1 - O Caçador

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SINOPSE: Quando Jenny compra um jogo para o namorado, Tom, ela se vê inexplicavelmente atraída pelo cara atrás do balcão. Há algo misteriosamente atraente nos olhos claros de Julian e nos cabelos loiros descoloridos. E quando ele coloca o jogo em suas mãos, ela sabe que a conexão deles é algo mais profundo.

Mas quando Jenny e seus seis amigos começam a jogar o jogo na festa de aniversário de Tom, uma noite de amigos e diversão rapidamente se transforma em uma noite de terror e amor obsessivo. Porque o jogo não é apenas um jogo - é a nova realidade dos sete amigos, onde Julian reina como o Príncipe das Sombras. Um por um, os amigos devem enfrentar suas fobias para ganhar o jogo. Perder o jogo é perder a vida. E isso é só o começo...

"Se ele vencer, ela será sua para sempre."

Para Peter, que tem os dois pés firmemente no chão — obrigada aos céus!

CAPÍTULO 01 Jenny olhou por cima do ombro. Eles ainda estavam atrás dela, do outro lado da rua, mas defini vamente seguindo-a. Combinaram o ritmo com o dela; quando ela diminuiu a velocidade para fingir olhar na vitrine de uma loja, eles diminuíram também. Eram dois homens, um ves do com uma camiseta preta e jaqueta de couro, com uma bandana preta na cabeça; e o outro com uma camisa comprida de xadrez preta e azul, desabotoada e suja. Ambos pareciam problemas. A loja de jogos estava a alguns quarteirões à frente. Jenny acelerou um pouco o passo. Este não era o melhor bairro da cidade e ela viera aqui especificamente porque não queria que nenhum de seus amigos a visse. Não nha percebido, no entanto, que a Eastman Avenue tornara-se perigosa. Após os úl mos tumultos, a polícia interviu, mas muitas das lojas vandalizadas ainda nham janelas com tábuas, o que dava a Jenny uma sensação assustadora entre as omoplatas. Eram como olhos enfaixados voltados para ela. Nem todo lugar é para se estar ao entardecer... Mas ainda não está entardecendo, Jenny disse a si mesma ferozmente. Se ao menos esses dois caras se mudassem para outra rua. Seu coração estava batendo desagradavelmente. Talvez eles vessem ido embora... Ela diminuiu a velocidade novamente, tentando com que os pés no tênis Triton não fizessem barulho na calçada suja. Por trás e à esquerda, ouviu o ruído de tênis de corrida e botas de motoqueiro. Os passos diminuíram. Eles ainda estavam lá. Não olhe para trás, ela disse a si mesma. Pense. Você precisa atravessar a Joshua Street para chegar à loja - mas isso significa atravessar a esquerda,

para o lado da rua. Má ideia, Jenny. Enquanto você es ver atravessando, eles podem alcançá-la. Tudo bem, então, ela cortaria caminho antes disso e iria para a próxima rua ali acima - qual era mesmo? Montevidéu. Ela iria direto para Montevidéu e encontraria uma loja para se esconder, um lugar para se esconder até que os dois homens passassem. A Tower Records, na esquina da Eastman e Montevidéu, não estava mais ali. Que pena. De costas retas, teimosamente fingindo que estava perfeitamente calma, Jenny passou pelas janelas escuras. Teve um vislumbre de si mesma em uma delas: uma garota esbelta com cabelos que Michael havia dito uma vez ser da cor do mel à luz do sol. Suas sobrancelhas eram retas, como duas pinceladas decisivas, e seus olhos verde-floresta eram escuros como agulhas de pinheiro e ainda mais sérios que o normal. Ela parecia preocupada. Jenny virou à direita na rua transversal. Assim que saiu da Eastman Avenue, ficou parada como um cervo, a mochila balançando da mão, os olhos procurando desesperadamente Montevidéu em busca de abrigo. Bem em frente à ela havia um terreno baldio e, ao lado, um restaurante tailandês fechado. Atrás dela, a maior parte da loja de discos apresentava uma parede em branco para a rua até o parque. Nada. Nenhum lugar para esconder. O pescoço de Jenny formigou e dedos começaram a formigar. Ela se virou para Eastman e abraçou a parede, jogando os cabelos para trás para ouvir. Foram isso passos ou apenas as pancadas doen as de seu próprio coração? Ela desejou que Tom es vesse com ela. Mas é claro que esse era o ponto. Tom não podia estar com ela, já que era algo para sua festa que ela estava comprando. Era para ter sido uma na piscina. Jenny Thornton era conhecida por suas festas na piscina, e ali, no sul da Califórnia, no final de abril, era um tempo perfeitamente ó ma para uma. A temperatura pairava frequentemente em meados dos anos setenta à noite, e a piscina dos Thornton brilhava como

uma enorme jóia verde-azulada no quintal, emi ndo pequenos fiapos de vapor de sua super cie. O cenário perfeito para um churrasco ao ar livre. Então, três dias atrás, a onda de frio chegou... e os planos de Jenny foram arruinados. Ninguém, exceto os ursos polares, nadava nesse po de clima. Ela pretendia repensar as coisas, ter outra ideia brilhante, mas nha sido uma semana daquelas. O schnauzer de quatorze anos de Summer finalmente teve que ser sacrificado, e ela precisava de Jenny para apoio moral. Dee fez um teste de kung fu e Jenny fora torcer por ela. Audrey e Michael veram uma briga, e Zach gripou... E então de repente já era sexta-feira à tarde, apenas algumas horas antes da festa e todos esperando algo especial e original. Felizmente, uma ideia veio à ela no meio da aula de Aplica vos para Computador. Um jogo. As pessoas davam festas de mistério sobre assassinato, festas de Pic onary e coisas assim. Por que não um jogo hoje à noite? Mas teria que ser um muito especial, é claro. Algo chique o suficiente para Audrey, sexy o suficiente para Tom e até assustador, se possível, para manter o interesse de Dee. Algo que sete pessoas poderiam jogar de uma só vez. Noções vagas passaram pela cabeça de Jenny dos únicos jogos realmente emocionantes que já brincara quando criança. Não os que os adultos arranjaram, mas o po que você inventava por conta própria quando saía de casa em segurança. Verdade ou desafio e O Jogo da Garrafa. Alguma combinação desses dois mas mais sofis cados, é claro; mais adequado para alunos do ensino médio. Foi isso o que a levou à Eastman Avenue. Ela sabia muito bem que não era o melhor bairro, mas imaginara que pelo menos nenhum de seus amigos a veria e descobriria essa disputa de úl ma hora por entretenimento. Jenny havia entrado nessa confusão; ela se livraria dela. Só que agora a bagunça estava ficando maior do que ela esperava. Ela defini vamente podia ouvir passos agora. Eles pareciam muito próximos e estavam se aproximando rapidamente.

Jenny olhou novamente para Montevidéu, sua mente observando detalhes irrelevantes com precisão obsessiva. A parede da loja de discos não estava realmente em branco, no final das contas. Havia um mural, uma pintura de uma rua que parecia muito com a Eastman Avenue antes dos tumultos. Partes estranhas dele pareciam reais. Como a vitrine pintada no meio, aquela com a placa que Jenny não conseguia entender. Tinha uma porta que parecia real: a maçaneta parecia tridimensional. De fato... Assustada, Jenny deu um passo em direção a ela. A maçaneta parecia mudar de forma enquanto ela se movia, como qualquer objeto tridimensional. Ela olhou mais de perto e descobriu que podia ver a diferença de textura entre a porta de madeira e a parede de concreto pintada. A porta era real. Não poderia ser, mas era. Havia uma porta presa no meio da pintura. Como Jenny não sabia. Mas não havia tempo para pensar nisso. Ela precisava sair da rua, e se essa porta es vesse destrancada... Impulsivamente, ela pegou a maçaneta. Era lisa como porcelana e virou na mão dela. A porta se abriu para dentro. Jenny viu uma sala mal iluminada. Um instante de hesitação depois, então ela entrou. Assim que o fez, conscientemente percebeu a placa acima da porta. Dizia: More Games. E ali estava uma trava por dentro da maçaneta, a qual Jenny pressionou. Não havia janelas com vista para Montevidéu, então ela não podia ver se os dois caras a haviam seguido. Ainda assim, teve uma tremenda sensação de alívio. Ninguém a encontraria ali. Então, ela pensou, mais jogos? Ela costumava ver cartazes com "Mais livros" nas livrarias gastas e ar s cas por ali, com uma seta apontando para uma escada estreita que dava acesso à outro andar. Mas como poderia haver mais jogos quando ainda não havia jogos?

O fato de entrar logo em uma loja de jogos era estranho, mas muito conveniente. Podia fazer suas compras enquanto esperava os caras durões irem embora. O dono provavelmente ficaria feliz em tê-la; com aquele mural camuflado na porta, talvez não vendesse muita coisa. Ao olhar em volta, viu o quão estranha a loja realmente era. Mais estranha do que as lojas estranhas de sempre na Eastman Avenue. A sala estava iluminada por uma pequena janela e várias luminárias an quadas com persianas de vidro colorido. Havia prateleiras, mesas e mais prateleiras como em qualquer loja, mas os objetos nelas eram tão exó cos que Jenny sen u como se vesse entrado em outro mundo. Eram todos jogos? Não poderiam ser. A mente de Jenny se encheu de repente com imagens selvagens de As Mil e Uma Noites, imagens de bazares estrangeiros aonde qualquer coisa qualquer coisa - poderia ser vendida. Ela olhou para as prateleiras com espanto. Deus, que tabuleiro de xadrez estranho. Triangular. Como alguém poderia realmente jogar em um tabuleiro assim? E havia outro, com peças de xadrez estranhas e entalhadas, esculpidas em cristal de rocha. Parecia mais do que an go... parecia ancestral. Assim como uma caixa de metal coberta com arabescos e inscrições. Era de latão ou talvez bronze, decorada com ouro e prata e escrita árabe. O que quer que es vesse naquela caixa, Jenny sabia que não podia pagar. Alguns dos jogos que ela conseguiu iden ficar, como a mesa de mogno mah-jongg com azulejos de marfim derramados descuidadamente no topo de feltro verde. Outros, como uma caixa esmaltada estreita repleta de hieróglifos e uma outra vermelha gravada com uma estrela de David dourada em círculo, Jenny nunca nha visto antes. Havia dados de todos os tamanhos e descrições: alguns de doze lados, outros em forma de pirâmides e alguns cúbicos comuns feitos de materiais estranhos. Havia baralhos de cartas fantas camente coloridos como se fossem manuscritos iluminados.

O mais estranho de tudo é que as estranhas coisas an gas eram misturadas com estranhas coisas ultramodernas. Um quadro de avisos de cor ça na parede traseira exibia letreiros com a inscrição: "Chama". "Grito". "Delírio." "Ande nas bordas." "Diversão baratas". Cyberpunk, Jenny pensou, reconhecendo vagamente os termos. Talvez eles vendam jogos de computador aqui também. De uma caixa de som no balcão, vinha uma ácida música ambiente de 120 ba das por minuto. Este, pensou Jenny, é um lugar muito peculiar. Parecia tão isolado de tudo lá fora. Como se o tempo não exis sse aqui ou corresse de maneira diferente. Até a luz solar empoeirada que se inclinava naquela janela parecia errada. Jenny poderia jurar que deveria vir de outra direção. Um calafrio a atravessou. Você está confusa, disse a si mesma. Desorientada. E não é de admirar, depois do dia que teve; depois da semana que teve. Apenas se concentre em encontrar um jogo, se houver algo aqui que você possa realmente jogar. Havia outro sinal na placa, uma espécie de quadrado: BEMV INDAA OMEUM UNDO Jenny inclinou a cabeça, lendo-a. O que as letras diziam? Ah, claro, ela entendeu agora. Bem-vinda... — Posso ajudá-la? A voz falou logo atrás dela. Jenny se virou e perdeu o fôlego. Olhos. Olhos azuis. Exceto que eles não eram apenas azuis, eram uma sombra que Jenny não conseguia descrever. O único lugar que ela viu um azul assim foi uma vez quando ela acordou no preciso instante do amanhecer. Então, entre as cor nas da janela, ela vislumbrou uma cor

inacreditável e luminosa, que durou apenas um segundo antes de desaparecer no azul comum do céu. Nenhum garoto nha olhos tão azuis quanto aquele, muito menos cercados por cílios tão grossos pareciam pesar nas pálpebras. Esse garoto nha a coloração mais surpreendente que ela já vira. Seus cílios eram pretos, mas o cabelo era muito branco, da cor da geada ou da névoa. Ele era... bem, bonito. Mas da maneira mais exó ca e estranha que se possa imaginar, como se vesse acabado de sair de outro mundo. A reação de Jenny foi instantânea, total e absolutamente aterrorizante. Ela esqueceu a existência de Tom. Eu não sabia que pessoas poderiam ser assim. Pessoas reais, quero dizer. Talvez ele não seja real. Deus, tenho que parar de encarar... Mas ela não conseguia. Não pôde evitar. Aqueles olhos eram como o azul no centro de uma chama. Não como um lago de milha de profundidade situado em uma geleira. Não... O cara se virou e foi ao balcão. A caixa de som foi desligada. O silêncio rugiu nos ouvidos de Jenny. — Posso ajudar? — ele repe u, educada e indiferentemente. O calor subiu para as bochechas de Jenny. Ai meu Deus, o que ele deve pensar de mim. No momento em que aqueles olhos se afastaram dela, ela saiu de si, e agora que ele estava mais longe, ela podia olhá-lo obje vamente. Não era algo de outro mundo. Era apenas um sujeito da sua idade: magro, elegante e com um ar inconfundível de perigo. Seus cabelos eram lourospla nados, presos nas laterais, compridos nas costas e tão longos na testa que caíam em seus olhos. Ele estava todo ves do de preto, numa estranha combinação de cyberpunk e poeta birônico. E ainda con nua lindo, Jenny pensou, mas quem se importa? Honestamente, parece que você nunca viu um garoto antes. E logo no aniversário de Tom, um flash de vergonha a atravessou. Era melhor ela começar a fazer compras ou sair dali. As duas alterna vas pareciam

igualmente atraentes, exceto que os caras durões ainda poderiam estar do lado de fora. — Eu quero comprar um jogo — disse ela em voz alta. — Para uma festa, para o meu namorado. Ele nem sequer piscou com a palavra namorado; de fato, parecia mais lacônico do que nunca. — Fique à vontade — disse ele. Então, pareceu despertar para fazer uma venda. — Alguma coisa em par cular? — Bem... — E o Senet, o jogo egípcio dos mortos? — ele disse, acenando para a caixa esmaltada com os hieróglifos. — Ou o I-ching? Ou talvez você queira desenhar runas. — Ele pegou uma xícara de couro e a sacudiu suges vamente. Houve um som de ossos chocalhando. — Não, nada disso. — Jenny estava se sen ndo ni damente nervosa. Ela não podia colocar o dedo nela, mas algo sobre esse cara enviou sussurros de alarme através de seu sangue. Talvez es vesse na hora de par r. — Bem, sempre há o jogo Tibetano an go de cabras e gres. — Ele ges culou para uma placa de bronze esculpida com pequenas figuras. — Os gres ferozes perseguem as cabrinhas inocentes e as cabrinhas inocentes tentam fugir dos gres. Para dois jogadores. — Eu não... — Ele estava rando sarro dela? O meio sorriso lábios dele fez Jenny pensar que sim. Com dignidade, ela disse: — Eu estava procurando... um jogo que muitas pessoas possam jogar ao mesmo tempo. Como Pic onary ou Outburst. — acrescentou ela em tom desafiador. — Mas já que você parece não ter nada parecido na loja... — Entendo — disse ele. — Esse po de jogo. — De repente, olhando-a de lado, sorriu. O sorriso enervou Jenny mais do que qualquer coisa ainda.

Defini vamente hora de ir, ela pensou. Não se importava se os caras durões ainda estavam lá fora. — Obrigada — disse ela com polidez automá ca e virou-se para a porta. — Mistério. — ele con nuou. Sua voz capturou Jenny no meio do caminho. Ela hesitou da própria decisão. O que diabos ele quer dizer? — Perigo. Sedução. Medo. Jenny voltou-se para encará-lo, encarando-o. Havia algo quase hipno zante em sua voz - estava cheia de música elementar, como água correndo sobre rochas. — Segredos desvendados. Desejos revelados. — Ele sorriu para ela e pronunciou a úl ma palavra dis ntamente: — Tentação. — Do que você está falando? — ela disse, preparada para bater nele ou correr se ele desse um passo em sua direção. Ele não o fez. Seus olhos eram tão inocentemente azuis quanto fiordes nórdicos. — Do jogo, é claro. É isso que você quer, não é? Algo... muito especial. Algo muito especial. Exatamente o que ela mesma pensava. — Acho — ela disse lentamente. — que seria melhor eu... — Temos algo assim em estoque — Ele desapareceu por uma porta na sala dos fundos. Você pode simplesmente sair daqui. E ela estava indo, estava prestes a sair, quando ele apareceu novamente. — Eu acho que é isso que você está procurando. Jenny olhou para o que ele estava segurando e depois para seu rosto. — Você deve estar brincando — disse ela. A caixa era do tamanho e formato de um jogo de monopólio. Era branco e brilhante e não havia uma única palavra, linha ou figura impressa.

Uma caixa branca em branco. Jenny esperou o final da piada. Havia algo sobre àquilo, no entanto. Quanto mais ela olhava para aquela caixa, mais se sen a... — Eu posso ver? — perguntou. Tocar, foi o que quis dizer. Por alguma razão, queria sen r o peso dela nas mãos, a ni dez dos cantos nas palmas das mãos. Era bobo, mas ela queria. Realmente queria. O cara se inclinou para trás, inclinando a caixa entre as próprias mãos, olhando para o topo brilhante. Jenny percebeu que não havia uma única impressão digital no acabamento brilhante, nem mesmo uma mancha. Também notou que os dedos dele eram longos e finos. E que ele nha uma cobra tatuada no pulso direito. — Bem... — ele disse. — Eu não sei. Pensando bem, não tenho certeza se posso vender para você depois de tudo. — Por que não? — Porque é realmente especial. Não é algo mundano. Não posso deixar isso para qualquer pessoa, ou por qualquer mo vo. Ora, ele é um provocador, pensou Jenny. Sem o mínimo de medo, perturbação ou qualquer outra coisa que sen ra desde que entrara na loja, Jenny começou a se diver r também. Descontroladamente, inexplicavelmente se diver ndo. Talvez se eu parecesse com ele, fosse tão linda, seria uma provocadora também, pensou. Ela disse seriamente: — É para uma festa hoje à noite, para o meu namorado, Tom. Ele faz dezessete hoje. Amanhã à noite teremos a grande festa, você sabe, com todo mundo convidado, mas hoje à noite é apenas para nossos amigos. Nosso grupo. Ele inclinou a cabeça para um lado. A luz brilhou no brinco que ele usava uma adaga ou uma cobra, Jenny não sabia dizer qual. — E?

— E preciso de algo para fazermos. Não dá pra simplesmente colocar sete pessoas em uma sala, jogar Doritos neles e esperar que se divirtam. Eu estraguei as coisas por não me organizar até agora, sem comida de verdade, sem decorações. E Tom... O cara inclinou a caixa novamente. Jenny viu sua super cie ficar leitosa, depois brilhante, depois leitosa novamente. Era quase hipnó co. — E Tom vai se importar? — ele disse, como se não acreditasse. Jenny sen u-se na defensiva. — Não sei, ele pode ficar decepcionado. Ele merece o melhor. — acrescentou ela rapidamente. — Ele é... — Ah, como explicar Tom Locke? — Ele é... bem, ele é incrivelmente bonito e até o final deste ano terá bolsa de estudos em três esportes... — Já entendi. — ele a interrompeu. — Não, você não entendeu — Jenny disse, arrepiada. — Tem mais. Tom é maravilhoso. É tão maravilhoso que às vezes é preciso correr para acompanhá-lo. E ficaremos juntos para sempre, e eu o amo, desde a segunda série. Entendeu? — A raiva deu coragem e ela avançou um passo em direção ao cara. — Ele é absolutamente o melhor namorado do mundo, e quem disser que não...

CAPÍTULO 02 Ela parou. O garoto estava segurando a caixa para ela. Jenny hesitou, perplexa. — Você pode pegá-la se quiser — disse ele gen lmente. — Tudo bem — Jenny disse, envergonhada, sua veemência desaparecendo. Ela pegou cuidadosamente a caixa brilhante entre as palmas das mãos e esqueceu tudo o resto. Era legal e pesado o suficiente para ser intrigante. Algo dentro sacudiu um pouco, misteriosamente. Havia uma qualidade que Jenny não conseguia descrever, uma espécie de corrente elétrica que corria pelos dedos enquanto a segurava. — Estamos fechando — disse o garoto rapidamente, com outra de suas mudanças de humor arbitrárias. — Você vai comprar? Ela ia. Sabia perfeitamente que só alguém louco o suficiente compraria uma caixa sem olhar o que nha dentro, mas ela não se importava. Ela queria e sen a uma estranha relutância em rar a tampa e espiar. Não importava o que, seria uma ó ma história para contar a Tom e aos outros hoje à noite. A coisa mais louca aconteceu comigo hoje... — Quanto? — ela perguntou. Ele foi ao balcão e apertou uma tecla em uma caixa registradora de latão com aparência an ga. — São vinte dólares. Jenny pagou. Ela notou que a gaveta do caixa estava cheia de dinheiro de aparência estranha, todos misturados: moedas quadradas, moedas com furos no centro, notas amassadas em tons pastel. A injus ça disso cortou um pouco seu prazer na caixa, e ela sen u outro calafrio, como aranhas andando na pele arrepiada. Quando ela olhou para cima, o garoto estava sorrindo para ela.

— Divirta-se — disse ele, e então seus cílios pesados caíram como se fossem uma piada par cular. De algum lugar, um relógio tocou a pequena música inacabada que significava meia hora e meia. Jenny olhou para o relógio e ficou tensa de horror. Sete e meia, não podia ser! Não havia como ela estar nesta loja por mais de uma hora, mas era verdade. — Obrigada; eu tenho que ir — ela ofegou distraidamente, indo para a porta. — Vejo você depois. Era apenas uma cortesia, não para ser respondida, mas ele respondeu. Ele murmurou o que parecia "às nove", mas sem dúvida era "tudo bem" ou algo assim. Quando ela olhou para trás, ele estava parado na sombra, com o vitral de uma lâmpada jogando listras azuis e roxas em seus cabelos. Por apenas um segundo, ela captou algo em seus olhos - um olhar faminto. Um olhar completamente em desacordo com a maneira indiferente que ele usava enquanto falava com ela. Como um gre faminto prestes a caçar. Chocou tanto Jenny que seu "adeus" congelou na garganta. Então se foi. O garoto de preto estendeu a mão e ligou a música ambiente ácida. Terrível isolamento acús co, Jenny pensou quando a porta se fechou atrás dela e a música foi cortada. Ela se sacudiu mentalmente, jogando fora a imagem persistente daqueles olhos azuis. Agora, se ela corresse todo o caminho de casa, talvez vesse tempo de jogar um pouco de Cheez Whizz no microondas e enfiar um punhado de CDs no aparelho. Oh Deus, que dia! Foi quando ela notou os caras durões. Eles estavam esperando por ela do outro lado da rua, escondidos nas sombras cinza-azuladas do crepúsculo. Jenny os viu chegando e sen u uma sacudida no estômago. Rápida e automa camente ela deu um passo para trás, alcançando atrás dela a maçaneta da porta. Onde estava? E por que

ela era tão estúpida hoje? Deveria ter perguntado ao sujeito de preto se poderia usar o telefone; ela deveria ter chamado Tom - ou Dee - onde estava a maçaneta? Eles estavam perto o suficiente para que ela pudesse ver que o da camisa de flanela nha uma pele ruim. Aquele com a bandana estava sorrindo de uma maneira muito assustadora. Ambos estavam vindo em sua direção e onde estava a maçaneta da porta? Tudo o que ela podia sen r atrás dela era frio, concreto pintado. Onde está, onde está... Jogue a caixa neles, ela pensou, subitamente calma e clara. Jogue e corra. Talvez eles parem para inves gá-la. Sua mente, totalmente prá ca, ordenou que sua mão parasse de procurar uma maçaneta que não estava lá. Perda de tempo. Com as duas mãos, Jenny levantou a caixa branca para jogá-la. Não nha certeza exatamente do que aconteceu a seguir. Os dois caras a encararam e então se viraram e começaram a correr. Corrida. O de flanela estava à frente, e o de bandana bem atrás dele, e eles corriam como cervos, com uma graça animal e economia de movimento. Rápido. E Jenny não nha jogado a caixa antes disso. Meus dedos... não joguei a caixa porque não podia deixar de ir porque meus dedos... Cale a boca, sua mente disse a ela. Se você é burra o suficiente para se importar mais com uma caixa do que com sua própria vida, tudo bem, mas pelo menos não precisamos insis r no assunto. Andando rapidamente, com os braços suados segurando a caixa no peito, ela foi para casa. Ela não se virou para ver como nha perdido a maçaneta da porta com todo o seu atrito nas costas. Na época, ela simplesmente esqueceu.

Eram dez para as oito quando Jenny finalmente se aproximou de sua rua. As salas iluminadas nas casas pelas quais ela passava pareciam aconchegantes. Ela estava no escuro frio. Em algum lugar a caminho de casa, ela começou a ter receios sobre o jogo. Sua mãe sempre dizia que era muito impulsiva. Agora ela nha comprado isso, sem nem mesmo saber exatamente o que havia dentro. No momento em que ela pensava, a caixa parecia vibrar levemente em seus braços, como se es vesse carregada de poder oculto. Não seja boba. É uma caixa. Mas aqueles caras correram, algo sussurrou no fundo de sua mente. Aqueles caras estavam assustados. Assim que ela chegasse em casa, ela iria conferir este jogo. Examine-o completamente. Um vento brotou e movia as árvores na rua Mariposa. Jenny morava em uma casa enorme em es lo de fazenda, situada entre aquelas árvores. Quando ela se aproximou, algo fur vamente fur vamente junto à porta da frente. Uma sombra pequena. Jenny sen u um formigamento na nuca. Então a sombra se moveu sob a luz da varanda e se transformou no gato mais feio da América. Seu pêlo estava manchado de cinza e creme (como uma caixa de sarna, disse Michael), e seu olho esquerdo nha um olhar permanente. Jenny havia pegado-o um ano atrás e ele ainda era selvagem. — Ei, Cose e — disse Jenny, disparando para a frente e acariciando o gato enquanto o alívio a varria. Estou realmente ficando nervosa, pensou ela, assustada com cada pequena sombra. Cose e colocou as orelhas para trás e rosnou como a garota possuída em O Exorcista. Ela não mordeu, no entanto. Os animais nunca morderam Jenny. Uma vez no corredor da frente, Jenny cheirou desconfiada. Óleo de gergelim? Seus pais deveriam estar saindo para o fim de semana. Se eles

mudassem de ideia... Alarmada, ela largou a mochila - e a caixa branca - na mesa da sala de estar enquanto galopava para a cozinha. — Finalmente! Estávamos começando a pensar que você não viria. Jenny ficou olhando. A garota que falara usava uma jaqueta surrada do exército e estava sentada no balcão, uma perna incrivelmente longa apoiada na mesa de cozinha de madeira de louro da mãe de Jenny, a outra pendurada. Seus cabelos estavam tão presos à cabeça, parecendo pequenas mechas de veludo preto no crânio. Ela era tão bonita quanto uma sacerdo sa africana e estava sorrindo maliciosamente. — Dee... — Jenny começou. A outra habitante da cozinha usava uma jaqueta de xadrez preta e branca e brincos Chanel. Ao seu redor, havia um mar de utensílios e ingredientes: cutelos e conchas de metal, ovos, uma lata de brotos de bambu, uma garrafa de vinho de arroz. Uma frigideira estava chiando no fogão. — ...e Audrey! — Jenny disse. — O que vocês estão fazendo aqui? — Salvando sua vida. — Mas você está cozinhando! — É claro. Por que eu não deveria cozinhar? Quando papai foi designado para Hong Kong, nhamos um chef que fazia parte da família; ele costumava conversar cantonês comigo enquanto papai trabalhava e mamãe estava no salão de beleza. Eu o amava. Naturalmente, posso cozinhar. Enquanto esse discurso prosseguia, Jenny olhava de uma garota para a outra. Quando acabou, caiu na gargalhada, balançando a cabeça. Claro. Ela deveria saber que não poderia enganar essas duas. Elas devem ter visto isso sob sua fachada de autoconfiança sobre a festa em que ela estava frené ca. Elas a conheciam muito bem - e vieram para resgatá-la. Impulsivamente, Jenny abraçou cada uma delas.

— Como Tom adora comida chinesa, decidi cuidar da comida. — con nuou Audrey, colocando algo parecido com bolinho de massa na panela. — Mas onde você esteve, hein? Está com algum po de problema? — Ah, não — disse Jenny. Se ela explicasse o que havia acontecido, seria apenas repreendida por ir em um bairro perigoso. Não por Dee, é claro - a imprudência de Deirdre Eliade era acompanhada apenas por seu senso de humor um tanto distorcido - mas pela sempre prá ca Audrey Myers. — Eu estava comprando um jogo para hoje à noite, mas não sei se vamos precisar, afinal. — Por que não? — Bem... — Jenny também não queria explicar isso. Ela não sabia como explicar. Só sabia que precisava olhar para a caixa antes que alguém mais chegasse. — Pode ser chato. Então, o que você está fazendo? — Ela olhou para a panela para mudar de assunto. — Oh, apenas alguns Mu shu rou e alguns Heijiao niu liu. — Audrey estava andando pela cozinha com sua graça habitual, suas roupas feitas sob medida, sem serem danificadas por um único ponto de graxa. — Isso é carne de porco frita e rolinhos primavera para vocês, provinciais. Também arroz frito e guarnições. — Carne de porco — disse Dee, tomando um gole da Carbo Force, sua bebida energé ca favorita — é a morte sobre rodas. Você precisa ir na academia por uma semana para perder uma costeleta de porco. — Tom adora. Dee deu uma risada enlouquecedora e a hos lidade atravessou a sala como um raio. Jenny suspirou. — Ah, supere isso. Você não pode dar uma trégua por apenas um dia no ano?

— Acho que não — murmurou Audrey, habilmente pescando um rolinho primavera na panela com pauzinhos. Os dentes de Dee brilharam brancos em seu rosto escuro da noite. — E arruinar um disco perfeito? — ela disse. — Olha, não vou arruinar a festa de Tom, nem mesmo pelas minhas duas melhores amigas. Entenderam? — Ah, vá para o seu quarto e fique linda — disse Audrey com indulgência e pegou um cutelo. A caixa, pensou Jenny - mas ela precisava trocar de roupa. É melhor fazer isso logo. No quarto, Jenny trocou seu suéter e jeans de gola alta por uma saia esvoaçante de cor creme, uma blusa de linho e um colete de ba k com brilhantes que brilhavam com centenas de minúsculos fios dourados. Seus olhos foram atraídos para um coelho branco de pelúcia na cômoda. O coelho estava segurando uma margarida com as palavras amor que você estampava em seu centro. Um presente de Páscoa de Tom, uma coisa ridícula, mas ela sabia que guardaria para sempre. O fato de ele não dizer as palavras em público apenas tornou essa confissão secreta ainda mais doce. Desde que conseguia se lembrar, ela era terrivelmente apaixonada por Tom. Sempre que pensava nele, era como uma dor súbita e rápida, uma doçura quase demais para suportar. Ela sen u isso em vários lugares do corpo, mas era uma coisa emocional, principalmente, e centralizada no peito. Tinha sido assim desde a segunda série. Em volta da moldura do espelho, havia fotos deles juntos - no Halloween Hop da sexta série (fantasiado), no baile de formatura da nona série, no baile de formatura duas semanas atrás, na praia. Eles eram um casal há tanto tempo que todo mundo pensava neles como Tom e Jenny, uma única pessoa. Como sempre, a própria imagem de Tom parecia envolver um cobertor fino de conforto sobre ela. Desta vez, porém, Jenny sen u algo incomodando-a por baixo do conforto. Algo a puxando para pensar sobre isso.

A caixa novamente. Ok, vá dar uma olhada. Então pense na festa. Ela estava passando uma escova pelos cabelos quando houve uma ba da superficial na porta e Audrey entrou. — Os rolinhos de primavera estão terminados e o refogado tem que esperar até o úl mo minuto. — O cabelo de Audrey era castanho brilhante, quase cobre. Seus olhos eram castanhos e agora se estreitaram em desaprovação. — Nova saia, entendi — acrescentou. — Longa. Jenny estremeceu. Tom gostava dela em saias longas, especialmente do po macio e fluido. Audrey sabia disso e Jenny sabia que ela sabia. — E? — ela disse perigosamente. Audrey suspirou. — Você não consegue ver? Está deixando ele comandar você. — Audrey, por favor... — Existe algo que é bom demais — disse Audrey com firmeza. — Ouça-me, porque eu sei. Os caras são esquisitos, n'est-ce pas? Você nunca deve querer que alguém tenha tanto domínio sobre você. — Não seja ridícula — Jenny começou, depois parou. Por alguma razão, por apenas um segundo, ela pensou no cara da loja de jogos. Olhos azuis como o núcleo de uma chama. — Estou falando sério — disse Audrey, a cabeça inclinada para trás para olhar Jenny através dos cílios pon agudos, pretos como jato, que tocavam franjas de cobre igualmente espetadas. — Se um cara se sente muito seguro, você perde a atenção dele, ele supera você. Começa a olhar para outras garotas. Você deve mantê-lo desequilibrado, sem saber o que fará a seguir. — Como você faz com Michael — Jenny disse distraidamente.

— Ah, Michael. — Audrey fez um gesto desdenhoso com unhas polidamente requintadas. — Ele está apenas mantendo o assento aquecido até eu decidir quem é o próximo. Ele é um marcador. Mas você entende o que estou dizendo? Até Dee acha que você cede demais a Tom. — Dee? — Jenny levantou as sobrancelhas ironicamente. — Dee acha que todos os caras são cães men rosos. Como namorados, pelo menos. — Verdade — disse Audrey. — É estranho — ela acrescentou, pensa va. — como ela pode estar tão certa sobre isso e tão errada sobre todo o resto. Jenny apenas fez uma careta para ela. Então disse: — Sabe, Audrey, talvez se você tentou ser legal primeiro... — Hmm, talvez... quando o diabo pa nar no gelo — ironizou Audrey. Jenny suspirou. Audrey era o recém-chegado ao grupo deles; ela se mudou para Vista Grande no ano passado. Todos os outros se conheciam desde o ensino fundamental, e Dee conhecia Jenny por mais tempo. Quando Audrey chegou, Dee ficou, bem, com ciúmes. Elas estavam brigando desde então. — Apenas tentem não se matar durante a festa — disse Jenny. Deliberadamente, ela puxou os cabelos sedosos para trás - do jeito que Tom gostava - e o amarrou com um elás co. Então sorriu para Audrey e disse: — Vamos voltar para a cozinha. Foi quando elas descobriram que Michael e Zach haviam chegado parecendo, como sempre, tão diferentes quanto noite e dia. Michael Cohen nha a forma de um ursinho de pelúcia, com cabelos escuros tão amarrotados quanto seu suor cinza e os olhos de um spaniel sarcás co. Zach Taylor nha cabelos claros puxados para trás em um rabo de cavalo casual, um rosto intenso de nariz pon agudo e olhos cinzentos como o céu de inverno. — Como está a gripe? — Jenny perguntou, beijando a bochecha de Zachary.

Ela podia fazer isso com segurança porque fora exposta aos germes dele a semana toda e, além disso, ele era seu primo. Os olhos cinzentos de Zach se suavizaram por um instante, depois esfriaram novamente. Jenny nunca nha certeza se Zach gostava dela ou simplesmente a tolerava da maneira que ele fazia com todos os outros. — Oi, Michael. — disse ela, dando-lhe um tapinha em vez de um beijo. Os olhos líquidos de spaniel se voltaram para ela. — Sabe — começou Michael. — às vezes me preocupo conosco, com toda a nossa geração. Sabemos o que estamos fazendo? Somos melhores do que a geração Me? O que devemos esperar, exceto dirigir melhor carros que nossos pais? Quero dizer, qual é o sen do? — Oi, Michael. — cumprimentou Audrey. — Olá, ó luz da minha vida. É um rolo de ovo que vejo diante de mim? — Michael perguntou, alcançando-o. — Não coma isso. Coloque-o de volta no prato com os outros e leve-o para a sala de estar. — Vivo para servi-la. — disse Michael e par u.

CAPÍTULO 03 Deus, a caixa, Jenny pensou. Michael era do po que andava de um lado para o outro na sala lendo suas cartas e abrindo suas gavetas de maneira distraída. Curiosamente insaciável. Ela o seguiu. Seu estômago deu um nó ao vê-lo, imaculado, retangular e brilhando na sólida mesa de café de pinho da mãe. A mãe de Jenny trabalhou muito com um decorador muito caro para garan r que a sala parecesse "natural e inevitável e nem um pouco ar s ca". Havia tecelões navajos e cestas de Hopi nas paredes, vasos de Zuni no chão e um tapete de Chimayo acima da lareira. Jenny não nha permissão para tocar em nenhum deles. Acalme-se, ela disse a si mesma. Mas até se aproximar da caixa branca era estranhamente di cil. Jenny a pegou e percebeu que suas mãos estavam suadas o suficiente para grudar. Thrummm. A corrente formigava em seus dedos. A sensação de algo errado aumentou. Ah, inferno! Vou jogar tudo fora, pensou Jenny, surpresa com o alívio que a ideia trouxe. Vamos jogar canastra. Michael, mas gando rolinhos de primavera, estava olhando-a com interesse. — O que é isso? Um presente? — Não, apenas um jogo que comprei, mas vou me livrar dele. Michael, você sabe jogar canastra? — Não. Então, onde está o coelho do sol? — Ainda não está aqui... Ah, provavelmente é ela. Você poderia atender a porta? Michael apenas olhou vagamente para o prato em uma mão e o rolo na outra. Jenny correu para o corredor, ainda segurando a caixa.

Summer Parker-Pearson era pequena, com cabelos despenteados e covinhas nas quais você queria enfiar os dedos. Ela estava ves ndo uma camisa azul de porcelana e tremendo. — Está congelando lá fora. Como vamos nadar, Jenny? — Nós não vamos. — Jenny disse gen lmente. — Ah. Então, por que eu trouxe minha roupa de banho? Aqui está o meu presente. — Ela empilhou uma caixa de camisa embrulhada em papel marrom em cima da caixa branca que Jenny segurava, colocou uma pequena sacola na pilha e se dirigiu para a sala de estar. Jenny seguiu, colocou todas as coisas na mesa de café e puxou a caixa branca por baixo delas. Thrum. Summer estava cumprimentando Mike, Zach e Dee. — Olhem — Jenny disse. — se vocês me derem licença por um segundo... — Ela foi cortada pela campainha. Agora, ela não queria mais que ninguém respondesse. — Eu atendo. Tom estava na porta. Ele estava lindo. É claro, ele sempre estava lindo para Jenny, mas hoje à noite ele era especialmente bonito, realmente diabólico, com seus cabelos castanhos escuros limpos e curtos e seu sorriso levemente debochado. Tom usava roupas simples como os outros caras, mas de alguma forma as usava de maneira diferente. Ele podia fazer um par de jeans básicos parecerem ter sido feitos sob medida para si. Naquela noite, ele usava uma camiseta azul-petróleo por baixo de uma camisa de botão que era simplesmente um lindo azul, uma cor intensa que lembrava Jenny de algo. — Oi — disse ela. Ele sorriu maliciosamente e estendeu um braço para ela. Jenny foi de bom grado, como sempre, mas se agarrou à caixa. — Tom, há algo que quero falar com você, sozinha. É di cil explicar...

— Ah, não; eu não vou levar um fora no meu aniversário. — disse ele em voz alta, ainda com o braço em volta dela, levando-a pelo corredor até a sala de estar. — Pare com isso — disse Jenny, exasperada. — Você pode, por favor, falar sério por um minuto? Tom claramente não estava com disposição para falar sério. Ele a levou para a sala de estar, onde todos, menos Audrey, estavam sentados rindo e conversando. Ele ignorou os protestos de Jenny, que estavam ficando cada vez mais fracos. Tom sempre a fazia se sen r melhor e era di cil ficar preocupada com ele por perto. Todos os seus medos de sombras e caixas vibrantes pareciam distantes e infan s. Ainda assim, Jenny sen u uma pontada de desconforto quando ele pegou a caixa dela, perguntando: — O que é isso? Para mim? — É um jogo — disse Michael. — sobre o qual Jenny está sendo muito misteriosa. Ela não pode deixar isso de lado, aparentemente. — Eu entendo o porquê. — disse Tom enquanto balançava a caixa para ouvir o barulho. Jenny olhou para ele bruscamente. Ele não parecia estar brincando, ou pelo menos não mais do que o habitual, mas como você pode dizer isso sobre uma caixa branca em branco? Por que Tom deveria parecer tão profundamente intrigado com ela, mexendo-a ansiosamente? Tem algo aí, pensou Jenny, abrindo a boca para falar. Mas nesse momento sua mãe veio dos fundos da casa, prendendo um brinco e borrifando um perfume. Jenny fechou a boca novamente. Sra. Thornton havia sido loira como Jenny quando ela era jovem, mas ao longo dos anos seus cabelos haviam escurecido para um tom marrom dourado como mel. Ela sorriu para todos e deu parabéns a Tom. — Agora, deixe-me ver — disse ela a Jenny, — Joey está fora do caminho, na casa dos Stensons, e voltaremos tarde no domingo, então tudo está

pronto para você. Então, quando o pai de Jenny apareceu atrás dela com uma pequena mala, ela acrescentou sinceramente: — Querida, eu sei que você vai quebrar alguma coisa. Só não deixe que seja o vaso RC Gorman, certo? Custou mil e quinhentas dólares, e seu pai está profundamente apegado a ele. Caso contrário, limpe o que destruir e tente manter o teto. — Se quebrar, vamos consertar. — Jenny prometeu, depois beijou a mãe. — A Cola Maluca está na gaveta da cozinha. — o pai de Jenny murmurou em seu ouvido enquanto ela o beijava. — Mas cuidado com o vaso RC Gorman. Sua mãe morreria. — Não vamos chegar perto. — prometeu Jenny. — E não... — O pai fez um gesto vago com uma mão. Ele estava olhando para Tom de uma maneira que Jenny pensou que era o que as pessoas queriam dizer "desconfiadas". Ul mamente, ele estava usando aquele olhar com Tom. — Papai! — Você sabe o que eu quero dizer. Apenas as garotas passarão a noite, certo? — Claro. — Certo. — O pai empurrou os óculos de armação no nariz, ergueu os ombros e olhou para a mãe. Os dois olharam pela sala uma úl ma vez como se para lembrarem de como era - e então, como um par de soldados fatalistas, se viraram e marcharam para a porta. — Eles não têm muita fé em nós, não é? — Michael disse, olhando-os. — É a primeira vez que faço uma festa enquanto eles estão fora no fim de semana — disse Jenny. — Eles sabem disso. — acrescentou, pensa va. Quando ela olhou para trás, Tom estava com a caixa aberta.

— Ah... — Jenny disse. E foi tudo o que ela disse. Porque Tom estava rando folhas de grossas, e quetas brilhantes, impressas em cores tão vibrantes que brilhavam. Jenny viu portas e janelas, uma varanda e uma torre. — É uma casa de bonecas — disse Summer. — Não, quero dizer, uma dessas coisinhas de papel, que você pega em livros e corta. Uma casa de papel. Não é um jogo, Jenny pensou. E não é perigoso. Apenas um brinquedo infan l. Ela sen u uma onda de relaxamento amolecê-la e, quando Audrey chamou da cozinha avisando que a comida estava pronta, foi quase como se ela es vesse sonhando. Tom ficou surpreso e impressionado com o jantar chinês e com o fato de que Audrey foi responsável por isso. — Você sabe cozinhar! — Claro que sei cozinhar. Por que todo mundo assume que sou um mero ornamento social? — Audrey olhou para ele sob os cílios espetados e sorriu. Tom sorriu de volta, mantendo contato visual. Audrey con nuou flertando enquanto o servia, sorrindo, permi ndo que seus dedos tocassem os dele enquanto lhe entregava um prato. Mas quando Tom se afastou, ela lançou um olhar sombrio e significa vo para Jenny. Viu?, disse aquele olhar. Jenny devolveu o olhar com benevolência. Tom sempre foi legal com outras garotas, e isso não a incomodava. Isso não significava nada. Ela estava se sen ndo muito sa sfeita com o mundo enquanto todos enchiam seus pratos e voltavam para a sala de estar. Não houve jantar formal. Todos estavam sentados ao redor da mesa de café, alguns sobre os apoios para os pés de couro, outros diretamente sobre os azulejos mexicanos. Jenny ficou surpresa que a caixa branca com as folhas de papelão já não es vesse posta de lado. — Você tem uma tesoura? — perguntou Zach. — Na verdade, uma faca XActo seria melhor. E uma régua de metal e cola.

Jenny olhou para ele. — Você vai montá-la? — Claro, por que não? Parece um bom modelo. — É fofo — opinou Summer e riu. — Você só pode estar brincando — disse Jenny. — Uma casa de papel... — Ela olhou em volta em busca de apoio. — É um jogo — disse Dee. — Veja, há instruções na parte de trás da tampa. Instruções assustadoras. — Ela lançou um sorriso bárbaro ao redor da sala. — Eu gosto delas. Michael, com pedaços de rolinho primavera pendurados na boca, parecia alarmado. — Mas como você pode jogar com uma casa de papel? — Jenny sen u a voz enfraquecer novamente ao ver o jeito que Tom a olhava. A maneira como Tom podia parecer charmoso, persuasivo e trágico. Era tudo uma brincadeira, mas Jenny nunca resis u. — Oh, tudo bem, seu bebezão! — disse ela. — Se você realmente quer. Eu deveria ter lhe dado um chocalho e uma chupeta também. — Balançando a cabeça, ela foi buscar a tesoura. Eles montaram a casa enquanto comiam, ocasionalmente colocando graxa no quadro, ges culando com pauzinhos. Tom supervisionou, naturalmente. Zach fez muito do corte; empilhando no tapete os desenhos cortados. Jenny observou seus dedos cuidadosos e inteligentes transformarem as folhas planas de papel em uma casa vitoriana de um metro e meio de altura e foi forçada a admirar. Tinha três andares e uma torre e estava aberta na frente como uma casa de bonecas. O teto era removível. Folha após folha teve que ser cortada para fazer todas as chaminés, cornijas, varandas e beirais, mas ninguém se cansou de trabalhar, e apenas Michael reclamou. Tom parecia encantado com a coisa toda. Até Audrey, a quem Jenny achava sofis cado demais para apreciar isso, emprestou uma mão experiente.

— Olha, aqui estão alguns móveis para colocar dentro. Você terminou o primeiro andar, Zach? Veja, esta é a sala de estar e aqui está uma mesinha. Revivalismo gó co, eu acho. Minha mãe tem uma. Vou colocar... aqui. — Aqui está uma espécie de portas de correr oriental — disse Summer. — Vou colocá-la ao lado da mesa para os bonecos olharem. — Não tem bonecos. — Tem, sim — disse Dee e sorriu. Ela enrolou as pernas compridas, lendo as instruções para si mesma. — E eles somos nós. Diz que cada um de nós faz um boneco de papel para si e desenha o próprio rosto nele, e depois movemos as peças pela casa, tentando chegar à torre no topo. Isso é o jogo. — Você disse que era assustador — ironizou Tom. — Eu não terminei. É uma casa mal-assombrada. Você encontra um pesadelo diferente em todos os cômodos enquanto tenta chegar ao topo. E você tem que tomar cuidado com o Homem das Sombras. — O quê? — Jenny disse. — O Homem das Sombras. Ele é como o Sandman, só que te traz pesadelos. Ele está à espreita por dentro e se te pegar, ele vai... bem, ouçam. Ele trará à vida suas fantasias mais sombrias e fará você confessar sua medos mais secretos — Dee leu com um prazer óbvio. — Tudo bem! — disse Tom. — Oh, nossa — murmurou Michael. — Que po de fantasias mais sombrias? — ques onou Summer. Mistério, pensou Jenny. Perigo. Sedução. Medo. Segredos revelados. Desejos revelados. Tentação. — O que há de errado com você, Thorny? — Tom disse carinhosamente. — Você está tão nervosa.

— É só que não sei se gosto deste jogo. — Jenny olhou para ele. — Mas você gostou, não é? — Claro. — Os olhos castanhos manchados de verde de Tom brilhavam. — É bom para dar umas risadas. — Então acrescentou: — Não tenha medo. Eu protegerei você. Jenny lançou um olhar irônico e se inclinou para Tom. Quando estava longe dele, a pele do seu antebraço sen a falta dele, assim como o ombro, o lado e o quadril. O lado direito, porque ela sempre se sentava à esquerda de Tom. — Vá pegar alguns dos giz de cera de Joey. — Dee pediu a Summer. — Vamos precisar desenhar muito. Não apenas os bonecas de papel que somos nós, mas também nosso pior pesadelo. — Por quê? — Michael ques onou, infeliz. — Eu te disse. Temos que enfrentar um pesadelo diferente em todos os cômodos. Então, cada um de nós desenha um em um pedaço de papel, embaralha os papéis e os coloca de bruços no chão em lugares diferentes. Então, quando você chega a um quarto, pode ver ele virado e qual é o pesadelo dessa pessoa. Tom limpou os dedos na calça jeans e foi sentar-se ao lado de Dee no sofá, inclinando a cabeça sobre as instruções. Summer subiu as escadas para pegar giz de cera no quarto do irmãozinho de Jenny. Zach, ignorando o resto deles, estava trabalhando silenciosamente. Ele não dizia nada, a menos que vesse algo a dizer. — Acho que vou gostar disso — disse Audrey, criteriosamente. colocando móveis nos diferentes cômodos. Ela cantarolava um pouco, as unhas polidas brilhavam, o cabelo brilhando em cobre sob a iluminação da pista. — Aqui estão os lápis de cera e eu também encontrei alguns de cor — disse Summer, retornando com um recipiente da Tupperware. — Agora todos podemos desenhar. — Ela vasculhou as folhas de papelão brilhante deixados na caixa, finalmente produzindo uma desenho com contornos humanos. Os bonecos de papel.

Todos estavam se diver ndo. O jogo foi um sucesso, a festa um sucesso. Mas Jenny ainda sen a um frio por dentro. Ela nha que admi r, no entanto, que havia uma certa sa sfação em cortar ordenadamente ao longo das linhas pon lhadas. Isso trouxe de volta memórias an gas. Colorir os bonecas de papel também era diver do, a cera de Crayola deslizando ricamente sobre o rígido painel fosco. Mas quando se tratava de desenhar o retângulo de papel que Summer lhe deu em seguida, ela parou impotente. Desenhar um pesadelo? Seu pior pesadelo? Ela não conseguiu. Porque a verdade era que Jenny nha um. Seu próprio pesadelo pessoal, par cular, baseado em algo que havia acontecido há muito tempo... e ela não conseguia se lembrar. Ela nunca conseguia se lembrar disso quando estava acordada. O sen mento ruim estava chegando, aquele que ela às vezes sen a tarde da noite. A sensação de medo. Ela era a única pessoa no mundo que acordava no meio da noite com a certeza de ter descoberto algum segredo horrível, mas uma vez que acordava, não conseguia se lembrar o que era? Quem se sen a mal com o medo de algo que não conseguia se lembrar? Uma imagem passou por sua mente. Seu avô. O pai da mãe. Cabelos brancos e finos, um rosto gen l, olhos escuros cansados e cin lantes. Ele a diver u quando ela nha cinco anos com lembranças de lugares distantes e truques de mágica que pareciam reais para uma criança. Seu porão estava cheio das coisas mais maravilhosas. Até o dia em que algo aconteceu... Aquele úl mo dia horrível... O tremor morreu, e Jenny ficou feliz. A única coisa pior do que não lembrar era lembrar. Era melhor deixar a coisa toda enterrada. Os terapeutas disseram de forma diferente na época, mas o que eles sabiam? Enfim, ela não poderia desenhá-lo.

Os outros estavam todos desenhando assiduamente. Tom e Dee estavam rindo juntos, usando a tampa da caixa de jogo como uma mesa. Summer estava rindo, sacudindo os cachos de luz suave, desenhando algo com muitas cores diferentes. Zach estava carrancudo com o pesadelo, seu rosto ainda mais intenso que o normal; As sobrancelhas de Audrey estavam arqueadas em diversão. — Onde está o verde? Eu preciso de muito verde — disse Michael, caçando entre os giz de cera. — Para o quê?" perguntou Audrey, estreitando os olhos — Não posso contar. É segredo. Audrey deu as costas para ele, protegendo seu próprio papel. — Isso mesmo, são segredos. — concordou Dee. — Você não os vê até chegar na sala em que estão. Ninguém aqui poderia ter um segredo de mim, Jenny pensou. Exceto Audrey, eu os conheço desde sempre. Eu sei quando eles perderam o primeiro dente e usaram o primeiro su ã. Nenhum deles poderia ter um verdadeiro segredo como o meu. Mas se ela nha um, por que eles não podiam? Jenny olhou para Tom. Bonito, obs nado e um pouco arrogante, como até Jenny nha que admi r, mesmo que fosse para si mesma. O que ele estava desenhando agora? — O meu também precisa de verde. E amarelo. — disse ele. — A minha precisa de preto. — disse Dee e riu. — Tudo bem, terminei. — disse Audrey. — Vamos, Jenny — disse Tom. — Você não terminou ainda? Jenny olhou para o papel. Ela fez um rabisco sem forma nas bordas; o meio estava em branco. Depois de um momento envergonhado com os olhos de

todos nela, ela virou o papel e entregou a Dee. Teria que explicar mais tarde. Dee embaralhou todos os desenhos e os colocou de bruços em vários quartos nos andares superiores. — Agora colocamos nossos bonecos de papel na sala de estar no andar de baixo — explicou ela. — É aí que todos começamos. E deve haver uma pilha de cartas de jogo na caixa, Summer, para nos dizer o que fazer e para onde se mover. Coloque-as em uma pilha na mesa. Summer o fez enquanto Audrey colocava os bonecos de papel nas pequenas âncoras de plás co e os espalhava pela sala. — Precisamos de mais uma coisa — disse Dee. Ela fez uma pausa dramá ca e depois disse: — O Homem das Sombras. — Aqui está ele — disse Summer, pegando a úl ma folha de papelão duro da caixa. — Vou cortar primeiro os amigos dele - a Rastejadora e o Espreitador. — Ela os cortou e entregou a Audrey. A Rastejadora era uma cobra gigante e o Espreitador um lobo eriçado. Seus nomes foram impressos em caligrafia vermelho-sangue. —Charmosos — disse Audrey, ancorando âncoras. — Há algum lugar em par cular para colocá-los, Dee? — Não, os cartões nos dirão quando os encontrarmos. — Aqui está o Homem das Sombras. Ele pode me sombrear se quiser; ele é ga nho. — disse Summer. Audrey pegou o boneca de papel, mas Jenny agarrou seu pulso. Ela não conseguiu falar. Não conseguia respirar, na verdade. Não poderia ser, mas era. Não havia dúvida sobre isso. O rosto impresso que a encarava era inconfundível. Era o garoto de preto, o garoto da loja de jogos. O garoto de olhos azuis chocantes.

CAPÍTULO 04 Jenny sen u como se uma correnteza negra es vesse tentando sugá-la debaixo d'água. Era ele. O garoto da loja de jogos. Cada detalhe de seu rosto foi reproduzido perfeitamente, mas não era uma fotografia. Era um desenho, como a cobra e o lobo. O cabelo dele era branco-prateado com sombras azuis. O ar sta até capturou seus cílios escuros. O retrato era tão realista que parecia que aqueles olhos podiam piscar a qualquer momento, e os lábios pudessem falar. E irradiava ameaça. Perigo. — Qual é o problema? — Audrey estava perguntando. Seu rosto nadou dentro e fora de foco quando Jenny olhou para cima. Os olhos de Jenny se fixaram na marca de beleza logo acima do lábio superior de Audrey. Os lábios de Audrey estavam se movendo, mas demorou um minuto para Jenny entender as palavras. —O que há de errado, Jenny? Eu conheço esse cara. Eu o vi na loja. Ele é uma pessoa real , não um personagem inventado em um jogo. Mas... e daí? Era o que eles a perguntariam. Que diferença isso faz? O jogo deve ter sido inventado por alguém que conhecia o cara, e ele havia modelado para a foto. Isso explicaria por que a caixa estava em branco: talvez nem fosse um jogo real produzido em massa. Ou talvez o cara es vesse louco por esse jogo em par cular, então descoloriu os cabelos e ves u-se para se parecer com o personagem. Dungeons & Dragons, Jenny pensou de repente. As pessoas faziam isso, às vezes até exageravam. Essa é a resposta. Pelo menos, era a resposta que alguém ali daria. Tom, talvez, porque Jenny percebeu que ele queria jogar e, uma vez que ele se decidira sobre qualquer coisa, era irredu vel. Dee, porque o perigo sempre a

impulsionava. Zach, porque o jogo envolvia arte; e Summer, porque o achou "ga nho". Todos eles queriam brincar. Uma boa anfitriã não fica histérica e estraga uma festa porque tem sombras no cérebro. Jenny forçou um sorriso. — Nada — disse, soltando o pulso de Audrey. — Desculpe. Pensei ter reconhecido essa foto. Doideira, né?!" — Você andou bebendo xarope para tosse de novo? — Michael perguntou do outro lado da mesa. — Você está bem, Thorny? De verdade? — Tom perguntou seriamente. Seus olhos manchados de verde procuraram os dela, e Jenny sen u seu sorriso se tornar mais estável. Ela assen u. — Tudo bem — disse ela com firmeza. Tom se levantou e diminuiu a iluminação da pista. — Ei — protestou Michael. — Precisamos escurecer para a próxima parte. — disse Dee — A leitura do juramento. — Ela olhou para todos, o branco de seus olhos brilhando como pérolas de fumaça. — Que juramento? — Michael disse cautelosamente. — O Juramento do Jogo — disse Tom. Sua voz era sinistra. — Aqui diz que cada um de nós deve jurar que está jogando este jogo por vontade própria e que ele é real. — Tom virou a tampa da caixa para eles verem. Na capa interna, acima das instruções impressas, havia um grande símbolo. Era como um U quadrado e inver do, os dois chifres irregulares da carta apontando para baixo. Estava profundamente impresso na capa, com um vermelho escuro e enferrujado.

Não vou estragar essa festa, não vou estragar essa festa. Não vou, pensou Jenny e Tom seguiu lendo as instruções: — "Existe um Mundo das Sombras, como o nosso, mas diferente, exis ndo ao lado do nosso, mas nunca tocando-o. Algumas pessoas chamam de Mundo dos Sonhos, mas é tão real quanto qualquer outra coisa"... e então diz que entrar no Mundo das Sombras pode ser perigoso, então você joga por seu próprio risco. — Ele sorriu ao redor do grupo. — Na verdade, diz que o jogo pode ser perigoso para sua vida. Você tem que jurar que entende isso. — Não sei mais se gosto disso — murmurou Summer. — Vamos — disse Dee. — Viva perigosamente. Vamos jogar. — Bom... — Summer estava levando isso a sério. Ela rou os cachos claros da testa e franziu a testa. — Está ficando quente aqui? — Ok então, jurar. Vamos acabar com isso. — disse Michael. — "Juro que entendo que esse jogo pode me matar antes que eu tenha idade suficiente para conseguir um McJob como meu irmão Dave. — Agora você. — Dee es cou uma perna coberta pelo legging preto para cutucar Zachary. — Jure. — Eu juro — disse Zach em tom entediado, seu rosto magro ilegível; os olhos cinzentos frios como sempre. Summer suspirou, con nuando. — Eu também, então. Audrey ajeitou o paletó. — Comigo, três. — disse. — E você, Deirdre? — Eu estava prestes a ir, Aud. Juro me diver r e chutar a bunda do Cara das Sombras. Tom levantou-se e espreitou Jenny. — Que tal isso, mulher do diabo? Eu juro, e você?

Normalmente Jenny teria empurrado um cotovelo para cima em suas costelas. Mas no momento, tudo o que ela conseguiu foi dar um sorriso sem humor. Todos queriam fazer isso. Ela era a anfitriã. Eles eram seus convidados. Tom queria isso. — Eu juro — ela disse e ficou envergonhada quando sua voz falhou. Tom aplaudiu e jogou a tampa da caixa no ar. O pé de Dee brilhou, chutando-a de volta em sua direção. Caiu no chão na frente de Jenny. Seu idiota, se você realmente se importasse comigo, se preocupasse com o que eu sento, Jenny pensou em um raro momento de raiva por Tom. Então ela reprimiu o pensamento. Era o aniversário dele. Ele merecia se diver r. Algo na tampa da caixa chamou sua atenção. Por um instante, de cabeça para baixo, parecia que estava impresso em papel alumínio vermelho, Jenny pensou. Mas é claro que não poderia ser. Todo mundo estava ajoelhado em volta da mesa. — Tudo bem — disse Dee. — Todos os bonequinhos na sala? Então alguém tem que virar uma carta. Quem quer ser o primeiro? Jenny, sen ndo que ela deveria fazer isso, estendeu a mão e pegou a carta do topo. Era branca brilhante como a caixa do jogo e parecia escorregadia entre os dedos. Ela a virou e leu: — "Você se reuniu com seus amigos nesta sala para começar o Jogo." Houve uma pausa. Então Summer riu. — Uma espécie de an clímax. — Audrey murmurou. — Quem é o próximo? — Eu — disse Tom. Ele se inclinou sobre Jenny, pegou uma carta e leu: — "Cada um de vocês tem um segredo que prefere morrer a revelar." Jenny se mexeu inquieta. Foi apenas coincidência, porque estas eram cartas pré-impressas. Mas soou quase como se alguém es vesse

respondendo a pergunta que ela havia pensado antes. — Minha vez — Summer disse ansiosa. Ela leu: — "Você ouve o som de passos de um dos quartos acima." — Ela franziu a testa. — Mas não há quartos acima. Esta é uma casa térrea. Tom riu. — Você está se esquecendo. Não estamos nesta casa. Estamos nessa casa. Summer piscou, seus grandes olhos azuis viajando pelas paredes adornadas com cestas da sala de estar de Thornton. Então ela olhou para a casa de papel vitoriana, com os sete bonecos de papel arrumados na sala como um grupo de convidados educados demais para voltar para casa. — Ah! Ela estava devolvendo a carta quando todos ouviram o barulho lá de cima. Passos. Um tamborilar rápido, como uma criança correndo no chão de madeira. Summer gritou e olhou aterrorizada para o teto. Dee deu um pulo, seus olhos escuros brilhando. Audrey ficou rígida. Michael a agarrou e ela bateu na mão dele. O rosto de Zach estava virado para cima; até o rabo de cavalo parecia tenso. Mas Tom caiu na gargalhada. — São esquilos — ele disse, finalmente. — Eles correm no telhado o tempo todo, não é, Jenny? O estômago de Jenny estava com um nó. Sua voz tremeu um pouco quando ela disse: — Sim, mas... — Mas nada. Alguém pega mais uma carta — disse Tom. Ninguém o fez. — Tudo bem, vou fazer isso então. Essa é para você, Mike. — Ele virou uma carta.

— "Você vai até a porta para pegar um ar, mas ela parece estar fechada." — ele leu. Tom olhou em volta para o grupo. — Ah, vamos lá. É um jogo. Vejam. — Ele se levantou em um movimento fluído e foi até a porta de vidro que dava para o quintal de Jenny. Jenny viu os dedos dele se mexendo, indo até as maçaneta. Uma sensação de pavor a dominou. — Tom, não! — ela disse. Antes que soubesse o que estava fazendo, Jenny pulou e pegou o braço dele. Se ele não tentasse abrir a porta, o cartão não poderia se tornar realidade. Tom estava puxando a maçaneta, ignorando-a. — Tem algo errado, deve haver outra fechadura. — Está fechada. — disse Michael. Ele passou a mão pelos cabelos escuros amarrotados, um gesto estranhamente impotente. — Não seja estúpido — Audrey retrucou. Os olhos de sloe de Dee estavam brilhando. Sua mão disparou e ela pegou uma carta: — "Nenhuma das portas ou janelas desta casa se abre". — Ela leu. Tom con nuou puxando furiosamente a porta, mas ela não cedia. Jenny pegou o braço dele novamente. — Pegue outra carta. — disse Zach suavemente. Havia algo estranho em seu rosto magro, era quase como se ele es vesse em um transe ou fosse um zumbi. — Não! — Jenny gritou. Zachary estava pegando a carta ele mesmo. — Ei — disse Jenny novamente. Ela teve que fazê-lo parar, mas não podia deixar Tom sozinho. — Zach, não leia. — "Você ouve um relógio badalar às nove''. — Zachary leu em voz baixa. — Jenny não tem relógios que badalam — observou Audrey. Ela olhou para Jenny bruscamente. — Você não tem, não é?!

Jenny balançou a cabeça, a garganta obstruída. Cada parte de sua pele parecia ser crua, esperando. Ouvindo. Limpa e docemente, os sinos soaram. As badaladas do relógio na loja de jogo, o relógio que ela não conseguia ver. Parecia vir de muito acima. Começou a bater a hora. Uma. Duas. Três. Quatro. — Meu Deus — disse Audrey. Cinco. Seis. Sete. Às nove, Jenny pensou. Vejo você depois, às nove. Oito... — Tom — Jenny sussurrou. Os músculos do braço dele estavam duros sob a mão dela. Agora, tarde demais, ele se virou para ela. Nove. Então o vento veio. A princípio, Jenny pensou que a correnteza a vesse a ngido. Então pensou que devia ser um terremoto. Mas o tempo todo ela nha a sensação do ar passando por ela, como se um furacão vesse entrado pela porta de vidro fechada. Um furacão preto e estridente que ardia enquanto congelava. Isso a machucava como uma coisa sica, sacudindo seu corpo e cegando-a. Ela perdeu o controle da sala. A única coisa real era o punhado da camisa de Tom que ela segurava. Finalmente, ela perdeu a noção disso também. A dor parou por um tempo, e ela apenas se afastou. Ela acordou no chão. Era como a única outra vez que desmaiara, quando Joey e ela estavam em casa, gripados. De repente, Jenny pulou da cama para dizer a ele para

recusar aquele desenho estúpido - e a próxima coisa que soube foi que estava acordando com a cabeça em uma cesta de lixo. Deitada no chão atapetado de seu quarto, sabia que o tempo havia passado, sem ter certeza de como sabia. Isto foi o mesmo. Dolorosamente, Jenny levantou a cabeça e piscou para colocar a parede oposta em foco. Não deu certo. Algo estava errado. A parede em si, que deveria ter uma cor pastel e pendurada em tecidos e cestos, estava diferente. Era reves da de painéis de madeira escura e havia uma porta de correr oriental em frente a ela. Pesadas cor nas de veludo obscureciam uma janela. Um cas çal de latão estava preso à parede. Jenny nunca nha visto nada disso antes. Onde estou? A pergunta mais clichê de todos os tempos. Mas ela realmente não sabia. Não sabia onde estava ou como nha chegado ali, mas sabia que tudo o que estava acontecendo estava errado. Foi além de sua experiência. Coisas assim não aconteciam. Mas nha acontecido de qualquer maneira. As duas ideias surgiram em sua mente. Ela já estava desorientada, à beira do pânico. Então, começou a tremer e sen u um inchaço na garganta. Não. Se você começar a gritar agora nunca vai parar, ela disse a si mesma. Não pense sobre isso. Você não precisa lidar com isso. Apenas encontre Tom. Tom. Pela primeira vez Jenny olhou para o chão. Eles estavam todos deitados lá: Zach com seu rabo de cavalo loiro atrás de si (em um tapete verde musgo trabalhado com rosas de repolho, mas não pense nisso agora), Summer com seus cachos leves embalados protetoramente em seus braços pequenos, Audrey com seu toque francês se soltando. As longas pernas de Dee estavam esparramadas perto da janela, e o corpo atarracado de Michael estava enrolado em uma bola ao lado dela. Tom estava deitado contra a parede - onde deveria estar a porta de vidro

deslizante. Quando Jenny se levantou instável e começou a se aproximar dele, ele se mexeu. — Tom? Você está bem? — Ela pegou a mão dele e, quando seus dedos fortes e quentes se fecharam em torno dos dela, Jenny se sen u melhor. Ele gemeu e abriu os olhos. — Com dor de cabeça — ele murmurou. — O que aconteceu? — Eu não sei — Jenny disse em uma voz pequena e precisa. Ela ainda estava perto de ter histeria e segurou a mão de Tommy com força suficiente para machucar. — Não estamos mais na sala de estar. Era apenas a verdade e ela nha que dizer. Precisava compar lhar com alguém, da maneira que Summer precisava compar lhar sobre seu cachorro ser colocado para dormir para sempre. Mas Tom fez uma careta. — Não seja burra — disse ele, e Jenny sen u a pequena pontada que sempre sen a quando ele a diminuía. — Não podemos estar em outro lugar. Está tudo bem. Todo o seu bom humor havia desaparecido, junto com o charme desleixado do seu sorriso. Seu cabelo castanho e arrumado estava levemente despenteado, e os olhos manchados de verde pareciam atordoados e zangados. Ele está na defensiva, Jenny percebeu. Assustado, achando que a culpa é dele. Ela tentou apertar a mão dele, mas Tom estava se levantando. Os outros também. Dee estava esfregando a nuca, olhando em volta com movimentos rápidos e alertas. Ela se abaixou e puxou um Michael gemendo a seus pés. Audrey também estava de pé, com as mãos automa camente consertando as presilhas nos cabelos ruivos, enquanto olhava o lugar. Summer estava encolhida junto à mesa de pernas finas que tomara o lugar da mesa de café da mãe de Jenny. Apenas Zach não parecia assustado. Ele estava de pé e os olhos cinza-claros estavam abertos, mas seus lábios se moveram sem som e ele pareceu extasiado. Como se es vesse se movendo em um sonho.

Ninguém disse uma palavra. Todos olharam em volta estupidamente, tentando entender o ambiente. Eles estavam em pé em uma sala vitoriana, com carpete luxuriante, mobiliada com mesas e cadeiras do Renascimento Gó co. Um abajur verde com uma franja de seda pendia do teto. Parecia o lugar perfeito para uma sessão espírita. Jenny o reconheceu. Ela vira o desenho do tapete de repolho rosa impresso em e quetas. Zach cortara os painéis com uma faca X-Acto, e Audrey montara a mesa de mogno. Eles estavam na casa de papel. Ela ganhou vida ao redor deles. Eles estavam dentro dela... As mãos de Jenny subiram lentamente para cobrir a boca. Seu coração começou a bater acelerado. — Ai, meu Deus — Summer sussurrou. Então, com força crescente: — Ai, meu Deus, ai, meu Deus. Michael começou a rir histericamente. — Calem a boca — ordenou Audrey, respirando com dificuldade. — Vocês dois, calem a boca! Dee foi até a parede e tocou um cas çal, os dedos escuros contra o bronze brilhante. Então estendeu a mão e enfiou os dedos na chama da vela. — Dee! — Tom tentou pará-la. — É real — disse ela, olhando para as pontas dos dedos. — Queima. — Claro que não é real! — Audrey retrucou. — Isso tudo é algum po de ilusão. Como realidade virtual... Os olhos de Dee brilharam.

— Não é realidade virtual. Minha mãe é especialista em computadores, ela sabe o que é uma realidade virtual. Não é do po Pac-Man que você tem com videogames. Mesmo eles não podem fazer nada assim. Além disso, onde está o computador? Os capacetes? — Ela bateu a mão achatada contra a parede. — Não, isso é real. Michael estava tocando uma cadeira, ainda meio rindo. — Então, talvez foram alguns dos cogumelos da Audrey. Como eles eram chamados? Shiitake? Talvez seja um cas go para nós. — Acalme-se, Mike. — disse Tom. Ele parecia zangado, o que Jenny sabia que significava que ele estava se sen ndo incerto. Ela o observou, o tempo todo acariciando o mogno suave de uma mesa. Ela sen u a mesma compulsão que Dee e Michael, de tocar as coisas ali. Ela con nuava esperando que parecessem papelão, mas eram reais. — Tudo bem — disse Tom. —, não estamos na sala. De alguma forma, fomos movidos. Alguém está fazendo uma brincadeira com a gente. Mas não precisamos ficar parados como idiotas e aceitá-la. — O que você sugere que façamos? — Audrey ques onou acidamente. Tom caminhou até a porta da sala, que se abriu em um corredor escuro. — Os caras podem vir comigo e explorar; vocês, meninas, ficam aqui e mantém os olhos abertos. Dee lançou-lhe um olhar desdenhoso, depois voltou os olhos para "os caras". Michael estava batendo nas paredes, murmurando, e Zach estava apenas olhando, a pele de seu rosto es cada sobre os ossos. Jenny queria ir até ele, mas não conseguia se mover. — Boa sorte — disse Dee a Tom. — Volte para nos proteger. — Ninguém vá embora. — disse Summer, com os olhos azuis molhados. — Você protege Jenny. — Tom rosnou para Dee, encarando-a frente a frente. Jenny sen u um instante de calor latejante, que foi imediatamente

varrido pelo frio. Como alguém poderia proteger alguém aqui? Dee atravessou a sala e colocou um braço, duro como um menino, em volta dos ombros de Jenny. — Certo — disse. — Acho que devemos ficar juntos — sugeriu Michael, nervoso. — E qual é a diferença? — Audrey ques onou. — Isso realmente não está acontecendo, de qualquer maneira. Nós não estamos aqui. — Então, o que é isso? — Summer devoltou, à beira da histeria. — Onde estamos? — No jogo. A voz veio do canto da sala, da sombra atrás da porta de correr oriental. Era uma voz que não pertencia a nenhum do grupo, mas que era familiar a Jenny. Ela só ouvira uma vez antes, mas não podia confundir. Como a água escorrendo de rochas, como uma música elementar. Todas as cabeças viraram. Ele era tão bonito quanto na loja. Mas aqui, no cenário da sala pitoresca e agitada, parecia ainda mais exó co. Seu cabelo brilhava na penumbra como pêlo de gato branco ou neve da montanha. Ele usava um colete preto que mostrava os músculos macios e duros dos braços nus e calças que pareciam pele de cobra. Seus olhos estavam pesados, protegidos por longos cílios. Ele estava sorrindo. Summer ofegou. — A foto. O boneco de papel na caixa. É ele... — O Homem das Sombras — Michael disse com voz rouca. — Não me faça rir — disse Tom. Com os lábios curvados, ele olhou a aparição de cima a baixo. — Quem diabos é você? O que quer? O garoto de preto deu outro passo à frente. Jenny podia ver a cor impossível da luz do dia em seus olhos agora, embora ele não es vesse

olhando para ela. Seu olhar varreu os outros e Jenny viu que isso os afetava, como uma onda de ar frio que os levou a se unir. Ela podia ver cada um deles reagindo enquanto olhavam para o rosto dele e viam algo ali. Algo que fez com que os olhos de todos se arregalassem e suspeitas se transformassem em medo. — Por que você não me chama de Julian? — Esse é o seu nome? — Tom disse, muito mais silenciosamente. — É tão bom quanto qualquer outro. — Quem quer que seja, não temos medo de você. — disse Dee de repente, soltando Jenny e dando um passo à frente. Parecia a verdade, como se Dee, de qualquer maneira, não vesse medo. — Queremos saber o que está acontecendo. — disse Tom, em voz alta novamente. — Não fizemos nada para você. Por favor, nos deixe ir para casa. — acrescentou Summer. — Não podemos voltar para casa. — Zach murmurou. Foi a primeira vez que ele falou, com um meio sorriso estranho. — Mano, você está pior do que eu. — Michael disse em voz baixa. Zach não respondeu. Apenas Jenny ficou para trás, sem se mexer, sem falar. Seu senso de pavor estava ficando mais forte o tempo todo. Ela estava se lembrando da aparência de um gre faminto. — Pelo menos nos diga o que estamos fazendo aqui. — pediu Audrey. — Jogando o jogo. Todos o encararam. — Vocês concordaram em jogar. Leram as regras. — Jogar? Como assim? O que você quer...

— Não fale com ele sobre isso, Mike — Tom o interrompeu. — Não vamos jogar o jogo idiota dele. Ele está com tanto medo, pensou Jenny. Ele ainda acha que isso é tudo culpa dele. Mas não é, Tom, não é. — Quero dizer — con nuou o garoto de preto à Michael. —, que todos vocês juraram que estavam jogando por vontade própria e que sabiam que o Jogo era real. Invocaram a runa Uruz. — Ele desenhou uma forma no ar com o dedo, um U inver do. Jenny notou que a tatuagem de cobra que ela viu em seu pulso na loja havia desaparecido. — Vocês perfuraram o véu entre os mundos. Audrey riu, um som agudo e falso como vidro quebrando. Michael respirou: — Isso é loucura. A expressão de Dee disse que ela concordava: — O que é uma runa? Audrey abriu a boca e depois fechou-a com força, balançando a cabeça. O lábio de Julian torceu e ele baixou a voz. — É mágica. — disse ele. — Uma letra mís ca de um alfabeto an go. Nesse caso, projetada para permi r que vocês andem entre os mundos. Se vocês não entendiam, não deviam ter mexido com ela. — Não vemos a intenção de mexer em nada. — Summer sussurrou. — Foi um erro. O medo na sala aumentou. Jenny podia sen r como uma aura amarela envolvendo todos eles, conforme entendiam o significado. — Não foi um erro. Vocês escolheram jogar o Jogo. — o garoto disse novamente. — Agora vocês jogam até ganhar... Ou eu ganho. — Mas por quê? — Summer estava quase chorando. — O que você quer de nós?

Julian sorriu, depois olhou para ela. Passando por todos eles, em direção à única pessoa que não nha dito uma palavra desde que ele entrara na sala. Para Jenny. — Todo jogo tem um prêmio. — disse ele. Jenny encontrou os olhos impossivelmente azuis e sabia que ela estava certa. Seus amigos pararam por um momento, olhando um para o outro. O sorriso de Julian se aprofundou. Tom olhou de um lado para o outro entre eles. O entendimento surgiu lentamente em seu rosto. — Não... — ele sussurrou. — Todo jogo tem um prêmio. — repe u o garoto. — O vencedor leva tudo. — Não! — Tom disse e se lançou do outro lado da sala. Ele atacou o garoto de preto. Mas parou. Seus olhos estavam fixos em algo a seus pés. Jenny não conseguia entender; era como se ele visse algo aterrorizante ali no tapete. Tom se virou para se afastar e parou. Também estava atrás dele. Lentamente, ele recuou contra a parede. Jenny estava olhando para ele consternada. Era como assis r a um dos mimicos na Venice Beach, uma mímica muito boa. Jenny percebeu que as coisas que Tom estava enfrentando eram pequenas, que estavam tentando subir nas pernas dele e que ele estava com muito medo delas. Mas não havia nada no tapete. — Tom. — ela disse em voz baixa e deu um passo. — Não se aproxime de mim! Eles também vão te pegar! Foi terrível. Tom, que nunca teve medo de nada, foi encurralado pelo ar vazio. Seus lábios estavam afastados dos dentes, o peito estava ofegante. — O que é isso? — Summer choramingou. Os outros estavam todos olhando em silêncio.

CAPÍTULO 05 Jenny virou-se para o garoto de preto, que estava encostado na parede da sala e diver ndo-se enquanto assis a. — O que você está fazendo com ele? — No Jogo, você tem que enfrentar seus pesadelos. Esta é apenas uma amostra grá s do de Tom. Não há razão para o resto de vocês par cipar. Jenny encarou o namorado, respirando fundo. Ela deu um passo em sua direção. — Fique aí! — Tom disse, afiado e assustado. — Parece que ele não o venceu ainda. — comentou Julian. Jenny entrou no meio do que Tom estava olhando. Ela não sen u nada além de ar em torno de seus tornozelos nus. Ela não viu nada. Mas Tom via e a puxou para ele, para a parede, caindo com ela de joelhos. Ele chutou o ar. — Tom, pare! Não há nada lá! Tom... Os olhos manchados de verde de Tom eram selvagens. — Afastem-se dela. Afastem-se! — Ele estava arrastando o pé estendido no chão vazio ao lado de Jenny, tentando afastar algo. Sua boca tremia de nojo. — Tom — ela soluçou, sacudindo-o. Ele nem olhou para ela. Jenny enterrou o rosto no ombro dele, segurando-o com toda a força. Tentando fazê-lo voltar a si novamente. E então seus braços caíram sobre si mesmos. Era como um daqueles truques de mágica onde a garota bonita está escondida embaixo de um lençol, e então o lençol desmorona e cai no chão. Tom estava lá e no segundo seguinte, não. Simples assim. Os braços de Jenny estavam vazios.

Ela gritou. E olhou impotente, descontroladamente, para as mãos, para o colo. Para o chão. Tom não poderia ter ido embora. Ela olhou para trás e viu que os outros também sumiram. Os olhos de Jenny dispararam para o corredor escuro. Estava vazio. As cor nas da janela eram planas e imóveis. Mas Dee se foi, Audrey se foi, e Zach, Michael e Summer se foram da sala. Todos os cinco, sem som. Do jeito que as coisas desaparecem em sonhos. Por favor, que isso seja um sonho, Jenny pediu. Já ve o suficiente agora. Por favor, me desculpe; que seja um sonho. Ela estava segurando o tapete com tanta tensão que as unhas estavam dobradas para trás. Doeu, e a dor não a acordou. Nada mudou. Seus amigos ainda se foram. O garoto de preto ainda estava lá. — Para onde eles foram? O que você fez com eles? — ela disse. Jenny estava tão atordoada que saiu como uma espécie de calma insana. Julian sorriu caprichosamente. — Eles estão lá em cima, espalhados pela casa, esperando enfrentar seus pesadelos. Esperando por você. Você os encontrará ao longo do jogo. — Como assim? — Jenny disse estupidamente. — Olha, você não entende. Eu não sei o que... — Você é a jogadora principal aqui, você sabe. — ele interrompeu, repreendendo-a gen lmente. — A porta de volta ao seu mundo está no topo da casa, e está aberta. Se você conseguir, pode ir. Leve seus amigos e eles também podem sair. A mente de Jenny ainda estava presa em uma coisa. — Onde está o Tom? Eu quero...

— Seu Tom está no topo. — Ele pronunciou o nome como se não fosse mencionado na sociedade educada. — Eu darei a ele minha atenção especial. Você o verá quando chegar lá. Se você chegar lá. — Olha, por favor. Eu não quero jogar nenhum jogo. — Jenny ainda estava falando como se tudo isso fosse um erro que seria esclarecido de alguma forma, desde que ela permanecesse racional. Contanto que ela evitasse os olhos dele. — Não sei o que você está pensando, mas... Ele a interrompeu novamente. — E se você não chegar lá, eu ganho. E você fica aqui comigo. — O que você quer dizer com você? — Jenny disse bruscamente, deixando a educação de lado. Ele sorriu. — Quero dizer que você fica neste lugar, no meu mundo. Comigo. Sendo minha. Jenny olhou para ele. E então ficou de pé, sua compostura quebrando. — Você está louco! Ela teria inves do contra ele, se alguma vez vesse sido violenta com alguém. — Cuidado, Jenny. Ela parou, assustada com o que sen a nele. Olhando nos olhos dele, Jenny viu algo tão estranho, tão assustador, que não conseguiu se mexer. Foi então, finalmente, que ela acreditou no que estava acontecendo. A plena compreensão do que esse garoto havia feito, de tudo o que havia acontecido hoje à noite, colidiu com ela. O jovem diante dela, quase humano, podia fazer mágica. — Meu Deus — ela sussurrou. Toda a sua violência havia desaparecido, subs tuída por um medo mais an go e mais profundo do que qualquer coisa que ela já experimentara.

Um velho, velho reconhecimento. Algo dentro dela o conhecia desde uma época em que as meninas levavam bolsas de pele ao rio para pegar água, uma época em que panteras caminhavam na escuridão do lado de fora das cabanas de barro. De um tempo antes das luzes elétricas, antes das velas, quando a escuridão era afastada com lâmpadas de pedra. Quando a escuridão era o maior perigo de todos. Jenny olhou para o garoto parado ao lado dela, com os cabelos brilhando como a luz da lua. Se a Escuridão assumisse um rosto e uma voz, se os poderes da noite se reunissem e se transformassem em seres humanos, seriam parecidos com ele. — Quem é você? — sussurrou Jenny. — Você não sabe ainda? Jenny negou com a cabeça. — Não importa. Você vai, antes que o Jogo termine. Jenny tentou recuperar a calma: — Olhe, vamos apenas... Você estava na loja de jogos. — Eu estava esperando por você. — Então, estava planejando isso? Mas por que eu? Por que você está fazendo isso comigo? — Jenny podia sen r a histeria puxando-a novamente. Então ele disse isso. Ele estava olhando para ela com olhos como o céu em uma manhã de novembro, com um canto da boca levantado. Ele falou gravemente e um pouco formalmente: — Porque eu me apaixonei por você. Jenny olhou para ele. — Surpresa? Você não deveria estar. Eu a vi pela primeira vez há muito tempo... você era uma garo nha tão bonita. Como se houvesse sol ao seu redor. Você conhece a história de Hades?

— O que? — Jenny não gostou desse salto mercurial de assunto para assunto. — Hades — ele disse encorajadoramente, como alguém ajudando-a a chegar à final. — Deus grego do submundo. Governante de lá. Ele vivia no Mundo das Sombras - e estava sozinho. E então um dia, olhou para a super cie da terra e viu Perséfone. Colhendo flores silvestres, eu acho. Rindo. Ele se apaixonou por ela naquele local. Queria fazer dela sua rainha, mas sabia perfeitamente que ela não iria com ele de bom grado. Então... — Então? — Jenny o incen vou. — Então, ele puxou seus cavalos pretos para sua carruagem. E a terra se abriu diante dos pés de Perséfone. E ela e suas flores silvestres foram puxadas para dentro. — Isso é uma história. — disse Jenny. tentando manter a voz firme. — Um mito. Não existe uma pessoa como Hades. — Você tem certeza? — Depois de um momento, Julian con nuou: — De qualquer forma, você tem mais sorte que Perséfone, Jenny. Você tem uma chance de fugir. Eu poderia apenas levá-la, mas estou lhe dando uma chance. — Ele olhou para Jenny com os olhos como safiras líquidas, selvagens e exó cos. Ela não conseguia falar, não conseguia desviar o olhar. — Quem é você? — Jenny sussurrou novamente. — Quem você quer que eu seja? Eu te amo, Jenny, e vim do Mundo das Sombras para buscá-la. Serei o que você quiser, te darei o que quiser. Você gosta de jóias? Esmeraldas para combinar com seus olhos? Diamantes? — Ele estendeu os dedos em direção à garganta dela, sem tocar. — E roupas? Uma roupa diferente para cada hora do dia, em cores que você nunca imaginou. Animais de es mação? Você pode ter um sagui ou um gre branco. Lugares distantes? Você pode deitar ao sol em Cabo San Lucas ou Costa Azul da França. Qualquer coisa, Jenny. Basta imaginar. Jenny cobriu o rosto com as mãos. — Você é louco.

— Eu posso realizar seus sonhos mais loucos. Literalmente. Peça-me algo, algo que você pensou que nunca poderia ter. Rápido; posso não fazer a oferta novamente. Jenny estava quase chorando. Sua voz, suave e insistente, a fez sen r como se es vesse caindo. Ela nha um desejo terrível de desmoronar em seus braços. — Agora, Jenny, enquanto ainda somos amigos. Mais tarde, as coisas não serão tão agradáveis. Não quero machucá-la, mas machucarei se for necessário. Economize-se de sofrer e sen r muita dor, e me deixe fazê-la feliz agora. Desista, renda-se a mim. Eu sempre ganho, de qualquer forma. A sensação de cair desapareceu. A cabeça de Jenny se levantou. — Ah, sério? — Eu nunca perco. Algo estava acordando em Jenny. Geralmente, ela ficava com raiva rapidamente e superava isso tão rápido, como uma nuvem de verão. Agora ela sen a o lento acendimento de algo diferente, uma fúria deliberada e constante que queimaria por muito tempo. — Cuidado, Jenny. — disse Julian novamente suavemente. — Eu nunca vou ceder a você. — Jenny disse à ele, igualmente suave. — Nem que eu precise morrer antes. — Não chegará a isso, espero. Mas outras coisas podem acontecer; assim que você começar a jogar, não posso mudar as regras. Seus amigos podem sofrer. — O quê? Como? Ele balançou a cabeça para ela. — Jenny, Jenny. Você não entende nada do que está acontecendo? Todos estão jogando o jogo. Eles concordaram em assumir os riscos. Agora terão que assumir as consequências. — Ele virou.

— Não, espere! — É tarde demais, Jenny. Eu te dei uma chance; você recusou. A par r de agora estaremos jogando o jogo. — Mas... — Você pode começar com este enigma. — Virando-se, inclinando a cabeça levemente, ele recitou: — "Sou feito de duas pessoas. Sou quente. Sou frio. Sou o pai de números que não podem ser contados. Sou um presente além da medida. Dou prazer, quando tomado à força." Jenny balançou a cabeça. — Isso diz quem você é? Ele riu. — Não, isso diz o que eu quero de você. Me dê a resposta e deixarei um de seus amigos ir. Jenny empurrou o enigma para o fundo de sua mente. Não fazia nenhum sen do e enquanto Julian estava na sala, era impossível se concentrar em qualquer outra coisa, ao não ser nele. Durante todo esse tempo, ele não havia perdido sua alegria caprichosa, seu charme. Ele obviamente estava amando esse jogo, tendo um momento maravilhoso. — Isso é tudo — disse ele. — Deixe o jogo começar. A propósito, se você se machuca nesses pesadelos, você se machuca de verdade. Se você morrer, você morre. E posso dizer logo que um de vocês provavelmente não conseguirá sair vivo. A cabeça de Jenny se levantou. — Quem? — Isso seria revelador demais. Digamos apenas que um de vocês provavelmente não tem forças para sobreviver. Ah, e mencionei o limite de tempo? A porta da torre - a porta de volta ao seu próprio mundo - se

fechará ao amanhecer. Que é exatamente às seis e onze da manhã. Se você não conseguir chegar nela até lá, estará presa aqui para sempre. Então não perca seu tempo. Aqui está algo para lembrá-la. Longe, mas claro, um relógio invisível tocou. Jenny virou-se para o som, contando inconscientemente quando ele a ngiu às dez da noite. Quando ela virou-se novamente, Julian sumira. Jenny se manteve imóvel. Não havia som. A franja da lâmpada de veludo verde ondulava levemente; caso contrário, o quarto estava parado. Por um instante apenas ficar sozinha foi suficiente para entrar em pânico. Ela estava sozinha em uma casa que não exis a. Não, não surte. Pense. Você pode olhar em volta agora. Talvez haja uma saída daqui. Ela foi até a janela e tentou afastar a pesada cor na azul-pavão. Então congelou. A princípio, ela simplesmente olhou, com a respiração presa na garganta, sen ndo os olhos arregalarem-se como os de um cervo. Então ela voltou a colocar a cor na, empurrando-a para além do ponto de fechamento, pressionando-a contra a janela com as mãos. Ela mal conseguia se soltar do material aveludado, mas o fez, e então se afastou rapidamente. Ela não queria ver o lado de fora novamente. Uma paisagem de terror elementar. Como algo fora da Era do Gelo, pintado por um impressionista louco. Uma tempestade de neve com enormes formas desajeitadamente se arrastando através dela. Azul e verde piscavam como um raio, dando vislumbres de criaturas deformadas rastejando sobre o chão gelado. Pináculos torcidos de saca-rolhas de pedra em direção a um céu branco sem nada. Ela não sobreviveria um minuto lá fora. Mas o que é andar pelo fogo, Jenny pensou, para quem já está no inferno?

É, muito engraçado. Michael apreciaria isso. Ela sen u lágrimas ardendo no nariz, nos olhos. Ela ficou encurvada e infeliz, abraçando os cotovelos no centro da sala vazia. Ela nunca se sen ra tão sozinha e assustada. Ela sen a falta dos amigos desesperadamente. A coragem de Dee, o humor de Michael, a pra cidade de Audrey. Até Summer daria a Jenny alguém para proteger, e quanto a Zach, ela queria descobrir o que havia de errado com o primo. Em todos os anos em que o conhecera, nunca o vira agir dessa maneira. Mas acima de tudo, Jenny queria Tom. Tom, ela pensou ferozmente. Ele é quem está com problemas, não você. Ele está passando por Deus sabe o quê, recebendo a atenção especial de Julian. E você não tem nenhum negócio aqui gemendo enquanto isso está acontecendo. Os gritos para si mesma realmente ajudaram - calou as pequenas vozes murmurantes no fundo de sua mente, dizendo-lhe que ela não poderia enfrentar. Julian disse que isso dependia dela. Tudo bem. Ela estava mais calma agora. Sabia que nha que começar a se mover, mas para onde? Jenny tentou reunir seus pensamentos dispersos, para lembrar a configuração da casa de papel. A sala estava fora de um longo corredor central no primeiro andar. No final do corredor, havia uma escada. No andar de cima, dissera Julian. Jenny se viu andando pelo corredor iluminado por velas, passando por retratos emoldurados em ouro que olhavam desaprovadores das paredes. Ela olhou para a escada. Era larga, atapetada no meio. Não havia absolutamente nada de estranho nisso, mas Jenny não conseguia se forçar a pisar nela.

Eu poderia me virar e correr, ela pensou. Era impossível perceber, emocionalmente, que ela não podia simplesmente voltar para a sala e encontrar o caminho de casa. Mas intelectualmente ela sabia que não havia nada na sala para ajudá-la. E ela não queria pensar no que poderia ver se abrisse a porta da frente da casa. Então você pode ficar aqui e se esconder ou pode subir. Você tem que escolher. Ela colocou um pé na escada. Era sólida. Como qualquer escada. Ela começou a subir em direção à escuridão no topo. O corredor no segundo andar parecia se estender para sempre nas duas direções, tão escuro que Jenny não conseguia ver o seu fim. Havia velas em cas çais de latão em intervalos de distância nas paredes, mas não davam muita luz. Jenny não se lembrava de nenhum corredor na casa de papel olhando-a dessa maneira agora. De fato, como esse lugar realmente parecia era a Mansão Assombrada da Disneylândia. Como qualquer outra criança no sul da Califórnia, Jenny esteve na Disneylândia tantas vezes que sabia de cor, e reconheceu o papel de parede assustador. Mas isso era ridículo. Por que deveria parecer assim? Jenny andou com as pontas dos dedos roçando a parede. Uma dúzia de passos pelo corredor, ela viu algo bem à frente na penumbra, movendo-se sob a luz tremeluzente de uma vela. Ela não sabia se devia correr em direção a luz ou fugir. Então notou algo familiar nas pernas longas e na construção do galgo da figura. — Dee! Dee mal olhou para cima quando Jenny a alcançou. Ela estava lutando com uma porta que se inchava como a de uma na Mansão Assombrada, aquela que sempre assustou Jenny quando criança. Muitas coisas na Mansão Assombrada eram simplesmente tolas, e muitas outras eram surpreendentes. Mas apenas uma coisa havia assustado Jenny quando ela era jovem... e isso era aquela porta.

Uma porta fechada, que inchava no meio como se um grande peso es vesse apoiado nela por dentro, deformando a madeira, expandindo-se e relaxando. Enquanto o tempo todo rosnava gutural, não o po de som que um humano podia emi r, vinha por trás dele. A porta com a qual Dee estava lutando fazia exatamente a mesma coisa. Só que foi aberta um pouco. Dee nha o corpo magro apoiado contra ela, cabeça para baixo, joelhos dobrados, uma perna longa e esbelta para trás, de modo que a ponta do tênis afundou no tapete preto do corredor, mas ela não conseguia fechar a porta. Sem uma palavra, Jenny foi ajudá-la, inclinando-se para pressionar a porta acima e abaixo da maçaneta que Dee estava segurando. O buraco da fechadura nha uma chave grande. — Empurre. — Dee ofegou. Jenny se inclinou com mais força, jogando seu peso para a porta, enquanto Dee empurrava logo acima dela, o corpo es cado ao lado de Jenny. A porta ainda inchava-sem o rosnado baixo e grosso aumentando de tom. Furiosamente. Jenny sen u seus músculos começarem a tremer. Ela abaixou a cabeça e fechou os olhos, travando os dentes. — Empurre! A porta rendeu uma fração crucial de uma polegada, fechando. A mão de Dee disparou para a chave e a girou. Houve um clique, o som de um raio disparando para casa. A porta não estava mais inchando. Jenny tropeçou para trás, as pernas fracas com a liberação repen na de tensão e olhou para ela. Sem deformidades e rosnados. Era apenas uma porta comum de seis painéis, tão silenciosa e inocente quanto uma porta poderia ser. Houve um silêncio absoluto no corredor.

Jenny voltou para a parede oposta e depois deslizou lentamente até descansar nos calcanhares. Sua testa estava molhada ao redor das raízes do cabelo. Dee estava encostando uma mão na parede perto da porta. — Oi. — Jenny disse finalmente. — Oi. — Você viu os outros? Dee balançou a cabeça. — Nem eu. Ele disse, você sabe, ele... — Jenny fez uma pausa. — ele disse que vocês estavam espalhados pela casa. Esperando seus pesadelos. — Jenny olhou para a porta. — Você estava no seu? — Não. Eu estava na sala assis ndo Tom e, de repente, fiquei tonta. Acordei no chão aqui. Havia apenas essa porta e me perguntei o que havia lá dentro, então a abri. — E o quê havia dentro? — Apenas um monstro tão feio quanto uma bunda peluda. — Como os das fotos, a Rastejadora e o Espreitador? — Não, muito mais feio. Mais ou menos como o treinador Rogers. Dee estava encarando isso com bastante calma, pensou Jenny. Ela parecia tensa e severa, mas muito bonita, como uma estátua esculpida em ébano. — É melhor olharmos em volta — disse ela. — Ver se encontramos os outros. — Certo. — Jenny não se mexeu. Dee, ainda de pé, estendeu a mão para ela. — Venha. Levante. — Acho que vou desmaiar.

— Nem se atreva. De pé, soldado! Jenny se levantou. Ela olhou para o corredor. — Pensei que você nha dito que havia apenas uma porta. O que é isso, então? — Não estava lá antes. As duas olharam para a porta. Era como a outra, com seis painéis, parecendo inofensiva. — O que você acha que está por trás desta? — Jenny disse com cuidado. — Vamos ver. — Dee pegou a maçaneta. — Espere, sua luná ca! — Tentando não recuar, Jenny pressionou a orelha na madeira. Ela não conseguia ouvir nada além de sua própria respiração. — Certo, mas esteja pronta para fechá-la novamente rápido. Dee lançou um sorriso bárbaro e ficou pronta para chutar a porta. Jenny colocou a mão na maçaneta e a girou. — Agora. — disse Dee, e Jenny abriu a porta.

CAPÍTULO 06 O quarto atrás da porta nha paredes de ocre dourado. Em um deles, uma máscara africana pendia em glória primi va. Várias esculturas de argila repousavam em estantes de teca embu das, incluindo um vaso que poderia ter sido de Nefer . Almofadas de couro foram jogadas no chão, uma descansando ao lado de uma academia caseira completa. Era o quarto de Dee. O vaso foi feito para Dee por sua avó, Aba. Havia uma pilha de livros didá cos ao lado da cama e uma pilha de trabalhos de casa pela metade na mesa de cabeceira. Jenny adorava este quarto, adorava ver o que Aba traria a Dee a cada viagem. Mas vê-lo agora era desanimador. Quando entraram, a porta se fechou atrás delas e desapareceu. Quando Jenny se virou ao som de uma ba da, não viu nada além de uma parede ocre em branco onde a porta costumava estar. — Ó mo, agora estamos presas. — Deve haver uma saída. — Dee estava franzindo a testa. Elas tentaram a janela. Em vez da Era do Gelo do lado de fora, era a vista comum do quarto de Dee no andar de cima. Jenny podia ver a grama abaixo, iluminada por uma luz na varanda. Mas a janela não se mexia, nem - como descobriram quando Dee jogou um halter de 10kg contra ela quebrava. — E agora? — Jenny ques onou. — Por que estamos no seu quarto? Não entendo o que está acontecendo. — Se este lugar é como um sonho e sabemos que estamos sonhando, devemos poder mudar as coisas. Com nossas mentes. Talvez devêssemos sair daqui.

Ambas tentaram, sem resultados. Por mais que Jenny se concentrasse em fazer a porta reaparecer, nada acontecia. — Desisto. — Dee rou a jaqueta e caiu na cama, como se aquele lugar fosse realmente o seu quarto. Jenny sentou-se ao lado dela, tentando pensar. Seu cérebro não estava funcionando adequadamente - pelo choque, supôs. — Tudo bem, olhe. Esse cara disse que cada um de nós deveria enfrentar seus pesadelos. Então isso deve ser... — ela começou, mas Dee interrompeu. — O quê mais ele disse? Quem é ele? — Ah. Você... você acredita no diabo? Dee lançou-lhe um olhar desdenhoso. — O único diabo que eu conheço é Dakaki, e ele só deixa você com tesão. Segundo Aba. — Acho que ele queria que eu acreditasse que ele era o diabo — Jenny disse suavemente. — Mas não sei. — E ele quer que jogemos o Jogo com ele? Como diz na caixa, só que de verdade? — Se chegarmos à torre ao amanhecer, podemos ir embora. Se não, ele vence. — explicou Jenny e olhou para a amiga. — Dee, você não está com medo? — Do sobrenatural? — Dee deu de ombros. — Porque eu teria? Sempre gostei de coisas de espada e fei çaria; fico feliz que seja verdade. E não vejo por que não podemos vencê-lo. Jurei chutar a bunda do Homem das Sombras antes, e vou. Você vai ver. — Mas... tudo isso é loucura. — disse Jenny. Agora que teve tempo de sentar e pensar, a reação estava chegando. Ela estava tremendo de novo. — É como se você vesse pensado que com certeza há uma percepção

extrasensorial; que talvez existam coisas estranhas no escuro. Mas você acha que nunca poderia acontecer com você. Dee abriu a boca, mas Jenny se apressou a con nuar: — E então acontece e tudo é diferente, impossível, mas ainda está acontecendo. — Ela olhou com atenção para olhos escuros da amiga, desesperados para entender. — Certo — disse Dee brevemente, retornando o olhar de Jenny. — Está acontecendo. Então, todas as regras foram alteradas. Temos que nos adaptar logo. Ou não vamos conseguir. — Mas... — Mas nada, Jenny. Sabe qual é o seu problema? Você pensa demais. Não faz sen do ficar remoendo isso. Precisamos nos preocupar agora em sobreviver. A mente direta e afiada de Dee nha chegado ao cerne da questão. O que estava acontecendo estava acontecendo, fosse possível ou não. Eles nham que lidar com isso se quisessem viver. Jenny queria viver. — Certo — ela respirou. — Então nos adaptemos. Dee deu um sorriso brilhante. — Além disso, é diver do, não acha?! Jenny pensou em Tom se escondendo de algo invisível no chão. Ela apoiou a testa na ponta dos dedos. — Mas alguma coisa deve te assustar — disse depois de um minuto, levantando o rosto. — Você desenhou um pesadelo. Dee pegou um bracelete frisado de Ndebele na mesa de cabeceira e o examinou. — Minha mãe me assusta. Sério. — acrescentou, após olhar aborrecido de Jenny. — As coisas dela na universidade... computadores e tal. — Dee

olhou para a janela. Jenny viu apenas as cor nas feitas de tecido vindo do Reino do Daomé. — Você tem medo de tecnologia? — perguntou, incrédula. — Não tenho medo da tecnologia. Só gosto de poder lidar com as coisas... sabe, diretamente. — Dee levantou um punho fino e fechado e Jenny olhou para os tendões com fio no antebraço escuro. Não é de admirar que Dee não tenha medo das coisas de "espada e fei çaria"; ela se encaixa bem nos mitos de heróis. — É por isso que não vou para a faculdade — disse Dee. — Quero trabalhar com minhas mãos; e não com algo ar s co. — Aba te mataria. — Jenny sorriu fraco. — E seu cérebro é tão bom quanto suas mãos... — Ela se interrompeu porque Dee estava mais uma vez olhando para a janela. — Dee, o quê você desenhou? — perguntou, sentando-se ereta e finalmente fazendo a pergunta que deveria ter feito em primeiro lugar. — Nada está acontecendo. — O quê você desenhou? Uma luz vermelha brotava do lado de fora da janela, como o brilho de um fogo distante. Jenny virou a cabeça em direção à um som crepitante e viu que o som de Dee começara a esfumaçar. — O que...? — Jenny respirou. Dee já estava se movendo em direção à janela. — O que vai acontecer? — Jenny gritou, pulando. Teve que gritar por causa do som pulsante que repen namente permeou a sala. Isso ressoou nos ossos de Jenny. Do lado de fora, uma silhueta apareceu contra a luz. — Dee! Jenny agarrou a amiga, tentando puxá-la para longe da janela. Estava em pânico e sabia disso. A coisa lá fora era enorme, bloqueando as estrelas,

preta opaca e an -reflexa, mas com um brilho vermelho. Os eucaliptos lá fora estavam batendo com um vento violento. — O que é isso? — Ela gritou, vagamente consciente de que Dee estava segurando-a de volta. Mas essa foi uma pergunta estúpida. O que poderia ser, pairando do lado de fora de uma janela do segundo andar, em forma de meia-esfera com o lado plano voltado para baixo? Enquanto Jenny observava, seis raios de luz, brilhantes como labaredas de fósforo, dispararam do fundo da coisa. Uma das luzes girou para brilhar diretamente através da janela. Jenny estava cega, mas ouviu o lintar de vidro e uma rajada de vento soprou seus cabelos para trás. A janela se foi, pensou. O vento que passava por ela estava gelado e parecia de alguma forma elétrico. Atrás dela, uma bandeja de latão caiu de um suporte de madeira com um estrondo. Foi quando Jenny descobriu que não podia se mexer. A luz a estava paralisando de alguma forma; seus músculos parecendo geleia. Havia o forte odor pungente de uma tempestade elétrica. Ela estava perdendo a consciência. Eu vou morrer, pensou. Nunca vou acordar. Com um grande esforço, Jenny virou a cabeça em direção a Dee para obter ajuda. Dee estava encarando a luz rigidamente, as pupilas contraídas. Incapaz de ajudar Jenny ou a si mesma. Lute, Jenny pensou fracamente. Desta vez, desmaiar foi como escorrer em uma poça negra de lodo. A sala era redonda. Jenny estava deitada em uma mesa que se adaptava à forma do seu corpo. Seus olhos estavam ardendo e lacrimejando, e ela sen u uma grande falta de vontade de se mover. Uma luz branca brilhou sobre ela de cima. — É exatamente do jeito que pensei que seria — disse uma voz rouca. Jenny lutou contra o cansaço o suficiente para virar a cabeça. Dee estava

em outra mesa a alguns metros de distância. — É como o que li sobre os Visitantes, assim como os meus sonhos. Jenny nunca nha pensado muito sobre OVNIs, mas não era isso que ela esperava. A única coisa que sabia sobre alienígenas era que eles faziam coisas com as pessoas. — Então esse foi o seu pesadelo — murmurou ela. O perfil perfeito de Dee estava inclinado para os holofotes brancos acima dela, parecendo exatamente como uma escultura egípcia. — Ah, brilhante. Mais alguma dedução? — ela rebateu. — Sim. Temos que sair daqui. — Não consigo me mexer — Dee disse. — E você? Não havia restrições óbvias, mas os braços e as pernas de Jenny estavam pesados demais para levantar. Ela podia respirar e mover um pouco o torso, mas os membros eram pesos mortos. Estou com medo, pensou. E então pensou sobre como Dee deveria estar se sen do. Como uma atleta, o desamparo sico era o pior medo de Dee. O corpo forte e esbelto que cul vara com tanto cuidado não lhe era ú l agora. — Este lugar... parece tão esterilizado — disse Dee, suas narinas dilatadas. — Está sen ndo? E aposto que eles são como insetos de colmeias, todos iguais. Se pudéssemos nos levantar para combatê-los... mas eles têm armas, com certeza. Jenny entendeu. Músculo e ingenuidade não fariam nada contra a tecnologia esteril e infernalmente eficiente. Não é à toa que era o pesadelo pessoal de Dee. Jenny notou um movimento em sua visão periférica. Eles eram pequenos como Summer. Para Jenny, pareciam demônios: sem pêlos, com corpos esguios e grandes olhos escuros brilhantes. Sem nariz, apenas fendas como

bocas. A pele brilhava como cogumelos podres, cogumelos muito pálidos cul vados em um porão sem nunca verem a luz. Jenny notou um odor de amêndoas. Eles estavam vivos, mas eram tão estranhos e tortos quanto coisas alvejadas que rastejavam em fundos de cavernas. Apenas a visão deles a ngiu Jenny com um terror doen o. Estavam nus, mas Jenny não conseguia ver nada que os iden ficasse como homens ou mulheres. Seus corpos eram espaços em branco hediondos, como corpos de bonecas. Eles farão isso, Jenny pensou. De alguma forma, sabia que eles as machucariam. Dee fez um som fraco e Jenny virou-se para ela. Era mais fácil do que nha sido na outra vez e, depois de um instante, ela percebeu que os holofotes acima de si haviam diminuído fracamente. A luz de Dee estava mais brilhante, porque ela tentava fugir. Jenny nunca nha a visto assustada antes - mesmo na sala, ela parecia mais alerta do que qualquer outra coisa. Mas agora Dee parecia um animal aterrorizado. Gotas de suor estavam em sua testa pelo esforço de se mover. Quanto mais se deba a, mais brilhante a luz acima dela ficava. — Dee, pare com isso! — Jenny disse, agoniada. Não suportava assis r. — É apenas um sonho, Dee! Não deixe isso chegar até você. Mas Julian havia dito que se eles se machucassem no sonho, se machucariam de verdade. Os visitantes estavam agrupados em torno de Dee, mas não pareciam alarmados. Pareciam absolutamente indiferentes. Um deles empurrou um carrinho para o outro lado da mesa de Dee. Jenny viu uma bandeja de instrumentos brilhantes. Deus, não, Jenny pensou, e Dee caiu de volta na mesa, exausta. Outro pegou algo longo e brilhante da bandeja e examinou-o com brilhantes olhos negros. Ele flexionou a coisa algumas vezes, como um pintor pra cando corridas com um pincel. Parecia insa sfeito, embora com seu rosto parecido com uma máscara, Jenny não soubesse como podia

dizer isso. Então casualmente jogou a coisa para cima da coxa de Dee e ela gritou. Foi como ouvir seu pai gritar. Jenny ficou tão assustada que tentou se levantar e só conseguiu escorregar ligeiramente as pernas. Um dos seres as reposicionou cuidadosamente, es cando os pés em direção aos cantos inferiores da mesa. Ela nunca se sen ra tão exposta, tão vulnerável. A calça legging preta de Dee ficou aberta aonde a coisa cortara. Jenny podia ver o sangue. O ser entregou o instrumento a um dos outros, que o levou embora. Se eles estavam conversando ou se comunicando, Jenny não conseguia dizer. Certamente, não tentaram se comunicar com Dee ou ela. Eles estavam se movendo novamente. Um deles - o mesmo que cortara Dee? - pegou um novo instrumento e foi para a mesa de Jenny. Com um movimento rápido e hábil, ele pousou o instrumento na mão de Jenny. Ela sen u um beliscão. Então a sonda entrou em seu ouvido. Ultrajada, Jenny tentou rolar a cabeça, mas mãos pequenas, fortes como garras dentro de cogumelos, seguravam sua testa. Ela sen u a sonda se aprofundar e se contorceu frene camente. Tocou seu mpano e doeu como um cotonete esfaqueado muito fundo. Ela estava completamente desamparada. O que quer que quisessem fazer com ela, eles fariam. Lágrimas de dor e fúria escorriam de seus olhos, pelas têmporas. Eles colocaram a sonda em seu outro ouvido. Um deles enxugou o olho dela. Jenny sen u o toque de metal frio contra o globo ocular. — É apenas um sonho! — gritou para Dee, quase chorando, quando a sonda foi re rada. — Não é real! Ela não conseguiu ouvir nenhuma resposta da outra mesa.

Que po de jogo era esse aonde você não nha chance? Julian falou sobre "superar" os pesadelos, mas Jenny não achou que isso significava apenas esperar que passassem. Ela deveria fazer alguma coisa, mas não sabia o quê e não conseguia se mexer. E não achava que ela e Dee sobreviveriam a isso se apenas ficassem ali. — O que você quer de nós? — Ela gritou. — O que devemos fazer? Houve uma mudança entre os visitantes. Um novo po de ser chegou. Mais alto que os outros, claramente no comando, com a pele branca como cera. Seus dedos nham o dobro do comprimento dos de um humano. Embora Jenny vislumbrasse apenas seu rosto, parecia mais ameaçador do que os outros, seus traços ainda mais exagerados. Ele pegou algo do carrinho de instrumentos e foi até o outro lado da mesa de Dee. Olhou para Jenny e ela viu que seus olhos eram azuis. Não brilhava como os olhos dos outros seres. Lagos azuis infinitamente profundos, profundos como uma montanha é alta. Olhos que olhavam dentro de você. Jenny olhou para trás, seus próprios olhos se arregalando. Então viu o que ele segurava. Uma agulha. Fina como um fio, assassinadoramente longa, mais longa que as usadas em cirurgias de coluna. O Visitante alto estava segurando-a sobre o estômago de Dee. O estômago de Dee estava arfando loucamente em uma luta pela respiração. Sua camiseta cáqui estava grudando no corpo enquanto ela se contorcia em uma tenta va inú l de escapar. Seu cabelo encharcado de suor brilhava como mica na luz. — Não toque nela! — Jenny chorou. Observar isso acontecer com Dee foi pior do que acontecer com ela mesma. A agulha pairava logo abaixo do umbigo. O abdômen de Dee ficou côncavo, tentando evitá-la. Dee fez movimentos de balanço, como se es vesse tentando deslizar pela mesa, mas só se moveu no mesmo lugar. A luz

acima dela se intensificou e, abruptamente, suas lutas se tornaram mais fracas. — Seu desgraçado! Deixe-a em paz! O que eu posso fazer? Jenny pensou. Ela nha que parar com isso, mas como? A luz. Chegou à ela de repente. A luz acima dela havia diminuído quando a de Dee se iluminou. Talvez pudesse se mexer agora. E se ela pudesse se mover... Ela começou a se balançar e conseguiu um pouco de controle sobre seu corpo. Mas não muito. Seus braços e pernas ainda eram inúteis, como enormes pedaços de carne morta presos à ela. Mas Jenny podia mexer o tronco, a cabeça e o pescoço. Usando toda sua força, ela balançou seu peso de um lado para o outro. Dee a viu. Todos os outros olhos na sala, todos aqueles olhos negros líquidos e inclinados e o único par de azul profundo, estavam focados no estômago de Dee, na agulha. Mas a cabeça agitada dela virou-se para Jenny e, por um momento, as duas se entreolharam, se comunicando sem palavras. Então, Dee começou a lutar novamente. Quanto mais lutava, mais brilhante a luz sobre ela ficava. E quanto mais brilhante à sobre si ficava, mais fraca ficava a sobre Jenny. Caía desta mesa e você não terá como controlar isso, a mente de Jenny disse a ela. Um braço ou uma perna quebrada, pelo menos; talvez um nariz. Você vai se esmagar de cara no chão. Ela con nuou balançando. Talvez Dee pensasse que Jenny estava apenas tentando fugir, mas o que ela queria era distraí-los. Parar aquela coisa com os dedos muito longos de enfiar a agulha em Dee. Se ela se machucasse, eles teriam que lidar com ela. Deixariam Dee em paz.

Ela balançou o tronco cada vez mais forte, como uma barata tentando se virar. Dee estava lutando loucamente, gritando insultos para manter a atenção dos alienígenas. A luz acima de Jenny diminuiu ainda mais e ela subiu violentamente, sen ndo seu impulso levá-la ao limite. Por um momento, ficou ali, equilibrada de lado, depois o peso morto de seus braços e pernas decidiu a questão, e ela sen u-se começar a cair. Houve uma explosão de movimento assustado dos alienígenas e a luz ardeu em brilho acima dela. Não importava nem um pouco. Não eram seus músculos que estavam no comando, era a lei da gravidade. Algo com que ninguém poderia discu r. A iluminação abrasadora refle a o chão branco e Jenny fechou os olhos quando o chão pareceu encontrá-la. Esperando o som do impacto. Quando ele não veio, ela abriu os olhos. Estava flutuando, de bruços, a uma polegada do chão. Suspensa. Paralisada. Os alienígenas estavam andando histericamente, como se não es vessem programados para lidar com isso. Como se es vessem tão surpresos com sua prisão no ar quanto ela. O reflexo doloroso no chão suavizou. Jenny ainda estava flutuando. Foi uma sensação muito estranha. Os pequenos alienígenas ainda estavam se movendo em consternação; Jenny podia ver os pés deles. Um grupo se amontoou entre as mesas e a levou de volta para a dela. Jenny estava posicionada muito alta - ela sen u seu rabo de cavalo pendurado na borda da mesa. E a luz acima de si era mais fraca. Talvez alguém que não es vesse olhando por meia hora não notasse, mas Jenny percebeu. O alienígena de olhos azuis com a agulha estava ao lado dela. Ela esperava que ele a tocasse, mas ele não o fez. Apenas olhou para baixo e Jenny olhou para trás. Por que você não me deixou cair?, ela pensou. De repente, o alienígena alto se virou. Apontou para os outros, depois saiu pela porta octogonal da sala redonda. Vários dos pequenos o seguiram,

empurrando o carrinho. Vários outros vieram e derramaram um líquido verde na boca de Jenny. Tinha gosto de açúcar e iodo. Jenny cuspiu. Eles seguraram sua cabeça e encheram sua boca novamente. Desta vez, ela fechou os lábios, prendendo o líquido dentro da boca, fazendo o possível para não engolir. Ela poderia cuspi-lo neles e podia sen r seus dedos novamente, mas fingiu que não podia se mover. E então, abençoadamente, eles foram embora. Jenny virou a cabeça e cuspiu. Seus lábios e língua estavam dormentes. Ela viu Dee fazendo o mesmo. Elas se entreolharam, depois para as luzes. — Ambas mais escuras — Jenny sussurrou. Dee assen u. Então, com os olhos na porta, elas se contorceram e se balançaram das mesas. Não foi fácil, mas com as luzes tão fracas, era possível. Jenny, sem treinamento para como cair, machucou o braço e o joelho. Mas Dee já a estava levantando e fora da iluminação das luzes, Jenny percebeu, podia se mover livremente. — Olhe — disse, agarrando o braço de Dee. Era uma porta côncava na parede atrás da cabeça de Jenny. Parecia uma porta de avião, que Jenny reconheceu porque passara cinco horas estudando uma quando sua família voou para a Flórida nas férias. E isso era um absurdo, Jenny pensou, irritada. Por quê os alienígenas teriam portas de avião? Mas Dee não estava preocupada com isso; ela estava movendo alavancas e outras coisas. A porta se abriu para fora. Jenny gritou. Nunca gostou de alturas, e isso era muito mais alto do que ela já es vera ao ar livre. Ela podia ver nuvens abaixo. Mas nós duas fomos para a porta ins n vamente, pensou. Deve ser a saída. Entramos no quarto de Dee e a porta desapareceu. Esta é a primeira que vimos desde então. Tem que ser a saída. Ela ainda se sen a fraca quando olhou para baixo.

— Eu não me importo; prefiro morrer a ficar aqui. Além disso, sempre quis saltar de paraquedas — disse Dee, depois agarrou a mão de Jenny e pulou. Jenny realmente gritou dessa vez. O assobio do vento bateu em seu rosto e seus olhos se fecharam. Tudo estava gelado ao seu redor. Ela se sen u leve, mas sabia que estava caindo. Se isso é como voar, não gostei... Ela não desmaiou exatamente naquele momento, mas as coisas ficaram muito confusas. Jenny não conseguiu ver ou ouvir nada até bater em uma porta pintada de ocre com um baque, Dee caindo atrás de si. Naquela direção e velocidade, elas pareciam ter sido jogados pela janela do quarto de Dee por uma mão gigante. A porta se abriu quando ela bateu nela, e as duas caíram no corredor. O corredor da Mansão Assombrada. Escuro como uma cripta. Jenny olhou para o brilho dourado do quarto de Dee, então a porta bateu na frente delas e se fechou. Ela e Dee estavam ofegantes, enquanto seus olhos se ajustavam gradualmente à penumbra. Dee se inclinou lentamente e socou Jenny deliberadamente no bíceps. — Conseguimos, matadora! Você me salvou. — Estamos vivas — Jenny murmurou. — Nós saímos. Dee... Você percebe? Nós vencemos! — Mas é claro — disse Dee. Ela enfiou os dedos no buraco da calça e Jenny viu que o corte ainda estava lá, o sangue seco. Então Dee levantou a blusa. Jenny podia contar costelas sob a pele escura aveludada da noite, abaixo do su ã espor vo azul escuro. Mas não havia marca acima do umbigo. — Eu te disse, você me salvou. Esse foi o meu pior pesadelo... aquelas coisas me cutucando e eu não sendo capaz de detê-las. — Nós duas fizemos isso, usando nossos cérebros — disse Jenny. — Enfim, agora sabemos o que fazer nos pesadelos. Quando entramos, procuramos uma porta, qualquer porta. Ei, o que é isso?

Um pedaço de papel ficou branco contra o tapete preto. Jenny o limpou e viu que era um desenho, feito em giz de cera. Uma coisa negra como um chapéu-coco pairava sobre as árvores, com raios de luz rabiscados ao redor. — Eu nunca soube desenhar muito bem — disse Dee. — Mas você entendeu. Agora, o que fazemos? O medo dos alienígenas deixou sua marca no rosto de Dee, mas ela também parecia emocionada, triunfante. Pronta para qualquer coisa. De repente, Jenny ficou muito agradecida por ter uma garota bonita e corajosa ao seu lado. — Nós encontramos os outros. Procuramos outra porta. Ela deixou o papel amassado cair no chão e se levantou, oferecendo a Dee uma mão para ajudá-la. Um relógio invisível bateu às onze. Jenny ficou rígida. — É isso, o relógio que ouvi na sala. Está contando as horas. Ele disse que o amanhecer era às seis e onze. — Então ainda temos sete horas. É tempo de sobra. Jenny não disse nada, mas seus dedos formigaram. Não conseguia explicar, mas nha a sensação de que Dee estava muito errada. O corredor parecia se estender infinitamente nas duas direções. A escada havia desaparecido. — O corredor mudou. — disse ela. — Ele con nua mudando... por quê? Dee balançou a cabeça. — E como sabemos para que lado ir? É melhor nos separarmos. Jenny quase se opôs a isso, mas depois do que elas passaram... bem, ela deveria ser capaz de lidar com um corredor sozinha. Ela começou a descer e imediatamente perdeu a vista de Dee.

Parecia quase normal estar andando por um corredor infinito de carpete preto, como algo saído de um filme de terror. Acho que você pode se acostumar com qualquer coisa, pensou Jenny. Depois da esterilidade branca e ofuscante da nave alienígena, esse lugar escuro parecia quase aconchegante. Não havia portas. Até o monstro, que deveria estar em algum lugar atrás, desapareceu. As minúsculas chamas das velas con nuavam incessantemente à frente. Quando Jenny parou embaixo de uma para descansar, pensou de repente no enigma que havia empurrado para o fundo da mente mais cedo. Se quisesse sair dali com os amigos, deveria tentar resolvê-lo. Sou feito de duas pessoas. Sou quente. Sou frio. Sou pai de números que não podem ser contados. Sou um presente além da medida. Dou prazer, quando tomado à força. O que isso poderia significar? Entre duas pessoas, quente e frio... provavelmente era algo infan lmente simples. — Gostando do Jogo até agora? — A voz era como aço envolto em seda. Jenny virou-se rápido. Julian estava encostado na parede. Ele trocara de roupa novamente; agora usava jeans preto comuns e uma camiseta preta com as mangas arregaçadas. Vê-lo de repente foi como quando a água do chuveiro cai sobre você pela manhã, um choque de consciência fria. — Foi você? No navio lá em cima? — Isso seria revelador. — ele foi breve, mas por um instante os cílios pesados piscaram. — Por que você não me deixou cair? — Você sabia que seus olhos estão escuros como ciprestes? Isso significa que você está triste. Quando você está feliz, eles ficam mais claros, ficam dourados.

— Como você sabe? Você nunca me viu feliz. Ele a deu um olhar, rindo. — É isso que você acha? Eu sou um homem das sombras, Jenny. Enquanto Jenny tentava entender isso, ele con nuou.

CAPÍTULO 07 — Olhos de cipreste e pele brilhante do sol... e seu cabelo é como âmbar líquido. Por quê você o usa preso assim? — Porque Tom gosta — Jenny disse reflexivamente, sua resposta padrão. — Olhe, o quê você quis dizer... Ele balançou a cabeça, produzindo um som com a língua. — Posso? — pediu educadamente, endireitando-se. Seu tom era tão normal, tão solícito, que Jenny assen u automa camente. Ela ainda estava atenta à sua pergunta. — O que você fez; não, não.. Ele rou o elás co do rabo de cavalo dela. Jenny sen u o cabelo cair em volta do pescoço, e então os dedos dele estavam nele. Um arrepio quase impercep vel passou por Jenny. — Não — ela disse novamente. Não sabia como lidar com esta situação. Ele não estava sendo duro; ainda parecia solícito e amigável. Não parecia apropriado a ngi-lo no estômago, como Dee a ensinara a fazer com caras que a irritavam. — É lindo — ele murmurou. Seu toque era leve como o tapinha macio da pata de um gato, e sua voz era como veludo preto. — Você não gosta dele assim? — Não — disse Jenny, mas podia sen r o calor em seu rosto. Ela estava encostada na parede agora. Não sabia como se afastar dele - e o pior era que seu corpo não parecia certo de que queria isso. Os dedos frios dele se moveram contra as raízes quentes de seu cabelo, e ela sen u uma emoção trêmula. — Já te falei da sua boca? — ele perguntou. — Não? É macia. Lábio superior curto, completamente inferior. Quase perfeito, exceto que

geralmente é um pouco melancólico. Há algo que você quer, Jenny, mas não está recebendo. — Tenho que ir agora — Jenny disse às pressas. A resposta padrão dela para qualquer idiota em festas. Estava tão confusa que não se importava se não fazia sen do ali. — Você não precisa ir a lugar algum. — Ele pareceu incapaz de desviar os olhos do rosto dela por um segundo. Jenny nunca segurou o olhar de ninguém por tanto tempo - e ela nunca sonhou com olhos como os dele. — Eu poderia lhe mostrar o que você quer — con nuou ele. — Você me permite? Deixe-me lhe mostrar, Jenny. A voz dele parecia roubar os ossos do corpo dela. Jenny estava ciente de que precisava balançar a cabeça, tanto em resposta aos novos sen mentos quanto à pergunta dele. Mas não sabia o que estava acontecendo. O toque de Tom a fazia se sen r segura, mas esse... esse a fazia se sen r fraca por dentro, como se seu estômago es vesse caindo. — Deixe-me mostrar a você — disse novamente, tão suavemente que Jenny mal podia ouvi-lo. Os dedos dele eram tão gen s quando entrelaçaram-se nos cabelos dela, pedindo-lhe que levantasse o rosto na direção dele. Os lábios dele estavam a cen metros dos dela. Jenny sen u-se fluindo em direção a ele. — Pare... — disse ela. — Por favor, pare. — Você realmente quer que eu faça isso? — Sim. — Tudo bem. Para sua surpresa, ele deu um passo para trás, os dedos saindo dos cabelos dela. Jenny ainda podia sen -los. Eu quase o beijei, ela pensou. Não o contrário. Em um minuto, eu teria o beijado. Tom. Ah, Tom.

— Por que você está fazendo isso? — ela ques onou, os olhos se enchendo de novo. Ele suspirou. — Eu te disse. Me apaixonei por você. Não fiz isso de propósito. — Mas somos tão diferentes — Jenny sussurrou. Ela ainda estava sen ndo os joelhos fracos. — Por quê você deveria me querer? Por quê? Ele olhou para ela, a cabeça inclinada levemente, interroga va. — Você realmente não sabe mesmo? — Os olhos dele se moveram para os lábios dela. — Luz para a escuridão, Jenny. Escuridão para a luz. Sempre foi assim. — Eu não sei do que você está falando. — E ela não entendia mesmo. Nem queria entender. — Suponha que o diabo es vesse apenas cuidando discretamente de seus próprios negócios... quando viu uma garota. Uma garota que o fez esquecer tudo. Havia outras garotas mais bonitas, é claro. Mas essa garota nha alguma coisa. Uma bondade, uma doçura sobre ela. Uma inocência. Algo simples que ele queria. — Para destruir. — Não, não. Para apreciar. Aquecer seu coração frio. Mesmo um pobre diabo pode sonhar, não pode? — Você está tentando me enganar. — Estou? — Havia algo estranhamente sério em seus olhos azuis. — Eu não vou ouvi-lo. Você não pode me obrigar a ouvir." — Verdade. — Por um instante, Julian pareceu cansado. Então deu seu estranho meio sorriso. — Então não há escolha a não ser con nuar jogando, não é?! Não há escolha para nenhum de nós. — Julian...

— O quê? Jenny endireitou o corpo, balançando a cabeça. Ele era louco. Mas uma coisa que ela acreditava, ele realmente estava apaixonado por ela. Ela sabia, de alguma maneira, que era verdade. Também sabia algo mais sobre ele, sabia desde aquele instante em que olhou nos olhos dele e viu as sombras ancestrais ali. Sabia disso quando ele humilhara Tom e aterrorizava Dee. Ele era mau. Cruel, caprichoso e perigoso como uma cobra. Um príncipe das trevas. Completamente malvado e completamente apaixonado por ela. Como ela deveria conciliar isso? — Se você me quer tanto, por que não me leva, então? — disse ela. — Por que passar por tudo isso com o Jogo? Você poderia me pegar a qualquer momento... Por que simplesmente não faz isso? Seus cílios pesados caíram novamente. Naquele instante, ele se parecia exatamente com o garoto da loja More Games. Quase vulnerável, quase humano. Compreensão chegou a Jenny. — Porque você não pode — ela respirou. — Você não pode, não é?! Não pode fazer o que quiser, nem mesmo aqui. Seus olhos brilharam, como os de uma cobra. Jenny viu pura violência ali. — Este é o meu mundo. Eu faço as regras aqui... — Não. — O triunfo ver ginoso crescia através de Jenny, uma corrida efervescente. — Não faz. Foi por isso que você perguntou se podia tocar no meu cabelo. Foi por isso que tentou me fazer te beijar. Você não pode fazer isso sem a minha permissão. — Cuidado, Jenny — ele avisou. Seu rosto estava frio e cruel. Jenny apenas riu animadamente.

— Se você pode me beijar contra a minha vontade, então prove. Me mostre, faça isso agora. — E então ela adicionou uma frase em italiano que pegara de Audrey. — Come osi! Significava eu te desafio. Ele não se mexeu. Jenny riu de novo. — Acho que você não entendeu — disse ele. — Eu vou ter você, a qualquer custo. Qualquer custo, Jenny, mesmo que você tenha que sofrer pelo caminho. Se eu não puder forçá-la, vou convencê-la... E posso ser muito persuasivo. Jenny sen u um pouco do triunfo se dobrar dentro dela. — Lembre-se de onde você está, Jenny. Em qual território está. Lembre-se do que eu posso fazer no jogo. Jenny estava voltando a si agora. — Você me desafiou... agora suponho que terei que lhe mostrar do que sou capaz. — Eu não ligo para o que você fizer comigo. — Talvez não seja com você. Vê sua amiga lá? Ela também está jogando o Jogo. — Ele estava olhando para o corredor, na mesma direção que Jenny estava seguindo. Quase invisível sob uma vela distante estava o brilho de cobre do cabelo de alguém. Jenny respirou fundo. — Não se atreva... — Voltando a falar com ele, ela se interrompeu. Julian se fora. Ela estava sozinha. Jenny mordeu o lábio. Era irritante conversar com alguém que pudesse fazer isso e ela estava começando a pensar que não nha sido uma boa ideia rir dele. Mas não havia nada o que pudesse fazer sobre isso agora.

— Audrey! — Ela gritou e começou a descer o corredor. A pele de Audrey, geralmente pálida como flores de magnólia, era tocada com um brilho dourado das velas, e seus cabelos ruivos-cobre brilhavam. Elas se abraçaram, e Jenny achou que apenas Audrey poderia ficar tão calma, tão chique, em circunstâncias tão terríveis. — Parece que a qualquer momento você exigirá ver seu embaixador. — Se papai es vesse aqui, ele cuidaria das coisas — concordou Audrey. — Ele saiu da aposentadoria para assumir este lugar. Você está bem? Está um pouco corada. Jenny colocou a mão na bochecha, inconscientemente. — É a luz. Hã... há quanto tempo você está aqui? Quero dizer, você me viu antes de eu te chamar? — Não. Eu estava desesperadamente procurando alguém, mas tudo o que vi foi esse corredor interminável. — Que bom. Quero dizer, que bom que te encontrei. A única outra pessoa que vi foi Dee. Ela está lá atrás e acabou de passar quase que pelo inferno. E você é a próxima, se eu es ver certa sobre como isso funciona. Vamos indo que eu explico. A explicação - sobre como os amigos estavam espalhados, sobre como encontrar portas nos pesadelos, sobre o limite do horário do amanhecer e sobre como as coisas nos pesadelos poderiam machucá-los - demorou até encontrarem Dee. A encontraram, para alívio de Jenny, ao lado de uma porta. — Eu pensei que seria melhor vigiá-la para garan r que não fosse a lugar nenhum — disse ela depois de um aceno superficial para Audrey, que nha apenas uma pergunta. — Ele é nórdico, esse cara? Eles supostamente são bem sexys. Jenny ignorou isso.

— Antes de abri-la, como sabemos que não é uma das portas que já abrimos? — Não tem como sabermos — Dee exibiu o sorriso. Sua beleza selvagem e sal tante sempre irritava Audrey. — Claro que não tem uma chave como a primeira, mas acho que é melhor entrarmos na posição de atacque novamente. Qualquer coisa pode estar lá dentro. Ela e Jenny se posicionaram, prontas para chutar a porta rapidamente. As sobrancelhas de Audrey se ergueram em sua franja espetada. — Não, obrigada — ela disse educadamente. — Não com essa saia justa. Ouçam, vocês duas, por que estamos fazendo isso? Por que não sentamos e nos recusamos a brincar? — Você não me ouviu? — Jenny a olhou. — Se ainda es vermos aqui ao amanhecer, ficaremos para sempre. Perdemos automa camente. — Nunca perdi nada por omissão. — disse Dee. Então disse: — Vamos. Atrás da porta havia uma floresta. O vento frio soprou, despenteando os cabelos soltos de Jenny contra sua bochecha. Cheirava a acampamento de verão. — Deus — ela disse. — Bem, vamos logo — disse Audrey, batendo as unhas perfeitamente polidas em um gesto de pron dão. — É melhor acabarmos com isso rápido. — É muito estranho — Jenny observou ao redor. — O quarto de Dee era pelo menos um quarto. Mas isso... Elas estavam nos arredores de uma floresta escura em uma colina inclinada. Acima delas, o céu noturno estava coberto de estrelas muito maiores e mais brilhantes do que as que Jenny geralmente via em seu quintal em Vista Grande. Uma lua de prata pura estava nascendo. A porta bateu e desapareceu, é claro, assim que elas passaram. Atrás de Jenny havia prados e pastagens; diante dela uma massa emaranhada de

troncos e arbustos pretos como breu. As meninas estavam sozinhas na colina ao luar. — E agora? — Audrey tremeu me culosamente. — Como assim? É o seu pesadelo, você desenhou. — Eu desenhei a mim mesma abrindo o catálogo da Bloomies1 e encontrando-a em branco. — disse Audrey. — Isso é o meu pior pesadelo. E não me olhe assim; compras são mais diver das do que terapia. — E isso era tudo o que ela diria sobre isso. Havia algumas luzes espalhadas no vale abaixo delas. — Mas é muito longe para irmos. — disse Jenny. — E mesmo se chegássemos lá embaixo, não acho que iam haver pessoas. Audrey a olhou estranhamente, mas Dee assen u. — Parece uma daquelas maquetes ferroviárias, ou um cenário. Frentes falsas. Você está certa, acho que não encontraríamos casinhas com pessoas lá embaixo. O que significa... Elas encararam a floresta sombriamente. — Por que tenho um mau pressen mento sobre isso? — Jenny perguntou. — Vamos — disse Dee. — Vamos fazer isso. A floresta parecia sólida, mas com Dee na liderança, elas encontraram uma maneira de entrar nela. Eram principalmente pinheiros e abetos, com as faias ocasionais brilhando cinza prateado contra a escuridão do fundo. — Ah, meu Deus — murmurou Audrey depois de terem andado algum tempo. — Terreno alto, árvores sempre verdes, rochas... Eu sei onde estamos agora. É a Floresta Negra. — Parece algo vindo de uma história — Jenny murmurou, abrindo caminho através da vegetação rasteira. — É um lugar real. O vi quando nha oito anos, quando papai estava na embaixada alemã. Ela... me assustou um pouco, porque era "a floresta".

— "A floresta"? — Dee lançou um olhar irônico por cima do ombro. — A floresta aonde tudo aconteceu, aonde os irmãos Grimm escreveram todos os seus contos de fadas. Branca de neve. João e Maria. Chapeuzinho Vermelho e... Audrey parou no meio da frase. Na sua frente, Dee também parou. Os joelhos de Jenny travaram. Logo à frente delas na escuridão emaranhada, olhos amarelos brilhavam. Jenny até imaginou que podia ver o luar brilhando nos dentes afiados. As três ficaram muito paradas. Segundos se passaram e os olhos amarelos permaneceram imóveis. Então pareceram olhar para um ângulo diferente, para que outra coisa também olhasse. Ambos brilharam em direção às meninas novamente e depois sumiram. Jenny ouviu o mato esmagado. O som ficou mais fraco. Desvaneceu-se em um profundo silêncio em que Jenny podia ouvir seu coração batendo forte e muito rápido em seu peito. Ela soltou o ar. Os ombros de Dee se ergueram um pouco. Ela se abaixou e pegou uma vara comprida quase tão grossa quanto seu próprio pulso fino. A colocou na mão, balançando-a, testando seu aperto. Era uma boa arma. — ...o Lobo Mau — terminou Audrey, com a voz suspeitamente calma. Ela colocou mechas de cabelo perdidas em seu penteado Toque Francês, os lábios apertados. As três se entreolharam e começaram a andar novamente. O que mais podiam fazer? — Foi estranho, aquele lobo vindo exatamente quando você estava falando de um... — murmurou Dee. — A menos que... — a voz de Jenny morreu lentamente. — Esperem. — Ela tornou a falar. Algo caiu ali perto com um click audível. — Me deixem pensar um minuto... isso. Não foi coincidência o lobo aparecer quando Audrey estava falando disso. Vocês não perceberam? Ele está rando tudo das nossas próprias mentes. — Quem? — Audrey disse, seu nariz fino dilatado.

— Quem mais?! Julian. O Homem das Sombras. Ele está criando o Jogo ao nosso redor - ou estamos fazendo isso. Mas de qualquer forma é composto por nossos próprios pensamentos. Esse corredor de volta à casa é o corredor da Mansão Assombrada, na Disneylândia. Sempre me assustou quando eu era criança, então me veio à cabeça. E a porta do OVNI era como uma porta de avião que eu já nha visto. — E na sala de estar, eu vi uma lâmpada assim em Jamestown. Me perguntava o que estava fazendo ali. — Os olhos de Dee brilharam como os de um jaguar. — Tudo, todos os detalhes, vem de nós — concluiu Jenny. — Não apenas grandes coisas, mas também as pequenas. Ele está usando nossas mentes contra nós. — Então, o que vai acontecer agora? — Dee perguntou à Audrey. — Você é quem deve saber o que mais te assusta. E aí, deveríamos estar à procura de árvores caminhando ou homenzinhos encapuzados ou o quê? Ou era o lobo? — Eu nha apenas oito anos quando morava aqui — ela respondeu friamente. — E, não, não me lembro especificamente de qual história... me perturbou... mais. Eu nha uma enfermeira alemã e ela me contou todas. Ela e Dee se entreolharam. — Poderíamos encontrar algo de qualquer uma de nossas mentes — disse Jenny, para fazer as pazes. "Qualquer coisa pode acontecer aqui. Você pode sen r." Ela sabia em seu coração que seria algo pior que o lobo. Algo mais nãomundano. Audrey não gostou de nada sobrenatural, Lembre-se, é tudo um sonho, ela disse a si mesma. Mas podia ouvir a voz de Julian em sua mente: "Posso dizer logo que um de vocês provavelmente não conseguirá". Elas andaram. A vegetação rasteira agarrou na saia de Jenny como se vesse dedos. A fragrância de Folhas persistentes as cercava como mil árvores de Natal. Tudo o que Jenny podia ver era escuridão e o

emaranhado interminável de floresta à frente. Seus nervos se es caram e se es caram. Elas literalmente caíram na clareira. Uma árvore grande cresceu ali - um teixo, Jenny pensou. Parava em frente a uma grande confusão de rochas e pedregulhos que pareciam ter sido deixados por uma geleira. A árvore nha casca áspera, agulhas verdeescuras e frutas vermelhas. Junto à ela havia um grupo de jovens com roupas estranhas. Eles usavam calças e longas túnicas de couro enfeitadas com pêlo, com aparência muito an quada. Seus braços estavam nus e musculosos. O chão ao lado da árvore havia sido limpo, um círculo desenhado ali. Dentro dele, um fogo ardia e a luz vermelha cin lava nas adagas, fazendo-as parecer chifres. Toda a área estava decorada com flores. — É algum po de cerimônia secreta — Dee sussurrou. — E nós estamos espionando. — acrescentou, com um considerável prazer. — Eles são bonitos, pelo menos. — murmurou Audrey. Eles eram. Jenny contou sete, quatro com cabelos louros-claros e três com cabelos louro-escuros. Pareciam estar no final da adolescência ou no início dos vinte anos, e se o que estavam fazendo era secreto, não pareciam se preocupar. Jenny ouviu risadas e cantos barulhentos. Que pena, é como uma festa de fraternidade, pensou. Mesmo longe, podia sen r o cheiro da cerveja. — Eu acho que estou começando a gostar desse Jogo. — Audrey sorriu e saiu antes que Jenny pudesse detê-la. O canto ficou em silêncio. Os sete rostos se voltaram para as meninas. Então, um dos garotos alemães levantou uma buzina sobre a cabeça e todo o resto aplaudiu. Todos pareciam surpresos, mas encantados por vê-las. Brancos, os dentes brilhavam em sorrisos amigáveis e eles cobriram as visitantes de cordialidade. As pernas nuas de Audrey causaram muitos comentários aprecia vos, assim como as de Dee torneadas pelo legging.

— Não, não, obrigada — Jenny disse enquanto um deles tentava levá-la a beber o que nha em seu chifre. O chifre nha símbolos angulares esculpidos que a deixaram nervosa de alguma forma - eles a lembraram algo. — Audrey, o que eles estão dizendo? — Não consigo entender tudo. Não é como o alemão que aprendi. — Sentada entre dois admiradores, a beleza fria de porcelana de Audrey contrastava com seus cílios paqueradores. — Acho que deve ser arcaico. Mas esse está dizendo que você parece com Sif. É um elogio; Sif era uma deusa com cabelos dourados brilhantes. — Ah, dá um tempo! — Dee recuou para se sentar em uma pedra. Houve uma agitação instantânea entre os meninos alemães. Vários puxaram Dee para longe da pilha de rochas, balançando a cabeça. Dee mal permi u que eles a movessem, nem um pouco aplacados pela maneira como se maravilhavam sobre sua pele escura. E ela apenas bufou quando alguém lhe ofereceu uma guirlanda de flores para usar. — Ah, coloque-a. — pediu Jenny, sacudindo um pequeno inseto de sua própria coroa de flores. Estava começando a gostar disso. Os rapazes eram legais; mesmo que cheirassem um pouco a suor, eram os jovens mais cin lantes que ela já vira. Vários deles nham tranças no cabelo e não pareciam pensar em tecer guirlandas era coisa de maricas. — É uma cerimônia para dar boas-vindas à primavera — explicou Audrey enquanto um dos loiros chorava: "Ostara!" e derramou cerveja no chão. — Ostara é a deusa da primavera; é por isso que temos a Páscoa. Os jovens começaram a cantar. — É algo sobre a vida ser renovada — con nuou Audrey. — Há algo mais, mas não consigo entender. Eles estão... perguntando? Pedindo? Todos os meninos alemães estavam de pé agora, pedindo às meninas que se levantassem. Estavam de frente para a enorme pilha de pedras. — Dokkalfar — cantaram.

— Isso é algo obscuro. Eu não... Ah, meu Deus. — A voz de Audrey mudou completamente. Ela tentou se afastar do círculo, mas dois dos meninos alemães a agarraram. — Elfos sombrios — ela disse loucamente. — É o que eles estão dizendo. Eles vieram aqui pedir favores aos elfos. E nós somos os que oferecerão. Jenny nunca nha ouvido a voz de Audrey assim antes, na fronteira com a histeria. — O quê? — ela exigiu. De repente, o branco, até sorrisos ao seu redor, não pareciam tão amigáveis. — O presente para o Outro Mundo. O sacri cio! — Audrey chorou. Estava tentando fugir de novo, mas não conseguia. Estamos mais em menor número do que dois para um, pensou Jenny. E todos eles são musculosos. Ela olhou para Dee e sen u um choque ondular sobre ela. Dee estava rindo. Rindo de verdade. Gargalhando. — Elfos? — ela ofegou. — Pequenos duendes em campainhas? Pequeninos sentados em bolotas?" — Não, sua idiota — Audrey estava com os dentes cerrados. — Elfos das trevas; de um lugar bem longe. Ah, vocês não entend... Jenny ouviu uma pedra raspando. Uma das enormes pedras à sua frente estava se movendo. Balançou lentamente, empurrando uma cadeia de terra à sua frente. Um buraco negro foi revelado na pilha. Um túnel sem fim. O riso de Dee estava morrendo, mas era tarde demais. As meninas foram empurradas para a frente no buraco. Jenny tentou se virar, mas suas sapa lhas deslizavam sobre poeira e areia e ela se sen u caindo.

CAPÍTULO 08 Um zombar raspou na pedra e o luar foi cortado acima deles. Audrey estava deitada em uma bola ao lado de Jenny, perto do fundo da encosta. Dee foi empurrada para trás e estava esparramada no fundo, pernas mais altas que a cabeça. Naqueles primeiros momentos, Jenny não parou para se perguntar como ainda podia ver as duas. — Você está bem? — perguntou à Dee e, em seguida, abraçou Audrey confortavelmente. Audrey estava tremendo. Soltando pequenos gemidos. — Me desculpe, me desculpe — Jenny implorou, abraçando-a. — Não é sua culpa. — Dee estava se levantando, seu rosto ossudo e desdenhoso. — Qual é o problema dela, afinal? Jenny girou a cabeça para agarrar Dee, mas as palavras nunca saíram. Ela agora podia ver o mo vo pelo qual não estavam na escuridão total. Havia um semicírculo de lanternas no fundo da encosta, e segurando as lanternas eram pessoas. Dee ficou em silêncio. A luz da lanterna refle a rostos que eram perturbadores, para dizer o mínimo. Os elfos eram muito pálidos, muito bonitos... mas muito estranhos. Seus olhos estavam inclinados de uma maneira que lembrava Jenny dos Visitantes. As maçãs do rostos eram quase muito altas e afiadas. E eles olhavam-as estranhamente. Não pareciam ter nenhuma simpa a para qual apelar. Um deles disse algo. Jenny achou que era a mesma linguagem que os rapazes do outro lado haviam usado, mas a voz do elfo era mais líquida e mais fria. Era óbvio que ele estava ordenando-as.

Ma Jenny não queria obedecer. Estava irracionalmente assustada com essas pessoas pálidas e bonitas. Então, viu que talvez seu medo não fosse tão irracional. Eles eram como animais - ou partes deles eram. Eram deformados. O elfo que falou nha uma mão normal e outra como o casco de uma vaca. Era preto e brilhante como couro envernizado. Jenny estava com medo de vomitar. Outros nham um rabo pendurado em suas calças - um rabo longo e rosa, sem pêlos, como o de um rato. Girando. Um terço nham chifres inchados na testa. Um quarto nham cabelos escuros brilhantes crescendo nos pescoços. Cada um deles nha alguma deformidade. E eram reais. Não eram de men ra, como as monstruosidades na exposição de Acredite se Quiser! que Jenny vira antes. — Audrey, você precisa se levantar — ela sussurrou, engolindo a bile que havia subido em sua garganta. — Audrey, vamos, se não eles vão fazer você levantar. — Então, com uma inspiração desesperada: — Você quer que eles te vejam assim, deitada? Aposto que seu rímel está manchando metade do seu rosto. O apelo ao orgulho de Audrey funcionou como nada mais poderia. Ela sentou-se lentamente, limpando as bochechas. — É à prova d'água — disse, desafiadora. Seus dedos foram automa camente para ajustar os grampos de seu penteado, e então ela viu os elfos. Seus olhos castanhos se arregalaram até que mostraram branco ao redor. Ela estava olhando para o da mão de vaca. Jenny agarrou seu braço com força. — Eles são o que você pensou que eram? Audrey apertou os lábios e assen u. O elfo falou novamente, bruscamente, avançando. Audrey se encolheu novamente. Devagar e com cuidado, Jenny pediu que ela se levantasse.

— Audrey, temos que ir com eles — sussurrou. Temia que, se Audrey recusasse, os elfos as tocassem. O pensamento de ser tocada por aquele casco brilhante ou pela nadadeira que vira em um dos outros era mais do que Jenny podia suportar. — Por favor, Audrey. Era fácil para os elfos liderá-las. Tudo o que precisaram fazer foi aproximarse de uma direção e as meninas os seguiram. Eles caminharam assim, cercados por um círculo de lanternas, por uma passagem que se inclinava sem parar. Outras passagens se ramificaram. Claramente, o lugar era grande - e eles estavam se aprofundando cada vez mais nele. Andar acalmou Jenny um pouco. As pedras ao seu redor nham todas as formas imagináveis - algumas como galhadas torcidas, outras como grama soprada pelo vento. Havia quedas rendadas de cabelos de anjo e enormes colunas cobertas de formações como flores requintadas ou brânquias de cogumelos. O ar cheirava a terra úmida pela chuva. Estava surpreendentemente quente. Jenny apertou com mais força o braço de Audrey. — Diga algo para eles — sugeriu. — Pergunte a eles para onde estamos indo. À sua maneira, Audrey era tão corajosa quanto Dee. Seus cílios pontudos estavam estrelados de tanto chorar e ela não olhou para o elfo ao seu lado. Mas falou com ele em voz baixa. — Ele disse que estão nos levando para o Erlking — disse ela depois de um momento. Agora Jenny podia ouvi-la bem, o controle em sua voz. — Acho que é o rei dos elfos. Estou lembrando da história sobre os Erlking. Ele é um po de espírito maligno que assombra a Floresta Negra. Ele leva as pessoas. Especialmente meninas e crianças. — Por que meninas? — perguntou Dee, na defensiva.

— Adivinhe. — Audrey falou entre os dentes cerrados. — Basta olhá-los. Os elfos sombrios são todos homens. Com um choque, Jenny percebeu que era verdade. A delicadeza de seus traços a havia enganado. Cada um de seus captores era bonito e masculino. O sorriso de Dee era sanguinário. — Hora de lutar. — Não — Jenny a interrompeu, tensa. Seu coração estava batendo forte, mas ela tentou acalmá-lo. — Existem muitos deles; não teríamos chance. E, de qualquer forma, devemos enfrentar nossos pesadelos, lembra? Se o Erlking é o que Audrey mais teme, ele deve ser o que temos de enfrentar." — É um pesadelo estúpido, de qualquer forma — Dee assobiou, seus ombros flexíveis curvando-se como se um cubo de gelo es vesse descendo por suas costas. — Acredite em mim; eu gostaria que você não es vesse comigo. — disse Audrey, mordaz. As duas se ignoraram enquanto caminhavam pelas cavernas subterrâneas no espaço da catedral. Cristais brancos brilhantes de gesso pulverizaram tudo, captando a luz da lanterna. A poeira grossa da rocha triturava sob os pés de Jenny. — Eu não entendo — sussurrou Audrey. — Isso não pode ter saído da minha mente. Eu nunca vi nada parecido. — Eu já — disse Dee e sua voz era suave. — Espeleologia2 no Novo México. Mas não assim; aqui chega a ser exagerado. Finalmente, chegaram à maior caverna de todas. Passaram por pilares vermelhos gigantes como recifes de coral, que deram a Jenny a sensação desconcertante de estar debaixo d'água. Estavam indo direto para uma enorme parede de pedra cor de fogo. Não era plana. Ia

subindo e subindo como uma Cataratas do Niágara inver da. Ao nível do chão, havia uma abertura irregular na parede, como uma entrada. — O castelo — traduziu Audrey em voz baixa. Eles passaram pela abertura nas paredes vermelhas. Lá dentro, os elfos se moveram para separá-las em dois grupos. Aconteceu tão rápido que Jenny não teve tempo de reagir. Em um instante, estava sendo levada para longe e, quando girou a cabeça frene camente, viu Dee e Audrey sendo carregadas na direção oposta. Ela viu a cabeça de cobre de Audrey balançando e ouviu a voz de Dee levantada em fúria. Então a voz da amiga desapareceu, e Jenny foi levada através de uma abertura para uma sala grande. Um de seus captores disse algo terminando com "Erlkodnig" e todos saíram. Quando ela olhou pela brecha, descobriu que eles estavam em sen nela de ambos os lados. E agora? Ela olhou em volta. As formações rochosas ali eram como enormes castelos de areia, meio derre dos pela água, em branco e dourado. Jenny percebeu que estava vendo o luar e olhou para cima. O teto nha aberturas como clarabóias ou chaminés. Ela as estudou por um tempo. Finalmente, não havia nada a fazer senão esperar e se preocupar. O que estava acontecendo com Tom agora?, imaginou. Pense no enigma, ela disse a si mesma com firmeza. Passará o tempo e pode ser ú l. Sou feito de duas pessoas. Sou quente. Sou frio. Sou o pai de números que não podem ser contados. Sou um presente além da medida. Dou prazer, quando tomado à força. De repente, ela entendeu. Era isso! Algo que poderia ser quente e apaixonado ou frio e impessoal. Algo que poderia ser o "pai" de um número incontável de pessoas - porque não havia como contar quantos bebês haviam começado com isso. Algo que era feito de duas pessoas, quando elas tocavam os lábios.

Um beijo. Jenny sorriu em triunfo. Resolvera o enigma. Poderia libertar um dos amigos. Não havia dúvida, é claro, de quem seria. Por mais que ela amasse todos, Tom sempre viria em primeiro lugar. O único problema em ter resolvido o enigma era que agora não nha nada em que pensar. Exceto o que iria acontecer com ela. O elfo que saiu dissera "Erlkodnig". O Erlking? Era quem ela estava esperando? Que po de deformidade o Erlking teriam?, ela imaginou. Cascos? Chifres? Se ele é o rei, provavelmente tem algo pior do que todos os outros, pensou, e seu coração se arrepiou. Alguém atravessou a brecha na pedra e ela se preparou. No minuto seguinte, Jenny percebeu como estava tensa. Ele usava uma túnica branca, calça e botas brancas macias. A combinação mostrava o quão flexível e musculoso ele era. Ao luar, seus cabelos eram prateados como um espelho e ele estava sorrindo. — Julian. — Bem-vinda ao castelo dos Erlking — ele disse. A úl ma vez que conversaram, Jenny ficara furiosa com ele. Era di cil manter isso em mente agora. O couro branco nha uma aparência tão macia e se agarrava a ele, quadril e coxa. E havia algo sobre um cara que olhava para você com olhos como os de um gre faminto. De repente, Jenny se sen u desconcertada. Tom sempre ficava lindo em roupas casuais, mas era muito conservador e nunca as ves a nem no Halloween. Julian, por outro lado, obviamente se mostrou ultrajante. O cinto largo de couro mostrava o quão liso o estômago estava, enfa zava os quadris estreitos. Estava modestamente incrustado de safiras. Jenny desejou ter um igual.

— O Erlking, hein? Desfrutando dos momentos? — Imensamente — Julian assegurou-lhe gravemente. — Pelo menos está falando comigo neste pesadelo. Não foi como na nave, quero dizer. — Jenny, eu poderia conversar com você à noite toda. — Obrigada, mas estou correndo contra o tempo, e prefiro ter meus amigos de volta. — Diga a palavra. Jenny olhou para ele, assustada, e então percebeu o que ele queria ouvir. — Não — ela disse. — Vou fazer o contrário. Nós vamos passar por todos os pesadelos e vamos vencer o jogo. — Admiro sua confiança. — Pode admirar o meu sucesso, começando agora. Eu resolvi o seu enigma, e você é um porco machista. Não dá prazer, quando é tomado à força. — O que não dá? — Um beijo. — Ela se virou para encará-lo completamente. — Essa é a resposta, não é? E você me disse que se eu resolvesse o enigma, deixaria um dos meus amigos ir. — Errado. — Ele esperou a reação dela, os olhos brilhando em um sorriso malicioso. — Eu disse que se você me desse a resposta, deixaria um de seus amigos ir. Mas você ainda não me deu. — Os olhos dele permaneceram nos lábios dela. — Gostaria de saber agora? A fúria tomou Jenny. — Você...! — Ela se virou para que ele não vesse a sa sfação de vê-la com raiva.

— Eu te chateei. Você está ofendida — disse ele. Ele parecia genuinamente culpado. Jenny não conseguia acompanhar essas mudanças mercuriais de humor. — Aqui, darei algo para compensá-la. Relutantemente, Jenny se virou novamente. Ele estava segurando uma rosa, uma rosa branca. Ou talvez fosse prateada - sob essa luz, era di cil dizer. Foi a coisa mais linda que ela já viu. Quando a pegou, Jenny percebeu que não era real, mas foi requintadamente trabalhada, perfeita nos mínimos detalhes. Meio aberta, a flor brilhava em suas mãos. As pétalas eram frias, mas macias. — Feita de prata escavada por elfos sombrios nas minas mais profundas da terra — disse Julian. Jenny balançou a cabeça para ele. — Isso é uma lenda. Você está dizendo que é mesmo o Erlking? Quer que eu acredite em João e Maria também? — Eu tenho sido mais do que você pode imaginar. E o que quero que você acredite é que crianças podem entrar em lugares escuros e desaparecer. E depois as pessoas podem contar histórias para explicar isso. Às vezes verdadeiras, às vezes não. Jenny sen u-se desconcertada novamente. — Enfim, é uma rosa linda — disse ela e a passou na bochecha. Os olhos de Julian brilharam. — Vamos passear no pá o. Você pode mesmo ver o luar de lá. O pá o nha várias chaminés naturais e o luar o inundava. Jenny sen u-se quase impressionada com a beleza da paisagem. A luz da lua lançava uma espécie de brilho mágico sobre tudo e a caverna era estranhamente bonita com suas sombras escuras e manchas brilhantes de prata. Julian parecia o mesmo. Todas as sombras em seu rosto estavam totalmente negras e havia pontas prateadas em seus olhos. — Você já se perguntou por que pode entrar em lugares perigosos sem se machucar? — ele disse abruptamente. — Por quê os animais de rua que

você pega nunca a mordem; por quê você não é assaltada, mesmo quando anda nas partes ruins da cidade à noite? — Eu... — As pessoas estavam sempre gritando com Jenny exatamente por essas coisas que ele estava enumerando. Ela mesma nunca havia pensado muito nisso, mas agora uma suspeita selvagem surgia em sua mente. — Não — disse. — Não, nunca me perguntei. Os olhos dele permaneceram nos dela. — Eu es ve cuidando de você, Jenny. Observando-a. Ninguém pode tocar em você... ninguém além de mim. — Isso é impossível. — A voz dela saiu em um sussurro. — Você... eu fiz essas coisas a vida toda... — As frases dela estavam desembaraçando-se. — E eu não poderia estar te observando há tanto tempo?! Mas eu estava. Sempre te amei, Jenny. O poder do olhar dele era assustador. Jenny estava confusa com suas próprias emoções. Sabia que deveria sen r apenas ódio, apenas raiva por ele, mas agora nha que admi r que parte dela era fascinada por ele. Ele era um príncipe das trevas - e havia a escolhido. Ela se virou e se afastou dele, tentando se recompor. — Eu nunca me apaixonei antes. Você foi o primeiro e será meu único amor. — disse Julian. Havia música em sua voz. Jenny se virou e ele a tocou. O toque dele era tão tênue quanto uma gaze na bochecha dela. Ela ficou tão surpresa que não se mexeu. Então olhou para baixo estupidamente. Ele pegou a mão dela. Mas eu pensei que você não podia... As pontas dos dedos dele eram tão frias quanto jade contra a pele dela. Formigamentos os seguiram. Ela sen u vontade de pressionar a bochecha na mão aberta dele.

Não, ela pensou. Não, não, não... — Não — Jenny sussurrou, mas ele con nuou acariciando sua mão, o polegar circulando suavemente na palma. Um sen mento sensual e perigoso. Jenny sen u-se começar a se desfazer. Seu toque era tão delicado... Ele rou a rosa com tanta delicadeza das mãos dela... A rosa, Jenny pensou. O presente dele. Ela a segurou na mão. Acariciou a bochecha direita, o lado que ele estava tocando agora. — Você me enganou. — Jeny deu um passo atrás. Ele ainda segurava a mão dela. — Isso importa? — Sim, importa — Jenny disse furiosamente, tentando sair de seu alcance. Como poderia ter sido tão estúpida? Era um Jogo que ele estava jogando com ela, para obter permissão para tocá-la cada vez mais. — Entendo agora. Nunca mais vou tocar em você ou em qualquer coisa que você me der. Esse truque não funcionará novamente. Seus lábios estavam sorrindo, mas havia algo quente e mortalmente sério em seus olhos. — Talvez não, mas alguém vai. Acredite em mim, Jenny: vou fazê-la minha inteiramente, antes que você termine o jogo. — Só nos seus sonhos. — Jenny rebateu e depois desejou ter pensado em algo mais maduro para dizer. — Não, nos seus — ele disse. — E lembre-se, você não está sozinha aqui. Jenny ouviu um grito. — Audrey — disse ela. — É a voz dela! Algo está acontecendo com ela! Quando Julian não soltou sua mão, ela a puxou. Então viu os olhos dele - e o que viu ali a congelou.

— Você sabe — sussurrou. — Você está fazendo isso, para se vingar de mim. — Eu te avisei — ele respondeu. Os gritos ainda estavam acontecendo. — Você quer que isso pare? Mau, ela pensou. Absolutamente mau. Cruel, caprichoso e perigoso como uma cobra. Não vou esquecer isso de novo. — Eu vou parar com isso — disse ela, a voz suave, mas feroz. — Eu te disse que ia ganhar este jogo. E vou. E nunca vou ceder a você. — Jenny jogou a rosa de prata aos pés dele. Então estava correndo para seguir os gritos de Audrey. Os elfos correram atrás dela quando Jenny mergulhou para fora da sala do castelo de areia, mas ela desviou bruscamente, afastando-se deles. Os gritos de Audrey estavam ficando cada vez mais claros. Jenny viu uma brecha na parede vermelha mais próxima, mergulhou nela, e de repente os gritos ecoaram ao seu redor. Ela viu Audrey sentada e Dee em pé na frente dela. Jenny tropeçou nos úl mos segundos, caindo ao lado delas. — O que houve? Audrey estava meio sentada, meio deitada contra a parede incrustada de gesso de uma pequena caverna. Suas feições estavam contorcidas de horror e quando Jenny se virou, viu o porquê. Ela teria pensado que depois de tudo o que passara, não se assustaria mais com criaturas estranhas. Mas essas coisas, essas coisas eram... — Meu Deus, Audrey, o que são isso? — ela engasgou. As unhas dela afundaram no braço de Jenny. — São draugr. Cadáveres vivos. Eles vieram por nós. Eu... — Ela se virou, vomitando.

Eles cheiravam como cadáveres - o cheiro agrídoce da decomposição. Alguns nham corpos inchados. Alguns nham pele de couro, caídas e enrugadas. Alguns, para horror de Jenny, nham a pele escorregando. Um nha unhas grossas que ficaram marrons pelo tempo e cresceram em espirais longos e pendentes. As unhas bateram juntas, emi ndo um som que arrepiou todo o corpo de Jenny. Eles estavam bloqueando completamente a saída. Não havia como sair; eles estavam se aproximando por todos os lados. — Quando eu contar, corram para a porta! — Dee ordenou. — Que porta? Dee apontou e Jenny virou-se. Atrás do draugr mais próximo, à direita, havia uma parede - e havia uma porta nela. Uma porta gó ca com um topo arqueado, pintada de azul. — Certo? — Dee gritou. — Preparem-se para isso! Ela estava de pé com a perna esquerda para trás, joelho dobrado, todo o peso sobre ela. Sua perna direita estava tão dobrada que apenas o dedo do pé tocou o chão. Isso a fazia parecer uma bailarina, mas era chamada de postura de gato - Dee estava sempre tentando ensinar posturas de kung fu para Jenny. De repente, ela chutou, com o pé direito erguendo-se para golpear com força o draugr sob a mandíbula. Com um estalo seco, a cabeça do draugr caiu para trás; rolando para trás do corpo. Seu pescoço nha sido quebrado. Mas o terrível foi que ele con nuou andando. A cabeça apoiada em suas próprias omoplatas, em uma posição estranha, mas ele ainda andava. Jenny gritou e se afastou. — Levantem-se! — Dee gritou para elas. — Vão, enquanto eu os distraio. Saiam daqui! Audrey permaneceu congelada.

— Não podemos deixar você... — Não se preocupe comigo! Apenas vá! Jenny, leve-a! Jenny obedeceu ao tom de comando ins n vamente. Pegou Audrey pela gola de sua jaqueta e puxou-a para a porta. Ela a abriu e as duas caíram. A porta bateu atrás delas antes que Jenny pudesse detê-la. Ela e Audrey se entreolharam consternadas. E então elas esperaram. Esperaram até que uma sensação de mal estar no estômago de Jenny lhe dissesse que Dee não viria. Audrey chorava. Jenny tentou a maçaneta da porta. Não iria ceder. — A culpa é minha — sussurrou Audrey. Um de vocês provavelmente não conseguirá... A porta se abriu. Dee avançou, bateu-a atrás de si, apoiando-se nela. — Essa foi por pouco — Ela expulsou uma grande rajada de ar. — Mas eu estava morrendo de vontade de lutar, e foi uma boa. — Ela estava brilhando com o esforço e a alegria da batalha. Ela olhou para Audrey. — Você está um caos. Os cabelos ruivos e lustrosos de Audrey estavam pendurados no rosto; a franja espetada estava grudada na testa. As bochechas estavam vermelhas e molhadas, as mãos e pernas arranhadas. Seu batom de cereja sumira. Com o rosto inescrutável, Audrey estendeu uma mão e lentamente abriu os dedos. Na palma estavam os grampos de seu toque francês. — Pelo menos ainda os tenho. — disse, calmamente. As três caíram em uma gargalhada histérica. Riram e riram, em uma liberação violenta de emoção. — Acho que isso conta como vitória: sair viva do seu pesadelo, e com seus grampos intactos — Dee ofegou finalmente.

Audrey ergueu as sobrancelhas e, em seguida, seus lábios se curvaram novamente em um sorriso. Ela e Dee estavam sorrindo uma para a outra. Um relógio invisível soou doze horas. — Meia-noite — disse Jenny. Saiu suavemente, quase um sussurro. Toda vez que eles venciam, o relógio tocava para lembrá-los de que o tempo passava - passando rapidamente. Onde estava, afinal? O som parecia invadir a casa inteira. — Seis horas até o amanhecer — Dee estava dizendo a Audrey. — E só faltam cinco pesadelos. Está bem. Vamos vencê-los fácil. — Fácil? Acho que não — discordou Audrey. — Olhem — Jenny disse baixinho, curvando-se para pegar um pedaço de papel.

CAPÍTULO 09 Era uma versão abstrata de uma floresta, muito pesada em linhas de turbilhão verdes. — Tudo bem, então eu desenhei uma floresta — Audrey suspirou. — Sempre ve pesadelos com elas, mas nunca soube o porquê. Eu nem sabia de que floresta estava com medo. — Ele pega as coisas do nosso subconsciente — disse Dee. — Então, o que aconteceu com vocês depois que nos separamos? — Jenny perguntou. — Nada de mais — Dee respondeu. — Eles nos colocaram naquela sala, só que não havia nenhuma porta a princípio. Então vimos a porta - e naquele exato momento esses cadáveres apareceram e Audrey começou a gritar. E você? Viu o Erlking? Jenny desviou o olhar. — Mais ou menos. Era o Julian, fazendo o papel. — Ela hesitou, depois deixou escapar: — Vocês sabem que é por minha causa que estão sofrendo, não é? Sou eu quem ele quer. Ele me disse que iria parar de machucá-los se eu... se eu deixasse... — Nem se atreva — Os olhos de Dee brilharam. — Nem pense nisso — disse Audrey com o mesmo fervor. Jenny assen u, sen ndo o ardor nos olhos. Para afastá-lo, ela olhou Audrey. Enquanto conversavam, Audrey havia arrumado o cabelo com eficiência, pescado uma bolsinha acolchoada no bolso do paletó e restaurado habilmente o batom cereja. A amiga sempre pareceu tão cosmopolita, tão invulnerável - mas agora Jenny nha visto além da fachada. — Deve ter sido di cil morar em todos esses países — disse lentamente e olhou para Dee.

Audrey parou um momento em meio a afofar sua franja. Ela fechou seu compacto com um clique. — Francamente, foi horrível — disse ela. — Vocês não imaginam o choque cultural. O deslocamento, a insegurança, e você nunca sabe quando vai se mudar novamente. Mesmo agora que o meu pai se aposentou, ainda me sinto... — É di cil fazer amigos de verdade? Audrey assen u. — Sinto como se pudéssemos parar e ter que nos mudar a qualquer momento. — Mas você não vai — assegurou Jenny. — Você vai ficar aqui conosco. — Ela olhou para Dee novamente. — Certo? — Ah, claro — confirmou Dee, mas não havia rancor em sua voz, e colocou uma mão esbelta e escura nas costas de Audrey. — Sabem, eu não entendo — Jenny disse de repente. — Aqueles caras na floresta pareciam legais... então por que fizeram àquilo? Por que nos entregaram? — Bem, elfos devem fazer favores às pessoas. Responder perguntas, trabalhar para você. Mas sempre querem algo em troca, e se você os chama e tenta prendê-los, às vezes são eles quem o prendem. O levam ao mundo deles. Acho que aqueles caras acharam que éramos mais dispensáveis do que eles. Jenny assen u. — Mais uma coisa... — Sempre mais uma coisa! — Dee a interrompeu. — ...qual de vocês abriu a porta? Não fui eu porque nunca vi uma porta como aquela.

— Fui eu, suponho — assumiu Audrey. — Vi portas assim na Alemanha, mas não a coloquei lá. Apenas apareceu. — Você não pode mudar as coisas aqui usando sua mente — disse Dee. — Você tem que lidar com tudo aqui como se fosse real. — Mas onde é aqui? — Audrey ques onou sombriamente. — Boa pergunta — Jenny assen u. — Não está em lugar nenhum na Terra; sei disso pelo que vi pela janela. — O Mundo das Sombras — refle u Dee. — Lembram das instruções? Um mundo que é como o nosso, mas diferente, que existe ao lado do nosso, mas nunca o toca. — "Algumas pessoas chamam de Mundo dos Sonhos, mas é tão real quanto qualquer outra coisa" — citou Jenny. — Bom, tocou nosso mundo hoje à noite, de qualquer forma. O que há de errado agora, Audrey? — Apenas me ocorreu que nas lendas nórdicas e alemãs, supõe-se que existam nove mundos, e o nosso é o único no meio. — Nove? — Sim. Há Asgard, que é uma espécie de céu; Hel, que é uma espécie de inferno; um mundo de fogo primi vo; um de água primi va; e um de vento primi vo... — Mas também há um de gelo primi vo. É meio que conectado a Hel. E também é um mundo de sombras. Se chama Niflheim, e nifl significa "escuro, sombrio". — Aonde exatamente você quer chegar? — Dee franziu o cenho. — Não sei. É simplesmente estranho, não?! Deus, estou começando a pensar em alemão. Mas é estranho, certo? Como ele se chama de Homem das Sombras? E lembrei de outra coisa. As coisas que vivem em Niflheim devem ser terrivelmente destru vas, então estão sob uma runa de restrição para impedir que saíam de lá e entrem em outros mundos. Mas não me lembro qual runa é essa.

— Você não pode está dizendo que runas são reais — disse Jenny. — Quero dizer, como aquela sobre a qual Julian falou, que "perfurou o véu entre os mundos." Elas não podem ser reais. — Eu sempre presumi que não, que era apenas uma supers ção boba. Mas agora... não sei. Elas trabalham bem em lendas, se deixar você... Ah, como eles chamam isso? Bilhete entre os mundos. Ou convocar as coisas dos outros. O modo como aqueles garotos alemães convocavam os elfos. A conversa estava deixando Jenny muito desconfortável. Ela não sabia o porquê e isso a deixou ainda mais pior. Algo a ver com runas, há muito tempo. Depois de tudo o que nha visto, por que deveria incomodá-la que as runas fossem reais? Naquele dia no porão de seu avô... — Olhem, estamos aqui conversando há muito tempo. — disse ela abruptamente. — Não acham que é melhor começarmos a procurar a próxima pessoa? Temos um tempo-limite. — Certo — concordou Dee, sempre pronta para a ação. — Você quer se separar de novo? — Não — Jenny disse rapidamente. — Vamos ficar juntas. Por quaisquer leis estranhas que operassem nesse lugar, ela já dera a Julian o direito de tocar sua mão, sua bochecha, seu cabelo. E ele deixou claro que não ficaria sa sfeito até que a pegasse, pouco a pouco. Era apenas uma questão de que po de estratégia ou ameaça ele planejava tentar a seguir. Jenny achou que sua melhor chance não era ser pega sozinha. Elas encontraram Michael na terceira curva pelo corredor. Ele estava andando de um lado para o outro na frente de uma porta, passando as mãos pelos cabelos escuros amarrotados e murmurando. Ele se iluminou consideravelmente ao vê-las. — Audrey, finalmente! Parecem anos! — Ah, tenho contado os segundos em que nos separamos — disse Audrey, erguendo uma sobrancelha e ondulando-a ao mesmo tempo.

— Eu também. Só queria ter uma calculadora para acompanhar. E nenhum deles quis dizer uma palavra disso. Sorte para eles, pensou Jenny. O amor por Tom era como uma contusão dolorida no peito. Se ela pudesse vê-lo, apenas por um momento... Elas explicaram a Michael tudo o que lhes aconteceu. Ele as disse que para ele, a sala simplesmente desapareceu enquanto Tom se escondia das criaturas invisíveis. Então, ele se viu na frente dessa porta. Tentou a maçaneta, mas ela não se abriu e ele andava pelo corredor desde então. — E você não viu nenhuma escada? — Jenny perguntou. — Nem escada, nem outras portas, nada. Nem pessoas, até vocês chegarem. — Mas nós andamos neste corredor há horas e vimos três portas, e eu subi uma escada — contou Jenny. — É mais uma coisa estranha sobre este lugar. — E que não temos tempo para discu r — disse Dee. — Vamos. Quem quer tentar esta porta? — Desta vez, vamos tentar mantê-la aberta depois que entrarmos — instruiu Jenny. — Basta não fecharmos com força. — Não podemos entrar, está trancado — disse Michael. — Quer apostar? — Dee lhe lançou um sorriso quando assumiu uma postura de calcanhar, pronta para dar um chute para frente. A porta se abriu facilmente quando Jenny girou a maçaneta e nenhum monstro pulou para fora. Dee ficou ao lado da maçaneta mesmo assim. Pela abertura, Jenny podia ver a escuridão. — Ah, vocês primeiro. Sou um covarde registrado — disse Michael. Ela respirou fundo, ergueu os ombros e passou pelo limiar, para um corredor idên co ao que havia deixado. Ela olhou para cima e para baixo, perplexa.

— O que está acontecendo aí? A porta quer fechar — Dee a segurava. — É... — Jenny desis u e chamou Audrey e Michael. — É o mesmo lugar — disse Audrey, olhando em volta. O corredor era como uma reflexo no espelho do anterior. O mesmo tapete sombrio, o mesmo papel de parede assustador, as mesmas velas nos suportes de latão. Michael voltou para o lado de Dee. — Olha, as velas têm exatamente as mesmas gotas de cera escorrendo. Realmente é o mesmo corredor, não apenas outro como ele. Não importava quantas vezes eles iam e voltavam pelo limiar, con nuavam recebendo o corredor. — Por alguma razão, não está nos deixando entrar no seu pesadelo — cogitou Jenny. — Apenas con nuamos sendo devolvidos para cá. — Ah, que pena. Eu realmente vou sen r falta de enfrentá-lo. — ironizou Michael. — Tudo bem, deixem eu ver isso. — Dee finalmente entrou e a porta se fechou atrás dela. — Sim, o mesmo lugar — disse, olhando em volta. — Como uma porta giratória para o inferno. — Não foi Sartre quem disse que o inferno foi passar a eternidade em um quarto com seus amigos? — Michael perguntou grandiosamente. — Ah, pare de se gabar por sempre rar dez em Literatura Mundial — disse Jenny. — A menos... esse foi o seu pesadelo, Mike? Michael desinflou o ego um pouco. — Hã, na verdade, não. O meu era mais uma coisa de criança, na verdade. — Mas o que foi? Ele parecia estar corando. Coçando sob a gola do moletom cinza, balançou a cabeça.

— "Cada um de vocês tem um segredo que preferiria morrer a revelar..." — Dee citou o cartão de jogo. — Aposto que foi algo realmente vergonhoso, como o Monstro do Vaso3, hein, Mikey? — Enquanto falava, ela girou a maçaneta. Não cedia. — Ah, ó mo, trancados novamente. — Se vamos ficar presos aqui de novo, é melhor sentarmos — disse Audrey. Não parecia haver mais nada a fazer. Eles sentaram e Michael falou. Uma coisa com a qual você sempre pode contar, Jenny pensou — que Michael não ficava sem coisas para falar. — Quando penso que eu poderia ter ficado em casa e assis do Ren & S mpy hoje à noite... Isso não é muito como um jogo. Não tem reset. É ganhar, perder ou morrer... Vocês já ouviram aquela história sobre o coelho e o secador de cabelo? — Michael — disse Audrey com ar irônico. Enquanto conversava, ele havia rado um de seus tênis surrados. Tinha um buraco no dedo do pé. Audrey olhou com horror gen l sua meia flácida no chão. — Não posso evitar, estou com coceira. Ah... bem melhor — disse Michael, coçando vigorosamente. — Então, o que você disse para aquele cara, depois que todos saímos da sala? — ele olhou Jenny. — Tipo... — Ele procurou as palavras enquanto as três o olhavam. — Era bem óbvio o que ele queria você, - e você disse que ele a manteve com ele sozinha... — O que quer que ele queira, não está conseguindo. — disse Jenny brevemente. — Claro que não. Que ideia. — Audrey bufou. — Ela nunca daria à ele — afirmou Dee secamente. — Eu nem sei o que ele vê em mim — murmurou Jenny. Os outros se entreolharam. Então Dee bufou.

— Não, você não vê, não é?! Mas todos nós sim. Exceto Zach, provavelmente, mas ele é seu primo. — Não é apenas pela aparência — apontou Audrey. — Você é boa. Até demais, às vezes. Eu já te disse... — Aba diria que sua alma é correta — interrompeu Dee. — Como uma escoteira — disse Michael, presta vo. — Doce, simples e honesta. — Mas ele é ruim. — rebateu Jenny. — Esse é o ponto — disse Dee. — A maldade sempre quer a bondade. — E os opostos se atraem — adicionou Audrey sombriamente. — Olhe para Michael e eu. — Acho que ele é um Visitante — teorizou Dee, para surpresa de Jenny. — Um alienígena que rapta pessoas. Michael olhou, coçando o queixo. Audrey fez uma careta. — Não seja ridícula — disse ela. — Ele não é um alienígena, basta olhá-lo. E onde está sua nave espacial? — Acho que ele pode parecer com o que quiser — disse Dee, coçando o braço. — E talvez eles realmente não precisem de naves espaciais. Ele nos trouxe para outro planeta, não é? — Outro mundo, talvez. Há uma diferença — respondeu Audrey. — E de acordo com ele, fez isso com uma runa. O que faz com que ele seja... — O quê? O Erlking? Acho que não, baby. Você está dizendo isso porque é do que mais tem medo. — E os Visitantes são o que você mais tem medo, baby — Audrey passou as unhas perfeitas na palma da mão. Estava se transformando em mais uma Briga Dee-Audrey. — Meninas, meninas — Michael as interrompeu. — Pessoalmente, acho que ele é um demônio. Amante demoníaco de Jenny .— sorriu

engenhosamente, cavando debaixo do colarinho novamente. Dee e Audrey encararam. Jenny apenas sen u um calafrio por dentro. — Olha, eu acredito em demônios — ele disse. — Por que eles não deveriam exis r? E se existem, esse cara tem que ser um. Durante toda essa conversa, Jenny gradualmente percebeu um desconforto. A pele de seu braço estava formigando. Ela coçou distraidamente, mas piorou. E pior. Ela olhou para baixo. Mesmo na penumbra, podia ver a marca em seu braço. Uma mancha escura, como uma marca de nascença com a cor de um morango. Mas Jenny não nha nenhuma marca de nascença. E esta não nha cor de morango... era verde. No mesmo momento, Michael, que enfiou uma mão dentro da manga para coçar o braço, emi u um som estranho. Seus olhos se arregalaram, sua expressão mudou. Ele empurrou a manga da blusa para cima. Jenny ofegou. Havia algo crescendo em seu braço. Uma planta. Havia folhas, frescas, verdes e jovens, parecendo hortelã recém-germinada, crescendo em sua carne. No instante seguinte, estavam todos de pé, olhando-se à luz das velas. Cada um deles estava cul vando manchas verdes. As de Jenny eram como musgo, as de Audrey como mofo. Jenny engoliu em seco. Como Dee e Audrey, ficou horrorizada. Mas Michael ficou histérico. — Tire isso de mim! Tire isso. — Ele estendeu o braço cegamente para Jenny. Mesmo rangendo os dentes, ela não conseguiu tocar os ramos. Dee pegou uma e puxou.

— Ai! Michael gritou e ela parou. — Não, con nue! Não me importo com o quanto dói. Só re! Dee puxou com mais força. A planta aguentou. Jenny podia vislumbrar uma rede de raízes finas como fios brancos conectando-o ao braço. O sangue começou a escorrer por vários poros enquanto Dee con nuava puxando. Michael estava gritando. Finalmente Dee engoliu em seco, suas narinas dilataram. — Mike, não posso con nuar puxando. Não posso. Está rando sua pele junto. — Eu não ligo! Eu não ligo! — Michael ainda não abriu os olhos. Agarrou as plantas ele mesmo com a outra mão. Jenny pressionou a mão na boca para parar de ofegar. Raminhos também estavam crescendo por outro lado. Crescendo ainda mais exuberantemente do que no primeiro. — Mike, está... está cobrindo você todo. — ela sussurrou. Os olhos de Michael se abriram e ele olhou para as mãos. — Ah, Deus. Ah, Deus, Deus... Em um movimento frené co, puxou o moletom por cima da cabeça, puxando os braços para fora. O peito e o estômago estavam cobertos com folhas novas. Elas se mexeram com a respiração dele, roçando-se levemente. Os gritos de Michael ecoaram do teto. — Relaxe! — Dee finalmente o segurou, impedindo-o de correr delirante pelo corredor. Seus olhos estavam selvagens e fixos, e ele estava respirando como um cavalo desesperado. — Temos que fazer algo por ele — disse Jenny. Ela mal podia suportar o musgo no antebraço, mas nha que esquecer isso. Michael estava muito pior.

— Sim, mas o quê? — Dee estava tentando manter Michael sob controle. Ele parecia prestes a entrar em convulsões, arranhando a si mesmo. Audrey deu um passo à frente. Jenny imaginou que ela estava realmente mais chateada com os crescimentos do que qualquer um — a aparência significava muito para Audrey. Mas ela estava controlando a situação. — Michael Allen Cohen, olhe para mim! — ela lhe deu um tapa no rosto e ele virou os olhos escuros e selvagens para ela. — Você vai se acalmar agora, entendeu? Verstehen Sie? Um vislumbre de sanidade apareceu nos olhos de Michael. — Agora — disse Audrey severamente e colocando as palmas das mãos em cada lado do rosto dele, o beijou. Quando recuou, Michael nha batom de cereja na boca e parecia muito mais calmo. — Eu vivo para obedecê-la — ele disse fracamente. — Você vive por seus jogos — retrucou Audrey. — Todos temos que ficar calmos — disse Jenny. — Temos que pensar. Como podemos nos livrar dessas coisas? Não podemos re rá-las. Então, o que mais podemos fazer? — Herbicidas — Dee murmurou. Havia alguma planta exó ca de folhas vermelhas e verdes crescendo nela, quase se harmonizando com sua pele escura. — Não temos nada aqui — disse Audrey. — Nada que mate plantas. Michael falou em um sussurro, mas um sussurro com uma nova nota. — Temos fogo. Jenny olhou para a vela em seu suporte de latão. — Você pode me largar agora — Ele disse a Dee. — Não irei surtar mais. Quero ver se a vela se acenderá. Dee o soltou. Ele tentou dar um passo e depois parou. Se agachou para encarar, com a cabeça quase no nível do chão. Jenny também se curvou.

Seu pé descalço estava enraizado no chão por uma esteira de gavinhas brancas. Estavam saindo da sola e entrando no tapete preto. Michael mal conseguia levantar o pé uma polegada e, apenas girando-o de lado, pôde ver as raízes. Enquanto Jenny olhava lentamente, esperava que ele ficasse histérico novamente. Mas Audrey estendeu a mão e segurou firmemente a dele, os dedos esmagando as folhas nas costas. Michael estava tremendo, mas permaneceu racional. — Pegue a vela — disse ele densamente. Dee levantou-a facilmente. — Vou tentar primeiro comigo mesma. — Não. Eu. Dee lançou um olhar vago para ele, mas depois assen u. Inclinou a vela para aplicar a chama a uma folha no braço dele. A folha parecia derreter levemente em um crescente onde a chama a tocava. Havia um cheiro ruim quando a borda escureceu. Mas nada mais aconteceu. — Experimente as raízes. Dee tentou abaixar, muito perto da pele de Michael. Ele se afastou do calor, mas Audrey o segurou firme. A planta começou a murchar. — Isso aí! — Você aguenta? — Dee perguntou. — Posso suportar qualquer coisa para rar isso. Com o po certo de incen vo, é claro. — Ele olhou esperançoso para Audrey, que ainda estava segurando-o e murmurando encorajamentos.

Jenny sorriu para si mesma. Ser insano e lascivo quando você está morrendo de medo exigia um po especial de bravura. Dee queimou mais raízes. As plantas começaram a cair cada vez mais rapidamente, murchando ao primeiro toque da chama. Michael estava quase chorando de alívio. Seus braços e tronco estavam limpos. — Qualquer coisa, hã, aí embaixo? — Dee ges culou com a vela na calça de Michael. — Não! E cuidado pra você está acenando essa coisa. — Olhem — Jenny disse suavemente. O pedaço de musgo em sua pele estava ficando cada vez menor. Em um momento, desapareceu completamente. O mesmo estava acontecendo com Dee e Audrey. Os pés de Michael saíram do chão. E então todos estavam rindo, admirando suas peles claras e perfeitas, tocando-as, segurando-as dos outros. Exatamente como a cena no final de Ben Hur, Jenny pensou, onde duas mulheres são milagrosamente curadas de hanseníase. Michael colocou a camiseta de volta e beijou Audrey mais uma vez. — Você já nha mofo nos lábios, mas não quis te assustar antes. — Não, Aud, você não nha — Dee murmurou no ouvido dela e Audrey olhou impotente para Mike, mas com alguma indulgência. — Então esse foi o pesadelo e o superamos. — Jenny os trouxe de volta para o que importava. — Este corredor é o seu quarto de pesadelo. O que significa que se voltarmos por aquela porta... A porta se abriu sob a mão de Dee. Eles entraram no corredor, aparentemente o mesmo que acabaram de sair. Mas com duas diferenças, Jenny percebeu. Nesse corredor, não faltava vela no suporte. E havia um pedaço de papel branco no chão.

Uma foto de uma enorme planta verde, algo como uma seringueira, com braços e pernas saindo. Sem cabeça. — Argh — Jenny cerrou os dentes. — Meu pesadelo. — Michael ainda parecia envergonhado. — Transformarse em uma planta. É tão estúpido... acho que veio deste livro que li quando estava na terceira série. Tinha uma história sobre um menino que era tão sujo que as coisas começaram a crescer nela, pequenos rabanetes e vegetais. E isso me assustou. Era uma história inofensiva, mas por alguma razão nunca a esqueci. Fiquei pensando naquele garoto, todo coberto de terra, com coisas verdes brotando dele... isso me fez querer vomitar. — Você está me fazendo querer vomitar — rebateu Audrey. — E então os pais os puxaram, os vegetais; eles os raram dele... — Pare com isso — ordenou Dee. — Como eu disse, era estúpido, coisa de criança. — Não acho idiota, acho horrível. E acho que você foi inteligente e corajoso do jeito que lidou com isso — Jenny o apoio. Os olhos comoventes de Michael se arregalaram com os elogios sem precedentes, e ele lhe deu um sorriso envergonhado. O relógio invisível bateu uma hora. Havia algo estranho na maneira como ecoava. A manhã está chegando, Jenny pensou. — É melhor nos mexermos — disse Dee, assim que Michael fez um som sufocado. — O que foi? — começou Audrey, mas também viu na escuridão do salão onde nada havia estado antes. Uma escadaria.

CAPÍTULO 10 — Finalmente podemos ir a algum lugar. — Excitação borbulhou em Jenny. — E saia desse maldito corredor. — disse Dee. — É como subir ao próximo nível de um videogame. — Michael parecia impressionado. Mas Audrey apertou os lábios. Quando Jenny perguntou o porquê, ela a olhou de soslaio sob os cílios escuros espetados. — Uma coisa sobre os videogames: quanto mais longe você vai, mais di cil fica — disse ela. — N'est-ce pas? Não é? As escadas nham estofamento de borracha com os cumes quase gastos. Jenny não conseguia ver o topo de onde estava — o teto do salão da Mansão Assombrada estava no caminho. — O que estamos esperando? — Dee saltou para os degraus. Então, agarrou o corrimão e assim que seu pé tocou um degrau, a escada inteira começou a se mover com um empurrão. Era uma escada rolante sibilante, gemendo e tremendo. — Ah, nossa — disse Michael. — Odeio ter que contar isso, mas quando era criança, eu nha medo de escadas rolantes. Tinha medo de que elas pudessem puxar o fim do meu cachecol ou algo assim... — Você não usa cachecóis — Audrey e o empurrou. — Mike, se você tem medo de escadas rolantes, provavelmente esta é sua culpa — Jenny pisou atrás dele. — Lembre-se, ele cria tudo a par r de nós. Quando se aproximaram do topo, ela descobriu que estavam andando diretamente para um espelho. Na verdade, Jenny descobriu quando olhou para o corredor — depois de ajudar Mike a pular da escada rolante no momento estratégico — que havia espelhos por toda parte.

O corredor lá embaixo estava escuro, mas esse era exatamente o oposto. A luz ricocheteou e saltou dos espelhos que reves am as paredes em ziguezague até Jenny ver listras coloridas, mesmo com os olhos fechados. De fato, as paredes espelhadas ziguezagueiam tão acentuadamente que era impossível obter uma visão clara por mais de alguns metros. Você nha que virar alternadamente para a direita e esquerda para seguir o caminho do corredor, e qualquer coisa na curva à sua frente ou atrás era invisível. — Tudo bem, quem colocou esses aqui? — Dee exigiu. — Minhas pernas são realmente curtas assim ou esses espelhos são falsos? — Audrey perguntou, girando. Michael fez um esforço para endireitar seu moletom cinza amassado e depois desis u. O próprio reflexo de Jenny a deixou desconfortável. Parecia ouvir a voz de Julian em sua mente: "Olhos tão verdes quanto cipreste e cabelos como âmbar líquido..." Não foi isso o que Jenny viu. Naquele momento, viu uma garota de bochechas coradas, cujos cabelos grudavam na testa em pequenos cachos úmidos, cuja blusa de linho estava começando a ficar desfiada e cuja saia esvoaçante de algodão estava empoeirada e manchada de grama. — Pra direita ou esquerda, escolham — ela olhou para cima e para baixo no corredor. — Esquerda — disse Dee com firmeza, e eles foram por esse caminho, ziguezagueando e zagando com as curvas agudas. Os espelhos eram desconcertantes. Em todos os lugares que Jenny olhava, sua imagem era jogada de volta para ela e jogada de espelho em espelho, de modo que ela se via indo e vindo, refle da no infinito por todos os lados. Fique neste lugar por tempo suficiente e você pode esquecer qual deles é realmente você, ela pensou. Como no outro corredor, não havia desvios do padrão, nada para dis nguir qualquer parte dele de qualquer outra. Foi especialmente estressante não poder ver mais de uma curva atrás de você e não saber o que poderia estar

esperando na próxima à frente. Imagens da Rastejadora e do Espreitador passaram pela cabeça de Jenny. — Dee, vá devagar — Jenny disse enquanto o passo longo e leve de Dee a rou de vista pela terceira vez. Dee estava navegando no corredor como um esquiador em um zigue-zague, mergulhando dentro e fora das curvas acentuadas, enquanto o resto deles andava com as mãos estendidas para ajudá-los a diferenciar a realidade. — Não, vocês que têm que se apressar... — A voz de Dee estava respondendo a par r da próxima curva, e então houve um flash. Parecia refle r de todos os lugares ao mesmo tempo, mas Jenny achou que vinha da frente. Ela, Audrey e Michael ficaram paralisados por um momento e depois avançaram. Dee estava de pé, com as mãos nos quadris, na frente de uma porta. Era espelhada como as paredes, mas Jenny imaginou que deveria ser uma porta, porque havia um botão vermelho como o de um elevador ao lado. Quando olhou com atenção, conseguiu dis nguir o contorno da porta do espelho ao redor. Acima do botão vermelho havia uma lâmpada azul, redonda como o nariz de um palhaço. — Simplesmente apareceu — Dee estalou os dedos. — Desse jeito. Nesse flash. Na curva à frente, ouviram choramingos. — Summer! — Jenny, Dee e Audrey exclamaram simultaneamente. Era Summer, encolhida na próxima curva, os cachos de açúcar repousando sobre os braços cruzados, as pernas desenhadas sob a camisa azul de porcelana. Ela olhou para cima com um pequeno grito histérico quando eles se aproximaram. — São vocês mesmo?

— Sim — disse Jenny, ajoelhada. Estava um pouco assustada com a expressão nos olhos de Summer. — De verdade? — Sim. Ah, Summer. — Preocupada, Jenny abraçou a garota menor e a sen u tremer. — Estou aqui sozinha há tanto tempo, e con nuava me vendo, e às vezes pensava ter visto outras pessoas, mas quando corria em direção à elas, elas não estavam lá... — Quem você viu? — Às vezes Zachary... e às vezes ele. Ele me assusta, Jenny. — Summer enterrou o rosto nas roupas de Jenny. Ele também me assusta, Jenny pensou, mas disse: — Não há nada para temer agora. Estamos realmente aqui. Está vendo? Summer conseguiu dar um sorriso aguado. — Pobre Sum... Acho que esse deve ser nosso próximo pesadelo — disse Michael. — Bom trabalho, Mr. Bean — Dee ironizou baixinho. Eles explicaram sobre os pesadelos para Summer. Ela não ficou tão perturbada quanto Jenny esperava. — Qualquer coisa para sair daqui — respondeu. — Eu sei. Estou aqui há apenas vinte minutos e já odeio o lugar — disse Dee. — Parece até claustrofobia. Na frente da porta, Jenny hesitou com o dedo no botão. — Suponho que você não queira nos contar o que desenhou para o seu pesadelo — perguntou sem esperanças à Summer, já que nenhum dos outros contou. — Tudo bem — disse Summer prontamente. — Era um quarto bagunçado.

— Um quarto bagunçado? — Michael franziu o cenho e ironizou: — Nossa, horrível. — Não, sério, Summer — Audrey nha um ar vividamente adulto. — Vai ajudar se nos contar. Dee lançou um olhar diver do de indiferença para ela. — Eu disse. É um quarto bagunçado. — Está tudo bem, Summer — Jenny disse gen lmente. — Bem, lide com isso quando chegarmos lá. — Ela apertou o botão vermelho. A luz azul acendeu e a porta se abriu. Era um quarto bagunçado. — Viram? — disse Summer. Era o quarto de Summer, só que maior. Desde que Jenny a conheceu, seu quarto era bagunçado. Os avós de Summer eram refugiados nos anos sessenta e tudo em sua casa estava um pouco desgastado pelo tempo, mas, como Michael disse, a própria Summer havia se desarrumado em uma arte. Quando você a visitava, geralmente não podia ver as cor nas feitas à mão na janela ou a colcha de retalhos brilhante na cama, por causa das coisas penduradas nelas, empilhadas ou espalhadas na frente e em cima delas. No quarto atrás da porta espelhada, Jenny não conseguia nem ver a cama. Havia um pequeno espaço livre em frente ao armário — tudo o mais estava obscurecido por pilhas de lixo. Dee e Michael estavam rindo. — Acredito em você, Gata. Realmente dá para ter pesadelos com isso — disse Dee. Jenny suspirou, não diver ndo-se como eles. — Tudo bem, pessoal, vamos entrar. Acho que temos que limpá-lo. Deve haver uma porta em algum lugar ao longo de uma das paredes mais afastadas.

— Ei, espere. Não sou adepto da palavra com L — protestou Michael, alarmado. — Além disso, a poeira faz mal às minhas alergias. — Entre logo — Audrey o forçou, levando-o pela orelha. Todos se espremeram entre o armário e as pilhas. A porta se fechou silenciosamente atrás deles e desapareceu. — O que você disse mesmo sobre claustrofobia? — Michael ofegou. — Ce e chambre est une vrai pagaille — Audrey disse baixinho. — O quê? — Jenny a olhou. — Eu disse que este é um quarto bagunçado. Summer, como você aguenta? Os olhos azuis de Summer estavam cheios de lágrimas. — Meu quarto de verdade não é tão ruim assim. Este é o meu pesadelo, tonta! — Mas por quê esse po de pesadelo? — Audrey disse, sem amolecer. — Porque minha mãe nunca briga por causa do meu quarto, mas uma vez minha avó veio me visitar e quase desmaiou. Ainda sonho com o que ela disse. — Não a faça se sen r pior — Jenny sussurrou para Audrey. — Tentem abrir caminho pelas bordad e verifiquem todas as paredes em busca da porta. — disse em voz alta. As pilhas de lixo eram incrivelmente variadas. Havia montes de roupas amarrotadas, revistas velhas, Ray-Bans desconexos, fitas cassetes, biquínis amarrados, copos de iogurte esmagados e congelados, fotografias dobradas, sandálias incompa veis, canetas sem tampas, lápis mas gados, fones de ouvido torcidos, toalhas sujas, montes intermináveis de roupas ín mas e um zoológico de bichos de pelúcia enlameados. Também um Frisbee mas gado por cachorro, um tapete Twister amassado e um futon que cheirava como o traseiro de alguém.

— É a cidade das aranhas aqui — disse Dee, reunindo um dos montes. — Você nunca ouviu falar de inse cida Raid? — Acredito em "viva e deixar viver" — Summer afirmou vagamente. Era realmente um po de pesadelo, pensou Jenny, um pesadelo de tédio. Mas Dee trabalhou com energia incansável e Audrey com precisão me culosa, e lentamente eles abriram caminho entre os escombros. Michael não era bom, no fim — ele parou para folhear todas as revistas que pegou. Agora, estavam chegando a um po diferente de lixo — um que fez Audrey torcer o nariz. Cascas de abacate enegrecidas, jornais mofados e copos de plás co com os resíduos de líquidos não iden ficáveis. Então Jenny levantou uma caixa de bugigangas e viu algo parecido com uma flor pressionada no chão de madeira embaixo. Mas não era uma flor, nha a forma diferente. A princípio ela não reconheceu, mas depois viu o focinho e os pequenos pés enrolados. Era um rato amassado e seco. Ela não pôde deixar de ofegar. Não posso tocar nisso, não posso, não posso. Dee pegou-o com um calendário de 1991 e jogou-o no armário. Jenny sen u um sussurro de terror dentro de si, inquietação que foi além do nojo pelo rato. O lixo ficou cada vez pior — como o que se encontraria no lixão, nada que es vesse no quarto de alguém. Alimentos em todas as etapas de decomposição. Todo po de lixo. Ninguém estava mais sorrindo. Dee pegou uma cesta de Páscoa esfarrapada e um cheiro horrível flutuou dela. Dee mexeu a grama de celofane com um dedo longo e depois seu rosto convulsionou. Na cesta havia uma massa sólida de larvas brancas e retorcidas.

— Jesus! — Em um movimento fluido, Dee jogou a cesta no armário, onde bateu na porta e espalhou uma chuva de branco. Michael saiu da revista com um grito, seguido por Audrey e Summer. Jenny sen u o toque rápido e frio do medo real. — Summer... o que sua avó disse sobre o seu quarto? — Ah, ela disse que as coisas estavam crescendo — relatou Summer, com olhos arregalados e preocupados. — Ela disse que atrairia insetos. Disse que parecia a ngido por um terremoto, e que um dia eu me perderia nele e nunca sairia. Dee, que estava encarando Summer, agora lançou um olhar de revelação assustada para Jenny. A tensão na sala era palpável. — E que po de pesadelos você tem sobre isso? — Jenny perguntou e Summer estremeceu. — Bem, é como se eu ouvisse um ruído áspero e então aparecem umas baratas, mas elas são grandes, grandes como... como um tênis. E então vejo uma coisa no chão. É como um fungo, mais ou menos uma coluna de fungo, mas tem uma espécie de boca no topo e está uivando. É um fungo uivante. — Os lábios de Summer já estavam tremendo. — Pode não parecer assustador, mas é. É a coisa mais assustadora que já vi na minha vida. Um aviso primi vo foi disparado no cérebro de Jenny. Ela, Audrey, Dee e Michael se entreolharam. — Parece muito assustador para mim — afirmou ela. — Acho que é melhor irmos logo. — Acho que você está certa. — Os lábios de Michael estavam franzidos em um sibilar. Ele se forçou a não fazer nenhuma outra queixa. O armário estava cheio agora, e eles estavam apenas transferindo coisas da frente para trás de si, como cavar um túnel. O lixo ficava cada vez mais grosseiro e assustador. Coisas que Jenny não queria tocar com as mãos, usando camisetas amassadas como luvas para movê-las.

Então, os insetos vieram. Tudo começou com um farfalhar, um som agradável como um ves do de baile de tafetá. Jenny ficou rígida, depois se virou lentamente para olhar. Uma barata, plana e marrom. Mas era enorme, muito maior que o pé de Jenny. Ela rastejou languidamente para fora da abertura do chão, contorcendo-se de alguma maneira, com as pernas traseiras farpadas pegando nas persianas de metal. As patas emi am sons suaves nos restos de papel. Summer deu um grito agudo e apontou para ela. Então, outra saiu da abertura e outra. O dedo indicador de Summer se tornou um borrão trêmulo. Jenny pegou um copo de água para tentar ajudá-la, mas o soltou. O copo estava cheio de grilos, antenas tremendo delicadamente. Summer viu. Ela parou de apontar e ficou imóvel. Baratas menores emergiram de uma caixa de doces descartada, os copos de papel com babados enrugando enquanto os insetos se arrastavam. O rosto de Summer estava tão branco que havia manchas azuis sob seus olhos. Besouros verdes iridescentes do tamanho de bolas de futebol começaram a subir nas paredes. Eles flexionaram suas asas exteriores qui nosas, suas asas internas membranosas pendendo como anáguas de arrasto. Summer ficou como uma estátua de gelo e Jenny olhou para cima. Uma dúzia de mariposas marrons do tamanho de pequenas pipas estavam presas no teto, com as asas manchadas de escuro estendidas. — Vamos, Summer, nos ajude! — A voz de Audrey estava cheia de medo enquanto ela vasculhava o lixo. Formigas perturbadas enxameavam, formando trilhas grossas como cachoeiras negras sobre os escombros. Summer não se mexeu. Estava olhando para um dos besouros de casca dura como um coelho sem sen do preso em um farol. O chão balançou sob os pés de Jenny.

A princípio, ela pensou que fosse algum efeito da troca de lixo. Então lembrou: "Ela disse que parecia a ngido por um terremoto..." — Temos que ir logo! — Jenny gritou ao mesmo tempo em que Dee gritou: — Vão, vão! Eles estavam arranhando o lixo agora, arrancando o suficiente da parede para revelar papéis de parede rachados e descascados, para garan r que não houvesse porta.Subiram nos montes menores, atravessando-os. O chão tremeu novamente. O sussurro de terror dentro de Jenny se tornou um grito. — Depressa — ela ofegou, limpando o lixo com varreduras de seus braços. — Depressa, depressa... As enormes pilhas de lixo tremeram. Todos trabalhavam frene camente, até Michael. Apenas Summer ficou enraizado no horror. — A porta! — Dee gritou, do topo de uma pilha. A cabeça de Jenny se levantou. Alívio a inundou. Quase invisível sobre uma pilha fedorenta, podia ver a moldura retangular da porta. — Ela abre — disse Audrey. — Temos que rar todas essas coisas do caminho. Eles se arrastaram, rasgando a pilha. Uma barata subiu no pé de Jenny e ela a expulsou com tapinhas. Grite depois. A sala tremeu novamente. Ela olhou para cima e sua respiração sibilou. Havia rachaduras sinistras no teto. Naquele momento, Dee e Michael limparam os úl mos escombros da porta. Com um soluço agradecido, Jenny os ajudou a abrir. Então se virou para olhar para trás. O que Jenny viu não era o quarto de ninguém. Era o inferno. Haviam enormes rachaduras no chão com insetos monstruosos e mutantes rastejando para fora. O teto estava dobrado e o gesso estava sendo filtrado. As moscas, perturbadas, estavam tremulando no ar, suas asas

fazendo barulho como enormes cartas baralhando. E brotando como anêmonas grotescas entre os restos eram objetos que Jenny não reconheceu. Pareciam pepinos-do-mar caídos e eram verde-acinzentados. Audrey e Michael haviam tropeçado no corredor dos espelhos. Dee estava segurando a porta. A terra roncou novamente. — Vamos, Summer! — Jenny gritou e Summer voltou-se para sua voz, seus grandes olhos azuis cegos. Ela deu um passo em direção a Jenny. Um dos crescimentos diretamente em seu caminho se endireitou. Tornouse uma coluna. No topo da coluna, havia uma abertura que se abria e fechava. A abertura se abriu e um som demente, obsceno, saiu. Estava uivando. Os outros crescimentos estavam se endireitando. O som da sirene gemendo duplicou, triplicou. Estavam entre Summer e a porta. Summer se virou e tropeçou de volta para o armário, gritando. — Summer, não! Venha! O chão levantou. As pilhas de lixo estavam caindo no caminho limpo. Os insetos mutantes deslizaram ao redor em um frenesi. Pareciam estar indo em direção a Summer. O fungo uivou e os gritos de Summer foram ainda mais altos. — Summer! — A adrenalina entrou em ação e Jenny mergulhou no lixo, tentando escalá-lo. — Jenny, volte! — Dee gritou. Mais lixo caiu. Jenny não conseguia ver Summer. Os gritos estavam desaparecendo. — Jenny, não posso mais segurar a porta! Os gritos ficaram em silêncio. Apenas o uivo con nuou. — Summer! A terra estremeceu violentamente.

— O chão está cedendo! — Dee gritou, e Jenny sen u uma mão agarrá-la, puxá-la para trás. — Não, nós temos que ajudar a Summer! — Não vamos conseguir! Venha! — Não posso deixá-la! — Jenny gritou, virando-se novamente, mas Dee se abaixou e a pegou pela cintura. Jenny se viu voando sobre os ombros de Dee, saindo pela porta. Michael e Audrey a agarraram. Pela porta aberta, Jenny viu o teto ceder. Dee cambaleou e caiu ao lado deles. Jenny não nha forças para se levantar. Então a porta se fechou quando as pilhas caíram contra ela. — Olhem — resfolegou Michael em uma voz grossa. A porta estava desaparecendo. Sumiu lentamente, como uma imagem parada em um filme. Era uma porta levemente enevoada, transparente com espelho aparecendo e uma parede espelhada. Jenny estava olhando loucamente para seu próprio reflexo. Podia ver os outros no espelho. Audrey era branca como porcelana. O rosto de Dee estava cinza. Michael parecia entorpecido. Eles se amontoaram no tapete, atordoados. Isso aconteceu terrivel e repen namente. — Quando Dee se atrasou para sair do pesadelo de Audrey, a porta não desapareceu. Ela ficou lá... e ela saiu. Mas desta vez... — Jenny suspirou. — Meu Deus — disse Dee em voz muito baixa. Houve um longo silêncio. Audrey, finalmente, foi quem disse as palavras. — Ela está morta. Jenny colocou o rosto nas mãos. Era um gesto que nunca teria pensado em usar. Mas no momento, aconteceu. Ela queria se esconder do mundo. Queria mudar tudo o que nha acontecido segundos antes.

— Não é justo — sussurrou. — Ela nunca machucou ninguém. — Então, estava de pé, gritando para o corredor que a ecoava. — Não é justo. Não é justo, seu maldito! Ela não merecia! Não é justo! — Jenny! Jenny, calma, vamos, agora. Jenny, por favor, sente-se. Todos estavam tentando segurá-la. Jenny percebeu que não estava no controle de si mesma. Estava tremendo violentamente e sua garganta doía de gritar. Tão repen namente como nha chegado, a energia histérica desapareceu. Ela sen u-se cair. Eles a colocaram no chão. — Está tudo bem — Jenny ouviu a voz de Dee e sen u uma mão acariciando seus cabelos. Em qualquer outro momento, isso a teria surpreendido. Agora, ela não sen a nada. — Tudo bem em ficar chateada — disse Dee. Eles não entendiam. A culpa era de Jenny. Foi ela quem os colocou nisso. Se vesse beijado Julian na caverna do Erlking, poderia ter rado Summer de lá. Como se para zombar dela, um relógio invisível bateu duas horas. Mas Jenny só conseguia permanecer no chão.

CAPÍTULO 11 — Porque está demorando tanto para parar de tocar? — Dee ques onou. Audrey e Michael foram ver se conseguiam encontrar Zach, quem eles imaginavam que devesse estar por aqui em algum lugar. Ou água — ou um cobertor — ou algo parecido para Jenny. Ela estava péssima, encostada na parede espelhada inclinada em frente à porta de Summer — o que havia sido a porta de Summer. Não havia ves gios da saída do pesadelo da amiga, mas Jenny não deixaria este lugar Tudo doía e tudo o que ela conseguia pensar, entre as ondas de cinza, era Summer. Summer havia se juntado ao grupo na quarta série, depois que Jenny, Tom, Dee, Zach e Michael já eram amigos. Minúscula, confusa e muito doce, Summer precisava cuidar e cuidar dela foi o que Jenny fez de melhor. Mas não desta vez. Dessa vez, ela nha estragado tudo. E Summer se foi. Jenny ainda não acreditava que isso realmente nha acontecido. Summer chegaria pelo espelho à qualquer momento, o cabelo todo despenteado e olhos azuis escuros. À qualquer momento agora. Mas não chegou e Jenny deixou a cabeça cair contra a parede. — Vou procurá-los — disse Dee. — Eles estão demorando demais, podem estar com problemas. Você fica aqui, ok? Prometa que ficará aqui. — A voz dela era lenta e clara, a voz que se usava para conversar com uma criança. Com os olhos fechados, Jenny fez um leve movimento com a cabeça. — Tudo bem. Volto em um minuto. A mente de Jenny voltou para uma névoa. Summer subindo em uma árvore no acampamento. Summer em Newport Beach, caindo de uma prancha de surf. Summer na escola, mas gando um lápis. Summer rindo. Summer intrigada. Os olhos azuis de Summer enchendo-se de lágrimas.

Ela não nha uma parte mesquinha no corpo, Jenny pensou. Era uma boa pessoa. Algo assim não podia acontecer com uma boa pessoa. Podia? Ela viu o flash mesmo através de tampas fechadas. Summer!, pensou, abrindo os olhos. Mas o espelho à sua frente mostrava apenas seu rosto pálido e ansioso e cabelos desarrumados. Talvez vesse vindo do lado. De qual? De pé, Jenny olhou para a direita e esquerda, deslumbrada com as múl plas reflexões. Nem sabia por qual Dee nha ido. Ela foi para a direita, girando de um lado para o outro nos espelhos em zigue-zague. Virando uma curva, viu dezenas de reflexos de uma lâmpada azul redonda e prendeu a respiração bruscamente. A luz azul estava acesa, o botão vermelho embaixo estava pressionado. Ao lado, havia um retângulo escuro — uma porta aberta. Sem ser cautelosa, Jenny enfiou a cabeça. Só via a escuridão lá dentro. Nenhuma luz do corredor parecia penetrar. Audrey e Michael nham entrado aqui? Dee nha? Ou Summer... Com um clique, a maçaneta girou e a porta começou a fechar. Jenny teve um instante para escolher: recuar ou avançar. Ela pulou para frente. A porta se fechou silenciosamente atrás dela, e ela olhou em volta, tentando ver na escuridão. Conseguia dis nguir formas como uma fileira de prateleiras, algo em um tripé, uma lâmpada alta. Então soube onde estava. Estava escuro, simplesmente porque as luzes estavam apagadas. Quando seus olhos se ajustaram, reconheceu uma impressão gigante em uma parede. Mostrava mesas de cafeteria empilhadas em uma gloriosa pirâmide, uma lata de lixo em cada extremidade de cada nível — uma maravilha da engenharia. Jenny conhecia bem aquela foto. Ela, Tom e Dee passaram a noite inteira empilhando aquelas mesas no refeitório da escola e ouvindo os pedidos de Zach por "só mais uma foto". Tinha sido uma das aventuras mais loucas e aterrorizantes do segundo ano.

Essa era a garagem de seu primo Zach, conver da em estúdio. A sala escura, Jenny pensou, e seguiu o corredor especial em forma de L que Zach havia construído — uma armadilha leve, como ele dizia — para o quar nho aninhado dentro da garagem. Ela afastou a cor na na entrada. A luz âmbar segura brilhava nas costas de uma única figura, em uma camisa xadrez e um rabo de cavalo casual. — Zach! — Jenny correu até ele, mas ele não se virou. — Zach, sou eu, Jenny. Zach, o que você está fazendo? Ele balançava suavemente uma bandeja cheia de produtos químicos com uma impressão nela. Seu corpo estava rígido e resistente, mas Jenny o virou à força. Mesmo sob essa luz, podia ver que ele parecia nervoso. O olhar que vira primeiro na sala de estar quando ele insis a em virar mais cartas de jogo e depois na sala de estar quando todo o resto estava enlouquecendo. — Ah, Zach, o que há de errado com você? — Jenny o abraçou. Ficara preocupada com ele à noite toda; estava planejando confortá-lo, ajudá-lo. Mas agora não nha forças. Ela é quem precisava desesperadamente de ajuda. Zach mal pareceu notar que ela estava ali. Ele a afastou e voltou a agitar a bandeja. — Zachary, Dee veio aqui? Ou Audrey ou Michael? Sua voz era lenta, arrastada, mas prá ca. — Não vi ninguém. Estava sentado lá fora. Onde estão os espelhos. Então, vi um flash de câmera disparar. Quando o procurei, encontrei uma porta. Apertei o botão e entrei. Um flash de câmeras, é claro. Era assim que Zach interpretava as explosões de luz no corredor. — Estava tudo pronto para mim. A impressão já estava na água. — Em algum lugar, um cronômetro tocou e ele se afastou da mão estendida de

Jenny. — Tenho que enxaguar agora. Jenny piscou dolorosamente quando Zach acendeu a luz branca. Observou os dedos cuidadosos e espertos enquanto ele lavava a impressão e a observava contra a parede, recuando para avaliar, franzindo a testa. — Zach, por favor. Você precisa me ouvir. — A dormência da perda de Summer estava passando. Zach era seu parente de sangue e estava ali, e com problemas. Sob essa luz, Jenny podia ver o quão pálido seu rosto estreito estava. Também podia ver o olhar fixo em seus olhos cinza claros. — Você não percebeu que esse é o seu pesadelo? Não podemos perder tempo; precisamos encontrar uma porta para sair. Zach! Ele a afastou novamente. — Eu tenho que terminar este projeto. Tenho que... — Jenny mal chegou a tempo de pegá-lo quando ele desabou. Mas quando o fez, ele não a afastou novamente. Se agarrou à ela como uma criança assustada. — Jenny... desculpe... — Está tudo bem. — Ela o segurou com força, quase balançando-o. — Está tudo bem, estou aqui. É para isso que servem os primos. Depois de um minuto, ele tentou se endireitar, mas Jenny ainda o segurava, encorajando-o a segurá-la. Precisava de apoio tanto quanto ele, e Zach sempre esteve lá por ela. Antes que suas famílias se mudassem para a Califórnia, eles haviam morado um ao lado do outro. Brincavam de índios no pomar atrás de suas casas, antes do dia em que Zach decidiu que gostava mais de fotos do que de pessoas; quando os olhos cinzentos de Zach estavam quentes em vez de frios no inverno. — Assim como quando éramos crianças — A mente de Zach parecia lembrar do mesmo, já que ele disse com o que provavelmente deveria ser uma risada. — E você ficava raspando tudo em cima de árvores, e nós lavávamos você com a mangueira para que a Lil não ficasse brava — o riso de Jenny saiu abafado no ombro de Zach. Era quase como chorar. — Ah, Zach, estou tão feliz por ter te encontrado.

— Eu também. — Ele suspirou. — Tenho me sen do bem estranho. — Tudo foi horrível — disse Jenny, e mais uma vez sua voz tremia. — Fiquei tão assustada, e agora... Ela não conseguiu mencionar Summer. As palavras ficaram presas na garganta. — Está tudo bem — Zach a confortou. — Estamos juntos agora. Vamos fazer as coisas ficarem bem. Uma mangueira e um band-aid não vão ajudar desta vez, Jenny pensou, mas era mais fácil apenas apertar Zach. Mais e mais. Troca de conforto sem palavras. Ele estava acariciando seus cabelos e parecia bem reconfortante. Ela parecia sen r a força fluindo do corpo dele para o dela. E algo mais. Um calor que a surpreendeu. Zach geralmente era distante, mas agora estava segurando-a e acariciando-a quase como se ela fosse uma criança pequena que precisava ser pacificada. Ou como se não fosse seu primo, e sim seu namorado. Jenny afastou o pensamento. Ele estava apenas sendo gen l. Queria apenas ajudar — e estava ajudando. Ela se sen u melhor, simplesmente absorvendo sua simpa a, seu carinho. Sua ternura. Ela se inclinou contra ele, deixando-o suportar seu peso. Sen ndo-se segura. Cuidada. Segura. Quando Zach beijou sua nuca, foi tão ternamente que não perturbou a sensação de segurança. Zach era legal. Ela o amava e ficou feliz em saber que ele a amava. Quando ele a beijou novamente, porém, um tremor inesperado a percorreu. Ela não deveria se sen r assim. Não com Zach. Ele não deveria, ele realmente não deveria... Mas Jenny não queria se afastar dele ou estragar o momento.

Os lábios dele estavam quentes na parte de trás de seu pescoço. Um choque de doçura passou por Jenny, desta vez forte demais para ser ignorado. Aquele sen mento... ela sabia que não deveria se sen r assim. As mãos subiram para os braços dele, para afastá-lo. — Zach — ela sussurrou. — Acho que estamos um pouco perdidos. Não somos nós mesmos. — Eu sei — disse Zach, como se isso o machucasse. — Sinto muito, eu... — Ele se endireitou, afrouxando um pouco o aperto, mas depois beijou o cabelo dela. Jenny sen u seus lábios se moverem, sen u seu hálito quente. — Zachary — disse ela. — Isso é errado. Somos primos. — O problema era que, embora suas palavras fossem fortes, sua voz não era. Ela mal conseguia respirar. E não se afastou. — Meio-primos — Era verdade, embora Jenny raramente pensasse nisso. Sua mãe e a de Zach eram apenas meias-irmãs. — E além do mais, não posso evitar. Não posso evitar. Seus beijos estavam chegando mais rápido e sua urgência pegou Jenny numa onda de sen mentos elementares. Ela con nuou pensando, mas havia algo mais... mas não conseguia lembrar o quê. — Mas Tom... — Jenny sussurrou e o choque tomou conta dela. Não pensava em Tom desde... não conseguia se lembrar desde quando. Zach estava dizendo que também não podia ajudar Tom. — Ele não a merece. — As palavras vieram em uma onda quente de respiração em seu ouvido. — Ele não a ama o suficiente. Sempre ve medo de dizer isso, mas você sabe que é verdade. Apesar de sua magreza, os músculos de Zach estavam contra ela. Jenny tentou protestar, mas as palavras ficaram presas na garganta. — E agora sei que você também não o ama o suficiente. Você não deveria estar com ele. — A voz de Zach era suave e razoável, as palavras correndo juntas em um som aveludado.

Então ele estava olhando para ela. Uma luz clara parecia brilhar em seu rosto intenso. Seus olhos cinza-inverno pareciam quase azul pálido. — Você não pode lutar contra algo assim, Jenny — ele sussurrou. — Você sabe que não pode. Jenny fechou os olhos e levantou o rosto. Ele a beijou e seus sen dos giraram. Eles pareciam derreter juntos. Jenny sen u-se afundar sob o abraço dele. Era tão suave... beijar nunca nha sido tão suave assim antes. Ela não conseguia mais pensar. Estava voando; estava no fundo do mar. A pura sensação a dominou. O estava beijando de volta como nunca havia beijado Tom. O cabelo dele estava solto sob os dedos de Jenny; deviam ter saído do rabo de cavalo. Ela queria sen -los. Eram muito mais suaves do que havia percebido. Lembrava de Zach ter cabelos bastante grossos, mas agora eram tão macios... como seda ou pelo de gato sob as pontas dos dedos... Ela ouviu o som selvagem e choroso que fez, e sabia, sabia, mesmo quando estava se afastando. Mesmo enquanto se afastava, sabia. Os olhos de Julian eram como safiras líquidas sob cílios sujos. Pesados e escuros com paixão. Ele usava uma camisa xadrez como a de Zach, jeans lavados com pedras como os de Zach e tênis de corrida como os de Zach. Mas ele nha uma graça lânguida e descuidada que Zach nunca teria. Seu cabelo parecia brilhante como areia ao luar. Jenny estava esfregando a boca com as costas da mão. Um gesto puramente reflexivo e sem sen do. Estava chocada demais para ficar com raiva. Eu sabia? Será que antes de ele me beijar ou enquanto estava me beijando, mesmo antes de me afastar, no fundo eu sabia...? Ela ainda não conseguia entender qual era a realidade. — Como você poderia saber...? — sussurrou. — Você agiu como Zach... sabia coisas que só ele saberia...

— Eu o observei — disse Julian simplesmente. — Eu observei você. Sou o Homem das Sombras, Jenny, e amo você. — Sua voz era suave e hipno zante, que algo dentro de Jenny começou a derreter com o próprio som. Então ela pensou em Summer. A raiva, quente e brilhante, surgiu através dela e lhe deu forças. Olhou nos olhos azul-claros de Julian. Qualquer suavidade que já vera com ele desapareceu. Ela o odiava agora. Sem uma palavra, se virou e saiu da câmara escura. Ele a seguiu, acendendo as luzes da garagem. Ele sabia, é claro, no que ela pensava. — Ela concordou. Assim como todos vocês, ela concordou em jogar o Jogo. — Ela não sabia que era real! — "Eu reconheço que o Jogo é real." — Julian citou as regras. — Você pode falar o quanto quiser, Julian, mas você a matou. — Eu não fiz nada com ela. O próprio medo dela fez isso. Ela não podia enfrentar seu pesadelo. Jenny sabia que não havia sen do em discu r com ele, mas não podia evitar. Em uma voz baixa e selvagem, ela disse: — Não era justo. Ele balançou a cabeça. parecendo quase diver do. — A vida não é justa, Jenny. Ainda não aprendeu isso? — O que lhe dá o direito de brincar conosco dessa maneira? Como pode jus ficar isso? — Jenny estava furiosa. — Eu não preciso me jus ficar. Me ouça, Jenny. Os mundos, todos os nove, são cruéis. Eles não se importam com você ou com jus fica vas. Não há bondade defini va. É a lei do selva. Você não precisa ser certo. Precisa ser forte.

— Eu não acredito em você — rebateu Jenny. — Que o mundo é cruel? — Havia um jornal no banco; ele o pegou. — Dê uma olhada nisso, e me diga se o mal perde e o bem vence. Me diga que não é a lei da selva em seu mundo. Jenny nem queria olhar para as manchetes. Tinha visto muitos em sua vida. — A verdade tem garras e dentes — Julian mostrou um sorriso. — E, como isso é verdade, você não preferiria ser um dos caçadores do que uma das caças? Jenny balançou a cabeça. Tinha que admi r a verdade do que ele estava dizendo — pelo menos sobre o mundo. Mas sen u o estômago embrulhar. — Estou lhe oferecendo uma escolha — O rosto de Julian endureceu. — Já disse antes que, se não conseguisse convencê-la, a forçaria de alguma forma. Se você não concordar, terei que lhe mostrar que posso fazer isso. Cansei de brincar, Jenny. Quero que isso aconteça, de uma forma ou de outra. — Já me decidi. Nunca cederei à você. Eu te odeio. — Os dentes de Jenny estavam cerrados. A raiva brilhou como uma chama azul nos olhos de Julian. — Você não entende que o que aconteceu com Summer pode acontecer com você? Jenny sen u uma onda de frio. — Sim, entendo. — disse lentamente. E ela entendia, mesmo. Provavelmente não teria acreditado antes. Não teria acreditado que Julian fosse capaz disso, ou que ela, Jenny, pudessem ser vulneráveis à tudo. Morrer era para idosos, não para crianças da idade dela. Coisas ruins — realmente ruins — não aconteciam a pessoas boas. Mas aconteciam. E agora ela sabia disso, no fundo de seu coração. Às vezes, coisas ruins aconteciam com pessoas que não mereciam isso. Até com Summer. Até com ela.

Jenny sen u como se vesse aprendido algum segredo, sido iniciada em algum clube ou comunidade mundial. A comunidade da dor. Agora era uma das pessoas que sabia. Estranhamente, lhe dava uma sensação de conforto saber que havia tantos outros, tantos que veram amigos ou parentes que morreram, ou que sofreram outras coisas terríveis que nunca pediram. Muitos de nós, pensou. Sem perceber, começou a chorar. Estamos em todo lugar. E nem todos nós caçamos e matamos outras pessoas. Não somos obrigados. Aba não era. De repente, Jenny lembrou que a avó de Dee havia perdido o marido em um incidente racial. E lembrou-se de algo que Aba havia colado no espelho do banheiro, incongruente entre todos os utensílios de vidro, mármore e ouro. Era uma placa feita à mão que dizia: Não faça o mal. Ajude quando puder. Pague o mal com o bem. Jenny nunca perguntou a Aba sobre a placa. Não parecia precisar de explicação. Agora sen a a comunidade da dor fortalecendo-a em todas as partes. Como se es vessem entendendo-a, silenciosamente. Coisas ruins, as piores, podiam acontecer com Jenny agora. Ela compreendeu isso. — Você está certo. Talvez as coisas sejam tão ruins. Mas isso não significa que eu tenha que desis r. Não vou me juntar a você de bom grado, então pode tentar a força. — Eu vou. Tudo começou tão simples. Jenny ouviu um zumbido e uma abelha pousou em seu ombro. Era apenas uma comum, empoeirada. Agarrou-se com os pezinhos à blusa de linho. Mas então ela ouviu outro zumbido, e uma segunda abelha pousou na outra manga. Outro zumbido. E outro. Jenny odiava abelhas. Sempre foi a pessoa em piqueniques gritando "Tem uma no meu cabelo?". Queria espantar essas abelhas, mas nha medo de provocá-las.

Ela olhou para Julian. Para seus selvagens e exó cos olhos de safira, seu rosto lindamente esculpido. Naquele momento, usando as roupas sem brilho de Zach, sua beleza era tão sobrenatural que era assustadora. Outro zumbido e uma abelha estavam em seus cabelos, suas asas um borrão de movimento enquanto se enroscava e se agarrava. Jenny ver isso em sua visão periférica. Julian sorriu. Jenny ouviu um som mais profundo, um zumbido e procurou automa camente a fonte. Um enxame de abelhas estava amontoado em uma das vigas da garagem, pendendo como uma fruta gigante e pendente. Ela deu um passo para trás e ouviu um zumbido de aviso em seus cabelos. A bola de abelhas estava se movendo, se transformando. Tornando-se uma nuvem negra e indo em direção a ela. Jenny olhou mais uma vez para Julian, e então as abelhas começaram a cair sobre ela como granizo. Se agarraram aos braços, ombros e seios. Ela teve que manter os braços afastados do corpo para não esmagar as de lado. Sabia que se fizesse isso, doeria. Então simplesmente se tornou um pesadelo, irreal. Elas eram pesados, cobrindo-a como um cobertor muito pesado. Jenny cambaleou. Fechou os olhos porque elas estavam rastejando de seus cabelos para o rosto. Ela foi inundada com abelhas, camada após camada delas. Estavam agarradas uma ao outro agora, porque quase não havia parte do corpo dela livre delas. As pontas dos dedos, algumas partes do rosto. Jenny sen u os pés nas bochechas e queria gritar, mas não podia, não podia gritar, porque se ela fizesse, elas entrariam em sua boca. E então ela perderia a sanidade. Mas não conseguia respirar bem o suficiente pelo nariz. Seu peito estava pesado e o peso delas a esmagava. Tinha que abrir a boca. Estava chorando silenciosamente, tentando não se mexer, para perturbálos mais do que poderia ajudar. A voz de Julian veio até ela.

— Apenas diga a palavra, Jenny. Ela só podia balançar a cabeça levemente. O mínimo de movimento. Mas o que conseguiu, ela fez. Ainda estava chorando sem som, com medo de se mexer, mas não iria — ela não iria — ceder. Você pode fazer o que quiser comigo, pensou. No escuro, sob os olhos cobertos de abelha, ela tentou se manter consciente, mas era como um fio fino deslizando por entre os dedos. Ela o agarrou, sen u que estava sendo arrancado dela. Ela estava desmaiando. Caindo. Mas não desis u. Quando eu a ngir o chão e esmagá-las, elas enlouquecerão e vão me matar. Mas Jenny não disse a palavra para impedir. Sen u a escuridão chegar quando começou a cair.

CAPÍTULO 12 Flutuando na penumbra cinzenta, Jenny ouviu um relógio bater três horas. Acorde, gritou para si, mas não queria. Flutuou por um tempo novamente. Não, acorde, forçou-se novamente. Esse é o alarme. Você tem que ir para a escola... ou algo assim. Você tem que ir ver Zach. Zach. Ela estava acordada. Estava deitada no chão frio da garagem de sua prima, gelada e dura, mas sem abelhas. Olhou para as mãos e os tornozelos nus. Nenhuma marca. Julian não deixou que isso acontecesse. Mas agora ela estava presa em uma garagem sem porta. A armadilha de luz nha apenas uma cor na. Todas as outras portas — a grande para carros e a regular para a casa — estavam simplesmente faltando, seus espaços preenchidos com paredes em branco. Ela não nha ideia do que deveria fazer a seguir, e passava das três da manhã e estava cansada. Jenny olhou para o canto do estúdio onde Zach rava fotos. A câmera estava em um tripé e o farol de tungstênio aceso. O pano de fundo era uma folha de papel sem costura de um rolo de talvez dois metros de largura. Zach havia rado muitas fotos pintando papel como aquele preto e jogando punhados de farinha branca nele. O resultado parecia um pouco com os respingos brancos da Via Láctea no espaço infinito. Muito estranho e futurista; Zach adorava esse po de coisa. Esse cenário, no entanto, também nha uma porta pintada. Uma maçaneta se projetava do papel. A saída, Jenny pensou enquanto passava por ela, mas algo dentro dela não nha tanta certeza. Por alguma razão, essa porta em preto e branco lhe

arrepiava até as carnes. Que escolha você tem?, sua mente perguntou simplesmente. Jenny girou a maçaneta. A porta se abriu e ela entrou. Era como estar suspensa entre as estrelas. A porta se fechou atrás dela, mas Jenny mal percebeu. O céu parecia muito baixo, mais como um teto. Era preto com manchas brancas brilhantes. O chão era um pano preto aveludado que durava para sempre em todas as direções. Era horrível essa sensação de infinito por toda parte, puxando-a. Isso a lembrou de um sonho que já vera, onde o chão se estendia sem parar, mas o céu estava próximo e sólido no alto. Zach teve o mesmo po de sonho? Esse era o verdadeiro pesadelo dele? Os únicos pontos de referência na escuridão sem limites e sem traços eram lâmpadas — lâmpadas de tungstênio como as usadas pelo primo. Elas formavam pequenas ilhas de brilho aqui e ali, algumas brancas, outras coloridas, desaparecendo ao longe. Jenny girou, tentando se orientar, e respirou fundo. A porta ainda estava atrás dela. Não nha desaparecido. Ela poderia sair de novo. Mas se esse era o pesadelo de Zach, ele deveria estar aqui em algum lugar. Não poderia sair sem procurá-lo. Depois de um momento de hesitação, dirigiu-se ao farol mais próximo, um rosa neon. Foi preciso coragem para se afastar da segurança da porta e, uma vez que ela o fez, manteve os olhos fixos na ilha de luz à frente. O chão de veludo preto era perfeitamente liso, sem as menores rugas. Jenny podia pra camente andar de skate em seus apartamentos. Quando alcançou o holofote, viu que nha um filtro rosa como os que Zach usava. Ele os pegara do departamento de teatro quando os holofotes coloridos queimaram. E a cena que iluminava era exatamente como uma impressão que Zach fizera, uma silhueta de papelão de um coiote rosa neon na grama. A impressão era estranha e de alta tecnologia, como todas as fotos de Zach, mas Jenny sempre gostou. Naquele momento, a forma de coiote em pé sozinha com uma luz rosa brilhando era irritante.

Esperando o fotógrafo, Jenny pensou. Deu a impressão inquietante de que estava esperando lá para sempre. Ela se dirigiu para o próximo farol, um branco a talvez dez metros de distância. Era di cil avaliar a distância aqui. Este brilhava em uma única parede sozinha, com as janelas quebradas. Pontos e faixas de prata decoravam a parede. Zach entrou em casas desertas na praia de Zuma, pintou e fotografou. Vandalismo, dissera a polícia, mas Zach insis u que era arte. Jenny olhou para os dois lados da parede independente. Era irritante também. Tudo estava tão quieto aqui... No momento em que ela pensou, ouviu um leve ruído de ruído. A luz do holofote rosa diminuiu por um momento, como se algo vesse passado na frente dele. Permanecendo rígida, Jenny desviou os olhos na escuridão. Não conseguia ver nada se mexendo, e também não ouvia nada. Apenas a sua imaginação, disse a si mesma mas era di cil parecer convincente. Olhando para trás com frequência, ela caminhou para a próxima lâmpada. Esta nha um filtro laranja neon. Alguns anos atrás, Zach havia fotografado bicarbonato de sódio jogado no ar sob luzes coloridas. O problema era que aqui o bicarbonato ficava no ar, uma nuvem laranja brilhante suspensa por nada. Jenny podia ver os movimentos individuais brilhando e flutuando levemente. Deus, me re daqui. Ela se afastou e par u para a próxima ilha. Quando aproximou, seu coração disparou e ela começou a correr. Havia dois holofotes azuis juntos. Zach estava em um. Jenny abriu a boca para gritar seu nome, mas parou no úl mo minuto. E se não fosse Zach? Ela foi enganada uma vez. Ela se aproximou cautelosamente e olhou para a figura em silêncio.

A mesma camisa xadrez sobre a mesma camiseta. Os mesmos jeans. O mesmo cabelo no mesmo rabo de cavalo. Ele segurava uma pedra do tamanho de um punho sobre uma tela cinza pintada com listras prateadas. Zach largou a pedra, olhou para ela e a pegou de volta. Colocou de novo no lugar exatamente o mesmo. — Vou chamar isso de Pedras sobre Águas — ele disse e olhou para cima. — Porque pedras simplesmente não flutuam. — Zach — chamou Jenny. Ajoelhou-se e colocou a mão no ombro dele. Seus olhos cinzentos eram abstratos e um pouco vidrados, como os outros. Mas algo disse a Jenny que realmente seu primo agora. Um ruído fur vo na escuridão sem fim a fez olhar rapidamente. A luz branca piscou e voltou a acender. — Zach, temos que ir — Jenny forçou seu aperto. — Explico depois, mas há algo lá fora e temos que voltar para a porta. Zach apenas deu a ela um de seus sorrisos ausentes, do po que não alcançou seus olhos. — Eu sei que está lá fora. Não importa. Tudo faz parte da minha alucinação. — Sua o quê? Você quer dizer seu pesadelo? — Tanto faz. — Ele pegou a pedra novamente, mudou um pouco, considerou. — Sei há muito tempo que isso ia acontecer. Jenny estava genuinamente espantada. — Você sabia que seríamos sequestrados pelo Homem das Sombras? — Eu sabia que estava ficando louco. — Então, ajustando a pedra fracionariamente, Zach disse: — Na verdade, "sequestrados pelo Homem das Sombras" é um jeito interessante de se colocar isso. Uma imaginação bem fér l. Quer dizer, estou enlouquecendo, não é?! Jenny podia sen r a boca aberta. Então fechou com um estalo e pegou o primo pelos dois ombros.

— Zachary, você não é louco. É por isso que você estava agindo tão estranho ul mamente? Porque pensou que estava ficando louco? — Cérebro sequestrado pelo Homem das Sombras — ele disse a ela. — Isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. É de família. — Ah, pelo amor de Deus, Zach! — Jenny não nha ideia do que ele estava falando. O farol laranja, o próximo a se ir, parecia piscar. — Não se preocupe — Zach con nuou. — Você é apenas parte da minha alucinação. Não vai doer mesmo. — O que não vai doer mesmo? Zach estava olhando a pedra em sua tela de pintura. — É sobre dimensões. Percebe? A tela é bidimensional e a... Uma flecha quebrou um dos holofotes azuis em uma chuva de faíscas e vidro. Não, um dardo, Jenny pensou, atordoada. Um dardo de um lançador. Ela reconheceu isso porque o pai de Zach havia chegado ao Campeonato Nacional de Besta por três anos consecu vos. Dardos eram ainda mais letais que flechas, e este era metálico e parecia quase futurista. Zach estava rando pedaços de vidro da tela. — Zach, levante-se! — Jenny estava frené ca. Outro dardo quebrou o segundo holofote azul. Jenny pulou para longe das faíscas. Zach curvou-se protetoramente sobre sua rocha. — Zach, me ouça! Isso não é uma alucinação, é real, e você também pode morrer de verdade aqui! Pode trazer sua pedra, se quiser, mas temos que sair agora! — Sua voz subiu histericamente no final. Chegou até ele. Jenny mal podia vê-lo pelo brilho do céu branco, mas Zach se levantou, ainda segurando a pedra, e foi onde ela o estava puxando.

Refletor laranja, Jenny estava pensando. Laranja, depois branco e depois rosa. A porta deve estar além disso. A lâmpada laranja estourou quando chegaram. — Zach, quem está atrás de nós? Não, não pare, vamos! — Ofegando, Jenny puxou seu cotovelo. Ele se virou para olhar pensa vamente atrás deles. Não parecia assustado. — Eu. Eles alcançaram a parede independente ao lado do holofote. Jenny sen use um pouco mais segura por trás disso. — Você? — Olhou o primo. — Sou eu. Na minha alucinação, eu estou me perseguindo. Me caçando. — Ah, Zach — Jenny sen u-se impotente. — Zach, não é uma alucinação. O mesmo está acontecendo com todos nós; estamos todos aqui. Dee, Mike, Tom, Audrey e eu. E Summer estava aqui, mas seu pesadelo a matou porque ela não conseguiu... Então você precisa enfrentá-lo, porque se não... — Os olhos de Jenny estavam molhados. Zach piscou. — Estamos todos aqui? É real? — É! Realmente aconteceu, o Jogo e o Homem das Sombras e tudo mais. Não está na sua cabeça. Isso quase me enlouqueceu também, mas você não pode deixar. Zach piscou novamente, depois olhou através da janela vazia da parede, na escuridão. — Se é real... — ele começou devagar e con nuou com uma voz com mais força: — Se é real, então quem é esse? Jenny se virou para dar uma olhada cautelosa. Uma pessoa estava de pé na beira da luz que atravessava a janela. Seu lançador era futurista e ele também. Cyberpunk, ela pensou. Ele usava uma armadura preta que

abraçava seu corpo magro, e nha uma mão normal e outra que brilhavam em aço e cabos. Havia algum po de arma de alta tecnologia presa à coxa. Ele usava um capacete com uma máscara facial espelhada que obscurecia completamente suas feições. Jenny recostou-se na parede. — Ah, ó mo — ela sussurrou. — Achei que ele era meu lado sombrio. A parte de mim que quer me destruir — disse Zach razoavelmente. Um dardo atravessou a janela — Jenny sen u o vento — e despedaçou o holofote. — Vamos! Dessa vez, Zach correu sem pensar. O Caçador Ciberné co chegou ao holofote rosa diante deles. Ele não poderia ter, mas fez mesmo assim. Ficou em pé, iluminado pelo brilho rosa neon, uma silhueta escura quando eles se aproximaram. — Por aqui! Temos que chegar à porta! Jenny virou bruscamente, circulando para chegar ao outro lado da lâmpada rosa. Zach a seguiu. Mas quando ela chegou ao lugar onde a porta deveria estar, não havia nada. — Sumiu — Jenny virou-se para olhar para trás. O Caçador Ciberné co estava de frente para eles agora, encarando o brilho rosa ardente. E o que diabos devemos fazer com ele? Jenny pensou. Matá-lo? Bater nele com a pedra? Acho que não. Uma coisa que ela aprendera era que os pesadelos eram justos. Sempre havia uma chance, uma maneira de sair, mesmo quando não parecia haver. Ela supôs que Julian considerava isso algo espor vo e diver do. Então, o que eles poderiam fazer com o Caçador Ciberné co? Como Zach poderia enfrentar seu medo?

— Zach — ela disse hesitante. —, você não viu o rosto dele, certo? Não sabe se ele parece mesmo você. — Não, apenas imaginei. Ele é como o material de alta tecnologia em minhas fotos, como se viesse me pegar. E como algumas coisas de cyberpunk que já vi, Jenny pensou sombriamente. Ela disse: — Se você olhar para ele... Se você rar o capacete, talvez... Ela podia sen r Zach recuar no escuro. Jenny fechou os olhos, sen ndo-se subitamente cansada. — É isso que você tem que fazer, eu acho. É o seu pesadelo e você tem que enfrentá-lo. Eu vou com você. Era um risco. Se o caçador fosse Julian ou apenas uma de suas criaturas oníricas, como os elfos das trevas ou os pequenos visitantes, ele poderia muito bem parecer com Zach sob o capacete. — Zach, acho que você precisa fazer isso ou nunca encontraremos o caminho de volta. Acho que, mesmo que se pareça com você, você precisa saber que ele não é você. — Mas, e se for eu... e se você não está realmente aqui e isso tudo é a minha alucinação... — Então provavelmente vou desaparecer ou algo assim! — Jenny estava exasperada. — E então pelo menos você saberá que é louco. Tudo o que sei é que Summer não enfrentou o pesadelo dela e morreu. Houve um silêncio. Zach virou-se para ela, mas estava escuro demais para ter certeza de sua expressão. — Vamos — ele disse e par u para a luz. Os ba mentos cardíacos de Jenny con nuaram acelerando quando eles se aproximaram. O Caçador Ciberné co poderia facilmente matá-los a qualquer momento.

Mas ele não fez isso. Ficou parado como uma figura no Museu Movieland Wax. Tinha exatamente a altura de Zach, que parou quando eles estavam a poucos metros à frente dele. Jenny podia ouvir sangue rugindo em seus ouvidos. O Caçador Ciberné co mudou um pouco o lançador. Jóias de luz rosa deslizavam para cima e para baixo, sobre sua armadura negra. O rosto de Zach estava refle do no painel espelhado. — Vá, Zach — Jenny sussurrou. — Tire o capacete. Diga a ele que ele não é você, independente da aparência que ele ver. Ela não estava tão confiante quanto parecia. Era o rosto de Zach sob o capacete? O de Julian? Talvez fosse algum andróide hediondo — algum po de robô assassino. Talvez Zach levasse um ro antes que pudesse descobrir. Talvez... O Caçador Ciberné co estava esperando. Com um gesto repen no, Zach estendeu a mão e agarrou a frente do capacete, afastando a máscara. Não havia nada por baixo. Sem rosto, sem cabeça. Jenny, preparada para qualquer outra coisa, gritou involuntariamente. A armadura preta do Caçador caiu vazia, o lançador batendo em cima dela. Uma porta apareceu ao lado do holofote rosa. Zach estava olhando para a concha vazia da armadura. Cutucou a mão robó ca desmembrada com o pé e Jenny deu um pequeno suspiro de alívio. Tinha sido tão fácil, mas então ela olhou para o primo. O verdadeiro teste estava em sua cabeça. — Ainda estou aqui, Zach. Tudo bem? Ele se virou para olhá-la, a luz rosa iluminando seus cabelos. Então, lentamente, sorriu.

— Tudo. O olhar atordoado horrível havia desaparecido e ele parecia com Zach novamente. Ela podia ver a sanidade voltar aos olhos. O alívio inundou Jenny em ondas dolorosas. Zach largou a máscara espelhada na pilha de armadura preta. — A pedra, vou guardar. Ainda quero fazer essa foto. Eles passaram pela porta do corredor espelhado. O pedaço de papel de Zach estava no chão. Jenny pegou e franziu a testa. Conseguia dis nguir vagamente o que parecia um perfil, com um nariz pon agudo, mas por trás disso havia apenas uma mistura futurista de cores, listras e pinceladas. — As coisas na minha cabeça — Zach revelou, pegou o papel e rasgou. Jenny observou os pedaços coloridos flutuarem como confetes. — Zach, o que fez você pensar que a loucura está na nossa família? Zach apenas deu de ombros. Os outros haviam explicado seus pesadelos, mas não a surpreendeu que Zach não. Ele protegia sua privacidade. Um relógio invisível bateu quatro horas. — Eu odeio esse lugar — ele disse, olhando para seu próprio reflexo de olhos cinzentos. — Isso me lembra a Casa de Diversões naquele parque que costumávamos ir quando éramos crianças. — Então você foi quem a colocou aqui — disse Jenny. Havia esquecido a Casa de Diversões, mas porque havia esquecido muito de sua infância, principalmente nos anos anteriores à sua chegada à Califórnia. Não queria se lembrar. Ela sen u um pequeno toque de premonição no estômago. Também sen u o calor em suas bochechas. Agora que eles estavam fora de perigo, agora que Zach parecia ele novamente, Jenny descobriu que sua a tude em relação a ele havia mudado.

Era culpa de Julian. Ela sabia muito bem que o primo nunca pensara nela roman camente, mas não conseguia esquecer o que havia acontecido na câmara escura. Toda vez que olhava para Zach, lembrava de ter visto aqueles olhos cinzentos pretos de paixão. Esquecerei eventualmente, disse a si mesma. Vai desaparecer. Em voz alta, ela disse: — Temos que encontrar os outros. Dee, Audrey e Mike estão vagando por aqui em algum lugar. Eu acho... — ela hesitou. — Acho que devemos nos separar. Mas acho que talvez não consigamos para encontrar o caminho de volta um para o outro. Sei que parece que o salão só tem dois caminhos, mas você não pode confiar em nada aqui. — Espere um minuto. — Zach puxou dois lápis de cera do bolso da camisa de flanela. — Eu os peguei porque achei que as cores funcionariam em uma foto. Escolha um, azul cadete ou vermelho indiano. Podemos marcar uma trilha. Jenny escolheu o azul cadete e fez uma risca pálida e cerosa no espelho mais próximo. — Brilhante — sorriu ela. — Eu vou por esse caminho, você por aquele. Quem os encontrar pode trazê-los de volta para cá. — Onde os dois lápis de cera se encontram — disse Zach e começou uma linha própria. Ainda desenhando, se afastou. O primeiro ziguezague do salão o rou de vista. Sem um "obrigado" ou um "adeus". Bem, isso deve ajudá-la a esquecer a cena do quarto vermelho de fotos. Zach era ele mesmo novamente, tudo certo. Jenny seguiu o seu próprio caminho, deixando um rastro de lápis atrás de si. O corredor espelhado parecia infinito e completamente deserto. Con nuou sem variações. Até que, para sua surpresa, ela chegou ao fim.

Era uma parede em branco, cinza como concreto. Sem espelho, sem luz azul, sem botão vermelho. Isso a assustou. No chão, à frente, havia um pedaço de papel branco e Jenny se aproximou dele devagar. Isso a assustou também. Dee, Audrey, Mike, Summer e Zach veram seus pesadelos. E Julian disse que Tom estava no topo da casa. Todos os pesadelos já haviam sido acontecidos, exceto o dela. Jenny pegou o papel e o virou. Reconheceu o rabisco sem forma nas bordas. O meio do papel estava exatamente como o deixara em branco. Ela olhou para a parede em branco. — Precisa de ajuda? — Julian perguntou por trás dela. O papel amassou no punho cerrado de Jenny quando ela se virou. Ele estava encostado no espelho, ves ndo a elegante armadura preta. Sem capacete, no entanto. Em vez disso, houve um toque de púrpura no choque de cabelos brancos caindo sobre a testa e um desenho triangular azul na bochecha. Parecia quase como serigrafia. Mais cyberpunk, pensou Jenny. Arte corporal de alta tecnologia. Zach adoraria — ou talvez não. Jenny olhou diretamente para os estranhos olhos azuis inclinados com de gatos. As coisas mudaram desde que Julian colocara as abelhas nela. Ela nha uma nova confiança em seu âmago. O que quer que ele fizesse com ela, mesmo que a matasse, não poderia quebrá-la. — Então foi você a rando em nós. — Par cularmente, acho que era o pai de Zach. Acho que ele tem um pequeno complexo nesse assunto. Pai áspero e an quado; filho ar s co e novo, você sabe. Por outro lado, sou mesmo um caçador. — Ele empurrou a mecha de cabelo roxo dos olhos, sorrindo. — Por que você simplesmente não vai embora? — Jenny disse. — Estou tentando descobrir alguma coisa.

— Ficarei feliz em ajudar. Sei muito sobre você. Eu a observo há tantos anos. Hora após hora, dia após dia. Jenny congelou. Ele dissera coisas assim antes e ela não nha prestado atenção. Ou não nha entendido literalmente. Mas agora, olhando para ele, sabia que Julian estava falando sério. Foi a coisa mais terrível que ela já ouvira. Ele a observou por horas a fio? Quantas vezes em sua vida, quando pensou que estava sozinha, ele esteve lá? Era uma in midade terrível, e Jenny não a queria. — Estou apaixonado por você — ele disse simplesmente. — Acho que tudo que você faz é maravilhoso. — Você... — Não precisa ficar envergonhada. Eu não penso da mesma maneira que você. Se seu cabelo está escovado, se você está maquiada... Eu não me importo. Além disso — ele sorriu para ela. —, você não sabia mesmo que eu estava lá? — Claro que não. Mas ela sabia, Jenny percebeu. Em algum lugar em seu interior, sabia que estava sendo observada. Ela apenas pensou que todo mundo nha esse sen mento. Aqueles momentos da noite em que acordava, certos de que uma forma alta estava sobre ela na escuridão. Normalmente, quando acontecia, ela não conseguia se mexer, mal conseguia respirar. Às vezes, realmente via a forma, o contorno preto contra a escuridão mais clara, e olhava até seus olhos doerem. Se ela chutasse ou acendesse a luz, a forma desapareceria. Mas Jenny ficava ali respirando com dificuldade de qualquer maneira, sufocando com seu próprio medo.

Seu quarto sempre parecia estranho naquele brilho an natural do meio da noite. Su lmente diferente do que durante o dia. Sempre passava muito tempo antes que ela pudesse desligar a luz novamente. E lá dentro, em seu coração, sen a que nha sido real. Não apenas um sonho. Seus olhos estavam abertos quando ela viu a coisa acima dela, e não importava se isso era estúpido e ninguém podia ver em tão escuridão. Ela nha visto de qualquer maneira. Es vera lá. Jenny pensou que todo mundo passava por coisas assim. — Eu te odeio — ela sussurrou. — Eu pensei que você iria querer minha ajuda agora. — Ele assen u para a parede em branco. — Esse é o seu pesadelo, Jenny, mas como você vai entrar? E se você não pode entrar, como vai passar por ele? Ele quer que você entre em pânico, Jenny disse a si mesma. Quer assustar você, fazer você pensar que precisa da ajuda dele. Mas ela não precisava. Se recusou a precisar. Ela sorriu de repente. Podia sen r que era um sorriso torto. E levantou o lápis azul cadete. — Eu vou entrar com isso — disse e alisou seu pedaço de papel em branco. As pálpebras dele caíram em diversão e sua voz era como uma carícia. — Mas como vai se lembrar? Você não sabe o que desenhar. Passou todos esses anos tentando esquecer... — Eu sei o suficiente — devolveu Jenny. Ela se perguntava o quanto Julian sabia sobre seu próprio pesadelo, aquele que passara tanto tempo fugindo. E teve a sensação arrepiante de que estava prestes a descobrir, quando con nuou: — Eu sei como começa. Começa no porão do meu avô, quando eu nha cinco anos.

Ela colocou o papel contra um espelho e começou a desenhar.

CAPÍTULO 13 O azul cadete, que parecia pálido no espelho, ficou cinza no papel. Jenny não era uma desenhista, mas sabia traçar coisas simples. Como como um quadro — esse era o formato do porão de seu avô. Passos, saindo do topo do desenho da casa. Uma mesa contra uma parede. Um sofá. Três ou quatro estantes grandes. Era tudo o que conseguia se lembrar e esperava que fosse o suficiente. Olhando por cima do ombro, viu que Julian se fora novamente. Bom. Ela colocou o pedaço de papel no chão em frente à parede em branco. O flash de luz era exatamente como uma flash de câmera explodindo em seus olhos, deixando-a com imagens dançantes. 1x0 para Zach, pensou. Quando ela pôde ver novamente, se viu olhando no espelho. Funcionara. Ela podia sen r o pulsar nos pulsos, na garganta, no peito. Deus, não me deixe fugir, pediu. Depois de tantos anos lutando para não se lembrar, ela se jogaria direto nisso. Seria ruim. Quão ruim, ela teria que descobrir quando acontecesse. Jenny apertou o botão vermelho. A luz azul acendeu e a porta espelhada se abriu. Ela não se deu a chance de olhar para nada antes de entrar. A luz do sol dourada se inclinava das pequenas janelas colocadas no alto das paredes. Para sua total surpresa, ela sen u uma emoção e reconhecimento. Eu lembro daquelas janelas! Eu lembro... A porta se fechou atrás dela, mas Jenny já estava saindo para o centro da sala, olhando em volta, maravilhada. Tomando as cores, a profusão de objetos.

É menor do que eu pensava que seria — e ainda mais cheio. Mas é o porão do meu avô. Seu avô, porém, não estava lá. Certo. Ele não estava aqui naquele dia. Eu lembro. Entrei em casa e fui procurá-lo, mas não o encontrei em nenhum lugar no andar de cima. Então... olhei aqui embaixo, eu acho. Devo ter olhado. Não me lembro, mas devo ter olhado. Jenny virou-se para as escadas, que terminavam em uma parede em branco no topo. Sem porta, é claro, porque isso era um pesadelo. A parede estava tão vazia quanto sua mente — seu senso de reconhecimento sumira tão rápido quanto viera. Ela não nha ideia do que viria a seguir. Mas, enquanto olhava, parecia ver o fantasma de uma criança olhando do degrau mais alto. Uma garo nha de bermuda, com cabelos enrugados pelo vento e uma crosta no joelho. Ela própria. Aos cinco anos. Era quase como assis r a um filme. Jenny podia ver a tanga na mão da menininha se agitar enquanto ela descia as escadas correndo. Podia ver os lábios dela abertos enquanto chamava pelo avô, ver a criança surpresa quando ele acabou por não estar ali embaixo. Enquanto Jenny assis a sem tentar guiar as imagens, o filme-fantasma con nuava. A menina estava olhando em volta, olhos verdes se arregalando quando percebeu que estava sozinha aqui embaixo, algo que nunca havia acontecido antes. Tudo certo. A porta do porão sempre estava trancada quando o avô de Jenny não estava lá embaixo, mas não naquele dia. Jenny lembrou-se da sensação deliciosa por estar onde não deveria. Mas não conseguia se lembrar do que aconteceu depois. Não tente se lembrar. Você está se esforçando demais. Relaxe e veja o que acontece.

Assim que decidiu isso, pareceu ver a menina novamente. A imagem fantasmagórica estava de pé, incerta, balançando na ponta dos pés, entre o ficar ou ir embora. Escolheu o ficar. A criança olhou em volta com casualidade elaborada; então, mordendo o lábio inferior e afetando um ar de indiferença, caminhou até a primeira estante de livros. Tudo bem, Jenny pensou. Então, vamos ver o que há na estante. Ela seguiu a imagem da criança. A garo nha estava passando um dedo sujo por uma fileira de livros, que, é claro, ela não sabia ler. Nem mesmo os tulos. Mas Jenny, de dezesseis anos, podia. Alguns pareciam bastante normais, como Fausto, de Goethe, e OVNIs: Um Novo Olhar. Mas outros eram completamente desconhecidos, como A Cabala, Três Livros de Filosofia Oculta e Galdrabók. A garo nha estava passando para a segunda estante, que con nha todo po de objetos. Uma prateleira inteira estava cheia de pequenas caixas de madeira com tampos de vidro, cheias do que pareciam especiarias. Não, eram ervas, Jenny percebeu. Ervas secas. A menina estava passando os dedos fascinados por algumas bolas de vidro colorido presas a cordas. Jenny, de dezesseis anos, estava mais interessada na cruz presa ao lado delas — nha certeza de que era um Ankh. O pai de Summer havia dito que o Ankh era um símbolo da vida egípcia que evitava a má sorte. E aquela coisa em forma de diamante feita de fio, que era um Olho de Deus mexicano. Um design de corda que deveria protegê-lo do mal. A mãe de Jenny nha uma na cozinha, para decoração. Mas e o bracelete de contas de cobalto e turquesa, alternando com pequenos encantos de prata? E as imagens religiosas banhadas a ouro? E a flauta de madeira embrulhada em peles? Itens de proteção? Jenny cogitou. Não nha certeza do que colocou a ideia em sua mente, mas quanto mais olhava para as coisas nesta estante, mais certa se sen a.

Mas... não era apenas essa estante de livros. Jenny se virou lentamente para olhar ao redor do porão novamente. Todas essas coisas, todas essas coisas lindas e exó cas — poderiam ser todas para proteção? Quem precisaria de tanta proteção? E porquê? A menina estava tocando um grande sino de prata na estante, mas os olhos de Jenny foram atraídos para um grupo de gráficos na parede. O alfabeto tebano, um deles estava marcado, e embaixo havia símbolos estranhos. O Alfabeto dos Magos. O Alfabeto Etrusco Secreto. O Alfabeto da Árvore Celta. Valores numéricos do alfabeto hebraico. Havia também uma gravura bastante assustadora de um esqueleto segurando um corvo em uma mão ossuda. A criança fantasma estava se movendo novamente, vagando até a grande escrivaninha. Indo na ponta dos pés com sua tanga, ela apoiou os cotovelos no feltro da mesa. Jenny se viu olhando através de uma cabeça loira transparente para os papéis ali. Muitos papéis, que não interessavam à Jenny de cinco anos, exceto que ela não deveria tocá-los. A maldade intrínseca era a diversão. Jenny, dezesseis anos, sabia lê-los. Um deles era um gráfico como aqueles na parede. O tulo era O Futhark An go, mas Jenny reconheceu os símbolos angulosos e delgados. Runas. Como as que viu nos chifres dos jovens da floresta. Como as da capa interna da caixa branca. Cada uma nha seu nome escrito ao lado, com a forte caligrafia preta de seu avô e anotações. Uruz, ela leu. Para perfurar o véu entre os mundos. Ela reconheceu a forma, algo entre um U e um V inver do, os dois chifres desiguais apontando para baixo. Raidho. Tinha o formato de um R desenhado sem linhas curvas — para viajar no espaço ou no tempo. Dagaz, que parecia uma ampulheta de lado. Para despertar.

Uma das runas foi circulada com um forte golpe de caneta. Nauthiz. Com a forma de um X inclinado para trás, com um golpe mais longo que o outro. Para contenção. A palavra foi sublinhada fortemente. Jenny deu outra olhada lenta pela sala. Meu Deus. Ela não conseguia mais manter a verdade longe. Estava segurando-a no comprimento do braço, recusando-se a olhar para ela, mas agora explodira nela com a força da certeza absoluta. Não havia como negar. Ah, meu Deus, ele era um sorcerer. O pai de sua mãe era um sorcerer. Alguém que dedicava a vida ao estudo da magia. Não pense nisso... não se lembre, a voz em sua mente sussurrou. Ninguém pode fazer você se lembrar. Fique segura atrás dos bloqueios que criou, ou então... Ficará muito pior daqui em diante, ela percebeu. Mas nha que lembrar — por Tom. Mas a imagem de Tom a confundiu. Tanta coisa havia acontecido desde que o vira noite passada — como poderia ter sido apenas na noite passada? Jenny mudara muito desde então. Ela tentou evocar o sorriso malicioso dele em sua mente, os olhos manchados de verde, mas a imagem que conseguiu foi como uma fotografia distante e desbotada. Alguém que conhecia há muito tempo. Deus, não consigo sen r nada por ele. Suas mãos estavam formigando e o estômago enjoado. Eu ainda tenho que lembrar. Por Dee. Zach. Audrey e Michael — e Summer. Sim. Por Summer. Todos os outros haviam enfrentado seus pesadelos. Até Summer tentara. Imagens deslizaram pela mente de Jenny: Dee se debatendo como um animal; Audrey se encolhendo e gemendo; Michael gritando; os lábios branco-azulados de Summer; Os olhos vidrados de Zach. Todos estavam aterrorizados. O pesadelo de Jenny era pior que o deles?

Sim, acho que sim, a pequena voz em sua mente sussurrou, mas Jenny não estava mais ouvindo. De Não lembre-se, não lembre-se, o canto em sua cabeça mudou para Lembre-se, lembre-se... Talvez isso ajude, Jenny disse a si mesma com bastante calma, e com a sensação de conhecer seu des no, pegou um livro encadernado com a capa de couro sobre a mesa. Era um diário. Ou pelo menos um registro de algum po de experimento. A escrita preta pesada de seu avô degenerou-se em um rabisco em alguns lugares, mas certas frases se destacaram claramente quando ela folheou. ...de todos os métodos de diferentes culturas, este parece mais seguro ... a runa Nyd ou Nauthiz fornece uma restrição eterna, impedindo viagens em qualquer direção ... A runa deve ser esculpida, depois manchada de sangue, e finalmente carregada de poder quando pronunciado seu nome em voz alta... Jenny folheou mais páginas à frente. ...um tratado interessante sobre os métodos tradicionais de lidar com um Gênio, ou, como os Hauçás os chamam, o Aljunnu. Por que alguém deveria pensar que isso poderia ser conseguido com uma garrafa está além de mim... acredito que o espaço que preparei para ser apenas suficiente para conter as tremendas energias envolvidas... Santo Deus, ele soava como um cien sta. Um cien sta louco, Jenny pensou. Ela virou mais páginas. ....Eu finalmente consegui a contenção! Estou muito sa sfeito... métodos infalíveis... não há o menor perigo... as tremendas forças que eu usei... tudo em total segurança... No final, havia algo preso entre as páginas como um marcador. Era uma folha rasgada de papel amarelado e quebradiço. Parecia muito an go. A escrita nele era bem diferente da do avô, magra e trêmula, e parte dela estava obscurecida por manchas marrons enferrujadas. Era um poema. Não havia tulo, mas o nome do autor, Johannes Eckhart, e a data de 1943 estavam escritos no topo.

Eu, escorregando nas pedras de gosma, Para aquele lugar escuro aceso por uma fogueira enferrujada, Onde eles jazem observando, tocando em ossos velhos, Vá com a minha pergunta. Nas profundezas do poço Da Floresta Negra, onde o Erlking governa E a verdade é dita, mas sempre a um custo, pego meu quebra-cabeça. Como os outros tolos que escorregaram nessas mesmas pedras e brincaram e perderam, Eu venho porque devo. Eu não tenho escolha. O Jogo é atemporal e ... O resto foi coberto com manchas escuras, exceto pelas duas úl mas linhas: deixo-os esperando lá embaixo. Eu os ouço rindo enquanto vou. Jenny se recostou e soltou o ar. Obviamente, esse poema impressionara o avô o suficiente para ficar com ele por quarenta anos. Ela sabia que o avô havia lutado na Segunda Guerra Mundial e sido prisioneiro em um campo de concentração alemão. Talvez até conhecera Johannes Eckhart na época. E talvez esse Johannes Eckhart o vesse feito pensar... Ela nha todas as peças do quebra-cabeça agora. Só não queria reuni-las. Tudo o que conseguia pensar era dar o próximo passo no drama que estava representando aqui. O passo final, pensou. A criança fantasma com a tanga havia desaparecido; o filme interno parou de rodar. Mas Jenny não tentou recuperá-lo. Podia finalmente sen r o puxão irresis vel da memória real e sabia o que nha que fazer. Ela deu um passo para trás e olhou para a terceira estante. Era maciça, construída em mogno sólido, e geralmente ficava encostada na mesma parede da mesa. Hoje fora movida. Puxada para fora em um ângulo. O padrão de poeira na parede atrás dela mostrava claramente onde normalmente descansava. Foi movida para expor uma porta atrás dela. Jenny não nha notado a porta antes, porque a estante se destacava o suficiente para bloqueá-la. Você nha que realmente ir além dela para dar uma boa olhada.

E foi o que Jenny se sen u compelida a fazer agora. Era uma porta de aparência perfeitamente normal. Provavelmente levando a um armário. A única coisa estranha a respeito era o enorme X de costas para trás profundamente esculpido na madeira. Esculpido e colorido um marrom enferrujado como as manchas no poema. O filme interno começou de novo, mesmo que Jenny não precisasse ou não o quisesse. A garo nha fantasmagórica estava surpresa em frente à porta, balançando-se de um pé para o outro. Obviamente, a tentação estava lutando com obediência e vencendo. Os cabelos arrepiados pelo vento foram sacudidos para trás, as pernas bronzeadas brilharam, duas mãos pequenas agarraram a maçaneta da porta — e o fantasma desapareceu. E então eu abri, Jenny concluiu. Mas nenhuma imagem de abri-la ou do que aconteceu depois lhe veio à mente. Ela teria que descobrir isso por si mesma. Todo o caminho até a porta, seu coração estava batendo em desaprovação selvagem. Seu corpo parecia ter mais senso do que ela. Não-não-não-nãonão-não-não-não, dizia o pulso acelerado. Elasegurou a maçaneta. O baque se tornou um grito. Não, não. Não-não-não.... Ela abriu a porta. Gelo e sombras. Isso era tudo que ela podia ver. O armário era largo e muito profundo, e por dentro havia uma mistura rodopiante e fervente de branco e preto. O gelo cobria as paredes, pingentes de gelo pendiam como dentes do teto. Uma rajada de vento gelado atravessou Jenny, a gelando como se vesse mergulhado nas águas do Ár co. As pontas de seus dedos ficaram dormentes, a pele enrugada. Estava tão frio que parou sua respiração. A impediu de se mover. O gelo estava tão brilhante que a cegou. Ela teve apenas um vislumbre do que estava no centro daquele redemoinho de luz e escuridão. Olhos.

Olhos escuros, observadores, sardônicos, cruéis, diver dos. Olhos an gos. Jenny os reconheceu. Eram os olhos que via às vezes no momento de adormecer ou de acordar. Os olhos que viu naquela noite em seu quarto. Olhos nas sombras. Olhos malignos, maliciosos e conhecedores. Um par de um azul indescri velmente bonito. Jenny não nha ar para gritar; seus pulmões estavam se rebelando contra o vento gelado que ela estava tentando atrair para eles. Mas teve que gritar, teve que fazer alguma coisa, porque eles estavam saindo. Os olhos estavam saindo. Era como se es vessem vindo de muito longe, correndo em sua direção, cavalgando na tempestade. Ela teve que se mexer, teve que correr. Os brilhantes olhos negros dos visitantes alienígenas, os olhos oblíquos dos Elfos Sombrios — Jenny pensara que aqueles eram assustadores, mas não eram nada comparados a isso. Eram imitações fracas e mesquinhas. Nenhum horror que os seres humanos vessem inventado para se assustar chegou nem perto. Vampiros, alienígenas, lobisomens, ghouls; eles não eram nada. Histórias inventadas para esconder o verdadeiro medo. O terror que veio na escuridão, o que todos sabiam e todos esqueceram. Somente às vezes, acordando entre os sonhos, a realização completa chegava. E mesmo assim raramente era lembrado e, se lembrado, era dispensado na manhã seguinte. O conhecimento não poderia sobreviver à luz do dia. Mas à noite, às vezes, as pessoas vislumbravam a verdade. Que os humanos não estavam sozinhos. Eles compar lharam o mundo com eles. Os outros. Os Observadores. Os Caçadores. Os Homens das Sombras. Que andavam livremente pelo mundo humano e que nham outro mundo. Que foram chamados de coisas diferentes em diferentes idades, mas sua verdadeira natureza sempre veio à tona.

Eles concediam favores — às vezes. Mas sempre pediam algo em troca, geralmente mais do que você poderia pagar. Gostavam de jogos, enigmas, qualquer po de jogo. Mas não eram confiáveis, eram caprichosos. Equilibravam qualquer bem que fizeram com o mal caprichoso. Atacavam humanos. Quando pessoas perdiam tempo, eram os responsáveis. Quando pessoas desapareciam, estavam rindo. As pessoas que entravam no mundo deles geralmente não voltavam. Eles nham poder. Tentar dar uma boa olhada neles — ou prendê-los — sempre foi uma má ideia. Mesmo apenas ser muito curioso sobre eles poderia matá-lo. Mais uma coisa. Eles eram dolorosamente bonitos. Tudo isso passou pela mente de Jenny em questão de segundos. Ela não precisava raciocinar. Ela sabia. Era como se uma crosta vesse desaparecido de sua mente, e ela via a verdade como um todo completo e coerente. Tudo o que conseguia pensar era: Então é isso. Eu me lembro agora. Os olhos ainda estavam correndo em sua direção. Seu cabelo solto chicoteava seu rosto com o vento, sua própria respiração cobrindo-o com gelo. Ela não conseguia se mexer. — Jenny! O nome dela foi chamado com uma voz terrível. Antes que ela pudesse se virar, foi presa pela cintura e levantada como se vesse cinco anos e pesasse 37 quilos. — Vovô — ela ofegou e jogou os braços em volta do pescoço dele. Ele era menor do que ela lembrava também e agora seu rosto cansado e gen l estava gravado em horror absoluto. Jenny tentou se agarrar à ele, mas ele a jogou ao redor, empurrando-a para trás da estante.

— Nauthiz! Nauthiz! — Ele gritou. Estava tentando fechar a porta, traçando a runa na frente com facadas no dedo. Seus movimentos cortantes ao traçar o X se tornaram cada vez mais violentos e sua voz era a coisa mais terrível que Jenny já ouvira. — Nauthiz! A porta não se fechou. Os gritos do velho estavam se tornando gritos de desespero. Uma luz branca vinha do armário. Uma tempestade branca, com gavinhas e chicotadas de névoa. Fios escuros estavam entrelaçados com o branco. Os tentáculos se contorciam com o avô de Jenny. Ela tentou gritar, mas não conseguiu. O vento soprava, espalhando os cabelos esparsos do avô; suas roupas estavam ondulando. Geada escorria pelo teto, até a mesa, até as janelas do nível do solo. Ele se espalhou como cristais crescendo ao longo das paredes. Lágrimas congelaram nos olhos de Jenny. Ela parecia estar trancada na forma de uma criança de cinco anos; não conseguia ir até ele. As vozes que falavam da névoa eram tão frias quanto o vento. Como sinos feitos de gelo. — Nós não vamos voltar para lá. — Você conhece as leis... — Temos uma reinvidicação, agora... E a voz de seu avô, cheia de medo desesperado. — Qualquer outra coisa. Vocês podem ter qualquer outra coisa... — Ela quebrou a runa... — ...nos libertou... — ...e agora, nós a queremos. — Dê ela para nós. — As vozes falavam todas ao mesmo tempo.

— Eu não posso! — disse seu avô. Foi quase um gemido. — Então vamos levá-la... — ...Vamos envolvê-la... — Não, vamos mantê-la — disse uma voz cheia de música su l e elementar. Como água correndo por rochas. — Eu quero ela. — Todos queremos ela... — ...Estamos todos com fome. — Não! — o avô de Jenny gritou. Uma voz como um bloco de gelo quebrando disse: — Só há uma maneira de mudar as consequências. Fazer uma nova barganha. A mandíbula do avô de Jenny estalou, e ele se afastou do armário alguns passos. — Você quer dizer... — Uma vida por uma vida. — Alguém deve tomar o lugar dela. — Venha agora, é o único jeito. As vozes eram delicadas, razoáveis. Malignas. Apenas a voz como água parecia ter uma objeção. — Eu quero ela... — argumentou. — Ah, jovens... — disse uma voz tão lenta quanto uma geleira e todos riram como sinos de Natal. — Estou pronto — disse o avô de Jenny. — Não! — Ela gritou.

Podia se mexer finalmente — mas era tarde demais. Ela se lembrava de tudo agora. Estava encolhida atrás da estante, sua mente de cinco anos provavelmente melhor capaz de lidar com a realidade dos Homens das Sombras do que a de um adulto. Eles eram os monstros que assustavam todas as crianças daquela idade. O bicho-papão. As coisas ruins. E estavam levando seu avô. A Jenny pequenininha pulou e correu, como ela estava fazendo agora. Em direção ao armário. Em direção às mechas brancas de névoa que serpenteavam ao redor de seu avô, em direção à tempestade de gelo nos olhos. Ouviu o avô gritando naquele dia enquanto a tempestade o arrastava para o armário. O alcançou, pegando a mão dele. Ela também estava gritando, assim como agora, e o vento gelado uivava ao seu redor, cheio de vozes raivosas, más e vorazes. Por um instante, como agora, a briga parecia um horrível cabo de guerra. Ela, Jenny, agarrada à mão de seu avô com toda a força. Eles, na tempestade de gelo, o afastando. Nas profundezas de um armário que se tornara interminável, um túnel a ngindo outro mundo. Ela nunca poderia esperá-los, é claro. Só conseguiu ser arrastada pelo chão, com as roupas rasgadas, os sapatos perdidos, os pés descalços pegando gelo. Os dois estavam entrando. Então, o avô fez cócegas em suas mãos e se livrou do aperto. Jenny caiu no chão, o gelo sob as pernas nuas. Ela estava diretamente na frente do armário, e nha uma visão perfeita da roda giratória que gritava, que era um homem, desaparecendo em uma nuvem branca que ficava cada vez menor como se es vesse se afastando rapidamente e finalmente desapareceu, tornando-se um parede do armário. Então, o vento estridente parou e a sala estava vazia e Jenny estava soluçando sozinha no silêncio.

CAPÍTULO 14 — Jenny? Jenny, você está bem? — A voz de Dee era hesitante. Eu ve um sonho tão estranho, Jenny pensou, mas quando levantou o rosto das mãos, era real. Estava sentada no chão do porão do avô, em uma poça de água gelada. Dee, Audrey, Zach e Michael estavam em pé em outra poça, olhando-a. — Encontrei esses três no corredor — Zach os olhou. — Caímos em um poço — contou Michael. — O buraco só se abriu na nossa frente e nos levou de volta ao primeiro andar. — Foi como um taca. — disse Dee. — Eu também caí e depois vemos que voltar aqui. — Nós seguimos sua trilha de giz de cera e ela terminou em uma porta. — Zach tornou a falar. — Giramos a maçaneta e... — Isso nos deixou entrar — Audrey con nuou secamente, quando ele parou. — Mas parece que algo já aconteceu. — Meu pesadelo — Jenny murmurou, com dificuldades para voltar ao presente. A menina de cinco anos em sua mente parecia mais real do que a garota de dezesseis anos com quem essas pessoas estavam conversando. Dee, Michael e Audrey pareciam estranhos. Não Zach, porque Zach estava lá quando ela nha cinco anos. Ele, talvez, entendeu isso, pois se ajoelhou no chão ao lado dela, ignorando a água que bateu em seu jeans. — O que aconteceu? — ques onou, seus olhos cinzentos firmes. — Eu perdi — Jenny sen a-se estranhamente longe de tudo. — Estraguei tudo. Não pude salvá-lo. Eu perdi. — Está falando do vovô, não é?!

— O que você sabe sobre isso? Zach hesitou, então, olhando-a diretamente no rosto, disse: — Somente o que meus pais me disseram. Que ele ficou louco naquele dia. Tentou... Machucar você. Jenny ficou chocada com sua apa a. — O quê? — Eles a encontraram aqui, no porão; suas roupas rasgadas e braços arranhados. Suas pernas e pés estavam sangrando... — Do gelo — sussurrou Jenny. — Fui arrastada pelo gelo. E ele fez cócegas nas minhas mãos para me fazer soltá-lo. Eles o estavam levando. Ele os deixou levarem-no ao invés de mim. Então, de repente, ela estava chorando novamente. Sen u um movimento e depois um braço fino e duro ao seu redor. Dee. Um farfalhar e uma mão fria em seu pulso. Audrey, sem se preocupar com as próprias roupas elegantes. Um aperto estranho e quente por trás em seu ombro. Michael. Eles estavam ao seu redor, todos tentando ajudar. — Você passou por nossos pesadelos com todos nós — disse Audrey suavemente. — Não é justo que tenha que enfrentar o seu sozinha. Jenny balançou a cabeça. — Você não entenderam. Vocês veram pesadelos com coisas que estavam com medo de acontecer. O meu aconteceu, por minha causa. Foi real. Foi minha culpa. — Nos conte — pediu Dee, seu rosto severo e bonito. — Ele era um sorcerer — Jenny falou e olhou para Zach. — Você quer dizer que todo esse tempo pensavam que ele queria me machucar? — O que eles deveriam pensar? — ele respondeu. — Você estava aqui, pra camente em coma. Gritava se alguém tentasse tocá-la, mas não falava. E ele nha sumido. Eles deduziram que ele fugiu, quando percebeu o que

tentou fazer. E quando olharam ao redor neste lugar — Zach olhou ao redor do porão e bufou. — bem, eles pensaram que ele era louco. Paranoico. Porque todo esse lixo acabou sendo... — Encantos de proteção — disse Jenny. — Certo. Quero dizer, quem recolhe essas coisas de toda parte do mundo? E ele nha pilhas de livros sobre ocul smo, todo po de lixo... — Ele era um sorcerer — Jenny disse novamente. — Não é algo mau. Talvez não seja bom também, mas não é mau. Ele não estava tentando fazer o mal. Era apenas um pouco ingênuo. Não permi a que acidentes acontecessem... como uma criança de cinco anos descendo aqui em um dia em que ele não a esperava, e abrindo uma porta que ela sabia que não deveria tocar. — Aquela porta? — Dee olhou para o armário vazio e Jenny assen u. — Mas o que havia no armário? Um monstro? — Julian. Todos eles a encararam. Jenny engoliu o gosto ruim em sua boca. — Meu avô queria... a mesma coisa que aqueles meninos alemães na floresta, eu acho. — Ela olhou para Audrey. — Poder. Ou talvez es vesse apenas curioso. Ele sabia que havia coisas, na escuridão, e ele pegou algumas. Talvez tenha usado runas para convocá-las, não sei. Mas sei que ele usou uma runa para prendê-los. Atrás da porta. — E como se chamam essas coisas que ele pegou? — A voz de Michael estava estranhamente sombria. — Estrangeiros — Jenny olhava para Dee. — Elfos Sombrios — Olhou para Audrey. — Demônios — Virou-se para encarar Michael. — Homens das Sombras. — E por fim, Zach. Dee sibilou baixinho em compreensão. Uma vez iniciada, Jenny não conseguiu parar.

— Dakaki. Os Erlking. Os deuses an gos. O povo das fadas... — Tudo bem, já basta. — pediu Michael com a voz rouca. — Eles são reais — Jenny não parou. — Sempre es veram aqui como Gênios. O nome an go de um gênio era Djinn e nas anotações dele, meu avô os chamava de aljunnu. Djinn-aljunnu-Julian, entenderam? Era uma piada. Eles gostam de brincar conosco... Sua voz estava subindo. Ela se sen u agarrada por todos os lados, mas con nuou. — Ele os man nha presos, mas eu os deixei sair e isso mudou tudo. Eles disseram que nham o direito de me levar. Mas meu avó foi no meu lugar. Ele fez isso por mim. — Ela parou. — Se vamos enfrentar isso, precisamos ser fortes — disse Dee. — Temos que ficar juntos. Certo? — Certo — Audrey foi a primeira a concordar. Olhando para baixo, Jenny viu as unhas perfeitamente polidas de amiga entrelaçadas com os esbeltos dedos escuros de Dee. Ambas segurando uma ao outra e à Jenny. — Certo — Zach não hesitou, sem distância nos olhos cinza-inverno. As mãos de ar sta com seus dedos longos caíram sobre as de Dee e Audrey. — Certo — sussurrou Michael e agarrou a mão de Zach com os próprios dedos quadrados e gordinhos, sem vergonha. — Mas não há nada a fazer — Jenny quase chorava de novo. — Ele ganhou. Eu perdi. Não consegui passar pelo meu pesadelo. Aquela porta, que ficava no armário, estava sempre aqui. Não é a saída. — E aquela? — Michael ques onou, recuando e olhando para as escadas. Jenny teve que se mover pela estante para vê-la. Em vez da parede em branco que vira mais cedo no topo da escada, havia uma porta. Diretamente acima deles, na sala da casa, um relógio anunciou que eram cinco horas.

— Você deve ter feito algo certo — Dee sorriu. A saia de Jenny estava pegajosa, agarrada às pernas. Seu cabelo, ela sabia, estava completamente desarrumado. Estava exausta e ainda tremendo por dentro, e pareciam anos desde que ela dormira. — Eu vou primeiro — disse ela e os levou pelas escadas, tentando se parecer com Dee, orgulhosa como uma princesa. Encontrou seu pedaço de papel no degrau superior e pisou nele. — Se essa é a torre, o topo da casa, nós vencemos. Certo? — Audrey os olhou. De alguma forma, Jenny sabia que não seria tão fácil. Ela girou a maçaneta e empurrou, e a porta girou de volta com dobradiças oleadas. Todos entraram na sala acima. Era muito maior do que qualquer torre poderia ser. Era a loja More Games. Mais ou menos, Jenny percebeu depois de observar melhor. Havia as mesmas prateleiras e mesas com os mesmos jogos estranhos. Havia a mesma pequena janela, bastante escura, e as mesmas luminárias com tons de roxo, vermelho e azul. Mas havia diferenças também. Uma deles era o relógio do avô, parado perto de uma esquina, batendo alto e constante. A outra era Tom. Jenny correu para ele. Ele estava encolhido contra o relógio, acorrentado à ele de alguma forma. Sua mente registrou fúria com a humilhação daquilo, depois passou a coisas mais importantes. — Tommy — ela estendeu as duas mãos para ele. Ele se virou fracamente e Jenny ficou chocada. Não havia machucados no rosto, mas parecia arrasado. Sua pele estava pálida, como se ele es vesse doente, e havia círculos negros sob seus olhos. Tom deu a ela o fantasma de seu sorriso malicioso.

— Ei, Thorny — disse dolorosamente. Jenny colocou o rosto no ombro dele e chorou. A memória das fotografias desbotadas desapareceu. O que Jenny lembrava agora era o dia do primeiro beijo, na segunda série, atrás dos arbustos de hibisco da George Washington Elementary School. Ambos haviam sido pegos e ido para a detenção, mas valera a pena. Aquele beijo, ela pensou. Totalmente inocente. Doce. Tom não nha sido arrogante; não achava que a teria mesmo que Jenny não quisesse. — Tommy — ela disse. — Sen tanto a sua falta. O que ele fez com você? Tom balançou a cabeça. — Quase nada... eu não entendo. Havia os ratos — Seus olhos assombrados deslizaram pelo chão. —, mas eles se foram agora. Ratos. Então era isso que Tom vira na sala — as coisas invisíveis que tentavam escalar suas pernas. Na segunda série, Tom possuía uma tartaruga e seu irmão mais velho, Greg, possuía um rato de es mação. Certa manhã, eles acordaram e descobriram que o rato havia comido a tartaruga, direto da casca. Eu sabia o quão chateado isso o deixou — o quanto ele odiava ratos desde então, Jenny pensou. Por que não percebi o que eles estavam na sala? Porque não parecia ruim o suficiente. Tom estava com tanto medo. Mas uma coisa que Jenny havia aprendido: o próprio pesadelo era mais assustador para cada um. Você nha que vê-lo com eles, entrar no lugar deles, para entender isso. — Sinto muito — ela sussurrou. "Mas, ah, Tom, seus pulsos... — Eles estavam rasgados, sangrando. Ele estava com algemas como as que o outro irmão, Bruce, usava no trabalho policial. O resto estava embrulhado como se vesse visto Jacob Marley, o fantasma horrível de um filme que eles assis ram anos atrás.

— Con nuei tentando fugir — Tom explicou. — Não por causa dos ratos. Porque vi você. Ele vinha e segurava um espelho, e eu podia ver você e o que estava acontecendo. Vi você passar por tudo. Quando Summer morreu... — Ele parou para controlar-se, o rosto retorcido. Nos viu? Jenny pensou horrorizada. Imagens do que Tom poderia ter visto quando ela e Julian estavam juntos passaram por sua mente. Então sen u uma contração de alívio. Se Julian estava parado aqui segurando um espelho, deve ter mostrado a Tom os momentos em que ele não estava com Jenny. Ainda assim, ela nha que saber. — Você já o viu no espelho? — Não. Mas ele me disse... me disse que estava fazendo coisas com você. Com todos vocês. Ele riu disso. Jenny agarrou suas mãos. — Não se preocupe com ele, Tom. Ele não pode mais nos machucar. Estamos livres, Tom... Vencemos. Agora só precisamos encontrar o caminho para sair daqui. Tom olhou para ela, depois assen u. Jenny se virou. Havia até esquecido aonde estavam, porque Tom rapidamente capturou sua atenção. Havia uma porta, assim como a da loja More Games, que dava para a Rua Montevidéu. Mas essa estava parcialmente aberta, mostrando a escuridão lá fora. Diante dela, bloqueando completamente o caminho, havia uma cobra gigante enrolada e um grande lobo. — A Rastejadora e o Espreitador, no fim. — Dee falou sem emoção. — Apenas um pequeno problema — Michael ironizou, apesar do nervosismo. Eles não eram exatamente animais de verdade — pareciam ter sido pintados com nta luminosa na escuridão. Como alguns efeitos especiais

que Zach podia criar para uma foto. Mas o lobo respirou e a língua fluorescente da serpente entrou e saiu. Jenny nha certeza de que poderiam se mover — e fazer mal. Ela tocou as correntes de Tom. — Ele tem que nos deixar ir. As regras eram que, se chegássemos ao topo da casa, poderíamos sair. — Não exatamente — disse a voz elementar e líquida da parte de trás da loja. Ele estava ves do como estava na More Games, naquela estranha combinação de cyberpunk e poeta birônico. A tatuagem de cobra estava de volta em seu pulso. Parecia tão lacônico e tão bonito quanto na loja. Seu cabelo era como pedra da lua, branco com um brilho azul cin lante dentro. Sob essa luz fraca, seus olhos eram azuis como a meia-noite. Parecia charmoso, sinistro e um pouco louco. Um príncipe demônio com a cara de um anjo. Jenny ficou subitamente muito assustada. E muito mais alerta. Ver Julian limpou as teias de aranha do seu cérebro instantaneamente. Ela endireitou as costas, ainda ajoelhada. Os outros estavam se juntando também. A luz havia capturado os cabelos claros de Zach e o fecho dourado do cinto de couro de bezerro de Audrey. Jenny podia ver pelos rostos que eles conheciam Julian melhor agora — não porque o viram no Jogo, mas porque entendiam o que ele era. Julian deu seu sorriso doce e estranho. — Todos vocês queriam saber quem sou eu. Bem, vou lhes dar uma charada final — disse. — Eu sou um Visitante das estrelas. Eu sou o Erlking. Eu sou Loki. Eu sou Puck. Eu sou o Caçador. Eu sou o Homem das Sombras. Eu sou o pesadelo de vocês.

— Nós descobrimos tudo isso — Jenny disse, em voz baixa, com firmeza. — E jogamos e vencemos seu Jogo. Agora tem que nos deixar ir. — Você não me deixou terminar — Julian virou o sorriso para ela. — Lembra quando você entrou na loja de jogos e lhe mostrei o an go jogo betano de cabras e gres? — Ele ges culou, um de seus movimentos fáceis e fluentes, e Jenny viu o quadro de bronze em uma mesa. Figuras minúsculas, também de bronze, sentavam-se um pouco como peças de xadrez. — É isso que vocês realmente estão jogando — Ao som de sua voz, Jenny sen u as paredes se fecharem. Ele sorriu par cularmente para ela. — Vocês todos são as cabrinhas inocentes... e eu sou o Tigre. As mãos de Tom estavam segurando as de Jenny, entorpecentes. Dee estava na posição de ataque, perna esquerda para a frente, perna direita para trás, pronta para a ação. Zach parecia sombrio, e Audrey e Michael haviam se aproximado. — Você realmente não pensou que eu a deixaria ir, pensou? — Julian olhou para Jenny. Ela ficou tonta. Sen a-se sufocar. — Você disse... que estava jogando o Jogo de maneira justa — Ela mal conseguia respirar. — Você me prometeu... — Não estou confuso com as regras. Estou jogando limpo. Eu disse que se você chegasse à torre antes do amanhecer, encontraria a porta da casa aberta e está aberta. Só não a deixarei chegar até ela. Jenny olhou para os animais que protegiam a porta. O que Dee poderia fazer para combatê-los? — A propósito, o Tommy aqui ainda nem enfrentou seu verdadeiro pesadelo. Mas teremos muito tempo. Temos algo como a eternidade pela frente. — Os olhos de Julian eram como cobalto líquido, e famintos. Mais famintos que os do lobo, enquanto olhava Jenny e Tom.

Deus me ajude, Jenny pensou. Por favor, alguém ajude. Ela olhou para Tom, mas Tom estava olhando para Julian, com tanto ódio e fúria que deixou Jenny com medo dele. — Então todo esse "Jogo" tem sido uma farsa — Tom quase cuspia as palavras. Seus olhos castanhos estavam ardendo. Julian abriu as mãos e inclinou a cabeça levemente, quase um arco. Como se alguém o vesse elogiado por um trabalho bem feito, mas era com Jenny que ele falava. — Eu disse a você que faria o que fosse necessário para tê-la. No começo, nha certeza de que você perderia o Jogo; a maioria das pessoas perde. Então, quando vi que você nha chance de ganhar, achei que poderia fazer você vir até mim em busca de ajuda. Mas você não fez isso. Ela é muito forte, sabe. — acrescentou, agora olhando para Tom. — Boa demais para você. — Eu sei — disse Tom e Jenny o olhou, espantada. — Mas ela é mil vezes boa demais para você. — E é por isso que eu a quero, pelo amor de Deus — Julian sorriu. — Luz para a minha escuridão. Você verá, Tommy. Terá anos e anos para ver como ela e eu nos encaixamos. — Ele voltou-se para Jenny. — De qualquer forma, você chegou até aqui e temo ter que lhe dizer a verdade. O que significa que todo o Jogo foi apenas um jogo. Como quando um gato brinca com um rato. — Antes de comer? — A voz de Dee soou como uma faca. Julian mal olhou para ela. — Só estou com fome de uma coisa no momento, Deirdre. Mas meus amigos na porta têm ape tes estranhos. Eu não chegaria perto deles, se fosse você. E é claro que existem todos os outros Homens das Sombras; os meus anciãos, aqueles fantasmas an gos, sugadores de ossos e que lambem os lábios... Todos gostariam de se apossar de você. Esta casa os mantém do lado de fora, mas você não iria muito longe assim que abrisse uma janela.

Jenny sen u o tremor nos punhos cerrados de Tom e inclinou a cabeça. Ela estava pensando no poema no quarto de seu avô. Como os outros tolos, Quem escorregou nessas mesmas pedras e brincou e perdeu... Todo mundo perdera para os Homens das Sombras? Os dados estão carregados, ela pensou. Você não pode vencer. Todas as apostas estão encerradas. — Eles adorariam afundar os dentes em você — Julian dizia para Dee. — Sabia que você parece Ankhesenamun, uma das maiores belezas do Egito? Mesmo enquanto ele falava, Dee levantou a perna direita com um chute alto, puxando os dedos dos pés no úl mo minuto para dar um golpe devastador com o calcanhar. Pelo menos, era assim que deveria ter acontecido. Julian, com os reflexos de uma cascavel, pegou o pé dela quando se aproximou e os levantou, jogando Dee nas costas. — Regra nº 1 deste jogo — Ele sorriu. — Não mexa comigo. Eu sempre vencerei você. Dee levantou-se, obviamente com dor — não havia como impedir uma queda assim — e Julian voltou-se para Jenny. Jenny encontrou seus olhos vorazes e sen u algo dentro dela mudar para sempre. — Deixe os outros irem — disse clara e suavemente. —, e eu fico com você. Julian a olhou. Todos a olharam. Então alguém, ela pensou ser Michael, começou a rir. Julian sorriu levemente, apenas um canto do lábio para cima. Não era um sorriso diver do. Seus olhos se tornaram o azul das chamas de gás. — Quase acreditei.

Jenny separou as mãos das de Tom e levantou. — Estou falando sério. Deixe-os ir... e eu ficarei... por vontade própria. E você sabe o que isso significa. — Ela estava pensando no quarto escuro, no garoto disfarçado como seu primo que a segurara em seus braços. O garoto que ela beijou por vontade própria. Esperava que Julian também se lembrasse. Achava que sim. Ele parecia intrigado. — De bom grado? — ele repe u, como se es vesse testando a palavra. — De bom grado. — Não... — Tom sussurrou. — De bom grado. — Jenny repe u, olhando apenas para Julian. Ele parecia encantado, mas cauteloso. — Você teria que fazer uma promessa, selar o vínculo. De uma maneira que não poderia ser quebrada. — Sim. — Jenny podia ver que o assustou. Ele esperava que ela jogasse por um tempo, para discu r. Ele não entendeu que ela havia mudado? Ela lhe ergueu as sobrancelhas, ironicamente. — Quanto mais cedo melhor. Julian piscou, depois disse devagar: — A bela Deirdre pode ir embora, e Audrey. O mesmo para Zach e Michael. Mas Tommy fica. Vou mantê-lo como hóspede por seu bom comportamento. Olhando para ele, Jenny sen u os lábios tremerem, mas não era um sorriso. — Não acho que você precise disso... — Ainda assim. — ele a cortou. — Tudo bem. Não me importo. — Então, se aproximando dele, falou baixinho, apenas para ele ouvir. — Julian, você não vê que mudei? Não

percebe isso? Ainda me preocupo com Tom, mas... não é o mesmo. Ele parece algo desinteressante agora que te conheci. Qualquer coisa parece desinteressante agora. Seus olhos se arregalaram levemente de fascinação e Jenny respirou fundo. — Eu provavelmente teria ido até você muito mais cedo se você simplesmente me perguntasse. Isso nunca lhe ocorreu? Que você poderia aparecer na minha casa, sem jogos, sem ameaças, e apenas me perguntado? — Não exatamente... — Ele parecia desconcertado. — Você é tão bobo. Acho que a maneira como você vê as coisas o cegou. Você ficou tão endurecido que acha que precisa lutar contra o universo para conseguir o que deseja. Para... ter as pessoas. — E... não preciso? — Nem sempre — respondeu Jenny. Encontrando seu olhar diretamente, disse: — Às vezes há uma solução muito mais simples. Há algumas coisas que você não pode forçar, Julian, e também não pode comprar. Elas precisam ser dadas de graça. É isso que quero te dar. Seu fascínio foi completo. — Então, prometa-se a mim — disse ele, e com um movimento como um truque de mão, segurou algo entre os dedos. Um anel de ouro. Jenny pegou-o automa camente, colocando-o entre o indicador e o polegar. Era um anel simples, com um design que ela não conseguia entender por fora. Por dentro, algo foi escrito em um letra chique. Ela inclinou o anel em direção à uma das pequenas lâmpadas. À tudo me recuso e a Ti escolho, ela leu. — Coloque-o no dedo e jure ser minha — instruiu Julian. — Não há como quebrar a promessa ou mudar o vínculo. É uma cerimônia simples. Você quer con nuar com isso?

CAPÍTULO 15 — Sim — respondeu Jenny. — Jenny, pelo amor de Deus. — Audrey ofegou, mas Jenny não a olhou. Tom fez algum movimento. Jenny também não o olhou. — Jenny... — Dee sussurrou. — Não vale a pena. Conheço suas promessas; você as cumpre. Você ficará presa. Não faça isso por nós. Jenny se virou, então. Olhou diretamente nos olhos escuros com os brancos ligeiramente cor de âmbar. — Dee... me desculpe. Sei que você não entende, e não posso explicar isso para você. Mas, por favor, acredite em mim, vou ficar porque eu quero. Audrey, você não entende? Audrey balançou a cabeça lentamente, com reflexos em chamas. — Eu não tenho muitos amigos de verdade — choramingou ela. — Não quero perder você. — Você vai mesmo assim — disse Jenny. — É mais fácil para todos desse jeito. E eu quero ficar. Juro que quero. Dee estava encarando-a com força. Agora, abruptamente, seu rosto sempre desafiador ficou está co. Parado. Totalmente sem expressão. — Tudo bem — disse ela. — Você só se importa consigo mesmo agora. — Ela assen u para Jenny, o rosto sombrio, os olhos encontrando os de Jenny diretamente. — Vá em frente, Gata. Boa sorte. Jenny assen u de volta. Se não fosse manifestamente impossível, teria dito que o brilho nos olhos de Dee eram lágrimas. Ela voltou-se para Julian, que pegou o anel. — Uma cerimônia simples — Ele disse novamente. — Me dê sua mão.

Um abajur de vidro colorido lançava luz azul e roxa sobre ele. — Ah, não — disse Audrey, como se involuntariamente. Jenny não se mexeu. — No sécuo XVII, costumava-se dar anéis com poesia como símbolo entre amantes — explicou Julian, segurando o anel de ouro. — Com algo escrito por dentro. Significa que você recusa todo o mundo, exceto aquele que o entrega. As palavras tocam sua pele e prendem você com o poder delas. Jenny sorriu para ele. Tom se levantou devagar, suas correntes raspando as laterais do relógio com um som como rolamentos de esferas rolando na madeira. Julian ignorou tudo, menos Jenny. — Agora você repete comigo. Mas lembre-se: a promessa é irrevogável — Com uma formalidade leve e grave, ele disse, como se recitasse: — "Este anel, o símbolo do meu juramento, vai me segurar nas palavras que falo: À tudo me recuso e a Ti escolho." Jenny repe u as palavras e sen u a o anel frio deslizar sobre o dedo. Então olhou para ele. Brilhava com uma luz rica e quente, como se sempre es vesse lá. — Agora, se selarmos a promessa com um beijo, a tornará irrevogável — Julian novamente olhava para ela. Como se lhe desse uma úl ma chance de desis r. A argola queimava no dedo de Jenny como fogo frio. Jenny levantou o rosto. Não teve que ir muito na ponta dos pés para beijálo. Foi um beijo suave, mas não rápido. Julian foi quem separou as bocas primeiro. — Jurada à mim. Agora e sempre. — ele sussurrou. A violência veio de um quarto inesperado. — Não — rugiu Zachary, avançando como se fosse atacar Julian.

Julian nem se deu ao trabalho de olhá-lo. Zach bateu em uma parede invisível e caiu de volta em Dee. Jenny virou-se para olhá-los. Audrey e Zach, e Dee e Michael. Seus amigos. — Eu sabia que vocês não gostariam disso... — Ela começou, mas Zach a interrompeu. Ele estava de pé novamente, olhos cinzentos brilhando de uma maneira que Jenny nunca nha visto, rosto mais intenso do que nunca. — Como você pôde? — ele explodiu. Parecia tão zangado em nome de Tom que era como se ele es vesse sendo traído. — Como pôde? Deixe-a em paz! — Jenny podia ver a opinião em seus olhos escuros de spaniel; Mike pensou que ela estava tentando melhorar uma situação muito ruim. Não a culpava por isso. — O que quer que ela faça? — Não ceda, Jenny. — Zach balançou a cabeça em desprezo. — Não ceda à isso. Tom estava assis ndo tudo com os olhos vazios. Jenny mal conseguia olhálo, mas olhou. — Sinto muito, Tommy — Ela viu o rosto dele se torcer um pouco e, por um momento terrível, pensou que ele iria chorar. Então ele deu de ombros. — Era o que nha que acontecer. Era o obje vo do Jogo, não é?! — Ele olhava para Julian. Julian deu um sorriso estranho e Jenny percebeu que eles estavam conversando sobre algo que ela não entendeu. — Também cumpro minhas promessas. Todas elas. Jenny tocou seu ombro. Seu rosto mudou quando ele virou para ela, como se es vesse esquecendo todos os outros na sala. — A cerimônia está pronta. Basta prometermos. — Eu sei. — Jenny soltou um suspiro profundo.

O anel pesava um pouco em seu dedo, mas ela se sen u muito leve, muito livre. Falou calma e casualmente, como se es vesse organizando um piquenique ou um projeto de redecoração. Algo que precisava ser feito rápido, mas certo. — Deixe os outros irem agora, Julian. Gostaria que deixasse Tom ir também, mas se não, você não pode deixá-lo mais confortável? Acho que em alguns dias perceberá que não precisa de um refém para me manter. Ele estava olhando o rosto dela, como se es vesse tomado pela dúvida pela primeira vez. — Jenny, você realmente quer ficar aqui? Vai ser estranho para você. — Esse é o eufemismo do século. — Ela sustentou o olhou para ele e falou livremente. — Só espero por Deus que tenha uma visão diferente na janela da sala. Mas sim, quero ficar. Nunca percebi o quanto havia mais na vida do que o que estava recebendo. Agora que já vi isso, não posso voltar. Não sou a mesma pessoa que eu era antes. Ele sorriu. — Não. Em menos de doze horas, você mudou. Você se tornou... — O quê? — Jenny levantou as sobrancelhas. — Eu vou te contar mais tarde. Vou gostar de contar, demorando muito tempo para fazer isso. — Ele virou. — Vocês todos podem ir. — Jenny ouviu as correntes de Tom chacoalharem e baterem no chão. Pelo canto do olho, o viu levantar as mãos, livres. — Fora! — Julian disse com um estalar de dedos. Por um instante, Jenny pensou que ele falava sério com Dee e os outros, mas então o lobo fantasma, que es vera arrepiado, abaixou a cabeça e se afastou. Diretamente através da parede, aparentemente. A cobra luminosa deslizou e se arrastou pelo chão. Algum compar mento na mente de Jenny notou com admiração quanto tempo demorou, quanto tempo havia para se arrastar.

A porta da casa estava aberta, desprotegida. Desse ângulo, ela podia ver a runa Uruz nela, o U inver do queimando vermelho-fogo com poder. Pela porta e pela pequena janela, podia ver a meia-noite azul. Ela olhou para o relógio, que ainda estava correndo. 05:50 O amanhecer estava chegando rápido. — Vão — disse Julian, como se es vesse ansioso para se livrar deles. — Não sem Jenny — rebateu Dee. Michael ficou surpreso, Jenny percebeu. Ele olhou para Dee, abriu a boca. A boca de Zach estava curvada com raiva. Audrey estava balançando a cabeça em dúvida. Tom ficou de pé. Jenny desviou o olhar. A voz de Julian estava impaciente. — Vão, fiquem, façam o que quiser — deu de ombros. — Os deixarei discu r isso. Mas, lembrem-se, essa porta se fecha ao amanhecer. Seis e onze, em ponto. Se ainda es verem aqui dentro, estarão para sempre. E talvez eu não esteja com disposição para companhia. — Ele se virou para Jenny. — Este lugar está cheio. — Concordo. Há um sofá no andar de baixo. Podemos sentar lá e nos familiarizar. Eles foram. O sofá no porão do avô de Jenny era gasto e irregular, mas largo e macio. Afundou sob o peso deles. Jenny achou estranho estar sentado ao lado de Julian assim, sem animosidade, sem necessidade de se afastar. Sem batalhas para lutar. Era um lugar muito par cular. Ela sabia que os outros não iriam abrir a porta da escada e descer, ou mesmo olhar antes de deixarem a Casa das Sombras. O aviso de Julian sobre não querer companhia era suficiente. Todos sabiam o que ele poderia fazer.

Ela olhou para ele e o encontrou olhando-a. Tão perto. Seus olhos da cor de uma manhã de maio. Muito profundos, mas muito gen s. Ela podia sen r a fome dele. E podia sen r-se tremendo um pouco. Seus nervos tremiam de excitação e medo. Mas ele nem sequer a tocou, a princípio. Apenas a olhou, com uma expressão que ela nunca nha visto em seu rosto antes. Um olhar de admiração. A ternura que ela viu quando ele estava se passando por Zach. — Você está com medo? — Um pouco. — Ela estava tentando não demonstrar. Disse levemente: — Então você é o Homem das Sombras mais jovem. — E o melhor. — Eu acredito nisso — Jenny disse sinceramente. Ele a tocou, então, dedos leves em seus cabelos. Jenny sen u a pequena quietude interior, a mudança na percepção que vem antes da resposta. Fechou os olhos e disse a si mesma para não pensar, não sen r nada, exceto o toque de pena. Ficou surpresa quando parou. Abriu os olhos e ficou ainda mais surpresa com a raiva no rosto dele. Por um instante, Jenny ficou realmente assustada e a realidade do que estava fazendo voltou para ela. Então viu que Julian não estava bravo com ela, mas por ela. — Você é tão inocente — disse ele. — Aquele seu namorado, aquele... Tommy, mimado, arrogante; ele nunca pensou em você, pensou? Apenas em si mesmo. E estragou tudo. Eu gostaria de matá-lo. Não era para isso que Jenny queria pensar. Começou a dizer isso, mas Julian con nuava, com os olhos cheios de luz azul selvagem. — E seu primo também. Ele realmente pensa em você, sabia? Tirei aquele momento dele mesmo.

Sabendo que era completamente inapropriado, Jenny caiu na gargalhada um pouco histérica, mas genuína. — Você... está com ciúmes de Zach? — disse, quando conseguiu respirar. — Zach não gosta de pessoas, apenas lentes e essas coisas. O olhar sombrio desapareceu de seu rosto. — Não importa. Ele não será capaz de chegar até você aqui, de qualquer maneira. Ninguém nunca será; vou mantê-la segura... Jenny o alcançou e pressionou levemente os lábios nos dele. Ele se esqueceu de conversar e a beijou de volta — um beijo tão suave, seus lábios quentes mal roçando os dela. Mas os beijos suaves se transformaram em lentos e trêmulos e depois em quentes. Ela ainda estava com medo, mesmo quando se agarrava a ele — era verdade que o medo nha que fazer parte da paixão? Em todo lugar que ele tocava, Jenny sen a fogo e gelo. No andar de cima, o relógio marcou seis horas. Ela se afastou de Julian, com relutância. — Preciso respirar. — Ela suspirou e se sacudiu um pouco, depois se levantou. — As coisas estão acontecendo muito rápido. Ele sorriu enquanto ela andava, recuperando o fôlego, sen ndo as bochechas coradas esfriarem. Ela não podia olhá-lo agora; precisava recuperar a compostura. Mal vendo, ela tocou o bracelete de cobalto na prateleira. — Por que você me deixou passar pelo meu pesadelo? — ques onou abruptamente. — Razões sen mentais? Ele riu. — De modo nenhum. Joguei o Jogo de maneira justa. Não minto, mesmo que às vezes oculte informações. Seu pesadelo foi lembrar o que aconteceu naquele dia. Você não podia vê-la, mas a porta apareceu assim que você se lembrou de abrir o armário.

— Ah, o armário. — Jenny disse suavemente. Então acrescentou: — O que ele queria de você? Meu avô? — O que todo mundo quer. Poder, conhecimento; o caminho mais fácil. Tirar vantagem. — E runas realmente funcionam — Jenny balançou a cabeça levemente, maravilhada. — Muitas coisas funcionam. Muitas outras não. As pessoas não sabem dizer quais são quais até que as experimentem, e geralmente ficam surpresas. Jenny foi até o armário, olhou para dentro. Ele o seguiu, de pé ao lado dela. — Sinto muito — Jenny disse calmamente, sem olhá-lo. — Sinto muito por ele ter feito isso. Ele não era um homem mau. — Então se virou. — Mal posso acreditar que ele o manteve aqui. — Pode acreditar. — Julian disse sombriamente. Jenny balançou a cabeça. — Eu sempre o amarei. Mas ele estava errado ao fazer isso. — Ela entrou no armário. — Não é tão pequeno quanto parece. — É pequeno o suficiente. — Julian entrou também e olhou em volta. — Este lugar me traz péssimas lembranças. — Mas acho que podemos fazer uma melhor. — Ela sorriu para ele, encostada em uma parede. Ele se virou e sorriu para ela. No espaço confinado, estavam muito próximos. Jenny ficou midamente, uma perna cruzada atrás da outra. Ele inclinou a cabeça novamente, a boca quente e exigente. Jenny se entregou e o beijo se abriu como uma flor que floresce lentamente. Tornou-se tão ofegante e urgente que ela não conseguiu quebrá-lo, mesmo sabendo que precisava. Ficou pensando, só mais um minuto, só mais um minuto...

— É bastante desconfortável aqui. — Você acha? — Ela sorriu para ele, a respiração diminuindo. — Defini vamente. — Bem, então, suponho que poderíamos... Agora, ela pensou e no meio da frase, se moveu. Estava de pé na posição cruzada, a postura de kung fu que Dee havia lhe ensinado. Boa para movimento lateral instantâneo. Agora, em uma fração de segundo, usou o poder da perna esquerda para jogá-la para a direita, saltando para fora do armário. No mesmo movimento, bateu a porta. — Nauthiz! — Jenny gritou e cortou o X no ar. Enquanto gritava, a runa brilhou intensamente na porta do armário. Não vermelho como fogo, mas branco-azulado como gelo. Ela não sabia se estava fazendo certo, mas era o que seu avô havia feito — ou tentado fazer. Feche a porta, trace a runa, diga o nome. Ela pronunciou como o avô havia pronunciado. E Julian não veio pulando atrás dela. A porta do armário ficou fechada. O silêncio foi ensurdecedor. Jenny se virou e correu para a escada. Ele men u, Jenny pensou, subindo as escadas. Mudou as regras e men u. Às vezes você não se pode devolver o bem pelo mal; às vezes o mal simplesmente precisa ser parado. Ela sabia tudo isso, é claro; estava em sua mente desde o começo, desde o momento em que se ofereceu para ficar com Julian. Não precisava explicar isso para si mesma. Estava dizendo isso para as vozes sussurrantes e lamentosas em sua própria cabeça que estavam implorando-a para voltar. O amanhecer ma zou a janela da torre de rosa quando ela entrou no quarto. A porta era um retângulo de pura rosa pálida com algumas nuvens brancas rendadas. A vista era apenas ligeiramente obscurecida pelas cinco pessoas que estavam ao seu redor.

Cinco. Todos eles. Dee, ela esperava — ela reconheceu Dee. Com Tom, estava preocupada; queria que ele entendesse, mas queria ainda mais que ele fosse embora. Esperava que Zach es vesse bravo o suficiente para ir, e que Audrey fosse sensível o suficiente. Michael, ela assumiu, estaria correndo num piscar. — Vamos! — ela gritou enquanto corria para eles. Não pôde deixar de olhar para o relógio do avô, que mostrava um ponteiro de minutos rolado inclinando-se além das dez. — Vão! O rosto de Tom se iluminou bem, com uma expressão que fez Jenny pular os úl mos cinco degraus. — Con nuem! — Ele gritou para os outros, alcançando Jenny. Mas não era uma proposta tão fácil quanto parecia. Não havia nada do lado de fora da porta. Sem gelo, sem sala de estar. Nada além do amanhecer. Sair exigia coragem. — Ah, que se dane! — Michael, de mãos dadas com Audrey, deu o primeiro passo. Dee lançou seu sorriso bárbaro por cima do ombro e pulou como um paraquedista. Zach foi quem recusou. Jenny não podia acreditar. — Onde ele está? — exigiu saber. — No armário. Agora, vamos! O rosto de Zach ainda estava escuro. — Pensei que você disse que isso... Tom o interrompeu com um empurrão e Zach caiu para a frente, esparramado, girando, braços e pernas estendidos. Não parecia diver do. Estavam confiando no des no. Não, em Julian, uma proposta muito mais perigosa. Confiando que quando dissera que os amigos de Jenny poderiam par r, quis dizer vivos.

E confiando no avô Evenson, Jenny pensou, que a runa de contenção o prendesse. Tom estendeu a mão para segurar a mão dela. O céu estava em chamas de rosa e ouro. Eles se entreolharam e saíram dessa maneira juntos. Estavam caindo quando o sol apareceu. Naquele instante, o céu inteiro ao seu redor ficou com uma cor que Jenny nha visto apenas uma vez antes. Um inacreditável azul luminoso, da cor dos olhos de Julian. Não importa quantas vezes você desmaie, nunca se acostuma. Jenny voltou a si mesma devagar. Estava deitada, sabia disso primeiro. Deitado em algo reto e muito duro. O piso es lo mexicano de sua sala de estar. Ela sentou-se rápido demais e quase desmaiou de novo. A primeira coisa que viu foi o jogo. Estava no meio da sólida mesa de café de pinho da mãe. A tampa da caixa branca estava no chão ao lado da mesa. A runa Uruz estava borrada como ferrugem. A casa de papel vitoriana em si era alta e perfeita, com suas cores impressas ricamente brilhando na luz rosada do leste. A única diferença que Jenny podia ver era que os pedaços de papel em que haviam desenhado seus pesadelos haviam desaparecido — assim como os bonecos de papel que haviam desenhado. Tudo parecia tão inocente, tão saudável, com o pote Tupperware de giz de cera de Joey ao lado. — Talvez tenha sido tudo um sonho — a voz de Michael estava rouca. Ele olhava do outro lado da mesa, com Audrey, que estava se endireitando. Seu cabelo castanho-avermelhado estava soprado pelo vento em uma juba de leão. Isso a fez parecer bem diferente, completamente livre. — Não foi um sonho — Dee nha uma quietude incomum, desenrolando suas longas pernas e ficando de pé. — Summer se foi.

Zach se levantou e sentou em um banquinho de couro. Não disse nada, mas esfregou a testa como se sua cabeça doesse. Jenny olhou para Tom. Ele estava sentado muito lentamente, usando a mesa como ajuda. Jenny colocou a mão embaixo do braço e ele a olhou com um "obrigado". Ele mudou. Talvez até mais do que Audrey. Parecia desgastado e dolorido, e perdeu o ar de estar sempre no controle. Havia uma nova expressão em seus olhos, uma tristeza quase agradecida ao mesmo tempo. Jenny não sabia a palavra para isso. Talvez algo como humildade. — Tommy — disse, preocupada. O sorriso malicioso estava con do. Maltratado como sua aparência diabólica. — Pensei que talvez você realmente ficaria com ele. Para me salvar... e porque o queria. E o problema era que eu não teria culpado você. Meio que percebi isso quando ele lhe deu o anel. Jenny, que estava prestes a protestar, olhou para a própria mão. Qualquer dúvida persistente sobre a noite passada ser real foi derrubada. Estava lá, brilhando em seu dedo. — Pensei mesmo que você queria ficar com ele — disse Audrey. — Você me convenceu de que sinceramente queria... e foi tudo um truque? — Foi verdade. Eu estava fazendo isso por vontade própria e queria ficar tempo suficiente para garan r que Tom e vocês saíssem. — Eu sabia — Dee sorriu. — Somos igualmente espertas — Jenny sorriu de volta para ela. — E eu sempre pensei que você era uma coisinha tão doce — Michael parecia meditar. — Tão simples, tão honesta...

— Eu sou, quando as pessoas me tratam de maneira justa. Quando não matam meus amigos. Quando não desrespeitam suas promessas. Imaginei que ele criava as regras desse Jogo, e enganá-lo também seria legal. Então fiz isso. — E você nunca sen u nada por ele? Foi tudo fingimento? — Audrey persis u. — Apenas me chame de Sarah Bernhardt — disse Jenny, citando uma famosa atriz francesa. Esperava que Audrey não notasse que não havia respondido à pergunta. — Quem se importa?! — Michael deu de ombros. — Estamos em casa. Conseguimos. — Olhou em volta para a luz do sol que entrava pela porta de vidro deslizante, no quintal comum dos Thornton do lado de fora, nas paredes em tons pastel da sala de estar. — Eu amo cada uma dessas plantas. Eu poderia beijar os azulejos em que estamos sentados. — Ah, se for preciso — disse Audrey, sem se preocupar em mexer no cabelo. Ela se inclinou para frente e Michael também. Dee, no entanto, ainda estava olhando para Jenny, seus olhos escuros e sérios. — E a promessa? O anel? Você deveria estar prome da à ele agora. — O que tem isso? — Jenny disse calmamente. — Vou jogar o anel fora. Com o resto desse lixo. Em um único movimento que levantou a cabeça de Zach, ela esmagou a casa de papel, com força. A colocou na caixa branca, como se enchesse uma mala cheia de roupas, empurrando-a onde não caberia. Pegou as cartas do jogo e as enfiou também. Então rou o anel. Foi fácil, não grudava no dedo nem nada. Jenny deixou-o cair em cima de tudo. Então pegou os bonecos de papel de o Espreitador e da Rastejadora, mas quando pegou o terceiro boneco, parou.

Era o garoto de olhos azuis chocantes. Pareciam estar olhando para ela, mas Jenny sabia que não estavam. Era apenas um recorte de papel e o original estava trancado sob uma runa de restrição que duraria, ela esperava, para sempre. Mas não nha largado o boneco do Homem das Sombras ainda. Foi o seu Jogo. Você nos caçou. Você me disse para me tornar um caçador. Você nunca esperava terminar preso. Como seria este mundo sem um Julian? Mais seguro, certamente. Mais calmo. Mas mais pobre também, de certa forma. Ela havia derrotado o Homem das Sombras, mas era estranhamente di cil levá-lo ao esquecimento. Jenny sen u uma pontada estranhamente de arrependimento, de algo perdido para sempre. Colocou o boneco na caixa e fechou com a tampa. Havia um rolo de fita adesiva nos giz de cera de Joey. Jenny enrolou em volta da caixa branca, fechando-a. Os outros assis ram em silêncio. Quando finalmente ficou sem fita adesiva, colocou a caixa na mesa e sentou-se sobre os calcanhares. Um sorriso começou em algum lugar do grupo e viajou de uma pessoa para outra. Não era um po de sorriso de festa, apenas um de alívio e alegria silenciosos. Haviam conseguido. Venceram. Estavam vivos — ao menos a maioria. — O que vamos dizer sobre Summer? — Tom perguntou. — A verdade. — Jenny respondeu. — Ninguém nunca vai acreditar em nós! — As sobrancelhas de Audrey se arquearam. — Eu sei — Jenny assen u. — Mas vamos contar à eles de qualquer forma. — Vai dar tudo certo — assegurou Dee. — Depois de tudo o que passamos, podemos lidar com isso. Contanto que estejamos todos juntos."

— Estamos — confirmou Jenny e Tom assen u. Nos outros tempos — na noite passada — seria o contrário. Audrey e Michael, que não conseguiam se separar um do outro, também assen ram. O mesmo aconteceu com Zach, que pela primeira vez estava prestando atenção no resto deles, em vez de estar em seu mundinho. Acho que isso realmente o ajudou, Jenny pensou de repente. Saber que o avô deles estava apenas chamando demônios e não era louco, de verdade. — Podemos ligar para a polícia da cozinha. — Ela disse em voz alta.

CAPÍTULO 16 Foi Dee quem fez a ligação, porque Audrey e Michael estavam olhando pela janela da cozinha juntos, e Zach não era do po que falava. Jenny e Tom se afastaram um pouco dos outros. — Eu queria te mostrar isso — disse Tom. Era um pedaço de papel esfarrapado. Tinha várias coisas desenhadas e depois riscadas — Jenny pensou que se tratava de um rato. Uma única coisa não estava riscada estava no meio, mas Jenny não sabia dizer o que era. — Sou um péssimo desenhista, mas pensei que você pudesse perceber os cabelos amarelos e olhos verdes. — Eu sou o seu pior pesadelo? — Jenny apenas brincou, porque estava completamente confusa. — Não. Foi di cil desenhar, mas foi o que eu quis dizer quando disse à Julian que achava que nha que acontecer. O sen do do Jogo era o nosso pior pesadelo, e esse era meu. Perder você. Jenny só conseguiu olhá-lo. — Não sou bom em dizer isso. Talvez não seja nem em mostrar, mas... eu te amo. Tanto quanto ele. Mais, até. Jenny só conseguia pensar nos arbustos de hibisco. O pequeno Tommy na segunda série. O garoto com quem ela decidiu que se casaria quando o viu pela primeira vez. Algo a puxava internamente, mas ela sabia que nha que guardar isso — mesmo a lembrança disso — para sempre. Nunca pense nisso novamente. E nunca deixe Tom saber. Nunca.

— Eu também te amo — ela sussurrou. — Ah, Tom, tanto. Foi nesse momento que ouviram o vidro quebrar. Dee não correu por estar ao telefone. Tom, por proteger Jenny ins n vamente. Os outros estavam simplesmente congelados. Ainda assim, levaram apenas alguns segundos para voltarem para a sala, bem a tempo de ver duas figuras saindo pela porta de vidro deslizante quebrada com uma velocidade realmente surpreendente. A caixa branca não estava mais na mesa de café. Tom e Dee, é claro, correram para o quintal. Mas mesmo Jenny, parada junto à porta quebrada, podia ver que não teriam chance. As duas figuras pularam por cima do muro e se foram antes que eles se aproximassem. Depois de escalar a parede do bloco e olhar em volta, Tom e Dee voltaram lentamente. — Eles simplesmente desapareceram. — A voz de Dee estava enojada. — Pareciam até voar. — Tom ofegou. — Vocês não estão na melhor forma, depois de tudo — disse Jenny. — Não importa. Eu não queria mesmo entregar o jogo à polícia. Provavelmente não funcionará para mais ninguém. — Mas quem eram eles? Homens das Sombras? — Michael perguntou. — Homens das Sombras de tênis — Dee apontou para uma pegada lamacenta nos ladrilhos. — Mas por que eles queriam... Jenny o silenciou. Estava olhando para o vidro quebrado e tentando não pensar. Mesmo de costas, aqueles dois caras pareciam familiares. Mas certamente o que ela disse era verdade. O Jogo nha sido feito para ela; não deveria funcionar com mais ninguém. Além disso, estava rasgado agora, arruinado.

E mesmo que funcionasse para outra pessoa, quais eram as chances de eles chegarem ao terceiro andar, no porão de seu avô? E mesmo que chegassem lá, quais eram as chances de abrirem uma porta branca do armário? — Que façam bom proveito — disse Tom. À luz da manhã, seus cabelos escuros brilhavam, e as manchas verdes em seus olhos pareciam douradas. — Tudo o que me interessa está aqui — Ele sorriu para Jenny. — Chega de pesadelos — ele estendeu os braços para os amigos. Jenny entrou no círculo. Em um terreno baldio, dois meninos estavam ofegantes, — Acho que nós os despistamos — disse o de bandana preta e camiseta. — Eles nem estavam tentando — disse o da camisa xadrez preta e azul. Se entreolharam em uma mistura de triunfo e medo. Não sabiam o que era a caixa, apesar de passarem a noite observando a casa da lourinha. Apenas após o amanhecer que veram coragem de invadir — e então a caixa branca estava lá em cima da mesa, esperando por eles. Sabiam apenas que, desde que a viram, foram obrigados a segui-la, temendo e desejando-a na mesma intensidade. Ela dominara seus pensamentos, enviando-os atrás da garota, mantendo-os acordados à noite toda. E agora eles a nham, finalmente. Um deles sacudiu uma faca e cortou a fita. FIM DO LIVRO 1

A AUTORA:

L .J. Smith tem inúmeros livros para jovens publicados, muitos deles frequentaram a lista de mais vendidos do New York Times e foram inspirados em seus próprios pesadelos. Seu primeiro romance, The night of the sois ce, foi lançado no ano em que ela se formou na faculdade. É autora das séries "Diários do Vampiro" - que deu origem à série de televisão Vampire Diaries -, "O Círculo Secreto" e "Mundo das Sombras". Atualmente, vive na Califórnia com seu cachorro, Victor, três gatos e aproximadamente dez mil livros. Para mais no cias sobre a trilogia e a futura série de TV, siga-nos no Twi er: www.twi er.com/ForbiddenGameBR

** NOTAS: 1. revista de moda americana

2. Exploração recrea va de sistemas de cavernas, mas também pode servir como estudo cien fico de cavernas e seus ambientes. 3. The Po y Monster, no original. Uma fábula americana contada à crianças para ajudá-las a superar o medo de usar vasos sanitários sozinhas.
1 - O Caçador

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