Sharon Page - O Clube

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Sharon Page O Clube Um lugar de perigosa luxúria... Em um mundo onde governam o pecado e o escândalo, pode que acabem por esfumar as barreiras que separam os prazeres proibidos dos jogos muito arriscados. Entretanto, Jane Beaumont, a jovem viúva de Lorde Sherringham, não teve mais remédio que aventurar-se no inquietante clube da senhora Brougham, para tratar de localizar a sua amiga Do, desaparecida. O clube só admite casais dispostos ao intercâmbio e ao mais puro gozo, assim Jane aguarda no quarto que lhe foi atribuído o homem que tem que servir de cobertura para ela. Mas em lugar do desconhecido amante de pagamento que ela espera, quem aparece junto a seu leito é muito conhecido: é Christian Sutcliffe, Lorde Wickham, irmão mais velho de sua amiga Do, a que agora decidiu ele também encontrar e resgatar e, além disso, o nobre com a maior reputação de mulherengo da aristocracia londrino. Lady Sherringham e Lorde Wickham, terão que unir muito em breve suas forças para descobrir o que oculta esse o lugar que tornou a lhes reunir depois de tantos anos, assim como os ilustres lordes que se escondem atrás do enigmático Clube dos Diabos a quem a senhora Brougham parece querer encobrir. Mas além dos perigos reais que os espreitam, ambos terão que enfrentar a outros: a poderosa atração que sentem um pelo outro e o risco de que a tentação e o desejo lhes rompa o coração. Disp em Esp: MR Envio do arquivo: Gisa Revisão Inicial: Livia Revisão Final: Karla Costa Formatação: Greicy TWKliek

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Comentário da Revisora Lívia: Gostei muito deste livro por que além de ter cenas quentes, tem também mistério suspense e ação. Meninas vocês vão amar! Comentário da Revisora Karla Costa: Suspense de verdade, surpresas e reviravoltas. Leitura gostosa e que prende a atenção. Divirta-se e boa leitura!

CAPÍTULO 1 Londres, maio de 1818. Como vou explicar a um homem pelo qual pago que em realidade não quero que faça amor comigo? Jane Saint Giles, lady Sherringham, formulava esta pergunta à imagem refletida no espelho de corpo inteiro, mas, naturalmente, seu reflexo não podia proporcionar as respostas que nem ela conhecia. Falar em voz alta, portanto, não tinha sentido. Resmungando, Jane começou a dar voltas pelo quarto do bordel, mordiscando o polegar e temendo a chamada que ia soar na porta de um momento para outro. Tinha vindo até ali em busca de sua melhor amiga, Delphina, lady Treyworth. Tinha vindo ali em busca de respostas. Tinha pago uma autêntica fortuna pelos serviços de um dos jovens empregados da senhora Brougham, a mulher que gerenciava aquela casa georgiana nos limites de Mayfair, conhecida simplesmente como “O Clube”. Mas como tudo era uma artimanha, tocava-lhe agora convencer ao homem que aparecesse de que partisse sem lhe pôr um dedo em cima. Se zangaria? Estremeceu. Estaria excitado quando entrasse? Uma tensa e gélida sensação de medo envolvia seu coração. Sabia — até sem ter experimentado nunca com seu falecido esposo — que quando um homem se excitava e a mulher se negava ao jogo, podia ficar agressivo. Com Sherringham, nunca tinha tido coragem suficiente para negar-se ao jogo. Sempre tinha acatado suas ordens, aterrorizada por quão brutal pudesse ser sua reação se se negasse a isso. Mas havia falecido fazia já treze meses e ter que suportar as noites em que seu marido ia ao seu quarto havia tocado ao seu fim. Já não tinha que lutar para encontrar a têmpera necessária para mandá-lo embora, e logo odiar a si mesma quando não conseguia. Jane perambulava de um lado a outro com os braços cruzados sobre o peito. Uma boa gorjeta acalmaria qualquer... algo que estivesse alterado em um jovem quente. O homem cujos serviços tinha contratado mantinha relações íntimas em troca de dinheiro, não seria então o dinheiro o mais importante para ele? E por ali corriam dúzias de damas da alta sociedade. 2

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Qualquer jovem razoavelmente atraente, são e ereto não permaneceria frustrado muito tempo. “OH, Meu deus”, pensou, e se recostou em uma das colunas da cama para não cair. A ostentosa cama enchia quase por completo o quarto. De suas douradas colunas penduravam algemas de ferro forradas de veludo. Jane sentiu encolher o estômago ao observar os relevos esculpidos naquelas colunas: serpentes entrelaçadas e algo que podia ser tanto uma espada como a parte íntima masculina. Recordou à tarde, fazia já dois meses, em que suas duas amigas mais queridas tinham contado que seus maridos as levavam aquele clube. Apesar do sol que entrava em sua sala de estar e da alegre promessa de um primeiro dia da primavera, um calafrio de terror tinha percorrido suas costas. —Mas as damas não frequentam os clubes de cavalheiros — disse muito devagar. —Esse sim — tinha murmurado Charlotte. Tinha os olhos totalmente abertos e em sua profundidade azuis oceano, Jane tinha lido um horror e uma vergonha surpreendentes. —É a novidade que contribui esse clube — tinha explicado com a recatada voz que empregaria para falar de uma bem-sucedida derrota. —Os cavalheiros vão ali com suas esposas... disfarçadas. As sextas-feiras de noite, as damas têm que ir vestidas de monja. —Então tinha baixado tanto a voz como a vista. —Ainda tenho marcas no traseiro dos açoites com a vara. Jane tinha notado que sua boca formava uma mudo “O” de horror. Tinha suportado os castigos de Sherringham com a palma da mão, mas seu marido jamais se atreveu a lhe dar com uma vara. Estremeceu observando o quarto. “Do, será este horrível clube o motivo de seu desaparecimento?” Ressonou na porta um golpe seco e Jane se sobressaltou de tal maneira que tropeçou na coluna. —Senhora? Posso entrar? O homem que tinha contratado possuía uma voz sedutora, grave, não muito cultivada, quase semelhante a um grunhido que lhe provocou um estremecimento de medo..., tinha que ser medo..., que percorreu suas costas. O que significaria que falasse com tanta educação? Seria mais fácil ou mais difícil lutar com um prostituto que tinha uma voz tão educada? —Sim — respondeu com voz tremente. Não tinha se despojado sequer da capa e se vestiu com sua roupa de viúva, ocultando seu rosto com um véu. Mas mesmo assim, quando abriu a porta, virou o rosto para que o homem não pudesse vê-la e esperou com as costas rígidas que a porta fizesse “clique”, o sinal de que o prostituto a tinha fechado em suas costas. Enquanto seu marido cheirava em geral a suor, a álcool e ao perfume de outras mulheres, aquele homem chegava precedido por uma combinação de cítrica bergamota e sensual sândalo. O aroma de sua transpiração era inapreciável e, curiosamente, não cheirava como se acabasse de estar com outra mulher. Embora nada disso tivesse importância, na verdade. Tinha que tirar-lhe de cima. Não tinha motivos para sentir-se tão turvada. Afinal, tinha sobrevivido já meia hora naquele miserável clube. 3

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Mas antes que reunisse coragem suficiente para confrontá-lo, lhe perguntou: —Algum... algum problema, carinho? Sua amável voz tinha um matiz de preocupação e a dúvida escondia uma vulnerabilidade surpreendente. Era evidente que não estava acostumado que uma mulher desse a impressão de querer esconder-se dele. Jane olhou para o espelho de corpo inteiro para elucidar seu aspecto, mas o cristal refletia só parte de seu lado. Viu uma mão grande embainhada em uma luva negra de pele e a longa perna da calça de uma calça de excelente confecção. Um quadril esbelto que desaparecia sob um fraque, o pedaço de umas largas costas, e isso foi tudo. Grande, era grande e masculino. Uma sensação de pânico estalou em seu peito e sentiu que lhe custava respirar. “Não pode te fazer mal. Pode gritar. Pode gritar e virão te ajudar; além disso, ele não tem direito a te fazer mal”. Tinha que achar a força em seu interior. Jurou que desta vez, por fim, ela entraria em ação. Quantas vezes já tinha feito aquela promessa para, logo, seguir o caminho fácil e voltar atrás como uma covarde? E Delphina tinha desaparecido porque ela tinha sido uma covarde. Do tinha se metido em problemas. —Vire-se, carinho. Procurando com todas suas forças a coragem necessária, Jane se voltou. —Sinto muito, mas... Suas palavras, seus pensamentos inclusive, morreram de repente. O homem estava junto à parede, apoiado nela com um gesto preguiçoso e depravado, e embora os separassem uns metros, teve a repentina sensação de que o lugar se encolhia. Os ombros..., aqueles ombros pareciam tão largos como longas eram as pernas dela. As pernas dele, cruzadas de maneira informal à altura dos tornozelos, estendiam-se intermináveis diante dela, e quando seu olhar as seguiu em direção ascendente da ponta de suas reluzentes botas, teve a sensação de que o momento se prolongava uma eternidade. Uma máscara de couro negro transformava seus olhos em um mistério, mas mesmo assim pôde observar que não estava barbeado, que uma barba incipiente e escura povoava seu quadrado queixo. Debaixo da máscara, uma cicatriz, e outra lhe atravessando profundamente o queixo. Mas seus lábios se torciam para cima em um amável e compassivo sorriso que provocava umas marcadas covinhas em suas bochechas. Estava lhe estendendo a mão de um modo persuasivo, como aquele que oferece alimento a um tímido cervo. —Não acontece nada, carinho. Não lhe farei mal. Afinal, estou as suas ordens. Sou seu escravo, por assim dizê-lo. “As suas ordens”. As palavras exatas para lhe recordar que, por uma vez, quem tinha o poder ali era ela. Entretanto, frente a ele, não se sentia absolutamente poderosa. —Está de luto? —Deu um lento e cômodo passo para afastar-se da parede e aproximar-se dela. 4

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—Não, não! —respondeu apressadamente, e se virou para trás até que sua saia ficou presa entre suas pernas e a cama. E enquanto seu coração pulsava com violência, vislumbrou a fuga perfeita. —Quero... quero dizer que meu ano de luto não terminou ainda. —Agitou as mãos... Não teria que forçar sua atuação de mulher nervosa de volúveis decisões. —E a verdade é que me sentia... sentia-me sozinha. Assim pensei que podia... mas não posso. Não com você. Não agora. Tinha-o tão perto que podia ver seus olhos dentro dos buracos ovais da máscara. Olhos azul índigo envoltos por longas pestanas negras. Em sua tentativa de retroceder, notou a pressão da cama em suas costas. Ele se aproximou de maneira aterradora com um passo lento. O coração lhe retumbava. Não a tinha entendido. —Não posso... utilizá-lo esta noite. Hei... mudei que ideia. Pagarei... um extra, se quiser. Se por acaso se sentir defraudado... Ao compreendê-la, seu olhar se iluminou. —Essa é a razão, então, pela que não me deu seu nome. Que demônios queria dizer com isso? Tinha dado um nome. Um nome falso. Pelo amor de Deus, aquela forma de inclinar a cabeça, seu farto cabelo negro, a forma de sua boca, aquele nariz reto e atraente... por que de repente lhe parecia tudo tão familiar? “É ridículo”. Quando, em sua vida diária, podia haver tropeçado com um prostituto? Mas era impossível afastar o olhar de sua boca... Tinha uns lábios sensuais, grandes e generosos. Seu lábio inferior era muito mais volumoso muito mais turgente que o superior. Voltava a ter a sensação de ter visto aquela boca alguma vez. Sua pele cor mel indicava que tinha passado muito tempo sob o sol. Era algo surpreendente tratando-se de um homem que ganhava a vida no quarto..., embora possivelmente não estivesse muito tempo fazendo-o. Seus lábios lhe sorriram de novo, com suficiência. Sabia que o olhava e deve ter acreditado que o desejava, que desejava aquele homem tão grande que se interpunha entre ela e a porta. Começou a notar um monótono ruído de fundo em seus ouvidos. Aquele homem não ia aceitar um não por resposta. —Espero não tê-la assustado, senhora... —Não, não, não tem feito nada mal. Foi você... —E o que dizer aqui? —Encantador. Sim, foi... maravilhoso, e espero que não se incomode. Pagarei-lhe. Assim não terá perdido o tempo... E então se colocou ali..., justo diante dela, enchendo sua visão com um fraque negro e um colete branco bordado —Claro que não estou chateado. Se não me desejar, entendo. —Fez uma reverência e levou tão lentamente a mão dela a seus lábios que ela se esqueceu de respirar e lhe fraquejaram as pernas. —Não. —Tentou retirar a mão da boca do prostituto. —Não gosta, lady Sherringham? —Pare. Pare! —Afastou a mão, consciente de que o rumor que rugia em seus ouvidos 5

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aumentava. Não tinha dado seu verdadeiro nome. Mas ele acabava de pronunciá-lo. —Como sabe quem sou? —exclamou. A expressão dele o delatou naquele momento. Compreendeu por que seu aspecto lhe parecia familiar e ficou tão surpreendida que caiu sobre a amaciada cama quase sem fôlego. Suas saias voaram, suas pernas se abriram sem ela querer e, ao cair, golpeou o cotovelo com uma das colunas do leito. Estendida sobre a cama, notou como a dor aguda e a humilhação transformavam sua surpresa em raiva. —Não é você o homem que contratei! Agora lhe reconheço. Você é o irmão da Delphina. Você é lorde Wickham. Conhecido, e com razão, como “lorde Perverso”. Que fazia ali, naquele clube repulsivo que tinha destruído a Do? —Surpreende-me que me reconheça lady Sherringham. Jane conseguiu apoiar-se sobre os cotovelos. Via-o bem agora..., via a atraente caveira de vinte anos no rosto mascarado daquele homem de mais idade. Quando lhe conheceu era Christian Sutcliffe (seu pai vivia ainda). Os oito anos transcorridos o tinham mudado. Além das cicatrizes que agora luzia, seus maçãs do rosto eram mais proeminentes e seu rosto estava sulcado por algumas rugas. Era mais largo, estava mais bronzeado e muito mais musculoso. —É normal que o surpreenda — espetou por cima do forte batimento de seu coração. — Afinal, esteve fora, no continente, na Índia e no Longínquo Oriente. Esteve em todas as partes menos na Inglaterra, onde poderia ter ajudado a sua irmã antes que se visse obrigada a casar-se com lorde Treyworth. —E eu me lembro — murmurou ele, olhando-a. — A intratável. Jane levantou a vista para aqueles olhos azuis escuros. Exceto pela cor, seus olhos eram iguais aos de Do. —O que está fazendo aqui? —perguntou. —Na Inglaterra e neste repugnante clube? Fechou as pernas o mais rapidamente possível. Cair na cama! Precisamente isso, de entre todas as coisas. Ficou olhando como Wickham estendia uma mão coberta com couro negro. Não tinha saltado sobre ela para aproveitar-se da situação, como Sherringham teria feito. A ajudou a levantar-se com um sorriso de perplexidade que dançava também em seus olhos. Tinha conhecido o irmão de Do três anos antes que abandonasse a Inglaterra e jamais tinham mantido uma conversa que não implicasse uma disputa. Uma centena de perguntas passou por sua cabeça e, estranhamente, de entre todas elas, escolheu a mais inconsequente. —Onde está o homem que contratei? As sobrancelhas de Wickham, negras como o carvão, apareceram por cima da máscara ao ouvir aquilo. —Preso com suas próprias cordas de veludo e metido em um armário — respondeu com impaciência. —E agora, lady Sherringham, me conte. O que sabe deste clube? 6

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Sua mão se fechou sobre a dela, grande, quente inclusive através do flexível couro. —Não sou membro, se for a isso ao que se refere — respondeu. —E fui eu quem perguntou primeiro... — Seu marido não a trazia aqui? —prosseguiu ele, elevando a voz por cima da indignação dela e interrompendo suas palavras. —Não, mas sei que o marido de Do a trazia. Durante perto de um ano, Treyworth esteve obrigando-a a vir aqui. Do reconheceu diante de mim que este lugar lhe dava medo. Já está... que refletisse agora sobre aquilo, canalha irresponsável. Nem em uma só ocasião tinha tratado de ajudar a Do desde que abandonou a Inglaterra. Levantou-a com facilidade e Jane se viu obrigada a agarrar-se por seu outro braço para manter o equilíbrio. —Se acreditava que Delphina tinha medo deste lugar, lady Sherringham, por que veio e contratou um homem esta noite? —Não foi por... por paixão, se for isso o que está pensando... e estou segura de que só pensa nisso. —Toda sua raiva desesperançada e seu medo emergiam agora à superfície, voltando sua língua maliciosa e afiada. Retirou bruscamente suas mãos das dele e o rodeou, aproximando-se da porta. —foi um ardil. Pararam-me na porta e fui levada em presença da senhora Brougham. Contei-lhe que era uma viúva só e rica. Mas me negou a entrada a menos que... a menos que comprasse um homem. Por que o fechou no armário? —Para interrogá-la, lady Sherringham. —Estava me espiando? —Tinha ido a sua casa para falar sobre Do — disse. —Naquele momento saía evidentemente disfarçada, de modo que me senti intrigado e a segui. —Evidentemente disfarçada? —Sei que seu marido morreu há coisa de um ano. Conforme me disseram, não era pessoa merecedora de luto. —Entendo então que se me seguiu é porque não sabe onde está Do. Ela viu a pontada de dor em seu olhar e como se recostava contra a coluna esculpida da cama. —Não. E você? —Não! —Jane levantou as mãos, exasperada. —Por isso estou aqui. Seu marido me disse que partiu para o continente. Mas sei que isso é impossível. Era eu quem falava de fugir. Do e Charlotte não tinham a vontade suficiente... —Fugir? Ao final, tampouco ela tinha tido a valentia necessária para escapar de seu marido. Mas não o disse a Wickham. Um pensamento horrível começava a fincar raízes. —O que você faz na Inglaterra? —perguntou-lhe. —É pura coincidência? —Do me escreveu me contando que tinha medo de seu marido, que a humilhava e que temia inclusive por sua vida. —De modo que, finalmente, decidiu voltar para casa para ajudá-la. 7

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Os olhos escuros dele jogavam faíscas. —Sim. Jane sentiu a selvagem e louca necessidade de lhe fazer mal, de castigá-lo. —Do está aterrorizada por seu marido, Treyworth. Sei que a pega, mas o faz de tal modo que não lhe deixa marcas. —Jesus — murmurou lorde Wickham. Jane apontou o dedo para seu fornido peito. —Neste clube teve que suportar surras com chicote. Viu-se obrigada a... a fazer coisas com vários homens de uma vez! Teve que... Ele deu um passo à frente e lhe tampou a boca com a mão. Ela aspirou ao aroma do pânico e do delicado couro. —Pare — rugiu ele. —Isto não ajuda a ninguém. Não podia respirar. Sentiu uma vertigem. Aproximou-se mais dela. —Quando voltar a abrir a boca, será para me dizer algo com um pouco de utilidade? Apertando os dentes, lutando por vencer o medo, moveu afirmativamente a cabeça e ele retirou a mão. Respirou fundo. —O que disse Treyworth? —perguntou. —Como lhe explicou o desaparecimento de Do? —Disse-me, cego de raiva, que tinha fugido com um amante. E depois tentou me jogar de sua casa à força, a ponta de espada... —Tentou? —Consegui pegar sua condenada espada e a parti em dois. —passou a mão pelo cabelo, deixando-o convertido em um alvoroço escuro. “Tinha partido uma espada em dois?”. —Temo que a tenha matado. —Jane ficou assombrada ao ver que tinha conseguido articular aquelas palavras sem tornar a chorar. Teria que haver posto mais empenho. Deveria ter obrigado Do a fugir de Treyworth. Por uma vez, teria tido que reunir a coragem suficiente. —De modo que pensa isso. —Wickham se afastou de seu lado em direção à lareira e posou ambas as mãos sobre o suporte. Seu corpo sofreu uma prolongada sacudida e, continuando, ficou imóvel. —Não encontrei provas disso. —Tampouco eu. Voltou-se surpreso, a desolação e a angústia refletidas em seu rosto. Parecia... que Do lhe importava, depois de tudo. Mas a raiva continuava fervendo em seu sangue. Por que o dissoluto “Lorde Perverso” não podia ter descoberto uns meses antes que tinha coração? Ou uns anos antes? —E veio aqui com a intenção de encontrá-la? Jane negou com a cabeça. —Não acreditei que fosse encontrá-la aqui. Charlotte continua vindo a este clube e insiste em que aqui não aconteceu nada a Do. Charlotte —lady Dartmore —é também amiga nossa. É 8

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muito convincente, mas não acreditei. Charlotte mudou... Não posso definir como, mas sei que mudou. Já não confio no que diz. Ama a seu marido e seguirá amando-o. Wickham a olhava boquiaberto e era evidente que se perdeu em seu rápido discurso. —Vim aqui em busca de algum... de algum tipo de pista. De respostas. Na realidade não sei se este clube tem algo haver com o desaparecimento de Do, mas sei que este lugar lhe dava medo. E sei que cada vez estava mais assustada. —Contou também a você? —Não, sei por que começou a negar-se a falar comigo. Só uma mulher com muito medo deixaria de falar com suas melhores amigas. —Mas me escreveu — murmurou ele, e ficou olhando o resplendor do fogo. O relógio do suporte da lareira avançava alegremente e o fogo crepitava como faria em qualquer quarto, ignorante de que o perigo e o pecado espreitavam em qualquer canto daquele malévolo clube. —É evidente que acreditava que você poderia ajudá-la — disse ela em voz baixa. Podia confiar no irmão de Do? Haveria por fim aceito sua responsabilidade, ou sua presença aqui se devia a algum motivo sinistro? Seria capaz de adivinhar por sua expressão se estava mentindo? Sempre tinha acertado com as mentiras de Sherringham, embora acreditasse que sempre tinha posto expressamente fácil. Para Sherringham, mentir para ela não era mais que outro tipo de tortura. Durante duas semanas, tinha mantido uma correspondência desesperada com Treyworth e realizado frenéticas visitas a Charlotte com a esperança de convencê-la de que Do corria perigo. Não esperava que Treyworth estivesse de acordo com ela, pois afinal, era o principal suspeito. Mas estando Charlotte tão obstinadamente segura de que Do tinha fugido, Jane tinha começado a pensar que tinha enlouquecido e sofria alucinações. Mas Do tinha que estar assustada de verdade se tinha chegado a escrever a seu irmão ausente para suplicar ajuda. O que significava que Jane não tinha tempo que perder. — Você é perfeito — disse ao Wickham. —Como diz? —separou-se da lareira para ficar de cara com ela, seu escuro cabelo negro lhe cobrindo quase a testa. —Tenho que inspecionar o clube, mas é para casais. Juntos podemos entrar em lugares que não poderia entrar sozinha e... —Não. —O que quer dizer esse “não”? —Não é um conceito difícil, Jane Beau..., lady Sherringham — se corrigiu. Tinha estado a ponto de utilizar seu nome de solteira. —Você vai sair agora mesmo deste quarto e vai tirar seu bem educado traseiro deste clube. E voltará para sua casa, onde estará sã e salva. —Não penso fazê-lo. E não sou uma inocente... Talvez possua um título, mas jamais me protegeram do lado escuro e sujo da vida, milord. Ele arqueou uma escura sobrancelha. 9

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—Efetivamente. Mas necessita para ser seu casal. Jane notou como seus próprios olhos se entrecerravam receosos. —Necessito de um cavalheiro em quem possa confiar para que me ajude a entrar nas zonas mais secretas deste clube. —Mas o problema é que não pode confiar em mim. O coração deu um tombo. —Sabe qual era minha ideia de entrada, carinho? Aquela afetuosa palavra lhe pôs os cabelos em pé. Já não eram dois iguais com um objetivo comum. De repente ele parecia maior, mais frio e muito mais ameaçador. Oito anos atrás, estavam acostumados a discutir e brigar sempre que coincidiam. Agora, parecia um desconhecido. —O que tinha pensado fazer? —Suas palavras emergiram lentamente, dúbias. —Pretendia levar até o final este embuste e perguntar sobre Do enquanto flutuava nas deliciosas proezas de seus muitos orgasmos. Demorou um instante em recuperar a têmpera depois de que ele pronunciasse a palavra “orgasmos”. —Pensava... deitar-se comigo? —Sim. Por isso sabia, estava você implicada até suas preciosas sobrancelhas no desaparecimento de minha irmã. Não tinha pensado lhe revelar que a conhecia e que eu não era seu gigolô, até que me dava conta de que não pensava me convidar à cama. —Jamais teria feito mal a Do! Você é realmente perverso. Perverso. Perverso. Perverso. — Odiava o som infantil de suas palavras, mas não lhe ocorria outra palavra melhor para descrevê-lo. —O que só deve demonstrar, carinho, que você não pertence a este lugar. Não pode confiar em mim e se este lugar for o que diz que é, duvido que possa confiar em alguém aqui dentro. Acredito que Do continue com vida. Estou seguro de que segue com vida. E a encontrarei. Mas você parte para sua casa. —Não, eu... —Estou seguro de que a senhora Brougham já suspeita dos motivos pelos que veio aqui, pois, por isso parece, este clube está pensado para que os cavalheiros venham com suas esposas. Certamente estará perguntando-se por que veio sozinha, com suas roupagens de viúva, quando seu marido nunca a trouxe por aqui. —Não sabe quem sou. Dei-lhe um nome falso, pedi-lhe que não o desse a você..., a seu empregado, refiro-me. —Quem é você carece de importância. Mas seguro que está perguntando-se o que é o que quer na realidade. Jane franziu o sobrecenho. Talvez tivesse razão. A senhora Brougham tinha insistido em que contratasse os serviços de um de seus homens e tinha seguido o jogo para não despertar suspeitas. E se a senhora Brougham tivesse estado pondo-a a prova e pretendesse utilizar ao prostituto para mantê-la ocupada? E como podia ocorrer a ele mandá-la tranquilamente para casa? Tinha abandonado a sua irmã. Era incapaz de compreender o que podia chegar a fazer uma pessoa por um ser querido. 10

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Não podia continuar perdendo o tempo com lorde Perverso. De modo que fez o que teria feito com Sherringham. Baixou obedientemente a cabeça e murmurou: —De acordo. Deve ter razão. Partirei para casa. —Levantou a cabeça e enfrentou a seus olhos azuis para resultar mais convincente. —Mas terá que me contar o que averiguou. —Naturalmente — concedeu, embora ela soubesse que mentia. —Acompanharei você até a porta principal. —Com certeza que sim — murmurou ela. Mas pelo que Delphina tinha contado, sabia que o clube tinha também uma porta traseira. Todos os bordéis tinham, uma via de escapamento se por acaso apareciam os representantes da lei. Tinha rezado para que, em caso de perigo, Do a tivesse utilizado para fugir do clube. O problema era que não tinha nem ideia de por que Do fugia ou de onde podia ter ido. Não estava em nenhum dos lugares onde Jane a tinha procurado desesperadamente, Do não se refugiou nem entre suas amizades nem em nenhuma das propriedades rurais de Treyworth. Para Jane, esta noite, aquela porta escondida não seria uma saída do inferno. Seria uma entrada. CAPÍTULO 2 A casa inteira cheirava a sexo. E havia ao menos meia dúzia de damas de alto berço rondando por ali vestidas unicamente com espartilho e meias. Christian Sutcliffe, lorde Wickham, apertou os punhos com força abrindo caminho entre a multidão que enchia o salão do clube da senhora Brougham. Treyworth faria Do desfilar daquela guisa? Sua irmã era a típica garota de laços rosa e volantes, doce e dócil. Jamais teria desafiado o seu marido. Faria o que queira que tivesse pedido a ela. Christian desejava despedaçar Treyworth. Tinha realizado a comprida viajem da Índia imerso em um sentimento de culpa que agora voltava sobre ele como uma faca sobre uma ferida aberta. Igual lady Jane Beaumont — agora lady Sherringham, — acreditava que Do seguia com vida. Tinha que acreditar. Estava viva, mas desaparecida, e ele a encontraria. Devolveria sua irmã à casa sã e salva. Compensaria tudo o que tinha feito de mal até então. E quanto a lady Sherringham, graças a Deus, já estava metida em sua carruagem camuflada e a caminho de casa. Perversamente, Christian não podia deixar de pensar no encontro que tinha tido com ela. Aquela mulher sempre conseguia lhe tirar do prumo. Sempre tinha desfrutado lhe fustigando com sua língua afiada, algo que não gostava nada. Com dezessete anos, aquela mulher lhe jogou um dia pudim na bota e ele fez um comentário mais áspero de tom que a levou a ruborizar-se. —Não sei por que rechaçaste a oferta desse cavalheiro que queria unir-se a nós, querido. Não me importa que seja mais bem dotado que você. Christian se voltou surpreso para ouvir aquela irada voz feminina e ficou olhando o casal que tinha ao seu lado. A mulher estava vestida com um baby-doll transparente, mas ela parecia pegar em armas. Levava uma barra na mão de cujo extremo penduravam tiras de couro negro. Falava 11

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com seu acompanhante. Vestido com traje de noite, o homem levava um chicote, sua cauda enrolada na mão. —Arruinou minha festa — continuou a mulher em tom lastimoso. —Se cale mulher — murmurou o homem. Marido e mulher, ao que parece. Era a graça daquele lugar. Estava concebido para casais. Começava a ter a impressão de que o jogo bem sucedido tinha mudado desde que ele se foi da Inglaterra. De um canto da sala superaquecida, chegaram-lhe uns aplausos que chamaram sua atenção. Dirigiu-se para essa zona onde se congregou um grupo de gente. No centro, uma garota esbelta, bela e de cabelo escuro enlaçava uma série de poses. Estava vestida de branco como só uma jovenzinha pode vestir: a suave musselina transmitia inocência e ressaltava sua pele branca, seus lábios vermelhos e seus intensos olhos escuros. Mas a brilhante luz da arandela revelava um vestido quase transparente. Não usava nada debaixo; seus mamilos, pequenos, insolentes e rosados, destacavam debaixo do fino objeto. As esbeltas linhas de suas coxas, a fina curva de seu quadril, inclusive o escuro arbusto de cabelo de entre suas pernas..., tudo se revelava de forma tentadora. Christian reconheceu a vários nobres entre o grupo de admiradores, todos eles contemplando à garota com descarada luxúria. Diante dele, uma dama mascarada comentava com sua amiga: —Deliciosa, verdade? É a segunda esposa de Pelcham e acaba de completar os dezoito. Conhecia o Pelcham. Um visconde que pretendia a coroa de Byron como poeta romântico da Inglaterra. —Esta noite, Pelcham anda procurando outro casal. Deseja doutrinar pouco a pouco a sua nova e encantadora esposa. —Terei que adquiri-la, neste caso. Meu marido terá uma imensa dívida comigo, e já sei o que lhe pedirei em troca: um jovem garanhão com uma resistência magnífica. —Ambas as damas riram com malícia. Christian observou a pirueta da jovem esposa de Pelcham, claramente encantada por ser o centro de atenção. Mas sua inocência lhe brocava o coração. Parecia-se com Do, tal como ele recordava sua irmã. Então gritou um cavalheiro: —Levante as saias, querida, e daremos uma olhada a suas jovens e firmes ancas! —E vendo que não obedecia imediatamente, apareceu uma mão disposta a atirar da prega com volantes. A garota mordeu o lábio e retrocedeu. Maldição, não tinha tempo para resgatar a outra mulher, mas não ficaria mais remédio. No momento em que afastava a dois nobres adoentados para alcançar a jovem, Pelcham apareceu pelo lado oposto. Libertino de cabelo escuro, de uns quarenta anos de idade, rodeou a cintura de sua esposa com um braço protetor. —Querida, decidiste já quem desejas que nos acompanhe no quarto? “Por Deus!”. A garota assentiu, seus negros cachos dançando a seu som, e se inclinou timidamente para seu marido. De repente, seus movimentos perderam sua inocência e sua insegurança. Aproximou12

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se a mão à boca com um gesto pícaro e sussurrou ao ouvido de seu marido. Seus olhos brilhavam, e Christian reconheceu com aversão esse brilho. Estupidamente, a moça acreditava ter poder. Treyworth deve ter obrigado Do a fazer aquilo. Teria dado medo nela ou a teria cativado a possibilidade de ter a alguns dos homens mais poderosos da Inglaterra pendentes de sua palavra, de sua escolha, de seu despreocupado capricho? “Do, merecia muitíssimo mais”. Uma mão coberta de seda rosa lhe apertou o braço e Christian baixou a vista até encontrarse com um rosto de tigresa. Surpreso, esteve a ponto de dar um passo atrás, mas então se deu conta de que a mulher miúda vestida de rosa levava uma preciosa máscara de papel maché. —Está fascinado, senhor. Ele forçou um lento sorriso, esse sorriso que empurrava às jovens inocentes a conter a respiração e punha às prostitutas a ponto para a conquista. Levou a mão da mulher aos lábios. —Procuro lady Treyworth. Ela não mostrou algum tipo de culpabilidade. Nenhum movimento repentino, nenhum sinal de alarme que alterasse a boquinha franzida e a pressão da mão. Em todo caso, olhou-o perplexa. —Lady Treyworth? Faz uma semana que não a vejo por aqui. Talvez inclusive mais. —Recorda a última noite que a viu? —Acariciou-lhe com o polegar a palma da mão. Até sentindo-se detento da tensão, tinha que jogar seu papel de sedutor. —Não. Mas a última noite que esteve aqui, atuou no teatro com Salaberry. —Que tipo de atuação? A mulher deu um coice e ele se deu conta de que lhe tinha falado a gritos. Para tranquilizála, voltou a lhe beijar a mão e chupou seu dedo indicador através da fina seda. —Foi... pícara —disse sem fôlego. —Está acostumado a ir ao teatro? Vou olhar. Mas meu marido me chama e devo ir com ele. —Soltou-lhe a mão. —Espere... Mas a mulher se perdeu entre a multidão. Um quarto de hora mais tarde, Christian seguia sem encontrar a ninguém que tivesse visto o Salaberry, ou que fora o marquês de Salaberry. Não recordava aquele título. Então uma dama lhe lançou um sorriso lascivo em resposta a sua pergunta. —Lorde Salaberry chega na hora da representação teatral. Nunca “chega” antes. —Riu dissimuladamente de sua própria piada. Christian se afastou de repente de seu lado e saiu do salão de baile, consciente dos olhares intrigados que lhe seguiam. Onde estaria o teatro? Vamos. Em algum lado. Perguntou onde estava a um criado que estava nu de cintura para cima e atravessou o vestíbulo a seguir. Tinha vontades de esmurrar à bela parede. Tinha vontades de destroçar aquele bordel com suas próprias mãos. Amaldiçoava Treyworth pelo que tinha obrigado Do a fazer. E amaldiçoava a si mesmo por não ter estado ali para impedi-lo. Descarregou sua fúria subindo as escadas de três em três degraus. A lógica o aconselhava moderar o passo, não mostrar-se tão agitado, tão decidido e detento de raiva, mas era impossível traduzir seus pensamentos em gestos. E o que importava, de todos os modos, quando sabia que a senhora Brougham suspeitasse dos motivos que pudesse haver detrás de sua presença ali? 13

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O que outra coisa podia pensar a ardilosa madame, além do fato que ele suspeitava tanto dela como de seu clube? Baixa, voluptuosa e envolta em diamantes, a senhora Brougham se mostrou simpática e agradável, embora também em guarda quando o criado o tinha feito passar a seu salão privado... depois de que visse a carruagem de lady Sherringham entrando naquela rua. Quando tinha perguntado por sua irmã à senhora Brougham, seu rosto engenhosamente maquiado tinha simulado preocupação, mas a tensão tinha ficado patente em suas mãos, elegantemente unidas sobre sua mesa de trabalho. Desde que tivesse estado observando com tanta atenção, caso contrário, teria passado por cima daquele detalhe. Christian chegou ao final da escada, abriu-se passo entre os casais que rondavam por ali e avançou pelo corredor atapetado. As paredes estavam decoradas com pinturas eróticas e flanqueadas por esculturas de estuque que representavam complicadas posturas carnais. Tinha estado em uma centena de bordéis, alguns sensuais e acolhedores, outros sujos e toscos, alguns elegantes e caros. Mas aquele lugar não se parecia com nenhum deles. Talvez a tensão que sentia fosse o resultado de ver casais casados praticando juntos seus jogos sexuais. Segundo sua experiência, os casais casados iniciavam relações extramatrimoniais para fugir de si mesmos. Ou para fazer-se mal mutuamente. Ou lady Sherringham teria razão e Do tinha corrido perigo ali? Os criados sabiam sempre tudo. Ou isso ao menos esperava Jane. A chuva ensopava sua capa e puxou a porta traseira do clube da senhora Brougham. A grade do jardim estava aberta e aquela porta também. Abriu-a brandamente e imediatamente se sentiu alagada por um saboroso aroma de carne assada. Cheirava de um modo tão impossivelmente ordinário que teve que tampar a boca com a mão para sufocar um incipiente soluço. —Você está no lugar equivocado, querida. Jane se voltou e se encontrou com os bondosos olhos azuis de uma fornida cozinheira. A mulher se tornou para trás seus grisalhos cachos. —Se busca os calabouços, é melhor que volte a subir a escada de serviço e logo desça por uma das escadas principais. A porta que conduz daqui até essa parte da casa está fechada com chave. A mulher falava como se fora o mais natural que uma mulher andasse procurando os calabouços. E se equivocava por completo. Jane deu um passo à frente. —Não procuro isso. Procuro uma amiga minha e necessito de ajuda desesperadamente. Compensarei-a. Na pia, duas criadas deixaram de esfregar caçarolas e voltaram as cabeças escuras. —Uma amiga dela, senhora? —perguntou uma delas com o jovem rosto iluminado de esperança com a promessa de dinheiro. Aquelas mulheres não tinham outra opção que trabalhar ali e Jane sabia muito bem o que era não ter outra escolha. 14

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—Lady Treyworth. Recompensarei bem a quem possa me dizer algo sobre ela. Mas só obteve como resposta as olhadas perdidas de criadas e cozinheira. Sua esperança de obter informação se esfumou. Pestanejou para reprimir as lágrimas. —Está duas semanas desaparecida. O pau de amassar macarrão desceu com força sobre a mesa e Jane deu um salto, surpreendida pelo som. Fazia mais de um ano que tinha enviuvado, mas continuava saltando com qualquer som inesperado. Sherringham sempre a surpreendia em seu silêncio lançando ao chão algo. —Está você branca como o papel. Uma de vocês duas... vão procurar uma cadeira antes que a dama desmaie. —Não vou desmaiar. —Mas Jane se encontrou sem dar-se conta sentada em uma frágil cadeira de madeira. Não, não pensava desmaiar, não depois de sobreviver a seu caminho pelo bordel, o enfrentamento com lorde Wickham em um quarto e ter tido que ouvir de sua maliciosa boca que teria deitado com ela, tinha que fazê-lo. —Aqui não encontrará a sua amiga, senhora — disse amavelmente a cozinheira. —A patroa dirige um estabelecimento elegante, nada que ver com esses lugares onde as garotas são da rua ou as roubam a boas famílias. Jane notava o suor deslizando-se pelo interior de seu sutiã. Os fornos estavam acesos e o calor fazia que a cabeça desse voltas. —Já vejo que não é desses. Mas continua sendo um lugar pecaminoso e perigoso. Criadas se olharam. —OH, não — se atreveu a dizer uma. —A patroa se assegura de que não corramos perigo nas mãos de nenhum cavalheiro. Céus. Ao que parece, sua ideia do inferno e a versão que do mesmo tinham as criadas eram um pouco distintas. Aproximou então da segunda criada e se agachou junto à cadeira. —Disse que havia uma recompensa? —perguntou timidamente. Que idade teria aquela garota? Era apenas uma criança. —Sim — respondeu Jane. —E muito generosa. —Mas enquanto falava, rezou para não ter feito uma promessa que logo não pudesse cumprir. Só teria uma maneira de pagar: pedir emprestado dinheiro a lorde Wickham. Sendo a recompensa para Do, não se negaria, isso era seguro. Se fosse necessário, estava disposta a suplicar. Por um impulso, agarrou as mãos úmidas e calosas da jovem criada. —Agradeceria algo que pudesse me contar. —Há dito que tinha desaparecido. Havia uma atriz por aqui... —Vocês duas não sabem nada — espetou a cozinheira. —E lhes aconselho manter a boca fechada. Mas Jane ficou em pé e se voltou para a grisalha cozinheira. —Por favor... A cozinheira baixou a vista presa da culpabilidade e batalhando com sua consciência. Jane conteve a respiração... Que tortura estar a ponto de saber algo, não saber se acabaria escutando 15

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algo que pusesse fim a todas suas esperanças. —Falam de uma das garotas que trabalhava aqui e sonhava ser atriz de teatro — disse a cozinheira. —Mas esteja segura de que não tem nada haver com lady Treyworth, senhora. Nada. Essa estava acostumada vagar pelas ruas e a patroa a resgatou. Mas ao que parece voltou para seus velhos costumes. —Com um suspiro, a cozinheira deixou o pau de macarrão sobre a mesa. — ide procurar mais carvão, garotas, estamos ficando sem. Enquanto as garotas se despediam com as saudações de rigor e secavam as mãos no avental, a cozinheira sussurrou: —Estes dois periquitos voltarão em seguida e não posso perder tempo mexericando, senhora. A patroa ficará feito uma fera se o jantar não estiver pronto na hora. —Baixou ainda mais a voz. —Mas eu gostaria de ajudá-la. Jane compreendeu. O que tinha que fazer era pôr a ceva adequada. Qual seria seu máximo desejo de trabalhar em uma sufocante e estreita cozinha situada debaixo de um bordel? Impulsivamente, avançou até situar-se junto à cozinheira. —Eu gostaria de muito ajudar a uma mulher que queria melhorar sua situação. Eu gostaria de ajudá-la. Jane viu toda uma vida de esperanças e sonhos frustrados roubando o brilho dos olhos azuis daquela mulher. —Todo mundo merece a oportunidade de fazer realidade seu sonho — acrescentou com firmeza. —É você uma dama curiosa para estar em um lugar como este. —A cozinheira se voltou para agarrar um recipiente do mostrador que tinha a suas costas, mas se deteve e Jane conteve a respiração. A voz da cozinheira soou tênue e indecisa. —Meu sonho seria uma casa de hóspedes. Eu gostaria de ser minha própria patroa até o fim de meus dias. —Posso ajudá-la a conseguir. —Sabia que com cada palavra aumentava sua dívida com o Wickham... e isso sem saber se ele faria honra a suas promessas. Mas o que outra coisa podia fazer? Não podia pedir dinheiro a sua tia Regina e Sherringham tinha dilapidado de tal modo seus bens que estava virtualmente sem um centavo. —Houve outra garota que desapareceu também. Fará perto de um ano em ambos os casos — murmurou apressadamente a cozinheira. —A patroa disse que as duas fugiram com homens. As “mulheres liberadas” andam sempre à espreita de um protetor que as leve pelo bom caminho. Por aqui passam coisas que dão medo. A cozinheira franziu os lábios e deu a impressão de estar tão extremamente preocupada que Jane teve que engolir em seco para dissimular seu pânico. —Que tipo de coisas? —Ouvi o que acontece no teatro. —O teatro? —Agora não posso falar disso. Não há tempo. 16

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Com dedos trementes, Jane procurou um cartão em seu bolsinho. —Este é meu endereço. A mulher abriu os olhos de par em par. —Lady Sherringham. —Nervosa de repente, a cozinheira fez uma reverência. —Sou a senhora Small, milady. Na quinta-feira tenho a tarde livre. Poderia ir até lá então. Dois dias. Não podia esperar tanto. Desejava implorar à cozinheira que contasse mais coisas, mas naquele momento se abriu a porta e apareceram de volta as duas criadas. Chamou-lhe a atenção uma porta branca e dourada que havia ao final do corredor. Christian avançou para ela. A senhora Brougham tinha deixado muito claro que zonas estavam restringidas aos exclusivos jogos inventados para maridos e mulheres. O teatro. Os dormitórios. Os calabouços. As acomodações orientais. Os cavalheiros e damas sem companhia só podiam acessar aos salões e salões de baile do primeiro piso. A seguir e com um brilho no olhar, havia lhe dito que os casais podiam convidar aos clientes solitários para unir-se a seus jogos. De modo que se queria acessar ao teatro, tinha que encontrar uma mulher ou um casal que procurasse um terceiro. Ou tinha que irromper nele à força. Chegou à porta, confiou em ter dado com a correta e girou a maçaneta. Esperava encontrála fechada, mas abriu sem problemas, acessando assim a um lugar tranquilo, embora não em completo silêncio. O fogo crepitava nas duas lareiras que flanqueavam a sala. Com uma estrutura curva, fileiras elevadas de amaciados assentos e um tapete turco de intrincado desenho cobrindo o chão, aquilo tinha que ser o teatro. Christian se encaminhou para a mureta baixa que rodeava a zona de assentos. No cenário, abaixo, havia uma cama de grande tamanho cheia de almofadas e um armário alto. Retorceu-lhe o estômago. Haveria Do, sua doce e delicada irmã, feito... coisas ali, enquanto outros homens a olhavam como se estivessem em qualquer teatrinho do Drury Lane1? Ouviu passos no corredor. Quem quer que se aproximasse o fazia depressa. A maçaneta girou justo no momento em que Christian se retirava para as sombras da sala e corria em direção aos cortinados de veludo. A porta abriu-se e Christian desapareceu depois das cortinas, nem o mais leve murmúrio podia delatá-lo. A pessoa que entrou usava uma capa negra. Passou então por seu lado um sutil perfume feminino, rosa e lavanda. E um aroma de lã molhada. Christian reprimiu um grunhido. Abandonou seu esconderijo. —Lady Sherringham. Ela virou-se e cobriu a boca com a mão enluvada. Ao menos não gritou. O capuz caiu para trás e deixou descobertos seus cachos acobreados. Retirou o véu. —Lorde Wickham. —Seus olhos eram marrons como o chocolate amargo, quase negros, e impossíveis de ler na penumbra, mas a voz chegou a ele como desesperado sussurro. —Por que demônios retornou aqui? —Avançou para ela dando grandes pernadas. —Enviei-a 1

Drury Lane no século XVIII Drury Lane tornou-se uma das piores favelas de Londres, dominada pela prostituição.

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para casa. Por que me desobedeceu? —Desobedecer a você? Sempre tinha sido a típica mulher que aparecia quando não a queria e no lugar que não lhe correspondia. Estalou: —Santo céu, mulher! Não vê quanto é perigoso colocar o pé em um lugar como este? Quer fazer mais mal a minha irmã? Ou retornou para deitar-se de uma maldita vez comigo? Ela se afastou dele, dando pequenos passos para trás até tropeçar com a mureta. Teve que agarrar-se a ele. —Jamais... jamais o convidaria a minha cama! Abriu-se a porta e a luz que procedia do exterior fez que Christian piscasse. A voz de lady Sherringham sossegou, mas sua indignação continuava enchendo a sala. “Se não obedecer estas regras, terei que pedir que abandone o clube e não volte nunca mais”, havia dito a senhora Brougham. Entraria naquele edifício a madame permitisse ou não, mas por agora seria muito mais singelo se acatasse suas regras. Entretanto, em menos de um segundo, seria expulso do bordel por ter entrado no teatro e as desafiando. Os olhos de lady Sherringham se abriram surpreendidos quando ele a atraiu contra seu corpo. —O que está você...? —Vamos querida, tentou-me para que brinque. —Riu com toda a lascívia que foi capaz, baixou a mão para agarrá-la pelo traseiro e a beijou. Os suaves lábios dela forçaram um surpreendido “O”, mas a boca de Christian a cobriu imediatamente com uma carícia contundente e íntima. Cravou o sapato na sua tíbia. Embora sua intenção fosse fazer mal, o sapato golpeou inofensivamente a bota. Estava rígida e inflexível como uma prancha. Tinha o sabor de um dia do verão inglês: frio, mas excitante. Beijou-a com mais força, com mais profundidade, e rezou para que seus incoerentes protestos parecessem gritos de paixão. “Entre no jogo”, murmurou-lhe mentalmente. Mas não o fazia. Cravou-lhe as mãos nos bíceps e tentou libertar-se de seu abraço. Não compreendia que o que pretendia era que parecessem um casal, amantes fazia muito tempo? Diante do público, não podia limitar-se em dar um beijinho educado. Tinha que obter que ficasse convincente. Tinha que dar a lady Sherringham o tipo de beijo associado a um obsceno jogo prévio, por muito que ela se debatesse e lutasse entre seus braços. Inclinou a cabeça, obrigando-a a jogar a sua para trás e Jane, instintivamente, enlaçou as mãos por trás de seu pescoço para manter-se erguida. Enterrou os dedos em sua pele, entre o pescoço da camisa e a gravata. Tinha a boca quente, úmida e fechada de canto e canto, mas ele continuou medindo seus lábios com a língua, beijando-a com vontade. Escutou então um gemido de surpresa. E ela deixou de apresentar batalha. Sentiu-se imerso em lavanda e outros aromas femininos. Seus dedos se seguraram com a capa à altura da cintura e sua mão capturou o voluptuoso traseiro da dama. 18

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Apesar de ser uma sedução fingida, seu membro viril era incapaz de notar a diferença. A ereção esticava a calça e a paixão e a culpabilidade se misturaram. Como seu corpo podia sentir desejo naquelas circunstâncias, com Do em perigo? Recordou as duras palavras de Jane: “Estou segura de que só pensa na paixão”. Já basta. Tinha que parar. E deixou que suas bocas se separassem no mesmo instante que ouviu que alguém tossia a suas costas. —Desculpe — disse um imperturbável criado. Christian olhou a lady Sherringham nos olhos. Chocava-lhe que naquele clube alguém pedisse desculpas. E então escutou o único som que lhe partia a alma. A respiração assustada e torturada de uma mulher. Lady Sherringham tinha medo de verdade. Um medo que lhe impedia de mover-se ou separar-se dele. Seu olhar vagava como se fosse um pequeno animal indefeso a ponto de ser apanhado por terríveis mandíbulas. Atrás deles, uma voz jovial de barítono exclamou: —Não está mal o espetáculo, mas estamos aqui para ver a representação que programou! Christian voltou a cabeça, segurando ainda lady Sherringham contra seu corpo. Sentia a pressão de uns peitos turgentes, suas coxas exuberantes, seus quadris arredondados. Pela extremidade do olho viu que ela jogava a cabeça para trás, como se quisesse abrir entre suas bocas o máximo de espaço possível. Sua respiração entrecortada flutuava em seu ouvido. Atrás deles, seis casais seguiam um criado com libré que levava um candelabro. Reconheceu unicamente um cavalheiro, o homem que tinha falado. Lorde Petersborough, da idade de seu pai. Um conde fanfarrão de torso redondo, ombros largos e cara polpuda. —Continuem. —Petersborough agitou a mão. Dobrava a idade da mulher que o acompanhava. Um ajustado espartilho de seda negra rodeava a cintura dela e seus seios apareciam por cima, presos por um pingo de tule negro. —Sempre é um prazer ver jogos preliminares para ir esquentando a coisa. Lady Sherringham parecia que ia desmaiar de um momento para outro. Christian observou como sua garganta se movia esforçando por engolir em seco. Mas, de repente, ficou nas pontas dos pés e lhe sussurrou ao ouvido: —Tenho... tenho que ficar. Tenho que fazê-lo. Uma sensação debilitante de desejo físico percorreu suas pernas ao sentir seu fôlego na orelha. —Por sua conta e risco, anjo — murmurou ele. —Terá que fingir que é minha amante. CAPÍTULO 3 Era como se estivesse correndo em uma carruagem a toda velocidade, apanhada em um crescendo de puro terror intensificado pelo pavor absoluto de que tudo terminasse em uma colisão horrível. Jane levantou a vista para os olhos azuis de Wickham. Ainda tinha uma mão em seu traseiro e a outra aberta sobre suas costas. Estava presa contra seu amplo torso e as vozes e as risadas a 19

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rodeavam qual redemoinho. Quase tinha perdido o equilíbrio quando a boca do homem havia colado úmida, quente e exigente, sobre a sua. Acreditava que ia obrigá-la a abrir a boca, que a penetraria brutalmente com a língua, que lhe faria mal. Resistiu e tinha dado um chute. Mas ele nem se alterou. As lembranças a afligiam. Eram tão reais, duras e aterradoras que era como voltar a reviver tudo... “Olhos frios e cruéis. Uma mão elevada, um bofetão. As costas esmagadas contra a cama, as pernas forçadas a abrir-se, a boca de Sherringham babando, uma excitação selvagem ardendo em seu olhar. Sua boca descendo sobre a dela...”. —Se importaria de tomar assento, senhora? Senhor? O espetáculo está a ponto de começar. O criado da senhora Brougham a havia devolvido à realidade com mais rapidez da que teria obtido com um jarro de água fria. Guardou suas lembranças nos escuros cantos da mente a que correspondiam e se concentrou em Wickham, que continuava abraçando-a. Viu seus olhos atrás da máscara, obscuramente receosos e transbordantes pelo assombro. Não sabia o que dizer. Ele a olhou nos olhos, um olhar azul profundo e selvagem, exigindo, sem palavras, que explicasse o que acontecia. Então levantou uma mão. Ela estremeceu, mas ele se limitou a baixar o véu para que seu rosto ficasse oculto. —O espetáculo, sim! —Jane aproveitou a sugestão, enquanto sugiram as risadas de Petersborough que invadiu a pequena sala. Golpeou com suas carnudas mãos o respaldo de um dos assentos e lançou-lhe um olhar lascivo. —Sente-se aqui, querida, e me permita o prazer de me sentar a seu lado. O olhar que Wickham deu de presente ao conde teria feito tremer as pedras. Enquanto, a esposa de Petersborough jogava faíscas. Jane pestanejou atrás de seu escudo de encaixe ao ver que aquela mulher de feições angulosas, mas atraente, olhava-a como a oponente de um duelo. Por Deus Bendito, se atrás daquela fina capa de tule negro se viam até os mamilos! Elspeth, lady Petersborough, realizava obras de caridade para viúvas de guerra. E Jane sabia, pelas vezes que tinha tomado o chá em sua companhia, que Elspeth era primeira em lançar pedras contra uma mulher da vida. —Não se sentará a seu lado. —Com a mão justo por cima da curvatura de suas nádegas, Wickham lhe deu um delicado empurrão. —Vá até o final da primeira fila. O último assento. —Mas... —Vá. —Foi um rugido que ressonou em sua garganta. E ela tremia muito para não obedecer. Jane recolheu sua saia e avançou com resolução para o assento. Compreendia as intenções de Wickham. Daquele modo, um só homem poderia sentar-se a seu lado e Wickham, que percorreu a fila, virtualmente colado a seu quadril, fez-se com esse único assento vizinho. Jane se sentou, e apesar do fofo veludo da cadeira, adotou uma postura rígida e olhou para frente. Viu pela extremidade do olho que Wickham se inclinava para ela e o medo a obrigou a endireitar-se. Outros homens tinham as mãos posadas sobre suas mulheres: sobre seus seios, sobre suas 20

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coxas. E se a Wickham ocorria tocá-la também daquela maneira? Sabia que o faria. Tinha que fingir ser seu amante. Seu coração começou a pulsar de um modo ensurdecedor. Tinha que recuperar o controle. Nunca teria imaginado que um beijo, até sendo tempestuoso, pudesse provocar aquilo. A mão de Wickham deslizou delicadamente sobre a sua. A apertou levemente para tranquilizá-la, mas inclusive assim se sentia presa. —Não pretendia forçar o beijo, mas era essencial fazê-lo — murmurou. Vá, a palavra que tinha escolhido! “Essencial”. Seria também aquilo essencial, o lento deslizar de seus lábios, como uma pluma, sobre seu ouvido? Supôs que sim. Dava-se conta de que, enquanto falava, examinava com o olhar ao resto dos ali congregados. Seu rosto de esculpidos traços não mostrava nenhuma emoção, mas sua tensão e sua raiva eram evidentes. Jogou também ela uma olhada à sala. Lorde Pelcham, o galhardo poeta romântico, tinha instalado a sua jovem esposa sobre seus joelhos e escondia a mão sob suas saias. O duque de Fellingham, um grisalho herói de guerra, acariciava com o nariz os seios de sua esposa e ela ria como uma colegial. Havia uma mulher inclinada que beijava entre as pernas de seu marido... Jane cobrou consciência de suas bochechas acesas. Mas tinha que olhar, tomar nota dos convidados ao teatro. Fellingham, Pelcham, Petersborough. O conde de Coyne, atraente, um jogador exímio. Os outros dois homens foram disfarçados. Vestido de pirata, com um emplastro negro, os olhos pintados com o Kohl, barba e bigode arrepiado. O outro usava uma máscara negra que lhe cobria o rosto da raiz do cabelo até a boca. De repente, notou os lábios de Wickham lhe acariciando o ouvido e reprimiu um grito de surpresa. —Por que está tão assustada? —perguntou-lhe. O que faria Wickham se dissesse que o tinha confundido com seu brutal e falecido marido e que tinha sucumbido instintivamente ao pânico? Não lhe permitiria ficar ali. —Pensei que tinha sido pelo beijo. Mas não tem sentido, anjo — prosseguiu, com uma voz rouca que a fez estremecer. —De modo que tem que tratar-se de outra coisa. O que é que me esconde? Assombrada, Jane compreendeu nesse momento que aquele homem acreditava que tinha estado mentindo, que tinha ocultado informação sobre o desaparecimento de Do. Que talvez estivesse inclusive implicada. —Como... como se atreve? —soprou. —Estou aqui por Do. —A indignação proporcionava uma força inaudita. —Deveria haver me deixado falar com Petersborough. Preciso interrogar a esta gente. Ele franziu o sobrecenho. —Não, de maneira nenhuma. —Deveria recordar que alterno todos os dias com esta gente. Irei com cuidado. Ele pôs os olhos em branco. 21

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—Me dê forças, Senhor. Não posso correr o risco de que meta o pé pela mão e me cause problemas. —Não estou causando nenhum problema — protestou ela. Sentado ao lado de Wickham, o conde der Coyne lambia agora os seios de seu par por cima de seu sutiã. Jane não teve mais remedeio que inclinar-se sobre o ouvido de Wickham para que não a ouvissem. Seus lábios roçaram acidentalmente o suave cabelo dele e sentiu um calafrio, selvagem, elétrico. —Já falei com a cozinheira... —Me dê forças, Senhor. Interrogou aos criados? —Sim — respondeu ela entre dentes. —E quer saber do que me inteirei? De que desapareceram duas mulheres mais. Wickham arqueou ambas as sobrancelhas e uma expressão de angústia terrível retorceu seu atraente rosto. Havia ficado furioso e nervoso como sempre. Com aquela verdade só tinha querido lhe fazer mal. Tinha que esclarecer que as mulheres que tinham desaparecido não eram esposas de nobres, mas naquele momento estalaram os aplausos e Jane compreendeu que não a ouviria. Em um extremo do camarote, diante dos assentos, apareceu um criado com o torso nu. Da parte dianteira de seus calções sobressaía um apêndice comprido e dourado que balançou para cima e para baixo para regozijo das damas. Os homens aplaudiam a uma mulher, também nua da cintura para cima, que avançava lentamente pelo corredor que se abria entre as filas de assentos. O que teria acontecido se Sherringham a tivesse levado ali? Jane se viu obrigada a engolir em seco para conter a bílis que lhe produzia a ideia. A mulher se voltou para o público e bateu palmas para chamar a atenção. Recebeu-a imediatamente por parte de duques, condes e mulheres de alto berço. —A representação —anunciou —está a ponto de começar. Os homens bateram o pé no chão com suas botas para mostrar sua aprovação e Jane soube que passaria um momento antes que pudesse falar com Wickham. Olhou-o de soslaio. Parecia ter vontade de estrangulá-la. Notou uma sacudida nos ombros. Mas o irmão de Do não tinha aquela raiva no olhar que estava acostumado a abrasar seu marido. “Cortesãos”, vocalizou. Ele ficou olhando. A teria entendido? A mulher vestida de branco continuou falando em tom sensual: —As mulheres aparecerão na sala uma atrás da outra. Mostrarão seus encantos e suas habilidades a um cavalheiro que as observará através de uma mira do quarto vizinho. A mulher escolhida se reunirá então com o cavalheiro. E ele realizará uma ação disciplinadora. “Uma ação disciplinadora?”. Wickham se inclinou para diante e observou o cenário com a intensidade de um predador a ponto de saltar sobre sua presa. Jane observou. Abaixo no cenário havia uma mulher. Seu rosto ficava oculto por uma máscara veneziana grafite e branco adornada com plumas; tinha o cabelo comprido e escuro. Envolta em seda de cor marfim, a mulher ficou quieta, olhando a cama. Como se não quisesse estar ali. Como se quisesse dar meia volta e começar a correr. Cabelo escuro. 22

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Do! Jane esteve a ponto de saltar de seu assento, mas a mão de Wickham a reteve. Mas que fazia? Tinham que se apressar. Wickham negou secamente com a cabeça. O que acontecia com aquele homem? Não havia tempo para... A mulher deixou cair seu vestido. Não era Do. Era evidente que não era Do. Do não tinha... Os seios daquela mulher eram enormes. Incrivelmente enormes. Wickham a puxou, obrigando-a a recostar-se de novo em seu assento. No meio do cenário, sob a reluzente luz das velas, a mulher beliscava os mamilos até convertê-los em pontas protuberantes e escuras. O coração de Jane se acelerou. Do adorava o teatro. Seus maridos nunca as levavam... foram ali com suas amantes. Mas, às vezes, ela, Do e Charlotte tinham ido sozinhas as noites que sabiam que haveria um camarote vazio. E durante umas horas felizes, sentiam-se livres, livres para rir e deixar que a alegria e a frivolidade as enchessem. Como estavam antes de casarem. As três se casaram jovens e com homens lascivos vinte e cinco anos mais velhos que elas e compartilhavam muitas jornadas de preocupação. Todas tinham casado durante a mesma temporada, oito anos atrás. Mas cada uma delas o tinha feito por um motivo distinto: Charlotte por amor, Do por dever e Jane por necessidade. Seu pai tinha perdido tudo em jogos de azar e o conde de Sherringham tinha aceitado a casar-se sem que ela tivesse um só tostão em seu nome. Do a tinha acompanhado depois do desastre de sua noite de núpcias. E foi no ombro de Charlotte que Jane chorou o trágico dia que perdeu a seu segundo bebê por culpa de outro aborto. Suas amigas eram os dois motivos pelos que tinha sobrevivido a seu matrimônio com Sherringham sem ficar louca ou jogar-se pela janela do sótão. Partia-lhe o coração ver um dos escassos prazeres de Do transformado naquela perversão. Notou a mão de Wickham na nuca. Suas costas ficaram rígidas como se engolisse um pau. Wickham a observava, não à mulher nua do cenário... A nova mulher tinha o cabelo loiro e lambia um eixo de marfim da ponta à base enquanto os cavalheiros ululavam como corujas excitadas. —Conte o que a cozinheira explicou— ele disse em voz baixa. Aproximou-se dela, tanto que podia ver com detalhe as cicatrizes que atravessavam seu bronzeado rosto. Continuava acariciando sua nuca. —Talvez essas mulheres não fossem damas? —Mulheres de vida fácil. Mulheres que trabalhavam para a senhora Brougham. A cozinheira disse que é possível que tivessem fugido com homens. Disse que nesta casa, neste teatro, acontecem coisas que lhe dão medo. Wickham suspirou. Cheirava a conhaque, a fumaça de charuto, a tudo o que ela tinha saboreado naquele apaixonado beijo. Tinha o sutiã impregnado de suor. Estava ainda em cima o 23

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calor das cozinhas e tinha as anáguas coladas ao corpo. —É muito provável que as prostitutas desaparecidas há mais de um ano não tenham nada haver com Do — disse ele com voz rouca. —É possível que fugissem. Também é possível que as levassem para outro bordel. —Mas... mas e se tivesse algo haver? —A ideia provocou quase uma vertigem. —E se as tivessem assassinado? Antes que Christian pudesse responder, lady Sherringham deixou escapar um gemido de surpresa. No cenário havia um homem loiro e se dirigia para a cama. —Quem é? —grunhiu Christian. —O marquês de Salaberry. Acredita que se despojará desse robe? —Sim. Conhece bem Salaberry? —Não, não muito bem — gaguejou. —Não estava em nosso círculo... movia-se em uma órbita muito mais elevada que a de Sherringham. — Minha irmã estava apaixonada por ele? —Se Salaberry era o amante de Do? Naquele instante, o marquês deixou cair seu robe. Salaberry passeava nu pelo cenário. Tinha o cabelo claro, os olhos azuis e um rosto infantil e angélico que não indicava de modo algum que pudesse desfrutar com aquele tipo de jogo sexual. Devia ter uns anos menos que Christian. Uns vinte e seis. Mais próximo à idade de Do. —Inteirei-me que Salaberry realizou uma representação com minha irmã neste teatro a última noite que foi vista no clube. A respiração acelerada agitou o peito de lady Sherringham. —Do atuou aqui? —Sim. —Só de pensar ficou com vontade de estrangular com uma gravata-borboleta ao marquês nu. —Com que outros homens esteve minha irmã? Olhou para ele com os olhos totalmente abertos. —Eu que sei! —Exclamou ela em um raivoso sussurro. —Nunca me disse quem eram. Imagino que tinha que manter em segredo sua identidade para todo aquele que não fosse membro do clube. Por alguma estranha razão, pensava que tinha que fazer o que lhe diziam. Lady Sherringham sabia exatamente como partir seu coração. Jamais tinha conhecido uma mulher que fizesse ornamento de sua sinceridade de uma forma tão brutal. —Do nunca teria se atrevido a ter um amante — disse ela. —Treyworth é possessivo, ciumento, está louco. Quem contou que Do tinha fugido com outro homem falou mentira. Acusava-a de infidelidade e destrambelhava dela até fazê-la chorar. —Mas não a trazia aqui? —Trazê-la dava motivos para castigá-la. A obrigava fazer estas coisas e logo a castigava por isso. O que empurraria a um homem a fazer aquilo? Treyworth tinha que estar louco. Mas e se Do tinha um amante que queria de verdade? Aquilo poderia ter empurrado Treyworth a beira do 24

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abismo... De repente deixou de pensar naquilo. Tinha que acreditar que Do continuava com vida. Tinha sentido que tivesse fugido se seu marido a aterrorizava e a obrigava a frequentar aquele clube. Tinha que estar em alguma parte. Ou algum de seus investigadores, acabaria dando com ela. Mentalmente só imaginava Do tal e como era oito anos atrás. Nem sequer sabia que aspecto teria agora. Não tinha nem ideia da mulher em que se transformou. De como tinha mudado. De como sua vida com Treyworth a tinha transformado. O cenário que tinha diante de seus olhos se tornou impreciso, era incapaz de fixar a vista. Dava-lhe medo perguntar a lady Sherringham como Do tinha mudado. Era muito covarde para inteirar-se do que tinha provocado sua ausência. De inteirar-se de como Do tinha sofrido por culpa de seu abandono. Mas lady Sherringham sabia. E ele estava seguro de que ela acabaria lhe contando a verdade. —Não pode. —Lady Sherringham ofegava. —Isso é perverso. Christian pestanejou e voltou a centrar a vista no cenário. Uma mulher de aspecto inocente com comprido cabelo castanho se somou a Salaberry em cena. E lhe entregava obedientemente um chicote. O suor escorregava pelas costas do vestido de Jane. Nem sequer seu denso véu conseguia ocultar a visão do conteúdo do armário. Em seu interior havia chicotes, cilindros de corda e outros estranhos artefatos. Seguindo um movimento cavalheiresco da mão de Salaberry, a jovem desprendeu um chicote. O marquês se levantou da cadeira e deu uns passos lentos e calculados em direção a ela. Embora tremente, a garota beijou o punho do chicote e o entregou ao homem que o utilizaria para fustigá-la. As mãos de Jane agarraram com força os braços de seu assento. Não podia afastar a vista. Obedientemente, a garota se estendeu na cama. Salaberry agarrou a prega do vestido e, sem olhares, arregaçou-o. Fez girar o chicote no ar e então, com um movimento comprido e preguiçoso de braço, fez descer sobre as nádegas nuas da mulher. O grito da garota ressoou na cabeça de Jane. E também outro grito. O seu. “Seus próprios gritos, seus soluços. Tudo em vão, pois ele tinha feito dela. Tinha-a feito sua com raiva. Tinha-a feito dele até que ela tinha fechado os olhos e rezado para não voltar a abri-los jamais. E depois tinha vomitado no urinol, e tinha ficado maltratada e nua no chão, e tinha chorado até ter a sensação de que o pranto arrancaria a vida de seu corpo...”. —Não! — Tremente, Jane fez gesto de levantar-se. O marquês de Salaberry deixou cair o braço. Examinou-a com um abrasador olhar azul safira e um sorriso lascivo transformou seu atraente rosto em um semblante diabólico. O murmúrio dos ali reunidos se abateu sobre ela, sufocante e pesado. —Sente curiosidade? —Gritou Salaberry, arrastando as palavras em tom de mofa. —Eu gostaria muito de lhe ensinar um pouco de disciplina, perversa viúva... 25

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Pela extremidade do olho, Jane viu que um criado se aproximava. Para levá-la aonde? Um braço a rodeou pela cintura de repente. Era Wickham. . —Deixe-a, Salaberry. É nova neste jogo. —E em voz baixa, exclusivamente para ela, murmurou: — Venha comigo. Agora mesmo. Arrastou-a por toda a fila e não restou outro remédio senão segui-lo. —Lorde Perverso! —exclamou uma voz feminina. —Eu gostaria de lhe perguntar se este rumor for certo: é verdade que teve encerrada lady Beckworth em seu calabouço privado? CAPÍTULO 4 Mas Wickham ignorou seus protestos e lhe cobriu os ombros com a capa. De um momento para outro, deu-se conta Jane, Wickham a obrigaria a cruzar a porta e a sair à rua. De fato, estava segura de que, de não ter sido pelo perigo de chamar a atenção, a teria jogado no ombro, posto a mão em seu traseiro e a teria tirado dali como um tapete enrolado. —Não tem direito a me tirar daqui — declarou em voz alta, mas não o bastante alta como para que o porteiro de torso redondo e cara polpuda pudesse ouvi-la. Uma cortina de veludo verde os separava dele, o mesmo tipo de cortina que separava aquela sala de espera do clube. — Não tinha intenção de me deprimir. Simplesmente estava indignada. Mas tremia da raiz do cabelo até a ponta dos dedos, e era consciente de que ele se dava conta. —Indignada, claro. —O grunhido do Wickham denotava incredulidade e a rodeou para lhe prender a capa, aprisionando-a entre seus braços. —O que pensava fazer? Atacar e açoitar Salaberry com o chicote? —Pensei... pensei em ajudar a essa mulher. —Não pode impedi-lo. Já viu que a mulher se submetia a ele, era uma participante voluntária, presa na fantasia. Este tipo de coisas acontece em todos os bordéis da Inglaterra. Suspirou. Não era verdade. Consentimento não era o mesmo que emprestar-se voluntária. —Há mulheres que gostam carinho. —Devem estar loucas — replicou. —É tão típico dele..., o que pesada. Meter-se em problemas sem pensar nas consequências. Exatamente igual aquela vez que quase a atropelam por tentar deter minha carreira de carruagens. “Pesada”. Quando jovens a aporrinhava chamando-a assim. E da carreira fazia já nove anos. —Uma das carruagens derrubou, Perverso. —Porque o condutor tentou esquivá-la. Sei que no teatro teve medo, anjo. Se não suportava olhar, por que não me disse? —Pensei que se Do e Charlotte podiam resisti-lo, também eu poderia. Escutou seu seco urro. Era a verdade, mas sabia que Wickham pensaria que utilizava o nome de Do como arma. —Agora, todos os presentes no teatro sabem que estava você ali..., nós. E me pergunto que 26

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demônios fazemos aqui. Foi como se o chão sólido e ladrilhado acabasse de ceder sob seus pés. Tinha razão, naturalmente. Por sua culpa todo mundo os tinha visto. Era possível que tivesse estragado todas as suas possibilidades de descobrir alguma coisa no clube. E tudo porque se deixou levar pelo pânico. —Bem, carinho, desta vez — ele murmurou meigamente, — a mando para casa em minha carruagem. Para me assegurar de que chega ali e não volta. E sinto tentação de ir com você. Seu peito ficou tenso e parecia lutar para sair do espartilho. Por que quereria estar a sós com ela? Seria porque estava muito zangado com ela? Seria para castigá-la? —E se isso não funciona, terei que ser mais criativo para tentar mantê-la cativa. O frio percorreu o corpo de Jane. Estava presa entre os braços de um homem muito zangado. De um homem que tinha um bom motivo para estar furioso com ela. Ele estalou os dedos para chamar o porteiro. —Vamos. Que tragam minha carruagem. —Não... Não penso subir à carruagem com você... A cortina se fez a um lado com o atrito típico dos ganchos deslizando-se pela barra. —Perverso! Para ouvir seu nome, Wickham se voltou de repente. Por um esperançado momento, Jane acreditou poder escapar, mas ele estendeu o braço e a prendeu com força pela cintura. Chiou surpreendida. Cravou em vão os dedos em um antebraço duro como pedra. Não podia livrar-se de seu braço. O conde Petersborough acabava de aparecer na porta e se secava a testa com um lenço de linho branco. Jane recordava um urso que tinha visto em uma casa de feras: grande e pesado, com garras enormes. Com seus olhos cinza cravados em Wickham, vociferou: —Ah, se for Perverso! Não o tinha reconhecido com a máscara. Eu gostaria de saber onde está sua irmã. Treyworth esteve difundindo sandices e diz que viajou ao continente para visitar suas amizades. Isso nem eu acredito. —Não acredita que esteja no continente? —disse Wickham. Petersborough duvidou um instante. —Não. Não, não acredito que esteja ali. Não teria viajado sem me contar isso, esse bruto ciumento não gostava da popularidade que ela tinha aqui. Os cavalheiros a adoravam. Era um par delicioso. Wickham a tinha atraído para ele. Jane se deu conta de repente de que estava presa no ângulo de seu braço e que a apertava com tanta força com o antebraço que logo não poderia respirar. Do e esse gordo do Petersborough? Era impossível. Wickham esticou a mandíbula. — Delphina e você eram amantes? —Uma mulher bonita e preciosa, Wickham. Um anjo. Outorgava-me seus favores quando estávamos aqui e apreciava muito os momentos que passávamos juntos. —Santo céu, Petersborough! Está me dizendo que estava apaixonado pela Delphina? —Ambos tínhamos muita experiência para nos preocupar com os sentimentos. —A mão 27

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carnuda do conde agarrou as cortinas. —Não lhe escreveu para contar onde pensava ir? Não disse por que se viu forçada a partir? —Estive oito anos fora da Inglaterra. É muito mais provável que minha irmã tivesse confiado em você, se realmente era seu... amante. Jane percebeu a raiva que fervia por debaixo das palavras de Wickham. Levianamente, parecia controlado, mas sabia muito bem quão perigoso podia ser um homem naquele estado. Sherringham sempre se mostrava gélido antes de seus piores ataques de cólera. —Não o fez — replicou Petersborough. —Não tenho nem ideia de onde foi nem por que. O conde, que se movia com a pesadez de um urso, parecia tão sinceramente preocupado que Jane notou que o estômago encolhia de medo. “E se não for mais que um fingimento? — Sussurrou-lhe uma vozinha em sua cabeça. — E se estiver simplesmente tratando de averiguar quanto Wickham sabe? Falar com ele. Sem importar o que Wickham queira”. De repente, os grandes olhos cinza de Petersborough se fixaram nela. —Vejo que não se livrou ainda das ataduras, Perverso. Quem é sua acompanhante? O véu que cobria seu rosto era de pano denso, mas Jane tinha a terrível sensação de que Petersborough podia vê-la apesar de sua camuflagem. —É meu tesouro privado. —Wickham apertou suas nádegas e ela gritou surpreendida. —Neste lugar, não existe casal que seja um tesouro privado. —Petersborough a olhou com lascívia e lambeu os lábios. —O prazer está em compartilhar. “Santo céu”. —Esta noite não — replicou Wickham arrastando cansativamente suas palavras. Jane engoliu em seco. Respirou aliviada ao ver que Petersborough retrocedia para a porta. Mas então se deteve. —Me manterá informado se Delphina entrar em contato com você? —Só se minha irmã assim o desejar. O sorriso de Petersborough se esfumou de repente. Seu olhar revelava surpresa. Logo raiva. Wickham acabava de insinuar que Do não o queria e as mãos carnudas do conde voltaram a fechar-se em punho. Estavam a ponto de começar uma briga. Jane se encolheu só de pensar no punho de Petersborough alcançando o rosto de Wickham. O que podia fazer? Como deter aquilo? Petersborough deu um passo ameaçador à frente. Os dois homens se olhavam em completo silêncio. Mas, milagrosamente, Petersborough retrocedeu. Sem dizer uma palavra, deu meia volta e abandonou a sala de espera, deixando cair a suas costas a cortina verde. —Por Deus — murmurou Wickham. —Petersborough. Salaberry. —E Treyworth. —Jane sentia náuseas. —Como é possível que Do acabasse a mercê dos cavalheiros mais odiosos da Inglaterra? Antes que lhe desse tempo a pestanejar, encontrou-se pressionada contra a parede em um canto escuro. O corpo de Wickham se abateu sobre ela, tampando a luz. Sua mão se apoiou na parede junto à cabeça dela, seu musculoso braço convertido em um cárcere. Jogou-lhe o véu para trás para poder olhá-la com seus ardentes olhos azul escuro. 28

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Mas que fazia? Estaria preparando-se para descarregar toda sua raiva? —Odiosos não. Perigosos — rugiu. —Se um desses homens tem feito desaparecer a essas cortesãs, se um deles fez algum mal a Do..., não acredita que faria o mesmo com você se considerá-la um risco? O espartilho não lhe deixava respirar. Claro que conhecia o risco que corria. A primeira vez que tinha falado com lorde Treyworth havia se sentido aterrorizada ao comprovar como inchavam suas veias da fronte e quão raivoso estava. —Um homem desesperado estaria mais que disposto a lhe cortar o pescoço, lady Sherringham. Ou a afogá-la com suas mãos até acabar com sua vida. Acredita que poderia escapar de um homem como Petersborough se desejasse vê-la morta? Jane notou que suas pernas cediam, sentia as mãos estranhamente geladas e intumescidas. —Não, é obvio que não poderia. —“Em uma ocasião tinha agarrado a seu marido pelos pulsos e ele tinha baixado a vista e ao ver suas mãozinhas envolvendo seus antebraços, pôs-se a se rir”. —Sua carruagem, milord. Notou a mão de Wickham fechando-se em torno de seu braço. Pensaria em arrastá-la até sua carruagem? Veria-se presa com ele naquele espaço tão reduzido? Não. Estava inclinando-se sobre sua boca... Ficou olhando fixamente aqueles lábios até ficar vesga. Não pretendia tirá-la dali. O que pretendia era beijá-la. Seus lábios roçariam os seus e... E recordou de novo. Recordou o contato das mãos de Sherringham e não pôde suportar. —Não. Não, por favor! Não me toque! Wickham a soltou, surpreso por seu agudo grito. Ela retrocedeu. —Irei para casa, prometo, e não é necessário que me acompanhe. Não quero ver o que fazem esses homens com as cordas e os chicotes. Quero ir para casa e tomar um banho com água fervendo. Ele a olhava como se tivesse ficado louca. Atrás dela, a carruagem avançava para a escada. —Voltarei para casa, como você quer, e ali estarei segura. Mas para Do não haverá banho reconfortante. Jane se voltou, saiu correndo pela porta e desceu as escadas. Não ouviu nenhum ruído de botas contra os ladrilhos perseguindo-a. A porta da carruagem se abriu a modo de boas-vindas, saltou em seu interior e se acomodou em seu assento. Partiram. Respirando com dificuldade, olhou pelo guichê. E viu Wickham diante da escada de acesso ao clube, observando como se afastava a bordo de sua carruagem. Deixou-se cair sobre as almofadas de veludo. Nem sequer queria chorar. Chorar teria sido uma libertação. Mas tinha falhado com Do e não merecia libertação alguma. CAPÍTULO 5

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Jane cruzou apressadamente a porta principal da casa de sua tia em Upper Brock Street e entregou a capa à criada, as luvas e o véu. Os gritos de um chofer e o retumbar de umas rodas chamaram sua atenção. Sua carruagem estava chegando ao mesmo momento em que partia de novo a do Wickham. Pelo menos não teria que dar explicações sobre por que tinha retornado a casa sem seu veículo. Esfregou a testa dolorida com a palma da mão. Estava furiosa consigo mesma. Como podia ter se deixado dominar novamente pelo pânico? —Poderia vê-la no salão, milady? Jane se voltou e se encontrou com a ama de chaves de sua tia, a senhora Hodgkins, que a esperava pacientemente entre as sombras. Não, talvez não a esperasse pacientemente. A senhora Hodgkins tinha a testa franzida com expressão de preocupação e o cabelo cinza despenteado, como se acabasse de tirar o chapéu e tivesse passado repetidas vezes as mãos pela cabeça. Jane não gostava de falar com ninguém, mas tristemente consciente de que ela devia ser a causa de seu mal-estar, cedeu e entrou. A senhora Hodgkins retorceu as mãos. —Estava há um mês sem vestir negro, milady. —Necessitava para esta noite. Para um ato no que... no que tinha que ser discreta. De repente, a governanta a surpreendeu com um sorriso radiante. —Foi então uma entrevista clandestina? —Seu bondoso semblante se iluminou com uma alegria incrivelmente picante e maliciosa. —Se sentirá maravilhosa, milady. Mas não confie muito nas loucuras. Não direi a lady Gardiner, o prometo, mas a próxima vez deve ir acompanhada. Sentir-se maravilhosa? Depois das atividades não tão clandestinas que tinha visto no clube, Jane logo que tinha voz para falar, disse: —Sei cuidar de mim mesma. —Isso não é verdade, milady. Toda dama deve ir sempre protegida. A tristeza e o desespero se apoderaram dela. Sim, toda dama. Igual a Do. Jane se derrubou em uma cadeira, esgotada e incapaz de permanecer de pé por mais tempo. A senhora Hodgkins parecia presa do pânico. —Milady! —Obrigado, senhora Hodgkins. —Era a voz firme de tia Regina da soleira da porta. —Falarei com minha sobrinha em particular. Supunha que aquela noite tia Regina tinha que estar em casa de sua filha. Mas ali estava, bengala na mão e com os braços cruzados sobre seu robe de seda rosa. A bengala de tia Regina golpeou brandamente o chão enquanto a senhora Hodgkins saía e fechava a porta em silêncio. Assim que soou o ferrolho, tia Regina perguntou: —Onde foi com tanta pressa, querida? Jane estava presa. Como um lobo nas mandíbulas de um cão de caça. —Encontrará o marquês na sala da jaula, milord. No segundo piso, na primeira porta antes do teatro. 30

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Christian esfregou a nuca por debaixo do pescoço da camisa, avançou na frente do criado e abriu caminho entre as pessoas. Era fácil imaginar o que continha a sala em questão. Uns minutos depois, constatou que suas hipóteses eram corretas. No centro de uma sala de dimensões consideráveis havia uma grande jaula dourada. As velas colocadas em caprichosas lanternas projetavam nas paredes luz dourada e sombras e uma mulher nua esperava junto à porta da jaula que Salaberry desse instruções para entrar. Armado com um chicote, vestido com um robe dourado, Salaberry perambulava em torno da voluptuosa loira golpeando suas nádegas com o punho. Christian teve que reprimir o anseio de agarrar o marquês pelo pescoço, derrubá-lo no chão e arrancar a verdade. Mas em lugar disso, entrou na sala. —Salaberry. —Ah, Perverso — disse o marquês. —Onde deixou sua perversa viúva? Sem prévio aviso, a imagem de lady Sherringham invadiu sua cabeça. Seus olhos redondos de cor castanha cheios de medo e surpresa. Tinha fugido dele como se fosse atacá-la. —À espera de minha próxima ordem — respondeu. E isso esperava. Por que demônios tinha tentado beijá-la? Tinha cuidado daqueles lábios trementes, tinha visto toda sua tristeza e se inclinou sobre ela, desejoso de acariciá-la e consolá-la. Odiava tê-la assustado. Mas tinha sido necessário. Era a melhor amiga de Do e seu melhor caminho para Do. Seu medo tinha demonstrado que não podia estar implicada no desaparecimento de Do. O que significava que não restava outro remédio que protegê-la. E aquilo incluía assustá-la para que partisse do clube. —Gostaria de tropeçar com você esta noite, Perverso — disse Salaberry tratando de se fazer simpático. Retorceu o mamilo rosado de sua dama. Seus olhos azuis brilhavam entusiasmados. — Imagino que no Longínquo Oriente terá aprendido muitas coisas sobre o jogo erótico. Esperava encontrar uma oportunidade para falar de técnicas. Christian ficou sem fala. Do. Teria Do permanecido ali, sumida no mais profundo silêncio, como uma criada obediente e deixando tocar seu seio nu? Salaberry açoitou o seio da mulher e o deixou sacudindo de um lado a outro. —Gostaria de tocar? Tem dois. Umas tetas perfeitas para uma duquesa, verdade? A duquesa riu nervosa. Tinha as nádegas encarnadas. No chão havia um chicote de equitação. Obediente, entrou na jaula e Salaberry fechou a porta. O fecho caiu com um som metálico. Começava a ver de soslaio um resplendor vermelho. O peito pressionava seu coração. A última vez que o tinha visto tudo tingir-se de vermelho foi quando aceitou a provocação do conde de Harrington para bater em duelo. Tinha-o matado. —Ao diabo com as cordas! Estou aqui para falar de minha irmã. O chicote se desprendeu da mão de Salaberry. —É também a esposa do Treyworth — disse em seguida. —A permissão para desfrutar dela seu marido concedeu. Não importa que você aprove ou não. Christian morria por estampar um murro no presunçoso semblante de Salaberry. Teve que 31

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sujeitar sua mão direita com a esquerda para controlá-la. —Por desgraça para você, sim que importa. Desapareceu. —Desaparecida? —Salaberry deu um passo atrás se afastando da jaula. Christian o seguiu. —Alguma vez pôs suas mãos em minha irmã para seus jogos? Fez-lhe mal? Salaberry se voltou. —Dei um par de vezes açoitadas no seu traseiro, e a amarrarei. Wickham ela gostava. Miava como uma gatinha para mim. —Pois isso eu sei, você foi o último cavalheiro que viram com ela. —As palavras de Christian soavam gélidas, mas lhe ardia o sangue. Olhou de esguelha à duquesa atada. —E você é um sádico. —Um sádico. Olhe quem fala. Acusa-me de fazer mal a uma dama nobre. Por que não resolvemos isto como cavalheiros? As correntes que prendiam a jaula rangeram em meio daquele silêncio. A duquesa se agarrou com força as grades. Tinha os olhos muito abertos. —Nos encontramos em Chalk Farm ao amanhecer? —Salaberry se inclinou para frente. O medo, a surpresa e a excitação guerreavam em seu olhar, dando um aspecto mais jovem. Teimoso, estúpido e jovem. Com vinte e oito anos, Christian se sentia repentinamente velho. —Por Deus, Salaberry mata-lo não me ajudará a encontrar minha irmã. Já eliminei em seu dia a um autêntico cavalheiro por esclarecer um assunto. A cor abandonou por completo o rosto de Salaberry que, ao parecer, desconhecia aquele velho duelo. —Tive a impressão de ter perdido tempo logo que tinha terminado —prosseguiu Christian, —e você tem mais vida para frente do que ele tinha. — Você está se desdizendo de nosso duelo? Os nobres ingleses nunca fariam uma coisa assim. Ao diabo, contudo, ele não era um nobre inglês. —Se insistir, o matarei, mas para mim será uma perda de tempo. Assim que minha irmã esteja de volta em casa sã e salva, estarei encantado de lhe dar um tiro pelo que lhe tem feito. Mas neste momento, é de maior utilidade se continuar vivo. —E de que condenada maneira posso ser útil? —Inteirei-me que o desaparecimento de duas mulheres mais. Duas das prostitutas de Brougham. —Não sei o que lhes aconteceu. Mas Salaberry acabava de admitir com aquilo que sabia perfeitamente a que se referia Christian. —Foram alguma vez seu par? —Naturalmente, qualquer mulher que frequente o clube passou por mim. —Seus nomes? 32

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—Não tenho nem ideia. —Foi em alguma ocasião violento com elas? Partiu-lhes algum osso ou lhes deixou algum machucado? —Minhas cordas sempre deixam machucados, mas sempre cuido de meu par. Com sua irmã tive um cuidado especial. O punho do Christian se liberou por fim de seu controle e se estampou contra o estômago do marquês. Salaberry se dobrou para frente e caiu de joelhos. Não diminuiu sua raiva, mas provavelmente a queda tinha salvado a vida de Salaberry. —Delphina, com quem mais...? Sem saber o que dizer de repente, Christian se interrompeu. “Que palavra podia utilizar quando estava se referindo a sua irmã?”. Salaberry balbuciou: —Treyworth... tinha-a bem amarrada. Pelcham... Ele e Treyworth se revezando às vezes... os prostitutos. Christian afrouxou o nó da gravata-borboleta. Compreendia o pânico de lady Sherringham. Era um inferno ouvir aquilo, olhar aquele homem e saber que Do tinha sido dele. —E as cortesãs? Salaberry conseguiu levantar. —Deitavam-se com todos os cavalheiros... e com a maioria das mulheres. —E o que tem seus protetores? Salaberry fez uma careta de desprezo, ainda sem poder se endireitar de tudo. —Uma delas era a favorita de lorde Sherringham antes de começar a trabalhar no clube. Considera-me um sádico? Fui testemunha de seu método de despedida. Partiu-lhe o nariz com um murro. —Estive na casa de lady Dartmore... —começou a dizer Jane. —Quando se ruboriza — a interrompeu sua tia. —esteve procurando de novo sua amiga, não é verdade? O fogo da lareira do salão chispava. Tia Regina a observava com um olhar sagaz. Atrás daquele olhar se escondia a inteligência que tinha ajudado o falecido marido de sua tia, o banqueiro sir Richard Gardiner, a alcançar uma grande fortuna e uma boa posição. Embora para a mãe de Jane aquilo era pouco mais que ser um “comerciante”, a tia Regina era o único membro da família de Jane com quem esta sentia alguma afinidade. Inclusive preferia chamá-la informalmente “tia Regina” em lugar de “tia Gardiner”. E tinha sido a única pessoa que se ofereceu para ajudá-la depois que Jane enviuvasse e ficasse virtualmente sem um centavo. Por isso Jane lhe devia tanto. Mas não podia lhe contar toda a verdade. Tia Regina se sentou em uma poltrona e agarrou as mãos de Jane entre as suas. As apertou com delicadeza. —Tem que deixar de se preocupar, querida. Este medo está causando estragos em seu aspecto. Começava a recuperar suas formosas curvas, mas volta a estar gasta e cansada. E o que importava seu aspecto? Estaria disposta a prescindir para sempre de suas curvas em 33

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troca de recuperar Do. —Estou quase segura —prosseguiu Regina —de que lady Treyworth está sã e salva. O comentário rasgou sua culpa como a folha de um sabre. —Eu não estou tão segura. O olhar de sua tia pretendia ser um consolo. —Sei que não alcança a compreender por que partiu sem lhe dizer, mas me ocorrem duas explicações possíveis. —Não existe explicação possível que justifique que não tenha me escrito. —Me escute, Jane. Pode ser que não tenha escrito para não te pôr na incômoda situação de ter que manter a informação em segredo diante de seu marido, ou porque fugiu com um homem. —Do jamais se deixaria dominar de novo por um homem. Do teria vindo a mim. —Jane, pensa. Por que lorde Treyworth teria que fazer algum mal a sua esposa? A vida de casado não o prende em nenhum sentido. Pode ter toda a liberdade que deseje. —E então por que lhe batia sempre? —gritou Jane. —Por que é aceitável que um marido se comporte como um animal com uma esposa indefesa? —OH, minha pobrezinha — disse sua tia, sua voz cheia de compaixão. —Merece conhecer a felicidade no matrimônio. Não tem mais que vinte e seis anos. Eu desfrutei de quarenta anos maravilhosos em companhia de meu Richard. Jane, tem que acreditar que é possível. Vi você sujeitar em seu colo à pequena de minha Eleanore e vi seu olhar melancólico... —Tia Regina, por favor. —Aquela noite não suportava ouvir o refrão habitual. —Do tinha tanto medo de Treyworth que escreveu a seu irmão lhe pedindo ajuda. —E como sabe? —Eu... —Notou o calor de um rubor delatador. —Vi-o por acaso esta noite. —Que lorde Wickham retornou por sua irmã? Surpreende-me ouvir que seja este o motivo de sua volta. Lavou as mãos por completo em tudo o que se referia a sua família. Todos os que o viram durante os anos que esteve longe da Inglaterra, descrevem-no como um libertino frio e incorrigível que não tem feito outra coisa que saltar de cama em cama. Diz-se que quando abandonou este país jurou carregar o nome de sua família com o máximo possível de escândalos. E tendo em conta sua conduta, estou segura de que tentou. —Que conduta, exatamente? —Jane o conhecia desde que tinha três anos, assim sabia de suas histórias de juventude, sabia das histórias que Do contava e de sua reputação. Mas recordou então aquelas palavras que escutou no teatro. “É verdade que trancou lady Beckworth em seu calabouço privado?”. Regina franziu os lábios. —Lorde Wickham destruiu incontáveis matrimônios. Seduziu a esposas de homens que eram supostamente seus amigos. Jogou como um louco com todos que jovens foram à Índia em busca de aventura e à maioria, despojou de sua fortuna. Diz-se que quando arruinou ao jovem herdeiro do conde de Langely em uma partida de cartas e o menino, desesperado, pediu uma pistola para terminar com sua vida, lorde Wickham entregou a sua sem perder a calma. —Santo céu. Ele se suicidou? 34

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—Bom, não. Mas lorde Wickham não podia estar seguro de que o jovem fosse acabar se retratando. Jane começou a perambular de um lado para outro. Parecia-lhe imperdoável que tivesse deixado a Do a mercê de sua família. Tinha sido um selvagem e irrefreável. Bateu-se em duelo por uma dama casada e tinha matado o marido da mulher, lorde Harrington. Esse tinha sido o motivo pelo que tinha tido que abandonar a Inglaterra. Para evitar o julgamento. Mas no fundo de sua alma, não podia acreditar que Wickham tivesse entregado a arma ao moço, caso soubesse que ia utilizá-la. E sobre tudo depois daquela noite. No clube só tinha tentado protegê-la. Dava-se conta agora disso. Agora que estava em casa a salvo, e podia pensar. Inclusive estando zangado com ela, quando temia que o que pretendia era castigá-la, o que tinha feito era protegê-la de Petersborough. De repente viu Regina angustiada. Deu um golpe da bengala no chão. —Jane, quero que se apaixone, mas não quero que se apaixone por Wickham. É conhecido como lorde Perverso desde que o título caiu em suas mãos. Um apelido como esse, em um homem conhecido por ser um caveira rematado desde sua juventude, é uma advertência que deveria ter em conta. Partiria seu coração. Veio a Inglaterra trazendo consigo a umas quantas garotas de um harém. —Garotas de um harém? —repetiu Jane, pois não estava segura de ter entendido corretamente a Regina. —Para devolver as suas famílias, dizem. Mas vivem com ele, sem supervisão feminina, em sua casa. Burla-se de regras e convencionalismos. Não é um homem cruel, mas é negligente. O que tem que fazer Jane, é encontrar um cavalheiro amável, generoso e carinhoso que te faça feliz. E como? Não tinha conseguido escapar de suas lembranças. O que aconteceria quando aquele mítico homem carinhoso e generoso a tocasse a noite de bodas e ela não fizesse outra coisa que pensar em Sherringham? E se ficasse tensa como uma tabua à espera que as carícias de amor se transformassem em um brutal ataque? Tia Regina tinha boas intenções. Mas no instante em que o primeiro punhado de terra caiu sobre o caixão de Sherringham, Jane jurou que jamais voltaria a estar à mercê de nenhum homem. Possuía um único objeto de valor, um pequeno colar de pérolas de sua mãe, que esta tinha podido ocultar dos credores de seu pai, igual a Jane o tinha escondido dos credores de Sherringham. Aproveitando o que Regina sabia de investimentos, tinha vendido as pérolas e utilizado os lucros para obter umas pequenas economias. Quando encontrasse Do, utilizaria-os para comprar a liberdade com a que ambas sonhavam. Culpada, Jane enfrentou o olhar de tia Regina. Sua tia, que acreditava firmemente no amor, se sentiria tremendamente decepcionada. —O que tenho que fazer é encontrar a Do e me assegurar de que está a salvo. É tudo o que quero.

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Christian tirou de debaixo da manga de sua jaqueta um pé de cabra para abrir a fechadura. O clube estava fechado, vazio à exceção dos criados e madame. A senhora Brougham tinha instalado fechaduras em quase todas as portas. E pesados fechos em todas as portas exteriores. Tinha tido que abrir uma janela fazendo alavanca e depois jogar de gato e rato com os criados que vigiavam a casa. Introduziu o pé de cabra e o moveu com delicadeza até que a fechadura cedeu. Superada a porta com incrustações douradas, um comprido corredor entrava na escuridão. Tinha estado previamente ali, aquela mesma noite para entrevistar-se com a senhora Brougham. Através de uma porta do escritório de madame, tinha visto de soslaio seu sofisticado closet. Ao que parece, madame dormia ali. Seria interessante, pensou Christian enquanto avançava em silencio pelo corredor. Até o momento, a investigação não tinha contribuído em nada. Tinha inspecionado os dormitórios, o sótão, os calabouços. Tinha encontrado artefatos de todo tipo: algemas, chicotes, alguns instrumentos medievais de tortura. Todos objetos que ele tinha utilizado no passado em seus próprios jogos eróticos. Objetos que Do não deveria conhecer. Custava-lhe concentrar-se. Não podia deixar de imaginar sua irmã ali. Do, tão assustada como lady Sherringham. Compreendia agora por que lady Sherringham se aterrorizou daquele modo com o beijo. Por que em lugar de se tranquilizar com suas delicadas carícias no teatro, havia-se posto rígida como uma tabua. E, segundo lady Sherringham, Treyworth se tinha comportado com Do com a mesma brutalidade. “Esteve em todas as partes menos na Inglaterra, onde poderia ter ajudado a sua irmã”. Tinha abandonado o país para proteger Do. Acreditava tê-la protegido com isso do fedor da perversidade que segundo seu pai lhe rodeava. A primeira carta que recebeu na Índia lhe explicava o falecimento acidental de sua mãe. Sabia que ele era o responsável. A seguinte carta era para lhe anunciar seu matrimônio. “Quero fazê-lo tinha escrito. — Não estou apaixonada, mas me sinto feliz. Faço-o para bem”. E ele tinha se obstinado aquelas palavras. Feliz. Saberia ela a verdade sobre ele? Duvidava-o. Duvidava que seu pai ou sua mãe tivessem chegado a revelar a Do que seu irmão mais velho era na realidade um bastardo. A prova vivente do pecado de sua mãe. E tinha rezado para que, se partisse, seu pai deixasse por fim de lado sua amargura e começasse a abrir o coração para Do. Mas não o tinha feito. A Índia tinha ensinado a Christian o conceito do carma e da aceitação do próprio destino, mas tinha sido na Índia onde tinha aprendido a combater o seu. Lutaria por Do, enquanto em seu corpo ficasse uma só gota de sangue. Seguiu avançando pelo corredor sem fazer ruído. Mas quando chegou aos aposentos privados da senhora Brougham, encontrou-se com a porta aberta. Debaixo de um cabelo tingido com henna e alvoroçado pelo sono, a madame o olhava fixamente. E apontava-lhe com uma pistola no coração.

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CAPÍTULO 6 A senhora Brougham serviu o conhaque em uma taça e aproximou de uma vela. Usava um robe de seda amarrado à cintura languidamente. Um colar de diamantes titilava em seu pescoço. Entregou a Christian o licor quente e se instalou em uma poltrona diante dele. Surpreendia-lhe que tivesse deixado a pistola e que convidasse a uma taça um suposto ladrão. —Lorde Wickham, surpreende-me sua tentativa de entrar em minha casa de uma maneira tão torpe. —recostou-se em seu assento, sorriu e deixou que o robe escorregasse ligeiramente sobre seu ombro, revelando uma franja de suave pele marfim e a protuberância de um exuberante seio. —O que quer milord? Suspeito que se desejasse deitar-se comigo, já o teria feito antes, esta mesma noite. Torpe, tinha razão, pois era incapaz de concentrar-se. —Quero a verdade sobre minha irmã. Sei que era membro do clube e está duas semanas desaparecida da cidade. —Já lhe disse antes que não tenho nem ideia de onde poderia estar. —Me conte, então, com quem se via aqui. O que fazia e o que seu marido pedia que fizesse. A madame inclinou a cabeça, pensativa, atrasando-se. Era o que ele esperava, mas sua impaciência era cada vez maior. Com a intenção de pô-lo ainda mais nervoso, a mulher desatou lentamente o cinturão de seu robe, que ficou um pouco entreaberto. Brincou então com o cinturão, enlaçando-o em torno de seus pulsos. Pressionou ele com tanta força a taça que quebrou o delicado pé com um leve som. Se ela o ouviu, não o demonstrou absolutamente. —Já sabe que não posso trair a confiança de meus clientes — murmurou. —Lorde Treyworth se zangaria muito comigo se fosse indiscreta a respeito de sua esposa. Aquela pantomima não o levaria a nenhuma parte. Levantou-se de repente de seu assento. —É possível que minha irmã corra perigo. Confia em mim até o extremo de que não me veja capaz de envolver-te o pescoço com esse cinturão e castigá-la por sua lealdade ao cavalheiro que não corresponde? A mulher abriu os olhos de par em par. Avançou para ela, as botas afundando-se no tapete. As tapeçarias e as sedas que cobriam as paredes amorteciam o som, mas não conseguiriam mascarar um grito de autêntico desespero. Ao alcance da mão da madame estava um pequeno sino. Chamaria um criado? Christian não gostava nada de fingir ser um homem cruel e desumano. Tinha visto seu pai agir daquele modo com sua mãe, repreendê-la a gritos, pegá-la e afundá-la com sua raiva e suas acusações. Os seios de madame se elevaram ao ritmo de sua respiração e passou a língua pelos lábios. Não podia acreditar. Aquela mulher estava excitada..., excitada diante da perspectiva de sofrer um dano real. —Minhas mãos estão manchadas de sangue por mulheres que me importavam muito menos 37

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que minha irmã. A respiração da mulher brocava o silêncio do quarto. —Eu asseguro, sua irmã não sofreu nenhum dano aqui, milord. Você não compreende o tipo de clube que dirijo, o que demonstra o excepcional e exclusivo que é. Inclinou minimamente o pescoço e o colar se moveu. E então a viu. Uma fina cicatriz em sua garganta. Em algum momento de sua vida, deslizou-se por seu pescoço o fio de uma faca. O corte não tinha sido profundo, mas uma ferida como aquela tinha que marcar com força a alma de uma mulher. Colheu com brutalidade o colar e o levantou e, com toda a intenção, percorreu com o dedo a franzida cicatriz. —Não me toque assim. —Agitou a cabeça como uma égua empinando e ele retirou a mão. —Não pretendia ameaçá-la. Você subiu de muito baixo, senhora Brougham. —Sapphire. —Seus olhos azuis se iluminaram. —Pode me chamar Sapphire. Duvidava que fosse seu nome real. Falava com um acento refinado, mas com certo deixe dos bairros baixos de Londres. —Pensa me contar algo sobre minha irmã, Sapphire? Moveu afirmativamente a cabeça. —Sim, mas primeiro deve compreender este lugar. Construí o clube mais reconhecido da Inglaterra, porque sabia que inclusive as mulheres de mais alto berço têm fantasias sexuais de dominação. Permite a elas escapar de sua própria vergonha, experimentar a verdadeira paixão com seus maridos. São muitas as mulheres que suportam os cuidados de um marido e muito poucas as que reconhecem seus próprios desejos. —De modo que as damas recebem chicotadas por seu próprio bem. Damas como minha irmã. —Não desvalorize lady Treyworth pelo simples feito de que a recorde como uma menina inocente, ruborizada e com tranças. Sei por sua reputação que gosta destes jogos, lorde Perverso. Por que a sua irmã não deveria gostar também? Foi como se lhe tivesse enfiado uma faca no coração. Naturalmente, Do devia ter desejos femininos. Mas não imaginava fazendo coisas como... como as coisas que ele tinha feito com as mulheres. Teriam transformado por completo a sua irmã os oito anos que tinha passado sob o controle de um libertino ultrajante? Não. Na carta que Do tinha enviado se revelava como tremendamente infeliz e terrivelmente assustada. Aquela mulher utilizava Do para manipulá-lo. —Quero os nomes dos amantes de minha irmã. —Será discreto? —É óbvio — espetou, com tanto veneno que a mulher se tornou para trás. E com um tom de voz mais baixo, posando o olhar na cicatriz, acrescentou: —E estará você sã e salva, amor. —Jamais em sua vida tinha ameaçado a uma mulher. Mas aquela era cruel e desumana e a conduta cavalheiresca não era nada em troca da segurança de Do. Sapphire Brougham se aproximou com andar sedutor a sua mesa de escritório. Segurou uma 38

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folha de papel. Enquanto escrevia a lista, Wickham se perguntou se seria sincera ou omitiria alguns nomes. A entregou. Ficou olhando os quatro nomes. E tomou o que restava de conhaque. Jane deixou a xícara de café e pegou a carta de Wickham. Estava sozinha, pois tia Regina não se havia se levantado ainda e desfrutava da oportunidade de poder lê-la na sala de jantar, sem que ninguém fizesse perguntas. As palavras de Wickham enchiam a folha. Para protegê-la encontrei com a senhora Small e lhe fiz saber minha direção, não a sua. Ontem à noite revistei o clube. A senhora Brougham me surpreendeu quando estava a ponto de entrar em seu escritório… e me reteve com uma pistola. Consegui evitar o desastre falando com ela. Nega saber coisa alguma sobre o desaparecimento de Do claro, mas me deu uma lista com os amantes de Do. A partir de agora, deixe este assunto em minhas mãos. Não retornará ao clube. Não formulará perguntas sobre os cavalheiros que viu ali. Como nota adicional, inteirei-me que a cozinheira espera receber uma casa de hóspedes a modo de compensação. Tomarei a liberdade de fazer honra a sua promessa, salvadora lady Jane. Jane deixou a carta junto ao prato. Era exatamente o tipo de carta autoritária que caberia esperar do homem que a tinha empurrado fora do teatro e que a tinha ameaçado fazendo prisioneira. E a carta mais surpreendente do primeiro cavalheiro que tinha tentado protegê-la em sua vida. Não entendia Wickham. Tinha abandonado a Inglaterra oito anos atrás e não tinha escrito. Mas tinha retornado para resgatar Do e estava disposto a comprar uma casa de hóspedes para uma completa desconhecida porque lhe tinha feito uma impetuosa promessa de informação. —Quem aparece na lista? —sussurrou em voz alta. Desejava poder vê-la. Mas sabia que para conseguir seria muito doloroso. Era possível que Do tivesse amado Petersborough? Era possível que a doce e recatada Do tivesse amado a qualquer daqueles sórdidos homens? Jane sabia que não podia deixar o assunto nas mãos de Wickham. Como podia entregar a segurança de Do a um homem que não compreendia? Mas não era necessário voltar para o clube e enfrentar homens perigosos. Podia investigar em seu próprio mundo, um mundo de bailes, derrotas e passeios pelo Hyde Park. Interrogaria às esposas. Para começar, Jane sabia onde encontrar Charlotte. Durante o último ano, Charlotte tinha se mostrado obcecada pelas compras. Cada dia comprava algo novo — vestido, joias, carruagens — e nada do que comprava despertava seu interesse uns dias depois. Jane empurrou a porta do salão de madame Laurier e soou uma campainha. Uma ajudante 39

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deixou de atender a uma mãe e suas filhas para recebê-la. —Tenho que falar com lady Dartmore — anunciou Jane. Ouviu-se um grito detrás de uma cortina, seguido por uma voz feminina de marcado acento soltando uma reprimenda: —Se se mover de um modo tão brusco, milady, cravarei-lhe uma agulha. Tem que ficar quieta se não quiser receber uma espetada no peito. —OH, esqueça-se já de suas agulhas. A cortina do provador se moveu e deixou Charlotte descoberta envolta em um pedaço de seda azul gelo. Sujeitou o inacabado sutiã contra seu seio. —O que faz aqui, Jane? —Seus cachos loiros dançaram ao redor de seu rosto, mas seus olhos estavam envoltos em escuras sombras e sua pele, normalmente rosada, estava branca como o papel. Jane se voltou repentinamente para a costureira. —Exijo um momento com lady Dartmore. Os lábios da francesa pressionaram os alfinetes. Era evidente que não gostava de receber ordens em seu próprio território. Mas bem parecia das que gostavam de manipular às trementes damas inglesas. Mas Jane agarrou Charlotte pelo cotovelo e a empurrou de novo para o interior do provador. Correu as cortinas com brutalidade. —Charlotte, deve me contar tudo o que saiba do clube. Ontem à noite descobri que outras duas mulheres desapareceram. —De... desaparecidas? —Charlotte, que ia pegar uma xícara de chá que havia em uma bandeja de prata, tombou a xícara com dedos trementes. —Impossível. Que eu saiba não desapareceu nenhuma dama. O clube não é mais que fantasia, Jane. Ninguém sofre dano de verdade. —Não doem as chicotadas? Faz tempo me alertou para que meu marido não me levasse nunca ao clube. Disse-me que fingisse estar doente para não ir, e agora o defende. É porque tem medo de me contar a verdade? Mas Charlotte se voltou para o espelho, lhe dando deste modo as costas. —Ontem à noite te vi no clube. Sabia que era você. Reconheci aquele vestido e vi seu cabelo por debaixo do véu. Estava com lorde Perverso, verdade? O apelido, que a mesma Jane tantas vezes tinha utilizado também, a fez estremecer. —Como o reconheceu depois de tanto tempo fora da Inglaterra? —Veio para me ver faz dois dias. Wickham não tinha comentado nada a respeito. —O que lhe contou? —Que o marido de Do acredita que o abandonou. —Charlotte se voltou de repente. Tinha os olhos azul flor de milho totalmente abertos, seu olhar implorante. —Está tentando ajudar Perverso, mas pensa bem, Jane! E se encontrar a Do? O que se veria obrigado a fazer? Teria que devolvê-la a seu marido. 40

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—Não o faria. —Anos atrás, deixou Do à mercê de seu pai, sabendo perfeitamente que era um tirano. Jane olhou fixamente para Charlotte. Até o momento tinha dado por certo que a raiva de Wickham tinha sua origem de que sentia o mesmo ela, que Wickham tinha claro que Do jamais retornaria com Treyworth. “Parti sua espada em dois”, havia dito. —Dá no mesmo o que queira Wickham. Não permitirei. —E como poderia deter Treyworth ou Wickham? Como poderia lutar contra sua vontade, Jane? Como? Com suas palavras, Charlotte lhe recordava todas as vezes que ela tinha ameaçado Sherringham com sua fuga, sem reunir nunca coragem suficiente para fazê-lo. Sempre tinha sucumbido presa do pânico no último momento. —Talvez tenha aprendido finalmente que as mulheres devem tentar. —Eu não necessito que ninguém me resgate, Jane. Não há nada de que me salvar. —Mas os olhos do Charlotte revelavam o medo que sentia. —Diria para mim quem eram os amantes de Do no clube? —Não... Não sei. —Charlotte cruzou os braços sobre o peito. —Mas estou segura de que Do está a salvo e feliz. Por que não pode acreditar que seja assim? Parece-me que não é capaz de aceitar que Do poderia estar apaixonada, que encontrou com um homem a felicidade que você não pode encontrar. Jane ficou boquiaberta olhando para sua amiga. Com semblante pálido e cansado, Charlotte fez um gesto em direção à cortina. —Vá embora, Jane. OH, não. Os insultos não a assustavam. —E o que me diz de Dartmore? —O rubor iluminou as bochechas de Jane. —Deitou-se alguma vez com Do? Charlotte não respondeu, mas o tremor de seu lábio inferior e a profundidade de seu cenho revelava a verdade. —Isto quer dizer que sim. Pela bochecha do Charlotte escorregou uma lágrima. —Não. Queria, mas não o fez. É isso o que queria ouvir? Que meu marido desejava fazer amor com minha melhor amiga, inclusive depois de saber que eu levava seu filho em meu ventre? “Seu filho?”. O olhar do Jane descendeu até a cintura do Charlotte, onde a mão de sua amiga espremia a seda. Custava-lhe acreditar que Charlotte não tivesse contado. E tinha soltado a notícia com cólera, uma notícia que as três teriam celebrado sinceramente em seu dia. —Não odeio a Do por isso — sussurrou Charlotte. —Não é culpa dela. Mas... não pude falar mais com ela desde que soube. E Dartmore não fez nenhum mal a Do. Sei que não o fez. — ruborizou-se. —A verdade... a verdade é que no princípio eu gostava do clube. Era como uma fantasia para mim. Imaginava que me tinham sequestrado para estar em um harém e que Dartmore era meu amo. Imaginava que, para sobreviver como odalisca, devia seduzi-lo fazendo amor com ele de todas as maneiras escandalosas e exóticas que me pedia... —interrompeu-se. — 41

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Olha-me como se houvesse ficado louca. Dartmore se excitava tanto com as coisas que eu fazia no clube, que me tratava como a uma deusa. —Como no princípio de seu matrimônio — observou com tristeza Jane. Charlotte tinha estado profundamente apaixonada por Dartmore, um homem que se mostrou galhardo e encantador apesar de seu cabelo branco e seu rosto enrugado. Sempre o tinha amado desesperada e dolorosamente. Mas mesmo assim, ele desejava Do. “E Charlotte tinha motivos para desejar o desaparecimento de Do”. A ideia da traição adquiria forma na cabeça de Jane. Charlotte a olhava fixamente. De repente, dirigiu-se para a cortina do provador. —Madame — gritou, —já estou preparada. —Charlotte, por favor. —Jane não sabia muito bem o que dizer. —Sei o muito que desejava um filho. Alegro-me por... —Não, não te alegra. Pensa que traí a Do. Vejo em seu olhar que já não confia em mim. Que nem sequer nunca fui de seu agrado. —Charlotte abriu por completo a cortina. —Perdi tanto a Do como a ti. Me deixe sozinha, Jane, por favor. Christian encontrou Treyworth no White's, lendo no salão. Apesar de seus anos de ausência, Christian foi bem recebido pelos silenciosos corredores. Seu pai o odiava por ser o bastardo de outro homem, mas tinha tragado sua bílis e patrocinado a seu filho nos clubes mais veneráveis da Inglaterra. O marido de Do —seu cunhado —estava sentado em uma poltrona, o periódico aberto, uma xícara de café na mão. O conde, com uma calvície incipiente, estava vestido com jaqueta entalhada de cor verde escura sobre colete de raias e calças perfeitamente engomadas. Um elaborado nó coroava sua impecável gravata-borboleta. Todo um cavalheiro. Com sua esposa desaparecida. Christian olhou fixamente aquelas mãos carnudas que tanto dano tinham feito a Do. “Sei que lhe bate, mas o faz de tal modo que não deixa marcas”, havia dito lady Sherringham. Quando amassasse Treyworth — e sabia que faria, — deixaria marcas bem visíveis. Christian se cruzou de braços e se abateu sobre Treyworth. —Recebi sua nota. O papel rangeu entre suas mãos. Enfrentou um rosto retorcido pelo ódio. —Acusa-me de fazer mal a minha esposa — espetou Treyworth. —Quando sei que Delphina está viva e nos braços de outro homem. —Pois eu não sei. E no clube desapareceram mais mulheres. —Mas que demônios diz? Eu não sei nada sobre prostitutas desaparecidas. De modo que, é melhor que vá despedindo de seus assassinos, Wickham, antes que lhe pegue um tiro. A menção das mulheres desaparecidas tinha pegado de surpresa Treyworth. Mas o que este acabava de dizer tinha deixado perplexo ao Christian. —Assassinos? —Ontem à noite fui atacado por um bandoleiro chegando a minha casa. O condenado 42

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bastardo me surpreendeu na grade e me apontou com uma pistola na cabeça. —E evidentemente não disparou. Treyworth parecia uma cobra pronta para cuspir. —O chofer o afugentou. Quase o atravessa com uma bala. Você enviou o bandoleiro? Christian ficou olhando aqueles olhos de cor azul clara. Treyworth não lhe tinha perguntado quem eram as demais mulheres, mas tinha deixado claro que sabia que eram cortesãs, embora o clube da senhora Brougham acolhesse também a damas. Mas o fato de que alguém tivesse tentado matar aquela besta, deveria demonstrar que havia outro homem relacionado com Do? —Se lhe disparasse —disse, —saberia que era eu. Agora, me conte exatamente o acontecido. Ela estava ali. Christian pressionou delicadamente com as coxas os flancos de Homer e o cavalo castrado obedeceu e avançou com sigilo para que ele pudesse ter melhor visão. Os cascos ricocheteavam sobre o caminho de areia de Row, levantando uma nuvem de pó. Um chapéu de aba longa, adornado com rosas escuras, protegia seu rosto oval, mas o calor e a consciência da situação acenderam sua pele assim que viu a curvatura de uma maçã do rosto marfim, os intensos cachos avermelhados, os generosos lábios rosados. Lady Sherringham tinha decidido passear pelo Hyde Park. E o fazia acompanhada por lady Coyne e a duquesa de Fellingham, mulheres presentes na noite anterior no teatro. E igual à noite anterior, quando segurou lady Sherringham entre seus braços e a beijou, seu corpo respondeu fisicamente. E lhe acontecia de novo, contra sua vontade, o obrigando a trocar de posição sobre a cadeira do cavalo. De noite, tinha sonhado inclusive com ela em seu banho. Tinha explicado que pensava inundar-se em um banheiro de água quente e ele o tinha imaginado em sonhos. Mentalmente, tinha visto sua selvagem juba ruiva presa no alto de sua cabeça e as mechas soltas frisando-se em sua nuca pelo vapor. Uns ombros suaves e a apetecível rotundidade de um seio tentadoramente oculto pela curvatura do braço... Christian moveu a cabeça. Que diabos lhe acontecia? Estava comportando-se como o típico caveira, perverso e incorrigível, que seu pai sempre havia dito que era. Tinha que pensar única e exclusivamente em Do. Não em mulheres nuas banhando-se. Teve que atirar das rédeas de Homer quando se encontrou com três sombrinhas. Três damas, com seus respectivos cavalheiros acompanhantes, caminhavam diante dele e tentavam chamar sua atenção com seu alegre encanto. Olhou de esguelha para lady Sherringham, mas o único que alcançou ver foi o chapéu de palha tinta e as cintas que o adornavam dançando ao som do vento. A duquesa de Fellingham sorriu com picardia em resposta a algo que ela acabava de lhe dizer. Desejou estar caminhando ao lado de lady Sherringham e descobrir o que estava perguntando a aquelas mulheres. —Wickham — gritou uma voz masculina a suas costas. —Me disseram que instalou em sua 43

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casa um harém com deliciosas garotas das Índias. As damas ficaram boquiabertas e Christian afastou seu olhar de lady Sherringham. Olhares de surpresa circularam entre todos os que tinham ouvido o comentário. As mães separaram do lugar suas filhas. Os homens lançaram-lhe olhares de inveja. Santo céu. —Não se trata precisamente de um harém, Axley — ficou olhando-o. —São jovens damas de famílias inglesas que ficaram órfãs no Longínquo Oriente e que enfrentavam graves perigos. Trouxe-as para casa para que vivam em uma sociedade segura. —Mas vivem sozinhas com você em sua casa! A exclamação de horror provinha de uma das mães, mas não estava seguro de qual delas. Axley continuou pressionando. —Disseram que estiveram servindo a sultões como concubinas. Christian pensou nas garotas que tinha a seu cuidado. Garotas que tinham sido feitas prisioneiras e que depois das recuperar se inteiraram de que suas famílias não estavam dispostas às aceitar em seu seio. —Isso é mentira — espetou ao Axley, embora não fosse. Negou-se a bater-se em duelo com Salaberry, mas sua cólera reprimida incitava agora sua fome de briga. —Com pistolas ao amanhecer? Axley ficou branco. —Os duelos se transformaram, em um ato criminal. Aproximou-se então outro homem com expressão horrorizada, um presunçoso membro do Parlamento de cabelo castanho. Um homem com expressão também de lascívia. —Essas garotas devem ser dissolutas e desenfreadas, Wickham. Não há lugar para elas aqui. Maldita sociedade. Christian esticou as rédeas de seus arreios. —Independentemente do que tenham tido que fazer para sobreviver, são garotas inglesas respeitáveis. As circunstâncias as deixaram sozinhas, sem família, sem ninguém que as proteja. Mas não viu nem um pouco de compaixão nos olhos das pessoas privilegiadas que tinha ao seu redor. Gente desgraçada, desde seu ponto de vista, completamente desgraçada. Ninguém era capaz de sentir compaixão por aquelas aterrorizadas garotas. Ignorando as boas maneiras, Christian se afastou ao meio galope do grupo, obrigando aos cavalheiros a afastar-se de um salto de seu caminho. Estava acostumado às lotadas ruas de Calcuta e Bombay e não atropelou a nenhum dos membros do ditoso grupo enquanto guiava Homer para lady Sherringham. Ela estava falando agora com um militar, um homem maior corpulento, com um olho de cristal e voz ensurdecedora. De repente, Wickham reconheceu a aquele homem. E ouviu seu nome pronunciado por uma voz feminina. —Lorde Wickham — disse Jane. —Também acaba de retornar da Índia. —Efetivamente. Aí está, montado no cavalo negro, milady. O louco. “Louco”. Não lhe surpreendia que o major Arbuthnot utilizasse essa palavra, mas sim lhe surpreendia que lady Sherringham tivesse estado perguntando por ele. Por quê? Curiosidade? 44

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Receio? “Fascinação” sussurrou uma voz em seu interior. Christian ficou durante tanto tempo olhando lady Sherringham, que ela acabou levantando a cabeça para olhá-lo também. E a diferença das mulheres que tinha conhecido no passado e haviam se sentido fascinadas por ele, a dama não se abrandou ao olhá-lo, mas sim ficou rígida. Na fina linha desenhada por seus lábios viu exatamente o que pensava dele. Odiava-lhe. Igual no passado. Se for porque a tinha proibido investigar, seria o preço que teria que pagar para mantê-la sã e salva. Um calafrio percorreu as costas de Jane. Transladou o olhar de Wickham a Arbuthnot. —A que se refere com “louco”, major? —Ousado seria o termo educado, milady — respondeu o major. — Demonstrou ser um homem admirável em escaramuças e batalhas. Mas na primavera, quando grande parte da Índia sofre inundações e nos povos abundam as enfermidades, Wickham viajava até as áreas mais desoladas para tirar dali as crianças. Salvou muitas vidas, sem dúvida. Mas arriscando-se a adoecer. Arriscando-se a morrer. Jane visualizou uma imagem: a da pobreza que tinha visto em East End de Londres, onde realizava obras de caridade, mas em um entorno exótico do que nada sabia. E viu Wickham ali, com um menino em seus braços. Teve que fazer um esforço para que sua garganta deixasse sair as palavras: —Não deveria ser “nobre” o termo a utilizar? —Temo-me que seu comportamento com as damas não era tão nobre... Infame, seria mais certa a palavra. Via lorde Wickham como um jovem cavalheiro que procurava a morte. —Isso não pode ser — disse ela. —Salvando a outros? —A lorde Wickham dava o mesmo contrair qualquer enfermidade e morrer. Durante uma dessas inundações, a ponto estive de perder três soldados. Estávamos cruzando um rio que se transformou em um instante em uma autêntica corrente. Wickham estava comigo. Serve à Companhia das Índias Orientais entre as campanhas dos marajás. Sem a ajuda de ninguém, resgatou a dois de meus homens das águas torrenciais e desapareceu no rio. Conseguiu alcançar a borda mais de um quilômetro rio abaixo. —É um herói — disse Jane. —Não um louco. E o herói se aproximava. As sombrinhas se tornaram atrás permitindo às damas ver bem lorde Wickham. Ele tirou o chapéu distraidamente e, inclusive daquela distância, Jane pôde dar-se conta do rubor que subia nas bochechas das damas e do brilho que adquiriam seus olhares. Mas ele se aproximava diretamente para ela, ignorando por completo às jovens. Tinha seus olhos azuis escuro fixos nela. Devia imaginá-lo que ela se trazia entre mãos. Estaria zangado. Mas não pensava sucumbir de novo ao pânico. Wickham tinha a lista de amantes de Do e ela tinha que conseguir aquela lista. —Jane, tenho que te apresentar ao senhor Flanders. —Tia Regina apareceu a seu lado e sorriu para Arbuthnot. Diante de uma parenta casamenteira, o major bateu em retirada. Jane resmungou sem deixar de observar Wickham. O senhor Flanders não lhe seria de nenhuma utilidade, a menos que tivesse estado no clube, e seu aspecto pálido e educado indicava 45

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que não era este o caso. —Não gostava de conhecer cavalheiros. Cada vez que aqui chegamos temos a mesma conversa. Não tenho nem um centavo e meu marido morreu rodeado de escândalo. —Tinha que conseguir que tia Regina se fosse para poder falar a sós com Wickham. Ele guiava seu cavalo entre a multidão sujeitando com força as rédeas. Não deixava de olhála. “Não se acovarde. Não volte atrás”. Estava em público. Rodeada de gente e a salvo. Estava em seu perfeito direito a falar com outras mulheres. Deu-se conta vagamente de que tia Regina continuava falando. —Você foi a parte inocente, e aquele escândalo não tem por que te influenciar agora. Além disso, não vejo o motivo pelo qual os cavalheiros não possam saber que tem expectativas de... —Não as tenho. —É minha sobrinha. É obvio que as tem. —Tem duas filhas e duas netas. Não vá oferecendo uma herança imaginaria como ceva. — ”Não, por favor,” acrescentou em silêncio. “Não se esforce tanto em me obter um matrimônio que não quero nem posso ter”. Wickham se plantou diante dela. Desmontou do cavalo com um movimento preguiçoso de sua longa perna. Ao apoiar-se no chão sua cartola de pele de castor nem sequer se moveu. Saudou tia Regina com um gesto de cabeça e lhe beijou a mão. Jane realizou as apresentações com voz vacilante. —Lorde Wickham, que prazer vê-lo por aqui. —em que pese a sua desaprovação, tia Regina ficou quase sem fôlego. Jane permitiu que ele levasse seus dedos aos lábios. No dia anterior tinha afastado a mão com brutalidade. Mas nesse momento a boca Wickham roçou ligeiramente seus dedos, sem logo tocá-los. De repente se deu conta de que Wickham a estava afastando das pessoas, de tia Regina e, muito possivelmente, do senhor Flanders, que devia seguir à espreita. —Sei o que está fazendo, mulher impossível — murmurou. —Estou falando com mulheres que conheço. Isso é o que faço. —Passeie comigo, lady Sherringham. Aquilo era uma ordem, não um pedido, balbuciada como um grunhido que lhe deu a entender que não podia negar-se. Jane escutou um pequeno grito de protesto por parte de sua tia, mas disse: —Encantada, Wickham. Aceitou, não por medo, mas sim porque tinha que falar com ele. Quando seu marido estava zangado, estava acostumado a afastar-se dele. Mas estava decidida a não fugir de Wickham. Ofereceu-lhe o braço. Debaixo da jaqueta de corte excelente, seu braço era forte, duro e musculoso. —A lista que mencionava em sua carta — disse Jane. — Que nomes aparecem mencionados? 46

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Ele segurou-a pelo queixo, deixando-a boquiaberta e forçando-a a olhá-lo. —Por que demônios não deixa este assunto em minhas mãos, lady Sherringham? —Se digo, deixará de tentar me manter separada do mesmo? Levantou, surpreso, suas escuras sobrancelhas. —Conte-me primeiro. Teria que discutir, sabia que assim que contasse não quereria negociar. —De acordo. Eu fui a afortunada das três: Do, Charlotte e eu. Consegui me liberar de meu marido. Não tive que ser forte nem urdir nenhum plano. Sherringham morreu na cama de sua amante quando foi a casa daquela mulher. Ele se deteve, obrigando ao resto dos casais passeantes a ter que evitá-los. —Não pode sentir-se culpada pelo fato de ser livre, Jane Beaumont. —Por que não? Não consigo me sentir feliz. Não serei até que minhas amigas sejam também livres. Seu magnético olhar azul não se separava dela. —Quero que esteja a salvo. —É o que eu sempre quis — disse, precavendo-se da amargura de sua voz. —Não posso imaginar a sensação. —E como podia, depois de viver com um pai dissoluto que tinha perdido no jogo toda sua fortuna e que tinha partido o coração de sua mãe até convertê-la em uma louca? Depois de oito anos com um marido que a fazia encolher-se de medo com apenas levantar a mão? De verdade acreditava Wickham que se ficava trancada em casa se sentiria a salvo? —Não procuro Do só por culpa. —Viu que ele fazia uma careta. —Talvez não tenha muita experiência com cavalheiros, mas jamais conheci a algum a quem se importe o suficiente uma mulher — esposa, filha ou irmã — para arriscar tudo por ela. —Pois agora já conhece um. Por cima do ombro dele, Jane detectou uma reluzente carruagem de cor granada conduzido por uma mulher vestida com um casaco azul celeste. —Lady Petersborough se aproxima. Tenho intenção de falar com ela. Wickham atou as rédeas do cavalo a um banco para imobilizar o precioso animal. —E eu tenho intenção de impedir-lhe. — Pois tente. Não tenho medo de você — disse mentindo. —Já falei com lady Coyne e com sua excelência, a duquesa de Fellingham. Ambas se mostraram encantadas de falar sobre o clube. —Não poderia ter andado com mais cuidado? Ou acaso as damas se dedicam normalmente a falar de bordéis enquanto passeiam pelo Hyde Park? —Ficaria mais surpreso — murmurou lady Sherringham. E Christian percebeu o sarcasmo daquelas palavras. Aquele tom recordou à mulher que tinha conhecido no passado. Agarrou as rédeas de Homer e lhe deu uns tapinhas na têmpora. —Me conte exatamente o que perguntou — começou a dizer, mas se interrompeu quando a carruagem se deteve a seu lado. George Fortescue, segundo filho de um duque, acompanhava no assento lady Petersborough. A coxa dela roçava a perna de Fortescue. Não via sua mão, mas 47

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Christian imaginou que devia estar apanhada debaixo do generoso bumbum da dama. Lady Petersborough se voltou imediatamente para ele. —Lorde Wickham, que tal está sua irmã? É certo que partiu para França? Meu marido está abatido. Por que perguntaria de entrada por Do? Estaria também procurando respostas, ou comprovando quanto ele sabia? Sem tirar os olhos dela, Christian respondeu: —Não, lady Petersborough. Não acredito que minha irmã partiu para o continente. O olhar de lady Petersborough posou rapidamente em Jane e voltou em seguida para ele. —Como é possível que esteja tão mal informada? Por favor, me diga, sabe onde está? —Não. Não me escreveu me contando onde pensava ir. Minha irmã desapareceu sem deixar rastro. Lady Sherringham deu um passo à frente e antes que ele pudesse impedir disse: —Mas deve compartilhar seus planos com você. Acreditava que Delphina e você eram muito amigas no... no clube. Terei que admitir que lady Sherringham tivesse adivinhado como chatear a lady Petersborough. —Não fomos. Simplesmente compartilhávamos meu marido. —A seu lado, Fortescue teve a elegância de ruborizar-se. —OH. Mas talvez recorde quando a viu ali pela última vez — disse lady Sherringham, suas bochechas tão rosadas que inclusive suas sardas tinham desaparecido. Christian apertou os dentes. Deixaria-a que seguisse perguntando. Embora só um momento. —Fará uns quinze dias..., sim, isso é — informou lady Petersborough. —Estive toda a noite com meu marido. Acredito que Treyworth tinha reservado um dos homens da senhora Brougham para que nos divertisse aquela noite. Lady Sherringham abriu tanto a boca que a mandíbula quase chegou ao chão. —Rory Douglas? —perguntou Christian. Era um dos nomes da lista da senhora Brougham e já tinha interrogado ao homem em seus aposentos. O jovem recordava a Do como uma das muitas lascivas damas casadas às que tinha atendido no clube. Igual tinha acontecido com outros homens mencionados na lista, Douglas tinha negado conhecer o paradeiro de Do. Lady Petersborough assentiu. Voltou-se então para lady Sherringham com um sorriso malévolo e perigoso. —De modo que acertei, querida. Imaginei que era você, vestida de negro, a que estava no clube da senhora Brougham. —Sim. —É uma delícia que lhe permitissem a entrada sem marido. De ser eu viúva querida, também iria ali. Talvez voltemos a nos ver. E com um golpe de chicote, lady Petersborough fez avançar a carruagem. Christian se voltou para lady Sherringham. —Por que, depois de levar um véu e utilizar um nome falso, delatou-se diante de todas essas mulheres? Viu-a engolir em seco. 48

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—Porque Do merece que corra este risco. É possível que minha tia me jogue na rua se provocar um escândalo, mas tenho que fazer o possível por encontrar a Do. —Ou poderia deixar em minhas mãos. Jane ignorou o comentário. —Lady Petersborough tem bons motivos para querer fazer mal a Do. —Não acredito que esteja com ciúmes..., estava sovando Fortescue. Às mulheres de linhagem dá no mesmo com quem se deitem seus maridos, sempre e quando elas possam ter seus romances. Jane levantou uma sobrancelha e Christian se sentiu como um simplório sob seu escrutínio. —Há mulheres que o fazem. E ela o faz, está claro. Evidentemente, Jane tinha a sensação de que ele não compreendia as mulheres. Mas Christian percebeu de novo amargura em suas palavras e soube então que lady Sherringham estava revelando algo pessoal. Teria se importado com quem se deitasse seu falecido marido? Por que seria que cada vez que olhava aqueles olhos marrom chocolate desejava poder compreendê-la? Jamais havia se sentido assim com uma mulher. Nem sequer com Do. Nunca tinha querido compreender o que tinha acontecido com ela, simplesmente desejava fazer desaparecer sua dor. —Quero que deixe correr este assunto — grunhiu. —Nem sequer se incomodou em me perguntar se averiguei algo importante. Falei com lady Dartmore, com lady Coyne e com a duquesa de Fellingham. É possível que já tenha dado com a chave do mistério. Lady Coyne, por exemplo, tinha que casar-se com Treyworth, mas houve murmúrio que mudou de ideia quando viu Do. Surpreendentemente, lady Coyne estava muito apaixonada por ele. —E pensa que esperou oito anos para vingar-se de Do por haver roubado Treyworth? Teria que estar muito agradecida a Do. —Tirou o chapéu e passou a mão pelo cabelo. —De acordo. Obteve informação. Compartilhe-a comigo. —Farei se me der essa lista de nomes. A lista dos amantes de Do. Ele esteve a ponto de puxar os cabelos. —É óbvio que não. —Então, continuarei falando com as esposas. Ele observou, entretanto, seu peito subindo e baixando acelerado. Tentava negociar e ser valente, mas estava assustada. Teria que escolher outra tática. A que tinha utilizado com Sapphire Brougham. —Não me sinto muito orgulhoso de como consegui a lista por parte da senhora Brougham — disse. Lady Sherringham levantou o queixo. —Seduziu-a? —Intimidei-a. Posso ser um homem muito perigoso quando quero ser. Arbuthnot me descreveu como um louco, verdade? 49

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Jane levou a mão à garganta e abriu os olhos como pratos. Não gostava nada de ter que ir por esse caminho, mas já tinha tentado explicar os perigos que corria. Tinha provado com uma carta educada. E nenhuma daquelas táticas tinha conseguido dissuadir lady Sherringham de continuar metida no assunto. Ela deu um passo para trás. —Ali está lady Pelcham. Tenho que falar com... —Fique aqui — rugiu ele. Mas a obstinada mulher saiu correndo para o grupo. E antes que pudesse abrir-se caminho entre a gente e apanhá-la, ouviu seu surpreso chiado. Viu-a agitar os braços entre a multidão. Lady Sherringham tropeçou e se enredou os pés com a saia. Tinham-na atirado ao chão. Ou empurrado. Christian abriu caminho a cotoveladas entre os cavalheiros, mas ela tinha caído e golpeou no caminho de cascalho. Um relinchar frenético rasgou o ambiente, junto com um grito feminino e o repicar de umas rodas. Lady Sherringham estava estendida no chão, a poucos metros de distância dele. Dois cavalos cinza avançavam ameaçadoramente para ela, seus cascos engolindo o espaço que os separava. Arrastavam uma carruagem azul. A mulher que sujeitava às rédeas as puxou em pânico, um pânico que levantou os cavalos sobre suas patas traseiras e por cima de lady Sherringham Por Deus. Avançou entre a multidão paralisada, e se atirou debaixo dos cascos. Escorregou de joelhos pelo cascalho e a agarrou entre seus braços. Os cavalos descenderam e sentiu uma pontada de dor na panturrilha antes de saltar para o lado. Caiu sobre suas costas e lady Sherringham aterrissou sobre ele, seus seios pressionando-lhe o rosto e as pernas abertas. Atraiu-a para si, sem pensar nem por um instante no indecoroso da postura, sem pensar se fazia mal agarrá-la com tanta força. Sentia ferroadas na panturrilha direita. Mas não era uma dessas dores que provocam náuseas. Devia ter esquivado o grosso dos cascos. Os seios de lady Sherringham desprendiam um incitante aroma de rosas. Mudou de posição até estarem os dois incorporados, ficando ela sentada escarranchada sobre suas coxas. O sangue fluiu rapidamente para entre suas pernas, proporcionando uma ereção para celebrar ter sobrevivido a aquilo. Com um grunhido, perguntou-lhe: —Encontra-se bem? Uma pergunta estúpida. Tinha cascalho incrustado em um rosto cheio de pequenos cortes sangrantes. —Sim. Alguém me empurrou. Obrigada. Salvou-me a vida. —Acredito que sim. —Disse muito devagar. Segurou-a pelo pulso. De repente, via-se incapaz de soltá-la. Tinha sido um acidente o empurrão e a queda? Ou teria sido um ato deliberado? Pela extremidade do olho viu dois cavalheiros altos contendo as bridas dos cavalos. A jovem condutora da carruagem —a quem não conhecia —soluçava e os homens se aproximavam dela 50

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para ajudá-la. —Santo céu, Jane! Lady Sherringham moveu o pulso, mas não conseguiu liberar-se. —Devo ficar em pé. Para ir com minha tia. Retirou-lhe o cascalho do rosto com delicadeza. Uma gota de sangue escorregava por sua pele branca. Sentiu uma pontada no estômago ao ver aquelas feridas e teve medo pelo que podia ter acontecido. Como era possível que uma mulher que tinha fugido do clube presa do pânico nem sequer se desvanecesse agora? —Teria que estar morta de medo. E não está. —Estou. De verdade que estou. Não tinha se encolhido quando havia tocado seu rosto. Estava deixando que acariciasse sua bochecha. Inclusive tinha acomodado à forma de sua mão. Qualquer outra mulher estaria gritando e nervosa. Lady Sherringham era desconcertante. Mas a admirava. Grande parte do sangue de seu corpo começava a acumular-se já por debaixo do nível de sua cintura e, sem pensar duas vezes, pergunta-a que tinha na cabeça se transladou a sua boca: —Como podia seu marido não olhá-la nos olhos e ver o tesouro que tinha? Então sim, se voltou para trás e ficou pálida. —Esse era o problema. Antes que começasse a me bater, dizia ver. E daquela vez, quando ela moveu o pulso para liberar-se, ele acabou soltando-a. Vários homens se prestaram para ajudá-la a levantar-se. Ficou rodeada por uma corriola de galantes cavalheiros enquanto Christian levantava. Sentia uma forte dor na perna, mas conseguiu apoiá-la no chão sem maior problema. Viu-se também rodeado de damas, desfazendo-se em elogios para ele, e ficou impossível abrir caminho entre elas para voltar a aproximar-se de lady Sherringham. A condutora da carruagem estava sendo abanada por uma mulher de mais idade que suplicava-lhe sem cessar: —Não se deprima, lady Amelia, por favor. Chegou então correndo a tia de lady Sherringham. —Santo céu! —Lady Gardiner agradeceu e levou dali a sua sobrinha. Viu lady Sherringham desaparecer, procurando certa ameaça de claudicação, qualquer sinal que revelasse que pudesse estar ferida. Caminhava devagar, mas parecia ilesa. Enquanto sacudia as calças, ouviu lady Gardiner exclamar: —Lorde Perverso te olhava como se nunca tivesse visto uma mulher em sua vida! —Acaba de me salvar a vida! —Sim, mas isso não lhe dá direito a te devorar com os olhos. CAPÍTULO 7 Christian rondava pelo beco que havia atrás do clube de madame Brougham. Fez uma careta 51

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ao sentir uma pontada na perna; apesar do acidente que tinha sofrido no Hyde Park, que só tinha deixado um mero arranhão, sua perna continuava doendo. A umidade que a chuva da noite tinha deixado no ambiente não ajudava. A manhã despertou cinza e ali, nas ruelas, as altas paredes de pedra projetavam sombras impenetráveis. O fedor terrestre de excrementos de cavalo, urina e fumaça chegava a baforadas até seu nariz, recordando que as cidades inglesas cheiravam de um modo muito similar às da Índia. Younger surgiu da penumbra e tirou o chapéu. —Milord. Christian saudou com um gesto de cabeça o antigo policia de Bow Street e atual investigador particular que tinha contratado para acelerar a busca de Do. Younger tinha passado a úmida noite vigiando a entrada traseira do clube. —Viu alguma coisa interessante? —Sim. Fará coisa de uma hora entrou um cavalheiro. Um tipo de aspecto duro, mas bem vestido. Esteve falando com uma mulher com o cabelo tingido com henna e o pescoço carregado de joias. —Seria a senhora Brougham, a madame. Pôde ouvir sua conversa? Younger fez uma careta. —Sinto muito, milord. Teria tido que me aproximar muito da porta para conseguir, por isso só pude escutar a despedida. O tipo estava chateado porque ela não podia atendê-lo como cliente a essas horas. —Que tipo de cliente? —Não poderia dizer, milord. Não o reconheci de minha época de caçador de ladrões. Talvez trouxesse-lhe garotas. Em um lugar assim veria possível o comércio com virgens. Christian esfregou o queixo. A senhora Brougham tinha declarado que o lugar não era um bordel sórdido, a não ser um clube elegante. Mas intuía que aquela mulher era cruel. E sabia que havia montões de cavalheiros dispostos a pagar uma fortuna pela virgindade. O ex-policial parecia nervoso com tão prolongado silêncio. —Não falaram de lady Treyworth, milord. E tinha ao jovem Bridges comigo, de modo que o mandei A... —Younger se interrompeu e sorriu a seguir mostrando uma dentadura branca que contrastava com a penumbra. —Já está aqui, milord. Christian se voltou e viu que um menino esguio entrava correndo ao beco. O jovem ofegava e se recostou contra a parede de pedra. —Segui-o até o cemitério, senhor Younger — disse o jovem, com a respiração entrecortada. —Esse tipo se chama Tanner e tem um bando de ladrões de tumbas. No dia anterior tinha salvado sua vida. Dignaria-se hoje a falar com ela? Jane percorria de um lado a outro o tapete do salão de casa de Wickham. Grande e tenebrosa, a casa não tinha mudado um ápice desde que o austero e desumano velho conde governou a casa. A escassa luz da primeira hora da tarde que ousasse entrar ali ficava engolida pelos painéis de madeira escura, o sólido mobiliário e os sombrios tons verdes e marrons. 52

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—O senhor descerá em seguida — tinha prometido o mordomo. Mas dava a sensação de que tinha transcorrido uma eternidade desde que o criado ancião se retirou. Jane olhou pela janela e esfregou com sua delicadeza a machucada bochecha; os arranhões estavam melhores, mas seguiam ardendo. Na mão esquerda guardava duas cartas que tinham chegado àquela mesma manhã. Cartas de lorde Dartmore e lorde Salaberry. De repente, ouviu um som de passos do outro lado da porta. Através dos painéis de madeira se ouviam alegres risadas femininas. Jane recordou que tia Regina tinha comentado que Wickham tinha em sua casa várias garotas procedentes de haréns e sem vigilância alguma. Não tinha acreditado de tudo. Mas por impossível que parecesse, era verdade. Inexplicavelmente, o coração caiu aos pés. Levou a mão à orelha, imóvel no meio do salão e, de um modo muito impróprio de uma dama, aguçou o ouvido. Através da porta se ouvia um respirar acelerado... As mulheres, que tinham chegado correndo até ali, acabavam de deter-se. —Vi-o na banheira! —A voz correspondia a uma moça. —Tem que ser cuidadosa, Mary — replicou uma segunda voz feminina, tranquila, mas com certa preocupação. —Estou segura de que teria se metido em uma boa confusão se a surpreendesse. —Oxalá o tivesse feito. —A voz da Mary soava petulante. —Penso em seduzi-lo. —Tem que acabar com isto — disse a segunda voz. —E se zangar-se e expulsar a todas nós? Uma patada no chão. —Mas o quero. É terrivelmente doloroso desejá-lo desta maneira e não tê-lo. “Não tê-lo”. Jane pestanejou. Sendo assim, era evidente que aquilo não era seu harém. Calculou com a vista a distância até a porta. Desejava ardentemente correr até ali, abri-la e ver as garotas. Mas não podia fazê-lo. O teria feito em sua juventude? Curiosamente, deu-se conta de que não sabia. Logo que recordava a garota que tinha sido. —Mary. —A voz da outra garota soou desesperada. —aproxima-se. —Vá você, Lucinda. Não vejo motivos para fugir dele. —Tem um convidado esperando-o no salão. Não é correto intrometer-se, e recorda que quer que nos comportemos como autênticas damas. Um som de passos correndo informou ao Jane de que uma ou as duas garotas se foram. —Bom dia, Mary. Esteve pintando hoje? De modo que a garota chamada Mary ficou e aquele falar miserável e lânguido era de Wickham, naturalmente. O pelo da nuca de Jane reconheceu o som profundo e sensual de sua voz e se ergueu como os cães de caça quando saúdam seu querido dono. Não tinha deixado de pensar nele desde a tarde anterior, quando tinha salvado sua vida. Não conseguia esquecer as assombrosas palavras que lhe havia dito quando ficou tombada sobre seu corpo forte e duro: “Como podia seu marido olhá-la nos olhos e não ver o tesouro que tinha?”. Tinha acreditado que estaria furioso com ela. Mas, em troca, a tinha chamado “tesouro”. De 53

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todos os modos, como tinha contado ao Wickham, Sherringham também a chamava assim antes de casar-se. Antes que levantasse o punho pela primeira vez. E sempre tinha dado a entender que podia voltar a ser seu tesouro, simplesmente aprendendo a fazê-lo feliz como ele queria. —Não estive pintando —respondeu Mary, — mas sim espiando ao indivíduo mais inspirador que vi em minha vida. —Suas palavras escondiam uma coquete insinuação. —Ah, sim? —Houve uma incômoda pausa. O que estaria fazendo? —Vi-te refletida no espelho. —A voz do Wickham soou fria e desdenhosa. —Não volte a me espiar. —Mas acredito na possibilidade de que duas almas estejam destinadas a unir-se. E nós somos essas almas, destinadas a intimar... —Já basta, Mary. Sou mais velho oito anos. —Mas sua irmã se casou com um homem muito mais velho que ela, verdade? Quero um homem experiente que seja paciente para me agradar... —Pare Mary. —Sua voz passou de ser um perigoso grunhido a um amargo chiado. —Vá praticar com o piano. Vá à sala de música e não se mova dali. —Mas milord —ronronou Mary, —e se utilizar todo o necessário? Jane soltou o ar com um vaio. Aquela garota era uma desavergonhada. —Vá. Agora mesmo. —A voz de Wickham soava esgotada. —Vá! —de repente abriu a porta e fez sua entrada no salão, passando mão pelo cabelo. —Mulheres — murmurou. —meu Deus, no que estaria pensando quando decidi me rodear de mulheres? De repente saíram às palavras, palavras que deveria haver dito oito anos atrás, na época em que ele a atormentava e ela replicava sem temor. —Talvez não pensasse com a cabeça. Os olhos azuis dele captaram os raios de sol e se acenderam, mas, ao vê-la, seus lábios se torceram assombrosamente até formar um tímido sorriso. —Tem toda a razão. Pensava completamente com outra parte de minha anatomia. Uma parte que não a impressiona. —Outra parte...? —interrompeu-se. Notou uma quebra de onda de calor da ponta dos pés até a raiz do cabelo. —Meu coração, lady Sherringham, referia a meu coração. Por que veio? Aconteceu algo? —Não. —Tirou as cartas. —vim mostrar isto. —Não deveria ter vindo sozinha até aqui. Jane levantou uma sobrancelha. —Como bem sabe, não estava sozinha. O homem que você enviou para vigiar a casa de minha tia pretendia me seguir, mas o convidei a subir à carruagem. Parecia sem sentido que o homem fosse me seguindo pela calçada. —É necessário, lady Sherringham. Preciso me assegurar de que está a salvo. Wickham apanhou as cartas. Não usava luvas e pela primeira vez viu suas mãos nuas. Estavam bronzeadas e sulcadas de cicatrizes, um testemunho de uma vida de duro trabalho e batalhas. Olhou aquelas mãos e recordou que tinham salvado sua vida. Ficou profundamente assombrada quando o criado de Regina tinha informado da presença 54

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de um homem misterioso que controlava a casa de sua tia e dizia estar ao serviço de lorde Wickham. Não tinha sabido o que pensar. Mas agora entendia que tinha que apreciar aquele gesto. —Não agradeci devidamente por haver salvado minha vida e peço desculpas por minha tia. Não fez outra coisa que o insultar. Ele encolheu de ombros e desdobrou uma das cartas. —Dava por certo que se sentia agradecida. —Não acredita que foi um acidente, verdade? É por isso que enviou a esse homem para me vigiar? De repente, ele a agarrou pelos ombros, guiou-a para trás, sem soltar em nenhum momento a carta, e a obrigou a sentar-se em uma poltrona. Ela não tinha intenção de sentar-se. Não podia. Estava ansiosa por saber o conteúdo das cartas. Mas ele tinha decidido que devia sentar-se e, portanto, devia sentar-se. Wickham ficou agachado diante dela e seus respectivos olhos ficaram ao mesmo nível. Faria de propósito, para não adotar uma postura dominante sobre ela? —O que aconteceu, carinho? Sua tia a levou tão depressa dali que não tive nem oportunidade de perguntar nada. “Porque tinha mais medo de você que do acidente”. Mas não podia dizer. E sabia que Wickham não queria come-la com os olhos. Sempre a tinha desprezado por sua língua afiada e porque ela desaprovava suas maneiras libertinas. E agora sentia pena dela. Isso era tudo. —A verdade é que não tenho nem ideia do que aconteceu — disse. —Eu tentava me afastar de você quando fui empurrada por trás. Não vi quem foi. Estava concentrada na multidão que havia ao nosso redor. Estava concentrada em... —Em lady Pelcham — rematou ele. “Em você”. Mas não podia admitir. Envergonhava-lhe continuar pensando nele quando deveria estar plenamente centrada em Do. Wickham moveu a cabeça. —Tudo foi muito rápido, todo mundo correu em sua ajuda. Para começar, não tenho nem ideia de quem havia ali. Salaberry estava aí antes que você caísse ao chão. E também lorde Pelcham. Vi que lady Petersborough tinha descido de sua carruagem. Engoliu em seco ao ouvir mencionar o nome de Salaberry. Teria empurrado alguém para as rodas de uma carruagem para lhe impedir que procurasse Do? —Não vi lorde Petersborough. Nem Treyworth. Charlotte também estava ali. Enquanto sua tia a acompanhava de volta a sua carruagem, Jane tinha visto os cachos dourados do Charlotte e seu vestido de montar de cor arroxeada. —Estou segura de que lady Amelia Wentworth, a jovem que conduzia a carruagem, não tinha motivos para querer me atropelar. Estava absolutamente horrorizada. —Não quero correr mais riscos com você — disse Wickham. E disse com o mesmo rosto que tinha posto quando tinha contado que o marido de Do batia nela. Uma expressão de dor. Nunca antes um homem se preocupou por ela. “Não permita que entre em seu coração”. 55

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—E não correrá mais riscos — acrescentou. —Leia as cartas — disse ela. — olhe, por favor. Levantou as sobrancelhas assim que começou a ler à primeira. Venha ao clube esta noite, pois fiquei extasiado ao vê-la ali. Dartmore. —O marido de Charlotte. Foi ver Charlotte..., a lady Dartmore, e não me disse isso. Charlotte me contou que seu marido desejava Do, mas que nunca foi dela. E Charlotte está grávida. Por um momento, Wickham ficou tão pasmo como ela se havia sentido aquela mesma manhã ao abrir as cartas. A senhora Hodgkins as tinha entregado, gorjeando alegremente por trazer cartas de “cavalheiros”. Sem saber que eram cartas sinistras escritas por homens repugnantes. —A outra é de Salaberry — disse, tão impassível como pôde. Mas a voz lhe tremia. — Ameaça me impondo uma ação disciplinadora. —Demônios! —Wickham não a leu em voz alta. Mas Jane jamais esqueceria uma palavra do que dizia. As damas travessas que abandonam minhas representações devem ser submetidas a uma ação disciplinadora. Reúna-se comigo esta noite, deliciosa noviça. Deve jogar comigo. —Acredita que lady Petersborough ou alguma das outras damas contou a Salaberry que estive ali? Charlotte sabia..., viu-me. E deve ter contado a seu marido. Não posso acreditar que Charlotte tenha feito uma coisa assim. Como é possível que não veja o perigo? Wickham grunhiu. —Acredito que Salaberry também a reconheceu. Assim me confirmou isso. —O que? Esfregou a nuca, alvoroçando o cabelo. —Salaberry me contou que seu falecido esposo tinha sido o protetor de uma das cortesãs desaparecidas, e que partiu o nariz dessa mulher. Demorou um momento em captar suas palavras. “Seu falecido esposo. Uma mulher com o nariz partido”. Teria que sentir náuseas, mas não estava admirada. Sabia que Sherringham subornava suas amantes para que aceitassem seus castigos. Levantou a vista. Wickham estava servindo um conhaque em uma taça de cristal de grande tamanho. —Que meu marido era o protetor de uma mulher que desapareceu? —Antes que ela começasse a trabalhar no clube da senhora Brougham. Jane notou então uma sensação de náusea no estômago. Depois seu marido passou a ver uma mulher chamada Fleur de Jardins. A senhorita Dê Jardins não era atriz, mas sim a ambiciosa 56

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madame de um bordel rural. A pobre mulher havia falecido no incêndio junto com Sherringham. —Mas não diria a Salaberry que eu estava com você... —aventurou. —É óbvio que não. Mas naquele momento compreendi por que estava tão assustada no clube... —Wickham se interrompeu e se aproximou dela. Estendeu-lhe a taça e ela a aceitou. Nunca se atreveria a beber todo aquele licor, mas apanhou a taça de conhaque e deu um gole. Surpreendendo-a, tomou assento no braço da poltrona e suas nádegas ficaram junto à mão de Jane. O conhaque arranhou sua garganta. Ardia, e encheram os olhos de lágrimas. —Se Salaberry suspeitou que você era a dama escondida atrás do véu —murmurou, — imagino que leria também tudo o que me passava pela cabeça. Porque pensei no dano que você poderia sofrer e sei que meu rosto delatou meus sentimentos. Sinto muito, carinho. Franziu o sobrecenho e os cantos de sua boca marcaram com mais profundidade. Sim, davase conta de que podia apaixonar-se por aquele homem, daquele cavalheiro que parecia preocupar-se com ela. As advertências de tia Regina deixaram de lhe parecer tão desnecessárias. Jane deu um novo gole e o conhaque esquentou suas vísceras. —Tenho que voltar para o clube, Wickham. Primeiro sofro esse acidente e agora dois dos homens relacionados com Do tentam me convencer de que volte. Vim vê-lo porque não tenho outro lugar aonde ir. Nenhum outro lugar a que recorrer. Necessito que volte a me levar ao clube. O silêncio dele era mais perturbador que uma negativa. —Se me empurraram de propósito contra aquela carruagem, significa que corro perigo. Do corre perigo. Você é a única pessoa em quem posso confiar Wickham. —Tinha uma carta guardada mais. E vendo que ele não dizia uma palavra, decidiu jogá-la. —Se não quiser me levar, terei que ir sozinha para ver esses dois homens. —Asseguro que não o fará. —Christian abandonou de repente o braço da poltrona e voltou para posar nele as mãos. —Farei — insistiu lady Sherringham. —Tenho que fazê-lo... por Do. Aa porta abriu-se então. —Milord — implorou uma voz feminina. Christian resmungou. Não era precisamente o momento. Mas se voltou. Philomena entrou correndo, secando as bochechas. Maldita seja. A garota tinha estado chorando. —Por favor, não permita que esta dama nos leve, milord. Não lhe causaremos mais problemas. Lady Sherringham se levantou, sujeitando-se nos braços da poltrona. Inclinou-se para ele para olhar. —Ela não é mais que uma menina. Ele se afastou da poltrona para aproximar-se de Philomena. Agarrou entre seus braços à miúda garota. Philly não era uma menina: tinha quinze anos, mas era pequena para sua idade e pesava pouco mais do que Do pesaria quando tinha doze anos. Ela enlaçou seus magros braços ao redor de seu pescoço e o abraçou com força. Ele deu-lhe uns 57

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tapinhas nas costas. —Ninguém a levará a nenhuma parte, Philly. Lady Sherringham é uma amiga da família. —De modo que está aqui. —Na soleira da porta acabava de aparecer a nova, e agora assustada, ama de chaves (a segunda desde que tinha retornado a Inglaterra). Fez uma reverência. —Peço desculpas, milord. —A mulher entrou no salão com os braços estendidos. Philly o abraçou com mais força. Christian a soltou. —Vá. Não tem nada do que preocupar-se. Prometo isso. Entre as lágrimas brilhou um raio de esperança. —Obrigada — murmurou Philly. No harém, suas mãos tinham trabalhado diligentemente fazendo bordados. Tinha abandonado qualquer esperança de resgate e não tinha pronunciado palavra durante seis meses antes que a encontrasse. A governanta segurou Philly pela mão, desculpou-se uma dúzia de vezes mais de forma efusiva e desesperada e levou dali a pobre garota. Lady Sherringham se levantou de novo de seu assento no instante em que se fechou a porta. Um de seus grampos ficou enganchado no respaldo acolchoado deixando solto um cacho acobreado, que caía sobre seu pescoço como uma chama. —Minha tia me contou que havia trazido às garotas com você para devolvê-las a suas famílias — disse. —É isso certo? —Sim. São garotas inglesas que ficaram órfãs na Índia e no Longínquo Oriente. Philomena é a menor, tem quinze anos. A maior tem vinte. Compravam-nas e vendiam como se fossem joias. Três delas viviam em harens turcos e uma em uma purdah2 na Índia. Jane juntou as sobrancelhas. —E as resgatou? Como? —Não foi fácil. Os haréns estão atrás dos muros de palácios, bem vigiados por eunucos e homens armados. O olhar dela brilhou de pura indignação. Ele recordou aquela expressão de suas múltiplas conversas. —Por que não as envia para sua casa? —Cometi um engano, lady Sherringham. Pensei que suas famílias as receberiam com agrado. Ordenei a meu secretário que localizasse aos familiares das garotas. E nos encontramos com um montão de negativas. Estas garotas não são virgens. Sabem como agradar a homens, e a mulheres, porque tiveram que fazê-lo para garantir a sobrevivência. Aquilo era um desafio para ela. Christian queria ver se enrugava o nariz com altiva insatisfação ou se estremecia do susto. —Pobres garotas! Sentia compaixão por elas. Estava assombrado. Ninguém havia sentido. —Não as culpa pelo que têm feito? É o que fazem a maioria das aristocratas. 2

Purdah é uma cortina que torna nítida separação entre o mundo do homem e o da mulher, entre a comunidade como um todo e da família que é o seu coração, entre a rua e a casa, o público e o privado, assim como agudamente separa o que é da sociedade e o que é do indivíduo.

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Seu olhar se acendeu. —Não têm a culpa disso. A mulher que não o veja assim merece... merece viver o resto de sua vida a base de pão e água. Naquele momento compreendeu o que impulsionava lady Sherringham a encontrar Do. O clube lhe dava medo, mas era uma autêntica tigresa quando se tratava de defender a alguém a quem considerava mais indefeso que ela. —E o que fará agora com elas? —perguntou. —Penso conceder-lhes dotes generosos. —Não terá a intenção de subornar a homens para que se case com elas, verdade? —Fechou com força os punhos. —Não pode as vender em matrimônio. —Quero que tenham um bom matrimônio. Que tenham a vida que merecem. Jane sorriu. E ao fazê-lo, brilhou. —Você, o conde de Wickham, um caveira reconhecido, reconvertido em casamenteiro. — Mas imediatamente ficou séria. —Espero que não faça o que seu pai fez. —Jamais faria o que meu pai fez. Ela franziu o cenho e ele viu que não estava muito convencida. —É você surpreendente Wickham. —Falou com voz cálida, qualquer matiz estridente tinha desaparecido. —Primeiro me inteiro de quantas vidas salvou na Índia. Depois me salva a vida. Retorna para encontrar a Do. E agora isto. Estava muito equivocada. Você é um homem heroico..., certamente o homem mais heroico que conheci em minha vida. Tinha-o qualificado de herói diante do Major Arbuthnot. E agora repetia o qualificativo. Mas não era certo. Disse, a contra gosto: —Sou um pobre resgatador que salva vidas sem pensar bem como serão essas vidas a seguir. Ela juntou as sobrancelhas, levantou o queixo. Parecia como se estivesse lista para começar a discutir. Seus olhares se encontraram e Christian contemplou aquela boca tão expressiva. Nunca tinha desejado tanto beijar a uma mulher... E se tentasse, ela fugiria. Era muito vulnerável. Mas lady Sherringham se aproximou um centímetro mais dele. Com o corpo rígido e a boca franzida, ficou nas pontas dos pés e roçou seus lábios com os seus. CAPÍTULO 8 Veludo e seda. Rosas e baunilha. Os sentidos de Christian saborearam lady Sherringham quando ela pressionou timidamente sua boca contra a dele. Ficou... paralisado. Em condições normais, arrastaria à mulher a um beijo excitante, fazendo-a jogar com ele, aumentando o calor entre ambos até obter que estalassem em chamas. Mas com lady Sherringham aquilo não ia funcionar e Christian permaneceu imóvel, com as pálpebras entreabertas, observando como beijava. Lentamente, os lábios dela se abrandaram, 59

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abriram-se um pouco e apareceu o sussurro de um leve gemido em sua boca. Nem sequer podia arriscar-se a deixar uma mão em suas frágeis costas para atraí-la para ele. Deixou-a fazer o que ela queria. Pela primeira vez em sua vida, Christian se mostrou torpe em um beijo, as costas dobradas, os membros em rígida tensão, encurvando para lhe entregar sua boca. Só se tocaram seus lábios. Ela se adiantou até roçar o torso com os seios. Com estupidez, levantou os braços e seus punhos se chocaram com os bíceps dele. Foi um beijo tão leve que ele podia inclusive falar enquanto ela movia os lábios sobre os seus em uma exploração tão cautelosa como a de um general inseguro que espera uma emboscada. —Sim — murmurou ele. —me abrace. Tinha que descobrir que ela podia. Tinha que saber que uma mulher podia suportar o que ela tinha sofrido e não estar completamente destroçada por dentro. Subiu com os punhos fechados até seus ombros e então enlaçou as mãos por trás de sua nuca. Abriu a boca, e quando ele instintivamente captou o sinal como uma indicação de que podia iniciar o jogo, ela se afastou com os olhos totalmente abertos, assombrada. —Eu fiz — sussurrou. Ele se inclinou e acariciou seu pescoço com o nariz, roçando com a boca a pulsação intensa na conjunção da clavícula. Saboreou a deliciosa doçura de sua pele. — Fez sim. Ela se tornou para trás. —Para você não terá sido muito beijo. Sinto muito. Não tinha sido um beijo sexual. Tinha sido algo completamente desconhecido para ele. Um medo compartilhado, com hesitações... E a forma tentativa em que ela tinha engrenado os braços ao redor de seu pescoço tinha chegado à sua alma como nenhum outro beijo de sua vida. Lady Sherringham se recolheu entre seus próprios braços. —Posso fazê-lo. Vê? Posso voltar para o clube, sempre e quando estiver você ao meu lado. —Este beijo queria ser uma prova? Jane respondeu movendo afirmativamente a cabeça, ruborizando. —Não pensei em meu falecido marido. Quando o beijei, só pensava em você. Ele sentia ainda a tensão no peito, o coração pulsando com força. —Recordei a seu marido quando dava aquele beijo tão intenso no teatro? Foi isso o que a assustou? —Sim, mas desta vez... Interrompeu-a uma discreta chamada na porta. Maldição. Christian se voltou e viu o mordomo de seu pai na soleira. Wilkins era um criado mais velho, tão rígido e correto que chiava ao respirar. —Chegou uma tal senhora Small, milord. Diz que tem uma entrevista com você. —Assim é — replicou ele. —Instalei-a no... —Wilkins tossiu para esclarecer a garganta. —Na sala oeste, apesar do que significa. 60

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Era a sala onde seu pai o tinha provocado até vê-lo consumido por uma ira cega e perder o controle dos nervos. Nunca tinha querido voltar a entrar na sala onde tinha estampado a seu pai contra a parede e tinha estreitado com as mãos sua frágil garganta. Mas lady Sherringham correu para a porta, a beira de sua saia sussurrando entre seus tornozelos, e voltando-se ligeiramente admoestou: —Vamos, Wickham. Devemos falar com ela. Para Christian parecia uma confusão: por um lado, era pura vulnerabilidade, mas imediatamente no momento seguinte, toda arrojada. Teria ido a sua casa unicamente por aquele motivo? Para interrogar à cozinheira, depois de tentar assegurar-se de que não o fizesse? Ao inferno. A senhora Small fez uma profunda reverência quando Wickham entrou na saleta. Jane entrou atrás; tinha saído do salão diante, mas ele a tinha adiantado pelo corredor com suas longas pernadas. Prova, no mínimo, de que sua perna não tinha ficado ferida gravemente no dia anterior. Jane tratou de não estremecer-se quando a envolveu a atmosfera da sala. Se o salão era lúgubre, aquilo era até pior: a saleta estava abarrotada de móveis de grande tamanho e cobriam as poltronas tapeçarias holandesas que pareciam fantasmas à espreita. Vestida de pano de cor marrom, com um maltratado chapéu de palha sobre seus cachos grisalhos, o movimento nervoso dos ombros da senhora Small revelava sua ansiedade. A sala por si só bastava para assustar a qualquer um. Deixando Wickham de lado, Jane avançou depressa e segurou as mãos da senhora Small. Sentiu o ardente olhar dele como um atiçador ao vermelho vivo parecido entre suas omoplatas. Sua atitude havia tornado a encolerizá-lo. Mas com um simples olhar ao sorriso de alívio que desenhavam os lábios da anciã cozinheira soube que tinha feito bem o acompanhando, quisesse ele ou não. —Me alegro de que esteja aqui, milady — disse a senhora Small. —À patroa nunca passa nada por alto e temia que se inteirasse de onde tinha ido hoje. Como podia haver-se tornado atrás quando aquela mulher confiava nela daquele modo? Jane olhou de esguelha a rígida mandíbula de Wickham. —É óbvio que tinha que vir. E não tem necessidade de voltar para casa da senhora Brougham. Lorde Wickham se encarregará de que você seja atendida. —É óbvio — disse ele com frieza. —Lorde Wickham se encarregará. Jane sentiu um picor na garganta. Era evidente que um homem que acreditava poder mandar nela, odiaria-a por ter falado por ele. Mas se tratava de Do. Notou uma mão posar-se em suas costas, à altura da cintura: a mão de Wickham. Empurroua com delicadeza para um lado e abriu espaço. —Acredito que lhe prometeu uma casa de hóspedes — disse. Arrastou à senhora Small para o canapé: esse e um monstruoso encosto eram os únicos assentos sem tampar. —Obterá tudo o que prometeu se me disser a verdade, senhora Small. Fará? Uns olhos da cor azul da porcelana da China os olharam com inocência, tanto a ela como ao 61

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Wickham. —Farei, sem lugar de dúvidas, milord. Desejo fervorosamente ter meu próprio negócio. A emoção da senhora Small abrandou o coração de Jane. Tomou assento no outro extremo do amplo sofá, o bastante perto da cozinheira para tranquilizá-la. Wickham se instalou no enorme sofá. —Vamos ao ponto, então — disse. —No clube da senhora Brougham acontecem coisas que lhe preocupam. A senhora Small se inclinou para ele. —Sei que a nobreza tem sua própria forma de fazer as coisas. E eu sempre mantive a vista baixa e a boca fechada. —Não tem por que insistir em sua discrição. —Wickham sorriu à cozinheira. —Acredito que a senhora Brougham dá por feito que seu pessoal mais importante é inteligente e consciente do lugar onde trabalha. As bochechas da cozinheira se ruborizaram. Orgulhava-se de suas palavras de aprovação. Wickham era capaz de encantar a qualquer mulher. Jane notou o calor de suas bochechas. Não havia dito a verdade. Não o tinha beijado a modo de prova. Quando ele a tinha cuidado depois de que ela dissesse aquela tolice sobre seu heroísmo, o impulso, a necessidade e uma inexplicável loucura tinham feito que seus lábios se equilibrassem sobre os dele. O beijo tinha sido horroroso. E, a diferença do acontecido no teatro, ele nem sequer tinha respondido. Tinha deixado que o beijasse, mas tinha percebido sua moderação como um muro entre os dois. Sentia-se incomodadíssima por tê-lo beijado. Era melhor esquecê-lo. O único que importava era Do. —O que há sobre as mulheres desaparecidas...? —começou a dizer. —Preocupam-nos as mulheres desaparecidas, senhora Small — a interrompeu Wickham. —E lady Treyworth, minha irmã, que era, acredito, membro do clube contra sua vontade. Devo lhe perguntar o que é o que lhe assustava desse lugar. —Acontecem coisas perversas, está claro, mas o que me fazia tremer eram esses homens com capa. Entravam pela parte traseira da casa, pela porta da cozinha. São quatro, ao menos isso acredito. —Homens com capa? —repetiu Jane. Wickham a olhou de esguelha. Era evidente que esperava que permanecesse em silêncio. —Sim. Usam capa com capuz e sempre estão mascarados. —Nunca viu seus rostos? —Perguntou Wickham. —Não sabe quem são? A senhora Small negou com a cabeça. —Nunca mencionam seus nomes, nem sequer a patroa. Descreve-os como os cavalheiros especiais, e pede para eles o melhor conhaque. —Não lhes viu alguma vez o cabelo? Nem como estão vestidos? —São cavalheiros, isso é tudo o que sei. As capas são de lã negra, muito normal. Usam máscaras negras que cobre todo o rosto, os capuzes baixados. Nunca vi os olhos. E nunca me 62

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atrevi a olhá-los o tempo suficiente para tentar vê-los bem. —A cozinheira estremeceu. —Que altura tem esses homens? —Não são tão altos como você, milord. Dois são baixos e fortes e os outros dois são magros. É difícil julgá-lo com as capas, mas dois deles são o bastante grande para ocupar quase toda a soleira da porta, e os outros dois não. —E das cozinhas, para onde vão? —Há uma porta na zona de criados que leva aos calabouços. Está fechada com chave, mas esses homens têm a chave para entrar. —Vão lá toda noite? Poderia me dizer há quanto tempo estão indo? —As quintas e as sextas-feiras, milord, a meia-noite. Fará um ano e meio mês que vêm. —de repente, a senhora Small parecia nervosa. —Esqueci de dizer que... que um dos homens usa uma bengala. Uma vez, uma das criadas fechou a porta que vai da cozinha ao pátio posterior. O cavalheiro teve que chamar a tiros. Fiquei com um pânico terrível, já que temos a obrigação de deixá-la aberta. Corri para abrir e quase me bate com a bengala. Ao que parece, ia golpear a porta com ela, mas eu penso que queria dar a mim de tão zangado que estava. Wickham sacudiu a cabeça para indicar sua compaixão e Jane viu que a senhora Small o agradecia. —Poderia descrever a bengala? —perguntou. —Era de prata. Coroado por uma cabeça de cavalo com a crina ao ar. Os olhos pareciam rubis, era vermelho sangue. Wickham se recostou em seu assento, estirou as pernas e encurvou as costas. —Muito peculiar para um cavalheiro preocupado em ocultar sua identidade. Jane tinha pensado o mesmo. Parecia uma ostentação descarada. Mas os cavalheiros arrogantes se acreditavam tão inteligentes e tão intocáveis, que revelavam seus pecados despreocupadamente. Com toda segurança, qualquer um reconheceria um objeto tão excepcional. Aqueles homens tinham que estar implicados no desaparecimento das cortesãs. Por que, se não, usar um disfarce tão elaborado em um clube onde outros membros passeavam livremente? Mas teriam algo haver com Do? Retorcendo as mãos no colo, a senhora Small olhou esperançosa para Wickham. —Não posso lhe dizer mais, milord. É suficiente? O sorriso do Wickham derretia até a manteiga. —É enormemente útil. Poderia me contar alguma coisa mais sobre as garotas desaparecidas? Resultaram alguma vez feridas gravemente no clube? A cozinheira ruborizou com seus elogios. O aspecto atraente de Wickham e seu treinado encanto jogavam a seu favor e, além disso, tinha prometido à senhora Small um prêmio espetacular. Que mulher não estaria impressionada com um resgatador como aquele? —As duas desaparecidas são Molly Templeton e Kitty Wilson. Ambas queriam ser bailarinas de ópera e atrizes. Wickham conseguiu detalhes sobre a vida das duas mulheres no clube: Molly era presunçosa 63

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e tratava mal aos criados; ansiava encontrar um protetor de dinheiro, explicou a cozinheira. Só se mostrava encantada quando havia como mínimo um conde no salão. Kitty era fraca como uma menina, delicada e muito popular, mas no fundo era uma prostituta endurecida pela vida, decidida a sobreviver. A cozinheira meneou o dedo. —Mas nunca se permitiu maltratar as garotas, essa é a verdade. Havia machas roxas, pois os cavalheiros gostam dos jogos com açoites e cordas, mas nada que as garotas não pudessem resistir. Havia algumas que tinham estado em casas mais violentas e todas davam graças a Deus por terem sido acolhidas pela patroa. Jane não podia acreditar. —Não se importava que as açoitassem? A senhora Small se voltou para ela com um tímido sorriso. —Estou segura de que sua senhoria poderia dizer. Jane olhou com rosto fechado para Wickham, que devolveu-lhe o olhar com uma expressão impossível de decifrar. —Assim é a vida das que querem ascender, milady — continuou a senhora Small. —Os cavalheiros querem fazer coisas que não podem fazer em casa. —E por que os cavalheiros teriam que obter o que...? —Senhora Small — a interrompeu Wickham. —Umas perguntas mais sobre o clube... — Passou vários minutos mais a interrogando sobre o funcionamento do lugar: o que acontecia pelas noites, se cozinhava para as cortesãs e se as garotas dormiam na casa. Perguntou sobre seus triunfos culinários e a enrolou para que revelasse seu segredo a respeito do syllabub, uma sobremesa popular que se confeccionava com nata, açúcar e vinho branco. Jane tentou averiguar a intenção de suas perguntas. Parecia sinceramente interessado pela vida da senhora Small e, pouco a pouco, foi enrolando-a para que falasse sobre os convidados. De modo que esse era seu jogo: adular a mulher e logo seduzi-la para que soltasse tudo. Jane pensou que Wickham conhecia bem às mulheres. É óbvio que as conhecia..., sabia que se deitou com centenas delas, senão com milhares. A senhora Small admitiu que raras vezes subia e que pouca coisa podia dizer sobre os membros do clube. Pelas fofocas das criadas, podia nomear a alguns membros da elite que frequentavam o clube, incluindo dois duques, uma dúzia de condes e um príncipe de Habsburgo arruinado. —Se pode me dizer alguma coisa mais, algo que se reserve, eu a compensarei. Digamos que com mil libras? Os lábios da senhora Small começaram a tremer sem que a mulher pudesse evitá-lo. Wickham deu de presente o mais encantador de seus sorrisos e a reticência da cozinheira se derrubou. —Acredito que a patroa traz garotas especiais para esses homens mascarados — sussurrou, enrugando a saia entre seus dedos. Jane se situou ao lado da senhora Small, com o coração na garganta. 64

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—Que tipo de garotas especiais? A cozinheira se tocou o extremo do olho direito. —Garotas jovens. Vi uma delas, quando se supunha que não devia fazê-lo. A pobre menina devia ter quatorze anos e estava morta de medo. A patroa é boa, mas temo que esteja sequestrando criaturas inocentes para esses homens. Wickham se levantou e fez uma reverência. A senhora Small ficou atônita. —Obrigado. Foi o agradecimento mais sentido que Jane tinha presenciado em sua vida. Wickham sabia como aparentar que estava completamente em dívida com aquela mulher. Com as bochechas acesas, a senhora Small se voltou para ela. —OH, obrigada, milady, por me trazer em presença de sua senhoria. Jane suspirou. O que ela poderia ter feito sozinha? Era evidente que não teria podido suborná-la com mil libras nem haver comprado uma casa de hóspedes. —Pedirei a meu secretário que disponha tudo com você, senhora Small — disse Wickham. A senhora Small se levantou de seu assento e fez uma reverência. —Muitíssimo obrigado, milord. Wickham se inclinou junto a Jane. —Se quiser me acompanhar, milady... E assim o fez. Assim que ele tinha saído passou ao salão um cavalheiro com óculos e cabelo cinza e fechou a porta, voltou-se para ele, decidida a sentir-se... útil. A fazer alguma coisa. —Sabe a quem poderia pertencer essa bengala? —Faz só uns dias que retornei, de modo que, não tenho nem ideia. Mas averiguarei. —Salaberry. Petersborough. Dartmore ou Treyworth. Qualquer deles poderia fazer parte desse grupo de homens mascarados. —Jane levantou a voz. —E se Do soubesse que Treyworth tinha estragado a pobres garotas inocentes? Hoje é quinta-feira. Temos que ir ao clube. Wickham aproximou o dedo de seus lábios e a conduziu fora do salão. O secretário estava acompanhando à senhora Small para a porta. Wickham lhe disse ao ouvido: —Enviarei a um de meus criados para vigiá-la. —Como fez por mim. Teme por sua vida. Teme pela minha. —Sim. —Agarrou-a pelos ombros, como se quisesse fazê-la ver a razão. Mas não o fez. — Tem que voltar para sua casa, amor. Enviarei meus criados para que a sigam, para que vigiem de novo sua casa. Quero que esteja segura. Jane moveu a cabeça de um lado a outro. —Virá me buscar esta noite? Para me levar ao clube? —antes que ele pudesse pronunciar o “não” que ela sabia que ia articular, retirou-lhe as mãos. —Sabe perfeitamente o que farei: irei. Em uma ocasião, sendo jovens e enquanto ele zombava dela, Jane o tinha ameaçado jogando um pudim na sua bota. Na manhã seguinte, ela tinha podido ouvir o chapinho de seu pé introduzindo-se no calçado manchado. Jane tinha cumprido raivosa com todas suas ameaças. O pudim. Aranha nas calças. Sal na cerveja. 65

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Confiava em que ele acreditasse que aqueles oito anos não a tinham mudado. —Você é uma mulher detestável. Ela deu um passo atrás para ouvir aquilo, mas se deu conta de que não o havia dito zangado. —Seria capaz de ir sozinha se eu não a levar, verdade? —jogou o cabelo para trás. —Não a compreendo. Dá-lhe mais medo o clube que o acidente que sofreu. Ficou olhando-a. Era certo. —De acordo, levarei-a. Mas se vir algo que a incomode, assuste-a ou desencadeie sua necessidade de ir, terá que me alertar. Não a tocarei mais do que o necessário. E não permitirei que ninguém a toque. “Não a tocarei”. Algo se quebrou em seu interior, mas apesar disso disse: —Obrigada. —Esteja preparada às nove. Jane moveu afirmativamente a cabeça. Como explicar a presença de Wickham a tia Regina? Sua tia jamais a deixaria ir a aquele sórdido clube com Wickham, nem sequer para encontrar a Do. Apesar de que como viúva, podia fazer o que quisesse, não queria pagar com desgosto a sua tia, a bondade que tinha mostrado com ela. —Não — disse. —Estarei em sua porta às nove. CAPÍTULO 9 Ao homem lhe gotejava a cerveja pelo queixo e a secou com a suja manga de sua jaqueta. De um canto do botequim, Christian observou ao corpulento ladrão de tumbas esmurrar a mesa com a jarra vazia, sinal de que queria outra. Aquele homem, Smith, trabalhava para Tanner. Tirava os corpos das tumbas e os levava às escolas de medicina que compravam os cadáveres para dissecação. E antes de iniciar seus trabalhos noturnos, estava acostumado a visitar aquele botequim do porto chamado “O Barril e a Âncora”. Christian se levantou. Dispunha de uma hora e meia antes de ter que retornar a sua casa, para acompanhar lady Sherringham ao clube e protegê-la dos homens que queriam fazer mal a ela ou manter relações sexuais com ela até deixá-la sem poder caminhar. Aproximou-se da mesa de Smith no momento em que o taberneiro depositava uma nova jarra na frente do homem. Christian deu um chute à bancada partidária para chamar sua atenção. Smith olhou-o com os olhos injetados de sangue. —O que quer senhor? —O robusto corpo desprendeu um fedor de caldos misturados: cerveja amarga, suor rançoso, corpos podres. Christian extraiu de seu bolso um soberano de ouro e brincou com ele entre seus dedos. Entreabriu seu sobretudo para deixar entrever o punho de uma pistola aparecendo pela cintura da calça. —Trabalha com um homem chamado Tanner? —O que te interessa isso, grandão? Quem demônios é você? 66

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—Alguém que não tem o menor interesse em te remeter aos tribunais, mas que tem o poder suficiente para te fazer pendurar. —Christian lhe lançou o soberano e extraiu então um saquinho em cujo interior tilintavam as moedas. —É teu. Em troca de informação. —Não necessito para nada se acabar com a garganta cortada e de cabeça no Tamisa. —Aqui há suficiente para comprar um bom amparo. Fez algum serviço para a senhora Brougham, a que dirige um clube sexual em Bolton Street? Smith negou com a cabeça e sovou a bolsa de tecido negro. Sopesou-a. Ouviram-se as moedas no interior e o ruído despertou o interesse de outros homens, que levantaram a cabeça. Smith depositou com cuidado a bolsa no banco, junto a sua perna. —Poderia ter feito. —O que tem feito para a senhora Brougham? —Levar alguns corpos. Ao pessoal das escolas de medicina, adoram as jovenzinhas bonitas. Christian sentiu um nó na garganta. —Eram muito jovens? Os olhos de Smith empanaram por um instante. —Algumas teriam uns quatorze anos. Os meninos das fétidas cidades da Índia eram testemunhas de autênticas agonias antes que sua idade alcançasse os dois dígitos. Muitos morriam jovens. E o mesmo acontecia no East End londrino. Era mais provável encontrar um unicórnio que uma garota virgem de doze anos de idade. —Quando recolhe esses corpos? —Faço-o de vez em quando. A última vez fará coisa de um mês. Christian se sentiu aliviado. Não podia tratar-se de Do. Muito tempo. —Recolhe-os no clube da senhora Brougham? Smith bebeu um gole de cerveja. —Eu não recolho os corpos. Tanner se ocupa disso. Depois sou eu quem os leva às escolas. Mas Tanner foi a uma casa perto de Blackheath. Ou talvez fora no Richmond. Tanner disse que necessitava uma carruagem para esses trabalhos. Christian tirou um retrato em miniatura de Do. Tinha que assegurar-se. —Recolheu alguma mulher que se parecesse com esta? Agora teria oito anos mais. Smith entrecerrou os olhos para observá-la com detalhe. —Uma dama preciosa. As que eu recolho são fulanas, não damas... Christian viu que duvidava. Tirou um bilhete de cinco libras. —Sabe um pouco relacionado com alguma dama? Os olhos do homem, pequenos e brilhantes, rastrearam a sala. —Tanner deve estar a ponto de chegar — disse com voz rouca. —Mas poderia saber alguma coisa, milord. Meu primo encontrou um trabalho que consistia em vigiar a uma dama em uma das casas de madame. Teria que manter a boca fechada, mas não é capaz de fazê-lo. —Uma dama? Quem? —Não tenho nem ideia. Uma louca, disse meu primo. Tem que estar atada à cama para que 67

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não se faça mal. — Assinalou a miniatura. —Inclusive poderia ser esta, milord, a que anda procurando. Ou poderia tratar-se de um conto inventado para ganhar cinco libras. Christian não acreditou, mas estava disposto a aferrar-se a qualquer história que lhe prometesse que Do seguia com vida. Por que a senhora Brougham teria que manter prisioneira a Do? Para quem o faria? Christian agitou a mão para pedir outra jarra de cerveja e o homem olhou-o agradecido. Continuando, instalou-se no banco junto ao ladrão de tumbas. —Tenho uma proposta para ti, Smith. —De que tipo, milord? —Quero a seu chefe, Tanner. Pagarei uma fortuna se me levar até ele. Se me ajudar, garanto-te que te liberará da forca. Smith se tocou o pescoço por debaixo de seu sujo lenço. —Uma fortuna em lugar da forca, milord? É uma pechincha. Em sua casa reinava o tumulto. Deixando atrás o vestíbulo, Christian caminhou três passos pelo corredor e se encontrou imerso em uma cena própria de um manicômio. As garotas, contou mais de quatro, corriam de um lado a outro, chorando. Criadas andavam confundidas e governanta corria de quarto em quarto como um frango sem cabeça. Agarrou a uma criada pelo braço. —O que acontece? Acaso receberam notícias de lady Treyworth? A mulher lhe olhou atônita. —Não... Não sei, milord. De verdade que não sei. —ficou com o olhar cravado em sua mão enluvada de negro, ali onde lhe sujeitava o braço... com muita força. Soltou-a e entrou em seu escritório. Era como se tivessem gelado seu sangue nas veias. Seu grisalho e rígido secretário, Jonathon Huntley, estava sentado atrás do escritório, redigindo apressadamente uma carta. Huntley era empregado da família fazia mais de trinta anos, assim levava mais tempo que ele na casa. Christian se aproximou da mesa dando grandes pernadas e puxou o papel sobre o que o secretário posava sua pluma. Ofegante e surpreso, Huntley levou a mão ao coração. —Milord, agradeceria-lhe que avisasse de sua presença. Não desejo falecer neste escritório. A folha continha uma descrição da Mary. Não dê Do. —Não o contaram as inquietas damas? —Huntley inundou a pluma no tinteiro. —tivemos uma fuga. —O que? —A senhorita Mary fugiu com um lacaio. Diabos! —Não tem por que preocupar-se com este assunto, milord. Quando retornou a casa, Huntley tinha cuidadosamente enrugando seu largo nariz e tinha advertido de que uma casa cheia de raparigas não poderia trazer mais que problemas. 68

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Christian apanhou um peso de papel e o lançou estampando-o na parede oposta. Teve a pequena satisfação de ver o Huntley recolhendo a tinta com o mata-borrão. O problema não eram as raparigas. Aquilo era culpa dele. Culpa sua por ter retornado a Inglaterra com as garotas e com a ingênua crença de que encontraria um lar para elas. E por ter rechaçado com impaciência as insinuações da Mary sem dar-se conta de que detrás disso não havia mais que uma garota vulnerável. Lady Sherringham o tinha chamado de herói. Mas aí estava a evidência de que não era um herói absolutamente. Deixou a carta sobre a mesa. —Os deixe fazer. Mary contatará comigo porque logo estarão destroçados e desesperados. Quando o fizer, que tenha a dote que prometi. E até então, que desfrutem com suas emoções. —Vai dar a dote? —Huntley parecia confuso. —Foi seu orgulho ferido o que a levou a isto. Tentei devolve-las a este mundo sem me preocupar em saber antes se seriam aceitas nele. —E ele, precisamente, odiado por seu pai por seu sangue de bastardo, deveria havê-lo sabido. —Talvez tenha encontrado um jovem ardente que se apaixonou por ela. —depois de três anos cativa em um harém, Mary estava faminta de carinho. E melhor, o generoso dote que desse serviria para comprar o amor que merecia. Pela expressão de Huntley, viu que seu secretário não estava de acordo com ele. —Milord, se me conceder a liberdade de... Suspirou. —Por que incomodar-se em perguntar, Huntley? —O escândalo afetará a todas as garotas. Christian levantou as mãos. —A cidade inteira difunde já comentários perversos sobre elas. A única que compreende é lady Sherringham. —Não podem ter chegado muito longe, milord — contra-atacou com calma Huntley. —As mulheres preferem fugir de noite, assegurando-se com isso de que quando descobrirem sua ausência tenha transcorrido já várias horas. Mas Mary desapareceu depois da hora do chá. —Acredita que Mary pretende que a detenha a tempo? —Exatamente. Começou a compreender. —Tem-no feito para que me fixe nela. —Mary tinha se sentido ferida e, pensando como uma jovem amalucada, tinha urdido aquilo para chamar sua atenção. Teria salvado a Mary, ou não? Não tinha estado aí para salvar a sua irmã de um matrimônio horroroso. Tranquilizaria sua alma ajudar Mary? Serviria de algo salvar a uma garota que logo que conhecia, quando não tinha feito o mesmo por Do? Não podia limitar-se a entregar o dinheiro a Mary, lavar as mãos e deixar que arruinasse sua vida. Isso era o que seu pai teria feito..., mas seu pai nem tão sequer teria soltado o dinheiro. —Busque-os — disse. O homem arqueou uma de suas grisalhas sobrancelhas. —Trago-os de volta aqui, milord? 69

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—Sim. Traga-os de volta — respondeu Christian e se deixou cair na poltrona grande que havia junto à mesa. —Sim, me comportarei como um canalha e a impedirei de atuar por sua livre vontade, pois se casar se arrependerá depois. Não merece terminar em outra prisão, embora desta vez ingresse nela de forma voluntária. Huntley assentiu, dexando-o surpreendido. —Muito bem. Ao parecer, o velhote sentia também certa debilidade pelas jovens problemáticas. Christian agarrou a pistola que guardava na cintura da calça. Deixou-a sobre a mesa. —E seu encontro com o exumador, Smith? Foi satisfatório? —perguntou Huntley. Só Huntley podia ter perguntado daquela maneira. Foi um desses momentos nos que se alegrou de ter seguido contando com os serviços daquele homem. —Smith diz que na casa de propriedade da senhora Brougham têm cativa a uma dama de alto berço. Levantou a vista e lhe surpreendeu ver uma expressão de alívio iluminando o sempre impassível rosto do Huntley. —Acredita que se trata de lady Treyworth? Graças a Deus. —O secretário baixou a vista imediatamente, surpreendentemente envergonhado de si mesmo. —Sinto muito, milord, mas fui incapaz de encontrar outras propriedades que a senhora Brougham possa ter. Por isso, a que seus investimentos se referem, apagou bem seus rastros... Christian levantou a mão. —Você ocupou-se das dúzias de tarefas que lhe encarreguei nestes últimos dias. Não precisa desculpar-se. E tenho uma pista. Uma maneira de obrigar a esse ladrão de tumbas a que me conduza diretamente a essa casa. Necessito que Younger e seus homens estejam preparados. —Imediatamente, milord. Investiguei o marquês de Salaberry e, tal e como você suspeitava, está carregado de dívidas. —Então, esta noite Salaberry saberá o que se sente quando lhe agarram pelas bolas. —Muito bem, milord — disse Huntley. A carta chegou através de um mensageiro privado justo antes das nove. Em seu escritório, Christian cortou o lacre e abriu a carta. Não podia ser de Jane já que, se tivesse acontecido algo, o homem que tinha vigiando-a o teria avisado. Então viu a escritura, a saudação, e ambos sentaram como um murro no estômago. Meu querido Christian: Faz duas noites te vi no clube, mas me resulto impossível reunir o valor necessário para te abordar. Nem dormi nem comi após pensando em ti. Hoje me inteirei que está procurando a sua irmã. Ela sempre me evitava no clube. Jogava-me a culpa do duelo que te obrigou a partir e me culpava deste modo por haver exposto a suas viagens exóticas. Mas desejo te ajudar, Christian. Treyworth levou a sua irmã ao clube para demonstrar até que ponto a controlava. 70

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Não acredito que lady Treyworth sonhasse em fugir; isso é o que fazem os prisioneiros. Quanto a Treyworth desejava expor a sua total esposa diante do público mais elogioso que encontrasse. Dava exibições nos calabouços do clube. Ela não protestava; tinha proibido falar e não o fazia. Mas com os olhos dizia tudo, com sua postura, com sua forma de se negar a gemer ou a gritar, por muito que lhe fizessem. Se tiver retornado para encontrar a sua irmã, temo-me que é possível que não consiga recuperar sua alma. Sua abnegada servidora Georgiana, lady Carlyle. Christian espremeu a carta. Jogou-a no fogo e observou retorcer o imaculado papel branco. Não o surpreendia que Georgiana, antiga condessa de Harrington e sua antiga amante, com seu luxurioso apetite de imaginativos jogos carnais, fosse membro do clube de Brougham. Tinha estado ali e tinha visto o que tinha acontecido a Do. “Temo-me que é possível que não consiga recuperar sua alma”. Christian apoiou a testa contra o frio e duro mármore do suporte da lareira. Tinha que continuar acreditando que podia salvar Do. Lady Sherringham assim acreditava e tinha que ter fé no que ela acreditava. Georgiana se equivocava. —Há algo que tenho que saber lady Sherringham. Jane olhou de esguelha para Wickham. Sua máscara estava rodeada de sombras. Tinha um aspecto escuro, misterioso, que em nada se parecia com o encantado, mas impenitente patife que recordava de oito anos atrás. Engoliu em seco. Tinha que confiar que aquele homem de aspecto intimidante fosse seu protetor quando estivesse em companhia de cavalheiros muito mais temíveis que ele. —Do que se trata lorde Wickham? —Queria dar a sensação de controlar a situação. Mas a presença dele enchia aquela carruagem que tinha sido de seu pai, equipado com assentos rígidos e incômodos, seu revestimento interior de madeira de ébano com tinturas funerárias. Embora não a tocasse, o suor e o arrepio se alternavam em sua pele. Ele repassou com o dedo sua gravata-borboleta. Seu pomo de Adão se agitou com nervosismo e ela olhou surpreendida. Jamais em sua vida tinha visto Wickham tão inquieto. —Como era Do? —perguntou por fim. —até agora me dava muito medo perguntar. Mas quero a verdade e sei que sua resposta será sincera. “Muito medo”. Custava acreditar no que acabava de ouvir. Mas Wickham, a diferença do que acontecia com seu falecido marido, não parecia incomodar-se por mostrar diante dela sua debilidade. Essa atitude chegava ao seu coração, mas não ocorria-lhe nem um motivo pelo que queria saber aquilo, e se existia um motivo, não gostava absolutamente. —Se o que busca for a absolvição, sinto não poder dar-lhe. —Diga-me Jane Beaumont. 71

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—Não posso dizer que o matrimônio com Treyworth não a mudasse, porque o fez. Do era uma mulher bondosa, que chegou ao matrimônio esperando o melhor. Quando uma mulher assim tem que suportar fúria e violência, nunca volta a ser a mesma. Esperou em silêncio a que prosseguisse, sem deixar de olhá-la com intensidade. E aquilo a pôs nervosa. Queria a verdade, e a tensão que sentia a empurrou a dar-lhe —. —Do aprendeu a fechar-se em si mesma. Alterava-se com os ruídos fortes e se alarmava ao ouvir passos. Aprendeu a tentar ser invisível. Os olhos azul noite de Wickham se encheram de dor. E os do Jane se encheram de lágrimas. —Mas nunca perdeu nem seu bom coração nem suas maneiras amáveis. Jamais maltratou a uma criada, apesar de sentir-se ferida pelos abusos de Treyworth. Jamais descarregou sua raiva em alguém que fosse mais fraco que ela. Continuou falando depressa, temerosa de que o tremor de sua voz a impedisse de seguir. —Em uma ocasião, Do resgatou um passarinho que tinha caído do ninho. Levou-o a sua casa, escondendo Treywdeorth, e tentou alimentá-lo. Ao ver que não conseguiria, voltou a levar-lhe perto de onde o encontrou com a esperança de que sua mãe voltasse para ele. —Não ficou... louca? Jane se tornou para trás. Não esperava uma pergunta como aquela. Sua mãe, Margaret, ficou louca pelo amor que sentia pelo canalha de seu marido, Anthony, e pelo medo perpétuo a ser internada em um asilo para pobres em qualquer momento. Margaret tinha permitido que seu marido governasse sua vida e acabou seus dias encerrada em um manicômio privado. —Não — declarou Jane. —Do não ficou louca. —Inteirei-me que Brougham traz entre mãos negócios com um exumador. Um ladrão de tumbas. Jane sabia o que era um exumador. Um homem que desenterrava cadáveres e os vendia às escolas de medicina. —Não desmaie lady Sherringham... —disse Christian e saltou para o lado da carruagem onde estava ela sentada. Pressionou seu corpo contra o dela e rodeou os ombros com o braço. Duas noites atrás, aquela proximidade a teria incomodado. Mas tirou o chapéu recostando-se nele, necessitada de seu calor. Desejosa de seu abraço. —Não... Não penso desmaiar. Wickham a agarrou pelo queixo e a suavidade da luva roçou a pele. Levantou-lhe o rosto para poder olhá-la. Foi um gesto brusco e rápido e sentiu um estremecimento percorrendo suas costas. Tinha sua boca a escassos centímetros da dela. Cheirava ligeiramente a álcool e ao aromático puro que devia ter fumado pouco antes. —Localizei a um dos homens que trabalham para o ladrão de tumbas. Me disse que a senhora Brougham tem uma dama prisioneira em uma de suas casas. Eu gostaria de acreditar que se trata de Do. Também a ela. E muito. Christian se voltou para trás. Não haveria beijo, compreendeu Jane, porque ele assim tinha prometido. 72

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—Necessito que me dê um nome para poder me dirigir a você no clube. A repentina mudança na conversa a pegou por surpresa. —Por quê? Agora todo mundo sabe quem sou. —Eu não gosto de chamá-la lady Sherringham. Preferiria utilizar um nome mais íntimo. — Sorriu-lhe. —Lembrava que uma vez a chamei de “pesada”. E assim tinha sido. Foi o dia em que ela tentou deter uma arriscada carreira de carruagens. —Mas acredito que não seria um apelido apropriado em um clube sexual. Estava brincando com ela. Por quê? Estaria tentando que se sentisse cômoda, acreditando que a tinha assustado bobamente ao falar de ladrões de tumbas? Era um homem assombrosamente consciente e considerado. —Jane. Pode me chamar assim. É meu nome de batismo. —Tinha sido para congraçar-se com a rica tia de sua mãe, que lhes tinha legado uma fortuna que seu pai acabou dilapidando no jogo. —O que te parece Jewel? —sugeriu ele. Ela ficou olhando-o. Era “Jewel” o nome que ocorria para ela? Era impossível que Christian Sutcliffe a visse como uma “jóia”. Embora, pensando bem, também tinha perguntado por que seu marido não a considerava um tesouro. —Começa com a mesma letra — refletiu ele. —E você brilha como uma jóia entre a multidão. Por todos os demônios, amor, você não sabe como brilha aqui a meu lado. A carruagem se deteve antes que ela pudesse replicar, antes inclusive de que pudesse aceitar com uma gagueira a proposta daquele novo nome. Através da cortina aberta, Jane observou a cintilação de uma tocha e casais vestidos com casacos negros que subiam apressadamente a escada principal do clube. —Não deveríamos entrar por trás? —Tenho três homens vigiando a parte traseira da casa. Vamos entrar pela frente. Avisarão com um sinal caso cheguem os mascarados. —Voltava a mostrar-se crédulo e controlado da situação. Sua anterior vulnerabilidade tinha desaparecido por completo. —A meia-noite. —ao longe, um relógio deu a hora. Nove e meia. —De modo que temos tempo para nos encontrar com seus admiradores e registrar o escritório de Brougham. “Admiradores”. Vá palavra. —Registrar seu escritório? Wickham moveu sem querer o pulso e uma faca comprida e fina deslizou da manga da camisa até a mão. Pinçou no interior de sua bota e extraiu dali outra faca. Descobriu a seguir o punho de uma pistola aparecendo pela cintura da calça. Nunca em sua vida tinha visto um homem tão bem armado. Fez-lhe recordar o acidente que tinha tido com aquela carruagem e a possibilidade de que um dos homens —ou mulheres —que se encontraram no clube aquela noite podia ter sido quem a empurrou contra os cascos do cavalo. Wickham se ergueu. —Terá que fazer às vezes de sentinela. —Olhou-a com seriedade. —E permanecerá a meu lado. Como se estivesse colada às saias de sua mãe. —Tentarei — murmurou, e baixou o véu. Wickham saiu então da carruagem e a ajudou a 73

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descer com aprumo cavalheiresco, quer dizer, sujeitando com firmeza a mão entre a sua. —Recorde — disse enquanto subiam as escadas. —Tem que me obedecer em todo momento. Apesar de que uma parte dela se rebelava contra aquela ordem, não ficou mais remédio que assentir. Não tinha a menor dúvida de que, se se negasse, obrigaria-a a entrar de novo na carruagem. E, a seu lado, cruzou a soleira do clube e entrou de novo no universo do pecado público. CAPÍTULO 10 No que estaria pensando ao permitir que ela caminhasse diante dele? Pensou Christian com uma maldição. O luxurioso traseiro de lady Sherringham colidia contra seu corpo cada vez que se viam obrigados a deter-se. E quando caminhavam, suas nádegas roçavam suas calças... e o extremo de seu rebelde membro. Ao seu redor, os casais se beijavam, acariciavam-se e copulavam. Os gemidos e os escorregadios sons dos açoites sobre os corpos enchiam sua cabeça. Mas só Jane Beaumont conseguia minar sua concentração. Dois cavalheiros tinham sovado seu traseiro assim que entraram no abarrotado vestíbulo. Assim tinha decidido que seria mais cavalheiresco fazê-la passar diante dele. Que parvo tinha sido. Antes de fundir-se com a multidão, tinha ordenado a um criado que avisasse lorde Salaberry e lorde Dartmore de que lady Sherringham tinha chegado. E a tinha visto empalidecer e estremecer. O criado tinha informado que Salaberry nunca chegava antes de meia-noite, por isso Christian decidiu ir diretamente ao escritório da senhora Brougham. Diante dele, sua Jewel se deteve em seco. —O que... o que fazem essas mulheres? Ao escutar o tom dúbio da pergunta, Christian grunhiu. E olhou. Suspeitou imediatamente que se não o explicasse, ela se adiantaria para vê-lo mais de perto. Em um divã, rodeadas por um grupo de agradecidos cavalheiros, duas damas peitudas e vestidas só com anáguas permaneciam tombadas uma em cima da outra com as pernas abertas. Naquele momento, as mulheres se limitavam só a beijar o apertado tecido entre suas coxas, mas uma delas começava já a levantar a anágua da outra. —Sexo oral — sussurrou. —dão-se prazer entre elas com a boca. Vendo sua prolongada pausa, acrescentou: —Perguntou isso, Jewel. E agora, sigamos adiante. Sem distrações. —Não me distraio. Seguiu avançando e esteve a ponto de tropeçar com um tipo musculoso vestido unicamente com uma saia escocesa. Ali mesmo, lady Butterfield — uma mulher grandalhona, conhecida por seu amor pelos prazeres sádicos — levantou o kilt e deixou a descoberto um arbusto de pelo castanho e uma grande ereção inclinada para a direita. 74

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Jane — Christian se deu conta de que resultava fácil pensar nela como “Jane”— levou a mão à boca. A ereção do escocês apontou para lady Butterfield. —Agrada-te, moça? —Ai, que pena, meu prezado senhor! Sua espada, embora impressionante, não romperá minhas defesas. —Lançou um olhar de soslaio para Jane. —Embora talvez uma viúva gostasse de medi-la. Jane deu um passo para trás e golpeou com a cabeça o queixo de Christian. Ele adivinhou que o olhar de Jane tinha descido por debaixo da cintura do escocês para ascender de novo a toda velocidade. Os ombros tremiam como o focinho de um coelho. —É um desconhecido... —Esta noite não — declinou com frieza Christian. E enquanto guiava Jane para frente, rodeando ao escocês, detectou atrás do véu de encaixe seu rubor. Jane sempre se mostrou irritável e escandalizada com relação a tudo aquilo que tivesse haver com o sexo. Quando ele brincava com ela com suas maneiras libertinas, ela se ruborizava primeiro e logo tentava lhe picar com comentários afiados. Mas agora compreendia que a única experiência que ela tinha tido com as relações carnais tinha sido com um homem que tinha feito mal a ela. A combinação de uma mulher fria e rígida com um homem brutal e perseguidor tinham que ter sido um inferno. Entrar no clube tinha que ser para Jane rememorar os pesadelos do passado. Sentiu uma pontada de dor no coração. Jane se deteve de novo e entre as pernas de Christian topou outra vez com o voluptuoso colchão de seu traseiro. Apertou os dentes. —Não deveríamos perguntar a lady Butterfield por Do? —sussurrou ela. —Já o fiz, ontem mesmo. Igual a todas as demais pessoas com quem falei, acredita que Do fugiu. Comentou além, que nunca tinha compartilhado a cama com Do. —surpreendeu a si mesmo do controle com o que tinha pronunciado a frase. Ficou pasmado ao descobrir que Do tinha compartilhado cama no clube com uma prostituta, uma alegre e experimentada mulher de uns trinta anos de idade chamada Sally Ryan. Lady Sherringham engoliu em seco. Ele se precaveu do movimento de sua fina garganta. —Relaxe — murmurou. —Estou aqui para protegê-la. E recorde: esta noite não se escandalize. —Não farei, prometo. —Parecia vulnerável. Ser consciente de seus medos, ao menos, tinhalhe ajudado a recuperar o controle sobre sua ereção. Então, uma mulher gritou ao seu lado. Um desses gemidos guturais que excitariam inclusive a um homem de oitenta anos. Nas paredes do corredor havia pequenos nichos. Jane ficou olhando pasma o casal que ocupava o mais próximo. Umas amplas costas enchiam o espaço e umas mãos com luvas brancas se agarravam ao pescoço do cavalheiro. O homem movia o traseiro com entusiasmo. As esculturas que flanqueavam o limitado espaço se sacudiam e estalavam, a mulher que ficava oculta emitia autênticos miados de prazer cada vez que era empurrada contra a parede. Jane ficou transposta, 75

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respirando rápida e profundamente. O som da respiração de Jane acendia-lhe o sangue e fazia difícil pensar com clareza. —Christian? É você quem se esconde detrás dessa máscara? A sensual voz feminina procedia detrás dele. Christian levava oito anos sem escutar aquele rouco ronrono, mas o reconheceu imediatamente. Em seu dia, tinha necessitado ouvir aquela voz pronunciando seu nome em pleno êxtase, tanto como a água e o ar para sobreviver. Deteve Jane e se voltou lentamente. Ficou olhando uns olhos verdes emoldurados por uma máscara incrustada de diamantes que valeria uma fortuna. —Georgiana. —Tinha mudado, agora tinha o cabelo mais castanho que loiro e sua figura era mais redonda. As regras de cortesia ditavam que se inclinasse sobre sua mão, sobre uns dedos que continham a essência de uma mulher que um dia o deixou louco. Mas seu corpo não respondeu. Só era consciente da presença de Jane ao seu lado, respirando ainda com dificuldade, e de seu aroma de rosas e lavanda, exuberante jardim do verão, em contraste com o perfume forte e penetrante de Georgiana. Georgiana não se precaveu sequer da presença de Jane. Seu luminoso olhar verde permanecia cravado nele. —Disseram que na Índia vivia como um marajá —ronronou, —que frequentava mulheres exóticas e habilidosas. Disseram que tinha seu próprio harém. Isso é certo? —Completamente certo. Ela soltou uma gargalhada. —Tinha dúzias de mulheres e satisfazia a todas? —atrás da máscara, os olhos de Georgie jogavam faíscas de ciúmes..., era impossível adivinhar se reais ou fingidos. Antes que lhe rechaçasse, tinha acreditado que seus biquinhos e seus chiliques eram uma prova do amor que sentia por ele, embora na realidade ela nunca tinha tido nem ideia do que era o amor. —Voltou a se apaixonar, Christian? Ou fui eu a última mulher que amou? —Os olhos de Georgie brilharam esperançosos. Precisaria acreditar que tinha partido seu coração e que após tinha sido incapaz de amar a ninguém mais? Que tinha sido a mulher mais importante de sua vida? Não teve coragem para destroçar sua ilusão. —Não aconteceu nem um dia em que não pensasse em você — sussurrou ela. Sua voz conservava aquele matiz rouco que em seu dia o hipnotizava. —Nem um dia em que não me arrependesse do que te disse aquela... aquela manhã. —A manhã que disparei em seu marido — disse Christian sem rodeios. Era a verdade, não tinha sentido negá-la. —Tomou a decisão correta ao me rechaçar, Georgie, esteja segura disso. —Não, Christian! —Exclamou Georgiana. —Não acredito que fosse assim. Jane recuperou o fôlego. Aquela mulher era a marquesa de Carlyle, que tinha sido esposa de lorde Harrington, o conde que morreu no duelo a pistola com Wickham. Seu vestido de fina gaze rodeava os seios maiores, a cintura mais diminuta e os quadris mais curvilíneos que tinha visto em sua vida. Mesmo que Jane permanecesse ao lado do Wickham, parecia invisível para ambos. Então, Wickham segurou-lhe a mão. 76

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—Lady Carlyle, me permita que apresente a meu casal, minha muito apreciada Jewel. — voltou-se para Jane, seu olhar sóbrio e implacável atrás da máscara. —Querida, me permita que a apresente a lady Carlyle. Inclinou-se em uma reverência e lady Carlyle fez o mesmo. Era evidente que aquela mulher desejava Christian, mas Jane não sabia o que ele sentia por ela. Parecia sentir uma fria raiva. —Jewel? —atrás da reluzente máscara, com o queixo levantado, o olhar de lady Carlyle repassou gelidamente Jane da cabeça aos pés. Sua voz tinha deixado de ser sedutora e soava plana e quebradiça. — Vamos, me deve dizer isso. Quem é você na realidade? Mas então Wickham tomou a mão de lady Carlyle e disse: —Recebi sua carta, Georgie. Se não acredita que minha irmã fugiu que Treyworth, onde pensa que está? Mantendo-se à margem da conversa, evitando os casais que passavam junto a ela, Jane ficou olhando Wickham surpreendida. Que carta? —Não sei. O que acontece simplesmente é que não acredito que tivesse o valor necessário para abandoná-lo. Mas temo que Treyworth a levou muito longe. —A que se refere? —exclamou Jane. A máscara de diamantes se voltou para ela. —Não queria participar dos jogos que se praticam aqui. —Lady Carlyle posou com delicadeza a mão sobre o antebraço de Wickham. Retirou a máscara para descobrir seu belo rosto e Jane sentiu como se acabassem de lhe cravar uma punhalada no peito. —Faz coisa de quinze dias —ronronou em voz baixa lady Carlyle, —encontrei a sua irmã na sala de descanso de senhoras, chorando amargamente. Quis consolá-la, mas não aceitou. Disseme que já não aguentava mais. —O que tinha acontecido? —Jane não compreendia nada. Ela teria feito algo para ajudar a sua amiga, mas Do tinha mantido em segredo angustiada situação. Por quê? —O que pensa que Treyworth obrigou a minha irmã a fazer, Georgiana? —Não sei. Quando tentei ajudá-la, disse-me que não me preocupasse e saiu correndo. —Conhece outras casas que a senhora Brougham possa dirigir? —perguntou Wickham. Georgiana franziu o sobrecenho, sua máscara pendurando entre seus dedos. —Não tenho nem ideia. Suspeito que é também proprietária de bordéis e prostíbulos comuns. Sei que tem um lado sórdido... por mais elegante que seja este lugar. —Seus expressivos lábios formaram uma careta. A música subiu de volume, obrigando-a a elevar a voz. —Vi você faz duas noites, Christian. Vi você passeando pelo clube, nos condenando a todos. —Minha irmã desapareceu. Que importância tem o que eu pense deste lugar? —O que você pense me importa — disse queixosamente lady Carlyle. —Estive em lugares piores que este, carinho. “Carinho”. Ele disse sem pensar a lady Carlyle e Jane recordou —incômoda agora —de que modo se acelerou seu coração ao saber que a chamaria “Jóia”. —Este lugar não é todo pecado e perversão, Christian. Treyworth abusou dos princípios do clube. Sua irmã não tinha o perfil de mulher sofisticada que se encaixa aqui. 77

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Jane não pôde manter mais seu silêncio. —Sofisticada? Está condenando-a por ser uma pessoa decente. Com aquelas palavras, lady Carlyle arqueou uma de suas depiladas sobrancelhas enquanto uma careta de condescendência distorcia sua bonita boca. —Há mulheres aqui que desfrutamos com a liberdade que nos está permitida. —Lady Carlyle se voltou para Christian. —Sabe muito bem o que é viver uma vida consagrada por completo ao prazer sexual. É mais aditivo que o ópio. Passo o dia inteiro me preparando para o sexo, pensando nele, buscando-o. Jamais poderia voltar para minha vida anterior. Preciso viver constantemente consciente de meus sentidos, sentir no coração esta excitação sem fim. —Acariciou Wickham. — Em nossos dias vivíamos assim. O rosto de Wickham se manteve imperturbável. —Casou com o homem que amava, Georgie. Agora, devo..., devemos ir. —Você vivia assim comigo. Alagado de sexo. Não sente falta daqueles tempos? Não deseja o que um dia tivemos? Eu sim. Desejo a cada dia, em todo momento. Necessita de uma mulher de mentalidade aberta, aventureira. E eu me dei conta de que necessito de você. Jane jamais tinha ouvido uma mulher professar tão abertamente seu desejo para um homem. Nem sequer sua mãe tinha expressado com palavras seus desejos. Margaret simplesmente tinha tentado agarrar-se a seu marido. Teria gostado de saber o que pensava Wickham de tudo aquilo, o que sentia atrás de sua máscara de couro negro e sua expressão fria e cansada. —Georgie, não é o momento de recordar tudo isto — grunhiu. —Agora unicamente posso pensar em Do. Em encontrá-la e em devolvê-la para casa sã e salva. —O que pensa fazer, Christian? É a esposa de Treyworth. Ou tem acaso pensado matá-lo a ponta de pistola para liberá-la? Jane deu um passo atrás, emocionada. Mas Wickham baixou a vista, seu olhar escurecido pelo rancor. —Sinto muito, Georgie. Isto não muda nada, mas sinto haver matado Harrington. Vi o que tinha feito com você e reagi com raiva. Jane sentiu o coração encolher ao ouvir a vulnerabilidade que escondia sua voz, o tom amargo de sua recriminação. Mas Wickham tinha posto os chifres naquele homem e os duelos eram ilegais. Equivocou-se. Merecia sentir-se culpado. Lady Carlyle agarrou Wickham por ambos os pulsos e os apertou com força. —Eu não sinto. Salvou-me, Christian. A única coisa que sinto é haver te empurrado para partir. Dava-me conta muito tarde de que te amava. Ele diria que também a amava. Tinha sentido, verdade? A mulher que tinha amado, a mulher pela que tinha abandonado a Inglaterra, estava lhe perdoando. Mas quando Jane olhou o rosto de Wickham, os olhos dele se cravaram nos dela e articulou uma palavra: “ajuda”. E quando ela ficou olhando-o, ele voltou a fazê-lo. “Ajuda”. Falava sério. Jane avançou cambaleante, tentando atuar como a amante descarada, e lhe deu uns golpes no ombro de lady Carlyle. 78

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—É meu querida. E eu não gosto que outras mulheres posem suas garras nele. E agora, vamos, meu amante. —Quase se afoga ao pronunciar aquela palavra. Jamais em sua vida se comportou assim. Tirando peito, se aconchegou contra Christian e lhe acariciou o braço. — Prometeu-me uma noite selvagem nos calabouços e morro por começar. Lady Carlyle se tornou para trás e gemeu assombrada. Jane captou uma piscada de alívio e agradecimento por parte de Wickham. Ele a rodeou pela cintura — um gesto que não lhe importou absolutamente — e começou a avançar entre a multidão, afastando-se da mulher que tinha sido sua amante. Sua cabeça dava voltas. Seria verdade que não tinha amado a Georgiana, posto que não queria ouvir essas palavras nos lábios dela neste momento? Mas nesse caso... que sentido tinha ter matado então seu marido? Por que matar a um homem por uma mulher a que nem sequer queria? Por orgulho? Por teima? Porque um cavalheiro alguma vez errava? Jane moveu de um lado a outro a cabeça. Fazia muito tempo e não tinha sentido sentir-se tão inexplicavelmente aborrecida por isso. Mas quando se enfiaram de novo no corredor, enfrentou a ele: —Lady Carlyle lhe enviou uma carta e não mencionou isso. Ele pôs má cara. —Na carruagem lhe expliquei tudo o que sabia. —Mas não mencionou lady Carlyle. Eu lhe mostrei minhas cartas, mas você não me mostrou a sua. —de repente recordou uma ocasião, um abafadiço dia de agosto, no que ele, burlando dela, havia-lhe dito quase aquelas mesmas palavras: “Você me mostra o seu e eu lhe mostro o meu”. Estavam no piquenique com Do e mais gente, mas ele havia dito de tal modo que só ela pudesse ouvir. Jane se desgostou tanto que atirou o refresco sobre suas calças. —Acreditava que, vindo aqui, era como se fôssemos sócios. Ao ver seu olhar de perplexidade, notou o calor da confusão subindo pelo pescoço. —Trouxe-a comigo porque acredito que é melhor tê-la em um lugar onde possa vê-la. — Lançou-lhe um surpreendente sorriso inclinado. —E me resgatou. Baixou a vista e a expressão de sua boca se adoçou. —Não é uma carícia obrigatória, mas não posso resistir. —Levantou-lhe o véu e inclinou sua boca sobre a dela. Viu-se sacudida por um clamor de emoções. A humilhação se converteu em raiva, que se transformou em um assombro que a manteve cravada no chão enquanto a boca de Wickham jogava sobre a dela de um modo completamente novo. Com delicadeza, com muita delicadeza, mas não por isso com inocência. As pessoas corriam ao seu redor enquanto devolvia o beijo com acanhamento. Não foi tão terrível como em seu escritório; já não se sentia igual a uma figura de cera, mas sim uma tabela rígida apoiada contra ele. E se no entusiasmo daquele beijo forçado se desencadeavam todos seus medos e lembranças? Mas aconteceu algo pior. Começou a sentir-se como em um atoleiro de manteiga líquida. 79

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Conhecia a sensação de antes de seu matrimônio. A sensação líquida que percorria seu interior. A quebra de onda de calor que a alagava da cabeça aos pés. A primeira vez que sentiu aquilo foi espiando Wickham, que então teria vinte anos, enquanto se banhava no lago. Não era mais que uma silhueta escura recortada contra a potente luz do sol, mas havia se sentido tão quente como uma folha seca ardendo sobre uma chama. Com Do em perigo, sentia desejo. Como era possível? Tornou-se para trás e exclamou: —Não! Wickham a soltou imediatamente. Jane observava o corredor vazio. Seu dever era vigiar enquanto Wickham estava no escritório da senhora Brougham. Situado na parte traseira do segundo piso, no terceiro edifício ocupado pelo clube e a uma boa distância do resto dos quartos, o santuário privado de madame estava separado da zona pública por uma porta fechada com chave. Curvado sobre a fechadura da porta, Wickham extraiu da manga da jaqueta um elemento metálico muito fino. —O que é isto? —sussurrou Jane. —É uma gazua para abrir a fechadura, Jewel. —Jogou um olhar mais em direção ao silencioso e sombrio corredor, como se não confiasse nela como sentinela, e botou mãos à obra. —E poderá abrir a fechadura com isto? Como? —Em muitos sentidos você não mudou absolutamente, lady Jane. Limite-se a me avisar se alguém se aproximar. Jane teve que admitir que a habilidade de Wickham a deixava assombrada. O ferrolho da porta apenas o entreteve. E sentia muita curiosidade para manter-se calada. —Onde aprendeu a fazer isto? —De jovem, embebedei a um ladrão profissional e lhe obriguei a me ensinar, sempre me pareceu uma habilidade útil. —Abriu a porta. —Relacionava-se com ladrões? Não respondeu, mas tampouco a surpreendia. Sendo jovem, Christian tinha se relacionado com qualquer coisa que fosse perigoso, escandaloso e cuja companhia zangasse seu pai. Agarrou-a pelo pulso e a arrastou para dentro. —E se a senhora Brougham vier? —sussurrou Jane. —Ou lhe aperto o pescoço até que me conte a verdade sobre Do, ou proponho que façamos um trio. A descabelada alternativa não a pegou de surpresa, e se limitou a pôr os olhos em branco. —Refiro a se existir alguma forma de sair daqui. —Se vier, nos esconderemos..., permanecerá calada e fará exatamente o que eu lhe diga. A luz que desprendia o fogo da lareira iluminava o cabelo de Wickham e desenhava em ouro seu perfil. Agachou-se junto ao fogo e aproximou uma vela às brasas. A mecha prendeu e ele colocou a vela acesa em um candelabro. —Santo Deus — disse Jane boquiaberta. A primeira noite que tinha estado no clube, tinha 80

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conhecido à senhora Brougham em um salão do térreo. Mas não tinha visto aquilo. As paredes do escritório estavam cobertas de seda de cor champanha. E junto a uns cortinados de cor marfim havia uma escrivaninha branca e dourada estilo Rainha Ana. Todas as superfícies eram douradas, as paredes adornadas com volutas de estilo Adams. —O pecado dá dinheiro — murmurou secamente Wickham. Deixou a vela sobre a escrivaninha e agarrou de novo a gazua enquanto se inclinava sobre as gavetas. Sem olhá-la, ordenou-lhe: —Coloque-se junto à porta. —O que está procurando? —Entreabriu a porta. O corredor estava vazio. —Quero averiguar detalhes sobre as demais propriedades da senhora Brougham. Tem que ter escrituras ou livros de contas. —Extraiu de uma gaveta uma folha de papéis e o deixou sobre a escrivaninha. No escritório havia outra porta. Assustada de repente, Jane abandonou seu posto e apareceu. Mas o quarto estava em silêncio e escuro. Sob a débil luz procedente do escritório, distinguiu uma cama enorme. Uma cama ovalada, com oito colunas romanas que sustentavam um dossel com cortinados de seda. —Volte para a porta — disse Wickham. Mas lhe vendo examinar papel atrás papel, desejou estudá-los ela também. Ajudá-lo a encontrar Do, a desvelar o mistério. —Olharei. Se por acaso acontece algo por alto. Christian franziu o sobrecenho. —Não me acontecerá. —Abriu um livro de contas, inspecionou-o e seguiu folheando os papéis da gaveta, em completo silêncio. Abriu gaveta atrás de gaveta enquanto ela seguia vigiando a porta, logo olhou para ele. O tempo voava a uma velocidade perturbadora. Finalmente, Wickham resmungou: — Aqui não há rastro de contratos de arrendamento nem de escrituras. Não há nem um só documento legal. Sem dúvida, esta bruxa insuportável guarda tudo na casa de seu advogado. Jane abandonou a porta. Os papéis tinham voltado para gaveta, mas em lugar de estar ordenadamente empilhados, tinha-os deixado de qualquer modo. —Não se dará conta de que alguém inspecionou seu escritório? —Ela sabe já muito bem o que quero. —Pressioná-la, incitá-la para que atue? O olhar dele, cheio de admiração, cruzou com o dela. —Exatamente. Tentativa pressionar aos ladrões de tumbas. E pressionar à senhora Brougham. E pressionar aos membros do clube. Algum cairá... e nos levará até Do. “Nos”. Desta vez, referiu-se a eles como uma equipe. E estava impressionada pelos planos que havia elucubrado, por sua forma conscienciosa de procurar Do. Fechou as gavetas. —Vou inspecionar o dormitório. A porta, Jewel. Ficava louca ter que estar ali quieta, mas o fez. Inclinou a cabeça em direção ao dormitório, esforçando-se em escutar o que estava fazendo. E quando voltou a olhar para o corredor, viu a 81

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senhora Brougham que avançava para eles. —Está aqui — disse entre dentes. —Esconda-se!

Christian acabava de encontrar debaixo do colchão de madame um livro magro e forrado em pele quando escutou o sinal de alarme de Jane. A porta de acesso ao escritório se fechou com um ameaçador “clique”. Quando chegou à porta do dormitório descobriu que sua Jewel se esfumou. Ou era a mulher mais veloz do mundo, capaz de atravessar uma sala em um abrir e fechar de olhos, ou... —Lady Sherringham, o que você faz aqui? —A voz da senhora Brougham se ouvia no corredor. Seu tom sensual tinha desaparecido por uma vez e tinha sido substituído por uma voz tensa, nervosa e carregada de receio. Não ficava mais remédio que fazer-se eco do que dizia a madama: que demônios fazia? O suor ensopou o pescoço da camisa de Christian. Como teria descoberto a senhora Brougham que era ela quem se ocultava sob o véu e a vestimenta de luto? Não havia resposta da parte de Jane. Saber-se identificada devia tê-la deixado sem fala. Então, lentamente, chegou-lhe sua voz através da porta. —Conhece-me? Sabe de verdade quem sou? —Soube do instante em que entrou em meu clube. Escutou o ofego do Jewel através da porta. Maldita seja, tinham-na descoberto. Mas então, gaguejou: —Eu... eu estou aqui porque vinha procurá-la. Queria falar com você, mas encontrei a porta fechada. —Sobre o que desejava falar comigo, milady? —Possivelmente poderíamos ir abaixo e comentá-lo ali. Christian se deu conta de que respirava entre dentes. Jane estava tentando afastar à senhora Brougham dali. Estava tentando salvá-lo. —Suponho que se trata de um tema que exige discrição. Meu escritório seria o lugar mais privado. Permita que abra a porta... Aquela bruxa suspeitava. Christian segurou a gazua e a utilizou para girar a fechadura. E a seguir saiu correndo para o dormitório. Escondeu-se debaixo da grande cama ovalada no mesmo momento em que a porta se abria e os passos começavam a percorrer o amaciado tapete do escritório. A colcha caía até o chão, o escondendo, e a levantou uns centímetros para observar. Tinha deixado aberta a porta do dormitório. Só pôde ver as saias de Jane no momento em que ocupava uma cadeira situada diante da escrivaninha de Sapphire Brougham. —Como soube exatamente quem era? —Jane tomou a palavra e ele aplaudiu em silêncio sua iniciativa. Houve uma pausa. —Não acreditava que fosse voltar. Disseram-me que saiu fugindo presa do pânico, milady, 82

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porque os jogos de castigo a deixaram horrorizada. E, naturalmente, compreendo por que. Imagino o motivo pelo que retornou..., muito nobre por sua parte vir em busca de sua amiga. Todos deveríamos ter amigos assim leais. Mas lhe asseguro que não sei nada a respeito de lady Treyworth. Debaixo da cama, Christian conteve a respiração. Jane acusaria madame de ter escondida a Do? —Entendo — foi tudo o que disse. —Mas continuo desejando compreender como soube quem sou. E como você pode entender que despreze os jogos de castigo. —Em uma ocasião convidei ao clube a seu finado marido. Sou uma mulher empreendedora: seleciono aos cavalheiros que acredito que desfrutariam neste local e os persigo. Não passa muito tempo até que esses homens solicitam vir aqui. Lorde Sherringham veio sozinho. Não trouxe você, como eu esperava. “Graças a Deus”, pensou Christian. —Permiti a seu marido interpretar minhas normas a sua maneira e, em troca, ele tratou a minhas garotas como se fossem prostitutas vulgares. Não foi convidado a voltar. De modo, querida minha, que conheço exatamente o tipo de homem que era seu marido. E a reconheci, inclusive disfarçada, porque a tinha estudado, tanto a você como a seu marido, com a esperança de animá-los a unir-se ao clube. —Eu gostaria de voltar para baixo — disse Jane. —vim aqui para lhe perguntar a respeito de meu marido. Para descobrir que tipo de homem era com outras mulheres. E acaba me contar isso. Seria uma mentira ou algo que Jane queria realmente saber? —Um homem perseguidor é com a maioria das mulheres — respondeu a senhora Brougham. —Duvido que você o provocasse. —Obrigada, então. —Jane empurrou seu assento para trás. —Acompanha-me abaixo? —Esta noite a vi com lorde Wickham. Christian sofreu uma sacudida para ouvir aquilo. Golpeou a cabeça com a parte inferior da cama, mas Jane tinha soprado surpreendida, escondendo com isso o ruído surdo do golpe. —Lorde Wickham a olha de um modo abrasador e você treme quando está perto dele. Treme de desejo, querida, ou de medo? Era isso o que tinha visto a senhora Brougham? Seu absolutamente inadequado desejo? O tremor de Jane era provocado pelo medo. Era compreensível. Seu marido a tinha convertido em uma mulher temerosa. —Isto é... uma rabugice —disse Jane. —Poderia ajudá-la. Vê? Eu também, igual a você, sofri nas mãos de um homem. Christian notou que Jane ficava sem fôlego. O comentário da senhora Brougham tinha aberto sua ferida. Com ele, envergonhou-se dela. Por que ia agora a revelá-la voluntariamente? —Não..., obrigada — disse Jane. —Não necessito de ajuda. —A questão é, querida minha, que lorde Perverso é muito para você. Jesus era um inferno ter que permanecer ali imóvel enquanto escutava o que aquela mulher dizia dele. 83

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—Dado o interesse de lorde Wickham por meu estabelecimento, decidi devolver o favor e me inteirar de tudo sobre ele. Suas façanhas sexuais de juventude foram assombrosas, inclusive para mim. Talvez você já saiba que foi expulso da universidade após ser surpreso com duas mulheres na cama. Ou que tinha um apartamento no Saint James no que fez instalar uma cesta sobre a cama para que se sentassem nela suas amantes e deste modo ficassem suspensas em cima de seu sexo... Viu que Jane ficava rígida com a crueldade da palavra. —Ao que parece procurava prazeres cada vez mais escuros — continuou a senhora Brougham. —Submissão e açoites. Inclusive pagou a um bordel para que construíssem um calabouço privado onde tinha a mulheres de alto berço como prisioneiras voluntárias. Seu jogo acabou sendo bastante duro. Lady Matchell quebrou um braço. E à condessa de Durham deixou umas manchas roxas terríveis. —E matou de um disparo lorde Harrington, não terá que esquecê-lo — acrescentou Jane com um tom de voz estranhamente frio. —Disseram-me que as damas da cidade tinham a sensação de que antes de abandonar a Inglaterra havia se brutalizado em excesso. Não era um perseguidor, como foi seu marido. É um homem desejoso de extremar o prazer até convertê-lo em dor. Ele... Jane se interrompeu quando madame lhe perguntou: —Desejaria ser encarcerada em um calabouço, lady Sherringham? —É óbvio que não! —Exclamou Jane, com um tom estridente e horrorizado que ele conhecia muito bem. —A que mulher em seu são julgamento gostaria disso? Essas loucas não têm nem ideia do que é sentir-se realmente assustada e ferida, nem do é sofrer abusos. Não gostariam do mínimo. Tudo o que a senhora Brougham tinha contado a Jane sobre suas façanhas era certo. Fazia todo aquilo, mas isso fazia já muitos anos. Não porque acreditasse que o prazer tinha que equivaler à dor, mas sim porque as mulheres o queriam, porque o chamavam “Perverso” e esse condenado apelido punha-o raivoso. Se queriam que fosse perverso, se suplicavam que o fosse, dava-lhes o que queriam. E quando partiu à Índia, teve amantes, algumas delas muito exóticas e belas, mas jamais voltou a levantar a mão —ou o chicote —a nenhuma mulher. Jane ficou em pé. —Não penso seguir ouvindo nada mais sobre este tema. Quereria me levar abaixo? Christian conteve a respiração. A senhora Brougham se levantou também. —Naturalmente, milady. As mulheres saíram do escritório. O que significava que Jane ia retornar ao clube. Sozinha. Maldita Jane Beaumont. Para salva-lo, jogava-se de cabeça no perigo. Embutiu como pôde o livro da senhora Brougham no bolso interno de seu fraque e saiu correndo do escritório. CAPÍTULO 11 84

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Aonde vamos? –perguntou Jane enquanto a senhora Brougham a guiava por um corredor que a afastava dos salões principais. —Tenho uma proposta que lhe fazer, milady. Não gostaria de ter a oportunidade de explorar o prazer? De fazer a um homem o que goste e o ter por completo sob seu controle? A senhora Brougham se deteve junto a uma porta branca. Chamou e a porta se abriu imediatamente. Jane não tinha a menor intenção de seguir à senhora Brougham para o interior da sala. —Não sei a que se refere. —Passou toda sua vida de casada em poder de seu marido. Não gostaria de mudar as coisas por uma vez? O que lhe pareceria ter um atraente cavalheiro nu e completamente a suas ordens? Estaria preso à cama. Não poderia fazer-lhe mal de maneira nenhuma. Nem sequer poderia tocála. Poderia explorá-lo como gostasse. Poderia cavalgá-lo até perder o sentido ou simplesmente atormentá-lo sem piedade... Jane não podia acreditar no que estava ouvindo. —Preso a uma cama? —Para dar a você todo o poder, querida. Uma mulher pode atormentar um cavalheiro até que ele acabe suplicando. Até fazê-lo gritar. —Não! No interior do pequeno quarto, uma criada sustentava um reluzente robe de seda dourada. —Está preparada, milady? Jane estava segura de que não podia abrir mais os olhos. —Recorda o teatro, lady Sherringham? —Sussurrou a senhora Brougham. —Este quarto está junto ao cenário. Temos a plateia em cima de nós. Daqui, pode ver as representações sem ser vista. Esta noite dispus tudo para que os homens mais habilidosos e atraentes atendam à mulher que observe deste quarto. A dama selecionará ao casal que mais a fascine. Jane sabia que movia os lábios, mas era incapaz de emitir som algum. —Se deseja ser você essa dama, prometo-lhe uma experiência sem igual. Poderia persuadir lorde Wickham para que fosse um dos cavalheiros. Ele teria que tentar seduzi-la como todos outros. Poderia claro, escolher a mais de um cavalheiro. —A senhora Brougham segurou sua mão e deu uns golpezinhos carinhosos. —Meu único desejo é ajudá-la. OH não, estava segura de que não. Mas espontaneamente surgiu diante dela a imagem de Wickham sem roupa, de braços e pernas abertos, preso com cordas aos pilares da cama... Uma imagem proibida e completamente equivocada. Mas voltou a sentir calor, inclusive nos dedos dos pés. Ruborizou-se, envergonhada. Compreendia à perfeição o que a senhora Brougham pretendia. Assustá-la, porque estava ali para encontrar Do. Podia aceitar o seu jogo. Com isso garantiria a Wickham tempo suficiente para sair do escritório. Mas intuía que a senhora Brougham pretendia levá-la além de seus limites, arrastá-la ao pânico e obrigá-la a fugir de novo dali. E se via empurrada para uma situação onde houvesse chicotadas por meio, voltaria a ficar 85

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histérica. O que fez, pois, foi quadrar-se e olhar nos olhos a profusamente maquiada de madame. —Se o que deseja é me ajudar, por que não ajudou lady Treyworth? —OH, fiz, lady Sherringham. Assegurei-me de que sua amiga tivesse meu amparo. Cuidei dela. E estaria encantada de cuidar também de você. E se não gosta de seguir este jogo, o que lhe pareceria visitar meus famosos calabouços? Christian agarrou o frágil braço de uma viúva e a obrigou a voltar-se para ele. A mulher retirou o véu. —Pensa me arrastar aos calabouços, senhor? —ronronou. Tinha cachos loiros. E uns grandes e panacas olhos azuis. Não era Jane. Soltou-a bruscamente e abriu caminho entre a multidão. De repente, um criado lhe cortou o passo. —Lorde Wickham. —O criado lhe entregou uma nota. —Da parte de lorde Dartmore. Wickham pegou a nota e a abriu. Deve declinar o convite. Lady Dartmore não deseja este jogo. Peço sua discrição e rogo que não mencione minha nota nem a lady Sherringham nem a minha encantadora esposa. De modo que Dartmore não queria que sua esposa conhecesse seu interesse por Jane. Espremendo o papel, Christian inspecionou com a vista o abarrotado salão de baile. Dartmore não iria trás dela, mas onde estava Jane? “Seja valente”, pensou Jane. Depois de negar-se a seguir o jogo do teatro e de ter ficado devidamente comissionada pelos calabouços, a senhora Brougham a tinha acompanhado até o salão de baile e a tinha deixado ali. Ao menos, naquela gigantesca e luxuosa sala com cortinados de seda, só havia gente fazendo amor. Sem chicotes. Sem crueldade. Sem grilhões, nem encarceramentos, nem celas com rocambolescos aparelhos de tortura. Não duvidava de que a senhora Brougham estava segura de que acabaria sendo abordada por alguém e sairia voando pela porta. Jane se apoiou em uma coluna acanalada. Desta maneira, nenhum cavalheiro poderia abordá-la por trás e bater em seu traseiro. Examinou a sala em busca de Wickham. Havia dúzias de cavalheiros mascarados e ao menos a metade deles tinham o cabelo escuro. Nenhum dava a sensação de estar procurando precisamente a ela. O cabelo negro noite de Wickham, seu andar decidido, sua intensidade, nada disso podia passar despercebido. Inclusive entre tanta gente, ao vê-lo, o reconheceria em seguida. Os membros do clube e as belas prostitutas e atraentes homens de pagamento empregados pela senhora Brougham enchiam a sala. Enormes abajures de aranha iluminavam o espaço elegantemente decorado. Mas ali não se dançava. Os sofás estavam dispostos formando íntimos conjuntos. Na maioria dos casos, dois casais conversavam amigavelmente como se estivessem desfrutando de um educado jantar, como se não estivessem participando de um prelúdio de sexo 86

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e infidelidade. O breve tempo que tinha passado nos calabouços a tinha deixado confusa. O que tinha visto ali eram pessoas gozando da felicidade sexual... —Lady Sherringham? —Um criado se aproximava, quase amedrontado. —O cavalheiro me disse que você estava completamente vestida de negro e tinha o cabelo ruivo. —Sim — respondeu Jane, a sensação de alívio separando a da coluna. Wickham, tinha que ser ele quem enviava o criado em sua busca. Teria conseguido escapar são e salvo do escritório da senhora Brougham. Esqueceu imediatamente as imagens dos calabouços e se concentrou no presente. Seguro que tinha vontades de estrangulá-la... —O cavalheiro pergunta se deseja unir-se a ele em um jogo, milady. “Um jogo”. Sentiu um tombo no estômago. —Que cavalheiro? —O marquês de Salaberry, milady. Ainda não era meia-noite. —Onde está o marquês? Estou... estou esperando meu casal. Lorde Wickham. Se pudesse localizá-lo ambos nos reuniremos com lorde Salaberry. —O marquês solicita que você venha sozinha. —Rotundamente não. —Foi como se tivesse ouvido o retumbar de um trovão. O rugido ameaçador de Wickham explodiu a suas costas. O jovem criado ficou branco. O olhar encolerizado de Wickham fez o moço encolher-se de medo. —Sim, milord. Como você desejar. Wickham se colocou a seu lado, não o suficientemente perto para tocá-la, mas sim o bastante como para que Jane fosse consciente de sua presença sem sequer olhá-lo. Emitiu um som gutural que lhe recordou o uivo de um lobo. Dirigido ao criado ou a ela? Enlaçou-a pela cintura. —Desta vez não penso tirar as mãos de cima de você. Jane não esperava aquilo. Não esperava que estivesse mais decidido que nunca a protegê-la. Com o antebraço de aço de Wickham em suas costas, Jane seguiu o criado através do salão. Sentia-se, rodeada de sexo. A sua esquerda, havia duas mulheres reclinadas em um divã. Ambas usavam máscaras com plumas e tinham o sutiã aberto. A mulher mais jovem estava situada em cima e tinha apanhado sob seu corpo o voluptuoso seio da mulher de mais idade. Chupava com entusiasmo um mamilo rosado, enquanto os dois cavalheiros que vadiavam nas poltronas mais próximas a elas riam dando com isso sua aprovação. Jane voltou rapidamente a cabeça e ao outro lado se encontrou com um atraente jovem completamente nu, excetuando uns calções rodeados e abertos. Estava recostado em uma poltrona estofada com brocado e empurrava a sorridente condessa do Pelcham sobre sua ereção. Lady Pelcham estava resplandecente. Seu amante parecia ter sua mesma idade. Em outro assento de cor azul clara, jaziam enlaçadas dois casais nus. Os homens acariciavam 87

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a ambas as mulheres de uma vez. Para Jane era difícil adivinhar que membro pertencia a quem. Aquilo era escandaloso. Mas os quatro riam e gemiam com prazer, imersos em um profundo êxtase. Wickham, que seguia a seu lado, aproximou-se mais dela. A cabeça começou a dar voltas por seu aroma especiado e o almíscar de sua pele, misturados com os amadurecidos aromas de sexo. Escutou seu murmúrio grave e gutural, escutou os sons escorregadios e borbulhantes dos quatro amantes no sofá. Nenhuma das damas presentes dava a impressão de estar assustada ou de sentir-se forçada. Desfrutavam com paixão e excitação. Seria esse o atraente daquele lugar? As mulheres podiam ter uma aventura com a aprovação de seu marido. Sem duelos como o tinha feito Wickham. Como podia sentir-se um casal ciumento e possessivo quando todo mundo estava fazendo descaradamente o mesmo? Acaso qualquer mulher, sobre tudo se estivesse presa em um matrimônio sem amor, não preferiria aquilo antes de carecer por completo de paixão ou prazer? Então Jane pensou em Charlotte, tentando chamar a atenção de um marido que não a amava, e em Do; que tinha tido amantes, mas não amor. Era muito mais seguro e melhor estar sozinha. Ser livre... Pela extremidade do olho, Jane viu movimento por cima de sua cabeça. Um trapézio se balançava sobre a multidão e nele estava sentada uma mulher nua. Abriu as pernas em uma passada. Na seguinte, pendurou-se de um joelho. Seu cabelo caía como a cauda de um cavalo e seus seios apontavam para a multidão. Um homem lançou um jorro de champanha com sua boca e as risadas encheram a sala quando o líquido impactou em um mamilo. Jane moveu a cabeça de um lado a outro. Era o sexo o que atraía até ali às pessoas ou simplesmente a possibilidade de comportar-se de maneira infantil? —Jewel? Viu que Wickham a olhava. Tinha titubeado em seu passo e ele a observava com preocupação. Jane agitou a mão. —Isto já não me causa nenhuma impressão. É como passear pelo Hyde Park, mas com sexo. Christian arqueou uma sobrancelha. A ironia de seu comentário tinha surpreendido ao experiente lorde Perverso. Jane recordou que três mulheres — sua tia, lady Carlyle e a senhora Brougham — tinham advertido que se mantivesse afastada dele. Seria certo que tinha fraturado o braço de uma mulher? Que tinha enchido de manchas roxas a outra? —Por aqui, milord, milady — lhes indicou o criado. —Temos que descer. Lorde Salaberry está nos calabouços. As paredes do corredor que dava acesso aos calabouços eram de pedra lavrada, as lajes do chão estavam imaculadas. O corredor estava iluminado por tochas instaladas em suportes de estilo medieval e da parede penduravam grilhões de ferro. O calor que desprendiam o fogo e os corpos fazia que o porão ficasse insuportavelmente abafadiço. 88

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Wickham passou a mão pela parede. —Gesso com aspecto de pedra — disse. —Os grilhões são de verdade, mas tenha presente, Jewel, que é um lugar pensado principalmente para realizar representações. —Já o vi antes. —O que viu? —perguntou ele em voz baixa. Aquele, segundo a senhora Brougham, era seu mundo. —Vi uma mulher encerrada em uma jaula; dois homens a acariciavam. E outra mulher recebendo uma surra. —Tinha visto um homem oferecendo um chicote a uma dama, cair a seguir ante seus joelhos e beijar as botas de couro reluzente da mulher. —Estavam assustadas? —Não — respondeu ela, mais secamente do que pretendia. —Todas pareciam absolutamente encantadas. —Milord. Milady. —O criado fez uma reverência ao chegar à entrada de uma cela e se retirou. Jane entrou atrás de Wickham. Salaberry estava sentado em uma grande poltrona de couro negro situado junto ao fogo. Atrás dele, na parede, tinha pendurado um espelho oval com marco dourado e decorado com motivos florais e querubins. Em contraposição com a decoração espartana da cela — um banco de madeira e diversos grilhões, — ambas as peças pareciam estranhamente desconjuntadas. Salaberry segurava o punho de um chicote de caudas. Levantou-se e fez uma reverência. —Minha querida lady Sherringham. Acompanhada por lorde Wickham, embora desejasse que viesse sozinha. Vejo que parte de minha mensagem não chegou a ser transmitida... —Recebi a mensagem. —Wickham deu um passo à frente, seu amplo torso como um escudo protetor. —Não tenho intenção de permitir que lady Sherringham esteja a sós com você. O marquês se deixou cair em seu assento. Colocou elegantemente as mãos —e o chicote — sobre os amaciados braços da poltrona. Jane se deu conta de que queria transmitir a sensação de que controlava a situação. —Foi muito malvada me deixando plantado, querida minha — disse arrastando as palavras. —dediquei um dia inteiro a criar um castigo delicioso para você. —Já me fartei deste jogo, Salaberry. O resplendor do fogo iluminou um fragmento de prata que Wickham sustentava na mão. A pistola apontava ao coração do marquês. Pelo modo em que a cor se esfumou do rosto do Salaberry, Jane adivinhou que estava pensando no duelo em que Wickham já tinha matado a um homem. E o mesmo pensava ela, o sangue corria veloz por suas veias. Por muito que odiasse ao sádico marquês, não suportava a ideia de que Wickham pudesse matar a outro homem. —A nota que enviou a lady Sherringham a amedrontou. —Indignou-me — disse ela. Wickham levantou a arma e apontou à fronte do marquês. — Você a empurrou para que caísse diante daquela carruagem no Hyde Park? —Não, Por Deus! Vi o acidente. Não tive nada haver com ele. 89

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O antebraço de Wickham, duro como uma pedra permaneceu inalterável. Era como se carecesse de qualquer emoção. Não parecia sentir raiva sequer. Jane começou a compreender por que o major Arbuthnot o tinha chamado de louco. Com um rápido movimento da mão esquerda, Wickham extraiu algo de seu bolso e o lançou ao marquês. Uma folha de papel dobrada acabou aterrissando aos pés de Salaberry. —Suas letras de câmbio — disse Wickham. —Adquiri-as. As trinta mil libras que devia? Agora deve a mim. Era uma quantidade assombrosa, mas Wickham falava dela como se fosse insignificante. A conduta elegante de Salaberry se esfumou por completo. Baixou a vista para olhar o papel, como se não tivesse entendido as palavras de Wickham. —Que comprou minhas letras de câmbio? —Me dê o que eu quero e as considere pagas. Não terá que fugir dos credores. Não lhe destruirei. —Wickham deu um passo à frente. —Levante se. Salaberry obedeceu lentamente, seu olhar fixo na pistola. —Me conte tudo o que sabe sobre minha irmã. Ou lhe dou um tiro aqui mesmo. Para mim, tano faz. Morro de vontade de matar a alguém por todo o acontecido, e você poderia me bastar para esse momento de satisfação. —Me mataria a sangue frio, sem honra? O coração do Jane pulsava desbocado. O tremor sacudia os ombros do marquês. O chicote pendurava languidamente de sua mão. —Disse que não brigaria comigo. Na sala da jaula rechaçou um possível duelo. —Não vou brigar com você — replicou Wickham. —Se falar de matá-lo é porque não coopera. O marquês tremia. —Nunca lhe fiz mal. Juro Por Deus que apenas fiz algum arroxeado. O braço de Wickham se endireitou, baixou a vista para o canhão da arma. —Por Deus — choramingou Salaberry. —O que aconteceu com ela? Acredito que está em uma das casas da senhora Brougham. Quero saber por que. —A fria voz de Wickham gelou o sangue de Jane. Não ia ter piedade. — Importa-me um nada o que tenha feito ou o tipo de jogos que praticasse com minha irmã. Queroa de volta em casa. O marquês tinha a testa ensopada de suor. Jane começava a notar também a transpiração em suas próprias costas. E no momento em que Salaberry levantou a mão para secar a testa, Wickham rugiu: —Um movimento e dou-lhe um tiro na cabeça. Salaberry choramingou. Pestanejou com força e Jane se deu conta de que o suor tinha entrado no seu olho. —Não o fará. Seria um assassinato. —Certo. —Wickham se equilibrou contra Salaberry, levantou o punho e arremeteu contra sua mandíbula. Jane ficou gelada com aquele repentino desdobramento de violência. Dobrado, Salaberry levou a mão ao rosto com cautela. 90

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—De acordo. Sua irmã tentou fugir de Treyworth. Abandonou-lhe. Por muito que Treyworth se gabasse do como atinha ensinado bem, e por frágil que fosse, acabou demonstrando uma faísca de independência. —Você ajudou-a? Salaberry negou com a cabeça. —Treyworth a encontrou, naturalmente. Esse homem é como um cão sabujo. Explicou-me que estava histérica, fora de si. De modo que a ingressou no manicômio de Sapphire para que se tranquilizasse. Jane o olhava fixamente. Do... fora de si? Não podia ser verdade. A mandíbula de Wickham ficou rígida. —A senhora Brougham tem um manicômio? —Sim, uma mansão em um cenário campestre idílico. Tem ingressado ali a damas que estão loucas, mulheres que são uma carga para sua família. Sua mãe morreu louca. Sapphire ingressou ali a uma antiga amante minha que chegou a obcecar-se até o ponto de tentar me disparar à saída do teatro Drury Lane. —Onde é esse lugar? Salaberry encolheu os ombros. —Não tenho nem ideia. Ela se encarregou de recolher Eloise para levá-la ali. Wickham fechou o punho. —Maldição! Não volte a me bater. No rosto não. A casa está em Blackheath, acredito. Pavoneava-se dizendo que tinha alugado uma casa perto da mansão da princesa Caroline. É tudo o que sei. Jane alargou o braço para segurar o de Wickham, mas se deteve antes que sua mão chegasse a alcançá-lo. Deu-se conta de que queria segurar-lhe o braço para que não cometesse um assassinato. O que estava pensando? Jamais permitiria intrometer-se em suas ações. Mas o olhar do Wickham captou seu movimento, relaxou o braço e retirou o dedo do gatilho. —Minha irmã continua viva? Salaberry lançou um olhar de puro ódio. —Não tenho nem ideia. Mas tendo em conta o que Sapphire me faturava para tomar conta de Eloise, imagino que estará amassando uma fortuna de mãos de Treyworth para manter a sua irmã forte e sã. —Adquiriu suas letras de câmbio? As saias de Jane formavam redemoinhos entre suas pernas enquanto tentava seguir o passo de Wickham. Suas longas pernadas os afastavam da escada principal e entravam na zona dos calabouços. —Meu secretário — respondeu Wickham quando chegaram a uma estreita porta situada no extremo do corredor. — Ontem o encarreguei de investigar Salaberry. Em poucas horas ficou à par do alcance de suas dívidas. Comprou-as esta manhã. 91

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—Trinta mil libras! —Não é uma quantidade exagerada. Vale até o último centavo que eu possa ter. Daria meu coração por ela. Não o considerava uma quantidade exagerada. Essa cifra a teria feito cambalear inclusive quando estava casada com Sherringham. —Teria acabado disparando nele se não tivesse falado? Wickham encolheu de ombros. —No fundo, Salaberry é um covarde. Jane se deu conta de que não conseguiria surrupiar nada mais a respeito. Seu plano consistia em encontrar uma casinha para ela e para Do e viver de suas exíguas economias. Mas não seria assim. Era uma solução impensável se o endinheirado irmão de Do se fazia cargo da situação. Wickham se ocuparia de Do. —Aonde vamos agora com tanta pressa? —Quando Wickham se deteve para abrir a porta, Jane pôde recuperar o fôlego. —Não sabemos em que ponto de Blackheath está exatamente essa casa. —Averiguaremos. Abriu-se a porta e se viram surpreendidos por uma rajada de ar quente. Havia panelas penduradas. Facas cravadas em pranchas de madeira. Jane tinha imaginado que iriam em busca da senhora Brougham. Mas estavam na cozinha, ou melhor, no escuro corredor que conduzia até ali. —Já é quase a hora — murmurou Wickham, avançando com cautela. —Meia-noite? —sussurrou Jane, seguindo-o. —Ainda não é meia-noite. Christian se voltou e aproximou um dedo dos seus lábios. Tinham chegado à soleira de uma pequena porta. De costas a eles havia uma mulher amassando uma massa, uma mulher com cachos escuros debaixo de uma boina branca. Uma nova cozinheira. —A senhora Small não voltou — disse ele em voz baixa. —decidiu empreender sua nova e melhor vida. Vejo que se sente aliviada, guerrilheira lady Jane. —Estou — murmurou ela. —Logo encontraremos Do — assegurou. —viemos por aqui para poder sair pelo jardim posterior. —Por quê? —Para nos reunirmos com um ladrão de tumbas. Os criados os ignoraram e Wickham abriu a porta que dava ao jardim traseiro, a mesma porta pela que Jane tinha entrado duas noites atrás. Wickham saiu com Jane pisando seus calcanhares, e um homem alto e de tez morena veio ao seu encontro. O homem tinha um aspecto sinistro, um emplastro cobrindo seu olho direito e uma cicatriz irregular que percorria o lado esquerdo do rosto em sua totalidade. Wickham o saudou com um sorriso. —Um plano inteligente de sua parte, milord — disse alegremente o homem. —Temos ao Tanner. Picou o anzol e veio convencido de que a madame tinha um trabalho para ele. —Este era seu plano? —perguntou Jane a Wickham. 92

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Younger respondeu, tocando o chapéu. —Sim. Atrair com um engano o chefe dos ladrões de tumbas. —Isto, além de registrar o escritório e planejar uma chantagem. —Um ataque em diversas frentes — disse Wickham sem dar importância. A Jane, naquele instante, dava no mesmo as perversidades que Wickham fizesse com suas amantes: admirava-o no mais profundo de seu coração. —Younger cumpriu com as ordens. —Younger caminhava em direção ao elevado muro de pedra do fundo do jardim. —É o responsável pelos homens que contratei para procurar Do. —Quem é? Tem um aspecto terrível. —Um antigo policial do Bow Street. Antes que abandonasse a Inglaterra, dirigia as jogadas de rede dos bordéis que eu frequentava. Mas agora Younger trabalhava para ele. E era evidente que ambos os homens se respeitavam. Wickham a agarrou pela mão e a guiou pelo jardim. Chegaram a uma porta encostada ao muro, cruzaram-na e saíram para um beco, onde Younger assobiou sem fazer muito ruído. Da penumbra emergiram imediatamente dois homens altos de cabelo escuro, arrastando entre eles um homem de cabelo grisalho que se debatia por soltar-se. Um terceiro homem apontava com uma pistola ao prisioneiro. A luz da lua abriu caminho entre as nuvens e iluminou os arbustos de lilás. Debaixo daquela luz azulada, Jane adivinhou que o prisioneiro era um homem corpulento de nariz achatado, lábios carnudos e uma boca cheia de espaços escuros no lugar que deveriam ocupar os dentes. Um imundo casaco rodeava seu fornido corpo. —Fique aqui — disse Wickham. Entregou a pistola ao Younger, que permaneceu junto a ela. Wickham se aproximou do exumador e fez ranger seus nódulos. —Com o murro que dei ao marquês apenas rocei as luvas. O que gosto Tanner, é estampar meus nódulos sobre o rosto de um bode. Jane estremeceu. Acabava de ser testemunha de sua transformação: tinha passado de ser seu protetor para se transformar em um predador escuro e letal ansioso para matar. Wickham moveu a cabeça em direção aos homens de Younger. —Imagino que terão comprovado se está armado. —Encontramos duas facas e tiramos dele. —Então, o soltem. Jane sufocou um grito. —Milord... —protestou um dos homens. —Não penso bater nele se não puder defender-se. Jane franziu o sobrecenho. Acabava de dar um murro em Salaberry tendo uma pistola na outra mão. E agora resultava que com o ladrão de tumbas se preocupava com sua honra de cavalheiro. Jane não o tinha considerado nunca um homem colérico. Fazia loucuras, coisas que tinham sido perigosas única e exclusivamente para ele: lançar-se a um lago da beira de um escarpado, carreiras de carruagens, deitar-se com mulheres casadas. Sendo jovens, tinha-lhe comentado 93

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entre risadas que ele era um amante, não um lutador. O qual, evidentemente, não era certo. Wickham tirou o fraque e a lançou a Jane. Ela o agarrou pela manga e evitou que caísse na lama. Abraçou a suave lã e aspirou ao aroma de bergamota, sândalo e ele. Os homens soltaram Tanner, que se precipitou para frente. O homem grande tinha o rosto negro e azulado e os rostos de seus guardiões tinham manchas similares. Era evidente que tinham tido que brigar para capturá-lo. Wickham começou a dar voltas ao redor de Tanner. O homem o superava em vários aspectos: era mais alto, maior, tinha uns braços gigantescos e o pescoço grosso. —Está seguro do que faz, milord? —A voz de Younger ressoou junto a Jane. —Seguro de que posso fazer mingau deste caipira se não me der o que quero...? — Wickham se interrompeu e se agitou como uma mancha confusa entre as sombras. Jane pestanejou. Fazia um momento o tinha a seu lado, levantando os punhos. E no seguinte se equilibrou sobre Tanner, como se tivesse dado um salto mortal sobre ele. —Meu Deus! —ferveu o ladrão de tumbas. Wickham estava colado à costas de Tanner, seu braço cruzado sobre o peito do homem enorme, sua mão enluvada lhe sujeitando o queixo. —Com um simples movimento de braço, te parto o pescoço. Onde levou a dama que te entregou a senhora Brougham, a que foi feita prisioneira? A Blackheath? —Se digo sou homem morto. —Será homem morto se não o fizer. Fala e poderá escapar como o rato que é. —Não me mate, milord — suplicou Tanner. —Tenho família... Bess e quatro pequenos. Jane, sem soltar em nenhum momento o fraque de Wickham, deu-se conta de que estava tremendo. O lado escuro e perigoso de Christian era essencial para poder fazer aquilo; ela jamais teria sido capaz de intimidar a um duro criminoso. Mas dava medo ver o selvagem e frio que podia chegar a ser. Por Do, disse-se a si mesma. O fazia por Do. —Fala — ordenou Wickham, sua voz gélida e ameaçadora. —Pagarei melhor que a madame. —É a casa que tem em Blackheath. Onde tem encerradas as loucas. Há as velhas e doentes que não duram muito tempo. Há as jovens... Leva-as ali, faz desaparecer quando têm bebês. Mas algumas não sobrevivem ao parto, tampouco os meninos. As escolas pagam bem por eles. Wickham pressionou com mais força o peito de Tanner. —Um bom princípio. Leva os recém-nascidos mortos? —A madame não os vende. Manda enterrar. É uma velha sentimental. —E agora me conte onde está essa casa em Blackheath. A boca do Tanner cuspiu a direção a tal velocidade que Jane logo pôde entendê-lo. Mas Wickham moveu afirmativamente a cabeça. —Já está, já o ajudei, verdade, milord? Agora já não tem nenhuma necessidade de me partir o pescoço. —A menos que não me tenha contado a verdade. 94

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—É a verdade. Que Deus me castigue se não é. —Deus não te castigará. Eu farei. —Wickham lançou de repente Tanner contra outros homens. —Ajudaste-me, Tanner. Não te matarei. Mas virá comigo a Blackheath. E te cortarei a garganta se me mentiste. —Não o fiz, milord. Younger, que seguia ao lado de Jane, entrou então em ação e calçou uns grilhões ao Tanner. O que faria depois Wickham com o exumador? Entregaria-o à justiça? Mas o que seria então da família de Tanner, de uma mulher com quatro meninos e um marido no cárcere? Abriu a boca para falar. Wickham a olhou nos olhos e arqueou as sobrancelhas. De repente, voltou-se para Tanner. —Incomoda-me deixar a sua esposa e a seus filhos em situação precária. Dá uma direção ao Younger e receberão uma ajuda monetária. Foi um ato de bondade. Mas houve algo mais que surpreendeu a Jane. Tinha sido simplesmente aquele olhar o que tinha empurrado Wickham a fazer aquilo? Era possível que com somente um olhar tivesse captado seus pensamentos? —Obrigado, milord — disse Tanner. —O homem é o sustento de sua família. Jane viu a expressão de dor de Wickham. —Assim é, Tanner. CAPÍTULO 12 Wickham saltou a boleia da carruagem e tomou as rédeas. Atravessou as ruas de Londres a uma velocidade de vertigem com Jane segurando-se com força no assento interior. Younger e um de seus homens compartilhavam a carruagem com ela; o outro estava fora, com Tanner. Levantando cascalho, a carruagem se enfiou pelo caminho. Através do guichê, Jane observou os brilhos das tochas presas aos pilares de pedra e as janelas iluminadas da casa de Wickham. Finalizada a loucura daquele trajeto, a carruagem se deteve e Younger a ajudou a descer do mesmo. Jovens cavalariços aproximaram uma carruagem a um círculo iluminado por uma luz e Wickham se deteve ali, sob a luz. No momento em que a viu, a expressão de severa determinação desapareceu de seu rosto. Correu para ela. —Estamos perto, Jane. Em seguida trarei Do para casa. Huntley se encarregará de levá-la para sua casa e... —Não! Devo ir com você. Tenho que estar ali por Do. —É muito perigoso. —Esteve presa. Com loucas. Necessitará de mim. Está oito anos sem vê-lo, Wickham. Do necessita que sua melhor amiga esteja a seu lado. Necessita de uma mulher. Era uma verdade que ninguém podia negar, a única arma que ela tinha em suas mãos para convencê-lo. —Não temo o perigo — acrescentou Jane. 95

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Wickham enrugou a testa para expressar sua incredulidade. —De acordo — ela aceitou a contra gosto. —Temo-o. Mas estou acostumada a ter medo até em minha própria casa. Fui outra vez ao clube... e penso fazer isto. —Jewel, para mim você é um motivo de distração. Não posso andar me preocupando por você. De repente, a menção daquele nome a crispou. —Neste caso, não se preocupe comigo. Sou uma mulher adulta. Não sou responsabilidade sua, Wickham. Ele levantou os braços. —Venha, então. Prefiro sair vencido nesta discussão que perder mais tempo com ela. Com um movimento rápido, mas suave, Wickham meio a empurrou, meio a ajudou a subir na carruagem. Os cavalariços seguravam os impacientes cavalos. Wickham subiu de um salto ao assento do condutor e agarrou as rédeas. Empreenderam a marcha imediatamente, rodeados por uma nuvem de cascalho. Jane se segurou à asa. —Agarre-se forte — ele avisou. Wickham desceu por Park Lane e Jane sentiu que o coração subia-lhe à garganta. A viagem em carruagem até a casa de Wickham tinha sido lenta e prudente em comparação com a velocidade que levavam agora. Passaram carruagens mais lentas, abriram-se caminho com estreitezas entre diversos veículos e correram a tal velocidade pelas ruas empedradas, que Jane começou a temer que as vibrações acabassem partindo em dois o carro. Seus olhos davam voltas e seu traseiro ricocheteava sem parar no assento. O vento açoitava seu rosto, empurrava para trás seu capuz e levantava o véu a suas costas. —Maldita seja! —vociferou Wickham ao aproximar-se de duas suntuosas carruagens que ocupavam por completo a rua e avançavam pausadamente. Não diminuiu o passo. —Wickham... —calou-se. Não era momento de distrações. Wickham se adiantou em seu assento, a atenção centrada nas duas carruagens. Ela desejava gritar, mas não se atreveu a fazê-lo. Wickham tinha ganhado a corrida de carruagens. Muitos anos atrás tinha ganhado uma corrida a tudo ou nada que ela tinha tentado impedir. Tinha conduzido como um louco, tinha tomado um atalho ascendendo uma traiçoeira colina, tinha estado a ponto de derrubar a carruagem, mas tinha vencido. Uma vitória da que havia fanfarronado enquanto ela suportava seu fracasso, pois o objetivo de Jane não tinha sido outro que fazer entrar em razão a um punhado de cavalheiros irresponsáveis. —Vamos. —Articulou a palavra com um grunhido e Jane olhou um exíguo espaço entre as rodas das carruagens que os precedia. Não deveria diminuir a marcha? Se diminuíssem o passo, as carruagens se separariam e haveria espaço para passar. Mas o que estavam fazendo, muito mais, era precipitar-se a maior velocidade se couber para aquela diminuta abertura. O estômago deu um tombo quando o carro se inclinou sobre duas de suas rodas. Escorregou... 96

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O corpo dela se chocou contra o dele. Mas Wickham era o bastante sólido para suportar a força do impacto. Não se moveu. Jane teve que segurar-se à perna dele para manter o equilíbrio. “Agarre-se forte”, tinha advertido. E era o que estava fazendo naquele preciso momento, sua mão cravada na coxa dele, seus dedos tratando de prender-se em uma musculatura implacável. Olhou de esguelha para Wickham. O ar separava de seu rosto seu cabelo negro. Voltou-se e deu de presente um sorriso selvagem, quase animal. Desfeito de sua máscara. Seu olhar brilhava de excitação. Tinha havido momentos, quando era mais jovem, nos que lhe tinha arrojado olhadas furtivas como aquela obtendo uma visão fugaz de suas maçãs do rosto, da forte curvatura de sua mandíbula, da escura beleza de seus olhos. E sempre tinha afastado a vista rapidamente. Mas agora, com a carruagem estremecendo sob seu corpo, ficou olhando-o. Sempre o tinha achado parecido com Do, mas agora via todas as diferenças. Seu rosto era mais duro, seus ossos mais definidos, mais masculinos, evidentemente. Duas profundas rugas flanqueavam sua boca como um parêntese e seus grandes olhos azuis escuro podiam passar da ironia ao desafio em um instante. Deve ter notado que estava olhando-o. Voltou-se para ela. O fogo de seu olhar se apagou. E tinha sido substituído pela preocupação. —Encontra-se bem? Está branca. Negou-se a deixá-lo acreditar que montar em carruagem a toda velocidade debilitava sua valentia. E muito menos quando tinha sido ela quem tinha exigido o acompanhar. Passaram por diante do palácio de Westminster, atravessaram a ponte de Londres, velozes como um raio. Em seguida deixaram a cidade a suas costas para seguir os caminhos em direção sudeste, para Greenwich Park e Blackheath. Os cascos dos cavalos arranhavam a seca superfície do caminho e levantavam uma nuvem de pó a seu redor. —Cuidado! —exclamou ela, apontando uma carruagem que se aproximava em direção contrária. Com apenas um olhar, guiou seus ensurdecedores cavalos para um lado e cruzaram com a outra carruagem emitindo um som sibilante. O condutor levantou os punhos vociferando. —Estamos nos aproximando. Mas não me atrevo a conduzir mais rápido. O caminho está cheio de sulcos. Era capaz de conduzir mais rápido? —Limite-se a olhar o caminho, Wickham! —gritou ela. O estalo continuado das rodas, o martelar dos cascos e o rugido do vento eram ensurdecedores. —Christian! —gritou ele. —Se formos sofrer juntos um acidente de carruagem, acredito que deveria começar a utilizar meu nome de batismo. Nesse momento Jane soube que confiava nele o suficiente para acreditar que não fossem sofrer um acidente. Era o único homem no que confiaria e ao que deixaria conduzir como um louco. Estava segura de que chegariam com vida a Blackheath. Christian teve que diminuir o ritmo de repente para se esquivar de uma série de sulcos profundos no caminho, o que diminuiu o nível de ruído e lhes permitiu falar. 97

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—Acredita no que disse Salaberry? —disse ela. —Acredita que essa mulher é realmente Do? Que Treyworth a enviou ao manicômio da senhora Brougham? Brougham é uma bruxa mentirosa que me disse que tinha tentado proteger Do. —Logo saberemos. —Christian a olhou e acrescentou: — Não vi Treyworth no Hyde Park. Jane moveu afirmativamente a cabeça. —Tampouco eu. Meu acidente deve ser exatamente isso. Permaneceu um momento em silêncio. As nuvens ocultaram a lua e notou uma gota de chuva sobre a mão. —Maldita seja — murmurou Christian, e fustigou com força aos cavalos. —Deve ter escutado à senhora Brougham enquanto falava comigo. Christian levantou a cabeça. Jane se deu conta de que ela mesma estava surpreendida por ousar falar daquilo. Mas era como uma forquilha cravando a cabeça. Tinha que sabê-lo. —Sim. Estava escondido debaixo da cama. —Não será verdade que partiu o braço de lady Matchell... Ele encolheu de ombros, sua atenção de novo centrada no caminho. —Estava amarrada e caiu de um balanço em pleno orgasmo. —Foi um acidente. —Sim, um acidente sexual. Seu tom despreocupado escondia um matiz malicioso. O matiz que empregava quando falava com ela em sua juventude. —E as manchas roxas de lady Durham? —Eu as fiz. Gostava dos prazeres duros. Todo isso que te contou a senhora Brougham, o da submissão, os açoites, os calabouços privados, tudo era certo. Açoitei e fui açoitado. —Mas por quê? —Aquilo a sacudia mais que a velocidade da carruagem. Imaginou que negaria tudo. —Por que açoitar a outra pessoa? Ou atá-la? Que necessidade tem de dominar a uma pessoa indefesa? —Basicamente é porque gostam. Mas você tem razão. Contribuía-me algo. —Continua... continua fazendo estas coisas? —perguntou Jane. Christian tinha o olhar fixo no caminho. A voz de Jane não transmitia recriminação, só perplexidade. E aquilo atravessou seu coração como nunca tinham feito outras palavras iradas ou condenatórias. Jane estava decepcionada e, por algum motivo estranho, aquilo o preocupava. —Não desde que minha última amante deu por terminada nossa relação. —Sua amante? Que complexa podia chegar a ser a voz daquela mulher. Podia ser suave até o ponto de acelerar seu coração, estridente até o obrigar a apertar os dentes e tão cheia de vulnerabilidade que o arrastava a se desesperar por fazê-la feliz. Teria ficado louco? —A esposa de um dos poucos amigos que deixei em Bombay — respondeu. —Como pôde trair a um amigo, lorde Wickham? —Não o faça, carinho. A expressão — ou seu tom de voz— tomou por surpresa. 98

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—Não embarque em uma cruzada por mim, lady Jane Beaumont. Não tente me resgatar. Agitou as rédeas para incitar os cavalos a ganhar mais velocidade e o clamor das rodas impediu Jane Beaumont de formular mais perguntas. Ao longe, Christian divisou Greenwich Park. Para o sul, a torre de uma igreja se elevava para um céu cheio de nuvens e a urze se estendia no horizonte, uma sombra plana e preto-azulada na escuridão. Começava a chover com mais força. Por que demônios teria trazido Jane consigo? Podia tê-la jogado nos braços de Huntley e obrigado a seu formal e ancião secretário a ocupar-se dela. Com um sentimento de culpabilidade, pensou em como o tinha resgatado de Georgiana. Para fazê-lo, tinha passado por uma fulana e o tinha acariciado. Sabia o importante que aquela carícia — que aparentemente foi ligeira e corriqueira — tinha sido para ela. Curiosamente, recordava com assombrosa clareza a última briga que tinham tido antes que ele abandonasse a Inglaterra. Recordava exatamente as últimas palavras dela quando explicou que se deitou com todas as belezas casadas da cidade. “Não sorria tão zombadoramente — havia dito. — Não tem coração. Não te parece que você é uma pessoa vazia?”. Teve que diminuir os cavalos ao chegar a Greenwich Park. O antigo lar da princesa Caroline, Montague House, ocupava uma das esquinas do parque. A casa de Brougham estava muito perto. Com o coração pulsando com força, Christian examinou com o olhar as casas iluminadas em busca de uma mansão georgiana de pedra, com fileiras de oito janelas, separada de Blackheath pelo muro de Greenwich Park. —Ali está! —Disse Jane apontando com o dedo. —Ali está a casa, acredito. Christian deteve a carruagem diante da casa. Os cavalos ofegavam. Tinha-os conduzido com brutalidade e, o que era pior de tudo, não tinha um lugar onde deixá-los repousar. —O que fazemos agora? —murmurou Jane. —Irrompemos na casa ou batemos na porta? — Estava disposta a esmurrá-la até despertar os mortos. Por outro lado, tremiam-lhe as mãos. Quando ele enfrentou o perigo, nunca tinha se importado acabar vivo ou morto, o que diluía a valentia do ato. Mas Jane era verdadeiramente valente. —Não acredito que entreguem a minha irmã simplesmente porque eu peça. —Saltou do veículo e, vigilante, estendeu a mão a Jane para ajudá-la a descer. A casa da senhora Brougham estava escura e em silêncio. Não se via ninguém a vigiando, mas isso não garantia que não tivesse criados montando guarda. —Pensa esperar e entrar na força com seus homens? —Preferiria não alertar aos criados tão rapidamente. —Terá que entrar para tentar achá-la. Necessitará de mim. Entre os dois poderemos procurá-la mais rápido. —Como se tivesse me passado pela cabeça deixá-la só aqui fora. Veio, de modo que fica ao meu lado. —Observou de canto de olho o olhar indignado e doído dela enquanto ele se despojava de seu sobretudo. —O que faz? 99

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Cobriu com o casaco um dos cavalos. Jane tirou a capa e a entregou para que cobrisse com ela o outro cavalo. —Sabemos que os criados recebem um bom pagamento por escondê-la aqui. Encontraremos oposição. De modo que, Jewel... —Jane. Já que não morremos em um acidente de carruagem, quero que utilize meu nome de batismo. Acabaram-se os apelidos. Simplesmente Jane. Simplesmente Jane. Era impossível pensar que houvesse algo “simples” nela. —De modo que, Jane... —Sei. —voltou para trás o véu, que cobria até então o rosto. —vai pedir que me mantenha a seu lado. A casa parecia respirar em torno dela, era como se estivesse viva, disposta a esmagá-la por havê-la invadido, disposta a gritar um sinal de advertência aos criados. Jane tentou fazer caso omisso de suas fantasias. Mas a casa possuía uma quietude sinistra, até sem estar em silêncio. No ambiente flutuavam gritos longínquos e chiados amortecidos. Havia coisas que emitiam um som metálico. Ouviam-se vozes elevando-se e sossegando. Tinha seguido Christian através de uma porta que se abria a um terraço e que ele tinha aberto rapidamente. Agora avançavam vacilantes por um corredor escuro como a boca do lobo. —Não sei nada sobre manicômios — murmurou ele. —Imagino que os criados dormem nos pisos superiores, como em qualquer casa. —Eu sei algo — sussurrou ela. Notou uma estranha tensão na garganta. Sherringham tinha insistido em ingressar em um deles a sua mãe demente. A família de seu falecido pai tinha aceitado depois que Margaret colocou fogo na sua cama e esteve a ponto de morrer como consequência disso, e de destruir a casa da viúva. —Teria que haver acomodações para a enfermeira chefe ou para o médico. E salas para as mulheres, normalmente com algum membro do pessoal montando guarda. Em alguns casos, ingressados enriquecidos compram o direito de ter um quarto individual. Se estiverem aqui, estariam no piso superior. Jane recordou até que ponto Margaret se degradou no manicômio. Tinha morrido em questão de poucos meses. Mas muito antes daquilo, tinha esquecido por completo que tinha uma filha. —Venha. —Christian pronunciou com voz rouca uma ordem única e imperativa. De mãos dadas, começaram a subir a escada principal. Tinham inspecionado rapidamente a casa do exterior. Tinha forma retangular, não era grande, e do extremo saía um caminho que levava até outro edifício: uma torre quadrada da que se dominava o muro de Greenwich Park. Ao chegar à galeria do patamar da escada, Jane sussurrou: —Teria que estar em um quarto da parte traseira da casa. Com vistas para o jardim. —Sua voz se quebrou ao dizer aquilo. Sua mãe, que apesar de ter vistas ao jardim, tinha sido uma prisioneira em sua cama. —Ou na torre. Evidentemente, ele opinava o mesmo. Segurando-a pelo pulso, começou a guiá-la pelo 100

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corredor da direita. Mas em lugar de dirigir-se diretamente à torre, Christian se deteve junto à primeira porta. Venceu rapidamente a fechadura e a abriu. A porta rangeu e chocou brandamente contra uma cadeira de madeira. Pela mínima fresta, Jane viu uma mulher roncando na cadeira. A mulher se moveu. Jane conteve a respiração. A mulher resmungou e a seguir deixou cair a mão morta. Tornou a dormir. Por debaixo do braço do Christian, Jane viu vários berços dispostos em fileiras. Algum dos bebês choramingou e se agitou debaixo das mantas. Christian fechou a porta, suas feições gélidas. —Uma sala. Dez berços com uma mulher de guarda. Meu Deus. —O manicômio é pior — murmurou Jane. —E a gente o visita como por diversão. —Sei — murmurou ele. Olharam atrás de cada porta daquela ala, mas todas davam acesso a quartos com camas singelas. À medida que avançavam de quarto em quarto, Jane se precaveu de que as feições de Christian foram acumulando tensão e de que seu olhar era cada vez mais sombrio. Ela se sentia também rígida e o batimento de seu próprio coração retumbava na cabeça. Jane apontou o corredor que conduzia à torre e Christian assentiu. O corredor se estreitava debaixo da reduzida estrutura quadrada e levava até um extremo que havia uma janela. Penetrava por ela uma pálida luz cinzenta e a chuva salpicava o vidro. No primeiro quarto do corredor só havia uma cama — uma cama grande com dossel — junto com elegantes poltronas e uma escrivaninha. Jane sentiu o coração acelerar. Tinha que ser o quarto de uma mulher rica. Mas não havia vigilância. Deslizou sem fazer ruído para o interior. Estava segura de que Wickham a deteria. Embora entrasse em silêncio, a ocupante da cama se levantou de repente. Jane ficou paralisada ao vislumbrar uma mulher mais velha de cabelo branco e cara enrugada. Não era Do. —É você? Sapphire, querida, veio para ver-me? —A mulher ficou olhando-a, observando seu cabelo, e estendeu os braços. —OH, carinho, fazia muito tempo que não vinha. Por favor, querida. Se aproxime de sua mãe. Deixa que te dê um beijo. Pela extremidade do olho, Jane viu Christian negar com a cabeça. “Volta aqui”, disse movendo só os lábios. Se se aproximasse mais, a mulher se daria conta de que não era Sapphire Brougham. Salaberry havia dito que a mãe da senhora Brougham tinha morrido. Mas era impossível. Aquela mulher era a mãe da madame. —Sapphire, querida... —Agora tem que dormir — disse Jane em voz baixa. —Te verei pela manhã. Por favor..., mãe. A mulher puxou o decote de sua camisola, moveu afirmativamente a cabeça e, obedientemente, recostou-se na cama. —Quereria cantar? Se cantar as sombras se vão... As vozes se calam... quando te ouço cantar... 101

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Jane mordeu o lábio. Em uma ocasião tinha cantado para sua mãe, encerrada já no manicômio. Margaret permaneceu sem entender nada e nem sequer parecia havê-la escutado. Não sabia se resultaria tão convincente como a madame. Cantarolou uma doce canção de berço e foi afastando-se com cautela. A mulher se acomodou na cama, começou a respirar lentamente e com regularidade. Quando Jane chegou à soleira da porta, Christian a rodeou pela cintura e a obrigou a sair dali. —Não volte a fazer isso. —Não pensava fazê-lo — sussurrou Jane enquanto ele abria a seguinte porta. Ouviu-se um chiado agudo e Christian entrou correndo no quarto. Não restou outro remédio que tampar a boca da jovem. A frágil garota, presa do pânico, cravou-lhe os dentes, mas ele não retirou a mão. Viu pelo canto dos olhos que Jane fechava a porta e se aproximava correndo. Jane se ajoelhou junto ao pé direito da garota e se dispôs a desfazer o nó que a mantinha prisioneira na cama. —Se detenha— alertou Christian. —Poderia ser violenta. —É impensável que tenha que permanecer atada — protestou Jane falando muito baixinho enquanto continuava desfazendo os nós. Christian se inclinou sobre a prisioneira, que não parecia ter mais de dezesseis anos de idade. —Estamos aqui para te ajudar, não para te fazer mal. Prometa que não gritará e retirarei a mão. Talvez estivesse tentando negociar com uma louca, mas a garota sacudiu a cabeça afirmativamente e seus gordurentos cachos loiros cobriram o rosto. Christian retirou a mão. A garota o olhou com seus enormes olhos de cor violeta. De rosto ovalado e nariz delicado, asseada devia ser uma jovem muito formosa. —Você é um deles? —murmurou. Seu soluço entrecortado partia o coração. —Um de quem, carinho? Como se chama? —Meu nome é... —interrompeu-se, desolada. —Meu nome é Anne. Anne Fielding. —É evidente que é da nobreza, Christian. —E dirigindo-se à garota, perguntou Jane: — De onde é, Anne? —Começou a desatar suas mãos. —Não posso dizê-lo. Eles me baterão por haver dito meu nome. —Ninguém te baterá — jurou Christian. —Voltará para casa. Anne tremia. —Não me deixarão partir. Não até que satisfaça aos homens que vêm aqui. Querem que seja a próxima. Me disseram. Pensei que era você um deles, sem a máscara, sem a capa. Não é, verdade? —Shhh — disse Christian, para fazê-la calar. A garota chorava sem consolo. Christian procurou um lenço e secou suas bochechas com delicadeza. Era muito jovem. Jane segurou a mão da garota entre as suas e massageou as virulentas marcas vermelhas 102

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que circundavam seus pulsos. —Usam máscaras e capas negras? Anne assentiu. —Nunca as tiram. —O que têm feito com você, Anne? Sabe quem são esses homens? A garota estremeceu. —Sinto muitíssimo. —A voz de Jane adquiriu um matiz suave e reconfortante que ele nunca tinha ouvido. —Deve estar muito assustada. Mas te ajudaremos. Anne negou com a cabeça com rotundidade. —Me castigarão. Prenderão como às demais e me açoitarão com o chicote. Uma a meteram em uma jaula pendente e a deixaram durante dias ali... Christian a abraçou e a atraiu para seu peito. Era miúda como Philly, débil e frágil. —Ninguém te fará mais dano. Prometo isso. —Soltou-a quando viu que os soluços de Anne diminuíram. —Mas tem que ser valente. Temos que ir, mas... —OH, não. —Anne se pendurou de sua manga. —Não partam. —Em seguida virão te ajudar. Mas deve permanecer em silêncio. Não pode dar a voz de alarme. A garota assentiu com os olhos totalmente abertos. —Tenho muito medo. Estive doente e pensam que agora espero um bebê. Acredito que querem me matar. Se engordar pelo bebê, já não lhes servirei de nada. Jane sufocou um grito. Acariciou o cabelo de Anne. Perguntou-lhe com voz sumida por Do, se Anne tinha notícias de uma dama que tivesse entrado recentemente na casa. Anne negou com a cabeça. —Não sei. Quando saio do quarto sempre o faço com os olhos enfaixados, mas ouvi que as criadas se queixavam de uma dama com título que tem encerrada no piso mais alto da torre e que dá muito trabalho. Christian deixou Anne deitada na cama e Jane a tampou. —Agora tem que ficar aqui quieta. Não pode dizer a ninguém que nos viu. Logo será livre. — Rezou para que a garota entendesse e obedecesse. Sabia que queria fugir dali e que seu instinto era gritar e escapar. Levantou-se e chamou Jane movendo a mão. Jane o seguiu para a porta. Seus enormes e escuros olhos ressaltavam sobre a palidez de seu rosto. —A senhora Brougham tem encerradas garotas inocentes. As obrigando a prestar serviços a esses homens. E a garota está grávida. É... é uma crueldade. —Que já terminou — disse ele com expressão grave. —Sentinelas — sussurrou Jane. Sabia que Christian já os tinha visto, mas acumulava tanta tensão nervosa que a palavra se formou em seus lábios sem poder evitá-lo. A janela que havia no final do corredor deixava entrar a luz da lua —as nuvens se levantaram —e raios de luz chapeada iluminavam o perfil de dois homens adormecidos em suas respectivas cadeiras, a uns cinco metros de onde se encontravam naquele momento Christian e ela, colados à parede, ocultos pelas sombras. 103

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—Esperaremos que cheguem seus homens? —Posso tirar estes dois de cima de nós — respondeu Christian. —Mas quero que segure isto. Sabe disparar? Disparar? De repente notou um objeto duro e frio na sua mão. Baixou a vista e viu o resplandecente metal do canhão de uma pistola. Fechou os dedos em torno do punho. —É para seu amparo — murmurou ele. —E o que me diz do seu? Christian levou um dedo aos lábios e a seguir se separou dela. Avançou sobre o chão de madeira com tanto sigilo que Jane teve a impressão de que voava sobre ele. Os dois fortes sentinelas continuavam dormindo placidamente. Jane segurou a pistola com ambas as mãos. Não esperava que pesasse tanto. Rezou para ter pontaria se chegasse o momento. Esperava que Christian passasse em silencio por diante dos dois homens. Mas se deteve ao chegar junto deles, agarrou o primeiro sentinela pelo cangote e deu um murro. A pistola tremeu entre as mãos de Jane. O sentinela cuspiu sangue e saliva e se escutou a seguir um gorjeio desagradável. A cabeça do homem caiu para um lado. Tinha o nocauteado de um só golpe e deixou que caísse ao chão. Para ouvir o ruído surdo que o corpo de seu companheiro emitiu ao cair ao chão, o outro sentinela despertou. Demorou só segundos em ser consciente do iminente perigo que lhe espreitava e extraiu uma faca no momento em que Christian voltava a levantar o punho. Christian pulou para trás para evitar o fio da faca e falhou o murro. Tremente, Jane seguiu o movimento do sentinela com a pistola. Christian deu então um murro no estômago dele dobrando-o, mas o corpulento tipo se endireitou quase imediatamente e esgrimiu de novo a faca. A estocada rasgou o colete de Christian quem, seguidamente, o proporcionou sucessivos golpes no ventre. Cambaleante, o sentinela voltou a atacar com a faca. A folha impactou contra a bochecha de Christian. Ao ver o sangue, Jane notou que falhavam as pernas. Deveria disparar contra aquele homem? E se equivocava e acertasse Christian? O sentinela alcançou a bochecha de Christian com um murro. O coração de Jane deu um tombo ao ver o movimento brusco de sua cabeça e o sangue emanar a fervuras, mas se ressarciu com dois novos golpes, um por debaixo da bochecha do homem e enorme contra seu nariz. Durante uns minutos que se fizeram eternos, ambos os homens seguiram pegando-se sem piedade. Jane apertou com força o punho da pistola e seu dedo se aproximou do gatilho. Não queria acioná-lo sem querer. Devia disparar contra o sentinela? Até quando Christian poderia continuar resistindo? Escutou passos a suas costas e se voltou. Mais criados! Oito homens, três deles armados com facas e os outros com paus e atiçadores. Jane notou uma pressão no peito, mas apesar disso, apontou com a pistola ao líder do grupo. —Detenham-se ou disparo! 104

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Os criados se detiveram em seco. Boquiabertos e horrorizados, os homens olharam primeiro a boca da arma e logo a ela. Jane sentiu uma quebra de onda de confiança. Custava-lhe acreditar que a mesma pessoa que tinha saído fugindo do clube presa do pânico uns dias atrás, apontasse agora com uma pistola carregada a um grupo de homens. Era Christian, era como se ele a houvesse devolvido à vida. E não pensava permitir que lhe fizessem nenhum dano. —Maldita seja! —vociferou Christian atrás dela. Sem deixar de apontar com a arma aos criados, tentou voltar-se sem dar as costas. Viu que Christian agarrava o sentinela pelo pulso e o partia. Seu alarido ressoou por todo o corredor e a faca caiu ao chão. Uma mancha encarnada empapava o lado direito da camisa de Christian. —Só há uma bala, imbecis — gritou o sentinela enquanto Christian o esmagava contra o chão e cavava-lhe a bota nas costas. —Pois eu não penso levar— gritou isso um dos criados. —Os agarrem, idiotas! —vociferou o sentinela. Ouviram-se disparos abaixo, gritos por todos os lados e retumbaram por toda a casa ensurdecedores passos. Acabavam de chegar os homens de Christian. Os criados armados começaram a retroceder. Lentamente primeiro, mas quando se deram conta de que ela não dispararia, voltaram-se e puseram-se a correr. Jane olhou ao Christian. —O que faço? Escapam! —Não chegarão muito longe. —Christian estendeu a mão e ela entregou a arma. Suarento e respirando com dificuldade, inclinou-se sobre o sentinela. Um golpe rápido na nuca serviu para que o homem somasse ao estado de inconsciência de seu companheiro. Só via Jane, aproximando dúbia a mão à mancha de sangue da camisa. —Não aconteceu nada, carinho — assegurou. —foi um golpe oblíquo, não é um corte profundo. Jane franziu o sobrecenho e ficou nas pontas dos pés para poder observar melhor o corte da bochecha. —Parece um asco. E está destroçado. Por que não utilizou a pistola contra eles? Christian encolheu de ombros e afrouxou a gravata-borboleta. —Dois homens. Uma bala. Não estava seguro de que não aparecessem mais homens dispostos a nos atacar e sabia que podia nocauteá-los. —Parece-me que gosta de brigar. Converteu a gravata-borboleta em uma almofada e o colocou debaixo do colete. —Ao melhor, sim. Ao melhor conhece muito bem, Jane. —Algo entrou no seu olho e passou a mão pela frente para secar o sangue e poder ver com a clareza necessária para forçar a fechadura. No interior do quarto, havia uma mulher deitada em uma cama com dossel de grande tamanho. Seu rosto estava emoldurado por compridos cachos escuros que se derramavam sobre uma camisola de malha clara. Estava atada à cama, igual à jovem Anne. Christian sentiu que 105

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encolhia o coração e por um instante ficou paralisado, olhando à mulher da que tinha que haverse responsabilizado um dia. Jane abriu caminho. —Do! Mas sua irmã nem sequer o reconheceu. Enquanto Christian desatava as cordas que a sujeitavam à cama, Do se separou dele e o terror que captou em seu olhar se transformou na pior condenação que tinha experimentado em sua vida. Jane abraçou então a Do e o olhar de sua irmã se iluminou. —Jane? OH, santo céu, não pode ser que seja de verdade você! Não pode ser... —É. —Jane a abraçou com força e Christian vislumbrou as lágrimas rodando pelas sardentas bochechas de Jane. —E este é seu irmão. É Christian. Veio por você e te levará para casa. —Christian? OH, Christian, vieste. —Mas o pânico alagou então o olhar de Do. —Para casa? —A minha casa, Do — garantiu seu irmão. —Mas meu marido se zangará muito. Não posso... Christian se esforçou para falar com delicadeza, para sufocar sua cólera. —O que Treyworth queira não tem a menor importância. O que quero é te proteger, Do. —Mas, Jane... —Do começou a mover-se e a esfregar seus maltratados pulsos. —Meu marido ficará furioso quando souber que me encontrou. Tentará te fazer mal, Jane. Jane ficou impressionada ao ouvir aquilo, mas antes que Christian desse tempo de insistir em que as protegeria a ambas, disse com firmeza: —Não pode me fazer nenhum dano. E tampouco fará mais mal a você. —Começou a recolher a roupa do armário. Jane tinha falado com segurança, mas Christian olhava para Do sem saber o que fazer. Era resultado muito mais fácil dar ordens a Younger e a seus homens para que corressem até aquele lugar e brigassem contra aqueles sentinelas armados que enfrentar a sua irmã e dar-se conta de que não tinha nem ideia de como ajudar a uma mulher que tinha sofrido um inferno. Jane cobriu Do com seu casaco e Christian a acolheu entre seus braços. Ficou rígida por um instante, mas pouco a pouco foi relaxando e repousou a cabeça sobre o peito de seu irmão. Ele se inclinou para dar um beijo na fronte. E a seguir beijou a Jane na ponte do nariz. Ela pestanejou, surpreendida. —Necessito de você Jane. Me ajudará a levar a Do para minha casa? Virá para casa comigo? CAPÍTULO 13 —Virá por mim, Jane. Virá para me levar para casa. —Sentada no extremo da cama, Do estremeceu. Jane passou rapidamente pela cabeça de Do à camisola de flanela e se apressou a cobrir o corpo tremente de sua melhor amiga. Abraçou sem pensar os magros ombros de Do. Como se quisesse se convencer com isso de que de verdade estava ali, sã e salva na casa de Christian. 106

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Enquanto ajudava a Do a banhar-se, tinham parecido na alma os vestígios de velhas feridas em seu esquálido corpo, as sombras de esgotamento que rodeavam seus claros olhos azuis. Era evidente que Do estava sem comer muito mais tempo que aquela quinzena durante a qual tinha permanecido em paradeiro desconhecido. —Nunca terá que voltar com ele — disse Jane com firmeza. Acompanhou Do até a penteadeira, onde havia uma bandeja com bolachas e um bule fumegante. A criada tinha deixado também um conjunto de escovas de prata. Empurrando-a com suavidade pelos ombros, Jane obrigou Do a sentar-se diante do prato. Apanhou uma escova. Do estava assustada e cansada, mas não histérica. Do não estava louca. —Ficará furioso. —Do segurou uma bolacha com dedos trementes. —Ri dele. Humilhei-o. Jane se deteve e pousou a escova sobre a cabeça coberta de negro cabelo. Por muito que ela tivesse insistido em que não era possível, o certo era que Do sim tinha fugido. —Por que não me procurou? —Não podia. Não tem a ninguém que te proteja Jane. Com tristeza, Jane se deu conta de que Do queria dizer que não tinha nenhum homem que a protegesse. Tia Regina tinha razão. Do não tinha ido a ela para mantê-la a salvo. —Sabe que estava me buscando? —perguntou Do ao tempo que ocultava o rosto entre as mãos. —Sim, é obvio. Fui ver Treyworth e mentiu para mim. Disse-me que tinha fugido para o continente com um amante. —E por que não deixou correr, Jane? Por que o provocou? Jane começou a escovar os cabelos de Do. —Não me preocupa que Treyworth tenha a impressão de que o provoquei. —Apesar do murmúrio de inquietação que sentia no estômago, falou com firmeza. —E não estava disposta a que continuasse sofrendo nas mãos dele. —Quando começamos era muito bondoso comigo — disse Do em voz baixa. —Tão contrito, carinhoso e amável. Penso que me levou a casa da senhora Brougham para... para me ajudar. Sei que se falar com ele, poderei... —Não! —exclamou Jane. Notou que o sangue gelava nas suas veias. Aquela bruxa tinha mentido para ela; tinha convencido Do para que retornasse voluntariamente com Treyworth e tinha conseguido fazê-la acreditar que encerrá-la ali era por seu bem. —Não falará com ele. Não penso permitir que se aproxime. —Não é você quem deve tomar essa decisão! Jane se surpreendeu do zangado tom de voz de sua amiga. Os olhares do Jane e de Do se encontraram no espelho. —Se fala com o Treyworth, voltará a te mentir. Te pedirá perdão e te suplicará e te rogará. Não acredito que esteja ainda com forças suficientes para enfrentá-lo. Seu irmão e eu cuidaremos de você. —Meu irmão não fará. Não pode fazê-lo. Jane flexionou um joelho e segurou sua mão. 107

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—Fará. Retornou por você. Quando o encontrei no clube estava louco de preocupação. —Foi ao clube? —Do abriu os olhos horrorizada. —Sim. Assim foi como a localizamos. O marquês de Salaberry admitiu que Treyworth tivesse te levado ao manicômio da senhora Brougham... depois que seu irmão gastou trinta mil libras para comprar suas letras de câmbio e ameaçou a ponta de pistola esse furão. Do segurava a xícara com mão tremula e o chá derramou pela beira da xícara. —Fez isso por mim? Mas não vê, Jane? Christian não deveria ter retornado. Não deveria lhe haver escrito. Matou a um homem em um duelo. É possível que ainda se possa celebrar o julgamento pendente. Arrastei-o até aqui e agora terá que enfrentar A... —Agora não pense nisso — disse Jane consolando-a. Mas a verdade é que a ela não tinha ocorrido. Quando um homem morria em um duelo, o perpetrador tinha que ser julgado. No caso de um nobre, o julgamento se celebraria na Câmara dos Lordes. Christian não era o primeiro cavalheiro que fugia para evitar. —Dizem que o outro, o conde, disparou primeiro — sussurrou Do. —Que falhou. Mas logo Christian disparou a sangue frio no coração. Nosso pai disse que nem sequer tentou errar o tiro. É o que fazem os homens... para perdoar a vida... E Christian não tinha feito. Jane pensou no lado escuro que tinha visto nele aquela mesma noite e na vontade que tinha de encontrar a alguém com quem brigar. Mas não tinha disparado em ninguém, inclusive tendo a possibilidade de fazê-lo. O que aconteceria se o declaravam culpado? Iria à forca? —Tem que comer algo — a apressou Jane. Se Christian fosse condenado à forca, se o levavam, ela se encarregaria de proteger a Do. Tal e como tinha planejado de início. Mas imaginou Christian conduzido para o cadafalso. Viu mentalmente a corda ao redor de seu pescoço, forte e bronzeado, e lhe encolheu o estômago. Do negou com a cabeça. —Não tenho fome. Traziam-me comida. Só estou... cansada. Muito cansada. —levantou-se lentamente. Jane a guiou até a cama e a ajudou a esticar-se. Do fechou os olhos imediatamente. Jane olhou a seu redor e contemplou a lúgubre decoração em tons marrom e verde, o papel amarelado da parede, pesados cortinados e tapeçarias. Buf. Aquele sempre tinha sido o quarto de Do e sempre tinha sido horroroso. O falecido conde de Wickham era uma pessoa fria e distante com seus dois filhos. Passava a vida recluso em sua biblioteca. Proposto cultivar constantemente sua mente como bom cavalheiro. Mas poderia haver dedicado algum que outro momento ao coração. —Jane, carinho, vocês estão bem... as duas? A voz de Christian surpreendeu a Jane imersa em seus pensamentos e se voltou em seguida. Pegou a vela que havia na mesinha de noite e a levantou para iluminar a soleira da porta... Iluminou a ele, a Christian. Usava uma camisa branca, o pescoço aberto. O nó da gravataborboleta estava por fazer ainda e o objeto ameaçava deslizar e cair ao chão. Tinha o cabelo úmido, como se simplesmente tivesse sacudido a cabeça para secá-lo. 108

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Tinha rastros de golpes no olho, o nariz, o queixo e a bochecha direita. Mas aquilo só servia para fazê-lo mais perigosamente atraente. Estremecendo, Jane se deu conta de que alguém tinha costurado uns pontos para fechar o corte que percorria a maçã do rosto de cima abaixo. —Dormiu. —Não queria contar a ele que Do desejava falar com Treyworth quando ele se apresentasse para procurá-la. Em nenhum momento tinham falado do que aconteceria depois de que encontraram Do. Encontrá-la era o mais importante. Uma mecha de cabelo caiu sobre os olhos e o retirou com a mão. Qual devia ser seu aspecto? Muito deplorável? Tinha o cabelo solto, emaranhado e despenteado pelo vento. Seu sombrio vestido negro estava salpicado pelo barro do caminho. —Agora toca a você, carinho. Por que não se banha e a levo a cama? Ficou gelada com as palavras de Christian. Atrás dele, via passar criadas carregadas de baldes de água fumegante. —Pedi que preparassem o quarto contiguo ao de Do — continuou ele. —pensei que gostaria de se banhar, comer algo e ficar para passar a noite aqui. Mas se quiser voltar para casa... — interrompeu-se e passou a mão pelo cabelo úmido. Não pretendia “leva-la para cama” como teria acontecido no clube. O que pensaria ela? —Eu gostaria que ficasse — continuou dizendo. —Quero ter a garantia de que está a salvo. E demônios, tenho que admitir... — estava tremendamente incômodo. —Necessito que esteja aqui para me ajudar com Do. É sua amiga. Conhece-a. Passou muito tempo e... me olha como se tivesse medo de mim. Suponho que mereço isso por havê-la abandonado a sua sorte. — Não teme a você. Mas teme por você. Teme que sua volta tenha consequências pelo duelo. —É isso? —Seus ombros largos se encolheram com elegância. Debaixo da camisa, seus músculos se agitaram. —Não tem por que preocupar-se. Duvido que possa correr mais perigo. De repente, observando seu maltratado embora atraente rosto, Jane recordou as palavras do major Arbuthnot: “Um jovem cavalheiro que procurava a morte”. —Mas não poderia haver um julgamento? Christian não respondeu. —Enviei uma mensagem a Bow Street — disse em troca. —Sobre o manicômio e o comércio que a senhora Brougham tem montado com essas pobres garotas virgens. Ela desejava falar da vida dele, mas supôs que não ia dar essa opção. Ter enviado uma nota a Bow Street significava chamar a atenção dos magistrados para sua pessoa e recordar o duelo. Estava pondo em risco sua liberdade, e muito possivelmente sua vida, por aquelas mulheres e aquela garota do manicômio, que com toda segurança não tinham ninguém que as defendesse. Que tipo de castigo destinaria a Câmara dos Lordes para um dos seus que tinha matado um homem em duelo? Não conseguia recordar nenhum caso. A maioria dos nobres implicados naquele tipo de escândalos faziam exatamente o que ele tinha feito: fugir do país. O olhou de esguelha. Tinha matado a um homem quando podia ter disparado no ar, conservando com isso a honra e lhe perdoando a vida. E tinha feito por Georgiana, que lhe tinha advertido que não se apaixonasse por ela. 109

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Era seu salvador e, imediatamente seguinte, recordava sua perversidade. Uma nuvem de vapor chegou até ali através de uma porta aberta. Chegaram em um banheiro. A voz rouca de Christian rompeu seu silêncio. —Não teria disparado contra Salaberry. Perguntou antes e não dei uma resposta direta. Foi um farol. Por isso tive que bater nele. E sinto que tivesse que presenciar. Assombrada, deu-se conta de que ele estava dando explicações a ela. —OH — disse. —Talvez eu tivesse disparado contra os criados da casa. Se tivesse que fazêlo. —Lady Jane Beaumont, cada vez me deixa mais surpreso. A umidade de sua pele fazia que a camisa se colasse ao seu torso. Apreciou os músculos, ali onde se aderia a malha. Inclusive seus mamilos escuros. Sua pele emanava um aroma fresco e cítrico a bergamota que seduzia seu olfato. Christian apoiou um braço na parede e fez descer sua boca em direção a dela... —Milord. —Um ancião com óculos se aproximava correndo pelo corredor. —Huntley — murmurou Christian. —Meu secretário. Huntley tinha o aspecto de um criado correto que se houvesse visto imerso em um torvelinho, seu cabelo cinza despenteado, os óculos torcidos, respirando com dificuldade como se estivesse suportando o peso do mundo inteiro. —Encontramos Mary e a trouxemos aqui junto com esse infame lacaio antes que se casassem. A garota está muito afligida para compreender que a resgatamos e não quer falar com ninguém exceto com você. Christian deu com a mão na testa. —Tinha me esquecido por completo de Mary. —voltou-se para Jane. —Uma das garotas fugiu a Gretna com um lacaio. Mary, a descarada garota que tinha visto flertar com ele na porta do escritório. —Tenho que tomar banho — disse Jane. —por que não vai ver Mary? —Obrigado, carinho — murmurou Christian e Jane se deu conta de que Huntley arqueava suas grisalhas sobrancelhas como gesto de desaprovação por completo. E as arqueou mais, se é que podia, quando viu que Christian segurava sua mão e aproximava os lábios da sua pele nua (já fazia um bom momento que tinha se desfeito de suas sujas luvas negras). Quando aqueles lábios roçaram sua pele, foi como se tivessem acendido fogo. Preguiçosamente, ele percorreu com a boca a distância até seu pulso. Lambendo-a... Jane se viu embargada por todo tipo de sensações. Começou a respirar com dificuldade. Bamboleou. Exalou um gemido impróprio de uma dama e teve que procurar apoio na parede. Os olhos azuis de Christian se encontraram com os dela. O azul se obscureceu até alcançar a intensa cor do céu noturno justo antes do crepúsculo. —Desfrute do banho. Você merece. Não podia abandonar a Do e, por mais perigoso que fosse, não podia abandonar a ele. —Farei — murmurou. 110

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O rosto de Christian se iluminou com um amplo sorriso. E partiu com seu secretário. Depois daquele único beijo no pulso tinha a sensação de que suas pernas não respondiam. Um vapor com aroma de rosas alagava o quarto de banho. Um aroma celestial. Jane entrou atraída pelo calor e o reconfortante aroma. Criadas a ajudaram a tirar seu horroroso vestido de luto, seu espartilho e sua roupa intima. Christian tinha pensado em tudo. Junto à banheira havia um montão de toalhas e um tapete para economizar a moléstia de ter que pisar no chão gelado com os pés molhados. Mas então pensou com sensatez. Não era Christian quem tinha disposto tudo, mas sim os criados, acostumados a servir a uma condessa. As velas titilavam, o fogo crepitava na lareira. Na água flutuavam umas poucas pétalas de inocentes rosas. Aquilo tinha que ser ideia de Christian. Jane fechou os olhos para inundar-se na água quente e repassou os sucessos da noite. Depois de ter subido Do à carruagem, Christian tinha despertado à enfermeira chefe. Confusa primeiro, logo dando adulação e balbuciando sobre sua inocência depois, a mulher tinha negado saber nada sobre mascarados ou sobre lady Treyworth. Era evidente que mentia. Para proteger às mulheres, Christian tinha montado uma guarda com seus homens armados. Mas aquelas mulheres precisavam voltar para casa. Jane temia que algumas não tivessem para onde ir. Por um momento, sentiu que caía sobre seus ombros o peso de tudo aquilo. Esfregou o corpo com o sabão de rosas e lavou o cabelo com toda a rapidez que foi possível. Criadas trouxeram água quente limpa para enxaguar-se e prepararam uma toalha quente com a qual se envolver. —Um robe para você, milady. —Uma das criadas aproximou um modelo de seda selvagem de cor rosa. —Obrigada. —envolveu-se no robe. Ofereceram-lhe também sapatilhas e a criada disse que na cama tinha uma camisola preparada. Enquanto tentava secar o cabelo junto ao fogo, a criada lhe disse: — O senhor me pediu que avisasse que enviou uma nota para sua tia. Tia Regina! Santo céu, quase tinha se esquecido dela! Que detalhe por parte do Christian lembrar-se disso. Era assombroso que estivesse pensando nela naquele momento. Ao sair do quarto de banho, Jane se dirigiu à quarto de Do. Tinha que assegurar-se de que continuava ali. E assim era, adormecida em sua cama, seu cabelo negro derramado sobre o travesseiro. Então, Jane viu Christian. Estava sentado em uma poltrona junto à lareira, uma perna cruzada sobre a outra, a bochecha apoiada na mão observando Do. Jane nunca tinha visto tanta calidez em seu olhar. Pensou que quereria estar sozinho, assim começou a retirar-se. Mas Christian se levantou de seu assento sem fazer ruído e a alcançou antes que chegasse à porta. —Terá vontade de deitar — sussurrou com voz rouca. —Mas antes queria fazer isto... A boca do Christian desceu sobre a dela alagando-a de calor, mandando sobre seus lábios e perdendo seus dedos em seu cabelo solto. Tinha o corpo tão colado ao dela, que sentia inclusive o 111

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coração dele pulsando contra seu peito. Contra seu próprio coração. Aquilo não tinha nada que ver com o beijo duro e exigente que tinha forçado no teatro. Nem tinha nada que ver com o que tinha permitido que lhe desse em seu escritório. Nem sequer com o beijo que deram do clube. Era como lançar-se de cabeça ao fogo... e voluntariamente. Não havia medo, nem dúvidas, nem lembranças amedrontadoras. Nada exceto a necessidade de devolver o beijo com a mesma paixão com a que ele estava dando. Por impulso, acariciou suas bochechas com ambas as mãos. Uma barba incipiente arranhou as gemas de seus dedos. Tinha uma pele milagrosa: áspera, mas suave e uniforme. Continuando, percorreu sua mandíbula, seu nariz, suas esculpidas maçãs do rosto, saboreou os distintos planos de seu atraente rosto até que sua mão direita encontrou um fragmento de pele enrugada. A ferida. Retirou torpemente as mãos. Christian não deu importância. Deslizou a língua entre seus lábios, entrava e saía, excitando sua boca de um modo que jamais ela teria acreditado possível. De um modo que levava a seus seios a aumentar de volume e provocava ardor e desejo entre suas pernas. Para não cair no chão com os membros desfeitos, enlaçou os braços ao redor de seu potente pescoço. E acariciou uma pele aveludada, uns músculos duros e um cabelo de seda. Os lábios abrasavam, recordavam-lhe os anéis de fumaça que desprende uma vela quando se apaga. O resto de seu corpo fervia como um bule superaquecido. Christian se separou brandamente de seus lábios e antes que ela pudesse avançar para reclamá-lo de novo, sussurrou-lhe: —Obrigado por estar ao meu lado, Jane. Olhou aos olhos, sua íris da cor violeta azulada do céu noturno. Tinha vinte e seis anos. E acabava de viver seu primeiro beijo autenticamente maravilhoso. Os oito anos que tinha durado seu matrimônio se esfumaram. E recordava, em troca, o dia em que esteve observando a Christian enquanto bebia vinho durante um jantar familiar. Como tinha estado brincando com os talheres contemplando sua bela boca..., como tinha imaginado o que seria beijá-lo. Mas nunca tinha sonhado com o apaixonado que podia chegar a ser, nem tinha imaginado que se sentiria como se voasse. Em seus sonhos de juventude imaginou dúzias de vezes um beijo com o Christian Sutcliffe. Mas a realidade ia muito mais à frente. Parecia estar esperando-a, aguardando que ela dissesse alguma coisa. —Gra... obrigada por estar ao meu lado —gaguejou ela. Não eram as palavras adequadas para esse momento. Sem ele, teria sido impossível resgatar Do. A verdade era que necessitava dele. Segurou-a em seus braços, com a mesma ternura com a que tinha transportado Do, a quem agora sabia que amava profundamente. Sua mão deslizou pela parte baixa de suas costas e embalou seu traseiro. Nunca ninguém a tinha pego antes daquela maneira. Era estimulante, sem deixar de inspirar respeito, o saber tão forte. Então Jane se deu conta do que estava fazendo e seu coração se acelerou como antes o tinha feito na carruagem. 112

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Estava levando-a para a cama. CAPÍTULO 14 —Mary — disse Jane com desespero quando viu que ele fechava com um chute a porta de seu quarto e a deixava delicadamente no meio do quarto, junto a uma cama enorme. — Como foi com a Mary? Ele a olhou surpreso. —Mary? —Depois de salvá-la de casar-se com o lacaio. O que aconteceu com ela? —apoiou-se no dossel, aos pés da cama. Algo como ter tempo para pensar. O corpo continuava ardendo e sua boca morria de desejo de acariciar a dele, mas estava assustada. Tinha visto que era capaz de beijá-lo, mas se atreveria a deixá-lo ir mais longe? E se retornavam suas lembranças? Não acreditava que fosse capaz de suportar, de ser de novo abduzida por aquele horrível passado. O beijo com Christian tinha sido encantador, uma lembrança que conservar. Adoraria desfrutar de mil beijos como aquele, doces, perfeitos. Se sentiria ditosa com isso. Se atreveria a arriscar-se a que acontecesse algo mais? E o que faria ele? Não queria ficar ferida do resultado de um... de um acidente sexual. Ele a observava com o sobrecenho franzido. —Não tive coragem para castigar Mary. Ao final, expliquei-lhe que tinha encontrado a minha irmã. Ela se desculpou, pôs-se a chorar e partiu correndo para seu quarto. Talvez tenha deitado com o moço, mas já não era virgem. Não tem sentido um matrimônio forçado com um criado tosco que deseja mais seu dote que a ela. —Não, não tem sentido — repetiu Jane. Christian se apoiou na coluna do dossel mais próxima da cabeceira da cama; era tão alto que sua cabeça roçava a parte inferior do espantoso tecido verde. —Mas a história sairá à luz. Uma cruz mais contra as pobres garotas. E tenho que fazer algo. Estavam todas chorando, todas. Meu Deus, quando as mulheres ficam a chorar... —Moveu a cabeça de um lado a outro. —Importa-te? Deve ter feito chorar a muitas mulheres. O rosto dele se transformou com suas palavras e ela se arrependeu imediatamente de haver pronunciado. —Quando parti, fiz chorar a Do e a nossa mãe — disse. —Aquele olhar de Do me obcecou até agora. E o duelo rompeu o coração de nossa mãe. Acredito que foi o motivo pelo que morreu tão logo depois de minha partida. —Baixou a vista. —Sim, fiz chorar a mulheres. Mas nunca gostei. O momento de erotismo tinha passado. A luz apaixonada de seu olhar tinha desaparecido. Jane experimentou uma sensação de perda. Por quê? Tinha sido ela quem tinha extinguido tudo. E tinha feito mal a Christian. —A morte de sua mãe foi um acidente, Christian. Caiu... 113

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—Sei — disse ele, interrompendo-a. — Do me escreveu contando isso. A carta chegou meses depois. Minha mãe passeava por um caminho que percorre o bordo que flanqueia a casa de campo. Mas que fazia passeando um dia úmido e tormentoso? Por que andava distraída até o ponto de perder pé em um caminho que conhecia tão bem? A culpa foi minha. Reclinou-se contra a coluna da cama. Estava muito preocupado, atormentado pela culpa. Igual ela tinha se sentido quando sua mãe morreu naquele manicômio privado, tremendamente sozinha, pois já não conhecia ninguém. —Do me explicou que seus pais tiveram uma briga antes que sua mãe saísse para passear — disse. —Se alguém teve culpa, suspeito que foi seu pai. Christian baixou a cabeça e o cabelo, negro como o carvão, ocultou-lhe os olhos. —Jamais pensei que sairia em minha defesa, Jane. Ela desejava acariciar seu rosto, percorrer o triste perfil de seus carnudos lábios. Desejava acariciá-lo com ternura. —Estava zangada contigo por ter abandonado a Do, mas agora não penso te condenar por coisas que não são tua culpa. Sobre tudo depois de ter resgatado minha melhor amiga. E depois de me haver salvado a vida. Aproximou-se dela, segurou seu rosto e ficou assim. Ela já se acostumou a seu contato físico. Então, ele entreabriu os olhos e ela ficou em silêncio, sem respiração, no instante que precedeu ao beijo. Mas ele passou de comprimento de sua boca e desceu até seu pescoço. Um movimento rápido de língua e Jane se sentiu como se tivesse jogando corrida da batata com Do nos terrenos da casa de campo da família. Alvoroçada. Desorientada. —OH! —ofegou com a sensação de comichão que se transformou em um chiado logo depois. Mordiscou-lhe a base do pescoço e ela notou que as pernas lhe volatilizavam como o vapor. Só o suporte de suas mãos em sua cintura evitava que caísse na cama. Naquela cama tão conveniente. Naquela cama tão tentadora... Não. Não estava segura de estar preparada. Christian percorreu seu pescoço com um leve sopro e a simples carícia de sua cálida respiração causou estragos em todo seu corpo. —Me toque — a animou ele. Sim, desejava fazê-lo. Sabia que suas carícias seriam torpes e desajeitadas, mas desejava explorá-lo... Pousou as mãos sobre seu peito. Seus dedos percorreram aquela ampla extensão e a solidez dos músculos escondidos debaixo da camisa. Igual tinha acontecido com o beijo, o tato de seu peito não tinha nada haver com algo que pudesse ter imaginado. Era sentir a força, firme, mas suave, sólida como o mármore, quente como uma chama. Abriu a mão em uma tentativa de abranger a dura protuberância de seus músculos peitorais. Um gemido rouco paralisou suas mãos. Os homens do clube gemiam igual. Tinha podido afastar a vista dos casais, mas não tinha podido tampar os ouvidos. Acabava de provocar em 114

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Christian um gemido de desejo. Ele apalpou então seus peitos por cima da seda bordada do robe. Notou seus seios cobrar vida e calor com aquela delicada massagem. —Olho por olho... — sussurrou ele, e esboçou o malicioso sorriso de sua juventude. — Tampouco minhas mãos são bastante grandes para abranger tudo. Se ele continuava com aquelas carícias, ficaria impossível pensar. —É o robe — murmurou. —É grosso. —Sempre escrupulosamente sincera. —Deu-lhe um beijo na testa. —Não é verdade. —Hummm, isso eu gosto. Seu lânguido e satisfeito murmúrio a surpreendeu e obrigou Jane a baixar a vista. Acabava de fechar os dedos em torno do mamilo direito dele, tinha-o pressionado um pouco entre o polegar e o dedo indicador. E ele tinha abandonado os seios dela para tirar a camisa. —Isso atrapalha. —Levantou o objeto e deixou descoberta uma musculosa planície, bronzeada pelo sol. Levava a cintura envolta em uma bandagem, justo por cima da pronunciada linha de seu quadril e, estranhamente, enfrentada a tão pura mostra de beleza masculina, a única coisa que desejava tocar era a ferida, como se pudesse curá-la com delicadas carícias. A camisa voou por cima de seus ombros. Segurou sua mão e a aproximou de seu peito, animando-a a percorrer sua pele com os dedos e a roçar sua carne com as unhas. —OH — sussurrou ela. Jamais tinha se atrevido a pronunciar uma palavra quando se deitava com Sherringham... mas aqui, agora, tinha a sensação de que Christian permitiria fazer tudo o que gostasse. Christian sorriu, e seu luminoso sorriso a fez recordar o dia em que o viu pela primeira vez, no terraço de sua casa de campo. Ela tinha quinze anos, o cabelo recolhido, um sutiã baixo. Ele a tinha visto e tinha sido como se de repente o sol lhe tivesse acariciado o rosto. Seu olhar se iluminou e tinha sorrido. Um sorriso tão deslumbrante para uma garota jovem e tímida que se deteve em seco, dando meia volta, aterrorizada, e começado a correr. Deixou seus dedos perder-se entre os escuros cachos que cobriam seu torso, concentrar-se lentamente em seu mamilo. Ouviu que ele respirava profundamente. Dúbia, percorreu aquele suave círculo pardo, surpreendida ao ver que se enrugava sob seus dedos. Voltou a apertá-lo, desta vez com mais força. —Deus — gemeu ele. Ela retirou a mão. —Não doeu. Eu gosto de seu jogo duro, carinho. “Carinho”. A palavra era uma amostra da intimidade do momento. Retirou a mão. —Não quero ser dura... —Na Índia há textos que falam sobre fazer amor, sobre as artes eróticas. —Notou seu peito retumbar sob sua mão enquanto falava. —As marcas de unhas no corpo de uma mulher são um ornamento tão precioso como as joias e se somam a sua beleza como prova do profundo amor 115

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que por ela sente seu amante. —Isso não é verdade. —Demonstra a força do desejo que seu amante sente por ela. —Seus olhos brilhavam. — Para mim seria uma honra luzir seus arranhões em minha pele. —Christian — arreganhou ela. Sentia-se perdida e confusa. Arranhá-lo... Não significaria isso, que tinha brigado com ele? Não estava preparada para descobrir o que ele tivesse conhecido na Índia. Passou ele brandamente as unhas, umas unhas despontadas e curtas, pela parte superior de seu decote, que aparecia pelo roupão entreaberto. Um tremor atravessou sua pele até chegar a esse ponto escondido entre suas coxas. —Mas agora —murmurou Christian com voz rouca, —o que quero é abrir este roupão, levar seus seios a minha boca e me presentear com eles. A cama chocou então com a parte traseira de suas pernas. Tinha se afastado da coluna da cama e nem sequer se deu conta. Ele segurou o robe pelas lapelas e ela ficou imóvel, esperando que o abrisse. Esperando que tocasse seus seios e os amassasse com brutalidade... —Está tensa. —Em lugar de abrir o robe, acariciou-lhe a bochecha. —Noto. Relaxe. Voltou a fazer sua boca com um beijo tão impressionante como aquele primeiro sorriso no terraço. Acariciou suas costas, ela se pendurou em seu forte pescoço e ele a levantou do chão. Literalmente. Estava em seus braços, a boca de Christian saqueando por completo a dela. E quando viu o dossel de seda verde bordada e sentiu as costas recostada sobre uma superfície amaciada, a realidade se fez presente nela. Estava estendida em uma cama. Com Christian. E tal e como temia, ficou rígida. —Fale comigo. Não te farei mal, carinho. Olhou nos seus olhos, uns olhos cheios de preocupação, ardentes de desejo. Deitou de lado, seu potente corpo estirado junto a ela. Era grande, suas costas incrivelmente longas, seu corpo uma escultura de músculos. Inclusive seu pescoço era musculoso. Tinha uns bíceps duros e enormes e as veias de seus antebraços se avultavam como se não encontraram espaço sob sua pele quando esticava os músculos. Jane estremeceu. —É... é só que você... você tem feito todas essas coisas. As coisas que vimos no clube. Não... Não sei o que me passaria, se me fizesse essas coisas. —Bater em você, refere-se? Jamais te faria isso, juro. —Isso não. Quando me deitava com meu marido, ficava debaixo dele e tentava pensar em outra coisa... —Shh. —Christian aproximou um dedo à sua boca. —Eu não sou ele. —Mas eu não sei nada sobre... sobre fazer amor. Christian acariciou a voluptuosidade do lábio inferior de Jane, que acabava de beijar, e se deu conta de que se transformou em uma pedra, que era incapaz de mover-se, que se limitava estar ali rígida e sem se mover. Era evidente que no quarto que tinha compartilhado com o Sherringham tinha havido violência, e que aquele homem tinha resumido o ato de fazer amor em 116

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algo que a aterrorizava. Tinha permitido que sua irmã se casasse com um monstro. Jane tinha se casado com outro. Ambas as mulheres tinham profundas feridas. E Christian queria as curar às duas. A partir daquele momento, protegeria Do de qualquer perigo. Com Jane tentaria que sucumbisse ao prazer e descobrisse para que servia. Mas como começar? Como impedir que fosse uma estátua? “Tome com calma”, aconselhou-lhe uma voz interior. —Não é necessário que façamos amor, mas eu gostaria de te abraçar. —Me abraçar? Aquele sussurro suave cativou seu coração. —Deitarei ao seu lado e te estreitarei contra mim — prometeu Christian. —Eu gostaria de fazê-lo. —Brincou com um cacho acobreado. —Sim. Notava o sangue fervendo na sua cabeça. Seu pênis rígido como uma barra de ferro. Deus, como a desejava. Mas não podia desatar aquela necessidade. Não naquele momento. Passou delicadamente o braço em torno de sua cintura. Cheirava a rosas e a sabão de sândalo. O suave aroma das pétalas de rosa recordou-o a noite em que a viu pela primeira vez. Quando ele tinha dezessete anos e estava no terraço fumando um puro proibido. Ela saía do salão, uma cabeleira selvagem acobreada e uns enormes olhos castanhos. Então tinha fugido dele. Não queria que agora acontecesse o mesmo. Beijou de novo a Jane, beijou-a até que os dois começaram a respirar com dificuldade e ele notou as costas ensopadas de suor. —Isto você gosta, verdade? —Sim. —Pestanejou. —Quero que obtenha prazer. Deve necessitar... Oferecia-lhe seu corpo para seu prazer sexual e aquilo partiu seu coração. —Deveria ter imaginado que beijá-la me acenderia desta maneira — murmurou ele. — depois de todas as discussões acaloradas que tivemos. Sabia que seríamos um casal explosivo. Ela ficou olhando-o e franziu o sobrecenho. —É por isso que estava acostumado a me dizer todas essas grosserias? Para me acalorar? Tinha querido provocá-la e com aquela amostra de indignação viu que o fogo renascia. —Refere-se, Jane, que quando se zangava comigo ficava quente? —Sempre dizia coisas das mais incorretas. —De verdade? Não recordo. —Eu era donzela! Dizia coisas... coisas para as que não havia resposta possível. —Pois a você sempre ocorria alguma. —Percorreu o cordão de seu ombro até onde o pescoço do robe deixava entrever sua pele marfim. —Pois suas palavras me deixavam rastro. Passava dias pensando nelas. Vinham-me à cabeça nos momentos mais inoportunos. Na hora do café da manhã, quando passava a bandeja de presunto a meu pai. Ou quando o padre devia jantar a casa. Eu... —E que coisas escandalosas dizia? —Tentou parecer tão sinceramente indignado como ela. 117

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—Não me ocorre nenhuma. Os olhos castanhos do Jane pareciam brasas. —Explicou-me que às mulheres punham os mamilos eretos quando sentiam prazer. Pronunciou exatamente estas mesmas palavras uma noite no terraço, durante um jantar que sua família celebrou. —Talvez recorde aquela noite... estava fresco, e lembrança seus doces mamilos tensos pelo frio. Olhou-a de esguelha. —Contou-me que há homens que beijam às mulheres... lá embaixo. Descreveu com precisão o que faz o homem e o sabor que tinha. —Subiram-lhe as cores às bochechas. —Isso foi o que recordei diante do padre. Ele se pôs a rir, compreendendo de repente. —Não estava mal, carinho, a não ser excitada. As conversas com lady Jane Beaumont estavam acostumadas a ser como cair sobre uma amora: espetadas por todos os lados. Mas em lugar de tratar de se liberar dos espinhos, ele estava acostumado a contra-atacar e cravá-la a sua vez. Estranhamente, gostava que lhe incitasse..., e pelo que via agora, a ela também. —É uma ingênua. Seu encantador rubor cobria agora o peito. —Não... Não sou. —No fundo, acredito que é. —piscou os olhos, igual teria feito no passado. —E agora que confessaste que estava acostumada a pensar em sexo quando pensava em mim, quero ver se encontro por aqui à ingênua Jane. Tinha falado muito. Tinha contado a verdade, mas Christian tinha visto nela muitas mais coisas das que nunca imaginou. Jane não se deu conta de que ela, que tinha mais julgamento, que tinha visto sua mãe murchar pelo amor impossível de um libertino, desejava desesperadamente Christian Sutcliffe. —Estará por aqui? —Christian abriu completamente o robe. Seus mamilos, expostos de repente ao ar fresco e ao ardente olhar dele, despertaram em seguida. —Não há camisola — observou Christian. —Está... está na cama —gaguejou Jane. —Debaixo de nós. —Pois aí é onde deve estar. Aquele sorriso dava-lhe um aspecto perverso. O coração de Jane deu um repentino salto mortal. Christian baixou a cabeça para seus seios. Com as mãos sujeitando as lapelas do robe, explorou-a unicamente com a boca. Uma língua suave, o roçar de uma barba incipiente, a carícia de seu cabelo. Era muito..., quase muito. Chupou o mamilo esquerdo com sua boca ardente. Ficou rígida, à espera de uma pontada de dor, do roce abrupto de seus dentes. Mas ele moveu a língua com delicadeza. Jane nunca tinha imaginado que pudesse ser assim... Ele se deteve e levantou a vista. Sorria ingenuamente, orgulhoso de si mesmo. 118

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—Tem uns seios preciosos. Oxalá o tivesse sabido quando eu era um febril menino de dezessete anos e você uma dama em flor. — Soprou seus seios e a combinação de frio e calor pareceu a Jane assombrosamente deliciosa. Apanhou então entre seus lábios seu mamilo direito e começou a mover a língua. Ela se arqueou sobre a cama. —Não teria me seduzido até o ponto de conseguir que me tirasse o sutiã. —Se ele estava de brincadeira, ela também podia estar... Resultava fascinante sentir-se livre para brigar com palavras enquanto se rendia ao prazer. —Certamente lhe interessariam mais os seios enormes de algumas matronas. —Mas os teus são incomparáveis. Não teria te seduzido até o ponto de te tirar o sutiã, mas teria sido divertido tentar. Alagaram-na as lembranças. Correndo pelo campo para deter a corrida de carruagens. Atirando pudim na bota porque tinham esgotado os recursos de coisas mordentes que dizer e a ele não lhe acabavam nunca. —Não — murmurou ela. —Teriam sido palavras de amor falsas e me alegro de que nunca me disse isso. —Jane... Tinha o roupão completamente aberto. Desenredou o cinturão rapidamente e a deixou nua. Enquanto lambia o mamilo, sua mão desceu por seu ventre até acariciar seus lábios inferiores. Ela pressionou as coxas e notou que seu corpo resistia à carícia. Christian se separou de seus seios. —Será bom, Jane. Deixa que seja bom. Tinha as coxas tensas e agarrou-lhe o braço. —Não sei. —Pararei se não for. Prometo isso. Obrigou-se a relaxar, a abrir mais as pernas, e se agarrou a seu ombro. —Já está, Jane. Tenho um dedo dentro de seu cremoso calor. Suas palavras, suas palavras cruas e diretas, surpreenderam-na, mas gostou de como as pronunciava com sua voz rouca. O dedo entrava e saía. E ela arqueava o corpo para que a penetrasse mais profundamente. Sim. Queria-o. Era bom. Sim. Respirou fundo e começou a mover-se seguindo o ritmo do dedo. Deslizou então dois dedos. Abriu-os, medindo as quentes e tensas paredes do interior de seu corpo, e a beijou. Jane gemeu em sua boca. Christian não tinha escutado jamais um som mais doce e mais eroticamente perfeito. Adorava os gemidos da mulher, e os do Jane eram preciosos. Certamente era a primeira vez que gemia com um homem. Seu pênis rígido pulsava com força preso no interior da calça, contra seu ventre, e afastar seus pensamentos daquele calor e de seu delicioso aroma de boas-vindas era um verdadeiro inferno. Tinha que continuar se controlando. Estava molhada por ele. Encharcada por ele. 119

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Continuou obstinada a seus ombros enquanto ele introduzia os dedos em sua apertada e quente passagem e a acariciava com o polegar. Quando cavou-lhe as unhas nas costas, soube que tinha roçado seu clitóris. —Nadikshobhana — sussurrou em brincadeira, acariciando a pequena protuberância. — Vejo que não são só seus mamilos os que entram em ereção quando te acaricio, mas também seu sensível clitóris. Quase lhe saem os olhos das órbitas. —Christian! Acariciou-a riscando delicados círculos, observando a expressão de seu rosto. Quando viu como abria os olhos, mudou o ritmo, a velocidade, a pressão. E quando viu que gemia e estremecia, soube que estava fazendo exatamente o que tinha que fazer. Ela começou a seguir o ritmo de sua mão, procurando prazer. —Sim, Jane — sussurrou em voz alta. —Sim, Jane, carinho. —Christian... —Sufocou um grito. —Passa-me algo... Para! Não parou. Jane tinha medo e não compreendia a resposta de seu próprio corpo. E Christian entendeu que nunca tinha conhecido o prazer físico. Ele tinha o corpo em chamas e jamais tinha desejado algo com tanta força como ver Jane alcançar o clímax. —Para! É muito intenso. —Tratou de incorporar-se na cama para fugir dali. Tinha prometido que pararia. Mas se o fazia naquele momento, ela nunca saberia o que seu corpo podia chegar a sentir. —Confia em mim — grunhiu. —Não! Para! Algo vai mal. É muito estranho. Para! Não o fez. Não podia. —É... OH, OH, OH. OH! Agitou-se na cama, sua mão cravada nas costas dele. —OH! OH, Meu deus..., é bom. Contemplou seu primeiro orgasmo. Acabava de proporcionar-lhe sua primeira experiência com o prazer... e pela primeira vez em sua vida sentiu algo que não tinha nada haver com a vitória e o triunfo masculinos. Notava uma tensão no peito, o coração crescer, e desejava fazer amor com Jane Beaumont com um desejo que ia muito além da lascívia, tanto, que se negou a pensar nisso. Era melhor ficar no desejo puro. Desabotoou rapidamente a calça, mas se colocou em cima dela com delicadeza. Seguia em êxtase e estava muito imersa em seus ofegos e estremecimentos para protestar. Escorou o peso de seu corpo e lhe separou as pernas para acomodar seus quadris entre elas. Seu interior escorregadio acolheu com estreiteza seu pênis. O interior de suas coxas era uma doce carícia acetinada contra suas pernas. —Christian — sussurrou ela. Penetrou-a... delicadamente..., com toda a delicadeza que foi possível. Deus estava quente, e sedosa como a nata. Respirou profundamente para se tranquilizar e entrou outro delicioso centímetro. Ela flutuava ainda em seu orgasmo, sua estreita passagem o acolheu e atraiu seu 120

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pênis para dentro. Tinha os olhos fechados. Ficou tensa. —Confia em mim — murmurou ele. Ela mordeu o lábio e assentiu, seus olhos fechados com força. Tinha um aspecto tão adorável, tão doce, tão crédulo, que ele soube então por que nunca tinha tentado seduzir a uma virgem. Mas Jane não era virgem, a não ser uma dama extremamente necessitada de uma lição sobre as delícias de fazer amor. Deslizou com facilidade em seu interior, mas permanecer ali não era fácil. Impactou-lhe de tal modo que roubou o ar dos pulmões, o sentido comum da cabeça e fez pedacinhos seu controle. Acariciou seus seios, apertou-os, conquistou-os, deleitou-se com eles, alagou de beijos suas pálpebras fechadas e sua boca entre aberta, e se inundou nela. Inundou-se com um arremesso prolongado e potente que o levou ao máximo. Ela abriu os olhos de repente. —Céus! —É bom? —perguntou ele. Ou algo assim, um pouco apenas coerente. Não respondeu. Ergueu-se para ele. E foi só o que necessitou. Exploraram juntos, seus ritmos contrários, torpes, como bailarinos que escutam melodias distintas. Ele nem sequer pôde deter-se pensar o que era o que ela queria, nem para lhe dar a velocidade, a profundidade e as carícias que necessitava. Desejava-a muito. Sentia-se envolvido pelos gritos incoerentes dela. A combinação de seus aromas era embriagadora. Penetrou-a mais profundamente, e mais, desejando ouvi-la de novo pronunciar seu nome. Mas ela se mordeu o lábio e voltou a fechar os olhos com força. —OH! Aquele desesperado som indicou a repentina pressão do sexo dela sobre seu pênis. Cravoulhe as unhas nas costas, não por ser uma arte que dominasse, mas sim de puro êxtase. Arranhou-o, atraindo-o para ela com seus quadris, gritando. Christian não podia reprimir-se mais. Seu corpo se esticou como uma mola estendida. Seu pênis alcançou o máximo e então, por fim, misericordiosamente, explodiu. Um cegador raio branco de prazer abrasou seu cérebro. Seus músculos se tornaram gelatina, sua cabeça cambaleou. —Jane... —Seu nome acompanhou a saída do pouco sentido comum que ficava no corpo. Estremeceu em cima dela, seu corpo incontrolável, sua semente bombeando dentro dela. Jane cravou as unhas nas suas costas e a pontada de dor extraiu de seu corpo uma última quebra de onda de sêmen. Estava vazio. E então tudo terminou, deixando-o esgotado, exausto, apenas capaz de manter seu corpo em pé. Caiu a seu lado, enterrado ainda nas profundidades dela. Jane lançou um pequeno chiado de protesto e ele inclinou os quadris. Seu membro abrandado deslizou entre os fluidos dele e dela e a abraçou. Os dias de insônia tinham feito trinca em suas forças e não ficava nem uma fresta para mover-se. 121

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“Está deitado meio nu em sua cama. Em cima de sua camisola. Está a ponto de amanhecer”. Os sinais de advertência ressonavam em sua cabeça, mas se sentia incapaz de prestar atenção. Christian fechou lentamente os olhos. Sentiu uns lábios sobre os seus, uma boca úmida que reclamava grosseiramente um beijo. Enlaçou os braços por detrás de um pescoço robusto... —Nunca imaginei que pudesse sentir esta paixão. Aquela voz fria e desdenhosa não era a de Christian. Abriu os olhos. E viu o rosto de seu marido, seu rosto destroçado pela obesidade e a bebida. Tentou retirar os braços, mas ele a agarrou pelos pulsos. “Nunca tinha me beijado assim. Nunca tinha se comportado para mim como uma puta...”. Jane despertou de repente. Faltava-lhe o ar. O coração pulsava acelerado. Pestanejou ao ver o tenebroso dossel verde em cima de sua cabeça. Não tinha sido mais que um sonho. Notava o suor seco na pele e não podia mover-se da cama. Sentiu-se presa do pânico. Empurrou o peso que a impedia de mover-se... Christian. Tinha seu braço na cintura, por cima do robe de seda enrugado, e estava aconchegado ao seu lado, respirando com o ritmo depravado do sonho. Pressionou com a mão o forte antebraço e apalpou a suave sensação de uma pele aveludada, de um pelo sedoso. Cheirou em seu próprio corpo um aroma forte, amadurecido, e recordou... Fizeram amor. Havia se sentido tensa, tal e como imaginava. Mas Christian não se comportou absolutamente como a encarnação do diabo. Tinha sido delicado. Paciente. E tinha lhe ensinado o que era o prazer... Tinha pirado. Tinha arrebentado. Rendeu-se a um pouco tão delicioso que não encontrava palavras para descrevê-lo. Não tinha nem ideia de que fora possível sentir-se tão bem. E o tinha feito duas vezes. Era como se tivesse aberto uma porta e entrasse no passado, no passado anterior a seu matrimônio. Como se voltasse a ter quinze anos e visse Christian pela primeira vez, junto às roseiras, fumando um puro, e voltasse a ter todo seu futuro por diante... Mas já não tinha quinze anos. Levava mais de dois meses sem ter pesadelos relacionados com o Sherringham. Mas aquela noite tinham retornado de novo. A prova patente de que não tinha conseguido deixar atrás seu matrimônio. Christian tinha falado de textos da Índia que versavam sobre artes eróticas, de arranhões, e tinha sabido lhe agradar. E todo isso servia para recordar quão distintos eram. “Lorde Perverso é muito para você”, havia dito a senhora Brougham. Talvez a madame pretendesse assustá-la, mas também era possível que estivesse certa. Com o coração dolorido, Jane se separou dele. Christian resmungou e deixou cair o braço sobre a cama, mas continuou dormindo. Por debaixo de suas pernas aparecia o extremo da camisola. Tinha as calças descidas por debaixo dos quadris, deixando descoberto um traseiro 122

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tenso e firme. Por um momento, não pôde fazer outra coisa que contemplá-lo..., contemplar a escura fenda entre suas nádegas e a tensa forma arredondada de seu traseiro. Viu então uma arca aos pés da cama. Em questão de momentos, e armada com uma manta de cor marrom que encontrou nela, conseguiu tampar Christian. Assim estaria aquecido. —Obrigada — disse em voz baixa. —Por me ensinar tantas coisas. Atou o robe e saiu do quarto para ir ver Do. Quando Christian despertou viu que através dos cortinados entrava a luz do dia. A seu lado, a colcha enrugada, vazia. Jane tinha ido. Olhou de soslaio o relógio que havia sobre o suporte da lareira. Oito e quinze. A manta caiu no chão quando se levantou, levando com ela o calor. Devia ter ficado adormecido em cima da cama. E Jane o tinha coberto com uma manta. Vestiu rapidamente a calça e colocou a camisa. Dirigiu-se em seguida ao quarto de Do. Sua irmã continuava dormindo, aconchegada debaixo de uma amaciada colcha. Em uma poltrona, junto à cama, com a cabeça caída para um lado, Jane dormitava. E se a movesse? Ao fazê-lo, despertaria. Foi procurar a manta que ela tinha encontrado e a tampou. —Devolvo o favor — murmurou. Beijou seu cabelo ruivo e acariciou docilmente seus despenteados cachos. Era impossível esquecer sua beleza quando alcançou o clímax debaixo dele, como tinha pronunciado seu nome entre gemidos... A realidade do que tinha feito o impactou com força. Retirou a mão do ruivo cabelo para passar por sua própria cabeça. Em que demônios estaria pensando? Tinha feito amor com ela desprotegido. Jamais em sua vida tinha cometido um engano como aquele. Era possível que naquele mesmo momento já levasse em seu ventre seu filho. E não podia fazer nada para impedi-lo. Uma criada que saía nas pontas dos pés do quarto acabava de deixar nas mesinhas de noite duas bandejas com o café da manhã. Jane esfregou os olhos, sorriu a jovem faxineira e empurrou a manta. Quando caiu ao chão, ficou olhando-a, perplexa. Devia ter ficado adormecida enquanto vigiava Do. Mas de onde tinha saído aquela manta? Jane se levantou da poltrona. Christian continuaria dormindo em sua cama? Correu para a porta e posou a mão no pomo antes que seus pensamentos começassem a encaixar. A manta marrom que tinha cansado a seus pés era exatamente igual a que ela tinha utilizado para tampá-lo. Para assegurar-se, saiu ao corredor. De seu quarto emergia justo naquele momento uma criada, cantarolando, com a camisola enrugada na mão. Teria adivinhado que não o tinha utilizado e que sobre a desarrumada colcha tinham dormido duas pessoas? Jane retrocedeu e fechou a porta. Se o tinha adivinhado, correriam a boa segura fofocas no piso de abaixo. Mas ela era uma viúva, não uma cândida senhorita. As fofocas só tinham importância no caso de que uma viúva desejasse casar-se. 123

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Aproximou-se de uma das bandejas e se serviu de chá. Escutou então a voz de uma criada no corredor. —O que acredita que terá acontecido à irmã do senhor? Acredita que ficou louca? Jane se deteve, bule na mão. Respondeu outra voz de mulher: —Seu marido a trancou em um manicômio, e já sabe o que isso significa. Parecia tão normal como você e eu, mas seu marido é um bruto. Isso é o que contam por baixo. Batia nela. O senhor foi resgatá-la. A primeira exalou um prolongado suspiro. —Pobre senhor. E agora, em cima, tem que se encarregar da senhorita Mary. Crê que a terão desvirginado? —Desvirginaram-na inclusive antes que o senhor a encontrasse. Confio em que se encarregará dela. A garota está louca por ele. E esperava que corresse atrás dela. Essa garota é um problema, recorda o que te digo. —Disseram que lorde Wickham segurou Mary em abraços e a deixou chorar contra seu peito. A mão de Jane segurou com força o bule e queimou os nódulos com o metal. A segunda criada emitiu um som de desaprovação. —Sua senhoria tem cabeça. —Bom, sim, mas o chamam lorde Perverso, e imagino que deve ser maravilhosamente perverso na cama de uma garota. Sabe que mais ouvi? E dos próprios lábios de sua senhoria, quando falava com o senhor Huntley. Disse que pensava liberar a sua irmã de seu horrível matrimônio. —Um divórcio? Será um escândalo... —Não! —Exclamou a primeira criada, levantando a voz. —Pensa ir atrás marido dela. Disse que iria vê-lo e que lhe arrebentaria o coração. Jane estremeceu. A xícara meio cheia caiu da bandeja no chão. CAPÍTULO 15 Ouviu o ruído da porcelana feita pedacinhos. Pela primeira vez em sua vida, Jane rezou para que o ruído fosse consequência da raiva de um homem lançando algo contra a parede, já que isso significaria que Christian estava vivo. Vivo. Caminhando. Respirando. Destroçando porcelana. Graças a Deus. Correu pelo corredor para seu escritório. Do momento em que se inteirou duas horas atrás e por boca do senhor Huntley, que desaprovava por completo a ideia, de que Christian tinha ido a Treyworth House, tinha vivido em um completo pesadelo. Assim que divisou a carruagem pelo caminho de acesso à casa, desceu correndo ao seu encontro. Mas à medida que se aproximava do escritório, diminuiu o passo. Junto à porta havia três mulheres espiando, cada uma com uma cor de cabelo distinto e todas elas vestidas com refinados 124

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trajes brancos de musselina. Jane pôde ver a si mesma e a suas duas amigas de juventude, Charlotte e Do. Mas, neste caso, eram as garotas que Christian tinha resgatado, garotas que tinham sido feitas prisioneiras em terra estrangeira e trancadas em haréns, garotas que tinham sofrido muito mais que ela. Tossiu para esclarecer a garganta. As garotas se voltaram de repente com a culpa refletida em seus rostos. Uma delas, uma garota forte de cabelo castanho e grandes olhos marrons, saudou-a com uma reverência. —Sei que não deveríamos estar aqui, milady — disse com voz resolvida e firme. —Mas vimos a sua senhoria entrar correndo em seu escritório. —Para pegar suas pistolas — acrescentou a garota de brilhantes ondas ruivas, agitando expressivamente as mãos. A garota loira sorveu pelo nariz; era a que tinha irrompido no salão de Wickham. A ruiva a fulminou com o olhar. —Deixe já de choramingar, Philly. Que insensatez. —voltou-se para Jane. —Sabemos que encontrou sua irmã. Pensávamos que se sentiria feliz com isso. Por que não está? O que podia responder? Perguntar pelos temas particulares de Christian era uma rabugice, mas a garota estava terrivelmente angustiada. As três estavam. Era evidente que apreciavam muito o seu liberador. E não podia limitar-se às jogar dali sem as tranquilizar. —Sua senhoria se sente muito feliz por ter a sua irmã em casa — disse, embora tremessem um pouco as pernas ao pensar nas pistolas de Christian. —Mas o que aconteceu? —perguntou diretamente a líder das garotas. —Acredito que é por culpa da Mary — declarou a ruiva. —Está zangado porque fugiu com o lacaio e não se casaram. A garota de cabelo castanho se voltou com impaciência. —Mary não se casou porque ele impediu. —Será por nós? —Perguntou a assustada loira, Philly. —Será porque sua irmã não quer que estejamos aqui? —Prometo que não devem se preocupar com nada. Sua senhoria e sua irmã são muito bondosos. —Jane não acreditava que Do pusesse objeções, mas e se fizesse? As levaria para sua casa. Mas então, a lógica irrompeu em sua cabeça: E como pensa fazê-lo? Não tem virtualmente nada em seu nome. “Não tem dinheiro para manter quatro jovens”. —Está... está muito doente? —perguntou Philly. —Está se recuperando — respondeu Jane. E era certo. —Temos que ser mais silenciosas, e não andar rindo todo o momento, e não tocar muito alto o piano. —A ruiva fez uma careta. —É o que disse o senhor Huntley. —Sabemos ficar em silêncio — afirmou Philly. —De fato, sei como ser virtualmente invisível. Jane sentiu o coração encolher. —Enquanto a irmã de lorde Wickham se recupera — disse muito firme, — devem se mover em silêncio e atuar respeitosamente, mas também podem se comportar como garotas normais. Ficaram olhando-a, inseguras. 125

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—Podem confiar em mim. —perguntou-se se estaria transgredindo alguma ordem emitida por Christian. As garotas riram nervosas e se foram correndo pelo corredor. Jane abriu a porta do escritório sem chamar..., algo que jamais teria feito com seu marido. A luz do sol entrava pelas janelas. Christian estava sentado atrás da escrivaninha. A luz iluminava o perfil das maçãs do seu rosto, os nódulos de suas mãos nuas e o canhão prateado de uma pistola. —Desafiar em duelo é ilegal. —arrependeu-se de suas palavras assim que as pronunciou. Se havia alguém neste mundo que sabia disso, era ele. Christian não levantou a vista. Com esmero deliberado começou a passar um trapo pelo reluzente metal da arma. —Vi as manchas roxas no corpo de minha irmã. Não existe nenhum tribunal na Inglaterra capaz de dar a Treyworth o castigo que merece. Jane desejava a liberdade de Do, mas a única coisa que vinha à cabeça era a imagem de um campo brumoso ao amanhecer no que Christian sujeitava uma pistola e Treyworth lhe apontava com outra. —Do poderia divorciar-se e ser livre. —Teríamos que demonstrar que seu marido empregou a violência com ela. O que ganharíamos fazendo público tudo o que aconteceu no clube, quando Treyworth argumentaria que Do se prestou voluntariamente a isso? Jane fechou o rosto. Do se converteria em protagonista de vinhetas obscenas na imprensa e de rumores maliciosos nos salões de baile. Do, até sendo a vítima, teria que suportar a carga do castigo da sociedade por sua conduta imoral. —Tem que haver uma maneira. —Há. Isto, carinho, é um justo castigo. Um justo castigo por cada golpe que ele deu nela. É o que qualquer cavalheiro faria para proteger a sua família. —O amparo e a vingança são coisas completamente distintas. Ele ficou olhando-a. A intimidade da noite anterior se esfumou. Jane tinha a sensação de estar olhando-o da outra borda de uma ampla baía. Nada tinha sentido. Durante anos, seu único objetivo tinha sido sobreviver. Mas no que respeitava à honra dos cavalheiros, alguém jogava a vida e podia perdê-la rapidamente. Deu um passo para trás. Um objeto afiado espetou seu calcanhar. —Ai! —Pulverizados a seus pés viu fragmentos de porcelana de um tom verde bilioso. —Cuidado por onde pisa, carinho — disse ele e, deixando a pistola na mesa, chegou até ela em duas grandes pernadas. Igual tinha feito a noite anterior, segurou-a num piscar de olhos. E a depositou em uma robusta poltrona. —Era uma das peças favoritas de meu pai. Estava há anos com vontades de quebrá-la. —Mas... por que tem feito? —Por frustração. Quando cheguei na casa de Treyworth, não estava. Partiu para Newmarket para ver as corridas. De modo que lhe deixei uma nota. —Christian se sentou no respaldo curvado 126

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da poltrona e riu com amargura. —fui até ali para fazê-lo pagar e acabei escrevendo uma nota. Passei também pelo clube, mas estava fechado de canto a canto e a senhora Brougham se foi. —Fugiu? —Como um rato. Imagino que tentará fugir da Inglaterra, de maneira que ordenei a Huntley que contrate homens para que vigiem os moles até dar com ele. —de repente, Christian ficou olhando-a, seus brilhantes olhos azuis repassando-a lentamente do cabelo até a beira de sua saia. —Acabo de me dar conta de que usa outro vestido. —Poderia estar morto e se põe agora a comentar meu vestido? Ele encolheu de ombros. —Qualquer cavalheiro se dá conta de quando um vestido fica bem. Está encantadora. O único bem que tenho feito esta manhã foi dar ordens para que fizessem chegar sua roupa. Em pleno planejamento de um duelo, Christian tinha pensado em sua roupa. De modo que continuava demonstrando que a tinha em seus pensamentos. —Não confio em Treyworth — disse Jane. —por que seguiria as regras, sua vida estando em jogo? Não é um homem de honra. Poderia disparar primeiro. Uma vez mais, os ombros de Christian se elevaram com um movimento sensual e indiferente. —Já enfrentei a isso e sobrevivi. Recordava aquele encolher de ombros. Utilizava-o frequentemente em sua libertina juventude. E ela se encolerizava quando ele, em lugar de se defender, fazia esse gesto. Agora, entretanto, perguntava-se se não seria mais que um escudo de amparo. —Razão demais para não tentar o destino. —Não penso permitir que Do volte com ele, e já o fez uma vez. Não me contou isso, Jane. Tinha ouvido sua conversa. —Não podia — disse. —Temia que levasse a fazer exatamente o que está fazendo: falar de estragar sua vida! —Se minha irmã decidisse voltar com ele, não poderia detê-la. —levantou-se do respaldo da poltrona e se acariciou a mandíbula. —Diabo, vá que confusão montei! —A que te refere? —Recorda ontem à noite, Jane? Quando fizemos amor? Jane engoliu em seco ao captar em sua voz um tom de autoincriminação. Se arrependeria do que tinha feito? —Entusiasmou-me até tal ponto que não utilizei proteção. —Baixou a voz. —Sempre procurei evitar a concepção de filhos ilegítimos. Mas ontem à noite contigo, o planejamento, a preparação, minha inteligência..., tudo foi ao traste. Um filho. Não tinha pensado nisso em nenhum momento. Levou a mão ao ventre. Segurou-lhe a mão e a levou aos lábios. —Se estiver grávida de meu filho, me comportarei de acordo com minha honra e me casarei contigo. Prometo que não deixarei que me matem, Jane, porque talvez terei que estar no altar a seu lado. 127

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De acordo com sua honra. Um matrimônio por obrigação, só se ela ficasse grávida. Parecia mais decidido a sucumbir a um horrível destino que quando falava de desafiar em duelo. —Não — disse Jane. Ao ver seu rosto de surpresa, continuou falando. —Casei-me com um homem que não estava apaixonado por mim e não voltarei a fazê-lo. Não quero tê-lo preso em um matrimônio. —Apertou as mãos e as fechou em dois punhos. Por que não tinha pensado ontem à noite? O que faria se havia um filho a caminho? Teria que se esconder no campo para criar o filho bastardo de Christian? Tia Regina, que tinha sido tão boa com ela durante o escândalo que seguiu ao falecimento de Sherringham, que só queria que encontrasse a felicidade, teria que suportar falatórios maliciosos e dedos acusativos. Depois de perder dois bebês, não suportava pensar em abandonar ao que agora pudesse ter. Mas que outra coisa poderia fazer? Respirou fundo. Tinha perdido dois bebês durante os primeiros meses de gravidez durante seu matrimônio. Inclusive no caso de estar grávida, era muito provável que perdesse também este. E seria o melhor. Christian a agarrou pelo queixo e a obrigou a olhar para ele. —Jamais te trataria como Sherringham te tratou. Jane se voltou para trás. —Não me dá medo que pudesse me bater. Não tem nada a ver com isso. —Mas não suportaria viver com ele sabendo que poderia acabar guardando-lhe rancor. E o que faria quando tivesse amantes? Porque um homem casado por obrigação é o que bem seguro acabaria fazendo. —Jurei não voltar a me casar nunca mais. Jamais permitirei que um homem volte a me controlar. —Eu não te controlarei. Não sou desses cavalheiros que insistem em se impor sobre sua esposa. Não, não imaginava Christian dizendo como tinha que vestir-se, que ato social podia atender, quanto dinheiro podia gastar. Não conseguia imaginá-lo criticando tudo o que ela fizesse. Mas controlaria sua vida porque ela passaria o dia se perguntando se voltaria para casa, se iria a sua cama, se deveria tentar satisfazê-lo ou simplesmente encerrar-se em sua vida interior. Não podia casar-se com ele quando continuava tendo pesadelos protagonizados por Sherringham. Vendo que o silêncio se prolongava, Christian agachou a cabeça para olhá-la nos olhos. —Queria te ensinar o que é o prazer, Jane. Merece saber o que pode ser fazer amor. Mas cometi um engano e não permitirei que sofra sozinha as consequências. A comoção a tinha deixado sem voz. Teriam formado parte das lições todas suas palavras provocadoras? Não era a paixão o que o motivava, mas sim seu afã por resgatá-la. Nenhuma grosseria que pudesse ter dito em sua vida a tinha feito cambalear tanto como aquilo. —Então, obrigada por nossa fantástica noite. Mas não se sinta responsável por mim. Não me casarei contigo. —levantou-se dando tombos da poltrona e se encaminhou para a porta. —Jane, pare. 128

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E assim o fez. Quando se voltou, viu que Christian tinha voltado para a mesa. —Quero voltar ao manicômio para interrogar à enfermeira chefe, fiscalizar a volta para casa das pacientes — disse. —Ficará, Jane? Embora me despreze, ficará por Do? —É óbvio que ficarei por Do. Vou a seu quarto. Christian apanhou a pistola e passou o trapo uma vez mais. Por mais aborrecida que se sentisse, não podia limitar-se a partir dali. Tinha que tentar convencê-lo uma vez mais para que recuperasse o bom senso. —Do necessita de você, Christian. As garotas que resgatou também necessitam. Não pode se bater em duelo. Não levantou a vista. Jane sabia que suas palavras tinham chegado ao coração, mas a reação não foi a que ela pretendia. Era evidente que não queria escutá-la. Christian guardou a pistola em seu estojo de madeira e agarrou sua gêmea. Fazia uma promessa de matrimônio, mas tinha metido o pé até o fundo, pensava Christian enquanto conduzia seu veículo pelo caminho de acesso ao manicômio da senhora Brougham. Ao chegar em frente ao edifício, desceu e entregou as rédeas a um de seus homens. A noite anterior tinha estado ali com Jane. Nunca se permitia ter gente a seu lado, nem amantes, nem amigos. Mas agora desejava ter Jane ali. Na realidade, sentia falta de baixar a vista e ver seus olhos iluminados pelo fogo da cruzada que tinham empreendido juntos. Não acreditava que voltasse a ver aqueles olhos acesos pela paixão para ele. O que faria se estivesse grávida de seu filho? Tinha jurado que não se casaria nunca, que nunca teria filhos. Não podia. O matrimônio significaria ter que revelar a sua esposa a verdade sobre sua ascendência. E quanto aos filhos..., ter filhos era um risco excessivo. Mas com Jane tinha deixado de lado todas suas regras... Demônios, nem sequer tinha pensado nelas. O aroma de fumaça subiu rapidamente para seu nariz. Fogo. Christian examinou as janelas, que brilhavam pelo reflexo do sol. E então viu uma grande labareda atrás de uma janela do andar de baixo. Subiu correndo as escadas e chamou a seus homens para ouvir um grito no interior. —Fogo! Dentro da casa tinha estendido o pânico, os homens corriam detentos da confusão e se ouviam gritos no piso de cima. Younger gritava a todo mundo e tentava controlar a situação. Christian agarrou dois homens e os empurrou para as escadas. —Tirem as mulheres — ordenou. Enviou dois homens mais atrás dos primeiros. Então correu para o quarto onde tinha visto as chamas. Tinha vivido outros incêndios: tinham ajudado mais de um povo na Índia depois de uma tormenta, devorado sem trégua erva seca e humildes lares. A porta estava fechada e ao posar a mão na madeira notou que estava ainda fria. Abriu a porta de um empurrão e se colou à parede. O fogo não estava perto. Armou-se de coragem e 129

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entrou correndo. Estava em um salão e as chamas devoravam as almofadas de um sofá e engoliam os cortinados que havia atrás do mesmo. Pela extremidade do olho, viu Younger colado a seus calcanhares. Apontou as cortinas e a seguir agarrou umas almofadas, jogou-os sobre o tapete e tratou de apagar as chamas a golpe de bota. Christian estava rodeado de fumaça, sentia os pulmões carregados e os olhos chorosos. Younger jogou as cortinas e apagou as chamas a chutes. Ouviu suas costas gritos de mulher, ruído de passos, seguido de uma surpreendente calma. —Milord. Na soleira da porta apareceu um homem alto e loiro que segurava à senhora Dow, a enfermeira chefe, que não cessava de lutar. —Vi que tinha o fogo sob controle, milord, assim corri atrás desta mulher quando vi que tentava fugir. Sou Hadrian Radcliffe, oficial de Bow Street. Radcliffe, o policial de Bow Street, arrastou à enfermeira chefe por volta de uma segunda sala de estar que havia ao outro lado do vestíbulo e a obrigou a sentar-se em uma poltrona. —Foi você quem botou fogo, verdade? Tinha-o feito já em alguma outra ocasião? A senhora Dow negou com a cabeça e cobriu o peito com as mãos. —Não, não. Juro que não. Mas Christian leu a verdade nos movimentos rápidos e se desesperados para seus olhos e sentiu a raiva que escondia seu medo. Da porta da sala, Christian se voltou e ordenou a seus homens que inspecionassem as demais estadias e abrissem as janelas para deixar sair a fumaça. Aproximou-se então da enfermeira, uma mulher magra e de cabelo negro, que permanecia sentada e tremente na beira da poltrona. —Foi você — disse com dureza e em um tom de fria autoridade. A mulher o reconheceu da noite anterior e se voltou para trás em seu assento. Seu olhar amedrontado ia do Wickham ao Radcliffe. —Não pretendia fazer mal a ninguém. Queria distrair todo mundo para poder fugir. Pensei que com tantos homens na casa, as pacientes não sofreriam nenhum dano. Seu tom lastimoso crispava os nervos de qualquer um e Christian a olhou ameaçadoramente. —Pois acabou a fuga. Só tem uma maneira de salvar-se. Salvar-se. Ainda sem deixar de tremer, seus pequenos olhos negros se iluminaram ao ouvir aquilo. Christian sabia que tinha que desconfiar de suas palavras. Radcliffe, atrás dele, tossiu para esclarecer a garganta. Christian indicou à polícia que o seguisse e, sem deixar de vigiá-la, afastaram-se da mulher. —Quero propor que os tribunais a julguem com menos severidade em troca de que nos ajude nos proporcionando informação — disse ao Radcliffe. Não era uma pergunta. Esperava sua confirmação. Radcliffe tocou a boina. —Milord, se me permitir a ousadia, não é seu dever interrogar à mulher, mas sim o meu. Não é ortodoxo e eu não gosto. Lady Treyworth está sã e salva. Não é o que quer, milord? 130

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Christian reconheceu que, em qualquer outra circunstância, a forma de falar tão direta daquele homem não teria gostado absolutamente. Cruzou os braços, como se fosse seu colega. —Deixei meus homens responsáveis pelas mulheres ingressadas aqui e meu dever era voltar. E quanto ao que quero: encontrar à senhora Brougham e faze-la pagar o que tem feito a minha irmã. —Estava o acidente de Jane com aquela carruagem e o bandoleiro que tinha atacado ao Treyworth. Poderia estar a senhora Brougham atrás de todo aquilo? Coçou o pescoço. Não estava fugindo de Jane ao ir até ali. Não fugia de sua desventurada proposição e de seu engano. —A menos que você seja o bastante ousado para tentar me arrastar fisicamente fora daqui, Radcliffe —continuou, —vou falar com esta mulher. —Retornou para a senhora Dow, que secava as lágrimas demonstrando que tinha medo do que pudesse ocorrer. Bem. —Sou conde, senhora. Posso solicitar clemência para você se estiver disposta a me ajudar. Quer ir à forca por culpa da senhora Brougham? Seus finos ombros se estremeceram. —Não. —Então, me ajude. Onde foi Sapphire Brougham? —Não sei — repôs ela com olhar suplicante. —Eu fazia o que me diziam. Não colocava o nariz em nenhum assunto... ou ao menos tentava. Então, começaram a vir os homens. —Homens com máscaras e capas negras. —Christian viu pela extremidade do olho que Radcliffe arqueava as sobrancelhas. —Ouviram falar deles... —Sim. Conte o que faziam aqui, senhora. Ficou à espera, observando a batalha interna que travava atrás de suas afiadas feições. —Os homens vinham — disse em voz baixa, — e se trancavam em um quarto situado na parte traseira do primeiro piso. Levavam-lhes garotas novas que a senhora nos trazia. Eu sabia que essas garotas eram prostitutas, não pacientes. Compreendi então qual era o objetivo desta casa: uma cobertura para seu negócio de prostituição. Mas fiquei porque tenho mulheres ingressadas realmente doentes que teria que atender, e isso é o que tenho feito sempre. Talvez devesse ter ido, mas tem que me entender, milord... Do momento em que chegaram esses homens, pensei que não sairia deste lugar com vida. Christian recordou à senhora Brougham defendendo seu clube como um lugar onde encontrar a liberdade sexual. Maldita bruxa. E recordou as especulações do Jane: “E se Do soubesse que Treyworth tinha estragado a pobres garotas inocentes?”. —Conhece a identidade desses homens? —Diria que eram cavalheiros. Eram seis. Faziam-se chamar o Clube dos Diabos e brincavam dizendo que eram demônios enviados para ensinar a pecar aos anjos. — Eles falavam tão tranquilamente diante de você? —perguntou Christian. Duas manchas de cor iluminaram suas bochechas. —Considerei boa ideia recolher informação para me proteger. —Que tipo de informação? —Radcliffe se adiantou, como um cão que fareja uma pista. 131

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A mulher se encolheu e Christian tomou assento a seu lado depois de lançar à polícia um olhar autoritário e fulminante que o deixou gelado. —Pode falar diante dele — assegurou à senhora Dow. —Minha presença aqui testemunha que está cooperando conosco. —Vi esses homens, milord. Observei a esses seis demônios pelo olho da fechadura... Um risco enorme, mas como disse, temia não poder escapar dessa casa com vida senão corresse. Aquela porta dava acesso a uma pequena sala de espera. Os homens se reuniam ali e logo passavam para outro quarto para visitar as garotas. Quando terminavam, bebiam conhaque com o rosto descoberto. Fez uma pausa para respirar fundo e Christian a animou a continuar com um movimento de cabeça. —Um era calvo e tinha o nariz grande e farpado, outro era loiro e de rosto atraente. O terceiro tinha o cabelo castanho e fino, com alguns fios grisalhos. Não vi as feições. E dois tinham o cabelo escuro..., tão negro como o seu, milord. Christian ficou tenso. A descrição do terceiro homem era vaga, mas podia tratar-se de Treyworth. O loiro podia ser Salaberry. —E o sexto? —insistiu. —Era o mais alto de todos..., um homem bonito de abundante cabelo branco. Sempre ria e parecia o demônio em pessoa. Inteirei-me de seu nome porque em uma ocasião ouvi que um dos outros se dirigia a ele como Sherringham. Christian cambaleou. Sherringham. —Deve ter passado muito tempo desde que o viu. A senhora Dow moveu afirmativamente a cabeça. —Estiveram vindo durante quase um ano. O quinto homem veio poucas vezes. Houve um acidente, sabe? —interrompeu-se. —Que tipo de acidente? Embora lhe doesse fazê-lo, suavizou seu olhar e engoliu a raiva que sentia. —Conte-me, por favor. A mulher brincava com o decote de seu sutiã. —Pouco depois de que os homens começassem a vir, uma noite chegou a senhora acompanhada de uma mulher. Era distinta das habituais, não era virgem, evidentemente. Era uma mulher descarada, vistosa, e estava vestida com um precioso vestido de cor escarlate. Era presunçosa, grosseira e condescendente, mas estava claro que era uma fulana. Christian teve que morder a língua enquanto a senhora Dow, uma mulher desumana que tinha prendido em suas camas a muitas garotas inocentes, sorria maliciosamente. —Aquela noite não desci, fiquei em meu quarto. Mas produziram tal comoção que fui olhar o que acontecia. Não queria que me vissem, mas a senhora saía naquele momento de um quarto e me surpreendeu no corredor. Indicou-me com um gesto que me aproximasse... Tinha o coração acelerado. —Continue — a animou Christian, embora imaginava o que ia ouvir. 132

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—Pude ver a mulher do vestido escarlate estendida na cama. A senhora disse que tinha sofrido um ataque e tinha morrido, mas eu não acreditei isso. A cabeça da garota estava inclinada formando um ângulo muito estranho. E Sherringham era o homem que estava no quarto com ela. Radcliffe começou a perambular de um lado a outro da sala. —Acredita que Sherringham assassinou a essa mulher? —Que outra coisa podia ser? Queria ouvir a verdade. A morte dessa mulher foi a primeira. Morreram outras jovens. Estranguladas. E Sherringham era o único membro do Clube dos Diabos que vinha nessas noites. Christian se voltou para Radcliffe quando, horas depois, pegou as rédeas de sua carruagem. —O conde Sherringham morreu no incêndio de uma casa faz coisa de um ano. O policial lhe lançou um olhar perspicaz. —E outros? O marido de sua irmã, lorde Treyworth, conhecia este lugar. Christian inclinou a cabeça. —Sim. E Treyworth tem o cabelo castanho salpicado assim. Embora haja muitos homens com um cabelo assim. —Em Bow Street tratamos com muito tato os tipos que descobrimos nos bordéis. —Radcliffe pôs cara de asco. —Em minha opinião, ninguém pode estar por cima da lei, independentemente de sua condição social. Mas sou o bastante realista para saber que esse está acostumado a ser precisamente o caso. O que significa que os policiais têm que ser condenadamente ardilosos para conseguir levá-los a forca. Radcliffe apoiou na carruagem sua mão enluvada. —O que me diz dos outros? Tem alguma ideia, milord, de quem são? —Com umas descrições tão vagas como as que temos, não poderia dizer. Não posso demonstrar nada, Radcliffe. Ainda não. —Ainda não — repetiu Radcliffe. —Rogo que se mantenha à margem de minha investigação, milord. Christian se pôs a rir. —Acho pouco provável, Radcliffe. —Pensou em Jane, e soube que ela teria respondido o mesmo interiormente quando Christian tinha exigido exatamente isso. Agachou-se, vara na mão. —Agora que já não há maneira de fazer justiça, lady Sherringham não tem que suportar nenhum tipo de escândalo. —Levantou a mão para sossegar Radcliffe. —Sei que precisa averiguar a verdade, mas quero proteger lady Sherringham, a melhor amiga de minha irmã. Radcliffe o olhou com ira. —Isso não será possível, milord. —Será — rugiu Christian, liberando seu mau humor. Agitou as rédeas e os cavalos negros empreenderam a marcha ao trote, devorando o caminho que tinham pela frente. Teria que explicar a Jane sobre seu marido. Não importava que não tivesse amado seu marido e que já conhecesse seu caráter. Recordou sua reação ao inteirar-se de que Sherringham 133

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tinha sido o protetor da atriz. Suspeitaria de alguma coisa? Gelou o sangue nas veias. O interrogatório da senhora Dow tinha revelado que Sherringham tinha matado não só à mulher do vestido escarlate — que tinha que ser Molly Templeton, — mas também a outra mulher vistosamente vestida chamada Kitty, muito provavelmente Kitty Wilson, e a outras quatro jovens mais ingressadas no manicômio. Se Sherringham era capaz de assassinar, o que teria tido que suportar Jane em suas mãos? E pensou então em Do. Se Treyworth era integrante do Clube dos Diabos, e conseguia demonstrá-lo, poderia liberar Do. Mas nenhuma das demais mulheres do manicômio tinha visto aqueles homens sem sua máscara. A senhora Brougham era sua única possibilidade. Poderia lhe proporcionar os nomes que necessitava. Tinha que encontrá-la. O problema radicava em que era muito provável que tivesse que enfrentar Treyworth com as armas antes que conseguisse localizar a senhora Brougham. “Razão de mais para não tentar o destino”, havia dito Jane. Um duelo mais podia ser muito. E desta vez podia ser ele o ferido, que caísse frio no chão sangrando. Não podia entrar no quarto de Do com cara de medo. Jane tentou esquecer o temor que sentia por Christian e seu duelo, além da preocupação por uma possível gravidez, e esboçou o sorriso que Do merecia. Sua amiga estava deitada na cama, as mãos prendendo os lençóis que a cobriam até o nariz. Jane correu para seu lado. —O que aconteceu? Do se levantou, o pânico refletido em seu pálido semblante. —As criadas me disseram que meu irmão foi matar Treyworth. Terá que detê-lo! Jane reviveu a dor da cena que tinha tido lugar no escritório de Christian. Não podia consolar Do com palavras tranquilizadoras. Deu-se conta então de que Christian tinha tido em todo momento ganho de briga. Não tinha nem ideia de como deter um homem colérico faminto de violência. Jane apanhou a tigela da bandeja que havia na mesinha de noite. O ambiente se encheu de aroma de caldo de carne. —Tem que comer algo. Por favor, Do. —Nunca pensei que voltasse para por mim. E agora o matarão. —Já se bateu em duelo em outras ocasiões — disse Jane lentamente, embora odiasse a ideia de ter que tirar de novo à luz o incidente. —Ganhará. Sobreviverá. Do ergueu seu rosto, com os olhos avermelhados e as lágrimas rodando por suas bochechas. —Treyworth não irá nunca. Não enfrentará a meu irmão de forma honrável. Fará armadilhas. Jane viu o medo refletido no rosto de sua amiga. Acreditava que Treyworth era invencível e imparável. Por que o teria defendido até então? O rosto de Do adquiriu uma expressão resoluta. “meu Deus...”. Naquele instante, Jane compreendeu o que pretendia fazer. 134

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—Não voltará com Treyworth. —E se matar Christian? Não poderia viver com isso, Jane. Não poderia! CAPÍTULO 16 Jane abandonou o quarto de Do uma hora depois, quando por fim conseguiu que esta se tranquilizasse. Escutou uns comedidos passos a suas costas e quando se voltou, encontrou-se com o senhor Huntley. —Sua senhoria não me deu instruções sobre as comidas e, como lady Treyworth está indisposta, pensei que deveria consultar-me com você, milady. Comidas. Do estava angustiada porque Christian tinha desafiado a seu marido em duelo, um estado que o senhor Huntley acabava de descrever delicadamente como “indisposta”. Que loucura resultava todo aquilo. Jane sentiu uma vertigem. —Milady? —Huntley avançou para ela como se temesse ter que segurá-la. Parecia ridículo preocupar-se com as comidas. Mas era evidente que as garotas de Christian tinham que comer. —Acredito que o melhor é continuar com a rotina habitual, senhor Huntley. Com tanta comoção e caos, o melhor era que as garotas e Do seguissem um horário o mais normal possível. Faria um esforço para obtê-lo e isso serviria para não pensar tanto em Christian. Para que sua mão não posasse constantemente sobre seu ventre. —Em meia hora terei a comida servida na sala de jantar — disse Huntley. —Lady Treyworth não se encontra ainda bem para descer. Eu gostaria que lhe fizesse chegar uma bandeja. —É óbvio milady. Tentou que sua voz soasse tranquila e serena, mas o coração pulsava com força. Mesmo assim, ergueu as costas. Acabava de ver de soslaio o que seria sua vida se Christian morria no duelo. Trataria de proteger a Do e cuidar ela sozinha das garotas de Christian. Não podia as abandonar. “E se estiver esperando um bebê?”, sussurrou uma temerosa voz em sua cabeça. —Era um clube secreto! Jane ouviu os gritos das garotas antes de chegar a sala de jantar. Reconheceu a voz de Mary, a garota que estava apaixonada por Christian. Ao que parece, as fofocas corriam a grande velocidade. —Inteirei-me —continuou a garota no momento em que Jane abria a porta —de que foi ao clube a resgatar a sua irmã. Um clube escandaloso, onde... —Cala a boca Mary! —A garota dos cachos castanhos abriu os olhos e apontou a porta com a cabeça. Jane esboçou um sorriso forçado e as quatro cabeças se voltaram e seguiram seu percurso até a cabeceira da mesa. 135

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—Boa tarde, garotas — disse, deixando que o criado retirasse a cadeira. Tinha a tentação de deixar que sua voz se deixasse levar pelo tremor, mas Jane sabia que não podia permitir. A cólera de Sherringham e sua desaprovação tinham minado sua confiança e, durante seu matrimônio, era difícil para ela dar ordens a criados que sabiam que seu marido batia nela. Mas aquelas jovens necessitavam que alguém cuidasse delas. Era claro. Jane esclareceu a garganta e disse: —Não acredito que tenhamos que falar destas coisas na hora da comida. Colocou o guardanapo em seu colo e apanhou a colher; as jovens seguiram seu exemplo. Todos os olhares se centraram nos pratos. Inclusive o de Mary que, apesar de sua careta áspera, com seus cachos cor mel dourado e seus amendoados olhos verdes, era uma autêntica beleza. Podia-se apalpar a tensão no ambiente e as garotas tinham uma expressão mansa no rosto. Enquanto tomava a sopa, Jane foi as observando. Sabia que esperavam que ela as reprovasse só pelo simples feito de ter sido sequestradas e obrigadas a viver em haréns. —Depois de comer —anunciou Jane com o cenho franzido, —Praticaremos música. —Eu gostaria. —O débil murmúrio veio de Philly, a tímida loira. Com o cenho franzido, Mary ficou remexendo a sopa. —Mas aonde foi lorde...? —Mary! —repreendeu-a secamente a ruiva. —Você gosta tanto dos problemas? —Acabemos de comer — disse Jane. As colheres começaram a mover-se com ritmo. As garotas trocavam olhares e só falaram para pedir a carne, as verduras e as batatas assadas. A situação parecia controlada pela rotina. Mas Jane tinha a sensação de que se relaxasse e respirasse fundo, o teto cairia sobre todas elas. Seria boa para as garotas aquela calma tensa? Ou seria melhor, embora mais traiçoeiro, deixar que todo mundo se justificasse? Finalizada a comida, Jane apressou às garotas para que fossem à sala de música. Philly se aproximou do piano e o olhou com gesto melancólico. Voltou-se para Jane. —Sabe tocar? Quer tocar alguma coisa? —Toco muito mal — admitiu Jane. —Não pode ser. —Mary estava horrorizada. —Você é uma dama. A expressão de horror de Mary recordou a sua mãe, infeliz e exasperada ao ver que Jane não se destacava em música, tal e como devia corresponder uma jovem. A voz seca e amargurada de sua mãe retumbou na sua cabeça. “Não canta nem dança como deveria, não sabe tocar e nunca se mostra agradável quando fala com cavalheiros. Tem que se esforçar mais, desventurada. Como quer encontrar um bom partido? Ou acaso quer morrer em um asilo para pobres?”. Mas Sherringham tinha pedido sua mão, afirmando que a desejava tal e como era, o que não era absolutamente verdade... Jane afastou de sua cabeça aqueles pensamentos. —Eu adorava tudo o que tivesse a ver com a música, as partituras, as notas — disse. —Mas 136

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quando pousava estas mãos no teclado... —Levantou-as e as moveu de um lado para outro. —São muito pequenas para abranger uma oitava. Era curioso com quanta sinceridade assumia seu fracasso, sem desculpas nem promessas de fazer um esforço para fazê-lo melhor. Só a verdade, pura e dura. Jane se deu conta que Philly olhava as mãos e lhe dirigiu um sorriso. —E assim que compreendi que não podia tocar tão bem como deveria, comecei a ter medo de tocar. Philly agachou a cabeça. —Pois eu temo produzir notas estridentes e que riam de mim. Jane passou o braço ao redor dos ombros da garota e os apertou compassivamente. —Não deveria nos importar quem ria de nós e, de fato, ninguém deveria rir quando tentamos melhorar. Como teria gostado que a realidade fosse tão acreditável como suas palavras. Tinha sido o suficientemente temerária para ter a língua afiada com Christian, inclusive para jogar pudim na sua bota —que furioso deve ter ficado com aquilo, —mas nunca tinha tido a coragem suficiente para tocar em público uma peça musical. —Ainda não sei como todas se chamam — disse. —Sabemos quem é você — disse Mary. —É a amante de lorde Wickham. Houve gritos sufocados e Philly levou a mão à boca e protestou em voz baixa: —Mary! Jane parou por um instante sem saber o que dizer. Era verdade e ao mesmo tempo não era. —Sabemos que é sua amante, de modo que não me parece escandaloso pedir que diga a verdade — disse Mary com uma careta. —É uma dama — sussurrou Philly tampando a boca com sua mão enluvada. —Às damas não devem falar assim. E se sua senhoria se zanga e nos expulsa? O que faremos então? —Encontrar protetores — declarou Mary, irada. —Eu não quero um protetor! —exclamou a ruiva. —Quero um marido. Quero filhos e uma casa própria. —Todo mundo sabe —disse Mary, com ares de suficiência —que uma amante está em melhor situação que uma esposa. Jane se deu conta de que seus lábios se torciam e formavam um triste sorriso. Qualquer amante que tivesse tido que suportar o pior comportamento de seu falecido marido tinha recebido um bom pagamento em troca, mas era isso melhor? Os anos que tinha passado junto a Sherringham permitiam-lhe compreender a emoção que vibrava atrás das descaradas palavras de Mary. Aproximou-se lentamente da garota e a olhou nos olhos. —Compreendo que esteja zangada, que esteja assustada e ferida, que se sinta furiosa com o destino. Mas isso não te dá direito de abusar dos outros, ser mal educada ou ferir quem tenta te ajudar. Mary piscou espantada, suas escuras pestanas cobrindo seus resplandecentes olhos verdes. —Você não sabe nada do que me aconteceu! —Então, eu gostaria que me contasse — replicou simplesmente Jane. 137

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Mas Mary liberou de sua mão e se lançou dramaticamente sobre a poltrona enorme situada diagonalmente frente ao sofá. Dobrou as pernas sobre o assento e enlaçou os braços por cima delas. Jane compreendeu que gritar não serviria para impor sua autoridade, de modo que se voltou para a loira continuava de pé com as mãos pegas à saia de seu vestido. —Sei que se chama Philly. Mas qual é seu nome completo? —Phi-Philomena Melford — gaguejou a garota. —E o seu? —perguntou à ruiva. A garota fez uma reverência. —Meu nome é Arabella, mas todo mundo me chama Bela. A jovem robusta que se mostrou como a líder do grupo no corredor, fez também uma reverência. —E eu sou Lucinda. —Meu sobrenome é Thomas — declarou Bela. —Mas não tem importância, verdade? —Fazem parte de sua família, por muito que seus parentes sejam tolos. —Mas Jane viu que não pareciam muito convencidas. Eram um grupo de quatro garotas, mas as via muito sozinhas. Bela tangeu uma das cordas da harpa e olhou o piano. —Eu toco, e canto muito bem. Jane ficou encantada ao ver o semblante da moça iluminado por um resplendor de confiança. —Não toca bem — murmurou Mary. —E não cante, por favor! —Pode tocar Bela. —Jane empurrou brandamente à garota pelo ombro e indicou que tomasse assento. —E por que não prova você depois, Philomena? Esta dava amostras de estar angustiada. —Não tem sentido que nos ensine a tocar como damas —disse Mary rindo —pois não somos damas e nunca nos considerará respeitáveis nem nos permitirá entrar em sociedade. —É óbvio que sim. —Mas Jane se deu conta em seguida de que com sua firme resposta não tinha feito mais que encolerizar Mary. —Acreditava que sabia o que fomos — espetou e de seus olhos verdes saíram faíscas. —Sei o que lhes aconteceu. Mas isso não é “o que são”. Lucinda tomou então a palavra, adotando um ar solene. —Mas é evidente que é assim. Fomos educadas como damas e conhecemos as consequências das transgressões que cometemos. —Não cometeram transgressões. Foram vítimas delas. —Trancaram-me em um harém — disse Mary e soprou com ironia. —Estive cativa junto com muitas mulheres mais. Tive que aprender a me transformar na posse mais apreciada do sultão para sobreviver. Ou isso, ou prescindiam de mim... e isso significava me colocar atada dentro de um saco e me jogar no rio. Nenhum inglês respeitável jamais se casará comigo. —Na vida de uma mulher — disse muito decidida Jane, — não existe só o matrimônio. —Sim. —Mary inclinou a cabeça com paquera, um gesto que poderia deixar qualquer homem louco. — Uma mulher pode converter-se na amante de um cavalheiro. E eu penso me 138

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transformar em acompanhante de duques. —Foi casar com um lacaio — apontou Bela. Mary levantou o nariz. —Sabia que lorde Wickham nunca ia permitir que acontecesse. E tal e como esperava, feznos seguir. —Te impediu de cometer um engano estúpido — disse Bela, enrugando seu sardento nariz. —Talvez não tivesse impedido — replicou Mary. No momento em que Bela voltou a abrir a boca, Jane compreendeu que as garotas acabariam dizendo crueldades das que nunca poderiam se retratar, assim Bela se animou a sentar no banco junto ao piano. Bela começou a tocar conscienciosamente uma sonata e Jane sentou no sofá ao lado de Lucinda. Philomena permanecia de pé a seu lado, dúbia, e Jane estendeu o braço para convidá-la a sentar também. Jane compreendia que Christian tinha trabalhado com boa intenção, mas que se movia em terreno desconhecido. Pelo amor de Deus, se era desconhecido inclusive a ela. Havia dito a elas que podiam ter um futuro que não incluía o matrimônio. Mas a que dedicar-se? Se seu passado saía à luz, não poderiam sequer trabalhar de instrutoras nem tomar conta de um comércio. As garotas tinham razão. Mas Jane estava farta. Tinha chegado o momento de que as vítimas deixassem de pagar por crimes que não tinham cometido. Mary suspirou. —Lorde Wickham me resgatou de minha prisão da forma mais atrevida e romântica imaginável. —A ilusória veneração que sentia para seu herói lhe dava um aspecto tremendamente vulnerável. —aproximou-se de minha janela e me levou nos braços até seu cavalo. Perseguiramnos e estiveram a ponto de nos capturar. Devo admitir que aquela noite me apaixonei loucamente por sua senhoria. —Sim, todas sabemos que o ama com paixão — exclamou Bela e seus dedos deixaram escapar uma nota estridente. As demais garotas gritaram fingindo dor, mas Bela encolheu de ombros. Mary se ergueu no sofá e olhou para Jane como se fosse sua inimiga. —Ama lorde Wickham? Acredita que está apaixonado por você? Jane deslizou o dedo pelo teclado do piano. Acariciou o suave marfim. Mas não se atreveu a pressionar a tecla. Não se atrevia a fazer ruído. E não porque temesse incomodar às garotas ou a Do. Todas estavam em seus dormitórios, inclusive Mary, que tinha chegado talvez muito longe com suas provocações. A temerária pergunta de Mary representava uma fronteira que Jane não tinha querido transpassar, mas uma vez pronunciada, não tinha mais remedeio que fazê-lo. Tinha explicado com toda a calma possível a Mary que lorde Wickham queria que as garotas se comportassem como damas, que quisesse um bom futuro para elas e que desejava que recuperassem a saúde. “Passou por uma experiência trágica, Mary, mas tem direito a um futuro”, tinha insistido. 139

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E então, sem saber se era ou não uma decisão inteligente, tinha enviado a Mary a seu quarto. Não tinha querido discutir sobre se amava Christian, ou sobre se pensava, ou esperava — ou não —que ele a amasse. Sabia que Christian não a amava. Via-a igual às garotas, como alguém a quem resgatar. —É uma farsante, Jane — murmurou quase para ela mesma. —Que fácil quer dizer a essas garotas o que têm que fazer, o que podem esperar. E que difícil é escutar seus próprios conselhos. —Quer tocar? A profunda e bela voz de barítono lhe fez dar um pulo e as partituras caíram no chão. Ao fazê-lo, formaram redemoinhos e flutuaram no ar, deixando entrever alternativamente pentagramas com complexas notas e caras em branco. Voltou-se para Christian. Os golpes que tinha recebido no rosto se transformaram em manchas azuis e pretas. Até estando ligeiramente inchados, seus lábios carnudos eram sedutores. —Eu adoraria te ouvir tocar. —Eu gostaria, mas não. Sou muito ruim. Sempre me deu medo fazer ruído... Uma última passada o tinha situado diante dela, e Jane esqueceu o que queria dizer. Respirou profundamente e se perdeu em seu aroma. Seu peito se esticou, seus mamilos pressionaram seu sutiã e em seu ventre se desencadeou uma onda de calor traiçoeiro. Obrigou-se a manter um tom de voz equilibrado. —Soube de mais alguma coisa em Blackheath? —A enfermeira chefe e as pobres garotas verificaram o que descobrimos. Que a senhora Brougham utilizava a casa para proporcionar jovens ao grupo de homens com capa, que se fazem chamar o Clube dos Diabos, e que esses homens se aproveitavam também das mulheres ali ingressadas. Ficou tão enraivecida que só conseguiu emitir um grunhido de indignação. —As mulheres ingressadas ali estão a salvo — disse Christian. —Já as enviei para suas casas com meus homens. Huntley se dedicará a encontrar um lugar onde alojar às que estão doentes. Prefiro destinar minha fortuna às salvar, que esbanjá-la jogando cartas. Inesperadamente, veio-lhe à cabeça a história que tinha ouvido em boca de sua tia Regina..., a história do Christian entregando sua pistola depois de uma partida de cartas. Mas um simples olhar ao homem que tinha diante, com uma expressão de preocupação só própria de uma pessoa bondosa, bastou-lhe para saber que nunca acreditaria essa história. Santo céu. Não corria o risco de apaixonar-se por ele. Já se apaixonou. —E o que... o que foi que a mãe da senhora Brougham? —perguntou tremente. —Enviaram-na ao manicômio em Bedlam, carinho. —Bedlam! OH, não, não pode ir ali. É um lugar horroroso. Não merece sofrer isso. —Assim, preocupando-se com a mãe da senhora Brougham, afastaria seus pensamentos da ideia do amor. —Terá que poder fazer alguma coisa, tem que haver alguma maneira de reunir recursos para ingressá-la em uma instituição privada, um lugar melhor... —Também a tirarei dali, Jane. Prometo-lhe isso. Colheu-a com dois dedos pelo queixo e ela se moveu ao ritmo de sua mão até que seus 140

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lábios roçaram os dele. Foi como a carícia de uma pluma. Aquele mínimo contato bastou para colocar fogo em sua boca. Surpreendeu-lhe que voltasse a beijá-la depois do modo em que ela tinha rechaçado sua proposta. Christian se tornou para trás. —Quando acabar tudo quero levar Do à Índia. Quero que deixe para trás tudo isto e que comece de novo. O chão que tinha Jane sob seus pés começou a agitar-se como a coberta de um navio. —Quer levar a Do? —Só se não estiver grávida. Mas se ela estivesse grávida não importava porque não ia pedir a ele que ficasse. Christian arrumou o cabelo. —Tenho que fazê-lo. Embora Treyworth morra, Do será vítima de um escândalo. Meu dever é protegê-la. Acariciou-lhe o pescoço, uma carícia que a fez tremer dos pés à cabeça. Com o mais simples contato, proporcionava-lhe sensações que jamais sonhou que seu corpo pudesse experimentar. —E Do está disposta a partir? —Espero convencê-la. Acredito que ajudaria a ela se recuperar. —Beijou-a com paixão, suas mãos estendendo-se para a parte baixa de suas costas. Voltaria a partir da Inglaterra. Partiria logo e perderia tanto a Christian como a sua melhor amiga. Enlaçou a perna ao redor do corpo dele, sua suave panturrilha pressionando a parte traseira de sua coxa, dura como o aço. Para fazê-lo seu prisioneiro e poder beijá-lo eternamente. De repente sentiu vergonha. Não queria um prisioneiro. Queria que estivesse com ela por ela mesma, não porque estivesse esperando um filho. Sua mãe tinha amado com desespero a seu pai até ficar louca. Tinha que esquecer Christian. Ele não a amava. Abandonaria-a. E ela ficaria sozinha e morta de dor. Christian deslizou as mãos para baixo até as instalar delicadamente em seus ardentes quadris. Sob seus dedos longos e masculinos, a cintura dela parecia minúscula. Jane segurou suas mãos, disposta às retirar dali. Mas ele a beijou com mais paixão. Esquivou as mãos dela e seguiu descendo pelas suas costas. A delicada carícia lhe provocou calafrios. Calafrios que acendiam faíscas em sua pele, como se sobre ela caíssem diminutas vaga-lumes. Agarrou-a pelo traseiro. Levantou-a... Quando se deu conta de que a tinha levantado do chão já era muito tarde. Seu traseiro aterrissou diretamente sobre as teclas do piano. Soaram dúzias delas e a seu redor estalou uma cacofonia ensurdecedora. As vibrações percorreram suas costas. Ofegou assustada e se agarrou à malha sedosa de seu colete. —Já vê, minha jóia, fez ruído e não acabou o mundo, verdade? —Rindo entre dentes, mudou-a de posição, seu traseiro se moveu do lugar e uma extravagante melodia encheu a sala. —Tem que me descer daqui. E se vier alguém para investigar estes estranhos... estranhos 141

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sons? Pensarão que... —O que? Que havia um gato na casa que se dedicava a correr pelo teclado? O que ninguém pensaria que era o traseiro de uma mulher sobre o piano... Christian levantou a cabeça e tirou a jaqueta. Tinha um olhar voraz. —Fechei a porta com chave — disse. Suas mãos ficaram presas entre as coxas dela e separou suas pernas. —Não... —ofegou Jane. O encaixe da beira de suas saias roçou sua pele quando ele as subiu. Tinha os pés apoiados no banco e ele se ajoelhou no chão mantendo suas pernas abertas. Christian empurrou a banqueta com a cintura e esta acabou sob o teclado, estendida sobre o chão. Jane ficou com os pés no alto, enquanto ele segurava suas pernas. —Eu gostaria de te beijar em muitas partes, Jane. Suspeito que não sabe o prazer que poderia te dar. Olhou-a entre suas pernas abertas. Suas bochechas ardiam como brasas. Não queria que falasse aquelas coisas. —No clube vi bocas colocadas nos lugares mais escandalosos, de modo que acredito que sei... Ele a olhou com um sorriso malicioso que formava covinhas no seu rosto. —Com certeza que você não sabe. Poderia me dizer um lugar que não seja tão escandaloso, mas que te faria se derreter? —Me desça ao chão, Christian. Quero parar... —A parte traseira de seus joelhos — sussurrou ele, fazendo que um lugar banal soasse sedutoramente atrevido. —O interior de seus pulsos. As cálidas curvas de debaixo de seus seios. A base de suas costas, justo por cima de seu delicioso traseiro. A planta dos pés... —O que? Com os dedos, riscou lânguidos círculos atrás de seus joelhos e, de repente, Jane se sentiu incapaz de pensar em nada mais. —Sinto... sinto isso por toda parte —gaguejou, lhe acariciando com as unhas. —meu Deus, essa zona de minhas pernas pode obter que me ponha assim? —Imagine então o poder dos lugares mais escandalosos. —Subiu suas saias até o quadril, deixando à vista seu pelo e suas partes íntimas. —Apoia os pés em meus ombros — ele insistiu, e ele mesmo a ajudou a se colocar nessa posição. Pensava em agradá-la com a boca. Não podia fazê-lo. Não podia. Era excessivamente vergonhoso. Estava tão... desprotegida. E se fizesse amor com ele, não poderia jamais proteger seu coração. “Se retire — alertava seu instinto. — se retire em seu interior e se proteja”. Incapaz de respirar observou a cabeça dele se aproximar da parte interior de suas coxas. —Quente suculenta e docemente rosada — disse ele com voz rouca. —OH, não — murmurou. Inclusive ela era capaz de aspirar seu próprio aroma amadurecido. Encurvou-se para proteger-se. —É, e é tão encantadora como o resto de você. 142

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Acariciou com a boca a sensível pele de sua coxa direita, a escassos centímetros de sua úmida e ofegante zona íntima. Ela, imediatamente, ficou tão rígida, tão erguida e tão inflexível como o pé do piano. Mas a língua dele deslizou por sua pele, chupando-a com delicadeza. E então se sentiu como uma vela acesa e o calor desfez toda sua tensão. Quando beijou seus úmidos cachos, ela cambaleou os quadris sobre o piano e um acorde dissonante reverberou na sala. Sua língua deslizou sobre seu pelo e ela se viu obrigada a estender a mão para não cair. Acompanhava-lhes a serenata do tinido das notas mais agudas. Beijou-a então diretamente em suas úmidas dobras e sua mão deslizou para as teclas das graves. O piano estremecia debaixo de seu peso e as vibrações percorreram seu corpo por inteiro quando sua língua acariciou seu lugar mais sensível..., seus clitóris. Ela se agarrou com força ao teclado e os agudos e os graves chiaram conjuntamente. Com um fazer implacável, magistral, seguiu provocando-a e lambendo-a. Seu corpo continuava tocando uma melodia selvagem e dissonante. Por cima daquelas notas, ouviu-lhe grunhir de prazer, ouviu-o gemer como se fosse ela quem estivesse lhe agradando. Seus preciosos olhos azuis se cravaram nos dela. Fazia aquilo para lhe ensinar o que era o prazer, para resgatá-la de seus medos. Mas se sentia tão enjoada e embriagada, esperava com tanta ânsia a liberação final, que era incapaz de detê-lo. O piano cambaleava sob seu corpo, seus pés tremendo sobre o chão gentil. Gritou, mas sua mão golpeou três teclas de uma vez e sufocou o som. Ele se deteve o tempo suficiente para dizer com voz rouca: —Confia em mim, Jane. —Confio — replicou ela com dificuldade. —Nestes momentos confio em que me mantenha sã e salva em cima deste piano. Confio em você como nunca confiei em ninguém. A gargalhada com que Christian respondeu lhe saiu do coração. Ele não sabia nada de música, só que gostava do ritmo e o som e como uma melodia lhe falava diretamente com coração ou acendia seu desejo. Mas conhecia a urgência da música que naquele momento estavam criando os dois. As notas se aceleraram quando seguiu devorando seu sexo e o corpo dela se balançou com mais violência sobre o teclado. Adorava seu sabor, adorava sua doçura terrestre. Adorava como gemia quando ele deslizava a língua por toda ela. Excitou então diretamente a ponta do clitóris, com ternura, mas a carícia resultou tão novidadeira para ela, que gritou e golpeou com força o piano. Aquela posição devia lhe resultar dolorosa. Tinha que mudá-la de posição. Moveu-se. —Não — ofegou ela. —Não... Não se mova. Deu-lhe uma lânguida lambida e começou a chupá-la de novo, encontrando um ritmo que levou Jane a arquear os quadris e a respirar com tanta dificuldade que começou a soluçar. Seus gemidos ressoavam na sala com o mesmo frenesi que a melodia que emitia forçosamente o teclado. Os pés de Jane começaram a deslizar-se ombros abaixo do Christian, sujeitou-se com 143

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força ao teclado e se levantou para ele tal e como seu corpo pedia. Não se reprimia. Não tinha medo. Estava dando-lhe uma confiança que ele não merecia. Ele notava seu membro lutando contra o fechamento da calça, desejoso de somar-se à festa. Mas não pensava fazê-lo, não depois de ter deslocado o risco de deixá-la grávida por um descuido. A frustração sexual seria a cruz a suportar aquela noite. E então surpreendeu um som assombroso, um grito de êxtase impressionante, emocionado, agônico. Antes gostava de ruborizar lady Jane Beaumont. Agora adorava fazê-la alcançar o êxtase. Ela caiu para diante e rapidamente soltou os pés para poder agarrá-la, morta de prazer. Beijou seus queixosos lábios. Ela se voltou para trás, as pálpebras entrecerradas, suas pestanas douradas. —Sabe A... —Você, Jane. Tem um sabor delicioso. —Voltou a beijá-la. Um halo rosado banhava sua pele. Atraiu-a para ele para descê-la do piano. Ela o abraçou com pernas trementes e seu escorregadio sexo exerceu pressão contra o extremo de sua prisioneira ereção. Uma onda de sensualidade e desejo a fez cambalear e teve que segurar-se ao piano para não cair. Jane levou a mão à boca e murmurou: —Foi muito mais... muito mais devastador do que imaginei. E aquilo o deixou devastado e provocou um sentimento de culpabilidade que o sacudiu como uma gigantesca onda negra. O que fazer? Dava-se conta de que levar Do ao estrangeiro a protegeria do escândalo. E o que seria de Jane? Se acabasse demonstrando que Sherringham tinha assassinado a jovens virgens, o escândalo a destroçaria. Havia dito que não queria voltar a casar-se, mas estaria disposta a viajar com ele ao outro lado do mundo para fugir de tudo aquilo? E se não havia um filho a caminho, se não a tinha apanhado ele com seu engano, teria algum direito a pedir-lhe. Chamaram vigorosamente à porta. Christian apanhou a jaqueta de seu traje, dirigiu-se à porta e a abriu. Apareceu um criado com os olhos totalmente abertos. —Lorde Treyworth chegou milord. E lady T-Treyworth... —O criado se interrompeu. Retorcia as mãos. —Sua senhoria insistiu em que deve voltar para casa com ele. CAPÍTULO 17 Em frente ao quarto de Do, Jane enfrentou Christian interpondo-se entre ele e a porta. —Não entre. Está muito raivoso. Dar ordens não ajudará absolutamente a Do. Christian deu um murro na parede. —Tenho que fazê-la entender que não pode voltar com ele. Com Sherringham teria se calado. Mas desta vez Jane seguiu em frente e ignorou sua cabeça que pedia a gritos que não 144

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fizesse. —Não pode aterrorizá-la para que fique contigo. Isso é o que Treyworth esteve fazendo com ela: obrigá-la a acatar sua vontade. Seus olhos de um azul intenso tinham cobrado uma cor sinistramente escura e fria. —Está me dizendo que sou como ele? —Estou te dizendo que não pode ser tão controlador como Treyworth, por muito que tenha bons motivos. Christian levantou a mão e Jane se encolheu. Teria levado a coisa muito longe? Mas ao baixá-la, esfregou o queixo e Jane respirou aliviada. Continuando, voltou a esmurrar a parede, desta vez com mais força, e ela esteve a ponto de cair de susto. Mas com aquele ruído algo despertou dentro dela. Segurou-lhe pelo cotovelo para detê-lo antes que voltasse a golpear a parede, antes que acabasse abrindo um buraco no estuque. Jamais tinha feito uma coisa assim, jamais antes tinha tentado deter o golpe de um homem. E ficou assombrada por ter tentado. Notou a flexão dos músculos de Christian sob suas mãos, como se tratasse de liberar seu braço para esmurrar de novo a parede. Ou para abrir caminho e entrar no quarto de Do. —Embora quebrar os nódulos ou romper esta parede, não servirá de nada. —O coração ia a mil por hora, mas se manteve firme. —deixe que eu tente falar com ela. E estranhamente, plantar-se na frente dele serviu para acalmar sua raiva. Ficou olhando-a como se acabasse de dar-se conta de que estava ali e baixou o braço. —Não voltará com ele. Amanhã jazerá em sua tumba. —Isto é o temor de Do. Acredito que por isso diz que vai voltar com ele. Impedir que o matem. —Deus... —grunhiu Christian. Jogou o cabelo para trás. —Quer dizer que faria por mim? Jane moveu afirmativamente a cabeça. E então Christian fez algo extraordinário. Apesar da raiva que sentia, acariciou-lhe com delicadeza a bochecha. A transformação de homem encolerizado a delicado amante a deixou sem respiração. Nunca tinha visto um homem recuperar com tanta rapidez o controle sobre suas emoções. —Por favor, tente fazê-la recuperar a razão. Não sei se eu conseguiria. Mas acredito que você pode. É a única pessoa em quem confio Jane. E antes que ela pudesse dizer nada, acrescentou: —Mas não penso permitir que volte a cair nas garras de Treyworth, embora para isso tenha que matá-lo no salão de minha própria casa. Era perturbadora a frieza com que falava de matar um homem. Recordou-lhe o sombrio e letal que se mostrou quando ameaçou o marquês de Salaberry e ao ladrão de tumbas. Sem dizer nada mais, Christian se voltou e pôs-se a andar pelo corredor, deixando Jane com as mãos úmidas e o coração retumbando em seu peito. Talvez não tivesse medo de sua cólera, mas aterrorizava a mudança que era capaz de exercer nele. Compreendia por que sua tia Regina a tinha animado a encontrar um homem dócil. Mas 145

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sabia, por perigoso que fosse para seu coração, que não podia dar as costas a Christian. Não podia limitar-se a manter-se à margem e deixar que se jogasse a vida fora. Surpreendida, deu-se conta de que a preocupava muito mais a sobrevivência dele que a sua própria. Do tinha passado o vestido pela cabeça e tentava fechá-lo. —Não posso — disse sufocada. —Pensa me ajudar ou terei que sair com as costas nuas? Jane fechou a porta com firmeza. —Não descerá. Christian não permitirá que se sacrifique por ele. —Com um sentimento de culpa, deu-se conta de que desde que tinha entrado no quarto não tinha deixado de dar suas ordens, e isso que antes tinha estado censurando a ele por querer fazê-lo. —Tem que ficar aqui, Do, com as pessoas que te amam e que vão cuidar de você. Ao ouvir aquilo, Do deixou de olhá-la como se fosse uma inimiga. —Eu gostaria de fazê-lo, não sabe como eu gostaria, mas não posso. Treyworth jamais me deixará em liberdade. Não pode prescindir de mim e tenho que proteger Christian... me diga, Jane, o que outra coisa posso fazer? Não sabia a verdade. —Ficará aqui, a salvo, e eu descerei para falar com seu marido. —Não o faça! Jane nunca tinha visto uma expressão tão aterradora no rosto de Do. E começou a mexer com tanta força no encaixe de seu vestido, que acabou rompendo-o. —Treyworth poderia..., faria... —interrompeu-se e afastou a vista. Tremiam-lhe os ombros e sua valentia inicial se evaporou por completo. De repente, Jane pensou na história de Georgiana. —Algo mudou que provocou sua fuga. Aconteceu algo que fez que ainda tivesse mais medo de Treyworth, verdade? Por isso chorava na sala de descanso do clube. E por isso não quis falar mais comigo. Por isso fugiu sem recorrer a mim. Do não respondeu, mas Jane a conhecia fazia muito tempo Do, para não ver que tinha acertado. Fez-lhe voltar-se até ficar frente a frente. —Conheço a existência do Clube dos Diabos. Foi isso que descobriu? Que Treyworth pertencia a esse horrível clube? Atônita, Do assentiu. Deixou cair os ombros, aliviada. —Fui uma covarde, Jane. O que Treyworth fazia no clube da senhora Brougham não é nada em comparação com suas verdadeiras perversões. Jane se deixou cair na cama, sobre a horrorosa colcha de cor marrom e verde, ao lado de Do. —Como soube? —Lorde Petersborough me alertou de que meu marido frequentava bordéis onde havia garotas muito jovens. Não compreendi a que se referia. OH, Jane, não tinha nem ideia! Afinal, casei-me muito jovem. Sabia que me queria por isso... Do se interrompeu e respirou fundo, tremendo. 146

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—Descobri a verdade porque meu marido mantinha um diário. Normalmente o tinha sob chave em seu escritório, mas uma vez deixou a gaveta aberta e olhei. Correr esse risco foi uma loucura, mas ultimamente se comportava de forma muito estranha. Perdia constantemente a calma. Havia dias, semanas inclusive, em que se mostrava feliz e carinhoso, mas durante o último ano mudou. Nem sequer me atrevia a respirar se por acaso isso o incomodava. Pensei que em seu diário encontraria alguma pista. Imaginei que igual haviam dito que estava. Tinha estado se consultando com alguns médicos da Harley Street... Do devia ter muito medo para correr um risco daquele calibre. Por muito que comentassem que eram mais espertas que seus maridos, Jane jamais teria se atrevido inspecionar as gavetas de Sherringham. —E o que encontrou? —perguntou-lhe em voz baixa. Do se levou a mão à boca e sussurrou: —Anotava uma lista de suas... suas conquistas. Algumas não eram mais que meninas. Algumas... não estavam dispostas e as violou. Só de ler, senti náuseas. Era insuportável. O colchão rangeu sob o peso de Jane quando mudou de postura. —E ele descobriu que sabia, não? —Quando guardei o diário, estava tão chocada e angustiada, que não o deixei tal e como estava antes. Perguntou-me e... já sabe que não sei dissimular, Jane. Delatei-me. Estava completamente bêbado e reconheceu tudo o que tinha feito. Fez gritando. Agarrou-me pela mão e me contou todas essas histórias tão inconcebíveis e malvadas. Depois me disse que meu dever era guardar seus segredos. Ao dia seguinte, fui, mas me encontrou... —Do se abraçou com força ao seu esmigalhado sutiã, tinha os nódulos brancos. —Destroçava a pobres meninas. OH, Jane, aquilo era horroroso. E poderia tê-lo impedido. —Não teria podido, Do. A luz da vela transformava os olhos de Do em enormes esferas de desespero. —Poderia ter envenenado sua comida. Poderia ter dado um tiro nele. Jane olhou para Do horrorizada. —Não podia fazê-lo. Eles teriam impedido. —Acaso não era minha responsabilidade deter esse monstro? —Do baixou a vista. —Mas não o fiz. O medo era superior a mim. —Você não foi responsável por nada — gritou Jane. —Christian e eu interrompemos o comércio infantil da senhora Brougham. Voltar com Treyworth não é a solução. —Ameaçou me matar se revelasse seus segredos. E eu sabia que se era capaz de fazer mal a meninas inocentes com tanta crueldade, também seria capaz de me matar. Ameaçou matar a qualquer um que me ajudasse. Por isso não recorri a você, Jane. —Do secou as lágrimas com ambas as mãos. O enrugado sutiã caiu no chão. —Mas veio me resgatar do mesmo jeito. —É óbvio que sim. É minha melhor amiga. —Jane passou a mão pela testa. Existiria alguma maneira de proteger a Do sem que Christian corresse perigo? E então, viu um raio de esperança. —E o que me diz do diário? Se o localizássemos, poderíamos utilizá-lo como prova para pedir o divórcio. Poderíamos utilizá-lo para deter o duelo. 147

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Do deixou cair os ombros. —Queimou-o. Jogou-o no fogo diante de meus próprios olhos. Acredito que o fato de que eu o encontrasse o fez temer que alguém mais pudesse encontrá-lo também. Jane vasculhou os miolos. —Bow Street. Poderíamos ir em seguida aos tribunais e denunciar Treyworth por violação de meninas. —Os magistrados fariam vista grossa. É amigo de todos eles. —Mas isso obrigaria ao Treyworth a fugir da Inglaterra. —E que prova poderia eu contribuir, Jane? Maldita seja! Não tinham nada mais que a própria Do, e Do não atestaria contra Treyworth. Os integrantes do Clube dos Diabos foram mascarados. Sem a senhora Brougham, não podiam demonstrar que Treyworth tinha destroçado a aquelas jovens. E Christian sabia. Sabia que a lei não perseguiria o Treyworth. Seguiria adiante e brigaria... Jane saltou da cama. —Me ocorreu uma maneira. —O que? Qual? —Não dispomos de provas, mas Treyworth não sabe. Podemos nos jogar uma isca, fazê-lo acreditar que temos evidências. Para forçá-lo a fugir. —Do continuaria casada com ele, mas Treyworth teria ido embora. Então, Christian poderia levar Do à Índia para que vivesse ali sã e salva, tal e como tinha jurado fazer. Jane correu para a porta. —Pare Jane! Aonde vai? —Tenho que encontrar Christian antes que lance seu desafio. Teria chegado tarde? Jane ouviu os gritos de Treyworth através das portas fechadas do salão. —Acusa-me de bater em minha esposa, Wickham? Que cavalheiro não bateu em uma mulher desobediente? Estou em meu direito de governar a minha esposa como seja conveniente! Jane sentiu uma explosão de pânico e de raiva. Dois criados flanqueavam a entrada e um deles se colocou justo diante da porta para tentar impedir sua passagem. —Não deve entrar, milady. —Tenho que fazê-lo. A menos que queiram ser responsáveis pela morte de seu senhor! Pasmo, o criado se fez a um lado de um salto. Jane abriu a porta decidida a tirar Christian do salão para falar com ele, mas no momento em que pôs o pé na estadia, deteve-se em seco. Os dois homens davam voltas em círculo sobre a sala atapeta, como predadores dispostos a equilibrar-se sobre sua presa. Apesar da lareira estar acesa, o ambiente na sala era gélido, como se ninguém tivesse entrado ali em anos. —Quero a minha esposa — espetou Treyworth. —Está legalmente em meu poder. Não tem direito a retê-la aqui. —Teve a impressão de que Treyworth se ia afastando pouco a pouco de Christian, mas era difícil estar segura pela maneira circular em que se moviam. Mesmo assim, o 148

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marido de Do era um homem de aspecto aterrador. De baixa estatura, quadrado, musculoso, tinha o corpo de um atleta coríntio e era amante do boxe e dos esportes duros. Jane estremeceu. Treyworth tinha as mãos fechadas em carnudos punhos, os mesmos punhos que tinham maltratado o corpo indefeso de Do. Notou o peso do olhar de Christian. —Saia, lady Sherringham, por favor. Não é lugar para uma mulher. Treyworth se deteve o escutar as gélidas palavras de Christian e lançou a Jane um olhar de puro ódio e com a presunção de um homem seguro de poder fazê-la pedacinhos com um simples sorriso sarcástico. E maldita seja, obrigou-a a dar um passo atrás. —Do não irá a nenhuma parte com você — disse com voz tremente. Viu pela extremidade do olho que Christian se aproximava dela, evidentemente zangado. Ao mesmo tempo, gritou a Treyworth: —Delphina está se recuperando do que você fez a ela. Não penso permitir que se aproxime dela. A sala estava virtualmente na penumbra, mas em que apesar disso, Jane percebeu desgosto nos olhos de Treyworth. Viu que sua mandíbula tremia. E se deu conta de que tinha medo, de que temia que Christian se inteirasse por Do da existência do Clube dos Diabos. —Delphina estava doente e precisava cuidados — espetou Treyworth. Aproximou-se da lareira e o reflexo do fogo deu a seu semblante um aspecto diabólico. —estava ficando louca. Imaginava coisas e ficava histérica. Ingressei-a em uma instituição privada por seu próprio bem. Não queria que minha esposa fosse objeto de fofocas. Christian deixou de andar e se voltou para situar-se cara com cara frente a Treyworth. —Você me disse que tinha fugido com um amante. Christian tinha toda sua atenção centrada em Treyworth. Jane desejava clamar a verdade. “Treyworth trancou Do porque sabia que estava deitando-se com meninas inocentes”. Mas duvidou. Queria falar com Christian antes de dizer algo, mas ele não a olhava em nenhum momento. Treyworth esmurrou o chão com sua bengala e fez tremer as tabuas de madeira que ocultava o tapete. Jane suspeitava que o interior daquela bengala de madeira gravada escondesse uma mortal arma branca... Sherringham tinha uma igual. —É a pura verdade, Wickham. Localizei-a em uma estalagem onde esperava a chegada de um homem, de um vulgar amante. Disse a minha querida esposa que a adorava. A tinham abandonado ali. Delphina estava assustada, e quando se deu conta do modo brutal em que se aproveitaram dela, quase ficou louca. —Dê-me o nome do homem com quem, segundo você, tinha que encontrar-se minha irmã — espetou Christian. Era como se a raiva crepitasse a seu redor, igual aos raios cruzam um céu escuro e úmido. —Não é verdade! —Gritou Jane, aproximando-se dos encolerizados homens. —Nada disso é verdade. Trancou-a pelo que aconteceu no clube. 149

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Treyworth se voltou lentamente, dando as costas à lareira, e ficou olhando-a como se fora um inseto, algo que podia esmagar. —Desconheço seu nome — disse. —Estava muito envergonhada para me dizer isso e começou a negar tudo. Estava profundamente afligida e humilhada. Já vêm como está agora, depois de ter estado duas semanas sob vigilância na casa da senhora Brougham. Não imaginam como estava quando a encontrei. Jane se deu conta de que, sem querer, tinha aberto a boca, horrorizada. Compreendia por que Christian estava pedindo que lhe desse detalhes. Treyworth tinha urdido uma história fácil de acreditar. Se Do negasse, ele afirmaria que tinha sido ingressada no manicômio para recuperar-se baixo os cuidados da senhora Brougham, que afirmaria ser amiga de Do. Com sua fortuna e seu poder, Treyworth podia inclusive subornar a um médico para que inventasse provas da “loucura” de Do. Jane correu para o lado de Christian e seus sapatos avançaram sobre o tapete como um sussurro. Agarrou-lhe do braço. —Tenho que falar contigo. —Agora não. Mantenha distancia — disse ele. Tirou a jaqueta e Jane vislumbrou um brilho prateado. Sufocou um grito ao ver a pistola remetida na cintura da calça, pega a suas costas. —Não tenho feito mal a minha esposa. —Treyworth cuspiu ao falar. —Quero-a agora. —Christian... Levantou uma mão para sossegá-la. Mas tinha que deter aquilo... embora para conseguir tivesse que tirar a pistola ao Christian e disparar ao teto. Tinha a pele arrepiada, o peito acelerado e um calafrio percorria suas costas. Com um tom de voz grave e letal, Christian disse: —Podemos solucionar o assunto de três maneiras, Treyworth. Bow Street está investigando o manicômio da senhora Brougham onde encontramos Do. Algumas das “pacientes” ali ingressadas eram jovens virgens à espera de ser violadas. O crepitar do fogo encheu o silêncio. Treyworth ficou olhando-os com um semblante vazio, apagado. Sabia que tinham descoberto a verdade. —Se você estivesse comprometido nisso —prosseguiu Christian, —teria que enfrentar a um processo criminal. Ou poderia ser o bastante preparado para fugir da Inglaterra e de Do enquanto ainda pudesse fazê-lo. —Temos provas — gritou Jane, pois tinha que pôr em marcha sua isca. —Provas de que esteve comprometido nesse horroroso assunto. Com um grito gutural de raiva, Treyworth se equilibrou sobre ela com o braço no alto. Jane se encolheu e fechou os olhos, disposta a receber o golpe. Mas o golpe nunca chegou. Lentamente, abriu os olhos e viu Christian sujeitando o braço de Treyworth. O marquês tratava de se liberar e acontecia com a vez a mão por sua enrugada frente para secar o suor. —Não sei de que demônios fala. Tudo isto não são mais que insinuações perigosas. Você atacou minha honra. 150

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—E você esteve a ponto de tombar a uma mulher indefesa. Jane ofegava. Com sua isca tinha precipitado tudo para o fim que queria evitar. —Parece-lhe bem com pistolas? —Vociferou Treyworth. —No Chalk Farm. Ao amanhecer. —De acordo. —Não! —chiou Jane, escutando a fria resposta de Christian. Jane o encontrou na galeria. Christian tinha deixado o candelabro no chão e permanecia de pé, com os braços cruzados, junto ao círculo de luz. Olhava fixamente dois retratos enormes que destacavam entre o oceano de quadros que cobria a branca parede. Seus pais, compreendeu Jane ao se aproximar o bastante para vislumbrar os gigantescos tecidos. Deteve-se entre as sombras. Tinha ido buscá-lo, mas temia interromper sua privacidade. Voltou-se disposta a retirar-se, mas uma das pranchas de madeira do chão rangeu sob seu peso. —Jane. —Christian apanhou o candelabro e se aproximou dela. Ainda estava vestido com a mesma roupa, mas tinha afrouxado a gravata-borboleta. Debaixo do colete, a camisa desabotoada à altura do pescoço, estava pendurada cobrindo seus quadris. —Deveria já estar na cama. —Sei que não poderia dormir. —Pelo medo, pelo sentimento de culpa ao ter urdido plano tão incompetente e pela inquietação que brocava sob o ventre ao olhá-lo. —olhei em seu quarto, mas não estava. De modo que vim te buscar. Mas, naturalmente, quererá dispor de tempo para... para se preparar... ou para o que queira que tenha que fazer. —dispôs-se a partir, a desaparecer de novo na penumbra da galeria. —Fique. Por favor. Jane se deteve. —Desci aqui para amaldiçoar efusivamente a meu pai por ter empurrado Do a esse matrimônio. Sujeitava a vela no alto, iluminando o lugar onde ela o tinha encontrado. Jane contemplou o retrato do austero conde, com seu cabelo claro, seu nariz farpado e seus olhos saltados. Luzia uma expressão condescendente, o olhar fixo além de seu proeminente nariz. —Ele merece. Christian a abraçou pela cintura e o contato resultou absolutamente natural a Jane. —Por que Do aceitou? —Perguntou Christian. —Era bonita..., podia ter tido a qualquer um. Meu pai deve tê-la obrigado, mas o que ganhava ele em troca? —Seu pai quis que Do se casasse com o Treyworth porque é um marquês. —Queria o título. —Retirou a mão de sua cintura. —Sim. Empurrou-a a esse matrimônio insistindo em que com isso se mitigaria o escândalo provocado pelo duelo. Do acabava de finalizar o luto por sua mãe..., estava em um momento vulnerável, e aceitou. Christian baixou a cabeça. —Não sente saudades que me censurasse. Minha impetuosidade destroçou a vida de Do... —A culpa é de seu pai — interrompeu ela. —Que pai empurraria a sua jovem filha a casar-se com um homem vinte e cinco anos mais velho que ela? Só um pai sem coração e egoísta. 151

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—Não é tão simples, Jane. —Não é o homem que acreditava que fosse — disse ela impulsivamente. —Acreditava que não fosse mais que um caveira e um mulherengo, que só se interessava seu próprio prazer. É evidente que não era certo. Há... Mudou muito. Sua risada, apesar de sua calidez, soou dura e implacável. —Assim que se liberte de Treyworth, Do poderá desfrutar de uma vida feliz. Seguro. —Jane acariciou seu braço com indecisão, percorreu com os dedos o tenso bíceps que ocultava a camisa. Dava-se conta de que ele mesmo se condenou por seu passado muito mais do que ela pudesse havê-lo censurado. “Não embarque em uma cruzada por mim, lady Jane Beaumont”, tinha-lhe advertido. Mas tinha que fazê-lo. Jane estava defendendo-o, e ele não merecia. O brilho ambarino dos olhos de Jane era igualmente potente quando discutia para apoiá-lo que quando discutia em seu contrário. Jamais em sua vida tinha tido ninguém que saísse em sua defesa. Christian respirou fundo quando Jane segurou sua mão com delicadeza e enlaçou seus dedos com os dele. Defendia-o porquê não conhecia a verdade. Ele era o motivo da amargura de seu pai. Era a prova vivente do pecado de sua mãe e o motivo pelo que seu pai tinha usado Do para assegurar um título melhor. Jane acreditava que por suas veias corria o sangue dos Sutcliffe. Não sabia que na realidade era um filho bastardo. Um fedelho aceito no ninho porque seu pai, Henry Sutcliffe, o conde de Wickham, necessitava desesperadamente do dote de sua mãe, Eliza, já grávida de Christian. Seu pai aceitou Eliza por dinheiro, embora tivesse deitado com outro estando prometida com ele. Mas Henry Sutcliffe jamais deixou de castigá-la por isso. Nem sequer Do conhecia a verdade. Conheciam-na única e exclusivamente seu pai e sua mãe, conspiradores e inimigos até o amargo final. Christian deixou que Jane o guiasse pela longa galeria. Passaram por diante de retratos de gerações da nobre família Sutcliffe, todos os condes de Wickham. Passaram por diante de retratos de homens que serviram na corte do Enrique VIII, Carlos II, Jorge I. Homens cujo sangue não era o seu. Envolvia-o o conhecido aroma de Jane. Aspirou-o e conseguiu quase esquecer suas sombras, algo que nunca tinha conseguido na prática do sexo com muitas, muitíssimas mulheres. Jane estava fazendo-o esquecer a crua lembrança da última conversa com seu pai. Continuava escutando mentalmente as últimas palavras que Henry Sutcliffe disse antes que, raivoso, enlaçasse as mãos em torno do pescoço daquele homem… “Não tem nem ideia de quem é na verdade — tinha espetado seu pai. O conde tinha perdido, por uma vez, toda sua frieza e controle. Toda sua educada aparência cavalheiresca tinha desaparecido por completo e seus olhos, normalmente gélidos como a geada, tinham cozido de puro ódio. — Por suas veias corre sangue manchado. Nasceu fruto do mal.” “Sei — tinha replicado Christian, dolorido e orgulhoso. — Sou um bastardo.” 152

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“É algo muito pior que isso. Queria evitar que conhecesse a identidade de seu pai. Mas não merece isso, assassino. Direi quem foi seu pai...” —Christian? A doce voz de Jane lhe devolveu ao presente. — Do sabe do duelo? —perguntou em voz baixa, obrigando aos demônios do passado a se esconder de novo nas curvas de sua mente. Jane assentiu. —Mas eu não disse. Não podia admitir na frente dela que meu plano de lançar uma isca com Treyworth tinha falhado. E pensei que não tinha sentido assustá-la. Mas se inteirou da verdade por uma criada. Convenci-a para que tomasse um pouco de láudano e ao final ficou adormecida. —Fui ver se estava adormecida. —Tinha acariciado seu cabelo, tinha pedido perdão sem necessidade de palavras e tinha saído do quarto. —Seu plano era bom, Jane. —Acreditei que era a solução perfeita — murmurou Jane com arrependimento. —Mas tudo saiu mal. Acabei empurrando vocês dois a um duelo. —Não é tua culpa. Estávamos decididos a brigar desde o princípio. Jane o olhou com o sobrecenho franzido. —Como pode falar tão... tão tranquilamente sobre um duelo? Ele não respondeu, mas disse: —É a mulher mais valente e com mais recursos que conheci em minha vida. Vacilante, a luz da vela a banhava de ouro. Ficou sinceramente assombrada. —Não sou nada valente. É imaginação sua. —Enfrentou Treyworth, e é um tipo que intimida. Suportou um matrimônio com um bruto e teve forças para seguir adiante. Sua valentia me intimida, Jane Beaumont. Se morresse ao amanhecer, queria que ela soubesse o muito que a admirava. —Nunca esqueci a tarde que tentou deter aquela corrida de carruagens. —Era a pura verdade. Tinha muitas lembranças de Jane porque, face ao muito que fazia raiva nele, também ria com ela. Quando chegava em sua casa de campo e se inteirava de que estava ali de visita, ia em seguida procurá-la. Precisava vê-la, e discutir com ela, antes de se ver obrigado a enfrentar às palavras odiosas de seu pai. Apertou-lhe a mão com delicadeza. A intimidade daquele passeio com as mãos unidas o transpassava como uma lança. Falava com vozes tanto de amizade como de desejo, e a amizade era algo precioso que ele sempre tinha fugido. Um amigo poderia entrar muito em sua alma. —É como se estivesse te vendo agora mesmo, segurando o chapéu de palha para que se mantivesse firme em sua cabeça enquanto descia escorregando a colina coberta de erva. Avançava com o queixo para fora, seus olhos soltando faíscas, decidida. —Como é possível que visse tudo isto? Estava às rédeas de uma carruagem, correndo a toda velocidade. —Por que veio me buscar, Jane Beaumont? O rubor rosado que banhou suas bochechas deu a resposta. —Menina má, ardilosa... 153

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O rubor rosado se tornou granada. —Mas não pensava... Não teria que fazer isso antes do duelo. Não o... cansaria? Esgotaria? —Vem comigo. —Alargou suas pernadas e ela começou a caminhar depressa, a correr logo, e ele teve que alongar o passo e acabar correndo também para a porta de acesso à galeria. Chegaram a ela rindo e Jane o olhou radiante, cheia de medo e desejo. —Quero passar esta noite contigo — disse. E ele decidiu que seria uma noite espetacular. CAPÍTULO 18 Nunca tinha estado no quarto de um homem. Desde a primeira noite de seu matrimônio, Sherringham tinha sido o que tinha ido a seu quarto. Jane ainda não compreendia como tinha chegado ao de Christian por vontade própria. Mas ali estava, no dormitório de Christian, absorvendo cada detalhe, fascinada ao descobrir rastros exclusivos dele. Envolvia-lhes a escura austeridade de um mobiliário sólido e uns cortinados de uma descolorida cor Borgonha. Sobre uma cadeira, umas calças soltas de seda dourada. Um cachimbo da Índia sobre a cômoda. Um singelo kit de barbear junto ao lavatório e o vaso sanitário. Christian se sentou na beira da cama, as pernas separadas, uma pose que formava rugas em sua calça e deixava em evidência a longitude de suas pernas. Era uma beleza. Com um sorriso que lhe desfez o coração, chamou-a dobrando um dedo. —Me dispa Jane. Não esperava. Não cessava de ensinar-lhe coisas que jamais tinha imaginado que faria. Coisas que punham seu corpo em tensão e aceleravam seu coração, até excitando-a. —Não poderia — disse Jane. Aproximou-se da coluna do dossel e se deteve. —Não posso. Não faria mais que brigar com sua roupa. Sou torpe e desajeitada. Debaixo de suas sobrancelhas retas retrocedeu os olhos do Christian a olharam com seriedade. —Nunca pensaria isso de você. —Não quero que faça amor comigo por se sentir obrigado a me curar de meu passado. —Maldita seja, Jane. —Christian reprimiu uma gargalhada. —Não sou tão nobre. Quero fazer amor contigo porque é bela, tentadora e apetitosa, e esse sabor que provei na sala de música me deixou faminto de mais. Pouco a pouco, desatou a gravata-borboleta e a deixou cair ao chão. Jane notou uma quebra de onda de calor no ventre. Inclusive um movimento tão informal como aquele — sem separar os olhos dela — era insuportavelmente erótico. Tinha querido proteger seu coração, mas agora, naquele momento, não podia partir. A única coisa que podia fazer era ficar ali de pé e contemplar como Christian se despia. Olhar para ele a deixava sem ar. O jogo dos músculos de seu pescoço enquanto permanecia 154

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concentrado em desabotoar os botões do colete, observar como abria o pescoço da camisa, deixando entrever uma clavícula reta e o perfil de seus belos ombros. A camisa desapareceu e ficou só com as calças que também desabotoou e tirou com um movimento seco. Com os polegares, agarrou a cintura de seus calções, que seguiram rapidamente o caminho da calça. Tinha-o visto completamente nu só uma vez: de jovem, um dia que o espiou quando nadava. Mas naquela ocasião tinha sido uma rápida olhada a um homem médio submerso em um nítido lago. Agora o tinha frente a ela, totalmente nu, e teve que agarrar à coluna da cama com ambas as mãos. A primeira noite que tinham dormido juntos havia sentido sua ereção, havia sentido a dureza dele contra seu ventre, tinha sentido dentro dela. Mas vê-la era outra coisa. Seu grosso comprimento que sobressaía de seu corpo entre uma espessura de pelo negro e parecia prolongar-se eternamente, reta e rígida. —Eu gostaria que me tocasse Jane. Obrigou-se a elevar a vista e superar seu abdômen pavimentado, seu amplo torso, seu queixo quadrado, até chegar a seu olho azul profundo. Estava sorrindo para ela, com a cabeça inclinada. Estendeu o braço até a coluna da cama onde ela se apoiava. Não havia nada que temer, mas sua mão se alongou tremente. E, diante de seus próprios olhos, seu membro levantou como se quisesse alcançá-la. —Como faz isso? —perguntou-lhe. —Ai, meu amor, não controlo tudo o que quero. Pavoneia-se com tanta atenção de sua parte. Sorriu insegura. Estava a escassos centímetros dela, mas seus dedos demoraram uma eternidade em chegar à pele aveludada de seu umbigo. O pelo áspero lhe fez cócegas. Começou a acariciá-lo para baixo, para a tensa cabeça de sua ereção. Tocou com delicadeza aquela cabeça em forma de ameixa, provocando uma sacudida. Christian respirou fundo. Estava acostumado às carícias calculadas das mãos de uma mulher perita. Mas as carícias do Jane — golpes torpes contra sua pele, puxões no pelo, carícias ligeiras como uma pluma apenas perceptível —eram mais intensas, com muito mais significado que qualquer manipulação orquestrada para excitar. —Pode me apertar mais e me acariciar com mais força. Não me romperei. —OH, não posso... —Sim, claro que pode. Seus dedos subiram para a torcida cabeça. Mordendo o lábio, fechou a mão em torno de sua protuberância e pressionou com delicadeza. Uma quebra de onda de sangue e o pênis saltou de novo. Os testículos esticaram. Moveu a mão em círculos por cima dele, espalhando seus fluidos. —Muito pegajoso — murmurou. —E adorável. Parece como se usasse um gorro. Retumbou uma gargalhada. —Não é precisamente o que um cavalheiro esperaria escutar. —Não? —Esboçou um sorriso malicioso. —Então é como uma lança. Poderosa. Parece melhor? Christian nunca tinha conhecido aquela combinação de risadas e prazer. A mão desceu 155

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bruscamente por seu sexo e seu próprio gemido de prazer o devastou. Nunca tinha visto uma mulher tão fascinada explorando-o. Acariciou-o, pulverizou seus fluidos e desceu com delicadeza os dedos até seu testículo. Era delicioso. Mas retirou sua mão e se moveu até situar-se atrás dela. —Agora cabe a mim te despir. —Segurou-a pelos braços e a conduziu para o grande espelho de pé que havia em um canto do quarto. A cada passo que dava, seu membro açoitava um traseiro revestido de seda. Uma tortura deliciosa, uma tortura que sensibilizou intensamente a tensa e latente cabeça. —Diante do espelho? —ofegou ela. —Não posso. —Por que não? —Desabotoou-lhe o vestido. —É preciosa. —E antes que lhe desse tempo para protestar de novo, passou o vestido pelos seus braços e o deslizou quadris abaixo. Caiu a seus pés como um atoleiro de seda verde clara. Ajudou-a a tirar por completo. —Uma ninfa que surge do mar. Jane negou com a cabeça. —Tenho os seios pequenos e também os quadris. Por isso... por isso não posso ter um filho. Perdi dois bebês e meu marido dizia que era porque tenho o corpo defeituoso. —Com uma expressão de culpa, os olhos de ambos se encontraram no espelho. — deveria ter dito a você. Inclusive estando grávida... —É deliciosa e ele não te merecia. —Doía-lhe o coração. Tinha perdido dois bebês e Sherringham a tinha culpado por isso. E ele havia dito que se casaria com ela se estivesse grávida. Por que não manteve a boca fechada? Inclinou a boca sobre os exuberantes lábios de Jane. Suave e total, sua boca o aceitou de bom grado. Mas não se limitou a receber seu beijo, mas sim se inundou nele e introduziu a língua em sua boca, jogando com a dele. E Christian, com dedos surpreendentemente torpes, começou a brigar com os colchetes do espartilho enquanto permitia que Jane saqueasse sua boca. Sentiu uma pontada de culpa. Não tinha comentado ainda as provas contribuídas pela enfermeira, nem que um policial estava investigando seu falecido marido. Mas se contasse naquele momento, a paixão acabaria. Era egoísta. Mas a necessitava. Necessitava aquela noite com ela. Abaixo o espartilho, acima as anáguas. Em um instante, tinha nua e diante dele sua esbelta e curvilínea figura. Quase. As meias brancas, presas por cinta-liga de renda, seguiam coladas a suas torneadas panturrilhas. —E agora, carinho... —Christian fez uma genuflexão. —se contemple no espelho. Jane ofegou ao sentir o calor e a umidade formando redemoinhos sobre seu traseiro nu. O espelho refletia a imagem de Christian com a boca em suas nádegas. Voltou-se para olhar. Mas nem sequer assim conseguia acreditar na visão que se desdobrava debaixo dela. O cabelo de Christian, negro como o carvão, deslocava-se por seu traseiro, mas muito mais surpreendente, era ver sua língua lambendo suas nádegas nuas. 156

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Deveria escandalizar-se. Aquilo... aquilo ia muito além de seus limites. Mas era tão delicioso que não podia protestar. Tampouco queria detê-lo... e, além disso, estava segura de que não poderia. Se quisesse fazer aquilo, faria. Mas com ele, nada dava medo. Escuro e abrasador, o olhar dele não abandonava o rosto dela. Nem sequer quando explorou com a língua a base de seu rabo e se viu obrigada a arquear o traseiro, como um gatinho desejoso de carícias. A língua deslizou então entre suas nádegas. Esteve a ponto de comer o espelho com o sobressalto. Tinha que tratar-se de uma arte exótica aprendida na Índia, pois jamais tinha ouvido falar de um ato tão surpreendente. Embora o que sabia ela de fazer o amor? Ao parecer, nada de nada. A língua acariciou a franzida entrada de seu traseiro. —Christian! —exclamou. E ficou imóvel enquanto sua língua quente e úmida media aquele lugar impensável. Jamais teria imaginado que a beijaria ali... ou que a sensação seria tão maravilhosa. Derretiase, uma vez mais. A língua entrava e saía, causando arrepios na pele. Bamboleou-se e encontrou as mãos do Christian, dispostas a acolhê-la. —Bom, verdade? —perguntou-lhe, incorporando-se. —Aprendeu isso na Índia? —Não é que tivesse grande importância, mas não lhe ocorreu outra coisa que dizer. Depois de um momento de tanta intimidade, desejava retrair-se. Mas se obrigou a não fazê-lo. O espelho refletiu o malicioso sorriso do Christian. —Não, carinho. Aprendi-o antes de ir da Inglaterra. —Sua gargalhada esquentou sua nuca. —O prazer não conhece vergonha. Trata-se de compartilhar..., de intimidade. Fazer amor é isto. Fazer amor. Com ele, parecia-se perigosamente a amar. O espelho refletia a imagem dos dois, os braços dourados dele enlaçando suas brancas curvas nuas. —Tem uns quadris generosos, encantadores. Viu alguma vez um retrato de uma bailarina da Índia? Começou a mover seus quadris com um suave vaivém, para frente e para trás. Jane tentou deixar que seu corpo seguisse essas ordens e se balançou ao ritmo que marcavam suas mãos. —Inclusive os gestos das mãos da bailarina servem para relatar uma história — murmurou Christian. —Imagino dançando para mim, envolta em seda. Previamente, teria te lubrificado com azeites perfumados que teriam deixado sua pele suave e cheirosa. Imagine uma fonte cantarina atrás de você e uma música sensual nos envolvendo. Jane recuperou o fôlego. Seus quadris se moviam ondulantes frente ao espelho e imaginou seu corpo envolto em luxuosas sedas. Imaginou a música... Por muito que fosse incapaz de tocar, adorava a música. E não pôde resistir a aquela fantasia que ele evocava... Brisas cálidas e exóticas. Cheirosas plantas em flor ondeando em um terraço. O alegre salpicar de uma fonte. Ele estaria recostado entre almofadas e observando com olhos excitados e 157

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ardentes como ela tecia uma história. —Que história me contaria? —sussurrou ele, como se acabasse de ler seu pensamento. —Não... Não sei. —Poderíamos nos inventar um idioma que funcionasse com as mãos, só para os dois. Poderia me dizer o que você gostaria que fizesse com você. Poderia me ordenar que passasse a língua por seu exuberante traseiro. Ou poderia me pedir que saboreasse os doces fluídos de seu sexo... Sacudiu tanto os quadris que esteve a ponto de cair. —Dançaria para mim? Tirou os passadores do cabelo para desfazer o coque e o cabelo caiu sobre suas costas. E então se separou dela, deixando-a tomar a iniciativa. Ficou quieta, sem saber o que fazer agora que suas mãos tinham desaparecido. —Deixa que seu corpo balance livremente. —Aquele sorriso acendeu seus sentidos. —Sou um homem muito afortunado... daqui posso contemplar como se sacode seu doce traseiro e seus terminantes seios. Jane sentiu uma quebra de onda de calor cobrindo seu traseiro, o peito e o rosto. Viu-o refletido no espelho. Estava sentado na beira da cama, com as pernas abertas. Sua mão envolvia o longo pênis ereto e piscava o olho com descaramento. —Vem aqui, Jane, e dança em cima de mim. Não podia passear-se nua pela quarto. Decidiu utilizar a juba a modo de escudo e avançar para ele, cobrindo-se, além disso, os peitos com as mãos. —Como? —Sente-se sobre minhas mãos e deixa que te guie. Agarrou-a pelos quadris e Jane deixou que a fizesse descender sobre ele, observando o balanço de seus peitos. Viu no espelho seu pelo vermelho escuro aproximando-se lentamente à prolongada curva de sua notável ereção. Ele abriu caminho com a mão entre as coxas dela e começou a acariciar delicadamente com o dedo seu ofegante clitóris. A força que ficava nela se evaporou como por arte de magia e se deixou cair. Mas ele a deteve e introduziu nela um par de escassos centímetros. Uns centímetros mareantes, deliciosos. —Tome como você quer, Jane. Você manda. Acariciou-lhe o pescoço com o nariz, acariciou seu seio e manteve sua ereção deixando que ela descesse lentamente sobre ele. O espelho oferecia a Jane a imagem de uma mulher dissoluta. Uma mulher com o rosto emoldurado por uma selvagem cabeleira de cachos acobreados, uns olhos meio entreabertos, um olhar sensual e uma boca entreaberta e inflamada pelos beijos. Seus seios balançavam livremente, seus mamilos avermelhados e eretos. O espelho revelava a assombrosa e excitante imagem de sua grossa coluna venosa desaparecendo dentro dela. Enchia-a e levantava os quadris cada vez que empurrava, excitando a profundidade de suas paredes internas. Mordeu o lábio. Exalou gemidos de prazer. E começou a mover-se sobre ele. Custava-lhe 158

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acreditar que ela fosse aquela mulher nua que não se ocultava sob os lençóis, mas sim saltava sobre Christian... e observando, além disso, cada instante daquele momento excitante e exótico. Aterrissou então um rápido bofetão... suave, que sacudiu seu traseiro. Voltou-se para olhá-lo aos olhos e, graças a um jogo de luzes, viu chamas acesas em sua profundidade negra azulada. Ver aquilo esgotou por completo suas forças e se deixou cair sobre ele. Sua ereção a invadiu ao máximo. A única coisa que podia fazer era sentar-se sobre ele e deixar tomar o controle. Christian a voltou ligeiramente e se inclinou sobre seu seio esquerdo. Encantou-se com seu mamilo: chupouo, mordiscou-o e puxou-o com os lábios até que ela começou a gritar seu nome. Agarrou-se a seus antebraços, as unhas cravando em sua pele cada vez que ele a levantava e a empurrava para baixo. OH, era um perito. Chupando seu mamilo, excitando seu clitóris com seus fortes dedos e cravando estocadas, cada vez mais profundas, até fazê-la explodir. Chiou. Gritou seu nome. Agarrou-se a ele e o cavalgou enquanto a consumiam ondas intermináveis de puro prazer. Derrubou-se sobre ele, esgotada, despenteada e, de novo, tremendamente tímida. A mulher maliciosa do espelho a olhava. Christian se pôs a rir. A rir! Introduziu-se com força de novo em seu corpo satisfeito e sentiu uma quebra de onda de prazer no ventre. —Eu adoro o rosto de surpresa que põe quando goza Jane. E depois, parece uma gatinha a que acabam de dar de presente um prato de leite, uma meada de lã e um camundongo. Riu como uma parva. E a risada agitou os músculos de lá de baixo, fez palpitar em torno dele e a fez senti-lo. —Quando goza te sinto palpitar. Seu sexo me prende e me empurra até o mais fundo. Não sabia o que dizer. Mas adorava que explicasse o que sentia. Fascinava-lhe saber. —Mas você não há... gozou —sussurrou. Tinha que sentir-se intensamente frustrado. —Não posso..., desta vez não. Tentativa de ser responsável. —Mas quero que goze. A decisão é minha, Christian. Quero que... —A decisão deveria ser dos dois — replicou ele. —Posso, se me deixar utilizar amparo. Ela assentiu, confusa. —Naturalmente. Por que não teria que te deixar? Em um instante, desmontou-a e ela observou incômoda como abria uma gaveta, tirava uma camisinha e deslizava sobre seu membro rígido. Enlaçou-a então pela cintura e ela gritou ao encontrar-se de novo em cima dele. Era estupendo tê-lo outra vez dentro. Christian mordiscou sua orelha. Chupou e cresceu em seu interior. Era incapaz de pensar... Braços, peitos e ventres estavam empapados de suor. Ele se arqueou em seu interior e ela desceu sobre ele. Enterrou-se em suas profundidades, ela com as pernas sobre as coxas dele. Seus dedos desceram de novo, entrando em seu pegajoso pelo até alcançar seus lábios inferiores. Para Jane eram como seda derretida... Como seriam para ele? Estava acalorada, suarenta e despenteada, mas era maravilhoso. Continuou saltando sobre 159

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ele, mas com as pernas pendurando, sentia-se torpe. Era incapaz de encontrar o ritmo, tinha a sensação de estar dançando espantosamente, mas ele grunhiu: —Goze para mim, Jane. Seus habilidosos dedos continuavam riscando círculos sobre seu palpitante clitóris. Uma vez mais, apanhou um mamilo entre seus lábios. O prazer estalou por todos os lados: em seus seios, em seu sexo, no mais profundo de seu corpo. Muito. Mas não tinha medo. Não tinha medo de ser tão avara e querer muito. —Christian! —Estava chegando de novo. Ele seguia penetrando-a. E com cada arremesso aumentava a intensidade de seu clímax. Ofegava porque já não podia respirar e tinha a sensação de que sua cabeça se faria pedacinhos se aquilo não parasse, mas dava igual, e não pôde fazer outra coisa que render-se... ao calor, ao prazer e ao céu. Gritos incoerentes esmagavam seus ouvidos. Seus gritos de liberação. Agarrou-se a ele, cavalgando-o enquanto diante de seus olhos estalavam estrelas e o êxtase a arrastava pelos ares. —Vou gozar, Jane — disse ele com voz rouca. Penetrou-a com força e chegou ao fundo de seu ventre. Jogou a cabeça para frente e, de repente, seu corpo ficou rígido. —Sim —gritou, —sim, meu amor, sim. Ela o abraçou, apaixonada por seu orgasmo, apaixonada em como atormentava seu corpo, apaixonada pela expressão agônica de seu rosto, conhecedora do prazer que estava sentindo. Com um grave grunhido, um grunhido que arrepiou sua pele, Christian se deixou cair na cama, arrastando-a com ele. Beijou-a na testa e pôs-se a rir. E ela riu também. Sua risada compartilhada a fazia sentir-se unida a ele. Ajudava a esquecer os temores que traria consigo o amanhecer. A rodeou com o braço. Atraiu-a para ele, as costas quentes e molhadas dela colada a seu torso nu e suarento. —Dança muito bem, Jane. Seus movimentos me hipnotizam. Gostou, carinho? —O que me ensinou esta noite me cativou. —Teve que engolir em seco. —Cativa-me, Christian. —Aquilo soava perigosamente parecido a uma admissão de seu amor. Se o que queria era combater aquela emoção sem esperança alguma, o melhor que podia fazer era calar-se. Mas o amor era inevitável. Não era uma emoção suscetível de ser ignorada. Ela, que tinha aprendido a reprimir todas suas emoções com seu falecido marido, não podia se obrigar agora a não amar Christian. Não era tão fácil. —Teria que ir para minha cama — sussurrou. Beijou-lhe carinhosamente a orelha e suspirou de satisfação, um som que ela jamais tinha ouvido emitir a um homem. —Fica comigo esta noite, Jane. Está no lugar que te corresponde. A respiração de Christian acabou adquirindo um ritmo regular. Jane a escutava com tanta atenção, que inclusive seu coração começou a pulsar no mesmo ritmo. Desejava fechar os olhos, 160

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dormir como ele. Mas não podia. Ao amanhecer, desafiaria em duelo com Treyworth. Só restavam duas horas. Com cuidado, empurrou o braço dele e se separou de seu peito. O colchão rangeu e se incorporou. Devia observar com atenção seu semblante ante uma mínima piscada, um sinal que indicasse que se deu conta de que já não estava aconchegada junto a ele. Mas quando o olhou, seu coração se derreteu. Tinha as pestanas longas e escuras. As feições relaxadas, dando o aspecto de juvenil inocência que supostamente os homens têm quando dormem, mas que ela, pessoalmente, nunca tinha visto. Moveu um pouco as pálpebras, mas continuou respirando tranquilamente. Tinha pronunciado seu nome. Em sonhos, tinha falado dela. Tinha que fazer o que tinha planejado enquanto ainda tivesse determinação. Contendo a respiração, Jane pisou por fim o chão. Ele nem se moveu, de modo que atravessou a quarto em direção ao roupeiro. Tinha pouca roupa por se tratar de um cavalheiro, embora fosse provável que não houvesse trazido todas suas coisas com ele. Tinha retornado a toda pressa para salvar Do. Supôs que sempre tinha tido a intenção de voltar para a Índia. Jane acariciou uma camisa. Nem sequer a lavagem conseguia anular aquele aroma dele tão intenso e delicioso. De um lado havia uma fileira de gavetas. Abriu uma. Encontrou abotoaduras de ouro junto com um relógio de bolso. Na seguinte gaveta havia gravatas. Apanhou quatro. Serviriam para o que tinha pensado fazer. Para o que tinha que fazer. Estremeceu ao pensar naquele momento no clube, quando Sapphire Brougham tinha explicado que podia amarrar um homem na cama. —O que? —murmurou Christian. Moveu-se, tentou ficar de lado e não pôde. —Que demônios...? —Puxou os braços. Não podia movê-los. Algo o impedia. Cordas. Ou os braços de um criado forte. Seu pai bateria nele com a bengala... para tirar de cima toda sua maldade. Agitou-se com violência. Os lençóis deslizaram deixando ao descoberto seu corpo nu. A cama se levantou e caiu no chão enquanto seguia lutando por liberar-se. —Por Deus! —Gritou, tratando de combater o medo que sempre provocava aceitar em silêncio os castigos de seu pai. —Não. Soltem-me... —Christian, Christian! Para. Para, por favor! A voz de Jane cortou como uma faca afiada seus confusos pensamentos. Abriu os olhos de repente e se deu conta de que tinha estado gritando a todo pulmão. —Jane? —Levantou a cabeça. —Que demônios faz? Pensava..., nem sequer sei o que pensava. —Assim não poderá ir para que o matem — disse Jane com voz desafiante. Mas mordeu o lábio a seguir. Ele baixou a vista até seus pés. Estava preso pelos tornozelos e os pulsos. Estava estendido 161

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na cama aberto de braços e pernas, preso às quatro colunas que sustentavam o dossel. Por todos os diabos, no que Jane estaria pensando? Sabia que jamais teria se atrevido a fazer isso a Sherringham. Bom sinal, não? Significava que não tinha medo dele. O coração pulsava ainda com força pelo terror que se deu procuração dele ao despertar. Jane se colocou aos pés da cama. —Podemos vencer Treyworth com a ajuda da lei, não com arriscadas pistolas em um campo coberto de névoa. Christian suspirou. —Não pode fazer isto a Pomersby, carinho. —A quem? —Ao Reginald Smithwick, visconde de Pomersby. Será meu segundo, igual foi há oito anos. Embora desta vez, não dava ao pobre muitos detalhes a respeito do que tinha que fazer. — Começou a brigar de novo com as gravatas, mas os nós estavam muito apertados. —Faz umas horas enviei uma nota dizendo que estivesse a ponto ao amanhecer, assegurei-lhe também que não haveria possibilidade alguma de que tivesse que lutar em meu lugar e, por último, aconselhei que não perdesse o tempo tentando negociar uma reconciliação. Jane ficou branca. —Tinha esquecido por completo da figura do segundo. —Se eu não me apresentar, terá que lutar em meu lugar. Via-a tão desmoralizada que encolheu seu coração. —Então, não há maneira de evitar que tenha lugar este condenado duelo. Nenhuma forma de garantir sua segurança, a menos que... —Duvidou. —Não poderia... não poderia disparar você primeiro? —Não penso fazer armadilhas, Jane. —Não. —Suspirou. —Nunca faria, verdade? É muito nobre para fazê-lo. —Em que consistia seu plano, Jane? Quanto tempo pensava me ter preso à cama? Eternamente? —Precisava te ter encerrado em algum lugar. O tempo necessário para te fazer entrar em razão. —Já sabe, Jane —disse com voz rouca, —que nesta posição estou completamente a suas ordens. Jane franziu o sobrecenho. —Já o pensei, mas temo que não. —É a verdade. Aqui você manda. —Havia-o coberto com um lençol que Christian viu levantar-se à medida que o sangue ia descendendo nessa direção. —Pode me fazer o que deseje. —Como pode pensar nisso agora? —Fez uma pausa e negou com a cabeça. —Isso seria te fazer coisas contra sua vontade. Não poderia. Mas sim tinha podido, sendo plenamente consciente disso, atá-lo à cama. Christian piscou o olho. —Nem inclusive te assegurando de que estou mais que disposto? 162

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—Como pode sorrir desta maneira depois de que te tenha preso à cama? —De que maneira? —perguntou, a pura imagem da inocência. —Dessa maneira maliciosa, como se estivesse a ponto de me fazer algo muito perverso. —O que quero carinho, é que seja você que me faça coisas perversas. —Vou te desprender. —Não até que se ponha em cima de mim e me cavalgue até perder a cabeça, carinho. Eu gostaria que fizesse, eu estando preso. Ficou olhando-o boquiaberta. Via que ele esperava que o repreendesse por sua ousada solicitude. Mas ela inclinou a cabeça, franziu o sobrecenho, mordeu o lábio, e disse por fim: —De acordo. De acordo? E antes inclusive de que pudesse sorrir por sua boa sorte, ela se encarapitou na cama e retirou por completo o lençol. Jogou para trás o cabelo com delicadeza. Passou a língua pelos lábios lenta e sedutoramente e o batimento do coração dele acelerou até converter-se em um rugido para seus ouvidos. De repente, ela se inclinou para frente e aproximou a boca à cabeça de seu membro. Sacudiu-se preso à cama, perplexo e excitado. Dando aquele beijo amoroso em seu rígido sexo estava preciosa. O pênis se inclinou para ela, sua cabeça ansiosa por encontrar sua boca. Observou seus fluidos dando brilho aos lábios dela. “Deus, sim, carinho”. Esteve a ponto de perder o controle e explodir vendo a expressão contemplativa de Jane lambendo e o saboreando. Era imensamente mais erótico que qualquer gesto calculado. —É tão... tão fascinante... —murmurou. —É bom? —Delicioso. —Com um sorriso atrevido, envolveu uma vez mais com sua celestial boca a cabeça de seu membro. E a cabeça que sustentavam seus ombros esteve a ponto de explodir. Jane cavou as bochechas, seus rosados lábios se abriram em torno dele. Começou a chupá-lo com convicção, movendo-se para cima e para baixo. Seu coração se acelerou à medida que foi absorvendo-o com mais profundidade. Agarrou-se às gravatas, encurvando máximo possível para poder olhar. Aquele atrevido ângulo o levou ao máximo, voltou-se para trás, deixando-se levar, e balbuciou: —Carinho... Mas ela voltou a agarrá-lo. Chupou-o com força, depois com suavidade, jogando, explorando, com uma curiosidade tão doce, que acreditou que o coração acabaria estalando. Nunca tinha alcançado o clímax na boca de uma mulher. Sempre tinha se controlado. Mas Jane tinha deslizado a língua por todo seu membro. Tinha acariciado seus testículos simultaneamente. Ele tinha deixado ir como um escolar ignorante. O orgasmo o havia abatido. Tinha gritado preso à cama com dossel. E havia sentido sua boca movendo-se sobre ele, devorando sua semente. Jane... 163

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Derrubou-se, seu coração pulsando entusiasmado, seu cérebro alagado de prazer. —Eu gostei — sussurrou ela. —Gostei de te dar prazer. Ele riu entre dentes. —É um tesouro. Deveria te agradecer por me conduzir até o céu. Ela ficou de cócoras e seu rosto escureceu. Quando viu que levava uma mão ao ventre, a realidade de sua tristeza atravessou Christian como uma lança. Devia estar pensando no menino que podia levar dentro, em que podiam matá-lo e que ela ficaria sozinha. —Sinto muito, Jane — murmurou. Fazia exatamente o que seu pai natural tinha feito a sua mãe: condená-la à desgraça —Merece casar com um homem que te adore, merece... —Para. Jurei que não voltaria a me casar. Não me casarei, nem que esteja grávida. Assim simples. —Mas o matiz de sua voz deixava claro que a questão não era tão singela. Jane se dispôs a desatá-lo, seus seios dançando diante de seu rosto. Não suportava fazê-la infeliz. Inclinou-se e capturou um mamilo em sua boca. —Christian! —Mas deixou que chupasse. Seguiu excitando-a, mas pensando em algo muito mais profundo que o jogo sexual. Jamais tinha conhecido a uma mulher tão complicada. Aquela noite o tinha preso e bem preso, literalmente. Quem era realmente Jane? A garota tímida que fugiu dele no terraço? A cruzada que tentou deter a carreira de carruagens? A teimosa resgatadora que enfrentou seus medos no clube para salvar a sua amiga? Jane era todas elas: uma complexa mistura de feminilidade, força e vulnerabilidade. E tinha descoberto, além disso, outra vertente dela, a da mulher sensual que desejava amar, e que, entretanto, para proteger seu coração, negava-se o sonho da felicidade, o matrimônio e a maternidade. Mas o merecia. Sentiu crescer em seu interior um desejo potente. O desejo de ser o homem capaz de oferecer-lhe Mas não era. Jamais poderia sê-lo. Levava seu filho já no ventre, teria que saber sua verdade. E ele não queria contar-lhe. CAPÍTULO 19 “Estava mais que simplesmente zangado”. Estirou-a até ter o rosto de Jane frente ao dele. —Sei que há alguém mais. Vejo em seus olhos. Pensava nele quando pronunciou seus votos comigo? Foi dele antes que minha? Empurrou-a e ela caiu de costas sobre a cama. A saia de sua recém-estreada camisola deixou a descoberto suas pernas. Aquela mesma manhã tinha jurado fidelidade aquele homem. Era sua noite de bodas. 164

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—Eu... —Não sabia o que fazer. Estava tão angustiada que não podia nem pensar. O que tinha acontecido? Deveria defender sua virgindade? Não o amava, e ele sabia..., tinha notado. Havia dito que sabia que o seu não era um matrimônio por amor. Mas estava zangado, raivoso e era monstruoso... Jane despertou de repente, seu coração acelerado. Empapada de suor, tinha os lençóis colados em sua pele nua e enrolados como uma corda entre suas pernas. Não tinha sido mais que um sonho. Outro pesadelo. Esfregou os olhos e se voltou... Estava na cama de Christian, e ele não... foi-se já ao Chalk Farm. A luz do sol entrava suavemente entre os pesados cortinados de veludo e se incorporou de repente para olhar com desespero o relógio do suporte da lareira, mas as remelas impediam de vê-lo com claridade. Era evidente que fazia já um bom momento que tinha amanhecido e que não podia fazer nada para trocar seu destino. Tremente, deixou-se cair de novo sobre os lençóis de linho e a grossa colcha e ato seguido, levantou-se. Seu roupão estava em uma cadeira. Christian teria deixado ali antes de sair a bater-se em duelo? Um quadrado branco na mesinha de noite. Tinha tido, além disso, o detalhe de deixar uma nota. “Voltarei logo, carinho. Prometo isso”, dizia. —OH, Christian, não pode prometer isso. Mas a mensagem tinha muito a ver com Christian que recordava de sua juventude: crédulo e arrogante. Agora, tinha descoberto nele aspectos que jamais imaginou que existiam. Falta de confiança em si mesmo. Incerteza. Remorso. Vestiu o roupão e colocou a cabeça pela porta. Saiu a seguir ao corredor disposta a chegar correndo a seu quarto, onde chamaria uma criada. Mas se deteve em seco. Dois fortes criados flanqueavam a porta do dormitório de Do. —Onde está? Uma criada me disse que não retornou ainda. E isso só quer dizer que... —Não — cortou Jane. A voz normalmente suave e doce de Do tinha divulgado tão fria como sua úmida mão. Jane apertou essa mão, sentou-se na cama de Do e tentou consolá-la com um abraço. —Talvez não tenha retornado ainda, mas acredito que o fará em seguida. Não devemos nos preocupar. Expressava esperança, como se pronunciar seu desejo em voz alta pudesse fazê-lo realidade. Mas Do negou com a cabeça. Tinha os lábios brancos e os olhos afundados. —Já teria que ter voltado estas horas. —levantou-se da cama e se aproximou da janela, mas a quarto dava ao jardim traseiro. —Se ainda não retornou... —Não significa nada até que saibamos o ocorrido. Jamais presenciei um duelo, mas deve levar seu tempo. E os homens... depois possivelmente fiquem falando de suas coisas. —Talvez um médico tivesse tido que atender a um ferido. Notou um nó no estômago. Ou teriam tido que ir procurar a alguém da funerária. —Durante três horas? 165

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Enquanto Jane procurava uma resposta esperançosa e factível, Do continuou: —Têm-me prisioneira em meu quarto. Jane recordou os criados da porta, mas mentiu: —Acredito que não. Do se voltou lentamente, dando as costas à janela, e os vidros escureceram seu pálido rosto ovalado. Sua expressão não era a de uma pessoa ferida ou raivosa, a não ser perplexa. —Pois é verdade. Tentei sair e os criados não me permitiram. Seguindo ordens de meu irmão. —Faz para te proteger. Para que esteja a salvo, porque te ama. —E porque, compreendeu, temia que Do tentasse voltar de novo com Treyworth. Com um sentimento de culpa, Jane recordou ter dito a Christian que se comportava como Treyworth. Tinha lhe feito mal, e se perguntou também, se teria doído ordenar a seus criados que não deixassem Do sair de seu quarto. Mas compreendia por que Christian tinha dado essa ordem. Inclusive ela mesma o teria feito. Ela, que acreditava que a mulher tinha que ser independente e livre, teria trancado Do para evitar que voltasse com o monstro de seu marido. —Já sei que é por isso, mas eu... —Do se interrompeu, ruborizando. Jane a olhou com receio. —Por que tentou sair do quarto? Do afastou a vista. Começou a brincar com seu cabelo. —Só queria falar com meu irmão. Não pensava ir correndo para casa com Treyworth. Prometo isso. Mas Do continuava brincando nervosa com seu cabelo e olhando pela janela, inclinando a cabeça para que Jane não pudesse olhá-la nos olhos. A atitude típica de quem mentia. Jane sentiu um tombo no coração: Do havia, planejado escapar e voltar com Treyworth. E não lhe dizer a verdade. Jane olhou de esguelha o relógio do suporte da lareira. O ponteiro de relógio dourado avançou um minuto mais. Eram quase nove. De repente se deu conta do que isso significava. —Christian está vivo. —Como pode estar segura disso? —Tem que estar. Se Christian tivesse morrido, Treyworth teria vindo imediatamente para te buscar, Do. Esse bruto não teria permitido que passassem três horas. O olhar de Do brilhou de esperança e Jane se sentiu aliviada. Mas imediatamente, seu semblante se tornou sério. Treyworth estaria morto, sim, mas por que Christian não tinha retornado? E se tinha sido detido? Ou pior ainda..., e se estava ferido? Sentiu um formigamento nas costas. Sem saber por que, ficou em pé. Correu para a porta e apareceu a cabeça. Ouviu uma portada e gritos sufocados no andar de baixo. Algo acontecia. Os dois criados seguiam montando guarda..., podia deixar por um momento Do sem que esta corresse perigo. 166

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Jane recolheu as saias e saiu correndo. Quando chegou ao pé da escada, chocou-se com o senhor Huntley. Este se afastou e voltou a colocar devidamente os óculos no nariz. Depois de inclinar a cabeça a modo de desculpa, enrugou a testa ao vê-la: o cabelo solto caindo sobre suas costas em uma despenteada juba, o robe atado deixando entrever sua panturrilha nua. A Jane dava igual. Huntley tossiu para limpar a garganta. —Sua senhoria perguntou por você, milady. Está em seu escritório. Falava como se Christian se limitou a levantar-se tarde aquela manhã. Como podia estar tão tranquilo? Jane trotou para o escritório como uma cabra montesa, mas se deteve na porta, duvidando de repente. Lembrou-se da manhã em que a tinha pedido matrimônio, também em seu escritório. E ela tinha rechaçado a oferta. Evidentemente, se queria voltar a vê-la no mesmo lugar, só podia significar que sua negativa não lhe tinha partido o coração. Abriu a porta recordando que Christian tinha solicitado vê-la logo ao chegar. Não tinha ido ver previamente a Do. O que podia significar aquilo? Estava de pé junto ao aparador, perfilado pela luz do sol, com uma taça de conhaque na mão. Tinha um aspecto tão normal que teve que segurar na fechadura da porta para reprimir a necessidade de rir ou chorar, ou de ambas as coisas de uma vez. Christian levantou a vista. Seu cabelo negro como a noite caía despenteado sobre a testa, tinha o olhar langoroso e cansado. Pareceu-lhe que aquela não era a primeira taça que tomava. Jane entrou no escritório e fechou a porta a suas costas. —Matou-o. Saiu a frase sem poder evitar e rapidamente fez um gesto de desagrado. Aquelas palavras tão diretas tinham divulgado como uma acusação. —Morreu carinho. Mas não como consequência do duelo. Deixou a taça na mesa e derramaram umas gotas. De repente, avançou para ela, rodeou-a pela cintura e a levantou do chão. Aliviada, Jane estendeu a mão e acariciou seu rosto. Saboreou o contato de sua cálida pele. Aspirou profundamente seu aroma, a sândalo, couro, hamamelis. Quanto valor tinha agora tudo aquilo. Estava vivo, havia retornado, e isso significava que Do era livre e ele estava a salvo. Voltou a beijá-lo, capturando faminta sua boca. Só pensava em que poderia não tê-lo beijado nunca mais, em que poderia estar dando um último beijo a uma fronte gélida... —Para, Jane. —tornou-se para trás e a depositou no chão. Então recordou o que acabava de lhe dizer. —A que se referia com o de “não como consequência do duelo”? —Estive esperando no lugar combinado, mas não se apresentou, assim fui a sua casa e ali o encontrei. —Disparou nele em sua casa? —Aquilo seria assassinato. O que tinha ameaçado fazendo a noite passada quando o impediu de entrar no quarto de Do. Por muito aristocrata que fosse, o 167

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enforcariam por isso. A expressão de dor do olhar de Christian a levou a continuar duvidando. E muito devagar, perguntou-lhe: — Você o matou? A pergunta não o pegou de surpresa. Já tinha matado um homem em duelo e tinha ameaçado matar Treyworth. Era evidente que Jane acreditava que era capaz de assassinar. Com que força pulsava seu coração desde que ela irrompesse na sala. Tinha olhado cuidadoso o rosto iluminado, como se toda ela irradiasse luz e calor. Por ele. Mas agora seu olhar transmitia preocupação. —O que aconteceu, Christian? Conta, por favor. Podia contar a verdade, mas acreditaria em sua inocência? —Como te disse, Treyworth não se apresentou no Chalk Field. Enfrentei em duelo seu segundo, que resultou ser Dartmore, o marido de sua amiga Charlotte. —Dartmore? —exclamou, repentinamente indignada. — Aceitou brigar... estando Charlotte grávida? Christian sacudiu a cabeça. Era a típica reação de Jane. —Não se preocupe amor. Mata-lo não me servia de nada, de modo que disparei contra uma árvore inocente. Antes que nos dispuséramos a medir os passos, disse a ele que pretendia fazer isso e, surpreendentemente, ele fez o mesmo. Depois, fui em seguida à casa de Treyworth. Era incapaz de expressar com palavras o medo gélido que tinha percorrido suas veias quando a névoa se levantou e tinha compreendido que Treyworth não ia aparecer. Tinha acreditado que aquele canalha o tinha traído. Enfrentado a duas alternativas — ir a Treyworth House ou voltar correndo para casa, — escolheu a primeira. E enquanto conduzia para lá como um louco, tinha lhe aterrorizado a ideia de ter cometido um engano. Temia que Treyworth tivesse ido atrás de Do. —E o localizou? —Já o tinham encontrado morto no chão de seu escritório, apunhalado pelas costas. Jane ficou branca, mas moveu afirmativamente a cabeça vendo que Christian se aproximava dela. —Posso escutar. Não pare. —Radcliffe, o policial de Bow Street, já estava ali. O mordomo tinha-o chamado de Treyworth. Jane não dizia nada. Apoiou-se no respaldo de uma cadeira e parecia estar esperando. Esperando o que? Que proclamasse sua inocência? Todos os presentes em casa de Treyworth — o mordomo, Radcliffe, inclusive os mais insignificantes criados — tinham achado com receio e com a convicção de que, sem nenhum gênero de dúvida, era ele quem tinha decidido apunhalar ao Treyworth antes que bater-se em duelo com aquele miserável. Christian agarrou a taça de conhaque e a apurou. —Me conte o que aconteceu Estranhamente, o quente tom da voz do Jane atuou como uma ordem. —Duas testemunhas viram um cavalheiro de cabelo escuro cruzar os terrenos de Treyworth 168

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House justo antes do amanhecer. Uma das testemunhas, um criado com mais de vinte anos de serviço na casa, insiste em que o homem que viu era eu. Diz que inclusive escutou a seu senhor falando com um homem por volta das quatro da manhã. Ouviu que o visitante falava de que tinha retornado recentemente a Inglaterra por mar. O investigador de Bow Street acredita que sou culpado. Tendo em conta as provas das testemunhas, minha perversa reputação e o fato de que acabei com a vida de lorde Harrington em um duelo anterior, jurou que se pode demonstrar minha culpa, acabarei na forca. —Na forca! —Jane sentiu fraquejar suas pernas, mas se agarrou ao aparador para manter o equilíbrio. —Pensa vir aqui para interrogar Do, se é que é capaz de falar. E para interrogar a você, Jane, sobre mim. Jane deu um passo à frente, igual a tinha feito quando ele ia irromper no quarto de Do, quando corajosamente havia interposto seu gracioso corpo entre a raiva dele e seu objetivo. Segurou-lhe o pulso. —Não me disse se o fez ou não. Contou o que outros pensam que fez. Mas eu não acredito que possa tê-lo feito. Christian se surpreendeu com sua reação. Seu pai acreditava que ele era destinado à maldade, à perversão e às más artes por causa de sua ascendência. Todos os presentes na casa de Treyworth tinham dado por certa sua culpa. Mas Jane, que sabia que tinha matado anteriormente, saía em sua defesa. —Não, carinho. Não o matei. É a verdade, embora duvide que alguém acredite. Agora tenho que ir contar a minha irmã que seu marido morreu. Mas Jane se interpôs entre ele e a porta. —Alguém matou a Treyworth. Não é possível que tenha tirado sua própria vida cravando uma faca nas costas. Pesaroso, Christian sacudiu a cabeça de um lado para o outro. Em sua cabeça soavam as sirenes de alarme. —Quem pôde fazê-lo? Quem mais podia querê-lo morto? —Não pode ter sido Do — disse Christian. —postei dois criados para que montassem guarda na porta de seu quarto e uma donzela para que a vigie dentro. —É óbvio que não foi Do! Jamais teria pensado que Do fosse capaz de fazer uma coisa assim. —Mas afastou a vista... Estava lhe escondendo algo. E antes que ele pudesse perguntar, começou a perambular de um lado a outro, murmurando. —Quem? Quem mais? —Franziu o cenho e esfregou o queixo. —Estou pensando desde que o encontrei e tenho descoberto que sou o candidato favorito para subir ao cadafalso — disse Christian. Sua aposta pelo humor negro não evitou que Jane continuasse perambulando de um lado para outro da sala. —Um cavalheiro do clube... —refletiu. —Um dos amantes de Do, possivelmente, para protegê-la. Ou para liberá-la. 169

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—Voltou-se para ele. —Tem essa lista de nomes. Um homem que amasse a Do certamente teria que odiar Treyworth. —Franziu o sobrecenho, pensativa. —Treyworth violava garotas virgens. Poderia ser um pai ou um irmão de alguma dessas jovens. A necessidade de deter a decidida marcha de Jane, de atraí-la para ele e de recapturar sua boca em um beijo apaixonado era tão forte que estava perplexo. Mas tentou reprimir o desejo. Era a única que acreditava nele. —Existem outras possibilidades mais à frente do clube — recordou apoiando o cotovelo no respaldo da poltrona. —Poderia tratar-se de um marido irado. Poderia ser por uma dívida. Um criado, surpreso roubando, possivelmente. Quer dizer, a verdade era difícil de descobrir e Radcliffe o mandaria ao cadafalso antes de perder o tempo procurando-a. Jane fechou as mãos. —Temos que encontrar ao assassino. antes que o prendam por algo que não fez! Para começar, deve me dizer os nomes dessa lista. —mordeu o lábio com ar pensativo e olhou em direção à porta. —Ou poderia tratar de perguntar a Do... —Não começará a procurar o assassino para me proteger. Não permitirei. Jane o olhou com ira, e Christian viu nela a ousada determinação da amiga fiel que se pôs em perigo por Do. Só que nesta ocasião, todo seu fogo e sua paixão eram por ele. —Por muito que queira Christian —declarou, —você não me controla. —Sou uma pessoa horrorosa, Jane? Quereria chorar. Deveria sentir dor. Mas não. A única coisa que sinto é alívio. Jane sentiu encolher o coração ao ver como Do a olhava pestanejando, um lenço seco feito uma bola no interior de seu punho fechado. Observou o reflexo de sua amiga no espelho da penteadeira. —É normal que se sinta aliviada. E Treyworth era um monstro que não merece suas lágrimas. Do duvidava. —Sabe o que tenho feito depois de que Christian me disse isso? Quando saiu do quarto? Não, claro que não sabe..., estava sozinha em meu quarto. —Apertou o lenço de encaixe. —elevei a vista ao céu e disse: “Obrigada”. E depois sorri. Deveria ter chorado, mas fiquei ali sorrindo, dando graças ao céu. Resultará que ao final, possivelmente sim esteja louca... —Não, não está — a interrompeu Jane. —Eu fiz o mesmo quando me inteirei de que Sherringham tinha morrido. Saí ao terraço, inspirei profundamente o ar da primavera e me senti livre por fim. Isso não é mau, Do. Ajudou-a a incorporar-se. Pela primeira vez desde seu resgate, Do tinha se vestido e prendeu o cabelo em um coque baixo. Jane sorriu. — Está forte... forte e valente, Do. Isso é o que é. Animou-lhe muito ver o leve sorriso que sua amiga esboçava. Quando Sherringham morreu, ela necessitou do apoio de tia Regina durante 170

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os primeiros dias, semanas e meses. Pensava fazer o mesmo por Do. E por Christian. Ajudaria a descobrir quem tinha matado Treyworth. Acaso pensava que ficaria sentada sem fazer nada à espera que capturassem ao verdadeiro assassino? Ele era um homem teimoso que estava decidido a não envolvê-la. Negou-se a revelar os nomes da lista de amantes de Do e tinha advertido que não falasse do tema com ela. Mas, em que apesar disso, e em voz baixa, dirigiu-se a sua amiga e comentou: —Petersborough disse que estava apaixonado por você, Do. Do negou com a cabeça. —Dizia que estava... mas penso que simplesmente gostava de ser meu “protetor” no clube. —Abriu os olhos de par em par. — Não estará pensando que matou Treyworth por mim? Nunca teria feito. Por muito que eu importasse, não haveria... assassinado meu marido. —Sinto muito. Não deveria ter tirado o tema. —Me... me alegro de que o tenha feito. Porque essas serão o tipo de perguntas que me formularão. —Do respirou fundo. —Acredito que estou preparada para descer, Jane. —Está segura de que quer falar com o policial de Bow Street? Do respirou fundo de novo, assentiu e tocou o cabelo..., um gesto tão normal que a Jane tremeu os lábios. —Para proteger Christian, sim. Estou decidida a fazer como você, Jane, e confrontarei tudo isto se você estiver ao meu lado. —Lady Sherringham, lady Treyworth, meus mais sentidos pêsames. Jane estremeceu ao levantar a vista e ver o cinzelado rosto e os diminutos olhos de Hadrian Radcliffe, o policial de Bow Street. Não vestia o colete vermelho que os homens de Bow Street utilizavam quando patrulhavam a pé ou a cavalo, mas sim estava vestido como qualquer cavalheiro. Seu cabelo loiro recordava o de Salaberry, mas tinha os olhos negros como o carvão, flanqueados por pestanas também negras, e um olhar tão intenso que obrigou a Jane a dar um passo atrás. Aquele homem acreditava que Christian era um assassino. Instalou-se no sofá junto a Do, no salão da ala oeste, a sombria sala onde ela e Christian tinham interrogado à senhora Small. Radcliffe tomou assento diante delas, mas Christian permaneceu de pé. O policial começou com Do, que estava sentada rígida e imóvel, as mãos entrelaçadas em seu regaço. Inclusive depois de tanta comoção, Do era muito bela e o olhar do Radcliffe se abrandou um pouco ao vê-la. —Poderia lhe perguntar, lady Treyworth, se você souber de algum inimigo que seu marido pudesse ter? —Não... Não sei. —Mas seu olhar se dirigiu a Christian e Jane sentiu o estômago apertado. Do pensaria que Christian era o culpado? Não tinha ocorrido perguntar dava por certo que Do acreditava na inocência de seu irmão, igual a ela. —Falei com os dois criados que montaram guarda — disse amavelmente Radcliffe a Do. — Ambos afirmam que permaneceram alerta e acordados toda a noite. Ambos afirmam que você 171

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não saiu em nenhum momento do quarto. Entretanto, são criados a serviço de seu irmão e fiéis a ele. Jane viu que Christian se adiantava, disposto a falar. Mas Radcliffe se voltou para ele. —Se me fizer o favor, milord, ou do contrário terei que falar com lady Treyworth a sós. Se Christian fosse um lobo, sua fúria teria arrepiado seu cabelo. Grunhiu como se fosse, mas retrocedeu. Do respirou fundo e Jane sorriu para animá-la. —É verdade, mas sua palavra me salva, não a meu irmão. Asseguro que não menti senhor Radcliffe. “Touché, senhor Radcliffe”, pensou Jane. —Permite-me a ousadia de perguntar por que lorde Wickham pôs sentinelas? Foi para protegê-la de seu marido? —Tal... talvez. Não o perguntei. —Do baixou a vista. —Quando despertei, encontrei esses homens ali. Sim, assim me sentia mais... segura. —Foi também porque sua senhoria temia que você desejasse retornar com seu marido? Do ficou em silêncio. —Falei com sua donzela, Alice, e afirma que você insistia em que devia retornar com seu marido. Que estava decidida a voltar com ele quando viesse recolhê-la. —Eu... —Amava a seu marido e desejava voltar com ele? Jane sentiu um nó na garganta. Christian voltou a dar um passo à frente adotando uma postura intimidadora, mas Do o olhou. —Senhor Radcliffe, quero que conheça a verdade sobre meu marido. Christian inclinou a cabeça para Do. Era como ver uma pomba e uma pantera. —Meu marido era um homem aterrador, senhor Radcliffe. Não era um cavalheiro e... —Do gaguejou. —Não, não o amava. Jane olhou diretamente nos olhos azul claro de Do e lhe sussurrou: —Não tem necessidade... —Mas Do moveu a cabeça com determinação. Tremente, explicou à polícia tudo o que sabia: as jovens, o diário de Treyworth, o dia em que bêbado admitiu tudo e, finalmente, relatou seu encarceramento. A expressão do Radcliffe se tornou triste e compungida. —Compreendo-a, lady Treyworth, e por hoje não farei mais perguntas. Rogo que me desculpe. E humildemente lhe ofereço tanto minha admiração como minha compaixão... mas meu dever consiste em procurar que se faça justiça. E vejo que seu irmão estava disposto a protegê-la a qualquer preço. Do ficou branca. Jane segurou sua mão e se voltou para o Radcliffe. —Sugeri a lorde Wickham que fizesse armadilhas no duelo para que não o matassem e para que Do estivesse a salvo. Mas se negou, porque é um cavalheiro honorável. Nunca mataria Treyworth a sangue frio... —Não faria armadilhas diante de testemunhas, milady. —Radcliffe lançou a Christian um 172

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prolongado olhar de avaliação. —Não é certo, milord, que faz oito anos se bateu em duelo e matou a um homem por sua amante, que resultou ser a esposa desse cavalheiro? —É certo. Jane sufocou um chiado. Desejava explicar a gritos todos os atos nobres que tinha levado a cabo. Explicar que tinha resgatado garotas cativas em haréns, que tinha salvado a homens na Índia, que tinha resgatado Do e tinha salvado sua vida... —Disseram que não lançou ao ar, nem sequer depois de que lorde Harrington lhe disparasse e falhasse o tiro. Christian se passou a mão pelo cabelo, uma luva negra entre brilhante seda negra. —Falhou porque não me deu no coração, mas sim no ombro. E como um parvo arrogante, acreditei poder salvar sua vida lhe apontando também no ombro. Mas a ferida me fez errar o disparo. Harrington tentou apartar-se. Mas saltou justo na direção de meu disparo. Não tinha intenção de matá-lo, embora sim de infundir medo. Sim, mantinha um romance com sua esposa, mas ele descarregava sobre ela toda sua raiva. Enchia-a de marcas e eu queria lhe dar um castigo para que nunca mais voltasse a pôr a mão em cima. Minha intenção não era matá-lo, mas tampouco tinha eu direito a receber aquela bala..., a correr aquele risco. Jane viu a dor no olhar de Christian. O arrependimento. Do rompeu o silêncio. —Meu Deus! Depois do que disse nosso pai, de tudo o que eu te disse... E nunca teve intenção de matá-lo. —Uma lágrima escorregou por sua bochecha e Jane apertou sua mão com carinho. Radcliffe inclinou cortesmente a cabeça para Christian e logo para Do. —Apresento-lhe de novo minhas desculpas, milady. Jane soltou a mão de Do e se levantou de repente de seu assento. —Já vê que lorde Wickham não matou deliberadamente lorde Harrington. Foi um acidente. —Só pelo que explica lorde Wickham. —Falou acaso com os segundos, Radcliffe? —Perguntou Christian com frieza. —O meu foi o visconde de Pomersby. Lorde Carlyle, ironicamente, foi o de Harrington. Contarão que Harrington saltou para um lado. E que o resultado, foi minha ação intencionada ou não, foi a morte do conde. Não tinha se perdoado por aquele duelo. Depois de todos os anos transcorridos, seguia zangado consigo mesmo por ter provocado a morte de Harrington. Jane compreendia agora por que se bateu em duelo. Não tinha sido por orgulho masculino, nem por teima, nem pelo desejo de ter Georgiana. Tinha-o feito porque considerava seu dever proteger a uma mulher de seu marido maltratador. OH, não, nunca seria capaz de deixar de amar Christian. E agora tinha que ajudá-lo. Acreditava na inocência de Christian. Acreditava nela com todo seu coração. Mas necessitava tempo para que entre todos pudessem demonstrá-la. —Não pode ser o assassino — disse Jane. —Porque a última noite a passou em seu quarto comigo.

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Tinha mentido por ele. Atônito, Christian sabia que não podia permitir que Jane fizesse aquilo. Mas antes que lhe desse tempo a negá-lo, Radcliffe tinha equilibrado sobre ela como um sabujo. —Esteve acordada toda a noite com sua senhoria, milady? E lhe peço desculpas pela rabugice da pergunta. —Não é necessário que se desculpe — replicou Jane, pálida. E naquele instante, Christian adivinhou que voltaria a mentir. Deu um passo à frente. —Dormiu Radcliffe. Vamos ao ponto. Há ao menos uma hora de tempo em que nem lady Sherringham nem nenhum membro de meu pessoal podem dar razão de meu paradeiro. Estava em meu escritório, mas não posso contribuir com testemunhas. —Christian... Mas Radcliffe sorriu. —Admiro o cavalheiro que não conta mentiras desesperadas. Christian não disse nada. Estava tranquilo e frio, à espera, enquanto Radcliffe movia o queixo e Jane temia que seu coração fosse explodir de tão acelerado que pulsava. —De entrada, milord —declarou Radcliffe, —tenho que admitir que era você quem a meu parecer tinha maiores motivos. Além de lady Treyworth... Apresento-lhe de novo minhas desculpas, milady. Mas, na última hora da manhã, registrei o escritório de lorde Treyworth sob o olhar vigilante de seu mordomo. —Sua voz adquiriu um tom seco e sarcástico. —Acredito que suspeitava que fugiria com a prata durante minha investigação. Jane abriu a boca disposta a replicar, mas foi Do quem tomou a palavra. —Muito improcedente por parte de Worthington. Pedirei que não interfira em sua investigação. Jane viu que Christian olhava a Do tão surpreso como ela tinha feito. E ao ver a expressão de perplexidade do policial, Jane aplaudiu Do em silêncio. Radcliffe estava morto de calor. —Sinto fazê-la passar por isso, milady. O fato é que encontrei um montão de cartas pegas no rosto inferior de uma das gavetas do escritório. —No rosto inferior? —A tensa pergunta era do Christian. —Terá que remover céu e terra, milord. Ao que parece, lorde Treyworth estava chantageando lorde Sherringham pouco antes de seu falecimento. Jane ficou olhando para Radcliffe, perplexa. —Como é possível? Eram amigos íntimos. —Lorde Treyworth tinha conservado as cartas de Sherringham... cheias de virulência e raiva, mas Sherringham tinha pago. Até uma soma de vinte mil libras antes de seu falecimento. Jane estava escutando aquilo, mas se sentia incapaz de processar. Quando morreu Sherringham, estava em bancarrota. Teria estado entregando dinheiro ao Treyworth? Do levou a mão à boca. —OH, meu Deus. Esbanjava. Acreditava que ganhava o dinheiro nas cartas. As palavras de Do despertaram Jane de sua comoção. 174

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—E que poder tinha sobre meu marido? Christian. Sentiu sua enorme figura a seu lado. Uma advertência para Radcliffe? Mas tinha que conhecer a verdade. Tinha que reunir a força necessária para escutar a verdade sobre seu finado marido. Radcliffe olhou de esguelha para Christian. —Sua senhoria me pediu que guardasse silêncio até que fora estritamente necessário contar-lhe. Uma testemunha acusou lorde Sherringham de assassinato, do assassinato de duas atrizes e de outras jovens na casa propriedade da senhora Brougham em Blackheath. —Somente acusado — grunhiu Christian. —A enfermeira não foi testemunha dos assassinatos, Radcliffe. Escutei o testemunho da mulher. Não pôde afirmar com segurança que lorde Sherringham foi o assassino. Duas atrizes. As mulheres desaparecidas do clube. E Christian sabia. Inteirou-se daquilo sobre Sherringham e não tinha contado. E a senhora Brougham tinha mentido. Radcliffe a examinava, os braços cruzados sobre seu peito, o rosto impassível. Avaliava sua reação que não era outra que a mais absoluta surpresa. Estaria indicando isso? Então, entre o rugido surdo que sentia nos ouvidos, Jane viu a esperança e se agarrou a ela. —Se Treyworth estivesse chantageando a alguém mais, essa pessoa poderia ser seu assassino. Não Christian. Notou que Christian dava um coice, surpreso. —Certo milady. O problema é que não encontrei mais cartas. Nenhum indício de que estivesse chantageando a alguém mais. —Mas podia estar fazendo — gritou Do. —Faz um mês, comprou vários cavalos para seu estábulo. Adquiriu uma reserva de caça que era propriedade de um dos duques reais. Acumulava faturas. Devia estar chantageando a alguém mais! CAPÍTULO 20 Encontrou-a no jardim depois do jantar. Do tinha se retirado cedo a seu quarto e Christian foi em seguida a busca de Jane. Estava apoiada em uma pérgula adornada com roseiras, os braços cruzados sobre o peito. Seu cabelo avermelhado dourado estava emoldurado por flores brancas e a brisa levantava ao seu redor pétalas de doce perfume. Usava um xale sobre os ombros. Christian estava possuído por um agudo sentimento de culpa. Deveria haver explicado a Jane os pressupostos crimes de Sherringham. Teria que ter sido informada por ele, quem teria explicado delicada e cuidadosamente. Nunca teria que ter conhecido a brutalidade de seu marido por boca de um policial de Bow Street. E tinha sido assim por culpa da egoísta necessidade sexual que tinha dela. Jane se voltou ao ouvir o som de suas botas na pavimentação. Tinha os olhos vermelhos, mas também um gesto decidido no queixo. —A enfermeira sabia quais são os membros do Clube dos Diabos? 175

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Ficou atônito. Imaginava imersa na angustia e na dor. —Só pôde identificar Sherringham, porque um dos outros homens o chamou por seu nome. —Não viu nenhum deles? —continuou pressionando Jane. “Se disser, embarcará em sua busca”. Com sua vacilação, pôs má cara. —Sabia que não me daria os nomes dos amantes de Do, mas tenho de todos os modos... —Por Deus! Perguntou a Do? —Não, foi ela quem me disse. Perguntei a respeito de Petersborough e me disse, para te proteger. Não tinha coragem para contar isso a você. Tampouco ele para ouvi-lo. —E que nomes te deu? Fez uma careta e enrugou seu sardento nariz. —Petersborough, Salaberry, lorde Pelcham. E um dos prostitutos da senhora Brougham, um jovem encantador, segundo Do. Chama-se Rory Douglas. Eram os nomes da lista da senhora Brougham. Não sabia se sentia tranquilo ou ainda mais pesaroso. —Sei. Falei com todos esses homens. —Devemos averiguar onde estiveram ontem à noite — continuou Jane, sua voz firme e resoluta. —Petersborough e Pelcham têm o cabelo escuro, e este último é largo de ombros e magro, como você. Temos que averiguar quem são os membros do Clube dos Diabos. É possível que Treyworth tenha estado chantageando a outros membros... —Não. —Por Deus. —Já é suficientemente perigoso que tenha tentado mentir a um policial de Bow Street por mim. Jane franziu o sobrecenho. —Não menti. Por isso sei, ontem à noite compartilhou sua cama comigo. Por um instante, Christian retrocedeu no tempo, até aquelas discussões que mantinham no terraço do imóvel que sua família possuía em Hartfordshire. Jane o olhava com os olhos abertos, impaciente. —Tenho que fazer, e não é só por você. Quero deter os membros do Clube dos Diabos. Quero fazer pelas mulheres que meu marido assassinou. “Deus”. —Sinto muito, Jane..., sinto ter mantido em segredo. Tinha pensado em dizer. Como já sabe, estive com Radcliffe quando a enfermeira chefe do manicômio contou toda essa história. Mas o que disse é certo: não sabemos com total segurança que Sherringham foi o assassino. —Mas eu acredito, Christian. Sei o que era, sei o malvado que chegava a ser quando estava encolerizado. Era o tipo de homem que descarregava sua raiva sobre as mulheres. Comigo, sempre se conteve. Mas com uma mulher desprotegida? Era capaz de fazê-lo. Segurou-a entre seus braços. Vendo que não resistia, embalou-a docemente. —Se Sherringham for culpado, não teria nada a ver contigo, Jane. Me assegurarei de que não saia à luz. —Isso não pode fazer, Christian. Haverá um escândalo. Mas não me importa, essas mulheres 176

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merecem justiça. —liberou-se de seu abraço. —Desde que Sherringham morreu não soube o que fazer. Não tinha nem um centavo em meu nome. Sobrevivi me convertendo na acompanhante de minha tia. Antes que Do desaparecesse, inclusive tinha começado a me reincorporar à sociedade. Em bailes e reuniões, sentava-me em um canto e via o mundo passar de comprimento. —Jane... —Quero fazer algo, Christian. Algo que tenha sentido! Não só pelas mulheres assassinadas, mas também para salvar a aquelas que possam se perder no futuro por culpa desses homens. Ajudar a essas mulheres é algo que posso fazer. E, em primeiro lugar, temos que encontrar à senhora Brougham. Ela saberá quem são os membros do Clube dos Diabos. Seguiria a corrente, mas não pensava permitir que ela investigasse esse clube. —É muito provável que a senhora Brougham já tenha fugido da Inglaterra. —Sim, suponho que sim. —Olhou-o receosa. —Sabe quem são os membros do clube? O sol a abraçava com seus últimos raios, perfilando-a em tons dourados. Seus ombros quadrados revelavam uma força profunda. Então a viu tremer um pouco. Um pingo de vulnerabilidade atrás de toda sua valentia. —Não vai me dizer verdade? —disse ela queixosa. —Farei só para que veja que te equivoca anjo — disse ele, igual a teria feito no passado. —A enfermeira só pôde contribuir com descrições vagas dos membros do Clube dos Diabos. Geralmente foram mascarados, mas viu só um rosto ao descoberto de soslaio pelo buraco de uma fechadura. Viu seis homens. Dois tinham o cabelo escuro, o outro era um atraente loiro, o quarto tinha uma calvície incipiente e nariz farpado, e o quinto tinha o cabelo castanho salpicado com algumas manchas. —E meu falecido marido? —Fará coisa de um ano, viu um homem de cabelo branco e disse que parecia que se chamava Sherringham. Jane permaneceu em silêncio, sua expressão tão vazia que Christian começou a ficar nervoso. Então, olhou-o. —Ofereci um álibi a você porque acredito em sua inocência, Christian. Mas parece decidido a se fazer passar por culpado. Quero entender por que. —Carinho, mentir só serve para piorar as coisas. Todo mundo me considera capaz de assassinar. Tenho assumido. —Não, não acredito que tenha assumido. Acredito que te dói no mais fundo. —Seu olhar inteligente o brocou. —Começo a me perguntar se tudo o que me contou no passado era uma mentira, para me levar a pensar o pior de você . —Não tudo — replicou ele, até dando-se conta de que Jane acabava de dizer a verdade. —Lembro que em uma ocasião te disse que não tinha coração porque foi de cama em cama. —ruborizou-se. —Mas alguma vez foi assim, verdade? Tudo o que pensava de você era errôneo. Agora vejo. Pasmo, Christian se deu conta naquele momento, em seu jardim e sob a luz de um sol mortiço, com Jane olhando para ele e vendo tão dentro dele, de que ela era o verdadeiro motivo 177

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pelo que tinha abandonado a Inglaterra. Ela sempre tinha insistido em que ele era algo mais que um caveira perverso. Não era uma vida vazia a sua? Dava conta agora de que tinha sido a reprovação do Jane o que lhe tinha levado a esforçarse por ser algo mais que um descarado amargurado, raivoso por ser um bastardo e porque tanto seu pai como sua mãe lhe odiavam. Tinha fugido, mas tinham sido as palavras dela — o aporrinhando sempre no interior de sua cabeça — as que o tinham animado a converter-se em um homem melhor. O cavalheiro que seu pai havia dito que nunca poderia ser. Quando tinha perguntado se praticava ainda jogos de submissão com as mulheres, não tinha contado toda a verdade. Durante o último ano que tinha passado na Índia antes de retornar a Inglaterra não tinha tido uma só amante. Mas até aquele momento, tinha tido amantes tanto inglesas como indianas, tinha sido um jogador e tinha tratado com indiferença sua própria vida. Tinha demorado tempo em aceitar aquele homem melhor, mas duvidava que tivesse tentado de não ser pelas palavras de Jane. E por isso, devia-lhe mais do que jamais seria capaz de expressar. O problema estava em que não podia nem sequer começar a explicar sem antes lhe contar toda a verdade sobre ele. —Amanhã interrogarei Salaberry — disse. —E investigarei outros nomes da lista que a senhora Brougham me deu. Tentarei entrar em Treyworth House e procurar mais cartas. —Amanhã chamarei a minha amiga Charlotte. “Maldita seja!”. —Não, não fará. Um assassino anda solto. Ficará nesta casa, onde saiba que está segura. —Estarei perfeitamente segura. Charlotte é minha amiga. Tenho que explicar o que passou... —Charlotte é também a esposa de Dartmore. Não. —Irei acompanhada de criados. —Por Deus, Jane. Às vezes penso que a única maneira de te deter é te atando à cama. Viu que ela abria os olhos de par em par, espantada. Christian se amaldiçoou para seus pensamentos. Não era a advertência adequada para uma mulher vulnerável. —Fique aqui. Fica com Do. Faça por mim, Jane. E antes que Jane pudesse protestar, fechou-lhe a boca com um beijo enquanto a brisa vespertina os banhava com pétalas de rosa. E inclusive depois de ter ouvido suas torpes palavras, ela ficou nas pontas dos pés e o beijou com paixão, devorou-o com uma fome que ele não merecia. Christian serviu o conhaque em uma taça. Na Índia, teria fumado uma hookah 3para relaxar3

Narguilé é um cachimbo de água utilizado para fumar. Além desse nome, de origem árabe, também é chamado de hookah (na Índia e outros países que falam inglês), shisha ou goza (nos países do norte da África), narguilê, narguila, nakla, maguila, arguile, naguilé etc. Há diferenças regionais no formato e no funcionamento, mas o princípio comum é o fato de a fumaça passar pela água antes de chegar ao fumante. É tradicionalmente utilizado em muitos países do mundo, em especial no Norte da África, Oriente Médio e Sul da Ásia.

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se. Mas nada conseguia liberar daquele nó que sentia na garganta, da terrível tensão que lhe esmagava os ombros. Um relógio marcou a hora. A uma da manhã. Estava horas sentado ali, estudando o livro que tinha roubado do dormitório da senhora Brougham, com a intenção de averiguar quem eram os membros do Clube dos Diabos. Tinha procurado pistas que o levassem a sua identidade. Mas não tinha nada. E continuava pensando no beijo de Jane. A luz da vela iluminou um par de óculos e Huntley apareceu na soleira. — Você continua acordado, milord? Huntley tinha informado a ele previamente sobre os detalhes de suas investigações: informe dos homens que tinha atribuído para vigiar o clube e a agora vazia casa de Blackheath, e informe dos que rastreavam em busca da senhora Brougham, se por acaso não tivesse fugido ainda. Aquele dia, além disso, tinha enviado um criado para montar guarda na casa do Salaberry, pois parecia provável que o marquês estivesse comprometido no Clube dos Diabos. Christian admirava Huntley por sua capacidade para administrar tantas coisas de uma vez. Ter contratado Huntley era a única decisão de seu pai que admirava. Fez-lhe um gesto lhe indicando a cadeira que havia ao outro lado de seu escritório. —Tome um conhaque, Huntley. O secretário o olhou boquiaberto. Christian empurrou a garrafa para o outro lado da mesa. —Tome uma taça. Levo as últimas horas dando voltas a um tema e preciso falar sobre isso. Huntley se sentou, mas não segurou a garrafa. Christian foi direto ao ponto. —Treyworth chantageou lorde Sherringham. Sherringham já tinha entregado perto de vinte mil libras e suspeito que, se não tivesse morrido, Treyworth teria exigido ainda mais. —Claro — replicou Huntley convencido. —Os chantagistas nunca têm o bastante. —Imaginemos que um homem cometeu um assassinato e um chantagista está consumindo sua fortuna. Muitos nobres fugiram da Inglaterra por menos que isso. As dívidas provocaram a fuga de Brummell. Disseram que Byron teve que fugir pelos rumores de sodomia e pelo escândalo que provocou seu romance com sua meia-irmã. —Certo, milord. —O que sabe você do incêndio que acabou com a vida de lorde Sherringham? Huntley pestanejou. —Sei o que disseram as fofocas em seu momento, milord. —Tal como supunha, você é uma fonte de fofocas, Huntley. Huntley tirou os óculos. —A seu pai era útil, milord. E quanto ao outro..., encontraram dois corpos calcinados. E como houve testemunhas que declararam que lorde Sherringham tinha visitado a mulher aquela

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noite, supôs-se que os dois corpos fossem deles. Acredito que encontraram vários objetos pessoais, o que serve como prova do falecimento do lorde e permitiu que seu primo recebesse a herança. Os corpos não puderam ser identificados. —Vejo que sabe bastante sobre o assunto. —Durante semanas ninguém falava de outra coisa. Imagino que foi um duro transe para lady Sherringham. Apesar do conhaque quente que tinha no corpo, o sangue de Christian estava gelado. Sim, deve ser. —De modo que encontraram um corpo chamuscado, enterraram-no e todo mundo acreditou que Sherringham tinha morrido. O que permite a alguém escapar em caso de ter cometido um crime. —Desculpe, milord? —Sherringham. Poderia ter fingido sua morte. De ter permanecido na Inglaterra e ser declarado culpado de assassinato, teria ido à forca. E se Treyworth continuasse sangrando seu dinheiro para guardar o segredo, teria acabado na ruína. Abandonar o país teria levado a evitar os tribunais, mas jamais teria podido retornar. Acredita que poderia ter incendiado a casa, matar a sua amante, fingir sua morte e, desse modo, evadir-se de tudo? O secretário ficou pensando. —Acredito que o imóvel estava muito endividado, milord. Havia grandes hipotecas e empréstimos. Lady Sherringham ficou na miséria. Christian esfregou o queixo. Jane tinha enfrentado o escândalo e à pobreza, mas tinha sobrevivido. Era uma mulher excepcional. Quanto ao dinheiro..., tinha conhecido homens na Índia que levavam em cima todo um contrabando de riquezas, normalmente em forma de joias. —Sherringham poderia ter se feito com tudo o que tivesse podido e levar com ele — refletiu em voz alta. —Perde o título e suas propriedades..., o que o deixa na bancarrota..., mas pode viver como um rei onde dê vontade. A diferença de muitos nobres, que depois de fugir do país, tiveram que viver sumidos em uma elegante pobreza. —Deseja que leve a cabo mais investigações, milord? Se por acaso lorde Sherringham continua com vida... —Averigua tudo o que possa sobre o incêndio da casa, Huntley. Preciso ter provas de que está morto. —Porque se Sherringham estivesse com vida, escondido em qualquer canto do mundo, Jane continuava sendo sua esposa. E se fosse assim, não podia casar com Jane e dar um sobrenome a seu filho. No caso de que assim acontecesse... e de que ela aceitasse, se transformaria em bígama. Christian apurou o conhaque. Mas diante dos olhos do mundo, Sherringham tinha morrido. E Jane Beaumont era livre. Ele era o único que suspeitava do contrário. Por primeira vez se deu conta de que a desejava intensamente. Mas não podia ser dela. E ela estava decidida a não casar com ele.

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Jane desembarcou da carruagem diante da casa de lady Petersborough, em Berkeley Square. Do tinha insistido em que lorde Petersborough nunca mataria Treyworth por ela, mas tinha que assegurar-se. Christian ficaria furioso quando se inteirasse de que tinha abandonado sua casa, até tendo ido acompanhada por dois criados e o chofer. Estavam, afinal, em plena luz do dia. No parque do centro da praça se ouviam os gritos dos meninos, junto com o chiar das rodas dos coches. As ruas estavam lotadas de carruagens. Não havia nada a temer. Duvidava de que lorde Petersborough estivesse em casa. Aquela hora do dia, os cavalheiros estavam acostumados a se refugiar em seus clubes. Uns instantes depois, Jane era conduzida até um salão e anunciavam sua presença a lady Petersborough. Mas ficou transposta na soleira da porta. Elspeth não estava sozinha, estava acompanhada por Georgiana, lady Carlyle, que se achava reclinada em um sofá como uma elegante gatinha. Seu loiro cabelo era uma torre de cachos perfeitos e um vestido de seda em violeta e marfim rodeava sua voluptuosa figura. Elspeth, vestida com um respeitável vestido em um discreto tom bronze, ficou em pé e Jane se encontrou rodeada por um falso abraço. —Pobre lady Treyworth — declarou Elspeth com dramatismo. —Não posso acreditar que lorde Treyworth tenha sido assassinado. E lady Treyworth contida contra sua vontade em um manicômio. É uma angústia terrível. Entreabrindo os olhos, lady Carlyle levantou e serviu com elegância o chá. —Espero que lady Treyworth esteja se recuperando. —Segurou a xícara..., que tremeu sobre seu pires. —E Ch... Lorde Wickham? Disseram que tinha que celebrar um duelo entre Wickham e Treyworth. Consciente do olhar penetrante de Georgiana, Jane tomou assento e segurou a xícara que esta oferecia. —Não houve duelo. —De modo que é certo que Treyworth foi assassinado de noite — disse Elspeth afogando um grito. —E por isso não se apresentou ao duelo. Charlotte me disse que, está claro, inteirou-se de tudo por Dartmore. Era seu segundo. E que bondoso de sua parte, Jane, ficar na casa de Wickham para se ocupar da pobre Delphina. —Um brilho malicioso iluminou seus penetrantes olhos escuros. Sem dúvida alguma, as línguas viperinas estariam falando também sobre ela e Wickham. —Sim — disse Jane. —Está muito angustiada pela perda de seu marido. E acredito que o clube está fechado e que a senhora Brougham desapareceu. Fez-se silêncio. Jane olhou com inocência para lady Petersborough e lady Carlyle. Elspeth encolheu dramaticamente de ombros. —Diz-se que a senhora Brougham comprava garotas virgens em zonas rurais. Que horror! —Mas é uma pena que tenham fechado — acrescentou Georgiana. —As últimas duas noites tive que ir a bailes. O de lady Matchford e o da duquesa de Fellingham. Lady Petersborough assentiu. 181

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—Igual a nós. Além da apresentação em sociedade das gêmeas do conde do Coyne. Três bailes em duas noites. Terrivelmente aborrecidos. Sinto falta da... diversão do clube. Ambas as mulheres se trabalharam em excesso em lhe contar onde tinham estado a última noite. —Foram com seus maridos? —perguntou Jane, acompanhando a frase com um movimento descuidado da mão, como dando a entender que a pergunta carecia de importância. —Meu marido estava acostumado a fazer simples ato de presença e logo partia. —É como se o clube tivesse aceso a faísca em meu marido. —Elspeth piscou o olho, em um gesto de cumplicidade. —É incapaz de afastar-se de meu lado. Passamos noites exaustivas em meu quarto. Sei onde está cada minuto de cada noite... eu goste ou não. Elspeth acabava de deixar claro que juraria que seu marido estava com ela e não podia ser o assassino do Treyworth. Seria verdade? Lady Carlyle sorriu compungida. —Eu acudi sozinha. Meu marido está em seu imóvel. —Seus olhos falavam da dor de uma mulher que odiava retornar a sua vida anterior. —Pergunto-me — refletiu lady Petersborough— se criarão um novo clube. Jane franziu o sobrecenho. De verdade tinham saudades dos jogos carnais que praticavam no clube da senhora Brougham? Conhecia muito bem o inferno de estar casada com um homem com o que odiava ter que deitar-se. E agora não se imaginava desejar fazer o amor com outro homem que não fora Christian. Elspeth lhe deu uns golpes no joelho. —Me disseram que lorde Perverso tem em sua casa um harém de garotas órfãs. É certo? —Não é um harém — replicou Jane. —São garotas decentes. —Não têm família? —perguntou Georgiana. —Wickham escreveu às famílias, mas todas se negaram a que lhes enviasse as garotas. Abandonaram às pobres. —Já não são virgens — disse Elspeth. —O que esperava? —Um pouco de compaixão humana? —questionou Jane, zangada. Deixou a xícara e se levantou. —Sinto muito, tenho que ir. —Não suportava permanecer ali por mais tempo. Por muito que ficasse durante horas, não acreditava que pudesse averiguar algo mais. E, de fazê-lo, corria o perigo de jogar o chá em cima de alguma das duas. Agora sabia onde estava supostamente o marido de Elspeth. O seguinte passo consistia em descobrir se era verdade. Georgiana se levantou também e espreguiçou como um gato. —Eu também tenho que voltar para casa. Em uma parte do corredor afastada dos ouvidos da servidão, Jane ficou esperando Georgiana. —Bow Street suspeita que Christian é o assassino, em parte devido ao duelo que manteve com seu marido. 182

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Georgiana abriu de par em par seus sensuais olhos verdes. —Temia isso. —E a seguir franziu o sobrecenho. —Era você quem estava debaixo daquele véu negro, que se fez passar por uma fulana descarada. Jane fez caso omisso. —Christian diz que não pretendia matar seu marido. Se você soubesse que isso é certo, poderia... —OH, sim, sei que é a pura verdade. Mas sendo como era a amante de Christian naquele momento, duvido que acreditassem em minha palavra. —Você é marquesa. —Sim. No Bow Street me escutariam. Mostrariam-se educados, diferentes e discretos. Mas temo que minha palavra, a palavra de uma mulher apaixonada, não influiria absolutamente. Não estive presente no duelo. Sei só o que Christian me contou, e o que meu coração sabia. —Mas se se celebrasse um julgamento, sua declaração seria útil. —Um julgamento? —Georgiana cambaleou e se apoiou com a mão enluvada na parede. A cor abandonou por completo suas bochechas e ficou tão horrorizada e amedrontada como Jane temia. —Diria algo para protegê-lo. Sabe o que Christian fez depois do duelo? Irrompeu no salão de minha casa e fez uma genuflexão. Soube então que isso queria dizer que Harrington tinha morrido. E enquanto eu estava assimilando, Christian se desculpou efusivamente e me propôs matrimônio por haver me deixado viúva. Disse que esperaria até que terminasse meu luto, que esperaria eternamente de ter que fazê-lo. E o rechacei. —Deve ter sido uma angustia... —A verdade —disse com amargura Georgiana —é que por então já tinha me apaixonado pelo marquês de Carlyle. Não queria Christian, apesar de ser um homem forte, maravilhoso e nobre que na realidade é. Estava fascinada pelo atraente rosto de Carlyle, por sua riqueza, pela obsessão que sentia por mim. De modo que aquela manhã, rechacei Christian e pedi aos criados que o expulsassem de casa. Tinha que me libertar dele para estar com o Carlyle. Só pensava em que Christian tinha me deixado livre para estar com o homem a quem amava de verdade. Fui uma estúpida. Jane pestanejou. Georgiana o tinha rechaçado, igual ela tinha feito. Foi esse o motivo pelo que realmente se foi da Inglaterra? Não pelo duelo, mas sim porque lhe tinham partido o coração? —Arrependi-me disso do instante em que me dava conta de que em realidade amava ao Christian e não ao Carlyle. —Georgiana suspirou e umas marcadas rugas rodearam sua boca, umas rugas de tensão e arrependimento. —Sabe por que Christian se bateu em duelo? —Sim. Porque seu marido aespancoi. Georgiana ficou surpreendida. —De modo que o contou... Harrington me tinha pego, tinha-me deixado com o nariz sangrando e os olhos inchados. Christian se desafiou pela raiva que sentiu ao saber o acontecido. E agora me dou conta de que Carlyle jamais teria feito isso por mim. Não compreendi o apaixonadamente que Christian era capaz de amar até que foi muito tarde. —Brilhantes por umas lágrimas não vertidas, os olhos da marquesa se tornaram suplicantes. —Há algo que devo lhe 183

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pedir, lady Sherringham. —O que? —Aquela mesma noite, Christian voltou para ver-me. Tinha bebido muito. Estava destroçado. Obcecado. Disse que se equivocou ao me pedir em matrimônio. Que não podia casarse e que não podia me oferecer nada. Disse-lhe então que ia casar com o Carlyle. Imaginei que seu pai tinha proibido o enlace, mas quando disse, Christian se pôs a rir com amargura. Disse-me que nunca poderia casar-se. Que nunca castigaria a uma mulher desse modo. —Mas por quê? —perguntou Jane. —Não me disse o motivo. Durante todos estes anos, perguntei-me qual seria. Você o conhece desde que era jovem. Não sabe por que me disse que alguma vez poderia casar-se? Jane negou com a cabeça. Estava perplexa. Christian tinha pedido que se casasse com ele. Só por uma possível gravidez, mas lhe tinha feito o oferecimento. Não havia dito que houvesse uma razão pela que nunca pudesse casar-se. Seguiria sendo verdade? Por que, então, tinha pedido a ela? O que teria feito ele se houvesse dito que sim? CAPÍTULO 21 Milady, chegou uma missiva como resposta a sua petição. Jane tirou as luvas e as entregou à criada. Voltou-se então para o senhor Huntley, consciente de que seu rosto era o puro reflexo da esperança. Antes que abrisse a carta, o senhor Huntley assentiu. —É uma resposta afirmativa, milady. —Moveu sua cabeça grisalha e seus olhos cinza, escondidos atrás dos óculos, mostraram em olhares sua admiração. —Tomei a liberdade de revisálo. Digo a sua senhoria? —Não, senhor Huntley. Eu farei. —Lady Treyworth está na sala de estar, milady. Perguntou por você. Jane foi em seguida a ver Do e a encontrou sentada no batente de uma janela, um exemplar de La Belle Assemblée aberto em seu colo. —Vestidos de luto — disse Do, afastando a vista da ensolarada janela. Estava abatida. —Mas ainda não me sinto preparada para usar luto por Treyworth. Jane se sentou ao lado de Do. —A verdade é que nunca chorei a morte de Sherringham. Mas me dá lástima que nossa vida juntos foi tão terrível. —Sentiu não poder havê-la feito feliz? —Senti que ele não tivesse querido ser feliz comigo. Ficou olhando os bondosos olhos azuis de Do. —Usei luto por meus pais apesar de me dar mal com ambos. Dava-me mal com meu pai por me ter obrigado a contrair matrimônio e por ter forçado a partida de Christian. E me dava mal com minha mãe por não ter feito nada para impedir. 184

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Jane posou a mão sobre o joelho de Do. Anos atrás, estavam acostumados a sentar-se assim, a uma ao lado da outra no batente de uma janela, e falavam de seus temas favoritos, trocavam fofocas e inclusive expressavam seus sonhos. Agora se sentia tão próxima a Do como então e suspirou aliviada. —Esqueceu os maus momentos de seu matrimônio? —perguntou Do. — Deixou para trás as lembranças dolorosas? Os pesadelos com Sherringham não tinham desaparecido, mas Christian tinha ensinado que era capaz de fazer amor e desfrutar com isso. Tinha dado novas lembranças a ela para entesourar: a emocionante experiência no piano, o exótico baile diante do espelho, a escandalosa delícia de agradá-la com a boca. —As lembranças vão perdendo seu poder para me fazer mal — respondeu. —Com o tempo, a dor é cada vez menor. —E há possivelmente mais esperança? —perguntou Do. —Não tinha me exposto isso nunca deste modo, mas é verdade. —E então, Jane ficou sem fala. Alto, escuro, premonitório, Christian acabava de aparecer na soleira da porta. Sorriu amavelmente a Do e olhou para ela encolerizado. Tinha chegado o momento de enfrentar a um homem irado. Deu-se conta de que não tinha medo. Com Christian, sabia que não tinha por que ter medo. Levantou e estendeu o papel dobrado. —Acredito que localizei Sapphire Brougham. Pensei que tentaria ajudar a sua mãe e assim foi. A senhora Brougham tentou tirar sua mãe de Bedlam e se supõe que amanhã irá recolhê-la. —Não pode vir comigo, Christian. Imagino a reação de Charlotte se começar a interrogá-la. —No vestíbulo, Jane apanhou a rede para cabelo e as luvas que sustentava a criada e se voltou para Christian no momento em que ele deslizava os braços no interior de seu sobretudo. —Exceto que terá que ter em conta que um assassino anda solto — grunhiu ele. —Não penso permitir que vá sozinha. Repassou-a com o olhar, desde seu elegante chapéu, descendo por seus ombros e até completar sua potente figura. —Sua mera presença a intimidará, Christian. —Jane, tenho que te manter a salvo. Permitirá isso? A pergunta a deixou pasma. Não lhe dava ordens, mas sim lhe pedia permissão para protegê-la. Concedia-lhe o controle... embora se perguntou o que faria se respondesse que não. Com Christian se sentiria mais segura. —Temo, entretanto, que se você estiver, Charlotte não se abrirá para mim. —Então, permanecerei em um segundo plano e deixarei que seja você quem formule as perguntas. Mas quero estar junto a você. E pretendo cuidar de você em todo momento. —Talvez seu tom de voz fosse frio, mas sua forma de olhá-la acendeu-a da cabeça aos pés. Como negar-se a aquilo? —De acordo — disse em voz baixa. 185

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E um quarto de hora mais tarde, estavam na carruagem dele, detendo-se na calçada justo diante da casa de Charlotte. —É brilhante, sabe — disse Christian, olhando-a. —Sim, é óbvio que sei — replicou ela brincando, e sua resposta servi para acalmar seus nervos. —Brilhante por reconhecer que a senhora Brougham ama muito a sua mãe para abandonála. Jamais me passou pela cabeça enviar a alguém para que interrogasse o pessoal de Bedlam. —Christian tinha um sorriso deslumbrante. Então, assobiou e Jane olhou pelo guichê. Atrás de sua carruagem acabava de deter um refinado veículo azul puxado por quatro cavalos brancos. —A carruagem de Charlotte — disse ela. —Um presente de aniversário de Dartmore. —Um presente precioso. Jane entreabriu os olhos. —Não se deixe enganar, não é uma amostra de carinho. Alaga-a de presentes para compensá-la por suas indiscrições. —De modo que não acredita que os presentes encantadores possam revelar o que sente o coração do homem? —É óbvio que não. —E então, o que acredita que o revela, Jane? —perguntou em voz baixa. —Nunca vi um homem apaixonado. Não tenho nem ideia. —Como as tinha engenhado para se meter naquela conversa? Falar de amor com Christian era como entornar conhaque em cima e se aproximar de uma chama. Acabaria fazendo mal. E queria, mas não se atrevia, perguntar pelo acontecido entre Georgiana e ele. Mas o que fez, em troca, foi levantar-se de seu assento e descer correndo pelo degrau da carruagem para subir à calçada. Um penacho de plumas azuis precedeu Charlotte ao sair de sua carruagem. Charlotte a viu e se deteve. Jane sentiu um novo tombo no coração, desta vez por sua amiga. Fazia apenas uns dias se deu conta de que já não podia confiar em Charlotte. Mas agora estava ali para tentar surrupiar a verdade. Sentia-se mal, mas não tinha outra escolha. —Charlotte... Para surpresa de Jane, Charlotte correu para ela com os braços estendidos. —Quanto sinto, Jane. Inteirei-me que assassinato de Treyworth. Do deve estar destroçada. Jane se encontrou presa em seu abraço, aspirando o conhecido aroma a baunilha do perfume de sua amiga. O devolveu. —Sofreu uma grande angústia, mas ao menos agora está a salvo. —Graças a Deus! —Charlotte abriu os olhos como pratos ao ver que Christian emergia da carruagem. —Por... por que veio? Por que veio contigo? Não podia responder: “Porque não me deixa sair de sua casa se não me acompanhar”. Mas a verdade era que a tinha tratado como se fosse seu sócio. Embora ao princípio tinha ameaçado pedindo os nomes de quantos criados a tinham levado a casa de lady Petersborough. 186

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Mas tinha se negado a permitir que castigasse seu pessoal por uma decisão que só tinha sido dela. E então, surpreendendo-a, tinha cedido. Jane segurou as mãos de Charlotte. —Veio porque precisamos conhecer a verdade. Nos ajudará? Enquanto Charlotte mordiscava uma bolacha para apaziguar a ansiedade de seu estado, Jane contou com detalhe a sua amiga a terrível experiência que Do tinha sofrido no manicômio, das garotas virgens e do Clube dos Diabos. Instalaram-se em um salão de decoração deliciosa e Christian ficou discretamente sentado em um canto. Jane temia poder provocar um desgosto em Charlotte, dado o delicado de seu estado, mas decidiu começar. Não restava outro remédio. —Charlotte, sabe se Dartmore era membro desse clube? —perguntou amavelmente. —É por isso que estava tão assustada? Charlotte engoliu em seco. —A que se refere? O que tem isso a ver com o assassinato de Treyworth? —Treyworth estava chantageando a outros membros do Clube dos Diabos, incluindo meu falecido marido. —Por... —Sua suave voz se foi apagando. —Por causa das virgens? Jane pestanejou. Charlotte sabia. —De modo que Dartmore é membro... —Não! —Charlotte rompeu sem querer a bolacha que tinha na mão e os miolos caíram no chão. —Do e eu imaginávamos que o clube da senhora Brougham tinha um lado mais escuro e as duas suspeitávamos que Treyworth tinha algo a ver com ele. Mas eu desconhecia a existência desse clube secreto até que Randolph me explicou que o tinham convidado a ser membro. Não aceitou, Jane. Negou-se. Jane tinha esquecido que Randolph era o nome de batismo de Dartmore. Logo que recordava o de Sherringham... Martin. —Explicou-me que utilizavam cortesãs muito jovens e que prendiam às garotas em calabouços — sussurrou Charlotte. —Disse-me que esses jogos não o interessavam. Randolph nunca sentiu inclinação pelas... as atividades mais escuras do clube. Simplesmente... gosta de fazer amor em grupo. —Charlotte se ruborizou. Jane notou também calor nas bochechas. Seria verdade a história de Dartmore? —Contou quem mais estava comprometido no Clube dos Diabos? —Treyworth e Sherringham, mas não sei mais nomes. —Sabe de algum cavalheiro do clube que utilize uma bengala com cabeça chapeada? O punho tem forma de cabeça de garanhão, com olhos de rubi. Charlotte refletiu, franzindo o sobrecenho. —Não estou segura, mas acredito que lorde Pelcham tem um pouco parecido. Trazia-o para o clube. Recordo dele percorrendo as curvas de lady Pelcham com essa cabeça de prata. Pelcham. Um dos amantes de Do, um homem com uma esposa muito jovem. 187

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Charlotte parecia angustiada. —Acredite em mim, por favor, Jane. Não tinha nem ideia de que Treyworth tinha trancado Do em um manicômio. Faz três semanas, Do me disse que se inteirou de coisas perigosas relacionadas com Treyworth. Mencionou o Clube dos Diabos, mas só o nome. Quando pedi que me explicasse mais coisas, pois temia que meu marido pudesse andar metido em problemas, negou-se. E então desapareceu. Quis acreditar que Do tinha fugido, que tinha encontrado um homem que a protegesse, e que estava a salvo. Charlotte fez migalhas a bolacha que tinha na mão. —Eu gostaria de ter tido a valentia necessária para te contar mais coisas, Jane. Mas temia que Treyworth soubesse que Do tinha me feito confidências. Tinha começado a me observar no clube. Olhava-me com um ódio escuro e amargo. Acredito que temia que Do tivesse me revelado seus segredos. —Ameaçou-te em alguma ocasião? —Não. Mas me assustou. —Escondeu o rosto entre suas mãos. —E eu estava equivocada... Do não estava a salvo. Talvez pudesse tê-la ajudado se tivesse tido forças para falar contigo ou com lorde Wickham. Christian se levantou do assento que ocupava em um canto. —Era natural que tivesse medo, lady Dartmore. Tinha que antepor sua saúde e sua própria segurança. E sem mais, Charlotte levantou o rosto e suas lágrimas secaram. Foi como se a voz profunda do Christian e seu tom clemente tivessem operado um milagre. Sua testa enrugada não revelava mais que preocupação por Charlotte, uma profundidade de sentimentos que chegou a Jane ao coração. —Gra... obrigada, Wickham —sussurrou Charlotte. —E devo agradecer ter salvado a vida de meu marido. —Tanto Dartmore como eu nos demos conta de que nos matar não serviria de nada. E mencionou com entusiasmo que estava esperando um herdeiro. Charlotte se ruborizou. —Temia, Jane, que começasse a fazer acusações, nos pondo em perigo tanto a você como a mim. Sempre gostou das causas impossíveis. Jane franziu o sobrecenho. Tanto Charlotte como Christian pensavam que andava sempre se metendo em confusões, correndo riscos excessivos. Temia formular a Charlotte, grávida e indisposta, a seguinte pergunta. Mas olhou para Christian, cuja liberdade dependia disso. Respirou fundo. —Charlotte, sabe onde Dartmore esteve uma noite antes do duelo? —A primeira hora da noite visitou sua amante. E depois, a meia-noite, veio para casa comigo. Jane estremeceu ao ver a frieza e a serenidade com que Charlotte falava dos caprichos de seu marido. Deu-se conta que Christian voltava a se retirar para lhes dar mais intimidade. E esteve a ponto de cair de seu assento, quando Charlotte lhe perguntou: 188

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— Meu marido tentou te seduzir no clube? Depois da dúvida e a angústia, chegou um profundo suspiro. —Eu imaginava. Deseja-te há anos, não sabia? Inclusive mais do que desejava a Do. Faz anos, pediu sua mão a seus pais, mas já tinham aceito a proposta de Sherringham. Após, meu marido teve que contentar-se com amantes ruivas. Jane se sentia desconcertada. —Eu... sinto muito. —Era uma desculpa sem sentido. —Não sabia. —Sei que não sabia Jane. —Foi uma amiga estupenda todos estes anos. Deveria me odiar. —Não. Não podia te odiar porque foi minha amiga. Não era tua culpa. E ao final me dei conta de que nunca serei a mulher que Randolph quer. —E ele não é o homem que você merece. Charlotte lhe ofereceu um sorriso tremente. —Mas o amo, Jane. Sei que sempre pensou que não deveria amá-lo porque não me tratou bem, mas não posso. —Não, ao final compreendo quão duradouro pode chegar a ser o amor. —Não importa, porque agora terei meu bebê. Insistia em que deveríamos fugir de nossos maridos, Jane. Eu quero aproveitar meu matrimônio. Talvez nunca chegue a cativar o coração de meu marido, mas quererei a ele e a seu filho. E isso me basta. —De verdade? —Quando tinha insistido em que tinham que deixar a seus maridos, Jane só pensava em liberdade e sobrevivência. Mas agora se perguntava se em sua vida não deveria haver algo mais que a simples sobrevivência. —Quero que seja feliz — disse a Charlotte. —Quero que tenha o amor que merece. —Sempre decidida a salvar a todas, Jane. —Sim — replicou com firmeza. —Sempre serei assim. —Dartmore nega ser membro do clube e lorde Pelcham, o poeta, tem uma bengala com uma cabeça chapeada. “Típico de Jane”, pensou Christian quando a carruagem ficou em movimento. Ia diretamente ao ponto. —Encontrei Salaberry na casa de Onslow, a novo casa de jogo clandestino de Saint James Street — disse. —Ao ter adquirido e perdoado suas letras de câmbio, e liberado seu crédito, voltou para jogo com vontade. Jane entreabriu seus expressivos olhos. —Os cavalheiros são parvos de arremate. Imagino que negou pertencer ao Clube dos Diabos. —Disse que, junto com o Dartmore, foi convidado a entrar nele, mas que não aceitou. Onslow, duas prostitutas e seu casal de whist Carlyle, declararam que esteve jogando em uma mesa das dez até mais perto do amanhecer. —Fez uma pausa. Com Jane, cuja opinião lhe importava, não podia compartilhar toda a conversa... 189

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Na penumbra, Salaberry puxava ferozmente de sua gravata-borboleta. As persianas da casa de jogo clandestino de jogo do Onslow seguiam baixadas para impedir a passagem da luz da alvorada. —Esta noite perdi outros malditos dez mil — murmurou Salaberry, seu fôlego rescendendo a álcool. —E o que me diz do Clube dos Diabos? —Não sou membro — respondeu Salaberry, arrastando as palavras. —Treyworth me convidou a me unir a eles. Rechacei. Christian tinha deixado clara sua incredulidade. —Uma testemunha afirma que um dos membros era um atraente cavalheiro loiro. —Avaliação o completo, mas não era eu. Eu não gosto de seduzir virgens pouco dispostas. Eu gosto de foder com as mulheres diante de seus maridos. Não há nada melhor que caçar na reserva privada de outro e conseguir que uma dama grite de êxtase pela primeira vez em sua vida. Christian reprimiu seu gênio. —Gosta de demonstrar sua superioridade. Uma gargalhada esgotada. Uns olhos langorosos e embriagados. —Você me compreende, Wickham. Me disseram que em sua juventude só perseguia mulheres casadas. Disseram que gostava de fazê-las gritar. Que gostava de demonstrar que era capaz de lhes dar o que seus maridos não podiam. Ficou olhando para Salaberry, inalando a fumaça daquele ambiente fechado, observando a luz do sol que lutava por abrir caminho na escura sala de jogos, o tipo de lugar onde tinha passado grande parte de sua juventude. Naquela época, fazer gritar e agradar a uma mulher casada tinha permitido estar à altura, ou abaixo, das expectativas que seu pai tinha depositadas nele. “Nasceu perverso e sempre será perverso”. Era o motivo pelo qual se deitou com a esposa de algum de seus amigos durante sua estadia na Índia. Desejava escandalizar a seu pai, e fazer amor com a esposa de um amigo era uma forma de conseguir. Mas só tinha feito amor a mulheres que o tinham abordado com intenção de seduzilo. Deitou-se com mulheres torpes na arte da sedução, mulheres feridas no mais profundo porque viviam sozinhas, ignoradas e com maridos que frequentavam amantes. E naquele momento se deu conta de que só se imaginava fazendo amor com Jane. Jane..., que tinha sido a única pessoa que havia dito que deveria aspirar a mais. Um intenso sacudir em seu braço direito lhe devolveu ao presente, no interior de sua carruagem, e aos grandes olhos castanhos de Jane. —O que disse lorde Carlyle? Lady Carlyle, a quem encontrei em casa de lady Petersborough, disse que seu marido estava no campo. Christian conhecia poucos detalhes sobre a vida do marquês de Carlyle, só que tinha cativado o coração de Georgie, casou-se com ela e tinha dado um título e segurança a ela. Com isso, aquele homem tinha apagado o escândalo deixado por Christian. Carlyle era atraente e loiro. 190

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—Procurarei Carlyle. —Bem. —Jane cruzou os braços com decisão sobre seus esplêndidos seios. —Porque estou decidida que não vá à forca. Um cacho cobria sua bochecha. Christian o retorceu entre seu dedo e brincou com ele, algo que teria feito oito anos atrás para fazê-la zangar, mas que agora fazia porque precisava tocá-la. —Estava pensando no que disse a lady Dartmore. —Estou preocupada com Charlotte. Está loucamente apaixonada por seu marido. Este tipo de amor é terrivelmente perigoso. Falava tão a sério, que ele a atraiu para seu colo. Luxurioso e voluptuoso, seu traseiro ficou instalado sobre suas coxas. Aquilo acendeu seu desejo e seu pênis tentou erguer-se orgulhoso no interior da calça. Esforçou-se em reprimir aquele ataque de ânsia. —Está muito séria, carinho. Alguma vez amou loucamente? Seus olhares se cruzaram por um instante. Um rubor de culpa, da cor rosada da flor da cerejeira, banhou seu semblante de cima abaixo. Significava que...? Poderia ser? Tinha salvado meninos em povoados assolados por inundações, tinha recuperado soldados a ponto de morrer afogados em caudalosos rios, mas sua apregoada temeridade falhou por completo enquanto permanecia à espera da resposta de Jane. Seu coração pulsava descontrolado por completo. No interior das luvas, as mãos lhe ardiam e notava as palmas suarentas. Queimava o cangote, mas notava o resto do corpo frio como o gelo. Viu pelo guichê os pilares de pedra das portas de sua casa. A carruagem estava a ponto de parar, abriria a porta e o momento teria passado. Mas o que diria a Jane se dissesse que a amava? O que lhe diria se lhe confessava que amava a outro? —Nunca estive apaixonada — respondeu em voz baixa. Era a resposta mais adequada que podia ter recebido, mas não queria acreditar. Seu tom frio e desentendido retorceu seu coração. —Merece conhecer o amor, Jane. “E merece mais — pensou. — Merece um homem que mereça seu amor”. —Mas não quero — replicou com firmeza. Agitou-se em seu colo até ficar cara a cara com ele. —Minha mãe passou sua vida amando loucamente a meu pai, um homem atraente, presunçoso e libertino. Fui testemunha de sua queda. Converteu-se em uma amargurada, em uma obsessa e ficou louca. Mostrou-se encantado quando Sherringham pediu minha mão porque eu não o amava e ela acreditava que ele me amava. Disse que seria o matrimônio perfeito, pois eu sempre contaria com vantagem. “Com vantagem”. Atônito, Christian olhou os esbulhados olhos de Jane. Seria esse o motivo pelo que seu pai tinha aceitado a casar com sua mãe, até estando ela grávida do filho de outro homem? Teria pensado seu pai que o pecado de sua mãe sempre lhe outorgaria poder e controle sobre ela? Seu pai era um homem fisicamente débil e doentio que viveu enterrado entre seus livros, sua mãe uma beleza cativante e encantadora possuidora de um dote enorme. Uma mulher que faria voltar a cabeça de qualquer homem. 191

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Com uma carícia leve como uma pluma, Christian roçou a preciosa e suave bochecha de Jane. Sem saber, acabava de explicar seu passado. Tinha deixado brutalmente claros os motivos da fria ira de seu pai e a submissão de sua mãe. —Minha mãe se equivocava por completo — disse Jane. —Se Sherringham me amava, e não acredito que fizesse, pois imagino que um homem que ama de verdade a sua mulher jamais poderia fazer mala ela, a situação era pior que a sua. Mas sempre disse que o amor é uma emoção perigosa e amedrontadora. —E você opina o mesmo? —Não. Minha tia Regina teve um matrimônio feliz que durou quarenta anos. Sempre me conta que o amor é enriquecedor e edificante. Acredito que tem que ser um sentimento compartilhado. As duas partes do matrimônio devem se querer. Do contrário, só é motivo de dor. Christian sabia que aquilo era certo. —Demônios —murmurou, —nem sequer sei o que é o amor. A carruagem se deteve, abriu a porta e Jane se levantou agilmente de seu colo. E antes que pudesse detê-la, saiu do veículo. “Mas não quero”, havia dito. E não era verdade. Se tivesse permanecido na carruagem, sentada no colo de Christian um segundo mais, teria confessado que desejava amar..., amar a um homem que havia dito que não tinha nem ideia do que era o amor. O que significava que ele não a amava. Ele teria sabido de tê-la amado. Saberia que seu coração podia sentir-se cheio de alegria e tenso de dor no mesmo instante. Compreenderia por que não podia deixar de pensar nela, igual a ela não podia deixar de pensar nele. Saberia que algo sentia. Jane correu pelo caminho de cascalho para a entrada da casa de Christian... Crac! O cascalho se levantou debaixo de seus pés, salpicando sua saia. Ficou olhando-a, surpreendida. Outra explosão brocou seus ouvidos. Notou uns braços fortes agarrando-a pela cintura. Caiu de lado e rodou pelo chão igual a tinha acontecido no Hyde Park. A respiração saía de seu corpo como um subido. Desta vez, deixou o corpo morto deixando-se arrastar e, uma vez mais, caiu sobre Christian. Seu corpo forte e duro a protegeu do impacto contra o cortante cascalho. —Encontrem a esse malfeitor! —vociferou Christian aos criados. E se voltou de tal modo que seu corpo a protegeu e a rodeou com seus braços, atraindo-a para seu peito. O chapéu tinha voado. Os criados corriam por toda parte, vociferando ordens. Suas vozes soavam apagadas, imprecisas, como se tivesse melaço nos ouvidos. Jane divisou o chapéu de pele de castor, pousado limpamente sobre sua esquerda a um metro de distância dela. Umas botas acabavam de passar perigosamente perto do objeto, quase esmagando-a. No centro do chapéu, um raio de sol riscava um pequeno círculo brilhante. Um buraco. Seu surpreso cérebro continuava sem compreender nada até que a voz de Christian 192

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sussurrou no seu ouvido: —Não se mova Jane. Retorceu-se entre seus braços, desesperada por levantar. Para ver alguma coisa. —Mas o que foi? —Disparos de rifle. CAPÍTULO 22 Lorde Pelcham, o poeta romântico. O porto, batatas e orgulho por sua jovem esposa; isto é o que resume ao verdadeiro homem. Talvez seja romântico sobre o papel, mas em realidade é egoísta e vaidoso. É um homem obcecado com a juventude. Um de meus triunfos. Jane forçou a vista para decifrar a escritura grande e florida de Sapphire Brougham. A suas costas, o fogo da lareira crepitava alegremente, enchendo de calor a sombria biblioteca. Dois abajures sobre a mesa flanqueavam sua figura. A seu redor, fileiras e fileiras de estantes abarrotadas de livros. Christian não tinha contado que tinha roubado aquele livro do escritório da senhora Brougham. Nem sequer tinha mencionado em nenhum momento. Mas igual a quando a tinha acompanhado a casa de Charlotte se deu conta de que deviam trabalhar juntos, tinha dado instruções ao senhor Huntley para que o deixasse folhear em busca de pistas enquanto ele investigava Carlyle e Pelcham. —Sua senhoria não encontrou respostas em suas páginas, milady — havia dito Huntley. — Mas acredita que talvez você tenha mais sorte. Ao melhor pelo sentido de intuição das damas, sobre tudo de damas de grande fortaleza... —Surpreendentemente, o secretário tinha um agradável sorriso de sincera admiração. Tinha pego o livro e o tinha aberto ali mesmo, ansiosa. —Sugiro que vá à biblioteca, milady — havia dito Huntley, — pois ali há duas lareiras e vários abajures. Sua senhoria não entra nunca na biblioteca, mas era o orgulho do finado conde... e temo que é o motivo pelo qual o conde presente se nega a cruzar sua soleira. Virtualmente a tinha empurrado a ir ali. Agora, sentada em um extremo da longa mesa, Jane levou a ponta da pluma aos lábios. Triunfos. Estava segura de que essa palavra aparecia em mais entradas... Ali estava: Lorde Carlyle. Um homem galhardo metido em cintura obrigado a que compreendido seus desejos mais profundos e mais proibidos. Que delícia triunfar sobre este marquês angelicalmente atraente. E aparecia também na descrição das escuras perversões de lorde Treyworth. Em poucos minutos tinha conseguido uma lista com cinco nomes. As únicas entradas que continham a palavra “triunfo” ou derivado da mesma. Treyworth. Pelcham, o poeta de cabelo 193

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escuro. Lorde Carlyle, de cabelo loiro. Sir Rodney Halcourt, membro do Parlamento, com calvície incipiente e nariz farpado. Sherringham não aparecia no livro. E o quinto era outro cavalheiro de cabelo negro... —O que faz aqui, Jane? É uma da manhã. Sufocada pela excitação, levantou a vista e descobriu Christian apoiado contra o marco da porta. Tirou a jaqueta, arregaçou as mangas da camisa. Naquela pose, com seu cabelo negro alvoroçado, cortava a respiração. Observava-a com cenho franzido e fixou então o olhar na encadernação vermelho rococó do livro. —De onde tirou isso? —Do senhor Huntley, evidentemente. —levantou-se da cadeira. —E parece que decifrei o código da senhora Brougham. Acredito que encontrei os nomes dos membros do Clube dos Diabos! Por que demônios Huntley teria dado a Jane o livro da senhora Brougham, quando tinha dado ao empregado instruções precisas de não fazê-lo? Christian pensava dar uma bronca nele por animar Jane daquela maneira. Queria-a fora desse assunto. Queria-a a salvo. Mas se tinha descoberto alguma coisa... Quando a olhou, um medo primitivo provocou de novo um nó no seu estômago. “Hoje poderia tê-la perdido”. Jamais tinha respondido daquela maneira ao perigo; normalmente, empurrava-lhe a agir. Mas o medo que tinha sentido por Jane tinha gelado seu sangue, tinha imobilizado seus membros, brocado seu coração e provocada vertigens. Jane lhe apontou a entrada sobre o Carlyle e, continuando, passou as páginas até encontrar a correspondente a Pelcham. —A senhora Brougham utiliza a palavra “triunfo” em todos estes homens. Utiliza-a só em cinco. Pergunto-me se será porque conhece o poder que tem sobre o Clube dos Diabos, pelos perigosos segredos que os guarda. O único nome que o surpreendia era o quinto. O duque de Fellingham. O herói de guerra. Christian esfregou a barba. —Esta noite encontrei Petersborough, Carlyle e Pelcham. Tal e como descobriu, Petersborough passou a noite participando de bailes com sua esposa e depois dormiu com ela. Jane passou um cacho por trás da orelha. Tinha um aspecto surpreendentemente tranquilo, nada a ver com uma mulher que tinha recebido um disparo horas antes. Sua valentia disparava em seu interior uma guerra emocional: humilhava-o e aumentava sua necessidade de defendê-la e protegê-la. —E o que tem de lorde Carlyle? Mentiu ao dizer que partiu ao campo — comentou Jane. —Passou a noite na casa de Onslow, jogando como casal de Salaberry. Não sei por que mentiria a Georgie. Nosso nobre poeta, Pelcham, embebedou-se e desfrutou dos serviços de jovens prostitutas em um bordel do East End. Ao que parece, ficou ali dormindo até o meio-dia. —De modo que temos que averiguar o que fez sir Rodney Halcourt e nosso último homem. 194

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Afinal, tem o cabelo escuro... —Para. Basta já de falar de assassinatos, do Clube dos Diabos e de perigo. —inclinou-se para beijá-la, necessitado de rodear-se de seu aroma, sua paixão e sua vitalidade. Mas ela evitou sua boca exploradora. —Parece que te desgostaste quando me viu com o livro, mas o senhor Huntley me disse que você pediu que me desse isso. Era mentira, não? —Levantou uma sobrancelha. —E insistiu em que viesse a esta sala, depois de me dizer que você não entraria. Condenado Huntley. E Jane era ardilosa, inteligente e muito perspicaz. Não desejava responder, mas lhe disse, impulsivamente: —Não tente me proteger me ocultando coisas sobre você. Desejo conhecê-las. E, além disso, veio. —Evito a biblioteca porque meu pai estava acostumado a me trancar aqui castigado quando era pequeno. Jane levou a mão à boca, surpreendida. —Não teria entrado se não tivesse estado aqui. Mas me parece que compreendo as intenções do velho Huntley. Estar nesta sala me ajuda a demonstrar que posso deixar para trás meu passado. — esteve a ponto de começar a rir. Jamais teria imaginado que Huntley pudesse preocupar-se com ele. —Vem comigo — disse Christian. —Quero te mostrar onde acontecia o pior. Mas Jane enlaçou o pulso do Christian e tentou retê-lo a seu lado. —Não tenho necessidade de ver. —Eu sim. Mas necessito que esteja comigo. —Viu que apanhava um dos abajures. Conduziua então para uma portinha que havia entre as estantes, no canto da sala mais afastado do calor da lareira. —Trancava-me neste armário às escuras. O abajur jogava só uma débil luz à desconhecida escuridão que se abria diante deles. Mas rapidamente, seus olhos se acostumaram e Jane vislumbrou um espaço diminuto, um espaço reduzido inclusive para um menino pequeno. Um espaço horripilante. —Por quê? —Custei a aprender a ler. Consegui anos depois do que deveria. Meu pai acreditava que um cavalheiro devia ser culto e educado. —Prendia você em um armário porque não sabia ler? —Jane notou que sua voz tremia. Do sobressalto. Do horror. Da raiva. —Meu pai queria acreditar que me negava a ler por despeito. Acreditava que aprenderia se me castigasse. Acreditava que era mau e teimoso e que precisava me assustar para que acatasse sua disciplina. Minha mãe temia que eu simplesmente fosse... tolo. —Você não é um parvo — disse ela. Fez-se o silêncio. Viu que Christian se aproximou de uma esfera terrestre de madeira esculpida sustentada por seis enormes pés, com os países descoloridos. —Vinha aqui às vezes quando meu pai estava fora, para olhar a esfera. Naquela época não 195

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sabia ler os nomes dos países, mas via onde estavam e sonhava viajando a eles. —E o fez. —Em parte, graças a você, Jane. Agora me dou conta. Você me aporrinhava, picava-me e implicava com minha conduta até que soube que queria ser esse homem melhor que esperava que fosse. Jane ficou olhando-o fixamente, cativada por sua expressão direta e sincera. —Na Índia não tinha importância que houvesse demorado a aprender a ler. Ali aprendi rapidamente a sobreviver, a falar os distintos dialetos, a me comunicar. —Seu pai era um idiota exímio. —Deixou o abajur em uma estante e se aproximou dele. —E penso que eu também fui uma idiota exímia. Puerilmente adorável, o sorriso do Christian a fez entrar em calor. —Não diga isso nunca, Jane. É brilhante, meu amor. Deu-lhe um empurrão que o pegou despreparado. Chocou-se contra o anel que rodeava a esfera. —Depois quero que me ensine todos os lugares onde estiveste —murmurou Jane, —mas agora só tenho vontade de te explorar. É a parte posterior de teus joelhos tão sensível como a minha? Ouviu que Christian agarrava ar. —Até o último centímetro de meu corpo é sensível a suas carícias, Jane. Ela ficou nas pontas dos pés para beijar sua mandíbula, para percorrer com a língua o perfil de sua orelha, evitando a ferida da bochecha, que não tinha cicatrizado de tudo. Brincou com ele, soprando-lhe com delicadeza, chupando seu lóbulo, saboreando seus famintos gemidos. —Jane, Meu deus. Necessito disto. Necessito de você. Teve que tirar primeiro sua gravata-borboleta, logo brigar com o pescoço e ele acabou ajudando-a. Estava segura de ter estragado a camisa, mas por fim tinha diante dela seu pescoço nu. Saboreou o oco de sua garganta, notando suas pulsações sob a pressão de sua língua, rápidas e potentes. Enquanto isso, as mãos dele a acariciavam sem parar, suas bochechas, seus ombros. Notou então que ele subia suas saias. Baixou a vista. A musselina enchia suas mãos e puxou dela até deixar suas pernas de fora. Não usava calcinhas. —Não, te ocupe de suas calças. Desabotoou rapidamente os botões. Jane gostava da pressa, embora ele murmurou: —Teria que transformar isto em uma tortura erótica para você. —Já o é. Estou molhada e escorregadia e não quero esperar. —Quando fala assim... —Levantou-a pelos quadris e a atraiu para ele. Como um milagre, sua ereção se instalou no interior de seu úmido sexo, e estava tão molhada que começou a deslizar com facilidade. A esfera terrestre caiu ao chão e a ponto estiveram eles de acompanhá-la. —Maldita seja! —exclamou ele. As mãos que a sujeitavam pelos quadris deslizaram até seu traseiro. Levantou-a e ela lançou um grito ao ser penetrada com força. Mas era fantástico. Enchia-lhe um vazio que nunca havia 196

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sentido realmente. —Está bem — sussurrou, para que ele soubesse. Christian tentou caminhar com ela em cima. —Christian! —Vamos para mesa. Jane se agarrou pela cintura da calça, depois de seu pescoço e, finalmente, conteve a respiração durante o tempo que ele levou alcançar a mesa de trabalho que ocupava a zona central da biblioteca. —Me sente aqui — sugeriu. —Como no piano. —Eu gostaria que estivesse cômoda. —Eu gostaria que me fizesse alcançar o êxtase. Seu traseiro aterrissou delicadamente sobre a polida superfície da mesa. Rodeou os quadris dele com suas pernas, mas ele já tinha os braços apoiados na mesa e sua musculatura tensa. Começou a penetrá-la com um ritmo lento, amoroso, insuportavelmente maravilhoso. “Bum!”. Acabava de cair ao chão um montão de livros que havia em cima da mesa. Abraçou-o, saboreando a intensa intimidade do momento. Empurrou contra ele, soluçando de prazer. Cada golpe a punha mais tensa. Cada impulso de seu sexo a obrigava a cravar as unhas nas suas costas com mais força. Estava tão preparada, tão excitada, tão profundamente consciente de Christian, que chegou o clímax em questão de minutos. Entregou-se com total confiança, obstinada a ele, confiando nele, no homem que amava... “Bum!”. Mais livros ao chão. Jane se viu sacudida por uma sensação de prazer puro. Explodiu. Perdeu o julgamento, seu corpo se rendeu, uma sorte que derretia sua mente se apoderou dela. Christian a abraçou com força. Escutou vagamente seu grito gutural e soube que ele também tinha alcançado o clímax. Christian capturou a boca de Jane em um beijo lento. Retorceu seus mamilos para fazê-la gritar, tanto de indignação como de prazer. Inclusive quando, anos atrás, brincavam e brigavam, pareciam feitos um para o outro. Compreendeu naquele momento. E, uma vez mais, não tinha utilizado proteção. Estava tão extasiado no momento, que tinha esquecido por completo. Mas sabia que não podia lhe propor de novo um matrimônio por dever diante de um possível filho. Ela nunca aceitaria. Daria na sua cabeça com um dos livros de seu pai. De modo que levou sua mão aos lábios e lhe beijou com delicadeza os dedos. —Jane, viria à Índia com Do e comigo? A pergunta a pegou de surpresa. —Podemos entregar a Radcliffe o nome dos membros do Clube dos Diabos — prosseguiu Christian, sem separar a mão de seus lábios. —Deixar que ele descubra a verdade. Jane ficou olhando-o. Tinha uma sensação pegajosa na parte interior das coxas, e cheirava a ele, a seu aroma intenso e terrestre. —Por... Por quê? —Hoje atiraram em nós. Por Deus, Jane, poderia ter... —interrompeu-se. Voltou a beijar sua 197

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mão. As pestanas lhe ocultavam os olhos, um escudo protetor negro e exuberante. —Ficar é muito perigoso. Um halo de luz entrando pelo orifício de sua cartola. Não podia pensar em nada mais. O atirador tinha apontado à cabeça de Christian e tinha errado o disparo por escassos centímetros. Quem corria perigo era ele. Desejava que voltasse para a Índia, onde estaria seguro. Mas quanto a ela... Sua voz rouca interrompeu seus pensamentos. —Esta noite, enquanto procurava a esses homens pelos clubes e os bordéis, escutei muitas fofocas falsas e maliciosas sobre minha irmã, Jane. As pessoas suspeitam que foi ela quem matou Treyworth. Falam de seus amantes, de seu ingresso no manicômio. As pessoas dizem que merecia estar ali. Tenho que levar Do para protegê-la do escândalo. E então compreendeu. —Se... refere a que quer que vá com vocês para que esteja com Do? —Não, anjo. Peço que venha por mim. —Como sua amante? —Era evidente que não voltaria a propor matrimônio. Tinha rechaçado a ele rudemente e tinha assegurado que nunca voltaria a casar-se. —Dei-me conta de que não posso te deixar aqui. Quero você ao meu lado. Quero te mostrar o mundo. —Posou a mão em seus quadris e começou a guiá-la em um baile lento e sensual, ali, no meio da biblioteca que tanto odiava. —Quero você Jane. Mas ela não compreendia exatamente o que queria dela. Desde o começo tinha sabido que teria que lhe deixar partir. Agora sabia que não queria fazê-lo. Mas transformar-me em sua amante? Os homens passavam a vida tornando-se e desprezando amantes. Christian tinha tido dúzias de amantes em sua juventude. Os lábios dele deslizaram pelo pescoço dela. —A Índia está cheia de provocações. O calor pode ser abrasador. Com o verão chega a monção, o céu se enche de relâmpagos. Há inundações terríveis. Mas também é bela. Quase tão bela como você. Mas ela não respondia. Percorreu o perfil de seus lábios com o polegar, fazendo-os tremer. —Eu gostaria de arrancar uma manga amadurecida para você. São suculentas, uma fruta que é como uma laranja deliciosa. Eu adoraria ver o suco da manga derramando por seus lábios. Tratava de seduzi-la com o atraente de um mundo exótico, excitante e sensual. Jane fechou os olhos e imaginou Christian segurando a fruta para que ela a mordesse... embora não tinha nem ideia de qual seria o aspecto de uma manga. O medo se apoderou dela, uma sensação fria e conhecida, como uma corrente de ar em uma velha cabana de madeira. Estaria em terra estrangeira. Em um país exótico que logo que podia imaginar. Estaria à mercê dos caprichos de Christian. E se acabasse abandonada ali? Não tinha dinheiro, carecia de meios para sobreviver, nem sequer para comprar uma passagem de volta para casa. Estava oferecendo sua paixão..., estava oferecendo-se a ela. E estava oferecendo o risco. Mas também estava lhe oferecendo algo mais que mera sobrevivência. 198

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—Não — disse com a garganta tensa, consciente do pequeno de seu voz naquela sala enorme e carregada de livros. —Não poderia. Está muito longe. Não... Não quero ir embora da Inglaterra. E minha tia... Devo-lhe muito por ter me acolhido. Não posso abandoná-la. Ele ficou um instante em silêncio. E então se retirou, mas deixou repousar as mãos sobre seus ombros. —Entendo. Pensarei em você na próxima vez que veja uma dançarina do ventre ou coma uma manga. A partir de agora, a Índia estará cheia de lembranças de você. Jane não podia respirar. Era uma sensação pior que o medo. Sua tia tinha razão: partiria seu coração. Mas não era culpa de Christian. A culpa era só dela. Christian lhe acariciou a bochecha. —Não te abandonarei, Jane, até que saiba que está a salvo. Meia dúzia de homens de aspecto sério formavam um círculo sobre os ladrilhos brancos e negras do vestíbulo de Wickham House. Jane se inclinou sobre o corrimão em busca de Christian. Encontrou-o ocupando no centro do grupo, dando ordens. Ele levantou a vista, como se acabasse de intuir sua presença. Abriu caminho entre dois homens fortes, subiu correndo as escadas, saltando os degraus de dois em dois. Um sorriso triunfante iluminava seu rosto. —Seu plano funcionou, Jane. Sapphire Brougham foi visitar sua mãe em Bedlam. Não a levou, mas meus homens a seguiram e descobriram seu esconderijo. Naturalmente, Christian pretendia ir pessoalmente procurar a madame. —Se cuide — suplicou Jane. Deu-lhe de presente o mais libertino e perverso dos sorrisos, um sorriso que marcou covinhas em seu semblante, e deu um beijo na bochecha. Aquele rápido contato bastou para que uma prazenteira sensação percorresse suas costas. —É óbvio, meu amor — assegurou, crédulo. Sabia que iria com cuidado, sabia que não teria por que sentir aquele medo que lhe esticava a garganta. Christian tinha maturado e já não era o selvagem amalucado que foi um dia. Era um homem sensível, inteligente e heroico. Confiava cegamente nele. E ele confiava nela. Viu-o partir, um autêntico exército pisando seus calcanhares. Negou-se a ir à Índia porque o risco lhe dava medo. Mas acabava de dar-se conta de que não queria ficar em sua casa rodeada de segurança. O que desejava era estar ao lado de Christian. Christian pressionou o pescoço da mulher com os dedos. Notou seu próprio batimento do coração retumbando naquela garganta. A inteligente ideia de Jane e sua forma de entender ao Sapphire Brougham tinham levado até ali, até o esconderijo da madame, uma casinha da cidade de aspecto austero situada em uma favela de Londres. Haveria possivelmente chegado muito tarde? A senhora Brougham estava enrolada no chão de um diminuto salãozinho, os braços caídos 199

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de ambos os lados de seu corpo. Seu cabelo tingido de henna formava um halo enrolado em torno de seu machucado rosto. Tinha um olho arroxeado, manchas roxas no pescoço e umas marcas avermelhadas com muito mau aspecto do tamanho dos dedos de um homem. Tinham-na estrangulado. Havia talvez ouvido algo? Esperou. Ali... Notou o pulso pulsar contra seus dedos, com mais força do que esperado. Younger irrompeu de novo na estadia, flanqueado por dois homens mais. —O resto da casa está vazia, milord. Não há rastro de seu assassino. —Não está morta. —Christian agarrou em braços o corpo inerte. —Traga a carruagem, Younger. Tenho que levá-la a um médico. —Não é necessário que o você faça. Pedirei a uma criada que se ocupe dela. Christian perambulava de um lado a outro, observando Jane sentada junto à cama onde jazia Sapphire Brougham e lhe aproximando uma colher de consome aos lábios. Cruzou os braços, seu cinco sentidos alerta. Na cintura da calça levava uma pistola carregada. Jane negou com a cabeça. —A desprezo pelo que tem feito, mas quero que se recupere. Para que pague por seus crimes. E você não para de nos vigiar. Como eles. —Olhou de esguelha aos quatro criados situados junto à parede, aos pés da cama. Christian levava horas vigiando como Jane atendia a madama, desde que tinha chegado com Sapphire Brougham a sua casa depois de visitar médico. Para mantê-la afastada de Do, tinha-a instalado em um quarto de um canto da casa que não utilizava fazia muito tempo. Depois de que as criadas, sob a vigilância de seus homens, trocassem à senhora Brougham e a ajudassem a instalar-se na cama, Jane tinha limpado o sangue do rosto da mulher, tinha aplicado panos frios no pescoço, tinha aproximado uma xícara dos seus lábios e a tinha animado a beber o chá. Em resumo, Jane tinha sido um anjo. Sapphire lançou um queixoso olhar ao Jane e estendeu tremente a mão. —M-mais. — Fez um gesto apontando a sopa. Jane obedeceu. Quando inclinou a cabeça para agarrar uma colherada, um brilho de poder iluminou os olhos de Sapphire. A faísca foi se apagando e a madame esboçou um débil sorriso de agradecimento. Christian ficou rígido. Aquela bruxa ardilosa tentava enganar ao Jane. Mas Jane levantou uma sobrancelha. —É por necessidade, senhora Brougham — disse com frieza. —Não acredite que sinto compaixão alguma por uma mulher que vendia meninas inocentes a homens sádicos. “Bravo, Jane”, pensou Christian. Aproximou-se da cabeceira para olhar o rosto de Sapphire Brougham. Pensar que seu pai o tinha chamado de perverso! Seu pai não tinha nem ideia do que era a perversão. Talvez Jane tivesse razão. Seu pai foi um idiota exímio. —O médico me disse que não estava tão próxima à morte como queria aparentar — disse, vendo o medo refletido nos olhos de Sapphire a modo de resposta. —O que aconteceu na realidade? Quem a atacou? 200

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A mulher levou com muita dificuldade uma mão ao pescoço. —Estive perto da morte..., a um passo. O homem usava uma máscara negra. Irrompeu em meu dormitório, agarrou-me pelo pescoço. Caí ao chão. Tentei fingir que estava morta. O homem ouviu então algum ruído... Era você, milord. Você e seus homens. Você me salvou a vida — disse com voz rouca. —E o sentinela que deixou para que vigiasse minha casa? Está...? —Bateram-lhe na sua cabeça, mas está bem. Sabemos tudo, Sapphire. Do Clube dos Diabos e as virgens que lhes proporcionava e mantinha encerradas em seu manicômio. Sabemos dos assassinatos. Sapphire estendeu uma mão implorante. —Não tenho feito nada mau — choramingou. —Não sabia nada de tudo isto. Não sabia quem admitia na casa minha enfermeira chefe. Quanto às mortes..., cada dia morrem mulheres. Por enfermidades que lhes contagiam os homens. De parto, ou pela surra de um homem. As mulheres de minha instituição morriam dessas coisas. As escolas de medicina podiam utilizar seus corpos. Diante de um tribunal, posso declarar que era completamente inocente... —Sabemos quem são os integrantes do Clube dos Diabos — a interrompeu Christian. —Já entreguei a lista a Bow Street. —Como...? Não podem saber os nomes. Ao ver-se surpreendida, acabava de revelar que sua anterior negativa era uma mentira. E abriu os olhos aterrorizados ao ouvir pronunciar os nomes. Prova de que eram corretos. —E logo está o assunto da morte de lorde Treyworth... —Não tive nada a ver com isso! —Exclamou Sapphire. —Mas sei quem o fez. Foi a mesma pessoa que me fez isto... —levou-se a mão ao pescoço. —Posso lhe entregar ao assassino em bandeja de prata, lorde Wickham, se fizer um trato comigo. Christian ficou à espera. Vendo sua falta de interesse, Sapphire se sentou na cama, evidentemente muito mais recuperada do que dava a entender, e lhe espetou: —Ao melhor isto convence, então. Conheço um segredo sobre lorde Sherringham. Um segredo que destroçaria lady Sherringham no caso de ser revelado. —Chega tarde — disse em voz baixa Jane. —Sei o que meu finado marido fez. E estou disposta a suportar o escândalo da verdade com tal de garantir que se faça justiça pelas garotas mortas... e pelas outras que destroçou. Jane levantou o queixo com decisão. Christian se deu conta de que sua reação tinha pilhado Sapphire Brougham de surpresa. A mulher se ruborizou e seus olhos jogavam faíscas. Por algum motivo, a força de Jane a encolerizava. —Parva estúpida! —gritou- Sapphire a Jane. —Enquanto brigava com meu atacante, consegui lhe arrancar a máscara. E me encontrei com o rosto de um fantasma. Era lorde Sherringham. Seu marido. CAPÍTULO 23

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Vivo, Sherringham continuava vivo. Era impossível. Jane observou indevidamente os olhos duros e desesperados para Sapphire Brougham. A seu redor, o quarto reluzia, as paredes davam voltas e o ruído ensurdecia seus ouvidos. De repente, a corpulenta figura de Christian se abateu sobre ela. Viu-se envolta entre seus fortes braços, acariciava-lhe os pulsos. —Jane, meu amor, pode me ouvir? Ponha a cabeça entre as pernas. —Não... Não penso me desmaiar. —Sua voz tremente traía suas palavras. Mas não podia desvanecer. Tinha que enfrentar aquilo. Pestanejou com força para afugentar os pontinhos que estalavam diante de seus olhos. Christian falou — ou melhor, rugiu — a madame: —Que prova tem de que nos diz a verdade? Poderia tratar-se de uma mentira para assustar a lady Sherringham. —A prova de seus olhos — espetou a senhora Brougham. Jane olhou ao Christian. Havia tantas coisas que desejava perguntar... Mas um simples olhar a seu rosto bastou para sossegar suas perguntas. Olhos atormentados. A careta de sua boca. A curvatura de sua mandíbula. Era a mesma expressão que trazia quando dois dias antes se aproximou dela na pérgula das rosas, depois de que Radcliffe os tinha interrogado. A revelação de Sapphire não o tinha tomado por surpresa. Oh... ele sabia. —Por quê? Tanto Christian como a madame se voltaram para ela. Jane nem se deu conta de que tinha falado. E seguiu fazendo-o. —Por que a atacou? Por que teria que fingir que tinha morrido? —Como sabem, assassinou a várias mulheres — disse com frieza Sapphire Brougham. —A duas mulheres que trabalhavam para mim e a quatro das garotas de minha instituição. Seus jogos carnais eram duros..., perdia o controle. Excitava-lhe apertar o pescoço das mulheres e as deixar sem ar enquanto as penetrava. Sapphire fez uma pausa para dar um gole no chá e Jane sentiu seu estômago se retorceu. —Às vezes, com a excitação —continuou Sapphire, —apertava muito e lhes partia a traqueia... —Como você podia! —Jane estava de pé, devia ter saltado da cadeira. Um som seco lhe deteve o coração. A cadeira tinha impactado contra o tapete. —Como podia levar garotas e as manter cativas para ele, sabendo... sabendo disso? Christian a atraiu para ele, protegendo-a com seu corpo. —Jane, não tem por que escutar isto. —Mas quero fazer. Devo conhecer os crimes de meu marido. Ouvia o respirar lamuriento de Christian. Sapphire deu-lhe de presente um exagerado olhar lastimoso, próprio de um cenário do Drury Lane. —Tinha-lhe medo, milady. Ameaçou me matar se não o ajudasse. Mas começou a temer por sua própria segurança, a se aterrorizar pensando que a verdade podia sair à luz. Talvez se 202

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mostrasse mais violento com você. Talvez, se refletir, recordará como mudou. Jane estremeceu. Não queria recordar. —Lorde Treyworth começou a chantagear-lhe e sabia que tinha que fugir. Convenceu-me para que ajudasse a fingir sua morte para escapar para Itália. Tinha que esquecer seu título, mas poderia levar sua fortuna. O braço do Christian se esticou. Jane sentiu tremer as pernas e não caiu no chão porque ele a segurava com força. —E por que retornou, então? —Perguntou Christian. —Por que a atacou, Sapphire? —Não sei por que retornou. Mas o tem feito, e está decidido a assassinar às únicas testemunhas de seus crimes, lorde Treyworth e a mim. —O olhar da senhora Brougham transmitia esperança, desespero e necessidade. —Sei onde está, milord. Posso conduzi-lo até ele. Evite que me prendam, me permita abandonar a Inglaterra, e entregarei lorde Sherringham. Enforcarão-lhe por seus crimes. —Baixou a vista para Jane. —E sua esposa será livre.

Jane levantou o braço esquerdo e beliscou o antebraço com todas suas forças. —Jane? —disse Christian com cautela. Talvez temesse que toda aquela angústia a levasse a loucura, ao desesperado estado mental no que tinha cansado sua mãe por seu marido. Estava a sós com ele em um salão que não utilizava, umas portas além da que dava acesso à quarto que alojava à senhora Brougham. O mobiliário estava coberto com lençóis brancos, o que dava à sala um aspecto fantasmagórico. —Queria ver se isto não era mais que outro pesadelo — disse Jane. —Mas não é. É real. Continuava casada. Segundo a lei, continuava pertencendo a Sherringham e ele tinha poder para fazer o que gostasse. “Pare Jane!”, gritou mentalmente. Sherringham tinha cometido assassinatos. Seria levado à forca por seus crimes se o capturavam. Tinha que recordar a si mesma que não tinha nenhum tipo de poder sobre ela. Não permitiria que a empurrasse de novo ao pesadelo de sua vida de casada. —Fale comigo, Jane — insistiu Christian. —Não guarde isso dentro de você. Solta. —Sabia a verdade? Nada de tudo isto foi uma surpresa para você. Não me contou isso para me proteger, igual a fez com os crimes de meu marido. —Sherringham não é seu marido — disse com voz rouca. —Jane, para você tem que continuar morto. —Legalmente... Christian a atraiu para ele para beijá-la, um beijo apaixonado que a pôs nas pontas dos pés e acabou com o frio gélido que percorria suas veias. Mas se desfez dele. —Não quero que pense que tem que me resgatar porque estou ferida e sou débil. Quero a verdade. —E lhe darei isso. —Passou a mão pelo cabelo com seus dedos longos. —Se tivesse a segurança de que estava vivo, haveria dito isso. 203

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Mas Jane viu que afastava rapidamente a vista. Não, não teria feito. —Quando me inteirei de que tinha sido chantageado pelos assassinatos, comecei a ligar os fatos. Tinha me contado do incêndio, que estava virtualmente na bancarrota. Eu também fui da Inglaterra, e isso me ajudou a compreender que poderia ter lhe ocorrido essa solução. Huntley confirmou que o corpo estava... irreconhecível, e me dava conta de que poderia tratar-se de um cadáver comprado aos exumadores. De modo que pedi ao Huntley que investigasse. Mas não tinha nada concreto, juro isso, Jane. E não queria te assustar com minhas especulações. Não podia culpá-lo por isso. Mas tinha a sensação de que se estabeleceu uma distância entre eles, muito maior que os escassos centímetros que separavam seus corpos. Era seu matrimônio e Sherringham. Ele havia se interposto entre eles como uma parede. —Quanto a te proteger, jamais deixarei de fazê-lo, Jane. Aconteça o que acontecer. Sherringham nunca voltará a te tocar. Se isso significar não te perder nunca de vista, farei para que esteja segura. Seria tão fácil mover afirmativamente a cabeça e aceitar sua promessa... Desejava-o tanto... Mas e se não enforcassem Sherringham? Era um nobre, talvez o encarcerassem ou o exilassem. E se voltava a fugir da Inglaterra? Conseguiria obter algum dia o divórcio naquelas circunstâncias? Desde não ser assim, jamais seria livre. Separou-se de Christian, de seu corpo forte e potente e da promessa de amparo que tanto ansiava. —Não, Christian. Jurei que não voltaria a me casar nunca porque temia me sentir de novo presa. Não penso te aprisionar a meu lado, que tenha que me proteger de um fantasma que possivelmente nunca chegue a se materializar. Merece encontrar o amor e a felicidade. Não te atarei para mim quando não tenho nada para te oferecer. Levantou-lhe o queixo. —Jane, penso ir atrás de Sherringham e encontrá-lo. —Com Sapphire Brougham? Não irá aceitar suas condições e lhe conceder a liberdade em troca do Sherringham! Não pode fazer. Mas, por seu silêncio, soube que o faria. Depois de acompanhá-la a aquela sala e deixá-la sob a vigilância de dois criados, havia tornado a falar com Sapphire Brougham. Era evidente que, fosse o que fosse o que tinham falado, estava seguro de que Sapphire podia conduzi-los até o marido de Jane. —Odeio a essa mulher — disse. —Perguntava-me por que tinham mantido prisioneira a Do durante tanto tempo, quando o que sabia supunha uma ameaça para o Clube dos Diabos e Sapphire Brougham. Ao que parece, Treyworth confiava em poder tirar Delphina do manicômio e devolvê-la para casa. Contou-me isso com um olhar gélido como um pedaço de gelo e em seguida afastou a vista e deixou de me olhar nos olhos. Apertava as mãos e embora não consegui que o reconhecesse, suspeito, por sua reação, que seu plano era de acabar com Do e dizer ao Treyworth que tinha morrido. Provavelmente pensava dizer que Do tinha morrido por enfermidade ou acidente. —Então não pudeste chegar a um trato com ela. 204

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—Tive que fazer entendimentos com o diabo em outras ocasiões. Estava disposto a permitir que a mulher que tinha planejado matar a sua irmã escapasse em troca da liberdade de Jane. —Poderia estar mentindo. Poderia te conduzir a uma armadilha. —Sou consciente desse risco, carinho. —É excessivo! Mas ele negou com a cabeça. Seu sorriso era deslumbrante e suas covinhas mais profundas que nunca. Desprendia excitação, mas atrás daquela tela Jane intuía uma escura resolução. O major Arbuthnot havia dito que era um louco. Pensava atacar como um louco para resgatá-la, porque a via assustada e vulnerável. —Não permitirei que faça. —Não poderá me deter, Jane. Permita que te proteja. O terraço estava vazio. Sua mãe tinha razão em uma coisa: o amor era uma emoção que podia chegar inclusive a dar medo. Proporcionava as maiores alegrias, mas também os mais profundos temores. Jane se obrigou a sorrir quando Do segurou a sua mão e a apertou com carinho. “Sinto muito, Do — sussurrou mentalmente. — Sinto muito que Christian se lance ao perigo por mim”. Não podia dizer em voz alta. Ambas tentavam atuar como se tudo estivesse bem. Evidentemente, Do tratava de tranquiliza-la e de lhe dar forças, igual Jane fazia com ela. Fazia uma hora que Christian tinha partido com a senhora Brougham, Younger e quatro de seus homens e elas levavam todo esse tempo sentadas na sala de música. Junto à porta, dois criados montavam guarda e outros homens patrulhavam pelo exterior da casa. Jane havia se sentido profundamente agradecida a Christian quando soube que tinha enviado mais homens a vigiar a casa de sua tia Regina. Um relógio marcou a hora e Do saltou em seu assento. —O... sinto —sussurrou, e se voltou para Jane. —É uma tolice fingir que não acontece nada, verdade? Sei que está assustada. Mas Christian sairá desta. Sobreviveu a muitos perigos. E estou segura de que está decidido a retornar são e salvo por você. —E por você — acrescentou Jane. —Sinto muito que ponha em risco sua vida por mim... —Cala. Não havia alternativa, Jane. Vejo o brilho de seus olhos quando te olha. De fato, quando fomos jovens, quando seu olhar se pousava em ti, sempre adquiria um resplendor especial. —Porque pensava em como zombar de mim. —OH, era muito mais que isso, parece. Penso que sempre te teve em grande estima. Simplesmente não compreendia o que era o amor. Sei que eu tampouco saberia, de não ser por Charlotte e por você, minhas amigas mais queridas. Mas quando Christian retornar pretendo ajudá-lo a compreender exatamente o que sente por você. —Não, Do, por favor..., poderia estar equivocada. —Jane notou o calor provocado pelo rubor em suas bochechas. Tinha rechaçado sua proposta matrimonial, depois havia dito que não 205

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iria com ele à Índia. Quando falava daquele país, tinha compreendido quanto o amava. Queria retornar ali e ela não podia interpor-se em seu caminho. O tinha rechaçado duas vezes. E estava segura de ter destruído com isso qualquer sentimento que pudesse ter para ela. Do se levantou e lhe estendeu o braço. —Deve estar esgotada. Vem, te acompanharei à cama. Jane observou com sigilo através da estreita abertura deixada pela porta entreaberta e esperou que Do entrasse em seu quarto. Ato seguido saiu ao silencioso e escuro corredor. Havia muitas perguntas. Tinha sido Sherringham quem tinha disparado contra eles porque temia que pudessem descobrir a verdade? Era evidente que não era ele quem a tinha empurrado contra aquela carruagem no Hyde Park. Teria visto — ou no mínimo, teria intuído sua presença — de tê-lo tido tão perto. Aquilo tinha que ser um acidente. Por que o criado de Treyworth tinha visto um homem de cabelo escuro sair correndo da casa? Sherringham tinha uma abundante mata de cabelo branco. Era verdade que Sapphire Brougham tinha medo de Sherringham, ou seria o dinheiro a razão pela que lhe proporcionava garotas? Quando ele tentou assassiná-la, teria que ter se sentido furiosa além de aterrorizada. Sapphire acreditava ter poder sobre ele e de repente tinha descoberto que na realidade era tremendamente vulnerável... —Por que não parte? Wickham não pode ser seu, está casada. Jane se virou em redondo. Iluminada por um candelabro de parede, Mary a olhava com indignação. Seu cabelo dourado caía solto sobre seus ombros e uma camisola de seda de cor marfim acentuava as curvas de sua bem torneada figura. O ódio contido naquelas palavras pegou Jane de surpresa. —Fico aqui porque lorde Wickham assim o quer e porque lady Treyworth é minha amiga. —Espera que se apaixone por você! —Exclamou Mary. —Hipócrita! Disse que tinha que aspirar a ser algo mais que uma cortesã. Deu esperanças estúpidas às demais garotas e por outro lado se converteu na amante de sua senhoria. —Não são esperanças estúpidas — começou a dizer Jane, mas se calou quando um movimento chamou sua atenção. Das sombras do corredor acabava de surgir uma criada embelezada com um vestido de lã marrom escuro. Saudou com uma reverência. —Lady Sherringham? Uma das jovens damas pergunta por você. —Qual? —Perguntou Mary. —irei vê-la. Mas a criada negou com força com a cabeça. —Não, senhorita. A jovem perguntou por sua senhoria. Mary se fez a um lado a contra gosto e Jane compreendeu que a garota ainda se sentia mais ferida. Teria que solucionar aquele assunto com Mary, mas como conseguir que uma jovem se desenamorasse? Ela não sabia. Correu atrás da criada, que se movia com rapidez, mas caminhavam em direção oposta às habitações das garotas. — A jovem não está deitada? 206

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—Não, milady. Está embaixo. Encontra-se em um estado terrível. Encontrei-a chorando e gritando. Um pesadelo? Seria sonâmbula? As garotas também temiam pela segurança de Christian. A criada abriu a porta do escritório de Christian. Jane viu o escritório onde estavam encerradas sob chave as pistolas. Deu-lhe a impressão de que tinham transcorrido semanas, não dias, desde que tinha proposto matrimônio naquela estadia e ela tinha rechaçado sua oferta. —Onde está? —Jane olhou a seu redor. Apesar de que a sala estava unicamente iluminada pela luz da lua, via que não havia ninguém. —Fora. —A mulher correu para as janelas. Pela primeira vez, Jane se deu conta de que na sala havia umas portas que conduziam ao terraço. Estremeceu ao sair ao exterior e notar o ar fresco. —Por que não a fez entrar? De repente, Jane notou que a agarravam e tropeçava. Notou também uma mão tampando sua boca. O grito conseguiu sair, mas no instante em que separou os lábios, sentiu entre eles a pressão de um trapo de aroma asqueroso. —Se cale — disse a criada a suas costas, — ou atiro. —A mulher, alta e assombrosamente forte, sujeitou-a cruzando o braço esquerdo sobre seu peito. E imediatamente notou o frio canhão de uma pistola em contato com a têmpora. —Sabia que não podíamos confiar nesta bruxa — espetou a criada. O tom diferente do serviço se esfumou e transformado em puro ódio. —Ao mínimo som, destroçarei encantada sua cabeça. Escapou daquela carruagem e dos disparos, mas nunca conseguirá escapar de uma bala metida em seu crânio a tão curta distância. Jane mal podia respirar com o trapo na boca. Aquela “criada” a tinha empurrado no Hyde Park e tinha disparado contra ela e Christian? Por quê? —Tenho outra pistola e várias facas — alertou a mulher. —Estou disposta a matar a qualquer um que se interponha em meu caminho. E sei que nesta casa há várias jovens. Jane conseguiu retirar o trapo e disse, ofegando: —Quem... quem é você? Amaldiçoando para seus pensamentos, a criada voltou a pressionar o trapo. —Não tem nem ideia, verdade? Não recorda? Enterrou-me em uma fossa comum enquanto enterrava a seu querido marido em seu mausoléu familiar. Não entendia nada. E quanto mais respirava através daquele trapo, mais náusea sentia. —Maldita seja. Não acredito que com isto consiga te fazer perder o conhecimento. A verdade é que se puder andar me será mais útil. Economizará ter que te arrastar. E quanto a quem sou, sou a mulher a quem de verdade ama seu marido, querida. Sou Fleur dê Jardins. Fleur? O cérebro de Jane se concentrou na mais impossível de todas as possibilidades... — Já entendeu por fim, milady? —perguntou Fleur em tom sarcástico. —Sou a amante de seu marido, a que acreditou que tinha morrido a seu lado quando minha casa ficou destruída por aquele incêndio. Cravou a pistola na cabeça de Jane e esta sentiu uma dor muito intensa. 207

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Diante dela estava a pérgula das rosas onde tinha jurado fazer justiça às vítimas de Sherringham. Jane forçou a vista mais à frente, em direção aos muros que bordejavam os terrenos de Wickham House. Não via os sentinelas... mas tinham que estar ali, ocultos pelas sombras. —Buscas quem lhe salve? —A rouca risada de Fleur era uma brincadeira para ela. —Esses imbecis que acreditaram que eu era uma simples criada? Procuram a seu marido..., procuram um homem. Foi fácil me tirar de cima o vigilante da grade. E agora que tenho a você, já não poderão me deter. Tirar de cima? O medo e as náuseas se misturavam com o aroma nauseante que lhe alagava o nariz. Tentou pôr em ordem suas ideias, mas tinha a cabeça completamente embotada. Fleur a empurrou para que se pusesse a andar. —Não te ocorra gritar, embora esteja disposta a se sacrificar. Não vim sozinha. Na casa há outra mulher disfarçada de criada. Poderia, sem nenhum problema, fazer-se com essas putas que lorde Wickham tem aí. Se gritar, ou se fizer algum sinal de advertência, cortará-lhes o pescoço. Se quiser voltar a ver perverso, uma última vez, melhor que mantenha a boca fechada e venha comigo. O corpo encolhido jazia nas sombras perto da grade traseira. O coração retumbou no peito quando viu o rosto do homem, pálido apesar da escassa luz. As nuvens ocultavam a lua e Fleur tinha esperado esse preciso momento para atravessar a grama. Jane tentava mover os lábios sob o trapo que Fleur tinha preso, mas não conseguia afrouxá-lo. Nem podia tampouco com o trapo com que lhe tinha prendido suas mãos, por muito que tentasse mover os pulsos. Fleur a havia vestido com um casaco negro que ocultava o cabelo e o vestido, e tinha utilizado outro para ela. Fleur a arrastou e passaram junto ao corpo. Estaria morto? Deus, teria morrido alguém por sua culpa? O que teria acontecido a Christian? Quereria dar a entender Fleur que o tinha capturado? E o que embora estivesse morto teria a possibilidade de vê-lo uma última vez? —Alto! Detenham-se ou disparo! Jane sentiu um tombo no coração para ouvir aquele potente grito masculino. Tentou liberarse do Fleur para correr para o homem. Mas Fleur a empurrou contra a grade de madeira. Ao golpear-se com ela, abriu-se. O impacto a deixou sem ar e caiu para frente. Atrás delas estalou um disparo. A cabeça retumbou de dor. Depois ouviu o som da madeira fazendo-se em pedacinhos e caiu sobre ela, uma chuva de fragmentos e lascas. Tinha caído de joelhos na terra do caminho da parte posterior do jardim. Não tinham acertado: a dor era o resultado do impacto da pistola de Fleur que lhe apontava à cabeça. A bala disparada pelo sentinela de Christian tinha impactado na grade do jardim. —Se levante — ordenou Fleur. —Depressa. Ou o seguinte disparo será o que te atravessará o crânio. No estreito caminho se vislumbrava uma sombra escura. Uma carruagem, de cor negra. A porta se abriu diante dos olhos de Jane. Apareceu um homem e ela se tornou para trás horrorizada. Não tinha rosto. No lugar onde deveria estar seu rosto só havia um buraco negro... 208

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—Se apresse — vociferou o homem. —Vêm atrás. —Sei — gritou Fleur. A pistola se cravou então nas costelas. Fleur a agarrou pelo ombro e a obrigou a entrar na carruagem. O empurrão a projetou contra o homem. Naquele instante apareceu a luz da lua e lhe iluminou o rosto. Usava uma máscara negra. Puxou-a e Jane caiu ao chão da carruagem. O homem se recostou no assento, tremente e respirando com dificuldade. Jane podia ouvir essa respiração agitada através do orifício da boca da máscara. Fleur subiu a seguir. Depois de um fraco rangido e o grito do chofer, a carruagem ficou em marcha. O repentino puxão fez Jane rodar pelo chão. Os cavalos puseram-se a correr como loucos e a carruagem começou a balançar-se sobre umas rodas que esquivavam o meio-fio do caminho. A suas costas soaram duas explosões mais. A carruagem virou repentinamente para a esquerda e as rodas estralaram freneticamente: tinham chegado à rua. Desciam por ela a toda velocidade, como uns selvagens. Jane gritou quando Fleur a puxou para sentá-la. O homem mascarado estava frente a elas, encarado na direção de sua precipitada viagem. Jane engoliu em seco ao ver que apontava a seu coração com uma pistola. —Jane. Conhecia aquela cultivada voz de baixo. Conhecia-a raivosa e vociferante. Conhecia-a carregada de cólera fria e deliberada. Gritou infrutuosamente apesar do trapo. “Não desmaie”. O homem tirou a máscara. —Não trocaste um ápice — disse e um sorriso iluminou seu rosto. —Em todo caso, é mais encantadora do que recordava. Sua amante, que estava com a pistola na mão, sufocou um grito de raiva. —Prenda-a — disse Sherringham a Fleur. —Quero beijar a minha encantadora esposa. Estamos muito tempo separados. —Isto eu não gosto, milord. Salta à vista que é uma armadilha. Ao notar a tensão da advertência de Younger, Christian olhou pelo guichê de sua carruagem e viu o pôster da Estalagem do Elefante e a Gralha. Uma jovem vestida com mau gosto acossava a todo cavalheiro que passasse por diante. Entre a multidão destacavam muitas cartolas e meninos andrajosos, que se misturavam com os cavalheiros à espera do momento oportuno para fazer-se com a bolsa de algum deles. Christian reconheceu que tinha razão. Mas havia lugares menos públicos onde levá-los, se o que em realidade pretendia a senhora Brougham era estender uma armadilha. Sentada a seu lado, a senhora Brougham se inclinou para ele. E o roçou deliberadamente. Acreditava que podia manipulá-lo. Sem dúvida, levava tanto tempo fazendo-o, que não conhecia outra maneira de comportar-se. Pensou em Jane, que tinha passado um inferno nas mãos de um homem e queria resgatar a outros, não utilizá-los. —Não é nenhuma armadilha, milord — insistiu Sapphire. Tinha confessado a Christian que sabia que Sherringham queria retornar a Inglaterra. Tinha 209

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concordado a ajudar Sherringham, em troca de dinheiro, e depois se inteirou de que o que queria era assassiná-la. Sherringham tinha pensado matar Treyworth e à senhora Brougham e reclamar logo seu título e suas propriedades. Reclamar sua antiga vida. Dúbio, Christian estudou a sórdida estalagem. —Por que teria que vir aqui? —Para estar seguro de que ninguém o reconhecesse — respondeu Sapphire. —Seu plano era cometer os assassinatos e logo partir para França. E retornar transcorridas umas semanas, fingindo ter estado no continente todo este tempo. Quem ia suspeitar de um homem que nem sequer estava no país? Se acreditar que não estou morta, estará se preparando para partir..., para fugir e não voltar nunca mais. Estava dando livremente a informação. Desesperada para evitar a forca? Ou tomando o cabelo? —A sotaque com o Roydon, Sapphire. —Christian fez um gesto para o homem sentado a seu lado. —Tem instruções de levá-la ao Bow Street se houver problemas. —Ao inferno — acrescentou Younger, arranhando uma cicatriz que atravessava sua bronzeada bochecha. —Disse que retorço seu maldito cangote se me derem uma surra por sua culpa, bruxa. —Não é nenhuma armadilha — choramingou ela. —Quero que pendurem a Sherringham. Christian saltou da carruagem no sujo meio-fio pavimentado, a rua iluminada tão somente por umas poucas luzes e algumas fogueiras. Assaltou-lhe imediatamente o fedor a excrementos de cavalo e desperdícios humanos. Levava duas pistolas no bolso, uma navalha na bota e outra escondida na manga. Entrou na estalagem com Younger e outros dois homens armados lhe pisando os calcanhares. No botequim se ouviam gritos de bêbados e alegres gargalhadas. O proprietário, um homem robusto com queixo duplo, correu para a recepção. Christian depositou no mostrador uns quantos soberanos. —Sou lorde Wickham. O homem foi todo ouvidos imediatamente e Christian lhe deu uma descrição de Sherringham tal e como era agora, treze meses depois de sua “morte”. —Referira-se você ao senhor Neville, milord. Está no quarto número sete — disse o hospedeiro. —Mas esta noite saiu. —Onde foi? Levou com ele seus pertences? —Não, milord. A dama se ocupou disso esta manhã. Disse que foram em viagem e fez baixar um baú. —A dama? —Referia-se a Sapphire Brougham? —Como era essa dama? —É a senhora Neville, milord. A esposa do cavalheiro. Uma dama amável, de cabelo escuro. Quem era então? —Sabe aonde foram de viagem? Com os olhos abertos como pratos, o fornido homem negou com a cabeça. 210

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—Não sei milord. Christian deixou cair os ombros. Teria chegado muito tarde? Sherringham já teria retornado ao continente? Seria possível localiza-lo se houvesse feito? Se Sherringham sabia que não tinha matado Sapphire Brougham, era possível que não retornasse jamais... e Jane nunca se consideraria livre. Christian se afastou do mostrador e do surpreso proprietário para subir curvadas escadas de dois em dois, em busca da quarto número sete. Se por acaso o hospedeiro se equivocava, ou tinha mentido, preparou uma pistola. A porta estava fechada com chave e a abriu de um chute. A madeira ficou feita pedacinhos. No corredor, ouviram-se os gritos de uma mulher. Christian entrou no quarto precedido pelo canhão de sua pistola. Estava vazio. Nada dava a entender que tivesse estado ocupada, só os lençóis desordenados da cama. O armário, vazio, tinha a porta aberta. E então o viu, apenas visível, mas identificável em contraste com o branco do travesseiro. No momento em que Younger entrava no quarto, Christian agarrou o papel dobrado. Uma nota, escrita pela mão de uma mulher, embora não se tratasse da escritura fluída da senhora Brougham. W. Sei que tenho algo que desejas. Pode encontrá-lo no teatro. Jane. Ela era algo, ou melhor, alguém, que desejava com cada pulsado de seu coração. Mas era impossível que Sherringham tivesse Jane. Tinha deixado a casa bem vigiada e o marido de Jane não podia ter evitado os sentinelas. Ou sim? Era aquilo uma armadilha para fazê-lo morder o anzol? Ou Jane estaria de verdade em perigo? —O teatro — murmurou em voz alta. Drury Lane? Não tinha sentido. Se queriam estender uma armadilha, por que enviá-lo a um teatro cheio de gente sem mais instruções? Retornaria para casa para comprovar que Jane estava sã e salva. O teatro. Poderia tratar do teatro do clube de Sapphire Brougham? CAPÍTULO 24 Graças a Deus, Fleur não tinha obedecido a ordem de Sherringham. Sua amante não a tinha prendido e a tinha aproximado para que recebesse o beijo. Jane olhava desoladamente a seu marido de um canto da carruagem. Escorada entre a parede e o assento, as mãos atadas as suas costas, sacudia-se constantemente. Aquela aparição que tinha frente a ela era a de um desconhecido. Os treze meses transcorridos tinham somado uma corcunda a suas costas, um som chiava a sua voz. Parecia ter decaído. O cabelo que em seu dia fora prateado, era agora muito fino. Ensopado de suor, tinha agora a cor do céu de Londres em um dia deprimentemente úmido. Tinha vivido oito anos com aquele homem. Acreditou-se capaz de ler seus pensamentos. Sabia quando mentia. Pelo som de seus passos sabia se estava zangado. Mas a verdade era que 211

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não o conhecia absolutamente. E aquilo lhe dava medo. Sherringham voltou seu encolerizado olhar para Fleur. —É minha esposa. Era consciente de que tinha deixado de ser lorde Sherringham — o título tinha ido parar em seu primo, — mas não podia pensar nele de outra maneira. —O que pretende? —Replicou sua amante. —Que rasgue suas saias para que possa desfrutar de seus direitos maritais? Jane se encolheu quando viu que Fleur, encolerizada, apontava-a com a pistola com mão tremente. E se acabasse disparando por acidente antes de fazê-lo voluntariamente? O que faria a outra mulher que tinham em Wickham House? —Agora é a puta de Wickham — espetou Fleur. —Vi-os. Vi-a em seus braços. Jane tinha aprendido a não dizer uma palavra a seu marido quando estava zangado. Para sobreviver, para limitar os danos que causava, estava acostumado a comportar-se como um ratinho silencioso e tímido. Era estranho não recordar apenas aquela mulher. Os poucos dias que tinha passado com Christian tinham servido para recordar a mulher forte que foi um dia. —Não sou uma puta — afirmou. —Aos olhos do mundo, está morto e eu não sou sua esposa. Fleur, e não Sherringham deu-lhe um bofetão e a cabeça retumbou. Pasma, reprimiu as lágrimas provocadas pela surpresa. —É minha esposa — rugiu Sherringham. —Eu não estou morto e você, Jane, continua sendo minha. —Suas palavras estavam carregadas com uma perigosa ira. —E esteve na cama de Wickham. Com duas pistolas apontadas e as mãos atadas, não tinha possibilidade alguma de escapar. Teria que estar aterrada, mas se surpreendia com controle que tinha de si mesma. Se perdesse a cabeça, sem dúvida morreria, mas Sherringham esperava dela que estivesse assustada. Durante oito anos tinha acabado convertendo-a em uma covarde chorona, mas agora, levantou o queixo. —Sabe tudo, verdade? —Sherringham empregou um tom estranhamente coloquial. —Sobre a Molly e a Kitty, e sobre as demais putas de Sapphire Brougham. Não eram putas. Os olhos do Jane se encheram de lágrimas. —É óbvio que sabe. Sabem tanto ela como Wickham — repôs Fleur, zangada. Jane se obrigou a olhar seu marido nos olhos. —Por que não parte agora da Inglaterra? Conseguiria escapar. Sherringham a repassou lentamente com o olhar. O casaco estava agora aberto e suas mãos estavam atadas. Seu olhar era estranho... Fleur deu um murro em seu braço, empurrando-a contra a parede da carruagem. —Estragou tudo. Você e seu condenado Perverso. Por que teve que colocar o nariz? —Foi culpa de Treyworth — murmurou Sherringham. —Por ter trancado a sua maldita mulher louca em lugar de matá-la. Jane sentiu que em sua voz fervia aquele conhecido tom de raiva. Mas então, Sherringham tossiu e levou um lenço à boca. Uma mancha de sangue na delicada malha. Jane ficou olhando-a. 212

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Sherringham estava com tuberculose. Estava doente..., morrendo. —O que... o que vai fazer comigo? —Silêncio, cadela pesada — explorou Fleur. —Vi que Wickham levava Brougham para sua casa. Ele e você conhecem a verdade... e ele tem influência e poder. Se Wickham encerrar a essa bruxa no cárcere de Newgate, tenho tudo arrumado para que a liquidem. De modo que assim que você e ele estejam mortos, todo mundo terá desaparecido... —Teríamos que sair da Inglaterra, Fleur — disse Sherringham. —É muito tarde. Fleur alongou o braço para dar uns golpezinhos no joelho. Olhou-o implorante. —Não é. —É — disse Jane. Observou a seu marido. Atreveria-se a correr esse risco? —Há mais gente que conhece a verdade. Bow Street sabe que é um assassino. As bochechas de Sherringham se tingiram de vermelho. —Bow Street? Impossível. Fleur gritou furiosa: —Não é verdade! —voltou-se com a pistola para Sherringham. —Mente para te assustar. Não deve perder a fé. Sempre foi fraco, entrou em pânico com esse estúpido do Treyworth. Quando podia tê-lo matado fácil há um ano! —Não sou fraco! —rugiu ele. Equilibrou-se para frente, mas Fleur apontou com a pistola. —Não me baterá! A raiva esfumou, deixando em seu lugar um homem ancião com olhar claro e desesperado que se afundava em seu assento. —É muito tarde. Deveríamos fugir Fleur..., voltar para a Itália... De todos os modos, estou morrendo. Jane ficou pasma ao ver Sherringham intimidado por uma mulher. Então se deu conta de que também tinha estado sob o controle de Sapphire Brougham. Elas tinham sabido como derrotar o perseguidor e utilizá-lo para seus próprios fins. Ela poderia que tinha convivido com ele durante oito anos, saber também como fazê-lo? Fleur o olhou com preocupação. —Não precisamos fugir. Pode ainda reclamar seu título e eu serei sua condessa. —A mulher levou uma mão ao ventre e moveu a pistola em direção a Jane. —Ela estará morta e eu parirei seu herdeiro. São imbecis... Esta acreditou inclusive que tinha um cúmplice na casa. Acabaremos com eles facilmente, e você não morrerá, nem cairá no esquecimento. Sherry, meu amor. Seu filho continuará sua linhagem. Seu primo será destituído do título... Não recorda como nos ríamos com isso? Será uma brincadeira grandiosa. Ele não disse nada e voltou a tossir. Jane sentiu uma tênue luz de alívio... Ao menos, a história de que na casa havia outra mulher implicada era mentira. A voz de Fleur se elevou com desespero por cima do chiar das rodas. —Concebi este plano para te devolver tudo o que merece. E eu mereço ser a condessa de 213

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Sherringham. A única coisa que devemos fazer é ter paciência... —Retornei para Inglaterra para ser detido. —E por então já serei sua esposa legal, tolo. Seu filho terá nascido e prevalecerá sua herança. —Fleur sorriu a Jane com malícia. —Mas se Bow Street sabe, você não nos serve de nada. Dá no mesmo te manter com vida para que Wickham morda o anzol. —Fleur aproximou a pistola da têmpora de Jane, seu dedo acariciou o gatilho. Jane se sentiu embargada por um medo paralisante, era como água gelada. Tanto Fleur como Sherringham estavam loucos: Fleur impulsionada pela ideia de ser condessa, ele pela crença de poder fugir dos assassinatos. Fleur tinha que matá-la. Não podia casar-se com um homem cuja esposa continuasse com vida. Jane tinha que lutar por sua vida. E pela de Christian... posto que Fleur tinha revelado que estava vivo. —O Bow Street foi uma armadilha — disse. —Não sabem ainda nada sobre os assassinatos. Mas houve outra testemunha. E esta testemunha foi a pessoa que revelou a verdade a lorde Wickham. Fleur cavou-lhe um olhar irado. —Wickham nunca revelará o nome dessa pessoa —prosseguiu Jane, seu coração pulsando ferozmente no interior de seu peito, —a menos que possa me salvar... A carruagem se deteve. Fleur disse com ironia: —Então, é possível que ao final inclusive nos sirva de algo, milady. —Se deite na cama. A seca ordem de Sherringham retumbou nos ouvidos de Jane. Com as mãos ainda atadas, ficou imóvel na beira do leito depois de que ele fechasse a porta. Dois candelabros iluminavam a colcha dourada, mas o ambiente era sombrio. O clube vazio de Sapphire Brougham estava silencioso como uma tumba. Jane não pensava deitar na cama voluntariamente. Se fosse o que ele queria, que fizesse à força. Jamais em sua vida voltaria a obedecer Sherringham. A porta se fechou com chave de forma definitiva. Dias atrás, encontrou-se com Christian no camarote superior. Tinha-a atraído para ele para lhe dar um beijo que tinha provocada terríveis lembranças. Agora, seu coração pulsava acelerado, mas não sentia aquele pânico exaustivo e debilitante. E era graças ao Christian. Sentia-se mais forte porque ele a tinha protegido, tinha sido seu paladino e a tinha tratado como a uma companheira. —Se deite — rugiu Sherringham. Antes, sua voz a teria paralisado. Pelo menos, tinha tirado aquele trapo de sua boca e pôde responder com um grito: —Não! —Covarde. —Rindo sarcasticamente, empurrou-a contra a cama. Tinha imaginado que ele estava débil e doente. Mas se equivocava. Inclusive tísico, era muito mais forte que ela. 214

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Nos últimos anos de seu matrimônio, teria se acovardado e não teria se atrevido a falar. Mas estava decidida a não permitir que aquela mulher reaparecesse. —Me desamarre, por favor. Doem-me as mãos. Jane não acreditava que ele queria diminuir sua dor, assim se surpreendeu que ele se aproximasse e desatasse a corda. Uma vez liberadas as mãos, apoiou-as no colchão. Quando moveu os pulsos, sentiu pontadas de dor nos braços. Sherringham se sentou na cama a seu lado, apontando-a com a pistola. Jane reprimiu um soluço. Enquanto ele tirava de novo um lenço no que afogar sua tosse, Jane sentiu que um manto de luz branca cobria sua visão. Tinha as mãos livres, mas embora os ombros de seu marido se sacudissem de maneira espasmódica, sabia que não poderia com ele. Cintilou uma luz no camarote. Seria Christian? Arqueando o pescoço, Jane forçou a vista para olhar. Uma vela iluminou as duras feições de Fleur ao acender um candelabro de parede situado junto à porta. Continuando, cruzou a plateia em direção ao outro lado do camarote, flanqueado por cortinados. Fleur levantou a pistola e desapareceu atrás das cortinas. OH, Deus. Christian desconhecia a existência de Fleur. Não saberia que havia uma mulher armada à espreita. Fleur tinha acendido um candelabro para ter luz e assim poder disparar contra Christian assim que este cruzasse a porta. Aterrada, Jane compreendeu que a tinham sequestrado para utilizá-la como isca. Tinha que fazer alguma coisa. Voltou-se para seu marido com olhos suplicantes. —Poderia nos perdoar. Ou perdoar a Wickham, no mínimo. —Ao Wickham? Seu amante? Fleur viu como lhe abraçava. Viu a paixão de seus beijos. Mas em minha cama, jazia como um cadáver com os olhos fechados. —Tinha medo de você... —começou a dizer Jane. A necessidade de explicar o dano que o fazia se apoderou dela. —Permanecia daquela maneira porque temia que me batesse. Ficava como uma tábua porque jamais foi delicado ou carinhoso... Sherringham jogou a mão para trás. Mas não a moveu. —Amou sempre a outro homem... —Não havia ninguém mais! —gritou. —Quando me casei contigo era virgem. A palma da mão impactou contra sua bochecha. A pele ardia e seu rosto inteiro vibrou pelo golpe. —Minha esposa. Em quem pensava quando te beijei no dia de nossas bodas? Surpreendida pelo bofetão, Jane tentou recordar o primeiro beijo de seu marido. Na carruagem, afastando-se da igreja. Estava... aturdida. Então ele a tinha agarrado pelo pescoço para olhá-la. Seus lábios se colaram aos dela. Tinha sido um beijo áspero e brusco. Aturdida por aquela violência, tinha tentado tornar-se para trás. Nada que ver com o que tinha sonhado. E tinha pensado em Christian... Por alguma louca razão, até estando ele tão longe, tinha pensado em seus brilhantes olhos azuis, em sua risada fácil e em suas maliciosas brincadeiras. OH, Deus. Christian sempre tinha estado ali..., em seu coração. Sherringham a obrigou a ficar em pé e a atraiu para ele. A saia do vestido se colou à colcha e deixou à vista suas pernas. Sufocou um grito ao ver um punho aproximando-se de seu rosto, um 215

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punho que avançou lentamente. Deu-lhe tempo a esquivá-lo e o murro foi parar no colchão. —Maldita seja! —gritou ele. —Não fez nada por mim. Fria e rígida na cama. Não pôde me dar um filho. Mas não pude te esquecer, Jane, nem sequer na Itália. Sonhava contigo de noite e pensava em você de dia. Suas mãos avançaram para seu pescoço. Enjoada pelo medo, começou a choramingar. —Não havia ninguém mais. Prometo isso. —Queria apaziguá-lo, mas queria também que conhecesse a verdade. —Cheguei a nosso matrimônio disposta a te entregar meu coração. — Porque assim tinha sido. Levantou o joelho, apontando desesperada entre suas pernas. Ele se equilibrou sobre ela. —Cala. Se gritar alarmará Wickham. —Fechou-lhe a boca com a mão enluvada e a esmagou com seu peso contra a cama. Desfrutou enquanto lhe acariciava os seios. Tinha suportado seu contato durante oito anos. Mas agora não tinha por que fazê-lo. —Era Wickham a quem amava quando se casou comigo, verdade? Era a ele a quem imaginava quando fechava os olhos e abria as pernas para mim. Falava com calma. Sem dinamitá-la, sem descarregar sua ira, guardando dentro. —Me expôs ao ridículo, suspirando por Wickham em sua cama. Como fez para não me dar um filho? Tinha saliva na comissura de seus lábios, mas parecia detento de tal tranquilidade que Jane sentiu um medo mortal. Posou a mão sobre seu seio e o pressionou com dureza. Jane gritou, inalando o aroma de couro suado. —Paciência, querida. Agora esperaremos que Wickham chegue. Deus, não podia perder Jane. Segurando a pistola com a mão direita, Christian arrastou Sapphire Brougham pela ampla escada do escuro e silencioso clube. Seus sentidos o tinham mantido com vida durante muitas batalhas, desastres naturais e resgate realizados em haréns muito bem custodiados. Naquele momento, só lhe subtraía confiar neles. Escutou na planta baixa os amortecidos passos de dois de seus homens tomando posições ao pé das escadas. Outros se ficaram fora, rodeando o edifício do clube. Por cima, no seguinte piso, vislumbrou um resplendor de luz. No momento em que seu pé se posou no último degrau, Sapphire se agarrou com força ao corrimão e tentou detê-lo. Atirou dela sem olhares. —Não me entregue a Sherringham — suplicou. —Não pode fazer isso. —Não é o que pretendo. Meu plano é que nós três saiamos com vida daqui. Tinha sido uma decisão arriscada levar madame com ele. Em nenhum momento tinha passado pela sua cabeça pensar que Sherringham fosse trocar a vida de Jane por Sapphire Brougham, mas era possível que servisse para ganhar tempo para resgatar Jane. Supunha que o conde os queria mortos aos três; não havia outro motivo pelo que queria utilizar ao Jane como ceva. Talvez Sherringham estivesse o bastante louco para acreditar ser capaz de eliminar aos três e 216

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reclamar seu título. Por muito que Arbuthnot pudesse qualificá-lo de louco, Christian não estava seguro de poder ganhar a partida de verdade. —Temo que sua encantadora dama possa estar morta, Wickham — sussurrou ela. — Teríamos que começar a correr para salvar nossa pele. Isto é uma loucura. Sujeitou-a com mais força. —Poderia mudar de ideia, carinho. Não me pressione. No corredor, Sapphire tentou seguir o ritmo de suas grandes pernadas..., as mesmas que tinha dado a noite em que se encontrou ali com Jane. Diminuiu a marcha ao aproximar-se da porta branca e dourada. Estava entreaberta. —Poderia estar esperando você lá dentro para atirar — murmurou Sapphire. —Seria provável. É um risco que devo correr. —Por Jane. Podia fazer Sapphire entrar em primeiro lugar, mas não era do tipo de homem que envia uma mulher, por malvada que esta fosse, diretamente à morte. — Siga a corrente, diga o que disser. Entrou no camarote escuro e gritou: —Estou aqui, Sherringham, e tenho comigo Sapphire, vivinha e abanando o rabo. Deixe Jane livre e terá a madame. O clube está rodeado de homens armados. Posso tirá-lo com vida daqui, mas antes tem que liberar Jane. Era sua aposta. Uma aposta perigosa. Tinha que conseguir que Sherringham acreditasse que precisava manter Jane com vida. Mas se ia das mãos, cabia a possibilidade de que aquele louco se sentisse o bastante desesperado para matar. Christian! Jane escutou sua bela, profunda e intensa voz e gritou contra a mão de Sherringham. Mas só surgiu um chiado amortecido. Tinha que alertá-lo da presença de Fleur. Tentou morder a mão de seu marido. Cravou os dentes no couro da luva. E pressionou a boca com mais força. O rugido de uma pistola seguido de um brilho se apoderaram do camarote superior. A resposta em forma de explosão a fez gritar de novo contra a mão de Sherringham. Sherringham a soltou, mas a agarrou imediatamente pelo braço e puxou dela para que se levantasse da cama. Atraiu-a contra seu corpo e pressionou a pistola contra sua têmpora. —Por todos os diabos, essa bruxa escapou! —O alarido de Fleur ressonou no teatro. Horrorizada, na penumbra do camarote, Jane viu o Fleur tirar uma segunda pistola e apontar com ela para Christian, que estava avançando implacavelmente e estava naquele momento no meio do corredor que se abria entre as filas de assentos. Gritou, e desta vez seu chiado encheu a estadia. Mas não se ouviu o rugir de um novo disparo, a não ser a voz zombadora de Fleur: —Gastou sua bala prematuramente, milord. Agora, seja um bom menino e levante as mãos por cima da cabeça. Farei que seja rápido, mas por desgraça não deixará de ser doloroso... —Não atire nele! —Rugiu Sherringham. —Eu quero ter esse prazer. Jane sentiu o coração na garganta. Queria vingança porque acreditava que ela sempre tinha amado Christian. Tinha que atuar. Ninguém prestava atenção nela: Fleur apontava com sua pistola para 217

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Christian e Sherringham estava concentrado por completo no homem que perversamente considerava seu rival. Seu marido quase a tinha solto e apontava com a pistola a Wickham, não a sua cabeça. Para Sherringham, ela não representava nenhuma ameaça. Era sua sempre assustada esposa. Em lugar de tentar fugir, empurrou seu corpo para trás com todas suas forças. Sherringham tropeçou, chiou e ela pôs-se a correr. Correu para a estreita escada que subia do cenário ao camarote. A outra porta estava fechada com chave. Rezava para chamar a atenção de Fleur ao cruzar o cenário. Sherringham a apanhou antes que pudesse chegar à escada. E acima, soou o disparo de uma pistola. Jane teve por um instante a sensação de que seu coração tinha deixado de pulsar. As lágrimas rodavam por suas bochechas. Tinha falhado. Tinha sido uma aposta desesperada e Fleur tinha disparado em Christian. —Tenho a sua sócia aqui, Sherringham, com uma faca na garganta. Estava vivo! —Mantenho o dito — gritou Christian. —Solte Jane e garanto que poderá sair do clube e abandonar a Inglaterra. —Não acredite nele! —gritou Fleur. —Pode me utilizar para fugir, Sherringham — gritou Christian. —A outra opção é morrer aqui. Estava oferecendo-se como prisioneiro de Sherringham para salvá-la. Não podia permitir. O coração deu um tombo ao vislumbrar o fio reluzente de uma faca que caiu e emitiu um som metálico ao se chocar com o piso de madeira do cenário. Por ela, tinha ficado desarmado e vulnerável. —Subirei-a aí — gritou Sherringham junto a sua orelha. A pistola estava apontando ao peito e a mantinha colada a seu corpo. Sua mandíbula se abateu sobre ela. Cheirava a suor, a colônia rançosa, a mau hálito. —É minha Jane — murmurou. —Não te soltarei. Quando ela e Sherringham chegaram ao camarote, viu a angústia refletida no semblante de Christian. Fleur lhe apontava ao estômago com uma navalha, algo que a ele parecia trazer sem cuidado. —Jane, está bem? —gritou. —Fez mal a você? —Christian tentou avançar para ela, mas Fleur o deteve com um ameaçador puxão de braço. —Eu... Sherringham pressionou a pistola com mais força. —Cala. Se falar com ele, mato você. —Riu maliciosamente entre dentes atrás dela e a seguir acariciou seu seio por cima do vestido com o canhão da arma. O medo a deixou rígida. —Eu gostaria de ver seus culhões em uma bandeja de prata, Wickham — gritou Sherringham em tom sarcástico. —Estaria disposto a cortar em troca da vida de Jane? —Pela vida do Jane, estaria disposto a fazer algo, Sherringham. Como podia Christian manter a calma daquela maneira? Aquela frieza e controle lhe davam 218

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medo no caso de Sherringham, mas observando-os no Christian, a sensação de alarme diminuiu. Sua cabeça, entretanto, não parava de dar voltas. Não podia permitir que Christian fizesse algo que seu marido exigisse em troca de salvar sua vida. Notou a ereção de Sherringham colada à saia de seu vestido e lhe revolveu o estômago. —Irei contigo, Sherringham — disse em voz baixa, não tinha sentido não mostrar-se total e aterrada. —Irei da Inglaterra contigo, se assim quiser. Sou sua esposa. Ainda te pertenço. —Por Deus, não, Jane. —Christian deu um passo à frente. Estava tão concentrado nela, que deu ao Fleur a oportunidade de situar-se atrás dele e aproximar a faca de sua garganta. —Não dê um passo mais — avisou à amante. —Comigo poderia sair sem problemas da Inglaterra — continuou Jane. Viu no olhar de Christian o medo que sentia por ela. Mas aquela batalha era dela. —Serei tão boa refém como Wickham. Se deixá-lo com vida, melhor ainda que ele. Ele nunca permitiria que me fizesse mal. Mas meu dever é estar ao seu lado, Sherringham. —Pertence-me, Jane. —Deu-lhe um beijo na bochecha e ela se esforçou em não demonstrar o asco que sentia. —Sempre será assim. Ciúmes, controle, poder... eram as emoções que tinham governado a vida de Sherringham. Tinha que aproveitar-se delas. —Continua me desejando? —perguntou, tentando que sua voz soasse sedutora. —Nunca te desejou! —chiou Fleur. —Não existe cavalheiro que não caia rendido aos pés de lady Sherringham — disse Christian. — É uma dama de verdade, de coração puro, maneiras elegantes, refinada, encantadora e nobre. —Uma dama de verdade! —As duras feições de Fleur cobraram cor. —Era um rato. Carecia de encanto. Não sabe como satisfazer a um homem. Christian se pôs a rir e o fio da navalha se moveu ao ritmo de sua garganta. —Ah, sim que sabe. Não só as fulanas sabem excitar. E quando um cavalheiro quer uma esposa, procura à dama perfeita. Como Jane. Jane viu o resplendor no olhar de Christian. Não tirava os olhos de cima dela. Deu-se conta de que tinha compreendido sua estratégia, de que tinha captado seu plano imediatamente E em lugar de tentar detê-la, trabalhava com ela. Era um autêntico aliado. As palavras de Christian tinham deixado Fleur pálida e tremente. —Você não a quer — gritou a Sherringham. —Nunca a quis. —Não pude esquecê-la, Fleur — replicou ele. —Quando nos casamos era deliciosa. Bela e eloquente, com uma intensidade de espírito tremenda... O espírito que ele tinha esmagado. Aquelas palavras deixaram Jane cambaleando. —Quando me casei com ela a adorava — continuou Sherringham. —Agora me dou conta de que sempre a amarei. —Afastou a pistola de seu peito. —Não! —Fleur pôs-se a correr. Lançou-se contra Sherringham e naquele momento de loucura e de pânico, Jane notou como seu marido a soltava. Surpreendida, viu a fúria refletida no olhar de Christian enquanto a arrastava para afastá-la dali. —Quieta! —Sherringham deu um golpe em Fleur, atirando-a ao chão. Voltou-se 219

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imediatamente e apontou ao peito de Wickham com a pistola. — levante — disse a sua amante. Seu dedo acariciava o gatilho... —Fleur! —gritou desesperada Jane. —O plano de meu marido sempre foi retornar a Itália. Disse-me isso no cenário..., na cama. Retornou aqui para vir me buscar e te utilizou com esse fim. Sempre o fez por mim. Seu filho nem sequer importa. —Era tudo mentira, mas funcionou. —Descarado! Fiz tudo por você. Matei Treyworth por ti... Sherringham voltou a atenção para sua amante, que, raivosa, blandia a navalha contra ele. —É mentira — gritou, mas Fleur se equilibrou sobre ele e rasgou o casaco negro. Jane se agarrou ao braço de Christian para bater em retirada, mas Sherringham disparou. Christian se lançou contra ela e caiu de lado, aterrissando sobre um dos assentos do teatro. Sentiu uma aguda dor nas costelas. Não podia acreditar que estivesse viva. Era um milagre que nem ela nem Christian tivessem saído feridos... A imediata reação de Christian tinha salvado sua vida. —Filho da puta! —Sherringham se lançou sobre Christian com um rugido. Esfaqueou Christian no rosto e embora Jane tentasse se endireitar, a saia do vestido impediu, apanhada entre os braços do assento. Sangue. Santo céu, a bochecha de Christian sangrava terrivelmente. Em um arrebatamento de ódio, Sherringham tratava de esfaquear ao Christian, que se protegia com o braço. Mas imediatamente, um brilho de prata em sua mão e Sherringham retrocedeu. Christian tinha a sua vez uma faca. Os dois homens começaram a riscar círculos na estreita área compreendida entre os assentos e o corrimão do camarote. Jane sentiu o sangue gelar ao ouvir às suas costas uma gargalhada estridente e amarga. Fleur, navalha na mão, corria entre os assentos e ia atrás dela. Jane só dispunha de um instante para atuar e tentou liberar a saia de seu vestido. A amante de Sherringham sorria presa de uma insalubre satisfação. Jane agarrou a cadeira que tinha a seu lado e a empurrou para trás. Fleur não esperava que o assento se movesse, e quando o respaldo impactou contra sua perna, tropeçou, agitou como uma louca os braços e caiu de lado sobre o assento. Riiip. Jane conseguiu por fim liberar sua saia. Levantou e pôs-se a correr para o extremo da fila, longe de Fleur. Christian. Tinha que chegar até ele. Deslizou entre os assentos e se deteve. Sherringham tinha empurrado Christian contra o corrimão do camarote e os cortes que tinha no rosto e no pescoço sangravam sem cessar. Tinha o colete coberto de sangue e embora Sherringham também estivesse ferido, era como se a dor não fizesse efeito; sua loucura o sustentava. —Matarei você, Wickham — vociferou. —Sempre o amou e morrerá por isso. —equilibrou contra ele com todo o peso de seu corpo. Paralisada pelo horror, Jane viu o fio da faca abatendo-se sobre o ventre de Christian. Mas Christian saltou para um lado e Sherringham se chocou contra o corrimão. Seus ombros, com a inércia do impulso, o empurraram para diante. Soltou a faca e se sujeitou com força ao 220

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corrimão. Olhou para trás e viu Christian que investia para ele. Como um animal apanhado, Sherringham olhou para baixo, para o cenário, e saltou por cima do corrimão... —Pare! —gritou em vão Jane. Mas seu marido não ia lutar. Preferia fugir, como tinha feito anteriormente. Um grito apagando-se. Um golpe surdo e arrepiante contra o chão. Fleur chiou e correu para o extremo do corrimão para descer as escadas a toda pressa. Jane escutou uma respiração entrecortada e se deu conta de que era a sua. De baixo lhe chegou um penetrante gemido de dor e, de repente, encontrou-se entre os braços de Christian. —Está bem? —Atraiu-a para ele. —Por Deus, claro que não. Jane levantou a mão para lhe acariciar o rosto e encolheu seu coração ao ver sua careta de dor. A bochecha não deixava de sangrar, e também o nariz. Tocou-lhe então o braço e viu uma mancha vermelha na manga da jaqueta. —Christian, quem não está bem é você. Eu estou bem. —Tentou mover-se para o outro lado do camarote, mas ele a segurou com força. —Fleur foi quem me empurrou no Hyde Park. E a que disparou contra mim..., não contra você. O que o mordomo de Treyworth viu foi seu cabelo escuro. E erroneamente deu por certo que se tratava de um homem. De repente se escutou o retumbar de uns passos. Younger e vários de seus homens entravam em ação. —Capturamos a madame quando tentava escapar. Tive que persegui-la... —Younger se interrompeu ao ver o alcance das feridas de Christian. —Por Deus bendito, milord. Christian apontou o cenário. —Agarrem a essa mulher e levem a Bow Street junto com a madame. Fiz uma promessa à senhora Brougham. Procurarei que não vá à forca, mas não penso deixá-la em liberdade. Os homens correram escada abaixo e Jane disse em um sussurro: —Tenho que vê-lo, Christian. Tenho que ter a certeza. Estava segura de que ele se negaria, mas a acompanhou até o corrimão e a sujeitou enquanto ela olhava para baixo. Fleur estava ajoelhada, chorando. Viu também um rosto imóvel e olhos abertos. O corpo de Sherringham estava encolhido no chão do cenário. CAPÍTULO 25 Christian jogou a cabeça para trás, fechou os olhos e saboreou a reconfortante carícia de Jane enquanto lhe tirava a jaqueta. Sentia uma forte dor no braço, mas o que o preocupava era Jane. Tinha insistido em permanecer a seu lado. Tinha-o abraçado como se fosse um inválido e lhe tinha ajudado a subir a seu dormitório. —Não deveria fazer isto, amor — murmurou. Mas o egoísta que havia nele estava encantado. —Huntley mandou alguém procurar o médico. Deveria ser eu quem estivesse cuidando de ti. Com cuidado, deslizou a jaqueta pelos braços. 221

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—O ferido é você. O pior que tive que suportar foi um bofetão do Fleur. Não era o pior. Christian sabia que tinha feridas muito mais profundas que as físicas. O horror do que podia ter sido — perder Jane para sempre — gelava o coração e provocava uma dor muito mais brutal que a ardência de suas feridas. No caminho para casa, Jane tinha contado todo o acontecido na carruagem com Fleur e Sherringham. E, uma vez mais, sua bravura o tinha deixado aniquilado. Voltou-se para Jane e a beijou; não podia abraçá-la porque tinha a camisa ensopada de sangue tanto nas mangas como no peito. Mas teria estado beijando-a eternamente. Teria prescindido de comer e de dormir feliz, só para manter seus lábios unidos aos dela até o fim dos tempos. Jane se retirou. —Não devo. Está ferido. —Não em todas as partes, meu amor. —Conseguiu esboçar um sorriso. Teria gostado de prendê-la a ele com uma braçadeira para não perdê-la nunca mais de vista, mas ambos precisavam de cuidados. E a verdade era que seguia ainda um pouco aturdido como consequência dos murros de Sherringham e a perda de sangue. Sem levantar a voz, assegurou-lhe: — tive piores feridas. —Viu o olhar preocupado de Jane que percorria suas antigas cicatrizes. —E sobrevivi a todas elas. Torceu para cima os cantos dos lábios para sorrir de novo, uma imagem tranquilizadora. —E quanto a você, cruzada Jane —prosseguiu, —vou te levar a seu quarto e te enviar uma dúzia de criadas para que se ocupem de ti e... Viu como Jane empalidecia e então Christian recordou que Fleur se infiltrou na casa camuflada como uma criada. Mary tinha contado a história: tinha seguido à criada e a Jane, tinhaas espiado e tinha visto a pistola. Graças a Mary, tinha chegado ao teatro sabendo que teria que enfrentar tanto a Fleur como a Sherringham. Os fascinantes olhos castanhos de Jane revelaram a surpresa de saber que Mary tinha colaborado. Quando Christian tinha retornado para casa em busca de Jane, Mary tinha olhado cuidadosamente ao rosto, tinha visto o medo e a dor desenhados em suas feições e tinha sussurrado: “Você a ama de verdade”. E com aquilo seus ciúmes tinham desaparecido para sempre. Mary havia se sentido comovida diante da insistência de Jane que devia aspirar a ser algo mais que uma cortesã. Jane a tinha feito acreditar em si mesma. O coração de Christian deu um tombo enquanto observava Jane. Viu nela a mulher mais formosa que tinha contemplado em sua vida. Estava arregaçando as mangas do vestido, preparando-se para fazer um curativo, e ao redor de sua decidida boca flutuavam cachos soltos de cor vermelha acobreada. Naquele momento compreendeu o que era o amor. Não podia descrevêlo, mas sabia o que era. E o que fazer agora que acabava de descobrir aquilo? “Peça a mão ao Jane. Faz-a tua”. Mas ela tinha jurado não voltar a casar-se jamais e havia dito que não estava disposta a ir-se 222

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da Inglaterra com ele. A enormidade do que tinha que fazer deixou-o gelado. Se quisesse Jane, tinha que contar a verdade a ela. Não podia mentir. E não explicar quem era na realidade — o que na realidade era ele — equivalia a isso. Tinha que contar quem era seu pai. Maldita seja, não podia fazê-lo. Não poderia olhá-la nos olhos e ver neles sua decepção. Desta vez não. Tinha feito em sua juventude. Agora não podia fazê-lo. —Já é suficiente, milady. —Huntley entrou no quarto seguido por um criado carregado com um recipiente cheio de água fumegante. Franziu seu longo nariz ao ver Jane. —Milady, deveria ocupar-se de você. Jane se manteve firme. —Quero ajudar. —Vá, Jane. Faz por mim — murmurou Christian, mas Huntley se interpôs entre Jane e ele. —Ajudará mais a sua senhoria se me permitir me ocupar disto, milady. —Huntley a acompanhou até a porta e apareceu então Do, vestida com um robe de seda de cor rosa e com as bochechas rosadas. Do estava disposta a ocupar-se de Jane, e voltava a ser a jovem bondosa e encantadora que Christian recordava. Jane manteve de entrada sua obstinação, mas não pôde com Do, Huntley e Christian, e acabou claudicando. Deixou-se guiar por Do para o corredor. Christian ouviu que Jane falava em voz baixa fora do quarto: —Passamos por um pesadelo. Mas já acabou tudo. Por fim acabou tudo. —Sim — disse Do. —Agora já podemos descansar tranquilamente as duas. O tremente suspiro de Jane esteve a ponto de partir seu coração. Quando já não estava em sua presença, era patente que não era tão forte como aparentava ser. —Mas não sei o que fazer, Do. Tenho que voltar a usar luto por Sherringham? Supõe que é o que devo fazer? Volto a me vestir de negro por um homem que queria me matar? Christian se moveu com brutalidade e Huntley, que tentava cortar a manga da sua camisa, exclamou: —Tome cuidado, milord! Não quero cortar seu braço. Maldita seja, estava muito perplexo para se importar se Huntley cortava-lhe o braço junto com a camisa. Jane teria que voltar a usar luto por Sherringham. Nem sequer tinha pensado nisso. —Agora cala — disse sua irmã com firmeza no corredor. —ordenei que lhe preparassem um banho e logo tomará chá com conhaque até que faça efeito. —E que efeito espera que me faça? —Dormir. O frufru das saias indicou que Do levava definitivamente Jane e Christian fechou os olhos. Bow Street tinha em seu poder Sapphire Brougham e a Fleur, a assassina de Treyworth, o que significava que tinha ficado livre de toda suspeita. Sherringham tinha morrido. Do estava a salvo. Jane estava a salvo. Caberia pensar que tudo tinha acabado. Mas não era assim. —No que pensa lorde Wickham? —Perguntou Huntley. —estive limpando com água quente 223

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o corte do braço e ainda não pegou nem um salto. Christian olhou para baixo. Huntley tinha talhado a manga da camisa. Notava em seus bíceps uma sensação aguda e de intumescimento de uma vez. —Não me dei conta — reconheceu. Mas naquele momento apertou os dentes. Seu coração, entretanto, sofria uma dor muito mais aguda. — Como começar às ajudar para que se curem? Não esperava uma resposta. Mas Huntley tossiu para esclarecer a garganta antes de tomar a palavra. —Não sou perito em assuntos familiares, milord, mas acredito que as ajudará a curar-se com seu amor. Dê tempo, cuide delas e as ame. Naquele momento se abriu a porta e o médico fez sua entrada. —Santo céu, querida! Deveria ter me chamado antes! Tia Regina irrompeu no vestíbulo de Wickham House entre um redemoinho de baús, lavanda e abraços. Jane se encontrou inundada entre os braços de sua tia e com as plumas de seu turbante lhe fazendo cócegas o nariz. —Seu marido retorna de entre os mortos e louco como uma cabra. Sequestra-te! Completamente imperdoável. Mas isso já é coisa do passado. Agora tem que seguir adiante. Jane soprou entre seus braços. Só sua prática tia Regina seria capaz de resumir uma noite de terror como “imperdoável” e passar rapidamente a outra coisa. E imaginava o que essa outra coisa incluía. Não estava de todo segura de poder fazer frente a sua volúvel tia Regina. Christian não tinha querido que retornasse ainda a sua casa, e o que tinha feito era lhe trazer sua tia. Tinha atuado inteligentemente. E agora estava também no vestíbulo, ao seu lado e disposto a enfrentar a Regina. Um gesto que só servia para que o amasse ainda mais. Christian conduziu a Regina para o salão, mas sua tia se deteve na porta da sala de música, onde as garotas estavam tocando. Sentada ao piano, Philomena tentava abranger a totalidade do teclado com seus dedinhos e tocava muito fracamente as teclas. Jane sorriu ao escutar a música entrecortada, as notas indecisas. Philly esboçou um tímido sorriso quando Mary começou a aplaudir. —Muito bem, Philly — disse Lucinda. —Será a melhor intérprete de todas nós. Sem dizer uma palavra, tia Regina continuou caminhando. Esperou até estar instalada no sofá do salão, conhaque na mão, para dar um golpe de bengala no chão. —Bem, lorde Wickham, exijo uma explicação. Jane estava aos cuidados dele, mas acabou exposta a graves perigos... —Tia, não foi culpa de Christian — protestou Jane. —Ah, assim Christian, não? —Sua tia levantou a sobrancelha com tanta familiaridade. Moveu o dedo. —Neste caso, me conte toda a história, Jane. Não deixe nada. Se fizer me darei conta. Vejo em seguida quando. Se tinha tido coragem para enfrentar Sherringham, também podia ter agora. Mas Christian tomou cartas no assunto e iniciou o relato, ao que Jane se uniu, e entre os dois lhe explicaram toda a história: a busca de Do, a verdade sobre o Clube dos Diabos, a chantagem de Treyworth, os 224

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crimes de Sherringham e as tentativas de Fleur de acabar com a vida de Jane. Tia Regina apurou a taça. —Exagerado! —exclamou. —Já lhe disse à parva de sua mãe que não te forçasse a se casar sem amor. Meu Richard poderia lhes haver ajudado emprestando dinheiro a seu pai. Mas sua mãe acreditou, a sua maneira, que estava fazendo o melhor para você e te protegendo para que ninguém partisse seu coração. Jane não tinha chorado no teatro, nem tinha chorado depois da morte de Sherringham, nem sequer tinha chorado aliviada ao retornar com Christian a sua casa sãos e salvos. Mas agora, encheram os olhos de lágrimas sem que pudesse evitá-lo. Se seus pais não tivessem sido tão infelizes... Estava decidida que esse não fosse seu caso. Não pensava ser tão parva como sua mãe. Aquilo ajudou a deter o pranto e secou as últimas lágrimas que rodavam por suas bochechas. Regina deu uns tapinhas no joelho. —Temia te encontrar extremamente turvada, mas aqui está, toda uma fortaleza. Sempre soube que era uma mulher forte, embora nem sequer você se desse conta disso. —Regina lançou um prolongado e pensativo olhar a Christian. —Ou é tudo isto também obra dela, lorde Wickham? Vejo que não é você o pilantra que acreditava que era. —Tia Regina! —depois de lhe salvar a vida e de que tivesse resultado ferido para conseguilo, não suportava que o qualificassem de vagabundo. —A verdade é que fez todo o possível por criar uma má reputação, não? Christian sorriu sumidamente. —Assim é. —Certos membros da nobreza se dedicaram a difundir histórias subidas de tom a respeito destas garotas. Entretanto, me parecem garotas inglesas normais e correntes. Jane ficou olhando a sua tia, atônita. Regina tinha utilizado às garotas como prova do caráter dissoluto de Christian em anteriores ocasiões. Christian inclinou a cabeça com um estilo deliciosamente atraente. —Seguem ainda ofuscadas por suas experiências. Mas decidi acolhê-las legalmente sob minha tutela. —Jane sentiu o olhar de Christian sobre ela e, quando ela o olhou, ele disse algo assombroso: — Se você aceitar, Jane. —Eu... é óbvio que sim. Acredito que é uma ideia maravilhosa e nobre. Christian sorriu, revelando suas encantadoras covinhas. —Enriqueceram minha vida. Meus motivos não são nobres de tudo. As garotas me fazem sorrir, e estou cansado de viver sozinho. —Tudo isto está muito bem — disse Regina. —Mas necessitará ajuda para introduzi-las na sociedade. Jane se agarrou ao que sua tia acabava de dizer. —Ajudaria-o, tia? Faz uns dias, embora agora me parece uma eternidade, prometi às garotas que podiam ter um futuro, mas não tenho nem ideia do que se pode fazer. Como fazer delas governantas, damas de companhia ou esposas? Nego-me a cruzar os braços e permitir que se 225

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convertam em amantes de homens só porque a sociedade não lhes permite fazer outra coisa. Eu... Regina tomou a palavra. —Naturalmente que ajudarei, Jane. —voltou-se para Christian. —Minha querida sobrinha defendeu a sua irmã quando esta necessitou de ajuda. Devo seguir seu exemplo. Utilizarei encantada qualquer influência que eu possa ter para tirar adiante a suas tuteladas. Produziu-se um silêncio. Christian tinha ficado olhando a tia Regina, desconcertado. —Obrigado. Jane estava também pasma. Não tinha imaginado que tia Regina aceitasse colaborar. —Obrigada. As garotas merecem uma oportunidade... —É óbvio querida. —Regina olhou para Christian. —Ao que parece você resgatou muitas mulheres que se encontravam em situações terríveis. Essas órfãs, sua irmã e agora, Jane. Sou eu quem deve agradecer, Wickham. Não teria suportado perder Jane. E agora, graças a sua valentia, poderei fazer todo o necessário para que tenha o que de verdade merece. OH, não. Naquele momento não gostava de falar de maridos. Segundo as regras da sociedade, tinha que usar luto por um homem que odiava, um homem malvado e cruel. Amava Christian, mas nem sequer se atrevia a dizer-lhe. Não podia atar-se a Christian vestida de negro e rodeada de um escândalo. —Tia Regina... —começou, alertada. —Refiro-me a ser feliz querida minha. —Lorde e lady Pelcham partiram de viagem ao continente, milord. Sir Rodney Halcourt se aposentou de seu posto na Câmara. E o duque de Fellingham, que admitiu estar sendo chantageado por lorde Treyworth, abandonou a sua esposa e embarcou rumo a Boston. Christian fez um gesto de assentimento depois de escutar Huntley. Tinha transcorrido uma semana da morte de Sherringham. As garotas encerradas no manicômio da senhora Brougham haviam retornado com suas famílias. Christian tinha se encarregado de localizar aos familiares das garotas assassinadas para comunicar a triste noticia. Tinha mantido a palavra dada a Sapphire Brougham e tinha pedido clemência. Era uma mulher cruel, mas o tinha conduzido até Jane e tinha chegado a tempo. Só por isso, tinha uma dívida enorme com ela. Huntley fez uma pausa antes de retirar-se. —Encarrego-me da passagem para a Índia, milord? Antes que lhe desse tempo a responder, lady Regina Gardiner bateu na porta e entrou. Christian despediu seu secretário com um sorriso irônico. A semana que estava em companhia da dama lhe tinha ensinado a ir direto à licoreira ao vê-la, mas daquela vez tia Regina rechaçou a taça. —Esperei uma semana, Wickham, e chegou a hora de falar. —Deu um golpe ao chão com a bengala. —Jane merece desfrutar do amor e do matrimônio. E ter filhos. Teria que vê-la com meus netos. Quando tem aos meninos em braços resplandece, embora avalie também, um lamento doloroso em seu olhar. Jane insiste em negar o que seu coração lhe pede: um marido e um 226

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montão de meninos. E você, querido amigo, tem o quarto dos meninos vazio. Christian se ruborizou e se deu conta de que estava vinte anos sem fazê-lo. —O que me propõe exatamente, lady Gardiner? —Respondeu com uma evasiva porque sabia. —Jane acredita que deve guardar outra vez luto por Sherringham. —Ora. Já desperdiçou muito tempo de sua vida com esse descarado. Já guardou luto uma vez. Não penso tolerar que volte a guardá-lo. Meu plano sempre foi que Jane voltasse a se casar, com um homem amável, discreto e dedicado a ela. Um homem que nunca fora a lhe levantar a mão e que contribuísse com paz a sua vida. Um homem amável e discreto. Ele nunca tinha sido assim. Mas jamais levantaria a mão a Jane. Seu único desejo era passar a vida a seu lado. —Lady Gardiner, eu... Um novo golpe de bengala. —Me deixe acabar, Wickham. Christian reprimiu um sorriso. Seria Jane assim com os anos? Imaginava. E a ideia pareceu incrivelmente atraente. Jane converteria sua vida em um inferno se se transformava em uma anciã com uma língua tão mordaz como a de sua tia, com sua bengala e todo o resto. E o que poderia ele querer mais que converter-se no cavalheiro grisalho que a fizesse dar golpes no chão com sua bengala? Lady Gardiner continuou. —Não queria que se casasse com um cavalheiro que pudesse partir o seu coração. Nada de libertinos. Nem de jogadores, como seu pai. E nada de homens especialistas em seduzir às esposas de seus amigos. Tinha em mente um homem completamente oposto a você, Wickham. De fato, a noite que Jane reconheceu que se viu com você, adverti-lhe que não se apaixonasse. —Está me dizendo que não mereço Jane por ter sido o homem que fui? —Estou dizendo que cometi um engano. Acontece estranha vez, mas em que apesar de meu orgulho o reconheço, porque, além disso, está em jogo a felicidade de Jane. —Brocou-a com seus sagazes olhos castanhos. —Acreditava saber o tipo de homem com o que Jane deveria casar. Mas agora vejo que estava completamente equivocada. Merece um homem que a ame com paixão, lorde Wickham. E um homem ao que ela possa amar com a mesma intensidade. A dama puxou ar e continuou. —Se Jane partisse da Inglaterra ficaria a salvo dos falatórios. Ninguém veria se está vestida de negro ou não. Acredito que já pediu que o acompanhe a Índia... sem matrimônio. —Só porque ela me disse que não... —interrompeu-se. Nunca antes tinha dado explicações a ninguém. Exceto a Jane. —Como posso pedir que se case comigo depois de tudo o que sofreu? “E como posso pedi-la em matrimônio sem lhe contar a verdade?”, pensou. Era um maldito covarde. Lady Gardiner levantou a vista para o céu. —Para começar, você compre um anel. E sugiro que faça uma genuflexão. Prepara à mulher para o que vai vir. Nenhuma dama quer ser pega de surpresa. E lhe asseguro que para o cavalheiro também é melhor assim porque a surpresa aumenta a possibilidade de receber um “não” por 227

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resposta. Christian a olhou, perplexo. —Devo avisar de que poderia rechaçá-lo, Wickham. Neste momento, Jane está confusa. De ser assim, deve voltar a pedir uma e outra vez, se for necessário. Richard me pediu três vezes. A primeira negativa foi me assegurar de que sua proposta não era só para triunfar diante de seus amigos. A segunda foi me assegurar de que não o fazia porque tinha ferido seu orgulho. E a terceira vez, disse que sim porque sabia que qualquer homem que tenta pela terceira vez é porque está realmente apaixonado. O que disse a seguir quase conseguiu que as pernas de Christian começassem a tremer. —O amor que Jane sente por você a rodeia como um halo brilhante. Tenha claro que acabará dizendo que sim. Nunca me ocorreria embarca-la em uma empresa impossível. Eu também trabalharei nisso. Juntos daremos a Jane o futuro que merece. Para ele era mais que isso. Era um futuro com o que não acreditava sequer poder sonhar. Tinha entendido. Tinha que dizer ao Jane que a amava e estar preparado para que lhe partisse o coração se o rechaçava. Talvez ele não fosse o homem que lhe desse o futuro que ela deveria ter, mas pretendia fazer a proposta de matrimônio que merecia. Lady Gardiner, entretanto, deu de presente um luminoso sorriso. —Agora tomarei esse conhaque. Antes de tentar sua crucial terceira proposta, tinha uma coisa para fazer. Christian encontrou Do em seu quarto, sentada junto a penteadeira e penteando-se com suas habilidosas mãos. Com um sorriso, sua irmã ciceroneou à criada e esperou pacientemente a que começasse a falar. Christian arranhou o cangote. —Em certo sentido, vim te pedir permissão. Do levantou as sobrancelhas, surpreendida. —Jamais tinham me pedido uma coisa assim. Mas antes tenho que te contar uma coisa, Christian. Temo que se sinta culpado de meu matrimônio e acredita que não deveria haver partido, mas se tivesse ficado, não poderia ter feito nada. Reapareceu por um momento sua velha dor e seu sentimento de culpa. Mas os reprimiu e segurou as mãos de Do. —Precisa saber a verdade, Do. —Explicou a história completa de sua ascendência. Até o mínimo detalhe que seu pai lhe tinha revelado. Não é necessário negar que a história a deixou angustiada, pois abriu os olhos de par em par, juntou as sobrancelhas e tampou a boca com a mão. Christian estremeceu pensando que sentiria repugnância para ele. Mas Do o abraçou. E agarrada seu pescoço, murmurou-lhe: —Foi por isso que papai a empurrou a esse matrimônio. Foi sua verdadeira filha e queria que fosse marquesa. —Christian, sinto que tenha tido que sofrer tanto. Não é justo. Sinto que quase tivesse que bater em duelo por mim. Você e Jane correram muitos riscos por minha culpa... 228

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—Cala. Você é minha irmã querida e lutaria por você até o final. E imagino que a excepcional lady Jane Beaumont faria o mesmo. —Faria. E você se transformou no cavalheiro maravilhoso que sempre soube que chegaria a ser. Não restou outro remédio que começar a rir. —Você e Jane foram às únicas que tinham depositado essa fé em mim. Deus, como te amo, Do. Vim te dizer que quero propor matrimônio a Jane, mas esperarei se assim o quer. Temo que não seja ainda o momento... —Agora é você que tem que calar! —Do se separou de Christian. E quando ele a soltou, ficou surpreso ao ver lágrimas rodando por suas bochechas. Do as secou com impaciência. —Sempre pensei que deviam estar apaixonados. Via por sua forma de discutir e brigar. Não havia má intenção, não era como quando discutiam nossos pais, que o faziam para se ferir mutuamente. Vocês dois não podiam deixar de pensar um no outro. Peça a Jane, Christian, por favor. Desejo com todo meu coração que minha melhor amiga se transforme em minha irmã. Ao sair do quarto de Do, Christian se deu conta de que não ia absolutamente vestido em consonância com a proposta que tinha que realizar. Tinha que se vestir um pouco mais formal. Estava atando de novo a gravata-borboleta diante do espelho de pé de seu quarto, quando Jane entrou. Fechou com cuidado a porta a suas costas e girou a chave na fechadura. Somente um olhar ao jogo nervoso de sua língua sobre seus lábios e se abandonou à necessidade e ao desejo. —Equivoco-me por querer isto? —sussurrou Jane. —Dei-me conta de que não quero esperar. Quero me sentir viva. Quero você. A modo de resposta, Christian tirou a roupa que acabava de vestir e ficou nu em um abrir e fechar de olhos. —Para mim não é tão fácil tirar a roupa — protestou Jane ao ver que Christian retirava a colcha e se metia na cama. Jane viu então suas longas pernas nuas se deslizar sob os lençóis e ficou sem fôlego. A malha branca o envolvia como uma nuvem aveludada. Com o torso nu, parecia um deus emergindo de uma nuvem celestial. —Vem aqui — disse ele, e ela obedeceu. Tremeu de espera quando abriu o vestido e começou a se ocupar de seu espartilho de encaixe. A única coisa que queria era se meter na cama com ele e um laço complicado lhe fez resmungar: —OH, se apresse, por favor. —Ele riu entre dentes, mas tomou seu tempo para soltar seu cabelo enquanto ela se impacientava cada vez mais. Seu cabelo negro caía com elegância dissoluta sobre sua testa. Piscou os olhos. —Já é livre. Já está nua. E é toda minha. Mas só se me desejar. —Sabe que te desejo. Sabe exatamente quão devastador é... com seu cabelo assim, seu olhar ardente e essas covinhas que me convidam a pecar. —Aquilo era discutir, mas de outra maneira. Sua voz soava indignada, mas sedutora. 229

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Rindo, Christian subiu os lençóis. —Carinho, minha faceta devastadora não te chega nem à sola dos sapatos. Estar ao seu lado era como viver uma fantasia e deixou que a atraísse para si. Embora tivessem feito amor em outras ocasiões, aquela era mágica. Especial. Suas pernas se entrelaçaram e notou a pele quente dele contra a sua. Acariciou-lhe a panturrilha com o pé. Saboreando seus músculos longos e trabalhados. —Te desejo — sussurrou de novo com toda franqueza. Estava encantada com a pura voluptuosidade de tudo aquilo. O sol da tarde banhava o leito. Pelo corredor, atrás da porta fechada com chave, não deixavam de passar criados. Mas ela estava ali, sob os lençóis com Christian e no meio da tarde. —Decadente, verdade? —comentou ele. Como se acabasse de ler seus pensamentos, Jane se deu conta de que sempre tinha sido assim. Quando eram mais jovens, sempre sabia como provocá-la porque imaginava exatamente o que ela pensava em cada momento. Uma ideia surpreendente. —Isto é uma aventura para mim — sussurrou ela. —Também para mim. —Colocou-a de barriga para cima na cama. E a penetrou com sua ereção sem sequer utilizar as mãos. Jane ofegou surpreendida. Estava cremosa, derretida e preparada para ele. Pouco a pouco, Christian foi penetrando-a e ela se sentiu suspensa no tempo, quente e a salvo, olhando-o nos olhos em todo momento. Christian se moveu com lentidão, seu olhar cravado nela, uma conexão que jogava faíscas. O extremo de sua ereção beijava sua zona mais sensível e Jane enlaçou com os braços e as pernas a Christian. —Não sei por que —disse ela, —mas é como se fosse um abafadiço dia do verão. Não me pergunte por que. É tudo tão quente, tão úmido, tão luxurioso... Ele riu baixinho e se moveu para um lado até ficar estendido ao seu lado, sem deixar de manter sua grossa ereção dentro dela, mas com a mão livre para excitar seus mamilos e acariciar seu desejoso clitóris. Ela gemeu, tentando não gritar muito forte para não alertar a toda a casa de seu escandaloso comportamento. Acariciou-lhe com o polegar um ponto que quase a levou a desvanecer. —Christian! Ele prosseguiu com aquela deliciosa tortura. E ela fechou os olhos e a luz do sol desenhou silhuetas douradas atrás de suas pálpebras. Aquilo era o céu. Puro céu. No quarto banhado pela luz do sol, gritou: —OH, sim! —Perdeu o controle. A potência do orgasmo a levou a cravar suas unhas nas costas. E enquanto retornava flutuando à terra, ele continuou empurrando e excitando-a ainda mais. Um novo orgasmo se apoderou dela como uma brisa do verão. Prolongou-se eternamente e ele riu, sem deixar de olhá-la nos olhos. Soube Jane então, com o mínimo espaço de seu cérebro que ainda raciocinava, que ele desfrutava de seu prazer quase tanto como ela. Surpreendia que pudesse se controlar daquela maneira. Ela era incapaz. Suas carícias, sua 230

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penetração, seu conhecimento deliciosamente maravilhoso do que a desfazia voltou a precipitá-la ao êxtase. —Pode perder o controle comigo — disse ela ofegando, — se assim quiser. —Perdi o controle contigo faz já tempo. Inundou-se nela e Jane lhe açoitou as nádegas para que a penetrasse com maior profundidade. Compreendia agora a que se referia quando comentou aquilo dos arranhões. A necessidade de tê-lo mais dentro dela a empurrou a apertar com vontade. Ele a obedeceu. Estava chegando ao limite e ela gritou encantada. Seu arremesso se acelerou, sua urgência a excitava, enlaçou-lhe a cintura com as pernas e gemeu avidamente em seu ouvido. Ser penetrada por Christian era estimulante, ferventemente erótico e maravilhosamente atrevido. Caiu no seu lábio uma gota de suor de seu amante e a recolheu com a língua, saboreando seu forte gosto salgado. Ele grunhiu ao observar aquele gesto e a penetrou com mais profundidade. A seguir proferiu um rouco rugido que inclusive fez temer a Jane por ele. Seu potente corpo se esticou, estremeceu de repente. Tinha a boca tensa. Fechou os olhos e deixou cair a cabeça para frente. Era uma imagem tão vulnerável, tão bela e tão atraente que ela não pôde fazer outra coisa que lhe abraçar ainda com mais força. —Jane, maravilhosa, deliciosa Jane. —agitava-se ferozmente dentro dela. Continuou abraçando-o, compartilhando seu êxtase com amor. Ele caiu de lado e lhe acariciou o cabelo. Jane se esfregou contra ele, ronronando de felicidade. E então, lhe disse algo completamente surpreendente: —Tinha selecionado um lugar no jardim. Um lugar encantador com um banco de pedra rodeado de rosas. Jane lhe deu um golpe carinhoso no torso. —Para fazer amor? Um lugar no jardim? Pela tarde? A gargalhada de Christian saiu da alma. Pega de surpresa, Jane era adorável. Não podia resistir a brincar com ela. —Mas aqui também irá bem. —apoiou-se no cotovelo, consciente de que seu semblante revelava o medo que sentia naquele momento. —Há algo que tenho que te contar Jane. Sabe que meus pais não se amavam que seu matrimônio foi um intercâmbio: um dote imenso em troca de um título antigo e venerado. Mas... mas a verdade é que minha mãe chegou ao matrimônio grávida de outro homem. Viu a surpresa refletida em seus olhos. —Seu plano era ocultar — continuou Christian. —E lhe apresentar o menino, eu, a meu pai, como se fosse filho dele. Mas durante os primeiros meses esteve terrivelmente indisposta, criadas começaram a mexericar entre elas e, finalmente, um criado soltou para meu pai. —Não fui seu filho natural, mas mesmo assim decidiu casar com ela. Christian encolheu de ombros involuntariamente. Sempre, desde pequeno, tinha tentado confrontar o tema daquela maneira: fingindo que não fazia mal. Fingindo que era tão condenadamente perverso que dava igual. 231

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—A paixão sexual não interessava absolutamente a meu pai. Suas obsessões eram o conhecimento, o castigo, a negação e a austeridade. O pecado de minha mãe deu o motivo perfeito para ignorá-la no quarto. —E Do? —Acredito que é filha de nosso pai. Falei antes com ela e contei tudo. Não sabia de mim. Acredito que meu pai a obrigou a se casar com Treyworth porque queria que uma filha de seu sangue ostentasse um título superior ao meu. —Não importa. Aceitou você como filho dele. —E me fez pagar por isso. Me fazendo mal , também fazia mal a minha mãe. Jane estava pálida. Inteirar-se de que era um bastardo a havia angustiado, mas ainda havia mais. Christian fechou os olhos, recordando as palavras furiosas de seu pai depois do duelo com o marido de Georgiana: “Sua mãe foi uma puta débil. Deitou-se com o marido de sua irmã depois de que esta morrera doente. As leis da consanguinidade e as leis da Igreja da Inglaterra proíbem uma relação assim. Sabia que era um amor imoral, mas não pôde resistir. Compartilhou voluntariamente sua cama e ficou grávida de seu filho. De você. E me enganou. Não me contou isso até muito depois de que tivesse nascido, quando não aprendia a ler. Soube então que era um castigo por seus pecados. Seu sangue está manchado pelo pecado... Todo você está manchado”. Hesitante, Christian explicou a Jane toda a história, incapaz de olhá-la nos olhos. —Depois de me inteirar da verdade por meu pai, fui ver minha mãe. Não queria acreditar que fosse perverso simplesmente por minha origem, mas meu pai tinha me convencido disso. Reconheceu que toda a história era certa. Quando ficou grávida, seu cunhado a rechaçou, encolerizado porque tinha ficado prova de sua relação. Ela era presa de um sentimento de culpa e raiva tão grande que desejou me perder e reconheceu que inclusive tinha tentado abortar. E que temia que as poções que tinha tomado com esse fim, junto com meu sangue pecaminoso, tivessem me condenado por toda vida. Respirou fundo para limpar a tensão que sentia no peito. —Abandonei a Inglaterra em questão de horas. Imagino que minha mãe se suicidou ou caiu presa da mais absoluta confusão. Jamais devia revelar a ela que sabia. Deveria ter imaginado quão frágil era. Bobamente, confiava em que me dissesse que me amava de todos os modos. Mas era impossível..., tinha destruído sua vida. —Não foi você. —Jane se levantou. —Sua mãe e seu pai foram infelizes porque assim quiseram. E seu pai estava, além disso, decidido a fazer mal a todo mundo. —Disse-me que nunca seria normal porque era fruto dessa relação. Porque fui concebido na perversão, porque nasci fruto dela, e se encarregou de me recordar isso cada dia de minha vida. —Lorde Perverso — disse Jane em voz baixa. —Como deve ter te atormentado este apelido. Para assombro de Christian, Jane cruzou os braços atrás de seu pescoço. Era incrível que ainda quisesse tocá-lo. —Deveria ter te contado tudo isto quando te pedi que casasse comigo — disse. —Estava zangado comigo mesmo por poder te deixar grávida sem te permitir conhecer a verdade. Não 232

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tinha nenhum direito a fazê-lo. —Dá no mesmo para mim quem te gerasse. É você quem me importa. Casei-me com um homem malvado de verdade, de modo que conheço bem a perversão. E sei o que você é, Christian. Um autêntico cavalheiro e o homem mais nobre e maravilhoso que existe. É forte, belo e perfeito. Já lhe disse isso em uma ocasião e lhe repetirei isso: seu pai era um idiota. Christian teve vontade de rir. Graças a Jane podia abrir seu coração e receber alegria. —Abandonei a Inglaterra porque vi que você acreditava que podia me converter em um homem melhor. Depois do duelo, soube que tinha que tratar de encontrar a esse homem, pois do contrário, acabaria convertido no perverso trapaceiro que meu pai acreditava que estava destinado a ser. Mas viajei pelo mundo procurando algo que nunca consegui encontrar. Porque só você me podia dar isso Jane. Amor e aceitação..., coisas que temia não poder ter nunca. A ela não tinha dado medo revelar seu segredo. Agora se sentia livre. Como se a raiva de seu pai fossem algemas das que por fim se liberou. —É horrível que se visse obrigado a acreditar em tudo isso — exclamou Jane, sentindo uma profunda raiva. Christian segurou sua mão e a aproximou de seus lábios. Percorreu a palma com a língua até que ela teve que apoiar-se na coluna da cama. E então deu de presente a ela o sorriso picante de sua juventude, aquele sorriso que provocava nela desejos de esmagar a cabeça com a sombrinha. Levantou-se da cama e pegou sua jaqueta. Quando voltou, fez uma genuflexão junto à cama. —Supõe-se que os cavalheiros não revistam fazer assim estas coisas. Normalmente, nem a dama nem o cavalheiro estão nus. Jane o olhou boquiaberta. —Te pedi em uma ocasião que se casasse comigo pelas circunstâncias — disse. —Pedi que viajasse comigo a Índia porque te queria, embora fosse muito covarde para confessar isso e desta vez, peço que se case comigo porque te amo. Abriu a caixinha e o diamante esculpido saudou-os com um brilho. —Somos sócios, Jane. E inclusive faz anos, quando me colocava contigo como um velhaco..., dou-me conta agora de que era porque já tinha cativado meu coração. Casará comigo? —Agora compreendo por que tia Regina me disse que nenhuma mulher devia rechaçar uma terceira proposta. —Jane sorriu. —É assombroso como uma simples palavra, sócios, pode fazer que sinta que tenho o coração a ponto de explodir. —Assombroso — concedeu ele. Os olhos do Jane brilhavam mais que o anel. —Deu-me a força necessária para deixar para trás meu passado. E para enfrentar ao Sherringham. E agora, todos os medos que me impediam de amar se esfumaram. —Respirou fundo. —Sim, Christian! —exclamou. —Sim, porque te amo. Sim, porque sempre te amei e não imagino a vida sem você. Quero viajar contigo. Ficar velha a seu lado. Estar contigo será a maior bênção imaginável. 233

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Ajoelhado, tinha os lábios à altura do ventre dela. Beijou sua pele marfim, justo por cima de seu pelo. —Uma coisa mais que supostamente um cavalheiro não deve fazer depois de uma proposta de matrimônio. Tentou esboçar um sorriso libertino, mas sentia o coração tão cheio de amor, que era quase doloroso. O sorriso emergiu torcido. —Nestes momentos me sinto tremendamente perverso. —Fez um gesto em direção à cama. —E não posso esperar mais a te converter em minha lady Perversa. Era sua maneira de lhe dizer o muito que seu amor significava para ele: seu amor demonstrava que, finalmente, não era um homem perdidamente perverso. Jane lhe acariciou o rosto. —Lady Perversa se sente especialmente desejosa e necessita de seu sócio, milord. Christian agarrou suas mãos e as beijou. Ficou em pé, abraçou e voltou a beijá-la. —Minha sócia no amor e na vida. Em viagens por todo mundo e em um intenso futuro em nosso lar — sussurrou. —É meu verdadeiro amor. Para sempre. Sua recompensa foi escutar uma risada cálida e deliciosa.

EPÍLOGO Hartfordshire, dezembro de 1819. No berço aos pés da cama se escutou o pranto potente de um bebê. —OH, céus. —Jane se sentou e levou a mão ao peito. Tinha subido o leite e tinha ensopado sua camisola. A seu lado, Christian se levantou dormitando. —Quer que o apanhe e traga para a cama? —Não — disse rindo. —Já irei eu, dorminhoco. Tinham tentado tirar uma sesta enquanto o pequeno Michael dormia. Na Índia, Jane tinha se acostumado a passar a tarde na cama com Christian enquanto o calor abrasava o exterior. Baixavam as persianas e procuravam o ar fresco do interior da casa. Jane esboçou um tímido sorriso ao sair de debaixo dos lençóis. Quase nunca funcionava: na cama sempre acabavam suados e acalorados. Embora aqui em sua casa, com a neve cobrindo com seu branco manto as terras de seu imóvel rural, metiam-se na cama para desfrutar do calor. Jane se inclinou sobre o berço, seus seios transbordantes e doloridos. —Tranquilo, anjinho. Em seguida comerá. Agitou as mãozinhas, fechadas, e chorou ainda com mais afinco. —Já sei o que me diz. “Vá de pressa, mamãe, e me segure”. —Apanhou em braços ao pequeno Michael. Sua boquinha se dirigiu imediatamente a seus seios, seus lábios medindo-a. 234

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Igual ao lorde, mas em pequeno. Jane desabotoou a camisola e a boca agarrou seu mamilo. Experimentou uma feliz sensação de alívio. —Um tipo afortunado. —Christian sorria recostado na cama sobre o cotovelo, os lençóis à altura do quadril. —Certamente. —Embalando a seu filho, um querubim de três meses e meio, aproximou-se da janela. —Surpreende-me que faça isso tão bem. —O que? Caminhar? —perguntou-lhe. Porque agora se dedicavam a isso: a brincar tornando-se cumpridos. Esses pequenos combates que antes os incomodava tanto se converteram em algo muito mais doce, mais enriquecedor e tremendamente divertido. —Não, carinho. Sustentar a esse menino tão robusto com uma mão enquanto caminha. — pôs-se a rir, aquela risada pecaminosa que lhe estremecia. Esse delicioso som era em parte responsável por sua atual situação, uma situação que ainda não tinha explicado a seu marido. Aproximou-se dela, rodeou-a pela cintura e juntos contemplaram o campo coberto de neve. No lago gelado, duas figuras deslizavam sobre patins. —Mary e sua graça, o novo duque de Fellingham — sussurrou Jane. O ancião duque havia falecido na América e o novo duque tinha deixado a todo mundo perplexo casando-se por amor com Mary. Jane sabia que Mary o amava profundamente. Christian posou as mãos sobre os ombros de Jane e a beijou no auto da cabeça. —Os últimos meses nos trouxeram muitas mudanças — murmurou. Ela moveu afirmativamente a cabeça. Era certo. —Lucinda e Bela se casaram — refletiu ele. —Com militares que acabarão parecendo com o major Arbuthnot. Já as adverti. —Ah, mas estão enamoradíssimas — disse Christian. —E obrigado por encontrar a maneira de que Philly possa fazer realidade seus sonhos. Tanto Bela como Lucinda seguiam na Índia com seus maridos, e Philly partiria depois do Natal. Philly tinha expressado seu desejo de dedicar-se ao ensino, e Jane a tinha ajudado a encontrar uma escola rural dirigida por uma mulher sem prejuízos. —A senhora Widdicombe é uma pessoa sensível que acredita que Philly merece a oportunidade de poder fazer realidade seus sonhos. Inclusive varia das antigas prostitutas do Sapphire Brougham se foram lavrando um futuro melhor. Tinham criado um novo clube para casais atrevidos da nobreza no que não se maltratava as mulheres. —E logo está Do... — Jane sentiu acender seu coração, até contemplando as nevadas ladeiras de Wickham House. No mesmo lugar onde um dia correu para deter a corrida de carruagens do Christian, Do e Charlotte se lançavam bolas de neve, rindo como meninas. O ano e meio transcorrido tinha servido para afugentar todas as sombras. —Dartmore está fazendo um boneco de neve para entreter seu filho — observou Christian. Jane sorriu. Depois do duro parto que tinha sofrido Charlotte, Dartmore tinha se dado conta do muito que amava a sua esposa. E, para assombro de todo o mundo, tinha iniciado uma nova 235

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etapa em sua vida. —Acredito, Jane, que quando o fez notar o caro que tinham pago sua crueldade Sherringham e Treyworth, deu-se conta de que tinha que ser em um homem melhor. —Acredito que tudo foi obra de Charlotte, não minha. —E quanto a ela, os pesadelos tinham terminado. As duras lembranças de seu anterior matrimônio e da noite em que Sherringham a sequestrou, tinham ficado armazenados no canto mais profundo de sua mente. Tinha agora lembranças maravilhosas. Christian de pé a seu lado no navio, abraçando-a com força enquanto o navio balançava ao ritmo das ondas do oceano. Seu primeiro passeio em um elefante. Sua primeira dentada a uma suculenta manga. E o mais prezado de todos: a expressão de sobressalto de Christian quando segurou em seus braços seu filho para dar a boas-vindas ao mundo a aquele bebê tão enrugado e precioso. —Ai! —Uma pontada de dor no mamilo a levou a separar ao Michael de seu peito. —O que acontece, amor? —Christian apanhou ao Michael, aproximou-o de seu ombro e esfregou suas diminutas costas até que um ensurdecedor arroto encheu o quarto. —Mordeu-me. Compartilhando sua expressão de surpresa, Christian colocou a seu filho sobre sua cintura nua. E observaram a boquinha de Michael aproveitando seu tremendo bocejo. —Olhe. —Christian tocou com delicadeza a gengiva do bebê. E Jane viu um pontinho branco. —Seu primeiro dente. Apanhou de novo ao Michael e o aproximou carinhosamente a seu peito. Começou a chupar e lhe deu uma nova dentada, sorrindo desta vez. Aquela fantasia de diabo estava provocando-a. Como seu pai. Michael não demorou muito em deixar cair sua escura cabecinha e fechar os olhos. Sua boca continuava chupando, mas Jane o deitou no berço. —Dormiu — sussurrou. —Parece que teremos tempo para ser perversos antes do jantar... Christian já estava na cama. —Se insistir, milady. — piscou os olhos e levantou os lençóis. Mas Jane esperou. —Tenho que te dizer uma coisa. Olhe, resulta que desafiei a sabedoria convencional... Christian a olhou com perplexidade e Jane suspirou. —Normalmente, quando a mulher dá o peito a seu filho, não fica grávida. Mas eu sim. Acredito que volto a estar grávida. Assim... Feliz Natal. Christian ficou estupefato. E de repente se sentou na cama e a abraçou. —Obrigado, Jane, por me fazer o presente mais precioso possível — sussurrou. —Nosso precioso menino, outro milagre a caminho, e seu amor..., seu amor assombroso e maravilhoso. Abraçada ao pescoço de Christian, Jane deixou que a deitasse na cama. Os dois tinham tido a fortuna de encontrar a coragem necessária para abrir seus corações. E o amor era o milagre mais maravilhoso do mundo. FIM 236

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SOBRE A AUTORA Sharon Page é escritora, esposa e mãe de dois meninos; possui um título de desenho industrial e também dirige um programa de investigação e desenvolvimento científico. Na escrita de novelas de eróticos libertinos e sedutores vampiros da Regência encontra a maneira perfeita de escapar de seu mundo técnico. Em 2007, graças ao Valery, o selo de novela romântica da editorial Via Magna, os leitores de fala hispana pudemos conhecer seu trabalho já que publicaram sua novela Pecados. Embora relativamente nova na literatura romântica, Sharon Page soube ganhar o reconhecimento do público graças a seu estilo arriscado de escrever, apostando por novelas românticas com um alto conteúdo erótico.

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