sentiu-se nauseada quando percebeu que o moço se dirigia até ela, corando ao pensar nas coisas que Jake lhe havia contado. O cão, consciente do nervosismo dela, grunhia iristintivamente. David parou intrigado. — O que há com Sam? De repente me transformei num inimigo por aqui? Primeiro você, agora ele... Não me conhece mais, Sam? — Sorriu e estendeu a mão, que Lyn recusou, aproximando-se do cão em busca de proteção. Com expressão irônica, David disse: — Ainda de mau humor, Lyn? Vim convidá-la para dar um mergulho comigo. É uma pena perder um dia bonito como esse. — Não, obrigada — respondeu imediatamente. — Não sei nadar, — David encarou-a. — Não sabe nadar? — Parecia confuso. Então percebeu que alguém vinha vindo na direção deles e sorriu, embaraçado. — Oi, Jake, como vai? Jake parou ao lado dela com uma expressão enigmática no rosto. — David tem razão — disse com sarcasmo. — Está um dia lindo para um mergulho. Por que não vamos todos? — Seria ótimo — David apressou-se a dizer. Lyn sacudiu a cabeça. — Não posso, não estou acostumada. — Seu — biquíni branco ainda está lá em cima — disse Jake friamente. Olhou para David. — Vá na frente, encontramos você depois. — Está bem — disse David e desapareceu.
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Lyn continuou â colher amoras, sem olhar para Jake. Inesperadamente ele a agarrou pelo pulso. — Precisa enfrentar isso, mais cedo ou mais tarde — disse bruscamente. — Vá vestir seu biquíni. Ela engoliu em seco. — Não quero ir. — Percebi isso, mas precisa encontar coragem para enfrentar a situação, não pode fugir do passado, por mais que tente. — A voz dele era quase delicada e os olhos dela se encheram de làgrimas. Levou as amoras até a cozinha e avisou que colheris mais quando voltasse da piscina. Olhou-se ao espelho e corou violentamente. Sentia-se quase nua com o minúsculo biquíni. Vestiu a malha por cima e desceu. Jake a esperava em baixo, segurando duas toalhas. Olhou, a com frieza. — Pronta? Ela concordou com a cabeça, evitando encara-lo. A casa de David ficava a alguns quilômetros, no meio de gramados muito bem cuidados e lindos canteiros de flores. Foram recebidos por uma garota de biquíni florido que cumprimentou Lyn com um aceno e frio de cabeça. Havia muitos jovens em torno da piscina, localizada nos fundos da casa. Muitos acenaram para Lyn, homens, na maioria. Algumas moças sentadas em mesinhas ao redor da piscina lançaram a ela um olhar de desagrado. Jake entrou em uma das cabines para trocar de roupa. Ficou perturbadoramente atraente com o calção de banho azul escuro, o peito nu coberto de pêlos negros. Olharam-se em silêncio. Lyn sentia uma necessidade dolorosa de tocá-lo, de sentir aquele corpo forte encostado ao dela. Com um suspiro triste, pensou que Jake a odiava e com toda razão. Ele a puxou pela mãô quase com brutalidade. — Vamos, não podemos passar o dia todo aqui. Ficou parada ao lado da piscina, observando o brilho intenso do sol sobre as águas azuis e ouvindo os risos alegres dos convidados. — Quem é a moça que nos recebeu? — perguntou a Jake com relutância, — Não posso deixar que perceba que não a conheço. — Petra Williams — respondeu ele. — O pai dela tem uma fábrica perto daqui. Estão muito bem de vida e suspeito que Petra não gostou, muito da maneira como você lhe roubou David Lane. — Havia ironia em sua voz.
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— Ela gosta dele? — Esfava interessada nele; mas foi tudo por água abaixo quando você apareceu. — Entendo — concordou com amargura. Sentiu que o olhar dele a devorava e corou. — Viemos aqui para nadar, lembra-se? — disse ele depois de uma pausa, átirando-se na piscina. Lyn olhou para a água hipnotizada. O brilho que vinha da piscina era estonteante. Jàke emergiu da água e olhou para ela com hostilidade. — Vai ficar aí parada para que todos a admirem, Lyn? — perguntou agressivamente. — Pode vir sem medo, você nada como um peixe. Ela mordeu os lábios nervosamente. — Acho que não sei nadar — confessou. — Estou com medo, Jake. Ele franziu a testa. — Ninguém esquece como se nada. Vai lembrar assim que estiver dentro da água. — Não posso! — gritou desesperada. O rosto dele contraiu-se. Estendeu a mão e puxou-a para dentro da água. Ela gritou, sentindo-se incapaz de flutuar, depois afundou. Foi tomada por umã sensação de pânico e tentou lutar, mas não conseguiu e sentiu que seus pulmões estavam a ponto de estourar. Era como se estivesse numa máquina de lavar roupa, girando e girando sem conseguir sair. De repente duas mãos fortes a agarraram e a puxaram para a superfície. Quando Jake a estendeu no chão, ela expelia água pela boca e pelo nariz e uma pequena multidão curiosa se juntou em volta deles. — O que aconteceu? — perguntou uma voz assustada. — Como foi acontecer isso? Ela sabe nadar como um peixe! — comentou outra voz. Lyn soluçava desesperadamente quando Jake a tomou nos braços e se afastou do pequeno grupo de curiosos. Já no vestiário, perguntou asperamente: — Pode se trocar sozinha? Ela fez que sim com a cabeça e Jake levou-a até o vestiário das mulheres, onde se vestiu lentamente, tremendo de susto e vergonha. Alguns minutos mais tarde ele bateu vigorosamente na porta. — Está se _entindo bem? Ela estava sentada num banco, com a cabeça abaixada. — Sim — respondeu com voz fraca, levantando-se e abrindo a porta.
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— Vamos embora — disse ele com voz suave, puxando-a pela mão. No carro, de volta a Wind Tor, ela disse com voz ansiosa: — Desculpe se me portei como uma idiota, Jake. — Esqueça — respondeu ele secamente. Ela suspirou, vendo a raiva novamente no rosto dele. — Acho que o médico estava enganado quando disse que eu lembraria das coisas que aprendi no passado... — Mas estou certo que não esqueceu de outras coisas mais agradáveis — disse com ódio. Ela sentiu o rosto pegando fogo. -Não! — Não o quê? — perguntou, virando-se para ela. — Não quer que diga a verdade, Lyn? Pensei que quisesse saber tudo sobre seu passado. Ela baixou a cabeça, em silêncio. É claro que ele estava certo. O passado sempre estaria presente como um pesadelo, à espera dela. Não poderia ser alterado ou esquecido. Começava-a acreditar que seria melhor fingir que ele não existia. A sra. Forrester olhou-os com surpresa ao vê-los de volta. — Voltaram depressa — comentou. — Lyn, não estava com vontade de nadar — disse Jake secamente. — A mulher olhou para o cabelo molhado de Lyn. — Mas parece que nadou. — Não — explicou ele com voz cortante, — Ela tentou se afogar para provar que não sabe nadar, só isso. — Dizendo isso, entrou no estúdio e bateu a porta. Alguns dias depois Jake levou-a ao hospital para fazer novos exames. O médico examinou-a, fez algumas perguntas e pareceu não gostar das respostas. — Quer dizer que não houve mudanças? — perguntou. — Se não lembrou de nada até agora, talvez demore para lembrar-se. — Quanto tempo, doutor? — Lyn mordeu o lábio. — Ele encolheu os ombros e se recostou na cadeira. — Quem sabe? Está claro que você prefere esquecer o passado. Temos duas alternativas: ou tentamos ábrir a porta à força ou esperamos que você decida abri-la sozinha. A decisão tem que ser sua. Ela baixou os olhos, trêmula. — Eu... eu... — Não conseguiu responder, aterrorizada, pela idéia de que precisava tomar umà decisão.
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O médico inclinou-se para frente. — Está se sentindo bem? — Estou, obrigada — Ela setiu a garganta seca. — Não adianta tentar apessar o processo. Venha me ver daqui a um mês, a não ser que surja uma novidade nesse meio tempo. Pense a respeito do que lhe disse. Se decidir forçar a memória venha, me procurar. — E o que o senhor pode fazer? Ele sorriu amigavelmente. — Existem várias maneiras. Uma delas é a hipnose, que não vai funcionar se sua mente não estiver receptiva. Existem outros métodos, mas como já disse, não vão funcionar se você não estiver realmente decidida li enfrentar a verdade. Ela e Jake voltaram para casa no mais completo silêncio. Olhou ansiosamente para ele quando chegaram. — Você tem sido muito gentil comigo, Jake. Mas, como o doutor disse que minha memória pode custar muito a voltar, acho melhor ir para York. Devo ter uma casa em algum lugar e talvez na galeria possam me dar alguma informação. Já devia ter feito isso antes. — Estive lá enquanto você estava no hospital — disse com voz soturna. — Disseram-me que você deixou o emprego e também o apartamento em York e que não sabem para onde foi. Não sei onde vivia quando sofreu o acidente, mas ninguém procurou a polícia para dar queixa, de seu desaparecimento. Uma onda de desânimo invadiu-a. — Bom, de qualquer jeito, preciso encontrar um emprego e um apartamento. Não posso me aproveitar para sempre da sua bondade. — Venha até o estúdio — pediu inesperadamente. — Quero falar com você. Lyn hesitou, pensando no que havia acontecido da outra vez que estivera lá. O rosto dele contraiu-se. — Não vou tocá-la, pode ficar tranqüila. Ela corou e o seguiu. Ele fechou a porta e ficou parado durante alguns minutos, sem dizer nada. — Você se dá bem com minha mãe não é? — perguntou de repente. _ — Muito bem — respondeu ansiosa. — Está achando o lugar aqui muito triste? — Jake, sabe muito, bem que gosto daqui — disse em voz baixa olhando para o chão. — Gosto de tudo em Wind Tor... a paz, beleza...
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tudo aqui é bonito. — Gostaria de ficar? Lágrimas quentes começaram a rolar pelo rosto dela. — Por que me atormenta assim? Sabe que não posso ficar. — Por que não? — o tom dele assustou-a. — Porque você... eu... — Não conseguiu continuar e suspirou. — Não posso ficar aqui. — Pode ficar sob determinadas circunstâncias — disse ele. — Em que condições? — Ela encarou-o, intrigada. — Tinha planos de me casar com você — disse com voz áspera. — Ainda pode se casar comigo. Os olhos dela se abriram muito, numa expressão de dor — Não! — sussurrou, virando-se. Um soluço desprendeu-se da sua garganta. — Seria um casamento puramentede conveniência — acrescentou ele friamente. — Você contiriuará trabalhando com minha mãe exatamente como vem fazendo até agora. Seria um trabalho como qualquer outro e eu lhe daria dinheiro todos os meses para roupas e outra coisas. Se está sendo sincera, ao dizer que gostaria de ficar em Win Tor não vejo razão alguma para que não fique. Ela se virou, olhando-o com incredulidade. Mas não há necessidade de nos casarmos. Posso trabalhar para você, mesmo sem ser sua esposa. — Mesmo tendo minha mãe para salvar as aparências, seria muito desagradável — disse friamente. — O casamento seria a única solução. Ela o encarou perplexa. — Não daria certo. Casar não é simplesmente ser uma dona de casa. — Normalmente não é — concordou secamente. — Mas, no nosso caso, não haveria mais nada entre nós. — Isso é ridículo! — protestou ela. — Você não está falando sério. — Estou — insistiu ele. — Seria uma situação ideal para mim. Não tenho intenção de me unir a nenhuma outra mulher depois do que descobri a seu respeito. Sei muito mais sobre você, Lyn do que muitos maridos sabem sobre suas esposas. E isso é uma grande vantagem porque nunca mais vai me enganar. Mas que fique bem claro: Nenhum homem poderá se aproximar de você, caso nos casemos. Do contrário, vai se arrepender de ter nascido. — O olhar gelado que lançou a ela era aterrorizante. — Se tem algum plano e está apenas fingindo que é feliz em Wind Tor, pense bem antes de dar, uma resposta, porque se nos
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casarmos não poderá voltar atrás. Sua vida será trabalhar dia após dia com minha mãe. Pense bem se gosta mesmo desse tipo de vida, caso contrário, farei da sua vida um inferno, Lyn. Ela estava tremendo. — Jake, por que quer casar comigo se me odeia? O rosto dele era uma máscara implacável. — Vingança, Lyn. Ou você se transformou realmente em uma nova pessoa, e nesse caso será feliz, aqui, ou está tentando me enganar por algum motivo e, nesse caso, será minha prisioneira aqui em Wind Tor. Tem vinte e quatro horas para pensar. — Dirigiu-se para o cavalete. — Agora preciso trabalhar. É melhor você ir embora. A idéia inesperada ao mesmo tempo a atraía e assustava. A perspectiva de ser esposa de Jake lhe provocava uma emoção forte e violenta e sentia-se inclinada a aceitá-la, mas sabia que o pesadelo do passado estaria sempre entre eles impedindo-os de serem felizes. O que ele lhe oferecia era punição. Queria tê-la sempre à vista para poder feri-la a qualquer momento. Sabia possuir a capacidade de torná-la miserável com um gesto, um olhar, uma palavra. Lyn sentia que estava se tornando cada vez mais vulnerável em relação a ele e não conseguia ocultar isso. A escolha que Jake lhe oferecia era entre uma éspécie de inferno e outra. Se deixasse Wind Tor, jamais o veria novamente, e essa idéia era insuportável. Se ficasse, como sua esposa, estaria inteiramente à mercê dele, totalmente indefesa porque... Teve uma sensação de desfalecimento ao perceber que amava Jake desesperada e irrevogavelmente. Será que ele tinha percebido? Será que era por isso que a tinha pedido em casamento? Estaria planejando uma vingança para castigá-la pelo que havia feito a ele no passado? Devia considerar uma ironia o fato de ela estar inteiramente nas mãos dele depois de tê-lo ferido. Seria fácil para Jake desfrutar a chance que ela estava lhe oferecendo. Naquela noite, a expressão dele estava fão calma quanto a de um juiz ao sentar-se para ler o jornal. Tinha vindo deliberadamente, pensou Lyn, e deliberadamemte tinha sentado ao lado delá, tocando-lhe a perna com a coxa, procurando fingir que a ignorava completamente. Ela tentou ler um pouco, mas não conseguiu concentrar-se e acabou deixando o livro de lado. — Bom... acho que vou para o quarto — disse, nervosa. — Boa noite, menina! — respondeu a sra. Forrester. Para chegar até a porta, Lyn precisava passar diante de Jake, que
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ergueu para ela os olhos irônicos ao perceber o rosa forte das faces dela. Dormiu mal naquela noite, virando-se de um lado para o outro, sem conseguir afastar os pensamentos perturbadores. Pela manhã tinha uma aparência cansada. Jake olhou-a com dureza quando entrou na cozinha. — Dormiu mal, Lyn? — pérguntou zombeiramente. Ela sentiu uma pontada, de raiva. Podia ter agido mal no passado, mas isso não justificava o tratamento cruel que ele estava lhe dispensando. Acompanhou-o até o pátio, onde ele parou com as mãos na cintura, sorrindo friamente. — Pensei em sua proposta — disse ela. — E? — perguntou ele com frieza. — Eu aceito — respondeu, olhando-o com toda a coragem que conseguiu. — Ótimo. Vou fazer os preparativos — disse com indiferença. — Preparativos? — perguntou assustada. — Para o casamento — explicou secamente. — Não há razão para esperar mais. — Claro, mas... — começou a chorar, horrorizada. Não esperava que ele fósse agir tão depressa. — Mas o quê? — Franziu a testa, curioso. — Alguma razão especial para que esperemos mais, Lyn? Afinal de contas, é um casamento de conveniência. E quanto antes regularizarmos nossa situação nesta casa, melhor. — Como posso me casar sofrendo de amnésia? Os lábios dele contraíram-se com ironia. — Nós sabemos quem você é. Além do mais, já está perfeitamente saudável, não é? Portanto não há razão alguma para que não nos casemos o mais rápido possível. — É... acho que não — murmurou ela. — Ótimo! — Virou-se e saiu sem dizer mais nada, deixando-a num estado de total perplexidade. Não teve coragem de discutir o assunto com a sra. Forrester, temendo a reação dela. Por isso, três dias mais tarde, quando Jake anunciou durante o almoço que ele e Lyn iam se casar na próxima semana, não conseguiu determinar quem estava mais surpresa: se ela própria ou a mãe de Jake. A sra. Forrester logo recuperou o sangue-frio. — Vão mesmo? — perguntou com a expressão sombria, olhando para
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o filho. Ele terminou de mastigar e disse calmamente: — Nãp vai haver nenhum problema. Será uma cerimônia rápida, sem convidados. A muler olhou interrogativamente para Lyn. — Assim está bem para você, menina? Lyn concordou com a cabeça, sem olhar para ela. — E a lua-de-me? — perguntou a sra. Forrester. — Não vai haver lua-de-mel — anunciou Jake. Lyn sentiu olhar de Jake sobre ela, mas não ousou encará-lo. Depois que ele, saiu, a sra. Forrester perguntou calmamente: -Sabe o que está fazendo, menina? Meu Jake é um homem duro como as pedras desta casa, incapaz de esquecer ou perdoar. É o tipo de homem que pode fazer uma mulher sofrer as penas do inferno. Lyn sentiu o rosto queimando. Mordeu o lábio. — Eu... vou me casar com ele — respondeu depressa. — Entendo o que está querendo dizer, mas... A sra. Forrester suspirou. — Bem, você mesma é quem está preparando sua infelicidade. Não vá se arrepender depois. Se Jake estivesse ao lado dela, pensou Lyn, seria capaz de suportar qualquer sofrimento. Um dia antes do casamento, Jake levou-a até York e insistiu em comprar algumas roupas para ela. Esperou enquanto ela escolhia algumas peças e depois pagou com um cheque. — Até que você foi comedida. Esperava uma conta maior que esta. As compras resumiam-se a dois conjuntos de jeáns, um azul e outro verde, uma saia preta de pregas e três blusas, além da roupa que usaria no dia do casamento: um vestido cor-de-rosa pálido, de mangas longas e ampla saia. Jake olhou tudo com indiferença. — Muito apropriado — comentou num tom que a fez corar. Como Jake precisava tratar de alguns negócios, deixou-a por meia hora antes de voltar para pega-la. No caminho de volta, passaram diante de uma grande janela de vidro. — Era aqui que você trabalhava. Lyn olhou ansiosamente para a galeria, mas não sentiu nenhum sinal de reconhecimento. Jake óbservou-a atentamente depois acelerou sem
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dize nada. Casaram-se no dia seguinte. Lyn mal tomou conhecimento do que estava se passando, consciente apenas do olhar de Jake sobre ela e da sua própria vulnerabilidade em relação a ele. Depois da cerimônia voltaram todos para Wind Tor, e Lyn e a sra. Forrester prepararam uma refeição fria, que comeram em silêncio. Depois do almoço, Lyn levou Sam para um passeio enquanto a sra. Forrester lavava as louças. O ar estava gelado e as folhas secas espalhavam-se com o vento trazido pelo inverno que se aproximava. Restavam poucas amoras mos arbustos. Ela e sra. Forrester tinham passado todo um dia preparando geléia de maçã e de amora, guardando os potes na despensa. Voltou para casa com relutância. Estava tudo silencioso e vazio. Um pouco intrigada, foi até o quarto da sogra, mas, como não obteve resposta, rêsolveu ir para o próprio quarto trocar de roupa. Procurou as roupas que havia comprado, mas encontrou as gavetas vazias o mesmo acontecendo com o guarda-roupa. Espantada, foi até o corredor e gritou pela sogra. Em vez dela, quem apareceu foi Jake, com um ar de curiosidade. — Queria falar com sua mãe — disse nervosamente. — Eu... minhas roupas desapareceram. Jake passou por ela e abriu a porta do quarto principal, onde a sra: Forrester costumava dormir. Fez um gesto para que entrasse e Lyn obedeceu em silêncio. Ele fechou a porta e apoiou-se contra ela. — No guarda-roupa — disse calmamente. Encontrou todas as suas roupas arrumadas no guarda-roupa. Virou-se e encarou-o. — Não posso aceitar o quarto de sua mãe, estou muito bem no meu. Não devia ter deixado que ela fizesse isso, embora tenha sido muita gentileza. — Está se esquecendo de alguma coisa, Lyn — disse ele friamente. — Dê outra olhada. Sem compreender, abriu novamente o guarda-roupa e sentiu que uma onda quente lhe subia ao rosto ao perceber que as roupas dele também estavam lá, ao lado das dela. Virou-se para Jake, alarmada. — Por quê? Você falou em casamento de conveniência. Não quer... não quero ficar ,no mesmo quarto que você! — Você é minha esposa — disse com um leve sorriso. — Minha mãe naturalmente espera que ocupemos o mesmo quarto. Se ficarmos em
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quartos separados todo mundo vai saber que não estamos vivendo como marido e mulher, não tenho intenção de deixar que saibam disso. — Ninguém saberá — disse desesperada. — Não vou dizer nada. — E se um de nós ficar doente e for Preciso chamar um médico? — Sorriu vitorioso. — Se um dos vizinhós descobrir, a notícia logo estará na boca de todo o distrito. Não, Lyn vamos ficar os dois neste quarto. Ela deu um passo pra trás, trêmula. — Não pode fazer isso comigo, Jake! — Não tenho a menor intenção de fazer nada com você — disse secamente. — Naquele dia, perdi a cabeça. Mas aprendi que se não me controlasse você poderia me dominar. Por isso Lyn, pode ficar tranqüila, pois não vai acontecer outra vez. Vamos dormir juntos nesta cama, mas jamais porei a mão em você. — Encarou-a com cinismo. — Só fico imaginando qual dos dois vai achar mais dificil resistir. Então ele havia planejado tudo desde o princípio. Queria que ela dormisse ao lado dele, na cama, sentindo seu ódio. Fazia parte da vingança que Jake pretendia desde que percebera que ela estava apaixonada. — Você me odeia — murmurou ela com voz quase inaudível. A expressão dele se alterou e seus olhos se encheram de um brilho assustador. — Sim — respondeu com raiva. — Você me fez de tolo uma vez, mas consegui expulsá-la da minha vida. Então resolveu voltar e preparou um plano para me fazer ficar tão apaixonado que esquecesse a cadelinha que você é... — Agarrou-a pelos ombros, sacudindo-a com violência. — Mas não sou tão idiota assim, Lyn. Admito que quase me rendi durante um momento, naquele dia, a ponto de perder todo o respeito por mim mesmo. Mas, felizmente, consegui me controlar. Só existe uma maneira de lhe dar uma lição: fazendo-a levar até o fim sua representação. Não é dificil fingir por algum tempo. Mas vamos ver se você agüenta fingir ser uma pessoa que não é, dia após dia. Ela se virou, com lágrimas nos olhos. — Qual é o problema, Lyn? — perguntou com voz desagradável. — Olhe para mim deixe-me ver seu rosto. Ela sacudiu a cabeça violentamente, tentando ocultar a emoção que sentia, mas Jake a segurou com brutalidade, obrigando-a a olhar para ele. — Assustada, Lyn? — A voz dele era sombria. — Espero que sim. Espero vê-la cada vez mais assustada, à medida que foi percebendo que caiu na sua própria armadilha. — Com uma das mãos ergueu-lhe o
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queixo. Ela encarou-o com as pálpebras molhadas e trêmulas. Jake observou-a com cruel curiosidade. — Pobre Lyn! Nos olhos úmidos surgiu inesperadamente um brilho de paixão que ela não cônseguiu esconder. Por um momento ele a segurou com mais força e respirou com dificuldade, depois afastou-a rudemente e saiu do quarto, batendo a porta.
CAPÍTULO V Lyn foi cedo, para a cama naquela noite, tomada de uma enorme tristeza. Ficou deitada no escuro à espera de Jake, tentando desesperadamente adormecer antes da chegada dele, mas consciente de que seu nervosismo não a deixaria dormir. O vento gemia pelos pântanos como um animal ferido. O novo quarto parecia estranho, repleto de sombras ameaçadoras. Quando os passos de Jake soaram no corredor o cpração dela contraio-se de dor. Manteve os olhos fechados, respirando com dificúldade, enquanto ele se despia. Quase desfaleceu ao sentir que o marido levantava as cobertas e se deitava ao lado dela. Continuou deita de costas para ele, tentando manter uma respiração regular, como se estivesse dormindo, mas descontrolou-se quando Jake se virou para ela. — Boa noite, Lyn — disse em tom de zomharia. Ela não respondeu, com medo de que Jake notasse o tremor que lhe sacudiu todo o corpo. Ele riu baixinho, depois virou-se para o outro lado e ficou imóvel. Respirando lenta e Calmamente. Continuou deitada, ouvindo-o, e aos poucos foi se acalmando, depois que percebeu que ele estava dormindo. Acordou cedo na manhã seguinte, ouvindo o canto dos pássaros nas árvores e sentindo no rosto um raio quente de sol que entrava por um vão da janela. Abriu os olhos lentamente e estremeceu ao perceber onde estava. Apurou os ouvidos para sentir se Jake ainda estava lá. Pela respiração ritmada notou que ainda estava dormindo e virou-se com infinito cuidado para olhar para ele. Estava deitado de lado com um dos
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braços estendido sonbre o travesseiro e os cahos negros em desalinho. As feições belas e másculas, suavizadas pelo sono, não tinham nada daquele Jake cruel que ela conhecia. Sentiu que o amor doia dentro dela e teve uma vontade imensa de tocá-lo. Moveu-se com cuidado até que sua cabeça estivesse a alguns milímetros da mão dele. Delicádamente, mas com paixão, beijou suavemente a mão aberta, tremendo de desejo de aprofundar o beijo. Quando ergueu os olhos novamente, encontrou o olhar de Jake que a observava zombeteiramente e percebeu que ele sentira o beijo. Por um momento, não conseguiu falar ou mover-se, tremendo de humilhação e dor. Sem dizer uma palavra, ele se espreguiçou e ela acompanhou o movimento vagaroso quase em pânico. — Ainda é cedo — comentou ele calmamente. — Desça e traga uma xícara de chá. Sem dizer nada, feliz por ter uma chance de escapar daqueles olhos zombeteiros, levantou-se e procurou o velho roupão azul que a sogra tinha emprestado a ela quando chegara. Não estava mais no cabide onde o havia deixado e em seu lugar pendia um roupão cor-de-rosa, macio e aconchegante. Franziu a testa e olhou para Jake, que continuava deitado, com os braços cruzados atrás da cabeça, sorrindo levemente. — Presente de casamento — disse. — Gosta? — É lindo... obrigada. — Ela tocou-o amorosamente. — Então vista-o — disse ele. — Também comprei algumas camisolas. Estão ali. Olhou na direção indicada por ele e viu uma pequena pilha de objetos sedosos, cuidadosamente dobrados sobre a penteadeira. Sentiu-se enternrcida pela delicadeza da lembrança. — Obrigada — disse timidamente. Vestiu o roupão, sentindo, deliciado o suave calor que viriha dele. — Eu... não comprei nada para você... não tinha dinheiro... . — Sei disso — disse ele bruscamente. — Traga logo esse chá, Lyn, estou morrendo de sede. Desceu até a cozinha para prepará-lo e cantou alegremente enquanto andava de um lado para o outro. A luz suave da aurora entrava pela janela e o relógio continuava trabalhando com, confortadora regularidade, como o coração da casa. Quando subiu com o chá eram sete horas e ela ouviu a sogra mexer-se na cama. Resolveu levar-lhe uma xícara de chá. A sra. Forrester
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tinha acabado de sentar-se na cama e olhou para Lyn, surpresa. — Santo Deus, levantou cedo! — Sorriu ao vero roupão cor-de-rosa. — É bonito... e delicado taimbém. Comprou-o em York? — Foi presente de casamento de Jake — disse Lyn alegremente, feliz por Jake não tê-lo mostrado à mãe. A sra. Forrester observou com indulgência o rosto sorridente. — Bom, obrigada pelo chá, menina. Fazia muito tempo que ninguém me trazia chá na cama. Agora é melhor voltar para Jake antes que ele comece a gritar por você. Tome cuidado com aquele meu rapaz, senão ele fará de você uma escrava. Já fez, pensou Lyn enquanto levava a bandeja para o quarto. Ele pegou a xícilra que ela lhe estendia e perguntou: — Mamãe já está acordada? Pensei ter ouvido vocês conversando. — Levei uma xícara de chá para ela. — Ela deve ter pensado que era o dia do seu aniversário. Sorriu e deu um tapinha na cama. — Sente-se aqui e tome seu chá antes que esfrie. Sentou-se, obediente, e tomou o chá em silêncio, consciente do olhar dele. A luz aos poucos ficava mais forte e o ruído dos pássaros quebrava o silêncio. Lyn colocou a xícara na bandeja e, muito embaraçada, pegou as roupas para ir se trocar no banheiro. Jake percebeu o que ela ia fazer e disse com suavidade: — Vista-se aqui mesmo. Ela parou, de costas para ele. — Não, Jake. Com licença. — Você vai se trocar aqui — repetiu ele com voz seca. Ela engoliu em seco, tirou a roupa e saiu. Ficou muito tempo no banho, pois não tinha coragem de voltar para o quarto. Depois da delicadeza do presente, sentiu-se chocada com a crueldade que ele acabara de fazer. Voltou para o quarto e encontrou-o já de pé, vestindo um roupão. Ficou aliviada quando Jake passou por ela, deixando claro que não pretendia vê-la vestir-se. Depois que ele saiu, vestiu-se rapidamente e desceu para começar as tarefas do dia. Jake desceu antes da sra. Forrester e sentou-se, esperando que Lyn o servisse. Sam ganiu atrás de, Lyn até que ela lhe atirou uma fatia de bacon, alimento que ele adorava, sorrindo e acariciando-lhe a cabeça. — Você estraga esse cachorro — disse Jake. — Ele é um amor, não é, Sam? — perguntou, ganhando como resposta um olhar de adoração e uma lambida na mão.
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A sra. Forrester entrou com ar de culpa. — Meu Deus, Lyn, vou ficar preguiçosa se continuar me levando, chá na cama. Estou atrasada esta manhã. — Seu café já está pronto. — disse Lyn, servindo-a. Jake levantou-se e saiu com ar taciturno. Lyn ficou parada na janela observando-o até que entrou no estúdio. A sra. Forrester suspirou e sacudiu a cabeça sem dizer nada. — Podíamos fazer qualquer coisa com o quarto vago. — murmurou para si mesma, enquanto terminava o café. — Fazer o quê? — Lyn virou-se. — Precisa ser redecorado — disse a sra. Forrester. — Jake pode fazer isso nos fins de semana. — Adoro decoração! — disse Lyn, entusiasmada. — Podemos ir até York comprar papel de parede e tinta e eu mesma posso fazer o trabalho. A sra. Forrester olhou-a, em dúvida. — Tem certeza de que é capaz Lyn? O trabalho não é fácil. O rosto de Lyn transformou-se. — Engraçado — disse pensativamente — tenho certeza, de que já fiz muitas decorações... — Naquele instante uma lembrança protou no fundo da sua mente, clara e intensa, fazendo-a estremecer. Uma sala... o barulho do mar perto... ela própria sobre uma escada, empapelando uma parede, enquanto do outro lado... A névoa tornou a cair sobre ela e a lembrança se desvaneceu. — Oh! Exclamou com amargura, os olhos marejados de lágrimas. A sra. Forrester levantou-se e envolveu-a pela cintura, preocupada. — O que foi, meu bem? — Eu... eu me lembrei de alguma coisa — respondeu Lyn com voz desconsolada. — Durante um instante tive uma visão tão clara! Mas desapareceu quando estava a ponto de recordar. — Recordar o quê? — perguntou a sra. Forrester curiosa. Lyn tentou forçar à memória. — Não sei... havia mais alguém na sala, mas não sei quem. — O que você estava fazendo? — perguntou a sra. Forrester, tentando ajudá-la. — Decorando uma sala — disse Lyn. — Vi com tanta clareza... Uma casa perto do mar... papel amrelo... — Perto do mar? — A sra. Forrester franziu a testa. — Onde seria isso? Lyn suspirou.
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— Não sei. Bom, mas não importa, vamos esquecer isso. — Virou-se e continuou a lavar a louça. O dia prosseguiu como todos os outros dias em Wind Tor, com trabalho suficiente para manter as duas mulheres ocupadas durante todo o tempo. A casa exigia atenção constante. Havia as galinhas, o jardim, a roupa para lavar e passar. Lyn e a sra. Forrester tinham estabelecido um acordo tácito, cada uma fazendo o trabalho que mais gostava. Durante o jantar daquele dia a sra. Fogester falou a Jake sobre a idéia de redecorar o quarto. — Estou muito ocupado — respondeu secamente._— Preciso terminar o retrato de Thomas Lowther. — Lyn disse que pode fazer o trabalho, se você a levá-la a York para comprar papel e tinta. Jake levantou os olhos do prato e observou-a com dureza. — Você? — perguntou com incredulidade. — Gostaria muito de fazer isso. Jake sorriu ironicamente. — Está bem! Amanhã levo você até York. Na manhã seguinte foram para York depois do café. Ela vestiu a saia de pregas e uma blusa branca, que atraiu o olhar irônico do marido. — Que transformação as roupas e a pintura podem fazer! — murmurou secamente. — Com aquela calça comprida e sem pintura você parece uma colegial Lyn. Vejo que é esperta. Às vezes, quase me convenço da sua mudança. A Lyn que conheci antes era preguiçosa, imoral, egoísta, mas desde o acidente sua personalidade mudou. — Ele examinou atentamente o efeito brilhante e suave que o pó-de-arroz dava ao rosto dela, bem de acordo com o rosa suave dos lábios. — Você tem realmente dupla personalidade ou toda essa representação é por minha causa? Está tentando se transformar na mulher que desejo Lyn? — A voz dele adquiriu uma súbita profundidade. — É isso Lyn? Ela respondeu desconsolada: — Não estou tentando nada, Jake. Só estou sendo... eu mesma. — Diabos! — ele reclamou com raiva. Entraram juntos em uma loja e andaram de um lado para, o outro exaririnando os papéis expostos, Lyn sentiu-se atraída por um papel rosa-claro com estampas delicadas; Jake deu de ombros. — Se gosta desse, então vamos levá-lo. Compraram também tinta branca, pincéis e outros materiais de que
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precisariam, e levaram tudo para o carro. No caminho de volta, Jake parou em um, grande restaurante e disse que almoçariam ali. No salão acolhedor havia pouca gênte além deles. Jake estava particularmente brincalhão, é bem-humorado durante a refeição, o que fez Lyn sentir-se muito alegre. Antes de voltar ao carro, passearam pelos jardins bem cuidados que havia nos fundos. As roseiras estavam nuas nessa época do ano, mas havia no ar um perfume suave, como se o aroma das rosas estivesse impregnado no ar. Quando desciam uma escada, Lyn tropeçou e Jake segurou-a para que não caísse. Envolvida por aqueles braços fortes, ela sentiu uma estranha onda de paixão e apoiou a cabeça no ombro do marido, deixando escapar uma exclamação de prazer. Jake afastou-lhe a cabeça e olhou-a com perturbadora intensidade. Contra a própria vontade, Lyn ergueu, implorativamente os lábios e Jake baixou os dele, e então se uniram numa entrega ansiosa. Lyn sentia-se incapaz de definir o efeito que o beijo dele produzia nela. Todo seu Corpo tremia de desejo por ele, Jake se afastou um pouco, segurando-lhe o rosto entre as mãos; lendo a fraqueza estampada nos olhos verdes. — Diga, Lyn — pediu com aspereza. Não precisou perguntar o que ele queria que dissesse, era fácil interpretar a frieza do olhar dele. Jake exigia uma entrega total, não estava satisfeito com a humilhação que já, infligira a ela. Ela deu um suspiro de dor e afastou-se dele. Jake não fez o menor gesto para impedi-la de afastar-se, mas disse com voz fria como o gelo: — Não vou ter que esperar muito, não é, Lyn? Nós dois sabemos disso. Voltaram para Wind Tor no mais profundo silêncio, cada um dolorosamente consciente da presença do outro, mas fingindo estar, imerso em pensamentos profundos. Lyn subiu imediatamente para o quarto de hóspedes e afastou a mobília para um canto... Jake entrou em seguida e ficou observando enquanto ela tentava mover a pesada cama. Afastou-a com um gesto raivoso e, sem dizer uma palavra, arrastou a cama facilmente com os braços poderosos. — Obrigada — disse ela com voz fraca. Ele à olhou com frieza e saiu. Durante o resto do dia ela trabalhou duramente, retirando todo o papel velho da parede. Já estava escuro
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quando terminou. Limpou e arrumou o quarto antes de ir tomar um banho. Durante o jantar silencioso a sra. Forrester olhou tristemente de um para o outro, mas não disse nada. Logo em seguida Jake subiu e Lyn ouviu-o arrastando a mobília para o outro lado, para que ela pudesse terminar o serviço no dia seguinte. Ela e a sra. Forrester ouviram rádio e montaram um quebra-cabeça. Jake passou para a cozinha e Lyn levantou-se. — Vou para a cama, estou cansada. Boa noite. A sra. Forrester murmurou um boa noite e Lyn correu para cima esperando já estar na cama e dormindo quando Jake chegasse. Quando ele entrou, ela já estava quase adormecida, pois o trabalho cansativo do dia lhe dera sono. Percebeu que Jake andava pelo quarto, mas não conseguiu abrir as pálpebras pesadas. Acordou assustada, ouvindo um som lá fora, e instintivamente estendeu a mão à procura de Jake, que já não estava mais lá. A manhã outonal entrava suavemente pela janela. O céu estava incrivelmente azul, e o ar, repleto de uma suave doçura. Vestiu a calça e a malha e desceu para o café da manhã, cruzando com Jake que saía para o estúdio. Os olhares dos dois se encontraram por um brevíssimo instante antes que ele fechasse a porta. O dia passou rapidamente. Terminou de retirar todo o papel e lavou a parede. Estava acabando de cobrir os móveis com lençóis, para que a tinta branca do teto não caísse sobre eles, quando Jake entrou. Ele olhou em volta, admirado. — Você trabalha depressa — comentou secamente. — O reboco está caindo em alguns lugares. Será que você pode arrumar isso para mim? — disse timidamente, baixando os olhos. Ele passou os dedos pelas partes estragadas da parede. — Acho que sim. — Amanhã vou pintar o teto. — disse ela. — Vocês têm uma escada? — Tinha usado uma velha cadeira da cozinha para retirar o papel da parede, mas sabia que com ela não seria capaz de alcançar o teto. — Não pode fazer isso, é muito difícil. — Jake franziu a testa. — Já fiz muitas vezes — disse ela, esfregando os músculos das costas. — Vou tomar um banho. Estou com os músculos doloridos. Quando ela passou, Jake segurou-a pelo ombro e olhou-a com raiva. — Não há necessidade disso tudo, Lyn , — disse rispidamente. — Vai se matar tentando levar até o fim essa comédia.
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— Não é comédia alguma — protestou Lyn. — Estou fazendo o que gosto. Ele a sacudiu com violência. — Sua tola estúpida! Ela deú um grito de dor quando os dedos dele se cravaram na pele suave dos seus ombros. Com certeza deixariam marcas roxas — Não há necessidade disso tudo — repetiu ele. — Jake, quero tomar um banho. Por favor... Ele a soltou com um gesto de irritação. — Está bem. Então continue! Mas saiba que com essa autopunição vai provocar sua própria morte. Ficou estendida na água morna por quase meia hora, até que os músculos se distenderam. A sra. Forrester estava observando o trabalho que havia feito no quarto quando saiu do banho. Chamou Lyn, que vestia displicentemente o roupão cor-de-rosa e usava o cabelo preso num coque no alto da cabeça. — Santo Deus, menina! — exclamou a sogra.— Você fez maravilhas! Não acreditei muito quando disse que entendia de decoração, mas vejo que estava falando a verdade. — Esse papel devia estar aí há anos — explicou Lyn — Foi difícil arrancá-lo, mesmo porque o reboco está caindo em alguns lugares. — Jake me disse — concordou a mulher. — Então vá vestir-se. Temos coelho para o jantar. Lyn ficou embaraçada ao entrar no quarto e ver Jake estendido na cama, com os braços cruzados atrás da çabeça e um sorriso zombeteiro nos lábiós. — Feche a porta — disse ele suavemente. O coração de Lyn disparou. Fechou a porta e ficou parada no mesmo lugar, mordendo o lábio inferior.. Será que ele pretendia ficar deitado ali por muito tempo? Correu os olhos pelo corpo esbelto e musculoso estendido descuidadamente na cama. Jake deu uma risada cínica. — Ora, Lyn, você já tirou, a roupa para mim, antes, sem tanto constrangimento! Qual é o problema? Lyn baixou a cabeça, sentindo uma onda quente no rosto.. Ele saltou da cama e veio até ela, levantando-lhe o queixo com uma das mãos. Os olhos verdes brilharam de raiva e humilhação. As mãos dele tocaram o pequeno coque e desceram pelo pescoço dela, provocando-lhe ondas elétricas por, todo o corpo.
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— Você fica parecendo uma garotinha quando prende o cabelo assim — disse com voz suave. Correu a mão pelas costas dela, pressionando-a contra ele inexoravelmente. Lyn permaneceu parada, imóvel, cada vez mais revoltada. Quando Jake soltou o cinto do roupão rosa, ela deu um grito de raiva e olhou furiosamente para ele. — Não faça isso! O rosto dele contraiu-se. — Ora, vista-se Lyn. — Suspirou e afastou-se. Quando ele saiu ela finalmente rélaxou e deu um suspiro de tristeza. Jake a estava atormentando como um gato faz com um rato, consciente dos sentimentos dela por ele, gozando de seu poder de torturá-la e humilhá-la quando quisesse. Ressentia-se desse tratamento desumano. Mesmo que tivesse agido muito mal em relação a ele, no passado, Jake podia tratá-la com um pouco de bondade agora que ela se encontrava tão desamparada. Durante os dias que se seguiram, trabalhou incansavelmente na decoração do quarto, aparecendo apenas para as refeições, sentindo uma triste satisfação à medida que o trabàiho progreâia. A sra. Forrester às vezes subia para levar uma xícara de chá e admirar o trabalho. — Quer que pinte as portas para você? — perguntou enquanto Lyn tomava o chá. — Quero sim, obrigada. — Sorriu. — É divertido, não é? — É divertido por meia hora — disse a sra. Fotrester — Depois disso é um trabalho de cão. Você parece cansada, menina. — Estou bem — disse Lyn, consciente de que o olhar cansado era conseqüência de algo além do trabalho exaustivo. — Vpcê é quem sabe. No último dia, Lyn trahalhou até tarde da noite, decidida a terminar o trabalho antes de ir dormir. Quando terminou de colar a última folha de papel, afastou-se e admirou o resultado, cansada mas triunfante. De repente uma sensação de vertigem acometeu-a e o quarto conieçou a girar. Inclinou-se sobre o batente da cama para não cair. Jake entrou naquele momento, os olhos brilhantes de fúria, e, sem dizer uma palavra, tomou-a nos braços e levou-a para o quarto deles, atirando-a sobre a cama çomo uma boneca. Lyn ficou imóvel, de olhos fechados, inconsciente de tudo ao seu redor. Não teve forças nem mesmo para protestar quando Jake começou a despi-la e obrigou-a a vestir a camisola de seda dourada. Ele a cobriu com os lençóis, apagou a luz e deixou-a lá;
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meio adormecida, meio desacordada. Acordou na manhã seguinte entre os braços de Jake, com a cabeça apoiada no peito dele. Ficou imóvel por um instante, incapaz de pensar. Depois se virou, inquieta, e encontrou o olhar frio do marido. Baixou depressa os olhos. Como será que tinha ido parar nos braços dele? Será que Jake teria... sentiu um calafrio na espinha. Será que ela própria se teria virado durante a noite, desejapdo inconscientemente estar ali? — Está melhor? — perguntou ele. Ela fez que sim com a cabeça e tentou virar-se, mas as mãos dele a puxaram de volta. — Fique onde está — murmurou ele, com frieza. — Não está bem aqui, Lyn? Lyn ficou imóvel, o coração batendo contra o peito dele. Jake começou a brincar com o cabelo dela, acariciando os fios negros e o pescoço delicado. — Sabe que um homem se excita com mais facilidade de manhã bem cedo? — perguntou com voz suave, zombeteira. — Pelo menos é o que dizem as estatísticas. Ou você já sabia disso? — As mãos dele deslizaram suavemente até o laço que prendia a camisola de Lyn abrindo-a e desnudando-lhe os ombros. Ela tremeu e fechou os olhos. Os dedos fortes exploraram cada milímetro da pele clara e macia como se ele fosse um cego. Depois, com calculada lentidão, baixou a cabeça e percorreu com os lábios o mesmo caminho feito antes pelos dedos. Ela tremia irresistivelmente. A boca curiosa continuou seu caminho do pescoço para o queixo de Lyn, encontrou-lhe a boca e beijou-a repetidamente, com delicadeza, enlouquecendo-a. Ela estendeu as mãos e atraiu a cabeça dele com paixão, ansiosa pela violência daquele beijo. Os lábios dele tornaram-se de repente mais exigentes, queimando como brasa, e o corpo dela se aproximou mais, trêmulo de desejo, numa ânsia de entrega total. Continuaram abraçados, os lábios colados num beijo de fogo até que ele se afastou num ímpeto, respirando com dificuldade, os olnos em chamas. Olhou-a com uma expressão estranha e confusa, depois levantou-se e saiu do quarto. CAPÍTULO VI Perto do final de outubro chegaram os ventos fortes, castigando as árvores com violência. O gemido melancólico do vento soava lá fora de
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manhã à noite, parecendo aumentar a tensão entre Lyn e Jake. Continuaram levando a vida nos moldes já estabelecidos, trabalhando cada qual nas suas tarefas rotineiras, encontrando-se durante as refeições e, à noite, compartilhando uma cama que cada vez mais se assemelhava a um campo de batalha, pois entre eles estava cada vez mais dificil existir amor que pusesse fim àquela guerra. Jake raramente se aproximava dela, como se temesse expor-se outra vez ao choque emocional, que tinha sofrido naquela última manhã em que a tivera nos braços, quando quase se entregaram um ao outro. Dirigia-se a ela educada e formalmente, mas não a encarava mais como antes e não tinha mais no olhar aquele brilho irônico. Certa manhã fria de inverno ela encontrou uma gatinha perdida entre as pilhas de lenha do pátio. Com um sorriso feliz, pegou-a e levou-a para a cozinha. A sra. Forrester olhou-a com estranheza. — Encontrei-a perdida lá fora... deve estar com fome e frio. Olhe que belezinha... será que podemos ficar com ela? Quando Jake chegou do estúdio, mais tarde, encontrou-a lavando a gatinha na pia da cozinha. Ela percebeu a chegada dele e sorriu. — Pobrezinha, estava coberta de pulgas. Acho que já tirei todas, agora vou jogar-lhe um pouco de pó contra pulgas, caso tenha sobrado alguma. Jake olhou para o pequeno animal, furioso. — Onde foi que encontrou isso? — Ali fora — respondeu Lyn. — Mamãe disse que ela pode ficar, se você não se opuser. Ele deu de ombros, olhando-a de maneira, estranha. — Não me incomodo. Gosto de gatos. Mas pensei que você não gostasse. Ela arregalou os olhos: — Eu? Adoro gatos. Sempre tive gatos quando era criança... — Seus lábios tremeram. — Mamãe... — murmurou com voz quase inaudível e caiu inconsciente. Quando abriu os olhos estava deitada no sofá da sala, com as mãos presas entre as de Jake,que a olhava com incrível ansiedade. A sra. Forrester suspirou aliviada quando Lyn olhou para eles. — Como está se sentindo, querida? Lyn sacudiu a cabeça, devagar. — O que aconteceu?
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— Você desmaiou — disse Jake voz cortante. — O que a fez desmaiar, Lyn? Ela tentou lembrar-se. — Não... não sei... — Falou qualquer coisa como sempre ter tido gatos — tentou ele. — Deixe-a em paz, Jake — pediu a mãe. Os olhos dele continuaram pregados no rosto de Lyn. — Tente lembrar — insistiu. — Gatos, Lyn... O que sente pelos gatos? Ela encarou-o. — Gosto deles... a gatinha.., achei uma gatinha... — A lembrança ja foi embora — disse ele com voz fria. — Não se preocupe. Acho que é hora de ir outra vez ao médico, Lyn. Esta não foi a primeira vez que lembrou de alguma coisa, talvez sua memória esteja voltando gradualmente. Olhou-o com amargura. — Pensei que não acreditasse que eu tinha perdido a memória. — A sra. Forrester,saiu discretamente, deixando-os a sós. O rosto de Jake contraiu-se. — Já não sei mais em que acreditar. Você é muito convincente, Lyn. Era capaz de inventar as histórias mais incríveis, mas jamais conseguiu esconder o quanto detestava animais, qualquer um deles. Não suportava Sam e ele sentia isso muito bem, tanto que não perdia nenhuma oportunidade de lhe mostrar os identes. Agora, é seu devotado admirador. Quanto aos gatos... uma vez saiu correndo porque Petra Williams chegou perto de você com um gato. Disse que sofria de uma espécie de alergia por gatos, o que acho que era verdade, porque ficou com a pele irritada nos lugares onde o gato a tocou. Fiquei perplexo quando a vi lavando tranqüilamente a gatinha. — Segurou as mãos dela e virou-as. — Nenhuma irritação, nenhum sinal de alergia. — Olhou-a intensamente. — Como posso entender isso? — Não sei — sussurrou, sem forças, trêmula. — Jake, por favor, não me faça ir ao médico outra vez. Ele apertou com força os pulsos dela. — Por que não? Lyn passou a língua pelos lábios secos. — Não quero ir. — Por que não? Ela sacudiu a cabeça desamparadamente.
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— Por favor, Jake! Segurou o queixo dela com raiva e obrigou-a a olhar para ele. — Por que não, Lyn? — Não quero lembrar — murmurou humilhada. Os dedos dele se suavizaram, acariciando o rosto dela. — Não adianta, Lyn. Mais cedo ou mais tarde vai ter que lembrar. Não pode fugirdo passado, nem alterá-lo. Precisa encará-lo e enfrentar as conseqüências. — Não! — gemeu. — Gostaria de dizer que isso não tem importância — disse com voz áspera. — Mas tem, e nós dois sabemos disso. Está tentando construir uma outra pessoa, sem passado, Lyn, e isso é como construir castelos de areia na praia quàndo a maré sobe. Mais cedo ou mais tarde virá tudo por água abaixo. Se sua memória está começando a voltar, não oponha resistência. Ela limpou as lágrimas com a mão trêmula e levantou-se. — Preciso ir ver a gatinha. Jake observou-a sair da sala. Uma raiva surda tomou conta dele, fazendo-o esmurrar a parede com violência. Lyn deu à gatinha o nome dê Tib. A bichinha não saiu do colo dela naquela noite, depois do jantar, espreguiçando-sé de vez em quando, às vezes batendo com a patinha no livro que ela lia. Sam olhava ciumento a gatinha que se divertia no colo da dona. Lyn percebeu e colocou o animalzinho sobre as patas estendidas do cão, sorrindo para ele: No início os dois tiveram reações agressivas, mas aos poucos foram se acalmando e ficaram deitados juntos e satisfeitos. — Sam pode tomar conta dela enquanto dormimos — disse Lyn a sra. Forrester levantando-se para ir para o quarto. Um ruído forte acordou-a durante a noite. Sentou-se na cama assustada, quando o brilho de um raio iluminou o quarto. Jake sentou-se também, piscando. — O que está acontecendo? Tem medo depempestades? — Os olhos dele ainda estavam meio fechados de sono. Ela fez que sim com a cabeça, engolindo em seco. — Está segura aqui — disse ele tranqüilizando-a, quando outro raio cortou o céu e um trovão forte ribombou longamente. — O que é isso? — perguntou, tremendo. Jake levantou-se é foi olhar pela janela. A sra. Forrester bateu à portadeles e entrou,também assustada.
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— O que foi isso? — perguntou, ansiosa. — Meu Deus! — disse Jake. — um raio atingiu o pinheiro e derrubou-o sobre a parede. Volte para a cama, mamãe, não é nada sério. — Vou fazer um chá. — disse Lyn, levantando-se. — Quer que leve uma xícara pàra a senhora, mamãe? — Vou descer para tomá-lo,— disse a_sra. Forrester. — Detesto tempestades. Jake fez uma careta. — Mulheres! — Vestiu oroupão. — Bom, acho que vou descer também, pois desconfio que não vou mais conseguir dormir até que a tempestade termine. Ficaram na cozinha por meia hora, falando-sobre tempestades e os perigos que elas representavam. Finalmente a tempestade se acalmou e eles subiram. Jake deitou-se, enquanto Lyn pendurava o roupão. Ao virar-se percebeu o olhar dele e corou. Constrangida, percebendo que a transparência da camisola deixava entrever seus seios e suas pernas, entrou depressa debaixo dos lençóis. Jake abraçou-a com ansiedade e suas bocas se uniram, institivamente. Lyn envolveu-o com os braços, com o coração aos saltos. Ele se afastou, contraindo as mãos em volta do rosto dela como se quisesse quebrar-lhe os ossos. — O que está tenbmdo fazer, Lyn? Deixar-me louco? — Está me machucando, Jake — sussurrou, sentindo que os olhos dele a devoravam, inflamados. — Uma vez eu lhe disse que amor era uma palavra que jamais seria pronunciada entre nós, Lyn. E é verdade — disse sombriamente. — Jamais vai me ouvir dizer que a amo. Não sou tolo e há muito percebi que éstá tentando se transformar na mulher que eu gostaria que fosse... Não sei se está agindo consciente ou inconscientemente, mas a verdade é essa. Não quer recuperar a memória porque sabe que nesse dia terá perdido todas as esperanças de fazer com que eu a ame. Ela tremeu incapaz de negar o óbvio. — Não estou fingindo ter amnésia — murmurou. — Acredito em você — concordou ele. — No princípio, pensei que estivesse fingindo, mas sua transformação foi muito drástica. Pode fingir gostar do trabalho caseiro, contudo não pode fazer desaparecer uma alergia a gatos, esse é um reflexo físico que não pode ser alterado
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unicamente com a força de vontade. Mas há outra coisa que não pode conseguir Lyn. Não pode, apagar o passado. Não posso amar uma mulher que teve uma vida como a sua! Se existe uma coisa que odeio é a promiscuidade. Seria até capaz de aceitar que você tivesse tido um ou dois homens antes de mim... mas o sexo pelo sexo é repugnante para mim. — Para mim também — murmurou ela tristemente. — Ágora pode ser — cõmentou ele secamente. — Mas não no passado, Lyn. Você fói muito clara quanto a isso e suas reações comigo foram explosivas demais para que eu tenha dúvidas. Ela tremeu e baixou os olhos. Ele a puxou para si e beijou-a no lugar onde começavá o decote da camisola. — Admita Lyn, quero ouvi-la admitir. — Não, Jake. — implorou, tentando lutar contra a paixão que sentia por ele. Os lábios dele desceram por baixo da camisola e ela gemeu, sentindo que percorriam a curva dos seus seios. — Diga, Lyn — sussurrou, com a boca colada à pele dela. — Quer que eu diga primeiro? Desejo você... — Deu um suspiro de desejo. — Meu Deus Lyn, como a desejo. Pensei que pudesse puni-la, mas há muito tempo percebi que estou punindo a mim mesmo, e não agüento mais. — Jake! — sussurrou ela, abandonanao-se. — Jake, eu o amo... Ele ergueu a cabeça, os plhos cheis de um brilho satânico, que a deixou aterrorizada. — A palavra não é essa, Lyn. Você apenas me deseja. — Eu amo você! — repetiu ela com paixão. Uma expressão selvagem tomou conta do rosto dele. — Não, quero, que essa palavra seja pronunciada entre nós, vai usar ás palavras que quero ouvir de você, Lyn. Diga o que pedi Lyn! — Não! — soluçou aterrorizada. — Você parece um demônio. — Diga! — insistiu ele implacavelmente. — Eu desejo você — murmurou baixinho, incapaz de resistir mais. Um brilho de zombaria iluminou os olhos dele. — Então, venha para os braços do demônio, minha querida — sussurrou, beijando-a com volúpia fazendo-a pensar apenas no desejo de entregar-se a ele sem reservas. Lyn deixou que ele lhe tirasse a camisola e ficou deitada, consciente das mãos dele, tremendo ao contato dela. Jake beijou-lhe os seios com paixão e acaricio-a até que ela atingiu um grau insuportável de excitação.
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Deu um gemido e procurou os músculos fortes das cosstas dele, sentindo com prazer infinito o, corpo, de Jake sobre o dela e acariciando-o com a mesma urgência que ele a tocava. Jake levantou a cabeça e olhou-a com uma estranha dureza o rosto afogueado, de Lyn. Ela deitou a cabeça no peito, dele para fugir àquele olhar, mas ele a segurou brutalmente pelo cabelo e obrigou-a a encará-lo. — Quero possuí-la Lyn — gemeu ele. — Mas quero que saiba que não a amo... agora antes que seja minha, quero que saiba disso. Lágrimas de dor encheram os olhos dela. — Não Jake! — soluçou. — Não, fale assim, Jake... — lutou para escapar daquele abraço de ferro, mas não conseguiu, e cheia de dor e vergonha, sentiu o corpo, pesado do marido descer sobre ela. — Assim não, Jake — implorou desesperada. Ele levantou os braços dela e prendeu-os sobre o travesseiro, Lyn deu um grito de desesprero e tentou vencer aquela força tão superior à dela. — Que diabo, está acontecendo, com você? — perguntou furioso. — É isso que você quer, não é, Lyn? — Beijou-a com brutalidade e ela impotente, começou a chorar amargamente. Quando ele finalmente a possuiu Lyn teve um estremecimento e um gemido profundo lhe escapou da boca. Jake foi impiedoso ao satisfazer seu desejo, ignorando suas lágrimas, a insensibilidade que ele demonstrou após o primeiro momento. Toda a paixão que Lyn sentia tinha desaparecido e ela êstava fria e impassível ante o desejo dele. Quando por fim Jake rolou para o lado, ela se virou sobre o travesseiro e chorou amargamente. Ouviu-o levantar-se e dar, uma exclamação abafada. Em seguida ele a segurou pelo ombro e obrigou-a a virar-se. Já com os olhos secos, cheios de amargura olhou para Jake, via uma expressão estranha no rosto dele agora. — Meu Deus! — disse ele confuso. — O que está acontecendo? Lyn... — Deixe-me em paz — disse ela com raiva. — Ainda não me feriu o bastante Jake? Quer continuar me torturando? Os olhos dele pareceram tornar-se ainda mais sombrios. — Lyn. — Disse com voz rouca — você tem uma, marca nas costas abaixo do ombro. Ela o olhou com incredulidade. — Sei disso. Sempre tive essa marça. — Meu Deus — repetiu Jake com voz trêmula. Vestindo-se
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apressadamente, enquanto ela o observava sem entender. Para onde será que ele estava indo? Ele pegou as roupas dela e jogou-as sobre a cama. — Vista-se — disse secamente. Lyn contrnuou deitada, imaginando se ele estava louco ou se pretendia expulsá-la de casa no meio da noite, agora que já a humilhara tão selvagemente. — Vista-se Lyn — repetiu inclinando-se e arrastando-a da cama. Vestiu apressadamente as roupas, sem coragem de enfrentar o olhar pousado sobre ela. Quando estava pronta, lançou-lhe um olhar ansioso de perplexidade. Ele fez um gesto em direção à porta. — Quero lhe mostrar uma coisa — disse friamente. Espantada, seguiu-o até o estúdio. Jake acendeu a luz e atravessou a sala para pegar o retrato dela. A humilhação e a raiva se estamparam no rosto de Lyn. — Meu Deus Jake, o que está fazendo? — perguntou num murmúrio envergonhado. — Por que me trouxe aqui para ver isso agora? — Olhe para ele — disse com voz transtornada.. — Pelo amor de Deus, olhe para ele! . — Não, quero vê-lo! — respondeu ela com determinação. — Detexto-o. Está fazendo isso para prolongar minha humilhação não é? Já não conseguiu o que queria? Seu desejo de vingança ainda não está satisfeito Jake? Ele se aproximou e, com violência, levou-a até o retrato. — Olhe para isso... — murmurou, passando-os dedos pelas costas nuas da pintura. Esse gesto fez com que ela se lembrasse dos longos momentos em que ele a possuíra, acariciando-a com um desejo selvagem. Engoliu em seco e baixou a cabeça. — Não vai ficar satisfeito enquanto eu não cair de joelhos diante de você, não é, Jake? Tinha razão ao dizer que você é um demônio... deve me odiar muito para me fazer mergulhar nesse inferno que é a vida a seu lado! Ele soltou um som de protesto e sacudiu-a com violência. — Meu Deus, mulher, ainda não viu? Lyn ergueu a cabeçar começando a compreender que a raiva dele não se dirigia diretamente a ela. — Ver o quê? — perguntou confusa. Ele pegou uma das mãos dela fazendo-a gritar de dor, e dirigiu-a por
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baixo da blusa até a marca de nascença. Sem compreender, ela sentiu a pele aspera sob os dedos. Era uma marca bem conhecida, com a forma de um dedo de criança. Jake encarou-a. — Está percebendo, agora? _ Perceberdo o quê? — perguntou ainda intrigada. — Conheço minha marca — Desculpe se o desagrada Jake, mas tenho esta marca desde que nasci. — Isso é óbvio! — concordou ele. — Por toda sua vida, Lyn. É impossível esconder esse sinal ou inventar um. — Soltou-a e aproximou-se novamente da pintura, passando a mão pelas costas macias. — Apesar disso, quando a pintei não havia esta marca. Ela corou violentamente. — Quer dizer que a escondi enquanto me pintava? — Jake, eu... — Por favor, Lyn, fique quieta! — gritou. Parou diante dela, encarando-a de frente. — Vou ser direto. Quando a possuí a agora a pouco, pensei que estivesse ficando louco, porque sua reação me fez suspeitar de que eu era oprimeiro homem na sua vida. Lyn deu um gemido de dor. — Não fale sobre isso, quero esquecer... -Não, Lyn — disse ele desesperado. — Ouça-me pelo amor de Deus! Depois, quando você me deu as costas, olhei-a perguntando a mim mesmo se estava ficando louco. Imaginei que estivesse me enganando, mas então vi a maldita marca... Um brilho de compreensão surgiu nos olhos dela. Jake sacudiu a cabeça. — Estive pintando a moça do retrato por uma semana Lyn. Analisei cada milímetro daquelas costas e ela não tinha marca alguma de nascença. Ela sacudiu a cabeça, incrédula. — O que significa isso? Não entendo... sou eu. — Olhou para ele em busca de uma explicação. — Sou eu, não sou? Jake balançou lentamente a cabeça. — Não pode ser Lyn. Não sei quem você é, mas não é a moça da pintura. Ela analisou o rosto insolente, desafiador e experiente da pintura e deu um suspiro de alívio. — Não sou eu? Oh, Deus, obrigada! Esse tempo foi como viver no corpo de um estranho, houve momentos em que quis morrer para fugir a esse passado que pensei ser o meu.
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Jake aproximou-se, segurando-a pelos ombros e acariciàndo-lhe os cabelos negros. Ficou tensa, recordando o que tinha acabado de haver entre eles, e sentiu uma onda quente nas faces. Fez um gesto brusco, baixando a cabeça e as mãos dele a soltaram. — Mas se não sou Lyn, então quem sou? — Não sei, mas vamos descobrir — respondeu ele em voz baixa. — Seja quem for, é a imagem dela, e isso significa que pode ser sua irmã gêmea. Não há outra explicação. — Irmã gêmea? — Tremeu. — Mas você disse... ela... não tinha parentes... — Foi o que ela me disse. Mas pensando bem em tudo que fez e disse, acho que não se pode levara sério suas palavras — disse com cinismo. — E onde estará ela? — perguntou Lyn. — Imagino que em York — disse Jake secamente. — É lá que vamos começar a procurar... na galeria de arte. Ela baixou a cabeça e passou a língua pelos lábios secos. — Desculpe Jake... — Desculpar? — Olhou-a sem entender. — Casou comigo pensando que eu fosse Lyn. Foi tudo um grande erro. — É melhor deixarmos isso de lado até descobrirmos toda a verdade — disse sombriamente. — Em vista do que acabamos de descobrir é uma pena que tenhamos nos casado. Mas casamentos podem ser desfeitos, não é? Essas palavras a feriram profundamente, mas Lyn não deixou transparecer seus sentimentos, procurando, manter uma tranqüilidade que não sentia. — É claro! — concordou. — Vá dormir agora — disse ele com uma voz triste. — De agora em diante vou dormir no quarto de hóspedes. — Está bem — concordou com um suspiro. Quando ela se virou para sair, ele a chamou. — Lyn, desculpe... pelo que aconteceu hoje. Eu me portei como um animal selvagem e estou com nojo de mim por isso. — ele disse com amargura. Ela não respondeu, pois sentia a gargantà contraída. Com esforço fez uma inclinação com a cabeça.
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— Não vai acontecer de novo — disse ele sombriamente. Ela mordeu o lábio para não chorar. — Pelo amor de Deus, diga alguma coisa, Lyn. Grite, diga paclavrões, qualquer coisa, mas não fique aí calada! — Eu não sou Lyn — disse com voz incerta. — Já não sei mais nem meu nome. Saiu para a noite fria com lágrimas nos olhos. CAPITULO VII Deitada na cama vazia sentia-se invadida pelo medo e pela solidão. Nas últimas semanas, tinha construído uma nova vida naquela casa, sem — dúvida perseguida pelas sombras do passado e pela dúvida quanto ao futuro, mas secretamente esperando que a memória não voltasse e que ela e Jake pudessem constrqir uma outra vida juntos. Agora sabia que tudo não tinha passado de um grande erro, revelado de uma maneira amargamente irônica. Jamais seria capaz de esquecer a selvageria com que Jake a possuíra, com desejo, mas sem nenhuma ternura. Talvez o casamento deles pudesse ter sido desfeito sem deixar marcas muito dolorosas se não fosse aquela noite. De certa forma, era bom saber que toda a raiva e a amargura dele eram dirigidas à outra pessoa, mas isso significava que também o desejo pertenciaca outra. Na verdade era o corpo de outra mulher, que ele tinha desejado tão selvagemente, embora a tivesse possuído sem saber do engano que estava cometendo. Afundou a cabeça no travesseiro e chorou de ciúme. Tudo era da outra, até o desejo raivoso de Jake. A vergonha e a humilhação que sofrera nos braços dele eram insignificantes diante dos sentimentos que a invadiam agora. Tinha passado por tudo aquilo como se fosse outra mulher o que Jake estaria pensando agora? Ele sabia que ela estava apaixonada, isso tinha ficado muito óbvio. Enquanto pensava que ela era a antiga noiva, o amor eraexplicável, pois Jake a amara um dia, antes que ela destruísse seus sentimentos. E com certeza a moça também o amara, caso contrário não teria ficado noiva. Mas agora os sentimentos dela deviam embaraçá-lo. Nem mesmo o amor selvagem de Jake a humilhava tanto quanto a idéia de que ele sabia que ela o amava. Tentou em vão conciliar o sono, até que a luz do
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amanhecer começou a penetrar no quarto e os pássaros começaram a cantar. Levantou-se lentamente, vestiu-se e desceu para a cozinha, onde encontrou Jake sentado diante de uma garrafa de café, com aparência de quem não havia dormido. Levantou os olhos para ela. — Está com péssima aparência — disse com franqueza. Ela mordeu o lábio e virou o rosto. — Já tomou o café? — Já — respondeu ele. — Sente-se e coma qualquer coisa. Vou buscar para você. — Eu mesma preparo — respondeu depressa. Ele se afundou de novo na cadeira e baixou os olhos para a xícara. -Lyn... — Não me chame assim! -Seu orgulho ferido reagiu. — E como quer que a chame então? — perguntou ele com raiva. — Tenho que aceitar esse nome até descobrirmos o verdadeiro. -Desculpe, acho que estou um pouco tensa. — Só você? — O rosto dele contraíu-se. — Sinto-me como se tivesse levado uma surra. Como vamos fazer para dizer a mamãe? — Temos que dizer a verdade. — Quer que eu diga, ou prefere dizer você mesma? Ela corou. — Acho que seria melhor você contar. — Sem entrar nos detalhes de como descobrimos — acrescentou ele com ironia. — Jake! _ Desculpe — disse ele. — O que eu disse foi imperdoável, mas estou um pouco fora de mim esta manhã. Não, dormi nada. — Nem eu. — Pelo seu rosto não é difícil de perceber — comentou ele com indiferença. Lyn preparou uma fatia de torrada e sentou-se para comer. Jake serviu-a de café, colocando várias colheres de açúcar na xícara. — Devíamos ter suspeitado... — disse ele com voz tensa. — Muita coisa não se ajustava... você era uma moça completamente diferente... mas como podíamos adivinhar, se você é exatamente igual a ela? — Precisamos encontrá-la imediatamente, quero saber quem sou — disse Lyn.
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Ele assentiu com a cabeça. — Não podemos ir agora. Preciso retirar a árvore derrubada pelo raio e consertar a parede. Vou fazer isso agora mesmo. — Vou ajudá-lo. — Não é preciso — começou ele. Ela o olhou com teimosia. — É muito peso para uma pessoa só. — Está bem — ele murmurou. Passaram várias horas trabalhando para retirar o pinheiro quê estava bloqueando a estrada, o que só conseguiram com o auxilio do Land-Rover e de algumas correntes. Quando voltaram à cozinha encontraram a sra. Forrester ocupada com a refeição. Lyn deu um sorriso meio sem jeito e subiu, deixando Jake sozinho para dar a notícia. Sentou-se na cama e ficou observando o céu escuro e amedrontador até que Jake bateu na porta e entrou. — Já contei a ela — anunciou secamente. — O... o que ela disse? — perguntou Lyn, trêmula. — Parece que ficou feliz — disse Jake. — Ela gosta de você e deve estar aliviada por descobrir que você é realmente você... acho que me entende. Foi dificil para nós dois separar a moça que você parecia ser da que conhecemos antes. Agora tudo ficou muito mais simples. — Continuou com os olhos fixos nela, a expressão impenetrável. Ela abaixou a cabeça. — Foi terrível acordar naquele lugar pantanoso sem lembrar de nada, perdida na névoa... Senti tanto medo! É assim que me sinto agora, Jake, como se a névoa tivesse me tragado outra vez. Ele se aproxjmou com relutânçia, como se temesse chegar perto dela, e envolveu-a com um dos braços. Ela quase cedeu à tentação de se aconchegar àquele peito forte, mas resistiu e manteve-se ereta, pálida e cheia de orgulho. — Preciso descobrir quem sou... — disse. — Por favor, podemos ir a York agora? Com certeza era de lá que estava vindo quando aconteceu o acidente. Jake franziu atesta. — Não vestida como estava num dia como aquele — disse com voz tranqüila. — Wind Tor fica muito distante de York, Lyn. Minha impressão é que você vivia aqui por perto. — Nesse caso alguém já teria dado pela minha falta.
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— É verdade. — Olhou-a. — A menos que estivesse hospedada em um hotel... se você desapareceu de repente sem pagar a conta eles podem ter pensado simplesmente que fugiu. — Seu olhar animou-se subitamente. — Não há muitos hotéis por aqui, vou telefonar a todos para saber se uma moça desapareceu no dia em que a encontrei. Ela o seguiu, tremendo. Da porta da cozinha a sra. Forrester dirigiu-lhe um olhar caloroso. — Sabe menina — disse com voz emocionada — algumas vezes cheguei a pensar que ia enlouquecer, quando tentava entender a mudança que houve em você. Jake empurrou Lyn para dentro da cozinha e foi dar os telefone mas a sra. Forrester abraçou-a. — Vamos tomar uma xícara de chá? — convidou. — Que maravilha. Então é irmã gêmea dela... Disse muitas vezes a mim mesma que ninguém muda a tal ponto, mas pensei... — Deu de ombros, sorrindo. — Bem, para ser franca, era óbvio o que sentia por Jake, e disse a mim mesma que o amor consegue milagres. Lyn sentiu que corava e baixou os olhos. — Não fique envergonhada, menina — disse a sra. Forrester com uma risada. — Afinal você é esposa dele, não é? É natural que o ame. No começo nquei preocupada, porque conheço o meu Jake e sei que sabe ser duro como granito quando quer. Mas agora estou tranqüila. Meu Deus, como gostaria de estar tranqüila também, pensou Lyn. Jake não lhe disse a verdade, ela acha que casamos por amor. Enquanto tomava o chá preparado pela sogra, acariciava a cabeça da gatinha, que ronronava sossegada no seu colo. Quando Jake entrou na cozinha, olhou-o fixadamente com o coração aos saltos, mas a expressão dele não revelava nada. — Descobriu alguma coisa? — perguntou ansiosa. Ele fez um sinal afirmativo. — Saiu do Hotel Balmoral para visitar sua irmã em York — respondeu em voz baixa. — Depois disso nunca majs voltou. Guardaram a sua mala, embora pudessem tê-la vendido para cobrir suas despesas. Podemos recuperá-la se pagarmos o que deve. Ergueu os olhos, tensa. — Meu nome... — Não conseguiu continuar. — Meu nome deve constar do registro. — Constava — respondeu ele. — Era Sheridan, Linda Sheridan. Ela arregalort os olhos.
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— Linda — repetiu, assustada. — Mas então... Jake sacudiu a cabeça. — Não, esse não é o nome dela. Chamava-se Lynette — Olhou-a com inesperada suavidade — De qualquer maneira, você continua sendo Lyn. — Linda é mais bonito — disse a sra. Forrester, observando o rosto dela. — Vou chamá-la de Linda. — O que você prefere?_ perguntou Jake. — Linda — respondeu rispidamente. — É esse o meu nome. Jamais fui Lyn. — Olhou-o dentro dos olhos, com expressão fria. — Vamos, Jake? Depositou a gatinha delicadamente entre as patas de Sam, deu lhe um tapinha na cabeça e levantou-se, acompanllando Jake até o carro. A estrada estava coberta por nuvens escuras e era varrida por um vento frio que entrava pelas frestas do vidro do carro. As árvores balançavam loucamente, como se a qualquer momento fossem desprender-se do solo com uma rajada mais forte. O assobio eternamente, melancólico do vento não cessava um só instante. Jake dirigia em silêncio, concentrado, impenetrável. Ela se virou para olhá-lo. — E se descobrirmos que tenho um lar... alguém... o que vamos fazer a respeito do nosso casamento? — Eu já lhe disse — respondeu ele friamente. — Casamentos podem ser desfeitos facilmente. — Principalmente quando nunca existiram — comentou ela com amargura. — Você é legalmente minha esposa — disse ele com indiferença. — Não — argumentou desesperada, como se esperasse que ele dissesse o contário. — Foi tudo um erro. — Estamos casados, até que volte à sua antiga vida, vamos continuar assim — disse sem olhar para ela. Ela continuou argumentando. — Deve haver alguém... — Calou-se, trêmula. Jake a olhou com o rosto duro. — Alguém esperando? Acha que não pensei nisso? Seja ele quem for Linda, tenho certeza de que não era seu marido, você era virgem quando a possuí. — Jake! — murmurou com voz trêmula. — Desculpe se estou sendo bruto, mas, se existe um homem, como vai explicar o fato de ter dormido comigo? Ela cobria o rosto com as mãos, gemendo. Jake parou o carro no
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acostamento e virou-se para abraçá-la. Ela o empurrou raivosamente. — Deixe-me! Será que ainda não me maltratou o bastante? — Lyn — murmurou ele. — Lyn, não! Aquele nome fez com que a raiva dela aumentasse ainda mais. — Não me chame assim... odeio você! — Esbofeteou com força e encolheu-se, sentindo raiva e vergonha ao mesmo tempo. — Não me odiava ontem à noite — disse ele, cortante. Ela se sontraiu de raiva e vergonha. — Seu... seu animal Jake jogou-a contfa o banco e comprimiu seu corpo contra o dela, procurando-lhe a boca numa ânsia punitiva, que a deixou impotente diante de tanta fúria. Agarrou-a pelos cabelos, forçando-lhe a cabeça para trás até que os lábios dela se entreabriram numa resposta indecisa. Lentamente ele afastou a çabeça, como se isso lhe custasse, e observou o rosto afogúeado com satisfação e desejo. — Não comece nada que não possa terminar Linda — disse com voz pausada. Ela se endireitou no assento, passando a língua trêmula sobre os lábios secos. Jake ligou o motor e partiram em silêncio. De alguma forma, aquela explosão de violência desànuviou o ambiente entre eles, como se ambos estivessem precisando colocar para fora os sentimentos reprimidos. O Hotel Balmoral era uma construção rústicaae pedras, como a maioria das casas locais, localizada entre jardins bem tratados que conservavam a beleza mesmo agora no inverno. Entraram juntos no amplo vestíbo-lo e foram recebidos por um homem moreno e atarracado, que encarou Linda fixamente. — Como está srta. Sheridan? — Estendeu a mão. — Lamento muito o acidente que sofreu, ficamos imaginando por que não teria voltado. Mas, como disse que ia visitar sua irmã, imaginamos que tivesse decidido ficar por lá. — Manteve o ar mais discreto possível. — Às vezes um hóspede ou outro se esquece de reclamar a bagagem e nós a vendemos depois de detefminado tempo. No seu caso, decidimos esperar um pouco mais. — Estou muito agradecida — disse ela timidaniente. Percebeu que o homem a reconhecera e ficou embaraçada por não se lembrar dele. — Quanto lhe devemos? — perguntou Jake, retirando do bolso um talão de cheques.
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O gerente disse o total, Jake fez o cheque e entregou-o a ele. — Obrigado, sr. Forrester — disse o gerente, sorrindo. — Minha esposa e eu fomos a sua última exposição em Y ork... Gostamos muitíssimo. — Obrigado — disse Jake amavelmente. — Posso lhes servir um drinque? — perguntou o gerente. — Não, obrigado — disse Jake. — Estamos com um pouco de pressa. Se puder trazer-nos a mala... — Naturalmente — respondeu o homem, retirando a mala de um armário sob o balcão. — Excelente couro — observou passando os dedos sobre o material. — Imagipamos que um artigo de tão boa qualidade não seria deixado para trás de propósito. Jake sorriu. — Entendo. Bem, felizmente tudo terminou bem. — Não a abrimos — disse o gerente. — Para isso seria necessário forçar a fechadura e nesse caso a mala estaria arruinada. Linda não conseguia tirar os olhos da mala macia, com alça de couro e fechadura de ouro. Provavelmente ali estava a possível resposta a seu passado e ela tremia de ansiedade enquanto Jake trocava as últimas gentilezas com o gerente. Assim que chegaram ao carro ela disse: — Abra-a Jake. — Só quando chegarmos em casa — respondeu secamente. — Jake, não vou conseguir esperar — murmurou ela. — Tenha um pouco de paciência. — Paciência! Estou a ponto de explódir, não seja cruel, Jake! — Não tenho com que abri-la — disse com um suspiro de impaciência. — Você não está com a chave, Linda. Vamos ter que fazer o que o gerente estava relutando tanto em fazer: arrebentar a fechadura, a não ser que eu encontre um jeito de abri-la. — No caminho de volta, o som sinistro do vento intensificou a sensação de pânico que a dominava. Ao chegar, esperava-os uma surpresa, o carro de David Lane estava estacionado diante da casa, Jake olhou-o com raiva e Linda sentiu que seus nervos se contraíam, Jake ainda sentia ciúme de David, o que provava que não havia esquecido Lyn, a verdadeira Lyn. David estava com a gata no colo quando entraram na cozinha. Pareceu um pouco embaraçado quando Linda passou por ele sem cumprimentar. — Dei uma passada para ver como estão as coisas — gaguejou,
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evitando o olhar frio de Jake. — Está tudo ótimo — disse Jake bruscamente. - Linda gatinha — David falou, animado. — Leve-a para tomar algumas vacinas um dia desses. Jake abriu a porta. — Está bem. Até logo, David. Embaraçado, David saiu sem dizer nada. A sra. Forrester olhou para o filho compreensivamente. — Por que não lhe dá um murro, se é isso que quer? — perguntou, divertida. — Talvez eu faça isso se ele vier atrás dela outra vez — retrucou com voz carregada. — Não sou Lyn — disse Linda com amargura. — Não está esquecendo disso, está? — Não estou esquecendo nada — respondeu ele com raiva. — Você é minha esposa e não quero David andando trás de “você”. Ela fitou-o, incrédula, e disse, tentando parecer indiferente. — Abra a mala Jake, pelo amor de Deus! Ele colocou a mala sobre a mesa. A sra. Forrester olhou-a com admiração. — Ei, que beleza! Pelo jeito você não é nada pobre menina. Jake saiu por uns minutos e voltou com uma chave defenda e um martelo. A mãe olhou-o assustada. — O que vai fazer com isso, filho? Jâke não respondeu. Com uma expressão carregada no rosto, colocou a chave sobre a fechadura e golpeou-a com o martelo. A mãe deu um grito horrorizado quando a fechadura de ouro saltou no ar. — Não havia necessidade de ser tão violento, Jake — disse, reprovando-o. — Havia sim, toda a necessidade — respondeu ele bruscamente. Linda percebeu que ele tivera necessidade de cometer aquele ato violento da mesma maneira que na noite anterior a possuíra com brutalidade semelhante. Ele levantou a tampa e todos olharam com ansiedade para os objetos que havia lá dentro. Linda aos poucos foi retirando algumas peças de roupa, todas delicadas e de cores discretas: uma calça amarela, algumas, camisetas, algumas roupas de baixo. Não ficou surpresa ao vê-las, como havia ficado ao ver as roupas que pertenciam à outra, pois elas estavam de acordo com sua personalidade.
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Em um compartimento fechado com zíper encontrou uma bolsa de documentos. Abriu-a e encontrou uma série de papéis, o primeiro foi um passaporte inglês que se abriu de repente, revelando uma fotografia dela própria. Passou os olhos pelas anotações. Idade: 22. Cabelos negros. Olhos: verdes. Marcas características: nenhuma. — Não menciona minha marca de nascença — disse ela com angústia. Jake pegou uma folha de papel que tinha caído de dentro do passaporte e leu-a com expressão carrancuda, entregando-a em seguida a ela. — 0 homem desconhecido — disse friamente. Ela corou e começou a ler, cada vez mais embaraçada. "Minha querida Linda. Essas flores levam uma mensagem de profundo amor e a esperança de que muito em breve esteja novamente conosco”... — A carta continuava por mais dois parágrafos, mencionando sua viagem à Inglaterra e qualquer coisa sobre "deveres de família", mas sem nenhuma referência específica que pudesse ajudá-la. Surpresa foi um endereço, que leu duas vezes: Rímini, na Itália. Jake estava lendo o passaporte quando ela ergueu os olhos. — Pela data dos carimbos, você estava na Inglaterra há apenas dois dias quando sofreu o acidente — disse. — Isso explica por que ninguém a procurou. O único homem que sabia da sua viagem provavelmente não tinha idéia de onde procurá-la. — Seu rosto estava sério. — Pobre Emílio. Deve estar pensando que você fugiu. Ela olhou para a carta, os dedos trêmulos, depois subiu correndo as escadas e se atirou na cama. Jake também subiu e sentou-se ao lado dela, na cama, acariciando seu cabelo. — Não seja tão trágica! — disse ele com delicadeza. — Explicaremos tudo a ele, se tiver um pouco de compreensão humana, vai entender que você não tem culpa nenhuma. — Se estivesse no lugar dele, você perdoaria? — perguntou entre soluços. A mão dele se contraiu e ela sentiu tensão nos cabelos. — Nessas circunstâncias... — começou com hesitação. De repente sua voz tremeu. — Não, diabos, não perdoaria. — Não devia ter me casado com você — murmurou tristemente. — Oh, meu Deus, não devia ter sido tão tola! Jake saiu do quarto sem dizer mais nada e ela ficou ali deitada, num
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silêncio desesperado, desejando estar morta. Depois de algum tempo Jake voltou. _ — Quer ir até York hoje? — perguntou bruscamente. Ela continuava deitada no mesmo lugar, com o rosto mergulhado no travesseiro. Balançou acabeça sem dizer nada, incapaz de conter um gemido angustiado. A sra. Forrester trouxe-lhe um jantar leve e insistiu para que comesse. Linda enxugou as lágrimas tentando sorrir. — Desculpe, estou sendo muito infantil. Afinal de contas, não há novidade alguma sobre minha vida. — Coma e tente dormir um pouco — disse a sra. Forrester. Está apenas precisando de uma boa noite de sono. Linda comeu um pouco e desceu para levar a bandeja até a cozinha. Jake estava sentado lá, com os cotovelos apoiados sobre a mesa e um olhar distante. Havia uma garrafa de uísque diante dele. Como ele não costumava beber, Linda ficou um pouco preocupada. Deixou a bandeja e voltou para a cama exausta, adormecendo em seguida, um sono profundo e inquieto, agitado devez em quando por sonhos angustiantes. Sonhou que estava outra vez perdida no meio da névoa toda molhada e com o rosto banhado de lágrimas, gritando degesperadamente por Jake, que se afastava cada vez mais, embora ela corresse sem parar... Acordou sobressaltada, ouvindo a voz dele, e encontrou-o sentado ao lado da cama com os braços em volta dela. Suspirou, deitando a cabeça no peito nu do marido. Ele vestia só a calçado pijama e estava com a pele fria, como se estivesse se despindo quando a ouviu gritar. Acanciando o cabelb dela com uma das mãos, enquanto com a outra apertava-a firmemente contra o peito. Ela o abraçou e comprimiu as mãos contra as costas dele, soluçando. — Tive um pesadelo — murmurou com voz insegura. — Jake, foi horrível! — Agora está tudo bem — murmurou ele, inclinando a cabeça sobre os cabelos dela. — Eu estou aqui, meu bem. Você está segura, Linda. — Fiquei muito assustada... não conseguia encontrar o caminho... — Eu sei — murmurou ele, esfregando suavemente o rosto nos cabelos dela. — Eu sei. — Muito de leve desceu a mão pelo pescoço e pelas costas de Linda. A carícia aos poucos foi fazendo com que ela se acalmasse, segura e protegida nos braços dele.
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Ele quis soltá-la e afastar-se, mas as mãos dela o seguraram com força. — Não, Jake, não vá. — Agora está tudo bem, Linda — disse delicadamente. — O pesadelo já passou. — Não me deixe sozinha, por favor. Estou com medo do escuro... é como a neblina... Jake, não vá embora! — Agarrou-se desesperadamente á ele, afundando o rosto no peito forte. Os braços de Jake a envolveram ferozmente e ele gemeu de encontro aos cabelos dela. — Linda, será que preciso dizer por que não posso ficar? Não percebe o que me faz? Não vou conseguir manter meu autocontrole por muito tempo se ficar aqui a seu lado. Ela suspirou, sem se mover. — Desculpe, não quero bancar a tola outra vez. Empurrou-a para trás, sem soltá-la, e segurou-a com mãos de ferro. O cinza dos olhos dele estava ainda mais escuro. — Meu Deus, Linda, pensa que quero ir? -Sacudiu-a com violêcia, o rosto contraído pela mesma selvageria com que quebrara a fechadura da mala. Ela tremeu ante aquela onda de fúria. — Jake, desculpe. — Desculpar? — repetiu. — Antes cheguei a pensar que estivesse tentando deliberadamente fazer com que eu perdesse a cabeca, mas descobri que sua inocência é real Linda. — Os olhos dele percorreram o corpo esbelto com paixão. — A coisa que mais desejo é ficar aqui. Só o fato de vê-la com essa camisola faz meu sangue ferver. Sou um homem, não um robô, e a noite passada ainda está muito clara na minha mente. — Não diga mais nada, Jake ... murmurou ela escondendo o rosto, sem conseguir conter as lágrimas. Jake murmurou uma exclamação irritada e abraçou-a novamente. — Pare de chorar — disse asperamente — Meus Deus Linda, se pudesse apagaria tudo o que aconteceu ontem. — Acredito em você — disse ela com voz embargada. O que ele lamentava era ter feito amor com a pessoa errada, e agora sentia pena dela. As palavras apaixonadas que dissera não tinham valor algum, pois eram dirigidas à sua irmã, a quem Jake queria de verdade. Ele a segurou pelo queixo e ergueu-lhe a cabeça com delicadeza. — Será que algum dia vai conseguir me perdoar? — perguntou com ansiedade. — Ou o que aconteceu vai estar sempre entre nós? Será que
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vai ser capaz de esquecer a brutalidade com que a amei ontem? Eu devia ter percebido que você era tão inocente quanto aparentava... tudo inaicava isso! Mas eu prossegui cegamente, sem me importar com o que estava vendo, porque simplismente não podia acreditar. — Passou a mão delicadamente pelo rosto molhado de Linda. — Como gostaria que nada disso tivesse acontecido. — Não tem importância — disse ela com voz sofrida, tentando reunir os restos da sua coragem. — Não se recrimine Jake. Os olhos dele fuzilaram: — Não tente tornar as coisas mais agtadáveis, sei o que fiz a você e com que ferocidade. Ela sentiu o rosto afogueado e soltou uma exclamação patética de protesto. — Está bem Jake, se quer que diga que o odeio, então aí vai: eu o odeio! — Olhou-o com raiva. — Não consigo perdoá-lo e odiei tudo o que aconteceu entre nós ontem à noite! Um sorriso estranho e terno brotou dos lábios dele. — Querida... — disse com tanta suàvidade que o coração dela começou a bater descompassadamente. Ele se inçlinou e passeou os lábios pelo ombr dela. Linda se contraiu e fechou os olhos. — Não, Jake. Os lábios dele cobriram os dela, sem que Linda pudesse evitar a repentina onda de desejo que a invadiu. Trêmula e ansiosa, entregou-se toda num abraço, sentindo que o coração de Jake batia tão violentamente quanto o dela. Deitou-se sobre os travesseiros, atraindo-o para baixo com os braços, incapaz de pensar, suave, vunerável, consciente de que não seria capaz de recusar nada a ele. Jake deu um gemido e afundou o rosto no pescoço dela. — Meu Deus, precisamos parar com isso! — gemeu. — Linda, ouça-me. Não se esqueça de que existe aquele maldito homem, na Itália, esperando que sua querida Linda volte para ele. — Havia um profundo sarcasmo na última frase. — Nunca pensou que, quando recuperar a memória, pode descobrir que o ama? Ela abriu os olhos, incerta. Era verdade, pensou consternada. Quem podia garantir o que a esperava na vida que havia deixado? — Deve sentir alguma coisa por ele — disse Jake agressivamente. — Nenhum homem escreveria daquela forma a uma mulher se não tivesse certeza de ser correspondido, especialmente a uma mulher doce como você, Linda. — Sentou-se e olhou-a com um sorriso irônico.. — Seu rosto
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é quase transparente e isso costumava deixar-me totalmente confuso enquanto pensava que era Lyn. No fundo, achava impossível que toda aquela inocência fosse forjada. Ela desviou os olhos, tremendo. Seria possível amar dois homens? Se estivesse apaixonada por esse Emílio, será que teria se entregado tão profundamente a Jake? Ele a olhava como se quisesse adivinhar o que se passava por trás daqueles olhos verdes. — Até que recobre a memória, não há maneira de descobrir o que sente realmente, e por quem. — Levantou-se. — Durma um pouco agora. — Jake... — O chamado ansioso interrompeu os passos dele em direção à porta. — Você não está sofrendo de amnésia. — Ele se virou lentamente. — E daí? — O que sente por... minha irmã? — Fez uma pausa e mordeu o lábio. Queria perguntar o que sentia por ela, mas não foi capaz. Ele se, aproximou novamente e ergueu-lhe o queixo com uma das mãos, como se já houvesse compreendido a razão da pergunta. — Por quê? — Curiosidade... — Ele deu — um sorriso divertido. — Sua irmã é uma cadelinha venenosa. Conseguiu conquistar-me antes que a conhecesse bem. Sou humano, e não consegui resistir a um corpo bonito e a um sorriso sedutor. Mas o ser humano por baixo dessa aparência era corrupto e totalmente repugnante para mim. Uma mulher precisa muito mais do que uma aparência atraente para ser amada. Isso responde a sua pergunta? Ela não conseguiu encará-lo. — Acho que sim — sussurrou. — Tem certeza, Linda? — Enfiou a mão por baixo dos cabelos soltos e acariciou o pescoço delicado. O olhar que ela dirigiu a ele não deixava dúvidas. — Vou embora antes que caia na tentação de responder à pergunta que você acha tão difícil de fazer, Linda — disse com um sorriso. — Levaria muito tempo e eu não seria capaz de parar. Quando Jake saiu, ela deitou-se e ficou imaginando o que ele queria dizer com aquelas palavras.
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CAPÍTULO VIII Foram para York no dia seguinte procurando antes de mais nada a galeria de arte que Jake tinha lhe mostrado uma vez. A roupa de Linda, calça verde e blusa branca, parecia completamente inadequada à rígida formalidade do vasto salão. Ela reparou sem interesse que as paredes estavam cobertas de quadros, na maioria de temas abstratos. No fundo da sala estava uma jovem elegantemente vestida, cuja aparência ajustava-se muito bem àquele ambiente. Virou-se para eles, mas um homem surgiu da porta do escritório, lançou um olhar a Linda e exclamou. — Meu Deus! — No rosto dele surgiu um sorriso satisfeito. — Ora vejam só quem está aqui! Lyn, meu anjo, o que está fazendo aqui em York? — Onde esperava que estivesse? — perguntou Jake, mantendo-se ao lado dela para lhe dar coragem para enfrentar o homem. O homem passou a mão pelo cabelo cor de prata com um gesto de irrifação. — Não me diga que voltou para ele, Lyn. Pensei que estivesse tudo acabado. Linda passou a língua pelos lábios secos e olhou para Jake. — Eu... não sou Lyn — disse com voz insegura. — Sou Linda Sheridan, irmã gêmea de Lyn, e estou à procura dela. O homem pareceu confuso. Correu os olhos pelas roupas de Linda, pelo cabelo liso, pelos olhos verdes. — Você está brincando, Lyn. Nunca teve uma irmã gêmea! Aliás, nunca teve ninguém. — Escute — interrompeu Jake — deixe de lado suas conclusões. Queremos apenas saber onde está Lyn se é que sabe dela. É vital para nós encontrá-la. — Não tenho a menor Idéia! — disse o homem com delicadeza, dando de ombros. — Como está indo o trabalho, sr. Forrester? Preciso ir até lá qualquer dia para dar uma olhada. Ainda pinta retratos? — Muito lucrativo — respondeu Jake com ironia. — Obrigado. — Uma outra exposição não lhe faria mal — disse o outro com um sorriso ligeiro. — Faria Lyn? Naquele instante, uma mulher alta e ereta, vestindo um casaco de peles, entrou na galeria, olhando friamente em volta. O homem correu para ela, murmurando apressadamente: — Oh, desculpe-me... Lady Shrowly, é um prazer vê-la novamente!
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Jake caminhou pela sala, examinando com desagrado as pinturãs cubistas de cores vivas, e Linda permaneceu no meio do salão, desconsolada ante a idéia de que haviam chegado em outro beco sem saída. A linda moça de casaco olhava para Jake com ar coquete. Ele se virou e Linda percebeu, com uma ponta de ciúme, que Jake a observava com interesse. Uma expressão que ela nunca vira antes estampou-se no rosto dele, provocando uma reação instintiva, na mulher, cujo corpo se contraiu sensualmente. Terja sido assim que Jake conquistou Lyn? Pensou Linda com amargura. Encarando-a com esse sorriso interrogativo, deixando claro que a desejâva? Vírou-se, tremendo de ciúmes, e deparou com a própria imagem refletida no vidro da janela, representando a completa áusência de sofisticação... Parecia uma adolescente comparada a essa mulher. Será que Lyn, sua irmã desconhecida se parecia comessa moça? Recordou com amargura o rosto, felino e sensual da pintura de Jake. Ele tinha dito que jamais dormira com Lyn, mas seria possível um homem pintar o corpo da mulher que amava sem jama1s tocá-la? Encarou fixamente as fileiras de pinturas abstratas, cujas cores e formas pareciam girar num turbilhão provocado pelos sentimentos perturbados de Linda. Jake apareceu inesperadamente diante dela, com, a expressão indefinível. Linda ergueu os olhos para ele, esperando que seu rosto não traísse as emoções que sentia. — Por que não vai almoçar? — disse ele suavemente. — Compre uma roupa nova e depois procure um restaurante. Encontro você às três horas, aqui mesmo. O rosto de Linda se contraiu, mas ela se esforçou para manter os olhos frios. — Como queira — respondeu com falsa tranqüilidade. Jake abriu a porta e ela saiu sem olhar para trás, sentindo uma dolorosa pontada na boca do estômago. Com certeza ia almoçar com aquela mulher, pensou. Que tola tinha sido na noite anterior de pensar que ele pudesse estar apaixonado por ela! Tinha sido tão cruelmente ferido pelas aventuras de Lyn com outros homens, que já devia ter perdido o gosto por essa espécie de relacionamento, pensou Linda, e no entanto... flertava com uma mulher parecida com ela, lançando-lhe olhares claramente convidativos. Tentou deixar de lado esses pensamentos tristes e entrou em uma galeria, determinada a fixar sua atenção nos objetos expostos. Mas a imagem de Jake e da moça da galeria não a abandonavam.
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Parou diante de uma vitrine e viu a própria imagem refletida no vidro. Com desgosto e desespero pensou como podia ter tido a pretensão de atrair um homem como Jake. Enquanto imaginava ser a garota do retrato, de rosto sensual e experiente, lutou contra a imagem que lhe era mostrada por Jake durante aquelas semanas, consciente de que era falsa, irreconciliável com sua natureza. Durante aquele período tinha vivido um verdadeiro pesadelo, tentando compreender como podia ser a pessoa que ela sabia ser e ao mesmo tempo ter o passado que lhe atribuíam Jake e a mãe dele. O que via agora era uma moça tranqüila e sem sofisticação, cuja personalidade não podia de maneira alguma atrair um homem como Jake. Ficou ali parada, sofrendo terrivelmente, consciente de que não tinha nenhuma chance com ele. Quanto antes recuperasse a memória, mais depressa poderia voltar à própria vida, aquela que lhe pertencia antes do acidente. Entrou em um restaurante e pediu uma salada, que comeu lentamente, enquanto pensava na carta que haviam encontrado no passaporte. O que será que estava fázendo em Rímini? Tentou lembrar do lugar, de alguma forma certa de que se tratava de uma praia. Uma súbita lembrança surgiu na sua cabeça. Quando estava decorando o quarto de hóspedes, tinha lembrado de já haver feito aquilo numa casa perto do mar... Fechou os olhos e concentrou-se profundamente, tentando ouvir o som das ondas batendo na praia... Viu uma sala amarela, batida pelo sól, e as asas de uma gaivota cortando o céu azul. Tinha um pincel nas mãos e olhava para... para quem? Havia uma pessoa no fundo da sala, mas a névoa que lhe cobria a mente a impedia de distinguir quem. Por que estaria decorando uma casa próxima ao mar? Sentiu de repente um forte calor no rosto. Seria possível que ela e Emílio estivessem para se casar e que estivessem decorando a casa onde iriam viver? Assustada e incrédula, olhou para o dedo anular da mão esquerda, onde brilhava uma aliança de ouro que havia ganho de Jake. Teria havido outra aliança antes? Mas nesse caso, por que não a estava usando quando ocorreu o acidente? As palavras da carta eram cheias de amor, possessivas mesmo... Emílio tinha demonstrado certeza de que ela voltaria, chamando-a de querida... Que confusão, pensou angustiada. Não seria fácil explicar a ele como se tornara a esposa de outro homem. A maldita névoa não a deixava ver o rosto dele... o nome Emílio não tinha qualquer sentido para ela. Se havia esquecido Emilio tão completamente, será que um dia
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também esqueceria Jâke? Essa idéia féz com que toda a cor lhe fugisse do rosto. Afastou o prato quase intocado e tomou seu café, tremendo. Assustou-se quando alguém sentou ao lado dela e corou profuhdamente ao perceber que o homem era David Lane, que a encarava acusadoramente. — O que diabos está acontecendo Lyn? — perguntou bruscamente. — Por que se casou com Jake? Pensei que tivesse me dito que ele a aborrecia. Olhou-o com aborrecimento. — Não sou Lyn — disse tranqüilamente. — Sou Linda, irmã gêmea de Lyn. O rosto de David revelou a princípio uma intensa perplexidade, seguida de incredulidade e, finalmente, de cinismo divertido. — Conte outra, Lyn, essa foi muito boa! Ela fez um gesto de indiferença. — Acredite se quiser... Tenho um passaporte para provar o que digo. Vivia na Itália antes de vir para cá. — Os olhos verdes o encararam com frieza. David àrregalou os olhos. — Santo Deus! O tom calmo com que Linda falou convenceu. Mesmo assim, retirou da bolsa o passaporte, como se fosse um talismã capaz de provar a ela própria identidade, e estendeu-o a David. Ele o abriu, lendo com incredulidade a descrição da moça da foto, e depois foi virando as páginas carimbadas que provavam que ela tinha entrado na Itália há dezoito meses, só retomando à Inglaterra no último outono. Devolveu o passaporte com uma careta. — Por que não me disse antes? Banquei o tolo durante todas essas semanas. — Estava sofrendo de amnésia — explicou com indiferença. — Não sabia mais que você. Todos me tomavam por minha irmã e eu acreditei, já que não me lembrava de nada. O rosto moreno de David corou. — Escute, peço que me desculpe pelo que fiz... Pensei que você fosse Lyn e... — Encolheu os ombros. — Bom, Lyn e eu... Ele não era mau afinal de contas, pensou Linda. Talvez um pouco fraco e tolo, mas tinha mudado de comportamento desde que descobrira a verdade. Com certeza sua atitude anterior devia-se à atração que Lyn exercia sobre ele. Ela olhou as horas. — Preciso ir, David — disse. — Vou me encontrar com Jake às
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três horas. — Vou com você... se não se importa — disse com uma certa hesitação. Ela ficou na dúvida. Mas, como não conhecia muito bem a cidade e tinha medo de se perder, aceitou. — Já teve oportunidade de dar um giro turístico pela cidade? — perguntou David. — Precisa fazer isso quando tiver tempo. As ruas mantêm o traçado original romano, sabia? É fascinante andar por ruas pisadas por pés românos, não acha? — Fez um gesto indicando a rua por onde caminhavam. — Esta é a Rua Stonegate... os guardas pretorianos costumavam marchar por aqui. Linda observou as casas exóticas e irregulares, unindo uma mistura de séculos em perfeita harmonia. — York é uma cidade muito bonita — concordou. — Seria ótimo conhecê-la melhor. Chegaram-ao local do encontro e David olhou-a com hesitação. — Se precisar de um guia, terei o maior prazer. — Você é muito gentil! Mas acho que Jake não iria gostar muito. — Claro!— Olhou em volta, tenso e ansioso. — Bom, é melhor eu ir embora. — Obrigada — disse ela, virando-se para ir ao encontro de Jâke, que vinha se aproximando com a expressão carregada e cheia de suspeita. Linda sentiu a garganta contrair-se violentamente. O que será que ele estava pensando? Olhou para trás. David havia desaparecido no meio da multidão. Tornou a virar-se e viu Jake parado díante dela, tenso, o olhar duro como se estivesse procurando controlar a raiva que sentia. — Que diabo estava fazendo com David Lane? — perguntou com aspereza. Linda sentiu o rosto afogueado e passou a mão nervosamente pelo cabelo. — Nós nos encontramos por acaso — gagueijou — Ele me acompanhou até aqui porque eu não sabia o caminho. — O que mais ele lhe mostrou? — perguntou com ironia. Ela sentiu que seu corpo se contraía como à espera, de uma explosão. — Foi apenas gentil, mais nada. — Percebi como ele foi gentil — disse com raiva Ela o encarou, zangada. — Expliquei a ele que não sou Lyn, Jake. Mostrei meu passaporte, ele pediu desculpas e... — interrompeu-se, recordando a maneira como Jake olhava a moça da galeria. — Mas você não tem nada
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com isso, não é problema seu. Nosso casamento é só uma ficção legal. Ele continuou parado, com as mãos nos bolsos, olhàndo-a intensamente. — Era — disse em tom agressivo. — Era, Linda, até duas noites atrás. Agora é minha esposa no verdadeiro sentido da palavra, não se esqueça. Ela baixou os olhos, trêmula de raiva e ciúmes, incapaz de sustentar o olhar dele. — Gostaria de poder esquecer — murmurou. Ele a segurou pelo braço, possessivamente, e sussurrou junto ao ouvido dela: — Não vou deixar que esqueça nunca, Linda. Tremendo de raiva, ela disse: — Espero ter a sorte de descobrir que era casada com Emílio quando recobrar a memória... então nosso casamento hão terá nenhum valor. — As palavras agressivas tinham como objetivo feri-lo da mesma maneira que ele a ferira, e ela conseguiu. Jake ficou pálido e soltou o braço dela. — Meu Deus! Você se parece mais com sua maldita irmã do que eu pensei! — Virou-se e foi embora, tenso e contraído. Ela não teve outra alternativa senão seguí-lo, confusa e infeliz. Por que estava deliberadamente provocando discussões com ele? Jake foi à frente, ignorando-a completamente, até que chegaram ao carro. Abrindo a porta com violência ele a empurrou para dentro com um gesto irritado. Quando entrou, ela perguntou timidamente: — Para onde vamos agora? — Scarborough. Ela arregalou os olhos. -Scarborough? Por quê? — Porque é lá que podemos encontrar sua maravilhosa irmã — Jake respondeu com ironia. — Como sabe? Como descobriu? — Porque — disse num tom desagradável — levei a moça da galeria, a um restaurante muito caro e pressionei-a. Ela sentiu-se sufocar e soltou uma exclamação abafada, que fez com que ele a olhasse. — Então foi por isso que... — Linda calou-se, percebendo que estava a ponto de revelar o ciúme que sentia. Jake não desviou os olhos do rosto afogueado da mulher. Estendeu a mão e levantou-lhe o queixo, obrigando-a a olhar para ele: — Por isso que o quê, Linda? — perguntou suavemente.
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Ela não respondeu, confusa. — Sua garotinha boba — disse num tom doce e brincalhão, inclinando-se e beijando-a. Ela entreabriu os lábios o envolveu com os braços, acariciando-lhe docemente o cabelo. Ele se afastou e deu partida no carro. — Agora vàmos procurar sua irmã — disse delicadamente. Linda se acomodou no banco analisou o perfil másculo do marido. O que será que ele sentia por ela? Embora a tivesse chamado de boba, não a beijara de brincadeira e demonstrara paixão ao abraçá-la na noite anterior. Pensou então que daí a pouco poderia estar frente a frente com a irniã e sentiu um calafrio na espinha. Olhou para a estrada que se estendia diante deles em direção ao mar. A vista que tiveram de Scarborough, numa curva, provocou nela uma êstranha sensação de familiaridade! Sentiu que já tinha estado ali antes. Olhou para Jake, mas ele parecia concentrado nos próprios pensamentos, com o rosto contraído numa expressão que a fez tremer. Era uma expressão cruel, que deixava transparecer os pensamentos sombrios que lhe iam pela cabeça. Em que estaria pensando? Em Lyn? O pensamento foi doloroso demais, e Linda mordeu com força o lábio inferior. Compreendeu que dentro de pouco tempo estaria diante de uma irmã da qual não se lembrava, e que vinha atormentando sua vida há semanas, e mais a do homem sentado a seu lado, a quem amava desesperadamente. Se o que Jake sentia por Lyn fosse realmente raiva e desprezo, isso transpareceria em seu rosto, em suas atitudes... Lyn não era mais que uma sombra monstruosa no cérebro de Linda. Significava apenas um rosto sensual e malicioso que a assustava profundamente. Pararam diante de um posto de gasolina, onde Jake entrou, voltando em seguida com um mapa da cidade. Estendeu-o sobre o assento e percorreu-o com os dedos longos. — Nós estamos aqui... e o endereço que consegui fica exatamente aqui. — Apontou para lo nome de uma rua. Dobrando o mapa, continuou dirigindo pelas ruas movimentadas, até parar diante de uma casa grande e quadrada, com portas e janelas brancas. Linda desceu vagarosamente, apoiada no braço dele. Estava trêmula de ansiedade e Jake olhou-a como rosto tenso. — Não fique tão assustada — disse asperamente. — Vamos. Precisa enfrentar isso Linda.
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Bateu à porta com energia e depois de alguns momentos, a porta se abriu. Linda sentiu que todo seu corpo se enrijecia de terror ao ver o próprio rosto diante deles. Houve um longo silêncio. — Ora, ora... — disse uma voz suave e maliciosa. Os olhos verdes, brilhantes como vidro polido, passeavam de Jake para Linda. — Pode-se saber como foi que vocês dois se encontraram? E você, Linda, o que quer aqui? Já não lhe pedi que desaparecesse da minha vida? — Vamos entrar — disse Jake com agressividade. — Temos umas perguntinhas a lhe fazer, Lyn. Linda percebeu que a irmã lançava um olhar longo e profundo para ele e sentiu, de repente, uma pontada de agonia diante da certeza de que Lyn ainda o desejava, apesar de tudo o que Jake lhe dissera. O desejo revelava-se claramente no brilho dos olhos, na umidade dos lábios entreabertos, na postura do corpo. Não conseguia decifrar a expressão do rosto de Jake, que se mostrava taciturno e indiferente. — Se veio buscar seu casaco, acho que deve estar por aqui, em algum lugar — disse Lyn, sorrindo com sarcasmo e dando as costas a ela — Foi culpa sua tudo o que aconteceu. Onde já se viu saltar do carro daquele jeito? Não tinha obrigação nenhuma de procurá-la para devolver o casaco. Mas não se preocupe, não toquei no seu dinheiro. — Podemos entrar ou não? — perguntou Jake. Tomou a mão de Linda e puxou-a para dentro do vestíbulo de teto alto e paredes brancas. — Está bem — disse com irritação. — Entrem e esperem aqui enquanto vou buscar o casaco — disse, saindo e deixando-os em uma agradável sala de visitas. Linda observou a sala com uma sensação torturante de dor na nuca. Caminhou com passos inseguros até a mesa e pegou uma caixa de madeira, aberta, que continha três fotos. Déu um gemido abafado, preocupando Jake que se aproximou. Sem dizer nada Linda estendeu a caixa para ele. Jake olhou em silêncio, enquanto lágrimas corriam dos olhos dela. Um ruído na porta fez com que ambos se virassem. Olhou para a irmã, de olhos muito ábertos, e se lembrou de tudo... Ela e Lyn tinham crescido naquela casa, mimada cada uma por um dos pais. Linda era mais chegada à mãe, adorava trabalhar com ela na casa, cozinhando e costurando. Tinha sido uma criança calada e uma adolescente tímida. Lyn, autoconfiante, egoísta, popular entre as outras crianças, especialmente os meninos, desde a mais terna idade tinha sido a preferida do pai. Sendo um homem que apreciava os
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prazeres sociais, Philip Sheridan gostava de sair acompanhado pela mais extrovertida das filhas, rindo quando percebia que ela atraía as atenções masculinas, orgulhoso da crescente beleza da filha, da sua atração irresistível. Linda gostava muito de estudar e destacava-se especialmente em línguas por isso o pai a estimulara a arranjar um emprego em que pudesse desenvolver esse dom. Apesar da sua relutância em deixara mãe, Philip e Lyn Sheridan estimularam, Linda a aceitar um emprego em Londres, numa firma italiana, como tradutora. Alugou um apartamento e começou a apreciar a vida londrina, indo aos cinemas, teatros, concertos, caminhando pela cidade e visitando os pontos turísticos de que já tinha ouvido falar; mas que nunca vira. Escrevia todas as semanas para a mãe e frequentemente recebia a visita dela. O homem para quem trabalhava, sr. Falzétti, foi transferido para sua terra natal, Rímini, e convidou Linda para acompanha-lo como secretária e tradutora, pois um ano na Itália poderia ser muito proveitoso para ela no aprendizado da língua. A sugestão era tentadora e, estimulada pela mãe, que considerava aquela uma oportunidade única Linda decidiu aceitar. O sr. Falzetti, um gordo italiano de meia-idade, convidou-a para viver com a família dele, idéia que foi automaticamente aceita pela sra. Falzetti. Assim, Linda começou sua vida em Rímini como parte de uma grande e ruidosa família italiana. Foi fácil para ela acostumar-se ao país, nessas circunstâncias. Gostava da móvimentação da vida familiar dos Falzetti e esteve sempre pronta à ajudar na cozinha e nos cuidados com as seis criànça. Conheceu dezenas de pessoas, teve jantares românticos à luz de velas, ouvindo à distância o murmúrio do Adriático quebrando sobre as praias douradas e foi cortejada por aguns jovens do lugar. No verão comprou uma passagem, para que a mãe fosse passar uns dias com ela. A fainília Falzetti fez questão de hospedar a sra. Sheridan e, durante quinze dias, Linda sentiu-se incrivelmente feliz de poder mostrar a mãe os pontos turísticos da região, o esplendor bizantino de Rivena, a torre de Paolo e Francesca — os dois amantes infelizes — e o movimentado mercado local onde se compravam malhas e camisas a um preço muito inferior ao das lojas. As férias foram maravilhosas e Linda sentiu uma enorme tristeza ao despedir-se da mãe. Na noite anterior à partida, a sra. Sheridan contou a Linda uma série de acontecimentos lamentáveis que haviam ocorrido na casa deles. Lyn tinha se envolvido com um rico homem casado, o que
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aborrecera profundamente o pai, cujo orgulho pela beleza da filha foi duramente golpeado pelos comentários maldosos dos conhecidos. Lyn, depois de uma violenta discussão, tinha resolvido sair de casa para nunca mais voltar. — Vou voltar para casa — disse Linda, desesperada. — Mamãe, por que não me contou? A mãe sacudiu a cabeça. — Seu pai ainda não perdoou Lyn e não quero aborrecê-lo mais. Está bebendo, Linda. Seria péssimo para você voltar para casa agora. Ao acenar o último adeus, Linda não tinha a menor idéia de que aquela seria a última vez que veria sua mãe adorada. Continuou trabalhando em Rímini, feliz e cheia de ocupações, até que recebeu um telegrama do advogado da família dizendo que os pais tinham falecido num acidente de automóvel. Desesperada, inconsolável, tomou o primeiro vôo para casa, bem a tempo de assistir ao funeral. Para sua incredulidade, Lyn não estava presente. Ainda se lembrava com estranha nitidez da dor desesperda que sentiu naquela sala, enfrentando sozinha a realidade irreparável da perda dos pais. O advogado informou-a que havia entrado em contato com Lyn, mas que ela não se manifestara. Em seguida, leu o testamento do pai, que legava todos os bens a Lyn. O advogado sentiu-se embaraçado ao dar essa noticia, mas Linda manteve-se indiferente. Nada mais tinha importância, agora que os pais estavam mortos. Informaram-na discretamente de que o pai estava bêbado quando ocorreu o acidente. Lyn, pensou Linda, tinha sido a responsâvel pelo desgosto do pai e pela morte dele e da mãe. Tinha ido até a galeria para ver se a encontrava, mas achou-a na rua, antes de chegar lá. Havia um imenso vazio separando as duas irmãs quando se olharam. Quando Linda lhe contou sobre o testamento do pai, Lyn riu muito. — Valêu a pena ser boazinha com papai — murmurou com ironia. Linda encarou-a como se a irmã fosse uma completa estranha. Tinham sido criadas juntas, eram tão parecidas fisicamente... como se explicava, então, que suas almas fossem tão diferentes? — O que vai fazer com a casa de Scarborough? — perguntou com o coração apertado. — Vender toda a mobília, a casa, tudo — respondeu Lyn com indiferença. — Porque não foi ao enterro? — explodiu Linda em lágrimas. —
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Recebeu o telegrama, não recebeu? Sei que sim.. Lyn sorriu, divertida. — Detesto enterros, eles me deprimem. — Contraiu o rosto. — Além disso, eles me expulsaram de casa, por que eu iria ao enterro deles? Sabe o que preocupava papai? Não o fato de eu ter tido um caso, mas sim de ter sido descoberta. Ele sempre soube dos outros e achava divertido, mas eu cometi o pecado de ter sido descoberta. A hipocrisia dele me enojava. Linda virou o rosto, soluçando. — Como pode falar assim? Eles estão mortos! Lyn fez uma careta. — Pare de fazer cenas em público. Vamos, entre no meu carro. Vou levá-la para o hotel. Dingiram pela estrada do pantanal discutindo amargamente. Lyn, em determinado momento, tinha se virado para ela com o rosto cheio de ódio e crueldade. — No que me diz respeito, Linda, você é uma estranha. Desapareça da minha vida e não volte nunca mais! Nunca mais quero ver sua linda carinha. Sempre detestei você, mesmo quando éramos crianças. A doce garotinha da mamãe... sempre arrumadinha, trabalhadora, tirando boas notas na escola... Muito bem, sou ambiciosa e um dia vou conseguir um homem, rico que me permita levar a vida que quero. Não enfiada nesta cidade horrorosa, mas em Paris ou Nova York. Quero ser uma vencedora, não uma coitadinha como você! Alguns minutos mais tarde, numa curva inesperada, o carro se desgovemou e bateu em outro. Felizmente o impacto não foi violento, mas Linda bateu a cabeça com força no vidro dianteiro. Lyn desceu do carro e dirigiu um dos seus sorrisos sedutores ao furioso motorista do outro carro. Linda ficou sentada, soluçando angustiada, com a cabeça sangrando, até que num impulso desesperado resolveu fugir da crueldade e da insensibilidade da irmã. Saiu correndo sem rumo pelo pantanal, esquecendo no carro um casaco de couro com todo seu dinheiro. Correu, correu muito, tropeçando e soluçando. Encontrou logo adiante uma região enevoada, mas não parou, embora a névoa fosse aos poucos se adensando. Em um momento de sensatez resolveu parar, percebendo a tolice que estava cometendo. Naquele instante, um cavalo selvagem surgiu galopando do meio da névoa, chocando-se contra ela e jogando-a de encontro a uma pedra. Jake aproximou-se e braçou Linda, olhando fixamente para o
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rosto pálido dela. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou Lyn com frieza, atirando o casaco sobre o sofá. Linda deu um suspiro profundo e doloroso. — Não há nada para explicar — disse, tentando manter a calma. — Adeus Lyn. Espero que consiga o que deseja. Os olhos de Lyn contraíram-se, voltados para Jake. Passou a língua sensualmente pelos lábios vermelhos. — O que está planejando connseguir Linda? — Olhou com suspeita para o rosto inexpressivo de Jake. — Ou já conseguiu? Linda corou e apressou-se a pegar o casaco. Lyn interrompeu o gesto da irmã segurando-a pelo pulso e olhando fixamente para a aliança de ouro. — O que isso está fazendo aqui? — perguntou com raiva. Linda livrou-se dela e vestiu o casaco, procurando controlar o tremor dos ombros. — Acho que devia conferir seu dinheiro — disse Lyn com ironia. — Certas pessoas às vezes roubam as outras. — Olhou desafiadoramente para Jake. Ele se mantinha em silêncio, com a expressão indecifrável. Linda passou cambaleando pela irmã e saiu para o vestíbulo, atormentada pelo silêncio que havia em toda parte, na cozinha, no andar superior, o silêncio deixado pela ausência da mãe. Saiu da casa sem olhar para trás, invadida por uma dor que somente agora estava começando a aceitar. Continuou caminhando pelo jardim, esquecida de Jake, pensando unicamente na mãe. O imenso vazio deixado pelo desaparecimento da mãe parecia interminável. Tinham sido tão amigas, tão chegadas, que agora tinha a impressão de ter perdido tudo de uma só vez. Quando se deu conta, estava caminhando na direção do mar, como fizera tantas vezes durante a infância, sentindo que voltavam todas as memórias daqueles tempos. Quase não tinha consciência de si ao chegar à areia cinzaa. O vento frio de inverno penetrava em seu casaco, fazendo-a tremer. Lembrou-se de Jake apenas quando já estava diante do mar, percebendo que o havia deixado para trás. Um leve amolecimento a invadiu. Afinal, que importância tinha isso? Tinha encontrado aquele homem durante um sonho, e o sonho estava terminado. Poderia voltar para Rímini, pensou, recordando com profunda nostalgia o lar dos Falzetti. O ambiente ruidoso e anatigo a ajudaria imensamente a esquecer o vazio que havia dentro dela. Sentou-se na areia de pernas cruzadas, numa atitude infantil,
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construindo entre os pés um, castelo de conchas, absorta naquele trabalho e sem sentir o frio cortante. Sempre há um amanhã, pensou, era covardia fugir da vida. Era necessário enfrentar as tragédias que a vida às vezes traz e comecar novamente, construir, construir... Passos soaram por trás dela. Jake agachou-se ao lado dela virou-lhe o rosto, encarando-a fixamente com os olhos cinzentos. — Por que desapareceu assim? Andei como louco a sua procura... O que pensa que está fazendo? Com voz tranqüila, respondeu: — Desculpe, tinha esquecido de você. O rosto dele se endureceu. — Tinha esquecido de mim? Repetiu com voz sombria. — Tinha outras coisas na cabeça. — Recobrou a memória? — perguntou, sem tirar os olhos dela. Ela fez que sim com a cabeça, afastando-se dele. Voltando ao trabalho que estava fazendo, continuou empilhando conchas, construindo um muro com admirável precisão. — Percebi assim que a vi gritar, ao olhar para aquela fotografia — disse Jake. — Eram seus pais? Lentamente Linda começou a falar, contando-lhe toda a sua história. Ele ouviu sem interromper, observando-a no seu trabalflo com as conchinhas. Terminou com um suspiro. — Acho que a amnésia foi provocada pelo duplo acidente... primeiro bati minha cabeça no carro, depois no meio da névoa, estava desesperada por causa da morte dos meus pais. — Um choque provocado pelo ferimento na cabeça — disse ele. — Parece lógico. — Bem, mas agora está tudo acabado. Contou a Lyn que me confundiu com ela? — Não — disse ele secamente. Linda colocou mais uma concha sobre a pilha. — Ela o deseja, não é? — perguntou friamente. Inesperadamente Jake desceu o punho sobre a construção de conchas, desmanchando-à. Ela olhou para o castelo destruído, sentindo um profundo ressentimento. — Por que fez isso? — Não construa parede entre nós — disse Jake bruscamente. — se o fizer Linda, derrubarei cada uma delas. Usarei todos os meios que estiverem ao meu alcance, entendeu bem? — Vou voltar para a Itália, Jake. — Disse calmamente. Ele ficou imóvel por alguns momentos, tenso, olhando para o
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rosto impassível de Linda disse com cuidado: — No momento vamos voltar para Wind Tor, Linda. Mais tarde pode decidir o que fazer. Por enquanto está em estado de choque e precisa descansar. — Não vai adiantar — disse sem emoção. — Sei o que eu quero agora. Jake puxou-a violentamente pelas mãos, obrigando-a a levantar-se, com os olhos cheios de raiva, mas ela não ergeu o olhar e seguiu-o sem se voltar para o mar cinzento.
CAPÍTULO IX Voltaram para Wind Tor no mais absoluto silêncio, o que não preocupava Linda, concentrada nos seus pensamentos. Sentada muito ereta, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo no nada, mal se dava conta da presença de Jake. Ele dirigia quase que automaticamente, pois também estava imerso em profundos pensamentos. Um veículo que surgiu inesperadamente numa curva obrigou-o a uma iuinada violenta que atirou Linda contra ele. Murmurou uma desculpa e ela voltou à posição anterior. O breve incidente trouxe-a de volta à realidade. Durante o breve instante em que seu corpo tocara o dele, tinha sentido uma reação incontrolável, como se uma corrente elétrica estivesse percorrendo seus nervos. Ficou perturbada, pois não queria sentir nada por ele. Jake tinha entrado em sua vida durante aquele período estranho e vazio e, agora, ela queria reprimir tudo que sentia por ele, exceto, é claro, a gratidão que lhe devia pela proteção e bondade que havia demonstrado durante aqueles dias. Percebeu, ao ver o olhar que Lyn dirigira a ele, que Jake jamais poderia ser seu. Tinha-o roubado de Lyn, portanto, nada mais justo que ele pertencesse à irmã, a quem Jake realmente queria, embora afirmasse odiá-la. Linda contraiu os músculos do rosto. Não queria nada que havia
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pertencido à irmã. Se continuasse com Jake carregaria sempre consigo a dúvida: se ele a queria por ela mesma ou como substituta da irmã. Não estava disposta a aceitar essa situação. Entraram no pátio e Jake brecou com violência. A sra. Forrester apareceu na porta e acenou para eles. Linda desceu e caminhou até ela, sorrindo com falso contentamento. Encontramos Lyn, e eu recuperei a memória — disse despreocupadamente. A sra. Forrester olhou-a com intensidade. — Parece cansada, menina. Entre e venha jantar. Vocês saíram há horas e eu já estava ficando preocupada. — Fomos a Scarborough — explicou Linda, agitando-se ao perceber que Jake vinha se aproximando. — Scarborough — A sra. Forrester pareceu incrédula. — Por que lá pelo amor de Deus? — É uma longa história — disse Jakebruscamente. — Linda, é melhor ir para a cama e jantar lá em cima. — Não sou inválida — disse ela, revoltada. — Faça o que lhe digo — ordenou ele. — Não! _ Os olhos dela brilharam. — Não me dê ordens, Jake! Jake respirou fundo tentando controlar a raiva. — Pelo amor de Deus garota, você parece meio morta. Tenha um pouco de juízo e faça o que lhe digo. — Eu vou comer aqui em baixo mesmo, obrigada. Antes que ela, pudesse reagir, Jake tomou-a nos braços e carregou-a para cima, sem se importar com as tentativas desesperadas que Linda fazia para livrar-se dele. — Solte-me Jake! — gritou. — Seu... seu bruto! Jogou-a sobre a cama e ficou parado por uns momentos, as mãos na cintura e os olhos cheios dé rancor. — Tire a roupa Linda, oou será que vou precisar fazer isso também? Ela o encarou, furiosa, conscientede que ele era bem capaz disso. — Saia daqui! — exclamou humilhada pela impotência que sentia diante dele. Baixou a cabeça e deixou que os cabelos macios caíssem sobre seu rosto, escondendo de Jake as emoções que lhe iam à alma. Jake fitou-a com ar sombrio, virou-se e saiu do quarto. Depois de uns mlnutos ela se levantou e fói para o bánheiro tomar um banho. Já esfava na cama vestindo uma camisola limpa, quando Jake voltou, trazendo uma bandeja com comida. Durante a ausência dele ela tivera uma dura batalha consigo
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mesma. Olhou-o calmamente e agradeceu. Ele colocou a bandeja no colo dela e examinou-a com um olhar penetrante. — Tente dormir Linda. Amanhã conversamos. — Não temos nada para conversar — respondeu ela começando a comer o cozido preparado pela sra. Forrester. — Não seja teimosa — disse com raiva. Depois, sem dizer mais nada, saiu do quarto. Depois de comer tanto quanto foi capaz, levantou-se para colocar a bandeja fora da porta e voltou para a cama. Deitada na escuridão ouvindo o gemido triste do vento lá fora, tentou pensar na vida feliz que teria em Rímini, mas percebeu que a verdadeira felicidade era ficar ali mesmo, naquela casa, onde passara os últimos meses de sua vida, suspirou. Não adiantava nada pensar nisso agora. Wind Tor não era seu lugar, seu lugar era em Rímini. Dormiu até tarde na manhã seguinte. Pela luz que entrava pela janela percebeu que tinha dormido muito mais do que normalmente e que a essa hora, o trabalho da casa já devia estar adiantado. Examinou o quarto amplo com tristeza. Agora era outra vez uma hóspede, depois de ter sido parte da família, pensou com amargura. Eles a estavam tratando como convidada. Desceu meia hora mais tarde e estranhou encontrar Jake na cozinha aquela hora, quando já devia esfar no estúdio. Ele ergueu os olhos do jornal que estava lendo e examinou-a com expressão indefinível. — Bom dia — disse — Parece que o sono lhe fez bem. Está com uma aparência muito melhjor hoje. — Estou ótimá. — disse ela, passando manteiga em uma fatia de torrada. — Onde está sua mãe? — perguntou depois de um longo silêncio. Jake inclinou-se e serviu-lhe o chá quente e forte, adoçando-o generosamente, apesar dos protestos de Linda. — Foi até a vila — respondeu ele. — Queria fazer umas compras. Como normalmente era Jake quem fazia as compras para a mãe, Linda olhou-o com suspeita. Por que será que ele ainda estava ali, e sozinho? Sentou-se bem longe dele e tomou o chá. Ele dobrou o jornal, colocou os cotovelos sobre a mesa e ficou olhando fixamente para ela. Linda corou diante daquele olhar penetrante e baixou a cabeça, brincando nervosamente com a colher. — Muito bem — disse ele. — Fale-me sobre Emílio. Ela sentiu que corava e mordeu o lábio inferior.
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— Não é da sua conta. — Você minha esposa — disse ele secamente. — Acho que não preciso lembrá-la disso, não é? — Como você mesmo disse, casamentos podem ser desfeitos com facilidade. — Se ambas as partes estiverem de acordo. Linda olhou para ele e tremeu. — Mas nós estamos. — Estamos? — Olhou bem deentro dos olhos dela. — Fale-me sobre Emílio, Linda. Ela baixou os olhos e pensou um pouco. — Ele vive em Rímini — disse com cuidado. — Dissõ eu já sei — retrucou Jake. — Trabalha na mesma firma que eu. Foi assim que nos conhecemos. — Ergueu o rosto já tranqüilo. — É um italiano típico, um pouco mais velho que eu, moreno, simpático, atraente... Jake recostou-se na cadeira com expressão sombria. — Sabe muito bem o que eu quero saber, Linda. Estava envolvida com ele? Ela não falou por uns momentos, lutando contra as próprias emoções. Depois, disse com tranqüilidade: -Emílio queria casar comigo. Jake ficou calado durante certo tempo e depois disse: — Pobre Emílio. Como você já está casada comigo... Ela corou e baixou os olhos. — Só até que consigamos o divórcio — disse secamente. — Ele é italiano, não é? — perguntou Jake em tom de zombaria. — E provavelmente católico os católicos não aceitam o divórcio. Isso não tinha passado pela cabeça dela. Empalideceu, incapaz de falar. Jake levantou-se saiu sem dizer mais nada. Linda começou a arrumar a cozinha, depois chamou Sam, e levou-o para um passeio, voltando uma hora mais tarde. — Eu pretendia fazer o almoço para a senhora — desculpou-se ao ver a sogra no fogão. — Não pensei que fosse voltar tão cedo das compras. — Ponha a mesa para mim — disse a sra. Forrester, sorrindo. Contou à sogra como recobrou a memória e recebeu dela todo o apoio. — Agora entendo por que sua irmã sempre disse que a família estava morta — comentou tristemente. — Acho que passou a considerá-los mortos desde que a expulsaram de casa.
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— Meu pai ficou muito abalado — disse Linda — Ele adorava Lyn e lhe fazia todas as vontades. — De certa forma ele é que foi o culpado de tudo o que aconteceu — disse a sra. Forrester. — Ele fez dela o que Lyn é hoje... autoritária, egoísta. — É verdade — suspirou Linda. — Pobre papai acho que não suportou o choque. — Na minha opinião, ela apenas seguiu os passos dele. — Comentou a sra. Forrester. — Um homem de caráter teria impedido que a filha levasse a vida que Lyn levava, em vez de se matar por isso. Meu Jake, por exemplo, seria jncapazde se entregar á bebida por ausa de uma mulher. Linda baixou os olhos é traçou um círculo com o dedo sobre a toalha. — Concordo — disse com amargura. Jake era autosuficiente, duro e determinado. Podia ainda desejar Lyn, mas seu orgulho o impedia de admitir. Mas, se ele pensava que ela estava disposta a ficar e servir como substituta, estava muito enganado. Jake veio para o almoço que engoliu rapidamente e saiu em seguida, sem nem olhar para as duas mulheres. — Acho que alguém está de mau humor — disse a sra. Forrester divertida. Linda não respondeu. Levantou-se e disse: — Vou limpar as janelas. — Precisava ocupar-se com algum trabalho pesado para não pensar. Olhou com hesitação para a sogra. — Eú... vou partir logo — falou timidamente. — Vou voltar para a Itália. A sra. Forrester olhou-a, boquiaberta. — Itália! — Repetiu com incredulidade a palavra. — Já disse isso a Jake? — Disse — respondeu Linda, virando o rosto. — Está bem — concordou a sra. Forrester, sem saber o que dizer. Linda pegou o material de limpeza e foi para frente da casa por onde pretendia começar. Trabalhou com vigor, tentando manter a cabeça vazia. Agora, no inverno, anoitecia mais cedo. Às quatro horas já estava escurecendo e Linda voltou para dentro, sentindo o corpo moído de tanto trabalho. Depois de tomar um banho, ajudou a sogra a preparar o jantar. Jake voltou logo em seguida e foi direto para o quarto, voltando quinze minutos mais tarde, de banho tomado e roupa limpa. Sentou-se à mesa sem dirigir a palavra às mulheres. — — — Como vai conseggir dinheiro para voltar à Itália? — perguntou a sra. Forrester,
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distraída, sem notar o rosto fechado do filho. — Tinha muito dinheiro guardado no bolso do casaco que deixei no carro de mihha irmã. — disse Linda — o suficiente para compra uma passagem de volta a Itália. — E quando pretende partir? — perguntou a sra. Forrester ingenuamente. — Antes do Natal. O Natal na Itália é magnífico, estou ansiosa por reencontrar todos lá. Jake lançou-lhe um olhar penetrante. — Cale a boca! — exclamou. A sra. Forrester levantou-se e saiu discretamente da sala. Linda chamou-a de volta, assustada com o tom raivoso de Jake. Ele se levantou e aproximou-se dela. — Jake! Jake a levantou nos braços e carregou-a para fora da cozinha, sem se importar com os protestos assustados. Quando ele entrou no quarto que haviam compartilhado antes, ela deu um grito e tentou livrar-se dele. — Solte-me, Jake... ponha-me no chão! Jogou-a sobre a cama, onde ela ficou imóvel e aterrorizada, e deitou-se ao lado dela, envolvendo-lhe o rosto côm as mãos. — Já me atormentou bastante por hoje — murmurou, comprimindo-lhe a boca com os lábios famintos antes que ela tivesse tempo de afastar o rosto, beijando-a repetidamente e correndo a mão trêmula por baixo da blusa dela até encontrar os seios. Linda, com raiva, tremula e perturbada, tentou resistir por algum tempo, mas a pressão do corpo dele sobre o dela, o toque excitante das suas mãos, a paixão dos seus lábios quebraram-lhe todas as defesas e aos poucos ela se entregou. Quando suas bocas se afastaram com relutância, ela reuniu todas as forças que ainda possuía para dizer: — Não é a mim que você deseja Jake, mas a ela. — Não aceitaria Lyn nem mesmo se ela me fosse servida em uma bandeja de prata — disse ele com indiferença, deixando que os olhos passeassem pelo corpo dela com paixão. — Meu Deus, Linda como pode ser tão cega? Qual homem de bom senso que deixaria você para ficar com a venenosa da sua irmã? Fico enojado só em pensar a espécie de vida que teria ao lado dela. Não entendo como vocês podem ser tão parecidas fisicamente e, no entanto totalmente diferentes... Ela não ficou convencida. Virou o rosto sem parar de chorar. — Não posso Jake. Desculpe-me, mas não posso.
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Ele ficou imóvel por alguns segundos, depois virou-se e segurou o rosto dela. — É por causa de Emmílio? Linda, se estava apaixonada por ele, como pôde sentir-se atraída por mim? — Havia uma raivâ profunda na voz de Jake. Ela deu um longo suspiro. — Não, não é por causa de Emílio. É Lyn... Nunca saberia se deseja a mim ou a ela, não entende? Você diz que não a quer, mas como posso ter certeza? Ele sedescontráiu e deu um leve sorriso. — Lyn tirou toda a roupa em meu estúdio e não me senti tentado em momento algum a ir para a cama com ela. Acho que foi isso que me fez compreender que não estava apaixonado. Via-a só como um lindo corpo, mas totalmente vazio, sem nada mais que me atraísse. O sexo não é puramente físico, Linda. É preciso desejar a pessoa que existe por dentro do corpo. Havia qualquer coisa em Lyn que me desgostava, mesmo quando admirava seu lindo corpo. Linda parecia indecisa. — Mas quando eu cheguei... — calou-se, mordendo os lábios. — Era embaraçoso dizer o que pensava. Os olhos de Jake brilharam provocativos. — Fale, minha querida. O tom carinhoso fêz com que ela corasse. Olhou-o com os olhos brilhantes. — Quando você chegou... — repetiu ele em tom brincalhão. — Quer que eu diga? Quando você apareceu comecei a sentir uma coisa muito diferente pela moça que pensava ser Lyn... Acho que tudo começou no hospital, quando a carreguei nos braços e você me pediu que não fosse embora... parecia tão frágil, tão indefesa, como uma criança. Tive vontade de protegê-la e não compreendi o que estava começando a sentir. Na última vez que vi Lyn, senti nojo dela. Ao contrário, quando tinha você nos meus braços a sensação era bem diferente, chegava a sentir raiva de mim mesmo, pois pensava que você estava fingindo. Apesar disso, tinha um desejo cada vez maior de tocá-la, de abraçá-la. — Correu a mão pelo corpo dela, cheio de desejo. Ela tremeu e afundou o rosto no peito do marido. — Linda, Linda, você está me deixando louco! O coração dela começou a bater descompassadamente. Fechou os olhos para não ceder ao impulso que crescia dentro dela. — Como posso ter certeza de que era a mim, e não a Lyn, que desejáva? — Querida, isso não tem explicação. Cada vez que a via
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trabalando pela sentia raiva de você, mas não conseguia deixar de olhá-la e quase morria de desejo de tocá-la. Lyn tinha uma aparência sofisticada, e agressiva, o que não acontece com você. Descobri que sua doçura estava aos poucos destruindo meu ódio. Quando a vi com a camisola de mamãe, tão simples e descontraída, tal qual uma garotinha desamparada, senti coisas que me deixaram furioso com você e comigo mesmo. — Sorriu para ela. — Não queria sentir nada por você, mas não pude evitar. Ela olhou para ele, indecisa. — Jake, eu... — O que é? — perguntou ele acompanhando com o dedo a curva dos lábios dela. — Apesar de tudo que me, disse, acho que ninha semelhança com Lyn influenciou seus sentimentos por mim. — Pessoalmente, acho que foi a semelhança de Lyn com você que me influenciou meu amor. Os olhos dela se arregalaram de susto. — O que quer dizer? Ele brincou com os cabelos dela, erguendo-os para observar as curvas delicadas das suas orelhas e correndo os dedos intimamente pelo corpo macio. — Se a tivesse encontrado primeiro, seria por você que estaria apaixonado — disse com doçura. — Não tenha dúvidas sobre isso. Se tivesse canhecido Lyn depois de você, não teria lançado a ela um segundo olhar, a não ser para admirar-me de ver uma criatura tão pura como você sendo irmã de uma sem-vergonha daquele tipo. Lyn é bonita, mas a beleza dela termina no exterior, ao passo que a sua... meu Deus a sua é profunda como um nome gravado na rocha. Acariciou de leve as orelhas de Linda, fazendo-a sentir calafrios pelo corpo. Ela tentou ignorar a carícia lenta e perturbadora. Jake passou o dedo de leve pelos cílios dela. — E então, querida? — perguntou suavemente. — Já está convencida? Linda ergueu os olhos e mordeu o lábio. — Jake, quero posar para você. Perplexo, tudo que conseguiu foi perguntar: — Mas, Deus do céu, por quê? Com cuidado, explicou: — Você mostrou muito bem a personalidade de Lyn naquele quadro. Através dele percebe-se muito bem o que ela significa para você. Agora quero que me pinte para saber exatamente o que sente por mim.
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Durante um momento ele ficou calado, depois deu um assobio de surpresa. — Fico lisonjeado por sua confiança. — Examinou-a atentamente. — E se você não aprovar o resultado? — Então voltarei para a Itálià. Jake sacudiu-a violentamente pelos ombros: — Para Emílio? — Não — respondeu com simplicidade. — Nunca senti nada por Emílio. Quis se casar comigo, mas é um italiano sentimental e tenho certeza de que se apaixona e se desinteressa com a mesma facilidade. Desde o princípio sabia que não gostava dele. Jake olhou-a com ar sério. — Mas você o usou para me provocar. Ela concordou, corando. — Estava tentando conquistá-lo e acho que você sabia disso. Fui muito clara desde o início, não fui Jake? O rosto dele se suavizou e um brilho apaixonado surgiu nos olhos cinzentos. — Querida — murmurou, estendendo os braços, para ela, que se afastou. — Não Jake. Não quero sentir seus braços até que pinte meu retrato. Ele reagiu com incredulidade. — Não está falando sério! Posso levar dias, até mesmo semanas. — Assim teremos tempo de nos adaptarmos um ao outro — disse com tranqüilidade. — Casamos sem saber nada um do outro. — Eu soube desde o começo que a queria para mim por toda a vida — disse ele com ardor. -Tinha consciência do risco que corria, mas desejava-a desesperadamente. — Por favor, Jake — sussurrou. — Dê um pouco de tempo a nós dois. Ele respirou profundamente e sorriu com ironia. — Percebe que está me pedindo uma tarefa quase impossível? Não vai ser fácil para mim pintar um quadro que mostre a diferença entre o céu e o inferno. — Desculpe — murmurou ela.— Mas acho que só assim terei certeza. — Oh, maldição — exclamou irritado. — Está bem. Levantou-se devagar, olhando-a de alto a baixo, dos cabelos desmanchados à blusa levantada que lhe revelava a pele macia da barriga. — Linda, não percebe o que está me pedindo? Deixe-me ficar
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esta noite, por favor! — A voz dele estava cheia de desejo e, ela sentiu um impulso irresistível de ceder, mas sacudiu a cabeça. — Não, Jake. Ele se contraiu violentamente e saiu do quarto, batendo a porta. Depois de algum tempo Linda se despiu e foi para a cama. Ouviu a sogra fechando a porta do quarto e depois o silêncio caiu sobre casa. Teve um sono inquieto cheio de pesadelos terríveis, onde se via refletida em vários espelhos que revelavam toda desilusão e o desespero que lhe ia à alma. Acordou cedo, feliz por livrar-se dos terrores noturnos vestiu-se e desceu para a cozinha. Ao passar pela sala obscurecida, tropeçou em um objeto que rolou e bateu na perna de uma cadeira. Intrigada, abriu a cortina e deparou com Jake estendido sobre a poltrona, completamente vestido, despenteado, com a barba por fazer e a camisa aberta no peito. Sob o braço estendido, um copo vazio. O repentino brilho da luz fez com que Jake piscasse, abrindo os olhos com relutância. Olhou-a espantado, tentando focalizar a imagem embaçada que via diante dele. — Jake! — exclamou assustada. Ele se sentou com dificuldade e apoiou os cotovelos nas pernas. O cheiro de uísque pesava em toda a sala. A sra. Forrester entrou naquele instante, parando aterrorizada ao ver o filho naquele estado. Seu rosto exprimia o mesmo choque estampado nos olhos de Linda. Ele levantou-se cambaleante, ignorando ás duas mulheres, e saiu da sala com passos incertos, batendo a porta atrás de si. Ouviram um gemido surdo e depois os passos dele que subiám a escada. A sra. Forréster pegou a garrafa vazia de uísque, olhou-a tristemente e, sem dizer nada, foi para a cozinha. Linda seguiu-a, tentando desesperâdamente encontrar palavras de consolo. A sogra sorriu de leve. — Uma vez eu lhe disse que não permitisse que meu filho a transformar-se numa escrava, e parece que você não permitiu. Nunca vi meu Jake nesse estado antes. — Desculpe — murmurou Linda, corando. — Mas não posso, ter certeza do que ele sente por mim se não me der provas de que não está me confundindo com Lyn. A sra. Forrester deu uma exclamação de incredulidade. — Só um cego faria essa confusão. Vocês são tão diferentes. Linda bateu o pé. — De qualquer maneira quero que ele me pinte para provar isso.
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Jake pode garantir que me quer por mim mesma, mas, enquanto o retrato não estiver pronto não terei certeza. A sra. Forrester parecia divertir-se. — Pintar você? — Examinou-a atentamente — Bom, não é má idéia... meu Jake pinta aquilo que vê por dentro dss pessoas, sabe julgá-las muito bem. — Virou-se para o fogão arregaçando as mangas — o que sei com certeza é que hoje ele não vai pintar nada. Espero que um bom sono lhe faça bem. Jake dormiu durante todo o dia, levantando-se somente na hora do jantar, com uma aparência cansada e taciturna. A mãe dirigiu-lhe um sorriso irônico, mas ele evitou encarar as duas mulheres, parecendo embaraçado por ter sido visto naquele estado na noite anterior. Todos foram dormir cedo. Linda dormiu bem pela primeira vez em muitos dias, e quando desceu na manhã seguinte, encontrou Jake na cozinha tomando chá. Ele olhou-a fixamente e disse: — Vamos começar hoje. Ela sentiu um calafrio na espinha, ansiosa por desistir daquela idéia louca. Ele percebeu o embaraço dela e soiriu. — Assustada? — perguntou com sarcasmo. — Não. — Ela ergueu o queixo. Meia hora mais tarde Linda entrou no estúdio depois de ter procurado todos os pretextos possíveis para retardar o compromisso. Encorltrou-o misturando as titas na palheta. Ele olhou-a friamente e apontou para uma cabine no fundo do estúdio. — Pode se despir ali — disse secamente. Ela passou a língua pelos lábios, trêmula. — Jake, eu... Olhou-a diretamente nos olhos. — O quê? Linda percebeu que ele não ia ajudá-la, sugerindo que desistissem da idéia. A decisão tinha sido dela e Jake pretendia obrigá-la a ir até o fim. Entrou vagarosamente na cabine, sentia as mãos frias enquanto sé despia. Ficou lá parada por muito tempo, os braços envolvendo o corpo nu tremendo. A voz de Jake assustou-a. — Você já conhece a pose — disse com indiferença. — Venha quanto estiver pronta. Ela o ouviu caminhar para fora do estúdio. Olhando com cuidado pela, cortina, percebeu que ele a tinha deixado sozinha e sentiu uma onda de gratidão, pois sabia que tinha feito isso para tornar as coisas
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mais fáceis para ela. Foi correndo até o sofá de veludo vermelho, quase tropeçando no tapete, e deitou-se na mesma posição que Lyn fora pintada. Quando a porta se abriu, Linda não ousou levantar os olhos. Jake ficou parado por alguns instantes e depois caminhou até ela, entregando-lhe uma maçã. Afastou-se um pouco para admirá-la mais de longe, Linda sentiu todo o corpo afogueado. — Preciso acertar a pose. — disse asperamente. Estendeu a mão e dobrou-lhe a perna, acertando também, a posição, do cabelo e a curva do ombro. Finalmente afastou-se e desaparceu por trás do cavalete. Ela segurava a maçã, olhando-a fixamente. — Olhe para mim, Linda — pediu ele. Bem devagar, ela virou a cabeça e olhou na direção dele, vermelha de vergonha. Os maxilares de Jake contraíram-se. — Esqueça que estou aqui — disse bruscamente — Pense que é Eva oferecendo a maçã a Adão. Se quiser mesmo que eu faça esta maldita pintura, tem que colaborar. — Desculpe — sussurou. — Daqui a pouco já vou estar mais descontraída. — Ótimo. — Ele sorriu e começou a trabalhar, movendo a mão em gestos breves e rápidos, ao mesmo tempo em que a observava. Aos poucos a tensão foi desaparecendo e Jake se concentou no trabalho. Linda relaxou e ficou observando as expressões do rosto moreno, as contrações das sobrancelhas escuras, o movimento rápido dos olhos cinzentos. Ele a olhava como se ela fosse um objeto inanimado, notou divertida. Pelo interesse que Jake demonstrava, tanto fazia que ela fosse uma mesa, um jarro ou uma fruta. Será que Lyn tinha sentido a mesma coisa ao posar para ele com a maçã da experiência na mão enquanto Jake a olhava como se fosse assexuada? Ele assobiava enquanto movia as mãos. Ela sentiu que um dos pés estava adormecendo e movimentou ligeiramente os dedos para estimular a circulação. — Não se mova — disse Jake com irritação. — Desculpe! — Ela sorriu de leve. Então ele olhou para Linda como se a estivesse vendo realmente. — Mantenha esse sorriso — ordenou. — Não consigo — disse ela, sentindo que â boca se enrijecia outra vez. Jake murmurou qualquer coisa e voltou a concentrar-se. Linda começou a sentir os músculos das costas doloridos, as
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pernas adormecidas e a cabeça pesada. — Não podemos parar Jake — pediu. — Em um minuto — respondeu, distraído. O tempo foi passando e ela deu um gemido de dor. — Meu corpo está doendo, Jake — implorou. Ele parou irritado. — Está bem, já é suficiente por hoje. Ela continuou deitada, torturada pela dor nas costas. Com a cabeça apoiada no veludo, pediu: — Posso ver o que fez? — Só quando eu terminar — disse ele. Linda levantou-se do sofá e quase caiu por causa da fraqueza que sentia nas pernas. Jake amparou-a e ela se apoiou nele sentindo-lhe as batidas aceleradas do coração. A respiração dele se acelerou. — Vista-se, Linda — disse com voz rouca, quase empurrando-a para longe. Ela ouviu-o sair da sala e caminhou até o lugar onde havia deixado as roupas. Naquela noite quase não conseguiu comer, pois além do corpo, doía-lhe também a cabeça. Subiu para o quarto com enorme esforço, mal conseguindo se manter sôbre as pernas. No dia seguinte demonstrou ainda mais relutância em posar, não por vergonha, mas porque todo seu corpo continuava dolorido. Jake trabalhou com a mesma concentração. Tremendo de amor, ela observou os ossos fortes do rosto dele, a curva máscula do queixo e dp pescoço, os músculos do peito. Ele se levantou para misturar mais cores, provocando nela um arrepio sensual, Jake se vírou e captou aquele olhar intenso e os lábios entreabertos. Olharam-se em sílêncio. O desejo explodiu entre eles como um raio. Línda sentiu-o como uma corrente elétnca que percorreu todo o seu corpo, deíxando-o trêmulo e vulnerável. Jake voltou para o cavalete sem uma palavra e contínuou trabalhando, indiferente. Dia após dia, Línda foi se acostumando ao aborrecimento de posar durante horas seguidas, ao silêncio do estúdío, aos poucos sons do pincel de Jake. Ele raramente falava com ela, como se preferisse ficar calado. Linda ouvia o silêncio e admirava as linhas bem marcadas do rosto do marido, sentindo que estavam gravadas para sempre na sua mente. A cada minuto que passava, amava-o maís e mais profundamente. Os olhares de ambos se encontravam de vez enquando, afaztando-se em seguida, como se o que houvesse entre eles fosse precioso demais para ser expresso em palavras.
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Estava começando a imaginar quando o retrato estaria terminado quando certa tarde Jake jogou o pincel e deu um longo suspiro. Então virou lentamente o cavalete para ela, observando-a com atenção. Tomada de surpresa, ela se imobilizou por um segundo, mas foi possuída por uma sensação de deslumbramento. Deitada na mesma pose que Lyn, com a maçã presa entre as mãos Linda olhava da tela com uma expressa o de doçura e bondade, mesclada a um silencioso convite e ansiosa entrega. Jake a pintara como a vía, com o olhar sensual, mas ao mesmo tempo docemente apaíxonado, com o amor brotando nos lábios trêmulos e entreabertos. Jake foi buscar o retrato de Lyn e colocou-o lado a lado com o dela. Linda olhou de um para o outro assombrada. Eram totalmente diferentes, a expressão do olhar, a boca, a maneira como o corpo se estendia no sofá eram índíscútivelmente opostas. — E então? — perguntou Jake, ansioso. Linda olhou-o com adoração corando ante a íntensidade do olhar dele. Jake atirou o retrato de Lyn para um lado como se fosse um objeto sem valor e caminhou em direção a ela. Tremendo deixou que ele a tomasse nos braços e acariciasse com paixão o cada uma das curvas do seu corpo. — Linda, não imagina como a desejei todos esses dias — disse com intensidade, abrindo-lhe os lábios numa busca desesperada de correspondência. Ela se agarrou a ele, sentindo que seus ossos se desmanchavam ao contato daquele corpo másculo. O beijo pareceu durar uma eternidade, como se achassem impossível separar-se após uma espera tão longa e dolorosa. Jake colocou-a sobre o sofá, respirando freneticamente. — Agora — gemeu de encontro, ao ouvido dela — agora Linda... — Aqui não, Jake. — respondeu ela, risonha. — Pode entrar alguém. Ele continuou a beijá-la febrilmente, percorrendo-lhe o corpo com as mãos tremulas. — Não pode nem imaginar o que provocou em mim durante esses dias — murmurou selvagemente. Quase perdia ti cabeça cada vez que olhava para você, mas precisava de todo o meu autocontrole para continuar pintando. Ela passou os dedos de leve pelos lábios dela. — Mentiroso! — disse em tom brincalhão. — Estava tão concentrado que acho que nem me ia. — Tentava desperadamente esquecer que era para você que eu estava olhando, mas, meu Deus, Linda, foi difícil... minhas mãos tremiam e eu não ousava falar com você por que quase perdia o
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controle sobre mim mesmo ao ouvir sua voz. Você me tentou todo o tempo com esse seu sorriso... — Um pouco disso aparece no retrato — disse ela com suavidade. — Tenho um pouco de medo de você Jake, acho que nunca vou conseguir esconder meus sentimentos, não é? Você é um bruxo capaz de ler meus pensamentos. — E você, é capaz de ler meus pensamentos? — perguntou ele com os olhos em brasas. Ela corou diante daquele olhar. — Preciso me vestir.Jake. Vamos para casa. — Vai me fazer esperar até a noite? — perguntou desiludido, acariciando de leve o bico do seio dela. — Jake... — gemeu, fechando os olhos: Ele a beijou com paixão. — Está bem. Para quem já esperou tanto, posso esperar mais algumas horas — murmurou a conta gosto. — Vá se vestir, meu amor, não fique aí parada me tentando. O jantar daquela noite foi estranhamente tenso. A sra. Forrester olhava de um para o outro com divertida ironia, mas não dizia nada. Depois que ela e Linda arrumaram a cozinha, todos foram para a sala. Jake estava deitado no sofá observando as chamas que brilhavam na lareira. Linda, ao como se sua garganta se contraísse convulsivamente. A. sra. Forrester acendeu a luz e Jake piscou. A mãe pegou o casaco de tricô que estava fazendo para Linda e começou a trabalhar com agilidade, enquanto ele ligava o rádio; Linda sentou-se, indecisa entre ficar ou subir prara o quarto. Olhou para Jake e sentiu todo ser se agitar de desejo diante daquele corpo tentador estendido preguiçosamente no sofá. Jake piscou o olhar para ela. Cheia de paixão, incapaz de esconder as próprias emoções, devolveu o olhar. Ele levantou-se e arrancou-a da cadeira sem dizer uma palavra. — Boa noite mamãe — disse com calma, empurrando Linda para a porta. No quarto, ela o repreendeu: — Não foi muito óbvio o que você fez? Ele tirou a camisa, revelando o peito musculoso, e sorriu zombeteiramente. — Já me fez esperar muito Linda — disse docemente. — Ao diabo com minhã mãe, ao diabo com o mundo inteiro! Venha cá, senão vou buscá-la à força.
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Ela se deitou ao lado dele, pressionando o rosto de encontro ao peito agitado, tremendo de desejo, sentindo, deliciada, que os braços dele lhe apertavam mais e mais. Beijou-lhe apaixonadamente o pescoço, murmurando em tom brincalhão: — Lembra-se de que uma vez me ordenou que nunca dissesse que o amo, Jake? Disse que amor era uma palavra que não devia ser usada entre nós e que eu jamais a ouviria de você... Ele a olhou com fogo e desejo, a frieza estava banida para sempré do solhos cinzentos. — Eu a amo!— disse com voz trêmula. — Meu Deus, como a amo, Linda, amo você demais! Estimulada por aquelas palavras exaltadas, moveu-se de leve sob ele, sentindo que seu movimento excitava ainda mais o desejo de Jake, cuja boca desceu ansiosa pelo pescoço dela e fo baixando lentamente até encontrar-lheos seios palpitantes. Linda perdeu toda a capacidade de pensare moveu as mãos famintas pelas costas do marido, pelos cabelos negros, murmurando docemente o nome dele com os lábios entreabertos. Uma imensa onda de prazer sensual envolveu-os quando Jake a possuiu, fazendo-a perder a noção de tudo que os rodeavam, que não fosse ele. Entregou-se sem restrições, maravilhada, ansiosa, a dor e a humilhação da noite em que Jake aforçara a entregar-se desapareceram para sempre nas sombras do passado. A doce explosão compartilhada naquele momento só lhes permitia pensar na beleza das alturas que atingiram. Ela jamais tinha suspeitado que seu corpo fosse capaz de experimentar sentimentos tão avassaladores, equando Jake se afastou para olhá-la corou violentamente e baixou os olhos. Ele riu, feliz. — Querida — murmurou, beijando-lhe aponta do nariz. — Linda, querida... — Não me olhe — murmurou ela, de olhos baixos. — Você enxerga demais com esses olhos de águia. — O retrato que fiz de você mostra o que vi — disse passando os dedos de leve porbaixo dos cabelos dela. — Vi uma menina doce, amorosa, delicada que não via a hora de ir para a cama, comigo... Ela se afastou dele com uma careta risonha. — Você é mesmo um demônio, não é jJake? Disse-lhe isso uma vez e agora tenho certeza... estou vendo que suas tendências em relação a mim são satânicas. — Hum... — ele susurrou com doçura, espriguiçando-se vagarosamente.
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— É verdade nunca lhe disse que o seu destino era acabar nos braços do demônio? E o que é pior, minha querida, você não parece querer fugir deles. Linda aconconchegou-se a ele em doce submissão. — Infelizmente é verdade! — admitiu com suavidade, beijando-o no ombro. — Acho que é meu lugar... Os braços dele a envolveram possessivamente. — Não tenho nenhuma dúvida a respeito disso meu amor. — acrescentou Jake com desesperada paixão. Fim.