TCC - LINA MARTINS REZENDE (DIREITO UNIRV)

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UNIVERSIDADE DE RIO VERDE FACULDADE DE DIREITO

LINA MARTINS REZENDE

O ESTADO E O CÁRCERE: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

RIO VERDE, GO 2019

LINA MARTINS REZENDE

O ESTADO E O CÁRCERE: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV) como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Me. Eduardo Alvares de Oliveira.

RIO VERDE, GO 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – (CIP) R357e REZENDE, Lina Martins. O Estado e o Cárcere: Análise da Aplicabilidade do Estado de Coisas Inconstitucional. / Lina Martins Rezende. — 2019. 60f. Orientador: Profº. Me. Eduardo Alvares de Oliveira. Monografia (Graduação) — Universidade de Rio Verde UniRV, Faculdade de Direito, 2019. 1. Prisão. 2. Estado. 3. Negligência. I. Oliveira, Eduardo Alvares de.

CDD: 345.810773 Elaborada por Fernanda Castro - Bibliotecária CRB1/3191

LINA MARTINS REZENDE

O ESTADO E O CÁRCERE: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV) como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel.

Rio Verde, GO, 04 de novembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

.............................................................................................. Prof. Me. Eduardo Alvares de Oliveira (Orientador) Universidade de Rio Verde (UniRV)

.............................................................................................. Prof. Dr. João Porto Silvério Júnior (Membro 1) Universidade de Rio Verde (UniRV)

.............................................................................................. Prof. Esp. Kleyton Carneiro Caetano (Membro 2) Escola Superior de Advocacia (ESA)

Dedico ao Dr. Alberto Cachuba, Promotor de Justiça de Rio Verde. ao Diretor Axel Daniel, do Centro de Inserção Social de Rio Verde. ao Dr. Eduardo Alvares, Juiz Execução Penal de Rio Verde.

da

ao Diretor Deusiclene Macedo, da Casa de Prisão Provisória de Rio Verde. ao Dr. Mardem Douglas, Presidente do Conselho da Comunidade de Rio Verde. à todas as pessoas que, de certa forma, direta ou indiretamente contribuíram e os que se beneficiarão com os estudos deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

A jornada a qual trilhei para alcançar a conclusão deste trabalho não foi fácil mas, toda a força que eu tive agradeço à Deus pela dignidade, luz e humildade para correr atrás dos meus sonhos e não desistir. Aos meus pais, Rosa e Pio, minha irmã, Rosinha e minhas avós, Maria Terezinha e Vitalina. A existência de vocês em minha vida foi crucial para que eu pudesse ser quem sou hoje, tudo o que sou devo à vocês. Vocês são meu orgulho, a razão de toda minha existência. Aos meus avôs, Sebastião Pio e Firmo Laurentino, meus eternos anjos que sempre me acompanham. Meu amor por vocês é eterno, incondicional e a saudade, uma contínua companheira. Agradeço igualmente à Marcela Silva Ribeiro pelo companheirismo e estímulo, sempre acreditando no meu potencial e fazendo parte das discussões sobre o tema. Agradeço ao meu amigo, Eduardo Castro, pelos cinco anos de amizade e sorrisos. À Carolinne Maia dos Santos, presente durante todo esse tempo, aguentando os meus excessos, minhas lamentações e carências e que sempre me desafiou a continuar. Você é minha alma gêmea e te agradeço pela mentoria repassada por toda a sua experiência, paixão e humanismo que sempre nos foram tão únicos. Grande parte deste trabalho eu devo à você. Sem você, sem sua força, sem seu amor incondicional e compreensão, eu não me tornaria possível. Obrigada por me tornar possível. Ao prof. Eduardo Alvares de Oliveira, que aceitou, dentre as minhas insistências, a me orientar neste trabalho, o qual, não haveria outra pessoa que poderia substituí-lo. Agradeço imensamente pelas melhores aulas ministradas, melhores discussões e aprendizado. Agradeço por ter acreditado no meu tema enquanto várias pessoas não acreditaram. Obrigada por ter me concedido a honra de colocar seu nome e sua inteligência neste trabalho. Obrigada por ser um professor de verdade. Ao prof. Kleyton Caetano Carneiro, que me despertou os mais variados sentimentos, além da admiração e amor pela advocacia criminal, conectados intensamente pela preocupação do desespero humano e pelo anseio de mudança e que conhece de perto toda a essência deste trabalho. Sua sabedoria e luta na advocacia são fontes de inspiração diária. Obrigada por fazer parte da mentoria deste trabalho e ter construído junto comigo, meu sonho acadêmico. Ao prof. João Porto Silvério Júnior, que esteve presente de forma brilhante em quase toda a minha trajetória na faculdade, desde às aulas ministradas, palestras e estágios. Um professor que sempre foi além dos muros da universidade e das nossas mentes e que sempre me inspirou a pensar e almejar coisas grandes. Obrigada por estar presente neste momento tão grandioso para mim.

Por mim se vai à cidade dolente, por mim se vai à eterna dor, por mim se vai à perdida gente. Justiça moveu o meu alto criador, que me fez com o divino poder, o saber supremo e o primeiro amor. Antes de mim coisa alguma foi criada exceto coisas eternas, e eterna eu duro. Abandonai toda esperança, ó vós que entrais! Dante Alighieri, A Divina Comédia, Ato I, Canto III, Inferno.

RESUMO

Em um Estado Democrático de Direito, o indivíduo espontaneamente desloca várias responsabilidades relativas à sua autotutela para que o Estado aja em seu nome e assim, que cumpra seus deveres. No entanto, a situação carcerária, uma vez sendo de responsabilidade direta do Estado e por ter objeto a tutela e controle de cidadãos em situação de delinquência, não deveria existir diferenças comportamentais na vontade política do Estado para cumprir suas obrigações como agente garantidor público. A partir deste viés, este trabalho tem como o objetivo encontrar resposta para o seguinte problema: Diante da atual situação carcerária do Brasil, é necessário que se analise de forma crítica, a existência de negligência estatal em relação ao sistema carcerário e como isso contribui para a intensa penúria humana a qual se encontra, na ausência de intervenção, estrutura, fiscalização e investimentos e os motivos os quais a ensejam, conforme os estudos apresentados pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 347/DF, os preceitos da Constituição Federal e o princípio da dignidade da pessoa humana em cárcere. Além disso, analisa-se sobre o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional e sua aplicabilidade no Centro de Inserção Social e na Casa de Prisão Provisória da comarca de Rio Verde/GO, quanto à assistência material, saúde e jurídica, analisados por meio de estudo de caso e pesquisa qualitativa e descritiva, além de constatação in loco, método de observação e questionário aberto aos apenados e autoridades diretamente envolvidas com o sistema prisional do município.

Palavras-chave: Prisão. Estado. Pena. Constituição. Negligência.

ABSTRACT

In a democratic state governed by the rule of law, the individual spontaneously shifts various responsibilities relating to his or her self-protection so that the state acts on his or her behalf and thus comply its duties. However, the prison situation, since it is the direct responsibility of the State and has as its object the protection and control of citizens in a situation of delinquency, should not exist behavioral differences in the political will of the State to comply its obligations as a public guaranteeing agent. Based on this point of view, the objective of this work is to find an answer to the following problem: Faced with the current prison situation in Brazil, it is necessary to critically analyze the existence of state negligence in relation to the prison system and how this contributes to the intense human scarcity which is found, in the absence of intervention, structure, supervision and investment, and the reasons for which it arises, according to the studies presented by the Fundamental Precept Noncompliance Argument no. 347 from the Federal District, the precepts of the Federal Constitution and the principle of human dignity in prison. In addition, we analyze the about the Institute of the State of Things Unconstitutional and their applicability in the Center for Social Insertion and the Provisional Prison House of Rio Verde/GO, regarding material, health and legal assistance, analyzed by means of a case study and qualitative, descriptive research, in addition study of finding onsite, observation method and questionnaire open to the convicts and authorities directly involved with the prison system of the municipality.

Keywords: Prison. State. Penalty. Constitution. Negligence.

LISTA DE SIGLAS

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental CF – Constituição Federal CIS – Centro de Inserção Social CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CPP – Casa de Prisão Provisória DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional DGAP – Diretoria-Geral de Administração Penitenciária ECI – Estado de Coisas Inconstitucional FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional INPEC – Instituto Nacional Penitenciario y Carcelario LEP – Lei de Execução Penal OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PNSSP – Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário POP – Procedimento Operacional Padrão STF – Supremo Tribunal Federal TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido SUS – Sistema Único de Saúde

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................12 2 ESTUDO CONCEITUAL DA NEGLIGÊNCIA, RESPONSABILIDADE E ESTADO: O ESTADO COMO GARANTIDOR...................................................... 15 3 A PENÚRIA CARCERÁRIA BRASILEIRA E A FUNÇÃO DA PENA................ 19 4 CONCEITO ANALÍTICO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL..... 26 4.1 ANÁLISE CRÍTICA DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº. 347/DF.................................................................................. 31 5 ESTUDO DE CASO: SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE RIO VERDE/GO.............................................................................................................40 5.1 LOCAL DA PESQUISA, METODOLOGIA E JUSTIFICATIVA....................... 40 5.2 A REALIDADE DO CÁRCERE EM RIO VERDE/GO................................... 42 6 CONCLUSÃO..................................................................................................

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REFERÊNCIAS.................................................................................................... 54 APÊNDICE............................................................................................................. 57

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1 INTRODUÇÃO

Em um Estado Democrático de Direito, o indivíduo espontaneamente desloca várias responsabilidades relativas à sua autotutela para que o Estado aja em seu nome e assim, que cumpra seus deveres. Os pressupostos de legitimidade para que o Estado assim o seja, determina que não é possível existir nenhuma distinção entre seus jurisdicionados. No entanto, a situação carcerária, por ser de responsabilidade direta do Estado e por ter objeto a tutela e controle de cidadãos em situação de delinquência, é explícito, diante do regime e organização políticoadministrativa a qual vivemos, que não deveria existir diferenças comportamentais na vontade política do Estado para cumprir suas obrigações como agente garantidor público. A partir deste viés, este trabalho tem como o objetivo encontrar resposta para o seguinte problema: Diante da atual situação carcerária do Brasil, é necessário que se analise de forma crítica a existência de negligência estatal em relação ao sistema carcerário conforme os estudos apresentados pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 347/DF e a aplicabilidade do instituto do Estado de Coisas Inconstitucional no Centro de Inserção Social e na Casa de Prisão Provisória da comarca de Rio Verde/GO, verificando sobre as assistências material, saúde e jurídica. A pesquisa se deu como estudo de caso por meio de pesquisa qualitativa e descritiva e pesquisa empírica de constatação in loco e entrevistas com questionário aberto aos apenados e autoridades diretamente envolvidas com o sistema prisional do município. Deste modo, as hipóteses desta pesquisa buscam demonstrar a existência de negligência na atividade estatal e como ela se dá no âmbito carcerário, além de apresentar a atual situação do sistema prisional do município e se existem reflexos da inoperância do Estado em desconformidade com os princípios constitucionais basilares da dignidade da pessoa presa, e, por fim, verificar a possibilidade de reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional. Iniciaremos

com

o

estudo

conceitual

dos

termos

negligência,

responsabilidade e Estado, contrastando sobre quais seriam seus verdadeiros propósitos quando relacionados com a ideia de Estado. A apresentação desse vínculo específico é importante para compreendermos a responsabilidade que o

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Estado possui em fazer cumprir as legislações vigentes, principalmente, a Constituição Federal e seus aspectos normativos e principiológicos que constroem, a partir de uma visão política, o próprio conceito de Estado. Após, realizaremos a discussão sobre a função da pena conforme as teorias estabelecidas e a adotada pelo Código Penal, sendo um tema que paira num plano abstrato de aplicabilidade prática. Por conseguinte, será apresentado os aspectos fatídicos referentes à situação carcerária e os resultados atuais da função da pena, que modernamente, passou a ter objetivos sociais para a reinserção do apenado novamente no seio da sociedade e a ela possa se identificar. Pairando sobre as teorias da pena e a realidade social carcerária, será é possível perceber que há tempos a pena de prisão perdeu seu objeto por estar totalmente sucumbida às falhas estruturais as quais as prisões brasileiras se encontram. O terceiro capítulo apresenta o conceito analítico do que é o instituto jurídico do Estado de Coisas Inconstitucional, fazendo uma análise de pontos importantes da Sentença T-153 direto da fonte, aplicada inicialmente pela Corte Suprema da Colômbia e seus requisitos que, em consonância com a realidade carcerária, respaldam a referida tese. E, desta mesma ideia, realizaremos a análise crítica dos principais pontos abordados pela ADPF nº. 347/DF apresentada em 2015, por Daniel Sarmento no Supremo Tribunal Federal, a partir do mesmo conceito do Estado de Coisas Inconstitucional, dando uma nova forma de solucionar os problemas carcerários e a maciça violação de direitos fundamentais básicos. A ADPF nº. 347/DF traz o estudo sistematizado das problemáticas existentes no cárcere no Brasil, com o relato detalhado da miséria que os presídios vivem e a possibilidade de que o Poder Judiciário possa de fato alavancar soluções de forma eficiente. Ademais, necessário se faz demonstrar o julgamento da medida cautelar requerida pela ADPF nº. 347/DF no Supremo Tribunal Federal e os pedidos iniciais alcançados. Enfim, no último capítulo, apresenta-se o estudo de caso realizado no Centro de Inserção Social de Rio Verde/GO, com o objetivo de analisar como se dá a assistência material, assistência à saúde e assistência jurídica, verificar suas particularidades através das entrevistas realizadas com presos e demais autoridades diretamente envolvidas com o sistema prisional do município, por meio de pesquisa qualitativa e descritiva, constatação in loco, método de observação e entrevistas com questionário aberto e também, na Casa de Prisão Provisória recém

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inaugurada e como está sua estrutura após meses de funcionamento. Esta pesquisa prática possui como objetivo realizar um paralelo direto entre o Estado de Coisas Inconstitucional defendido pela ADPF nº. 347/DF, esclarecendo o seguinte problema: É possível que haja o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no Centro de Inserção Social e na Casa de Prisão Provisória de Rio Verde, especialmente quanto a assistência à saúde, material e jurídica por meio dos estudos teóricos apresentados pela ADPF nº. 347/DF? Desta forma, a construção de toda o resultado prático se pautará nas conclusões alcançadas com paralelo direto com o conteúdo bibliográfico.

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2 ESTUDO CONCEITUAL DA NEGLIGÊNCIA, RESPONSABILIDADE E ESTADO: O ESTADO COMO GARANTIDOR

A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. Cesare Beccaria, Dos Delitos e das Penas.

Como prelúdio, há de serem analisados sistematicamente os conceitos de negligência e responsabilidade, crucial para que possamos construir a ideia essencial do vínculo existente entre negligência, responsabilidade e o Estado. Ressalta-se que o conteúdo de negligência e responsabilidade aqui apresentados devem ser interpretados em face do Estado, aquele que, por meio da organização político-constitucional, foi incumbida de diversos objetivos de forma legítima pelo povo e será igualmente aprofundado posteriormente. A responsabilidade é caracterizada como uma condição de permanente atenção em relação à todas as ações e omissões para com os deveres e obrigações que foram submetidos ao ente, intimamente relacionada à capacidade de compreensão e discernimento necessários, o que desmonta sobre a própria investidura de responsável. É um cuidado que possui caráter de missão, objetivo e finalidade baseado em um ato voluntário, o qual pode se presumir determinada situação, a possibilidade de previsão e de agir de modo a evitar consequências (NORMANDO, 2012). Já o conceito de negligência possui fundamentação na Teoria do Crime, uma vez analisada a culpa, sob seu aspecto analítico, como parte integrante da conduta que, por si só, faz parte do fato típico, constituindo um dos elementos para a existência do crime — fato típico, ilícito e culpável (GONÇALVES, 2018). Muito embora essa análise seja voltada ao agente especificamente, o conceito de negligência, no entanto, não se perde, pois, a negligência é pautada na existência de cuidado, em termos gerais, em praticar tal conduta. Caracteriza-se como “conduta culposa, [...] aquela na qual o agente não observa um dever de cuidado, imposto a todos no convívio social, e, por esse motivo, causa um resultado” (GONÇALVES, 2018, p. 211). A conduta do agente

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estatal, portanto, há de ser pautada no próprio dever que coexiste com o Estado que é legitimado pelo povo por meio da Constituição Federal através do exercício da democracia, a fim de representá-los e assim, possui o dever de evitar o resultado gravoso para a ordem pública. Esse dever de cuidado incumbe ao Estado a proteção e o cumprimento dos princípios que regem a Constituição, principalmente por ser a própria Constituição que define os aspectos diretos do dever do Estado. Ao cumprir a lei, o Estado tem o dever de observar as garantias fundamentais, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, sua efetividade e ramificações, sendo uma garantia imprescindível à essência estatal. Logo, “O reconhecimento de que a existência do Estado dá-se em função da pessoa humana e não o contrário” (LIMA, 2012, p. 34) é a interpretação que a Carta Magna nos dá, devendo o Estado Democrático de Direito se pautar na busca incessante para a dignidade de todos. O Estado possui a obrigação de cuidado específico, o poder-dever de agir por isso, diante de flagrante violação de algum direito, deve-se identificar as falhas estruturais dentro de um determinado sistema público de sua competência. Se não busca meios de resolução de problemáticas, é nítida sua responsabilidade e negligência, e caso ocorra consequências, serão ao Estado culpabilizadas. Autonomia para agir, voluntariedade, poder punitivo, obrigação de reparar danos, agente garantidor, competência e poder-dever para a manutenção dos serviços públicos, são todos os conceitos aplicados ao conceito político de Estado. Percebemos que, conforme adentramos cada vez mais nos conceitos iniciais de responsabilidade e negligência, estrutura-se, paralelamente, todo o corpo inteligível do Estado, os quais o definem e deles não se pode eximir, entendendo-se como verdadeiros conceitos correlatos (BRESSER-PEREIRA, 2017). O conceito de Estado1 entendido de maneira social e aplicada na vida prática, possui objetivos específicos, mas, que são complexos, sendo sua manifestação na sociedade, nas leis, nas políticas públicas, se tornando um resultado de todos esses elementos os quais, ele próprio advém e consequentemente, sendo agente

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O Estado, suas leis e suas políticas, são sempre a expressão do poder presente nas formas sociais de intermediação política entre a sociedade e o Estado. [...] O Estado é a principal e mais abrangente instituição que a sociedade utiliza para definir e buscar o interesse público, ou, em outras palavras, para promover seus objetivos políticos. (BRESSER-PEREIRA, 2017, p. 164).

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garantidor e provedor dos objetivos e necessidades enquanto indivíduos vivendo em sociedade organizada (BRESSER-PEREIRA, 2017). Analisando-o igualmente, a partir de seu aspecto político-constitucional, há diversas entidades estatais em sua estrutura jurisdicional, compreendidos conforme determina o art. 18 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), sendo uma entidade única e inseparável: “Organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Desta forma, o Estado, possuindo status de garantidor, também tem a possibilidade de controle social por meio de seus órgãos2, incumbidos em diversas áreas. Em se tratando especificamente do sistema penal, há várias ramificações as quais, em sua competência, são responsáveis pela manutenção do sistema, se caracterizando como verdadeiras extensões de efetividade pública por isso, igualmente responsáveis pelas problemáticas existentes, conforme explica, Lima (2012, p. 30): Esse controle se vale, entre nós, para ser realizado, como já assinalamos, de um Sistema Penal composto pelo segmento policial, de que faz parte a polícia judiciária (civil e federal); judicial, formado pelo órgão de persecução penal (Ministério Público) e por órgãos judiciais (juízos, juizados, varas criminais, câmaras criminais); e de execução, constituído por órgãos judiciais (varas de execução e varas de execuções das penas restritivas de direito), órgãos administrativos (secretarias de justiça e coordenadorias de execução de penas restritivas de direito) e um complexo carcerário (cadeias públicas, presídios, penitenciárias, colônias agrícolas e industriais, casas de albergado, manicômios judiciários, secretarias para cumprimento de penas restritivas de direito etc.). São muitas as críticas a tal sistema e em especial a cada um dos seus segmentos.

Para então se aplicar a responsabilidade pelos possíveis danos que ocorre, em seu sentido amplo, se traduz em todos os entes federativos e em cada limite de seu poder garantidor de competência, os quais, devem ser atribuídos e distribuídos suas respectivas responsabilidades na manutenção da ordem pública com base em uma centralização de poder organizacional do Estado (KELSEN,1998).

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Para ser um Estado, a ordem jurídica necessita de ter o caráter de uma organização no sentido estrito da palavra, quer dizer, tem de instituir órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho para criação e aplicação das normas que a formam; têm [sic] de apresentar um certo grau de centralização. O Estado é uma ordem jurídica relativamente centralizada. (KELSEN, 1998, p. 200)

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Logo, em um Estado Democrático de Direito, o ente público torna-se garantidor de diversos direitos e garantias fundamentais: “Tal como são um elemento constitutivo do Estado de direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático” (CANOTILHO, 1993, p. 431). É inevitável a posição de garantidor o qual o Estado possui em relação aos direitos que nos são mais básicos, traduzindo nossos anseios e sobrevivência em uma sociedade que se legitima pela ação do Estado. Assim, o Estado se manifesta em várias situações da vida prática com o objetivo de materializar os direitos fundamentais e garantias positivados e na incumbência que os cidadãos possuem de exigir a concretização 3 da lei constitucional conforme os fins a que se destinam. A essência da democracia está amplamente voltada para o cumprimento dos deveres do Estado enquanto agente do povo e se delimita nos preceitos constitucionais, na eficácia e efetividade que devem ser atribuídos, conferindo-lhe responsabilidade pública e a evitar a ocorrência de negligências.

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Em face da essencialidade de tais direitos fundamentais, numa perspectiva ditada pela nova hermenêutica constitucional, ao Estado se impõe não apenas respeitar tais direitos e garantias, mas assegurar que sejam eles dotados de efetiva concretude, de tal forma que se revela insuportável que o Estado que se denomina como democrático de Direito se omita no cumprimento dessa imposição, a se efetivar tanto por meio de suas abstenções como por meio de suas prestações positivas. (COSTA E COSTA, 2017, p. 59).

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3 A PENÚRIA CARCERÁRIA BRASILEIRA E A FUNÇÃO DA PENA

O presídio, os trabalhos forçados, desenvolvem no criminoso apenas o ódio, a sede dos prazeres proibidos, e uma terrível indiferença espiritual. Fiódor Dostoiévski, Recordações da Casa dos Mortos.

Com o poder legítimo de regulamentação da vida em sociedade, o Estado apresenta seu ápice no Direito Penal a partir das três fases da atividade estatal: coação, imposição e execução das penas (ROXIN, 1998). Neste capítulo, voltaremos para a fase de imposição das penas e a analisar, brevemente, as teorias que justificam seus fins e os resultados alcançados no campo prático. A Teoria Absoluta Retributiva ou Retribucionista trouxe um fundamento inicial para a função da pena, mas, deixando diversas lacunas e que resultaram em duras críticas à teoria. Para esta teoria, como o próprio nome já diz, tem o objetivo de retribuir ao agente na mesma proporção de seu delito cometido, sendo uma inversão da vingança privada, mas agora, legitimada pelo Estado; a Lei de Talião com o brocardo “olho por olho, dente por dente” exemplifica a essência desta teoria e segundo a doutrina, possui relação direta com a Igreja Católica em seus tempos medievais4 e de irrestrita fé, segundo nos apresenta os estudos de Roxin, (1998, p. 16): Para ela, o sentido da pena assenta em que a culpabilidade do autor seja compensada mediante a imposição de um mal penal. A justificação de tal procedimento não se depreende, para esta teoria de quaisquer fins a alcançar com a pena, mas apenas da realização de uma ideia: a justiça. A pena não serve, pois, para nada, contendo um fim em si mesma. Tem de existir para que a justiça impere.

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Pois, considerando-o racionalmente, não se compreende como se pode pagar um mal cometido, acrescentando-lhe um segundo mal, sofrer a pena. É claro que tal procedimento corresponde ao arreigado impulso de vingança humana, do qual, surgiu historicamente a pena; mas considerar que a assunção da retribuição pelo Estado seja algo qualitativamente distinto da vingança humana, e que a retribuição tome a seu cargo a "culpa de sangue do povo", expie o delinquente, etc., tudo isso é concebível apenas por um acto de fé que, segundo a nossa Constituição, não pode ser imposto a ninguém, e não é válido para uma fundamentação, vinculante para todos, da pena estatal. (ROXIN, 1998, p. 19).

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Por mais que a Teoria Retributiva buscava determinar uma função da pena, esta se mostrou ineficaz, não sendo possível compreender para quais fins o Estado possuía para punir e porque os fazia, além de significar uma completa ausência de política criminal e completamente desumanizada, incompatível com o Estado Democrático de Direito ao qual vivemos atualmente: “[...] A teoria da retribuição não nos serve, porque deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados os seus fundamentos [...]” (ROXIN, 1998, p. 19). Sua essência absolutista isolou a pena a ser apenas um imperativo categórico sem qualquer sensibilidade aos fatos intrínsecos ao agente ou as suas consequências pessoais e sociais, se preocupando tão somente em puni-lo, sendo o único motivo a existência do crime e à ele, deverá responder (DOS ANJOS, 2009). Já em outro extremo, a Teoria Relativa de Prevenção é o oposto da teoria anterior, a qual se reserva em enxergar o indivíduo com dignidade e individualidade e não como um objeto à disposição do Estado, mas, detentor de direitos mesmo em estado de delinquência. Sua ideia é usar a pena para prevenir a ocorrência de outros delitos e, ainda assim, se mostrou falha na forma como se deu a reinserção social na prática, uma vez que, não havia limites e parâmetros para atestar se o agente de fato não detinha mais a conduta antissocial, como explica Roxin (1998, p. 25): E, efectivamente, para um ordenamento jurídico que não considere o indivíduo como objecto à mercê do poder do Estado nem como material humano que possa ser utilizado, mas sim como portador, plenamente equiparado a todos os outros, de um valor como pessoas, valor esse que é prévio ao Estado e que deve ser protegido por este, tem de ser inadmissível tal instrumentalização do homem.

A Teoria da Prevenção se dividiu em Especial e Geral; a primeira se aplicava especificamente ao autor do delito, se ocupando na ideia de reinserção social coativa e podemos entender como a prisão propriamente dita; a segunda se aplicava à todos os indivíduos sem exceção, com a mesma ideia de que, tipificando condutas criminosas e com uma pena específica, poderia de tal modo, evitar que elas ocorressem, como a criação do feminicídio, por exemplo. As críticas 5 destas

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A teoria da prevenção geral encontra-se, assim, exposta a objecções [sic] de princípio semelhantes às outras duas: não pode fundamentar o poder punitivo do Estado nos seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas consequências; é político-criminalmente discutível e carece de legitimação que esteja em consonância com os fundamento do ordenamento jurídico (ROXIN, 1998, p. 25).

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vertentes se resultaram sob os mesmos aspectos da teoria absoluta, não sendo suficiente para demonstrar a legitimidade e os pressupostos da pena, muito embora possuía um objetivo humanizado, individualizado e digno6 (DOS ANJOS, 2009). Apesar de existir discussões doutrinárias acerca da teoria adotada pelo Código Penal (CP), é passivo de que as duas teorias, absoluta e relativa, foram unificadas e devidamente positivadas pelo art. 59, CP 7, determinando que a posição que o legislador escolheu para justificar os fins da pena é uma junção da ideia de retribuição e prevenção, sendo, para tanto, uma Teoria Mista ou Unificadora. No art. 59, CP, o qual determina as circunstâncias judiciais para a aplicação da pena, utiliza-se os termo reprovação e prevenção, concluindo que as teorias conjuntas estabelecem critérios suficientes para justificar sua incidência e os motivos de sua aplicação e, da mesma forma, se preocupando com as consequências sociais e os aspectos criminógenos para a reinserção social do agente (GRECO, 2017) e que contrasta diretamente com o Sistema Garantista em que se consolida o ordenamento jurídico brasileiro. Superado esta fase e situando-se nas características práticas da pena, ressalta-se que a sua função, em face dos problemas vividos atualmente no cárcere8deu embasamento às discussões acerca de determinados termos utilizados cientificamente e o impacto real que existe no ordenamento jurídico. Logo, a discussão que se analisa é em relação ao uso do termo ressocialização para definir a função e os resultados da pena. Há um paradoxo conceitual de que a ressocialização, quando usada, era sinônimo de encarceramento, enquanto sua essência determina práticas positivas para que o indivíduo possa retomar o seio em sociedade fora dos níveis de delinquência e com uma mínima perspectiva de mudança, como explica Valois (2012, p. 09):

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[...] A teoria da prevenção especial não é idónea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e as consequências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a ideia de adaptação social coactiva, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações. (ROXIN, 1998, p. 22). 7 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [...]. (BRASIL, 1940). 8 Ocorre que o caos não se justifica e por isso todas as funções da pena giram em torno da metafísica. São funções filosoficamente construídas para dar alguma aparência de racionalidade à prática jurídica que adota a pena de prisão como sanção fundamental na sua estrutura. (VALOIS, 2012, p. 78)

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[...] Este trabalho tem um objetivo modesto que é o de contestar o uso do ideal ou somente da palavra ressocialização como instrumento legitimador da pena privativa de liberdade. Ou, o que é mais grave, denunciar o uso cínico do termo ressocialização nas decisões judiciais que, desprezando a realidade como componente da hermenêutica, fazem de uma palavra mecanismo puramente encarcerador.

Desta forma, diante da superação do termo ressocialização para fins de exemplificar os objetivos restauradores da pena e seu mau uso no campo prático, adotaremos aqui, para conceituar o objetivo de reabilitação do apenado durante e após o cumprimento de pena, oferecendo meios adequados para evitar a reincidência e a continuidade da conduta antissocial, os seguintes termos de justificação: reinserção social ou simplesmente, a devida aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, os quais se mostraram até o momento, insuscetíveis de mácula conceitual. A CF/88 estabelece várias garantias de ordem pública vinculadas à aplicação e manutenção da pena em nosso ordenamento jurídico, com fundamento de estabelecer os critérios, alcance e utilidade da pena. Todo o arcabouço normativoconstitucional é regado de base principiológica e no âmbito da pena privativa de liberdade, trata-se de aspectos específicos, com o objetivo de proteger aquele que sucumbe a pena de prisão das arbitrariedades do Estado, pautados na proteção da dignidade da pessoa presa, defesa dos direitos fundamentais do preso e a validade do processo penal conforme o Estado Democrático de Direito 9; assim, Dos Santos e Ávila (2017, p. 274,) resumem esses direitos: O princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III); a proibição da tortura, do tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, III) e das sanções cruéis (artigo 5º, XLVII, e); o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, XLVIII); respeito à integridade física e moral dos presos (artigo 5º, XLIX) e; a presunção de não culpabilidade (artigo 5º, LVII); direitos fundamentais à saúde, à educação, à alimentação apropriada e acesso à Justiça.

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Casos emblemáticos não faltam. No presídio Urso Branco, em Rondônia, em retaliação a uma rebelião ocorrida na unidade, consta que agentes penitenciários teriam conduzido todos os internos à quadra de futebol da unidade, trajando apenas roupas íntimas, e os feito passar seis dias dormindo ao relento, obrigados a fazer as suas necessidades fisiológicas no local. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 46).

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Desta forma, em síntese, a função da pena atualmente, está intimamente ligada aos princípios constitucionais e o resultado que o Estado pretende alcançar em aplicar a sanção. A efetividade prática da pena de prisão como objeto deste estudo, é cercado de crises. Não é preciso ir muito além, uma vez que, já no início do século, o Brasil já possuía uma massa carcerária delineada por facções criminosas, rebeliões e negligências10, que criaram um verdadeiro “novo Estado” de organização dentro dos presídios, como nos apresenta Bitencourt (2011, p. 162): Quando a prisão converteu-se na principal resposta penalógica, especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para conseguir a reforma do delinquente. Durante muitos anos imperou um ambiente otimista, predominando a firme convicção de que a prisão poderia ser meio idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinquente. Esse otimismo inicial desapareceu e atualmente predomina certa atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possam conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado. (grifo nosso).

Diante a afronta direta a tais princípios, a função da pena se sucumbe em promover ainda mais a ocorrência de condutas antissociais criminosas, de modo que, diante da penúria do cárcere ao qual o Estado se negligencia em diversos fatores, consequentemente, a função da pena não cumpre seu caráter de reabilitação11 como determina o ordenamento jurídico. A pena de prisão foi 10

Relato sobre a situação carcerária no início da criação da organização criminosa, Primeiro Comando da Capital (PCC): “Geleião foi o interlocutor natural dos presos, que lhe deram o status de líder. O pedido foi simples, sem “esculacho”: os prisioneiros não seriam obrigados a ficar nus, se abaixar exibindo-se para os agentes penitenciários, o que consideravam uma humilhação desnecessária. O corregedor e Pedro [diretor da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté/SP] concordaram, nada demais tal pedido para eles. Quando estes foram embora, o chefe dos agentes penitenciários mandou que os presos tirassem a roupa e se abaixassem. Começou uma gritaria geral. Cobraram Geleião: “E agora? Vai ficar assim? ”. De um lado os presos e do outros os agentes penitenciários e um grupo do batalhão do choque da PM. É claro que não ia ficar assim; os presos avançaram com Geleião à frente e surpreenderam tanto o Choque quanto os agentes penitenciários, que nem sonhavam com uma ação coordenada com os presos – isso nunca tinha acontecido”. (CHRISTINO E TONGNOLLI, 2017, p. 25). 11 O sistema prisional é o destino desses indivíduos que são tragados às malhas que constituem a justiça criminal e que, em geral, atua no sentido de dificultar, ao máximo, as condições para ele saia desta rede. Neste sentido, a prisão não é apenas o “depósito” desses indivíduos. Ela também funciona de maneira a oferecer as melhores condições para que tais indivíduos possam aprofundar suas relações e seus vínculos com o crime. Submete-os a convivência em espaços cujas dinâmicas são controladas por redes criminais densas e complexas, numa condição de tamanha precariedade

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estruturada como meio de penalizar e evitar o crime, mas seu resultado traz consequências diretas aos que a ela se submete. A situação carcerária comprova exasperadamente que o Estado perdeu o ius puniendi12. As prisões, há muito tempo, ao perder seu objeto finalístico de dignidade da pessoa e reinserção do preso no seio social, perdeu a essência de seu controle social por meio da punição. A ausência de estrutura em vários sentidos da vida humana em situação de cárcere se transformou em um verdadeiro caos social “permitido”, o qual o próprio Estado se caracteriza como responsável pelos danos. O questionamento principal recai sobre a contradição entre o ponto o qual as prisões se encontram e o Estado Democrático de Direito, em que se propõe assegurar garantias, direitos fundamentais, especificamente os direitos humanos e a positivação de leis para serem cumpridas pelo Estado. O Estado como responsável em garantir e solucionar esses problemas, precisa ter como base, objetivos políticos, econômicos e orçamentários, de modo a evitar que a sociedade veja o crime como uma solução viável às suas mazelas, com o fim de garantir o bem-estar social que é próprio do conceito de Estado Democrático de Direito (LIMA, 2012). A prisão não pode ser embasada em situações frívolas que não possuem aparato com a realidade, isto é, “não é possível privar a liberdade do indivíduo por conta de escolhas aleatórias, irracionais ou puramente ideológicas, tampouco de afogadilho, ante o surgimento de ‘novas situações’” (LIMA, 2012, p. 35). Por consequência, a responsabilidade por todas as misérias existentes no sistema carcerário designa-se a todo um compilado de agentes públicos e políticos que possuem o dever de garantir aos presos o mínimo possível e os direitos constitucionais de dignidade da pessoa humana positivados13, como aponta Dias (2017, p. 06-07):

que torna-se difícil vislumbrar possibilidades de superação da experiência criminal. O sistema punitivo que funciona no interior do espaço prisional acaba por replicar as dinâmicas sociais externas, com tanto mais perversidade e seletividade [...]. (DIAS, 2017, 16-17). 12 Relato sobre a forma como o Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que ganhou expressividade diante das inoperâncias do Estado agia diante de rebeliões e na intensa disputa de poder. “Em 36 horas eles conseguiram dobrar o Estado e impor sua vontade. Era natural que pensassem que, se fosse orquestrada uma ação de amplitude maior, o Estado poderia ceder mais. Na cabeça da nova liderança uma coisa tinha ficado clara: o Estado era covarde”. (CHRISTINO E TONGNOLLI, 2017, p. 42). 13 A primeira contrariedade que se apresenta em relação ao tratamento penitenciário é a sua absoluta ineficácia diante das condições de vida que o interior prisional oferece atualmente. [...] Finalmente, a terceira oposição crítica refere-se à falta de meios adequados e de pessoal capacitado para colocar em prática um tratamento penitenciário eficaz. (BITENCOURT, 2011, p. 148)

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Neste sentido, embora os protagonistas mais diretos e óbvios desta crise prisional brasileira sejam as facções e os presos, não se pode perder de vista que as condições sobre as quais se produziu esse cenário envolvem atores que não são vistos nas cenas de horror que pudemos assistir. Contudo, esses atores, longe de serem coadjuvantes neste teatro de horror, são diretamente responsáveis por ele: a responsabilidade de uma parte desses atores está em formular as leis [...] que não se efetiva penalidade alguma para o descumprimento pelo próprio estado de prerrogativas constitucionais das quais a população prisional é portadora.

As questões criminológicas, o crime enquanto essência inerente ao homem em sociedade, deve ser tratado em consonância entre a pena aplicada e a efetividade da sanção enquanto um todo, desde à estrutura, assistências e o objetivo digno que possam de fato concretizar a ideia inicial de punição, evitar a transgressão da conduta posteriormente e garantir uma segurança social mínima, sem ultrapassar os direitos constitucionais individuais de dignidade da pessoa presa (LIMA, 2012). Tudo isso deve ser relacionado à Lei de Execução Penal (LEP) que traz em seu texto legal a previsão de toda a estrutura necessária ao sistema carcerário e a garantia de assistências. A ideia de dignidade da pena de prisão deve ser acompanhada de todo um aparato especializado voltado a este fim com “uma sociedade mais igualitária, pela imposição de penas mais humanitárias” (BITENCOURT, 2011, p. 132), desde a participação direta da sociedade civil em auxiliar os egressos, até a organização orçamentária estatal em prover melhores condições aos apenados. Deve ser acompanhada de ações, políticas públicas e eficiência estrutural carcerária de modo que a pena de prisão não seja pior que já é por essência. Desse modo, possamos evoluir o debate para buscar métodos diferentes de aplicação de pena, ao invés de permanecermos na intensa discussão das falências das prisões14.

14

Assim, o conceito de ressocialização deve ser submetido necessariamente a novos debates e a novas definições. É preciso reconhecer que a pena privativa de liberdade é um instrumento, talvez dos mais graves, com que conta o Estado para preservar a vida social de um grupo determinado. Esse tipo de pena, contudo, não resolveu o problema da ressocialização do delinquente: a prisão não ressocializa. As tentativas para eliminar as penas privativas de liberdade continuam. A pretendida ressocialização deve sofrer profunda revisão. (BITENCOURT, 2011, p. 150).

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CONCEITO

ANALÍTICO

DO

ESTADO

DE

COISAS

INCONSTITUCIONAL

A pequena distância, no pátio da prisão, podia respirar-se um puro e vivificante ar que a brisa primaveril trazia dos campos, mas na galeria, este era pesado e doentio, infetado de umidade, putrefação e miasmas, atmosfera que ninguém podia respirar sem ser invadido por sombria tristeza. Liev Tolstói, Ressurreição.

O objetivo da ADPF nº. 347/DF não é somente trazer um apanhado estruturado do cárcere brasileiro o qual veremos adiante, mas, trazer uma tese inovadora para a resolução de problemáticas, ocasionada pelo Direito Comparado, especificamente na Corte Constitucional da Colômbia, por meio do julgamento do processo T-15315, o qual, enseja toda a discussão referente aos presídios, tendo como base primordial o Direito Constitucional e o ativismo judicial, apresentado pelo instituto do Estado de Coisas Inconstitucional16 (ECI). O ECI foi apresentado no ordenamento jurídico da Colômbia por meio de decisão inédita17, como uma técnica para solucionar os problemas carcerários, a partir de uma condenação em face do Estado, entendido enquanto Poder Executivo, Legislativo, demais agentes e instituições públicas, a fim de diminuir o estado de inconstitucionalidade das prisões colombianas. O meio judicial foi a forma encontrada pela Corte Colombiana para alcançar soluções e a eficácia da Constituição e ter um meio específico de controle para a concretização dos direitos fundamentais do preso, uma vez que estavam sendo negligenciados pelo Estado, como se extrai da Sentença T-153 (COLÔMBIA, 1998, p. 01):

15

A ação ajuizada buscava, a princípio, resolver os casos concretos das prisões Bellavista e Modelo, localizadas, respectivamente, em Medellín y Santa Fé de Bogotá. Entretanto, a decisão que dela se originou acabou por abordar o sistema carcerário do país como um todo. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 09). 16 Apenas no ano de 1998, a Corte Constitucional da Colômbia declarou o ECI sobre a superlotação das penitenciárias do país (Penitenciárias Nacionais de Bogotá e de Bellavista de Medellín). Houve a certificação, com base em estudos técnicos, de que o quadro de violação de direitos era generalizado na Colômbia. (DOS SANTOS e ÁVILA, 2017, p. 285). 17 Corte Constitucional. Sentencia T-153, de 1998.

27

[...] Deve-se lembrar que esta Corporação indicou que, nos casos extremos de omissão de suas obrigações pelas autoridades – uma situação que também é expressa quando há uma violação grave, repetida e prolongada da lei –, os afetados podem também recorrer à tutela, desde que a atitude negligente da administração viole ou ameace iminentemente seus direitos fundamentais.

O termo de ECI pode ser facilmente interpretado da contextualização de seu próprio nome: estado, em minúsculo, seria uma determinada situação ou condição; coisas, objeto que pode ser protegido juridicamente, um bem jurídico tutelado pela lei e, inconstitucional, tudo aquilo que não está em conformidade com a Constituição vigente, a lei maior dentro de um ordenamento jurídico. O estado de coisas inconstitucional18 apresenta como uma forma de proteção para evitar a violação de direitos constitucionais não obedecidos que ocorrem de forma ampla e generalizada em desfavor de vários indivíduos, vítimas de um Estado ineficiente. O conceito semântico do referido instituto foi relacionado com requisitos específicos, sendo eles19: Violação maciça de direitos fundamentais em um número significativo de pessoas; medidas a serem tomadas por várias entidades para a garantia de direitos; omissão contínua e persistente por parte dos entes competentes e por fim, a potencialidade de congestionamento do Poder Judiciário se todos buscassem o ressarcimento indenizatório, hipoteticamente, pelas mazelas vividas na prisão, sendo uma consequência potencialmente iminente 20. Diante das violações de direitos dos presos, o Estado colombiano não encontrou uma solução favorável para que fossem feitas mudanças, tanto para 18

O estado de coisas inconstitucional pode ser encarado como a expressão da proteção dos direitos fundamentais em sua dimensão objetiva, uma vez que o seu reconhecimento acarreta mandados de ações e deveres de proteção dos direitos fundamentais pelo Estado. (2017, p. 82) 19 [...] Esta Corporação já indicou que, nos casos extremos de omissão de suas obrigações pelas autoridades – uma situação que também é expressa quando há uma violação grave, repetida e prolongada da lei –, os afetados eles também podem recorrer à tutela, desde que a atitude negligente da administração viole ou ameace iminentemente seus direitos fundamentais. É o caso das situações em análise. De fato, a inação das autoridades significou a violação sistemática dos direitos dos presos, por décadas e, apesar dos muitos pedidos e altas críticas em relação ao sistema penitenciário, nenhuma política oficial é percebida para modificar a situação muito séria na raiz. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998, p. 32). 20 [...] Esta Corporação fez uso da figura do estado de coisas inconstitucional para remediar situações de violação de direitos fundamentais de caráter geral – em tanto que afetam uma multidão de pessoas – e cujas causas são de natureza estrutural – ou seja, geralmente não se originam exclusivamente na autoridade demandada e, portanto, sua solução exige a ação conjunta de diferentes entidades. Nessas condições, o Tribunal considerou que, uma vez que milhares de pessoas estão na mesma situação e que, se todas fossem tuteladas, poderiam congestionar desnecessariamente a administração da justiça, o mais indicado seria emitir ordens às instituições oficiais competentes para que ponham em prática seus poderes para eliminar esse estado inconstitucional de coisas. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998, p. 32).

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solucionar a degradação de direitos e de integridade física dos detentos, resultando em negligência contínua por anos a fio21. Além disso, os prédios das prisões colombianas se tornaram insustentáveis e impossíveis de abrigar os presos, com problemas técnicos de ordem estrutural intensa, sendo que muitos tiveram que ser interditados para reforma, sendo sua maior causa a superlotação22, conforme nos apresenta a Sentença T-153 (COLÔMBIA, 1998, p. 01 e 06): As prisões colombianas são caracterizadas por superlotação, sérias deficiências nos serviços públicos e de assistência social, o império da violência, extorsão e corrupção, e a falta de oportunidades e meios para a ressocialização dos presos. [...] Os motivos técnicos estão relacionados ao problema de saúde do centro e à decisão de reformar a prisão em vez de optar por novas construções. Com relação ao problema de saúde, afirmam que a superlotação apresentada pelo centro prisional criou uma sobrecarga na rede de saúde que “tornou ineficiente a evacuação de excrementos e esgotos, tornando esse problema o mais grave que afeta a saúde dentro da prisão”.

Neste contexto, a Corte Constitucional da Colômbia se incumbiu de condenar o Estado colombiano e mais outras diversas entidades ligadas ao cárcere, no objetivo de apresentar resultados favoráveis e reais para amenizar e reestruturar o sistema carcerário, fiscalizando o Estado e seus órgãos a cumprir a demanda da sentença, obrigando-os, com prazos específicos de cumprimento e elaboração de diretrizes. As decisões proferidas pela Corte Constitucional da Colômbia neste processo foram a base principal para os pedidos feitos na ADPF nº. 347 no STF23 com notáveis semelhanças. O diretor da prisão do Distrito Judicial de Medellín expõe a situação do presídio no distrito: “O oitavo pavilhão abriga uma população muito superior à que se destina a seu destino, esse excesso inevitável se manifesta em detrimento do que reconheço como condições de bem-estar que não podem ser caprichosamente negadas ao indivíduo. Admito como verdade que as células duplicaram sua capacidade através da construção de arbustos e, com isso, concordo com o consequente aumento da temperatura e com a ocupação designada dos corredores”. (COLÔMBIA, Sentença T153, 1998, p. 03). 22 [O] índice corresponde à ocupação de um espaço por um número de indivíduos que excede sua capacidade funcional. Em La Modelo, a ocupação é dada por 3.322 presos em 31 de março de 1996 e sua capacidade é apenas para 1.758, situação que mostra uma superlotação de 47%, levando a uma única célula de 2,20 x 1,50 m, passa a noite entre 3 e 4 homens, dos quais apenas um deles pode usar o único berço construído, enquanto o restante deve dormir em colchões ou cobertores colocados no chão. Da mesma forma, os pátios, considerados áreas livres para desfrutar o sol, realizando atividades recreativas e esportivas, não podem ser utilizados como tal, uma vez que o número de presos que devem permanecer nessas áreas é numeroso, entre 550 e 750 pessoas, uma questão que impede o desenvolvimento qualquer programa. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998, p. 08). 23 O resultado do julgamento na Corte Colombiana foi pautada em cientificar os poderes executivo e legislativos em todos os níveis da existência do ECI; a apresentação de plano de reestruturação e construção de novos presídios aos órgãos competentes; delimitação de prazo para a realização 21

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Deve-se ter em mente que os requisitos do ECI se apresenta em rol taxativo, não passíveis de interpretação extensiva ou desconexa, aliás, deve-se entender que a aplicabilidade do ECI, por possuir uma característica impositiva do Poder Judiciário em face dos Poderes Executivo e Legislativo, é passivo que a declaração do referido instituto é uma situação de aplicabilidade excepcional diante da omissão e ineficácia do Estado, e o seu uso deve ser aplicado em situações de extrema emergência. A sentença colombiana é enfática ao dizer que, nesta situação de estado de inconstitucionalidade, a Suprema Corte se torna a voz dos oprimidos e daqueles que, por diversos motivos, se encontram em situação de cárcere e que, por incompetência e falência da atividade e vontade estatal, são abandonados no sistema (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998). Cabe, então, à Suprema Corte se apresentar em seu papel como órgão julgador diante do não cumprimento da lei e da Constituição, trazendo flexibilidades das decisões para que o Estado as cumpra e o equilíbrio democrático de todos os entes envolvidos, bem como, a participação igualitária da sociedade civil para então, eliminar o estado de coisas inconstitucional24. Por fim, sobre a situação do cárcere na Colômbia, a sentença faz um relato minucioso sobre a história da superlotação em fases desde 1938 até 1998, — data em que a sentença foi proferida — períodos que foram intitulados da seguinte forma: O tempo de liquidação (1938-1956); o tempo do transbordamento (1957-1975); o tempo do descanso (1976-1994) e a hora do alarme (1995-1998)25. A última fase, há de se ressaltar, que não há dados se ela permanece até os dias de hoje. Contudo, de forma sintetizada, a primeira fase significou a criação do Código Penitenciário em 1934, com aumento da população carcerária em mais de 20 mil completa da separação de presos condenados; solucionar os problemas de agentes especializados para atuar nos presídios e por fim, ordena a todas as autoridades do poder executivo em todos os níveis (estados, municípios e a união) em cumprir todas as medidas de desenvolvimento e melhorias do sistema carcerário, para garantir a ordem pública e a manutenção dos direitos fundamentais dos presos. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998). 24 A racionalidade constitucional é diferente da das maiorias. Os direitos fundamentais são precisamente uma limitação ao princípio das maiorias, com o objetivo de garantir os direitos das minorias e dos indivíduos. O juiz constitucional é obrigado a assumir a voz de minorias esquecidas, ou seja, aqueles grupos que dificilmente têm acesso a órgãos políticos. (COLÔMBIA, Sentença T153, 1998, p. 31). 25 [...] Quatro estágios podem ser distinguidos no fenômeno da ocupação prisional na Colômbia, a saber: o tempo de liquidação, entre 1938 e 1956; o tempo do transbordamento, entre 1957 e 1975; o tempo de descanso, entre 1976 e 1994; e a hora do alarme, de 1995 até hoje. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998, p. 18).

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presos, além de várias construções de presídios em todo o país. Foi a fase mais cruel26 e violenta conforme as informações, abarcados por crises sociais, marginalização e miséria, tanto dos presos, quanto da sociedade civil (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998). A segunda fase foi marcada por um descongestionamento das prisões que, muito embora também tenha ocorrido no tempo da liquidação, este fenômeno foi bem mais expressivo no tempo do transbordamento, correlacionando-se com as obras de novos presídios em grande escala e mudanças legislativas com medidas de desjudicialização, diminuindo a população carcerária em mais de trinta e seis mil internos. Na terceira fase, o tempo do descanso, nos quatro primeiros anos não foram registradas estatísticas sobre a população carcerária, apenas em 1977 e novamente, os números da quantidade de presos diminuíram. Entretanto, esses números voltariam a subir novamente pela existência de vários espaços, prédios e recursos subutilizados, demonstrando a ineficiência estatal em seu ápice (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998). A hora do alarme se apresenta mais uma vez com um aumento sem limites da população carcerária como já enfrentada em outros tempos, causando o medo de retornar ao tempo de transbordamento 27 (1957-1975) o qual, a superlotação se deu descontroladamente. Vários outros métodos de descongestionamento das

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[...] Esse assentamento deixa um ambiente crítico nas prisões, mediado por marginalização penalizada, desenvolvimento regional desigual, população perdida excluída da produção e criminalizada por lei de preguiçosos e bandidos, fortes mobilizações sociais de descontentamento diante da pauperização, violência aguda no campo, gerando processos acelerados de migração, quantidade de obras inacabadas nas prisões, prisões mínimas de pequenas e velhas gritando por substituição e superlotação do medo em todos centros prisionais; a partir de então, o ambiente penitenciário passou a suportar o peso do problema penitenciário [...]. (COLÔMBIA, Sentença T153, 1998, p. 19). 27 A hora do alarme começa em 1995 e dura até hoje [1998]. Esse ano começa com um número semelhante à média do período anterior (29.537), mas o número de presos aumenta progressivamente até chegar a 31.960, tudo isso apesar do fato de a aplicação do Decreto 1370 de 1995, sobre desjudicialização, contrariar a tendência ao aumento da população carcerária. Segundo o INPEC [Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário], “O ano de 1996 rompe a barreira do descanso e, da mesma forma que aconteceu entre os anos de 1966 e 1971, aumenta a população em mais de 6.000 pessoas (38.063). Em dezembro, perto da barreira de 40.000 presos, deixa o ambiente prisional alerta para o que acontecerá durante os anos restantes do século atual. ”A população carcerária em 30 de novembro de 1996 equivale a 39.574 internos, com uma cota em números fechado de 28.300, o que constitui uma superlotação de 11.700 internos. O estudo conclui com a seguinte afirmação: “Em 1997, há outro sintoma preocupante. Em janeiro e fevereiro, a população continua crescendo (39.742 e 40.590, respectivamente). Se essa curva continuar, o fenômeno do transbordamento poderá ser repetido e atingir populações que excederiam 60.000 internos por projeções. Então, a superlotação atual, que nos aterrorizou no passado, nos desafia no futuro [sic]. (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998, p. 20).

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prisões colombianas foram realizados e um dado crítico da sentença atesta que as disposições legislativas criadas literalmente problematizaram ainda mais a superlotação e o encarceramento em massa (COLÔMBIA, Sentença T-153, 1998). Contudo, atualmente não há informações se esta fase do sistema carcerário se mantém.

4.1 ANÁLISE CRÍTICA DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº. 347/DF

Com o objetivo principal de que seja reconhecido o referido Estado de Coisas Inconstitucional e defendendo o mesmo conceito apresentado pela Sentença T-153 da Colômbia, a ADPF em questão explora da mesma forma, os requisitos do ECI para que sejam aplicados em sua integralidade, além disso, apresentando vários casos no Direito Comparado como Estados Unidos, Peru, Argentina e a Corte Europeia de Direitos Humanos na Itália, que se valeram de técnica semelhante ao ECI, mas que foi na Colômbia que sua construção técnica-doutrinária se fez sólida, com limites e requisitos específicos. A ADPF se pauta em apresentar o sistema carcerário brasileiro e suas falhas e que serão analisados alguns deles neste capítulo, conforme apresenta em ipsis litteris na ADPF nº. 347/DF (2015, p. 08-09): Para reconhecer o estado de coisas inconstitucional, a Corte Constitucional da Colômbia exige que estejam presentes as seguintes condições: (i) vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas; (ii) prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantia e promoção dos direitos; (iii) a superação das violações de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos, envolvendo mudanças estruturais, que podem depender da alocação de recursos públicos, correção das políticas públicas existentes ou formulação de novas políticas, dentre outras medidas; e (iv) potencialidade de congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus direitos violados acorrerem individualmente ao Poder Judiciário.

“Não há cenário fático mais incompatível com a Constituição Federal que o sistema prisional brasileiro” (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 15), e de fato, é impossível encontrar equilíbrio com a situação atual do cárcere em face de todos os princípios constitucionais positivados, isolando à Carta Magna a um estado contínuo de pura utopia por deficiência de seus entes. Por consequência, esta ineficiência ocasiona

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uma atuação não somente do STF, mas como também, de todo o Poder Judiciário e os órgãos competentes em todos os seus níveis. Essa é a ideia primordial que ensejou a citada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo advogado Daniel Sarmento, em 2015 na Suprema Corte. Embasada pela precária situação do cárcere, a ADPF nº. 347/DF apresentou diversas

problemáticas

dos

presídios

brasileiros,

realizando

um

estudo

sistematizado para esclarecer cada uma delas como números de vaga28, limitações de repasse da União, penas mais graves, legislações simbólicas aplicadas em situações de extrema comoção social e que não produzem eficácia no plano social, muito menos, carcerário, as consequências psicossociais dos apenados durante e depois do cumprimento de pena29, ausência de assistência jurídica, material e saúde, dentre tantas outras e que revela a intensa violação dos direitos fundamentais30 como a dignidade da pessoa humana, vedação de tortura e de tratamento desumano, violação de assistências aos presos definidos em lei, segurança dos presos, entre outros. Tal discussão se pauta sobre várias condições que resultaram em crises penitenciárias por todo o Brasil. A competência orçamentária da União, uma vez possuindo o dever de atuação para a manutenção e destinação dos cofres públicos, especificamente do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), (ADPF nº. 347/DF, 2015) é um problema desde a sua criação e que deságua em todas as outras crises. O congelamento de contas do FUNPEN e o desvio de destinação para outras áreas, 28

Foram detectadas graves falhas também em relação à separação de presos. Esta, além de essencial para o processo de ressocialização, é um imperativo diretamente extraível da Constituição Federal, notadamente quando estabelece que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII). (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 36). 29 A ONU definiu “Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros” e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu “Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas”. Tais documentos contêm importantes parâmetros internacionais atinentes a aspectos como as condições, tamanho, uso, capacidade, salubridade, lotação e ocupação de unidades prisionais e celas, os quais são sistematicamente inobservados no Brasil. (ADPF, 2015, p. 28). 30 A situação chegou ao ponto de motivar intervenções da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro a cumprir medidas provisórias para garantir a erradicação das situações de risco e providenciar a proteção à vida e à integridade pessoal, psíquica e moral de pessoas privadas de liberdade em várias penitenciárias do país. Foi o caso do Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno, de Recife/PE, da Penitenciária Urso Branco, de Porto Velho/ RO, do Complexo do Tatuapé, de São Paulo/SP, da Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira, de Araraquara/ SP,12 e do Complexo de Pedrinhas, de São Luiz/MA. A Comissão Interamericana, por sua vez, concedeu medidas cautelares contra o Estado Brasileiro para salvaguardar a vida e a integridade pessoal dos internos do Presídio Central de Porto Alegre/ RS. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 04).

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a burocracia e a intransigência por parte da União em liberar os recursos do FUNPEN foi alegado pelos Estados intimados a se manifestarem na ADPF, esclarecendo que há dificuldade em obtenção de recursos para o investimento no sistema carcerário, além de cumprimento de diversos requisitos e documentação, segundo se apresenta na ADPF nº. 347/DF (2015, p. 51): Outro problema no FUNPEN é o excesso de rigidez e de burocracia da União para liberação de recursos aos demais entes federativos, para que desenvolvam medidas voltadas à melhoria do sistema carcerário. Nas palavras do Conselheiro Guilherme Calmon, supervisor do monitoramento e fiscalização do sistema carcerário do CNJ, “a subutilização destes recursos nos 20 anos em que estão sendo recolhidos é causada pelas exigências rígidas do governo federal aos estados para liberar recursos".

Em relação à reserva do possível como insuficiência de recursos públicos para a concretização dos direitos sociais dos presos, não pode ser alegada como motivo para justificar a situação calamitosa do atual sistema carcerário principalmente porque, os objetos de descumprimento aqui tratados ferem diretamente a Constituição, sendo direitos fundamentais positivados e que não podem ser submetidos à qualquer hipótese de justificativa para a não realização de políticas públicas (DE OLIVEIRA e LOPES, 2015). Logo, é incabível que o Estado alegue ausência de recursos a partir da reserva do possível para que estas questões não sejam resolvidas, principalmente porque deveriam estar de antemão previstas na Lei Orçamentária Anual. Assim, a União poderia utilizar uma parcela da arrecadação do Estado para ser usada no investimento dos presídios brasileiros e, embasado por um interesse e planejamento do Poder Executivo em apresentar e executar esse plano, assim defende a ADPF nº. 347/DF (2015, p. 23): Mas, mesmo considerando o curto prazo, a escassez de recursos não pode ser invocada como justificativa legítima para a denegação dos direitos mais básicos dos presos, por duas razões: tais direitos se enquadram no mínimo existencial, que não se sujeita à limitação pela reserva do possível; e a posição de garante do Estado em relação aos presos retira a legitimidade deste argumento.

Desta forma, mesmo que o objeto de análise do princípio da dignidade humana, diretamente relacionado com o mínimo existencial (DE OLIVEIRA e LOPES, 2015), seja referente às pessoas que um dia cometeram delitos, prejudicando a ordem pública e social, não há que se falar em perda dos direitos

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mais básicos, pois isso sucumbiria a legitimidade que justifica a existência de um Estado estruturado em democrático e de direito 31 (SARMENTO, 2016). Como já citado em capítulo anterior, o Estado reservou para si a manutenção da ordem e segurança, trazendo para si a responsabilidade de tutela daqueles que violaram a lei e assim, os presos “não perdem, evidentemente, o direito ao mínimo existencial” (SARMENTO, 2016, o. 1659-1660). No entanto, o que vemos, é uma constante negação desses direitos32. Em face das assistências previstas na LEP, a ADPF analisa ponto a ponto com relação à realidade dos presídios. Em análise da assistência à saúde, talvez a assistência mais importante que existe pois, determina como a integridade física e psíquica do preso está sendo assistida no cárcere. Ademais, é um direito fundamental e que possui dificuldades amplamente estruturais para sua efetivação, como apresenta a ADPF nº. 347/DF (2015, p. 40): O direito fundamental à saúde (art. 6º e 196, CF) também é, por óbvio, titularizado pelo preso. Em harmonia com a Constituição, a Lei de Execução Penal estabelece que a assistência à saúde deve assumir caráter tanto preventivo, quanto curativo, compreendendo atendimentos médico, farmacêutico e odontológico (art. 14), aos quais o Manual de Assistência do Sistema Penitenciário Federal acrescenta atendimento de enfermagem, de psicologia e de serviço social (art. 8º).

A LEP prevê o acompanhamento de médico, farmacêutico, odontológico além dos serviços voltados para a assistência social e psicológica e, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) nº 14/2003, que aplica-se Diretrizes Básicas para as Ações de Saúde nos Sistemas Penitenciários, determinando que a partir de 500 presos é necessário que o estabelecimento prisional possua “1 médico clínico, 1 médico psiquiatra, 1 31

Além disso, a posição do Estado em face dos presos é razão adicional para deslegitimar a invocação de falta de recursos ou de autorização orçamentária para a não realização das despesas necessárias à garantia da dignidade nas prisões. Afinal, se o Estado priva alguém da liberdade, ele assume a obrigação de garantir que o encarceramento não se dê em condições desumanas e degradantes. Forma-se uma relação especial de sujeição entre o Estado e o detento, que, se por um lado importa em múltiplas restrições aos direitos do preso, por outro, torna o Poder Público um garante dos direitos fundamentais que não foram limitados. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 25). 32 Como dimensão do princípio da dignidade da pessoa humana, o direito ao mínimo existencial possui caráter universal, sendo titularizado por todas as pessoas naturais, independentemente de qualquer outra condição. Os presos – não importa a gravidade do crime que tenham eventualmente cometido ou de que estejam sendo acusados – não perdem, evidentemente, o direito ao mínimo existencial, que, não obstante, vem-lhes sendo sistematicamente denegado em todo o país, pelas condições absolutamente degradantes do nosso sistema carcerário. (SARMENTO, 2016, p .16591660). (grifo nosso).

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odontólogo, 1 assistente social, 1 psicólogo, 2 auxiliares de enfermagem e 1 auxiliar de consultório dentário, e, nas unidades femininas, 1 médico ginecologista” ADPF nº. 347/DF (2015, p. 40-41). Da mesma forma, é necessário que tenha no mínimo dois enfermeiros e que os profissionais da saúde possam ter uma estrutura própria e adequada 33 para os atendimentos, além da realização de exames aos apenados que precisam. Ressalta-se ainda a situação mais calamitosa em que vivem as apenadas que possuem um sistema biológico complexo e que necessita de maiores cuidados, principalmente de prevenção e que exigem acompanhamento, mas, a maioria das prisões não são preparadas para mantê-las34. “O Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), aprovado pela Portaria Interministerial nº. 1777/2003, dos Ministérios da Justiça e da Saúde” (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 41), determinou várias disposições com o objetivo de promover políticas e projetos voltados à assistência à saúde, mas, evidentemente, essas disposições sofrem com a ausência de aplicabilidade prática e de vontade política, como explícita na ADPF nº. 347/DF (2015, p. 41-42): [...] A implementação de medidas de proteção específica, como a vacinação contra hepatites, influenza, tétano, e [...] ações para a prevenção de tuberculose, hanseníase, diabetes, hipertensão, hepatites, DST/AIDS e dos agravos psicossociais decorrentes do confinamento, bem como a distribuição de preservativos e insumos para a redução de danos associados ao uso de drogas.

O não cumprimento dessas disposições, da LEP e da própria Constituição Federal tem contribuído para a continuidade das problemáticas do sistema prisional como demonstrado e que insistem em permanecer em um estado de inoperância,

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Para a prestação de assistência à saúde, as normas em vigor exigem, em primeiro lugar, a existência de instalações adequadas. A Resolução CNPCP no 14/1994 prevê que os estabelecimentos prisionais devem ser dotados de (i) uma enfermaria com cama, material clínico e instrumental adequado, (ii) dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos, e (iii) unidade de isolamento para doenças infectocontagiosas (art. 16). Nos termos da Portaria DEPEN no 63/2009, o serviço de saúde deverá contar ainda com consultórios médicos, odontológicos, psicológicos e de assistência social e espaços para enfermaria e farmácia (arts. 10, 34, 35 e 36). (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 40). 34 Considerando a falta de efetividade das normas introduzidas na LEP, o Grupo de Trabalho Interministerial de Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino formulou algumas propostas urgentes a serem observadas na matéria, que incluem, dentre outras medidas, a construção de berçários e creches, para assegurar o convívio de mães e filhos, melhorias no tratamento de saúde, inclusive pré-natal, e fornecimento de material de higiene, sobretudo absorventes íntimos. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 47).

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enquanto indivíduos morrem e definham sem mínimas condições de saúde nas prisões brasileiras35. A assistência material também é importante para a manutenção básica de um preso em cárcere e que, infelizmente, também se mostrou ineficiente no sistema prisional brasileiro. A maioria dos presídios não oferecem itens de higiene pessoal, há racionamento de água e até mesmo falta dela para o banho, além da péssima qualidade da alimentação e deficiência para a distribuição dos uniformes, ocasionando muitas vezes que os presos recorram a doações de entidade religiosas e familiares (ADPF nº. 347/DF, 2015). Toda essa situação36 não é compatível com o previsto na LEP e nas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil37, o que demonstra que o problema carcerário não se encontra em regramentos e leis, e sim, na efetividade prática desse ordenamento. Segundo nos apresenta, ipsis litteris, na ADPF nº. 347/DF (2015, p. 38-39): A Lei de Execução Penal, concretizando a Constituição, dispõe que a assistência material ao preso consiste no “fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas” (art. 12). A esse respeito, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil preveem o fornecimento de água potável e alimentação “preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso” (art. 13, caput e parágrafo único). (grifo do autor).

E, mais uma vez, as mulheres também se encontram em situações precárias em relação à assistência material, por necessitar de itens específicos e passando

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Não faltam episódios revoltantes a respeito do atendimento à saúde do preso. No Rio Grande do Sul, por exemplo, um apenado contraiu tuberculose, e, por falta de tratamento, teve de realizar cirurgia de extração de parte do pulmão. A insalubridade da cela levou a que o corte, feito na cirurgia, infeccionasse e o tecido humano apodrecesse. Em 2013, o preso tinha um orifício tão grande em seu tórax que por ele era possível observar o seu coração pulsando. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 42). 36 Tais parâmetros são absolutamente desrespeitados no cotidiano dos presídios. Falta água para banho e até para consumo. Em geral, a alimentação é de péssima qualidade e muitas vezes está estragada. O Relatório da CPI da Câmara dos Deputados sobre o Sistema Carcerário revelou que “em diversos estabelecimentos, os presos bebem em canos improvisados, sujos, por onde a água escorre. Em outros, os presos armazenam água em garrafas de refrigerantes, em face da falta constante do líquido precioso. Em vários presídios, presos em celas superlotadas passam dias sem tomar banho por falta de água. Em outros, a água é controlada e disponibilizada 2 ou 3 vezes ao dia”. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 39). (grifo do autor). 37 BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº. 14, de 11 de novembro de 1994. Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 dez. 1994. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2019.

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por sofrimentos calamitosos e constrangedores, uma vez que, não há o fornecimento de absorventes íntimos para contenção do ciclo menstrual, principalmente, e tendo que lidar com o período em péssimas condições 38. Por fim, analisa-se a assistência jurídica a partir dos dados trazidos pela ADPF. A assistência jurídica é uma garantia fundamental, imprescindível a participação de defensor ou advogado para a administração da justiça e manutenção de um Estado Democrático de Direito, como esclarece o art. 133, da CF/8839 e o acesso à justiça de forma satisfatória, consoante demonstrado na ADPF nº. 347/DF (2015, p. 33): Os presos têm direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF). A Constituição prevê o dever estatal de prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV), determinando, ademais, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (art. 5º, LXIII). (grifo do autor).

Contudo, a realidade se mostra diferente. Há déficit de defensores públicos nas capitais e consequentemente, a situação piora no interior, “Segundo dados do IPEA, a Defensoria Pública está presente em apenas 28% das comarcas brasileiras” (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 33) e essa deficiência traz problemas principalmente aos mais pobres que não possuem recursos para manter um advogado e que nem sempre recebem atenção adequada dos advogados dativos40. Ressalta-se ainda o efeito negativo para a superpopulação que ocasiona por não cumprir a assistência jurídica. Muitos presos já cumpriram os requisitos estabelecidos pela lei para o deferimento dos benefícios da execução penal mas, o

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O fornecimento de uniformes é irregular: não é incomum que os presos dependam das roupas providenciadas por parentes ou por instituições de caridade, ou que fiquem seminus, quando não têm acesso àquelas. Tampouco é regular a disponibilização de material de higiene básica. Na Cadeia Pública Feminina de Colina, em São Paulo, por exemplo, durante um ano inteiro, as presas receberam cerca de 4 rolos de papel higiênico, e não lhes foi entregue nenhuma escova de dentes e nenhum absorvente íntimo, o que as obrigou a utilizar miolos do pão servido na cadeia para a contenção do fluxo menstrual. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 39). 39 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (BRASIL, 1988). 40 Uma das razões para este quadro se deve ao fato de que a Defensoria Pública, instituição essencial à justiça nos termos do art. 134 da Constituição, possui um enorme déficit de defensores. [...] A falta de defensores leva a que pessoas — invariavelmente as mais pobres — acabem sendo injustamente presas, bem como a que não obtenham acesso a benefícios a que fariam jus durante a execução penal. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 33-34).

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desconhecimento e a falta de defensor, impossibilita que tais direitos sejam concedidos, como apontado pela ADPF nº. 347/DF (2015, p. 34): As consequências destas falhas são dramáticas. Para que se tenha uma ideia, apenas no âmbito dos Mutirões Carcerários, o CNJ beneficiou, desde 2008, pelo menos 78 mil presos, que tiveram acesso à progressão de pena e à liberdade provisória, dentre outros direitos. Destes, 41 mil foram libertos, pois tiveram reconhecida a extinção da sua pena, passaram a cumpri-la em regime domiciliar ou sob condicional. Estes presos eram privados de direitos a que faziam jus, por falhas no acesso à justiça.

Além disso, a falta de acesso à justiça e o conhecimento do andamento do processo, inviabiliza que os presos possam requerer os benefícios da execução penal como a progressão de regime, livramento condicional, remição, saída temporária, dentre outros. A falha no acesso à justiça também transparece em ausência de estrutura do Poder Judiciário que não dispõe de varas suficientes nas comarcas em relação à quantidade da população carcerária, o que fatalmente leva à morosidade no andamento dos processos41. Desta forma, tem-se em todo o conteúdo mostrado na ADPF que o Estado de Coisas Inconstitucional é uma realidade na grande maioria dos presídios brasileiros — principalmente pois é a partir desta ideia que se embasam os pedidos realizados na inicial —, conforme o relato minucioso e complexo que traz, sendo certo por observar o encaixe da realidade fática encontrada no Brasil com os requisitos determinados pelo instituto, o que, consequentemente, daria ao STF a possibilidade de solucionar esses problemas diante das falhas e omissões estatais. Quanto aos pedidos deferidos pela medida liminar, determina aos juízes e tribunais a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão sempre que possível; que possa ser considerado o estado de coisas inconstitucional que as prisões se encontram na concessão de cautelares penais, aplicação de pena e durante a execução penal, fundamentos pelo princípio da dignidade humana, proporcionalidade, razoabilidade e humanidade; para que sejam realizadas as

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Este cenário é agravado por sérios problemas na organização judiciária. Em todo o país, faltam varas e juízes atuando na execução penal, pois o tema não é tratado como prioridade. Com efeito, segundo pesquisa de âmbito nacional, o número de varas existentes é absolutamente incapaz de atender a demanda. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, existe apenas uma vara de execuções penais, para uma população carcerária que já chega a 45 mil presos. (ADPF nº. 347/DF, 2015, p. 34).

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audiências de custódia no prazo máximo de 90 dias e viabilizar a apresentação do preso à autoridade judiciária em 24 horas. Por fim, impor o descontingenciamento do FUNPEN para a realização de obras e melhorias do sistema prisional e que impeça que a União congele as verbas nesse teor até que haja a superação do ECI. Esses foram os pedidos deferidos em liminar conforme o voto do relator ministro Marco Aurélio. A ação ainda está em andamento no STF e sua última movimentação foi o parecer apresentado pela Procuradoria-Geral da República, com os autos conclusos ao relator em setembro de 2019.

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5 ESTUDO DE CASO: SISTEMA PRISIONAL DA COMARCA DE RIO VERDE/GO 5.1 LOCAL DA PESQUISA, METODOLOGIA E JUSTIFICATIVA

Sede prudentes, filósofos e amigos do sofrimento e guardai-vos do martírio oriundo do ‘amor à verdade’! Nietzsche, Além do Bem e do Mal..

Paralelamente ao conteúdo defendido até o momento, é possível definir alguns parâmetros que nos guiarão neste capítulo e que demonstraram o período crítico que vivenciamos há tempos em relação ao cárcere e, consequentemente, em relação a função da pena para alcançar a reinserção social como determina a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal. A ADPF nº. 347/DF esboçou este cenário em sua petição, trazendo pontos importantes da falência da prisão, falhas no cumprimento das assistências aos presos, superlotação que desencadeia todos os outros problemas, além da omissão estatal e ausência de vontade política. Através deste cenário, a ADPF defende o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional em que se aplica quando há violação maciça de direitos fundamentais em detrimento de uma grande parcela de pessoas vulneráveis; além do envolvimento de vários entes, órgãos, instituições competentes, responsáveis pela garantia desses direitos; a omissão estatal contínua e prolongada no cumprimento desses direitos e a possibilidade de congestionamento do Poder Judiciário caso todos essas pessoas buscassem o ressarcimento. Como resultado, buscou-se realizar uma pesquisa de estudo de caso, qualitativa e descritiva, por meio de constatação in loco e entrevistas com pessoas diretamente envolvidas, sobre a situação atual do Centro de Inserção Social (CIS) e da Casa de Prisão Provisória (CPP) da comarca de Rio Verde, Estado de Goiás, escolhidos especificamente como local da pesquisa uma vez que, o CIS é o presídio mais antigo da cidade e o local de cumprimento de pena em regime fechado, enquanto que a CPP possui uma estrutura recém inaugurada para aprisionar presos provisórios. Logo, o objetivo é verificar se é possível declarar o Estado de Coisas Inconstitucional no CIS e/ou na CPP em face das pesquisas realizadas.

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O primeiro presídio visitado, o Centro de Inserção Social de Rio Verde/GO é uma penitenciária de segurança média, inaugurado há mais de 15 anos, para o cumprimento de pena em regime fechado com uma população carcerária atualmente em 313 custodiados até o momento da pesquisa, sendo 23 do sexo feminino em prisão provisória. O presídio tem capacidade para 140 vagas, com uma superlotação de 173 presos, um número de 6 a 11 presos por cela42. As condições estruturais do CIS são preocupantes, uma vez que “encontra-se localizado ao lado do Centro de Tratamento de Água da cidade e em frente ao aterro sanitário” (DO PRADO, 2008, p. 74), além disso, não há muro ao redor de toda a extensão do presídio e a Casa de Prisão Provisória (CPP) se encontra, mais ou menos, dez metros da penitenciária. Aliás, a CPP foi o segundo presídio visitado e como já citada, fica a poucos metros do CIS e se encontra em situação estrutural totalmente diferente que o centro de cumprimento de pena, principalmente por ser uma obra recente e bem planejada. A CPP possui capacidade de 257 vagas, com uma (super)população carcerária de 430 presos provisórios, entre 10 a 16 presos por cela A metodologia utilizada foi o estudo de caso por meio de pesquisa qualitativa e descritiva, com constatação in loco da estrutura do presídio como um todo, analisando especificamente a estrutura arquitetônica, a quantidade de agentes penitenciários lotados, tamanho das celas, espaços para estudos e demais dependências, para analisar a manutenção do estabelecimento prisional, especificamente no que se refere à assistência à saúde (art. 14, LEP), assistência material (art. 12 e 13, LEP) e assistência jurídica (art. 15 ao 17, LEP e art. 5º, LXXIV, CF). Segundo a LEP, esclarece que a assistência é de incumbência estatal, com o objetivo de prevenção e reinserção social, conforme art. 10, in verbis: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Da mesma forma, foi realizada entrevista por meio de questionário aberto de método qualitativo e descritivo com as pessoas que estão diretamente inseridas no sistema carcerário do município de Rio Verde, além de três apenados e três apenadas em cumprimento de pena em regime fechado, com diferentes estados

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Todas essas informações foram coletadas conforme entrevista livre e confidencial com a Direção do Centro de Inserção Social de Rio Verde.

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criminógenos no CIS e constatação in loco e por observação na CPP. O teor das perguntas também se relaciona com as assistências jurídica, saúde e material. Os requisitos para a participação da pesquisa e entrevista eram presos do sexo masculino e feminino com tempo maior e médio em cumprimento de pena em regime fechado no Centro de Inserção Social de Rio Verde/GO e a autorização através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o uso dos dados resultantes da entrevista. As entrevistas foram realizadas em sala reservada no prédio administrativo do CIS. Antes de se iniciar a pesquisa, a pesquisadora realizou sua apresentação pessoal, a qual informa o nome, curso de formação e a pesquisa que é para integrar o trabalho de conclusão de curso e fez a leitura do TCLE que contém os objetivos, problema, metodologia, riscos, justificativa, benefícios da pesquisa, esclarecendo todos os pontos a ela inerentes, tendo a pesquisadora entregue uma via do TCLE ao participante devidamente assinado e datado. As entrevistas aconteceram no dia 04 e 05 de novembro de 2019 no CIS e teve duração média de 15 minutos e as respostas foram registradas via gravação de voz e a pesquisa empírica com método de observação na CPP realizou-se no dia 07 de novembro. Por fim, a principal justificativa é dar voz a uma população que foi e é estigmatizada pelo Estado e, além das teorias apresentadas, mostrar a realidade que muitos evitam, além de ser uma ótima oportunidade de apresentar à comunidade acadêmica de Rio Verde sobre a real situação prisional no município.

5.2 A REALIDADE DO CÁRCERE EM RIO VERDE/GO

Todas as informações a seguir são baseadas nos depoimentos colhidos nas entrevistas realizadas aos apenados e apenadas, bem como, demais autoridades diretamente relacionadas com o CIS e o sistema prisional de Rio Verde, sendo suas identidades preservadas conforme TCLE e os parâmetros de ética definidos pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade de Rio Verde. Inicialmente, no CIS, por mais que o tamanho das celas seja adequado conforme o art. 88, da LEP, com o índice da superlotação43 não é possível que haja 43

O CIS tem capacidade para 140 vagas, com uma superlotação de 173 presos, um número de 6 a 11 presos por cela, conforme informações foram coletadas em entrevista livre e confidencial com a Direção do Centro de Inserção Social de Rio Verde.

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conforto, mesmo que os níveis não sejam tão problemáticos se comparados com outros centros prisionais, mas há presos dormindo no chão ou em redes por ausência de espaços e cama, principalmente na ala feminina, onde há menos estrutura. Este cenário e todas as outras problemáticas carcerárias em Rio Verde e que serão apresentadas algumas delas —, desencadearam ações contra o Governo do Estado de Goiás conforme informações da Promotoria e calcula-se em torno de quatro ações em tramitação atualmente para exigir o cumprimento da lei. A quantidade do pessoal especializado em exercício no CIS também é um problema: além do diretor do presídio, apenas mais três agentes são concursados os quais, dividem a escala de plantão 24 por 72 horas de descanso; os outros 22 agentes são regidos por contrato temporário com prazo de um ano no exercício da função, o que mostra uma grande insegurança em manter o presídio em face dos 313 apenados, contudo, os agentes possuem à sua disposição armamento e itens de proteção em perfeitas condições. De todo modo, precisariam da ajuda de outras forças policiais em caso de uma rebelião em grandes proporções. Ressalta-se ainda sobre o baixo subsídio dos funcionários públicos do CIS — o que também serve para os funcionários da CPP —, com último reajuste em 2017. Os espaços de atendimento de saúde carecem de estruturas físicas, uma vez que, o enfermeiro que atende todos os dias no presídio possui uma sala pequena para o atendimento, o mesmo lugar utilizado pelo médico que atende duas vezes na semana. Os locais de armazenamento de medicamentos e outros utensílios não são guardados em locais adequados, com alto risco de proliferação de doenças e contaminações; a realização de curativos e suturas também não possui local adequado, nem para o próprio conforto e segurança do enfermeiro, quanto do apenado-paciente. A clínica odontológica também tem os mesmos problemas estruturais com falta de materiais novos, sendo toda a estrutura da clínica extremamente decadente e falha. Contudo, os serviços prestados pelos agentes de saúde são satisfatórios de acordo com as condições de trabalho que eles possuem. Ressalta-se ainda que o enfermeiro lotado no CIS também possui contrato temporário de serviço e está lá há quatro meses, sendo o máximo de um ano e, tanto o enfermeiro quanto a odontóloga que trabalham no CIS, não recebem adicional de insalubridade. Desde os últimos quatro meses em que o enfermeiro está atuando no presídio, houve problemas para conseguir medicamentos na rede pública de saúde

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apenas uma vez e ainda estava tentando resolver este problema no momento da pesquisa. Muitos apenados fazem acompanhamento psiquiátrico com prescrição de remédios os quais, devem ser entregues pelo Sistema Único de Saúde (SUS); uma das apenadas entrevistadas possui perturbação mental e escuta vozes e, quando está sem a medicação prescrita pelo psiquiatra, sofre consequências psíquicas e comportamentais e deve ter um acompanhamento maior para evitar que essa falta ocorra. A organização e entrega dos medicamentos aos apenados fica sob a responsabilidade do enfermeiro, fazendo-a diariamente para o devido controle, pois já houve indícios de mal-uso por parte dos apenados e com riscos de ocorrer overdose, principalmente pelo comportamento suicida que apenados apresentam ou então, de venderem os remédios dentro do presídio, o que acarretou a fazer a entrega dos remédios diariamente e exigir um maior rigor. Além disso, o enfermeiro junto ao médico realiza o acompanhamento do uso dos medicamentos psicotrópicos e o encaminhamento para outros tipos de tratamento caso precisem. Ademais, há previsão de entrega de um carrinho de curativos e desfibrilador, além de outros itens para auxílio médico, mas, ainda há a dúvida em como irão alocar todo esse equipamento em um espaço tão limitado. Nas entrevistas, um dos presos precisa realizar cirurgia no joelho e uma já foi feita no outro joelho; não fez fisioterapia, sendo necessário o uso de muletas para andar e com um quadro delicado de mais de um ano nesta condição. Outra apenada relata a existência de nódulo em um dos seios, o que necessitaria de exames específicos. Houve ainda epidemia de sífilis no mês de outubro de 2019, o que foi tratado para que fosse controlado a proliferação, mas, pelo contrário, não há acompanhamento ginecológico regular no CIS, somente quando existe algum tipo de doença e que seja necessário o especialista, o que demonstra ausência de assistência à saúde preventiva, principalmente para as apenadas. No geral, a situação da saúde dos presos é muito vulnerável e exige atenção, uma vez que, nem todos os medicamentos e tratamentos são realizados ou são possíveis de se realizarem. Ademais, as apenadas não estão permanecendo no CIS em Rio Verde e estão sendo enviadas para o cumprimento de pena na Unidade Prisional de Paranaiguara/GO. A assistência material é majoritariamente realizada pelos familiares dos presos ou por instituições religiosas — normalmente, os presos que não possuem

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família, recebem de outros presos os materiais recebidos dos seus familiares — e a única coisa que é cumprida no momento em que o apenado chega no presídio é a entrega de uniformes, distribuídos hoje na atual gestão. Contudo, há burocracia para o requerimento de nova remessa de uniformes ao Estado 44, pois depende de processo administrativo interno e motivação expressa da necessidade dos uniformes, e, ressalta-se ainda que a maioria dos uniformes dos apenados já se encontram em condições precárias. Há espaço para estudo, trabalhos na horta, paletes e tijolos, no entanto, há outros trabalhos como artesanato que foram temporariamente suspensos por deficiência de fiscalização, estrutura e critérios para a devida contagem para fins de remição das penas. Concernente à assistência material, a alimentação dos presos foi terceirizada à um empresa especializada, porém, foi uma queixa unânime dos presos entrevistados que a qualidade da comida não era adequada e, desta forma, criticaram a aplicação do Procedimento Operacional Padrão (POP) no sistema prisional de Goiás por meio da Portaria 376-2019 – Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), que segundo relatos, limitou a entrada de diversos materiais e principalmente, comida pelos visitantes. A assistência jurídica analisada na pesquisa também apresenta algumas falhas sérias, principalmente por parte da ausência de defensor público atuando no município, tendo em vista a manifestação significativa dos defensores na capital e que poderia, sem dúvidas, agregar na atuação dos advogados em geral e dar melhor e rápido seguimento aos processos. O parlatório, local onde há o contato do preso com o advogado, não há privacidade, sendo apenas uma janela pequena de vidro na sala de entrada do prédio administrativo do presídio, local em que sempre há pessoas e agentes transitando e não oferece maiores estruturas. Além disso, muitos apenados alegam não possuir advogado, não o conhecer ou não haver o

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O Centro de Inserção Social de Rio Verde/GO pertence à 6ª Coordenação Regional Prisional da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP): “A gestão prisional em Goiás é realizada pela Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (AGSEP), [...] Secretaria da Segurança Pública e Justiça, criada com a reforma administrativa do Governo Marconi em janeiro de 2011. A AGSEP substituiu a Superintendência do Sistema de Execução Penal (Susepe). A Susepe foi criada em 2007 com a extinção da Secretaria de Estado da Justiça de Goiás, que à época, desde junho de 2006, era a responsável pela execução da política penitenciária no Estado”. Sítio institucional da DGAP, Não Paginado. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2019.

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atendimento técnico efetivo de modo que pudessem compreender a situação do cumprimento de suas penas. A maioria dos processos de execução penal estão sendo assistidos por advogados dativos e que nem sempre possuem contato direto com o preso para o conhecimento dos atos e das perspectivas processuais, o que claramente deixa uma lacuna no apenado em relação à sua pena. Conforme as informações colhidas pelos apenados e pela Promotoria de Execução Penal do município, há muitos apenados com tempo de progressão de regime, livramento condicional e demais benefícios já concluídos e que não foram realizados a devida atualização em seu processo de execução, o que ocasiona a permanência de presos de forma indevida. Todavia, a celeridade processual dos processos em andamento é real e satisfatória, mas a assistência deficitária de advogados resulta por macular a eficácia de alguns processos de execução. Na Casa de Prisão Provisória recém-inaugurada45 foi realizada pesquisa empírica por meio de observação in loco e coleta de dados. A CPP fica a poucos metros do CIS e se encontra em situação estrutural totalmente diferente que o centro de cumprimento de pena, principalmente por ser uma obra recente e bem planejada e apresenta poucos problemas em oito meses de funcionamento. A CPP possui capacidade de 257 vagas, com uma (super)população carcerária de 430 presos provisórios, entre 10 a 16 presos por cela; são 25 agentes ao todo com o diretor, sendo 18 agentes em contrato temporário46, em que se percebe-se mais uma vez a ociosidade do Estado em prover contratos temporários por serem menos

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Construído em parceria pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), Poder Judiciário, Conselho da Comunidade de Rio Verde e Associação Comercial e Industrial de Rio Verde (Acirv), foi inaugurado na manhã desta segunda-feira (25/3) o novo prédio da Casa de Prisão Provisória da comarca. [...] A obra tem área construída de 2.250,21 metros quadrados e foi realizada com recurso oriundo de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo MP-GO, no valor de R$ 4,5 milhões, bem como como recursos do Fundo da Execução Penal do Poder Judiciário e ajuda da sociedade e da prefeitura. Foram entregues 24 celas, com capacidade para 271 vagas. Foi executada respeitando todas as exigências de segurança da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) e foi entregue com sistema de monitoramento composto por 32 câmeras, computadores e mobiliário novos e ar-condicionado nas áreas administrativas. No local funciona uma fábrica de blocos de concreto, totalmente operada por detentos. O prédio foi edificado em aproximadamente 15 meses. O projeto prevê ainda a construção de outras 10 celas, com mais 120 vagas, sendo que 5 das novas celas já tiveram as obras iniciadas, devendo ser concluídas em cinco meses. Terá ainda um regime semiaberto e um distrito industrial destinado à utilização da mão de obra carcerária. Sítio institucional do Ministério Público do Estado de Goiás. Não Paginado, MPGO. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2019. 46 Todas essas informações foram coletadas com a Direção da Casa de Prisão Provisória de Rio Verde.

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onerosos do que o concurso público. O sistema de segurança da casa é engenhoso, com uma cobertura completamente fechada com telas e um agente monitorando toda a extensão da área superior do presídio. Ressalta-se ainda uma excelente estrutura de armamentos e itens de proteção e intervenção física que os agentes possuem. Há previsões de ampliação com mais 120 vagas com ala feminina, além da construção de um distrito industrial para o trabalho de presos em cumprimento de regime semiaberto nos próximos meses, motivos pelos quais o Conselho da Comunidade está atuando ativamente com enfoque nas obras e alega negligência em outras áreas de direitos dos presos por existir o objetivo principal de melhorias e ampliação do sistema prisional do município. Há espaço para atendimento médico o qual possui a mesma sistemática de atendimento — enfermeiro diário e médico duas vezes na semana —, há uma estrutura organizada, moderna e com sala climatizada, da mesma forma que a clínica odontológica mas que não estava em funcionamento pois a casa estava passando por problemas de infiltração e mofo, porém, já havia sido encaminhado para realizar providência para resolver o problema. O espaço para informática é uma inovação, com 04 computadores à disposição dos presos com pedido para mais 04 computadores já realizado, materiais novos, sala limpa e climatizada, mas que também estava com problemas de infiltração. Todavia, já se realizou a formatura da primeira turma neste ano do curso profissionalizante. O parlatório para o contato com o advogado também se mostra extremamente engenhoso e bem projetado: são três salas reservadas com divisória de vidro, respeitando a privacidade e o sigilo entre o advogado e seu cliente. Por fim, estas são as análises atingidas conforme a descrição dos fatos e com a finalidade em que foi estruturada a pesquisa e toda a ideia para completar este trabalho.

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6 CONCLUSÃO

O sistema prisional criou um novo tipo de regime baseado na desordem pública que ainda continua a ser aceita e omitida pelo Estado em relação a violação de direitos dos presos em várias partes do Brasil como relatado em todo o trabalho. Assim, a continuidade da discussão dos problemas carcerários e dos deveres estatais é uma oportunidade de tentar mudar todo um cenário, para alcançar não somente a aplicabilidade da lei e da Constituição mas, de retornar à discussão para a comunidade acadêmica, a fim de diminuir os preconceitos e os estigmas que muitas vezes ocorrem dentro da própria academia, saindo da nossa jaula mental e buscando na prática, além da teoria, o entendimento para a crise e que justificam toda a essência deste trabalho. A importância do tema preocupa-se em demonstrar o Estado como agente garantidor dos direitos fundamentais e sociais dos indivíduos e que dentre essas garantias, a responsabilidade estatal é parte intrínseca da legitimidade do Estado Democrático de Direito, mas, que negligencia em vários âmbitos da vida humana como no sistema prisional brasileiro. Para buscar uma solução efetiva para as crises do cárcere, utilizou-se a tese do Estado de Coisas Inconstitucional para embasar uma atuação do Poder Judiciário de forma direta e impositiva. O Estado, revestido de ausência de interesse e vontade política que aumenta a crise do sistema, por parte também de seus entes competentes, resulta na falta de prédios estruturados e seguros, com o mínimo de adequação higiênica, pessoal técnico e especializado, com plano de carreira e subsídio condizente à função, além da devida estrutura de trabalho, ausência de investimentos para resolver a superlotação e repasses da União pelo FUNPEN, cabe à eles a manutenção e a fiscalização do cumprimento da lei e de todo o arcabouço normativo-constitucional, criados para que a pena de prisão tenha um resultado satisfatório e consiga alcançar a reinserção social do apenado à sociedade. A função da pena, diante do cenário carcerário, perdeu o objetivo de reabilitação social do apenado. Uma vez inserido o indivíduo em estado de calamidade física, psíquica e sem perspectiva de evolução pessoal e social, como se deveria esperar da pena, este se vê submetido à uma pena muito pior do que aquela que deveria ser. Se o sistema não apresenta condições satisfatórias para a

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reinserção social e a reabilitação do indivíduo no seio da sociedade, o que se pode esperar é a continuidade da conduta antissocial, criminalidade e reincidência, que são uma realidade no Brasil. Toda essa crise foi muito bem exposta pela ADPF nº. 347/DF e que trouxe informações precisas e atualizadas do sistema prisional e todas as facetas que o compõem, apresentando de forma objetiva várias ações e omissões do Estado e rogando ao STF uma atitude adequada diante da negligência do Estado e a impossibilidade de alcançar a efetividade da Constituição. Para legitimar esta atuação do STF em face do sistema prisional brasileiro, a ADPF sustentou a tese jurídica do Estado de Coisas Inconstitucional criado pela Corte Constitucional da Colômbia que vivenciava na época os mesmos problemas carcerários e até mesmo mais graves de superlotação, com prédios em estado precário tendo até mesmo que isolar e interditar vários centros, além da inércia estatal em não solucionar a situação. No acórdão proferido na Colômbia, a Corte determinou várias obrigações ao Estado e órgãos competentes para resolver a crise, de modo que a Corte ficou responsável por gerenciar, determinar e fiscalizar as obras e o cumprimento da sentença. Desta forma, o Estado de Coisas Inconstitucional conforme conceito construído pela Sentença T-153 da Corte Constitucional da Colômbia e sustentada pela ADPF nº. 347/DF, é entendido como uma violação massiva e em grande escala de direitos fundamentais constitucionais em detrimento de um grande número de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade e, constatada a negligência contínua e prolongada do Estado sobre a situação, na qual demanda a participação do Estado e de vários entes competentes para que seja resolvida. Além disso, a sentença colombiana demonstra a situação caótica em que o país vive há muitos anos, principalmente relacionada às questões estruturais dos presídios, altas temperaturas e claro, uma acentuada superlotação. O ECI também exige que haja uma probabilidade de obstrução no Poder Judiciário caso todas as pessoas violadas acorrerem em ações de indenização e ressarcimento. Houve o julgamento da medida cautelar da ADPF que deferiu alguns pedidos como a realização de audiência de custódia e apresentação do preso à autoridade competente em 24 horas; exigiu dos juízes a aplicação de medidas diversas da prisão sempre que possível e caso contrário, que seja fundamentada e o descongestionamento das verbas relativas ao FUNPEN pela União.

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Condicionados por esta teoria, buscamos verificar em nosso próprio meio local como se encontra a situação do sistema prisional no município de Rio Verde/GO, realizando uma pesquisa prática de caráter empírico no Centro de Inserção Social e na Casa de Prisão Provisória, com a análise de constatação in loco, observação e entrevistas com três apenados e três apenadas e demais autoridades vinculadas ao sistema. A pesquisa buscou analisar as assistências à saúde, jurídica e material no CIS e a estrutura predial e demais dependências na CPP. Ressalta-se que não ocorreram muitas pesquisas de campo neste mesmo contexto nos últimos anos que se tenha conhecimento, mas, em monografia realizada em 2017 por esta mesma instituição 47, contrastam com duas realidades diretamente envolvidas e que se relacionam conforme os nossos resultados alcançados. Logo, a hipótese primordial do trabalho — e que se apresenta também no problema de pesquisa — é se seria possível o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no CIS e na CPP em Rio Verde e, assim, iremos esmiuçar conforme o referido instituto. Primeiramente, em análise no CIS, a violação massiva de direitos fundamentais é inerente; as celas se encontram superlotadas, o que acarreta em todos os outros problemas como cumprimento da assistência material, sendo que os presos não dispõem de materiais básicos para a sua sobrevivência adequada e conforto básico; a higiene pessoal e higiene estrutural das dependências se afiguram ainda precárias, afora o fato de que há burocracia estatal em fornecer o único material que disponibilizam que é o uniforme, item este que somente há poucos meses foi entregue pelo Estado mas, todos os outros itens materiais não são cumpridos. As deficiências de assistência à saúde resultam na incidência facilitada de proliferação de doenças, principalmente as Doenças Sexualmente Transmissíveis que são os maiores problemas — como foi constatado durante a pesquisa a ocorrência de sífilis em muitos apenados — além de dificuldades para conseguir atendimento médico especializado, tratamento ginecológico para mulheres e indício de problemas com os remédios, além de que alguns remédios não são fornecidos

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RIBEIRO, M. S. Da atenção à mulher gestante na penitenciária de Rio Verde-GO. Monografia (Bacharelado em Direito). – Universidade de Rio Verde, Rio Verde, 2017. 47 fls. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2019.

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pelo SUS. A estrutura empobrecida que os profissionais da saúde trabalham no CIS também são insuficientes, significando um verdadeiro risco a todos que ali se encontram. A assistência jurídica também se mostrou um problema segundo os relatos de muitos presos que não têm conhecimento do andamento de seu processo, tampouco conhecem seu advogado pois a maioria é dativo, entretanto, é fatídica a celeridade que existe no Poder Judiciário atualmente e o empenho da Promotoria em evitar protelações. Contudo, foi a única assistência analisada que não houve pontos drasticamente ruins. Mesmo assim, se conhece o Estado de Coisas Inconstitucional nos demais direitos analisados. A quantidade dos presos hoje também se enquadra no quesito de violação de direitos fundamentais em grande escala, e de que outros presídios brasileiros estão em situação igual ou muito pior, e são caracterizados como população vulnerável. Quando o assunto é sistema prisional, este envolve a responsabilidade de várias instituições e órgãos em todos os níveis — a citar alguns deles Governo do Estado, Secretaria de Segurança Pública, Poder Judiciário, OAB, Promotoria, DGAP, Conselho da Comunidade, União, Ministério da Justiça, DEPEN, além da participação de associações e sociedades civis privadas, entre outros — o que fatalmente, se enquadra nos requisitos do ECI. Entretanto, no caso da CPP, não é possível afirmar a existência de inércia contínua e persistente por parte dos órgãos uma vez que, esta foi idealizada, estruturada e inaugurada sob os esforços da Promotoria, Poder Judiciário e o Conselho da Comunidade de Rio Verde e que, este último, por mais que exista negligência atualmente em certos segmentos, está totalmente voltado para a continuidade das obras e as melhorias estruturais, o que são fundamentais para o avanço do sistema. Contudo, no CIS necessita dessas melhorias estruturais com urgência e não há expectativas para que isso ocorra; neste presídio, encontramos celas insalubres, ratos durante a noite, ausência de muro ao redor do prédio e todos os outros problemas aqui já relatados, desta forma, concluímos que no CIS existe negligência e omissão das autoridades competentes, contínua e prolongada, além de que o presídio foi inaugurado há mais de 15 anos e nunca passou por uma reforma e tem uma realidade completamente diferente da CPP e se enquadra no requisito do ECI.

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Ademais, se analisarmos a probabilidade de ações judiciais em busca de ressarcimento pelos direitos violados, o que é legítimo, por parte de todos os apenados (mais de 300 atualmente no CIS), sem dúvidas, congestionaria o Poder Judiciário local, resultando em consequências ruins diante da celeridade que atualmente existe e também se enquadra no ECI. Há de ser importante ressaltar que o Governo do Estado de Goiás realizou contratações nos dois presídios por meio de contrato temporário a fim de que novos agentes pudessem, pelo menos por algum tempo, suprir as vagas existentes; porém, não é a via adequada, mas, o Estado opta por ser menos oneroso que o concurso público, que seria o ideal. Contudo, como há os contratos temporários e agentes suprindo as vagas pelo menos por hora, pode-se ao menos concluir que o Estado, neste ponto, faz alguma coisa e não se encontra totalmente negligente. Além disso, foi aberto edital de concurso48 para agente penitenciário com o provimento de 500 vagas em todo o Estado de Goiás, inclusive para Rio Verde e muitos agentes temporários dos presídios irão fazê-lo, comprovando que alguma vontade política existe. Desta forma, a pesquisa conclui que é possível o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no Centro de Inserção Social de Rio Verde por todas as problemáticas aqui presenciadas e relatadas, ressaltando que a situação do presídio é precária em todos os segmentos aqui analisados e, principalmente, sob o aspecto estrutural que carece de investimentos e, conforme a atual situação, se torna um risco para a segurança tanto dos presos e agentes, quanto para a segurança pública da sociedade civil. Além disso, há violação dos direitos fundamentais do preso quanto à integridade física e consequentemente psíquica, com ocorrências de doenças e presos precisando de atendimento médico, problematizada pela superlotação e ausência de estrutura. Contudo, na Casa de Prisão Provisória não é possível a existência do Estado de Coisas Inconstitucional pois, apesar da existência de superlotação, o estado das celas se encontram muito organizadas e como já citado, uma realidade completamente diferente do CIS. Existindo uma estrutura que ao entrar, não lembra

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Informações obtidas no sítio do Instituto Americano de Desenvolvimento (IADES). Não Paginado. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2019.

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um presídio pois tamanha é a modernização e organização atualmente. As assistências jurídica e saúde possuem estruturas melhores, apesar de ainda existir falhas na assistência material, mas, de forma geral, os direitos estão assegurados e bem melhores protegidos. Em consonância com o nosso ordenamento jurídico, não há falhas e nem lacunas, pelo contrário, os estudos da ADPF trouxeram um apanhado de disposições normativas da Constituição, LEP e portaria dos conselhos competentes regulando sobre exatamente os aspectos aqui analisados e que julgamos mais importantes. O cumprimento das assistências material, saúde e jurídica são a base primeva para que as crises do sistema prisional possam ser diminuídas, além dos investimentos necessários para a construção de novas obras e a manutenção delas. A efetividade da lei e dos projetos de políticas públicas desenvolvidas pelos conselhos e órgãos carece de realização prática a fim de diminuir as calamidades carcerárias com o cumprimento das assistências e, da mesma forma, buscar medidas para evitar a continuidade do encarceramento em massa, meios diversos da

prisão,

melhorias

para

oportunizar

trabalho

e

estudo

aos

presos,

acompanhamento do egresso, o que demanda estrutura carcerária e ação estatal. Com isso, entendemos que permanecer inerte em relação aos problemas carcerários, tão quanto o Estado o faz e, não permitir que o Poder Judiciário o faça, é ser igualmente negligente e conivente com a própria omissão estatal, principalmente quando há possibilidade de se mudar algo, sem entrarmos no mérito de fuga de competências. Em que momento de fato, iremos vivenciar a aplicabilidade fática não somente da Constituição, mas, de todas as leis correlatas, escritas e reguladas de forma a proteger os direitos dos presos se todas as instituições que de certa forma, possuem a capacidade e liberalidade para fazê-lo, estão submissas à burocracia de seu próprio algoz, o Estado?! Aquele que tem competência, isto é, um conjunto de atribuições aptas e não a exerce, dá azo para que outro o faça, neste caso, o Poder Judiciário toma para si este dever conforme preconiza o Estado de Coisas Inconstitucional e é essa a sua ideia principal, a fim de que possa regular e fiscalizar de forma direta, meios para resolver os problemas do cárcere brasileiro e assim, cumprir a tão esperada função de reinserção social da pena.

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APÊNDICE

1 FORMULÁRIO DE PERGUNTAS

Segue o formulário de perguntas realizados na pesquisa de estudo de caso para os seguintes participantes: Três apenados do sexo masculino e três apenadas do sexo feminino com crimes e tempo de cárcere diferentes e demais autoridades envolvidas no sistema carcerário do Centro de Inserção Social de Rio Verde/GO que foram compromissadas sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando os parâmetros de confidencialidade conforme a Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade de Rio Verde. Sobre a Assistência à Saúde: O objetivo é analisar e demonstrar se há estrutura suficiente para fornecer a assistência à saúde e como se dá este atendimento. Sobre a Assistência Material: O objetivo é analisar a assistência material aos apenados(as) em relação ao uniforme, artigos de higiene pessoal, repouso e alimentação. Sobre a Assistência Jurídica: O objetivo é analisar se o direito de defesa e o acesso à justiça estão sendo cumpridos e como se dá a relação do cliente com o seu advogado. Sobre a Estrutura e Convivência dos Apenados(as): O objetivo desta pesquisa é analisar se já existiu problemáticas em relação à segurança do CIS, evasões e se a estrutura é capaz de suportar a lotação existente, bem como as questões de salubridade e adequação das celas, banheiros e os espaços do estabelecimento prisional.

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1.1 QUESTIONAMENTOS: ● Há tratamento médico no CIS? ● Há

acompanhamento

médico

regular

e

periódico

no

CIS?



acompanhamento ambulatorial regular para o controle de doenças, como DST e afins? ● Há atualmente algum tipo de médico lotado no presídio? ● Quando algum apenado(a) necessita de tratamento médico, quais são as providências a serem tomadas? Quais são as providências para a realização do atendimento médico? ● Há algum tipo de burocracia no atendimento médico, seja por causa de estrutura, de pessoal técnico especializado, agentes ou afins? ● Quando há necessidade de tratamento médico urgente, como é realizado? ● Já aconteceu problemáticas na saúde de algum apenado por ausência de tratamento médico urgente que você tenha ciência? ● Você já presenciou consequências por ausência de tratamento médico urgente? ● Há tratamento psicológico no CIS? ● Há acompanhamento psicológico regular e periódico no CIS? Como funciona o tratamento psicológico no presídio? ● Quais as providências a serem tomadas quando o apenado(a) necessita de acompanhamento? ● Há atualmente psicólogo lotado no presídio? ● Já aconteceu problemáticas na saúde de algum apenado(a) por ausência de tratamento psicológico que você tenha ciência? ● Há médico ginecologista no CIS? ● Há acompanhamento ginecológico regular e periódico no CIS? Como funciona o atendimento ginecológico no CIS? ● Como funciona o acompanhamento no período gestacional da presa? Como funciona o acompanhamento no pós-parto da presa? ● Há atualmente médico ginecologista locado no presídio? ● Já aconteceu problemáticas na saúde de alguma apenada por ausência de tratamento ginecológico que você tenha ciência?

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● Há assistência material no CIS? Como a entrega de uniformes, artigos necessários para higiene pessoal (escova de dente, sabonete, absorvente, etc), repouso, alimentação? ● Há alguma problemática ou burocracia em conseguir os materiais necessários aos presos? ● O que se distribui aos apenados(as) no momento da chegada no CIS? Há a distribuição de algum tipo de material pessoal regular? ● Você tem ciência se há acompanhamento jurídico dos apenados(as)? ● Há estrutura para receber os advogados para o atendimento ao cliente? ● A segurança do presídio é satisfatória? ● Como é a convivência entre os presos? Existem rivalidades entre os presos? Existem conflitos ou até mesmo a existência de facções criminosas que você tenha ciência? Existe separação da cela de acordo com a periculosidade de cada apenado?

AO(A) APENADO(A) ● Você já recebeu tratamento/atendimento médico no CIS ou ocorre apenas quando necessita? ● Como se deu este tratamento/atendimento? Se sim, houve algum tipo de demora no atendimento médico? ● Há acompanhamento ambulatorial regular para o controle de doenças, como DST e afins no CIS? ● Quando há necessidade de tratamento médico urgente, como é realizado? ● Já aconteceu problemáticas ou consequências na sua saúde ou de algum apenado(a) por ausência de tratamento médico que você tenha ciência? E em caso de urgência? ● Você recebe ou já recebeu acompanhamento psicológico regular e periódico no CIS? Se sim, como funciona o tratamento psicológico? ● Já aconteceu problemáticas na sua saúde ou de algum apenado(a) por ausência de tratamento psicológico que você tenha ciência? ● Você recebeu assistência material no CIS? O que você recebeu? (Uniformes, artigos necessários para higiene pessoal, escova de dente, sabonete, absorvente, repouso, alimentação). ● Você possui advogado/defensor?

60

● Há contato contínuo e facilitado com defensor/advogado? ● Você tem conhecimento do andamento da execução de sua pena? ● Como é a convivência entre os presos? ● Existem rivalidades entre os presos? ● Existem conflitos ou até mesmo a existência de facções criminosas que você tenha ciência? ● Existe separação da cela de acordo com a periculosidade de cada apenado?

À APENADA ● Você recebe ou já recebeu acompanhamento ginecológico regular e periódico no CIS? Como funciona o atendimento ginecológico no CIS? ● Você já ficou grávida no CIS? Se sim, você recebeu o acompanhamento no período gestacional e no pós-parto? ● Já aconteceu problemáticas na sua saúde ou de alguma apenada por ausência de tratamento ginecológico que você tenha ciência?
TCC - LINA MARTINS REZENDE (DIREITO UNIRV)

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